Rene Guenon O Homem e Seu Devir
Rene Guenon O Homem e Seu Devir
Rene Guenon O Homem e Seu Devir
René Guénon
O HOMEM
E SEU DEVIR
SEGUNDO O
VEDANTA
Tradução
Luis Kehl & Augusto Bicalho
René Guénon
INSTITUTO RENÉ GUÉNON DE ESTUDOS TRADICIONAIS São Paulo verão de 2001 O HOMEM E SEU DEVIR SEGUNDO O VEDÂNTA 2
A todos os mestres,
para retribuir e para transmitir.
René Guénon
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INTRODUÇÃO
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aqueles do Vêdânta. Não há o que reprovar neste modo de proceder, tratar, numa mesma exposição, senão de um ponto ou um aspecto
tanto mais que nossas intenções não são as de um historiador; mais ou menos definido da doutrina, deixando outros pontos para
devemos repetir ainda aqui, expressamente, que o que queremos tratar em outros estudos distintos. De resto, estes estudos não
fazer é uma obra de compreensão, não de erudição, e que somente a correrão o risco de se tornar aquilo que os eruditos e os
verdade das idéias nos interessa. Se, portanto, consideramos “especialistas” chamam de “monografias”, pois os princípios
proveitoso dar aqui referências precisas, é por motivos que nada tem fundamentais não serão aí perdidos de vista, e os pontos secundários
em comum com as preocupações típicas dos orientalistas; apenas não aparecerão senão como aplicações diretas ou indiretas destes
queremos mostrar que não inventamos nada e que as idéias que princípios dos quais tudo deriva: na ordem metafísica, que se refere
expressamos possuem uma fonte tradicional, além de fornecer ao ao domínio do Universal, não há nenhum lugar para a
mesmo tempo o meio, àqueles que foram capazes, de se reportarem “especialização”.
aos textos nos quais eles possam encontrar indicações
complementares, pois é claro que não temos a pretensão de fazer Devemos compreender agora porque tomamos como objeto próprio
uma exposição absolutamente completa, mesmo sob um aspecto do presente estudo apenas aquilo que concerne à natureza e à
determinado da doutrina. constituição do ser humano: para tornar inteligível o que temos a
dizer, deveremos forçosamente abordar outros pontos que, à
Quanto a apresentar uma exposição de conjunto, isso é uma coisa primeira vista, podem parecer estranhos a esta questão, mas será
impossível: ou seria um trabalho interminável, ou teria que ser sempre em relação àquele que os tomaremos. Os princípios têm, em
colocado de uma forma tão sintética que seria perfeitamente si, um alcance que ultrapassa imensamente toda aplicação que se
incompreensível aos espíritos ocidentais. Além do mais, seria bem possa fazer; mas não deixa de ser legítimo expor esses princípios, na
difícil evitar, num trabalho desse gênero, a aparência de uma medida do possível, a propósito de tal ou qual aplicação, e este
sistematização que seria incompatível com os caracteres mais procedimento é inclusive vantajoso sob certos aspectos. Por outro
essenciais das doutrinas metafísicas; seria sem dúvida apenas uma lado, é somente quando é ligada aos princípios que uma questão
aparência, mas nem por isso deixaria de ser uma causa de erros pode ser tratada metafisicamente; é o que se deve ter sempre em
extremamente graves, tanto mais que os Ocidentais, em razão de mente, quando se pretende fazer a verdadeira metafísica, e não a
seus hábitos mentais, estão propensos a ver “sistemas” mesmo onde “pseudo-metafísica”, à maneira dos filósofos modernos.
não há nada parecido. É importante não dar o menor pretexto a essas
assimilações injustificadas, costumeiras entre os orientalistas; e seria Se adotamos como partido expor em primeiro lugar as questões
melhor abster-se de expor uma doutrina do que contribuir a relativas ao ser humano, não é porque elas tenham, do ponto de vista
desnaturá-la, nem que fosse por simples engano. Mas felizmente metafísico, uma importância excepcional, pois, sendo este ponto de
existe um meio de escapar a este inconveniente: consiste em não vista livre de todas as contingências, o caso do homem não aparecerá
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nele como um caso privilegiado; mas iniciaremos por aí porque estas que qualificamos de “profano” ou de “exterior”, não por preconceito,
questões já surgiram no decorrer de nossos trabalhos precedentes, os mas porque é assim que é na realidade; cremos não ter de nos
quais necessitam a este respeito complementos que encontraremos preocupar em agradar a uns ou desagradar a outros, mas sim de dizer
aqui. A ordem que iremos adotar para os estudos que virão em o que é e de atribuir a cada coisa o nome e o lugar que lhe convém
seguida dependerá igualmente das circunstâncias e será, em larga normalmente. Não é porque a “Ciência sagrada” tenha sido tão
medida, determinada por considerações de oportunidade; odiosamente caricaturada, no Ocidente moderno, por impostores
acreditamos útil dize-lo desde já, a fim de que ninguém veja nisso mais ou menos conscientes, que se deva evitar de falar nela, ou
uma espécie de ordem hierárquica, seja quanto à importância das negá-la, ou no mínimo ignorá-la; ao contrário, afirmamos alto e bom
questões, seja quanto à sua dependência; isto eqüivaleria a nos som não apenas que ela existe, mas ainda que ela é a única de que
imputar intenções que não são as nossas, mas sabemos como tais iremos nos ocupar. Aqueles que quiserem se reportar ao que já
erros se produzem facilmente, e é por isso que nos aplicamos sempre dissemos em outras ocasiões das extravagâncias dos ocultistas e dos
a preveni-los toda vez que isso está ao nosso alcance. teosofistas compreenderão imediatamente que aquilo de que se trata
é bem outra coisa, e que estas pessoas não passam, a nossos olhos,
Existe ainda um ponto que é para nós muito importante para que o de simples “profanos”, e mesmo de “profanos” agravam
deixemos de lado nestas considerações preliminares, embora já o singularmente se caso procurando fazer-se passar pelo que não são, o
tenhamos explicado bastante em ocasiões anteriores; mas, como nem que é aliás uma das principais razões por quê julgamos necessário
todos parecem tê-lo compreendido, convém insistir ainda um pouco mostrar a inanidade de suas pretensas doutrinas, cada vez que se
sobre ele. Este ponto é o seguinte: o conhecimento verdadeiro, o apresente a ocasião.
único que temos em vista, tem pouca relação, se é que tem alguma,
com o saber “profano”; os estudos que constituem esse último não O que dissemos deve também fazer compreender que as doutrinas de
são em nenhum grau e sob nenhum título uma preparação, mesmo que nos propomos falar recusam, pela sua própria natureza, qualquer
longínqua, para abordar a “Ciência sagrada”, e às vezes eles tentativa de “vulgarização”; seria ridículo querer “colocar ao alcance
constituem ao contrário um obstáculo, em razão da deformação de todos”, como se diz sempre em nossa época, concepções que só
mental muitas vezes irremediável que é a conseqüência mais comum podem ser destinadas a uma elite, e tentar fazê-lo seria a melhor
de um certo tipo de educação. Para doutrinas como a que iremos maneira de as deformar. Já explicamos em outra parte o que
expor, um estudo tomado “do exterior” não teria nenhum proveito; entendemos por elite intelectual, qual será seu papel se ela um dia
não se trata de história, como já dissemos, nem tampouco de chegar a se constituir no Ocidente, e como o estudo real e profundo
filologia ou literatura; e acrescentaremos, embora arriscando-nos a das doutrinas orientais é indispensável para preparar sua formação. É
nos repetir fastidiosamente, que tampouco se trata de filosofia. em vista desse trabalho, cujos resultados só se farão sentir com o
Todas essas coisas, com efeito, fazem igualmente parte deste saber tempo, que acreditamos dever expor certas idéias para aqueles que
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tempos modernos, não podemos deixar de pensar que sua ausência concepções filosóficas, sobretudo entre os modernos, que levam ao
em uma civilização nada tem de lamentável. Em um livro recente, extremo a tendência individualista e a busca da originalidade a toda
um orientalista afirmava que “a filosofia é filosofia em toda parte”, o custa que é sua conseqüência, é precisamente de se constituírem em
que abre a porta a todas as assimilações, aí compreendidas aquelas sistemas definidos, acabados, ou seja essencialmente relativos e
contra as quais ele protestava, muito justamente aliás; o que limitados de todos os lados; no fundo, um sistema não passa de uma
contestamos precisamente, é que haja filosofia em toda parte; e nos concepção fechada, cujos limites mais ou menos estreitos são
recusamos a considerar como “pensamento universal”, segundo a naturalmente determinados pelo “horizonte mental” do seu autor.
expressão do mesmo autor, aquilo que na realidade não passa de Ora, toda sistematização é absolutamente impossível para a
uma modalidade de pensamento extremamente particular. Um outro metafísica pura, diante da qual tudo o que é de ordem individual é
historiador das doutrinas orientais, mesmo reconhecendo em verdadeiramente inexistente, e que é inteiramente desembaraçada de
princípio a insuficiência e a inexatidão dos rótulos ocidentais que se todas as relatividades, de todas as contingências filosóficas ou
pretende impor a elas, declarava que apesar disso não via como outras; e é necessariamente assim, porque a metafísica é
dispensar esses rótulos, e utilizava-os assim ainda mais que seus essencialmente o conhecimento do Universal, e um tal conhecimento
próprios predecessores; isto nos pareceu ainda mais espantoso, pois não se pode encerrar em nenhuma fórmula, por mais abrangente que
nunca tivemos necessidade de apelar para esta terminologia seja.
filosófica que, mesmo que pudesse ser melhor aplicada do que o é
comumente, teria o inconveniente de ser demasiado rebuscada e As diversas concepções metafísicas e cosmológicas da Índia não são,
inutilmente complicada. Mas não queremos entrar aqui nesse tipo de rigorosamente falando, doutrinas diferentes, mas apenas
discussão; apenas queríamos mostrar como é difícil para alguns sair desenvolvimentos, segundo certos pontos de vista e direções várias,
dos quadros “clássicos” em que a educação ocidental encerrou seu mas jamais incompatíveis, de uma única doutrina. De resto, a
pensamento desde a origem. palavra sânscrita darshana, que designa cada uma dessas
concepções, significa propriamente “vista”, ou “ponto de vista”, pois
Para voltarmos ao Vêdânta, diremos que se deve, na realidade, ver a raiz drish, da qual ela é derivada, tem como sentido principal o de
nele uma doutrina puramente metafísica, aberta a possibilidades de “ver”; ela não pode absolutamente significar “sistema”, e, se os
concepção verdadeiramente ilimitadas, e que, como tal, não poderia orientalistas lhe dão essa acepção, é apenas devido a esses hábitos
de modo algum acomodar-se dentro dos limites mais ou menos ocidentais que os induzem a cada instante a falsas assimilações:
estreitos de um sistema qualquer. Existe portanto sob esse aspecto, e vendo em toda parte apenas filosofia, é natural que vejam também
mesmo sem irmos mais longe, uma diferença profunda e irredutível, sistemas em tudo.
uma diferença de princípio para com tudo o que os europeus
designam sob o nome de filosofia. De fato, a vã ambição de todas as
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A doutrina única a que aludimos constitui essencialmente o Veda, ou de vista religioso. No que concerne à metafísica e tudo o que dela
seja a Ciência sagrada e tradicional por excelência, pois esse é procede mais ou menos diretamente, a heterodoxia de uma
exatamente o sentido próprio deste termo (2): é o princípio e o concepção não passa, no fundo, de sua falsidade, resultado de seu
fundamento comum a todos os ramos mais ou menos secundários e desacordo com os princípios essenciais; como esses estão contidos
derivados, os quais constituem estas diferentes concepções que nos Veda, resulta que o acordo com o Veda é o próprio critério da
alguns consideram como sistemas rivais e opostos. Na realidade, ortodoxia. A heterodoxia começa onde começa a contradição,
estas concepções, na medida em que elas estão de acordo com seu voluntário ou não, com o Veda; ela é um desvio, uma alteração mais
princípio, não podem evidentemente contradizer-se, e ao contrário ou menos profunda da doutrina, desvio que, de resto, geralmente só
elas completam-se e esclarecem-se mutuamente; não se deve ver se produz dentro de escolas muito restritas, e que só podem afetar
nessa afirmação a expressão de um “sincretismo” mais ou menos pontos particulares, às vezes de importância muito secundária, tanto
artificial e tardio, pois a doutrina inteira deve ser vista como contida mais que a potência que é inerente à tradição tem como efeito limitar
sinteticamente no Veda, e isto desde a origem. A tradição, em sua a extensão e o alcance dos erros individuais, de eliminar aqueles que
integralidade, forma um conjunto perfeitamente coerente, o que não ultrapassam certos limites e, em todo caso, de impedi-los de se
quer dizer sistemático; e, como todos os pontos de vista que ela expandir e de adquirir uma autoridade verdadeira. Mesmo onde uma
comporta podem ser vistos tanto simultânea como sucessivamente, escola parcialmente heterodoxa se trona, em uma certa medida,
não há interesse verdadeiro em buscar a ordem histórica na qual eles representativa de um darshana, como a escola atomista para o
puderam desenvolver-se e se tornar explícitos, mesmo se admitirmos Vaishêshika, isto não afeta a legitimidade desse darshana em si, e
que a existência de uma transmissão oral, que pode ter durado um basta remete-lo ao que ele tem de verdadeiramente essencial para
tempo indeterminado, torne perfeitamente ilusória a solução dada a permanecer dentro da ortodoxia. A esse respeito, podemos citar,
uma questão desse gênero. Se a exposição pode, segundo as épocas, como indicação geral, essa passagem do Sânkhya-Pravachana-
modificar-se até certo ponto para adaptar-se às circunstâncias, não é Bhâshya de Vijnâna-Bhikshu: “Na doutrina de Kanâda (o
menos certo que o fundo permanece sempre rigorosamente o Vaishêshika), a parte que é contrária ao Veda deve ser rejeitada por
mesmo, e que essas modificações exteriores não atingem e não aqueles que aderem estritamente à tradição ortodoxa; na doutrina de
afetam em nada a essência da doutrina. Jaimini e na de Vyâsa (os dois Mîmânsas), nada há que não esteja de
acordo com as Escrituras (consideradas como a base desta
O acordo entre uma concepção de qualquer ordem com o princípio tradição)”.
fundamental da tradição é condição necessária e suficiente de sua
ortodoxia, a qual não pode absolutamente ser concebida em modo O nome de Mîmânsa, derivado da raiz verbal man, “pensar”, na sua
religioso; é preciso insistir sobre esse ponto para evitar qualquer erro forma iterativa, indica o estudo reflexivo da Ciência sagrada: é o
de interpretação, porque, no Ocidente, só existe ortodoxia do ponto fruto intelectual da meditação do Veda. O primeiro Mîmânsa
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(Pûrva-Mîmânsa) é atribuído a Jaimini: mas devemos lembrar a vê-lo como o Mîmânsa da ordem intelectual e contemplativa; não
propósito que os nomes que são assim ligados à formulação dos podemos chamá-lo Mîmânsa teórico, por simetria com o Mîmânsa
diversos darshanas não devem ser relacionados a individualidades prático, porque esta denominação levaria a um equívoco. De fato, se
precisas: eles são empregados simbolicamente para designar a palavra “teoria” é etimologicamente sinônimo de contemplação,
verdadeiros “agregados intelectuais”, constituídos na realidade por não é menos verdade que, em linguagem corrente, ela tomou uma
todos aqueles que se dedicaram ao mesmo estudo no decorrer de um acepção bastante mais restrita; ora, em uma doutrina que é completa
período cuja duração não é menos indefinida que a própria origem. do ponto de vista metafísico, a teoria, entendida nessa acepção
O primeiro Mîmânsa é chamado também Karma-Mîmânsa ou comum, não se basta, mas é sempre acompanhada ou seguida de
Mîmânsa prático, vale dizer aquele que concerne aos atos, e mais uma “realização” correspondente, da qual ela é em suma a base
particularmente ao cumprimento dos ritos; o termo karma, com indispensável, e em vista da qual ela está inteiramente ordenada,
efeito, tem um duplo sentido: num sentido geral, trata-se da ação sob como o meio em vista do fim.
todas as suas formas; no sentido particular e técnico, trata-se da ação
ritual, tal como prescrita no Veda. Este Mîmânsa prático tem por O segundo Mîmânsa é também chamado Brahma-Mîmânsa, porque
objetivo, como diz seu comentador Somanâtha, de “determinar de ele concerne direta e essencialmente ao “Conhecimento Divino”
modo exato e preciso o sentido das Escrituras”, mas sobretudo na (Brahma-Vidyâ); é ele que constitui propriamente o Vêdânta, ou
medida em que essas encerram preceitos, e não sob a perspectiva do seja, segundo o significado etimológico deste termo, o “fim do
conhecimento puro ou jnâna, o qual está freqüentemente colocado Veda”, baseando-se principalmente sobre o ensinamento contido nos
em oposição com karma, o que corresponde precisamente à Upanishads. Essa expressão de “fim do Veda” deve ser entendida no
distinção dos dois Mîmânsas. duplo sentido de conclusão e de objetivo; com efeito, de uma parte,
os Upanishads formam a última parte dos textos védicos, e, de outra,
O segundo Mîmânsa (Uttara-Mîmânsa) é atribuído a Vyâsa, vale aquilo que neles é ensinado, na medida em que pode sê-lo, é o
dizer à “entidade coletiva” que ordenou e fixou definitivamente os objetivo último e supremo da totalidade do conhecimento
textos tradicionais que constituem o próprio Veda; e esta atribuição é tradicional, destacado de todas as aplicações mais ou menos
particularmente significativa, pois é fácil de ver que se trata aqui, particulares e contingentes às quais ele pode dar lugar em diferentes
não de um personagem histórico ou legendário, mas de uma ordens: vale dizer, em outros termos, que estamos, no Vêdânta, no
verdadeira “função intelectual”, que pode inclusive ser chamada uma domínio da metafísica pura.
função permanente, pois Vyâsa é designado como uma dos sete
Chirajîvis, literalmente “seres dotados de longevidade”, cuja Os Upanishads, que fazem parte integrante do Vêdânta, são uma das
existência não é limitada a uma época determinada (3). Para bases da tradição ortodoxa, o que não impediu alguns orientalistas,
caracterizar o segundo Mîmânsa em relação ao primeiro, podemos como Max Müller, de pretender descobrir neles “os germes do
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Budismo”, ou seja da heterodoxia, pois ele só conhecia do Budismo conhecimento sensível, é preciso acrescentar que ela deve, como
as formas e interpretações mais claramente heterodoxas; uma tal toda verdadeira analogia, ser tomada em sentido inverso (6):
afirmação é manifestamente uma contradição de termos, e seria enquanto que a indução eleva-se acima da percepção sensível e
certamente difícil levar mais longe a incompreensão. Nunca é permite passar a um grau superior, é ao contrário a percepção direta
demais insistir sobre o fato de que são os Upanishads que ou a inspiração que, na ordem transcendente, atinge sozinha o
representam aqui a tradição primordial e fundamental, e que, por próprio princípio, vale dizer aquilo que há de mais elevado, aquilo
conseguinte, são eles que constituem o Vêdânta em sua essência; de onde se pode então tirar as conseqüências e as aplicações mais
resulta daí que, em caso de dúvida sobre a interpretação da doutrina, diversas. Podemos dizer ainda que a distinção entre Shruti e Smriti
é sempre à autoridade dos Upanishads que se recorre como última eqüivale, no fundo, à que existe entre a intuição intelectual imediata
instância. Os ensinamentos principais do Vêdânta, tais como são e a consciência refletida: se a primeira é designada por um termo
extraídos expressamente dos Upanishads, foram coordenados e cujo significado primeiro é o de “audição”, é precisamente para
formulados sinteticamente em uma coleção de aforismos chamados caracterizar seu caráter intuitivo, e porque o som ocupa, segundo a
de Brahma-Sûtras e Shârîraka-Mîmânsa (4); o autor desses doutrina cosmológica hindu, o posto primordial dentre as qualidades
aforismos, que é chamado Bâdarâyana e Krishna-Dwaipâyana, é sensíveis. Quanto à Smriti, o sentido primitivo do nome é
identificado a Vyâsa. É importante lembrar que os Brahma-Sûtras “memória”; com efeito, a memória, não sendo mais que um reflexo
pertencem à classe de escritos tradicionais chamados Smriti, da percepção, pode ser tomada para designar, por extensão, tudo
enquanto que os Upanishads, como todos os outros textos védicos, aquilo que apresenta o caráter de um conhecimento reflexo ou
fazem parte da Shruti; ora, a autoridade da Smriti é derivada da discursivo, vale dizer indireto; e, se o conhecimento é simbolizado
Shruti sobre a qual está fundamentada. A Shruti não é uma pela luz como ocorre habitualmente, a inteligência pura e a memória,
“revelação” no sentido religioso e ocidental do termo, como o ou ainda a faculdade intuitiva e a faculdade discursiva poderão ser
querem a maior parte dos orientalistas que, aí ainda, confundem os representadas respectivamente pelo sol e pela lua; este simbolismo,
pontos de vista mais diversos; mas ela é o fruto de uma inspiração sobre o qual não nos estenderemos aqui, é aliás susceptível de
direta, de modo que é daí que ela tira sua autoridade própria. “A aplicações múltiplas (7).
Shruti, diz Shankarâchârya, serve de percepção direta (na ordem do
conhecimento transcendente), pois, para ser uma autoridade, ela é Os Brahma-Sûtras, cujo texto é de uma extrema concisão, deram
necessariamente independente de qualquer outra autoridade; e a lugar a numerosos comentários, do quais os mais importantes são os
Smriti desempenha um papel análogo ao da indução, pois ela tira sua de Shankarâchârya e de Râmânuja; ambos são estritamente
autoridade de uma outra autoridade que não ela mesma” (5). Mas ortodoxos, de modo que não se deve exagerar a dimensão de suas
para que não haja má interpretação sobre o significado da analogia aparentes divergências que, no fundo, são antes simples diferenças
assim indicada entre o conhecimento transcendente e o de adaptação. É verdade que cada escola está naturalmente inclinada
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a pensar e a afirmar que seu próprio ponto de vista é o mais digno de Upanishads; sua autoridade só pode ser contestada por aqueles que
atenção e, sem excluir os demais, deve prevalecer sobre eles; mas, ignoram o verdadeiro espírito da tradição hindu ortodoxa, e cuja
para resolver a questão com toda a imparcialidade, basta examinar opinião, consequentemente, não tem nenhum valor aos nossos olhos;
estes pontos de vista em si mesmos e reconhecer até onde estende-se será portanto, de um modo geral, esse comentário que seguiremos de
o horizonte que cada qual permite abarcar; é claro, de resto, que preferência a qualquer outro.
nenhuma escola pode pretender representar a doutrina de modo total
e exclusivo. Ora, é certo que o ponto de vista de Shankarâchârya é Para completar estas observações preliminares, devemos ainda
mais profundo e vai mais longe que o de Râmânuja; basta aliás ter salientar, embora já o tenhamos explicado em outra parte, que é
em conta que o primeiro é de tendência Shivaita, enquanto que o inexato dar aos ensinamentos dos Upanishads, como o fazem alguns,
segundo é nitidamente Vishnuita. Uma singular discussão foi a denominação de “Brahmanismo esotérico”. A impropriedade
levantada por M. Thibaut, que traduziu para o inglês os dois dessa expressão provém sobretudo do fato de que o termo
comentários: ele pretende que o de Râmânuja seja mais fiel ao “esoterismo” é um comparativo, e que seu emprego supõe
ensinamento dos Brahma-Sûtras, mas ao mesmo tempo ele necessariamente a existência correlativa de um “exoterismo”; ora,
reconhece que o de Shankarâchârya é mais conforme ao espírito dos uma tal divisão não pode ser aplicada ao caso de que tratamos aqui.
Upanishads. Para sustentar uma tal opinião, é preciso evidentemente O exoterismo e o esoterismo, encarados, não como duas doutrinas
admitir que existam diferenças doutrinais entre os Upanishads e os distintas e mais ou menos opostas, o que seria uma concepção
Brahma-Sûtras; mas, mesmo que houvesse, é a autoridade dos totalmente errônea, mas como as duas faces de uma mesma doutrina,
Upanishads que deve prevalecer, como já explicamos, e a existiram em certas escolas da antigüidade grega; encontramo-los
superioridade de Shankarâchârya acha-se estabelecida por isso também claramente no Islamismo; mas o mesmo não ocorre com as
mesmo, mesmo que não tenha sido essa a intenção de Thibaut, para doutrinas mais orientais. Para essas, podemos falar de uma espécie
quem a questão da verdade intrínseca das idéias parece não se de “esoterismo natural”, que existe inevitavelmente em toda
colocar. Na verdade, os Brahma-Sûtras, fundamentando-se direta e doutrina, e sobretudo na ordem metafísica, onde importa deixar
exclusivamente sobre os Upanishads, não podem afastar-se daí; sempre a parte do inexprimível, que é inclusive o que há de mais
apenas sua brevidade, que os torna um pouco obscuros quando essencial, porque as palavras e os símbolos não tem em suma outra
isolados de todo comentário, pode escusar aqueles que acreditam razão de ser do que ajudar a concebê-lo, fornecendo os “suportes”
encontrar neles outra coisa que não seja uma interpretação para um trabalho que só pode ser estritamente pessoal. Deste ponto
autorizada e competente da doutrina tradicional. Assim, a discussão de vista, a distinção de exoterismo e de esoterismo não é outra coisa
é realmente sem objetivo, e tudo o que podemos reter, é a que a diferença entre “letra” e “espírito”; e podemos assim aplicá-la
constatação de que Shankarâchârya destacou e desenvolveu mais à pluralidade de sentidos mais ou menos profundos que apresentam
completamente aquilo que está essencialmente contido nos os textos tradicionais, ou, se se prefere, as Escrituras sagradas de
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todos os povos. Por outro lado, está claro que um mesmo todas as partes do Veda; e de resto esta é uma interpretação que
ensinamento doutrinal não é compreendido igualmente por todos que jamais foi proposta nem admitida por nenhum Hindu competente.
o recebem; dentre esses, existem aqueles, num certo sentido, Na realidade, o nome dos Upanishads indica que eles são destinados
penetram no esoterismo, enquanto que outros se mantém no a destruir a ignorância fornecendo os meios para aproximar-se do
exoterismo porque seu horizonte intelectual é mais limitado; mas Conhecimento supremo; e, se é questão de aproximar-se deste, é
não é deste modo que o entendem aqueles que falam de porque de fato ele é rigorosamente incomunicável em sua essência,
“Brahmanismo esotérico”. Na realidade, dentro do Brahmanismo, o de sorte que ninguém pode atingi-lo se não for por si mesmo.
ensinamento é acessível, em sua integridade, a todos aqueles que são
intelectualmente “qualificados” (adhikârîs), vale dizer capazes de Uma outra expressão que nos parece ainda mais imprópria que a de
retirar dele um benefício efetivo; e, se existem doutrinas reservadas a “Brahmanismo esotérico”, é a de “teosofia brahmânica”, que foi
uma elite, é porque não poderia ser de outro modo quando se trata de empregada por Oltramare; e este, aliás, informa mesmo não tê-la
um ensinamento distribuído com discernimento e segundo as adotado sem hesitação, porque ela lhe parecia “legitimar as
capacidades reais de cada um. Se o ensinamento tradicional não é pretensões dos teósofos ocidentais” ao aval da Índia, pretensões que
esotérico no sentido próprio deste termo, ele é verdadeiramente ele julga totalmente mal fundamentadas. É verdade que é preciso
“iniciático”, e ele difere profundamente, por todas as suas evitar tudo o que pode dar lugar a confusões; mas existem outras
modalidades, da instrução “profana” a respeito de cujo valor os razões mais graves e decisivas para não admitir a denominação
Ocidentais modernos iludem-se singularmente; é o que já indicamos proposta. Se os pretensos teósofos de que fala Oltramare ignoram
quando falamos de “Ciência sagrada” e da impossibilidade de praticamente tudo das doutrinas hindus e apenas emprestaram delas
“vulgarizá-la”. alguns termos que eles empregam a torto e a direito, tampouco eles
estão ligados à verdadeira teosofia, mesmo ocidental; é por isso que
Esta última observação nos leva a uma outra: no Oriente, as sempre distinguimos cuidadosamente “teosofia” de “teosofismo”.
doutrinas tradicionais sempre tiveram o ensinamento oral como Mas, deixando de lado o teosofismo, diremos que nenhuma doutrina
modo de transmissão regular, e isso mesmo nos casos em que elas hindu tem com a teosofia pontos em comum suficientes para que se
tenham sido fixadas em textos escritos; isto é assim por razões lhes possa atribuir o mesmo nome; isto resulta imediatamente do
profundas, pois não são apenas palavras que devem ser transmitidas, fato que este vocábulo designa exclusivamente concepções de
mas é sobretudo a participação efetiva à tradição que deve ser inspiração mística, portanto religiosa, e mesmo ainda
assegurada. Nesses termos, não significa nada dizer, como Max especificamente cristã. A teosofia é algo propriamente ocidental;
Müller e outros orientalistas, que a palavra Upanishad designa o porque pretender aplicar este mesmo termo a doutrinas para as quais
conhecimento obtido “assentando-se aos pés de um preceptor”; esta ele não foi feito, e para as quais ele não se aplica melhor do que
denominação, se este fosse o sentido, conviria indistintamente a qualquer outro rótulo dos sistemas filosóficos do Ocidente?
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Repetimos: não é de religião que se trata aqui; assim, não há porque Divina” não passa de uma determinação enquanto princípio da
se falar em teosofia, tanto quanto de teologia; esses dois termos manifestação universal e em relação a esta. A consideração de
aliás, começaram tendo o mesmo sentido, embora tenham, por Ishwara é portanto um ponto de vista já relativo: é a mais alta das
razões históricas, tomado acepções completamente diferentes (8). relatividades, a primeira de todas as determinações, mas nem por
Pode-se objetar que nós mesmos usamos há pouco a expressão isso deixa de ser “qualificado” (saguna), e “concebido
“Conhecimento Divino”, que é em suma eqüivalente ao significado distintivamente” (savishêsha), enquanto que Brahma é “não-
primitivo das palavras “teosofia” e “teologia”; isso é verdade, mas, qualificado” (nirguna) e “além de qualquer distinção” (nirvishêsha),
antes de mais nada, não se pode empregar estes dois termos só tendo absolutamente incondicionado, e que a manifestação inteira é
em conta sua etimologia, pois é impossível abstrair as mudanças de rigorosamente nula diante de Sua infinitude. Metafisicamente, a
sentido que sofreram ao longo do uso. Ademais, reconhecemos que a manifestação só pode ser vista em sua dependência em relação ao
própria expressão “Conhecimento Divino” não está perfeitamente Princípio Supremo, e a título de simples “suporte” para se elevar ao
adequada, mas não há outra melhor à disposição para explicar aquilo Conhecimento transcendente, ou ainda, se tomamos as coisas em
de que se trata, dada a inaptidão das línguas européias para exprimir sentido inverso, a título de aplicação da Verdade principial; em todo
idéias puramente metafísicas; de resto, acreditamos não haver caso, não se deve ver, naquilo que se refere a ela, nada além de uma
inconveniente sério em empregá-la, considerando que temos o espécie de “ilustração” destinada a facilitar a compreensão do “não-
cuidado de não tingir a expressão das nuances religiosas que ela manifestado”, objeto essencial da metafísica, e a permitir assim,
possui quando relacionada às concepções ocidentais. Apesar disso, como o dissemos ao interpretarmos a denominação dos Upanishads,
poderia ainda restar um equívoco, pois o termo sânscrito que melhor a aproximação ao Conhecimento por excelência (9).
se traduz por “Deus” não é Brahma, mas Ishwara; apenas, o
emprego do adjetivo “divino”, mesmo na linguagem comum, é
menos estrito, mais vago talvez, e assim se presta melhor do que o
substantivo do qual deriva, para uma transposição como a que
efetuamos aqui. O que é preciso lembrar, é que termos como os de
“teologia” e “teosofia”, mesmo tomados etimologicamente e fora de
qualquer intervenção do ponto de vista religioso, só poderiam
traduzir-se em sânscrito como Ishwara-Vidyâ; ao contrário, o que
tomamos aproximadamente como “Conhecimento Divino”, quando
se trata do Vêdânta, é Brahma-Vidyâ, pois o ponto de vista da
metafísica pura implica essencialmente na consideração de Brahma
ou do Princípio Supremo, do qual Ishwara ou a “Personalidade
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em cima, e o que está em cima é como o que está embaixo”; mas, para
melhor compreender esta fórmula e aplicá-la corretamente, é preciso se
reportar ao “Selo de Salomão”, formado por dois triângulos dispostos
em sentido inverso um do outro.
