Modulo Direito Económico - Alcides Nobela

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MANUAL DO CURSO DE LICENCIATURA EM

DIREITO

2º Ano

Disciplina: DIREITO ECONÓMICO


Código: ISCED22-CJURFE015

Total Horas/2o Semestre: 125


Créditos (SNATCA): 5
Número de Temas: 7

NSTITUTO SUPER

INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA- ISCED


ÍNDICE
Tema 1: INTRODUÇÃO AO DIREITO ECONÓMICO ............................................................................................................... 3
1. AS RELAÇÕES ENTRE O DIREITO E A ECONOMIA ......................................................................................................... 3
1.1. Direito e Economia .............................................................................................................................................. 3
1.2.1 O que é economia? Quais as principais diferenças com a ciência jurídica? ................................................... 3
1.2.2 As relações entre o Direito e a Economia ....................................................................................................... 4
1.2. A interdisciplinaridade no estudo do Direito Económico. Relações com os demais ramos do Direito. .............. 6
a) Direito Económico e Direito Constitucional ........................................................................................................ 8
b) Direito Económico e Direito Administrativo ....................................................................................................... 8
c) Direito Económico e Direito Criminal ou Penal ................................................................................................... 9
d) Direito Económico e Direito Financeiro .............................................................................................................. 9
e) Direito Económico e Direito Fiscal .................................................................................................................... 10
f) Direito Económico e Direito Internacional Público ........................................................................................... 10
g) Direito Económico e Direito Civil ....................................................................................................................... 10
h) Direito Económico e Direito Comercial ............................................................................................................. 11
i) Direito Económico e Direito do Trabalho .......................................................................................................... 11
j) Direito Económico e Direito Internacional Privado ........................................................................................... 11
1.3. O Direito Económico no contexto da Globalização. .......................................................................................... 12
2. NOÇÃO DE DIREITO ECONÓMICO .............................................................................................................................. 13
2.1. O Direito Económico identificado como todo o Direito da Economia .............................................................. 13
2.2. O Direito Económico abrangendo apenas alguns aspectos específicos do Direito da Economia ..................... 14
3. ORIGEM E EVOLUÇÃO DO DIREITO ECONÓMICO ..................................................................................................... 15
3.1. O surgimento do Direito Económico ................................................................................................................. 15
3.2. O alastramento do Direito Económico pelo mundo.......................................................................................... 18
3.3. O Direito Económico em Moçambique ............................................................................................................. 19
4. NATUREZA E OBJECTO ............................................................................................................................................... 20
4.1. CARACTERÍSTICAS DO DIREITO ECONÓMICO .................................................................................................... 21
4.2. O DIREITO ECONÓMICO COMO DISCIPLINA JURÍDICA NOVA E AUTÓNOMA. O DIREITO ECONÓMICO COMO
RAMO DE DIREITO. ......................................................................................................................................................... 23
4.2. FONTES DO DIREITO ECONÓMICO ........................................................................................................................... 25
4.2.1. Noção ................................................................................................................................................................ 25
4.2.2. Complexidade e Diversificação ......................................................................................................................... 25
4.2.3. Tipos de Fontes ................................................................................................................................................. 26
4.2.4. Importância das decisões jurisprudenciais, administrativas e arbitrais ....................................................... 31
4.2.5. Hierarquia das Fontes ....................................................................................................................................... 31
5. SUJEITOS DO DIREITO ECONÓMICO .......................................................................................................................... 32
6. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PAPEL DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÓMICO ............................................................ 33
6.1. O Estado Liberal ................................................................................................................................................ 33
6.2. O Estado Social .................................................................................................................................................. 35
6.3. O Estado Democrático de Direito ...................................................................................................................... 36
Tema 2: PRINCÍPIOS E REGRAS DO DIREITO ECONÓMICO ................................................................................................ 38
DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

7. PRINCÍPIOS E REGRAS DO DIREITO ECONÓMICO .......................................................................................................... 38


7.1. Distinção entre princípios e regras do Direito. ........................................................................................................ 38
7.2. Princípios do Direito Económico. ............................................................................................................................. 38
7.3. Regras do Direito Económico ................................................................................................................................... 39
8. INSTITUTOS DO DIREITO ECONÓMICO .......................................................................................................................... 41
Tema 3: CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA ............................................................................................................................... 46
9. NOÇÃO DE CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA ...................................................................................................................... 46
10. FUNÇÕES DA CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA .................................................................................................................. 48
11. A HISTÓRIA DA CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA ............................................................................................................... 49
12. CONCEITOS CONEXOS OU SEMELHANTES ................................................................................................................... 51
12.1. Regime Económico................................................................................................................................................. 51
12.2. Modelo Económico ................................................................................................................................................ 51
13. CONTEÚDO DAS CONSTITUIÇÕES POLÍTICO-SOCIAIS ................................................................................................. 54
14. TIPOS DE CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA ....................................................................................................................... 54
14.1. Quanto à estrutura: ............................................................................................................................................... 54
14.2. Quanto ao modo de regulação do sistema ............................................................................................................ 55
14.3. Quanto à forma jurídica ......................................................................................................................................... 55
14.4. Quanto ao conteúdo económico ........................................................................................................................... 55
15. CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA E A ORDEM JURÍDICA DA ECONOMIA ......................................................................... 56
Tema 4: CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA MOÇAMBICANA ................................................................................................... 57
16. A ORGANIZAÇÃO ECONÓMICA E SOCIAL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE .................. 57
16.1. A Constituição Económica de Transição ou Pré-Constituição: .............................................................................. 57
16.2. Evolução histórica das Constituições Económicas de Moçambique: ..................................................................... 58
17. A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA ............................................................................................................. 67
17.1. Justificação e enquadramento ............................................................................................................................... 67
17.2. Noção de intervenção económica do Estado ........................................................................................................ 68
18. TIPOLOGIA DA INTERVENÇÃO DO ESTADO ................................................................................................................. 68
19. O ESTADO PRODUTOR DE BENS E SERVIÇOS ............................................................................................................... 73
20. A ACTIVIDADE EMPRESARIAL DO ESTADO .................................................................................................................. 73
20.1. Origem e evolução ................................................................................................................................................. 73
20.2. O caso de Moçambique ......................................................................................................................................... 75
20.3. O sector empresarial do Estado ............................................................................................................................. 76
Tema 5: ORGANIZAÇÃO ECONÓMICA E FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE .................................................................. 77
21. ESTRUTURA DE PROPRIEDADE DOS MEIOS DE PRODUÇÃO ....................................................................................... 77
21.1. Noção de propriedade e conteúdo do direito de propriedade ............................................................................. 77
21.2. Intervenção estatal no domínio económico como instrumento da efectivação da função social da propriedade
........................................................................................................................................................................................ 77
22. ESTRUTURA DE PROPRIEDADE DOS MEIOS DE PRODUÇÃO ....................................................................................... 79
23. AS COOPERATIVAS ....................................................................................................................................................... 81
23.1. Noção e espécie ..................................................................................................................................................... 81
23.2. Princípios Cooperativos ......................................................................................................................................... 81

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

23.3. Regulação jurídica das Cooperativas ..................................................................................................................... 83


24. A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA E AS NACIONALIZAÇÕES ....................................................................... 84
24.1. Noção de nacionalização ....................................................................................................................................... 84
24.2. História das nacionalizações .................................................................................................................................. 85
24.3. Confronto com figuras afins ou semelhantes ........................................................................................................ 87
25. AS PRIVATIZAÇÕES ....................................................................................................................................................... 91
25.1. Noção de privatização ............................................................................................................................................ 91
25.2. Fundamentos da privatização ................................................................................................................................ 92
25.3. Classificação ........................................................................................................................................................... 93
25.4. As Privatizações em Moçambique ......................................................................................................................... 94
Tema 6: O REGIME JURÍDICO DAS EMPRESAS ESTATAIS E DAS EMPRESAS PÚBLICAS MOÇAMBICANAS ...................... 98
26. O SECTOR EMPRESARIAL DO ESTADO – TIPOLOGIA DAS EMPRESAS ......................................................................... 98
26.1. Noção de empresa ............................................................................................................................................ 98
26.2. Tipologia das empresas ..................................................................................................................................... 98
27. O Sector Empresarial do Estado – Empresas Públicas, Privadas e Mistas ou de Capitais Públicos ........... 100
27.1. A disciplina jurídica das empresas ................................................................................................................... 101
27.2. AS EMPRESAS ESTATAIS (E.E) .......................................................................................................................... 102
27.2.1. Noção de Empresa Estatal ...................................................................................................................... 102
27.2.2. Regime jurídico das Empresas Estatais ................................................................................................... 102
27.2.3. Transição da Empresa Estatal para Empresa Pública ............................................................................. 104
27.3. AS EMPRESAS PÚBLICAS (E.P) ......................................................................................................................... 104
27.3.1. Noção de Empresa Pública ..................................................................................................................... 104
27.3.2. Regime jurídico das Empresas Públicas .................................................................................................. 105
Tema 7: O ESTADO COMO REGULADOR DA ECONOMIA ................................................................................................ 112
28. O ESTADO COMO REGULADOR DA ECONOMIA .................................................................................................. 112
28.1. Noção de regulação económica ...................................................................................................................... 112
28.2. Necessidade de regulação económica ............................................................................................................ 113
29. Principais áreas da regulação económica ............................................................................................................. 114
30. Âmbito da regulação ........................................................................................................................................... 115
31. Tipos de regulação .............................................................................................................................................. 116
32. PROCEDIMENTOS DE REGULAÇÃO (pp. 230-242 da obra referenciada na introdução do capítulo) ................. 117
32.1. Procedimentos unilaterais .............................................................................................................................. 117
32.2. Procedimentos negociados ............................................................................................................................. 117
A) Os Contratos Económicos ............................................................................................................................... 117
B) A Concertação Económica e Social .................................................................................................................. 118
33. O PLANO ............................................................................................................................................................... 119
33.1. Noção .............................................................................................................................................................. 119
33.2. Características ................................................................................................................................................. 120
33.3. Classificação dos planos .................................................................................................................................. 120
33.4. Natureza jurídica dos planos ........................................................................................................................... 121

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

Exercícios Diversos ......................................................................................................................................................... 123

Tema 1: INTRODUÇÃO AO DIREITO ECONÓMICO

1. AS RELAÇÕES ENTRE O DIREITO E A ECONOMIA


1.1. Direito e Economia

1.2.1 O que é economia? Quais as principais diferenças com a ciência jurídica?

Economia é a ciência que estuda a forma pela qual os indivíduos e a sociedade interagem
com os factores de produção, integrando-os em um ciclo económico (produção, circulação e
consumo). É a ciência que trata dos fenómenos relativos à produção, distribuição e consumo de
bens.
Economia é a ciência social que estuda a produção, distribuição e consumo de bens e serviços. Ela
estuda as formas de comportamento humano resultantes da relação entre as necessidades dos
homens e os recursos disponíveis para satisfazê-las. Assim sendo, esta ciência está intimamente
ligada à política das nações e à vida das pessoas, sendo que uma das suas principais funções é
explicar como funcionam os sistemas económicos e as relações dos agentes económicos, propondo
soluções para os problemas existentes.
A ciência económica está sempre analisando os principais problemas económicos: o que produzir,
quando produzir, em que quantidade produzir e para quem produzir.
Por sua vez o Direito “é um sistema de normas de conduta social com protecção coactiva
(impostas pelo Estado)”.

Enquanto o Direito se ocupa de valores (ética e moral), a Economia tem seus parâmetros na
maximização de resultados, na eficiência, o que inviabiliza qualquer tentativa de empregar
parâmetros económicos na avaliação das normas jurídicas. O direito é um sistema aberto que influi
e é influenciado pelas instituições sociais existentes na comunidade em que se aplica.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

1.2.2 As relações entre o Direito e a Economia

Falar de Direito Económico como disciplina jurídica e como ramo de Direito, pressupõe a
enunciação de dois problemas:
 As relações entre economia e direito enquanto fenómenos da vida social e disciplinas das
ciências sociais e humanas que estudam esses fenómenos;

 Saber que razões justificam a emergência de um novo ramo e disciplina jurídica – Direito
Económico – e quais as implicações do seu aparecimento1.

Qualquer economia para funcionar de forma harmoniosa necessita inevitavelmente de regras


que assegurem a adequada relação entre os agentes económicos no âmbito da actividade
produtiva e na apropriação do uso de factores de produção.

O direito considerado como o conjunto de normas jurídicas que regulam as relações entre as
pessoas na sociedade, por conseguinte o complexo de normas que formam determinado
ordenamento jurídico, “vai subsumir todos aqueles aspectos da vida económica, as actividades
dos agentes económicos na norma jurídica, no sistema jurídico, de modo a estabelecer-se uma
harmonia”. É nisto que consiste a relação entre o Direito e Economia.

O Direito e Economia partilham anseios, criando uma influência recíproca – e esta influência
manifesta-se no mundo externo. O Direito quando influencia a actividade económica através das
suas normas pretende induzir comportamentos aos agentes económicos vinculando-os a uma
conduta dentro da norma jurídico-económica.

O Direito Económico é uma disciplina jurídica autónoma e tem como função enquadrar, reger
e normalizar a economia (é uma disciplina com normas e princípios)2.

Por um lado, é o Direito que tem o objectivo de resolver conflitos entre os indivíduos e por
outro, a Economia, enquanto sistema económico que visa a produção de bens para a satisfação de
necessidades.

1
Cfr. DOS SANTOS, ANTÓNIO CARLOS et all, Direito Económico, 3ª Ed., Livraria Almedina, Coimbra 1998, pp. 11-
12.
2
Esta é uma ideia que se retira da noção de direito da economia de António Menezes CORDEIRO, Direito da Economia,
1º Volume, AAFDL, 1986, p. 5.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

A actividade económica gera ou conhece conflitos de interesses de natureza patrimonial


respeitantes a bens escassos, entre os agentes do processo económico; a necessidade de dirimi-los
e a sua efectiva aplicação aos casos concretos levará ao estabelecimento de um regime jurídico.
Estamos perante uma valoração jurídica das relações sócio-económicas e, subsequentemente,
diante do estabelecimento das atinentes regras de conduta social3.

As relações entre o direito e a economia poderão ser definidas por uma interdependência,
embora possuindo uma autonomia própria com funções e valores próprios, o que legitima o seu
estudo segundo ópticas e metodologias distintas.

Entretanto, na interacção entre o Direito e a Economia há um verdadeiro encontro


interdiciplinar, uma relação estreita que dá lugar ao ramo do Direito que se designa Direito
Económico.

Não pode o Direito isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de atender às manifestações da
vida social e económica. As mudanças económicas e sociais constituem o fundo e a razão de ser de
toda a evolução jurídica; e o direito é feito para traduzir em disposições positivas e imperativas
toda a evolução social4.

A produção de normas de Direito, a sua aplicação, bem como a resolução de litígios por meio de
processos e decisões judiciais, aspectos que são tidos como predominantemente (e até
exclusivamente) jurídicos são, todavia, aspectos que contêm também dimensões económicas.

Numa outra vertente, algumas questões marcadamente económicas - por exemplo, as ligadas ao
circuito económico de produção, circulação, distribuição e o de consumo, são providas de
dimensões jurídicas, nomedamente a disciplina jurídico-laboral (que regula o uso da força de
trabalho), a disciplina jurídica das empresas ou sociedades, a disciplina jurídica da regulação do
mercado e das trocas, o regime jurídico da tributação dos rendimentos e da riqueza, etc.
Daí que alguns autores afirmem que “ o Direito precisa da Economia, da mesma forma que a
Economia precisa do Direito”5.

3
Cfr. WATY, Teodoro Andrade, Direito Económico, WW Editora, Limitada, Maputo, 2011, pp. 10-12. Mas esta é
também uma ideia sustentada por Luís S. Cabral de MONCADA, Direito Económico, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 12ss.,
pois, a intervenção do Estado na vida económica é um aspecto marcante do direito económico.
4
Idem.
5
Este facto é alusão ao que Menezes Cordeiro refere quando fala de uma concepção funcional do direito económico
(para si entendido como direito da economia), nas pp. 17-19 da Op.Cit.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

O Direito pretende comunicar à Economia a materialidade própria da valoração jurídica, mormente


a justiça e a segurança nas relações económicas.
A consciencialização e aprofundamento dessa interinfluência são recentes, ou seja, é no Século XX
que começa a desenvolver-se uma disciplina jurídica autónoma – o Direito Económico.
O que têm em comum:
Têm por objecto comportamentos humanos e relações sociais:
- a Economia, preocupando-se directamente com os fenómenos económicos em si mesmos, aponta
para a solução que conduza ao máximo de utilidade;
- o Direito, contemplando esses fenómenos económicos através dos direitos e obrigações que o seu
desenvolvimento implica, procura a solução mais justa.
Complementaridade:
De um modo geral, todas as iniciativas que a ciência económica indique como factores de
prosperidade – quer ao nível de uma simples empresa privada ou pública, quer relativamente à
economicidade um Estado ou de uma comunidade internacional – realizam-se mediante
transformações e actos jurídicos. Então, para os economistas proporem adequadamente as suas
providências será preciso que estejam em condições de apreciar o alcance e a eficácia dos
correspondentes vectores jurídicos.6

1.2. A interdisciplinaridade no estudo do Direito Económico. Relações com os demais ramos


do Direito.

O Direito Económico é um ramo do Direito moderno e autónomo, com a finalidade de conhecer


e regular a actividade económica, e que se relaciona com os demais ramos do direito.

O facto do direito económico ter autonomia didáctica e científica, não significa que não haja
uma interpenetração ou recepção de conceitos e técnicas provenientes de outras áreas jurídicas,
podendo falar-se neste sentido de uma interdisplinaridade interna que ultrapassa o campo jurídico.

A interdisplinaridade significa algo mais que a justaposição de duas perspectivas do mesmo


objecto, pressupondo a possibilidade de construção de um objecto e um método comuns para

6Microeconomia: é a teoria clássica económica, baseada nas unidades individuais da economia, focando-
se, tão-somente, em cada agente económico e sua interação com o mercado.
Macroeconomia: é a teoria moderna económica, que teve origem com o processo de intervenção do Estado
na economia, focando-se no funcionamento do fenómeno económico em caráter coletivo.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

orientar a produção de conhecimento que não poderia ser gerado a partir de duas disciplinas
separadamente.

Neste âmbito, tentamos escolher os ramos do Direito que interdisciplinarmente mais se ligam
com o Direito Económico.

Ramos do Direito que se relacionam


Conceito
com o Direito Económico (exemplos)

 Direito Constitucional;

Conjunto das normas que regulam as  Direito Administrativo;


relações em que intervenha o Estado ou
 Direito Penal;
1. Direito Público qualquer ente público geral dotado de
supremacia (ius imperii), ou, conjunto de  Direito Financeiro;
normas que visam regulamentar os
 Direito Fiscal;
interesses do Estado, no ponto de vista
do interesse geral.  Direito Internacional Público.

Conjunto das normas que regulam as


relações entre cidadãos ou entre estes e  Direito Civil;
o Estado ou qualquer ente público
 Direito Comercial;
despido do seu poder de supremacia, ou ,
2. Direito Privado7
conjunto de normas que visam  Direito do Trabalho;
regulamentar os interesses particulares.
 Direito Direito Internacional Privado.

Explicando:

7
MOTA PINTO, CARLOS ALBERTO DA, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Ed., Coimbra Editora, Limitada, 1994, pp.
24-34.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

a) Direito Económico e Direito Constitucional

O Direito Econômico encontra seu fundamento de validade no Direito Constitucional, o que


demonstra a estreita ligação entre esses ramos.

O Direito Constitucional ocupa-se da ordem jurídica e da ordem política do Estado.

A Constituição estrutura, por meio de seus princípios, as regras que irão nortear as relações
entre o Estado e as actividades económicas, bem assim o enquadramento geral e o conteúdo das
actividades económicas fundamentais, a serem seguidas pelo Governo e pelos cidadãos,
considerada em termos de direitos e obrigações.

Ou seja, no caso específico do Direito Económico, o Direito Constitucional cuida da consagração


do sistema e do regime económicos, bem como os grandes princípios das relações entre o Estado e
os grupos de interesses ou a economia em geral.

O Direito Constitucional traça o quadro de princípios a que a economia se deve subordinar, e


também fixa a organização económica, os direitos e deveres das pessoas no âmbito da actividade
económica8.

b) Direito Económico e Direito Administrativo

O Direito Administrativo visa a prestação eficiente de determinados serviços públicos, enquanto


o Direito Económico tem por escopo regular as atividades exercidas pelos agentes económicos.

