Carlos Barcelos Quero Minha Vida de Volta
Carlos Barcelos Quero Minha Vida de Volta
Carlos Barcelos Quero Minha Vida de Volta
alphaconteúdos
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Av. Dib Sauaia Neto, 1478 (Via Parque)
Alphaville — Barueri, SP
Elza,
Prefácio 9
Introdução 11
1. Horizontes sombrios 15
2. Caminhos áridos 19
3. Obstáculos e velhos caminhos 29
4. O perigo dos papéis ilusórios 39
5. Um novo caminho: superando os obstáculos 53
6. Marcos na trilha do sol 67
7. Ombro a ombro 99
8. Aí vem o sol 111
Onde encontrar ajuda 117
Sobre o autor 119
PREFÁCIO
S
ou filho de pai alcoólatra. Isso fez de mim, mesmo que eu
não quisesse, um co-dependente. Escrever este livro foi uma
experiência de contacto com a minha história. Contá-la sig-
nificou reviver eventos marcantes. Uns alegres, outros doloridos.
Mas o mais importante foi a modificação dos significados das mi-
nhas experiências de vida.
Como filho de alcoólatra, assumi responsabilidades que não eram
minhas. Desenvolvi alta exigência de perfeição e algumas
compulsões (a mais evidente: comprar compulsivamente). Experi-
mentei episódios de depressão como resultado de muita culpa e
vergonha, as quais foram superadas pelo carinho e pela paciência
de Elza, minha esposa.
A misericórdia de Deus se manifestou de muitas maneiras. A
principal foi o encontro com Hans Bürki, mestre suíço que me en-
sinou a lidar com minhas feridas, meus maus hábitos e minhas
adicções. Eu já estava envolvido no ministério pastoral e no ofício
de conselheiro. Mas a co-dependência ainda pesava sobre mim.
Exigências perfeccionistas me incomodavam o tempo todo.
12 • QUERO MINHA VIDA DE VOLTA
D
eus criou o homem com capacidade de partilhar as mais
profundas emoções. Sabendo que não era bom que estives-
se só, decidiu dar-lhe alguém que lhe fizesse companhia.
Deus então criou a mulher.
Não é sem razão que os poetas têm escrito e cantado a respeito
da extraordinária experiência vivenciada por pessoas que se amam.
Enquanto existirem, homens e mulheres partirão em busca de com-
panhia que lhes esteja à altura de compartilhar a própria alma, pois
acalentam um grande desejo de intimidade.
Homens e mulheres querem ser aceitos como são. Desejam ex-
pressar emoções sem serem rejeitados. Se isso é verdade, por que as
pessoas acabam se estranhando mutuamente? Desde cedo, apren-
demos que grande parte de nossas necessidades afetivas é atendi-
da por outras pessoas. Ao chorar, descobrimos que a fome seria
saciada, as dores curadas e as fraldas trocadas. Nas crianças, o
choro é a expressão autêntica de necessidades, perfeitamente na-
tural e aceitável por ser a única forma possível de comunicação
com o mundo externo. As agradáveis memórias dessas satisfações
ficam gravadas no cérebro e se tornam a motivação básica de nos-
16 • QUERO MINHA VIDA DE VOLTA
T
rilhar os caminhos da co-dependência é passar por muitas
provações, pois são caminhos áridos, exaustivos e sem água,
que não saciam a sede emocional da alma.
Viver com outras pessoas demanda grande investimento emo-
cional. Implica colocar-se à disposição do outro, às vezes negando
necessidades próprias e correndo o risco de ser rejeitado. Esse é um
custo natural em todos os relacionamentos. Mas ele se torna muito
alto e ameaçador para o co-dependente, que desenvolve a fanta-
sia de que é ele que tem de suprir a necessidade do outro, esque-
cendo-se totalmente de si. Não aceita que o outro lhe ofereça algo
em troca, achando que essa oferta não é necessária nem devida,
pois isso fará falta àquela pessoa.
Isolamento
O co-dependente termina por sentir-se isolado, pois não per-
cebe o beco emocional em que se encontra. Espera que sua carên-
cia emocional seja atendida por se preocupar com o outro. Quando
o outro, tendo sido atendido, vai embora — ou não lhe dar o reco-
20 • QUERO MINHA VIDA DE VOLTA
Outros prejuízos
O co-dependente enfrenta também a aridez de grandes preju-
ízos em sua auto-imagem, sua auto-estima, suas emoções e seus
pensamentos. Aprende a não acreditar nas próprias percepções e
sentimentos, achando que suas opiniões não têm valor, deixando
de usá-las para dirigir sua vida. Isso interfere profundamente em
seus relacionamentos interpessoais, acabando por prejudicá-los ir-
remediavelmente.
Nega a realidade que teima em apresentar-se claramente em
sua vida, não conseguindo aceitar os problemas que enfrenta, pre-
ferindo ignorar que está diante de sérias dificuldades, particular-
mente diante do problema de dependência química, que
costumeiramente é encarado com forte dose de preconceitos. Tor-
na-se incapaz de avaliar se algo ou alguém é bom para si, uma vez
que acredita ser o responsável pelo bem-estar da pessoa ao seu
lado, ou pelo que está acontecendo a sua volta.
