Livreto Jaime Cubero - Atualizado
Livreto Jaime Cubero - Atualizado
Livreto Jaime Cubero - Atualizado
RAZÃO E PAIXÃO NA
EXPERIÊNCIA ANARQUISTA
IMPRENSA MARGINAL
2014
1
ÍNDICE
2
RAZÃO E PAIXÃO NA EXPERIÊNCIA ANARQUISTA
Jaime Cubero
II
III
6
IV
VI
***
11
A ORGANIZAÇÃO ESPECÍFICA
Jaime Cubero
A organização específica do movimento anarquista é
uma instância própria como está implícita na designação,
com peculiaridades que definem princípios básicos, de
cuja prática depende sua existência.
17
ANTIMILITARISMO E ANARQUISMO
Jaime Cubero
19
a guerra química, etc. As forças armadas parecem ter se
transformado num gigantesco complexo de engenharia.
Hoje, o profissional militar se divide nos três papéis, o
herói glorioso, o administrador e o tecnologista, sem
perder o plano da hierarquia e da autoridade. Um exemplo
é o Regulamento de Contingências para o Exército e a
Marinha do Brasil de 100 páginas com 315 artigos, muitos
divididos em parágrafos que devem ser cumpridos à risca.
O capítulo I começa com os sinais de respeito assim:
20
cerimônias de compromisso destacamos o seguinte: “O
oficial presta em voz alta e pausada o seguinte
compromisso: Perante a bandeira e pela minha honra,
prometo cumprir os deveres de oficial do Exército e
dedicar-me inteiramente ao serviço da Pátria”.
Toda uma ideologia contribui para a formação
psicológica do profissional militar: a idéia da pátria, o
culto e as cerimônias com a bandeira, os hinos, honras aos
oficiais superiores, honras funerais, as insígnias, etc. São
elementos de um ritual que conforma a submissão e a
lealdade ao poder constituído, seja qual for e a própria
hierarquia. O subordinado se humilha ante o seu superior e
humilha o seu inferior, do chefe supremo até o recruta
sobre quem cai o peso da deformação que o sistema faz da
condição humana. O recruta não tem a quem humilhar.
Mas, modernamente, a tecnologia da guerra é tão
complexa que a mera disciplina autoritária não é garantia
para a coordenação de um complexo de especialistas. A
ação é cada vez mais dependente da eficiência de cada
membro do grupo do que da estrutura disciplinar
autoritária. Mas como as ações se fundamentam em
violência e crise extrema, as organizações militares se
reservam o direito de exercer sanções drásticas contra o
seu pessoal. As tensões da vida militar não conduzem à
perpetuação da velha ordem como tal, mas à perpetuação
de extenso ritualismo e crises de rigidez organizacional.
As forças armadas têm crescido relativamente no
mundo, numa proporção muito maior que o crescimento
da população. Além dos treinamentos, a profissionalização
significa incorporação “num esquema de ferro” e
doutrinação. Por princípio, todo profissional militar está
obrigado à honra. Supõe-se que a honra assegure a
lealdade para com a carreira. Hoje em dia há uma
21
progressiva incapacidade da honra de resolver as tensões
no seio da profissão, apesar dos esforços para tornar
compatível o desempenho e a especialidade técnica com o
código de honra e a busca de glória. Os comportamentos
mais surpreendentes se manifestam.
No dia 14 deste mês, a rede SBT de televisão, em seu
noticiário internacional anunciava que o governo dos
EUA expulsara em torno de mil militares homossexuais,
das três armas, que “aprontaram” na Guerra do Golfo.
Alguns setores do movimento gay protestaram
informando que isso de nada adiantaria uma vez que o
número de homossexuais nas três armas ultrapassa a casa
dos cem mil. Segundo as definições da honra militar, o
soldado profissional está “acima da política”. Em
qualquer sociedade autoritária estar acima da política
significa que o oficial está comprometido com o “status
quo”. O conservadorismo militar proclama ser
imprescindível a propriedade privada como base de uma
ordem política estável, ou a propriedade vinculada ao
Estado, como nos países comunistas. E é da doutrina
militar que as guerras são inevitáveis: que a natureza do
homem faz com que a violência organizada seja o árbitro
final entre as nações. Assim, as guerras são essencialmente
ações punitivas. Se a guerra é inevitável, justifica-se a
máxima eficiência técnica organizacional.
A ação militar é planejada para facilitar uma total
incorporação política ou simplesmente “punir” os fora da
lei. Exemplo: a guerra recente do Golfo Pérsico. O uso da
força nas relações internacionais foi alterado de tal
maneira que hoje parece mais apropriado falarmos de
forças policiais que militares. O estabelecimento militar
transforma-se numa força policial continuamente
preparada para agir.
22
Noam Chomsky, num artigo sobre as questões que
envolveram a Guerra do Golfo, expressa bem o papel dos
EUA como atual explorador do “virtual” monopólio do
mercado de segurança, como meio de obter concessões
econômicas de outros países por serviços prestados como
policiais de aluguel do mundo inteiro.
A ascensão do administrador militar, significa um maior
esforço dos oficiais para se manterem a par das correntes
intelectuais. Sua atitude em relação à atividade intelectual
é ambígua, porque sua função consiste em proporcionar
soluções específicas para complexos problemas
administrativos e organizacionais.
