BIOÉTICA E SUSTENTABILIDADE - SALGADO e NASCIMENTO

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Bioética e Sustentabilidade

Rita de Cássia Falleiro Salgado


Juliana Oliveira Nascimento
(Org.)

Editora CHAMPAGNAT
UFPR EDITORA - PUCPR

Curitiba – 2014

1
Sumário
APRESENTAÇÃO /

1. DESAFIOS ÉTICOS À SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA


Juliana Oliveira Nascimento

2. INCLUSÃO FEMININA NO MERCADO DE TRABALHO: FUNÇÃO SOCIAL DA


PROPRIEDADE EMPRESARIAL OU RESPONSABILIDADE SOCIAL?
Gilgreice Nunes de Souza

3. ASSÉDIO MORAL E VIOLÊNCIA PSÍQUICA CONTRA O MÉDICO


Ana Luiza de Geus e Marcos Alexandre Monteiro Gomes

4. SAÚDE E DESENVOLVIMENTO SOCIAL: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA


JURÍDICA DA SUSTENTABILIDADE
Jussara Maria Leal de Meirelles

5. POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO SOCIAL E ECONÔMICA DOS


CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS
Pedro Ernani Kosiba e Gisele Danusa Salgado Leske,

6. UTOPISMO TECNOLÓGICO: ESPERANÇA OU AMEAÇA AO HOMEM E AO


MEIO AMBIENTE?
Anor Sganzerla

7. BIOTECNOLOGIA E DIREITO: DIALOGANDO COM A BIOÉTICA


Maria da Glória Colucci

8. A TUTELA JURÍDICA DA ÁGUA NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS


Jacqueline Elisa Delong de Souza

9. ÁGUA E SUSTENTABILIDADE: A GESTÃO DAS PRÁTICAS EDUCATIVAS


SOCIOAMBIENTAIS NA CIDADE
Maria Arlete Rosa

10. A ENERGIA NUCLEAR E O DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE


EQUILIBRADA
Allan Bavoso Larocca

11. ANÁLISE BIOÉTICA DO PROJETO DE LEI (1.876/99) QUE DEU INÍCIO AOS
DEBATES SOBRE O NOVO CÓDIGO FLORESTAL (12.651/12)
Kauê Augusto Oliveira Nascimento e Ana Paula Donicht Fernandes

12. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E SUSTENTABILIDADE: UMA ABORDAGEM


DO GOVERNO LULA
Rita de Cássia Falleiro Salgado e Sidney Reinaldo da Silva

SOBRE OS AUTORES /

2
APRESENTAÇÃO

No atual contexto, em pleno século XXI, no qual o progresso da ciência aliado ao


desenvolvimento tecnológico em constante superação, ameaça a sustentabilidade da vida na
Terra, cabe a Bioética em sua abrangência trans, inter e multidisciplinar alertar e discutir
sobre questões de Sustentabilidade, entre tantos outros vértices. Na reflexão em torno da
Sustentabilidade, tornou-se um consenso a exigência de que os empreendimentos econômicos
e sociais deveriam ser limitados em nome da garantia das condições de possibilidade de vida
na Terra. Mas na realidade é isto o que ocorre?
É neste momento que renasce a Bioética “ética da vida” como essencial para
condução da existência humana em todos os seus aspectos. Sobretudo se retoma a visão da
Bioética como pedra angular que delineia a formação de seres humanos em prol de um mundo
mais justo e melhor. A Bioética, neologismo cunhado por Van Rensselaer Potter, em 1971, já
abrangendo uma análise transdisciplinar, retorna com maior força a partir de 1979, com Hans
Jonas, evidenciando através do “princípio responsabilidade”, a ação humana e seus efeitos
para a “permanência de uma vida humana autêntica” na Terra, sendo este novo saber, agora
discutido nas reflexões sobre Sustentabilidade.
A Sustentabilidade, por sua vez, é tema polêmico, atual e necessário para a
humanização do ser humano tendo em vista a necessidade de reflexão sobre questões ético-
políticas, com a qual o homem vem operando no contexto sócio econômico, político e
ambiental.
Diante disto, é função de pesquisadores, estudiosos e educadores a disseminação
do conhecimento ao âmbito sócio educacional, para a promoção da sensibilização do ser
humano como atuante e consciente de seu papel na preservação dos recursos socioambientais,
com vistas à sustentabilidade e vida plena às futuras gerações.
A Sustentabilidade, desde a Conferência Mundial para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento – ECO 1992 se fundamentou através dos princípios determinados por
diversos países do mundo, consolidado na Declaração para a Preservação do Meio Ambiente.
Duas décadas após tal evento, sucedeu a “Conferência das Nações Unidas sobre o
Desenvolvimento Sustentável”, realizada no Brasil, em 2012, denominada “Rio + 20”, num
momento de reafirmar compromissos e de “reconhecer que as pessoas constituem o centro do
desenvolvimento sustentável”, surgindo desta temática, o ímpeto para compilação desta obra.
Sob este prisma, atentou-se à questão dos pilares do desenvolvimento sustentável
3
na perspectiva econômica, social e ambiental, matéria relevante a nível mundial, tratada no
documento da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, “O Futuro
que Queremos”.
Deste modo, estes coordenadores observaram que a junção dos temas Bioética e
Sustentabilidade vem de encontro com as diretrizes hodiernas apresentadas no cenário global,
delineadas no documento da Organização das Nações Unidas – ONU, mencionado acima, que
possui como objetivo o desenvolvimento humano em conjunto com a preservação do planeta.
Com este livro dá-se continuidade a Coleção Estudos em Bioética, cuja proposta é
a de contemplar o tema Bioética e Sustentabilidade, a partir de textos desenvolvidos por
pesquisadores que integram a expressiva multidisciplinaridade característica da Bioética,
desde o princípio de sua reconhecida trajetória. Sendo assim, com a finalidade de atingir
diversas áreas que são interligadas, se apresentam os textos elencados nesta obra.
No tema Bioética e Sustentabilidade Corporativa, a organizadora e autora Juliana
Oliveira Nascimento apresentou no artigo Desafios Éticos à Sustentabilidade Corporativa
a questão do meio ambiente no qual indica que o mesmo não é recurso inesgotável e sua
preservação deve ser algo primordial para a humanidade. Nisto, dentre os aspectos do meio
ambiente: natural, artificial (urbanístico), cultural e do trabalho, este último é essencial para
garantia da qualidade de vida e saúde dos trabalhadores. Neste contexto, cabe a aplicação da
ética e da sustentabilidade corporativa para fins de preservação de todos dos aspectos do meio
ambiente no âmbito empresarial. Na atualidade, empresas éticas são aquelas que buscam a
sustentabilidade, como já se tem exemplo de grandes corporações. Todavia, algumas outras
empresas, infelizmente, ainda têm seu foco principal nos seus interesses econômicos.
Faz-se necessário, em âmbito corporativo, para a responsabilidade social e a
sustentabilidade, a aplicação de uma espécie de código de ética empresarial. Para a aplicação
de uma sustentabilidade corporativa, a Ética é fator relevante para a preservação do meio
ambiente. Preservar o meio ambiente, possuir ações corretas, atentar à legislação vigente e
possuir condutas favoráveis ao bom desenvolvimento e progresso da humanidade, são metas
que não serão atingidas sem a presença essencial da bioética. A Bioética deve ser um dos
fundamentos para se alcançar a sustentabilidade corporativa. A humanidade tem papel
essencial ante a sua responsabilidade de preservação ambiental, em consonância com o
desenvolvimento baseado em um planeta sustentável.
Na continuidade com o tema Bioética, Sustentabilidade, Des/igualdades e Gênero
a autora Gilgreice Nunes de Souza no texto A Desigualdade de Gênero no Mercado de
Trabalho sob a Perspectiva da Função Social da Propriedade Empresarial e da
4
Responsabilidade Social Corporativa discorre que neste aspecto o objetivo é a
demonstração dos principais argumentos e conceitos relacionados ao tema da desigualdade de
gênero por intermédio da perspectiva da Responsabilidade Social e da Função Social da
Propriedade Empresarial. Sob este prisma, a autora apresentou as principais tendências
mundiais e nacionais referentes a atuação de pessoas e instituições na implementação de ações
para viabilização prática dos conceitos propostos, bem como demonstrou a maneira como os
referidos conceitos são compreendidos pela sociedade nos dias de hoje. Dentro deste
contexto, pretendeu destacar os aspectos de inclusão social e especificamente o da mão de
obra feminina no mercado de trabalho, principalmente no que se refere a contribuição
econômica que a mão de obra das mulheres traz para o desenvolvimento do país e a
valorização desta categoria. Por derradeiro, a autora enfatizou a respeito da inclusão social
feminina para a mitigação da desigualdade de gênero, de modo a ressaltar que isto deve ser
encarado como uma responsabilidade de toda sociedade, inclusive as empresas e entidades
empregadoras integrantes da sociedade de modo a promover a inclusão e a valorização da
mulher. Sendo assim, salientou a autora a importância de garantir a entrada de mulheres no
mercado de trabalho, neste sentido, pela previsão legal de que trata a Constituição Federal a
respeito da função social da propriedade empresarial e a abrangência desta determinação.
No tema Bioética, Saúde, Meio Ambiente de Trabalho e Sustentabilidade os
autores Ana Luiza de Geus e Marcos Alexandre Monteiro Gomes no texto intitulado
Assédio Moral e Violência Psíquica Contra o Médico relatam que o assédio moral e a
violência psíquica são eventos recorrentes nas questões bioéticas que envolvem o no dia a dia
da atividade médica. A perspectiva do referido tema caracteriza o profissional médico como
sujeito ativo dessas relações de conflitos. Neste contexto, o Direito, no que se refere a
responsabilidade civil, apresenta o mesmo comportamento, consoante os autores. O texto
trata a respeito de outros paradigmas, no qual o médico encontra-se no pólo passivo das
relações de assédio moral e de violência psíquica. Sendo assim, os autores enfatizaram pontos
importantes de muitas vezes não muito percebidos e valorizados pela Bioética e pelo Direito,
todavia que têm impacto na atividade do profissional médico. Diante disso, a análise
apresentada mostra-se necessária, visto que alcança elemento chave da sustentabilidade
relacionada à saúde humana, que atinge não unicamente o profissional da Medicina, mas
também o seu trabalho, bem como toda a sociedade.
Referente a temática Bioética, Sustentabilidade e Saúde a autora Jussara Maria
Leal de Meirelles no texto Saúde e Desenvolvimento Social: Uma Análise sob a
Perspectiva Jurídica da Sustentabilidade versa a respeito da dignidade e da vida do ser
5
humano, indicando estes como valores supremos, guias para alcance da sustentabilidade.
Ainda destaca a respeito da saúde humana hodierna, enfatiza que esta demanda equilíbrio,
para o seu desenvolvimento. Diante disto, destaca a relevância do artigo 225 da Constituição
Federal que dispõe acerca do Meio Ambiente. Sob este prisma, ressalta a autora a importância
da qualidade de vida e da vida saudável como bases para o alcance do meio ambiente
equilibrado. Ainda, enfatiza sobre os novos rumos das relações de saúde, nos dias de hoje, no
que concerne a relação do profissional de saúde em geral e o paciente. Ademais, salienta a
questão da saúde no que se refere a experimentação em seres humanos, com isto aborda os
seus riscos e benefícios. Por fim, a autora ressalta acerca do valor jurídico do cuidado e da
solidariedade na busca e soluções sustentáveis.
Já em relação ao eixo Bioética, Sustentabilidade, Trabalho Verde e Inclusão
Social, nos temas da “Rio+20”, o artigo de Pedro Ernani Kosiba e Gisele Danusa Salgado
Leske, proposto no texto denominado Políticas Públicas e Comunicação em Rede em prol
da inclusão social dos Catadores de Materiais Recicláveis, evidencia o surgimento do
Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR, demonstrando o
desenvolvimento organizacional desses trabalhadores ao formarem entidades de classe
(associações e cooperativas) no intuito de alcançar a dignidade e melhores condições de vida,
e as questões de políticas públicas a eles relacionadas, bem como uma reflexão acerca da
influência da comunicação em rede na imagem do movimento.
No eixo Bioética, Tecnologia e Meio Ambiente, o doutor em filosofia Anor
Sganzerla, no texto intitulado Utopismo Tecnológico: Esperança ou Ameaça ao Homem
ao Meio Ambiente? discute o poder de sedução das utopias tecnológicas em relação a
sustentabilidade, apresentada sob a perspectiva do filósofo alemão Hans Jonas, a partir de sua
obra O princípio responsabilidade, publicada em 1979, contrapondo-se à tese defendida por
Ernest Bloch na obra O princípio esperança, publicada em 1954 e 1959.
Ainda concernente a temática Bioética, Tecnologia e Meio Ambiente, a autora
Maria da Glória Colucci, com o texto Biotecnologia e Direito: Dialogando com a Bioética
destaca que as modernas tecnologias nos dias atuais procuram disseminar na sociedade, por
intermédio da mídia, intensas e precavidas preocupações com relação a saúde e a qualidade de
vida humana e do meio ambiente. Entretanto, destaca autora que nem sempre, os caminhos
traçados pela Biotecnologia, nas últimas décadas, pois têm sido destituídos de apelos
econômicos, voltados ao consumismo de medicamentos ou mesmo serviços médicos eletivos,
a exemplo de cirurgias plásticas e outros procedimentos estéticos que proporcionam uma
“falsa imagem” de juventude e beleza. Neste sentido ressalta a autora a respeito de ‘gritantes
6
contrastes’, no papel do Biodireito que é de procurar preencher os vazios normativos
(lacunas), que se oferecem cada dia, protegendo a vida das pessoas e a sua liberdade
(autonomia).
Salientou também a autora que a Bioética, aliando-se aos fundamentos morais
sobre os quais se alicerça, contribui como uma fonte de princípios espécie de diretrizes
conceituais de grande valor à fixação de limites aos avanços desordenados da Biotecnologia
sobre a saúde, a vida e a dignidade da pessoa humana. Por derradeiro salienta que a
Biotecnologia, como uma nova particularização de distintas técnicas às ciências da vida,
apresenta difíceis desafios que somente a conexão entre o Biodireito e a Bioética poderá
conduzir à conciliação, minimizando riscos ocasionais.
Na temática atinente a Bioética, Sustentabilidade e a Questão Água a autora
Jacqueline Elisa Delong de Souza no texto intitulado A Tutela Jurídica da Água nas
Constituições Brasileiras enfatizou a Constituição Federal de 1988, principalmente referente
aos temas referentes à água, indicados nos diversos artigos Lei Maior. Neste sentido, a autora
primeiramente apresentou um breve histórico ressaltando a necessidade do uso da água desde
os romanos até às Constituições Brasileiras. Sendo que para alcançar a análise final d
constituição atual, que apresenta entre seus vários artigos a importância atinente ao bem
fundamental que é a água. Diante disso, a autora salienta que a Constituição Federal assegura
a todos o direito à vida, à saúde, à dignidade da pessoa humana e ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
Na sequência, a autora Maria Arlete Rosa, doutorada e estudiosa da prática
educativa de sustentabilidade, no texto Água e Sustentabilidade: A Gestão das Práticas
Educativas Socioambientais na Cidade trata de uma reflexão sobre as práticas educativas
socioambientais como instrumento de gestão de sustentabilidade da água. O sujeito da
reflexão é a prática educativa das lideranças comunitárias que atuam no território das bacias
hidrográficas na cidade e, o objeto, o aprendizado adquirido por essas lideranças. Tais práticas
resultam do aprendizado autoconstruído pelos determinantes políticos, econômicos, culturais,
sociais e ambientais subjacentes à prática social das lideranças com participação social,
visando a garantia de direitos na relação Estado/sociedade. A autora considerou a crise
socioambiental, as mudanças climáticas e os riscos ambientais, no contexto da unidade
hidrográfica do Alto Iguaçu – Curitiba-PR. Na discussão apresenta a busca da garantia de
direitos e políticas públicas asseguradoras da cidadania, indicando referenciais éticos de novas
práticas sociais nas dinâmicas ambientais, sendo a educação para a sustentabilidade local
articuladas às práticas educativas de cidadania planetária.
7
Já no tema Bioética e Direito de Energia, o autor Allan Bavoso Larocca, com o
texto de título A Energia Nuclear e o Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente
Equilibrado expõe acerca do reconhecimento da relevância da questão ambiental que tem
apontado um para um debate que cresce a respeito da necessidade da aquisição de outros
meios para a geração de energia elétrica, frente ao hodierno aquecimento global, em
decorrência do uso ainda permanente antigos métodos que somente tendem pelo agravamento
do efeito estufa no Planeta. Não obstante, o autor destaca no texto que a energia nuclear tem-
se apresentado como uma ótima fonte para a geração de energia elétrica, todavia que seu
desenvolvimento pode causar danos irreversíveis ao meio ambiente e consequentemente a
todo ser humano. Neste prisma, o autor compreende como importante o estudo do direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, por isso enfatiza a sobre os seus fundamentos
constitucionais e deste direito como fundamental ao ser humano. Ainda, o autor aborda sobre
a energia atômica e se esta é ou não condizente com o direito fundamental previsto no artigo
225 da Constituição Federal.
No tema Bioética, Sustentabilidade, Florestas e Biodiversidade, os autores Kauê
Augusto Oliveira Nascimento e Ana Paula Donicht Fernandes no texto Análise Bioética
do Projeto de Lei (1.876/99) que deu início aos debates sobre o Novo Código Florestal
(12.651/12) enfatizam que com a crescente extinção de seres na natureza, efeito das alterações
antrópicas no meio natural, a sociedade iniciou os debates com o propósito de novamente
moldar os valores humanos e a ética tradicional. Entretanto, os autores destacam que a
questão é que as referidas discussões foram baseadas no meio científico e filosófico, de modo
que são ainda pouco aplicadas nos planos governamentais atuais, tendo em vista que o foco
encontra-se nas suas ações no desenvolvimento econômico utilitarista. Salientaram também
os autores que o Código, que assegura a conservação dos ecossistemas, os serviços ambientais
básicos que sustentam a vida, e a economia de todo o país, sofreu alterações consideráveis.
Deste modo, apresentam a análise pormenorizada do Projeto de Lei nº 1.876/99, que revogou
o Código Florestal de 1965, e que abarca os princípios éticos sob duas perspectivas diferentes,
se o projeto que formou o novo código florestal brasileiro é regido por princípios éticos dentro
de uma visão antropocêntrica utilitarista ou, em uma visão biocêntrica, no qual se considera
também os demais seres da natureza além do ser humano, envolvendo uma perspectivada
esfera Bioética e moral. Neste sentido, ressalta os autores que a causa deste cenário à
sociedade é a infração dos princípios da Bioética por parte dos cidadãos, que muitas vezes
forçados a manter a geração de renda necessária para satisfazerem suas necessidades, acabam
por degradar as florestas e os rios. Por derradeiros os autores abordam que tal fato ocorre
8
principalmente nas zonas rurais do Brasil, onde o incentivo à conservação dos recursos
naturais é praticamente nula, o que obriga o rural mesmo que contra a vontade, a produzir
para gerar renda, abatendo florestas, na maioria das muitas vezes de forma ilegal e
consequentemente afetando o ambiente e a biodiversidade da sua região.
O texto que encerra a reflexão em Bioética, Sustentabilidade, Direitos Humanos e
Educação, proposto pela organizadora Rita de Cassia Falleiro Salgado e pelo doutor Sidney
Reinaldo da Silva, denominado Formação de Professores e Sustentabilidade: Uma
Abordagem do Governo Lula volta-se ao tema da educação, reafirmando a discussão do
pleno acesso a uma educação de qualidade a todos como condição essencial de lograr o
desenvolvimento sustentável. Discorre pela análise da formação de professores em relação à
abordagem da sustentabilidade no Brasil, especialmente no período do governo Lula (2003-
2010). A partir da apresentação de parte do que foi feito no referido período, os autores
contrapõe um quadro teórico para a formação crítica de professores, no qual mostram certos
limites da proposta educacional perante a questão da sustentabilidade, especialmente no que
concerne às políticas educacionais correlatas, implementada pela Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECAD). A sustentabilidade é discutida
como princípio orientador de práticas empresariais e políticas públicas.
Nesta oportunidade, agradecemos aos autores participantes desta obra, por aceitar
o convite e a disposição em escrever sobre o tema aqui proposto, contribuindo com seus
saberes, dando vozes ao estudo da “Bioética e Sustentabilidade”, na continuidade desta
Coleção “Estudos de Bioética”. Em tempo, somos grata, com sentimento de grande honra,
pelo convite e indicação desta tarefa, de organização e seleção dos textos, a partir da proposta
do grupo NEB – Núcleo de Estudos em Bioética, da regional Curitiba, especialmente através
do precursor e incentivador, prof. Dr. Mario Antonio Sanches, assim como da profª Drª Ida
Cristina Gubert, atual gestora-coordenadora do grupo.

Outono-inverno de 2014 em Curitiba.


Rita de Cássia Falleiro Salgado
Juliana Oliveira Nascimento
Organizadoras

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DESAFIOS ÉTICOS À SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA

Juliana Oliveira Nascimento 1


1 INTRODUÇÃO

No presente trabalho relatar-se-á sobre as questões ambientais que emergem no


Planeta hodiernamente, devido às ações humanas imoderadas no uso dos recursos naturais.
Destacar-se-ão as atividades humanas na Terra, que durante anos, sem a
preocupação com o ‘amanhã’, trouxeram consequências inesperadas à Natureza. Neste
sentido, percebe-se que dia após dia, os seres humanos têm sentido e visto os resultados das
catástrofes realizadas pela má utilização dos recursos: as mudanças climáticas, animais e
plantas extintos etc. Somente após anos de devastações é que, nos últimos tempos, tem
crescido a consciência ambiental e a luta pela qualidade de vida e sobrevivência humanae da
própria Terra.
Enfatizar-se-á sobre a sustentabilidade, que tem ganhado espaço em diversos
setores da sociedade, mas, cuja atuação ainda é pouca. Salienta-se que algumas empresas
ainda possuem a ótica capitalista avessa às causas ambientais. Não obstante é de fato claro
que o discurso ambiental tem avançado a cada ano. Mas, é preciso correr contra o tempo para
que as presentes e futuras gerações ainda possam usufruir de um meio ambiente equilibrado.
Neste contexto, de modo a salientar o tema proposto, abordar-se-á os conceitos de
Meio Ambiente e seus princípios.
Por derradeiro, se dará enfoque à sustentabilidade corporativa, visto que no
âmbito empresarial a proteção do meio ambiente em geral deve ser prioritária. Ademais, no
âmbito corporativo abordar-se-á a responsabilidade social das empresas no que tange à
aplicação de uma espécie de código de ética. Salientar-se-á, ainda, que a cada dia mais, as
empresas estão assumindo a sua responsabilidade sobre o equilíbrio do Meio Ambiente. Neste
sentido, a Ética empresarial será apresentada em uma nuance específica do tema, visto que a
sustentabilidade abarca a saúde e a qualidade de vida como um todo, inclusive no ambiente de
trabalho.

1
Advogada. Consultora e Assessora Jurídica em âmbito Corporativo. Graduada em Direito pelo Centro Universitário
Curitiba - UNICURITIBA (Faculdade de Direito de Curitiba). Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela
Academia Brasileira de Direito Constitucional - ABDCONST. Pós - graduada em Estado Democrático de Direito pela
Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná- FEMPAR. Pós-graduanda no LLM em Direito Empresarial
Aplicado das Faculdades da Indústria (FIEP/SESI/SENAI/IEL).Membro do Núcleo de Estudos em Bioética - NEB de
Curitiba um fórum interdisciplinar e interinstitucional que congrega pessoas interessadas em Bioética. Membro da Comissão
de Advogados Corporativos da OAB/PR.

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2 MEIO AMBIENTE – PASSADO, PRESENTE E FUTURO, UMA BREVE
REFLEXÃO

Atualmente, observa-se um mundo cuja preocupação com o meio ambiente


encontra-se como tema principal nos debates sobre a preservação da vida no Planeta. Sim, o
homem encontra-se diante da era ambiental do século XXI, com a crescente busca do
melhoramento da qualidade de vida humana.
Após diversos séculos de degradação ambiental, acompanhados do pensamento de
que a Natureza possuía ‘recursos infinitos’, tal pensamento fez com que os bens naturais
fossem utilizados desregradamente, de forma irracional.
A pós-modernidade trouxe a esta nova sociedade benefícios e malefícios advindos
do uso dos recursos naturais, hoje se observam tecnologias nunca existentes em décadas
passadas, descobertas inéditas no campo da ciência, etc. No entanto, cabe ressaltar que muitas
dessas atividades tecnológicas foram e são importantes, contudo, algumas delas visando
custos baixos foram verdadeiramente ‘predadoras’ à Natureza, bem como aos seres humanos.
As atividades realizadas nos períodos passados pelo homem, têm confirmado a tese
comprovada da famosa terceira lei do cientista inglês Isaac Newton, que diz “para toda ação
há uma reação” 2. Sim, vive-se hodiernamente a consequência das calamidades naturais
advindas da ação humana no meio ambiente... O que é isto? Desequilíbrio!
O Homem está sentindo e vivenciando os efeitos da excessiva poluição: o
aquecimento global e as mudanças climáticas. Em decorrência disto, sua qualidade de vida,
do ecossistema, se encontram afetados, tanto do ponto de vista do meio ambiente natural,
quanto do social (meio ambiente: urbano, do trabalho e cultural).
A preocupação mundial com o meio ambiente impõe superar o ‘prejuízo’ para
conservação das vidas. Tal assunto, sendo de suma importância, é respaldado pelo Direito,
possuidor da responsabilidade de normatização, ante a obrigação de acompanhar a evolução
da sociedade para a proteção do “direito” por excelência – o direito à vida. Em meados da
década de 60, veio a surgir um novo ramo autônomo, o Direito Internacional do Meio
Ambiente, que adveio em razão das preocupações ambientais que emergiram a época.
Deste modo, esta preservação ambiental tornou-se foco, no início da década de 70,
com as primeiras Conferências sobre a precitada problemática. O Meio Ambiente tornou-se

2
Grifo nosso.

11
foco de negociações entre os países, e preocupação especial da ONU- Organização das
Nações Unidas.
A primeira conferência de relevância sobre o assunto foi a Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente realizada em Estocolmo no ano de 1972, um marco na
conscientização ecológica mundial, um alerta aos países para a necessidade de cooperação
internacional principalmente, para a proteção “transfronteiriça do ar” (CALSING, 2005,
p.35). Uma das maiores inquietações ocorreu no campo da poluição do ar, pois se tratava de
um fenômeno que ultrapassava as fronteiras entre os países. Nesta Conferência foram
elencados vinte e seis princípios contendo direitos e obrigações, surgindo assim a Declaração
para a Preservação do Meio Ambiente.
Desta forma, se fazia necessário continuar o papel iniciado em Estocolmo no ano
1972, trilhando e exercendo as diretrizes do Direito Ambiental Internacional inicialmente
construído à época. Em prosseguimento a esta nova mentalidade que se instaurava de forma
graduada no mundo, um importante evento foi realizado no Brasil que disseminou as novas
diretrizes. A ECO-92 3, realizada no Rio de Janeiro, com a participação de grande parte dos
países e muitas Organizações não Governamentais - ONGs. O evento tratou sobre os maiores
problemas ambientais constatados à época, sucedendo, assim, a Declaração do Rio e a
Agenda 21 4, que tinham como intuito da conscientização para a preservação ambiental em
prol do bem-estar de todos, focando a sustentabilidade, a promoção do desenvolvimento
sustentável, conhecida hodiernamente, como objetivo central deste século. Conforme o
relatório Brutland, o desenvolvimento sustentável “é o desenvolvimento que atende às
necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atender suas
próprias necessidades” (MINIUCI, 2006, p. 35).
Naquele ato, a Declaração do Rio e a Agenda 21 foram ratificadas por diversos
países. Não obstante, mesmo com princípios que fariam a diferença a pequeno, médio e longo
prazo ao Planeta, tanto a Declaração do Rio quanto a Agenda 21, por não serem vinculantes e
não terem força coercitiva, não trouxeram muitos resultados, pois, poucos foram os países que
colocaram em prática as metas propostas. Nesta Conferência também foi firmada a
Declaração de Princípios sobre Florestas 5 e abertas para assinatura a Convenção sobre
Diversidade Biológica e a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
Na continuidade da luta pelo meio ambiente também se encontra uma das

3
Conferência Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento.
4
Agenda 21 tem como “código de ética” a Carta da Terra.
5
A Declaração que tem como escopo que os países recuperem o planeta através do reflorestamento e conservação das
florestas. (MILARÉ, p.1212)

12
principais causas de preocupação em nível mundial, as Mudanças Climáticas que têm atingido
de forma drástica a Terra, alterando seu curso natural. A ONU sempre defensora dos direitos
humanos, e claro do meio ambiente, presente de forma atuante nessa questão, apresentou em
1992, após a elaboração de diversos estudos e relatórios, a Convenção Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima. Tal Documento abrangia princípios e metas acerca deste
relevante assunto, contudo, a Convenção também não tinha força coercitiva o que dificultava
a sua execução. Mas, esta situação se alterou com o advento do documento acessório da
Convenção, o Protocolo de Kyoto. O Protocolo tinha por objetivo a redução dos GEE (Gases
Efeito Estufa) pelos países, em cooperação internacional, pois o ar tem efeito transfronteiriço,
e se fazia relevante a união de todos. No entanto, tal Documento, diferentemente da
Convenção, previa sanção aos países participantes que o descumprissem, ou seja, tinha efeito
coercitivo. Com isto, algumas grandes potências opuseram resistência para que Protocolo não
entrasse em vigor, visto que os maiores poluidores teriam que se adequar às novas regras. O
Documento somente passou a vigorar em fevereiro de 2005 com a adesão da Rússia em
novembro de 2004.
Diante de tais circunstâncias este é o momento e a hora, não se pode perder mais
nenhum minuto, é preciso juntar esforços na busca de manter um Planeta sustentável,
ambientalmente equilibrado, para as presentes e futuras gerações.
A sustentabilidade tem ganhado espaço em diversos setores da sociedade, mas
ainda é pouco, mesmo diante de tantos “Documentos” e Conferências Mundiais ressaltando
este tema importantíssimo, a mente humana ainda necessita ser educada e conscientizada dos
males da degradação do meio ambiente. São as visões ‘sobressalentes’ da ótica capitalista
avessa à causa ambiental, principalmente no mundo dos negócios. É preciso acabar com a
visão somente de lucro... Muitas empresas, infelizmente, têm seu foco principal nos seus
interesses econômicos se utilizando de tecnologias ultrapassadas, altamente poluidoras e de
custo baixo. Não querem investir em tecnologia limpa, pois o custo é elevado em detrimento
da tecnologia que possui. Para alguns custa muito caro ser ‘ecologicamente correto’, querem
muito lucro e poucos gastos.
Cabe recordar que as diretrizes que são abordadas aqui estão diretamente ligadas
ao mundo sustentável, cuja gestão ambiental é o foco, apresentado através de uma das metas
do Milênio propostas pela Organização das Nações Unidas - ONU. Os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio foram adotados por diversos países do mundo, inclusive o
Brasil, por intermédio da ratificação e comprometimento na Declaração do Milênio, que
abrange uma diversidade de propostas de diminuição da desigualdade frente ao
13
desenvolvimento mundial e à globalização. A questão ambiental encontra-se na 7ª meta -
qualidade de vida e respeito ao meio ambiente.
Por fim, destaca-se que a humanidade tem papel essencial ante a sua
responsabilidade de preservação ambiental, em consonância com o desenvolvimento baseado
em um planeta sustentável, que venha a utilizar de forma racional e consciente recursos
naturais, respeitando e protegendo todas as formas de vida, para que as presentes e futuras
gerações usufruam de um meio ambiente equilibrado.
Na sequência, relatar-se-á sobre o meio ambiente, com seu conceito, e, suas
espécies que compreendem aspectos não somente do meio ambiente natural.

3 MEIO AMBIENTE

Quando se fala em meio ambiente é importante ressaltar o que se entende por


Ecologia. Para MILARÉ, Ecologia é a ciência que estuda a relações dos seres vivos e sua
relação entre si e com o meio físico em que estão.
Já a expressão Meio Ambiente, consoante MILARÉ, não possui conceito firmado
entre os especialistas. Não obstante, sob o aspecto técnico tem-se o Meio Ambiente como “a
combinação de todas as coisas e fatores externos ao indivíduo ou população de indivíduos em
questão” (BERNARD apud MILARÉ, 2009, p. 113).
No que tange ao conceito de meio ambiente sob o aspecto jurídico, há dois
desdobramentos: o aspecto estrito e o aspecto amplo.
Na perspectiva estrita tem-se o meio ambiente em seu patrimônio natural com
relações com e entre os seres vivos, sendo somente observado aquilo que se trata dos recursos
da Natureza (MILARÉ, 2009, p. 113). Já na concepção ampla o meio ambiente abrange muito
mais do que somente seu aspecto natural, mas também abrange o meio ambiente artificial. Por
conseguinte sua compreensão é atingida de forma mais extensa, por intermédio da relação
conjunta de elementos naturais, artificiais e culturais, que proporcionam o desenvolvimento
com equilíbrio de todas as formas de vida. (MILARÉ, 2009, p. 113).
Com isto pode-se constar os quatro planos do Meio Ambiente:
a) Meio Ambiente Natural: Abrange o meio ambiente com todas as suas formas de vida.
b) Meio Ambiente Artificial: Caracterizado pelas alterações trazidas pelos seres humanos,
incluindo-se as cidades, com suas edificações e construções. O que pode se observar nas
determinações trazidas pelo Direito Urbanístico, agora denominado Direito das Cidades.

14
c) Meio Ambiente Cultural: Analisa a identidade e origem dos seres humanos, com relação
aos costumes estabelecidos no âmbito familiar.
d) Meio Ambiente do Trabalho: Já este por sua vez, aborda a qualidade de vida do
trabalhador no ambiente do trabalho. Nele, estando englobados: a proteção à saúde do
trabalhador, o cuidado com a exposição de agentes nocivos à saúde, doenças ocupacionais,
etc. A qualidade de vida e equilíbrio no trabalho devem ser garantidos para a sustentabilidade
no ambiente laboral. Para tanto, a legislação brasileira que assegura a proteção do trabalhador
deve ser rigorosamente cumprida, bem como as disposições oriundas da OIT – Organização
Internacional do Trabalho.
Estes quatro aspectos do meio ambiente visam à proteção direta da vida humana.
Nisto consiste a proteção e o direito à garantia de meio ambiente equilibrado, direito este que
é uno, indivisível, transcendental, difuso, transindividual e metaindividual.
Todavia, não é somente isto, o meio ambiente tem como contexto principal a
sustentabilidade do Planeta com a proteção indistinta de todas as formas de vida.
Nas palavras de Ávila de Coimbra
meio ambiente é o conjunto de elementos abióticos (físicos e químicos) e bióticos
(flora ‘e fauna), organizados em diferentes ecossistemas naturais e sociais em que se
insere o Homem, individual e socialmente, num processo de interação que atenda ao
desenvolvimento das atividades humanas, à preservação dos recursos naturais e das
características essenciais do entorno, dentro das leis da natureza de padrões de
qualidade definidos. (MILARÉ, 2009)

No Brasil, a proteção do meio ambiente é disciplinada na Lei 6.938/1991, no seu


artigo 3º, inciso I, pelo qual determina que se entende por “Meio ambiente o conjunto de
condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite
abriga e rege a vida em todas as suas formas” 6.
Neste mesmo sentido o artigo 225 da Carta Magna brasileira determina que “todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Com este preceito, Milaré
(2012) ressalta o cunho patrimonial do meio ambiente, bem como o seu foco sobre a garantia
de uma sadia qualidade de vida.
A legislação brasileira dispõe destes conceitos para tratar das questões ambientais
no País. Com este enfoque, Marcelo Abelha RODRIGUES relata que “possui importância
fundamental a identificação do meio ambiente ecologicamente equilibrado como sendo um

6
Lei 6.938/1991

15
bem autônomo e juridicamente protegido, de fruição comum (dos elementos que o formam),
porque em última análise, o dano ao meio ambiente é aquele que agride o equilíbrio
ecológico, e uma eventual reparação deve ter em conta a recuperação desse mesmo equilíbrio
ecológico (RODRIGUES apud MILARÉ, 2009, p. 116).
Milarépreconiza, ainda, que há diversas denominações, tais como: Direito
Ecológico, Direito da Proteção da Natureza, Direito do Meio Ambiente, Direito Ambiental e
Direito do Ambiente. (MILARÉ, 2009, p. 813).
Paulo de Bessa ANTUNES, salienta que o Direito Ambiental não está somente
relacionado ao meio ambiente natural, à natureza, mas abarca diversas realidades. Com isto, a
utilização do termo Direito Ecológico deixaria lacunas, por ser insuficiente a sua abrangência.
Neste sentido, Willian H. RODGERS JR. destaca que
Environmental law is not concerned solely with the natural environment – the
physical condition of the land, air, water. It embraces also the human
environment – the health, social and other man-made conditions affecting a human
being’s place on earth. (O Direito Ambiental não está preocupado apenas com o
ambiente natural – a condição física da terra, do ar, da água. Ele abarca também o
ambiente humano, a saúde e outras condições sociais produzidas pelo homem que
afetam o lugar dos seres humanos na Terra) ( tradução livre da autora). (RODGERS
apud ANTUNES, 2004, p.7)

Paulo de Bessa ANTUNES relata que um doutrinador chileno, chamado Rafael


Valenzuela, trouxe como denominação o termo Derecho do Entorno (Direito do Entorno),
todavia tal nomenclatura não parece cabível, visto que engloba normas ambientais que podem
criar efeitos prejudiciais.
Paulo de Bessa ANTUNES optou pela denominação Direito Ambiental, por
compreender que esta denominação é utilizada por grande parte da doutrina, bem como pelos
organismos internacionais. O autor enfatiza sua preferência elencando a denominação de
alguns doutrinadores, brasileiros, latinos e europeus que também optaram por esta
denominação, a exemplo, no Brasil, deTychoBrahe Fernandes Neto, Carlos Gomes de
Carvalho, Toshio Mukai e Paulo Affonso Leme Machado.
Na América, Latina o uruguaio Marcelo J. Cousillas e o argentino Eduardo A.
Pigretti utilizam-se do termo Direito Ambiental. Com este mesmo enfoque na Europa, os
autores Michel Despax, Michel Prieur e Alexandre Kiss também adotaram esta nomenclatura.
Por fim, Paulo de Bessa ANTUNES ressalta que “[...] ocorre um fenômeno
curioso, pois a legislação brasileira vem se utilizando da expressão meio ambiente, ao passo
que os autores vêm denominando a disciplina de Direito Ambiental. A conclusão é que
Direito do Meio Ambiente e Direito Ambiental são expressões sinônimas” (ANTUNES, 2004,
p. 8).
16
No próximo tópico se enfatizará sobre os princípios norteadores do Direito
Ambiental ou Direito do Ambiente.

4 PRINCÍPIOS

O Direito Internacional do Meio Ambiente introduziu diversos princípios em


razão das preocupações da comunidade internacional na utilização dos recursos ambientais
que são finitos, dentre eles tem-se:
a. Princípio da Prevenção: Do latim praeventìo, significa “ação de prevenir advertindo”
(HOUAISS, 2009). Este é o princípio basilar do Direito Ambiental, relacionado de forma
direta à proteção ambiental. O foco deste princípio é a minimização ou até mesmo extinção da
possível ocorrência de dano.
Alexandra ARAGÃO destaca que é de extrema importância o princípio da
prevenção, levando em consideração, inclusive, o termo popular: é “melhor prevenir do que
remediar”. A melhor maneira não é repararo dano, mas sim tentar evitá-lo, assim, de forma
antecipada, é possível impedir a sua ocorrência.
Ressalta a autora que atualmente, há uma nova mentalidade na perspectiva
corporativa/empresarial que permeia a denominadapollution prevention pays (a prevenção da
poluição compensa) chamado também PPP, mas sob outro aspecto.
Neste enfoque, Alexandra ARAGÃO salienta que:
Mais vale prevenir, porque, em muitos casos, depois de a poluição ou dano
ambiental ocorrerem, é impossível, a reconstituição natural da situação anterior, isto
é, é impossível remover a poluição ou dano. [...]
Mais vale prevenir, porque, mesmo sendo possível a reconstituição in natura,
frequentemente ela é de tal modo onerosa que não é razoável exigir um tal esforço
ao poluidor. Logo, serão as gerações futuras que mais vão sofrer as
consequências daquele dano ambiental que não foi possível evitar.
Mais vale prevenir, por fim, porque economicamente é muito mais dispendioso
remediar do que prevenir. Com efeito, o custo das medidas necessárias a evitar a
ocorrência de poluição é, em geral, muito inferior ao custo das medidas de
“despoluição” após a ocorrência do dano. (ARAGÃO in CANOTILHO, LEITE,
2011)

O princípio da prevenção tem como escopo a adoção de medidas prévias à


ocorrência de um dano factível, cujas causas são conhecidas. O objetivo é evitar os danos, ou
mesmo atenuar de forma expressiva os seus efeitos.
Paulo Affonso Leme MACHADO evidencia o artigo 2º da Lei 6.938/1981 no qual
preconiza que a Política Nacional do Meio Ambiente atentará aos princípios da proteção dos
ecossistemas, com a preservação das áreas representativas e “proteção de áreas ameaçadas de

17
degradação”, de formar a direcionar no emprego do princípio da prevenção. O pesquisador
expõe ainda, que o princípio da prevenção “deve levar à criação e à prática de política pública
ambiental, através de planos obrigatórios.” (MACHADO, 2011, p. 99). Desta forma, salienta
o doutrinador que a aplicação do princípio da prevenção, admite pelo menos doze itens:
1) identificação e inventário das espécies animais e vegetais e um território quanto à
conservação da natureza;
2) identificação das fontes contaminantes das águas e do ar, quanto ao controle da
poluição;
3) identificação e inventário dos ecossistemas, com a elaboração de um mapa
ecológico;
4) planejamento ambiental e econômico integrados;
5) ordenamento territorial ambiental para valorização das áreas de acordo com a sua
aptidão;
6) estudo de impacto ambiental;
7) prestação de informações contínuas e completas;
8) emprego de novas tecnologias;
9) autorização ou licenciamento ambiental;
10) monitoramento;
11) inspeção e auditoria ambientais;
12) sanções administrativas ou judiciais.(MACHADO, 2011, p. 99)

Conclui Paulo Affonso Leme MACHADO que sem informação e pesquisa não há
prevenção. Ademais, os meios a serem aplicados na prevenção diversificam-se visto que
levam em consideração o desenvolvimento do País e suas opções de tecnológicas.
b. Princípio da Precaução:O termo precaução advémdo latim praecautione, que significa
cautela, prudência, prevenção, cuidado (HOUAISS, 2009). A precaução no Direito Ambiental
é uma medida de advertência, proibição. Correntes doutrinárias entendem que precaução seria
uma espécie do princípio da prevenção.
O princípio da precaução foi acrescentado pelo Tratado de Maastricht que
instituiu a União Européia, sendo considerado um dos princípios auspiciosos do Direito
Ambiente.
Alexandra ARAGÃO destaca que uma das primeiras adoções ao princípio da
precaução em âmbito internacional ocorreu no ano de 1987, na Segunda Conferência
Internacional sobre a proteção do Mar Norte. A Conferência determinou que “[...] emissões de
poluição potencialmente poluentes, devem ser reduzidas, mesmo quando não haja prova
científica evidente do nexo causal entre as emissões e os efeitos” (ARAGÃO, 2011, p. 62)
Não obstante, o reconhecimento internacional adveio com a suainserção no
Princípio n.º 15 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento 7.

7
Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de
acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica
absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação
ambiental.

18
Alexandra ARAGÃO menciona que o princípio da precaução é uma espécie de
“princípio in dúbio pro ambiente”, ou seja, diante da dúvida do risco de certa atividade,
decide-se sempre em prol do meio ambiente contra o potencial poluidor.
Para Paulo Bessa ANTUNES,

O princípio da precaução é aquele que determina que não se produzam intervenções


no meio ambiente antes de ter certeza de que estas não serão adversas para o meio
ambiente. É evidente, entretanto, que a qualificação de uma intervenção como
adversa está vinculada a um juízo de valor sobre a qualidade da mesma e uma
análise de custo/benefício do resultado da intervenção projetada. Isto deixa claro
que o princípio da precaução está relacionado ao lançamento no ambiente de
substâncias desconhecidas ou que não tenham sido suficientemente estudadas.
(ANTUNES, 2004, p. 36)

Aragão enfatiza algo relevante acerca do princípio da precaução de que

a precaução permite, portanto, agir mesmo sem certezas sobre a natureza do dano
que estamos a procurar evitar ou sobre a adequação da medida para evitar o dano,
o que nos coloca perante um sério conflito entre a certeza e a segurança jurídicas,
por um lado, e a evolução científica, o progresso social e o desenvolvimento
econômico, por outro. Isso significa que deve haver limites quanto ao risco que
justificou a invocação da precaução e quanto à medida adotada com base na
precaução. (ARAGÃO, 2011, p. 63)

Deste modo, o princípio da precaução deve ser colocado em ação com o fim de
evitar impactos danosos ao meio ambiente, mesmo antes de um nexo causal científico,
bastando a ciência do dano.
c. Princípio do Desenvolvimento Sustentável: O princípio do desenvolvimento sustentável
está diretamente relacionado à utilização racional dos recursos naturais, sempre observando
que estes são finitos. Deste modo, o seu aproveitamento deve se dar de forma equilibrada.
Nos dias de hoje, a sustentabilidade engloba além da sustentabilidade ambiental, a
sustentabilidade econômica e social. Na Legislação Brasileira, as vertentes da sustentabilidade
estão fundamentadas nos artigo 225 e artigo 170, IV, ambos da Constituição Federal. Nestes
artigos, a proteção ambiental deve estar lado a lado com as questões econômicas e sociais,
visto que o crescimento sustentável do mundo depende deste equilíbrio.
d. Princípio do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado como Direito Fundamental
da Pessoa Humana: Este princípio tem fundamentonos artigos da Carta Magna brasileira:
a. 1º, III da Constituição Federal: com respeito à dignidade da pessoa humana, pelo qual
abrange o direito a um meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações;
b. 5º da Constituição Federal: implícito na garantia do direito à vida e proteção do meio
ambiente;

19
c. 200, VIII da Constituição Federal: que estabelece a proteção do meio ambiente, nele
compreendido o meio ambiente do trabalho.
d. 220 §3º, II da Constituição Federal: garantia de defesa contra produtos, práticas ou
serviços emitidos pelos meios de comunicação que sejam nocivos à saúde e ao meio
ambiente.
e. 225 da Constituição Federal: Determina que todos possuam direito a um meio ambiente
equilibrado, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida, determinando
ao Poder Público o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
f. Artigo 5º §1º da Constituição Federal:Preconiza que as normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata.
g. Artigo 5º §2º da Constituição Federal: Este parágrafo estabelece que direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por
ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte. Incluindo-se, portanto, as normas internacionais que tratam das questões ambientais.
h. Artigo 5º§3º da Constituição Federal: Nesta situação a previsão é de que os tratados e
convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, ou seja, Câmara de Deputados e Senado Federal, em dois turnos, por três
quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais,
portanto cláusulas pétreas que não podem ser alteradas nos termos do artigo 64§4º da
Constituição Federal.
Ademais, este princípio corrobora com a previsão de outros Documentos internacionais:
a. Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada
em Estocolmo em 1972 8;
b. Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 9;
c. Carta da Terra 10;
Por derradeiro, Milaréconsidera este princípio como “[...] transcendental de todo o

8
Princípio 1: O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em
um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de
proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. BRASIL. Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente Humano. Ministério do Meio Ambiente. Disponível em:
<www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/estocolmo.doc>. Acesso em: 18 jan. 2012.
9
Princípio 1: Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma
vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza. BRASIL. Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento. Ministério do Meio Ambiente. Disponível em:
<http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/documentos/convs/decl_rio92.pdf>. Acesso em: 18 jan. 2012.
10
Princípio 4: Garantir as dádivas e a beleza da Terra para as atuais e as futuras gerações.
a. Reconhecer que a liberdade de ação de cada geração é condicionada pelas necessidades das gerações futuras.
b. Transmitir às futuras gerações valores, tradições e instituições que apóiem, em longo prazo, a prosperidade das
comunidades humanas e ecológicas da Terra. BRASIL. Carta da Terra. Ministério do Meio Ambiente. Disponível
em:<www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/carta_terra.doc>. Acesso em: 18 jan. 2012.

20
ordenamento jurídico ambiental, ostentando o status de cláusula pétrea.” (MILARÉ, 2009, p.
819).
d. Princípio da Educação Ambiental: Este princípio prescreve a relevância da transmissão
de conhecimento e informações a toda a sociedade. O intuito é a conscientização e a mudança
do ponto de vista das pessoas sobre a relevância da matéria ambiental sob o aspecto natural
social e econômico.
Corroborando neste sentido, o artigo 32, II da Lei 9.394/1996 que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, fixa visando à formação básica do cidadão, no ensino
fundamental,a transmissão e compreensão acerca do meio ambiente natural e social.
A educação é de suma importância para o Direito Ambiental, pois é por
intermédio dela que o ser humano começa a ter consciência percepção de sua vida e
cidadania, compreendendo seu papel como cidadão e sua relevante participação na
sociedade.A cidadania ambiental abarca a educação ambiental, a participação e a informação.
f. Princípio da Cooperação: O princípio da cooperação tem previsão no artigo 4º, IX da
Constituição Federal estipula que o Brasil nas suas relações internacionais rege-se pelo
princípio da cooperação entre os povos para desenvolvimento da humanidade.
Este princípio está diretamente ligado à proteção do meio ambiente, visto que todo
o Planeta está observando os impactos sofridos durante todos estes anos pela falta de
racionalidade do ser humano na utilização dos recursos naturais. Pela inobservância do
desenvolvimento econômico e tecnológico, sem respeito ao meio ambiente natural, cultural,
social, artificial e do trabalho de forma integrada.
Deste modo, a cooperação entre todas as nações é essencial. A Terra é um planeta
único, e se todos cooperarem, cada um fazendo a sua parte, no conjunto, os resultados serão
benéficos a todos; salientando-se que a atuação de um traz repercussões positivas ao outro.
g. Princípio da Solidariedade Intergeracional: Este princípio garante a solidariedade que a
geração presente deve ter com a futura, com a utilização responsável e racional dos recursos
naturais. Tem o objetivo de assegurar às próximas gerações a utilização dos recursos naturais,
visto que sem isto o prejuízo futuro será incalculável e a vida planetária sofrerá as
consequências. Já há constatação de que o consumo dos recursos naturais já está superior à
capacidade da Terra.
h. Princípio da Informação: Este princípio tem como alicerce a educação ambiental. Afinal,
a informação somente vem com o conhecimento decorrente da educação. Neste princípio se
tem também a obrigatoriedade dos órgãos ambientais de estarem continuamente prestando
informações à sociedade.
21
i. Princípio da Participação: Este princípio refere-se à participação da sociedade nas
questões ambientais. O Princípio está previsto na Declaração do Rio de 1992, sob o n.º 10 11.
Paulo Affonso Leme MACHADO salienta que o princípio da participação tem
como objetivo a participação da sociedade na execução das políticas ambientais. Destaca o
autor que o termo “participar” significa que a opinião de uma pessoa deve ser levada em
conta.
Neste ínterim, entraria a participação: na formação de decisões administrativas,
nos recursos administrativos e nos julgamentos administrativos, nas ações judiciais
ambientais, ou seja, toda e qualquer situação que envolvesse questões ambientais de
relevância.
j. Princípio da Consideração da Variável Ambiental no Processo Decisório de Políticas
de Desenvolvimento: O princípio leva em consideração os impactos que o meio ambiente
possa vir a sofrer. Com verificação, também, de todos os aspectos positivos juntamente com o
maior desenvolvimento de qualidade ambiental que se possa obter.
k. Princípio do Poluidor Pagador (PPP): O objetivo maior do princípio é impedir os danos
ao meio ambiente. Consoante Paulo de Bessa ANTUNES o princípio do poluidor pagador foi
introduzido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico- OCDE.
Não obstante, procura-se atribuir ao poluidor o custo ambiental de seu dano. Mas,
saliente-se que não há tolerância para a poluição e sua indenização em pecúnia pelo poluído,
visto que não há valor que possa restaurar o meio ambiente degradado.
Ainda o artigo 4º, VII da Lei 6.938/1981 assenta que a Política Nacional do Meio
Ambiente pretende impor ao poluidor pagador a obrigatoriedade de recuperação e/ou
indenização dos danos causados ao meio ambiente, e ao usuário, de contribuição pela
utilização de recursos ambientais com fins econômicos. Sendo que cabe destacar também que
o princípio n.º 16 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.
l. Princípio do Controle do Poluidor Pagador pelo Poder Público: Segundo Milaré este
princípio provém da responsabilidade do Poder Público de manutenção, preservação e
restauração do meio ambiente, visando seu uso racional e equilibrado. Neste ínterim, cabe
destacar a previsão desta obrigatoriedade na Lei 7.347/1985 e o enfoque da Constituição

11
A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos
interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que
disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades,
bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a
participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos
judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos.

22
Federal de 1988, no artigo 225§1º 12, que estabelece como competência do Poder Público.
m. Princípio do usuário – pagador: Este princípio relata uma prática atual da União
Européia, cujo alvo é evitar a degradação do meio ambiente através do pagamento por
serviços ecológicos que tragam incentivos à preservação. Este mecanismo denomina-se
Pagamentos por Serviços Ambientais. A legislação brasileira, embora seja de 1981, traz no
artigo 4º, VII da Lei 6.938 (Política Nacional do Meio Ambiente), a compensação com uma
contribuição.
n. Princípio da Função socioambiental da propriedade: A propriedade deve ter sua função
social, como exercício do direito por parte de seu proprietário de modo que não traga prejuízo
à sociedade e ao meio ambiente, sendo que este último deverá ser preservado.

5. SUSTENTABILIDADE

A sustentabilidade é a utilização de forma equilibrada e racional dos recursos


naturais, sendo que, nos dias atuais, possui três desdobramentos: a sustentabilidade
econômica, a sustentabilidade social e a sustentabilidade ambiental. Na Carta Magna
brasileira esta disposição encontra-se consolidada nos artigos 225 e 170, IV, este último
relacionado ao Direito Econômico.
Para a Organização das Nações Unidas o conceito de sustentabilidade compreende
o atendimento das necessidades da presente geração sem prejudicar a garantia do atendimento
para as futuras gerações. Neste ínterim, trata-se da utilização dos recursos com racionalidade,
sensatez e guarda responsável.
Destaca André Rafael WEYERMÜLLER que

no tocante ao direito das gerações futuras previsto na Carta Magna, importante


alertar para um possível erro que muitos cometem ao visualizarem a questão do
direito intergeracional como algo a ser preservado apenas para as gerações futuras,

12
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e
manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos,
sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade
dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do
meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida,
a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio
ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica,
provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

23
como se várias gerações não pudessem coexistir (como efetivamente coexistem) ao
mesmo tempo, inclusive presente. (WEYERMÜLLER, 2010, p. 34)

Para Pedro JACOBI o desenvolvimento sustentável deve ser observado como um


processo pelo qual se tem sob um aspecto as restrições à desenfreada utilização dos recursos
naturais e sob outro aspecto o desenvolvimento tecnológico.
Salienta o autor que “o crescimento deve enfatizar os aspectos qualitativos,
notadamente os relacionados com a equidade, o uso de recursos [...] Além disso, a ênfase no
desenvolvimento deve fixar-se na superação dos déficits sociais, nas necessidades básicas e na
alteração de padrões de consumo, principalmente nos países desenvolvidos, para poder manter
e aumentar os recursos-base, sobretudo os agrícolas, energéticos, bióticos, minerais, ar e
água” (JACOBI, 2002).
Desta forma, destaca Pedro JACOBI que a gestão sustentável preconiza a
responsabilidade e a formação de valores éticos. Nisto também se aplicamas políticas de
desenvolvimento de uma sociedade cuja base deve estar em uma educação ambiental
consolidada, visto que com isto as pessoas serão capazes de discernir seu papel de agentes co-
responsáveis pela proteção do meio ambiente, visando o somatório do desenvolvimento
tecnológico, socioeconômico nunca deixando de lado a proteção ambiental e seu uso
adequado. Ainda em uma “sociedade sustentável não pode ignorar nem as dimensões
culturais, nem as relações de poder existentes e muito menos o reconhecimento das limitações
ecológicas, sob pena de apenas manter um padrão predatório de desenvolvimento” (JACOBI,
2002, p.195).
A sustentabilidade como fator basilar para um crescimento correto deve sempre
incentivar a responsabilidade ética, trazendo com isto equidade e justiça social. (JACOBI,
2002, p. 196). Diante disto, a sustentabilidade compreende como um todo, a relação mútua da
qualidade de vida, justiça social e o equilíbrio ambiental, para a sua conservação para as
presentes e futuras gerações. Pedro JACOBI compreende que:
A problemática socioambiental, ao questionar ideologias teóricas e práticas, propõe
a participação democrática da sociedade na gestão dos seus recursos atuais e
potenciais, assim como no processo de tomada de decisões para a escolha de novos
estilos de vida e a construção de futuros possíveis, sob a ótica da sustentabilidade
ecológica e a equidade social. [...]
Talvez uma das características mais importantes do movimento ambientalistas e ja a
sua diversidade. Esse amplo espectro de práticas e atores confere-lhe um caráter
multissetorial que congrega inúmeras tendências e propostas orientadoras de suas
ações, considerando valores como equidade, justiça, cidadania, democracia e
conservação ambiental. (JACOBI, 2012. p. 200)

Diante disto, tem-se como relevante e inevitável a questão da economia e do

24
desenvolvimento humano. A sociedade tecnológica dos dias de hoje já sofre com as
consequências ocasionadas pelas agressões ao meio ambiente.
Desta forma, as informações trazidas pelo Direito Ambiental, desde que
propagadas, vem a estabelecer a educação sustentável a toda à sociedade.
Saliente-se que na sustentabilidade econômica deve-se garantir o crescimento
econômico, juntamente com respeito às questões ambientais, mediante o seu uso inteligente e
racional. Ademais, deve-se atentar à sustentabilidade econômica no meio ambiente do
trabalho, visto que o trabalhador deve exercer suas atividades em um ambiente saudável.
A sustentabilidade social compreende ações sociais que visem atitudes
sustentáveis, por parte dela e para a sociedade como um todo. Entende-se ainda como
sustentabilidade social o respeito à qualidade de vida no meio ambiente do trabalho, atentando
sempre ao respeito à dignidade da pessoa humana.
Já na sustentabilidade ambiental tem-se a utilização adequada, inteligente e
prudente dos recursos naturais, visto que se trata de recursos finitos que devem ser usufruídos
pelas diversas gerações.
Nas palavras de Pedro JACOBI, no que tange à existência de sustentabilidade
social, econômica e ecológica,
Estas dimensões explicitam a necessidade de tornar compatível a melhoria nos
níveis e qualidade de vida com a preservação ambiental. Surge para dar uma
resposta à necessidade de harmonizar os processos ambientais com os
socioeconômicos, maximizando a produção dos ecossistemas para favorecer as
necessidades humanas presentes e futuras. A maior virtude dessa abordagem é que,
além da incorporação definitiva dos aspectos ecológicos no plano teórico, ela
enfatiza a necessidade de inverter a tendência autodestrutiva dos processos de
desenvolvimento no seu abuso contra a natureza. (JACOBI, 2002. p. 200)

Conclui-se que a sustentabilidade é a protagonista principal da sociedade dos dias


de hoje, afinal suas ações sustentáveis devem permanecer hoje e sempre. Na sequência, tratar-
se-á sobre a sustentabilidade corporativa.

5.1 SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA

A sustentabilidade corporativa tem sido o enfoque hodierno para as questões


ambientais neste século. Todavia, por mais que já se tenha gerado alteração na mentalidade do
homem em relação ao meio ambiente, o que se reflete em comportamentos positivos, se faz
evidente que mais áreas devem ser abrangidas por ações sustentáveis, quando se trata das
questões empresariais.

25
Não se pode esquecer que em um passado, não tão distante, e no presente
infelizmente (mas com avanços consideráveis), algumas empresas eram e são muitas vezes
responsáveis pelo uso desregrado dos recursos naturais. Ademais, não havia e não há respeito
quanto à relevância da salubridade do meio ambiente do trabalho. Por sua vez, não se pode
deixar de enfatizar as empresas responsáveis, que possuem um trabalho bom e
sustentabilidade nos seus três aspectos: econômico, ambiental e social.
Destaca-se que consoante Sylvia Constant VERGARA e Paulo Durval BRANCO,
as empresas
Competentes em responder às ameaças intrínsecas ao seu ambiente operacional, no
que diz respeito à produção e à comercialização de bens e serviços, as empresas têm-
se mostrado negligentes quanto aos fatores que dão sustentação a esse mesmo
ambiente. Historicamente, essa negligência tem-se revelado pelas inexpressivas
conquistas em termos de qualidade de vida da maioria dos trabalhadores, pela
exploração irresponsável dos recursos naturais, pelo descompromisso com qualquer
grupo de interesse que não seja o dos acionistas. Diante das características deste
início de século, marcado por desigualdades e desequilíbrios complexos e
interdependentes, torna-se cada vez mais evidente a insustentabilidade das práticas
comerciais que só contemplem a maximização do retorno sobre o capital.
Mais uma vez expostas a um desafio sem precedentes, as empresas terão de provar
que as competências e recursos que conquistaram, muitas vezes em detrimento das
necessidades da sociedade que as acolhe, podem contribuir para um modelo de
desenvolvimento efetivamente sustentável. (VERGARA; BRANCO).

Relatam os autores que esta realidade tem de ser alterada dia após dia, visto que a
ações que visem responsabilidade social, incluindo comportamentos sustentáveis são a base
para o sucesso futuro da empresa. Ademais, atualmente a conscientização das pessoas em
relação ao meio ambiente cresceu significativamente, por mais que a educação ambiental
ainda tenha quer ser muito difundida. Enfatize-se que as empresas que não possuem
comportamentos sustentáveis, não respeitam seus trabalhadores tratando-os em condições
análogas a de escravo, empregando crianças, menores em trabalhos inadequados são
repudiadas pela sociedade. Não obstante, já aquelas que tentam amenizar os impactos
ambientais, possuem projetos sociais dentro da empresa e fora dela também apresentam
relevante aceitação externa, o que influi diretamente em seus negócios.
Muitas vezes, mesmo diante de ações que visem à sustentabilidade, algum dano
ambiental é inevitável, pelo tipo de negócio desenvolvido pela empresa, a exemplo da
exploração do petróleo etc. Com isto cabe apresentar a tendência preventiva no âmbito
corporativo, tal vertente preconiza que aquele que aufere lucros retirando do meio ambiente a
sua matéria prima ou onerando o meio ambiente, deve devolver àNatureza o que está tirando
gratuitamente. Nisto consiste o custo ambiental, com o cumprimento das exigências,
condicionantes da legislação ambiental para a sua adequação. O empresário deve investir no

26
meio ambiente devolvendo à natureza através de um custo ambiental os impactos danosos
inevitavelmente sofridos. Deve-se colocar este custo ambiental no custo da empresa. Neste
contexto, a empresa mostra-se como um poluidor pagador de natureza preventiva, que assume
a responsabilidade e tenta melhorar a proteção ambiental espontaneamente.
Seguindo esta mesma linha, tem-se o balanço social da empresa que possui como
objetivo a análise da relação empresa versus sociedade. Além disso, há o balanço ambiental
da empresa que é constituído na socialização de um percentual do lucro auferido,no qual é
direcionado às questões ambientais de forma espontânea, sem observar obrigatoriamente a
legislação.
Por fim, diante da ocorrência de dano ambiental causado pela empresa, tem-se a
corrente coercitiva que por sua vez propõe a aplicação da responsabilização ambiental no
âmbito administrativo, cível e criminal.
Além do mais, com a infração às questões ambientais do trabalho e de normas
trabalhistas há a responsabilização pelo Ministério do Trabalho e Emprego e perante a Justiça
do Trabalho.
Por fim, na sequência tratar-se-á sobre a Ética, suas concepções históricas, a Ética
Ambiental e na continuidade a sua aplicação ao mundo corporativo.

6 ÉTICA

A palavra Ética é proveniente do grego ethos, conforme segundo Adela


CORTINA e Emilio Martinez NAVARRO significa “morada”, “lugar em que vivemos”,
contudo, subsequentemente passou a significar “o caráter”, o “modo de ser” que os indivíduos
vão formando durante sua a vida.
Na Grécia, entre seus filósofos e estudiosos foi onde começaram a surgir as
primeiras noções de Ética, que segundo Adela CORTINA e Emilio Martinez NAVARRO é
um saber normativo que tem como intenção o norteamento das ações humanas prudentes.
Neste contexto, a Ética tem papel de referência uma vez que observa as diversas práticas
morais de maneiras diferentes, buscando se adequar à realidade da vida cotidiana visando o
equilíbrio e a razoabilidade para o bom proceder da práxis humana.
Segundo os autores o saber apresentado na Ética trata-se
de saberes práticos (do grego praxis: atividade, tarefa, negócio), que são também
normativos, são aqueles que procuram orientar-nos sobre o que devemos fazer para
conduzir a nossa vida de uma maneira boa e justa, como devemos agir, qual a
decisão é a mais correta em cada caso concreto para que a própria vida seja boa em
conjunto. Tratam do que deve existir, do que deveria ser (embora ainda não seja), do
27
que seria bom que acontecesse (segundo a concepção do bem humano). Tentam nos
mostrar como agir bem, como nos conduzir adequadamente no conjunto de nossa
vida. (CORTINA; NAVARRO, 2005, p. 11)

A Moral que comumente se confunde com a Ética vem do latim “mos, moris” que
em sua forma original significava costume, entretanto, assim como a Ética, passou a significar
também “caráter” ou “modo de ser”. (CORTINA; NAVARRO, 2005, p. 11).
Desse modo, a “ética” e “moral” confluem etimologicamente em um significado
quase idêntico: tudo o que se refere ao modo de ser ou caráter adquirido como
resultado de pôr em prática alguns costumes ou hábitos considerados bons.
(CORTINA; NAVARRO, 2005, p. 20)
As regras da moral têm por função fixar, na consciência do indivíduo, as bases
fundamentais e gerais de toda moral; é a base que descansa todo o resto. As regras,
ao contrário, que determinam os deveres dos homens uns para com os outros, pelo
simples fato de serem homens, são a parte culminante da ética, o ponto mais
elevado, a sublimação do resto. (DURKHEIM apud SÉGUIN, 2005, p. 39)

Entretanto, há de se ressaltar que o termo Ética se faz mais plausível, pois a


Moral, em seu conjunto de “princípios normas e valores” pode-se dizer que está arraigada em
uma concepção que é transmitida de geração em geração, abrangendo modos de bom
comportamento para a vida. Tal entendimento já era apresentado por Ámpere, como se refere
Elida SÉGUIN, que adotou ao termo moral o preceito de “ciência dos costumes” (SÉGUIN,
2005, p. 39). Neste ínterim a Moral está relacionada, como já abordado, aos costumes de cada
sociedade e seus preceitos morais provêem de condutas. Já a “Ética”, como parte da Filosofia
abrange uma reflexão acerca dos problemas morais.
Sobre este aspecto, consoante os autores supracitados, a Ética caracterizada como
Filosofia Moral “não se identifica com nenhum código moral determinado”.(CORTINA;
NAVARRO, 2005, p. 20). Não obstante, tal fato não significa que a Ética encontra-se
imparcial diante de códigos morais existentes. Mas, sua concepção abarca “métodos e
objetivos próprios da Ética a comprometem com certos valores e a obrigam a denunciar
alguns códigos morais como “incorretos”, ou até mesmo como “desumanos”, enquanto outros
podem ser reafirmados por ela na medida em que os considere “razoáveis”, “recomendáveis’
ou até mesmo “excelentes”. (CORTINA; NAVARRO, 2005, p. 21).
As diretrizes trazidas com a Ética determinam condutas éticas basilares que
norteiam os diferentes códigos existentes, permitindo que seus princípios sejam enquadrados
de forma pluralista, com legitimidade, para que sejam racionalmente válidos e respeitáveis.
A Ética, conforme ressalta Cortina e Navarro possuem três funções:
1) esclarecer o que é a moral, quais são seus traços específicos; 2) fundamentar a
moralidade, ou seja, procurar averiguar quais são as razões que conferem sentido ao
esforço dos seres humanos de viver moralmente; e 3) aplicar aos diferentes âmbitos

28
da vida social os resultados obtidos nas duas primeiras funções, de maneira que se
adote nesses âmbitos sociais uma moral crítica (ou seja, racionalmente
fundamentada), em vez de um código moral dogmaticamente imposto ou da
ausência de referências morais.