Sente enorme dificuldade em dizer não, quer à situação, quer
ao outro, não conseguindo evitar situações perigosas, desconfor-
táveis ou perniciosas, por não poder avaliá-las realisticamente ou
CAMINHOS ÁRIDOS • 25
VELHOS CAMINHOS
A
h, as crianças! Elas nos fascinam com seu sorriso e sua ale-
gria francos. O que falam e como falam enchem-nos de
ternura e encantamento. Elas são capazes de despertar pro-
fundos sentimentos, que nos comovem e nos lembram de situações
que vivemos na infância.
Se por um lado elas nos fascinam em sua inocência, essa mesma
condição natural as coloca em posição de grande vulnerabilidade,
tanto física como emocional, deixando-as à mercê de danos pro-
fundos que levarão para a vida adulta.
O poder da disfuncionalidade
Uma criança que vive em uma família disfuncional será envol-
vida em dificuldades provocadas por situações criticas sobre as quais
não tem nenhum controle. A disfuncionalidade força os filhos a
assumir prematuramente responsabilidades que ou não eram suas
ou para as quais não estavam capacitados ainda. Essa é uma situa-
ção injusta, pois a criança não tem nenhuma condição de se de-
fender de exigências pesadas e descabidas.
30 • QUERO MINHA VIDA DE VOLTA
A grande ilusão
Mais estranho ainda, a co-dependência cria a ilusão de bene-
fício, no sentido que permite o esquecimento dos sentimentos do-
loridos experimentados pelo co-dependente, que os tem
anestesiados, já que sua atenção está toda voltada para a pessoa-
problema e as situações constrangedoras que ela cria.
Sem dúvida, toda essa situação é muito perturbadora para o
filho de uma família disfuncional. É um peso ter de alterar compor-
tamentos para escapar de seus sentimentos, justificando tudo o que
sente pelas atitudes do outro. Também é um peso notar que todo
esse esforço não resolveu sua dificuldade. Ele sente muito desâni-
mo e cansaço por essa luta infrutífera.
Os velhos caminhos
Eliana não compreendia por que tinha se casado com um alco-
ólatra, uma vez que ela mesma era filha de pai alcoólatra e jurara
OBSTÁCULOS E VELHOS CAMINHOS • 35
Provérbios 14.12.
OBSTÁCULOS E VELHOS CAMINHOS • 37
O
caminho da co-dependência é cheio de armadilhas e si-
tuações de perigo para a caminhada do co-dependente,
que está sempre olhando para cenas ilusórias que lhe es-
condem a realidade. Essas cenas são representadas por atores que
aparecem em seu caminho, encenando papéis muito fascinantes,
que distraem a atenção do caminhante, prometendo-lhe diversão
e lazer, quando, na verdade, estão atrasando a chegada à planície
onde brilha o sol.
Esses atores podem ser os próprios membros da família disfun-
cional, ou uma única pessoa que se alterna na representação dos
vários papéis, de forma tão convincente, que faz com que o co-
dependente acredite que não se trata de uma peça, mas a realida-
de em sua vida. O surgimento desses papéis é resultado das
dificuldades de relacionamento e intimidade enfrentados na con-
vivência com os outros membros da família. São um meio de sobre-
vivência na passagem pela vida, procurando fazer com que a travessia
seja feita com o mínimo de sofrimento possível.
1
Arrancar Mascaras! Abandonar Papéis! 3. ed. São Paulo: Loyola, p. 38.
40 • QUERO MINHA VIDA DE VOLTA
Esse drama foi vivido intensamente por Diana. Ela era filha de
um pai alcoólatra e casou-se com um alcoólatra, que, por sua vez,
era filho de alcoólatra também. Anos após se casar, decidiu se se-
parar. Mais tarde, o comportamento social e escolar de sua filha de
catorze anos alterara-se um pouco, e Diana descobriu que ela ex-
perimentara maconha. O estado emocional de Diana ficou em fran-
galhos, pois tanto não esperava isso da filha como não sabia o que
fazer.
Sem que tivesse notado, projetara o papel que ela mesma vive-
ra em sua infância, o de heroína, sobre sua filha. A cada vez que
elogiou e admirou o comportamento responsável de sua filha, esta-
va estabelecendo um alto padrão de comportamento para ela, que,
sem que pudesse dizê-lo, para não magoar sua mãe, achava-o alto
demais. Quando quis tomar algumas decisões por si mesma, viu-se
na necessidade de mentir para a mãe, acreditando estar abaixo das
expectativas dela. Ao descobrir o comportamento da filha, Diana
sentiu-se abalada, pois sua filha não atingira o alto padrão que
projetara sobre ela. Diana acreditava que seu papel de heroína
estivesse superado.
No entanto, ela se reatualizou nas expectativas que transferira
para a filha. Quando percebeu que esta não as atendera, foi como
se ela mesma não as tivesse atendido. Não era sem razão, portanto,
que experimentara grande choque e confusão. Seu estado emocio-
nal só se equilibrou quando percebeu esse mecanismo projetivo
dos papéis, e, a partir daí, corrigiu suas expectativas e permitiu que
sua filha pudesse viver sua vida, ressalvando claramente que não
admitiria o uso de maconha.
