Como Funciona o Facismo
Como Funciona o Facismo
Como Funciona o Facismo
e sua geração
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INTRODUÇÃO
Tendo crescido com pais que deixaram a Europa como refugiados, fui criado
com histórias da nação heroica que ajudou a derrotar os exércitos de Hitler e
inaugurar uma era inédita de democracia liberal no Ocidente. Já próximo do
final da vida, gravemente doente com mal de Parkinson, meu pai insistiu em
visitar as praias da Normandia. Apoiado nos ombros da esposa, minha
madrasta, ele realizou o antigo sonho de caminhar onde tantos jovens
americanos valentes perderam a vida na guerra contra o fascismo. No
entanto, embora minha família comemorasse e honrasse esse legado
americano, meus pais também sabiam que o heroísmo americano e as ideias
americanas de liberdade nunca foram uma coisa só.
Antes da Segunda Guerra Mundial, Charles Lindbergh era o exemplo do
heroísmo americano, com seus voos ousados, incluindo o primeiro voo solo a
cruzar o Atlântico, e a celebração da nova tecnologia. Lindbergh apostou sua
fama e a posição de herói num papel de destaque no movimento America
First [Estados Unidos em primeiro lugar], que se opunha à entrada dos
Estados Unidos na guerra contra a Alemanha nazista. Em 1939, num ensaio
intitulado “Aviation, Geography, and Race” [Aviação, geografia e raça],
publicado no periódico mais americano que existia, o Reader’s Digest,
Lindbergh defendia para os Estados Unidos algo parecido com o nazismo:
Chegou a hora de deixarmos de lado nossas contendas e construirmos nossos baluartes
brancos mais uma vez. Essa aliança com raças de fora não significam nada além de morte
para nós. Agora é a nossa vez de proteger nossa herança dos mongóis, persas e mouros,
antes que sejamos engolidos por um mar estrangeiro sem limites.1
O ano de 1939 também foi o ano em que meu pai, Manfred, com seis anos
na época, escapou da Alemanha nazista, deixando o aeroporto de Tempelhof,
em Berlim, em julho, com sua mãe, Ilse, depois de passarem meses na
clandestinidade. Ele chegou a Nova York no dia 3 de agosto de 1939,
passando de navio pela Estátua de Liberdade em direção ao porto. Temos um
álbum de família das décadas de 1920 e 1930. Na última página, há seis fotos
diferentes da Estátua da Liberdade tornando-se gradativamente visível.
O movimento America First era a faceta pública do sentimento pró-
fascista dos Estados Unidos naquela época.2 Nas décadas de 1920 e 1930,
muitos americanos tinham a mesma visão de Lindbergh contra a imigração,
sobretudo de não europeus. A Lei da Imigração de 1924 restringia a
imigração ao país, e seu principal objetivo era dificultar a imigração tanto de
não brancos quanto de judeus. Em 1939, os Estados Unidos permitiram que
pouquíssimos refugiados atravessassem suas fronteiras, e é um milagre que
meu pai estivesse entre eles.
Em 2016, Donald Trump ressuscitou o “America First” como um de seus
slogans, e desde sua primeira semana no cargo seu governo tem proibido
implacavelmente a imigração, incluindo de refugiados, principalmente de
países árabes. Trump também prometeu deportar os milhões de trabalhadores
não brancos, provenientes da América Central e da América do Sul, que
estavam ilegais nos Estados Unidos e, ainda, dar um fim à legislação que
protege da deportação os filhos trazidos com eles. Em setembro de 2017, o
governo Trump estabeleceu um limite de 45 mil no número de refugiados que
poderiam entrar nos Estados Unidos em 2018 – o menor número desde que os
presidentes começaram a estabelecer esses limites.
Se Trump lembrou Lindbergh especificamente com o “America First”, o
resto de sua campanha também ansiava por um ponto vago na história:
“Make America Great Again” [Fazer dos Estados um grande país
novamente]. Mas quando, exatamente, aos olhos da campanha de Trump, os
Estados Unidos foram um país grande? Durante o século XIX, quando o país
escravizava sua população negra? Na vigência das leis Jim Crow, quando os
negros americanos do Sul eram impedidos de votar? Uma dica sobre a década
que mais chamou atenção para a campanha de Trump surgiu numa entrevista
da Hollywood Report, em 18 de novembro de 2018, com Steve Bannon, o
principal estrategista do então presidente eleito, em que ele observa que a era
que está por chegar “será tão emocionante quanto a década de 1930”. Ou
seja, a era em que os Estados Unidos tinham a maior simpatia pelo fascismo.
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É
natural começar este livro onde a política fascista invariavelmente
afirma descobrir sua gênese: no passado. A política fascista invoca
um passado mítico puro que foi tragicamente destruído. Dependendo
de como a nação é definida, o passado mítico pode ser religiosamente puro,
racialmente puro, culturalmente puro ou todos os itens acima. Mas há uma
estrutura comum a todas as mitificações fascistas. Em todos os passados
míticos fascistas, uma versão extrema da família patriarcal reina soberana,
mesmo que há poucas gerações. Recuando mais no tempo, o passado mítico
era um tempo de glória da nação, com guerras de conquista lideradas por
generais patriotas, com exércitos repletos de guerreiros leais, seus
compatriotas, fisicamente aptos e cujas esposas ficavam em casa cuidando da
próxima geração. No presente, esses mitos se tornam a base da identidade da
nação submetida à política fascista.
Na retórica de nacionalistas extremos, esse passado glorioso foi perdido
pela humilhação provocada pelo globalismo, pelo cosmopolitismo liberal e
pelo respeito por “valores universais”, como a igualdade. Esses valores,
supostamente, enfraqueceram a nação diante de desafios reais e ameaçadores
para sua existência.
Esses mitos geralmente se baseiam em fantasias de uma uniformidade
pregressa inexistente, que sobrevive nas tradições das pequenas cidades e dos
campos, os quais permanecem relativamente isentos da decadência liberal dos
grandes centros urbanos. Essa uniformidade – linguística, religiosa,
geográfica ou étnica – pode ser perfeitamente comum em alguns movimentos
nacionalistas, mas os mitos fascistas diferenciam-se com a criação de uma
história nacional gloriosa, em que os membros da nação escolhida
governavam devido a conquistas e realizações em prol do desenvolvimento
da civilização. Por exemplo, na imaginação fascista, o passado
invariavelmente envolve papéis de gênero tradicionais e patriarcais. O
passado mítico fascista tem uma estrutura particular, que sustenta sua
ideologia autoritária e hierárquica. O fato de que as sociedades do passado
raramente eram tão patriarcais, ou tão gloriosas, quanto a ideologia fascista as
faz imaginar não vem ao caso. Essa história imaginária fornece provas para
apoiar a imposição de hierarquia no presente, e dita como a sociedade
contemporânea deve ser e agir.
Num discurso de 1922 no Congresso Fascista em Nápoles, Benito
Mussolini declarou:
Nós criamos o nosso mito. O mito é uma fé, uma paixão. Não é necessário que ele seja
uma realidade... Nosso mito é a nação, nosso mito é a grandeza da nação! E a esse mito,
essa grandeza, que queremos transformar numa realidade total, subordinamos tudo.1
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Para debater honestamente o que nosso país deve fazer, que políticas deve
adotar, precisamos de uma base comum de realidade, inclusive sobre nosso
próprio passado. A história em uma democracia liberal deve ser fiel à norma
da verdade, produzindo uma visão precisa do passado, em vez de uma
história fornecida por razões políticas. A política fascista, ao contrário,
geralmente contém uma demanda para mitificar o passado, criando uma
versão do patrimônio nacional que é uma arma para ganhos políticos.
Se o indivíduo não está preocupado com políticos que buscam
intencionalmente apagar qualquer memória histórica dolorosa, vale a pena
conhecer a literatura da psicologia sobre memória coletiva. Em seu artigo de
2013, “Motivated to ‘Forget’: The Effects of In-Group Wrongdoing on
Memory and Collective Guilt” [Motivado a “esquecer”: Os efeitos de atos
danosos intragrupais na memória e na culpa coletiva], Katie Rotella e
Jennifer Richeson apresentaram aos participantes americanos histórias sobre
“o tratamento violento e opressivo dos índios americanos”, enquadradas de
duas maneiras: “Especificamente, os perpetradores da violência foram
descritos ou como americanos primitivos (em grupo), ou como europeus que
se estabeleceram no que se tornou a América (condição fora do grupo)”.12 O
estudo mostrava que as pessoas são mais propensas a sofrer uma espécie de
amnésia a respeito de malfeitos quando os perpetradores são caracterizados
explicitamente como seus compatriotas. Quando os participantes americanos
foram apresentados aos agentes da violência como americanos (em vez de
europeus), eles tiveram uma memória significativamente pior para eventos
históricos negativos, e “o que os participantes recordaram foi expressado
mais negligentemente quando os perpetradores eram membros do grupo”. O
trabalho de Rotella e Richeson baseia-se num conjunto de trabalhos
anteriores com resultados semelhantes.13 Já existe uma forte tendência
embutida no sentido de esquecer e minimizar os atos problemáticos
cometidos por um membro do próprio grupo no passado. Mesmo que os
políticos não fizessem nada para estimular essa atitude, os americanos
minimizariam a história da escravização e do genocídio, os poloneses
minimizariam uma história do antissemitismo e os cidadãos turcos estariam
inclinados a negar atrocidades do passado cometidas contra os armênios. Ter
políticos que exortam isso como política educacional oficial só põe lenha
numa fogueira já estabelecida.
Líderes fascistas apelam à história para substituir o verdadeiro registro
histórico por uma gloriosa substituição mítica que, em suas especificidades,
pode servir a fins políticos e ao objetivo final de substituir os fatos pelo
poder. O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, baseou-se na experiência
da Hungria de combater a ocupação do Império Otomano nos séculos XVI e
XVII para colocar o país no histórico papel de defensor da Europa cristã a
fim de embasar a restrição aos refugiados de hoje.14 Naturalmente, durante
esse tempo, a Hungria era a fronteira entre um império liderado por
muçulmanos e outro liderado por cristãos; mas a religião não desempenhou
um papel tão importante nesses conflitos. (O Império Otomano, por exemplo,
não exigiu a conversão de seus súditos cristãos.) A história mítica que Orbán
conta tem plausibilidade suficiente para reduzir a natureza complexa do
passado e respaldar seus objetivos.
Nos Estados Unidos, a história do Sul é continuamente mitificada para
branquear a escravidão e foi utilizada para justificar a recusa em conceder
direitos de voto a cidadãos negros americanos até um século após o fim da
escravidão. A narrativa central na justificativa da recusa do Sul em conceder
o voto aos negros é uma história falsa do período conhecido como
Reconstrução, imediatamente após o fim da Guerra Civil, em 1865, quando
os negros do Sul tiveram permissão para votar. Naquela época, os negros
americanos eram maioria em alguns estados do Sul, como a Carolina do Sul,
e por cerca de doze anos seus representantes tiveram voz poderosa em muitas
legislaturas estaduais, chegando a ocupar posições no Congresso dos EUA. A
reconstrução terminou quando os brancos do Sul promulgaram leis que
tinham o efeito prático de proibir os cidadãos negros de votar. Os sulistas
brancos propagaram o mito de que isso era necessário porque os cidadãos
negros eram incapazes de se autogovernar; nas histórias divulgadas na época,
a Reconstrução foi representada como uma época de corrupção política sem
paralelos, com a estabilidade restaurada apenas quando os brancos tiveram
novamente poder total.
