TCC - Investigação Criminal Defensiva - UFRJ
TCC - Investigação Criminal Defensiva - UFRJ
TCC - Investigação Criminal Defensiva - UFRJ
Rio de Janeiro – RJ
2018.2
BRENO ALVARENGA DE SOUZA
Rio de Janeiro - RJ
2018.2
FICHA CATALOGRÁFICA
(Informações da Biblioteca - CDD - obtidas junto à
Biblioteca da Faculdade de Direito da UFRJ)
Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os dados fornecidos pelo(a) autor(a), sob a
responsabilidade de Miguel Romeu Amorim Neto - CRB-7/6283.
BRENO ALVARENGA DE SOUZA
Data da Aprovação: / / .
Banca Examinadora:
Orientador
Membro da Banca
Membro da Banca
Rio de Janeiro - RJ
2018.2
AGRADECIMENTOS
Agradeço, em primeiro lugar, aos meus pais, Márcia e Jorge e ao meu irmão, Bernardo,
sem os quais não poderia ter chegado até aqui. O exemplo de sucesso e retidão que pude receber
de vocês é a pedra fundamental de tudo que desejo construir em minha vida. Qualquer esforço de
vocês nunca terá sido em vão.
Também dedico esse trabalho e essa conquista aos meus tios, exemplos de pessoas e aos
meus avós, que, onde quer que estejam, estão olhando por mim muito felizes com essa etapa que
se conclui. Em especial, ao meu avô materno, Francisco Pereira Alvarenga, de quem tenho a
honra de carregar o sobrenome.
Uma lembrança especial ao professor Nilo Pompilio da Hora, que, além de mestre, amigo e
conselheiro, foi um cuidadoso orientador, desde a delineação do tema à conclusão do trabalho,
confiando em meu potencial ao aceitar que fosse seu orientando.
Obrigado aos amigos do célebre Coletivo de Varanda, irmãos que a FND me deu, pelos
momentos de descontração, que me permitiu aproveitar ao máximo essa fase especial de nossas
vidas e pela união nos momentos difíceis de nossas formações. O futuro nos aguarda com muitas
celebrações.
Por fim e não menos especial, deixo meu agradecimento aos amigos de Colégio Pedro II,
onde me formei como pessoa e pude aprender lições que carrego comigo desde que deixei meu
querido colégio. A unidade de nosso grupo, que permanece junto até hoje, muito me ajudou a
chegar até aqui.
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo realizar uma análise do inquérito policial enquanto método
investigativo vigente no Brasil e mostrar todos os seus elementos, desde o sistema no qual se
insere, até os defeitos que esse modelo apresenta na realidade brasileira e propor, a partir de uma
análise completa, a inserção da investigação criminal defensiva nas leis brasileiras, de forma a
promover o equilíbrio nas investigações pela garantia dos direitos fundamentais do indivíduo que
é alvo do inquérito policial. Para isso, cuidou-se de apresentar todos os conceitos que envolvem o
tema, como o inquérito policial, a paridade de armas, a teoria do garantismo penal, a investigação
criminal e todos esses elementos são relacionados aos poucos, seguindo a lógica de sua estrutura
como um todo, para que se entenda o problema da investigação criminal no Brasil e se possa
conceber a ideia de inserir a investigação criminal defensiva no Brasil e essa fosse a correta
forma de equilibrar a investigação criminal, que no modelo atual suprime direitos do investigado.
Para melhor visualização dessa questão na prática, são trazidos exemplos desse modelo em outros
países e é colocada, já com a situação totalmente ilustrada, a importância de trazer esse método
para o Brasil. O estudo é conduzido em todas as suas partes por uma crítica ao modelo vigente,
onde é construindo um raciocínio linear de constante correlação do conceito com o tema.
Palavras-chave: Investigação criminal. Inquérito policial. Direitos fundamentais. Garantismo.
Paridade de armas. Investigação criminal defensiva.
ABSTRACT
The present study aims to analyze the police investigation as a research method in force in Brazil
and show all its elements, from the system in which it is inserted, to the defects that this model
presents in the Brazilian reality and propose, from a analysis, the insertion of defensive criminal
investigation into the Brazilian law, in order to promote balance in investigations for the
guarantee of the fundamental rights of the individual who is the target of the police investigation.
To do this, it was taking care of presenting all the concepts that involve the theme, such as police
investigation, parity of weapons, criminal guarantor theory, criminal investigation and all these
elements are related to the few, following the logic of its structure as a whole, so that the problem
of criminal investigation in Brazil can be understood and the idea of inserting the defensive
criminal investigation in Brazil could be conceived and this was the correct way to balance the
criminal investigation, which in the current model suppresses the rights of the investigated. For a
better visualization of this question in practice, examples of this model are brought in other
countries, and the importance of bringing this method to Brazil is placed, with the situation fully
illustrated. The study is conducted in all its parts by a critique of the current model, where it is
constructing a linear reasoning of constant correlation of the concept with the theme.
Keywords: Criminal investigation. Police investigation. Fundamental rights. Criminal guarantor
theory. Parity of weapons. Defensive criminal investigation.
SUMÁRIO
1 – INVESTIGAÇÃO CRIMINAL............................................................................................... 12
1.1 – Conceito ............................................................................................................................ 12
1.2 – Sistema Processual Penal Brasileiro ................................................................................. 14
1.3 – Inquérito Policial: O modelo brasileiro de investigação ................................................... 18
1.3.1 – Breve histórico do inquérito policial no Brasil .......................................................... 18
1.3.2 – Conceito ..................................................................................................................... 20
1.3.3 – Estrutura Policial ........................................................................................................ 21
1.3.4 – Atuação do Ministério Público na investigação ......................................................... 24
1.3.5 – Valor de Prova do Inquérito Policial .......................................................................... 27
2. GARANTISMO E PARIDADE DE ARMAS NO INQUÉRITO POLICIAL ......................... 29
2.1. Projeto de Lei nº 156 de 2009: A Reforma do Código de Processo Penal ......................... 29
2.1.1. A INVESTIGAÇÃO DEFENSIVA NO PROJETO DE LEI Nº 156 .......................... 31
2.2. Garantismo e Investigação Criminal ................................................................................... 32
2.3. Paridade de armas e garantias no inquérito......................................................................... 34
3. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DEFENSIVA ......................................................................... 38
3.1. Conceito e abrangência ....................................................................................................... 38
3.2 – Investigação Criminal Defensiva em outros países .......................................................... 41
3.2.1 – Estados Unidos ........................................................................................................... 41
3.2.2 – Itália............................................................................................................................ 43
3.3 – Inserção no ordenamento brasileiro .................................................................................. 46
CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 50
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................... 54
9
INTRODUÇÃO
A investigação criminal é ato que demarca o início da persecução penal, que consiste na
busca pela elucidação dos fatos, a fim de que o Estado exerça o poder punitivo. Esta fase, dita
pré-processual, tem em seu âmago o esclarecimento da autoria e materialidade de algum ilícito
penal e é regida por preceitos distintos da fase que a sucede, ou seja, o processo penal.
Porém, ainda que se desenrolem de maneiras diversas, o inquérito policial está intimamente
ligado ao processo, não só como seu lastro informativo, mas por ser, segundo Julio Fabbrini
Mirabete1, o procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à apuração da
prática de uma infração penal e de sua autoria, que pode ter decisiva influência no julgamento,
uma vez que esta é a grande busca que realiza o processo penal atualmente.
A primeira questão que surge nessa crítica é relativa ao sistema processual que se configura
no Brasil, que conserva características negativas do sistema inquisitorial, o qual por excelência,
afasta direitos básicos, como os acima representados e que são de suma importância para o
correto transcurso da ação penal, desde a sua fase investigativa.
É essencial ligar o inquérito policial a uma estrutura maior a qual ele está ligado, dentro do
processo pensado em uma lógica de funcionamento, qual seja, a separação que existe atualmente
entre as suas fases, permitindo a existência de uma fase caracterizada pela ausência de
contraditório e o consequente desequilíbrio por isso gerado.
