Uma Fonte, Dois Rios Weber, Simmel e o Neokantismo de Baden

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Coordenadoria de Biblioteca Central – UFMS, Campo Grande, MS, Brasil)

Composição: revista de ciências sociais / Universidade Federal de Mato Grosso


do Sul. – a. 9, n. 17 (Julho – Dezembro de 2015) - Campo Grande, MS : A
Universidade, 2015. .

Semestral

Revista eletrônica: http://www.revistacomposicao.ufms.br/index.php

ISSN 1983-3784

1. Ciências Sociais - Periódicos. 2. Ciências Humanas – Periódicos. I.


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

CDD (22) 300.5


UMA FONTE, DOIS RIOS: WEBER, SIMMEL, E O
NEOKANTISMO DE BADEN

One source, two rivers: Weber, Simmel, and Baden’s Neo-kantianism

Lucas Trindade da Silva1

Recebido em 17/06/2015; aceito em 10/01/2016

Resumo: O interesse do presente ensaio é analisar a influência da tradição neokantiana de Baden


(principalmente Heinrich Rickert) no pensamento de Weber e Simmel em dois aspectos intimamente
relacionados – a possibilidade de fundamentação das ciências da cultura diante do reconhecimento de sua
referência a valores, e do postulado fenomenológico da irracionalidade do real. Diante desta base
compartilhada procuro indicar as diferenças metodológicas entre os dois autores.

Palavras-chave: Rickert, Weber, Simmel

Abstract: The interest of this essay is to analyze the influence of the neo-Kantian tradition of Baden (mainly
Heinrich Rickert) on the thought of Weber and Simmel in two closely related aspects - the possibility of
grounding cultural sciences on the recognition of their value reference, and the phenomenological postulate
of the irrationality of real. Given this shared base, I seek to indicate the methodological differences between
the two authors.

Key-words: Rickert, Weber, Simmel

Introdução

A relação entre os primeiros textos metodológicos de Max Weber e a taxonomia

formal das ciências de Heinrich Rickert já foi amplamente explorada (Benton, 1977;

Burger, 1976; Cohn, 2003; Oakes, 1988). Alguns comentadores chegam a afirmar ser

necessária a leitura do trabalho de Rickert com o fim de esclarecer passagens difíceis e

conceitos pouco desenvolvidos nos textos do Weber metodólogo (Burger, 1976; Oakes,

1
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília (PPGSOL-UnB).
Bolsista da CAPES. Campus Universitário Darcy Ribeiro, Instituto de Ciências Sociais, Asa Norte,
Brasília-DF. CEP: 70910-900. Telefone: +55 (61) 3107-1508. lucastrindadedasilva@yahoo.com.br

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1988). Ninguém melhor do que o próprio Weber para explicitar essa estreita relação

quando afirma em notas do seu Roscher e Knies e os Poblemas Lógicos de Economia

Política Histórica encontrarmos em Rickert “a formulação lógica e exata” da

problemática da divisão “entre as ciências das leis e as ciências do real” (WEBER, 1993,

3) buscando no esforço crítico de abordagem das obras de Roscher e Knies “experimentar

a possibilidade da aplicação dos procedimentos metodológicos daquele autor [Rickert] à

economia política” (Ibidem, 5). Na primeira nota d’A ‘Objetividade’ do Conhecimento

na Ciência Social e na Ciência Política Weber logo manifesta a tradição de pensamento

a qual está vinculado: “Quem conhece os trabalhos dos lógicos modernos – serão

mencionados aqui apenas os nomes de Windelband, Simmel, e, com ênfase para os nossos

fins, Heinrich Rickert – logo perceberá que, na sua essência, são estas as linhas de

pensamento presentes em nosso raciocínio” (Ibidem, 107).

As relações teórico-metodológicas entre Heinrich Rickert e Georg Simmel, por sua vez,

não são tão evidentes. Por um lado, isto se dá, em grande medida, pelo estilo ensaístico

simmeliano que em favor da fluidez da escrita, e também pela “liberdade” proporcionada

pela sua condição de “marginal” acadêmico, se desprende da apresentação constante das

referências e afinidades teóricas implícitas no texto. Por outro lado, a relação entre os dois

autores é mais de influência mútua que unilateral. Como assinala Oakes (1988, 72) a

própria distinção entre ciência da realidade (Wirklichkeitswissenschaft) e ciência dos

conceitos (Begriffswissenschaft) tem sua origem no texto escrito por Simmel em 1882,

Die Probleme der Geschichtsphilosophie (Os Problemas da Filosofia da História).

Para além do grau e do caráter explícito ou implícito das afinidades entre os

autores, o trabalho de Heinrich Rickert de diferenciação entre ciências naturais e ciências

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da cultura segundo um ponto de vista lógico, no âmbito das diferenças de formação

conceitual, sintetiza um conjunto de questões que inquietavam o círculo neokantiano de

Baden, “horizonte cognitivo” no qual se inserem os trabalhos de Georg Simmel e Max

Weber. Temos assim, em Rickert, um ponto de referência comum capaz de diminuir a

arbitrariedade das relações de semelhança e dessemelhança que serão estabelecidas entre

os dois autores aqui trabalhados.

I. O neokantismo e a fundamentação lógica das ciências da cultura

E qual era a maior das inquietações do círculo neokantiano de Baden?