A obra-prima de 1935 de W.E.B. Du Bois, Black Reconstruction
[Reconstrução negra], é uma refutação decisiva da então história oficial da
era da Reconstrução. Como mostra Du Bois, os brancos do Sul, com o
conluio das elites do Norte, puseram fim à era da Reconstrução devido ao
medo disseminado entre as classes abastadas de que cidadãos negros recém-
emancipados se unissem aos brancos pobres para desenvolver um movimento
trabalhista poderoso a fim de desafiar os interesses do capital. Du Bois
mostra como a era da Reconstrução foi um tempo de governança justa,
quando os legisladores negros não apenas não governavam por interesse
próprio, mas se esforçavam para acomodar os medos de seus concidadãos
brancos. Na época, Black Reconstruction foi totalmente ignorado pelos
historiadores brancos; mas na década de 1960, a história que Du Bois conta
ali se tornou amplamente reconhecida como fato.
Foi por razões políticas que historiadores acadêmicos promoveram
conscientemente uma falsa história da Reconstrução. Eles usavam sua
disciplina não para buscar a verdade, mas para tratar das feridas psíquicas dos
americanos brancos decorrentes da Guerra Civil. Ao fornecer uma visão
reconfortante da história que encobria as gritantes diferenças morais entre os
estados, os historiadores justificavam a remoção das proteções mínimas de
cidadania para cidadãos negros nos antigos estados pró-escravidão. O último
capítulo de Black Reconstruction é intitulado “A propaganda da história”.
Nele, Du Bois denuncia duramente a prática de apelar aos ideais da erudição
histórica, da verdade e da objetividade. Fazer isso, declara Du Bois, é minar a
disciplina da história. Historiadores que apresentam uma falsa narrativa para
obter ganhos políticos sob os preciosos ideais da verdade e da objetividade,
segundo Du Bois, são culpados de transformar a história em propaganda.
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PROPAGANDA
É
difícil promover uma política que prejudicará um grande grupo de
pessoas diretamente. O papel da propaganda política é ocultar os
objetivos claramente problemáticos de políticos ou de movimentos
políticos, mascarando-os com ideais amplamente aceitos. Uma perigosa e
desestabilizadora guerra pelo poder torna-se uma guerra cujo objetivo é a
estabilidade, ou uma guerra cujo objetivo é a liberdade. A propaganda
política usa a linguagem dos ideais virtuosos para unir pessoas por trás de
objetivos que, de outra forma, seriam questionáveis.
A “guerra ao crime” do presidente dos EUA Richard Nixon é um bom
exemplo de mascaramento de metas problemáticas com as virtuosas. A
historiadora de Harvard Elizabeth Hinton aborda essa tática em seu livro
From the War on Poverty to the War on Crime: The Making of Mass
Incarceration in America [Da guerra contra a pobreza à guerra contra o
crime: A realização do encarceramento em massa na América], usando
anotações do diário do chefe de gabinete de Nixon, H.R. Haldeman: “Temos
de encarar o fato de que todo o problema resume-se aos negros”, disse Nixon,
segundo Haldeman, numa nota de abril de 1969. “O segredo é divisar um
sistema que reconheça isso, embora sem parecer fazê-lo”. De uma maneira
direta e sistemática, Nixon reconheceu que a política de controle do crime
poderia efetivamente ocultar a intenção racista por trás dos programas
domésticos de sua administração.1 A retórica de Nixon de “lei e ordem” que
se seguiu a essa conversa foi usada para ocultar uma pauta política racista,
totalmente explícita dentro dos muros da Casa Branca.
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A
política fascista procura minar o discurso público atacando e
desvalorizando a educação, a especialização e a linguagem. É
impossível haver um debate inteligente sem uma educação que dê
acesso a diferentes perspectivas, sem respeito pela especialização quando se
esgota o próprio conhecimento e sem uma linguagem rica o suficiente para
descrever com precisão a realidade. Quando a educação, a especialização e as
distinções linguísticas são solapadas, restam somente poder e identidade
tribal.
Isso não significa que não haja um papel para as universidades na política
fascista. Na ideologia fascista, há apenas um ponto de vista legítimo: o da
nação dominante. As escolas apresentam aos alunos a cultura dominante e
seu passado mítico. A educação, portanto, representa uma grave ameaça ao
fascismo ou se torna um pilar de apoio para a nação mítica. Não é de se
espantar, então, que os protestos e confrontos culturais nos campi
universitários representem um verdadeiro campo de batalha político e
recebam atenção nacional. Há muita coisa em jogo.
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Q
uando a propaganda política consegue distorcer ideais fazendo-os
voltarem-se contra si mesmos e as universidades são solapadas e
condenadas como fontes de preconceito, a própria realidade é posta
em dúvida. Nós não podemos concordar com a verdade. A política fascista
substitui o debate fundamentado por medo e raiva. Quando é bem-sucedida,
seu público fica com uma sensação de perda e desestabilização, um poço de
desconfiança e raiva contra aqueles que, segundo foi dito, são responsáveis
por essa perda.
A política fascista troca a realidade pelos pronunciamentos de um único
indivíduo, ou talvez de um partido político. Mentiras óbvias e repetidas
fazem parte do processo pelo qual a política fascista destrói o espaço da
informação. Um líder fascista pode substituir a verdade pelo poder, chegando
a mentir de forma inconsequente. Ao substituir o mundo por uma pessoa, a
política fascista nos torna incapazes de avaliar argumentos com base num
padrão comum. O político fascista possui técnicas específicas para destruir os
espaços de informação e quebrar a realidade.
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Qualquer pessoa que olhasse para a atual política dos EUA, ou para a atual
política russa, ou para a atual política polonesa, notaria imediatamente a
presença e a potência política das teorias conspiratórias.
A tarefa de definir teorias conspiratórias apresenta questões difíceis. A
filósofa Giulia Napolitano sugeriu que deveríamos pensar em teorias da
conspiração como “apontadas” a algum grupo externo e a serviço de alguns
grupos internos. As teorias da conspiração funcionam para denegrir e
deslegitimar seus alvos, vinculando-os, sobretudo simbolicamente, a atos
problemáticos. As teorias da conspiração não atuam como informações
comuns; elas são, afinal, muitas vezes tão estranhas que dificilmente se pode
esperar que as pessoas acreditem nelas literalmente. Sua função é, antes,
levantar suspeitas gerais sobre a credibilidade e a decência de seus alvos.
As teorias conspiratórias são um mecanismo fundamental utilizado para
deslegitimar a grande mídia, que os políticos fascistas acusam de parcialidade
por não cobrir falsas conspirações. Talvez a teoria da conspiração mais
famosa do século XX gire em torno de Os protocolos dos sábios de Sião, que
estava na base da ideologia nazista. Os protocolos é uma farsa do início do
século XX, supostamente escrita a modo de manual de instruções para judeus
como parte de um complô para dominar o mundo. Estudiosos descobriram
que o texto foi quase todo plagiado do livro de Maurice Joly, Diálogo no
inferno entre Maquiavel e Montesquieu, de 1864, uma sátira política na
forma de um debate no inferno entre Montesquieu, que defende o liberalismo,
e Maquiavel, que defende a tirania. Os argumentos de Maquiavel para a
tirania são transformados, em Os protocolos, em argumentos feitos pelos
“Anciões de Sião”, supostamente líderes judeus inclinados à dominação
mundial. O texto parece ter sido publicado pela primeira vez como um
apêndice do livro O anticristo, de 1905, do escritor russo e místico religioso
Sergei Nilus. Em 1906, foi publicado em capítulos num jornal de São
Petersburgo, com o título “A conspiração, ou as raízes da desintegração da
sociedade europeia”. Em 1907, apareceu como um livro, publicado pela
Sociedade de Surdos-Mudos de São Petersburgo. Vendeu milhões de cópias
em todo o mundo na década de 1920, inclusive nos Estados Unidos, onde
meio milhão de exemplares foram produzidos em massa e distribuídos por
Henry Ford, o fabricante de automóveis, em 1925.
De acordo com Os protocolos, os judeus estão no centro de uma
conspiração global que domina os meios de comunicação mais respeitados e
o sistema econômico global, usando-os para disseminar a democracia, o
capitalismo e o comunismo, tudo máscaras para ocultar os interesses
judaicos. Os líderes nazistas mais proeminentes e influentes, incluindo Hitler
e Goebbels, acreditavam piamente que essa teoria da conspiração era
verdadeira. Em todos os escritos nazistas, encontramos denúncias à
“imprensa judaica” por não denunciar e nem mencionar a conspiração judaica
internacional.
As eleições presidenciais dos EUA em 2016 foram marcadas por uma
série de teorias conspiratórias que tinham vários alvos, incluindo Hillary
Clinton, a candidata democrata, assim como muçulmanos e refugiados.
Talvez a mais bizarra dessas teorias tenha sido a “Pizzagate”. Segundo
aqueles que a difundiram, e-mails vazados de John Podesta, gerente de
campanha de Clinton, supostamente continham mensagens secretas em
código sobre o tráfico sexual de crianças para congressistas democratas,
realizado numa pizzaria de Washington, D.C. As teorias circularam nas
mídias sociais e, devido à sua natureza bizarra, tiveram, surpreendentemente,
grande aceitação. Embora fosse apenas uma entre várias teorias
conspiratórias bizarras sobre Clinton e os democratas, essa recebeu atenção
nacional desmedida, não somente por sua extrema bizarrice, mas porque
Edgar Maddison Welch, um indivíduo da Carolina do Norte, foi até a
pizzaria, armado, para confrontar seus donos e libertar os supostos escravos
sexuais. O objetivo dessa conspiração era vincular seus alvos – os democratas
– a atos de extrema depravação.
Michael Lynch, filósofo da Universidade de Connecticut, usou o exemplo
da “Pizzagate” como comprovação da tese de que as teorias da conspiração
não devem ser tratadas como informações comuns. Lynch ressalta que, se
alguém realmente acreditasse que havia uma pizzaria em Washington, D.C.
que estava traficando crianças como escravas sexuais para congressistas
democratas, seria completamente racional agir como Edgar Maddison Welch
agiu. E, no entanto, Welch foi condenado por suas ações por aqueles que
disseminaram a conspiração “Pizzagate”. O ponto de Lynch é que a
conspiração “Pizzagate” não foi planejada para ser tratada como informação
comum. A função das teorias da conspiração é impugnar e difamar seus
alvos, mas não necessariamente convencendo o público de que elas são
verdadeiras. No caso da “Pizzagate”, a teoria da conspiração pretendia
permanecer no nível da insinuação e da calúnia.
