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TCC Amor e Feminicídio - Versão Final Ficha Catalográfica

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TRIANGULO MINEIRO

BEATRIZ DE CASTRO E FREIRE

AMOR SINÔNIMO DE VIOLÊNCIA? UM DEBATE ACERCA DAS MULHERES QUE


MORREM POR SEREM AMADAS DEMAIS

UBERABA
2021
BEATRIZ DE CASTRO E FREIRE

AMOR SINÔNIMO DE VIOLÊNCIA? UM DEBATE ACERCA DAS MULHERES QUE


MORREM POR SEREM AMADAS DEMAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Universidade Federal do Triângulo Mineiro como
requisito parcial para graduação no Curso de
Licenciatura em História.
Orientador: Profª. Drª. Sandra Mara Dantas

UBERABA
2021
BEATRIZ DE CASTRO E FREIRE

AMOR SINÔNIMO DE VIOLÊNCIA? UM DEBATE ACERCA DAS MULHERES QUE


MORREM POR SEREM AMADAS DEMAIS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Universidade Federal do
Triângulo Mineiro como requisito parcial
para graduação no Curso de Licenciatura
em História.
Orientador: Profª Dr.ª Sandra Mara Dantas

19 de fevereiro de 2019

Banca examinadora:

Profª Drª Sandra Mara Dantas


Universidade Federal do Triangulo Mineiro

Profa. Dra. Alexandra Diaz Ferraz Tedesco


Universidade Estadual do Rio de Janeiro

Prof. Dr. Flávio Henrique Dias Saldanha


Universidade Federal do Triangulo Mineiro
Dedico essa monografia a todas as mulheres que
se já encontraram ou se encontram dentro de um
relacionamento abusivo, mas dedico sobretudo à
minha doce mãe Talita de Castro, uma mulher
cheia de luz, mas que por quase toda a minha vida
a vi sendo anulada e apagada dentro do
relacionamento. Essa mulher forte me deu a
oportunidade de me conscientizar e o apoio para
construir quem sou hoje. Se não fosse pela
confiança em minha capacidade e pelos
sacrifícios que fez, não estaria concluindo este
curso. Juntas, partilhamos todos os dias as
dificuldades e a beleza de sermos mulheres livres.
E foi por ela, por mim e por todas as mulheres que
já se viram em situação de violência que senti que
era preciso fazer algo, contribuir da minha
maneira para o debate do ser mulher na sociedade
brasileira.
AGRADECIMENTOS

Eu gostaria de agradecer o meu irmão Caio de Castro, que sempre foi mais que um mero
irmão, ele é pai, amigo, companheiro, cúmplice. Foi por ele que consegui entrar em uma
universidade, foi por ele que eu também estou conseguindo sair dela. Se não fosse os amparos
financeiros, mas sobretudo emocionais que ele me proporcionou eu jamais estaria aqui. Ele é meu
exemplo e orgulho, meu parceiro de profissão e a pessoa minha pessoa favorita do mundo. Ele é
a pessoa que não só acreditou na minha capacidade, mas que me inspirou a ser melhor a cada dia.

Agradeço também a minha orientadora, professora e inspiração Sandra Mara Dantas, que
foi a minha melhor escolha. Foi a partir dos conselhos e observações dela que passei a acreditar
mais na minha capacidade acadêmica e na minha luta como mulher. Sem dúvida, não houve
pessoa que mais acreditou em mim para escrever esse trabalho do que ela. Me sinto lisonjeada de
ter contado com o carinho, dedicação e paciência dessa mulher, professora, educadora e ser
humano incrível.

E queria também agradecer minhas melhores amigas. Milena Costa, minha parceira
desde o primeiro dia dessa graduação, que foi imprescindível não só na minha trajetória
acadêmica, mas na minha formação pessoal. Que nunca me deixou esquecer do meu potencial e
que sempre acreditou nos meus sonhos. Esteve presente em todos os meus momentos e ciclos, e
que viveu comigo cada sensação de escrever esse trabalho. Maria Clara Murarolli, que entrou na
minha vida e trouxe luz, cores, novas perspectivas e todo o apoio do mundo. Se não fosse pelo
carinho e cuidado dessa mulher, não estaria aqui. Foi através das nossas trocas que pude acreditar
mais em mim, que pude perceber que era possível sim fazer a diferença no mundo.

Agradeço todos os meus amigos, Nicolas Chiaratti, Lucas de Maman, Mariana


Nascimento, Marco Túlio Borges, Sophia Carrijo e Camila Figueiredo, em que cada um a sua
maneira contribuiu na construção da mulher que sou hoje. Foi através de conversas, abraços,
risadas, discussões e sobretudo o apoio de vocês que hoje concluo esse trabalho.

Trabalhar com a temática de violência e feminicídio nem sempre é fácil e por isso são
tão grata de ter uma rede de pessoas que me ajudaram em cada momento de dificuldade. Esse
trabalho foi construído para concluir um curso, mas foi através dele que eu me construí como
feminista e militante. Esse trabalho é por todas as mulheres deste Brasil. Que esse conhecimento
adquirido me ajude na luta por uma sociedade melhor.
Nós somos Mulheres de todas as cores
De várias idades, de muitos amores
Lembro de Dandara, mulher foda que eu sei
De Elza Soares, mulher fora da lei
Lembro de Anastácia, Valente, guerreira
De Chica da Silva, toda mulher brasileira
Crescendo oprimida pelo patriarcado, meu corpo
Minhas regras
Agora, mudou o quadro

Mulheres cabeça e muito equilibradas


Ninguém tá confusa, não te perguntei nada
São elas por elas
Escuta esse samba que eu vou te cantar

Eu não sei porque tenho que ser a sua felicidade


Não sou sua projeção
Você é que se baste
Meu bem, amor assim quero longe de mim
Sou mulher, sou dona do meu corpo
E da minha vontade
Fui eu que descobri Poder e Liberdade

Sou tudo que um dia eu sonhei pra mim

Mulheres – Silvia Dullfrayer e Doralyce


Releitura da Música “Mulheres” de Martinho da
Vila.
RESUMO

A monografia tem como objetivo abordar o tema violência de gênero, a distorção do fenômeno
amor nas relações afetivas heterossexuais ocidentais e a naturalização do feminicídio. A partir da
discussão do conceito amor, do conceito de gênero e do patriarcado, buscou-se analisar de que
maneira as relações amorosas e os papéis femininos e masculinos foram construídos no Ocidente,
desde Grécia Antiga, percorrendo por Roma Antiga, Idade Média, Idade Moderna colocando em
evidência Portugal até chegar ao Brasil. Neste, discutiu-se aspectos da história das relações
amorosas, desde a colonização até o século XXI. Em ato contínuo, buscou-se analisar a presença
intensa da violência contra as mulheres nas relações afetivas e todo o processo de emancipação
feminina que passou a revelar e denunciar a condição das mulheres, sobretudo a condição da
violência. Outrossim, procurou-se entender como a imprensa foi usada de instrumento que
colaborou para a perpetuação dos papéis de gênero e para a banalização do feminicídio. O caso
do assassinato de Ângela Diniz por “Doca” Street, em 1976, em Búzios, Rio de Janeiro,
acompanhado e noticiado pelo jornal impresso “O Globo”, foi escolhido como objeto de análise,
a fim de compreender como a morte das mulheres era explorado pela mídia como fonte lucrativa.
A metodologia constituiu-se na revisão bibliográfica e na análise do jornal que fez a cobertura
completa do caso, ou melhor, da vida do acusado após o crime. O jornal “O Globo” acompanhou
e noticiou todo o andamento do julgamento por meio de narrativas que colaboraram para a
perpetuação dos papéis de gênero e com mentalidades que banalizavam o valor da vida das
mulheres.

Palavras-chave: História cultural. História e mídia. Relações de gênero. Formas de amar.


Violência contra a mulher. Feminicídio.
ABSTRACT

The monograph aims to address the theme of gender violence, the distortion of the love
phenomenon in Western heterosexual affective relationships and the naturalization of femicide.
From the discussion of the love concept, of the concept of gender and patriarchy, sought to analyze
how love relationships and female and male roles were built in the West, from Ancient Greece,
touring Ancient Rome, Middle Ages, Modern Age putting Portugal in evidence until it reached
Brazil. In this, aspects of the history of romantic relationships were discussed, from colonization
to the 21st century. In an ongoing act, we sought to analyze the intense presence of violence
against women in affective relationships and the entire process of female emancipation that began
to reveal and denounce the condition of women, especially the condition of violence. Furthermore,
we sought to understand how the press was used as an instrument that collaborated for the
perpetuation of gender roles and for the trivialization of feminicide. The murder of Ângela Diniz
by “Doca” Street, in 1976, Búzios, Rio de Janeiro, accompanied and reported by the printed
newspaper “O Globo”, it was chosen as an object of analysis in order to understand how the death
of women was exploited by the media as a profitable source. The methodology consisted of the
bibliographic review and analysis of the newspaper that covered the case, as well as the life of the
accused after the crime. The newspaper “O Globo” followed and reported the entire progress of
the trial through narratives that contributed to the perpetuation of gender roles and with mentalities
that trivialized the value of women's lives.

Key-words: Cultural History. History and Media. Gender Relationships. Ways to Love. Violence
Against Women. Femicide.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... .9
1 A CONSTRUÇÃO DAS RELAÇÕES AMOROSAS NO BRASIL ............................ 13
1.1 O QUE É AMOR? AS RELAÇÕES AO LONGO DO TEMPO: GÊNERO E
PATRIARCADO................................................................................................................... 13
1.2 A HISTÓRIA OCIDENTAL DAS RELAÇÕES AMOROSAS ........................................ 20
1.3 O AMOR E AS RELAÇÕES NO BRASIL ...................................................................... 26
2 A NOVA MULHER E AS NOVAS RELAÇÕES ........................................................ 40
2.1 A “NOVA MULHER” BRASILEIRA DO SÉCULO XX ..................................................44
2.2 A LUTA FEMINISTA E A REVOLUÇÃO NOS VALORES......................................... 63
3 AMAR DEMAIS MATA! ............................................................................................... 67
3.1 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ...........................68
3.2 A LEI DOS HOMENS: CRIME PASSIONAL E LEGITÍMA DEFESA, DA HONRA? . 71
3.3 O USO DA IMPRENSA COMO FONTE HISTÓRICA.....................................................79
3.4 O CASO ÂNGELA DINIZ..................................................................................................83
3.5 O PÓS-JULGAMENTO......................................................................................................97
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................103
REFERÊNCIAS.......................................................................................................................106
9

INTRODUÇÃO

Esse trabalho de conclusão de curso tem como finalidade suscitar um debate


historiográfico contemporâneo acerca da violência contra a mulher e sua expressão máxima, o
assassinato. Para tanto, levanta-se questões acerca dos papéis de gênero, da distorção do
fenômeno amor, das relações afetivas e da sua correlação e a banalização do feminicídio.
A visão construída acerca do que é feminino e do que é masculino possui historicidade.
Sobretudo, depois da constituição do Patriarcado, os papéis dos homens e das mulheres foram
muito bem definidos, assim como as suas representações e desempenho nas práticas amorosas.
Durante a constituição da sociedade, fica claro como as relações entre homens e
mulheres tinham bases desiguais e se configurou um controle e domínio de dos primeiros sobre
as segundas. Todas as relações a partir disso foram segregadas a esta condição, gerando para as
mulheres uma condição de submissão regada a muita violência.
Diante dessa problemática, os papéis sociais e as práticas estabelecidas através do
gênero fizeram nascer a necessidade de se iniciar estudos aprofundados sobre a categoria gênero
e suas implicações na sociedade, se tornando cada vez mais importantes para a historiografia e
para os estudos sociais, a fim de gerar debates e conscientização acerca das relações entre
homens e mulheres em diferentes instâncias. Joan Scott (1995) aponta que:

O desafio da nova pesquisa histórica consiste em explodir essa noção de fixidez, em


descobrir a natureza do debate ou da repressão que leva à aparência de uma
permanência intemporal na representação binária do gênero. Esse tipo de análise deve
incluir uma concepção de política bem como referência às instituições e a organização
social. (SCOTT, 1995, p. 87)

A partir do gênero é possível entender por qual configuração se deu as relações


existentes. Nesse sentido, houve a promoção de novas pesquisas relacionando o fenômeno amor
com a violência.
O amor e a violência, apesar de serem objetos de estudo separados, se viu em evidência
a partir do desenvolvimento de estudos culturais, sociais e principalmente feministas, uma vez
que a violência estava sendo considerada “consequência” relativa a características, processos
ou dinâmicas do fenômeno amor.
No Brasil, os estudos sobre violência contra as mulheres, praticada por seus parceiros
amorosos, têm suas origens no início da década de 1980, resultado do desenvolvimento do
movimento feminino e do processo de redemocratização. Nesse momento, o principal objetivo
dessas pesquisas era dar visibilidade às mulheres e combatê as formas de violência mediante
10

intervenções sociais, psicológicas e jurídicas e tinha como objeto as denúncias nos distritos
policiais.
Visto que mesmo após a promulgação de políticas públicas, na virada do século XX
para o XXI, como as Delegacias da Mulher, a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, a fim
de proteger as mulheres da violência, o problema ainda se faz presente no Brasil. O intuito,
então, deste trabalho é trazer uma conceptualização histórica das relações amorosas no mundo
ocidental.
O estudo se inicia na Grécia Antiga até chegar na colonização do Brasil, com foco,
sobretudo, na configuração das relações amorosas pelos séculos da história do país, a fim de
conceber como as relações foram tecidas com base na dominação e no poder do patriarcado. A
partir das relações de gênero, aborda-se a ênfase que o uso do amor foi utilizado como
justificativa para violentar e matar mulheres, o que é no mínimo, contraditório e irracional e
pretexto para a impunidade de homens.
Ao longo da pesquisa, percebe-se que muitos homens usavam da tese da legítima
defesa da honra, uma “brecha” na lei, respaldada pelo sistema judiciário a fim de justificar o
assassinato de mulheres. Defendia-se que quando uma mulher não cumpria com seu papel moral
ou quando cometesse adultério, poderia ser assassinada, uma vez que provocava o companheiro
a cometer o crime, ferindo a sua honra. Os homicidas passionais - como eram chamados -
sustentavam a ideia segundo Marabezzi (2010), que a paixão podia gerar sintomas psíquicos
que culminavam em ausência de auto-controle emocional, que promovia o delito.
A grande questão deste trabalho gira em torno de conceitualizar o fenômeno amor, a
fim de entender como ele foi construído e experienciado ao longo da história, sobretudo no
Brasil, e como este se tornou justificativa no sistema judiciário brasileiro para absolver homens
que mataram suas mulheres. O amor justifica a violência? É a partir desta questão que a pesquisa
irá discorrer.
Este trabalho tende a contribuir para a história cultural, revelando a trajetória da
construção das relações amorosas, apontando como o amor era introduzido e experenciado de
maneiras distintas por homens e mulheres, desencadeando contradições dos papéis sociais que
refletem na sociedade até os dias atuais. Colabora em buscar analisar como as relações afetivas
brasileiras foram traçadas a partir da posse, controle e violência contra as mulheres e como isso
se instaurou na nossa cultura e norteou as relações, podendo ver esses reflexos até hoje.
Para isso, esta pesquisa se valeu de fontes bibliográficas que dissertam acerca da
história das relações, dos papéis sociais, das relações de gênero, do patriarcado, do fenômeno
amor, da violência, do sistema judiciário brasileiro, obras como “A história do amor no Brasil”
11

de Mary Del Priore, “A história da Esposa” de Marilyn Yalom, “Gênero, Patriarcado e


Violência” de Heleieth Saffioti, entre outros autores, a fim de traçar como eram as relações e
como a violência estava presente nelas.
Além disso, este trabalho disserta acerca do sistema judiciário brasileiro e de como as
mulheres viveram e morreram nesse país. Trazendo como objeto de estudo o caso do assassinato
de Ângela Diniz, uma socialite brasileira, reconhecida por sua beleza impecável, que estava
sempre presente nas colunas sociais da imprensa de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro. Ela
fora assassinada por seu namorado Doca Street, em 1976, que usou da tese de legítima defesa
da honra para sair impune. O caso irá ser estudado a partir da análise do meio de comunicação
impresso, o jornal O Globo. Por meio da análise documental do jornal, será possível estabelecer
uma ponte com a realidade dos anos 70 e 80 no Brasil, dissertando acerca dos pensamentos da
sociedade, dos papéis de gênero, do assassinato de mulheres e de como um meio de
comunicação influi como formador de opinião.
Este trabalho também percorre a história de luta das mulheres que foram sujeitos
históricos fundamentais a fim de promover mudanças na história, na cultura e na legislação do
país. A partir de uma conceptualização teórica sobre o processo de emancipação de mulheres,
será dissertado como a movimentação das mulheres e a inserção delas como agentes políticos
transformou a sociedade, sobretudo nesse caso de Ângela Diniz que gerou mobilizações e
promulgação de políticas de direito e igualdade para mulheres.
Para mais, este estudo consiste em quebrar essa associação e naturalização de que
relacionamentos são violentos em níveis psicológicos, morais e físicos. O silêncio já vem sendo
quebrado desde que as mulheres decidiram falar, escrever e denunciar, desde que reconheceram
sua importância histórica como sujeitos femininos na sociedade, pela luta de direitos, igualdade
e reconhecimento. Nenhuma revolução se deu sem luta e a arma para essa alienação
estereotipada dos papéis sociais dos sexos que foi disseminada por toda a história, é a
conscientização. O dia em que as mulheres e homens se tornarem livres do papel que lhes foi
atribuído, uma nova organização social pode ser instituída, propiciando mudanças significativas
na sociedade, no âmbito amoroso e familiar.
No primeiro capítulo, A construção das relações amorosas no Brasil, será feita uma
análise historiográfica da formação dos papéis de gênero, da constituição do patriarcado, da
configuração das relações amorosas e/ou afetivas e a violência entre homens e mulheres na
sociedade ocidental. A começar pela Grécia Antiga, passando por Roma Antiga, pela sociedade
medieval com ênfase em Portugal até chegar na história do Brasil, busca-se elucidar sobre o
início da formação da cultura patriarcal no Brasil, a influência da religião judaico-cristã para a
12

formação do feminino e do masculino e a colaboração da imprensa para a fundamentação do


papel moral da mulher na sociedade. Para execução deste estudo, a principal base teórica
consiste em autoras como Mary Del Priore e Heleieth Saffioti.
O segundo capítulo, A nova mulher e as novas relações no Brasil, por meio das
análises de Priore (2005) e Yalom (20020), demonstra como o processo de conscientização e
emancipação das mulheres foi fundamental para mudar as relações sociais, sobretudo amorosas.
Em seguida, traça-se a trajetória deste processo no Brasil e quais foram as suas consequências
e de como a luta dessas mulheres causaram mudanças significativas para a história do país.
O terceiro capítulo, Amar demais mata!, faz uma conceptualização acerca do sistema
jurídico brasileiro e da violência contra as mulheres, através da autora Natália Marabezzi
(2010), a fim de evidenciar de que maneira os homens conseguiam impunidade para seus atos
contra mulheres, sobretudo o assassinato. Somado a isso, como objeto de estudo, será analisado
pela lente midiática do jornal O Globo, o caso do assassinato de Ângela Diniz em 1976. Assim,
poderá demonstrar como a mídia é um instrumento estruturante em perpetuar moldes culturais
de gênero, colaborando para a banalização do feminicídio.
13

1 A CONSTRUÇÃO DAS RELAÇÕES AMOROSAS NO BRASIL

1.1 O QUE É AMOR? AS RELAÇÕES AO LONGO DO TEMPO: GÊNERO E


PATRIARCADO

“Amor”, segundo o dicionário Priberam1: substantivo masculino; 1. Sentimento que


induz a aproximar, a proteger ou a conservar a pessoa pela qual se sente afeição ou atração; 2.
Sentimento intenso de atração entre duas pessoas; 3. Ligação afetiva com outrem, incluindo
geralmente também uma ligação de cariz sexual.
Este fenômeno perpassa pelo tempo ao longo da história e desde as primeiras relações
sociais, há registros de amores gravados em tábuas de argila com data anterior à 1750 antes de
Cristo (PRIORE, 2005). É um conceito de difícil definição, apontando questionamentos sobre
o que representa. É instintivo? É sentimento? Construção Social? Universal ou Cultural?
Independente das abordagens, fica claro que este fenômeno vivenciado pelo ser humano é de
extrema importância para a organização das sociedades, porque implicitamente define o que é
esperado nas relações entre os indivíduos. Principalmente, nas sociedades ocidentais; vem
sendo entendido como fundamental na comunicação social, um mecanismo que atua
diretamente nas escolhas humanas ao longo da vida.
Apesar do “amor” ser representado na história com suas inúmeras representações
literárias, filosóficas e artísticas, somente na década de 1970 que este passa a ser considerado
um objeto para estudo científico. Desenvolve-se no campo das ciências sociais e humanas com
o intuito de analisar o seu papel na vida privada, nas relações de intimidade, assim como sua
relação com a sociedade e sua influência em variáveis como o gênero, a classe social, a etnia,
a orientação sexual e a violência.
As práticas do amor estão incluídas na nossa natureza e cada cultura designa um lugar
em seu sistema e o representa a sua maneira. Faremos então uma conceptualização teórica do
amor e sua atuação na sociedade. O que é que neste fenômeno é biológico e universal e o que
é socialmente construído? O que é inato e o que fizemos com este fenômeno através da história?
As teorias biológicas e evolucionistas consideram o amor e com ele a atração, a
intimidade como fenômenos naturais, instintivos, biologicamente movidos por hormônios.
Karin Weis, em The New Psycology of Love (2006) defende que o amor resulta de um conjunto
de adaptações (cognitivas, comportamentais e emocionais) dispostas a resolver os problemas

1
Dicionário Online.
14

de sobrevivência, reprodução e interesses genéticos da espécie. Para mais, David Buss (2006)
defende que o amor é um mecanismo adaptativo para conseguir compromisso, atribuindo o
ciúme como estratégia evolutiva para proteger a relação, já que tipicamente ciúme é difundido
como sinônimo de prova de amor, mas que pode provocar comportamentos de assédio e
controle.
As teorias estruturalistas analisam o amor como um elemento da ação social, entendido
no âmbito das estruturas e sistemas sociais que organizam a sociedade e os indivíduos,
conforme Goode (1959, apud TORRES, 2001). Dentro do campo da sociologia, no final da
década de 1980, William Goode considera que a intensidade e a vivência do amor se relacionam
com a estrutura social. Nesse sentido, a experiência amorosa não vai ser livre, mas regulada por
padrões socioculturais, diferindo de lugar para lugar, de sociedade para sociedade e com o
objetivo de manter os sistemas e as estruturas sociais vigentes, sejam eles quais forem.
As teorias taxonômicas recorrem a metodologias quantitativas para quantificar o amor
em termos de atitudes, crenças, cognições, comportamentos. Berscheid (2006) aponta dentro
desta, que o amor pode assumir múltiplos significados, uma vez que é o contexto na qual a
palavra é usada que determina o seu significado. A autora divide o amor em tipos: amor apego,
amor compaixão, amor companheiro/gostar e amor romântico e cada tipo estará associado a
comportamentos diferentes e têm diferentes causas. Hendrick e Hendrick (2006) consideram
numa perspectiva da psicologia social, uma tipologia que subdivide o amor em: apaixonado,
jogo/amor descomprometido, amor amizade, amor calculado, amor altruísta, amor obsessivo.
Cada estilo resulta de uma combinação de comportamentos e crenças que estabelecem o que
cada pessoa pode sentir, relacionando ainda a traços da personalidade e diferenças de gênero
que modelam a experiência de amar. Essas subdivisões nos permitem perceber que o amor pode
se manifestar nas diferentes relações, com diferentes significados, não motivada apenas por
questões reprodutivas, mas que consiste numa combinação de diferentes fatores que promovem
o sentimento. O amor não segue um padrão, ele é singular e se personaliza a cada relação
concebida.
Ainda sobre esta teoria, Fehr (2006) aponta sobre as concepções que os indivíduos
possuem do amor – “amor protótipo” (no que se refere ao que as pessoas pensam que seja o
amor), que vai diferir entre as culturas. Sternberg (2006) colabora nessa perspectiva,
reconhecendo o papel das narrativas culturais que os sujeitos estão expostos, definindo como
deve ser o amor. Essas histórias traduzem-se na dinâmica relacional, na medida em que as
pessoas procuram exercer as histórias em que acreditam.
15

Por fim, as teorias construcionistas sociais procuram entender os processos pelas quais
os sujeitos constroem a vida social e fazem sentido dela. Pensando o amor sob essa perspectiva,
este é socialmente construído diferindo em função do contexto social, cultural e histórico.
Lierberman e Hatfield (2006) dissertam que o amor apaixonado parece ser universal, mas que
os valores culturais inspiram o significado atribuído ao termo. Para exemplificar, em uma
pesquisa multicultural moderna, Philip Shaver (1991) 2 comparou relatos de italianos, norte-
americanos e chineses acerca do fenômeno amor. Enquanto os dois primeiros associavam o
amor romântico com a felicidade, o último via como algo negativo, uma vez que nesta cultura
existe uma tradição de casamentos arranjados. Segundo Hatfield e Rapson (2005) a cultura vai
regular a forma como os sujeitos se conhecem, por quem e como se apaixonam e a intensidade
emocional que cada pessoa experiencia o amor, bem como o comportamento e as práticas
relacionais.
Essas quatro teorias, advindas no campo da psicologia e da sociologia, cada uma com
a sua perspectiva acerca do que é amor, tentam definir como este fenômeno poderia vir a
funcionar. Entendo que singularmente nenhuma pode explicar inteiramente como o fenômeno
se manifesta e atua amplamente na vida das pessoas, nem que uma teoria tenha que
necessariamente excluir a outra. Nesse sentido, acredito que todas se complementam quando se
trata de contextualizar o amor, sendo que, ao ser um fenômeno, ele é inato, movido por
hormônios e cognição, mas a experiência do amor é social, vai ser regulado pelo lugar que
vivemos, pelas pessoas que convivemos, pela organização social que estamos inseridos, pelos
padrões sociais estabelecidos, pelas narrativas que somos expostos, pelos significados que
atribuímos nas relações e pela cultura que nos cerca. E para evidenciar essa dialética, contamos
com o auxílio da história, para entrever como, através do tempo, se comportaram nossos
ancestrais diante do sentimento amoroso e compreender a natureza da intimidade entre homens
e mulheres e suas ramificações sociais. “O amor, dirá finalmente alguém, é um problema de
vida, de ordem sensível, de estética e de poética, não de conceitos. “[...] E o amor não muda só
no espaço, mas no tempo também” (PRIORE, 2005, p. 12).
Para definir como palavra e/ou conceito, o “amor” precisou ser experimentado e
percebido. Isto é, anterior ao conceito “amor”, anterior as representações e a sua relação com
as sociedades e culturas o fenômeno é inato, motivado por hormônios, mecanismos neuronais
e fisiológicos. Sentir amor resulta de um conjunto de adaptações cognitivas e comportamentais,
assim como beber e comer. E da mesma forma como desenvolvemos do hábito de comer com

2
Shaver, Wu e Schwartz (1991); discutido em Hatfield e Rapson (2000)
16

as mãos para o hábito de usar talheres, a maneira de experienciar o amor foi se modificando
através do tempo.
Entretanto, não é possível falar de amor e relações sem falar de gênero e patriarcado.
Estes dois conceitos incorporados de uma polissemia de definições são os dois componentes
que operam dialeticamente e agem diretamente no seio da sociedade como estruturantes,
sobretudo na dinâmica das relações afetivas.
A começar pelo gênero, desde que se tornou uma categoria de análise, segundo
Heleieth Saffioti (2011) muitos aspectos deste foram levantados, mas há um campo de
consenso: o gênero é a construção social do feminino e do masculino. Essa visão do ser
masculino e do ser feminino dispõe de uma historicidade – datada desde o início da humanidade
- e é instituída pelas práticas sociais, signos e símbolos que deram forma as representações de
gênero.
O gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas sobre as diferenças
percebidas entre os sexos, entretanto essa elaboração social do sexo pode ser ressaltada, sem
gerar dicotomia entre sexo e gênero, um na biologia e natureza e outro na sociedade, na cultura.
Segundo Saffioti (2011, p. 109) sexo e gênero devem ser considerados uma unidade “[...] uma
vez que não existe uma sexualidade biológica independente do contexto social em que é
exercida.”
Enquanto categoria histórica, o gênero pode ser concebido em várias instâncias, mas
partirei da questão da gramática sexual3, que opera não só nas relações homem-mulher, mas
também nas relações homem-homem e mulher-mulher dentro da sociedade, como normas
modeladoras para seus papéis sociais, sobretudo, hierárquicos.
Nesse sentido, embora não haja formulado o conceito de gênero, Simone de Beauvoir
mostra que só lhe faltava a palavra, para evidenciar a hierarquização que se deu dos homens
sobre as mulheres:

A humanidade é masculina, e o homem define a mulher não em si, mas relativamente


a ele; ela não é considerada um ser autônomo. [...] Nenhum sujeito se define imediata
e espontaneamente como o inessencial; não é o Outro que se definindo como o Outro
define o Um; ele é posto como Outro pelo Um definindo-se como Um. [...] Existem
outros casos em que, durante um tempo, uma categoria conseguiu dominar a
totalmente a outra. É muitas vezes a desigualdade numérica que confere esse
privilégio: a maioria impõe sua lei à maioria ou a persegue. Mas as mulheres não são,
como os negros nos Estados Unidos ou os judeus, uma minoria: há tantos homens
quantas mulheres na Terra. [...] foi um acontecimento histórico que subordinou o mais
fraco ao mais forte: a disporá judaica, a introdução da escravidão na América. [...]
mulheres, em virtude de sua estrutura fisiológica; por mais longe que remonte na
história, sempre estiveram subordinadas ao homem: sua dependência não é

3
SAFFIOTI (1992, 1997b); SAFFIOTI e ALMEIDA (1995).
17

consequência de um evento ou de uma evolução, ela não aconteceu. (BEAUVOIR,


2016, p.13-15)

Joan Scott, historiadora, colabora nessa perspectiva, apontando dentro do gênero as


relações de poder existentes.

O núcleo essencial da definição repousa sobre a relação fundamental entre duas


proposições: o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre
as diferenças percebidas entre os sexos e o gênero é um primeiro modo de dar
significado às relações de poder. (SCOTT, 1990, apud PEDRO, 2005, p. 86)

Neste sentido, as relações sociais são fundamentadas pelo poder que ao longo do
tempo, foi estabelecido pelo masculino em detrimento do feminino. Nas relações entre homens
e mulheres a desigualdade de gênero, longe de ser natural, não é dada, é construída pela tradição
cultural e estruturas de poder que foram estabelecidas na trama das relações sociais.
Naturalizou-se o feminino imbuído de uma suposta fragilidade do corpo da mulher, na mesma
medida que naturalizou-se a masculinidade pertencente a força no corpo do homem. Esta
conduta faz parte das tecnologias de gênero, de acordo com Lauretis (1987 apud SAFFIOTI,
2011, p. 77), que normatizam condutas desiguais para e entre mulheres e homens.

Entender que as diferenças pertencem ao reino da natureza, por mais transformada


que esta tenha sido pelo ser humano, enquanto a igualdade nasceu no domínio do
político, parece fora do horizonte de uma ideologia de gênero, que naturaliza
atribuições sociais, baseando-se nas diferenças sexuais. A rigor, todavia, os corpos
são gendrados. (SAFFIOTI, 2011, p.77).

A relação de poder e subordinação que se criou entre homens a respeito das mulheres
passa a se tornar uma instituição cultural, configurando as sociedades no mundo e delineando
os papéis de cada um no interior das relações, ao longo do tempo.
Mais à frente, surge uma ramificação das relações de gênero: O Patriarcado. Segundo
Saffioti (2011) a instauração do Patriarcado é datada em 3.100 a.C. e sua consolidação efetiva
em 600 a.C., É quase um recém-nascido em detrimento da história da humanidade, mas que se
mantém sólido até a atualidade, se transfigurando ao longo do tempo e pelas sociedades.
Esse conceito, muito além de uma ideologia, consiste num regime de dominação-
exploração das mulheres pelos homens, centralizando, sobretudo o controle da sexualidade
feminina. Pateman (1993 apud SAFFIOTI, 2011, p. 53) elucida a respeito do pacto original 4.

4
A liberdade do homem e a sujeição da mulher derivam do contrato original e o sentido da liberdade civil não
pode ser compreendido sem a metade perdida da história, que revela como o direito patriarcal dos homens sobre
as mulheres é criado pelo contrato. A liberdade civil não é universal – é um atributo masculino e depende do direito
patriarcal. Os filhos subvertem o regime paterno não apenas para conquistar sua liberdade, mas também para
assegurar as mulheres para si próprios. Seu sucesso nesse empreendimento é narrado na história do contrato sexual.
18

Este pacto consiste num contrato dicotômico: social e sexual. Concedendo no social uma
história de liberdade, para os homens e uma história de sujeição das mulheres.
O pacto original é social no sentido de patriarcal porque garante o direito político dos
homens sobre as mulheres – e, também sexual no sentido em que estabelece um acesso
sistemático dos homens ao corpo das mulheres e o domínio da sua sexualidade.
Diferente do que alguns defendem sobre a distinção do contrato social do sexual,
associando este último somente à uma esfera privada, Saffioti (2011) defende que as relações
patriarcais, suas hierarquias e estrutura de poder afetam toda a sociedade civil e impregna
também o Estado, pois o espaço público e o espaço privado, em fins analíticos são esferas
distintas, entretanto, são inseparáveis para a compreensão do todo social. O contrato original é
masculino, ou seja, entre homens, cujo objeto são mulheres, a diferença sexual é convertida em
diferença política. Logo, o patriarcado é uma forma de expressão do poder político e a liberdade
civil vai depender desse direito patriarcal.
Hartmann (1979 apud SAFFIOTI, 2011, p. 105) defende que existem relações
hierárquicas entre os homens, assim como uma solidariedade entre eles, que os capacitam em
estabelecer um controle sobre as mulheres. Saffioti (2011) complementa esta fala elucidando
que este regime assegura para os homens e seus dependentes os meios necessários à produção
diária e à reprodução da vida. Se trata de uma economia doméstica, ou domesticamente
organizada, que sustenta a ordem patriarcal, determinando em maior ou menor grau, o destino
das mulheres como categoria social. Neste regime, as mulheres são objetos da satisfação sexual
dos homens, reprodutoras de herdeiros, de força de trabalho e de novas reprodutoras.
Se tratando de uma polissemia de significados, o Patriarcado conta com a concepção
sociológica de Weber (1999) que defende que patriarcado é um sistema de dominação de poder.
Nele, o dominador coloca sua vontade sobre os outros, sua estrutura de dominação é
estabelecida pelas relações pessoais entre o seu senhor 5, assumindo uma posição de autoridade
e seus familiares que são tidos como servos. A dominação 6 estabelecida aqui se dá entre o
dominador e sua família por meio da concepção de posse.