Fundamentar a legitimidade das ciências históricas em oposição à conversão tanto das

ciências naturais como das ciências históricas em visão de mundo, em naturalismo e

historicismo respectivamente.

A escola de Baden, nas figuras de Windelband (idiografia x nomotética), Lask

(hiatus irrationalis) e Rickert (concepção generalizadora x concepção individualizadora,

ciência dos conceitos x ciência da realidade) (Oakes, 1986), se particulariza por

representar a passagem de uma taxonomia substantiva, ontológica (fundada nas

diferenças do material, do objeto das ciências) para uma taxonomia formal (fundada nas

diferenças na forma de selecionar a realidade).

Para Rickert, a diferenciação entre as ciências sob um ponto de vista substantivo

– espírito x natureza; psíquico x físico; anímico x corporal; “objetos inacessíveis à

percepção sensorial” x objetos acessíveis à percepção sensorial (Rickert, 1971) – nada

teria a dizer sobre a diferença no método das ciências, os defensores do “método único”

mantêm-se intocados. Partindo da diferenciação do material a questão sobre o conceito

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de espírito que mais seria adequado para particularizar a ciência histórica continua sem

resposta.

Não se trata em Rickert de deslegitimar a questão referente ao objeto das

ciências, mas de separar analiticamente os problemas – 1) ontológicos e 2)

(epistemo)lógicos – e propor a retomada das questões substantivas após uma investigação

sistemática dos problemas formais:

As considerações mais díspares nos conduzem à mesma reflexão: uma lógica


da história que queira alcançar sua meta com segurança e pelo caminho mais
curto, deverá antes de tudo, prescindir pelo momento de todas as diferenças de
conteúdo das ciências individuais, e em particular, de conceitos tão multívocos
como natureza e espírito. Só então poderá compreender logicamente e a fundo
as diferenças metodológicas formais e depois de haver esclarecido as mesmas,
poderá tentar a volta às diferenças na matéria, para compreender o que pode
significar metodicamente que a história se diferencia das ciências naturais por
serem seus objetos de tipo ‘espiritual’ (Ibidem, 41-2, tradução livre).

A ênfase na necessidade de uma investigação metodológica, ou seja, das formas

conceituais em si mesmas – independente dos conteúdos materiais – das diferentes

ciências não é uma mera proposta arbitrária, fundamenta-se na “teoria analítica” do

conhecimento fundada em Kant. Para Rickert, “a cognição não pode consistir... em uma

reprodução ou em uma imagem da realidade, pois o sujeito efetua sempre uma

transformação dos objetos ao conhecê-los” (Ibidem, 42). A ideia de irracionalidade do

real define a manifestação da realidade enquanto fenômeno cognitivo, não pretende

atribuir uma característica intrínseca ou essencial à realidade, atribuição que não faria

sentido no interior da tradição neokantiana de Baden, já que nunca é da realidade em si

mesma que tratam os conceitos, concepção oposta ao que Lask denomina “teoria

emanatista” fundada em Hegel, onde o conceito corresponde à realidade (Oakes, 1986).

O propósito de Rickert é melhor entendido quando o próprio explicita a sua posição

referente às teorias kantiana e hegeliana do conhecimento: em relação ao esforço

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sistêmico hegeliano, Rickert propõe um esforço analítico epistemológico antes de buscar

uma síntese, para ele “o espírito filosófico subestimou o poder do universo”, “há uma

razão particular para ser cauteloso em filosofia e gastar um bom tempo na análise antes

de proceder uma síntese” (Rickert, 1986, 20, tradução livre).

O hiatus irrationalis que separa o conceito da realidade esvazia aquele de

qualquer conteúdo real. Todo conceito sofre de uma “pobreza substantiva” de um “vazio

ontológico” (Ibidem) diante da “multiplicidade absolutamente inalcançável, impossível

de ser representada em sua totalidade” (Rickert, 1971, p. 42) da realidade.

Antes de qualquer diferença, portanto, todo conhecimento, inclusive o

conhecimento científico, é uma “simplificação”, uma “seleção” da realidade. A seleção

pode se dar segundo uma “concepção generalizadora” do real que estabelece relações de

“igualdade” e “repetição” ao se apropriar do mundo circundante, na qual as coisas são

chamadas pelos seus “nomes específicos”, sendo cada individualidade um mero exemplar

de uma identidade. Ou por uma “concepção individualizadora” do real: o interesse se

volta para aquilo que é único, cada coisa tem um “nome próprio”, a individualidade em

si mesma é o que importa para este conhecimento. É entre estes “extremos lógicos” que

repousa, efetivamente, o “ponto de partida” para compreender as diferenças entre as

ciências e os seus métodos (Ibidem, 44-6).

Para Rickert, no entanto, é típico do conhecimento pré-científico um interesse

exclusivo pelo isolamento e separação dos objetos circundantes. Para a ciência, por sua

vez, “tudo tem de ser compreendido em uma conexão, tanto pela história como pelas

ciências generalizadoras”. Nestas, está claro que as conexões se dão sob a forma de leis,

“mas em que consiste a conexão histórica?” (Ibidem, 55).