A interligação entre esses ramos reside no facto do Direito Administrativo também regular a
intervenção do Estado no domínio económico quando edita normas atinentes ao serviço público
(Serviços Administrativos do Estado que servem os cidadãos e agentes económicos que acorrem ao
mesmos), bem assim quando o Estado intervém na economia como agente económico (praticando
actividades económicas sob a sua própria gestão – ex: através de Empresas Estatais9), aí intervêm
as normas de Direito Administrativo a regular tais processos.

8
Cfr. DOS SANTOS, ANTÓNIO CARLOS, Op. Cit., pp. 35-36.
9 O Direito Administrativo se incumbe de dar corpo e de reger parte parte da administração interna das
empresas criadas pelo Estado (Empresas Estatais e Empresas Públicas, que são criadas por Lei), para se
identificar com a administração própria do Estado. Mas no momento em que essas empresas/entidades
começam a actuar como sujeitos da actividade económica e como instrumentos da política económica,

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

Por outro lado, os órgãos do Estado de licenciamento e inspecção da actividade económica


exercem uma efectiva actividade administrativa.

Entretanto, importa notar que o Direito Administrativo possui estrutura e teleologia distinta do
Direito Económico, sendo certo que o conteúdo daquele determina-se por regras rígidas (calcadas
na estrita legalidade), programadas (pois decorrem de comandos estabelecidos em lei) e com
eficácia decorrente. Por seu turno, o Direito Econômico encerra critérios que possibilitam uma
maior flexibilidade normativa, além de sua pragmaticidade10.

c) Direito Económico e Direito Criminal ou Penal

Ao Direito Criminal compete tipificar as condutas consideradas criminosas, isto é, que se


traduzem em infracções criminais, disciplinando a aplicação das penas e das medidas de segurança.

O Direito Criminal disciplina e garante a defesa da sociedade contra os actos individuais que a
afectam na sua conservação, fixando as penas e os meios preventivos adequados.

Sucede que certas práticas de consequências económicas podem ter o carácter de crime e ou
contravenção, neste caso incluindo-se no Direito Criminal.

Por exemplo, a fraude, peculato, furto, roubo, especulação, açambarcamento, contrafacção,


entre outras, levam a consequências económicas. Assim, quando normas legais de determinadas
práticas económicas são violadas, caracteriza-se o ilícito como económico. Refira-se neste âmbito,
para além das disposições contidas no Código Penal, a Lei nº 9/87, de 19 de Setembro – Lei de
Defesa da Economia.

A interligação entre o Direito Económico e o Direito Criminal reside no facto do Direito Criminal
também regular aspectos de natureza económica, tipificando-os como crimes e contravenções.

d) Direito Económico e Direito Financeiro

O Direito Financeiro é o conjunto de normas jurídicas que regulamentam as finanças públicas,


isto é, as receitas e as despesas do Estado. Considerando o imposto como a forma clássica do
Estado obter recursos para a sua manutenção e o orçamento como a peça chave na aplicação dos

observam os princípios da ideologia Constitucional económica (Direito Constitucional Económico). Assim o


Direito Administrativo se insere na esfera do Direito Económico.
10
Cfr. WATY, TEODORO ANDRADE, Op.Cit., pp. 23-24.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

recursos financeiros do estado, vislumbram-se aí vários elementos que aproximam o Direito


Financeiro do Direito Económico11.

e) Direito Económico e Direito Fiscal

O Direito Fiscal é o Direito Financeiro especial e consiste no conjunto de normas que


regulamentam a relação jurídica de imposto. Neste sentido, são estreitas as relações entre o Direito
Fiscal e o Direito Económico na medida em que a actividade de captação de receitas fiscais por
parte do Estado processa-se no âmbito do Direito Económico.

f) Direito Económico e Direito Internacional Público

O Direito Internaciona Público é considerado como o conjunto de regras e princípios que regem
as relações jurídicas entre Estados e outras entidades internacionais. Assim, o conteúdo económico
do Direito Internacional Público está nos instrumentos de disciplina como as relações político-
económicas entre os Estados irão processar-se.

A relação com o Direito Internacional fica evidente quando se verifica a influência que o
mercado internacional exerce sobre a economia interna ou mesmo o impacto que as grandes
fusões entre empresas, inclusive estrangeiras, causam no mercado interno.

Por outro lado, a internacionalização da economia e a crescente cooperação entre os Estados,


manifesta-se no Direito Económico com a celebração de numerosos tratados, convenções e
acordos de natureza económica, quer a nível bilateral (entre dois Estados) quer multilateral
(envolvendo vários Estados e no quadro de organizações económicas regionais, ex: SADC, ou
internacionais, ex: OMC – Organização Mundial do Comércio).

g) Direito Económico e Direito Civil

O Direito Civil é o direito privado comum, e tem por objecto disciplinar os interesses entre
particulares12.

O direito civil patrimonial funciona como regra subsidiariamente aplicável nas relações jurídico-
económicas.

11
Cfr. WATY, TEODORO ANDRADE, Op.Cit., pp. 24-25.
12
Cfr. MOTA PINTO, CARLOS ALBERTO DA, Op.Cit., pp.23-24.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

As normas do Direito Civil apresentam conteúdo económico quando abrangem a parte


correspondente aos bens, património e aos actos e factos económicos. O instituto jurídico-civil do
“contrato” constitui um elemento fundamental das relações económicas.

h) Direito Económico e Direito Comercial

O Direito Comercial regula a situação dos comerciantes e as relações que tenham por objecto
actos comerciais.

Existe uma vasta zona de matérias do direito comercial substancialmente atingidas pelo influxo
do Direito Económico. Os argumentos apresentados no Direito Comercial são válidos para o Direito
Económico com referência aos interesses privados regulamentados pelo contrato.

As relações entre o Direito Comercial e o Direito Económico podem ser definidas a partir do
facto de que o Direito Comercial regulamenta a actividade do comerciante no exercício da troca e à
base do contrato, enquanto que o Direito Económico vai traduzir e ordenar a política económica
exercida no mercado.

i) Direito Económico e Direito do Trabalho

A relação entre estas disciplinas tem uma origem histórica, na medida em que foram as
mudanças no perfil económico do Estado que levaram ao surgimento do Direito do Trabalho. A
forma de actuação do Estado na ordem económica continua a influenciar as normas relativas ao
trabalho. Por outro lado, grande parte da regulamentação do Direito do Trabalho resulta da
influência das normas de Direito Económico13.

j) Direito Económico e Direito Internacional Privado

O Direito internacional Privado é o sistema de normas de conflitos que, nas relações privadas
com conexões internacionais, determinam quais as normas nacionais que vão reger cada questão
jurídica de cada relação. Nessa medida, as relações económicas privadas internacionais serão
igualmente abrangidas pelo Direito Económico.

13
Ideia também correspondente às concepções funcionais do direito económico referidas supra.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

1.3. O Direito Económico no contexto da Globalização.

O termo globalização ainda não tem uma definição acabada. Pode-se tentar definir este
fenómeno como um processo no âmbito internacional que visa o aprofundamento das relações
entre Estados, no âmbito económico, culutural, político e social, tendo como fim último o bem estar
mundial.

Alguns autores defendem que a noção de Globalização tem um duplo sentido:

1. No sentido material ou descritivo – globalização é a unificação do campo económico


mundial ou a extensão desse campo na escala do mundo.

2. No sentido normativo – globalização designa uma política económica que visa unificar o
campo económico por todo um conjunto de medidas jurídico-políticas destinadas a suprimir
todos os limites a essa unificação entre os Estados.

A globalização não é apenas um conceito ou movimento económico, pelo contrário contém um


fundamento político e ideológico deliberado com a finalidade de liberalizar o comércio e facilitar a
circulação do capital.

Para a sua implementação ou concretização intervém o Direito Económico, que disciplina o


modo como as relações político-económicas entre os Estados irão processar-se, através de
tratados, convenções e acordos de natureza económica.

As vantagens da globalização inferem-se no âmbito dos objectivos que o processo suscita e


pretende atingir, os quais se traduzem no bem estar social. As economias adormecidas ou aquelas
que, por qualquer razão não se mostram capazes de, sozinhas, poderem competir no mercado,
encontram, na globalização, o meio de se relançarem partilhando as facilidades que o processo lhes
concede.

O desenvolvimento de novas relações entre Estados, bem como a abertura das economias ao
comércio internacional e ao investimento, constituem uma das vantagens oferecidas aos Estados
pela globalização, como forma de desenvolvimento de tecnologias de continuidade ou de ponta.

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Toda a movimentação e articulação da globalização é inspirada no modelo económico


neoliberal, e isso tem repercussão jurídica, na medida em que o Direito necessita dar suporte para
esse modelo.

Alguns passos decisivos para a actual economia internacional podem ser identificados a partir
da segunda metade do Século XX, sobretudo após a 2ª Guerra Mundial, com o surgimento da
Ordem Económica Internacional, destcando-se:

a) Os acordos de Bretton Woods (1944), que criaram o Fundo Monetário Internacional (FMI) e
o sistema de pagamentos internacionais, e o Banco Internacional para a Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD), base dos sistemas de cooperação financeira internacional para o
desenvolvimento;
b) A criação do GATT (General Agreement on Tariffs and Trades), Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio, em Genebra em 1974, que foi extinto em 1994, e substituído pela criação da
Organização Mundial do Comércio (OMC)14;
c) O Plano Marshall, nos Estados Unidos da América (EUA), em 1948, concebido para ajudar a
erguer a economia dos países europeus em crise em virtude da 2ª Guerra Mundial;
d) A criação da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento), visando a
cooperação Europeia;
e) A criação progressiva de organizações económicas e financeiras internacionais nas Nações
Unidas (ONU);
f) Tratado de Roma, em 1957, que preconiza uma aproximação maior dos países europeus,
estabelecendo o Mercado Único Europeu, e em 07/12/1992 é firmado o Tratado de
Maastricht, formalizando o surgimento da Comunidade ou União Europeia (UE);
g) Surgimento de blocos económicos: na Europa a União Europeia, na América do Sul o
MERCOSUL - Mercado Comum do Sul, em África a SADC- Comunidade para o
Desenvolvimento da África Austral, CEDEAO - Comunidade Económica dos Estados da África
Ocidental, Comunidade da África Oriental (em inglês: East African Community – EAC), etc.

2. NOÇÃO DE DIREITO ECONÓMICO


2.1. O Direito Económico identificado como todo o Direito da Economia
A doutrina não é unânime quanto à definição do Direito Económico.

14
Veja-se a Colectânea da legislação do comércio internacional.

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Uma corrente identifica o Direito Económico como todo o direito relativo à economia (J. HAMEL
e G. LAGARDE).

Crítica: esta noção enferma, desde logo, das incertezas ligadas à definição de economia, ainda
que se convencione que a economia será toda a actividade dirigida à produção, distribuição e
consumo dos bens.

A identificação do Direito Económico como todo o direito relativo à economia afigura-se


demasiado extensa e não exprime a sua especificidade, englobando desse modo, todas as regras de
direito privado (ex: direito das obrigações, direitos reais ou patrimonial, direito comercial) e direito
público (ex: direito financeiro) atinentes à actividade económica.

Ou seja, estender-se-ia a zonas de direito público que tenham incidência económica mas que
devem estar fora do âmbito do Direito Económico como por exemplo a disciplina jurídica das obras
públicas, o direito das expropriações, o regime jurídico do domínio público, bem assim a matérias
contíguas ao Direito Económico em sentido restrito, como por exemplo o direito da segurança
social.

Pode-se assim concluir que esta noção de Direito Económico como Direito da Economia não é
defensável, embora tenha vários seguidores, pois a doutrina que assim considera não aponta
realmente quais as fronteiras que delimitam ou separam os vários domínios do público e do
privado, do económico e do jurídico.

Na verdade, o Direito Económico dirige-se ao estudo dos problemas colocados pela intervenção
do Estado na economia, analisando também os temas decorrentes desse assunto principal. É uma
disciplina jurídica autonóma, com regras e principios próprios.

2.2. O Direito Económico abrangendo apenas alguns aspectos específicos do Direito da


Economia
Afastada a definição do Direito Económico como Direito de toda a Economia, surgem várias
concepções que procuram estabelecer a noção geral e o critério delimitador do Direito Económico:

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I. Para SAVATIER, o Direito Económico é um ramo do Direito que tem por missão dirigir a vida
económica e em especial a produção e circulacão de riqueza.
II. CHAMPAUD considera o Direito Economico como Direito da organização e desenvolvimento
económico, quer estes dependam do Estado, da iniciativa privada ou do concerto de um
e de outro, tendo como objecto fundamental a empresa.
III. G. FARJAT considera o Direito Económico como Direito da concertação e da colectivação dos
meios de produção e de organização da economia.
IV. SAVY propõe uma concepção finalista do Direito Económico, e afirma que ele tem em vista o
equilíbrio dos agentes económicos públicos ou privados e o interesse económico geral.
V. ALEX JACQUEMIN e GUY SCHRANS consideram que o Direito Económico não se trata de um
ramo autónomo do direito, mas de uma técnica de abordagem científica das relações
fundamentais entre o direito e a economia.

DEFINIÇÃO ADOPTADA:

O Direito Económico é o ramo do Direito Público que tem por objectivo o estudo das relações
entre os entes públicos e os sujeitos privados na perspectiva da intervenção do Estado na vida
económica15.

3. ORIGEM E EVOLUÇÃO DO DIREITO ECONÓMICO


3.1. O surgimento do Direito Económico

As regras de Direito económico são regras jurídicas que apareceram depois da 1ª Guerra
Mundial, para reformar, ou mesmo, substituir a ordem económica existente.

A 1ª Guerra Mundial (1914 – 1918) marca o fim do capitalismo liberal e o início do capitalismo
social. O objectivo do capitalismo é essencialmente a procura do lucro. O meio para atingir esse
objectivo será a produção de bens e serviços, para satisfação das necessidades dos cidadãos.

O capitalismo liberal era marcado pelo direito à propriedade (privada) dos meios de produção
e à iniciativa privada bem como uma liberdade económica. Era o mercado que, através da lei da

15
Cfr. SOUSA FRANCO, ANTÓNIO, Noções de Direito da Economia, p. 47.

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oferta e da procura, regulava os preços. O mercado era o grande instrumento coordenador e


organizador da actividade económica.

Entretanto, o capitalismo liberal, falha no domínio da justiça social (RAWLS).

Havia uma crescente intervenção por parte do Estado para satisfazer as exigências e as
necessidades trazidas pela 1ª Guerra.

Surgem, com a Revolução Russa de 1917, novas ideias políticas e económicas e aparece em
1919 a 1ª Constituição que dedicava uma especial secção à vida económica – A Constituição de
WEIMAR de 1919, na Alemanha. A Constituição de WEIMAR legitimava a intervenção do Estado na
vida económica16.

Em 1929 surge uma grande crise económica com uma elevada taxa de desemprego e de
inflação, uma taxa de crescimento reduzida, perdurava a fome, a bancarrota, etc.

Daí surgiu KEYNES que dizia que o Estado deveria intervir para estabilizar a economia.
Apareceu neste momento para defender, pela 1ª vez, a intervenção do Estado, no sentido do
investimento público em tempos de recessão, defendendo que perante um aumento da procura
agregada a oferta responderia.

A política de intervenção estatal começou a ser adotada primeiro nos Estados Unidos, com o
anúncio pelo presidente Franklin Roosevelt de uma série de medidas, que ficaram conhecidas como
New Deal (novo acordo) e que passaram a ser concretizadas em 1933. Dentre elas incluiam-se:

• controlo sobre bancos e instituições financeiras e económicas;

• construção de obras/infra-estruturas para a geração de emprego e aumento do mercado


consumidor;

• concessão de subsídios e crédito agrícola a pequenos produtores familiares;

• criação de Previdência Social, que estipulou um salário mínimo, além de garantias a idosos,
desempregados e inválidos;

16
Cfr. WATY, TEODORO ANDRADE, Op. Cit. Pp. 13-17; veja-se também DOS SANTOS, ANTÓNIO CARLOS et
all., Op. Cit. Pp. 37-38.

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• incentivo à criação de sindicatos para aumentar o poder de negociação dos trabalhadores e


facilitar a defesa dos novos direitos instituídos.

Com a 2ª Guerra Mundial (1939 – 1945), esta ordem económica existente, altera. O Estado
passa a intervir directamente e indirectamente e a própria guerra é o fenómeno que leva a que o
Estado passe a intervir. Há uma intervenção directa quando o Estado age como agente económico,
e indirecta quando o Estado age como agente de regulação económico-social e regula o acesso à
actividade económica, regula a concorrência, regula o consumo.

Assim, pois,se dá o abandono do liberalismo, substituição do capitalismo liberal pelo


capitalismo social.

Depois das guerras mundiais, os Estados desejam regressar a uma ordem político-económica
normal. Essa normalidade é concretizada pelo Estado e, por conseguinte, o alargamento das tarefas
do Estado.

A intervenção abarcou domínios de segurança social, política de emprego, protecção no


trabalho, protecção à família, política educacional, política de saúde, etc. A crescente intervenção
do Estado na economia permite encontrar formas de equilíbrio entre os poderes públicos e os
poderes privados17.

Foi depois da 2ª Guerra Mundial que se procedeu, em muitos países Europeus, às


nacionalizações, criando-se um sector público económico importante e forte, tendo em vista o
controlo mais eficaz do crescimento económico. Neste período ocorre a divisão dos Sistemas
Económicos em dois grandes grupos principais: os denominados Ocidentais e os países Socialistas
Marxistas.

Foi a partir da 1ª Guerra Mundial, na crise económica de 1929, e depois da 2ª Guerra Mundial, que

17
Diz MONCADA que, «O direito económico passa a ser predominantemente direito público, não só pelas finalidades
que prosseguem as normas que o corporizam, mas também pelos instrumentos ou meios jurídicos em que se concretizam,
expressão do jus imperii do Estado. Os meios jurídicos ao dispor das entidades públicas, privadas e mistas que a
intervenção económica do Estado ter por destinatárias, não são consequência da sua mera capacidade de direito privado.
São, pelo contrário, consequência do conjunto de prerrogativas e especialidades de que o Estado as investe em ordem a
uma mais fácil prossecução da finalidades económico-sociais que norteiam nos nossos dias a sua actividade», p. 13,
Op.Cit.

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o Estado passou a intervir na economia, deixando de ser o Estado neutro típico do liberalismo.
JOHN KEYNES, em 1936, escreveu a obra Teoria Geral do Emprego, Juro e Moeda, considerando que
a intervenção do Estado na economia era a única forma de evitar crises económicas.
O fenómeno que fez aparecer o Direito Económico foi a mudança para um Estado intervencionista
(do liberalismo para o capitalismo), o fim da era liberal em que a relação do Estado com a Economia
se alterou.

3.2. O alastramento do Direito Económico pelo mundo

Alemanha:

A sistematização doutrinal e científica do Direito Económico como disciplina autónoma teve


início na Alemanha, sob a Constituição de Weimar (1919), tendo sido esta a 1ª Constituição a incluir
a vida económica como objecto da lei fundamental.

Para reformar o capitalismo foi necessária uma intervenção política do Estado, a qual não
poderia ser realizada sem recurso ao Direito.

França:

A França, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, surge como outro pólo de
desenvolvimento do Direito Económico, sendo este considerado como direito da intervenção
económica do Estado.

Foi a partir da Alemanha e da França que o Direito Económico ganhou força e expressão, tendo-se
alastrado por outros países da Europa e pelo mundo fora.

Inglaterra:

Nos países anglo saxónicos, com sistemas baseados na common law, não se verificou
semelhante desenvolvimento de uma disciplina jurídica autónoma de direito económico,
continuando esta área a ser enquadrada em disciplinas tradicionais : public corporations, antitrust

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law, mercantile law, regulatory agencies, porém com tendência a alterar-se, devido à influencia do
Direito Económico Comunitário.

EUA:

Em contrapartida, nos EUA floresce a análise económica do Direito.

Portugal:

Quanto a Portugal, as primeiras abordagens do direito económico foram tardias (década de


1980). A ideologia do direito corporativo impedia a sua afirmação autónoma. Após 1974, verifica-se
algum desenvolvimento que se traduz pela introdução da disciplina de Direito Económico nas
Universidades.

A 25 de Abril de 1974 dá-se o Golpe de Estado militar que representou uma ruptura com o
Estado Novo, verificando-se uma forte intervenção do Estado na economia tendente à instituição
de um novo sistema económico, compatível com a nova política do Estado.

