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MEMÓRIA HISTÓRICA DE SÃO SEBASTIÃO ( ).

O MUNICÍPIO DE SÃO SEBASTIÃO.

PARTE GEOGRAFICÁ .

Divisas .

O dr. Nabuco de Araújo, em seu relatório de 1852, dizia que


o município de São Sebastião tinha divisas incontestáveis,
"dividindo-se para o sul com o município de Santos,
pelo rio Saí, em distância de 10 léguas; para o norte pelo
rio Juqueriquerê, em distância de 2 e meia léguas, com
Caraguatatuba".
A leste e ao sul pelo Oceano Atlântico, que, pelo canal do
Toque-Toque, cêrca de 6,6 quilômetros, o separa da ilha de São
Sebastião, que por sua vez forma o antigo município de Vila Bela,
depois chamado "Formosa" e atualmente "Ilhabela".
A lei provincial n. 18 de 7 de abril de 1849 estabeleceu suas
divisas com Caraguatatuba, sendo que, com o município de Parai-
tinga, corriam pelo alto da Serra do Mar.
A lei n. 44 de 5 de abril de 1865 alterou-as em relação ao mu-
nicípio de Santos, dizendo:
"começarão nas vertentes do rio Vermelho, seguindo
por êle até sua foz no rio Branco e por êste até a barra

(* ) . — O autor do presente estudo •5 funcionário aposentado no cargo de chefe da


se :.ião histerica de Departamento do Arquivo do Estado, onde durante 30 anos
serviu com dedicação e capacidade. Julgamos oportuno esclarecer que o Dr.
Antônio Paulino de Almeida foi uma das grandes amizades do saudoso Dr.
Washington Luís Pereira de Souza, que o conheceu como promotor em Ca-
nanéia em 1925. Entusiasmado com os conhecimentos históricos do jovem ca-
naneense, convidou-o para continuar suas pesquisas sôbre Cananéia, proVidenciando
o e ecessário comissionamento na repartição do Arquivo do Estado. Decorridos
dois anos, tanto produziu e realizou, que o Dr. Washington Luís, então já Pre-
sidente da República, empenhou-se na sua nomeação para o cargo de argui-
vi•na D.sde então, o Dr. Antônio Paulino de Almeida dedicou-se inteira-
mente à pesquisa histórica, publicando vários artigos sôbre a sua especialidade.
Mas as suas obras principais permanecem inéditas e a Revista de História, para
premiar tão grande esfôrço e para que não se perca tão precioso acervo; resol-
veu publicar agora êste trabalho sôbre São Sebastião e em seguida dará a
estampa • a sua obra máxima: a História de Cananéia (Haia da Redação).

Revista de História n.o 33


— 178 —

do Una, ficando compreendida no município de São Se-


bastião a ilha do Monte de Trigo".
A de n. 21, de 21 de março de 1870, revogando a anterior,
declarou que o rio Saí ficaria, como anteriormente, servindo de
divisa entre os municípios de Santos de São Sebastião, compreen-
didos no de Santos não só a ilha do Monte de Trigo, como tam-
bém a das Couves.
Ainda a lei n. 1204 de 23 de agôsto de 1910 revogou a de n.
21, restabelecendo as confrontações dadas pela lei n. 44 de 5 de
abril de 1860.
Entretanto, nos têrmos do decreto n. 9775 de 30 de novem-
bro de 1938, que fixou o novo quadro de divisão territorial do Es-
tado, ficaram assim estabelecidas as divisas do município:
Com o município de Santos: Começam na barra do córrego
Parateus, no Oceano Atlântico, vão, em reta, até o alto do morro
do Cedro e continuam pelo espigão que deixa, à esquerda, as águas
do ribeirão Vermelho e rio Branco, e, à direita as dos rios Una e
Cubatão, até a Cordilheira do Mar;
Com o município de Salesópolis: Começam na Cordilheira do
Mar, onde ela cruza com o espigão que deixa à esquerda, as águas
dos rios Una e Cubatão, e, à direita, as do ribeirão Vermelho e rio
Branco; seguem pela crista da Serra do Mar até encontrar a Ser-
ra do Juqueriquerê "divortium aquarium" entre as águas do rio
do mesmo nome e os rios que vertem para o litoral.
Com o município de Caraguatatuba: Começam na Cordilhei-
ra do Mar, onde ela entronca com a Serra do Juqueriquerê, seguem
pelo crista desta última até alcançar a cabereira do ribeirão Ca-
çadinha ou São Rafael, descem por êste até a sua barra no rio
Claro, e por êste descem até o rio Juqueriquerê e por êste ainda
ao Oceano Atlântico.
Superfície.
A área, segundo uns, é de 552 quilômetros quadrados, enquan-
to que para outros, é de 645,5.
População.
Segundo os cálculos estatísticos para o ano de 1929 era de
6.677 habitantes, correspondendo a 12,09 mais ou menos, por qui-
lômetro quadrado; entretanto, o recenseamento feito em 1938 acusou
uma população de 7.340 habitantes.
Aspecto geral.
O seu território é geralmente montanhoso e coberto de ricas
matas, porém, à beira-mar encontram-se algumas planícies, vales
— 179 --

e pequenos montes, contrafortes da Serra do Mar. Suas terras


são produtivas, prestando-se para café, fumo, cana de açúcar e fru-
tas, especialmente laranja e banana, hoje cultivada em grande
escala.
Clima .
O clima é saudável, apesar de quente no verão, sendo ame-
nizado pelas brisas do mar, principalmente pelos ventos de SE e
NE, que entram pelo canal.
Posição .
A cidade de São Sebastião se encontra na latitude de 23° e
48' S, e 45° e 24' de longitude O do Rio de Janeiro, a ESEE da
Capital, da qual fica distante 230 quilômetros; 108 de Santos;
82 de Paraibuna; 66 de São José do Paraitinga; 24 de Caragua-
tatuba; 105 de Ubatuba e 9 de Ilhabela. Possui 221 prédios.
Divisão administrativa .
Em sua origem o município compreendia não só uma grande
parte do território do Continente, como também a Ilha do mesmo
nome.
Com a elevação da freguesia de Nossa Senhora da Ajuda e
Bom Sucesso, à categoria de vila, dêle se desmembrou o território
da ilha, para formar o município hoje de Ilhabela, por fôrça da
Portaria de 3 de março de 1805.
Em 1847, pela lei n. 30, de 20 de abril dêsse ano, era ainda
desmembrado o município de Caraguatatuba.
Possui dois distritos de paz: São Sebastião e Maresias.
Divisão judiciária.
O seu território pertencia ao município de Santos, do qual
foi desmembrado a 16 de março de 1636, quando foi a povoação
ele-siada à vila por Pedro da Mota Leite, como loco-tenente e pro-
ciwador do donatário, o conde de Monsanto (1), ficando sob a ju-
risdição da Ouvidoria de São Paulo, até que, por Carta Régia de
29 de outubro de 1700, aprovando a repartição das vilas da Ca-
p; :_mia entre as Ouvidorias de São Paulo e do Rio de Janeiro, pas-
sou a pertencer a esta última, sob cuja jurisdição continuou até o
ano de 1731, quando foi publicada a seguinte Provisão sujeitando-
a novamente a São Paulo:

(1) — Foi primeiro Juiz Ordinário da Vila, Diogo Castanho Tôrres e foram primeiros ve-
readores: Francisco Pinheiro, Nuno Cavalheiro e Francisco de Escobar Ortiz,
como consta do respectivo auto de eleição.
1.80

"Dom João por graça de Deus Rey de Portugal e dos


Algarves daquem, e dalem mar em Africa Snõr de Guinê,
etc.
Faço saber a vos Antonio da Silva Caldeira Pimentel
Governador da Capitania de S. Paulo, que vendo a conta
q. me destes sobre a dificuldade do recurso, que tinhão
p.a o Ouvidor do Rio de Janr.o os moradores da villa, e
ilha de São Sebastião, e os da Villa de Ubatuba, ao qual
estavão sogeitas no Civel, sendo no militar da jurisdição
desse governo; e attendendo eu ás mais razões q. destes,
e ao q. me informou o Governador do Rio de Janr.o, ou-
vindo ao Ouvidor;
Fui servido por rezolução de vinte de Fevr.o deste
prezente anno em Cons.ta do meu Concelho Ultr.o orde-
nar q. a villa, e Ilha de São Sebastião, e a villa de Uba-
tuba com os seus destrictos sejão daqui em diante, sogei-
tas á jurisdição do Ouvidor dessa Capitania, assim como
athe agora erão sogeitas á jurisdição do Ouvidor do Rio
de Janr.o, da qual os izento ; de que vos avizo para q. as-
sim o tenhaes entendido, e o façais executar, e cumprir
pelo que vos toca.
El-Rey nosso Snr. o mandou por Gonçalo Manoel Gai-
vão de Moura Lacerda, e o Dr. Alex. Metello de Souza Me-
nezes conselheiros do Conc.o; e se passou por duas vias,
Antonio de Souza Per.a a fez em Lix.a occ. em vinte, e
tres de Fevr.o de mil sette centos trinta e hu. O Se-
cretario M.el Caetano Lopes de Lavre a Gonçalo M.el Gal-
vão de Lacerda.
Como cabeça do têrmo de São Sebastião, Vila Bela e Ubatu-
ba, ficou pertencendo à 6a. Comarca (Santos), pelo ato do pre-
sidente da Província, em Concelho, de 23 de fevereiro de 1833;
corno têrmc de São Sebastião e Vila Bela, continuou pertencendo
à Ga. Comarca (Santos), pelo Decreto 162 de 10 de maio de 1842;
têrnio de São Sebastião, 6a. Comarca, Decreto n. 402, de 5 de fe-
vereiro de 1845; têrmo de São Sebastião reunido ao de Vila Bela,
6a. Comarca, Decreto 768 de 22 de março de 1851; idem da Co-
marca de Jacareí, pela lei n. 11 de 17 de julho de 1852; idem, da
Comarca de Santos, pela lei n. 16, de 30 de março de 1858; como
têrmo reunido com Vila Bela, pertenceu à Comarca de Ubatuba,
pela lei n. 46 de 6 de abril de 1872; foi têrmo da Comarca de São
Sebastião pela lei n. 30 de 10 de abril de 1874.
Resumo .
Ficou pertencendo a:
Comarca do Rio de Janeiro 1700
Comarca de São Paulo 1731
Comarca de Santos 1833
Comarca de Jacareí 1852
Comarca de Santos 1858
Comarca de Ubatuba 1872
Comarca de São Sebastião 1874
181

Esta comarca foi criada com os têrmos de São Sebastião e


Vila Bela da Princesa e Município de Caraguatatuba e instalada
a 17 de julho de 1874.
O Alvará de 9 de outubro de 1817 criou em São Sebastião uni
lugar de Juiz de Fora, do cível, crime e órfãos, anexando à sua ju-
risdição as vilas de Ubatuba e Vila Bela da Princesa.
A vila de São Sebastião foi elevada à categoria de cidade pela
lei n. 20 de 8 de abril de 1875.
A Lei n. 80 de 25 de agôsto de 1892, desanexou o município
de Vila Bela da Princesa (2).
Serviu como primeiro magistrado o dr. Martinho Avelino da
Silva Prado, que, removido por Decreto de 16 de maio de 1874
da comarca do Prata, na Província de Minas Gerais, foi para ela
nomeado a 16 de maio dêsse mesmo ano.
Para o cargo de Promotor Público, por Decreto de 23 de
maio, também dêsse ano, foi nomeado o dr. Francisco de Arruda
Falcão (3).
Divisão eclesiástica.
O município constitui uma paróquia sob a invocação de São
Sebastião.
Pertence à Diocese de Santos.
No ano de 1929 contavam-se 2 templos católicos e 2 protes-
tantes.
Existia apenas 1 sacerdote, realizando-se nesse ano 28 casa-
mentos e 210 batizados.
Segue-se um pequeno quadro estatístico relativo ao movimen-
to religioso no ano de 1932.
Casamentos 17
Batizados 155
Comunhões 2.934
Primeiras comunhões 2
Viáticos 6
Extrema Unção 11
Pregações 47
Aulas de catecismo :
Alunos sexo masculino 853
Alunos sexo feminino 804
Irmandades:
Sagrado Coração de Jesus (homens) 28
Sagrado Coração de Jesus (mulheres) 120
. — As anotações acima extraimô-las do Ensaio de um quadro demonstrativo do
desmembramento das comarcas do Estado de Sito Paulo, criterioso trabalho
de autoria do dr. Djalma Forjaz, antigo diretor do Arquivo do Estado, pu-
blicado em 1931.
. — Arquivo do Estado, Livro 1.469 da Magistratura da Província.