1
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 10. ed. – São Paulo: Editora Atlas, 2000, p. 76.
10
É nesse sentido que se pretende seguir no presente estudo, ao apontar que a prática vigente
no sistema brasileiro traz desequilíbrios à isenção que deveria revestir a investigação. Mostra-se
necessário um exame que estabeleça uma clara correlação entre o que se apresenta na prática do
sistema penal brasileiro, em seu modo de apuração do fato, com garantias básicas de ampla
defesa e contraditório, positivadas Constituição da República.
Dentro disso, traçando alguns paralelos com a ampla defesa, o contraditório, o respeito às
garantias individuais, além do garantismo penal, que deve balizar o uso do poder punitivo por
parte do Estado e levantando pontos sobre a legislação pátria.
Válido demonstrar que aqui se analisa, também, a experiência estrangeira, para valorização
do direito comparado, tão atual no estudo das leis e com a finalidade de que se estabeleça uma
relação paradigmática entre o ordenamento brasileiro e outros onde já seja consagrada a
investigação defensiva.
Não apenas em nome do conhecimento e da sua diversificação, mas como forma de que o
cenário criado pela apresentação em separado dos conceitos, que apresentam em sua estrutura
geral uma lacuna, possa encontrar um paradigma que possibilite a análise do tema sobre uma
situação que se apresenta no plano da realidade e isso permita o entendimento da investigação
criminal defensiva em aspectos práticos e não apenas teóricos.
11
Observa-se, mais além disso, que aqui se pretende promover uma discussão, ou seja, valer-
se do viés crítico de um raciocínio para amarrar a análise a aspectos da realidade, de modo que o
trabalho esteja, a todo tempo, entremeado por uma clara opinião no sentido do que se pretende
alcançar com o que é proposto
É essencial que se mantenha, durante uma longa exposição de conceitos que formam um
complexo maior, um fio condutor de paralelos com a realidade que se vive no Brasil, em uma
linha de opinião que indique, juntamente com a maneira com que as ideias são colocadas e as
informações apresentadas, qual a proposição feita pelo estudo que se desenvolve.
Para isso, necessário que, no decorrer da progressão que se faz na exposição de dados, haja
um cuidado constante em manter a condução de uma ideia que se pauta sobre a melhoria do
sistema investigativo brasileiro, com a única finalidade garantir a todos uma justiça que não
observe cada cidadão sob uma condição diversa
12
1 – INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
1.1 – Conceito
Gênero do qual é espécie o inquérito policial, a investigação criminal pode ser definida
como um procedimento composto por diversos atos, os quais têm por finalidade precípua a
apuração, autoral e material, da existência de um ilícito, por óbvio penal, uma vez que a esta
elucidação se desenvolve na seara criminal.
Delineia-se seu objeto pelo fumus commissi delicti, contido na no fato narrado na notitia
criminis, que dá origem ao complexo de atos e diligências desempenhados pela autoridade
responsável.
Este mecanismo reunirá, a partir de seus diversos atos, o conjunto de informações que
servirá de base para a propositura, ou não, da ação penal. Representa, portanto, a fase pré-
processual da persecução penal, na forma de procedimento administrativo, onde o Estado exerce
seu poder punitivo sobre aqueles que infringem as leis vigentes.
2
LOPES JR., Aury; GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Investigação preliminar no processo penal. 6. ed. São
Paulo: Saraiva, 2014. p. 111.
13
É importante frisar que, na visão do mencionado autor, a justificativa disso seria a ausência
de caráter instrutório da investigação. Tal fato seria capaz de demonstrar a desnecessidade de
abertura de defesa neste procedimento, já que sua essência seria meramente de informar o órgão
responsável pela propositura da ação, sendo esta tese acolhida à época.
No entanto, outra parte da doutrina defende o exercício do direito de defesa, a qual aduz,
em síntese, que seriam exatamente estas informações trazidas pela investigação que justificariam
a necessidade de que o investigado pudesse se defender.
Defende Antonio Scarance Fernandes 4 que os dados reunidos no inquérito policial têm
papel fundamental no convencimento do magistrado, com base em todas as provas periciais e
testemunhais colhidas durante o procedimento, sendo considerados atos de prova.
Também parte deste grupo, Sérgio Marcos de Moraes Pitombo6, aponta como um erro ter-
se a investigação criminal consubstanciada no inquérito policial sendo esse chamado de peça
meramente informativa, tratando o indiciado como um objeto dentro da persecução.
3
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense, 1961, p. 139.
4
FERNANDES, Antonio Scarance. Teoria geral do procedimento e o procedimento no processo penal. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 75.
5
SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 160.
6
PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Inquérito policial: exercício do direito de defesa. Boletim IBCCRIM –
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Ano 7, Edição Especial, nº 83, out. 1999, p. 14.
14
Ainda no que concerne à livre apreciação do juiz sobre a prova produzida no processo pelo
que é preliminarmente investigado, é importante frisar a influência que um elemento que não
compõe a fase processual do processo penal tem além de seus próprios limites, extrapolando sua
função de aferir a possibilidade de proposição de ação penal pelo órgão acusar ou seu
arquivamento. Tudo isso em um sistema que não contempla contraditório.
Nasce deste desequilíbrio a necessidade de que se corrija a disparidade que persiste entre os
lados desta relação. O entendimento crítico da questão em tela por uma análise mais focada na
maneira com a qual se constitui e se dá na prática o sistema brasileiro.
O primeiro sistema conhecido que regulou o processo penal no tronco ao qual o direito
brasileiro está atrelado chama-se acusatório e foi adotado no final da República Romana, tempo
de estabilidade dentro do direito romano e que tinha características similares ao que se vê
atualmente nas sociedades desenvolvidas.
Esta forma prevê um processo marcado por rígida separação entre quem acusa e quem
julga, além de notado equilíbrio entre acusação e defesa, com forte caráter público e oral 7. Tais
7
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 518.
15
nuances mostram verdadeira semelhança com o processo penal atualmente conhecido, mais
especificamente no reconhecimento dos direitos do demandado no processo.
Também deve ser destacada a figura do julgador como órgão de neutralidade na contenda.
A jurisdição era provocada, ou seja, tinha, como nos dias de hoje, a sua atuação submetida à
busca de ator distinto como regra.
Note-se que é um dos pilares deste sistema processual, com extrema importância do que se
busca neste estudo, o fato de que os dados colhidos anteriormente ao processo tinham estreita
finalidade de embasar o órgão responsável pela acusação, enquanto as provas, estas de manejo
das partes envolvidas, eram o meio do juiz chegar a uma decisão8.
Com o passar dos tempos, haja vista que Império Romano, dividido em todas as suas fases,
perdurou por mais de três séculos, o processo penal deste povo sofreu significativas
modificações, tendo como explicação as grandes tensões da sociedade romana, que se tornara
uma população numerosa, mais especificamente no período do Principado. Isso gerou um
recrudescimento da forma processual.
Surge, pois, o que se chama processo inquisitório, que, nas antípodas da preservação de
direitos antes positivada, dá-se pela negação destes9. Característica marcante disso foi o fim da
chamada cognitio extra ordinem, ou seja, a provocação do órgão jurisdicional pela parte. Agora,
o processo poderia ser instaurado de ofício.
Deste modo, não só o processo, como o poder em si, passou a ser concentrado no juízo de
primeira instância, que gozava de poderes muito mais amplos, tornando-se, ao mesmo tempo,
acusador, órgão investigativo e prolator da decisão.
8
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal vol I. Niterói: Impetus, 2011, p. 40.
9
PISAPIA, Gian Domenico. Il segreto istruttorio nel processo penale. Milão: Giuffrè, 1960.
10
SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p.
156-157.
16
Na mais clara acepção de seu nome, este sistema é a conjugação das propostas acusatória e
inquisitória, onde a persecução atravessa fases regidas por sistemáticas distintas. Frise-se que tal
fato não garante nenhum equilíbrio, já que o sistema inquisitório, com sua característica de
sufocar o contraditório, tem o poder de influenciar, numa clara anomalia processual, o transcurso
da ação11.