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Toda ciência trabalha, portanto, com generalizações e conceitos gerais. Tais

generalizações, ou conexões, na ciência histórica procuram relacionar os objetos num

nível tanto “latitudinal”, num recorte temporal particular, como “longitudinal”, em seu

“desenvolvimento” passado-presente-futuro (Ibidem, 55). Porém, o uso de conceitos

gerais nas ciências históricas estará sempre subordinado ao interesse individualizador,

orientado para a compreensão de individualidades históricas – seja um Estado-nação, um

monarca, ou uma guerra.

O historiador não quer somente indicar a sucessão temporal de causa e efeito,


mas também obter uma clara noção sobre a necessidade com que esse efeito
individual, irrepetível, resulta dessa causa individual, irrepetível, e para ele é
inevitável um rodeio através de conceitos gerais de relações causais e
eventualmente leis causais (Ibidem, 59).

Assim, as ciências históricas seriam ciências da realidade por conceberem o

geral sempre como um meio para um fim – individualidades históricas concretas –,

enquanto as ciências naturais seriam ciências dos conceitos, pois quanto maior a

generalidade conceitual e sistêmica mais próxima se encontra dos seus fins últimos.

Repousa nesta diversidade na maneira de tratar com conceitos gerais a distinção entre

causalidade e legalidade, pois enquanto esta supõe a primeira, o estabelecimento de nexos

causais não implica necessariamente no estabelecimento de leis (caso das ciências

históricas).

Resta-nos tratar da relação entre ciência e valores no pensamento de Rickert.

Problema que já se encontra presente na distinção entre uma ‘concepção generalizadora’

e uma ‘concepção individualizadora’, simplificações que ‘valorizam’, de um lado, o

único, e do outro, o regular, aquilo que se repete. A ciência se constitui assim segundo

diferentes “princípios” (Ibidem, 64) de seleção daquilo que é essencial no seu material.

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Tais princípios não podem se reduzir à atribuição subjetiva do que é ou não importante

num objeto para cada cientista em particular, mas devem ser compartilhados, ou seja,

devem assumir “forma metodológica” (Ibidem, 40) para o conjunto dos investigadores

constituintes de uma comunidade científica individual.

O princípio de seleção das ciências naturais é evidente por si mesmo. Na medida

em que o seu fim último está relacionado com uma crescente subordinação dos conceitos

particulares a conceitos mais gerais até atingir uma estabilidade conceitual sistêmica,

“então devem poder considerar-se todos os objetos para os quais há de valer o sistema,

como se fossem igualmente valiosos ou carentes de valor” (Ibidem, 65). Aí já se encontra

“deslocado” um interesse subjetivo – “valoración” – pelo objeto em si mesmo em um

interesse objetivo – “avaloración” – pela “posição que o objeto adota dentro do sistema

de conceitos gerais” (Ibidem, 65). O essencial é o geral.

Temos do que foi exposto acima uma relação intrínseca entre uma

“contemplação generalizadora dos objetos” como “contemplação livre de valores”

assimétrica a uma “concepção individualizadora” como concepção conectada a valores

(Ibidem, 67).

Sendo a objetividade um “ideal lógico” de toda ciência a problematização

rickertiana pode ser resumida na seguinte pergunta: O que seria essencial cientificamente

fora da conceituação generalizadora? Ou melhor: O que seria historicamente essencial?

Distanciando-se da definição excessivamente geral de Eduard Meyer que afirmava ser

histórico tudo “aquilo que produz, ou produziu, efeitos”, Rickert define o histórico como

“aquilo que produz efeitos essenciais, e por isso torna-se essencial em si mesmo” (Ibidem,

68-9).

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Abre-se então a possibilidade de conciliar “conexão com valores” e objetividade

científica. Tal conciliação só é possível para Rickert se esta “referência a valores” se dê

“de forma puramente teórica”, independente de uma “tomada de posição prática”

(Ibidem, 69) e de qualquer valoração (no sentido subjetivo contrário à avaloração teórica).

É neste momento que se torna logicamente necessária uma teoria dos “valores gerais”,

objetivos, norteadores da atividade do historiador. A generalidade de tais valores –

“valores tais como são materializados nos exemplos... do Estado, da arte, da religião, etc.”

(Ibidem, 71) – é de um grau tão elevado que confere a eles o caráter de evidência, de

modo que mesmo sendo tarefa da filosofia da história a sua sistematização, pela ciência

histórica eles são “reconhecidos e aceitos” (Ibidem, 71).

Por outro lado, a própria especialização do trabalho filosófico e científico

condiciona a emergência de um valor objetivo e geral: o compromisso com a verdade é

tido por Rickert como valor fundamental da “vida teorética”: “o que passa por verdade

científica em qualquer momento dado é apenas o que uma comunidade dada de cientistas

afirma ser verdadeiro” (Oakes, 1988, 106, tradução livre).

A partir das considerações acima podemos então compreender a diferença

precisa estabelecida pela taxonomia formal das ciências de Heinrich Rickert na qual as

ciências naturais são definidas pela sua “subordinação generalizadora sob conceitos

específicos ou legais livres de valores” e as ciências da cultura ou históricas pela sua

“subordinação individualizadora sob conceitos axiológicos gerais” (Rickert, 1971,

72).

II. A ‘substância’ neokantiana em Weber e Simmel

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Tomando como referência A Objetividade do Conhecimento na Ciência Social

e na Ciência Política (1904), texto do mesmo período que a Introdução aos Problemas

da Filosofia da História (1905), no qual Rickert sintetiza as questões presentes em Os

Limites da Formação Conceitual nas Ciências Naturais (1896-1902), é possível perceber

imediatamente a identidade da problemática enfrentada por ambos.