— 182

Filhas de Maria 60
S. S. Sacramento 35
C. de São Vicente 50
Data da criação canônica da Paróquia: ano de 1700.
Padroeiro: São Sebastião.
Demografia.
Os últimos dados estatísticos conhecidos são os seguintes :
1929
nascidos vivos 153
Nascimentos
nascidos mortos 7
Casamentos 43
óbitos 65
Crescimento vegetativo 88
1931
Casamentos 20
Nascimentos 48
óbitos 118
1938
População 7.340
Nascimentos 97
óbitos 66
Patrimônio.
De acôrdo com os dados que conseguimos obter, referentes
ao ano de 1932, foi o seguinte:
Valor do patrimônio municipal 54:000$000
renda 19:000$000
Arrecadação municipal
despêsa 19 :000$000
renda 102 :000$000
Arrecadação estadual
despêsa 180 :000$000
1938
Receita municipal 39:802$000
despêsa 39:633$000
Número de prédios do município 307
Agricultura .
As terras do município são excelentes e produzem cana de
açúcar, café, fumo, algodão e cereais. ,
— 183 —

O fumo, que por longos anos foi aí cultivado em grande esca-


la, tornou-se notável pela sua especialidade.
Nos últimos anos iniciou-se a cultura da bananeira, que vem
sendo feita em grande escala e com resultados surpreendentes.
A maior fonte de rendas do município, entretanto, consistirá
em futuro muito próximo na cultura de árvores frutíferas, espe-
cialmente a laranjeira, pelas vantagens climatéricas da região'.
A superfície da lavoura é de 1.843 alqueires, sendo 30 em pas-
tos e campos.
Os principais sítios são 7, havendo a pequena lavoura.
A produção do arroz é de 7.200 hectolitros; feijão 3.000; mi-
lho. 15.000.
Exportação de bananas em grande escala nos últimos anos.
Apesar da devastação sistemática das matas do litoral, —
coisa aliás lamentável, — o município de São Sebastião é dos pou-
cos que ainda hoje podem orgulhar-se de possuir madeiras de lei em
qwintidade abundante, sendo um dos que, nos tempos coloniais,
mais concorreram com excelentes madeiras para a Marinha inglê-
sa, em virtude do tratado de 1817 entre a Inglaterra e o Brasil.
Comércio.
O comércio, muito reduzido nos úlitmos decênios, melhorou
sensivelmente depois de iniciada a cultura de frutas e da facili-
dade de meios de transportes marítimos, tendendo a aumentar e
desenvolver-se ainda mais, quando concluída a estrada de roda-
gem para o Planalto.
Indústria .
Existem algumas fábricas de aguardente, pequenas olarias pa-
ra telhas e tijolos e uma fábrica de artigos pirotécnicos.
Muito importante, entretanto, é a indústria da pesca, cujos
produtos são enviados para os mercados de Santos, São Paulo e
Rio de Janeiro.
Vias de comunicação.
Como tôdas as cidades do litoral, São Sebastião até há pouco
ten.po não possuia nenhuma estrada de rodagem digna ,dêsse no-
me, mas sim caminhos, que, partindo da cidade se dirigiam para
Caraguatatuba, para o Planalto e para os bairros próximos.
Nos tempos coloniais existiam estradas mais ou menos boas,
ligando a vila a outras localidades. Mais tarde, já com o govêrno
provincial, contavam-se novas vias terrestres, como a que ligava
São Sebastião a São José do Paraitinga, construção essa autori-
zada pela lei n. 4 de 23 de fevereiro de 1841; a estrada Dtiria,
184

aberta em 1832, pelo padre Manuel de Faria Dória e trancada em


1842 por ordem do govêrno. •
As obras desta estrada foram recomeçadas novamente em 1887.
A estrada de Caraguatatuba, aberta em 1805, que partindo de
Paraibuna descia no canto da praia, correndo daí pela chamada es-
trada da marinha, até São Sebastião, atravessava um trajeto de 4
léguas ou 22,2 quilômetros até a antiga vila .
"A primeira estrada foi aberta pelo capitão-mor Ma-
nuel Lopes da Ressurreição e outros, e passava então por
Pirassonunga, sendo depois encabeçada por Caraguatatu-
ba e desprezada •a do Pirassonunga".
Existe um caminho que partindo de São Sebastião vai à
Bertioga.
Ultimamente, porém, já se vem tratando de resolver defini-
tivamente o importante problema rodoviário litorâneo, único ca-
paz de provocar o ressurgimento dessa maravilhosa região do Es-
ta..ie.
Nesse sentido e como ponto de partida de , uma nova éra, foi
prt,mulgada a lei n. 2.389 de 13 de dezembro de 1929, devido aos
esforços do dr. Manuel Hipólito do Rêgo, que no desempenho do
seu mandato, como representante da zona, teve oportunidade de
pronunciar na sessão de 7 de agôsto daquele ano, perante a As-
sembléia Legislativa do Estado, interessante discurso que, por seu
visor histórico, transcrevemos em apêndice. (Documento n. 1) .
A seguir foi apresentado à mesa o Projeto n. 1 de 1929.
O Congresso Legislativo do Estado de São Paulo de.
creta;
Art. 1.° — Fica o poder executivo autorizado a cons-
truir, no porto de S. Sebastião, um molhe para atracação
de vapores, bem como uma estrada de rodagem para au-
tomoveis de Santos á Ubatuba, pelo littoral, com dois ra-
maes para o interior: — um, do ponto mais conveniente,
no municipio de S. Sebastião, ou no de Caraguatatuba até
á cidade de Parahybuna; outro, de Ubatuba a Taubaté.
Art. 2.° — Para execução de taes serviços, o poder
executivo abrirá os creditos necessarios.
Sala das sessões da Camara dos ,Deputados, 7 de
Agosto de 1929. — Manoel Hyppolito do Rego, Deodato
Wertheimer..
Até o ano de 1930, ou pouco mais, era da via marítima que
se 'serviam os habitantes das pequenas cidades do litoral paulista
que, para isso, contavam com um serviço regular de cargas e pas-
sageiros prestado pelas companhias Loide Brasileiro, Navegação
Cc-teira e Comércio e Navegação.
185

Dessa data por diante,- foi se tornando precário aquêle servi-


ço, que desapareceu por completo desde o ano de 1940, o que
forçou o Estado a abertura de estradas para tôda a região litorânea
e através das quais, por meio de ônibus e caminhões vem sendo
feito todo o transporte de cargas e passageiros.
Topografia.
A cidade está situada à beira-mar, sôbre uma planície que se
estende ao sopó da serra, quase em frente à cidade de Ilhabela,
ex-Formosa, de que dista 5 quilômetros, separando-as o canal de
Toque-Toque, em cujas águas se refletem suas casas e o perfil
das montanhas que as cercam.
Tanto uma como outra, como disse o dr. Alexandre Cococi,
"são colocadas em posição encantadoras, mas, de
aspecto nostálgico".
"Ambas, lindamente situadas à beira do canal, se pare-
cem, e são de fato, duas rivais que disputam a supre-
macia".
Humilde, mas de aspecto agradável, a cidade de São Sebas-
tião ainda conserva vestígios dos faustosos dias do seu passado.
Dotada de água potável e magnífica luz elétrica, possui bom
pr•-.Lios, duas grandes praças e ruas geralmente espaçosas e retas..
As casas, em sua maior parte, são térreas, havendo entretan-
to alguns sobrados e construções de estilo colonial.
Os principais edifícios públicos são: o Paço da Câmara, Ca-
de,a, Igreja Matriz e Capela de São Gonçalo, Prefeitura Munici-
pal. Grupo Escolar e outros.
Serras e morros.
Como já dissemos, o território é geralmente montanhoso, pela
aproximação da Serra do Mar e de seus contrafortes, entre os quais
cit•iremos a Serra do Dom, morros do Lopo, Barakessaba, Outeiro,. •
Gvaecá, do Navio, do Toque-Toque, e Toque-Toque Pequeno.
Ilhas.
Dentre as ilhas pertencentes ao município de São Sebastião
mencionaremos as seguintes:
Alcatrazes, que fica situada a 33 quilômetros ao sudoeste da.
Ponta da Sela e trinta e cinco quilômetros ao sul da Ponta do Saí.
E' um lindo rochedo, que se estende de noroeste para sudoeste,
cota o comprimento de 2.500 metros e com a larguma média de,
500 para 600 metros.
— 186 —

Dêste corpo principal, que tem a altitude máxima de 266 me-


tros, sobe para o lado norte uma península da largura média de
200 metros e do comprimento de 600 metros, formando, junta-
mente com a ponta leste da ilha, uma pequena baía chamada —
Sacf.: do Funil.
A sudoeste há um ilhote separado da ilha por um canal de
400 metros de largura, e no meio dêste fica um lago grande que
divide em dois estreitos. No lado de fora, quase unido ao ilhote,
fica um grupo de pequenas lages, denominado — Lage Prêta.
Ao noroeste, na distância de 2.800 metros, encontra-se o Pa-
redão — uma ilhazinha com um diâmetro de 200 metros e uma
altitude de quase 50 metros; e entre esta e Alcatrazes, na distân-
cia de • 700 metros, do Pôrto dos Faroleiros, está situado um ilho-
te onde se acha colocado um farolete.
Cêrca de 3 1/2 quilômetros a nordeste da ponta de Alcatrazes
encontra-se mais uma ilhota ou lage abaulada, — a ilha da Sapata,
que, na Carta Marítima, tem a denominação de East Island. Exis-
tem tmbém várias pequenas lages, uma ao sul do Paredão e outra
a noroeste da ilha do Farol.
A área da liha é de 1.352.000 metros quadrados e a dos ilho-
tes e das lages, 7.000, perfazendo a área total d.e 1.423.000 m 2 .
A forma característica dos picos de Alcatrazes é a cônica, com
a ponta rombuda ou arredondada. O pico Grande, o mais típico,
na parte oeste da ilha, eleva-se até a altura de 266 metros.
Existe outro pico — Pequeno — com 192 m. além: de outros
menores, como o do Oratório, com 130 metros de altitude sôbre
nível do mar.
Tôda a costa da ilha dos Alcatrazes é brava e de difícil acesso,
a não ser nos Sacos do Oratório e do Funil e no pôrto dos Faro-
leiros.
Além do trabalho apresentado pela antiga Comissão Geográ-
fica, existe sôbre a pitoresca ilha dos Alcatrazes, interessantíssima
monografia escrita pelos srs. H. Luederwaldt e J. Pinto Fonseca,
publicada no vol. XIII dos Anais do Museu Paulista.
Ilha do Toque-Toque, fica a sudoeste da ponta do Toque-To-
que, separada desta por um canal de 800 metros de largura. Tem
a forma de um retângulo irregular com os lados de 500 e 950 me-
tros em média.
O ponto culminante tem 147 metros e a área é de 455.000
metros quadrados.
E' em parte, coberta de mata e desabitada.
Ilha dos -Gatos, fica situada ao• sul da ponta da Baleia, na dis-
tância de pouco mais de 2 quilômetros, sendo de forma alongada
medindo 500 metros quadrados.
— 187 —

Também desabitada, possui pouca inata .


Ilha do Monte do Trigo, das Couves e Ilha.
Além dessas, existem ainda outras menores, como as do Apa-
ra, do Camborí, Moleque; etc.
Pontas.
A irregularidade da costa do litoral de São Sebastião, faz com
que aí se apresentem numerosas pontas, praias e enseadas, que lhe
dão um aspecto encantador.
Assim, além de outras de menor importância, encontram-se, do
norte para o sul, as seguintes pontas: da Varação, do Camaroeiro, do
Leandro, Arpoar, Prainha, Sepituba, Lavapés, da Partida, Pontal da
Cruz, Ponta do Araçá, do Recife, Cabelo Gordo, Balieiro, Barakessa-
ba, Gaecá, Taperá, da Varanda, do Saco d'Água, da Velha e Toque-
Toque.
Praias e enseadas.
A parte limítrofe com o mar apresenta belíssimas praias e en-
seadas, tôdas elas povoadas, destacando-se em sua extensão os se-
guintes bairros: São Francisco, Praia do Barro, da Enseada e Qui-
lombo, ao norte; ao Sul, Gaecá, onde existe abundância de água,
seguindo-se-lhe as de Toque-Toque, Calhetas, Toque-Toque Peque-
no, Mar Pequeno, Maresías, Boissucanga e Cambori .
Portos.
O município é banhado pelas águas do Oceano, possuindo dois
portos importantes, abrigados pela ilha de São Sebastião que fica
defronte. São êles, o da cidade e o de São Francisco, acessíveis a
navios de grande calado.
Além dêsses, entretanto, existem outros, espalhados pelo ca-
nal e pela costa, porém, sômente para pequenas embarcações, a que
servem de abrigo.
Rios.
E' o território sulcado por diversos rios, dos quais o mais im-
portante é o Juqueriquerê, que assinala as divisas com o' municí-
pio de Caraguatatuba . Nasce na Serra do Mar, com o nome de
Curupaçé, tomando depois o de Rio Pardo e ao lançar-se no Ocea-
no o de Juqueriquerê, ao N da Ponta do Arpoar .
. E' navegável por canoas de voga, até a distância de duas lé-
guas.
São seus afluentes, o Bananal, Rio Claro, Pirassununga, Pau
d'Alho, Caetano e Ribeiro.
— 188:

Rio Itararé. Nasce no sertão denominado Mato Grosso e de-


pois de 13 quilômetros de curso lança-se no Oceano, no bairro de
São Francisco, onde toma o nome de Perequê-mirim.
Há ainda os seguintes: D. Gertrudes, que vai desaguar no fim
da praia do Pontal da Cruz; dos Outeiros, que atravessa a cidade
pela parte sul; Rio Saí, que serve de divisa entre os municípios de
São Sebastião e Santos.
Além dêsses, existem diversos ribeiros e ribeirões de pouca
importância.
Altitude.
Os pontos mais elevados do município, de acôrdo com os tra-
balhos executados pela Comissão Geográfica, são os seguintes:

Pedra da Boracéa 1.275 metros


Morro do Corcovado 1.260 "
Morro do Peladinho 1.160
Pouso Alto 1.140 3,

Nas ilhas:
Ilha dos Búzios 426 metros
Ilha do Monte de Trigo 289 "
Pico dos Alcatrazes 266 "
Ilha da Vitória 220 "

Distâncias.
A cidade de São Sebastião encontra-se a 230 quilômetros da
Capital, via São José dos Campos e Paraibuna, estando a 8 horas
de Santos, por via marítima.
Navegação.
Quem recorrer à História, verá que desde os tempos coloniais
clamavam as populações do litoral da antiga capitania de São Pau-
lo, pela abertura de estradas de penetração, fato êsse que ainda
há pouco se repetia com .insistência.
Para o Sul, eram as vilas de Iguape e Cananéia, desejosas de
uma vereda que as pusesse em comunicação com o Planalto; a pri-
meira reclamando o caminho para Apiaí e Itapetininga, por ser
aquela vila o empório das mercadorias e produtos do vale da Ri-
beira, o que levava a Câmara a afirmar: .

"... muitos moradores de Apiahy trazem á esta villa


varias porções de effeitos de sua lavoura e aqui vem ven-
der, commerciando tambem com os negociantes, levan-
do delles algumas fazendas, sal, ferro e outros artigos,
sendo isso util a huma e outra villa a continuação deste
giro, tanto pelo que respeita ao Commercio como aos Di-
zimos".
189.