Os atores
Os papéis representados pelos atores nas peças à beira do cami-
nho são: o herói, o bode expiatório, o mártir, o mascote, a criança
perdida. Todos esses papéis surgiram na família de Mário.
42 • QUERO MINHA VIDA DE VOLTA
O herói
Mário tentava consertar todos os estragos e situações constran-
gedoras causadas pelo alcoolismo em sua família. Queria que sua
família funcionasse de forma adequada e se esforçava para preen-
cher as faltas e erros dos outros familiares. Ajudava sua mãe nas
tarefas de casa, substituindo-a na lavagem de roupa, na prepara-
ção da comida para seus irmãos menores. Saia atrás de seu pai,
procurando-o pelos bares do bairro, medicava-o quando estava de
ressaca, ia esperá-lo na porta da fabrica para ver se conseguia trazê-
lo para casa sem beber. Sendo o filho mais velho, recebia o peso
extraordinário de servir de suporte emocional tanto para seu pai
como para sua mãe e irmãos. Não recebia elogios e apoio da famí-
lia, mas era reconhecido como a criança confiável, conscienciosa,
madura e capaz pelos de fora. Na escola, era um dos melhores alu-
nos, sempre trazendo boas notas para casa. Transferia para a rela-
ção aluno-professor a relação pai-filho, pela qual conseguia ter parte
da aceitação que não tinha em casa.
Sobressaia-se muito bem tanto nas tarefas que lhe eram solici-
tadas como naquelas em que tomava a iniciativa de realizar. Esses
eram alguns benefícios que Mário recebia desse comportamento.
Mas sob esse papel havia um menino que não se permitia vi-
brar com suas vitórias, porque sempre tinha a sensação de fracasso.
Por mais bem-sucedido que tivesse sido, a situação-problema per-
manecia a mesma, senão pior a cada dia. O nível de exigências
sobre si era tão grande que estava sempre se sentindo devedor de
algo para alguém. Tudo o que fazia era percebido apenas como sua
obrigação em tentar superar a disfunção na família.
Mário, o herói, era um diplomata que tentava administrar as
situações-problema de modo a conseguir o alivio da tensão na fa-
mília. Agia intermediando situações difíceis, procurando de todos
os modos possíveis modificá-la para melhor. Conhecia as palavras
exatas para tranqüilizar os irmãos, aplacar sua mãe e manter seu
O PERIGO DOS PAPÉIS ILUSÓRIOS • 43
ção como na do seu marido. Não lhe era fácil sequer pensar em
deixar seu papel de heroína, por causa dos benefícios tanto emoci-
onais quanto financeiros que o controle da situação lhe trouxera.
O bode expiatório
Mário, o herói, tinha outro problema, além do alcoolismo de
seu pai. Elói, seu irmão do meio, representava o papel de bode
expiatório.
Criava muita confusão à sua volta: ao contrario de Mário, ten-
tava aliviar o sofrimento da família procurando chamar atenção
sobre si, através das estripulias que arrumava. Sentindo-se o "res-
ponsável" por tudo o que acontecia em sua família, aceitava ser
punido para com isso resgatar o problema que tanto afligia a todos.
Havia um laço emocional muito forte entre Mário e Elói. Mário
chamava atenção por não ser como Elói, que chamava atenção por
não ser como Mário. Mário reforçava seu heroísmo tentando corri-
gir o que Elói fazia, e este queria aliviar o fardo de responsabilida-
des de Mário oferecendo-se como razão para zangas e repúdios,
desviando a atenção do problema maior da família.
O bode expiatório tem um beneficio emocional muito impor-
tante quando aceita a culpa: recebe a atenção que lhe falta quan-
do todos estão preocupados com os problemas familiares. Se ele for
a causa de tudo, acredita estar suprindo a carência afetiva que
sente. Ele vivencia o provérbio ao pé da letra: "Falem mal, mas
falem de mim". Enquanto falam dele, não falam do problema maior
da família.
Muitas vezes, tenderá a repetir o comportamento da pessoa
disfuncional, querendo com isso expiar a culpa daquele. Só que
com isso o co-dependente poderá criar muitas dificuldades para si
mesmo por ter assumido tal papel, sem ter resolvido o problema
básico. Agora, depois de anos, terá de resolver seus problemas cri-
ados por conta da tentativa de carregar a culpa de toda a família.
O PERIGO DOS PAPÉIS ILUSÓRIOS • 45
O mártir
Elza, mãe de Mário, assumia o papel de mártir. Estava disposta
a pagar qualquer preço pessoal para aliviar a pressão. Sacrificava
tempo, energia e felicidade para manter a família junta e para ten-
tar fazer a pessoa-problema modificar suas atitudes disfuncionais.
Iria até o fim do mundo para conseguir que as coisas ficassem cer-
tas. Por "certas" quer dizer "certas conforme o seu jeito". Às vezes,
conseguia mudar algumas coisas, mas não conseguia que a pessoa-
problema mudasse seus hábitos. Tirava vantagem do aplauso que
recebia por ser esposa e mãe tão devotada àquela família tão pro-
blemática. E talvez até conseguisse resolver o problema, se o mari-
do notasse o sacrifício que fazia e decidisse parar de beber. Sem
que notasse, tirava vantagem do fato de as pessoas verem o sacrifí-
cio que fazia e a aplaudirem por ser tão devotada.