Citemos a utilização da antropologia. Informações
antropológicas foram obtidas para silenciar, por via aérea,
aldeias asiáticas tanto quanto a utilização de dados
antropológicos para assassinar lideranças comunitárias na
Ásia. Mas o grande problema do militarismo, a mais séria
questão a ser encarada e que só o movimento anarquista
coloca, está além da estrutura da organização militar. Por
que fracassam todas as conferências de paz? Não têm
efeito todos os movimentos de jovens de todo o mundo
pela cessação das intervenções armadas? Muita gente
neste mundo é pacífica. Luta contra a guerra.
Mas o grande e mais poderoso inimigo da paz está na
“indústria da morte”, o grande complexo industrial militar.
As economias dos países do primeiro mundo,
principalmente os EUA, são altamente militarizadas. Os
donos das grandes empresas, das grandes corporações,
bancos, inclusive, mais do que qualquer outro grupo social
detêm os efetivos instrumentos do poder político, ocupam
posições estratégicas no governo, e fazem a política em
nome de toda a nação. Esses grupos acumulam lucros
exorbitantes, fabulosos, na indústria de armamentos.
23
Fomentam as guerras, frias e quentes, limitadas ou amplas,
manifestam as intervenções militares e são responsáveis
pelos riscos que ameaçam a humanidade. A vida norte-
americana assumiu o feitio de uma nação em guerra
permanente e o desarmamento pra valer seria uma ruína
econômica em termos capitalistas. O poderoso parque
industrial de bens de consumo que serve à imagem externa
dos EUA tornou-se um gigantesco complexo industrial
militar. Os industriais da morte exercem poderosa e
sinistra influência no mundo de hoje. No mundo
capitalista não há conciliação entre o ideal de paz e a sede
de lucros desses monopólios, dessas multinacionais da
morte, que nunca se satisfazem.
Atualmente, em torno de dez milhões de pessoas
trabalham na indústria das armas e munições dos EUA.
Todo o relativo conforto dessa gente repousa no
sacrifício de soldados e na dizimação de povos estranhos a
eles. Daí, as consequências desastrosas, que se estendem
para países dependentes da esfera do dólar. Daí, o
aviltamento dos preços de exportação desses países,
controlados que são pela demanda da indústria norte-
americana.
Os grupos que auferem lucros de armamentos e da
guerra têm responsabilidade maior pela situação tensa com
que toda a humanidade se defronta. Eles contam com a
colaboração de economistas acadêmicos e de instituições
oficiais, para elaborar técnicas econômicas para
aperfeiçoar a eficiência do militarismo e para solidificar o
papel por ele desempenhado na economia global. Hoje, a
associação de interesses que lucram com os armamentos é
o fator mais importante na promoção da corrida
armamentista. Numa aquisição de US$30 bilhões
correspondentes a equipamentos, suprimentos, e serviços
24
comprados pelas forças armadas e pela Comissão de
Energia Atômica dos EUA. Os lucros foram de US$13,3
bilhões antes da taxação e de US$6,4 bilhões depois,
considerando um imposto de renda de 52% [1] . Os lucros
obtidos na indústria eletrônica e na exploração de novos
metais para uso militar são fantásticos, para uma demanda
criada pelo avanço tecnológico. As universidades
participam intensamente nas pesquisas e na preparação de
pesquisadores caracterizando um dos mais sombrios
aspectos que o professor Maurício Tragtenberg chamou de
“delinquência acadêmica”.
As grandes corporações, através de seus prepostos no
governo, permanentemente pelo aumento de verbas para o
Departamento de Defesa dos EUA. Exemplo típico é o do
grupo Rockfeller quando, tendo Nelson Rockfeller como
Conselheiro Presidencial e Presidente do Conselho,
publicou relatório sobre segurança internacional. Com
Henry Kissinger, como relator e diretor do projeto,
advogava com êxito o aumento crescente no consumo de
armamentos. O grupo tem muitos investimentos na
indústria de armas. Grandes organizações bancárias têm
investimentos na indústria bélica e no exterior,
investimentos em petróleo, etc. O Chase Manhattan Bank,
a Casa de Morgan — a mais famosa de Wall Street —, o
City Bank, etc. Está claro que a comunidade financeira
nada fará para deter a marcha progressiva dos militaristas
e dos que se beneficiam dos armamentos em direção ao
Estado militarista e à guerra. Depois da grande exibição
de força e tecnologia que foi a Guerra no Golfo Pérsico,
em 17 de julho, foi assinado o acordo sobre o Tratado de
Redução de Armas Estratégicas (Start) que prevê o corte
de 30% do arsenal nuclear de longo alcance. O acordo,
um documento de 700 páginas, que ainda deverá ser
25
ratificado pelo Congresso norte-americano e pelo “Soviete
Supremo”, da União Soviética, diz selar o fim da guerra
fria. Para acreditar seria necessário desconhecer totalmente
o retrospecto dos acordos de paz. O primeiro acordo de
controle de armamentos nucleares foi assinado em 1968,
onde EUA, União Soviética e Inglaterra se
comprometiam a suspender a transferência de armas
nucleares para outros países. Desse primeiro acordo ao
último assinado este ano, ao todo, foram 14 acordos.