E Apiaí, acrescentando por sua vez:


" hé muito util esta Communicação, por abundar
esta Villa de mantimentos, e triste della se tal não hou-
vesse".
Cananéia, por seu turno, esforçando-se, também, pela mesma
via de comunicação, insistia ainda para que se abrisse uma estra-
da que partindo daquele pôrto, devia dirigir-se ao Potunã, em Curi-
tiba.
Para o norte, eram as vilas de Ubatuba e São Sebastião, para
onde convergiam as produções da zona imprópriamente denomina-
,

da norte de São Paulo, pedindo a abertura de estradas para o in-


terior, no que foram mais felizes, porque, conjugando todos os es-
forços, conseguiram-nas, além de uma outra para Santos e daí para
o Sul, percorrendo a costa, a qual ficou conhecida pela denomina-
ção de estrada da marinha.
Até então, existia apenas o transporte feito por via marítima,
que era feito por embarcações à vela; e de Cananéia para o interior,
o abandonado caminho para o Paraguai, a grande artéria indíge-
na, por onde deviam ter transitado a expedição de Aleixo Garcia,
a bandeira de Pero Lobo Pinheiro, o padre Leonardo Nunes e ou-
tros mais.
Devido à pequena distância que separava os portos de São Se-
bastião e Ubatuba dos centros produtores, grande foi o incremento
dado aos mesmos, para onde ràpidamente se encaminharam as mer-
cadorias de Serra Acima, em detrimento do pôrto de Santos, o que
levou o Governador da Capitania a proibir a navegação para os de-
mais portos, e privilegiando o de Santos, para onde, de então por
diante, deviam dirigir-se tôdas as embarcações...
Antes da abertura das entradas a que nos referimos, eram os
barcos de vela que faziam o transporte de cargas e passageiros, ser-
viço regular entre êsses e os demais portos não só do norte e sul
do país, como também para os portos estrangeiros.

Já nos tempos coloniais impunha-se a necessidade do intercâm-


bio comercial entre as vilas do litoral paulista e os portos das Capi-
tanias do Sul, do que resultou o desenvolvimento das construções
navais na Capitania de São Paulo, onde se fundaram numerosos esta-
leiros, possuindo as mesmas vilas verdadeiras frotas mercantes que
percorriam tôda a costa e que pouco a pouco foram desaparecendo,
depois daquela medida absurda imposta pelo Capitão General Ber-
nardo José de Lorena, desviando as mercadorias para o pôrto de
Santos.
— 190 —

Ainda assim, bem apreciável continuou por alguns anos o ser-


viço exclusivamente do litoral paulista, feito pelos barcos de vela
que transitavam pelo canal do Toque-Toque, até o ano de 1819,
quando se operou uma verdadeira revolução nos meios de trans-
portes marítimos pela adoção das máquinas como meio de pro-
pulsão.
Felisberto Caldeira Brant Pontes, depois marquês de Barba-
cena, tendo conseguido privilégio para a navegação a vapor da
Bahia, mandara vir da Inglaterra uma máquina a vapor, colocan-
do-a em casco de madeira construído no estaleiro da Preguiça. O
pequeno navio fêz sua primeira viagem a 4 de outubro dêsse ano
(4) .
Em uma carta escrita de Filadélfia a 9 de junho de 1820, por
José Corrêa da Serra ao ministro Vila Nova Portugal, dizia êle:
"Já há de ter chegado um navio de vapor de New
York, do qual mudaram o nome de Swift (rápido) no de
Bragança; é uma Companhia de New York que empreen-
deu de lá alcançar privilégio exclusivo de navegar em
alguma parte do Brasil, estimarei que não alcance tal...".
Essa barca chegou de fato ao pôrto do Rio e em 1822 nave-
gou até Santos, sendo adquirida pelo Govêrno.
O Decreto de 15 de novembro de 1821 suprimiu a despêsa
que com ela se fazia e ordenou que a arrendassem ou vendessem.
Começou então o período das chamadas "barcas de Vapor"
que, como acabamos de ver, ainda estava no berço, o que levou o
Ministro do Império Antônio Pinto Chichorro da Gama, a decla-
rar no Relatório do ano de 1834, que
"quanto a paquetes, continuavam o seu giro nas sec-
ções estabelecidas, a saber ; huma de Santa Catharina pa-
ra a Côrte, outra della a Pernambuco e a terceira ao
Pará".
Devemos notar que a expressão — paquetes — não significa-
va, como ainda hoje, "navio a vapor", mas sim embarcações que
gozavam das regalias da condução de malas postais.
Por isso, acrescentava:
"Releva aqui declarar-vos Senhores, que os nossos
Paquetes, os quaes mal merecem este nome, não satisfa-
zem as vistas da Administração nem as Publicas necessi-
dades; hum paiz de tão extenso litoral demanda vehiculos
de correspondencia mais bréve e mais certa: e isto só
poderá conseguir-se por meio de Barcos de Vapor e por
empreza.

(4) . — Com.te Lucas Alexandre Boiteaux, História da Marinha de Guerra Brasileira.


— 191

"Nem se presume, que a extincção - dos actuaes pa-


quetes envolva a perda d'escolas de marinhagem; pelo
contrario, commandados por officiaes da Marinha de
Guer, a, elles servem unicamente para relaxar a discipli-
na d esta Corporação e fazer-lhe perder a regularidade
e o c aracter militar, que lhe deve ser inherente" .
No ano de 1835, em relatório dirigido à Assembléia, insistia
o novo ministro, Joaquim Vieira da Silva e Souza, em nome do
Govêrno, para que o serviço dos correios fôsse feito por meio de
barcos a vapor e que havendo uma
"resolução a este respeito, esperava que lhe dessem
todo o andamento".
Ainda no ano seguinte, era o Ministro J. Ignacio Borges, quem
afirmava
"... os Paquetes haviam sido estabelecidos para fa-
cilitar, accelerar e segurar a correspondencia com todo
o litoral do Imperio . Mas, infelizmente, nenhuma destas
vantagens se ha verificado".
E acrescentava:
"todos os paquetes estão hoje ç'arecidos e arruinados
ou dependendo de reparos.
Em taes circumstancias, o Governo em accôrdo com
voto desta Augusta Camara, por mais de uma vez pro-
nunciado em estabelecer Paquetes de Vapor, acabava de
ajustar huma empreza com a casa Ingleza de J. Tarrand
Thomaz, que mediante as condições estipuladas se en-
carregará por 15 annos, da correspondencia com as Pro-
víncias do Norte, deixando de comprehender as do Sul".
No relatório seguinte, dizia Lima Abreu, tratando da ques-
tão, que havia falta de embarcações, por se acharem muitas delas
empregadas no serviço da guerra, tendo o govêrno aceitado as con-
dições com a casa inglêsa de J. Tarrand,
"para o estabelecimento de Paquetes de Vapor".
Como temos visto, o govêrno imperial esforçava-se em melho-
rar o serviço dos correios nas costas do país, esperando a forma-
ção da emprêsa de navios a vapor, em que se achavam interessa-
dos vários comerciantes da Côrte, como dizia Bernardo de Vascon-
celos, que concluia afirmando:
"Emquanto estes não entrarem em serviço, o gover-
no empenhará todos os esforços para que nas viagens dos
actuaes se observe a desejada regularidade".
Não havia nenhuma emprêsa, por essa ocasião, encarregada
do serviço nas costas de São Paulo, já existindo, porém, "barcas de
192 -- '

vapor", uma das, quais, durante o ano de 1835 havia feito algu-
,

mas viagens aos portos do litoral norte.


No ano de 1838, para que houvesse regularidade no serviço
de cabotagem por embarcações movidas a vapor, reuniam-se algu-
mas firmas comerciais do Rio de Janeiro, organizando a Compa-
nhia de Paquetes, para a qual no ano seguinte chegavam dois va-
pores, que imediatamente foram empregados no serviço pelos por-
tos do Império, estabelecendo-se duas linhas, — a primeira para
norte e a segunda para o sul, até Pôrto Alegre .
A 29 de outubro de 1839 entrava em Paranaguá o primeiro
navio a vapor, — o "São Salvador", — que causou assombro à
população local.
A seguir surgia no mesmo pôrto o paquete "Todos os Santos",
no dia 7 de fevereiro de 1840. Era uma pequena embarcação de
125 toneladas de registro, com acomodações para passageiros; po-
rém, sèmente no ano de 1841 escalava por ali o primeiro navio de
uma linha regular de transportes marítimos, o "Paquete do Sul",
que deu entrada no pôrto no dia 29 de agôsto, sendo êsse o tercei-
ro vapor a demandar Paranaguá, que então pertencia à Província
de São Paulo .
Dessa data em diante, aumentando o número de embarcações
melhorou extraordinàriamente o serviço de cabotagem no litoral
paulista, com a presença das barcas de vapor denominadas "Voa-
dora" e "Ipiranga", causando sua presença um verdadeiro acon-
tecimento.
Em 1843 entrava o "Paquete do Norte" a fazer a mesma linha,
cujo serviço se prolongou por alguns anos e a 25 de julho de 1846
vapor "Carlota" partindo do Rio de Janeiro iniciava sua primei-
ra viagem para Paranaguá escalando em São Sebastião .
Em 1848 Manuel Cornélio dos Santos pedia privilégio para
estabelecer uma linha de navegação a vapor entre o pôrto do Rio
de Janeiro, Mambucaba e Ubatuba.
A 10 de março de 1851 era celebrado um novo contrato en-
tre o Govêrno Imperial e a Companhia Brasileira de Paquetes de
Vapor, prorrogando por dez anos o serviço postal, tanto para o
Norte como para o Sul do Império, melhorando assim o meio de
transportes marítimos.
No ano seguinte (1852) João Batista Marcelo & Cia. solici-
tavam privilégio por 15 anos, para o serviço entre a Côrte e São
Sebastião. Ainda no decurso dêsse mesmo ano, desejando o Go-
vêrno Imperial facilitar as comunicações marítimas entre São Paulo
Santa Catarina, contratou com uma emprêsa a navegação a va-
por da linha intermediária, dando-lhe uma subvenção de 42 contos
por 24 viagens.
— 193 —

Eram vapores pequenos e "de mesquinha fôrça", dando em


resultado "o descrédito de semelhante navegação", pelo que, para
o ano de 1856 era aquela subvenção elevada para 80 contos de réis.
Para a mesma linha haviam entrado as barcas "Paranapitan-
ga", da Companhia Niterói e "Princesa Imperial" — ambas na-
vegando entre o Rio de Janeiro e Paranaguá, com escalas pelos
portos intermediários.
Porém, eram viagens incertas, feitas por barcas que se arras-
tavam com dificuldade, pela insuficiência de suas máquinas.
Em Relatório apresentado nesse mesmo ano (1852) à Assem-
bléia Provincial, informava o dr. Antônio Roberto de Almeida, ha-
verem entrado no pôrto de Santos 117 embarcações à vela e 114
a vapor, e que a navegação de cabotagem de São Sebasitão, vinha
sendo feita por 8 embarcações de vela com 735 toneladas, en-
quanto que a de Ubatuba contava com 10 a vela e 2 a vapor com
1.157 toneladas.
Além dessas, que pertenciam a negociantes de São Sebastião,
Ubatuba, Iguape e Cananéia, navegavam efetivamente por êsses
portos embarcações a vapor pertencentes à praça do Rio de Janeiro.
Depois disso, porém, surgiu uma crise de transportes no litoral.
A falta de embarcações e as necessidades cada vez mais pre-
mentes, a fim, de serem atendidos outros portos do Império, deram
em resultado a retirada dos navios da linha do litoral paulista, pre-
judicada ainda mais com o incêndio e naufrágio do Paquete "Conde
d'Aquilla", no pôrto de Cananéia, ocorrido a 4 de maio de 1856.
Entretanto, em 1857 recomeçou a navegação a vapor nos por-
tos intermediários de Ubatuba, São Sebastião, Cananéia, Iguape, até
Destêrro, nos têrmos da Lei Provincial de 7 de maio, de que resul-
tara a entrada em Iguape de 29 embarcações a vapor, com 2.299
toneladas além de 24 a vela.
Em 1861 estabelecia-se uma linha de "Paquetes à vela" para
São Sebastião e Caraguatatuba, sendo de notar que por essa ocasião
escalavam também nos portos litorâneos os paquetes "Apa", "Impe-
ratriz" e "Imperador".
E tão apreciável era ainda o movimento comercial dessa época
em nosso litoral, que no ano de 1864, dizia o Presidente da Provín-
cia em Relatório apresentado à Assembléia, referindo-se à estrada
de Ubatuba:
"Sessenta mil animaes fazem annualmente a sua pas-
sagem por esta via de communicação; e o movimento
de exportação no mesmo tempo é avaliado em mais de
um milhão de arrobas".
No ano de 1865 estava a Companhia Intermediária em estado
de falência.

Revista de História n.o 33


— 194 ---

A Província de São Paulo, porém,


if . •pouco perdeu com o desaparecimento desta li-
nha, porquanto, á excepção do porto de Iguape, que na
realidade muito tem soffrido com tal interrupção, todos
os demais portos tinham e têm navegação a vapor muito
regular, que nenhum sacrificio importa ao Estado, antes
pelo contrario lhe dá interesses muito reaes".
E isso, porque Santos e São Sebastião estavam sendo servidos
pelos vapores "Santa Maria" e "Paulista", e logo que findasse a
guerra entraria ainda na linha outro vapor, o "São José", que estava
fretado ao govêrno.
Por essa ocasião, pensava o govêrno imperial em restabelecer
a linha intermediária, servindo-se de vapores americanos como o
"Vixer", impróprios para o serviço, pelo que se dirigia a firma Mes-
quita & Cia. do Rio de Janeiro, em representação de 31 de dezem-
bro de 1867, ao presidente da Província de São' Paulo, propondo-se
a organizar uma linha que servindo os portos de Cananéia e Iguape,
se estenderia ao de Paranaguá,
"porquanto com as communicações francas que já
existem entre Santos e Rio de Janeiro, ficarão assim li-
gadas tres importantes provincial do Imperio".
Caso extraordinário! O que se propunha por essa época, é pre-
cisamente o anseio de hoje, partido dos habitantes da região Sul-
paulista —, a ligação daqueles portos ao de Paranaguá!
"Para que este serviço seja proveitoso, — aceres-
centavani — basta o emprego de um pequeno vapor ao
qual se dê apenas uma subvenção capaz ide fazer face ao
consumo .de combustivel. Assim é que se o vapor em-
pregado fôr de um consumo de combustivel equivalente
a trinta toneladas por viagem redonda, bastará que es-
sa subvenção seja de doze contos de réis annuaes.
Se V. Ex. julgar attendiveis as idéas que acabamos
de expender, é provavel que nos proponhamos a desem-
penhar este serviço, aproveitando para complemento da
idéa a carreira regular dos nossos vapores de Santos,
Santa Maria e S. José.
Se pelo contrario V. Ex. se não conformar com o
nosso modo de ver, supplicamos-lhe então se digne pres-
tar uni importante serviço á navegação do porto de Igua-
pe, mandando quanto antes balisar a barra do Icapára,
cuja 'navegação trará em resultado grande economia de
tempo e combustivel, em cada viagem redonda de qual-
quer vapor que tente fazer a referida navegação, ainda
mesmo sem subvenção dos cofres da província.
— 195 —

