O Pastor Imperfeito - Zack Eswine
O Pastor Imperfeito - Zack Eswine
O Pastor Imperfeito - Zack Eswine
“Gostaria de ter lido esta obra vinte anos atrás, quando comecei a
considerar o ministério pastoral. O assunto que Zack aborda é vital
tanto para pastores novatos quanto para pastores experientes. Ele
nos direciona a evitarmos as ambições perigosas, as expectativas
absurdas e os padrões de trabalho prejudiciais. No entanto, ele faz
isso com inteligência, autocrítica e profundo realismo. Eswine
reacendeu em mim um amor pelo Pastor Perfeito, cuja graça
extraordinária inclui pastores imperfeitos na obra de seu reino. Este
livro deveria estar na lista de leituras indispensáveis de todo pastor!”
Mark Meynell, diretor associado (Europa), Langham Preaching;
Autor, A Wilderness of Mirrors
“Zack Eswine projeta sua prosa numa área muito sensível que
nós, pastores e líderes, odiamos discutir: nós extraímos nosso
senso de identidade e estima do número de pessoas que vão às
nossas igrejas, do volume das ofertas e de nossos seguidores em
mídias sociais. Este é um livro cheio não de condenação e sim de
encorajamento cativante. Pude sentir os braços de Zack ao meu
redor quando Deus o usou para me mostrar o caminho adiante – em
direção a uma vereda de cura e esperança.”
Bryan Loritts, pastor de pregação e missões, Trinity Grace
Church, New York City; fundador e presidente, The Kainos
Movement; editor, Letters to a Birmingham Jail
Agradecimentos
Apresentação à Edição em Português
Introdução
PRIMEIRA PARTE | A Chamada que seguimos
1 | Desejo
2 | Reconquistando nossa humanidade
3 | Saindo de casa
4 | Invisível
SEGUNDA PARTE | As tentações que enfrentamos
5 | Estar em todo lugar para todos
6 | Consertar tudo
7 | Saber tudo
8 | Imediatismo
TERCEIRA PARTE | Reformulando nossa vida interior
9 | Uma nova ambição
10 | Contemplando Deus
11 | Encontrando o nosso ritmo
QUARTA PARTE | Reformulando o trabalho que fazemos
12 | Cuidando dos enfermos
13 | Cuidando dos pecadores
14 | Conhecimento Local
15 | Liderança
16 | Realismo Romântico
Agradecimentos
Basta então,
essa velha obra de mãos
Dele e nossa
para aqui amar,
para aprender aqui a sua canção, como grilos que arranham
e cantam,
dos recantos invisíveis,
continuando a fazer
aquilo para o que foram criados,
a arte noturna de
faces não notadas,
com nossas asas não observadas, até que, mais uma vez, ele caminhe
no frescor do dia,
para reclamar nossos nomes.
E nós então,
com nossas bandeiras brancas costuradas,
estaremos por trás de suas sempre verdejantes,
finalmente deixando o lugar escondido
e com ele
mais uma vez caminhando juntos.
1 | Desejo
Desejo
A Serpente sabe disso. As árvores do jardim eram desejáveis, boas
e agradáveis aos olhos (Gn 2.9). Entretanto, quando Eva viu aquela
árvore única, desejou-a de modo torto. Ela e Adão procuraram
consumi-la à parte de Deus, apesar do propósito declarado para
aquela árvore (Gn 3.6). Queriam algo desejável, mas do modo
errado. É possível que façamos o mesmo no ministério.
Não se engane. O desejo é um fogo de artifício. Manuseado com
sabedoria, enche o céu da noite com luz, cor, beleza e deleite. O
desejo mal manuseado pode queimar e incendiar toda a sua
vizinhança (Tg 4.1–2).
Conheço em primeira mão a beleza e o incêndio criminoso dos
desejos ministeriais. Sei o que é ficar perdido nesses desejos e
precisar ser reencontrado em Jesus. Eu era um desses caras a
quem as pessoas diziam: “Você é um dos melhores pregadores que
já ouvi, e é tão jovem — mal posso esperar ouvi-lo daqui a dez
anos”. Bem, há muito se passaram dez anos e eu não me tornei
aquilo que foi projetado antes.
Não falo isso com morbidez. Espero que você logo perceba que
escrevo como quem sente profundamente ter sido resgatado de si
mesmo pela abundante graça de Jesus. As águas insalubres da
celebridade, consumismo e gratificação imediata haviam infiltrado a
água que eu bebia. Meus desejos pastorais tinham se maculado
sem que eu percebesse. Muitos de nós não percebemos. Nós e
nossas congregações sofremos por isso.
Portanto, estabeleçamos o fato de que a vocação pastoral começa
com o desejo. O apóstolo Paulo diz o seguinte: “Fiel é a palavra: se
alguém aspira ao episcopado, excelente obra almeja (1Tm 3.1).
Pedro concorda: “pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós,
não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer;
nem por sórdida ganância, mas de boa vontade” (1Pe 5.2).
Reflita comigo por um momento. Quando foi que você tornou
conhecido o seu desejo pelo ministério pela primeira vez? Era mais
velho ou mais jovem? A quem você contou? No meu caso, eu
estava na segunda série do ensino fundamental da escola Saint
Anthony. A Sra. Canter escrevera no quadro de giz: “O que você
quer ser quando crescer?”
Eu respondi, e Sra. Canter ajuntou as duas palavras para todos
verem: “Zack — Sacerdote”.
Eu ainda não associara o desejo pastoral ao amor por dinheiro (Lc
16.4), contatos para angariar posição (Mt 23.6–7), cobiça por poder
(At 8.18–21) ou ao avanço de meu próprio nome. Ainda não sabia
que servir a Deus poderia ser usado, até mesmo por mim, como
modo de tentar, alinhado com o velho sussurro da Serpente, tornar-
me como Deus (Gn 3.5). Só sabia, como menino de oito anos, que
eu desejava servir a Deus com minha vida em ministério vocacional.
Eu não estava inquieto naquela época, nem um pouco. Era
maravilhoso.
Desde então, porém, aprendi algo, não como sacerdote, mas
como pastor. Existem muitos tipos de desejos atuando neste mundo,
e nem todos eles são bons.
Ou,
Por quê? O que são essas coisas que importam para nossos
desejos? Bem, primeiro, amor a Deus. Este nobre desejo leva
tempo. Perdão, reconciliação, chegar à sensatez, crescimento
espiritual em fé, esperança e amor; conhecimento e entrega aos
ensinos da Escritura em Jesus, crescimento na obediência,
mansidão, paz, paciência, bondade e domínio próprio, junto com
enfrentar os vícios, as idolatrias e os pecados com o evangelho;
aprender o contentamento em Jesus, quer em abundância quer em
escassez; aguardar a vinda do Senhor e seu reino bem como o
cumprimento de todas as promessas de Deus para sua glória e
nosso bem. A linha de chegada na satisfação desses desejos não
poderá ser atravessada com uma corrida de quarenta metros, não
importa quão furiosamente tentemos.
Segundo, amor ao próximo em seus prazeres também é
importante, e isso também leva tempo. Aprender a andar e falar e
contar, crescer, fazer matemática, aprender a dirigir ou viver de
forma independente, junto com começar ou participar de uma igreja
ou ministério. A pressa não consegue realizar essas coisas, quanto
menos continuar solteiro, encontrar verdadeiras amizades, desfrutar
de um bom casamento, fazer amor que satisfaz, ser pai ou mãe,
avós ou criar integridade e boa reputação no seu trabalho. Aprender
a tocar um instrumento, subir ao ápice em um esporte ou tornar-se
especialista em uma arte ou ofício, não acontece da noite para o
dia. Porém, muitas pessoas a quem você serve acreditam que essa
espécie de amor a Deus e ao próximo acontece instantaneamente.
Tome, por exemplo, um marido frustrado. Ele me disse:
“Simplesmente não suporto mais; é demais! Ou ela trata a questão
ou é óbvio que não se importa com nosso casamento! Não vou mais
suportar isso não!”
Quando disse essas palavras para mim, ele estava casado há
apenas três meses. A questão a que se referia era de seis dias
atrás. Ele citava a Bíblia e falava em termos épicos sobre o que
Deus deseja para um casamento e para uma vida. No entanto, se
ele tivesse de esperar seis dias para consertar a questão, em um
contexto conjugal de, ao todo, oitenta e nove dias, estava claro para
ele que Deus não estava no casamento ou que sua esposa não o
amava, e que ele tinha de preparar-se para seguir em frente. Este
homem consegue citar a Bíblia, mas não tem garra para esperar em
Deus em meio a algo de que não gosta. Com toda a conversa
grandiosa sobre coisas maravilhosas que Deus quer, não ocorre a
ele como é grandioso o que Deus diz sobre aprender a perseverar e
esperar nele. Muitos de nós pastores expressamos o mesmo tipo de
inabilidade emocional de esperar em Deus em e por nossas
congregações.
Nosso problema é que a maioria das alegrias dadas por Deus que
almejamos são deterioradas quando palavras como
instantaneamente, pressa e impaciência são lançadas contra nós.
Muitos estão confusos sobre o que significa verdadeira alegria se
tiverem de assumir uma gratificação adiada entre as velocidades
menores requeridas pelas coisas que importam mais para Jesus.
Ora, imagine amar a Deus e ao próximo em meio aos desalentos
ou desolações da vida. A desolação não consegue suportar
facilmente um ritmo pastoral acelerado. Isso explica por que muitos
de nós não têm paciência no cuidado pastoral. Ossos e mentes
quebrados não estão propensos à pressa. Pele queimada ou almas
vitimizadas têm de chegar a uma coceira miserável a fim de se
curar, e nós que esperamos ao lado do leito temos de esperar mais
ainda. Morte, luto, perda, recuperação dos vícios, como também
traumas emocionais ou físicos, ser pais e mães de crianças
portadoras de necessidade especiais, aprender a se ajustar a
doenças crônicas, depressão, incapacidades ou doenças — todas
essas desolações são tratadas pobremente quando se requer delas
“eficiência” e “medidas quantitativas”. Para o pastor importante, que
faz coisas grandes e notórias rapidamente, o fato das pessoas
estarem quebradas, na verdade, parece uma intrusão que o impede
de fazer sua importante obra para Deus. Estou escrevendo essa
última frase, e isso me faz desmoronar. Releia. Em seguida, caia
comigo, está bem? Caia de joelhos comigo perante o Salvador. Ele
é quem ergue nossa cabeça. Precisamos desse soerguimento
gracioso, pois ainda não falamos sobre palavras como instantâneo e
impaciente não nos oferecerem recursos para tratar das coisas que
realmente importam – de amar nossos inimigos no ministério. E não
se engane: eventualmente você também terá de aprender o mais
difícil dos amores ao próximo.
Em geral (e isso muitas vezes nos surpreende), a pressa não é
amiga do desejo. O sábio entendeu isto quando disse que “não é
bom proceder sem refletir, e peca quem é precipitado” (Pv 19.2).
Seu ponto está bastante claro. A pressa tem o hábito de não
completar as coisas que realmente importam. Numa crise pode até
ajudar. Mas quando chegamos ao entendimento, dedicação e
cumprimento dos desejos de uma alma humana, a precipitação
constantemente e legitimamente é processada por negligência. A
rapidez oferece promessas imediatas para nossos desejos
conjugais, ou ministeriais, ou para o trabalho, ou para os nossos
filhos, mas, na verdade, a pressa nunca entrega o que promete
naquilo que é mais precioso para nós.
O ponto que quero destacar é o seguinte. Nosso desejo por
grandeza no ministério não é o problema. O problema surge quando
a pressa de fazer grandes coisas de maneira notória e com a maior
rapidez possível reformula nossa definição do que seja uma grande
coisa. Deseje grandeza, querido pastor! Mas, submeta a sua
definição de grandeza àquilo que Jesus nos dá. No mínimo teremos
de começar a tomar posição quanto a este importante fato: a
obscuridade e a grandeza não são opostas.
O que você quer que Jesus faça por você?
Jesus colocava a questão do desejo de modo muito claro quando
treinava os seus ministros. “O que queres que eu faça?”, ele
pergunta (Mc 10.36).
Pare aqui por um instante. Vá mais devagar se puder. Você tem
uma lista do que quer para o ministério, e todas as demais
realizações ministeriais que deseja conseguir em nome de Cristo
antes de morrer? Você não iria estar sozinho se esse fosse o caso.
Basta ler os anúncios. Uma miríade de desejos daqueles que
compõem a sua congregação e comunidade serão revelados.
Tiago e João tinham suas listas. “Queremos que nos concedas o
que te vamos pedir”, disseram. “Permite-nos que, na tua glória, nos
assentemos um à tua direita e o outro à tua esquerda” (Mc 10.35–
37).
Tiago e João sutilmente começaram a almejar que seu ministério
com Jesus lhes providenciasse uma plataforma de grandeza. Seus
anseios começavam a estragar sua comunidade (Mc 10.41). Jesus
não impediu que essa fricção ou destruição potencial acontecesse.
Ainda hoje ele não impede. Você marcou bem isso? Tiago e João
eram muito amados, dotados, chamados, frutíferos, e centrais no
ministério terrestre de Jesus. Ele graciosamente escutou os seus
desejos. Mas sua proximidade com Jesus, e sua fecundidade no
ministério, não significavam que tudo que faziam era bom, certo e
útil para os que os conheciam.
Em vez de dar-lhes tal imunidade, Jesus confrontou-os, e o que
ele disse nos deixa mais sóbrios. É possível que líderes ministeriais
desejem grandeza de formas nada diferentes daqueles que se
encontram ao nosso redor, ou em qualquer lugar em nossa cultura.
Ligar o nome de Jesus a esses desejos não muda o fato de serem
idênticos aos anseios do mundo.
Faça uma pausa aqui. Repita a leitura dessa última sentença se
for necessário. Em oração, vá mais devagar. Os líderes humanos
em toda parte desejam grandeza e domínio sobre outros. “Não é
assim convosco”, Jesus declarou. Se grandeza é o que você deseja,
de agora em diante você tem de entregar sua vida a uma outra
espécie de grandeza. “Quem quiser tornar-se grande entre vós, será
esse o que vos sirva” (Mc 10.43). Servos entregam os seus dias a
tarefas pequenas, muitas vezes não notadas por longos períodos de
tempo, e sem receber nenhum elogio.
Jesus, então, toma Tiago, João e seus outros alunos de
discipulado para um vivo e real estudo de caso. Ele mostra-lhes um
monte sem nome, pertencente a um homem. Este era pobre e cego.
Jesus lhe oferece a mesma pergunta poderosa que fez aos
“maiorais” que viajavam com ele: “O que queres que eu faça?” (Mc
10.51).
Ali mesmo, a graça de Jesus nos humilha, contrastando os
desejos que são revelados. Tiago e João estavam no centro do
ministério, junto com Jesus, e estavam entre os melhores pupilos de
Jesus. Mas isto não bastava para eles. Queriam lugares melhores.
Enquanto isso, o pobre pede a Jesus apenas duas coisas, sendo a
primeira misericórdia. A segunda era que pudesse ver.
Penso na classe da Sra. Canter no passado, nos meus estágios
de seminarista, no meu primeiro pastorado, na varanda da casa de
Mamaw, e nos restos destroçados da minha turma ministerial.
Quando, em minhas ambições por ministério, deixei de sentir minha
necessidade de desejar misericórdia quando estava com Jesus?
Quando comecei a supor ter o privilégio de ver corretamente com
meus olhos e a definir grandeza do ponto de vista desse meu
privilégio, em vez de vê-la do ponto de vista da graça de Jesus?
Existe um jeito de desejar entregar-se totalmente ao ministério que
o dividirá em dois, causando dor para aqueles a quem você serve,
revelando o quanto você se desviou e o quanto está longe da
definição de Jesus do que seja a grandeza. Conheço isso em
primeira mão. Mas estou aprendendo mais uma coisa. Existe mais
graça e esperança aqui do que você talvez saiba — nas mãos de
Deus, uma chamada para o trabalho pastoral entre a preciosidade
de pessoas e lugares vagarosos e sobrecarregados de trabalho,
pode se tornar em dons, verdadeira alegria, contentamento que
perdura e uma boa vida. Por quê? Porque esse é o caminho de
Jesus. Onde Jesus é nossa porção e nosso desejo, não nos faltará
nenhum verdadeiro tesouro. “O reino do céu é como um tesouro
escondido no campo, que um homem encontra e enterra. Em sua
alegria ele vai, vende tudo que tem, e compra esse campo” (Mt
13.44).
Será que vender tudo que temos com alegria inclui abrir mão de
nossas desorientadas listas para o ministério? E se as alegrias que
desejamos em Jesus forem como tesouros escondidos em um
campo, que muitas pessoas, mesmo as que estão no ministério,
desprezam e raramente compram?
Você se lembra como eram as coisas antes que desejasse um
ministério vocacional? Você não possuía treino. Era desconhecido
no mundo. Jesus era belo para você. Ele o havia salvo. Havia
comunicado o seu amor a você. Era um imenso tesouro, verdade
que satisfaz, e sobremodo belo. Ele era a sua porção. Era o seu
desejo. No princípio, tal deslumbrante provisão de Jesus despertou
os seus afetos para servi-lo com a sua vida em um ministério
vocacional. Não era de admirar que, quando Pedro declarou que
excederia e seria maior que todos os seus colegas ministeriais, o
canto do galo não demorasse a chegar. Para restaurar Pedro ao
ministério, Jesus o levou de volta às primeiras coisas, ao primeiro
amor. “Pedro, tu me amas? Apascenta as minhas ovelhas” (cf. Jo
21.15–17). Aqui começa a nossa vocação. O chamado pastoral para
alimentar o próximo é secundário e decorrente do desejo anterior
pela beleza do próprio Jesus. Vem-me à mente o antigo hino:
“Propenso a vaguear, Senhor, eu sinto-me, propenso a deixar o
Deus de amor”. Mas Pedro aprendeu o que todos deveríamos fazer
com as cinzas deixada pelos cantos de galo ministeriais. Jesus vem
ao nosso encontro. Ele não nos abandona. Sua benignidade dura
para sempre.
Conclusão
Fechemos esta conversa introdutória sobre o desejo pastoral com
uma parábola da vida real.
Dois homens saíram de casa para plantar uma igreja numa cidade
necessitada. O primeiro que chegou sonhou com uma cidade
alcançada por Jesus com o evangelho. Por meio desse primeiro
pastor, pessoas conheceram a Jesus, os crentes se reuniram e
nasceu uma comunidade de seguidores de Cristo. Foi um trabalho
vagaroso, mas estava acontecendo. As suas orações estavam
sendo respondidas.
Com o tempo, ele começou a se reunir com o segundo plantador
de igrejas. Fez isso com o intuito de encorajar o segundo pastor em
seu trabalho incipiente. O mais experiente e o novato oravam para
que Jesus alcançasse a cidade. Através do iniciante, as pessoas
passaram a conhecer a Jesus, os crentes se reuniram e nasceu
uma comunidade de seguidores de Jesus.
Dez anos mais tarde, aquele que veio primeiro serve como pastor
de uma igreja “simples”. Seus mais de duzentos membros
demonstram o amor de Jesus de formas inexistentes ali dez anos
atrás. O novato que veio em segundo lugar é pastor de uma igreja
“épica”. Seus milhares de membros e múltiplas congregações pela
cidade demonstram o amor de Jesus de maneiras que não existiam
dez anos atrás. As orações de ambos foram respondidas.
Por que então, um deles está triste?
Por que então, somente um deles recebe nossos convites para
falar nas conferências e para nos oferecer os seus conselhos?
Kathleen Graber, “Book Nine”, Poetry Foundation website, acessado em 3 de dezembro de
2014, http:// www .poetryfoundation .org poem 241278.
Nathan Foster, Wisdom Chasers: Finding My Father at 14,000 Feet (Seguidores de
sabedoria: encontrando meu pai aos 4.000 metros), (Down¬ers Grove, IL: InterVarsity,
2010), 41.
2 | Reconquistando nossa humanidade
Não temos lar neste mundo, eu costumava dizer. Então, eu voltei pela
estrada para este velho lugar e preparava um bule de café e um
sanduíche de ovo frito.
–M R
A fisicalidade humana
Os desejos pastorais, por mais grandiosos e nobres, não nos livram
dos limites físicos que temos.
O estudo teológico me ensinou a doutrina da Criação. Fui
examinado para a ordenação acerca do meu ponto de vista sobre os
dias da criação e o legado de Darwin. Mas o significado de Deus ter
nos criado humanos, corpóreos, localizados, finitos e à sua imagem
não se traduzia em minha teologia de ministério pastoral nem
informava a forma que o trabalho pastoral devia assumir. Hoje
penso que deveria.
Por exemplo, sou um dos pastores de Wendell. A paralisia infantil
tem impedido o movimento das pernas de Wendell há setenta anos.
Wendell também tem se sujeitado ao regime da diabetes, com as
exigências de sargento de tiro de guerra sobre as suas rotinas
diárias. Duas ocasiões com o câncer atacaram terrivelmente a vida
dele. A morte da sua esposa arrasou seu coração e esvaziou sua
cama à noite. As suas mãos tremem. Às vezes sua voz fica
arrastada.
Com sua cadeira motorizada, Wendell faz as suas tarefas diárias,
lê a sua Bíblia, ora a Deus e compartilha Cristo com outras pessoas,
expressando louvor pelo cuidado de Deus por todos esses anos.
Para cuidar como um médico da alma de Wendell, temos de levar
em conta seu corpo físico.
Nas palavras do pastor-poeta G. M. Hopkins, somos como uma
“cotovia” em nossa “casa de ossos”, “almas e corpos”.4 Ainda cedo
na liderança pastoral, soube que a luta que travava não seria contra
“carne e sangue” (Ef 6.12). Mas eu não entendia como a carne e o
sangue formariam a arena para esta luta. “Amado, acima de tudo,
faço votos por tua prosperidade e saúde, assim como é próspera a
tua alma” (3Jo 2). João, o apóstolo, orava assim, e aprendemos com
ele.
Localidade Humana
Nossa teologia pastoral do Éden nos lembra que as criaturas com
corpos também são locais.
Elas habitam lugares. No jardim que Deus plantou, Adão e Eva
comiam comida, cuidavam de animais, plantavam sementes,
oravam, trabalhavam e se amavam. Não havia pornografia no
mundo e eles repousavam em sua nudez. Agradar a Deus
significava nada mais que escutar suas palavras, segui-lo pelo
Éden, e, com gratidão, nadar nas águas seguras da companhia um
do outro. De mãos dadas, cortando a grama, resistindo às vis
tentações, e aprendendo a amar aquele que os criou, tinham o
suficiente para uma vida significativa com Deus. Mas parece que
isso não lhes bastava. Adão e Eva ouviram sórdidos sussurros
rastejando pelo capim. O dom de Deus, de um significado local com
ele, começou a entediar o casal.
Pause aqui por um momento. Considere o que deixa você
entediado e inquieto. E observe também aquilo que Deus considera
revigorante.
1. Fomos criados para honrar a Deus e não colocar nada mais em
seu lugar, entregando-nos a ele. Em outras palavras, deveríamos
amar a Deus.
2. Deveríamos amar um ao outro (unir-se à sua mulher, Gn 2.24),
relacionar-nos corretamente com nossa família mais extensa
(deixar pai e mãe, v. 24), e cultivar a comunidade (ser fecundos e
multiplicar, Gn 1.22). Noutras palavras, fomos feitos para amar o
nosso próximo.