Todos sabem como foram cumpridos. Os arsenais de
guerra cresceram assustadoramente após cada acordo.
Apesar da propaganda e do alcance do alarde da mídia
sobre esse último acordo assinado numa reunião de
cúpula, os EUA ainda ficarão com nove mil armas
nucleares estratégicas (admitindo-se que o acordo fosse
cumprido) e a União Soviética com sete mil (mísseis
intercontinentais com ogivas atômicas), muito mais do que
em 1982 quando se iniciaram as negociações para o
acordo Start. A verba para o Departamento de Defesa dos
EUA, aprovada em dezembro de 1990, foi de US$3,9
trilhões. O orçamento militar da URSS é gigantesco. O
próprio Gorbachev admitiu que mais de 40% dos recursos
soviéticos são destinados à indústria militar.
Os grandes produtores de armas, na atualidade, estão
voltados para países do terceiro mundo, que lutam por
adquirir tecnologia nessa área. O comércio de armas não
está nas mãos dos “mercados da morte” isolados, mas
também nas mãos dos governos. As vendas ao exterior
impedem às indústrias de armamentos de sofrer flutuações
das encomendas de material militar e aliviar o orçamento
de defesa do país de origem. Com um faturamento de
bilhões de dólares, as vendas de armas são uma benção
para a balança comercial. Assim, quando os Estados
26
entram em conflito com um país do terceiro mundo, ele
luta contra tanques, aviões ou navios que eles mesmos
venderam. Foi o caso da Inglaterra durante a Guerra da
Malvinas e dos aliados na Guerra do Golfo, um incentivo
para o aumento dos arsenais do terceiro mundo.
Alguns países, como o Brasil, embora de terceiro mundo
são produtores de armas e até grandes exportadores. Com
total apoio das Forças Armadas vem se preparando para
ingressar na era das armas nucleares. Segundo declaração
do Ministro, a Marinha inicia o submarino nuclear até
1992; o programa nuclear da Aeronáutica se desenvolve
no Instituto de Estudos Avançados, subordinado ao Centro
Técnico Aeroespacial, em São José dos Campos; o projeto
do Exército, que já gastou US$ 49 milhões, é
desenvolvido pelo Centro Tecnológico do Exército, em
Curitiba, e trabalha como elemento chave para a produção
da bomba atômica.
A humanidade gasta com armas, em menos de três horas,
o equivalente ao orçamento total concedido pela
Organização Mundial da Saúde à luta contra a varíola.
Em cinco horas, o total que a UNICEF (órgão das nações
unidas para ajuda à infância) destina anualmente a
crianças necessitadas. Em doze horas, uma quantia que
seria suficiente para erradicar a malária e enfermidades
endêmicas em 66 países. Todos os países do mundo
poderiam pagar sua dívida externa se lhes fossem
concedidos em investimentos produtivos um décimo do
total despendido com armas. Os recursos destinados em
média por todos os países do mundo à investigação
médica constituem o equivalente à quinta parte dos
aplicados ao estudo e desenvolvimento tecnológico do
setor militar. Estas são algumas das conclusões que um
grupo de economistas e cientistas, integrantes de
27
organizações de defesa dos direitos humanos divulgaram.
Segundo as estatísticas divulgadas há, nos países
subdesenvolvidos, atualmente, em média, um soldado para
cada 250 habitantes e um médico para cada 3.700. Para
cada cem mil habitantes do planeta, 556 soldados e 85
médicos. Gasta-se atualmente por ano, com cada soldado,
US$19.300 enquanto que os fundos públicos destinados à
educação são de US$380 a cada criança. O custo de um
caça-bombardeiro é, em média, equivalente ao necessário
à construção e equipagem de 75 hospitais de cem camas
cada um. O valor dos 27 mísseis que os EUA instalaram
em territórios de países-membros da Organização do
Tratado do Atlântico Norte pagaria o investimento em
máquinas agrícolas suficientes para assegurar, em quatro
anos, autossuficiência alimentar aos países pobres.
Os anarquistas têm a convicção de que numa sociedade
capitalista, seja de livre mercado, seja de capitalismo de
Estado, o militarismo jamais será eliminado. O
nacionalismo exacerbado que informa toda ideologia do
Estado nacional moderno, fonte e sustentação de
privilégios, exploração e opressão, em qualquer sistema
político que nele se fundamente, também sustenta o
militarismo, que se alimenta da mesma ideologia. É
tradição do movimento anarquista combater o militarismo.
A luta contra a instituição militar, face às suas
características atuais, não pode ser isolada da grande luta
pela transformação da sociedade. Combater o capitalismo
e o Estado é a melhor maneira de combater o militarismo.
Libertar as consciências com análises críticas, objetivas,
com clareza, mostrando que o problema é muito maior,
que vai muito além da farda.