Donald Trump chegou ao centro da atenção política atacando a imprensa
por sua suposta censura da teoria da conspiração chamada “birtherism”, a
crença de que o presidente Obama nasceu no Quênia e que, portanto, não
seria elegível para ser presidente dos Estados Unidos. Em entrevista à CNN
em 29 de maio de 2012, Trump criticou Wolf Blitzer e a CNN por não
cobrirem o assunto, porque, segundo Trump, eles estavam trabalhando para
Obama. A Fox News, em contrapartida, forneceu a Trump uma plataforma
pronta para promover suas teorias conspiratórias. O presidente Trump não é
um ponto fora da curva aqui; as teorias da conspiração são os cartões de
visita da política fascista. As teorias da conspiração são ferramentas para
atacar aqueles que ignoram sua existência; por não cobri-las, a mídia fica
parecendo tendenciosa e, em última análise, parte da própria conspiração que
se recusa a cobrir.
As teorias da conspiração não apenas têm o poder de influenciar as
percepções da realidade, mas também podem moldar o curso de eventos
reais. O partido de extrema-direita da Polônia, o PiS, é mais conhecido por
seu conservadorismo social e seu desdém em relação às instituições
democráticas liberais. Mas é menos percebido fora da Polônia o fato do PiS
ter chegado ao poder nas asas de teorias da conspiração tão fantásticas quanto
a conspiração “birtherism” que levou Donald Trump ao centro da atenção
política nos EUA e, eventualmente, à presidência.
Em 10 de abril de 2010, um avião que transportava o presidente polonês
Lech Kaczynski e a primeira-dama, assim como todo o Comando Geral do
Exército das Forças Armadas polonesas, o presidente do Banco Nacional e
muitos outros membros da elite política polonesa, caiu numa floresta ao
tentar uma aterrissagem no aeroporto de Smolensk, Rússia. A delegação
estava indo comemorar o septuagésimo aniversário do massacre de Katyn,
em que a Polícia Secreta Soviética executou mais de vinte mil membros do
corpo de oficiais poloneses. A queda do avião foi uma tragédia nacional para
a Polônia. As comissões designadas para investigar suas causas na Rússia e
na Polônia, assim como as transcrições do gravador de voz disponível na
cabine, determinaram que o acidente aconteceu por erro do piloto.
No entanto, logo após o acidente, políticos proeminentes do PiS
começaram a questionar as narrativas oficiais que surgiram das comissões de
inquérito da Rússia e da Polônia. A estratégia imediata do PiS foi envolver o
governo moderado da Polônia, assim como o governo russo, numa
conspiração para derrubar a aeronave e encobrir o crime. Figuras associadas
ao PiS lançaram cerca de vinte diferentes teorias da conspiração sobre o
acidente. A imprensa mainstream denunciaria a “seita de Smolensk” como
teóricos da conspiração que tentavam dividir o país, uma caracterização que
aqueles que promoveram as teorias da conspiração, por sua vez, usariam para
difamar e contestar a imprensa sob acusações de parcialidade. O sucesso
parlamentar final do PiS deve-se a como ele usou essas teorias da
conspiração para abalar a fé nas principais instituições democráticas do país,
no governo e na imprensa.
Os políticos fascistas desacreditam a “mídia liberal” por censurar a
discussão de teorias da conspiração de direita extravagantes, o que sugere um
comportamento mentiroso encoberto pelo verniz de instituições democráticas
liberais. As teorias da conspiração representam os elementos mais paranoicos
da sociedade – no caso dos Estados Unidos, o medo de elementos
estrangeiros e o islamismo (como na teoria “birther”, de que o presidente
Barack Obama nasceu muçulmano no Quênia); no caso da Hungria e da
Polônia, o antissemitismo e o anticomunismo. O objetivo das conspirações é
causar desconfiança generalizada e paranoia, justificando medidas drásticas,
como censurar ou fechar a mídia “liberal” e aprisionar os “inimigos do
Estado”.
George Soros é um filantropo bilionário americano de origem judaico-
húngara. A organização filantrópica de Soros, a Open Society Foundations,
esteve profundamente envolvida nos esforços de construção da democracia
em mais de cem países, inclusive em sua terra natal, a Hungria, onde também
apoiou a fundação da Universidade Central Europeia, universidade líder no
país. Em 2017, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, afirmou que
havia um “Plano Soros” para inundar a Hungria com imigrantes não cristãos,
a fim de diluir a identidade cristã da nação. O governo de Orbán lançou uma
campanha contra George Soros e seu suposto plano, com cartazes e anúncios
de televisão direcionados a Soros, empregando o que muitos consideram
representações marcadamente antissemitas. É claro que não há qualquer
evidência de que o financista judeu tenha qualquer tipo de plano para inundar
a Hungria com imigrantes não cristãos, mas a falta de notícias sobre isso na
mídia é tomada, pelo governo de Orbán, como evidência do controle de Soros
sobre ela, quando, na verdade, é Orbán que está manipulando a realidade.
Hannah Arendt, talvez a maior teórica do totalitarismo do século XX,
alertou claramente sobre a importância das teorias da conspiração na política
antidemocrática. Em Origens do totalitarismo, ela escreve:
O mistério, como tal, tornou-se o primeiro critério para a escolha dos tópicos [...]. A
eficácia desse tipo de propaganda demonstra uma das principais características das massas
modernas. Elas não acreditam em nada visível, na realidade de sua própria experiência;
elas não confiam em seus olhos e ouvidos, mas apenas em sua imaginação, que pode ser
capturada por qualquer coisa que seja ao mesmo tempo universal e consistente em si
mesma. O que convence as massas não são fatos, nem mesmo fatos inventados, mas
apenas a consistência do sistema do qual supostamente fazem parte. Repetição [...] é
importante apenas porque, com o tempo, as convence da coerência com o tempo.1
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Táticas como essas não são segredo e, por essas razões, a política dos
EUA parece insincera a muitos eleitores. E eles estão cansados disso –
anseiam por políticos íntegros e honestos. Eles querem que os políticos
digam a verdade nua e crua. E procurarão esses candidatos, mesmo na
ausência de um conjunto claro de valores compartilhados por eles.
Mas como os políticos podem sinalizar que não são hipócritas,
especialmente quando os eleitores se acostumaram com o que parece, por
razões reais e inventadas, ser uma grossa camada de hipocrisia?
Uma forma de os candidatos lidarem com o repúdio generalizado à
hipocrisia é eles se apresentarem como defensores dos valores democráticos.
Numa cultura democrática, esses candidatos seriam, teoricamente, os mais
atraentes. No entanto, essa não é uma estratégia promissora em certos
cenários políticos. É difícil apresentar a si mesmo como alguém que
representa genuinamente o interesse comum num ambiente de desconfiança
geral. Tal estratégia não comove os eleitores que rejeitam os valores
democráticos, como a igualdade racial ou de gênero, ou aqueles que
simplesmente negam que existam desigualdades. E haverá, pelos eleitores
que apoiam os valores democráticos, uma competição acirrada entre os
candidatos que apresentam a si mesmos como campeões desses.
Mas há uma maneira pela qual um político pode parecer sincero sem ter
que competir com outros candidatos que buscam a mesma estratégia:
defender a divisão e o conflito sem pedir desculpas por isso. Tal candidato
poderia abertamente tomar o partido dos cristãos em relação aos muçulmanos
e ateus, ou dos americanos nativos em relação aos imigrantes, ou dos brancos
em relação aos negros, ou dos ricos em relação aos pobres. Eles podem
mentir aberta e descaradamente. Em suma, poder-se-ia sinalizar autenticidade
rejeitando explicitamente o que se presume serem valores políticos
sacrossantos.
Tais políticos seriam um sopro de ar fresco numa cultura política que
parece dominada pela hipocrisia real e imaginada. Eles seriam especialmente
convincentes se demonstrassem sua suposta autenticidade ao visarem
explicitamente grupos que não são estimados pelos eleitores que buscam
atrair. Essa rejeição aberta dos valores democráticos seria tomada como
bravura política, como um sinal de autenticidade. Não foi sem justificativa
que Platão viu nas liberdades da democracia uma permissão para o
surgimento de um demagogo habilidoso que tiraria proveito dessas liberdades
para despedaçar a realidade, oferecendo-se a si mesmo como substituto.
Desde que Platão e Aristóteles escreveram sobre o assunto, os teóricos
políticos sabem que a democracia não pode florescer em solo envenenado
pela desigualdade. Não é só que os ressentimentos criados por tais divisões
sejam alvos tentadores para um demagogo. O ponto mais importante é que a
dramática desigualdade representa um perigo mortal para a realidade
compartilhada necessária numa democracia liberal saudável. Aqueles que se
beneficiam das desigualdades são frequentemente sobrecarregados por certas
ilusões que os impedem de reconhecer a contingência de seus privilégios.
Quando as desigualdades se intensificam, essas ilusões tendem a entrar em
metástase. Que ditador, rei ou imperador não suspeitou ter sido escolhido
pelos deuses para a sua função? Que poder colonial não alimentou ilusões de
superioridade étnica, ou a superioridade de sua religião, cultura e modo de
vida, superioridade que supostamente justifica suas expansões e conquistas
imperiais? No Sul norte-americano de antes da Guerra Civil, os brancos
acreditavam que a escravidão era uma grande dádiva para aqueles que eram
escravizados. O duro tratamento dispensado pelos senhores de engenho
sulistas às pessoas escravizadas que tentavam fugir ou se rebelar se devia em
grande parte à convicção de que tal comportamento revelava falta de
gratidão.
A extrema desigualdade econômica é tóxica para a democracia liberal
porque gera ilusões que mascaram a realidade, minando a possibilidade de
deliberação conjunta para resolver as divisões da sociedade. Aqueles que se
beneficiam de grandes desigualdades tendem a acreditar que conquistaram
seu privilégio, uma ilusão que os impede de ver a realidade como ela é.
Mesmo aqueles que comprovadamente não se beneficiam das hierarquias
podem ser levados a acreditar que sim; daí o uso do racismo para enredar
cidadãos brancos pobres nos Estados Unidos, apoiando cortes de impostos
para brancos extravagantemente ricos que por acaso têm a mesma cor de pele
que eles.
Igualdade liberal significa que aqueles com diferentes níveis de poder e
riqueza são considerados como tendo o mesmo valor. A igualdade liberal é,
por definição, destinada a ser compatível com a desigualdade econômica. E,
no entanto, quando a desigualdade econômica é suficientemente extrema, os
mitos que são necessários para sustentá-la também ameaçam a igualdade
liberal.
Os mitos que surgem sob condições de dramática desigualdade material
legitimam o ato de ignorar o árbitro comum apropriado para fins de discurso
público – ou seja, o mundo. Para destruir completamente a realidade, a
política fascista substitui o ideal liberal de igualdade pelo seu oposto: a
hierarquia.
2 Mill, Stuart. Sobre a liberdade. Tradução de Denise Bottmann. Porto Alegre: L&PM POCKET, 2016.
(N.E.)
3 Citizens United é uma ONG americana fundada em 1988. Em 2010, a Suprema Corte Americana
julgou e deu acolhimento a um caso apresentado pela ONG e considerou inconstitucional uma lei
federal que proibia corporações e sindicatos de fazerem contribuições a campanhas eleitorais. (N.E.)