Enquanto o ponto de partida do esforço rickertiano em estabelecer os limites

metodológicos entre as ciências está na conversão das ciências naturais em visão de

mundo, em forma única (monismo) de abordagem dos fenômenos tanto naturais como

históricos, Weber está preocupado, num nível menos geral, nas consequências do

naturalismo no âmbito da investigação social – principalmente a Economia Política

representada pela Associação para a Política Social nas figuras de Gustav von Schmoller,

Adolf Wagner e Georg Knapp (Cohn, 2003, 108). Ambos, Weber e Rickert, buscam

separar analiticamente “visão de mundo” e “conhecimento empírico”.

Para Weber, é exatamente a conversão das ciências naturais em visão de mundo,

ou em “cosmovisão” para usarmos a sua própria terminologia, que se apresenta na

apropriação da categoria de lei por parte da ciência social que, baseada no grau de

generalidade dos conceitos (ou leis) alcançados pela análise do “ser” social, vê-se no

direito de emitir juízos (supostamente objetivos) sobre o “dever ser” desta realidade. Em

outras palavras, a ciência [técnica] como cosmovisão monopolizaria tanto o diagnóstico

como o tratamento do objeto estudado (Weber, 1993).

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A fundamentação desta crítica repousa nos mesmos pressupostos sintetizados na

noção de irracionalidade do real 2 pela intermediação dos sistemas de valores na

“transformação” da realidade em pensamento. É pelo caráter seletivo segundo valores de

todo conhecimento, pela incapacidade deste, mesmo sendo cientificamente orientado, de

reproduzir a realidade, de tratar do ser em si mesmo, que se torna impossível justificar a

superioridade do conhecimento científico na elaboração de programas práticos de

intervenção no real.

A imersão de Weber no contexto intelectual neokantiano permite compreender

a menor importância dada por Weber nos seus primeiros escritos metodológicos (1903-

06) a uma clara definição do objeto das ciências sociais (limita-se a recuperar a vaga

oposição analítica entre estruturas compreensíveis e explicáveis plenas de sentido –

ciências da cultura x estruturas explicáveis vazias de sentido – ciências naturais),

preocupação fundamental nos textos posteriores, já no de 1913, Sobre algumas categorias

da Sociologia Compreensiva, que ganhará versão final nos Conceitos Sociológicos

Fundamentais (1921), primeiro capítulo de Economia e Sociedade, numa teoria da ação

social.

Simmel (2006), ao polemizar tanto com a postura coletivista como com a postura

individualista de fundamentação do conhecimento sociológico, explicita da forma mais

transparente a sua vinculação aos pressupostos epistemológicos compartilhados por

Rickert e Weber:

2
“A realidade irracional da vida e o seu conteúdo de possíveis significações são inesgotáveis, e a
configuração concreta das relações valorativas mantém-se flutuante, submetida às variações do futuro
obscuro da cultura humana; a luz propagada por essas idéias supremas de valor ilumina, de cada vez, uma
parte finita e continuamente modificada do curso caótico de eventos que fluem através do tempo” (WEBER,
2001, p. 153).

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Somente os propósitos específicos do conhecimento decidem se a realidade
imediatamente manifestada ou vivida deve ser investigada em um sujeito
individual ou coletivo. Ambas são igualmente ‘pontos de vista’ que não se
relacionam entre si como realidade e abstração, mas sim como modos de nossa
observação, ambos distantes da ‘realidade’ – da realidade que, como tal, não
pode de qualquer maneira ser da ciência, e que somente por intermédio de tais
categorias assume a forma de conhecimento3 (Simmel, 2006, 15).

Embora Simmel, neste momento, não fale em valores, a ênfase nos “propósitos

específicos do conhecimento”, na diversidade de “pontos de vista... como modos de nossa

observação, ambos distantes da ‘realidade’... que, como tal, não pode de qualquer maneira

ser da ciência”, sintetiza a mesma postura de fundamentação do conhecimento

sociológico segundo um princípio de seleção particular do real (o que Rickert chama de

forma metodológica) e não pelo maior grau de realidade presente nos conceitos

sociológicos: “A cognição não pode apreender a realidade em sua total imediaticidade –

o que chamamos de conteúdo objetivo é algo concebido a partir de uma categoria

específica”. O sujeito como “suporte” do conhecimento sempre “traduz” “toda produção

humana em uma “unidade” particular (Ibidem, 27-8).

Assim como Rickert defende a necessidade de “prescindir” de toda “diferença

de conteúdo” para analisar as diferenças lógicas e metodológicas puramente formais entre

as ciências, Simmel, ao definir sociologia, prescinde de uma análise do objeto para defini-

la como “sobretudo um método das ciências histórias e do espírito [...] um método da

ciência que, justamente em razão de sua aplicabilidade à totalidade dos problemas, não é

uma ciência com um conteúdo que lhe seja próprio” (Ibidem, 22).

3
Também Rickert via como secundário o debate conteudístico entre coletivistas (movimentos de massas)
e individualistas (grandes personalidades históricas). Para ele: “Até uma representação que procedesse de
forma puramente coletivista seria guiada não somente de maneira individualizadora, como já vimos [em
Rickert uma individualidade histórica não é necessariamente uma pessoa], mas também – como toda
representação histórica – por pontos de vista axiológicos” (Rickert, 1971, 73).