Um dos traços característicos do mártir é beneficiar-se da
autopiedade, reclamando constantemente da situação na qual vive,
dizendo-se — e aos outros — que seria feliz se as coisas fossem dife-
rentes do que são. O mártir acha-se tão bom internamente que nada
do que está acontecendo é justo, que ele não merece isso. Também
se apresenta cheio de autopiedade, e seu choro, reforçando essa ati-
tude, chama atenção para si, pois deseja que todo o mundo perceba
46 • QUERO MINHA VIDA DE VOLTA
O mascote
Francisco, o terceiro filho dessa família, representava o papel
do mascote da família. Sempre fazia brincadeiras sobre tudo e to-
dos. Ria da seriedade do Mário e ridicularizava a rebeldia do Elói.
Todos acabavam se divertindo com Francisco, pois os sofrimentos
que experimentavam sempre ganhavam uma piada. Francisco acre-
ditava que tinha a responsabilidade de fazer com que todos —
incluindo ele mesmo — esquecessem por alguns momentos que a
vida doía assustadoramente. Quando via os familiares rindo, sen-
tia-se importante e valorizado. Freqüentemente o pequeno garoto
que faz todo mundo dar risadas com seu bom humor é mais triste
interiormente que qualquer outro membro da família. Ele repre-
senta na vida real a história do palhaço que ri enquanto o circo
pega fogo, pois o espetáculo tem de continuar.
Na juventude sentiu-se muito isolado e fazia graça para tentar
não se sentir assim. Na maturidade, poderá permanecer imaturo,
tendo dificuldades em olhar seriamente para os problemas de rela-
cionamento procurando, como antes, aliviar a seriedade com que
tais relacionamentos devem ser tratados.
Não é que não possa ter bom humor, pois é possível haver seri-
edade e bom humor ao mesmo tempo. Mas ele pode estar tentando
dizer, com a galhofa e as piadas, que não há problemas, ou tentan-
do desviar a atenção, tanto sua como dos outros, da necessidade
de enfrentar com coragem os problemas que perturbam a todos.
O PERIGO DOS PAPÉIS ILUSÓRIOS • 47
A criança perdida
Sara, a irmã caçula, tentava lidar com a disfunção em sua fa-
mília procurando o tempo todo passar despercebida. Ficava quieta
em seu canto a maior parte do tempo, e quando tinha de movimen-
tar-se, fazia-o da forma mais silenciosa possível. Fazia questão de
não ser notada. Era como se não estivesse ali. Todos gostavam dela
assim, pois não exigia muita atenção. Esse era seu benefício, mas
ao custo de um surdo sentimento de solidão por não se sentir à
vontade para falar sobre suas necessidades. Esforçava-se para ser
simpática com os outros, procurando mostrar que não precisava de
atenção e cuidados. Aplicava seu tempo livre em leituras, em ou-
vir suas músicas prediletas usando seu fone de ouvido e conversan-
do com seus amigos pela Internet.
É provável que mais tarde continuará isolada, com grandes di-
ficuldades em aceitar o envolvimento necessário a relacionamen-
tos afetivos por não conseguir lidar com a exposição de sentimentos
que tais relacionamentos exigem.
Os papéis acima descritos são vivenciados, primordialmente,
pelos filhos de uma família disfuncional. Eles não são rígidos e cada
um poderá atuar com papéis misturados, exercendo um pouco de
dois ou mais papéis: o herói pode agir ao mesmo tempo como masco-
te, o bode expiatório pode ser misturado com a criança perdida, etc.
É importante notar que o cônjuge também exerce esses papéis,
talvez de forma adaptada, pela sua posição dentro da família. Esses
papéis poderão ser representados particularmente pelo cônjuge que,
por sua vez, for filho ou filha de uma família disfuncional. Nessa
condição, tenderá a reatualizar os papéis que viveu antes de esta-
belecer sua família, pois será um papel conhecido. Não haverá es-
tranheza nos sentimentos que experimenta em sua família
disfuncional atual.
Há um efeito ilusório nesses papéis. Eles dão a idéia de que
estão colaborando para a solução da situação-problema, quando
48 • QUERO MINHA VIDA DE VOLTA
SUPERANDO OS OBSTÁCULOS
O
co-dependente enfrenta forte tempestade emocional den-
tro do coração, onde grossas chuvas de medo, grandes
relâmpagos de raiva, nuvens tenebrosas de culpa e vergo-
nha trovejam, criando inseguranças, fazendo-o procurar ansiosa-
mente o refúgio que precisa. Ele busca abrigo por meio de
comportamentos específicos, tentando controlar esses sentimentos
tempestuosos que, por sua intensidade, podem ser destrutivos. A
principal tentativa de controle é a negação da existência de uma
situação problemática. Essa negação tem uma força extraordiná-
ria, de forma que, enquanto existir, não permitirá que se encontre
soluções adequadas. Negando o problema, o co-dependente per-
manece na perigosa situação de não reconhecer a dimensão da
tempestade rugindo à sua volta, enquanto sofre a inclemência des-
sa tempestade.
Negação da realidade
A negação é um sistema de filtragem de informações desagra-
dáveis, que, sob o impacto de situações constrangedoras, seleciona
o que o co-dependente pode receber do exterior a fim de aliviar a
54 • QUERO MINHA VIDA DE VOLTA
João 8.10-11.
