Análise de Acordão

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Identificação

PROCESSO nº 0020527-13.2016.5.04.0733 (RO)


RECORRENTE: DIRCEU RUFINO DE AVILA
RECORRIDO: MOACIR JOSE MACHADO MINIMERCADO - ME, MMTA -
INDUSTRIA DE MOVEIS LTDA - EPP
RELATOR: ANDRE REVERBEL FERNANDES
Acórdão: 0020527-13.2016.5.04.0733 (ROT)
Redator: ANDRE REVERBEL FERNANDES
Órgão julgador: 4ª Turma
Data: 18/09/2019

EMENTA

VÍNCULO DE EMPREGO. TRABALHADOR APENADO EM REGIME


SEMIABERTO. O art.28, §2°, da Lei de Execução Penal (Lei n° 7.210/84) deve
ser interpretado à luz da Constituição Federal que no artigo art. 5°, inciso XIII, da
Constituição Federal assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão. Ainda, o art.6°, caput, da Lei Maior garante a todos o direito ao
trabalho digno sem qualquer exceção. Logo, conclui-se que a regra prevista §2°
do art. 28 da LEP - de que o trabalho do preso não está sujeito ao regime da
CLT - deve ser aplicada de maneira restritiva, ou seja, apenas ao trabalhador
apenado que esteja cumprindo pena privativa de liberdade no regime fechado.
De outra parte, considera-se possível reconhecer a existência de vínculo de
emprego em relação ao labor prestado pelo preso submetido ao regime
semiaberto, uma vez que nesta etapa de cumprimento de pena a execução de
trabalho passa a ser realizada, em regra, em ambiente externo ao sistema
prisional (art. 35, §2°, do Código Penal). Assim, deve ser reconhecido o vínculo
de emprego pleiteado pelo reclamante. Corrobora com este entendimento o fato
de que, na hipótese dos autos, as reclamadas sequer cumpriram os requisitos
previstos na Lei de Execução Penal e no Protocolo de Ação Conjunta (PAC),
firmado junto à SUSEPE, para utilização de mão-de-obra carcerária. Recurso do
reclamante provido no aspecto.

POSIÇÃO DO ACÓRDÃO:
Os Desembargadores acordaram, por unanimidade, em dar parcial provimento
ao Recurso Ordinário. Participaram do julgamento os Desembargadores André
Reverbel Fernandes (relator), Desembargador João Paulo Lucena e
Desembargadora Ana Luiza Heineck Kruse.
RELATÓRIO DO RELATOR:

Irresignados com a sentença de id.4bc4f6f, complementada pelo julgamento de


id.223eeec, recorrem o reclamante e as reclamadas.

O reclamante interpõe recurso ordinário, id.e968a3f, buscando, preliminarmente,


a nulidade da sentença e, no mérito, a reforma do julgado quanto aos itens:
vínculo de emprego e adicional de insalubridade.
As reclamadas apresentam recurso ordinário, id.8c87569, visando à modificação
do julgado quanto às matérias: vínculo de emprego e horas extras.

Com contrarrazões das reclamadas, id.c87f865, e do reclamante, id.2dc7527, os


autos sobem a este Tribunal para julgamento.

É o relatório.
VOTOS DO DESEMBARGADOR (RELATOR)

I. RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. RECURSO ORDINÁRIO DA


RECLAMADA. (Matéria comum)

VÍNCULO DE EMPREGO. TRABALHADOR APENADO.

Na petição inicial o reclamante alega que laborou em prol das reclamadas no


período de 24.09.2011 a 30.11.2015, embora apenas o período de 02.01.2013 a
04.11.2013 tenha sido assinado na sua CTPS.

Na sentença, a Magistrada indefere o pedido de reconhecimento de vínculo de


emprego em período anterior ao anotado na CTPS do demandante. De outra
parte, declara a existência de vínculo de emprego no período posterior à data da
assinatura da CTPS, estendendo a relação empregatícia com a primeira
reclamada até a data pleiteada na inicial (30.11.2015). Transcreve-se trecho da
sentença (id. 4bc4f6f - págs. 2/4)

Conforme informações da SUSEPE o reclamante estava preso no curso do


contrato alegado, desde 4/7/2011 no regime semiaberto, e desde 30/1/2015 em
liberdade condicional (ID bc63341).

De acordo com a Lei das Execuções Penais, (LEP) Lei n. 7.210/84:

Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade


humana, terá finalidade educativa e produtiva.