NOTAS 7. Existem traços deste simbolismo até na linguagem: não é sem motivo
que, notadamente, uma mesma raiz man ou men serviu, em diversas
línguas, para formar numerosas palavras que designam a um só tempo
1. Só se pode abrir uma exceção para um sentido muito particular da a lua, a memória, o “mental” ou o pensamento discursivo, e o próprio
“filosofia hermética”; não é preciso dizer que é apenas este sentido, homem enquanto ser especificamente “racional”.
por sinal quase ignorado pelos modernos, que temos em vista 8. Uma observação semelhante poderia ser feita para as palavras
presentemente. “astrologia” e “astronomia”, que eram primitivamente sinônimos, e das
2. A raiz vid, de onde derivam Veda e vidyâ, significa ao mesmo tempo quais cada uma, entre os Gregos, designavam juntas aquilo que uma e
“ver” (em latim videre) e “saber” (como no grego ); a vista é outra vieram mais tarde a designar separadamente.
tomada como símbolo do conhecimento, do qual ela é o principal 9. Para mais detalhes sobre todas as considerações preliminares que
instrumento na ordem sensível; e esse simbolismo é transportado até a tivemos que indicar sumariamente neste capítulo, recomendamos
ordem intelectual pura, onde o conhecimento é comparado a uma nosso estudo Introduction Générale à l’Étude des Doctrines Hindoues,
“visão interior”, como o indica o emprego de termos como o de no qual tratamos estas questões de modo mais particular.
“intuição”, por exemplo.
3. Encontramos algo de semelhante em outras tradições: assim, no
Taoísmo, fala-se dos oito “imortais”; em outra parte, é Melki-Tsedeq
que “não tem pai, nem mãe, nem genealogia, nem começo ou fim de
sua vida” (São Paulo, Epístola aos Hebreus, VII, 3); e seria fácil
encontrar diversas outras aproximações do gênero.
4. termo Shârîraka foi interpretado por Râmânuja, em seu comentário
(Shrî-Bhâshya) sobre os Brahma-Sûtras, 1º Adhyâya, 1º Pâda, Sûtra
13, como referindo-se ao “Supremo Si” (Paramâtmâ) que é de certa
forma “incorporado” (shârîra) em todas as coisas.
5. A percepção (pratyaksha) e a indução ou inferência (anumâna) são,
segundo a lógica hindu, os dois “meios de prova” (pramânas) que
podem ser legitimamente empregados no domínio do conhecimento
sensível.
6. Na tradição hermética, o princípio da analogia é expresso por essa
frase da Tábua de Esmeralda: “O que está embaixo é como o que está
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simples; de resto, é somente ela, e não a personalidade, que pode ser um, submetido a condições de existência muito particulares que o
chamada propriamente de humana. De um modo geral, parece que os definem, constitui a porção, ou antes a determinação particular deste
Ocidentais, mesmo quando pretendem ir mais longe em suas ser que é a individualidade humana. O “Si” é assim o princípio pelo
concepções, tomam como sendo a personalidade algo que não é mais qual existem, cada um em seu domínio próprio, todos os estados do
do que a parte superior da individualidade, ou uma simples extensão ser; e isso deve ser entendido, não apenas para os estados individuais
desta (1); nestas condições, tudo o que é de ordem metafísica como o estado humano, como para os supra-individuais, e também –
permanece forçosamente fora de sua compreensão. embora o termo “existir” se torne então impróprio – para o estado
não-manifestado, que compreende todas as possibilidades que não
O “Si” é o princípio transcendente e permanente do qual o ser são susceptíveis de nenhuma manifestação, ao mesmo tempo que as
manifestado, o ser humano por exemplo, não passa de uma próprias possibilidades de manifestação em modo principial; mas
modificação transitória e contingente, modificação que não poderia este “Si” só existe por si, não havendo nem podendo haver, na
de resto afetar de modo algum o princípio, assim como o unidade total e indivisível de sua natureza íntima, nenhum princípio
explicaremos a seguir. O “Si”, enquanto tal, não é jamais que lhe seja exterior (2).
individualizado, e não pode sê-lo, pois, devendo ser sempre
encarado sob o aspecto da eternidade e da imutabilidade que são os O “Si”, considerado em relação ao ser como o fizemos, é
atributos necessários do Ser puro, ele não é evidentemente propriamente a personalidade; poderíamos, é verdade, restringir o
susceptível de nenhuma particularização, que o faria ser “outro do uso dessa palavra ao “Si” como princípio dos estados manifestados,
que si mesmo”. Imutável em sua natureza própria, ele desenvolve assim como a “Personalidade Divina”, Ishwara, é o princípio da
somente as possibilidades indefinidas que comporta em si mesmo, manifestação universal; mas podemos também estende-lo
pela passagem relativa da potência ao ato através de uma analogamente ao “Si” como princípio de todos os estados do ser,
indefinidade de graus, e isso sem que sua permanência essencial seja manifestados e não-manifestados. Esta personalidade é uma
afetada, precisamente porque essa passagem não é senão relativa, e determinação imediata, primordial e não particularizada, do
porque esse desenvolvimento só existe, a bem dizer, na medida em princípio que é chamado em sânscrito Atmâ ou Paramâtmâ, e que
que o vemos do lado da manifestação, fora da qual não cabe falar em podemos, na falta de melhor termo, designar como o “Espírito
sucessão de espécie alguma, mas apenas em perfeita simultaneidade, Universal”, mas, bem entendido, com a condição de não ver no
de modo que mesmo aquilo que é virtual sob um certo aspecto não emprego da palavra “espírito” nada que possa lembrar as concepções
deixa de se realizar no “eterno presente”. Em relação à manifestação, filosóficas ocidentais e, notadamente, e de não toma-lo como
podemos dizer que o “Si” desenvolve suas possibilidades em todas correlativo de “matéria” como acontece muitas vezes entre os
as modalidades de realização, em multitude indefinida, que são para modernos, que sofrem a respeito, mesmo inconscientemente, a
o ser total outros tantos estados diferentes, estados dos quais apenas influência do dualismo cartesiano (3). A metafísica verdadeira,
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repetimos, esta muito além de todas as oposições das quais esta entre torne efetivamente distinto de Atmâ seja lá de que modo for, pois ele
o “espiritualismo” e o “materialismo” nos fornece o tipo, e ela não se não pode ser “outro do que si mesmo”, como dissemos mais acima, e
preocupa absolutamente com estas questões mais ou menos ele não poderia ser afetado pelo ponto de vista a partir do qual se o
particulares, e freqüentemente artificiais, que fazem surgir encare, assim como por qualquer outra contingência. O que é preciso
semelhantes oposições. frisar, é que, na medida mesma em que fazemos esta distinção,
distanciamo-nos da consideração direta do “Si” para considerarmos
Atmâ penetra todas as coisas, que são como que modificações apenas seu reflexo na individualidade humana, ou em qualquer outro
acidentais suas, e que, segundo a expressão de Râmânuja, estado do ser, pois é evidente que, diante do “Si”, todos os estados
“constituem de certa forma seu corpo (esse termo deve ser entendido de manifestação são rigorosamente eqüivalentes e podem ser
aqui em sentido puramente analógico), sejam elas de natureza encarados do mesmo modo; mas, presentemente, é a individualidade
inteligente ou não-inteligente”, ou seja, segundo as concepções humana que nos concerne de modo mais particular. Este reflexo de
ocidentais, “espirituais” assim como “materiais”, pois isto, que não que falamos determina o que podemos chamar de centro dessa
exprime senão a diversidade de condições dentro da manifestação, individualidade; mas, se o isolamos de seu princípio, ou seja do “Si”,
não faz nenhuma diferença diante do princípio incondicionado e ele só terá uma existência ilusória, pois é do princípio que ele tira
não-manifestado. Este, com efeito, é o “Supremo Si” (é a tradução toda sua realidade, e ele não possui efetivamente essa realidade
literal de Paramâtmâ) de tudo o que existe, sob qualquer modo que senão por sua participação na natureza do “Si”, ou seja na medida
seja, e ele permanece sempre “o mesmo” através da multiplicidade em que se identifica a ele por universalização.
indefinida dos graus da Existência, entendida no sentido universal,
assim como para além da Existência, ou seja dentro da não- A personalidade, repetimos, é essencialmente da ordem dos
manifestação principial. princípios no sentido mais estrito desse termo, ou seja da ordem
universal; ela não pode portanto ser encarada senão do ponto de vista
O “Si”, mesmo para um ser qualquer, é na realidade idêntico a Atmâ, da metafísica pura, que tem precisamente por domínio o Universal.
por estar além de toda distinção e de toda particularização; é por isso Os “pseudo-metafísicos” do Ocidente tem o hábito de confundir com
que, em sânscrito, a mesma palavra âtman, nos casos que não o o Universal coisas que, na verdade, pertencem à ordem individual;
nominativo, substitui o pronome reflexivo “si mesmo”. O “Si”, ou antes, como eles não concebem de modo algum o Universal,
portanto, só é distinto de Atmâ se o encaramos de modo particular e aquilo ao que eles aplicam abusivamente este nome é normalmente o
“distintivamente” em relação a um ser e, mais precisamente, em “geral”, que não passa de uma simples extensão do individual.
relação a um certo estado definido deste ser, tal como o estado Alguns levam a confusão ainda mais longe: os filósofos
humano, e apenas quando o consideramos sob esse ponto de vista “empiristas”, que não podem conceber sequer o geral, assimilam-no
especializado e restrito. Nesse caso, de resto, não é que o “Si” se ao coletivo, que na verdade não passa do particular; e, por essas
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degradações sucessivas, chegamos finalmente a rebaixar todas as Universal, inclusive por se tratar de uma manifestação que é ainda
coisas ao nível do conhecimento sensível, que muitos consideram de principial de certa forma, ao menos em comparação como os estados
fato como o único possível, porque seu horizonte mental não se individuais; mas isso, bem entendido, não deve fazer esquecer que
estende além desse domínio e porque eles pretendem impor a todos tudo o que é manifestado, mesmo nestes graus superiores, é
as limitações que só resultam de sua própria incapacidade, seja necessariamente condicionado, vale dizer relativo. Se considerarmos
natural, seja adquirida por uma educação específica. as coisas desse modo, o Universal será, não mais apenas o não-
manifestado, mas o informal, compreendendo ao mesmo tempo o
Para prevenir erros como os que assinalamos, daremos aqui, de uma não-manifestado e os estados de manifestação supra-individuais;
vez por todas, o quadro seguinte, que estabelece as distinções quanto ao individual, ele contém todos os graus da manifestação
essenciais a esse respeito, e ao qual pedimos aos leitores de se formal, ou seja todos os estados onde os seres são revestidos de
reportarem quando for necessário, a fim de evitarmos repetições formas, pois o que caracteriza propriamente a individualidade e a
fastidiosas: constitui essencialmente como tal, é precisamente a presença da
forma entre as condições limitativas que definem e determinam um
Universal estado de existência. Podemos agora reunir essas últimas
Individual Geral considerações no quadro seguinte:
Particular Coletivo
Singular
Universal Não-manifestação
É importante acrescentar que a distinção do Universal e do Manifestação Informal
individual não deve ser vista como uma correlação, pois o segundo Individual Manifestação Formal Estado Sutil
destes dois termos, anulando-se totalmente diante do primeiro, não Estado Grosseiro
poderia ser-lhe oposto de modo nenhum. O mesmo ocorre no que diz
respeito ao não-manifestado e ao manifestado; de resto, poderia As expressões “estado sutil” e “estado grosseiro”, que se referem a
parecer à primeira vista que o Universal e o não-manifestado graus diferentes da manifestação formal, serão explicados mais
deveriam coincidir e, de um certo ponto de vista, sua identificação adiante; mas podemos indicar desde já que essa última distinção só é
seria de fato justificada, pois, metafisicamente, é o não-manifestado válida com a condição de tomar como ponto de partida a
que é essencial. Entretanto, é preciso levar em conta certos estados individualidade humana, ou mais exatamente o mundo corporal ou
de manifestação, que, por serem informais, são por isso mesmo sensível. O “estado grosseiro” de fato, não é outra coisa que a
supra-individuais; se então só distinguirmos o Universal e o própria existência corporal, à qual a individualidade humana, como
individual, deveremos forçosamente reportar esses estados ao veremos, só pertence através de uma das suas modalidades, e não no
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seu desenvolvimento integral; quanto ao “estado sutil”, ele indefinidade de outros estados, cuja soma é ainda nada diante da
compreende, de um lado, as modalidades extra-corporais do ser personalidade, que é apenas ela o ser verdadeiro, por ser apenas ela
humano, ou de qualquer outro ser situado no mesmo grau de seu estado permanente e incondicionado, e somente isso pode ser
existência, e também, por outro lado, todos os estados individuais considerado como absolutamente real. Todo o resto, sem dúvida, é
diversos daquele. Veremos que estes dois termos não são real também, mas apenas de modo relativo, em razão de sua
verdadeiramente simétricos e não podem mesmo ter nenhuma dependência em relação ao princípio e na medida em que reflete
medida comum, porque um deles não representa mais que uma parte qualquer coisa, como a imagem refletida no espelho tira toda a sua
de um dos estados indefinidamente múltiplos que constituem a realidade do objeto, sem o qual ela não teria nenhuma existência;
manifestação formal, enquanto que o outro compreende todo o resto mas essa realidade menor, que só o é por participação, é ilusória em
dessa manifestação (4). A simetria só se encontra, até um certo relação à realidade suprema, como a imagem é ilusória em relação
ponto, se nos restringirmos à consideração única da individualidade ao objeto; e, se a quisermos isolar do princípio, esta ilusão se tornará
humana, e é de resto deste ponto de vista que a distinção de que se irrealidade pura e simples. Compreendemos por aí que a existência,
trata é estabelecida em primeiro lugar pela doutrina hindu; mesmo se vale dizer o ser condicionado e manifestado, é ao mesmo tempo real
pretendermos ultrapassar esse ponto de vista, e se o encaramos em um certo sentido e ilusória em outro; e é um dos pontos
mesmo apenas para ultrapassá-lo, não deixa de ser verdade que é essenciais que jamais entenderam os ocidentais que tanto
preciso toma-lo inevitavelmente como base e como termo de deformaram o Vêdânta com suas interpretações erradas e cheias de
comparação, pois é o que concerne ao estado em que nos preconceitos.
encontramos atualmente. Diremos então que o ser humano, encarado
em sua integridade, comporta um certo conjunto de possibilidades Devemos ainda advertir mais especificamente os filósofos que o
que constituem sua modalidade corporal ou grosseira, mais uma Universal e o individual não são, para nós, aquilo que eles
multitude de outras possibilidades que, estendendo-se em diversos denominam “categorias”; e devemos lembrá-los, pois os modernos
sentidos para além dela, constituem suas modalidades sutis; mas parecem ter-se esquecido que as “categorias”, no sentido aristotélico
todas estas possibilidades juntas não representam entretanto mais do do termo, não são outra coisa que o mais geral dos gêneros, de sorte
que um só e mesmo grau da Existência universal. Resulta daí que a que elas pertencem ainda ao domínio do individual, do qual aliás
individualidade humana é ao mesmo tempo muito mais e muito elas marcam o limite de um certo ponto de vista. Seria mais justo
menos do que o crê normalmente a maioria dos Ocidentais: muito assimilar ao Universal aquilo que os escolásticos chamavam
mais, porque eles só conhecem dela a modalidade corporal, que não “transcendentais”, que precisamente ultrapassam todos os gêneros,
passa de uma porção ínfima das suas possibilidades; mas também inclusive as “categorias”; mas, se os “transcendentais” são de fato de
muito menos, porque essa individualidade, longe de ser realmente o ordem universal, seria ainda um erro considerar que eles são todo o
ser total, não é mais que um estado desse ser, dentre uma Universal, ou mesmo que eles sejam o que há de mais importante a
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considerar para a metafísica pura: eles são co-extensivos ao Ser, mas NOTAS
não vão além do Ser, onde de resto se detém a doutrina dentro da
qual são considerados. Ora, se a “ontologia” ou o conhecimento do
Ser provém realmente da metafísica, ela está longe de ser a 1. Léon Daudet, em algumas de suas obras (L’Hérédo e Le monde des
metafísica completa e total, pois o Ser não é o não-manifestado em Images), distinguiu no ser humano aquilo que ele chamou de “si” e
si, mas apenas o princípio da manifestação; por conseguinte, o que “eu”; mas ambos, para nós, fazem igualmente parte da individualidade,
está além do Ser importa muito mais ainda, metafisicamente, do que e tudo isto é do campo da psicologia, que não atinge nunca a
o próprio Ser. Em outros termos, é Brahma, e não Ishwara, que deve personalidade; esta distinção indica entretanto uma espécie de
ser reconhecido como o Princípio Supremo; é o que declaram pressentimento que é digno de nota num autor que não tem a pretensão
de ser metafísico.
expressamente e antes de tudo os Brahma-Sûtras, que começam por
2. Faremos uma exposição mais completa, em outros estudos, da teoria
estas palavras: “Aqui começa o estudo de Brahma”, ao que dos estados múltiplos do ser; aqui apenas indicamos o que é
Shankarâchârya acrescenta esse comentário: “Ao iniciar a procura de indispensável para compreender o que concerne à constituição do ser
Brahma, este primeiro sûtra recomenda um estudo refletido dos humano.
textos dos Upanishads, feito com a ajuda de uma dialética que 3. Teologicamente, quando se diz que “Deus é puro espírito”, é provável
(tomando-os por base e por princípio) não esteja jamais em que isso não se deva entender no sentido em que “espírito” se opõe a
desacordo com eles, e que, como eles (mas como simples meio “matéria” e onde esses dois termos podem entender-se um em relação
auxiliar), propõe por fim a Libertação”. ao outro, pois assim se chegaria a uma concepção “demiúrgica” mais
ou menos vizinha àquela que se atribui ao Maniqueísmo; também é
verdade que uma tal expressão pode causar facilmente falsas
interpretações, chegando a substituir o Ser puro por “um ser”.
4. Podemos fazer compreender essa assimetria por uma observação de
aplicação corrente, que provém simplesmente da lógica comum: se
considerarmos um atributo ou uma qualidade qualquer, podemos
dividir todas as coisas possíveis em dois grupos, que são, de um lado, o
das coisas que possuem esta qualidade, e de outro as que não a
possuem; mas, enquanto que o primeiro grupo se acha assim definido e
determinado positivamente, o segundo, que só está caracterizado de
modo puramente negativo, não está por isso limitado e é
verdadeiramente indefinido; não existe assim simetria, nem medida
comum entre estes dois grupos, que assim não constituem realmente
uma divisão binária, e cuja distinção só vale do ponto de vista especial
da qualidade tomada como ponto de partida, pois o segundo grupo não
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O si, como vimos, não deve ser distinto de Atmâ; e, por outro lado,
Atmâ identifica-se ao próprio Brahma; é o que podemos chamar de
“Identidade Suprema”, a partir de uma expressão emprestada ao
esoterismo islâmico, cuja doutrina, sobre esse ponto como em
muitos outros, e malgrado grandes diferenças na forma, é no fundo a
mesma que a tradição hindu. A realização desta identidade opera-se
pelo Yoga, ou seja pela união íntima e essencial do ser com o
Princípio Divino ou, se se preferir, com o Universal; o sentido
próprio da palavra Yoga, de fato, é “união” e nenhum outro (1),
apesar das interpretações múltiplas e todas mais ou menos fantasistas
que foram propostas pelos orientalistas e teosofistas. Convém
lembrar que esta realização não deve ser considerada propriamente
como uma “efetivação”, ou com “a produção de um resultado não
preexistente”, segundo a expressão de Shankarâchârya, pois a união
de que se trata, mesmo não realizada atualmente no sentido em que
entendemos aqui, não deixa de existir ao menos potencialmente, ou
antes virtualmente; trata-se portanto apenas, para o ser individual
(pois é somente em relação a este que se pode falar em “realização”)
de tomar efetivamente consciência daquilo que é realmente e por
toda a eternidade.
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É por isso que é dito que é Brahma que reside no centro vital do ser como centro da individualidade integral, deve-se ter o cuidado de
humano, e para todos os seres humanos, não apenas para aquele que não tomar a analogia como uma assimilação, não havendo aí mais do
está “unido” ou “liberto”, sendo que estas duas palavras designam que uma correspondência, que aliás não tem nada de arbitrária, mas
em suma a mesma coisa encarada sob dois aspectos diferentes, o que é perfeitamente fundamentada, embora os contemporâneos
primeiro em relação ao Princípio, o segundo em relação à sejam por hábito levados a desdenhar as razões profundas.
manifestação ou à existência condicionada. Este centro vital é
considerado como correspondendo analogamente ao menor “Na morada de Brahma (Brahma-pura)”, vale dizer no centro vital
ventrículo (guha) do coração (hridaya), mas não deve ser de que falamos, “existe um pequeno lótus, um lugar no qual há uma
confundido com o coração no sentido comum do termo, ou seja com pequena cavidade (dahara) ocupada pelo Éter (Akâsha); devemos
o órgão fisiológico que tem esse nome, pois ele é na verdade o procurar Aquilo que existe nesse lugar, e O conheceremos” (2). O
centro, não apenas da individualidade corporal, mas da que reside neste centro da individualidade, com efeito, não é apenas
individualidade integral, susceptível de uma extensão indefinida em o elemento etéreo, princípio dos outros quatro elementos sensíveis,
seu domínio (que de resto não passa de um estado de Existência), e como poderiam crer os que se detém no sentido mais exterior, que se
do qual a modalidade corporal não é mais do que uma porção, e refere unicamente ao mundo corporal, no qual este elemento
mesmo muito restrita, como já dissemos anteriormente. O coração é desempenha realmente o papel de princípio, mas numa acepção
considerado como o centro da vida, e o é com efeito, do ponto de totalmente relativa, como esse mundo mesmo é eminentemente
vista fisiológico, em relação à circulação do sangue, ao qual a relativo, e é precisamente esta acepção que se deve transpor
vitalidade é essencialmente ligada de modo especial, como analogamente. É apenas a título de “suporte” para essa transposição
concordam todas as tradições; mas além disso ele é considerado que o Éter é aqui designado, e o fim do texto o indica
como tal, numa ordem superior, e simbolicamente de certo modo, expressamente, pois, se não se tratasse de outra coisa em realidade,
em relação à Inteligência universal (no sentido do termo árabe El- não haveria nada a se procurar; e acrescentaremos que o lótus e a
Aqlu) em suas relações com o indivíduo. Convém notar a propósito cavidade devem ser também vistos simbolicamente, pois não é
que os próprios Gregos, e Aristóteles entre eles, atribuíam o mesmo literalmente que se deve entender uma tal “localização”, uma vez
papel ao coração, que eles consideravam também a sede da que, ultrapassado o ponto de vista da individualidade corporal, as
inteligência, se podemos nos expressar assim, e não do sentimento demais modalidades não estão mais submetidas à condição espacial.
como o fazem normalmente os modernos; o cérebro, com efeito, não
é verdadeiramente senão um instrumento do “mental”, vale dizer do Aquilo de que se trata verdadeiramente, não é sequer a “alma viva”
pensamento em modo reflexivo e discursivo; e assim, segundo um (jîvâtmâ), ou seja a manifestação particular do “Si” dentro da vida
simbolismo que já indicamos, o coração corresponde ao sol e o (jîva), portanto no indivíduo humano, visto mais particularmente sob
cérebro à lua. Não é preciso dizer que, quando designamos o coração o aspecto vital expresso em uma das condições de existência que
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definem propriamente seu estado, e que de resto se aplica a todo o germe; mas o indivíduo e a manifestação inteira só existem em
conjunto de suas modalidades. Com efeito, metafisicamente, esta função dele e não possuem realidade senão por participação à sua
manifestação não deve ser considerada separadamente de seu essência, e ele ultrapassa imensamente toda a existência, sendo o
princípio, que é o “Si”; e, se este aparece como jîva no domínio da Princípio único de todas as coisas.
existência individual, portanto em modo ilusório, ele é Atmâ na
realidade suprema. “Este Atmâ, que reside no coração, é menor do Se dizemos que o “Si” está potencialmente no indivíduo, e que a
que um grão de arroz, menor do que um grão de cevada, menor do “União” só existe virtualmente antes da realização, é claro que isto
que um grão de mostarda, menor do que um grão de milho, menor deve ser entendido apenas do ponto de vista do próprio indivíduo.
do que o germe que está dentro do grão de milho; este Atmâ, que Com efeito, o “Si” não é afetado por nenhuma contingência, por ser
reside no coração, é também maior do que a terra (o domínio da essencialmente incondicionado; ele é imutável em sua “permanente
manifestação grosseira), maior do que a atmosfera (o domínio da atualidade”, e assim ele não poderia ter em si nada de potencial. É
manifestação sutil), maior do que o céu (o domínio da manifestação preciso também distinguir “potencialidade” de “possibilidade”: a
informal), maior do que todos estes mundos juntos (ou seja além de primeira implica a aptidão para um certo desenvolvimento, ela supõe
toda manifestação, sendo assim incondicionado)” (3). É que, de fato, uma “atualização” possível, e só pode aplicar-se assim em relação ao
como a analogia deve ser aplicada em sentido inverso com já “devir” ou à manifestação; ao contrário, as possibilidades, vistas no
assinalamos, assim como a imagem de um objeto num espelho é estado principial e não-manifestado, que exclui todo “devir”, não
inversa em relação ao objeto, aquilo que é o primeiro ou o maior na poderiam nunca ser consideradas como potenciais. Apenas, para o
ordem principial é, ao menos em aparência, o último ou o menor na indivíduo, todas as possibilidades que o ultrapassam aparecem como
ordem da manifestação (4). Para tomarmos termos de comparação potenciais, porque, na medida em que ele se considera em modo
no domínio da matemática, a fim de tornar a coisa mais “separativo”, como se ele fosse um ser independente, tudo o que ele
compreensível, é assim que o ponto geométrico é nulo pode atingir não passa de um reflexo (âbhâsa) e não as
quantitativamente e não ocupa nenhum espaço, embora seja ele o possibilidades em si; e, mesmo que não haja aí mais do que uma
princípio pelo qual se produz todo o espaço, que não passa de um ilusão, podemos dizer que elas permanecem sempre potenciais para
desenvolvimento de suas próprias virtualidades (5); é assim o indivíduo, pois não é enquanto indivíduo que ele as pode alcançar,
igualmente que a unidade aritmética é o menor dos números se o e que, desde que elas se realizam, não há mais verdadeiramente
encaramos situando-se na sua multiplicidade, mas é o maior em individualidade, como explicaremos mais detalhadamente quando
princípio, porque contém a todos virtualmente e produz toda a sua formos tratar da “Libertação”. Mas, aqui, devemos nos colocar além
série apenas pela repetição indefinida de si mesmo. O “Si” está do ponto de vista individual, o qual, mesmo dito ilusório, não deixa
apenas potencialmente no indivíduo, na medida em que a “União” de ter a realidade de que é susceptível em sua ordem; então mesmo
não se realiza (6), e é por isso que ele é comparado a um grão ou um quando considerarmos o indivíduo, só pode ser na medida em que
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ele depende essencialmente do Princípio, único fundamento desta manifestação universal)... Este lugar não é iluminado nem pelo sol,
realidade, e na medida em que, virtual ou efetivamente, ele se nem pela lua, nem pelo fogo; lá é minha morada suprema”(10).
integra ao ser total; metafisicamente, tudo deve ser reportado ao Purusha é representado como uma luz (jyotis), porque a luz
Princípio, que é o “Si”. simboliza o Conhecimento; e ele é a fonte de todas as outras luzes,
que não passam de reflexos seus, porque o conhecimento relativo só
Assim, aquilo que reside no centro vital, do ponto de vista físico, é o pode existir por participação, por distante e indireta que seja, à
Éter; do ponto de vista psíquico, é a “alma viva”, e, até aí, não essência do Conhecimento supremo. Na luz deste Conhecimento,
ultrapassamos o domínio das possibilidades individuais; mas todas as coisas estão em perfeita simultaneidade, pois,
também, e sobretudo, do ponto de vista metafísico, é o “Si” principialmente, só pode haver aí um “eterno presente”, uma vez que
principial e incondicionado. É então na verdade o “Espírito a imutabilidade exclui qualquer sucessão; e é só na ordem do
Universal” (Atmâ) que é, realmente, o próprio Brahma, o “Supremo manifestado que se traduzem em modo sucessivo (o que não
Ordenador”; e assim se justifica plenamente a designação desse significa necessariamente temporal) as relações das possibilidades
centro como Brahma-pura. Ora, Brahma, considerado desta maneira que, em si, estão eternamente contidas no Princípio. “Este Purusha,
no homem (e poderíamos considerá-lo semelhantemente em relação do tamanho de um polegar (angushtha-mâtra, expressão que não
a qualquer estado do ser), é chamado Purusha, porque ele repousa deve ser entendida literalmente como atribuindo-lhe uma dimensão
ou habita na individualidade (trata-se, repetimos, da individualidade espacial, mas que se refere à mesma idéia da comparação com um
integral, e não da individualidade restrita à sua modalidade corporal) grão) (11), é de uma luminosidade clara como um fogo sem fumaça
como em uma cidade (puri-shaya), pois pura, no seu sentido próprio (sem nenhuma mistura de obscuridade ou ignorância); ele é o mestre
e literal, significa “cidade” (7). do passado e do futuro (por ser eterno, portanto onipresente, de
modo que ele contém atualmente tudo o que aparece como passado e
No centro vital, residência de Purusha, “o sol não brilha, nem a lua, como futuro em relação a um momento qualquer da manifestação, o
nem as estrelas, nem os relâmpagos; menos ainda este fogo visível que pode aliás ser transposto fora do modo especial de sucessão que
(o elemento ígneo sensível, ou Têjas, cuja qualidade própria é a é propriamente o tempo); ele é hoje (no estado atual que constitui a
visibilidade). Tudo brilha conforme a irradiação de Purusha individualidade humana) e ele será amanhã (e em todos os ciclos ou
(refletindo sua claridade); é por seu esplendor que este todo (a estados da existência) tal como ele é (em si, principialmente, por
individualidade integral considerada como “microcosmo”) é toda a eternidade)” (12).
iluminada”(8). A mesma coisa pode ser encontrada no Bhagavad-
Gîtâ (9): “É preciso procurar o lugar (simbolizando um estado) a
partir de onde não há mais retorno (à manifestação), e refugiar-se no
Purusha primordial do qual saiu a impulsão original (da
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nos aparecem como resultando de algum modo de uma polarização (4), ou, para empregar a linguagem de certas escolas ocidentais,
do ser principial. entre o “macrocosmo” e o “microcosmo” (5).
Se, ao invés de considerar cada indivíduo isoladamente, Agora, é indispensável lembrar que a concepção da dupla Purusha-
considerarmos o conjunto do domínio formado por um grau Prakriti não tem nenhuma relação com uma concepção “dualista”
determinado da existência, tal como o domínio individual onde se qualquer, e que, em particular, ela é totalmente diferente do
desenvolve o estado humano, ou qualquer outro domínio análogo de dualismo “espírito-matéria” da filosofia ocidental moderna, cuja
existência manifestada, definido igualmente por um certo conjunto origem na realidade pode ser imputada ao cartesianismo. Purusha
de condições particulares e limitativas, Purusha será, para um tal não pode ser visto como correspondendo à noção filosófica de
domínio (compreendendo todos os seres que aí desenvolvem, tanto “espírito”, como já indicamos a propósito da designação de Atmâ
sucessiva como simultaneamente, sua possibilidades de como “Espírito Universal”, que só é aceitável com a condição de ser
manifestação correspondentes), assimilado a Prajâpati, o “Senhor entendido num sentido bem diferente daquele; e, apesar das
dos seres produzidos”, expressão de Brahma na medida em que é asserções de muitos orientalistas, Prakriti corresponde ainda menos à
concebido como Vontade Divina e Ordenador Supremo (1). Esta noção de “matéria”, que, de resto, é tão completamente estranha ao
Vontade se manifesta mais particularmente, em cada ciclo especial pensamento hindu que não há, em sânscrito, nenhuma palavra que a
de existência, como o Manu deste ciclo, que lhe dá sua Lei traduza, mesmo aproximadamente, o que prova que esta noção nada
(Dharma); com efeito, Manu, como já explicamos, , não deve ser tem de verdadeiramente fundamental. De resto, é muito provável que
visto como um personagem nem como um “mito” (ao menos no os próprios Gregos não tivessem a noção de matéria tal como a
sentido vulgar do termo), mas sim como um princípio, que é entendem os modernos, tanto filósofos como físicos; em todo caso, o
propriamente a Inteligência cósmica, imagem refletida de Brahma (e sentido da palavra hylé, em Aristóteles, é bem o de “substância” em
na realidade uno com Ele), exprimindo-se como Legislador toda sua universalidade, e eidos (que a palavra forma traduz bem
primordial e universal (2). Assim como Manu é o protótipo do mal, devido aos equívocos a que dá lugar) corresponde não menos
homem (mânava), a dupla Purusha-Prakriti, em relação a um estado exatamente à “essência” encarada como correlativa desta
do ser determinado, pode ser considerada como equivalente, no “substância”. Com efeito, estes termos de “essência” e de
domínio de existência que corresponde a este estado, àquilo que o “substância”, tomados em sua acepção mais extensa, são talvez, nas
esoterismo islâmico chama de “Homem Universal” (El-Insânul- línguas ocidentais, aqueles que dão a idéia mais exata do conceito de
kâmil) (3), concepção que pode aliás estender-se a todo o conjunto que se trata, conceito este de ordem bem mais universal que os de
dos estados manifestados, e que estabelece então a analogia “espírito” e “matéria”, e de que este último não representa mais do
constitutiva entre a manifestação universal e sua modalidade humana que um aspecto muito particular, uma especificação em relação a um
estado de existência determinado, fora do qual ele cessa totalmente
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de ser válido, em lugar de ser aplicável à integralidade da dizer, o “determinante” da manifestação; todas as coisas
manifestação universal, com o são os de “essência” e “substância”. manifestadas são de fato produzidas por Prakriti, de que elas são
Ainda temos a acrescentar que a distinção destes últimos, por como que modificações ou determinações, mas, sem a presença de
primordial que seja em relação a todos os outros, não deixa por isso Purusha, essas produções seriam desprovidas de toda realidade. A
de ser relativa: é a primeira de todas as dualidades, aquela da qual opinião segundo a qual Prakriti bastaria a si mesma como princípio
todas as demais derivam direta ou indiretamente, e é aí que começa da manifestação só poderia sair de uma concepção errônea do
propriamente a multiplicidade; mas não se deve ver nesta dualidade Sânkhya, proveniente do fato de que, nesta doutrina, o que é
a expressão de um irredutibilidade absoluta que não caberia aí: é o chamado de “produção” é sempre visto exclusivamente do lado
Ser Universal que, em relação à manifestação da qual é o Princípio, “substancial”, e talvez também porque Purusha seja aí enumerado
polariza-se em “essência” e “substância”, sem que sua unidade como o vigésimo quinto tattwa, de resto inteiramente independente
íntima seja afetada. Lembraremos a esse propósito que o Vêdânta, dos outros, que compreendem Prakriti e todas as suas modificações;
pelo fato de ser puramente metafísico, é essencialmente a “doutrina esta opinião, de resto, seria formalmente contrária ao ensinamento
da não-dualidade” (adwaita-vâda) (6); e, se o Sânkhya pode parecer do Veda.