3. Deveríamos reconhecer a bondade e qualidade sagrada do
lugar, das criaturas e das coisas que Deus criou, cuidando
dessas boas dádivas. Deveríamos contribuir para o cultivo da
criação (cultivar e guardar, Gn 2.15) e para uma cultura que
reflita essa bondade concedida.
Estes primeiros textos de Gênesis nos ensinam que os seres
humanos têm o propósito de amar a Deus e ao próximo, ao viverem
localmente em um lugar, para a glória de Deus. O que isso nos diz
sobre grandeza?
1. Deus deu a si mesmo para que nos entregássemos e
amássemos a ele. Isto quer dizer que orientar nossa vida para
um relacionamento diário com Deus a cada momento traz glória
a ele.
2. Deus nos deu um punhado de pessoas a quem amar. Você não
tem de se tornar outra pessoa ou olhar constantemente sobre os
ombros dessas pessoas que estão bem à nossa frente. Atender à
obra de Deus entre os rostos, nomes e histórias onde nos
encontramos já é fazer o que Deus considera significativo.
3. Deus nos dará um lugar em que habitar e algo para fazer nesse
lugar. Isso significa que devemos atentar ao que está ali, no local
onde estamos. Habitar com conhecimento e hospitalidade, no
lugar que Deus nos dá, é glorificá-lo.
À luz disso, o que você supõe que seja a obra do pastor? No
mínimo, presumimos uma atenção local ao amor divino, entre
pessoas comuns e lugares ordinários, com temperatura e histórias
locais. Aqui, as palavras “atenção” a “pessoas comuns e locais
ordinários” desafia grandemente o nosso tédio, pois nós pastores
temos uma tendência para encontrar o propósito do trabalho
pastoral, não com Deus no Éden, no precioso local de limites com
ele, mas, em vez disso, com a Serpente, que descaradamente
sussurrou ali, falando ilusões de uma vida sem limites no mundo.
Pregando descalço
Quando um casal entra no ministério, o amor jovem de vidas
comuns poderá ser pressionado a ponto de deixá-los. Poderá ser o
caso de ela ter acabado de dar à luz um filho. Ou então, são recém-
casados. E já estão exaustos pelo ritmo do treinamento bíblico que
fizeram, e começando a obra do ministério como quem já precisa de
uma folga. Mas começar o trabalho para Deus significa pouco tempo
para cansaço. E assim, a esposa vai com seu líder no ministério a
um novo local, sem raízes, com uma criança pequena e um novo
emprego. A igreja espera que ele chegue correndo e vencendo a
corrida. Ele quer mostrar que vale o dinheiro pelo qual foi
contratado. Trabalha demais o tempo todo por amor a Jesus,
enquanto a sua esposa recente e seu bebê ainda novinho tentam
aprender a confiar em Jesus em meio a lavar pratos e o programa
da Galinha Pintadinha, sem amigos locais e saber ainda os nomes
das ruas de sua nova vizinhança. A pessoa solteira que se forma
depois do treinamento bíblico, semelhantemente, enche todas as
horas em que está acordada para Deus, ficando exausta, dizendo
com seus botões que no dia em que se casar vai diminuir o ritmo da
correria (sem perceber que o hábito do ritmo atual será muito difícil
de ser interrompido).
Por que pressionamos nossos jovens no ministério a produzir
resultados ministeriais dessa maneira? Por que eles acham que têm
de se tornar algo mais que um ser humano normal, que mora
fisicamente em um determinado local? Por que deixamos implícito
que, no ministério, eles têm de ser mais do que um casal jovem
apaixonado em amor sagrado, que tiveram seu primeiro filho e estão
aprendendo em seu primeiro chamado no mundo?
O meu pastor/mentor colocou sua própria vida no meio de tudo
que chamaríamos de sucesso. Ele tinha um programa de
construção em duas fases, estava plantando igrejas e era notável
como conselheiro e pregador em conferências. Porém, às vezes, as
coisas do ministério que desejamos na nossa cultura não são as
coisas importantes que Jesus nos dá. Falamos aos empresários que
não vale a pena ganhar o mundo e perder a alma. Não seria
possível fazer o mesmo em um ministério vocacional?
No meu primeiro pastorado tínhamos dezoito alqueires de terra.
Quando propus que cortássemos nossos programas de ministério
pela metade, para que as pessoas pudessem descansar mais com
as suas famílias e estar em casa na sua vizinhança para
compartilhar o evangelho, alguns me julgaram como quem conduz a
igreja para trás (mesmo que tivéssemos uns trinta programas numa
igreja de oitenta e cinco pessoas).
Enquanto isso, poderíamos discutir sem trégua nossas
declarações de visão e debater com eloquência perguntas chatas
(tais quais se João Calvino teria removido a cruz de madeira
pendurada na parede de nosso santuário, ou se nós, como
protestantes, devemos rebatizar alguém que foi anteriormente
batizado na igreja católica, ou se devemos ter o nome
“Presbiteriano” no logotipo de nossa igreja). Mas como líderes,
muitas vezes demonstramos pouca capacidade de demonstrar o
amor, a graça ou a humildade de Jesus em nossos relacionamentos
diários. Nossos sonhos e planos de realizar algo grande para Deus
injeta-nos energia. Nosso tratamento uns com os outros, porém, só
nos ferem e fatigam. É fácil fazer grandes coisas para Deus desde
que essa grandeza não requeira humildade interior, amor prático
pelas pessoas bem à nossa frente nem submissão à presença de
Jesus no lugar em que já estamos.
Estou tentando dizer que quando um homem iracundo se torna
manso em Cristo, existe mais poder do que em trinta homens cheios
de ira que vieram a nosso evento ministerial e foram para casa sem
transformação. O problema para mim e para muitos dos que tenho
servido é que a assistência de trinta pessoas soa melhor que a de
uma só. Mesmo que, querendo nosso Senhor, viessem trinta e
esses trinta fossem transformados, por mais que nos alegremos,
ainda teríamos, nalguma altura, de usar o banheiro.
Marque bem isso aí: Nós também podemos tentar resistir à nossa
humanidade, dizendo com convicção algumas coisas horríveis
diante de um santuário, dentre todos os lugares, durante a oração:
“Deus, eu te agradeço porque não sou como outros homens” (Lc
18.11). Lá está: o ar mortífero, a crença envenenada que, de algum
jeito, nós que desejamos realizar grandes coisas para Deus não
sucumbimos a ser meros humanos, do modo que são as outras
pessoas.
Talvez seja por isso que, trinta anos após falar pela primeira vez
sobre meu chamado na sala de aula da Sra. Canter, eu tenha
pregado descalço em meu primeiro domingo como novo pastor
titular, tendo uma segunda chance. Permanecer em pé ali, com a
Bíblia na mão, sobre um fundamento comum e não escondido, com
pelos de hobbit sobre os dedos calosos do pé, era um ato de
testemunho pessoal, um lembrete tolo, mas tangível, de que eu não
sou o Cristo.
Por tempo demais, ignorei nas minhas aspirações por grandeza, o
fato de que sou humano. Talvez seja isso, em parte, o que
aconteceu a meu amigo pastor que se matou. Ele era um “sucesso”.
Eu estava me tornando assim. Foi por isso que eu disse: “Jonathan
Edwards peida”.
Gerard Manley Hopkins, “The Caged Skylark”, [A cotovia engaiolada] em Hopkins: Poems
and Prose (New York: Knopf, 1995), 17.
3 | Saindo de casa
Assim, quando Jesus nos pergunta: “Vês esta mulher?” (Lc 7.44),
pergunto-me como deve ter sido para ela. Não havia luxúria nos
olhos de Jesus, nem abuso por trás de seu sorriso, nenhuma
cantada familiar ou bajulação em seu tom. Sua beleza era notada e
admirada; seu coração e sua mente eram compreendidas e
conhecidas. Será que já teria sido observada dessa maneira por
algum homem? Será que os homens ali de pé sabiam que eles
também, pela graça, poderiam olhar deste modo para uma mulher?
Os netos se esquecem de que as Mamaws são mulheres. Seu
nome era Pauline. O nome dele era Bud. Na sua juventude, imagino
que ela colocasse seu melhor vestido e passasse perfume no
pescoço, esperando que os dedos dele também a tocassem ali com
ternura. Havia gratidão e ternura, um anseio nos olhos ao dizer seu
nome ou relembrar a sua presença. Naqueles anos ela ficava
sentada com ele na sala, descascando batatas com ele na cozinha,
deitava com jeito de mulher diante dele em seu leito de vários anos
juntos. Gosto de pensar que no final ele via a ela, e os anos das
revistas Playboy tiveram os olhos vazados. Gosto de pensar que a
mulher, que conhecia e amava esse homem de punhos cerrados,
finalmente teve as suas envelhecidas orações por ele finalmente
respondidas, enquanto os punhos dele se abriam ternamente.
Punhos finalmente relaxados e acariciados, nos cacos de uma velha
promessa e um longo amor.
Racismo na conversa
Outra coisa também mudou, não plenamente, mas
verdadeiramente. Papaw estava se recuperando no Hospital
Municipal da cidade de Clark. Ele havia trabalhado ali como zelador
durante muitos anos. Agora era ele que precisava de reparos. O seu
coração estava cansado e queria parar antes da hora. Por isso,
deve ter sido algo notável para Papaw naquele dia, quando um
estranho veio visitá-lo entre os tubos e monitores presos aos seus
braços. Esse “alguém” era um capelão afrodescendente com as
boas novas de Jesus, trazendo cuidado pastoral para os enfermos.
Eu queria ter sido uma mosca na parede para ver aquele momento.
Mas como filho do meu Papaw, eu mesmo tenho tido necessidade
de muitos “capelães negros”.
“Você está se esforçando demais”, disse o meu amigo
afrodescendente. “Você não tem de frequentar todas essas
reuniões, sessões de planejamento e eventos contra o racismo. Tem
um jeito mais fácil”, ele insistiu. Seus olhos transmitiam seu amor
enquanto falava essas palavras. Ele tinha idade para ser meu pai.
“O que você quer dizer com isso?”, perguntei.
“O seu escritório fica em um pequeno centro comercial perto de
alguns comerciantes negros, certo? Então, quanto tempo levaria
para você chegar do seu escritório até a uma dessas lojas?”
Fiz uma pausa. Tenho certeza de que também parei de mastigar o
meu sanduíche. Dava para ver que um senso de convicção estava
prestes a me cumprimentar. Sentei para trás na cadeira. Ele sorria
agora, e era gentil.
“Uns três segundos”, respondi finalmente.
“É isso que estou dizendo”, disse ele. “Você está se esforçando
demais, frequentando na correria todas essas reuniões. Ao invés
disso, ande três segundos até ali, enfie a cabeça à porta, e
simplesmente diga ‘olá’. Se ninguém retribuir o seu cumprimento,
tente de novo na semana seguinte. Se eles lhe derem um alô,
simplesmente converse como um ser humano sobre coisas de
humanos”.
Fiquei pensando no que ele disse. Admiti em voz alta o que eu
sentia por dentro.
“Parece que essa caminhada de três segundos é mais difícil. Por
que é assim?”, perguntei.
Ele não me respondeu. Ele não precisava me responder. Ambos
demorávamos com o pensamento, enquanto comíamos as fritas
devagar.
Jesus entra em nossa mentoria e reformula as narrativas com as
quais mapeamos o mundo. Os discípulos cresceram ouvindo
histórias que deixavam implícito que os pobres estavam no inferno e
os ricos iam para o céu. Mas Jesus inverte isso (Lc 16.19–31). Os
samaritanos são vizinhos nobres (Lc 10.25–37), pecadores
arrependidos são justificados diante de Deus, e os arrogantes
mestres da Bíblia não o são (Lc 18.9–14). E as crianças, longe de
serem repreendidas e silenciadas, são exatamente como devemos
nos tornar a fim de entrar no reino de Deus (Lc 18.15–17). Trazemos
histórias de casa conosco quando entramos no ministério. Jesus
entra nelas e dá à luz novas histórias para que as contemos.
O ajuste doloroso
Estas novas narrativas da graça para nossa família não são baratas.
Não apenas as levamos conosco de casa; também quando
voltamos para casa de tempos em tempos. Fazer com que isso dê
certo requer graça e tempo.
Na sua própria cidade, enquanto Jesus era “o filho do carpinteiro,
filho de Maria e irmão de Tiago e José e Judas e Simão” junto a
suas irmãs, Jesus era bem-vindo. Era parte do povo e do lugar (Mc
6.3). Mas uma vez que Jesus “começou a ensinar na sinagoga”, as
pessoas, em sua maioria, retiraram suas boas-vindas. “Se
ofenderam com ele” (Mc 6.1–8; Lc 4.16–30).
Meu jeito de tratar minha pequena semelhança ao que Jesus
experimentou por vezes tem feito as coisas piorarem. Ao tentar
separar aquilo que é menos parecido com Jesus na mentoria de
nossa família, frequentemente o fazemos mal, como a vez quando
escrevi um tratado de sessenta páginas que chamei “Por que sou o
que algumas pessoas chamam de ‘calvinista’.” Fiz cópias e mandei
para todos os membros da minha família no sul de Indiana. Que
maneira melhor haveria de mostrar o amor de Jesus aos entes
queridos do que escrever e enviar um documento que eles não
esperariam, respondendo perguntas que não estavam fazendo, com
um tom que não era necessário, para defender uma discussão na
qual eles não estavam envolvidos, e isso tudo para surpreendê-los,
sem que tivéssemos tido qualquer conversa pessoal a respeito
disso?
Assim, quando tentarmos orar ou dizer algo de significado
espiritual, os membros da família não nos deixarão esquecer dessas
coisas. Como isso pode se tornar um dom de graça! Nós todos
podemos olhar para trás e dar risada devido ao perdão necessário e
concedido. Novas histórias de família poderão tornar-se fonte de
encorajamento para todos.
Porém, a lembrança de nossos momentos de tolice não vai
embora com os outros membros da família. Eles ficam contentes em
ter um encanador na família quando os canos estouram, ou um
cabeleireiro que corte o cabelo de graça, mas raramente pensam na
bênção que um ministro humilde pode oferecer à família. Não
reconhecem a agulhada que trazemos conosco por causa disso.
Talvez nos assemelhemos ao hipócrita que os feriu. O seu cinismo
põe a culpa sobre aquilo que nós representamos.
Muitas vezes, as vozes críticas ou decepções implícitas vem numa
disposição bem-intencionada. A família sente nossa falta e desejaria
que estivéssemos em casa. “Filho, por que fizeste assim conosco?”
(Lc 2.48), poderão dizer. A família de Jesus sentia-se ferida por
Jesus. Maria acrescenta, “Teu pai e eu, aflitos, estamos à tua
procura” (Lc 2.48).
Jesus faz uma pergunta direta e gentil em resposta: “Por que me
procuráveis? Não sabíeis que me cumpria estar na casa de meu
Pai?” (Lc 2.49). Como seria para José ouvir que Jesus tinha de estar
na casa de um Pai diferente, e que esse Pai não era ele, José, e
não incluía a provisão e a habitação de José? Deve ter doído.
Quando Jesus e sua família começaram a ter esse ajustamento
dolorido, sua família “não entendia” o que Jesus estava lhes
revelando (Lc 2.50). Teriam de ponderar essas coisas nos corações
e ruminá-las por algum tempo (Lc 2.51).
Tempo de ficar de pé
Na hora que as multidões se juntam e Jesus não tem tempo para
comer, a sua família reage mal. Poderiam ter trazido comida para
ele, encorajando-o com a mensagem de que o Senhor, que o
chamou, o sustentaria e sempre seria fiel. Em vez disso, olharam as
coisas boas que Jesus fazia e denegriram seu caráter. Enquanto
outros se ajuntavam para aprender sobre Deus através de Jesus,
“sua mãe e seus irmãos” ficaram do lado de fora (Mc 3.31). Naquele
momento público eles se referem a Jesus como um homem fora de
si (Mc 3.21). Em termos humanos, existem pouquíssimas críticas
mais dolorosas do que aquelas feitas contra nós por aqueles que
nos conhecem por mais tempo.
Normalmente, Jesus se maravilhava dessa falta de boas-vindas
em sua própria casa; suportava a dor produzida por isso, e
simplesmente prosseguia em seu ministério (Mc 6.5–6). Mas chegou
a hora. Desde os doze anos, Jesus havia se submetido e amado
sua família respeitosamente, mesmo quando eles não o
compreendiam. Agora, aos trinta anos, ele cumpriria o seu
chamado, quer eles entendessem quer não. Certas coisas até eles
teriam de aprender de Deus. Não podiam continuar a apoquentá-lo
desse jeito. A manipulação, os xingamentos e a utilização da culpa
para envergonhá-lo tinham de parar. Jesus os amaria, mas não faria
concessões à descaracterização que faziam dele, bem como das
interpretações sobre quem Deus é e de como o ministério de Deus
deveria funcionar. A família e Jesus teria de se entregar aos
propósitos de Deus para eles — não havia como evitar. Jesus
continuaria em seu chamado, quer eles quisessem quer não, quer
estivessem envergonhados por ele quer não, quer achassem que
seriam maltratados quer não. “Quem é minha mãe e meus irmãos?”,
ele pergunta (Mc 3.31–35). Este momento na vida de Jesus me
deixa boquiaberto.
Certamente, naquele dia a família foi para casa furiosa ou ferida.
Jesus só confirmou as suas suspeitas. Está fora de si. Eles estão
certos em ficar do lado de fora e não se juntar aos que o seguem.
Ou talvez acreditassem mesmo que ele se importava mais com os
outros do que com eles. Pode ser que tivessem se sentido
desrespeitados por ele falar as coisas tão claramente. Talvez
pensassem no homem egoísta e orgulhoso que seu filho e irmão se
tornara, amando as multidões, a fama e a atenção.
O que sabemos com certeza é que, enquanto se entregava à obra
do Pai, Jesus não parou de amar a sua família (Jo 19.26). Com o
tempo, sua mãe viria a entender todas essas coisas que foram
profetizadas e as guardaria no coração. Com o tempo, o seu irmão
Tiago se curvaria a ele afetuosamente como Senhor e Salvador.
Mas não os vemos muito todos juntos.
As percepções da sua família estendida e dos seus concidadãos
acerca do ministério são uma confusão — era assim até mesmo
para nosso Senhor na plenitude de sua humanidade. Mas até
mesmo aqui, a graça não desiste.
Conclusão
Eu estava saindo da reunião do almoço de Dia de Ação de Graças
da casa dos Guernseys. Havia passado trinta e cinco anos ou mais
desde que Papaw me dissera que planejava atirar no Papai Noel;
seis ou sete anos desde que chegara o capelão negro; e seis ou
sete anos desde que eu lhe escrevera uma carta contando do meu
amor por ele e por Jesus, aquela carta que ele referiu como algo
para ser guardado junto ao peito. Foi um ano ou dois antes da morte
de Mamaw. E foi após mais de cinquenta anos que Mamaw orava.
“O que você sabe, jovem?”, disse ele com muita magreza e
cabelos de prata. Há muito sumiram as costeletas fortes e escuras
emoldurando o rosto murcho. A seriedade e clareza de seus olhos
castanhos me surpreendeu. “Não tem muita gente que sabe o que
tem dentro desse velho aqui”.
“Ah é?”, disse eu perguntando.
“Dois anos atrás, esse velho aqui começou a dar graças a Deus
toda noite”, ele disse. “Uns meses atrás, o velho aqui começou a
voltar para a igreja”.
Eu estava chocado com a sacralidade daquele momento. Remexi
as minhas chaves, vasculhando o vazio profundo do bolso de meus
jeans, tentando encontrar palavras. “Como é isso para o senhor,
Papaw?”, ousei indagar.
“Bem, não concordo com tudo isso”, disse. “Mas, para dizer a
verdade, tenho sentido falta”.
Ele se aproximou de mim para me abraçar.
Então sorriu ao falar: “A gente nunca sabe o que vai acontecer
com esse velho aqui, não é mesmo?”
“Nunca se sabe”.
4 | Invisível
Trabalho monótono
“Quero agradecer-lhe por aquilo que você disse da última vez em
que nos encontramos”.
Ele disse isso em uma cafeteria. A filha pequena de meu amigo
dizia com linguagem de garotinha: “Num quero Deus” ou “mim não
ora”. Sofrendo, esses pais preocupavam-se que estivessem fazendo
algo errado. Eu respondi dizendo algo sobre como nós adultos,
muitas vezes, não gostamos de Deus em nossa vida ou não
queremos orar.
“Quem sabe o deus que sua filha não gosta seja um que nós
também não gostaríamos nem desejaríamos crer; talvez não seja,
afinal, uma imagem verdadeira de como Deus realmente é”, eu
sugeri. Então fiz uma pausa. Não tinha certeza, como era
costumeiro, se aquilo que em oração eu tentava entender estava
plenamente correto. Eu orava daquele jeito estranho que podemos
fazer, silenciosamente, entre as sentenças e os pequenos silêncios
que perduram enquanto enfiamos a colher em uma tigela de caldo
quente.
“Em vez de fazer sua garotinha parar de falar que não gosta de
Deus”, eu disse, “que tal admitir que, às vezes, mesmo como
adultos, nós desgostamos de Deus, e deixar que isso molde as suas
orações em família? Afinal de contas, os Salmos ou Eclesiastes,
Jonas ou Jó nos mostram orações dessa espécie. Nos ensinam que
Deus nos ouve em Cristo, mesmo quando temos sentimentos feios
e quando esses sentimentos feios são dirigidos a ele. Quem sabe se
neste exato momento é isto que ela pode aprender com você? Que
tal se, em vez de ler a Bíblia por uma temporada, você convidasse
os filhos a dramatizar as cenas escritas nos Evangelhos? Alguém é
o que está doente. Um outro atua como o fariseu zangado. E
alguém começa a dizer o que Jesus fez e a estender a mão ao que
está enfermo ali mesmo em sua sala de estar”.
Nas semanas seguintes aconteceu algo maravilhoso. Aquela
criança começou a relacionar-se de maneira diferente quanto à
oração, e deixou de falar que não gostava de Deus. Um momento
como este nos ajuda a entender por que não é fácil descrever o que
um pastor faz. É também desagradável e fere nosso inquieto desejo
de legados maiores e mais famosos.
• Comum e cotidiano. Este momento quase não se nota no mundo
e não será documentado pela história. Dois homens tomavam
sopa e conversaram por alguns minutos numa terça-feira em uma
cidade do Missouri.
• Invisível. Ninguém mais da congregação viu ou sabe sobre isso.
• Incontrolável. Não existe uma fórmula. Nunca me fizeram antes
aquela pergunta e eu poderia não ter sabido como dizer, ou errar
completamente no que disse. Foram feitas orações. Dar um
passo à frente foi um ato de esperar em Deus quanto ao
desconhecido.
• Inacabado. Demos graças com risadas quando se falou dessa
boa nova. Mas ambos sabemos que essa menina pequenina tem
toda uma vida em frente para construir sua trajetória com Deus
ou o contrário. “Daqui a dez anos”, eu digo, “talvez estejamos
sentados aqui nessa mesma lanchonete, tomando sopa,
conversando sobre sua filhinha, que a essa altura será uma
jovem! Certamente estaremos olhando juntos ao Senhor
novamente, buscando toda a ajuda e graça que pudermos!”