A luta vem de longe. Em 1868, o Congresso
Internacional Socialista de Bruxelas, adota por
28
unanimidade uma resolução em que os operários eram
exortados a tornar a guerra impossível por meio de greve
geral. Mas contrariando a proposta, quando Domela
Nienwenhuls, grande militante do anarquismo, propôs no
Congresso Internacional Socialista de 1891, em Bruxelas,
e em 1893, em Zurique, que recomendassem a greve geral
e a recusa de marchar para a guerra, como meio de evitar
guerras ameaçadoras, a maioria rejeitou a proposição.
Apenas, em Zurique, os delegados da Austrália, da França,
da Holanda, e da Noruega quiseram ainda continuar a luta
socialista revolucionária contra a guerra. Quando no
princípio do século XX uma guerra mundial ameaçava os
povos, Domela Nieuwenhuls, juntamente com Janvion,
Almereyda, Ivetot e Jourdan convocaram um congresso
Internacional Antimilitarista em 1904, em Amsterdam, que
se realizou entre 26 a 28 de junho do mesmo ano. Havia
delegados de várias regiões mineiras, que representavam
116000 operários. Com representantes dos companheiros
da Boêmia, da França, da Holanda, da Áustria, de Portugal
e da Itália, fizeram-se grandes demonstrações.
Posteriormente realizaram-se vários congressos que deram
origem ao Bureau Internacional Antimilitarista, B.I.A.,
com sede na Holanda, congregando as diferentes
organizações antimilitaristas, tanto anarquistas como
sindicalistas. Esse Bureau foi fundado num congresso
Internacional realizado em Haia, em março e abril de
1921, com a seguinte declaração de princípios:
29
espírito dos trabalhadores a consciência do seu decisivo
poder econômico”
30
esteja domiciliado o Comitê Executivo. O Congresso
designou os Países-Baixos. O Comitê Executivo não tem
poder dirigente. Faz correspondência, recolhe dados, envia
comunicados à imprensa, estuda tanto quanto possível as
relações políticas e econômicas internacionais, lança o
alarme internacionalmente em caso de guerra imediata,
incita a agir no sentido da declaração de princípios e
estimula em seguida por todos os meios, conforme está
fixado no programa e é aceito como meio de luta.”
Depois de arrolar uma espécie de trabalhos
desenvolvidos pelo B.I.A., o Secretário do Comitê
Executivo comunica os futuros congressos até o de janeiro
de 1923, em Berlim, com as adesões da Argentina,
Finlândia, Itália e Brasil. A divisa do B.I.A. era a seguinte:
“nem um homem, nem um centavo, nem um gesto a favor
do militarismo”.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o B.I.A. deu lugar à
“Internacional dos Resistentes à Guerra”, com sede na
Inglaterra. Editando um Boletim em inglês e francês, com
edições mimeografadas também em alemão e esperanto,
sua propaganda sempre foi dirigida para o Movimento dos
Objetores de Consciência. Os objetores de consciência
desenvolvem uma luta contra o serviço militar obrigatório
e o direito à insubmissão. Vale a pena conhecer o
manifesto dos objetores de consciência publicado,
recentemente, numa revista argentina:
“Manifesto dos Insubmissos: Os objetores de consciência,
que estamos recebendo ordens de incorporação ao
Exército para prestar o serviço militar, queremos dar ao
recrutamento forçado uma resposta ativa e coletiva,
apresentando-nos publicamente ante a Jurisdição Militar,
para a qual é delito nossa postura pacífica e solidária, e
manifestamos:
31
1) Que fazemos objeção de consciência negando-nos a
prestar o serviço militar; conscientes de que com isso
estamos contribuindo para que as relações entre as pessoas
e os povos sejam baseadas na justiça e na solidariedade.
2) Que somos partidários da liberdade, da
responsabilidade, da participação e da paz e entendemos
que tudo isso contraria a lógica militar. Por isso, não
queremos colaborar com o Exército prestando o Serviço
Militar, por entender que se o fizéssemos estaríamos
afirmando valores negativos, como a obediência cega, o
machismo, a dominação e o poder. Estaríamos
colaborando com a chamada ordem econômica
internacional; transformar-nos íamos em consumidores de
orçamentos astronômicos que, impedindo o
desenvolvimento desviam os recursos do planeta para a
guerra e a destruição. Não queremos ser parte do Exército
porque não queremos ser instância necessária da
dominação de umas nações sobre outras, do domínio de
umas pessoas sobre outras.
3) Que ao negarmos expressamente a prestação do serviço
militar entendemos que não podemos ser considerados
como militares, mas mantemos sempre nossa condição de
civis.
4) Que somos objetores de consciência, sem necessidade
de que nenhum organismo administrativo tenha porque
declarar nossa condição como tal, no âmbito de uma lei
cujo objetivo é conseguir que o protesto contra o serviço
militar obrigatório, que os objetores de consciência fazem,
não seja levado em consideração.
5) Que a imposição de uma prestação de serviço por outra
que a substitua, para os objetores de consciência não tem
sentido se não é entendida no âmbito do recrutamento
forçado.