5
HIERARQUIA
Os destinos dos seres humanos não são iguais. Os homens são diferentes por seu estado de
saúde, sua riqueza, status social e quetais. A mais simples observação mostra que, quando
existem contrastes acentuados entre o destino ou a situação de duas pessoas, seja quanto à
saúde, à situação econômica, social ou outra qualquer, aquele que se encontra na situação
mais favorável, por mais patente que seja a origem puramente “casual” da diferença, sente
a necessidade incessante de considerar como “legítimo” o contraste que o privilegia, a
situação própria como “merecida”, e a do outro como resultado de alguma “culpa” dele.
A
história da cidadania liberal – de igualdade perante a lei –tem sido
em geral de expansão, abrangendo gradualmente pessoas de todas as
raças, religiões e gêneros, para citar alguns exemplos. Isso também é
verdade na filosofia política. Influenciados, por exemplo, por teóricos da
deficiência, os filósofos expandiram a noção de dignidade humana para
incluir aqueles que não podem, na maioria das circunstâncias, empregar sua
capacidade de julgamento político. No século XXI, a maioria dos pensadores
liberais adotou um generoso reconhecimento do status e da dignidade
humana universal , a fim de abarcar a capacidade de sentir o sofrimento
físico, sentir emoções e expressar identidade e empatia de diversas maneiras.
De acordo com a ideologia fascista, em contrapartida, a natureza impõe
hierarquias de poder e dominância que contrariam categoricamente a
igualdade de respeito pressuposta pela teoria democrática liberal.
A hierarquia é uma espécie de ilusão em massa, prontamente explorada
pela política fascista. Uma vertente importante da psicologia social, a Teoria
da Dominância Social, lançada por Jim Sidanius e Felicia Pratto, estuda essas
ilusões sob o nome de “mitos da legitimação”.1 Os trechos de abertura de um
levantamento bibliográfico feito em 2006 dos últimos quinze anos da Teoria
da Dominância Social incluem a seguinte afirmação:
Independentemente da forma de governo de uma sociedade, do conteúdo de seu sistema
de crença fundamental ou da complexidade de suas disposições sociais e econômicas, as
sociedades humanas tendem a se organizar como hierarquias sociais baseadas em grupos
em que pelo menos um grupo goza de maior status social e poder do que outros grupos.2
***
***
N
a política fascista, as noções diametralmente opostas de igualdade e
discriminação misturam-se uma com a outra. A Lei dos Direitos
Civis de 1866 transformou os recém-emancipados afro-americanos
do Sul em cidadãos americanos e protegeu seus direitos civis. Foi aprovada
pelo Senado e pela Câmara em 14 de março de 1866. Mais tarde naquele
mês, o presidente Andrew Johnson vetou a Lei dos Direitos Civis, alegando
que “esta lei estabelece, para a segurança das raças de cor, salvaguardas que
vão infinitamente além de qualquer uma que o governo geral já tenha
providenciado para a raça branca”. Como observa W.E.B. Du Bois, Johnson
considerava salvaguardas mínimas que representavam o início de um
caminho na direção da futura igualdade negra como “discriminação contra a
raça branca”.1
Hoje, os americanos brancos superestimam a extensão do progresso dos
EUA em direção à igualdade racial nos últimos cinquenta anos. A
desigualdade econômica entre americanos negros e brancos está mais ou
menos no ponto em que estava durante a Reconstrução; para cada cem
dólares que uma família branca comum acumula, a família negra média tem
apenas cinco dólares; e, no entanto, como Jennifer Richeson, Michael Kraus
e Julian Rucker mostraram em seu artigo “American Misperceive Racial
Economic Equality” [Os americanos percebem errado a igualdade econômica
racial], de 2017, os cidadãos americanos brancos ignoram amplamente esse
fato, acreditando que a desigualdade racial se reduziu drasticamente.2
Quarenta e cinco por cento dos partidários do presidente Donald Trump
acreditam que os brancos são o grupo racial mais discriminado nos Estados
Unidos; cinquenta e quatro por cento dos partidários de Trump acreditam que
os cristãos são o grupo religioso mais perseguido nos Estados Unidos. Há
uma diferença crucial, é claro, entre sentimentos de ressentimento e opressão
e genuína desigualdade e discriminação.
Há uma longa história de pesquisas de psicologia social sobre o fato de
que a crescente representação de membros de grupos tradicionalmente
minoritários é vivenciada por grupos dominantes como uma ameaça em
vários sentidos.3 Mais recentemente, um conjunto crescente de evidências da
psicologia social respalda o fenômeno dos sentimentos de vitimização de
grupos dominantes frente à perspectiva de terem que dividir igualmente o
poder com membros de grupos minoritários. Recentemente, grande atenção
tem sido dada nos Estados Unidos ao fato de que, por volta de 2050, os
Estados Unidos se tornarão um país “majoritariamente minoritário”, o que
significa que os brancos não serão mais a maioria dos americanos. Valendo-
se dessas notícias, alguns psicólogos sociais testaram o que acontece quando
os americanos brancos são informados disso.
Num estudo de 2014, as psicólogas Maureen Craig e Jennifer Richeson
descobriram que o simples fato de ressaltar a iminente transformação
nacional para um país “majoritariamente minoritário” aumentou
significativamente o apoio dos americanos brancos sem afiliação política às
políticas de direita.4 Por exemplo, ler sobre uma iminente mudança racial no
país, de uma maioria branca para a maioria não branca, fez com que os
americanos brancos se mostrassem menos inclinados a apoiar ações
afirmativas, mais inclinados a apoiar restrições à imigração e, talvez
surpreendentemente, mais propensos a apoiar políticas conservadoras
“racialmente neutras”, como aumentar os gastos com defesa. Sintetizando a
pesquisa num artigo de revisão a ser publicado, Maureen Craig, Julian
Rucker e Jennifer Richeson escrevem: “Este crescente conjunto de pesquisa
encontra evidências claras de que os americanos brancos (isto é, a maioria
racial atual) vivenciam a iminente mudança para um país ‘majoritariamente
minoritário’ como uma ameaça ao seu status dominante (social, econômico,
político e cultural)”.5 Esse sentimento de ameaça pode ser manobrado
politicamente para servir de apoio aos movimentos de direita. Essa dialética
está longe de ser exclusiva dos Estados Unidos; é, antes, uma característica
geral da psicologia de grupo. A exploração do sentimento de vitimização de
grupos dominantes frente à perspectiva de ter que dividir cidadania e poder
com grupos minoritários é um elemento universal da política fascista
internacional contemporânea.
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***
E
m 1989, cinco adolescentes negros – os “Central Park Five” – foram
presos pelo estupro coletivo de uma mulher branca no Central Park,
em Nova York. Os jornais da época estavam cheios de relatos
chocantes de adolescentes negros fora da lei e selvagens que atacavam e
estupravam mulheres brancas. Na ocasião, Donald Trump publicou anúncios
de página inteira em vários jornais de Nova York, descrevendo-os como
“malucos desajustados” e pedindo sua execução. Posteriormente, constatou-
se não somente que os cinco adolescentes do Central Park eram inocentes,
mas que muitos dos envolvidos em sua acusação sabiam disso. Anos depois,
os cinco homens foram totalmente exonerados e receberam uma indenização
em dinheiro da cidade de Nova York.
Em novembro de 2016, Jeff Sessions, atual procurador-geral dos EUA,
elogiou os comentários de 1989 do presidente eleito Donald Trump sobre os
cinco do Central Park, demonstrando seu compromisso com “a lei e a
ordem”. Essa é uma compreensão extraordinária de lei e ordem, não só
porque os adolescentes eram, de fato, completamente inocentes, mas porque
as palavras de Trump não deixavam espaço para o caso ser tratado no devido
processo legal. Normas de lei e ordem num estado democrático liberal são
fundamentalmente justas. O uso da frase “lei e ordem” por Sessions, ao
contrário, parece se referir a um sistema de leis que declara que os jovens
negros são, em sua própria existência, violações de lei e ordem.
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Discussões que usam termos como “criminoso” para abranger tanto aqueles
que cometem diversos homicídios por prazer quanto aqueles que cometem
infrações de trânsito, ou “tumulto” para descrever um protesto político,
mudam atitudes e moldam a política. Um bom exemplo do que pode
acontecer quando a linguagem que criminaliza um grupo inteiro de pessoas
distorce o debate e leva a resultados irracionais é o encarceramento em massa
de cidadãos americanos de ascendência africana.
Em 1980, meio milhão de americanos estava na prisão ou na cadeia. Em
2013, havia mais de 2,3 milhões. A explosão do encarceramento afetou
desproporcionalmente os cidadãos americanos que são descendentes daqueles
que foram escravizados neste país. Os americanos brancos constituem 77%
da população dos EUA, e os americanos negros, 13%. No entanto, mais
americanos negros são encarcerados do que americanos brancos. Raramente
na história um grupo representou tão grande parte da população carcerária do
mundo; os americanos negros podem ser apenas 13% da população dos EUA,
mas representam 9% da população carcerária do mundo.
Se o sistema jurídico dos Estados Unidos fosse justo, e se os 38 milhões
de negros fossem tão propensos ao crime quanto qualquer outro grupo étnico
no mundo (os 61 milhões de italianos, por exemplo, ou os 45 milhões de
hindus gujarati), seria de se esperar que os negros americanos também
representassem cerca de 9% da população mundial estimada, em 2013, de
7,135 bilhões de pessoas. Então, haveria muito mais de 600 milhões de
americanos negros no mundo. Se você acha que os negros americanos são
como qualquer outra pessoa, então a nação da América negra deveria ser a
terceira maior nação do mundo, duas vezes maior que a dos Estados Unidos.
É claro que você ainda pode pensar, diante desses fatos, que as leis
penitenciárias dos Estados Unidos são aplicadas justamente e cegas para a
cor. Mas, nesse caso, você quase certamente deve acreditar que os negros
americanos estão entre os grupos mais perigosos nos milhares de anos da
história da civilização humana.
Nos Estados Unidos, o aumento acentuado dos índices de encarceramento
acompanhou uma queda acentuada do crime. Num ensaio de 2017, “The
Impacts of Incarceration on Crime” [Os impactos do encarceramento no
crime], seu autor, David Roodman, observa que “o aumento de 59% no
encarceramento entre 1990 e 2010 acompanhou uma queda de 42% nos
crimes indexados pelo FBI”.4 E, no entanto, como Roodman bem observa,
“os pesquisadores concordam que colocar mais pessoas atrás das grades
contribuiu modestamente, na melhor das hipóteses, para a diminuição do
crime”. Por um lado, o Canadá teve um padrão muito semelhante ao dos
Estados Unidos, com uma queda vertiginosa nas taxas de criminalidade desde
a década de 1990. No entanto, a taxa de encarceramento do Canadá não
acompanhou a escalada da experiência americana de encarceramento em
massa que continuou durante os anos 90. Se há uma explicação para a queda
geral da criminalidade na América do Norte desde 1990 que explica a
diminuição similar de crimes nos EUA e no Canadá, não é o aumento do
encarceramento.