Rimos e balançamos as cabeças.
Andamos até o estacionamento. Sem mais palavras a dizer,
demos tapinhas nas costas um do outro, como muitas vezes fazem
os homens. Ele voltou ao seu escritório. Eu fui ao encontro de outra
pessoa.
Eu não visionava essa espécie de vida diária. Pensava que ser
pastor seria algo parecido a um conferencista itinerante,
profeticamente originando e dando uma visão de pregação a
grandes multidões e organizações, para que pudesse
constantemente demonstrar que não somos como outras igrejas e
eu não sou como outros pregadores. A cada semana, eu mobilizaria
e gerenciaria programas, contratando, despedindo e treinando o
pessoal, para que pela força de minha personalidade, pela perícia
de minha liderança organizacional e singularidade sábia de nossa
presença, eu (quero dizer, claro, nós) poderia construir uma
plataforma mais notável para o evangelho, de onde eu (ops, quero
dizer nós) poderia subir em maior proeminência no evangelho. E
então eu (aqui não estou falando de nós) poderia ir embora,
passando a fazer coisas cada vez maiores e melhores para Deus no
evangelho.
Porém, se aspiro a essa outra visão, quem ficará sentando sem
pressa, escutando alguém em nome de Deus enquanto toma sopa
no meio de um dia comum, em lugar corriqueiro, para que uma
família desconhecida para o mundo, que ama a Jesus, encontre seu
caminho nele em meio do que realmente os machuca, confunde ou
os deixa mais maravilhados?
Jesus Cristo: timidez e fama
Anseio por palavras como estas que foram faladas para Jesus:
“Todos estão te procurando” (Mc 1.37).
São essas as palavras de fama. No entanto, se Jesus era o
famoso, por que as pessoas teriam necessidade de procurar por
ele? A sabedoria convencional concordaria com o conselho da
própria família de Jesus. “Porque ninguém há que procure ser
conhecido em público… Se fazes estas coisas, manifesta-te ao
mundo.”, cinicamente eles insistiam (Jo 7.4). Não entendiam como
um grande obreiro de Deus escolheria um modo de vida que podia
ser caracterizado por trabalhar “em segredo”. Não tenho certeza de
que eu, ou a maioria das igrejas que eu já servi, teria entendido isso.
O zunido a respeito de Jesus era tão público que ele não conseguia
entrar abertamente numa cidade (Mc 1.45). Será que ele não
deveria agarrar essa oportunidade de palco para Deus?
Contudo, seus irmãos reconheceram algo a respeito de Jesus que
os irritou. Quando comecei a entender, isso também me incomodou
(no sentido de convicção). Jesus não é atraído aos holofotes, mas é
tímido quanto à fama. Os discípulos e amigos tinham de procurá-lo.
Ele não estava tuitando. Seu blog não era visitado. As respostas dos
e-mails não eram imediatas. Muitas vezes o encontravam sozinho,
orando em lugares isolados (Lc 5.16). Na verdade, parece que
quando Jesus estava no lugar certo, no tempo certo, e a
oportunidade de avançar seu trabalho por meio de maior
celebridade aparecia, ele intencionalmente permitia que essa
chamada fosse para a caixa postal e desaparecesse por algum
tempo (Jo 6.15).
Jesus teria deixado desnorteado qualquer publicitário ou mesmo
qualquer congregação. Na verdade, após fazer algo grandioso,
muitas vezes Jesus pedia que ninguém falasse a respeito.5 Talvez o
pedido de Jesus para que ninguém alardeasse fosse em parte uma
estratégia de marketing de falsa humildade. Os artistas fazem isso
ao indicar que não querem nosso aplauso, enquanto por outro lado,
simultaneamente, o estimulam. Talvez simplesmente fosse provado
ser nada prático para Jesus ministrar livremente a outros se
soubessem quem ele era. Vemos essa analogia com estrelas de
rock e celebridades de nossos dias, as quais têm de viajar em
horários estranhos e usar disfarces quando andam em público.
Mas revisitando tais explicações, e se a razão de Jesus para
diminuir a conversa a seu respeito fosse simplesmente proveniente
de viver aquilo que ele ensinou? “Guardai-vos de exercer a vossa
justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles;
doutra sorte, não tereis galardão junto de vosso Pai celeste” (Mt
6.1), ele ensinou.
De alguma forma diminuímos as coisas que glorificam a Deus
quando “tocamos a trombeta diante de nós, como fazem os
hipócritas” (Mt 6.2). Ele cria que fazemos melhor as grandes coisas
para Deus quando a mão esquerda não sabe o que faz a direita —
quando aquilo que fazemos para ele passa despercebido e não é
reconhecido pela imprensa, pela igreja, e até mesmo pelos que
estão mais próximos a nós (Mt 6.3). Existem questionamentos que
me perturbam: Será que tenho garra para passar despercebido?
Posso lidar com o fato de ser ignorado? Minha espiritualidade me
capacita a fazer algo desconhecido para a glória de Deus?
Não é de admirar que Paulo esperasse muitos anos antes de
contar a uma alma sequer sobre uma experiência que teve com
Deus. Ele nem a contava como sendo sua própria experiência.
Relatou-a como se fosse a história de outra pessoa, desviando a
atenção de si (2Co 12.2–4).
Jesus não ignorava os benefícios tentadores da fama. Obtemos
recompensa real do aplauso de outrem. Mas quando cessa o
aplauso, também acaba sua provisão (Mt 6.5). O momento
deslumbrante se apaga no teatro vazio de nossa vida, onde as
questões fundamentais ainda permanecem. Assim, três vezes,
quando Jesus enumera as coisas justas que fazemos, ele nos
compele a considerar “vosso Pai que vê em secreto” (Mt 6.4; veja
também os vv. 6, 18). Ao fazer isso, ele inverte o sentido tomado no
Éden. Fomos feitos para viver sob o olhar do Criador, livres da
procura da fama proveniente dos outros.
Aqui vem à mente um pensamento perturbador. Como a
indiferença à fama por parte de Jesus informa o modo de tratarmos
o desenvolvimento de nossos ministérios ou de modelar um
ministério para ele? Estamos dispostos a abrir mão do que dá certo
no mundo por aquilo em que Jesus nos ensina a confiar? Eu fico
confuso.
Novamente vem à tona um pensamento que fortalece. Deus é
aquele que lembra. Isso não quer dizer que somos esquecidos —
não por ele. De fato, ser lembrado por Deus significa que não
tememos mais o sermos esquecidos pelo mundo. Viver sendo
lembrados por Deus é o suficiente.
Geral:
– Comer e dormir.
Já descoberto
Eu era universitário de cabelo comprido. Bob era pastor no campus,
servindo ao ministério cristão dos Navegadores. Regularmente ele
me convidava para orarmos juntos em lugares ermos. Olhando hoje
para trás, fico maravilhado de como Bob não viu isto como perda de
tempo. Sou grato. Frequentemente, depois de umas duas horas de
oração, ficávamos sentados juntos e conversávamos. Certa vez,
Bob olhou para mim.
“Zachary”, disse ele. “Você já foi descoberto”.
“O quê?”, perguntei.
“O que quer que aconteça em seu futuro, com todos os seus
sonhos e esperanças, quero que saiba que o ser descoberto já
aconteceu. Jesus já o conhece, ouve as suas orações e se deleita
em conhecê-lo”.
Em retrospectiva, penso nessas palavras. Será que eu já tinha
sido descoberto por Jesus muito antes do seminário, dos tempos de
aprendizado, dos prêmios recebidos, das viagens, livros publicados,
e, tristemente, dos dez errôneos anos de projeções? Já era
conhecido antes dos escombros e da ruína, e de pregar descalço no
santuário da segunda oportunidade?
Como poderia ser isso, a não ser que Jesus tivesse como hábito
dar o seu tempo para pessoas desconhecidas e alquebradas, nos
lugares fora de mão, desprezados pelo mundo, e tendo ele prazer
em mim?
Ocorre-me o pensamento que me faz parar, surpreso. Se o
trabalho pastoral de Jesus consistisse em realizar grandes coisas,
de maneira famosa e mais eficiente, e o mais depressa que
pudesse, eu jamais o teria conhecido.
Ver, por exemplo, Mateus 8.4; 9.30; Marcos 1.44; 3.12; 5.43; 7.36; Lucas 8.56.
Eugene H. Peterson, A Vocação Espiritual do Pastor: Redescobrindo o chamado ministerial
(São Paulo, SP: Mundo Cristão, 2006)
SEGUNDA PARTE | AS TENTAÇÕES QUE
ENFRENTAMOS
5 | Estar em todo lugar para todos
Existe um dia, quando a estrada não vai e nem vem, e o caminho não
é um caminho, mas um lugar.
–W B
Lançando raízes
“Zack, a sua vida é como um incêndio que faz soar todos os
alarmes. Você vem e vai por tantas direções diferentes. Eu me
preocupo com você”. As palavras de Bill me abalaram quando eu
era jovem.
Uma de minhas chefes expressou o mesmo sentimento dez anos
mais tarde. “Você está fazendo tantas coisas diferentes”, ela disse.
“Queremos que você esteja por aqui por muito tempo, então,
marque melhor seu compasso, está bem?”
Dois colegas me convidaram para almoçar, enquanto outro me
telefonou. “Estamos preocupados com você”, disseram todos.
Foi então que recebi uma carta. Era daquele tipo de antigamente,
com um selo no envelope. Abri e ouvi a voz da minha mãe enquanto
lia. Ela também deve ter ouvido o alarme. “Filho, uma árvore tem de
ter raízes para oferecer sombra”.
Marque bem isso aqui, certo? Nós nunca fomos feitos para nos
arrepender por não estarmos em todos os lugares, para todas as
pessoas, e tudo de uma só vez. Fomos feitos para nos arrepender
daquilo que tentamos ser e fazer.
Subindo montanhas
Em meu mundo de colarinho branco de pastor, planejamos nos
encontrar, e nos encontramos frequentemente para planejar. “Em
algum outro lugar estão fazendo alguma outra coisa maior”, é o
lema não falado de nosso avanço missional. “Maior” significa mais
santo e melhor. Como disse um pastor titular ao explicar por que ele
raramente gasta tempo com a sua equipe: “Teremos toda espécie
de tempo para nos reunir no céu. Mas agora temos um trabalho a
fazer! Temos almas a salvar e discípulos a formar”.
Essa ideia parece tão estranha ao carpinteiro de Nazaré! Em
lugares como Nazaré ou Henryville, avançar para algum outro lugar
fazendo algo diferente é raridade. Em contraste aos pastores e
gente de colarinho branco, igrejas de colarinho azul aprendem a
testemunhar sobre o que viram ou ouviram nos dias comuns, porque
o dia ordinário é o grande evento do dia, porque é a grande coisa
que aconteceu. Aquilo que se viveu naquele dia torna-se o que
realmente se fala naquela noite.
Por exemplo, o sorriso da neta lá no conhecido supermercado
torna-se em história de quinze minutos, e que leva todo mundo a dar
risada até doer a barriga. Esse sorriso foi suficiente para ser notado
e a história valiosa bastante para ser contada. A risada, a história e
o sorriso formam uma agenda suficiente para a conversa. Nada
mais se requer para passar tempo juntos. Nos meus anos mais
jovens, eu não prestava atenção ao comum que faltava. Enquanto
eu me tornava certo da minha vocação pastoral, queria conversas
“reais” sobre a vida “real”. Queria que falássemos sobre coisas
importantes, coisas que faziam uma diferença na vida. Agora,
começo a refletir mais sobre esses sentimentos. Desde quando falar
sobre aquilo que vive não serve para uma conversa de verdade?
Desde quando o sorriso de uma neta não é mais assunto
substancial para se falar, especialmente para um pastor a quem foi
dado testemunhar de Deus em um determinado local?
Quando certa vez perguntaram a George Mallory por que ele
queria escalar o Monte Everest, ofereceu uma resposta que se
tornou célebre: “Porque o monte está ali”. Mas em uma carta
pessoal à sua esposa, Ruth, ele revelou ainda mais sobre o que o
levava a subir a montanha. “Minha querida”, ele escreveu, “ ...você
deve saber que meu estímulo para realizar meu melhor é você, e
você [...] quero acima de tudo provar-me digno de você”. George
deixou um legado significante que provou ser digno de lembrança
na história. Mas John, o filho de George, escreveu algo que me
desafiou. Orgulhoso de seu pai, mas também triste, John escreveu:
“Eu teria preferido tanto ter conhecido meu pai do que ter crescido à
sombra de uma lenda, de um herói, como algumas pessoas
entendem que ele era”.9
As respostas que George deu quanto a seus motivos vem
confrontando as minhas próprias respostas. A montanha “estava
ali”, mas John, o filho de George, também estava. A montanha
trouxe um senso de alegria e lhe deu um senso humano de luta para
subir na própria vida. Porém, se George tivesse conhecido o filho,
teria trazido também alegria e um senso de luta pelo propósito da
vida. Subir a montanha capacitava George a se provar digno de sua
família. Mas amar e prover para sua família nas rotinas comuns de
uma longa vida, dia após dia também teria conferido essa dignidade.
Então, por que George escolheu enfrentar o desafio da montanha,
mas não o de sua sala de estar?
Nessa altura, estou duvidoso, sentindo que estabeleci uma falsa
dicotomia entre, por um lado, o trabalho ou os sonhos de uma
pessoa e, por outro, sua família e rotina. Afinal, não há nada
moralmente errado com escalar o Monte Everest. George Mallory
era um professor de escola com três filhos. Embora ele e Ruth
estivessem geograficamente separados quase tanto tempo quanto
juntos, temos indicações de que isso não era fácil para George.
Assim, tenho de reforçar a pergunta: Por que George Mallory
escolheu a montanha, quando entendia que isso poderia tirar a sua
vida?10 Por que a procura de Mallory por alegria, significado da vida,
valor da família, e lealdade para completar uma tarefa era ligada
mais a subir uma montanha do que às rotinas diárias de amar e
viver, de trabalhar e brincar reunido em sua casa?
Penso em meu Senhor, que aprendeu o nome das árvores de
Nazaré.
Ouço o sussurro da Serpente.
E se, para muitos de nós, o corriqueiro fosse a maior montanha?
Aprendendo a retornar
Parece estranho dizer isto, mas os pastores de Belém oferecem
textos de teologia pastoral. Foram peritos em lidar com o
anticlimático. Lembra-se?
Os anjos penetram os céus bem diante dos olhos desses pastores.
Troveja em coro a glória de Deus. Antigas promessas são
cumpridas e testemunhadas. O medo toma conta desses homens
cuidadores de ovelhas. Boas novas lhes são comunicadas: “Nasceu
o Salvador, e este será o sinal que o confirmará”. Ver e ouvir os
anjos em si já era espetacular. Imagine como seria vistoso o sinal do
Messias. Talvez Deus estendesse sua mão para criar um novo
planeta. Aí ele o seguraria entre o dedão e o indicador e o colocaria
em sua nova posição no universo, bem ali diante de seus olhos!
Com certeza este seria um sinal digno de um salvador vindo de
Deus!
Porém, aqui começa o anticlímax. Não foram formados planetas.
“Encontrareis uma criança, envolta em panos, deitada numa
manjedoura”. O sinal da fama de Deus estava deitado ali no aroma
de gado e feno — a placenta de um novo nascimento, os choros e o
calor da vida comum.
Exultando na monotonia
Mas como retornarmos dia a dia para congregações e situações em
que nos sentimos inquietos pela vontade de ir embora?
Retornar a essa comunidade significa sofrer. Como eu volto para
perdoar ou suportar narrativas a meu respeito acerca de algumas
coisas?
Existem lugares aqui que me entediam. Quando os vejo, sinto que
já voltei. Como eu retorno à chatice?
Aqui existem pensamentos, emoções e histórias. Quando as ouço,
fico assoberbado. Como voltar para aquilo que eu não consigo
consertar?
Há beleza aqui, e esperança, o anseio por redenção e propósito.
Como retornar sem desprezar esses dons por causa de minha dor,
meu tédio, minha incapacidade?
Tais questões iniciam discussões dentro de mim. Então, olho pela
minha janela em Webster Groves ou Henryville ou onde quer que
estivermos. “O S é meu pastor”, podemos dizer. “O meu
pastor é um daqueles que retorna. Ele retorna para aqui também.
Toma-me pela mão ou me carrega até o dia, vez após vez, e vez
após vez. Ele volta, e nós encontramos esperança em sua
companhia aqui. Ele está nos ensinando a ‘exultar na monotonia’.”
Não tudo de uma só vez, mas aos poucos, com o passar do tempo.
Varandas quebradas
Lá estava ela deitada na varanda da frente, enrolada como uma
bola, descalça e de pijama, em posição fetal contra a porta de chapa
de alumínio. Sua mãe chorava, mas mantinha a porta fechada,
instigada pelo marido a manter Lori para fora. Exasperado, o pai
tentava consertar a situação à força, com “amor severo”. Eu e mais
dois presbíteros tínhamos andado pelas ruas do bairro em busca de
Lori. Só sabíamos que “ela fugiu de novo”. Nossa busca terminou na
varanda da frente. Ali estava Lori deitada, para fora, trancada em
suas lágrimas, e nós estávamos ali, cobertos e também trancados
em nossas lágrimas.
De alguma forma, eu não imaginara que um ministério vivido em
nome de Jesus significaria que minha vida andaria por entre
varandas como esta. Não sei o porquê. Um pastor cumpre sua obra
entre os fracos, os doentes, os feridos, os desgarrados e os
perdidos da vida (Ez 34.4–5). O pastor, em contraste ao mercenário
contratado, aprende a amar entre os lobos, porque é isto que as
ovelhas fazem. Ele cuida delas no meio desses perigos (Jo 10.12–
13). No seu livro Strong at the Broken Places, Richard Cohen coloca
em termos claros: “Nós, os feridos, estamos por toda parte”.13
Eu não tinha a mínima ideia de que os pastores pudessem tentar
evitar dias maus para promover sua própria segurança e avanço
pessoal. Se a aversão do pastor a coisas quebradas, ou sua
impaciência com essa espécie de intrusão em seu dia for desafiada,
é possível que ele se torne forçoso e severo, até mesmo com o seu
rebanho (Ez 34.4).
Agora eu entendo a ferida e a tentativa de controlá-la, ainda que
por meios duros. Ali, nas varandas de pessoas feridas em todo
lugar, sentimo-nos fora do controle, fortemente tentados a lutar por
algo como a onipotência — a posse imediata de poder sem limites:
“Vendo a mulher que a árvore era boa... tomou-lhe do fruto” (Gn
3.6).
Em varandas quebradas existe pouca surpresa de que a oferta da
serpente reluza e brilhe pedindo preferência. “Vocês serão como
Deus”, a serpente prometeu (Gn 3.5). “Com certeza não morrerão”,
sibilou (v. 4). Como pastor, desejo essa espécie de promessa, e se
não tiver cuidado, tomarei de seu amaldiçoado fruto. Posso ser deus
para eles na varanda. Posso consertá-los. “Não é tão ruim assim”,
posso lhes dizer. “Vocês não vão morrer de verdade, vou fazer com
que isso seja bom para vocês”, eu direi. “Farei isso passar”.
Qualquer coisa que possa agarrar, comer ou dizer que farei,
qualquer coisa para me sentir capaz de fazer algo construtivo em
meio à minha incapacidade. Arranho e agarro para me tornar
onipotente nessa varanda. Procuro usar estratégias que não são o
evangelho para consertar todas as coisas que estão quebradas.
Todos nós fazemos isso.
Multiplicando Palavras
No meio dos ferimentos, às vezes ficamos dizendo: “Você não deve
fazer isso”. Ao pregar sobre o pecado de Davi, por exemplo, a
minha tendência era dizer: “Está vendo o que ele fez? Ora, não vá
fazer isso”. O problema, claro, é que Davi já havia pecado, como
muitos dos que me escutavam naquele momento. E daí? Da mesma
forma, quando se trata de cuidado pastoral pessoal, o que se pode
dizer ali na varanda, quando você está à frente com a Bíblia na
mão? Podemos dizer o quanto quisermos: “Não fique aqui!”, ou,
“Você não deve fazer isso!”. O problema é que todo mundo já fez e
já é. E agora? Será que existe esperança no evangelho?
Impacientes por uma resposta e um remédio, começamos a
multiplicar soluções. Consequentemente, alguém como Jó não
somente terá de suportar tudo que sofre, também terá de lidar com
a inundação de textos, e-mails, cartas e telefonemas daqueles que
estão tentando endireitá-lo em nome de Deus.
Provérbios nos lembra de olhar pela nossa janela para escutar o
que o mundo de verdade pode estar dizendo (Pv 7.6–23). A vista e
os sons podem parecer trágicos, como quando se está na sala de
uma coordenadora de ministério e seu marido. Não é uma varanda,
mas o estrago permanece ali.
“Não sou mais cristão!”, ele grita com ela.
“Você não tem de seguir a Jesus para continuarmos casados e
encontrarmos uma boa vida”, ela responde. “Eu sou sua; tenho
compromisso com você. Podemos fazer aconselhamento. Podemos
pedir ajuda”, ela lhe assegura.
“Eu não vou fazer aconselhamento junto com você e não vou pedir
ajuda, especialmente de Deus”, ele declara. “Estou cansado da
hipocrisia das igrejas. Odeio essa vida”, retruca.
“Eu peço demissão amanhã mesmo”, ela implora. “Não preciso
estar em um ministério na igreja. Vamos começar de novo”, pede
ela. “Eu amo você”, declara.
“Mas eu não amo você e nunca amei”, ele retruca. “Não quero ficar
com você. Nunca quis”.
Ela está calada. As suas palavras começam a falhar. Talvez,
enquanto você a escuta, as suas palavras também sumam.
“Para mim, esse casamento acabou há dez anos”, ele revela.
“Você não quer dizer isso”, ela murmura. “Não posso acreditar que
isso seja verdade”.
Você observa que ela quase diz as próximas palavras para ela
mesma, em vez de falar a ele. “E os nossos filhos, nossas
lembranças, nossa vida juntos em todos esses anos?”
“Eu preciso respirar”, diz ele ao se levantar do sofá. “Já acabou
para mim”.
Naquele momento, quando as suas palavras falham, você vê que
ela faz algo que nunca fez em quinze anos de casada.
O que um arremessador de beisebol faz quando o outro time
rebate o seu melhor arremesso? Onde é que o “trenzinho” vai
quando enfrenta uma montanha maior que todas as outras, íngreme
demais para ser vencida? O que acontece quando o trenzinho não
consegue? Sem resposta, vendo-o simplesmente se afastar e ir
embora, sem palavras para fazê-lo parar, ela se levanta, o agarra e
tenta bloquear o caminho com seu corpo. Ele vai para um lado, e ela
também. As palavras dissolvem com a força de vontade.
“Eu não vou deixar você ir embora!”, ela grita.
“Deixa eu passar!”, ele grita, e começa a empurrá-la.
A consciência a chama. Ela deixa ele passar, mas depois cede
novamente a palavras que se multiplicam. Ela vai atrás dele pelo
corredor, pela sala de estar, até a porta da frente da casa.
“Me deixe em paz!”, ele grita, batendo a porta atrás dele.
“Eu não vou deixar você!”, ela berra atrás da porta.
“É isso mesmo!”, ele grita ao andar até o carro. “Eu é que estou
deixando você!”