Enfatizam ainda os autores que a metodologia a ser aplicada à Ética deve ser
eficaz, uma vez que um método 13 aplicado de forma errônea, mesmo que pautado em
princípios éticos, pode trazer resultados totalmente fora do contexto, resultados muitas vezes
discrepantes.
Nesta configuração, os cuidados metodológicos são imprescindíveis, falando-se
de Ética, os métodos propostos devem ser plausíveis, com bases éticas palpáveis, sempre
visando em tudo o respeito à dignidade da pessoa humana.
Diante disto, o papel da Ética diante de todas as possibilidades teóricas que
abranger, deve estar alicerçada em metodologias que se utilizem de padrões éticos elevados, a
fim de serem aplicados tecnicamente, com os preceitos claros, objetivando trazer resultados
satisfatórios do ponto de vista ético e técnico.
No que tange a Ética e sua relação com o meio ambiente, se pormenorizará a Ética
ambiental no próximo tópico.

6.1 ÉTICA AMBIENTAL

Milaré salienta que os anos passaram e ocorreu um confrontamento entre o Direito


e o Meio Ambiente, na concepção de sua garantia e ao mesmo tempo na sustentabilidade no
seu uso. Já no que diz respeito à Moral e a Ética, estas também recaíram na questão
ambiental. Milaré preconiza que:

Os requerimentos ambientais alcançam também o comportamento humano em face


do mundo natural e seus recursos, assim, como do mundo dos homens e suas
próprias realizações, pois a presença da família humana é fator determinante do
estado e da saúde da Terra. Em uma palavra, constrói-se uma “nova moralidade” dos
indivíduos e da sociedade humana, perante a nossa “casa comum”. A base dessa
construção repousa em velhos princípios perenes, que transcendem os limites dos
tempos, das culturas e das fronteiras dos Estados-nação. (MILARÉ, 2009, p. 121).

Salienta o autor que há uma relação entre o Direito a Ética e a Moral. Sendo que
na pós-modenidade a Ética ambiental vislumbra o comportamento do próprio homem com a
Natureza. Isto posta, Milaré compreende que a Terra é um organismo vivo, e o fenômeno da
vida no Planeta é algo transcendental, não se levando em conta somente parte da biosfera, mas

13
do grego methodos caminho, via. CORTINA; NAVARRO, 2005, p. 22.

29
que efetivamente haja o alcance de todas as dimensões.
O filósofo Peter SINGER trata do valor da denominada “ecologia profunda”, e
expõe acerca do pesquisador norueguês Arne NAESS que relata a propensão do
comportamento humano, individual e social, e com isto os fundamentos éticos no que tange
ao meio ambiente. (MILARÉ, 2009, p. 121).
Ressaltou Milaré que o trabalho de Arne NAESS, em conjunto com George
SESSIONS, um filósofo norte- americano, apresenta princípios da Bioética, a saber, a Ética
da Vida:
1 O bem-estar e o florescimento da vida na Terra, seja ela humana e não-humana,
têm valor em si mesmos (sinônimos: valor intrínseco, valor inerente). Esses valores
são independentes da utilidade do mundo não-humano, para finalidades humanas.
2 A riqueza e a diversidade das formas de vida contribuem para a concretização
desses valores, e também são valores em si mesmas.
3 Os seres humanos não têm direito de reduzir essa riqueza e diversidade, a não ser
para a satisfação das necessidades vitais. (MILARÉ, 2009, p. 138)

Milaré enfatiza que o progresso de uma Ética Ambiental, levará inevitavelmente à


alteração no estilo de vida da civilização nos atos cotidianos, inclusive almejando a
concretização de uma economia global.
Com isto,
se de um lado há necessidade de desenvolvimento mínimo socioeconômico para
bilhões de pessoas, por outro, é um ilusão pensar que toda a humanidade poderá
viver conforme os padrões do Primeiro Mundo. Impõe-se uma nova postura ética
internacional em face da questão ambiental e da crise planetária. Os atuais estilos de
civilização estão em julgamento. Mas tão grande mudança não se processará de cima
– deverá consolidar-se a partir de baixo, assim, como as grandes massas são
formadas de pequeninas moléculas unidas por um princípio ou força agregadora.
(MILARÉ, 2009, p. 138)

Leonardo BOFF salienta que:


A globalização está ainda buscando SUS expressão institucional. Ela será
seguramente ecocêntrica. Colocará no centro não este ou aquele país ou bloco
geopolítico e econômico, esta ou aquela cultura, mas a Terra entendida como um
macrossistema orgânico, um super-organismo vivo, Gaia, ao qual todas as instâncias
devem servir e estar subordinadas. A esse centro pertence a humanidade, composta
por filhos e filhas da Terra, humanidade entendida como a própria Terra que
alcançou o estágio de sentimento de reflexo de responsabilidade e de amortização.
Por isso, todos os ethos que venham ser construídos e propostos, assim como todos
os pactos sociais que venham a ser estipulados, devem incluir a natureza como
cláusula inegociável. (MILARÉ, 2009, p. 140)

Destaca-se que a própria Carta da Terra escrita por Leonardo BOFF trouxe outras
disposições acerca da Ética quando se trata de meio ambiente.
Milaré salienta que o presidente da Fundação Ethos Mundial, o suíço Hans Küng
expressa que há uma urgência de consciência e posturas éticas para as questões ambientais.

30
Nisto enfatizou o suíço que é necessário uma mudança de paradigma de uma era moderna
para a pós-moderna, visto que a natureza não pode ser mais “mercadejada, explorada e
destruída como mercadoria” (MILARÉ, 2009, p. 140).
Por derradeiro, tem-se que a preocupação ambiental deve estar incutida nas novas
mentalidades conscientes da presente e das futuras gerações. Tal compreensão somente se
dará com o enfoque considerável na educação ambiental. Através da educação as pessoas
poderão compreender utilizar racionalmente o meio ambiente é uma necessidade emergente,
visto que a própria sobrevivência de todos os seres inclusive do ser humano está em pauta.
Condutas éticas farão a diferença para a garantia de um meio ambiente preservado
para todo o planeta, e as atitudes devem partir de todos.
Todavia, a consciência ambiental, sobre todos os aspectos que contempla o meio
ambiente deve sobrepor-se ao capital, visto que as empresas devem aplicar a ética ambiental
em todas as suas ações. Nisto tem-se atualmente a chama responsabilidade social das
empresas.
No próximo tópico se enfatizará a postura que as organizações devem possuir para
aplicação de uma ética corporativa. Novas condutas politicamente corretas devem fazer parte
do mundo corporativo, não somente de forma agregada a visão empresas, mas, sim de forma
consolidada.

6.2 ÉTICA CORPORATIVA

Quando se fala em Ética Corporativa tem-se que como foco os gestores das
empresas. José Antonio Pupim OLIVEIRA opina no sentido que por mais que uma empresa
não possua capacidade de discernimento ético, visto que ela é amoral, suas ações podem ser
observadas sob a perspectiva ética. A Ética dentro de uma empresa abrangeria os princípios
utilizados dentro da organização, nisto incluindo as condutas dos gestores e as normas de
cunho social e corporativo.
Muitas corporações possuem verdadeiros códigos de Ética aplicados às suas
diretrizes. Neste ínterim, traz Robert Henry SROUR uma lista de temas que fazem parte do
conteúdo dos códigos de ética das empresas:
a. Relacionamento com os clientes, acionistas, colaboradores, fornecedores,
prestadores de serviços, distribuidores, autoridades governamentais, órgãos
reguladores, mídia, concorrentes, sindicatos, comunidades locais, terceiro setor,
associações empresariais;
b. Conflito de interesse entre vários públicos de interesse;

31
c.Regulamentação da troca de presentes, gratificações, favores, cortesias, brindes,
convites de fornecedores ou clientes.
d. Observância das leis vigentes.
e.Segurança e confidencialidade das informações não-públicos, em especial, das
informações privilegiadas.
f. Teor dos balanços, das demonstrações financeiras e dos relatórios da diretoria
endereçados aos acionistas, e seu nível de transparência.
g. Propriedade intelectual dos bens simbólicos, patentes e marcas.
h. Espionagem econômica ou industrial versus pesquisas tecnológicas e de uso de
benchmarking e da inteligência competitiva.
i. Postura diante do trabalho infantil e do trabalho forçado.
j. Formação de lobbies ou tráfico de influência.
k. Formação de cartéis e participação em associações empresariais.
l. Contribuição para campanhas eleitorais;
m. Prestação de serviços profissionais por parte dos colaboradores a fornecedores,
prestadores de serviços, clientes ou concorrentes.
n. Respeito aos direitos do consumidor.
o. Relação com o meio ambiente: uso de energia, água e papel; consumo de
recursos naturais; poluição do ar; disposição final de resíduos.
p. Uso do tempo de trabalho para assuntos pessoais.
q. Uso do nome da empresa para vantagens pessoais.
r. Discriminação das pessoas em função de gênero, etnia, raça religião, classe social,
idade, orientação sexual, incapacidade física ou qualquer outro atributo, e regulação
de sua seleção e promoção (questão da diversidade social).
s. Assédio moral e assédio sexual. (SROUR, 2008, p. 267).

Convém relacionar também outros tópicos, especialmente ligados ao meio


ambiente de trabalho que devem constar dos códigos de ética:
a) Comportamento e forma de execução das atividades;
b) Respeito à vida, saúde e qualidade de vida do trabalhador.
c) Observância das normas de direito do trabalho e previdenciário;
d) Garantias de segurança no trabalho.
e) Respeito à jornada de trabalho do empregado.
f) Respeito entre todas as pessoas que fazem parte da empresa, da função hierárquica inferior
à superior.
Enfatiza ainda o autor Robert Henry SROUR que de forma estratégica as
empresas devem possuir um mecanismo de regulamentação das condutas, com a finalidade de
aplicação da Ética em seu âmbito. O autor relaciona condutas que devem ser empregadas:
a) Prestação de contas de forma clara para com os acionistas, investidores e
analistas de mercado, órgão reguladores e entidades capitais, tanto nacionais quanto
internacionais. Com o fornecimento de informações límpidas, exatas, acessíveis,
justa e completa.
b) Constituir um Comitê de Auditoria que, para garantir decisões confiáveis,
exercite controles internos, fiscalize a gestão e os procedimentos, funcione para os
acionistas como canal para o encaminhamento de questionamentos das ações da
Administração, proceda à Avaliação do gerenciamento de negócios e desenvolva
uma preocupação estratégica para proteger o patrimônio e a reputação da empresa.
c) Informar os clientes de forma correta, compreensível, fundamentada e
tempestiva sobre as qualidades do produto ou do serviço oferecido, bem como sobre
as condições e os riscos que afetam as operações, para que eles disponham de

32
informações fidedignas e, em consequência, possam estabelecer comparativos entre
as várias opções disponíveis e possam tomar decisões com liberalidade de escolha e
fundada segurança.
d) Aplicar medidas preventivas contra fraudes e divulgar sua eficácia para reter e
consolidar a confiança conquistada junto aos clientes.
e) Impedir a utilização da instituição para legitimar recursos de origem criminosa –
tal como a lavagem de dinheiro – e informar os gestores competentes a respeito de
qualquer proposta de operação suspeita ou de situação prevista em regulamento
competente.
f) Preservar a integridade dos documentos sob guarda, porque a memória da
empresa e as bases dos lançamentos contábeis se encontram nos registros e nos
relatórios que fundamentam os comunicados ao mercado, além de atender aos
compromissos com os órgãos governamentais.
g) Elaborar demonstrativos financeiros de acordo com os princípios fundamentais
da contabilidade dos países em que opera, além de manter um padrão que os trone
comparáveis e auditáveis.
h) Conceder créditos às empresas, valorizando critérios socioambientais para que os
projetos financiados reflitam as melhores práticas de gestão ambiental, em
obediência aos Princípios do Equador, cujo objetivo consiste em garantir
sustentabilidade, o equilíbrio ambiental, o impacto social e a prevenção de tudo o
que possa causar embaraços no transcorrer dos empreendimentos.
i) Elaborar uma política de Chinese Wall que defina os escudos protetores, as zonas
de confinamento, os mecanismos de monitoramento e as barreiras que impeçam ou
restrinjam o fluxo das informações não-públicas cuja difusão constitui fonte
potencial de conflitos de interesses entre as áreas internas da instituição financeira e
seus demais públicos de interesse;
j) Fazer recomendação aos clientes desde que adequadas à sua situação financeira e
a seu perfil de investidores.
k) Selecionar os parceiros de negócios a partir do conhecimento da origem de seus
recursos, bem como da atividade que exercem para prevenir a ocorrência de atos
ilícitos cujas graves repercussões poderiam afetar a carreira dos profissionais, além
de pôr em risco os ativos intangíveis da instituição.
l) Abster-se de aconselhar, difundir ou negociar com base em boatos [...] com base
em rumores envolvendo negócios nacionais ou internacionais, no intuito de
preservar a integridade das operações, resguardar a imagem corporativa e não
disseminar uma cultura de especulação.
m) Rejeitar as operações que burlem norma legal ou regulamentar, inclusive fiscal,
ainda que venham a valorizar carteira administrada, favoreçam os clientes, o próprio
colaborador, terceiros e de seu relacionamento ou até mesmo instituição.
n) Evitar ficar inadimplente em negócios pessoais como, por exemplo, na emissão
de cheques sem provisão de fundos. (SROUR, 2008, p. 269, 270).

Dentre as condutas que devem ser regulamentadas, além das ressalvadas acima,
que tratam de várias questões dentro da empresa, há a necessidade de uma regulamentação
para um comportamento ético na esfera corporativa. Com isto pode-se destacar o meio
ambiente do trabalho, no qual se fazem necessárias as seguintes medidas:
a) A educação para um do comportamento seguro por parte dos empregados no uso de
equipamentos de proteção individual, quando necessários à execução dos serviços.
b) Com muito cuidado pormenorizar normas sobre aparência, higiene e o figurino adequado
para os padrões da empresa e do cargo exercido.

33
c) Ressaltar a importância dos cuidados com a saúde, nisto incluindo alimentação e a
realização de atividades físicas. Sempre com o objetivo de garantir aos trabalhadores
qualidade de vida.
d) Enfatizar o respeito entre as pessoas, horizontal e verticalmente, ou seja, entre os colegas
de trabalho, bem como entre os líderes, superiores hierárquicos.
e) Buscar assegurar condutas éticas na execução das atividades quaisquer que sejam.
Na elaboração de um código de ética nas empresas Robert Henry SROUR
descreve que há diferenças entre imposições administravas e condutas morais.
A regulação de condutas morais visa à aquisição da concordância ou adesão
espontânea dos seus agentes. As normas administrativas por sua vez, processam-se por
imposições legais ou outras exigências, pois se tratam de necessidades impreteríveis e
improrrogáveis. Não obstante, quando se trata de diretrizes morais procura-se resguardar a
empresa e seus profissionais do risco de reputação, mas dependem da pertinência dos seus
fundamentos e da validade de suas recomendações.
Na elucidação dos conceitos, enfatiza o autor que são questões relacionadas à
Moral:
as fraudes, os subornos e os conluios; as relações com os públicos de interesse; a
observância das leis e das regulamentações; os conflitos de interesse entre o
profissional e a empresa, a empresa e as partes interessadas; a diversidade social; a
convivência entre superiores, pares e subordinados; assédio moral e assédio
sexual; a confidencialidade das informações; o uso dos equipamentos da empresa;
as ameaças à saúde e à segurança no trabalho; o posicionamento em relação
aos negócios mantidos com entidades públicas; a problemática da espionagem
econômica e a concorrência desleal etc. (SROUR, 2008, p. 273).

Robert Henry SROUR resume que o código moral, é como um “manual de


preceitos” éticos comportamentais. Um guia delineia os padrões de conduta no exercício
profissional, um norte, uma meta moral.
Os códigos morais, conforme destaca o autor, são formados de duas formas, com
a: Ética da convicção e a Ética da responsabilidade.
Sob o prisma da Ética da convicção, esta visa observar deveres, com o
cumprimento por parte dos agentes de normas imperativas. “A teoria da convicção, cuja
lógica consiste em cumprir voluntariamente deveres ou imperativos morais, acaba sendo
confundida com uma abordagem político-jurídica cujas normas são impositivas, à semelhança
das obrigações legais que se estribam em sanções disciplinares. Daí deriva uma concepção
legalista dos códigos de conduta moral.” (SROUR, 2008, p. 273). Neste contexto há
imposição de normas “de fora para dentro” desprestigiando o caráter ético da adesão

34
voluntária.
Por sua vez, a teoria da Ética da responsabilidade abrange normas que
correspondem a recomendações justificadas, provenientes da análise de situações. O autor
ressalta que poucos códigos possuem este nível de complexidade e modernidade.
No que tange à sociedade, a conduta ética de uma empresa deve estar pautada nas
suas ações que visem o respeito à sociedade e ao meio ambiente. Ações éticas internas,
também refletem a postura externa da empresa. Gerry JOHNSON, Kevan SCHOLES e
Richard WHITTINGTON, compreendem que a posição ética de uma organização reflete que
o grau que a empresa possui no cumprimento de suas obrigações com os stakeholders 14 com a
sociedade como um todo. A postura ética de uma organização, como entendem os autores,
revela o grau e caráter de uma empresa, bem como a maneira que ela é administrada.
Portanto, a responsabilidade social de empresa está em conexão direta com a
ética, e conforme José Antonio Pupim OLIVEIRA destaca uma empresa socialmente
responsável é aquela que vai além de suas responsabilidades legais.
Por fim, tem-se a importância de se levar em consideração por parte das
organizações da aplicação da Ética Corporativa. Com isto observa-se o resultado na qualidade
de vida e saúde dos seus trabalhadores, com reconhecimento de toda a sociedade.

7 CONCLUSÃO

O meio ambiente é essencial à sadia qualidade de vida do ser humano e todos os


seres viventes do planeta. Deste modo, compreende-se que os recursos naturais devem ser
preservados para as presentes e futuras gerações. Nisto se faz relevante a proteção do meio
ambiente em todos os seus aspectos. A sociedade bem como o Estado são responsáveis pela
preservação ambiental.
O meio ambiente natural não é recurso inesgotável e a sua preservação deve ser
algo primordial para a humanidade. Neste contexto, tem-se o desafio da sustentabilidade
corporativa. Para que se possa alcançar esta sustentabilidade, há caminhos importantes a
serem trilhados. Neste percurso, será essencial a aplicação da Ética na busca da
sustentabilidade corporativa para fins de preservação de todos dos aspectos do meio ambiente.
Atualmente, observa-se que o discurso ambiental tem avançado, a cada ano, com a
crescente busca do melhoramento da qualidade de vida dos seres vivos. Todavia, mesmo

14
Parte interessada. Organizações ou mesmo indivíduos interessados nas ações da empresa (OLIVEIRA, 2008).

35
diante desta busca, alguns posicionamentos precisam ser revistos e melhorados, pois sob o
prisma empresarial, algumas empresas ainda possuem uma ótica capitalista antagônica as
causas ambientais.
Algumas corporações, infelizmente, têm seu foco principal apenas nos interesses
econômicos. Para alguns custa muito caro ser ‘sustentável’, ‘ambientalmente correto’.
Visando a preservação ambiental, a sustentabilidade tem conquistado espaço em
diversos setores da sociedade. Todavia, ainda é pouco, é preciso uma mudança plena de
paradigma, visto que mesmo diante de tantos documentos e Conferências Mundiais
ressaltando este tema, a mentalidade humana carece de educação e conscientização dos males
da degradação ao meio ambiente. Neste contexto, ainda persistem as visões ‘sobressalentes’
da ótica capitalista avessa à causa ambiental, principalmente no mundo dos negócios. É
preciso acabar com a visão única de lucro... Algumas empresas, infelizmente, têm seu foco
principal nos seus interesses econômicos se utilizando de tecnologias ultrapassadas, altamente
poluidoras e de custo baixo. Não querem investir em tecnologia limpa, pois o custo é elevado
em detrimento da tecnologia que possui. Para alguns custa muito caro ser ‘ecologicamente
correto’, querem muito lucro e poucos gastos.
A sustentabilidade corporativa é preocupação mundial de tal relevância, que
esteve relacionada a diversos temas apresentados na Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável (Rio +20).
Não se pode esquecer que em um passado não tão distante e no presente,
infelizmente, muitas empresas eram e são responsáveis pelo uso desregrado dos recursos
naturais. Por isso, as empresas verdadeiramente comprometidas com a sustentabilidade têm
enfoque na sustentabilidade em seus três aspectos: econômico, ambiental e social.
Ressalta-se que a sustentabilidade é a utilização de forma equilibrada e racional
dos recursos naturais e na Constituição Federal de 1988 encontra-se consolidada nos artigos
225 e 170, IV, este último relacionado ao direito econômico. Nos dias atuais, a
sustentabilidade possui três desdobramentos: a sustentabilidade econômica, a sustentabilidade
social e a sustentabilidade ambiental.
A sustentabilidade econômica tem o condão de garantir o crescimento econômico,
juntamente com respeito às questões ambientais, mediante o seu uso inteligente e racional.
Já a sustentabilidade social compreende ações sociais que visem atitudes
sustentáveis, por parte dela e para a sociedade como um todo.
Entende-se ainda como sustentabilidade social, o respeito à qualidade de vida no
meio ambiente do trabalho atentando-se à dignidade da pessoa humana.
36
A sustentabilidade ambiental, por sua vez, engloba a utilização adequada,
inteligente e prudente dos recursos naturais, visto que se trata de recursos finitos que devem
ser usufruídos pelas diversas gerações de forma equilibrada.
No que tange a sustentabilidade, a responsabilidade social da empresa remete a
aplicação de uma espécie de Código de Ética Corporativo. Salienta-se também que a cada dia
mais empresas estão assumindo a sua responsabilidade sobre o equilíbrio do meio ambiente,
mas ainda é pouco.
Hodiernamente, empresas éticas são aquelas que buscam a sustentabilidade.
Enfatize-se que ações éticas internas, também refletem a postura externa na preservação do
meio ambiente de uma empresa. Por isso, é importante levar em consideração, por parte das
organizações, a aplicação da Ética Corporativa.
Dentro da questão ambiental, a Ética percorreu um longo caminho para a sua
consolidação. Nesta trajetória, houve um confrontamento entre o Direito e o Meio Ambiente,
visto que havia a necessidade de sua preservação e ao mesmo tempo a necessidade de
regularização da utilização equilibrada de seus bens. Advindo, com isto, a imprescindível
aplicação da denominada Ética Ambiental. Em razão disto, a Ética foi a cada dia sendo
indispensável, deste modo, ganhando espaço dentro do âmbito corporativo. Neste sentido, a
Ética, na esfera empresarial, deve preconizar a realização de ações sob esta perspectiva, a
sustentável.
Com isto, conclui-se que para a aplicação de uma sustentabilidade na esfera
empresarial, a Ética é fator relevante para a preservação do meio ambiente. Deste modo,
preservar o meio ambiente, possuir ações corretas, atentar à legislação vigente e exercer
condutas favoráveis ao bom desenvolvimento e progresso da humanidade, bem como da
Terra, são metas que não serão atingidas sem a presença essencial da Ética. Portanto, a Ética
deve ser um dos fundamentos para que, de forma plena e integral, se possa alcançar a
sustentabilidade corporativa, que nos dias de hoje não é mais uma opção, mas é impreterível à
garantia de um futuro corporativo harmônico e estável.
Por fim, destaca-se que a humanidade tem papel principal ante a sua
responsabilidade de preservação ambiental, em consonância com o desenvolvimento baseado
em um planeta sustentável, que venha a utilizar deforma racional e consciente os recursos
naturais, para que as presentes e futuras gerações usufruam de um meio ambiente equilibrado.

37
REFERÊNCIAS

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39
INCLUSÃO FEMININA NO MERCADO DE TRABALHO: FUNÇÃO SOCIAL DA
PROPRIEDADE EMPRESARIAL OU RESPONSABILIDADE SOCIAL?

Gilgreice Nunes de Souza 15

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo traçar uma análise da inclusão da mulher no
mercado de trabalho à luz dos conceitos de responsabilidade social das corporações privadas e
da função social da propriedade empresarial, termo este citado pela Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 170, III.
Historicamente, a mulher iniciou sua participação na economia auxiliando o seu
cônjuge de maneira informal através das atividades domésticas determinadas como seu papel
obrigatório dentro do contexto da união marital. Através da oportunidade de aumentar a renda
familiar para suprir algumas necessidades “da casa”, com seu trabalho, ela inicia o
rompimento de conceitos e a quebra de paradigmas saindo para trabalhar em um lugar físico
diferente de seu lar.
É bem verdade que a cada momento a mulher tem conquistado seu espaço na
sociedade de um modo geral e, especialmente, na economia do país e do mundo, contribuindo
com sua força de trabalho para o crescimento de indústrias e pequenas empresas.
O reflexo da mão de obra feminina nos vários nichos do mercado traduz-se pelo
empreendedorismo acrescido de várias jornadas de trabalho, quais sejam, o profissional e o
familiar, estes nem sempre reconhecidos.
O mais interessante em tudo isso é que, em função dos novos papéis que a mulher
passa a desenvolver, a estrutura familiar se altera, a sociedade se modifica e toda uma geração
passa a obter novos valores com quebras de paradigmas.
Diante deste cenário, cabe ao Estado e às empresas tomarem a iniciativa de
valorizar a mão de obra feminina minimizando desigualdades sociais entre homens e
mulheres, através de incentivos e programas de qualificação dirigidos à classe feminina.
A este tipo de inclusão podemos chamar de “responsabilidade social” ou exercício
da “função social da propriedade privada”?
É este questionamento que se pretende intensificar ao longo deste texto.

15
Especialista em Logística Empresarial. Graduada em Direito e em Comércio Exterior. Professora de Legislação Aduaneira.
Professora de Comércio Exterior. Consultora de empresas.

40
2. RESPONSABILIDADE SOCIAL

Segundo o Dr. Antonio Raimundo 16 (informação verbal), “Responsabilidade


Social Corporativa”:

é a forma de gestão que torna a empresa parceira de seus Stakeholders (todos os


interessados/afetados pelo negócio) e co-responsável pelo desenvolvimento social.

Completa, ainda o tal docente, que existem quatro conceitos fundamentais que
sustentam as bases da responsabilidade social, são eles:
− Stakeholders, ou seja, todos aqueles personagens participantes da cadeia de consumo
(fornecedores de matéria-prima, fabricantes, distribuidores, varejistas, consumidores finais
e comunidade na qual a empresa está inserida).
− Desenvolvimento sustentável, ou seja, preocupação com o futuro através de ações que
permitam, concomitantemente, o desenvolvimento econômico e social e a preservação dos
recursos ambientais ao longo das gerações vindouras.
− Investimento social privado, isto é, o repasse voluntário de recursos próprios de forma
planejada, sistemática e monitorada para projetos de interesse público.
− Triple bottom line (3P – people, planet, profit), isto é, são os resultados da empresa
medidos em termos sociais, ambientais e econômicos e, voluntariamente, apresentados
para a sociedade, através de relatórios de responsabilidade social publicados pela imprensa
especializada.

2.1 RESPONSABILIDADE SOCIAL NO MUNDO

As empresas só existem por delegação da sociedade e têm que prestar contas a


ela 17. Só se legitimam quando funcionam como veículos para que as pessoas se realizem
holisticamente, não apenas para que seus donos fiquem ricos, lembrando que a empresa é o
local de “confecção” de vidas, pois as pessoas gastam a maior parte de seu tempo em seu

16
Professor Doutor Antonio Raimundo, titular da Fundação Getúlio Vargas, ministrou palestras sobre
Responsabilidade Social Corporativa nos dias 20 e 23 de outubro de 2008 para fornecedores da empresa
Boticário.
17
Segundo Raimundo (1998 apud Peter Drucker),
41
ambiente de trabalho, comprovadamente 18.
Raimundo (1998 apud James C. Collins) cita que as inovações sociais tendem a
ser mais profundas do que qualquer inovação tecnológica isolada, descoberta de mercados ou
novos produtos. São as inovações sociais (que permanecem) que possibilitam o surgimento de
todas as outras inovações.
Raimundo (1998 apud Ashley) diz que, no último estágio, a empresa passa a atuar
como agente de transformação social.
Não existe no mundo um ícone da responsabilidade social, mas alguns países,
como a Índia, que ditam tendências para este tema, geralmente abordado de maneira mais
conceitual do que prática, de forma a promover uma maior conscientização naqueles que
efetivamente podem implementar ações que viabilizem atividades de desenvolvimento social
sustentável, econômico e ambiental, quais sejam governo, entidades religiosas e empresas.
Diante deste cenário, os conceitos mais utilizados para responsabilidade social
empresarial (RSE) são:
− É a atitude (nova) da organização produtiva de incorporar as demandas e as necessidades
sociais como parte de seus negócios. Indica um sentido de obrigação para com a sociedade
ao assumir várias formas: proteção ambiental, projetos educacionais, preservação da
diversidade cultural, incremento da vida econômica, etc; criando um ambiente de trabalho
favorável psicologicamente para os funcionários, aumentando o rendimento e capacidade
laboral.
− É um movimento estratégico que contempla toda a cadeia de negócio da organização e
engloba preocupações com um público maior. Deve fazer parte da estratégia da
organização.
− Difere da Filantropia (ação social externa da organização que beneficia grupos não
diretamente ligados ao negócio) porque esta possui um baixo nível de comprometimento,
não sendo esporádica, enquanto que a RSE possui um comprometimento alto, pois permeia
a estratégia de negócio da empresa.
Surgem, então, os conceitos de Organização Social e Organização Cidadã, são
eles:
− Organização social que engloba também interesses dos stakeholders, mantendo com eles
uma relação de interdependência.

18
Estudo realizado pelo IBGE

42
− Organização cidadã que adota estratégias com base no compromisso ético de satisfação de
expectativas e respeito a parceiros e à sociedade.
Por que Responsabilidade Social Empresarial (RSE)?
A comunidade mundial já começou a sentir os efeitos climáticos decorrentes da
devastação ambiental e do acúmulo de lixo criado pelo altíssimo consumo de matéria-prima,
produtos e serviços.
Diante da crise ambiental, há a saturação dos três recursos naturais (animal,
vegetal e mineral) em função da má destinação de dejetos e rejeitos, necessitando de ações de
sustentabilidade ambiental para a sobrevivência do planeta.
Assim, devido ao poder econômico das empresas, aumenta a responsabilidade
das organizações no ambiente em que está localizada.
Além disso, o Ciclo de pobreza, que envolve: fome, baixa esperança de vida,
doenças, elevada criminalidade, falta de oportunidade de emprego, emigração, prostituição,
tráfico de pessoas, depressão, entre outros, podem ser fatores para que algumas empresas
sejam sensibilizadas com estas situações e proporcionem o combate às mesmas nos limites de
atuação de seus negócios.
Acrescente-se ainda que, nas organizações, a preocupação com o lado humano
para reter talentos e desenvolver potenciais devido ao fato de que se está na era do
conhecimento em que as pessoas possuem um papel essencial de captadores do conhecimento
e manipuladores das informações. É importante salientar que a empresa não muda seu DNA 19
(dar lucro), mas se for necessário ser socialmente responsável para dar mais lucro, ela será.
Entende-se que a conduta responsável é mais do que modismo ou diferencial competitivo: é
condição de sobrevivência para sustentabilidade do negócio.
Dentro deste contexto, o Estado passa a ser o gestor do contrato social chamado
“Constituição”; no caso do Brasil, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Principais Tendências
Há movimentos internacionais voltados para a ética relacionada à igualdade
feminina tais como womens equity 20 e ethisphere 21 que denunciam a desigualdade social de
gênero.

19
Expressão figurada para exemplificar quão importante é o lucro para as organizações.
20
The women’s equity fund (www.womens-equity.com), 1993, acesso em 05 de Novembro de 2008.
21
www.ethisphere.com,
acesso em 05 de Novembro de 2008.
43
Especialmente o womens equity, o qual foi criado em 1993 com a perspectiva de
criar um fundo de investimentos para melhorar o “status” econômico e social da mulher no
seu ambiente de trabalho e que investe em empresas que proporcionam a maximização do
potencial de seus empregados, especialmente as mulheres através de suas políticas internas.

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)


O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento tem como objetivo
principal o combate à pobreza e está ligado diretamente à necessidade de minimização das
desigualdades, dentre elas, a de gênero.
Dentro deste aspecto, comenta-se acerca da feminização da pobreza, decorrente
das desigualdades entre homens e mulheres.
Em entrevista à PrimaPagina, Joana Costa 22 (pesquisadora do IPEA) cita que as
medidas de feminização da pobreza podem ser afetadas por mudanças na composição
demográfica da população, como o exemplo da alteração do perfil da chefia dos domicílios:
um enfoque que se restrinja ao universo dos pobres indicaria que, entre os lares pobres,
aumentou a proporção dos que são chefiados por mulheres — haveria, portanto, uma
feminização da pobreza. “Mas esse fenômeno (aumento de domicílios chefiados por
mulheres) ocorre em todas as camadas da população, não apenas entre os pobres. É algo
demográfico”, argumenta.

2.2 RESPONSABILIDADE SOCIAL NO BRASIL

Instituto Ethos
Segundo o Instituto Ethos 23, Responsabilidade Social é a forma de gestão que se
define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se
relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento
sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para gerações futuras
respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais.
Não se tratam de ações isoladas, mas de uma forma de pensar, uma forma de gerir
o negócio de maneira a entender como esta forma impacta em seus colaboradores internos,
externos e na comunidade em que está inserida. A ênfase está na ética e na transparência
(comunicação efetiva para satisfazer às expectativas dos públicos de interesse e, ao mesmo

22
Joana Costa é pesquisadora do IPEA (Instituto de Pesquisa, Economia e Administração).
23
Instituro Ethos é uma entidade não governamental, criada em 1993.
44
tempo, resguardar o que é estratégico).
É um conceito amplo que visa a satisfazer às necessidades de consumo presente,
sem, no entanto, esquecer-se da preservação de recursos ambientais e culturais para a
satisfação das necessidades de gerações futuras.
Nem tudo é responsabilidade social, cabe a cada empresa avaliar seus processos e
entender quais ações são consideradas partes dos processos de gestão como, por exemplo, o
que a empresa pode fazer para valorizar a diversidade em seu quadro funcional?
Neste contexto, deve haver a reflexão por parte da empresa sobre quais são seus
valores, princípios, práticas de governança, relacionamento com seus públicos interno e como
estes se relacionam com a prática da gestão responsável.
Até pouco tempo atrás, a competitividade era baseada em duas grandes vertentes:
preço e qualidade. Atualmente, o mercador está incorporando um novo fator de
competitividade: a qualidade das relações.
Mas o que são relações de qualidade? São relações éticas e transparentes que
adicionam valor para todas as partes envolvidas. Para atingir esse objetivo, é necessário
manter um diálogo franco e justo com todos aqueles que participam do cotidiano do seu
negócio, ou seja, seus empregados, fornecedores, clientes, concorrentes, autoridades de suas
cidades, de seu Estado e de seu país, os vizinhos de sua empresa, etc. Dessa forma, todos
saberão o que podem e devem esperar de sua empresa, bem como o que a sua empresa espera
de cada um, em termos de relacionamento e atuação.
O tema da responsabilidade social empresarial (RSE) está cada vez mais presente
na agenda das organizações empresariais em todo o mundo. A complexidade atual da
economia faz com que as empresas se reorganizem e revejam seus conceitos e práticas para
poderem enfrentar com ética e transparência os desafios de um mercado cada vez mais
competitivo e, ao mesmo tempo, atender às crescentes demandas da sociedade. Nesse novo
contexto, as empresas, independentemente de seu porte e do setor a que pertencem, devem
investir na qualidade do relacionamento cotidiano que estabelecerem com seus diversos
públicos e participar de um esforço conjunto em direção ao desenvolvimento social e
ambiental, aliado ao econômico.

Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM)


Além do Instituto Ethos 24, existe também a Secretaria Especial de Políticas para

24
Ibidem

45
as Mulheres – SPM, ligada diretamente à Presidência da República, a qual estabelece políticas
públicas que contribuem para a melhoria da vida de todas as brasileiras e que reafirmam o
compromisso do Governo Federal com as mulheres do país.
Percorrendo uma trajetória transversal em todo o governo federal, de modo a
estabelecer parcerias com diversas instâncias governamentais, a SPM enfrenta as
desigualdades e diferenças sociais, raciais, sexuais, étnicas e das mulheres deficientes. A SPM
trabalha com as mulheres, para as mulheres e pelas mulheres. A Secretaria foi criada através
da Medida Provisória 103 25 para desenvolver ações conjuntas com todos os Ministérios e
Secretarias Especiais, tendo como desafio a incorporação das especificidades das mulheres
nas políticas públicas e o estabelecimento das condições necessárias para a sua plena
cidadania. É competência da SPM:
− Assessorar direta e imediatamente o Presidente da República na formulação, coordenação e
articulação de políticas para as mulheres.
− Elaborar e implementar campanhas educativas e não discriminatórias de caráter nacional.
− Elaborar o planejamento de gênero que contribua na ação do governo federal e das demais
esferas de governo.
− Promover a igualdade de gênero; articular, promover e executar programas de cooperação
com organismos nacionais e internacionais, públicos e privados, voltados à implementação
de políticas para as mulheres.
− Promover o acompanhamento da implementação de legislação de ação afirmativa e
definição de ações públicas que visem ao cumprimento dos acordos, convenções e planos
de ação assinados pelo Brasil, nos aspectos relativos à igualdade entre mulheres e homens
e de combate à discriminação, tendo como estrutura básica o Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher, o Gabinete e três Subsecretarias.
Dentro desta Secretaria foi criado o Programa Pró-eqüidade de Gênero, o qual consiste
em desenvolver novas concepções na gestão de pessoas e cultura organizacional para alcançar
a eqüidade de gênero no mundo do trabalho. Em todos os países do mundo, mesmo nas
sociedades industrializadas, existem claras diferenças entre as possibilidades de acesso que
mulheres e homens têm aos recursos produtivos, ao poder, às oportunidades e à participação
na vida política.
Não existe, ainda, país algum que tenha eliminado as desigualdades de gênero em

25
Medida Provisória 103
46
todos os campos das suas atividades 26.
O Programa Pró-Eqüidade tem por objetivos:
− Contribuir para a eliminação de todas as formas de discriminação no acesso, remuneração,
ascensão e permanência no emprego.
− Conscientizar e sensibilizar empregadores e estimular as práticas de gestão que promovam
a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres dentro das empresas.
− Reconhecer publicamente o compromisso das empresas com a eqüidade de gênero no
mundo do trabalho.
− Criar a rede Pró-Eqüidade de Gênero.
− Construir um banco de “boas práticas” de gestão que promova a eqüidade de gênero no
mundo do trabalho.
Diante do exposto, percebe-se uma preocupação genuína do Governo Brasileiro em
relação a desigualdade entre homens e mulheres não somente no âmbito social (feminização
da pobreza) como também no econômico (oportunização de vagas de trabalho para mulheres).

3. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE EMPRESARIAL

3.1. À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Em seu artigo 1º, inciso III, a CF estabelece a unidade do Brasil como entidade
federativa tendo como esteio a dignidade da pessoa humana:

Art.1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos


Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
II – a cidadania,
III – a dignidade da pessoa humana,
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (...)

No artigo “Direitos Humanos” escrito para a revista Botinews 27, a Embaixadora 28


da ONU no Brasil e representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD mencionado no capítulo 2) relata que a Declaração Universal dos Direitos Humanos 29

26
Conforme informação do site da SPM
27
Botinews é um jornal para comunicação à rede de franquias da empresa “O Boticário”. O referido artigo foi
publicado na edição de 21 de abril de 2008.
28
Kim Bolduc, Embaixadora da ONU no Brasil e representante do PNUD no Brasil
29
A Declaração Universal dos Direitos Humanos comemora 60 anos de criação em Dezembro de 2008.

47
nasceu de um sonho de paz e de uma promessa, feita pelos povos, de que nunca mais haveria
guerras devastadoras entre as nações, nunca mais haveria indiferença diante da miséria, nunca
mais se aceitariam oportunidades que fossem determinadas em função do gênero, cor, raça ou
etnia e que todos os assinantes da Declaração trabalhariam para a aplicação universal dos
direitos humanos.
Acrescenta ainda que nos dias atuais, apesar da Declaração permanecer inalterada,
a gama de direitos fundamentais se amplia conforme surgem novos desafios, como a inclusão
digital e as mudanças climáticas.
No passado, segundo a Embaixadora, o papel do setor privado era
predominantemente associado ao lucro, mas a noção de responsabilidade social e os fluxos de
poder e influência que podem ser associados a este lucro transformaram e estabeleceram
novos papéis na promoção dos Direitos Humanos. A importância do setor privado como um
ator chave na luta contra as desigualdades sociais é indiscutível e complementa o papel do
setor publico. Na medida em que a influência do setor privado aumenta cada vez mais nas
grandes iniciativas globais, aumenta também a responsabilidades destes atores na proteção e
promoção dos Direitos Humanos – responsabilidade que era em outros tempos exclusiva dos
Estados. Hoje, fica claro que sem a articulação e parceria entre os setores público e privado os
desequilíbrios mundiais continuarão aumentando. E por fim, enfatiza que a atuação do setor
privado na defesa pelos Direitos Humanos é hoje imprescindível na busca pela igualdade
social e pela sustentabilidade do planeta.
Também em seu art. 5º a Constituição Federal, I prevê:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País e inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta


Constituição (...)

Conforme Perelman 30, em seu livro Ética e Direito, a justiça formal especifica que
seres que fazem parte da mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma. Da
mesma forma, Kelsen 31 denomina esta linha de pensamento como Princípio da Isonomia o
qual permeia o conceito de justiça. Isto é, ser justo implica em tratar os iguais de maneira

30
Perelman Chaïm, Ética e Direito, pág. 41
31
Kelsen, Hans
48
igualitária e os desiguais, desigualmente. Assim, em relação ao artigo 5º da CF somente
haverá na prática a aplicação da Justiça, se houver o tratamento desigual a pessoas de classes
sociais distintas. No entanto, há que se observar que num contexto de mitigação das
desigualdades sociais, a adoção de políticas públicas e privadas deve contemplar ações que
tenham como base o princípio da isonomia. Desta forma, garante-se a justiça sem ferir o
desenvolvimento.
E, concomitantemente, no artigo sétimo do capítulo II – Dos Direitos Sociais, a
Constituição Federal do Brasil prevê:
Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
XX – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos,
nos termos da lei (...)

Explana Sergio Pinto Martins 32 em seu livro Direito do trabalho que o referido
artigo “ao versar sobre a proteção social do mercado de trabalho da mulher, mediante
incentivos específicos, já está tratando de forma indireta de não haver discriminação quanto a
seu trabalho. O objetivo do constituinte é de que homens e mulheres tenham as mesmas
possibilidades de trabalho, sem que haja nenhuma discriminação em relação à mulher. Para
tanto, a lei ordinária deve conceder incentivos específicos visando à proteção de seu mercado
de trabalho.
Um dos incentivos já existentes é o de que o pagamento do salário-maternidade é
feito pela Previdência Social, e não pelo empregador, o que já se verifica desde a Lei nº 6.136,
de 7/11/74, além do que o Brasil ratificou as Convenções nºs 03 e 103 da OIT, que dispõem
sobre o fato de que o encargo do pagamento do salário da gestante não deve ficar a cargo do
empregador. A Convenção nº 103, no §4º do art. 4º, estabelece que as prestações devidas à
empregada gestante devem ser pagas pelo sistema de seguro social ou de fundos públicos, e
não pelo empregador. A própria licença paternidade é uma forma indireta de não-
discriminação do trabalho da mulher, pois permite que o pai se ausente do trabalho por cinco
dias para ajudar a cuidar do filho, reduzindo o ônus imputado apenas ao trabalho feminino.
A Lei nº 5.473, de 10/07/68, em seu art.1º, já previa que são nulas as disposições e
providências que, direta ou indiretamente, criem discriminações entre brasileiros de ambos os
sexos para provimento de cargos sujeitos a seleção, assim nas empresas privadas, como nos
quadros do funcionalismo público federal, estadual ou municipal, do serviço autárquico, de
sociedades de economia mista e de empresas concessionárias de serviço público.

32
Martins, Sergio Pinto. Direito do trabalho, 23ª edição. Páginas: 477 a 480.

49
O parágrafo único do citado artigo previu pena de prisão de três meses a um ano
para quem obstasse ou tentasse obstar o cumprimento da referida norma.
A Lei nº 7.353, de 20/08/85, criou o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher,
tendo por objetivo promover, em âmbito nacional, política visando a eliminar a discriminação
da mulher, à igualdade de direitos”.
No tocante à função social da propriedade empresarial a CF determina:

Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na


livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os
ditames da justiça oficial, observados os seguintes princípios: III – função social da
propriedade (...)

Conforme pôde se observar, o “contrato social” chamado Constituição da


República Federativa do Brasil, prevê em “suas cláusulas” a proteção à dignidade da pessoa
humana, a valorização do trabalho humano, em especial, o das mulheres. Entretanto, a CF não
coage e não intervém de maneira direta nas organizações privadas para que a promoção da
mão de obra feminina aconteça, mas as incentiva a fazê-las quando promove a
conscientização de que a propriedade privada possui função social através de políticas
públicas de amparo às mulheres.

4. INCLUSÃO DA MULHER NO MERCADO DE TRABALHO

Segundo Sergio Pinto Martins 33, que dedica um capítulo inteiro de sua obra ao
trabalho da mulher e expõe que no decorrer da Revolução Industrial (século XIX), o trabalho
da mulher foi muito utilizado, principalmente para a operação de máquinas. Os empresários
preferiam o trabalho da mulher nas indústrias porque elas aceitavam salários inferiores aos
dos homens, porém faziam os mesmos serviços que estes. Em razão disso, as mulheres
sujeitavam-se a jornadas de 14 a 16 horas por dia, salários baixos, trabalhando em condições
prejudiciais à saúde e cumprindo obrigações além das que lhes eram possíveis, só para não
perder o emprego. Além de tudo, a mulher deveria, ainda, cuidar dos afazeres domésticos e
dos filhos. Não se observava uma proteção na fase de gestação da mulher, ou de
amamentação.
Com base nesses problemas é que começou a surgir uma legislação protecionista
em favor da mulher.

33
Martins, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 23ª edição. Capitulo 34.
50
Na Inglaterra, surge o “Coal Mining Act”, de 19/08/1842, proibindo o trabalho da
mulher em subterrâneos. O “Factory Act”, de 1844, limitou a jornada de trabalho da mulher a
12 horas de trabalho, proibindo-a no período noturno. O Factory and Workshop Act, de 1878,
vedou o emprego da mulher em trabalhos perigosos e insalubres.
Na França, houve uma lei de 19/05/1874 que proibiu o trabalho da mulher em
minas e pedreiras, assim como o trabalho noturno para menores de 21 anos. A lei de
02/11/1892 limitou a jornada de trabalho das mulheres em 11 horas. A lei de 28/12/1909
outorgou o direito às mulheres grávidas do repouso não remunerado de oito semanas, vedando
o carregamento de objetos pesados.
Na Alemanha, o Código Industrial de 1891 fixou algumas normas mínimas quanto
ao trabalho da mulher.
O Tratado de Versalhes estabeleceu o princípio de igualdade salarial entre homens
e mulheres, que foi albergado por muitos países, entre os quais o Brasil.
No âmbito da Organização Internacional do Trabalho, a própria Constituição
dessa entidade já realça a necessidade de proteção ao trabalho da mulher. Começam
posteriormente a ser editadas convenções e recomendações sobre o tema.
A Convenção nº 3, de 1919, ratificada pelo Brasil, diz respeito ao trabalho da
mulher antes e depois do parto; a Convenção nº 4, de 1919, veda o trabalho da mulher em
indústrias, sejam elas públicas ou privadas, salvo se o trabalho foi feito em oficinas de
família; a Convenção nº 41, de 1934, dispõe sobre o trabalho noturno da mulher, exceto de
mulheres que ocupavam cargos diretivos de responsabilidade, desde que não executassem
serviços manuais; A Convenção nº 45, de 1935, veda o trabalho da mulher em subterrâneos e
minas; A Convenção nº 89, de 1948, trata do trabalho noturno da mulher, excetuando-se as
trabalhadoras nas indústrias que ocupam postos diretivos ou de caráter técnico, com acentuada
responsabilidade, ou se o trabalho for feito em serviços de saúde e bem-estar, desde que não
executadas atividades manuais; permitia-se, ainda, o trabalho noturno da mulher quando
houvesse interesse nacional, não se aplicando as referidas proibições quando fosse o caso de
força maior; foi a referida norma revista pelo Protocolo de 1990, que autoriza o trabalho
noturno das mulheres empregadas na indústria, de modo a compatibilizar os critérios de
igualdade, oportunidade e competitividade; permite à legislação nacional prever exceções ao
trabalho noturno após consulta à entidades sindicais mais representativas; a Convenção nº
100, de 1951, trata da igualdade de remuneração entre homens e mulheres para trabalho igual;
a Convenção nº 103, de 1952, ratificada pelo Brasil, e a Recomendação nº 95, do mesmo ano,
dizem respeito à proteção à maternidade; a Convenção nº 111, de 1958, trata da discriminação
51
em matéria de emprego e profissão; a Convenção nº 127, de 1967, ratificada pelo Brasil, versa
sobre o limite máximo de levantamento de pesos; a Convenção nº 156, de 1981, evidencia
igualdade de oportunidades de tratamento para trabalhadores dos dois sexos em relação às
responsabilidades familiares; a Convenção nº 171 , de 1990, fala sobre trabalhos noturnos,
que são realizados por um período de sete horas, entre meia noite e cinco da manhã, tendo as
mulheres proteção especial apenas em razão da maternidade. Algumas recomendações da OIT
também trataram do tema: nº12, de 1921, sobre proteção antes e depois do parto; nº 13, de
1921, sobre trabalho noturno das mulheres da agricultura; nº 26, de 1927, sobre a proteção das
mulheres emigrantes a bordo de embarcações; nº 67, de 1944, sobre o auxílio-maternidade; nº
90, de 1951, sobre igualdade de remuneração entre homem e mulher; nº 92, de 1952, sobre a
proteção da maternidade; nº 111, de 1958, trata da discriminação no emprego ou ocupação; nº
123, de 1965, sobre o emprego das mulheres com responsabilidades familiares; nº 165, de
1981, sobre igualdade de oportunidade e tratamento para os trabalhadores. A Convenção nº
183, de 200, revê a Convenção nº 103 da OIT. Passa a prever que a duração da licença à
gestante é de 14 semanas, com a possibilidade de prorrogação em caso de enfermidade ou
complicações resultantes do parto.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10/12/1948, versou sobre
regras de não-discriminação por motivo de sexo. O Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, de 16/12/1966, em seu art. 3º, determina a igualdade de
direitos entre homens e mulheres.
A Convenção da ONU sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher, de 1979, foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 93, de 14/11/1983. O
Decreto nº 89.460, de 20/03/1984, promulgou a norma internacional. O Decreto Legislativo nº
26, de 22/06/1994, revogou o Decreto Legislativo nº 93 e aprovou a referida convenção. O
Decreto nº 4.377, de 13/09/2002, revogou o Decreto nº 89.460 e promulgou a convenção
internacional. O art. 11 da Convenção trata da não-discriminação da mulher nas questões de
emprego e profissão. O item 2 do art. 11 pretende impedir a discriminação contra a mulher
por razões de casamento ou maternidade. O Decreto Legislativo nº 107, 06/06/2002, aprova o
Protocolo Facultativo à Convenção sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher. O referido protocolo foi promulgado pelo Decreto nº 4.316, de 30/07/2002.
A Convenção da ONU, de 1979, ratificada pelo Brasil, proíbe discriminação no
emprego e profissão, conferindo igualdade de remuneração entre homem e mulher para
trabalho de igual valor.
Em Portugal, o Decreto-lei nº 392, de 1979, estabelece garantias às mulheres de
52
igualdade de tratamento no trabalho, visando evitar discriminação em relação aos homens.
Considera, no art. 4º, 2, nulas as disposições que limitam de qualquer forma o acesso das
mulheres a qualquer emprego, profissão ou posto de trabalho. O art. 7º veda, nos anúncios de
contratação de emprego, qualquer restrição ou preferência com base em sexo, salvo tratando-
se de atividade ligada à moda, arte ou espetáculo.
No Brasil, a primeira norma que tratou do trabalho da mulher foi o Decreto nº
21.417-A, de 17/05/1932. Tal mandamento legal proibia o trabalho da mulher à noite, das 22
às 5 horas, vedando a remoção de pesos. Já se nota a proibição do trabalho da mulher em
subterrâneos, em locais insalubres e perigosos, no período de quatro semanas antes e quatro
semanas depois do parto. Concedia à mulher dois descansos diários de meia hora cada um
para amamentação dos filhos, durante os primeiros seis meses de vida daqueles.
A primeira Constituição brasileira que versou sobre o tema foi a de 1934. Proibia
a discriminação do trabalho da mulher quanto a salários (art. 121, par. 1º, d). Garantia o
repouso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, assegurando
instituição de previdência a favor da maternidade (art. 121, par. 1º, h). Previa os serviços de
amparo à maternidade (art. 121, par. 3º). A Constituição de 1937 proibia o trabalho de mulher
em indústrias insalubres (art. 137, k), além de assegurar assistência médica e higiênica à
gestante, prevendo um repouso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário (art. 137, L).
Em 1/05/1943, foi editada a CLT, consolidando a matéria existente na época. A primeira
alteração foi o Decreto-Lei nº 6.535, de 20/03/1944, admitindo o trabalho noturno da mulher
apenas se ela tivesse 18 anos, e em algumas atividades.
A Constituição de 1946 proibia a diferença de salário por motivo de sexo (art.
157, II); vedava o trabalho da mulher em indústrias insalubres (art. 157, IX); assegurava o
direito da gestante a descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego nem do
salário (art. 157, X); reconhecia a assistência sanitária, inclusive hospitalar e médica, à
gestante (art. 157, XIV); previa a previdência em favor da maternidade (art. 157, XVI).
A Constituição de 1967 proibia diferença de salários e de critérios de admissão
por motivo de sexo (art. 158, III); vedava o trabalho da mulher em indústrias insalubres (art.
158, X); assegurava o descanso remunerado à gestante, antes e depois do parto, sem prejuízo
do emprego e do salário (art. 158, XVI). Tinha e mulher direito a aposentadoria aos 30 anos
de trabalhos, com salário integral (art. 158, XX).
O Decreto-lei nº 229, de 28/02/67, é que fez várias alterações na CLT. Alterou o
art. da CLT, permitindo o regime de compensação apenas por acordo coletivo. Modificou
também os art. 399 e 392 da CLT para proporcionar a guarda de filhos das mulheres na
53
empresa, descanso no período de quatro semanas antes e oito semanas depois do parto etc.
O Decreto-lei nº 546, de 18/04/69, permitiu o trabalho da mulher na compensação
bancária noturna. O Decreto-lei nº 744, de 06/08/69, autorizou o trabalho da mulher em
cargos técnicos ou postos de direção, de gerência ou de confiança; na industrialização de
produtos perecíveis.
A EC nº 1, de 1969, estabeleceu que não seria possível a diferença de salários e de
critérios, de admissão por motivo de sexo (art. 165, III); proibiu o trabalho da mulher em
indústrias insalubres (art. 165, X); assegurou o descanso remunerado da gestante, antes e
depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário (art. 165, XI); previu regras de
previdência social, visando à proteção à maternidade (art. 165, XVI); possibilitou à mulher a
aposentadoria aos 30 anos de trabalho, com salário integral (art. 165, XIX).
A Lei nº 5.673, de 06/07/71, possibilitou o trabalho noturno da mulher em
serviços de processamento de dados (art. 379, IX, da CLT), em indústrias de manufaturados
de couro que mantenham contratos de exportação devidamente autorizados pelos órgãos
públicos competentes (art. 379, X, CLT).
A Lei nº 6.136, de 07/11/74, transferiu da empresa para a Previdência Social o
ônus da licença-maternidade.
A Lei nº 7.189, de 04/06/84, deu nova redação ao art. 379 da CLT, permitindo o
trabalho noturno da mulher com mais de 18 anos.
A Constituição de 05/10/88 não proibiu o trabalho da mulher em atividades
insalubres, o que o tornou permitido. Assegurou a licença à gestante, sem prejuízo do
emprego e do salário, com a duração de 120 dias (art. 7º, XVIII), quando anteriormente era
apenas de 84 dias. Passou a haver uma previsão de proteção do mercado de trabalho da
mulher, mediante incentivos específicos, conforme fossem determinados em lei (art. 7º, XX).
Proibiu a diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo
de sexo (art. 7º, XXX). O art. 5º, I, da Constituição assegura que homens e mulheres são
iguais em direitos e obrigações, não mais se justificando qualquer distinção entre ambos. O
art. 10,II, b, da ADCT prevê a garantia de emprego à mulher gestante, desde a confirmação da
gravidez até cinco meses após o parto, o que nunca havia sido previsto em âmbito
constitucional ou legal, apenas em normas coletivas de certas categorias.
A Lei nº 7.855, de 24/10/89, revogou os arts. 379 e 380 da CLT, que proibiam o
trabalho noturno da mulher e especificavam certas condições; os arts. 374 e 375, que tratavam
da prorrogação e compensação do trabalho da mulher; o art. 387 da CLT, que versava sobre a
proibição do trabalho da mulher nos subterrâneos, nas minerações em subsolo, nas pedreiras e
54
obras de construção civil, pública ou particular, e nas atividades perigosas e insalubres.
O Código Civil de 1916 era proveniente de um sistema patriarcal em que a mulher
era tratada como incapaz. O art. 446 da CLT adotava essa orientação ao "presumir autorizado"
o trabalho da mulher casada. Em caso de oposição conjugal, poderia a mulher recorrer ao
suprimento da autoridade judiciária competente. Essa situação modificou-se com o Estatuto
da Mulher Casada, com a Lei nº 4.121, de 27/08/62, que modificou o Código Civil de 1916,
deixando a mulher de ser incapaz. Por fim, o art. 446 da CLT foi revogado pela Lei nº
7.855/89.
Os fundamentos da proteção ao trabalho da mulher dizem respeito a sua
fragilidade física.
As medidas paternalistas, porém, só se justificam em relação ao período de
gravidez e após o parto, de amamentação e a certas situações peculiares à mulher, como de
sua impossibilidade física de levantar pesos excessivos, que são condições inerentes à mulher.
As demais formas de discriminação deveriam ser abolidas.

4.1 PRÁTICAS DISCRIMINATÓRIAS CONTRA A MULHER

A OIT dispõe sobre a não-discriminação em matéria de salário Convenção nº


100/51, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 24, de 29/05/56 e promulgada pelo Decreto nº
41.721, de 25/06/57) e de emprego ou ocupação (Convenção nº 111/58, aprovada pelo
Decreto Legislativo nº 104, de 24/11/64 e promulgada pelo Decreto nº 62.150, de 19/01/68),
sobre trabalhadores com responsabilidades familiares, cujo alvo principal é a mulher
(Convenção nº 156/81, não ratificada pelo Brasil).
A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a
Mulher foi aprovada pela ONU em 1974, sendo promulgada pelo Decreto nº 89.460, de
20/03/84. Prevê que os direitos relativos ao emprego sejam assegurados “em condições de
igualdade entre homens e mulheres" art. 11). Menciona que as medidas “destinadas a proteger
a maternidade não serão consideradas discriminatórias” (§ 2º do art. 4º).
A Lei nº 9.029, de 13/04/95, estabeleceu normas quanto à proibição e exigência de
atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos
admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho. Trata-se de norma que versa
sobre questões relativas ao trabalho, como se observa do art. 1º, que veda práticas
discriminatórias contra a mulher como também a respeito do crime pelo descumprimento da
primeira regra, ou seja, de norma de Direito Penal (art. 2º), que fixa a pena para os casos de
55
transgressão da lei. Nada impede que uma lei explicite mais de uma matéria ou, como no
caso, que trate de questões de Direito do Trabalho, como também de Direito Penal. Para se
interpretar a Lei nº 9.029/95 é mister observar a diretriz da Constituição, segundo a qual a
empregada não poderá ser dispensada desde a confirmação da gravidez até cinco meses após
o parto (art. 10, lI, b, do ADCT). A Lei Maior também proíbe critério de admissão por motivo
de sexo (art. 7º, XXX), sendo invioláveis a intimidade e a honra das pessoas (art. 5º, X). O
mesmo se deve dizer quanto à Convenção nº 103 da OIT, que foi aprovada pelo Brasil pelo
Decreto Legislativo nº 20/65, em que, se a mulher se ausentar de seu trabalho em virtude de
gravidez, é ilegal para seu empregador despedi-la durante a referida ausência ou data tal que o
prazo do aviso prévio termine e enquanto durar a ausência mencionada (art. V).
Pelo que se verifica do art. 1 º da Lei nº 9.029/95, é vedada a prática de ato
discriminatório e limitativo para efeito do ingresso na relação de emprego ou para sua
manutenção. Os atos discriminatórios também estarão ligados: (1) à exigência de teste,
exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à
esterilização ou a estado de gravidez; (2) à adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do
empregador, que configurem: (a) indução ou instigamento à esterilização genética; (b)
promoção de controle de natalidade, salvo os serviços realizados por instituições públicas ou
privadas, submetidas às normas do SUS (art. 2º). Nada impede, contudo, à empresa solicitar
exame médico na dispensa da empregada, visando verificar se esta está grávida, justamente
por ter por objetivo manter a relação de emprego, caso o resultado seja positivo.
Na hipótese da empregada não estar grávida, caso tenha sido dispensada, mesmo
assim terá direito a readmissão, não por causa da garantia de emprego, mas apenas pela
prática discriminatória contida na Lei nº 9.029/95. A Lei nº 9.029/95 não poderá ser utilizada
por analogia para reintegração em outros casos, como, v. g., de doentes de AIDS, pois se
refere apenas a exames relativos à esterilização (art. 2º, I e II, a), a estado de gravidez (art. 2º,
I) ou controle de natalidade (art. 2º, II, b), preceitos que dizem respeito à mulher e não a
determinada doença. As infrações da Lei nº 9.029/95 são passíveis, ainda, de: (a) multa
administrativa de 10 vezes o valor do maior salário pago pelo empregador, elevado em 50%
em caso de reincidências; (b) proibição de obter empréstimo ou financiamento de instituições
financeiras oficiais.
A conclusão, num primeiro momento, é de que a Lei nº 9.029/95 desestimula a
empresa a contratar mulheres, em razão de suas proibições. Na verdade, em vez de se proteger
o mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos (art. 7º, XX, da
Constituição), aqui se está desprestigiando a contratação de mulheres pelo empregador, que
56
não poderá exigir exame médico da mulher para admiti-Ia, o que poderá ser interpretado em
prejuízo da própria trabalhadora.

4.2 PROTEÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO DA MULHER

As Constituições anteriores não tratavam do tema proteção do mercado de


trabalho da mulher. Na Subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores, na Comissão da Ordem
Social ou na Comissão de Sistematização não constava dispositivo no sentido da proteção do
mercado de trabalho da mulher. A redação final restou configurada no inciso XX, do art. 7º da
Lei Magna: "proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos
termos da lei". A referida norma é programática, dependente de lei para a sua regulamentação.
Não tem, portanto, eficácia imediata, mas limitada. Os incentivos deveriam ser estabelecidos
na área tributária ou previdenciária, sendo determinados pela legislação ordinária. Lista-se a
seguir alguns exemplos de legislações que prevêem tais sugestões, sem, no entanto, apresentar
algum tipo de coercitividade:
Já previa a Lei nº 5.473, de 9 de julho de 1968, serem "nulas as disposições e
providências que direta ou indiretamente, criem discriminações entre brasileiros de ambos os
sexos, para o provimento de cargos sujeitos à seleção" (art. 1º).
Por exemplo, no anúncio ao emprego não se poderá fazer discriminação quanto a
sexo, cor ou idade, para a admissão, salvo quando a natureza da atividade seja notória e
publicamente incompatível. Não havia disposição específica em nossa legislação sobre o tema
anúncio ao emprego, que são publicados, por exemplo, em jornais e em que os empregadores
muitas vezes faziam referência a apenas um ou outro sexo, que agora estarão vedados.
Em outra ilustração pode-se verificar que não é permitido considerar o sexo, a
idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração,
formação profissional e oportunidades de ascensão profissional. A disposição acrescenta
formação profissional e oportunidades de ascensão profissional, que não eram previstas na
legislação. Fica proibida a exigência de atestado ou exame de esterilidade ou gravidez, na
admissão ou permanência no emprego. O mandamento legal tanto diz respeito à admissão
como à permanência no emprego e não apenas à última hipótese.
As vagas dos cursos de formação de mão-de-obra, ministrados por instituições
governamentais, pelos próprios empregadores ou por qualquer órgão de ensino
profissionalizante, serão oferecidas aos empregados de ambos os sexos (art. 390-B da CLT).
A pessoa jurídica poderá associar-se a entidade de formação profissional,
57
sociedades civis, sociedades cooperativas, órgãos e entidades públicas ou entidades sindicais,
bem como firmar convênios para o desenvolvimento de ações conjuntas, visando à execução
de projetos relativos ao incentivo ao trabalho da mulher (art. 390E da CLT). Em razão de ser
facultativa, não poderá ser multada pela fiscalização, caso descumpra o art. 390E da CLT. O
mandamento diz respeito apenas a pessoas jurídicas e não a pessoas físicas, como autônomos,
eventuais etc.
É garantida à empregada, durante a gravidez, sem prejuízo do salário e demais
direitos: a - transferência de função, quando as condições de saúde a exigirem, assegurada a
retomada da função anteriormente exercida, logo após o retorno ao trabalho; b - dispensa do
horário de trabalho pelo tempo necessário para a realização de, no mínimo, seis consultas
médicas e demais exames complementares. A empregada terá direito a ser transferida para
outra função, em razão das suas condições de saúde. Quando retomar ao trabalho terá direito a
voltar à função de origem. Trata-se de hipótese de modificações das condições de trabalho da
empregada autorizada pela lei, pelo motivo das condições de saúde da trabalhadora, como,
por exemplo, de gravidez de risco. A referência a seis consultas significa que a empregada
tem direito de faltar no dia e será remunerada, pois o § 4º do art. 392 da CLT faz referência à
expressão "sem prejuízo do salário". São consultas chamadas de pré-natal, com o objetivo de
acompanhar a gravidez. Os exames complementares se referem às seis consultas médicas a
serem realizadas pela empregada. Serão, por exemplo, exames complementares: de sangue, de
urina, ultra-som etc.