32
6) Que fazemos um chamamento a toda a população para
que da mesma forma que nós, desobedeçam as imposições
militares fazendo objeção de consciência (antes, durante e
depois do serviço militar) impedindo a implantação das
mulheres nas forças armadas. Não cumprindo as tarefas
que substituem o serviço militar e combatendo o
financiamento das despesas militares mediante a objeção
fiscal. Por tudo isso, entendemos que nossa oposição a
toda conscrição, a todo recrutamento, ainda que sob
ameaça de prisão, constitui um gesto de responsabilidade
social que estamos dispostos a levar adiante e para o qual
esperamos o apoio e a compreensão de toda a sociedade
civil” [2].
Como já dissemos, a luta dos anarquistas contra o
militarismo significa uma luta maior. A história da origem
e desenvolvimento dos mercadores de armas revela-os
como uma ameaça crescente. Toda guerra moderna
ameaça envolver metade do mundo. O negócio da
indústria cresce constantemente e os governos, em toda
parte, estreitam os laços que os ligam, numa parceria com
os mercadores da morte.
A guerra já aparece como maior e mais importante
atividade dos governos. O desarmamento e a verdadeira
paz só serão atingidos quando as forças representadas
pelos fabricantes de armas forem esmagadas e eliminadas.
O problema do desarmamento e da verdadeira paz é, por
conseguinte, o problema de construir uma nova
civilização. É a grande luta dos anarquistas. E no aqui e
agora só resta às pessoas interessadas apoiar todas as
ações e todos os movimentos contra a guerra. Lutar contra
o nacionalismo, o chauvinismo onde quer que eles se
apresentem, na escola, na imprensa, no trabalho e em
todos os lugares.
33
A guerra é feita pelo homem; e a paz, na nova sociedade,
quando chegar, também será feita pelo homem.
Notas:
1 Extraído de: Victor Perlo. Militarismo e indústria:
armamentos e lucros na era dos projéteis. Rio de Janeiro,
Paes e Terra, 1969.
2 Manifesto da FOSMO — Frente de Oposição ao Serviço
Militar Obrigatório — publicado na revista La Letra A,
anarquista, de Buenos Aires, julho de 1991.
34
AS IDÉIAS-FORÇA DO ANARQUISMO
Jaime Cubero
Apresentação
35
anarquistas e integralistas na praça da Sé em 1934; a
segunda refere-se ao período que vai da sua reabertura em
1945 até novamente ser fechado em 1969, após a
promulgação do Ato Constitucional de no 5; e a terceira
fase diz respeito às atividades desenvolvidas após a
abertura democrática em 1985 até os dias de hoje.
Nildo Avelino
36
na realidade entre poder político e poder social. O primeiro
exerce o poder de coação: uma ou mais pessoas têm o
poder de obrigar outras a fazer o que não desejam.
Ocupam o governo do Estado, o Kratos, o poder político
no sentido grego, qualquer que seja sua forma, teocracia,
aristocracia, monarquia, oligarquia, democracia, em todas
as instâncias; e é contra esse poder hipertrofiado nos
Estados Nacionais modernos que os anarquistas lutam
hoje. Os anarquistas sabem, e todos os estudos históricos o
demonstram, que o exercício desse poder corrompe seus
detentores que acabam sempre por exercitá-lo em
benefício próprio, de uma forma ou outra, em diferentes
graus, sempre em detrimento do povo.
Transcrevemos trecho de uma carta — testemunho
insuspeito — de Lord Acton, John Acton, historiador
inglês, de Cambridge (1834- 1902) para o bispo
Creighton:
37
O outro poder, o poder social, é o poder participado,
exercido por todos nas decisões coletivas: o poder de uma
assembléia de tomar decisões. Exemplo de proporções
enormes foi o poder que tinha a C.N.T. espanhola, com
milhões de filiados, durante a Guerra Civil, de decidir pela
organização autogestionária e pelas experiências práticas
do anarquismo durante a Revolução. É o poder que é
exercido por todos em qualquer prática autogestionária nas
decisões realmente coletivas. O termo governo tem o
sentido de autoridade diretora e o sentido restrito é o do
governo político, centralizador do Kratos social, mas por
extensão tem o sentido de gestão, organização,
ordenamento. As expressões desgoverno (avião, carro
desgovernado) têm o sentido de desorganização e se
(tenho a impressão que poderia ser suprimido o “se”)
análogo ao sentido pejorativo de anarquia. A proposta
anarquista é pela organização e, nesse sentido, pelo
autogoverno, como sinônimo de autogestão.
A frase de Elisée Reclus, “a anarquia é a mais alta
expressão da ordem”, tão repetida ao longo dos anos pelos
anarquistas, em contraposição ao poder coator do Estado,
causa principal das desordens, injustiças e misérias
sofridas por toda a sociedade, em última análise, tem o
mesmo sentido.
Não há expressão mais aviltada do que o termo
socialismo. Assim como para a imensa maioria das
pessoas, é inconcebível às sociedades humanas se
organizarem sem Estado, tal a desinformação. Para a
maioria das pessoas, socialismo passou a ser sinônimo de
estatização.
Intelectuais das mais variadas tendências, nas
universidades, na grande imprensa escrita e em todos os
meios de comunicação, repetem a mesma pregação. Tudo
38
o que se refere a socialismo passa pelo Estado. Que
diferença do conceito de socialismo hoje, e do que era
discutido nos principais congressos do século passado
[XIX]!