§ 1º Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções


relativas à segurança e à higiene.

§ 2º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis


do Trabalho (sublinhei).

[...]

Conclui-se, portanto, que o trabalho do apenado está relacionado ao


cumprimento da pena e possui finalidades educativas e produtivas, visando à
sua reinserção social, e pode ser realizado interna ou externamente ao
estabelecimento de execução penal.

O trabalho do apenado é um direito e de um dever, pois, além ser um meio de


ressocialização do condenado e de remição da pena, possui caráter de
obrigatoriedade. Dessa forma, o legislador optou por não conceder os direitos
trabalhistas ao apenado em razão da sua falta de liberdade para a formação do
contrato, retirada pela sentença penal condenatória.

[...]

Assim, não reconheço o contrato de emprego com as reclamadas em período


anterior ao registrado na CTPS (ID. 6e61364 - Pág. 2).

Por outro lado, reconheço que o contrato de emprego subsistiu após a data
registrada no termo de rescisão de contrato, 4/12/2013 (ID. 4cbb253 - Pág. 1),
pois há confissão real do reclamado nesse sentido (após dezembro de 2013 o
reclamante continuou trabalhando na empresa, até o fechamento, não
recordando bem o depoente sobre a data). Uma vez registrado o contrato de
emprego, a exceção legal deixa de estar caracterizada.

Consequentemente, acolho a data de rescisão alegada na petição inicial,


30/11/2015, e defiro a retificação da CTPS.

[...]

A reclamada MOACIR JOSE MACHADO MINIMERCADO deverá retificar a data


de saída na CTPS do(a) reclamante, nos termos da fundamentação, com prazo
de 10 dias a contar de sua intimação para tanto, sob pena de multa diária
equivalente a R$ 100,00 até o limite do salário básico da parte demandante, à
qual reverterá o montante. A parte autora deverá apresentar o documento em
Secretaria para esse fim tão logo tenha ciência do trânsito em julgado da
sentença.

Da referida decisão, recorrem as reclamadas e o reclamante.

A primeira e segunda reclamadas, Moacir Jose Machado Minimercado - ME e


MMTA - Industria de Moveis Ltda - EPP, não se conformam com a sentença que
reconhece o vínculo de emprego no período de dezembro de 2013 a 30.11.2015.
Referem que o fato de as recorrentes terem assinado a CTPS do recorrido em
nada alterou a sua condição de trabalhador apenado que labora para remir a
pena. Afirmam que o recorrido sempre laborou dentro do estabelecimento
prisional, recebendo ordens/controle e fiscalização dos agentes penitenciários.
Argumenta que a Lei de Execução Penal (Lei n° 7.210/84), ao cuidar do trabalho
do réu preso e suas consequências jurídicas, deixa explicitado que não se sujeita
à CLT (art.28, §2°). Requerem a reforma do julgado "no que tange à condenação
as verbas rescisórias (diferenças de aviso prévio, gratificações natalinas, férias,
FGTS acrescida de 40%), aplicação da multa do art. 477 da CLT e retificação da
CTPS, decorrentes do vínculo de emprego de 04.12.2013 a 30.11.2015".

O autor insurge-se contra a sentença que não reconhece o vínculo de emprego


anterior à data da assinatura da CTPS. Alega que as rés descumpriram o
Protocolo de Ação Conjunta - PAC -, firmado junto à SUSEPE, obrigando o
recorrente a laborar habitualmente por mais de 12 horas com o pagamento de
salário por fora e por produção. Afirma que o trabalho realizado não era dentro
do sistema profissional, mas realizado de modo externo, em pavilhão ligado ao
Presídio Regional de Santa Cruz do Sul. Afirma que, quando no Presídio de
Charqueadas, o recorrente já trabalhava na mesma atividade para o senhor
Moacir e a transferência para Santa Cruz/RS foi combinada para que o
recorrente viesse a liderar o grupo que se formaria a partir da celebração do
PAC. Aduz que não recebia valores da SUSEPE, mas diretamente pelos
depósitos feitos pelo senhor Moacir. Alega que a hipótese dos autos não se
confunde com a de trabalho prisional, visto que à época dessa prestação de
trabalho o autor estava cumprindo pena em regime semiaberto, sendo
empregado de Moacir. Sustenta que não era mais preso em sentido estrito, mas
apenas condenado. Argumenta que a tomada de serviço de apenado na
atividade-fim de empresa de iniciativa privada, com a presença dos requisitos
caracterizadores da relação de emprego afasta a previsão exceptiva contida no
§2° do art.28 da Lei de Execução Penal, ante a aplicação do art. 9°da CLT.
Requer a reforma da sentença.