60 • QUERO MINHA VIDA DE VOLTA
Desligamento emocional
Uma das várias funções das nuvens é criar sombras. Nenhum de
nós conseguirá olhar diretamente para o sol, pois a luz nos cegaria.
As sombras criadas pelas nuvens permitem que vejamos com mais
definição os objetos ao redor. As nuvens emocionais também têm a
mesma função. Permitem que vejamos mais claramente o que pre-
cisa ser modificado em nossa vida. Só haverá aproveitamento ple-
no dessa visão se tivermos uma boa disposição de ver a realidade
como ela é e um sincero desejo de tentar mudar nossas estruturas
de pensamento e tentar agir de forma diferente daqui para frente.
Quando as coisas começarem a mudar, o que certamente ocor-
rerá, vamos ver bem melhor e perceber claramente que o sol volta-
rá a brilhar em nossa vida. O co- dependente precisa apenas manter
sua mente aberta e seus ouvidos atentos para ouvir a voz interior
que lhe dirá qual o caminho que deve seguir. Perceberá, então,
que as coisas estarão mudando claramente, trazendo-lhe a certeza
de que o sol, finalmente, brilhará em sua vida.
Para ver o sol é preciso tirar os olhos das nuvens escuras e co-
meçar a olhar ao redor e perceber que, mesmo nos dias mais escu-
ros, não é apenas a escuridão que existe. As flores captam os raios
do sol e os transformam em cores. Quanto mais difícil o tempo,
mais cores as flores têm. O co-dependente habituou-se a acreditar
que a única possibilidade real de vida é o sofrimento, que a única
paisagem que pode ver são as nuvens escuras. Isso pode mudar se
começar a perceber as flores em sua vida: as coisas boas que fez e
que aconteceram apesar do tempo emocionalmente escuro.
Essa mudança de perspectiva acontecerá a partir do momento
em que o co-dependente começar a praticar o desligamento emo-
cional das situações geradoras dos conflitos e dos comportamentos
inadequados da pessoa-problema.
É muito importante a compreensão clara do conceito de desli-
gamento emocional, pois o co-dependente é ávido por prender sua
UM NOVO CAMINHO: SUPERANDO OS OBSTÁCULOS • 61
Amor e confiança
Muitas vezes, um relacionamento interpessoal está profunda-
mente abalado e ameaçado de extinção pela intensidade das exi-
gências emocionais envolvidas na situação-problema. Aí será
necessária muita paciência. Amor e confiança são um conjunto de
emoções e atitudes vivas e frágeis. Tais emoções não aparecem
automaticamente mesmo que a pessoa que amamos torne-se sóbria
ou resolver o problema que tem, qualquer que seja.
Ver além da escuridão é permitir que o amor e a confiança se
restaurem em seu devido tempo. Algumas vezes são restaurados;
outras, não. No entanto, ajuda se nos amarmos o suficiente. Amar-
se significa aceitar limites, tanto os nossos como os dos outros, e
aprender a viver bem dentro das circunstâncias que não podemos
mudar.
Matilde lutou vários anos com seu marido alcoólatra, tendo de
substituí-lo várias vezes na fábrica. Além disso, cuidava da casa e
dos dois filhos pequenos. Seu marido, depois de muita luta juntos,
decidiu parar de beber e reiniciou um penoso trabalho de recupera-
ção. Algum tempo depois que ele parou de beber, Matilde começou
a sentir-se mais relaxada quanto ao alcoolismo, ao mesmo tempo que
se sentia bastante insegura e crítica. A ausência da situação-proble-
ma deu-lhe uma sensação de vazio e de falta de motivação. Seu
marido, amando-a e reparando o seu alcoolismo diante dela, usou
de muita paciência e carinho, colaborando para a sua recuperação.
64 • QUERO MINHA VIDA DE VOLTA
N
as montanhas suíças encontram-se inúmeros caminhos que
serpenteiam por vales e cruzam rios. Alguns são íngremes,
outros são bem planos. No entanto, por todos os caminhos
encontram-se sinais, ora vermelhos, ora amarelos, marcados tanto
nas pedras como nas árvores, indicando a trilha para o caminhan-
te. Devido ao clima difícil naquelas montanhas, às vezes custa iden-
tificar os sinais, desgastados pelo tempo, exigindo muita atenção
para não se perder pelo caminho.
Na caminhada que o co-dependente empreende em direção
ao sol, também encontrará marcos que indicarão com segurança o
caminho a seguir. Alguns são óbvios, passando até despercebidos,
uma vez que o caminho está claro diante do co-dependente. Ou-
tros não serão tão óbvios, exigindo atenção.
E às vezes, mesmo que percebamos os marcos, o caminho exigi-
rá bastante persistência do co-dependente. Há quatro marcos que
indicam se estamos no caminho certo.
1. Negação
Negação não é mentira. É um mecanismo de defesa que filtra as
informações devastadoras e previne que o co-dependente seja so-
MARCOS NA TRILHA DO SOL • 73
2. Raiva
A raiva é um sentimento muito poderoso, que exige uma rea-
ção das pessoas que a sentem. Ela aparece quando alguém é atin-
gido pelo erro de outro, ou é maltratado deliberadamente, ou ainda
vê uma crueldade ou injustiça.