O pacto original é tanto um contrato sexual quanto social: é social no sentido de patriarcal – isto é, o contrato cria
o direito político dos homens sobre as mulheres – e também sexual no sentido do estabelecimento de um acesso
sistemático dos homens ao corpo das mulheres. O contrato original cria o que chamarei, seguindo Adrienne Rich,
de ‘lei do direito sexual masculino’. O contrato está longe de se contrapor ao patriarcado: ele é o meio pelo qual
se constitui o patriarcado moderno. (PATEMAN, 1993, p. 16-17 apud SAFFIOTI, 2011, p. 53-54)
5
Pai, Chefe da Família, Patriarca.
6
Weber descreve que: Por "dominação" compreenderemos, então, aqui, uma situação de fato, em que uma vontade
manifesta ("mandado") do "dominador" ou dos "dominadores" quer influenciar as ações de outras pessoas (do
"dominado" ou dos "dominados"), e de fato as influências de tal modo que estas ações, num grau socialmente
19

Saffioti (2011, p. 56) defende que é necessário abandonar a acepção do poder paterno
do direito patriarcal, mesmo que ainda seja legítimo afirmar que se vive sob a lei do pai. Porque,
sobretudo nas sociedades complexas contemporâneas, o patriarcado se faz por um regime de
relações homem-mulher a partir do direito sexual. Isto equivale a dizer que o agente social
marido se constitui antes que a figura do pai. “O patria potestas cedeu espaço, não à mulher,
mas aos filhos. O patriarca que nele estava embutido continua vivo como titular do direito
sexual.” A autoridade política e social do homem já está garantida antes dele se tornar pai.
A mesma autora sustenta este argumento segundo o artigo de Harding (1986) que
dialoga com o pensamento de Pateman:

A interpretação patriarcal do ‘patriarcado’ como direito paterno provocou,


paradoxalmente, o ocultamento da origem da família na relação entre marido e esposa.
O fato de que os homens e mulheres fazem parte de um contrato de casamento – um
contrato original que instituiu o casamento e a família – e de que eles são maridos e
esposas antes de serem pais e mães é esquecido. O direito conjugal está, assim,
subsumido sob o direito paterno e as discussões sobre o patriarcado giram em torno
do poder (familiar) das mães e dos pais, ocultando, portanto, a questão social mais
ampla referente ao caráter das relações entre homens e mulheres e à abrangência do
direito sexual masculino. (PATEMAN, p. 49 apud SAFFIOTI, 2011 p. 57)

Diante do que foi exprimido, é natural que se associe à mulher uma posição de vítima
dessa dinâmica socio-cultural. Não se nega o fato de que realmente as mulheres configuram
uma categoria social desprivilegiada em relação aos homens, entretanto é fundamental ressaltar
que as mulheres não são passivas. A questão é que todos foram socializados na cultura patriarcal
de maneira naturalizada. E ainda que este regime disponha de uma série de violências,
simbólicas e materiais, as mulheres não são cúmplices do contrato original, pois precisariam
dar consentimento, logo, desfrutar de poder igual ao dos homens. Nesse sentido, as mulheres
só podem ceder, porque ambas as categorias de sexo respiram, comem, bebem, dormem etc.,
nesta ordem, porque é assim que foi estabelecido, mas também não quer dizer que não pode ser
superado, singular e coletivamente, como será abordado no próximo capítulo.
Inclusive, Saffioti (2011) elucida que esta estrutura hierárquica, que confere aos
homens o direito de dominar as mulheres, acontece independente da figura humana singular
investida de poder. Inclusive pode ser administrada pelas próprias mulheres, seja na relação
mulher-mulher, de subjugar as condutas exercidas por elas e também no desempenho com
maior ou menor frequência e com maior ou menor intransigência, as funções do patriarca,
disciplinando filhos e demais crianças/adolescentes, segundo a cultura e lei do pai.

relevante, se realizam como se os dominados tivessem feito do próprio conteúdo do mandado a máxima de suas
ações (obediência). (WEBER, 1999, p. 190)
20

É importante ressaltar que assim como o amor se transfigurou ao longo do tempo


histórico, o patriarcado, que regula não só, mas, sobretudo as relações amorosas, também se
modificou. É errôneo presumir que o patriarcado atuante na Atenas clássica ou na Roma antiga
seja igual ao que vige nas sociedades urbano-industriais do Ocidente. Além de que também
existe diferenças de grau no domínio exercido por homens, variando com a cultura estabelecida
de cada lugar, ainda que estes lugares se configurem num mesmo tempo histórico. A questão é
que a natureza do Patriarcado é a mesma, apresentando legitimidade, concebendo sua
naturalização. Para mais, procura-se demonstrar a universalidade do patriarcado, através da
inexistência de provas de eventuais sociedades matriarcais.

1.2 A HISTÓRIA OCIDENTAL DAS RELAÇÕES AMOROSAS

Agora que ficou delineado os liames que cercam, influenciam e organizam as relações
sociais, podemos traçar na história como foram concebidas e experienciadas, especialmente no
Ocidente, as relações amorosas. Segundo a historiadora Marilyn Yalom (2002), na Grécia
Antiga, sobretudo na Atenas Clássica, se casar era uma convenção recomendada, estava
relacionada ao poder, posses e até a cidadania. Além de ser um acontecimento marcante, pois
significava tanto para o homem como para a mulher um ritual de passagem da infância para a
fase adulta.

O casamento parece ter sido um grande arranjo de propriedades negócios financeiros,


com muita pouca consideração com relação ao sentimento dos noivos. [...] No século
V a.C. de Atenas, a cidadania era hereditária, mas apenas se ambos os pais fossem
atenienses e da classe cidadã. Em 451-450 a.C., sob as leis instituídas por Péricles, os
cidadãos tinham que se casar com mulheres cujos pais fossem nascidos em Atenas, se
quisessem que seus filhos tivessem o mesmo almejado status. (YALOM, 2002, p. 41)

Quanto a dinâmica das relações heterossexuais em Atenas, Yalom (2002) ressalta que
a mulher não era consultada sobre a escolha do noivo e o próprio casamento, se tratava de uma
transação entre o pai dela e o pretendente. E quando consumassem a relação na noite de núpcias,
o ato significava a transferência de posse da mulher, do pai ao marido. E apesar do casamento
ser a única forma legal de relação, os maridos podiam ter relações extraconjugais enquanto as
esposas eram severamente punidas se encontradas com algum amante. Era comum,
principalmente entre a elite culta a união homoerótica, entre homens (erastes) em torno de 40
anos e rapazes (eromenos) entre 12 e 18 anos e a relação se sustentava na transmissão de
conhecimento.
21

Segundo Luiz Carlos Corino (2006), as mulheres estavam destinadas apenas a função
cívica de reprodução. Enquanto na relação erastes-eromenos, só o erastes buscava a satisfação
sexual, enquanto o eromenos não podia manifestar prazer e se mostrar passivo, e não poderia
também ser obrigado a esse relacionamento, que inclusive tinha data de validade. Isto é, quando
o jovem se tornasse adulto, essa relação se transformaria em uma amizade e seria o seu
momento de buscar seu próprio eromenos e também encontrar uma mulher para casar e ter
filhos.
Se casamento não era sinônimo de amor e sim de status e ordem social, ficava a
encargo da mitologia e dos filósofos conceitualizarem o sentimento amoroso. Na Grécia Antiga,
o amor era categorizado com múltiplos sentidos, assim como as teorias taxonômicas. Segundo
o filósofo Danilo Marcondes (2008) o “amor Eros” sugeria impulso, desejo, força cósmica;
“Philia” indicava amizade; “Ágape” declarava amor como doação, amor divino e “Storgé”
consistia na afeição, amor familiar. Percebiam o amor se manifestando nas diferentes relações
com diferentes significados.
Ainda pensando a Antiguidade, em Roma, a configuração das relações não era muito
diferente de Atenas. A procriação era quase sempre o motivo principal para casamento, além
de ser uma obrigação cívica. Entretanto, tinha suas diferenças, Yalom (2002) expõe que cabia
aos pais buscarem pretendentes às suas filhas, mas esta continuava sob tutela do pai e não
propriedade do marido e as leis de casamento também determinavam o consentimento dos
noivos. Na República, conceitos como saúde e status familiar somavam-se a dinheiro e vínculos
políticos na hora da escolha da esposa, que também deveria ser virgem.
Quanto às relações fora do casamento, algumas mulheres se tornaram famosas por seus
casos de amor, entretanto, enquanto o homem poderia processar a mulher por adultério, esta,
caso traída, não tinha direitos de fazer acusações, já que segundo a lei romana, esta conferia
privilégio apenas aos homens. Sobre a intimidade conjugal, a homossexualidade masculina era
tolerada enquanto a feminina era censurada e o afeto mútuo nos casamentos era desejável, mas
as demonstrações públicas não eram bem aceitas, Roma estabeleceu uma visão mais positiva
da intimidade sexual.

Em vez de desqualificar o prazer conjugal como uma forma subestimada de amor,


seus defensores diziam que ‘para os casais, as relações sexuais são a base da afeição,
uma comunhão envolta de grande mistério’. Plutarco falava do ‘amor mútuo e da
confiança’ e da ‘amizade’ (philotes) que se desenvolviam entre o casal. (YALOM,
2002, p. 65)

Entre as heranças deixadas por Roma para o Ocidente em relação ao casamento, nota-
se o noivado marcado pelo anel no dedo esquerdo, assim como a túnica branca da noiva, o beijo
22

para selar a relação ao final da cerimônia e um contrato assinado pelos noivos e testemunhas.
Apesar do casamento na Antiguidade se manifestar como um acordo familiar arranjado por
questões políticas, sociais e econômicas, Roma seguia um ideal que girava em torno de ser leal
a família e o respeito pela união monogâmica, que permeou pelo Império e subsequentemente
influenciou a moralidade judaico-cristã.
Durante a Idade Média, Yalom (2002) explana como a Igreja Católica passou a tomar
conta da jurisdição do casamento e uma vez declarado o sacramento, não poderia ser desfeito.
A sociedade medieval era sobretudo hierárquica. Dentro desse sistema, a esposa independente
de sua “classe” social deveria ser subserviente ao marido. O espancamento era uma prática
aceita, sancionada pela lei e pelos costumes, que permitia ao marido expor sua autoridade, o
que confirmava o matrimônio ser uma instituição legal pela qual os homens se confirmavam
donos de suas esposas, mas também tencionava um ideal de bem-estar do casal e dos futuros
filhos.
Sobretudo, é na Europa Medieval que o modelo de amor romântico, como conhecemos
hoje, é inventado. Segundo a historiadora Mary Del Priore (2005), trovadores no fim do século
XI, introduziram um novo conceito de relação entre homens e mulheres. Anterior a esse tempo,
era comum que as pessoas se vinculassem em relações de intimidade pelo casamento, contudo
o casamento vinha primeiro e o amor vinha depois, ou ficava fora dele. Sendo assim, no
imaginário literário, trovadores do final do século XI cantaram o amor em versos, erigindo o
amor cortês como tema do entusiasmo carnal e espiritual.
O sentimento amoroso reproduzia neste momento, as suas condições sociais
existentes, o que nos remete pensar a teoria estruturalista, quando Goode (2006) analisa que o
amor é regulado de acordo com os padrões socioculturais de cada tempo. E dentro de um cenário
feudal, as relações de intimidade traduziam um vínculo de vassalagem: “Na literatura o
verdadeiro cavaleiro serviria à sua dama - e somente a ela - de maneira completamente
abnegada, com a mesma dedicação com que um vassalo obedecia a seu senhor ou uma esposa
ao seu marido.” (YALOM, 2002, p. 89)
Ainda pensando o medievo, ressalto que amor e sexualidade não se confundiam. Tudo
era permitido, menos o ato sexual: “Para manifestar o valor de seu amor e merecer a eleita, o
cavaleiro, deitado no mesmo leito que sua dama, separado dela por uma espada ou uma ovelha,
símbolo da pureza, observava a estrita castidade.” (PRIORE, 2005, p. 70)
As poesias medievais, que influenciaram as teorias literárias do amor no Ocidente,
tratavam-no como promessa de uma felicidade futura, idealizando um amor impossível, fatal,
como de Romeu e Julieta. O historiador Denis de Rougemont em O amor e o Ocidente (1938,
23

apud Del Priore, 2005, p. 71) analisa que a paixão equivale ao sofrimento e que o que excita é
justamente a oposição, sem obstáculos não haveria paixão, porque a monotonia do casamento
não contém qualquer obstáculo à realização erótica da paixão.
Segundo Priore (2005), ao mesmo tempo que a poesia trovadoresca se expande, é
elaborado a legislação do matrimônio pelo Papa Inocêncio III no Concílio de Latrão em 1215.
A Igreja, desde o século VIII coloca-se em favor da monogamia e a reforma gregoriana no
século XI a define como norma e todos os casados deveriam respeitá-la. Essas decisões
alcançaram o mais baixo e alto nível social e regulavam as relações conjugais.
Variando regionalmente, conforme tradições e culturas pela Europa, os ritos
matrimoniais refletiam uma aliança ligada ao poder, ao patrimônio, à conservação de linhagens
e aos grupos sociais, se tratava então de uma associação entre duas famílias e não entre dois
indivíduos, o casamento por amor viria só mais tarde. Deste período, certas condutas foram
conservadas, para nós, do Ocidente, como por exemplo, as “promessas de casamento” e/ou
noivado, comemoradas com festas e presentes, um ritual que, já naquele momento autorizava a
convivência do casal aos olhos da comunidade, juntamente com a interseção da Igreja.
No século XVI, segundo Priore (2005, p.74) o casamento católico já tinha dois
propósitos: o de se reafirmar como sacramento, como já foi dito, mas principalmente de ser
instituição básica da vida dos fiéis, com cerimônia oficial, padre e altar. Lembrando ainda que
naquele momento, casamento não tinha nada a ver com sentimento, ou com sexualidade.

[...] o amor foi tema preferido de poetas e romancistas e, aparentemente, muito pouco
mudou entre, por exemplo, os séculos XIII e XX. Mas não seria o mesmo “amor” que
se cantaria ao longo de tantos séculos. No passado, seus objetos e estímulos afetivos
seriam diferentes dos nossos, assim como as diversas condutas amorosas. [...] Havia
quem cantasse o amor platônico e quem cantasse o carnal: coisas diferentes e
separadas. E que o amor casto no casamento, teria levado ao amor-paixão fora dele.
(PRIORE, 2005, p. 74)

A tendência aqui, sob forte influência católica, era a de condenar o amor profano, que
seria a antítese do amor sagrado, este, legítimo à serviço da família, para quem a sexualidade
só poderia ser justificada exclusivamente para procriação. Comprava-se a ideia da
representação do amor como amizade na união matrimonial, porque na amizade a razão se
sobrepunha aos desejos da carne. Os limites entre as exigências do casamento e os convívios
afetivos vão ficando cada vez maiores. Cria-se então uma dicotomia, de um lado um sentimento
subordinado de normas e de outro um sentimento emergido de razões subjetivas. Construía-se
um tipo de amor no casamento, imposto e praticado pela sociedade, para manter a estrutura,
como explica a teoria estruturalista; e outro, fora, ardente e confuso, inato:
24

O amor romântico existiu inicialmente fora do casamento em uma atmosfera secreta


[...] Para essas mulheres, geralmente casadas com homens mais velhos por razões
políticas, sociais e econômicas, a visão de um jovem cavaleiro em uma armadura de
prata oferecia uma saída para a imaginação erótica. [...] A esposa medieval não era
indiferente ao amor. Músicas populares e baladas, poemas palacianos e narrações
comprovam o reconhecimento do amor romântico em todas as camadas sociais. Mas
o casamento era tão sério quanto uma transação comercial para ser ditado
predominantemente pelo amor. (YALOM, 2002, p. 88, 90 e 118)

Ao chegar à Idade Moderna, o campo das relações conjugais adquire modificações, já


se adaptando as novas condutas sociais. O Estado se centraliza e começa a invadir a vida
privada, estimula a oficialização do casamento, reforça a autoridade dos maridos - advinda já
de um ideal de inferioridade e submissão feminina - como uma monarquia doméstica, na qual
esposas não tinham o direito de realizar nenhum ato sem permissão dos maridos e os filhos não
podiam se casar sem autorização de seus pais. As reformas Protestante e Católica tornam-se
mais vigilantes da moral, a Inquisição perseguia além de heresias, os crimes sexuais e até as
posições de coito pecaminosas. Enquanto isso, no domínio da vida ordinária, graças à imprensa,
a literatura europeia fomentava representações sobre o amor e seu antagonista, a paixão. O
neoplatonismo do Renascimento foi para as elites letradas um meio de esquecer a repressão
sexual.
Neste período, muitas mulheres eram vendidas nos mercados matrimoniais, sexo antes
do casamento era recriminado e proibido, inclusive se não tivesse fim à procriação, significava
prostituição. Por toda a Europa, a Igreja Católica com seu papel de autoridade cultural tinha
sucesso em transformar qualquer ato sexual e atração feminina em coisa do diabo. Enquanto
isso, as emoções sentidas, o afeto e o sexo, sufocados no sacramento, só tinham espaço no
imaginário e alcançado fora do lar.
Sobretudo em Portugal, de acordo com Priore (2005), é possível afirmar que
historicamente, a partir da modernidade, o amor foi experienciado de maneira distinta de outros
lugares da Europa, como Itália ou França. A maior parte da literatura portuguesa condenava o
amor, publicações eróticas eram inexistentes. Apesar da difusão da literatura estrangeira, a
mentalidade portuguesa não apagava a religião. Era comum que leigos, religiosos e até no
sistema educacional, professores passassem a ideia de que o mundo era repleto de tentações.
Criam-se então manuais para auxiliar na educação dos filhos e aconselhar sobre o casamento.
Na infância, os meninos eram afastados de qualquer prazer corporal, não podiam
participar de conversas ou brincadeiras com meninas. Quanto as meninas, já era sublinhada sua
condição, inferior, por estar ligada ao pecado, deviam se aproximar então dos trabalhos
25

domésticos para se afastar das tentações amorosas. Não podiam ler romances ou poesias, nada
de dança ou música, porque era isca para sensualidade.
Já na fase adulta, os portugueses eram expostos aos “manuais de casamento”, que
aconselhavam sobre como escolher uma esposa e como se portar numa relação. Segundo
Angela Mendes de Almeida (1989), cientista social, estes livros normativos eram dirigidos aos
homens, visando o comportamento masculino na sociedade, combinando boas maneiras e ética
com textos religiosos, sobretudo para indicar os defeitos femininos a ser evitados na hora da
escolha da esposa, ou comportamentos a serem reprimidos depois do casamento. Em “Carta de
Guia de Casados”, escrito em 1650 pelo autor D. Francisco M. de Melo, seus conselhos giravam
em torno da submissão feminina, indicava ações ao marido para moldar as condutas da esposa,
através da repressão e do castigo. O autor ainda recomenda que os homens busquem mulheres
que não fossem letradas, porque seria mais difícil corrigi-las. Sua orientação aos maridos eram
de “saber colocar a mulher no seu devido lugar”.
Além disso, cria-se uma aliança entre Medicina e Igreja, com teorias que investiam em
tornar o amor perigoso: amor excessivo é ruim para saúde! A “luxúria”, como expressão do
amor, era considerada um transtorno fisiológico e tinha remédio. Os sintomas (batimentos fortes
do coração, apetites depravados, suspiros, melancolias…) categorizados em muitas poesias,
podiam ser explicados patologicamente e tratados. Afirmavam que o amor era como uma
doença que penetrava pelo olhar de paixão e envenenava todo o corpo e os remédios podiam
ser dietéticos, farmacêuticos e até cirúrgicos:

Os apaixonados passavam a encolerizar-se ou entristecer mais facilmente e até mesmo


a tísica, como era chamada a tuberculose, ‘esse mal terrível’, resultava de ciúmes
concentrados. Os tumores, de amor desregrado ou desgosto prolongado. E daí por
diante. (PRIORE, 2005, p. 100)

A medicina passa então a exercer um papel, juntamente com a Igreja de policiamento


da moral e dos costumes, sob um viés argumentativo científico, prepotente, afinal não há provas
de que amor pegava pelo ar ou que paixão dava hemorróidas.
Em síntese, após analisar o interior da sociedade portuguesa, dominada por uma
aristocracia senhorial e eclesiástica com valores morais profundamente religiosos, podemos
compreender como a colonização contribuiu na construção das relações amorosas no Brasil.

1.3 O AMOR E AS RELAÇÕES NO BRASIL


26

Para as terras brasileiras, os portugueses, então, trouxeram em suas caravelas, sua


forma de representar e vivenciar o amor. Imaginemos o cenário brasileiro: vida rural, elites
iletradas, escravismo, famílias mestiças com hábitos e valores que se chocavam… A
colonização então tinha o objetivo de regulamentar a vida, a rotina e as relações das pessoas
através da catequese, da vigilância dos costumes e agia ativamente no campo da organização
familiar e do controle da sexualidade.
No Brasil, desde a colonização, o território apresentava condições para estabelecer
uma estrutura econômica de base agrária, latifundiária e escravocrata. Em função da falta de
uma administração local, excessivos latifúndios e dispersão populacional, isso resultou na
instauração de uma sociedade do tipo paternalista, dando grande ênfase às relações parentais e
de grupos. Segundo a autora Elizabeth A. Kuznesof (1989), instituímos pela colonização, o
costume português e os códigos legais que designavam ao marido e pai a função de chefe da
família, responsável pela administração, disciplina e controle da sua esposa, filhos,
empregados, escravos e agregados.
Neste momento, a precária economia de subsistência pela agricultura se apoiava numa
rede de apoio sistemática de troca entre grupos familiares com ajuda mútua. Nos séculos XVI
e XVII o grupo social primário ou clã familiar se definia pelas suas funções econômicas e
sociais internas, não estabelecendo relação com a política formal.
Em São Paulo, já no século XVIII, os grupos de parentesco dos bairros7, conceberam
maior estabilidade residencial e melhorou a eficácia da administração do governo e do controle
social. Constituiu-se uma política de comunidade através do mecanismo das milícias dos
bairros, as chamadas Ordenanças8, que designava ao chefe da família principal, ou como
chamavam, capitão-mor, grande autoridade e uma base de poder pessoal a sua volta e em volta
de seu bairro, atingindo várias famílias.
O controle desempenhado por esses grupos sobre a vida política e econômica reforça
um sistema de base patriarcal que influía também na composição e dinâmica das relações
afetivas. Era comum, inclusive que se buscasse casamento com parentes, com o intuito de
conservar o patrimônio familiar. Os casamentos endogâmicos eram proibidos pela lei canônica,
mas geralmente as dispensas eram concedidas pela Igreja Católica, diante do cenário. E embora
existissem diferenças entre a elite e as classes mais baixas, Kusnesof (1989) aponta que existiam

7
As capitanias estavam divididas em comarcas, que por sua vez eram formadas pelos termos, para cada cidade.
Os termos eram divididos em paróquias, que eram subdivididos em bairros (KUSNESOF, 1989, p. 40).
8
As companhias de milícias urbanas, ou ordenanças organizadas em bases residenciais por bairros, eram a melhor
agência disponível para a administração e o cumprimento das leis no período colonial. (KUSNESOF, 1989, p. 40)
27

evidências de que a ideologia familiar apoiada na dominação do pai, principalmente no que diz
respeito a virtude das mulheres, sobretudo as filhas, adentrava as casas mais pobres, mas estes
gozavam de uma maior espontaneidade de sentir e de escolher, uma vez que não tinham
interesses políticos e econômicos para preservar.
Enquanto nesse modelo de estrutura familiar o homem como pai e marido tinha
autoridade quase absoluta, as mulheres desempenhavam a função doméstica, passavam da
tutela do pai para a do marido. Neste cenário, a autora Eni de Mesquita Samara (1989) aponta
que devido às poucas opções que restavam à mulher, esta era destinada ao casamento, sendo
sua imagem representada na esposa e principalmente na figura de mãe.
Toda essa estrutura social era fundamentada pelos ideais católicos advindos das terras
portuguesas, sob o intuito de exercer uma educação espiritual e moral, fazendo-se presente nas
relações afetivas, na organização familiar e no domínio da sexualidade. Segundo a historiadora
Mary Del Priore (2005), a política da metrópole era de incentivar o casamento, uma vez que as
autoridades reconheciam que havia uma lei da natureza que movimentava o interesse dos
indivíduos de viverem juntos para conservação da espécie, mas este instinto deveria ser
controlado por um sistema institucional de regras civis com forte embasamento religioso. A
dicotomia medieval do amor (no casamento: aceito e casto, e o fora do casamento: a luxúria e
o pecado) perpassava então a sociedade brasileira, sob um viés forte de violência naturalizada,
sobretudo com as mulheres.

A Igreja apropriou-se também da mentalidade patriarcal presente no caráter colonial


e explorou relações de dominação que presidiam o encontro entre os sexos. A relação
de poder já implícita no escravismo, presente entre nós desde o século XVI,
reproduzia-se nas relações mais íntimas entre os maridos, condenando a esposa a ser
uma escrava doméstica exemplarmente obediente e submissa. Sua existência
justificava-se por cuidar da casa, cozinhar, lavar a roupa e servir ao chefe da família
com seu sexo. (PRIORE, 2005, p. 22)

Segundo a Igreja Católica, os matrimônios brasileiros deviam se constituir por dever


e não por amor, devia-se viver um “amor conjugal” que desprezava qualquer afeto excessivo.
E assim como os papéis sociais estabelecidos pelo gênero, os sentimentos entre o homem e a
mulher também eram desiguais. Segundo Priore (2005) a mulher devia amar o marido com
respeito e o marido deve amá-la com ternura: “O sentimento de dever e de disciplina reproduzia
a perspectiva patriarcal em relação às mulheres bem como a seus sentimentos, dentro ou fora
do casamento” (PRIORE, 2005, p. 28). Os afetos conjugais idealizados pela Igreja mesclavam
então dependência e sujeição, traduzindo a vida da mulher pelo confinamento e recato que
atendia tanto ao interesse desta quanto a mentalidade dos maridos.
28

A dicotomia amorosa caminhava junto com a dicotomia sexual, sendo estabelecido o


desejo sexual direito exclusivo do homem, porque associava-se o prazer somente a ejaculação,
prazer somente justificado e aceito para procriação, enquanto às esposas cabia apenas a
submissão. Era proibido evitar filhos e negar o sexo também era pecado, assim como algumas
posições sexuais. Os casados tinham um papel a desempenhar um com o outro na relação.
Segundo Priore (2005) enquanto as mulheres deveriam se apresentar fiéis e recolhidas, prontas
para procriar, os homens deviam se mostrar dominadores, egoístas e insensíveis, submetendo
as esposas como máquinas de fazer filho em relações sexuais mecânicas, na qual elas aceitavam
por amor a Deus.
Irônico ou não, nas Igrejas brotavam os romances. As missas do século XVIII eram
animadas com risos e troca de olhares, sendo cenário para namoros, marcação de encontros
proibidos e traições conjugais, que envolviam até os próprios eclesiásticos.
Neste mesmo século, no Brasil chegavam as poesias, dando visibilidade ao amor e
técnicas de sedução, e os textos exibiam palavras como “beijos”, “seios”, entre outras. Sabemos
que muitos eram os esforços da Igreja em mapear as relações conjugais, os casamentos
contratados das famílias pouco ligavam para o sentimento entre os noivos, sempre submetidos
a vigilância. Então estes tiveram que se adaptar às proibições, afinal, mesmo que a Igreja
proibisse o noivo frequentar a casa da noiva por temor que tivessem relações sexuais, isso
acontecia efetivamente em todos os grupos sociais: “Era só os pais saírem de casa, e redes e
esteiras serviam para os embates amorosos. Isso quando não usavam ‘os matos’, as praias, os
quintais, todo o canto, enfim, que desse um pouco de privacidade.” (PRIORE, 2005, p. 45)
O convívio familiar apresentava traços que alternavam entre dois extremos. Priore
(2005) cita que segundo o historiador Luciano Figueiredo, a excessiva violência ou o excessivo
amor podiam ser vistos como sinônimos. Os amores feitos de paixão, o eram igualmente de
ciúme. A questão do ciúme, como já foi apresentada pela teoria biológica do amor, salienta que
este é uma estratégia evolutiva para proteger a relação, e muito difundido como sinônimo de
prova de amor, entretanto, pode ser configurado como instrumento de dominação, assédio e
violência9.