Embora bastante melhorado, continuava o litoral a queixar-se


do serviço prestado pelas Companhias, porque as viagens dos seus
vapores, nesse tempo, nem sempre corerspondiam às necessidades
públicas, o que levou o govêrno imperial, autorizado pela lei de
2 de novembro de 1870, à assinatura do contrato de 28 de setem-
bro do mesmo ano, com a Companhia Intermediária.
Infelizmente, no ano de 1871, novas queixas, novas representa-
ções eram encaminhadas ao Govêrno da Província, pedindo a Câ-
mara da vila de São Sebastião, para que fôsse conservado naquela
linha o vapor "São Vicente" e alegando que:
"... a linha directa de vapores q. navegão entre
Santos e o Rio, não presta ao lugar utilidade alguma, por
que não é este porto lugar de parada e apenas conseguem
os viajantes, que d'aqui se dirigem para os portos men-
cionados, q'os commandantes dos referidos vapores por
especial favor os embarquem".
Alegava ainda que constando da lei do orçamento para 1870-
1871 uma verba ao vapor "São Vicente", e nenhuma referência sen-
do feita no orçamento para o ano de 1871, sôbre o mesmo assunto,
vinha por isso mesmo apelar ao Govêrno para que não privasse o
referido pôrto dêsse serviço de transportes, que era o único com que
contavam os sebastianenses.
Como vimos, apesar do contrato lavrado a 28 de setembro, pra-
ças importantes trataram de acautelar os seus interêsses, contra no-
vas surprêsas, como aconteceu com a de Ubatuba, que além de pos-
suir o patacho "Triumpho da Inveja", era ainda proprietária de mais
três navios movidos a vapor como o Duarte I, Emiliana e Pirai.
Pode-se afirmar, que só depois disso puderam contar com um
serviço regular de transportes, mesmo porque, com a fundação da
Companhia Nacional, novos e rápidos vapores por ela adquiridos fo-
ram empregados na costa paulista . Eram vapores de roda por fora,
porém dotados de boas acomodações como o América, Rio de Ja-
neiro, Rio Pardo, Rio Branco, Rio Apa, Rio Grande, Rio Jaguarão,
Rio Negro (êste à hélice) e muitos outros, que percorrendo o litoral
da Província, estendiam-se aos portos do Sul, até o Rio Grande e
Pôrto Alegre, fomentando o intercâmbio comercial com as demais
províncias do Império.
Com o advento da República, melhoraram ainda mais as re-
lações entre os diferentes portos, provocadas pelo progresso da na-
vegação nacional, sendo o litoral do Estado, servido por uma linha
regular (Rio de Janeiro-Rio Grande do Sul), com navios de pri-
meira classe, como fôssem o Santos, o Pelotas, o Pôrto Alegre e ci
Destêrro, todos êles com boas acomodações e velocidade superior a
196 --

doze milhas horárias, os quais, por sua vez, eram mais tarde subs-
tituídos pelo Planeta, Iris e Satélite.
Êsse estado de coisas continuou até 1900, mais ou menos, quan-
do a navegação pelo litoral passou então para uma fase de dúvidas
e incertezas.
Ainda em 1905 por ali apareciam alguns navios da antiga frota
do Loide Brasileiro, de permeio com embarcações menores, como
os paquetes Aimoré e Vitória, substituídos depois pelo Mayrinck,
Oyapock e Mercedes, — êstes últimos confortáveis e de boa velo-
cidade, — serviço êsse de pouca duração pela concorrência que lhe
moveram embarcações de outras companhias e até rnesmô parti-
culares.
Em agôsto de 1914 vinham sulcando as águas das nossas cida-
des marítimas, em viagens regulares, quatro vapores de Navegação
Costeira, dois do Loide Espírito-Santense, dois do Loide Brasileiro
e dois da Companhia Rio-São Paulo, todos êles mais ou menos rá-
pidos e dispondo de acomodações para passageiros.
Desde os tempos coloniais até essa data, tôdas as linhas abran-
giam os portos de Santa Catarina e do Rio Grande, não só como traço
de união entre o Estado de São Paulo e os estados do Sul, como no
interêsse das próprias emprêsas.
De 1919 em diante, nova crise de transportes se faz sentir em
todo o litoral paulista e desta vez mais grave, porque com o naufrá-
gio do "Com.te Manuel Lourenço", antigo "Mercedes" e a retirada
do serviço do velhíssimo Garcia, que por longos anos navegara en-
tre os portos de Santos e Rio de Janeiro, ficaram as cidades da ma-
rinha inteiramente abandonadas, sômente mais tarde conseguindo
novos meios de transportes.
Do exposto, o que se evidencia é que o motivo da decadência
da decantada região, outro não é senão que as dificuldades dos seus
meios de transportes, único embaraço para o seu ressurgimento.

INTRODUÇÃO HISTÓRICA.
A história das nossas cidades litorâneas constitui um dos mais
sérios problemas, para aquêles que se dedicam a semelhantes inves-
tigações, no intuito, aliás louvável, de salvar do olvido e das traças,
os raros documentos que ainda por acaso possam existir em nossos
arquivos referentes ao assunto e como elementos comprobatórios não
só da pujança de tão legendárias vilas, como também, do importan-
te papel que por elas foi representado na aurora da vida da antiga
Capitania de São Paulo.
— 197 --

A mudança da Capitania, que, criada em São Vicente, passou


mais tarde para o Rio de Janeiro, depois para São Paulo, — prefe-
rindo os Capitães-Generais a mudança de suas residências para Vila
Rica, em Minas — e, finalmente para São Paulo, tudo isso concor-
reu para que grande cópia de documentos, talvez os primordiais
ao estudo de sua história, ficasse esparsa por êsses lugares ou fôs-
sem recolhidos aos arquivos de ultramar, quando não se tivessem
extraviado.
Convém ainda notar que, durante longos anos, tôda a corres-
pondência oficial era dirigida para a Praça de Santos ou encami-
nhada para o Vice-Rei, no Rio de Janeiro, de acôrdo com, a Provisão
de 2 de setembro de 1748 o que levou o Capitão-General Rodrigo
César de Menezes, a oficiar ao Rei de Portugal, dizendo:
"Sr. — Sendo V. Mag.e servido encarregar-me do
Governo desta Capitania, sem embg.o do pouco tempo
que tive p.a prevenir-me do necessario, com tudo não
deixei de procurar as instrucções q. podiam ser precizas
p.a o estabelecim.to deste Governo, e representando ao
Secretr.o do Estado me respondeu achava tudo nesta Se-
cretaria, e porq. os meus antecessores não faziam assis-
tencia nesta Cid.e mas sym nas Minas Geraes (5), não des-
cobri nella papel algum e procurando-as repetidas vezes
ao Gov.or das d.as Minas se me não tem mandado, e
porq. assim p.a a boa arrecadação da Real Faz.da de
V. Mag. e bom regimento dos povos hera necessr.o dar-
lhe forma, fiz o que V. Mag.e constará pellas contas
que lhe dou, o que tudo obrei por me parecer convinien-
te ao serviço de V. Mag.e, que mandará o que for ser-
vido. D.s G.e a V. Mag.e — São Paulo (6) de Setembro
de 1722. — Rodrigo Cesar de Menezes".
Daí a grande dificuldade de elementos para a história dessas
localidades, que por sua vez constituem a primeira página da histó-
ria de São Paulo.
Por outro lado, o desinterêsse, a frieza, a pouca importância
com .iue os primeiros escritores trataram de certos assuntos, tocan-
do-os apenas pela tangente, sem outros esclarecimentos, implanta-
ram a cenfusão em nosso espírito, transformando-se em uma incógni-
ta para a qual, até hoje, não tem sido possível uma solução plausível.
Haja vista a simplicidade, a indiferença ao extremo, com que
Pero Lopes de Souza, no Diário da Navegação da Armada de Mar-

• — Êstes aktecessores foram Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, de


1709 a 1713, D. Braz Baltazar da Silveira, de 1713 a 1717 e D. Pedro de
Almeida, CO 1717 a 1721. Todos êles residiram em Minas Gerais e os papéis
ofiziais estavam com êles.
. — O registro testas cartas não guardou a ordem cronológica e os algarismos
de algumas ratas estão ilegíveis, in Dr. Antônio de Toledo Piza, Notas, Doc.
Int. Vol. 32, pág. 24.
198 --

tim Afonso, se refere ao encôntro do bacharel de Cananéia, como se


se tratasse da coisa mais natural da vida a existência de um letra-
do português vivendo naquela época entre os tupis, nestas paragens
da América.
Nada de assombro, nada de admiração!
Degradado ou náufrago de expedições anteriores, — êsse fato
não mereceu maiores atenções de sua parte além de uma referên-
cia rápida e passageira.
Nem mesmo o seu nome ficou assinalado nas páginas do Diário,
tal a pouca importância que sua presença entre os selvagens des-
pertou no espírito do escritor, que não quis transmitir-nos ao menos
o modo pelo qual ali fôra ter o importante personagem, que tão pre-
ponderante papel representou na aliança entre portuguêses e natu-
rais do país, de cuja língua era profundo conhecedor, chegando mes-
mo a fornecer-lhes um genro seu para intérprete.
Como se não bastassem tantas dificuldades e carência de do-
cumentos com os quais precisávamos contar para ao menos ligeira-
mente podermos ensaiar os primeiros passos na senda da história
das cidades do litoral paulista, outros fatos não menos importantes
apareceram, concorrendo enormemente para o desaparecimento de
elementos que hoje se tornam necessários a um estudo mais ou me-
nos consciencioso da vida dessas localidaeds outrora tão importantes
e hoje como que completamente abandonadas e sitiadas entre as
serranias da cordilheira marítima e a orla do mar.
De um lado, o ataque impiedoso do cupim aos papéis dos ar-
quivos locais e a queima de numerosos livros, — queima proposital-
mente levada a efeito pelos corregedores e autoridades daquela
época.
Por outro lado, a remessa para a Academia Real de Lisboa,
por ordem do govêrno, de todos os documentos que pudessem in-
teressar à história ou fôssem úteis à mesma, incluindo-se entre êles,
talvez, os livros do Tombo, que eram o resumo dos fatos mais im-
portantes ocorridos em tais localidades desde os seus princípios.
Além disso, como disse A. Egídio Martins, autor do São Paulo
Antigo,
"tendo sido o Arquivo de São Paulo, então e sempre,
uma dependência do Palácio dos Capitães-Generais, que
nunca tiveram casa pHapria e varias vêzes mudaram
de residência, até a independência do Brasil",
muitos dêsses documentos vieram a extraviar-se.
Quando, em 1748, foi suprimida a Capitania,
"os velhos livros de registros e papéis de exercícios
findos ficaram alhures, porém, tudo qaanto se referia a
negócios em andamento, foi remetido ao GoMernador
-199—.

da Praça de Santos ou ao Vice-Rei, no Rio de Janeiro,


de modo que D. Luís Antônio de Souza Botelho Mourão,
assumindo, a 22 de julho de 1765 às rédeas do govêrno
da Capitania, não encontrou papel algum que o guiasse
sôbre o serviço público, sendo que, quando êle tomou
conta do govêrno, já os padres jesuítas tinham sido ex-
pulsos e o seu Convento foi aproveitado para servir de
Palácio do Govêrno, reunindo então aí nos baixos, os
livros e papéis antigos e esparsos, existentes nesta Capi-
tal, em Santos e no Rio de Janeiro, dando novamente
aquêle Governador e Capitão-General, comêço ao atual
Arquivo Público de São Paulo".
Hoje, como colcha de retalhos, é com um trabalho insano, qua-
se impossível, que podemos reunir alguma coisa da documentação
esparsa e concatená-la valendo-nos do pouco que ainda existe, bem
como de ligeiras referências dos navegadores, informações quase
sempre imprecisas, e, sobretudo, dos poucos documentos conserva-
dos em nosso Arquivo Público, para organização do presente tra-
balho, que, se outro mérito não possa ter, servirá ao menos de ele-
mento aos que, mais felizes do que nós, desejarem algum dia dedi-
car-se ao estudo mais aprofundado dêsse litoral, que, ridiculariza-
do e entregue à própria sorte, inegàvelmente, foi o berço da civi-
lização paulista, a sentinela avançada da colonização e da gran-
deza de nosso Estado, ponto primacial das históricas bandeiras
que se internaram pelos ínvios sertões do Brasil.

CONFUSÃO INTERESSANTE.
No estudo da história de uma localidade qualquer, um dos
pontos essenciais, é, sem dúvida alguma, o conhecimento que de-
vemos ter da origem de sua denominação .
Quantas vêzes, entretanto, não é a mesma solução indecifrá-
vel, motivando a mudança ou troca de um nome, por outro mais
expressivo, mais claro, que realmente exprima a razão de sua pro-
cedência .
No caso de São Sebastião, por exemplo, não resta a menor dú-
vida, que o município e a cidade, receberam o nome de que são
portadores, da — Ilha de São Sebastião, — que lhes fica defronte,
separada apenas pelo magnífico canal do Toque-Toque.
Foi a Ilha de São Sebastião que recebeu tal denominação,
quando a parte do continente era ainda habitada sàmente pelos
gentios da terra.
Êsse fato deu lugar à grande confusão até hoje reinante por
parte dos que pouco se preocupam principalmente com os estudos
--- 200 ---

de história e geografia, julgando estar a cidade assentada na ilha


do mesmo nome.
O que na verdade se deu, foi simplesmente o seguinte:
Quando por ocasião da passagem das primeiras expedições
que percorreram a costa Sul do Brasil, vieram os respectivos co-
mandantes com o calendário nas mãos, batizando os pontos mais
em evidência, como — cabo Santo Agostinho, baía de São Salvador,
Rio de Janeiro, etc. — à medida que por aí passavam e conforme
o Santo do dia .
E' claro de ver-se que, surgindo uma dessas expedições a 20 de
janeiro diante da majestosa ilha, cujos píncaros montanhosos se ele-
vavam no espaço, — a ela, não à faixa do litoral, coube o nome de
"São Sebastião", que conservou para sempre.
Talvez acontecesse que, pelas dificuldades de travessia do ca-
nal, por longos anos se conservasse a mesma desabitada, reunindo-
se os primeiros povoadores na parte do Continente, junto à praia,
ao abrigo dos ventos do mar.
Dessa maneira surgiu o primeiro povoado que tomou para si
o nome da ilha.
Muitos anos depois, elevado à categoria de freguesia, foi in-
corporado à mesma jurisdição, não só grande parte do território si-
tuado no Continente, como também a ilha de São Sebastião e ou-
tras mais.
Porém, à medida que os anos se passavam, novos moradores
foram reunir-se aos primeiros, aumentando o número de fogos
da povoação.
Quando bem regular era já o núcleo de habitantes, não falta-
ram alguns que se aventurassem a atravessar o grande canal, trans-
ferindo-se para o lado oposto, isto é, para a ilha de São Sebastião,
atraídos não só pela fertilidade de seu solo, magnificência do cli-
ma e riqueza de suas florestas virgens, como também pela facili-
dade da pesca.
Tais foram os primeiros desbravadores de suas matas, seus
primeiros povoadores, aos quais, mais tarde, novos elementos se
reuniram, dando origem a outro povoado, onde, o vigário Manuel
Gomes Pereira Marzagão, natural da vila de São Sebastião, em fins
do século XVIII fundou uma capelinha humilde, sob a invocação
de Nossa Senhora da Ajuda e Bom Sucesso.
E quando em 1805 foi erecta esta nova freguesia, outro cami-
nho não restava aos seus fundadores senão que a procura de um
novo nome para o batismo oficial, porque, o que em verdade de-
via pertencer-lhe (São Sebastião) já havia sido tomado pela vila
que lhe ficava defronte.