Analisa-se.

O reclamante foi admitido formalmente para laborar na primeira reclamada,


Moacir Jose Machado Minimercado - ME, na data de 02.01.2013 na função de
manutenção de máquinas (CTPS, id.6e61364), tendo sido despedido sem justa
causa em 04.12.2013 (TRCT, id.4cbb253). Registra-se que na sentença a Juíza
de origem reconhece que a primeira reclamada referida e a segunda reclamada,
MMTA - Industria de Moveis Ltda - EPP, constituem grupo econômico, não
havendo recurso das rés no aspecto.

Conforme visto acima, na petição inicial, o demandante postula o


reconhecimento de vínculo de emprego com a primeira ré no período de
24.09.2011 a 30.11.2015.

Verifica-se que durante todo o período de vínculo empregatício pleiteado o autor


encontrava-se apenado, cumprindo pena em regime semiaberto desde
04.07.2011 e, a partir de 30.01.2015, em liberdade condicional. Nesse sentido é
o que demonstra a guia de execução penal de id.bc63341, bem como o e-mail
de id.5bfd7e7 emitido pela servidora pública da SUSEPE, Marcia Cristiane
Zambarda. Diga-se, por oportuno, que, diante da prova de que o demandante já
estava em regime semiaberto durante a prestação de serviços para as
reclamadas, é desnecessária, para a solução da presente reclamatória, qualquer
análise a respeito das certidões emitidas pela SUSEPE nos ids. a722f28 e
b870030. Portanto, não há falar em nulidade da sentença no aspecto.

A defesa das reclamadas, id. e247a77, é no sentido de que o autor prestou


serviços no âmbito do sistema prisional por meio de convênio com a SUSEPE.
Alegam que o pleito de vínculo de emprego do demandante encontra óbice no
art. 28 da Lei de Execução Penal.

O Protocolo de Ação Conjunta (PAC) firmado pela segunda reclamada, MMTA -


Industria de Moveis Ltda - EPP, com a SUSEPE é juntado aos autos sob
id.52c5870. Neste documento consta que a SUSEPE comprometeu-se a
fornecer mão-de-obra de apenados para a produção de "puffs", cabeceiras e
poltronas das reclamadas.

A Lei de Execução Penal (LEP), Lei n° 7.210/84, dispõe no art.28:

Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade


humana, terá finalidade educativa e produtiva.

§ 1º Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções


relativas à segurança e à higiene.

§ 2º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis


do Trabalho.

Todavia, entende-se que o referido dispositivo deve ser interpretado à luz da


Constituição Federal que no artigo art. 5°, inciso XIII, da Constituição Federal
assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão. Ainda, tem-
se que o art.6°, caput, da Lei Maior garante a todos o direito ao trabalho digno
sem qualquer exceção. Logo, conclui-se que a regra prevista §2° do art. 28 da
LEP - de que o trabalho do preso não está sujeito ao regime da CLT - deve ser
aplicada de maneira restritiva, ou seja, apenas ao trabalhador apenado que
esteja cumprindo pena privativa de liberdade no regime fechado, ocasião na qual
ausente a presença de qualquer elemento volitivo (art.36 da LEP). De outra
parte, considera-se possível reconhecer a existência de vínculo de emprego em
relação ao labor prestado pelo preso submetido ao regime semiaberto, uma vez
que nesta etapa de cumprimento de pena a execução de trabalho passa a ser
realizada, em regra, em ambiente externo ao sistema prisional (art. 35, §2°, do
Código Penal). Tem-se que nesta última hipótese o trabalho prestado ocorre sob
as mesmas condições em que efetuado pelos demais trabalhadores, devendo
ser declarada, portanto, a formação de vínculo de emprego caso presentes os
elementos previstos nos arts.2° e 3° da CLT.