9
’Consumido de ciúme, da crioula Perpétua de Miranda, Manuel Borges ‘[...] arrombou a parede do quintal dela
e esse se foi por cima do telhado para entrar na casa dela por suspeitar que ela não lhe abria a porta por ter alguém
entrado em casa e depois [...] lhe deu muita pancada’, em 1743, Minas Gerais. Em Vila do Príncipe, o padre
Manuel de Amorim Pereira tentava garantir seu relacionamento dando ‘pancadas noutro homem por respeito de
uma negra’, sua amásia. O reverendo Simão de Peixoto não aceitava o fim de sua relação com a parda forra de
apelido ‘a Rabu’. Quanto mais o padre insistia na reconciliação, mais a mulher resistia. As ‘descomposturas
indecentes a seu estado’, mediante xingamentos e discussões em público eram frequentes até chegar à luta física.
Após muitas brigas entre o casal, ‘de que resultou quebrar-lhe a cabeça’, a mulher ‘vendo-se ferida, correu atrás
dele com um espeto na mão’. Dessa vez são atitudes públicas nas quais transparecem não só a existência de um
29

E nessa configuração de violência justificada por “amor”/ciúmes, há muitos casos que


acabaram em morte, especialmente de mulheres. Em alguns casos, o Estado interferia
demonstrando desigualdade em sua legislação acerca da condenação do assassinato por
adultério. Priore (2005) aponta em 1745, no Rio de Janeiro, quatro mulheres foram presas por
assassinarem seus maridos. Nesse caso, não havia possibilidade de perdão, enquanto se o
marido matasse sua esposa, não sofria qualquer punição, sendo justificado e apoiado na lei que
este estava defendendo sua honra: “Lemos nas Ordenações: ‘Achando o homem casado sua
mulher em adultério, licitamente poderá matar assim a ela, como o adúltero, salvo se o marido
for peão, e o adúltero, fidalgo, desembargador, ou pessoa de maior qualidade’” (PRIORE, 2005,
p. 58). Esta citação confirma também que a condição social tanto do marido como do amante
era levada em conta na lei, enquanto que a mulher, sendo rica ou pobre, matando ou sendo
morta, não tinha importância. A lei foi feita por homens para os homens.
A história da construção das relações e do amor na colônia não poderia ser escrita sem
elucidar protagonistas essenciais: os africanos e afrodescendentes. Entre suas heranças, se
difundiu o conceito de “xodó”, de origem banto, que significa namorado, amante paixão, e
“cafuné”, de origem angolana, um hábito de demonstração de afeto. E assim como outros
grupos formadores da sociedade brasileira, eles também tinham uma organização familiar e
como dizia Robert Slenes, citado por Priore (2005) cultivavam na senzala, uma flor. A
formação das famílias afro-descendentes entre casamentos e concubinatos variou bastante.
Entretanto pesquisas demonstram que as relações consensuais e de longa duração era uma
realidade comum entre os escravos, uma vez que só o amor importava, não alianças
econômicas.
Além disso, Priore (2005) nos apresenta uma questão cultural importante das tradições
africanas: a fertilidade. Muitas mulheres e muitos filhos, no continente africano, eram
considerados sinal de riqueza, e isto se transferiu para a colônia brasileira, incentivando um tipo
de família diversa daqueles que a Igreja e os portugueses pregavam, mas que se configurou na
sociedade com sua dupla moralidade.
Aos amores tropicais, estes apresentavam racismo e desprezo à mulher, uma vez que,
segundo Priore (2005, p. 60) a configuração das relações era pautada na misoginia racial:

[...] estudos comprovam que os gestos mais diretos, a linguagem mais chula era
reservada a negras escravas e forras ou mulatas; às brancas se reservavam galanteios

comportamento amoroso, mas os conflitos, a paixão e o afeto que lhe estão subjacentes. Na acusação dirigida ao
tenente Manuel de Marins, em Itaverava, foi afirmado seu amancebamento com a preta forra Josefa, solteira,
porque entre outros agravantes ele lhe dava ‘por zelo, muitas, muitas pancadas.’ (PRIORE, 2005, p. 55)
30

e palavras amorosas. [...] Gilberto Freyre chamou a atenção para o papel sexual
desempenhado por essas mulheres, reproduzindo o ditado popular: ‘Branca para casar,
mulata pra foder e negra pra trabalhar.’ (PRIORE, 2005, p. 60)

A família na sociedade colonial desempenhou um papel fundamental em termos de


organização social, política e econômica. A casa-grande foi símbolo dessa sociedade,
impregnada por esse “familismo”. Somado a isso, a Igreja cumpria seu papel de regulador das
normas e da moral, mas não tinha dogmas suficientes no mundo que fosse capaz de controlar
os sentimentos e a sexualidade do ser humano.
É evidente que as características patriarcais e as tendências conservadoras somado a
uma dose de racismo, junto a uma falsa conduta moral orientavam a construção das relações no
Brasil Colonial. A “parentela” se expandia verticalmente, pela miscigenação e,
horizontalmente, pelos casamentos da elite branca, assim a contradição se colocava presente,
em termos de princípios e ações.
Em 1808, a Coroa Portuguesa se instalava no Brasil, trazendo consigo sujeitos que
faziam parte da burocracia do Estado, como administradores, fidalgos e colonos que buscavam
na Corte espaço para promover suas mercadorias e logo, viabilizar um comércio continental.
Com a valorização do ouro, houve uma ampliação das fazendas, vendas e vilas no interior e
uma maior interação entre litoral e planalto. É o início das transformações decorrente de um
ideal de vida urbana, sendo assim, ocorre uma série de mudanças jurídicas e/ou institucionais
que afetou a estrutura social brasileira, convertendo as relações do tipo “casta” ou “estamento”
para “classes”10. Era o espírito ábdito do capitalismo se consolidando.
Mesmo com um ideal de vida urbana a ser alcançada, traduzida por uma busca de uma
sociedade mais “civilizada”, o Brasil se via ainda em uma situação predominantemente agrária,
da qual a atividade básica era a produção agrícola amparada no trabalho escravo.
Segundo a autora Eni de M. Samara (1989), mesmo com as breves transformações da
inserção a uma vida mais urbana, o estilo de vida e a intensidade das relações familiares não
parece ter sido muito afetado frente a essa mudança de cenário, isso se deve a conformação que
o meio urbano adquiriu, impregnado de valores típicos que prevaleciam no meio rural. Os
senhores rurais, temendo perder seus privilégios migram de uma política “local” para ocupar
cargos na política junto a Coroa.
A sociedade se urbanizando conservava características da comunidade rural, nesse
sentido, as estratégias matrimoniais ainda representavam união de interesses, sobretudo entre e

10
Ver Eni Samara A História da Família no Brasil. Revista Brasileira de História – Família e Grupos de convívio,
1989, São Paulo (p. 54).
31

elite branca e os critérios para seleção dos casais giravam (se ainda não giram) em torno de
valores como raça, riqueza, religião, origem, ocupação…A escolha do cônjuge ainda era um
ato social de extrema importância, tendo forte interferência da família, sobretudo do
consentimento paterno, pois sua autoridade também se fazia em determinar o futuro dos filhos,
sobretudo filhas.
No século XIX, é possível estabelecer então uma íntima relação entre casamento, cor
e grupo social, os casamentos se davam em círculos limitados e seguiam certos padrões e
normas em função da origem e posição socio-econômica. O casamento continuava a representar
para a elite branca, um papel fundamental e estratégico na sociedade. As esposas eram
selecionadas no cenário urbano através da vizinhança, da família ou na paróquia, e a sociedade
organizava os jovens para o casamento, com pouco ou nenhum namoro. As relações entre
parentes então continuaram atuar no meio urbano.
Apesar dos costumes rurais enraizados, o cenário urbano promoveu pequenas
modificações na vida das pessoas. Segundo Maria Isaura Pereira de Queiroz, (citada por ENI
SAMARA, 1989), a vida na cidade durante o século XIX, possibilitou um contato mais
frequente entre as pessoas, fortalecendo as relações, e estabelecendo maior proximidade.
Com ritos afetivos breves e alheio aos noivos, segundo Priore (2005), os amantes
recorriam à sinais ou códigos para se relacionar, como a troca de olhares: “O olhar, [...]
Exclusivamente masculino, ele escolhia, identificava e definia sua presa. Era um lugar de
relações de dominação, de poder e de força, inclusive sexual.” (PRIORE, 2005, p. 120)
Neste momento, as paixões se manifestavam em lágrimas, suores frios, suspiros… as
influências vindas do exterior iniciaram aqui, mesmo que lentamente, um novo código amoroso
que se chocavam com as práticas tradicionais. Por exemplo, a virgindade da mulher era
condição básica para o matrimônio, a conquista partindo sempre do rapaz; e esposas obrigadas
a aceitar o fato de que o marido nem sempre seria o desejado, mas o possível em um mercado
matrimonial restrito imposto pela família.
A literatura neste período, sobretudo a ficção romântica, descrevia atitudes que
envolviam sentimentos e namoro. O romance “A moreninha” de Joaquim Manuel de Macedo,
de 1844, introduz o amor romântico, importado da França na literatura brasileira, esse amor,
mais adiante é chamado “amor à moderna”. Mas no que se refere a literatura do século XIX,
nada indica que o namoro evoluiu consideravelmente como era descrito nos livros, a realidade
ainda era limitada.
Segundo a socióloga Maria Ângela D’Incao (citada por PRIORE, 2005), neste
momento havia duas maneiras de encarar o amor, um real “feito de namoros atrás da porta” e
32

um literário, vendo o amor como estado da alma. Entretanto, a autora observa que o que se dá
na literatura romântica deste período são propostas de sentimentos novos, mas isso ficava
apenas no imaginário, já que na prática, os sentimentos dependiam dos critérios paternos:
“Embora o excessivo ciúme levasse ao crime, e o amor e a saudade fossem tema constante das
canções, nas classes média e alta rígidos códigos barravam a espontaneidade dos gestos”
(PRIORE, 2005, p. 156).
Quanto às classes mais humildes, Eni de Mesquita Samara (1989) aponta que carinho
e amor eram aspectos relevantes para o casamento. Priore (2005) complementa elucidando que
os padrões de moralidade eram mais flexíveis e tinha pouco a se oferecer ou dividir em uma
vida simples. Como já foi evidenciado, uniões legítimas se davam entre pessoas do mesmo
grupo social. Entre os trabalhadores e pequenos comerciantes, a formação das famílias
obedeciam às exigências da divisão do trabalho e da preservação de grupos mais poderosos.
Isto fica claro também em relação aos escravos, uma vez que havia famílias ricas que obrigavam
escravas a casarem com seus homens de confiança, para que desse continuidade aos serviços
domésticos.
No século XIX também começaram a circular ideias sobre a relação entre os sexos,
pontuando a diferença como fator de concordância, a oposição entre eles fazia a felicidade de
cada um. Nesse sentido, Priore (2005) disserta que discursavam que o homem nascera para
mandar, conquistar, realizar, enquanto que a mulher nascera para agradar e ser mãe, e isso fazia
com que se completassem, pelo menos na visão masculina.
A igreja continuava sendo o cenário ideal para o namoro, mas fora à troca de olhares
e os cochichos na missa, não haviam muitas ocasiões para conversar com aquela que escolhera
casar, havia de torcer para os pais dela não fossem severos e assim podiam conversar na
presença deles. Até o final do século XIX, no Brasil, o namoro tende a querer ser dificultado,
uma aproximação mais direta com certeza se fazia mais presente nas classes populares.
Mas para seguir com um relacionamento, era preciso se encontrar, então além da
Igreja, os jovens procuravam se encontrar em bailes públicos, reuniões em residências
particulares onde juntavam vizinhos e amigos e estes cantavam e dançavam. O conteúdo da
música e a maneira de dançar podiam traduzir sentimentos. Aliás, convém ressaltar que a
presença de estrangeiros introduzira novas práticas amorosas, uma vez que tudo se copiava do
estrangeiro, até as formas de aproximação.
Em meio a modernidade, as meninas passam a se perfumar para atrair pretendentes.
As colunas de jornais orientavam sobre namoros e sob a luz do luar se iluminavam serenatas,
33

bailes de formatura, flirts - palavra que aparece no começo do século XIX, importada da França,
para designar amores mais ou menos castos.
Henry Koster (citado por ENI SAMARA, 1989) observa que, tanto no Nordeste, como
em São Paulo, as famílias tinham uma preocupação quanto aos casamentos inter-raciais e
quando aconteciam, causavam murmúrios e lamentações. Na documentação pública do começo
do século XIX, em São Paulo, encontra-se severas críticas em relação a pureza de sangue e
matrimônios com mulheres negras, o que não significava que deixavam de acontecer. A liga
entre grupos raciais e sociais ocorreu por meio de uniões esporádicas e pelo concubinato.
Nesse cenário, o casamento endogâmico ainda era bastante praticado. Dados de
Celeste Zenha (citada por ENI SAMARA, 1989), para a cidade de Capivary no Rio de Janeiro,
no século XIX, revelam uma intensidade de casamentos endogâmicos, em razão das questões
econômicas e políticas. As moças de elite que se casavam sem consentimento eram expulsas da
rede de sociabilidade familiar e se passassem dos 25 anos, já estavam velhas demais para se
casar. Enquanto isso, nas camadas mais pobres, não havia acertos de famílias e os casamentos
seguiam de festividades, como pagodes, festa do gado e festas religiosas.
As jovens mulheres, sem bens, que não conseguiram casamento encontravam no
homem mais velho, mesmo casado, um amparo social e financeiro. De acordo com Mary Del
Priore (2005) a escravidão e as relações sociais nos grupos patriarcais que se estabeleceram no
Brasil, moldaram uma realidade que legitimava os sentimentos e sexualidade em famílias não
oficiais. Isto era reflexo da falta do estabelecimento de laços afetivos, mas sobretudo do controle
de familiares e tutores sobre a vida de qualquer mulher.
Mas havia quem lutasse pelo amor, em namoros não aprovados pelos pais, o
pretendente raptava a moça. Gilberto Freyre (citado por PRIORE, 2005) conta que quando os
pais da moça não consentiam o casamento e seu direito de amar, iniciava-se o processo de fuga.
A família preocupada com a honra ou melhor, virgindade da filha, não tinham outra alternativa
a não ser aceitar a relação. Segundo o autor, essas fugas marcam o declínio da família patriarcal
e o início da família romântica, nela a mulher começava a introduzir seu desejo de sexo e de
afeto.
É neste cenário que se inicia certas noções de sedução, ampliando questões como
vaidade, adquirindo condutas para impressionar o outro pelo aspecto. Passam-se então a usar
os mais variados produtos, muitas vezes importados da Europa para se “embelezar”. E segundo
Gilberto Freyre (citado por PRIORE, 2005) isso dizia muito sobre a relação entre homens e
mulheres:
34

O homem tenta fazer da mulher uma criatura tão diferente dele quanto possível. Ele,
o sexo forte, ela o fraco; ele o nobre, ela, o belo. O culto pela mulher frágil, que se
reflete nessa etiqueta e na literatura e também no erotismo de músicas açucaradas, de
pinturas românticas; esse culto pela mulher é, segundo ele, um culto narcisista de
homem patriarcal, de sexo dominante que se serve do oprimido – dos pés, das mãos,
das tranças, do pescoço, das ancas, das coxas, dos seios – como de alguma coisa
quente e doce que lhe amacie, excite e aumente a voluptuosidade e o gozo. Nele, o
homem aprecia a fragilidade feminina para sentir-se mais forte, mais dominador.
(PRIORE, 2005, p. 153)

Todos os jogos de aparências colaboraram para evidenciar a diferença entre os sexos,


a mulher precisava ser extremamente feminina, para se opor a masculinidade, tinha que ter pés
minúsculos, cabelos longos, cintura esmagada pelos espartilhos, acentuando os seios nos
decotes e tudo isso suscitava um erotismo difuso. Será também no século XIX que o beijo se
introduzirá como um dos fundamentos da sedução.
Ainda pensando a mulher, a historiadora Tânia Quintaneiro (citada por PRIORE,
2005), revela que era comum que a menina branca da elite servisse de objeto de barganha entre
seu pai e algum senhor. Viajantes estrangeiros criticavam a precocidade em que se casavam as
meninas, por volta dos 12 anos, enquanto que entre os brasileiros, essa prática era vista como
natural, sendo justificado que a mulher ficava mais velha precocemente, sobretudo pelo clima
quente do Brasil. Consequência disso, para viver em casamento, as meninas eram retiradas da
escola, enviadas por volta dos 7 ou 8 anos e aos 13 ou 14 considerava-se completo seus estudos.
Miriam Moreira L. Leite (1989), cientista social, demonstra que no século XIX, o
domínio das letras e da literatura é masculino e as mulheres que procuravam escrever se
submetiam ou desenvolviam padrões masculinos. Entretanto, a autora nos apresenta a narrativa
da americana Elizabeth Cabot Cary em “Viagem ao Brasil (1865-1866)” que se preocupa em
relação a educação das meninas no Brasil:

Em geral, no Brasil, pouco se cuida da educação das mulheres; o nível de ensino dado
nas escolas é pouquíssimo elevado; mesmo nos pensionatos frequentados pelas filhas
das classes abastadas, todos os professores se queixam de que lhe retiram as alunas
justamente na idade em que a inteligência começa a se desenvolver. A maioria das
meninas enviadas à escola aí entram com idade de sete ou oito anos; aos treze ou
quatorze são consideradas como tendo terminado os estudos. O casamento as espreita
e não tarda a tomá-las. (...) o mundo dos livros lhes está fechado, pois é reduzido o
número de obras portuguesas que lhe permitem ler, e menor ainda o das obras a seu
alcance escrito em outras línguas. Pouca coisa sabem sobre a história do seu próprio
país, quase nada de outras nações e nem parecem suspeitar que possa haver outro
credo religioso além daquele que domina no Brasil. (AGASSIZ, 1975, p. 277-278)

Nesse sentido, é possível até fazer uma relação entre a falta de educação, negada, às
mulheres com a dominação masculina. Uma vez que, a educação pode servir como ferramenta
para adquirir uma maior consciência de como o sujeito se vê e atua na sociedade.
35

No âmbito da intimidade, entre quatro paredes, historiadores pouco sabem como se


comportavam homens e mulheres. Segundo Priore (2005) tudo indica que a noite de núpcias
fosse um momento de iniciação sexual feminina. O quarto do casal deveria ser um santuário e
a cama, com o crucifixo acima dela, era o altar de celebração da procriação. O sexo era feito no
escuro e os corpos sempre cobertos, a autora ainda nos apresenta registros orais que contavam
sobre o uso de camisolas e calçolas com furos na altura da vagina. A nudez completa só vai
aparecer no século XX, antes era associada ao sexo no bordel. Também acreditava-se que a
brevidade das relações sexuais favorecia as concepções e não podia se desperdiçar sêmen, então
o homem mantinha a esposa ocupada com uma gestação após outra.

A valorização extrema da virgindade feminina; a iniciação sexual pelo homem


experiente; a responsabilidade imposta pela Medicina ao marido, fazendo dele o
responsável pela iniciação sexual da esposa, mas de uma iniciação capaz ao mesmo
tempo de evitar excessos, fazia parte do horizonte de ansiedade que os casais tinham
de enfrentar. Do lado delas, o risco era de sofrer acusações de: histérica, estéril, estar
na menopausa, ninfônoma, lésbica! Não faltavam anátemas para controlar o perigo da
mulher não pacificada por uma gravidez. (PRIORE, 2005, p. 178)

Quanto a sexualidade feminina, como já deu pra perceber, esta era perseguida! O fato
de que uma mulher pudesse ter prazer com ou sem o homem parecia intolerável. Elas não
recebiam nenhuma educação sexual, um tabu muito presente até hoje na sociedade brasileira.
Sua sexualidade então era substituída por exortação à castidade, à piedade e à auto-repressão.
A masturbação, sobretudo feminina, era motivo para destruição de lares, casamentos e famílias.
Priore (2005) apresenta que a Medicina legitimava este ato como algo que fazia mal à saúde,
indicando que o chamado “clitorismo” tinha consequências como: hálito forte, gengivas e lábios
brancos, sardas e espinhas, perda de memória e que podia acabar em uma morte lenta e dolorosa.
Além disso, a Medicina foi primordial em reprimir a mulher e também a sua
sexualidade, com seus estudos sobre doença mental. Ainda segundo Priore (2005), qualquer
mulher que não fosse naturalmente frágil, agradável, boa mãe e submissa era considerada anti-
natural. Dizia-se que na natureza feminina o instinto materno anulava o sexual, então aquela
que tivesse desejo ou prazer sexual eram consideradas doentes mentais destinadas ao hospício.
A histeria, por exemplo, era explicada como decorrente do fato de que o cérebro feminino
estava sendo dominado pelo útero.
Enquanto as mulheres se ocupavam então com a casa e com a Igreja, os homens
bebiam, fumavam e se divertiam com prostitutas, gozando - literalmente - de seus privilégios.
As “cortesãs”, como eram chamadas as mulheres que exerciam a prostituição, segundo Priore
(2005) eram mestiças, negras e também brancas europeias, essas últimas eram tachadas como
36

representantes da libertinagem. As francesas eram renomadas em iniciar homens na vida sexual,


só que ao frequentar o bordel, o homem corria o risco de aprender práticas que ele não poderia
em nenhuma circunstância, transmitir a legítima esposa. Afinal, uma mulher de princípios nada
deveria saber sobre sexo.
Fica nítido nesse contexto que havia uma dupla moralidade sobre o feminino, segundo
Eni Samara (1989) esta dupla moralidade era relacionada principalmente a problemas
econômicos e raciais, se contrapunha ao ideal de castidade, mas não chegava a transformar a
maneira pela qual a cultura dominante compreendia a questão da virgindade e nem os
privilégios masculinos. Existiam as mulheres julgadas para casar e as “outras”: “Fazia-se amor
com a esposa quando se queria decência; o restante do tempo, era com a outra. A fidelidade
conjugal era tarefa feminina; a falta de fidelidade masculina vista como mal inevitável que se
havia de suportar.” (PRIORE, 2005, p. 187). A fidelidade masculina era considerada utópica,
então se naturalizava as relações extraconjugais que davam origem a muitos filhos ilegítimos.
Eni Samara (1989) analisa este fenômeno - adultério masculino - como parte do
panorama de opressão feminina que contribuía para a formação de uma contracorrente de
irregularidades sexuais. Nesse sentido, buscavam uma compensação para extravasar desejos e
sentimentos limitados pelas barreiras da família e moralidade patriarcal. Os amores adúlteros,
entretanto, para as mulheres custavam caro, quando não, suas vidas:

Em 1809, certo João Galvão Freire achou-se preso, no Rio de Janeiro, por ter
confessadamente matado sua mulher, D. Maria Eufrásia de Loiola. Alegando legítima
‘defesa da honra’, encaminhou ao Desembargo do Paço uma petição solicitando
‘seguro real para solto tratar de seu livramento’. [...] Cometido por ‘paixão e
arrebatamento’, o crime era desculpável! (PRIORE, 2005, p. 188)

Em um país onde o marido é o senhor absoluto de sua casa, nenhuma lei de polícia ou
de moral aniquila suas ações.
No final do século XIX, por força de práticas sociais, uma certa ideia de casamento
que fosse além das negociações começou a circular, relações exogámicas foram substituindo as
endogâmicas e várias outras questões articuladas a este fato. Podemos considerar importante a
contribuição dos intelectuais mestiços e negros11 nas letras com suas representações sobre amor.
A presença de intelectuais negros, como bacharéis, médicos, militares e também
presentes no jornalismo, na prosa e verso contribuiu para apresentar novas representações
coletivas, sobretudo em relação aos sentimentos: “A passagem da Independência ao Império,

11
A ascensão social de uma pequena camada mestiça se deu pelos laços de convívio que promoveram relações
entre senhores e escravas. Robert Slenes (citado por PRIORE, 2005) estudando a vida privada na Província de São
Paulo, evidencia que filhos mulatos nascidos dessas uniões herdavam bens, escravos e negócios.
37

ao mesmo tempo em que surgia o Romantismo, realiza um fenômeno de febre lírica que
ultrapassa a aristocracia intelectual, se infiltrando nas classes operárias e camponesas.”
(PRIORE, 2005, p. 219)
O romantismo é, especialmente, o momento de desabrochamento da poesia afro-
brasileira, o amor se apresentando para além do dinheiro e do jogo de poder. Tobias Barreto,
negro, filósofo, poeta, crítico, jurista brasileiro e fervoroso integrante da Escola do Recife,
(citado por PRIORE, 2005) considerava o amor como um sentimento unificador, que não se
limitava nas barreiras de raça ou preconceito de cor, porque dizia que o sentimento deveria
fundir todos os povos em uma mesma etnia: a brasileira. Foram ficando mais evidentes, então
formas mestiças, híbridas, assim como nossa sociedade, de falar de amor.
O século XIX pode ser resumido em antagonismos ou para Priore (2005), um século
hipócrita, afinal, ao mesmo tempo que reprimiu o sexo, fez-se obcecado por ele, ao mesmo
tempo que reprimia a nudez, olhava-se pelas fechaduras, ao mesmo tempo que impunha regras
aos casais, liberava-se os bordéis. Mas a despeito do amor, no final do século um novo código
amoroso foi despertado, influenciou diretamente para romper com a camisa de força social que
vinha com o casamento, e emergir uma nova configuração de dinâmicas de relação entre
homens e mulheres, atingindo os valores da sociedade como um todo.
O amor muda com o tempo, e com ele as noções de relação e também sua influência
social em variáveis como gênero, classe social, orientação sexual, etnia e violência, porque o
amor pode ser inato, em caso de liberar hormônios de desejos e emoções. Mas ele vai ser
regulado de acordo com cada tempo histórico, sociedade, cultura; alimentado por narrativas de
representação dos sentimentos, dos papéis sociais e das relações; estruturado por um sistema de
normas e valores que depende de cada organização social.
Apesar de ficar evidenciado a violência não só física, mas psicológica contra as
mulheres, presente até em sociedades anteriores a Cristo, é necessário esclarecer que cada
sociedade se organiza de uma maneira, atribuindo, conforme sua estrutura e cultura, os papéis
de homens e de mulheres nas relações afetivas.
A intenção de evidenciar a violência contra a mulher, sobretudo pela dominação
masculina nas relações afetivas, não se resume em considerar as mulheres como vítimas
históricas. Elas eram e são seres atuantes, afinal cada sociedade e cada cultura tem sua
sistematização e dinâmicas relacionais, que operam de acordo com a sua própria realidade, mas
também muitas heranças de costumes e valores vão sendo repassadas através do tempo. É
impossível fazer uma análise generalizada, concebendo que todas as mulheres foram passivas
e vítimas. Entretanto, quando analisamos atitudes culturais, nota-se os homens por muito tempo
38

ocupando lugares determinantes na sociedade, concebendo uma realidade envolta de privilégios


masculinos e idealizando a mulher de acordo com isso.
Nesse sentido, muita injustiça, violência e assassinatos foram naturalizados por muito
tempo, mas em relação a mulheres não serem consideradas apenas vítimas, muitas passaram -
até nas pequenas ações - evidenciar a assimetria entre os gêneros e a opressão imposta a elas.
No Brasil, no próprio século XIX, Eni Samara (1989) evidencia que na sociedade
paulista, no decorrer do século, foram as mulheres que moveram mais ações de anulação de
casamento e desquite se comparado aos homens, e isso também foi constatado por Nancy F.
Cott, citada pela autora, no século anterior, em Massachusets, nos Estados Unidos. As causas
do desquite giravam em torno de adultério, abandono do lar e maus tratos. Nesse sentido, nota-
se que em alguns casos, a mulher estava trazendo à tona o problema de sua condição de
opressão.
Já no final do século XIX, Eni Samara (1989) elucida que a palavra “obediência”, já
não aparecia constantemente nos processos, dando lugar a termos - novos - como “igualdade
de direitos”, embora ainda estivesse previsto que a mulher devia “obediência” ao marido.
Manifesta-se então uma natural evolução dos costumes, embora as estruturas tradicionais
reguladoras dos papéis dos sexos, ainda garantissem a primazia masculina.
Ainda assim, já no século XXI, no Brasil, segundo o site do jornal G1, uma mulher a
cada duas horas é morta vítima de violência. Os números são do Monitor da Violência, um
estudo feito pelo G1 em parceria com o núcleo de estudos da violência da USP e o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública.
O artigo “Violência Doméstica e suas diferentes Manifestações” publicado na Revista
de Psiquiatria do Rio Grande do Sul – SPRS em 2003, aponta que quando se trata de violência
contra a mulher, uma em cada três mulheres já foi espancada, submetida ao sexo ou sofreu
algum abuso, seja ele físico ou psicológico - geralmente um acompanha o outro – durante a
vida. Este artigo também nos apresenta que a violência contra as mulheres tem um viés diferente
dentro do campo da violência, enquanto os homens têm maior probabilidade de serem vítimas
de desconhecidos, com as mulheres é mais comum que o agressor venha a ser membro da
própria família ou seu parceiro íntimo. Sabe-se que de 40 a 70% dos homicídios femininos no
mundo são cometidos pelo cônjuge e o abuso geralmente parte de um padrão repetitivo, de
controle e de dominação.
Mesmo com o debate inserido pelas pesquisas feministas no Brasil, a partir da década
de 1980, resultado do desenvolvimento do movimento feminino e do processo de
redemocratização, dando visibilidade à violência contra as mulheres e o combate a ela mediante
39

intervenções sociais, psicológicas e jurídicas e tendo como objeto as denúncias nos distritos
policiais, algumas medidas foram tomadas. Destaca-se a promulgação da Lei 11.340 de 07 de
agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que instituiu mecanismos para coibir a
violência doméstica e familiar contra a mulher; e também o reconhecimento da prática de
homicídio contra a mulher, por misoginia, discriminação por gênero, violência sexual e
doméstica, denominado como Feminicídio, lei 13.104/15. Entretanto, poucas coisas mudaram,
os índices de feminicídio e violência contra a mulher sobem a cada ano. Só no estado de São
Paulo, os casos de feminicídio aumentaram 76% no 1º trimestre de 2019, se comparados ao
mesmo período do ano anterior, de acordo com levantamento feito pelo G1 e pela GloboNews,
geralmente crimes motivados por ciúmes ou negação frente ao fim da relação.
Nesse sentido, o próximo capítulo irá apresentar o processo de emancipação feminina
no século XX, assim como a denúncia da opressão feminina e as violências sofridas,
demonstrando ainda como este fato alterou a imagem dos papéis sociais, a dinâmica das
relações afetivas e a sociedade como um todo. Apesar da remodelação da instituição do
namoro, do casamento, da família, as heranças patriarcais enraizadas e o machismo presente no
Brasil ainda contornam os relacionamentos afetivos e a significação do amor.
40

2 A NOVA MULHER E AS NOVAS RELAÇÕES NO BRASIL

No primeiro Capítulo foi evidenciado que quando falamos de amor, estamos falando,
sobretudo, de relações. Mas, mais que isso, as relações refletem os contornos da sociedade,
traduzido em homens e mulheres e na concepção que estes têm de si mesmos e dos outros,
afetando múltiplos setores da vida individual e social.
Foi esclarecido, que ao longo da história da humanidade estabeleceu-se uma
sistematização de papéis de gênero, configurando a sociedade como um todo. Nesse sistema,
nota-se uma inferioridade atribuída à mulher, sublinhada pela opressão e pelo controle
masculino, demarcada através da violência simbólica, psíquica e material.
Por muito tempo, a sistematização das relações - entre os gêneros - não foi
questionada, discutida, entretanto, houve um momento em que não se conseguia mais ignorar.
E isso se deu através de uma corrente de conscientização social do ser mulher.
Se tratando de uma país colonizado, o Brasil tem sua história influenciada muitas vezes
por pensamentos, ideais e impulsos externos. Então antes de falar da Nova Mulher Brasileira,
vamos adentrar nos cenários Europeu e Norte-Americano para compreender como que alguns
ideais e novos conceitos foram introduzidos, sobretudo na sociedade ocidental.
Como já foi esclarecido, apesar do desprivilegio social configurado no ser mulher,
estas nunca foram passivas das circunstâncias. A constituição de uma Nova Mulher só foi
possível a partir da não conformação da sua condição e assim, tomar medidas para estabelecer
uma sociedade mais justa e igualitária. Segundo Marilyn Yalom (2002), em vários países da
Europa, como Suécia, Noruega, Escandinávia desde a segunda metade do século XIX é possível
ver que passaram a circular ideias sobre a questão feminina. Em 1874, na Suécia, concebeu-se
uma lei que dava certo controle a mulher sobre suas propriedades, alterando substancialmente
sua posição. Essa lei também garantiu que as esposas tivessem posse dos seus rendimentos.
Essa resolução teve grande significado para as mulheres da classe trabalhadora, que
passaram a se tornar independentes antes de se casarem. Aliás, em toda a história, segundo
Yalom (2002), a independência feminina aparenta ampliar quando a mulher tem acesso e
autonomia de riquezas.
Na Inglaterra, entre 1889 e 1890, a questão da mulher alcançou seu apogeu. Segundo
Marilyn Yalom (2002), começaram a circular questões sobre a Nova Mulher 12 em artigos de
revistas e jornais, livros, discursos públicos e também nas conversas privadas. Este novo

12
Expressão criada em 1894. (YALOM, 2002, p. 299)
41

conceito reconhecia a mulher, desprezando antigos valores familiares tradicionais,


evidenciando os limites entre os comportamentos masculinos e femininos e enaltecendo a
educação e a independência da mulher.
Esse “escândalo” da Nova Mulher causou anseios sobre o futuro da esposa na
sociedade, enquanto questões como educação, direito ao voto, sexualidade feminina e emprego
ganharam importância. Entretanto, os protestos feministas foram vistos num primeiro momento
como um ataque à “verdadeira condição da mulher” - mãe e esposa.
Na Inglaterra, Mona Caird foi a primeira a apresentar publicamente a questão: "O que
seria da família se as mulheres casadas tivessem uma união verdadeiramente igualitária com
seus maridos?" (YALOM, 2002, p. 299-300). Apresentada em seu artigo Marriage13 em 1888,
a questão foi debatida em nada menos que 27.000 cartas recebidas como resposta.
Neste artigo, Caird elabora um discurso argumentando a condição da mulher no
casamento, comparando esta relação à uma relação escrava. Segundo ela, o casamento se
configurava como uma instituição primária pela qual as mulheres eram mantidas em
“cativeiro”. Caird elaborou propostas radicais ao estado de “escravidão degradante” (YALOM,
2002, p.301) como a rejeição do casamento. Entretanto a autora não queria descartar
completamente o casamento e sim sanar as injustiças conjugais - e sociais – por meio de um
processo de transformação e renascimento dessa instituição. Mona Caird defendia uma melhor
educação às mulheres, de maneira que elas tivessem independência profissional e financeira e
para não se sujeitarem a um casamento por dinheiro, e sim se casando por escolha, por amor.
Além disso, defendia a criação de leis mais liberais.
Sobre as cartas de respostas do artigo, estas foram escritas por esposas, maridos,
solteiros, médicos, enfim, por diversas pessoas que configuravam a sociedade inglesa. Elas
contavam histórias pessoais, de felicidade e de tristeza, muitas se mostrando simpatizante dos
ideais da autora e outras explicando porque o casamento tradicional não devia ser corrompido.
Há cartas de casamentos fracassados, relatando abusos dos maridos, da condição de
ser mulher sem autonomia, sem escolha, sem amor. Casamentos postergados com um viés de
sacrifício, em que na maioria dessas cartas, as mulheres concordavam com a sugestão da autora
sobre a ampliação dos “motivos” para pedido de divórcio. Já nas cartas felizes de casamento,
eram relatadas a conformação do papel atribuído à mulher e algumas exceções sobre amor
mútuo. Entretanto, as esposas felizes não eram tão claras em suas cartas como as infelizes. Estas

13
Publicado no Westminster Review. (YALOM, 2002, p.300)
42

assumiram em sua fala que o casamento demandava tolerância e submissão, sob um viés de
responsabilidade da parte delas de fazer o casamento dar certo.
Depois das cartas publicadas, a questão da mulher continuou ser debatida e uma nova
corrente de pensamento começou a adentrar a sociedade… mesmo que ainda confrontasse com
os ideais tradicionais. Entretanto, os romances já não terminavam em casamento e discutia-se
a natureza problemática das relações conjugais...
Assim como na Europa, o Continente Americano testemunhou na passagem do século
XIX para o XX, a inserção de novas mulheres que questionaram o matrimônio e buscaram
oportunidades de emprego. Ao longo da primeira metade do século XX, as americanas 14
responderam de diversas maneiras ao chamado da igualdade de direitos e da independência
feminina. Muitas dessas mulheres esperavam ter um maior grau de autoridade no casamento do
que suas gerações anteriores.
Segundo Marilyn Yalom (2002), por volta de 1890, nos Estados Unidos, era
impossível ignorar as mudanças na vida das mulheres casadas e solteiras da classe média
urbana. Surgem instituições de ensino superior dedicada às mulheres, assim como clubes e
organizações femininas, e a aceitação do trabalho para mulheres solteiras, até para as casadas,
mas em menor dimensão. Passaram a percorrer pensamentos argumentando por exemplo, que
o casamento não devia acabar com os interesses individuais das mulheres, como ler, praticar
esporte... inclusive o primeiro símbolo da liberação da mulher foi a bicicleta, fazer uso dela.
Essa atmosfera de liberdade e esperança feminina obrigou as influências sociais, como
jornais e revistas, a reconhecer as novas mudanças, mesmo não abandonando o discurso de
exaltação à esposa/mãe. Segundo Yalom (2002, p. 317), vários artigos do “Journal”15
desprezavam a fala excessiva 16 sobre mulheres que nunca se casaram, sobre o divórcio e sobre
as atividades exercidas fora de casa, ainda que publicassem um ou outro artigo intitulado como
“Quando o trabalho se adequa a uma mulher” ou “Mulheres e o violino” (fevereiro de 1896). O
“Journal”, com seus editoriais se empenhava em deter a tendência das mudanças femininas
progressivas, chegando a considerar em seus artigos a ideia do serviço doméstico como uma
ciência.