Já que citado o contraditório, válida uma bela definição do clássico Carnelutti12 sobre o
referido instituto:
Interessante observar a maneira com a qual todas as variações sofridas pela investigação
criminal submeteu o indiciado a diferentes posições dentro de sua estrutura, com clara percepção
de momentos maior igualdade e preservação de direitos e garantias individuais, onde havia
autonomia do sujeito, como previa o sistema puramente acusatório e noutro momento o indivíduo
como simples objeto a ser investigado, dentro da lógica inquisitória.
11
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 454.
12
CARNELUTTI, Francesco Carnelutti. As misérias do processo penal. Campinas: Edcamp, 2002, p. 41-42.
17
Feita essa observação, parte-se para a especificidade brasileira, onde não restam dúvidas de
que se apresenta, em questão de processo penal, o sistema misto, ou seja, na fase investigativa,
realizada na forma do inquérito policial, prevalece o sistema inquisitório, uma vez que o
indiciado não dispõe de meios de defesa, enquanto a fase processual tem suas bases no sistema
acusatório, marcado pelo equilíbrio de forças13.
Exposto esse raciocínio, tem-se que a situação vai de encontro ao que se prega no presente
raciocínio, uma vez que o principal ponto de desequilíbrio que se verifica na realidade
investigativa atual no Brasil é o poderio que os elementos reunidos pelos mais diversos atos e
diligências do inquérito policial afetam diretamente a condenação de um indivíduo, frise-se, já na
fase processual.
Surge, pois, a reflexão acerca da solução para o problema que se configura na realidade
brasileira, sabidamente problemática no seu procedimento, que corre de maneira defeituosa
graças às incorreções constantes em sua origem.
13
TUCCI, Rogério Lauria. Persecução penal, prisão e liberdade. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 79.
18
Pode-se dizer que o ordenamento jurídico brasileiro sempre conteve algum tipo de previsão
de investigação preliminar em casos de ilícito penal, de caráter pré-processual, com o fim de
formar um conjunto de dados e informações que viria a dar base à ação penal.
Por ter sempre sido uma característica do sistema penal brasileiro, é claro que sua origem
está no período colonial e a vinculação da lei brasileira ao ordenamento da metrópole, com a
vigências das Ordenações as quais confundiam direito e religião14, tendo assim perdurado até a
independência, no ano de 1822.
Importante referir que, até então, a investigação e o processo estavam concentrados no juiz,
o que só foi alterado em 1841, quando, a partir da reforma do Código de Processo Criminal.
Desde então, passou à condução da autoridade policial o procedimento investigativo, na forma do
encaminhamento, por parte do Delegado de Polícia, de todas as informações sobre um crime que
julgasse relevantes para o juiz.
14
TELLES, Ney Moura. Direito Penal Parte Geral I. São Paulo: Editora de Direito, 1999, p. 60.
15
SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, pp. 27/40.
19
Posteriormente, edita-se a Lei nº 2.033/1871, a qual veio para reparar vícios no poder
discricionário da autoridade policial no envio de informações ao juízo. Essencial ressaltar que tal
lei teve sua regulamentação por meio do Decreto nº 4.824/1871, que veio para positivar no
ordenamento pátrio a figura do inquérito policial. Tal dispositivo assim o definia, na redação do
art. 42: “O inquérito consiste em todas a diligências necessárias para o descobrimento do fato
criminoso, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a
instrumento escrito”.16
Parece oportuno que se faça, nesta altura do raciocínio que se constrói, um apelo em forma
de reflexão, uma vez que o presente tópico cuida de contextualização histórica de um
procedimento investigativo marcado pelo esquecimento do cidadão enquanto sujeito de direitos,
no sentido de que o inquérito policial já serviu de peça para legitimação de grandes abusos na
história do país, mais notadamente no período entre os anos de 1964 e 1985.
Em tempos atuais, em que grande parte de uma população, que ignora os que tombaram
diante da repressão e do autoritarismo e admira feitos de um período extremamente conturbado
de nosso passado, clama pelo recrudescimento do poder punitivo e enxerga no castigo severo o
caminho para a construção de uma sociedade evoluída, há que se lutar pela memória e impedir
que a lei seja, uma vez mais, uma verdadeira arma contra as liberdades.
Ainda que seja, como é o passado, algo que se pode ter por uma fase terminada, um ciclo
que viu seu fim anos atrás, é amplamente sabido que a ausência de memória expõe qualquer povo
ao risco de que o mesmo se repita, já que a história mostra como tudo se reinventa. Rememora-
se, com isso, o conhecido caso da Alemanha e tudo que ainda se vive neste país.
Esse estudo, frise-se, não aponta apenas falhas de um modelo atual, com um olhar sobre a
sua melhoria a partir da evolução da norma, mas está ligado ao passado, que não se encontra
longe dos dias de hoje. Muito pelo contrário, parece muito mais perto do que se imaginava e só o
conhecimento pode evitar a volta de dias que não podem mais existir.
16
MORAES, Bismael Batista de. Direito e Polícia: uma introdução à polícia juduciária. São paulo: Revista dos
Tribunais, 1986, p. 129
20
Existe, aqui, o fundo do garantismo como leitura da realidade penal brasileira, no intuito de
enxergar as pessoas em sua forma mais humana e humanizada, com o único fim de que isso leve
toda a coletividade à paz social, pautada no respeito a todo e qualquer direito.
Faz-se necessário observar isso quando a realidade nos coloca frente a uma situação nova: a
via autoritária não mais se materializa pelo golpe, pela ruptura da estrutura democrática vigente e
pela tomada do poder. Vê-se que a truculência e o ódio também tomam outras formas, de modo a
alcançar espaços pela via do voto popular.
Colocado o aspecto histórico e feita essa reflexão, imperioso passar ao tema pano de fundo
do presente trabalho, com sua análise conceitual e estrutural, para total compreensão da atual
realidade investigativa brasileira.
1.3.2 – Conceito
De plano, o estudo de qualquer assunto, em sua parte conceitual, buscará por uma definição
em lei. Ocorre que o inquérito policial não tem uma previsão exata que o defina em algum
diploma legal brasileiro.
Cabível recorrer aos conhecimentos de Aury Lopes Jr.17 sobre o tema, que observa bem esta
lacuna:
17
LOPES JR., Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2001, p. 31.
21
Seguindo um norte dado por essa definição, deve-se falar da polícia judiciária, que é
instituição presente em todo território nacional e responsável, por excelência, pelo inquérito
policial, que é presidido por delegado de polícia.
No caso do Brasil, essa estrutura se divide em sua essência, com a polícia administrativa, a
qual, em regra, tem sua atuação prévia, encarregada do policiamento ostensivo e consequente
missão de evitar o cometimento de delitos. Já a polícia judiciária tem papel diferente, uma vez
que age posteriormente à prática dos crimes, na função de colher todos os elementos que
chegarão ao órgão acusador.
Observe-se que tal divisão não se mostra vantajosa. Uma delas é nítida na realidade dos
estados brasileiros, que é a repartição de recursos, já escassos. Além disso, um aspecto que chama
a atenção nesse caso se dá mais no campo prático, quando a primeira polícia a ter contato com a
cena de um crime não é a judiciária, responsável pela colheita de provas e evidências, com a
elaboração de auto e desenvolvimento de trabalho pericial, mas sim a polícia administrativa, que
não tem tais atribuições e muitas das vezes não possui técnica para preservação do local em sua
originalidade.
22
Interessante reparar como a visão exposta pelo referido autor incorpora o que se prega neste
estudo, quando mostra o inquérito policial, ao falar do trabalho da polícia judiciária, como uma
peça capaz de comprovar a excludente do delito. Tal visão clarifica ainda mais a função que a
investigação pode ter de trabalhar, simultaneamente, em vias que parecem opostas, ou seja, o
mesmo instrumento que pode reunir indícios de cometimento também seria capaz de apontar a
ausência de responsabilidade de determinado indivíduo, antes investigado, na prática de um
crime.