Com o ruir do sistema monolítico da Rússia e do Leste
Europeu, só se ouve o apregoar estridente de que
chegamos ao fim da história, com o capitalismo e a
economia de mercado como a suprema via da felicidade
humana ab-aeterno. Como se estatização fosse socialismo
e não um modo de capitalismo. Quando dizemos que o
anarquismo é antes de tudo sinônimo de socialismo, temos
que dar um mínimo de clareza ao nosso conceito de
socialismo: daí a expressão Socialismo Libertário.
Socializar é tornar a propriedade e os instrumentos de
trabalho, enfim, toda a riqueza e o que a produz à
disposição de toda a sociedade, acabando com a
exploração do homem sobre o homem. Mas, para o
Socialismo Libertário, não basta socializar os bens
materiais. É preciso socializar o saber, a informação e
todos os bens culturais. Jamais haverá socialismo se não se
fizer a socialização do poder: a primeira coisa a ser
socializada é o poder, que começa na autogestão das lutas.
Destruir o poder político e fortalecer o poder social, o que
significa a autogestão, a real igualdade e liberdade em todo
o processo de transformação. Todas as tendências
“socialistas” ou pseudo-socialistas, que através de suas
vanguardas dirigentes lutaram pela conquista do Estado,
por via parlamentar ou revolucionária, nada mais fizeram
do que criar novas castas de privilegiados, perpetuadores
do capitalismo e da exploração. A História reforça com
poderosos exemplos a posição dos anarquistas na grande
pendência da 1a Internacional: libertários contra
autoritários. Bakunin nunca foi tão atual, seus argumentos
39
hoje estão apoiados em fatos.
O anarquismo não é uma doutrina rígida, com artigos de
fé, tábuas de lei, com profetas, com excomunhões,
processos de heresias e sanções. É antes um conjunto de
doutrinas e princípios, cujos postulados básicos são
convergentes, e sempre aberto às novas contribuições.
Esses postulados básicos formam um fundo comum, que
no amplo universo das múltiplas e alternativas atividades
libertárias são o anarquismo propriamente dito. O sentido
de justiça e equidade, a revolta contra a exploração
econômica do homem pelo homem, o combate ao Estado
com a consciência plena de que é a instituição que garante
o regime de exploração e o privilégio como fonte geradora
de opressão e violência sobre o indivíduo e a coletividade,
a liberdade como um dos mais altos valores humanos
(liberdade e autonomia plenas a partir do indivíduo para a
associação livre), solidariedade e apoio mútuo. Para
Proudhon:
“... desde o ponto de vista social: liberdade e
solidariedade são expressões distintas do mesmo conceito.
Enquanto a liberdade de cada um não encontra barreiras
na liberdade dos outros, como diz a Declaração dos
Direitos do Homem de 1793, mas em apoio, o homem mais
livre é aquele que mantém as maiores relações com
seus semelhantes”.
40
podem satisfazer essas necessidades por meio da
cooperação e da vida associativa voluntariamente aceita.
Cada indivíduo nasce com determinadas condições de
desenvolvimento. Pelo fato de nascer com aquelas
condições tem necessidade — em termos políticos, têm o
direito — de se desenvolver livremente. Sejam quais
forem suas condições, ele terá a tendência de se expandir
integralmente. Ele terá o desejo de conhecer, saber,
exercitar-se, gozar, sentir, pensar e agir com inteira
liberdade. Essa necessidade é inerente ao próprio ser. Se o
crescimento físico fosse limitado por qualquer meio
artificial, tal fato seria qualificado de monstruoso. Mas, a
limitação do desenvolvimento de sua sensibilidade, do seu
desenvolvimento intelectual e moral anulando todo o seu
potencial criativo, seria lógico considerar-se também uma
monstruosidade. No capitalismo, esse crime se dá em
todas as instâncias da vida social e ninguém considera isso
um crime, somente os anarquistas.
A descentralização, a autonomia e o federalismo são as
vias pelas quais o anarquismo propõe a construção da nova
sociedade. A descentralização máxima é o indivíduo. Da
plena liberdade e autonomia individual para a organização
segundo os interesses e as necessidades, para as instâncias
mais complexas até a completa malha social, os princípios
não se alteram. Começando pelo indivíduo como a
unidade celular da sociedade até o mais amplo tecido
social, o princípio de autonomia está presente. Os
interesses específicos de cada instância não ultrapassam a
própria esfera e não sofrem nenhuma interferência. Os
interesses comuns de diferentes níveis e setores —
profissionais, de produção de bens, geográficos que vão
desde o espaço físico das comunidades à ecologia de
grandes regiões, etc. — resolvem-se pelas federações que
41
as necessidades práticas indicarão. A união de interesses
com objetivos comuns, sem quebra da autonomia é a
característica básica do federalismo. Assim, as uniões
locais se organizam em regionais até as confederações
internacionais.
Tendo como fundamento a liberdade e a igualdade, o
projeto anarquista de socialismo nos leva a clarear alguns
aspectos dos conceitos de liberdade e ética para os
anarquistas. O que é a liberdade? Tema de grandes
controvérsias através da História. Há livre-arbítrio ou
determinismo? Praticamos nossos atos por escolha ou não?