Temor e intimidação
É possível então começar a praticar o temor e a intimidação como
estratégia de liderança ou “cuidado pastoral”. Podemos começar a
gritar, ameaçar, tentar induzir verbalmente ou mesmo fisicamente, e
mesmo dar o tratamento silencioso àqueles que estão na varanda.
O problema é que temor e intimidação funcionam enquanto a cura
no evangelho não for o nosso alvo. Lembro-me de um líder de
ministério que lutava com uma crise pessoal. Um presbítero foi
incumbido de cuidar desse líder e formou uma delegação oficial que
se encontrasse com ele “para saber como cuidar pastoralmente
dele”. Mesmo que o alvo declarado fosse o cuidado pastoral, a
reunião falhou, tornando-se interrogatório, e acabou gerando
acusações e palavras duras da parte de todos. O presbítero
compartilhou comigo sobre o quanto se sentia mal sobre essa
situação. Disse ele que cedeu à pressão de saber que os outros
envolvidos iram fazer perguntas muito duras, e teve de se certificar
de que nada ficasse sem ser revelado, a fim de aplacá-los. Tendo
em mente o exame que fariam, ele chegou a apontar para o homem
carente de ajuda, de cara vermelha de intensidade, chamando-o de
hipócrita. Conheço bem essa tentação. Dentre nós que estamos no
ministério pastoral, a maioria faz isso: buscamos a aprovação de
alguém, em nossa imaginação ou na realidade, em vez do
evangelho de Jesus, e tropeçamos.
O ponto principal é que o medo, a intimidação e as ameaças não
consertam a moça com anorexia que se encontra em posição fetal
na varanda, enquanto sua mãe e seu pai desmoronam numa
avalanche de ansiedade.
Faça uma pausa aqui, por favor? Releia a última sentença.
Defensividade
A defensividade também não vai nos ajudar. Minha defensividade
vem, em sua maior parte, em estouros de emoção — lágrimas,
súplicas, declarações fortes. Outros se defendem redigindo listas
calmamente. Os que fazem listas se defendem do jeito que eu
imagino que os sacerdotes da história do bom samaritano devem ter
feito. Seu pecado não era de comissão — algo que fizeram. O seu
pecado era de omissão — algo que eles não fizeram. Ao deixar o
homem surrado e alquebrado ao lado da estrada, poderiam
facilmente ter se defendido. Poderiam prontamente demonstrar que
já tinham cumprido todo o dever daquele dia sem jamais chamar
atenção ao homem caído. Afinal de contas, a sua presença não
estava dentro das suas responsabilidades normais. Se alguém
descobrisse o homem ferido, o que toma nota dos acontecimentos
poderia ter mostrado que eles não fizeram nada de mal àquele
homem, e os justificaria respectivamente por haverem tratado do
caso como fizeram.
A primeira espécie de defensividade, o estouro emocional, é fácil
de ver e faz com que as outras pessoas se remexam para reassumir
o controle. O segundo tipo, documentação, funciona para manter
todo mundo mais confortável, aparentemente mais em controle, com
detalhada defesa, e assim, nossa capacidade de reconhecer esse
substituto ao evangelho leva muito mais tempo.
De qualquer modo, a defensividade só prova o ponto do nosso
quebrantamento e exagera nossas falhas aos olhos dos outros,
particularmente se essas outras pessoas já enxergam aquilo que
querem que seja verdadeiro a nosso respeito, em vez do que
realmente é verdade sobre nós. Defensividade não tem o poder de
cura.
Fico sentado por um tempo com um amigo. “A ira não produz o
reino de Deus”, ele me diz gentilmente. Ficamos sentados no
silêncio tomando chá. Sentamo-nos nas cinzas e esperamos juntos.
Esperamos por Jesus. Aos poucos, ele dá a força para nos aquietar
quando a calúnia continua, silentes quando falam mal de nós,
confiando nossa reputação cada vez mais a ele e cada vez menos
às nossas palavras, emoções ou documentação.
Não fomos feitos para nos arrepender por não conseguirmos
consertar todas as coisas. Devemos nos arrepender por termos
tentado. Mesmo que pudéssemos ser Deus para as pessoas e
consertar tudo, permanece o fato de que, frequentemente, Jesus
não tem em mente essa espécie de “conserto” que você e eu
desejamos.
As coisas inconsoláveis
Não se pode consertar as “coisas inconsoláveis”. As coisas
inconsoláveis são identificadas primeiro pelos “não podes” do ensino
de Jesus. Por exemplo, não importa quem somos, “ninguém pode
servir a dois senhores”, ninguém (Mt 6.24). Mesmo que sejamos
sábios e, por sua graça, conhecedores, ainda há coisas e estações
na vida em que “não o podeis suportar agora” (Jo 16.12). Por maior
que seja a força de vontade da pessoa, “Como não pode o ramo
produzir fruto de si mesmo, se não permanecer na videira, assim,
nem vós o podeis dar, se não permanecerdes em mim” (Jo 15.4).
Não importa quantos juramentos fizermos ou quanto torçamos as
palavras em jactância, “não podes tornar um cabelo branco ou
preto”, Jesus diz (Mt 5.36).
Esses “não podes” de Jesus nos ensinam que a doença, morte,
pobreza, e o pecado que nos assedia e infesta o ser humano, não
serão removidos com base no esforço humano, por mais forte,
piedoso ou sábio que seja seu esforço. Por isso é que Jesus nos
ensina que a fé do tamanho de um grão de mostarda pode mover
uma montanha e “nada vos será impossível” (Mt 17.20). Assim,
levamos a fé ao que nos perturba. Parece até que não há nada no
mundo que não possa ser consertado se tivermos a mínima
semente da fé. Mas essa não é a conclusão que Jesus nos mostra.
Embora nada nos seja impossível pela fé, “os pobres, sempre os
tendes convosco”, Jesus diz (Mt 26.11). Surge o paradoxo. Quanto à
pobreza, não existe garantia ou decisão sempre a seu favor. Você
tem de entrar na roda com fé, sabendo que você não ganha do jeito
que você quer.
Também não temos o poder de produzir as coisas que crescem.
Por “coisas que crescem”, eu me refiro ao fruto que nós, pelos
nossos ministérios, esperamos produzir. Não me entendam mal.
Podemos realizar trabalho pastoral significativo entre as coisas que
importam, mas só Deus pode dar o crescimento (1Co 3.6–7). Jesus
nos ensina que o poder de dar salvação é inconsolável no que nos
diz respeito. Não podemos, por nós mesmos, dar às pessoas o novo
nascimento em Deus (Jo 3.3–5). Não temos como justificar a
alguém, torná-la justa, santa, adotá-la, convencê-la do pecado ou
transformar o seu coração (Lc 19.27; 1Co 12.3). Não existe nada
que possamos fazer no ministério que não requeira a ação de Deus,
se o verdadeiro fruto for produzido (Jo 15.5). Tudo que os pastores
esperam que ocorra na vida de uma pessoa com Deus permanece
fora do poder do próprio pastor.
Também não conseguimos consertar a ausência de paz do jeito
que as pessoas muitas vezes querem que façamos. Por quê?
Porque Jesus dá a paz, mas não do jeito do mundo (Jo 14.27).
Conheci Estevão anos antes, em meu primeiro estudo bíblico na
Casa de Repouso Grand Village. Ele foi o único a assistir no meu
primeiro dia. Eu estava nervoso e com pressa de fazer uma oração
para terminar rapidamente a reunião. Mas esse dono de uma
medalha Purple Heart (maior honra para o militar que se destaca em
serviço ao país) tinha em mente outras ideias. “Padre, eu não tenho
ido à igreja em mais de cinquenta anos”, ele me disse. Eu não era
católico, mas para este homem de noventa anos de idade eu era o
“Padre”. “Deus nunca poderia me perdoar por tudo que já fiz na
vida”, disse ele, enquanto olhava além de mim para um mundo que
lhe causava dor. Naquele dia, a graça deu-me palavras para falar de
Jesus e seu perdão. Jesus atraiu Estevão para si.
Agora, Estevão estava no hospital. Suas mãos foram amarradas
porque ele ficava arrancando os tubos dos braços. Estava preso a
um mundo de alucinações. Mandou que eu tomasse cuidado com o
carteiro que estava ali no pé da cama, querendo me prejudicar.
Garanti a Estevão que estava tudo bem comigo. Disse a ele que eu
o amava. Ele não deu nenhuma indicação de que me ouvira. Estava
inquieto e gemia no mundo que imaginava. Fiquei ali sentado por
longo tempo. Cantei. Orei. Durante todo esse tempo, Estevão não
me reconheceu. Então, na hora em que eu ia embora, abaixei-me e
disse: “Eu amo a você, Estevão”.
Ele atirou-me um olhar. O remexer-se, os gemidos e as ilusões
deixaram seus olhos. Por um momento ele me viu com clareza. “Eu
te escutei da primeira vez!”, declarou. Então, por mais um instante,
olhamos um para o outro e nos vimos um no outro. Esse momento
passou, e a confusão voltou. Mas o amor se afirmava ali, por entre
as alucinações, e as mãos amarradas, e a mente que ia se
perdendo. Há uma espécie de paz que Jesus dá, que vai aonde
outros tipos de força não conseguem. Faz o que outras espécies de
poder não podem.
O seu poder se encontra quando cantamos “Maravilhosa Graça”
para uma mulher numa casa de repouso, chiando no escuro,
procurando respirar. Cantar de sua graça faz com que os pulmões
relaxem, e a respiração fique mais fácil. A morte não vai parar.
Coisas inconsoláveis não cessarão, ainda não, por mais um tempo.
Mas chega a graça. Algo mais poderoso do que a morte canta ao
seu lado e segura a sua mão.
Não podemos fazer tudo o que precisa ser feito. Isso quer dizer
que Jesus nos ensinará a viver com as coisas que não podemos
controlar nem consertar. Vamos querer resistir a Jesus e agir como
se fôssemos onipotentes, mas quando tentamos isso, só ferimos
aos outros e a nós mesmos. Outros também resistirão a Jesus.
Usando o seu nome, nos louvarão ou criticarão, nos promoverão ou
descartarão, de acordo com o seu desejo de que consertemos tudo
por eles e que o façamos imediatamente. Mas eles também
precisarão aprender que só Jesus é capaz de consertar todas as
coisas, e que existem coisas que Jesus deixa sem conserto para a
sua glória.
Isso é excruciante, às vezes. Todo dia entramos em situações nas
quais sabemos não ter nenhum controle, em que é difícil colocar fé
confiante em nossa única esperança verdadeira, e que, neste
desconfortável silêncio, Deus fará o que somente ele é capaz de
fazer conforme sua capacidade e seu amor. Não é de surpreender
que nos apressemos para consertar tudo. É tão menos humilhante
nos mexer, falar, fazer planos, e apressar-nos para agir, em vez de
esperar um pouco mais para ver; ou cair no chão, rasgar a roupa, e
entrar na choradeira com as pessoas. Mas chorar com as pessoas é
o que Jesus nos conduz a fazer. Esperar para ver o que Deus fará
não é desperdício de tempo.
Aprendizes
No seu Aprendiz de Feiticeiro, Goethe escreve sobre um mestre que
deixa seu jovem estudante cuidando das coisas. Ambicioso, o jovem
aprendiz conclui que está pronto para substituir seu mestre porque
já “memorizou o que dizer e fazer”.18 Os que conhecem a versão
famosa desse poema feita pela Disney se lembrarão da confusão e
dos estragos resultantes. Embora tentasse imitar as tarefas do
mestre, ele não entendia o jeito do seu mestre nem a profundidade
dos poderes que estavam diante dele. Assim, todos os seus
esforços só pioravam a situação até que finalmente ele se humilhou,
implorou que o mestre voltasse, e recebeu de entrega socorro
gracioso e poderoso.
É óbvio o ponto do poeta. A tentativa de acessar o poder de uma
vocação apenas pela memória e encantamento rapidamente
resultará em grande confusão.
A Bíblia concorda. Vários pregadores itinerantes viram o apóstolo
Paulo expulsar demônios e realizar milagres em Jesus. Eles
pensaram em si mesmos e concluíram que poderiam fazer igual ao
que Paulo fizera. Assim, quando encontraram tais espíritos maus,
esses pregadores imitaram o que tinham observado.
“Esconjuro-vos por Jesus, a quem Paulo prega”, exclamou um
deles. Mas o espírito maligno lhes respondeu: “Conheço a Jesus e
sei quem é Paulo; mas vós, quem sois?” Imediatamente, os
pregadores que tentaram praticar aquilo que memorizaram, mas que
não assumiram para si, foram atacados e fugiram daquele lugar,
feridos e nus (At 19.11–16).
O demônio era astuto. Reconhecia que não importava o quanto os
pregadores usassem palavras e ações semelhantes às de Jesus, a
qualidade da autoridade, vida, e ensino de Jesus estavam ausentes.
Nós também, dessa maneira, podemos usar mal o conhecimento.
Em meus primeiros dias de seminário, nós, alunos de uma classe
intensiva de grego, nos propusemos a uma pausa a fim de orar uns
pelos outros a cada dia. Não demorou muito, e nessa rotina diária
de nos reunirmos para a oração à sombra de uma árvore de verão,
um seminarista de último ano se aproximou de nós ousadamente e
nos repreendeu:
Inflados
Frequentemente, o conhecimento dado com a intenção de nos
ajudar apenas nos incha (1Co 8.1–2), e o mal uso do zelo não é
diferente disso. Nos Estados Unidos, os saquinhos de batatas fritas
são inflados. Mas quando se abre o saco, ele se esvazia. O que
parecia ser um saquinho cheio de batatas fritas na verdade era mais
um saco cheio de ar. Como crentes autênticos em Jesus, somos
suscetíveis a tornar-nos inflados e cheios de ar quente dessa forma
(entre outras), e especialmente os pastores. Nosso zelo com a
novidade da fé pode exagerar nosso conhecimento e o fazer inflado
(1Tm 3.6).
Nosso zelo por controvérsia teológica, debates e discussão a fim
de demonstrar nosso intelecto superior ou capacidade persuasiva
sobre outros também nos infla (1Tm 6.4).
“Dr. Pregador Conhecido” era um pastor que ajudava muita gente
e às vezes pregava apaixonadamente, com uma percepção
profética, a respeito do sofrimento pelo evangelho. Por alguns anos,
houve um grupo de estudantes que se modelavam como seus
discípulos. Escutavam os seus sermões, liam os seus livros e
assistiam suas conferências (embora, que eu saiba, nenhum deles
conhecesse pessoalmente o “Dr. Pregador Conhecido”, exceto por
um aperto de mão numa conferência). Com forte paixão, pregavam
na classe bíblica sobre o sofrimento. Procuravam viver vidas mais
ascéticas em seu campus do seminário. Mas, por adotar apenas um
aspecto da mensagem de seu mentor celebridade, sem o contexto e
a experiência pessoal de seus anos de trabalho pastoral em favor
das pessoas, na verdade, feriram colegas, julgaram mal os
professores, criticando fortemente a ambos, e isso no nome de
Deus.
Pareciam cegos para o fato de que, apesar de todo o seu zelo,
tinham, na verdade, pregado apenas quatro sermões em sua vida.
Encobriram o fato de que nunca tinham servido um dia sequer como
pastor em uma igreja. Eles rejeitaram a verdade de que o que
tinham aprendido ontem na sala de aula, o professor que lhes
ensinava vinha procurando fazer na vida e ministério antes de terem
nascido.
Jonathan Edwards observa: “Nada que pertença à experiência
cristã é mais suscetível a uma mistura corrupta do que o zelo”.19
Não é que desejemos menos zelo. Pelo contrário, a vida e o
ministério isento de sinceridade é como ter um aquecedor que não
funciona num dia frio, parado em uma sala úmida e fria. Nós o
acendemos, trêmulos e arrepiados, com os dedos dos pés carentes
de aquecimento, mas a ajuda não vem. Graças ao Senhor por
jovens zelosos, tanto homens quanto mulheres!
Mas um fogo não pode aquecer com segurança se não estiver à
distância correta de nós. Se ficarmos perto demais, em nome do
aquecimento, seremos queimamos. Nosso zelo deverá ser derivado
“com discernimento” (Rm 10.2).
Quando Jesus diz seu “Ai” àqueles que usam mal a chave do
conhecimento, ele destaca os sinais que exibimos quando o
conhecimento estiver indo por rumos errados:
O conhecimento bíblico nos deixa analfabetos em termos da
operação interior de nossa alma (Lc 11.37–40).
O aprendizado que ganhamos deixa-nos ignorantes do verdadeiro
amor por Deus (Lc 11.42–44).
Apesar de todo nosso empenho acadêmico e erudição,
permanecemos sem prática de amor ao próximo, humildade,
sabedoria, bem como dos dons que realmente honram a Deus (Lc
11.45–51).
Somos inteligentes com as passagens bíblicas, mas sem
habilidade em termos do sentido ou significado dessas passagens
no que diz respeito a Jesus. De fato, noutro lugar Jesus fala a
especialistas em Bíblia que eles conheciam as Escrituras mas
desconheciam aquele a quem a Bíblia aponta (Jo 5.39). “Ai de vós,
intérpretes da Lei! Porque tomastes a chave da ciência; contudo,
vós mesmos não entrastes e impedistes os que estavam entrando”
(Lc 11.52).
De acordo com Jesus, quando se trata de descrever a porta de
Deus, tais mestres da Bíblia eram especialistas credenciados em
portas. Passavam os dias ajuntando as pessoas para olhar essa
porta, meticulosamente memorizando cada linha, rachadura, canto,
cor e detalhe. Contudo, de acordo com Jesus, esses mestres e suas
congregações possuíam um conhecimento especializado de uma
porta que eles mesmos não podiam abrir. Irônica e tragicamente, na
verdade, com o seu conhecimento eles tornavam inoperante a
própria chave que tanto propunham conhecer. Um velho pastor
estava certo quando disse: “É possível que desenvolvamos uma
noção falsa do conhecimento”.20
Podemos participar de um estudo bíblico local durante anos.
Podemos obter graduação em um seminário ou cumprir um
programa de aprendizado de um ano na igreja local. Mas isso não
quer dizer que sejamos capazes de iluminar em vez de cegar,
admoestar com calor em vez de chamuscar.
Conhecendo em parte
Certa vez eu desisti da lua. Era final de tarde e as nuvens haviam
sequestrado a noite. Comandando o palco central, a lua iluminou
confiantemente o escuro hemisfério. As crianças e eu assistimos à
exibição pelos vidros de nossa van.
“O que é que você acha, Caleb?”, perguntei. “O que você pensa
dessa lua?”
Caleb é meu caçula. Ele olhou atento para o céu. O luar o
alcançava pela janela e tocou levemente a sua bochecha esquerda.
O pequeno Caleb nos surpreendeu a todos.
“Quebrou, papai”, ele disse.
Com urgência repentina ele lançou o braço à frente e com o dedo
apontou para fora da janela. “Lua quebrada”, ele esclareceu.
Olhei de novo pela janela para o palco principal. “Ah, Caleb”,
expliquei. “A lua não está quebrada. É lua crescente”.
Caleb não entendia a palavra crescente, pois ela soava como
nome de monstro. Sua cara caiu, sério. Com cenho franzido ele
implorava: “Conserta, Papai!”
Todos rimos alto. “Papai não consegue consertar a lua, amigão”,
eu ria. “Ela está longe demais e é grande demais”. Caleb olhou de
novo pela janela e então olhou para mim.
Sem hesitação, Caleb me fitou firme e disse: “Papai, vai lá. Vai lá e
conserta lua!”
Meus olhos vieram ao encontro da expectação dos seus, e
sentime desconcertado. Eu havia identificado a lua como
“crescente” e parara de dar maiores observações. Mas Caleb não
estava satisfeito com minha explanação sobre qual tipo de lua era
aquele. A luminária estava em sombras, e o pequeno Caleb tentava
entender as sombras. A lua que eu chamei de “crescente”, Caleb
chamou “quebrada”. Queria que ela fosse consertada, que ficasse
inteira de novo.
O jeito como eu vi a lua, nomeei seu tipo e descartei dar mais
atenção a ela (em contraste ao jeito como Caleb olhou além do tipo
de lua, para a própria lua) expõe outro problema do conhecimento.
“Se este fora profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que lhe
tocou, porque é pecadora” (Lc 7.39).
Não é que seja errado em si mesmo conhecer em parte. De
acordo com a Bíblia, esse fariseu identificou corretamente qual a
espécie daquela mulher (Pv 7.1–21). Jesus igualmente possuía
esse conhecimento. Ele também identificou corretamente a mulher
como uma pecadora (Lc 7.48). Em relação à espécie de mulher que
ela era, o mestre e o aluno concordavam.
Note bem. Porque estamos certos quanto a alguma coisa não quer
dizer que estejamos certos quanto a tudo, e nem quanto àquilo que
é mais importante.
O verdadeiro arrependimento acontece bem na frente desse
fariseu, e ele não o reconhece (v. 48). Ou ele não possui uma
categoria para o arrependimento igual à sua categoria para o
pecado, ou, ainda que a possua, não tem experiência quanto à sua
aplicação.
Apesar de todo conhecimento de Deus, o tratamento relacional
desse homem quanto a Jesus está profundamente empobrecido (vv.
44–46). Ou ele não possui uma categoria igualmente palpável de
hospitalidade pessoal, ou ele tem, mas não quer ou não pode
aplicá-la.
Essa mulher está buscando perdão bem à sua frente, e ele não
consegue enxergar (vv. 41–43). Ou ele não tem um modo saudável
de discernir o perdão, ou o tem, mas está cego para sua
incapacidade de colocá-lo em prática.
Verdadeiro amor a Deus e ao próximo está acontecendo bem à
sua frente, e ele o despreza, enquanto permanece cego à sua
própria ausência de visão (v. 47). Ele não possui um critério definido
para separar o que é o verdadeiro amor por Deus e pelo próximo, ou
não tem muito dele em seu próprio ser.
O propósito de saber
O que, afinal, senão o amor em Cristo, forja o propósito do nosso
conhecimento (Mt 22.38–39)? O presbítero tinha conhecimento do
Catecismo Maior de Westminster. O aluno veterano tinha
conhecimento das palavras de Jesus a respeito da oração em
secreto. Eu tinha o conhecimento de seis semanas de aula de
grego. Mas cada um de nós lutava por relacionar-nos de maneira sã
(ou seja, à semelhança do amor de Jesus) com as pessoas à nossa
frente. As Escrituras, em Jesus, nos conduzem a “uma
epistemologia de amor, um modo de saber que se manifesta em
amar”.21 “Assim, qualquer que pensa ter entendido as divinas
Escrituras ou qualquer parte delas, mas com esse conhecimento
não consegue edificar o amor de Deus e do próximo, ainda não terá
obtido sucesso em entendê-las.”22
No decorrer dos anos tenho tomado essas questões para a minha
leitura da Bíblia e pregação, como vacina contra essa espécie de
conhecimento que se infla e esquenta, mas não alcança aquilo que
Jesus intenta.
• O que esta passagem mostra sobre a amabilidade de Deus? Ou,
noutras palavras, o que a respeito de Deus nesta passagem me
conclama a amá-lo mais?
• O que esta passagem me mostra a respeito das pessoas, e o
que o amor requer de mim em relação a elas?