A Constituição Portuguesa de 1977 instroduziu um conjunto de normas que visava estabelecer


o quadro jurídico da organização económica e constituiu a base de muitos estudos de Direito
Económico, efectuados numa perspectiva de Direito Público, destacando-se os trabalhos pioneiros
de Ataíde e Vital Moreira18.

3.3. O Direito Económico em Moçambique

Em Moçambique, os primeiros sinais de um Direito Económico nascente surgem com a


primeira Constituição da República Popular de Moçambique, em 1975. Foi institucionalizado o
Sistema Económico Socialista.

Embora se tenha proclamado uma economia centralmente planificada, as normas do Direito


Económico tinham como base a política económica traçada pela FRELIMO (Frente de Libertação de
Moçambique).

18
Cfr. DOS SANTOS, ANTÓNIO CARLOS et all., Op. Cit., pp. 44-90.

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A aplicação intensiva das normas do Direito Económico ganha forma a partir de 1987, altura
em que se desenham os primeiros sinais de implementação de uma economia de mercado.
Entretanto em 1990, com a aprovação da nova Constituição da República, no Capítulo IV –
Organização Económica e Social, são claros os desígnios do Estado Moçambicano no que se refere à
actividade económica e as novas relações que se passaram a estabelecer entre os agentes
económicos e os poderes estaduais.

4. NATUREZA E OBJECTO
Natureza: O Direito Económico afirma-se fundamentalmente como o Direito Público que tem
por objectivo o estudo das relações entre os entes públicos e os sujeitos privados na perspectiva da
intervenção do Estado na vida económica.

Objecto: O Direito Económico tem por objecto as regras jurídicas que disciplinam a intervenção
do Estado na economia.

O Direito Económico pode ser apresentado como um sistema de normas ou como a disciplina
jurídica que estuda as normas reguadoras de: (i) organização da economia – definindo o sistema e o
regime económico; (ii) a condução superior da economia pelo Estado; e (iii) disciplina dos centros
de decisão económica não estaduais.

Ainda sobre a natureza do Direito Económico, existe uma problemática da classificação do


Direito Económico como direito público ou privado.

O certo é que,

O Direito Económico é predominantemente Direito Público, não só pelas finalidades que


prosseguem as normas que o corporizam, mas também pelos instrumentos e meios jurídicos em
que se concretizam, expressão do jus imperii do Estado.

Os meios jurídicos ao dispor das entidades públicas, privadas e mistas que a intervenção
económica do Estado tem por destinatárias, não são consequência da sua mera capacidade de
Direito Privado. São, pelo contrário, consequência do conjunto de prerrogativas e especialidades de
que o estado as investe em ordem a uma mais fácil prossecução das finalidades económico-sociais
que norteiam nos nosso dias a sua actividade.

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O cerne do Direito Económico são normas jurídicas de Direito Público. É esta a orientação
que melhor isola o seu conteúdo específico.

O Direito Económico surge-nos não como o direito geral da actividade económica, mas como
o direito especial da intervenção Estadual.

Entretanto, o Direito Privado continua a ter um papel muito importante na configuração


jurídica da intervenção económica. O Direito Económico é aplicado em combinação com elementos
de Direito Privado, pressupostos da execução das normas de Direito Público. Trata-se do fenómeno
da interpenetração do Direito Público e do Direito Privado, que ocorre intensamente no campo da
actividade económica19. Por exemplo, o facto do Estado privatizar as suas unidades económicas e
actividades, permite o surgimento do direito do sector privado.

4.1. CARACTERÍSTICAS DO DIREITO ECONÓMICO


a) Carácter recente: O Direito Económico, ramo jurídico de intervenção do Estado na
economia, é jovem em relação ao Direito Público em geral como consequência directa das
finalidades especiais a prosseguir e dos regimes jurídicos utilizados no âmbito do actual
intervencionismo Estatal.
b) Diversidade: O Direito Económico depende da estrutura económica dominante em cada
país.
O Direito Económico reflecte a heterogeneidade da ordem económica dos países dispostos
numa graduação que vai desde as economias de mercado mais ou menos puras às
economias integralmente planificadas, tornando-se inviável a elaboração no seu seio de
uma teoria jus-económica geral.
c) Maleabilidade: as normas de Direito Económico contêm regras–quadro menos rígidas, cujas
causas podem ser a grande diversidade de organismos que intervêm na actividade
económica, regimes variados de intervenção Estadual (ex: intervenções unilaterais e
concertadas, directas e indirectas, imperativas e indicativas), novos tipos de actos com
características próprias e específicas.

19
Cfr. DE MONCADA, Luís S. Cabral, Op.Cit., p.17ss.

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d) Mobilidade ou mutabilidade: a mobilidade ou mutabilidade pressupõe a transitoriedade da


vigência de uma parte das suas normas, e plasticidade na sua adaptação aos casos
concretos, em parte justificada pela sua natural sensibilidade às mudanças sociais e pela sua
ligação às frequentes alterações da conjuntura política e económica do país.
Segundo as épocas e as opções políticas, as normas do Direito Económico mudam. (ex: em
1975 após a independência nacionaliza-se e nos anos 90 privatiza-se). O Direito Económico
também pode evoluir com o avanço das tecnologias e a realidade que o próprio Direito tem
que regular.
e) Dispersão e heterogeneidade: a dispersão e heterogeneidade do Direito Económico
manifestam-se na diversidade e no eclectismo das suas fontes, com recurso simultâneo a
regimes jurídicos de Direito Público e de Direito Privado simultaneamente, tendo em conta
as necessidades de regulamentação das situações e problemas levantados pela intervenção
Estadual na economia (ex: surgimento de fontes não Estaduais – Acordos de Concertação,
Códigos de Conduta, Contratos-tipo).
f) Permeabilidade política: O Direito Económico é particularmente sensível aos valores e
orientações políticas do poder legislativo e da Administração, e assenta em princípios
valorativos que deixam uma ampla esfera de liberdade regulamentar que será preenchida
chamando à colação critérios políticos ao sabor das maiorias Parlamentares ou das opções
do Governo do dia.

A vontade política dos órgãos do Poder é, deste modo, uma componente essencial e
evidente do Direito Económico, porque a vontade política do legislador é essencial.

g) Carácter concreto das normas: o Direito Económico é mais concreto do que os outros
ramos de direito, pois cria normas para regular certas situações em determinadas áreas,
num determinado momento, com o fim de realizar o interesse económico geral.
O direito económico disciplina os fenómenos socioeconómicos concretos, vinculado aos
factos históricos relevantes ao Estado e aos indivíduos.
h) É um direito quadro: enquadra a actividade económica, através de normas que ao serem
cumpridas, se realizam, deixando depois um espaço jurídico para outros ramos de direito.
i) Exige uma interdisciplinaridade interna e externa: necessidade de grande conhecimento
dos outros ramos de direito e de outros conhecimentos que de Direito.

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j) Declínio da imperatividade e coercibilidade das normas: com recurso crescente a


incentivos, em detrimento das medidas de repressão.
Se o legislador pretender assegurar o cumprimento de metas económicas pela imposição de
sanções penais corre o risco do incumprimento e da impunidade.
k) Crise da generalidade da norma: a generalidade, característica da norma jurídica, cede ao
casuísmo.
l) Crescimento da vinculação concertada: o declínio da coercibilidade reflecte-se em diversos
aspectos de que há a salientar o predomínio das normas de conteúdo positivo sobre as de
conteúdo negativo, a subalternização dos efeitos jurídicos relativamente aos económicos e
sociais, a relevância das normas programáticas, a utilização crescente da vida contratual e
da vida concertada, ao lado da imposição legal, para atingir fins de política económica, a
diminuição dos efeitos de nulidade dos negócios, procurando maximizar os seus efeitos
jurídico-económicos, e por fim, o recurso a novas formas de coercibilidade, como o uso da
publicidade.
m) Crescente autonomização científica e pedagógica dos sub - ramos do Direito Económico
(por exemplo, o Direito Agrário, Direito dos Transportes, Direito Industrial, Direito da
Energia)20.

4.2. O DIREITO ECONÓMICO COMO DISCIPLINA JURÍDICA NOVA E AUTÓNOMA. O DIREITO


ECONÓMICO COMO RAMO DE DIREITO.
Muito embora no Direito Económico não se encontram algumas das clássicas manifestações
externas dos ramos de Direito (Codificação, autonomia processual, magistratura específica), isso
não impede que se possa falar dele como um novo ramo de direito em formação.

Ramo de direito autónomo, porquê?

Porque tem…

a) Objecto próprio

20
Cfr. WATY, Op. Cit., pp.62-66.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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É o único ramo de direito que disciplina a actividade económica no seu conjunto. (estuda o
enquadramento jurídico do circuito económico, os sujeitos do processo económico e os aspectos
de produção e distribuição).

b) Função própria

Ordenar e regular a actividade económica no seu conjunto.

c) Fim próprio

Garantir a satisfação do interesse económico geral.

d) Conteúdo próprio

Conjunto de normas específicas às áreas a ser reguladas.

O Direito Económico possui características específicas que não permitiram a absorção das suas
normas por ramos de direito já existentes. Ele tem vindo a construir-se da reavaliação de certos
núcleos temáticos oriundos de outros ramos de direito (relação entre a economia e a Constituição,
intervenção económica do Estado, bens produtivos, etc.) e da consideração de novas realidades
para as quais os ramos existentes se mostram insuficientes ou inadequados (empresa,
concorrência, concertação social, etc.).

A proliferação de estudos de cariz económico, e mais que isso, a inserção nos programas
curriculares das Faculdades de Direito e de Economia, de uma cadeira de Direito Económico, parece
dizer-nos claramente que há uma necessidade pedagógica, funcional, operatória de estudo de
diversos temas não focados, ou tratados nas disciplinas curriculares tradicionais.

Há, portanto, o reconhecimento pragmático de uma autonomia funcional-pedagógica e


disciplinar do Direito Económico.

Resumindo:

 Será o Direito Económico um direito diferente?

- Sim, porque…

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1. O Direito Económico disciplina a actividade económica no seu conjunto


2. Visa edificar e organizar uma ordem económica
3. Regula esta ordem económica, através da criação de normas, para que o sistema funcione
de uma maneira harmoniosa, garantindo assim o interesse económico geral
 Que partes da actividade económica se regula?

- A actividade económica no seu conjunto, naqueles aspectos que seja necessário a criação de
normas jurídicas, para garantir o bom funcionamento dessas áreas

 Qual o fim ?

- O bom e harmonioso funcionamento da economia, satisfazendo assim o interesse


económico geral.

4.2. FONTES DO DIREITO ECONÓMICO21


4.2.1. Noção
Entende-se por Fontes de Direito os modos de revelação das normas jurídicas, os órgãos
políticos encarregados de as formular e definir, assim como os diplomas em elas se encontram.

Nos termos do nº 1, do artigo 1º do Código Civil, a Lei e as normas corporativas são fontes
imediatas e primárias de formação e criação de normas jurídicas. São normas corporativas as
regras ditadas pelos organismos representativos das diferentes categorias morais, culturais,
económicas ou profissionais no domínio das suas atribuições, bem como os respectivos Estatutos e
Regulamentos Internos.

4.2.2. Complexidade e Diversificação


Falar das fontes de Direito Económico, isto é, das formas de revelação das normas jus-
económicas é uma questão delicada. É que, cada vez mais, se questiona o tradicional monopólio
dos poderes públicos na produção de normas jurídicas, ou seja, põe-se em causa o monopólio do
Estado na criação de normas jurídico- económicas.

É verdade, no entanto, que grande parte do Direito Económico, assenta em normas com origem
nas autoridades públicas, mas também é verdade que não se esgota nelas. Há normas
desenvolvidas cada vez mais de forma negociada entre poderes públicos e privados – um direito de

21
Cfr. WATY, Op. Cit., pp.67-85.

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concertação económica – ou mesmo provenientes de entidades ou instituições privadas,


desprovidas do clássico poder de supremacia (jus imperii), e que tem por objectivo a regulação de
práticas económicas, negociais e profissionais, com particular relevância para os Códigos de
Conduta.

A ordem jus-económica é assim eminentemente plural, sendo diversificado o elenco das suas
fontes. Ao lado das tradicionais fontes formais de direito, é necessário considerar outras (“por
vezes designadas fontes materiais”), quer de natureza mista, quer de natureza privada.

4.2.3. Tipos de Fontes


Constituem fontes de Direito Económico os princípios e normas de direito com origen nos
órgãos de Soberania, com realce para a Assembleia da República, Governo, ou outras instituições
de carácter supranacional ou internacional que tenham sido delegados poderes.

Quanto à sua classificação, as fontes podem ser ordenadas em: a) Fontes Internas; b) Fontes
Internacionais e c) Fontes de Origem Mista ou Privada (Novas Fontes do Direito Económico).

a) Fontes Internas

 A primeira fonte do direito é, por excelência, a Constituição da República pois é ela que
contém um conjunto de preceitos basilares que se referem directamengte à economia e
que constitui a essência da Constituição Económica.
 As Leis Ordinárias da Assembleia da República, os Decretos-Leis (do Conselho de Ministros),
as Resoluções da Assembleia da República com relevância económica.
 Os Regulamentos do Governo, sob a forma de Decretos, Resoluções, Diplomas Ministeriais e
Despachos Normativos que, directa ou indirectamente, regem determinados aspectos da
ordem económica são fontes imdeiatas do direito económico.
 Outros regulamentos de Municípios e outras instituições públicas (por exemplo, Avisos do
Banco de Moçambique que são obrigatórios para o sistema financeiro) no âmbito da
actividade económica.

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 Em matéria de legislação, a especificidade do Direito Económico está no papel peculiar das


leis-directriz (como a Lei do Plano) e das leis-medida que se aplicam a um círculo restrito
de pessoas ou a um número limitado de casos.

Explicando:

1) Constituição da República de Moçambique (CRM)

É na Constituição onde se encontra o conjunto de preceitos basilares atinentes à economia. É o


que constitui a essência da Constituição Económica, que se refere aos princípios, normas ou
institutos jurídicos constituintes da ordem económica.

Na actual Constituição da República de Moçambique, aprovada em 16 de Novembro de 2004,


o regime jurídico fundamental da ordenação da actividade económica encontra-se, no essencial,
consagrado no Título IV – dedicado à Organização Económica, Social, Financeira e Fiscal, em
especial nos artigos 96 a 111.

Todavia, existem muitos outros preceitos que contêm normas que não regulam directamente a
actividade económica, mas cujo conteúdo tem uma aplicação indirecta ou mediata no que diz
respeito à conformação da actuação dos vários agentes económicos no ordenamento jurídico
moçambicano, como acontece, por exemplo, quanto ao reconhecimento e garantia do “Direito de
Propriedade Privada” e sua protecção (artigos 82 e 83 da CRM), do “Princípio da Igualdade” (artigos
35 e 36 da CRM), “Liberdade de Associação” (artigo 52 da CRM), e ainda a “Garantia dos Direitos e
Liberdades Fundamentais” (artigos 56 a 72 da CRM)22.

2) Actos normativos

I. Leis e Resoluções da Assembleia da República

22
Sobre a Constituição económica veja-se também WATY, Op. Cit., pp.87-129.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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A Lei da Assembleia da República é uma das mais importantes fontes do Direito em geral, e do
Direito Económico em especial, pois, em última instância, ela representa a vontade do povo
manifestada através deste órgão.

De acordo com o nº 1 do artigo 169 da CRM, “ a Assembleia da República é o mais alto órgão
legislativo na República de Moçambique”, daí que grande parte das normas jurídicas que regulam a
ordenação da actividade económica resultem da aplicação das leis emanadas da Assembleia da
República.

No que diz respeito ao Direito Económico, o poder legislativo da Assembleia da República


encontra-se claramente definido no nº 2, do artigo 169 da CRM, que indica que “a Assembleia da
República determina as normas que regem o funcionamento do Estado e a vida económica social
através de Leis e deliberações de carácter genérico”23.

É assim que, em matéria económica a Assembleia da República tem competência para: legislar
sobre as questões básicas da política interna e externa do país (nº 1 do artigo 179 da CRM),
deliberar sobre as grandes opções do Plano Económico e Social e do Orçamento do Estado e os
respectivos relatórios de execução (alínea l) do nº 2 do artigo 179 da CRM).

Através destas disposições observa-se que irá caber à Lei da Assembleia da República, dotada
de um elevado grau de generalidade e abstracção, estabelecer o regime jurídico básico, isto é,
definir os aspectos essenciais do enquadramento jurídico da actividade económica, cabendo por
sua vez a outros actos normativos (como por exemplo, o Decreto do Conselho de Ministros, Aviso
do Banco de Moçambique, etc), proceder à sua regulamentação, isto é, definir os aspectos
específicos necessários à sua execução.

II. Decretos-Leis, Decretos e Resoluções do Governo

Além das Leis da Assembleia da República, são actos normativos os Decretos e as Resoluções do
Conselho de Ministros (artigos 143 e 210 da CRM de 2004 e artigo 157 da CRM de 1990).

23
Cfr. WATY, Op. Cit., pp. 74-76.

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Em matéria económica o Conselho de Ministros tem competência para emitir normas que
visem: promover o desenvolvimento económico (artigo 203, nº 1 da CRM), preparar o Plano
Económico e Social (alínea e) do nº 1 do artigo 204 da CRM), promover e regulamentar a actividade
económica e dos sectores sociais (alínea f) do nº 1 do artigo 204 da CRM), estimular e apoiar o
exercício da actividade empresarial e da iniciativa privada e proteger os interesses do consumidor e
do público em geral (alínea e) do nº 2 do artigo 204 da CRM), promover o desenvolvimento
cooperativo e apoiar à produção familiar (alínea e) do nº 2 do artigo 204 da CRM).

O Conselho de Ministros desempenha um papel fundamental de regulação, concretização e


execução do regime jurídico básico estabelecido pela Assembleia da República, através da Lei.24

III. Decretos e Despachos Presidenciais

Os Decretos Presidenciais são fonte de Direito Económico, por exemplo, quando definam
competências económicas a agentes da Administração ou atribuição de Ministérios25.

IV. Poder Regulamentar

Tem a ver com os instrumentos de natureza infraconstitucional e infra-legal. Sendo que as


autarquias dispõem de poder regulamentar, as entidades de adminsitração exercem poderes
regulamentares, a regulamentação contratual assume também relevo, particularmente no domínio
do Direito Laboral (do Trabalho).

b) Fontes Internacionais

As fontes internacionais do Direito Económico dizem respeito aos factos normativos com
origem na ordem jurídica internacional, de cariz universal, continental ou regional (como por
exemplo, os casos do FMI, Banco Mundial, SADC, etc), que têm vigência no ordenamento jurídico
interno, encontrando-se nessa situação todas as convenções com incidência económica às quais
Moçambique se vincule26.

24
Ibidem, p. 77.
25
Ibidem, pp. 77-78.
26
Cfr. Ibidem, p. 78.

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O caso específico da SADC – Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, formalmente


constituída em Lusaka – Zâmbia, em Abril de 1980. Como objectivos principais que presidiram a
criação da SADC podem apontar-se a promoção da implementação de políticas, programas e
projectos nacionais, internacionais e regionais, com vista a integração económica27.

Moçambique ratificou o Tratado e Protocolos de criação da SADC através da Resolução nº 3/93


da Assembleia da República.

c) Fontes de Origem Mista ou Privada (Novas Fontes do Direito Económico)28.

Para além da regulação de índole pública, é de realçar a existência de uma regulação de


natureza mista ou privada, em regra com carácter suplectivo ou complementar àquela.

1) Fontes de natureza Mista: têm a ver com as decisões, acordos ou pareceres emanados dos
organismos de concertação económica e social. Refira-se ainda a importância dos contratos-
programa e de outras formas de contratação económica entre entes públicos e privados
(por exemplo, ver o Decreto nº 7/94, de 9 de Maco – Comissão Consultiva do Trabalho).
2) Fontes de natureza Privada: têm a ver com a regulamentação das actividades económicas
pelas Associações Profissionais, nomeadamente através de decisões internas ou de Códigos
de Conduta, os usos da actividade económica de carácter interno ou internacional,
designadamente as práticas negociais que se traduzem em contratos-tipo ou contratos de
adesão, sucessivamente reutilizados em determinados ramos de actividade económica
(como nos seguros ou nos sectores da energia e das telecomunicações), as decisões
vinculativas dos grupos da sociedade, etc.
Podemos encontrar um poder regulamentar exercido por organismos económicos privados,
quando consentido por lei ou outro diploma regulamentar, sendo ou não homologado por
organismo público.