Neste sentido já decidiu este Tribunal em reclamatórias análogas:

TRABALHO DO APENADO. REGIME SEMIABERTO. O trabalho do apenado


em regime semiaberto não inviabiliza o reconhecimento de vínculo empregatício.
Ao dispor que o "trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação
das Leis do Trabalho", o art. 28, §2º, da Lei 7.210/84 (Lei de Execuções Penais)
merece interpretação sistemática com o art. 36 da mesma Lei, ao tratar do
trabalho externo do preso em regime fechado. Em suma, é inerente à própria
lógica dos regimes semiaberto e aberto a possibilidade de vínculo empregatício.
Interpretação em sentido diverso contrariaria o valor social do trabalho,
fundamento da República brasileira, a teor do art. 1º, IV, da Constituição Federal.
(TRT da 4ª Região, 6ª Turma, 0000929-57.2014.5.04.0373 RO, em 04/02/2016,
Desembargador José Felipe Ledur - Relator. Participaram do julgamento:
Desembargador Raul Zoratto Sanvicente, Desembargador Fernando Luiz de
Moura Cassal)

TRABALHO DO PRESO. NATUREZA DO VÍNCULO. REGIME DE


CUMPRIMENTO DE PENA. A prestação laboral do condenado que cumpre pena
privativa de liberdade em regime semiaberto não se insere na disposição do
artigo 28, § 2º da Lei n. 7.210/84. A norma exclui da disciplina da CLT o trabalho
realizado em regime fechado, momento em que ausente o elemento volitivo.
Incontroversa a prestação em favor do ente público quando autorizado o
condenado ao trabalho externo, encontram-se presentes os elementos da
relação de emprego, que padece de nulidade insanável, face à ofensa ao artigo
37, II, da Constituição Federal. (TRT da 4ª Região, 6ª Turma, 0001458-
45.2012.5.04.0018 RO, em 27/01/2016, Desembargador Raul Zoratto
Sanvicente - Relator. Participaram do julgamento: Desembargadora Maria
Cristina Schaan Ferreira, Desembargador Fernando Luiz de Moura Cassal)

RELAÇÃO DE EMPREGO. APENADO EM REGIME ABERTO. A exceção


contida na Lei 7.210/84 (Lei de Execuções Penais - LEP), que determina que
não são aplicáveis as normas contidas na CLT ao trabalho do apenado, é dirigida
apenas aos apenados em regime fechado, sendo possível o reconhecimento do
vínculo de emprego, se preenchidos os requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT, ao
trabalho externo dos apenados em regime semiaberto e aberto. Vínculo de
emprego reconhecido, determinando-se o retorno dos autos ao juízo de origem
para exame dos pedidos formulados na petição inicial. (TRT da 4ª Região, 9ª
Turma, 0000146-06.2012.5.04.0771 RO, em 09/05/2013, Desembargadora
Carmen Gonzalez - Relatora. Participaram do julgamento: Desembargador
Marçal Henri dos Santos Figueiredo, Desembargador André Reverbel
Fernandes)

RELAÇÃO DE EMPREGO. TRABALHO PRISIONAL. Não se configura o


trabalho prisional, previsto na Lei das Execuções Penais, quando se trata de
trabalho externo, prestado por condenado em regime semi-aberto. Relação que
se admite estabelecida sob os moldes empregatícios, sujeita à tutela da CLT.
(TRT da 4ª Região, 1a. Turma, 0074900-03.2006.5.04.0811 RO, em 27/08/2009,
Desembargadora Ana Luiza Heineck Kruse - Relatora. Participaram do
julgamento: Desembargador Milton Varela Dutra, Desembargador José Felipe
Ledur)

Ressalta-se que, no presente caso, no período de vínculo de emprego pleiteado,


o autor já estava cumprindo a pena em regime semiaberto, conforme visto acima.
Ademais, tem-se que o preposto das rés ouvido em audiência admite que a
prestação de serviços do demandante se dava em ambiente externo ao âmbito
prisional (id.0a359cf):

o reclamante treinava a equipe de trabalho em Santa Cruz do Sul; o reclamante


era o líder da equipe em Santa Cruz do Sul; o reclamante recebia um percentual
do salário mínimo e uma porcentagem sobre a produção, conforme protocolo
com a SUSEPE; o reclamante abria e fechava a empresa - grifa-se.

Logo, deve ser reconhecido o vínculo de emprego postulado pelo autor com a
primeira reclamada, Moacir Jose Machado Minimercado - ME.

Corrobora com este entendimento o fato de que, na hipótese dos autos, as


reclamadas sequer cumpriram os requisitos previstos na Lei de Execução Penal
e no protocolo de ação conjunta (PAC), firmado junto à SUSEPE, para utilização
de mão-de-obra carcerária. Com efeito, observa-se que o art. 33 da LEP e a
cláusula terceira do PAC, id. 52c5870 - pág. 2, preveem jornada de trabalho entre
seis e oito hora diárias. Ocorre que o preposto das rés é confesso que o
demandante executava jornada de trabalho de mais de 10 horas diárias
(id.0a359cf):

o reclamante abria e fechava a empresa; o horário de trabalho era das 07h/08h


às 17h30min/18h, de segunda a sexta; não sabe se havia trabalho ao sábado -
grifa-se.