A principal razão pela qual muitos pesquisadores duvidam de uma relação
entre um aumento no encarceramento e uma queda nas taxas de criminalidade
é porque os estudos indicam que o próprio encarceramento contribui
substancialmente para um aumento nas taxas de criminalidade. Indivíduos
que já foram encarcerados têm muito mais dificuldade de encontrar emprego;
esse efeito é multiplicado, como veremos no capítulo final, no caso dos
negros americanos. Cidadãos anteriormente encarcerados também têm uma
taxa de participação cívica drasticamente menor; eles acabam se afastando da
sociedade civil.5 O encarceramento também tem um impacto negativo nas
famílias dos encarcerados, aumentando a probabilidade de subsequente
encarceramento. Negros americanos enfrentam maior risco de
encarceramento em comparação com os brancos pelo mesmo crime, como
evidenciado, por exemplo, nas taxas muito diferentes de encarceramento por
crimes de drogas. Estudos também sugerem que o próprio encarceramento
leva ao crime – Roodman sintetiza esse efeito dizendo: “Mais tempo na
prisão, mais crime após a prisão”.
Mas a questão mais importante é: por que medidas duramente punitivas
são consideradas uma resposta apropriada a condições sociais adversas entre
os negros americanos? Quando uma comunidade tem uma taxa de
criminalidade particularmente alta, há claramente um problema social que
exige empatia e compreensão, e uma necessidade urgente de políticas que
abordem as causas estruturais subjacentes. A questão mais importante, então,
é: qual é a fonte da falta generalizada de empatia por esse grupo?
Nesse contexto, pare por um momento para considerar a empatia que está
em jogo quando a “crise dos opiáceos” contemporânea é abordada na mídia
dos EUA. A crise dos opiáceos não é descrita como motivada por antros de
ópio viciosos e aterrorizantes. Nem são os viciados em opiáceos definidos
como criminosos. Na verdade, a mídia, os políticos, os comentários sociais, a
comunidade médica e até mesmo o presidente Trump abordam a dependência
de drogas, sim, como uma crise, mas como uma epidemia de saúde pública e
não como um problema diretamente ligado à lei e à ordem. A crise dos
opiáceos não está associada aos cidadãos afro-americanos; está associada à
base de Trump, brancos rurais e operários brancos sem trabalho. Em suma,
uma análise pública complicada e compassiva da dependência de opiáceos
está em jogo no discurso público dos EUA, e iniciativas federais e estaduais
estão focadas em prevenção e tratamento. Se ao menos uma análise desse tipo
tivesse sido aplicada a cidadãos afro-americanos quando a dependência de
drogas parecia estar associada a eles! O vício dos cidadãos de todas as raças,
classes e grupos deve ser abordado com compaixão, empatia e os valores
liberais da dignidade e igualdade humanas.
Em 1896, Frederick L. Hoffman publicou o livro Race Traits and
Tendencies of the American Negro [Traços e tendências raciais do negro
americano], que o historiador Khalil Gibran Muhammad descreve como:
“Indiscutivelmente, o estudo de raça e crime mais influente da primeira
metade do século XX”. A tese do livro é que os americanos negros são
especialmente violentos, preguiçosos e propensos a doenças. Em 1996,
William J. Bennett, John J. Dilulio Jr. e John P. Walters publicaram o livro
Body Count: Moral Poverty... and How to Win America’s War Against Crime
and Drugs [Número de mortos: Pobreza moral... e como vencer a guerra
americana contra o crime e as drogas]. Sua tese é a de que a América enfrenta
uma ameaça única de uma nova geração de jovens, dos quais uma grande
porcentagem é negra, especialmente propensos a atos violentos e cruéis e
incapazes de trabalhar honestamente; esses jovens são chamados de
“superpredadores”. O livro adverte para uma onda de violência juvenil por
parte desses “superpredadores” (a onda, evidentemente, não se materializou;
o crime violento despencou nos anos seguintes, em vez de aumentar). Essas
duas obras guardam um século de pseudociência que forja um elo na
consciência americana entre a criminalidade e os americanos descendentes de
africanos escravizados. Apesar da diferença de um século entre eles, os dois
livros são notavelmente semelhantes: ambos usam a linguagem sóbria das
estatísticas para aumentar o pânico moral sobre uma onda de violência
racializada (Body Count, ao contrário do livro de Hoffman, fundamenta suas
falsas previsões em alegações sobre a “pobreza moral” da “cultura urbana”, e
não na genética).
Em essência, desde que existem americanos negros, eles desafiam a
tentativa pseudocientífica de “atribuir crime a raça”. Em seu ensaio de 1898,
“The Study of the Negro Problems” [O estudo dos problemas dos negros],
W.E.B. Du Bois lamentou os
intermináveis julgamentos finais sobre o negro americano, provenientes de homens
influentes e instruídos, em face do fato conhecido por todo estudante que se preze, de que
não existe hoje suficiente material de confiabilidade comprovada no qual um cientista
possa basear conclusões cabais quanto às condições e tendências atuais dos oito milhões
de negros americanos; e de que qualquer pessoa ou publicação que pretenda apresentar
tais conclusões está simplesmente fazendo declarações que vão além da evidência
razoavelmente comprovada.6
S
e o demagogo é o pai da nação, então qualquer ameaça à
masculinidade patriarcal e à família tradicional enfraquece a visão
fascista de força. Essas ameaças incluem os crimes de estupro e
agressão, assim como o chamado desvio sexual. A política da ansiedade
sexual é particularmente eficaz quando os papéis masculinos tradicionais,
como o de provedor familiar, já estão sob a ameaça das forças econômicas.
A propaganda fascista promove o medo de cruzar e misturar raças, de
corromper a nação pura – nas palavras de Charles Lindbergh, falando para o
movimento America First – com “sangue inferior”. A propaganda fascista
amplia esse medo ao sexualizar a ameaça do outro. Como a política fascista
tem, na sua base, a tradicional família patriarcal, ela é naturalmente
acompanhada de pânico sobre os desvios dessa família patriarcal.
Transgêneros e homossexuais são usados para aumentar a ansiedade e o
pânico sobre a ameaça aos papéis masculinos tradicionais.
***
Em seu artigo de 1970, “The ‘Black Horror on the Rhine’: Race as a Factor
in Post-World War I Diplomacy” [O “horror negro no Reno”: A raça como
um fator na diplomacia pós-Primeira Guerra Mundial], o historiador Keith
Nelson documenta a histeria coletiva que tomou conta da Alemanha em
relação aos soldados africanos que serviam entre as tropas francesas que
ocuparam a região da Renânia a partir de 1919.1 A propaganda alemã sobre o
suposto estupro em massa de mulheres alemãs por soldados franceses das
colônias africanas se espalhou rapidamente, e contou com artigos traduzidos
para quase todas as línguas europeias, inclusive esperanto. O governo alemão
divulgou fantasias raciais de violação em massa de mulheres brancas por
homens negros como meio de combater a ocupação francesa. Essa
propaganda foi particularmente bem-sucedida nos Estados Unidos,
“racialmente sensíveis”. Um grupo que se autodenominava Campanha
Americana Contra o Horror no Reno” publicou dez mil panfletos usando
dinheiro “doado por americanos ricos de origem alemã e irlandesa”, e uma
manifestação contra “O horror no Reno” em 28 de fevereiro de 1921 atraiu
uma multidão de doze mil pessoas ao Madison Square Garden em Nova
York. Nelson escreve:
Da mesma forma, um jovem nacionalista alemão chamado Adolf Hitler não poderia
abandonar o pensamento de que “7.000.000 [de pessoas] definham sob domínio
estrangeiro, e a principal artéria do povo alemão flui no playground de hordas de africanos
negros [...]. Foram e continuam sendo os judeus que trazem o negro para o Reno, sempre
com o mesmo pensamento oculto e o claro objetivo de destruir pela bastardização, que
necessariamente se instalaria, a raça branca que eles odeiam”.
De acordo com Hitler, os judeus estavam por trás de uma conspiração que
usaria soldados negros para violar mulheres arianas puras como um meio de
destruir a “raça branca”. Essa também era uma teoria conspiratória
compartilhada pela Ku Klux Klan americana na década de 1920, que
fantasiava abertamente sobre os judeus tramando intencionalmente o estupro
em massa de mulheres brancas por homens negros para acabar com a raça
branca nos Estados Unidos.
“Na história dos Estados Unidos, a falsa acusação de estupro se destaca
como um dos mais formidáveis artifícios inventados pelo racismo”, escreve a
ativista Angela Davis. “O mito do estuprador negro foi metodicamente
invocado sempre que ondas recorrentes de violência e terror contra a
comunidade negra exigiram uma justificativa convincente”.2 A prática de
linchar homens negros nos Estados Unidos justificava-se alegando a
necessidade de defender a pureza das mulheres americanas brancas; nas
palavras da historiadora Cristal Feimster, “os homens brancos do Sul
[mobilizaram ativamente] a imagem do estuprador negro para obterem
vantagem política”.3 O senador da Carolina do Sul, Benjamin Tillman, disse
no plenário do Senado que “os pobres africanos se tornaram um demônio, um
animal selvagem procurando quem possa devorar, enchendo nossas
penitenciárias e nossas prisões, espreitando para ver se alguma mulher branca
indefesa pode ser assassinada ou brutalizada”. Não foram apenas os homens
brancos que, com sua ansiedade sexual e demagogia em relação aos homens
negros, levaram à terrível série de linchamentos maciços de homens negros
americanos durante décadas. Rebecca Latimer Felton foi a primeira mulher a
ser senadora dos EUA, após uma longa carreira pública, por nomeação (por
um dia) em 1922. Defensora declarada dos direitos das mulheres (brancas),
ela também colocou lenha na fogueira do racismo em sua carreira, chegando
a dizer num discurso de 1897, sobre o suposto perigo dos estupradores
negros: “Se for preciso linchamento para proteger o que as mulheres têm de
mais valioso de feras bêbadas e vorazes, pode linchar mil vezes por semana”.
A grande missionária antilinchamento, Ida B. Wells, tentou contrapor essa
narrativa em seus dois folhetos, “Southern Horrors: Lynch Law in All Its
Phases” [Horrores do sul: Lei de linchamento em todas as suas fases] (1892)
e “A Red Record: Tabulated Statistics and Alleged Causes of Lynchings in
the United States 1892-1893-1894” [Um registro vermelho: estatísticas
tabuladas e supostas causas de linchamentos nos Estados Unidos 1892-1893-
1894] (1894). As descobertas de Wells, de que a maioria das vítimas de
linchamento não havia sido sequer acusada de estupro, foram recebidas com
incredulidade generalizada, conforme documentaram muitos historiadores.4
Os brancos dos Estados Unidos presumiam que havia uma epidemia de
estupro em massa perpetrada por homens negros a mulheres brancas que
justificava os horrores do linchamento, porque isso dava um sentido racional
ao medo e à ansiedade que eles sentiam sobre a potencial perda de status
associada à aceitação de seus concidadãos negros como iguais. Onde a
ansiedade sexual pode parecer extrema, paranoica ou abstrata, muitas vezes
há por trás dela uma insegurança mais tangível à espreita.