• Sendo alguém que viu a misericórdia e o amor de Deus, que
poder preciso da parte dele para vencer os meus maiores
obstáculos ao amor? O que, no amor de Deus em Jesus, me dá
esperança e provisão para minha própria falta de amor?
Se algo que eu leio não parece amável, eu anoto, dou um passo
para trás, mantendo em mente aquilo que vi claramente em outras
páginas da Bíblia. Sem deixar de ver essas coisas belas, faço
perguntas sobre o texto que não me parece belo. Começo um
diálogo com o Pai em Jesus sobre a beleza que ele vê ali, e em um
relacionamento de comunhão, confio que com o tempo ele, por seu
Espírito, me mostrará o que vê.
Conhecimento impaciente
No decorrer dos anos, na família do evangelicalismo norte-
americano a que pertenço, tem sido raro o ambiente da graça em
que erros e pecados são diferenciados e no qual é concedido o
tempo necessário para que haja crescimento em relação a ambos.
Imagine o “Rev. Autor Famoso”. Por muito tempo ele tem escrito
sobre o evangelho de Jesus de maneira verdadeira e útil para
muitas pessoas. Mas em seu mais recente livro ou postagem de
blog, ao tentar tratar o evangelho em meio à nossa cultura, parece
ter errado quanto a um ensino fundamental. Isso é um verdadeiro
problema.
Apolo também teve este problema. Pregador talentoso de Jesus,
ele precisou da graciosa provisão de Priscila e Áquila para aprender.
Eles o ouviram pregar. Deram graças a Deus por isso. Cresceram
através disso. Mas, ao mesmo tempo, o convidaram para o jantar.
Eles o ensinaram em particular. Fizeram pessoalmente suas
perguntas desafiadoras (At 18.24–28). Foi dado a Apolo espaço
para crescer. Seu bom ensino não foi anulado por ele ter entendido
erradamente algumas coisas.
Com frequência, nós somos menos pacientes. Tomamos as
discussões da alta noite, os ataques de blogs, e dardos dos tuítes,
como se a cultura, em vez de Jesus, fosse nosso mestre. Dessa
maneira, “Dr. Pregador Conhecido” e “Sr. Blogueiro Nacional”
imediata e publicamente castigam o “Rev. Autor Famoso” e se
distanciam de um relacionamento com ele.
Depois o “Erudito de Longa Carreira” e o “Dr. Pregador de
Conferências” oferecem uma resposta do tipo tudo ou nada, que
age como se, ao cometer um único erro, o “Rev. Autor Famoso”
esteja todo errado e só tenha erros. Isso soa mais como Jesus
tratou os fariseus do que como ele tratou a Pedro, ou como foi
tratado Apolo. No mínimo, a sabedoria nos ensina que é necessário
tempo para determinar qual a postura do coração do irmão que está
em erro.
Estou tentando dizer que existe algo sobre nossa forma de
conhecimento que luta contra manter duas verdades ao mesmo
tempo: (1) “Rev. Autor Famoso” está cometendo um erro
fundamental com este aspecto de seu ensino; (2) “Rev. Autor
Famoso” ama a Jesus, o tem seguido fielmente por muitos anos,
tem ajudado os fiéis, e precisa de nossa companhia e argumentação
cordata para ter uma oportunidade de crescer. (Quem sabe com
essa espécie de companhia e diálogo em família nós também
aprendamos alguma coisa?)
Tenho nutrido a ideia sutil de que o crescimento no conhecimento
significa que eu dependa cada vez menos e controle cada vez mais.
Porém, Jesus indica justamente o oposto. O humilde sabe mais e
não acha que sabe (conhece mais e o desconhece).
Conclusão
Alguém me ouvirá e dirá: “Certo! Não precisamos do conhecimento
bíblico; só precisamos de Jesus!”
Mas não é isto que estou afirmando. Tal sentimento em si já é um
meio de conhecimento. Raramente é sábio sugerir que possamos
conhecer a Jesus sem pelo menos alguns retalhos do que suas
palavras nos revelam a seu respeito.
Em vez disso, estou falando sobre conhecer de acordo com o que
Jesus diz que o conhecimento é. Nosso trabalho pastoral precisa
dessa mentoria. Ele é quem retorna, o Bom Pastor. Ele conhece as
suas ovelhas — incluindo aquela mulher destacada pelo mestre de
Bíblia. Mas de que modo ele a conhece? Ele a conhece pelo nome.
Ele a chama, vai diante dela, a conduz para fora. Ele é o seu portal
para os pastos verdes de descanso. Ele está junto dela no meio de
problemas, necessidades, vulnerabilidades e dignidade. Ele dá a
sua vida por suas ovelhas (Jo 10.2–4). Ela é conhecida de tal forma
que aprendeu a conhecer algo também — ela conhece a sua voz, o
seu caminho a seguir. Nossa esperança não está em que saibamos
tudo, mas que o nosso Pastor conheça.
“Conhecimento parcial” é o endereço da rua em que cada um de
nós tem de construir a vida (1Co 13.12). Assim, comece cada dia
admitindo isto: com relação a cada pessoa, pedacinho da criação e
circunstância que me encontro hoje, tenho de dizer a Deus, “Estou
no escuro” e “fui ensinado a distorcer aquilo que está diante de
meus olhos”. Tenho de me lembrar que quando subo ao púlpito, fico
ao lado de um leito hospitalar, faço uma caminhada ou me assento
em minha poltrona para aconselhar outra pessoa, fisicamente eu
vejo pessoas e coisas como na penumbra. A oração de Josafá se
torna nossa. “Não sabemos nós o que fazer; porém os nossos olhos
estão postos em ti” (2Cr 20.12).
Receba a oração de Paulo e a faça novamente:
A atração da pressa
Para começar, tínhamos de aprender o que o trabalho pastoral
realmente requer. Eugene Peterson termina a citação que mencionei
anteriormente da seguinte maneira: Penso que o pecado que mais
atinge os pastores, especialmente os pastores evangélicos, é a
impaciência. Temos um alvo. Temos uma missão. Vamos salvar o
mundo. Vamos evangelizar a todos, e vamos fazer muitas coisas
boas para encher as nossas igrejas. Isto é maravilhoso. Todos os
objetivos estão certos. Mas essa obra de trabalhar com as almas é
um trabalho vagaroso, que anda bem devagar ... e ficamos
impacientes e começamos a tomar atalhos para encurtar o
caminho.23
“Ande”, dissemos a meu filhinho de um ano e pouco, que queria
correr com seus amiguinhos ao lado da piscina pública. Eu o oriento
a ir mais devagar, não porque quero que ele perca suas marcas,
mas exatamente porque indo mais devagar ele terá melhores
chances de realmente atingir o marco.
Assim, é possível descrever pressa como “o sentimento de estar
atrasado” ou “achar que temos de correr”. Onde quer que
estejamos, é como se estivéssemos com coceira para ir embora.
Temos outro lugar em que devemos estar, e onde estamos nunca é
aquele lugar. Nós constantemente sentimos que estamos perdendo
algo, perdendo nossa chance, ou abrindo mão daquilo que
poderíamos ter se pudéssemos chegar lá antes da areia da
ampulheta acabar. No nosso caso, primeiro tínhamos de avaliar por
que achávamos estar perdendo alguma coisa.
1) Para começar, a pressa faz parte do ar que respiramos. Ainda
que devagar na Bíblia seja mais usado para descrever o bom
caráter de Deus (tardio para se irar), para a maioria de nós, devagar
é igual a desperdício ou desrespeito.
2) O passado de nossa igreja específica. Antigamente, a nossa
igreja tinha sido popular, ou seja, isso foi antes de nossa divisão.
Estávamos progredindo na comunidade, e cresciam as conversas
sobre as coisas que Deus estava fazendo entre nós. As orações das
pessoas que deixaram o conforto de uma igreja de origem para
começar este novo trabalho evangelístico estavam sendo
respondidas. Mas então, veio uma fratura devastadora entre gente
boa, e isso saqueou grande parte do que tínhamos. Quando eu
cheguei, havia um desejo palpável de obter de volta aquilo que tinha
sido perdido. Mas a essa altura, eu estava na quarta liderança
pastoral em seis anos. Nos primeiros meses, cinco casamentos se
desfizeram, dois grupos de pessoas caluniaram e arruinaram os
relacionamentos, e um grupo nos lares implodiu de forma totalmente
perniciosa. Estávamos agora fazendo perguntas difíceis e
confissões. Se a nossa popularidade realmente fosse sinônimo de
saúde da igreja, como é que nossos relacionamentos internos
remavam tão prontamente para a divisão e fraturas? Um anseio por
avivamento imediato e um retorno poderá nos tentar a dizer não à
paciência e sim aos atalhos.
3) Não estávamos longe da igreja de maior “sucesso” na cidade.
Na mesma rua, um pouco mais para baixo, há uma igreja que
cresceu depressa e grandemente. Hoje seus recursos estão
espalhados por toda a cidade. Alguns achavam que estávamos a
caminho de ser iguais àquela igreja. Outros se entristeceram porque
muitos do nosso povo saíram e foram para lá. Outros se irritaram ou
zangaram-se, ficando inseguros, sentindo como uma loja pequena
de proprietário local na presença de uma rede gigante, tentando
competir quando a loja da rede constrói cada vez mais ao redor da
nossa. Embora a maioria das igrejas na América do Norte não seja
desse tamanho nem cresça tão depressa, o restante de nós é
tentado a acreditar que a sua história, e não a nossa, é a norma
para o mundo evangélico. Medir-nos pela igreja da mesma rua pode
nos tentar a acreditar que ficamos para trás e fomos ultrapassados.
Começamos a nos apressar, medindo-nos pelo chamado deles, e
não pelo nosso.
4) Eu fui considerado um grande negócio. Olhando para trás,
somos humilhados pelos exageros que faziam a meu respeito
também. O pastor anterior era meu amigo. Nosso coração batia no
mesmo ritmo. Em nossa comunidade eu era um peixe de tamanho
médio num lago pequeno. Chegou o “Dr. Eswine”. Todo mundo
esperava que grandes coisas acontecessem. Quem sabe a
mentalidade pró-celebridades que infecta nossa cultura geral
estivesse nos fazendo tropeçar. A presença de um líder que atrai as
pessoas pode nos tentar a negligenciar o que a paciência normal no
trabalho pastoral requer, não importa quem sejamos.
5) Nosso coração pelo evangelho excedia as nossas habilidades
com o evangelho. Essa igreja é realmente notável. Fez o que
poucos fariam. Chamou para ser seu pastor um pai que tem cuidado
sozinho de seus três filhos. Tentando recuar do processo de
candidatura, eu lhes dissera: “Não sei ser pai solteiro e pastor ao
mesmo tempo”. Eles responderam: “Nós também não sabemos,
mas vamos aprender juntos”. Falarei mais a esse respeito mais
adiante. Mas para agora, basta dizer que éramos como missionários
estrangeiros que, depois de um ano, ficam a se perguntar em que
loucura estiveram pensando. O que esse compromisso na verdade
requereu de todos nós em amar uns aos outros foi mais real e
tangível do que a graça que sonhávamos oferecer. Anote bem isto
aqui: fazer a transição de uma declaração de visão missional de
amor ao próximo para o verdadeiro amor ao próximo pode nos
tentar a desistir com impaciência e procurar por atalhos.
Tivemos de encontrar um paradigma diferente.
Desintoxicação
Quando Jesus começa a nos livrar da tentativa de consertar tudo,
saber tudo, estar em todo lugar para todos, o mais rápido e da forma
mais notória possível, encontramo-nos em situação difícil. Muitas
vezes nos encontramos naquilo que, nos velhos tempos, chamavam
de “noite escura da alma”.24 Temos de voltar para casa e cuidar de
nossas próprias raízes. A ausência de movimento nos desestabiliza.
Uma espécie de detox espiritual toma lugar. Somos como fumantes
que tentam parar de fumar. Resmungamos e andamos de lá para
cá, inquietos.
Até agora, por exemplo, se procurou estar em todo lugar para
todos, você conseguiu passar cada dia utilizando telas tecnológicas,
mídia social, e-mail e telefones, assistindo a mais uma reunião,
apoiando mais outra causa ou agenda, de novo. Inveja, cobiça e
autopromoção estão sempre à espreita aqui. Muitas pessoas o têm
aplaudido por sempre estar dando-lhes apoio. Mas isso também fez
com que as pessoas se sentissem presas a você por sua presença
pegajosa, arrogante, por sua constante autopromoção, ou se
sentissem não confiáveis se tentassem fazer alguma coisa sem
você. As pessoas de casa sentiam que você as deixava para trás ou
sentiam-se abandonadas por sua necessidade de sempre estar em
algum lugar que não onde e com quem você estava. Essa carência
sombria e crescente por precisarem de você é mais aparente para
elas do que para você.
Se você tem se caracterizado como sabe-tudo, até agora
habitualmente passa o dia dependendo do noticiário, das
manchetes, dos blogs, livros, palavras, teologias, comentários,
conferências, vídeos, bibliotecas, apresentações de televisão,
conversas ou salas de estudo. Ser conhecedor das respostas e
daqueles que respondem é o que você usa para passar o dia e fazer
funcionar o seu ministério. A fofoca, a maledicência e a arrogância
também têm espreitado por aqui. As pessoas amam isso e o
elogiam pelo seu modo de manter as suas respostas ao mundo
claras e diretas. Porém, outros começam a se sentir mais usados do
que conhecidos por você. Aprenderam que não podem discordar de
você. Em algum ponto da linha, simplesmente pararam de tentar
contribuir com seus pensamentos. Você perdeu a capacidade de
ficar quieto quando outra pessoa tem um pensamento a contribuir.
Mesmo que concordem com você, é difícil imaginar deixar que
saiam em frente, sem ter certeza de que estão levando com eles os
pensamentos que você emitiu.
Tentados a consertar tudo, ficamos acostumados a reagir
febrilmente, impacientes para encontrar algo, qualquer coisa que
constantemente impeça as pessoas que nos incomodam.
Conseguimos passar cada dia com fortes emoções, quando não
passividade manipulativa veloz e com estardalhaço, junto a uma
constante recriação (“re-creação”) de programas, slogans, sinais,
palavras, pessoas em sua equipe e até mesmo do jeito de arranjar
as cadeiras para resolver problemas. As pessoas têm amado o jeito
que você sempre as manteve se mexendo com os passos que
necessitam par resistir ao desconforto. Mas a impaciência também
tem espreitado por aqui. Você começa a se utilizar de raiva
irrefletida, medo, tristeza ou interrupções. As pessoas começam a
se sentir emocionalmente agitadas, na roda-viva, insuficientemente
ocupadas, e incapazes de fazer o bastante para tornar as coisas
boas para você. Mesmo quando estão bem emocionalmente, você
não consegue acreditar. Perdeu a sua capacidade de lidar com
emoções negativas e começa a encontrar soluções onde não
existem problemas. Feito para uma crise, não sabe o que fazer em
tempo de paz porque você mesmo pouco sabe sobre paz e
quietude. Eventualmente, as pessoas começam a guardar para si os
seus próprios problemas.
Você não somente transmitiu fielmente o bom conteúdo do
evangelho, como também percebe que transmitiu o desconforto mal
dirigido de tentar ser como Deus. Em Cristo, você sabe que é hora
de deixar de lado todo esse aparato. Mas são duas e quinze da
tarde de quarta-feira. A coisa parece pior antes de ficar melhor. Nos
próximos sessenta minutos nada dessa lista vai ajudá-lo, e você
sente o desconforto da saúde.
Interrompendo a Deus
Meus filhos gostam da brincadeira da “vaca interruptora”. Na
brincadeira, a vaca sempre faz “muuu” quando a outra pessoa
começa a falar. A vaca é impaciente. Não pode esperar. Ela
interrompe com a voz certa na hora errada, para que aquilo que a
outra pessoa vá dizer nunca seja ouvido.
Você e eu temos de confessar que nós, os sabe-tudo, conserta-
tudo e em-todo-lugar-para-todos somos as vacas interruptoras. Mas
as nossas interrupções não são brincadeira. Com toda a nossa
atividade ministerial de erroneamente tentar ser como Deus, na
verdade tornamos difícil para as pessoas ver ou escutá-lo. Calvino
deixou isso bem claro. Assustei-me na primeira vez que li isso: Não
ouvimos Deus falando a nós com calma, quando pensamos que
somos muito sábios, mas, por nossa pressa, o interrompemos
quando ele se dirige a nós… e, sem dúvida, ninguém pode ser
verdadeiro discípulo de Deus, a não ser que o escute em silêncio.
Porém, ele não requer o silêncio da escola de Pitágoras, de modo a
mostrar que não é certo inquirir sempre que desejamos aprender o
que é necessário ser conhecido; mas ele quer somente nos corrigir
e restringir nossa presunção, para que não, como acontece
comumente, o interrompamos despropositadamente, e para que
quando ele abrir sua sagrada boca, possamos abrir para ele nossos
corações e ouvidos, e não impedir que ele nos fale.25
Por todos os nossos sermões, estudos bíblicos, declarações de
visão, almoços, reuniões, postagens, podcasts, e sessões de
gerenciamento de igreja, constantemente ouvimos nossa própria
voz. Os outros também. Para muitos de nós, faz muito tempo que
não escutamos a Deus no silêncio, sabendo que era a sua voz e
não a nossa. Fitamos nossa desintoxicação e começamos a
perceber que fomos como um palestrante grosseiro na presença de
nosso anfitrião. A etiqueta requer que o anfitrião dê as boas-vindas
e convide a todos. Somente então é que o anfitrião informa a todos
os presentes sobre a presença de seu porta-voz, que pode
responder quaisquer perguntas ou atender às suas necessidades
naquela ocasião em lugar dele. O porta-voz só fala após o anfitrião
ter falado e então, somente para manter aquilo que o anfitrião
deseja. Imagine como seria para nós, como hóspedes, se o porta-
voz ficasse tentando falar primeiro ou interrompesse aquilo que o
anfitrião estava nos dizendo? Estou tentando dizer que nunca
imaginei que com meu ministério da Palavra de tentar consertar
tudo, saber tudo, estar em todo lugar de modo notório, eu estaria na
verdade, como diz Calvino, “interrompendo a Deus” enquanto ele
fala aos que ele me chamou para servir em seu nome, ou quando
ele está falando comigo. Existe, sim, um “tempo para falar”, mas
também há “um tempo para se calar” (Ec 3.7). Para deixar de lado
esse mecanismo, é necessário conhecer o silêncio que se requer
quando se está na presença do Deus vivo.
As provocações de um pastor
A este respeito, dois velhos pastores e um mais jovem nos dão bom
conselho sobre nosso processo de desintoxicação. Sei muito bem
que cada um desses pastores mais velhos era imperfeito; também,
que eles talvez representem tradições das quais você discorde. Mas
ser um pastor imperfeito, ou até mesmo profundamente errado, não
é sinal de não ter nada certo ou bom em Cristo para nos dizer. Vejo
isto toda vez que prego. Então, continue escutando se puder. Temos
ajuda sábia aqui.
1) Os limites do seu chamado revelam o cuidado pastoral de Deus
por você.
João Calvino quer que saibamos que para nos proteger de virar
nossa vida de cabeça para baixo com as ansiedades, empenhos,
anseios mal dirigidos, arfadas e colisões precipitadas, “cada
indivíduo tem sua própria espécie de vida designada a ele pelo
Senhor, como uma espécie de posto de sentinela, para que ele não
vagueie sem rumo e sem cuidado”.40
É quarta-feira, duas da tarde. Você tenta se aquietar. Mas então
você imagina o chamado de outra pessoa e queria que tivesse o
mesmo chamado dela. Você tenta atravessar os limites de suas
atribuições e ajunta para si as responsabilidades dela também. A
calma não se encontra aqui. Não por muito tempo. Abra mão disso.
Confie na paz de Deus para você. Não é “pequeno alívio dos
cuidados, labores, problemas e fardos para um homem saber que
Deus” tem dado a ele esse posto específico de sentinela neste
tempo. Ao se libertar de tentar fazer algo que Deus não pediu que
você fizesse, ele quer que você experimente sua contente
“consolação”. Saber que essa posição lhe foi dada por Deus o torna
capaz de “suportar e engolir o desconforto, a vexação, o cansaço e
as ansiedades em seu modo de vida”, pois pelo menos você está
“persuadido que este fardo foi colocado” sobre você “por Deus”.41
Noutras palavras, até mesmo a vocação pastoral faz parte do
cuidado pastoral de Deus por aqueles a quem ele chamou. Assim,
estou em meu escritório em Webster Groves na segunda de manhã.
Os céus estão nublados com chuva e gelo, a semana começa
gelada. Ao contrário de fazer outra coisa grandiosa que imagino
para mim, Jesus também está aqui vestindo seu casaco de frio.
Estava acordado antes de mim. Tem trabalho para ser feito nessa
cidade do Missouri. Por seus propósitos, ele me chamou, e não
você, para entrar nesse trabalho cheio de alegrias e de lágrimas
com ele. Se ele é quem chamou, o trabalho deve ser importante. Se
eu sou a pessoa para fazer isso, deve haver uma razão sábia. Isso
quer dizer que tenho trabalho que é importante para fazer, mesmo
se em toda a minha vida eu nunca conseguir fazer o trabalho que
você realiza — o trabalho valioso que você tem para fazer ali fora e
que às vezes eu, irrequieto e ingênuo, imagino que me faria mais
feliz ou mais significante. Por favor, me perdoe. Tenho orações a
fazer por pessoas sobre as quais você nunca ouviu falar. É melhor
eu continuar com essa boa obra do dia. É melhor você também
continuar com o que você tem a fazer.
2) Ao tentar tanto não perder nada, na verdade produzimos aquilo
que tememos.
João Cassiano descreve ministros inquietos não só pelo chamado
dos outros como também por seus dons. “Eles ouvem pessoas, as
quais são comentadas, devido ao zelo ou virtude que não a sua
própria”.42 Qualquer coisa que outro ministro faz bem torna-se
ocasião, não para nossa gratidão a Deus pelo outro ministro e pela
causa do evangelho em nossa geração, mas para torcermos as
mãos e nos pressionar porque agora teremos de igualar ou fazer
melhor aquilo que o outro ministro consegue fazer. Se nós não
conseguirmos realizar o que todos os outros fazem o tempo todo,
acreditamos que de alguma forma somos fracos no ministério.
Quando tentamos agarrar os dons que Deus não nos deu,
perdemos a calma e aumentamos nosso “tumulto espiritual”,
desejando inquietamente “assumir buscas diferentes de” nossa
própria tarefa. Porém, essa inquietação é “perigo mortal” afinal, “às
vezes acontece que aquilo que alguns fazem corretamente, outros
imitam erradamente”.43
Portanto, lembre-se: “é impossível que um único homem brilhe
com destaque” em todos os dons dados na lista de Paulo. “Se
alguém tenta buscar todos esses dons simultaneamente,
necessariamente acontece que, ao correr atrás de todos, não
recebe realmente nenhum deles, e nessa mudança e variedade
constante, obtém-se perdas e não ganhos”.44 Noutras palavras,
perdemos todo dom agradável que Deus já tinha para nós. Não
enxergamos tais deleites porque eles já estão diante de nós.
3) Menor sempre é melhor do que maior, a não ser que, e somente
no caso em que Deus nos impulsione.