14
Mulheres de todos os países do Continente Americano.
15
Primeiro Jornal Nacional dos Estados Unidos, criado em 1889. Atualmente é o maior jornal de circulação do
País.
16
Diante do cenário patriarcal, evitavam falar sobre mulheres que não seguia a moral e o papel tradicional atribuído
a elas.
43

Charllote Perkins Gilman (apud YALOM, 2002), foi uma das intelectuais que
contextualizaram a situação das mulheres casadas na América Capitalista 17 publicando em
1899, “As mulheres e a Economia” que apresentava a ideia de que a principal razão para o
status secundário da mulher se dava pela relação de dependência à renda do marido. Gilman
aponta o trabalho externo como força de liberdade que sustentaria a igualdade com os homens.
E mais, reconheceu que o trabalho doméstico exercido pelas mulheres era o que permitia ao
homem produzir mais riquezas do que, sozinho, poderia.
Gilman representou, junto a outras mulheres, uma forma extrema da nova mulher
casada. Esta era produto de uma época que permitiu às mulheres das classes média e alta, novas
perspectivas para a autodeterminação e possibilidades de independência, sobretudo sem desistir
do amor. Gilman “[...] registrou em 1910, mais de um milhão de esposas trabalhando como
operárias, secretárias, vendedoras, gerentes, professoras - colegiais e universitárias - guarda-
livros e contadoras, só para citar algumas ocupações.” (YALOM, 2002, p. 324). E registrou um
total de 3 milhões de mulheres estadunidenses trabalhando na virada no século XIX para o XX.
Ainda neste contexto Norte-Americano, para além do debate do trabalho e
independência financeira, a Nova Mulher questionava a sua sexualidade. Surgem então teóricos
argumentando sobre desejo sexual, tipos de orgasmo 18 feminino, gravidez e contracepção.
Yalom (2002), aponta que aos poucos a sociedade foi se familiarizando em reconhecer a
vontade da mulher em fazer sexo, assim como entender sua genitália e o seu prazer.
A ideia do sexo com o único objetivo de procriação se fez presente ao longo da história,
entretanto Yalom destaca que muitas mulheres passaram a apreciar o sexo “[...] como uma
expressão de amor.” (2002, p. 329). Em 1893, as mulheres tendiam a querer valorizar o ato
sexual movido pelo desejo e pela união, ficando em posição secundária a procriação. Sob
influência da Inglaterra a partir do movimento de controle de natalidade, a partir de 1820, os
dispositivos anticoncepcionais adentraram a sociedade estadunidense e em 1850 emergiram
livros, panfletos instruindo as mulheres sobre gravidez indesejada. Em 1860, os métodos mais
populares de contracepção eram: coito interrompido, duchas, esponjas vaginais, preservativos
e “período seguro”.
Também surgiram pensadores abordando a questão do aborto, a favor e contra. Nos
Estados Unidos, Yalom (2002) apresenta Margareth Sanger como peça importante do debate.
Esta iniciou um movimento de controle de natalidade a partir de 1910, dava palestras e tinha
uma coluna semanal sobre “o que toda garota deveria saber” para o jornal The Call (p. 337) que

17
Referência aos Estados Unidos.
18
Vaginal e Clitoriano.
44

falava sobre menstruação, masturbação, gravidez, contracepção e aborto. Muitos estados dos
EUA decretaram leis anti-abortistas, mas este ideal afrouxou após a depressão de 1929,
assentindo pela necessidade de controlar a natalidade, devido à crise que o país sofria.
Entretanto, somente em 1973, o aborto foi legalizado, caracterizado como um direito do corpo
da mulher.
Pensando em um contexto mais geral, A Segunda Guerra Mundial representou uma
força disparadora para as mulheres ao acelerar o processo do trabalho feminino e mudanças na
ocupação feminina, sobretudo das esposas. Yalom (2002) registra que muitas cidadãs patriotas,
organizações e revistas intimaram as mulheres a ocuparem os empregos vagos deixados pelos
soldados, mesmo tendo de lidar com a relutância da Comissão da Força de Trabalho de Guerra
que entendia que a responsabilidade da mulher se limitava a família, mesmo diante deste
cenário. Entretanto, pouco tempo depois essa Comissão voltou atrás, colaborando em favor do
trabalho feminino.
Tudo indicava que esse movimento do trabalho feminino fosse temporário e que
quando a guerra acabasse, as mulheres voltariam para os seus lares. Essas mulheres
trabalhadoras sofreram muitas críticas de revistas que diziam que estas menosprezavam seus
filhos, na mesma medida que eram negligentes com o trabalho, uma vez que ficavam exaustas
assumindo o trabalho de fora e o trabalho doméstico. Além disso, tiveram de lidar com o
preconceito dos trabalhadores homens e quando a guerra acabou, foram induzidas a largar seus
empregos, já que estariam “tirando” o emprego dos homens, recém chegados da guerra.
Mas o desejo de continuar trabalhando se fez presente. Dentro desse contexto, um
número maior de mulheres experimentou a independência e muitas não estavam dispostas a
abrir mão disso. Yalom (2002) expõe que surgiram novas organizações femininas, incentivando
as mulheres a buscar seu próprio caminho, a percorrer áreas não familiares.
A Europa e os Estados Unidos fervilhavam ideais envoltos da Nova Mulher ao longo
do século XIX, mas sobretudo na passagem para o século XX. E como foi esse processo no
Brasil? Na passagem do século, o Brasil já se tornara República, era um momento de transição
social e econômica, sobretudo pela expansão do capitalismo e da industrialização.

2.1 A “NOVA MULHER” BRASILEIRA DO SÉCULO XX

Em “História das Mulheres no Brasil”, a historiadora Margareth Rago (2004) disserta


que nas primeiras décadas do século XX, grande parte do proletariado brasileiro era composto
por mulheres e crianças. Entre as greves e mobilizações trabalhistas que ocorreram entre 1890
45

e 1930, as trabalhadoras eram percebidas de várias maneiras: pelos patrões como perigosas e
indesejáveis, para os jornalistas como frágeis e infelizes, para os médicos e juristas como
perdidas e degeneradas. A maioria da documentação disponível a respeito do mundo fabril não
foi produzido pelas mulheres, sendo assim, os registros feitos por autoridades públicas,
médicos, industriais, militantes políticos construíram uma identidade masculina das mulheres
trabalhadoras, sendo que estas não tinham nem a “[...] sua própria percepção de sua condição
social, sexual e individual.” (RAGO, 2004, p.485)
Ainda que fosse elevada a presença feminina no trabalho fabril, é errôneo supor que
estas conquistaram o mercado de trabalho. Pelo contrário, na medida em que as fábricas
evoluíam na industrialização, elas iam sendo expulsas e substituídas pela força de trabalho
masculina. Rago aponta que “[...] enquanto em 1872 as mulheres constituíam 76% da força de
trabalho nas fábricas, em 1950, passaram a representar apenas 23%.” (2004, p. 487)
Além disso, Rago discute que as trabalhadoras tiveram de enfrentar a variação salarial,
a intimidação física, a desqualificação intelectual, o assédio moral e sexual para adentrarem
nesta área definida como “naturalmente masculina”, e essa “demonização” do trabalho
feminino partia do interior da família e da sociedade que julgavam que o trabalho feminino
destruiria o casamento, a família e a personificação da boa esposa e mãe.
As mulheres trabalhavam cerca de 10 a 14 horas por dia, em tarefas menos
especializadas, sempre sob supervisão, sendo mal remuneradas e sem direito trabalhista algum.
Entretanto, anarquistas e socialistas passaram a denunciar os maus-tratos e a exploração que
acontecia nas fábricas, ampliando a discussão para abordar o trabalho feminino e outros temas
relacionados à sexualidade: casamento, adultério, virgindade, prostituição.
Segundo Margareth Rago alguns ideais feministas passaram a circular na sociedade,
divulgados na revista “A mensageira” entre 1897 e 1900 em São Paulo, e posteriormente na
“Revista Feminina” entre 1914 e 1937. Esses meios trouxeram discursos sobre os benefícios do
trabalho feminino: “[...] uma mulher profissionalmente ativa e politicamente participante,
comprometida com os problemas da pátria, que debatia questões nacionais, certamente teria
melhores condições de desenvolver seu lado materno.” (RAGO, 2004, p. 493). E vários setores
da sociedade, como positivistas, médicos, liberais, a Igreja, industriais e até operários
anarquistas, socialistas e comunistas incorporaram um discurso de valorização da maternidade
para a formação da identidade nacional. Sendo assim, entre as décadas de 1920 e 1930, foi
exaltada a figura da Mãe Cívica, aquela que gerava e preparava física, intelectual e moralmente
o cidadão brasileiro.
46

Ainda segundo Rago (2004), as anarquistas e socialistas buscaram organizar as


trabalhadoras nas primeiras décadas do século XX, convocando-as para assembléias sindicais
a fim de discutir as condições das mulheres, além de publicarem artigos na imprensa operária
sobre os problemas enfrentados pelas mulheres no trabalho e na vida social. As anarquistas
acreditavam na emancipação feminina por intermédio da revolução sexual, inclusive eram
contra a reivindicação do voto, pois acreditavam que não adiantaria participar do mundo
político, uma vez que este já é hierarquizado social e sexualmente. Acreditavam em uma
sociedade fundada na solidariedade e não na competição, distinta de raça, sexo ou classe, viam
que todos deveriam ter direitos e deveres em pé de igualdade.
Além disso, as anarquistas defenderam o divórcio, as uniões livres 19, assim como a
maternidade consciente, o prazer sexual e reivindicaram o valor da virgindade feminina e o
acesso à educação. Não pensavam em um ideal do desaparecimento da família, mas sim em sua
constituição delineada por outros princípios morais. Muitas dessas anarquistas foram
perseguidas e punidas por policiais entre 1910 e 1920.
Rago (2004) disserta que foi através do trabalho doméstico, nas fábricas, no campo e
na cidade (trabalhando de lavadeiras, cozinheiras, como governantas, em escritórios e lojas,
hospitais e asilos ou, ainda através da prostituição), as mulheres ajudaram a construir as
primeiras décadas do século XX. Aquelas de classes mais altas também colaboraram se
tornando professoras, médicas, advogadas… Entretanto, os códigos sociais definiam o espaço
público moderno como masculino, em que as mulheres participavam como coadjuvante. Ainda
assim, o movimento das trabalhadoras foi muito significativo, uma vez que estas recusaram,
alteraram e recriaram muitas concepções e práticas que lhe eram impostas ao entrarem no
“mundo masculino”, além de criar uma rede de sociabilidade e solidariedade entre elas.
No artigo “Uma história social do feminismo: diálogos de um campo político brasileiro
(1917-1937)”, a historiadora Glaucia Cristina Candian Fraccaro (2018) argumenta que as
pesquisas em História e nas Ciências Sociais colaboraram em sublinhar a ideia de que o
proletariado feminino “[...] havia faltado na emergência de um movimento feminista, exclusivo
das elites letradas e das financeiras.” (p. 9). Sendo assim, os marcos do movimento feminista
no Brasil ficariam conhecidos apenas pelos atos das mulheres de classe alta.
Neste momento, ressalto que Feminismo é um conceito flexível, complexo e
compreende uma série de rompimentos, resistências e processos de transformações. A
historiadora Nayara A. Moura20 (2018) cita que autoras como Margareth Rago (2006), Rachel

19
Em vez do casamento pelo Estado e Igreja que definem o tipo de relação amorosa e sexual.
20
Em “A Primeira Onda Feminista no Brasil”, (2018).
47

Soihet (2006), Mary Garcia Castro (2000), entre outras, utilizam o termo feminismos no plural
em oposto ao feminismo singular (como um movimento homogêneo e culturalmente fixo). Isso
se dá pelo reconhecimento de cada aspecto particular que contribuiu para o valor do movimento:
“Os feminismos de cada época, em cada cultura, com as diversas estratégias de militância
utilizadas e os vários seguimentos teóricos e sociais, foram importantes nas lutas a favor da
igualdade de gêneros e da emancipação feminina”. (MOURA, 2018, p. 65)
Ainda assim, há um princípio comum a todos os feminismos, que se dá pela luta por
igualdade, pela ressignificação do papel social da mulher e pela emancipação feminina.
Segundo Ilze Zirbel (2007 apud MOURA, 2018 p. 65), este segmento é encontrado nos diversos
contextos históricos por diferentes grupos e que as particularidades se dão devido às diferentes
interpretações das opressões vividas por cada grupo e nas estratégias adotadas de luta e
superação das desigualdades.
O feminismo como movimento social se origina na modernidade baseado nos ideais
liberais de igualdade da Revolução Francesa e se materializa através da Revolução Industrial
com a exploração do trabalho, o que levou as mulheres a perceberem a condição de submissão
e opressão que lhes era imposta. E a partir dessa consciência que nasce o movimento, se
alastrando em um primeiro momento na Europa e depois se expandindo pelo Continente
Americano e demais regiões, se moldando a cada cultura e problemáticas de cada lugar. Essa
corrente é conhecida como a primeira fase do feminismo mundial, denominada como
Feminismo de Primeira Onda21, sublinhado sobretudo pela luta de direito ao voto. No Brasil,
esse pensamento do feminismo de primeira onda é introduzido por Nísia 22 Floresta Brasileira
Augusta (1810-1885) que através de suas obras, simbolizou a consciência crítica sobre a
condição das mulheres.
A propósito, foi através da imprensa de mulheres que se deu a maior divulgação de
ideais feministas no Brasil. Ressalto inclusive que foi através da escrita feminina que muitas
mulheres puderam romper com os limites do privado, atuando como cidadãs ativas e se
inserindo nos debates políticos, lutando por seus direitos. Moura (2018) elucida que foram

21
Primeira Onda do Feminismo se caracteriza pela reivindicação de melhores condições de trabalho, como salário,
insalubridade, redução da jornada. Além da luta por direitos políticos, como o sufrágio, buscando direitos de votar
e serem votadas.
A segunda Onda do Feminismo, já pós segunda Guerra, se caracteriza num movimento que incorpora pautas
culturais, questionando padrões e papéis sociais atribuídos a homens e mulheres nas relações afetivas, na vida
social e política e no trabalho. Luta-se por direitos civis e com ênfase do direito ao corpo e ao prazer.
A terceira Onda do Feminismo, a partir de 1990 se caracteriza a partir de uma redefinição das estratégias da onda
anterior. Procurou contestar as definições essencialistas da feminilidade que se apoiavam especialmente nas
experiências vividas por mulheres brancas integrantes de uma classe média-alta da sociedade. (PINTO, 2010)
22
As autoras Ana Alice de Alcântara Costa e Cecília Maria B. Sardenberg (2007 apud MOURA, 2018) afirmam
que foi Nísia Floresta que trouxe esta onda para o Brasil.
48

muitos os jornais fundados por mulheres a fim de conscientizar leitoras e buscar força para as
reivindicações emancipatórias. A principal causa questionada foi o sufrágio. Entre as outras
causas, organizou-se associações femininas, reivindicaram a educação, a legalização do
divórcio, o direito de participar de concursos e cargos públicos, etc.
Segundo Fraccaro (2018), diferentes grupos de mulheres concebiam diferentes visões
sobre cidadania: as trabalhadoras enfrentavam o sindicalismo e reivindicavam licença-
maternidade e igualdade salarial; as comunistas organizavam atos diminutos para o Dia da
Mulher; e ainda, os grupos feministas organizados, como a FBPF (Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino), criada em 1922 por Bertha Lutz, atuava em assembleias estaduais
mantendo diálogo com o governo, debatendo acerca do sufrágio, dos direitos das mulheres,
sobretudo trabalhadoras. Em 1932 as mulheres brasileiras conquistaram o direito de votar e
serem votadas.

As lideranças feministas que negociaram com Getúlio Vargas a franquia do voto


apresentaram-se à cena política como porta-vozes das mulheres trabalhadoras e
pressionaram o governo e o Congresso Constituinte (1933-1934) para assegurar a
proteção da mulher trabalhadora nas seguintes situações: na maternidade (licença pós-
parto e garantia de emprego após a gestação), igualdade salarial com os homens pelo
mesmo trabalho realizado, igualdade de acesso a carreiras públicas por intermédio de
concurso e fim das restrições ao trabalho de mulheres casadas. (MARQUES, 2016, p.
672)

Foram muitos os enfrentamentos que as mulheres que buscavam por uma vida mais
igualitária tiveram que encarar. A historiadora Tereza Cristina Novaes Marques 23 (2016),
elucida que mesmo com o acesso ao voto, o diálogo com o Governo era muito difícil, muitas
emendas e projetos de lei girando em torno do trabalho feminino e maternidade foram
rejeitados. Foram ainda muitos anos após isso e muita luta até as mulheres conseguirem
conquistar o mínimo de seus direitos no trabalho, na saúde e na educação.
Não obstante, a historiadora Paola Cappelin Giulani (2004) disserta que a união das
mulheres trabalhadoras, grupos feministas e organizações sindicais fez com estas reunissem
muitas queixas e relatos sobre discriminação e segregação sexual no trabalho e na vida conjugal,
isto se tornaria fonte de denúncias para a busca de novos direitos. Socialmente, essa união de
mulheres criou um estilo singular de reflexão e mobilização.
Marques (2016) elucida também que neste momento foi gerado um debate público
sobre aquelas que trabalhavam por necessidade e aquelas que trabalhavam por desejo. Isto
impulsionou as feministas a abandonarem a retórica do trabalho como origem da autonomia

23
Em “A regulamentação do trabalho feminino em um sistema político masculino, Brasil: 1932 – 1943”, 2016.
49

feminina e justificam a mulher-mãe-trabalhadora produto da vida moderna. Para mais, através


do conhecimento e circulação de ideias, os grupos de mulheres que lutavam por igualdade,
sobretudo no trabalho, vão evoluindo em suas reivindicações para uma confluência com o
ideário feminista. Segundo Fraccaro (2018) no Brasil, o feminismo foi introduzido e instituído
como um campo político delineado por disputas e projetos de emancipação feminina que
compreenderam o repertório sobre direitos e justiça social.
E como as relações afetivas, os casamentos e a família no Brasil se fez presente dentro
desse início de novo século urbano e industrial e envolto da questão da Nova Mulher? Houve
muitas rupturas sociais de comportamento, o casamento agora é valorizado pela escolha, pelo
amor - que deixou de ser uma ideia romântica e passou a se tornar o cimento da relação. Mary
Del Priore (2005) esclarece que pelas ruas das cidades, os bares e choperias cantavam o amor
de todo tipo: trágico, triste, descritivo, ideal… e cabia a essas músicas aproximar as regiões do
Brasil, mostrando hábitos e contando como evoluíram as intimidades amorosas.
Em nenhum período anterior o país sofreu um processo tão significativo de
transformação de hábitos cotidianos, convicções e percepções, influenciadas sobretudo pelo
capitalismo e por uma maior circulação de ideias. Dentro desse contexto, Priore (2005) elucida
que com a abolição da escravatura, a elite agrária decai e a migração do campo para a cidade
provoca uma desestruturação da tradicional família brasileira, somado a isso, a industrialização,
a urbanização e também a imigração de europeus com novos ideais de sociedade, provocam
uma ruptura profunda no âmago da vida brasileira.
Assim como nos Estados Unidos, as mulheres brasileiras conquistaram um espaço na
vida esportiva e quebraram barreiras. Elas passaram a pedalar, jogar tênis, passaram a
frequentar praias e casas de banho. Esse encontro dos sexos em ocasiões esportivas segundo
Priore (2005) significou mudança nas relações sociais. Além disso, os homens deixaram de
desejar a personificação da mulher “princesa”, uma vez que estas abandonaram seus espartilhos
e vestimentas que simbolicamente significavam pureza e as “protegiam” do desejo masculino.
O início do século XX no Brasil contou com uma revolução dos costumes,
especialmente no universo feminino. Mudou-se o ideal de moda e de corpo:

No início do século XX tem início a moda da mulher magra. Não foi apenas uma
moda, foi também um desabrochar de uma mística de magreza, uma mitologia da
linha, uma obsessão pelo emagrecimento; tudo isso temperado pelo uso de roupas
mais próximas ao corpo.
Na Europa, de onde vinham todas as modas, a entrada da mulher no mundo do
exercício físico, do exercício sobre bicicleta, nas quadras de tênis, nas piscinas e nas
praias trouxe também a aprovação de corpos esbeltos, leves e delicados. Tinha início
50

a perseguição ao chamado enbompoint - os quilinhos a mais - mesmo que discretos.”


(PRIORE, 2005, p. 245)

Entretanto, essa moda de corpo magro, seios pequenos e principalmente os cabelos


curtos eram vistos pela sociedade como negação da feminilidade. Atrelado a isso, a década de
30 foi marcada pelo movimento anti-feminista. Até 1980 (porém nota-se até os dias atuais)
muitas mulheres negaram a palavra “feminismo ou feminista”. Esse movimento segundo Moura
(2018) disseminava que a mulher feminista era o oposto da feminina, prevalecendo uma ideia,
no senso comum, que o feminismo era uma “[...] luta de mulheres feias, lésbicas, ressentidas,
masculinizadas, mal-amadas e antihomens.” (p. 71)
As pessoas antifeministas argumentavam que ao assumir funções socialmente
masculinas, as mulheres desenvolveriam características e funções incompatíveis com a sua
natural função de ser apenas mãe. Então para reafirmar essa condição muitas revistas femininas
da época traziam em seu conteúdo manuais de como ser mulher: a boa esposa e a mãe cívica.
Neste cenário, mesmo a mulher brasileira assumindo em pequenos atos sua autonomia,
mesmo o amor se construindo num discurso de base para uma relação, a moral tradicional,
atrelada principalmente à religião ainda negligenciava a questão da sexualidade. A endogamia
entre as elites ainda se fez presente no século XX, sobretudo nas região Sul do país. Julgava-se
ainda o amor conjugal feito para procriação. O sexo tinha que ser no casamento, no lar, sendo
assim decente e higiênico, hierárquico: “Criaturas opostas, biológica e psicologicamente,
homens e mulheres eram vistos como ‘meros reflexos de suas posições físicas no amor: um
procura, domina, penetra, possui; a outra atrai, abre-se, capitula, recebe.” (PRIORE, 2005, p.
253)
A super valorização do casamento fez com que a solteirice fosse até perseguida,
conduzindo o imaginário feminino acreditar que não se casar era um insucesso. Se antes o papel
social da mulher era se casar por imposição, nesse momento o seu papel social era buscar pelo
amor - no casamento - pois só assim seria feliz. Perceba que não muda a sociedade em si, mas
mudam-se os discursos. Além disso, ao se casar, o divórcio era uma opção considerada imoral,
uma vez que a união deveria ser para toda a vida.
Nas classes mais abastadas havia uma cultura de relações afetivas diversa24, afinal era
difícil adaptar aos valores burgueses quando se tinha que sobreviver em condições deploráveis.

24
Uma configuração de relação diferente do que a construída entre as elites. Nas classes mais altas as relações
eram pautadas sobretudo nas riquezas e no status, concepções que não faziam parte da vida dessas classes mais
abastadas, sendo assim, suas relações eram construídas com outros ideais que não envolviam dinheiro. O
casamento oficial nem fazia parte de sua dinâmica relacional.
51

Priore (2005) afirma que entre essas classes mais pobres, a regra eram as uniões consensuais e
concubinatos, enquanto que o casamento oficial era “coisa de branco”. As mulheres pobres
garantiram certa autonomia através do trabalho pela dificuldade de seus maridos em manter a
família, mas essa autonomia vinha sublinhada de machismo, assédio e violência.
Entretanto, sobre a questão da sexualidade, segundo Priore (2005) entre os médicos
crescia uma conscientização acerca da necessidade de uma educação sexual entre os jovens: “A
inocência e a ignorância de muitas eram contrabalançadas pela violência e pela brutalidade de
muitos.” (p. 255). Os médicos notaram que o primeiro contato sexual tendia ser desastroso,
sobretudo para as mulheres, então passaram a instruir os homens para que “deflorassem com
especial cuidado” suas mulheres e que estes deveriam aprender a se relacionar sexualmente
com suas esposas, uma vez que muitos casamentos acabavam pelo desprezo do marido sobre
as necessidades da mesma. Os maridos, no entanto, tinham medo de, ao exercer o ato sexual
estaria ofendendo ou prostituindo-a. Enquanto isso, as mulheres sentiam culpa por idealizar ou
saber sobre sexo.
Depois da Primeira Guerra Mundial, o Ocidente se vê em crise e na necessidade de
reinventar o mundo. Como já foi explanado, houve um fervilhamento intelectual e tecnológico
na Europa que influiu na América. Claro que a questão da Nova Mulher foi concebida com
muita desconfiança. Entretanto, emancipou-se a dança, avançou-se nos flertes25 e discutiu-se as
uniões livres, levantadas pelos anarquistas e intelectuais, como já foi dito.
Segundo Priore (2005) os anarquistas viam o casamento como contrato social cheio de
regras e viam no “amor livre” a manifestação de emoções, que daria possibilidade de definir
livremente o tipo de relação amorosa para cada um. Enquanto isso, o Código Civil previa a
nulidade do casamento se o marido constatasse que a esposa não fosse virgem. Pensando essa
questão, Priore (2005 cita ERCÍLIA NOGUEIRA COBRA), que em 1924 escreveu um ensaio
que reivindicava o amor e sexo fora do casamento, colocando em evidência que manter a
virgindade era uma ação inútil, de controle de corpos e até anti-higiênica...
A Música Popular Brasileira cantava em seus versos as relações de homens e mulheres.
A mulher no samba era vista como o pivô de conflito entre trabalho e prazer. Mary Del Priore
(2005) nos conta que há três imagens femininas no samba: a doméstica, passiva e submissa do
lar e de seu homem; a piranha, que satisfaz e traz desordem; e a onírica, a ideal. Por meio das
canções foi possível mostrar a representação dos sentimentos de camadas que eram antes
excluídas, e mais, ao se fazer presente na voz de ricos e pobres, um certo vocabulário de gestos

25
Comportamento comum entre seres humanos que consiste numa discreta insinuação de interesse entre pessoas.
52

e palavras passou a fazer parte dos diálogos amorosos. No rádio, ouvia-se as músicas, contava
da vida amorosa dos ídolos e lavava roupa suja de casais, sempre em um tom de valorização do
padrão burguês.
Ainda em um cenário pós Primeira Guerra Mundial, com o colapso da indústria
cinematográfica europeia, Hollywood26 ganhou a cena e papel significativo nas casas
americanas, notadamente nas brasileiras também. São seus discursos traduzidos em filmes que
influi novos comportamentos afetivo/sexuais. Nota-se a importância das narrativas, presentes
na teoria taxonômica, na construção de um amor protótipo, de um ideal de relação a ser seguido.

A mídia popular deste período mostrava imagens de mulheres determinadas a agarrar


e preservar um marido. As do tipo profissional, que apareciam nos filmes dos anos
1930 e 1940, em que estrelas como Katharine Hepburn e Rosalind Russell triunfaram
como pilotos de aviões, advogadas, jornalistas, não estavam em alta. Ao contrário,
colegiais e esposas corajosas, estreladas por Doris Day e Debbie Reynolds,
encarnavam o ideal americano - otimistas, cuidadosas e sexualmente tímidas. Até
mesmo grandes estrelas, como Elizabeth Taylor e Marilyn Monroe, que ostentavam
uma sexualidade multifacetada, eram geralmente coroadas com véus de noiva no final
do filme.” (YALOM, 2002, p. 393)

Segundo Priore (2005), nas telinhas cinematográficas brasileiras nas décadas de 30 e


40, sentimentos de amor e traição são evidenciados. Nos filmes, sobretudo hollywoodianos o
relacionamento era o eixo: triângulos amorosos, traições, a busca do amor eterno… “o felizes
para sempre”. A solução para tudo acabava em casamento. Para mais, esse ideal de vida perfeita
traduzida nos filmes fez com que as pessoas questionassem seus lares.
Os filmes e anúncios alimentava a fantasia da esposa bela, recatada e do lar. A
domesticidade estava novamente na moda. Entretanto nota-se a representação da mulher sendo
realçada, e novas ideias foram trabalhadas nas cabeças das moças modernas, como se valorizar
para agradar, ser sedutora, trabalhar o sex appeal27. E mais, foram os filmes que incitaram as
pessoas a beijar, acariciar, tocar em cima das roupas… inclusive, o beijo se tornou sinônimo de
namoro. Embora essas representações convidassem a novos padrões de comportamento, estas
se chocavam com a mentalidade patriarcal.
Vagarosamente, as relações foram se modificando, as moças passaram a escolher com
mais atenção seus futuros maridos, avaliavam tipos e decifravam sinais, pois com o advento da
urbanização normaliza-se um contato mais direto entre homens e mulheres, além de

26
Hollywood é um dos símbolos do poderoso cinema estadunidense. A cidade de Hollywood está localizada no
estado da Califórnia. Trata-se, na verdade, de um distrito da grande Los Angeles, cidade que se tornou referência
cultural nos Estados Unidos. Hollywood acumulou ao longo da história várias empresas cinematográficas que
obtiveram repercussão mundial.
27
Poder pessoal de sedução; encanto sensual.
53

flexibilizarem o namoro, passaram a considerar a iniciativa do casamento como um ato


individual.
Retomando a questão do Casamento, essa instituição, como já foi evidenciada no
primeiro capítulo, tem em suas origens no domínio e na posse da mulher pelo homem. E diante
da lei brasileira, Priore (2005) assevera que no Código Civil de 1916 ficava explícito a
autorização para o uso legítimo da violência masculina contra os “excessos femininos”,
inclusive a decisão se a mulher poderia trabalhar ou não, era do marido. A condição de sujeição
era imposta pela lei e pelos costumes, sublinhada pela violência. Para mais, mesmo com o amor
se tornando base da relação matrimonial, interpretava-se um amor-amizade, porque qualquer
sentimento fora de controle, que levasse ao sofrimento, imbuído de muita paixão geralmente
terminavam em crimes passionais.
Motivado por forte emoção, é assim que são representados os crimes passionais.
Segundo o dicionário Priberam, passional vem do latim passionalis, que significa suscetível a
paixão, apaixonado. Sendo assim, esses crimes são traduzidos na ideia do amor como arma,
considerando o amor e o ciúme como a raiz dos gestos impulsivos. As mulheres ao matar seus
maridos, motivadas geralmente por ciúmes ou em atos de revidação da violência sofrida em
casa, usavam facas de cozinha ou fogo. Estas, na frente do Juiz tinham de apresentar as marcas
mais profundas de sua resistência para provar sua inocência e mesmo assim, sem cogitação de
perdão pelos seus crimes. Os homens, por sua vez, matavam as mulheres à pauladas, facadas,
murros, rasgando-lhes o sexo e eram absolvidos, pela lei considerar o evento um assunto
privado em defesa da honra: “ [...] honra manchada lavava-se com sangue.” (PRIORE, 2005,
p. 265)
A honra de um marido, segundo Bassanezi (2004) 28 dependia do comportamento de
sua esposa, o castigo violento ou crime passional contra a mulher, concreta ou supostamente
infiel eram perdoados pela lei. O marido que não reagia com violência em casos assim era
chamado de “corno manso”. Só para exemplificar, segundo Priore (2005) o Código Penal de
1890 - que ficou em vigor até 1940 - penalizava o adultério, para as mulheres em até 3 anos de
reclusão e para os homens, absolvição, afinal, era um assunto privado e a fidelidade masculina
não deveria ser questionada.
Uma série jornalística brasileira, chamada “No jardim do Crime” publicada na Gazeta
de Notícias - periódico publicado no Rio de Janeiro. Circulou entre agosto de 1875 e 1942 -
entrevistava os “assassinos por amor”. Entre esses crimes, a motivação mais presente era a
54

suposta traição. “Apoiado na tradição machista e patriarcal, o crime seria predominantemente


masculino.” (PRIORE, 2005, p. 265). E será que a morte por amor realmente existe? Você pode
amar tanto alguém à ponto de privar-lhe a vida? Você ama tanto ao ponto de preferir viver com
uma ideia da pessoa morta doque livre? Seria amor ou poder? Amor ou controle? retomarei
essas questões no próximo capítulo.
Passado a Segunda Guerra Mundial, as populações urbanas não pararam de aumentar,
houve uma ascensão da classe média e as pessoas conviviam com um maior acesso à
informação, lazer e consumo. As revistas femininas delineavam a vida amorosa, havia regras
femininas a serem seguidas e conselhos como: “[...] mesmo se ele se divertir, não gostará que
você fuja dos padrões, julgará você leviana e fará fofoca na roda de amigos.” (PRIORE, 2005,
p. 284).
Entre os anos 1940 e 1960, as adolescentes eram incentivadas a ler obras da Biblioteca
das Moças, cujos textos alimentavam o imaginário feminino que sonhava com o dia em que seu
cavaleiro chegaria. Segundo Priore (2005) enquanto as mulheres consumiam uma literatura
“cor-de-rosa”, os homens se esbanjavam com seus quadrinhos eróticos. Essa contradição
evidenciava os universos distintos em que homens e mulheres concebiam o amor e o sexo.
E assim chegaram os famigerados Anos Dourados (1950), em que a imprensa teve
papel presente em modelar os comportamentos. O Jornal das Moças de outubro de 1955, citado
por Priore (2005), trazia regras de ser a boa esposa: fazer o marido feliz para ser feliz; ser
vaidosa para manter o interesse do marido; jamais discutir por dinheiro; acompanhar as opiniões
do marido, sempre o agradando. Qualquer insatisfação feminina era desqualificada, no
imaginário social não importava o motivo da briga do casal, a razão era sempre do homem.
Essas revistas femininas marcavam a feminilidade e diferenciava os sexos, representando ainda
uma ideia distorcida de ser mulher e sua sexualidade.
Mesmo com uma maior autonomia do indivíduo para se relacionar, o julgamento e a
cobrança da sociedade era recorrente. Compreendemos aqui a teoria estruturalista do amor, na
medida que ao buscar amor, essa conduta parece ser individual, porém é moldado diante de
tudo que a moralidade social impõe, especialmente moldando seus discursos acerca do cônjuge
ideal (na busca e no ser). “A escolha do cônjuge já era então assunto de enamorados. Mas só
tem tese, pois na prática a influência familiar e do círculo de amigos era fortíssima.” (PRIORE,
2005, p. 290)
Nessa época, muitas revistas e jornais perseguiam as transformações que se davam
entre os jovens. Era um momento de conflito e tensão entre o velho modelo repressivo social e
a busca por novas mudanças no cenário afetivo e social. As moças que nasciam nessa época,
55

sentiam-se herdeiras de ideias antigas que sempre se renovam. Ou seja, mesmo que se passaram
séculos e novos questionamentos foram apontados em torno da questão da mulher, estas
desabrocharam sabendo que tinham de ser mães e esposas. A historiadora Carla Bassanezi
(2004) afirma que isso não significava que elas pensavam e agiam totalmente de acordo, mas
que essas expectativas sociais faziam parte da realidade, influenciando suas atitudes e escolhas.
Ainda segundo Bassanezi (2004), o Brasil acompanhou à sua maneira, as tendências
internacionais de modernização e emancipação feminina. A Segunda Guerra impulsionou a
participação mais efetiva das mulheres no mundo do trabalho, onde estas tiveram oportunidades
intrínsecas de ter maior autonomia e direitos. Entretanto, com o fim da guerra, campanhas
estrangeiras passaram a pregar a volta das mulheres ao lar e o Brasil seguiu essa corrente, afinal
o código de moralidade era de domínio geral, em que todos se sentiam aptos e no direito de
julgar os comportamentos de uma jovem mulher.