Esses medos vivenciados nos Estados Unidos nos séculos XIX e XX se
repetiram em todo o mundo. No outono de 2017, uma das piores campanhas
de limpeza étnica desde a Segunda Guerra Mundial varreu Mianmar,
atingindo o povo rohingya daquele país, uma população de muçulmanos que
não professa a religião budista da maioria. Centenas de vilarejos rohingya
foram totalmente queimados, e massacres e brutais estupros em massa
levaram à fuga de mais de meio milhão de rohingyas para Bangladesh. A
indescritível e bárbara campanha de limpeza étnica contra o povo rohingya
tem suas origens recentes em distúrbios que começaram em junho de 2012
com o estupro e assassinato de uma jovem budista por vários homens
rohingya. Em 2014, rumores nas mídias sociais sobre o estupro de outra
mulher budista levaram a mais violência. Em geral, o genocídio contra os
rohingyas foi alimentado por teorias paranoicas de esquemas sexuais
muçulmanos para atacar as mulheres budistas; um artigo de 2014 do Los
Angeles Daily News relatando da situação foi publicado com a seguinte
manchete: JUSTICEIROS BUDISTAS EM MIANMAR ESTÃO PROVOCANDO DISTÚRBIOS COM
SÉRIOS RUMORES DE PREDADORES SEXUAIS MUÇULMANOS. Em entrevistas com
especialistas em Myanmar, o artigo documenta uma longa história de
propaganda extremista budista sobre “homens muçulmanos tramando contra
suas mulheres”.
Na Índia, os nacionalistas hindus alimentam o sentimento antimuçulmano
com campanhas que chamam a atenção para a suposta ameaça que os homens
muçulmanos representam para a masculinidade hindu. Mais recentemente,
isso tomou a forma de pânico sobre uma suposta “jihad de amor”. Num artigo
publicado no Indian Express em agosto de 2014, a historiadora indiana Charu
Gupta chama a atenção para “uma campanha agressiva e sistemática”,
incluindo “manifestações de conscientização” organizadas pelo RSS
(Rashtriya Swayamsevak Sangh) e algumas facções do partido nacionalista
hindu dominante, o BJP (Bharatiya Janata Party), sobre o suposto movimento
“jihad de amor”, que, de acordo com o BJP, compelia as mulheres hindus a se
converterem ao islamismo por meio do casamento e do engano.5 Gupta
acrescenta que essas campanhas são baseadas em princípios desagregadores
sustentados por “referências constantes e repetitivas às energias agressivas e
libidinais do homem muçulmano, criando um ‘outro inimigo’ em comum”.
Ela critica a perda de “faculdades lógicas hindus” em face de uma “política
de virgindade cultural e um mito de inocência” que são “combinados com
uma percepção de ‘ilegitimidade’ do ato, levando a violações, invasões,
seduções e estupro”.
Nos Estados Unidos, no momento em que este texto está sendo escrito,
vemos também uma perda de “faculdades lógicas” diante de uma enxurrada
de propaganda vinculando grupos de imigrantes ao estupro. Trump começou
sua campanha denunciando imigrantes mexicanos nos Estados Unidos como
estupradores. Num artigo para o New York Times em 26 de setembro de 2017,
Caitlin Dickerson escreveu sobre o que aconteceu na pequena cidade de Twin
Falls, Idaho, onde três garotos refugiados, de sete, dez e catorze anos, foram
acusados de cometerem algum tipo de abuso sexual com uma menina
americana de cinco anos de idade. Imediatamente após o incidente,
formaram-se grupos no Facebook, com links para artigos na Internet,
afirmando que “a menina tinha sido estuprada por uma gangue, sendo
ameaçada com uma faca, que os autores eram refugiados sírios e que seus
pais os haviam parabenizado posteriormente, fazendo high five”. Logo depois
disso, a manchete do Drudge Report, um dos sites mais visitados da Internet,
anunciava: “REPORT: Syrian ‘Refugees’ Rape Little Girl at Knifepoint in
Idaho” [EXTRA: “Refugiados” sírios estupram menina à ponta de faca em
Idaho”. Os artigos eram todos falsos – em primeiro lugar, como Dickerson
relata, nenhum refugiado sírio foi reassentado em Twin Falls. Não está claro
se houve algum ataque (um policial, baseando-se no vídeo de celular do
incidente, chamou as descrições da Internet de “cem por cento falsas, longe
de serem verdadeiras”). Não obstante, as notícias falsas criaram uma onda de
intimidação contra funcionários públicos em Twin Falls e uma onda de
indignação contra os refugiados na comunidade. Em suma, criaram pânico
moral sobre o perigo sexual que os refugiados representam para as meninas
brancas americanas, um pânico que ainda não diminuiu.
A retórica sobre a imigração que cercou a campanha de Trump (e
continua cercando seu governo) pode ser comparada às táticas dos meios de
propaganda russos, que espalharam notícias falsas (assim como fatos
descaradamente exagerados) sobre imigrantes do Oriente Médio que
estupravam mulheres brancas na Europa. Para dar apenas um exemplo,
discutido num artigo do New York Times em setembro de 2017 por Jim
Rutenberg, os meios de propaganda russos tentaram criar um falso escândalo
sobre o suposto estupro de uma menina de treze anos em Berlim por um
imigrante do Oriente Médio em 2016. Vários meios de comunicação
produziram histórias sobre o suposto estupro, criando indignação entre a
comunidade russa alemã, a ponto de setecentas pessoas se reunirem para
protestar contra um evento que nunca ocorreu. A cobertura da mídia russa e
as notícias falsas russas inflamaram a indignação. O fato de tudo isso
espelhar de modo assustador a disseminação da campanha de propaganda
alemã na década de 1920 do “Horror Negro no Reno” deveria nos dissuadir
de adotar a visão, atualmente em voga, de que esse tipo de “fake news” é uma
consequência da revolução moderna nas mídias sociais.
***
Naquela tarde, na dacha do antigo oficial, aprendi a atirar com o homem que cria coelhos
para comer, mas não tem coragem de matá-los. O amante dos animais, discutindo as
atitudes culturais que distinguem essa região, explicou da seguinte maneira: “Por
exemplo, se os homossexuais chegassem à nossa cidade, nós os mataríamos”.
O
capítulo 1 de Mein Kampf intitula-se “Minha casa”. É um capítulo
curto, com apenas três páginas e meia. Nele, Hitler homenageia seu
local de nascimento, Braunau am Inn, uma “cidadezinha situada na
fronteira entre os dois estados alemães”, repleta de orgulho nacionalista
alemão e de pessoas trabalhadoras e diligentes. Infelizmente, “pobreza e
realidade severa” o levaram para longe de sua idílica cidade natal, e “com
uma valise cheia de roupas e artigos de cama e mesa, fui para Viena, cheio de
determinação”.
O segundo capítulo de Mein Kampf, “Meus estudos e lutas em Viena”, diz
respeito à experiência de Hitler com a maior e mais cosmopolita cidade da
Áustria. Viena, de acordo com a primeira página, é uma “cobra venenosa”;
para “conhecer suas presas venenosas”, é preciso viver lá. Hitler descreve
Viena como uma cidade dominada e controlada por judeus, que atacam e
insultam a cultura tradicional alemã em favor de uma réplica repugnante e
decadente. Hitler denuncia a falta de orgulho nacional alemão em Viena.
Acima de tudo, Hitler despreza Viena por seu cosmopolitismo, sua mistura de
diferentes grupos culturais e raciais: “Eu odiava a mistura de raças que via na
capital. Odiava o conglomerado de tchecos, poloneses, húngaros, rutenos,
sérvios, croatas e, acima de tudo, a excrescência fungiforme sempre presente:
judeus e mais judeus”.1 Na Alemanha, havia uma tradição romântica na
literatura e na cultura que considerava as cidades como a causa de males
sociais, e o campo como um elemento purificador. A ideologia nacional-
socialista levou isso ao extremo: os valores alemães puros eram valores
rurais, próprios da vida camponesa; as cidades, ao contrário, eram locais de
corrupção racial, onde o puro sangue nórdico era conspurcado pela mistura
com os outros. Como Hitler escreve no segundo capítulo de seu inédito
segundo livro:
um perigo particular da chamada “política econômica pacífica de um povo” reside no fato
de que, inicialmente, ela permite um aumento da população que não será mais
proporcional à produtividade da própria terra e ao território do povo. Não é incomum que
essa aglomeração de pessoas demais num Lebensraum [espaço vital] inadequado também
leve a difíceis problemas sociais. As pessoas agora estão reunidas em centros de trabalho
que se assemelham mais a abscessos no corpo do povo do que a locais culturais – lugares
onde todos os males, vícios e doenças parecem se unir. Eles são, acima de tudo, focos de
mistura de sangue e bastardização, geralmente produzindo a degeneração da raça e
resultando naquele rebanho purulento no qual as larvas da comunidade judaica
internacional florescem e causam a decadência final do povo.2
***
***
***
O apelo ao campo na política fascista pode ser obscurecido em países com
centros urbanos contendo bairros profundamente religiosos, ou bairros com
trabalhadores pobres de áreas rurais que são bem servidos pelas políticas
econômicas populistas que são as preferidas de alguns líderes autoritários.
Recep Tayyip Erdoğan começou sua carreira política nacional como prefeito
de Istambul, a maior cidade da Turquia. Istambul tem grandes bairros
dominados por eleitores religiosos conservadores, o que lhe proporcionou
uma base inicial de apoio; as políticas econômicas populistas de Erdoğan
também calhavam bem ao pobre negligenciado de Istambul. No entanto, em
1999, Erdoğan escolheu Siirt, “uma cidade na parte sudeste do país,
religiosamente conservadora e inquieta”, para dar um controverso discurso
antissecular que o levou à prisão por “incitar o ódio com base na diferença
religiosa”.10 À medida que Erdoğan se engajava cada vez mais na política
fascista, sua base de apoio foi transferida para as áreas rurais. As três maiores
cidades da Turquia votaram contra o referendo de 2017 que concedia a
Erdoğan poderes praticamente ditatoriais. O referendo foi aprovado apenas
por causa de seu forte apoio fora desses centros.
Grandes centros urbanos tendem a graus particularmente elevados de
pluralismo. Nas cidades, é provável que se encontre não apenas o maior grau
de diversidade étnica e religiosa, mas também a maior diversidade de estilos
de vida e costumes. A literatura sobre o nacional-socialismo apoia a visão de
que as áreas urbanas trouxeram com elas uma medida de tolerância que
serviu para proteger, pelo menos por algum tempo, as populações visadas
pelos nazistas. De acordo com Richard Grunberger, “os judeus que viviam
em aldeias e pequenas cidades foram submetidos a quebra de janelas e
agressão física, culminando, às vezes, em assassinatos. Isso os levou a buscar
o anonimato e o senso de conforto comunitário que são encontrados em
grandes centros, como Frankfurt e Berlim [...] As áreas rurais tendem a ser
mais antissemitas do que as urbanas. Nas cidades, o sentimento antijudaico
era quase inversamente proporcional ao tamanho [da cidade]”.11
A ideologia fascista rejeita o pluralismo e a tolerância. Na política
fascista, todos na nação escolhida compartilham uma religião e um modo de
vida, um conjunto de costumes. A diversidade dos grandes centros urbanos,
com sua concomitante tolerância em relação à diferença, é, portanto, uma
ameaça à ideologia fascista. A política fascista tem como alvo as elites
financeiras, pessoas “cosmopolitas”, pessoas liberais, bem como minorias
religiosas, étnicas e sexuais. Em muitos países, esses grupos são
marcadamente urbanos. As cidades, portanto, servem como alvo substituto
para os inimigos clássicos da política fascista.