“dualista” àqueles que não o compreenderam, é porque seu ponto de
vista detém-se na consideração da primeira dualidade, o que não o Mûla-Prakriti é a “Natureza primordial” (chamada em árabe El-
impede de deixar possível tudo o que o ultrapassa, contrariamente ao Fitrah), raiz de todas as manifestações (pois mûla significa “raiz”);
que acontece com as concepções sistemáticas que são próprias dos ela é também chamada Pradhâna, ou seja, “aquilo que está colocado
filósofos. antes de todas as coisas”, porque contém em potência todas as
determinações; segundo os Purânas, ela é identificada com Mâyâ,
É preciso ainda precisar que é Prakriti o primeiro dos vinte e cinco concebida como a “mãe das formas”. Ela é indiferenciada (avyakta)
princípios (tattwas) enumerados no Sânkhya; mas devemos e “indiscernível”, não sendo composta de partes nem dotada de
considerar Purusha antes de Prakriti, porque é inadmissível que o qualidades, podendo apenas ser induzida pelos seus efeitos, pois
princípio plástico ou substancial (no sentido estritamente seria impossível percebe-la por si mesma, e produtiva sem ser ela
etimológico deste último termo, que exprime o “substrato universal”, mesma produção. “Raiz, ela é sem raiz, pois ela não seria raiz se
ou seja o suporte de toda manifestação) (7) seja dotado de tivesse ela mesma uma raiz”(8). “Prakriti, raiz de tudo, não é
“espontaneidade”, porque ele é puramente potencial e passivo, apto a produção. Sete princípios, o grande (Mahat, que é o princípio
qualquer determinação, mas não possuindo atualmente nenhuma. intelectual ou Buddhi) e os outros (ahankâra ou a consciência
Prakriti não pode ser verdadeiramente causa por si mesmo individual, que engendra a noção de “eu”, e os cinco tanmâtras ou
(queremos falar da “causalidade eficiente”), fora da ação ou antes da determinações essenciais das coisas), são ao mesmo tempo
influência do princípio essencial, que é Purusha, e que é, pode-se produções (de Prakriti) e produtivos (em relação aos seguintes).
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Dezesseis (os onze indriyas ou faculdades de sensação e de ação, aqui a estas definições, que já havíamos indicado em outra parte; não
incluindo manas ou o “mental”, e os cinco bhutas ou elementos é aqui o lugar de expor mais completamente estas considerações, que
substanciais e sensíveis) são produções (improdutivas). Purusha não estão um pouco fora de nosso objeto, nem de falar das aplicações
é nem produção nem produtivo (em si mesmo)”(9), embora seja a diversas a que elas dão lugar, notadamente no que diz respeito à
sua ação, ou melhor sua atividade “não-agente”, segundo uma teoria cosmológica dos elementos; esses desenvolvimentos
expressão que emprestamos à tradição extremo-oriental, que encontrarão lugar melhor em outros estudos.
determina essencialmente tudo o que é produção substancial em
Prakriti (10).
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Purusha como múltiplo; mas cabe lembrar que, mesmo neste caso,
Segundo o Bhagavad-Gîtâ, “existem no mundo dois Purushas, um Purusha, considerado como idêntico à personalidade, “é por assim
destrutível e outro indestrutível: o primeiro é repartido entre todos os dizer (3) uma porção (ansha) do Supremo Ordenador (que,
seres; o segundo é imutável. Mas existe um outro Purusha, o mais entretanto, não tem partes, sendo absolutamente indivisível e “sem
alto (uttama), que chamamos Paramâtmâ, e que, Senhor dualidade”), como uma fagulha é do fogo (cuja natureza está inteira
imperecível, penetra e sustenta os três mundos (a terra, a atmosfera e contida na fagulha)” (4). Ele não está submetido às condições que
o céu, representando os três graus fundamentais entre os quais se determinam a individualidade e, mesmo em suas relações com esta,
repartem todos os modos da manifestação). Como eu ultrapasso o ele permanece inafetado pelas condições individuais (tais como, por
destrutível e mesmo o indestrutível (sendo o Princípio Supremo de exemplo, o prazer e a dor), que são puramente contingentes e
um e de outro), eu sou celebrado no mundo e no Veda sob o nome de acidentais, não essenciais ao ser, e que provém todas do princípio
Purushottama”(1). Entre os dois primeiros Purushas, o “destrutível” plástico, Prakriti ou Pradhâna, como de sua raiz única. É desta
é jîvâtmâ, cuja existência distinta é de fato transitória e contingente substância, que contém em potência todas as possibilidades de
como a da própria individualidade, e o “indestrutível” é Atmâ manifestação, que são produzidas as modificações na ordem
enquanto personalidade, princípio permanente do ser através de manifestada, pelo desenvolvimento mesmo destas possibilidades, ou,
todos os seus estados de manifestação (2); quanto ao terceiro, como para empregar a linguagem aristotélica, pela sua passagem da
o próprio texto declara expressamente, ele é Paramâtmâ, de que a potência ao ato. “Toda modificação (parirâna), diz Vijnâna-
personalidade é uma determinação primordial, como já explicamos Bhikshu, da produção original do mundo (ou seja de cada ciclo de
mais acima. Embora a personalidade esteja realmente além do existência) até sua dissolução final, provém exclusivamente de
domínio da multiplicidade, pode-se não obstante falar de uma Prakriti e de seus derivados”, vale dizer dos vinte e quatro
personalidade para cada ser (trata-se naturalmente do ser total, e não primeiros tattwas do Sânkhya.
de um estado encarado isoladamente); é por isso que o Sânkhya, cujo
ponto de vista não atinge Purushottama, apresenta freqüentemente
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Purusha é no entanto o princípio essencial de todas as coisas, pois é comum a todas as doutrinas tradicionais (7). Aqui, no entanto, é
ele que determina o desenvolvimento das possibilidades de Prakriti; preciso fazer uma restrição quanto ao sentido geral, pois Buddhi,
mas ele próprio não entra jamais na manifestação, de modo que mesmo sendo informal e supra-individual, é ainda manifestado, e,
todas as coisas, na medida em que são encaradas em modo por conseguinte, provém de Prakriti, de que é a primeira produção; a
distintivo, são diferentes dele, e nada do que lhes concerne como tais água não pode então representar aqui senão o conjunto potencial das
(constituindo o que se pode chamar o “devir”) poderia afetar sua possibilidades formais, ou seja o domínio da manifestação em modo
imutabilidade. “Assim a luz solar ou lunar (susceptível de individual, e assim ela deixa de fora estas possibilidades informais
modificações múltiplas) parece ser idêntica àquilo que lhe dá que, mesmo correspondendo a estados de manifestação, devem
nascimento (a fonte luminosa considerada como imutável em si entretanto ser reportadas ao universal (8).
mesma), mas no entanto é distinta dela (na sua manifestação
exterior, assim como as modificações ou as qualidades manifestadas
são, como tais, distintas de seu princípio essencial na medida em que
elas não o podem afetar). Como a imagem do sol refletida na água
treme ou vacila, seguindo as ondulações da água, sem entretanto
afetar as outras imagens refletidas nela, e muito menos a órbita solar,
assim também as modificações de um indivíduo não afetam outro
indivíduo, nem sobretudo o próprio Supremo Ordenador (5), que é
Purushottama, e a que a personalidade é realmente idêntica em sua
essência, como toda fagulha é idêntica ao fogo considerado como
indivisível quanto à sua natureza íntima.
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verdadeiro princípio ao qual tudo deve ser reportado ao final. multiplicidade funda-se sobre a unidade, de onde ela saiu e na qual
Poderíamos dizer que existe, a este respeito, o ponto de vista da está contida principialmente. Ao encararmos desta forma o conjunto
“substância” e o da “essência”, e que é o primeiro que é o ponto de da manifestação universal, podemos dizer que, na própria
vista cosmológico, porque ele é o da Natureza e do “devir”; mas, por multiplicidade de seus graus e de seus modos, “a Existência é
outro lado, a metafísica não se limita à “essência” concebida como única”, segundo uma fórmula que emprestamos do esoterismo
correlativa da “substância”, nem mesmo limita-se ao Ser no qual islâmico; e existe aí uma nuance importante a observar entre
estes dois termos estão unificados; ela vai bem mais longe, pois ela “unicidade” e “unidade”: a primeira abarca a multiplicidade como
se estende também a Paramâtmâ ou Purushottama, que é o Supremo tal, a segunda é seu princípio (não a “raiz”, no sentido em que esse
Brahma, e assim seu ponto de vista (se é que esta expressão ainda é termo é aplicado a Prakriti apenas, mas como encerrando em si todas
aplicável aqui) é verdadeiramente ilimitado. as possibilidades de manifestação, tanto “essencialmente” quanto
“substancialmente”). Podemos então dizer que propriamente que o
Por outro lado, quando falamos de diferentes graus da manifestação Ser é um, e que ele é a própria Unidade (2), no sentido metafísico
individual, devemos entender que esses graus correspondem aos da aliás, e não no sentido matemático, pois aqui estamos bem além do
manifestação universal, em razão desta analogia constitutiva entre o domínio da quantidade; entre a Unidade metafísica e a unidade
“macrocosmo” e o “microcosmo” a que fizemos alusão mais acima. matemática, existe analogia, mas não identidade; e, da mesma forma,
Compreenderemos melhor ainda se refletirmos que todos os seres quando se fala da multiplicidade da manifestação universal, não se
manifestados são igualmente submetidos às condições particulares trata de uma multiplicidade quantitativa, pois a quantidade não passa
que definem os estados de existência nos quais estão colocados; se de uma condição particular de certos estados manifestados. Enfim,
não podemos, considerando um ser qualquer, isolar realmente um se o Ser é um, o Princípio Supremo é “sem dualidade”, como
estado desse ser do conjunto de todos os outros estados dentre os veremos a seguir: a unidade, com efeito, é a primeira de todas as
quais ele se situa hierarquicamente a um nível dado, tampouco determinações, mas ela é já uma determinação, e, como tal, ela não
podemos, de um outro ponto de vista, isolar este estado de tudo o poderia ser aplica com propriedade ao Princípio Supremo.
que pertence, não mais ao mesmo ser, mas ao mesmo grau da
Existência universal; e assim tudo aparece como ligado em muitos Após havermos dado estas noções indispensáveis, voltemos à
sentidos, seja na própria manifestação, seja na medida em que esta, consideração dos graus da manifestação: cabe, antes de mais nada,
formando um conjunto único em sua multiplicidade indefinida, liga- uma distinção entre a manifestação informal e a manifestação
se ao seu princípio, vale dizer ao Ser, e daí ao Princípio Supremo. A formal: mas, quando nos limitamos à individualidade, é sempre da
multiplicidade existe segundo seu modo próprio, desde que ela é segunda que se trata exclusivamente. O estado propriamente
possível, mas esse modo é ilusório, no sentido que já precisamos (o humano, assim como qualquer estado individual, pertence inteiro à
de uma “realidade menor”), porque a própria existência desta ordem da manifestação formal, pois é precisamente a presença da
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forma entre as condições de um certo modo de existência que Os elementos de que vamos falar são os tattwas enumerados pelo
caracteriza esse modo como individual. Se portanto encararmos um Sânkhya, com exceção, bem entendido, do primeiro e do último, ou
elemento informal, haverá aí um elemento supra-individual, e, seja de Prakriti e Purusha; e vimos que, dentre esses tattwas, alguns
quanto às suas relações com a individualidade humana, ele jamais são vistos como “produções produtivas” e outros como “produções
deverá ser visto como constitutivo desta, ou como fazendo parte dela improdutivas”. Uma questão deve ser colocada a este respeito: esta
sob qualquer título, mas como ligando a individualidade à divisão é equivalente àquela que relativa aos graus da manifestação,
personalidade. Esta última, com efeito, é não-manifestada, mesmo se ou corresponde a ela de algum modo? Por exemplo, se nos
a considerarmos mais especialmente como o princípio dos estados limitamos ao ponto de vista da individualidade, poderíamos ser
manifestados, assim como o Ser, mesmo sendo propriamente o tentados a relacionar os tattwas do primeiro grupo ao estado sutil e
princípio da manifestação universal, está fora e para além desta os do segundo ao estado grosseiro, tanto mais que, num certo
manifestação (e podemos nos lembrar aqui do “motor imóvel” de sentido, a manifestação sutil é produtora da manifestação grosseira,
Aristóteles); mas, por outro lado, a manifestação informal é ainda enquanto que esta não é produtora de nenhum outro estado; mas as
principial, num sentido relativo, em relação à manifestação formal, e coisas não são tão simples em realidade. Com efeito, no primeiro
assim ela estabelece uma ligação entre esta e seu princípio superior grupo, temos antes de mais nada Buddhi, que é o elemento informal
não-manifestado, que é aliás o princípio comum destas duas ordens a que fazemos alusão a toda hora; quanto aos outros tattwas que aí se
de manifestação. Da mesma forma, se distinguirmos em seguida, encontram, ahankâra e os tanmâtras, eles pertencem ao domínio da
dentro da manifestação formal ou individual, o estado sutil e o manifestação sutil.
estado grosseiro, o primeiro é, mais relativamente ainda, principial
em relação ao segundo, e, por conseguinte, ele situa-se entre este Por outro lado, dentro do segundo grupo, os bhûtas pertencem de
último e a manifestação informal. Teremos assim, por uma série de maneira incontestável ao domínio da manifestação grosseira, pois se
princípios progressivamente relativos e determinados, um trata de elementos corporais; porém manas, não sendo corporal, deve
encadeamento ao mesmo tempo lógico e ontológico (sendo que os ser reportado à manifestação sutil, no mínimo em si mesmo, embora
dois pontos de vista se correspondem de tal modo que só podemos sua atividade se exerça também em relação à manifestação grosseira;
separá-los artificialmente) estendendo-se desde o não-manifestado e os outros indriyas tem de certo modo um duplo aspecto, podendo
até a manifestação grosseira, passando pelo intermediário da ser encarados enquanto faculdades e enquanto órgãos, portanto
manifestação informal, e depois da manifestação sutil; e, quer se psíquica e fisicamente, ou seja ainda no estado sutil ou no estado
trate do “macrocosmo”, quer se trate do “microcosmo”, tal é a ordem grosseiro. Deve ficar entendido, de resto, que aquilo que é encarado
geral que deve ser seguida no desenvolvimento das possibilidades de da manifestação sutil, em tudo isso, é apenas o que concerne ao
manifestação. estado individual humano, em suas modalidades extra-corporais; e,
embora estas sejam superiores à modalidade corporal por conterem
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em si seu princípio imediato (ao mesmo tempo que seu domínio temporalmente em relação aos outros estados do ser, pois estes, de
estende-se muito além), se as recolocarmos dentro do conjunto da modo geral, são extra-temporais, e isto mesma para estados que
Existência universal, elas pertencem ainda ao mesmo grau desta encontram-se igualmente dentro da manifestação formal. Podemos
Existência, no qual está situado o estado humano por inteiro. A ainda acrescentar que certas extensões da individualidade humana,
mesma observação aplica-se também quando dizemos que a fora de sua modalidade corporal, escapam também ao tempo, sem
manifestação sutil é produtora da manifestação grosseira: para que que por isso sejam subtraídas às demais condições gerais do estado
isto seja rigorosamente exato, é preciso colocar, para a primeira, a ao qual pertence esta individualidade, de modo que elas situam-se
restrição que indicamos, pois a mesma relação pode ser estabelecida verdadeiramente em simples prolongamentos deste mesmo estado; e
para outros estados igualmente individuais, mas não humanos, e teremos ocasião de explicar, em outros estudos, como tais
inteiramente diferentes por suas condições (salvo a presença da prolongamentos podem ser atingidos pela supressão de uma ou outra
forma), estados que somos entretanto obrigados a compreender das condições cujo conjunto completo define o mundo corporal. Se é
também na manifestação sutil, como explicamos, desde que assim, percebemos que não se poderia, com mais razão ainda,
tomemos a individualidade humana como termo de comparação intervir a condição temporal naquilo que não pertence mais ao
como devemos inevitavelmente, lembrando sempre que este estado mesmo estado, nem consequentemente nas relações do estado
não tem em realidade nada de mais nem de menos do que qualquer humano integral com outros estados; e, com mais razão ainda, não se
outro estado. pode faze-lo quando se trata de um princípio comum a todos os
estados de manifestação, ou de um elemento que, mesmo sendo já
Uma última observação é ainda necessária: quando falamos da manifestado, é superior a toda manifestação formal, como aquele
ordem de desenvolvimento das possibilidades de manifestação, ou que encaramos em primeiro lugar.
da ordem em que devem ser enumerados os elementos que
correspondem às diferentes fases deste desenvolvimento, é preciso
ter o cuidado de frisar que esta ordem implica numa sucessão
puramente lógica, que traduz um encadeamento ontológico real, não
cabendo aqui nenhuma sucessão temporal. De fato, o
desenvolvimento no tempo não corresponde senão a uma condição
particular de existência, que é uma das que definem o domínio
dentro do qual está contido o estado humano; e existe uma
indefinidade de outros modos de desenvolvimento igualmente
possíveis, e igualmente compreendidos dentro da manifestação
universal. A individualidade humana não pode portanto ser situada
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NOTAS
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na manifestação, portanto aquilo que unifica o ser através da aliás, o exato equivalente etimológico) (3), pela influência dos três
multiplicidade indefinida de seus estados individuais (sendo o estado gunas, sendo uma só manifestação (mûrti) em três Deuses. No
humano, em toda sua extensão, mais um dentre outros). Em outros universal, ele é a Divindade (Ishwara, não em si, mas sob seus três
termos, se encararmos o “Si” (Atmâ) ou a personalidade como o Sol aspectos principais de Brahmâ, Vishnu e Shiva, que constituem a
espiritual (1) que brilha no centro do ser total, Buddhi será o raio Trimûrti ou “tripla manifestação”); mas, visto distributivamente (sob
diretamente emanado deste Sol e que ilumina em sua integralidade o o aspecto, de resto puramente contingente, da “separatividade”), ele
estado individual que estudamos mais especialmente, ligando-o aos pertence (sem entretanto individualizar-se) aos seres individuais (aos
outros estados individuais do mesmo ser, ou mesmo, mais quais comunica a possibilidade de participação aos atributos divinos,
geralmente ainda, a todos os seus estados manifestados (individuais vale dizer à própria natureza do Ser Universal, princípio de toda
e não-individuais), e, para além destes, ao próprio centro. Convém existência)” (4). É fácil ver que Buddhi é considerada aqui em suas
aliás lembrar, sem muita insistência, que, em razão da unidade relações respectivas com os dois primeiros dos três Purushas
fundamental do ser em todos os seus estados, devemos considerar o mencionados no Bhagavad-Gîta; na ordem “macrocósmica”, com
centro de cada estado, no qual projeta-se este raio espiritual, como efeito, aquele que é designado como “imutável” é o próprio Ishwara,
identificado virtualmente, senão efetivamente, com o centro do ser de que a Trimûrti é a expressão em modo manifestado (trata-se, bem
total; e é por isso que um estado qualquer, tanto o humano como entendido, da manifestação informal, pois não há aí nada de
qualquer outro, pode ser tomado como base para a realização da individual); e é dito que o outro é “repartido entre todos os seres”.
“Identidade Suprema”. É precisamente nesse sentido, e em virtude Da mesma forma, na ordem “microcósmica” Buddhi pode ser vista
desta identificação, que podemos dizer, como o fizemos, que o ao mesmo tempo em relação à personalidade (Atmâ) e em relação à
próprio Purusha reside no centro da individualidade humana, ou seja “alma viva” (jîvâtmâ), sendo que esta última não passa do reflexo da
no ponto onde a interseção do raio espiritual com o domínio das personalidade no estado individual humano, reflexo que não poderia
possibilidades vitais determina a “alma viva” (jîvâtmâ) (2). existir sem o intermédio de Buddhi: lembremo-nos aqui do símbolo
do sol e de sua imagem refletida na água; Buddhi é, como dissemos,
Por outro lado, Buddhi, como tudo o que provém do o raio que determina a formação dessa imagem e que, ao mesmo
desenvolvimento das potencialidades de Prakriti, participa dos três tempo, a liga à fonte luminosa.
gunas; é por isso que, visto sob o aspecto do conhecimento distintivo
(vijnâna), ela é concebida como ternária, e, dentro da ordem da É em virtude da dupla relação que indicamos, e desse papel de
Existência universal, ela é identificada à Trimûrti divina: “Mahat intermediário entre a personalidade e a individualidade, que
torna-se distintivamente concebido como três Deuses (no sentido de podemos, malgrado tudo o que há de inadequado na expressão, ver o
três aspectos da Luz inteligível, pois este é propriamente o intelecto como algo que passa de certo modo do estado de potência
significado do termo sânscrito Deva, do qual a palavra “Deus” é universal ao estado individualizado, mas sem cessar realmente de ser
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tal como era, e somente por sua interseção com o domínio particular NOTAS
de certas condições de existência, pelas quais se define a
individualidade considerada; e ele produz então, como resultante
desta interseção, a consciência individual (ahankâra), implicada na 1. Quanto ao sentido em que se deve entender esta expressão, remetemos
“alma viva” (jîvâtmâ) à qual ela é inerente. Como já indicamos, esta à observação que fizemos a propósito do “Espírito Universal”.
consciência que é o terceiro princípio do Sânkhya, dá origem à 2. É evidente que queremos falar aqui, não de um ponto matemático, mas
noção do “eu” (aham, donde ahankâra, literalmente “o que faz o do que podemos chamar analogamente um ponto metafísico, sem
eu”), pois ela tem por função própria prescrever a convicção entretanto que esta expressão deva evocar a idéia da mônada de
individual (abhimâna), ou seja precisamente a noção de “eu sou” Leibnitz, pois Jîvâtmâ não é mais que uma manifestação particular e
contingente de Atmâ, e que sua existência separada é propriamente
que concerne aos objetos externos (bâhya) e internos (abhyantara),
ilusória. O simbolismo geométrico ao qual nos referimos será de resto
que são respectivamente os objetos da percepção (pratyaksha) e da exposto em outro estudo com todos os desenvolvimentos cabíveis.
contemplação (dhyâna); e o conjunto desses objetos é designado 3. Se dermos ao termo “Deus” o sentido que este tomou ulteriormente
pelo termo idam, “isto”, quando concebido por oposição a aham ou nas línguas ocidentais, o plural seria um contra-senso tanto do ponto de
o “eu”, oposição aliás relativa, e bem diferente da que os filósofos vista hindu como do judaico-cristão e islâmico, pois este termo, como
modernos pretendem estabelecer entre o “sujeito” e o “objeto”, ou já observamos, só poderia aplicar-se a Ishwara exclusivamente, em sua
entre o “espírito” e as “coisas”. Assim, a consciência individual indivisível unidade que é a do Ser Universal, qualquer que seja a
procede imediatamente, mas como simples modalidade multiplicidade de aspectos que se possa considerar secundariamente.
“condicional” do princípio intelectual, e, por sua vez, ela produz 4. Matsya-Purâna – Lembraremos que Buddhi tem relações com o Logos
todos os outros princípios ou elementos peculiares à individualidade alexandrino.
humana, de que iremos nos ocupar a seguir.
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desempenha um papel tão importante nas teorias, claramente Como o carpinteiro que, tendo em suas mãos o machado e outros
antimetafísicas, de certos filósofos contemporâneos. utensílios, coloca-os de lado e usufrui da tranqüilidade e do repouso,
assim também Atmâ, em sua união com seus instrumentos (por meio
Quanto ao desenvolvimento das diferentes faculdades do homem dos quais suas faculdades principiais são expressas e desenvolvidas
individual, reproduziremos o que é ensinado a respeito pelos em cada um dos seus estados de manifestação, e que assim não são
Brahma-Sûtras: “o intelecto, o sentido interno, assim como as outra coisa que estas faculdades manifestadas com seus órgãos
faculdades de sensação e de ação, são desenvolvidos (na respectivos), é ativo (embora essa atividade não afete em nada sua
manifestação) e reabsorvidos (no não-manifestado) numa ordem natureza íntima), e, deixando-os, usufrui do repouso e da
semelhante (mas, para a reabsorção, num sentido inverso ao tranqüilidade (no “não-agir”, do qual, em suma, jamais saiu).” (11).
desenvolvimento) (5), ordem que é sempre a dos elementos de que
essas faculdades procedem quanto à sua constituição (6) (porém com “As diversas faculdades de sensação e de ação (designadas pelo
a exceção do intelecto, que se desenvolve, na ordem informal, termo prâna numa acepção secundária) são em número de onze:
previamente a qualquer princípio formal ou propriamente cinco de sensação (buddhîndriyas ou jnânêndriyas, meios ou
individual). Quanto a Purusha (ou Atmâ), sua emanação (na medida instrumentos de conhecimento em seu domínio particular), cinco de
em que a vemos como a personalidade de um ser) não possui ação (karmêndriyas), e o sentido interno (manas). Quando um
nascimento (mesmo na acepção mais extensa da palavra) (7), nem número maior (treze) é especificado, o termo indriya é empregado
uma produção (que determine um ponto de partida para sua em seu sentido mais extenso e mais compreensivo, distinguindo em
existência efetiva, assim como ocorre com tudo o que provém de manas, devido à pluralidade de suas funções, o intelecto (não em si
Prakriti). Não podemos, com efeito, assinalar-lhe nenhuma mesmo e na ordem transcendente, mas enquanto determinação
limitação (por qualquer condição particular de existência), pois, particular em relação ao indivíduo), a consciência individual
estando identificado com o Supremo Brahma, ele participa de Sua (ahânkara, de que manas não pode ser separado) e o sentido interno
Essência infinita (8) (que implica a possessão dos atributos divinos, propriamente dito (aquilo que os filósofos escolásticos denominam
ao menos virtualmente, e mesmo atualmente na medida em que essa “sensorium comune”). Quando um número menor (ordinariamente
participação é efetivamente realizada pela “Identidade Suprema”, sete) é mencionado, o mesmo termo é empregado na sua acepção
sem falar naquilo que está para além de qualquer atribuição, pois mais restrita: assim, fala-se de sete órgãos sensitivos, relativamente
trata-se aqui do Supremo Brahma, que é nirguna, e não apenas de aos dois olhos, duas orelhas, duas narinas e a boca ou a língua (de
Brahma como saguna, ou seja Ishwara) (9). Ele é ativo, mas em sorte que, neste caso, trata-se apenas das sete aberturas ou orifícios
princípio somente (portanto “não-agente”) (10), pois esta atividade da cabeça). As onze faculdades acima mencionadas (embora
(kartritwa) não lhe é essencial ou inerente, mas apenas eventual ou designadas em seu conjunto pelo termo prâna) não são (como os
contingente (relativa somente aos seus estados de manifestação). cinco vâyus, de que falaremos mais adiante) simples modificações
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do mukhya-prâna ou do ato vital principal (a respiração, com a impossível fazer aqui. Os cinco instrumentos de ação são: os órgãos
assimilação que dela resulta), mas princípios distintos (do ponto de excretores (pâyu), os órgãos geradores (upastha), as mãos (pâni), os
vista particular da individualidade humana)” (12). pés (pâda), e enfim a voz ou o órgão da fala (vâch) (15), que é
enumerado como décimo. Manas deve ser visto como décimo
O termo prâna, em sua acepção habitual, significa propriamente primeiro, compreendendo por sua natureza a dupla função, servindo
“sopro vital”; mas, em certos textos védicos, aquilo que é assim ao mesmo tempo à sensação e à ação, e, por conseguinte,
designado é, no sentido universal, identificado em princípio com o participando das propriedades de uns e outros, que ele centraliza de
próprio Brahma, como quando é dito que, no sono profundo certa forma em si mesmo (16).
(sushupti), todas as faculdades são reabsorvidas em prâna, pois,
“enquanto um homem dorme sem sonhar, seu princípio espiritual Segundo o Sânkhya, estas faculdades, com seus órgãos respectivos,
(Atmâ encarado em relação a ele) é um com Brahma” (13), sendo são, distinguindo-se três princípios em manas, os treze instrumentos
este estado além da distinção, portanto verdadeiramente supra- do conhecimento no domínio da individualidade humana (pois a
individual; é por isso que a palavra swapiti, “ele dorme”, é ação não tem seu fim em si mesma, mas apenas em relação ao
interpretada como swan apîto bhavati “ele entrou dentro de seu conhecimento): três internos e dez externos, comparados a três
próprio (“Si”)” (14). sentinelas e dez portas (sendo o caráter consciente inerente aos
primeiros, mas não aos segundos se os encaramos distintamente).
Quanto ao termo indriya, ele significa propriamente “poder”, que é Um sentido corporal percebe, um órgão de ação executa (sendo um
também o primeiro sentido da palavra “faculdade”; mas, por de certo modo uma “entrada” e o outro uma “saída”: existem duas
extensão, seu significado, como já indicamos, compreende ao fases sucessivas e complementares, tendo a primeira um movimento
mesmo tempo a faculdade e seu órgão corporal, cujo conjunto é centrípeto e a segunda um movimento centrífugo); entre os dois, o
considerado como constituindo um instrumento, seja de sentido interno (manas) examina; a consciência (Ahankâra) faz a
conhecimento (buddhi ou jnâna, tomados estes termos em sua aplicação individual, ou seja a assimilação da percepção ao “eu”, de
acepção mais extensa), seja de ação (karma), que são assim que ela faz parte a título de modificação secundária; e enfim o
designados por uma só palavra. Os cinco instrumentos de sensação intelecto (Buddhi) transpõe para o Universal os dados das faculdades
são: as orelhas ou o ouvido (shrotra), a pele ou o toque (twach), ou precedentes.
olhos ou a vista (chakshus), a língua ou o gosto (rasana), o nariz ou
o odor (ghrâna), assim enumerados na ordem do desenvolvimento
dos sentidos, que é a dos elementos (bhûtas) correspondentes; mas,
para expor em detalhes esta correspondência, seria preciso tratar
completamente das condições da existência corporal, o que é
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NOTAS 10. Aristóteles tem razão quando insiste sobre este ponto, que o primeiro
motor de todas as coisas (ou o princípio do movimento) deve ser
imóvel, o que eqüivale a dizer, em outros termos, que o princípio de
1. Cabe lembrar que as palavras tat e dhât são foneticamente idênticas toda ação deve ser “não-agente”.
entre si, e também com o inglês that, que tem o mesmo sentido. 11. Brahma-Sûtras, 2º Adhyâya, 3º Pâda, sûtras 15-17 e 33-40.
2. É num sentido muito próximo desta consideração dos tanmâtras que 12. Brahma-Sûtras, 2º Adhyâya, 4º Pâda, sûtras 1-7.
Fabre d’Olivet, em sua interpretação da Gênese (La Langue Hébraïque 13. Comentário de Shankarâchârya sobre os Brahma-Sûtras, 3º Adhyâya,
Restituée), emprega a expressão “elementização inteligível”. 2º Pâda, sûtra 7.
3. Sobre a produção desses diversos princípios, vista do ponto de vista 14. Chhândogya Upanishad, 6º Prapâthaka, 8º Khanda, shruti 1. – não é
“macrocósmico”, cf. Mânava-Dharma-Shâstra (Lei de Manu), 1º preciso dizer que se trata de uma interpretação pelos procedimentos do
Adhyâya, shlokas 14-20. Nirukta, e não de uma derivação etimológica.