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Como já foi mencionado no início do texto, a distinção entre ciência da realidade

e ciência dos conceitos encontra sua origem n’Os Problemas da Filosofia da História de

Simmel e é desenvolvida logicamente no trabalho de Rickert. A ciência histórica e da

cultura como “ciência da realidade”, escreve Weber ao se apropriar da distinção

conceitual, procura na realidade circundante,

aquilo que ela tem de específico; por um lado, as conexões e a significação


cultural das nossas diversas manifestações na sua configuração atual e, por
outro, as causas pelas quais ela se desenvolveu historicamente de uma forma e
não de outra (Weber, 1993, 124).

Simmel radicaliza a concepção subjacente à noção de ciência da realidade ao

buscar individualidades históricas ou conexões singulares não somente no que chama de

“interações duradouras” representadas pelos conceitos de “Estado, família, corporações,

igrejas, classes, associações, etc.”, mas também naquelas “formas de relação e modos de

interação” aparentemente insignificantes, “mas que, inseridos nas formalizações ditas

oficiais e abrangentes, sustentam, mais que tudo, a sociedade tal como a conhecemos”

(Simmel, 2006, 17).

Até aqui estabelecemos afinidades fundamentais no pensamento de Rickert,

Simmel e Weber: 1) a rejeição de uma epistemologia realista que pensa a relação entre

conceito e realidade como sendo de correspondência ou reprodução; 2) a ideia de

irracionalidade do real pela infinitude e multiplicidade dos eventos reais em relação ao

caráter sempre limitado da cognição humana; 3) a ênfase nos princípios de seleção, nas

formas metodológicas de apropriação da realidade; 4) a preocupação com a intermediação

de valores ou ‘pontos de vista’ na relação realidade-pensamento; 5) a definição das

ciências históricas e da cultura como ciência da realidade.

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III. Uma fonte, dois rios: Weber e o tipo-ideal, Simmel e a sociologia das formas

Para além dos fundamentos e pressupostos, ou melhor, da teoria do

conhecimento histórico que retorna a Kant para ir além de Kant (Oakes, 1988),

compartilhada pelos três autores alemães, nos resta analisar as diferentes formas de, a

partir destes pressupostos, fundamentar a possibilidade de objetividade no conhecimento

científico-social.

Vimos como em Rickert a solução para o problema da garantia de objetividade

ao conhecimento das ciências históricas e culturais se desenvolve numa sucessão de

níveis: 1) a definição do método particular das ciências da cultura em contraste com o

método das ciências naturais; 2) a explicitação da sempre existente conexão do

conhecimento histórico ou individualizador a valores; 3) o papel dos conceitos gerais nas

ciência da cultura; 4) a distinção entre valores subjetivos e valores objetivos (gerais e

amplamente compartilhados); 5) a orientação da ciência da realidade por valores gerais;

6) a verdade como valor de referência teórico.

Como vimos, tanto Simmel como Weber se aproximam de Rickert ao privilegiar

na definição de sociologia um método próprio de abordagem da realidade, por uma

“conceituação individualizadora, referente a valores” (Rickert, 1971, 82). Em ambos

também está presente uma postura positiva em relação à divisão do trabalho científico4.

4
Weber, ao tratar da “perspectiva especial” da Archiv de abordagem dos “fenômenos sociais e dos
processos culturais” pelo seu “condicionamento econômico (Weber, 1993, 121), é explícito neste ponto:
“O direito à análise unilateral da realidade cultural a partir de ‘perspectivas’ específicas – em nosso caso, a
do seu condicionamento econômico – resulta, desde logo, e em termos puramente metodológicos, da
circunstância de que o treino da atenção para se observar o efeito de determinadas categorias causais
qualitativamente semelhantes, bem como a constante utilização do mesmo aparelho metodológico-
conceitual, oferece todas as vantagens da divisão do trabalho” (Ibidem, 124).

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Embora Simmel e Rickert se aproximem ao definirem, num a sociologia, no outro as

ciência da cultura, como método, como uma “perspectiva”, um “ponto de vista”, ou uma

“concepção” particular da realidade de caráter individualizador, o desdobramento da

questão os distancia: o primeiro fundamenta a cientificidade do método sociológico na

fecundidade universal de um “propósito do conhecimento” capaz de analisar uma

multiplicidade de objetos sob o “ponto de vista da produção social” no sentido de

“sociação”, definida como “interação psíquica entre os indivíduos” (Simmel, 2006, 15)5,

o que garantiria um “conteúdo objetivo” aos conceitos produzidos; o último busca o

critério de cientificidade para as ciências da cultura na sua orientação por valores gerais

e afastamento de valores subjetivos (valorações).

Em Weber a necessidade de distinguir entre valores subjetivos e valores

objetivos é absorvida sem o desenvolvimento do problema como observamos em Rickert:

Portanto, só alguns aspectos dos fenômenos particulares infinitamente


diversos, e precisamente aqueles a que conferimos uma significação geral para
a cultura, merecem ser conhecidos, pois apenas eles são objeto de explicação
causal (Weber, 1993, 129, itálico meu).