27
Cfr. Ibidem, pp. 78-81.
28
Cfr. Ibidem, pp. 81-82.

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4.2.4. Importância das decisões jurisprudenciais, administrativas e arbitrais29


Embora as decisões emanadas dos Tribunais (Judiciais Comuns, Administrativos, Fiscais, etc.)
para a resolução de casos concretos não constituam, em bom rigor, fontes de Direito, no sentido
clássico do termo, pois não vigora no sistema jurídico moçambicano a regra do precedente
judiciário (case law), contudo, é cada vez mais importante o papel que revestem como sinais para a
orientação dos agentes económicos, quer quando assumem um carácter inovatório ou precursor,
quer quando cristalizam em correntes jurisprudenciais.

A jursiprudência económica, juntamente com a doutrina, dá um contributo fundamental para a


construção dos princípios gerais do Direito Económico.

Neste quadro, revela-se importante a jurisprudência do Tribunal Supremo e do Tribunal


Administrativo aos quais, na ausência de uma magistratura económica específica, recai, em última
instância, nos respectivos domínios de competência, o papel de interpretar normas que contêm o
enquadramento geral da regulação da actividade económica.

Isto sem esquecer a crescente importância para a actividade económica interna e internacional,
dos Tribunais Arbitrais.

Especial significado assumem também as decisões de certos órgãos da Administração


económica, aos quais cabe resolver, em primeira instância, litígios decorrentes da violação de
Regras de Direito Económico.

4.2.5. Hierarquia das Fontes30

As fontes normativas no Direito Moçambicano podem ser ordenadas de acordo com a seguinte
hierarquia:

1º) Constituição da República (o nº 4, do artigo 2 da Constituição da República de


Moçambique estabelece que “as normas Constitucionais prevalecem sobre todas as
restantes normas do ordenamento jurídico”);

29
Cfr. Ibidem, pp. 83-85.
30
Cfr. Ibidem, p. 85.

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2º) Convenções Internacionais31 (Tratados e Acordos no âmbito da actividade económica,


quer sejam de natureza bilateral, multilateral ou provenientes de organizações
internacionais como o FMI, Banco Mundial, etc);

Segundo o nº 2, do artigo 18 da Constituição da República de Moçambique, “as normas


de direito internacional têm na ordem jurídica interna o mesmo valor que assumem os
actos normativos infraconstitucionais emanados da Assembleia da República e do
Governo”);

3º) Leis e Resoluções da Assembleia da República e Decretos-Leis (do Conselho de


Ministros);

4º) Decretos e Resoluções do Conselho de Ministros;

5º) Regulamentos do Governo e do poder local (Municípios) e outras instituições públicas


(por exemplo, Avisos do Banco de Moçambique).

5. SUJEITOS DO DIREITO ECONÓMICO


Os sujeitos do Direito Económico (que participam na ordem económica) são:

a) O Estado: é considerado sujeito de Direito Económico em razão da sua responsabilidade


pela edição das normas que materializam a política económica e da sua prerrogativa
para intervir no domínio económico de forma directa e indirecta.
b) Os Indivíduos: são agentes económicos em razão do seu trabalho (realizam a actividade
económica) e são consumidores de bens e serviços.
c) As Empresas: são agentes económicos enquanto unidades de produção de bens e prestação
de serviços e também enquanto consumidores.
d) A Coletividade: representa os sujeitos tomados num sentido indeterminando, titulares de
direitos difusos, direitos colectivos e direitos individuais homogêneos.
e) Os Órgãos/Organismos Internacionais ou Comunitários: os organismos internacionais (por
exemplo, FMI – Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, OMC - Organização
Mundial do Comércio) e os Organismos comunitários (no caso Europeu temos a UNIÃO

31 Os tratados normativos têm um valor hierárquico inferior à Constituição e superior às Leis e Decretos-Leis.

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EUROPEIA, no caso Africano temos a UNIÃO AFRICANA, antiga OUA – Organização da


Unidade Africana, e outros organismos regionais tais como: Comunidade para o
Desenvolvimento da África Austral (SADC), Comunidade Económica dos Estados da
África Ocidental (CEDEAO), Comunidade da África Oriental (em inglês: East African
Community - EAC), Comunidade Econômica dos Estados da África Central (ECCAS /
CEEAC), na América do Sul temos o MERCOSUL - Mercado Comum do Sul, ASEAN
(Associação de Nações do Sudeste Asiático, etc. têm uma influência muito grande na
sociedade moderna.
A Organização Mundial do Comércio, por exemplo, dirime controvérsias existentes sobre
comércio internacional. Um organismo internacional pode interferir numa política do
Estado. Então, é importante a gente quando pensa na Ordem Econômica ter uma visão
macro e uma visão micro, não pensar só na ordem interna. Mas ver também que existe
uma ordem externa que acaba atuando diretamente sobre o Estado.
f) As Associações, Comunidades, Massas, Entes Genéricos (investidor, Produtor,
Consumidor, etc)32.

6. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PAPEL DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÓMICO


6.1. O Estado Liberal

O liberalismo é uma “teoria económica” e uma “teoria política” que tem propiciado a
compreensão do Estado liberal enquanto “Estado mínimo”, “Estado limitado”, “Estado polícia” ou
“Estado guarda-nocturno”, em suma, um “Estado mínimo” que se restringe “às funções de
protecção contra a violência, roubo e fraude, bem como às funções que permitam o cumprimento
de contratos.

O Estado Liberal tinha que garantir o direito à propriedade privada e assegurar as liberdades
para que todos pudessem desenvolver as actividades económicas, caracterizado-se pela liberdade
individual, defesa da propriedade privada, liberdade económica e livre concorrência.

Os seus elementos caracterizadores são:

de iniciativa

32
O capítulo sobre a ORGANIZAÇÃO ECONÓMICA em Menezes Cordeiro é parte das explicitações sobre a
interdependência destes factores. Pp. 209-290.

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 Liberdade de empresa

de trabalho

de consumo

 Propriedade privada como princípio e instituição fundamentai;

 Mercado como instituição instrumental de regulação espontânea;

 Abstenção do Estado com eventual admissão de intervenção coerente com a lógica


do mercado ou ligeiramente correctiva.

As teorias económicas do Estado Liberal partiam do pressuposto que a nova ordem económica
deveria assentar no princípio da liberdade. Assim, para os economistas (Adam Smith, Jean-Baptiste
Say, etc.) o indivíduo era soberano e livre, deveria ter liberdade de iniciativa – poder utilizar e
aplicar livremente os seus meios de produção na actividade económica. As empresas deveriam ter
liberdade de concorrência – mas como seria assegurado o equilíbrio da actividade económica? A
resposta encontrava-se no mercado. Os mecanismos do mercado (leis da oferta e da procura) eram
auto-reguladores, determinavam o que produzir e em que quantidades, as remunerações dos
factores produtivos, etc. Adam Smith afirmava que: “uma mão invisível regularia a ordem natural
das coisas e permitiria conciliar o interesse individual e geral”.

A intervenção do Estado na esfera económica era considerada inútil, ou até mesmo prejudicial
para o seu funcionamento. Deveria limitar-se a promover o consenso a nível da sociedade, de
forma a garantir o desenvolvimento harmonioso da economia. Poderia também regulamentar
juridicamente a actividade económica no sentido de fazer respeitar a livre concorrência, garantir a
estabilidade monetária e orçamental, etc. – esta concepção de Estado costuma designar-se por
Estado Liberal33.

33
Esta é uma ideia que também se alcança do pensamento do Professor TEODORO ANDRADE WATY, na sua obra já
aqui referenciada.

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6.2. O Estado Social

A seguir à 2ª Guerra Mundial, numa fase de expansão capitalista caracterizada por um modelo
de regulação político-social com o modelo de regulação económico o Estado-providência, o
“intervencionismo”, o “Estado social” ou o “Estado dos serviços” começa a impor-se.

O papel jurídico do Estado alargou-se a todas as esferas de actividade, com destaque para a
economia e a sua actividade assumiu finalidades próprias, distintas das dos indivíduos.

Os traços essenciais do Estado Social são: o esbatimento da distinção entre o direito público e o
direito privado e a funcionalização crescente da autonomia privada à vontade dos poderes públicos
bem como o papel positivo da norma jurídica na conformação da vida económica e social34.

A ordem jurídica do Estado intervencionista atribui à norma jurídica um papel completamente


diferente do que tinha anteriormente. A norma jurídica assume agora um conteúdo económico e
social, perdendo a neutralidade que a caracterizava na fase liberal.

O Estado não poderia continuar a ser inútil mas sim passar a intervir em áreas específicas da
economia, tais como o investimento, o emprego, o consumo – Estado Intervencionista. Keynes
propunha uma intervenção directa do Estado para combater a crise.

O Estado, para promover o bem-estar social da comunidade deverá:

- proteger os indivíduos dos riscos decorrentes da sua actividade (desemprego, doenças,


acidentes, idade, etc.);

- garantir uma maior justiça social através de uma distribuição mais equilibrada dos
rendimentos;

- satisfazer as necessidades colectivas;

Em termos Económicos:

O principal objectivo do Estado é estabilizar a actividade económica, evitar e corrigir


desequilíbrios que possam provocar uma crise económica, ou seja, assegurar o crescimento, o
pleno emprego, a estabilidade dos preços e o equilíbrio das relações comerciais com o exterior.
34
Cfr. WATY, Op. Cit., pp.138-139.

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Para realizar com eficácia esta função o Estado deverá fixar as metas a atingir e escolher os
meios que poderá utilizar para atingir esses objectivos. O Estado para isso dispõe de instrumentos
de intervenção na actividade económica como a regulamentação jurídica da actividade económica,
a elaboração de planos reguladores da economia, a produção de bens e serviços para satisfazer
necessidades colectivas ou para serem comercializados (empresas públicas)35.

6.3. O Estado Democrático de Direito

O “Estado de Direito” é representado pela vinculação jurídica do poder do Estado submetido ao


Direito.

As características básicas do Estado Democrático de Direito, tendo em vista a correlação entre


os ideais de democracia e a limitação do poder Estatal são as seguintes36:

a) soberania popular, manifestada por meio de representantes políticos;


b) sociedade política baseada numa Constituição escrita, reflectora do contrato social
estabelecido entre todos os membros da colectividade;
c) respeito pelo princípio da separação dos poderes, como instrumento de limitação do
poder governamental;
d) reconhecimento dos direitos fundamentais, que devem ser tratados como inalienáveis
da pessoa humana;
e) preocupação com o respeito aos direitos das minorias;
f) igualdade de todos perante a lei, o que implica completa ausência de privilégios de
qualquer espécie;
g) responsabilidade do governante, bem como temporalidade e electividade (eleições)
desse cargo público;
h) garantia de pluralidade partidária;
i) “império da lei”, no sentido da legalidade que se sobrepõe à própria vontade
governamental.

35
Cfr. CORDEIRO, António Menezes, Op.Cit., sobretudo as pp. 399-419.
36
Cfr. DE MONCADA, Luís S. Cabral, Op.Cit., pp.20-23.

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Percebe-se, portanto, que a visão predominante nessas características implica as características


que embasaram a formação do “Estado de Direito”, ou seja, a preocupação com a limitação do
poder do Estado.

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Tema 2: PRINCÍPIOS E REGRAS DO DIREITO ECONÓMICO

7. PRINCÍPIOS E REGRAS DO DIREITO ECONÓMICO


7.1. Distinção entre princípios e regras do Direito.
O Direito é um conjunto de normas de conduta que se dividem em duas espécies: os princípios e as
regras.

Os Princípios: são normas ou comandos gerais dotados de alto grau de abstracção, com amplo
campo de incidência e abrangência, que orientam a produção do ordenamento jurídico, que
ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e
reais existentes. Os princípios admitem maior flexibilização às situações sociais. Por outro lado, As
Regras: são normas ou comandos que devem ser cumpridos. Se uma regra é válida, então deve-se
fazer exactamente o que ela exige, sem mais nem menos. Por isso, as regras contêm determinações
(definitivas) no âmbito do fáctico e juridicamente possível.

A distinção reside na própria estrutura dos comandos normativos e não somente na sua extensão
ou generalidade das proposições de dever-ser.

7.2. Princípios do Direito Económico.


Os princípios gerais do Direito Económico são fundados, norteados e permeados,
concomitantemente, em valores de direito público e de direito privado, dado o ecletismo que
caracteriza este ramo jurídico, outorgando aos referidos princípios traços próprios e específicos que
os distinguem de sua aplicação em outros ramos do direito.

Apresentam-se como princípios do Direito Económico os seguintes: princípio da economicidade,


princípio da eficiência e princípio da generalidade.

a) Princípio da Economicidade

O princípio da economicidade é o critério que condiciona as escolhas que o mercado ou o Estado


devem fazer para que o resultado final seja mais vantajoso do que os custos sociais envolvidos, no
confronto entre a quantidade e a qualidade.

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O princípio da economicidade representa o atingir a satisfação das necessidades através da menor


quantidade possível de esforço e sacrifício, quer pelo cidadão, quer pelo Estado, na realização dos
objectivos sociais.

b) Princípio da Eficiência

O Estado pode por ele próprio exercer uma actividade económica, adoptar uma postura normativa,
ou estimular, favorecer ou planear sempre com o objectivo de, como a empresa, fazer um
aproveitamento racional dos meios humanos e materiais de que dispõe, servindo-se dos seguintes
instrumentos: preço, custo das oportunidades, gravitação de recursos para uso mais vantajoso, isto
é, através da maximização da diferença entre os custos e as vantagens. A principal ideia é
maximizar o ganho e minimizar o custo.

c) Princípio da Generalidade

Confere às normas de Direito Económico alto grau de generalidade e abstracção ampliando seu
campo de incidência ao máximo possível, a fim de possibilitar sua aplicação em relação à grande
multiplicidade de organismos económicos, à diversidade de regimes jurídicos de intervenção
estatal, bem como às constantes e dinâmicas mudanças que ocorrem no mercado.

7.3. Regras do Direito Económico


O Direito Económico abrange diversas regras, sendo de destacar:

a) Regra do Equilíbrio

Significa que em qualquer relação de Direito Económico há um ponto de equilíbrio que traduz a
mais justa ponderação dos interesses individuais e sociais, considerada a ideologia adoptada
constitucionalmente.

b) Regra de Equivalência

A equivalência tem sentido de valor (não do preço) político-económico e deve ser entendida no
sentido de que quando uma medida tem repercussões superiores às normas, o pagamento da
obrigação deve ser em ordem a corresponder ao valor do momento do cumprimento do
compromisso.

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c) Regra da Recompensa

Porque as relações económicas não devem ser de benemerência, devem corresponder a um


proveito equivalente aos sacrifícios e aos dispêndios efectuados e com o interesse geral.

d) Regra da Liberdade de Acção

Esta regra é baseada na autonomia da vontade, e entende-se que o particular não pode ser
responsabilizado pelas consequências de actos de autoridade que modifiquem a prática então em
vigor e que não são cumpridos não por falta de vontade, capacidade, honorabilidade nem de
eficiência.

e) Regra de Primazia da Realidade Social

Baseada na força jurígena de facto, esta regra estabelece que a regulamentação dos actos e factos
económicos deve obedecer à realidade económica.

f) Regra do Interesse Social

Esta regra pressupõe que o interesse social (interesse acima do privado ou particular) deve ser o
fundamento da justiça distributiva.

g) Regra da Correcção

Esta regra estabelece que quando o poder aquisitivo da moeda varia, as autoridades devem
assegurar medidas defensivas e protectoras dos interesses dos particulares.

h) Regra da Utilidade Pública

Esta regra pressupõe que o contrato de concessão de serviços públicos (por empresa privada) deve
assegurar os objectivos e tarefas compatíveis com a política em vigor.

i) Regra da Oportunidade

Por esta regra entende-se que na análise do comportamento de um sujeito de Direito Económico
há que ter em consideração o sentido de oportunidade. Significa isto que a legitimidade do
comportamento de um indivíduo não pode afastar-se da análise da oportunidade.

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j) Regra da Razão

Esta regra tem em vista reprimir o abuso do poder económico e dela deve entender-se que para a
defesa da concorrência pode ser admitida interpretação “restritiva” de dispositivo legal com o
objectivo de fornecer benefício real ao mercado.

k) Regra da Irresponsabilidade

Esta regra deve entender-se como significando que os projectos e as decisões de política
económica são considerados com os seus efeitos irreversíveis. São disso exemplo, uma alienação
pouco ponderada, um plano mal elaborado.

l) Regra da Precaução

Por esta regra, enfim, entende-se que os particulares devem dispor de meios jurídicos para evitar
medidas de política económica contrárias ao interesse geral e sem garantias efectivas de
probabilidade reduzida de prejuízos económicos e sociais.

8. INSTITUTOS DO DIREITO ECONÓMICO


Instituto é um conjunto de normas reguladoras ou disciplinadoras de factos concretos, reais,
empíricos, interrelacionados entre si e que possuam alguma relevância jurídica. Os institutos
funcionam como importante mecanismo no qual o intérprete da lei pode se pautar para a
complementação e enriquecimento do conhecimento, de forma a se obter uma hermenêutica
fundamentada.

No Direito Económico, existem os seguintes institutos:

a) Instituto da Intervenção

Quando se refere à intervenção pelo Estado no domínio económico, esta se pode dar de duas
maneiras:

. através da elaboração de normas pelo Estado para o disciplinamento da economia, realizando-se,


assim, o planeamento desta;

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. através da prática concreta de actos económicos pelo Estado, seja de forma directa, seja
indirectamente, por meio de empresas criadas para tanto, como Empresas Estatais, Públicas e
Mistas.

O Estado actua no domínio económico como agente económico na produção de bens e serviços, e
através de seus próprios poderes, com a elaboração (Legislativo), execução (Executivo) e aplicação
(Judiciário) de disposições legais destinadas à regulação económico-social.

Importa ainda ressaltar que a intervenção do Estado na economia concretiza-se também através de
estímulos, por meio de incentivos fiscais e creditícios, bem como permissões legais para tais
práticas.

Por exemplo, o artigo 101 da CRM (Coordenação da actividade económica), estabelece que “O
Estado promove, coordena e fiscaliza a actividade económica agindo directa ou indirectamente
para a solução dos problemas fundamentais do povo e para a redução das desigualdades sociais e
regionais” (nº 1) e “O investimento do Estado deve desempenhar um papel impulsionador na
promoção do desenvolvimento equilibrado” (nº 2).

b) Instituto do Planeamento

A planificação é uma técnica de intervenção do Estado no domínio económico. Através da


planificação o Estado estabelece suas metas e os meios para as atingir.

Planificação é um conceito macroeconómico, traduzindo a ideia de orientação propositada, global e


sistemática dos fenómenos económicos por parte de uma autoridade pública. A planificação
assenta num documento, o “plano”, que apresenta grandes orientações económicas e sociais para
o futuro.

A diferença entre planificação e plano é que o primeiro – Planificação - constitui o “acto de


planejar”, e prende-se essencialmente com a ideia de racionalizar o emprego de meios disponíveis
para deles retirar meios favoráveis. O segundo – Plano - é o documento, a “peça técnica”
decorrente da acção de planejar, de planificação, quando se adopta a orientação político-
económica de intervir pelo instituto da “planificação”.

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c) Instituto da Produção

A produção é a criação de novas utilidades.

O Instituto da Produção em Direito Económico aplica-se para disciplinar a Política Económica


referente ao acto e ao facto económico da produção.

Na decomposição do facto produção encontramos os elementos denominados factores de


produção os quais constituem o “processo produtivo”, que são: os Recursos Naturais (matéria-
prima); Trabalho; Capital (bens de produção, tecnologia e dinheiro) e Organização ou Empresa.

O elemento factor de produção denominado recursos naturais é fundamentalmente indispensável


à actividade produtiva do homem, e são considerados bens económicos quando apropriados e
transformados, e são bens naturais quando se encontram na natureza, que implica a utilização do
Direito Económico, particularmente, no processo produtivo no que diz respeito aos actos e factos
da produção.

Estes elementos são disciplinados pela Constituição da República de Moçambique de 2004 e pela
legislação infraconstitucional relacionada aos Recursos Naturais, por exemplo, o Solo, Subsolo, os
Recursos Hídricos, Florestas, Fauna e Flora, Fontes Energéticas, etc. (Ver, alínea e) do artigo 97 –
Princípios fundamentais, artigo 98 – Propriedade do Estado e domínio público, artigo 102 –
Recursos naturais e artigo 109 - Terra, todos da Constituição).