74 • QUERO MINHA VIDA DE VOLTA
3. Negociação
A negociação é natural em nossa vida. Nenhum relacionamen-
to pode sustentar-se sem algum grau de negociação. O que pode-
mos aprender é como utilizar esse principio de forma a tornar a
negociação produtiva na recuperação da co-dependência.
Não é saudável negociar para conseguir uma barganha tanto
com a situação-problema como com a pessoa-problema, com outras
pessoas, consigo mesmo e com Deus: "Se você fizer isso e isso, eu
farei aquilo e aquilo". Na co-dependência, acredita-se que conse-
guindo uma boa barganha com a situação-problema, não haverá o
sofrimento de perdas. Esse tipo de negociação não dará os resulta-
dos desejados, pois o que às vezes escapa à percepção é que, devi-
do à natureza da situação, pode-se não conseguir um resultado
adequado, uma vez que a pessoa-problema pode não estar em con-
dições de tomar decisões. Seu raciocínio pode estar prejudicado a
ponto de não ser capaz de aceitar a negociação. Esta deve ter o ob-
jetivo de resolver o problema e deve ser clara em seus termos, dos
quais não se deve afastar, para que o resultado desejado aconteça.
A negociação pode ser usada produtivamente.
Cláudio e Rita eram pais de um jovem que estava bebendo
bastante e causando constrangimentos em seu lar. No entanto, seu
filho não aceitava que tivesse um problema com bebidas e que
tivesse de fazer alguma coisa para parar com as situações constran-
gedoras. Combinaram uma conversa com o filho na qual sua irmã
também estaria presente, ocasião em que apresentariam apenas os
fatos criados a partir da embriaguez: carros batidos, quedas, perdas
76 • QUERO MINHA VIDA DE VOLTA
4. Depressão
É o estado no qual as pessoas se sentem como que secas, vazias,
consumidas, gastas, fatigadas. Sentir-se cansado sem uma causa
física concreta é um dos sinais mais claros da depressão. Ela é ca-
racterizada por uma falta de interesse pelo mundo exterior e pelas
atividades do dia a dia. A pessoa que sofre de depressão pode ficar
parada diante da televisão sem prestar atenção ao que está vendo,
ou com um olhar vazio fixo no espaço. Seus sentimentos ficam muito
confusos e não quer contato com as pessoas significativas para si.
A depressão pode ser resultante de uma negociação mal-suce-
dida. Ela significa um ponto de grande exaustão por se tentar de
tudo sem resultado positivo aparente. A depressão é uma expressão
emocional do sentimento de perda: tem-se a sensação de que todo
esforço acabou em perda de todas as esperanças de alcançar um
bom equilíbrio na relação, e da confiança de realização do futuro.
A depressão é, no entanto, um momento muito especial no pro-
cesso de recuperação, quando sentimentos reprimidos por muito
tempo podem aparecer, permitindo que sejam reconhecidos e acei-
MARCOS NA TRILHA DO SOL • 77
5. Aceitação
Miguel de Unamuno, escritor espanhol, disse: "... o meio mais
eficaz para destruir uma lei é começar por aceitá-la; aceitar algo
como mal necessário é o começo de sua eliminação". A aceitação,
já discutida anteriormente, não é o abandono da luta, mas o reco-
nhecimento de que a luta existe. Também não é resignação, mas
aprender a viver contente em qualquer situação.
Por ela, o co- dependente atinge uma plena integração entre si,
sua historia e suas emoções. A aceitação permite escolher o melhor
a fazer. E isso dá grande sensação de liberdade e propósito, uma vez
que se atinge um ajuste emocional adequado ao problema que se
enfrenta e se experimenta a paz com as circunstâncias e com as
mudanças necessárias. É a partir daqui que o co-dependente po-
derá perdoar a pessoa-problema, perdoar a si mesmo pelos erros
cometidos e experimentar o perdão de Deus.
D.Alegre-se
O co-dependente não costuma ser uma pessoa muito alegre.
Mesmo que esteja rindo, bem lá dentro se sente triste e rejeitado,
e não consegue aceitar os momentos de alegria que a vida lhe
oferece. É difícil sentir alegria quando odeia a si mesmo; quando
não há dinheiro para a padaria porque o alcoólatra bebeu tudo;
quando reprime todas as emoções, preocupado em como o outro
reagiria se as manifestasse; quando está saturado de culpa e deses-
pero; quando tenta controlar rigidamente a si e a mais alguns; quan-
do se preocupa com o que os outros estão pensando a seu respeito.
Faz parte da recuperação que o co-dependente aprenda a não
se levar muito a serio, e comece a sentir-se alegre em realizar seus
deveres diários por sua própria vontade, ou porque quer fazê-los
livremente, ou porque deixa de fazer algo que não queria fazer,
ficando livre para fazer o que realmente gosta. E sair e comprar
algo que deseja — desde que possa comprá-lo ou isso não for uma
compulsão —, e não se sentir culpado por isso; ter a coragem de
fazer algo, mesmo que o sentimento inicial seja de desconforto,
sabendo que isso logo passará e ele estará bem consigo mesmo,
porque prestou atenção a si.