Trata-se aí dos valores “reconhecidos e aceitos” por todos, gerais porque estão

em todas as partes, dos quais fala Rickert. Assim como Simmel quando exemplifica como

forma autônoma em relação à síntese de conteúdos que a originou a ciência como valor

Simmel, argumentando sobre as vantagens da sociologia formal, também explicita a questão: “Somente a
partir destas investigações emerge uma abstração que pode ser caracterizada como o resultado de uma
cultura científica altamente diferenciada. Essa abstração produz um conjunto de problemas sociológicos no
sentido estrito do termo” (Simmel, 2006, 29).
5
Para a sociologia, os fenômenos “se apresentam como as somas das interações individuais” (29).

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em si mesmo6, Weber dá muito mais atenção à verdade como valor científico, pressuposto

de uma legitimação da possibilidade de objetividade através do método científico-social.

[...] apenas as idéias de valor que dominam o investigador e uma época podem
determinar o objeto de estudo e os limites deste estudo. No que concerne ao
método da investigação, o ‘como’ é o ponto de vista dominante que determina
a formação dos conceitos auxiliares de que se utiliza. E quanto ao método de
utilizá-los, o investigador encontra-se evidentemente ligado às normas de
nosso pensamento. Porque é uma verdade científica aquilo que pretender ser
válido para todos os que querem a verdade (Ibidem, p. 133, itálico meu).

É a partir de tais pressupostos – a orientação científico-social por valores gerais

e a verdade como valor científico – apropriados da taxonomia formal rickertiana que

Weber contribuirá de forma original, indo além da lógica pura, para a “questão que nos

interessa metodologicamente, o estudo da ‘objetividade’ no conhecimento das ciências

da cultura” (133-4). Na forma como Weber empreende este estudo há uma diferença

crucial em relação a Rickert e Simmel. Pelo vínculo necessário entre a seleção do objeto

e valores culturais Weber compartilha, mas supera, uma definição do método das ciências

da cultura exclusivamente em termos de ‘princípio de seleção’ particular de aspectos da

realidade – conceituação individualizadora (Rickert), ponto de vista da produção social

(Simmel) – e desenvolve o problema das técnicas/procedimentos de seleção/conexão da

realidade sócio-histórica e dos critérios de verificação da objetividade do conhecimento

produzido no âmbito das ciências da cultura. O enfrentamento do problema da

objetividade sob outro ângulo dá-se por motivos profissionais – Weber não é um lógico

profissional como Rickert, mas um homem de ciência preocupado com os problemas

6
“Por exemplo, todo conhecimento parece ter um sentido na luta pela existência. Saber o verdadeiro
comportamento das coisas tem uma utilidade inestimável para a preservação e o aprimoramento da vida.
Mas o conhecimento não é mais usado a serviço dos propósitos práticos: a ciência tornou-se um valor em
si mesma. Ela escolhe seus objetos por si mesma, modela-os com base em suas necessidades internas, e
nada questiona para além da sua própria realização".

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concretos colocados pela investigação empírica – e principalmente por motivos teóricos

– Weber não rejeita a fundamentação da possibilidade das ciências da cultura em valores

gerais, mas percebe a instabilidade de ter como única base de sustentação destas ciências

o critério da “relevância valorativa” (Oakes, 1988, 112)7.

No que diz respeito aos procedimentos de conexão de elementos históricos, a

influência de Rickert mantém-se evidente. Como vimos, para este, o caráter

individualizador das ciências da cultura não esgota a sua especificidade, posto que, para

ser ciência, o estabelecimento de conexões mais ou menos gerais é sempre necessário.

A noção de “imputação causal” em Weber ao levar “em consideração aqueles elementos

nos acontecimentos que ficaram importantes causalmente para a singular evolução

cultural” (Weber, 1993, 129) muito se aproxima do objetivo do conhecimento histórico

postulado por Rickert, como já citamos, de “obter uma clara noção sobre a necessidade

com que esse efeito individual, irrepetível, resulta dessa causa individual, irrepetível”.

Para ambos o estabelecimento de relações de causalidade é definidor do método

científico, porém, no conhecimento histórico, tais relações não se confundem com

relações de legalidade, pois, para ambos, o “digno de ser conhecido” pelas ciências da

cultura são individualidades históricas e não generalidades conceituais. A não-legalidade

de uma imputação causal em Weber também é justificada pelo ponto de partida valorativo

7
“Os problemas culturais que fazem mover a humanidade renascem a cada instante, sob um aspecto
diferente, e permanecem variáveis: o âmbito daquilo que, no fluxo eternamente infinito do individual,
adquire para nós importância e significação e se converte em ‘individualidade histórica’. Mudam também
as relações intelectuais, sob as quais são estudados e cientificamente compreendidos. Por conseguinte, os
pontos de partida das ciências da cultura continuarão a ser variáveis no imenso futuro, enquanto uma espécie
de imobilidade chinesa da vida espiritual não desacostumar a humanidade de fazer perguntas à vida sempre
inesgotável” (Webr, 1993, 133).

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do conhecimento histórico, o que é bem menos enfatizado em Rickert comparado à teoria

da relevância valorativa.

Os tipos ideais têm o mesmo caráter de conceitos gerais com função de meios e

não de fins da explicação histórica. Enquanto utopia, ou seja, constructo destituído de

conteúdo real, o tipo-ideal é um meio conceitual para a sistematização por meio da seleção

daqueles elementos mais importantes para a compreensão de um determinado evento

(“juízo de atribuição” do investigador). Ao formar um “quadro homogêneo de

pensamento” (ou “não contraditório”), o tipo-ideal serve como um “meio de

conhecimento” na mediação entre pensamento científico e realidade social (Weber, 1993,

137-140).