O trabalho caracterizado pela participação do homem - física e intelectualmente, no processo


produtivo, mesmo que tenha o auxílio da máquina, da tecnologia, dos animais e dos equipamentos
na produção de bens e serviços económicos, encontra-se como factor de produção disciplinado
pelo Direito Económico e quando diz respeito à relação de emprego e as variáveis que o compõem,
utiliza a legislação do Direito do Trabalho.

O capital, factor de produção compreendido pelas ferramentas, equipamentos, instalações etc. e,


consequentemente, o dinheiro é considerado bem ou factor de produção. O capital jurídico envolve
os direitos que têm os indivíduos possuidores de certos bens.

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A Empresa (organização) é um organismo da produção, no qual os factores trabalho, capital e


recursos naturais são combinados pelo empresário, de forma a obter um custo mínimo dos bens e
serviços produzidos e a vendê-los com um máximo de lucro.

A Constituição de 2004 trata ainda do Instituto da Produção, ao regular sobre o direito de


propriedade (artigo 82) e o seu uso público, particular e cooperativo (alínea e) do artigo 97 e artigo
99), trabalho (artigo 112).

d) Instituto da Circulação

O Instituto da Circulação apresenta-se relacionado com a questão da circulação de riqueza (que


pode ser circulação económica e circulação física de bens/mercadorias e serviços), com vista a
promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir ao interesse da comunidade.O Direito
Económico contém o conjunto de dispositivos sobre o facto económico de circulação de riqueza,
consagrados na Constituição e na legislação ordinária.

Compõem o Instituto de Circulação os elementos:

. mercado, tomado como local de circulação;

. procura e oferta de bens e serviços;

. moeda;

. crédito;

. preços.

A Economia de Mercado, expressão actualmente corrente, possui uma abrangência geral da


circulação da riqueza, isto é, dos bens na forma de produto e mercadorias e dos serviços na forma
de capitais etc., surgindo paralelamente nesta relação à aplicabilidade dos instrumentos de
mercado e de Direito, tanto a nível nacional quanto ao internacional.

O Direito Económico trata do mercado em face da política económica relativa a circulação da


riqueza na sociedade.

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A concorrência que exprime a prática permitida na economia de mercado regulada pelo Direito,
passa a ser tomada como um conjunto harmónico relacionado entre si. Surge, desta forma e
paralelamente, o elemento político-económico inserido no processo de competitividade de
mercado, sob as regras de equilíbrio, da razão, da equivalência etc., sendo o Direito Económico o
ramo do Direito detentor da normatização jurídica para disciplinar as questões oriundas deste novo
instrumento de mercado.

e) Instituto da Repartição

O Instituto da Repartição funda-se, basicamente, no direito de propriedade, e tem como


fundamento atribuir a cada componente da sociedade uma parte da riqueza criada.

f) Instituto do Consumo

O Instituto do Consumo em Direito Económico, embora baseado no conceito económico, difere


deste pelas características próprias que o compõem.

Em Economia existe a ideia de que o bem ou serviço económico satisfaz as necessidades do


indivíduo, das famílias e da colectividade, enquanto que o Direito Económico implica as medidas
jurídicas oriundas da relação existente do acto e do facto consumo que reveste do acto jurídico e da
necessidade do Estado proteger o consumidor, perante a fragilidade em face ao mercado,
protecção instrumentalizada por planeamentos, leis de protecção e defesa do consumidor. Será,
portanto, esta a razão do tratamento do instituto pelo Direito Económico e a aplicabilidade de
instrumentos que visem à justiça e o direito do consumidor face ao mercado.

O conteúdo económico das normas do Instituto de Consumo, isto é, o consumo, corresponde a um


conceito económico e é um facto natural, em razão do atendimento das necessidades humanas
tanto daquelas consideradas vitais quanto das supérfluas, sendo, portanto, necessário o
tratamento pelo conteúdo da norma jurídica e, consequentemente, pelo Direito Económico,
quando se insere na política económica.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

Tema 3: CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA

9. NOÇÃO DE CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA37


A Constituição Económica é o conjunto de normas e princípios constitucionais relativos à
economia, ou seja, à ordem constitucional da economia.

Pode ainda definir-se Constituição Económica como o conjunto de princípios fundamentais que
determinam as relações entre o poder político e a economia ou, mais amplamente, o conjunto de
princípios que regulam a relação entre a economia, o Estado e os cidadãos.

Formalmente, é a parte económica da Constituição do Estado onde está contido o “ordenamento


essencial da actividade económica” desenvolvida pelos indivíduos, pelas pessoas colectivas ou
pelo Estado. Esse ordenamento é basicamente constituído pelas liberdades, direitos, deveres e
responsabilidades destas entidades ao exercerem a actividade económica, e é conformador das
normas infraconstitucionais da ordem jurídica da economia.

A Constituição Económica garante a sua conformação através de normas estatutárias ou de


garantia das características básicas de determinado sistema, e de normas directivas ou
programáticas onde se enunciam as suas principais linhas de evolução.

Trata-se de normas que conferem o direito ao exercício de actividades económicas e enunciam as


restrições gerais a esse direito , além de colocarem à disposição do Estado um conjunto de
instrumentos que lhe permitem regular o processo económico e definir os objectivos dessa
regulação.

Exemplo de norma estatutária ou de garantia:

37
Esta matéria encontra-se amplamente discutida no manual do Prof. TEODORO A. WATY, já referenciado supra, entre
as páginas 87 e 129. É assim que todo o conteúdo que se segue se baseia nesta referência.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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- artigo 82, nº 1 da Constituição da República de Moçambique – “O Estado reconhece e garante o


direito de propriedade ”.

Exemplo de norma directiva ou programática:

- artigo 96, nº 1 da Constituição da República de Moçambique – “A política económica do Estado é


dirigida à construção das bases fundamentais do desenvolvimento, à melhoria das condições de
vida do povo, ao reforço da soberania do Estado e à consolidação da unidade nacional, através da
participação dos cidadãos, bem como da utilização eficiente dos recursos humanos e materiais”.

Quanto ao seu objecto, a Constituição Económica visa a regulação dos aspectos jurídicos do
sistema e do regime económico. Poder-se-á dizer que o seu 1º objecto é a ordenação dos
elementos jurídicos do sistema económico e das instituições fundamentais, variáveis de sistema
para sistema, como bases da ordem jurídica da economia.

A Constituição Económica é menos ampla que a ordem jurídica da economia, isto porque não
inclui todas as suas normas e princípios, mas apenas as normas e princípios básicos, deixando
uma margem variável de liberdade ao legislador ordinário para fazer variar ou evoluir a ordem
jurídica da economia. Ou seja, O legislador constituinte não pretende incluir na Constituição todas
as normas e princípios de cariz económico. Há uma margem variável de liberdade que a
Constituição deixa ao legislador ordinário, no uso da qual este poderá fazer evoluir e variar a ordem
jurídica da economia. Esta margem de liberdade varia de acordo com o tipo de Constituição
Económica existente.

Assim, por exemplo, a Constituição incumbe o Estado de assegurar uma equilibrada concorrência
entre as empresas, mas é a Lei que define os tipos de práticas restritivas da concorrência que não
são permitidas ou de concentrações que devem ser controladas. A Constituição atribui direitos aos
consumidores, mas é ao legislador ordinário que compete estabelecer as garantias desses direitos.

Outros exemplos:

- artigo 10 da Constituição de 1975 – “Na República Popular de Moçambique, o sector económico do


Estado é o elemento dirigente e impulsionador da economia nacional. A propriedade do Estado
recebe protecção especial sendo o seu desenvolvimento e expansão, responsabilidade de todos os
órgãos do Estado, organizações sociais e cidadãos”.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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- artigo 101 da Constituição de 2004 –

“1. O Estado promove, coordena e fiscaliza a actividade económica, agindo directa ou


indirectamente para a solução dos problemas fundamentais do povo e para a redução das
desigualdades sociais e regionais.

2. O investimento do Estado deve desempenhar um papel impulsionador na promoção do


desenvolvimento equilibrado”.

10. FUNÇÕES DA CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA38


As principais funções que as Constituições Económicas podem realizar são:

a) Garantia dos direitos, liberdades e garantias no domínio económico.

b) Delimitação dos poderes do Estado, das entidades menores e dos grupos sociais no domínio
económico.

c) Delimitação de objectivos sócio-económicos a prosseguir pelo Estado ou por outras entidades.

d) Definição dos elementos jurídicos do sistema económico e do regime económico, bem como dos
princípios gerais da ordem jurídica económica.

e) Formulação de tarefas económicas gerais do Estado e de critérios jurídicos para selecção dos
objectivos da política económica.

f) Definição de modelos de reformas estruturais (reforma fiscal, descentralização, etc.).

g) Formulação de um processo de evolução histórica que visa a construção de novos sistemas


económicos.

38
Idem.

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11. A HISTÓRIA DA CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA39


O problema da Constituição Económica, como problema jurídico específico, acompanha o
desenvolvimento da regulação pública das economias de mercado, na passagem do capitalismo
concorrencial ao capitalismo organizado.

Uma relativa ausência de normas económicas nas Constituições Liberais do Século XIX não significa
a inexistência de uma Constituição Económica, primeiro, porque mesmo nessas Constituições
encontramos normas de incidência, directa ou indirecta, na ordem económica (por exemplo, a
consagração do direito de propriedade e da liberdade de comércio e indústria), segundo, porque a
relativa ignorância de outros aspectos da vida económica tem um significado jurídico e económico,
reflectindo no modelo onde o Estado se demite, em geral, uma intervenção correctiva na
economia, aceitando e garantindo, como princípio da regulação económica, a propriedade privada,
a livre concorrência e a liberdade contratual.

A origem e formação do conceito de Constituição Económica tem a sua mais directa raiz
embrionária e seu desenvolvimento na doutrina Alemã quando após a 1ª Guerra Mundial com a
Constituição de Weimar de 1919, inaugura no seio literal-formal a consagração de normas e
princípios sobre matérias económicas e sociais, rompendo com a tradição das Constituições
Políticas e espelhando o declínio ou abandono da Ideia de Estado Liberal puro, abstencionista
quanto à «coisa económica», para albergar – ainda em salvaguarda do princípio da liberdade do
comércio e da indústria – a legitimação dos poderes do Estado para intervir na Economia.

A ideia de Constituição Económica tem uma origem Alemã, confundindo-se praticamente com a
origem do Direito Económico, e ecoa a prepocupação demonstrada pela Constituição de Weimar
perante as questões económicas e sociais.

De facto, no período pós-guerra, a Constituição Económica aparece ligada a objectivos de


reordenação económica a conseguir através de uma constituição jurídica da economia. Nesse
sentido, a Constituição Económica surge como uma consequência (ou um instrumento) da
passagem do Estado Liberal clássico para o Estado Intervencionista.

39
Idem. Veja-se também....

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

Para além disso, refira-se ainda à Constituição Russa de 1918 que contém proposições jurídicas e
princípios sobre matérias económicas e sociais de concepção socialista-comunista, inexistindo, à
partida e por intrínseca inerência estrutural, a separação entre Estado e a coisa económica.

O certo é que a origem e desenvolvimento da formação do conceito da Constituição Económica


surge no prolongamento da evolução do Constitutcionalismo, ou melhor, da Constituição Política,
seio consolidado das ideias da categoria jurídica dos Direitos, Liberdade e Garantias Fundamentais,
ou seja, nos valores supremos da comunidade.

Constituição Económica lato sensu é o ordenamento essencial da organização e disciplina social da


actividade económica, ou como escolha política fundamental entre liberdade e vinculação
económica; stricto sensu, é restringida à Relação Estado-Empresa (propriedade privada, liberdade
económica) versus intervenção.

Esta tendência histórica dos textos constitucionais consagrarem progressivamente, em grau


variável de extensão, normas e princípios quanto à organização e direcção das actividades
económicas não cessou, antes ganhou novo impulso e intensidade com a crise económica de 1929
- 1930 e após a 2ª Guerra Mundial, até à actualidade em dois extremos modelares:

a) De um lado as Constituições dos Estados do mundo da liberdade do comércio e da indústria


(quer por pressão dos desequilíbrios com impacto social provocados pela Guerra, quer pela
constatação fáctica e de ciência de que a auto-regulação do mercado não é tão segura como a
pureza embrionária do princípio) foram sucumbindo aos apelos e necessidades de intervenção em
múltiplas formas indirectas e directas. A tendência progride, ainda mais, por via reflexa, dos danos
que o económico causa ao ambiente, mormente pela actividade industrial40.

b) Do outro lado, as Constituições dos Estados do mundo socialista-comunista (sob o primado da


colectivização dos meios de produção e daplanificação central da economia), em que as normas e
os princípios políticos se confundem, sob base económica, com aqueles primados jus-económicos:
O Estado Político, o Estado Económico e Social. O espaço deixado à iniciativa pessoal, privada e
cooperativa consagra-se como residual.

40
Na CRM este direito foi também acautelado, conforme disposto no Artigo 90.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

As Constituições são aí necessariamente económicas em intensidade e extensão estruturante,


legitimadora e programático-directiva. Entre estes dois extremados modelos abstractos a realidade
registou modelos mistos, em que confluem normas e princípios jurídicos, de protecção do
ambiente contra danos causados pelo económico.

Portanto, no percurso histórico das experiências modelares restam-nos os valores fundamentais


que reconduzem aos princípios da justiça, da igualdade e da dignidade e progresso da pessoa
humana. É assim que no âmbito extensivo do conceito de Constituição Económica se entroncam
tipos e conceitos, quer da Ciência do Direito quer da Ciência Económica: por um lado o conceito de
Constituição e, por outro lado, o conceito de Sistema Económico. Na verdade, as normas e
princípios jurídicos da Constituição Económica aderem a um tipo de Sistema Económico que lhes
subjaz.

12. CONCEITOS CONEXOS OU SEMELHANTES41


12.1. Regime Económico
O regime económico é a forma como o poder político se articula com a realidade económica.

É uma interferência entre a Constituição Política e a Constituição Económica, estando, deste


modo, consagrada a definição de poderes e fins de actuação económica do Estado, os fins
supremos da comunidade, as garantias dos particulares de natureza económica.

Ao longo dos tempos deparam-se-nos diversos regimes económicos no mundo ocidental: o


abstencionismo liberal (liberdade económica e dos sujeitos, liberalização do Estado), o
intervencionismo, o dirigismo económico (o Estado procura dirigir a economia, sem suprimir as
instituições da economia de mercado), o corporativismo e a economia mista de concertação
social.

12.2. Modelo Económico


Modelos económicos são estruturas político-jurídicas, isto é, regras sancionadas que dominam a
actividade política e as disposições documentais ou o carácter usual ou costumeiro, pelos quais
os indivíduos se regem.

41
Cfr. WATY, Op. Cit. P. 92ss.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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Temos assim o modelo institucional (instituições civis – propriedade, iniciatia económica, mercado,
contratos; e instituições personificadas – o Estado, órgãos, empresas, sindicatos, isto é, instituições
–grupo e instituições –pessoas), como o modo de organização jurídico-política das estruturas
institucionais de enquadramento duma determinada economia num momento.

Existem quatro modelos institucionais: (i) modelo liberal, (ii) modelo socialista liberal e
democrático, (iii) modelo fechado de autosuficiência e o (iv) modelo colectivista.

15.3. Sistema Económico

Sistemas económicos são estruturas de enquadramento da Constituíção Económica. Ou seja,


Sistemas Económicos são formas típicas e globais de organização e funcionamento da economia,
baseadas em princípios fundamentais que regem economias com estruturas diversas.

Pode-se falar de sistemas abstractos e sistemas concretos, consoante a concepção dos respectivos
princípios, como modelos de diferentes realidades sociais.

Os Sistemas concretos caracterizam-se pelas instituições fundamentais da vida económica e social,


pela técnica dominante de produção, pelo móbil que domina o comportamento dos sujeitos
económicos.

Os sistemas abstractos correspondem aos princípios ideais de organização, no entanto contêm


critérios de funcionamento e não apenas de organização.

Trata-se de princípios opostos que inspiram a organização e o funcionamento da economia para


resolver os três problemas fundamentais, isto é, do consumo, da produção e da repartição, com
todos os demais fenómenos económicos dele derivados: um, é o princípio da direcção central da
economia, o outro é o da economia livre.

Os sistemas distinguem-se uns dos outros pela afirmação de determinadas forças produtivas e
determinadas formas de organização material da produção (base económica).

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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Um sistema seria, pois, um conjunto coerente de estruturas económicas, institucionais e sociais


organizadas em vista a assegurar a realização de um certo número de objectivos económicos, quais
sejam, entre outros: O que produzir?, como produzir? e para quem produzir?

Sistema greco-latino (Industriais)

Sistema feudal

Concreto Sistema urbano medieval

Sistema capitalista

Sistema socialista

Sistemas económicos

Economia de mercado (aberta)

Abstractos

Economia planificada (centralizada)

Breves definições:

O Sistema económico Capitalista assenta no princípio da propriedade privada, no princípio da


liberdade económica e no espírito de lucro.

O Sistema económico Socialista é um sistema económico concreto, que se caracteriza


essencialmente pela apropriação pública dos meios de produção, pelo desaparecimento tendencial
da propriedade e da iniciativa privada capitalista, pela gestão administrativa da economia, pela
subordinação da actividade económica ao plano.

O Sistema de economia de mercado é um modelo económico abstracto totalmente


descentralizado, em que a resolução dos problemas económicos fundamentais se passa
espontaneamente, como se não houvesse Estado, através dos mecanismos da procura e da oferta
num mercado de livre concorrência.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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O Sistema de economia planificada é um modelo económico abstracto totalmente centralizado,


dependendo de um plano central obrigatório, que constitui o seu instrumento privilegiado para a
resolução de todos os problemas económicos fundamentais.

O sistema económico é inerente a cada época histórica e constitui um referencial organizador das
relações sociais; na prática surge o regime económico que resulta das condições concretas de
aplicação do sistema à infra-estrutura social existente; nesta perspectiva o Direito Económico surge
da necessidade de intervenção do Estado sobre o processo produtivo e desenvolve-se de modo
diverso, de acordo com os Estados e com os sistemas que se inspiram.

13. CONTEÚDO DAS CONSTITUIÇÕES POLÍTICO-SOCIAIS


Analisando o conteúdo da Constituição Político-Social, além do estatuto político, os princípios
fundamentais do ordenamento da sociedade, podemos distinguir três aspectos principais:

a) Constituição Social - normas e princípios sobre a ordenação social, relações entre pessoas e
grupos;

b) Constituição Cultural – normas e princípios sobre a actividade cultural das pessoas, grupos e
colectividades;

c) Constituição Económica – que corresponde aos princípios e normas sobre a organização e


disciplina social da actividade económica.

14. TIPOS DE CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA42


As Constituições Económicas podem ser de diversos tipos:

14.1. Quanto à estrutura:


a) Constituição em sentido formal - conjunto de normas e princípios jurídicos sobre o essencial da
actividade económica desenvolvida pelos indivíduos, pelas pessoas colectivas ou pelo Estado
plasmados no texto da Constituição do Estado.

42
Veja-se também WATY, Op. Cit. P. 94ss.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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b) Constituição em Sentido material - Núcleo essencial de normas jurídicas que regem o sistema e
os princípios básicos das instituições económicas, quer constem ou não do texto constitucional.

É o conceito de Constituição Económica em sentido material que nos interessa, porque permite a
integração de um conjunto de leis, que são fundamentais na definição da ordem jus-económica,
tais como as leis da concorrência ou as leis que regulam a actividade específica de determinados
sectores da economia.

14.2. Quanto ao modo de regulação do sistema


a) Constituições Estatutárias – conjunto de princípios e regras preceptivos, que espelham a ordem
estabelecida. Estes princípios garantem a ordem económica existente.

b) Constituições Programáticas – quadro de directivas de política económica, tendentes a orientar


a economia de acordo com certos objectivos sociais e político-ideológicos.

14.3. Quanto à forma jurídica


a) Constituições Explícitas – são as constituições económicas que se traduzem na formalização de
um conjunto de princípios e normas que tendem a caracterizar o sistema económico na sua
globalidade, com o objectivo de orientação dos seus agentes, de enquadramento das instituições
da economia e definição dos fins e programas de evolução do sistema económico.

b) Constituições Implícitas - uma ordem jurídica da economia incorpora sempre uma "constituição
económica", de cujos princípios essenciais decorre, ou com os quais deverá ser minimamente
coerente. A maior parte das Constitituições Liberais é implícita.