4.2.1 AMAMENTAÇÃO

A Convenção nº 103 da OIT estabelece no art. V que "se a mulher amamentar seu
filho será autorizada a interromper seu trabalho com esta finalidade durante um ou vários
períodos cuja duração será fixada pela legislação nacional". O art. 396 da CLT é que regula a
situação. A empregada terá direito a dois intervalos de descansos especiais de meia hora cada
um até que seu filho complete seis meses de idade, para efeito de amamentação. Esse período
de seis meses poderá ser dilatado, a critério da autoridade competente. No entanto, a lei não
dispõe que o intervalo seja remunerado. Isso quer dizer que a empresa não é obrigada a pagar
por esse intervalo, ao contrário do intervalo previsto no art. 72 da CLT, que é remunerado e
não deduzido da jornada de trabalho.
Os estabelecimentos que tiverem pelo menos 30 mulheres com mais de 16 anos de
idade terão local apropriado onde seja permitido às empresas guardar sob vigilância seus
58
filhos no período de amamentação. Ressalta-se que a referida exigência poderá ser suprida
mediante creches distritais. A Portaria nº 3.296/86 do Ministério do Trabalho permite a
substituição da concessão das creches pelo reembolso-creche. Os locais destinados à guarda
dos filhos das operárias durante o período de amamentação deverão possuir, no mínimo, um
berçário, uma saleta de amamentação, uma cozinha dietética e uma instalação sanitária (art.
400 da CLT). O disposto no art. 399 da CLT não incentiva nem um pouco as empresas a se
organizarem para a manutenção de creches e instituições de proteção aos menores, pois o fato
de conceder o Ministro do Trabalho diploma de benemerência às empresas que procederem
dessa forma não implica que elas tenham interesse em assim agir.
Também na CLT, há artigos que relacionam a condição feminina:
CAPÍTULO III - DA PROTEÇÃO DO TRABALHO DA MULHER
SEÇÃO I
Da Duração e Condições do Trabalho
Art. 372 - Os preceitos que regulam o trabalho masculino são aplicáveis ao trabalho
feminino, naquilo em que não colidirem com a proteção especial instituída por este
Capítulo.
Parágrafo único - Não é regido pelos dispositivos a que se refere este artigo o
trabalho nas oficinas em que sirvam exclusivamente pessoas da família da mulher e
esteja esta sob a direção do esposo, do pai, da mãe, do tutor ou do filho.
Art. 373 - A duração normal de trabalho da mulher será de 8 (oito) horas diárias,
exceto nos casos para os quais for fixada duração inferior.
Art. 373-A - Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções
que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades
estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:
I - publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à
idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser
exercida, pública e notoriamente, assim o exigir;
II - recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo,
idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da
atividade seja notória e publicamente incompatível;
III - considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável
determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de
ascensão profissional;
IV - exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de
esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego;
V - impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou
aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor,
situação familiar ou estado de gravidez;
VI - proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou
funcionárias.
Parágrafo único - O disposto neste artigo não obsta a adoção de medidas temporárias
que visem ao estabelecimento das políticas de igualdade entre homens e mulheres,
em particular as que se destinam a corrigir as distorções que afetam a formação
profissional, o acesso ao emprego e as condições gerais de trabalho da mulher.
(Artigo acrescentado pela Lei nº 9.799, de 26-5-99, DOU 27-05-99)
Art. 377 - A adoção de medidas de proteção ao trabalho das mulheres é considerada
de ordem pública, não justificando, em hipótese alguma, a redução de salário.

Há que se admitir que ainda existem muitas oportunidades para a aceleração do


processo de diminuição da desigualdade social de gênero. Cabe tanto ao Governo, pessoa

59
jurídica de direito público, quanto às Corporações privadas executar ações que fomentem o
desenvolvimento humano (profissional e socialmente), em particular o das mulheres.

5. CONCLUSÃO

O presente trabalho apresentava como objetivo principal traçar uma análise sobre
a questão da inclusão da mulher no mercado de trabalho, levando em consideração os
conceitos de Responsabilidade Social Empresarial e Função Social da Propriedade
Empresarial. O que se percebeu ao longo de sua elaboração é que a inclusão da mulher na
econômica de uma nação, não é tarefa fácil, pois há que se quebrar muitos pré-conceitos e
paradigmas criados na construção histórica da ascensão feminina.
É bem certo que o legislador, principalmente, nos idos de 1943 através da CLT,
ratificou a importância da proteção do mercado de trabalho em que a mulher está inserida e
também provocou um desencadeamento de ações e benefícios que foram conquistados no
transcorrer no tempo, tais como: previdência, direito a amamentação, criação de secretarias
especiais para a mulher, culminando com leis de amparo a mulher que não se limitam a
questão trabalhista (Lei Maria da Penha, por exemplo), mas que protegem a classe feminina
dos abusos praticados pela sociedade ainda machista.
Por outro lado, é inegável o fato de que os agentes econômicos com o maior poder
financeiro (Instituições bancárias, empresas, indústrias, entidades governamentais de
economia mista, etc) também podem contribuir para a proliferação e a abertura de novos
caminhos para a conquista de espaço feminino no ambiente laboral. Notadamente ainda é
incipiente a quantidade de mulheres em altos cargos de gestão, justamente em função do
historio já citado. É correto afirmar também que mulheres em mesma função dentro de
empresas ainda ganham menos que homens. Então, o que fazer para que esta conjuntura se
transforme? A palavra-chave é conscientização, não somente de homens que podem mudar
este cenário, mas também das mulheres que se sujeitam a subserviência, apesar de possuírem
a mesma capacidade de realização e aprendizado que os homens.
Desta forma, a conclusão da análise do tema apresentado neste trabalho, segundo
a opinião da elaboradora deste estudo, é a de que a inclusão da classe feminina no mercado de
trabalho é em parte o exercício da função social da propriedade empresarial se observada pela
ótica do papel dos três poderes: Legislativo se levar em consideração que há poucas leis que
promovam ações de incentivo para a abertura de oportunidades a mulheres em todas as
atividades econômicas; Executivo, que em função da não existência de amparo legal, pouco
60
pode realizar em prol deste tema e muito menos, o Judiciário, que em função das questões
expostas acima não consegue imprimir coercitividade à sociedade no sentido de fazê-la
cumprir e executar práticas que colaborem para que mulheres sejam capacitadas
intelectualmente, emocionalmente e culturalmente para o exercício de profissões e atividades
econômicas.
Conclui a elaboradora, inclusão feminina, também é em parte de responsabilidade
de empresas e corporações, pois é através delas que as atividades econômicas acontecem:
compra e venda, oferta e demanda, produção, prestação de serviços, entre outros.

6. REFERÊNCIAS

LIVROS
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 23ª edição. São Paulo, Atlas, 2007.

PERELMAN, Chain. Ética e Direito. 1º edição. São Paulo, Martins Fontes, 2000.

REVISTAS E JORNAIS
HSM Management – Revista de circulação nacional para a área de Recursos Humanos. Artigo
“Elas por Elas” publicado na coluna “Estudo Brasil” na edição 65 de novembro-dezembro de
2007 e escrito por José Geraldo Rechia, presidente da Caliper do Brasil, George Brough,
Diretor de Desenvolvimento Organizacional e Alessandra Moura, Gerente de
Desenvolvimento Organizacional da mesma empresa.
Botinews - jornal interno da empresa “O Boticário” que serve como instrumento de
comunicação da organização para seus franqueados. Artigo “Direitos humanos”, publicado
em 21 de abril de 2008.
Apostila dos indicadores Ethos-Sebrae de Responsabilidade Social Empresarial para Micro e
Pequenas Empresas, 2007.

INTERNET
www.ethisphere.com, disponível em 05 de Novembro de 2008.
The women’s equity fund (www.womens-equity.com), 1993, disponível em 05 de Novembro
de 2008.
www.pnud.org.br/pobreza_desigualdade/reportagens/index.php?id01=3020&lay=pde,
disponível em 05 de Novembro de 2008.
61
PUBLICAÇÕES DE DOCUMENTO JURÍDICO: LEGISLAÇÃO, JURISPRUDÊNCIA
E DOUTRINA
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Consolidação das Leis do Trabalho.

PALESTRAS
Responsabilidade Social no Brasil, Palestra ministrada por Ana Custódio (Instituto Ethos),
em 20/10/08, para fornecedores da empresa “O Boticário” em evento promovido por esta
empresa para conscientização da necessidade de fornecimento sustentável e responsável
socialmente.
Responsabilidade Social Corporativa, Palestra ministrada por Antonio Raimundo,
professor, doutor da Fundação Getúlio Vargas, em 20 e 23/10/08, para fornecedores da
empresa “O Boticário” em evento promovido por esta empresa para conscientização da
necessidade de fornecimento sustentável e responsável socialmente.
Palestra ministrada por Nilda Mott L. Gonçaves dia 20/10/08, Diretora da AFECE (sociedade
franciscana) – Semana acadêmica da UNICURITIBA.

OUTRAS CITAÇÕES
Peter Drucker, autor de vários livros de administração de empresas, citado pelo
Professor Doutor Raimundo.
Estudo realizado pelo IBGE

62
ASSÉDIO MORAL E VIOLÊNCIA PSÍQUICA CONTRA O MÉDICO

Ana Luiza de Geus 34


Marcos Alexandre Monteiro Gomes 35

1. INTRODUÇÃO

É inegável que, envolta no protagonismo imposto pela necessidade técnica,


uma personagem emerge de sua centralidade ao se abordar certos pontos da temática do
Biodireito e da Bioética. Esta figura é o médico. A partir desse profissional estruturam-se
inúmeras situações, tanto éticas quanto jurídicas, todas referentes à saúde e ao bem-estar
das pessoas - no plural -, uma vez que seu envolvimento se dá além da relação individual
com seus pacientes.
O Biodireito, quando trata da relação médico-paciente, tem por praxe
identificar uma polarização assimétrica. Nela focam-se noções de hipossuficiência do
paciente em relação ao médico, na qual este, invariavelmente, é posto numa condição de
supremacia sobre aquele, calcada fundamentalmente nos conhecimentos de seu ofício. O
Direito, no que tange à responsabilidade civil, adota semelhante postura e, baseado nos
mesmos fundamentos de domínio do saber, abstém-se de analisar tal relação no sentido
oposto, que é observar a fragilidade do médico perante situações de assédio moral e de
violência psíquica.
O enfoque pelo qual se almeja examinar a atividade médica encontra-se sob
outro diapasão. Desloca o médico de sua condição ativa – de vilão a priori e habitual - para
uma condição vulnerável, formando um novo, ou esquecido, olhar sobre o médico, no
qual ele passa a ser o sujeito passivo e, consequentemente, objeto de múltiplas linhas de
tensão que afetam seu desempenho como indivíduo comum e como profissional. Em
última análise, tal proposta é um desafio. Primeiro, por fugir ao pensamento tradicional,
imposto pelas regras de consumerismo. Segundo, porque um novo ponto de vista traz sobre
si o peso e a responsabilidade de se fazer compreensível aos seus interlocutores, o que nem
sempre é fácil.

34
Advogada e membro do grupo JUS VITAE – Pesquisa em Biodireito e Bioética coordenado pela Profª MSc.
Maria da Glória Colucci.
35
Médico, Chefe do Serviço de Neurologia do Hospital Geral de Curitiba, mestrando em Engenharia Biomédica pela
UTFPR e Bacharel em Direito.

63
O cenário da atividade médica, como hoje se encontra, revela um futuro de
turbulências. O sistema que o comporta dá mostras de que a autoproliferação de seus
principais problemas vai continuar. Há de fato, não apenas uma perspectiva do
comprometimento da sustentabilidade nesse segmento, mas também o surgimento de uma
“insustentabilidade funcional”, que seria, em última análise, uma sustentabilidade
teratogênica, patológica, comprometida em seus propósitos.
Desta forma, é fundamental que algumas condições vigentes sejam conhecidas,
mas para isso é necessário que se retire o médico do seu papel ativo nas relações que
envolvem o seu trabalho. O médico deve ser colocado e avaliado no pólo oposto, ao lado da
noção de hipossuficiência, pois precisa ser compreendido sob outras condições, seja no
contato com seus pacientes, seja nas relações com as instituições que permeiam a Medicina.
A perspectiva apresentada entende que, uma vez notabilizada a fragilidade e a
vulnerabilidade desse profissional ante as pressões do um ambiente hostil de trabalho,
será possível compreender, no tocante à saúde, os riscos que se impõem à sustentabilidade.

2. A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE NA ATUALIDADE

A relação médico-paciente é uma construção de vínculos humanos e


profissionais. Ela surge de modo espontâneo, mas geralmente é imposta por uma situação
de desconforto pessoal do paciente. Historicamente, foi estabelecida a partir da
confiança, na qual o paciente entregava-se aos cuidados do médico, convencido de que nada
poderia fazer ante a ignorância sobre acometimentos patológicos. Conforme elucida Wanssa
(2011, p. 107):

O princípio original da relação médico-paciente se estabelece nas relações de


confiança e respeito entre ambos, condição primordial para o estabelecimento da
cura. A confiança do paciente baseia-se na convicção de que o médico é
detentor dos conhecimentos necessários para a resolução de seu problema e o
respeito do médico ao paciente é baseado nos princípios éticos da beneficência
e não maleficência. O princípio da beneficência, segundo a tradição
hipocrática, não comportava relações compartilhadas de decisão com o paciente.

Contudo, este vínculo evoluiu. Hoje sua importância superou o âmbito restrito e
ganhou projeção na sociedade, transformando-o em uma relação jurídica. Contudo, essa
relação carece de estudos e conclusões mais aprofundados no campo da ética, profundidade
que vai além das respostas que o pragmatismo das regras quantificadoras de Direito podem
oferecer.

64
Apesar do aparato jurídico utilizado na preservação dos interesses das partes, a
premissa que ainda hoje permanece na relação médico-paciente é a confiança, pois a
Medicina é uma ciência incerta, guiada por dados estatísticos. Sendo assim, a ligação
entre o paciente e o médico escolhido é necessariamente de sinergia. Nas palavras de Sgreccia
(1996, p. 197):

O doente (ou alguém por ele) que tomou consciência de seu estado de saúde e
de seus limites, que reconhece não ser competente no campo da doença que o
ameaça e diminui a sua autonomia, toma a iniciativa de se dirigir a outra
pessoa, o médico, que, por sua preparação e experiência da profissão, é capaz
de ajudá-lo. O doente permanecendo o ator principal da administração da saúde.
O médico que aceita ajudá-lo é também ele ator, não no sentido de quem opera
sobre um objeto, mas no sentido de quem colabora com o sujeito principal ou
para um determinado fim. Que de fato muito doentes sejam passivos e muitos
médicos se comportem como se fossem ator único não constitui a configuração
exata da relação.

Apesar da postura tradicional ante a relação médico-paciente - que em muito se


assemelha à posição doutrinária dominante da Bioética -, pode-se afirmar que a atitude de
muitos pacientes frente ao profissional que lhe assiste não guarda o inocente caráter
estritamente passivo. Isso mudou e vem progredindo dia-a-dia.
Com a preservação dos direitos individuais, alterou-se a primitiva e primária
relação paternalista entre o médico e o paciente. Hoje se atendem aos princípios de respeito
à autonomia e ao consentimento livre e esclarecido, e podem ser vislumbradas atitudes
mais participativas dos pacientes, pois a salvaguarda de seus direitos – uma vitória da
cidadania - é um objetivo permanente. Mas não é somente o Direito que atua nessa
promoção. A difusão das informações é outro meio importantíssimo. Com elogiável
eficiência a acessibilidade atual a conhecimentos técnicos tem sido útil nesse sentido. A
opinião e a vontade dos pacientes têm vez e voz, e não se cogita realizar quaisquer
procedimentos sem respeitá-las. Segundo Scaff (2010, p. 26):

Não há dúvida de que, de forma geral e nos dias de hoje, o paciente é um


personagem muito mais ativo do que já foi no passado quanto ao atendimento que
lhe deva ser prestado, mesmo visando, exclusivamente, o benefício de sua própria
saúde. Assim, a intervenção realizada por um agente de saúde longe está de
representar o exercício de uma prerrogativa absoluta e indelegável desse
profissional, pautada apenas pelos primados oferecidos por uma ciência biológica,
mas estará sim delineada pelos parâmetros fixados por princípios éticos e morais
universalmente reconhecidos, bem como pelo respeito aos chamados direitos da
personalidade do paciente

Sendo assim, observa-se que na relação médico-paciente, cujos pressupostos de


confiança mútua permanecem, níveis mais elevados de equilíbrio entre as partes têm sido

65
alcançados à custa da informação e do Direito. Trata-se de um objetivo legítimo e
democratizante, que minimiza o âmbito da hipossuficiência, pelo menos em tese. A
intenção das bases consumeristas providas pela legislação especial é essa, pois nela estão os
princípios determinados pela Constituição da República Federativa do Brasil - dentre os quais
a isonomia.
Em algumas situações, contudo, o desejado equilíbrio ainda permanece mal
configurado, podendo pender ora para um lado, mas também, ora para o outro. Não se trata
apenas da hipossuficiência de conhecimento, mas, sobretudo, da condição de maior
fragilidade ante as circunstâncias. Uma visão particularmente útil à sustentabilidade, pois dá
mostras de que esse movimento pendular vem se perdendo, fazendo surgir outro tipo de
desequilíbrio que altera os papéis da polaridade da relação de fato, para a qual o Direito tem
se atentado muito pouco.
Existem autores que, examinando essa assimetria, já identificam formas de
atuação de pacientes bem acima das margens de razoabilidade esperadas. As atitudes do “ator
principal” – conforme Elio Sgreccia –, na busca da satisfação de seus desígnios, por vezes têm
se mostrado excessivamente impetuosas, agressivas e desrespeitosas com o profissional
médico. Essa constatação vem crescendo como uma percepção do profissional médico sobre
seu ambiente de trabalho. Mais que um fenômeno, tal entendimento torna-se uma realidade
que desconstrói o ambiente necessário ao exercício da Medicina.
Ao transportar o foco do aspecto individual para a sociedade, não é difícil notar de
que modo a sustentabilidade mostra-se fragilizada. A idéia de desenvolvimento econômico e
social satisfazendo as necessidades das gerações presentes sem comprometer as necessidades
das gerações futuras - conforme o Relatório Brundtland, “Nosso Futuro Comum”, de 1987
(CMMAD, 1991, p. 9) -, estando os seres humanos no centro do interesse desse
desenvolvimento (ONU, 1992), fica de alguma forma ameaçada, pois o contexto saúde tem no
médico um de seus pilares fundamentais. Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO,
2002), saúde e sustentabilidade são integrantes de um círculo virtuoso no qual uma gera
benefício para a outra. Quando a classe médica é desvalorizada ou oprimida dentro da
sociedade, a tendência é que esse círculo se rompa, afetando não apenas esse profissional, mas
todos os que dele dependem.
Ninguém que esteja, verdadeiramente, comprometido com os objetivos da
Medicina – inclusive sociais -, almeja desequilibrar a relação médico-paciente, pois seus
efeitos conduzem a vulgarizações, desentendimentos e disfuncionalidades.

66
3. O MÉDICO E SEU TRABALHO NA PERSPECTIVA DO DIREITO

Para se examinar a atividade médica em ambientes hostis de trabalho e seus


efeitos é necessário comentar a regulamentação que permeia tal atividade. Entretanto, é
essencial também destacar o viés adotado pelo Direito sobre a atividade médica e seus
agentes.
Antes, porém, há que se salientar que o ambiente laboral no qual o médico está
envolto revela uma atmosfera complexa, caracterizada por se exigir do profissional encargos
inversamente proporcionais ao reconhecimento de seu trabalho. Um fato que vem se
demonstrando seja pela sua remuneração, pela estrutura que lhe é oferecida, pelo assédio nas -
e das - instituições em que presta seus serviços, bem como pela violência, propriamente dita,
que vem sofrendo em seu cotidiano.

3.1 O CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA

O Conselho Federal de Medicina é uma autarquia federal, instituída pelo Decreto-


Lei nº 7.955 de 13 de setembro de 1945, juntamente com os Conselhos Regionais. De modo
complementar, a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957 lhes conferiu a competência para
editar atos administrativos e para fiscalizar a atividade médica
Entre as atribuições do Conselho Federal de Medicina está “votar e alterar o
Código de Deontologia Médica, ouvidos os Conselhos Regionais.” (BRASIL, 1957). O
código atual de 17 de setembro de 2009 - republicado em 13 de outubro de 2009 como
Resolução CFM Nº 1.931 -, entretanto, não goza da força legal semelhante àquela atribuída ao
Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. O Código de Ética Médica é meramente uma
resolução normativa. Esse é um aspecto relevante, pois atualmente existem no Brasil 14
profissões da saúde. Com exceção da Medicina - a mais antiga delas -, todas as demais já
foram regulamentadas por leis específicas, cujos teores definem as devidas atribuições e
competências dos profissionais (RAMOS, 2009, p. 6). A regulamentação da Medicina e do
ato médico foi proposta pelo Projeto de Lei nº 7703/2006, mas permanece hibernando no
Congresso Nacional.
O Código de Ética Médica, ora em vigor, buscou adaptar as perspectivas da
profissão perante a realidade. Essa sintonia se impôs em razão da evolução sócio-cultural e
econômica atual do país, trazendo novos padrões ao sentido de responsabilidade do
67
médico e à autonomia do paciente.
O novo diploma ético-normativo traz em seu primeiro capítulo, vinte e cinco
princípios fundamentais que orientam a atividade do médico, suas relações com os pacientes e
instituições de saúde (BRASIL, 2009). Já no inciso primeiro surge um elemento significativo:
a isonomia da atenção médica para os diferentes pacientes. O médico deve agir de igual modo
com os ricos e com os pobres; com negros, brancos, índios, orientais, estrangeiros; com
homens e mulheres. Contudo, isso não depende somente da sua vontade. Basta visitar as
múltiplas emergências de alguns grandes hospitais, que facilmente se perceberá a
manifestação das discriminações. Muitos hospitais mantém entradas diferentes para pacientes
do SUS e pacientes de convênios. Também não é difícil perceber que nessas duas entradas há
ambientações distintas, disponibilidade de vagas para internação com características e
quantitativos desiguais, entre outras peculiaridades. Nesse caso, surgem as perguntas: o
médico pode se levantar contra esse comportamento institucional, que transforma alguns seres
humanos em cidadãos de segunda classe? O médico tem como agir de outra forma, mesmo
percebendo que os meios são nitidamente assimétricos?
Isso cria uma forma velada de violência, na qual o médico torna-se a face aparente
da discriminação, instrumento do perceptível desdém à população inserida nessa situação
injusta. Será que isso se torna um fenômeno natural aos olhos do profissional, ou é mais uma
mordaça, uma amarra, que subjuga suas atividades às forças econômicas?
Mas isso não é tudo, há outras limitações indiretas que atingem situações básicas
como o imperativo de trabalhar sob extrema precariedade de meios, fato que impede o médico
de exercer sua profissão com a “máxima capacidade profissional” (BRASIL, 2009).
Os primeiros incisos do Código de Ética Médica são uma bela amostra do abismo
existente entre a realidade e o sonho – louvável -, quase utópico, dos idealizadores desse ato
normativo.
Nesse universo de regras morais voltadas ao controle de seus pares, o médico vem
sendo colocado em situações de grande incerteza, que ora o elevam aos Céus, ora o rebaixam
às profundezas mais sombrias. Como uma personagem em busca de um papel, o médico,
mesmo quando procura manter-se o mais
O novo diploma ético-normativo traz em seu primeiro capítulo, vinte e cinco
princípios fundamentais que orientam a atividade do médico, suas relações com os
pacientes e instituições de saúde (BRASIL, 2009). Já no inciso primeiro surge um
elemento significativo: a isonomia da atenção médica para os diferentes pacientes. O
médico deve agir de igual modo com os ricos e com os pobres; com negros, brancos,
68
índios, orientais, estrangeiros; com homens e mulheres. Contudo, isso não depende somente
da sua vontade. Basta visitar as múltiplas emergências de alguns grandes hospitais, que
facilmente se perceberá a manifestação das discriminações. Muitos hospitais, mantém
entradas diferentes para pacientes do SUS e pacientes de convênios. Também não é difícil
perceber que nessas duas entradas há ambientações distintas, disponibilidade de vagas para
internação com características e quantitativos desiguais, entre outras peculiaridades. Nesse
caso, surgem as perguntas: o médico pode se levantar contra esse comportamento
institucional, que transforma alguns seres humanos em cidadãos de segunda classe? O
médico tem como agir de outra forma, mesmo percebendo que os meios são nitidamente
assimétricos?
Isso cria uma forma velada de violência, na qual o médico torna-se a face
aparente da discriminação, instrumento do perceptível desdém à população inserida nessa
situação injusta. Será que isso se torna um fenômeno natural aos olhos do profissional, ou
é mais uma mordaça, uma amarra, que subjuga suas atividades às forças econômicas?
Mas isso não é tudo, há outras limitações indiretas que atingem situações
básicas como o imperativo de trabalhar sob extrema precariedade de meios, fato que
impede o médico de exercer sua profissão com a “máxima capacidade profissional”
(BRASIL, 2009).
Os primeiros incisos do Código de Ética Médica são uma bela amostra do
abismo existente entre a realidade e o sonho – louvável -, quase utópico, dos
idealizadores desse ato normativo.
Nesse universo de regras morais voltadas ao controle de seus pares, o médico
vem sendo colocado em situações de grande incerteza, que ora o elevam aos Céus, ora o
rebaixam às profundezas mais sombrias. Como uma personagem em busca de um papel, o
médico, mesmo quando procura manter-se o mais alinhado possível com os princípios
éticos de seu código, precisa contar com a sorte e o luxo de jamais se permitir um infortúnio,
pois, algumas vezes, até os erros que não são seus acabam rotulados como “erro médico”.

3.2 O ERRO MÉDICO E SUAS CARACTERÍSTICAS INTRÍNSECAS

No curso da História, a especialização do homem em determinadas atividades e


funções começou a ser designada pelo termo “profissão”. A profissão médica nasceu
com um viés religioso, era vista como sacerdócio, fato que retardou sua regulamentação.
Ainda hoje há quem sustente que a Medicina é um sacerdócio.
69
A “profissão” médica – ars curandi -, exercida com um mínimo de
regulamentação, teve início na Europa, nos primórdios da Idade Média. A criação das
Faculdades de Medicina foi fator imprescindível na profissionalização da atividade
médica, pois estabeleceu regras e exigências para seu exercício (DRUMMOND, 2009,
p. 16). Desde então, a Medicina vem sendo desempenhada por profissionais providos de
intenso preparo intelectual e científico específicos, sendo ainda necessária a capacidade
de se inter-relacionar com as pessoas, o que demanda por parte do médico diferentes
habilidades (SOBRINHO, 2009, p. 25)
É da natureza da atividade médica que o profissional esteja envolvido com as
pessoas em condições individuais de particular angústia. Contudo, no espectro das relações
humanas, nem sempre os resultados satisfazem as pessoas. Dentre essas circunstâncias, surge
o problema do erro. Na relação médico-paciente não é diferente, entretanto a conotação
social do erro no exercício da Medicina é particularmente distinta de qualquer outra. A
expressão “erro médico”, amplamente utilizada, não raramente denota sensacionalismo e
desinformação com relação ao ato médico. Segundo René Ariel Dotti (2004, p. 14), o
termo supracitado atribui ao profissional médico uma forma específica de erro humano –
esse em sentido lato -, o que favorece a notoriedade do ato, muitas vezes não avaliado
corretamente e em desconformidade com a situação em que ocorreu.
Para se ter uma idéia da diferença de tratamento dado à dimensão do que se
chama erro médico, tome-se por base a situação contemplada pelo ordenamento jurídico:
a Constituição de 1988 prevê, no art. 5°, LXXV, indenização a ser prestada pelo Estado no
caso de erro judiciário. Todavia, essa espécie de erro não tem a mesma repercussão
pública dos ditos erros médicos. A sentença equivocada apesar de firmada pelo magistrado,
na maioria das vezes é creditada aos vícios da coleta de provas feitas pela polícia ou pelo
Ministério Público, circunstâncias que, por sua suficiência, condicionam a decisão do
juiz (DOTTI, 2004, p. 14). Com o médico, tais escusas não se consubstanciam, entretanto

com a classe médica pode ocorrer situação semelhante quando o resultado


adverso deva ser debitado a membros de uma equipe ou auxiliares, como
enfermeiros em face da negligência, imprudência ou imperícia. (DOTTI, 2004, p.
14)

Existem fatores que podem condicionar patologicamente as condutas do médico e,


desta forma, interferir no resultado do seu trabalho.

70
4. O MÉDICO NAS RELAÇÕES PERTINENTES AO MEIO AMBIENTE LABORAL

Ao se abordar o tema que envolve a presença do médico em seu ambiente de


trabalho, um dos aspectos que surge em primeiro plano são as relações médico- paciente
conflituosas. Esse ângulo de apreciação do tema, de habitual recorrência, quando submetido a
uma postura analítica voltada ao campo jurídico, invariavelmente se encaminha para a noção
de hipossuficiência e o princípio da vulnerabilidade do paciente. Um viés que se introduz pela
doutrina do consumerismo. Mais do que uma praxe, tal fato assemelha-se a um vício, como se
evidencia nas palavras de Abdala Filho (2009, p. 121):

A literatura bioética comumente elege alguns personagens como verdadeiros


protótipos de sujeitos vulneráveis na área da saúde, dentre eles os pacientes. A
figura do médico, por sua vez, desperta atenção não por este prisma, mas
exatamente por seu oposto, ou seja, ele é visto como sujeito detentor de poder,
sobretudo sobre seus próprios pacientes.

Em sua ótica, o afastamento da visão corriqueira dos desencontros entre os


médicos e seus pacientes é mandatório, pois o modelo habitual já apresenta sinais de
esgotamento. Esse exaurimento perspectivo do fenômeno jurídico está dando lugar a formas
mais elaboradas de se compreender o mesmo problema. Trazer o médico para o pólo
vulnerável, hipossuficiente, passivo, abandonando o pólo ativo, é um dado que não pode
deixar de ser registrado, sob pena de se estar incidindo em sectarismo, preconceito e
ignorância.

4.1 ASSÉDIO MORAL E VIOLÊNCIA PSÍQUICA

A expressão “assédio moral” ganhou força no Brasil e generalizou-se. Contudo,


não goza do status de uma terminologia universal, principalmente quando se aborda o assédio
moral no ambiente de trabalho. Autores das várias áreas do conhecimento que tratam o
assunto – juízes, advogados, médicos, psicólogos, leigos de todo gênero, etc. -, utilizam-se
das mais diversas nomenclaturas para designar essa anomalia das relações intersubjetivas.
Não raramente encontram-se os termos: acosso psíquico, acosso moral, mobbing, gaslight,
assédio psicológico, bullying, terror psicológico e, entre outros, o resultado: a síndrome de
burnout.
A multiplicidade de termos utilizados revela o estágio inicial dos estudos e,
contrariamente ao que possa parecer, não é esclarecedora; ora serve para designar eventos
semelhantes, ora para caracterizar distinções (SIMM, 2010, p. 84).
71
Segundo Hirigoyen (1989, apud MOREIRA, 2010, p.14), o “assédio moral ou
psicológico é toda ação, gesto, comportamento ou palavra que atinja, pela repetição ou
sistematização, a auto-estima de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua
competência”. Zanetti (2008, p. 5) segue esse mesmo sentido e conclui que “o assédio é
caracterizado pela repetição de atos ou sua omissão, isto ocorre com certa freqüência e
durante certo período de tempo.”
De acordo com o advogado trabalhista Salvador (2002, apud SIMM, 2010, p. 97),

O assédio moral é caracterizado pela degradação deliberada das condições de


trabalho onde prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação
a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta
prejuízos práticos e emocionais para o trabalhador e a organização.

Contudo Hirigoyen (2002, apud SIMM, 2010, p. 84) explica que esses “ataques
perversos” iniciam-se em um “processo inconsciente de destruição psicológica, constituído de
maquinações hostis, evidentes ou ocultas, de um ou vários indivíduos, sobre um indivíduo
determinado, que se torna um verdadeiro saco de pancadas”.
Dentre os termos utilizados no Brasil para indicar essas agressões, destacam- se o
mobbing e o bulliyng. Segundo Alexandre Saldanha Tobias Soares, o “bullying é um contínuo
ataque à integridade psicológica de alguém, com o fim de causar na vítima um sentimento de
humilhação, é uma forma de agressão que diminui sua auto-estima. Explica ainda que ambos
os termos - bullying e mobbing - referem-se ao assédio moral e são conceitos sinônimos.
Entretanto, o primeiro é utilizado na Inglaterra e o segundo na França e Alemanha. No Brasil
os dois conceitos são também utilizados, mas bullying é especificamente empregado para
caracterizar manifestações de assédio moral no ambiente escolar; mobbing se dá nas relações
de trabalho (SOARES, 2009, p.13). Ambos denotam um estado de perseguição. Cada um, por
si, “reflete com precisão aquilo que o trabalhador sente quando é alvo desse tipo de
comportamento.” (SIMM, 2010, p. 87).
Para Gestoso, que advoga no sentido mais estrito do termo, mobbing serve para
designar situações de assédio moral no trabalho. Segundo o autor,

trata-se de um modo de comportamento orientado à destruição psicológica,


moral e laboral da vítima a médio prazo, que tem sua origem, de forma
principal, na interação de determinadas características da organização do trabalho
com as necessidades, habilidades e expectativas individuais. (GESTOSO, 2004
apud SIMM, 2010, p. 95).

Outra definição de mobbing, proposta por Leymann (1990, apud SIMM, 2010, p.
97) diz que:

72
o mobbing ou terror psicológico no âmbito laboral consiste na comunicação
hostil e sem ética, dirigida de maneira sistemática por um ou vários indivíduos
contra outro, que é assim levado a uma posição de indefensabilidade e
desamparo e zelosamente nela mantido. Essas atividades têm lugar de maneira
freqüente (como critério estatístico, pelo menos um vez por semana) e durante
longo tempo (pelo menos seis meses). Em razão da elevada frequência e
duração da conduta hostil, este maltrato acaba por resultar em considerável
miséria mental, psicossomática e social.

Em uma pesquisa feita pela International Stress Management Association,


entidade que estuda o estresse e suas formas de prevenção, revelou-se que o Brasil está em
segundo lugar na hierarquia dos trabalhadores mais estressados do mundo, sendo superado
somente pelo Japão – primeiro colocado. A referida pesquisa ainda mostra que 70% dos
brasileiros sofrem desse mal, dos quais 30% têm o grau mais elevado de
comprometimento, são as vítimas do chamado de “burnout” (JAYA, 2008, p. 16).
Segundo Rodenas (2004 apud SIMM, 2010, p. 100), a Síndrome de Burnout
corresponde a

uma manifestação concreta de estresse laboral própria dos que realizam seu
trabalho em contato com outras pessoas que, por suas características, são
sujeitos que precisam de ajuda ou assistência – professores, pessoal da saúde,
assistentes sociais, etc. -, manifestando-se ao ver o profissional frustradas suas
expectativas, devido à impossibilidade de modificar sua situação laboral e de
por em prática suas ideias a respeito de como deve ser realizado o trabalho.

De acordo com Barbosa (2007, p. 37),

o trabalho médico parece ser a própria essência do burnout, com fatos


específicos que o tornam uma realidade evidente: sobrecarga de trabalho, falta
de reconhecimento da atividade profissional, escasso controle do ambiente de
trabalho, ambiguidade e incerteza do papel profissional, falta de preparo para
lidar com as demandas emocionais de pacientes, falta de autonomia, contato
com os pacientes e a gravidade de seus quadros.

Em 2007, o Conselho Federal de Medicina realizou uma pesquisa envolvendo 7,7


mil profissionais médicos, acerca da saúde dos referidos profissionais no Brasil.
Os resultados foram alarmantes e mostraram que as doenças psíquicas dos
médicos ultrapassam em, aproximadamente, onze pontos percentuais a incidência dessas
doenças no restante da população (BERTOTTI, 2008, p.10). Foram avaliados quesitos como
fadiga, depressão, ansiedade, bem como o consumo de medicamentos psicotrópicos e seus
abusos. Contudo, o ponto crítico observado pelo estudo foi a incidência da Síndrome de
Burnout entre os médicos que, segundo a sondagem, acomete cerca de 57% dos profissionais
(BARBOSA et al., 2007, p.38).
Conclui-se, portanto, que atos isolados de humilhação não são considerados

73
assédio moral. As características que o configuram são: repetição sistemática,
intencionalidade, temporalidade, direcionalidade (alguém é particularmente afetado
intencionalmente) e degradação das condições de trabalho (ASSÉDIO, 2010).
Sendo assim, pode-se observar que na atividade médica, bem como em outras
atividades laborais, existem fatos que não se manifestam com todas as características
referidas, mas da mesma forma revelam-se nocivos à saúde do agredido. As situações
esporádicas, sem intencionalidade e não objetivas também são meios de violência psíquica,
ainda que não enquadradas como assédio moral, e podem ocasionar a vulnerabilidade do
médico, afetando suas decisões e trazendo prejuízo para ele e para a saúde de seus pacientes.
Pelo conceito firmado de assédio moral, que é corrente na prática jurídica, só seria
possível ao médico, na relação médico-paciente, ser agente ativo de tal fenômeno, pois para
ser agente passivo, seria necessária a presença de um sujeito que produzisse as manifestações
reiteradas contidas no conceito. Como esse agente ativo é cambiante, o conceito não se
aplicaria. Entretanto, o assédio moral sofrido pelo médico nessa relação não é pessoal, mas
personificado na figura do paciente. Dito de outro modo, o que existe é a presença de um
grupo genérico de pessoas que são os pacientes. Esse grupo apresenta um modo característico
de comportamento repetitivo para o médico e que é realizado a todo o momento, porém por
pessoas diferentes. Se tal conduta fosse realizada por uma única pessoa de poder hierárquico
superior, seria, inegavelmente, caso de assédio moral.
Todavia, por falta de uma fundamentação doutrinária compatível com a
perspectiva exposta, o termo “violência psíquica” em conjunto com o termo “assédio moral”
se amolda bem ao tema.

4.2 O MÉDICO COMO OBJETO PASSIVO DO ASSÉDIO MORAL E DA VIOLÊNCIA


PSÍQUICA

Alterando o paradigma clássico existente no assédio moral no tocante à relação


médico-paciente, há que se pensar em um sentido inabitual que envolve esse assunto. Existe
uma perspectiva, que vem sendo sistematicamente negligenciada: o pólo hipossuficiente não é
fixo e não está necessariamente atrelado à condição de paciente. Esse é um fato que não pode
ser desconsiderado. Sendo assim, o médico, tradicionalmente visto como agente ativo do dano
moral, da responsabilidade civil e do erro médico, pode figurar também como agente passivo
e vítima de situações específicas de assédio moral e violência psíquica, seja nas relações
médico-paciente, seja nas relações do médico com as instituições que, de alguma forma, se
74
envolvem nas questões de saúde. Segundo León (2010, p. 265):

Los médicos han estado resignados durante años, y han prestado poca atención
a las agresiones que sufrían por parte de sus pacientes. Situación que
parece tiende a empeorar si se tiene en cuenta el incremento paulatino de
los episodios de agresiones verbales o físicas a los profesionales de los centros
sanitários. 36

Essa condição de lesividade à dignidade moral e à integridade psíquica do


médico produz efeitos nocivos que transpõem a figura do médico como pessoa para atingi-lo
nas suas capacidades profissionais, afetando não só a ele, mas seu ambiente de trabalho,
seus colegas e aqueles que dele dependem, pacientes inclusive. De acordo com Abdalla Filho
(2009, p. 125),

o médico pode estar sujeito a agressões e violências advindas tanto da


instituição onde trabalha como de colegas ou mesmo de pacientes. É
fundamental a manutenção de sua capacidade de poder administrar tais
adversidades para o exercício da profissão, fornecendo condições de saúde à
população. Além disso, em função da intensidade e acúmulo das frustrações e
agressões sofridas, o médico pode alcançar um estado mental de saturação que
o coloca indisponível para fornecer atenção, levando-o a dispor, paradoxalmente,
apenas de tensão para oferecer a seus pacientes durante o atendimento. Em
outras palavras, a violência contínua e cumulativa sofrida pelo médico acaba
por violentar diretamente também o paciente.

Em 2009, foi realizada uma pesquisa para verificar a ocorrência de violência


física ou verbal sofrida pelos médicos em sua atividade laboral. Participaram médicos de
vários países da América Latina, tais como Argentina, Chile, México, Colômbia,
Uruguai, Peru, entre outros. Os resultados mostraram que 54,6% dos médicos já
sofreram algum tipo de violência no exercício da profissão, sendo que 52,4% sofreram
agressões verbais. Destes, 23% foram vítimas de seus pacientes e 29,4% das agressões
foram perpetradas por familiares. Além disso, a pesquisa mostrou que os médicos dos
setores de emergência sofrem o maior numero das agressões (INTRAMED, 2010). No
entanto, essa modalidade de agressão não é um reflexo da realidade apenas nos países
latinos. Nos Estados Unidos, segundo levantamento de 170 hospitais docentes, 43% dos
profissionais que trabalham nos atendimentos emergenciais já sofreram ataques físicos ao
menos uma vez ao mês, sendo que 18% das agressões foram praticadas com arma branca
(LEÓN, 2010, p. 268).

36
“Os médicos têm estado resignados durante anos e tem prestado pouca atenção às agressões que sofrem por parte
de seus pacientes. Essa situação, ao que parece, tende a piorar quando se tem em conta o incremento paulatino dos
episódios de agressões verbais ou físicas aos profissionais dos centros sanitários.“ (Tradução livre).

75
Pode-se observar, portanto, que não se trata de fenômeno isolado, mas que
perfaz um padrão relativamente estabelecido.

5. PERSPECTIVAS DO ASSÉDIO MORAL E DA VIOLÊNCIA PSÍQUICA CONTRA


O MÉDICO

Uma face particularmente conhecida dos médicos e que recentemente vem


ganhando espaço na mídia é o fato da violência cometida contra o médico por seus pacientes
e pelos familiares destes. Nem tanto a violência física, mas principalmente a violência
psíquica - a intimidação, a atitude desrespeitosa e desafiadora - produz neste profissional e
no seu modus operandi profundas alterações que prejudicam substancialmente os efeitos e
os resultados de seu trabalho. O relato que se segue, de uma médica da rede pública de saúde,
bem ilustra essa situação:

Estávamos com uma paciente que precisava de uma endoscopia. Não disponho
de tal exame na unidade, mas a paciente seria encaminhada a realizá-lo em
outro hospital (dispúnhamos do agendamento para isso). Por várias vezes a
família da paciente solicitou que eu fizesse um encaminhamento para que o
exame fosse realizado no setor privado de saúde. Não posso fazer isso. Não
posso tirar uma paciente do sistema público e encaminhá-la ao particular se
tenho todo o atendimento disponível na rede SUS. Não somos autorizados a
tais encaminhamentos porque o serviço se torna responsável por qualquer
coisa que aconteça à paciente quando a mesma sai da unidade.[...] Expliquei por
várias vezes à família que poderiam levar a paciente a qualquer momento, mas
por decisão própria, e que não encaminharia com o meu carimbo. Mas eles se
recusaram a entender e iniciaram uma grande discussão que acabou com a filha
da paciente me agredindo fisicamente, além de me ameaçar dizendo que
morava na favela, que gravou meu rosto e que me esperaria na saída. (ROSA,
2010, p. 73).

As Unidades Públicas de Saúde, de um modo geral, são ambientes de extrema


tensão. Por certo, as pessoas que lá comparecem não o fazem por lazer ou diversão. A
presença delas é imposta por uma condição de desconforto. Esse sentimento de angústia é
repassado para o médico, pois, como é sabido, ele é o agente que se apresenta como
indispensável à solução do problema apresentado. Isso é tido como parte do trabalho e
encarado como normalidade. Entretanto, esse conjunto de circunstâncias demonstra
contornos patológicos que estão saindo de controle:
Los centros sanitarios distan de ser lugares de trabajo pacíficos, aunque los
detalles de la contienda no se perciban a simple vista. [...] Por su parte, los
facultativos han de soportar, cada vez más a menudo, a usuários impacientes
que manifiestan comportamientos agresivos e, incluso, violentos a lo que se
une un incremento del acoso psicológico por parte de sus superiores o de

76
sus compañeros 37 (LEÓN, 2010, p. 266).

Como se verifica, o ambiente laboral do médico nessas condições revela-se


como um campo minado que requer a observância de cuidados que vão além do
conhecimento técnico profissional.
O tema, entretanto, é mais complexo e ultrapassa a esfera médico-paciente
chegando até a relação do médico com as instituições que o remuneram. Tem-se uma
relação profundamente desigual, opressiva e, em muitos casos, sequer tutelada pelo Direito do
Trabalho, pois são camufladas pela justificativa de ser, o médico, um profissional liberal,
autônomo por excelência. Contudo, encobrem-se aí circunstâncias de flagrante violência
psíquica, uma vez que aprisionam a liberdade e o sentimento de autonomia do profissional,
independentemente de existir uma afronta expressa ou sutil, quase que imperceptível:

Muitas vezes, o assédio é praticado de forma velada, não sendo raro um pacto de
tolerância e de silêncio, não somente entre aqueles que estão no papel de vítimas
como também de outros participantes, como as testemunhas dos comportamentos
violentos (ABDALLA FILHO, 2009, p. 123).

De modo semelhante ao que acontece com os trabalhadores da construção civil,


por exemplo, que são selecionados por não ter receio de trabalhar em grandes alturas, tal
fenômeno também ocorre em ambientes profissionais como os da categoria médica. Existe
uma espécie de “seleção natural” que permite a “contratação” daqueles profissionais que
ignoram riscos e consequências, ou que se submetem a condições inaceitáveis de trabalho.
Tal mecanismo de seleção acaba por excluir do contexto os indivíduos que não conseguem
seguir o protocolo nocivo adotado pela instituição tomadora de seu serviço.
Em outras circunstâncias, a pressão exercida sobre o profissional para que
atinja metas, a fim de receber gratificações ou bônus salariais, também é fator de estresse.
Segundo Silvia Bellusci (2007, p. 21),

As alterações psíquicas geradas pela organização do trabalho e pelas suas


condições de higiene e segurança muitas vezes são utilizadas pelo sistema de
trabalho para aumentar a produtividade. [...] Tal atitude tem o alto preço do
desgaste desses indivíduos, acarretando sofrimento, envelhecimento funcional
precoce, incapacidade precoce para o trabalho. Nesse caso, o trabalho não causa
sofrimento, é o sofrimento que produz o trabalho.

37
Os centros sanitários estão distantes de serem lugares de trabalho pacífico, mesmo que os detalhes da
contenda não se percebam à primeira vista. [...] De sua parte, os médicos terão que suportar, cada vez com
maior frequência, usuários impacientes que manifestam comportamentos agressivos e, até mesmo, violentos ao
que se une um incremento do acosso psicológico por parte de seus superiores e de seus companheiros. (Tradução
livre).

77
A produtividade a qualquer preço é, inegavelmente, um dos efeitos danosos das
perspectivas predatórias do trabalho. Na atividade médica isso não é diferente, pelo
contrário, trata-se de um evento de dimensões catastróficas, pois não envolve apenas o
trabalhador, mas outra vida, que diretamente se liga a esse trabalho. Hoje, a produtividade -
um chavão do discurso corporativo - foi incorporada em todos os níveis da prestação do
serviço de saúde, seja público, seja privado. Porém, sua crescente exigência aumentou os
riscos da atividade médica. Sim, se o risco de complicações de um procedimento é de
3%, por exemplo, quanto maior for a sua produtividade, maior será a sua exposição ao
risco. Se forem 100 procedimentos ao ano, seu índice será de 3 casos complicados; se forem
1000, serão 30 e assim por diante.
Ainda na esteira da lucratividade associada à utilização do trabalho médico
estão os grupos ligados à chamada saúde suplementar. Esta corresponde a um sistema
privado de serviços médicos, oferecidos de forma mediata por pessoas jurídicas
especializadas, quais sejam, as seguradoras e operadoras de planos de saúde
(SCHULMAN, 2009, p. 201). Têm por característica a prestação institucionalizada de
serviços de saúde, mas que não estão incluídos no Sistema Único.
Tais entidades, independentemente de serem empresas ou cooperativas, atuam
como intermediárias da prestação dos serviços médicos. São agentes econômicos da saúde -
sua finalidade se revela lucrativa, ainda que de forma velada - e estão ocupando um espaço
cada vez maior no País.
De acordo com do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais, as cooperativas da
área da saúde já representam 23% de todas as cooperativas nacionais. Segundo o jornal do
sindicato, são 871 cooperativas de saúde com 225.980 associados e 55.709 empregados.
(COOPERATIVISMO, 2010, p.12). Em boletim da Comissão Nacional de Saúde
Suplementar foi divulgada nota com dados que demonstram a situação atual dessas
operadoras no mercado nacional:

Os primeiros dados do mercado de planos de saúde de 2011 indicavam 46,6


milhões de beneficiários em planos de assistência médica. Entre março de 2010
e março de 2011, mais 4 milhões de brasileiros passaram a ter plano de saúde.
De acordo com série histórica da ANS este foi um crescimento recorde desde
2000, de 9%.

A receita também cresceu. Conforme informado pelas operadoras o faturamento


no primeiro trimestre de 2011 foi de R$ 18,4 bilhões, 3,8% a mais que no
mesmo período de 2010. Analisando os dados de 2010, as operadoras médico-
hospitalares tiveram uma receita de R$ 72,7 bilhões, 13,2% a mais que em
2009. (MIRANDA, 2011)

78
Apesar do panorama favorável, seus ganhos não refletem simetria com a
qualidade do atendimento disponibilizado. Vale indicar, a título exemplificativo de
interferência sutil - mas voltada à rentabilidade das empresas de plano de saúde -, a questão
da consulta bonificada. Esta, embora não mais configure a realidade cotidiana, revela-se um
elemento ao mesmo tempo elucidativo e representativo da degradação remuneratória e do
acosso sofrido pelos médicos em seu cotidiano. A tática consistia em premiar os médicos
que não solicitassem exames além de uma cota pré-estabelecida pelo plano de saúde:

Tradicionalmente os modelos atuais de consulta bonificada penalizam o médico


que atende pacientes de alta complexidade, pois evidentemente estes pacientes
têm necessidades diferentes dos demais, gerando mais exames, procedimentos,
internações, dentre outros. Como isso, os indicadores do profissional que
atende estes pacientes ficam comprometidos e pode prejudicar sua pontuação
e conseqüente remuneração. O que foi observado em algumas Cooperativas que
implantaram modelos simples de consulta bonificada é que os médicos
evitavam ao máximo atender a estes pacientes ou comentavam com eles que já
tinham atingido o seu limite de exames permitidos pelo convênio.
(ABICALAFE, 2010).

Do exposto, o que se verifica é que o profissional paulatinamente vinha sendo


acuado por questões externas à Medicina, se submetia às chantagens econômicas, correndo
o risco de ser induzido ao erro e, do ponto de vista legal, tornava-se solidário aos
interesses dos planos de saúde, como se seus fossem

Os exames solicitados são monitorados pela matriz gerencial e todas as vezes


que o médico cooperado ultrapassa o limite considerado como aceitável pela
cooperativa, passa a receber comunicações e advertências no sentido de que deverá
reduzir o número de solicitação de exames. Seguindo esse raciocínio e
considerando que um médico já esteja próximo de seu limite de exames,
certamente deixará de solicitá-los, por questões de enquadramento ao que vem
sendo cobrado em sua matriz gerencial. Se o médico cooperado deixa de
solicitar o exame e realizar a correta anamnese em seu paciente, certamente que, ao
atender a cooperativa, afronta preceitos do Código de Ética Médica bem como
aos preceitos do Código de Defesa do Consumidor e da Legislação Civil. [...] O
médico que deixa de solicitar exames de seu paciente, em atendimento à
matriz gerencial de sua cooperativa, age de forma culposa na modalidade de
negligência e corre o risco de incidir em erro médico, por deixar de fornecer o
diagnóstico correto e necessário ao seu paciente. (RIBEIRO, 2010).

Em recente manifestação pública, a Agência Nacional de Saúde Suplementar


(ANS) posicionou-se contra a prática de bonificação aos profissionais prestadores de serviços
de saúde que solicitassem menor número de exames:

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) publicou na edição desta quarta-


feira, 13 de abril, seu entendimento sobre a limitação de número de exames para
beneficiários de planos de saúde.
A adoção do entendimento se deu a partir de denúncias feitas por
profissionais e entidades médicas sobre a existência de bonificação para os

79
prestadores de serviços de saúde que solicitassem menor número de exames.
Com a finalidade de impedir esta prática, a ANS publicou a Súmula
Normativa nº 16, que esclarece a proibição do estabelecimento da quantidade
de exames que o prestador pode solicitar. Além de caracterizar uma
restrição da atividade do profissional, a prática pode gerar dificuldades de acesso
dos pacientes ao tratamento adequado. Tal conduta é considerada Restrição da
Atividade do Prestador, com pena prevista no artigo 42 da Resolução Normativa
nº 124/2006: Restrição da Atividade do Prestador
Art. 42. Restringir, por qualquer meio, a liberdade do exercício de atividade
profissional do prestador de serviço: Sanção – advertência; Multa de R$
35.000,00.
A prática de bonificação de profissionais em função da quantidade de exames
solicitados é contrária ao código de ética médica e ao entendimento da ANS.
A ANS condena essa prática. (AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE
SUPLEMENTAR, 2011)

Mas este nunca foi o único problema. Em sete de abril do ano de 2011,
médicos conveniados à operadoras de planos de saúde de todo o país realizaram uma
paralisação nos serviços médicos, mantendo somente os atendimento emergenciais, com
o intuito de buscar soluções para os problemas enfrentados por estes profissionais na saúde
suplementar.

A insatisfação dos médicos com os planos de saúde não é recente. Ao longo


dos últimos meses, foram vários os sinais de que a crise se instalava no
segmento. Protestos e reclamações envolveram diferentes estados e
especialidades. Em todos os casos, a pauta se manteve alinhada em torno dos
mesmos eixos: baixos honorários, ausência de reposição das perdas acumuladas
e interferências das operadoras na autonomia dos médicos. (MOVIMENTO,
2011, p.6)

Percebe-se, portanto, que os problemas pertinentes à relação existente entre


médicos e operadoras de saúde têm alcançado amplitude nacional e, sem dúvida, vêm
trazendo prejuízo àqueles que necessitam do atendimento prestado pela saúde suplementar.
A edição da Súmula nº 16 pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (BRASIL, 2006)
foi um grande passo em prol da autonomia do profissional médico perante às operadores de
planos de saúde, contudo ainda existem muitos outros problemas que carecem de solução.

CONCLUSÃO

Dentre os raciocínios desenvolvidos, alguns entendimentos puderam ser


evidenciados em face das pesquisas empreendidas.
Foi possível identificar e esclarecer um novo paradigma que se desenha acerca do
ofício médico em meio à perspectiva da sustentabilidade do ambiente laboral em que está

80
inserido. Tal abordagem se define seja por intermédio da análise da relação médico-paciente,
seja da relação médico-institucional, seja, sobretudo, pela ótica do Direito, que tangencia
esses pontos de conflito nas questões de assédio moral e violência psíquica.
Nas relações médico-paciente foram abordadas questões pertinentes à alteração da
polaridade ativo-passiva, na qual o médico classicamente figura como sujeito ativo, mas em
que, na realidade, é possível percebê-lo na condição de hipossuficiente e de vulnerável.
Na interação do médico com as instituições que se impõem na concretização de
sua atividade profissional, o estudo debruçou sua atenção para um ponto fundamental: a
vulnerabilidade que se estabelece a partir da exploração de seu trabalho por meio da
perspectiva da produtividade. Dessa análise extraiu-se que, de fato, o médico encontra-se
posicionado em situação de nítida inferioridade contextual. Tal estado de precariedade
possibilitou concluir que existem fatores institucionais que interferem em sua autonomia,
eficiência e exposição a índices de risco, prejudicando a sua psique e o resultado de seu
ofício, amplo – sobre toda a sociedade - e restrito – referente aos casos concretos
individualizados.
O objetivo dessa abordagem foi estimular e levantar novas perspectivas para
questões pertinentes aos danos causados ao médico quando submetido a um meio ambiente
hostil de trabalho. Percebeu-se que os efeitos nocivos não prejudicam somente os médicos.
Seus prejuízos se propagam aos pacientes e também à sociedade, numa cascata que contamina
o meio ambiente laboral da saúde, afetando a sustentabilidade, pois adoece o ciclo necessário
à manutenção harmônica de sua funcionalidade.
Dentre as questões delineadas foi fundamental buscar entender o papel atual do
médico, bem como o seu futuro, em face do cenário jurídico e bioético que o aguardam, pois
esse é um ponto chave da função médica eficiente.
Do exposto – finalizando a inteligência sobre o assunto -, constata-se a seguinte
indagação: de que forma a saúde das pessoas pode ser afetada pelas posturas adotadas por
mudanças no paradigma imposto pelo Direito e pela Bioética sobre o agir médico?
Embora muitas respostas sejam possíveis, o que se tem de fato são apenas
caminhos para que pesquisas posteriores tragam melhores luzes sobre o tema e desta forma
possam aclarar o contexto de repercussão da atividade médica sobre o Biodireito e do
Biodireito sobre a atividade médica.

81
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84
SAÚDE E DESENVOLVIMENTO SOCIAL: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA
JURÍDICA DA SUSTENTABILIDADE

Jussara Maria Leal de Meirelles 38

1. DIGNIDADE E VIDA: VALORES SUPERIORES A NORTEAR A


SUSTENTABILIDADE

Todo questionamento acerca da sustentabilidade deve nortear-se pelo valor do ser


humano e o respeito que lhe é devido. A cada indagação efetuada sobre o desenvolvimento
social, a cada investigação instigante que novos experimentos e novos fármacos podem
proporcionar, acima de toda nova negociação que emerge do comércio jurídico movido, cada
vez mais, pelas inúmeras novidades que se multiplicam tão rapidamente, é o dado axiológico
representado pelo ser humano que sustenta o viés que deve fundamentar todas as respostas e,
se não diretamente a elas, ao menos à busca de soluções.
Essa noção evidente, que decorre do reconhecimento sobre a dignidade do ser
humano, é o que se traduz no fio que deve conduzir todo o processo evolutivo. Somente a
partir desse dado axiológico é possível considerar-se sustentável (ou não), o desenvolvimento.
O Direito existe para o homem e o homem é valor. Na precisa e sensível
observação dos sempre lembrados Francisco Muniz e José Lamartine Corrêa de Oliveira, “ no
caso do ser humano, o dado pré-existente à ordem legislada não é um dado apenas ontológico,
que radique no plano do ser; ele é também axiológico. (...) O homem vale, tem a excepcional
e primacial dignidade de que estamos a falar, porque é. E é inconcebível que um ser humano
seja sem valer.” (MUNIZ e OLIVEIRA, 1980, p.16)
Portanto, é sabido que o respeito ao ser humano traduz o fundamento ético que
requer toda norma jurídica própria de um Estado de Direito. A Constituição de 1988 tem-no
bem destacado já no seu artigo 1º, inciso III:
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;

38
Professora Titular de Direito Civil, integrante do Programa de Pós-Graduação em Direito Econômico e
Socioambiental e do Programa de Pós-Graduação em Bioética, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Mestra e Doutora em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Pós-Doutorado no
Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra-Portugal. Procuradora Federal.
85
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.

Considerando-se a supremacia das normas constitucionais sobre todas as demais


normas jurídicas, é de se ressaltar que todo o tecido normativo constitucional, no mesmo
plano hierárquico, e infraconstitucional, deve conformar-se e condicionar-se aos ditames da
Constituição, cujos princípios constituem o suporte axiológico a harmonizar todo o sistema.
Logo, só é possível falar-se em desenvolvimento sustentável se, antes mesmo de
se evidenciar sua sustentabilidade fática, no sentido de vislumbrar-se, a partir de todos os seus
corolários de fato, suas tantas e diversas conseqüências no meio ambiente, o verdadeiro
desenvolvimento em respeito ao ser humano, a sua sustentabilidade jurídica, que deve ser
levada a efeito a partir de uma perspectiva integral do ser humano e é tarefa a realizar a partir
da dignidade da pessoa humana, entendida como elemento fundante do Estado Democrático
de Direito. Enfim, impõe-se reconhecer que

a interpretação das normas jurídicas, ainda que importe sempre na sua recriação pelo
Juiz, não resta submetida ao livre-arbítrio do magistrado ou dependente de sua
exclusiva bagagem ético-cultural, encontrando-se definitivamente vinculada aos
valores primordiais do ordenamento jurídico. (TEPEDINO, 1993, p.29)

Valores primordiais de vida e dignidade humanas dão o limite e permitem apontar


para normas disciplinadoras do desenvolvimento.
Por isso é necessário salientar, seguindo a mesma ordem de idéias, que “a vida se
insere na categoria do ser, não do ter, impondo-se ressaltar [...] que, a despeito de direito
subjetivo, interessa não só ao indivíduo, mas à sociedade” (GOMES, 1988, p.157). Logo, não é
compreensível que o amparo da vida seja fundado numa leitura subjetivada da vida humana,
relativizando-a a minha, à sua, à nossa vida.
É a vida humana em si, assim intrincada nas ponderações a respeito do meio
ambiente ecologicamente equilibrado (previsto expressamente no art. 225 da mesma
Constituição da República) que merece ser respeitada. Assim, todas as justicativas para
fundamentar e apoiar, e também aquelas que sejam elaboradas para impedir o que se costuma
denominar, indistintamente, desenvolvimento, devem ser levadas a efeito a partir de uma
perspectiva integral do ser humano, considerando-se a sua necessária e imprescindível sadia
qualidade de vida.

2. SAÚDE HUMANA NOS DIAS ATUAIS: EQUILÍBRIO NECESSÁRIO A

86
JUSTIFICAR O DESENVOLVIMENTO

2.1 PREVISÃO CONSTITUCIONAL

A Constituição Brasileira de 1988 dispõe, no seu artigo 225: “Art. 225. Todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-
lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.”
A previsão constitucional, ao fazer alusão ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado como essencial à sadia qualidade de vida, faz impor duas ordens de conclusões:
a) o meio ambiente equilibrado é essencial à vida saudável;
b) a sadia qualidade de vida está vinculada ao direito à saúde, também assegurado
constitucionalmente, no artigo 196, verbis:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação. (BRASIL, 1988)

2.2 QUALIDADE DE VIDA E SEUS REFERENCIAIS DIVERSOS – CONCEPÇÕES


AMPLAS E REDUCIONISTAS

De acordo com Wood-Dauphinee e Kuchler, a primeira notícia que se tem a


respeito de Qualidade de Vida – ou Quality of Life (e, por isso, indicada pela sigla QOL) – é
datada de 1920, na avaliação das condições de trabalho e das suas conseqüências em relação
ao bem-estar do trabalhador (RIBEIRO, 2002, p. 159). Também há registro de que a pesquisa
na área da qualidade de vida tenha surgido em 1949, época em que o Dr. Karnofsky propôs a
avaliação de uma medida não fisiológica na pesquisa oncológica, como um instrumento para
medir a qualidade de vida (BOAS, 1998, p.33).
Muito embora essas referências sejam importantes sob o ponto de vista
histórico da preocupação com a qualidade de vida, reconhece-se que são apenas partes deste
que é um conceito considerado extremamente ambíguo e amplo, além de dinâmico,
multidimensional e individual. Logo, sua avaliação deve ir para muito além de aspectos como
o estado de saúde dos indivíduos ou das comunidades (AMORIM e COELHO, 1999, p. 235-
7).