Por último, e mais importante, devemos observar como, diferentemente de

Simmel, Weber está preocupado em verificar, em suma, superar o caráter puramente

intuitivo de uma conexão causal ou de um agrupamento ideal estabelecido. Diante de uma

seleção particular de aspectos da realidade orientada com relação a valores, o investigador

constrói um agrupamento conceitual individual que só poderá ser validado e tido como

cientificamente verdadeiro se passar pelo crivo: 1) de uma comparação no âmbito da

disciplina científica particular com outros agrupamentos individuais visando mitigar o

seu caráter parcial; 2) da análise e exposição (inteligível) do significado da conexão

unilateralmente estabelecida; 3) de uma explicação histórica exaustiva dos elementos


8
factuais conceitualmente privilegiados ; 4) do inquirimento contra-factual da

8
“... se pretendemos ‘explicar causalmente’ esses agrupamentos individuais, teríamos de nos reportar
constantemente a outros agrupamentos igualmente individuais, a partir dos quais os ‘explicássemos’,
embora utilizando, naturalmente, os citados (hipotéticos) conceitos denominados ‘leis’. O estabelecimento
de tais ‘leis’ e ‘fatores’ (hipotéticos) apenas constituiria, para nós, a primeira das várias operações às quais
o conhecimento a que aspiramos nos conduziria. A segunda operação, completamente nova e independente,

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importância dos elementos constituintes da conexão causal estabelecida através de

imputações hipotéticas alternativas 9 . Só assim seria inclusive possível uma análise

probabilística dos possíveis desenvolvimentos destes fatores. O imperativo da

neutralidade axiológica, do maior distanciamento possível em relação aos valores

subjetivos, só seria viável através do comprometimento com estas condições de prova.

Embora, como vimos, Weber e Simmel admitam o caráter sempre seletivo e

parcial da racionalização científica da realidade, o primeiro dá atenção a um aspecto já

presente no pensamento de Rickert não desenvolvido pelo segundo: o trato com conceitos

gerais como sendo constituinte do conhecimento científico em geral (seja da natureza,

seja do espírito). Neste sentido há uma afinidade lógica entre as ciências naturais e as

ciências da cultura: é só remetendo constantemente a um sistema de conceitos gerais – e

os tipos-ideais nada mais são do que isto – que uma apreensão particular da realidade

pode pretender-se válida.

De fato, Simmel parte da afirmação de que o conhecimento é sempre seletivo,

sendo a sociologia um “método”, um “propósito específico” de conhecimento, mas

silencia sobre os “meios de conhecimento” que particularizam a apreensão científica da

apesar de se basear nessa tarefa preliminar, seria a análise e a exposição ordenada do agrupamento
individual desses ‘fatores’ historicamente dados e da combinação concreta e significativa dele resultante.
Mas acima de tudo consistiria em tornar inteligível a causa e a natureza deste significado. A terceira
operação seria remontar o máximo possível ao passado e observar como se desenvolveram as diferentes
características individuais dos agrupamentos de importância para o presente, e proporcionar uma explicação
histórica a partir destas constelações anteriores, igualmente individuais. Por fim, uma quarta operação
possível consistiria na avaliação das constelações possíveis no futuro” (Weber, 1993, 127).
9
“A brilhante hipótese de Eduard Meyer sobre a importância causal das batalhas de Maratona, Salamina e
Platéia para o desenvolvimento peculiar da cultura helênica (e, com isso, da Ocidental) – apenas pode ser
fortalecida pela prova obtida dos exemplos do comportamento dos persas nos casos de vitória (Jerusalém,
Egito, Ásia Menor) e, portanto, tem de permanecer necessariamente incompleta em muitos aspectos”
(WEBER, 2000, p. 7).

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realidade e sobre a necessidade de validação de um significado intuído segundo um

sistema de conceitos gerais. Sem essa explicitação um agrupamento significativo

individual é incapaz de superar o seu caráter intuitivo, ou seja, aparecerá como “apreensão

direta do significado sem a intervenção de conceitos” (Parsons, 2010, 755) 10. Da mesma

forma, o senso comum não tem a mínima necessidade de se amparar numa tradição de

pensamento ou num conjunto conceitual para emitir uma ‘certeza absoluta’.

Por isto o conceito de forma (= sociação) em Simmel padece de uma

ambiguidade inerente: não se sabe se a autonomização das formas em relação aos

conteúdos que as determinaram é um processo substantivo como parece apontar a sua

definição11 ou um “meio heurístico” (tipo-ideal ou lei), um princípio de seleção e redução

da complexidade do real, alternativa coerente com uma fundamentação da sociologia

como “método das ciências históricas e do espírito” sem “um conteúdo que lhe seja

próprio”.