A moral sexual dominante nos anos 50 exigia das mulheres solteiras a virtude, muitas
vezes confundida com ignorância sexual e, sempre, relacionada à contenção sexual e
à virgindade. Em contrapartida, relações sexuais dos homens com várias mulheres não
só eram permitidas, como frequentemente incentivadas. [...] Mesmo partindo de
namoradas a quem estavam verdadeiramente afeiçoados, muitos rapazes tinham
dificuldades em aceitar comportamentos mais liberais, ainda que eles próprios os
tivessem estimulado. (BASSANEZI, 2004, p. 512 e 513)

Mesmo após séculos de desenvolvimento das relações, a virgindade continuava sendo


um selo de honra e pureza. Esse valor, segundo Bassanezi (2004), era atribuído ao controle da
sexualidade e do corpo da mulher, privilegiando assim uma hegemonia do poder masculino nas
relações. E mais, a busca pela satisfação sexual dos homens de classe média se davam nas
relações com mulheres mais pobres, evidenciando que havia um critério de classificação e
valorização das mulheres que reforçava as desigualdades sociais.
Mary Del Priore (2005) aponta que no país da alardeada mistura racial em um cenário
pós escravidão, a mestiçagem começava a aumentar e isso se dava sobretudo, pela união de
homens negros e mulheres brancas. As mulheres pardas e negras ficavam em desvantagem uma
vez que além de serem oprimidas por serem mulheres, também eram pela sua cor. Nesse
sentido, dificilmente uma família aceitava a união de homens com estas. O racismo continuava
muito presente, ditado pela cor, somado a diferenças sociais, econômicas e de educação.
As aproximações e os namoros avançaram levemente seguido de regras mínimas.
Segundo Bassanezi, os rapazes deviam buscar as moças em casa e trazê-las de volta, se esta
morasse sozinha, ele não deveria entrar; o homem deveria pagar a conta sempre; moças de
família não bebem e são educadas para se dar o respeito e evitar qualquer investida masculina.
56

O homem ideal devia ser bom caráter, correto e respeitador, que não ultrapassasse os limites…
entretanto, se ultrapassasse, era absolvido socialmente, pois argumentavam que: homens se
comportam de acordo com a sua natureza.
Na segunda metade dos anos 50, alguns grupos esclarecidos defenderam a educação
sexual, pois as informações sobre sexualidade chegavam para as mulheres sublinhadas por
censuras, silêncios e preconceitos. Muitos manuais instrutivos e revistas femininas traduziam o
sexo como “realidade a ser enfrentada, missão a ser cumprida“ (BASSANEZI, 2004, p. 518),
viam-no como obrigação conjugal. Palavras como “sexo”, “relação sexual”, “educação sexual”,
“prazer” não apareciam nas revistas. Não que as mulheres não dessem um “jeitinho” de obter
informações sobre isso, conversavam muito entre si e liam as escondidas os livros proibidos.
Entretanto, dentro desse cenário de julgamento, repressão e palavras não ditas, as iniciações
sexuais para as mulheres tendiam a ser infelizes. Outra questão que colocava freio à sexualidade
feminina era o medo de uma gravidez indesejada fora do casamento.
Em um período de mudança, as próprias jovens se sentiam confusas e com dúvidas de
qual seria o comportamento adequado diante de um homem:

[...] quando uma mulher sorri [para um homem] é porque é apresentada. Quando o
trata com secura é porque é de gelo. Quando consente que a beije, é leviana. Quando
não permite carinhos, vai logo procurar outra. Quando lhe fala de amor, pensa que
quer ‘pegá-lo’. Quando evita o assunto, é ‘paraíba’. Quando sai com vários rapazes é
porque não se dá valor. Quando fica em casa é porque ninguém a quer. […] Qual é o
modo, pelo amor de Deus, de satisfazê-lo? (carta de uma leitora – O Cruzeiro, 08 dez.
1951 apud BASSANEZI, 2004, p. 520)

Mas tantas regras, advertências e preocupações não impediram que muitas mulheres
fugissem dos padrões estabelecidos, afinal, foram através desses questionamentos e
contestações que foi possível colocar em risco as normas de comportamento, contribuindo
também para o aumento dos limites estabelecidos para o feminino. Regras e advertências não
foram suficientes para barrar as mulheres de fumar, ler coisas proibidas e se permitir explorar
a sexualidade.
Durante os Anos Dourados, se elevou novamente a participação feminina no mercado
de trabalho, sendo assim, exigiam uma maior qualificação para remuneração, resultando numa
maior escolaridade, o que mudou consideravelmente o status social das mulheres. Segundo
Bassanezi (2004), o magistério foi o curso mais procurado pelas moças na época, que era o que
mais se aproximava do papel de mãe. As mulheres viviam em conflito, entre as visões
tradicionais e o chamado à nova realidade, girando em torno de independência.
57

A educação com objetivo profissional era menos valorizada para as mulheres, mas ao
menos a educação formal permitiu diminuir distâncias entre homens e mulheres. Para manter
as hierarquias, Bassanezi esclarece que o imaginário social via a mulher culta como uma
ameaça:

[...]um certo nível cultural é necessário à jovem para que “saiba conversar” e agradar
os rapazes assim como é útil para o governo de uma casa e a educação dos filhos,
entretanto os rapazes evitam as garotas muito inteligentes e a “mulher culta” tem
menos chances de se casar e de ser feliz no casamento.” (BASSANEZI, 2004, p. 523)

O casamento nos anos 50, segundo Bassanezi (2004), se configurava no contraste entre
o homem como chefe e detentor de poder e a mulher como rainha do lar. O diálogo entre iguais
não era algo a ser buscado, porque as mulheres não eram consideradas equivalentes aos homens,
eram traduzidas mais como um conforto, consolo ou estímulo. A separação era a maior ameaça
para o status feminino, nesse sentido se culpavam pelo descaso e infidelidades masculinas,
relevavam qualquer atitude ou deslize para conservar a estabilidade conjugal.
No âmbito íntimo do casamento, a afinidade sexual era o fator menos importante na
felicidade conjugal, a esposa ideal, segundo ainda a mesma autora (2004), tinha de ser o
complemento do marido no cotidiano doméstico e o bom desempenho sexual da mulher casada
não fazia parte das expectativas. Os casais da década de 50, maiormente, classes médias e altas
praticavam o controle de natalidade, apesar de não ser um assunto muito divulgado no Brasil.
A pílula anticoncepcional só começou a se popularizar na década de 60.
Mary Del Priore (2005) explana que a sociedade aprovava e valorizava o homem
fazendo sexo com várias mulheres, uma vez que o pensamento social julgava como um horror
o homem virgem. Em contrapartida, para o casamento, estes escolhiam as recatadas moças de
família, virgens: “[...] ir a zona era preservar a menina da sociedade [...] o que o namorado não
podia fazer com a namorada fazia lá. Tinha de ser lá, não podia ser com a namorada.”
(BASSANEZI apud PRIORE, p. 289).
Ao contrário dos maridos, as adúlteras, como já foi evidenciado, eram severamente
punidas. Em qualquer que fosse o caso, as mulheres eram aconselhadas a controlarem as
frustrações, fugirem das tentações e dominar seus impulsos, mantendo-se fiel mesmo que o
marido não fosse. Segundo Priore (2005) toda a revolta deveria ser concentrada na “rival”,
evidenciando as relações entre o gênero feminino, em que os homens estimulavam a competição
entre as mulheres, para desconsiderar sua dupla moral sexual. Esse ideal de estímulo de
competição feminina, ainda muito presente na sociedade atual, também é um recurso
58

significativo para desapoio entre as mulheres, focando os problemas conjugais em si mesmas e


na famigerada “outra” - a destruidora de lares. Foi um artifício importante na história para o
controle de uma possível revolução feminina.
Ainda nos anos 50, o desquite era a única possibilidade de separação oficial, este não
dissolvia os vínculos conjugais e não permitia novos casamentos. A mulher desquitada era
vigiada, tinha de abrir mão da vida amorosa, senão poderia perder os filhos, enquanto que os
homens ao ter outra mulher não era questionado. O divórcio era considerado por muitos o
“câncer” da estabilidade social por enfraquecer o ideal de família. Segundo Bassanezi (2004) o
divórcio só passou a fazer parte das leis brasileiras na década de 1970. Entretanto houve um
aumento intenso de mulheres que se autodeclararam separadas entre 1940 e 1960.
Enquanto as mulheres continuavam a buscar seus direitos civis e de liberdade social,
os crimes passionais continuavam a encher as páginas dos jornais: “Ele matou por amor”, o
homem era considerado a vítima desse sentimento tão avassalador.

2.2 A LUTA FEMINISTA E REVOLUÇÃO NOS VALORES

O início da década de 1960 foi marcado por um movimento de ressignificação do sexo,


estreando a significativa Revolução Sexual. Um ideal de nova esposa foi considerado, dando
ênfase ao prazer sexual e ao trabalho feminino. A partir de uma maior dinâmica social entre as
gerações, foi possível confrontar antigos valores e comportamentos. Muitas mães atribuíram as
mudanças às próprias filhas:

Mesmo preocupadas com a liberdade sexual de suas filhas, a tendência era uma
melhor aceitação de tais mudanças. Por exemplo, a grande maioria das mães disse que
ajudaria suas filhas a praticar concepção se soubesse que eram sexualmente ativas.”
(YALOM, 2002, p. 409)

O impulso sexual neste momento passa a ser visto, significantemente como algo
aceitável e ainda mais desejável em uma mulher. Em seu auge, a revolução sexual reivindicava
não apenas sexo bom, mas amor, respeito, compromisso, atenção. Segundo Marilyn Yalom
(2002) esse movimento não ficou limitado apenas as solteiras, mas também casadas e senhoras
com mais idade que iniciaram seus relacionamentos mais tarde.
Essa maior liberdade sexual experienciada pelas mulheres a partir da década de 60,
aconteceu paralelamente a participação feminina no mundo do trabalho. Segundo Yalom (2002)
o número intenso de mulheres trabalhando começou a alterar a estrutura do casamento e da
59

família. Primeiramente, porque se tornaram provedoras da família e também porque mudou-se


a crença de que o trabalho da mulher teria de ficar em segundo lugar em relação ao trabalho do
marido. Em 1969 já era comum ver famílias com “duas profissões” 29. E apesar dessa filosofia
igualitária familiar, as esposas ainda eram as responsáveis por cuidar da casa e dos filhos.
Outra revolução que emergiu desse contexto foi a consciência social, a fim de
transformar fundamentalmente a família. Os filhos dos anos 70 e 80 passaram a ter mais contato
com as tarefas domésticas, sendo estimulados a pôr a mesa, lavar seu prato... Um pulo
significativo em comparação aos pais dos anos 50. Yalom (2002) ainda elucida que houve
mudanças radicais nos ideais e práticas de paternidade, sendo os homens encorajados a ter uma
maior participação na gravidez, no parto, na alimentação e limpeza do bebê.
A busca por um casamento igualitário então se fez presente, no qual o sexo e o dinheiro
eram os meios de unir os cônjuges. A nível cultural, a partir dos anos 60, as músicas cantavam
paz, amor, sexo livre e drogas. Mary Del Priore (2005) aponta que os países protestantes
influenciaram o Brasil a empurrar barreiras. O movimento Hippie dos Estados Unidos
estimulou mudanças significativas pregando ideias de amor livre. Esse foi um momento de uma
maior liberdade de encontros e corpos. A moral sexual se flexibilizava e as uniões livres se
tornavam cada vez mais aceitas. Entretanto, segundo Priore (2005), a Igreja continuava a ver o
sexo como um pecado, mas entre os católicos (cerca de 93% da sociedade brasileira)
começavam a pensar que amor e sexo podiam andar juntos.
A televisão passou a fazer parte da vida cultural dos brasileiros, traduzindo em seus
programas sua identidade e seus amores. Em 1960, segundo Priore (2005), esses programas
ainda usavam uma linguagem neutra e distante para falar de sexualidade, ainda envolta de muito
tabu. Quanto aos adolescentes, estes eram poupados de qualquer informação direta sobre sexo
ou sexualidade, inclusive a educação sexual ainda é uma questão pouco aceita no Brasil atual. 30
Em quatro paredes, o sexo avançava em técnicas e prazeres. Priore (2005) explica que
o beijo de língua foi explorado, assim como uma sexualidade bucal (graças aos avanços da
higiene íntima) e as preliminares se tornaram mais longas. O corpo nu, entretanto, ainda era um
atentado ao pudor. Não obstante, a moda revolucionou e passou a despir corpos com roupas
mais curtas, como minissaias.

29
YALOM, 2002, p. 415.
30
“Governo Federal faz campanha de abstinência sexual voltada para o público de 10 a 18 anos. A ação tem como
objetivo conter a gravidez na adolescência por meio da abstinência sexual. Além disso, outra meta da campanha é
expor ao público jovem as vantagens de prorrogar o começo da vida sexual.”
(ISTOÉ. 23 de jan. 2020. Redação. Disponível em: https://istoe.com.br/comeca-em-fevereiro-campanha-do-
governo-federal-pela-abstinencia-sexual/. Acesso em: 07 out. 2020).
60

A ideia então da relação afetiva ser construída no amor e no sexo passou a ser
efetivamente discutida. Era o início do direito ao prazer para todos, sobretudo para as mulheres,
não mais penalizadas por seus desejos. Era o fim do ideal do amor virgem, de se casar virgem…
E quando acabava o amor? Neste momento a separação já não era mais considerada um fracasso
completo, então os casais se divorciavam e buscavam novos amores.
A imprensa neste momento, continuou a fazer seu papel de veículo de discussão de
novos valores e dinâmicas sociais. A revista brasileira “Ele/Ela” de 1969, citada por Priore
(2005 p.304) discutia sobre o uso de drogas, a revolução sexual, o feminismo e a
homossexualidade e seu público alvo era o “casal moderno” de classe média alta. Entretanto,
essa revista, segundo a mesma autora (2005), explorava esses temas de forma bastante genérica,
nem sempre defendiam tais “novidades”, distorcendo a emancipação feminina e valorizando
ideais de pureza, integridade e fidelidade feminina.
Assim como o Feminismo de Primeira Onda no Brasil se personificou de maneira
diversa comparado aos outros países ocidentais, a Segunda Onda do Feminismo no Brasil
também afluiu em uma dinâmica distinta, de acordo com o contexto político da época. Durante
a década de 60, o movimento feminista ressurgiu com toda a força, dando ênfase a sexualidade,
mas sobretudo evidenciando e denunciando a questão das relações de poder entre homens e
mulheres. Segundo a historiadora Céli Regina Jardim Pinto (2010) o livro “Segundo Sexo” de
Simone de Beauvoir de 1949 se tornou o principal referencial teórico para discutir as relações
de poder entre os sexos. Segundo a mesma autora, essa segunda Onda:

[...]aparece como um movimento libertário, que não quer só espaço para a mulher –
no trabalho, na vida pública, na educação –, mas que luta, sim, por uma nova forma
de relacionamento entre homens e mulheres, em que esta última tenha liberdade e
autonomia para decidir sobre sua vida e seu corpo. (PINTO, 2010, p. 16)

Enquanto que neste momento na Europa e nos Estados Unidos o cenário era propício
para movimentos libertários, o Brasil se via dentro de um contexto de repressão de luta política.
Foi durante o Regime Militar que aconteceram as primeiras manifestações feministas no Brasil
na década de 70.

Os governos militares que se sucedem a partir do golpe de 1964, enfraquecem os


canais de integração social dos trabalhadores e reduzem drasticamente o acesso à
cidadania social, impondo o que pode ser chamado de ‘cidadania em recesso’. [...]
Buscando legitimidade junto à população, os governos militares ensaiam algumas
políticas voltadas às condições de vida das camadas populares: programas de
alfabetização, de assistência médico-hospitalar e de habitação. Mais uma vez, porém,
tais programas reafirmam a assimetria das relações entre homens e mulheres. Antes
de tudo, considera-se como público alvo dessas políticas a família institucionalmente
61

constituída em torno do chefe de família – única autoridade reconhecida e


incontestada, único representante das necessidade e das exigências de todos os
familiares. (GIULANI, 2004, p. 537)

Segundo Pinto (2010), o Regime Militar brasileiro via com muita desconfiança
qualquer manifestação feminista por compreendê-las concebendo uma política moralmente
perigosa. Ao mesmo tempo que as mulheres no Brasil organizavam as primeiras manifestações,
com muita desconfiança, as exiladas do país, sobretudo as que partiram para Paris foram
expostas ao feminismo europeu e passaram a se reunir e discutir novas questões. Isso aconteceu
apesar da oposição dos homens exilados, na maioria seus companheiros, que observavam o
feminismo como um desvio da luta contra a ditadura.
Entre 1979 e 1985 cresceu no Brasil uma mobilização de diferentes setores da
sociedade exigindo uma redemocratização. Segundo Giulani (2004) o enfrentamento contra a
política militar se iniciou no âmbito trabalhista, reivindicando negociações sindicais. Mas saiu
das paredes das fábricas e atingiu dimensões correspondentes às condições de vida, aos abusos
praticados pelas autoridades municipais e estaduais (altas taxas de água e esgoto, falta de
assistência médica…) e ao alto nível de pauperização evidente nas cidades.
Na primeira metade da década de 1980, a preocupação com uma melhor condição de
vida mobilizou diferentes setores sociais em busca da redemocratização. Segundo Giulani
(2004) esse objetivo em comum fez com que aqueles que antes agiam separadamente se
unissem, configurando vários levantes populares. Mulheres trabalhadoras, grupos feministas,
organizações sindicais, partidos, setores que atuavam na administração do Estado, começaram
a pensar juntos a divisão sexual do trabalho. Esse movimento alavancou o feminismo, sobretudo
com a pauta da luta pelo direito das mulheres. Nesse momento, Pinto (2010) aponta que
inúmeros grupos e coletivos discutiam violência, sexualidade, igualdade no trabalho e no
casamento, direito à saúde materno infantil, denunciavam a precariedade dos serviços coletivos
municipais.
A discussão ganhou força com o apoio de profissionais das principais áreas que se
situavam as reivindicações - educadoras, médicas, advogadas, assistentes sociais - que junto
com o ideal feminista abriram o debate sobre mulheres-saúde-cidadania.
Não obstante, discutiram pela remodelação da relação entre família e trabalho,
buscaram novas proposições de equidade entre os sexos e por modificações na ordem cultural
e jurídica brasileira. Giulani (2004) discute também que foi proposto uma revisão da
feminilidade, sobretudo entre as trabalhadoras, entendendo que para renovar o conceito de
feminilidade era indispensável renovar também o conceito de masculinidade, era necessário
62

rever os papéis exercidos (de esposa, de mãe, de filha, de provedora e organizadora do


orçamento doméstico, de profissional. Além de questionar as atribuições domésticas de homens
e mulheres; o papel de ser mãe e ser pai) e deveriam combater o machismo “[...] em seus lares,
no trabalho e no sindicato.” (p. 544)
A consciência e a luta das mulheres contribuíram para que algumas transformações
significativas no seio da sociedade brasileira, como a politização do cotidiano doméstico; o fim
do isolamento obrigatório das mulheres no lar; a integração das mulheres na reflexão e
mobilização coletiva, nas lutas sociais:

A eclosão do feminismo nos anos 70 iniciou mudanças profundas nas relações de


gênero. O feminismo denunciou a desigualdade, revelou-se contra as relações de
gênero baseadas na dominação versus submissão e mostrou que ela não é natural, mas
construída cultural e historicamente, revelou o duro cotidiano vivido por milhares de
mulheres e tocou fundo em temas que incomodaram os valores estabelecidos: a
violência sexual, a violência doméstica, o direito à opção a ter ou não ter filhos, o
direito ao prazer. Mais ágil que o sindicalismo, o feminismo desnudou a realidade das
mulheres trabalhadoras. Deu-lhe visibilidade e apontou a aliança entre exploração de
classe e opressão de sexo: salários menores, dupla jornada, falta de profissionalização,
falta de creche […]. (GIULANI, 2004, p. 544)

No âmbito cultural, o ressurgimento do movimento feminista nos anos 70, segundo


Priore (2005) marca uma renovação nos discursos, sobretudo da imprensa. As revistas agora
eram confrontadas com um movimento feminista “[...] radical, atuante e mundializado,
irradiando dos Estados Unidos e da Europa e invadindo paulatinamente as terras brasileiras.”
(p.305)
Ainda na década de 80, no âmbito da academia, a História das Mulheres 31 e o estudo
do conceito de gênero passaram a fazer partes das pesquisas brasileiras nas áreas das ciências
sociais e humanas. Os estudos historiográficos se ocuparam em escrever as lutas femininas e
ressignificar estereótipos, evidenciando o papel social da mulher como sujeito histórico. Não
obstante, foram esses estudos, nas áreas da psicologia e da sociologia também, que permitiram
denunciar a opressão e a violência vivida pelas mulheres ao longo da história. O objetivo dessas
pesquisas, para além de dar visibilidade à violência, era incitar intervenções sociais, políticas e
jurídicas.
Como já era de se esperar, o impacto das transformações pela emancipação da mulher
causou desconforto na posição do homem, ou melhor, a identidade masculina passou a ser mais
problematizada. Segundo Priore (2005) algumas revistas da época, como a Ele/Ela, já citada,

31
A partir do movimento historiográfico da Escola dos Annales.
63

trazia um discurso que transformava o homem em vítima frente aos impactos do feminismo,
expostos ao afeminamento do ser homem. Preciso nem dizer o quanto a sociedade dissipava
preconceito contra os homossexuais.
Na imprensa, na TV, na música e no cinema os temas amor, casamento, família e
sexualidade eclodiam revelando os conflitos em que a sociedade brasileira vivia. Segundo
Priore (2005), essa revolução tinha uma face oculta, que aparecia em discursos normativos,
através da pressão de grupos tradicionais, induzia culpas e instigava uma diferenciação entre as
mulheres certas e as mulheres erradas.32
Com a popularização da TV, surgiram as fabricações de novelas que traduziam em
seus episódios os papéis esperados na vida; valores e tradições. Tudo se repetia dramaticamente
nas telinhas. Elas incitavam um ideal de amor romântico e de relação a ser buscado, exprimiam
em seus capítulos beijos, prazer e orgasmos, sexo antes do casamento, segundas uniões e crises
amorosas. Se o sexo antes do casamento foi perseguido por toda a história, neste momento ele
foi se alterando lentamente, sua mudança foi possível através da sua desvinculação ao ideal de
procriação e submisso ao casamento.
Já no âmbito das estruturas, ainda estava impregnado na sociedade que o lar era o lugar
ideal da mulher, e a rua, o lugar do homem. Muitas revistas continuaram a investir na figura
materna e na dona-de-casa. Priore (2005) disserta que as revistas femininas tinham o homem
como ponto de referência, ele era a razão do ser mulher e o meio pelo qual elas seriam
felizes. Entretanto, as mulheres dessa época sentiam-se mais livres, sobretudo para quebrar
barreiras e para viver a sua sexualidade, tão oprimida ao longo da história. Esse movimento
“estimulou” a já antiga tendência masculina de não comprometimento, uma vez que se sentiam
ainda mais intimidados por estas serem conhecedoras de técnicas sexuais. Para mais, diminuiu-
se a tolerância frente às infidelidades masculinas.
Mas e a família tradicional católica frente à essas mudanças? Segundo Priore (2005)
ela ainda assumia (se ainda não assume) a sua função de moralização da sociedade. Entretanto,
percebemos um afrouxamento dessa instituição frente ao individualismo presente. Nesse
momento, muitas mulheres demonstram-se conscientes dos desafios da nova realidade a serem
enfrentados porque na prática tinham de atuar no sindicato, na empresa e na família. A nível
cultural e político tinham de defender as mudanças no âmbito das relações interpessoais e de
gênero, em que os papéis da mulher se diferiam (se ainda não diferem) nos três espaços.

32
As que “davam”, e as que “não davam”.
64

Nesse intenso debate social de gênero, Giulani (2004) indica que dois processos foram
extremamente significativos em fortalecer as consciências e os argumentos das mulheres. No
primeiro, concebe-se a necessidade de legitimar normas universais de igualdade por meio da
difusão de estudos e dados estatísticos: pesquisas acadêmicas; análises; redes de comunicação
de massa; aparelhos de administração pública; centros de pesquisas sindicais; etc. No segundo,
buscam investir na elaboração de regras - nas diferentes áreas da vida social -, medidas e
princípios que buscassem garantir o equilíbrio entre homens e mulheres; reivindicam que sejam
juridicamente formalizados em nível local, regional e nacional.
Já nas últimas décadas do século XX já era possível ver algumas vitórias do feminismo
brasileiro, como a criação do Conselho Nacional da Condição da Mulher (CNDM), em 1984
que tendo “[...] sua secretária com status de ministro, promoveu junto com importantes grupos
– como o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) 33, de Brasília – uma campanha
nacional para a inclusão dos direitos das mulheres na nova carta constitucional.” (PINTO, 2010,
p.17.)
Segundo Giulani (2004), houve a contribuição de muitas mulheres - de diversos
segmentos sociais e com críticas diversas à desigualdade sexual no mundo do trabalho e
relações familiares - no processo de elaboração da Constituição de 1988. Entretanto, a nova
Carta que deveria contribuir na ampliação da cidadania social das mulheres, em seu final
demonstrou grandes distâncias entre as demandas de cidadania e a redação conclusiva do
documento. Mas em sua teoria, é uma das que, no mundo, mais garante direitos para a mulher.
Em 1993 surgiu também a Central Única dos Trabalhadores (CUT) que desenvolveu
quotas mínimas de mulheres na disputa por cargos diretivos. Essa ação não garantia equilíbrio
numérico, mas se apoiava em um princípio de igualdade entre os sexos no trabalho.
Na década de 1990, a Terceira Onda do Feminismo é iniciada, se configurando como
uma resposta às supostas falhas da segunda onda, apresentando novas estratégias para
continuidade do movimento. Como já foi esclarecido, a Segunda Onda foi responsável pela
conquista de muitos direitos. A partir disso, as feministas da Terceira Onda deram enfoque às
mudanças de estereótipos, nos retratos da mídia e na linguagem usada para definir as mulheres.
Para mais, o movimento sofreu, segundo Pinto (2010), um processo de profissionalização por
meio de criação de Organizações Não-Governamentais (ONGs), conjuntamente com
intervenção do Estado. Fazia parte dos objetivos buscar espaços para maior participação política
das mulheres, assim como aprovar medidas protetivas para as mulheres, uma vez que uma das

33
O CFEMEA, formado para promover a igualdade de gênero, iniciou suas atividades em 1992, acompanhando o
percurso de 160 projetos.
65

questões centrais da época, era a luta contra a violência, principalmente a violência doméstica.
Na última década do século XX, o país já contava com Delegacias Especiais da Mulher. 34
No âmbito afetivo, homens e mulheres seguiam seus corações. Ampliaram-se os
espaços para conhecer possíveis cônjuges. Cresciam as iniciativas masculinas de namoro e
sexo, entretanto, ficava a cargo da mulher controlar essas iniciativas, para não ganhar fama de
“galinha”.
O casamento passou a se basear no diálogo, segundo Priore (2005) as relações verticais
entre e marido e mulher foram se extinguindo e juntos dividindo o entendimento sobre a
educação dos filhos, do orçamento doméstico e da rotina. Amor-paixão e prazer sexual foram
sendo cada vez mais valorizados e a família se modernizando.
Já nas televisões brasileiras, a década de 90 ficou marcada com seus programas e
propagandas sexualizando o corpo da mulher. Era muito comum programas de auditório que
exibiam as mulheres em micro biquínis, coagidas a serem sensuais, lutarem em piscinas de
gelatinas e obedecerem aos mais absurdos comandos dos apresentadores.
Na virada do século XXI já era possível ver a “[...] transição - muito lenta - entre o
‘amor idílico’ dos avós para a ‘sexualidade obrigatória dos netos’.” (PRIORE, 2005, p. 311).
Nesse momento, ninguém mais queria casar sem experimentar, mulheres discutiam os
orgasmos e a ciência foi ganhando maior visibilidade, apagando a ideia do sexo como pecado.
Considero de extrema complexidade falar de mulheres em um sentido geral no Brasil.
De fato, são muitas diferenças e disparidades entre as mulheres à respeito da disponibilidade de
recursos econômicos, sociais e culturais e, portanto são dessemelhantes as oportunidades, os
acessos e trajetórias. Entretanto, todas as mulheres tiveram sua contribuição pessoal - em maior
ou menor dimensão - na ressignificação do ser mulher e na luta por direitos durante o século
XX. Foi através da consciência e da solidariedade entre mulheres que foi possível uma
revolução, sobretudo no âmbito das relações entre os sexos. O século XXI teve seu início
embutido de ideias feministas na nossa cultura.
Para concluir, a autora Lygia Fagundes Teles (2004)35 desvenda que a revolução da
mulher foi a mais importante revolução do século XX:

A difícil Revolução da Mulher sem agressividade, ela que foi tão agredida. Uma
revolução sem imitar a linha machista na ansiosa vontade de afirmação e de poder
mas uma luta com maior generosidade, digamos. Respeitando a si mesma e nesse
respeito o respeito pelo próximo, o que quer dizer amor. (TELES, 2004, p. 562)

34
A primeira unidade foi inaugurada no estado de São Paulo em 6 de agosto de 1985 durante o governo Franco
Montoro.
66

Diante do que foi apresentado neste capítulo, o próximo capítulo irá evidenciar a
relação entre o amor e a violência contra a mulher no Brasil, como sinônimos. Discutindo sobre
a legitimação dessa violência através de uma política e cultura patriarcal e misógina. Será
evidenciado os crimes passionais e os homicídios contra a mulher que se deram ao longo da
história do Brasil, sobretudo aqueles que se configuraram no século XXI, mesmo após as
transformações sociais, culturais e políticas decorrentes da revolução feminista. Usando como
fonte notícias reais do acervo do Jornal “O Globo”, a fim de discutir o impacto e a importância
de políticas públicas, assim como a superação dessa problemática lastimável através de uma
redemocratização social e cultural a fim de romper com essa posse e controle da vida mulher.
67

3 AMAR DEMAIS MATA!

A violência contra a mulher ao longo dos séculos interrompeu milhares de vidas pelo
mundo. Atualmente, no século XXI, a violência ainda se faz presente, sobretudo no Brasil, onde
muitos homens ainda lavam sua honra com o sangue de suas mulheres. Segundo o Alto
Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos (ACNUDH), atualmente o Brasil
ocupa o 5º lugar no ranking mundial de Feminicídio.
Segundo o Mapa da Violência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre 2003 e
2013, registrou-se que o número de mulheres assassinadas no Brasil aumentou de 3.937 casos
para 4.762 mortes. Em 2016, uma mulher foi assassinada a cada duas horas no país.
Diferente de um homicídio comum, o que caracteriza o Feminicídio é a relação com o
autor do crime. Enquanto homens têm maior probabilidade de serem vítimas de desconhecidos,
com as mulheres é recorrente que o seu agressor seja da sua própria família, mais comum ainda
que seja seu parceiro ou ex-parceiro íntimo. Sabe-se que de 40 a 70% dos homicídios femininos
(DAY, 2003)36 no mundo são cometidos pelo cônjuge. A pobreza aumenta a probabilidade de
mulheres serem vítimas de violência. O abuso geralmente parte de um padrão repetitivo, de
controle e de dominação.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002) a violência pode ser
definida como “o uso intencional da força física ou poder contra si próprio, contra outra pessoa
ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão,
morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”.
No campo da Sociologia, a violência se caracteriza como imposição da força com a
finalidade de exploração/dominação, ou seja, como fruto ou consequência de uma relação
hierárquica e/ou assimétrica, ao qual o indivíduo que se posiciona inferiormente é tratado como
“coisa”, sendo anulado pelo opressor. Assim, a violência se caracteriza resultante de uma
relação de poder, em que o mais forte se sente no status de subjugar o mais fraco, como se fosse
uma justiça natural. Entretanto, este poder não é uma condição inata ao ser humano, mas um
comportamento aprendido e incorporado ao longo da história funcionando sobretudo como uma
ação disciplinadora e/ou punitiva (MARABEZZI, 2010).
Em “Direitos Humanos e Violência contra a Mulher: um estudo de gênero sobre o
homicídio passional no Código Penal Brasileiro”, a autora Natália M. Marabezzi (2010) disserta
68

que a violência contra a mulher é um aspecto central da cultura patriarcal, por ser praticada por
homens contra mulheres no cenário privado, se manifestando como um exercício de poder.
A construção do conceito feminicídio se tornou imprescindível para evidenciar um
problema antigo e recorrente do Brasil: a morte de mulheres por serem mulheres. Sancionada
em 2015, a Lei do Feminicídio (Lei 13.104/15) define o crime quando o assassinato envolve
violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima.
A pena para o autor desse crime varia de 12 a 30 anos.