87
É, contudo, bastante freqüente a análise da qualidade de vida ser verticalizada ao
campo da saúde, das doenças, dos tratamentos aplicados aos pacientes, vincando-se na
avaliação e satisfação do doente no que concerne à sua capacidade funcional, em comparação
com a que o mesmo entende como sendo a ideal. Em tal sentido, na comunidade científica,
costuma-se fazer referência à qualidade de vida como aquela que está relacionada com a
saúde (health related quality of life – HRQoL) (BOAS, 1998, p.32).
Sem dúvida, sob a perspectiva dos gestores dos cuidados de saúde, os dados a
respeito da qualidade de vida interessam-lhes tanto nas questões administrativas quanto nas
financeiras, bem como nas relacionadas diretamente com o doente. Assim, sob o ponto de
vista administrativo, os resultados obtidos a partir de uma avaliação da qualidade de vida
facilitam a caracterização de grupos de doentes com níveis de utilização de cuidados de saúde
diferentes e, por conseguinte, com padrões de despesas variados. Essas informações
influenciam beneficamente na gestão dos doentes, de modo a tornar os serviços de saúde mais
eficientes e, desse modo, resultar no aumento do nível de qualidade de vida de tais indivíduos.
Em alguns países, os dados sobre a qualidade de vida são utilizados por entidades
governamentais para a tomada de decisões concernentes aos medicamentos e intervenções
clínicas. E também, agora sob a perspectiva do doente, os gestores dos cuidados de saúde,
especialmente em instituições privadas, têm interesse nos dados sobre a qualidade de vida,
porquanto tais resultados podem servir para “atrair” a clientela, mediante uma atenção mais
particularizada ao indivíduo, ao seu bem-estar, aos seus interesses e às suas necessidades
(BOAS, 1998, p.32-3).
Esforços para avaliar a qualidade de vida foram evidenciados no relatório da
Commission on National Goals do Presidente Eisenhower, publicado nos anos 60. Este
documento, elaborado com o objetivo de promover a qualidade de vida americana, incluía
vários indicadores sociais e ambientais, tais como educação, crescimento econômico, saúde e
bem estar.
Em um dos primeiros estudos significativos a respeito do assunto, intitulado
Quality of Life of American People, datado de 1976, os autores Campbell Converse e Rodgers
esclareceram que para se conhecer a experiência de qualidade de vida será necessário ir
diretamente ao próprio indivíduo, para que ele descreva como ele sente sua vida. Isso porque,
conforme a sensível percepção dos aludidos autores, as relações entre as condições objetivas e
os estados psicológicos são muito imperfeitas e, portanto, a investigação sobre a qualidade de
vida deveria focar-se na experiência de vida, em vez de centrar-se nas condições de vida. Em
outras palavras, a busca de referenciais relativos à qualidade de vida deveria focar-se naquilo
88
que as pessoas percebiam, sentiam acerca da sua vida, no lugar daquilo que os especialistas
(políticos, economistas, sociólogos, médicos, psicólogos) percebiam ou sentiam sobre a vida
dessas pessoas. Essa visualização sobre o conceito de qualidade de vida iria confirmar-se em
diversos estudos posteriores, notadamente na área específica da saúde. Mas, de qualquer sorte,
a partir desses referenciais, a qualidade de vida tornou-se objeto de estudo para as ciências
sociais (RIBEIRO, 2002, p. 160).
Visando identificar as mais diversas dimensões da vida das pessoas, os aludidos
primeiros estudos de 1976 passaram a mencionar e investigar a qualidade de vida a partir de
12 (doze) aspectos considerados decisivos, tais como: comunidade, educação, vida familiar,
amizades, saúde, habitação, casamento, nação, vizinhança, self, padrão de vida e trabalho.
Outro estudo posterior (Flanagan – 1982), utilizando método diferente, identificou 15 (quinze)
aspectos semelhantes: conforto material, saúde e segurança pessoal, relações familiares, ter e
criar filhos, relações de proximidade com o cônjuge ou parceiro sexual, amizades íntimas,
ajudar e encorajar os outros, participação em assuntos de governos locais, aprender, ir à
escola, ampliar o conhecimento geral e sobre si próprio, reconhecer os seus pontos fortes e
suas limitações, trabalhar em algo interessante, expressar-se de forma ativa, socializar-se, ler,
ouvir música, ter entretenimento, participar de alguma recreação ativa. Ressalte-se, contudo,
que qualquer dos aspectos aqui referidos pode ser estudado isoladamente: assim, é possível
analisar-se a qualidade de vida familiar, a qualidade de vida no trabalho, a qualidade de vida
na saúde, e assim por diante (RIBEIRO, 2002, p. 160).
Na Encíclica do Papa João Paulo II

O Evangelho da Vida (EV. 23 e 27), é possível ler-se que a qualidade de vida não
consiste apenas em possuir muitas coisas, um grande poder econômico, a beleza
física, mas está também em ter novas relações interpessoais, espirituais e mesmo
sobrenaturais. Dessa concepção religiosa, é possível depreender-se uma noção de
qualidade de vida global, física, psicológica, social e cultural, e que todas essas
dimensões se inter-relacionam, de tal modo que “a humanização só é verdadeira
quando aposta para esta qualidade de vida global. (PINTO, 1996, p.18-9)

De modo geral, enfim, a análise da qualidade de vida inclui um viés objetivo e


um subjetivo. Sob o prisma da objetividade, afirma-se que os principais indicadores de
qualidade de vida são: o estado de saúde (avaliado a partir de dados laboratoriais,
radiodiagnóstico, etc), a psicopatologia (considerando-se o diagnóstico efetuado de acordo
com o CID-10 ou com o DSM-IV-TR), o nível socioeconômico (rendimentos, escolaridade,
profissão), a rede social de apoio (número de pessoas e qualidade dos vínculos interpessoais).
E sob o aspecto subjetivo, costuma-se mensurar a qualidade de vida a partir dos seguintes

89
indicadores: funcionamento físico (queixas, dor, sensação de bem-estar), funcionamento
psíquico (ansiedade, depressão, disfunção cognitiva e auto-estima), funcionamento social
(isolamento social, satisfação profissional, relacionamentos e períodos de lazer),
funcionamento ocupacional, percepção de saúde. (COELHO, 2002, p.198)

2.3 VIDA SAUDÁVEL: ESSÊNCIA DO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO

Não há dúvida, portanto, que o meio ambiente ecologicamente equilibrado, tal


como a Constituição da República visa assegurar, é aquele que possa proporcionar, a todos os
seres humanos, uma vida saudável e livre de pressões angustiantes.
No entanto, dentre os impactos ambientais mais freqüentes e preocupantes dos dia
atuais, encontra-se a influência do crescimento das cidades sobre a saúde mental humana.
Ansiedade, estresse pós-traumático e síndrome do pânico são só alguns exemplos das
conseqüências de uma vida cada dia mais contaminada pela velocidade de informações, pela
violência de nossos dias, pela pressão de resultados “para ontem”, e tudo o que representa um
movimento muitas vezes mais rápido do que a mente humana pode suportar.
Isso tem sido verificado com freqüência que se pode dizer alarmante, e uma das
razões está em que as inovações tecnológicas, muito embora se reconheça sejam grandes
facilitadoras até mesmo de atividades corriqueiras, trazem consigo exigências sempre muito
novas e muito mais rápidas do que o cérebro humano foi projetado para absorver. Por conta
disso, muitas pessoas são tomadas por sintomas de quadros patológicos que estão muito
distantes daquela vida saudável e da sadia qualidade de vida que o meio ambiente previsto na
Constituição deve assegurar.
Portanto, não parece ser esse o meio ambiente que se pretende equilibrado. Mas é
esse o meio ambiente em que se vive, hoje, e cabe a todos, portanto, a responsabilidade de
assegurar o seu equilíbrio e, por via de conseqüência, a integridade psíquica, além da saúde
física de todos.
Para assegurar a saúde física e mental das pessoas que nele vivem, o meio
ambiente deve ser naturalmente acolhedor, e guardar, ao menos, congruência temporal com a
velocidade média da mente humana em acompanhar os seus resultados. No entanto, se o
ambiente em que vivem e trabalham exige que corram, que pensem e ajam rapidamente; se
elas não conseguem segurança e sossego nem em suas próprias casas; se vivem premidas por
prazos inexeqüíveis marcados pelo imediatismo das inovações tecnológicas, isso traz em si
um alerta: as facilidades práticas das quais não se consegue, hoje, nem mesmo imaginar a
90
inexistência, certamente aceleraram o processo de viver, o que pode ser bem recebido ou não,
dependendo das características pessoais de cada um.
O meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de
vida, assegurado constitucionalmente, deve ser, sem dúvida, o que se demonstra apto a manter
a integridade física e psíquica de todos. Se o meio ambiente em que se vive não oferece
condições para tanto, necessário realizar-se uma leitura compreensiva de eventuais
conseqüências até desastrosas que esse mesmo meio ambiente pode causar na vida de cada
um.
Sob perspectiva um pouco diversa, evidentemente não se pode denominar
“desenvolvimento” essa aceleração infindável e desenfreada, que chega ao ponto de
obstaculizar a qualidade de vida das pessoas. Daí porque toda e qualquer análise a respeito de
sustentabilidade deve, sem dúvida, passar pela noção mais ampla e abrangente de saúde, que
não se limita à saúde física, mas também à mental, à experimentação humana, aos recursos
destinados à melhoria da qualidade de vida, às medidas administrativas e judiciais tendentes à
assegurar o direito constitucional à saúde, enfim, a tudo o que possa certificar que o
desenvolvimento social e econômico apresenta meios de adequação do ser humano às suas
novidades, sem desprezo do que lhe é considerado essencialmente saudável. E ainda, não
sendo assim, de ser afastada a noção de sustentabilidade, posto não ser possível designar-se
por sustentável o desenvolvimento que atinge o ser humano em sua saúde, colidindo com esse
que é um direito fundamental.

2.4 NOVOS RUMOS PARA AS RELAÇÕES DE SAÚDE

Tem-se observado um crescente aumento de demandas envolvendo profissionais


da Saúde. Diz-se isso não só em relação aos médicos, mas também aos odontólogos,
enfermeiros, e outros profissionais de ramos vinculados à saúde humana. Ademais, os
questionamentos que se apresentam inerentes aos tratamentos de saúde também não se
limitam, tão-somente e como antes, às condutas clínico-terapêuticas, estendendo-se, muitas
vezes, ao próprio bem-estar e à qualidade de vida geral do paciente durante o(s) tratamento(s).
Tal comportamento é observado não apenas em função das profundas alterações
verificadas na relação profissional-paciente, mas também e fundamentalmente em razão à
atitude do próprio paciente em relação aos tratamentos a que se submete. E tal se explica,
sobretudo, pelo fato de que as pessoas, de modo geral, têm cada vez mais acesso instantâneo à
informação (marcada essa instantaneidade pelo fácil acesso à Internet), o que faz com que o
91
paciente, mais e mais, questione o profissional ( KÖHLER, 2006, p.22-3).
Por outro lado, é possível perceber que as profundas e rápidas alterações
observadas nas relações pessoais atingem a relação profissional de saúde-paciente, antes
marcada essencialmente pela confiança, e que hoje se massifica, não somente pela ampliação
das cidades e do número de pacientes a atender, como pela multiplicação de recursos e
habilitações específicas, o que faz com que o ser humano seja tratado, muitas vezes, por tantas
pessoas, que não chega a conhecer.
A nova realidade de mercado; a nova realidade afetiva; o trabalho sob
comportamento idealizado e a sobrecarga psíquica decorrente; e, em igual medida, o enigma
do limite terapêutico: esses os marcadores atuais da relação médico-paciente, que assinalam
profundas mudanças. Sob esse aspecto, de se assinalar que até há não muito tempo, o ato
médico trazia em si a confiança (do paciente) e a consciência (do profissional), cujo título lhe
conferia não só a habilidade e o conhecimento técnico para o tratamento, mas e
principalmente, o afastamento de quaisquer dúvidas sobre a qualidade dos seus serviços,
muito menos que houvesse litígio judicial sobre eles. Isso porque o médico era visto não só
como profissional da saúde, mas como amigo e conselheiro da família. Era tido e havido
como uma espécie de salvador (ANDRADE JR, apud TEIXEIRA, 2000, p.21-9).
O mercado atual passou a determinar que o médico e, na mesma esteira de
entendimento, os demais profissionais de saúde, passassem a ser encarados como prestadores
de serviço, ao tempo em que o paciente passou a ser visto como usuário, consumidor.
Registre-se, no entanto, que nem os profissionais de saúde estão preparados
para se portarem como mero prestadores de serviços, nem os pacientes se vêem
satisfatoriamente tratados quando se enxergam nessa qualificação de usuários. Isso porque,
aos primeiros falta a chamada remuneração afetiva, que transcende a mera remuneração
pecuniária pelo serviço prestado. É a confiança depositada no conhecimento, o agradecimento
pela dedicação, que vai para além do preço fixado em tabelas. De lado oposto, os pacientes
também anseiam por um tratamento que ultrapasse a rigorosa correção técnica (ANDRADE JR,
apud TEIXEIRA, 2000, p.25).

Somada a essa nova realidade, a relação que antes era duradoura, assegurada pela
afetividade e confiança, sofreu a influência do surgimento dos seguros-saúde, o que a
transformou em vínculo tênue, bastando que o paciente ou o profissional realize nova
negociação substituindo a seguradora anterior por outra, para que a relação chegue ao fim.
Também não é de se afastar que a imagem que o paciente faz, do profissional de
saúde, nos dias atuais, é bem distante daquela de antes. Por conseguinte, a visão que o
92
profissional de saúde tem do paciente, também é bem diversa daquela que animava os
tratamentos de outras épocas. Afastou-se, de modo geral, a visão paternalista em relação ao
paciente; nessa perspectiva, a mudança foi importante e positiva, posto que a anterior chegava
a determinar, se radicalizada, que o paciente fosse "considerado um semi-imputável", de
quem a enfermidade privaria de integral discernimento, exigindo, por isso, do profissional da
saúde, "a mesma atenção devotada a uma criança, que desconhece o que é melhor para ela"
(NALINI, IN: TEIXEIRA, 2000, p. 60).
Hoje, o fácil acesso a informações técnicas determina não somente maior
autonomia para que o paciente decida o que é melhor para si próprio, como também exija
tomar conhecimento da verdade para, somente após, consentir ou não (por meio do termo de
consentimento livre e esclarecido) e, até mesmo assuma uma postura de cobrança de
comportamento ideal do profissional que lhe atende.
E ainda há que se ressaltar que o limite terapêutico, infelizmente, vem ditado pela
limitação de gastos financeiros e pela maior ou menor probabilidade estatística de êxito na
recuperação. De regra, não há mais aquele vínculo de afetividade e certa dependência para
com o profissional de saúde, e os tratamentos têm seu limite no custo, por vezes altíssimo, que
possam apresentar o que pode, por conseguinte, determinar a sua não realização.
De sorte que, a descoberta de novos caminhos, novas terapias, fármacos, exames,
diagnósticos mais precisos, técnicas e métodos, vem acompanhada dessa realidade
econômico-financeira que, no Brasil, faz traduzir, infelizmente, que a saúde não é um direito
exercido por todos, posto que alguns não recebam todo o tratamento existente, até porque não
há como arcar com suas despesas.
Em tal sentido, importa vincular o desenvolvimento social ao desenvolvimento
científico e tecnológico, na exata medida da proteção que o ser humano merece. Os registros
vêm se tornando, portanto, peças fundamentais, não somente na demonstração da escolha do
procedimento e da evolução do tratamento eleito, como também para delimitar, atenuar e até
mesmo, excluir a responsabilidade do profissional, que não pode ir além do que lhe é
permitido (e essa permissão não é deduzida somente do quadro clínico do paciente, mas das
condições fáticas que se lhe apresentam, tais como recursos e meios de prover o que é
necessário ao caso). E é na prova documental sobre a obrigação assumida e sobre o seu
cumprimento que são verificados os termos em que se esperaria que fosse realizada, se a
realidade econômico-financeira fosse diferente.

2.5 A SAÚDE HUMANA SOB EXPERIÊNCIA: RISCOS E BENEFÍCIOS


93
À medida que se proliferaram as experiências científicas incidentes direta ou
indiretamente sobre os seres humanos, assim como, em igual medida, multiplicaram-se as
normativas a respeito dos parâmetros a serem obedecidos, diversos problemas de
interpretação e de aplicação começaram a surgir.
Evidentemente, fórmulas legais imprecisas e abrangentes, tais como as que são
trazidas pelos diversos diplomas que versam sobre o assunto, e que permitem à doutrina
jurídica e aos tribunais uma larga margem de concretização, não são vistas com tranqüilidade
pelos médicos e investigadores. No entanto, há que se admitir não ser possível fixar uma
tabela minuciosa daquilo que seria bom e do que seria prejudicial ao ser humano. Tal
pretensão, por um lado, esbarraria nas divergências médicas acerca do valor e da justeza de
cada investigação, e, por outro, certamente o progresso técnico faria com que a lista se
tornasse rapidamente desatualizada (OLIVEIRA, 1999, p. 190).
Assim, os questionamentos sobre a incidência das normas neste ou naquele caso,
dependem do que se entenda por vida humana e saúde humana e, a partir desse entendimento,
da ponderação sobre os riscos e os benefícios apresentados pela experimentação.
Costuma-se dizer que na ponderação dos riscos e dos benefícios só se deve incluir
os riscos para a pessoa envolvida e também os benefícios que, uma vez direcionados à
mesma, se apresentem com previsíveis. Essa é a interpretação jurídica mais corrente, embora
a previsibilidade deva, também, ser ponderada, uma vez que se trata de experimentação e, por
conseguinte, alguns riscos podem decorrer do próprio procedimento (e, assim, são previsíveis)
e outros, não. Por vezes, também, há interpretações mais abrangente, no sentido de que deva
fazer parte do juízo de ponderação riscos/benefícios não somente os benefícios diretos ao
sujeito envolvido, como também os indiretos. Tal interpretação ampla entende-se ter
justificativa somente nos casos de experiências a que se sujeitem pessoas maiores e
plenamente capazes, porquanto em relação aos incapazes, os benefícios devem ser diretos.
Em suma, a intensidade e amplitude dos riscos deve ser entendida conforme a
maior ou menor possibilidade de obtenção de benefícios: quanto menor o benefício, menor
deve ser a exposição aos riscos.
Necessário ressaltar, nesse ponto da ponderação riscos/benefícios aos seres
humanos envolvidos na experimentação, as dificuldades trazidas, já de início, pela
compreensão diversa do que se caracteriza como humano ou não (como por exemplo, as
diversas opiniões a respeito dos seres embrionários), bem como da influência das condições
de saúde para se analisar eventual ofensa da dignidade e autonomia do ser humano em
94
questão (a respeito desse aspecto, ressalte-se, também, a imensa gama de debates a respeito
dos casos de alienação mental grave ou de pacientes em estado vegetativo considerado
irreversível ou, ao menos, persistente).
Daí porque não é de se considerar simples a incidência normativa a respeito da
experimentação humana e tampouco a interpretação das normas existentes, posto que
requeira, de início, séria avaliação dos riscos e benefícios a partir dos amplos conceitos de
vida humana e de saúde, girando em torno, primordialmente, do que (ou de quem)
efetivamente se pretenda proteger e assegurar. A dignidade humana é o elemento fundamental
nesse processo. Porém, as opiniões divergem, por vezes, sobre qual dignidade humana se quer
proteger (a do indivíduo que se sujeita à experimentação ou à da humanidade considerada
amplamente).

3. CONCLUSÃO: O VALOR JURÍDICO DO CUIDADO E DA SOLIDARIEDADE NA


BUSCA DE SOLUÇÕES

Como se não bastasse à dor dos que padecem dos mais diversos males físicos e
mentais, como igualmente às suas respectivas famílias e à comunidade, a sociedade ainda
depara com uma questão adicional e igualmente dolorosa, que é a pressão referente à escolha
de quais pessoas serão tratadas e com quais serviços (BOYLES e CALLAHAN, 1995, p.3). Em
outras palavras, o preço da saúde vai para muito além do acolhimento dos doentes pela
sociedade, mas também - e principalmente - pela questão de se buscar soluções econômicas
viáveis e adequadas aos tratamentos e aos pacientes. Alguns não serão tratados. Muitos serão
tratados inadequadamente. A outros, simplesmente não haverá tratamento adequado. Mas
todos padecem; e a sociedade aparentemente saudável também, posto que não consiga dar
resposta satisfatória a algo que ela mesma propiciou, ora incentivando medidas, ora omitindo
soluções.
De maneira que, para além do não fácil reconhecimento de que os problemas de
saúde podem atingir a todos e que, muitos deles, podem derivar do ambiente socioeconômico
criado e, no mais das vezes estimulado, desenvolvido e incentivado pela esmagadora maioria
das pessoas, é preciso refletir sobre a consequente questão da responsabilidade social. A
origem arrisca-se afirmar aqui, está na vulnerabilidade de todos os que vivem em um meio
ambiente que, muitas vezes, não acolhe: atemoriza; não tranquiliza: estressa; não aguarda:
antecipa; enfim, não guarda congruência com o ser humano que nele vive; enfim, não lhe dá
respostas adequadas.
95
Quando se busca equilibrar desenvolvimento e sustentabilidade, sob a perspectiva
exata e essencial da saúde humana é necessário lembrar que “não há só a rede de relações
sociais. Existem pessoas concretas, homens e mulheres. Como humanos, as pessoas são seres
falantes; pela fala constroem o mundo com suas relações. Por isso, o ser humano é, na
essência, alguém de relações ilimitadas” (BOFF, 1999, p.139). Esse dado é fundamental para
permear as novidades tecnológicas, os diversos ambientes (familiar, social, econômico,
político, laborativo, e tantos outros) e o que se costuma denominar, sem distinção que
assegure vida humana saudável e digna, desenvolvimento.
Importa reconhecer que o meio ambiente que se pretende equilibrado é aquele que
ofereça às pessoas, nas suas diferenças de estado de saúde e evolução, vida digna e amparo e,
somente assim, o almejado equilíbrio entre desenvolvimento e sustentabilidade.
Ao se identificar esse dado como questão social passa-se à solidariedade que
aproxima, constrói, cuida, não só do meio ambiente para os seres humanos, mas dos seres
humanos que vivem no meio ambiente. Em outras palavras, necessário recordar que o ser
humano vem construindo o mundo a partir de laços afetivos. E “esses laços tornam as pessoas
e as situações preciosas, portadoras de valor e infinitamente adoráveis” (BOFF, 2006, p.19).
Não é adequado, por conseguinte, que se postulem os cuidados que os seres humanos devem
ter com o meio ambiente, sem se estabelecer, no mesmo grau de importância, os cuidados que
se deve ter com os seres humanos que nele vivem e com as conseqüências já evidentes na
saúde humana, tanto física quanto mental.
O cuidado, posto que decorrente do afeto, é expressão da humanidade. “A
capacidade de cuidar está enraizada na natureza humana” (WALDOW, 2006, p.27). Mas o
cuidado não significar infantilizar o outro; é reconhecer-se solidário e igual. É, sem dúvida,
uma forma responsável de se relacionar. Esse cuidado solidário que se deve ter assume
contornos jurídicos e seu fundamento é a dignidade humana. Somente com esse
reconhecimento, é possível aliar o incessante desenvolvimento econômico às necessidades
sociais, e dizê-lo sustentável.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANDRADE JR., M. A. M.. Marcadores atuais da relação médico-paciente: o palco atual


96
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97
POLÍTICAS PÚBLICAS E COMUNICAÇÃO EM REDE EM PROL DA INCLUSÃO
SOCIAL DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS

Pedro Ernani Kosiba 39


Gisele Danusa Salgado Leske 40

INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta o contexto de lutas dos catadores de materiais


recicláveis 41, esclarecendo seus limites e possibilidades diante da sociedade contemporânea.
Inserido nos estudos da bioética, traduz o anseio dos protagonistas da cata nas dimensões da
desigualdade e sustentabilidade, a partir de questões dos movimentos sociais e sua inclusão
por meio das novas mídias da sociedade em rede.
Indivíduos excluídos do mercado formal de trabalho por diversas razões, tais
como: idade avançada, êxodo rural, falta de preparação profissional ou analfabetismo,
encontram na cata de lixo uma solução para sua sobrevivência. Os catadores de materiais
recicláveis perambulam pelas cidades brasileiras e seus lixões em busca de objetos que
possam ser destinados a associações e cooperativas – responsáveis pela reciclagem e que
viabilizam posteriormente a venda do que é recolhido.
O objetivo geral da pesquisa é explicitar a organização e o desenvolvimento desta
atividade de cata e elencar a luta dos trabalhadores, a formação de entidades da classe e do
Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR, bem como refletir
acerca da influência das novas mídias e da comunicação em rede diante desta realidade.
Apresentam-se como objetivos específicos desta pesquisa: a) evidenciar a
necessidade de reconhecimento profissional e de inclusão social; b) descrever a possibilidade
das lutas por políticas públicas em níveis Federal, Estadual e Municipal; c) refletir a formação
dos catadores no âmbito da educação e da segurança do trabalho e d) analisar os efeitos da

39
Mestre em Educação pela UTP. Membro do Centro de Apoio aos Catadores de Materiais Recicláveis Santo
Dias19 participante e Fundador da Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis Novo Amanhecer desde
1992.
40
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade da Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF), na Linha de Pesquisa de Cultua, Narrativas e Produção de Sentido. Graduação em Comunicação
Social – PUC- PR (2010). Pesquisador técnico da Universidade Tuiuti do Paraná. Experiência na área de
Comunicação, com ênfase em Relações Públicas e Sociedade, atuando principalmente nos seguintes temas:
comunicação social, interações sociais, movimento estudantil, relações públicas e cidadania.
41
Catadores de Materiais Recicláveis – Serão utilizados neste texto os termos “catadores” ou “trabalhadores” da
cata.
98
comunicação em rede no reconhecimento social da atividade.
Trata-se de uma pesquisa de cunho bibliográfico e participante, a qual se divide
em quatro subcapítulos. O primeiro trata dos Catadores de Materiais Recicláveis e seu
desenvolvimento organizacional ao formarem entidades de classe (associações e cooperativas)
no intuito de alcançar a dignidade e melhores condições de vida, além de refletir acerca do
surgimento do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR.
O segundo subcapítulo tece sobre o trabalho dos catadores nos pequenos e
grandes centros urbanos e as dificuldades encontradas no dia a dia da atividade, além de
retratar as variações do lixo recolhido. O terceiro capítulo discorre sobre as principais lacunas
da vida dos catadores: a educação – visto que muitos são analfabetos – e a questão da
segurança do trabalho, já que a maioria dos catadores não utiliza os EPIs 42 e nem recebe
formação sobre esta questão.
E enfim, no quarto subcapítulo apresenta-se uma breve análise acerca da relação
entre as novas mídias da sociedade em rede e os catadores de recicláveis. Atenta-se para a
influência da comunicação em rede no desenvolvimento de ações benéficas ao MNCR, bem
como se retrata a interação entre a sociedade e os profissionais da cata, visando o seu
reconhecimento social.

1. MOVIMENTO NACIONAL DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS –


MNCR

No Brasil de 1950, o processo de industrialização se intensifica por meio de


investimentos e subsídios por parte do Estado, iniciativas privadas locais e internacionais.
Enquanto isso, milhares de brasileiros saem de suas terras e migram para os centros urbanos
em busca de empregos e novas oportunidades. Esse contingente migratório somado às
dificuldades das cidades em desenvolvimento dá origem a uma demanda por alternativas de
sobrevivência. Pode-se afirmar que, diante deste cenário, surgem os primeiros catadores, pois,
Desde a década de 50 pelo menos, no Brasil, é conhecido o trabalho de catação, ou
trabalho cotidiano de pessoas que saem às ruas, para, por meio da coleta seletiva dos
resíduos sólidos garantir seu próprio sustento, bem como o sustento de sua família
(SILVA, 2006, p. 11).

Os trabalhadores que vivem da cata de materiais nos centros urbanos brasileiros

42
EPIs – Equipamentos de Proteção Individual

99
são em suma: desempregados, classificados como mão de obra excedente ou não qualificada,
principalmente no caso de indivíduos provenientes das áreas rurais que encontram dificuldade
de acesso ao trabalho formal e são marginalizados pela sociedade urbana. Muitos consideram
que os catadores “são miseráveis, semianalfabetos e, embora marginalizados, não são
marginais. São pessoas que trabalham em condições extremamente adversas, num ambiente
de alto risco” (ABREU, 2001, p. 33).
Excluídos da sociedade e sem provisões de melhorias, muitos que buscavam
empregos formais encontram na cata uma opção de sustento. Em pleno crescimento dos
centros urbanos brasileiros, a sociedade produz imensa quantidade de lixo e, inconsciente e
simultaneamente, “produz” também a classe que o cata. A igreja católica, na figura de suas
senhoras mais dedicadas às ações sociais, em contato com os moradores de rua, incentiva a
desenvolver a coleta do lixo:

No início dos anos 80, na cidade de São Paulo, há muito, que um grupo de religiosas
que trabalhava com pessoas que viviam nas ruas do centro da metrópole havia
percebido uma população, que mesmo sendo conhecida como ‘moradores de rua’,
buscava sua subsistência nos resíduos que eram descartados pelas casas, pelas
indústrias e pelo comércio da região: esses resíduos secos, papelão, latas, alumínio,
vidros e plásticos eram geralmente comercializados com intermediários, para
posteriormente serem revendidos a indústrias. (SILVA, 2006, p. 13)

Há catadores que coletam materiais recicláveis nas ruas e há aqueles que


selecionam materiais despejados nos lixões. Entre eles existem diferenças fundamentais,
principalmente com relação à solidariedade. Enquanto nos lixões a solidariedade se faz mais
presente, na atividade de rua é “cada um por si”.

Em ambos os casos, entretanto, promover a auto-organização dos catadores supõe


uma intervenção social de fôlego que passa pela sensibilização para a organização
coletiva, capacitação profissional, alfabetização, formação associativista e
cooperativista e apoio as iniciativas (ABREU, 2001, p. 34).

Coletivamente os trabalhadores da cata obtêm melhores rendimentos, causam


impactos na autoestima pessoal e buscam a valorização dos materiais encontrados no lixo,
com uma perspectiva econômica e social. Isso só é possível por meio de entidades de classe,
como as associações ou cooperativas, as quais recebem doações que oportunizam a aquisição
de equipamentos como, por exemplo: prensa, balança, trituradores de papéis e demais
equipamentos que transformam os materiais coletados, agregando valor ao produto que será
comercializado. Nos anos de 1990, as comunidades de catadores ganham força e fazem sentir
sua presença nos grandes centros urbanos a partir de associações e cooperativas em diversas
cidades brasileiras.

100
É interessante notar que, quando eles se organizam coletivamente, tendem a dar uma
atenção maior ao material coletado. Muitos falam que, depois que começaram a
participar da associação ou cooperativa, se preocupam em catar um ‘material mais
limpo’. (GONÇALVES; ABEGÃO, 2012, p. 10)

A presença de associações e cooperativas em diversas cidades brasileiras trouxe a


necessidade de uma organização a nível nacional. Assim, a partir de 1999 surgem encontros e
congressos que culminam na formação do Movimento Nacional de Catadores de Materiais
Recicláveis (MNCR) que passa a realizar diversos eventos no intuito de fortalecer a classe:

Em 1999 foi realizado o Primeiro Encontro Nacional de Catadores de Papel. Em


2001 aconteceu o Primeiro Congresso Nacional de Catadores de Materiais
Recicláveis, em Brasília, e em 2003 foi realizado o Primeiro Congresso Latino-
Americano de Catadores de Materiais Recicláveis em Caxias do Sul. O Segundo
Congresso Latino-Americano aconteceu em 2005 e, em 2006, mais de 1.200
catadores marcharam até Brasília, levando demandas ao Governo Federal e exigindo
a criação de postos de trabalho em cooperativas e associações, bases orgânicas do
movimento. (BORTOLI, 2009, p. 106)

Em 2005, no estado de Minas Gerais, surge o maior exemplo de organização em


associações e cooperativas: uma fábrica dirigida por catadores. Assim, registra-se um largo
passo na caminhada pelo reconhecimento desses trabalhadores que passam a gerenciar todo o
processo, desde a coleta até a venda dos materiais após sua reciclagem.

Será inaugurada hoje (05/09/2005) em Belo Horizonte a primeira fábrica de


reciclagem da América Latina dirigida por catadores de lixo. O projeto envolve oito
associações de catadores, que passam a controlar toda a cadeia produtiva: da coleta à
comercialização, passando pela transformação de garrafas e embalagens em novos
produtos de plástico. (MINUANO; GONÇALVES, 2012)

Já no Primeiro Congresso Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (2001)


são estabelecidos cinco objetivos norteadores das reivindicações do Movimento Nacional dos
Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR:

1. A coleta de materiais recicláveis feito por catadores. Pela não privatização do


lixo; 2. O pagamento aos catadores pelos serviços de coleta de materiais; 3. O
controle dos catadores sobre a cadeia produtiva de materiais recicláveis. 4. A
conquista de moradia, saúde, educação, creches para os catadores e suas famílias. 5.
O fim dos lixões e sua transformação em aterros sanitários, com o devido
deslocamento dos catadores para galpões que garantam a sobrevivência digna de
todos. (PANGEA 43, MNCR, 2008, p. 18)

Os direitos humanos se tornam presentes nos objetivos do MNCR, que busca a


sobrevivência e a dignidade humana por meio de suas lutas. É um grupo enorme de
trabalhadores sujeitos a péssimas condições de vida e invisíveis para a sociedade e a esfera

43
PANGEA – Centro de Estudos Socioambientais. http://www.pangea.org.br/, acessado em 30/10/2012.

101
pública. Uma das principais bandeiras de luta levantada pelo MNCR é a reinvindicação de
políticas públicas que garantam melhorias significativas na vida dos catadores, como se
apresenta no artigo a seguir:

6.2 – Participar das discussões para construção de Políticas Públicas nos âmbitos
Municipal, Estadual e Nacional tendo como referência a postura do Movimentos
Nacional dos Catadores (as) expressa na Carta de Brasília, Carta de Caxias e a
Declaração dos Princípios, Objetivos e Bases de Acordo do MNCR (MNCR, 2005,
p. 14).

A organização a nível nacional facilita o intercâmbio entre os diversos


movimentos estaduais, as associações e cooperativas, no sentido de efetivar e obter
informações sobre os projetos de políticas públicas em andamento, conforme §: “6.3 – Criar
meios para estabelecer intercâmbios e trocas de informações sobre Políticas Públicas com
Bases Orgânicas promovendo uma rede de discussão e articulação entre elas” (MNCR, 2005,
p. 14).
A declaração de princípios e objetivos do MNCR exige de todos (as) catadores
(as), auxílio na luta pelos seus direitos, por meio de duas prioridades destacadas no Artigo 1º:

trabalhar pela ‘autogestão 44 e organização’ dos catadores através da constituição de


‘Bases Orgânicas’ [...], juntamente com o dever do catador com Base Orgânica, que
é apoiado por um critério de ‘democracia direta’ 45 em que todos têm voz e voto nas
decisões, conforme critérios constituídos nas bases de acordo (MNCR, 2005, p. 6).

O Primeiro Congresso Nacional de Catadores de Recicláveis realizado em 2001


forçou o governo a reconhecer o profissional da cata de materiais recicláveis e assim eles
conquistam seu espaço na Classificação Brasileira de Ocupações – COB. A partir de 09 de
outubro de 2002, os catadores são reconhecidos como profissionais, por meio de Portaria
Interministerial sob o registro Nº 5192-05, por intermédio da Portaria Ministerial 397. No
documento, são descritos como aqueles que: “Catam, selecionam e vendem materiais
recicláveis como papel, papelão e vidro, bem como materiais ferrosos e não ferrosos e outros
recicláveis” (BARROSO, 2008). É importante ressaltar que

A luta para que a atividade de catação exista como categoria profissional traz
consigo uma certa vitória do império da necessidade. Os catadores se organizaram
na tentativa de conquistar melhorias para aquela que talvez seja a única atividade

44
‘Autogestão’ - é a pratica econômica em que os trabalhadores são donos das ferramentas e equipamentos de
produção. Autogestão é o modo de organizar o trabalho, o planejamento e a execução sob controle dos próprios
trabalhadores. (MNCR, p. 06, 2005)
45
‘Democracia Direta’ – é a forma de decisão tomada pela participação coletiva e responsável da base. Uma
decisão pode ser feita por consenso ou por maioria dos votos, mas sempre deve respeitar antes de tudo a
exposição das ideias e o debate. .(MNCR, p. 06, 2005)
102
que lhes foi permitido exercer. (GONÇALVES; ABEGÃO, 2012, p. 18)

Esta conquista por parte do MNCR, através da regulamentação da Portaria Nº 397


é importantíssima e sugere ao Movimento a busca das reivindicações para as políticas
públicas no sentido de uma qualidade de vida com saúde, previdência, educação, habitação e
etc., e melhoria em seus ambientes de trabalho. Ainda que o exercício da função não exija,
formalmente, determinados conhecimentos técnicos, as associações se mantém na luta pelos
direitos da classe, e proporcionam, na medida do possível, melhorias para o trabalhador, pois

O acesso ao trabalho é livre, sem exigência de escolaridade ou formação


profissional. As cooperativas de trabalhadores ministram vários tipos de treinamento
a seus cooperados, tais como cursos de segurança no trabalho, meio ambiente, dentre
outros. (SILVA, 2006, p. 17)

De qualquer forma algumas associações e cooperativas de catadores têm buscado


formações diversificadas, sempre no sentido de melhora de vida. A maioria dos catadores não
está vinculada a associações ou cooperativas, e não tem acesso à formação em segurança do
trabalho e meio ambiente. No Brasil, a quantidade de trabalhadores dependentes da cata é
enorme e, conforme publicado em 2006 por Medeiros e Macedo: “estima-se que o número de
catadores de materiais recicláveis seja de aproximadamente 500.000, estando 2/3 deles no
Estado de São Paulo”.
As políticas públicas em relação aos catadores não se evidenciaram, mas o
movimento conta com o apoio de ONGs 46 e entidades de reciclagem. Como avanço, tem-se
que o governo federal editou o Decreto Nº 5.940/06, a Lei Nº 11.445/07, o qual institui que a
separação dos resíduos recicláveis seja realizada pelos órgãos e Entidades de Administração
direta e indireta determinando que a sua destinação seja para as associações e cooperativas de
catadores de materiais recicláveis. Na questão social e urbana do decreto 5.940/06, observa:

Art. 6o Os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta


deverão implantar, no prazo de cento e oitenta dias, a contar da publicação deste
Decreto, a separação dos resíduos recicláveis descartados, na fonte geradora,
destinando-os para a coleta seletiva solidária, devendo adotar as medidas necessárias
ao cumprimento do disposto neste Decreto. (BRASIL, 2012)

A Lei representa pouco perto das carências dos trabalhadores de cata, no entanto,
essa iniciativa colabora no sentido de facilitar a reciclagem e o melhoramento de vida dos
catadores.
O trabalho com a cata de materiais recicláveis tem sua importância reconhecida

46
ONGs – Organizações Não Governamentais.

103
perante toda a humanidade em 1992, durante a Rio-92 47, com o lançamento da Agenda 21 48.
Este documento estabelece um compromisso para que cada país reflita, global e localmente,
sobre como cada setor da sociedade deve cooperar na elaboração de soluções para os
problemas socioambientais.

No mundo inteiro, a nova ordem é minimizar o lixo. No Brasil, essa questão foi mais
difundida na Agenda 21, documento elaborado por 170 países que participaram da
ECO-92 no Rio de Janeiro. Nesse documento, foi estabelecido o princípio dos 3 Rs:
Reduzir o consumo de produtos e o desperdício de materiais; Reutilizar e Reciclar os
materiais (ABREU, 2001, p. 27).

A reciclagem é uma necessidade para a sociedade atual e tornar-se-á essencial


para buscar o equilíbrio ou minimamente a diminuição do impacto do consumismo presente
no mundo. O trabalho dos catadores se mostra extraordinariamente útil e “desejado” do ponto
de vista da preservação ambiental e limpeza urbana.
A partir deste conhecimento histórico sobre os catadores de recicláveis no Brasil,
no próximo subcapítulo, será apresentado o Trabalho dos Catadores de Materiais Recicláveis.

2. TRABALHO DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS

O trabalho dos catadores é essencial na coleta de papel e papelão, pois quanto


maior for a coleta nas ruas, escolas, empresas, lojas e etc., menor será a quantidade de árvores
derrubadas. A reciclagem auxilia também na redução de gasto energético, pois “A reciclagem
de uma tonelada de produto economiza matéria prima fornecida, em média, por quinze
troncos de eucalipto. Esse processo possibilita, ainda, a redução do consumo de energia
elétrica nas instalações industriais” (RODRIGUES; CAVINATTO, 2008, p. 73). Os papéis e
papelões reutilizados podem ser novamente aproveitados, assim torna-se evidente que o
reaproveitamento dos resíduos sólidos auxilia na preservação ambiental e nessa história os

47
A Organização das Nações Unidas – ONU realizou, no Rio de Janeiro, em 1992, a Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD). A CNUMAD é mais conhecida como Rio
92, referência à cidade que a abrigou, e também como “Cúpula da Terra” por ter mediado acordos entre os
Chefes de Estado presentes (Ministério do Meio Ambiente, Disponível em
http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-global, acessado em Abril de
2014)
48
179 países participantes da Rio 92 acordaram e assinaram a Agenda 21 Global, um programa de ação baseado
num documento de 40 capítulos, que constitui a mais abrangente tentativa já realizada de promover, em escala
planetária, um novo padrão de desenvolvimento, denominado “desenvolvimento sustentável”. O termo “Agenda
21” foi usado no sentido de intenções, desejo de mudança para esse novo modelo de desenvolvimento para o
século XXI (idem).
104
catadores são os protagonistas em prol do meio ambiente.
No mercado são encontrados diversos produtos advindos da reciclagem. Todo o
material coletado, ao ser reciclado, transforma-se em diversos itens presentes em nosso dia a
dia, reforçando a idéia de que

Atualmente, há necessidade de artigos feitos a partir de material reciclado: cartões


de visita, convites de casamento, cúpulas de abajur, revestimentos de paredes e até
mesmo agendas e revistas. Mas a maior parte do material reciclado é empregada
para fazer embalagens, como caixas de ovos, e papel absorvente (papel higiênico,
lenços e toalhas) (RODRIGUES; CAVINATTO, 2008, p. 73).

Além da cata e da reciclagem do papel e papelão, há a possibilidade de reciclar


também o vidro. Lembrando que

O reaproveitamento do vidro também reduz o consumo de energia, pois a


temperatura necessária para derreter os caquinhos é 20% menor que aquela
consumida para fundir areia. A energia economizada com a reciclagem de uma única
garrafa dá para manter acesa, por quatro horas, uma lâmpada de 100 watts.
(RODRIGUES; CAVINATTO, 2008, p. 76)

Ressalta-se que grande parte do lixo das cidades não recebe tratamento específico
e consequentemente o material reciclável se deteriora junto ao lixo orgânico e acaba poluindo
o meio ambiente. Nesse sentido, ressalta-se a separação dos materiais coletados por parte dos
catadores, evitando que sejam descartados de modo incorreto.
Os termos ‘lixo’ e ‘resíduos sólidos’ são sinônimos abrangendo os materiais
descartados pelas atividades humanas. De acordo com Cavinatto (2003) “A palavra lixo,
derivada do termo latim lix, significa ‘cinza’”, já no dicionário da Língua Portuguesa, o termo
“lixo” tem outro significado: “Aquilo que se varre da casa, do jardim, da rua, e se joga fora;
entulho. Tudo que não presta e se joga fora” (FERREIRA, 2004, p. 1222).
O lixo, aquilo que se joga fora, a maior parte é destinada para lixões 49 ou aterros
sanitários 50, não há um projeto nacional para separação dos materiais no momento do
descarte. Conforme pesquisa nacional de saneamento básico do ano de 2000, realizada pelo

49
Lixão é uma área de disposição final de resíduos sólidos sem nenhuma preparação anterior do solo. Não tem
nenhum sistema de tratamento de efluentes líquidos - o chorume (líquido preto que escorre do lixo). Este penetra
pela terra levando substancias contaminantes para o solo e para o lençol freático. Moscas, pássaros e ratos
convivem com o lixo livremente no lixão a céu aberto, e pior ainda, crianças, adolescentes e adultos catam
comida e materiais recicláveis para vender. No lixão o lixo fica exposto sem nenhum procedimento que evite as
consequências ambientais e sociais negativas.
http://www.lixo.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=144&Itemid=251. Acessado em
01/12/2012.
50
Aterros Sanitários - é um espaço destinado à deposição final de resíduos sólidos gerados pela atividade
humana. Nele são dispostos resíduos domésticos, comerciais, de serviços de saúde, da indústria de construção, e
também resíduos sólidos retirados do esgoto. http://pt.wikipedia.org/wiki/Aterro_sanit%C3%A1rio. Acessado
em 27/11/2012.
105
IBGE 51:

Em 2000, o lixo produzido diariamente no Brasil chegava a 125.281 toneladas,


sendo que 47,1% era destinado a aterros sanitários, 22,3% a aterros controlados e
apenas 30,5% a lixões. [...], mais de 69% de todo o lixo coletado no Brasil estaria
tendo um destino final adequado, em aterros sanitários e/ou controlados. (IBGE,
2012)

Percebe-se que a maior parte do lixo produzido no Brasil vai para lixões e aterros
sanitários. Nestes locais não há formalidade na separação dos materiais, o que ocorre, de fato
é o trabalho de separação por parte dos catadores, sob duras condições de trabalho, sem
estrutura adequada e cuidados com sua saúde. Sobre a própria vida e atividade, o MNCR
afirma:

Hoje somos centenas de milhares de pessoas que trabalham duramente coletando


materiais recicláveis. Somos famílias inteiras que catam os materiais recicláveis nas
lixeiras de ruas, casas, condomínios e pontos comerciais ou nos lixões, fazendo a
verdadeira coleta seletiva. (PANGEA MNCR, 2008, p. 04)

Os trabalhadores que realizam a cata em lixões se deparam com o lixo residencial,


comercial e também químico/hospitalar (composto de algodão, seringas e frascos de remédio,
etc). Dessa forma, sujeitam-se a muitas doenças, provenientes da contaminação dos resíduos
hospitalares, com composição de elementos químicos. Além disso, estão a mercê de acidentes
de trabalho que podem ser agravados devido a contaminação do lixo. Busca-se a eliminação
dos lixões das cidades por meio de alternativas de viabilização dos resíduos sólidos 52 e a
partir de 2010, instituído pela Lei Nº 12.305, de 2 de agosto de 2010 no seu Art. 3o Para os
efeitos desta Lei, entende-se por:

§VII - destinação final ambientalmente adequada: destinação de resíduos que inclui


a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento
energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do Sisnama 53,
do SNVS 54 e do Suasa 55, entre elas a disposição final, observando normas
operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à
segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos. (BRASIL, 2010)

Cada vez mais os resíduos sólidos tenderão a ser reciclados, os lixões a céu aberto
estão sendo desativados e os aterros sanitários somente serão utilizados em situações de não

51
IBGE – Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatística. http://www.ibge.gov.br/ . acessado em 26/11/2012.
52
Os resíduos sólidos são partes de resíduos que são gerados após a produção, utilização ou transformação de
bens de consumos (exemplos: computadores, automóveis, televisores, aparelhos celulares, eletrodomésticos,
etc). http://www.suapesquisa.com/o_que_e/residuos_solidos.htm, acessado em 29/10/2012.
53
SISNAMA - Sistema Nacional do Meio Ambiente
54
Anvisa - Instituição - Sistema Nacional de Vigilância Sanitária
55
Suasa - Ministério do Desenvolvimento Agrário
106
reciclagem dos materiais. Os órgãos públicos deverão forçar a reciclagem da maioria dos
materiais, com exceção do lixo nuclear, lixo hospitalar e as baterias, lâmpadas e etc. Materiais
como baterias, lâmpadas e alguns sprays serão reenviados as empresas produtoras.
Em Curitiba, segundo o coordenador do Instituto Lixo e Cidadania, Sérgio
Roberto Faria, são os catadores os responsáveis pela maior parte da coleta do lixo colocado
nas portas ou calçadas das residências e casas comerciais. ‘Cerca de 92% do que é separado
são eles que coletam. O programa municipal foi novidade quando lançado em 1989, hoje é
deficitário’, afirmou. Criou-se então um novo aterro sanitário que atende 15 municípios da
área metropolitana de Curitiba, o qual está situado no Município da Fazenda Rio Grande pois
a “Grande Curitiba” produz diariamente 2,4 mil toneladas de lixo e desse total, 1,8 mil
toneladas vão para o Aterro Sanitário da Caximba 56, na região metropolitana da capital.
Portanto, percebe-se que cerca de 600 toneladas de lixo são coletadas pelos catadores todos os
dias. Vale ressaltar que em 2009, pelas informações prestadas por Faria ‘atualmente em
Curitiba e região metropolitana há cerca de 15 mil catadores’ (NÓRCIO, 2009).
Os catadores realizam grande parte do trabalho ecologicamente correto de
separação e reciclagem. “A preocupação com a possibilidade de escassez ou até mesmo
inexistência de recursos fez com que a reciclagem do lixo se tornasse uma das possibilidades
de solução para a grande quantidade de resíduos gerados diariamente pela população”
(GONÇALVES; ABEGÃO, 2012). Com relação ao volume de material:

Apesar de todas as dificuldades, esses trabalhadores informais dos lixões e das ruas
das cidades são hoje os responsáveis por 90% do material que alimenta as indústrias
de reciclagem no Brasil, fazendo do nosso país um dos maiores recicladores de
alumínio do mundo (ABREU, 2001, p. 34).

Além do fornecimento de matéria prima para a indústria proveniente do lixo, a


atividade de catador se torna importante, mantém as ruas “limpas”, reduzindo a quantidade de
papéis, plásticos, metais e vidros. Assim, os catadores auxiliam na não proliferação de
doenças, diminuição dos ratos, mosquitos, baratas e evitam transtornos conseqüentes de
alagamentos:

Seu trabalho, importante em vários vértices, não só têm impacto direto na coleta
seletiva diária do lixo nos grandes centros urbanos e o consequente desvio cotidiano
dos aterros sanitários, o que prolonga a vida dos mesmos, mas também acaba por

56
Caximba - recebe resíduos de 14 municípios da Região Metropolitana de Curitiba, a saber: Almirante
Tamandaré, Araucária, Campina Grande do Sul, Campo Largo, Campo Magro, Colombo, Contenda, Fazenda
Rio Grande, Itaperuçu, Pinhais, Piraquara, São José dos Pinhais, Mandirituba e Quatro Barras. Desativado em 15
de abril de 2009. http://www.curitiba.pr.gov.br/conteudo/aterro-sanitario-smma-secretaria-municipal-do-meio-
ambiente/454.
107
originar um ciclo que poupa os recursos ambientais, prolongando na reutilização dos
materiais recicláveis sua vida útil. Assim o catador, não é apenas aquele trabalhador
que tem na catação sua sobrevivência, mas sim um agente ambiental consciente e
ativo, que rompendo com o ciclo de desperdício, característico da industrialização
cada vez mais, imprime uma lógica e novo modo de pensar a relação com as
diversas instâncias de governação, incluindo-se o próprio mercado, pois exige desse
o comprometimento e a responsabilidade de reutilização dos resíduos que ele mesmo
gerou (SILVA, 2006, p. 30).

A cata do material reciclado colabora com a diminuição dos gastos dos


municípios. Aumenta o tempo de vida dos aterros sanitários e lixões, pois segundo os próprios
catadores

É a partir do nosso trabalho que os aterros sanitários das cidades têm uma vida útil
maior. É a partir do nosso suor que as prefeituras municipais economizam no serviço
de coleta de lixo convencional, pois menos toneladas de resíduos são pesadas. Com
isto é menor o custo da fatura a ser paga pelas administrações municipais, e por
consequência por todos os cidadãos que pagam impostos. É a partir da nossa luta
que a sociedade se beneficia com um ambiente urbano mais de qualidade de vida.
(PANGEA MNCR, 2008, p. 05)

O trabalho de catador é bastante dificultoso e pouco reconhecido, como demonstra


Átila Alberti: “um carrinheiro, que chega a andar mais de 20 quilômetros diariamente,
folgando apenas no domingo, ganha em média R$ 200,00 mensais” (2009). Atualmente o
valor se encontra na faixa dos R$ 500,00 mensais, muito pouco para atingir um nível
satisfatório de vida aos catadores, lembrando que:

São horas e horas de trabalho duro nas ruas ou nos lixões, sendo que ao final do dia
o catador repassa a maior parte do valor gerado pelo seu trabalho para o
atravessador, que por sua vez remunera o catador a preços irrisórios, sem contar que
também lucra com o aluguel das carroças que aluga para os catadores. Alem disso
não precisa nem dizer que as condições de trabalho são precárias envolvem muitas
vezes a exploração infantil. (PANGEA MNCR, 2008, p. 08)

Nem tudo encontrado nos lixos das ruas, lixões ou mesmo o lixo a ser tirado nos
barracões pode ser reciclado, pode-se destacar os objetos pessoais como: escova de cabelo,
tênis, guarda-chuva, caneta e até sujeira recolhida do quintal e embalagens cuja composição
não permite utilização como matéria prima. (RODRIGUES, CAVINATO, 2008) Esse catador
sabe reciclar, tirar os diferentes metais, os diferentes papéis e plástico, necessita de mais
formação, saber ler, escrever e ter segurança do trabalho, como será visto no próximo
subcapítulo.

3. EDUCAÇÃO E SEGURANÇA DO TRABALHO

108
Em estudo realizado em Porto Alegre sobre o perfil sócio educacional da
população de catadores organizados em cooperativas, associações e grupos de trabalho,
descobre-se:

Dos entrevistados, 95,3% afirmam que não desenvolvem, atualmente, nenhuma


atividade de âmbito educativo, sejam cursos e oficinas de formação ou
complementação de escolaridade. Em relação à formação realizada no passado –
escolaridade (levando em conta à faixa etária dos entrevistados), 96,9% afirmaram
que tiveram algum contato com a escola em suas trajetórias de vida, mas apenas
18% concluíram o Ensino Fundamental e 7% o Ensino Médio. Nesta população,
32% tiveram formação até a 4ª série do Ensino Fundamental (séries iniciais), e 28%
pararam de estudar entre a 5ª e 7ª séries. (LISBOA et al., 2009, p. 17)

Em relação aos filhos dos catadores, os pais pretendem aos filhos, a escolarização
para terem uma vida mais digna. No entanto, os filhos dos catadores têm dificuldades de
prosseguir seus estudos:

Tendo em vista as faixas etárias mais presentes entre os filhos dos


catadores/recicladores (entre 6 e 17 anos), justifica-se o fato de, na escolaridade,
apresentarem maior incidência os que estudam entre a 1ª e 4ª séries (47% e 5ª a 8ª
séries (25%). Também é significativo o número daqueles que participam de
atividades de educação infantil (23%). A presença de filhos menores de 10 anos
(49%) surge como umas das justificativas de permanência no trabalho de
reciclagem, principalmente por parte das mulheres, pois os trabalho nas associações
possibilita um acompanhamento maior dos filhos e da família pela proximidade da
residência e pela flexibilidade das relações de trabalho nas unidades. (LISBOA et
al., 2009, p. 21)

Nem todos os filhos conseguem terminar o Ensino Fundamental, talvez pela


necessidade de sobrevivência, determinada pela desigualdade social. Os filhos dos
trabalhadores da cata têm grandes dificuldades de realizarem o segundo grau:

Percebemos que há predisposição destas famílias em garantir a permanência dos


filhos na escola (e não no trabalho), mas, assim mesmo, os dados sugerem
repetência escolar e baixa escolaridade (apenas 5% dos filhos estão no Ensino
Médio). (LISBOA et al., 2009, p. 22)

As associações e cooperativas realizam palestras sobre diversos assuntos, como:


saúde, em especial saúde da mulher, política, alimentação, por exemplo, de acordo com os
princípios do MNCR: “3.6 – Ocupar-se com a capacitação continua dos (as) integrantes das
Bases Orgânicas, criando programas internos para sua formação política, administrativa e
operacional” (MNCR, 2005, p. 11).
A formação auxilia na melhoria da qualidade de vida e também proporciona
resultados positivos nas atividades diárias dos trabalhadores e na busca de seus direitos
conforme estabelece o § “3.8 – Promover o protagonismo dos (as) catadores (as) de materiais

109
recicláveis por via da ação direta na luta para conquistar direitos relativos a saúde, habitação,
lazer, educação, segurança e desenvolvimento social” (MNCR, 2005, p. 11).
Em relação à educação dos filhos dos catadores, nas décadas dos anos de 1990 e
2000, muitas escolas públicas não os aceitavam, por não disporem de materiais e uniformes
escolares. Segundo Abreu, “o atendimento escolar para as crianças do lixo precisa ser
diferenciado, com estímulo e atendimento especial e apoio para aquisição de material escolar”
(2001, p. 51). Atualmente, muitas associações e cooperativas recebem auxílios de empresas e
verbas no sentido de alimentarem os próprios catadores e os seus filhos e esta alimentação é
fornecida nos refeitórios das entidades. Os estudantes (filhos dos catadores) recebem
uniformes e material escolar. Como os trabalhadores da cata apresentam baixa escolaridade e
muitos apenas conhecem os símbolos das letras, eles têm seus próprios conhecimentos para
sobreviver:

Os catadores, embora pobres e semianalfabetos não são destituídos de conhecimento


e de habilidades, ao contrário, são fonte de conhecimento e de sabedoria e tomam
decisões baseadas numa compreensão e avaliação precisas de suas necessidades.
Deve-se ter respeito à capacitação dos próprios catadores para gerar trabalho e renda
e novas condições de vida a partir da experiência construída por eles mesmos,
traçando com eles saídas para a sua situação de exclusão social. (ABREU, 2001, p.
30)

Com relação à segurança do trabalho, os trabalhadores formais, ou seja,


trabalhadores das organizações brasileiras com carteira assinada tem atualmente 36 normas
regulamentadoras, criadas pela Lei 3.214 de 1978, que “aprova as Normas Regulamentadoras
– NR – do Capítulo V, Titulo II, da Consolidação das Leis do Trabalho, relativa à Segurança e
Medicina do Trabalho”. (EQUIPE ATLAS, 2008, p. 9). Já os catadores autônomos, mesmo
que organizados em entidades como associação ou cooperativa, estão fora das políticas
públicas de segurança do trabalho. Contata-se que não existem acidentes de trabalho, na visão
dos catadores, como demonstra a pesquisa realizada em Porto Alegre:

As frequências mais frequentes são cortes (40%) e perfurações (60%). Em cerca de


60% dos grupos consultados não há registro sequer de um acidente. Este baixo nível
de ocorrências, parece se dever mais à inexistência de um registro sistemático dos
acidentes de trabalho do que à eficiência do processo produtivo ou à utilização dos
EPIs. Também a precariedade das relações de trabalho, manifesta sob a forma de
inexistência de licenças remuneradas em caso de acidentes de trabalho, parece
contribuir para esta subestimativa. (LISBOA, PINHEIRO, AMARAL, CARGNIN,
2009, p. 11)

Além da inexistência de registros de acidentes de trabalho com os catadores de


materiais recicláveis, existe a permanentemente exposição aos germes que podem contribuir

110
para o surgimento de doenças presentes em materiais coletados na rua ou mesmo os materiais
enviados para os barracões das associações e cooperativas:

Assim, o indivíduo que vive em contato direto e frequente com o lixo fica
permanentemente expostos aos germes, o que aumenta suas chances de contrair
doenças, entre as quais diarréias, intoxicações e verminoses (RODRIGUES,
CAVINATTO, 2004, p. 36).

Esse é um problema a ser resolvido pelas prefeituras nos locais da coleta e da


reciclagem do lixo. Se nas ruas, os catadores devem usar uniformes com cores chamativas e
visíveis aos motoristas de veículos, nos galpões devem ser dadas formações sobre segurança
do trabalho, a utilização correta dos EPIs como botas, luvas, máscaras e etc., para diminuir os
acidentes por perfurações e cortes. Devido ao próprio trabalho e às condições de vida precária
(alimentação, vestimentas, habitação e falta de informações), eles sofrem freqüentemente com
problemas de audição, visão e coluna e não recebem a atenção necessária nos postos de saúde,
por serem marginalizados.

4. CATADORES DE RECICLÁVEIS E A SOCIEDADE EM REDE

No instante em que se tornam parte real das cidades, embora excluídos


socialmente, os catadores tornam-se, assim como qualquer outro trabalhador urbano,
personagens de uma narrativa virtual. Isso ocorre devido à digitalização global, presente em
nossa sociedade a partir dos anos 2000. Pode-se afirmar isso com base na retrospectiva da
História da Comunicação no Brasil, realizada por Barbosa em 2013, na qual a autora ressalta
que:

a partir das últimas décadas do século XX, cada vez mais se passou a definir o
momento em que se vivia como sendo o de uma “sociedade da informação”,
“sociedade da comunicação” ou “sociedade em rede”. Quebrava-se a tradicional
noção de espacialidade, removendo-se fronteiras, já que havia a possibilidade de, via
aparatos tecnológicos, se conectar a espaços localizados a milhares de quilômetros
de distância. (...) Além disso, a forma narrativa da mídia inscreve-se numa relação
de natureza temporal particular, que se distribui de maneira integrada na sociedade,
criando uma nova percepção espaço temporal (BARBOSA, 2013, p.350-356).

Diante desta nova realidade social em que a Internet conglomera recursos de


diversos meios e comunicação e traz ainda a possibilidade de interação entre seus usuários e
os temas por eles discutidos, a dura realidade dos catadores ganha espaço nas redes sociais e
com isso ganha também força para seguir na luta por seus direitos, visto que, segundo Leske

111
(2014, p.9), “os Movimentos Sociais de forma geral passam por transformações de acordo
com as constantes mudanças no cenário político-social em que se encaixam e respectivamente
produzem mudanças neste ambiente”. Ao refletir sobre a relação entre a sociedade
contemporânea e a utilização da internet, Manuel Castells (2013), considerado o principal
pensador das sociedades em rede, admite que “é por isso que os governos têm medo da
internet”, reconhecendo o poder transformador e inovador que os atores sociais alcançam com
os avanços tecnológicos.
No intuito de mostrar à sociedade a importância do trabalho dos catadores, a
iniciativa sócio-cultural Parede Viva (que utiliza a arte como instrumento de conscientização)
criou o projeto “Pimp 57 My Carroça”. Desde 2007 a Parede Viva utilizava os carrinhos dos
catadores como “outdoor” de suas idéias, e percebeu que gravando frases de efeito nas
carroças aumentava a interação das pessoas com estes trabalhadores e, ainda, que ao receber
carrinhos coloridos, os catadores ficavam mais felizes e pareciam “desfilar” pelas ruas
enquanto exerciam suas funções.
De acordo com a própria iniciativa, o projeto consiste em:
Atendimento para catadores na área de saúde e bem-estar; “Pimpada” em carroças
composta por reforma estrutural, acoplagem de itens de segurança e pintura de
renomados artistas; Carroceata, uma passeata com os catadores e suas carroças
prontas; Criação de um manifesto que aborde o contexto da coleta e reciclagem de
resíduos sólidos na cidade sede de uma edição do Pimp my Carroça (Equipe PIMP
MY CARROÇA, 2014).

Todas estas atividades são realizadas em mutirão, organizado pelas redes sociais e
divulgado unicamente na Internet. São captados voluntários de diversas áreas que oferecem
aos catadores serviços aos quais eles não têm acesso diariamente, desde questões relacionadas
à saúde e higiene, palestras, recreação, bem como a distribuição de EPIs e a reforma das
carroças, tornando-as mais alegres e seguras, pois recebem, além da pintura colorida, adesivos
refletivos. O evento, que conta com a presença de representantes do Movimento Nacional dos
Catadores de Materiais Recicláveis, já foi realizado em São Paulo, Rio de Janeiro e em
Curitiba. A cada edição ganha mais visibilidade, conquistando seu espaço também na mídia
tradicional e atingindo uma repercussão nacional, além das inúmeras aparições em sites, blogs
e demais espaços virtuais de debate. Acredita-se que o objetivo do projeto foi alcançado e as
expectativas não param de crescer.

57
Verbo da língua inglesa: “pimp”, que significa “alcovitar”. Termo utilizado no sentido de “tornar mais
atrativo”, em alusão a músicas norte americanas que utilizam esta expressão.
112
Há de fato, no âmbito da comunicação independente, várias organizações que
apresentam os movimentos sociais de maneira positiva, contribuindo para a formação de uma
nova memória coletiva que trabalha com questões humanas e não marginaliza os movimentos
e grupos sociais. Conforme Leske (2014, p.7), “a área da comunicação, ao promover uma
imagem positiva dos movimentos perante a comunidade, traz imensa contribuição ao
empoderamento popular e contribui como ferramenta para o fortalecimento das organizações
sociais”.
Em sua cartilha distribuída no Encontro Nacional realizado em Belém do Pará, no
ano de 2011, a Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social (ENECOS) salienta
que os movimentos sociais em geral reconhecem a importância da comunicação para alcançar
seus objetivos e transmitir informações de utilidade pública, exemplificando que

Nas lutas empreendidas pelos movimentos sociais, um dos vetores mais poderosos é
justamente a Comunicação. No mundo inteiro, as grandes corporações estão
concentradas nas mãos de grupos privados de grande poder, cada vez mais distantes
dos objetivos e lutas da sociedade, e que visam ao lucro acima da informação
(ENECOS, 2011, p. 3).

Com relação ao Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis,


formado por muitos trabalhadores analfabetos e consequentemente distantes da cibercultura, é
de imensa importância esta iniciativa de organizações não governamentais em auxiliá-los
também midiaticamente. Se, em geral, os movimentos sociais são marginalizados pela grande
mídia, no momento em que projetos sociais dão voz e espaço aos catadores, estão
contribuindo para a evolução e o fortalecimento do movimento, visto que esta mídia
independente apresenta um enfoque positivo da atividade, demonstrando sua importância para
a comunidade e o seu aspecto mais humano.
Este é apenas um dos exemplos de que a sociedade reconhece a importância e a
necessidade de auxiliar a classe dos catadores de recicláveis em nosso país. Brasil a fora há
diversos projetos sociais que buscam a inserção desses trabalhadores por meio de cursos,
treinamentos, oficinas e espaços de recreação, tudo capturado por lentes (profissionais ou não)
e disponibilizado na rede mundial de computadores, levando essa realidade aos quatro cantos
do mundo.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

113
Ao andar atentamente pelas ruas das cidades brasileiras, percebe-se uma classe de
trabalhadores praticamente invisível à sociedade: os catadores de materiais recicláveis. Trata-
se de homens, mulheres e crianças que encontraram na separação e reciclagem de resíduos
sólidos uma oportunidade de sustentar suas famílias. Neste artigo, torna-se evidente a
importância desses trabalhadores para o dia a dia dos centros urbanos e para a ecologia de
forma geral, visto que os recursos naturais do planeta estão cada vez mais escassos e a
reutilização da matéria prima é essencial para o desenvolvimento sustentável.
Percebe-se então que, já na década de 1980, os moradores de rua, incentivados
pelas religiosas da Igreja Católica, assumem esta “nova” atividade e passam a fazer parte,
ainda que informalmente, do dia a dia das cidades. Já no início dos anos 90, esses
trabalhadores criam suas associações e cooperativas, constituindo o Movimento Nacional de
Mobilização dos Catadores de Papéis (MNCR) e no final dessa década e início dos anos 2000
realizam o Congresso Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis.
A atividade da cata não é fácil, pois os trabalhadores estão expostos diariamente
ao tempo e aos riscos do trânsito. Triste e muito comum é a presença de crianças nos
carrinhos coletores, devido à falta de apoio aos catadores que têm que realizar sua tarefa
enquanto cuidam de seus filhos. Por vezes, os filhos ajudam os pais desde pequenos
evidenciando que a cata pode ser realizada na forma individual ou por família.
Independentemente, muitos catadores associam-se às cooperativas ou associações no intuito
de ter mais força na busca por melhorias à classe.
Esses trabalhadores, apesar das dificuldades encontradas a cada dia nascente,
estão organizados em entidades de classe e lutam por melhores condições de vida, desde
segurança, habitação, alimentação e saúde. Há aqueles que trabalham nas ruas e aqueles que
fazem triagem em lixões, há os que atuam de forma individual e ainda os que trabalham em
família, o que os une é a falta de reconhecimento e de condições trabalhistas suficientes para a
própria valorização do ser humano. Aos poucos, devido à mobilização da classe, os catadores
estão alcançando alguns objetivos perante o Governo. Assim como ao encarar um novo dia,
ao objetivar mudanças de vida os catadores sabem que há uma longa caminhada pela frente.
Em relação à segurança do trabalho, há um desconhecimento geral sobre o tema,
bem como sobre acidentes e doenças do trabalho. Mesmo quando organizados em associações
e cooperativas, praticamente inexiste a formação em segurança do trabalho e a utilização de
EPIs. Nas ruas das cidades, os catadores deveriam usar uniformes com cores chamativas e
faixas reluzentes para serem vistos pelos motoristas, motoqueiros e ciclistas.

114
Quanto à educação, apresentam grande grau de dificuldades de aprendizagem, por
diversas razões: exaustão física devido ao ritmo de trabalho, problemas de saúde, falta de
habitação, baixa estima, além da falta de perspectiva de melhorias na vida.
Catadores são os nossos “irmãos mais pobres”. Aqueles que, historicamente,
queriam trabalhar, mas não encontraram espaço na sociedade organizada e perceberam na cata
uma oportunidade de sobrevivência. Nesse sentido, deve-se olhá-los com sensibilidade e os
considerar com respeito, pois realizam um trabalho ambiental muito importante para as nossas
cidades e para o meio ambiente como um todo. São, de fato, merecedores de atenção e
respeito por parte das entidades governamentais brasileiras, para a regulação de políticas
públicas que os favoreçam.
Percebe-se que enquanto os trabalhadores da cata lutam por reconhecimento
social, a iniciativa comunitária se esforça para dar-lhes visibilidade, por meio comunicação
em rede. Assim originam-se mobilizações reais que contam com a colaboração de voluntários
para atender as necessidades básicas destes trabalhadores. Contudo, tratam-se de situações
pontuais e estrategicamente elaboradas no intuito de dar espaço midiático ao tema tratado,
evidenciando o quanto é essencial e urgente a participação da iniciativa pública em
reconhecer o trabalho dos catadores e proporcionar melhores condições de trabalho e de vida
para a classe.
Os catadores de materiais recicláveis estão espalhados por todo o país e fazem
parte do fluxo da cidade e apesar dos avanços relacionados à iniciativa pública, ainda são
como seres invisíveis que passam despercebidos por grande arte da sociedade e não tem seu
direito respeitado pelos Governos. Trata-se de uma dura e triste realidade brasileira que
aguarda por cuidados e atenção, enquanto cata o lixo de toda a nação.

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PANGEA E MOVIMENTO NACIONAL DOS CATADORES DE MATERIAIS


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SILVA, R. B. O MOVIMENTO NACIONAL DOS CATADORES DE MATERIAIS


RECICLÁVEIS, Revista Internacional, Interdiciplinar, V. 3 nº2 Florianópolis. 2006.

117
UTOPISMO TECNOLÓGICO: ESPERANÇA OU AMEAÇA AO HOMEM E AO
MEIO AMBIENTE?
Anor Sganzerla 58

"A tentativa de trazer o céu para a terra invariavelmente produz o inferno”.