Weber coloca como elemento central da sua metodologia, que a distancia da

metodologia simmeliana, a clara diferenciação entre “’sentido’ visado”, o motivo real do

agente, e “’sentido’ objetivamente válido” (Weber, 2000, 1), o sentido atribuído pelo

investigador que é válido (valor), mas não real (existência) (Weber, 2000, 1). A não-

distinção indicada por Weber no processo compreensivo – de atribuição de sentido ao

10
Em nota de rodapé, o próprio Parsons nomeia, incluindo Simmel, os principais nomes que representariam
a tradição intuicionista criticada por Weber: “Os principais nomes mencionados por Weber são os de
Wundt, Münstenberg, Lipps, Simmel e Croce” (Parsons, 2010, nota 32, 754).
11
Isso pode ser percebido na descrição geral da forma direito: “...o direito propriamente dito não tem
qualquer ‘finalidade, justamente porque ele não é mais meio. Ele se determina a partir de si mesmo, e não
em função da legitimação de uma outra instância superior e extrínseca que ditaria como se deve formar a
matéria da vida” (Simmel, 2006, 62). É Dilthey (2010) e a relação “vivência”-“expressão” que prefigura a
relação conteúdo-forma em Simmel,

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agente pelos efeitos de sua ação – é análoga a confusão acima indicada na definição de

forma, ambas provocadas pela falta de desenvolvimento de uma teoria do sistema de

conceitos gerais mediador da relação ciência-realidade12.

É esta aparência de intermediação conceitual ausente na relação ciência-

realidade 13 que, para Parsons (2010), explicita o empirismo do intuicionismo e

impossibilita o desenvolvimento de conceitos gerais claros, funcionais tanto na seleção

do material como na verificação da validade de um significado atribuído pelo investigador

a uma ação qualquer. A superação do empirismo na suas formas objetivistas e

intuicionistas, critérios de seleção e verificação, e mais particularmente o grau de

generalidade do conceito de ação racional relacionada a fins são elementos presentes em

Weber centrais para a elaboração da proposta parsoniana de sociologia como “ciência

analítica” (que busca generalizações). A ausência de Simmel na sistematização dos

fundamentos teóricos gerais para a possibilidade da sociologia em A Estrutura da Ação

Social (1937) de Parsons não é, portanto, uma exclusão arbitrária, mas coerente com a

concepção de ciência ali defendida.

Com base no que foi exposto acima, percebe-se como não há mera coincidência

na classicização de Simmel pari passu a uma ofensiva de pensamento que simplesmente

12
Cohn (2003) percebe o mesmo problema ao diferenciar “situação”, em Weber, de “forma”, em Simmel,
embora ambos conceituem o condicionamento recíproco das relações sociais: “A grande diferença entre
ambos os autores, nesse ponto, é que Weber problematiza aquilo que para Simmel era pacífico”. Embora
ambos, para Cohn, operem “com tipos”, há “uma distinção da maior importância. É que, em Simmel o tipo
é obtido através de uma depuração dos dados empíricos cuja unidade já está presente [forma], para Weber
trata-se de construí-los a partir de traços discretos tomados seletivamente de uma realidade que se apresenta
como congérie de eventos singulares [tipos-ideais]” (Cohn, 2003, 129).

O que Domingues (2008) denomina de “falácia da falsa concetude”, inspirado na “falácia da concretude
13

mal colocada” que Parsons (2010) absorve de Whitehead.

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converte pejorativamente toda busca de objetividade em objetivismo e todo critério de

cientificidade em cientificismo – fique claro que esta observação estabelece uma relação

de afinidade e não de identificação. Remeter uma elaboração teórica a padrões de

verificação e de prova é expor-se ao confronto e ao reconhecimento dos erros, condições

para um progresso real do conhecimento científico como projeto coletivo14. Em Weber,

encontra-se aí inclusive a condição para o pluralismo na ciência já que, para ele, uma

interpretação da realidade reconhecida como válida nunca é a única interpretação válida

possível.

REFERÊNCIAS

BENTON, Ted. Philosophical foundations of the three sociologies. London: Routledge


& Kegan Paul, 1977.

BURGER, Thomas. Max Weber’s theory of concept formation. Durham: Duke


University Press, 1976.

COHN, Gabriel. Crítica e resignação: Max Weber e a teoria social. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.

DILTHEY, Wilhelm. A construção do mundo histórico nas ciências humanas. São


Paulo: Editora Unesp, 2010a.

OAKES, Guy. Weber and Rickert: concept formation in the cultural sciences.
Massachusetts: The MIT Press, 1988.

PARSONS, Talcott. A estrutura da ação social. Petrópolis: Vozes, 2010.

14
A estranheza de Simmel em relação à validação de uma elaboração conceitual mediante comparação com
outros conceitos reconhecidos, porém diferentes e até opostos, é bastante nítida no ‘confronto rigoroso’ da
sua “consideração do dinheiro” com a consideração do materialismo histórico: “Podemos aprender da
consideração do dinheiro – em diferença à análise do materialismo histórico que coloca o processo cultural
inteiramente na dependência de condições econômicas – que a formação da vida econômica influencia,
profundamente, a situação psíquica e cultural de uma época, mas esta formação recebe, por outro lado, o
seu caráter das grandes correntes homogênas da vida histórica, cujas forças e cujos motivos últimos são,
todavia, segredos divinos” (Simmel, 1998, 40).

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RICKERT, Heinrich. Introduccion a los problemas de la filosofia de la historia.
Buenos Aires: Editorial Nova, 1961.

________________. The limits of concept formation in natural science (abridged


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SIMMEL, Georg. Questões fundamentais de sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,


2006.

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Berthold. Simmel e a modernidade. Brasília: UnB, 1998.

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