Somos apenas dirigidos pelos nossos impulsos interiores
aos quais não controlamos? Acontece que o homem é um
animal racional: verdade que todos aceitam. Ser racional é
ser capaz de escolher, capaz de preferir, de pesar, de
comparar esta ou aquela solução, captar as possibilidades
das possibilidades. O homem prevê as consequências de
seus atos. Pode imaginar que se proceder assim poderá
suceder isto ou aquilo. Tal ato poderá levar a tais ou quais
consequências. É porque pode julgar, pode comparar, pode
medir, pode escolher. Se o homem fosse apenas um
autônomo, não teria noção de futuro. Ao ter noção de
futuro demonstra independência, capacidade de escolher
no suceder que sobrevém. É por isso que o homem é um
ser autônomo e conhece a liberdade. Quando temos um
impulso para um ato determinado e refletimos sobre as
consequências, ao pensarmos, se nos revela uma série de
possibilidades que vamos analisando racionalmente.
Reprimimos o impulso, vencemos o desejo e resolvemos
não fazer o que desejamos. Negar esse fato prático que
verificamos em nossa vida seria negar praticamente
também todo o poder da educação. Nossos maiores
obstáculos contra os quais temos que lutar são justamente
42
a pregação e a crença de que só podemos resolver os
magnos problemas econômicos e sociais à custa da
liberdade, abdicando da liberdade. Mas a liberdade é muito
mais. E é através da conquista da própria liberdade que
podemos garantir a solução que buscamos para esses
problemas. O caminho da liberdade é o da prática da
própria liberdade. É como a prática da liberdade que
formamos homens livres. Liberdade não é somente
ausência de restrições: é responsabilidade, opção e livre
aceitação de obrigações sociais. Todos os nossos atos são
passíveis de juízos de valor e de conotações éticas. Tudo o
que foi exposto até aqui tem implicações éticas. Há
vastíssimos estudos sobre ética, desde a transcendente
(religiosa), até a ultra-racionalista, amoral, que pretende
justificar posições totalitárias; racistas, de casta, do Estado,
etc... A que nos interessa é a ética imanente, que
fundamenta as doutrinas libertárias, estudada e defendida
por Proudhon e desenvolvida por Kropotkin, com bases
sólidas, que aceitam uma ordem natural entre os homens,
fundada nas tensões que formam e que procuram
conservar-se porque na realidade toda ética está fundada
nelas e nos interesses por elas criada. Portanto, se a
sociedade for organizada sob bases simples e naturais,
formará naturalmente sua ética, não como uma
necessidade apenas, mas porque o homem sabe descobrir o
que lhe convém para ordenar as suas relações, porque sabe
escolher. Por isso, os homens, quando se reúnem para um
fim comum, logo sabem deduzir de sua organização as
regras e princípios justos (ajustados) que permitem
conquistar da melhor forma o fim que visam, como têm-se
verificado ao longo da História na constante da
polarização entre liberdade e autoritarismo, e em todos os
movimentos que buscam a superação social. Dessa forma,
43
a organização anarquista desenvolve sua própria ética,
fundada num dever ser próprio, que, como todo ato ético, é
frustrável. O ato antiético para o anarquista é tudo o que
ofenda a norma da organização, o que ofende a
solidariedade, seu fundamento, e que se estende à espécie
humana. E o vigor, o desenvolvimento, as grandes
possibilidades do projeto anarquista dependem
fundamentalmente da coerência de sua ética.
As diferentes tendências e visões que no evoluir das
idéias foram se sucedendo, como o anarco-individualismo,
o mutualismo, o anarco-coletivismo, o anarco-comunismo
e o anarco-sindicalismo, ainda vigente, pois é
simplesmente a atuação dos anarquistas no movimento
sindical com características próprias, hoje praticamente se
diluíram e podemos falar de anarquismos sem adjetivos.
Ricardo Mella, um dos maiores teóricos do anarquismo
espanhol, apresentou um trabalho no Congresso
Revolucionário Internacional de Paris, em maio de 1900,
com o título, “O Socialismo Anarquista”, contendo críticas
às propostas que alimentavam grandes discussões sobre
como deveria ser a sociedade futura. Idéias
extraordinariamente atuais na análise sobre as tendências:
45
Por que o anarquismo há de ser comunista ou coletivista?
Só o enunciado dessas palavras produz no entendi-
mento a imagem de um plano preconcebido,
de um sistema fechado....
A afirmação de que tudo é de todos não implica que
cada um possa dispor de tudo arbitrariamente ou conforme
determinada norma. Significa unicamente que
estando a riqueza à livre disposição dos indivíduos, fica
ao sabor destes a organização de seu usufruto.
A investigação das formas de organizar este usufruto
é certamente útil e necessário, sobretudo a título de
estudo, não a título de imposição de doutrina. Mas a própria
investigação não dará nem será necessário que dê
unanimidade de opiniões, nem é desejável que determine um
credo social. Em matéria de opiniões, é preciso ser respeitoso
com todas. A liberdade de levá-las à
prática é a melhor garantia desse respeito”[2].
Notas:
1 Tema da segunda palestra no Curso de Anarquismo, em
11 de maio de 1991.