— 201 —

E foi assim que, situada na Ilha de São Sebastião, recebeu a


nova povoação o pomposo título de — Vila Bela da Princesa, —
que nada mais representava além da homenagem à pessoa de Sua
Alteza Real.
Elevadas à categoria de cidades, conservaram ambas os mes-
mos nomes continuando a interessante confusão em que, ainda ho-
je, muita gente labora, julgando achar-se a cidade de São Sebastião
situada na ilha do mesmo nome e imaginando Vila Bela hoje Ilha
situada na ilha do mesmo nome e imaginando Vila Bela hoje Ilha-
bela à beira-mar, no Continente...

ORIGEM DO VOCÁBULO.

Questão importante, é sem dúvida alguma a de saber-se a


quem deve ser atribuída a ligação do nome à ilha de São Sebastião.
Não poucos foram os historiadores que trataram do assunto,
havendo muitos dêles seguido falsas opiniões, repetindo o mesmo
êrro.
Assim, Milliet de Saint Adolphe (7) referindo-se à primeira
expedição colonizadora, de 1531, diz que Martim Afonso de Souza
"explorando a costa do Brasil com o intuito de
fundar em algum ponto della uma colonia, surgio em 20
de Janeiro de 1532 no canal ou esteiro, formado por
uma peninsula pegada com o continente, e uma ilha a
.que elle poz o nome de São Sebastião, por isso que a
Igreja soleninisava neste dia a festa d'este Santo, nome
que ella conservou e transmittio ao depois á villa de
São Sebastião".
Roberto Southey (8), segue a mesma opinião, quando, refe-
rindo-se à mesma expedição, escreve:
Principiou Martim Affonso por examinar a costa
algures perto do Rio de Janeiro, a que deu o nome por
tel-o descoberto no primeiro dia d'aquelle mez; e prose-
guindo para o sul até ao Prata, foi nomeando os logares
que de caminho explorava, pelos dias em que fazia as
descobertas".
Fernandes Pinheiro, que anotou o trabalho do escritor inglês,
comentando o trecho acima, escreveu ainda:

. Milliet de Saint Adolphe, Diccionario Geographico do Irnperio do Brasil,


pág. 628.
. — Roberto Southey, História do Brasil, pág. 61.
— 202 --

"Correspondem-se estes nomes por sua ordem e pro-


vavel intervallo de tempo, Rio de Janeiro, no 1.°, ilha
Grande dos Magos, a 6, ilha de S. Sebastião a 20, S. Vicen-
te a 22".
Entretanto, em outra nota, parece contradizer-se, quando afirma
não ter sido Martim Afonso e sim Gonçalo Coelho,
"commandante da primeira esquadrilha exploradora
(1501), que poz o improprio nome de Rio de Janeiro á
magestosa bahia que os Tamoyos denominaram Ganabara
ou Nitheroy.
Ao mesmo Gonçalo Coelho se deve attribuir a serie
de denominições mencionadas pelo autor, pois é elle,
Southey, quem diz que Martim Affonso ao seguir para o
sul, foi nomeando os logares que de caminho explorava,
pelos dias em que fazia as descobertas".
Pizarro, em uma de suas Notas, livro I, página 103, chama a
atenção do leitor para o Livro I, das Memórias para a História da
Capitania de São Vicente, no qual, desde o parágrafo 11,
"se acharam os fundamentos com que o seu A. con-
traria a naração de alguns Escriptores portuguezes sobre
o tempo do descobrimento do Rio de Janeiro, por Martim
Affonso de Sousa. Affirmam alguns que Vespucio fôra
o primeiro, que em 1516 entrára no porto do Rio de Ja-
neiro, outros que em 1519 Fernando de Magalhães e Ruy
Falleyro, portuguezes no serviço de Carlos I, entraram
nessa habia, a que deram o nome de Santa Luzia, por
aportal-a no dia dessa santa cujo nome trocara Sousa, quan-
do á ella chegou no dia 1.° de Janeiro de 1531.
A expurgação desse facto fica reservada ao Historia-
dor".
Nesse mesmo êrro incidiram vários escritores, baseados todos
êles nas opiniões dos primeiros, como Daniel Pedro Müller, que
afirmou haver Martim Afonso de Souza chegado
"ao 1. 0 de Janeiro de 1531 á barra de Nitheroy",
João Mendes de Almeida, que positiva a data de 20 de ja-
neiro, para chegada da esquadra afonsina, em São Sebastião, e mui-
tos outros, como H. Ihering, que, em substancioso trabalho sôbre a
Ilha de São Sebastião, repetiu o mesmo êrro (9) .
Não precisamos portanto prosseguir com tais citações, para
comprovarmos a existência de dúvidas que se generalizaram por
longos anos.
Que não se deve atribuir a Martim Afonso de Souza a pater-
nidade de semelhantes denominações, é coisa que fàcilmente se

(9). — Revista do Museu Paulista, vol. II, pág. 133.


— 203 — •

desfaz, diante de um rápido golpe de vista pelas páginas do próprio


Diário de Pero Lopes.
Não foi a 20 de janeiro, como afirma Milliet, que a esquadra
de Martim Afonso
"surgio no canal ou esteiro" a que êle pôs "o nome
de São Selastião".
Na mesma falta incorre Southey, quando declara haver Mar-
tim Afonso de Souza dado o nome de Rio de Janeiro à mesma
baía, por ter aí aportado
"no primeiro dia d'aquelle mez".
Fernandes Pinheiro, incorrendo na mesma falta, procurou de-
terminar os dias e pontos em que teria aportado a esquadra do al-
mirante português, que, segundo afirma, seriam
"Rio de Janeiro no 1.° dia, ilha Grande a 6, Ilha de
de São Sebastião a 20, e, finalmente, S. Vicente a 22 de
Janeiro".
Ora, não só a esquadra não deu entrada no pôrto do Rio em
qualquer dia do mês de janeiro, como também, em sua derrota pa-
ra os mares do Sul, não tocou em São Sebastião nem em São Vi-
cente.
Deixando a baía de Guanabara a 1.° de agôsto de 1531, pas-
sou ao largo, diretamente para o Rio da Prata, tocando na ilha
do Bom Abrigo, a 12 do referido mês e daí prosseguindo a viagem
a 26 de setembro, para o Prata, de onde, ao regressar, ancorou no-
vamente em Cananéia, de cujo pôrto zarpou a 17 de janeiro de
1532'. chegando a 22 em São Vicente e portanto sem tocar, — quer
na viagem para o sul, quer em seu regresso, para o norte, — na
ilha de São Sebastião.
O general Abreu e Lima, em seu Compêndio da História do
Brasil, à página 15, também contesta os referidos historiadores,
bem como a Ayres do Casal, que em sua Corografia Brasílica, acom-
panhando-os no mesmo engano, assevera haver Martim Afonso en-
trado no 1.° dia do ano de 1532 na baía de Santa Luzia,
"cujo nome trocara pelo de Rio de Janeiro".
Como diz textualmente Abreu de Lima,
"não podia ser esta a causa da troca do nome, se tal
troca tivesse havido, porque a entrada fôra a 30 de abril
de 1531 e não como suppõe o Padre Ayres, no 1.° de Ja-
neiro de 1532; alem de que o nome de Rio de Janeiro era
já conhecido, tanto que nesta occasião diz simplesmente
Pero Lopes — "Sabbado 30 de de Abril, no quarto d'alva
eramos com a bocca do Rio de Janeiro — a que s,e r eícti-
.
— 204 --

fica por elle contar ter ouvido este nome antes de lá


chegar".
Na verdade, o Diário de Pero Lopes exclui tôdas as dúvidas,
não só com referência aos dias dos meses e pontos em que tocou
a esquadra de Martim Afonso, como também sôbre o conhecimen-
to que traziam da denominação de cada um dêles, — denomina-
ções já conhecidas e até mesmo constantes de mapas impressos
muitos anos antes, como, os de Américo Vespúcio, de Ruyche e
outros mais, pelas notícias das viagens, realizadas por João Dias
de Solis, em 1508, por Fernão de Magalhães, 1519 e sobretudo
dos primeiros navegadores, como Gonçalo Coelho, André Gonçalves,
Sebastião Caboto, e o próprio Américo Vespúcio em 1502.
Do exposto, é claro de ver-se que aos primeiros navegadores
se deve a aplicação do vocábulo — São Sebastião — à ilha antes
conhecida entre os selvagens pelo nome de Ciriba.
De acôrdo com a opinião mais generalizada, pensamos ter si-
do, de fato, o próprio Américo Vespúcio quem primeiro aí passou,
nomeando-a pelo nome do Santo do dia.
Tal corrente é também adotada por H. Handelmann, cujo
importante trabalho sôbre a História do Brasil foi recentemente
traduzido e publicado pelo Instituto Histórico Brasileiro.
Para concluir não nos furtamos ao prazer de transcrever pa-
ra aqui as suas próprias palavras, quando diz que:
"tornando-se de importancia proseguir nas iniciadas
explorações da costa, para isso foi organizada uma se-
gunda frota que zarpou da fóz do Téjo, a 10 de Maio de
1501, constante de tres velas.
E' ainda incerto qual fosse o seu commandante; em
todo caso o homem mais eminente nella embarcado era o
cosmographo Amorico Vespucci, de Florença, que, antes,
na comtiva de Alonso de Hojeda (Maio de 1499 a meado
de Junho de 1500) e sob a bandeira hespanhola, havia ex-
plorado as costas da Guiana e da Colombia, e que, agora
a convite especial do rei, havia entrado para o serviço
de Portugal.
Na altura de Cabo-Verde, toparam estas embarcações
com a frota de Cabral, de regresso das Indias; dahi ru-
maram para o Poente, tocando a costa brasileira nas al-
turas do cabo de São Roque, no dia desse santo, 16 de
Agosto de 1501.
Proseguiram para o sul, ao longo da costa, e delles
provavelmente procedem as denominações dos seguintes
accidentes geographicos, que applicaram á proporção que
os iam descobrindo, com o calendario catholico romano
na mão: cabo de Sancto Agostinho, 28 de Agosto; rio São
Francisco (?); cabo São Thomé, 18 de Setembro, e Rio
de Janeiro, 20 de Janeiro de 1502, o porto de São Vi-
cente, 22 de Janeiro, e finalmente a bahia de Cananéa".
— 205 ---

Da mesma opinião é Cândido Mendes, em suas Notas para a


História Pátria, quando diz serem os nomes dados a certos pontos,
"resultante do estylo adoptado, isto é, mediante o
almanack".
A acrescenta:
"Assim deu-se á ilha de São Sebastião (referindo-se
a expedição de Vespucio) o nome deste santo por isso
que sua descoberta fez-se a 20 de Janeiro, assim como o
de rio de São Vicente, á embocadura formada pelas aguas
que cercam a ilha do mesmo nome, onde fundou-se a vil-
la de igual denominação, e depois a cidade de Santos,
por isso que a fróta alli chegara a 22 de Janeiro de 1502".
João Mendes, em seu Diccianario Geographico da Provincia
de São Paulo, diz ser o referido vocábulo de origem tupi,
"como consta de um documento de 1602",
sendo corruptela de Ciri bas, apartada, separada.
-

"De ciri, apartar, separar, — bas (breve) para for-


mar participio".
Em uma carta de sesmaria concedida por Gaspar Conqueiro,
loco-tenente de Pero Lopes de Souza, a Diogo de Unhate e João
de Abreu, em setembro de 1608, lê-se a seguinte frase:
"que estava na dita ilha de S. Sebastião... de Ce-
reiba e ia dar em outra paragem chamada T...aque-
mirim" (10),
conforme o original que tivemos ocasião de verificar no próprio
livro existente no Arquivo Público.
Segundo Hans Staden, à mesma ilha chamavam os indígenas
de Meyembipe ( 11 ) .
Convém ainda acrescentar a opinião do Dr. Teodoro Sampaio,
que, como se sabe, é considerado como sendo das maiores auto-
ridades no conhecimento da língua tupi.
Diz êle, em seu volumoso trabalho — O Tupi na Geografia
Nacional, — ser
"Serehyba, corruptéla de ciri-yba, a arvore dos siris,
porque das folhas amarellas cahidas dessa planta se nu-
trem os siris e carangueijos".
Como dissemos, Hans Staden assegurou que os indígenas de-
nominaram-na Meyembipe.
Sesmarias, Livro 1. 0 (1602-1642), pág. 22.
— Varnhagem, com. à História do Brasil de Gabriel Soares, in Revista do rns.
tituto Histórico e Geográfico, pág. 341, vol. 14.
206

