FOUCAULT, Os Anormais

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FOUCAULT, Michel. Os anormais: curso no collége de France (1974-1975).

Tradução
Eduardo Brandão. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.

mas são enunciados judiciários privilegiados que comportam presunções estatuárias de


verdade, presunções que lhes são inerentes, em função dos que as enunciam. Em suma,
são enunciados com efeitos de verdade e de poder que lhes são específicos:... (11)

Não há retroatividade da lei penal...

“Só são puníveis as infrações definidas como tais pela lei”? Que tipo de objetos ele faz
surgir? Que tipo de objetos ele propõe ao juiz como sendo o objeto da sua intervenção
judiciária e o alvo da punição? (14)

O que o juiz vai julgar e o que vai punir, o ponto sobre o qual assentará o castigo, são
precisamente essas condutas irregulares, que terão sido propostas como a causa, o ponto
de origem, o lugar de formação do crime, e que dele não foram mais que o duplo
psicológico e moral. (16)

da parapatológica, próxima da doença, mas uma doença que não é uma doença, já que é
um defeito moral. (18)

dobrar o delito com a criminalidade, depois de ter dobrado o autor da infração com o
sujeito delinquente.

é evidentemente contribuir para faze-lo passar da condição do réu ao estatuto de


condenado. (20)

A idade clássica, portanto, elaborou o que podemos chamar de uma “arte de governar”,
precisamente no sentido em que se entendia, nessa época, o “governo” das crianças, o
“governos” dos loucos, o “governo” dos pobres e, logo depois, o “governo” dos
operários. (42)

a norma é portadora de uma pretensão ao poder. (43)

O que o século XVIII instaurou mediante o sistema de “disciplina para a


normalização”, mediante o sistema de “disciplina-normalização”, parece-me ser um
poder que, na verdade, não é repressivo, mas produtivo- a repressão só figura a título de
efeito colateral e secundário, em relação e mecanismo que, por sua vez, são centrais
relativamente a esse poder, mecanismos que fabricam mecanismos que cria,
mecanismos que produzem. (44)

(isso até o fim do século XIX, talvez XX, lembrem-se dos exames que li para vocês no
início) é no fundo um monstro cotidiano, um monstro banalizado. O anormal vai
continuar sendo, por muito tempo ainda, algo como um monstro pálido. É essa a
primeira figura que eu gostaria de estudar um pouco.
A segunda, sobre a qual retornarei mais tarde e que também faz parte da genealogia da
anomalia e do indivíduo anormal, é a que poderíamos chamar de figura do “indivíduo a
ser corrigido”. Ele também é um personagem que parece nitidamente no século XVII,
até mais recentemente o monstro, como vocês verão, tem uma longuíssima ascendência
ás suas costas. O indivíduo a ser corrigido é, no fundo, um indivíduo bem específico dos
séculos XVII e XVIII- digamos da idade clássica.

O contexto de referência do indivíduo a ser corrigido é muito mais limitado: é a família


mesma, no exercício de seu poder interno ou na gestão da sua economia; ou, no
máximo, é a família em relação com as instituições que lhe são vizinhas ou que a
apoiam.

O monstro é poder definição, uma exceção; o indivíduo a ser corrigido é um fenômeno


corrente. É um fenômeno tão corrente que apresenta- e é esse seu primeiro paradoxo- a
característica de ser, de certo modo, regular na sua irregularidade. (49)

e o monstro, o monstro propriamente dito. O que o monstro numa tradição ao mesmo


tempo jurídica e científica? O monstro, da idade média ao século XVIII de que nos
ocupamos, é essencialmente o misto. É o misto de dois reinos, o reino animal e o reino
humano: o home com cabeças de boi, o homem com pés de ave- monstros. É a mistura
de duas espécies, é o misto de duas espécies: o porco tem duas cabeças e um corpo, o
que tem dois corpos e uma cabeça, é um monstro. É o misto de dois sexos: quem é ao
mesmo tempo homem e mulher é um monstro.