4. É sem dúvida deste modo que se deve compreender Aristóteles, 15. A palavra vâch é idêntica ao latim vox.
quando diz que “o homem (enquanto indivíduo) jamais pensa sem 16. Mânava-Dharma-Shâstra, 2º Adhyâya, shlokas 89-92.
imagens”, ou seja sem formas.
5. Lembramos que não se trata de uma ordem de sucessão temporal.
6. Pode tratar-se aqui seja dos tanmâtras seja dos bhutas, segundo que os
indriyas sejam vistos no estado sutil ou no estado grosseiro, ou seja
enquanto qualidades ou enquanto órgãos.
7. Pode-se, de fato, denominar “nascimento” e “morte” o começo e o fim
de um ciclo qualquer, vale dizer da existência em não importa qual
estado de manifestação, e não apenas no estado humano; como
explicaremos adiante, a passagem de um estado a outro é assim uma
morte e um nascimento, conforme a vejamos em relação ao estado
antecedente ou ao estado subsequente.
8. termo “essência”, quando aplicado assim analogicamente, não é mais o
correlativo de “substância”; de resto, aquilo que possui um correlativo
não pode ser infinito. Da mesma forma, a palavra “natureza”, aplicada
ao Ser Universal ou mesmo para além do Ser, perde inteiramente seu
sentido próprio e etimológico, com a idéia de “devir” que nele está
implicada.
9. A posse dos atributos divinos é chamada em sânscrito aishwarya,
como sendo uma verdadeira “conatureza” com Ishwara.
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IX grau do Ser puro: é por isso que ele é visto como característico de
Ishwara (2). Estamos aqui na ordem informal; é apenas quando o
vemos em relação à manifestação formal, na medida em que o
princípio desta está contido nele, que podemos dizer que está aí a
OS CINCO VAYUS OU FUNÇÕES forma principial ou causal (kârana-sharîra), aquilo pelo quê a forma
VITAIS; será manifestada e atualizada nos estágios seguintes.
OS ENVELOPES DO “SI” O segundo envelope (vijnânamaya-kosha) é formado pela Luz (no
sentido inteligível) diretamente refletida do Conhecimento integral e
universal (Jnâna, sendo que a partícula vi indica o modo distintivo)
(2); ele é composto das cinco “essências elementares” (tanmâtras),
Purusha ou Atmâ, manifestando-se como jîvâtmâ na forma viva do
“concebíveis”, mas não “perceptíveis” em seu estado sutil; e ele
ser individual, é visto, segundo o Vêdânta, como revestindo-se de
consiste na junção do intelecto superior (Buddhi) com as faculdades
uma série de “envelopes”(koshas) ou de “veículos” sucessivos,
principiais de percepção que procedem respectivamente dos cinco
representando outras tantas fases da manifestação, os quais seria
tanmâtras, e cujo desenvolvimento exterior constituirá os cinco
completamente errôneo assimilar a “corpos”, pois apenas a última
sentidos na individualidade corporal (3). O terceiro envelope
fase é de ordem corporal. É preciso lembrar, de resto, que não se
(manomaya-kosha), no qual o sentido interno (manas) está unido ao
pode dizer, com todo o rigor, que Atmâ esteja realmente contido
precedente, implica particularmente na consciência mental (4) ou
nestes envelopes, pois, por sua própria natureza, ele não é
faculdade pensante, que, como dissemos antes, é de ordem
susceptível de nenhuma limitação e não é absolutamente
exclusivamente individual, e cujo desenvolvimento procede da
condicionado por qualquer estado de manifestação (1).
irradiação em modo refletido do intelecto superior no estado
individual, que aqui é o estado humano. O quarto envelope
O primeiro envelope (ânandamaya-kosha, sendo que a partícula
(prânamaya-kosha) compreende as faculdades que procedem do
maya significa “que é feito de” ou “que consiste em” aquilo que
“sopro vital” (prâna), ou seja dos cinco vâyus (modalidades do
designa a palavra à qual é anexada) não é outra coisa que o conjunto
mesmo prâna), assim como as faculdades de ação e de sensação
de todas as possibilidades de manifestação que Atmâ comporta em
(sendo que estas últimas existem já principialmente nos dois
si, em sua “permanente atualidade”, no estado principial e
envelopes precedentes, como faculdades puramente “conceptivas”,
indiferenciado. Ele é chamado “feito de Beatitude” (Ananda),
enquanto que, por outro lado, não se poderia tratar de nenhuma
porque o “Si”, neste estado primordial, goza da plenitude de seu
espécie de ação, tanto quanto de qualquer percepção exterior). O
próprio ser, e ele não é verdadeiramente distinto do “Si”; ele é
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conjunto destes três envelopes (vijnânamaya, manomaya e integralidade (7); 5º) a digestão, ou a assimilação substancial íntima
prânamaya) constitui a forma sutil (sûkshma-sharîra ou linga- (samâna), pela qual os elementos absorvidos tornam-se parte
sharîra), por oposição à forma grosseira ou corporal (sthûla- integrante da individualidade (8). É claramente especificado que não
sharîra); reencontramos assim aqui a distinção dos dois modos de se trata aí de uma simples operação de um ou mais órgãos corporais;
manifestação formal de que já falamos em diversas ocasiões. é fácil dar-se conta, com efeito, que tudo isso não deve ser
compreendido somente para as funções fisiológicas analogamente
As cinco funções ou ações vitais são denominadas vâyus, embora correspondentes, mas para a assimilação vital em seu sentido mais
não sejam propriamente falando nem o ar nem o vento (este é o extenso.
sentido geral da palavra vâyu ou vâta, derivada da raiz verbal vâ,
“ir”, “mover-se”, e que designa habitualmente o elemento ar, cuja A forma corporal ou grosseira (sthûla-sharîra) é o quinto e último
propriedade característica é a mobilidade) (5), tanto mais que elas se envelope, aquele que corresponde, para o estado humano, ao modo
reportam ao estado sutil e não ao estado corporal; mas elas são, de manifestação mais exterior; é o envelope alimentar (annamaya-
como dissemos, modalidades do “sopro vital” (prâna, ou mais kosha), composto dos cinco elementos sensíveis (bhûtas), a partir
geralmente ana) (6), considerado principalmente em suas relações dos quais são constituídos todos os corpos. Ele assimila os
com a respiração. São as seguintes: 1º) a aspiração, ou seja a elementos combinados recebidos na nutrição (anna, palavra derivada
respiração considerada como ascendente na sua fase inicial (prâna, da raiz verbal ad, comer) (8), retirando as partes mais finas, que
no sentido mais estrito do termo), e captando os elementos ainda não permanecem na circulação orgânica, e excretando ou rejeitando as
individualizados do ambiente cósmico para faze-los participar da mais grosseiras, com a exceção das que são depositadas nos ossos.
consciência individual por assimilação; 2º) a inspiração, considerada Como resultado desta assimilação, as substâncias terrosas tornam-se
como descendente na fase seguinte (apâna) e através da qual esses carne; as substâncias aquosas, o sangue; as substâncias ígneas, a
elementos penetram na individualidade; 3º) uma fase intermediária gordura, a medula e os sistema nervoso (matéria fosfórica); pois
entre as duas precedentes (vyâna), consistindo, de um lado, no existem substâncias corporais nas quais a natureza de tal ou tal
conjunto de ações e reações recíprocas que se produzem no contato elemento predomina, embora sejam todas formadas pela união dos
entre o indivíduo e os elementos ambientes e, de outro lado, nos cinco elementos (9).
diversos movimentos vitais que daí resultam, e cuja correspondência
no organismo corporal é a circulação sangüínea; 4º) a expiração Todo ser organizado, que reside em uma forma corporal, possui, em
(udâna), que projeta o sopro, transformando-o, para além dos limites um grau mais ou menos completo de desenvolvimento, as onze
da individualidade restrita (ou seja reduzida apenas às modalidades faculdades individuais de que falamos precedentemente, e, assim
que são desenvolvidas em todos os homens), dentro do domínio das como vimos igualmente, essas faculdades são manifestadas na forma
possibilidades da individualidade estendida, encarada em sua do ser por meio dos onze órgãos correspondentes (avayavas,
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designação que é aliás aplicada também ao estado sutil, mas apenas NOTAS
por analogia com o estado grosseiro). Distingue-se, segundo
Shankarâchârya (10), três classes de seres organizados, segundo seu 1. No Taittirîya Upanishad, 2º Vallî, 8º Anuvâka, shruti 1, e 3º Vallî, 10º
modo de reprodução: 1º) os vivíparos (jîvaja, ou yonija, ou ainda Anuvâka, shruti 5, as denominações dos diferentes envelopes são
jarâyuja), como o homem e os mamíferos; 2º) os ovíparos (ândaja), referidas diretamente ao “Si”, conforme se os considere em relação a
como os pássaros, os répteis, os peixes e os insetos; 3º) os tal ou tal estado de manifestação.
germiníparos (udbhijja), que compreendem tanto os animais 2. Enquanto que as outras denominações (as dos quatro envelopes
inferiores como os vegetais, sendo os primeiros móveis e nascendo seguintes) podem ser vistas como caracterizando jîvâtmâ, a de
principalmente na água, enquanto que os últimos são fixos e nascem ânandamaya aplica-se, não somente a Ishwara, mas também, por
transposição, ao próprio Paramâtmâ ou ao Supremo Brahma, e é por
habitualmente da terra; entretanto, segundo diversas passagens do isso que se diz no Taittirîya Upanishad, 2º Vallî, 5º Anuvâka, shruti 1:
Veda, o alimento (anna), vale dizer o vegetal, (oshaddi), procede “Diferente daquele que consiste em conhecimento distintivo
também da água, pois é a chuva (varsha) que fertiliza a terra (11). (vijnânamaya) é o outro Si interior (anyo’ntara Atmâ) que consiste em
Beatitude (ânandamaya)”. – Cf. Brahma-Sûtras, 1º Adhyâya, 1º Pâda,
sûtras 12-19.
3. termo sânscrito Jnâna é idêntico ao grego por sua raiz, que é
aliás também a da palavra “conhecimento” (de cognoscere), e que
exprime uma idéia de “produção” ou de “geração”, porque o ser
“torna-se” aquilo que ele conhece e realiza-se por este conhecimento.
4. É a partir deste segundo envelope que se aplica propriamente o termo
sharîra, sobretudo se dermos a esta palavra, interpretada pelos
métodos do Nirukta, o significado de “dependente dos seis
(princípios)”, ou seja de Buddhi (ou de ahankâra que dele deriva
diretamente e que é o primeiro princípio de ordem individual) e dos
cinco tanmâtras (Mânava-Dharma-Shâstra, 1º Adhyâya, shloka 17).
5. Entendemos por esta expressão algo mais, enquanto determinação, do
que a consciência individual pura e simples: podemos dizer que é a
resultante da união de manas com ahankâra.
6. Podemos nos reportar aqui ao que já dissemos em nota precedente, a
propósito das diferentes aplicações do termo hebraico Ruahh, que
corresponde bastante exatamente ao sânscrito vâyu.
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Como já observamos em outra parte, esta irreciprocidade traz em si a diferente (em essência) de sua causa (embora a causa, ao contrário,
condenação formal do “panteísmo”, assim como de todo seja mais que o efeito); Brahma é um (enquanto Ser) e sem
“imanentismo”; e ela é também claramente afirmada no Bhagavad- dualidade (enquanto Princípio Supremo); em Si mesmo, ele não é
Gîtâ nesses termos: “Todos os seres estão em mim e eu não estou separado (por quaisquer limitações) de Suas modificações (tanto
neles... Meu Ser suporta todos os seres, e, sem que ele esteja neles, é formais como informais); ele é Atmâ (em todos os estados
por ele que eles existem” (3). Podemos dizer ainda que Brahma é o possíveis), e Atmâ (em si, no estado incondicionado) é Ele (e não
Todo absoluto, pelo fato mesmo de ser infinito, mas que, por outro outro que não Ele) (7). A mesma terra oferece diamantes e outros
lado, se todas as coisas estão em Brahma, elas não são Brahma minerais preciosos, pedras de cristal, e pedras vulgares e sem valor;
enquanto vistas sob o aspecto da distinção, ou seja precisamente o mesmo solo produz uma diversidade de plantas que apresentam a
enquanto coisas relativas e condicionadas, sendo sua existência maior variedade em suas folhas, suas flores e seus frutos; o mesmo
como tais não mais que uma ilusão diante da realidade suprema; o alimento é convertido no organismo em sangue, em carne e em
que é dito das coisas e não poderia convir a Brahma não passa da excressências variadas, tais como os cabelos e as unhas. Como o
expressão da relatividade, e ao mesmo tempo, sendo esta ilusória, leite se transforma espontaneamente em coalho e a água em gelo
também o é a própria distinção, porque um destes termos desaparece (sem que essa passagem de um estado a outro implique em uma
na presença do outro, pois nada pode entrar em correlação com o mudança de natureza), assim Brahma modifica-Se diversamente (na
Infinito; é em princípio apenas que todas as coisas estão em Brahma, multiplicidade indefinida da manifestação universal), sem ajuda de
mas também somente ele representa sua realidade profunda; é isto instrumentos ou meios exteriores de qualquer espécie (e sem que
que não se deve perder de vista se quisermos compreender o que virá Sua Unidade e Sua identidade sejam por isso afetadas, portanto sem
a seguir (4). que se possa dizer que Ele seja modificado em realidade, embora
todas as coisas só existam efetivamente como modificações Suas)
“Nenhuma distinção (tendo por objeto modificações contingentes (8). Assim a aranha forma sua teia de sua própria substância, os
como a distinção do agente, da ação, e do objetivo ou do resultado seres sutis tomam formas diversas (não corporais), e o lótus cresce
desta ação) invalida a unidade e a identidade essenciais de Brahma de pântano em pântano sem órgãos de locomoção. Que Brahma seja
como causa (kârana) e efeito (kârya) (5). O mar é a mesma coisa indivisível e sem partes (como Ele é), não é uma objeção (a esta
que suas águas e não difere delas (em natureza), embora as ondas, a concepção da multiplicidade universal em Sua unidade, ou antes em
espuma, os jorros, as gotas e outras modificações acidentais que Sua “não-dualidade”); não é Sua totalidade (eternamente imutável)
acontecem nessas águas existam separada ou conjuntamente como que é modificada nas aparências do Mundo (nem nenhuma de Suas
diferentes umas das outras (quando consideradas em particular, seja partes, porque elas não existem, mas é Ele mesmo encarado sob o
sob o aspecto da sucessão, seja sob o da simultaneidade, mas sem aspecto particular da distinção ou da diferenciação, ou seja como
que sua natureza deixe por isso de ser a mesma) (6). Um efeito não é saguna ou savishêsha; e, se Ele pode ser visto assim, é porque Ele
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comporta em Si todas as possibilidades, sem que estas sejam partes “Aquilo que foi, o que é e o que será, tudo é verdadeiramente
de Si mesmo) (9). Diversas mudanças (de condições e de modos de Omkâra (o Universo principialmente identificado com Brahma e,
existência) são oferecidas à mesma alma (individual) que sonha (e como tal, simbolizado pelo monossílabo sagrado Om); e qualquer
percebe neste estado os objetos internos, que são aqueles da outra coisa, que não esteja submetida ao triplo tempo (trikâla, ou
manifestação sutil) (10); diversas formas ilusórias (correspondendo a seja a condição temporal vista sob suas três modalidades de passado,
diferentes modalidades da manifestação formal, além da modalidade presente e futuro), é também verdadeiramente Omkâra.
corporal) são revestidas pelo mesmo ser sutil sem alterar em nada Seguramente, este Atmâ (de que todas as coisas não passam de
sua unidade (sendo uma tal forma ilusória, mâyâvirûpa, considerada manifestação) é Brahma, e este Atmâ (em relação aos diversos
como puramente acidental e não pertencente propriamente ao ser que estados de ser) tem quatro condições (pâdas, termo que significa
a veste, de modo que este deve ser visto como não afetado por esta literalmente “pés”); em verdade, tudo isso é Brahma” (16).
modificação aparente) (11). Brahma é todo-poderoso (pois Ele
contém tudo em princípio), próprio a todo ato (ainda que “não- “Tudo isso” deve entender-se, como o mostra claramente a
agente”, ou antes por isso mesmo), sem qualquer órgão ou seqüência do último texto, que daremos mais adiante, a respeito das
instrumento de ação; assim nenhum motivo ou objetivo particular diferentes modalidades do ser individual encarado em sua
(tal como o de um ato individual), diverso da Sua vontade (que não integralidade, assim como dos estados não-individuais do ser total;
se distingue de Seu todo-poder) (12), pode ser assinalado à uns e outros são igualmente designados aqui como condições de
determinação do Universo. Nenhuma diferenciação acidental lhe Atmâ, embora, em si, Atmâ seja verdadeiramente incondicionado e
deve ser imputada (como a uma causa particular), pois cada ser nunca cesse de sê-lo.
individual modifica-se (desenvolvendo suas possibilidades)
conforme sua própria natureza (13); assim a nuvem chuvosa distribui
a chuva com imparcialidade (sem vistas aos resultados particulares
que advirão de circunstâncias secundárias), e esta mesma chuva
fecundante faz crescer diversamente diferentes sementes,
produzindo uma variedade de plantas segundo suas espécies (em
razão das diferentes potencialidades respectivamente próprias a estas
sementes) (14). Todo atributo de uma causa primeira está (em
princípio) em Brahma, o qual (em Si mesmo) é entretanto destituído
de qualquer qualidade (distinta)” (15).
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inúmeras facetas que magnifica toda criatura que aí se mira permanecendo indiferente” (id., cap. XXII; ibid., pg. 391). – “O
diretamente”. Esta superfície, é igualmente Mâyâ vista em seu sentido Princípio, indiferente, imparcial, deixa todas as coisas seguirem seu
mais elevado, como a Shakti de Brahma, ou seja o “todo-poder” do curso, sem as influenciar. Ele não pretende de modo algum (por
Princípio Supremo. – De modo semelhante ainda, na Qabbalah qualquer qualificação ou atribuição). Ele não age. Não fazendo nada,
hebraica, Kether (a primeira das dez Sephiroth) é a “vestimenta” de nada há que Ele não faça.” (id., cap. XXV; ibid., pg.437).
Aïn-Soph (o Infinito ou o Absoluto). 15. Brahma-Sûtras, 2ºAdhyâya, 1º Pâda, sûtras 13-37. – Cf. Bhagavad-
10. As modificações que se produzem no sonho fornecem uma das Gîtâ, IX, 4-8: “Sou eu, desnudado de toda forma sensível, que
analogias mais claras que se pode indicar para ajudar a compreender a desenvolveu todo o Universo... Imutável em minha potência produtora
multiplicidade de estados do ser. (a Shakti, que é aqui chamada Prakriti por estar sendo vista em relação
11. Haveria uma comparação interessante a se fazer sobre este ponto, com à manifestação), eu produzo e reproduzo (em todos os ciclos) a
aquilo que os teólogos cristãos, e notadamente São Tomás de Aquino, multitude dos seres, sem fim determinado, e pela simples virtude desta
ensinam sobre as formas com que podem revestir-se os anjos; a potência produtiva”.
semelhança é tanto mais marcante na medida mesma em que os pontos 16. Mândûkya Upanishad, shrutis 1-2.
de vista são forçosamente muito diferentes. Lembraremos de
passagem, a propósito, o que já dissemos antes, ou seja que tudo o que
pode ser dito teologicamente dos anjos pode ser dito metafisicamente
dos estados superiores do ser.
12. É a sua Shakti, de que falamos nas notas precedentes, e é Ele próprio
na medida em que é visto como a Possibilidade Universal; de resto, em
si, a Shakti só pode ser um aspecto do Princípio, e, se a distinguimos
para considerá-la “separativamente”, ela não é mais que a “Grande
Ilusão” (Mahâ-Mohâ), ou seja Maya em seu sentido inferior e
exclusivamente cósmico.
13. É a própria idéia do Dharma, como “conformidade à natureza
essencial dos seres”, aplicada à ordem total da Existência universal.
14. “Ó, Princípio! Tu, que dás aos seres o que lhes convém, Tu jamais
quiseste ser chamado eqüitativo. Tu, cujos benefícios se estendem a
todos os tempos Tu jamais quiseste ser chamado caridoso. Tu, que
estavas antes da origem, e que não quiseste ser chamado venerável; Tu,
que envolves e suportas o Universo, produzindo todas as formas, ser
querer ser chamado hábil; é em Ti que eu me refugio” (Tchoang Tsé,
cap. VI; trad. de P. Wieger, pg. 261). – “Podemos dizer do Princípio
apenas que Ele é a origem de tudo, e que Ele influencia tudo, mesmo
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Vaishwânara é, segundo sua derivação etimológica (3), aquilo que Pelo que foi dito, podemos compreender como se deve entender os
chamamos “Homem Universal”, mas visto mais particularmente no sete membros de que se fala no texto do Mândûkya Upanishad, e
desenvolvimento completo de seus estados de manifestação, e sob o que são as sete partes principais do corpo “macrocósmico” de
aspecto específico deste desenvolvimento. Aqui, a extensão desse Vaishwânara: 1o) o conjunto das esferas luminosas superiores, vale
termo parece mesmo restringir-se a um destes estados, o mais dizer os estados superiores do ser, mas vistos aqui unicamente em
exterior de todos, o da manifestação grosseira que constitui o mundo suas relações com o estado de que se trata particularmente, é
corporal; mas este estado particular pode ser tomado como símbolo comparado à parte da cabeça que contém o cérebro, o qual, de fato,
de todo o conjunto da manifestação universal, de que ele é um dos corresponde organicamente à função “mental” que não é mais do
elementos, e isto porque ele é, para o estado humano, a base e o que o reflexo da Luz inteligível ou dos princípios supra-individuais;
ponto de partida obrigatório para qualquer realização; será suficiente 2o) o Sol e a Lua, ou mais exatamente os princípios representados no
então, como em todo simbolismo, efetuar as transposições mundo sensível pelos dois astros (6), são os dois olhos; 3o) o
convenientes segundo os graus aos quais a concepção deverá aplicar- princípio ígneo é a boca (7); 4o) as direções do espaço (dish) são as
se. É neste sentido que o estado de que se trata pode ser relacionado orelhas (8); 5o) a atmosfera, ou seja o meio cósmico de onde procede
ao “Homem Universal” e descrito como constituindo seu corpo, o “sopro vital” (prâna), corresponde aos pulmões; 6o) a região
concebido por analogia com o do homem individual, analogia que é, intermediária (Antariksha) que se estende entre a Terra (Bhû ou
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Bhûmi) e as esferas luminosas ou os Céus (Swar ou Swarga), região interno (manas), o intelecto (Buddhi, considerado aqui
considerada como o meio onde se elaboram as formas (ainda exclusivamente em suas relações com o estado individual), o
potenciais em relação ao estado grosseiro), corresponde ao estômago pensamento (chitta), concebido como a faculdade que dá forma às
(9); 7o) enfim, a Terra, vale dizer, no sentido simbólico, o resultado idéias e as associa entre si, e enfim a consciência individual
em ato de toda a manifestação corporal, corresponde aos pés, que (ahankâra); estas faculdades são as que estudamos em detalhe
são aqui vistos como o emblema de toda a parte inferior do corpo. A precedentemente. Cada órgão e cada faculdade de todo ser
relação destes diversos membros entre si e suas funções dentro do individual compreendido dentro do domínio considerado, ou seja
conjunto cósmico a que pertencem são análogas (mas não idênticas) dentro do mundo corporal, procedem respectivamente do órgão e da
àquelas das partes correspondentes do organismo humano. faculdade correspondentes em Vaishwânara, de que eles formam de
Lembramos que não se fala aqui do coração, porque sua relação certa forma um dos elementos constituintes, do mesmo modo como
direta com a Inteligência universal coloca-o fora do domínio das o indivíduo a quem pertencem é um elemento do conjunto cósmico,
funções propriamente individuais, e porque esta “morada de dentro do qual, por seu turno e no lugar que lhe convém (pelo fato de
Brahma” é verdadeiramente o ponto central, tanto na ordem cósmica ser este indivíduo e não outro), ele concorre necessariamente à
como na ordem humana, enquanto que tudo o que pertence à constituição da harmonia total (10).
manifestação, e sobretudo à manifestação formal, é exterior e
“periférico”, se podemos nos exprimir assim, pertencendo O estado de vigília, no qual se exerce a atividade dos órgãos e das
exclusivamente à circunferência da “roda das coisas”. faculdades que tratamos, é considerado como a primeira das
condições de Atmâ, embora a modalidade grosseira ou corporal à
Na condição que tratamos aqui, Atmâ, enquanto Vaishwânara, toma qual ele corresponde seja o último grau na ordem de
consciência do mundo da manifestação sensível (considerada desenvolvimento (prapancha) do manifestado a partir de seu
também como o domínio deste aspecto do “Não-Supremo Brahma” princípio primordial e não-manifestado, marcando o fim deste
que é chamado Virâj) através de dezenove órgãos, que são desenvolvimento, ao menos em relação ao estado de existência
designados como bocas, porque são as “entradas” do conhecimento dentro do qual se situa a individualidade humana. A razão desta
de tudo o que se relaciona a este domínio em particular; e a anomalia aparente já foi indicada: é nesta modalidade corporal que
assimilação intelectual que se opera pelo conhecimento é muitas se acha para nós a base e o ponto de partida da realização individual
vezes comparada simbolicamente à assimilação vital que se efetua primeiramente (ou seja da extensão integral tornada efetiva para a
pela nutrição. Estes dezenove órgãos (incluindo neste termo as individualidade), e em seguida de qualquer outra realização que
faculdades correspondentes, conforme o que dissemos do significado ultrapasse as possibilidades do indivíduo e que implique numa
geral do termo indriya) são: os cinco órgãos de sensação, os cinco tomada de posse dos estados superiores do ser. Portanto, se nos
órgãos de ação, os cinco sopros vitais (vâyus), o “mental” ou sentido colocamos, como fazemos aqui, não do ponto de vista do
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natureza da espécie, seria preciso um estudo específico para expor as antes do monossílabo Om nos ritos hindus da sandhyâ-upâsanâ
considerações a que ela dá lugar. (meditação que se repete pela manhã, ao meio-dia e à tardinha).
5. Conviria ainda estabelecer algumas aproximações com a concepção da Lembraremos que as duas primeiras palavras tem a mesma raiz, porque
natureza “adâmica” nas tradições hebraica e islâmica, a qual também elas se referem a modalidades de um mesmo estado de existência, o da
aplica-se em graus diferentes e em sentidos hierarquicamente individualidade humana, enquanto que a terceira representa, nesta
superpostos; mas isto nos afastaria demasiado do nosso objeto. divisão, o conjunto dos estados superiores.
6. Podemos lembrar aqui dos significados simbólicos que tem, no 10. Esta harmonia é ainda um aspecto do Dharma; ela é o equilíbrio no
Ocidente, o Sol e a Lua na tradição hermética e nas teorias qual são compensados todos os desequilíbrios, a ordem que é feita da
cosmológicas que os alquimistas basearam nela; num caso como em soma de todas as desordens parciais e aparentes.
outro, a designação desses astros não deve ser tomada literalmente.
Devemos lembrar que este simbolismo é diferente daquele a que
aludimos antes, e no qual o Sol e a Lua correspondiam
respectivamente ao coração e ao cérebro; seriam precisos ainda longos
desenvolvimentos para mostrar como estes diversos pontos de vista se
reconciliam e harmonizam no conjunto das concordâncias cósmicas.
7. Já notamos que Vaishwânara é às vezes um nome de Agni,
considerado então como calor animador, portanto na medida em que
reside nos seres vivos; voltaremos a isto mais adiante. Por outro lado,
mukhya-prâna é ao mesmo tempo o sopro da boca (mukha) e o ato
vital principal (é no segundo sentido que os cinco vâyus são
modalidades suas); e o calor é intimamente ligado à própria vida.
8. Pode-se notar a relação clara que isto apresenta com o papel fisiológico
dos canais semi-circulares.
9. Num certo sentido, o termo Antariksha compreende também a
atmosfera, considerada então como meio de propagação da luz; cabe
lembrar, de resto, que o agente dessa propagação não é o ar (Vâyu),
mas o Éter (Akâsha). Quando transpomos os termos para torná-los
aplicáveis a todo o conjunto dos estados da manifestação universal, na
consideração do Tribhuvana, Antariksha identifica-se a Bhuvas, que se
designa normalmente como a atmosfera, mas tomando este termo
numa acepção bem mais extensa e menos determinada do que
precedentemente. – Os nomes dos três mundos, Bhû, Bhuvas e Svar,
são as três vyâhritis, palavras que são pronunciadas habitualmente
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da manifestação sutil (5). Diz-se que o número total de nâdîs é de que deve ser entendido aqui num sentido comparável ao que é usado
setenta e duas mil; segundo outros textos, porém, este número seria habitualmente no Evangelho). Entretanto, convém frisar que essa
de setecentos e vinte milhões; mas a diferença aqui é mais aparente diferença, no que tange à orientação respectiva da atividade do ser
do que real, pois, assim como ocorre muitas vezes em casos nos dois estados, não implica numa superioridade efetiva do estado
semelhantes, esses números devem ser tomados simbolicamente e de vigília sobre o estado de sonho quando cada estado é considerado
não de modo literal; e é fácil perceber que eles estão em relação em si mesmo; no mínimo, uma superioridade que só vale do ponto
evidente com os números cíclicos (6). Teremos ainda ocasião de de vista “profano” não pode, metafisicamente, ser considerada como
fornecer outros desenvolvimentos sobre esta questão das artérias uma verdadeira superioridade; e mesmo, sob outro aspecto, as
sutis, assim como sobre o processo dos diversos graus de reabsorção possibilidades do estado de sonho são mais amplas do que as do
das faculdades individuais, reabsorção que, como dissemos, se estado de vigília, e elas permitem ao indivíduo escapar, numa certa
efetua no sentido inverso do desenvolvimento dessas mesmas medida, a algumas das condições limitativas às quais ele está
faculdades. submetido em sua modalidade corporal (8). Seja como for, aquilo
que é absolutamente real (pâramârthika), é o “Si” (Atmâ)
No estado de sonho, a “alma viva” individual (jîvâtmâ) “é para si exclusivamente; é o que não pode alcançar qualquer concepção que,
mesma sua própria luz”, e ela produz, pelo efeito de seu puro desejo sob qualquer forma, se limite à consideração dos objetos externos e
(kâma), um mundo que procede inteiramente de si mesma, e cujos internos, cujo conhecimento constitui respectivamente os estados de
objetos consistem exclusivamente em concepções mentais, vale vigília e de sonho, e que assim, por não ir além desses dois estados,
dizer em combinações de idéias revestidas de formas sutis, que permanece inteiramente dentro dos limites da manifestação formal e
dependem substancialmente da forma sutil do próprio indivíduo, de da individualidade humana.
quem esses objetos ideais não passam de modificações acidentais e
secundárias (7). Esta produção, de resto, possui sempre algo de O domínio da manifestação sutil pode, em razão de sua natureza
incompleto e descoordenado; é por isso que ela é vista como “mental”, ser designado como uma mundo ideal, a fim de distingui-
ilusória (mâyâmaya) ou como só possuindo uma existência aparente lo do mundo sensível, que é o domínio da manifestação grosseira;
(prâtibhâsika), enquanto que, no mundo sensível aonde ela se situa mas não se deve entender esta designação no sentido do “mundo
no estado de vigília, a mesma “alma viva” tem a faculdade de agir inteligível” de Platão, pois as “idéias” deste são as possibilidades em
no sentido de uma produção “prática” (vyâvahârika), ilusória estado principial, que devem ser relacionadas ao domínio informal;
também em relação à realidade absoluta (paramârtha), e transitória no estado sutil, só se pode falar de idéias revestidas de formas, pois
como toda manifestação, mas que possui não obstante uma realidade as possibilidades que ele comporta não ultrapassam a existência
relativa e uma estabilidade suficientes para servir às necessidades da individual (9). Sobretudo, não se deve procurar aqui uma oposição
via ordinária e “profana” (laukika, termo derivado de loka, “mundo”, como a que certos filósofos modernos gostam de estabelecer entre o
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“ideal” e o “real”, oposição que, para nós, não tem nenhum Quer nos coloquemos do ponto de vista “macrocósmico”, como
significado: tudo o que é, sob qualquer forma que seja, é por isso fizemos por último, quer do ponto de vista “microcósmico”, como
mesmo real, e possui precisamente o grau de realidade que convém à vimos no início, o mundo ideal de que se trata é concebido por
sua própria natureza; aquilo que consiste em idéias (este é o sentido faculdades que correspondem analogamente àquelas pelas quais é
que damos ao termo “ideal”) não é por isso nem mais nem menos percebido o mundo sensível, ou, se se preferir, que são as mesmas
real do que o que consiste em outra coisa, pois toda possibilidade faculdades em princípio (porque são sempre faculdades individuais),
encontra necessariamente lugar na posição que lhe é assinalada mas consideradas num outro grau de desenvolvimento, dado que sua
hierarquicamente no Universo por sua própria determinação. atividade se exerce em um domínio diferente. É por isso que Atmâ,
nesse estado de sonho, ou seja enquanto Taijasa, tem o mesmo
Na ordem da manifestação universal, assim como o mundo sensível, número de membros e de bocas (ou instrumentos de conhecimento)
em seu conjunto, é idêntico a Virâj, este mundo ideal de que falamos que no estado de vigília, enquanto Vaishwânara (15); não é preciso
é identificado a Hiranyagarbha (ou seja literalmente o “Embrião de repetir sua enumeração, pois as definições que demos antes podem
Ouro”) (10), que é Brahma (determinação de Brahma como efeito, aplicar-se igualmente, por uma transposição adequada, aos dois
kârya) (11), envolvendo-se dentro do “Ovo do Mundo) domínios da manifestação grosseira ou sensível e da manifestação
(Brahmânda) (12), a partir do qual irá se desenvolver, segundo seu sutil ou ideal.
modo de realização, toda a manifestação formal que aí está
virtualmente contida como concepção deste Hiranyagarbha, germe
primordial da Luz cósmica (13). Por outro lado, Hiranyagarbha é
designado como “conjunto sintético da vida”(jîva-ghana) (14); de
fato, ele é verdadeiramente a “Vida Universal” (15), em razão desta
conexão já assinalada do estado sutil com a vida, a qual, mesmo
vista em toda a extensão de que é susceptível (e não limitada à vida
orgânica ou corporal a que se limita o ponto de vista fisiológico)
(16), não é mais do que uma das condições particulares de existência
a que pertence a individualidade humana; o domínio da vida não
ultrapassa portanto as possibilidades que comporta este estado, o
qual, bem entendido, deve ser tomado aqui integralmente, e do qual
fazem parte as modalidades sutis tanto quanto a modalidade
grosseira.