(Karl Popper)

O termo utopia parece ter sido usado na história pela primeira vez por Thomas
Morus, em 1516, na obra a Utopia para designar uma sociedade perfeita, ideal e racional, a
chamada ilha Utopus. No entanto, a imprecisão do termo 59 e a histórica despreocupação em
buscar de modo sistemático as causas do fenômeno, fez com que seu uso fosse disseminado
nos diferentes movimentos utópicos e milenaristas, reunindo sob a mesma expressão
diferentes sentidos, tais como “mito, ideal, milenarismo, profecia, ficção científica, lenda,
ideologia, sonho, magia,” (FEDELI, 1979). Com essa diversidade de sentidos e com a
pluralidade de sistemas utópicos, a busca por uma possível conciliação conceitual pode
constituir-se também em uma tarefa utópica. Esse trabalho não pretende dedicar-se aos
problemas conceituais do termo, mas avaliar como as utopias, e em especial, as utopias
tecnológicas, constituem uma esperança ou uma ameaça a continuidade autêntica da vida
humana e do meio ambiente no futuro.
Não há como negar que o poder de sedução das utopias parece ser natural em toda
história humana, de modo a se perguntar se seria possível a humanidade viver sem elas, ou
mesmo, se as utopias não representariam uma energia vital à continuidade da espécie humana.
Sua força e seu valor psicológico são inegáveis, e com elas foi e é possível inspirar
populações, uni-las em torno de uma meta, exigir sacrifícios que não seriam conseguidos de
outro modo.
O filósofo alemão Hans Jonas dedica boa parte da sua obra O princípio
responsabilidade, publicada em 1979, para tratar das utopias tecnológicas, buscando
contrapor-se à tese defendida por Ernest Bloch na obra O princípio esperança, publicada em
1954 e 1959. Afirma Jonas que a filosofia de Bloch é de um utopista par excellence e que

58
Doutor em Filosofia e Professor do Programa do Pós Graduação Stricto Sensu em Bioética da PUCPR.
59
A palavra utopia tem uma história curiosa. Desde a antiguidade até 1516 havia produções literárias e
iniciativas que hoje são conhecidas como utópicas, mas não existia a palavra. De 1516 até Marx e Engels, existia
a palavra, mas não era utilizada no sentido de hoje. Depois de Marx e Engels até o fim do século XIX, essa
palavra só era utilizada pelos inimigos e nenhum dizia se dizia ser “um utópico”. Uma pequena mudança começa
acontecer na primeira metade do século XX, e somente depois da 2º guerra mundial é que consolida o interesse
dos estudiosos pela utopia, formando uma espécie de movimento (FEDELI, 1979).
118
suas afirmações são como um “oráculo”, a ponto de não permitir uma representação concreta
(JONAS, 2006, p. 287). Portanto, é do confronto desses princípios, isto é, da responsabilidade
ética jonasiana e da esperança tecnológica utópica blochiana que iremos nos deter.
Ao tratar do “reino da necessidade” e do “reino da liberdade”, Bloch parte de uma
concepção de Marx, presente na obra O capital, em que afirma que “o reino da necessidade
começa efetivamente ali onde cessa o trabalho determinado pela miséria e pela finalidade
externa; ou seja, onde o trabalho estiver por natureza além da esfera da produção material
propriamente dita” (MARX, 1976, p. 25). Observa-se que o determinante do fragmento é a
ideia de trabalho e de liberdade, pois a liberdade que assegura o “reino da liberdade” é a
libertação do trabalho, visto que o “reino da liberdade” só pode se concretizar a partir do
aniquilamento ou da diminuição do “reino da necessidade”. É somente livre do peso do
trabalho “alienado” e “escravizado” que o homem poderia buscar a sua plena realização. Esta
etapa de libertação representaria, para Marx, uma primeira conquista para o alcance das outras
liberdades.
Bloch na esteira da reflexão marxista, mas ao mesmo tempo aberto ao novo na
medida em que busca “corrigir” e “ir além” de certas bases do marxismo, vê na libertação do
mundo do trabalho alienado e comprometido com o capital a alternativa para o pleno
desenvolvimento da dignidade humana. Para o autor, a substituição da força do trabalho
humano pelas máquinas automatizadas permitiria ao homem se voltar as atividades que
permitiriam a sua plena realização, intitulada por ele de hobby. O sentido aqui atribuído a
palavra hobby não significa o aumento do entretenimento ou mesmo do lazer, mas uma
mudança no tipo de trabalho, pois este não poderia mais ser determinado como meio de vida,
como algo sem alma e marcado pelas necessidades e finalidades externas. Trata-se, portanto,
do trabalho sem finalidade e livre dos interesses da produção mercadológica, e marcadas
exclusivamente para o pleno desenvolvimento do reino da natureza humana. Disso resulta o
paradoxo pela demanda por trabalho e não pelo produto do trabalho, pois a necessidade geral
de trabalho se especifica de acordo com a aptidão e a vontade sem nenhum tipo de coerção.
A plena realização do hobby humano só poderia se concretizar com o avanço
tecnológico, com uma produção automatizada de modo a exigir um número mínimo de
trabalhadores para operacionalizar o processo, enquanto a coletividade usufruiria do trabalho
como lazer. Afirma Bloch que o verdadeiro lazer viverá “desse conteúdo sempre esperado, em
boa hora atualizado, de sermos nós mesmos, ou de liberdade, em um mundo igualmente não-
alienado. Somente num mundo assim o homem se sentirá em casa” (BLOCH, 2006, p. 477).
Essa perspectiva de que o saber e a técnica devam ser instrumentalizados para a
119
plena realização humana já tinham sido tematizados anteriormente por Francis Bacon, na obra
Novum Organum, no entanto, é no ideal utópico comunista de Bloch que se encontra sua
forma mais bem elaborada. Embora Bacon em sua utópica obra no final da vida intitulada
Nova Atlântida busque no conhecimento técnico científico coletivo a solução dos problemas
do homem, Bloch defendeu por toda a sua vida o sonho de uma Idade de Ouro como um
paraíso de lazer, como bem se observa em obras anteriores ao O princípio esperança,
traduzida como o Espírito da utopia.
A utopia de Bloch de uma sociedade sem classes, com o desenvolvimento da
técnica para tirar o peso do trabalho como necessidade, de modo a permitir ao homem o pleno
desenvolvimento de suas capacidades e de suas liberdades, representa uma resposta aos
discursos utópicos na tradição do pensamento político ocidental. Na cadeia do marxismo
heterodoxo do século XX, Bloch pretende revisitar essa utopia política de modo a encontrar
uma “nova” esperança à humanidade.
Hans Jonas preocupado em buscar uma ética que pudesse atender aos desafios da
civilização tecnológica, identifica na utópica sociedade tecnológica de Bloch, marcada pelo
fim das classes sociais, sem o peso do trabalho como necessidade e com o tempo livre para
hobby, a representação maior de um pesadelo do que sonho. A realização do ideal baseado na
abundância de recursos e, consequentemente, de consumo de energia tornaria insustentável a
vida do planeta, além do que, faria da existência humana algo supérfluo. A eliminação do
“reino da necessidade”, como propusera Bloch, retiraria do homem, segundo Jonas, a sua
autenticidade, o seu valor, o seu potencial e a sua identidade.
O ideal utópico da filosofia de Bloch fundamenta-se em premissas ontológicas,
afirma Jonas, porque está centrado na meta de construção de um homem melhor ou superior
no futuro e, por isso, tende a negar toda a experiência passada do homem, pois parte da tese
de que seu estado atual é de certo modo “inautêntico”. Segundo Jonas, a utopia pensada por
Bloch propõe uma alteração da “natureza humana” a partir da mudança das formas de
organização sócio-política que permitirão a formação de um “novo homem”, totalmente
distinto do anterior e essencialmente “bom”.
Opondo-se à concepção de Bloch em que afirma que o homem ainda “não se
realizou”, isto é, que o homem atual é “imperfeito” e que somente com outro modelo de
sociedade este poderia alcançar a sua verdadeira constituição, Jonas argumenta acerca da
ambivalência que caracteriza a natureza humana e que qualquer projeto de futuro deve levá-la
em conta. Trata-se de evitar que um otimismo exagerado de aperfeiçoamento humano acabe
impedindo o reconhecimento da humanidade do homem como algo que se constrói e se
120
reconstrói a todo instante. A proposta de Jonas busca estabelecer limites ao ímpeto
tecnológico das sociedades modernas, mas também procura fazer recuar o horizonte de
expectativa e desejo que os homens contemporâneos projetam em relação às graças
prometidas pela técnica.
Embora as utopias tenham naturezas diferentes, para Jonas elas partem de um
mesmo ponto em comum, ou seja, reduzem o tempo presente como uma mera preparação ao
futuro, de modo que “todo o passado [se torne] uma etapa preparatória para o presente e todo
o presente (...) uma etapa preparatória para o futuro” (JONAS, 2006, p. 55), o que torna o
tempo presente uma realidade sem a plena realização. Esse abismo promovido por todas as
utopias entre o agora e o depois, isto é, entre a ação e a meta desejada, possui um caráter
completamente secularizado nas utopias modernas, e por promover uma distorção temporal,
em que a plena realização não está no presente, leva a uma “insuficiência” da tradição ética,
pois esta não se responsabilizava além do momento vivido. Mesmo as utopias de caráter
marxista, segundo Jonas, partem do pressuposto de que o verdadeiro homem ainda está por
vir e que o homem atual representa apenas um meio para tal realização.
Nietzsche, que não era utópico em relação a um estado futuro, e que mantinha
certo desprezo pelas benções da igualdade socialista, apresenta a idéia do “super-homem”
como o futuro homem verdadeiro, mas que nem por isso, afirma Jonas, pode ser usado como
“fonte suplementar para preencher o vácuo da utopia marxista” (JONAS, 2006, p. 259). O
“super-homem” de Nietzsche, para Jonas, sempre esteve presente nas utopias. Desse modo,
não haveria, portanto, “nenhuma indicação em Nietzsche de como promover ou tornar
possível o aparecimento do homem superior e, mesmo sequer quanto à sua probabilidade”
(JONAS, 2006, p. 260).
Ao apresentar o caminho da revolução como passagem para atingir a verdadeira
superioridade humana através de uma sociedade sem classes, e consequentemente sem
trabalho “pesado”, visto que as máquinas se encarregariam de toda a produção, o marxismo
pressupõe que o homem seja fundamentalmente bom e que somente em circunstâncias
favoráveis essa bondade poderia ser exercida. Nesse caso, como historicamente as
circunstâncias não foram favoráveis, os homens nunca puderam ser bons, mas a vivência
numa sociedade sem classes poderá engendrar a construção de um homem bom e melhor.
Nesse sentido, o termo bom tem significado tanto no sentido moral como cultural, mas em
ambos os casos parte da hipótese de que uma sociedade sem classes é superior a uma
sociedade de classes (JONAS, 2006, p. 260).
Poderia se afirmar que em uma sociedade sem classes haveria uma superioridade
121
cultural, com maior número de gênios, e consequentemente com pessoas mais felizes? No
que se refere às condições do seu surgimento é impossível responder. No entanto, em termos
quantitativos, é bem provável que muitos talentos que foram prejudicados por falta de
condições possam vir a se manifestar, mas também é possível que diante da falta de liberdade
e da censura, muitos sejam reprimidos, o que torna o balanço difícil de ser realizado. O
mesmo ocorre com a sociedade, isto é, não é possível classificar se qualitativamente ter-se-ia
uma arte ou uma ciência superior, pois se passaria a depender das prioridades estabelecidas,
ou seja, as preferências imediatas e morais, que como tais são utópicas. Afirma Jonas, “essas
expectativas, ou seja, a existência de um homem ‘melhor’ do ponto de vista moral são o cerne
do ideal, o prêmio pelo qual se pagou o preço mencionado” (JONAS, 2006, p. 261-262).
Se o pressuposto marxista é de que haveria uma superioridade moral dos cidadãos
numa sociedade sem classes, o que vincula a bondade humana às circunstâncias, essa
possibilidade tornar-se-ia mais plausível em relação às condições morais do que à inovação
cultural, visto que com o “fim” da miséria e da exploração, os males por estas provocados
tenderiam a desaparecer. No entanto, na hipótese de conseguir tal êxito, mesmo assim, não
estaria assegurado de que o homem teria conseguido deixar de ser invejoso e injusto,
tornando-se amável e fraterno. A excessiva utilização do aparato policial repressivo e do
sistema informacional por parte do estado socialista parece não acreditar nessa transformação
de “homens em anjos” (JONAS, 2006, p. 263).
A tentação da utopia marxista está na hipótese ontológica de tornar o “bem-estar
material uma condição imperiosa para a busca da liberação do verdadeiro potencial humano:
não um fim em si, mas como um meio indispensável para tal” (JONAS, 2006, p. 263). Para
esta realização é imprescindível recorrer ao uso da técnica, assim como propõe o sistema
capitalista, ou seja, a técnica como meio de realização da utopia, pois esta é a condição que o
advento do homem verdadeiro exige. Conclui Jonas que não podemos nos dar o “luxo de uma
utopia que exige tal tipo de condição, e que (...) como ideal, essa utopia é um falso ideal”
(JONAS, 2006, p. 263).
As utopias modernas centradas na ideia de progresso, do crescimento e do bem
estar da humanidade trazem com elas a ideia de que não há limites éticos e nem materiais para
a realização de seus ideais. O questionamento de Jonas está centrado justamente na ideia de
limites, o que exige uma urgente avaliação a respeito das vantagens e das desvantagens da
utilização de tais utopias, visto que a natureza não pode mais ser entendida como fonte
inesgotável de recursos. Isto é: como a natureza está no presente ela é usada pelas utopias
mais uma vez como fonte ou hipoteca para a construção do ideal utópico.
122
Diante do entusiasmo promovido pelas utopias tecnológicas da atualidade, o
momento exige “uma maturidade capaz de renunciar à ilusão, e que pela mera preservação da
humanidade [assuma] aquilo que antes necessitou da promessa, ou seja, o medo 60 altruísta, em
vez da esperança altruísta” (JONAS, 2006, p. 266). Essa renúncia proposta por Jonas volta-se
aos dirigentes políticos, pois somente com uma verdadeira despedida dessa concepção, e não
ao seu adiamento, daria aos futuros dirigentes “a liberdade intelectual e moral requerida pelas
decisões que deles se esperarão” (JONAS, 2006, p. 266).
A ideia de utopia está intimamente ligada, em Jonas, à de progresso. Ora, quando
se pensa no progresso no sentido individual não há dúvidas de que esse é o motor e a energia
obrigatória do devir humano e através dele se alimentam as utopias. Nesse sentido, a ética
sempre sustentou a tese de que, salvo para a morte, não haveria limite para o conhecimento,
criando um espaço para uma ideia de uma utopia pessoal. Não se pode também ignorar o
progresso da civilização em direção ao melhor e que se constitui como patrimônio coletivo.
No entanto, sabe-se que cada ganho, de certo modo, também representa uma perda, a exemplo
do alto custo humano e animal da civilização, que com o progresso, tende a aumentar. Mais
uma vez: o alto custo é uma hipoteca do agora em benefício de uma esperança futura.
O progresso da ciência na atualidade “indica uma continuação indefinida do seu
movimento no futuro” (JONAS, 2006, p. 269), de modo que o último elemento tenha sempre
que superar seu antecedente. Sua capacidade é de continuar se acumulando superando todos
os obstáculos, o que faz do progresso científico um fato inequívoco. Além do mais, a ciência
por sua vez, não possui mais o “caráter individual”, mas cada vez mais prevalece um “espírito
coletivo” da sociedade que produz conhecimento. Assim, na medida em que o patrimônio
coletivo do conhecimento cresce, o conhecimento individual se torna cada vez mais
especializado. Mesmo assim, o desejo de ir mais adiante se tornou um dever supremo.
Para Jonas há uma diferença entre o progresso científico e o progresso técnico na
sua relação com a utopia. O caráter eternamente inacabado do progresso científico na busca
da verdade “não tem nada a ver com a realização de uma utopia” (JONAS, 2006, p. 270).
Suas vitórias ou derrotas não ajudariam ou prejudicariam o advento da utopia, pois seus êxitos
continuados não necessitariam da utopia como realidade, nem mesmo como expectativa. Com

60
A noção de “heurística do temor” é um dos conceitos polêmicos da filosofia de Jonas. Ele é usado em
contraponto ao princípio esperança de Bloch, já que neste, o futuro é visto do ponto de vista utópico como
positivo e perfeito; e na heurística do temor há uma preferência pelo prognóstico negativo, ou seja, deve-se
pensar o futuro sem a ingenuidade trazida pela esperança.Para Jonas a possibilidade de que o negativo ou o
malum possa ocorrer não pode ser ignorada diante das possibilidades encantadoras de sucesso. Desse modo, o
perigo não estaria naquilo que já de antemão se apresenta como negativo, mas nas ameaças escondidas por trás
das possíveis bênçãos.
123
o progresso técnico, por sua vez, esta realidade torna-se diferente, pois ele é capaz de
transformar o mundo decidindo como deve ser a realidade e o modo de vida das pessoas,
sendo capaz de interferir nas condições naturais e no próprio conteúdo da utopia, de modo que
possa promover a sua realização. As mais diversas utopias, sejam de caráter político ou
mesmo literárias, contam com o progresso técnico para o seu êxito. Com isso, pode-se
diagnosticar que o progresso técnico, diferentemente da ciência, pode não ser desejável, pois a
técnica não se justifica por si mesma, mas somente pelos seus efeitos. São os êxitos da técnica
que tornam a sua relação com a utopia tão expressiva.
No entanto, a técnica partilha com seu criador, isto é a ciência, da qual se tornou
“irmã gêmea”, a ideia de que seu movimento autônomo é um fato unívoco, e que cada passo
terá que superar o anterior. Não se trata de uma análise no sentido do valor, mas de caráter
objetivo, pois embora possamos lamentar os malefícios de uma bomba atômica, ainda sim,
não podemos negar o seu progresso, lamentavelmente. Não há como negar que a união da
ciência com a técnica gerou uma história de êxitos e de superação, com um “êxito contínuo,
condicionado por uma lógica interna, e, portanto prometendo seguir assim rumo ao futuro”
(JONAS, 2006, p. 272).
A técnica com seu êxito envolvendo todos os domínios da vida, fez com que seu
papel se deslocasse de um simples meio para o de uma finalidade, mostrando a conquista da
natureza como a vocação da humanidade: “o homo faber ergue-se diante do homo sapiens,
que se tornou, por sua vez, instrumento daquele, e o poder externo aparece como o supremo
bem, para a espécie, obviamente, não para os indivíduos” (JONAS, 2006, p. 272). Como
nessa atividade não há um fim, estaríamos frente a uma utopia que fala de uma constante
autossuperação em direção a um objetivo infinito.
O progresso da técnica é um progresso de resultados. A complexidade desses
resultados faz com que alguns tenham caráter moralizante e outros desmoralizantes, se não
ambos ao mesmo tempo, impedindo-nos de fazer uma avaliação. No entanto, há uma certeza e
esta é marcada pelo seu caráter de ambivalência. As transformações, por sua vez, seja do
homem, seja da natureza, em vistas a uma utopia, não são acompanhadas pelo ideal ético.
As diferentes motivações das utopias, seja do mundo capitalismo ou do socialista,
para Jonas, partem de dois princípios que para o autor são equivocados. O primeiro deles trata
do princípio da abundância material e o segundo da facilidade em buscar essa abundância.
Quanto ao primeiro, à natureza à moda baconiana, infinitamente abundante em seus recursos,
deverá entregar todos os seus segredos, isto é, todas as suas riquezas para que o homem
consiga alcançar a sua realização. A operacionalização dessa meta será alcançada graças à
124
mecanização e a automação do processo do trabalho, o que conduzirá o homem a uma
verdadeira liberdade, visto que as máquinas irão fazer o trabalho que anteriormente o homem
fazia e o escravizava. A abundância material associada ao lazer, como prevê a utopia, exige
uma extraordinária elevação da produção e da técnica, e é justamente nesse otimismo do
crescente poder que Jonas classifica o problema, pois a questão, a saber, segundo o pensador é
“quanto a natureza ainda é capaz de suportar”, visto que ninguém duvida de que haja tais
limites. Esses limites para o autor “só se tornam perceptíveis quando os efeitos nocivos das
nossas intervenções começam a afetar os ganhos e ameaçam superá-los” (JONAS, 2006, p
301). Pergunta Jonas: a que distância estamos deles? Com certeza, tanto local como
planetariamente, os limites situam-se bem antes da realização das utopias.
Para a natureza é indiferente se a agressão praticada sobre ela é decorrente de um
grupo conservador, liberal, socialista ou religioso, pois o que importa é quanto a natureza
ainda é capaz de suportar. É interessante notar que, com esse argumento, Hans Jonas
demonstra o lugar especial que a ética, enquanto ciência do agir tem em seu pensamento no
que tange à relação com a política, esta compreendida como uma derivação secundária da
primeira. A ética (e mais especificamente o princípio responsabilidade) tem um lugar
primordial do qual deriva a própria política, já que está limitada ao âmbito da polis, portanto
da cidade, enquanto os novos desafios trazidos pelo poder técnico ampliam o braço da ética
para toda a natureza. Afirma Jonas que

a questão a saber é como a natureza reagirá a essa agressão intensificada. Pouco


importa que tal agressão venha da ‘direita’ ou da ‘esquerda’, que o agressor seja
marxista ou burguês liberal, pois as leis da natureza não são nenhum preconceito
burguês (...) em última instância, não se trata de saber precisamente o que o homem
é anda capaz de fazer (...) mas o quanto a natureza é capaz de suportar. (JONAS,
2006, p. 301)

O que se deve esperar do homem e para o homem, independente do que lhe


reserve o futuro, seja no âmbito político, técnico ou mesmo religioso, é a renúncia efetiva do
ideal utópico (JONAS, 2006, p. 298). Essa renúncia à utopia, ou seja, o fim excessivo par
excellence, proposta por Jonas, deve ocorrer porque sua realização além de conduzir a uma
catástrofe, não pode perdurar por um período de tempo que possa valer a pena. O perigo é que
sua realização depende dos avanços da técnica e segundo Jonas a maior parte desses

avanços práticos da ciência em toda a história da física, a decifração da estrutura do


átomo, contém potencialmente, ao mesmo tempo, a salvação e o aniquilamento da
humanidade. Tal aniquilamento não decorre somente do uso destrutivo do seu
potencial, mas também do uso construtivo pacífico, produtivo. (JONAS, 2006, p.
308)

125
A utopia na sua interioridade, embora muitas vezes se tenha a certeza da
impossibilidade de sua concretização, carrega a crença “de que tudo o que existe é precário,
devendo apenas ser considerado como o nascedouro daquilo que virá, que será melhor e mais
verdadeiro” (JONAS, 2006, p. 309), ao ponto de seus fiéis recorrerem a medidas extremas
tornando a violência, o fanatismo e a inclemência um quadro possível. A isso se acrescenta
que esse desejo interno da utopia pode colorir a avaliação dos fatos e as possibilidades de
perigo. Além do mais, a mesma não se abala diante de nenhuma decepção, pois esta apenas
revela uma inacessibilidade externa do ideal, sem nenhuma alteração na inconsistência
interna, pois o ideal possui uma verdade.
Para Jonas o exame do ideal utópico do ponto de vista não apenas da possibilidade
material da sua realização, mas do seu “caráter desejável” tem dois aspectos: um de conteúdo
positivo, enquanto formalmente configurado (isto é, enquanto ideia formal a respeito do que é
o próprio homem) e um de conteúdo negativo, no sentido de que a história até o momento
atual ainda não teria apresentado quem seria o verdadeiro homem (JONAS, 2006, p. 310).
Esse contraste entre o que existe e o que pode vir a existir faz parte do ideal de humano, que
não pode ser pensado, mas que está presente no argumento utópico.
A corrente marxista defendia que a natureza seria “humanizada” pelo trabalho do
homem e a partir de uma definitiva humanização, isto é, com a concretização do marxismo, o
homem pela primeira vez alcançaria essa plenitude. Nesse sentido, “humanizar para o homem
significaria dizer que ele não está mais submetido à natureza, isto é, que pela primeira vez ele
pode ser ele próprio” (JONAS, 2006, p. 333). Para a natureza por sua vez, humanizar passou a
significar que ela estaria subjugada aos interesses humanos, ou seja, ela não seria mais ela
própria.
Esse humanizar a natureza proposto também pelo marxismo de Bloch, segundo
Jonas, não passaria de uma “bajulação hipócrita” ou de uma atitude de exploração, pois oculta
que a natureza se tornaria alienada de si mesma e que somente os interesses humanos se
concretizariam. Trata-se de um olhar especificamente antropocêntrico e sem nenhum
romantismo em relação à natureza (JONAS, 2006, p. 334), comparado à herança do ideal
baconiano, pois humanizar a natureza significaria submetê-la aos interesses humanos.
A utopia de Bloch de um estado perfeito, de um verdadeiro regnum humanum, a
Idade de Ouro em que a pátria teria encontrado finalmente seu fim, pois desapareceriam todas
as diferenças entre os homens é criticada por Jonas, pois,

o jogo como modo de vida, longe de representar o que é digno no homem, exclui tal
dignidade. Não há “reino da liberdade” fora do ‘reino da necessidade’. Na utopia
126
não conquistamos, mas perdemos de uma só vez a liberdade e a dignidade, na
medida em que a ocupação principal do lazer deve consistir em hobby. (JONAS,
2006, p. 329)

A liberdade consiste e alimenta-se da necessidade, isto é, daquilo que ela


conseguiu através de seu esforço e sempre de modo parcial. Sendo assim, na medida em que
ocorre uma ruptura com o reino da necessidade, ela fica privada do seu objeto. Ou seja, sem a
necessidade, a liberdade se torna vã, como a força sem a resistência, acabando por extinguir-
se por si mesma porque se torna vazia.
Apesar do caráter antropocêntrico e pragmático de seu pensamento, Bloch
defende um olhar mais sensível na relação do homem com a natureza, pois a felicidade
humana exigiria que as coisas não fossem concebidas de modo “empresarial”. Sendo assim,
para o autor, afirma Jonas, a “natureza humanizada não é apenas aquela subjugada pelo
homem, mas aquela a ele apropriada, a ‘pátria’ adequada para a sua liberdade e para o seu
lazer” (JONAS, 2006, p. 334). Com isso, o homem poderia encontrar uma natureza mais
verdadeira e aberta, em comparação àquela que a precedeu, pois tanto o homem como a
natureza teriam sidos arrancados da alienação, e sendo assim, na medida em que o homem
humaniza a si próprio, estaria também “naturalizando” a própria natureza.
Jonas se contrapõe a essa ideia de natureza como pátria da liberdade e do bem
estar humano defendida por Bloch. Para o pensador, essa natureza reconstruída e remodelada
continuaria servindo às necessidades e às utopias humanas, o que a levaria consequentemente
a uma desnaturalização e reificação, através de uma crescente exploração dos recursos
naturais: “o erro da utopia está, portanto, no seu pressuposto antropocêntrico, na sua
concepção do Ser do homem” (JONAS, 2006, p. 344).
Além do mais, o autor critica a tese de uma natureza “sobrenaturalizada”
apresentada por Bloch, capaz de proporcionar ao homem utópico um ambiente pátrio, pois
para Jonas, o programa de reforma da natureza como um alicerce para a utopia tornou-se ele
próprio uma utopia. Exemplifica sua posição com a monotonia das infindáveis produções de
trigo dos americanos, percorridos por colheitadeiras solitárias e aviões carregados de
pesticidas. Para ele esse ambiente oferece pouca “pátria” assim como pouca “natureza” e
muito menos sociabilidade. O mesmo ocorreria com as fábricas por não serem capazes de
oferecer cultura. Para Jonas essa sobrenaturalização teria se transformado em desnaturalização
e, ao contrário do que havia se pensado, isto é, de humanizar a natureza, na prática ocorreria
uma alienação da natureza e consequentemente do próprio homem, pois se criou um ambiente
artificial e automático, “independente” da natureza (JONAS, 2006, p. 335).

127
O paradoxo que Bloch não consegue identificar, segundo Jonas, é de que a
natureza não-alterada e não-utilizada pelo homem, isto é, a natureza selvagem, é natureza
inumana, e esta natureza só pode se revelar na medida em que for poupada, pois a utopia se
anula na medida em que suas premissas se concretizam, o que faz com que a felicidade de
uma utopia dependa da sua incompleta realização (JONAS, 2006, p. 336).
Para Jonas um dos pontos mais relevantes dos procedimentos utópicos é a
tentativa de alcançar um homem perfeito, acabado, definitivo, moralmente bom. Segundo o
filósofo alemão, na utopia de Bloch vislumbra-se uma tentativa nesse sentido, ou seja,
alcançar o verdadeiro homem no futuro, símbolo da plena realização humana lograda com a
ajuda da técnica. Para Jonas o “homem verdadeiro” sempre existiu, com suas qualidades e
com seus defeitos, com sua grandeza e pequenez, ou seja, tudo aquilo que não é separável de
um ser paradoxal. Eliminar essa ambivalência é tirar-lhe a liberdade e a humanidade. O
homem será sempre novo e diferente dos demais, mas jamais mais verdadeiro. Ao contrário
da escatologia do “princípio esperança” de Bloch, que busca o verdadeiro homem. Jonas
afirma que

deveríamos desejar que também no futuro toda satisfação produza uma insatisfação,
toda posse, um desejo, toda paz, uma intranquilidade, toda liberdade, uma tentação,
sim, que cada felicidade engendre uma infelicidade. Esse me parece que deva ser o
sonho do verdadeiro homem, nutrido pelo passado, que é capaz de apresentá-lo in
actu, e não pela previsão do futuro. Esse homem verdadeiro é sempre o resultado de
lances realmente feitos no jogo autêntico. Portanto, o futuro não nos poderia trazê-
lo, mas, no melhor dos casos, preservá-lo com o objetivo de uma repetição não
distorcida, de modo que continue havendo homens e um futuro, e este último,
impossível de ser garantido em sua configuração, não só em virtude das
circunstâncias históricas singulares, mas também em razão da natureza cambiante da
“verdadeira” natureza do próprio sujeito da história. (JONAS, 2006, p. 344)

Ao partir do pressuposto de que a plenitude do homem só pode ser alcançada no


futuro, a utopia, segundo Jonas, comete um grave erro, pois ela fica impedida de identificar a
realização do homem no presente, mesmo em seus paradoxos. Embora a existência humana
possa ser classificada como “problemática”, é justamente essa condição que a diferencia das
outras espécies. Essa possibilidade de abertura “ou isso... ou aquilo” que ao homem é inerente
e as impossíveis respostas para todos os seus “por quês e para quês”, é o limite natural da
natureza humana e sua superação seria algo impossível. Para Jonas “essa transcendência é o
seu próprio fundamento sobre o qual ele tem de se sustentar” (JONAS, 2006, p. 344). Isto é,
embora não seja capaz de superar essa limitação de “imperfeição”, a ela também estaria
assegurada a impossibilidade de regredir na sua natureza. É nessa complexidade de sua
existência que devem se movimentar suas esperanças e temores, tanto individual como

128
coletivamente.
Francis Fukuyama em sua obra Nosso futuro pós-humano apresenta a tese de que
o homem morrerá quando a morte for superada pela ciência e pela técnica, ou seja, o homem
morrerá quando não mais morrer, visto que para o autor a finitude humana constitui parte da
sua autenticidade. Ao querer eliminar a morte, o homem elimina também a dignidade, a
nobreza e qualquer aspecto de positividade nela presente e passa a concebê-la como um
“erro” da incapacidade do poder tecnocientífico humano, mas que pode ser evitado
(FUKUYAMA, 2003, p. 69-83). O mesmo ocorreria com as diferentes realidades da vida
humana, a exemplo da violência, da dor, do sofrimento e da tristeza humanas entre outros, que
numa espécie de Admirável Mundo Novo deveriam ser superadas. Esse paradoxo mostra que
os avanços delineiam um cenário que é ao mesmo tempo fascinante e perturbador. Por
entender a técnica como algo ambivalente 61 Jonas afirma que “as benções da técnica contém a
ameaça da maldição” (JONAS, 1997, p. 34).
Em vista de uma utopia, afirma Jonas, não se pode ignorar o passado do homem,
da humanidade e da natureza em geral, mas ao contrário, este deve servir de exemplo, pois a
história, como afirmam os antigos, é “mestra dos homens”. Tais ensinamentos, para o autor,
“fornecem toda a matéria desejável para a exaltação ou para o horror, para a esperança ou o
temor, e também parâmetros de avaliação, bem como das exigências que fazemos” (JONAS,
2006, p. 345). Se o homem ainda não conseguiu se realizar em toda a sua plenitude, conforme
pretendem as utopias, nada garante que o ainda não realizável seja melhor que o existente.
Para Jonas deve-se renunciar à ideia de que haja uma “natureza” definida para o
homem, ou seja, que por natureza ele seja bom ou mau como algo dado, definido,
determinado. Para o autor, é da natureza da essência humana a aptidão para ser bom ou mau e
até mesmo as duas possibilidades juntas, o que faz com que se identifique na natureza do
homem, tanto nos bons atos como nos atos “desumanos”, a sua humanidade. Desse modo,

61
Ambivalência da técnica refere-se ao caráter incerto, duvidoso e incontrolável da técnica moderna, tanto para o
homem, como para a natureza, sobretudo em seus resultados não imediatos. Desse modo, não é possível saber
quando seu uso pode ser considerado bom ou maléfico, pois independente das intenções, o que impossibilita uma
avaliação no sentido moral, visto que sua essência é ambivalente. Nas palavras do autor: “a técnica tem uma
dupla face, dado que pode girar para o mal e para o bem, e até mesmo o próprio bem pode converter-se em mal
pelo simples crescimento” (JONAS, 1998, p. 141). O caráter ambivalente da técnica, portanto, dificulta uma
avaliação, pois resultados negativos e ameaçadores podem ser decorrentes não somente da má utilização da
técnica, mas também quando ela é empregada num sentido positivo. É o sucesso da técnica, portanto, que a torna
perigosa. Esse “fazer por fazer” ameaça a integridade da vida e, para Jonas, a vida é portadora de dignidade, e
essa dignidade não pode ser ameaçada, embora o homem seja potencialmente capaz. Afirma Jonas que o mesmo
resultado científico, um mesmo conhecimento dele obtido, “(...) é aplicável tanto para a utilidade como para o
dano, tanto para bem como para o mal (...) e todo poder é poder para ambas as coisas, e frequentemente provoca
ambas sem a vontade de quem o exerce, inclusive no mesmo uso” (JONAS, 1997, p. 56).
129
renunciar ao projeto utopista de que a “riqueza” da natureza humana precisa ser libertada para
uma possível superação, tornou-se uma exigência moral, porque a

a pobreza da humanidade pode decorrer tanto das circunstâncias desfavoráveis


quanto ter sido escolhida em circunstâncias as mais favoráveis, por causa da
indolência ou da corruptibilidade (pulsões verdadeiramente humanas), enquanto a
riqueza exige, junto com o favor das circunstâncias, também um esforço (no
mínimo, combater a indolência). Isso não diminui em nada a nossa obrigação de
lutar para obter uma melhor condição de vida para todos, sem esperar disso mais do
que aumentar as possibilidades do bonum humanum (JONAS, 2006, p. 345-346).

Esse desejo em melhorar a natureza humana não pode se dar a qualquer custo,
afirma Jonas. Deve-se abandonar em definitivo a ideia de que a realidade atual representaria o
fim de uma “pré-história” e ao mesmo tempo o meio para se chegar a um fim definitivo, pois
“não existe esse fim definitivo, e caso ele exista de forma oculta, não teríamos como descobri-
lo” (JONAS, 2006, p. 347). Além do mais, todo o presente do homem, assim como o passado
é o seu próprio objetivo. Deve-se entender todo o processo como uma transição do antes para
o depois, como uma realização à luz do que antecedeu, mas jamais como uma prefiguração da
verdade que está por vir.
Os exemplos de grandes homens na história não podem ser confundidos como se
esses homens tivessem alcançado um grau de perfeição, superior aos outros homens e que
desse modo pudessem ser classificados como perfeitos. Suas maravilhosas e extraordinárias
qualidades poderiam até mesmo ocultar suas fragilidades. Afirma Jonas que devemos
abandonar a ideia, embora não seja fácil, “(...) de que Isaías e Sócrates, Sófocles e
Shakespeare, Buda e São Francisco de Assis, Leonardo da Vinci e Rembrandt, Euclides e
Newton não poderão ser ‘superados’, e o seu esplender na história nos permite crer que essa
corrente não será interrompida” (JONAS, 2006, p. 347).
A crítica jonasiana à ética da escatologia revolucionária marxista deve-se,
sobretudo, porque esta se concebeu a partir de um princípio absoluto, de um fim em si,
invisível e por vir, mas que de fato deve realizar-se na história. Trata-se de um projeto utópico
de escatologia intramundana. Sendo assim, torna-se necessário uma ética que seja antiutópica,
pois os “os poderes da técnica sobre o destino do homem ultrapassaram o poder do próprio
comunismo, que, como todos, pensava apenas servir-se deles” (JONAS, 2006, p. 56). Embora
o marxismo tenha se enfraquecido, o ideal prometeico por sua vez, continua vivo. Trata-se
justamente da confiança desmedida na tecnologia como meio para conseguir alcançar as
utopias, o que promove as ameaças à vida humana e a natureza.
O fascínio e o encantamento pelo utopismo tecnológico, o estímulo à utilização

130
tecnológica, reduziu o homo sapiens ao poder do homo faber, cegando-o dos perigos e das
ameaças, pois “não há nada melhor que o sucesso, e nada nos aprisiona mais que o sucesso”
(JONAS, 2006, p. 43). Ofuscado pelo prestígio e buscando esgotar todos os recursos que
pertençam à plenitude do homem, a expansão do seu poder é acompanhada por uma retração
da concepção que ele tem de si mesmo e do seu ser.
Se por um lado a tecnologia contemporânea desperta verdadeiro fascínio pela
capacidade de criação, de transformação e de construção de um mundo na medida dos desejos
do homem; por outro lado, ela gera certo desenraizamento e desumanização. A crítica
jonasiana ao utopismo tecnológico deve-se, sobretudo, porque este parte do princípio de que
se deve fazer tudo o que se pode fazer, ignorando a presença de questões éticas entre o querer
e o dever fazer. Acrescenta-se a isso o fato de que a tecnologia tem conseguido transformar o
entorno natural para satisfazer as necessidades humanas com a construção de modelos de
sociedade e de cultura, independentemente da aceitação e do querer humano.
Esse determinismo tecnológico, isto é, a dependência dos seres humanos com
relação à técnica, a exemplo das tecnologias da informação na criação de realidades virtuais,
não modificam somente a realidade que está posta, mas também o modo de fazer esta
realidade, na medida em que se abrem com ela novos caminhos e possibilidades “exigindo”
do homem a sua participação.
Embora a aplicabilidade da ética da responsabilidade jonasiana possa ser
classificada como difícil, pois uma responsabilidade política e mesmo privada, não acontece
na mesma velocidade com seus problemas exigem, Jonas tem consciência de que sua proposta
“não é escatológica e é antiutópica” (JONAS, 2006, p. 56). Por se tratar de uma
responsabilidade concreta e de caráter prático, isto é, com a continuidade de uma autêntica
vida, Jonas rebate as utopias que buscam supostamente o que não se tem na realidade. Afirma
o autor que “ao princípio esperança, contrapomos o princípio responsabilidade, e não o
princípio do medo” (JONAS, 2006, p. 351-352), embora tanto o “medo” como a esperança,
façam parte da responsabilidade. Por isso, o desafio da civilização tecnológica está na
coragem de assumir a responsabilidade pelo desconhecido de modo a garantir-lhe a
autenticidade da vida e não a esperança incerta de seu melhoramento.
A ameaça à autenticidade da vida humana e da natureza decorrente do avanço do
poder tecnológico é real e emergencial, o que torna a ética jonasiana uma exigência (presente)
e não uma utopia (futura). O reconhecimento de Jonas de que a vida humana é frágil, finita e
livre e que tal condição é inerente à sua humanidade e que, portanto, precisa ser mantida para
preservar a sua autenticidade, impede de querer “melhorá-la” no sentido de torná-la
131
“perfeita”.
Se reconhecermos a utopia como uma projeção ideal no futuro, verifica-se logo
que não é esse o caso da teoria jonasiana. O que ele pretende, é que haja futuro, e que nele
esteja garantida a possibilidade que o homem e a natureza existam em sua plenitude e
autenticidade, o que significa garantir-lhe as contradições e paradoxos que dão a eles as
condições humanas no mundo e que, por si mesmas, representam a recusa de qualquer ideal
utópico. Certamente, nesse sentido, a tese jonasiana se distancia das utopias tradicionais e
justamente se fundamenta numa recusa clara à busca da perfeição enquanto ideia de algo fixo.
Para Jonas, nada pode ser considerado definitivo, porque todas as coisas, incluindo o próprio
homem e as suas construções culturais, são resultado da escolha existencial e da pertença
paradoxal ao reino da natureza. Nada menos utópico e mais realista (ou talvez
“existencialista”), portanto. E nada mais utópico do que o poder técnico que se embasa num
programa de melhoramento que nada mais é do que uma projeção ideal e utópica de um
homem e um mundo futuro, ainda limitados à busca de uma vida boa (associada, na tradição
ocidental que remonta a Aristóteles, à felicidade).
Jonas, por sua veia antiutópica, parece disposto a sacrificar esse ideal de vida feliz
em nome da possibilidade mesmo de que essa vida se efetive enquanto tal. Sua reflexão é
anterior à pergunta tradicional da ética “como devemos viver?” porque recua a uma pergunta
mais original (evoca pela sua emergência) “como devemos agir para que a vida continue?” ou
simplesmente “como garantir vida humana e da natureza no futuro?”. Por isso, seu olhar
crítico se dirige ao âmago do projeto técnico, com sua essência utópica, que busca melhorar o
homem partindo de um descontentamento sobre o que ele é, em seu estado atual, e de uma
possível projeção do que deve ser. Sua crítica ao progresso tecnocientífico, no entanto, não
deve ser concebida como um freio ou um empecilho ao seu desenvolvimento. Trata-se,
sobretudo, de mostrar que o saber tecnocientífico da atualidade age como Prometeu
desacorrentado, isto é, sem limites e sem referências. A necessidade de um Ethos para
civilização tecnológica apontado por Jonas visa a humanização da técnica, pois as feridas
abertos pela ideia de progresso e de superação, não podem ser “curadas por uma técnica
ainda melhor” (JONAS, 1997, p. 51), mas somente pela ética.

132
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FEDELI, I. Conceituação, causa e classificação das utopias. 1979. Disponível em


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biotecnológica. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.

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tradução de Eurides Avance de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

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Almeida Pereira. Petrópolis: Editora Vozes, 2004.

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Carlos Fortea Gil. Barcelona: EdicionesPaidós Ibérica, 1997.

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Helder, 1998.

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WHITEHEAD, A. N. O conceito de natureza. Tradução de Júlio B. Fischer e revisão da


tradução de Carlos Eduardo Silveira Matos. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

133
BIOTECNOLOGIA E DIREITO: DIALOGANDO COM A BIOÉTICA

Maria da Glória Colucci 62

1 INTRODUÇÃO

Os avanços da técnica aplicados às ciências da vida ocorrem em escala crescente,


de tal sorte que se fazem urgentes as incursões éticas em aspectos inovadores, envolvendo a
intimidade do corpo humano, a identidade genética, a experimentação em seres vivos, a
biopirataria, os desvios de ordem moral e outros ainda desconhecidos meandros que a
Biotecnologia tem trilhado.
Assim, é necessária a reflexão sobre algumas questões, como, por exemplo: a) de
que modo a Biotecnologia pode aliar-se à Ética e ao Direito na construção de princípios
comuns de respeito a todas as formas de vida, sobretudo a humana, com respaldo na
principiologia constitucional? b) até que ponto se podem tolerar as invasões promovidas pela
“revolução científica e tecnológica” como indispensáveis ao futuro das gerações, consoante
dispõe o art. 225 da Lei Maior, em consonância com os arts. 218 – 219 da mesma Lei? c)
quais os limites que devem ser fixados à pesquisa e experimentação em seres humanos,
animais e vegetais, em nome do respeito à dignidade da vida, em suas múltiplas
manifestações? d) como alargar o espaço participativo do cidadão, na qualidade de sujeito
diretamente interessado, na fiscalização das inovações científicas?
Requer-se, igualmente, a intervenção criteriosa do Estado, mediante políticas
públicas, para que se tornem benéficas e não apenas restritivas ao progresso e inovação das
ciências da vida.
Impõe-se repensar de que forma as modernas tecnologias contribuem,
efetivamente, para a promoção da “sadia qualidade de vida”. Afirmações mercadológicas
sempre são direcionadas à criação de ideologias, imagens e motivações, no sentido de que as
modernas tecnologias estão sempre a serviço da vida humana e da promoção da saúde.
Todavia, ocultam o verdadeiro comércio que alavanca as pesquisas biotecnológicas, aliadas à

62
Mestre em Direito Público pela UFPR. Especialista em Filosofia do Direito pela PUCPR. Professora titular de
Teoria Geral do Direito do UNICURITIBA. Professora Emérita do Centro Universitário Curitiba, conforme
título conferido pela Instituição em 21/04/2010. Orientadora do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética –
Jus Vitae, do UNICURITIBA, desde 2001. Professora adjunta IV, aposentada, da UFPR. Membro da Sociedade
Brasileira de Bioética – Brasília. Membro do CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Direito. Membro do IAP – Instituto dos Advogados do Paraná.
134
indústria farmacêutica, para citar, apenas, o exemplo mais evidente; ou mesmo na transgenia,
experimentação de produtos, serviços.
Estas e outras questões, apesar da aparente conexão apenas com aspectos
científicos e técnicos, são irrespondíveis sem aprofundadas incursões de ordem ético-
jurídicas.
A Bioética e o Biodireito, cada qual a seu modo, oferecem diretrizes
principiológicas essenciais ao estabelecimento de um diálogo com as intervenções
biotecnológicas, como se verá no texto, ainda que a uma primeira análise, visto que a
complexidade dos temas e as possíveis soluções ainda se encontram em fase de construção.

2 BIOTECNOLOGIA

Costuma-se situar as origens da moderna tecnologia em épocas primitivas, a partir


do momento em que o homem se deparou com as naturais adversidades e os impactos das
condições de vida.
Buscando soluções práticas que os superassem, protegendo-se do frio, do calor, da
chuva, das feras bravias, encontrou soluções à altura de sua inteligência e meios disponíveis.
Construiu toscas moradias, fez armas de defesa, escondeu-se em cavernas e, aos poucos, foi
desenvolvendo armadilhas, facilitando sua vida, ao mesmo tempo em que descobria o mundo
ao seu redor.
Seguindo sua inclinação original, o homem evoluiu, primeiramente, às cegas e,
depois, de forma metódica, à cata de respostas mais engenhosas que lhe permitissem dominar
a Natureza e, ao mesmo tempo, prevalecer sobre os demais seres humanos, impondo-se e se
fazendo obedecer.
Neste momento inicial, que perdurou por séculos, um dos primeiros desafios,
além da segurança e da moradia, foi a alimentação, nem sempre farta e acessível, decorrendo,
daí as primeiras técnicas de conservação de alimentos (carnes) e a fermentação de bebidas
(vinho).
Destarte, vislumbram-se cinco fases evolutivas, a partir do século XIX, a começar
de Pasteur (1822-1895). Embora se possa descortinar com Galileu Galilei (1564-1642), no
século XVII o início de uma postura científica, investigativa, ainda que focada na física e
astrofísica.
A exploração de alimentos e sua conservação é uma das primeiras evidências do
uso de microorganismos, visando a produção e conservação de pão, vinho, cerveja, queijo etc
135
(raízes da Biotecnologia).

2.1 PRIMÓRDIOS. REVOLUÇÃO BIOTECNOLÓGICA

A começar pela diversidade de conceituações, passando pelas críticas e acalorados


debates sobre sua utilização, finalidades e limites éticos, a Biotecnologia aplicada aos seres
humanos oferece amplo espectro ao estudo e à pesquisa.
Segundo Grisolía (2002), coube à Federação Europeia de Biotecnologia
(Inglaterra) contribuir com a seguinte noção do uso do termo:

A Biotecnologia é a reunião das diversas ciências naturais e a engenharia para a


obtenção de organismos, células ou partes de células e similares moleculares para
produtos e serviços. A Biotecnologia do meio ambiente é a aplicação desses
processos para a proteção e restauração do meio ambiente. (GRISOLIA, 2002, p.16)

Ressalta do conceito acima a indispensável interlocução e o diálogo


interdisciplinar dos saberes com a Biotecnologia, além dos aspectos operacionais de que é
dotada (produtos e serviços e restauração do meio ambiente).
Consoante Martin (2011), louvando-se em texto de lei canadense de 1999, sobre a
proteção do desenvolvimento e seus efeitos, pode-se verificar que:

A Biotecnologia diz respeito à aplicação das ciências e da engenharia à utilização


direta ou indireta dos organismos vivos ou de suas partes ou produtos, sob sua forma
natural ou modificada (Loi Canadienne sur la protection de l’environnement,
1999, L. C.1999, ch.3, par. 3).(MARTIN, 2011, p. 96)

Ainda, pode-se extrair dos textos supracitados a visível preocupação de que a


Biotecnologia ofereça mais vantagens do que riscos; de que contribua, eficazmente, para
aprimorar as condições de vida humana e ambiental. No entanto, como assinala Deane (2002),
nem sempre a sociedade deposita a confiança esperada na Biotecnologia e suas contribuições,
devido a uma série de fatores, como a falta de informações sobre as técnicas utilizadas; a
credibilidade das fontes responsáveis pela veiculação das pesquisas, além do distanciamento
dos mecanismos de participação social e os avanços que oferece:

Um estudo das atitudes diante da engenharia genética – em que foram colhidas as


opiniões de grupos de cientistas, granjeiros, professores de ciências e do público em
geral – mostrou que quanto maior o conhecimento científico e tecnológico mostrado
pela pessoa interrogada, maior era o nível de apoio. (DEANE, 2002, p.281)

Acresce lembrar que as questões éticas se tornaram mais presentes a partir do


momento em que se deu a propalada Revolução Biotecnológica, consoante fases desenhadas

136
por Sasson, em que se verifica que durante séculos a Biotecnologia andou em bases
empíricas, evoluindo, apenas no século XX, para consistentes e rigorosas pesquisas
laboratoriais, como as desenvolvidas por Francis Crick e James Watson na decodificação do
DNA (Ácido Desoxirribonucléico).
Com a descoberta da estrutura do código genético da vida, que responde pela
identificação das características de todas as espécies, surgiu a avançada Biologia Molecular,
hoje chamada de Engenharia Genética, dando-se início ao período evolutivo das ciências
biológicas, cognominado Revolução Genética.
As inúmeras aplicações das descobertas processadas pelos geneticistas se
desdobraram para além do campo das ciências biológicas para se projetarem na criminalística
(identificação de criminosos); na comprovação de eventuais parentescos, judicial ou
extrajudicialmente, com base em materiais genéticos; na descoberta e cura de doenças,
sobretudo em razão de predisposição genética; na produção de fármacos a partir da
identificação de princípios ativos antes desconhecidos (diabetes, hipertensão, hiper e
hipotireoidismo); no aperfeiçoamento de defensivos agrícolas e pecuários; na manipulação de
plantas e animais (transgênicos).

2.2 MARCOS CRONOLÓGICOS

As bases do grande edifício da Genética, sem dúvida, começaram a ser lançadas


com Gregor Mendel (1822-1884), ao realizar experimentos com ervilhas, observando o seu
crescimento, promovendo a “seletividade das espécies”.
Com o tempo, ainda que empiricamente, os processos de identificação dos
melhores animais (pecuária) e alimentos (agricultura) incentivaram a produtividade no campo
e se refletiram na economia das cidades e povos.
Ao estabelecer marcos cronológico, Grisolía, no texto precitado, assinala cinco
fases na evolução biotecnológica: Pasteur (1822-1895); Chain Florey (1940-1950); Revolução
Bioquímica (1950-1960); Genética Molecular (1960-1970) e Aplicações Terapêuticas (1970).
Sem perder de vista a demarcação realizada por Santiago Grisolía pode-se
vislumbrar reflexos das conquistas e fases citadas no crescimento da indústria farmacêutica;
na reformulação de antigos métodos de diagnóstico e tratamento de doenças; na
“medicalização da vida”; na “judicialização da saúde”.
Em cada fase são destacados avanços que, por sua vez, promoveram ações em
cadeia, conduzindo a novas descobertas:
137
a) Pasteur: com “a seleção de organismos de origem microbiana, particularmente para
processos de fermentação”, deu a tônica à pesquisa voltada para a conservação de alimentos,
sendo “estudada e largamente empregada” (GRISOLIA, 2002, p.18);
b) Antibióticos (1940-1950): os esforços de Fleming (1881-1955), coroados com a descoberta
da penicilina, representaram um marco na cura de males causados por bactérias gram-
positivas e algumas gram-negativas. Os antibióticos, a partir de então, evoluíram de tal modo
que o combate às doenças infecto-contagiosas tornou-se a bandeira dos pesquisadores nas
grandes universidades do mundo;
c) Bioquímica: a Revolução na Bioquímica promoveu “o esclarecimento de processos que
levaram à compreensão do metabolismo intermediário” (GRISOLIA, 2002, p.18);
d) “Código da Vida” (DNA): a Revolução Genética trouxe a valiosa constatação da existência
de um “código”, identificado por letras do alfabeto, cuja constituição permitiu separar e
elaborar um mapa com genes. Posteriormente, chegou-se ao papel dos “marcadores
moleculares”, que correspondem a variações de um gene (guanina, citosina, tinina e adenina),
denominados “alelos” “que podem identificar diferenças como a cor dos olhos, de uma flor ou
mesmo a paternidade nos chamados testes de DNA. Um gene pode ter vários “alelos”, que são
variações desse gene” (OLIVEIRA, 2007, p.74);
e) Aplicações Terapêuticas: com as contribuições de Arder, Smith e Nathans, ao descobrirem
as “enzimas de restrição”, acrescidas pela descoberta dos “ligases” para unir fragmentos de
DNA; somadas à “recombinação molecular do DNA de organismos”, iniciada por Paul Berg,
por Cohen e Boyer, sistemas de E. Coli foram estudados, derivando daí inúmeras aplicações
na farmacologia e tratamento de doenças, antes consideradas desconhecidas em suas causas; a
exemplo de doenças endêmicas como a malária, a tuberculose, a leishmaniose.
Os marcos cronológico precitado apenas delineia épocas que representam os
passos dados pelo conhecimento humano em questões afetas à intervenção e manipulação de
organismos vivos, vegetais e/ ou animais, visando à obtenção de produtos e serviços.
Contudo, Melo (2003) ao analisar as diferentes fases e aplicações da
Biotecnologia assinala que:

Seguindo os manuais clássicos, a biotecnologia pode ser dividida em três grandes


grupos: a biotecnologia tradicional, rudimentar ou clássica; a bioengenharia ou
técnica do DNA recombinante; e a biotecnologia humana. (MELO, 2003, p. 21)

Quanto ao primeiro momento, a Biotecnologia tradicional se reporta a Gregor


Mendel, em 1865, quando começou a desvendar os segredos da hereditariedade.
Posteriormente, foram identificadas estruturas celulares, que continham genes, ou
138
seja, a informação genética de um ser vivo com James Watson e Francis Crick (1953),
descobrindo-se a estrutura helicoidal da molécula do DNA.
A Bioengenharia, ou seu emprego, trouxeram à sociedade contemporânea,
inúmeros benefícios, ladeados, no entanto, por desconhecidos dissabores, como ressalta a
precitada autora, Melo:

Evoluir, pesquisar, descobrir são atitudes naturais do ser humano, sem as quais não
teríamos progredido para as diversas facilidades diárias das quais desfrutamos
atualmente; entretanto, tudo o que a ciência produz deve ser consumido pela
sociedade? Em quanto tempo, quando e sob quais circunstâncias uma nova
tecnologia deve passar a fazer parte de nossas vidas? (MELO, 2003, p. 22)

A propósito dos reflexos de ordem não apenas humana, mas econômica, Enriquez,
da Harvard Business School, em entrevista a Alonso, afirma que:

As empresas das ciências da vida não dependem de grandes extensões territoriais,


nem de petróleo, ouro ou carvão: são empresas dedicadas a gerar e vender
conhecimentos. Portanto, países pequenos, como Cingapura, Taiwan, Coréia ou
Luxemburgo, estariam em condições de gerar enormes riquezas. Além disso, trata-se
de um processo que poderia ser muito rápido: cem cérebros são capazes de dar
forma a uma empresa de bilhões de dólares. Por outro lado, se esses cem cérebros
abandonam um país, desaparece uma parte muito importante da riqueza.
(ENRIQUEZ, 2003, p. 65)

Como se verifica além dos reflexos diretamente relacionados à economia


considera Enriquez, outros que merecem ser citados: as patentes, como espelhos do nível de
conhecimentos gerados por um país; o valor dado à educação e aos professores pesquisadores;
o fato de organizações possuírem hoje mais poder financeiro do que muitos bancos estatais; a
crescente necessidade de se exigir dos integrantes do Poder Público não apenas habilidades
políticas, mas conhecimentos técnicos e científicos sobre as áreas administradas
(ENRIQUEZ, 2003, p. 68-9).
Destarte, apesar da aparente divergência em relação ao futuro reservado à
Biotecnologia, são unânimes os cientistas, técnicos e doutrinadores, quanto ao
estabelecimento de limites éticos, jurídicos e de outras ordens, para que haja a geração de
benefícios para a humanidade.
Neste sentido, o art. 218 da Constituição expressamente dispõe, em seu parágrafo
1º: “A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o
bem público e o progresso das ciências” (BRASIL, 1988).

3 ÉTICA: VERTENTES PREDOMINANTES

139
Em atenção ao foco pretendido no texto, uma breve reflexão sobre a Ética –
entendida como “teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade” - é
necessária, na medida em que oferece caminhos que devem ser trilhados pelos novos saberes
que compõem as denominadas ciências da vida (VASQUEZ, 1988, p.12).
Os argumentos contrários às intervenções éticas no emprego das descobertas
biotecnológicas parecem com o tempo se arrefecer. Há expectativas da comunidade científica
de que sejam estabelecidos limites éticos, desde que não comprometam as conquistas obtidas
e nem privem a humanidade dos benefícios delas decorrentes, lembrando que:

Em particular, cresce a suspeita acerca da incapacidade dos humanos em controlar


seus efeitos daninhos, que seriam cumulativos, irreversíveis, de longo alcance em
escala planetária. Neste caso, utiliza-se o assim chamado argumento do possível
deslize (slippery slope argument), segundo o qual deveríamos renunciar a fazer
algo mesmo que isso fosse, em determinadas circunstâncias, positivo, porque seria o
primeiro passo rumo a um possível dano futuro. (SCHRAMM, 1998, p.218)

As ameaças, riscos e possíveis danos levam, sem dúvida, ao temor às inovações,


mas, de outro lado, é prudente lembrar que as mudanças sociais conduzem, de outro tanto, a
rupturas de ordem ética. Tal fato se revela não só pelos novos padrões de moralidade, mas
pelo surgimento de doutrinas éticas, que refletem as circunstâncias de cada época.
Ao construir breve traçado histórico da evolução da Ética, considerando distintas
formas de sua compreensão, Sanchez Vásquez demonstra que em Sócrates a Ética se
apresenta “racionalista”, a partir de uma concepção de que ao vencer a ignorância, pelo
conhecimento, o Homem se liberta do erro e se torna feliz. Em Platão, a Política e a Ética se
entrelaçam, visto que ao se submeter ao Estado o indivíduo se realiza eticamente, ou no dizer
do precitado filósofo:

encontramos na ética de Platão a estreita unidade da moral e da política, dado que,


para ele, o homem se forma espiritualmente somente no Estado e mediante a
subordinação do indivíduo à comunidade. (VASQUEZ, 1988, p.232)

Quanto à Ética Cristã Medieval pode ser pensada do ponto de vista religioso e
filosófico, embora haja a submissão da Filosofia à Teologia à qual, também, se subordina a
Ética:

Assim, no âmbito da Filosofia Cristã da Idade Média, verifica-se também uma ética
limitada pela sua índole religiosa e dogmática. Nesta elaboração conceitual dos
problemas filosóficos em geral, e morais em particular, aproveita-se a herança da
Antiguidade e particularmente de Platão e Aristóteles, submetendo-os
respectivamente a um processo de cristianização. Este processo transparece
especialmente na ética de Santo Agostinho (354-430) e de Santo Tomás de Aquino
(1226-1274). (VASQUEZ, 1988, p.239)

140
A Ética Moderna (XVI – XIX) possui marcada tendência antropocêntrica,
atingindo o seu apogeu com Kant (1724-1804), mudando-se, então, o foco das reflexões
filosóficas de Deus (medievalista, teocêntrica e teleológica) para o Homem (racional, livre e
“legislador de si mesmo”). Como ser dotado de autonomia, jamais poderá o Homem ser
tomado como meio, o que “parece a Kant profundamente imoral, porque todos os homens são
fins em si mesmos e, como tais – isto é, como pessoas morais –, formam parte do mundo da
liberdade ou do reino dos fins” (VASQUEZ, 1988, p.243).
Quanto à Ética Contemporânea (XX-XXI) se dá com base em um acentuado
repúdio a toda sorte de formalismo, racionalismo, universalismo abstrato, se voltando para
uma concepção mais empírica de Homem (indivíduo, homem social, subjetivado, livre,
histórico, concreto, econômico, político), quer dizer, contextualizado, vívido e atuante;
partícipe de seu tempo e espaço.
Este novo modelo “concreto” de Homem se substitui a cada dia pela envolvente
ideia de PESSOA, que traduz uma linguagem moral mais social, ao mesmo tempo mais
inclusiva.
Ao se despojar do individualismo cego, exacerbado, para se aproximar da
solidariedade, a Ética Contemporânea procura realçar as relações interpessoais e
transpessoais, na medida em que busca valorizar “todos” e a “cada um” em particular.
Neste sentido, a Constituição da República de 1988 é farta em disposições, como
o art. 3º, I a IV; art. 4º, III e IX; art. 5º (caput); art. 6º; art. 170; art. 225; onde se destacam
expressões que traduzem anseios de solidariedade, dignidade, valores, promoção do bem de
todos, afastamento de preconceitos, cooperação entre os povos, isonomia perante a lei, justiça
social, assistência aos desamparados, proteção à maternidade, à infância etc.
A pessoa adquire nos idos de 1980, mais e mais importância conceitual, face às
descobertas biotecnológicas, na qualidade de “sujeito” dos processos de investigação,
tratamento e cura de enfermidades. Igualmente, a Constituição dá à dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III), no Brasil, transcendência evidente quando a inclui dentre os
fundamentos do Estado Democrático de Direito, como um de seus postulados.
No inevitável diálogo que se trava entre as ciências da vida, a Bioética e o
Biodireito, alguns impasses se apresentam, os quais somente podem ser transpostos pelo
socorro aos princípios fundamentais, gerais e especiais presentes no ordenamento jurídico de
cada país, além das Declarações Internacionais.
A propósito daquilo que considera “a descaracterização do embrião como
plenamente humano”, Sanches (2004) condena a utilização de embriões em pesquisa no
141
Brasil, traduzindo a sua indignação com os tortuosos caminhos que a Bioética poderá seguir,
afirmando que:

Onde há um indivíduo humano há vida humana. A ética não pode se tornar sistema
ideológico que atribui dignidade a quem é conveniente e nega a dignidade a quem
não interessa ao sistema dominante. Uma boa ética exige imparcialidade e
coerência: ou atribuímos, em princípio, a mesma dignidade a cada membro da
espécie humana ou corremos o risco de nos submeter a interesses circunstanciais e
passamos a atribuir dignidade apenas aos que nos são convenientes. (SANCHES,
2004, p. 10)

Em que pese a análise se destinar, especificamente no texto precitado, ao


comentário sobre a condição do embrião humano face aos ditames da Bioética, os princípios
nela apresentados se aplicam à diversidade de situações em que possa a dignidade da pessoa
ser ameaçada ou mesmo agredida pelas práticas em biociências.