3.1 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Como já foi elucidado, a trajetória das relações afetivas heterossexuais ocidentais ao


longo dos séculos foi pautada na dominação e controle (material e psíquico) das mulheres a
partir de violências37. A justificativa de que mulheres são fracas, passivas, insuficientes,
submissas, voltadas para o lar, para o marido e para a maternidade permitiu que a violência
(para manter as mulheres nessa “servidão” doméstica e afetiva) se tornasse quase que um
princípio dentro das relações “amorosas”. Entretanto, como um sentimento de afeição, proteção
e carinho caracterizado no amor pode resultar em atos de dor e sofrimento resultante de
violência?
Amor e Violência são dois termos antagônicos e por muito tempo foram analisados
dessa maneira, como objetos de estudo separados. Entretanto, o desenvolvimento de estudos
culturais, sociais e principalmente feministas, permitiu sua interligação. Usualmente,
justificava-se que a violência se revelava como “consequência” relativa a características,
processos ou dinâmicas do fenômeno amor/paixão.
Sobre as teorias do amor presentes no primeiro capítulo, estas justificam a violência
dentro do fenômeno. As teorias biológicas/evolucionistas apontam que a violência pode ser
entendida dentro da relação afetiva como um comportamento levado ao extremo para conseguir
e/ou manter a relação. Buss (2006) defende que o amor é um mecanismo adaptativo para
conseguir compromisso e assim, o ciúme decorrente disso é uma estratégia para proteger a
relação - sendo o ciúme caracterizado sinônimo de prova de amor. Entretanto, o ciúme revela
comportamentos de assédio e controle, resultando em seu extremo o homicídio, principalmente

37
Violência física, psicológica, moral, sexual, econômica e social. Como nos casos de violência doméstica em
que, geralmente, os atos de violência física podem vir acompanhados de violência psicológica, moral, sexual ou
econômica.
69

cometido por homens, que, segundo este autor, possui características que motivam “manter”
(até morta) a mulher que “amam”.
As teorias estruturalistas denotam que a violência se manifesta pela estrutura social.
Nesse sentido, Chung (2005) reforça que o amor romântico é uma instituição heterossexual,
que reforça o sistema patriarcal, naturalizando na sociedade o comportamento violento dos
homens como sinônimo de amor.
Já as teorias construcionistas sociais se contrapõem às justificativas biológicas e
complementam as estruturalistas, dissertando que o amor se expressa dentro de um contexto
social, cultural e histórico. Logo, segundo Lierberman e Hatfield (2006), a violência é articulada
com a cultura, ou seja, a violência pode ser vista como expressão do amor, porque atribuíram
esse significado a ela. Sobretudo com a romantização dos ciúmes. Esses autores concluem que
o que determina o que é abusivo e perturbador na relação não são os genes, mas a cultura que
autorizou e naturalizou os atos violentos.
A violência de homens contra as mulheres tem uma raiz sociocultural que legitima os
atos violentos. Por isso que não é recorrente ver casos inversos, de violência da mulher contra
o homem, uma vez que dentro da cultura patriarcal, as mulheres sentem-se menos poderosas
socialmente e menos proprietárias de seus parceiros. Desde pequenas, mulheres são educadas a
serem fiéis, compreendendo traições e sofrimentos, enquanto que os homens são estimulados a
ter muitas parceiras (como sinônimo de virilidade). Logo é possível perceber que há um
desencontro amoroso marcado entre homens e mulheres... Sendo assim, Oliveira e Bressan
(2014), apontam que essa questão faz com que os homens apresentem dificuldade em suportar
a rejeição, sentindo-se diminuídos na superioridade que pretendem ter sobre a companheira e,
por isso, busquem punir e/ou eliminar aquela que os desprezou.
A expressão máxima da violência contra a mulher - sua morte - geralmente não se dá
de forma isolada. O feminicídio decorre de um ciclo de violência que se faz presente dentro da
relação afetiva.
A agressão do parceiro íntimo - conhecida como Violência Doméstica - assinala atos
de maus-tratos ou espancamento da esposa, que é quase sempre, acompanhada de agressão
psicológica e, de um quarto a metade das vezes, também de sexo forçado.(DAY, 2003). Os atos
de violência contra a mulher se categorizam em violência física, psicológica, moral, sexual e
econômica.
O abuso pelo parceiro pode tomar várias proporções. As agressões físicas se dão pelo
uso da força, em que o parceiro direciona golpes, tapas, socos, chutes, empurrões, imobilização,
70

tentativas de estrangulamento, queimaduras e também pode utilizar de algum artefato com o


objetivo de oprimir, ferir ou causar qualquer tipo de dano físico.
A violência psicológica consiste nos atos de ameaças, menosprezo, intimidações,
manipulações, humilhações. A violência moral faz referência a difamações, calúnias e
chantagens. Ambas utilizam-se de palavras ou atos ofensivos como forma de agressão, opressão
e submissão com o intuito de que a vítima seja coagida sem a necessidade de utilização da força
física.
Já a violência sexual pode acontecer por comportamentos de assédio, abusos, violações
e o estupro. Para mais, pode acontecer quebras de objetos favoritos, móveis, ameaças de ferir
os filhos ou outros membros da família, além de comportamentos de controle como o
isolamento forçado da mulher em relação à família e amigos, vigilância constante de suas ações
e restrição de acesso a recursos variados.
O que se mostra de difícil utilização é o conceito de violência como ruptura de
diferentes tipos de integridade: física, sexual, emocional, moral. Segundo Saffioti (2011) existe
uma linha tênue na violência doméstica entre os limites da quebra de integridade e a obrigação
de suportar o destino de gênero traçado para as mulheres. Nesse sentido, “[...] cada mulher
colocará o limite em um ponto distinto do continuum entre agressão e direito dos homens sobre
as mulheres. Mais do que isto, a mera existência desta tenuidade representa violência.” (2011,
p. 75)
Marcondes Filho (2001) aponta que quando a violência é justificada em prol de uma
coisa maior, ela se torna naturalizada. Sendo assim, pela construção social histórica do Brasil
era comum que a sociedade considerasse “normal” que os homens maltratassem suas mulheres.
Com efeito, essa questão se instala na tolerância e até no incentivo da sociedade para que os
homens exerçam sua força-potência-dominação contra as mulheres. O consentimento social
que converte agressividade em agressão dos homens, prejudica não só as mulheres, mas eles
próprios.
Retomando a expressão máxima da violência (assassinato) contra a mulher na relação
amorosa. Em “A paixão no banco dos réus”, a autora Luiza Nagib Eluf (2007) nos esclarece
que a paixão é um sentimento comum a toda a humanidade, portanto, sozinha ela não basta para
explicar o ato criminoso. O que entende-se é que, na perspectiva da psicanálise, o homem
(sobretudo aquele que mata a mulher) é um sujeito narcisista, que elege a si próprio como objeto
máximo de amor. Quando ferido esse ego - sobretudo sob suspeita de traição na relação - o
homem se sente legítimo de violentar e/ou matar a mulher. Essa legitimidade não é inerente ao
homem, mas consequência da construção da ideologia patriarcal que permeia a sociedade.
71

Segundo Santiago e Coelho (2010) o Feminicídio ou os Crimes Passionais (como eram


chamados) são motivados pela impossibilidade do indivíduo de lidar com a rejeição; com a
situação de traição, seja ela real ou imaginária. Diante disso, a violência se manifesta de forma
impulsiva. Segundo Marabezzi (2010) por trás da justificativa de paixão pelo outro se revela,
na verdade, uma paixão narcisista por si próprio: amor à sua imagem e à sua honra que deve
ser mantida sob qualquer circunstância perante a sociedade, sobretudo perante outros homens.

O homicida passional considera o objeto de amor um objeto de posse, retirando do


outro, à priori, o direito à liberdade, o exercício da livre escolha na relação de
intimidade amorosa; é sempre expressão de desprezo pelos direitos da pessoa.
(OLIVEIRA; BRESSAN, 2014 p. 24)

3.2 A LEI DOS HOMENS: CRIME PASSIONAL E LEGITÍMA DEFESA, DA HONRA?

O homem sempre foi tomado como um protótipo de humanidade. Tudo, ou quase tudo,
foi feito sob medida para o homem. As relações de gênero definiram o espaço público como
um espaço masculino. Logo, a Justiça era feita por homens, prevalecendo um pensamento
masculino sobre leis, direitos e penalidades. A impunidade de crimes, envolvendo sobretudo
mulheres vítimas, não foi dada, e sim construída junto com a história do Brasil.
Na sociedade Colonial, segundo Priore (2005), empregava-se a Legislação Lusa, que
em sua essência constatava-se a assimetria na punição do cônjuge por adultério. Enquanto
mulheres não tinham possibilidade de defesa e perdão, o marido traído encontrava apoio na Lei
para lavar sua honra com o sangue da “amada”. Para mais, quanto maior a condição social e o
status do homem, maior sua impunidade.
Mas antes mesmo de falar de assassinato e impunidade, é necessário entender a
construção do tratamento da mulher no que diz respeito ao sistema legislativo, nas normas
concernentes às relações jurídicas de ordem privada: o Código Civil de 1916.
A sociedade brasileira em 1916 era conservadora e patriarcal, com sua atenção voltada
inteiramente para homens. Eles eram livres, independentes, podiam estudar, trabalhar, gerenciar
as finanças e controlar a família. Já à mulher, cabia o papel de submissão. Logo, as decisões
familiares ficavam a cargo do marido, sendo ele o chefe da conjugalidade (art. 233, CC/16). Ele
decidia sobre a criação dos filhos, sustentava a família e buscava seguir os padrões sociais.
O Código Civil de 1916 equiparava a mulher à uma criança, sendo relativamente
incapaz, como demonstra o artigo 6º. Assim, a ela era imposta extrema subordinação. A prática
de qualquer ato dependia da anuência do pai, e quando casada, do marido. Ingressar no mercado
72

de trabalho era uma decisão que precisava da autorização do marido, como indica o inciso VII
do artigo 242. A virgindade da mulher era exigência para o casamento. Os artigos 218 e 219,
previam a anulação do casamento se fosse constatado que a mulher não era virgem.
A Constituição Federal de 1891, vigente na época, foi a primeira do Brasil
Republicano. Ela fazia referência a igualdade, porém generalizada, não destacando nenhum
aspecto no que diz respeito ao tratamento desigual entre homens e mulheres. Até porque, não
consideravam mesmo a mulher como igual.
Passados alguns anos, constituiu-se o Código Penal de 1940, vigente até os dias atuais.
Apesar deste não mais excluir imputabilidade penal do homicídio praticado por paixão (art. 28,
inciso I), por muito tempo foi utilizado o argumento da legítima defesa da honra. Em
contraposição a esta alegação argumentava-se pela caracterização do homicídio passional como
um homicídio privilegiado, afinal, considerava-se ainda o estado passional como causa
atenuante e podia-se diminuir a pena (art. 65, III, c e 121, parágrafo 1 º).
Com o tempo, na década de 1990, a releitura do Código foi se desprendendo do crime
passional e passou a reputá-lo como crime hediondo, considerando-o homicídio
qualificado (Lei n. 8.072/90, art. 1º e art. 121, parágrafo 2° do Código Penal).
Para compreender como o amor/paixão se tornou legítimo de crime, faz-se necessário
um breve estudo histórico que evidencie o cenário jurídico e social brasileiro na qual se
desenvolveu os debates e os liames do crime passional.
O Código da República de 1890 foi constituído baseado nos princípios da Escola
Clássica - inspirada pelo pensamento iluminista - que enfatizava a igualdade dos indivíduos
perante a lei (MARABEZZI, 2010. P.96). O debate acerca da responsabilidade e livre arbítrio
de autores de crimes fundamentou as leis penais e as posições dos agentes jurídicos no Brasil.
Nesse sentido, dentro dessa escola o crime era um uma infração, uma responsabilidade criminal
atribuída ao praticante do delito, independente do motivo que desencadeou sua prática.
Entretanto, a maioria dos juristas da época eram adeptos das teorias da Escola
Positivista38 que contrariava os ideais da escola clássica, gerando uma contradição entre as leis
codificadas e as práticas jurídicas. Essa corrente enfatizava que não deveria ser analisada apenas
a prática criminosa, mas também o agente do crime e suas motivações através de aspectos
antropológicos, sociológicos e psicológicos.

38
A Escola Positiva teve origem nos estudos de criminalistas europeus, do final do século XIX, como Lombroso,
Ferri e Garofalo. Para os adeptos desta vertente, “o crime é uma ação antisocial, promovida, num indivíduo de
resistência diminuída, por determinações.” (PEIXOTO, A Criminologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1933. p.31)
73

Em virtude dessa incompatibilidade entre leis e práticas, a forma de inculpação direta


da responsabilidade do indivíduo em casos de homicídio comum não se repetia nos casos de
homicídio passional. No homicídio passional, seu autor era visto e tratado com clemência. Ao
serem julgados pelo Tribunal do Júri, acabavam absolvidos, pelos fundamentos enraizados do
Patriarcado os quais determinam a superioridade dos direitos do homem sobre a mulher. O
Código de 1890 deliberou determinados estados físicos e emocionais capazes de isentar a
responsabilidade criminal e o autor do crime.

Assim, por força do artigo 27, Título III, que tratava “Da responsabilidade criminal;
das causas que dirimem a criminalidade e justificam o crime”, trazia em um de seus
oito parágrafos situações as quais pessoas não seriam consideradas criminosas, dada
à ausência de responsabilidade sobre seus atos. Dentre estes parágrafos, destaca-se o
§4° ao dispor que: “Não são criminosos: (...) § 4º. Os que se acharem em estado de
completa privação de sentidos e de inteligência no ato de cometer o crime.”
(MARABEZZI, 2010, p. 97)

Em defesa dos homicidas passionais empregava-se a tese de que a paixão é um


sentimento que poderia gerar sintomas psíquicos de êxtase, obsessão, euforia, distúrbios
emocionais, resultando na ausência do autocontrole emocional. Sendo assim, usava-se uma
interpretação, além da lei codificada, que analisava o perfil social do acusado somado ao seu
estado emocional com o objetivo de alcançar a absolvição da pena do crime. Para justificar a
alteração emocional momentânea, os defensores dos passionais se baseavam nos ideais de
Enrico Ferri, criminalista italiano, que defendia que a paixão amorosa desencadeava um
processo de perda de sentidos que resultava na prática do crime. A utilização desta teoria
permitiu a legitimação de um crime até então não amparado pela legislação penal brasileira.
O amor era visto nessa perspectiva como uma espécie de paixão. Paixão, originário do
grego (páthos) (MARTINS,1999) significa “sentimento ou emoção levados a um alto grau de
intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão; afeto dominador e cego, obsessão.” Para a
psicologia paixão denota intensidade, perturbação, resultante de sofrimento. Juridicamente, o
conceito de paixão era compreendido como uma exaltação ou irreflexão consequente de um
amor desmedido à mulher. Qualquer fato que provocasse forte emoção, diz-se paixão. Assim,
podia vir do amor: ódio, ira, mágoa, posse, ciúme, vingança... Entre as características
predominantes dos homicidas passionais se denota a possessividade e a dominação.
Diante do que foi esclarecido, é possível afirmar que o dito crime impulsionado por
“paixão” não pode ser confundido com “amor”. Segundo Marabezzi (2010), a paixão em
questão é contrária ao sentimento de amor, porque é baseada na submissão e controle do corpo
da mulher pelo homem, cometido pela suposta privação dos sentidos e da inteligência. O que
74

se extrai dessa relação “paixão-homícidio” é a posse do outro, a dominação da mulher,


ratificada pelo patriarcado. O amor era caracterizado como uma espécie de paixão, um
sentimento avassalador… entretanto, a sua distorção, caracterizada sobretudo pelo ciúme, foi o
que determinou a fundamentação dos crimes passionais.
Sobre a autoria do crime passional, a honestidade e o caráter do acusado eram critérios
fundamentais de análise, diante disso, o crime deveria ser visto como deslize transitório. Assim,
a boa índole do criminoso, somado a manifestações de arrependimento e remorso
demonstravam que o crime passional não passava de um episódio trágico na vida normal do
criminoso, não havendo razão para ser aplicada qualquer pena.
O homicídio passional na teoria pode ser praticado tanto por homens, quanto mulheres,
já que é determinado por um sentimento inerente a todos os seres humanos. Contudo, na prática
e autoria, é significante a predominância do sexo masculino. Marabezzi (2010) aponta que é
um crime do gênero masculino, porque é cometido por alguém que se julga possuidor e/ou
imbuído de poder.
Segundo uma pesquisa desenvolvida por Magali Gouvea Engel sobre crimes
passionais, ocorridos na cidade do Rio de Janeiro, entre o fim do século XIX e as três primeiras
décadas do século XX, (MARABEZZI, 2010, p.105) é possível estabelecer um padrão - físico
e comportamental - dos assassinos passionais. Via de regra são homens, com mais de 30 anos,
vaidosos, ciumentos, possessivos e que utilizam para defesa do crime o arrependimento e o
amor desmedido pela vítima. Entretanto, raramente se arrependem e premeditam o crime. Se o
crime é justificado pela privação dos sentidos diante de forte paixão, como pode ser
premeditado?
Na psicologia, é demonstrado que a mente emocional é mais rápida que a racional,
agindo sem reflexão analítica. Nesse sentido, as ações emocionais carregam uma sensação de
certeza e somente após os atos, o indivíduo é capaz de refletir sobre sua atitude. Eluf (apud
MARABEZZI, 2010) desvenda que a paixão que mata, não é uma emoção, é na verdade, uma
paixão crônica e obsessiva. O criminoso passional reflete, esquematiza, delibera e executa o
crime: “[...] ao homicídio passional não se estende o privilégio pela violenta emoção, uma vez
que via de regra, não é crime cometido sob o domínio da emoção e sim por paixão. Esse
sentimento não provoca reação automática, momentânea, passageira e abrupta.”
(MARABEZZI, 2010, p. 159)
Nesse sentido, a paixão é um sentimento dessemelhante da emoção. Enquanto a última
se trata de uma reação inesperada e efêmera, a primeira é um estado previsto, duradouro e
75

obsessivo. Assim, o crime se comunica com um comportamento contínuo e agressivo atrelado


à personalidade do indivíduo.
O homicida passional, como já foi dito, é um narcisista, possui uma autoconfiança
exagerada, elege a si próprio antes de qualquer outra pessoa. Possui uma forte reação a quem
tem a audácia de julgá-lo como alguém comum, sujeito a traição, desprezo e etc…. Não é capaz
de admitir a existência da companheira como um indivíduo dotado de sentimentos e vontades
próprias, mas sim como alguém que existe em função dele e para ele. Nesse caso, quando a
vítima trai ou busca romper o relacionamento, isso se torna uma afronta, que ele responde com
uma ação premeditada de vingança, agindo friamente, não dando importância a nenhum
sentimento nobre, a exemplo do perdão.
Na defesa do homicida passional ocorre uma inversão de valores, mostra-se o autor do
delito como um bom caráter e se denigre a vítima. Justifica-se a ação do assassino como reação
à provocação da mulher - que diante dos costumes e da moral não estaria correspondendo às
expectativas do seu papel social atribuído. Essa provocação não existe. O desejo de separação
ou eventuais críticas ao companheiro não podem ser consideradas suficientes para provocar a
“violenta emoção” que amenizaria a punição de condutas homicidas.
Portanto, o homicida passional mata por paixão sim, mas, paixão por si mesmo, pela
preservação da “honra” masculina e pela reafirmação da virilidade. Marabezzi (2010) cita
Valdir Troncoso Peres, advogado de destaque nesse tipo de crime, que descreve o homicida da
seguinte forma:

O criminoso passional é, em regra, homem que tem poucos recursos fabulatórios,


imaginativo e criativo, que tem poucos anseios e poucas aspirações, de forma que a
vida dele se reduz àquela inter-relação dele com a mulher. Ele não tem amor à ciência,
não tem amor à literatura, não tem amor à arte, não sonha com a felicidade da
comunidade, não tem preocupação com os problemas sociais, não tem amor à pátria,
quer dizer, ele tem amor à mulher dele. Ela é a vida dele.” (2010, p. 109)

Entretanto, não se trata de um amor romântico, sereno e calmo, aquele tido como o
amor santo, puro. É na verdade objeto de desejo desmedido, é selvagem, somado a desvios de
condutas e de comportamentos. Este sentimento é dito amor pelo fato de os homicidas
passionais serem emocionalmente imaturos, não aceitam a frustração de serem abandonados ou
o medo de serem traídos, aliado ainda ao meio social - e familiar - que tende a impulsionar essa
ação, geralmente possuem um histórico de violência contra a mulher, que se repete graças à
impunidade. Homicidas passionais são compulsivos e encontram sua essência no ato de matar
quem eles entendem amar.
76

Os assassinos passionais são violentos, premeditam o crime e os confessam para a


sociedade… Eles necessitam mostrar que lavaram sua honra. A honra para o homicida passional
não é a honra que a gente encontra no dicionário, refere-se a um sentimento de valor, segundo
princípios de ordem ética e moral, ou seja, um sentimento de respeito de si próprio. Entretanto,
segundo Marabezzi (2010) a honra do homicida passional é tida como um valor para além de
si, mas aos olhos da sociedade, em como as pessoas o enxergam. Nesse sentido, ele se preocupa
com a sua reputação, em como será visto em caso de perda da posse de sua paixão, ou seja, a
perda de sua virilidade e honra.
Nesse emaranhado de paixão e honra, vê-se um indivíduo inseguro, que projeta no
outro suas expectativas: seu sucesso, bem estar e realizações. Nesse caso, o êxito do homem
depende de sua parceira. Sendo assim, aos seus olhos, a segurança e preservação de sua honra
estão atreladas às atitudes praticadas por sua parceira.

Esta dependência emocional em parte pode ser explicada pelo modo como o
patriarcado codifica a “honra masculina”. Isto porque, pelos moldes ditados por uma
cultura onde predomina o masculino sobre o feminino a honra do homem condiciona-
se aos atos sociais praticados por sua companheira. As mulheres que se tornam boas
senhoras do lar, mães zelosas e mulheres com comportamentos sociais discretos e
politicamente corretos concedem a seus companheiros a honra perante o meio social
aos quais estão inseridos. Assim se explica a associação que o homicida passional
estabelece entre paixão, honra e virilidade masculina. No caso de rejeição ou
infidelidade ele considera sua honra masculina maculada por aquela que era seu objeto
de paixão, não aceitando ser deixado ou trocado por outrem, sentindo-se ferido como
homem, em sua virilidade. Assim sendo como forma de resgatar estes valores
apanhados lhe seria outorgado pela cultura onde prevalece o gênero masculino a
prerrogativa de ceifar a vida daquela que “o feriu”.” (MARABEZZI, 2010, p. 116)

Apesar do Código Penal de 1940 não prever o adultério como crime - como ainda será
explicado - o imaginário social com um código de ética contraditório que rechaça a infidelidade
feminina, legitimou como um ato nobre, por muitos anos, o homicídio praticado pelo homem
contra sua infiel companheira.
Nesse sentido, ao ser traído pela mulher, o homicida passional se transformava em
vítima da situação, ocorrendo no plano fático uma inversão de valores. Punir a traidora com a
morte significava justiça, preservando a ordem da sociedade patriarcal. Dessa forma,
demonstraria o controle da situação, que ao ser rejeitado e/ou traído, sente-se no direito de tirar-
lhe a vida, não abrindo mão de sua “posse” sobre ela, corrigindo o ato dela de deslegitimar sua
honra.
A percepção dos fatos do homicida passional é distorcida, o amor para ele reflete na
paixão por si próprio, seu objeto de desejo se revela na sua dependência e obsessão por sua
parceira. Assim como a questão da honra, ele procura convencer os demais indivíduos da
77

sociedade da apreciação que faz de si próprio, acarretando na tão almejada reputação. Dessa
forma, esta honra prevalecerá aos olhos da sociedade. Prova de que esta noção de honra é
distorcida, é que ele não se preocupa em manter esta honra no ambiente privado, com sua esposa
e família, mas tão somente no espaço público, no espaço considerado como aquele das decisões
masculinas. O sentimento nutrido pelo homicida passional é de egoísmo, raiva, rancor, ódio,
enfim, qualquer sentimento contrário ao amor. A posse se maquia de paixão. A legítima
defesa está prevista no Código Penal de 1940 no artigo 23, inciso II, dentre as causas
excludentes de ilicitude; e regulamentada pelo artigo 25 do mesmo diploma: “Entende-se em
legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão,
atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.”
A legítima defesa resguarda o direito primário do homem de se defender. A pessoa
que usa da autodefesa legítima como consequência da impossibilidade de cessar ou impedir a
injusta agressão, recebe proteção do Estado, a partir de uma análise subjetiva, que vai depender
de cada caso. Entende-se, desta forma, como sendo uma autorização dada pelo Estado ao
agredido para que possa, dentro dos limites estabelecidos por lei, se defender de uma eventual
agressão, sendo esta defesa determinada em razão de sua necessidade.
Segundo Marabezzi (2010), a principal característica da legítima defesa estrutura-se
na agressão injusta, ou seja, uma ação não aceita pelo ordenamento jurídico, lamentável pela
sociedade, abrangendo todo e qualquer interesse que possa ser tutelado juridicamente como: a
vida, a liberdade pessoal, o pudor, o patrimônio, a honra… Sendo necessário que a resposta da
vítima a esta injusta agressão seja imediata e moderada, a fim de apenas repeli-la. A cada
exagero cometido pelo agressor, justifica-se uma atitude correspondente em defesa. Entretanto,
a lei procura impedir excessos e abusos, limitando-se a tutelar apenas as reações justificáveis e
adequadas na defesa. Nesse sentido, a réplica do ofendido deverá apresentar característica de
defesa e não de vingança.
No caso do homicídio passional, não há de se invocar a legítima defesa, isto porque
sentimentos de desconfianças, ódio, paixão, ciúmes ou até mesmo o adultério não justificam
como resposta o assassinato da companheira. Entretanto, o emprego do instituto da legítima
defesa da honra em casos de homicídios passionais passou a ser utilizado como estratégia pelos
advogados de defesa do Brasil.
Esta estratégia de defesa apoiava-se em dois fatores, um de caráter social, se baseando
nos moldes patriarcais, e outro de caráter jurídico, pela construção dos advogados em resposta
contrária à regulamentação prevista no Código Penal de 1940. A legítima defesa da honra como
78

argumentação sustentada em bases sociais era o reflexo dos costumes e pensamentos da época,
e era aceito e legitimado, mesmo sendo uma brecha na lei de um crime injustificável.
A sociedade embriagada de suas raízes machistas, via o homicida passional como
vítima, que não tinha outra escolha, diante do atentado aos costumes de sua mulher, a não ser
agir em legítima defesa da honra, assassinando-a. Por meio deste discurso era possível alcançar
a tão almejada absolvição, era uma estratégia que ia além do privilégio. Nesses julgamentos, o
que se protegia era a honra como um modelo familiar, de ordem patriarcal, em que o crime não
se restringia tão somente à vítima, mas à sociedade como um todo.

Ela “pecou” contra a cultura patriarcal e por isso sua morte tornava- se legítima. [...]
A sociedade continuava a adotar o discurso que mirava os homicidas passionais como
vítimas de uma paixão desmedida, especificamente pelo fato de ter sido traído pela
mulher amada que não lhe dera outra opção que não o assassinato, lavando, assim, a
sua honra com o sangue de sua vítima. [...] Encontrando sua sustentação jurídica no
antigo Código (1890) no dispositivo referente à “perturbação dos sentidos e da
inteligência”, culminando na sua absolvição. A tese da legítima defesa da honra
sustentava-se no sentimento de honra como um modo de conduta capaz de levar o
indivíduo a defender os seus valores até as últimas conseqüências, valor este
determinado pela cultura, sexo e época. Por esta argumentação é que a infidelidade
masculina seria passível de tolerância, enquanto que a feminina era condenável a
ponto de pagar com a própria vida. (MARABEZZI, 2010, p. 134)

Não obstante, em meio a este pensamento social, o Código de 1940 já não admitia a
impunidade dos homicidas passionais, na teoria. O Decreto de 1942 passou a aplicar ao
criminoso passional a imputação da pena de seis anos de reclusão, referente ao homicídio
simples, porém, podendo ser diminuída de um sexto a um terço se o ato criminoso resultasse
de violenta emoção ou atendesse a relevante valor moral ou social. Dito isso, o novo diploma
não aceitava mais a absolvição, apenas a diminuição da pena. A emoção ou a paixão não exclui
a culpabilidade (artigo 28, inciso I).
No entanto, a sociedade da época não aderiu aos princípios do Código, assim os
advogados passaram a usar de uma argumentação empírica da legítima defesa da honra em
defesa de seus assassinos para diminuir ainda mais a pena prevista no homicídio privilegiado
ou até mesmo alcançar a absolvição. A tese de defesa nos casos de homicidas passionais
requeria uma análise extensiva dos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal 39. Assim, ao

39
Calúnia: Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.
Exceção da verdade
§ 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo: I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada,
o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível; II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas
79

interpretar que tais artigos resguardam a honra e esta é um direito do homem garantido em lei,
torna-se possível a legítima defesa.
Evandro Lins e Silva, dentre muitas coisas, foi um advogado especializado em defesa
de autores de homicídios passionais. Chegou até a escrever um livro para orientar outros
advogados dessa área, se baseando no seu maior caso: O assassinato de Ângela Diniz por Doca
Street, ocorrido em 1976. O livro com o título “A Defesa Tem A Palavra”, dizia muitas coisas,
entre elas, o autor aponta que não fazia sentido permitir uma condenação a uma pena exagerada
quem agisse por motivo aceito e compreendido pela sociedade.
Do outro lado, advogando contrário a maioria dos juristas de sua época, o advogado
Léon Rabinowicz, (MARABEZZI, 2010) desde suas primeiras obras sobre homicídios
passionais, utilizava-se da tese de que o homicida passional não pode merecer absolvição da
Justiça, pois o autor do delito pensa no assassinato e saboreia o prazer da vingança, atrelado ao
domínio do poder.
Usavam do amor como válvula de impunidade… e a tese de legítima defesa da honra
não tem nenhum registro de fundamento legal que permitisse seu uso. Enquanto o cenário
jurídico era contraditório, injusto e misógino, no plano social, a imprensa explorou arduamente
os crimes por amor. Os jornais da segunda metade do século XX extravasavam os sentimentos
mais íntimos e estimulavam no imaginário social a complacência pelo homem que “amou tanto,
coitado, que matou”.

3.3 O USO DA IMPRENSA COMO FONTE HISTÓRICA

indicadas no nº I do art. 141; III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por
sentença irrecorrível.

Difamação: Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Exceção da verdade.
Parágrafo único - A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa
ao exercício de suas funções.