Além disso, observa-se que as folhas-ponto do autor trazidas aos autos pelo
órgão prisional também reforçam o fato de que ele realizava extensa carga
horária de trabalho (1bd66c6 e seguintes).

Ainda, tem-se que o art.29 da Lei de Execução Penal e as cláusulas quinta e


oitava do Protocolo de Ação Conjunta, id. 52c5870 - págs. 2/3, dispõem que o
trabalho do preso será remunerado em montante não inferior a 3/4 do salário
mínimo mediante folha de pagamento elaborada pelo Estado. Todavia, os
recibos de pagamento, id.231a6ce e seguintes, revelam que as reclamadas
depositavam valores diretamente na conta do demandante em montantes
superiores ao legalmente fixado. Verifica-se, portanto, que o autor detinha
liberdade para receber e administrar seu próprio salário. Nesse sentido, observa-
se a confissão do preposto das reclamadas (id.0a359cf):

o depoente fez depósitos na conta do reclamante a título de ajuda de custo;


esses valores eram para ajudar a família do reclamante a pagar aluguel; essa
ajuda de custo era pelo bom trabalho que o reclamante desempenhava

Ainda, cita-se o depoimento da testemunha trazida pelo autor, Marcia Cristiane


Zambarda (id.0a359cf):

a depoente soube que o reclamante veio para Santa Cruz do Sul a fim de
trabalhar na reclamada; todas as questões da empresa foram tratadas pela
depoente com o reclamante; os valores eram pagos aos apenados mediante
depósito em conta, através do cartão reinserção, mas quando algum apenado
não tinha conta por falta de documentos o valor era depositado na conta do
reclamante, o qual repassar o dinheiro, até o apenado providenciar a
documentação - grifa-se.

Por fim, fortalece o entendimento de que o labor prestado pelo autor não se
amolda às condições previstas na LEP e no PAC o fato de que as próprias
reclamadas registraram a CTPS do demandante durante parte do período da
prestação do serviço, o que torna insubsistente a tese destas de que o vínculo
entre as partes não poderia se dar nos moldes estabelecidos pela CLT.

Diante de todo o exposto, não há como enquadrar o reclamante na relação de


trabalho prevista no art.28, §2°, da LEP. Conclui-se que o intuito das
demandadas era a obtenção de lucro por meio da exploração do trabalho
prestado pelo autor sem a necessidade de pagamento de quaisquer direitos
trabalhistas em evidente fraude à CLT.
Por fim, ressalta-se que as reclamadas não negam a prestação de serviços por
parte do reclamante como legítimo empregado durante todo o período
mencionado na petição inicial. Como visto acima, as demandadas apenas
alegam a inexistência de vínculo de emprego diante da condição de apenado do
autor, argumento este que resta refutado pelos motivos acima expostos. De
qualquer forma, relevante transcrever o informado pelo representante das
reclamadas, Moacir José Machado, quando da realização da perícia de
id.711ce56:

Houve divergência nas informações prestadas pelo reclamante. O reclamante


era o líder do grupo de apenados que trabalhavam dentro do presídio de Santa
Cruz do Sul em um pavilhão anexo cedido pelo presidio. A reclamada trabalha
em um programa do Governo Federal, o reclamante veio do presídio de
Charqueadas para liderar o grupo pois já tem experiência na atividade. O grupo
variava entre 06 e 15 pessoas de acordo com a demanda de clientes. O
reclamante fazia o treinamento da equipe. O reclamante recebia os pedidos,
colocava na produção, informava os pedidos ao proprietário, o serviço do
reclamante era administrativo, gerenciava a produção, dava informações de
produção e estoque ao proprietário. A reclamada desconhece que o reclamante
laborava na operação das máquinas, fazia apenas o gerenciamento da equipe.
Os apenados recebiam por dia de trabalho ou por produção (peças prontas) que
é o caso da montagem. O reclamante abria e fechava a fábrica, o reclamante
emitia relatórios de produção e de número de pessoas que trabalhavam, fazia o
controle de estoque e de peças produzidas, era o responsável pelo treinamento
dos operadores - grifa-se.