3.1 DIALOGANDO COM O DIREITO: A INTERMEDIAÇÃO DA BIOÉTICA

O diálogo da Biotecnologia com o Direito se torna possível face à intermediação


da Bioética.
Como assinala Luiz Salvador de Miranda Sá Júnior, médico com vasta
experiência nas práticas cotidianas do fazer clínico, os limites éticos às indagações das
biociências não se resumem, apenas, às problemáticas da vida humana, mas alcançam outras
áreas para além das contingências meramente individuais:

a Bioética é um espaço de reflexão sobre a eticidade das condutas relacionadas com


os problemas da vida e da morte, das pessoas, das espécies, do planeta e do universo.
(AMARAL, 2011, p.20-1)

Ao abordar as relações entre Bioética e Direito, Maria Casado destaca que se


torna difícil encontrar soluções unívocas em sociedades plurais, sem se afetar de algum modo
a liberdade das pessoas; mas se pode tomar como referência à conciliação os direitos humanos
reconhecidos nos instrumentos internacionais:

Em todos estes campos se colocam frequentemente dilemas de difícil solução


homogênea em sociedades plurais e se apresenta de pronto a necessidade de
encontrar respostas calcadas no respeito e na promoção dos direitos humanos
reconhecidos nos documentos internacionais (tradução livre). (CASADO, 2011,
p.18)

Prossegue Casado, tentando construir um diálogo entre o Biodireito, a Bioética e


as ciências da vida, dizendo que, apesar do Direito representar “um fator de racionalização e

142
certeza e exercer uma função de legitimação e controle”, nem as convenções internacionais,
nem as leis internas de cada país conseguem responder aos inúmeros questionamentos que se
levantam diante dos avanços das tecnociências (CASADO, 2011, p.21).
É prudente lembrar, por outro lado, que se pode extrair das diferentes intervenções
doutrinárias, que procuram aproximar Biodireito e Bioética que, sempre, se encontram
subjacentes a necessidade de conciliação entre os fatos, os novos valores da pós-modernidade
e os avanços da Ciência:

A Bioética e o Direito se retroalimentam, já que assim como a primeira requer o


segundo, este deve evoluir em função das conclusões e consensos conseguidos
mediante o diálogo social e a análise bioética. Na realidade, fatos, valores e normas
interagem entre si, se requerem e complementam, como colocaram à evidência os
tridimensionalistas (tradução livre). (CASADO, 2011, p.21)

A Biotecnologia, como uma nova particularização de distintas técnicas às ciências


da vida, possui complexos desafios, cujo enfrentamento ainda está longe de ser delineado.
No entanto, à guisa de proposta inicial podem ser elencadas as seguintes
inquietantes questões: a) identificação e utilização de informações genéticas a partir da análise
do DNA de seres humanos; b) utilização e descarte de embriões humanos excedentários; c)
pesquisas com o DNA recombinante de animais e vegetais; d) acesso universal e igualitário às
conquistas biotecnológicas em saúde, sobretudo de natureza farmacológica; e) transplante de
órgãos extraídos de anencéfalos; f) aborto eletivo, em razão da autonomia da gestante; g)
exames clínicos para a identificação de doenças genéticas e confiabilidade do sigilo; h)
doenças infecto-contagiosas e segredo médico; i) automutilação; j) eutanásia, suicídio,
inseminação artificial.
Considerando os impactos causados pelas novas descobertas e possibilidades de
emprego da Biotecnologia, instalou-se um “vazio normativo”, que o Biodireito é chamado,
com urgência, a preencher.
Experimentos nazistas, que justificaram a proclamação do Código de Nuremberg,
em 1947, ainda aterrorizam a sociedade pós-moderna, atormentada com a repetição de
práticas desumanas, cruéis e inaceitáveis, que se não forem atentamente “monitoradas”
poderão retornar.
Os antigos padrões éticos, que se desenvolveram ao longo dos lentos avanços da
Biotecnologia, já examinados no texto, não correspondem mais aos reclamos da conturbada
época em que se vive.
As questões éticas da atualidade suscitam dilemas de consciência que se
defrontam de um lado com o inevitável avanço das biociências e, de outro, com a necessidade
143
de freios éticos, que permitam um mínimo de respeito e confiabilidade recíprocas. Ciência e
Ética se posicionando em prol da humanização dos procedimentos técnicos em evolução,
priorizando a preservação, a dignidade da vida, em todas as suas manifestações: é o mínimo
que se pode esperar!
Analisando a objeção de consciência e os seus paradoxos na modernidade,
enfatiza Sanches (2004) que:

a objeção de consciência é direito da pessoa e salvaguarda princípios morais


inalienáveis: o respeito à autonomia plena e consciente da pessoa e a sua liberdade.
Essa valorização da objeção de consciência não pode esconder, nem se fundamentar
em caprichos pessoais, subjetivismos, nem intransigente obstinação. Por isso ela
precisa ser temperada pela apresentação dos valores em questão, explicitação dos
motivos pessoais e criativa abertura ao diálogo. Ou seja, ela não pode se dar a partir
de expressões “eu acho que”, “é a minha opinião” ou “não quero saber o que os
outros pensam”. (SANCHES, 2004, p. 2)

Se por uma lado se apregoa a autonomia, a liberdade dos indivíduos, na condição


de cientistas, pacientes ou mesmo sujeitos de pesquisa; por outro se impõem normas
restritivas, de parte a parte, em defesa da vida: este é o espaço de diálogo entre Direito, Ética e
Biotecnologia:

Os antecedentes normativos do Biodireito, mais éticos do que jurídicos,


representaram somente a primeira resposta para que pudesse ser preenchido o vazio
normativo, ocasionado pela incapacidade da ordem jurídica vigente de lidar com as
novas descobertas e suas aplicações, consideradas como ameaças, quando não reais,
imaginadas, para a sobrevivência da humanidade. (BARRETO, 2001, p.403)

3.2 CAMINHOS CONSTITUCIONAIS EM PROL DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA

3.2.1 Antecedentes

Com o advento da modernidade (XVII-XVIII), um novo modelo de conhecimento


científico se desenhou focado no rigor do método e na neutralidade axiológica do cientista.
Propunha-se, à época, que os caminhos do saber científico deveriam ser pautados pelo
necessário distanciamento da religião (Teologia) e aproximação da razão laica, universal
(Filosofia cartesiana), com o consequente abandono de fundamentações deístas (Idade Média)
ou mitológicas (Idade Antiga), no trato das questões da ciência.
As influências posteriores sobre a evolução do conhecimento humano se fizeram
sentir, à evidência, com a consagração, apenas, dos saberes voltados ao estudo da Natureza,
como a Física; da Matemática, da Biologia, da Química entre outros, como únicas áreas
144
reconhecidamente científicas.
Mais tarde, com o positivismo, Augusto Comte (1798-1857) enfatizou o caráter
empírico das relações entre fatos, na elaboração das “leis científicas”, de modo a afastar das
conclusões, postulados, dados obtidos pelos cientistas, influências de ordem especulativa
(metafísica).
Como assinala Coelho (2011), o termo “positivismo” possui tantos significados,
que se tornou, hoje, equívoco o seu uso:

Essa expressão – positivismo – tem sentidos diferentes na filosofia em geral e na


filosofia jurídica, além de expressar ambiguidades em cada uma dessas áreas.
Inicialmente, foi utilizada na identificação de uma vertente filosófica, representada
em especial por Comte, segundo o qual o conhecimento científico seria a mais
evoluída manifestação do espírito humano, suplantando a metafísica e a religião.
(COELHO, 2011, p.17)

Com os desmandos da política internacional, que repercutiram na eclosão de


duas grandes Guerras Mundiais (1914-1945), e com os reflexos das práticas rotuladas de
científicas (experimentos nazistas), procurou-se redirecionar o foco empirista das ciências
para uma tendência mais humanista e de respeito à dignidade da pessoa.
Neste contexto, os novos saberes inclinaram-se para uma visão histórico-
cultural, de compreensão do Homem, suas circunstâncias e aspirações. Também, no trato das
ciências tradicionalmente neutras, cujo recorte epistemológico exigia distanciamento dos
aspectos metafísicos, as influências se fizeram sentir no sentido de aproximações que
passaram a ser feitas com a Ética e, em particular, com a Bioética (1971, Porter: Bioethics: a
bridge to the future e, mais tarde, com Beauchamp e Childress (1979), concebeu-se uma
percepção principialista, com a obra The Principles of Biomedical Ethics).

3.2.2 A Constituição de 1988

A vigente Constituição da República Federativa do Brasil, em seu pórtico, assim


entendido o Preâmbulo, apregoa que a liberdade, a segurança, o desenvolvimento e o bem-
estar, dentre outros valores supremos, representam os alicerces de uma sociedade que
pretende ser “pluralista” e sem “preconceitos” (BRASIL, 1988). Como consectário lógico da
proposta preambular, que traduz os anseios dos constituintes de 1988, a consecução do bem
comum passa, necessariamente, na implementação de políticas econômicas, sociais,
ambientais, educacionais, que promovam a saúde (art. 196); a educação (art. 205), a cultura
(art. 215), a ciência e tecnologia (art. 218) e assim em diante.

145
Destarte, quando o art. 218 da Lei Maior, prevê o tratamento prioritário à pesquisa
científica básica “[...] tendo em vista o bem público e o progresso das ciências” (parágrafo
primeiro), consubstancia os objetivos do art. 3º, I a IV da Carta da República.
Quanto à pesquisa tecnológica, por outro tanto, direciona o texto constitucional
“preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do
sistema produtivo nacional e regional” (parágrafo segundo) (BRASIL, 1988).
Propõe, ainda, o precitado artigo da Carta Regente de 1988, que a formação de
recursos humanos e a educação para a ciência, pesquisa e tecnologia, requerem “meios e
condições especiais de trabalho” (parágrafo terceiro) (BRASIL, 1988).
A copiosa legislação infraconstitucional, além de viabilizar o texto da Lei Maior,
prevê, minuciosamente, as distintas áreas de promoção e incentivo ao desenvolvimento
científico e tecnológico do País; a exemplo, das seguintes:
a) Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico: Decreto-lei n. 719, de 31 de
julho de 1969, restabelecido pela Lei n. 8.172, de 18 de janeiro de 1991;
b) Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia: Lei n. 9.257, de 9 de janeiro de 1996;
c) Programa de Estímulo à Interação Universidade – Empresa para Apoio à Inovação: Lei n.
10.168, de 29 de dezembro de 2000, regulamentada pelo Decreto n. 4.195, de 11 de abril de
2002;
d) Lei n. 10.332, de 19 de dezembro de 2001, institui mecanismo de financiamento para o
Programa de Ciência e Tecnologia para o Agronegócio; para o Programa de Fomento à
Pesquisa em Saúde; para o Programa de Biotecnologia e Recursos Genéticos – Genoma; para
o Programa de Ciência e Tecnologia para o Setor Aeronáutico e para o Programa de Inovação
para Competitividade. Regulamentos: Decreto n. 4.143, de 25 de fevereiro de 2002; Decreto
n. 4.154, de 7 de março de 2002; Decreto n. 4.157, de 12 de março de 2002 e Decreto n.
4.195, de 11 de abril de 2002;
e) Lei n. 10.973, de 2 de dezembro de 2004, que estabelece medidas de incentivo à inovação e
à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação e ao
alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento industrial do País, nos termos dos
arts. 218 e 219 da Constituição em vigor. Regulamento: Decreto n. 5.563, de 11 de outubro de
2005 (BRASIL, 2005).
Acresce lembrar: de significativa importância são a Resolução 196/96, do
Conselho Nacional de Saúde (BRASIL/CNS, 1996) e a denominada Lei de Biossegurança
(Lei n. 11.105, de 24 de março de 2005), no que tange à experimentação em seres humanos,
como sujeitos de pesquisa e outras questões melindrosas como o descarte e uso de embriões
146
humanos, ou mesmo intervenções genéticas em plantas e animais (BRASIL, 2005).

4 CONCLUSÃO

No enfrentamento de questões relevantes de ordem científica, e suas inevitáveis


repercussões éticas, são constantes as propostas epistemológicas que esbarram em
fundamentos jurídicos.
Por outro lado, considerando a impossibilidade de previsão legislativa que
contemple todas as possibilidades fáticas delas decorrentes, os sistemas jurídicos têm optado
pela fixação de princípios, cuja adequação depende mais da oportunidade (circunstâncias do
momento) e da conveniência (interesses em conflito), que o decididor apreciará com base na
equidade.
O poder discricionário concedido à autoridade pela Lei, nos limites de sua
competência, supre as eventuais lacunas normativas que se apresentem no caso concreto.
Assim, apesar dos preceitos legais procurarem contemplar as facetas diárias das atividades
científicas, os Comitês e Comissões de Ética podem, em cada caso, decidir o que é oportuno e
conveniente.
A Biotecnologia, apesar de parecer ofertar grande parte dos conflitos éticos, ainda
se encontra em fase inicial diante das problemáticas que recentes descobertas científicas e
suas aplicações acarretarão à sociedade em futuro próximo.
Refletindo-se sobre o sucesso alcançado pelos programas de estímulo, fomento,
desenvolvimento existentes no País, em matéria de Ciência e Tecnologia, nota-se que algumas
áreas (exatas) são mais aquinhoadas financeiramente do que outras (humanas).
A liberdade de escolha (autonomia do paciente) quanto aos procedimentos
clínicos, cirúrgicos e de terminalidade apresenta-se como um campo fértil às questões éticas,
devido à crescente exigência de estrito respeito à dignidade da pessoa, à solidariedade e à
promoção do bem de todos, “sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação (art. 2º, II e art. 3º, III da Constituição)”.

REFERÊNCIAS

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Consulex, Ano V, n. 113 – 30 de setembro de 2011, p. 20-21.

147
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fundamentais/ Celso de Albuquerque Mello [et al]. Org: Ricardo Lobo Torres. 2 ed. Rio de
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www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004.../2005/decreto/d5563.htm

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1988. Disponível em www.planalto.gov.br

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Bioética. vol. 19, nº 1-2011. Brasília, Conselho Federal de Medicina, 2011, p. 18: En todos
esos campos se plan tean frecuentemente dilemas de difícil solución homogénea em
sociedades plurales y se pone de manifesto la necessidade de encontrar respuestas
enmarcadas em el respeto y la promoción de los derechos humanos reconocidos em los
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148
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VÁSQUEZ, A. S. Ética. Trad. de João Dell’Anna – 18 ed. Rio de Janeiro: Ed. Civilização
Brasileira, 1988, p. 12.

149
A TUTELA JURÍDICA DA ÁGUA NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

Jacqueline Elisa Delong de Souza 63

INTRODUÇÃO

A água é de grande relevância, o que é facilmente compreendido apenas pela


observação de suas várias utilidades na vida humana. Entre elas está a doméstica, que se não
for a mais importante, é uma das mais relevantes; pois a água está presente na higiene pessoal;
na limpeza da casa, utensílios, vestimentas e mantimentos; além de ser indispensável na hora
de preparar os alimentos. Por conseguinte, se encontra com grande emprego em meios
industriais; na geração de energia – como no caso das hidrelétricas; da agricultura, pecuária e
aquicultura; podendo ser aproveitada, ainda, como combustível em automóveis, bem como
servir de alimento e meio de manutenção da saúde.
É pelo fato do homem ser tão dependente da água que deve se preocupar em zelar
por este bem. A água está presente em exatamente tudo que é vivo; uma planta não vive sem
água, pelo simples fato de tal substância ser essencial à realização da fotossíntese, meio pelo
qual os vegetais se alimentam; nenhum animal vivo sobrevive sem a água. O ser humano nem
ao menos conseguiria respirar se não fosse por tal substância.
Porém, passa-se hoje por uma escassez generalizada de água doce, e
principalmente em relação à água potável. Segundo dados do IBGE aproximadamente 90%
dos domicílios brasileiros são beneficiados com água, entretanto, apenas 34% dessa água
atinge, pelo menos, o mínimo de qualidade. Porcentagens muito aquém do razoável.
Apesar dos baixos índices mundiais em relação a recursos hídricos adequados ao
consumo humano, o Brasil é privilegiado, tendo em vista a extensão de seu território. Porém,
a população continua em constante crescimento, e a disponibilidade de água permanece, se
muito, estável. É por esta razão e pelo fato de a água estar se tornando um recurso cada vez
mais limitado que precisa ser urgentemente protegido.
Sendo assim, restou evidenciada a importância do tema a ser abordado e objetiva-
se demonstrar a evolução do uso da água desde os romanos até à Constituição Federal de
1988.

63
Graduada em Direito pelo Centro Universitário UNICURITIBA. Membro do grupo Jus VITAE – Pesquisa em
Biodireito e Bioética, orientada pela Prof. MSc. Maria da Glória Lins da Silva Colucci.
150
1. BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ÁGUA NO DIREITO BRASILEIRO

1.1 ANTECEDENTES NAS CONSTITUIÇÕES

A atual regulamentação da água no Direito Brasileiro foi antecedida por diversos


diplomas legais, além dos preceitos constitucionais que serão analisados, devido à constatação
de que a necessidade da utilização da água é uma constante desde que o homem existe. “A
condução de águas desde as fontes até os lugares em que são utilizadas tem sido uma das
constantes necessidades na história dos núcleos populacionais” (BARSA, 1997).
Para tal fim é que “desde a mais remota antiguidade se tem notícias de edificações
destinadas à condução de águas” (BARSA, 1997): os aquedutos.
Aqueduto é um sistema de canalização que serve para conduzir água da fonte até
o local de utilização, “podendo ser subterrâneo ou a céu aberto” (BARSA, 1997), sendo os
construídos a céu aberto, suportados por pilastras ou arcos.
A civilização romana foi a que mais se destacou em relação à estrutura
arquitetônica dos aquedutos:

As obras de condução de água que alcançaram maiores dimensões e importância


arquitetônica foram as realizadas pelos romanos. A capital do império dispunha de
um sistema de canalizações de que faziam parte até 11 aquedutos, que permitiam o
transporte de água a distâncias superiores a noventa quilômetros. (BARSA, 1997)

No Brasil, também, se tem notícias da utilização destes aquedutos: “no Rio de


Janeiro ergueu-se, entre 1744 e 1750, o aqueduto dos Arcos, que trazia água da Serra da
Tereza para o morro do Santo Antonio, arrasado em meados do século XX para reurbanização
do centro da cidade (BARSA, 1997).
Os aquedutos que seguiam a cartilha de princípios fixados pelos romanos foram
utilizados, praticamente, até o século XIX. “A partir de então, abriu-se caminho para a
instalação de bombas elevatórias, que constituem a base das redes de abastecimento de águas
das cidades” (BARSA, 1997).
Igualmente, é de se observar que aquedutos são utilizados até hoje para o
abastecimento de zonas secas e na cultura de irrigação, porém, muito mais modernos do que
aqueles utilizados pelos romanos; sua estrutura foi inteiramente modificada sendo-lhes
integradas tubulações maiores que aço, de alta resistência e que suportam elevadas pressões.
Em praticamente tudo que o homem faz a água está presente, porém isto não
significa que possa desfrutar desse bem natural sem nenhum cuidado, o que seria irracional,

151
visto sua tamanha importância. É por tal razão que o tema encontra-se regulado nas
Constituições e Leis Brasileiras desde a época imperial.

1.2 CONSTITUIÇÕES DE 1824, 1891, 1934 E 1937

A primeira Constituição Brasileira foi outorgada em 25 de março de 1824 e teve


vigência até o ano de 1891, tal Constituição foi omissa em relação à disciplina da água.
Entretanto, a Lei de 1º de outubro de 1828 atribuiu autoridade a determinados
órgãos públicos para deliberarem sobre o tema.
Foi atribuída às Câmaras Municipais competência legislativa sobre as águas;
quanto aos vereadores sua alçada correspondia em tratar dos assuntos sobre aquedutos,
chafarizes, poços, tanques, esgotamento de pântanos e qualquer estagnação de águas
infectadas.
Em 1834, e ainda no período imperial, a Lei nº 16 de 12 de agosto, estipulou
competência às “Assembléias Legislativas provinciais para legislar sobre obras públicas,
estradas e navegação no interior de seus respectivos territórios, o que, evidentemente, tinha
reflexos claros sobre a política adotada” (ANTUNES, 2010).
Posteriormente a Lei nº 16, a questão sobre a água foi abordada novamente apenas
57 anos depois, na Constituição de 1891, sendo tal data já correspondente ao período
republicano.
Apesar de a Carta Magna ter sido omissa em relação ao assunto, por limitar-se a
“definir a competência federal para legislar sobre Direito Civil” (ANTUNES, 2010), foi no
próprio Direito Civil, mais precisamente no Código Civil de 1916, que se previu a atribulação
de legislar sobre águas. É possível vislumbrar no regime de propriedades, em que está o
Código Civil, a relação com a água.
No Código de 1916 encontra-se um vasto rol de artigos relacionados ao tema, e já
é possível ser observada a preocupação existente com a poluição da água, como o exemplo do
artigo 584: “são proibidas construções capazes de poluir, ou inutilizar para o uso ordinário, a
água de poço ou fonte alheia, a elas preexistente” (BRASIL, 1916).
A Constituição de 1934 foi a primeira a abordar o assunto sobre a água de maneira
abrangente e clara.
Nesta Lei a água foi diretamente relacionada com a geração de riquezas
econômicas e desenvolvimento, e especialmente como fonte de energia elétrica. No artigo 5º
desta Constituição estava explicitada a competência legislativa e seus referentes assuntos.
152
Cabia de forma privativa à União a prerrogativa de legislar sobre bens de seu
domínio, ou seja, de domínio federal. Também lhe cabia legislar sobre todas as riquezas
relativas ao subsolo; mineração; assuntos relacionados à metalurgia; com a água, bem como
fonte de energia proveniente da mesma; não deixando para trás a competência no que tange ao
assunto sobre florestas, caça, pesca e sua exportação (BRASIL, 1934, Art. 584) 64.
Ocupava-se, no artigo 20, da discriminação dos bens do domínio da União, dentre
os quais foram incluídos “os lagos e quaisquer correntes em terrenos de seu domínio”
(BRASIL, 1934) 65. Também, se os referidos lagos e terrenos banhassem mais de um Estado
ou servissem de limites com outros países ou então se estendessem a território estrangeiro,
seriam incluídos dentre aqueles de domínio da União.
No artigo 118 da mesma Lei era possível vislumbrar uma das regras para a
exploração do bem natural em questão. As minas e todas as riquezas provenientes do subsolo,
além das quedas de águas eram consideradas, para os efeitos de exploração e/ou
aproveitamento industrial, como propriedade distinta do solo (BRASIL, 1934).
Dedicou-se o artigo 119 à regulamentação da utilização da água no meio
industrial, bem como da energia hidráulica que, “ainda que de propriedade privada, depende
de autorização ou concessão federal, na forma da lei” (BRASIL, 1934, Art.119).
O aproveitamento dessa energia hidráulica se fosse para uso exclusivo do
proprietário independeria de autorização ou concessão por parte do Poder Público.
Para melhorar a regulamentação das quedas d águas e demais fontes de energia
hidráulica, fazia-se necessária a nacionalização de tais bens, porém esta nacionalização era
realizada apenas àquelas que fossem “julgadas básicas ou essenciais à defesa econômica ou
militar do país” (BRASIL, 1934, Art.119).
Por fim, a referida Carta, regulamentava que a autorização ou concessão não
seriam necessárias nos casos em que o aproveitamento dessas quedas d água já fossem
utilizadas industrialmente na época da Constituição de 1934.
Passados apenas 3 (três) anos entrou em vigor uma nova Constituição no Brasil, a
Constituição de 1937, que se referia à água em seu artigo 16 quanto à competência para
legislar.

64
artº 5º, XIX, alínea j: “Art 5º Competente privativamente à União: [...] XIX – Legislar sobre: [...] j – bens do
domínio federal, riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia, hidrelétricas, florestas, caça e pesca
e sua exploração.”
65
art. 20: “ Art. 20. São domínio da União: [...] II – os lagos e quaisquer correntes em terrenos de seu domínio,
ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países ou se estendam a território estrangeiro.”

153
Cabia à União legislar sobre todos os bens que fossem de domínio federal, deveria
preocupar-se também com os assuntos que tivessem ligação com as minas, a metalurgia, com
a água, e sua referente energia hidráulica, além da caça e da pesca e suas respectivas formas
de exploração (BRASIL, 1937). 66
E no artigo 143 o assunto abordado era o do aproveitamento industrial, assim
como no artigo 119 da Constituição anterior, a de 1934.
Na Carta Magna de 1937, as “minas e demais riquezas do subsolo, bem como as
quedas d’água” (BRASIL, 1937, Art.143) permaneciam sendo consideradas distintas da
propriedade do solo no que concerne aos efeitos tanto para a sua exploração quanto para o
aproveitamento industrial.
O que mudou foi a segunda parte do artigo, neste, mesmo que o aproveitamento,
“das minas e das jazidas minerais, das águas e energia hidráulica” (BRASIL, 1937,
Art.143) 67, fosse para a propriedade privada, ainda assim dependia da autorização a ser
concedida pelo Poder Público (BRASIL, 1937, Art.143).

1.3 INOVAÇÕES NA CONSTITUIÇÃO DE 1946

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil foi promulgada em 18 de setembro


de 1946, e com ela vieram novos entendimentos em relação ao assunto sobre a água. Apesar
de manter em seu artigo 5º, XV, alínea I, a competência da União para legislar sobre assuntos
referentes à água e a energia elétrica, às florestas, a caça e a pesca, além das riquezas inerentes
ao subsolo e à mineração, esta responsabilidade deixa de ser privativa daquele ente federativo
(BRASIL, 1946) 68.
Dessa maneira, não sendo mais competência privativa da União legislar sobre o
assunto, os Estados passaram a poder legislar supletiva e complementarmente sobre “as

66
“ Art. 16 – Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes matérias: [...]
XIV – os bens do domínio federal, minas, metalurgia, energia hidráulica, águas, florestas, caça e pesca e sua
exploração. [...]”
67
“Art.143 – As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d´água constituem propriedade
distinta da propriedade do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial. O aproveitamento
industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada,
depende de autorização federal. [...]”
68
BRASIL. Constituição (1946). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
5º, XV, alínea I: “Art. 5º – Compete a União: [...]XV – Legislar sobre: [...]
I – riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia elétrica, floresta, caça e pesca. [...]”

154
matérias do artigo 5º, inciso XV, letras b, e, d, f, h, j, l e r” 69, entre tais assuntos, se encontra
justamente o da alínea “l”, comentado anteriormente, o qual, entre outros temas, refere-se ao
da água e da energia elétrica.
No Art. 5º, XV:
“Art. 5º – Compete à União: [...] XV – Legislar sobre:
a) direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, aeronáutico e do trabalho;
b) normas gerais de direito financeiro; de seguro e previdência social; de defesa e
proteção da saúde; e de regime penitenciário;
c) produção e consumo;
d) diretrizes e bases da educação nacional;
e) registros públicos e juntas comerciais;
f) organização, instrução, justiça e garantias das policias militares e condições gerais
da sua utilização pelo Governo federal nos casos de mobilização ou de guerra;
g) desapropriação;
h) requisições civis e militares em tempo de guerra;
i) regime dos portos e da navegação de cabotagem;
j) tráfego interestadual;
k) comércio exterior e interestadual; instituições de crédito, câmbio e transferência
de valores para fora do País;
l) riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia elétrica, floresta, caça
e pesca;
m) sistema monetário e de medidas; título e garantia dos metais;
n) naturalização, entrada, extradição e expulsão de estrangeiros;
o) emigração e imigração;
p) condições de capacidade para o exercício das profissões técnico-científicas e
liberais;
q) uso dos símbolos nacionais;
r) incorporação dos silvícolas à comunhão nacional. (BRASIL, 1946)

No artigo 34 (BRASIL, 1946) 70 da mesma Lei, encontravam-se os bens que foram


incluídos como bens da União. A redação é praticamente igual à do artigo 20 da Constituição
de 1934. Fazem parte dos bens referentes à União: os lagos e também qualquer córrego de
água, devendo estes estarem em terras de seu domínio e/ou que banhem, simultaneamente,
mais de um Estado, podendo servir como limite a outro país ou ainda que “se estendam a
território estrangeiro” e acrescentando ainda as “ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes
com outros países.” (BRASIL, 1946, art.34 e 34, I).
Seguindo ainda a Lei Maior de 1946, o seu artigo 152 referia-se ao
aproveitamento industrial. Sua redação era idêntica à primeira parte do artigo134 da
Constituição de 1934.

69
art. 6º: “Art. 6º – A competência federal para legislar sobre as matérias do art. 5º, nº XV, letras b, e, d, f, h, j,
l, o e r, não exclui a legislação estadual supletiva ou complementar.”
70
art. 34, I: “Art. 34 – incluem-se entre os bens da União:
I – os lagos e quaisquer correntes de água em terrenos do seu domínio ou que banhem mais de um Estado,
sirvam de limite com outros países ou se estendam a território estrangeiro, e bem assim as ilhas fluviais e
lacustres nas zonas limítrofes com outros países. [...] (grifo nosso)”.
155
Havia também na referida Lei, a determinação de como seria concedida a
autorização de concessão em relação ao aproveitamento dos recursos minerais e da tecnologia
hidráulica, como matéria sobre a qual dispunha o artigo 153. O aproveitamento em relação
aos recursos minerais e de suas respectivas energias hidráulicas dependiam, como já
mencionado, de autorização para poder ser realizado (BRASIL, 1946) 71.
Esta autorização ou concessão cabia, de forma exclusiva, aos brasileiros ou às
sociedades organizadas do País. No que dizia respeito aos direitos do proprietário do solo, em
relação às minas e jazidas, dependiam de análise da natureza de cada uma delas.
No Art. 153 da Constituição de 1946 se observam no art. 153, §1º:

As autorizações ou concessões serão conferidas exclusivamente a brasileiros ou a


sociedades organizadas no País, assegurada ao proprietário do solo preferência para
exploração. Os direitos de preferência do proprietário do solo, quanto às minas e
jazidas, serão regulados de acordo com a natureza delas.

As autorizações e concessões não seriam necessárias caso a utilização de energia


hidráulica fosse de potencial reduzido (BRASIL, 1946). 72 Para que os Estados pudessem
usufruir do constante no artigo, eram exigidos destes entes que possuíssem serviços técnicos e
administrativos necessários (BRASIL, 1946). 73
Por fim, a União auxiliaria os Estados, no que fosse preciso, no que dizia respeito
a estudos relacionados “às águas termominerais e de aplicação medicinal e no aparelhamento
das estâncias destinadas ao uso delas” (BRASIL, 1946). 74

1.4 CONSTITUIÇÃO DE 1967 E 1969

Abordando o tema nas Constituições de 1967 e 1969 é possível comentar as duas


ao mesmo tempo, visto que ao ter breve contato com cada uma delas é crível observar que são
nitidamente parecidas, com relação ao sujeito, ou seja, ao particular (ANTUNES, 2010).

Permanece entre os bens da União, a redação similar à do artigo 34 da


Constituição precedente, e, como já visto anteriormente, fazem parte dos bens referentes à

71
art. 153, caput: “Art.153 – O aproveitamento de recursos minerais e de energia hidráulica depende de
autorização ou concessão federal na forma da lei.”
72
art. 153, § 2º: “§ 2º – Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento de energia hidráulica de
potência reduzida.”
73
art. 153, § 3º: “§ 3º – Satisfeitas as condições exigidas pela lei, entre as quais a de possuírem os necessários
serviços técnicos e administrativos, os estados passarão a exercer nos seus territórios a atribuição constante deste
artigo.”
74
art. 153, § 4º: “§ 4º – A União, em casos de interesse geral indicados em lei, auxiliará os Estados nos estudos
referentes às águas termominerais de aplicação medicinal e no aparelhamento de estâncias destinadas ao uso
delas.”
156
União: os lagos e também qualquer córrego de água, devendo estes estarem em terras de seu
domínio e/ou que banhem, simultaneamente, mais de um Estado, podendo servir como limite
com outro país ou que “se estendam a território estrangeiro” (BRASIL, 1967). 75; e ainda “ as
ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países” (BRASIL, 1967, art. 4º, II).
O grande diferencial é o acréscimo das ilhas oceânicas aos respectivos bens da União.
Dentre os bens dos Estados, incluíram-se também os lagos e rios, porém estes
devem estar em terrenos de seu domínio ou que tenham nascentes ou foz no seu respectivo
território, bem como as ilhas fluviais e lacustres, que não forem de propriedade da União.
Na Constituição de 1967 e 1969, art. 5º:

Art.5º – Incluem-se entre os bens dos Estados os lagos e rios em terrenos de seu
domínio e os que têm nascente em foz no território estadual, as ilhas fluviais e
lacustres e as terras devolutas não compreendidas no artigo anterior.

Em se tratando das competências legislativas em arrolamento ao assunto da água,


a federal foi mantida, em contrapartida a competência supletiva, referente aos Estados, foi
afastada no que diz respeito a sua utilização para fins de exploração por particulares
(ANTUNES, 2010).
Novamente em relação ao aproveitamento industrial, a regra permaneceu em
essência a mesma, ora citada acima nos artigos 152 e 153 da Magna Carta de 1946, apenas
com modificações relativas à redação empregada, tal regra permanece no artigo 168 da
Emenda de 1969.
Em relação às propriedades do solo “as jazidas, minas e demais recursos minerais
e os potenciais de energia hidráulica” (BRASIL, 1967 e 1969, art.161, § 1°), permanecem
sendo distintos do solo em relação ao aproveitamento industrial, bem como para efeitos
relacionados com a exploração (BRASIL, 1967). 76
O aproveitamento, assim como a exploração dos bens relacionados acima,
permanecem com a necessidade de autorização e concessão por parte do Poder Público; tal
burocracia seria concedida apenas aos brasileiros, e também, à sociedades organizadas no
País.
Na Constituição de 1967, art. 168, § 1º:

75
BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
4º, II: “Art. 4º – Incluem-se entre os bens da União: [...]
II – os lagos e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, que
sirvam de limite com outros países ou se estendam a território estrangeiro, as ilhas oceânicas, assim como as
ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países. [...]”
76
art. 168, caput: “Art. 168 – As jazidas, minas e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica
constituem propriedade distinta do solo, para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial.”
157
A exploração e o aproveitamento das jazidas, minas e demais recursos minerais e
dos potenciais de energia hidráulica dependerão de autorização ou concessão
federal, na forma da lei, dadas exclusivamente a brasileiros ou a sociedades
organizadas no País. (BRASIL, 1988)

Permanecendo a regra de que para os casos de aproveitamento de energia


hidráulica, e sendo sua utilização em potencial reduzido, não dependerá de autorização ou
concessão federal. Ainda, no art. 168º, § 4º: “§ 4º – Não dependerá de autorização ou
concessão o aproveitamento de energia hidráulica de potência reduzida.”
Decorridas praticamente duas décadas, em 05 de outubro de 1988, é que entra em
vigor a atual Constituição, na qual se encontra um vasto rol de artigos, demonstrando a
preocupação e o cuidado devido a ser tomado em relação às águas e ao meio ambiente,
temática que terá abordagem específica.

2 A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

2.1 PRINCÍPIOS

O contexto histórico da promulgação da Carta Magna de 1988 foi marcado por intensa
participação popular, em razão da conscientização da população brasileira quanto ao exercício
da cidadania em todas as dimensões. A proteção à saúde, ao meio ambiente, à dignidade da
pessoa humana etc., deram-lhe um viés diferente de outros procedimentos constitucionais.
Assim, a Carta Magna de 1988, de todas as outras Constituições, até então, é a que
mais se preocupou em relação à água. Em sua redação existe uma vasta gama de artigos
preocupados com a temática. A começar por seu artigo 1º, inciso III o qual se refere à
dignidade da pessoa humana:

art. 1º, III: “ Art.1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – “a dignidade da pessoa
humana.”

No “I Seminário de Direito Constitucional Administrativo”, José Afonso da Silva


(2005) ministrou, no dia 03 de junho de 2005, palestra sobre a interpretação da Constituição
de 1988, e ao analisar o tema sobre a dignidade da pessoa humana afirmou que:

A dignidade da pessoa humana, inscrito no art. 1º, III, da Constituição, não é uma
criação constitucional, pois é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a
toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. A Constituição,
reconhecendo a sua experiência e a sua eminência, transformou-a num valor

158
supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil constituída em Estados Democráticos de Direito. Se
é fundamento é porque se constitui num valor supremo, num valor fundante da
República, da Federação, do País, da Democracia e do Direito. Portanto, não é
apenas princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social,
econômica e cultural. Daí sua natureza de valor supremo, porque está na base de
toda a vida nacional.

Ressalte-se, igualmente, a inviolabilidade do direito à vida, garantida no artigo 5º da


Constituição Federal de 1988:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se os
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

Assim sendo, se sem a água não existe vida, não existirá o respeito aos preceitos
constitucionais em relação à dignidade da pessoa humana nem a inviolabilidade do direito à
vida, portanto nada mais óbvio que tal bem seja protegido de maneira eficaz, real, com maior
atenção, haja vista ser um “recurso natural limitado”, conforme artº 1º, II: “A Política
Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos: [...] II – a água é um
recurso natural limitado, dotado de valor econômico” (BRASIL, 1997).
A Lei brasileira é isonômica, significando que todos são iguais perante a lei, o que se
confunde com a “isonomia formal, no sentido de que a lei e sua aplicação trataram a todos
igualmente, sem levar em conta as distinções de grupos” (SILVA, 2007), porém tal conceito
vai além:

Aristóteles vinculou a ideia de igualdade à ideia de justiça, mas, nele, trata-se de


igualdade de justiça relativa que dá a cada pessoa uma igualdade – como nota de
Chomé – impensável sem a desigualdade complementar e que é satisfeita se o
legislador tratar de maneira igual os iguais e de maneira desigual os desiguais
(SILVA, 2007).

É no artigo 5º da Constituição brasileira que referido preceito é defendido, sendo o


tratamento garantido tanto aos brasileiros quanto aos estrangeiros residentes no país.
Garante ainda a inviolabilidade do direito à vida e à liberdade, é por tal definição que
qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao meio
ambiente e ao que estiver ligada direta ou indiretamente à pessoa como cidadão (BRASIL,
1988), conferido em, art. 5º, LXXIII:

qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato
lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o
autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

159
2.2 COMPETÊNCIAS

Seguindo a análise dos artigos constitucionais chega-se ao artigo 20, que transcreve os
bens inerentes à União, dentre eles são encontradas as terras devolutas:

São devolutas, na faixa da fronteira, nos Territórios Federais e no Distrito Federal,


as terras que, sendo próprios nem aplicadas a algum uso público federal, estadual,
territorial ou municipal, não se incorporam ao domínio privado [...].

Sobre este aspecto, o Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de set. de 1946, traz:


Art.5º – São devolutas, na faixa da fronteira, nos Territórios Federais e no Distrito
Federal, as terras que, não sendo próprios nem aplicadas a algum uso público
federal, estadual territorial ou municipal, não se incorporaram ao domínio privado:
a) por força da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, Decreto nº 1.318, de 30 de
janeiro de 1854, e outras leis e decretos gerais, federais e estaduais;
b) em virtude de alienação, concessão ou reconhecimento por parte da União ou dos
Estados;
c) em virtude de lei ou concessão emanada de governo estrangeiro e ratificada ou
reconhecida, expressa ou implicitamente, pelo Brasil, em tratado ou convenção de
limites;
d) em virtude de sentença judicial com força de coisa julgada;
e) por se acharem em posse contínua e incontestada com justo título e boa fé, por
termo superior a 20 (vinte) anos;
f) por se acharem em posse pacífica e ininterrupta, por 30 (trinta) anos,
independentemente de justo título e boa fé;
g) por força de sentença declaratória proferida nos termos do art. 148 da
Constituição Federal, de 10 de Novembro de 1937.
Parágrafo único. A posse a que a União condiciona a sua liberalidade não pode
constituir latifúndio e depende do efetivo aproveitamento e morada do possuidor ou
do seu preposto, integralmente satisfeitas por estes, no caso de posse de terras
situadas na faixa da fronteira, as condições especiais impostas na lei.”

Segundo a Constituição de 1988, são bens da União, estes indispensáveis à


preservação ambiental 77; aos lagos, rios e quaisquer correntes de água que estejam em
território nacional, façam margem com outros países, que se estenda a território estrangeiro ou
dele provenha, além dos terrenos marginais e praias fluviais 78, “[...] o mar territorial” 79, “[...]
os potenciais de energia hidráulica” 80; “[...] recursos minerais, inclusive os do subsolo” 81; e
“[...] as cavidades naturais e subterrâneas”.

77
art. 20, II: “São bens da União: [...] II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das
fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em
lei; [...]”
78
art. 20, III:”[...] III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem
mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele
provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; [...]”
79
art. 20, VI: “ [...] VI – o mar territorial [...].”
80
art. 20, VIII. “[...]VIII - os potenciais de energia hidráulica;[...]”
81
art. 20, IX: “[...] IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo; [...]”
160
Sendo bem da União, é assegurado aos Estados, Municípios e ao Distrito Federal a
devida participação no resultado da exploração dos recursos hídricos revertidos em geração de
energia elétrica, bem como aos “[...] recursos minerais do respectivo território, plataforma
continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa
exploração” (BRASIL, 1988). 82
Nesse ínterim, compete a União instituir o devido gerenciamento para os recursos
hídricos do País e estipular os critérios para conceder o direito à utilização de tais recursos, da
mesma forma deve preocupar-se com o desenvolvimento urbano, no que diz respeito ao
saneamento básico, sendo assim é de sua responsabilidade instituir diretrizes orçamentárias
para tal fim, apontados na Constituição de 1988, nos seguintes artigos:

art. 21, XIX: Compete à União: [...] XIX - instituir sistema nacional de
gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu
uso;
art. 21, XX: Compete à União: [...]XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento
urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; (BRASIL,
1988)

Compete à União, de forma privativa, legislar no que diz respeito à água, energia,
recursos minerais, entre outros, no art. 22, IV, XII: “Compete privativamente à União legislar
sobre: [...] IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão; [...] XII -
jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia” (BRASIL, 1988).
De forma concorrente, entre todos os entes federativos, é a competência de zelar pela
Constituição Brasileira, suas instituições democráticas e dos patrimônios públicos; no que se
refere ao meio ambiente, deverá ser protegida e combatida a sua poluição, além de promover
programas de saneamento básico e registrar, acompanhar e fiscalizar, no que diz respeito aos
recursos hídricos e minerais, a concessão de direitos de pesquisas e exploração nos seus
respectivos territórios.
Na Constituição de 1988, o art 23, I, VI, XI, aponta:

É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:


[...]I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e
conservar o patrimônio público; [...] VI - proteger o meio ambiente e combater a
poluição em qualquer de suas formas;[...] XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as
concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em
seus territórios; (BRASIL,1988).

82
art. 20, § 1°.“É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a
órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de
recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território,
plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa
exploração”.
161
Em relação à competência legislativa concorrente estão a proteção ao meio ambiente e
a responsabilidade referente a danos causados a ele, a qual encontra-se no art. 24:

art. 24, VI, VII: “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre: [...] VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da
natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e
controle da poluição; [...]VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico,
turístico e paisagístico; [...] (BRASIL, 1988)

As águas que se incluem entre os bens dos Estados são as “[...] superfícies ou
subterrâneas, fluentes, emergente e em depósito” ressalvadas apenas aquelas decorrentes de
obras da União.
Serão também bens dos Estados as ilhas oceânicas, costeiras, fluviais e lacustres que
estiverem em seu território, excluindo-se aquelas que pertencerem a outro ente federativo ou à
União. No art. 26, I, II e III:
Incluem-se entre os bens dos Estados:
I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito,
ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;
II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas
aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros;
III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União; (BRASIL, 1988)

Aos Municípios não resta muita competência, será de seu interesse legislar sobre os
interesses locais, suplementar, no que couber às legislações federais e estaduais, além de
promover seu ordenamento territorial com base em planejamentos e controle de uso. No art.
30, dispõe sobre o que compete aos municípios:
Art. 30: Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas
rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos
prazos fixados em lei;
IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os
serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem
caráter essencial;
VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas
de educação pré-escolar e de ensino fundamental;
VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas
de educação infantil e de ensino fundamental;
VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços
de atendimento à saúde da população;
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;
IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a
legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. (BRASIL, 1988)

162
A temática não se esgota entre os direitos e garantias fundamentais e os bens dos
entes: União, Estados, Municípios e Territórios; também se encontra no que alude à
Administração Pública.
Com o intuito de favorecer o desenvolvimento e reduzir as desigualdades regionais,
será defeso à União articular em um mesmo complexo geoeconômico e social.
Dessa maneira, poderá promover incentivos regionais, priorizando, em regiões de
pobreza e de secas acentuadas, aproveitamento econômico dos rios e águas que já estão
represadas ou que ainda poderão ser, conforme segue:

art. 43, § 2°, IV: Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em
um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à
redução das desigualdades regionais.[...]
§ 2º - Os incentivos regionais compreenderão, além de outros, na forma da lei: [...]
IV - prioridade para o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de
água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda, sujeitas a secas
periódicas. (BRASIL, 1988)

Nesta mesma direção está o incentivo no que diz respeito à recuperação de terras
áridas e a ajuda aos pequenos e médios proprietários rurais, para que possam estabelecer em
suas terras fontes de água, ou se não for possível, pelo menos, uma pequena irrigação.
No caso dos recursos hídricos e minerais situados em terras indígenas sua exploração e
aproveitamento dependem de autorização, conforme previsto no

art. 43, § 3°: Nas áreas a que se refere o § 2º, IV, a União incentivará a recuperação
de terras áridas e cooperará com os pequenos e médios proprietários rurais para o
estabelecimento, em suas glebas, de fontes de água e de pequena irrigação.
(BRASIL, 1988)

Portanto, sendo tal competência exclusiva do Congresso Nacional.

2.3 DEFESA DO MEIO AMBIENTE

O Conselho de Defesa Nacional é um órgão indispensável à política nacional, sendo


de consulta do Presidente da República no que tange a assuntos condizentes com a soberania e
a defesa do Estado Democrático.
Entre outras matérias, compete a este Órgão propor critérios de utilização e suas
condições no que tange às áreas referentes à segurança nacional, principalmente nas que
fazem relação com a “preservação e exploração dos recursos naturais de qualquer tipo”,
referente à art. 91, § 1°, III:

163
O Conselho de Defesa Nacional é órgão de consulta do Presidente da República nos
assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado democrático, e
dele participam como membros natos: [...] § 1º - Compete ao Conselho de Defesa
Nacional: [...]III - propor os critérios e condições de utilização de áreas
indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso,
especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a
exploração dos recursos naturais de qualquer tipo; (BRASIL, 1988)

No que diz respeito ao Ministério Público, uma de suas prerrogativas é zelar pelo meio
ambiente, é por essa razão que uma das suas funções institucionais é exatamente a de
promover inquérito civil e ação civil pública a fim de protegê-lo (BRASIL, 1988). 83
Seguindo pelos artigos da Constituição, chega-se ao título que diz respeito à Ordem
Econômica, e ainda neste existe referência ao meio ambiente e por consequência à água.
Em seu artigo 170 é estipulado que deverá ser valorizado o trabalho humano e sua
livre iniciativa, sendo dessa forma assegurada a todos uma vida mais digna, seguindo sempre
os ditames da justiça social; e pensando em tal fim é que se faz necessário observar, entre
tantos outros, o principio que se refere à defesa do meio ambiente,

art. 170, VI: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na


livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] VI - defesa do meio
ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental
dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (BRASIL,
1988)

Deve ser salientado que os recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica


serão considerados propriedades distinta do solo, sendo pertencentes à União.
Será garantido ao concessionário, apenas, sua exploração e aproveitamento, ou seja, a
garantia está relacionada com a propriedade do produto da lavra, desta maneira será
assegurado ao proprietário a participação do produto da lavra. Lembrando-se de que este
aproveitamento dependerá de autorização ou concessão por parte da União que pensará
sempre no interesse nacional, determinado no art.176, transposto a seguir:

art. 176, caput. : As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os


potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para
efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao
concessionário a propriedade do produto da lavra.
art. 176, § 2°: “[...] § 2º - É assegurada participação ao proprietário do solo nos
resultados da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei.

83
art. 129, III: “São funções institucionais do Ministério Público: [...]III - promover o inquérito civil e a ação
civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos; [...]”
164
A autorização ou concessão poderão ser concedidas a brasileiros ou empresa brasileira
de capital nacional 84, no entanto, em caso de potencial de energia renovável esta autorização
não será necessária 85.
Em se tratando de pesquisa, a autorização será por prazo determinado e não poderá ser
concedida a outrem e muito menos transferida. 86
A política de desenvolvimento urbano está diretamente ligada às funções sociais da
cidade e ao bem-estar de seus habitantes. 87 Em se tratando de propriedade rural, a referida
função social da propriedade estará sendo atingida quando o proprietário utilizar os recursos
inerentes à terra de maneira racional, aproveitar adequadamente os recursos naturais e
preservar o meio ambiente, entre outros. 88

2.4 SAÚDE E EDUCAÇÃO AMBIENTAL

84
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
176, § 1°: “[...] § 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o
"caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse
nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no
País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em
faixa de fronteira ou terras indígenas. [...]”
85
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
176, § 4°: “[...]§ 4º - Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia
renovável de capacidade reduzida. [...]”
86
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
176, § 3°: “[...]§ 3º - A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as autorizações e
concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia
anuência do poder concedente. [...]”
87
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
182: “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais
fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o
bem- estar de seus habitantes.
§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil
habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação
da cidade expressas no plano diretor.
§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir,
nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que
promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo
Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o
valor real da indenização e os juros legais.”
88
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
186, I e II: “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios
e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;[...]”
165
A água também tem ligação direta com a saúde e para tal a Carta Magna de 1988, em
seu artigo 200, atribui ao SUS - Sistema Único de Saúde - a competência de colaborar com a
proteção ao meio ambiente. 89
Outrossim, além de compor a organização, desenvolvimento e saúde a temática
encontra-se relacionada com a cultura, sendo assim se incluem no patrimônio cultural
brasileiros os sítios ecológicos. 90
Preocupando-se com o citado patrimônio é que o Poder Público o protegerá por meio
de “[...] inventários, registros, vigilância, tombamentos e desapropriação, e de outras formas
de acautelamento e proteção” 91 ressaltando que quem desrespeitar e causar danos ou ameaçar
este patrimônio cultural será punido na forma da lei. 92
E, finalmente, chega-se ao Capítulo VI do Título VIII que trata “DO MEIO
AMBIENTE” 93, onde se encontra o artigo 225, que estipula que todos têm direito ao meio
ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo, considerado essencial à sadia qualidade de
vida.
Dessa forma, será obrigação de todos, tanto do Poder Público quanto da coletividade
em geral, o dever de zelar por ele, bem como de preservá-lo para presentes e futuras
gerações. 94
Para a garantia real deste direito, caberá ao Poder Público preservar e da mesma
maneira conservar os processos ecológicos essenciais no que diz respeito às espécies e ao
ecossistema, devendo ser mantida a diversidade e a “integridade do patrimônio genético do
País” 95. Em relação às entidades que promovem “pesquisas e manipulação de material
genético” 96, estas deverão ser fiscalizadas.

89
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
200, VIII: “Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...]VIII -
colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.[...]”
90
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
216, I: “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; [...]”
91
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
216, § 1°: “[...] § 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio
cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras
formas de acautelamento e preservação. [...]”
92
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
216, § 4°: “[...] § 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei. [...]”
93
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado.
94
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
225, caput: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá- lo para as presentes e futuras gerações. [...]”
95
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
166
Da mesma forma, serão determinados no País, territórios que serão especialmente
protegidos, sendo apenas possíveis alterações permitidas por lei e vedada qualquer tipo de
utilização que comprometa sua proteção.
Para obras ou atividades que causem grande degradação, serão utilizados estudos que
indiquem os reais impactos ambientais; necessário será sua publicidade. 97
A produção e comercialização de técnicas que utilizem substâncias prejudiciais à
saúde e ao meio ambiente também serão controladas. 98
Para a população poder contribuir também com a fiscalização e proteção ao meio
ambiente será promovida educação ambiental em todos os níveis de ensino, e não só para
controle e fiscalização, mas também para a conscientização e melhor utilização deste
patrimônio. 99
Fica salientado que aquele que tiver por sua atividade a exploração de “[...] recursos
minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução
técnica exigida pelo órgão público competente” 100.
Condutas consideradas lesivas ao meio ambiente serão sancionadas penal e
administrativamente, independendo ser pessoa física ou jurídica, lembrando-se de que
independentemente de sua sanção deverá reparar o dano causado. 101
Como já mencionado anteriormente, existem territórios que terão especial tratamento e
serão considerados patrimônios nacionais; entre estes estão: “[...] a Floresta Amazônica
brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona
Costeira” 102.

225, § 1°, II: “[...] § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] II - preservar
a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e
manipulação de material genético; [...]”
96
Idem.
97
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
225, § 1°, IV: “[...] IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de
significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; [...]”
98
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
225, § 1°, V: “[...] V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias
que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; [...]”
99
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
225, § 1°, VI: “[...] VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública
para a preservação do meio ambiente; [...]”
100
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
225, § 2°: “[...] § 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente
degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. [...]”
101
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
225, § 3°: “[...] § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os
danos causados. [...]”
102
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
167
Sua utilização dependerá de autorização e deverão ser respeitadas as “condições que
assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”.
103

Em se tratando dos indígenas, a regra é um pouco diferente, a Constituição Federal


garante- lhes a proteção e o respeito à sua “organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” 104, sendo
assim sua posse é permanente, “[...] cabendo-lhes o uso do fruto exclusivo das riquezas do
solo, dos rios e lagos nelas existentes.” 105
Em relação ao aproveitamento dos recursos hídricos, potenciais energéticos e à
exploração de recursos minerais, a regra permanece a mesma, dependendo de autorização do
Congresso Nacional e é garantido ao explorador da atividade apenas a participação em relação
ao resultado da lavra. 106
As terras indígenas não poderão sofrer exploração de outrem, que não sejam seus
nativos, salvo em casos de relevante interesse público da União, exceto, é claro, “benfeitorias
derivadas da ocupação de boa-fé.” 107
Complementar à Constituição se encontra o Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias.
Em seu artigo 43, encontra-se que as autorizações e concessões atribuídas à pesquisa e
à lavra de recursos minerais tornar-se-ão sem efeito na data da promulgação que versar sobre
esse assunto, ou então, no prazo de um ano depois da Constituição, caso os trabalhos de

225, § 4°.
103
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
225, § 4°: “[...] § 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-
Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de
condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. [...]”
104
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
231, caput: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os
direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens.[...]”
105
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
231, § 2°: “[...] § 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente,
cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. [...]”
106
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
231, § 3°: “[...]§ 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a
lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso
Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na
forma da lei. [...]”
107
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
231, § 6°: “[...]§ 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a
ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do
solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que
dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União,
salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.[...]”
168
pesquisa ou de lavra não tenham sido começados nos prazos estipulados em lei ou estejam
inativos. 108
Ficam dispensadas de autorização e concessão apenas aquelas empresas que utilizarem
a energia hidráulica em seu respectivo processo industrial. 109

CONCLUSÃO

Desde a mais remota antiguidade já se tem comprovações de construções com o intuito


de proporcionar a condução da água, e consequentemente sua melhor utilidade. Portanto, não
é preciso grande análise para se perceber que a água é bem de necessidade essencial desde
sempre.
Os seres humanos necessitam deste bem para praticamente todas as suas atividades,
nem ao menos conseguiriam viver se não tivessem à sua disposição a água, e principalmente
de qualidade. Pois de nada adiantaria a água estar disponível em quantidade, porém não em
potabilidade.
A água de má pode causar doenças de origem hídrica, tais quais a desinteria, cólera,
febre tifoide, hepatite, esquistossomose, e indiretamente, a leptospirose e a dengue.
Ademais, o que deve também ser considerado é que não apenas o ser humano
necessita deste bem, mas, da mesma forma, todos os outros seres vivos.
Por fim, conclui-se que conforme a quantidade de água utilizada foi aumentando,
proporcionalmente aumentou-se o interesse em protegê-la, principalmente através de
legislação.

108
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
43, ADCT: “Na data da promulgação da lei que disciplinar a pesquisa e a lavra de recursos e jazidas minerais, ou
no prazo de um ano, a contar da promulgação da Constituição, tornar-se-ão sem efeito as autorizações,
concessões e demais títulos atributivos de direitos minerários, caso os trabalhos de pesquisa ou de lavra não
hajam sido comprovadamente iniciados nos prazos legais ou estejam inativos. [...]”
109
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, art.
44, §§ 1°, 2°, 3°: “[...]As atuais empresas brasileiras titulares de autorização de pesquisa, concessão de lavra de
recursos minerais e de aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica em vigor terão quatro anos, a partir
da promulgação da Constituição, para cumprir os requisitos do art. 176, § 1º.
§ 1º - Ressalvadas as disposições de interesse nacional previstas no texto constitucional, as empresas brasileiras
ficarão dispensadas do cumprimento do disposto no art. 176, § 1º, desde que, no prazo de até quatro anos da data
da promulgação da Constituição, tenham o produto de sua lavra e beneficiamento destinado a industrialização no
território nacional, em seus próprios estabelecimentos ou em empresa industrial controladora ou controlada.
§ 2º - Ficarão também dispensadas do cumprimento do disposto no art. 176, § 1º, as empresas brasileiras titulares
de concessão de energia hidráulica para uso em seu processo de industrialização.
§ 3º - As empresas brasileiras referidas no § 1º somente poderão ter autorizações de pesquisa e concessões de
lavra ou potenciais de energia hidráulica, desde que a energia e o produto da lavra sejam utilizados nos
respectivos processos industriais. [...]”
169
Concomitante a esta evolução está o tratamento dado à água. Inicialmente era
considerada apenas um bem, de uso essencial humano, inesgotável. Ao se perceber que era
um bem esgotável, principalmente no quesito qualitativo, passou-se a atribuir-lhe valor
econômico e ser meio de cobiça (hidropirataria)
Hoje, o entendimento dominante em relação à água é que se trata de alimento essencial
à nutrição dos seres vivos, tornando-se um dos temas centrais da Rio+20 (Rascunho Zero da
ONU) – Conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável, que ocorreu em
junho de 2012.

REFERÊNCIAS

ÁGUA: a fonte está secando. Medicina & Cia, Curitiba, p. 13, nov./dez. 2001.

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170
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464.

GREN FILHO, Lauro. Água, um magno problema. Gazeta do Povo, Curitiba, 22 mar. 2004,
p. 10.

MARONI, João Rodrigo. O Rio Iguaçu na ótica do setor produtivo. Gazeta do Povo,
Curitiba, 20 fev. 2011. Vida e Cidadania, Águas do Amanhã. p.13.

OLIVEIRA, Lindoval de. É Grave a Escassez da Água. Brasil Rotário, Rio de Janeiro, v. 81,
n. 1005, p. 35, mar. de 2006.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 28. ed. São Paulo:
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São Paulo, São Paulo, 2005. Disponível em: <http://
www.tcm.sp.gov.br/legislacao/doutrina/30a03_06_05/joseafonso1.htm>. Acesso em: 15 jun.
2011.

171
ÁGUA E SUSTENTABILIDADE: A GESTÃO DAS PRÁTICAS EDUCATIVAS
SOCIOAMBIENTAIS NA CIDADE 110

Maria Arlete Rosa 111

Este artigo busca apresentar os resultados preliminares da pesquisa em


desenvolvimento que trata da relação entre educação e meio ambiente, sendo focada na gestão
das práticas educativas socioambientais na cidade no contexto da água e sustentabilidade.
Assim, o artigo trata das considerações iniciais, seguido da consolidação da base conceitual da
pesquisa e do item aproximação da unidade territorial do campo de pesquisa, a bacia
hidrográfica do rio Barigui, unidade hidrográfica do Alto Iguaçu – Curitiba-PR.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O pressuposto da pesquisa considera que a educação é um elemento relevante para


o êxito da sustentabilidade na gestão da bacia do rio Barigui. As práticas educativas na escola
e comunidade devem considerar dois aspectos significativos: o território da bacia hidrográfica
como unidade de análise a partir do planejamento e da gestão integrada de políticas públicas e
as práticas sociais das lideranças, buscando compartilhar responsabilidades de atuação nas
áreas de educação, desenvolvimento urbano, habitação, saúde, meio ambiente, recursos
hídricos, saneamento entre outras. Estes elementos possivelmente ainda não estão
consolidados como instrumentos de gestão de sustentabilidade e das práticas educativas no
espaço geográfico da bacia do rio Barigui, no entanto, apresentam-se como potencialidade a
ser desenvolvida.
A pesquisa busca contribuir para a produção de conhecimento sobre constituição
das práticas educativas de sustentabilidade, considerando o território privilegiado da bacia
hidrográfica. A investigação permitirá explicitar a dimensão educativa a partir da
sistematização e análise de indicadores socioambientais que fornecem referencias sobre boas
práticas de sustentabilidade. Tais práticas são consideradas a partir do espaço da escola em
relação ao contexto de gestão de diferentes políticas públicas realizadas na área da bacia do

110
Texto apresentado no XXVIII Congresso Internacional da AssociaçãoLatino-Americana de Sociologia -
(ALAS) - 6 A 11 de setembro de 2011, Universidade Federal de Pernambuco , Recife, Pernambuco.
111
Professora Adjunta do Programa de Pós Graduação do mestrado e Doutorado da Universidade Tuiuti do
Paraná. Conselheira Titular do Conselho Estadual de Educação do Paraná. mariaarleterosa@gmail.com.
172
rio Barigui.
Na abordagem de práticas educativas consideram-se as práticas pedagógicas e
seus elementos articuladores na perspectiva de construção teórica para explicar os nexos
subjacentes no contexto da escola, da relação escola-comunidade, interdisciplinaridade,
conhecimento escolar, formação de professores entre outras.
A pesquisa possibilitará a oportunidade de organização de rede de pesquisa sobre
a temática proposta. Destaca-se o aspecto inovador e interativo desta metodologia que
possibilita a produção de conhecimento a partir de ações de pesquisa conduzidas pelo
princípio de cooperação e de parcerias. Nesta concepção de investigação, as relações de
parcerias podem ser consolidadas compartilhando-se os diferentes procedimentos de pesquisa
como as metodologias, recursos, informações, redução de tempo e de custos. Assim, busca-se
construir referências de superação da compartimentalização do conhecimento e da excessiva
especialização das áreas de atuação.
Destacam-se ainda os aspectos social e ambiental desta pesquisa, tendo em vista
que a bacia do rio Barigui é a maior bacia hidrográfica urbana de Curitiba, sendo constituída
por um terço dos bairros da cidade, assim como de sua população.
Pretende-se que os resultados gerados por esta pesquisa possibilitem orientar
políticas públicas adequadas e que contribuam para amenizar os riscos ambientais recorrentes
nos municípios inseridos no território desta bacia hidrográfica (Araucária, Curitiba e
Almirante Tamandaré), com destaque para os impactos negativos decorrentes de enchentes,
poluição dos rios pelo esgoto, ocupações irregulares de áreas degradadas entre outros
problemas e riscos ambientais.
Investigar esta realidade urbana a partir da relação escola e bacia hidrográfica
possibilitará indicar novos referencias no contexto da gestão da educação ambiental no espaço
escolar. A escola poderá assumir papel significativo como um dos elementos articuladores das
práticas educativas e de liderança na atuação local de diferentes políticas públicas, diante dos
problemas ambientais urbanos.
Considera-se que a escola, enquanto instituição responsável pela formação das
futuras gerações deve participar compreender e atuar como liderança diante da realidade em
que os problemas ambientais urbanos assumem uma posição secundária no debate de temas
globais e seus impactos planetários. Os maiores desafios da problemática ambiental estão em
áreas urbanas, onde está concentrada a maioria da população e de escolas. No caso brasileiro,
os grandes problemas ambientais vivenciados pela população estão no contexto das cidades,
desprovidas de adequadas condições de moradia, infraestrutura urbana e serviços públicos.
173
Neste cenário se estabelecem relações contraditórias entre necessidades sociais, riscos
ambientais, gestão de política pública e atuação do poder público.
Esta pesquisa contribuirá para a construção de conhecimento na área de educação
ambiental e práticas educativas de sustentabilidade. Ainda, destaca-se a atuação profissional
desta pesquisadora a partir da experiência de gestão pública exercida no período entre 2003 a
2010, em que foi diretora de Meio Ambiente e Ação Social da SANEPAR – Companhia de
Saneamento do Paraná. Durante o período de gestão foram registrados avanços na
compreensão da relação entre educação e a problemática ambiental no âmbito do saneamento
e recursos hídricos. Aspectos da metodologia desta atuação estão sistematizados na
publicação “Sanepar: água e vida para o futuro” (2010).
Para esta pesquisadora as lideranças, como sujeito escolhido desta pesquisa,
representam o elo entre estudos anteriores realizados (ROSA, 1991 e 1999) e esta atual
proposta de pesquisa a ser desenvolvida.
Destaca-se, como aspecto relevante que o exercício das atividades acadêmicas e
profissionais contribui para, de acordo com Jacobi (2005) “internalização da educação
ambiental nos espaços educativos”. Fortalece a abordagem integradora na construção de
conhecimento e de novos saberes socioambientais na perspectiva de construção do
conhecimento interdisciplinar. Como afirma o autor

isto coloca a necessidade de uma permanente sensibilização dos professores,


educadores e capacitadores como transmissores de um conhecimento necessário para
que os alunos adquiram uma base adequada de compreensão dos e riscos ambientais,
do seu impacto no meio ambiente global e local, da interdependência dos problemas
e necessidades de cooperação e diálogo entre disciplinas e saberes. (JACOBI, 2005,
p.247)

Para Jacobi, o cenário de ensino e pesquisa em relação à temática ambiental está


pautado pela necessidade de avanços quanto à construção de conhecimento de base
interdisciplinar. A “compartimentalização” do conhecimento como consequência do excesso
de especialização produziu obstáculos a serem enfrentados nas relações de compreensão e
explicação transversais da realidade. A interdisciplinariedade requer o repensar da atividade
acadêmica e do processo de construção do conhecimento a partir de “metodologias
interativas” numa nova perspectiva de “articulação das conexões entre ciências naturais,
sociais e exatas”. Esta dinâmica interdisciplinar no contexto do ensino e pesquisa pode
produzir resultados significativos a partir de “ações orgânicas das diversas disciplinas”,
buscando superar a abordagem multidisciplinar do conhecimento (JACOBI, 2005, p. 246).

174
2 CONSOLIDAÇÃO DA BASE CONCEITUAL

A revisão da literatura abordará eixos temáticos da relação escola e comunidade a


partir da dinâmica ambiental urbana, tendo como território a bacia hidrográfica. Neste
contexto, considera-se que a relação recursos hídricos, gestão urbana, saneamento ambiental e
práticas educativas de sustentabilidade são estruturantes do resultado da qualidade da água.

2.1 Gestão Urbana e Bacia Hidrográfica

A gestão urbana considera o enfoque de Jacobi (2004) que trata dos impactos
socioambientais urbanos no enfoque da sociedade de risco e das complexas relações de
sustentabilidade urbana, considerando que noção de sustentabilidade deverá desenvolver uma
capacidade de suporte a partir da inter-relação entre justiça social e qualidade de vida urbana.
A atual realidade das cidades brasileiras coloca como prioridade a necessidade de
políticas públicas comprometidas em dar respostas ao, de acordo com Jacobi (2004),
“complexo desafio de sustentabilidade urbana”. Para Mendonça (2004) ao analisar o sistema
ambiental urbano a partir dos problemas ambientais da cidade diante da elevada taxa de
concentrações da população em áreas urbanas,

não se pode negligenciar o fato de que as mais importantes questões ambientais


ocorrem nas cidades, pois ai estão as maiores concentrações de pessoas e de
atividades econômicas, com importantes desdobramentos para a vida urbana; assim,
a discussão ambiental de priorizar esta ordem (MENDONÇA, 2004, pp. 185-207).

As experiências bem sucedidas, tendo como princípio de gestão as ações e


práticas de sustentabilidade ambiental articuladas a resultados de desenvolvimento econômico
e social, devem ser potencializadas e replicadas para que possam lastrear a construção de um
novo paradigma de política pública e gestão de sustentabilidade urbana. Diniz Filho e
Vicentiny (1999) abordam esta temática ao analisarem as teorias espaciais contemporâneas a
partir do conceito de competitividade sistêmica em relação ao paradigma de sustentabilidade
ambiental.
Pelo aspecto inovador adotou-se o enfoque de bacia hidrográfica como
determinante de análise nesta pesquisa, na medida em que o planejamento de políticas
públicas no espaço unitário da bacia hidrográfica possibilita criar instrumentos de gestão
integrada na cidade. A bacia como território comum e base cartográfica única de informações
técnicas de políticas sociais, possibilita construir mecanismos de controle e monitoramento

175
dos resultados de tais políticas. Registra-se, segundo Porto (2008), que a gestão integrada das
águas no Brasil, avançou significativamente nas últimas décadas, estabelecendo-se como um
novo paradigma de gestão de um bem de uso comum. Ainda, diante da complexidade de sua
implantação, apresenta dificuldades em decorrência da evolução institucional do país,
entretanto é um significativo instrumento de gestão, auxiliando na implementação de
mecanismos de gestão compartilhada.

2.2 Bacia Hidrográfica - Riscos Ambientais e Sustentabilidade

A temática de sustentabilidade, riscos ambientais e educação ambiental (JACOBI,


2005) adquire papel estratégico no atual debate da relação “meio ambiente-desenvolvimento”,
sendo que estes temas são marcados por relações de complexidade e permanentes desafios. A
reflexão sobre a sustentabilidade do modelo de desenvolvimento adotado pela sociedade
contemporânea exige a necessidade de se considerar os riscos e agravos ambientais como
ameaças constantes aos ecossistemas e a vida no planeta. A educação ambiental assume um
papel estratégico na mudança de hábitos e práticas sociais, visando formar uma cidadania
ambiental com foco em uma sustentabilidade ampliada, considerando-se que

a proliferação de posições sobre sustentabilidade é um sintoma de dinamismo, já que


debates atuais eram impensáveis há alguns anos ... sustentabilidade tem muitas
leituras, algumas contraditórias e outras convergentes, apesar de apropriadas de
forma diferenciada pelos grupos e pessoas que atuam numa perspectiva de propor
uma sustentabilidade articulada a novas realidades materiais e novas posições
epistemológicas (JACOBI, 2005, p. 239).