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goza desta Beatitude como de seu domínio próprio, é porque ela não no que concerne ao ser humano, nos seus estados sutil e grosseiro.
é outra coisa do que a plenitude do seu ser, como já indicamos Este não-manifestado, concebido como raiz do manifestado (vyakta)
precedentemente. Trata-se de um estado essencialmente informal e que é seu efeito (kârya), é identificado sob este aspecto a Mûla-
supra-individual; jamais poderia tratar-se de um estado “psíquico” Prakriti, a “Natureza primordial”; mas, na realidade, ele é ao mesmo
ou “psicológico”, como o creram alguns orientalistas. O que é tempo Purusha e Prakriti, contendo-os em sua própria
propriamente “psíquico”, de fato, é o estado sutil; e, ao fazermos indiferenciação, pois ele é causa no sentido total do termo, ou seja a
esta assimilação, tomamos aqui o termo “psíquico” no seu sentido um só tempo como “causa eficiente” e como “causa material”, para
primitivo, aquele que ele tinha para os antigos, sem nos nos servirmos da terminologia corrente, embora preferíssemos as
preocuparmos com as diversas acepções mais especializadas que expressões de “causa essencial” e “causa substancial’, pois é à
lhes foram aplicadas depois, e com as quais ele não poderia aplicar- “essência” e à “substância”, definidas como fizemos
se à totalidade do estado sutil. Quanto à psicologia dos Ocidentais precedentemente, que se referem respectivamente estes dois aspectos
modernos, ela só concerne a uma parte bastante restrita da complementares da causalidade. Se Atmâ, neste terceiro estado, está
individualidade humana, aquela em que o “mental” se acha em assim além da distinção de Purusha e de Prakriti, ou dos dois pólos
relação imediata com a modalidade corporal, e, devido aos métodos da manifestação, é porque ele está, não mais na existência
de que se utiliza, ela é incapaz de ir mais longe; em todo caso, o condicionada, mas no grau do Ser puro; entretanto, devemos por
próprio objeto que ela se propõe, e que é exclusivamente o estudo outro lado compreender aí Purusha e Prakriti, que são ainda não-
dos fenômenos mentais,, limita-a estritamente ao domínio da manifestados, e num certo sentido, os estados informais da
individualidade, de sorte que o estado que tratamos daqui em diante manifestação, que já tivemos antes que ligar ao Universal, porque
escapa necessariamente às suas investigações, e podemos dizer que são verdadeiramente estados supra-individuais do ser; e, de resto,
lhe é duplamente inacessível, primeiro porque está além do “mental” todos os estados manifestados estão contidos, em princípio e
ou do pensamento discursivo e diferenciado, e segundo porque está sinteticamente, no Ser não-manifestado.
além de qualquer “fenômeno”, ou seja de qualquer manifestação
formal. Neste estado, os diferentes objetos da manifestação, mesmo os da
manifestação individual, tanto externos quanto internos, não são
Este estado de indiferenciação, no qual todo conhecimento, exatamente destruídos, mas subsistem em modo principial,
incluindo aquele dos outros estados, está centralizado sinteticamente unificados pelo fato mesmo de não serem concebidos sob o aspecto
na unidade essencial e fundamental do ser, é o estado não- secundário e contingente da distinção; eles se encontram
manifestado ou “não-desenvolvido” (avyakta), princípio e causa necessariamente dentre as possibilidades do “Si”, e este permanece
(kârana) de toda manifestação, e a partir do qual esta se desenvolve consciente por si mesmo de todas as suas possibilidades, encaradas
na multiplicidade de seus diversos estados e, mais particularmente “não-distintivamente” no Conhecimento integral, uma vez que ele é
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consciente de sua própria permanência no “eterno presente” (4). Se Neste estado, que é às vezes designado pelo nome de samprasâda ou
não fosse assim, e se os objetos da manifestação não subsistissem “serenidade” (8), a luz inteligível é captada diretamente, o que
assim principialmente (suposição impossível em si mesma, pois constitui a intuição intelectual, e não mais por reflexo através do
estes objetos não seriam senão um puro nada, que não poderia existir “mental” (manas) como nos estados individuais. Nós aplicamos
de modo algum, nem mesmo em modo ilusório), não poderia haver antes essa expressão de “intuição intelectual” à Buddhi, faculdade de
nenhum retorno do estado de sono profundo para os estados de conhecimento supra-racional e supra-individual, embora já
sonho e vigília, pois toda manifestação formal seria manifestada; sob este aspecto, é preciso então incluir de algum modo
irremediavelmente destruída para o ser assim que ele entrasse em Buddhi no estado de Prâjna, que compreenderá assim tudo o que
sono profundo; ora, um tal retorno é sempre possível, ao contrário, e está além da existência individual. Teremos agora a considerar no
produz-se efetivamente, ao menos para o ser que não está atualmente ser um novo ternário, constituído por Purusha, Prakriti e Buddhi, ou
“liberto”, ou seja livre definitivamente das condições da existência seja pelos dois pólos da manifestação, “essência” e “substância”, e
individual. pela primeira produção de Prakriti sob a influência de Purusha,
produção que é a manifestação informal. É preciso acrescentar, de
O termo Chit deve ser entendido, não como o era precedentemente resto, que este ternário só representa o que podemos chamar de
seu derivado chitta, no sentido restrito do pensamento individual e “exterioridade” do Ser, e que assim ele não coincide absolutamente
formal (sendo esta determinação restritiva, que implica numa com o outro ternário principial que vimos, que se refere
modificação por reflexo, marcada neste pelo sufixo kta, que é a verdadeiramente à sua “interioridade”, sendo antes como que uma
terminação do particípio passivo), mas sim no sentido universal, primeira particularização sua em modo distintivo (9); é claro que,
como a Consciência total do “Si” vista em sua relação com seu único falando assim de “exterior” e “interior”, estamos empregando uma
objeto, que é Ananda ou a Beatitude (5). Este objeto, que constitui linguagem puramente analógica, baseada no simbolismo espacial, e
agora de certo modo o envelope do “Si” (ânandamaya-kosha), como que não poderia ser aplicada literalmente ao Ser puro. Por outro
já explicamos, é idêntico ao próprio sujeito, que é Sat ou o Ser puro, lado, o ternário Sachchidânanda, que é coextensivo ao Ser, traduz-se
e não é verdadeiramente distinto dele, porque de fato não existe aí ainda, na ordem da manifestação informal, por aquele que
mais nenhuma distinção real (6). Assim esses três, Sat, Chit e distinguimos em Buddhi, do qual já falamos: o Matsya-Purâna, que
Ananda (geralmente reunidos em Sachchidânanda) (7), não são citamos então, declara que “no Universal, Mahat (ou Buddhi) é
senão um só e mesmo ser, e este “um” é Atmâ, considerado fora e Ishwara”; e Prâjna é também Ishwara, ao qual pertence
para além de todas as condições particulares que determinam cada propriamente o kâranasharîra. Podemos dizer ainda que a Trimûrti
um de seus diversos estados de manifestação. ou “tripla manifestação” é somente a “exterioridade” de Ishwara; em
si, este é independente de qualquer manifestação, de que ele é o
princípio, por ser o próprio Ser; e tudo o que é dito de Ishwara, tanto
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conhece”, o objeto é “o que é conhecido”, e sua relação é o próprio 10. Os efeitos estão “eminentemente” na causa, como dizem os filósofos
conhecimento. Entretanto, na filosofia moderna, o significado destes escolásticos, e eles são também constitutivos de sua própria natureza,
dois termos, e sobretudo de seus derivados “subjetivo” e “objetivo”, pois nada pode estar nos efeitos sem que tenha antes estado na causa;
variaram a tal ponto que eles acabaram por receber acepções assim a causa primeira, conhecendo-se a si mesma, conhece por isso
diametralmente opostas, e alguns filósofos tomaram-nos todos os efeitos, ou seja todas as coisas, de um modo absolutamente
indistintamente em sentidos muito diferentes; desta forma seu emprego imediato e “não-distintivo”.
apresenta graves inconvenientes do ponto de vista da clareza, e, em 11. Este “ordenador interno” é idêntico ao “reitor Universal” de que tratou
muitos casos, é melhor evitá-lo tanto quanto possível. o texto taoísta mencionado em nota precedente. – A tradição extremo-
7. Em árabe, existe, como equivalente destes três termos, a Inteligência oriental diz também que “a Atividade do Céu é não-agente”; na sua
(El-Aqlu), o Inteligente (El-Qil) e o Inteligível (El-Maqûl); a primeira terminologia, o Céu (Tien) corresponde a Purusha (visto nos diversos
é a Consciência universal (Chit), o segundo é seu sujeito (Sat) e o graus indicados), e a Terra (Ti) a Prakriti; não se trata portanto da
terceiro seu objeto (Ananda); estes três são um no Ser (que Se conhece tradução utilizada para os mesmos termos na enumeração do
a Si mesmo por Si mesmo”. Tribhuvana hindu.
8. Brihad-Aranyaka Upanishad, 4º Adhyâya, 3º Brâhmana, shruti 15; cf. 12. Isto é aplicável, na ordem cósmica, às duas fases da “expiração” e da
Brahma-Sûtras, 1º Adhyâya, 3º Pâda, sûtra 8. – Ver também o que “aspiração” que podemos ver em cada ciclo particular; mas aqui trata-
diremos mais adiante sobre o significado do Nirvâna. se da totalidade dos ciclos ou dos estados que constituem a
9. Poderíamos dizer, com as devidas reservas, que Purusha é o polo manifestação universal.
“subjetivo” da manifestação, e que Prakriti é seu polo “objetivo”; 13. Mândûkya Upanishad, shruti 6.
Buddhi corresponde então naturalmente ao Conhecimento, que é como
que uma resultante do sujeito e do objeto, ou seu “ato comum”, para
empregarmos a linguagem de Aristóteles. Entretanto, convém frisar
que, na ordem da Existência universal, é Prakriti que “concebe” suas
produções sob a influência “não-agente” de Purusha, enquanto que, na
ordem das existência individuais, o sujeito conhece ao contrário sob a
ação do objeto; a analogia é portanto inversa neste caso, assim como
nos que encontramos anteriormente. Enfim, se virmos a inteligência
como inerente ao sujeito (embora sua “atualidade” suponha a presença
dos dois termos complementares), deveremos dizer que o Intelecto
universal é essencialmente ativo, enquanto que a inteligência
individual é passiva, ao menos relativamente (mesmo sendo ao mesmo
tempo ativa sob outro aspecto), o que implica de resto seu caráter de
“reflexo”; e isto concorda inteiramente com as teorias de Aristóteles.
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podemos afirmar (6). Toda determinação é uma limitação, portanto “mental” (10); nós não O conhecemos (como compreensível por
uma negação (7); por conseguinte, é a negação de uma determinação outro que não Si mesmo), e é porisso que não podemos ensinar Sua
que é uma verdadeira afirmação, e os termos de aparência negativa natureza (por uma descrição qualquer). Ele é superior àquilo que é
que encontramos aqui são, em seu sentido real, eminentemente conhecido (distintivamente, ou para o universo manifestado), e Ele
afirmativos. De resto, o termo “Infinito”, cuja forma é semelhante, está além daquilo que não é conhecido (distintivamente, ou do
exprime a negação de todo limite, de sorte que ele eqüivale à Universo não-manifestado, uno com o Ser puro) (11); este é o
afirmação total e absoluta, que compreende ou abarca todas as ensinamento que recebemos dos Sábios de outrora. Devemos
afirmações particulares, mas que não é nenhuma delas com a considerar que Este que não é manifestado pela palavra (nem por
exclusão das demais, precisamente porque ela implica a todas qualquer outra coisa), mas pelo qual a palavra é manifestada (assim
igualmente e “não-distintivamente”; e é assim que a Possibilidade como todas as coisas), é Brahma (em Sua Infinitude), e não o que é
Universal compreende absolutamente todas as possibilidades. Tudo visto (enquanto objeto de meditação) como “isto” (um ser individual
o que pode exprimir-se em forma afirmativa está necessariamente ou um mundo manifestado, segundo seja o ponto de vista
encerrado no domínio do Ser, pois este é em si a primeira afirmação “microcósmico” ou “macrocósmico”) ou “aquilo” (Ishwara ou o
ou a primeira determinação, aquela da qual procedem todas as próprio Ser Universal, além de qualquer individualização e qualquer
outras, assim como a unidade é o primeiro dos números e deka todos manifestação)” (12).
derivam; mas, aqui, estamos na “não-dualidade”, e não mais na
unidade, ou, em outros termos, estamos além do Ser, pelo fato Shankarâchârya acrescenta a esta passagem o seguinte comentário:
mesmo de estarmos além de toda determinação, ainda que principial “Um discípulo que seguiu atentamente a exposição da natureza de
(8). Brahma deve ser levado a pensar que ele conhece perfeitamente
Brahma (ao menos teoricamente); mas, malgrado as razões aparentes
Em Si mesmo, Atmâ não é então nem manifestado (vyakta), nem que ele pode ter para pensar assim, esta não deixa de ser uma
não-manifestado (avyakta), ao menos quando vemos somente o não- opinião errônea. De fato, o significado bem estabelecido de todos os
manifestado como princípio imediato do manifestado (o que se textos concernentes ao Vêdânta é que o “Si” de todo ser que possui o
refere ao estado de Prâjna); mas Ele é ao mesmo tempo o princípio Conhecimento é idêntico a Brahma (porque, através deste
do manifestado e do não-manifestado (embora esse Princípio Conhecimento, a “Identidade Suprema” é realizada). Ora, de todas
Supremo possa aliás ser também dito não-manifestado num sentido as coisas susceptíveis de se tornarem objeto de conhecimento, um
superior, nem que seja para afirmar assim Sua imutabilidade conhecimento distinto e definido é possível; mas isto não acontece
absoluta e a impossibilidade de O caracterizar por qualquer com Aquilo que não pode tornar-se um tal objeto. Isto é Brahma,
atribuição positiva). “Ele (o Supremo Brahma, ao qual Atmâ é pois Ele é o Conhecedor (total), e o Conhecedor pode conhecer as
idêntico) não é alcançado pelo olho (9), nem pela palavra, nem pelo outras coisas (encerrando-as todas em Sua infinita compreensão, que
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é idêntica à Possibilidade Universal), mas não tornar-se Ele mesmo incomunicável essência) é desconhecido para aqueles que O
objeto Seu próprio Conhecimento (pois, em Sua identidade que não conhecem (ao modo de um objeto qualquer de conhecimento, seja
resulta de nenhuma identificação, não se pode fazer, como na um ser particular ou o Ser Universal), e Ele é conhecido daqueles
condição de Prâjna, a distinção principial de um sujeito e um objeto que não O conhecem (como “isto” ou como “aquilo”) (15).
que são entretanto “o mesmo”, e Ele não pode cessar de ser Si
mesmo, “todo-conhecedor” para tornar-se “todo-conhecido”, que
seria um outro Si mesmo), assim como o fogo pode queimar outras
coisas mas não pode queimar a si mesmo (sendo sua natureza
essencial indivisível, como analogamente, Brahma é “sem-
dualidade”) (13). Por outro lado, também não se pode dizer que
Brahma pode ser objeto de conhecimento por outro que não Ele
mesmo, pois, fora de Si, não há nada que seja conhecedor (sendo
todo conhecimento, mesmo relativo, uma participação no
Conhecimento absoluto e supremo)” (14).
É por isso que é dito na seqüência do texto: “Se pensas que conheces
bem (Brahma), aquilo que conheces de Sua natureza é na realidade
bem pouca coisa; por esta razão, Brahma deve ser mais atentamente
considerado por ti. (A resposta é esta:) Eu não penso que O conheço;
quero dizer que não O conheço bem (de um modo distinto, como
conheceria um objeto susceptível de ser descrito ou definido); e no
entanto eu O conheço (segundo o ensinamento que recebi sobre Sua
natureza). Qualquer um dentre nós que compreenda estas palavras
(em seu verdadeiro significado) “Eu não O conheço, e no entanto eu
O conheço”, este O conhece em verdade. Para aquele que pensa que
Brahma é não-compreendido (por uma faculdade qualquer), Brahma
é compreendido (pois, pelo Conhecimento de Brahma, ele se torna
real e efetivamente idêntico ao próprio Brahma); mas aquele que
pensa que Brahma é compreendido (por qualquer faculdade sensível
ou mental), este não O conhece. Brahma (em Si mesmo, em Sua
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“Este Atmâ é representado pela sílaba (por excelência) Om, que por
sua vez é representada por caracteres (mâtrâs), (de tal modo que) as
condições (de Atmâ) são os mâtrâs, e (inversamente) os mâtrâs (de
Om) são as condições (de Atmâ): são A, U e M.
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“Vaishwânara, cujo assento está no estado de vigília, é (representado conhecimento, que não pode ser separado dele), e nenhum de seus
por) A, o primeiro mâtrâ, porque ele é a conexão (âpti, de todos os descendentes (no sentido da “posteridade espiritual” (1) será
sons, sendo o som primordial A, aquele emitido pelos órgãos da fala ignorante de Brahma.
em sua posição natural, como que imanente em todos os outros, que
são modificações variadas suas e que se unificam nele, assim como “Prâjna, cujo assento está no estado de sono profundo, é
Vaishwânara está presente em todas as coisas do mundo sensível e (representado por) M, o terceiro mâtrâ, por que ele é a medida (miti,
realiza a sua unidade), bem como o começo (âdi, ao mesmo tempo dos dois outros mâtrâs, como, numa relação matemática, o
do alfabeto e do monossílabo Om, como Vaishwânara é a primeira denominador é a medida do numerador), e também porque ele é a
das condições de Atmâ e a base a partir da qual, para o ser humano, finalização (do monossílabo Om, considerado como encerrando a
deve cumprir-se a realização metafísica). Aquele que conhece isso síntese de todos os sons, e assim também o não-manifestado contém,
obtém em verdade (a realização de) todos os seus desejos (porque, sinteticamente e em princípio, todo o manifestado com seus diversos
por sua identificação com Vaishwânara, todos os objetos sensíveis modos possíveis, e este pode ser considerado como regressando ao
tornam-se dependentes dele e parte integrante de seu próprio ser), e não-manifestado, do qual ele jamais se distinguiu senão de modo
ele se torna o primeiro (no domínio de Vaishwânara ou de Virâj, de contingente e transitório: a causa primeira é ao mesmo tempo a
que ele se torna o centro em virtude deste conhecimento e pela causa final, e o fim é necessariamente idêntico ao princípio) (2).
identificação que ele implica a partir do momento em que é Aquele que conhece isso mede verdadeiramente este todo (ou seja o
plenamente efetivado). conjunto dos “três mundos” ou dos diferentes estados da Existência
universal, de que o Ser puro é o “determinante”) (3), e ele se torna a
“Taijasa, cujo assento está no estado de sonho, é (representado por) finalização (de todas as coisas, pela concentração de seu próprio Si
U, o segundo mâtrâ, por que ele é a elevação (utkarsha, do som a ou sua personalidade, onde se encontram, “transformados”em
partir de sua modalidade primeira, como o estado sutil é, dentro da possibilidades permanentes, todos os estados de manifestação de seu
manifestação formal, de ordem mais elevada que o estado grosseiro), ser) (4).
e também porque ele participa dos dois (ubhaya, ou seja que, por sua
natureza e sua posição, ele é o intermediário entre os dois elementos “O Quarto é “não-caracterizado” (amâtra, portanto incondicionado);
extremos do monossílabo Om, assim como o estado de sonho é ele é não-agente (avyavahârya), sem nenhumtraço de
intermediário, sandhyâ, entre a vigília e o sono profundo). Aquele desenvolvimento da manifestação (prapancha upashama), todo
que conhece isso avança em verdade na via do Conhecimento (por Beatitude e sem dualidade (Shiva Adwaita): este é Omkâra (o
sua identificação com Hiranyagarbha), e (sendo assim iluiminado) monossílabo sagrado considerado independentemente de seus
está em harmonia (samâna, com todas as coisas, pois ele vê o mâtrâs), este certamente é Atmâ (em Si, além e independentemente
Universo manifestado como a produção de seu próprio de qualquer condição ou determinação, inclusive da determinação
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principial que é o próprio Ser). Aquele que conhece isso entra NOTAS
verdadeiramente em seu próprio Si, por meio deste mesmo Si (sem
nenhum intermediário de qualquer ordem que seja, sem uso de 1. Este mesmo sentido tem aqui, em razão da identificação com
nenhum instrumento tal como uma faculdade de conhecimento, que Hiranyagarbha, uma relação mais particular com o “Ôvo do Mundo” e
não pode atingir senão um estado do Si, e não Paramâtmâ, o Si com as leis cíclicas.
supremo e absoluto)” (5). 2. Para comprender este simbolismo, é preciso considerar que os sons de
A e de U se unem no de O, e que este vai perder-se de certo modo no
No que concerne aos efeitos que são obtidos por meio da meditação som nasal final de M, sem entretanto destruir-se, mas ao contrário
(upâsanâ) do monossílabo Om, primeiramente em cada um de seus prolongando-se indefinidamente, embora tornando-se indistinto e
imperceptível. – Por outro lado, as formas geométricas que
três mâtrâs, e depois em si mesmo, independente desses mâtrâs, correspondem respectivamente aos três mâtrâs são uma linha reta, uma
acrescentaremos apenas que estes efeitos correspondem à realização semi-circunferência (ou antes um elemento de espiral) e um ponto: a
de diferentes graus espirituais, que podem ser caracterizados da primeira simboliza o desdobramento completo da manifestação; o
seguinte forma: o primeiro é o pleno desenvolvimento da segundo, um estado de ocultação relativo em relação a este
individualidade corporal; o segundo é a extensão integral da desdobramento, mas ainda desenvolvido ou manifestado; o terceiro, o
individualidade humana em suas modalidades extra-corporais; o estado informal e “sem-dimensões” ou condições limitativas
terceiro é a obtenção dos estados supra-individuais do ser; enfim, o particulares, ou seja o não-manifestado. Lembraremos também que o
quarto é a realização da “Identidade Suprema”. ponto é o princípio primordial de todas as figuras geométricas, como o
não-manifestado o é de todos os estatdos de manifestação, e que ele é,
em sua ordem, a unidade verdadeira e indivisível, o que faz dele um
símbolo natural do Ser puro.
3. Haveriam considerações linguísticas interessantes a desenvolver sobre
a expressão do Ser concebido como “sujeito ontológico” e
“determinante universal”; diremos apenas que, em hebraico, o nome
divino El reporta-se particularmente a estas noções. – Este aspecto do
Ser é designado pela tradição hindu como Swayambû, “Aquele que
subsiste por Si mesmo”; na teologia cristã, é o Verbo Eterno visto
como o “lugar dos possíveis”; o símbolo extremo-oriental do dragão
também se refere a isso.
4. É apenas no estado de universalização e não no estado individual, que
se poderia dizer verdadeiramente que “o homem é a medida de todas
as coisas, das que são enquanto são e das que não são enquanto não
são”, ou seja, metafisicamente, do manifestado e do não-manifestado,
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embora, com todo rigor, não se possa falar de uma “medida” do não-
manifestado, se entendemos por isso a determinação por condições
particulares de existência, como aqueles que definem cada estado de
manifestação. Por outro lado, é claro que o sofista grego Protágoras, a
quem se atribui a frase que reproduzimos, trasnpondo seu sentido para
XVII
aplicar-se ao “Homem Universal”, estava certamente longe de elevar- EVOLUÇÃO PÓSTUMA
se até esta concepção, de modo que, aplicando-a ao ser humano
individual, ele não pretendia expressar com isto mais do que aquilo
DO SER HUMANO
que os modernos chamariam de um “relativismo” radical, enquanto
que, para nós, trata-se evidentemente de outra coisa, como
compreenderão aqueles que sabem quais são as relações do “Homem Até agora, vimos a constituição do ser humano e os diferentes
Universal” com o Verbo Divino (cf. notadamente São Paulo, 1 Cor estados de que ele é susceptível na medida em que subsiste como
XV). composto dos diversos elementos que distinguimos nesta
5. Mândûkya Upanishad, shrutis 8-12. – Sobre a meditação de Om e seus constituição, ou seja durante a duração de sua vida individual. É
efeitos em diversas ordens, em relação com os três mundos, podemos preciso insistir sobre este ponto, que os estados que pertencem
encontrar indicações no Prashna Upanishad, 5º Prashna, shrutis 1-7. verdadeiramente ao indivíduo como tal, vale dizer não somente o
Cf. também Chhândogya Upanishad, 1º Prapâthaka,, 1º, 4º e 5º estado grosseiro ou corporal, para o qual a coisa é evidente, mas
Khandas.
também o estado sutil (com a condição, bem entendido, de só incluir
aí as modalidades extra-corporais do estado humano integral, e não
os outros estados individuais do ser), são própria e essencialmente
estados do homem vivo. Não que se deva admitir que o estado sutil
cesse no instante da morte corporal, e apenas por causa dela;
veremos mais adiante que neste momento produz-se, ao contrário,
uma passagem do ser para a forma sutil, mas esta passagem constitui
apenas uma fase transitória na reabsorção das faculdades individuais
do manifestado no não-manifestado, fase cuja existência explica-se
naturalmente pelo caráter intermediário que estabelecemos para o
estado sutil. Podemos no entanto, é verdade, considerar um certo
sentido, e em certos casos ao menos, um prolongamento, e mesmo
um prolongamento indefinido, da individualidade humana, que
devemos forçosamente relacionar às modalidades sutis, ou seja
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extra-corporais, desta individualidade; mas este prolongamento não não existe mais um ser humano propriamente dito, porque é
é a mesma coisa que o estado sutil tal como ele existia durante a vida essencialmente este composto que é o homem individual; o único
terrestre. É preciso ter em conta, de fato, que, sob esta mesma caso em que se pode continuar a chamá-lo humano num certo
denominação de “estado sutil”, somos obrigados a incluir sentido é aquele onde, após a morte corporal, o ser permanece em
modalidades bastantes diversas e extremamente complexas, mesmo algum destes prolongamentos da individualidade a que fizemos
quando nos limitamos à consideração de um só domínio das alusão, porque, neste caso, embora esta individualidade não seja
possibilidades propriamente humanas; é por isso que tomamos o mais completa sob o aspecto da manifestação (porque lhe falta agora
cuidado, desde o início, de prevenir que ela deveria ser vista em o estado corporal, tendo as possibilidades que correspondem a este
relação ao estado corporal tomado como ponto de partida e como t completado o ciclo inteiro de seu desenvolvimento), alguns de seus
ermo de comparação, de tal maneira que ela só adquire um sentido elementos psíquicos ou sutis subsistem de certo modo sem se
preciso por oposição a este estado corpóreo ou grosseiro, o qual, por dissociar. Em todos os demais casos, o ser não pode mais ser dito
sua vez, aparece como suficientemente definido por si mesmo pelo humano, porque, do estado ao qual aplica-se esse nome, ele passou a
fato de ser aquele em que nos encontramos presentemente. Podemos um outro estado, individual ou não; assim, o ser que era humano
ver também que, dos cinco envelopes do “Si”, existem três que são deixa de sê-lo para tornar-se outra coisa, assim como, pelo
vistos como constitutivos da forma sutil (enquanto que apenas um nascimento, ele se tornou humano ao passar de um outro estado
corresponde a cada um dos outros estados condicionados de Atmâ: àquele que é presentemente o nosso. De resto, se entendemos o
um, porque na realidade não passa de uma modalidade particular e nascimento e a morte no sentido mais geral, ou seja como mudança
determinada do indivíduo; outro, porque é um estado essencialmente de estado, nos damos conta imediatamente de que trata-se de
unificado e “não-distinto”); e aí está ainda uma prova manifesta da modificações que se correspondem analogamente, por serem o
complexidade do estado no qual o “Si” tem esta forma por veículo, começo e o fim de um ciclo de existência individual; e mesmo,
complexidade que devemos ter em mente se quisermos compreender quando saímos do ponto de vista particular de um determinado
o que será dito conforme encaremos este estado de diferentes pontos estado para considerarmos o encadeamento dos diversos estados
de vista. entre si, vemos que, na realidade, trata-se de fenômenos
rigorosamente eqüivalentes, sendo a morte para um estado ao
Devemos agora abordar a questão daquilo que se chama comumente mesmo tempo o nascimento em outro. Em outros termos, a mesma
de “evolução póstuma” do ser humano, ou seja das conseqüências modificação é a morte e o nascimento segundo o estado ou o ciclo de
que traz consigo, para este ser, a morte, ou, para precisar melhor o existência em relação ao qual se considere, por ser propriamente o
que entendemos por esse termo, a dissolução deste composto de que ponto comum aos dois estados, ou a passagem de um para outro; e
falamos e que constitui a sua individualidade atual. É preciso frisar, aquilo que é verdade aqui para estados diferentes é também, em
de resto, que, a partir do momento em que ocorre esta dissolução, outro grau, para as modificações diversas de um mesmo estado, se
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vemos estas modificações como constituindo, quanto ao a falsear completamente a mentalidade ocidental atual; não
desenvolvimento de suas possibilidades respectivas, outros tantos voltaremos a isto aqui. Apenas lembraremos que não se pode falar
ciclos secundários que se integram no conjunto de um ciclo mais de “progresso” senão de um modo totalmente relativo, tendo sempre
extenso (1). Enfim, é necessário acrescentar expressamente que a o cuidado de precisar sob qual aspecto se entende e dentro de quais
“especificação”, no sentido em que tomamos o termo, ou seja a limites se encara; reduzido a estas proporções, nada mais há de
ligação a uma espécie definida, tal como a espécie humana, que comum com este “progresso” absoluto de que se começou a falar
impõe a um ser certas condições gerais que constituem a natureza pelo fim do século XVIII, e que nossos contemporâneos se
específica, só vale num estado determinado e não pode estender-se comprazem em acrescentar do nome de “evolução”, pretensamente
além; nem poderia ser diferente, desde que a espécie não é mais “científico”. O pensamento oriental, como o pensamento
absolutamente um princípio transcendente em relação a este estado primitivo no Ocidente, não teria como admitir esta noção de
individual, mas procede exclusivamente do domínio deste, sendo ela “progresso”, senão no caso relativo de que falamos, ou seja como
mesma submetida às condições limitativas que o definem; e é por uma idéia completamente secundária, de um alcance extremamente
isso que o ser que passou para um outro estado não é mais humano, restrito e sem nenhum valor metafísico, por ser daquelas que só
por não pertencer mais à espécie humana (2). podem se aplicar a possibilidades de ordem particular e que não
podem ser transpostas além de certos limites. O ponto de vista
Devemos ainda fazer reservas sobre a expressão “evolução “evolutivo” não é susceptível de universalização, e não é possível
póstuma”, que pode dar lugar a equívocos diversos; e, antes de mais conceber o ser verdadeiro como algo que “evolui” entre dois pontos
nada, sendo a morte concebida como a dissolução do composto definidos, ou que “progride”, mesmo indefinidamente, em um
humano, é evidente que o termo “evolução” não pode mais ser sentido determinado; estas concepções são inteiramente desprovidas
tomado aqui no sentido de um desenvolvimento individual, por se de significado e demonstram uma completa ignorância dos dados
tratar, ao contrário, de uma reabsorção da individualidade no estado mais elementares da metafísica. Poder-se-ia quando muito falar de
não-manifestado (3); seria portanto antes uma “involução” do ponto “evolução” para o ser no sentido da passagem a um estado superior;
de vista particular do indivíduo. Etimologicamente, de fato, estes mais ainda seria preciso fazer uma restrição que conserve a
termos de “evolução” e de “involução” não significam outra coisa relatividade do termo, pois, no que concerne ao ser visto em si e na
que “desenvolvimento” e “envolvimento” (4); mas sabemos que, na sua totalidade, jamais se pode falar de “evolução” ou de
linguagem moderna, a palavra “evolução” recebeu correntemente “involução”, em qualquer sentido que se entenda, porque sua
uma outra acepção, que fez dela quase que um sinônimo de identidade essencial não é alterada pelas modificações particulares e
“progresso”. Já tivemos ocasião de nos explicarmos suficientemente contingentes, quaisquer que sejam, que afetam apenas tal ou tal de
sobre essas idéias muito recentes de “progresso” ou de “evolução”, seus estados condicionados.