Seria dizer que a função precípua deste instrumento tem uma via reflexa, onde a mesma
diligência que é realizada para apurar a autoria tem a capacidade de aferir, igualmente, a sua
inexistência, numa espécie de via reflexa.
Esta peça se caracterizará como a base para formação do convencimento por parte do órgão
responsável pela propositura da ação penal, ou seja, o Ministério Público, a partir do
fornecimento de provas idôneas constantes na investigação, para que esse, a partir da chamada
justa causa.
Para isso, a autoridade policial deve empreender uma série de diligências, que terão sua
metodologia decidida pelo delegado responsável e a equipe que o auxilia. Assim, deve a polícia
produzir as provas de caráter técnico que julgar indispensáveis, além de programar quando
devem ser ouvidas pessoas consideradas importantes para o esclarecimento da situação.
Dentro da questão dos métodos de elucidação do fato ocorrido, salienta-se que estes não
são faculdades, mas obrigatoriedades da força policial, quando o legislador explicita que a mesma
18
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Manual de processo penal constitucional: pós-reforma de 2008. Rio de Janeiro:
Forense, 2008, p. 47.
23
deverá proceder com o que se apresenta no art. 6º, do Código de Processo Penal, as quais listadas
entre os incisos I e X.
Essencial abrir espaço para particular análise do art. 6º, IX, CPP, o qual determina, verbis:
A análise de um dispositivo que contém esta redação, se levada em conta a realidade social
brasileira, marcada pelo preconceito enraizado e silencioso, leva a compreender muito do que se
materializa na persecução, quando o inquérito, que é, como já dito aqui, uma peça de forte
influência sobre a fase processual.
É nítido que a reunião de informações acerca da condição social do indiciado, o que levará
em conta todo um panorama capaz de enquadrá-lo em uma classe social específica, pode e muitas
vezes é uma sentença antecipada. Todos sabem onde e sobre quem o braço violento do Estado
pesa com maior rigidez.
Outro fator que deve ser observado com atenção é o tipo de informação que está
influenciando o convencimento do julgador. No início do trabalho, falava-se em dados de
maneira geral. Agora, especificamente, trata-se de informações meramente subjetivas sobre um
cidadão. Ser pobre e integrante de uma família problemática pode colocá-lo no cárcere.
Frise-se, no entanto, que esse rol não exaure as possibilidades de meios a serem
empregados pela polícia no procedimento investigativo. Ficam a cargo da autoridade a realização
de todas as diligências que a lei lhe permita e, por óbvio, estejam dentro do bojo de suas funções,
ou seja, solucionar o caso pelo qual está responsável19.
19
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Manual de processo penal constitucional: pós-reforma de 2008. Rio de Jneiro:
Forense, 2008, pp. 68-70.
24
Dentre os meios investigativos que não se encontram elencados no art. 6º, CPP, possível
citar como principais a busca e apreensão, insculpida entre os arts. 240 e 250, CPP, a
interceptação de ligações, comunicações eletrônicas e telemáticas, disposta na Lei 9.296/1996 e a
possibilidade de que sejam infiltrados agentes em situações de investigação, com previsão na Lei
9.034/1995.
Antes de atingir o aspecto central deste capítulo e também deste trabalho, totalmente
necessário abordar uma temática que se relaciona com aspectos muito atuais, inclusive em outros
ordenamentos. Mais especificamente, versar sobre um movimento comum de deslocamento do
Ministério Público em direção à função investigativa, deixando de ser somente o órgão dito fiscal
da lei.
Em um primeiro esboço da ideia, significa dizer que seria criada a figura de um promotor
investigador, o qual poderia conduzir sozinho a investigação ou com auxílio da polícia judiciária,
que, por óbvio, seria colocada a seu serviço.
Nesse sistema, o promotor recebe a notitia criminis ou chega até sua figura pela polícia.
Ato contínuo, dará início às investigações, lançando mão de diligências realizadas por ele mesmo
ou pela força policial, sob seu comando. Ressalta-se que ainda é necessária autorização judicial
para emprego de medidas que venham a restringir direitos.
De plano, é possível antecipar que, no Brasil, esta é uma temática que tem gerado muitas
discussões. Do lado contrário estão, naturalmente, aqueles que pregam ser uma atividade
exclusiva da polícia judiciária o desempenho da função investigativa.
25
Defende esta parte da doutrina que, inicialmente, trata-se de uma interpretação sistemática
do que está disposto no texto constitucional, mais notadamente no art. 144, §4º, CRFB/88, o qual
estabelece, taxativamente, a competência da polícia judiciária para apuração de infrações penais.
Válido ressaltar que essa discussão guarda estreita relação com o vigente texto
constitucional, que concedeu maior importância ao parquet na estrutura jurídica brasileira,
seguindo uma onda externa, que Aury Lopes Jr.20 qualifica como combate ao crime a qualquer
custo. Tal tendência encontra claro fundo na realidade enfrentada pela sociedade brasileira,
mergulhada numa grave crise na segurança.
Por outro lado, há quem defenda a atuação do mencionado órgão na investigação criminal,
amparado na interpretação extensiva do art. 144, da Constituição Federal. Assim, não seria a
polícia judiciária exclusiva detentora desta atribuição.
20
LOPES JR., Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2001, p. 82.
21
LOPES JR., Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2001, p. 83
26
Apesar do que defende certa parte da doutrina, a questão que se configura acerca desta
mudança é, essencialmente, a atuação do Ministério público de maneira eficiente e isenta, o que
nunca foi ao longo da história, dada sua função acusatória por excelência.
Tal problema já foi detectado em outros países e a solução encontrada foi determinar que o
Ministério Público realizasse as investigações de modo que levantasse evidências a favor da
acusação, mas também a favor do indiciado. O que marcou a falha dessa medida foi, segundo
Antonio Scarance Fernandes22:
Outro ponto exposto no aludido raciocínio, também ponto vital do presente estudo, é o da
busca, por parte do aparato estatal, tanto investigativo quanto acusatório, de ver um indivíduo
processado, julgado e condenado como forma de suprir o cometimento de um ilícito. Observe-se
que não necessariamente o autor do delito, mas sim alguém que possa ser encaixado nesse papel
e, assim, possa compensar a agressão sofrida pela sociedade e sua ordem.
Tendo por base essas exposições, firma-se neste estudo posicionamento contrário à
concessão do direito de presidir investigações criminais ao Ministério Público. Em primeiro
lugar, por uma questão de legalidade, no sentido de que deve ser interpretada a Constituição da
república em sua literalidade. Em segundo lugar, pela já exposta ausência de imparcialidade por
parte do parquet.
22
FERNANDES, Antonio Scarance. Teoria geral do procedimento e o procedimento no processo penal. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 84.
27
Por fim, muito acima da discussão relativa a quem deve conduzir quaisquer trabalhos
investigativos, como já dito ao longo do presente, está a necessidade de se desenvolver um
sistema que seja garantidor de direitos para o indiciado, em uma investigação justa.
No conceito já traçado anteriormente, foi colocado que o inquérito policial tem a função de
reunir dados e informações sobre o cometimento de um ilícito penal, que irão dar base a uma
possível denúncia e potencial ação penal.
O que se quer mostrar, com os termos que definem tanto a denúncia quanto a ação penal no
parágrafo anterior, é que a possibilidade e potencialidade carregam, em sua essência, a realidade
contrária ao que estão qualificando, ou seja, a possível denúncia também sugere o possível
arquivamento do inquérito e, na mesma esteira, a potencial ação.
Tal raciocínio serve como base para a questão de o inquérito policial ter reconhecida a
duplicidade de sua função, de embasar, de maneira idônea, a denúncia e também o arquivamento.
Errônea a leitura que se difundiu de que a investigação tem o exclusivo fim de encontrar um
responsável para um delito.
Com exatidão opina Marta Saad23 sobre o tema. Válido trazer sua opinião uma vez mais:
O inquérito policial traz elementos que não apenas informam, mas de fato instruem,
convencem, tais como as declarações de vítimas, os depoimentos das testemunhas, as
declarações dos acusados, a acareação, o reconhecimento, o conteúdo de determinados
documentos juntados aos autos, as perícias em geral (exames, vistorias e avaliações), a
identificação dactiloscópica, o estudo da vida pregressa, a reconstituição do crime.