Ao destacar os estudos científicos que tratam deste atual quadro de


desenvolvimento, considera-se a abordagem de Jacobi ao afirmar que os princípios de
proteção ambiental e “desenvolvimento sustentável” não tiveram avanços importantes e ainda
são tidos como entraves para o crescimento econômico, sendo que seus impactos ficam
evidentes com a “perda de biodiversidade, degradação da qualidade ambiental nas grandes
cidades dos países em desenvolvimento, redução dos recursos não renováveis” (JACOBI,
2005, p. 239).
Refletir sobre a problemática das cidades e áreas dos municípios que estão
inseridos no território da bacia do rio Barigui, considerando a qualidade das práticas
educativas de sustentabilidade desta população, leva-nos a avaliar os parâmetros de qualidade
ambiental no cenário da relação desenvolvimento urbano/meio ambiente. Nessa reflexão,
procura-se a indicação de elementos de subsídios críticos, visando contribuir para o avanço

176
das relações sociais na perspectiva da reconstrução dos espaços urbanos a partir da garantia de
qualidade de vida da população e de sustentabilidade urbana e socioambiental. Como o
espaço urbano da cidade não se apresenta acabado, deve-se considerar a dinâmica permanente
de organização e construção espacial dos aglomerados urbanos com a constituição de novos
espaços, vilas e bairros de periferia da cidade.
Ao se considerar que as necessidades são historicamente determinadas,
legitimando o capital através da busca infindável da satisfação das necessidades sociais,
potencializando-se as condições de insustentabilidade da cidade, constata-se que as
consequências são os desequilíbrios ambientais e riscos à qualidade de vida da população,
principalmente nas grandes concentrações urbanas.
No debate em torno do planejamento da cidade destaca-se o desafio inovador de
se adotar a bacia hidrográfica como instrumento de gestão do espaço geográfico urbano,
assim como no planejamento e gestão das políticas públicas e sociais para a cidade. A bacia
hidrográfica é um elemento integrador de intervenção socioambiental, possibilitando otimizar
as ações, além de estabelecer monitoramento e controle de seus resultados a partir de um
espaço geográfico delimitado da cidade. Em especial os resultados de aplicação dos
investimentos realizados no território da bacia, sendo a melhoria de qualidade da água na
região o indicador relevante para o monitoramento, constituindo-se como metodologia de
controle social. Neste contexto a diversidade de atuações e práticas sociais a partir do enfoque
de práticas educativas de sustentabilidade no âmbito do território da bacia hidrográfica é uma
oportunidade para destacar “boas práticas de sustentabilidade” das lideranças que tenham
atuação criativa e inovadora diante dos desafios colocados pela atual crise ambiental urbana.

2.3 Prática Educativa na Bacia Hidrográfica

As referências norteadoras da reflexão da relação educação e meio ambientes


consideram que as práticas educativas nas dimensões da sustentabilidade 112, resultam dos
elementos articuladores a partir das práticas sociais da humanidade na busca por modelos
sustentáveis de sociedade. Para Jacobi esta relação estimula o repensar das práticas sociais e o
papel dos educadores na formação do cidadão ecológico que “assume um papel cada vez mais
desafiador, demandando a emergência de novos saberes para apreender processos sociais cada
vez mais complexos e riscos ambientais que se intensificam” (JACOBI, 2005, p. 247).

112
Considerando a etimologia, sustentabilidade é - que pode se sustentar, e a etimologia de sustentar é - segurar
por baixo; servir de escora a; impedir que caia; suportar; apoiar.
177
Tais modelos exigem o exercício de visão holística da realidade, integrando as
condições materiais de sustentabilidade (equilíbrio físico-químico e biológico) ao
funcionamento da sociedade, a partir da redefinição da “política da nossa sociedade atual e do
seu modelo de civilização, bem como ao trabalho de consciência individual, de integração da
psique pessoal, capaz de gerar ações rumo a mudanças” (STAHEL, 1995, p. 126). Nessa
perspectiva, coloca-se a importância do estudo das práticas educativas de sustentabilidade que
busquem identificar a configuração do conteúdo das potencialidades individuais na vida
social. Revelar as possibilidades de existência nas práticas individuais, de capacidades
potenciais de integração a ações coletivas, visando mudanças numa dimensão qualitativa das
práticas individuais e coletivas, com o objetivo de se alcançar a sustentabilidade para as
gerações atuais e futuras na sociedade planetária.
Outro aspecto norteador refere-se à abordagem da prática educativa de
sustentabilidade, enquanto educação para uma “prática de cidadania ambiental” (JACOBI,
2005) como possibilidade de motivar e sensibilizar o indivíduo a transformar as diferentes
formas de participação em fatores potenciais para dinamizar a sociedade e ampliar o controle
social sobre a coisa pública que, segundo Jacobi, “trata-se de criar as condições para ruptura
com a cultura política dominante e para uma nova proposta de sociabilidade baseada na
educação para a participação” (JACOBI, 1998/1999, p. 2).
Essa modalidade de educação concretiza-se pela pluralidade de atores, ativados no
seu potencial participativo: adquirindo condições de intervenção consistente, sem tutela nos
processos de decisões públicas, legitimando e consolidando propostas de gestão, tendo como
base a garantia de acesso à informação e consolidação de canais para a participação;
institucionalizando o controle social na esfera pública e privada na garantia da cidadania. Para
Jacobi o exercício educativo de cidadania “implica autonomia e liberdade responsável,
participação na esfera política democrática e na vida social” (JACOBI, 2005, p. 243).
Tais referências estabelecem parâmetros para a noção de prática educativa de
sustentabilidade. Portanto, o processo educativo não ocorre de forma preestabelecida,
configura-se pela aquisição de saber autoconstruído na dimensão socioambiental supra
mencionado, resultado da construção desse conhecimento coletivo. A avaliação dos resultados
obtidos nesse aprendizado autoconstruído verifica-se na dimensão do campo político e
atuação social, configurado: pela qualidade da prática social; pelo nível qualitativo das ações
políticas produzidas; pela qualidade de organização social, política e ambiental; pela
qualidade da participação social e política; e pelos resultados adquiridos e conquistados pelas
práticas sociais e de cidadania.
178
Esse aprendizado autoconstruído é gerado por diferentes fontes promotoras da
prática educativa, sendo estes principais promotores a escola, as entidades do movimento
social organizado e o poder público. A constituição desse saber autoconstruído no processo
de participação social, segundo Gohn, apresenta como fontes promotoras:
1) a aprendizagem gerada com a experiência de contato com fontes de exercício do poder; 2)
a aprendizagem gerada pelo exercício repetido de ações rotineiras que a burocracia estatal
impõe; 3) a aprendizagem das diferenças existentes na realidade social a partir da percepção
das distinções nos tratamentos que os diferentes grupos sociais recebem de suas demandas; 4)
a aprendizagem gerada pelo contato com as assessorias contratadas ou que apóiam o
movimento; 5) a aprendizagem da desmistificação da autoridade como sinônimo de
competência, a qual seria sinônimo de conhecimento. (GOHN, 1994, p. 50)

Ao relacionar este aprendizado autoconstruído com a educação ambiental na


perspectiva de prática educativa de sustentabilidade a afirmação de Jacobi contribui para a
compreensão desta relação ao abordar a educação ambiental como “um processo intelectual
ativo, enquanto aprendizado social, baseado no diálogo e interação em constante processo de
recriação e interpretação de informações, conceitos e significados” (JACOBI, 2005, p. 245),
em que o cidadão pode ter experiências diferenciadas a partir da sala de aula, do espaço
escolar e da comunidade em que está inserido.
Ao se considerar a noção de educação ambiental, embora marcada pela escassez
de trabalhos que tratam dessa temática no meio acadêmico, destacam-se os trabalhos de Dias
(1995), Reigota (1995) e Sorrentino (1995). Tais estudos são referências importantes nesta
área de conhecimento e contribuem para a reflexão das determinações educativas num plano
mais amplo da educação ambiental. Assim, contribuem para alargar a compreensão de novos
saberes gerados em torno da “diversidade e da construção de sentidos nas relações indivíduos-
natureza, nos riscos ambientais globais e locais e nas relações ambiente-desenvolvimento”
(JACOBI, 2005, p. 247).
Estes autores auxiliam a análise para elucidar as relações subjacentes às práticas
educativas no âmbito da gestão compartilhada da bacia hidrográfica como determinante
integrador no exercício de construção do conhecimento de uma realidade socioambiental
urbana complexa. Para tanto, de acordo com Jacobi, exige dos atores sociais a internalização
de um saber ambiental a partir de um “conjunto de disciplinas, visando a construir um campo
de conhecimento capaz de captar as multicausalidades e as relações de interdependência dos
processos de ordem natural e social que determinam as estruturas e mudanças
179
socioambientais” (JACOBI, 2005, p. 245). O conhecimento produzido pelo compartilhamento
de saberes socializados de diferentes áreas de atuação estimula o sentido de compreensão de
totalidade do território na gestão da bacia a partir dos problemas e demandas ambientais
locais. Ainda, tendo a água como foco comum, o espaço geográfico unitário da bacia
possibilita potencializar as práticas educativas para integração de diferentes áreas de atuação
de âmbito local articuladas ao contexto ambiental global, como exemplo, os efeitos das
mudanças climáticas nos alagamentos recorrentes da cidade.
O enfoque de Porto (2008) será considerado para abordar bacia hidrográfica como
sendo “um ente sistêmico, é onde se realizam os balanços de entrada proveniente da chuva e
saída de água através do exutório, permitindo que sejam delineadas bacias e sub-bacias, cuja
interconexão se dá pelos sistemas hídricos” (PORTO, 2008, p. 3).
Para a autora, as atividades humanas são desenvolvidas no espaço geográfico
definido como território da bacia hidrográfica. Sendo tal espaço constituído por “todas as
áreas urbanas, industriais, agrícolas ou de preservação fazem parte de alguma bacia
hidrográfica... o que ali ocorre é conseqüência das formas de ocupação do território e da
utilização das águas que para ali convergem” (PORTO, 2008, p. 3).
Santos (2002) complementa a abordagem, afirmando que este espaço geográfico é
constituído por um sistema de objetos e um sistema de ações, sendo os objetos um “produto
de elaboração social ... um resultado do trabalho”. A ação é o próprio homem e resulta de
necessidades “essas... materiais, imateriais, econômicas, sociais, culturais, morais, afetivas, é
que conduzem os homens a agir e levam a funções” (SANTOS, 2002, pp. 64-82). Considera,
ainda, as potencialidades dos diferentes espaços e indica elementos que iluminam a reflexão
sobre a noção de espaço geográfico como híbrido dos sistemas de objetos e de ações, sendo a
intensionalidade, as normas e o território elementos significativos para se estabelecer outra
possibilidade de globalização. Essa, a partir do princípio do pensamento único à consciência
universal, como base para uma inteligência planetária que tenha como foco central a
sustentabilidade da vida na sociedade.
Santos também contribui para ampliar o conceito de redes ao considerar as “redes
nas dialéticas do território”, atribuindo dimensões diferenciadas no contexto das atividades
humanas e do espaço, enquanto totalidade. Assim, o princípio de sustentabilidade presente nas
práticas sociais configura-se como importante conteúdo de aprendizado socioambiental
adquirido pelas lideranças que atuam no território da bacia hidrográfica. Também contribui
para esse aprendizado a participação de tais lideranças na construção de uma cidadania
socioambiental local no âmbito da bacia, constituindo-se como oportunidade de boas práticas
180
de sustentabilidade.

3 APROXIMAÇÃO DA UNIDADE TERRITORIAL - A BACIA DO RIO BARIGUI

Os aspectos metodológicos da pesquisa serão a seguir indicados. O problema da


investigação pode ser expresso pela seguinte questão: como se constitui o caráter educativo na
dimensão das práticas de sustentabilidade das lideranças que atuam na área da bacia do rio
Barigui, a partir do espaço da escola?
Esta pesquisa terá uma abordagem qualitativa, tendo como sujeito de investigação
as lideranças a partir do espaço escolar, organizações da sociedade civil e administradores
públicos. O objeto a ser pesquisado refere-se às práticas educativas de sustentabilidade no
território da bacia hidrográfica. Considera-se para esta investigação os elementos
articuladores das práticas pedagógicas no espaço escolar, relacionando-se com os diferentes
atores sociais no território geográfico da bacia hidrográfica do rio Barigui.
O objetivo geral considerado para a pesquisa busca analisar a dimensão educativa
que se constitui a partir das práticas de sustentabilidade na relação espaço escolar e bacia
hidrográfica.
Os objetivos específicos estabelecidos são: aprofundar a compreensão teórica
sobre práticas educativas de sustentabilidade no espaço escolar e bacia hidrográfica; conhecer
as práticas educativas de sustentabilidade na escola e na comunidade a partir de indicadores
socioambientais que fornecem referenciais sobre boas práticas de sustentabilidade no
território da bacia hidrográfica do rio Barigui; sistematizar, a partir dos indicadores
levantados, os elementos articuladores da dimensão educativa de sustentabilidade na escola e
no território da bacia do rio Barigui; categorizar as práticas educativas de sustentabilidade no
espaço escolar e no território da bacia do rio Barigui; e divulgar os resultados da pesquisa
proposta a partir de diferentes eventos e publicações.
Quanto aos objetivos operacionais de pesquisa considera-se: organizar rede
integrada de pesquisa constituída por diferentes áreas de conhecimento, instituições de ensino
e órgãos públicos; articulação das parcerias institucionais e de pesquisadores; planejamento
para realização das etapas da pesquisa.
Outro objetivo é a organização de um banco de dados sobre: indicadores
socioambientais de boas práticas de sustentabilidade no espaço escolar e na bacia do rio
Barigui; práticas educativas de sustentabilidade promovidas no espaço escolar, por
organizações da sociedade civil e administração pública municipal no âmbito da bacia do rio
181
Barigui. Também, caracterizar de forma integrada as diferentes políticas, equipamentos
sociais e atores envolvidos no território da bacia do rio Barigui a partir de dados
georeferenciados; realizar com as instituições parceiras, graduandos, pós-graduandos e
pesquisadores, encontros para planejamento, divulgação e acompanhamento periódico dos
resultados da pesquisa.
A estratégia metodológica a ser adotada para este projeto de pesquisa terá como
referência a noção de rede de pesquisa como instrumento de relacionamento e investigação,
visando potencializar as competências e os resultados produzidos pela pesquisa. As relações
entre os participantes da rede de pesquisa possibilitam complementar suas competências com
as habilidades dos outros participantes de acordo com a afirmação de que “essas relações
interinstitucionais cooperativas, que procuram facilitar para que seja atingido o objetivo
comum, garantindo a autonomia e independência de cada participante, é denominada rede
organizacional” (BULGACOV & VERDU, 2001).
Destaca-se que este modelo de organização de pesquisa no Brasil é recente, sendo
pouco utilizado na sua potencialidade. No entanto há indicações positivas para a realização da
investigação, a partir da formação de redes de pesquisa no que se refere aos efeitos
organizacionais de suas formas e conteúdo “à proporção que se desenvolvem e se enraízam; e,
também, por meio do resultado do trabalho de alguns pesquisadores inovadores, que
acreditam na força das relações e da confiança entre as pessoas, sejam estas profissionais ou
sociais” (BULGACOV & VERDU, 2001).
Outro aspecto positivo na formação de redes de pesquisa está na possibilidade de
constituição de ações cooperativas e de parcerias nas diferentes dimensões do processo de
pesquisa, de acordo com a firmação de que

a cooperação nas ações de pesquisa podem conduzir ao compartilhamento de


recursos e informações, ao estabelecerem novas áreas de investigação, no uso de
programas e metodologias e redução de tempo e custos. A cooperação é um pré-
requisito para a inovação, solução de problemas e desempenho. Além disso, as
parcerias podem representar corte nas distâncias para o ingresso nas esferas
internacionais de investigação, com projetos grandes e pequenos, que estabeleçam
parcerias no exterior e no país (BULGACOV & VERDU, 2001).

A pesquisa terá como prioridade seguir os procedimentos metodológicos desta


abordagem, ou seja, com organização da rede de pesquisa e de planejamento das etapas a
serem realizadas de acordo com cronograma a ser atendido. A diretriz no que se refere ao
projeto de pesquisa terá como enfoque de abordagem a pesquisa qualitativa de coleta e análise
dos dados. Os instrumentos de coletas de dados são: documentos das diferentes políticas

182
públicas que atuam no território da bacia; e entrevistas semi-estruturadas com lideranças do
espaço escolar, das organizações da sociedade civil e da administração pública. A
metodologia de análise envolve a sistematização, categorização e debate teórico sobre
indicadores e práticas educativas.
Tais procedimentos terão sua concretude na bacia hidrográfica do rio Barigui que
se caracteriza por estar localizada na maior sub-bacia do Estado, a bacia hidrográfica do rio
Iguaçu. Está entre as seis sub-bacias de Curitiba, compostas pelos rios Passaúna, Belém,
Atuba, Ribeirão dos Padilhas, Iguaçu e Barigui.
Esta bacia é a maior em área, ocupando 32,58% de área da cidade com 140,8
quilômetros quadrados e cortando a cidade de norte a sul, o que a caracteriza tipicamente
como uma bacia de rio urbano. Ainda: ocupa um terço da área urbana, um terço da população
do município reside nesta bacia em um terço dos bairros da cidade.
Assim, sua população reside em 143.081 domicílios, sendo 25.908 domicílios em
assentamentos irregulares (18,11%), possui 56,49 m² de área verde por habitante, 99% dos
domicílios com abastecimento de água, 60% domicílios com rede de esgoto e 100%
domicílios com coleta de lixo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em síntese, esta pesquisa possibilitará a identificação da dimensão educativa que


se constitui a partir das práticas educativas de sustentabilidade, a partir da escola como pólo
articulador de ações socioambientais no território da bacia do Rio Barigui. O aspecto inovador
de tais práticas se expressa em considerar o território da bacia hidrográfica como prioridade
do planejamento e gestão de ações integradas locais, visando a melhoria da qualidade da água
dos rios, articuladas ao contexto da problemática ambiental global, a exemplo dos efeitos das
mudanças climáticas.
A inserção da escola no cenário da gestão da cidade por bacia hidrográfica
constitui-se, em si, como uma prática educativa inovadora, diante do atual quadro de
problemas, riscos e crise ambiental da sociedade contemporânea que, segundo Jacobi (2005),
se deve- considerar as “boas práticas de sustentabilidade” a partir de uma atuação inovadora
nos planos locais e regionais, destacando-se as práticas sociais empreendedoras dos diferentes
atores sociais na perspectiva de uma nova racionalidade que possibilite a articulação entre
natureza, técnica e cultura.
Considera-se este projeto de pesquisa como possibilidade de contribuir para
183
aprofundar a compreensão da realidade escolar no contexto urbano a partir do território da
bacia hidrográfica. Também, ilustrar uma possibilidade de boas práticas de sustentabilidade
ao disponibilizar os resultados da pesquisa para contribuir com indicadores, tanto na análise
da inter-relação entre escola, educação ambiental, riscos socioambientais, gestão da água e
sustentabilidade da cidade, quanto com indicadores que possibilitem qualificar os
instrumentos de política e gestão sustentável da cidade, considerando a escola como “lócus”
privilegiado de atuação.

5 REFERÊNCIAS

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Curitiba: Sanepar, 2010

BULGACOV, S. & VERDU, F.C. Redes de pesquisadores da área de administração: um


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JACOBI, P. Educação para a cidadania: participação e co-responsabilidade. In:


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MENDONÇA, F. S.A.U. Sistema Ambiental Urbano: uma abordagem dos problemas


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PORTO, M.F.A. & PORTO, R.L. Gestão de Bacias Hidrográficas. In: Estudos Avançados,
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doutorado, Faculdade de Educação, da Universidade de São Paulo, 1995.

STAHEL, A. W. Capitalismo e entropia: os aspectos ideológicos de uma contradição e a


busca de alternativas sustentáveis. In: Desenvolvimento e natureza: estudos para uma
sociedade sustentável. Cavalcanti, Clóvis. (org.). São Paulo: Cortez, Pernambuco: Fundação
Joaquim Nabuco, 1995.

185
A ENERGIA NUCLEAR E O DIREITO AO MEIO AMBIENTE
ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO 113

Allan Bavoso Larocca 114

INTRODUÇÃO

Em dias em que está declarado que o Homem é o principal e talvez o único


responsável pela destruição que vem ocorrendo no planeta Terra em virtude da grande
quantidade de emissão de gases poluentes, torna-se relevante à sociedade compreender os
mecanismos alternativos de obtenção de energia para continuar exercendo o seu modo de
produção capitalista.
O capitalismo, a partir da Revolução Industrial, possibilitou que a existência
humana estivesse pautada na indústria. Esta, por sua vez, só poderia ser sustentada com a
emissão de gases que agredissem o meio ambiente, ocasionando, ao longo dos séculos o tão
conhecido efeito estufa, ocasionando a constatação de mudanças climáticas até então
desconhecidas.
Neste contexto, o presente estudo tem o condão de inquirir sobre os caminhos a
serem seguidos pelo Homem na obtenção de uma energia alternativa, através da conquista de
novos métodos, com a ajuda das pesquisas científicas, deixando para trás a velha queima de
combustíveis fósseis que, comprovadamente, está sendo a causadora da destruição lenta e
contínua do Meio Ambiente e do Planeta.
Paralelamente, observa-se o desenvolvimento da energia nuclear ao redor do
Globo, inclusive no Brasil permitindo a consideração por muitos estudiosos do tema, como
uma “fonte limpa”, visto que não há grandes emissões de gases, como numa termoelétrica,
por exemplo. Muito embora permaneça atrás das energias solar e eólica.
Em contrapartida, constata-se que o grande problema da utilização deste tipo de
energia é quanto à sua segurança, visto que a sociedade já presenciou grandes catástrofes em
usinas nucleares - como a de Chernobyl na Ucrânia e recentemente Fukushima no Japão - e os

113
O presente texto é parte integrante da pesquisa realizada sobre a energia nuclear e a sadia qualidade de vida
no direito brasileiro do “Jus Vitae - Pesquisa em Biodireito e Bioética”, sob coordenação da professora Maria da
Glória Colucci.
114
Graduando em Direito pelo Centro Universitário Curitiba. Pesquisador bolsista da FUNADESP. Membro do
“Jus Vitae, pesquisa em Biodireito e Bioética”. Experiência profissional na Procuradoria de Justiça do Estado do
Paraná.
186
problemas decorrentes delas à saúde do Homem e do Meio Ambiente.
A Constituição da República consagra, em seu artigo 225 que o Meio Ambiente
ecologicamente equilibrado é um direito de todos, sendo que cabe ao Poder Público defendê-
lo e preservá-lo para as futuras gerações.
Através do dispositivo constitucional supracitado percebe-se que o fundamento
elementar de proteção do meio ambiente é o Homem e consequentemente a sua dignidade.
Por este motivo toda e qualquer legislação infraconstitucional concernente ao tema deve estar
pautada na dignidade da pessoa humana.
Neste sentido, pode-se averiguar a existência de várias normas que regulamentam
a energia nuclear e os danos que dela podem decorrer, como o Decreto 911, de 3 de setembro
de 1993 que promulga a Convenção de Viena sobre Responsabilidade Civil por Danos
nucleares, de 21 de maio de 1963.
Além desta há uma vasta legislação correlata ao tema que regulamenta a pesquisa,
a utilização e os riscos atinentes à energia atômica, como a Lei 4118 de 1962 115, que dispõe
sobre a Política Nacional de Energia Nuclear e cria a Comissão Nacional de Energia Nuclear;
o Decreto 71207 de 1972, que promulga o Acordo de Cooperação relativo aos usos civis de
Energia Atômica, dentre outras que serão objeto de estudo da presente pesquisa, da qual este
artigo é uma síntese.
Portanto, se obedecidas todas as diretrizes estabelecidas pelos conselhos e órgãos
nacionais e internacionais responsáveis pela energia nuclear - como a Agência Internacional
de Energia Atômica (AIEA), o Conselho Nacional de Energia Nuclear (CNEN), entre outros -
ela pode ser um bom meio alternativo diante do caos previsto pelas pesquisas e estatísticas
ambientais, principalmente após a Declaração da ONU sobre as mudanças climáticas e a atual
Conferência Mundial em Copenhagen que vem alarmando a sociedade sobre o provável caos
em que se viverá se a sociedade continuar a poluir o meio em que se vive.
Por outro lado, a pesquisa sobre a utilização da energia nuclear deverá se pautar
sobre todos os princípios da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos
(UNESCO, 2006), sobretudo os que possuem relação com a Energia Nuclear e as pesquisas
em torno dela como o princípio que estabelece a relação entre benefício e dano; o principio da
Responsabilidade Social e Saúde; o que visa a proteção das gerações futuras; o princípio da
proteção do Meio Ambiente, da Biosfera e da Biodiversidade, e sobretudo o princípio da
Dignidade Humana e Direitos Humanos.

187
Enfim, o presente estudo procurará cotejar o direito fundamental ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado e a energia nuclear, para, no final, tentar responder se o
uso da energia atômica coexiste, ou não, com o direito a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado.

2 ENERGIA NUCLEAR

2.1 CONCEITO. GERAÇÃO

A energia nuclear é a energia retirada do núcleo de um átomo. Contudo, para


conceituá-la melhor, é necessário compreender um pouco sobre a estrutura do átomo
(HOUAISS, 2001, p. 1143)
Todo átomo é formado por um núcleo central, onde estão os prótons e os
nêutrons, estes não possuindo carga elétrica e aquele, carga elétrica positiva. Ao redor do
núcleo gravita uma região denominada de eletrosfera, de modo que nela se encontram os
elétrons, com carga elétrica negativa (GOLDEMBERG, 1997, p. 9).
O átomo de um determinado elemento é caracterizado pelo número de prótons
existentes em seu núcleo. Assim, o Hidrogênio – que é o mais simples de todos os elementos
– possui apenas um próton; o Hélio, dois prótons; o Carbono, seis; o Ferro, 26; o Chumbo, 82;
e o átomo de Urânio, objeto do presente estudo, possui 92 prótons em seu núcleo.
Pelo fato do número de prótons caracterizar o elemento, se este número for
alterado, obviamente que o átomo passará a ser um outro elemento.
Outra característica dos átomos é que existem muitos que são estáveis, ou seja,
seu núcleo não sofrerá alterações ao longo dos tempos. Outros, todavia, são passíveis de
mudança no número de prótons em seu núcleo, sendo, portanto, instáveis.
O Urânio é um grande exemplo disso, pois, devido à sua instabilidade, pode se
desintegrar, dando origem a novos átomos, com menor número de prótons. À guisa de
exemplo, da divisão do deste átomo poderá surgir um átomo de Estrôncio, com 38 prótons, e
um de Xenônio, com 54 prótons. Nessa reação, quem se divide é o núcleo e, por isso, tal
divisão é chamada de fissão nuclear, ou seja, quebra, rompimento do núcleo.
Esta desintegração do núcleo pode ocorrer naturalmente – o que levaria milhões
de anos – ou de modo artificial.

188
Foi no final dos anos 30 que se descobriu que a fissão do núcleo do átomo de
Urânio poderia ser provocada em laboratório. Mais especificamente em 1938, quando dois
cientistas alemães, Otto Hahn e Fritz Strassmam cindiram o átomo de Urânio pela primeira
vez e observaram uma incrível liberação de energia. Após esta descoberta, foi criada a
primeira forma de uso pacífico da tecnologia nuclear, uma pilha atômica.
Para que o processo de fissão ocorra bastaria “bombardear” o núcleo do átomo
utilizando nêutrons, pois funcionam como projéteis. O nêutron, ao penetrar no núcleo do
Urânio, faz com que este se torne muito instável, provocando a fissão do núcleo.
Estes três nêutrons irão provocar a fissão em mais três átomos, e assim por diante,
gerando, em cada bombardeio, grande liberação de energia. Sucessão esta denominada de
reação em cadeia. Vale ressaltar que através desta reação, um grande número de fissões
nucleares poderá ocorrer em um espaço ínfimo de tempo (menos que um segundo, v.g.).
Referida reação se dá em progressão geométrica, pois se um átomo bombardeado
gera outros dois, estes gerarão quatro e assim por diante, ocasionando uma grande liberação
de energia. É o que ocorre no interior da bomba atômica. Portanto, o poder destrutivo da
bomba se deve ao fato dessa reação em cadeia ocorrer de forma descontrolada.
Deste modo, da grande quantidade de energia que é liberada, a consequência
natural é uma explosão. Assim é o funcionamento da bomba atômica, segundo o Decreto nº
911, de 03 de setembro de 1933.

2.2 OS EFEITOS DA RADIOATIVIDADE

A radioatividade pode ser conceituada como a emissão de radiações provenientes


de átomos instáveis, como o de urânio. Esta radiação se dá por meio da exalação de altas
doses de energia, por meio de partículas ou ondas.
Os três principais tipos de radiação nuclear são as radiações alfa, beta e gama. A
radiação alfa é uma partícula composta por dois prótons e dois nêutrons. O poder de
penetração é muito pequeno, pois pode ser até mesmo absorvida por uma folha de papel. Ao
incidir sobre a pele humana, penetra poucos milímetros.
A radiação beta, entretanto, é uma partícula igual a um elétron. Seu poder de
penetração sobre a pele humana é um pouco maior que a radiação alfa, pois pode incidir até
dois centímetros.
Todavia, a mais forte das radiações é a radiação gama, pois possui alto poder de
penetração. Semelhantemente às ondas de luz e de rádio, ao transpor o corpo humano, pode
189
até mesmo atravessá-lo (GOLDEMBERG, 1997, p. 16).
Além dos vários tipos de lesões que podem ser produzidas nas células e tecidos
vivos, essas radiações podem provocar interferências nas estruturas do corpo responsáveis
pela hereditariedade, podendo produzir até mesmo esterilidade ou câncer, pois alteram os
padrões de reprodução e estrutura celular (BRANCO, 1993, p.75).
Por este motivo, grande é a preocupação quanto à utilização da energia atômica.
Para tanto, seguem abaixo alguns dados disponibilizados por José Goldemberg, em seu livro
sobre a energia nuclear a partir da medida de intensidade da radiação, atribuída em “rem”, e
seus efeitos para surgirem os sintomas, bem como os efeitos sobre o corpo.
(GOLDEMBERG, 1997, p. 17). Cumpre destacar que a dose tolerável é de 0,003 rem/hora ou
0,1 rem/semana, de modo que a radiação natural é de 0,001 a 0,002 rem/hora.
O prazo para surgirem os primeiros sintomas de 1000 a 5000 rem, é de uma a duas
semanas. Seus efeitos sobre o corpo humano são de diarréia, desequilíbrio na composição do
sangue e 100% de probabilidade de morte.
Quando a intensidade de radiação varia entre 600 a 1000 rem’s, os prazos para
surgirem os sintomas variam entre quatro a seis semanas, de modo que os efeitos dessa
radiação sobre o corpo são o de queda acentuada do número de leucócitos do sangue,
manchas na pele, derrame intestinal e 80 a 100% de probabilidade de morte.
Os sintomas surgem de quatro a seis semanas quando a medida de intensidade de
radiação varia entre 200 a 600. Os efeitos sobre o corpo de quem se submete a esta radiação
são semelhantes aos acima explicados, como manchas de pele, derrame intestinal e queda no
número de leucócitos do sangue; sendo a probabilidade de morte de 50%.
Os sintomas para quem se submete à medida de intensidade de radiação variando
entre 100 e 200 são o de pequena queda do número de leucócitos e risco de câncer a longo
prazo, de modo que não há prazo conhecido para o aparecimento dos primeiros sintomas.
Por fim, quando a medida de intensidade da radiação é de 0 a 100, os efeitos sobre
o corpo são de náusea e vômitos apenas e não há probabilidade de morte, além de não haver
prazo para surgirem os sintomas (GOLDEMBERG, 1997, p. 18). 116

2.3 ORIGEM

116
Todos estes dados da medida de intensidade da radiação (rem), bem como o prazo para surgirem os sintomas
(analisado em semanas) e os efeitos sobre o corpo de quem se submete aos níveis aqui evidenciados, estão
disponíveis no livro de Goldemberg,1997.
190
Foi no final dos anos 30 que se descobriu que a fissão do núcleo do átomo de
Urânio poderia ser provocada em laboratório.
Em 1938, dois cientistas alemães: Otto Hahn e Fritz Satrassman cindiram o átomo
de urânio pela primeira vez e observaram a grande quantidade de energia que esta divisão
liberava. Após esta descoberta, foi criada a primeira forma de uso pacífico desta nova e
revolucionária tecnologia, a pilha atômica.
Esta descoberta pelos dois cientistas alemães - Otto Hahn, químico que viveu
durante o período compreendido entre 1879 e 1968, e Fritz Srassman, nascido em 1902 e
falecido em 1980 – proporcionaram-lhe o Prêmio Nobel de Química em 1944, os quais, por
grande invento em época remota, podem ser considerados como os pais da energia nuclear
(FOLHA, 1996, p. 433).

2.4 ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL. O ACORDO TEUTO-BRASILEIRO

O desenvolvimento da energia nuclear no Brasil se deu nos anos anteriores a


1968. Entretanto, as atividades na área nuclear, até então, não puderam ser chamadas de
energia nuclear, pois o que ocorria no País era a instalação de reatores nucleares de pesquisa e
desenvolvimento da energia atômica (GOLDEMBERG, 1997, p. 27).
Este marco inicial não poderia ser dado espontaneamente e, por isso, o Brasil
colocou em primeiro plano a política nuclear do país ao firmar em 1975, com a República
Federativa da Alemanha, um acordo nuclear denominado de “Átomos da Paz”, do presidente
Eisenhower.
O acordo abrangeu os campos da prospecção, extração e processamento de
minérios de urânio, bem como a produção de compostos deste mineral; a produção de reatores
nucleares e outras instalações nucleares; o enriquecimento de urânio e serviços de
enriquecimento, e a produção de elementos combustíveis irradiados. Em suma, o Brasil iria
fornecer o Urânio que de grande quantidade dispúnhamos e a Alemanha forneceria a
tecnologia e conhecimento necessários.
Com isto, dois reatores nucleares de pesquisa usando urânio enriquecido – um em
São Paulo e outro em Belo Horizonte – foram instalados. Contudo, o tipo de reator que foi
aqui instalado não utilizava urânio enriquecido, e, por isso, foi necessário enriquecer este
minério nos Estados Unidos através de um acordo de cooperação entre os países, com o
objetivo de fornecimento de combustível para a central nuclear. Este foi o grande empecilho
para os avanços no desenvolvimento da tecnologia nuclear eminentemente brasileira
191
(GOLDEMBERG, 1997, p. 27).
Em virtude da instabilidade política do Brasil, as tentativas de se instalar os
reatores e seguir efetivamente para o desenvolvimento da energia atômica foram fracassadas.
Foi somente em meados de 1968 que as atividades nucleares no Brasil tomaram um rumo
mais preciso quando, durante o governo Costa e Silva, foi decidido comprar um reator
nuclear.
A decisão supracitada teve origem no Relatório de Grupo Especial, editado pelo
Decreto nº 60.890 de 22 de junho de 1967. Tal grupo foi formado por representantes do
Ministério das Minas e Energia, do Conselho de Segurança Nacional e da Comissão Nacional
de Energia Nuclear. A finalidade básica deste grupo foi a de estabelecer as diretrizes que
vigeram até 1974.
O lugar escolhido para a instalação da central foi a praia de Iatorna, em Angra dos
Reis, e com a assinatura deste acordo iniciaram-se as obras de construção na praia e a compra
e instalação do reator norte americano, pronto para ser utilizado.

2.4.1 Contexto Histórico Mundial

No período compreendido entre o final da II Guerra Mundial (1945) e a extinção


da União Soviética (1991), o mundo estava bipolarizado política e economicamente
(ARRUDA, 1994, p. 314). Estados Unidos e União Soviética disputavam qual seria a melhor
doutrina econômica para o planeta. Socialismo ou Capitalismo?
Os dois países exerceram então, uma forte influência nos outros que estavam ao
seu redor, e o Brasil se encontrava ao lado dos norte americanos. Deste modo, estes
exerceram grande domínio sobre o Brasil, patrocinando, entre outras coisas, a ditadura militar.
Ao mesmo tempo, o mundo havia visto as catástrofes que a bomba atômica ocasionou nas
cidades de Hiroshima e Nagasaki; bombas estas lançadas para evidenciar o poderio militar
dos EUA frente à União Soviética.
Foi neste contexto histórico mundial que o Brasil deu um importante passo em
busca de sua emancipação econômica – industrial e energética, ao assinar com a República
Federal da Alemanha um acordo de cooperação nuclear entre os dois países.

2.5 A ENERGIA NUCLEAR NO MUNDO

Igual às inúmeras tentativas de acordos de paz entre árabes e palestinos, que


192
nunca deram certo, os acordos para a não utilização e não proliferação de armas nucleares
continuam a pulular no cenário mundial. Tentativas de acordos em virude da percepção do
potencial lesivo das bombas atômicas sempre permearam as notícias internacionais.
Recentemente, no dia 8 de abril de 2010, houve mais uma destas tentativas, com a
assinatura de um pacto nuclear entre Estados Unidos e Rússia. Países estes que detém o maior
número de ogivas nucleares – 9400 e 13070, respectivamente (TAVARES, 2010, p.1).
O objetivo principal deste novo acordo é reduzir para 1550 ogivas cada um,
porém, a partir desta redução constata-se que não há a intenção de eliminar completamente,
pois “os dois países poderão manter 800 plataformas de lançamentos de mísseis
intercontinentais” (GAZETA DO POVO, 2010, p. 22).
O presidente norte-americano demonstrou estar realmente comprometido em
reduzir o arsenal nuclear, ao afirmar que só iria utilizar este armamento caso seu país sofresse
invasão de mesma proporção. Por isso, ”o novo Start - sigla em inglês para denominar este
acordo - é um elemento chave nos esforços globais para impedir a disseminação de armas
atômicas” (TAVARES, 2010, p.1), afirmou Kingston Reif, diretor de não proliferação nuclear
do Centro de Controles de Armas de Washington.
Para demonstrar o esforço pragmático do governo norte-americano, foi realizada
no dia 12 de abril de 2010 o Encontro de Segurança Nuclear, como um desdobramento do
acordo assinado, onde mais de 40 países estavam representados pelos seus líderes, inclusive o
Brasil, na tentativa de não medir esforços para lançar o embrião do que seriam os primeiros
passos a um consenso para a definitiva eliminação de armas nucleares (TAVARES, 2010,
p.1).
Todavia, o que ainda preocupam os países que estão colaborando com esta
redução é o Irã e a Coréia do Norte. A Coréia abandonou o Tratado de Não Proliferação de
armas nucleares em 2003 e ainda conduz uma política nuclear sigilosa, além de que, em 9 de
outubro de 2006, testou uma bomba atômica (BALDRATI, 2006,p.1).
Outro grande entrave à eliminação total das armas nucleares é o Irã que, na figura
de Mahmoud Ahmadinejad, declarou expressamente o desejo de liquidar Israel e estabelece
uma política de enriquecimento de Urânio que, segundo o presidente é para fins pacíficos,
além de declarar que as investigações da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica)
são muito abusivas (BALDRATI, 2006, p.1).
Ora, ao declarar que o seu intento é liquidar Israel, obviamente que seu
discurso se revela contraditório. O que o Irã precisa conquistar é a credibilidade da
Comunidade Internacional, visto que, diferentemente da Coréia do Norte que está
193
desenvolvendo seu programa nuclear como uma tentativa de mantimento do regime ditatorial
de Kim Jong-il o Irã pretende, expressamente declarado, utilizar o desenvolvimento nuclear
para destruir Israel, caso consiga fabricar bombas atômicas (BALDRATI, 2006, p.1).
Pode-se concluir, portanto, que o mundo pós II Guerra Mundial é um mundo cuja
trajetória se dá por decisões políticas entre os países, visto que, caso aqueles que detêm o
poderio nuclear quisessem dele se utilizar para resolver conflitos poderia haver uma guerra
nuclear:, que seria a 3ª Grande Guerra? Ou até mesmo a destruição do Meio em que se vive.
Enfim, não cabe aqui tal questionamento, pois este não é o objetivo de análise da pesquisa.
Deste modo, deve a sociedade global exaltar o acordo assinado entre os países e realmente
pressioná-los para uma efetiva redução de suas ogivas nucleares e também lutar pelo consenso
de outros países que não fazem parte de nenhum acordo nuclear.

2.6 BENEFÍCIOS

A utilização da energia nuclear representa um mecanismo alternativo para a


obtenção de energia, sobretudo em tempos em que o “aquecimento global” amedronta a
humanidade acerca da perpetuação do Homem no planeta Terra.
Por este motivo, a energia nuclear poderá ser a solução para que o Homem
consiga manter o seu ritmo de desenvolvimento sem, entretanto, destruir o meio em que se
vive. Para tanto, a seguir passar-se-á à breve análise dos dois principais benefícios de sua
utilização, quais sejam: a desnecessidade do País possuir potencial hidrelétrico, bem como as
aplicações tecnológicas que se utilizam desta energia, dentre outros que não fazem parte do
presente texto, por razões didáticas.

2.6.1 Potencial hidrelétrico

A energia elétrica brasileira advém, sobretudo, das hidrelétricas. Contudo, o


potencial remanescente que os rios brasileiros possuem – excluindo o da bacia Amazônica –
não é muito grande, mormente quando as estatísticas demonstram que o consumo de
eletricidade cresce a 10% a cada ano, sendo que o consumo dobra a cada setenta anos. Por
isto, a energia nuclear representaria uma solução para o aumento crescente do consumo de
energia elétrica, em face da diminuição progressiva do potencial hidrelétrico
(GOLDEMBERG, 1997, p.38).
Por outro lado, sob o argumento de que a taxa de crescimento do consumo
194
acompanha o Produto Nacional Bruto, quando o PNB baixar o consumo de eletricidade
também baixará e, por isso a utilização da energia atômica não seria de grande importância.
Segundo a teoria da impossibilidade de geração de eletricidade a partir dos rios
afluentes, o potencial dos afluentes dos principais rios geradores de energia elétrica, como o
rio Amazonas, por exemplo, estão distantes demais para serem utilizados e por isso
necessitaria de outra forma de energia para dar conta da demanda (GOLDEMBER, 1997,
p.38).
Em sentido diverso, a hidroeletricidade pode ser transportada a longas distâncias
sem perder a capacidade de gerar energia, a exemplo do que ocorre com a usina hidrelétrica
de Itaipu, que, de Foz do Iguaçu, Paraná, transporta energia para muitos lugares do Brasil.

2.6.2 Aplicações e Avanços Científicos

Em que pese a energia atômica ser comumente conhecida para a geração da


energia elétrica, sua utilização também é muito útil em outras áreas, como na saúde,
arqueologia, agricultura, no meio ambiente e também na indústria.
Na saúde pode-se citar a incidência na Medicina Nuclear, quando são injetadas
substâncias radioativas na veia do paciente, que podem diagnosticar doenças ou mal
funcionamento dos órgãos; a fabricação de drogas onde hormônios do crescimento, usados
para tratar crianças com deficiência de crescimento, são produzidos em bioreatores; na
esterilização de materiais plásticos, como seringas e luvas, que são irradiados para a indústria
farmacêutica em processos de esterilização. Também pode ser aproveitada para o tratamento
de queimaduras, quando membranas de hidro-gel usadas para tratar queimados são expostas à
radioatividade durante o processo de fabricação (SOARES, 2012, p.37).
As aplicações acima elencadas são as menos conhecidas formas de utilização da
radiação para o tratamento da saúde. Contudo, a energia obtida do núcleo dos átomos está
muito presente no cotidiano das pessoas, os casos de radioterapia contra o câncer, em que uma
dose elevada de radiação é dirigida contra a região afetada, atacando e destruindo células
cancerosas; e no diagnóstico, como os aparelhos de raios-X, tomógrafos e equipamentos de
ressonância magnética que empregam radiação para mostrar uma imagem interna do corpo do
paciente e auxiliar no diagnóstico dos pacientes (SOARES, 2012, p.50).
Não obstante os avanços na área médica, a radiação também é utilizada pelos
historiadores e arqueólogos para a datação de peças com valor histórico, por meio de material
irradiado, o Carbono 14 (SOARES, 2012, p.37).
195
A agricultura também se utiliza de radioisótopos quando da conservação de
alimentos, de modo que a irradiação preserva por mais tempo frutas ou legumes que precisam
ser transportados a longas distâncias; no desenvolvimento de sementes, em que radioisótopos
alteram o código genético das sementes para que se tornem mais resistentes às pragas; e para
estudos do solo, em que fertilizantes marcados com elementos radioativos possibilitam o
estudo de métodos de absorção de nutrientes pelas plantas e de infiltração da água no
solo(SOARES, 2012, p.37).
O emprego de material nuclear também é observado pela Indústria, quando do
diagnóstico de equipamentos, as radiografias podem ser usadas para demonstrar um
equipamento quebrado dentro de alguma grande máquina ou uma tubulação rompida de um
oleoduto, o que seria muitas vezes difícil para um técnico fazer tal trabalho; uma fonte de
radiação e um detector também são empregados para medir a espessura, densidade ou nível de
materiais em processos industriais. Os radioisótopos também podem ser adicionados ao fluxo
de líquidos e gases permitindo uma fácil detecção de vazamento dessas substâncias em
processos fabris. Por fim, o tratamento de pedras como cristais, topázio, diamante e pérola
pode ser facilitado pela radiação, ao receberem radiações ionizantes para mudar cores e
aumentar seu valor (SOARES, 2012, p.37).
Por derradeiro, a radiação nuclear é útil para a detecção de poluição, nos casos em
que algumas técnicas se socorrem da radioatividade para determinar o local de ocorrência dos
poluentes, a quantidade deles na terra, água, solo e ar.

2.7 ACIDENTES NUCLEARES

2.7.1 Chernobyl 117


Situada na Ucrânia, perto da fronteira com Belarus – antiga república que pertencia à
extinta União Soviética, a central Nuclear de Chernobyl foi o palco do maior desastre nuclear
ocorrido em uma usina atômica.
No início da madrugada de 26 de abril de 1986, técnicos da usina realizavam testes e,
com uma grande ingenuidade, aproveitaram-se do desligamento de rotina e decidiram
observar como funcionava o reator com baixo nível de energia.
A explosão liberou uma nuvem radioativa que contaminou pessoas, animais e o meio

117
SOARES, C. Irã no centro da polêmica nuclear. Atualidades, vestibular + Enem. Editora Abril. São
Paulo:2010. p. 44 - 45

196
ambiente numa ampla extensão da Europa, visto que a energia que foi liberada do interior do
reator arrebentou a parede superior do edifício e o ar exterior entrou em contato com a central,
favorecendo a rápida combustão com a grafite, que continuou queimando e soltando material
radioativo por mais dez dias.
Em 1986, para proteger melhor a população, os “liquidadores” construíram um abrigo
de concreto e aço sobre o reator 4 da usina. O objetivo da construção conhecida como
“sarcófago” era o de manter isolado o material com alto nível de radioatividade, impedindo
que continuasse a emitir radiação.
Todavia, após duas décadas do acidente, estes “sarcófagos” apresentam rachaduras,
por onde a água das chuvas se infiltra e por este motivo, um projeto internacional prevê a
construção de uma nova estrutura, em forma de aço, que até o final de 2011 deverá cobrir
integralmente o antigo edifício.
Como se vê, mesmo após vinte anos decorridos do acidente nuclear, ainda há
preocupação no sentido de que a radioatividade contamine o meio ambiente e o Homem.

2.7.2 Three Mile Island 118


Ocorrido na data de 28 de março de 1979, no estado da Pensilvânia, Estados
Unidos, o acidente na usina nuclear de Three Mile Island é considerado como o mais grave
antes de Chernobyl. Em que pese ter havido o derretimento parcial do reator, a radioatividade
foi controlada e, felizmente, não deixou mortos ou feridos.
Na época, o governador da Pensilvânia, Richard Thornburgh, recomendou que as
pessoas que moravam ao redor da usina deixassem suas casas, sobretudo as mulheres
grávidas, ocasionando o êxodo de aproximadamente 140 mil pessoas. Contudo, para
transmitir segurança às pessoas e de que tudo estava controlado, o Presidente Jimmy Carter
visitou pessoalmente o local, na data de 1º de abril do mesmo ano.
Realmente, o acidente não resultou em maiores problemas, porém a
descontaminação da usina e da água que continham a radioatividade só se completou 14 anos
depois, em 1993 e, segundo relatório oficiais do governo norte-americano, não houve
aumento de risco do de câncer ou outros problemas de saúde para a população local,
decorrentes da radioatividade emitida na região, graças ao correto controle pós acidente, à boa
qualidade do material e, sobretudo, à qualidade conhecimento técnico daqueles que

118
SOARES, C. Irã no centro da polêmica nuclear. Atualidades, vestibular + Enem. Editora Abril. São
Paulo:2010. p. 46.

197
trabalharam na usina antes, durante e depois do acidente; o que não se deu em Chernobyl,
conforme alhures.

2.7.3 Césio 137 119


No Brasil, o problema do lixo radioativo pôde ser observado no ano de 1987
quando dois sucateiros encontraram uma cápsula de Césio 137 utilizada para o tratamento da
saúde das pessoas por radioterapia. Abandonado nas dependências do Instituto Goiano de
Radioterapia, o material foi levado até a casa de um deles que, impressionado pelo brilho azul
da substância radioativa, vendeu a um ferro velho, cujo dono permitiu que várias pessoas
manuseassem o material, sem saber, no entanto, do perigo que ele continha.
Este triste e inédito acontecimento matou quatro pessoas imediatamente e deixou
mais de seiscentas contaminadas pela exposição ao Césio – 137. O motivo foi a negligência
no descarte do material radioativo, demonstrando, mais uma vez, o perigo que o não
tratamento com o lixo nuclear pode ocasionar à sadia qualidade de vida das pessoas.

2.7.4 Fukushima
Os dados atinentes ao acidente ocorrido no Japão em 2011 ainda eram muito
frágeis, não havendo outra alternativa a não ser escrever resumidamente o que aconteceu a
partir das notícias dos jornais, revistas, sites e televisão.
A usina de Fukushima foi construída de maneira (todas as usinas do Japão) a
pararem de funcionar no caso de um terremoto. Nela existe um sistema alternativo que
funciona com bombas a diesel que deve funcionar de modo subsidiário com o intuito de
esfriar o núcleo do reator. Por causa da água do Tsunami, além do sistema primário de
refrigeração, essas bombas a diesel também não funcionaram. Elas falharam e então os
reatores se mantiveram muito quentes, e desde então as autoridades japonesas estavam
tentando resfriar o núcleo dos reatores.
Com os acidentes nucleares acima expostos, importante é o questionamento sobre
se este tipo de energia afeta, ou não, o meio ambiente em que se vive. Para tanto, mister é o
estudo do que dispõe a Carta Política brasileira acerca do direito fundamental do Homem a
um meio ambiente ecologicamente equilibrado. É o que se fará adiante.

119
SOARES, C. Irã no centro da polêmica nuclear. Atualidades, vestibular + Enem. Editora Abril. São
Paulo:2010. p. 46.

198
3 MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

3.1 MEIO AMBIENTE E DIREITOS HUMANOS

Diante dos evidentes danos causados ao meio ambiente em que o Homem é


considerado como o principal, talvez o único, responsável por sua destruição, torna-se
relevante estabelecer um limiar de aproximação entre os direitos do Homem, ou Direitos
Humanos, e os direitos do meio ambiente.
Em que pese a proteção do Homem e do meio ambiente tenham sido tratados
paralelamente, para Marum:

É necessário buscar maior aproximação entre eles, porquanto correspondem aos


principais desafios do nosso tempo, a afetarem em última análise os rumos e
destinos do gênero humano. (MARUM, 2002, p. 117)

Segundo o Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Antônio Augusto


Cançado Trindade, há uma inter-relação na proteção dos direitos humanos e do meio
ambiente, demonstrando que ambos convergem para o objetivo de assegurar a todos os
habitantes uma vida digna (MARUM, 2002, p. 117).
A história do direito ambiental remonta a épocas muito antigas, entretanto, a
preocupação ambiental só começou a se correlacionar com o direito à vida e com sua
qualidade de vida saudável posteriormente à 2ª Guerra.
Reconhecer o meio ambiente como necessário a assegurar a sadia qualidade de
vida se deu com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966
que, em seu art. 12, estabeleceu o direito a um nível de vida adequado, por meio da garantia
que o ser humano tem do direito à saúde. Portanto, para os signatários do Pacto toda pessoa
desfrutará “o mais elevado nível de saúde física e mental” (MARUM, 2002, p. 129)
Com isto, foi demonstrado que em 1966 já havia a percepção de que uma vida
digna e saudável depende de um meio ambiente sadio e equilibrado. Assim, o caminho para o
reconhecimento futuro de um direito a um meio ambiente sadio estava aberto.
Contudo, o grande marco para a consagração do meio ambiente como um direito
fundamental do ser humano a fim de assegurar-lhe a sadia qualidade de vida se deu com a
conferência das Nações Unidas, dobre o meio ambiente humano, realizada pela ONU em
1972, reconhecendo a “Declaração de Estocolmo” (MARUM, 2002, p. 130).
Com a Declaração houve a consagração do meio ambiente como direito

199
fundamental ao Homem, essencial à dignidade da vida humana.
Assim, começa a se revelar uma nova dimensão dos direitos do Homem: os
direitos da humanidade, pois os bens juridicamente protegidos pertencem a todo o gênero
humano, das presentes às futuras gerações.
Nas palavras de Fábio Konder Comparato (MARUM, 2002, p. 117):

Atinge-se, assim, o quarto estágio na ampliação da titularidade subjetiva dos direitos


humanos, tendo-se passado, historicamente, da proteção dos indivíduos (os direitos
civis e políticos) à dos grupos sociais carentes no interior de cada Estado (os direitos
econômicos, sociais e culturais), avançando-se em seguida para a proteção dos
povos e, finalmente, para a afirmação dos direitos fundamentais de toda a
humanidade.

Malgrado a Convenção de Estocolmo tenha sido a primeira e a mais importante no


sentido de iniciar-se uma preocupação com o meio ambiente, ela não foi a única, pois logo
após várias outras Convenções e Tratados começaram a pulular no cenário ambiental mundial.
Dentre as principais, convém ressaltar a “Convenção Relativa à Proteção o
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural” – promulgada no Brasil pelo Decreto 80.978 de
12.07.1977 – que criou obrigações específicas para os Estados signatários, no que tange à
preservação do meio ambiente.
Outra importante legislação de proteção ao Meio em que se vive foi a “Convenção
sobre o Direito do Mar”, assinada em 10.12.1982, em Montego Bay, na Jamaica, e aprovada
no Brasil pelo Decreto Legislativo n.º 5, de 09.11.1987 e promulgada pelo Decreto 99.165 –
de 12.03.90 – a qual foi declarada em vigência pelo Decreto nº 1.530 de 22.06.1995. Nesta
Convenção ficou reconhecida especial proteção ao fundo do mar, onde o seu leito, e, para
MARUM (2002, p. 131):

os fundos marinhos e subsolo, além dos limites da jurisdição nacional, constituem


patrimônio da humanidade a ser preservado e explorado no interesse de dos seres
humanos.

Entrementes, foi realizada em 1992, no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações


Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, resultando na “Declaração do Rio”, dando
ênfase para o conceito de “Desenvolvimento Sustentável.
Foi firmada também a “Convenção Sobre a Diversidade Biológica” – aprovada no
Brasil pelo Decreto Legislativo n. 2º, de 03.02.1994, e promulgada pelo Decreto n.º
16.03.1998. Nela foi regulado o direito da humanidade à preservação do equilíbrio do planeta.
Ou seja, o equilíbrio do meio ambiente passou a ser evidenciado como necessário para a
manutenção da vida digna, de modo sadio.

200
No mesmo sentido, a “Convenção sobre Diversidade Biológica”, a “Convenção
sobre Mudança Climática” e a “Agenda 21”, estabelecendo um programa de atividades a
serem realizadas pelos países, n século 21, visando a preservação do equilíbrio ecológico em
face do desenvolvimento econômico e social (MARUM, 2002, p. 132).
Seguindo a tendência mundial, o Brasil também começou a olhar de modo
diferente para as questões ambientais. Assim, convém destacar o Código Florestal (Lei 4771
de 15.09. 1965), o Código de Caça ( Lei 5.197, de 03.01.1967), o Código de Pesca (Decreto
Lei n.º 221, de 28.02.1967), bem como o Código de Mineração (Decreto Lei nº 227, de
28.02.1967).
Destarte, as inovações trazidas pela tendência mundial de proteção ao meio
ambiente podem ser expressas no artigo 1º do Código Florestal, que assim dispõe:

Art. 1° As florestas existentes no território nacional e as demais formas de


vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse
comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com
as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.

Assim, ao reconhecer que as florestas existentes no território nacional e as


outras formas de vegetação são bens de interesse comum a todos os habitantes, o âmbito de
proteção a meio ambiente foi ampliado a todas as pessoas.
Aos poucos novos diplomas foram sendo introduzidos, como a Lei de
responsabilidade por Danos Nucleares (Lei 6453, de 17.10.1977); a Lei de Zoneamento
Industrial nas Áreas Críticas de Poluição (Lei 6803, de 02.07.1980); a Lei de Política
Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6938, de 31. 08.1981) e a Lei de Agrotóxicos (Lei7802,
de 11.07.1989).
Entretanto, em que pese a gradativa introdução de diplomas legais tratando o
direito ao meio ambiente, tal tutela não era regulada pela Constituição vigente à época.
Somente com a Constituição Federal de 1988 é que houve o reconhecimento do
direito ao meio ambiente como um direito humano fundamental, trazendo consequências de
grande relevância para o Sistema Jurídico brasileiro (MARUM, 2002, p. 13).
Em primeiro plano, houve a consciência da irrevogabilidade desse direito,
constituindo-se em uma verdadeira cláusula pétrea.
Segundo lições de Comparato (MARUM, 2002, p. 134):

a elevação do direito ao Meio Ambiente como um direito ampliou a consciência


ética coletiva, justificando, de certo modo, a “irreversibilidade dos direitos já
declarados oficialmente, isto é, do conjunto dos direitos fundamentais em vigor.

201
O princípio da irrevogabilidade do direito ao meio ambiente faz com que
dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que se relacionem com o meio ambiente
não possam ser alterados de modo a suprimir ou enfraquecer esse novo direito fundamental.
Existem, entretanto, outras consequências diretas e correlatas ao tratamento do
direito ao meio ambiente como um direito fundamental, como a integração plena e imediata
dos pactos, tratados e convenções internacionais que versem sobre o tema, no Sistema
Constitucional brasileiro (MARUM, 2002, p. 134).
Para evidenciar que o direito ao meio ambiente é um direito fundamental adotado
pela Carta Magna, necessária se faz a observação do disposto no art. 5º, §§ 1º e 2º da Carta
Política. 120
Assim, se os direitos e garantias que já estão expressos na Constituição não
excluem os decorrentes de Tratados Internacionais nos quais o Brasil é signatário,
consequentemente tais princípios estão incluídos no rol de direitos e garantas vigentes no
País, adquirindo patamar constitucionais, características de cláusula pétrea e aplicabilidade
imediata (MARUM, 2002, p. 134).
É da tradição constitucionalista internacional e brasileira a abertura do texto
constitucional a novos direitos que venham aumentar o rol já existente. Assim, o disposto no
referido artigo é uma cláusula aberta a novos direitos fundamentais, sejam eles decorrentes
dos princípios constitucionais, sejam eles produtos dos tratados internacionais de que o Brasil
seja parte (MARUM, 2002, p. 135).
Deste modo, os pactos, convenções e tratados internacionais relativos ao meio
ambiente são albergados pela Carta Política brasileira integrando assim o rol dos direitos
fundamentais. Desta qualidade estão revestidos, v.g., a “Convenção relativa à Proteção do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural”, a “Convenção sobre o direito do Mar”, a
“Convenção sobre a Diversidade Biológica”, a “Convenção sobre a Mudança Climática”, bem
como a “Declaração Universal dos Direitos humanos e bioética” (MARUM, 2002, p. 134).
Outrossim, na hipótese de conflitos entre dispositivos dos Tratados e normas de
Direito interno, deverá prevalecer, obviamente, a norma que mais favoreça ao direito
fundamental ao meio ambiente.
Neste sentido, preleciona Cançado Trindade:

120
§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
202
Regendo a mesma gama de relações, dos indivíduos ante o Estado, o direito
internacional e o direito interno apontam aqui na mesma direção.
Portanto, prossegue o mesmo autor, Não mais há pretensão de primazia de um ou de
outro, como na polêmica clássica e superada entre monistas e dualistas. No presente
domínio da proteção, a primazia é da norma mais favorável às vítimas, seja ela de
direito internacional ou de direito interno. Este e aquele aqui interagem em benefício
dos seres protegidos. É a solução expressamente consagrada em diversos tratados de
direitos humanos, de maior relevância de suas implicações práticas. Merecedora de
maior atenção, tem curiosamente passado quase despercebida na doutrina
contemporânea. (COMPARATO, 1999, apud MARUM, 2002, p. 43)

Destaca-se o fato de que a qualificação do direito ao meio ambiente como um


direito fundamental do ser humano propicia a proteção mais efetiva desse direito, pois o seu
cumprimento pode ensejar a responsabilização do país perante os organismos internacionais
de defesa dos direitos humanos.
Isto posta pode-se concluir que o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente
equilibrado é um direito fundamental, mesmo não estando incluso no título “Dos direitos e
garantias fundamentais” da Constituição.
Assim, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui cláusula
pétrea, em virtude da qual tal direito fora admitido no sistema constitucional por força da
cláusula aberta do art. 5º, §2º, da Constituição, onde os pactos, tratados e convenções relativas
ao meio ambiente, aprovados pelo Brasil, integram o sistema constitucional dos direitos
humanos fundamentais.

3.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 – UMA CONSTITUIÇÃO ECOLÓGICA

Os primeiros movimentos ambientalistas surgidos na década de 70 vieram com


um discurso que, à época, era considerado como irrelevante e sem sentido, tido como apenas
uma “moda”. Tais movimentos destacavam a importância da preservação e cuidado com o
meio ambiente, ressalvando que era muito importante conservá-lo para as futuras gerações.
Contudo, quanto mais avançavam os tempos, aquilo que era visto como algo
infundável foi se mostrando uma constatação da realidade.
Neste sentido assevera Gilberto Passos de Freitas que ”as graves conseqüências da
degradação ambiental provocaram uma profunda mudança no modo de pensar da
humanidade” (FREITAS, 2009, p. 53).
Esta mudança levou os Poderes a, além de coibir ações lesivas ao meio ambiente,
criar um arcabouço legal para protegê-lo.
É neste ínterim que a Constituição de 88 decidiu elevar a proteção ao meio

203
ambiente e a sadia qualidade de vida decorrente desta tutela, à categoria de Princípio
Constitucional de 3ª geração, pois, adentra ao rol dos direitos difusos e coletivos.
Afora estas características, cabe ressaltar que a Constituição brasileira foi, à
época, a primeira no mundo a tratar especificamente do meio ambiente.
O cuidado com o cidadão foi tão grande quanto a esta questão que o constituinte
dispôs que seria direito de todo cidadão lutar por um ambiente sadio e ecologicamente
equilibrado e isto é lutar pela dignidade da pessoa humana e, consequentemente, pela sadia
qualidade de vida.
Além disto, a Carta Política de 88 criou efetivos mecanismos para a proteção
deste direito: a ação popular (art. 5º, LXXIII); o mandado de segurança individual (art. 5º,
LXIX), ou coletivo (art. 5º, LXX); o mandado de injunção (art. 5º, LXXI); ou indiretamente
por meio da Ação Civil Pública.
Outro grande avanço da Constituição Federal foi correlacionar o meio ambiente à
sadia qualidade de vida. Logo no Preâmbulo, o constituinte asseverou que a Constituição
destina-se, entre outros direitos, o de assegurar o bem-estar do cidadão. No art. 1º, a
República brasileira tem por fundamento a dignidade da pessoa humana e mais, no art. 3º, é
objetivo da República promover o bem de todos.
Ora, ao estabelecer que um dos objetivos do Brasil era o de promover o bem de
todos e assegurar a dignidade da pessoa humana, pode-se concluir que, ao estabelecer no art.
225 que proteger o meio ambiente é essencial para promover a sadia qualidade de vida, a
conclusão a que se pode chegar é que há uma intrínseca relação entre o meio ambiente e a
pessoa humana. Portanto, lutar por um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado é lutar
pela vida, pela dignidade da pessoa e, consequentemente, pela sadia qualidade de vida.

3.3 MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO – UM DIREITO


CONSTITUCIONAL

A proteção constitucional de um meio ambiente ecologicamente equilibrado foi o


resultado de um processo que radicalizou na proteção da dignidade da pessoa humana, de que
dispõe o art. 1º, III da Carta brasileira. 121
Além da sadia qualidade de vida, o art. 225 discorre sobre um meio ambiente

121
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:[...] II - a dignidade da
pessoa humana;
204
ecologicamente equilibrado. Mas, como é próprio do Direito, há a necessidade de se
interpretar a letra da lei, ou verba legis, e, mormente na Constituição Federal, que carrega um
significado semântico muito extensivo de tudo o que está nela escrito, é necessário realizar
uma hermenêutica extensiva dos termos “meio ambiente ecologicamente equilibrado”. É o
que se pretende realizar a seguir.
Muito embora possam parecer sinônimos, as palavras “meio” e “ambiente”
significam, para Rodrigues:

a soma das condições externas e das influências que afetam a vida, o


desenvolvimento e, em última análise, a sobrevivência de um organismo, sendo,
assim, o conjunto de sistema externo físico e biológico no qual vivem o homem e os
outros organismos. (RODRIGUES, 2009, p. 48)

A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6938/81) define o meio


ambiente como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física,
química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Dentro deste conceito percebe-se que o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado é decorrente do direito à vida, no sentido de que só iremos ter uma vida
qualificada e sadia em um ambiente equilibrado (RODRIGUES, 2009, p. 49).
Convém ressaltar que o termo empregado pelo constituinte abrangeu o meio
ambiente artificial, ou construído pelo Homem como edificações urbanas, ou seja, as cidades;
o meio ambiente cultural, ou seja, bens que possuem valor histórico, artístico, arqueológico,
paisagístico ou turístico, além de dispor sobre o meio ambiente de trabalho, que são os
aspectos físicos e sociais onde se realizam atividades laborativas. 122
Por sua vez, a análise do termo equilibrado depreende-se o sentido de que o
equilíbrio só é permitido quando fatores variados convivam ao mesmo tempo sem haver
prevalência indevida de cada um (RODRIGUES, 2009, p. 49).
Condensando os conceitos supra explanados chega-se à conclusão que para que
haja um meio ambiente ecologicamente equilibrado é necessário, para Rodrigues (2009), que:

os vários elementos, seres e fatores que integram as diversas condições de existência


para o nascimento e o desenvolvimento da vida, em suas várias dimensões, devem
coexisti em uma situação em que cada um desempenhe plenamente a sua função.