que amplificando-se muito além de toda medida razoável, chegaram
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Uma outra reserva deve ser feita a respeito do emprego da palavra vista, a possibilidade de escapar das condições individuais, e não de
“póstumo”: é apenas do ponto de vista especial da individualidade aí permanecer indefinidamente; se devemos entretanto falar dele, é
humana, e na medida em que esta é condicionada pelo tempo, que se sobretudo para cobrir todos os casos possíveis, e também porque,
pode falar daquilo que se produz “após a morte”, bem como do que como veremos adiante, este prolongamento da existência humana
teve lugar “antes do nascimento”, ao menos se entendermos as reserva ao ser uma possibilidade de atingir a “Libertação” sem
palavras “antes” e “depois” no sentido cronológico que elas tem passar por outros estados individuais. Seja como for, e deixando de
normalmente. Em si mesmos, os estados de que se trata, se estão fora lado este último caso, podemos dizer o seguinte: se falamos de
do domínio da individualidade humana, não são absolutamente estados não-humanos como situados “antes do nascimento” e “após
temporais e não podem portanto ser situados cronologicamente; e a morte”, é porque assim eles aparecem em relação à
isto é verdade mesmo para aqueles que podem ter dentre suas individualidade; mas é preciso ter o cuidado de lembrar que não é a
condições um certo modo de duração, vale dizer de sucessão, desde individualidade que passa por estes estados ou que os percorre
que não seja mais a sucessão temporal. Quanto ao estado não- sucessivamente, porque trata-se de estados que estão fora de seu
manifestado, está claro que ele é livre de qualquer sucessão, de domínio e que não concernem a ela enquanto individualidade. Por
modo que as idéias de anterioridade ou de posteridade mesmo outro lado, existe um sentido no qual se podem aplicar as idéias de
entendidas na mais vasta acepção de que são susceptíveis, não anterioridade e de posteridade, fora de qualquer ponto de vista
podem aplicar-se; e podemos frisar que, mesmo durante a vida, o ser temporal ou outro: queremos falar desta ordem, ao mesmo tempo
não tem mais a noção do tempo desde que sua consciência saia do lógica e ontológica, na qual os diversos estados se encadeiam e se
domínio individual, como acontece no sono profundo ou no transe determinam uns aos outros; se um estado é assim a conseqüência de
extático; enquanto permanecer nestes estados, que são um outro, podemos dizer que ele lhe é posterior, empregando neste
verdadeiramente não-manifestados, o tempo não existirá para ele. modo de dizer o mesmo simbolismo temporal que serve para
Restaria a considerar o caso em que o estado “póstumo” é um exprimir toda a teoria dos ciclos, embora, metafisicamente, haja uma
simples prolongamento da individualidade humana: na verdade, este perfeita simultaneidade entre todos os estados, sendo que um ponto
prolongamento pode situar-se na “perpetuidade”, ou seja na de vista de sucessão efetiva só se aplique no interior de um estado
indefinidade temporal, ou, em outros termos, em um modo de determinado.
sucessão que é ainda do tempo (por não se tratar de um estado
submetido a condições outras do que o nosso), mas de um tempo que Tudo isso foi dito para que não se aplique à expressão “evolução
não tem mais nenhuma medida comum com aquele no qual se passa póstuma”, se temos que empregá-la na falta de outra mais adequada
a existência corporal. De resto, um tal estado não é o que nos e para atender a certos hábitos, uma importância e um significado
interessa particularmente do ponto de vista metafísico, porque é que ela não tem nem pode ter, e assim voltaremos ao estudo da
preciso ao contrário encararmos essencialmente, deste ponto de questão a que ela se refere, questão cuja solução, de resto, resulta
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comunica como acontecia normalmente nos estados comuns do ser faculdades (externas e internas) do indivíduo agrupam-se ao redor da
vivo; e a razão é fácil de compreender, pois, a bem da verdade, não “alma viva” (ou melhor, nela mesma, de onde todas elas procedem, e
há mais consciência individual no caso de que se trata, por ter sido a na qual são reabsorvidas) no último momento (da vida no sentido
consciência verdadeira do ser transferida para um outro estado, que é comum desta palavra, ou seja da existência manifestada no estado
na realidade um estado supra-individual. Esta consciência orgânica a grosseiro), quando esta “alma viva” vai retirar-se de sua forma
que aludimos não é uma consciência no sentido próprio do termo, corporal (6). Assim acompanhada de todas as suas faculdades
mas participa desta do mesmo modo, tendo sua origem na (porque ela as contém e as conserva em si mesma como
consciência individual, da qual ela é um reflexo; separada desta, ela possibilidades) (7), ela se retira para uma essência individual
não é mais que uma ilusão de consciência, mas pode ainda luminosa (ou seja na forma sutil, que é assimilada a um veículo
apresentar a aparência de uma para quem observa do exterior (3), ígneo, como vimos a propósito de Taijasa, a segunda condição de
assim como, após a morte, a persistência de certos elementos Atmâ), composta dos cinco tanmâtras ou essências elementares
psíquicos mais ou menos dissociados pode oferecer a mesma supra-sensíveis (como a forma corporal é composta dos cinco
aparência, e não menos ilusória, quando conseguem se manifestar, bhûtas, ou elementos corporais e sensíveis), num estado sutil (por
como explicamos em outras circunstâncias (4). oposição ao estado grosseiro, que é o da manifestação exterior ou
corporal, cujo ciclo está agora terminado para o indivíduo
“O “sopro vital”, acompanhado igualmente de todas as outras considerado).
funções e faculdades (já reabsorvidas nele e subsistindo aí apenas
como possibilidades, por terem a partir de então retornado ao estado “Em conseqüência (em razão desta passagem para a forma sutil,
de indiferenciação de que saíram para manifestarem-se efetivamente considerada como luminosa), diz-se que o “sopro vital” retira-se
durante a vida), retira-se por sua vez na “alma viva” (jîvâtmâ, para dentro da Luz, sem que se deva entender por isto o princípio
manifestação particular do “Si” no centro da individualidade ígneo de uma maneira exclusiva (pois na realidade trata-se de um
humana, como vimos precedentemente, e que se distingue do “Si” na reflexo individualizado da Luz inteligível, reflexo cuja natureza é no
medida em que esta individualidade subsiste como tal, embora esta fundo o mesmo que aquele do “mental” durante a vida corporal, e
distinção seja tão ilusória perante a realidade absoluta, onde não que implica de resto como suporte ou veículo uma combinação dos
existe nada além do “Si”); e é esta “alma viva” que (como reflexo do princípios essenciais dos cinco elementos), e sem que esta retirada se
“Si” e princípio central da individualidade) governa o conjunto das efetue necessariamente por uma transição imediata, assim como
faculdades individuais (encaradas em sua integralidade, e não considera-se um viajante como indo de uma cidade a outra, mesmo
somente no que concerne a modalidade corporal) (5). Como os quando ele passa sucessivamente por uma ou mais cidades
servidores de um rei agrupam-se ao seu redor quando ele está prestes intermediárias.
a empreender uma viagem, assim todas as funções vitais e as
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“Esta retirada ou esta abandono da forma corporal (como foi descrita modo de sucessão possível, ela identifica-se à própria Eternidade;
até aqui) é de resto comum às pessoas ignorantes (avidwân) a ao seria portanto abusivo dar o mesmo nome à “perpetuidade” temporal
Sábio contemplativo (vidwân), até o ponto onde começam para um e ou à indefinidade de uma duração qualquer; mas não é assim que se
outro suas vias respectivas (e daqui para diante diferentes): e a a deve entender. Devemos considerar que a idéia de “morte” é
imortalidade (amrita, sem entretanto que se tenha obtido já a União essencialmente sinônimo de mudança de estado, o que é, como já
imediata com o Supremo Brahma) é o fruto da simples meditação explicamos, sua acepção mais geral; e, quando dizemos que o ser
(upâsâna, cumprida durante a vida sem ter sido acompanhada de atingiu virtualmente a imortalidade, isto deve ser entendido no
uma realização efetiva dos estados superiores do ser), enquanto que sentido em que ele não deverá mais passar por estados
os entraves individuais, que resultam da ignorância (avidyâ) não condicionados, diferentes do estado humano, ou percorrer outros
podem ainda ser completamente destruídos” (8). ciclos de manifestação. Não se trata ainda da “Libertação” a partir
do estado humano, onde o ser se encontra mantido num seu
Cabe fazer uma importante ressalva sobre o sentido no qual se deve prolongamento por toda a duração do ciclo ao qual este estado
entender a “imortalidade” de que tratamos aqui: com efeito, pertence (o que constitui propriamente a “perpetuidade”) (9), de tal
dissemos em outra parte que o termo sânscrito amrita aplica-se sorte que ele possa estar coincluído na “transformação” final que irá
exclusivamente a um estado que é superior a toda mudança, cumprir-se quando este ciclo terminar, fazendo voltar tudo o que
enquanto que seu correspondente em línguas ocidentais é entendido nele estivesse implicado ao estado principial de não-manifestação
simplesmente como uma extensão das possibilidades de ordem (10). É por isso que se dá a esta possibilidade o nome de “Libertação
humana, consistindo em um prolongamento indefinido da vida (o diferenciada” ou de “Libertação por degraus” (krama-mukti), porque
que a tradição extremo-oriental chama de “longevidade”), em ela será obtida assim por meio de etapas intermediárias (estados
condições de certo modo transpostas, mas que permanecem sempre póstumos condicionados) e não de modo direto e imediato como nos
mais ou menos comparáveis àquelas da existência terrestre, por outros casos de que falaremos adiante (11).
dizerem respeito igualmente à individualidade humana. Ora, no caso
presente, trata-se de um estado que é ainda individual, e no entanto é
dito que a imortalidade pode ser obtida neste estado; isto pode
parecer contraditório com o que dissemos, pois poderíamos crer que
se trata de uma imortalidade relativa, entendida no sentido ocidental;
mas não é o caso na realidade. É verdade que a imortalidade, no
sentido metafísico e oriental, para ser plenamente efetiva, só pode
ser alcançada além de todos os estados condicionados, individuais
ou não, de tal modo que, sendo absolutamente independente de todo
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XIX geral, e não apenas no que concerne ao estado humano, pode ser
definida como o estado do ser que é limitado por uma forma; mas é
claro que esta forma não é necessariamente determinada como
espacial e temporal, como ela é no caso particular do estado
DIFERENÇA DAS CONDIÇÕES corporal; ela não pode sê-lo nos estados não-humanos, que não estão
PÓSTUMAS submetidos ao espaço e ao tempo, mas a condições bem diferentes.
Quanto à forma sutil, se ela não escapa inteiramente ao tempo
SEGUNDO OS GRAUS DO (embora esse tempo não seja aquele em que transcorre a existência
CONHECIMENTO corporal), ela escapa ao menos ao espaço, e é por isso que não se
deve tentar representá-la como uma espécie de “duplo” do corpo (2),
assim como não se deve entende-la como um “molde” quando
“Na medida em que ele está nessa condição (ainda individual), o dizemos que ela é um protótipo formal da individualidade na origem
espírito (que, por conseguinte, ainda é jîvâtmâ) daquele que praticou da manifestação (3); sabemos como os Ocidentais chegam
a meditação (durante a sua vida, sem atingir a posse efetiva dos rapidamente às representações as mais grosseiras, e como disto
estados superiores de seu ser) permanece unido à forma sutil (que podem resultar erros graves, por não se tomarem todas as precauções
podemos ver como o protótipo formal da individualidade, sendo que necessárias a respeito.
a manifestação sutil representa um estágio intermediário entre o não-
manifestado e a manifestação grosseira, desempenhando o papel de “O ser pode permanecer assim (nesta mesma condição individual em
princípio imediato em relação a esta última); e, nesta forma sutil, ele que ele se acha unido à forma sutil) até a dissolução exterior
associa-se às faculdades vitais (no estado de reabsorção ou de (pralaya, regresso ao estado indiferenciado) dos mundos
contração principial que foi descrito precedentemente).” É preciso, manifestados (do ciclo atual, que compreende ao mesmo tempo o
com efeito, que haja ainda uma forma com que o ser se revista, pelo estado grosseiro e o estado sutil, ou seja o domínio da
fato mesmo que sua condição provém da ordem individual; e esta só individualidade humana encarada em sua integridade) (4),
pode ser a forma sutil, pois ele saiu da forma corporal, e de resto a dissolução na qual ele será mergulhado (com o conjunto dos seres
forma sutil subsiste após ela, tendo-a precedido na ordem do destes mundos) no seio do Supremo Brahma; mas, mesmo então, ele
desenvolvimento em modo manifestado, que se acha reproduzido em poderá estar unido a Brahma apenas do mesmo modo como no sono
sentido inverso no retorno ao não-manifestado; mas isto não quer profundo (ou seja sem a realização plena e efetiva da “Identidade
dizer que esta forma sutil deva ser então exatamente como ela era Suprema”). Em outros termos, e para empregar a linguagem de
durante a vida corporal, como veículo do ser humano no estado de certas escolas esotéricas ocidentais, o caso a que se aludiu em último
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lugar corresponde apenas a uma “reintegração em modo passivo”, corporal ou grosseira) imperceptível aos sentidos quanto às suas
enquanto que a verdadeira realização metafísica é uma “reintegração dimensões (porque ela está fora da condição espacial) assim como
em modo ativo”, a única que implica na possessão, pelo ser, de seu quanto à sua consistência (ou à sua substância própria, que não é
estado absoluto e definitivo. É o que indica precisamente a constituída por uma combinação de elementos corporais); em
comparação com o sono profundo, tal como acontece durante a vida conseqüência, ela não afeta a percepção (ou as faculdades externas)
do homem comum: assim como existe retorno deste estado para a daqueles que estão presentes no momento em que ela se separa do
condição individual, é possível haver também, para o ser que só está corpo (após a “alma viva” ter-se retirado). Ela não é atingida pela
unido a Brahma “em modo passivo”, o retorno a um outro ciclo de combustão ou outros tratamentos que o corpo sofre após a morte
manifestação, de modo que o resultado obtido por ele, a partir do (que é o resultado desta separação, pelo fato de que nenhuma ação
estado humano, não é ainda a “Libertação” ou a verdadeira de ordem sensível pode ter repercussão sobre esta forma sutil, nem
imortalidade, e seu caso é comparável (embora com uma diferença sobre a consciência individual que, permanecendo ligada a esta, não
notável quanto às condições de seu novo ciclo) àquele do ser que, ao tem mais relação como corpo). Ela é sensível apenas por seu calor
invés de permanecer até o pralaya dentro dos prolongamentos do animador (sua qualidade própria na medida em que ela é assimilada
estado humano, passou, após a morte corporal, a um outro estado ao princípio ígneo) (6) por todo o tempo em que ela habita a forma
individual. Além desses casos, podemos encarar também aquele em grosseira, que se torna fria (e por conseguinte inerte enquanto
que a realização dos estados superiores, e mesmo a “Identidade conjunto orgânico) na morte, quando ela a abandona (mesmo que as
Suprema”, não alcançada durante a vida corporal, o é num dos outras qualidades sensíveis desta forma corporal subsistem ainda
prolongamentos póstumos da individualidade; de virtual que era, a sem mudança aparente), e que era aquecida (e vivificada) por ela
imortalidade torna-se agora efetiva, e isto pode só acontecer no enquanto ela tinha aí sua morada (pois é na forma sutil que reside
próprio final do ciclo; é a “Libertação diferenciada” de que tratamos propriamente o princípio da vida individual, de sorte que é somente
antes. Em um ou outro caso, o ser, que deve ser visto como jîvâtmâ pela comunicação de suas propriedades que o corpo pode ser dito
unido à forma sutil, acha-se, por toda a duração do ciclo, também vivo, em razão da ligação que existe entre estas duas formas
“incorporado” de certa forma (5) a Hiranyagarbha, que, como na medida em que elas são a expressão do mesmo ser, ou seja
vimos, é considerado como jîvaghana; ele permanece assim precisamente até o instante da morte).
submetido a esta condição particular de existência que é a vida
(jîva), pela qual é delimitado o domínio próprio de Hiranyagarbha “Mas aquele que obteve (antes da morte, sempre entendida como a
na ordem hierárquica da Existência universal. separação do corpo) o verdadeiro Conhecimento de Brahma (que
implica, pela realização metafísica sem a qual não haveria mais do
“Esta forma sutil (aonde reside, após a morte, o ser que permanece que o conhecimento imperfeito e apenas simbólico, a possessão
no estado individual humano) é (por comparação com a forma efetiva de todos os estados do seu ser) não passa (em modo
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sucessivo) pelos mesmos graus da retirada (ou da reabsorção de sua medida em que esta forma estava submetida à quantidade sob seus
individualidade, do estado da manifestação grosseira ao estado da diversos modos) (9), ele está livre das condições de existência
manifestação sutil, com as diversas modalidades que ela comporta, individual (assim como de todas as outras condições referentes a um
depois ao estado não-manifestado, aonde as condições individuais estado particular e determinado de existência qualquer que seja,
são enfim inteiramente suprimidas). Ele procede diretamente (neste mesmo supra-individual, pois o ser está daqui para frente no estado
último estado, e mesmo além dele se o considerarmos como o principial, absolutamente incondicionado)” (10).
princípio da manifestação) à União (já realizada ao menos
virtualmente durante a vida corporal) (7) com o Supremo Brahma, Muitos comentadores dos Brahma-Sûtras, para frisar ainda mais
ao qual ele identificou-se (de modo imediato), como um rio claramente o caráter desta “transformação” (no sentido estritamente
(representando aqui a corrente da existência através de todos os etimológico, de “passagem além da forma”), comparam-na à
estados e todas as manifestações) na sua desembocadura (que é o desaparição da água quando se coloca nela uma pedra incandescente.
termo final desta corrente) identifica-se (por penetração íntima) com De fato, esta água é “transformada” ao contato com a pedra, ao
as ondas do mar (samudra, a reunião das águas, simbolizando a menos no sentido relativo de ter perdido sua forma visível (e não
totalização das possibilidades no Princípio Supremo). Suas toda forma, porque ela continua evidentemente a pertencer à ordem
faculdades vitais e os elementos de que era constituído seu corpo corporal), ma sem que se possa dizer por isso que ela tenha sido
(todos considerados em princípio e em sua essência supra-sensível) absorvida pela pedra, porque, na realidade, ela evaporou-se na
(8), as dezesseis partes (shodasha-kalâh) componentes da forma atmosfera, aonde ela permanece em um estado imperceptível à vista
humana (ou seja os cinco tanmâtras, manas e as dez faculdades de (11). Da mesma forma, o ser não é “absorvido” ao obter a
sensação e de ação) passam completamente ao estado não- “Libertação”, embora isto possa parecer assim do ponto de vista da
manifestado (avyakta, onde, por transposição, eles se encontram manifestação, para a qual a “transformação” aparece como uma
todos em modo permanente, enquanto possibilidades imutáveis), “destruição” (12); se nos colocamos na realidade absoluta, a única
sendo que esta passagem aliás não implica para o ser mesmo que permanece para ele, ele está ao contrário dilatado além de todo
nenhuma mudança (tal como estão implicadas nos estados limite, se podemos empregar este modo de falar (que traduz
intermediários, que, pertencendo ainda ao “devir”, comportam exatamente o simbolismo do vapor d’água espalhando-se
necessariamente uma multiplicidade de modificações). O nome e a indefinidamente na atmosfera), porque ele efetivamente realizou a
forma (nâma-rûpa, ou seja a determinação da manifestação plenitude de suas possibilidades.
individual quanto à sua essência e quanto à sua substância como já
explicamos) cessam igualmente (enquanto condições limitativas do
ser); e, por ser “não-dividida), portanto sem as partes ou membros
que compunham sua forma terrestre (no estado manifestado, e na
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NOTAS de tal modo que cada um desses ciclos, terminando no pralaya como o
que aqui é considerado em particular, não constitui mais do que um
1. Existe uma certa continuidade entre os diferentes estados do ser, e com momento do samsâra. De resto, lembraremos novamente para evitar
mais razão entre as diversas modalidades que fazem parte de um qualquer equívoco, que o encadeamento destes ciclos é em realidade
mesmo estado de manifestação; a individualidade humana, mesmo em de ordem causal e não sucessiva, e que as expressões empregadas a
suas modalidades extra-corporais, deve forçosamente ser afetado pela respeito por analogia com a ordem temporal devem ser vistas como
desaparição de sua modalidade corporal, e aliás existem elementos puramente simbólicas.
psíquicos, mentais e outros, que só tem razão de ser em relação à 5. Este termo, que empregamos aqui para maior compreensão pela
existência corporal, de sorte que a desintegração do corpo deve arrastar imagem que ele invoca, não deve ser entendido literalmente porque o
consigo estes elementos, que permanecem ligados a ele, e que, por estado de que se trata nada tem de corporal.
conseguinte, são também abandonados pelo ser no momento da morte 6. Como já indicamos, este calor animador, representado como um fogo
entendida no sentido comum do termo. interno, é às vezes identificado a Vaishwânara, considerado neste
2. Os próprios psicólogos reconhecem que o “mental” ou o pensamento caso, não como a primeira condição de Atmâ de que falamos, mas
individual, o único que eles alcançam, está além da condição espacial; como o “Regente do Fogo”, como veremos mais adiante; Vaishwânara
é preciso toda a ignorância dos “neo-espiritualistas” para pretender é então um dos nomes de Agni, do qual ele designa uma função e um
“localizar” as modalidades extra-corporais do indivíduo, e para pensar aspecto particulares.
que os estados póstumos situam-se em algum lugar do espaço. 7. Se a “União” ou a “Identidade Suprema” só foi realizada virualmente,
3. É este protótipo sutil, e não o embrião corporal, que é designado em a “Libertação” tem lugar imediatamente no momento da morte; mas
sânscrito pela palavra pinda, como já indicamos; este protótipo pré- esta “Libertação” pode ter lugar também durante a vida, se a “União”
existe ao nascimento individual, pois ele está contido em for realizada plena e efetivamente; a distinção entre estes dois casos
Hiranyagarbha desde a origem da manifestação cíclica, como será melhor explicada a seguir.
representando uma das possibilidades que deverão se desenvolver no 8. Pode mesmo ocorrer, em certos casos excepcionais, que a transposição
decurso desta manifestação; mas sua pré-existência então não é mais destes elementos, se efetue de tal modo que a própria forma corporal
que virtual, no sentido que não existe ainda um estado de ser do qual desapareça sem deixar nenhum traço sensível, e que, em lugar de ser
ele esteja destinado a tornar-se a forma sutil, porque este ser não está abandonada pelo ser como acontece normalmente, passe ela
atualmente no estado correspondente, e portanto não existe enquanto inteiramente, seja ao estado sutil, seja ao estado não-manifestado, de
indivíduo humano; e a mesma consideração pode ser aplicada maneira que não acontece aí propriamente uma morte; lembremo-nos
analogamente ao germe corporal, se o vemos também como pré- dos exemplos bíblicos de Enoch, Moisés e Elias.
existindo de certo modo nos ancestrais do indivíduo encarado, e isto 9. Os modos principais da quantidade são designados expressamente
desde a origem da humanidade terrestre. nesta fórmula bíblica: “Dispuseste todas as coisas segundo seu peso,
4. O conjunto da manifestação universal é freqüentemente chamado em número e medida” (Sabedoria, XI, 21), à qual responde termo a termo
sânscrito pelo termo de samsâra; como já indicamos, ele comporta (salvo a inversão dos dois primeiros) o Mane, Thekel, Phares (conta,
uma indefinidade de ciclos, ou seja de estados e de graus de existência, peso, divisão) a visão de Baltazar (Daniel, V, 25-28).
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Devemos voltar agora àquilo que acontece ao ser que, não tendo sido
“liberto” no momento da morte, deve percorrer uma série de graus,
representados simbolicamente como as etapas de uma viagem, e que
são outros tantos estados intermediários, não definitivos, pelos quais
é preciso passar antes de chegar ao termo final. É importante frisar,
aliás, que todos estes estados, por serem ainda relativos e
condicionados, não tem nenhuma medida comum com aquele que é
o único absoluto e incondicionado; por elevados que possam ser
alguns dentre eles quando comparados ao estado corporal, parece
então que sua obtenção não aproxima absolutamente o ser de seu
objetivo último, que é a “Libertação”; e, diante do Infinito, toda a
manifestação é rigorosamente nula, de modo que as diferenças entre
os estados que a constituem devem evidentemente sê-lo também, por
consideráveis que sejam em si mesmas, e na medida em que só
tenhamos em vistas os diversos estados condicionados que elas
separam uns dos outros. Entretanto, não é menos verdade que a
passagem para certos estados superiores constitui como que um
encaminhamento na direção da “Libertação”, que se dá então
“gradualmente” (krama-mukti), assim como o emprego de certos
modos apropriados, tais como os do Hatha-Yoga, é uma preparação
eficaz, embora não haja aí nenhuma comparação possível entre esses
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meios contingentes e a “União” que se busca realizar tomando-os (correspondendo fisiologicamente ao plexo solar) (3), se for
como “suportes” (1). Mas deve ficar claro que a “Libertação”, uma ignorante (avidwân) (4). Cento e uma artérias (nâdis, igualmente
vez realizada, implicará sempre uma descontinuidade em relação ao sutis e luminosas) (5) partem do centro vital (como os raios de uma
estado em que estiver o ser que a obtenha, e que, qualquer que seja roda partem do centro), e uma destas artérias (sutis) passa pela coroa
este estado, esta descontinuidade não será nem mais nem menos da cabeça (região considerada como correspondente aos estados
profunda, porque, em todos os casos, não haverá, entre o estado do superiores do ser, quanto às suas possibilidades de comunicação com
ser “não-liberto” e o do “liberto” nenhuma relação como a que existe a individualidade humana, como vimos na descrição dos membros
entre diferentes estados condicionados. Isto é verdadeiro mesmo de Vaishwânara); ela é chamada sushumnâ” (6). Além desta, que
para os estados que estão de tal modo acima do estado humano que, ocupa uma posição central, existem duas outras nâdis que
vistos desde aí, poderiam ser tomados como o termo final para quê o desempenham um papel particularmente importante (notadamente
ser deve tender finalmente; e esta ilusão é possível mesmo para para a correspondência com a respiração na ordem sutil, e por
estados que não passam em realidade de modalidades do estado conseguinte para as práticas do Hatha-Yoga): uma, situada à sua
humano, mas muito distantes, sob todos os aspectos, da modalidade direita, é chamada pingalâ; a outra, à sua esquerda, é chamada idâ.
corporal; achamos importante chamar a atenção para este ponto, para Além disso, diz-se que a pingalâ corresponde ao Sol e idâ à Lua;
evitar quaisquer enganos e erros de interpretação, antes de ora, vimos antes que o Sol e a Lua são designados como os dois
retomarmos nossa exposição sobre as modificações póstumas a que olhos de Vaishwânara; estes estão portanto em relação com as duas
pode estar submetido o ser humano. nâdis de que se trata, enquanto que sushumnâ, no meio delas, está
em relação com o “terceiro olho”, ou seja com o olho frontal de
“A “alma viva” (jîvâtmâ), com as faculdades vitais reabsorvidas em Shiva (7); mas não podemos nos estender sobre estas considerações,
si (e nela permanecendo enquanto possibilidades, como já que saem do objeto que estamos tratando presentemente.
explicamos), tendo se retirado para sua própria morada (o centro da
individualidade, designado simbolicamente como o coração, como “Por esta passagem (sushumnâ e a coroa da cabeça aonde ela
vimos no princípio, e onde ela reside de fato na medida em que, em termina), em virtude do Conhecimento adquirido e da consciência da
sua essência e independentemente de suas condições de Via meditada (consciência que é essencialmente de ordem extra-
manifestação, ela é realmente idêntica a Purusha, de que ela só se temporal, por ser, mesmo quando vista no estado humano, um
distingue ilusoriamente), o cume (ou seja a porção mais sublime) reflexo dos estados superiores) (8), a alma do Sábio, dotada (em
deste órgão sutil (figurado como um lótus de oito pétalas) flameja virtude da regeneração psíquica que fez dele um homem “duas vezes
(2) e ilumina a passagem pela qual a alma deve partir (para atingir os nascido”- dwija) (9) da Graça espiritual (Prasâda) de Brahma, que
diversos estados de que trataremos adiante): a coroa da cabeça, se o reside neste centro vital (em relação ao indivíduo humano
indivíduo for um Sábio (vidwân), ou uma outra região do organismo considerado), esta alma escapa (liberta-se de toda ligação que pode
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subsistir ainda com a condição corporal) e encontra um raio solar (ou ou o Yoga-Shâstra, segundo o qual o tempo do dia e o da estação do
seja, simbolicamente, uma emanação do Sol espiritual, que é o ano não são indiferentes, mas tem (para a liberação do ser que sai do
próprio Brahma, desta vez visto no Universal: este raio solar não é estado corporal após uma preparação cumprida conforme aos
outra coisa que uma particularização, em relação ao ser considerado, métodos de que se trata) uma ação efetiva enquanto elementos
ou, se se preferir, uma “polarização” do princípio supra-individual inerentes ao rito (no qual eles intervém como condições das quais
Buddhi ou Mahat, pelo qual os múltiplos estados manifestados do dependem os efeitos que podem ser obtidos) (15)”. É claro que,
ser estão ligados entre si e postos em comunicação coma neste último caso, a restrição aplica-se somente aos seres que só
personalidade transcendente, Atmâ, que é idêntica ao próprio Sol atingiram estados de realização correspondentes a extensões da
espiritual); é por este caminho (indicado como o trajeto do “raio individualidade humana; para aquele que efetivamente ultrapassou
solar”) que ela se dirige, seja de noite ou de dia, no inverno ou no os limites da individualidade, a natureza dos meios empregados no
verão (10). O contato de um raio do Sol (espiritual) com sushumnâ é ponto de partida da realização não podem mais influir em nada sobre
constante, enquanto subsiste o corpo (enquanto organismo vivo e sua condição ulterior.
veículo do ser manifestado) (11); os raios da Luz (inteligível),
emanados deste Sol, chegam a esta artéria (sutil), e, reciprocamente
(em modo refletido), estendem-se da artéria ao Sol, como um
prolongamento indefinido pelo qual se estabelece a comunicação,
seja virtual, seja efetiva, da individualidade com o Universal) “ (12).
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NOTAS católicos, por exemplo), embora a razão profunda possa ter sido
esquecida.
1. Podemos lembrar uma analogia entre o que dizemos aqui e o que, do 4. Brihad-Aranyaka Upanishad, 4º Adhyâya, 4º Brâhmana, shrutis 1-2.
ponto de vista da teologia católica, poderia ser dito dos sacramentos: 5. Lembramos que não se trata das artérias corporais da circulação
nestes também, com efeito, as formas exteriores são propriamente sangüínea, nem dos canais que contém o ar respirado; é evidente, de
“suportes”, e esses meios eminentemente contingentes tem um resto, que, na ordem corporal, não pode haver nenhum canal passando
resultado que é de ordem totalmente diferente da deles próprios. É em pela coroa da cabeça, porque não há nenhuma abertura neste ponto do
razão de sua própria constituição e de suas condições particulares que organismo. Por outro lado, convém lembrar que, embora a retirada de
o indivíduo humano tem necessidade de tais “suportes” como ponto de jîvâtmâ implique já o abandono da forma corporal, nem toda relação
partida de uma realização que o ultrapassa; e a desproporção entre os cessou entre esta e a forma sutil na fase de que se trata agora, porque
meios e o fim corresponde à que existe entre o estado individual, pode-se continuar falando, ao descreve-la, dos diversos órgãos sutis
tomado como base para esta realização, e o estado incondicionado que segundo a correspondência que existe na vida fisiológica.