Aprender a desfrutar a vida sem ter a necessidade de atender
exigências interiores e sem se levar muito a serio é uma arte que
todo co-dependente pode aprender. Ria de si mesmo e descubra
como isso pode ser uma grande fonte de alívio e felicidade.
E.Sinta raiva
A raiva é um sentimento que pode ocupar grande parte da vida
do co-dependente. Pode até mesmo tornar-se sua vida. Ela surge
como resposta à ameaça que a situação-problema representa para
ele e diante da impotência em se defender dessa ameaça. No en-
tanto, em uma família co-dependente, é comum não lhe ser permi-
tida a expressão da raiva, com a idéia de que essa expressão
88 • QUERO MINHA VIDA DE VOLTA
rosos, porque teremos força para nos defender do que nos ameaça.
É como uma armadura protetora. Se estivermos com raiva não nos
sentiremos feridos ou com medo, ou, no mínimo, passaremos por
cima disso tudo.
Como já foi dito antes, o co-dependente tem o direito de estar
com raiva da situação-problema, o que é diferente de ter raiva da
pessoa-problema. O melhor sentimento para com ela deve ser de
compaixão. Mas como é que você terá raiva da situação e ao mes-
mo tempo terá compaixão da pessoa?
É preciso compreender que a raiva que se tem contra a situa-
ção-problema é a própria demonstração de compaixão pela pessoa-
problema, uma vez que se está com raiva do que está destruindo
tanto essa pessoa como as outras à sua volta. Quando a raiva é
aceita e não reprimida, pode-se dirigi-la contra o objetivo correto,
que é a situação-problema, e não a pessoa portadora do problema,
mesmo que ela esteja agindo errado. Somente quando a raiva for
dirigida contra a situação-problema é que se poderá perdoar a pes-
soa pelo erro cometido. Assim, é justo exprimir livremente a raiva,
mesmo que a pessoa-problema não perceba que a raiva não é dirigida
a ela, pois o importante neste momento é que o co-dependente
tenha uma consciência clara do porquê de sua ação. Isso aliviará
tanto o sentimento de raiva como o de culpa, abrindo espaço para
a compaixão.
Aqui estão sugestões de atitudes práticas que ajudarão o co-
dependente a tratar da raiva adequadamente:
é o que eu vou fazer ou não vou fazer; isso eu não vou tolerar de
você". Al-Anon2 tem uma frase interessante a respeito: "Ame o
próximo, mas construa uma cerquinha".
As pessoas-problema não apenas forçam os limites de todas as
pessoas à sua volta, mas passam acintosamente sobre eles. E os co-
dependentes sempre aceitam essa invasão, por acreditarem que o
melhor é não reclamar, e dão um passo para trás, oferecendo mais
espaço para a doença tomar conta. Passam a tolerar coisas impen-
sáveis anteriormente até o ponto em que, saturados, não aceitam o
mais comum dos comportamentos humanos, desconfiando de tudo
e de todos. Além disso, acabam se convencendo de que esse é o
comportamento normal, e que o merecem.
O co- dependente precisa de limites a respeito do que fará tan-
to pelas pessoas como por si mesmo. Os limites que deverá estabe-
lecer poderão ser semelhantes a estes:
mos pela manhã. Pouca coisa nos alegra mais do que alcançar algo
que sempre desejamos.
Há um resultado formidável no estabelecimento de alvos para
a vida. O propósito da vida torna-se claro como o sol e o sentido da
vida é um caminho plano para a caminhada. Forças emocionais,
espirituais e psicológicas são postas em operação, e é incrível como
os fatos vão acontecendo em direção ao cumprimento de cada um
dos desejos do coração. O caminho de uma pessoa em direção a
seus alvos cruzará com os caminhos de outras pessoas, e nesses en-
contros acontecerão trocas que alguns chamariam de "milagres",
resultantes da sincronia entre duas vontades diferentes.
É de grande valor estabelecer alvos, pois isso ajuda a recuperar
o sentido da vida, perdido pelo envolvimento emocional na situa-
ção-problema. As oportunidades que a vida nos apresenta a partir
de uma mudança de atitude serão o impulso necessário para a ca-
minhada em direção ao sol.
Aqui estão algumas sugestões de como estabelecer alvos para
a vida:
I. Desenvolva a assertividade
Assertividade é a maneira pela qual uma pessoa expressa afir-
mativa e claramente seus desejos, emoções e pensamentos, apesar
de possíveis críticas a suas convicções. A assertividade é essencial
para comunicações interpessoais claras, uma vez que não deixa
dúvidas a respeito do que se quer e de como se quer.
Desenvolver a assertividade é algo de grande importância na
recuperação da co-dependência, uma vez que a qualidade da co-
municação dos co-dependentes com outras pessoas é muito pobre.
É possível que o co-dependente use as palavras com objetivos
específicos: ou manipular as pessoas para que façam o que deseja;
ou agradar para que não se sinta rejeitado; ou querer esconder-se
com medo de se expor; ou ainda querer aliviar sentimentos de cul-
pa que nem sabe por que estão ali.