14.4. Quanto ao conteúdo económico


a) Constituições Capitalistas – têm como características a liberdade de iniciativa, de empresa, de
trabalho e de consumo; propriedade privada como princípio e instituição fundamental; o mercado
como instrumento de regulação da economia; a abstenção do Estado ou intervenção correctiva.
Podem ser liberais, intervencionistas ou dirigistas.

b) Constituições Socialistas – têm como características a iniciativa pública, a apropriação colectiva


dos meios de produção; a gestão administrativa da economia. Podem ser centralizadas,
autogestionárias.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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c) Constituições Mistas – têm como características a combinação entre a liberdade de iniciativa


privada com a liberdade de iniciativa pública e social; a tentativa de combinação do planeamento
com o mercado; a definição de regimes diversos em relação à intervenção do Estado. Podem ser
aquelas que tomam por base a economia de mercado ou aquelas que procuram estabelecer uma
economia baseada na intervenção do Estado.

15. CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA E A ORDEM JURÍDICA DA ECONOMIA


A ordem jurídica da economia é o corpo de normas de Direito que têm por objecto assegurar um
certo regime económico.

A Constituição Económica, definida a partir da sua função, é pois formada pelo ordenamento
essencial da actividade económica – contendo os princípios e as normas ordenadoras da
economia, dos quais decorrem sistematicamente as restantes normas da ordem jurídica da
economia. Ela é pois, uma parte da ordem jurídica da economia e a parte estruturadora e básica
dela.

Contudo, a Constituição Económica não se identifica com a ordem jurídica da economia na sua
totalidade. A ordem jurídica da economia é contituída pelo conjunto do Direito Económico,
enquanto tomado como conjunto de normas ou a disciplina das relações jurídico-económicas;
enquanto que a Constituição Económica apenas integra as normas qualificadas como essenciais
(formal ou materialmente).

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Tema 4: CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA MOÇAMBICANA

16. A ORGANIZAÇÃO ECONÓMICA E SOCIAL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE


MOÇAMBIQUE43
16.1. A Constituição Económica de Transição ou Pré-Constituição:
A visão aberta e histórica da Constituição Económica moçambicana tem seu início na fase de
transição de colónia portuguesa para a Independência de Moçambique e conduz-nos
necessariamente aos “Acordos de Lusaka” para a descolonização de Moçambique.

A 25 de Abril de 1974, um Golpe de Estado Militar derrubou em Portugal o regime militar


inaugurado 48 anos antes, pondo fim ao Estado Novo. Este Golpe de Estado, também conhecido
por “Revolução de Abril/dos Cravos”, assume um lema: Democracia, Desenvolvimento e
Descolonização.

No dia 07 de Setembro de 1974, são assinados os Acordos de Lusaka, na Zâmbia, entre o Estado de
Portugal e a FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique, para a descolonização de
Moçambique, e no dia 20 de Setembro de 1974 toma posse o “Governo de Transição”.

Existe um teor jus-económico inserto no texto dos Acordos de Lusaka.

Desde logo, a alínea e) do ponto 5 dos Acordos de Lusaka outorgava ao Governo de Transição a
competência de gestão económica do território, o que efectuaria, nomeadamente, estabelecendo
as estruturas e os mecanismos de controlo em ordem ao alcance de uma economia moçambicana
independente e desenvolvida.

Pode-se questionar se será correcto falar de uma Constituição Económica de Transição.

Para Teodoro Waty, em relação ao Período de Transição podemos, com toda a propriedade, falar
de uma Pré-Constituição Económica, que seria integrada por um conjunto de medidas jus-
económicas que abriu caminho e bem influenciou aquilo que viria a ser o futuro texto
constitucional de 1975, caracterizada por:

43
Cfr. WATY, Op. Cit., pp. 103-129.

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1. Afirmação de direitos sociais e laborais;

2. Disposições limitativas ou restritivas do direito de propriedade;

3. Disposições tendentes a estabelecer uma reforma agrária;

4. Situações de facto, toleradas ou incentivadas pelo poder, de ocupação de empresas;

5. Protecção do trabalho;

6. Repressão de delitos anti-económicos (o boato, a sabotagem, através por exemplo da Lei “20-
24”). 44

A verdade é apenas uma: num período de transição a Estado ou independência de Moçambique,


houve uma Pré-Constituição Económica (constituição em sentido material) incorporada nos
Acordos de Lusaka.

16.2. Evolução histórica das Constituições Económicas de Moçambique45:


Na história da Constituição Económica em Moçambique, destacam-se três grandes fases:

1) A Constituição da República Popular de Moçambique de 1975 (CRPM);

2) A Constituição da República de Moçambique de 1990 (CRM);

3) A Constituição da República de Moçambique de 2004 (CRM).

1ª FASE: A Constituição Económica de 1975 (CRPM)

a) Organização política

A primeira Constituição de Moçambique de 1975, adoptou o regime político de democracia


popular, baseado no modelo Socialista (artigos 1.º e 4.º, § 5), e consagrou o sistema de partido
único (monopartidarismo).

44
Designou-se 20-24 a operação promovida pelo Ministério da Coordenação Interna pela qual os cidadãos, normalmente
de origem Portuguesa, considerados sabotadores, boateiros ou, de alguma forma, contrários ao processo revolucionário
em curso eram considerados personae non gratae e, co o tal, expulsos de Moçambique, num prazo de 24 horas e com
uma bagagem máxima de 20 quilogramas. (Op. Cit. Pp.105-119).
45
Cfr. Ibidem.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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O sistema político era caracterizado pela existência de um partido único - a FRELIMO (Frente da
Libertação de Moçambique) que assumia o papel de dirigente. Eram abundantes as fórmulas
ideológicas - proclamatórias e de apelo das massas, limitação acentuada das liberdades públicas em
moldes autoritários, recusa de separação de poderes a nível da organização política e o primado
formal da Assembleia Popular Nacional.

Muito embora a Constituição de 1975 incluísse um capítulo sobre direitos dos cidadãos, era dada
ênfase aos direitos colectivos e não aos individuais.

A política definida pela FRELIMO ficaria consagrada no artigo 3 da CRPM de 1975:

“A República Popular de Moçambique é orientada pela política definida pela FRELIMO, que é a força
dirigente do Estado e da sociedade. A FRELIMO traça a orientação política básica do Estado e dirige
e supervisa a acção dos órgãos estatais a fim de assegurar a conformidade da política do Estado
com os interesses do povo”.

b) Organização económica

A ordem económica moçambicana tal como deriva da CRPM de 1975 adopta o modelo económico
Socialista, na medida em que assenta na propriedade pública e colectivização dos meios de
produção, e uma economia marcadamente intervencionista, onde o Estado procurava evitar a
acumulação do poderio económico e garantir uma melhor redistribuição da riqueza.

A prática constitucional consagraria os seguintes princípios:

1) Subordinação do poder económico ao poder político – (artigo 9 da CRPM de 1975 – “O Estado


promove a planificação da economia...”; artigo 14 – “O capital estrangeiro poderá ser autorizado a
operar no quadro da política económica do Estado”).

2) Coexistência de diversos sectores de propriedade – pessoal, privada, cooperativa e


pública/Estatal, com tendencial supressão do sector de produção privado e definição do sector de
produção do Estado como impulsionador da economia nacional.

- artigo 10 da CRPM de 1975 – “Na República Popular de Moçambique o sector económico do


Estado é o elemento dirigente e impulsionador da economia nacional. A propriedade do Estado

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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recebe protecção especial, sendo o seu desenvolvimento e expansão responsabilidade de todos os


órgãos do Estado, organizações sociais e cidadãos”;

- artigo 11 – “O Estado encoraja os camponeses e trabalhadores individuais a organizarem-se em


formas colectivas de produção, cujo desenvolvimento apoia e orienta”;

- artigo 12 – “O Estado reconhece e garante a propriedade pessoal”;

- artigo 13 – “À propriedade privada estão ligadas obrigações. A propriedade privada não pode ser
usada em detrimento dos interesses fixados na Constituição”.

3) Apropriação Estatal dos principais meios de produção, a terra e os recursos naturais – (artigo 8
da CRPM de 1975 – “A terra e os recursos naturais situados no solo e no subsolo, nas águas
territoriais e na plataforma continental de Moçambique são propriedade do Estado”).

4) Planificação central da economia – (artigo 9 da CRPM de 1975 – “O Estado promove a


planificação da economia, com vista a garantir o aproveitamento correcto das riquezas do país e a
sua utilização em benefício do povo moçambicano”).

5) Intervenção democrática dos trabalhadores – (artigo 2 da CRPM – “A República Popular de


Moçambique é um Estado de democracia popular...o poder pertence aos operários e camponeses
unidos e dirigidos pela FRELIMO, e é exercido pelos órgãos do poder popular”).

O PRES – Programa de Reabilitação Económica e Social e seu impacto na Constituição de 1975

O Governo moçambicano implantou em 1987 o Programa de Reabilitação Económica e Social


(PRES), com o objectivo de introduzir a economia de mercado no país através de várias reformas.
Para isso, o programa pretende estabilizar a área financeira no âmbito nacional e internacional, e
retirar do Estado a função principal de administrar e investir na economia. Desta forma pretende-se
concentrar os esforços do Governo na área de bens e serviços sociais e em programas de
desenvolvimento estratégico.

O PRES inicia com a adesão de Moçambique às instituições de Bretton Woods, designadamente


Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, em 24 de Setembro de 1984.

Razões da adesão ao FMI e Banco Mundial:

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

Os financiamentos da URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e dos paíse da Europa do
Leste estavam a diminuir;

Alguns dos principais paises financiadores da Europa Ocidental condicionavam a continuação do


apoio à Moçambique à sua adesão às instituições de Bretton Woods;

Moçambique tinha cessado de pagar o serviço da dívida externa em Fevereiro de 1984.

Em 1984 foi publicada a Lei do Investimento Estrangeiro.

Face a uma crise de fome e pobreza generalizados, agudizada pela guerra civil que assolava o país,
em 1987 o Governo declarou a situação de emergência e pediu assistência à comunidade
internacional e lançou o PRES.

Estes programas, elaborados durante a vigência da Constituição de 1975 consagravam princípios


feridos de inconstitucionalidade que apontavam a admissão de reprivatização da titularidade ou do
direito de exploração dos meios de produção e/ou outros bens antes nacionalizados (ver Decreto
nº 21/89, de 23 de Maio).

2ª FASE: A Constituição Económica de 1990 (CRM)46

A Constituição da República de Moçambique de 1990 marcou uma ruptura radical com o passado,
consagrando a transição de uma economia centralizada e Socialista para a economia de mercado,
de um sistema monopartidário para a democracia multipartidária, e colocando o cidadão como
figura central relativamente ao Estado.

A revisão constitucional ocorrida em 1990 trouxe alterações muito profundas em praticamente


todos os campos da vida do País. Estas mudanças que já começavam a manifestar-se na sociedade,
principalmente na área económica, a partir de 1984 com a adesão de Moçambique às instituições
de Bretton Woods e pelo PRES, encontram a sua concretização formal com a nova Constituição
aprovada.

Resumidamente, podemos citar alguns aspectos mais marcantes da Constituição de 1990, como
sejam:

46
Cfr. WATY, Op. Cit. Pp.119-121.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

1) Na área económica, o Estado abandona a sua anterior função basicamente intervencionista e


gestora, para dar lugar a uma função mais reguladora e controladora (previsão de mecanismos da
economia de mercado e pluralismo de sectores de propriedade);

2) Introdução de um sistema multipartidário na arena política, deixando o partido FRELIMO de ter


um papel dirigente e passando a assumir um papel histórico na conquista da independência;

3) Inserção de regras básicas da democracia representativa e da democracia participativa e o


reconhecimento do papel dos partidos políticos;

4) Os direitos e garantias individuais são reforçados, aumentando o seu âmbito e mecanismos de


responsabilização;

5) Várias mudanças ocorreram nos órgãos do Estado, passam a estar melhor definidas as funções e
competências de cada órgão, a forma como são eleitos ou nomeados;

6) Preocupação com a garantia da constitucionalidade e da legalidade.

No texto constitucional de 1990, o artigo 41, no seu nº 1, estabelece que “a ordem económica da
República de Moçambique assenta na valorização do trabalho, nas forças de mercado, na iniciativa
dos agentes económicos, na participação de todos os tipos de propriedade e na acção do Estado
como regulador e promotor do crescimento e desenvolvimento económico e social, visando a
satisfacção das necessidades básicas da população e a promoção do bem-estar social”.

O mesmo artigo 41 refere, no seu nº 2, que a economia nacional compreende os seguintes tipos de
propriedade que se complementam: Propriedade Estatal, Propriedade Cooperativa, Propriedade
Mista e Propriedade Privada.

O artigo 42, por sua vez, proclama o papel fundamental do sector familiar.

O artigo 45 também estabelece que os empreendimentos estrangeiros são autorizados em todos os


sectores económicos, excepto naqueles que sejam reservados à propriedade ou exploração
exclusiva do Estado. O capital estrangeiro poderá ser autorizado no quadro da política do Estado.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

A supressão da referência do domínio do sector de produção Estatal e a consagração das forças do


mercado permitem a cobertura da onda de privatizações já iniciadas, sem mesmo respeitar o
princípio da existência do sector público.

A Constituição de 1990 incluiu um capítulo sobre Direitos e Deveres Económicos e Sociais.


Representando uma mudança formal das anteriores políticas económicas socialistas da FRELIMO,
ela previu o direito à propriedade privada (artigo 86), o direito à herança (artigo 87) e o direito a
trabalhar numa profissão de livre escolha (artigo 88), contra uma retribuição justa (artigo 89). O
direito à educação (artigo 92) e o direito a cuidados médicos e de saúde foram também
reconhecidos.

A nova Constituição de 1990 configura uma neutralização ideológica, reduzindo o papel do


planeamento central e fazendo desaparecer o objectivo do desenvolvimento da propriedade
Estatal ou social.

3ª FASE: A Constituição Económica de 2004 (CRM)47

Na ordem da economia constitucional de 2004 está contido o ordenamento essencial da actividade


económica dos indivíduos, das pessoas colectivas e do Estado, o conjunto de normas que conferem
o direito ao exercício de actividades económicas, das restrições gerais, de instrumentos reguladores
do processo económico e a definição dos objectivos da regulação à disposição do governo.

A Constituição de 2004 consagra um modelo de economia subjacente de equilíbrio entre a


economia de mercado e o interesse público e social, proclamando no Título IV (Organização
económica, social, financeira e fiscal), que (artigo 96, nº 1) “a política económica do Estado é
dirrigida à construção das bases fundamentais do desenvolvimento, à melhoria das condições de
vida do povo, ao reforço da soberania do estado e à consolidação da unidade nacional, através da
participação dos cidadãos, bem como da utilização eficiente dos recursos humanos e materiais” e
que, (artigo 96, nº 2) “sem prejuízo do desenvolvimento equilibrado, o Estado garante a distribuição
da riqueza nacional, reconhecendo e valorizando o papel das zonas produtoras”.

Das disposições deste Título IV pode ler-se a consagração constitucional duma democracia
económica e social, a subordinação do poder económico ao poder político e coexistência de

47
Descrição feita em WATY, Op. Cit., pp.121-129.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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sectores de actividade económica ou sectores de propriedade dos meios de produção (sector


público, sector privado e sector cooperativo e social).

a) Princípios Fundamentais da organização económica na CRM 2004:

Nos termos do artigo 97, a satisfação das necessidades essenciais da população e a promoção do
bem-estar social assentam na:

1. Valorização do trabalho;

2. As forças do mercado;

3. Iniciativa dos agentes económicos;

4. Coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social;

5. Na propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo com o interesse
colectivo;

6. Na protecção do sector cooperativo e social;

7. Na acção do Estado como regulador e promotor do crescimento e desenvolvimento económico e


social.

O artigo 98 determina a propriedade económica do Estado relativamente aos recursos naturais


situados no solo e no subsolo, nas águas interiores, no mar territorial, na plataforma continental e
na zona económica exclusiva. Determina ainda o domínio público do Estado sobre:

a) A zona marítima;

b) O espaço aéreo;

c) O património arqueológico;

d) As zonas de protecção da natureza;

e) O potencial hidráulico;

f) O potencial energético;

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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g) As estradas e linhas férreas;

h) As jazidas minerais;

i) Os demais bens como tal classificados por lei que igualmente regula o regime jurídico dos bens do
domínio público.

No artigo 99 garante-se a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção:


sector público, sector privado e sector cooperativo e social.

O artigo 103 - mantém a agricultura como base do desenvolvimento.

O artigo 104 - mantém a indústria como factor impulsionador da economia nacional.

O artigo 105 - realça o carácter fundamental do sector familiar.

O artigo 106 - reconhece a importância da produção de pequena escala.

O artigo 107 - o Estado promove e apoia a participação activa do empresariado nacional.

O artigo 108 - o Estado garante o investimento estrangeiro que opera no quadro da política
económica e estabelece as suas restrições no que respeita aos sectores económicos reservados à
propriedade ou exploração exclusiva do Estado.

O artigo 109 - mantém a terra como propriedade do Estado, acrescentando que a mesma não
pode ser vendida, ou por qualquer outra forma alienada, nem hipotecada, nem penhorada.

b) Direitos, liberdades e garantias:

Os direitos e deveres económicos têm a ver com o estatuto económico das pessoas, seja na
qualidade genérica de titulares de um direito a trabalhar, seja no papel de trabalhadores, de
consumidores, de empresários ou de proprietários.

O artigo 35 consagra o princípio da universalidade e igualdade, estabelecendo que todos os


cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres
(...);

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O artigo 36 estabelece o princípio da igualdade do género – o homem e a mulher são iguais


perante a lei em todos os domínios da vida política, económica, social e cultural;

Nos termos do artigo 45 devem ser entendidos como deveres económicos, os seguintes deveres
para com a comunidade: a) servir a comunidade nacional; b) trabalhar na medida das suas
possibilidades e capacidades; c) pagar as contribuições e impostos; d) defender e conservar o
ambiente e e) defender e conservar o bem público e comunitário;

O artigo 52 ao consagrar que os cidadãos gozam da liberdade de associação e que as organizações


sociais e as associações têm direito de prosseguir os seus fins, criar instituições destinadas a
alcançar os seus objectivos específicos e possuir património para a realização das suas actividades,
nos termos da lei, estabelece também um direito económico, na medida em que essas associações
podem ter também objectivos de natureza económica.

c) Direito de propriedade:

Nos termos do artigo 82, o Estado reconhece e garante o direito de propriedade, sendo a
expropriação apenas possível por causa de necessidade, utilidade ou interesse públicos, definidos
nos termos da lei, dando, potanto, lugar à justa indemnização que deve ser fixada pelo valor real do
bem expropriado com a expressão mais próxima, embora não exclusiva , no valor do mercado.

O direito de propriedade, que abrange os meios de produção com as especificidades próprias, não
é um direito absoluto porque tem restrições negativas ou positivas, compreende os direitos de
adquirir, de usar e fruir os bens de que se é proprietário, de transmitir inter vivos ou mortis causa
e o de não ser dela privado.

d) Os direitos dos trabalhadores:

Nos termos do artigo 84, o trabalho constitui direito e dever de cada cidadão. Cada cidadão tem
direito à livre escolha da profissão sendo proibido o trabalho compulsivo, exceptuando-se o
trabalho realizado no quadro da legislação penal.

O artigo 85 estabelece o direito à retribuição e segurança no emprego, ditando que todo o


trabalhador tem direito à justa remuneração, descanso, férias e à reforma, à protecção, segurança
e higiene no trabalho, sendo despedido apenas nos casos previstos na lei.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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O artigo 86 prevê o direito à liberdade de associação profissional e sindical.

O artigo 87 garante o direito à greve, sendo proibido o lock-out.

e) Os direitos dos consumidores:

A Constituição de 2004 consagra a protecção jurídica do consumidor, ligada a diferentes factores de


ordem económica e social, dado constatar-se ser crescente a sofisticação dos métodos agressivos e
enganosos de captação de clientela, consagrando no artigo 92 que “os consumidores têm direito à
qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à protecção da saúde, da
segurança dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos. A publicidade é
disciplinada por lei, sendo proibidas as formas de publicidade oculta, indirecta ou enganosa”.