Pois bem, entre os livros constantes da valiosa biblioteca do


dr. Felix Pacheco, últimamente adquirida pelo govêrno de São
Paulo, encontrou-se um preciosíssimo manuscrito de autor anôni-
mo, adquirido em Londres pelo ilustre e saudoso escritor, pelo pre-
ço de cem libras.
Escrito no ano de 1622, em Piratininga, intitula-se Vocabulá-
rio da língua Braffiílica. Nas suas últimas páginas assinala o autor
as ilhas de São Paulo, declarando que a de São Sebastião chama-
va-se Majepe. Éste nome, como vemos, parece aproximar-se mui-
to da expressão usada por Hans Staden.
*
À história da ilha de São Sebastião está ligado o nome de Hans
Staden, que incontestàvelmente foi dos primeiros homens civiliza-
dos que a pisaram.
As lutas constantemente travadas em 1554 entre os tamoios,
que habitavam de Iperoig (Ubatuba) para o norte e os tupinin-
quins, aliados dos portuguêses, resultara o aprisionamento dêsse
viajante alemão, em sortida levada a efeito contra os habitantes da
Bertioga, onde o mesmo se achava, sendo então conduzido ao ca-
tiveiro, onde por longo tempo sofreu horas amargas, escapando mi-
lagrosamente de ser devorado pelos inimigos, como aconteceu com
outros na mesma ocasião aprisionados.
Em nova sortida levada a efeito por êsses terríveis selvícolas
contra os tupininquins, teve êle de acompanhá-los até Bertioga,
cuja viagem foi feita em muitas canoas, que vinham escalando em
vários portos da costa.
Descrevendo-a diz êle:
"Quando chegamos a um dia de viagem de distância
do lugar onde queriam executar o seu plano, arrancha-
ram-se na mata, numa ilha que os portuguêses chamam
Meyembipe" (12).
Repete ainda o mesmo vocábulo, dizendo:
"quando sahimos do lugar onde tinhamos pernoitado,
chamado Meyembipe...".
Continuando os tamoios a derrota para o sul, surpreenderam
os seus inimigos, dando-lhes combate.
Na volta — acrescenta — quando chegamos a Me-
yembipe era de tarde, e o sol estava entrando. Levaram
então os prisioneiros cada um para sua cabana; mas a

(12) . — Theodoro Sampaio, comentando a obra de H. Staden, diz: "é provàvelmente


Maembipe".
— 207

muitos feridos desembarcaram e logo mataram-nos em


pedaços e assaram a carne.
Entre os que assaram de noite havia dous mamelucos
que eram cristãos.
Um era português, filho de um capitão que se cha-
mava George Ferreiro, era prisioneiro de um selvagem
que morava na cabana onde eu estava e cujo nome era
Parwaa.
Ele assou Heronymus de noite, a mais ou menos um
passo de distância de onde eu estava deitado" (13) .
Como se vê, êsse fato ocorreu alguns anos após a fundação de
São Vicente, quando não só a parte do continente fronteiro COMO ,
a ilha de São Sebastião eram habitadas por tribos selvagens, sendo
o viajante alemão um dos primeiros indivíduos civilizados a de-
sembarcar nas praias da cidade de Vila Bela .

Pedro Taques na sua Nobiliarquia Paulistana, título Gaias.


— dá a respeito dos navios piratas uma interessante nota a pro-
pósito de Manuel Afonso Gaia o qual, em fins do século XVI, com
mais três irmãos, veio estabelecer-se na Vila de Santos.
Depois de relatar algumas façanhas e feitos heróicos dêste va-
loroso Capitão repelindo, por mais duma vez, os ataques dos ín- •

dios e piratas contra o pôrto de Santos, termina assim:


"No anno de 1601 os mesmos hollandezes occuparani
tres navios de hollandezes inimigos contra os quaes man-
dou D. Francisco de Souza (Governador geral do Brasil)
por sua provisão datada de S. Paulo, um socorro de gen-
te que se incorporou em Santos ao capitão de Infantaria
Diogo Lopes de Castro, com moradores de Santos e S.
Vicente, para irem atacar o inimigo hollandez.
"No anno de 1601 os mesmos hollandezes occuparam
os mares da ilha de São Sebastibo com uma grande Urca
chamada "O Mundo Dourado" (Esta seria a mesma, as-
sim chamada, que — em 1599 veiu ao pôrto de Santos, e
só de direito que pagou à fazenda-real, se carregou em
receita ao Almoxarifado — seis contos e cento e vinte-
réis) . Navegando nessa occasião um religioso bene- -

dictino com varias pessoas, em um barco, e outros em


uma canoa para o Rio de Janeiro, foram todos captivos.
pelos ditos inimigos.
"Acudiram os moradores de Santos e São Vicente, por
ordem de D. Francisco de Souza, Governador Geral que-
neste anno se achava em S. Paulo, o qual mandou ao
Capitão-Mór da Capitania — Gaspar. Barreto, que sahiu_
com um corpo de mil homens e índios flexeiros, em uma
— Armada de Canôas -- contra o pirata, para cujo.
fim mandou o dito Governador Geral assistir com polvo-.
(13) . — Hans Staden, edição Com. do 4. 0 Centenário do Brasil.
--- 208 —

ra e bala e mais necessario; ficaram victoriosas as nos-


sas armas (Canôas) e rendida a Urca com todos os hollan-
dezes, cujo capitão éra Lourenço Brear: artilharia e mais
munições de guerra e presas, que tudo se conduziu para
o porto de Santos, onde por espaço de cincoenta dias fi-
cou guardada a Urca pelos moradores...".
"Finalmente, accrescenta ainda Pedro Taques, desde
1641 até 1655 infestaram os hollandezes as costas do Sul
e porto de Santos e S. Vicente e, no decurso de quatorze
annos deram de prejuizo mais de cem mil cruzados, pe-
los navios e fazendas que tomaram no trajecto maritimo
de Santos a Rio de Janeiro".
Estando o pirata holandês ocupando a costa, nestes catorze
anos, conclui o historiador genealogista, e aparecendo sôbre a bar-
ra de Santos um navio, saiu o Capitão Manuel Afonso Gaia contra
o inimigo, sem mais embarcação que uma canoa — armada em
guerra — e nesta facção o acompanhou seu genro Antônio Barbo-
za Soto-Maior o qual em 1642 foi provido em Capitão da "Gente
de Santos".
Não foram essas, sômente, as investidas praticadas contra a
vila de São Sebastião pelos corsários que percorriam a costa .
Por sua situação topográfica e segurança do ancoradouro, era
natural servirem-se os navegantes do canal do Toque-Toque nas
viagens que faziam pelo litoral, muitas vêzes permanecendo no
próprio canal não só para abastecimento de água, como também re-
fugiando-se das tempestades.
Por isso mesmo, não raras vêzes passaram os habitantes tanto
de São Sebastião como de Vila Bela, verdadeiros momentos de so-
bressalto, pelo contínuo aparecimento de navios misteriosos de-
fronte das respectivas povoações.
Assim foi que nas vizinhanças do ano de 1690, deu-se uma
tentativa de assalto à vila, por parte de flibusteiros franceses, pi-
ratas que então faziam grandes danos nos mares do sul do Bra-
sil (14).
Diz o dr. Afonso d'E. Taunay, ao tratar da vida de Bartolo-
meu Pais nesta conjuntura tão intrépido quanto capaz, ao pai au-
xiliando com a maior dedicação e firmeza:
"Armados todos os homens válidos da região, espe-
raram resolutamente o desembarque dos franceses e ês-
tes não se atreveram a efetivar o assalto" (15) .
Decorrido o período agudo da mobilização partiu Bartolomeu
Pais em direção a Santos para

(14). — Afonso de Taunay, Anais do Museu Paulista, tomo I, pág. 425.


, (15). — Patente do Capitão Bartolomeu Pais.
— 209 —

"pedir gente ao governador daquela Praça o que não


teve efeito por falta de embarcações" (16) .
"Não pudera, contudo, o corsário francês "render
aos moradores de S. Sebastião".

DATA DA FUNDAÇÃO.

A atual cidade de São Sebastião teve sua origem remota na


doação das oitenta léguas de costa que D. João III concedeu e con-
frontou a Pero Lopes de Souza, doação essa, que, como diz Pedro
Taques, rezava o seguinte:
"Quarenta leguas de terra começarão de dose leguas
ao Sul da ilha de Cananéa, e acabarão na terra de Santa
Anna, que está em altura de vinte e oito gráos e um ter-
ço, e na dita altura se porá um padrão, e se lançará uma
linha, que só corra a l'oeste dez leguas, que começarão
no rio Curupacé e acabarão no rio de São Vicente; e no
dito rio Curupacé da banda do norte se porá um padrão
e se lançará uma linha que corra directamente a l'oeste:
e as trinta leguas que fallecem começarão no rio que cer-
ca em roda a ilha de Itamaracá...".
Dentro dessa faixa de território, teve assento a antiga Freguesia.
O rio Curupacé, na expressão do citado documento, nada mais
é do que o "trecho último do rio Juqueriquerê" como diz João
Mendes.
Por falecimento de Pero Lopes de Souza, em 1539 sucedeu-
lhe na posse dessas terras sua mulher, D. Isabel de Gambôa, tu-
tora de seu filho Martim Afonso de Souza, a qual concedeu pro-
curação bastante ao fidalgo Antônio Rodrigues de Almeida, para
que
"em virtude de uma Provisão que recebera de El-
Rei, e por nisso sentir faser serviço a Deus em bem e
prol da Capitania que tem em Santo Amaro de Guaibe",

pudesse, em seu nome e no de seu filho


"dar as taes terras, aguas e sobreditas sesmarias a
quem lhe aprouvesse".
*
Como diz Pedro Taques, a Capitania de Santo Amaro apenas
tinha o nome de Capitania, porque nas dez léguas de costa que
contava,
(16). — Taunay, Anais do Museu, tomo I, pág. 425.

Revista de }Estória n.o 33


-210—

"não havia villa alguma que lhe servisse de capital,


no tempo de Antonio Rodrigues de Almeida nem ainda
depois delle, até o temp0 da villa da ilha de São Sebas-
tião em 1636, que é a unica que se acha em toda a dita
Capitania de Santo Amaro".
Antes de mais nada, devemos notar que há evidente engano
na asserção, do conhecido historiador civando diz — vila da ilha
de São Sebastião em 1636 — como se se tratasse de Vila Bela da
Princesa, que, de fato é a vila da ilha, quando na verdade, referia-
se à vila de São Sebastião, que foi erecta nesse mesmo ano de
1636, pois que a antiga capela sob a invocação de Nossa Senhora
da Ajuda e Bom Sucesso, somente recebeu tal predicamento, com
o nome de Vila Bela da Princesa, por Portaria de 3 de setembro
de 1806.
Voltemos ao assunto.
Segundo Pedro Taques, antes de Antônio Rodrigues de Al-
meida, servira no mesmo cargo o capitão ouvidor Jorge Ferreira,
que, por sua vez, sucedia ainda a Gonçalo Afonso, por nomeação de
d. Isabel de Gambôa, como tutora e administradora de seu filho,
que era então Pero Lopes de Souza.
Na verdade, por morte de Pero Lopes, donatário da Capitania
de Santo Amaro, passou a mesma a seu filho Martim Afonso de
Souza, a êle sucedendo sua irmã d. Jerônima .de Albuquerque Sou-
za, mulher de D. Antônio de Lima.
À Jerônima de Souza, por sua morte, sucedeu sua filha, d.
Isabel de Lima de Souza de Miranda, mulher de André c e Albu-
querque, — a última descendente, em cuja pessoa se extii. guiu a
família, do primeiro Pero Lopes, o donatário, como afirma o dr.
Antônio de Toledo Piza.
Foi então que à ela, d. Isabel de Lima de Souza, sego. u-se-
lhe Lopo de Souza, primo da precedente, por descendência direta
de Martim Afonso de Souza .
Foi Lopo de Souza, quem, por seu loco-tenente, o capitão-mor
Gaspar Conqueiro, residente na vila de Santos, concedeu duas ses-
marias — uma, a 20 de janeiro de 1603 e outra a 16 de junho de
1609, em que se lê o seguinte:
"Dizem Diogo de Unhate e João de Abreu, moradores
na villa de Santos, que elles são moradores de 40 annos
nesta capitania, casados e têm muitos filhos e netos, em
especial Diogo de Unhate que tem 11 filhos, sendo 7 fi-
lhas 5 solteiras para casar, e que não tem terras para
faser seus mantimentos, e por esta causa padece grandes
trabalhos e necessidades, e que elles haviam ajudado a sus-
tentar a terra e a defender dos inimigos que a ellas vi-
nham, franceses, inglezes e hollandezes, e contra os in-
dios rebellados, passando nas guerras muitos trabalhos
— 211 —

necessidades, recebendo em seu corpo muitas flexadas


feridas de que o dito Diogo de Unhate ficÚra manco
aleijado do braço e mão direita, e derramara seu san-
gue muitas vezes sem ter tido remuneração alguma; e
porque a 15 leguas desta villa de Santos, na ilha de São
Sebastião, na terra firme defronte della e toda a costa
até o Rio de Janeiro eram todas as terras deshahitadas
devolutas, e ainda que eram tão longe pediam para
ambos dois pedaços de terras de mattos bravos que co-
meçavam defronte da ilha de São Sebastião nos arreci-
fes que estão juntos de uma praia que chamam Piraqui-
mirim, que estão da banda da terra dos Iguaramimis pa-
ra o Nordéste e que d'ahi vão cortando pela terra adian-
te ao longo do mar salgado, passando outros arrecifes
que estão defronte da ilha ao longo da costa, e d'ahi
iria pela mesma praia que se chama Saranambitú e por
ela ao diante irá cortando até chegar ao porto das ca-
nôas que chamam Ibapitandiba, e deste porto correria di-
reito á serra e pelo cume della iria cortando até onde
começou a partir, e toda terra que houver dentro desta
demarcação, aguas vertentes para o mar, entrarão nesta
data
E outro sim mais uma legua de terra de mattos, ma-
ninhos e capoeiras antigas dos gentios, que estavam de-
volutas, para plantações de canaveaes, algodoaes e man-
timentos porque esta terra firme a queriam para cria-
ções a qual terra partiria do capinsal que estava na di-
ta ilha de São Sebastião que era... de ciryba e juá a
dar em outro Paraiquê que chamam mirim até a encia-
da a que chamam dos Inglezes, e que a dita legua de
terra fosse em quadra.
Despacho: — Concedo. Santos, 26 de Janeiro de
1608. — Gaspar Conqueiro, capitão mór".
Estabelecendo-se com suas famílias nas terras que lhes foram
concedidas
"na ilha de São Sebastião, na terra firme defronte
della",
ou melhor, na parte do Continente, defronte da ilha de São Sebas-
tião, Diogo de Unhate e João de Abreu, deram princípio ao povoa-
do, ao qual, de então por diante, outras pessoas também foram
reunir-se.
Pouco a pouco, com a concessão de novas datas foi aumentan-
do o pequenino núcleo, até que, a 16 de março de 1636, sendo re-
gular o número de habitantes, era êle erecto em vila pelo capitão-
mor e alcaide da Capitania de São Vicente, Pedro Mota Leite (36.°
Capitão-mor da Capitania de São Vicente) e Provisão do Conde
de Montessanto, desmembrando-se o seu território do município de
Santos, a que pertencia .
— 212 —