Suas palavras podem expressar sentimentos e pensamentos re-
primidos, segundas intenções, baixa auto-estima e vergonha. Todo
co-dependente costuma ser indireto, não falando o que sente, e
desejando desesperadamente que os outros adivinhem tais senti-
mentos e desejos, ficando ressentido quando eles não atendem suas
expectativas. O co-dependente não diz o que deseja dizer, nem
deseja dizer o que diz.
John Powell, autor de um extraordinário livro sobre emoções e
assertividade, afirmou: "... tenho medo de lhe dizer quem sou,
MARCOS NA TRILHA DO SOL • 97
porque você pode não gostar, e é só isso que eu tenho".3 Essa frase
demonstra muito bem a dificuldade que um co-dependente tem
de expressar-se, por não gostar de si mesmo nem confiar em si pró-
prio e em seus sentimentos e pensamentos, achando que suas opi-
niões cheiram mal e que nada valem.
As comunicações não são mágicas. Somos o que falamos e fala-
mos o que somos. A forma como usamos as palavras revelam muito
dos motivos que nos levam a usar essas palavras. Se temos baixa
auto-estima, ela será demonstrada em nossas palavras. Se nos ava-
liarmos pobremente, nossas palavras serão pobres.
Logo, podemos utilizar nossas palavras como instrumentos de
pesquisa de nossas reações emocionais e dos processos psicológicos
pelos quais nos relacionamos com o mundo exterior. Muitas vezes,
dizemos sim quando sabemos que o melhor seria dizer não. Sentimo-
nos culpados por ter dito sim, mas não conseguimos entender por-
que o fizemos. Esse sentimento indica que agora é o momento
adequado de parar e pensar qual foi o motivo atrás desse sim. A
motivação mais freqüente é o medo da rejeição. Acreditamos que
se dissermos "não" o outro não vai gostar. E como é que nos sentire-
mos? Como lidaremos com a rejeição? Acabamos dizendo "sim"
quando queremos dizer "não" porque temos medo de não sermos
aceitos pela outra pessoa. E esse medo é grande gerador da falta de
assertividade.
O desenvolvimento da assertividade ajuda o co-dependente a
dizer o que quer dizer e expressar claramente o significado de seus
sentimentos. O efeito de dizer ao outro o que sente é extraordiná-
rio, particularmente se ficar bem claro que são seus sentimentos,
pelos quais o co-dependente é o único responsável. O outro não
ficará na defensiva ouvindo o que a pessoa está sentindo. O que
3
Porque tenho medo de lhe dizer quem sou. 2. ed. Belo Horizonte: Crescer,
1989.
98 • QUERO MINHA VIDA DE VOLTA
A
recuperação da co-dependência é um árduo processo de
revisão das motivações que ligam o co-dependente às pes-
soas significativas em sua vida. São as relações interpessoais
que dizem quem é co-dependente e a quem pertence. Mesmo que
essas relações não tenham sido plenamente satisfatórias no supri-
mento de suas necessidades afetivas básicas, é a elas que o co-
dependente está historicamente ligado. Mesmo que ele tenha
rompido os relacionamentos com sua família de origem, não pode
fugir do fato de que descende dessa família. E mesmo que não
conheça tal familia, ou ainda quem é seu pai ou sua mãe, foi gera-
do por essas pessoas, e não pode mudar o fato de que isso o afeta.
São esses relacionamentos que constituem a identidade pesso-
al de todos nós. Assim também a história de todo co-dependente
tem suas semelhanças: o co-dependente é o que é a partir de suas
reações ao seu lar de origem. Se hoje ele sente necessidade de
entender suas reações ao que a vida lhe apresenta, precisará en-
tender uma verdade básica: a melhora da qualidade de sua vida
depende de uma revisão desses relacionamentos.
100 • QUERO MINHA VIDA DE VOLTA
T
homas Merton afirmou o seguinte: "Uma felicidade que é
procurada por nós nunca poderá ser encontrada, pois uma
felicidade que é diminuída quando é partilhada não é gran-
de o suficiente para nos fazer felizes")
Essa afirmação é dirigida ao coração do co-dependente. Sua
tendência é procurar a felicidade para si mesmo. No entanto, essa
procura sempre será frustrante, porque a planície ensolarada que
ele procura não está em encontrar a felicidade para si, mas sim na
partilha da intimidade de sua alma com outras pessoas.
Mas, na desesperada tentativa de preencher sua carência afe-
tiva, ele pegou um atalho, logo cedo talvez, em sua trajetória pela
vida. Esse atalho conduziu-o para bem longe de seu objetivo origi-
nal, encontrando apenas uma felicidade falsa e momentânea e um
horizonte cheio de nuvens sombrias de tristeza e frustração. A idéia
de partilhar sua intimidade pareceu-lhe impossível, pois como po-
deria partilhar algo que entendia não ser suficiente para si mesmo?
No man is an Island. New York: Harcourt, Brace & World, 1985, p.3
112 • QUERO MINHA VIDA DE VOLTA
Salmos 23.1-3.
'Provérbios 4.18.
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Formato: 14 x 21
Mancha: 10,5 x 17,5
Tipologia: Texto: Goudy-Old-Style
(11,5/15,5); título: Helvetica
Condensed (26); subtítulos:
Helvetica Condensed (12)
Tiragem: 3 mil exemplares
1.2 edição: 2006
Impressão: Imprensa da Fé