Injúria: Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:


Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se
considerem aviltantes: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de
pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)
80

A imprensa é um fenômeno da modernidade, a palavra impressa em livros, panfletos,


jornais intensificou a divulgação do saber, da circulação de ideologias, que antes ficava limitado
a pequenos grupos de pessoas. A imprensa acompanhou e protagonizou importantes momentos
da história do Brasil. Na virada do século XIX para o XX, houve uma mudança significativa na
imprensa, sobretudo nos centros urbanos mais destacados. O maior desenvolvimento da
imprensa no Brasil se deu conjuntamente com o crescimento das relações capitalistas, sobretudo
pelo processo de industrialização, após 1930, que modernizou os jornais, que passaram a criar
uma série de periódicos que transmutaram de uma imprensa artesanal para uma imprensa
industrial. Segundo Nelson W. Sodré (1999) os pequenos jornais, de estrutura simples, as folhas
tipográficas, cederam lugar às empresas jornalísticas, com estrutura específica, dotadas de
equipamentos gráficos necessários ao exercício de sua função.
Já na década de 1950, os grandes jornais passaram a assumir grandes proporções, como
grandes empresas, contando com investimentos em estrutura e divulgação. Esse período marca
o distanciamento ainda maior entre os grandes jornais e seus concorrentes, pelo uso do poder
econômico, construindo uma espécie de monopólio da imprensa.
A imprensa, enquanto ferramenta de evidência dos fatos, pretendeu consolidar na
sociedade uma imagem do jornalismo como formador da realidade e da atualidade (BARBOSA,
2007, p. 24). Entretanto, segundo Cruz e Peixoto (2007) é preciso pensar sua inserção histórica
enquanto força ativa da vida moderna, muito mais ingrediente do processo do que do registro
dos acontecimentos, atuando na constituição de nossos modos de vida, perspectivas e
consciência histórica.
As autoras Silva e Franco (2010) apontam que tomar o jornal como fonte não significa
pensá-lo como reservatório de verdades, pelo contrário, é analisá-lo a partir de suas
parcialidades: observação do grupo que o editam, das sociabilidades que o grupo exercita frente
às conjunturas políticas, das intenções explícitas ou sutis em seu discurso. Em outras palavras,
observar as múltiplas vinculações que a fonte tece, olhando os documentos a fim de decodificá-
los a partir de suas finalidades e usos.
A partir dos estudos de Robert Darnton e Daniel Roche, os autores Neves, Morel e
Ferreira (2006, p. 10), afirmam que a imprensa constitui memórias de um tempo, as quais
apresentam visões distintas de um mesmo fato. Servem como fundamentos para pensar e
repensar a História. A imprensa, sobretudo periódica, é significativa como meio de construção
de culturas políticas específicas. É preciso desfazer o mito de sua objetividade.
O jornal como documento, segundo Vieira (2013) é um conjunto lúdico que reúne em
uma só publicação texto, imagem, técnica, visões de mundo e imaginários coletivos. Todos os
81

seus elementos, aparentemente corriqueiros: formato, papel, letra, ilustração, tiragem, sugerem
indagações que prenunciam a carga de historicidade presente no periódico. É necessário ir além
da análise do discurso, pois em um país como o Brasil, com uma fraca população leitora, a
imagem e a ilustração garantem rápida absorção das mensagens. A apreensão da imagem nos
possibilita entender as diversas representações da realidade e a construção de imaginários
acerca de um determinado período.
Segundo Laura Maciel (apud CRUZ; PEIXOTO, 2007, p. 258) na prática da pesquisa,
não podemos tomar a imprensa como um espelho ou expressão de realidades passadas e
presentes, é necessário ver como uma prática constituinte da realidade social, na qual modela
formas de pensar e agir, que define papéis sociais, generaliza posições e interpretações que se
pretendem compartilhadas e universais. Não convém apontar que a imprensa “tem uma
opinião”, mas que em sua atuação é capaz de delimitar espaços, demarcar temas, mobilizar
opiniões, constituir adesões e consensos. É mais que papel, é um campo de ação que intervém
nas diferentes esferas da vida social, política e cultural da sociedade moderna.
Fazer o uso do jornal como documento histórico, é analisar o que ele tem a nos dizer
enquanto representação de uma época. Em seu texto, Vieira (2013 p. 2) se ampara fortemente
nos escritos de De Luca, para quem “a imprensa periódica escolhe, ordena, estrutura e narra, de
uma determinada forma, aquilo que se elegeu como digno de chegar até o público.”
Segundo De Paula (2015) a imprensa tornou- se uma indústria poderosa de informação
com papel privilegiado de formadora cultural de opinião. Seu lugar é essencialmente político,
considerando que as matérias são um evento discursivo comprometido com as influências dos
diversos domínios da sociedade “pois seus textos, opiniões, conceitos e apreciações são
carregados de intencionalidades dos proprietários, editores, colunistas, leitores, anunciantes e
demais financiadores.” (2015, p. 2). Logo, nenhum discurso da mídia é neutro.
Apesar de procurar demonstrar uma imagem de comprometimento apenas com o seu
público, a imprensa não é independente. A análise do discurso dos profissionais da imprensa
permite visualizar além do que está explícito, de maneira a ver os conteúdos conscientes e
inconscientes, as publicações em destaque, o espaço e o local distribuído para cada temática.
Para mais, buscar os sentidos implícitos, os imaginários e as representações.
Sobre a subjetividade do acervo documental da imprensa, Burke (1992) aponta que é
necessário atentar-se que elas representam a visão da elite da época, são mediatizadas. E ao
expressar princípios e opiniões de seus proprietários, colaboradores e financiadores, “a
imprensa constitui um instrumento de manipulação de interesses e intervenção na vida social.”
(CAPELATO, 1988 apud DE PAULA, 2015 p. 2). Ainda segundo Capelato ao usar os jornais
82

como fonte de pesquisa, deve-se atentar-se que o seu valor não consiste apenas em repassar
informações, mas em produzir acontecimentos com uma compreensão do mundo, somada à
subjetividade, interesses e intenções. Deve-se relacionar texto e contexto.
Como já foi explorado neste trabalho, o assassinato de mulheres por seus
companheiros é uma problemática recorrente na história do Brasil. Por séculos, homens
matavam suas mulheres sem qualquer punição, se tornando algo naturalizado e recorrente em
nossa cultura. Para evidenciar essa questão, analisarei um caso de feminicídio pelas páginas do
jornal O Globo. Esse caso foi um divisor de águas na vida de muitas mulheres e que causou
profundas mudanças quanto aos direitos e a proteção das mulheres no Brasil.
O caso se refere ao assassinato de Ângela Diniz, pelo seu namorado, Raul Fernando,
conhecido como ‘Doca’ Street, em 30 de dezembro de 1976, em Búzios, estado do Rio de
Janeiro.
A escolha do jornal “O Globo” 40 como fonte e objeto deste trabalho se deu pela sua
grande popularização, pelo seu alto índice de circulação, por sua repercussão de nível nacional
e sua forte influência de opinião. Sobretudo acerca da questão de que o jornal no período do
recorte deste trabalho, entre 1976 a 1981, se via como instrumento de linguagem dos interesses
do governo vigente e também pelo fato do público-alvo deste jornal ser as classes A e B, no
sentido que isso diz muito sobre a construção dos seus discursos, uma vez que, segundo Baczko
(1984) os meios de comunicação difundem ideias, opiniões e conceitos de um determinado
segmento social e legitimam seu discurso de poder.
Para mais, a escolha do jornal O Globo para este trabalho se deu pela quantidade alta
de matérias noticiando o caso da Ângela Diniz. Não só o jornal, mas a rede Globo de televisão
fez uma cobertura completa do caso. Inclusive, foi o primeiro julgamento televisionado da
história do Brasil.
Antes de falar do caso em si, é preciso delinear o contexto social e político da época.
Coloca-se necessário evidenciar que O Globo se tornou a maior empresa jornalística do Brasil
durante a ditadura militar e é uma das principais fontes históricas para a compreensão da

40
O Jornal O Globo teve a sua fundação em 29 de julho de 1925, por Irineu Marinho.Com a morte do fundador,
seu filho, Roberto Marinho assumiu a administração, em 1931, permanecendo no cargo até sua morte em 2003.
Desde a sua fundação, as relações do jornal “O Globo” com a política e os interesses políticos foram primordiais
para o seu desenvolvimento e modernização. O jornal O Globo era publicado de segunda a sábado, mas a partir de
julho de 1972 começou a publicar sua edição dominical consolidando o projeto de publicar em dias ininterruptos.
Sua divisão compreendia: cadernos semanais e editoriais diários, que dividiam o conteúdo do jornal de acordo
com o assunto e público-alvo. Os editoriais diários consistiam em O País, Grande Rio, O Mundo, Economia,
Cultura e Esporte. Durante o recorte da pesquisa (1976-1977), o alto escalão do jornal, exposto nas capas, era
composto por: Roberto Marinho (Diretor-Redator-Chefe), Rogério Marinho e João Roberto Marinho (Vice-
Presidentes), Ricardo Marinho (Diretor- Secretário) e Evandro Carlos de Andrade (Diretor de Redação).
83

participação da mídia no golpe civil-militar que instituiu uma ditadura no país. A partir de 1964,
logo nos primeiros dias após o golpe, a perseguição aos meios de comunicação que
representavam o mínimo de oposição ao governo foi iniciada. Segundo Sodré (1999) jornais e
revistas foram perseguidos e fechados, houve forte censura no rádio e na televisão, muitos
jornalistas foram presos, torturados, exilados e alguns tiveram seus direitos políticos cassados.
Mesmo com esse contexto, algumas empresas da imprensa conseguiram se manter
operando e no caso do O Globo, crescer. O grupo era uma grande empresa jornalística herdada,
com grande participação do capital estrangeiro através da publicidade e, não só apoiava o golpe
militar, como foi o seu principal porta-voz. Além dos interesses pessoais dos donos, dos
interesses estrangeiros, neste momento, o Governo Militar passava a atuar na imprensa
brasileira.
Sabemos que Ditadura partia de uma concepção conservadora, que reduziu o acesso à
cidadania social. Nesse sentido, Giulani (2004), aponta que esse governo reafirmou a assimetria
entre homens e mulheres, com políticas voltadas para a família institucionalmente constituída
em torno do chefe da família. É nesse contexto que Ângela Diniz foi assassinada com 4 tiros
no rosto pelo seu namorado, na Praia dos Ossos, em Búzios/RJ.

3.4 O CASO ÂNGELA DINIZ

O crime ficou famoso porque as pessoas envolvidas pertenciam aos grupos sociais de
maior poder aquisitivo, aos círculos sociais ditos requintados e de prestígio e frequentemente
estavam nas colunas sociais da imprensa. Essa não é só uma história de coluna social, mas não
deixa de ser uma história sobre a imprensa. É também sobre o sistema judiciário brasileiro,
sobre como nasce uma mobilização, sobre como as mulheres viviam e morriam nesse país nos
anos 1970.
Ângela Diniz era uma socialite brasileira, nasceu em Belo Horizonte em 10 de
novembro de 1944. Entrou para as colunas sociais por se destacar por sua beleza, charme e
alguns escândalos (para a época). Aos 17 anos, ela se casou com Milton Villas Boas, 31 anos,
teve 3 filhos e se separou após 7 anos. Sem ainda a existência do divórcio, ela se desquitou,
perdendo a guarda dos filhos.
Antes de seu assassinato, Ângela Diniz esteve exposta na mídia com um tom de novela
policial por três envolvimentos com a polícia. Esses envolvimentos foram fundamentais na
construção negativa da sua imagem, sendo usados como argumentos para a defesa de Doca.
84

No primeiro caso, em junho de 1973, em sua casa, em Belo Horizonte, seu caseiro foi
assassinado a tiros pelo seu namorado “Tuca” Mendes, que era casado. Em um primeiro
momento, Ângela assumiu a culpa para preservar a imagem do parceiro, que depois admitiu-se
culpado (mas isso não apagou para a sociedade o seu envolvimento). No segundo caso, já
morava no Rio de Janeiro, e após visitar os filhos, em 1974, sua filha do meio, Cristiana, insistiu
que a mãe a levasse embora junto. Após alguns dias, Ângela Diniz havia sido indiciada pelo
seu ex-marido por sequestro. Foi condenada a 6 meses de prisão e foi assassinada antes de
cumprir a pena. Em setembro de 1975, houve uma denúncia anônima que dizia que portava
tóxicos em casa. Quando a polícia bateu em sua porta, ela entregou a maconha que tinha para a
polícia e foi detida por tráfico, tendo que assumir sua posição de usuária.
Raul Street, o Doca, era da alta sociedade paulista, casado com Adelita Scarpa, com
quem tinha um filho. Nasceu em 1934, se envolveu com Ângela Diniz ainda casado, em agosto
de 1976, quando tinha 42 anos. Largou a mulher, o emprego e o filho em São Paulo e foi viver
com ela no Rio de Janeiro, o relacionamento durou cerca de 3 meses.
De acordo com os relatos das fontes (imprensa e processo criminal), após uma
discussão, na antevéspera do Ano Novo, no dia 30 de dezembro de 1976, Ângela quis terminar
o relacionamento e pediu que o namorado fosse embora. Segundo o depoimento de Doca, eles
estavam na casa dela, em que moravam juntos, na Praia dos Ossos, em Búzios. Ele fez a mala,
ligou o carro… Porém, voltou para dentro da casa, pediu que reconsiderasse e o aceitasse de
volta. Neste momento, segundo Doca, ela disse que voltaria desde que a dividisse com outros
homens e mulheres, e comentou: “seu corno”. Em seguida, ela teria batido nele com uma bolsa
que guardava um revólver. Ele caiu, a bolsa caiu aberta e ao se levantar, fê-lo atirando,
disparando 5 tiros, 3 no rosto, 1 na nuca e 1 no braço. Doca, com o carro já ligado, fugiu e só
se entregou para a polícia meses depois.
Ao utilizar a imprensa como fonte, fica evidente de que as publicações do periódico
não são neutras. Os seus discursos são construídos diante dos fatos, com “filtros” que envolvem
interesses, princípios morais, contexto político e social. É necessário analisar a crítica interna
do jornal, de que maneira ele organiza as informações. O que ele quer relatar além da notícia?
Como ele nos constitui a realidade?
Esse caso vai dizer sobre como a sociedade da época via a morte de mulheres,
sobretudo daquelas que não se encaixavam no padrão social e moral. Esse caso reflete a cultura
de violência que foi construída no Brasil.
Em 31 de Dezembro de 1976, na capa do jornal O Globo, no canto superior direito da
página, contornado por um quadrado de linha preta, uma manchete: “Ângela Diniz morre em
85

Búzios, assassinada a tiros pelo marido.” (O Globo, Rio de Janeiro, 31 de Dezembro de 1976,
p. 1). Acima do título, duas fotos, uma de Ângela com uma feição pouco feliz e outra de Doca
sorrindo e segurando uma cerveja. No enunciado, dizia:

Ângela Diniz, milionária mineira, foi morta a tiros ontem à noite, por seu marido Raul
(Doca) Street. [...] Raul pertence a uma família tradicional de São Paulo e nos últimos
anos teve movimentada e acidentada vida social em São Paulo e no Rio. Ângela
tornou-se conhecida em todo Brasil em 1973, quando o vigia de sua mansão em Belo
Horizonte foi morto a tiros por Arthur Vale Mendes, amante da milionária. (O Globo,
Rio de Janeiro, 31 de Dezembro de 1976, p. 1)

É importante ressaltar que o tipo de acontecimento molda a notícia. Quando


acontecimentos inesperados têm elevado valor noticioso recebe o nome de “Hard News”. Nesse
caso, além de ter grande valor, o jornal fez cobertura de novos acontecimentos relacionados ao
já noticiado que ganha o nome de “Continuing News”. Rodrigues (1988) aponta que os
acontecimentos são ocorrências singulares, observáveis e delimitadas, pelo espaço e pelo
tempo. E isso faz com que elas se tornem manipuláveis, permitindo o seu tratamento através de
determinadas linguagens (escrita ou imagem). O mesmo autor complementa em seu texto que
a notícia é um meta-acontecimento, pois é discursivo, tem dimensão ilocutória e perlocutória 41.
As notícias são mais construções do que espelhos da realidade.
Sendo uma construção, a captura dos acontecimentos, a interação com a fonte, os
rituais de objetificação, o fator tempo e os enquadramentos fazem parte do que chamam de
“rotinas produtivas”. Isso acarreta maior burocratização do trabalho, diminuindo a
profundidade do discurso, além de gerar distorções como uma representação da realidade
baseadas em suposições largamente compartilhadas, em crenças, correntes e expectativas
“aceitáveis” e compartilhadas. É necessário ponderar os interesses da audiência imaginados
pelos jornalistas, além de se estruturar diante dos fatores pessoais, culturais e históricos.
Por se tratar de uma mídia de massa e instrumento da Ditadura Militar, o Globo
reproduziu os discursos dominantes dos quais se deu sentido à realidade, fez isso através da
linguagem e sistemas simbólicos e estruturaram os acontecimentos mediante esquemas
ideológicos, que permitiu ao estrato dominante gerar respostas sociais compatíveis com os seus

41
Na linguística ilocutório é designativo do ato de fala em que o falante introduz uma intenção de realizar um
objetivo comunicativo, como perguntar, pedir, aconselhar, avisar, prometer, etc. Em linguística e filosofia da
linguagem, ato perlocucionário é a designação dada à categoria dos atos de fala que agrupa o efeito produzido
sobre o interlocutor: reações da audiência em relação ao ato proferido por algum ator social.
86

interesses. Solidificaram simbolicamente as relações de poder e os papéis de gênero. Mesmo


tentando ter caráter imparcial, independente e factual, os enquadramentos contribuíram para a
legitimação desses poderes.
Segundo Souza (2008) os meios de comunicação têm uma função hegemônica por
produzirem ideologia que integra valores e normas de senso comum, reproduz e legitima a
estrutura e ordens sociais. De acordo com Pereira (2005) em qualquer governo, o uso dos meios
de comunicação é estratégica para o exercício do poder, entretanto quando o Estado usa da
censura e do monopólio desses meios, adquire força muito maior, pois exerce controle rigoroso
dos conteúdos, procurando bloquear qualquer atividade contrária a “ideologia oficial”. Para
exemplificar, a mídia foi instrumento valioso na Itália Fascista e na Alemanha Nazista, atuando
no domínio sobre as mentes das massas. No Brasil, inclusive, quem assumiu se inspirar e usar
dessa estratégia política da comunicação de massa desses governos foi Getúlio Vargas, durante
seu governo entre 1930-1945.
Voltando as notícias, estas recriam o sentimento de segurança ao promoverem uma
certa ordem e estabelecerem fronteira com o comportamento aceitável. Ela tem uma lógica de
representação, possui atores, atos, cenas, motivos… As notícias nos parecem semelhantes
porque as pessoas contam histórias de forma semelhante. O repertório cultural determina a
notícia, refletindo as preocupações sociais do momento, além de contribuir em propor modelos
de comportamento e definições de papéis sociais.
A gramática específica organiza logicamente os procedimentos que tornam possível a
localização, hierarquização, organização e interpretação dos conteúdos definidos pelos
formatos. Os formatos definem o conteúdo, condicionando a atenção, as expectativas, a
apreensão das informações e a construção de significados por parte do público. E o consumo
de mensagens midiáticas visa a satisfação individual de três objetivos: a compreensão, a
orientação e o play42 gerando no público efeitos cognitivos, afetivos e comportamentais.
Por fim e mais importante, sobretudo nesse caso, é sobre o enquadramento, a ideia
organizadora usada na atribuição de sentido dos acontecimentos, usando o “primeiro definidor”

42
Segundo Ball-Rokeach e DeFleur (1982; 1993), o consumo das mensagens mediáticas visa a satisfação
individual de três objetivos e dele decorrem diferentes formas de dependência:
1. Compreensão da própria pessoa, dos outros e do ecossistema (para compreender a história, antecipar o futuro,
etc.);
2. Orientação, ou seja, a capacidade de direccionar acções (votar, comprar coisas, etc.) e de interagir com outras
pessoas (como comportar-se, etc.);
3. Play, na medida em que nas sociedades contemporâneas os indivíduos, em grande medida, dependem da
comunicação social quer para aprenderem as normas e valores que permitem a sua integração social quer para se
entreterem.
87

como vantagem estratégica, uma vez que o restante das tentativas de significados dos
acontecimentos vão ser construídas em função dessa primeira definição.
Voltando ao caso, eram os anos 1970, Ditadura Militar, pós revolução sexual… o que
nos cabe apontar um termo nesse momento, o “Backlash”, que consiste na ideia de que todo
avanço gera também um rebote, um ricochete – no caso, uma reação conservadora. Então, cada
vitória vem também com um retrocesso. Segundo Mary Del Priore (2004) há dois momentos
do século XX em que a violência contra a mulher ficou mais em evidência: nos anos 20 e 30 –
que foi justamente o auge do movimento sufragista e nos anos 70 e 80, logo depois de um
grande momento de liberação sexual.
Ângela Diniz, desde que se separou do marido, aos 26 anos, recebeu o nome de
“Pantera de Minas”, por conta de seus envolvimentos amorosos, sobretudo com homens
casados. Ela era o tipo de mulher que apesar de não ser feminista, gostaria de ser livre e foi,
com a consequência dos olhares tortos da sociedade que queria manter a “tradicional família
brasileira”. O jornal O Globo contribuiu para construir a imagem da vítima como ré, afinal, o
julgamento moral como mulher foi maior do que o julgamento pela sua morte. Por ser uma
notícia de grande valor noticioso, o jornal fez uma cobertura completa do caso, seguindo cada
passo do assassino e montando uma história de romance policial.
A página 11 do jornal, do dia 31 de dezembro de 1976 contava sobre o assassinato,
com três pequenas colunas no canto superior esquerdo que dizia:

O crime ocorreu após uma violenta discussão do casal no banheiro da casa,


presenciado por duas empregadas. [...] As empregadas disseram que eles brigavam
constantemente, desde que resolveram viver juntos. Ontem, Ângela chegou à casa, à
noite, vestida com uma blusa verde e biquíni de mesma tonalidade, e logo depois,
iniciou-se a briga no banheiro. (O GLOBO, Rio de Janeiro, 31 de Dezembro de 1976,
p. 11)

Contava também sobre Ângela e seus envolvimentos com a polícia, já indicando, de


acordo com a moralidade da época a sua personalidade “perigosa”. Afinal, o envolvimento de
uma mulher “decente” na polícia era inaceitável. Logo abaixo do enunciado de seu assassinato,
uma foto dela depondo sobre a morte de seu vigia e a manchete: “Das colunas às páginas
policiais”.

Ao invés de noticiarem suas façanhas como mulher da sociedade, os jornais passaram


a dar cobertura aos seus envolvimentos criminais. A primeira manchete surgiu em fins
88

de maio de 1973. Ela e o seu amante Artur Vale Mendes, rico empresário mineiro,
mataram a tiros o vigia da mansão de Ângela. [...] Inconformado com a versão dada
pelos matadores de José Avelino, o então diretor do departamento de Investigações,
delegado Inácio Prata Neto, pediu exames periciais na faca. Encontrou uma rara
impressão digital em forma de delta e das mais difíceis de serem encontradas.
Confrontada com as pessoas que frequentavam a mansão, conferiu com a impressão
digital de Ângela Diniz. (O GLOBO, Idem.)

De forma sútil o jornal, que estaria ali noticiando uma morte, já aponta que a vítima
dispunha de “suas façanhas como mulher da sociedade”. Este é um indício de que o Globo está
construindo um discurso acerca de uma mulher que não correspondia as expectativas do seu
papel social para a sociedade da época. Além disso, ela estaria envolvida no homicídio de seu
caseiro, o texto do jornal assevera que ela estava envolvida com a “prova” da sua impressão
digital... Entretanto, as investigações do caso não tinham essa “prova concreta”.
Para mais, o texto aponta a relação dela de amante de um homem casado “rico
empresário mineiro.” É impressionante como a construção do discurso do jornal sempre aponta
as qualidades dos homens citados, inclusive do assassino, como veremos mais à frente.
Essa mesma matéria também trazia um pouco de história de Ângela, com ênfase na
sua beleza, com a manchete: “Desde os 15, a mais bela de BH”.

Desde então ela se tornou também a mulher mais famosa e comentada de Belo
Horizonte. Casou-se com o milionário Milton Villas Boas, um austero engenheiro
metodista que nunca concordou com sua paixão pelas festas, incompatibilidade que
foi se agravando até resultar num desquite. [...]” (O GLOBO, Ibidem.)

Neste trecho, é possível perceber que o jornal continua construindo essa imagem da
mulher fora do “padrão aceito”, dizendo que ela se casou com um “austero engenheiro
metodista”, mas ela queria festas, o que não condizia com o papel da mulher, logo essa
“incompatibilidade” resulta em um desquite. Mais uma vez, vale ressaltar que uma mulher
desquitada não era bem vista.
Neste momento, a matéria continua falando de sua beleza, que frequentava festas, que
fora solicitada para posar em capas de revista e que esta havia se tornado conhecida como a
“Pantera de Minas”. E volta a falar do seu envolvimento na morte de seu caseiro, terminando a
matéria com o ocorrido da denúncia de sequestro por ter buscado a filha. Abaixo disso, outra
manchete: “Doca, em setembro, o amor em Búzios”. A matéria começa contando um pouco de
Doca, que era de São Paulo, tinha 40 anos…
89

Há seis anos viajou para os Estados Unidos e em Miami, devido seu físico atlético,
trabalhou algum tempo como salva-vidas. Retornando ao Brasil em 1972, casou-se
com Adelita Scarpa, filha do industrial Nicolau Scarpa e prima de Francisco
(Chiquinho) Scarpa, nomes também muito conhecidos na sociedade paulista. [...]
Segundo informações de amigos de Doca, ele conheceu Ângela Diniz há quatro meses
durante um jantar social em São Paulo. Em setembro se separou de Adelita Scarpa,
disse aos amigos que havia ‘descoberto o amor’ e passou a viver com Ângela em
Búzios. A notícia de que Doca assassinara Ângela Diniz em Búzios foi recebida como
um ‘choque brutal’ por Ricardo Amaral, dono da boite Hipopótamus e amigo de
infância de Raul Street. (O GLOBO, Ibidem.)

Ao analisar essa matéria já está evidente a construção da imagem de mulher que não
cumpre o seu papel social, é baladeira, é desquitada, sua beleza é perigosa, como uma Pantera,
tem envolvimento com a polícia e usa drogas. Enquanto Doca é o salva-vidas que largou a
mulher, o filho e o emprego para viver o amor. É nesse contexto de romance policial dessa
história de feminicídio que as representações são divulgadas para o público.
“Doca, de joelhos, a Ângela: - Você não devia ter feito aquilo” é a manchete na capa
do jornal do dia 2 de janeiro de 1977. Contornado por um quadrado de linha preta no canto
superior esquerdo. Na página 21, a matéria completa. No campo superior direito, ocupando
quase um terço da página, uma foto de Ângela, morta, estirada no chão, de bruços, apenas de
blusa e calcinha.

Parentes de Raul Street, o Doca, o homem acusado de ter morto Ângela Diniz na Praia
dos Ossos em Búzios, telefonaram ontem para a delegacia de Cabo Frio, para informar
que ele irá se apresentar à polícia local na tarde de terça-feira. Disseram também que
ele está ‘muito traumatizado’ com o crime que cometeu. [...] A polícia já sabe o
motivo da briga: durante uma festinha na praia, promovida pelos moradores da praia,
e da qual o casal participou, Ângela - que vestia apenas a parte inferior de um biquini
e uma blusa transparente - se ausentou por meia hora, em companhia de um francês
chamado Pierre. Durante a briga Raul Street se ajoelhou aos pés da mulher e lhe disse:
“Você não devia ter feito aquilo”.” (O GLOBO, Rio de Janeiro, 2 de Janeiro de 1977,
p. 21)

A matéria continua entrevistando os empregados da casa, que relataram o que haviam


presenciado. Um subtítulo: “Ele chorou”, nesse momento a empregada Ivanira Gonçalves
Souza diz: “Os dois discutiram muito. Ele chegou até a chorar. Alguma coisa grave ela deve ter
feito”. Outra empregada, Marizete, conta: “Ele durante a discussão estava muito nervoso. Disse
que não podia aceitar o procedimento dela. As palavras dele foram: ‘eu não mereço o que você
fez comigo. Eu não mereço. O que você fez não tem explicação.”
Nesse primeiro momento, o jornal elucidou com convicção de que a polícia já sabia o
motivo da briga e ainda achou relevante relatar que a vítima vestia “apenas a parte inferior de
um biquini e uma blusa transparente”, o que já sabemos que não condizia com os padrões de
90

moralidade da época, apesar dela estar na praia... Mas não só o discurso, mas a foto dela morta,
apenas de calcinha, nos revela claramente a imagem que eles querem construir dela, sem pensar
na exposição e no sofrimento da família.
A questão do tal Pierre também foi explorada, mas ao longo das investigações não
houve sequer indícios da existência desse homem. A construção do discurso buscava trazer a
motivação apropriada para o crime. Uma vez que na história do país era comum e com tom de
justiça que o homem matasse a sua mulher frente a uma traição.
No dia 04 de janeiro de 1977, trazendo mais indagações para essa novela, a capa do
jornal saiu com a seguinte manchete: "Empregada: ‘Doca’ Street explorava Ângela”. Na página
11, vemos a matéria completa, onde a empregada apresenta nova versão para o crime, que trazia
para a história, o ciúme possessivo de Doca e o fato de só ela pagar tudo. Ela conta: “Esse tal
de Pierre - ela comentou - pra mim não existe. Pra começar que ele não desgrudava dela um
minuto sequer. Era impossível ela ter encontro com outros homens.” (p.11). O texto continua
com o relato dos episódios de agressão que Ângela vinha sofrendo por Doca.
Era a palavra de uma empregada negra contra a de um homem empresário, da alta
sociedade paulista. A matéria traz também o parecer dos advogados dele, dizendo que este
apareceria em dez dias para a polícia. Com o subtítulo “Medo”, o jornal conta:

Para evitar que o paciente consolide, atestada pelos médicos que o assistem, Raul
Street encontra-se em tratamento sonoterápico. Eu não me surpreenderia inclusive, se
amanhã, recebesse a notícia de que ele conseguiu suicidar-se. [...] Em seu caso, a auto-
destruição é vista como solução mais prática para todos os problemas, após a
destruição do objeto mais amado. A declaração é do advogado Paulo da Costa Jr.,
encarregado pela família Street, de defender ‘Doca’. (O GLOBO, Rio de Janeiro, 04
de Janeiro de 1977, p. 11)

Mais abaixo da matéria, o jornal conta que Doca tinha 2 processos em ficha policial
em São Paulo. Contando que ele é um réu “tecnicamente primário”. Em 1963, atropelou um
comerciante e em 1956, foi detido por agressão. No primeiro caso, o jornal conta que ele foi
absolvido e no segundo, condenado ao pagamento de uma multa de 20 centavos. A impunidade
do homem branco e rico era comum (se ainda não é) na sociedade brasileira. É possível ver o
contraste dos discursos. O Globo, na primeira notícia do caso, já aponta os envolvimentos
policiais da vítima, com manchete e tudo. Enquanto que, só 5 dias depois, em poucas linhas,
sem muito alarde, apontam o assassino como tecnicamente primário. Uma vez que cometeu um
crime, um homicídio, seria de maior conveniência explorar o histórico policial dele, ao invés
da vítima. Mas não, nesse momento, o intuito era construir a imagem do homem arrependido.
91

Ressalto ainda a expressão “objeto mais amado”, na qual o jornal reproduz a fala de
um advogado que explicitamente compara a mulher a um termo que indica posse.
Durante todo o mês de Janeiro de 1977, houve poucos dias em que as capas não
falassem de Ângela e divulgassem o caso com seu rosto. Na página 15 do dia 05 de janeiro de
1977, o jornal informa em manchete “Juiz decreta prisão preventiva de Doca”. Logo abaixo um
subtítulo com letras bem maiores que o texto e em negrito: “Advogado:- Raul está sob
tratamento médico”. Um trecho da matéria diz:

Se Raul for preso, será um homem morto - afirmou o advogado Costa Jr. [...] O
psiquiatra de Raul não responde por sua vida caso ele venha acordar da sonoterapia.
Segundo o médico, isto só pode ocorrer quando for sentido no paciente algum novo
interesse pela vida. [...] Segundo ele, “Raul está transformado em um farrapo humano,
morto desde o último dia trinta, após a destruição daquilo que ele mais amava”. (O
GLOBO, Rio de Janeiro, 05 de Janeiro de 1977, p. 15)

Pela segunda vez, agora um médico, que durante muito tempo, não tinha o nome
revelado, se referiu a Ângela não como mulher, mas como objeto. Anunciar o quão ruim Doca
Street estava quase nos faz esquecer que o viúvo inconsolável só ficou viúvo por conta de suas
próprias ações. Logo abaixo do subtítulo “a Família”, o jornal disserta sobre a estratégia do
advogado:

Para os advogados de defesa do “Doca” vários conhecidos atestam o tipo de


personalidade psicopática de Ângela, que gostava, segundo eles, de emoções fortes, o
que lhe trazia o risco permanente de transformar-se em alvo de ira dos homens que a
cortejavam. (O GLOBO. Idem.)