Ainda, cita-se trecho do depoimento do preposto das rés na audiência de


id.0a359cf:

após dezembro de 2013 o reclamante continuou trabalhando na empresa, até o


fechamento

, não recordando bem o depoente sobre a data - grifa-se.

Tais transcrições confirmam a ocorrência de trabalho prestado pelo demandante


em benefício das reclamadas em períodos anteriores e posteriores ao anotado
na CTPS (02.01.2013 a 04.11.2013).

Quanto ao salário percebido pelo autor durante a contratualidade, entende-se


que a sentença merece parcial reforma. Fixa-se que o reclamante percebia, em
média, a quantia mensal de R$ 1.000,00. Com efeito, tal montante arbitrado
atende ao princípio da razoabilidade, bem como está de acordo com a
remuneração utilizava para fins de pagamento das verbas rescisórias,
id.4cbb253, e com o recibo de transferência bancária juntado aos autos pelo
autor sob id.231a6ce.

Portanto, dá-se provimento parcial ao recurso ordinário do reclamante para


reconhecer o vínculo de emprego com a primeira reclamada, Moacir Jose
Machado Minimercado - ME, no período de 24.09.2011 a 30.11.2015, com
salário mensal de R$ 1.000,00, devendo a ré proceder à retificação da CTPS do
autor, observando o prazo e a multa estabelecida na sentença de primeiro grau.

II. RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. (Matéria remanescente).

HORAS EXTRAS.

A Julgadora de origem arbitra que o demandante laborava das 08h às 18h, de


segunda-feira a sábados. Assim, condena as demandadas ao pagamento de (id.
4bc4f6f - pág. 7):

b) horas extras e adicional segundo os critérios da fundamentação, com reflexos


em repousos semanais remunerados, aviso-prévio, gratificações natalinas e
férias.

As reclamadas não se conformam. Requerem a absolvição da condenação ao


pagamento de horas extras.

Sem razão.

Reconhecido o vínculo de emprego entre o autor e a primeira reclamada,


incumbia a esta trazer aos autos os registros de horário do reclamante, forte no
§2° do art.74 da CLT. Todavia, deste ônus processual a primeira ré não se
desincumbe. Logo, anda bem a Juíza a quo ao arbitrar que o demandante
laborava em horário extraordinário, das 08h às 18h, de segunda-feira a sábados.
Sinala-se que tal jornada está de acordo com os limites da inicial e com o
admitido pelo próprio preposto das reclamadas (id.0a359cf):

o reclamante abria e fechava a empresa; o horário de trabalho era das 07h/08h


às 17h30min/18h, de segunda a sexta; não sabe se havia trabalho ao sábado -
grifa-se.

Registra-se que o desconhecimento dos fatos pelo preposto equivale ao não


comparecimento à audiência ou à recusa a depor, tendo como consequência a
confissão ficta quanto à matéria de fato, em conformidade com os arts. 843 e
844 da CLT. Portanto, acompanha-se a Juíza de origem que fixa que o autor
laborava também aos sábados.

Por fim, tem-se que a jornada de trabalho estabelecida na origem está de acordo
com as folhas-ponto do autor trazidas aos autos pelo órgão prisional (id.1bd66c6
e seguintes).

Portanto, deve ser mantida a sentença que condena as rés ao pagamento de


horas extras.

Nega-se provimento.

III. RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE.

ADICIONAL DE INSALUBRIDADE.
A julgadora de origem indefere o pedido de condenação das demandadas ao
pagamento de adicional de insalubridade.

O autor recorre. Requer seja declarado nulo o laudo pericial, uma vez que foi
realizado na sala de audiências e não no local de trabalho. Argumenta que
deveria ser realizada nova perícia, uma vez que as informações prestadas pelas
partes são divergentes. Caso não seja reconhecida a ocorrência de nulidade
processual, requer seja julgada procedente a demanda. Pleiteia a condenação
da ré ao pagamento de adicional de insalubridade.

Sem razão.

Primeiramente, tem-se que não há falar em nulidade do laudo pericial de


id.711ce56 pelo fato de ele ter sido realizado na sala de audiências da 3ª vara.
Com efeito, observa-se que a determinação de que o laudo pericial seria
realizado na sala de audiências ocorreu na ata de audiência de id.828e4ab sem
haver qualquer irresignação da parte autora. Mais relevante, tem-se que, na
impugnação ao laudo, o autor sequer questiona o fato de o laudo não ter sido
realizado "in loco" (id.84510890). Consequentemente, não há falar em qualquer
nulidade no aspecto, tendo ocorrido a preclusão da matéria. Aplica-se ao caso
em análise as disposições do art. 507 do CPC: "É defeso à parte discutir, no
curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a
preclusão".