Só há monstruosidade onde a desordem da lei natural vem tocar, abalar, inquietar o


direito, seja o direito civil, o direito canônico ou o direito religioso. (54)

a desordem da natureza abala a ordem jurídica, e aí aparece o monstro. (55)

Ele elaborou o que poderíamos chamar de uma nova economia dos mecanismos de
poder: um conjunto de procedimentos e, ao mesmo tempo, d análises, que permitem
majorar os efeitos do poder, diminuir o custo do exercício do poder e integrar o
exercício do poder ao mecanismo de produção.

através dos mecanismos permanentes de vigilância e controle. (74)

a revolução burguesa não foi simplesmente a conquista, por uma nova classe social, dos
aparelhos de Estado constituídos, pouco a pouco, pela monarquia absoluta. Ela também
não foi simplesmente a organização de um conjunto institucional. A revolução burguesa
do século XVIII e início do século XIX foi a invenção de uma nova tecnologia do
poder, cujas peças essenciais são as disciplinas. (75)

É de fato nessa espécie de clima geral, no qual a nova economia do poder de punir se
formula numa nova teoria da punição e da criminalidade, é nesse horizonte que vemos
surgir, pela primeira vez, a questão na natureza eventualmente patológica da
criminalidade. (77)
Para lhes mostrar um pouco desse mecanismo, que é, na minha opinião,
importantíssimo não apenas para a história dos anormais, não apenas para a história da
psiquiatria criminal, mas também para a história da psiquiatria pura e simplesmente, e
no fim das contas das ciências humanas, e que agiu no caso Cornier e em casos desse
tipo, gostaria de dispor minha exposição da seguinte maneira. Primeiro, falar dos
motivos gerais pelas quais houve o que poderíamos chamar de um duplo empenho em
torno da ausência de interesse. Duplo empenho: quero dizer empenho dos juízes,
empenho do aparelho judiciário, da mecânica penal em torno desses casos e, do recente
poder médico em torno desses mesmos casos. Como um e outro se encontram- poder
médico e poder judiciário- em torno desses casos, tendo se dúvida interesses e táticas
diferentes, mas de tal modo que a engrenagem atuou? Depois de expor essas razões
gerais, tentarei ver como elas efetivamente agiram no caso de Cornier, tomando esse
caso como um exemplo de todos que pertencem mais ou menos ao mesmo tipo. (97)

O que era a penitência do cristianismo primitivo? (146)

Nesse antigo sistema, em seus desdobramentos, ou antes, com esse antigo sistema,
enredou-se a partir de certo momento (isto é, a partir do século VI, mais ou menos) o
que se chamava de penitência “tarifada”, que tem um modelo totalmente diferente.
(147)

Estabelecido esse peno de fundo, eu gostaria de dizer algumas palavras sobre o sexto
mandamento, isto é, sobre o pecado da luxúria e a posição e a concupiscência ocupam
nesse estabelecimento dos procedimentos gerais do exame. Antes do concílio de Trento,
isto é, no período da penitência “escolástica”, entre os séculos XII e XVI, como era
definida a confissão da sexualidade? Ela era comandada essencialmente pelas formas
jurídicas: o que se pedia ao penitente quando o interrogavam ou que ele tinha a dizer se
falava espontaneamente, eram as faltas contra certo número de regras sexuais. Essas
faltas eram essencialmente a fornicação: o ato entre pessoas que não são ligadas nem
por voto, nem por casamento; em segundo lugar, o adultério: o ato entre pessoas
casadas, ou o ato entre pessoas não casadas e uma pessoa casada; o estupro: o ato que se
comete com uma virgem que consentiu, mas que não é necessário tomar como esposa
ou dotar; o rapto: a captura por meio de violência com ofensa carnal. Havia a moleza: as
carícias que não induzem a um ato sexual legítimo; havia a sodomia: a consumação
sexual num vaso não natural; havia o incesto: conhecer um parente de consanguinidade
ou de afinidade, até o quarto grau; e havia enfim a bestialidade: o ato cometido com um
animal. (158-9)

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