23
SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 161.
28
Essa realidade existe e é nas palavras de Sérgio Ricardo de Souza24 que podemos encontrar
uma correta análise do caso:
Essencial referir que, sob a prisma dos princípios constitucionais consagrados em nosso
ordenamento jurídico, da ampla defesa e do contraditório, é inadmissível que uma sentença se
fundamente com base em provas colhidas exclusivamente no inquérito policial. Essa visão se
reforça com o fato de que a Constituição Federal de 1988 é chama de Cidadã, já que foi elaborada
tendo o indivíduo como seu centro, com o fim de que ele tivesse o Estado ao seu lado, como
grande guardião de seus direitos.
Todavia, não parece ser assim que entendem a questão os tribunais superiores do país, que
confirmam o valor da prova produzida de forma inquisitorial ao usar a prova processual para
ratificá-la.
Assim, fica bem delineado o cerne do estudo que se desenvolve, com o exato problema que
atinge o processo penal e pode ser amplamente corrigido a partir da investigação criminal
defensiva, ou seja, o uso de detetives particulares no curso da investigação. O próximo capítulo
trata justamente das características da lei e aborda a experiência de outros ordenamentos que já
têm esta prática mais consolidada.
24
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Manual de processo penal constitucional: pós-reforma de 2008. Rio de Janeiro:
Forense, 2008, pp. 72.
29
É importante que se traga ao estudo a visão que este projeto traz, uma vez que demonstra,
em consonância com o raciocínio aqui exposto, uma tendência a afastar do processo penal os
aspectos de um sistema inquisitório que contamina o processo brasileiro e provoca grandes
injustiças.
O projeto de lei nº 15625 apresentou uma nova sistemática para o processo penal, de modo a
aproximá-lo do sistema acusatório, com o fim de que o indiciado tenha garantido seu direito de se
manifestar e não permitir que a instrução seja viciada por provas produzidas em condição de
disparidade.
Uma das grandes mudanças propostas pelo projeto nesse sentido é o que se insere em seu
art. 4º, o qual assim versa:
O processo penal terá estrutura acusatória, nos limites definidos neste Código, vedada a
iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão
de acusação
25
BRASIL. Projeto de Lei do Senado nº 156. Relator: CASAGRANDE, Renato. 07 dez. 2010 Disponível em:
<http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=85509&tp=1>. Acesso em: 11 nov. 2018.
30
Parece ser acertada a decisão do legislador nesse sentido, uma vez que a realidade brasileira
está muito afastada de qualquer postulado teórico de quem escreve livros. A verdade é o abuso do
poder punitivo pelo Estado, pela mão do juiz e do Ministério Público.
Dando sequência ao que se expõe, interessante volta as atenções para outro dispositivo do
referido projeto de lei, que é a figura do juiz das garantias, que funcionaria como a pedra
fundamental para a garantia do procedimento na forma acusatória. A ideia consiste na designação
de um juiz que participe apenas da instrução criminal.
De acordo com a exposição de motivos do projeto, expressão “garantias” serve para frisar
que não se tratou apenas de um juiz que estivesse à frente da condução do inquérito policial, mas
um juiz que se foque no cumprimento dos princípios constitucionais, com a preservação das
liberdades e garantias individuais, que não devem ser diminuídas para tornar eficaz o poder
punitivo. A dever deste juiz é zelar pela preservação das garantias, não da qualidade da
investigação.
Sua previsão está insculpida nos arts. 15 ao 18, com especial atenção para o primeiro, onde
podem ser encontrados comandos muito significativos para o respeito ao princípio do devido
processo legal, como o dever de zelar pela observância dos direitos do preso e cuidar de todos os
pedidos cautelares.
É possível depreender, que a redação destes dispositivos tem a clara intenção de manter o
correto deslinde do processo, criando uma barreira com a mudança para o magistrado que julgará
o processo é será o prolator da sentença.
26
ANDRADE, Mauro Fonseca. Reflexões em Torno de um Novo Código de Processo Penal. Revista do
Ministério Público do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, nº 61, p. 119.
31
Interessante observar que esse é um mecanismo que busca a isenção total do juiz em
relação ao que foi produzido na fase anterior ao processo, com o fim de que a sentença
permaneça isolada da influência do que ocorre durante o inquérito policial. Seria uma excelente
alternativa para o modelo atual, onde a prova do inquérito vicia a decisão do juiz.
A parte que, de certo, mais interessa ao estudo aqui desenvolvido é a parte em que o projeto
de novo CPP cuida da investigação defensiva no processo penal brasileiro, mas especificamente
em seu art. 14.
Art. 14. É facultado ao investigado, por meio de seu advogado ou de outros mandatários
com poderes expressos, tomar a iniciativa de identificar fontes de prova em favor,
podendo inclusive entrevistar pessoas.
Parágrafo único. As entrevistas realizadas na forma do caput deste artigo deverão ser
precedidas de esclarecimentos sobre seus objetivos e do consentimento das pessoas
ouvidas.
Haja vista que o citado artigo não é claro em alguns pontos importantes, como quem seriam
os indivíduos habilitados a instaurar o procedimento de investigação defensiva, lacuna que
poderia causar problemas no inquérito. Tampouco existe uma clara definição em relação ao seu
objeto.
Deve-se dizer que esta não é a discussão mais adequada a ser travada aqui, por se tratar de
um projeto, o qual não produz efeitos no mundo jurídico e por não ser o objeto central do estudo
que se faz até o momento. Entretanto, frise-se que é importante falar desse projeto, que mostra
uma clara tentativa de jurista dos dias atuais de que seja desenvolvido no Brasil um mecanismo
de investigação defensiva, inserido em um processo penal mais justo.
32
Como já antes exposto e seguindo a lógica aqui adotada, falar em investigação criminal
defensiva envolve totalmente expor conceitos sobre garantismo penal e a influência dessa teoria
dentro do processo. Além disso, o garantismo é um dos norteadores do pensamento que aqui se
desenvolve
É essencial que o estudo das leis não só abarque, mas guarde íntima relação com teorias
que proponham sistemas de equilíbrio ao direito. Não há como se tecer comentários sobre uma
medida que poderá trazer mais equilíbrio ao processo penal como um todo, ou seja, investigação
defensiva no inquérito policial sem que seja reservado espaço a uma teoria tão importante para a
democracia.
Trata-se de uma teoria cunhada por Luigi Ferrajoli 27 , sob grande influência dos ideais
iluministas de respeito às liberdades e respeito ao indivíduo enquanto sujeito de direito. O autor
desenvolve esse modelo como forma de que se encontre um sistema equilibrado, que previna o
crime e o puna sem vingança, quando praticado.
Em sua obra, Ferrajoli desenhou uma estrutura composta por dez princípios que seriam
capazes de sustentar o equilíbrio do sistema. São eles: retributividade da pena frente ao delito;
legalidade; economia do direito penal; lesividade do evento; materialidade da ação;
culpabilidade; separação entre juiz e acusação; ônus da prova; e contraditório28.
Para que a disputa se desenvolva lealmente e com paridade de armas, é necessária, (...), a
perfeita igualdade entre as partes: em primeiro lugar, que a defesa seja dotada das
mesmas capacidades e dos mesmos poderes da acusação; em segundo lugar, que o seu
papel contraditor seja admitido em todo estado e grau do procedimento e em relação a
cada ato probatório singular, das averiguações judiciárias e das perícias ao interrogatório
do imputado, dos reconhecimentos aos testemunhos e às acareações.
27
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 74.
28
Ibid, pp. 74/75.
29
Ibid, p. 565.
33
Tais elementos, hoje, são vistos como basilares na formação de uma justiça que realmente
promova a o que lhe cabe: a correta aplicação da lei, sem excessos que podem ocorrer com o
monopólio do poder punitivo nas mãos do Estado.