Quanto ao nome do seu fundador, divergem vários historia-


dores, dizendo uns, como Pedro Taques Pais Leme, em sua Ge-
nealogia Paulistano, terem sido Francisco de Escobar Ortiz e sua
mulher d. Inês de Oliveira Cotrim; outros, como José Jacinto Ri-
beiro, citam os nomes de Diogo de Unhate e João de Abreu.
Com quem a razão?
De um auto lavrado no ano de 1636 e que se encontra, segun-
do documento oficial, à fôlhas 2 do livro do tombo existente na
Igreja local, a povoação já era existente havia 30 anos, asserção
que é confirmada com o extrato de duas cartas ,,kle sesmarias conce-
didas em Santos pelo Capitão-mor Gaspar Conqueiro, loco-tenente
de Lopo de Souza, a 20 de janeiro de 1603 e 16 de junho de 1609.
Essa asserção, da existência da povoação trinta anos antes
de 1630, — muitos anos, aliás, — encontra sua confirmação não
só nas referidas sesmarias concedidas pelo loco¡-tenente Gaspar
Conqueiro a Diogo de Unhate e João de Abreu, como em outras
mais, que tivemos ocasião de verificar no livro original por nós
encontrado no Arquivo Público, de onde se julgava ter desaparecido.
Assim é que, a fôlhas 52 dêsse valioso volume, vem registrado
o seguinte:
Traslado de uma carta de dada de terras de sesma-
ria de Diogo Rodrigues e José Adorno, que lhes deu o
Capitão Jeronymo Leitão na praia além da Bertioga, até
Toque-Toque.
Jeronymo Leitão capitão e Governador por sua Ma-
gestade desta capitania de São Vicente costa do Brasil
de que é capitão e governador Pero Lopes de Sousa
por... faço saber a quantos esta minha carta de dada
de terras virem e o conhecimento della com direito per-
tencer que a mim me enviou a dizer por sua petição Dio-
go Rodrigues e José Adorno moradores tempo
nesta capitania com mulheres e filhos
ou parte della da. dita Iza-
bel de Gambôa desta capitania do senhor Pe-
ro Lopes de Souza me pedia que em nome do dito
que a elles supplicantes tem por sua car-
ta empossada em nome de Antonio Ro-
drigues de Almeida como capitão que era da dita dona
Izabel de Gambôa respeito a serem mo-
radores antigos e sustentarem a terra e terem mulheres
e filhos sua petição declarada
na verdade e havendo respeito dos
supplicantes e passar tudo na verdade a peti-
ção dos supplicantes capitania de muito tem-
po de terem mulheres e sustentar a terra
nas guerras della tudo á sua custa lhe
dou toda a terra que achar estar e ser des-
-213—

ta capitania que estiverem de d das de-


marcações de sua carta que tem de da por
Antonio Rodrigues de Almeida aos supplicantes assim e
da maneira que em dia se contem a qual lhe dou pelos
poderes que para isso tenho do senhor Pero Lopes de Sou-
za que estão nas cansaras destas villas com as condições
da sesmaria com todalas entradas e sahidas e logradou-
ros forras de todolos tributos somente dizimos a Deus
para elles e seus herdeiros ascendentes e descendentes
deste dia para todo sempre mando a todalas justiças a
que o caso com direito pertencer os mettam - de posse e
as deixem roçar ditas terras e esta carta
será registada do tombo do dito senhor pa-
ra a todo o tempo constar como foram dadas

registada a carta atraz


nesta provedoria e feitoria a folhas 128 do dito livro
escrivão da provedoria e feitoria e
alfandega nas capitanias de São Vicente de
que passei a presente certidão de registo por mim feita
assignada em esta villa do porto de Santos hoje aos vin-
te e quatro dias do mez de Fevereiro de mil e quinhen-
tos e oitenta e seis annos — Francisco Casado
pagou nada fica registada esta carta de dada de terras no
livro dos registos que o senhor Pero Lopes
de Souza as folhas quarenta e tres e quarenta e quatro
bem e fielmente sem cousa que duvida faça por mim es-
crivão das dadas por mim assignada aos vinte e sete dias
do rnez de Fevereiro de mil e quinhentos e oitenta e sete
annos pago nada
A qual carta de dada de terras de sesmaria acima e atraz
escripta eu Diogo de Unhate escrivão da fazenda de Sua
Magestade desta capitania de São Vicente fiz aqui trasla-
dar a requerimento de Diogo Rodrigues sem embargo de
constar que já foi registada o livro
nem o logar certo onde foi registada
prgria carta origina] entreguei ao dito
Rodrigues e este traslado vae certo e verdadeiro e o con-
certei com o tahellião aqui commigo assignado em esta
villa do porto de Santos aos vinte de mil
seiscentos
Registada por mim °escrivão da fazenda de Sua Mages-
tade.
Diogo de Onhate

Antonio Rodrigues de Almeida Santo Amaro


da Gua pela senhora de Gambôa
capitôa e governadora por el-rei nosso
Senhor mulher que do senhor Pero Lo-
— 214 —

pes de Souza etc. faço saber a todos


os juizes e justiça e officiaes e pessoas da
capitania que esta minha carta de dada de terras de ses-
maria de hoje este dia para todo o sempre virem e o
conheciimento della com direito pertenc,vr
por Diogo Rodrigues e José Adorno petição
dizendo em cila entre que elles havia mui-
tos annos que viviam na capitania Marfim
Affonso de Souza defendendo-as ambos
com suas pessoas terem terras suas na capitania
do dito por terem todas dadas se deter-
minarem tanto tempo de seu logar passarem-
se á dita capitania de Santo Amaro a faserem nella suas
fazendas pediam lhes desse um pedaço de
terra que está indo da Bertioga para a ilha
de São Sebastião a saber de um togar
que se chama Guaraty pa com terras de Do-
mingos Guarracho correndo por costa até onde dizem
Itaco-Toque que está aquem da dita ilha de São Sebastião
partindo com Braz Cubas e juntamente com umas ilhas
que se chamam de Bois-Sucanga que fasem a maneira de
ponta no meio da dita terra etc.
Além dessa, que divisava com o lugar denominado Itaco-To-
que (Toque-Toque) em São Sebastião, e que, como vimos, lhes
havia sido concedida no ano de 1586, outras existem como as de
Simão Machado, 1608 onde ainda se lê:
" lhe fizesse mercê dar-lhe um pedaço de terra
que é nesta costa indo de aqui São Sebas-
tião onde chamam Ipianameima que começa a partir do
Pirai que das ilhas de Boiguassucanga estava na terra
firme e iria acabar na ponta do Toque
Outra de Gonçalo Pedrosa, ainda no ano de 1608:
"... na terra firme de te da ilha de São
Sebastião que está nos mattos lograr e
aproveitar o qual pedaço de terra começará da ponta do
Toque-Toque onde acaba que tem Diogo
Rodrigues e Antonio Adorno que Deus tem....".
Outras mais, como as que foram concedidas a Diogo Dias, a
Diogo de Unhate, — "defronte da ilha de São Sebastião" — a Já-
come Lopes, etc.

Do exposto, claramente se vê que, embora elevada à cate-


goria de vila a 16 de março do ano de 1636 (17), teve a mesma
(17) . Azevedo Marques, em seus Apontamentos Históricos da Província de São Paulo,
A. Moreira Pinto, no Diccionario Geographico do Brasil, J. Jacinto Ribeiro, em
sua Chronologia Paulista, dão o dia 26 de março como data da fundação, en-
— 215 —

o seu princípio muitos anos antes, sendo seus primeiros povoadores


aquêles que receberam sesmarias na parte não só do continente on-
de se acha assentado o município de São Sebastião, como também
na ilha do mesmo nome, — hoje Ilhabela, mas que, naquela épo-
ca fazia parte integrante do seu território e de sua jurisdição.
J. Jacinto Ribeiro declara haver manifesto engano em Pedro
Taques, quando afirma que os fundadores da povoação foram Fran-
cisco de Escobar Ortiz e sua mulher d. Inês de Oliveira Cotrim, —
apoiado nas sesmarias de Diogo de Unhate e João de Abreu, que,
requerendo-as alegavam em suas petições — eram todas as terras
desabitadas, defronte da Ilha de São Sebastião.
Entretanto, parece-nos não haver engano na afirmativa de Sil-
va Leme quando diz terem Francisco Escobar Ortiz e sua mulher
"vindos da Capitania do Espirito Santo",
para povoar a ilha de São Sebastião, que haviam obtido do dona-
tário Pero Lopes de Souza,
"para si e sua nobre descendência".

Ortiz foi senhor de dois engenhos de açúcar, os primeiros da M.a.<
Ilha e possuia, como diz Pedro Taques, um navio de duas cobertas,
que navegava para Angola. Foi irmão de d. Antônia de Escobar,
casada na Capitania do Espírito Santo com Vasco Fernandes Cou-
tinho, filho natural do Capitão donatário da mesma Capitania, Vas-
co Fernandes Coutinho.
De d. Antônia de Escobar e Vasco F. Coutinho foi filho o Ca-
pitão Frederico de Melo Coutinho.
Manda a boa lógica que se admita os primórdios da povoa-
ção na ilha (hoje Ilhabela) e não no Continente (São Sebastião),
como se deu com Cananéia, quando ali se formou o primeiro nú-
cleo de povoadores.
E a razão disso é muito fácil de demonstrar-se.
Naquela época, tôda a faixa do território comprendida en-
tre a serra e o mar, estava cheia de indígenas, que atacavam os in-
trusos que casualmente apareciam nessas paragens.
Pois Anchieta, longo tempo não permaneceu prisioneiro dos ta-
moios, em Ubatuba?
Possivelmente, receiosos de um ataque por parte dos naturais
dc país, podiam os primeiros povoadores da região, ter procurado
a ilha, como lugar mais seguro, a fim de poderem estabelecer-se.

quanto que Saint-Hilaire, Brasílio Machado e outros escritores afirmam ter sido
a povoação elevada à vila no dia 16 de março. Preferimos seguir a opinião
dâstes últimos, mesmo porque nas informações prestadas pela própria Câmara,
é esta a data assinalada como a verdadeira.
— 216 —

Tendo Francisco de Escobar Ortiz recebido a ilha como doação,


aí se estabeleceu, antes talvez que outros se localizassem na parte
fronteira.
Dessa maneira, teria sido a ilha o primeiro lugar onde se esta-
beleceram tais povoadores, cuja presença nesse ponto do litoral
animou os demais que, a seguir, foram estabelecer-se no continente.
. O fato de ter sido a povoação da terra firme (São Sebastião)
elevada à categoria de vila em 1636, enquanto que Vila Bela (na
Ilha) sômente fôsse erecta em 1806, isto é, 170 anos depois, não
seria para se admirar, porque, sendo a ilha tôda uma possessão de
Francisco de Escobar Ortiz, ninguém mais, sem o seu consentimen-
to ah poderia ter aportado com o fim de estabelecer-se, enquanto
que, da parte defronte várias pessoas se tornaram posseiros, sendo
natural o aumento do núcleo de povoadores, o que teve como con-
seqüência tornar-se retardado o desenvolvimento dessa parte do li-
toral, ou seja, da povoação da Ilha, que era uma feitoria perten-
cente a um só dono — Francisco de Escobar.
Fato curioso:
Tendo ela recebido os primeiros povoadores, — mais tarde,
desaparecendo o perigo do ataque dos selvagens, era São Sebas-
tião, na terra firme, o ponto escolhido, pelos novos moradores, de-
senvolvendo-se mais ràpidamente, mesmo por causa do perigo da
travessia do canal.

EXPULSÃO DOS JESUÍTAS. — FUNDAÇÃO DO CONVENTO


DE NOSSA SENHORA DO AMPARO.

Tendo a povoação recebido o predicamento de vila a 16 de


de março de 1636, por Pedro da Mota Leite, como loco-tenente e
procurador do Conde de Monsanto, a ela foram reunir-se novos ele-
mentos, aumentando assim o número dos seus povoadores, que nes-
sa ocasião seria bastante regular para que pudesse merecer tal dis-
tinção.
Outro fato que naturalmente teria concorrido para isso foi o
da distribuição da justiça naquelas paragens distantes, pois quer
na Ilha, quer em Ubatuba, — que sômente foi elevada à essa catego-
ria em 28 de outubro de 1637, — não havia, então, qualquer autori-
.

dade para atender aos que dela precisassem recOrrer


Cornó diz Saint Hilaire, os seus primeiros habitantes
"applicaram se á agricultura e fabrico de pannos de
-

algodão, mas o interesse da metropole (Leo córte a esta


industria e juntamente á do plantio das vinhas e olivei-
-217—

ras, por serem' o vinho e o azeite os principaes objectos


que os reginicolas exportavão".