2 Ricardo Mella. Ideario, Ediciones CNT, 1975, pp. 32-33.
46
REFLEXOS DA REVOLUÇÃO RUSSA NO BRASIL
Jaime Cubero
50
levante. Assistia todas as reuniões na residência e no
escritório de José Oiticica, que foi preso por volta de 14
horas em seu escritório. Entre os muitos presos estavam
Astrogildo Pereira, José Elias da Silva e João da Costa
Pimenta que depois participariam da fundação do Partido
Comunista Brasileiro. José Oiticica, sendo indicado
presidente do Conselho durante os preparativos e
como a principal figura no episódio chegou a ser chamado
de “Lenin Brasileiro”.
Os grupos chamados maximalistas proliferaram,
todos defendendo princípios libertários, e a partir destes
princípios os anarquistas do Rio de Janeiro fundam
o Partido Comunista Libertário, em 8 de março de 1919,
com adesão das ligas comunistas e maximalistas.
Tudo influía para fazer acreditar que a sociedade socialista
libertária viria da Rússia. Kropotkin e Bakunin eram
exaltados como grandes figuras do processo
revolucionário.
O Partido Comunista Libertário lança as bases de
acordo em março de 1919 e marca um congresso para
junho. O secretário-redator dos princípios e fins,
José Oiticica, é impedido pela polícia de comparecer mas
publica em redação definitiva, no jornal anarquista
Spartacus, de 16 de agosto de 1919, o que seria o
catecismo comunista. Um longo programa em que ao
mesmo tempo que uma série de definições sobre
princípios e propostas para a reorganização social.
Para o anarquista, comunismo libertário e anarquismo
eram sinônimos, daí a expressão “comunista” ser muito
usado na época. No dia 1º de maio de 1919 é lançado em
São Paulo um livrinho com o título O que é Maximismo ou
Bolchevismo – Programa Comunista, por Hélio Negro e
51
Edgard Leuenroth. Depois de uma “Explicação Prévia” o
livro se inicia dizendo: “Este livro destina-se aos
trabalhadores do Brasil, a fim de lhes dizer o que é
Bolchevismo ou Maximismo e o ‘Comunismo’ que numa
palavra – é o socialismo” e mais adiante: “Atualmente, na
Rússia, conforme a sua constituição, aprovada em janeiro
de 1918 pelo 3º Congresso Pan-Russo dos sovietes, está
estabelecida uma organização política e econômica de
transição que dá aos trabalhadores e soldados
o poder da nação”, e prossegue, “O capítulo V – art. 9
determina que o princípio essencial da constituição da
República Federal dos sovietes no período de
transição atual, enquanto durar a situação revolucionária,
reside na instauração do poder do proletariado urbano e
rural e dos camponeses mais pobres, com fim de suprimir
a exploração do homem pelo homem e de fazer triunfar o
socialismo sob cujo regime não haverá divisão de classes,
nem poder de Estado”.
Seguem-se uma série de medidas que pressupõem o
caminho para o tão almejado comunismo libertário.
Depois de uma análise crítica da conjuntura nacional,
inclusive com estatísticas econômicas etc., expõe a
organização dos trabalhadores que pode promover a
revolução social. Em seguida, o livro apresenta o Esboço
de Programa Comunista com as normas e diretrizes para a
reorganização da sociedade, tratando de “Serviços
Públicos”, instrução, produção e distribuição de bens,
saúde, religião, relações internacionais etc. etc. O Partido
Comunista Libertário foi se diluindo aos poucos até
desaparecer, à medida que as notícias, embora
desencontradas, começaram a chegar apontando os
desvios da Revolução Russa, já em fins de 1919 e durante
1920.
52
Muitas informações eram tidas sob suspeita, sob
pretexto de que eram veiculadas pela imprensa burguesa.
Denunciar o que vinha ocorrendo na Rússia requeria
convicções firmes e muita coragem. Florentino de
Carvalho foi o primeiro anarquista brasileiro de projeção a
atacar os bolchevistas russos. Em 20 de março 1920 ele
escreve em A Plebe:
“Não é verdade que os anarquistas sejam partidários
da ditadura, da lei, do Estado. Na Rússia, por exemplo,
tanto não estão conformes com a ditadura do proletariado,
que chegaram a sustentar contra os maximistas,
verdadeiras batalhas nas ruas de Petrogrado e Moscou”.
55
O reflexo do movimento anarquista no Brasil deu-se em
conseqüência de uma série de fatores, cujas coordenadas
culminaram com o golpe de Estado getulista em novembro
de 1937 e a ação do PCB foi de importância muito
relativa, ao contrário do que muitos pretenderam fazer
crer, por desconhecimento ou má-fé. Basta dizer que
quando os anarquistas se empenhavam na luta antifascista,
quando se deu o confronto com os integralistas, na Praça
da Sé, em outubro de 1934, o PCB, segundo seus próprios
dados publicados na revista Divulgação Marxista, contava
com aproximadamente 1000 filiados em todo o território
nacional, contra mais de 80 sindicatos filiados só na
Federação Operária de São Paulo, entidade anarco
sindicalista.
57
Uma Breve Apresentação da Imprensa Marginal
www.anarcopunk.org/imprensamarginal
59