Não pode, sob esse prisma, a dúvida ou as concepções tortuosas formarem a convicção para
o uso do aparato punitivo estatal de maneira indiscriminada. Deve preponderar a presunção de
inocência e não a justificativa de que o suspeito vive em uma área dominada pelo crime
organizado.
É interessante como a teoria garantista é uma grande âncora na seara criminal, que tem o
fim de impedir que a justiça e demais instituições compromissadas com a incolumidade e paz
sociais sofram um desequilíbrio influenciado por ondas de recrudescimento e pelo retrocesso.
Sobre a teoria do garantismo penal, Aury Lopes Jr.30 faz perfeita ressalva sobre a teoria
garantista frente ao legalismo, que não deve ser confundido. Assim, escreve o autor:
É importante destacar que o garantismo não tem nenhuma relação com o mero legalismo
ou mero processualismo. Consiste na tutela dos direitos fundamentais, os quais – da vida
à liberdade pessoal, das liberdade civis e políticas às expectativas sociais de subsistência,
dos direitos individuais aos coletivos – representam os valores, os bens e os interesses,
materiais e prepolíticos, que fundam a justificam a existência daqueles artifícios – como
chamou Hobbes – que são o Direito e o Estado, cujo desfrute por parte de todos constitui
a base substancial da democracia. Dessa afirmação de Ferrajoli é possível extrair um
imperativo básico: o Direito existe para tutelar os direitos fundamentais.
É importante essa diferenciação para que não se caia na falácia de que a melhor maneira de
promover a justiça é a aplicação cega da lei, como fórmulas matemáticas. Devem existir
30
LOPES JR., Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2001, p. 14.
34
condicionantes claras para que a lei seja corretamente aplicada, de modo que as forças se
equilibrem.
O Direito Penal mínimo é uma técnica de tutela dos direitos fundamentais e configura a
proteção do débil contra o mais forte; tanto do débil ofendido ou ameaçado pelo delito,
como também do débil ofendido ou ameaçado pela vingança; contra o mais forte, que no
delito é o delinqüente, e na vingança é a parte ofendida ou os sujeitos públicos ou
privados solidários com ele. A proteção vem por meio do monopólio estatal da pena e da
necessidade de prévio processo judicial para sua aplicação, e da existência, no processo,
de uma série de instrumentos e limites, destinados a evitar os abusos por parte do Estado
na tarefa de perseguir e punir.
Feita essa exposição dos pontos mais importantes sobre o garantismo penal, que é de suma
importância para compreender os efeitos de proteção de direitos que a investigação criminal
defensiva pode promover no ordenamento jurídico pátrio, importante aproximar a discussão do
tema do trabalho e, em seguida, relacionar o assunto à questão da paridade de armas. Assim, mais
lógico fica o raciocínio e melhor se pode avançar para a conclusão do assunto em sua
generalidade.
Em consonância com o que expõe o garantismo penal e o que já foi apontado sobre o
inquérito policial, mostra-se imprescindível analisar a efetivação de tais garantias no
ordenamento jurídico brasileiro, mais notadamente pelo previsto no texto constitucional, lei
suprema do país.
Insculpido no art. 5º, LIV, da Constituição Federal, está o princípio do devido processo
legal, o qual prevê que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal”. No inciso seguinte, LV, encontram-se a ampla defesa e o contraditório, que
assim dispõe: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral,
são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
31
LOPES JR., Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2001, p. 17.
35
Cabe ressaltar que o devido processo legal é um conceito dotado de grande amplitude,
gerando certa indeterminação. Deste dispositivo derivam outros princípios que balizam nossa
justiça, como a própria ampla defesa e o contraditório, além da necessidade de que motivem
decisões e a vedação de provas ilegais, por exemplo.
Para Sérgio Ricardo de Souza32, assim pode ser entendida a ausência de contraditório:
Essa leitura, apesar de coerente, não contempla a realidade vivida na investigação criminal
brasileira, em que polícia judiciária e Ministério Público, enquanto representantes da lei e do
interesse público, apresentam durante todo curso do inquérito e da ação a incansável busca de
transformar o indiciado em culpado. A visão do citado autor só se enquadraria num mundo ideal.
É nesse ponto que a discussão encontra toda a crítica feita ao sistema processual brasileiro
no decorrer do presente estudo. O inquérito policial em sua estrutura atual, que, já dito, é
32
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Manual de processo penal constitucional: pós-reforma de 2008. Rio de Janeiro:
Forense, 2008, p. 21.
36
inquisitorial, sufoca princípios básicos da Carta Magna e impede que qualquer cidadão exerça
plenamente o que lhe é de direito.
Nesta valoração reside um dos maiores erros de uma doutrina brasileira que advoga pela
inaplicabilidade do art. 5º, LV, da CB ao inquérito policial, argumentando,
simploriamente, que não existem “acusados” nessa fase, eis que não foi oferecida
denúncia ou queixa. Já tratamos do tema anteriormente, mas apenas gostaríamos de
destacar – novamente – que qualquer notícia-crime que impute um fato aparentemente
delitivo a uma pessoa determinada constitui uma imputação, no sentido jurídico de
agressão, capaz de gerar no plano processual uma resistência. Da mesma forma, quando
da investigação ex officio realizada pela polícia surgem suficientes indícios contra uma
pessoa, a tal ponto de tornar-se o alvo principal da investigação – imputado de fato –
deve ser feita a comunicação e o chamamento para ser interrogado pela autoridade
policial. Em ambos os casos, inegavelmente, existe uma atuação de caráter coercitivo
contra uma pessoa determinada, configurando uma “agressão” ao seu estado de
inocência e de liberdade, capaz de autorizar uma resistência em caráter jurídico-
processual.
Nunca é demais recordar que o texto constitucional é extremamente abrangente,
protegendo os litigantes tanto em processo judicial como em procedimento
administrativo. Não satisfeito, o legislador constituinte ainda incluiu, para evitar
dúvidas, a expressão “...e aos acusados em geral...”, assegurando-lhes o contraditório e a
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Não há como afastar o sujeito
passivo da investigação preliminar da abrangência da proteção, pois é inegável que ele
encaixa na situação de “acusados em geral”, pois a imputação e o indiciamento são
formas de acusação em sentido amplo.
Não é um fato de menor importância que o indiciado não possa participar da investigação e
ter a oportunidade de demonstrar sua inocência, quando o que se produz são provas que contam
uma só verdade e permitir que o magistrado forme seu convencimento a partir do que relata a
vontade de punir e não traz em si o equilíbrio entre o poder quase irrestrito do Estado na seara
punitiva.
Tal configuração mostra uma clara supressão do indivíduo e seus direitos frente ao que
pode ameaçar um dos bens jurídicos mais preciosos que a todos é assegurado: a liberdade. Isso,
de certo, atenta contra o mais fundamental dentro do mundo jurídico.
33
LOPES JR., Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001,
pp. 304/305.
37
A finalidade precípua dessa via é oportunizar que todos os lados, quais sejam, acusação e
defesa tenham a oportunidade de participar, igualmente, do que irá se construir no deslinde do
processo e que irá se materializar na decisão final.
Pode-se dividir esse instituto em duas acepções: igualdade formal e material. A primeira
guarda relação com o espaço entre as forças, de modo que uma não pode estar acima da outra e a
igualdade material é o que compensa o desnível natural entre as partes, levando em conta que
nunca são iguais. Assim, um lado pode receber mais armas que o outro.
O que se pretende demonstrar, em um apontamento mais claro, agora que estão reunidos
aqui elementos para melhor formulação do raciocínio, é que o grande ganho a ser gerado pela
investigação criminal defensiva é fornecer aos indiciados que possam exercer direitos que já lhes
são garantidos.
Vem a ser curioso que essa discussão seja travada quase trinta anos após a promulgação da
Constituição Federal, com o intuito de que direitos conferidos por um dos dispositivos mais
38
importantes de seu texto passem a ter plena eficácia. Marcas de um Estado ainda com instituições
fragilizadas e com fortes tendências autoritárias.