***
E
m 2017, sucessivos furacões de enorme força atingiram os Estados
Unidos. Em agosto, o furacão Harvey devastou a cidade de Houston,
no estado do Texas. Em setembro, o furacão Maria teve um impacto
consideravelmente pior no território norte-americano de Porto Rico, onde
muitos moradores ficaram sem energia elétrica por meses. Os nascidos em
Porto Rico, como os nascidos em Houston, são cidadãos americanos. E, no
entanto, a diferença entre a reação aos furacões foi extrema, tanto do ponto de
vista federal, do presidente Trump, quanto entre muitos norte-americanos
brancos que viviam no continente dos Estados Unidos. Num artigo de
outubro de 2017 publicado no The Washington Post por Jenna Johnson com o
título MUITOS ELEITORES DE TRUMP QUE RECEBERAM AUXÍLIO AO FURACÃO NO TEXAS
NÃO TÊM CERTEZA DE QUE OS PORTO-RIQUENHOS DEVEM RECEBER TAMBÉM, ela cita
Fred Maddox, um residente de Houston, de 75 anos, que fala sobre a questão
de Porto Rico, se eles deveriam receber o tipo de ajuda federal que Houston
recebeu:
Não deveria depender de nós, na verdade. Acho que não. Ele está tentando acordá-los:
faça o seu trabalho. Seja responsável.
***
***
***
***
O
s mecanismos da política fascista apoiam-se uns nos outros, tecendo
um mito de diferenciação entre “nós” e “eles”, com base num
passado fictício romantizado, em que há “nós”, mas não “eles”, e
num ressentimento em relação a uma elite liberal corrupta, que se apropria de
nosso suado dinheiro e ameaça nossas tradições. “Eles” são criminosos
preguiçosos com quem a liberdade seria desperdiçada (e que, de todo modo,
não a merecem). “Eles” mascaram seus objetivos destrutivos com a
linguagem do liberalismo, ou da “justiça social”, e estão destinados a destruir
nossa cultura e tradições, fazendo com que “nós” nos tornemos fracos. “Nós”
somos diligentes e cumpridores da lei, tendo conquistado nossas liberdades
por meio do trabalho; “eles” são indolentes, perversos, corruptos e
decadentes. A política fascista transita em delírios que criam esse tipo de
falsas distinções entre “nós” e “eles”, independentemente de realidades
óbvias.
Alguns podem se queixar de exagero nos argumentos que apresento, ou
objetar que os exemplos contemporâneos não são suficientemente extremos
para serem justapostos aos crimes da história. Mas a ameaça da normalização
do mito fascista é real. É tentador pensar em “normal” como algo benigno;
quando está tudo normal, não há motivo para alarme. No entanto, tanto a
história quanto a psicologia mostram que nossos julgamentos sobre
normalidade nem sempre são confiáveis. Em “Part Statistical, Part
Evaluative” [Parte estatística, parte avaliação], um artigo de 2017 da revista
Cognition, Joshua Knobe, filósofo de Yale, e seu colega Adam Bear,
psicólogo também de Yale, demonstram que os julgamentos de normalidade
são afetados tanto pelo que as pessoas consideram estatisticamente normal
quanto pelo que elas consideram idealmente normal, isto é, saudável e
adequado (por exemplo, quantidade de horas por dia em frente à televisão).1
Num artigo para o Sunday Review do New York Times, eles aplicam suas
conclusões a nossos julgamentos sobre o mundo social, revelando que o
comportamento persistente do presidente Trump – as ações e o discurso que
costumavam ser considerados extraordinários – têm consequências reais e
perturbadoras: “Essas ações estão não apenas sendo consideradas mais
típicas; elas passam a ser vistas como mais normais. Consequentemente, elas
serão consideradas como menos negativas e, portanto, menos sujeitas a
indignação”.2
O trabalho de Knobe e Bear fornece uma base para um fenômeno que
aqueles que viveram as transições da democracia para o fascismo
frequentemente enfatizam, com base na própria experiência, e com grande
alarme: a tendência das populações de normalizar o que antes era
inconcebível. Este é um tema central do livro de memórias da minha avó Ilse
Stanley, The Unforgotten. Minha avó permaneceu em Berlim até o último
momento possível, em julho de 1939, para que pudesse continuar trabalhando
na resistência. De 1936 à Kristallnacht7, ela estava se aventurando no campo
de concentração de Sachsenhausen, vestida de assistente social nazista,
resgatando da morte centenas de judeus ali confinados, um por um. Em seu
livro, ela relata a disparidade entre os extremos que testemunhou no campo
de concentração e a negação da gravidade da situação – sua normalização –
por parte da comunidade judaica de Berlim. Ela penava para convencer seus
vizinhos da verdade:
Um campo de concentração, para aqueles do lado de fora, era uma espécie de campo de
trabalho. Havia boatos, sussurrados, de pessoas sendo espancadas, até mesmo mortas. Mas
não havia uma verdadeira compreensão da trágica realidade. Ainda tínhamos permissão
para sair do país; ainda podíamos morar em nossas casas; ainda podíamos rezar em nossos
templos; nós estávamos num gueto, mas a maioria do nosso povo ainda estava viva.
Para o judeu comum, isso parecia suficiente. Ele não percebia que estávamos todos
esperando pelo fim.
M
inha mãe, Sara Stanley, e meu pai, Manfred Stanley, são
refugiados que vieram para os Estados Unidos, ambos tendo
vivido os horrores do antissemitismo na Europa Ocidental e
Oriental. Meu pai viveu a Kristallnacht, dez dias antes de seu sexto
aniversário. Minha mãe é do leste da Polônia e sobreviveu num campo de
trabalho siberiano antes de ser repatriada e enviada para Varsóvia em 1945,
onde ela e seus pais vivenciaram a brutalidade do antissemitismo polonês do
pós-guerra. Fui criado também com o legado de minha avó, Ilse Stanley,
cujas memórias da década de 1930 em Berlim, The Unforgotten, orientam
essas páginas. Minha origem familiar me impôs uma bagagem emocional
difícil. Mas também, de modo crucial, me preparou para escrever este livro.
Mas este livro, evidentemente, não tem raízes apenas na Europa. Uma das
minhas principais influências intelectuais é minha madrasta, Mary Stanley.
Mary entrou na minha vida cedo e ajudou a me aprofundar na história
americana. Graças a ela, aprendi cedo na vida sobre o abolicionismo, a
história do movimento trabalhista e, acima de tudo, o movimento dos direitos
civis, do qual ela participou como estudante universitária. Não é exagero
dizer que a visão de mundo de minha mãe e meu pai são pessimistas – um
legado emocional que combato para não transmiti-lo a mais uma geração.
Mary sempre esteve lá para me lembrar de deixar dez porcento para a
esperança; sua voz ecoa pelas páginas deste livro nesses momentos. Ela
também leu cuidadosamente vários rascunhos, e certas seções são, em
essência, o resultado de seus comentários. Sou muito afortunado de tê-la em
minha vida e tenho uma grande dívida de gratidão para com ela.
Mary não foi a única voz que me ajudou a ver a centralidade da história
dos EUA em relação ao fascismo. Fui generosamente abençoado com amigos
próximos, como a historiadora norte-americana Donna Murch e a filósofa
Kristie Dotson, que pacientemente conversaram comigo sobre as maneiras
pelas quais o racismo norte-americano influenciou na ascensão do fascismo
europeu. Dotson e Murch eram apenas parte de um generoso grupo de
pesquisa, cuja filial de New Haven foi liderada por Timothy Snyder e Marci
Shore, e tinha como membros Reginald Dwayne Betts, Robin Dembroff,
Zoltan Gendler-Szabo, Antuan Johnson, Ben Justice, Titus Kaphar, Kathryn
Lofton, Tracey Meares, Claudia Rankine, Jennifer Richeson e Anshul Verma
(esta lista é, lamentavelmente, apenas parcial). Sou grato ao meu grupo de
amigos em New Haven pelo generoso envolvimento com meu trabalho.
Também devo reconhecer uma dívida de gratidão para com os alunos de
graduação que fizeram meu curso de Propaganda, Ideologia e Democracia, e
com quem aprendi muito ao longo dos anos. Fora de New Haven, uma série
de pensadores influenciou minha reflexão sobre os temas deste livro,
incluindo Lewis Gordon, Lori Gruen, Howard Kahn, Sari Kisilevsky,
Michael Lynch, Kate Manne, Charles Mills, David Livingstone Smith, Amia
Srinivasan, Ken Taylor, Lynne Tirrell, Elizabeth Anderson e Peter Railton.
Agradeço a Brian Leiter e Samuel Leiter por me desafiarem a explicar de que
forma a teoria da propaganda de meu livro de 2015 era relevante para as
políticas fascistas.1 Tenho uma dívida particularmente grande com o linguista
David Beaver, coautor de outro livro em que estou trabalhando, para a
Princeton University Press, chamado Hustle: The Politics of Language.
David tem sido um interlocutor inestimável durante todo esse processo.
Este livro surgiu de uma sugestão do meu editor da Princeton University
Press, Rob Tempio, de dar continuidade a meu livro de 2015, How
Propaganda Works [Como funciona a propaganda] com um trabalho sobre o
fascismo. Sou grato por sua generosidade intelectual e confiança em minha
capacidade de fazer um trabalho politicamente importante. Eu nunca havia
escrito um livro comercial. Por recomendação de amigos, entrei em contato
com agentes e decidi empregar Stephanie Steiker, da Regal e Hoffman, como
minha agente. Quando começamos nossa relação de trabalho no verão de
2017, eu tinha um esboço de duas páginas deste livro. No início de setembro,
nos encontramos pela primeira vez. Stephanie sempre me apoiou, me falou a
verdade nua e crua quando precisei ouvi-la e (igualmente importante) a
ocultou de mim quando seria muito prejudicial. Ela leu inúmeras versões
iniciais, e várias vezes me afastou de bancos de areia em direção a águas
abertas. Uma sorte igualmente grande veio na forma da minha editora da
Random House, Molly Turpin. Depois de adquirir os direitos sobre o livro
em novembro de 2017, ela leu cerca de meia dúzia de rascunhos e editou,
basicamente, cada linha. No que diz respeito à escrita estilística deste livro,
grande parte do crédito é para ela. Estou profundamente grato a Stephanie e
Molly.
Em casa, em New Haven, minha sogra, Karen Ambush Thande, tem sido
sempre uma fonte de apoio de diversas maneiras, por exemplo, servindo
como uma caixa de ressonância crucial para ideias, usando seu profundo
conhecimento sobre a tradição negra americana que tomei como base para
explorar aqui. Meus filhos, Alain e Emile, são minha fonte de maior alegria,
bem como lembranças vivas da necessidade deste trabalho. Eu tenho lutado
arduamente para transmitir a sabedoria que vem de seu legado, evitando
passar as cargas psíquicas que esse legado envolve. Se eu conseguir isso, será
minha maior vitória. Finalmente, como sempre, minha maior dívida é com
minha parceira, Njeri Thande. Não há ninguém a quem eu deva tanto, e
ninguém que eu estime mais.