De modo explícito, pode dizer-se que a protecção do consumidor é perspectivada em 4 eixos: a) o


da protecção do consumidor contra práticas comerciais desleais e abusivas; b) informação ,
formação e educação do consumidor; c) representação, organização e consulta e d) protecção do
consumidor contra produtos defeituosos e perigosos.

f) O direito ao ambiente:

O artigo 90 consagra o direito ao ambiente que por ser um limite ao livre exercício da actividade
económica pode ter reflexos no acesso e organização duma actividade económica, na instalação e
nas condições de funcionamento, nas relações com terceiros, entre outros.

Nos termos do artigo 90, “todo o cidadão tem o direito de viver num ambiente equilibrado e o dever
de o defender, e o Estado e as autarquias locais, com a colaboração das associações de defesa do
ambiente adoptam políticas de defesa do ambiente e zelam pela utilização racional de todos os
recursos naturais”.

17. A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA48


17.1. Justificação e enquadramento
O que leva o Estado a intervir na economia é a sua pretensão de participar na actividade
económica, na distribuição da riqueza, com vista a alcançar o bem-estar social.
48
Matéria abordada também em WATY, Op. Cit., pp. 131-159; 187-203.

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A intervenção do Estado na economia é parte da política económica e orienta-se no sentido de


organizar melhor a economia.

17.2. Noção de intervenção económica do Estado


Intervenção económica do Estado é todo o comportamento do Estado (ou de outras entidades
públicas equiparáveis), cuja função e finalidade consiste na modificação concreta do
comportamento de outros agentes ou sujeitos ou das condições concretas da actividade
económica.

Esta intervenção não se limita à ordenação abstracta de regras ou instituições jurídicas que
orientam, enquadram ou condicionam o desenvolver da actividade económica – Ordenação
económica, nem se traduz apenas nos comportamentos em que o próprio Estado (ou entidade
equiparada) desenvolve uma actividade económica própria, dispondo de bens raros susceptíveis de
aplicações alternativas para satisfazer necessidades (próprias do aparelho estadual ou da
sociedade) – Estado produtor, intervenção directa.

O conceito de intervenção define uma função clara e um conjunto coerente de normas jurídico-
económicas, que, no essencial, se caracterizam por operarem uma delimitação dos poderes do
Estado relativamente a comportamentos económicos dos sujeitos que em princípio seriam livres.

18. TIPOLOGIA DA INTERVENÇÃO DO ESTADO49


A intervenção do Estado é um fenómeno historicamente permanente, diferindo em quantidade e
qualidade. É também um fenómeno geral, que se manifesta em sistemas muito diversos.

Existem várias classificações das modalidades de intervenção do Estado no domínio económico:

I. Intervenção directa e intervenção indirecta – critério do sujeito económico

a) Intervenção Directa: quando é o próprio Estado que é o sujeito económico, assumindo o papel
de agente produtivo, criando empresas públicas ou actuando através delas, intervindo nos circuitos
de comercialização, agindo da mesma forma como agem os agentes económicos, e sujeitando-se às
regras e normas jurídico-económicas traçadas para serem de cumprimento geral.

49
Cfr. WATY, Op.Cit. p. 194ss.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

O Estado intervém na economia através da realização de uma actividade económica, concorrendo


com outros agentes económicos. Por outro lado, a intervenção directa do Estado tem, de forma
crescente, fins lucrativos, tradicionalmente exclusivos da actividade privada. Sendo que, a estrutura
da empresa privada é a que melhor se adequa a obtenção do lucro, o Estado procura cada vez mais
imitar a empresa privada.

Contudo, importa referir que o Estado, por essência, não devia produzir bens e serviços
transaccionáveis porque tem uma função essencialmente executiva, legislativa e judicial e,
portanto, todos os seus órgãos estão dependentes destas funções estatais no serviço da
administração pública.

b) Intervenção Indirecta: quando o Estado não é ele próprio sujeito económico, mas limita-se a
condicionar, a partir de fora, a actividade económica privada, sem assumir o papel de sujeito
económico activo – trata-se da “regulação”.

A intervenção indirecta do Estado efectua-se a 3 níveis, designadamente: Política económica,


Fomento económico e Investimento.

A Política Económica é o conjunto de medidas tomadas pelo Estado em ordem a influenciar a


economia e orientar o seu desenvolvimento. Portanto, a política económica consiste na definição
de medidas orçamentais, monetárias, salariais, de preços, de emprego, ordenamento territorial,
concorrenciais, fiscais e outras, em ordem a influenciar o comportamento dos agentes económicos.

O Fomento Económico pode consistir na concessão de crédito pelo Estado, de benefícios fiscais
como redução e isenção, bonificação de juros, bem como subsídios. Portanto, o fomento
económico pode compreender: isenções fiscais; redução de impostos, subsídios financeiros,
crédito, aval, isenção ou redução de direitos aduaneiros, facilidade de exportação e reexportação
de bens, etc.

II. Intervencionismo, Dirigismo e Planificação

Quanto à doutrina inspiradora (elementos ideológicos, em termos qualitativos e quantitativos), a


intervenção do Estado caracteriza-se segundo 3 formas distintas: intervencionismo, dirigismo e
planificação.

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a) Intervencionismo: existe quando o Estado, respeitando no essencial a liberdade de actuação dos


agentes económicos privados, procura realizar objectivos próprios relativos ao conjunto da
economia, condicionando ou influenciando com tal fim a actividade dos particulares.

b) Dirigismo (ou direcção económica): existe quando o Estado formula objectivos globais e
pretende propô-los, ou até impô-los, aos sujeitos económicos. Dirige assim a sua actividade (em vez
de se limitar a corrigi-la), embora com respeito pelos princípios essenciais da liberdade económica e
pelo mercado como instrumento regulador.

c) Planificação: existe quando o Estado define objectivos globais e sectoriais e estratégias de


comportamento por ele ditadas, impondo-as, mediante o Plano imperativo, à generalidade dos
sujeitos económicos, aos principais sujeitos económicos, ou só aos sujeitos produtivos. De qualquer
forma o mercado deixa de ser o principal instrumento regulador do sistema, passando essa função
a ser exercida pelo Plano e diferentes planos sectoriais.

O Plano é um documento adoptado pelo poder público, que analisa a evolução nacional, identifica
os problemas e define a orientação que seja pertinente.

Nos países de economia de mercado, o plano é um instrumento político meramente indicativo, pois
não determina a conduta dos agentes – a economia assenta sempre na liberdade de decisão desses
agentes económicos. Nos países de economia centralizada, o plano é um instrumento fundamental
da actividade económica e tem um carácter vinculativo quer ao sector público, quer privado.

A diferença entre intervencionismo e dirigismo é essencialmente qualitativa. Enquanto o


intervencionismo se reduzia às intervenções pontuais sem outro objectivo que não o da resolução
de problemas conjunturais, o dirigismo, característico do pós-guerra, já pressupõe uma actividade
coordenada com vista à obtenção de certos fins, nomeadamente de ordem sócio-económica, e já
não somente arrecadar receitas.

A diferença entre dirigismo e planificação é de ordem quantitativa. A planificação é um dirigismo


por planos. A diferença reside no carácter mais racional do documento planificatório, ou seja, o
Plano é mais detalhado, mais organizado, mais sistemático e mais racional.

III. Absorção, participação e indução

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

a) Absorção: existe quando o Estado assume integralmente o controlo dos meios de produção. O
Estado actua como agente económico em regime de monopólio ou exclusividade50.

b) Participação: existe quando o Estado assume o controlo de parcela dos meios de produção. O
Estado actua como agente económico em regime de competição com empresas privadas que
permaneçam a exercer as suas actividades nesse mesmo sector.

c) Indução: existe quando o Estado manipula os instrumentos de intervenção em consonância e na


conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados. O Estado intervém sobre o
domínio económico, como regulador dessa actividade.

IV. Intervenção global, intervenção sectorial e intervenção pontual ou avulsa51

a) Intervenção Global: quando a intervenção se relaciona com a economia no seu conjunto. (ex: o
Estado adopta normas gerais de fixação de margens de comercialização ou de encorajamento do
investimento global).

b) Intervenção Sectorial: quando se adoptam medidas de organização e disciplina de determinado


sector ou sectores de actividade económica. (ex.: se o Estado concede crédito bonificado a um
dado sector – Turismo, Exportação, se adopta medidas de desenvolvimento do sector siderúrgico,
etc.).

c) Intervenção Pontual ou Avulsa: ocorre quando uma determinada empresa está em situação
económica difícil, carecendo de uma injecção financeira. Ela relaciona-se, portanto, com uma
empresa ou unidade económica determinada e consiste em o Estado adoptar medidas de
intervenção nessa empresa, celebrando contratos de viabilização ou contratos programa, e o
mesmo acontece quando se trata de um sector de actividade importante. (ex.: intervenção do
Estado através do Banco Central, num banco comercial)52.

V. Intervenção imediata e intervenção mediata53

50
Veja-se o caso da política das nacionalizações em Moçambique em WATY, Op. Cit. P. 203ss.
51
Cfr. WATY, Op. Cit. P.195ss.
52
Para este tipo de intervenção, em Moçambique daríamos o exemplo da intervenção do Estado através do Banco de
Moçambique no Banco Austral.
53
Cfr. WATY, Op. Cit. P. 196.

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Curso de Licenciatura em Direito

a) Intervenção Imediata (ou directa): quando o Estado intervém directamente na economia e


prossegue objectivos económicos, adoptando medidas de conteúdo económico e com fins
económicos. (ex.: nacionalizações, criação de Empresas Públicas, e medidas de apoio ou fomento
de actividades económicas).

b) Intervenção Mediata (ou indirecta): quando o Estado adopta medidas que não têm apenas fins
económicos, mas também sociais ou outros, apesar de se repercutirem na política económica.
Neste tipo de intervenção o Estado não intervém na economia mas sim sobre a economia. (ex.:
aumento ou diminuição de impostos sobre o rendimento das empresas ou sobre o trabalho;
abertura de linhas de crédito a favor da construção social; diminuição das taxas de juro, etc.).

VI. Intervenção unilateral e intervenção bilateral ou contratual54

a) Intervenção Unilateral: quando o Estado adopta unilateralmente medidas proibitivas ou de


autorização de prática de certas actividades através da edição de normas legais e regulamentares,
da fiscalização da sua observância (vigilância, inspecção) e de actos administrativos de carácter
preventivo (licenças, autorizações) ou repressivo (multas).

Quando o Estado nacionaliza ou privatiza, aumenta os impostos ou as taxas de juro, apoia um


sector, etc., estamos perante intervenções unilaterais. Estas intervenções são as tradicionais e
ainda maioritárias. No entanto, cada vez mais se acentua a tendência para o Estado intervir ao
abrigo de formas convencionais e contratuais do exercício da autoridade.

b) Intervenção Bilateral ou Contratual: quando se opta por formas convencionais e contratuais do


exercício da autoridade, procurando-se a prévia adesão dos parceiros sociais, assegura-se uma
maior eficácia da intervenção estatal, para além de garantir um clima de paz social em todo o
processo de intervenção.

Trata-se de uma intervenção baseada numa relação jurídica contratual com tendência para, em
conjunto, o Estado e agentes económicos realizarem uma acção concertada no campo económico.
(ex.: a oferta por parte do Estado de reduções fiscais às empresas em troca de um aumento de
investimento, o que é completamente diferente, em termos de efeitos esperados, da medida
unilateral de reduções fiscais).

54
Ibidem, p. 197ss.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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19. O ESTADO PRODUTOR DE BENS E SERVIÇOS55


As funções do Estado podem ser agrupadas de modo aproximado em dois grandes tipos: (a)
aquelas em que o Estado aparece como empresário, o Estado produtor ou distribuidor de bens ou
de serviços; (b) aquelas em que cabe ao Estado cabe regular (condicionar, fiscalizar ou planear e
promover) as actividades de terceiros – o Estado regulador – os quais sendo na sua maior parte
agentes económicos privados, podem também ser cooperativas ou mesmo empresas públicas.

«Os objectivos que presidem a estas funções do Estado podem ser os mesmos: a redistribuição do
rendimento, por exemplo, tanto pode ser através da produção directa, pelo Estado, de bens ou
serviços a preços mais baixos do que os do mercado, como por meio de subsídios a outros
produtores ou aos consumidores ou pela fixação de preços máximos. Mas a natureza e o tipo de
instrumentos utilizados, assim como a posição do Estado perante a actividade económica em geral
serão distintas em qualquer das opções.

Quando o Estado produz ou distribui bens ou serviços, retira do mercado certas actividades,
reservando para si o seu exercício, ou concorre com agentes económicos privados ou cooperativos
na mesma actividade. Intervém, assim, por uma via directamente económica, ao passo que o Estado
regulador possibilita e condiciona positiva (incentivando) ou negativamente (proibindo a actividade
de terceiros), na qualidade de agente exterior ao mercado. Nesta função o Estado usa meios de
natureza político-legal, ou, em certas circunstâncias, meios contratuais»56.

20. A ACTIVIDADE EMPRESARIAL DO ESTADO57


20.1. Origem e evolução
Na época liberal, a actividade económica do Estado – distinta, por natureza, da função própria do
Estado como legislador e como administrador da coisa pública – era, então, entendida como
excepcional.

À luz da doutrina liberal, os poderes públicos deveriam abster-se de actuar como agentes
económicos sob pena de falsearem as leis do mercado. Daí que as suas intervenções só fossem em
princípio admitidas quando justificadas pela existência de “falhas do mercado”, incapacidade do

55
Ibidem, p.200ss.
56
Ibidem, p. 200.
57
Cfr. Ibidem, p. 200ss.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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mercado de produzir bens ou serviços de interesse geral em quantidades ou condições adequadas


(de preço, universalidade, etc.), monopólios naturais (os caminhos de ferro, as telecomunicações),
as actividades que constituíssem o prolongamento natural da acção de um serviço público
administrativo (caso das imprensas nacionais e do fabrico de equipamento para as forças armadas).

Nesta fase, duas foram as formas de organização e gestão das actividades do Estado como produtor
de bens: (a) a administração directa por departamentos da Administração Pública sem
personalidade própria; (b) a concessão dessas actividades a sociedades de estatuto privado.

a) A administração directa por departamentos da Administração Pública sem personalidade


própria

A figura de serviço público económico não personalizado foi progressivamente cedendo lugar à
instituição de serviços dotados de personalidade jurídica. Embora esta tendência para a
personalização dos serviços públicos, que se desenvolveu sobretudo a partir da 1ª Guerra Mundial,
tenha abrangido tanto os serviços administrativos propriamente ditos como os serviços industriais
e comerciais, ela marcou em especial estes últimos por razões que se prendem com a maior
exigência de autonomia e flexibilidade que os caracteriza. Desenvolvem-se, na mesma época, as
empresas de economia mista.

b) A concessão dessas actividades a sociedades de estatuto privado.

Ao conceder a empresas privadas a exploração de determinadas actividades de interesse público, o


Estado pretendia que o funcionamento destas obedecesse aos princípios e regras de gestão
característicos das empresas privadas (designadamente, a liberdade e autonomia contratuais). Isto
não impedia, porém, de o Estado atribuir às empresas concessionárias prerrogativas de autoridade
pública, quando julgadas necessárias.

A criação de serviços públicos de carácter industrial e comercial dentro da esfera do próprio Estado
veio também acompanhada da tendência para a submissão desses serviços a regras de Direito
Privado, sem que, todavia, isso prejudicasse a sua vinculação institucional ao sector público e a
sujeição ao Direito Público de aspectos do seu funcionamento como a tutela, estatuto pessoal,
entre outros.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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Verifica-se, assim, que tanto no caso da concessão como no do serviço público personalizado foram
aplicadas técnicas do Direito Privado para a prossecução de finalidades públicas.

A seguir à 2ª Guerra Mundial, particularmente nos países que haviam estado nela directamente
envolvidos, tiveram lugar processos de nacionalização de empresas privadas (que abrangem, em
certos casos, empresas concessionárias). As nacionalizações deram origem a uma nova figura
institucional – a empresa pública – a par dos serviços públicos personalizados. Estas
nacionalizações, que se explicam por um contexto político e ideológico específico, coincidiram com
o reforço de outros mecanismos de intervenção desses Estados na economia, como o plano e o
auxílio às empresas privadas.

20.2. O caso de Moçambique58


Após a independência e com a aprovação do texto constitucional de 1975, Moçambique afirma-se
como um “Estado de democracia popular em que todas as camadas patrióticas se engajam na
construção de uma nova sociedade livre de exploração do homem pelo homem”. (artigo 2 da
CRPM).

De acordo com o artigo 4 da Constituição de 1975, a República Popular de Moçambique tinha como
um dos objectivos fundamentais “a edificação de uma economia independente e a promoção do
progresso cultural e social”.

O artigo 10 da mesma Constituição consagra ainda que “o sector Estatal deve ser o dominante da
economia do país”.

Na fase de transição para o socialismo, sistema abraçado por Moçambique , após a independência,
era de máxima importância o papel a desempenhar pelas empresas estatais.

Neste contexto, as empresas estatais assumiam uma função primordial na construção da base
material avançada para a edificação de uma nova sociedade e para o desenvolvimento económico
planificado e acelerado (artigo 9 da Constituição de 1975).

58
O exemplo de Moçambique é extraido em WATY, Op. Cit. Pp.203-235., como reflexo do disposto na constituição
económica de 1975.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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Pretendia-se com isso que a “empresa estatal” fosse um instrumento essencial através do qual o
Estado assumiria a função dirigente e impulsionadora da economia nacional. Esta constituía, por
excelência, a forma jurídico-institucional da actividade empresarial do Estado.

É assim que o período que se seguiu a 1975 seja caracterizado pelo importante peso económico,
político e social do sector empresarial do Estado. O mesmo era constituído, essencialmente, por
empresas directa ou indirectamente nacionalizadas após aquela data, ou empresas criadas ex novo
e, nalguns casos, por empresas que foram intervencionadas e mais tarde revertidas a favor do
Estado, que passaram a ser por ele geridas.

Com a política de privatizações e liberalização de certos sectores, desencadeada a partir de 1989 e


prosseguida após a revisão da Constituição de 1990, reduziu-se consideravelmente a sua dimensão
e alterou-se as formas institucionais da actividade económica do Estado.

20.3. O sector empresarial do Estado


O sector empresarial do Estado é hoje entendido como abrangendo o conjunto das unidades
produtivas do Estado ou de outras entidades públicas, organizadas e geridas sob forma
empresarial. Este sector inclui, em Moçambique, as empresas públicas e estatais, as sociedades
comerciais cujo capital pertença exclusivamente ao Estado e/ou outras pessoas colectivas de
Direito Público, as empresas, estabelecimentos e instalações cuja propriedade tenha revertido para
o Estado.

Questão controversa é a inclusão no sector empresarial do Estado das empresas intervencionadas.


É que a intervenção não afecta, em si, a titularidade dos bens, mas tão só a sua gestão. A
intervenção assume natureza transitória, já que visa superar uma crise na empresa.

A criação de sectores públicos empresariais com peso significativo nas economias nacionais
encontra-se historicamente ligada à experiência das nacionalizações. Assim, em Moçambique a
figura de empresa estatal ganhou relevância política e económica com as nacionalizações. Não
obstante tal realidade, não se pode esquecer a relevância prática da figura da intervenção estatal
para o respectivo sector59.

59
Cfr. WATY, Op.cit., pp. 204-205.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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Tema 5: ORGANIZAÇÃO ECONÓMICA E FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

21. ESTRUTURA DE PROPRIEDADE DOS MEIOS DE PRODUÇÃO


21.1. Noção de propriedade e conteúdo do direito de propriedade
Propriedade é comummente qualificada como o direito real máximo. Traduz-se no vínculo jurídico
que sujeita uma coisa ao pleno e exclusivo poder de uma pessoa que fica tendo o direito de usar,
fruir e dispor dela (alienar a título oneroso ou gratuito) dentro dos limites da lei.
Segundo o artigo 1305º do Código Civil, com a epígrafe «conteúdo do direito de propriedade», “o
proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposições das coisas que
lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”.
A Constituição de 2004, no seu artigo 82 nº 1 reconhece e garante o direito de propriedade.
O direito de propriedade privada inclui 4 componentes:
1) O direito de a adquirir,

2) O direito de usar e fruir dos bens de que se é proprietário;

3) A liberdade na sua transmissão;

4) O direito de não ser privado dela.