Ao lado dos primeiros povoadores e onde quer que houvesse


um simulacro de povoação ou pequeno núcleo de habitantes, inva-
riàvelmente. se encontravam os jesuítas, sempre prontos para o
serviço de Deus, como Nóbrega, Anchieta e muitos outros.
Acumulando-se, porém, os dissabores dos paulistas contra os
padres da Companhia, para expulsão dos mesmos do território das
Capitanias de São Paulo e São Vicente, reuniram-se os procura-
dores das respectivas Câmaras, no dia 25 de junho de 1640, na Câ-
mara da Vila de São Vicente, deliberando que, para êsse fim
"se tiravam um pedido nestas duas Capitanias e Vil-
las, conforme a posse de cada hua, que seria por ora de
quatro mil cruzados",
cabendo à Câmara de São Sebastião, o pagamento da imporâtncia
de sessenta mil réis.
A referida Vila estava na capitania dos herdeiros de Pero Lo-
pes, enquanto que as outras (São Vicente, Santos, São Paulo, Par-
naíba, Cananéia, Iguape, etc.) estavam na capitania dos herdeiros
de Martim Afonso.
No dia 2 de julho dêsse mesmo ano, na Casa do Concelho,
em São Paulo, se abriu uma caixinha procedente de São Vicente,
contendo o que ali havia sido determinado e aprovando o ato e
determinação dos Procuradores, cujo documento foi lido pelo es-
crivão da Câmara ao povo que comparecera e a requerimento das
pessoas presentes, foram todos ao Colégio da Companhia de Jesus,
fazendo a notificação ao Rev. Padre Reitor Nicolau Botelho, para
que dentro de 6 dias
"despejasse com os mesmos padres esta Villa e se-
recolhesse ao collegio do Rio de Janeiro".
Entre as pessoas que assinaram essa petição estava João Ra-
poso Bocarro, cuja família residia em São Sebastião, e da qual era
êle membro proeminente.
À ela pertenciam João Leite da Silva Ortiz, o sertanejo ilus-
tre, companheiro e genro de Bartolomeu Bueno da Silva e irmão
de Bartolomeu Pais de Abreu, genro do capitão-mor Pedro Taques .

de Almeida e pai do historiador Pedro Taques de Almeida Pais


Leme.
Um dos mais importantes acontecimentos ocorridos na vila
depois de ser criada, foi sem dúvida alguma, o da fundação do Con-
vento dos frades franciscanos, no bairro de São Sebastião, que dis
— 218 —

tava 2 léguas ou 11.1 quilômetros da mesma vila, hoje cidade de


São Sebastião e 5 léguas ou 27.7 quilômetros de Caraguatatuba.
Azevedo Marques, citando Frei Jaboatão, diz em seus Apon-
tamentos históricos, que a fundação do referido convento,
"teve lugar no dia 11 de Maio de 1650, pelo commis-
sario Frei Macêo de São Francisco, porém só foi conclui-
do em 1659, devido aos esforços e doações do piedoso
cidadão Antonio Coelho de Abreu e sua mulher d. Luiza
Alves, sendo custodio Fr. Pantaleão Baptista" (18)
Entretanto, percorrendo a obra de Fr. Antônio Santa Maria
Jaboatão, encontramos uma referência inteiramente diversa, como
é fácil de ver-se (19) e que passamos a transcrever:
"Principio do convento de Nossa Senhora do Am-
paro da Ilha de São Sebastião no Rio de Janeiro.
Na vizita que fez aos Conventos das partes do sul, e
Rio de Janeiro, o Custodio Fr. Pantaleão Baptista, no an-
no de 1658, vindo de volta foi ter á Ilha de São Sebastião,
a requerimento dos moradores della, e satisfasendo-lhes
as vontades que tinhão de edificar casa aos nossos Religio-
sos naquella Ilha, feita a acceitação, deixou logo alli dous
Religiosos, dos quaes se não declarão os seus nomes em
o cartório desta Provincia; e estes derão logo principio
a hum Recolhimento com seo Oratorio, e titulo de Nos-
sa Senhora do Amparo; e chegando á Bahya o sobreditto
Custodio, celebrou congregação no Convento de Seregy-
pe do Conde a 19 de Março do seguinte anno de 1659, e
nesta se confirmou a acceitação acima, mas nella se lhe
não nomeou Prelado, e só se declaram que feita a tal ac-
ceitação na forma referida pelo sobreditto Custodio, lhe
tinha elle lá deixado Religiosos para esse effeito.
O cartorio desta Pr'ovincia faltando nesta caza, diz
que o primeiro Prelado, que se lhe pôz foy Fr. Martinho
da Prezentação, eleito no Capitulo do primeyro Provin-
cial, Fr. Antonio dos Martyres que se seguio ao ultimo
Custodio Fr. Pantaleão Baptista, que fez esta acceitação,
e que tal Prelado governou athe a congregação do sobre-
dito Provincial, e nesta lhe succedeu Fr. Domingos de S.
André, e hé toda a noticia que achamos desta caza, em
quanto pertencente a esta nossa Provincia".
Fr. Antônio Santa Maria Jaboatão, referindo-se a Fr. Pan-
taleão Batista, diz que
"no seu tempo se acecitarão duas fundaçoens, a de
Seregipe d'El-Rei, com o titulo de Bom Jesus, no anno

. — Doe. Int. Vol. 31, pág. 160, traz uma declaração do Secretário do Govêrno
Luís Antônio dp. Carvalho que diz ter sido fundado por Fr. Maçêo, nessa data,
nota essa (diz êle) "extraída fielmente das relações que os mesmos Regulares
enviaram ao Govêmo".
. — Novo Orbe Seraphico, Capítulo XIV, vol. II, pág. 589.
— 219 —

de 1658, e a de Nossa Senhora do Amparo, na Ilha de São


Sebastião, no seguinte de 1659" (20) .
Trata-se, como se vê, do mesmo convento da vila ide São
Sebastião, mesmo porque na ilha jamais existiu fundação alguma
dessa natureza.
E não pode ser de outro, não só pela coincidência do nome co-
mo também da data.
A referência — ilha . de São Sebastião do Rio de Janeiro,
foi feita naturalmente pelo fato de acharem-se naquela época, a
ilha de São Sebastião e a própria vila, debaixo da jurisdição dos
Ouvidores do Rio de Janeiro.
Nas imediações do Rio, entre as ilhas aí existentes nenhuma
delas recebeu jamais o nome de — São Sebastião.
Pelo recenseamento do ano de 1798, se vê que nesse ano o
Convento de Nossa Senhora do Amparo possuia 50 braças de ter-
ras para patrimônio, doadas pelo mesmo Antônio de Abreu, 5 ca-
beças de gado e 24 escravos.
Entre os maços de papéis de 1777, encontramos escrito por
Frei José da Madre de Deus Loreto, um ofício encapando outro
documento com os dizeres seguintes:
"Relação do Estado actual deste Convento de S. Fran-
cisco da V.a de São Sebastião, fundado por Fr. Macêo de
S. Francisco comissario actual dos Religiosos a 11 de
Mayo de 1664".
Religiosos que existem nelle
Sacerdotes 3
Leigos 1
Donatos 3
Possuia 24 escravos, 4 vaccas e 1 touro.
Há ainda uma "relação", sem data, parecendo ser
anterior, que diz ter "sido fundado em 1654, a 30 de Ja-
neiro, em hum sabbado, por concessão da Camara, que
nesse mesmo anno existia".
Religiosos que nelle existem:
Sacerdotes 4
Leigos Nehã
Donatos Nehfi
Bens de raiz — Humas terras, cujas braças ignoro, as
quaes comprou o Sindico deste Convento por 200$000 das
quaes se não utilisão senão para o sustento e pasto de
bois que servem o mesmo convento.

(20) . Ob. cit., vol. I, pág. 244.


— 220 —

Bens de raiz que e x istem para o serviço do Convento 17


Carros que conduzem o que hé necessario para o Con-
vento 3
Casas de Romeiros 1
Senzalas para os escravos 3
Escravos para o serviço do Convento 18
Femeas 4

Do inventário procedido pelo juiz municipal da vila de São


Sebastião, João Martins d'Val, nos bens pertencentes ao convento
de São Francisco, em 31 de outubro de 1835 (Maço 3, Pasta 6,
doc. 47 do Arquivo do Estado) consta uma interessante relação
que, por ser longa, vai transcrita em apêndice (Documento 2) .
O bairro de São Francisco, onde se encontra o convento em
ruínas, está situado ao Norte da cidade de São Sebastião, na dis-
táncia de uma légua, mais ou menos, ou 5,5 quilômetros, em 23°
e 45' de latitude e 47° e 50' de longitude Oeste.
Diz Azevedo Marques: seus habitantes foram primitivamente
índios domésticos, que se ocupavam, os homens da pesca e as mu-
lheres do fabrico de louça de barro.
E' um dos mais populosos do município, gozando de uma si-
tuação privilegiada, debruçado como está à beira-mar, constante-
mente bafejado pelas auras marinhas.

De uma interessante memória escrita por Frei Inácio Santa


Rosália Alvarenga, guardião do Convento de Nossa Senhora do
Amparo, em 30 de janeiro de 1827 e enviada ao Visconde de Con-
gonha do Campo, consta o seguinte:
1.0 Fundação •
"Não se acha no Archivo deste Convento o dia, mez
e armo em que se lançou a primeira pedra para sua fun-
dação: Mas revendo-se os Documentos vê-se hum com le-
tra algum tanto comsummida onde se lê, que Fr. Masseu
de S. Francisco fez a petição seguinte:
Petição — Diz Frei Masseu Religioso de São Fran-
cisco, Commissario dos Religiosos de S. Francisco de to-
da a repartição do Sul, que elle pela authoridade que tem
do Pe. Provincial desta Provincia de Santo Antonio do
Brasil, e dós Pes. Differidores, ((Per fundar Convento na
Ilha de São Sebastião, na }termina de Nossa Senhora dos
Dezamparados (hoje Amaro) E por que conforme o - Con-
cilio Tredentino he necessario licença do Ordinario, Pe-
de a V. M. Conceda a dila licença, e mande della pas-
sar Provisão. E. R. M. = Despacho — Passe Provisão de
licença na forma do estillo 6 de Agosto de 1658 = Segue-
— 221 —

se a Provisão do Licenciado Manoel de Araujo, Provisor


e Vigario Geral no espiritual e corporal e temporal, por
Sua Magestade &.
"Esta Provisão em muitas partes não se pode ler; por
isto não vai tresladada ao todo aqui, mas lê-se em parte
o consentimento de sé poder faser a igreja pedida, le-
vantar Altar, ou Altares, para celebrar os Officios Divi-
nos, sendo os Religiosos obrigados a terem-na ornada e
asseada como se custumão fazer nos mais Conventos.
Foi esta Provisão dada na Villa de Santos aos 9 dias
do mez de Agosto de 1658. Foi escripta pelo Escrivão da
Camara Ecclesiastica João Lopes do Lago. Tem a Provi-
são mais esta nota = Fica botada no Livro das Notas, que
corre afolhas dezasete de que passei a presente postilla
aos honze de Setembro de 1658 o t.am Hieronimo Fer-
r.a de Mello. Este Documento vê-se no Archivo deste Con --
vento coberto com N. 1.
2.° Fundadores
Foi Antonio Coelho de Abreu e sua mulher Luzia Al-
ves por Doação que fizerão das terras, Hermida e mais
necessarios para se situar o Convento que os Religiosos
do Pe. S. Francisco querem faser nesta Freguezia e Dis-
tricto da Villa de São Sebastião por Escriptura lavrada em
22 do mez de Março de 1658. Derão cem braças craveiras
de terra com seus fundos athe aguas vertentes, e huma
Hermida que tinhão nellas, ordenando que o Titulo seria
então de Nossa Senhora do Amparo, e por conta dos Re-
ligiosos correrião as Festas da Veneração da Virgem San-
tissima. Esta doação foi feita na presença do Pe. Provin-
cial Fr. Pantaleão Baptista, Fr. Sebastião dos Martires,
Custodio da Provincia, e Fr. Balthazar das Neves, pelos
quaes foi acceita a Doação do modo e com encargos que
estão escriptos na dita Escriptura de Doação. Está Lota-
da no Livro das Notas ‘'desta Villa afolhas quatro, Tabal-
hão Balthazar Rodrigues da Silva (como tudo nella se
contem) Esta Doação foi de novo confirmada pelos Tes-
tamentos com que fallecerão estes Fundadores.
3.° Instituição
Ser util aos habitantes administrando-lhes o pasto
Espiritual, Pregando a Palavra de Deus com toda a cari-
dade e Mizericordia possivel; celebrando os Officios Di-
vinos conforme a possibilidade do Convento. A organi-
sação deste Convento he receber esmolas dos fieis con-
forme a Regra do Nosso Santo Padre, o Glorioso São Fran-
cisco.
4.° Fundos aplicados a sua manutenção
São as simples esmollas, que prestão os fieis em con-
formidade da Regra do Patriarcha S. Francisco.
5.° — Resultado da sua administração
— 222 —
O resultado da administração deste convento he ser
util o mais possivel aos habitantes tanto no Temporal, co-
mo no espiritual; no temporal, cedendo em beneficio tu-
do que o convento puder ceder; no espiritual concorren-
do com disvelo para o bem das almas. Emprega o resto
do resultado d'uma administração, e despezas ordinarias
e extraordinarias em ornatos e alfaias para a mesma Igreja.
6.° — N.° de Indivíduos respectivos
Dois, o actual Guardião, o Pe. Mestre Fr. Ignacio de
Santa Rosalia Alvarenga e o Presidente nomeado Fr. Joa-
quim das Dores.
Tem vinte e hum escravos entre cegos, velhos, mo-
ços e crianças.
Tem huma Ordem 3a. unida á Igreja, que subsiste só-
mente dos annuaes que pagão á mesma Ordem os Irmãos
e Irmans, todos os annos, e de algumas esmollas que, por
morte, os ditos Irmãos e Irmans lhes deixão.
Tem huma pobrissima Irmandade de S. Benedicto, que
está estabellecida somente por devoção dos escravos, e de
algumas pessoas libertas, debaicho do beneplacitç do Pre-
lado. Subsiste só de auxilio das esmollas, e annuaes, que
os Irmãos pagão, com cujo donativo fazem ao Santo hu-
ma pequena Festa. —
Convento ,ke Nossa Senhora do Amparo do Termo da
Villa de S. Sebastião 30 de Janeiro de 1827.
Fr. Ign.co de S.ta Rosalia Alvarenga
Guardião (21).

O monumento aí chantado pelos franciscanos, ocupa soberba


posição, ao alto, com a frente voltada para o Oceano imenso, co-
mo que a atestar os reauintes da arte colonial e as maravilhas do
século XVII.
O Convento, há muitos anos abandonado, acha-se em ruínas
e como diz um escritor,
"é de lamentar-se que um edifício bem construído e
memorável por sua antigüidade, seja destruido por cen-
surável abandôno dos religiosos superiores do Rio de
Janeiro".
Veneráveis relíquias do passado, aquelas ruínas, despertam
aos nossos olhos e ao nosso espírito, as mais belas páginas da his-
tória de São Paulo, clamando, do alto daquela colina majestosa,
contra o indiferentismo dos homens pela conservação dos seus mo-
numentos históricos.
(Continua no próximo número) .
ANTÔNIO PAULINO DE ALMEIDA
do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo

(21) . — O documento acima encontra-se reunido ao Maço 158, sob o título — "Mappas
de População de São Sebastião" — 1827. Junto ao mesmo vêm ainda outras
memórias sôbre a Santa Casa e Convento de Nossa Senhora do Carmo, da ci-
dade de Santos e um mapa estatístico da produção de fumo na vila de São
Sebastião.

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