A proteção constitucional recai sobre diversos tipos de bens, como o ar


atmosférico, fauna, flora, solo, água, patrimônio genético, meio urbano, patrimônio cultural,

122
Neste sentido: ADIn – MC nº 3540/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ de 03/02/2006.

205
ambiente de trabalho, entre outros. Por isso é que se considera que os bens ambientais têm
natureza extra-patrimoniais, sendo que este direito só pode ser gozado e usufruído de maneira
coletiva, ou seja, todos possuem o mesmo direito; tanto as presentes, quanto as futuras
gerações. E sendo um bem de uso comum do povo toda a sociedade tem direito aos elementos
integrantes deste direito. É neste sentido que tal direito é considerado por muitos
doutrinadores como direitos de 3ª dimensão, ou geração (MENDES, 2008. p. 234).
Ao tratar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como essencial à
sadia qualidade de vida, a Constituição estabeleceu relação entre o direito à saúde do Homem
e o direito ao meio ambiente. Ademais, tanto a pessoa humana quanto o meio ambiente
convivem em conjunto e por isso, a coexistência entre eles deve ser equilibrada, não devendo
haver, portanto, a prevalência de um sobre o outro; entenda-se: do Homem sobre o meio
ambiente. A Carta também revelou estreita relação entre o direito à saúde da pessoa humana e
o direito ao meio ambiente.
Assim, revela-se importante a proteção do meio ambiente, tendo em vista que esta
tutela é uma forma de profilaxia de diversas doenças e promoção de intenso bem estar físico e
mental. É fundamental, portanto, para uma efetiva proteção da saúde do Homem.
Neste sentido, percebe-se que a intenção da Constituição não é apenas proteger a
saúde do Homem isoladamente dos outros elementos da vida, mas sim buscar relacionar o
meio ambiente à sadia qualidade de vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A energia nuclear sempre foi um tema em voga quando o mundo atravessa crises
que não sabe responder. Na década de 70, diante da crise mundial do petróleo, os homens
viam na energia nuclear a única fonte alternativa ao petróleo, que estava muito caro, e
pensavam as pessoas da época que a energia nuclear seria a alternativa para todos os
problemas.
No entanto, mesmo com a explosão das bombas em Hiroshima e Nagasaki, os
países insistiram na construção de usinas em diversos países. Porém, devido à falta de
conhecimento técnico e até mesmo de tecnologia suficiente, os acidentes de Three Mile Island
e Chernobyl colocaram novamente o terror nas pessoas que, decididas a nunca mais ver tanta
barbárie, afastaram o interesse por esta energia.
Todavia, o desenvolvimento da pesquisa científica demonstrou que o Homem está
causando uma lenta “destruição” do Planeta, e o aquecimento global tornou-se um tema em
206
voga, afastando por completo o interesse por fontes não renováveis de energia, como o carvão
e o petróleo, pois estes liberam gases que colaboram com o efeito estufa, renascendo,
infelizmente, o interesse pela energia atômica.
Entretanto, esta energia se mostrou novamente ineficaz ante os acontecimentos
recentes de Fukushima, os quais fizeram pulular reiteradas manifestações ao redor do globo
sobre os riscos de uma usina nuclear, alterando até mesmo decisões governamentais, como o
Brasil, que repensou sobre a necessidade ou não das usinas de Angra I, II e III, face à grande
matriz energética brasileira.
Contudo, o atual entrave quanto ao progresso desta matriz energética são os países
comandados por radicais, como no caso do Irã, que vem sendo constantemente sancionado
pela ONU, por não explicar os motivos pelo qual mantém o desenvolvimento nuclear em seu
país, haja vista o deliberado desejo do presidente iraniano em “destruir” Israel, conforme se
tem notícias.
Sob outro vértice, o constituinte brasileiro dispôs na Carta que o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental do Homem, de modo que cabe
a todos promover o equilíbrio ambiental, aliando o desenvolvimento econômico à preservação
do meio ambiente. Porém muitos países, inclusive o Brasil, pensam que é impossível aliar o
desenvolvimento econômico e preservação ambiental, não regulando de modo efetivo as
condições que imponham ao Poder Público restrições para diminuir o desequilíbrio ambiental
e assim coadunar com o disposto na Carta Magna.
É verdade que muitas legislações estão em vigor no País, porém elas estão sendo
aplicadas? De que adianta, por exemplo, o Código Florestal estabelecer que as florestas são
patrimônio comum a todos os habitantes se reiteradamente noticia-se o crescente
desmatamento da maior floresta do mundo?
E ainda, os acidentes nucleares evidenciam que os efeitos da radioatividade são
nefastos à saúde humana e ao equilíbrio ecológico, pois a radiação tem o poder de causar
mutação genética, ocasionando prejuízo às pessoas da presente e, pior, das futuras gerações.
Isto posta haveria solução para o Brasil? Existe a necessidade de gastar vultosas
quantias em dinheiro para construir e remodelar as usinas brasileiras?
Em face do direito fundamental que todas as pessoas têm de usufruir um meio
ambiente ecologicamente equilibrado, e sem a pretensão de esgotar o tema debatido,
apresenta-se como a melhor saída o aumento dos investimentos nas fontes limpas, como as
energias eólica e solar, e na pesquisa científica sobre os efeitos da energia nuclear no meio
ambiente.
207
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Tribunal Pleno, DJ de 03/02/2006.

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0911.htm. Acessado em
11.12.2009

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GAZETA DO POVO. EUA e RÚSSIA decidem reduzir em 30% o armamento nuclear.


Gazeta do Povo, Curitiba, 27 mar. 2010. Mundo.

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<http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf>. Acesso em 09. mar. 2010.

209
ANÁLISE BIOÉTICA DO PROJETO DE LEI (1.876/99) QUE DEU INÍCIO AOS
DEBATES SOBRE O NOVO CÓDIGO FLORESTAL (12.651/12)

Kauê Augusto Oliveira Nascimento 123


Ana Paula Donicht Fernandes 124

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas a civilização humana tem passado pelo limiar da sua
condição. A evolução do desenvolvimento científico e tecnológico humano e a consequente
potencialização da utilização dos recursos existentes acarretaram em um processo de consumo
e degradação do homem ao meio, que ameaça a sua própria existência.
Diante do significativo impacto que a espécie humana tem causado ao planeta em
que habita, acelerado após a Revolução Industrial, terríveis consequências estão se
desencadeando como: o efeito estufa, derretimento das calotas polares, destruição da
biodiversidade, desertificação, poluição de recursos hídricos, entre outros (GUTIÉRREZ,
2008). Braña e Grisólia (2012), corroboram e citam que nosso desenvolvimento ocorreu de
forma desequilibrada, por meio do gozo dos bens ambientais em patamares cada vez maiores
e seguindo escalas comerciais sem atentar para a finitude dos recursos. Este panorama
acelerou o desgaste das fontes naturais, em um processo contínuo e autodestrutivo.
Irland (1994) cita que a ética ambiental exige por parte do ser humano
responsabilidades com a natureza, que tem aumentado a cada dia a discussão religiosa e ética,
algo que nunca foi tão discutido como nos dias de hoje. Este ainda afirma que a nossa
habilidade para afetar o clima do planeta está ficando clara para todos.
Weyermüller (2010) descreve a sociedade atual como uma sociedade industrial
que se transformou em uma sociedade de risco, na qual os perigos que sempre existiram,
como os eventos naturais, são potencializados e muitas vezes provocados diretamente pela
ação humana. Este ainda enfatiza que estes eventos, antes oriundos do acaso, agora são
relacionados como resultados das decisões tomadas pelo homem durante o processo de
exploração do meio ambiente.
É possível entender a situação atual quando se observa a configuração da

123
Engenheiro Florestal, Universidade Federal do Paraná. Curitiba - kaue_nascimento@hotmail.com.
124
Engenheira Florestal, Msc. em andamento, Universidade Federal do Paraná. Curitiba –
anapauladfernandes@yahoo.com.br.
210
sociedade, baseada em um conceito fundamentalmente antropocêntrico, baseada na escola da
ética tradicional, representada por Kant. Esta atribui ao ser humano posição de destaque
dentro da natureza, ou seja, concede maior valor ao homem em relação às outras espécies,
utilizando a racionalidade como condição necessária e suficiente. Por esse prisma, o homem
tem o domínio absoluto sobre a natureza, não cabendo qualificar as ações do homem em
relação às outras espécies (GUTIÉRREZ, 2008).
A partir desse conceito, desenvolveu-se o pensamento utilitarista, que ainda
reconhecia a superioridade humana, mas atribuía valor instrumental aos recursos que fossem
de interesse do homem, visando a utilização racional e responsável da natureza, de forma a
beneficiar e satisfazer os interesses humanos atuais e futuros. Rolla (2010) discute o assunto,
este afirma que o antropocentrismo utilitarista é uma característica encontrada nas diferentes
sociedades humanas não sendo assim característica exclusiva da cultura ocidental, como
muitos consideram. À natureza é atribuído um valor instrumental a proporção que o ser
humano é livre para impor sua vontade que encontrará limites nas liberdades de outras
pessoas, ignorando totalmente as variáveis bióticas e ambientais que não o homem.
Esta escola de pensamento é a mais presente na sociedade atual, representada no
decorrer do tempo pela crescente escassez dos recursos naturais e seus efeitos avassaladores
às economias de desenvolvimento das nações e consequências trágicas às populações
humanas.
Para esclarecer os conceitos básicos abordados, a ética consiste por definição no
conhecimento racional que se preocupa em determinar o que é bom, enquanto que a moral se
atrela à escolha da ação que ocorre em determinada situação, até então aplicados somente às
relações humanas.
Com a crescente extinção de seres na natureza ocasionados pela perda de habitat,
efeitos da perda de equilíbrio ecológico que afetam diretamente ao homem, ou alterações no
meio natural ocasionadas pelas ações antrópicas, a sociedade começou a discutir e a querer
redesenhar os valores humanos e a ética tradicional, a partir da compreensão mesmo que
tardia da interdependência entre os seres, o que acarretou na consideração de outros seres
como passivos do direito de existir e satisfazerem suas necessidades.
Gutiérrez(2008) em seu estudo cita uma das vertentes não-antropocêntricas, e
afirma que a possibilidade de mudar as condições em favor de outro tipo de aproximação que
inclui a modificação dos valores e da conduta humana, assumindo a responsabilidade como
seres vivos e como parte do ecossistema global, busca respeitar as condições de vida de todos
os seres. A isso se chama biocentrismo, que é uma mudança radical no conceito
211
antropocêntrico, que atribuía o direito somente ao homem. O biocentrismo é definido
basicamente como o direito à vida e ao bem estar, igualando os direitos do homem em relação
a todos os seres vivos. Atribui-se ao biocentrismo um conceito fundamentado por Tom Regan
em 1981, de que todo ser vivo possui um “valor inerente”, pelo simples fato de existir, e por
essa razão merece respeito e possui valor moral. Esta forma de pensamento coloca o homem
como responsável, e ao mesmo tempo parte do meio ambiente, em igualdade com todos os
seres.
Rolla (2010) corrobora com os autores e conclui que o biocentrismo, na busca de
um ambiente equilibrado, possui a tarefa de conscientizar a sociedade sobre o valor intrínseco
da natureza que deve ser tratada então, como um fim em si mesma e não instrumentalmente,
como um meio. Mesmo com a descoberta de novos instrumentos para a recuperação e
proteção do ambiente, devido ao valor atribuído à natureza, o uso dos bens ambientais não
pode ser centrado apenas nos desejos humanos e satisfação de necessidades, mas sim na
interpretação da importância dos seres vivos e dos elementos abióticos que compõem o
ambiente.
A atribuição de direitos às futuras gerações humanas, a conservação do meio
ambiente e a perpetuação da existência dos seres vivos,são conceitos novíssimos que estão
emergindo na sociedade atual. A grande questão é que, estas discussões estão sendo pautadas
no meio científico e filosófico, sendo ainda pouco aplicadas na economia e nos planos
governamentais atuais, que mantém o foco de suas ações no desenvolvimento econômico
utilitarista e no incentivo ao consumo.

O PAPEL DA BIOÉTICA PERANTE A SOCIEDADE DESENVOLVIMENTISTA


ATUAL

Em razão da necessidade de se ampliar os beneficiados com o direito à vida e ao


bem estar, novos conceitos foram criados e estabelecidos de forma a exprimir essas mudanças
no pensamento filosófico e difundí-las. Um desses conceitos criados foi a bioética, termo
criado nos anos 70, que inicialmente foi relacionado ao desenvolvimento científico nas
ciências biomédicas, para criar um limite aos avanços tecnológicos da medicina moderna
(SÉGUIN, 2005). Com o passar do tempo, vários outros elementos e situações foram
relacionadas à pauta da bioética, sendo as questões ambientais e a sustentabilidade as mais
recentes.
A Bioética consiste basicamente na ampliação do conceito básico da ética, que
212
pode ser bem definida como a moralidade da conduta humana com o próprio homem, a
natureza e o aspectos do ambiente que o permeia, ou seja, refere-se às ações morais do
homem perante todos os elementos que compõem o meio ambiente. A ética ambiental faz
parte deste contexto, e foi discutida por Gutiérrez (2008) onde este afirma que em termos
gerais, a ética ambiental tem sido um processo de tomada de consciência crescente através do
tempo, que consiste na evolução do reconhecimento do valor das coisas existentes no mundo,
e este conceito propõe os princípios éticos que governam estas relações.
Braña e Grisólia (2012) enfatizam que o homem naturalmente não possuía
interferência na natureza, e esta não era diretamente afetada pelo homem, porém com o
desenvolvimento social, cultural e populacional surgiu a responsabilidade humana pelo
ambiente ao seu redor e posteriormente pela natureza. Além disso, os mesmos autores
afirmam que o progresso da tecnociência que conhecemos hoje, trouxe ao homem um
dimensionamento ainda desconhecido dos efeitos a longo prazo de suas ações, atribuindo a
humanidade a responsabilidade coletiva de manutenção da vida no planeta, e perpetuação dos
sistemas naturais.
Diante desta ótica, percebe-se que estes conceitos não têm sido aplicados à
sociedade atual, que prega pelo consumo exagerado, expansão econômica e bem estar da
sociedade humana, e que ignora quaisquer dano ou degradação causadas por este movimento
típico da ideologia econômica atual.
Em seu estudo, Rolla (2010) insiste em frisar que a civilização procura meios de
manter os padrões de vida atuais sem comprometer-se verdadeiramente com a conservação
dos recursos, apesar de ser um tema tão discutido. Este conclui que a crença nas
potencialidades humanas é tão intensa que por meio de novas descobertas pretende-se reduzir
os prejuízos já causados ao meio ambiente, prevenir futuros prejuízos e manter a produção
industrial de forma que atenda aos anseios dos indivíduos sem comprometer o acesso a um
ambiente saudável para as gerações futuras.
Barbosa e Drummond (1994) justificam que as elites dos países pobres têm uma
compreensível suspeita diante de argumentos relacionados à proteção dos recursos naturais, e
conceitos relacionados ao tema, que podem de fato servir para congelar o status quo 125político
e econômico. Assim, a discussão acercada superioridade do homem sobre a natureza pode
servir também a debates sobre as relações de desigualdade entre os humanos.
Weyermüller (2010) afirma que os avanços tecnológicos, o fortalecimento de

125
Status quo - é uma expressão latina que designa o estado atual das coisas.

213
empresas multinacionais e a supremacia da Economia são os aspectos de destaque, na difícil
conciliação entre o desenvolvimento global e a preservação do meio ambiente, indicando que
parte do problema está na própria lógica econômica, que é centrada no lucro, não em valores
ambientais.
Irland (1994) em seu estudo utiliza como exemplo os EUA, onde afirma que a
ética ambiental aparece singularmente como o problema mais difícil para os gestores
florestais. O desejo de perpetuação dos recursos florestais nas propriedades, assegurando o
manejo florestal sustentável, são geralmente desafiados pela dura realidade dos custos, forças
políticas ou ausência de autoridade para utilizar para a propriedade, visando o melhor uso da
terra. Além do mais, em vários casos há uma grande incerteza por parte da ciência a respeito
dos melhores empreendimentos a serem estabelecidos nas propriedades.
A evolução do conceito de ética ambiental e o recente interesse do homem na
consequência de suas ações para as gerações futuras, trazem a discussão das mudanças no
Código Florestal Brasileiro de 1965, tendo em vista que este é o regulador do uso das
diferentes formas de vegetação do país.
No Brasil, projetos de lei que defendem os interesses do meio ambiente não
conseguem tramitar. O Projeto de Lei (PL) 1.876/99, que modifica o Código Florestal de
1965, permaneceu 11 anos em tramitação no congresso e na câmara dos deputados. No
entanto, este substitutivo, denominado Projeto de Conversão, em seis dias foi para votação no
Congresso Nacional. O Deputado Federal Aldo Rebelo do PC do B/SP apresentou em 8 de
junho de 2010, à Comissão Especial do Código Florestal na Câmara dos Deputados, seu
relatório a propósito do PL 1.876/99 e apensos, dedicando-o, em suas mais de 200 páginas de
justificativas, “aos agricultores brasileiros”, e em 6 de julho de 2010 em Comissão Especial o
projeto foi aprovado por 13 votos a favor e 5 votos contra.
Barbosa e Drummond (1994) identificaram razões históricas que explicam a
postura da sociedade brasileira em relação ao seu patrimônio natural. Estes autores afirmam
que em um país como o Brasil, caracterizado por uma sociedade dividida entre o liberalismo e
a tradição advinda do familismo ibérico, as relações pessoais são privilegiadas em relação aos
conceitos de igualdade e respeito a outras formas de vida, e com isso, as regras e princípios da
sociedade não são respeitados da mesma forma, uma vez que as relações pessoais são mais
valorizadas. Num universo social como esse, marcado por éticas conflitantes, julga-se que a
eficácia do biocentrismo tende a ser mínima, pois as suas raízes são liberais, e o pouco de
liberalismo existente na nossa sociedade relacional está concentrado na vida institucional.
Com isso, o biocentrismo fica longe do cotidiano de homens e mulheres brasileiros
214
mergulhados em relações com os elementos não-humanos, relações essas que o biocentrismo
quer reformar radicalmente.
Buscamos, então, analisar as principais alterações que o PL nº 1.876/99 propõem
ao Código Florestal Brasileiro de 1965, no que diz respeito à contemplação de princípios
éticos sob duas perspectivas distintas, se o novo código possui princípios éticos dentro de uma
visão antropocêntrica utilitarista, ou uma visão biocêntrica, que considere os demais seres da
natureza, além do ser humano, em sua esfera bioética e moral.

O TEOR DAS PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO DO CÓDIGO FLORESTAL

O Relatório apresentado pelo Deputado Federal Aldo Rebelo do PC do B/SP em 8


de junho de 2010, à Comissão Especial do Código Florestal, implica questões éticas das
relações humanas desde a sua introdução, levantando questões tais como das pequenas
propriedades, da reforma agrária, dos agricultores seculares e de tantos outros que possuem
uma relação direta com suas consequências.
Já no artigo 1º do PL 1.876/99, onde diz que "Esta Lei estabelece normas gerais
sobre a proteção da vegetação, dispõe sobre as áreas de Preservação Permanente e a áreas de
Reserva Legal, estabelece e define regras gerais sobre a exploração florestal, o suprimento de
matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção
dos incêndios florestais, e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus
objetivos", pode-se perceber que aos demais elementos da natureza é negada a atribuição de
um valor intrínseco, já que são apenas vistos como produtos e matérias-primas, fundamentado
no conceito antropocêntrico visto anteriormente.
Sistematizando as propostas e os prejuízos que podem ocasionar, é possível
destacar três blocos de alterações que evidenciam modificação substancial na lógica do
desenvolvimento sustentável e nos princípios bioéticos da relação do homem com os demais
elementos da natureza. As modificações propostas no Substitutivo em relação ao Código de
65 foram justificadas no Relatório pela necessidade de eliminar ambiguidades, reduzir
imprecisões em relação aos seus limites e, do ponto de vista socioambiental, preservar a
viabilidade econômica das pequenas propriedades rurais.
O Código Florestal de 1965 definiu as Áreas de Preservação Permanente no seu
art. 1º, § 2º, inciso II, como: “área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou
não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a
paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger
215
o solo e assegurar o bem estar das populações humanas”.O art. 3º do PL n.º 1.876/99,
considera Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, como sendo as faixas
marginais de qualquer curso d'água natural, desde a borda do leito menor. Pelas regras atuais,
resolução do CONAMA 303/02, as APPs em faixas marginais devem ser medidas a partir do
nível mais alto do curso d’água, ou seja, após o nível alcançado por ocasião da cheia sazonal
do curso d’água perene ou intermitente.
Para Silva e colaboradores (2011), uma possível alteração na definição da APP
ripária, do nível mais alto do curso d’água, conforme determina o Código Florestal de 1965,
para a borda do leito menor, como é proposto no Substitutivo, representaria grande perda de
proteção para áreas sensíveis, para exemplificar, em um corpo d’água que deve nos termos do
Código Florestal atual, ter preservada uma APP de 30 m de largura contando do nível mais
alto alcançado pela água, nos termos do Substitutivo, se a projeção horizontal do nível mais
alto da água estiver a 10 m da borda do leito menor, esta faixa seria reduzida de 30 m (Código
Florestal) para 20 m (Substitutivo).
Fica evidente nesta proposta, uma visão antropocêntrica, no qual o homem é
superior aos demais seres, lhe concedendo maior valor do que ao restante das espécies,
colocando a racionalidade como condição necessária para atribuir valor moral, não
considerando os outros seres como consideramos os seres humanos, diante do direito à
existência como são. A visão de sustentabilidade que garante as necessidades da geração
presente sem afetar a habilidade das gerações futuras dá lugar à uma visão imediatista e
econômica de ocupação desordenada e utilização máxima dos recursos naturais.
Ainda existem os locais que, segundo o Substitutivo do PL n.º 1.876/99,
deixariam de ser APP:
− os topos de morro, montanhas e serras (art. 2º, alínea “d” do Código Florestal Federal);
− os locais com altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a
vegetação (art. 2º, alínea “g” do Código Florestal Federal);
− as florestas que integram o Patrimônio Indígena (art. 3º, § 2º, do Código Florestal Federal);
− as linhas de cumeada, em área delimitada a partir da curva de nível correspondente a dois
terços da altura, em relação à base, do pico mais baixo da cumeada, fixando-se a curva de
nível para cada segmento da linha de cumeada equivalente a mil metros; (art. 3º, VI, da
Resolução CONAMA n.º 303/2002);
− as restingas, em faixa mínima de 300 m, medidos a partir da linha de preamar máxima (art.
3º, IX, “a”, da Resolução CONAMA n.º 303/2002);

216
− as escarpas (art. 3º, VIII, da Resolução CONAMA n.º 303/2002);
− os locais de refúgio ou reprodução de aves migratórias; (art. 3º, XIII, da Resolução
CONAMA n.º 303/2002);
− os locais de refúgio ou reprodução de exemplares da fauna ameaçadas de extinção que
constem de lista elaborada pelo Poder Público Federal, Estadual ou Municipal; (art. 3º, XIV,
da Resolução CONAMA nº 303/2002);
− as praias, em locais de nidificação e reprodução da fauna silvestre (art. 3º, XV, da
Resolução CONAMA n.º 303/2002);
− as áreas de várzeas fora de APPs de cursos d’água.
Essas modificações pautadas em uma visão fracionada e utilitarista proporcionam
ocupações ilegais, além de serem prejudiciais a conservação do solo, recursos hídricos e
biodiversidade. A presença da vegetação nos topos de morro e encostas tem como função a
diminuição do impacto das chuvas e a regularização hidrológica, diminuindo processos
erosivos, enxurradas e deslizamentos em ambientes urbanos e rurais. Essa visão imediatista e
econômica, não considera que as áreas ocupadas ilegalmente em períodos de estiagem
consecutivas estão à mercê de inundações no período de chuvas, quando o rio tende a
reocupar suas planícies de inundação, colocando em risco as pessoas que ocuparem essas
áreas.
Entre os pesquisadores da SBPC e ABC, apresentado em Silva et. al.(2011), há
consenso de que as áreas marginais a corpos d’água – sejam elas várzeas ou florestas ripárias
– e os topos de morro ocupados por campos de altitude ou rupestres são áreas insubstituíveis
em razão da biodiversidade e de seu alto grau de especialização e endemismo. Além disso,
desempenham serviços ecossistêmicos essenciais, tais como a regularização hidrológica, a
estabilização de encostas, a manutenção da população de polinizadores e de ictiofauna, o
controle natural de pragas, das doenças e das espécies exóticas invasoras.
Em 1927, Fritz Jahr, citado por Goldim (2006), propõem um imperativo bioético:
“Respeite cada ser vivo por princípio como fim em si e trate-o, se possível, como tal”, esta
visão visa gerar uma relação harmoniosa com a natureza, reconhecendo seu valor intrínsico e
busca a igualdade entre as diferentes espécies. Preceito que não se reconhece quando se exclui
de proteção ambientes tão ímpares e frágeis espécies, ricas em biodiversidade e de extrema
vulnerabilidade à intervenções do homem.
Nunca os seres humanos souberam tanto sobre ciência e tecnologia em assuntos
da natureza como hoje, mas esse avanço no conhecimento precisa vir vinculado por valores

217
humanísticos e por meio de uma visão de mundo voltada a evitar atropelos e agressões cada
vez maiores a saúde humana e ambiental (BRAÑA e GRISÓLIA, 2012).
Com relação à Reserva Legal, o Substitutivo do PL n.º 1.876/99 expressa um novo
conceito às funções da área (art. 3º, inc. XI): “assegurar o uso econômico de modo sustentável
dos recursos naturais do imóvel” e de “auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos
ecológicos”. No código de 1965, tal espaço é definido como “necessário ao uso sustentável
dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos”.
O Código 4.771/65 expressa que a área de Reserva Legal deve ser conservada
com cobertura de vegetação nativa pelo proprietário do imóvel, possuidor ou ocupante a
qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado. Por sua vez, o PL
prevê a exploração econômica da Reserva Legal mediante plano de manejo florestal
sustentável, previamente aprovado pelo órgão competente do SISNAMA.
Visando preservar o potencial evolutivo e manutenção da integridade e
diversidade genética do ecossistema, faz-se necessária a regulamentação da exploração dos
recursos naturais, como necessidade de proteção ao meio ambiente frente a degradação, por
vezes, provocada.
Diferentemente do sistema restritivo do uso da terra no Brasil, Worrell (1973)
descreve que o sistema legal na América do Norte inicialmente permitia um alto grau de
liberdade individual no manejo das florestas em propriedades privadas. A filosofia do laissez
faire 126 assume que a sociedade poderia se beneficiar mais se cada indivíduo fizesse o que era
melhor para si. A obrigação moral dos proprietários com isso foi o manejo da terra buscando
o seu máximo benefício, contanto que isso não prejudicasse ou afetasse as propriedades no
entorno. As leis foram estabelecidas principalmente, com o objetivo de assegurar a liberdade
de escolha no uso das propriedades.
Este mesmo autor descreve que isto não funciona muito bem em áreas florestadas,
e eventualmente as leis tiveram de impôr proibições de destruição destes recursos.
Inicialmente, foram criadas restrições quanto ao uso do fogo. Posteriormente, incentivos para
proteção dos recursos florestais. Finalmente, em alguns estados dos EUA, regeneração
compulsória das florestas após a exploração florestal. Além disso, extinguiu-se a transferência
de propriedades privadas para públicas, prática bastante realizada até então (WORRELL,
1973).
O capítulo VI do Projeto de Lei, institui os Programas de Regularização

126
Laissez faire - expressão símbolo do liberalismo econômico, na versão mais pura de capitalismo de que o
mercado deve funcionar livremente, sem interferência.
218
Ambiental (PRA) elaborados pela União, nas áreas de seu respectivo domínio, pelos estados
ou pelo Distrito Federal e dispõe sobre a adequação dos imóveis rurais à presente Lei.
Ao aderir ao Programa, o proprietário ou possuidor gozará da isenção relativa à
cobrança das multas previstas nos artigos 43, 48, 51 e 55 do Decreto 6.514/2008, desde que a
infração tenha sido cometida até o dia anterior à data de sua publicação, 22 de julho de 2008.
Conforme o texto aprovado, o PRA poderá tornar regulares as atividades em área rural
consolidada (ocupação consolidada até 22 de julho de 2008), com edificações, benfeitorias e
atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio nas
APPs.
Esta proposta ultrapassa qualquer limite de moralidade, pois, além de conceder
anistia às propriedades agrícolas desmatadas irregularmente até 2008, premia os proprietário
que cometeram essas ilegalidades com a valorização de suas terras face às dos vizinhos que
obedeceram os limites legais.
Irland (1994) afirma em seu estudo que a ética ambiental em diferentes meios de
ação e profissionais como gestores, planejadores, cientistas, proprietários de terra, analistas do
governo e tomadores de decisão, todos têm de encarar a questão da integração da ética no uso
da terra, para nortear escolhas e opções para a propriedade, em relação aos que necessitam
dela para viver. Também é verdade que do ponto de vista da ética profissional no manejo das
propriedades e dos negócios, há um abismo enorme entre os mandamentos gerais da ética
ambiental e sua aplicação na vida diária. Este é o grande problema presente hoje no Brasil,
que cria leis restritivas com tendências conservacionistas, como o código de 65, mas que não
incentiva por meio de instrumentos de política públicaos proprietários de terra a conservarem
suas florestas, o que os obriga a descumprirem as leis, realizando o manejo da terra da forma
mais rentável possível, muitas vezes em desacordo com sua melhor utilização ou com a lei
vigente.
Worrell (1973) exemplifica que no caso das populações na América do Norte, a
medida que ocorre seu aumento,os efeitos dos danos ambientais tornam-se mais aparentes.
Com isso, diversas leis restritivas foram criadas consecutivamente entre os anos de 1948 e
1970, visando a mitigação da poluição dos recursos hídricos, poluição do ar, utilização de
pesticidas e especificações em relação ao manejo de florestas públicas. Esta lei, criada em
1970, forneceu as bases necessárias para o posterior controle da degradação ambiental nas
propriedades públicas e privadas.
Por este prisma, pode-se por meio de reflexões sobre as conclusões de Worrell,
em comparação ao código florestal brasileiro de 1965, afirmar o quão evoluída estava a
219
legislação ambiental e florestal do Brasil, que 5 anos antes já havia criado um código com
especificações para o manejo tanto de florestas públicas quanto privadas. Vale lembrar, que
até 1973, data do trabalho anteriormente citado, não haviam análises de impacto ambiental em
propriedades privadas nos países desenvolvidos da América do Norte. Além disso, é
importante ressaltar que o Brasil foi o primeiro país do mundo a criar o termo e o conceito de
“reserva legal”, e que o código de 1965, antes das alterações nos anos subsequentes à sua
criação, foi considerado um marco ambiental e um modelo de legislação para a proteção e
manejo de recursos naturais, até hoje utilizado como referência por diversas nações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O paradoxo causado por esta situação, até então não conscientizada pela
humanidade, leva a sociedade a repensar seus valores bioéticos, visando minimizar os efeitos
de sua existência sobre o planeta em contraposição ao modelo socioeconômico atual. Esta
situação causa um desconforto social, devido a não adequação dos governos a realidade nem à
criação de políticas públicas necessárias, talvez pela temeridade na perda de competitividade
no mercado e desaceleração econômica. Entretanto, a escolha por manter as ações
irresponsáveis para com o meio ambiente, a médio-longo prazo constituirão por agravar a
pobreza, a perda de áreas produtivas, poluição de recursos naturais essenciais e diminuição da
qualidade de vida.
Um país que tem 55% do território com cobertura vegetal precisa contar com
políticas consistentes para o uso sustentável das florestas e, para isso, um novo marco legal
que já nasce remendado, e traz como princípio a submissão da proteção de nossos biomas à
“presença do País nos mercados nacional e internacional de alimentos e bioenergia” (art.1º–
A, parágrafo único, inciso II), precisa do acompanhamento da regulamentação da lei e sua
implementação para reduzir as consequências negativas do que foi aprovado.
A consequência imediata deste panorama à sociedade é a violação dos princípios
bioéticos por parte dos cidadãos, que muitas vezes forçados a manter a geração de renda
necessária para satisfazerem suas necessidades, acabam por degradar as florestas e os rios.
Situação como esta que acontece principalmente nas zonas rurais do Brasil, onde o incentivo à
conservação dos recursos naturais é praticamente nulo, obrigando o morador rural mesmo que
contra a vontade, a produzir para gerar renda, derrubando florestas, muitas vezes ilegalmente,
e afetando o ambiente e a biodiversidade locais.

220
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Relacional: reflexões sobre uma nova ética ambiental.Estudos Históricos.RiodeJaneiro, vol.
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221
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E SUSTENTABILIDADE: UMA ABORDAGEM
DO GOVERNO LULA

Rita de Cássia Falleiro Salgado 127


Sidney Reinaldo da Silva 128

Algunos piensan que la bioética es un genuino producto norteamericano, que solo


tiene aplicación en el contexto de esa sociedad neoliberal, caracterizada por un
desmedido crecimiento económico a expensas del desarrollo humano; que la
exaltación del principio de la autonomía, parte de la propia filosofía neoliberal,
centra su atención en la libertad individual desconociendo los intereses o derechos
sociales en general. Otros dicen que en la bioética se cuestionan problemas que
pueden ser reconocidos como universales. Hay quienes rechazan absolutamente, de
manera ahistórica, la génesis y desarrollo del fenómeno, los más, por el contrario,
afirman que si bien tuvo un marcado localismo al inicio, logró irse extendiendo por
la validación de diferentes enfoques. (CANO, 2008, p. 6)

A sustentabilidade, tal como a bioética, pode ser reduzida a uma manifestação


ideológica seja com sua associação aos interesses liberais bem localizados no atual quadro
mundial de expansão do capitalismo, seja dando a ela uma aura de universalidade e abstração
capaz de apresentar princípios para a ação válidos para todas as épocas e lugares. Contudo,
sua concepção pode ser reelaborada criticamente invertendo-se sua determinação ideológica.
Isso exige repensar suas determinações sociais e histórias a partir de categorias que permitam
abordam suas contradições.
A sustentabilidade tem sido um princípio orientador de práticas empresarias e
políticas públicas, pelo menos ela tem servido para avaliar e julgar tais práticas. Tornou-se um
consenso que os empreendimentos econômicos e sociais precisam ser limitados em nome da
garantia das condições de possibilidade de vida na terra. Dessa forma, a sustentabilidade tem
sido também ensinada na escola a fim de que ela se torne uma prática cotidiana dos
indivíduos, bem como a base para a formação de cidadão capaz de exigi-la e se organizar para
defender o “meio ambiente”.
Contudo há muitas controvérsias em torno do significado da sustentabilidade e da
forma como ela tem sido exigida na atualidade como base para se promover ou restringir
empreendimentos voltados para a ampliação do capital. Na forma de ideologia, ela tende a ser

127
Mestra e doutoranda em Educação - UTP PR; Psicologa; membro do Comitê de Ética em Pesquisa do Grupo
UNINTER e da Sociedade Brasileira de Bioética; Membro do Núcleo de Estudos em Bioética - NEB (Regional
Curitiba); Professora Orientadora e tutora na Área Educacional – Edusol/UNINTER. E-mail:
rcf.salgado@gmail.com
128
Doutor em Filosofia – Universidade Estadual de Campinas. Professor do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Tuiuti do Paraná. E-mail: sreinald@uol.com.br
222
incorporada nas práticas cotidianas de pessoas, instituições, empresas, governos e partidos
políticos. A ideologia é aqui compreendida como uma força social organizadora, ou seja,
práxis constituidora de sujeitos portadores de crenças e valores básicos para a reprodução da
ordem social em sua totalidade (SILVA, 2012, p. 49). Dessa forma a concepção oficial ou
dominante de sustentabilidade mascara a percepção das relações de dominação social e de
acesso aos bens e de exposição aos males produzidos pelas sociedades humanas. São tais
relações que definem a forma como o direito a um “meio ambiente ecologicamente
equilibrado” passa a ser não/garantido. Contudo, no campo da educação e das práticas sociais
a luta pela sustentabilidade expressa conflitos ideológicos que vão delineando o contorno da
educação ambiental e de sua relação com a formação para o trabalho e para a cidadania.
Essas considerações acima apontam para a necessidade de se levar em conta os
antagonismos sociais e políticos que envolvem a questão da sustentabilidade na formação
crítica do professor, que, ao lado das questões econômicas (do desenvolvimento e da
exploração da natureza e do trabalho, da produção e consumo), técnicas e científicas,
constituem-se no aspecto mais amplo do conjunto de inquietações sobre as possibilidades de
vida na terra. Nesse sentido, quando se fala em paradigmas, epistemologia, valores e
competências, estão em jogo questões ideológicas, ou seja, hegemônicas, que envolvem
tomadas de posição teórico-práticas. Isso está presente, sobretudo, no âmbito da definição e
justificação das políticas públicas de formação de professores.
Essa investigação refere-se a um projeto de pesquisa sobre a formação
profissional no âmbito dos Institutos Federais, ou seja, a formação no âmbito da licenciatura
em áreas que passaram a ser consideradas estratégicas para a continuidade e o aprimoramento
da Educação Básica no Brasil, tais como, matemática, física, química, biologia. Mostra-se
que a abordagem da “sustentabilidade” demanda uma formação crítica que coloca os alunos
das licenciaturas em contato com abordagens humanísticas, ético-políticas e ideológicas que
exigem formas não preconceituosas e não ingênuas de lidar com questões polêmicas e
radicais. Isso exige a apropriação de um quadro categorial crítico para se abordar questões de
sustentabilidade na formação profissional. Este texto apresenta uma base teórica para se
analisar as políticas de formação de professores referente à questão da sustentabilidade e
examina a tendência ético-política, que prevaleceu na SECAD (Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) sobre essa temática.

A sustentabilidade como ideologia

223
Segundo Marx e Engels (2012, p. 47), a revolução contínua das relações sociais
de produção, isto é, dos instrumentos de produção e de suas relações de produção correlatas é
uma condição básica para a existência da burguesia:

a transformação continua da produção, o abalo ininterrupto de todas as condições


sociais, incerteza e movimentos eternos, eis aí as características que distinguem a
época burguesa de todas as demais. Todas as relações sólidas e enferrujadas, com
seu séquito de venerandas e antigas concepções e visões se dissolvem, todas as
novas envelhecem antes mesmo que possam se solidificar. Evapora-se toda
estratificação, todo o estabelecido. Profana-se tudo que é sagrada, e as pessoas se
veem enfim obrigadas a enxergar com olhos sóbrios seu posicionamento na vida e
suas relações umas com as outras (2012, p. 47)

Os autores continuam analisando esse impacto histórico no processo de


mundialização do capitalismo. Destaca-se, sobretudo, para a presente análise, o que foi dito
sobre a criação das forças produtivas numerosas e gigantescas que superaram tudo o que se
tinha até então nesse âmbito. O que foi dito em relação ao século XIX continua sendo válido
para o início do milênio. Sobretudo em relação à subjugação das forças da natureza por meio
das novas técnicas de produção e comunicação. Mas o triunfo do capitalismo é perpassado
por contradições e sua insustentabilidade é inelutável. Como dizem Marx e Engels, “o
desenvolvimento da grande indústria tira da burguesia o próprio chão sobre o qual ela produz
e se apropria dos produtos. O que ela produz, é, sobretudo, o seu próprio coveiro” (2012, p.
58).
Segundo a leitura de Berman (2012), o que se tornou mais detestável no
capitalismo foi a forma como ele submeteu ao valor de troca a dignidade humana, ou seja, ele
força as pessoas a degradação “a fim de que possam sobreviver”. Berman reafirma que o
capitalismo “trocou a exploração envolta em ilusões religiosas e políticas pela exploração
pura e simples, aberta, desavergonhada e direta” (2012, p. 100). Entre a degradação do que se
chama pessoa humana e a degradação da natureza há um vinculo estreito de alienação e
reificação. Nesse sentido o livre desenvolvimento humano torna-se inviável no capitalismo, o
que é necessário levar em conta quando se discute a educação. A formação dos professores
deve estar atenta ao que Berman define como uma condição distorcida do desenvolvimento:
“a moderna sociedade burguesa obriga as pessoas a se desenvolver de acordo com as
demandas do mercado: o que vende é passível de desenvolvimento. O que não vende ou é
reprimido ou jamais ganha vida.” (2012, p. 107).
Berman (2012) lembra que depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, foi
revitalizado um Marx não canonizado, nem santo padroeiro do que se fazia em nome do
comunismo. Marx continua sendo então um pensador necessário para se compreender as

224
contradições do capitalismo (p. 92). O que se toma como base crítica é que não se pode
sustentar como algo necessário, ou seja, inelutável a redução da natureza e de parte da
humanidade a condição de mercadoria. Qualquer proposta de sociedade sustentável que não
combate isso se compromete com a defesa do estado de coisas existente na atualidade e
servirá, sobretudo, como ideologia para justificá-lo. Não se pode, na atualidade, discutir os
limites do desenvolvimento ou do crescimento econômico sem abordar a sua natureza
enquanto expansão do capital, processo de acumulação e de aumento do lucro. Do ponto de
vista emancipatório, a sustentabilidade do sistema não pode ser discutida apenas do ponto de
vista ecológico, mas também ético-político, não meramente enquanto questão de garantia de
vida, mas de vida que se possa desenvolver livremente. O que se está em jogo é a forma do
metabolismo homem natureza que se quer.
Frente a isso, Mézáros (2011) aponta o aspecto ideológico do conceito de
complexidade e o modo como os seus “mercadores” o utilizam para defenderem a
irredutibilidade do livre mercado a qualquer outra forma de gestão do metabolismo sociedade-
natureza. Desse modo, afirma o autor, a uma manobra para ridicularizar os que não aceitam
“de modo realista” uma suposta ausência de “alternativa estrutural à ordem estabelecida”. O
autor aponta para um novo eixo de discussão da sustentabilidade e dos limites de suas práticas
nos marcos da sociedade atual:

Naturalmente, é inconcebível remover toda a complexidade de um modo de controle


sociometabólico que tudo abrange. Porém, não haveria razão para fazê-lo se o
sujeito social que realiza as funções vitais da reprodução societária pudesse controlar
positivamente os processos produtivos e distributivos dos quais dependem o
desenvolvimento e a autorrealização dos indivíduos da sociedade em questão
(MÉZÁROS, 2011, p. 928)

O que foi apontado acima se constitui numa base crítica não só para analisar a
formação dos professores, mas também para orientá-la em termos de como os docentes, ao
trabalharem a questão da “sustentabilidade”, devem situá-la a fim de melhor compreender
seus limites e a quem de fato ela serve, ou seja, a sua manifestação ideológica. Assim a
analise crítica exige abordar como tais discussões já surgiram no âmbito do Clube de Roma e
a forma como neste contexto se aventaram propostas que afetavam a autonomia ou livre
crescimento dos povos que ainda não tinham alcançado o “desenvolvimento” tal como os
países centrais do capitalismo.
Por outro lado, cabe analisar o que se propõe em termos de gerenciamento da
sustentabilidade por partes das empresas no capitalismo. Trata-se mapear um discurso que vai
desde a idéia de que a “responsabilidade social” também pode ser vendida e lucrativa até as

225
propostas que apelam para os direitos humanos. É ilustrativo o que propõe o Banco do Brasil
a este respeito. Segundo esta instituição financeira, a sustentabilidade significa:

avaliar a performance organizacional não somente com base em indicadores de


natureza econômica, mas complementá-los com outros que avaliem a geração de
valores sociais – como a defesa dos direitos humanos e do trabalho, o bem-estar dos
funcionários, a promoção da diversidade, o respeito às diferenças, a inclusão social e
os investimentos diretos na comunidade –, e a preservação ambiental – como os que
consideram os impactos diretos e indiretos de nossas atividades no ar, na água, na
terra e na biodiversidade. (BANCO DO BRASIL, 2012)

O que o Banco do Brasil propõe é uma tendência de toda a administração pública


no Brasil (BRASIL, 2012). Isso se firmou em normativas como, por exemplo, a Portaria
Interministerial nº 244 de 2012 o PES (Projeto Esplanada Sustentável). Com este documento
procurou-se manter a fidelidade ao princípio constitucional de garantia direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado para todos. Assim o governo reafirma seu compromisso
com a preservação e a defesa do meio ambiente para que as novas gerações atuais e futuras
possam desfrutá-lo adequadamente, ressaltando que é dever do Poder Público defendê-lo e
preservá-lo para todas as gerações de brasileiros.
Cabe lembrar que os compromissos nacionais com a sustentabilidade se afirmam
num determinado momento histórico e que pode significar avanços em termos de
emancipação nacional ou mera adequação a exigências externas. Com o mesmo rigor crítico
se deve analisar o que a UNESCO propõe no âmbito educação quando afirma que “everyone
has the opportunity to benefit from education and learn the values, behaviours and lifestyles
required for a sustainable future and for positive societal transformation.” (UNESCO, 2005).
A questão é a de como compreender tais exigências no contexto atual e a partir de quais
categorias.
Categorias críticas são fundamentais para se atuar no âmbito da formação de
professores, sobretudo, frente a uma temática contraditória como a da “sustentabilidade”, quer
ela se refira ao crescimento, ao desenvolvimento, à política, à gestão ou a própria sociedade.
A forma crítica como as questões são colocadas e analisadas e resolvidas depende das
categorias mobilizadas, o que se repercute também no âmbito da formação.
As categorias dizem respeito também à identificação dos sujeitos da
“sustentabilidade”. Falar em sociedade que se responsabiliza pela sustentabilidade é abstração
que nada diz. A sociedade é divida em classes e a própria sociedade civil é um mosaico de
configurações as mais diversas. Cabe lembrar, o que diz Frigotto (2009) a respeito da “elite”
brasileira, responsável maior pela condução da economia e política nacional, na atual forma

226
de governo que se tem no Brasil, assim como em épocas anteriores. Segundo o autor,

A classe burguesa brasileira, de cultura e mentalidade escravocrata e colonizadora, e


historicamente associada e subordinada à classe burguesa dos centros hegemônicos
do capitalismo, impediu, mediante ditaduras e golpes, reformas e programas
impostos pelo alto a construção de um projeto nacional de desenvolvimento,
mediante reformas estruturais que permitissem reduzir a desigualdade social e, num
horizonte mais profundo, a busca da superação dessa desigualdade mediante
rupturas das relações sociais capitalistas. (FRIGOTTO, 2009, p. 73)

Com isso, temos que a forma hegemônica que suplantou as demais tendências
ético-políticas no Brasil esteve comprometida com o “capitalismo central”. Frigotto reafirma
a importância de categorias como “nacional reformismo”, “dependência’ e “desigualdade”
como prioritárias para uma análise crítica da sustentabilidade e que vale também para se
propor uma formação de professores comprometida com a transformações das relações sociais
globais, nacionais e locais que geram economias insustentáveis, sobretudo quando se pensa
em equalizar o acesso à produção e ao consumo, destacadamente aos benefícios por elas
gerados e não apenas aos seus riscos, que parecem ser cada vez mais democratizados. Frigotto
fala em um “projeto popular democrático e de massa sustentável” perante o qual, afirma o
autor relembrando Hobsbawm, mobilizar-se-iam forças e recursos não para “funcionar por
meio do mercado, mas operar contra ele” (2009, p. 79).
Boito Jr. (2011) mostra a importância da “teoria da dependência”, da “luta de
classes” e do “imperialismo” para se compreender a realidade atual, sobretudo para se analisar
a forma como o capitalismo brasileiro e o latino-americano se inserem na economia mundial.
Nesse sentido, aponta o autor que o governo Lula no máximo teria desacelerado processo de
subordinação nacional, tornando-se até necessário para mantê-lo ao longo prazo, sobretudo
quando os governos populares são mais eficazes para implantar medidas nada populares. Eis o
que teria promovido o governo lula, segundo Boito Jr.:

O governo Lula, ao promover a ascensão da grande burguesia interna e ampliar


significativamente a política social voltada para a população que se localiza na faixa
de renda mais baixa promoveu, com essas mudanças, apenas uma reforma do
modelo liberal. (2011, p. 137).

Essa política foi de qualquer forma a vitrine do governo Lula. Contudo, em


relação ao que não foi evidenciado, o que não ficou exposto aos olhos, no caso das políticas
de combate a insustentabilidade do capitalismo, até que ponto se pode falar de avanço?
Segundo Lisboa (2011) a expectativa de que o governo Lula seria um marco na história
ambiental do Brasil não durou muito. Depois de fazer um balanço dos oito anos do governo
Lula em torno dos eixos ambientais, a autora destaca o seguinte ponto:
227
Tributários de uma mesma visão desenvolvimentista e premidos pelos mesmos
grupos de interesse internos e forças econômicas externas, certamente um governo
da oposição peessedebista não teria feito coisa muito diferente nesses últimos 8
anos. Assim, se houve um mérito na desastrosa política ambiental do governo Lula
foi o de provocar, com os seus desacertos, a emergência e fortalecimento de uma
visão alternativa sobre o que se poderia considerar como desenvolvimento
sustentável, manifesta fundamentalmente no crescimento dos movimentos de justiça
ambiental por todo o país, que certamente apostam em um outro tipo de futuro.
(LISBOA, 2011, p. 31)

Frente a essas considerações críticas é que a política de educação ambiental e o


modo como a formação do professor para as questões de “sustentabilidade” devem ser
analisadas e avaliadas ético-politicamente. Não se trata de uma avaliação para ver até que
ponto as metas e objetivos de tais políticas foram atingidos, mas sim para “apreciar” a quem
ela serviu de fato, sobretudo mostrando seus pressupostos conceituais e ao que ela
efetivamente se propôs.
Assim, não se pode pensar a formação de professores para atuar com questões
ligadas à “sustentabilidade” sem situar tal formação no âmbito de uma sociedade marcada
pela ideologia da avaliação do rendimento como critério meritocrático de “premiação” e
bonificação. A isso se ligam práticas aligeiradas, precárias, de baixo custo, segundo as quais
vale mais, vende mais, a certificação conforme procedimentos flexíveis o aligeirados de
formação inicial e continuada. A este respeito afirma Freitas

A construção de novos processos formativos, que respondam às exigências e


necessidades sociais na atualidade, se situa no campo das contradições e das lutas
pelo anúncio de uma outra sociedade, justa e igualitária, de progresso e
emancipação. É o que nos move nestas circunstâncias. (FREITAS, 2007, p. 1225)

Sem levar isso em conta, estar-se-á formando professores alienados,


comprometidos com uma compreensão e um projeto de sustentabilidade que não leva em
conta as contradições das sociedades capitalistas e a forma como as empresas e os governos
só se envolvem com a “sustentabilidade” na medida em que esta gera dividendos políticos,
lucro e não compromete o processo global de acumulação de capital.

A formação dos professores nos marcos do governo Lula

Com o governo Lula (2003-2010), a indução e o fomento para a educação inicial e


continuada de professores para a Educação Básica querem presencial e ou à distância, passou
a ser capitaneada em boa medida pela CAPES (Coordenadoria de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior. Com a Lei 11.502/2007, foi criada a Nova Capes e com o Decreto

228
nº 6755, de 29 de janeiro de 2009, a missão da CAPES em relação à Educação básica se
consolidou, sendo instituída a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério
da Educação Básica. Além do mais, foram criadas a Diretoria de Educação Básica Presencial
(DEB) e a Diretoria de Educação a Distância (DED). Em 28 de maio de 2009, o Plano
Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica tornou-se um novo marco para as
políticas de formação de professores centrada na CAPES. Esse plano focou, sobretudo, os
professores que atuavam na Educação Básica sem a formação adequada, cerca de mais de
330.000 docentes (BRASIL, 2013a). Essa nova política centrou-se especialmente na forma de
programas que visavam “estimular experiências inovadoras e o uso de recursos e tecnologias
de comunicação e informação nas modalidades de educação presencial e a distância”.
(BRASIL, 2013a)
Destaca-se no âmbito da formação de professores e pesquisadores o Prêmio Vale-
Capes, promovido pelo CAPES e a Vale. Este prêmio voltado para a valorização da ciência e
da sustentabilidade premia teses de doutorado e dissertações de mestrado capazes de
contribuir com “idéias, soluções e processos inovadores para questões como redução do
consumo de água e energia, redução de gases do efeito estufa (GEE), aproveitamento,
reaproveitamento e reciclagem de resíduos e/ou rejeitos e tecnologia socioambiental com
ênfase no combate à pobreza” (BRASIL, 2013c). Essa parceria entre a CAPES e a Vale foi
firmada durante a Rio+20, mostrando a abertura do governo para agir em sintonia com as
empresas.
Com o PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação), iniciado em 2007, o
governo lula buscou articular os estados e municípios numa política de colaboração entre os
entes federados nacionais para promover a formação considerada adequada para os
professores da educação básica. Assim foi criado o PAR (Planos de Ações Articuladas) como
uma estratégia de criar “arranjos educacionais”, envolvendo estados, municípios e instituições
públicas que formassem licenciados, como, por exemplo, os Institutos Federais, que então
estavam sendo criados para atuarem em todo o território nacional conforme ficou definido
pela LEI Nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que instituiu a Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica e criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia.
Em 2009, O Ministério da Educação lançou o PARFOR (Plano Nacional de
Formação dos Professores da Educação Básica). Assim passou-se a atender, no âmbito da
formação, os professores que ainda não tinham formação superior, os professores que já
tinham uma primeira licenciatura, mas que atuavam e uma área diferente de sua formação
229
inicial, e bacharéis sem licenciatura a quem passaram a ser oferecidos estudos
complementares que os habilitassem ao exercício do magistério. (BRASIL, 2013a)
As universidades tradicionais formadoras da licenciatura foram também
mobilizadas para atuar como parceiras das referidas políticas públicas de formação de
professores. A elas foi solicitada a produção de materiais destinados aos professores em
exercício, bem como para a formação inicial e continuada dos docentes da Educação Básica.
Com isso, se intensificou o “conflito entre os saberes científicos e suas formas de divulgação
e o desafio de construção do discurso de formação” (LÚCIO, 2011). Esse conflito tem raízes
profundas na historia brasileira e reflete contradições sociais persistentes.

Educação e sustentabilidade

A base dos planos e programas de formação de professores no Brasil na era Lula


não rompeu ideologicamente com a forma irresponsável de gestão do metabolismo da
sociedade com a natureza tal como ocorre no capitalismo. Isso pode ser verificado na
concepção, nos planos e programas proposto pelo governo em questão. Nesse sentido é que se
buscou incorporar o que a UNESCO definiu como formação para a sustentabilidade, ou seja,
uma educação “that allows learners to acquire the skills, capacities, values and knowledge
required to ensure sustainable development” (UNESCO, 2013). Malgrado a polêmica em
torno do “desenvolvimento” sustentável, essa definição de educação como desenvolvimento
de habilidades, capacidades e valores foi associada à formação por “empoderamento”, no
sentido de tornar indivíduos e coletividades capazes de atuar localmente de maneira eficaz
para promover a sustentabilidade.
Desde a Rio 92, os governos brasileiros se comprometeram em complementar e
envolver-se com a legislação e as políticas destinadas a Educação Ambiental. Assim passou-
se a tomar como referencia do nível do comprometimento o que se definiu na Carta Brasileira
para Educação Ambiental, em especial o que nela ficou definido como a melhor forma de
viabilizar a sustentabilidade. Mas essa carta definiu exigências que poderiam suportar outras
políticas preteridas pelos governos brasileiros, sobretudo aquelas mais radicais de
enfrentamento da questão da sustentabilidade, especialmente quando se diz que

No momento em que se discute o desenvolvimento sustentável como estratégia de


sobrevivência do planeta e, consequentemente, da melhoria da qualidade de vida,
fica definido ser a Educação um dos aspectos mais importantes para a mudança
pretendida. A lentidão da produção de conhecimentos, a importação de tecnologias
inadequadas, a formulação de políticas de desenvolvimento cada vez mais

230
descomprometidas com a soberania nacional, consolidam um modelo educacional
que não responde às necessidades do país. (BRASIL, 1992)

Mas contar com a educação como ponto central para combater a


insustentabilidade é exigir muito mais do que ele pode. Essa ilusão não foi devidamente
questionada no âmbito das justificativas da política de formação de professores para a
sustentabilidade. Pelo menos isso não esteve presente no discurso da SECAD. A partir desta
secretária do MEC, foram implementadas, conjuntamente com outras pastas governamentais,
ações de educação ambiental e de formação para a sustentabilidade.
No discurso da SECAD, passou-se a falar em “vítimas da injustiça ambiental”
como uma expressão para se referir aos que mais diretamente sofrem com os danos
ecológicos e os que não têm vez nem voz perante as questões de sustentabilidade. Reafirmou-
se então que a educação ambiental não é neutra, mas ideológica, sendo portanto um “ato
político, baseado em valores para a transformação social”. (BRASIL, 2007, p. 18). Dai que se
entendeu a educação ambiental como um momento que deve ser superado; “o desafio da
Educação Ambiental” é “transmutar-se gradualmente em uma Educação política, até
desaparecer a necessidade de se adjetivar a Educação de ‘ambiental’” (Idem). Mas a força
dessas expressões se perdeu com a tendência conciliatória dada à educação ambiental.
A Política Nacional de Educação Ambiental capitaneada pela SECAD, iniciada
em 2004, organizou-se em quatro eixos de ação estruturantes conforme o Programa Vamos
Cuidar do Brasil com as Escolas, os seja: a) Conferência Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio
Ambiente, b) Formação Continuada de Professores e Estudantes, c) Inclusão Digital com
Ciência de Pés no Chão, d) Ações Estruturantes – Com-vidas, Coletivo Jovens e Educação de
Chico Mendes. Trata-se de uma proposta de uma educação permanente envolvendo
Secretarias de Educação estaduais e municipais com escolas, universidades e a “sociedade
civil”. Para isso, lançou-se mão tanto da educação presencial quanto da educação à distância.
(BRASIL, 2007, p. 33) A base pedagógica assumida pela SECAD foi a freiriana, o que define
os marcos ideológicos (do diálogo e não do confronto direto, supostamente sectário) e o tipo
de enfrentamento da questão da sustentabilidade proposto:

Partindo da concepção freireana de Círculos de Cultura, esse sistema se fortalece na


medida em que estimula o diálogo da escola com a comunidade e movimentos
sociais por meio de um trabalho articulado de Secretarias de Educação, ONGs e
Coletivos Jovens. Todas essas dimensões são atualizadas com conteúdos ligados às
questões socioambientais relevantes e atuais, globais e locais, que propõem uma
reorientação dos estilos de vida coletivos e individuais na perspectiva de uma ética
de solidariedade, cooperação, democracia, justiça socioambiental, liberdade e
sustentabilidade. (BRASIL, 2007, p. 34)

231
O método de trabalho baseado na construção dialógica visou proporcionar
“transformações empoderadoras dos indivíduos e grupos”, o que ocorreria na medida em que
os temas geradores fossem trabalhados num envolvimento na forma de pesquisa-ação. Com
isso buscou-se oferecer “repertório, espaços estruturantes, orientação prática e sistematizada
para facilitar sua adequação criativa a cada realidade local.” (BRASIL, 2007, p. 36). A base
epistemológica foi dada pela abordagem a partir do que Morin denominou “conhecimento
pertinente”, como uma forma de inserir conhecimentos locais e parciais abordando problemas
mais globais e fundamentais (idem). Retomando Morin, afirma-se que

neste saber, tem-se implícita a busca de um conhecimento complexo, não


fragmentário, porém incremental. O conhecimento pertinente reconhece que, em
meio à complexidade do real, não é possível nunca a compreensão total. É por isso,
também, que a busca do conhecimento torna-se um esforço infinito, mas que pode se
tornar um círculo virtuoso (BRASIL, 2007, p. 37).

A base ético-política do programa é conciliatória, ou seja, evita radicalismo


tomadas de posição supostamente utópicas. Neste caso, a ética da responsabilidade de Jonas
também é apresentada como um referencial para se lidar com a sustentabilidade e para formar
professores para trabalhá-la como um tema transversal.

Considerações Finais

As políticas de formação de professores para a “sustentabilidade” na era Lula


foram coerentes com a forma como tal governo buscou construir a seu modo a conciliação de
interesses como uma maneira de não se lidar com contradições mais profundas que dividem o
país. A própria criação da SECAD expressa essa tendência. O seu documento Educação
Ambiental: aprendizes de sustentabilidade é muito revelador a este respeito. As críticas
marxistas a tal programa são necessárias devido ao tipo de esperança que inicialmente
cimentou o Partido dos Trabalhadores e a ascensão de Lula ao poder. Trata-se de uma crítica
imanente, o que seria diferente no caso de uma análise do governo FHC.
Contudo, o debate em torno da formação de professores para a “sustentabilidade”
é aberto e seus princípios podem ser reinterpretados nos mais diversos âmbitos dessa
formação. Cabe lembrar que as políticas, os planos e projetos educacionais são resultados de
disputas e enquanto tais podem ser dis/torcidos para os mais diversos lados. Cabe, sobretudo,
aos professores que atuam na licenciatura, bem como dos que atuam nos programas de
formação continuada de professores, o esforço de pensar o que fazem e a que estão dispostos
em termos de engajamento e enfrentamento dos problemas relacionados com a
232
“sustentabilidade”. Como a própria SECAD assumiu, frente a isso não há neutralidade. De
qualquer forma, a luta e a formação para uma sociedade “sustentável” econômica, ambiental,
política e eticamente não pode deixar de exigir a constituição de “uma associação na qual o
livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos”
(MARX; ENGELS, 2012, p. 69)

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234
SOBRE OS AUTORES

ORGANIZADORAS
RITA DE CÁSSIA FALLEIRO SALGADO
Mestre em Educação pela UTP (2011). Doutoranda em Políticas Públicas e Gestão da
Educação, com enfoque em Ética e Bioética na Formação Profissional. Psicologa Clínica –
PUC/PR; Especialista em: Sexualidade Humana, Medicina Tradicional Chinesa Acupuntura e
Auriculoterapia -Xiamen- República da China (2007). Membro do Comitê de Ética em
Pesquisa do Grupo UNINTER e da Sociedade Brasileira de Bioética; Membro do Núcleo de
Estudos em Bioética - NEB de Curitiba, um fórum interdisciplinar e interinstitucional que
congrega pessoas interessadas em Bioética. Professora Orientadora na Área Educacional –
grupo UNINTER. Tutoria EAD de forma presencial em Polo de Apoio do grupo Edusol –
Uninter. E-mail: rcf.salgado@gmail.com

JULIANA OLIVEIRA NASCIMENTO


Advogada. Consultora e Assessora Jurídica em âmbito Corporativo. Graduada em Direito
pelo Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA (Faculdade de Direito de Curitiba). Pós-
graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Academia Brasileira de Direito
Constitucional - ABDCONST. Pós - graduada em Estado Democrático de Direito pela
Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná- FEMPAR. Pós-graduanda no
LLM em Direito Empresarial Aplicado pelas Faculdades da Indústria do Sistema
FIEP/SESI/SENAI /IEL. Membro do Núcleo de Estudos em Bioética - NEB de Curitiba um
fórum interdisciplinar e interinstitucional que congrega pessoas interessadas em Bioética.
Membro da Comissão de Advogados Corporativos da OAB/PR.

AUTORES
ANA LUIZA DE GEUS
Graduação em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (2013) e foi membro do grupo
JUS VITAE - pesquisa em Biodireito e Bioética, coordenado pela Profª. Maria da Glória
Colucci, de 2010 a 2012, pesquisa em Biodireito e Bioética, coordenado pela Profª MS.
Maria da Glória Colucci.

ANA PAULA DONICHT FERNANDES

235
Engenheira Florestal pela Universidade Federal de Santa Maria (2011) e Mestrado em
Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná (2014). Tem experiência na área de
Economia e Política Florestal, com ênfase na aplicação dos instrumentos de Política Florestal
para desenvolvimento das comunidades tradicionais. Atualmente é doutoranda pela
Universidade Federal do Paraná, onde atua com o manejo sustentável dos recursos não
madeireiros. Email: anapauladfernandes@yahoo.com.br.

ANOR SGANZERLA
Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (2012); Mestre em Filosofia
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004); Especialista em Filosofia pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1999); Graduado em Teologia pelo Instituto
Teológico São Paulo (1993) e em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(1987). Atualmente: Professor Adjunto do Curso de Filosofia e Professor Permanente do
Programa do Pós Graduação Stricto Sensu em Bioética da PUCPR.

ALLAN BAVOSO LAROCCA


Graduando em Direito pelo Centro Universitário Curitiba. Pesquisador bolsista da
FUNADESP. Membro do “Jus Vitae, pesquisa em Biodireito e Bioética”. Experiência
profissional na Procuradoria de Justiça do Estado do Paraná.

GILGREICE NUNES DE SOUZA


Especialista em Logística Empresarial. Graduada em Direito e em Comércio Exterior pela
Universidade Positivo (1998). Professora de Legislação Aduaneira. Professora de Comércio
Exterior. Consultora de empresas e Empresária.

GISELE DANUSA SALGADO LESKE


Mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Sociedade da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF), na Linha de Pesquisa de Cultua, Narrativas e Produção de
Sentido. Possui graduação em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (2010). Atualmente é pesquisadora CNPQ na UFJF. Tem experiência na área de
Comunicação, com ênfase em Relações Públicas e Sociedade, atuando principalmente nos
seguintes temas: comunicação social, interações sociais, movimento estudantil, relações
públicas e cidadania.

236
JACQUELINE ELISA DELONG DE SOUZA
Graduada em Direito pelo Centro Universitário UNICURITIBA. Membro do grupo Jus
VITAE – Pesquisa em Biodireito e Bioética, orientada pela Prof. MSc. Maria da Glória Lins
da Silva Colucci.

JUSSARA MARIA LEAL DE MEIRELLES


Mestra e Doutora em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Pós-
Doutorado no Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra-Portugal Professora
Titular de Direito Civil, integrante do Programa de Pós-Graduação em Direito Econômico e
Socioambiental e do Programa de Pós-Graduação em Bioética, da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná. Procuradora Federal.

KAUÊ AUGUSTO OLIVEIRA NASCIMENTO


Engenheiro Florestal, Universidade Federal do Paraná (2013); Cursando Especialização em
Engenharia de Segurança do Trabalho na Universidade Tecnológica Federal do Paraná. E-
mail: kaue_nascimento@hotmail.com

MARIA DA GLÓRIA COLUCCI


Mestre em Direito Público pela UFPR. Especialista em Filosofia do Direito pela PUCPR.
Professora titular de Teoria Geral do Direito do UNICURITIBA. Professora Emérita do
Centro Universitário Curitiba, conforme título conferido pela Instituição em 21/04/2010.
Orientadora do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética – Jus Vitae, do UNICURITIBA,
desde 2001. Professora adjunta IV, aposentada, da UFPR. Membro da Sociedade Brasileira de
Bioética – Brasília. Membro do CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-
Graduação em Direito. Membro do IAP – Instituto dos Advogados do Paraná.

MARIA ARLETE ROSA


Doutorado em Educação pela PUC-SP (1999), pesquisa sobre práticas educativas de
sustentabilidade na cidade. Mestrado em Educação pela PUC-SP (1991), pesquisa sobre
relações sociais educativas e Movimentos Sociais. Graduação em Matemática pela
Universidade Federal do Paraná (1978); Pedagogia pela Universidade Tuiuti do Paraná
(2013). Professora na Universidade Tuiuti do Paraná e no Centro Universitário Curitiba.
Diretora de Meio Ambiente e Ação Social da SANEPAR entre 03/2003 e 07/2010. Professora
Adjunta do Programa de Pós Graduação do Mestrado e Doutorado da Universidade Tuiuti do

237
Paraná. Conselheira Titular do Conselho Estadual de Educação do Paraná. E-mail:
mariaarleterosa@gmail.com.

MARCOS ALEXANDRE MONTEIRO GOMES


Graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (1991) e graduação em
Direito pelo Centro Universitário Curitiba (2010). Mestrando em Engenharia Biomédica
pela UTFPR Chefe do Serviço de Neurologia do Hospital Geral de Curitiba.

PEDRO ERNANI KOSIBA


Mestrado em Educação - Universidade Tuiuti Do Paraná (2011). Especialização em
Administração da Produção – UNIFAE; Especialização em Metodologia da Ciência -
Faculdades Humanas e Sociais de Curitiba; Especialização em Filosofia e Existência -
Universidade Católica de Brasília – UCB. Graduação em Administração - UNIFAE
(1989). Licenciatura em Filosofia - Centro Universitário Claretiano - Iniciada Em 2013.

SIDNEY REINALDO DA SILVA


Doutor em Filosofia – Universidade Estadual de Campinas; Pós-doutorado em Educação pela
Universidade Estadual de Campinas (2003). Mestrado em Filosofia pela Universidade
Estadual de Campinas (1994). Graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica
de Campinas (1987). Foi professor do PPGED Mestrado e Doutorado em Educação da
Universidade Tuiuti do Paraná de 2003 a 2013. Atualmente é Professor de Filosofia do
Instituto Federal do Paraná - Campus Paranaguá. E-mail: sreinald@uol.com.br

238
ORELHA CAPA FRONTAL ORELHA CAPA FINAL
(ESQUERDA) (DIREITA)

239
QUARTA CAPA – DORSO DO LIVRO

240
SUGESTÃO FIGURAS PARA CAPA: UM MIX INCLUINDO ESTES TEMAS, ENTRE
OUTROS REFERENTE AOS CAPÍTULOS, SEMELHANTE AO VOLUME 1 DA
COLEÇÃO

Fonte: http://www.pimpmycarroca.com/

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