Perdemos o descanso da alma quando acreditamos que o maior é
sempre melhor. A serpente nos tenta a acreditar que alguns lugares
são mais importantes que outros, que algumas pessoas são mais
significantes que outras, e que nossas estratégias e nossos dons
são respostas mais valiosas do que o sábio chamado de Deus.
Mas em Lucas 14.7–11, Jesus instrui aos que o seguem que
busquem os lugares mais baixos à mesa, não os mais altos. Francis
Schaeffer aponta que muitos pastores acreditam no oposto do que
Jesus ensina. Em nosso modo de pensar, “somos tentados a dizer:
‘Tomarei o lugar mais alto porque isso me dará mais influência por
Jesus Cristo”. Mas Jesus nos ensina que devemos tomar o lugar
mais baixo, a não ser que o próprio Senhor nos desloque para o
maior.45
Somos tentados a assumir algo “grande” a nossos olhos ou aos
olhos de outros em nome de Deus, perdendo-o totalmente de vista.
O lugar menor não somente nos torna capazes de tomar lugar à
mesa com gratidão e humildade, como também nos capacita a
sentarmo-nos diariamente à sua presença, comer do seu alimento,
ouvir suas palavras, alegrarmo-nos nele. Quem iria querer deixar
este lugar? Assumimos papéis maiores sem termos força para tanto,
a não ser para desapontar as pessoas importantes que esperam por
nós ali. Afinal de contas, se formos para a posição maior, faremos
isso rebaixando-as para que nós e elas ainda possamos escutar a
Deus. Então, tome o assento menor, o assento que lhe permite tal
presença com Jesus, em vez daquele lugar que tiraria de você essa
calma. Somente vá até lá se aquele que chama estiver indo com
você. Somente vá até lá se você estiver pronto, não importa o
tamanho do lugar, para permanecer em seu compromisso com os
menores, com as coisas que geralmente são despercebidas em
Jesus.
A maioria de nós não possui categoria para aquilo que acabei de
dizer. Na maior parte de meu ministério pastoral, eu também não
tinha. Precisamos de ajuda, e o socorro vem. Os pastores precisam
do pobre homem sábio.
Entregadores esquecidos
Em Eclesiastes 9.13-16 lemos a história de um pobre homem sábio
que certa vez libertou uma cidade pequena, com pequena
população, de ser violentamente tomada por um rei arrogante. O rei
e o seu exército atacaram, viram a pobreza daquele homem e o
consideraram irrelevante, não prestando atenção a ele. Mas esse
poderoso rei subestimara a sabedoria. O rei foi logrado pelo pobre
homem sábio e foi derrotado. O pequeno grupo de pessoas e seu
pequeno lugar no mundo foram salvos!
O que você supõe que aconteceu em seguida? Eu imaginei uma
história de pobreza para riqueza, em que esse homem que livrou a
cidade se tornou célebre. Mas nessa história bíblica, aquilo que
muitos de nós tememos aconteceu mesmo. A cidade esqueceu-se
dele. Esta não era uma plataforma para maior relevância. Não é
necessário dizer que para mim este não foi um texto de teologia
pastoral no começo de meu ministério. Você pode me culpar?
Observe o obituário.
Toda sua vida, ele viveu com muito pouco, em um pequeno lugar,
no meio de pequeno número de pessoas, fazendo um bem que
ninguém lembrava.
Mas note o que Deus fala a respeito desse pobre homem sábio e
sua vida de vitórias não lembradas: “melhor é a sabedoria do que a
força, ainda que a sabedoria do pobre é desprezada, e as suas
palavras não são ouvidas. As palavras dos sábios, ouvidas em
silêncio, valem mais do que os gritos de quem governa entre tolos”
(Ec 9.16–17). Leia de novo, sim?
O rei, como a loucura, era barulhento. Fazia alarde de sua fama
(grande), posição (rei), recursos visíveis (levantou grandes
baluartes), poder (força), e seguidores (sitiou a cidade) (Ec 9.14).
Em contraste, o homem que ouviu em silêncio, esse homem de
Deus, era pobre. Um homem pobre só possui seu próprio e humilde
ser a oferecer. Não há gritaria em sua aparência. Neste caso, sua
pobreza era física, não emocional ou mental. Sua falta tinha a ver
com bens materiais e aparências, não substância ou graça.
A obra pastoral requer presença. Quer sejamos introvertidos ou
extrovertidos, rurais ou urbanos, de grandes igrejas ou igrejinhas
pequenas, nossa tentação de resistir à presença humilde
permanece a mesma. Somos propensos, erradamente, a seguir o
grande governante nessa história sobre sabedoria do que seguir o
pobre homem sábio. Nós nos apresentamos como quem conserta
as coisas, sabe das coisas, que está em todo lugar e é rápido para
curar. Mas o sábio de Eclesiastes nos redireciona. A pobreza do
homem sábio significa que não podemos usá-lo por seu dinheiro,
status, posição política, poder, realizações, ou pessoas que ele
possa conhecer, as quais poderão ajudar com as conexões e rede
de contatos com outras pessoas. Não há nada que esse homem
possa nos oferecer no mundo, exceto seu testemunho de Deus, a
integridade de seu caminho e a graça em sua vida. Essas duas
diferentes maneiras de ser representam dois poderes contrastantes
para nossa confiança — o poder da estultícia versus o poder da
sabedoria. Sabedoria é encontrada na presença humilde do pobre
homem. Assim também, o poder de Deus.
Agora eu me encontro pedindo a Deus nos domingos pela manhã:
“Senhor, livra-me de orar e pregar nalguma espécie de voz de
pregador. Salva-me para que eu ore e pregue com a voz que tu
ouves nas vigílias da noite ou no dia em que clamo a ti e não há
mais ninguém por perto.”
Também estou pedindo a Deus que me livre de achar que eu deva
oferecer engano com minha presença, para que eu seja bem-
sucedido no ministério do evangelho. Peço a resistência de ser
esquecido, até mesmo na igreja, por aqueles que não estavam
buscando o que é humildemente sábio. Estou pedindo isso porque
não tenho capacidade em mim mesmo de fazer qualquer dessas
coisas. Mas Jesus tem. Embora ele fosse alguém de quem “os
homens escondem o rosto”, ele carregava sobre si as nossas dores,
levando nossas tristezas, sendo ferido por nossas transgressões, e
moído por nossas iniquidades. Do nosso tolo ponto de vista, nós o
“reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido”, e buscávamos
salvação em outro lugar. Mas o castigo que nos trouxe a paz estava
realmente sobre ele o tempo todo, e por suas pisaduras somos
sarados — mesmo aqueles entre nós que éramos como ovelhas
desviadas do caminho (Is 53.3–6)! Jesus é o pobre homem sábio,
afinal de contas, não é mesmo? O pobre que libertou aqueles que
se esqueceram dele. Ele salvou nossa cidade no silêncio, e nos
conclama a uma relevância de uma espécie diferente.
Um propósito diferente
Quando fazemos do estudo da quietude a nossa ambição, e
propomos nos tornar pregadores que escutam entre as coisas que
têm importância, surge um problema severo para nossa abordagem
ao ministério. Se nosso propósito como pastores for realizar grandes
coisas de maneira notória, o mais depressa possível, para que todos
se mobilizem a fazer grandes coisas, consertando tudo, sabendo
tudo e estando em todo lugar para Deus, esse nosso propósito e a
quietude estão em contraposição.
Tenho necessidade de ver como o estudo da quietude e da
vocação pastoral andam juntos. Encontrei ajuda em Isaías 50.
Destaco o versículo 4:
Conversas imaginárias
Contemplar a Deus em oração nos oferece uma espécie de
resistência às conversas imaginárias também. Esaú se confortou e
consolou com o pensamento de matar seu irmão Jacó (Gn 27.42).
Ele imaginou a cena repetidas vezes, e essa conversa imaginária
ofereceu um console torto para seu ser interior.58
Sabemos que estamos em uma conversa imaginária quando
ferimos e falamos a nós mesmos sobre outra pessoa, usando a
segunda voz e não a terceira presença de Deus, como se o amigo
que o traiu estivesse ali de pé ao seu lado. Ele passa da linguagem
de terceira-pessoa (ele) à de segunda pessoa (tu):
Render-te-ei graças...
te cantarei louvores...
No dia em que eu clamei, tu me acudiste,
e alentaste a força de minha alma.
OS é excelso, contudo, atenta para os humildes;
os soberbos, ele os conhece de longe.
Se ando em meio à tribulação,
tu me refazes a vida;
estendes a mão contra a ira dos meus inimigos;
a tua destra me salva.
O que a mim me concerne o S levará a bom termo;
a tua misericórdia, ó S , dura para sempre;
não desampares as obras das tuas mãos. (Salmo 138)
Você pediu cargas para levar — e como reclamou quando elas foram
colocadas sobre os seus ombros! Será que tinha imaginado outra
espécie de cargas?|
–D H
A cada momento
Jesus trata as nossas ansiedades pedindo que as coloquemos em
compasso de um dia de cada vez, por toda a vida. “Portanto, não
vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus
cuidados; basta ao dia o seu próprio mal” (Mt 6.34).
Enquanto meu papaw laborava com pulmões cheios de líquido na
última estação de sua vida, eu telefonava para ele.
“O que é que você sabe, jovem?”, ele dizia. Eu podia escutar o
chiado da respiração destroçada em sua voz.
“Estive pensando em você, Papaw. Como vão as coisas pra você
hoje?”
“Ah, estou indo. As coisas são o que são,” ele dizia. “Não adianta
reclamar, né?”
Então ele acrescentava um pedaço de conselho que tinha se
tornado lugar comum para ele. Parecia decidido a passar adiante.
“Levando um dia de cada vez”, dizia. “Você sabe que isso é tudo
que podemos fazer, afinal. Não estou certo, meu jovem?”
Eu fazia uma pausa em minhas tentativas confusas de praticar o
que ele falava. “Bem, acho que tenho muito a aprender sobre isso”,
eu reunia coragem para dizer. Eu ouvia um sorriso em sua voz, seus
pulmões se esforçando em cada migalha de ar.
“Eu amo você, Papaw”, eu dizia.
“Também amo você, Zack”, ele respondia (palavras raramente
proferidas por ele quando era homem jovem, mas
maravilhosamente, livremente ditas agora). Então acrescentou o
que tinha se tornado seu pedido regular: “Não se esqueça de fazer
uma oração em favor desse velho”.
“Não vou me esquecer, Papaw. Oro por você todo o tempo”, eu lhe
assegurava.
As quatro porções
Jesus nos dá esse dom: porções de um dia de cada vez para
suportar o peso que encontramos. O salmista nos dá um começo de
como reaprender que cada dia basta em seu anseio. “À tarde, pela
manhã e ao meio-dia, farei as minhas queixas e lamentarei; e ele
ouvirá a minha voz” (Sl 55.17).
Às vezes, o salmista usa palavras mais específicas quanto ao que
engloba uma “tarde”, e em outros lugares na Bíblia (por exemplo,
Lm 2.19), ele se refere às vigílias da noite (Sl 63.6).
O salmista identifica quatro partes do dia de vinte e quatro horas.
Passei a pensar nessas quatro partes como porções. Em todo este
dia ele está presente, e isso nos basta.
Manhã: do nascer do sol, ou seis da manhã, até o meio dia
Meio-dia: do meio-dia até às seis da tarde
Início da noite: do pôr do sol, ou seis da tarde, até dez da noite (às
vezes referida como “primeira vigília da noite”).
As vigílias da noite: das dez da noite até às seis da manhã.66
Marque bem isto. Para correr numa maratona, primeiro temos de
correr uma milha. Correr uma milha não é coisa que se despreze.
A graça da manhã
O Novo Testamento nos conta coisas a respeito de Jesus pela
manhã: ele orava (Mc 1.35). Ele tinha fome. Ele andava (Mt 21.18).
Ele ensinava (João 8.2).
Para o salmista, a manhã nas mãos de Deus testifica-nos que as
lágrimas têm fim, o alívio é significante, e “vem alegria” (Sl 30.5). Na
manhã surgem cânticos de louvor e ações de graças, porque a força
de Deus nos fez passar a noite (Sl 59.16). A noite não venceu.
Acordamos e vemos novamente que o amor de Deus não desiste de
nós, e pedimos que ele nos acompanhe e nos guie para aquilo que
nos aguarda (Sl 143.8). A manhã nos provoca a oração, e, portanto,
para observar como Deus responderá essas orações no decorrer do
dia (Sl 5.3).
A manhã foi feita como um poema ou sermão que consola os
desanimados. Ela nos faz pensar de novo sobre a bondade de Deus
e perguntar por que ele demora em revelar sua bondade a nós (Sl
88.13–14). O final da noite também nos desperta a uma convicção
renovada de aproveitar o dia como meio de oposição ao que é
ignóbil no mundo, e proteger aquilo que é bom, belo e direito (Sl
101.8). De fato, o sol não é melancolia matutina como eu sou ao
acordar, cansado de brilhar novamente sem ser notado, viajando
pelo mesmo velho percurso a cada dia, entediado com tudo isso.
Não mesmo! Porque Deus dá esse significado para a manhã, ele
poeticamente imagina o sol como um noivo apaixonado, ansioso e
feliz por ver a sua noiva (Sl 19.5). O sol brilha obstinado por amor
acima das nuvens e trovões.
Historicamente, foi de manhã que os inimigos de Jesus amarraram
as suas mãos e determinaram que o matariam (Mc 15.1). Porém,
poeticamente, será que o nascer do sol traria alguma esperança a
nosso Senhor, enquanto homens possuídos pelos terrores da noite
o jogaram na rua? Era de manhã. Ele sabia disso, não sabia? Em
tantas manhãs ele conhecera a intimidade com seu Pai. Houve
muitas manhãs antes que esses homens presos em ciladas
tivessem nascido. As manhãs continuariam depois que eles
morressem. De fato, haveria um dia em que na manhã do terceiro
dia, quando ainda estivesse escuro, a morte morreria, esses
homens ímpios seriam confundidos, e Jesus ressuscitaria! A manhã
proclamou que essa ressurreição e vida ultrapassaram a noite. Será
que essa proclamação sussurrou a ele? Seria essa uma parte da
“alegria que lhe estava proposta...” (Hb 12.2)? Será que o sol, de
alguma forma, piscou para Jesus quando eles amarraram suas
mãos e procuraram extinguir seu fôlego?
Por essa razão é que venho pessoalmente pensando na manhã
como o tempo da graça. Claro, dia e noite, todo o tempo, depende
da graça. Só estou inferindo que parece que a graça surge à frente
na porção matutina, porque sentimos que não somos suficientes
para enfrentar aquilo que nos aguarda; perguntamos se o sol vai
brilhar nas nossas circunstâncias como brilha pela manhã.
Levantamos; o amor de Deus está aqui! Oramos; a direção de
Deus está conosco! Esperamos novamente e clamamos de novo;
Deus está vencendo as trevas! Comemos o pedaço diário que
temos; Deus proveu! Chegamos ao trabalho que está diante de nós;
Deus tem algo a nos mostrar! A aurora raiou; o túmulo está vazio! A
estação da manhã começa e termina. Deus tem sido nossa porção
em nossos fardos até a chegada do meio-dia. Isto é graça e
realização! Louvamos a Deus. Passamos a primeira milha do dia.
Sabedoria do meio-dia
Nos Salmos, “o meio-dia” simboliza, para o povo de Deus, a luz com
a qual brilham a justiça e a virtude (Sl 37.6). É aqui que agimos com
escolhas sábias com respeito ao trabalho, circunstâncias e pessoas
à mão.
Sendo assim, a tarde nos fatiga. Foi ao meio-dia que Jesus,
cansado de sua viagem, sentou para uma pausa e um copo de água
(Jo 4.6). Os afazeres do dia recebem novo impulso e aumentam de
velocidade. O trabalho tem de ser feito. Chamadas anotadas,
tarefas completadas, e-mails escritos, reuniões e compromissos
atendidos, campos arados, ferrolhos apertados, mais três fraldas a
trocar, jantar a preparar, doença a suportar. Poeticamente, Jesus faz
um retrato da porção do meio-dia como “a fadiga e o calor do dia”
(Mt 20.12). O trabalho nos agasta até sua conclusão, cheques de
pagamento são entregues e os ossos parecem estalar dentro de
nossos músculos doloridos.
Frequentemente, umas duas horas depois do almoço a fadiga
começa a tomar conta. Alguns de nós experimentamos o que é
chamado de “o demônio do meio-dia”, uma nuvem escura de mau
humor que movimenta as nossas pernas, nos contorce onde nos
assentamos, e gira nossos polegares. Tais rabugices instilam em
nós “um ódio pelo lugar” que nos foi dado e um “ódio pelo trabalho
com as mãos”.67 Não é de surpreender que coquetéis e happy hours
tentem homens e mulheres empresários às tardes. A distração nos
conclama.
Não é de admirar que o período do meio-dia até lá pelas seis da
tarde muitas vezes coloque os caminhos virtuosos em prova. Se a
manhã é tempo de conduzir nossas lágrimas, nossos planos, nosso
trabalho e os questionamentos do dia ao seu trono de graça para ali
encontrar esperança, a tarde parece ser tempo de iluminação, em
que nossa intenção de descansar sobre essa graça é peneirada e
os verdadeiros objetivos de nossa esperança tiram as suas
máscaras.
Ao meio-dia o sol está em sua maior altura. Ele dá seu mais forte
calor e a mais ofuscante luz que podemos ver, o maior calor para
que nos humilhemos. Fomos feitos para nos assemelhar ao meio-
dia. Mas Pilatos falhou. Como também fraquejou o povo de Deus.
Foi na parte do meio-dia que Pilatos escolheu a vantagem política
e ordenou que o inocente fosse maltratado, o Filho de Deus fosse
morto (Jo 1.14–15).
Foi também ao meio-dia que Jesus deu seu último suspiro e o
brilho do sol inexplicavelmente falhou (Lc 23.44). As trevas e o
meio-dia ensolarado trocaram de lugar. Viraram o dia de cabeça
para baixo, como fazendo uma comparação entre o mal que estava
sendo chamado de bem, e o bem que estava sendo acusado de
mal.
Se a manhã nos conclama a cantar, a tarde nos humilha,
lembrando-nos que precisamos da sua salvação. A manhã nos
ensina a louvar. A tarde nos ensina a ter paciência e perseverança.
O dia (e a corrida) tem um começo e um final. Atravessar a linha de
chegada é graça e força! Mais uma milha e nossos fardos são
carregados.
Vigiai, pois, porque não sabeis quando virá o dono da casa: se à tarde,
se à meia-noite, se ao cantar do galo [três da madrugada], se pela
manhã (Mc 13.35).
Sonhos na Noite
Alguns de nós sonhamos à noite, portanto, vamos fazer aqui uma
pausa para relembrar sobre esses sonhos. Podem vir de três
lugares, assim como são os nossos pensamentos durante o dia,
quando estamos acordados. Podem ter sua origem em nós
mesmos, ou em nosso inimigo, o diabo, ou podem ser sussurrados
a nós por Deus. Em qualquer dos casos, os sonhos são atos da
providência, ou seja, estão também entre as circunstâncias de
nossa vida que Deus governa, e pelas quais ele nos governa para
sua glória e nosso verdadeiro bem (Jó 33.15–18).
Qualquer que seja nosso sonho, levamos a Deus o seu conteúdo,
bem como os pensamentos e emoções resultantes. Com ele,
podemos repousar a atividade poética e a estrutura de nosso
coração em Jesus. Se houver pessoas em nossos sonhos que se
destacam para nós, podemos interceder por elas, assim como
frequentemente fazemos quando vêm à mente as pessoas durante
as horas em que estamos acordados. Igualmente, nós confiamos a
ele as nossas impressões temerosas ou jubilosas, acreditando que
ele vai, como sempre, nos informar, transformar e conduzir de
acordo com seu amor e seu tempo perfeito em Jesus.
Foi na vigília da noite que Jesus orou clamando em alta voz com
lágrimas no Getsêmane. Ele sabe o que significa chorar no escuro.
Sua empatia por nós é profunda e nós também precisamos
aprender isso.
Após a noite e os sonhos, vem a madrugada. O Senhor que nos
guarda não dormita, mas nos atende (Sl 121.4). O sol começa a
romper para sua noiva. Raia um novo dia. Por um dia inteiro agora,
ele o tem carregado, com seus fardos e tudo mais.
Porções semanais
Um dia em cada sete, procuro viver essas quatro porções como um
dia de descanso. Por vinte e quatro horas sou ajudado, exceto com
autênticas emergências, deixando o e-mail, telefonemas,
compromissos e o trabalho pastoral diário para tomar fôlego. Isso
tem mudado com o passar dos anos, à medida que os filhos
cresceram e suas faixas etárias mudaram. Às vezes eu durmo até
mais tarde. Ou, depois que as crianças estão na escola, assisto a
um filme antigo ou escuto música. O almoço é folgado. Pode ser
que eu tire uma soneca à tarde antes de buscar os filhos na escola.
Durmo sem senso de culpa (pelo menos este é meu alvo). Não é
uma perda de tempo. Não hoje.
Mas quando os ritmos semanais de descanso são melhores para
mim, encontro-me sentado no chão sobre um forro de piquenique
para almoçar. Se for outono ou começo do inverno, visto boina,
luvas e roupas suficientemente quentes para aguentar três horas no
relento. Numa sacola plástica levo Bíblia, papel, e uma pilha de
poesias ou um livro de ficção. Aninhado entre a sombra das árvores
de um de meus lugares prediletos de descanso de sábado, eu olho
por cima do Lago Creve Ceour, ou talvez olhe morro abaixo para as
fontes de águas do Parque da Floresta. Calço tênis e caminho,
talvez por quilômetros. Às vezes, quando chove, eu fico sentado em
minha velha caminhonete vermelha olhando por cima da lagoa.
Aqui neste lugar corriqueiro, entre essas coisas que importam,
estou entregue mais uma vez à escuta. Sou escutado por Deus.
Entregando os meus fardos. Sendo tomando no seu colo. Voltam
risadas gratas e alegres. Às vezes choro sem mesmo saber o
porquê. Mas ele sabe. Esses fardos são dele.
Quando perco sextas ou segundas de folga, e estou irritado e
exausto pela falta deles em minha vida, já notei que só um dia de
descanso não oferece muito repouso. Aí é necessária uma espécie
de desintoxicação. Tenho de me lembrar de que a presença
humilde, a conversa em que se escuta e a solitude entre essas
porções semanais têm um efeito cumulativo; assim como acontece
com as quatro porções do dia. Uma vez que eu comece a colocar
várias porções diárias e semanais em seguida no meu ritmo, torna-
se notável a transformação em meu ser. Pode ser que meus fardos
tenham aumentado. Mas sou novamente capaz de oferecer
descanso e presença hospitaleira aos outros, porque eu mesmo
realmente tenho algo disso. A graça disso me deixa maravilhado.
Quando primeiro introduzi essa ideia de “meses de descanso” à
nossa congregação, eles não gostaram. Três meses por ano,
dávamos a todos os nossos ministérios semanais uma folga sem
culpa (abril, agosto e dezembro). Eu fiz isso principalmente por
causa da idade de nossa congregação, composta principalmente
por jovens famílias com crianças. Essas mesmas famílias eram os
principais voluntários na igreja e na comunidade. Entre servir e
voluntariar, ir aos estudos bíblicos e grupos nos lares, as pessoas
estavam se esgotando. No lado engraçado, se alguém tirasse uma
folga sentia culpa enorme, como se estivesse desapontando a Deus
e a nós. É claro, não ordenamos que nossos membros observem
meses de descanso; as pessoas podem continuar a se reunir se
assim desejam. Mas no decorrer dos anos, a maioria tem ficado
grata pelo ritmo embutido que essas folgas oferecem. Descansamos
estrategicamente a fim de continuar com vigor. Se não fizermos
isso, acabamos tendo de tirar folgas não planejadas porque
adoecemos ou nos esgotamos devido a nossos horários
desgastantes.