Fica evidente, que os advogados de defesa de Doca estavam construindo uma imagem
destorcida e negativa de Ângela. O jornal colabora reproduzindo esse discurso, explorando essa
ideia. Coletivamente, já estava implícito que a vítima era a principal causadora de sua morte,
“personalidade psicopática”, “alvo de ira dos homens”, como se fosse algum tipo de
justificativa...
O jornal O Globo não contente em noticiar sobre o caso nas páginas da “Grande Rio”,
neste dia também fez uma matéria no editorial “Cultura” com autoria de Ibrahim Sued,
namorado de Ângela Diniz na época quando ela se envolveu com Doca. Na coluna, na página
38 do jornal a manchete dizia: “A Imagem de Ângela Diniz” que sucediam subtítulos como:
“A Pantera de Minas”, “Sequestro da própria filha”, “Um charme terrível”, “Maconha”,
“Destino Marcado”, cada subtítulo continha um único parágrafo remontando um pouco a
trajetória da vida dela. Entretanto, mesmo que o autor tenha exposto que:
92

Ao decidir fazer este relato, eu o fiz para que fiquem bem claros os traços da
personalidade de uma mulher, que, mesmo depois de morta, não escapou ao noticiário
sensacionalista, apresentada ao público com uma imagem que não foi verdadeira
imagem de Ângela Diniz. Seus amigos, embora poucos, tinham adoração por ela. (O
GLOBO, Ibidem, p. 38)

O autor apenas perpetuou a imagem já construída na sociedade daquela mulher,


remontando cada aspecto da vida dela, a expondo e apontando seus “erros” que a levaram para
um destino traçado. Quer mais sensacionalismo do que explorar mais uma vez essas questões
pelo viés de um ex que foi traído por ela?
Com a demora do processo judicial e sem conseguir informações de Doca. O Globo
continuou explorando onde conseguiam desta novela. Em 06 de janeiro de 1977, na página 10,
uma página inteira com a manchete: “Clébia, a testemunha:- Ele disse “eu te amo” e atirou”.
Sobre isso, dois parágrafos contando que a vizinha, que nunca tinha ouvido o casal, subiu no
muro e relatou essa cena. O resto da matéria continuava a explorar especulações do caso. Na
página 11, uma entrevista com uma amiga de Ângela, “Kiki” Caravaglia que conta ao jornal
que “quem matou Ângela foi a paixão fulminante dos dois”, promovendo, para o lucro do jornal,
mais amor para essa história de assassinato. Completando essa história, mais abaixo, com o
subtítulo “Advogado quer revogar prisão”, o jornal disserta:

Raul, depois de ter matado Ângela, tinha intenção de se apresentar a polícia. Ele estava
transtornado e quando deixou a casa dirigiu-se para a delegacia de Cabo Frio. Parou
seu carro na porta, e somente percebeu que usava shorts. Quando vestiu uma calça,
passou a chorar. Queria somente ver seus pais. Acelerou e deixou aquele local. Esta
versão da fuga foi apresentada ontem pelo advogado Paulo José da Costa Junior. [...]
- Raul não é uma pessoa perigosa. Pelo que sabemos não tem antecedentes criminais,
pois nas duas vezes que se envolveu com a polícia, foi absolvido. Além disso, existe
um detalhe muito importante: o autor de um crime passional nunca repete outro. Raul
está arrependido do que fez. (O GLOBO, Rio de Janeiro, 06 de Janeiro de 1977, p.
11)

A construção deste texto parece mais com o trecho de um livro de ficção do que uma
matéria de notícia de jornal. Volto a ressaltar a questão que já citei acerca do O Globo criar uma
lógica de representação, ele conta sobre os atores, os atos, as cenas e os motivos... conta da
maneira que uma pessoa comum contaria uma história. Sua gramática organiza os fatos,
condiciona a atenção, explora as expectativas e significados para o seu público. Esse trecho nos
revela o efeito afetivo que o jornal pretende gerar.
93

No dia 10 de janeiro de 1977, noticiando todos os passos do caso, na página 17, o


jornal aponta na manchete que “O Juiz decide quarta-feira se revoga prisão de Doca.” O
delegado Tito Lívio é entrevistado pelo O Globo:

O delegado Tito Lívio, de São Pedro da Aldeia, esteve em Cabo Frio, e disse que sua
equipe está empenhada na captura de Doca; o maior problema, segundo ele, é a falta
de gasolina para seus carros [...]. À porta da delegacia, os policiais disputam, embora
sem meios, a captura de Doca. Para eles, a prisão de Doca é uma questão de honra,
mas nenhum deles nega a possibilidade de Doca ser preso […]. (O GLOBO, Rio de
Janeiro, 10 de Janeiro de 1977, p. 17)

De fato, a polícia parece muito empenhada em capturar Doca, a problemática da


gasolina parece ser muito séria. Nesse trecho ainda, é possível perceber que a questão da honra
estava clara, frente o imaginário masculino, como a principal justificativa para o crime.
A página 10, do dia 19 de janeiro de 1977 traz em sua manchete: “Matador de Ângela
Diniz, preso em São Paulo, está em Niterói”. Há duas imagens enormes com um enquadramento
no rosto triste e cansado de Doca. Um subtítulo nos informa: “Advogado - Prisão foi um acordo
com a Polícia”, dando a entender que foi uma concordância de ambas as partes, indo contra a
burocracia do sistema judiciário e a lei, pois não era uma questão de acordo, era um homicida
solto. Um outro subtítulo chama atenção no final da página: “Delegado quer mais detalhes sobre
Ângela”, segundo ele, relatado no jornal “Delegado quer saber se realmente Ângela tinha
envolvimento sexual com mulheres, como afirmara Raul Doca Street numa entrevista”. Mais
uma vez, uma nova questão para manchar a imagem de nova, a possibilidade dela ter conduta
homossexual. Sendo a homossexualidade na época, um horror embebido de muito preconceito.
No dia seguinte, dia 20 de Janeiro de 1977, na página 12, a manchete: “Doca divide
xadrez com 4 presos em Cabo Frio”, em seguida o subtítulo: “Assaltante, Homicida, Traficante
e Estuprador.” O jornal achou relevante informar com quem Doca dividiria a cela; a matéria
que procede esses títulos aponta: “Numa cela normalmente ocupada por presos por subversão.
Raul Doca Street passou a primeira noite na prisão.”. É importante ressaltar que apesar de Doca
ser assassino, sua designação era de “passional”, logo não podendo ser comparado com um
homicida, na qual dividiria a cela, evidenciando o quanto a morte de uma mulher não era digno
para adjetivar o que ele realmente era, um homicida.
Após passar a noite na prisão, Doca sofreu uma “crise nervosa” e foi internado em uma
clínica, saindo da prisão. Passados alguns dias, um novo ator entra em cena, Evandro Lins e
Silva, advogado, ex-procurador-geral da República, ex-ministro-chefe da Casa Civil, ex-
ministro das relações exteriores e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, foi contratado pela
94

família Street para defender Doca. No dia 26 de janeiro de 1977, na página 13, O Globo aponta
a visão do advogado, sempre adjetivado pelo jornal ao longo das matérias, com a palavra
“mestre”, no subtítulo: “Evandro Lins e Silva: - Um passional de romance” no texto abaixo o
jornal relata uma fala do advogado: “Quem acompanhou meus júris e leu meus trabalhos já
sabe que tenho grande experiência na defesa de réus envolvidos em crimes passionais. O de
Raul Street foi um crime passional, e em torno desse aspecto, que a defesa será orientado.”
Assim que saiu da clínica e voltou à prisão, O Globo conseguiu entrevista exclusiva
com ele, evidenciando seu estímulo ao desenvolvimento dessa trama amorosa catastrófica:

O Globo:- Qual o conselho que você daria a um homem apaixonado que estivesse em
desespero?
Doca:- O melhor conselho que eu poderia dar seria que saísse do desespero. Para que
não haja uma tragédia, para que evite o que aconteceu comigo, uma coisa que me
deixou arrependido. Sim, eu me arrependo muito do meu desespero. (O GLOBO, Rio
de Janeiro,05 de fevereiro de 1977, p. 14)

Já no dia 27 de julho de 1977, Doca consegue sair da prisão através de um habeas


corpus e em 14 de setembro de 1977, O Globo achou pertinente noticiar, mesmo que em
pequeno quadradinho no canto inferior direito da página, com apenas um parágrafo que
contava: “Doca Street pesca e namora no Rio Araguaia, em Goiás”.

Barbeado, de calça creme e camisa azul clara, aparentando muita tranquilidade [...].
O par constante de Doca nesta temporada de pesca é uma loura muito bonita, filha de
Jorge Moraes Dantas. (O GLOBO, Rio de Janeiro, 14 de setembro de 1977, p. 10)

É interessante como a construção discursiva mais parece de coluna social do que a


cobertura de um assassinato. A imagem de Doca era fundamental. Em várias matérias, O Globo
disserta adjetivando a sua aparência e suas vestimentas. Para mais, pois implicitamente quer
mostrar que o crime foi um caso isolado na vida de Doca, comum em crimes passionais, por
isso demonstra sua vida tranquila, bem vestido, já buscando novas paixões.
Dois anos depois, o julgamento de Doca ainda não tinha acontecido e a sua defesa
promoveu um parecer para o jornal com a seguinte manchete: “Defesa de Doca: Ângela era
viciada em drogas”. O texto abaixo da manchete dizia:

O advogado Evandro Lins e Silva [...] dirá no julgamento de seu cliente, dia 17
próximo, em Cabo Frio, que Ângela ‘dependia de medicamentos tóxicos e tinha
personalidade neurótica instável’, segundo diagnóstico de um médico que ele pretende
mostrar ao júri. (O GLOBO, Rio de Janeiro, 10 de outubro de 1979, p. 13)
95

O que me veio à mente é como o médico, que seria apresentado pela defesa, iria dar o
diagnóstico de uma pessoa morta? Com que evidências e sem a “consulta” com a vítima seria
possível dar esse diagnóstico? Mesmo assim, a gramática do texto sugere credibilidade, uma
vez que a fala de um advogado e um médico tem mais relevância do que de uma mulher,
sobretudo uma mulher de beleza provocante e conduta imoral.
Neste momento, já faltando poucos dias para o julgamento, o jornal traz no seu dia 15
de outubro de 1979, um parecer público das pessoas sobre o caso. Estabelece-se uma relação
entre mídia e sociedade, desvendando uma visão, segundo o jornal, que escolhe o que é
relevante para relatar em uma matéria, como homens e mulheres estavam vendo a morte de
Ângela e o julgamento de Doca. A página 14, referente a esta data foi inteiramente dedicada ao
caso, a manchete dizia: “Cabo Frio: Uma cidade à espera de um julgamento”. Logo abaixo da
manchete, um parágrafo em letras maiores e em negrito que dizia:

Quando Almiro Arquimedes, da rádio Cabo Frio, a única da cidade, entra no ar às 8


horas, dando início ao programa ‘Show da Manhã’, faz sempre, há 20 dias, esta
pergunta: ‘Doca Street vai ser condenado ou absolvido?’ A resposta tem sido:
‘Absolvido’. ‘Por quê?’ As mulheres respondem “É um pão. Além disso, o crime já
ocorreu há muito tempo’. E os homens? ‘A sua única falha foi ter matado aquela
galinha’. (O GLOBO, Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1979, p. 14)

Esse trecho aponta explicitamente que as falas do jornal não eram singulares, elas
remontam a pluralidade do pensamento acerca da imagem construída da vítima e do acusado.
A sociedade compactuava com o que era exposto nos discursos do O Globo, a imagem da
mulher louca e vulgar e do homem que matou por amor.
No dia 17 de outubro de 1979 começou o julgamento de Doca. Parecia mais um evento
do que o julgamento de um assassinato. No jornal O Globo, mais páginas dedicadas ao caso.
Neste dia, na página 14, a manchete: “Começa hoje o julgamento de Doca Street”. Ao longo da
matéria, o jornal relata o projeto de defesa de Doca:

A tese a ser sustentada pelo advogado Evandro Lins e Silva será de que houve
‘participação da vítima na eclosão do crime.’
- Há pessoas que querem se matar, não tem coragem de fazê-lo pessoalmente e
decidem que essa morte deve ser executada pelas mãos de outros. O júri vai ficar
estarrecido com detalhes da personalidade de Ângela Diniz. Isto é lamentável, mas o
júri deve ser informado de tudo - disse ele. [...]
- Ninguém pode ser desmoralizado tanto tempo por uma mesma pessoa. Às vezes, a
reação violenta é a única saída - disse Evandro Lins e Silva, que pretende seja esta
última participação num Tribunal do Júri. (O GLOBO, Rio de Janeiro, 17 de outubro
de 1979, p. 14)
96

Neste momento, não existe mais fala neutra, já estava claro para toda a sociedade de
que quem matou Ângela, foi ela mesma, por sua conduta inadmissível, usando o Doca como
instrumento para isso. “O júri vai ficar estarrecido com detalhes da personalidade de Ângela.”,
essa fala nos mostra que o que estava em evidência era a vítima, não o crime, construindo
fundamentos para justificar a “reação violenta” como “a única saída”. Quase é possível esquecer
os 3 tiros que ele disparou no rosto dela. Inclusive, em casos em que se fere o rosto da pessoa,
este é um indicador de que o sujeito quer ferir a sua imagem. Ângela sempre foi reconhecida
por sua beleza, o que motivava os ciúmes possessivos de Doca. Se o crime fosse “acidental”,
como ele relata, que levantou disparando sem saber onde, o que justifica esses 3 tiros, que
desconfigurou o seu belo rosto? Mas essa questão não é levantada em nenhum momento.
Mais abaixo na matéria, um quadrado sublinhado com o título “Opinião das ruas”
trazia o posicionamento das pessoas. Uns eram a favor da condenação, como diz José Antônio
Ramos, de 19 anos, vendedor de camarão na Praia do Forte: “A mulher pode ser tudo o que
falam dela, mas Doca não tinha o direito de matá-la”. Claudinei dos Santos, de 47 anos, corretor
de seguros, reforçou o argumento: “Ele vai ser condenado porque ninguém tem o direito de
matar seu semelhante, mesmo que ela seja uma prostituta.” Já outras pessoas eram a favor da
absolvição, Édson Dias, professor, diz: “Absolvo, Acho que ele agiu movido pelo amor”. Jacira
Roldão, 42 anos, complementava: "Absolveria, é claro. Ele é um pão, Eu o vejo andando de
bugre nas praias de Cabo Frio. Ela o fazia sofrer. Ele a matou por amor, que por amor também
se mata. Acho que vai ser absolvido. Deve ter muita gente romântica nesse júri.”
Esse parecer das pessoas que o jornal traz nos mostra um pouco do contexto cultural
da época, em que as pessoas, mesmo que defendam uma condenação para o crime, expõem suas
considerações sobre uma mulher que não seguia o seu papel social imposto. Como já foi citado,
o julgamento de Ângela como mulher na sociedade, a exploração e distorção de sua imagem
foi muito maior do que o julgamento de quem tirou sua vida.
Foram dois dias de julgamento, e no dia 19 de outubro, a manchete com o resultado:
“Doca, condenado a dois anos, permanece em liberdade”. Na matéria dizia: “A suspensão da
sentença beneficiou o réu com liberdade condicional. Os jurados reconheceram que Doca ‘agiu
em legítima defesa de sua honra’ ao matar Ângela, por quatro votos a três." (O GLOBO, Rio
de Janeiro, 19 de outubro de 1979, página 14) Mais abaixo na página, com fotos da multidão
que estava ao redor do Tribunal e uma manchete “Na rua, cartazes e faixas saúdam Doca”. No
texto: “Na rua, em frente ao prédio do Foro, cerca de 500 pessoas já aguardavam com faixas e
97

cartazes: ‘Cabo Frio saúda Doca Street’, ‘Doca, Cabo Frio está contigo’, ‘A justiça de Cabo
Frio está de parabéns’.”
Na página 15, na edição do mesmo dia, no canto inferior esquerdo da página um
subtítulo que dizia: “Uma análise do julgamento” o jornal relatava: “As manifestações de rua e
à porta do Fórum já prenunciavam o resultado colhido pela defesa. E sendo o júri a
representação do sentimento da sociedade.” O jornal não mentiu, ele estava certo em dizer que
o júri e o resultado desse julgamento era reflexo do sentimento da sociedade, que banalizou a
morte de uma mulher e exaltou seu assassino.

3.5 O PÓS-JULGAMENTO

No fim do primeiro julgamento do Doca, a promotoria recorreu da sentença e pediu o


anulamento desse julgamento, alegando que o resultado do Júri tinha sido manifestamente
contrário à prova dos autos. Nada na evidencia do processo apoiava a conclusão de que o
assassinato da Ângela Diniz, que foi morta a tiros sentada num banco, foi um excesso de
legitima defesa. Um tribunal superior concordou e anulou o primeiro resultado.
Agora voltemos ao contexto social da época, a virada dos anos 70 para os 80 no Brasil
foi um momento de profundas mudanças. Foi a época da abertura política, o país estava
começando a sair da ditadura, e caminhando, bem devagar, em direção à democracia. A Lei da
Anistia43 é de agosto de 1979, dois meses antes do primeiro julgamento do Doca, acabou tendo
um impacto fundamental nessa história. Isso porque, com a Anistia, muitos exilados e muitas
exiladas voltaram da Europa, na qual uma parte importante delas estavam em contato direto,
fazendo parte do movimento feminista europeu.
A violência e o assassinato contra as mulheres já era algo que estava incomodando as
feministas da época, entretanto a morte de Ângela em si não gerou muitas mobilizações entre
elas, isto porque para a sociedade da época, ela não era a “vítima ideal” para mover uma
manifestação, afinal nem toda tragédia consegue mobilizar um movimento, porque usavam do
contra-argumento: “ah não, tava pedindo.” Entretanto, somado a ela, em 1980, ocorreram uma
sequência de dois assassinatos de mulheres – pelos maridos, motivados por ciúme, em Belo
Horizonte, que foi o estopim de uma mobilização de mulheres em Minas que iria reverberar por
todo o país.

43
A Lei de Anistia de 1979, permitiu o retorno de todos os acusados de crimes políticos no período do regime
militar.
98

Esses dois casos, da Eloísa e da Regina 44, aconteceram em 1980, o ano seguinte do
primeiro julgamento do Doca Street. Elas sim, eram mulheres que cumpriam com seu papel
social, de esposa, mãe e dona de casa. Esses casos encaixavam dentro do padrão de moralidade,
capazes de comover as pessoas. Essas duas vítimas foram o rosto de uma mobilização de
mulheres que decidiram às ruas denunciar e lutar contra a violência e o assassinato de mulheres.
E esse movimento das mineiras acabou sendo fundamental para o clima que se armou
enquanto corria o processo pro segundo julgamento do Doca. Pela primeira vez a violência era
o foco. O slogan do movimento era “Quem ama não mata”, mostrando o contra-argumento
frente a justificativa de defesa de Doca Street, que dizia ter matado por amor. A violência
consistente e as mortes de mulheres pelos seus companheiros, que vinham sendo tacitamente
aceitas por todo mundo há séculos, de repente começaram a gerar revolta.
Neste momento, não só o elenco no tribunal tinha mudado, mas o lado de fora e a
plateia. No segundo julgamento, que ocorreu no dia 06 de novembro de 1981, havia uma legião
de mulheres feministas de fora do tribunal. Na capa do jornal desse mesmo dia, uma foto de
Doca limpando os olhos com um lenço e uma manchete “15 anos para Doca”. A matéria do
jornal, na página 8 relata o desenvolvimento do julgamento. Os defensores de Ângela usaram
de acusação o slogan das feministas “Quem ama não mata”, enquanto que os defensores de
Doca, com Evandro Lins e Silva fora do caso, continuavam a defender a “violenta emoção”.
No dia 7 de novembro de 1981, já passados 5 anos do assassinato de Ângela, na página
8, a manchete do jornal O Globo é a seguinte: “Agora, 15 anos de reclusão pela morte de
Ângela”. No canto inferior esquerdo, um pequeno quadrado sublinhado, com o subtítulo
“Feministas fazem sua comemoração”. Nesse momento, o jornal com sua postura sempre
buscando pela neutralidade, expõe descaradamente sua visão sobre essas mulheres:

[ilegível] Pinheiro, que liderava um grupo de feministas mineiras, ficou a noite toda
acordada, ‘fazendo a cabeça do pessoal’, Disse que a condenação de Doca foi uma
vitória para as mulheres [...] ‘que nunca se calaram diante do ridículo que representou
o primeiro julgamento.” (O GLOBO, Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1981, p. 8)

44
Eloísa Ballesteros tinha 32 anos, fora casada com Márcio Stancioli, tinham 2 filhos, eram casados há poucos
anos e moravam em Belo Horizonte, seu assassinato foi no dia 27 de julho de 1980.
Mary Del Priore deu entrevista ao Podcast “Praia dos Ossos”, de 2019, apresentado por Branca Vianna que fez
uma pesquisa profunda acerca do caso de Ângela, e que apresentou esses outros casos de feminicídio. Sobre o de
Eloísa, a historiadora diz: “Ele disse que ele começa a desconfiar dela em '78, depois que ela passa alguns dias
sozinha em São Paulo. E aí ela volta com um corrimento, que ele associa a doença venérea. E depois, é óbvio, a
coitada da mulher é examinada, não tem doença venérea nenhuma, né.” Em 1980, Eloísa quis se separar. Priore
continua sua fala: “Depois de tomar uma garrafa de whisky para relaxar, ele descarrega cinco balas nela, e recarrega
a arma, e ainda dá mais dois tiros para ter certeza que ela morreu.”
Duas semanas depois do assassinato de Eloísa, também em Belo Horizonte, Maria Regina, que tinha 30 anos, foi
assassinada por seu marido Eduardo de Souza Rocha. A motivação teria sido ciúmes.
99

Doca cumpriu seus 15 anos de prisão, escreveu um livro “Mea Culpa” em que ele
conta sua versão dos fatos. O caso do assassinato de Ângela Diniz entrou para história de
diversas formas e representações, virou livro em maio de 1977 por Aguinaldo Silva: “Romance
do crime de Búzios”. Também virou filme, em 1977: “Os amores da Pantera” uma trama
ficcional que reencenava o caso, retomando especulações bizarras sobre o assassinato. Em
1982, a TV Globo pegou o slogan do movimento feminista e fez uma minissérie chamada
“Quem ama não mata.”
No plano social e político, as mulheres conquistaram muitos direitos desde então. As
mulheres criaram o Centro de Defesa da Mulher em Belo Horizonte, que se propunha a ser um
centro de estudos, de reflexão, e de elaboração de políticas públicas para o enfrentamento da
questão da violência. O objetivo comum era atender mulheres vítimas ou ameaçadas de
violência, antes que elas fossem mortas. Vários desses grupos vieram a se chamar “SOS
Mulher”. Em muitos casos, uma das coisas que esses grupos faziam era abrir uma linha
telefônica e ter voluntárias se revezando para atender. Só que essas mulheres que ligavam pro
SOS Mulher, não estavam fazendo uma denúncia pra polícia.
A repercussão desse movimento, que não foi apenas sobre Ângela, Eloísa ou Regina,
mas sobre todas as mulheres que tiveram seus sangues derramados nesse país, marcou a nossa
história feminista e de luta. O movimento deixou claro que novas medidas deveriam ser
tomadas, que as mulheres não iam mais aceitar a violência.
Segunda a autora Eva Blay (2003), logo em 1983 foi criado o primeiro Conselho
Estadual da Condição Feminina em São Paulo. Em 1985, criou-se a primeira Delegacia de
Defesa da Mulher, órgão voltado para reprimir a violência contra a mulher. Mas segundo a
mesma autora, o serviço das DDM’s era - e é - “prestado por mulheres, mas isto não bastava,
pois muitas destas profissionais tinham sido socializadas numa cultura machista e agiam de
acordo com tal padrão.” (2003, p. 7) Em 1991, segundo Rodrigues (2019), o STF decidiu que
“honra” é atributo pessoal e, no caso, a honra ferida é a da mulher.
Alguns anos depois dessas medidas, em 1998, Maria da Penha, vítima de violência
doméstica por 23 anos, que ficou paraplégica após uma tentativa de assassinato pelo marido,
com apoio de duas organizações não governamentais (CEJIL e CLADEM) entraram com uma
petição contra o Estado Brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos,
denunciando a tolerância do Estado Brasileiro com a violência doméstica. Assim, ainda
segundo Rodrigues (2019), o governo brasileiro se viu obrigado a criar e aprovar um novo
dispositivo legal que trouxesse maior eficácia na prevenção e punição de violência doméstica,
100

resultando em agosto de 2006 a Lei 11.340, nomeada “Lei Maria da Penha”. Mesmo assim,
nesse mesmo ano, no estado de Pernambuco, 291 mulheres foram mortas em apenas cinco dias.
(RODRIGUES, 2019)
No dia nove de março de 2015, entrava em vigor a lei do feminicídio (Lei 13.104/15),
o assassinato de mulheres por serem mulheres. Segundo o site do Instituto Brasileiro de Direito
da Família, na publicação do dia 19 de outubro de 2020:

Ao menos 648 mulheres foram assassinadas no Brasil por motivação relacionada ao


gênero no primeiro semestre de 2020. O índice representa aumento de 1,9% em relação
ao mesmo período, de janeiro a junho, no ano passado. Os dados foram divulgados neste
domingo (18) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública - FBSP.

Ângela Diniz não era feminista, não conhecia o movimento e nem procurava entender
os ideais que vinham dele. Desde que este foi introduzido no Brasil, foi recebido pela maioria
da população de cultura machista e patriarcal, que era um movimento de feias, ressentidas, mal-
amadas, lésbicas... então não era nem um terço das mulheres do país, que se identificavam e/ou
entendiam quais eram seus objetivos. Mas Ângela era mulher, era consciente de que queria ser
livre, de que queria ser independente, de que a vida de esposa, trancada em casa não era pra ela.
Ela quis terminar o relacionamento com o Doca porque estava consciente de que não podia
mais aceitar os seus abusos, o seu controle.
Da mesma maneira que estampou os jornais com seu belo rosto viva, também o fez
com a sua morte. Essa foi sua grande contribuição para esse movimento. Ângela não pode ser
o rosto do movimento porque para a sociedade, ela não estava de acordo com os padrões de
moralidade, como se isso fosse justificava. Mas enquanto mulheres morriam por “debaixo dos
panos”, sem nenhuma repercussão, ela trouxe à tona, estampou as capas de jornais com mais
um caso de assassinato de mulheres, só que dessa vez, era o sangue de uma mulher rica e famosa
das colunas sociais. E isso foi uma grande chama para mostrar à sociedade que ela não era a
única e que ela não morreu por desviar dos padrões, ela morreu pelo machismo, pelo controle,
ela morreu por ser mulher.
São tão recorrentes os casos de feminicídio, desde as raízes da colonização até o século
atual, que é perceptível que não é um problema de ordem apenas política e jurídica. Afinal,
mesmo depois desse caso, que estampou nas mídias a morte de mulheres, resultando em
políticas públicas para cessar o problema, ficou evidente que mesmo com leis que assegurem a
punição de agressores e homicidas, a violência contra as mulheres e o feminicídio ainda é um
problema recorrente. Os homens continuam matando suas mulheres.
101

Quando se analisa os casos de feminicídio, as mulheres foram assassinadas porque


queriam sair de um ciclo de violência, porque queriam uma melhor condição de vida, porque
queriam se ver livres. Do outro lado, os homens, que as veem como objeto de posse, de controle,
de dominação, não conseguem controlar o sentimento de perda, de desprezo, de raiva,
resultando no que a gente já sabe. É um problema de ordem social, cultural, estrutural. É um
problema de longa duração.
Segundo Saffioti (1987, p. 24), “[...] a presença ativa do machismo compromete
negativamente o resultado das lutas pela democracia, pois se alcança, no máximo, uma
democracia pela metade.” A cultura machista perpassa algumas instituições sociais, como a
família, a escola, a mídia. A família é fundamental na formação da sexualidade das crianças,
pois a relação afetiva dentro de casa serve de base para compreender o mundo.
De acordo com Oliveira e Maio (2016), se houver expressão de machismo em casa, as
crianças assumem essa postura. A escola também pode desempenhar esse papel, segregando o
gênero, um exemplo é como é difundido que meninas são quietinhas e meninos bagunceiros,
logo representando papéis de passivas e de ativos. Takara e Teruya (2013, p.151) consideram
também que os “[...] artefatos midiáticos são proponentes de discursos com potencial para
estabelecer os modos de ser, pensar e agir no mundo”. Nesse sentido, os meios midiáticos
podem influenciar e difundir maneiras de pensar e agir, logo, quando comportamentos
machistas são veiculados nestes espaços, há maior chance em reproduções deste.
Araújo (2006), ao analisar o sexismo na publicidade, ressalta que a representação da
mulher em vários anúncios publicitários é realizada de maneira a relacioná-la como objeto
sexual, de personalidade fútil; enquanto o homem, em sua maioria, é retratado com a marca da
virilidade e do poder econômico. Nesse sentido, a autora considera que a publicidade reflete o
sistema patriarcal da cultura social, pois essa sociedade ainda apresenta muitas características
machistas, preconceituosas e violentas.
Enquanto as pessoas forem socializadas com o machismo, esse problema não será
superado, porque todas as instituições serão estruturadas com essa base. As políticas públicas e
as leis não são eficazes porque dentro dessa instituição, seus agentes são machistas. E, apesar
das conquistas feministas “[...] é evidente que o seu acesso a posições de liderança ou de poder
nas inúmeras organizações de diferentes domínios, ainda não é um fato e a possibilidade de
mudança nesse sentido, pouco segura.” (NOGUEIRA, 2006, p. 57). Nesse sentido, a
inferiorização feminina - representada sobretudo, pela humilhação por parte de autoridades que
atendem casos de violência contra mulheres, perpetua a impunidade dos casos.
102

Diante disso, Auad (2016) disserta que as visões naturalistas sobre os sexos
representam travas para a superação dessa situação, pois a reprodução de atividades, atitudes e
ações segregadas ao machismo faz com que a violência perpetue nas práticas sociais, políticas
e jurídicas. Ainda segundo a mesma autora, educar homens e mulheres para uma sociedade
democrática e igualitária requer reflexão coletiva, dinâmica e permanente, abrangendo todas as
instâncias sociais.
É um problema de ordem social e cultural, pois as leis mudam, mas o essencial
continua intocado. E quando tocamos nesse problema, é evidente que as mulheres são vítimas
desse sistema, mas os homens também o são, logo a solução não deve apenas partir da
consciência das mulheres e da punição dos agressores. Exige ações voltadas à prevenção e
medidas de apoio. Entender a percepção do sujeito que permeou a violência é fundamental para
a compreensão do fenômeno, além de buscar uma assistência social, psicológica e jurídica, pois
apenas a punição não resolve o problema.
103

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ficou evidente ao longo deste trabalho como se configurou as relações amorosas ao


longo da história - documentada - do país, sobretudo em como a violência contra a mulher se
fez presente. É uma base muito enraizada, se tornou naturalizada… e após séculos de
impunidade, o feminismo permitiu às mulheres uma maior consciência da sua condição na
sociedade, promovendo movimentos a fim de denunciar e buscar melhores condições de vida.
Entretanto, esta é uma problemática da violência, do assassinato de mulheres, é uma ocorrência
que continua acontecendo mesmo com o desenvolvimento de leis e políticas públicas para
combatê-lo, porque não é um problema apenas de ordem política, jurídica.
Em comparação a outros países do mundo, o Brasil possui a legislação que mais tende
a proteger mulheres. Entretanto, a realidade é outra, não basta somente a legislação, é um
problema de ordem social e cultural. Nascemos em uma cultura e somos socializados a
naturalizar relações violentas, crescemos em uma cultura machista que invoca os “papéis
sociais”, que ensina homens a usar da sua agressividade e que ensina a mulheres a relevá-las.
Somado a isso, temos um sistema judiciário maiormente dominado e administrado por homens
que infelizmente ainda garante a impunidade de agressores e assassinos de mulheres.
A prática da violência contra a mulher é um exemplo paradigmático da construção
social dos sexos. Essa contraposição de masculino e feminino gera um dualismo que acarreta
consequências que refletem diretamente no discurso jurídico acerca a identidade da vítima.
Nesse sentido, o sistema judiciário, apesar de ter leis de proteção na teoria, na prática é visto
com muita desconfiança, pois esses dispositivos institucionais de atenção à mulher em situação
de violência não garantem uma compreensão abrangente desta como paradigma das
desigualdades de gênero. É comum que haja por parte dessas instituições, insinuações de
justificativas para as agressões, ofensas, humilhações enfrentadas pelas mulheres pelo “seu
comportamento pouco adequado ou provocador”.
Desde o caso de Ângela Diniz, já se passaram 44 anos, algumas políticas públicas
foram estruturadas, o feminismo ganhou mais força, entretanto, infelizmente ainda é possível
delinear casos de agressão ou assassinatos em que a mulher se vê na condição de ré, e não de
vítima. A culpabilização da mulher para justificar os atos criminosos ainda é uma justificativa
conveniente para impunidade. O caso mais recente que demonstra isso aconteceu em 2018, com
julgamento em 2020.
De acordo com o site The Intercept Brasil, o empresário André de Camargo Aranha
foi acusado de estuprar a jovem promoter catarinense Mariana Ferrer, de 23 anos, durante uma
104

festa em 2018. No seu julgamento, foi considerado inocente. Segundo o promotor responsável
pelo caso, não havia como o empresário saber, durante o ato sexual, que a jovem não estava em
condições de consentir a relação, não existindo, portanto, intenção de estuprar – ou seja, uma
espécie de ‘estupro culposo’. Essa expressão não foi fundamento da sentença criminal,
entretanto, justificou o ato do agressor. A defesa do empresário mostrou cópias de fotos sensuais
produzidas pela jovem enquanto modelo profissional antes do crime como reforço ao
argumento de que a relação foi consensual.
Perceba como a sociedade muda, mas os seus discursos não. Pois, da mesma maneira
que Ângela Diniz foi culpada por seu comportamento, por suas vestimentas, por não se
enquadrar nos padrões de moralidade, Mariana Ferrer também foi acusada como culpada. Suas
atitudes como mulher – numa sociedade que hoje vê com mais credibilidade o feminismo, que
possui políticas públicas a fim de proteger mulheres nesses casos – foi utilizado como
argumento para justificar uma violação ao seu corpo, sendo que nenhuma atitude livre pessoal
é capaz de justificar uma agressão ou uma morte.
Essa problemática continua recorrente porque agressores e assassinos saem impunes
dessa situação, justamente pelo fato das leis e dos agentes de ordem jurídica terem sido
socializados na cultura. E é através dessa impunidade e naturalização dessa violência que a
sociedade ainda está sendo moldada. Enquanto o pensamento machista for maior que as leis,
enquanto o comportamento da mulher for usado como justificativa dos atos, não haverá
mudança na sociedade.
Além disso, existem muitas brechas na legislação capazes de reduzir a pena. Logo,
quando a mulher registra uma queixa de agressão, além de ter que provar para a instituição a
gravidade do problema, está sujeita a ameaças do parceiro, que muitas vezes, com raiva, acaba
saindo da prisão em pouco tempo e inferindo a expressão máxima da violência contra a mulher,
o assassinato.
Santos e Izumino (2005) propõem uma análise do papel das mulheres na condução das
queixas e dos processos penais. Elas observam que há diferenças significativas entre os
depoimentos prestados pelas mulheres nas diferentes fases dos processos e analisam a forma
como essas diferenças influem nas decisões judiciais. A absolvição do agressor muitas vezes
vem pela mudança no relato apresentado pela mulher no decorrer do processo. Isso porque,
quando a mulher presta a queixa, está machucada, sozinha e quer uma punição. Mas, sabemos
que sobretudo na violência doméstica, existe um ciclo de dependência e durante o processo, as
mulheres tendem a não ter mais um sentimento tão vívido de punição.
105

A construção da culpabilização da mulher pela violência sofrida é uma situação com


raízes muito antigas e que parece estar longe de acabar. Enquanto a sociedade não for
socializada por uma democracia de gênero, ainda haverá muito sangue de mulheres nas mãos
de homens.
As resoluções não são fáceis, não serão rápidas, é uma mudança que requer ações de
todas as instituições que permeiam a sociedade. É preciso repensar os papéis sociais, a família,
a escola, as instituições jurídicas. É um processo de conscientização social. Será necessário
evidenciar o problema à nível cultural, propor intervenções, sobretudo para que os homens
tomem consciência da dimensão relacional do gênero, sem reduzir ou justificar essas expressões
de violência. A grande superação deste problema não consiste em punir e sim em educar, pois
é através da educação, da informação e da consciência que foi possível ver as grandes mudanças
através da história.
106

REFERÊNCIAS

ACAYABA, Cíntia; ARCOVERDE, Léo. Casos de feminicídio aumentam 76% no 1º trimestre


de 2019 em SP. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 2019a. Disponível em:
<https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/04/29/casos-de-feminicidio-aumentam-
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cai.ghtml>. Acesso em: 25 jun. 2019.

_____________. Casos de feminicídio aumentam 76% no 1º trimestre de 2019 em SP. Jornal


O Globo, Rio de Janeiro, 2019b. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-
paulo/noticia/2019/04/29/casos-de-feminicidio-aumentam-76percent-no-1o-trimestre-de-
2019-em-sp-numero-de-mulheres-vitimas-de-homicidio-cai.ghtml>. Acesso em: 25 jun. 2019.

ALMEIDA, Ângela M. D. Os manuais portugueses de casamento dos séculos XVI e XVII. In:
SAMARA, Eni de Mesquita (Org.). Família e grupos de convívio. Revista Brasileira de
História. São Paulo: ANPUH: Marco Zero, vol. 9, nº17, 1989, p. 191-207.

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ZICMAN, Reneé B. História através da imprensa: algumas considerações metodológicas.


Revista do Programa de Estudos Pós-graduados de História. 1985. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/12410>. Acesso em: 8 set. 2020.

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