é ser termo. Não podemos desenvolver aqui uma teoria geral sobre a 6. Katha Upanishad, 2º Adhyâya, 6º Vallî, shruti 16.
eficácia dos ritos; diremos simplesmente, para fazer compreender o 7. No aspecto deste simbolismo que se refere à condição temporal, o Sol
princípio essencial, que tudo o que é contingente enquanto e o olho direito correspondem ao futuro, a Lua e o olho esquerdo
manifestação (a menos que se trate de determinações puramente correspondem ao passado; o olho frontal corresponde ao presente que,
negativas) não o é mais quando visto enquanto possibilidades do ponto de vista do manifestado, não passa de um instante
permanentes e imutáveis, que tudo o que possui qualquer existência imperceptível, comparável ao que é, na ordem espacial, o ponto
positiva deve também encontrar-se no não-manifestado, e que é isto o geométrico sem dimensões: é por isso que um olhar deste terceiro olho
que permite uma transposição do individual no Universal, pela destrui toda a manifestação (é o que se exprime simbolicamente ao
supressão das condições limitativas (portanto negativas) que são dizer que ele reduz tudo a cinzas), e é também por isso que ele não é
inerentes a toda manifestação. representado por nenhum órgão corporal; mas, quando se ultrapassa
2. É evidente que este termo é daqueles que devem ser entendidos este ponto de vista contingente, o presente contém toda a realidade
simbolicamente, porque não se trata do fogo sensível, mas de uma (assim como o ponto encerra em si todas as possibilidades espaciais), e
modificação da Luz inteligível. a partir do momento em que a sucessão é transmutada em
3. Os plexos nervosos, ou mais exatamente seus correspondentes na simultaneidade, todas as coisas permanecem no “eterno presente”, de
forma sutil (enquanto esta está ligada à forma corporal) são designados modo que a destruição aparente é na verdade uma “transformação”.
simbolicamente como “rodas” (chakras) ou ainda como “lótus” Este simbolismo é idêntico ao do Janus Bifrons dos Latinos, que tem
(padmas ou kamalas). – Quanto à coroa da cabeça, ela desempenha um duas faces, uma voltada para o passado e outra para o futuro, mas cujo
papel importante nas tradições islâmicas concernentes às condições verdadeiro rosto, aquele que vê o presente, não é nem um nem o outro
póstumas do ser humano; e podemos sem dúvida encontrar outros usos que se pode ver. – Assinalemos ainda que as nâdîs principais, em
que se referem a considerações da mesma ordem (a tonsura dos padres virtude da mesma correspondência, tem uma relação particular com o
que se pode chamar, em linguagem ocidental, de “alquimia humana”,
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onde o organismo é representado como o athanor hermético, e que, à 11. Isto bastaria para mostrar claramente que não pode se tratar de um raio
parte a terminologia diferente empregada por uns e outros, é bastante solar no sentido físico (para o qual o contato permanente não seria
comparável ao Hatha-Yoga. possível), e que aquilo que é designado assim só pode sê-lo
8. É um grave erro falar aqui em “lembrança”, como o faz Colebrooke no simbolicamente. – O raio que está em conexão com a artéria coronária
texto já citado; a memória, condicionada pelo tempo no sentido mais é também chamado sushumnâ.
estrito do termo, é uma faculdade relativa apenas à existência corporal, 12. Chhândogya Upanishad, 8º Prapâthaka, 6º Khanda, shruti 2.
e que não se estende além dos limites desta modalidade particular e 13. Por este termo de “encantação”, no sentido em que o empregamos
restrita da individualidade humana; ela faz parte daqueles elementos aqui, é preciso entender uma aspiração do ser inclinando-se para o
psíquicos a que aludimos mais acima, e cuja dissociação é uma Universal, com o fito de obter uma iluminação interior, quaisquer que
conseqüência direta da morte corporal. sejam os meios exteriores, gestos (mudrâs), palavras ou sons musicais
9. A concepção do “segundo nascimento”, como já observamos, é (mantras), figuras simbólicas (yantras) ou outros, que podem ser
daquelas que são comuns a todas as doutrinas tradicionais; no empregados acessoriamente como suportes do ato interior, e cujo
Cristianismo, em particular, a regeneração psíquica é representada efeito é o de determinar vibrações rítmicas que terão uma repercussão
claramente pelo batismo. – Cf. esta passagem do Evangelho: “Se um através da série indefinida dos estados do ser. Esta “encantação” não
homem não nasce de novo, ele não pode ver o Reino de Deus... Em tem portanto nada em comum com as práticas mágucas às quais se dá
verdade, eu vos digo, se um homem não renasce da água e do espírito, às vezes o mesmo nome no Ocidente, assim como não tem nada a ver
ele não pode entrar no Reino de Deus... Não vos admireis do que eu com a prece; aquilo de que se trata aqui refere-se exclusivamente ao
vos digo, que é preciso nascer de novo” (São João, III, 3-7). A água é domínio da realização metafísica.
vista por muitas tradições como o meio original do seres, e a razão está 14. Dizemos virtualmente porque, se esta perfeição fosse efetiva, a
no seu simbolismo, como já explicamos, através do qual ela representa “Libertação” já teria sido obtida por isso mesmo; o Conhecimento
Mûla-Prakriti; num sentido superior, e por transposição, é a própria pode ser teoricamente perfeito, embora a realização correspondente só
Possibilidade Universal; aquele que “nasce da água” torna-se “filho da tenha sido ainda parcialmente cumprida.
Virgem”, portanto irmão adotivo do Cristo e co-herdeiro do “Reino de 15. Brahma-Sûtras, 4º Adhyâya, 2º Pâda, sûtras 17-21.
Deus”. Por outro lado, se lembrarmos que o “espírito” mencionado no
texto citado é o Ruahh hebraico (associado aqui à água como princípio
complementar, como no princípio do Gênese), e que este designa ao
mesmo tempo o ar, encontraremos a idéia da purificação pelos
elementos, tal como ela se acha em todos os ritos iniciáticos, assim
como nos ritos religiosos; e, de resto, a própria iniciação é sempre vista
como um “segundo nascimento”, simbolicamente quando não passa de
um formalismo mais ou menos exterior, mas efetivamente quando é
conferida de modo real àquele que está qualificado para a receber.
10. Chhândogya Upanishad, 8º Prapâthaka, 6º Khanda, shruti 5.
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basta dizer que, sendo cada ciclo na realidade um estado de manifestação grosseira), é primeiro conduzido para a luz (archis),
existência, a forma antiga que deixa o ser não liberto da pela qual se deve entender aqui o Reino do Fogo (Têjas), cujo
individualidade e a forma nova da qual ele se reveste pertencem regente é Agni, chamado também Vaishwânara, num significado
forçosamente a dois estados diferentes (a passagem de um para outro particular deste nome. É preciso frisar, aliás, que, quando
efetua-se na Esfera da Lua, onde se encontra o ponto comum aos encontramos na enumeração desses estados sucessivos a designação
dois ciclos), pois um ser, qualquer que seja, não pode passar duas dos elementos, esta só pode ser simbólica, pois os bhûtas pertencem
vezes pelo mesmo estado, como já explicamos ao mostrar o absurdo todos propriamente ao mundo corporal, que é representado pela
das teorias “reincarnacionistas” inventadas por certos Ocidentais Terra (a qual, enquanto elemento, é Prithvî); trata-se na realidade de
modernos (4). diferentes modalidades do estado sutil. Do Reino do Fogo, o ser é
conduzido aos diversos domínios dos regentes (dêvatâs, “deidades”)
Insistiremos um pouco mais sobre o dêva-yâna, que se refere à ou distribuidores do dia, da semi-lunação clara (período crescente ou
identificação efetiva do centro da individualidade (5), aonde todas as primeira metade do mês lunar) (7), dos seis meses de ascensão do sol
faculdades foram precedentemente reabsorvidas na “alma viva” rumo ao norte, e enfim do ano, sendo que tudo isto deve ser
(jîvâtmâ), com o próprio centro do ser total, residência do Universal entendido como correspondências das divisões do tempo (os
Brahma. Este processo não se aplica, repetimos, senão no caso em “momentos” de que fala o Bhagavad-Gîtâ) transpostas por analogia
que esta identificação não foi realizada durante a vida terrestre, nem aos prolongamentos extra-corporais do estado humano, e não destas
no momento mesmo da morte; a partir do momento em que ela se divisões em si, que só são aplicáveis literalmente ao estado corporal
cumpre, de resto, já não existe uma “alma viva” distinta do “Si”, (8). Daí, ele passa ao Reino do Ar (Vâyu), cujo Regente (designado
porque o ser daí para diante saiu da condição individual: esta pelo mesmo nome) o dirige para o lado da Esfera do Sol (Sûrya ou
distinção, que só teve uma existência ilusória (ilusão que é inerente à Aditya), a partir do limite superior de seu domínio, por uma
sua condição mesma), cessa a partir do momento em que ela atinge a passagem que é comparada ao centro da roda de um carro, ou seja a
realidade absoluta: a individualidade desaparece com todas as um eixo fixo ao redor do qual efetua-se a rotação ou a mutação de
determinações limitativas e contingentes, e apenas a personalidade todas as coisas contingentes (não se deve esquecer que Vâyu é
permanece na plenitude do ser, contendo em si, principialmente, essencialmente o princípio “móvel”), mutação à qual o ser escapará
todas as suas possibilidades em estado permanente e não- daqui para frente (9). Ele passa a seguir para a Esfera da Lua
manifestado. (Chandra ou Soma), onde ele não permanece mais como aquele que
seguiu o pitri-yâna, mas de onde ele ascende à região do relâmpago
Segundo o simbolismo védico, tal como encontramos em muitos (vidyut) (10), acima da qual está o Reino da Água (Ap), cujo regente
textos dos Upanishads (6), o ser que cumpriu o dêva-yâna, tendo é Varuna (11) (como analogamente o raio está abaixo das nuvens de
deixado a Terra (Bhû, ou seja o mundo corporal ou o domínio da chuva). Trata-se aqui da Águas superiores ou celestes, que
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representam o conjunto das possibilidades informais (12), por qualquer um que tenha um mínimo de intimidade com as concepções
oposição às Águas inferiores, que representam o conjunto das orientais (poderíamos dizer, com as concepções tradicionais sem
possibilidades formais; não se pode mais tratar destas últimas, desde restrição) e com seus modos gerais de expressão; sua interpretação
que o ser ultrapassou a Esfera da Lua, porque esta é, como já se acha ainda facilitada pelas considerações que expusemos, e onde
dissemos, o meio cósmico aonde se elaboram os germes de toda a encontram-se diversas destas transposições analógicas que
manifestação formal. Enfim, o resto da viagem efetua-se pela região constituem o fundo de todo simbolismo (16). Lembraremos ainda,
luminosa intermediária (Antariksha, de que falamos com o risco de nos repetirmos, e porque é essencial para a
precedentemente na descrição dos sete membros de Vaishwânara, compreensão destas coisas: deve ficar bem entendido que, quando se
mas com uma aplicação um pouco diferente) (13) que é o Reino de trata, por exemplo, das Esferas do Sol e da Lua, não se trata jamais
Indra (14), e que é ocupado pelo Éter (Akâsha, representando aqui o do sol e da lua enquanto astros visíveis, que pertencem simplesmente
estado primordial de equilíbrio indiferenciado), até o centro ao domínio corporal, mas sim de princípios universais que estes
espiritual onde reside Prajâpati, o “Senhor dos seres produzidos”, astros representam no mundo sensível, ou ao menos da manifestação
que é, como já indicamos, a manifestação principial e a expressão desses princípios em graus diversos, em virtude das
direta do próprio Brahma em relação ao ciclo total ou ao grau de correspondências analógicas que ligam entre si todos os estados do
existência a que pertence o estado humano, pois este deve ser ainda ser (17). Com efeito, os diferentes Mundos (Lokas), Esferas
visto aqui, embora apenas em princípio, como sendo o estado em planetárias e Reinos elementares, que são descritos simbolicamente
que o ser tomou seu ponto de partida, e com o qual, mesmo saído da (mas apenas simbolicamente, porque o ser que os percorre não está
forma ou da individualidade, ele guarda certos laços na medida em mais submetido ao espaço) como regiões, não passam na verdade de
que ele não atingiu o estado absolutamente incondicionado, ou seja estados diferentes (18); e este simbolismo espacial (assim como o
enquanto a “Libertação”, para ele, ainda não foi plenamente efetiva. simbolismo temporal que serve notadamente para expressar a teoria
dos ciclos) é bastante natural e de uso muito difundido, de modo que
Existem, nos diversos textos em que é descrita a “viagem divina”, só se enganam aqueles que são incapazes de ver outra coisa que não
algumas variações, de resto pouco importantes e mais aparentes do o sentido mais grosseiramente literal; estes jamais compreenderão o
que reais no fundo, quanto ao número e à ordem de enumeração das que é um símbolo, pois suas concepções estão irremediavelmente
estações intermediárias; mas a exposição que precede é a que resulta limitadas à existência terrestre e ao mundo corporal, onde, pela mais
de uma comparação geral destes textos, e assim ela pode ser vista ingênua das ilusões, eles pretendem encerrar toda a realidade.
como a estrita expressão da doutrina tradicional sobre esta questão
(15). De resto, nossa intenção não é a de nos estendermos em A posse efetiva dos estados de que se trata pode ser obtida pela
demasia sobre a explicação mais detalhada de todo este simbolismo, identificação com os princípios que são designados como seus
que é, sobretudo, bastante claro em si mesmo, em seu conjunto, para respectivos Regentes, identificação que, em todos os casos, opera-se
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pelo conhecimento, com a condição de que este não seja chamar de religiosas, que referem-se sempre a extensões da
simplesmente teórico; a teoria não pode ser vista senão como uma individualidade humana, de modo que os estados que elas permitem
preparação, de resto indispensável, para a realização correspondente. atingir devem forçosamente conservar alguma relação com o mundo
Mas, para cada um destes princípios considerados em particular e manifestado, mesmo quando eles o ultrapassam, e não são estes os
isoladamente, os resultados de uma tal identificação não se estendem estados transcendentes cujo acesso só é obtido pelo Conhecimento
além de seu próprio domínio, de modo que a obtenção de tais metafísico puro. Isto pode aplicar-se notadamente aos “estados
estados, ainda condicionados, só constitui uma etapa preliminar, uma místicos”; e, no que diz respeito aos estados póstumos, existe a
espécie de encaminhamento (no sentido que precisamos mais acima mesma diferença, entre a “imortalidade” ou a “salvação” entendidos
e com as restrições que são inerentes a este modo de falar) na no sentido religioso (o único que é considerado pelos Ocidentais) e a
direção da “Identidade Suprema”, objetivo último atingido pelo ser “Libertação”, que existe entre a realização mística e a realização
na sua completa e total universalização, e cuja realização, para metafísica cumprida durante a vida terrestre; não se pode falar aqui
aqueles que devem cumprir previamente o dêva-yâna, pode, como já assim, com todo rigor, senão de “imortalidade virtual”, e, como fim
foi dito, ser diferenciada até o pralaya, sendo que a passagem de último, de “reintegração em modo passivo”; este último termo aliás
cada estado ao seguinte se torna possível apenas ao ser que obteve o escapa do ponto de vista religioso tal como se entende normalmente,
grau correspondente de conhecimento efetivo (19). e no entanto é só assim que se pode entender o emprego que se faz
do termo “imortalidade” num sentido relativo, e que se pode
Portanto, no caso presente, que é o do krama-mukti, o ser, até o estabelecer uma espécie de ligação ou de passagem deste sentido
pralaya, pode permanecer na ordem cósmica e não atingir a posse relativo ao sentido absoluto e metafísico em que o mesmo termo é
efetiva dos estados transcendentes, na qual consiste propriamente a tomado pelos Orientais. Tudo isto, de resto, não nos impede de
verdadeira realização metafísica; mas ele não deixou de obter, pelo admitir que as concepções religiosas são susceptíveis de uma
fato mesmo de ter ultrapassado a Esfera da Lua (saindo assim da transposição pela qual elas recebem um sentido superior e mais
“corrente das formas”), esta “imortalidade virtual” de que falamos profundo, e isto porque este sentido está também nas Escrituras
mais acima. É por isso que o Centro espiritual de que se tratou não é sagradas sobre as quais elas repousam; mas, por uma transposição
ainda senão o centro de um certo estado ou de um certo grau de como esta, elas perdem seu caráter especificamente religioso, porque
existência, aquele ao qual pertence o ser enquanto humano, e ao qual este é ligado a certas limitações, fora das quais estamos na ordem
ele continua a pertencer de certa forma, porque sua total metafísica pura. Por outro lado, uma doutrina tradicional que, como
universalização, em modo supra-individual, ainda não foi realizada a doutrina hindu, não se coloca do ponto de vista das religiões
atualmente; e é também por isso que foi dito que, em tal condição, os ocidentais, nem por isso deixa de reconhecer a existência de estados
entraves individuais não podem ainda ser completamente destruídos. que são vistos mais particularmente por estas, e é natural que seja
É exatamente neste ponto que se detém as concepções que podemos assim, uma vez que estes estados são efetivamente possibilidades do
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ser; mas ela não pode lhes atribuir a mesma importância que lhes ele não estaje ligado por nenhum laço particular ao estado humano e
dão as doutrinas que não vão além (pois a perspectiva muda ao ciclo especial de que este faz parte. Esse grau corresponde à
conforme o ponto de vista), e, porque ela os ultrapassa, ela os situa condição de Prâjna, e é o ser que não vai mais além que é dito estar
no seu lugar exato dentro da hierarquia total. unido a Brahma, mesmo depois do pralaya, do mesmo modo como
no sono profundo; daí, o retorno a um outro ciclo de manifestação é
Assim, quando se diz que o termo da “viagem divina” é o Mundo de ainda possível; mas porque o ser está livre da individualidade
Brahma (Brahma-Loka), aquilo de que se trata não é, imediatamente (contrariamente ao que acontece com aquele que seguiu o pitri-
ao menos, o Supremo Brahma, mas apenas sua determinação como yâna), este ciclo só pode ser um estado informal e supra-individual
Brahmâ, que é Brahma “qualificado” (saguna) e, como tal, (24). Enfim, no caso em que a “Libertação” deve ser obtida a partir
considerado como sendo o “efeito da Vontade produtiva (Shakti) do do estado humano, há mais do que dissemoa até agora, e então o
Princípio Supremo (Kârya-Brahma) (20). Quando se trata aqui de termo verdadeiro não é mais o Ser Universal, mas o próprio
Brahmâ, é preciso considerá-lo, em primeiro lugar, como idêntico a Supremo Brahma, ou seja Brahma “não-qualificado” (nirguna) na
Hiranyagarbha, princípio da manifestação sutil, portanto de todo o sua Total Infinitude, compreendendo ao mesmo tempo o Ser (ou as
domínio da existência humana em sua integralidade; e, com efeito, possibilidads de manifestação) e o Não-Ser (ou as possibilidades de
dissemos antes que o ser que obteve a “imortalidade virtual” acha-se não-manifestação), e princípio de um e de outro, portanto além dos
por assim dizer “incorporado”, por assimilação, a Hiaranyagarbha; dois (25), ao mesmo tempo em que os contém igualmente conforme
e este estado, no qual ele pode permanecer até o final do ciclo (para o ensinamento que reportamos a respeito do estado incondicionado
o qual somente Brahmâ existe como Hiranyagarbha), é o que se de Atmâ, que é preciso aquilo de que se trata agora (26). É neste
considera mais comumente como o Brahma-Loka (21). Entretanto, sentido que a morada de Brahma (ou de Atmâ neste estado
assim como o centro de qualquer estado de um ser tem a incondicionado) está mesmo “além do Sol espiritual” (que é Atmâ
possibilidade de identificar-se com o centro do ser total, o centro em sua terceira condição, idêntico a Ishwara) (27), como ele está
cósmico onde reside Hiranyagarbha identifica-se virtualmente com além de todas as esferas dos estados particulares de existência,
o centro de todos os mundo (22); queremos dizer que, para o ser que individuais ou extra-individuais; mas esta morada não pode ser
franqueou um certo grau de conhecimento, Hiranyagarbha aparece atingida diretamente por aqueles que só meditaram sobre Brahma
como idêntico a um aspecto mais elevado do “Não-Supremo” (23), atavés de um símbolo (pratîka), pois cada meditação (upâsanâ) só
que é Ishwara ou o Ser Universal, princípio primeiro de toda a tem um resultado definido e limitado (28).
manifestação. Neste grau, o ser não se encontra mais no estado sutil,
mesmo que seja apenas em princípio, mas sim no não-manifestado; A “Identidade Suprema” é portanto a finalidade do ser “liberto”, ou
mas ele conserva certoas relações com a ordem da manifestação seja livre das condições da existência individual humana, assim
universal, porque Ishwara é propriamente o princípio desta, embora como de todas as outras condições particulares e limitativas
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(upâdhis), que são vistas como laços (29). Desde que o homem (ou NOTAS
melhor o ser que estava precedentemente no estado humano) é assim
“liberto”, o “Si” (Atmâ) é plenamente realizado em sua própria
natureza “não-dividida”, e ele torna-se então, segudo Audulomi, uma 1. Bhagavad-Gîtâ, VIII, 23-26.
consciência onipresente (tendo por atributo chaitanya); é o que 2. Sobre o pitri-yâna, ver Chhândogya Upanishad, 5º Prapâthaka, 10º
também ensina Jaimini, mas especificando por outro lado que esta Khanda, shrutis 3-7; Brihad-Arânyaka Upanishad, 6º Adhyâya, 2º
consciência manifesta os atributos divinos (aishwarya) como Brâhmana, shruti 16.
faculdades transcendentes, pelo fato mesmo de que ela está unida à 3. É por isso que se diz simbolicamente, mesmo no Ocidente, que aí se
Essência Suprema (30). Este é o resultado da libertação completa, encontra tudo o que foi perdido neste mundo terrestre (Cf. Ariosto,
Orlando Furioso).
obtida na plenitude do Conhecimento Divino; quanto àqueles cuja
4. Tudo o que foi dito tem ainda uma relação com o simbolismo de
contemplação (dhyâna) só foi parcial, ainda que ativa (tendo a Janus: a Esfera da Lua determina a separação dos estados superiores
realização metafísica permanecido incompleta), ou puramente (não-individuais) e dos estados inferiores (individuais); daí o duplo
passiva (como a dos místicos ocidentais), eles usufruem de certos papel da Lua como Janua Coeli (cf. as litanias da Virgem na liturgia
estados superiores (31), mas sem poder chegar à União perfeita católica) e Janua Inferni, o que corresponde de certo modo à distinção
(Yoga), que é una com a “Libertação” (32). do dêva-yâna e do pitri-yâna. – Jana ou Diana é a mesma coisa que o
feminino de Janus; e, por outro lado, yâna deriva da raiz verbal i, “ir”
(latim ire), na qual alguns, notadamente Cícero, viram também a raiz
do próprio nome Janus.
5. É claro que aqui se trata da individualidade integral, e não reduzida à
simples modalidade corporal, que, de resto, não existe mais para o ser
considerado, porque é de estados póstumos de que se está falando.
6. Chhândogya Upanishad, 4º Prapâthaka, 15º Khanda, shrutis 5-6, e 5º
Prapâthaka, 10º Khanda, shrutis 1-2; Kaushîtakî Upanishad, 1º
Adhyâya, shruti 3; Brihad-Arânyaka Upanishad, 5º Adhyâya, 10º
Brâhmana, shruti 1 e 6 e 6º Adhyâya, 2º Brâhmana, shruti 15.
7. Este período crescente da lunação é chamada pûrva-paksha, “primeira
parte”, e o período decrescente uttara-paksha, “última parte” do mês. –
Estas expressões tem também, aliás, uma outra acepção bem diferente:
numa discussão, elas designam respectivamente uma objeção e sua
refutação.
8. Poderia ser interessante estabelecer uma concordância desta descrição
simbólica com aquelas que são dadas por outras doutrinas tradicionais
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(cf. notadamente o Livro dos Mortos dos antigos Egípcios e a Pistis do ponto de vista esotérico e que lhe conferem significados de ordem
Sophia dos Gnósticos alexandrinos, assim como o Bardo-Thödol mais elevada, é propriamente o equivalente do Swarga hindu.
tibetano); mas isto nos levaria muito longe. – Na tradição hindu, 13. Dissemos em outra parte que é o meio de elaboração das formas
Ganêsha, que representa o Conhecimento, é designado também como porque, na consideração dos “três mundos”, esta região corresponde ao
o “Senhor das deidades”; seu simbolismo, relacionado com as divisões domínio da manifestação sutil, e ela se estende da Terra até os Céus;
temporais de que se trata, daria lugar a desenvolvimentos muito aqui, ao contrário, a região intermediária de que se trata está situada
interessantes, e também a instrutivas aproximações com as antigas além da Esfera da Lua, portanto no informal, e ela se identifica ao
tradições ocidentais; todas estas coisas serão talvez por nós retomadas Swarga, se entendemos por este termo, não mais os Céus ou os estados
em outra ocasião. superiores em seu conjunto, mas apenas sua porção menos elevada.
9. Para empregar a linguagem dos filósofos gregos poderíamos dizer que Lembraremos ainda, a propósito, como a observação de certas relações
ele vai escapar da “geração” (s) e da “corrupção” (), hierárquicas permite a aplicação de um mesmo simbolismo a
termos que são sinônimos de “nascimento” e de “morte” quando estes diferentes graus.
últimos são aplicados a todos os estados de manifestação individual; e, 14. Indra, cujo nome significa “poderoso”, é também designado como o
a partir do que dissemos da Esfera da Lua e seu significado, podemos Regente do Swarga, o que se explica pela identificação indicada na
compreender também o que queriam dizer estes mesmos filósofos, em nota precedente; este Swarga é um estado superior, mas não definitivo,
particular Aristóteles, quando ensinavam que apenas o mundo sublunar e ainda condicionado, embora informal.
está submetido à “geração” e à “corrupção”: este mundo sublunar, com 15. Para esta descrição das diversas fases do dêva-yâna, ver Brahma-
efeito, representa na realidade a “corrente das formas” da tradição Sûtras, 4º Adhyâya, 3º Pâda, sûtras 1-6.
extremo-oriental, e os Céus, sendo os estados informais, são 16. Devemos neste momento nos desculpar por termos multiplicado as
necessariamente incorruptíveis, vale dizer que não há mais dissolução notas e as haver estendido mais do que o de costume; nós o fizemos
ou desintegração possível para o ser que atingiu estes estados. sobretudo em relação às interpretações deste gênero, e também às
10. Este termo vidyut parece estar também relacionado com a raiz vid, em aproximações a estabelecer com outras doutrinas; isto foi necessário
razão da conexão entre a luz e a vista; sua forma é próxima de vidyâ: o para não interromper a seqüência de nossa exposição com digressões
relâmpago ilumina as trevas; estas são símbolo da ignorância (avidyâ), freqüentes.
e o conhecimento é uma “iluminação” interior. 17. Os fenômenos naturais em geral, e notadamente os fenômenos
11. Lembremos de passagem, que este nome é manifestamente idêntico ao astronômicos, jamais são vistos pelas doutrinas tradicionais senão a
grego s, embora certos filósofos tenham pretendido contestar título de simples modo de expressão, como simbolizando certas
esta identidade; o Céu, chamado s, é de fato a mesma coisa verdades de ordem superior; e, se eles as simbolizam de fato, é porque
que as “Águas superiores” de que fala o Gênesis, e que reencontramos suas leis, no fundo, não são outra coisa que a expressão destas
no simbolismo hindu. verdades em um domínio particular, uma espécie de tradução dos
12. As Apsarâs são as Ninfas celestes, que simbolizam também as princípios correspondentes, adaptada naturalmente às condições
possibilidades informais; elas correspondem às Hûris do Paraíso próprias do estado corporal e humano. Podemos compreender assim o
islâmico (El-Jannah), que, salvo nas transposições de que é susceptível quão grande é o erro daqueles que querem ver um “naturalismo” nestas
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doutrinas, ou que acreditam que elas só se propõem a descrever e vezes considerada como o “primeiro Céu”, quanto a seu aspecto de
explicar os fenômenos do modo como o faz a ciência “profana”, Janua Coeli), daí até o Brahma-Loka inclusive.
embora sob formas diferentes; isto eqüivale a inverter as relações e 22. Aplicamos aqui ainda a noção de analogia constitutiva entre o
tomar o simbolismo por aquilo que ele representa, o signo pela coisa “microcosmo” e o “macrocosmo”.
ou a idéia significada. 23. Esta identificação de um certo aspecto com outro aspecto superior, e
18. A palavra sânscrita loka é idêntica ao latim locus, “lugar”; podemos assim por diante em diversos graus até o Princípio Supremo, não passa
frisar que, na doutrina católica, o Céu, o Purgatório e o Inferno são do desaparecimento das ilusões “separativas, que certas iniciações
igualmente designados como “lugares”, que são tomados também para representam como uma série de véus que caem sucessivamente.
representar simbolicamente estados, pois não se poderia 24. Simbolicamente, diremos que um tal ser passou da condição dos
evidentemente, mesmo na interpretação mais exterior desta doutrina, homens à dos Dêvas (o que poderíamos chamar de um estado
situar no espaço estes estados póstumos; este engano só se produziu “angélico” em linguagem ocidental); ao contrário, no final do pitri-
nas teorias “neo-espiritualistas” que surgiram no Ocidente moderno. yâna, existe retorno ao “mundo do homem” (mânava-loka), vale dizer
19. É importante notar aqui que é a realização imediata da “Identidade à condição individual, designada assim por analogia com a condição
Suprema” que os Brâhmanes buscam exclusivamente, enquanto que os humana, embora necessariamente diferente, pois o ser não pode voltar
Kshatriyas desenvolveram de preferência o estudo dos estados que a um estado pelo qual ele já passou.
correspondem aos diversos estágios do dêva-yâna tanto quanto do 25. Lembraremos que se pode entretanto entender o Não-Ser metafísico,
pitri-yâna. assim como o não-manifestado (na medida em que este não é apenas o
20. A palavra kârya, “efeito”, é derivada da raiz verbal kri, “fazer”, e do princípio imediato do manifestado, que é o Ser), num sentido total em
sufixo “ya”, que marca um cumprimento futuro: “aquilo que deve ser que ele se identifica ao Princípio Supremo. De qualquer modo, aliás,
feito” (ou mais exatamente “aquilo que vai ser feito”, pois ya é uma entre o Não-Ser e o Ser, como entre o não-manifestado e o
modificação da raiz i, “ir”); este termo implica assim uma certa idéia manifestado (e isto mesmo que, no último caso, não se vá além do
de “devir”, o que supõe necessariamente que ele se aplica a algo que Ser), a correlação não é mais do que pura aparência, pois a
deve ser visto em relação à manifestação. – A propósito da raiz kri, desproporção metafísica que existe entre os dois termos não permite
lembraremos que ela é idêntica à do latim creare, o que mostra que nenhuma comparação.
esta última palavra, em sua acepção primitiva, não tinha outro sentido 26. A este propósito, citaremos uma vez ainda, para frisar as
que o de ‘fazer”; a idéia de “criação”, tal como se entende hoje, idéia concordâncias entre as diversas tradições, uma passagem do Tratado
que é de origem hebraica, só veio prevalecer quando a língua latina da Unidade (Risâlatul-Ahadiyah), de Mohyddin Ibn Arabî: “Este
passou a ser empregada para exprimir as concepções judaico-cristãs. imenso pensamento (da “Identidade Suprema”) só pode convir àquele
21. É isto o que corresponde o mais exatamente aos “Céus” ou aos cuja alma é mais vasta que os dois mundos (manifestado e não-
“Paraísos” das religiões ocidentais (nas quais, a este respeito, manifestado). Quanto àquele cuja alma é apenas do tamanho dos dois
incluímos o Islamismo); quando se trata de uma pluralidade de “Céus” mundos (aquele que alcançou o ser universal sem ultrapassá-lo), ele
(freqüentemente representada pelas correspondências planetárias), não lhe convém. Pois, na verdade, este pensamento é maior que o
devemos entender com isto os estados superiores à Esfera da Lua (às mundo sensível (ou manifestado, pois o termo “sensível” deve ser
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transposto analogicamente e não tomado em seu sentido literal) e o “mérito” que é seu corolário, uma noção de ordem exclusivamente
mundo supra-sensível (ou não-manifestado, segundo a mesma moral, que não tem lugar no domínio metafísico.
transposição), tomados ambos em seu conjunto”. 32. O Conhecimento a este respeito, é portanto de duas espécies, e ele é
27. Os orientalistas, que não compreenderam o que significa chamado de “supremo” ou “não-supremo”, segundo diga respeito a
verdadeiramente o Sol, e que o entendem no sentido físico, tem Para-Brahma ou a Apara-Brahma, conduzindo, por conseguinte, a um
interpretações estranhas a respeito; é assim que Oltramare escreve ou a outro.
ingenuamente: “Por suas auroras e crepúsculos, o sol consome a vida
dos mortais; o homem liberto existe para além do mundo do sol”. Não
parece uma tentativa de escapar à velhice a alcançar uma imortalidade
corporal, como a que buscam certas seitas ocidentais contemporâneas?