Fica mais palpável, a partir da reunião de elementos, nesta altura, de que, se justapostos
como peças, é possível enxergar o inquérito policial, inserido em seu contexto de investigação
criminal preliminar no Brasil, junto da questão estrutural da polícia, que também tem fundo
cultural, unidos pelo sistema processual aqui vigente.
Tais elementos, quando analisados de maneira conjunta, mostram o vazio que pode ser
encontrado no sistema investigativo e processual, viciado e tomado pelo desequilíbrio de forças
entre seus diversos atores.
Chegada a parte final do trabalho, com toda uma estrutura conceitual delineada para correta
abordagem do tema, uma vez que se trata de um meio investigativo que não encontra previsão
legal na lei brasileira e essa análise requer a ilustração de todos os elementos de nosso
ordenamento com os quais a investigação criminal e sua modalidade defensiva se relacionam.
Com isso, torna-se possível estabelecer uma crítica melhor fundada num panorama que
conduza a discussão para a visão macroscópica da situação, ou seja, são introduzidos conceitos
de maneira preliminar para que a investigação criminal defensiva possa ser perfeitamente lida
como algo compatível com o ordenamento jurídico pátrio.
39
Os objetivos dessa modalidade compreendem comprovar um álibi, além de outros fatos que
podem comprovar a inocência do investigado, a ausência de responsabilidade desse pela atuação
de terceiros ou que configurem excludentes de culpabilidade e até mesmo para que se evite o
cometimento de erros por parte da polícia.
Ressalte-se que o investigador nomeado pelo investigado para coletar dados que apontem
sua inocência atuará na investigação em liberdade de escolha para traçar sua estratégia, ou seja,
sem vinculação a qualquer determinação advinda de autoridade. Por óbvio, ele estará obrigado a
respeitar a lei e todos os preceitos legais que limitem sua atuação, que é de natureza privada é não
lhe confere poder de polícia.
Como já dito acima, essa é uma figura jurídica inexistente no direito brasileiro, o qual
prevê, atualmente, que apenas a autoridade policial presidirá o inquérito. Repise-se que esse é,
desde o início do estudo, o ponto de principal crítica ao sistema nacional, por ser esse o elemento
a propiciar o caráter inquisitório da investigação.
Importante referir que esse tema vem ganhando espaço nas discussões da doutrina, mais
especificamente pelo fato de ser um meio de conter a tendência atual de atribuição de capacidade
investigativa ao Ministério Público, como suscitado no capítulo anterior.
34
BALDAN, Edson Luis; Azevedo, André Boiani e. A preservação do devido processo legal pela investigação
defensiva. Boletim do IBCCRIM, n. 137, p. 7.
35
FERNANDES, Antonio Scarance, Rumos da investigação no direito brasileiro. Boletim do Instituto Manoel
Pedro Pimentel, n. 21, p.13.
40
É essencial, segundo posicionamento que aqui se adota, que essa gradual mudança não se
materialize. Como perfeitamente exposto no supracitado e igualmente acontece com a polícia
judiciária, existe uma preocupação clara dos órgãos estatais com a concretização da autoria e
materialidade do crime, sem que se olhe sobre quem.
Não se configura como um exagero afirmar que o Ministério Público investiga com o
intuito de incriminar. Dentro dessa lógica, é evidente que não sobrará espaço para coletar
evidências de uma possível comprovação de inocência, por qualquer motivo.
O caso da polícia judiciária é similar, mas não igual, pelo fato de que o parquet também
cumula a função de acusador no processo, enquanto a autoridade policial só tem o papel de
investigar, que, numa situação ideal, deveria ser uma função desempenhada com a mais sóbria
imparcialidade, o que não ocorre.
Pode-se dizer que o equilíbrio do qual se fala neste estudo não é só aquele de armas e entre
partes com seus respectivos interesses, mas também ao que se presta o inquérito policial, ou seja,
estar pendente para o lado da acusação, mas na mesma medida para a busca de qualquer indício
de que o suspeito não cometeu ou participou de determinado crime.
41
Por essas razões, é medida salutar ao processo penal brasileiro e até mesmo da Justiça como
instituição democrática que a investigação criminal defensiva ganhe espaço e seja aceita em
nosso ordenamento jurídico.
Sabe-se que nos Estados Unidos, como herança do período colonial, foi adotado o sistema
do common law, onde a jurisprudência e os costumes são os formadores das normas, que vão
evoluindo ao longo do tempo, uma vez que os precedentes vão alterando a maneira com que os
tribunais julgam as questões. Além disso, lá os estados são livres para montarem suas estruturas
judiciárias e fazerem suas constituições, tendo em vista que a constituição americana é composta
de apenas alguns princípios reunidos.
Essa é a principal diferença para o tronco romano-germânico, que tem como grande fonte
as leis, ao qual está atrelado o direito brasileiro, que tem sua origem no ordenamento jurídico
português. Por isso, é mais difícil extrair comparações do modelo americano para sem feitas com
o que se poderia aplicar no Brasil.
Já nessa fase há possibilidade de que a defesa produza provas por meio de procedimento
investigativo, por isso escritórios de advocacia possuem toda uma estrutura administrativa de
assistentes para investigação e obtenção de provas.
Assim, dentro dessa lógica, as partes estão livres para levantarem diversos dados, com a
apresentação de provas periciais e inquirição de testemunhas. Assim como no sistema brasileiro,
com o intuito de se manter imparcial, o magistrado permanece em posição de inércia na instrução
probatória.
Após isso, entra a fase adjudicatória, que pode ser definida como uma fase intermediária,
na qual o magistrado avaliará se as provas que foram produzidas são lícitas, tendo na sequência
uma série de audiências e a posterior decisão de formalizar a acusação.
Com isso, inicia-se a fase judicial, onde a questão será decidida. Nela serão ouvidas as
partes e a decisão será emitida pelo juiz ou pelo júri, o qual só opina pela absolvição ou não.
Após isso, sendo o réu condenado, será arbitrada uma pena e proferida a sentença.
Desta resumida análise do processo penal americano, infere-se que a investigação criminal
defensiva é admitida, muito por ser um produto do sistema lá vigente, o qual não tem regras
fechadas para os procedimentos e insta as partes a investigar e provar. O resultado dessas
diligências só será admitido em juízo se essas provas aceitas na fase posterior, dita adjudicatória.
43
3.2.2 – Itália
O processo penal italiano, antes de caráter misto, onde o juiz concentrava as funções de
investigar e julgar, sofreu grande alterações com a entrada em vigor do código de processo penal
que vigora até os dias atuais, em 1988.
Com a reforma, foi extinta a figura do juiz instrutor, com a atribuição às partes de que
passassem a desenvolver a investigação para obtenção das provas. Com isso, foi estabelecido que
haveria um juiz para cuidar da fase investigatória, cuidando apenas das medidas cautelares
requeridas no curso da investigação e depois o processo será conduzido por outro magistrado.
Esse código instituiu o processo dividido em duas partes, sendo uma delas uma investigar
preliminar e a segunda marcada pelo debate, com o fim de que seja resolvida a questão por uma
decisão a ser tomada.
O inquérito policial italiano lá é conhecido como indagini preliminari, sendo fase pré-
processual e tem seu início demarcado pela notícia da suposta prática do delito ao Ministério
Público ou à autoridade policial, exatamente como no Brasil.
Essa investigação é conduzida pelo Ministério Público, como prevê o código de processo
penal do país, tendo como auxiliar a polícia judiciária à sua disposição, segundo o art. 370,
código de processo penal vigente. Ressalta-se que na lei italiana esse órgão integra o poder
judiciário, mas seus atos praticados durante a investigação não gozam de caráter jurisdicional,
uma vez que têm como intuito o embasamento de potencial ação penal.
44
Ainda nesta fase, importante salientar que o defensor do investigado está apto a participar
de diligências durante as investigações, sendo necessária, em alguns casos, como o de obtenção
de prova irrepetível, a comunicação a ele por parte das autoridades.
Como exceção, há casos onde é admitida a produção de provas nessa fase, na forma de
questão incidental, sendo necessária comprovada necessidade e haja risco de que o curso do
tempo impossibilite sua colheita.