Ainda, tem-se que a divergência de versões acerca das atividades executadas


pelo reclamante durante a contratualidade, bem como em relação ao
fornecimento de EPI´s, não implica em realização de novo laudo pericial,
demandando apenas análise da prova produzida nos autos.

Ultrapassados tais esclarecimentos, observa-se o que consta no laudo pericial


quanto às tarefas exercidas pelo demandante durante a contratualidade (id.
711ce56 - págs. 3/4):

3) DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

Período de Trabalho e Função: O reclamante laborou de 24/09/11 até 30/11/15,


sua função era de Serviços Gerais.

Informações do Reclamante: O reclamante disse que laborava desdobrando


madeiras, cortava madeiras com a serra circular, utilizava também maquina,
serra tico tico, cortava madeiras para serem utilizadas na produção. O
reclamante trabalhava na produção, confeccionava ""pufs"", cadeiras e bicamas.
Utilizava grampeadeira pneumática para grampear as madeiras. Se necessário,
lubrificava a grampeadeira. O reclamante disse que cobria as faltas do pessoal
na fábrica.

Horário de Trabalho: das 07:00 às 19:00.

Adicional de Insalubridade: O reclamante não recebia adicional de insalubridade.


Informações do Representante da Reclamada: Houve divergência nas
informações prestadas pelo reclamante. O reclamante era o líder do grupo de
apenados que trabalhavam dentro do presídio de Santa Cruz do Sul em um
pavilhão anexo cedido pelo presidio. A reclamada trabalha em um programa do
Governo Federal, o reclamante veio do presídio de Charqueadas para liderar o
grupo pois já tem experiência na atividade. O grupo variava entre 06 e 15
pessoas de acordo com a demanda de clientes. O reclamante fazia o
treinamento da equipe. O reclamante recebia os pedidos, colocava na produção,
informava os pedidos ao proprietário, o serviço do reclamante era administrativo,
gerenciava a produção, dava informações de produção e estoque ao
proprietário. A reclamada desconhece que o reclamante laborava na operação
das máquinas, fazia apenas o gerenciamento da equipe. Os apenados recebiam
por dia de trabalho ou por produção (peças prontas) que é o caso da montagem.
O reclamante abria e fechava a fábrica, o reclamante emitia relatórios de
produção e de número de pessoas que trabalhavam, fazia o controle de estoque
e de peças produzidas, era o responsável pelo treinamento dos operadores.

O reclamante comprava todos os materiais necessários para trabalhar, assim


como os EPIs.

Após analisar o possível contato do autor com agentes insalubres, o perito


conclui que as atividades exercidas pelo demandante em prol das reclamadas
eram salubres.

Acolhe-se a conclusão pericial. Entende-se que incumbia ao demandante


produzir prova robusta capaz de demonstrar que laborava em contato com
agentes insalubres. Todavia, desse ônus o demandante não se desincumbe.
Pelo contrário, tem-se que a prova oral colhida nos autos, id.0a359cf, corrobora
a versão das rés de que o autor trabalhava como líder do grupo de apenados,
gerenciando a produção. Nesse sentido é o depoimento da testemunha ouvida
a convite do reclamante, Marcia Cristiane Zambarda:

o reclamante veio para Santa Cruz do Sul a fim de trabalhar na reclamada; todas
as questões da empresa foram tratadas pela depoente com o reclamante; os
valores eram pagos aos apenados mediante depósito em conta, através do
cartão reinserção, mas quando algum apenado não tinha conta por falta de
documentos o valor era depositado na conta do reclamante, o qual repassar o
dinheiro, até o apenado providenciar a documentação; o reclamante pedia
autorização para ir em lojas adquirir material para a empresa; [...]

Ainda, cita-se o relato da testemunha ouvida a convite das reclamadas, Josinaldo


Nunes Prates:

a SUSEPE tratava assuntos da empresa com o reclamante

Pelo exposto, deve ser mantida a sentença de improcedência.

Nega-se provimento.
ANDRE REVERBEL FERNANDES
Relator

VOTOS DOS DESEMBARGADORES: Votaram por unanimidade.