28. Brahma-Sûtras, 4º Adhyâya, 3º Pâda, sûtras 7-16.
29. Aplicam-se a estas condições palavras como bandha e pâsha, cujo
sentido próprio é o de “laço”; do segundo destes termos deriva a
palavra pashu, que significa assim, etimologicamente, um ser vivo
qualquer, ligado por tais condições. Shiva é chamado Pashupati, o
“Senhor dos seres ligados”, porque é por sua ação “transformadora”
que eles são “libertados”. – A palavra pashu é freqüentemente tomada
num,a acepção especial, para designar uma vítima animal do sacrifício
(yajna, yâga ou mêdha), a qual é aliás “libertada”, ao menos
virtualmente, pelo próprio sacrifício; mas não podemos desenvolver
aqui, mesmo sumariamente, uma teoria do sacrifício, que, assim
entendido, é essencialmente destinado a estabelecer uma certa
comunicação com os estados superiores, e deixa completamente de
lado as idéias ocidentais de “remissão” ou de “expiação” e outras do
gênero, idéias que só se podem compreender do ponto de vista
religioso.
30. Cf. Brahma-Sûtras, 4º Adhyâya, 4º Pâda, sûtras 5-7.
31. A possessão de tais estados, que são idênticos aos diversos “Céus”,
constitui, para o ser, uma aquisição pessoal e permanente malgrado sua
relatividade (trata-se sempre de estados condicionados, embora supra-
individuais), aquisição à qual não se poderia aplicar a idéia ocidental
de “recompensa”, pelo fato mesmo que se trata de um fruto, não da
ação, mas do conhecimento; esta idéia é aliás, assim como a de
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ordem informal, não seria mais possível. É verdade que o ser está se pode falar mais de distinção, mesmo principial, embora não se
além de toda distinção, pois a primeira distinção é a da “essência” e possa dizer que haja confusão; estamos aí além da multiplicidade,
da “substância”, ou de Purusha e Prakriti; e entretanto Brahma, mas também além da Unidade; na absoluta transcendência deste
enquanto Ishwara ou o Ser Universal, é chamado savishêsha, ou seja estado supremo, nenhum destes termos pode ser aplicado, mesmo
“implicando a distinção”, pois ele é seu princípio determinante por transposição analógica, e é por isso que se deve usar um termo
imediato; apenas o estado incondicionado de Atmâ, que está além do em forma negativa, o de “não-dualidade” (adwaita), conforme já
Ser, é prapancha-upashama, “sem nenhum traço de explicamos; a própria palavra “União” é sem dúvida imperfeita, pois
desenvolvimento da manifestação”. O Ser é um, ou antes ele é a ela evoca a idéia de unidade, mas somos obrigados a conservá-la
própria Unidade metafísica; mas a Unidade encerra em si a para traduzir o termo Yoga, pois não há outro termo à disposição nas
multiplicidade, porque ela a produz pelo simples desdobramento de línguas ocidentais.
suas possibilidades; e é por isso que, no próprio Ser, podemos ver
uma multiplicidade de aspectos, que são outros tantos atributos ou A Libertação, com as faculdades e os poderes que ela implica de
qualificações, embora estes aspectos não sejam distintos certa forma “por acréscimo” – porque todos os estados, com todas as
efetivamente, mas apenas na medida em que os concebemos como suas possibilidades, se encontram necessariamente compreendidos
tais; mas é preciso que eles o sejam de algum modo, para que os na absoluta totalização do ser -, mas que, repetimos, não devem ser
possamos conceber assim. Poderíamos dizer também que cada vistos senão como resultados acessórios e mesmo “acidentais”, e
aspecto se distingue dos outros sob uma certa relação, embora nunca como constituindo uma finalidade em si mesmos, a
nenhum deles se distinga verdadeiramente do Ser, e que todos sejam Libertação, dizíamos, pode ser obtida pelo Yogî (ou antes por aquele
o próprio Ser (2); existe assim aí uma espécie de distinção principial, que se torna tal em razão desta obtenção) com a ajuda das
que não é uma distinção no sentido em que esta palavra aplica-se à observâncias indicadas no Yoga-Shâstra de Patanjali. Ela pode
ordem da manifestação, mas que é a sua transposição analógica. Na também ser facilitada pela prática de certos ritos (5), assim como de
manifestação, a distinção implica uma separação; esta, de resto, nada diversos modos particulares de meditação (hârda-vidyâ ou dahara-
tem de positivo na realidade, pois ela não passa de um modo de vidyâ) (6); mas, bem entendido, todos estes meios não são mais que
limitação (3); o Ser puro, ao contrário, está além da preparatórios e não tem nada de essencial, pois “o homem pode
“separatividade”. Assim, o que está no grau do Ser puro é “não- adquirir o verdadeiro Conhecimento Divino, mesmo sem observar os
distinto”, se tomarmos a distinção (vishêsha) no sentido em que a ritos prescritos (para cada uma das diferentes categorias humanas,
compreendem os estados manifestados; e no entanto, num outro em conformidade com seus caracteres respectivos, e notadamente
sentido, existe aí ainda algo de “distinto”(vishishta): no Ser, todos os para os diversos âshramas ou períodos regulares da vida) (7); e
seres (entendidos como suas personalidades) são “um” sem serem encontramos de fato nos Vêda muitos exemplos de pessoas que
confundidos, e distintos sem serem separados (4). Além do Ser, não negligenciaram o cumprimento de tais ritos (cujo papel o mesmo
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Vêda compara ao de um cavalo de montaria que ajuda um homem a sentido geral, ou aplicado especificamente ao cumprimento dos
chegar mais rápida e facilmente ao seu objetivo, mas sem o qual ritos), por não se opor à ignorância (avidyâ) (10), não pode afastá-la;
também poderia ele chegar), ou que foram impedidos de fazê-lo, mas o Conhecimento dissipa a ignorância como a luz dissipa as
mas que, devido à sua atenção perpetuamente concentrada e fixada trevas. Desde que a ignorância que nasce das afeições terrestres (e de
sobre o Supremo Brahma (o que constitui a única preparação outros laços análogos) seja afastada (e com ela desaparecendo todas
realmente indispensável), adquiriram o verdadeiro Conhecimento as ilusões) o “Si” (Atmâ), por seu próprio esplendor, brilha ao longe
que Lhe concerne (e que, por esta razão, é chamado também de (através de todos os graus de existência) em um estado indiviso
“supremo”) (8). (penetrando tudo e iluminando a totalidade do ser), como o sol
reparte sua claridade quando as nuvens se dispersam”(11).
A Libertação não é assim efetiva senão na medida em que ela
implica essencialmente o perfeito Conhecimento de Brahma; e, Um dos pontos mais importantes é este: a ação, qualquer que seja
inversamente, este Conheimento, para ser perfeito, supõe ela, não pode libertar da ação; em outros termos, ela não pode
necessariamente a realização daquilo que já chamamos de produzir frutos senão dentro de seu próprio domínio, que é o da
“Identidade Suprema”. Assim, a Libertação e o Conheimento total e individualidade humana. Assim, nào é pela ação que é possível
absoluto não são verdadeiramente senão uma e a mesma coisa; se ultrapassar a aindividualidade, encarada aqui em sua extensão
dizemos que o Conhecimento é o meio para a Libertaçõ, é preciso integral, pois não pretendemos que as conseqüências da ação se
acrescentar que, aqui, o meio e o fim são inseparáveis, porque o limitem apenas à modalidade corporal; podemos aplicar aqui o que
Conhecimento traz seu fruto em si mesmo, contrariamene ao que dissemos sobre a vida, que é efetivamente inseparável da ação. Daí,
ocorre com a ação (9); e de resto, neste domínio, uma distinção resulta imediatamente que a “salvação”, no sentido religioso em que
como esta de meio e fim não pode mais passar de um simples modo os Ocidentais entendem o termo, por ser o fruto de certas ações (12),
de dizer, sem dúvida inevitável quando se quer exprimir estas coisas não pode ser assimilada à Libertação; e é preciso que se o diga
em linguagem humana, na medida em que elas podem ser expressamente e se insista, tanto mais que a confusão entre uma e
expressadas. Se então a Libertação é vista omo uma conseqüência do outra é contantemente cometida pelos orientalistas (13). A
Conhecimento, é preciso deixar claro que ela é sua conseqüência “salvação” é propriamente a obtenção do Brahma-Loka; e
rigorosamente imediata; é o que indica claramente Shankarâchârya: precisaremos ainda que, dentro do Brahma-Loka, é preciso enfocar
“Não existe nenhum outro meio de se obter s Libertação completa e aqui exclusivamente a morada de Hiranyagarbha, porque qualquer
final senão o Conhecimento; apenas este desmancha os nós das aspecto mais elevado do “Não-Supremo” ultrapassa as
paixões ( e de todas as demais contingências às quais está submetido possibilidades individuais. Isto concorda perfeitamente com a
o ser individual); sem o Conhecimento, a Beatitude (Ananda) não concepção ocidental da “imortalidade”, que não passa de um
pode ser obtida. A ação (karma, seja este termo entendido em seu prolongamento indefinido da vida individual, transposta para a
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ordem sutil, e que se estenderá até o pralaya; e isto tudo, como já NOTAS
explicamos, não representa mais do que uma etapa no processo de
krama-mukti; mesmo o retorno a um estado de manifestação (de 1. Só fazemos assim alusão às doutrinas filosóficas da antigüidade e da
resto supra-individual) não está definitivamente descartado para o idade média, pois os pontos de vista da filosofia moderna são a a
ser que não ultapassou este grau. Para ir mais longe, e para livrar-se própria negação da metafísica; e isto vale tanto para as concepções
inteiramente das condições de vida e de duração que são inerentes à com veleidades “pseudo-metafísicas” quanto para aquelas em que a
individualidade, não há outro caminho que o do Conhecimento, seja negação é expressa declaradamente. Naturalmente, o que dizemos aqui
“não-supremo” e conduzindo a Ishwara (14), seja “supremo” e só se aplica às doutrinas conhecidas no mundo “profano”, e não
levando imediatamente à Libertação. Neste último caso, não mais concerne às tradições esotéricas do Ocidente, que, ao menos enquanto
porque encarar, após a morte, a passagem por diversos estados tiveram um caráter verdadeira e plenamente “iniciático”, não era assim
limitadas, mas ao contrário deviam ser metafisicamente completas sob
superiores, mas ainda transitórios e condicionados: “O “Si” (Atmâ,
o duplo aspecto da teoria e da realização; mas estas tradições eram
pois a partir daí não se trata mais de jîvâtmâ, porque toda conhecidas por uma elite incomparavelmente mais restrita do que nos
ëparatividade” dsapareceu) daquele que chegou à perfeição do países orientais.
Conhecimento Divino (Brahma-Vidyâ), e que, por conseqüência, 2. Isto pode aplicar-se, na teologia cristã, à concepção da Trindade: cada
obteve a Libertação final, sobe, deixando sua forma corporal (e sem pessoa divina é Deus, mas ela não é as outras pessoas. – Na filosofia
passar por estados intermediários), em direção à Suprema Luz escolástica, pode-se dizer o mesmo dos “transcendentes”, dos quais
(espiritual) que é Brahma, e identifica-se com Ele, de uma maneira cada um é coextensivo ao Ser.
conforme e indivisa, como a água pura mescla-se ao lago límpido 3. Nos estados individuais, a separação é determinada pela presença da
(sem entretanto perder-se) tornando-se em tudo conforme a ele” forma; nos estados não-individuais, ela será determinada por outras
(15). condições, pois estes estados são informais.
4. É aí que reside a principal diferença entre o ponto de vista de
Râmânuja, que mantém a distinção principial, e o de Shankarâchârya,
que a ultrapassa.
5. Estes ritos são comparáveis aos que os mussulmanos contam sob a
denominação geral de dhikr: eles se apoiam principalmente, como já
indicamos, sobre a ciência dos ritmos e suas correspondentes em
outras ordens. Tais são também, na doutrina (de resto parcialmente
heterodoxa) dos Pâshupatas, aqueles que são chamados de vrata (véu)
e dwâra (porta); sob formas diversas, tudo isto é, no fundo, idêntico ou
eqüivalente ao Hatha-Yoga.
6. Chhândogya Upanishad, 8º Prapâthaka.
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acidentalmente e sob certas condições particulares (1), enquanto que excessiva importância que eles atribuem ao estado corporal, e o que
não há mais nada parecido quando se trata de estados supra- já dissemos nos dispensa de insistir ainda sobre isto (4). O Yogî não
individuais, nem com mais razão no estado incondicionado. Ver as tem mais nada a obter ulteriormente, pois ele realizou
coisas de outra maneira equivale a atribuir a um modo especial de verdadeiramente a “transformação” (vale dizer a passagem além da
manifestação uma importância que ele não poderia ter, e que mesmo forma) em si mesmo, ainda que não exteriormente; pouco lhe
a totalidade da manifestação não tem; apenas a prodigiosa importa assim que a aparência formal subsista no mundo
insuficiência das concepções ocidentais relativas à constituição do manifestado, a partir do momento em que, para ele, este não mais
ser humano pode tornar possível uma tal ilusão, e apenas ela pode existe, senão em modo ilusório. A bem dizer, é apenas para os outros
espantar-se de que a Libertação possa ser atingida durante a vida que as aparências subsistem assim, sem mudança exterior em relação
terrestre como em qualquer outro estado. ao estado precedente, e não para ele, porque agora elas são incapazes
de limitá-lo ou de condicioná-lo; estas aparências não o afetam nem
A Libertação ou a União, o que é uma e a mesma coisa, implica “por lhe concernem, tanto quanto todo o resto da manifestação universal.
acréscimo”, como já dissemos, a posse de todos os estados, porque “O Yogî, tendo atravessado o mar das paixões (5), está unido com a
ela é a realização perfeita (sadhana) e a totalização do ser; pouco Tranqüilidade (6) e possui em sua plenitude o “Si” (Atmâ
importa aliás que esses estados sejam atualmente manifestados ou incondicionado, ao qual ele se identificou). Havendo renunciado a
não, porque é apenas enquanto possibilidades permanentes e esses prazeres que nascem dos objetos externos perecíveis (e que
imutáveis que eles devem ser vistos metafisicamente. “Mestre de não passam eles mesmos de modificações exteriores e acidentais do
muitos estados pelo simples efeito de sua vontade, o Yogî não ocupa ser), e gozando da Beatitude (Ananda, que é o único objeto
senão um, deixando os outros vazios do sopro animador (prâna) permanente e imperecível, e que não é diferente do “Si”, ele está
como instrumentos inutilizados; ele pode animar mais de uma forma, calmo e sereno como a chama sob um apagador (7), na plenitude de
da mesma maneira como uma lâmpada pode alimentar mais de uma sua própria essência (que já não mais se distingue do Supremo
mecha” (2). “O Yogî, diz Aniruddha, está em conexão imediata com Brahma). Durante sua estadia (aparente) no corpo, ele não é mais
o princípio primordial do Universo, e em conseqüência afetado por suas propriedades, assim como o firmamento não é
(secundariamente) com todo o conjunto do espaço, do tempo e das afetado pelo que flutua em seu seio (porque, na realidade, ele contém
coisas”, ou seja com a manifestação, e mais especialmente com o em si todos os estados e não é contido por nenhum deles);
estado humano em todas as suas modalidades (3). conhecendo todas as coisas (e por isso mesmo sendo todas as coisas,
não “distintivamente”, mas como totalidade absoluta), ele permanece
De resto, seria um erro acreditar que a liberação “fora da forma” imutável, “não-afetado” pelas contingências” (8).
(vidêha-mukti) seja mais completa que a liberação “em vida” (jîvan-
mukti); se alguns Ocidentais o cometeram, foi sempre em razão da
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Não há nem pode haver assim nenhum grau espiritual que seja tradições, e sobre o qual insistem em particular o Taoísmo e o
superior ao do Yogî: este, visto em sua concentração sobre si mesmo, esoterismo islâmico; este retorno é efetivamente uma etapa
é também designado como Muni, ou seja o “Solitário” (9), não no necessária sobre a via que leva à União, pois é apenas a partir deste
sentido vulgar e literal da palavra, mas como aquele que realizou na “estado primodial” que se pode romper os limites da individualidade
plenitude de seu ser a Solidão perfeita, que não deixa subsistir na para elevar-se aos estados superiores (17).
Unidade Suprema (deveríamos dizer antes, com todo o rigor, na
“Não-Dualidade”) nenhuma distinção entre interior e exterior, nem Um estado ulterior é representado por pânditya, ou seja o “saber”,
nenhuma diversidade extra-principial qualquer. Para ele a ilusão da atributo que se refere a uma função de ensinamento: aquele que
“separatividade” cessou definitivamente, e com ela toda confusão possui o Conhecimento está qualificado para comunicá-lo aos
engendrada pela ignorância (avidyâ) que produz e mantém esta outros, ou , mais exatamente, para despertar neles possibilidades
ilusão (10), pois “imaginando-se a princípio como a “alma viva” correspondentes, pois o Conhecimento, em si mesmo, é estritamente
(jîvâtmâ), o homem fica com medo (pela crença em qualquer ser pessoal e incomunicável. O Pandita tem assim mais particularmente
outro que si mesmo), como uma pessoa que toma por engano (11) o caráter de Guru ou “Mestre espiritual” (18); mas ele pode possuir
um pedaço de corda por uma serpente; mas seu temor é afastado pela apenas a pefeição do Conhecimento teórico, e é por isso que é
certeza de que ele não é em realidade esta “alma viva”, mas o preciso haver, como um último degrau que está acima deste, mauna
próprio Atmâ (em Sua universalidade incondicionada)” (12). ou o estado de Muni, como sendo a única condição na qual a União
pode realizar-se verdadeiramente. De resto, existe ainda um outro
Shankarâchârya enumera três atributos que correspondem de certa termo, Kaivalya, que significa também “isolamento” (19) e que
forma às funções do Sannyâsî possuidor do Conhecimento, o qual, exprime ao mesmo tempo as idéias de “perfeição” e de “totalidade”;
desde que este Conhecimento seja plenamente efetivo, não é outro e este termo é muitas vezes empregado como um eqüivalente de
que o Yogî (13): estes três atributos são em ordem ascendente, bâlya, Moksha: kêvala designa o estado absoluto e incondicionado que é o
pânditya e mauna (14). O primeiro destes termos designa do ser “libertado” (mukta).
literalmente um estado comparável ao de uma criança (bâla) (15);
trata-se de um estado de “não-expansão”, se podemos falar assim, Vimos os três atributos como caracterizando estados preparatórios
onde todas as potências do ser estão por assim dizer concentradas em para a União; mas, naturalmente, o Yogî, chegado ao objetivo
um ponto, realizando por sua unificação uma simplicidade supremo, os possui a fortiori, como ele possui todos os estados na
indiferenciada, aparentemente semelhante à potencialidade plenitude de sua essência (20). Estes três atributos estão de resto
embrionária (16). É também, num sentido um pouco diferente, mas implicados naquilo que se chama aishwarya, ou seja a participação à
que completa o anterior (pois existe aí ao mesmo tempo reabsorção e essência de Ishwara, pois eles correspondem respectivamente às três
plenitude), o retorno ao “estado primordial” de que falam todas as Shaktis da Trimûrti: se lembrarmos que o “estado primordial”
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5. É o domínio das “Águas inferiores” ou das possibilidades formais; as 9. A raiz desta palavra Muni aproxima-se do grego s, “só”, tanto
paixões são tomadas aqui para designar todas as modificações mais que seu derivado mauna significa “silêncio” ou “estado de
contingentes que constituem a “corrente das formas”. Muni”. Alguns comentadores a ligaram ao termo manana, o
6. É a “Grande Paz” (Es-Sakînah) do esoterismo islâmico, ou a Pax pensamento refletido e concentrado, derivado de manas, e neste caso a
Profunda da tradição Rosa-Cruz; e o termo Shekinah, em hebraico, palavra Muni designa mais particularmente “aquele que se esforça
designa a “presença real” da Divindade, ou a “Luz de Glória” na qual para a Libertação por meio da meditação”.
e pela qual, segundo a teologia cristã, opera-se a “visão beatífica”(cf. a 10. A esta ordem pertence notadamente a “falsa imputação” (adhyâsa),
“glória de Deus” no texto já citado do Apocalipse, XXI, 23). – Eis que consiste em atribuir a uma coisa os atributos que não lhe
outro texto taoísta que se refere à mesma coisa: “A paz no vazio é um pertencem verdadeiramente.
estado indefinível. Chega-se a se estabelecer lá. Não se a dá, nem se a 11. Um tal erro é chamado vivarta: é propriamente uma modificação que
toma. Antes se tendia a ela. Agora prefere-se o exercício da bondade e não atinge absolutamente a essência do ser ao qual é atribuída, e que
da eqüidade, que não dá o mesmo resultado” (Lie-Tseu, cap.I). O portanto afeta apenas aquele que se a atribui pelo efeito de uma ilusão.
“vazio” de que se trata é o “quarto estado” do Mândûkya Upanishad, 12. Atmâ-Bodha de Shankarâchârya
que é de fato indefinível, sendo absolutamente incondicionado, e do 13. O estado de Sannyâsi é propriamente o último dos quatro âshramas
qual só se pode falar negativamente. Os termos “antes” e “agora” (sendo os três primeiros Brahmachâri ou “estudante da Ciência
referem-se aos diferentes períodos do ciclo da humanidade terrestre: as sagrada”, discípulo de um Guru, Grihastha ou “mestre da casa” e
condições da época atual (correspondente ao Kali-Yuga) fazem com Vanaprastha ou “anacoreta”); mas o nome de Sannyâsi estende-se às
que a grande maioria dos homens prendam-se à ação e ao sentimento, vezes, como vemos aqui, ao Sâdhu, ou seja àquele que cumpriu a
que não podem conduzi-los além dos limites de suas individualidades, realização perfeita (sadhana), e que é ativarnâshrami, como dissemos
e menos ainda ao estado supremo e incondicionado. mais acima.
7. Podemos compreender por aí o verdadeiro sentido da palavra Nirvâna, 14. Comentário sobre os Brahma-Sûtras, 3º Adhyâya, 4º Pâda, sûtras 47-
de que os orientalistras deram tantas falsas interpretações; este termo, 50.
que está longe de pertencer só ao Budismo como se crê às vezes, 15. Cf. estas palavras do Evangelho: “O Reino do Céu é para aqueles que
significa literalmente “extinção do sopro ou da agitação”, portanto um se parecem com estas crianças... Quem não receber o Reino de Deus
estado do ser que não está mais submetido a nenhuma mudança ou como uma criança, nele não entrará” (Mateus, XIX, 24; Lucas, XVIII,
modificação, que é definitivamente liberado da forma, assim como de 16-17).
todos os demais acidentes ou laços da existência manifestada. Nirvâna 16. Este estado corresponde ao “Dragão escondido” do simbolismo
é a condição supra-individual (a de Prâjna), e Parinirvâna é o estado extremo-oriental. – Um outro símbolo freqüentemente empregado é o
incondicionado; emprega-se também, no mesmo sentido, os termos da tartaruga que se retira inteiramente para dentro do seu casco.
Nirvritti, “extinção da mudança e da ação”, e Parinirvritti. – No 17. É o “estado edênico” da tadição judaico-cristã; é por isso que Dante
esoterismo islâmico, os termos correspondentes são fanâ, “extinção” e situa o Paraíso terrestre no alto da montanha do Purgatório, ou seja
fanâ el-fanâi, literalmente “extinção da extinção”. precisamente no ponto onde o ser deixa a terra, ou o estado humano,
8. Atmâ-Bodha de Shankarâchârya.
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18.
19.
precedente citação do Evangelho).
É o Sheikh das escolas islâmicas, também chamado de murabbul-
muridin; Murîd é o discípulo, ou seja o Brahmachâri hindu.
É ainda o “vazio” de que se trata no texto Taoísta que citamos; e este
XXIV
“vazio”, de resto, é também em realidade a absoluta plenitude. O ESTADO ESPIRITUAL DO YOGI:
20. Podemos lembrar também que estes três atributos são de certo modo
“pré-figurados” respectivamente, e na mesma ordem, pelos três
A “IDENTIDADE SUPREMA”
âshramas; e o quarto âshrama, o do Sannyâsi (entendido no seu
sentido mais comum), reúne e resume por assim dizer os três
primeiros, como o estado final do Yogî compreende “eminentemente” No que concerne o estado do Yogî, que, pelo Conhecimento,
todos os estados particulares que foram percorridos como estágios “libertou-se durante a vida” (jîvan-mukta) e realizou a “Identidade
preliminares. Suprema”, citaremos ainda Shankarâchârya (1), e aquilo que ele diz
21. Lakshmî é a Shakti de Vishnu; Saraswatî ou Vâch é a de Brahma; a respeito, mostrando as possibilidades mais altas que o ser pode
Pârvatî é a de Shiva. Pârvatî é também chamada de Durgâ, ou seja atingir, servirá ao mesmo tempo de conclusão a este estudo.
“Aquela de quem nos aproximamos com dificuldade”. – É admirável
que encontramos a correspondência destas três Shaktis até nas “O Yogî, cujo intelecto é perfeito, contempla todas as coisas como
tradições ocidentais: assim, no simbolismo maçônico, os “três permanecendo em si mesmo (em seu próprio “Si”, sem nenhuma
principais pilares do Templo” são “Sabedoria, Força, Beleza”; aqui, a
distinção entre exterior e interior), e assim, pelo olho do
Sabedoria é Saraswatî, a Força é Pârvatî e a Beleza é Lakshmî. Da
Conhecimento (Jnâna-chakshus, expressão que poderia ser traduzida
mesma forma, Leibnitz, que recebeu alguns ensinamentos esotéricos
(bastante elementares aliás) de fonte Rosa-Cruz, designa os três bastante exatamente como “intuição intelectual”), percebe (ou antes
principais atributos divinos como “Sabedoria, Potência, Bondade”, o concebe, não racionalmente ou discursivamente, mas por uma
que é exatamente a mesma coisa, pois “Beleza” e “Bondade”, no tomada de consciência direta e por um “assentimento” imediato) que
fundo (como entre os Gregos e principalmemnte Platão) são dois todas as coisas são Atmâ.”
aspectos de um idéia única, que é precisamente a da “Harmonia”.
22. É por isso que, enquanto as duas primeiras “Felicidades” pertencem ao “Ele conhece que todas as coisas contingentes (as formas e as outras
domínio do Confucionismo, as outras duas pertencem ao dos Taoísmo. modalidades da manifestação) não são outra coisa que Atmâ (em seu
23. Esta identidade é igualmente afirmada nas teorias do esoterismo princípio), e que fora de Atmâ não há nada, “porque as coisas
islâmico sobre a “manifestação do Profeta”. diferem simplesmente (segundo uma palavra do Vêda) em
designação, acidente e nome, embora sejam apenas diferentes
formas de terra” (2); e assim ele percebe (ou concebe, no mesmo
René Guénon
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sentido anterior) que ele próprio é todas as coisas (pois não há nada Conhecimento implique distinção entre sujeito e objeto, o que seria
que seja um ser outro que ele mesmo ou que seu próprio “Si”) (3)”. contrário à “não-dualidade”), e sem fim.”
Quando os acidentes (formais ou outros, compreendendo a “Ele é Brahma, após cuja posse nada mais há a possuir; após o gozo
manifestação sutil assim como a grosseira) são suprimidos (só de cuja Beatitude nenhuma outra felicidade pode ser desejada; após
existindo em modo ilusório, de tal sorte que eles nada são aos olhos a obtenção de cujo Conhecimento não há conhecimento que possa
do Princípio), o Muni (tomado aqui como sinônimo de Yogî) entra, ser obtido”.
como todos os seres (na medida em que não são distintos dele), na
Essência que penetra tudo (e que é Atmâ)” (4). “Ele é Brahma, o qual tendo sido visto (pelo olho do
Conhecimento), nenhum objeto mais é contemplado; com o qual
“Ele é sem qualidades (distintas) e sem ação (5); imperecível tendo-se identificado, nenhuma modificação (tal como o nascimento
(akshara, não sujeito à dissolução, que só tem alcance sobre o e a morte) é mais experimentada; o qual tendo sido percebido (mas
múltiplo), sem volição (aplicada a um ato definido ou a não como a um objeto perceptível por uma faculdade qualquer que
circunstâncias determinadas); pleno de Beatitude, imutável, sem seja), nada mais há a aperceber (porque todo conhecimento
forma; eternamente livre e puro (não podendo ser constrangido nem distintivo foi a partir daí ultrapassado e como que aniquilado)”.
atingido ou afetado de modo algum por nada que seja outro que ele
próprio, porque este outro não existe, ou ao menos só possui uma “Ele é Brahma, que está espalhado por toda parte, em tudo (porque
existência ilusória, enquanto que ele está na realidade absoluta)”. não há nada fora de Si e porque tudo está necessariamente contido
em Sua Infinitude) (7): no espaço intermediário, naquilo que está
“Ele é como o Éter (Akâsha), que está espalhado por toda parte (sem acima e naquilo que está abaixo (ou seja no conjunto dos três
diferenciação), e que penetra simultaneamente o exterior e o interior mundos); o verdadeiro, cheio de Beatitude, sem dualidade,
das coisas (6); ele é incorruptível, imperecível; ele é o mesmo em indivisível e eterno”.
todas as coisas (pois nenhuma modificação afeta sua identidade),
puro, impassível, inalterável (em sua imutabilidade essencial)”. “Ele é Brahma, afirmado no Vêdânta, como absolutamente distinto
daquilo que ele penetra (e que, ao contrário, não é distinto de Si, ou
“Ele é (segundo os termos mesmo do Vêda) “o Supremo Brahma, que ao menos só se distingue em modo ilusório) (8),
que é eterno, puro, livre, só (em Sua perfeição absoluta), incessantemente cheio de Beatitude e sem dualidade”.
incessantemente cheio de Beatitude, sem dualidade, Princípio
(incondicionado) de toda existência, conhecedor (sem que este “Ele é Brahma, “pelo qual (segundo o Vêda) são produzidos a vida
(jîva), o sentido interno (manas), as faculdades de sensação e de
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ação (jnânêndriyas e karmêndriyas) e os elementos (tanmâtras e forma) de modo ilusório, como a aparência da água (numa miragem)
bhûtas) que compõem o mundo manifestado (tanto na ordem sutil no deserto (marû)” (11).
como na ordem grosseira)”.
“De tudo aquilo que é visto, de tudo o que é ouvido (e de tudo o que
“Ele é Brahma, no qual todas as coisas estão unidas (além de toda é percebido ou concebido por qualquer faculdade) nada existe
distinção, mesmo principial), de quem todos os atos dependem (e (verdadeiramente) fora de Brahma; e pelo Conhecimento (principial
que é Ele próprio sem ação); é por isso que ele está espalhado em e supremo) Brahma é contemplado como único verdadeiro, pleno de
tudo (sem divisão, dispersão ou diferenciação de espécie alguma)”. Beatitude, sem dualidade”.
“Ele é Brahma, que é sem grandeza ou dimensões (incondicionado), “O olho do Conhecimento contempla o verdadeiro Brahma, cheio de
não extenso (sendo indivisível e sem partes), sem origem (sendo Beatitude, penetrando tudo; mas o olho da ignorância não O
eterno), incorruptível, sem figura, sem qualidades (determinadas), descobre, não O percebe, como um homem cego não vê a luz
sem assignação ou caracter qualquer.” sensível”.
“Ele é Brahma, pelo qual todas as coisas são iluminadas “Tendo sido o “Si” iluminado pela meditação (quando um
(participando de Sua essência segundo seus graus de realidade), cuja conhecimento teórico, portanto ainda incompleto o faz aparecer
Luz faz brilhar o sol e todos os corpos luminosos, mas que não é como se ele recebesse a Luz de uma fonte outra que ele próprio),
tornado manifesto pela sua luz” (9). depois incendiado pelo fogo do Conhecimento (realizando sua
identidade essencial com a Luz Suprema), ele está livre de todos os
“Ele penetra sua própria essência eterna (que não é diferente do acidentes (ou modificações contingentes), e brilha em seu próprio
Supremo Brahma), e (simultaneamente) ele contempla o mundo esplendor, como o ouro que é purificado no fogo.” (12).
inteiro (manifestado e não manifestado) como sendo (também)
Brahma, assim como o fogo penetra intimamente um pedaço de “Quando o Sol do Conhecimento espiritual se ergue no céu do
ferro incandescente, e (ao mesmo tempo) se mostra também coração (ou seja no centro do ser, que é designado como Brahma-
exteriormente (manifestando-se aos sentidos por seu calor e sua pura), ele destrói as trevas (da ignorância que vela a única realidade
luminosidade)”. absoluta), ele penetra tudo, abarca tudo, ilumina tudo”.
“Brahma não se parece com o Mundo (10), e fora de Brahma não há “Aquele que faz a peregrinação de seu próprio “Si”, uma
nada (pois, se houvesse alguma coisa fora de Si, Ele não poderia ser peregrinação na qual nada diz respeito a situação,lugar ou tempo
infinito); tudo o que parece existir fora de Si só pode existir (desta (nem nenhuma ciscunstância ou condição particular) (13), que está
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de Piracicaba e Piratininga,
solstício de Verão, 2002 A.D.
Les Éditions du Bobage
QUID NOS RODUNT CONFUNDANTUR ET CUM IUSTIS NON SCRIBANTUR Rue Vergueiro 156 - Centre
Piracicaba, SP - Brésil
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