13
NOTAS
INTRODUÇÃO
1. LINDBERGH, Charles. “Aviation, Geography, and Race”. Reader’s Digest. p. 64-7, nov. 1939.
2. Ver STEIGMANN-GALL, Richard. “Star-spangled Fascism: American Interwar Political Extremism in
Comparative Perspective”. Social History, v. 42, n.1, p. 94-119, 2017.
3. Ver KTEILY, Nour; BRUNEAU, Emile. “Backlash: The Politics and Real-World Consequences of
Minority Group Dehumanization”. Personality and Social Psychology Bulletin, v. 43, n.1, p. 87-104,
2017.
CAPÍTULO 2: PROPAGANDA
1. HINTON, Elizabeth. From the War on Poverty to the War on Crime: The Making of Mass
Incarceration in America. Cambridge: Harvard University Press, 2016. p. 142.
2. GRUNBERGER, Richard. The 12-Year Reich: A Social History of Nazi Germany 1933-1945. Nova
York: Da Capo Press, 1995. p. 90.
3. DU BOIS, W.E.B. Black Reconstruction. Nova York: Oxford University Press, 2014. p. 419.
4. Ibid., p. 583.
5. Kate Manne, em Down Girl: The Logic of Misogyny (Nova York: Oxford University Press, 2018),
argumentou que uma dialética semelhante estava em jogo na perda de Clinton em 2016 para Trump
(ver p. 256-63 e 271).
6. POMERANTSEV, Peter. Nothing Is True and Everything Is Possible: The Surreal Heart of the New
Russia. Nova York: PublicAffairs, 2014. p. 65.
7. Ver VAROL, Ozan O. “Stealth Authoritarianism”. Iowa Law Review. v. 100. p. 1673-1742, 1677,
2015.
8. DOUGLASS, Frederick. “What to the Slave Is the Fourth of July?”. 5 jul. 1852. Disponível em:
<https://www.thenation.com/article/what-slave-fourth-july-frederick-douglass>.
9. Ibid.
10. MEES, Bernard. The Science of the Swastika. Budapeste: Central European University Press, 2008.
p. 112-3.
11. <https://www.youtube.com/watch?v=TTZloCWuhXE>.
CAPÍTULO 3: ANTI-INTELECTUALISMO
1. Como exemplo, Chris Caesar descreve a estratégia da campanha de Trump desta maneira em “Trump
Ran Against Political Correctness. Now His Team Is Begging for Politeness”, Washington Post. 16
mai. 2017.
2. O’HARROW JR., Robert; BOBURG, Shawn. “How a ‘Shadow’ Universe of Charities Joined with
Political Warriors to Fuel Trump’s Rise”. Washington Post, 3 jun. 2017.
3. ZAMUDIO-SUAREZ, Fernanda. “Missouri Lawmaker Who Wants to Eliminate Tenure Says It’s ‘Un-
American’”. Chronicle of Higher Education, 12 jan. 2017.
4. GUPTA, Charu. “Politics of Gender: Women in Nazi Germany”. Economic and Political Weekly, v.
26, n. 17, p. 40-8, 1991.
5. GESSEN, Masha. The Future Is History: How Totalitarianism Reclaimed Russia. Nova York:
Riverhead Books, 2017. As citações estão nas p. 264-7.
6. WEIR, Fred. “Why Is Someone Trying to Shutter One of Russia’s Top Private Universities?”.
Christian Science Monitor. 28 mar. 2017.
7. Ver o excelente artigo de Jedidiah Purdy para a New Yorker, de 19 de março de 2015, “Ayn Rand
Comes to UNC”, de onde obtive as informações dos últimos dois parágrafos sobre a Carolina do
Norte.
8. Ver LINSKEY, Annie. “With Patience, and a Lot of Money, Kochs Sow Conservatism on Campuses”.
Boston Globe. 2 fev. 2018.
9. “In Turkey, Crackdown on Academics Heats Up”. Voice of America. 14 fev. 2017.
10. Citado em “Science Scorned” (editorial), Nature. n. 467.133, set. 2010.
11. DRIEU LA ROCHELLE, Pierre. “The Rebirth of European Man”. In: GRIFFIN, Roger (org.) Fascism.
Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 202-3.
12. HITLER, Adolf. Mein Kampf (My Battle). Resumo e trad. E. T. S. Dugdale. Boston e Nova York:
Houghton Mifflin Company, The Riverside Press Cambridge. 1933. p. 76-7.
13. KLEMPERER, Victor. The Language of the Third Reich. Nova York: Continuum, 1947. p. 20-1. [Ed.
bras.: A linguagem do Terceiro Reich. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2009.]
14. “Fascist Mysticism”. In: GRIFFIN. Fascism. p. 55.
15. LEWIS, Michael. “Has Anyone Seen the President?” Bloomberg View, 9 fev. 2018.
CAPÍTULO 4: IRREALIDADE
1. ARENDT, Hannah. The Origins of Totalitarianism. Nova York: Harcourt Brace, 1973. p. 351. [Ed.
bras.: Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia de Bolso, 2013.]
2. CASSIRER, Ernst. “The Technique of the Modern Political Myths”. In: ______. The Myth of the State.
New Haven: Yale University Press, 1946. [Ed. bras.: O mito do Estado. São Paulo: Editora Códex,
2003.]
3. Ver artigo de Brian Tashman, de 30 de outubro de 2014, “Tony Perkins: Gay Rights Part of
Population Control Agenda” em Right Wing Watch.
4. Ver HAHL, Oliver; KIM, Minjae; ZUCKERMAN, Ezra. “The Authentic Appeal of the Lying
Demagogue”. American Sociological Review. fev. 2018.
5. <https://www.thenation.com/article/exclusive-lee-atwaters-infamous-198-interview-southern-
strategy/>.
CAPÍTULO 5: HIERARQUIA
1. Ver SIDANIUS, Jim; PRATTO, Felicia. Social Dominance: An Intergroup Theory of Social Hierarchy
and Oppression. Nova York: Cambridge University Press, 1999.
2. PRATTO, Felicia; SIDANIUS, Jim; LEVIN, Shana. “Social Dominance Theory and the Dynamics of
Intergroup Relations: Taking Stock and Looking Forward”. European Review of Social Psychology,
v. 17, n. 1, p. 271-320. 3.http://teachingamericanhistory.org/library/document/cornerstone-speech/.
4. DU BOIS, W.E.B. “Of the Ruling of Men”. In: ______. Darkwater. Dover, 1999.
5. ROSENBERG, Alfred. “The Protocols of the Elders of Zion and Jewish World Policy”. In: LANE,
Barbara Miller; RUPP, Leila J. (Orgs.) Nazi Ideology Before 1933: A Documentation. Austin:
University of Texas Press, 1978. p. 44-59.
CAPÍTULO 6: VITIMIZAÇÃO
1. DU BOIS, W.E.B. Black Reconstruction in America: 1860-80. Nova York: Free Press, 1935. p. 283.
2. KRAUS, Michael; RUCKER, Julian; RICHESON, Jennifer. “Americans Misperceive Racial Economic
Equality”. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, v. 114,
n. 39, p. 10324-31.
3. Um artigo clássico é “Race Prejudice as a Sense of Group Position”, de Herbert Blumer, Pacific
Sociological Review, v. 1, n. 1, p. 3-7, primavera 1958.
4. CRAIG, Maureen; RICHESON, Jennifer. “On the Precipice of a ‘Majority-Minority’ America: Perceived
Status Threat from the Racial Demographic Shift Affects White Americans’ Political Ideology”.
Psychological Science, v. 25, n. 6, p. 1189-97, 2014.
5. CRAIG, M. A.; RUCKER, J. M.; RICHESON, J. A. “Racial and Political Dynamics of an Approaching
‘Majority-Minority’ United States”. Annals of the American Academy of Political and Social
Science, abr. 2018.
6. KIMMEL, Michael. Angry White Men: American Masculinity at the End of an Era. Nova York: Nation
Books, 2013. p. 110-1.
7. Ibid., p. 112.
8. Ver MANNE, Kate. Down Girl: The Logic of Misogyny. Nova York: Oxford University Press, 2018. p.
156-7.
EPÍLOGO
1. BEAR, Adam; KNOBE, Joshua. “Normality: Part Statistical, Part Evaluative”. Cognition. v. 167. out.
2017. p: 25-37.
2. BEAR, Adam; KNOBE, Joshua. “The Normalization Trap”. New York Times Sunday Review, 28 jan.
2017.
AGRADECIMENTOS
1. LEITER, Brian; LEITER, Samuel. “Not Your Grandfather’s Propaganda”. The New Rambler Review.
out. 2015.
Texto de acordo com a nova ortografia.
Revisão: Jó Saldanha
S791c
208 p. ; 21 cm.
ISBN 978-85-254-
1. Fascismo. 2. Poder (Ciências sociais) - Aspectos políticos.
CDU: 329.18
www.lpm.com.br
Sapiens
Harari, Yuval Noah
9788525432407
464 páginas
Por que a maioria das dietas não dá certo? O jornalista Gary Taubes,
colaborador das mais prestigiosas revistas científicas da atualidade,
como a Science, não está propondo mais uma dieta milagrosa, mas
tem a resposta. Quando tanta gente adota uma redução drástica na
alimentação e aumenta a quantidade de exercícios e mesmo assim a
balança teima em não se mexer, não há algo errado? De acordo com
Taubes, essas são condutas equivocadas, que não levam ao
emagrecimento. Para dar um basta no engorda-emagrece, o autor vai
a fundo no círculo vicioso que nos faz ganhar peso e propõe uma
mudança alimentar que tem tudo para se tornar uma nova filosofia de
vida.
"Uma bomba literária que muito provavelmente Obama não leu, mas
que – sejamos francos – na verdade deveria ler..." Jorge Volpi, El
PaísUm livro (infelizmente) atual. A L relança As veias abertas da
América Latina, de Eduardo Galeano, com nova capa, índice analítico
e nova tradução de Sergio Faraco, um dos mais importantes contistas
do Brasil. Sobre essa versão, escreveu Galeano: "Excelente trabalho
de Sergio Faraco, melhora a não menos excelente tradução anterior,
de Galeno de Freitas. E graças ao talento e à boa vontade destes
dois amigos, meu texto original, escrito há quarenta anos, soa melhor
em português do que em espanhol". No prefácio, escrito em agosto
de 2010, especialmente para esta edição de As veias abertas da
América Latina, Eduardo Galeano lamenta "que o livro não tenha
perdido a atualidade". Remontando a 1970, sua primeira edição,
atualizada em 1977, quando a maioria dos países do continente
padecia facinorosas ditaduras, este livro tornou-se um autêntico
"clássico libertário", um inventário da dependência e da vassalagem
de que a América Latina tem sido vítima, desde que aqui aportaram
os europeus no final do século XV. No começo, espanhóis e
portugueses. Depois vieram ingleses, holandeses, franceses,
modernamente os norte-americanos, e o ancestral cenário
permanece: a mesma submissão, a mesma miséria, a mesma
espoliação. As veias abertas da América Latina vendeu milhões de
exemplares em todo o mundo. Com seu texto lírico e amargo a um só
tempo, Galeano sabe ser suave e duro, e invariavelmente transmite,
com sua consagrada maestria, uma mensagem que transborda
humanismo, solidariedade e amor pela liberdade e pelos desvalidos.