DESEMBARGADOR ANDRÉ REVERBEL FERNANDES (RELATOR)


DESEMBARGADOR JOÃO PAULO LUCENA
DESEMBARGADORA ANA LUIZA HEINECK KRUSE

COMENTÁRIOS SOBRE O ACÓRDÃO APRESENTADO ACIMA

Conforme a decisão transcrita acima, os desembargadores reconheceram


o vínculo de emprego entre um trabalhador que cumpria pena no regime
semiaberto e um minimercado. Os nobres julgadores entenderam que a regra do
§2° do art. 28 da Lei de Execuções Penais, que determina a não aplicabilidade
da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) ao trabalho desenvolvido por
apenados, deverá ser aplicada somente aos apenados em regime fechado. A
colenda turma proferiu decisão que reformou a sentença do juízo da 3ª Vara do
Trabalho de Santa Cruz do Sul.
O obreiro ajuizou reclamatória trabalhista requerendo, o reconhecimento
do vínculo de emprego entre outros pedidos, com o claro objetivo de ver
reconhecidos todos os direitos inerentes a uma relação de emprego comum.
Conforme decisão proferida pelo juízo a quo, este observou que a Lei de
Execuções Penais retira os direitos trabalhistas do apenado porque ele não
possui liberdade para a formação do contrato.
Porém, a decisão mostrou-se incontroversa uma vez que reconheceu a
existência da relação de emprego a partir de janeiro de 2013, quando houve
anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do trabalhador.
“Uma vez registrado o contrato de emprego, a exceção legal deixa de estar
caracterizada”, ainda que este mantenha a sua condição de apenado do regime
semiaberto.
Descontente com a decisão proferida pelo juízo a quo, o autor decidiu
recorrer as instâncias superiores na ânsia de ver seus direitos reconhecidos.
Após a interposição de recursos ordinários pelo reclamante e pela reclamada,
arguiu-se a existência de vínculo empregatício entre o requerente e a requerida,
sob a alegação de que a simples assinatura da CTPS (carteira de trabalho e
previdência social) não alteraria condição do apenado. O trabalhador, por outro
lado, pediu que fosse reconhecida a relação de emprego inclusive no período
anterior à assinatura da CTPS, momento em que já laborava para a reclamada.

Aplicação restritiva da regra

Ao analisar caso o desembargador André Reverbel Fernandes, destacou


que o dispositivo da Lei de Execuções Penais deve ser interpretado a partir do
artigo 5º, inciso XIII da Constituição Federal, que assegura o livre exercício de
qualquer trabalho, ofício ou profissão, e do artigo 6º, que garante a todos o direito
ao trabalho digno sem qualquer exceção.
O magistrado concluiu que a regra que retira dos presos a proteção da
legislação trabalhista deve ser aplicada de maneira restritiva, ou seja, apenas ao
trabalhador apenado que esteja cumprindo pena privativa de liberdade no regime
fechado, pois nessa situação está ausente qualquer elemento de vontade. “De
outra parte, considera-se possível reconhecer a existência de vínculo de
emprego em relação ao labor prestado pelo preso submetido ao regime
semiaberto, uma vez que nesta etapa de cumprimento de pena a execução de
trabalho passa a ser realizada, em regra, em ambiente externo ao sistema
prisional (...). Tem-se que nesta última hipótese o trabalho prestado ocorre sob
as mesmas condições em que efetuado pelos demais trabalhadores”, observou
o magistrado.
O desembargador ressaltou que o trabalhador já cumpria pena no regime
semiaberto durante todo o período em que atuou na empresa, e que seu trabalho
era realizado fora da prisão. Além disso, acrescentou que não foram respeitados
os requisitos previstos na Lei de Execução Penal e no Protocolo de Ação
Conjunta (PAC), firmado junto à Superintendência de Serviços Penitenciários
(Susepe) para utilização de mão-de-obra carcerária. Entre esses requisitos, está
a previsão de jornada de trabalho de seis a oito horas por dia, mas as
informações do processo revelaram que o expediente do autor era superior a
dez horas diárias. O acórdão conclui que o objetivo da empresa era a “obtenção
de lucro por meio da exploração do trabalhador sem a necessidade de
pagamento de quaisquer direitos trabalhistas, em evidente fraude à CLT”. Com
esses fundamentos, a decisão reconheceu o vínculo de emprego do trabalhador
com o minimercado no período de setembro de 2011 a novembro de 2015.
A decisão da 4ª Turma foi unânime. Também participaram do julgamento os
desembargadores João Paulo Lucena e Ana Luiza Heineck Kruse. As partes não
interpuseram recurso contra a decisão.

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