Ao lado da sepultura
O cuidado pastoral é, em sua maior parte, uma questão de
presença, estar com alguém no meio do que o perturba. O toque do
tipo certo é uma sentença. Sentado numa cadeira no quarto,
enquanto os membros da família se ajuntam, é nosso parágrafo. No
cuidado pastoral, o contato dos olhos, um pequeno aceno ou
balançar a cabeça, uma lágrima, um sorriso, disposição de segurar
um guarda-chuva sobre a cabeça da pessoa enlutada na chuva,
disposição para cortar o pão para sanduíches, compromisso de
ajudar a cabeça confusa a tomar decisões sem fazer a decisão por
ela — tudo isso descreve uma garra desajeitada e imperfeita, que
está presente com as pessoas sem tentar chamar atenção ou “fazer
acontecer” ou inventar artificialmente um “momento divino”. Isto,
mais do que as suas palavras, forma as ferramentas de sua
vocação de cuidados.
Meu primeiro funeral como pastor foi de uma vizinho que eu não
conhecia. Ouvi o diretor chegar a mim na sala separada: “É hora”,
diz ele. Ouço meu estômago roncar. Escuto o barulho dos meus
sapatos sobre o carpete gasto. Eu me ouço tentando juntar palavras
de vida junto àqueles que, em sua maioria, são estranhos a mim.
Percebo que minha voz começa a tremer ali na multidão arrasada.
Naquele tempo, eu tinha pouco conhecimento dos sons da morte.
Os anos desde então mudaram isso, mas era a primeira ocasião em
que ouvi as gaitas de fole tocar. Depois do culto, ao lado da
sepultura, o tocador de gaita de fole ficou parado como se fosse feio
e segurasse um ganso na mão. Soprou para dentro e para fora, num
gemido que puxava o ar transformando-o na melodia assombrosa
de “Preciosa Graça” [Amazing Grace]. O vento revirava as folhas de
outono. Postes de alumínio alugados produziam clangor com a
corda e a lona. Eu ouvia o som de flores jogadas em cima do
caixão. Era um sepultamento militar, bandeira dobrada e dada à
família, rifles armados para uso; os tiros de morte chocando o
silêncio para honrar uma vida. Relembro como parecia estranho
encontrar homens e mulheres adultos, suspirando alto e dolorido.
Ondas de fungadas, como a maré, iam e voltavam em ondas
mansas. Os chavões se apressavam para pôr fantasias sobre os
silêncios desajeitados. Perguntas sobre Deus ou sobre a vida eram
sussurradas embaraçosamente ou em repentina raiva. Surgia
frequentemente a risada nos lugares mais estranhos para um
consolo, o que não é nada estranho.
Pat havia morrido. A sua irmã começa a trazer uma história aos
meus ouvidos.
“Pat costumava encontrar gatos perdidos e levá-los para casa”, diz
ela.
Dou uma risadinha com essa introdução surpreendente.
Ela continua: “Pat não somente dava um lar para esses gatos; ela
punha roupa nos gatos danados —roupa de bonecas!”
“Verdade?” pergunto.
“Ah, sim!”, ela diz. Começa a rir enquanto pensa no coração sobre
tempos mais felizes. Eu também começo a rir.
“Então, ali estava a Pat, com todos aqueles gatos vestidos,
fazendo pose para uma fotografia, e Pat sorrindo de orelha a
orelha!”
Agora nós dois estamos rindo e dependendo dos lencinhos para
manter o decoro.
“Ah meu, essa era a Pat! Com certeza era uma maluquinha!”
Rimos por mais um momento e então respiramos fundo para uma
descida repentina. A contadora de histórias agora olha para longe e
fica quieta no silêncio. Sem me encarar, ela diz: “Vou sentir muita
falta dessa Pat”.
Ouvir essas histórias de lembranças é parte do seu trabalho.
Quando alguém conta a respeito de um ente querido falecido,
pergunte ternamente qual era o nome da pessoa. Demore aqui e
escute. Quando cumprimentar alguém que esteja de luto, não
precisa dizer: “Como vai você?” ou “Como foi seu dia?” Tal pergunta
força a pessoa na confusão de colocar realidades inexplicáveis
numa só sentença. Se pararmos e pensarmos nisso, é provável que
já saibamos como essas pessoas enlutadas estão passando. Em
vez disso, cumprimentamos simplesmente dizendo algo como:
“Estou grato por encontrar você; tenho pensado muito e estou
orando por você” ou, “Você é amado por todos”. E normalmente não
perguntamos: “O que posso fazer por você?” A pergunta coloca o
enfermo em posição de dirigir o seu horário e inventar um monte de
tarefas. Melhor é oferecer algo específico que permita uma resposta
sim ou não, como: “Posso lhe trazer café da manhã?” ou “Você
gostaria de descansar hoje?” ou “Seria de ajuda se eu pegar a sua
filha na escola amanhã?” Essas coisas específicas também nos
ajudam a resistir à tentação de perguntar o que podemos fazer, não
por amor deles, mas de nós, porque sentimo-nos sem saber o que
fazer e queremos fazer algo diferente. Conheço bem essa tentação.
Mas se eles pudessem, também fariam as coisas de um jeito
diferente. Ali estamos nós, cada qual olhando junto para Jesus no
silêncio confuso.
Em seu sermão, portanto, você fala da calma de ter escutado e
amado. Você diz algo como: “Entendi que Pat estava sempre
procurando gatos sem dono”.
Com isso, aqueles que a amavam dão uma risadinha com as
lembranças.
“Será que ouvi certo que Pat não somente dava um lar para esses
gatos como também os vestia com roupas de boneca?”
Agora os risos de amor jorram por entre as lágrimas de luto
daqueles que a conheceram. Eu também sorrio com gratidão. As
risadas duram um pouco. Depois as lágrimas recuperam o seu
lugar, e o silêncio volta.
“Sabe, quando penso em Pat querendo dar um lar e roupas aos
gatos eu lembro-me de uma história que Jesus contou sobre
ovelhas espalhadas e perdidas. Ele disse que Deus era como o
pastor buscando encontrá-las para trazê-las para casa. Obrigado
por ter me contado esta história sobre Pat e seu amor por ela. Isso
me lembra de minha necessidade de ser encontrado e de ganhar
um lar. Todos nós precisamos ser encontrados. Antes de ficar
doente, Pat compartilhou como ela esteve perdida todos esses
anos, mas que finalmente Jesus a encontrou. Ele pode nos
encontrar também e nos levar para o lar”.
Confessar e perdoar
Não é de se maravilhar que Tiago mude de ênfase da cura do corpo
para a cura da alma.
Disciplina e pecado
No exame oral para meu ministério, eu estava diante de cinquenta
presbíteros que me perguntaram: “Qual o propósito da disciplina da
igreja?”
Recém-saído do seminário, e de acordo com minha tradição
teológica, respondi que “o propósito da disciplina eclesiástica é
elevar o caráter e ensino de Jesus e proteger o bem estar do
rebanho”.
Depois disso, um pastor gentil e experiente chegou até mim no
corredor e perguntou se ele poderia sugerir uma resposta mais
plena. “Existe um terceiro propósito para a disciplina na igreja”,
disse ele bondosamente. “Esse terceiro propósito tem a ver com o
bem-estar daquele que pecou. Isso é uma boa notícia para qualquer
um entre nós”.
“Certo!”, eu disse. “Eu havia me esquecido disso”.
Com o passar dos anos, tenho entendido que quando alguém é
pego no pecado, ainda é possível que nos esqueçamos deste
propósito.
A situação inevitável
O líder mencionado anteriormente acabou com o seu casamento e
continuou com a sua nova amante. Não foi uma espécie de pecado
privado, que pudesse ser tratado apenas de modo particular. Seu
pecado era público, e todo mundo estava observando. Ele era nosso
amigo. Estávamos profundamente sentidos. Alguns queriam ação
rápida, com veemência. Nós resistimos a essa ideia. Se fôssemos
errar no caso, erraríamos por dar tempo demais para que ele
voltasse à razão. Quase dois anos de apelos, andando junto dele e
tentativas de ajudá-lo haviam passado e não adiantaram nada. Não
tivemos sucesso em ganhar nosso querido irmão (Mt 18.15). Ele se
recusou a escutar (v. 17). Tivemos de “considerá-lo como gentio e
publicano” (v. 17).
O que isso significava? Eu não sabia. Procurei nos Evangelhos
para ver como Jesus se relacionava com os gentios e publicanos.
Do seu jeito, ficava claro que ainda amaríamos esse homem.
Diríamos “Como vai?”, e comentaríamos o tempo se o
encontrássemos no shopping. Talvez ele dissesse: “Será que
poderíamos nos encontrar para tomar um café?”, e responderíamos:
“Claro, mas o que está em minha mente é a situação do seu
coração. Quando nos encontrarmos, poderemos falar também sobre
isso?”, “Não”, ele poderá responder. “Está certo”, diríamos. “Eu oro
por você e anseio por seu bem. Qualquer hora que você quiser
conversar sobre as coisas, ficarei feliz em tomar café com você.
Mas, sinceramente, eu também preciso de Jesus. E ainda tenho
esperança de que você admita que o que fez com sua família não é
o que Jesus deseja para nós, e que você queira voltar aos braços
da graça de Jesus”.
Quando fala sobre o pecador endurecido que se chama de
seguidor de Jesus: “Com ele não comais”, Paulo não nos convida a
desprezar maldosamente ou a desconsiderar ou maltratar essa
pessoa. Uma refeição juntos seria como um presente sobre nossa
mesa se essa pessoa visse a sua necessidade de perdão.
Ansiamos por isso, mas esperamos. Nosso amor, anseio, bondade e
orações por ele não tiram a realidade de que em Jesus essa pessoa
agora está identificada “como se” não fizesse mais parte da
comunidade dos crentes. Nossa comunhão não é a mesma que
antes nem o que ela poderia ser.
Reconhecemos que seu casamento provavelmente (se bem que
não certamente) está perdido para sempre. Mas, que alegria e
liberdade significariam, se ele simplesmente dissesse: “Sei que eu
estava errado. Eu preciso perdoar, ser perdoado e mudar”. A
comunidade poderia então se juntar a ele com lágrimas, mas
também alegre esperança!
Ele ainda poderia abençoar os seus filhos com instrução sábia. Ele
poderia remover a loucura — a ideia de que Jesus diga que está
certo aos papais deixarem as mamães por outra mulher, a noção
que tal ensino põe na cabeça delas sobre quem são como filhas que
um dia se tornarão mulheres. Essa clareza tomaria as mãos de suas
filhas para que elas possam andar por caminhos mais seguros em
seu futuro.
Ele ainda poderá dizer à sua ex-esposa: “Eu estava errado. Por
favor, me perdoe”. Pode ser que nunca mais voltem à posição de
amizade. Mas a simples admissão pode retirar os raios e trovões
das nuvens de tempestade que cortinam o céu de seus cuidados
mútuos de pai e mãe.
Mais importante, a honra de Jesus e os seus ensinamentos
encontrariam clareza renovada em sua vida pública para todos
quantos o observassem. Em seu coração, diante de Deus, ele
estaria reconciliado. Todo aquele esforço por torcer os versículos
bíblicos, inverter o plano moral mais alto e lançar a culpa nas outras
pessoas pode se acalmar. Os músculos tensos de cada minuto
poderão relaxar. Os corações que batem a cada segundo podem
passar a ir mais devagar. Ser novamente “ganho” em Jesus.
Defender o amor ao próximo e encontrar repouso para a alma —
tais bênçãos revelariam o terceiro propósito da disciplina,
produzindo seu doce fruto em uma vida comum.
Discernir as tristezas
Acenda um fósforo em uma fogueira no acampamento, e tanto a
gasolina quanto o jornal pegarão fogo. Ambos são capazes de
iniciar o fogo para fazer o jantar. Ambos são capazes de destruir o
acampamento todo. Mas um deles é volátil e não é digno de
confiança.
Do mesmo modo, tanto o diabo quanto Deus falam sobre o
pecado. Mas seu impacto difere de modo dramático. Conquanto o
Espírito Santo nos convença do pecado, nunca o Espírito Santo é
identificado como o acusador. O modo de Deus confrontar o seu
povo em seus pecados é o que Paulo chama de “tristeza segundo
Deus” (2Co 7.9–11).
Primeiro, a tristeza segundo Deus não produz apenas lágrimas ou
novas resoluções. Na verdade, produz arrependimento — isso
significa um verdadeiro ponto de virada. A mudança é terna, é nova
e incompleta, mas é real.
Segundo, a tristeza segundo Deus leva a pessoa de volta a um
novo conhecimento da provisão da salvação — o mérito e a
misericórdia de Jesus. As suas sandálias, a cruz, o túmulo vazio,
sua presente intercessão e defesa — fazem um feliz reencontro no
ser da pessoa. A pessoa sabe que no final, foi contra Deus que ela
pecou e a Deus ela volta quando vem para casa.
Terceiro, a tristeza segundo Deus propõe mandar embora o
remorso: “Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento
para a salvação, que a ninguém traz pesar” (2Co 7.10). Em
contraste, existe uma espécie de sofrimento pelo pecado que nada
tem a ver com Deus. No decorrer dos anos, tenho observado que
aqueles apreendidos do pecado da mentira, por exemplo, exigem
energia e tempo mais ativos — especialmente se a mentira tem se
tornado o seu estilo de vida.
Por que é assim? De um lado, uma longa vida nesse pecado dá à
pessoa uma forte habilidade com a manipulação. Essa pessoa é
adepta às lagrimas, citação dos versículos certos, dar olhares
significativos e dizer aquilo que a pessoa à sua frente quer ouvir. É
fácil concluir que alguém tem tristeza piedosa quando, na verdade,
ela sente tristeza por ter sido pega e está simplesmente tentando
fazer o que precisa para tirar todo mundo de cima das suas costas,
para que tudo volte ao normal.
Por outro lado, quando a graça começa a ensinar de novo ao
mentiroso como amarrar os seus sapatos, como com qualquer outro
pecado e pecador, a mudança frequentemente não acontece tudo
de uma só vez, mas em acessos e aos trancos e barrancos. Isto
quer dizer que a pessoa mentirosa exige tempo para ver quão
profundamente ela mente e como as suas palavras giram saturando
sua vida diária. Por esta razão, uma pessoa a quem Jesus esteja
transformando poderá contar a verdade numa mesma conversa em
que mentiras não percebidas também estejam presentes. É fácil
concluir que não há mudança, quando, de fato, uma poderosa
mudança está ocorrendo. Só que leva muito mais tempo do que
desejaríamos.
À luz de tudo isso, o ponto que Paulo destaca é de grande valor.
Uma tristeza autogerada, que o diabo aproveita para aumentar,
“produz morte”, diz Paulo (v. 10). Isto é, derrama lágrimas, mas não
converte; faz resoluções e cita versículos. Mas não descansa
somente em Jesus nem se submete a Deus.
O pesar ainda conta a história na primeira pessoa e no presente,
como se ainda estivéssemos naquele momento. Aconteceu anos
atrás, mas as pessoas que estão ouvindo têm a ideia, vinda de
você, de que tenha acontecido recentemente.
O pesar também guarda segredos. Colocamos a tampa sobre ele
e não contamos a ninguém, a fim de preservar nossa imagem. Aos
poucos isso nos corrói. Mas a tristeza segundo Deus eventualmente
vira nossos segredos pecaminosos em testemunhos da graça.
Por onde começar?
Em Gálatas 6 Paulo diz: “Irmãos, se alguém for surpreendido
nalguma falta” (v. 1). Por “alguém”, (qualquer um), Paulo se refere
no contexto àqueles que professam seguir a Jesus. Ele expõe isso
em outro lugar:
Conclusão
Muitas vezes penso em Judas e Pedro. Ambos pecaram
terrivelmente. Ambos choraram amargamente.
O pesar conforme o mundo e a tristeza piedosa são exibidos e
apresentados em contraste.
Um lastimou seu erro, mas não voltou atrás. Ele não era
deprimido. Nenhum teve um surto doentio devido a alguma
disfunção química. Era diferente. Ele enforcou-se como a própria
solução para o seu pecado. Remorso, e não salvação, foram as
duas mãos que amarraram a corda.
O outro homem encontrou mais do que choro — salpicado na
oração e intercessão de um Salvador. Todo dia, pelo restante de sua
vida, os galos ainda cantavam. Não foram embora de Jerusalém.
Todo dia as aves da lembrança continuavam a gritar e Pedro as
ouvia. Mas a cruz permaneceu. O túmulo se esvaziou. O pesar
murchou. O caráter cresceu. Desvaneceu a multidão. Deus segurou
o homem em suas mãos.
Ver Rm 16.16; 1Co 16.20; 2Co 13.12; 1Ts 5.26.
14 | Conhecimento Local
Chamado
A maioria de nós, em nossos lugares ordinários, quando dizemos
que Deus nos chamou, queremos dizer que, com o passar do tempo
nos tornamos mais atentos a um desejo interno que diminui e
aumenta, mas não se apaga. Colocamos então esse desejo em
oração diante de Deus a cada momento, dia a dia. Tomamos passos
nesse tempo para provar na comunidade, com as Escrituras, se
temos ou não os dons que combinam com esse desejo. Ao longo do
caminho, aqueles que nos conheciam melhor no local, bem como
aqueles a quem tentamos servir, nos disseram que foram
fortalecidos em Jesus por causa de nosso uso desses dons.
Consequentemente, depois de um tempo (talvez anos), tomamos
passos desajeitados e assustadores de fé, sem saber para onde
esses passos nos levariam. Mas, a essa altura estávamos seguros
por esse desejo que não se apagava e essas afirmações da
comunidade dentro do contexto da Palavra de Deus, que talvez
Deus estivesse realmente nos conduzindo a isso. As oportunidades
circunstanciais chegaram, então, nós entregamos nossa vida
àqueles que nos foram dados em obediência e gratidão a Deus.
O que acabo de descrever soa como um curso intensivo no
escutar devagar, comum, que se aprende do pobre sábio ou do
servo sofredor contemplativo, não é mesmo?
Minha pergunta é a seguinte: E se o jeito que Deus usa para
chamar a maioria de nós ao ministério for, em si mesmo, uma
educação na espécie de habilidades que o ministério requer?
Contudo, algo estranho nos acontece. Uma vez que nos tornamos
pastores, muitos de nós deixamos completamente de escutar desse
jeito. Em vez disso, reagimos, falamos muito, e constantemente nos
apresentamos como indivíduos peritos e experimentados, que já
sabem o que é necessário e conseguem rapidamente agir para
resolver qualquer questão ou problema que se apresenta. Isso é
especialmente visível quando tentamos afirmar nossa visão e mudar
a cultura de uma congregação. Isso é um problema.
Humilhando-nos
Dezoito meses depois de pregar descalço naquele auditório de
segundas chances, muitos da nossa congregação não estavam
mais impressionados. Assim, certo domingo de manhã (na mesma
semana que eu dirigira uma conferência sobre pregação em outro
estado), pedi a todos que me escutavam em minha própria
congregação aquilo que jamais imaginei que eu lhes pediria: “Vocês
me ensinam a pregar? Preciso de sua ajuda”.
As pessoas estavam, por muitas razões, deixando a nossa
congregação em turmas. Uma das razões era a minha pregação. Eu
tinha três escolhas. Desistir, estourar usando a minha autoridade
(como os conselheiros jovens de Roboão fizeram), ou me humilhar e
escutar o que o conhecimento local tinha a dizer.
Às vezes eu queria desistir e ter um acesso de raiva. Mas confiar
em Jesus significa que você e eu temos de fazer o que não
queremos, a fim de que aqueles a quem servimos vejam o que
precisam ver em Jesus (Jo 21.18).
Portanto, eu me humilhei, e estabelecemos várias casas abertas.
As pessoas vinham e me diziam o quanto eu poderia melhorar
minha pregação. No meu orgulho eu reclamava a Deus: “Com
certeza eles se ofenderiam, e com razão, se eu entrasse em seus
escritórios, sem treino ou experiência naquilo que fazem, e lhes
dissesse como deveriam fazer melhor o seu trabalho”. Então eu
gritava ainda mais alto a Deus. “Não mereço isto. Algumas dessas
pessoas querem até mesmo me ferir. Não querem me amar.
Querem que eu produza a experiência que eles desejam, ou vão
embora para outro lugar”.
Era a ameaça do consumidor de “ir para outro lugar”. Às vezes os
pastores desejariam fazer a mesma ameaça. Mas daí viriam os
lobos, e de que adiantaria?
Finalmente, as brandas graças vinham como as chuvas suaves,
lembrando-me nas vigílias da noite de que eu não sou empresário,
mas pastor de ovelhas, não sou um servo contratado, mas um
pastor com a tarefa de prover cuidado espiritual a um povo amado
por Deus. Minha vida não me pertence. Nem a sua.
Então, que textos há para nos ensinar sobre fazer caminhos que
contribuam para o que é nativo em vez de dinamitar o caminho da
congregação com a nossa visão?
Tito
Creta era uma igreja iniciante, precisando de ajuda real e difícil
labor. Era distante, sem prestígio e sem reputação, exceto de ser
notoriamente corrupta. Mas havia uma história se fazendo em Creta.
Jesus tem algo a dizer ali. O que Tito, esse grande homem com
dons superiores deveria fazer por Jesus quando chegasse ali?
Paulo nos diz:
• Fique conhecendo pessoas comuns do local e comece a instruir
aqueles que têm dons de liderança (“para que... constituísse
presbíteros”, Tt 1.5). Tito deverá aprender o nome e a história das
pessoas do local.
• Gaste tempo conhecendo cada cidade próxima e, desta forma,
busque o bem delas (“em cada cidade”, v. 5). Tito deverá
aprender o nome, a condição e as necessidades das cidades de
sua região.
• Fique sabendo das narrativas locais que se opõem ao evangelho
(“Porque existem muitos insubordinados... É preciso fazê-los
calar...”, vv. 10–11). Tito deverá gastar tempo aprendendo os
ensinos, os preconceitos e as personalidades que desafiam o
evangelho.
• Gaste tempo para conhecer as famílias do local para cuidado
pastoral (“porque andam pervertendo casas inteiras, ensinando o
que não devem”, v. 11). Tito deverá equipar as famílias em seu
andar com Jesus em meio a esses desafios locais.
• Familiarize-se com a história e literatura do lugar (“Foi mesmo,
dentre eles, um seu profeta [poeta], que disse: Cretenses, sempre
mentirosos...”, v. 12 ). Tito precisa ler as notícias e os porta-vozes
locais.
• Cultive uma cultura congregacional que seja de ética relacional
(homens mais idosos, homens mais jovens, mulheres mais
velhas, mulheres mais jovens, 2.1–6). Tito deve cuidar da
formação de um ambiente relacional, em que vivam a vida juntos.
Nada disso acontece em um só dia.