Em dezembro do ano de 2000, a lei nº 397 veio por alterar uma série de dispositivos do
código de processo penal italiano, de modo a regulamentar mais detalhadamente o exercício da
investigação criminal defensiva. O objetivo dessa lei foi o de deixar ainda mais equilibrada a
relação entre as partes, para que o Ministério Público, como representante do poderoso Estado,
não preponderasse numa luta desmedida.
É importante referir que o defensor designado pelo investigado recolhe apenas os dados que
interessam ao seu cliente, não sendo obrigado a procurar a verdade, tampouco noticiar crime do
qual tenha tido informação ao longo do desenvolvimento de seu trabalho. Porém, é vedado a ele
destruir provas, juntar provas falsas, ilícitas ou destruí-las, podendo, por essa conduta, responder
criminalmente.
Ocorre que esse pode ser um fator que afasta a paridade de armas dentro da investigação
criminal, já que o poder de polícia dos órgãos estatais acaba por tornar sua efetividade nas
investigações maior. Nesse sentido, há quem defenda a concessão de poder similar ao detetive,
que o exerceria dentro de certos limites.
36
SOUZA, José Barcelos de. Poderes da defesa na investigação e investigação pela defesa, notas referentes à
palestra proferida na “IV Jornadas Brasileiras de Direito Processual Penal”, realizada no município do
Guarujá/SP, nos dias 06 a 09 de novembro de 2004, p. 02.
46
Não só isso, mas também há uma discussão sobre o fim do exercício de atividades que não
estejam expressamente previstas na lei, as quais são realizadas pela interpretação extensiva da
norma, a partir dos princípios da igualdade e da ampla defesa.
Relacionando o exposto no caso italiano, que tem um modelo totalmente voltado para o
equilíbrio de forças no inquérito policial, com vistas a reduzir a desigualdade produzida por um
inquérito policial presidido pelo órgão que é, também, o titular da ação penal, observa-se, dentro
de um ordenamento similar ao brasileiro, uma saída com instrumentos muito eficazes de garantia
dos direitos.
É importante ressaltar que se está diante do exemplo de um país que, apesar de quaisquer
dificuldades que tenha tido num passado recente, é uma democracia desenvolvida e tem uma
economia forte, que não sobre das disparidades sociais como as que são vistas no Brasil, com
uma desigualdade que se polariza nos extremos e se encontra permeada pelo preconceito das
classes dominantes.
Isso, por óbvio, torna o inquérito policial aqui, muito além de um procedimento marcado
pelo seu viés inquisitório, uma arma da qual dispõe o Estado para o uso indiscriminado do seu
monopólio do poder punitivo, dando tratamento desigual aos suspeitos, tendo como principal
critério a classe social.
47
O cidadão pobre, morador das áreas abandonadas das cidades, o qual já sofre uma espécie
de controle por parte da polícia administrativa, com claro fim de controle dos excluídos, entra em
um inquérito policial já condenado, antes mesmo de que seja oferecida denúncia.
Por outro lado, o integrante das classes mais elevadas goza de uma voracidade muito menor
do Estado, desde a investigação, onde ele será tratado como um cidadão que não oferece qualquer
risco à sociedade, até no decorrer do processo, quando na maioria das vezes, se condenado,
receberá uma série de benefícios e terá sua pena reduzida, sequer indo para a prisão em muitos
casos.
Tal visão se constrói pelo fato de que o inquérito policial, enquanto conduzido pela
autoridade, seria, em tese, um procedimento marcado pela isenção em relação ao indiciado, o que
não se configura na prática, como foi exposto ao longo do estudo e, de maneira mais incisiva,
logo acima.
Então, se a investigação criminal no Brasil, ainda que conduzida por órgão sem ligação
com a acusação, dá-se pela lógica de que o correto desfecho do procedimento não é reunir dados
que embasem, da mesma forma, uma potencial denúncia ou arquivamento, mas sim a abertura da
ação penal, é medida salutar o advento da investigação criminal defensiva.
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Isso significa, de maneira concreta, trazer para o inquérito policial, tão marcado pelo
desequilíbrio de forças, valores completamente atuais, ou seja, da paridade de armas, do
garantismo penal a todos os indivíduos, respeitando-os enquanto detentores de direitos e garantias
fundamentais.
Em relação a esse posicionamento, pode-se dizer que o mesmo não encontra fundo, já que,
se o investigado tem direito a um representante no inquérito policial para diligenciar a seu favor,
mas não possui meios financeiros de custeá-lo, deve o Estado designar alguém que o faça sem
que o particular pague por isso.
LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos;
Assim, não sobram dúvidas de que essa questão seria resolvida com o emprego das
defensorias públicas, tanto dos estados quanto da União, para que todo e qualquer cidadão
pudesse dispor de assistência no curso da investigação criminal.
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LOPES JR., Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2005, p. 96.
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Isso, é claro, só se concretizaria na prática com uma larga valorização das defensorias do
país. Os pilares disso deveriam ser o aumento de sua estrutura administrativa e quadro de
funcionários, com a valorização de suas carreiras, já que esses órgãos já não dão vazão a tudo que
recebem atualmente.
CONCLUSÃO
Para isso, necessária analise em separado de cada um dos elementos que o compõem e,
dessa forma, se possa, a partir disso, unir todas as partes e formar o real problema que se
configura na realidade investigativa brasileira.
Por obvio, pretende-se obedecer a lógica do raciocínio e começa essa análise pela parte
conceitual do elemento do processo penal que está diretamente ligado ao tema do estudo, ou seja,
e preciso que se entenda a investigação criminal como a via de esclarecimento do delito,
antecedendo a fase processual, iniciada com a denúncia.
É um problema grave e deve ser contido o valor probatório do que é colhido na fase
investigativa. O magistrado não deve formar sua convicção pela análise de provas que foram
produzidas longe do contraditório. A investigação criminal defensiva pode trazer igualdade e
proteger o indiciado nesse ponto.
Isso nos lança em direção a compreensão do mal gerado por essa anomalia e sua causa. A
contaminação do processo pela prova do inquérito gera uma grande desigualdade no processo,
uma vez que aquelas provas foram produzidas em uma fase onde só a polícia tem voz no
procedimento.
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Além da polícia judiciária, existe o Ministério Público, que vem ganhando cada vez mais
espaço na condução das investigações e isso se demonstra muito perigoso para os anseios da
doutrina que enxerga um inquérito policial desequilibrado. A figura do parquet dentro da
investigação é uma clara mistura do acusador com investigador, o que não tende a outra coisa,
senão um procedimento marcado pela busca pela incriminação.
Nesse ponto, a crítica começa a se revelar, já que é justamente por esse fato que a
investigação criminal tende a ser um procedimento desequilibrado e que acarreta efeitos muito
negativos aos imputados. A inexistência de contraditório, somada à projeção das provas do
inquérito sobre o processo e à busca por um culpado transformam a investigação em uma
condenação antecipada.
Com isso, configurado está o problema, que é, precisamente, uma necessidade de impor ao
inquérito policial um equilíbrio de forças, para que sejam respeitados os direitos e garantias
individuais.
Num panorama onde o sistema investigativo brasileiro já pode ser visto como falho e
parcial, falar de paridade de armas significa versar sobre o melhor meio de reparar seus
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problemas. Assim, segue-se a discussão com a ilustração de que o equilíbrio de forças é o método
capaz de prover o respeito às garantias dos indivíduos.
Tem-se nessa discussão o garantismo penal, dito norteador das ideias propostas no presente
estudo e teoria totalmente ligada ao que se busca atualmente no direito penal e também no
processo penal, no Brasil e no mundo. Garantia de ampla defesa, contraditório e ao devido
processo legal são bandeiras amplamente levantadas por quem milita na área jurídica.
Para isso, podem ser usados os exemplos americano e italiano, sendo o primeiro mais a
título de conhecimento, por se materializar em uma ordem jurídica completamente diferente da
aqui vigente. Já o exemplo italiano é ideal para o raciocínio, uma vez que se insere em uma
legislação de mesma origem que a vigente no Brasil.
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