Eis algumas coisas que nos fazem andar mais devagar, deixando-
nos atentos antes de acender um fusível ou levar seu órgão portátil
à tundra.
Palavras e Memórias
Primeiro, lembre-se de que essa cultura e essas pessoas existiam
antes de você chegar. Eles já usaram palavras e deram a elas seus
significados, algo que todos nós fazemos.
Mencione a mim a palavra Mamaw, e minha memória desperta.
Ouço a voz dela dizendo: “As minhas terras”, ou: “ele é um peralta”,
ou se referindo a mim como “Charlie Brown”. Eu a vejo assistindo
programas de viagens na televisão, usando blusa amarela de
manga curta, andando pelo quintal catando os pedaços de pau ou
sentada calmamente com os sentidos não falados que às vezes
dançavam e às vezes choravam em seus olhos no Natal. Sinto o
cheiro de seu perfume ou o efeito de suor na pele, das horas gastas
cozinhando vagens com bacon. Vejo a sujeira debaixo de suas
unhas por cavoucar seu jardim e horta, nos quais plantava e colhia
as mesmas vagens. Sinto o cheiro do sabonete após um banho de
chuveiro, da madeira bolorenta das escadas que Papaw construiu.
Sinto o sabor de sua macarronada com tomates, os franguitos que
ela me trazia depois do trabalho quando eu era menino, e das
lágrimas que beijei em seu rosto antes dela morrer. Sinto seu abraço
na varanda quando ia voltar para a faculdade. Sinto seu cabelo
escuro seco e entregue sobre sua fronte quando ela estava na casa
de repouso.
Mencionar a palavra Mamaw de modo leviano, até mesmo de jeito
inofensivo, é entrar em minha história e revirar as águas emotivas
de meu ser. Meu ser desperta com sentimentos.
Quando se diz qualquer palavra, tal como mamaw, filhos, morte,
teologia, Bíblia, evangelismo ou graça, você o faz num contexto de
significados estabelecidos antes de você chegar. Talvez tenha de
esclarecer o que quer dizer por algum tempo, e aprender deles o
que eles estão querendo dizer. Fazer isso não é enfrentar
problemas indevidos, mas se envolver no trabalho pastoral
normativo.
Entrevista
Sentávamos ao redor de uma mesa na sala. Nossos pratos do jantar
já haviam sido retirados e estávamos apreciando a sobremesa. Eu
estava sendo entrevistado. Eu já estivera aí tempo suficiente para
conhecer as duas grandes perguntas que os comitês norte-
americanos de procura de pastor querem saber. Já havia
respondido à primeira pergunta, e não estava certo de que tivesse
feito isso de maneira satisfatória. Essa era, claro: “Qual é a sua
visão para essa igreja?”
Anos antes, em meu primeiro pastorado, eu havia respondido a
essa pergunta com uma declaração de cinco pontos, que incluía um
diagrama preparado que entreguei a todos. “Era impressionante”,
disseram eles naquela época, e aparentemente, eu também achei
isso. Mas após todos esses anos, tendo cometido tantos erros, eu
não confiava mais como poderia saber, após passar um total de
apenas quatro dias em três meses com pessoas que nunca tinha
conhecido antes, o que eles precisavam da parte de Deus.
Antigamente eu não pensava assim. Mas isso foi antes de pensar
sobre pastores e pobres homens sábios, silêncios e não apenas
sentenças, e a obra contemplativa do servo sofredor.
Após essa caminhada, a minha visão para a igreja foi: “Não sei.
Tenho um punhado de ideias sobre o que significa amar a Deus e ao
próximo e como isso impacta a visão de qualquer congregação que
queira seguir a Jesus. Acho que Atos 2 nos oferece direção para os
tipos de ministério que qualquer congregação deve buscar. Estou
familiarizado com alguns truísmos sobre Saint Louis, tendo vivido
aqui por algum tempo, que podem provar ser de ajuda. Mas ainda
não posso responder completamente quanto a como essas
diretrizes bíblicas devem ser formuladas nessa determinada
congregação e comunidade. Precisaremos de muito mais tempo
juntos.”
Pelos olhares que se seguiram e as perguntas que recebi dessa
boa gente, era óbvio que minha resposta soou estranha. Assim,
quando chegou a segunda pergunta iminente, eu senti que não tinha
nada a perder: “Por que nós deveríamos convidá-lo para ser nosso
pastor?”
“Não tenho certeza. Nem sei se deveriam fazê-lo”, respondi.
Cada membro olhou para o outro e voltou o olhar para mim. Com
um sorriso caloroso, um membro respondeu: “Não acho que é assim
que se deve responder a essa pergunta”. Todos nós demos risadas.
“Eu sei”, disse eu. “Sei como eu deveria responder e posso lhes
dizer, se quiserem. Posso lhes dar meu currículo, minha altura,
meus anos de experiência e livros, e minha visão quanto ao que
poderei fazer por essa igreja diferentemente de qualquer outro.
Então posso dizer que Deus colocou isso em meu coração e dizer
que, para a sua glória, eu creio que poderemos nos mobilizar e
realizar grandes coisas para um futuro notável”.
“E tem problema com isso?”, um dos membros perguntou ao dar
generosa risada, se inclinando à frente.
“Sim”, acenei. “Se pudermos ser honestos um com o outro, todos
sabemos que só passamos juntos algumas horas. Têm sido ótimas,
mas ainda não nos conhecemos bem. Vocês querem um pastor, e
eu quero um trabalho. Estamos todos apresentando nossa melhor
cara. Mas daqui a um ano, as grandes coisas sobre as quais
conversamos hoje não serão importantes. Até lá, vocês conhecerão
as minhas fraquezas, feridas e pecados, e eu saberei dos seus.
Daqui a um ano, o que vai importar é se realmente amamos uns aos
outros com nossos pontos fortes e fracos, nossas dores e pecados.
Se não for assim, nossas declarações de visão e planos não vão
mesmo frutificar, não obstante quão animados ou bem-enunciados.
Assim, não sei como fazer, mas espero que haja um meio de chegar
a essa pergunta mais difícil, porém verdadeira.”
Olho para trás e fico humilhado. Não estava tentando ser modesto
ou difícil. Mas sei que não foi fácil para eles. Havia jeito melhor de
dizer essas coisas e agora vejo que eu estava mais cínico e ferido
do que queria estar. Contudo, estava sendo tão sincero quanto eu
sabia ser meu coração. Não queria que fingíssemos juntos, quer eu
me tornasse seu pastor quer não. Quaisquer que fossem nossos
grandes planos, havia ainda uma cultura de partilhar a vida juntos
com a qual teríamos de contender. Eu não queria feri-los nem ser
ferido por eles, porque não havíamos levado em conta isso. De
algum modo, em minha imperfeição, essa gente querida
graciosamente enxergou tudo e soube disso. Devemos ter sido
criados para estar juntos. Tem sido assim desde então. Existe uma
graça sobre graça.
Annie Dillard, Teaching a Stone to Talk: Expeditions and Encounters [Ensinando uma pedra
a falar], (Nova York: HarperPerennial, 1992), 36–39.
Robert Flayhart, Gospel-Centered Mentoring, D.Min Dissertation, Covenant Teological
Seminary, 2001
Robert Flayhart, Gospel-Centered Mentoring, D.Min Dissertation, Covenant Theological
Seminary, 2001.
15 | Liderança
Tomar decisões
Como a nossa tentativa de valorizar coisas pequenas, geralmente
negligenciadas, que são importantes em longos períodos de tempo,
formam o modo como procuramos tomar decisões como
presbíteros? De início, eu me encontro com cada presbítero uma
vez por mês para almoçarmos juntos, e tentamos aos trancos e
barrancos achar tempo para gastar juntos, de modo prático na vida
da igreja. Queremos nos conhecer bem quando não há em pauta
nenhuma decisão a tomar para que, quando chegarem as crises de
tarde da noite, tenhamos confiança relacional suficiente para
enfrentar momentos onde qualquer um de nós não esteja em sua
melhor hora.
Então nos movemos, embora imperfeitamente, em direção à
tomada de decisões, com um arcabouço de três perguntas que
encontramos nas palavras de Paulo em 2Timóteo 2.23–26.
O círculo interno
No contexto de tomada de decisões, tenho descoberto o que C. S.
Lewis chamava de “Círculo interno” como sendo o desafio mais
difícil à liderança. Isso nos tenta a abrir mão de “amigos a quem
realmente amamos e cuja amizade poderia ter durado a vida inteira,
a fim de cortejar as amizades daqueles que parecem ser mais
importantes”.73
O que é uma roda interna ou círculo interior? “Do lado de fora, se
você já se desesperou por não conseguir penetrá-lo, você os chama
de ‘aquela turma’ ou ‘eles’ ou ‘fulano de tal e sua panela’”.74
Diáconos, presbíteros, conselhos, mesas administrativas,
assembleias, rol de contribuintes, lista de votantes, comitês, equipes
ministeriais, autoridades, amizades, famílias — todos esses
funcionam como círculos internos. No pior cenário, os círculos
internos locais expõem “nosso anseio por fazer parte deles, nossa
angústia quando somos excluídos, e a espécie de prazer que
sentimos quando conseguimos entrar”.75
O ídolo do círculo interior expõe a razão porque somos propensos
a desculpar um líder colega a quem amamos, mesmo quando ele ou
ela estiver prejudicando outras pessoas. Vemos a dignidade ou os
dons desse líder com tanta clareza que, quando experimentamos
dor ou preocupação pelo lado mais obscuro de seu caráter, sentimo-
nos desorientados, encontramos meios de racionalizar ou ficamos
ansiosos quanto a perder nosso relacionamento ou nosso emprego
ou desconcertar a outros. A sabedoria de julgar com lentidão as
fraquezas do próximo passa à loucura de fazer um catálogo de
desculpas esfarrapadas.
Lembro-me de um homem que foi candidato a presbítero numa
das igrejas em que eu servi. Surgiu uma divisão entre os outros
líderes quanto a este homem ser capacitado para o serviço. Aqueles
que expressaram cautela e acharam que era melhor esperar
perderam no voto. Duas coisas dolorosas vieram à tona quase
imediatamente.
Primeiro, apenas algumas semanas depois de eleito, esse
presbítero encurralou um membro da igreja depois de uma reunião
da congregação, tomando sobre si a tarefa de corrigi-lo
intensamente por uma resposta dada na reunião. O membro da
igreja, quase em lágrimas e confuso, gritou pelo corredor pedindo
ajuda ao pastor.
Segundo, veio à luz que, na realidade, nenhum membro da
congregação tinha apresentado o nome desse homem para a
liderança. Somente os seus amigos que já eram presbíteros o
fizeram. Ingenuamente, esses homens bem-intencionados, por
lealdade e amor a um amigo, haviam usurpado a prática sábia.
Sabiam que ninguém na congregação reconhecia quaisquer dons
de pastoreio nessa pessoa. Mas desculparam isso, porque a seus
olhos o homem tinha qualificações e eles, afinal, eram os líderes.
Fecharam os olhos ao fato de que ele não tinha sido provado em
seu cuidado para com as pessoas comuns. Como resultado, o
presbítero foi defendido (mas não ajudado a crescer). Enquanto
isso, a congregação foi mal-usada. A fim de minorar os danos feitos
por líderes do círculo íntimo, Paulo relembra a Timóteo:
Nada é mais doce neste mundo triste do que o som de alguém a quem
você ama chamando-o pelo nome.
K D
Criaturas no Éden,
almejando.
que retornam,
como pobres homens sábios em lugares pequenos,
esquecidos por aqueles que eles ajudam a libertar,
mas por Ele conhecidos, a quem eles contemplam
nos silêncios, escutando, momento a momento
para sustentar com uma palavra,
Viúvas e lavradores
Sei que o chamado para ser um profeta e rei soa mais nobre do que
ser viúva ou lavrador. Afinal, profeta e rei significam grandes
posições, para momentos heroicos em uma geração. Não desprezo
isso. Ansiamos por uma geração na qual Deus nos conceda tais
líderes. Tomemos, por exemplo, a Elias no Monte Carmelo, e
desejamos que nós também possamos permanecer firmes contra os
falsos ensinos e falsos profetas de nossa época, com a mesma
coragem. Não é de se maravilhar! Considere que nos dias dos
juízes, quando “cada um fazia o que achava mais reto” (Jz 21.25),
Deus levantou homens e mulheres para feitos poderosos e eventos
de campeão. “Suscitou o S juízes, que os livraram da mão
dos que os pilharam” (Jz 2.16). Ah! Levantar-se como Débora ou
Gideão ou Sansão, não com espadas, mas com verdadeiro poder
espiritual! Olhamos para nossos tempos. Vemos todos fazendo o
que acham certo aos próprios olhos. Nós também ansiamos
justamente por tal reforma e avivamento. Os que são propensos a
resignar-se precisam que Jesus desperte esses desejos para a
nossa geração.
Mas, aqueles entre nós que foram chamados ao trabalho pastoral
precisarão da ajuda do lavrador e da viúva mais frequentemente.
Esses heróis improváveis nos ensinam algo vital sobre Deus e a
nossa vocação.
Primeiro, existem heróis que nunca receberam os holofotes de sua
geração. Enquanto os juízes participaram publicamente em
transformação cultural substancial, um fazendeiro de nome Boaz
calmamente andava pelos campos enlameados, plantava seus
grãos, tratava bem os seus empregados, e buscava o bem comum
de sua comunidade com trabalho diário, duro e cheio de oração.
Esse lavrador amava a mulher gentia e sua família. Tinham uma
vida ordinária, de verdadeiro amor, juntos. Eles amavam a Deus.
Aqueles que conhecem a história argumentarão que esse amor
comum, nessa vida comum, provou ser igual, se não maior, do que
os grandes feitos dos juízes naquela geração.
Segundo, momentos heroicos são celestiais, mas não são o céu.
Que alívio, que celebração, que gratidão e felicidade surgem
quando uma pessoa é livrada da opressão, corrupção e maus-
tratos; quando as almas são despertadas; quando dignidade e
integridade e decência não são somente divisas, mas as ações
dessa terra! Contudo, os efeitos dos momentos heroicos
desvanecem. Isso era verdade nos tempos dos juízes. O coração
humano não foi mudado intrinsecamente, de modo universal, pelos
feitos poderosos. Em pouco tempo surgia outra geração que
precisava de outro juiz. Mesmo essas poderosas libertações não
puderam devolver a família de Noemi ou o marido de Rute. Vieram
os avivamentos, mas as lápides dos túmulos permaneceram em
Moabe.
Terceiro, às vezes as visitas de Deus são vistas quando pão
comum é colocado sobre a mesa de uma família comum (Rt 1.6). Às
vezes, o auxílio de Deus é encontrado na provisão de um grão
corriqueiro ou em um amigo comum.
Quarto, os momentos heroicos têm como alvo a recuperação
daquilo que é ordinário e comum. Débora e Gideão foram
levantados por Deus para que todos pudessem voltar para suas
casas, com uma vida em paz. O grande triunfo de um Super-homem
na ficção é libertar do mal os cidadãos de Metrópoles, para que
possam voltar para o trabalho, casar-se, viver e comer e encontrar
significado nisso. O grande triunfo da “Grande Geração”76 foi livrar o
mundo da tirania para que as pessoas pudessem voltar à bendita
alegria da vida diária e do amor. O verdadeiro ato de heroísmo em
Jesus na cruz e no túmulo vazio é para que o seu povo retorne para
a graça de viver a vida com Deus, em um lugar, com amor por
nossos vizinhos, e com a liberdade de gozar a Deus no trabalho,
lazer, descanso e amor que ali ele nos dá.
Romantismo e resignação
Sem essas lembranças, alguns de nós nos desgastamos com o
romantismo. Não conseguimos encontrar Deus nas coisas comuns,
no ordinário. Mexemo-nos, inquietos, de um grande momento para o
próximo. Com regularidade, empurramos os outros para o mesmo
redemoinho. Damos pouco espaço no ministério para uma Noemi,
que não tem o marido de volta, ou para um local onde a grande
visitação de Deus seja o fato de que as comuns mesas de jantar
tenham novamente o que comer. Temos dificuldades em glorificar a
Deus comendo, aprendendo a amar, indo dormir, levantando na
manhã seguinte para ir ao mesmo trabalho. A ideia de viver e
ministrar em um ou dois lugares desconhecidos e comuns por
cinquenta anos, para então ir para casa estar com o Senhor soa
como a morte. De que vale, para Deus, uma vida comum nos
campos de trigo?
Outros se deterioram internamente pela resignação. Se há alguns
de nós que não encontram Deus nas coisas comuns, há muitos que
desistiram de qualquer coisa extraordinária dada por Deus ou
realizada por nós. Dizemos com Noemi: “Não me chameis Noemi;
chamai-me Mara, porque grande amargura me tem dado o Todo-
Poderoso” (Rt 1.20). Nenhum amor encontrará de novo a Rute.
Nenhum pão virá à nossa mesa. Nenhum juiz nos salvará. Tudo é
amargo e sem razão de ser; não adianta tentar. Acho que meu
amigo pastor que tirou sua própria vida aterrissou aqui. O que
adianta para Deus uma vida comum nos campos de trigo?
O resultado é um tipo de pensamento de “tudo ou nada”. Ou tudo
é maravilhoso ou não existe nada de bom — de qualquer jeito, um
campo de trigo não é suficientemente grandioso (por exemplo, Adão
e Eva no Éden). O romantismo e a resignação têm esse lema em
comum.
Em contraste aos dois, Jesus nos conclama ao realismo
romântico. Ele comprou isto por nós na cruz. Ansiamos por
momentos heroicos, mas reconhecemos que eles não são o céu e
que mais provavelmente, outra pessoa entre uns poucos e raros
terá esse papel momentâneo. Somos realistas quanto ao fato de
que os momentos heroicos não são o modo normal em que Deus
visita diariamente o seu povo. No entanto, ainda cremos que Deus
está fazendo algo maior do que conseguimos enxergar atualmente.
Em seu amor por nós, ele está recuperando em Jesus aquilo que foi
perdido. Somos realistamente românticos. Vemos pão sobre a mesa
e damos graças a Deus! Pão não é mais apenas pão. Pão é uma
dádiva, um dom — Deus se lembrou de nós. O amor comum, do
jeito que deve ser, junto com uma longa vida de corriqueira
fidelidade a Deus, realiza muito mais do que sabemos. Um
fazendeiro, uma viúva e uma gentia, em um lugar desconhecido por
toda sua vida, poderão revelar, no fim, a verdadeira grandeza de
Deus. O realista romântico fala desse modo:
Enquanto todo mundo fazia o que era certo aos próprios olhos e
os reformadores procuravam virar com poder a maré espiritual, a
promessa de Genesis 3.15 estava sendo buscada por Deus em uma
simples fazenda, em meio a sonhos esmiuçados e recuperados de
amor e vida comuns.
Os romantizados e os resignados — nenhum deles teria visto a
Rute como senhora real na linha do Rei. Enquanto os romantizados
ficavam na fila para conseguir o autógrafo de alguém como Gideão,
e enquanto os resignados ficaram em casa reclamando do exagero,
ninguém teria notado o tremendo mover de Deus em seu meio.
Não importa quão grandes ou talentosos somos, Deus nos convida
para ele por amor local, a pessoas locais, em uma localidade
definida, com a longa sabedoria aprendida pelo conhecimento local
em Jesus, até que ele venha. Isto quer dizer que, se você estiver se
desgastando, tentando ser e fazer mais do que isso, Jesus o chama
para parar com todo esse pisoteio por todo lado e vir finalmente
para casa. A grande obra a ser realizada está bem à nossa frente,
com as pessoas e nos lugares que a sua providência nos concedeu.
Para mim, isso quer dizer ler os jornais Webster-Kirkwood Times ou
St. Louis Post Dispatch, quando soaria muito mais atraente e
importante ler o New York Times ou o USA Today. Posso ler os
jornais anteriores sem os últimos, mas não vice-versa, porque aqui é
o lugar para onde ele me chamou. É aqui que ele está operando.
Aqui está meu posto, meu lugar, minha vida, a sua glória.
Palavra e Sacramento
Realismo romântico explica a razão pela qual nos entregamos à
leitura e pregação da Palavra de Deus junto à acolhida regular do
pão e do cálice.
Alguns romanticamente fazem uma encantação de um texto
bíblico, como se a mágica estivesse enterrada nas páginas e tinta.
Outros se resignam a nada mais que recitar palavras antigas sobre
uma superfície morta. Mas Paulo, o apóstolo, confunde esses dois
pontos de vista e fala de um tempo em que a pregação vem para
certa localidade, com suas pessoas, “em poder, no Espírito Santo e
em plena convicção” (1Ts 1.5).
Alguns romanticamente exageram a voz, como se a santidade
tivesse um tom alto, como se Deus falasse com uma articulação de
trombeta, carregada de tremor ou, em contraste, apenas com uma
voz tímida, sussurrando gritos de glória. Outros fazem raio-X de
brincadeiras vocais, sendo cínicos quanto ao cântico. “Voz”, dizem
eles, “ nada mais é que voz”. “A voz é limitada pelas cordas vocais,
vazia. A voz é fria como a religião”.
Mas Paulo diz o contrário. Há tempos em que a voz humana fala
em toda sua grandeza e fragilidade, mas o que a congregação ouve
é o próprio Deus, que lhes fala por meio desse texto impresso e
dessa voz humana. “Tendo vós recebido a palavra que de nós
ouvistes, que é de Deus, acolhestes não como palavra de homens,
e sim como, em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito,
está operando eficazmente em vós, os que credes” (1Ts 2.13).
O Espírito toma essa Palavra lida e pregada. O alfabeto ordinário,
a voz comum, aqueles que dão vida pelo sopro do Espírito, e
pessoas comuns respondem a um Deus que está presente. Seu
Espírito em Jesus lhes fala, e com seus defeitos e limites eles
realmente ouvem: “deixando os ídolos, vos convertestes a Deus,
para servirdes o Deus vivo e verdadeiro e para aguardardes dos
céus o seu Filho, a quem ele ressuscitou dentre os mortos, Jesus,
que nos livra da ira vindoura” (1Ts 1. 9–10).
Da mesma forma, o pão e o vinho anunciam “a morte do Senhor”
(1Co 11.26). Pão e suco, hóstia ou vinho, nada mais são que isso.
Compramos em oferta no mercado da esquina. Contudo, Deus se
aproxima de nós aqui; de maneira singular nós degustamos e
provamos, vendo não somente a massa e as uvas esmagadas, mas
a própria bondade do Cristo vivo. Lembrarmo-nos dele torna-se em
recebê-lo. Ele nos encontra em verdadeira presença, enquanto pela
fé mastigamos e engolimos e oramos. A morte espreita aqui entre
os pedaços. A vida surge quando nos ajuntamos para celebrar. O
corpo do Senhor é aqui discernido. É sagrado o que comemos (١Co
11.27–29).
Estou aprendendo que o realista romântico encontra seu caminho
em direção a um longo compasso, em um lugar local. Porque pela
fé, existe mais nessa tinta e nesse texto, nessas vozes variadas de
pregadores humanos, nessas pessoas do local com as suas
histórias do cotidiano, nesse pão comprado no mercado ou assado
no forno caseiro e nesses copos de suco ou vinho barato — existe
mais aqui, estou dizendo, do que podemos ver com nossos olhos.
Deus está aqui. Essa mesma velharia, esse mesmo velho de
sempre tem asas.