21.2. Intervenção estatal no domínio económico como instrumento da efectivação da função


social da propriedade
A propriedade é um elemento essencial ao ser humano, à ordem económica capitalista e ao Estado.
É meio de segurança e subsistência pessoal, é núcleo da actividade e poder económico, e é
instrumento de desenvolvimento do Estado.
Esta essencialidade requer que em todas as esferas de actuação e interesse a propriedade tenha
função social, sendo capaz de produzir uma vida digna com justiça social. Por isso, o Estado como
agente primeiro de atendimento e intermediação do interesse público deve actuar para que o
princípio da função social da propriedade seja observado e efectivado.
Nem sempre a propriedade foi regrada com a perspectiva de instrumento de bem-estar social.
O direito de propriedade no Estado Liberal era absoluto e individualista e não permitia
interferência. Contudo, através dos tempos, o direito de propriedade mudou de perfil. Esta

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mudança foi fruto das desigualdades sociais geradas pelo exercício sem limites do direito de
exploração da propriedade privada e de outros factores históricos, jurídicos e sociais, tais como a
revolução industrial, a Constituição de Weimar, as duas Grandes Guerras, os movimentos sociais e
o surgimento das Constituições Económicas.
O novo perfil jurídico da propriedade é de um direito individual de livre fruição, mas condicionado
ao atendimento da função social. Com isso a exploração económica da propriedade passou a ser
fundada por objectivos e princípios específicos regrados pelo Direito e impositivos à ordem
económica e social.
Dentro desta realidade a estrutura social, estatal e económica adoptada pelo país demonstra a
importância do direito de propriedade e a necessidade de sua exploração ser direccionada e
baseada por princípios e objectivos jurídicos de bem-estar e desenvolvimento social.
A Constituição moçambicana de 2004 no seu artigo 82 nº 1 reconhece e garante o direito de
propriedade.
Ora, o direito de propriedade não é um direito absoluto podendo ser objecto de limitações ou
restrições, as quais se relacionam desde logo, com os princípios de Direito (ex: a função social da
propriedade), com razões de utilidade pública ou com a necessidade de conferir eficácia a outros
princípios ou normas Constitucionais, incluindo os direitos económicos ou sociais e as disposições
da organização económica.
Restrições ao direito de propriedade:
a) Na aquisição ou acesso – há bens insusceptíveis de apropriação privada – é o caso dos bens de
domínio público (artigo 98 da Constituição). No entanto, note-se que alguns desses bens poderão,
por vezes, ser explorados por entidades privadas ou cooperativas em regime de concessão. Trata-
se, portanto, de uma reserva de propriedade pública mas não uma reserva de actividade
económica pública.

b) No uso e fruição – para além do dever geral de uso relativo aos meios de produção (a
propriedade de meios de produção implica o seu uso), devem considerar-se outras condicionantes
por razões ambientais ou de ordenamento do território (ex: delimitação de áreas de reserva
agrícola, reserva ecológica, planeamento urbano, etc).

c) Na transmissão inter vivos ou mortis causa – é por vezes limitada por direitos a favor de
terceiros, como o direito de preferência atribuído por vezes aos proprietários confinantes.

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d) Limites Constitucionais ao direito de o titular ser privado da sua propriedade – ao admitir-se a


possibilidade de requisição e expropriação por utilidade pública, sujeita a pagamento de justa
indemnização.

22. ESTRUTURA DE PROPRIEDADE DOS MEIOS DE PRODUÇÃO


Os três sectores de propriedade dos meios de produção, consistem em formas de compatibilidade
e de coexistência, entre iniciativas económicas diversas – Iniciativa Pública, Iniciativa Privada e
Iniciativa Cooperativa e Social, bem como entre três tipos de propriedade que se complementam
entre si – Propriedade Pública, Propriedade Privada e Propriedade Cooperativa e Social.
A propriedade e o modo social de gestão são critérios determinadores dos sectores de propriedade
dos meios de produção, designadamente o Sector Público, Sector Privado e o Sector Cooperativo e
Social.

A actividade económica distribui-se por qualquer destes sectores, tendo como base objectivos
diferenciados.
O Sector Público tem que ser entendido no âmbito das incumbências gerais do Estado em matéria
económica e social e articulado com outras formas de regulação constitucionalmente previstas.
No Sector Privado concentra-se a actividade económica que se organiza e desenvolve livremente
de acordo com objectivos lucrativos que lhes são inerentes, sujeitando-se aos condicionamentos e
às restrições constitucionais ou legalmente previstas.
O Sector Cooperativo e Social possui a sua filosofia própria em matéria de objectivos, combinando
os económicos e os sociais, que se reflectem na sua organização.
Enquadramento jurídico-legal:
A estrutura da propriedade dos meios de produção, ou os sectores de produção, encontram-se
definidos nas seguintes disposições constitucionais:
a) Artigo 97, alíneas d) e e) da Constituição de 2004, que referem que a organização económica e
social da República de Moçambique assenta na “coexistência do sector público, do sector privado e
do sector cooperativo e social” e “na propriedade pública dos recursos naturais e de meios de
produção, de acordo com o interesse colectivo”;

b) Artigo 99 da Constituição, que trata dos sector de propriedade dos meios de produção.

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I. Sector Público (Propriedade e Gestão Pública)


Artigo 99, nº 2 da Constituição:
O Sector Público é constituído pelos meios de produção cuja titularidade e gestão pertencem ao
Estado ou a outras entidades públicas. A acumulação da propriedade e gestão é condição
necessária, dado que pode haver bens públicos geridos por empresas privadas ou cooperativas e
pode haver intervenção publica na gestão de empresas privadas, embora a título excepcional.
Assim, fazem parte do sector público os meios de produção públicos geridos directamente pela
Administração Pública ou por outras entidades públicas, que poderão assumir a forma de institutos
públicos, empresas públicas ou sociedades de capitais mistos quando maioritariamente controlados
pelo Estado e desde que este tenha também a maioria nos órgãos de gestão.
Através do Sector Público o estado produz ou presta serviços, ora em concorrência com empresas
privadas ou cooperativas, ora em monopólio natural ou legalmente protegido.

II. Sector Privado (Propriedade e Gestão Privada)


Artigo 99, nº 3 da Constituição:
O Sector Privado é constituído pelos bens e unidades de produção cuja propriedade ou gestão
pertençam a pessoas singulares ou privadas.
Estão assim abrangidos todos os meios de produção que sejam propriedade de entidades privadas,
excepto se forem geridos por cooperativas em obediência aos princípios cooperativos.
Pertencem igualmente ao Sector Privado todos os meios de produção que sejam propriedade
pública mas cuja gestão tenha sido, por via contratual ou não, entregue a entidades privadas.
Podem ser bens do domínio público ou de empresas públicas cuja gestão tenha sido concedida a
entidades privadas, ou simplesmente empresas de capital misto em que o estado não tenha
nomeado a maioria dos gestores, tendo a isso direito, além de todas as restantes onde o estado
seja minoritário.
III. Sector Cooperativo e social (Propriedade Cooperativa)
Artigo 99, nº 4 da Constituição:
O Sector Cooperativo e Social compreende os meios de produção geridos por cooperativas de
acordo com os princípios cooperativos (independentemente da forma de propriedade, que tanto
pode ser pública, privada ou cooperativa), e abrange:
a) Os meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais;

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A expressão “meios de produção comunitários” parece indicar que se trata de bens de propriedade
comunitária, ou seja, de uma comunidade concreta, eventualmente sem personalidade jurídica
pública ou privada. Os casos mais conhecidos são os “baldios” em que os titulares da propriedade
são os “povos”, as “aldeias”, “ os agregados populacionais”. De notar que estes meios de produção
só integram o sector social quando são possuídos e geridos pelas respectivas comunidades locais.
b) Os meios de produção destinados à exploração colectiva por trabalhadores;

Esta figura refere-se à autogestão das empresas pelos respectivos trabalhadores e é um direito que
parece pressupor a gestão aos trabalhadores e a propriedade a outrem. Considera-se que os bens
podem ser de titularidade de entidades privadas ou públicas, pressupondo-se o assentimento dos
titulares da propriedade ou um motivo legal que confira o direito á autogestão.
c) Os meios de produção possuídos e geridos por pessoas colectivas, sem carácter lucrativo, que
tenham como principal objectivo a solidariedade social, designadamente entidades de natureza
mutualista.

Trata-se de estender o sector social às entidades que desenvolvem uma actividade económica
tendo em vista a solidariedade social, e por isso, sem intuito de apropriação lucrativa pública ou
privada, antes dirigida à ajuda mútua.

23. AS COOPERATIVAS
23.1. Noção e espécie
As Cooperativas são organizações de natureza colectiva que visam a satisfação, sem fins lucrativos,
das necessidades económicas, sociais ou culturais dos seus membros, através da sua cooperação e
entreajuda e na observância dos princípios cooperativos.
Os tipos de cooperativa podem ser: de Consumo, Comercialização, Indústria, Agrícola, Crédito,
Construção e Habitação, artesanato, Pesca, Cultura, Serviços e Ensino.

23.2. Princípios Cooperativos


A nível internacional, a institucionalização do movimento cooperativo encontra expressão na
Aliança Cooperativa Internacional, que aprovou em 1937 os seguintes princípios cooperativos:
1º. Princípio: Adesão voluntária e livre.

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– As Cooperativas são organizações voluntárias, abertas a todas as pessoas aptas a utilizar os seus
serviços e dispostas a assumir as responsabilidades de membro, sem discriminações de sexo,
sociais, políticas raciais ou religiosas. A admissão ou demissão dos sócios é livre e não pode ser
objecto de quaisquer discriminações do sexo, nacionalidade, religião, instrução, situação
económica e social. Qualquer pessoa, não obstante não ter participado na constituição da
cooperativa, pode a ela associar-se participando na vida desta.
2º. Princípio: Gestão democrática pelos membros ou democracia interna.
– As Cooperativas são organizações democráticas geridas pelos seus membros, os quais participam
activamente na formulação das suas políticas e na tomada de decisões. Os homens e as mulheres
que exerçam funções como representantes eleitos são responsáveis perante o conjunto dos
membros que os elegeram. Nas Cooperativas do primeiro grau, os membros têm iguais direitos de
voto (um membro, um voto), estando as Cooperativas de outros graus organizadas também de uma
forma democrática;
3º. Princípio: Participação económica dos membros.
– Os membros contribuem equitativamente para o capital das suas Cooperativas e controlam-no
democraticamente. Pelo menos parte desse capital é, normalmente, propriedade comum da
Cooperativa. Os cooperadores, habitualmente, recebem, se for caso disso, uma remuneração
limitada pelo capital subscrito como condição para serem membros. Os cooperadores destinam os
excedentes a um ou mais dos objectivos seguintes: desenvolvimento das suas Cooperativas,
eventualmente através da criação de reservas, parte das quais, pelo menos, será indivisível;
benefício dos membros na proporção das suas transacções com a Cooperativa, apoio a outras
actividades aprovadas pelos membros;

4º. Princípio: Autonomia e independência.


– As Cooperativas são organizações autónomas de entreajuda, controladas pelos seus membros. No
caso de entrarem em acordos com outras organizações, incluindo os governos, ou de recorrerem a
capitais externos, devem fazê-lo de modo que fique assegurado o controlo democrático pelos seus
membros e se mantenha a sua autonomia como Cooperativas;
5º. Princípio: Educação, formação e informação.
– As Cooperativas promovem a educação e a formação dos seus membros, dos representantes
eleitos, dos dirigentes e dos trabalhadores, de modo que possam contribuir eficazmente para o

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desenvolvimento das suas Cooperativas. Elas devem informar o grande público particularmente, os
jovens e os líderes de opinião sobre a natureza e as vantagens da cooperação;
6º. Princípio: Intercooperação.
– As Cooperativas servem os seus membros mais eficazmente e dão mais força ao movimento
cooperativo, trabalhando em conjunto, através de estruturas locais, regionais, nacionais e
internacionais;
7º. Princípio: Interesse pela comunidade.
– As Cooperativas trabalham para o desenvolvimento sustentável das suas comunidades, através
de políticas aprovadas pelos membros.

23.3. Regulação jurídica das Cooperativas


A regulação jurídica das Cooperativas encontra-se assente na Lei nº 9/79, de 10 de Julho – Lei das
Cooperativas que foi revogada pela Lei nº 23/2009, de 8 de Setembro – Lei Geral das
Cooperativas.
Segundo a Lei nº 9/79, de 10 de Julho para que se constitua uma cooperativa é necessário que
numa Assembleia de Fundadores com, pelo menos, 10 fundadores se aprovem a constituição e que
seja elaborada uma Acta em que essa deliberação, bem como outros elementos (data da
deliberação, ramo dos sectores cooperativos, objecto, denominação, entre outros).
As cooperativas deverão possuir uma denominação, que deverá ser registada na Repartição de
Finanças, a qual deverá ser sempre seguida das expressões “Cooperativa”, “União de
Cooperativas”, “Federação de Cooperativas”, “Confederação de Cooperativas” e ainda de
“responsabilidade limitada”.
Os órgãos sociais das cooperativas são:
Assembleia Geral;

Comissão de Gestão;

Comissão de Controle.

A Assembleia Geral é o órgão supremo da cooperativa, cujas deliberações são obrigatórias para os
restantes órgãos da cooperativa, bem como para todos os membros desta. Participam na
Assembleia Geral todos os cooperados no pleno gozo dos seus direitos.
A Comissão de Gestão é o órgão de administração e representação da cooperativa.

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A Comissão de Controlo é o órgão de controlo e fiscalização da cooperativa.


Os titulares dos órgãos sociais das cooperativas são eleitos de entre os seus membros por um
período previsto nos Estatutos.

24. A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA E AS NACIONALIZAÇÕES


24.1. Noção de nacionalização
Por nacionalização entende-se o acto político-legislativo que transfere a propriedade dos bens
económicos da propriedade privada para a propriedade pública.
Juridicamente, a nacionalização é uma espécie de expropriação, traduzindo-se na transferência
forçada, por acto de autoridade, de uma unidade económica (exploração, estabelecimento,
empresa) da propriedade privada para a propriedade pública.
A nacionalização é um acto político, implicando a entrada das empresas na propriedade do Estado.
A figura da nacionalização afecta simultaneamente o direito de propriedade e o direito de iniciativa
privada.
O acto de nacionalização é sempre um acto do Estado, no qual este manifesta o seu ius imperii, que
aliás se manifesta também na possibilidade deste dar o destino que lhe aprouver a esses bens.
Características Especiais da Nacionalização:
A figura da nacionalização pressupõe a existência simultânea dos seguintes componentes e
características:
a) Uma componente ideológico-política implicando, fortemente, a subordinação do poder
económico ao poder político, o que, juridicamente, se vem a formalizar em um acto legislativo;

b) O objecto da nacionalização é um bem económico em sentido estrito. O que provoca a


nacionalização é o facto de ser uma “unidade produtiva” (e não o valor real do património). Os
bens continuarão como unidades produtivas na posse da Nação;

c) A titularidade e posse útil dos bens transferem-se para a Nação.

O termo de referência da nacionalização é a Nação e não o Estado. Ou seja, o interesse da


colectividade (Nação) pode exigir formas de detenção e gestão dos bens nacionalizados não

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necessariamente estatais, reconhecendo-se que a prossecução do interesse colectivo pode


aconselhar formas mais amplas e diversificação de gestão dos bens nacionalizados.
No entanto, note-se que o acto de nacionalizar é sempre um acto Estatal. A gestão e detenção útil
dos bens é que poderá levar a formas de estatização ou de propriedade social, ou o seu retorno
propriedade e gestão privadas.

24.2. História das nacionalizações


As nacionalizações iniciam após a 1ª Guerra Mundial.
O ano de 1917 traz elementos a considerar:
A Revolução Soviética;

A Constituição Mexicana

Na Rússia, a revolução implicou a colectivização (estatização) total da economia. Nacionalizaram-se:


a terra, a banca, os seguros, os transportes, a indústria, as empresas que ocupavam mais de 10
operários (ou mais de 5 se utilizassem equipamentos a motor) e todo o comércio que não
corresponde à venda de produção própria.
Na Constituição Mexicana aparece um novo conceito de propriedade: a propriedade da terra e das
águas interiores é da Nação, a qual tem o direito de a transferir para pessoas privadas para seu uso,
limitada pelo interesse público.
Daqui decorre que a terra é propriedade da Nação (e não do Estado) e que a sua aquisição privada
é sempre limitada pelo interesse colectivo. Esta disposição constitucional esteve na base da
reforma agrária no México nos anos seguintes.
Na Alemanha no seguimento da Constituição de Weimar de 1919, nacionalizaram-se os bens
colectivos essenciais (electricidade, água, gás, caminhos de fero, indústria de guerra, etc.)
Em França, em 1936/37, nacionalizam-se fábricas de material de guerra, caminhos de ferro, aviação
civil, etc.
Mas é sobretudo após a 2ª Guerra Mundial que se verifica, na Europa, um surto de nacionalizações
mais alargado, em termos qualitativos e quantitativos. Interessa agora oa Estado controlar
sectores-chave da economia. Nacionalizam-se bancos, companhias de seguros, explorações e
indústria de carvão, transportes aéreos, transportes ferroviários e siderurgias.

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Também nas democracias populares de Leste que, depois da 2ª Guerra Mundial, se inseriram na
órbita Soviética, se generalizaram as nacionalizações, abrangendo a quase totalidade dos meios de
produção.
Na República Popular da China, após 1949, colectiviza-se a terra e, posteriormente, nacionalizam-se
as indústrias.

A emancipação e independência política das nações do Terceiro Mundo implicaram também


nacionalizações (ex.: Canal do Suez no Egipto em 1956, indústria petrolífera no Irão em 1951, e nas
ex-colónias Portuguesas).
Numa perspectiva Marxista defensora de uma economia socialista, as nacionalizações são o
instrumento privilegiado para alterar radicalmente o sistema anteriormente vigente, dado que se
defende, por princípio, a apropriação colectiva de todos os meios de produção.
As nacionalizações são, em regra, consequência de um acto político-ideológico, ao contrário do
clássico instituto da expropriação por utilidade pública, medida pragmática de atenuação do
individualismo e do puro liberalismo económico.
Não foi só o pensamento Marxista que defendeu as nacionalizações. Também o pensamento social-
democrata, no final da 2ª Guerra Mundial, defendeu a figura da nacionalização com as seguintes
justificações:
a) Existência de sectores de actividade económica que desempenham um papel social relevante e
decisivo;

b) A necessidade de subtrair ao controlo dos monopólios privados sectores-chave da economia;

c) A necessidade de fazer face a situações de subdesenvolvimento e desigualdades regionais;

d) Necessidade de colmatar lacunas da iniciativa privada económica;

e) Tentar um melhor aproveitamento dos meios disponíveis e dos recursos naturais mediante a
utilização de técnicas de planeamento.

O pensamento social-democrata manifesta-se, no entanto, contra uma alteração radical do sistema


económico de mercado, já que não aceitava uma nacionalização maciça e integral da economia. A
social democracia aponta para uma economia onde coexistem três sectores de produção, já que
considera que o colectivismos de Estado é incompatível com a eficiência económica, com a
liberdade e com a democracia.

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24.3. Confronto com figuras afins ou semelhantes


A figura da nacionalização ganha contornos mais claros quando confrontada com outras figuras que
com ela concorrem na constituição da propriedade e/ou gestão pública ou colectiva que, embora
com estruturas semelhantes, têm naturezas diversas e até divergem quanto aos fins.
a) A expropriação por utilidade pública
A expropriação por utilidade pública consiste na desapropriação de qualquer bem privado
(terrenos, edifícios, entre outros) em benefício de uma entidade pública ou mesmo privada, por
motivos de utilidade pública (construção de estradas, urbanização e outros).
A expropriação é um acto administrativo-público que incide exclusivamente sobre bens imóveis.

Esta figura vem prevista no nº 2, do artigo 82 da Constituição de 2004 nos seguintes termos:
“A expropriação só pode ter lugar por causa de necessidade, utilidade ou interesse públicos,
definidos nos termos da lei e dá lugar a justa indemnização.”
Por sua vez, o artigo 1308º do Código Civil, refere-se à expropriação nos seguintes termos:
“Ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade, senão nos casos
fixados na lei.”
Diferenças entre nacionalização e expropriação:
NACIONALIZAÇÃO EXPROPRIAÇÃO

a) A nacionalização é um acto de soberania e a) A expropriação obedece à lei, mas pode ser


um acto político-legislativo, que se reveste feita por um acto administrativo.
sempre da forma de lei.
b) A expropriação é um acto normal de
b) A nacionalização tem fundamentos Administração pública (acto administrativo),
político-ideológicos ou político-económicos, determinado pela situação dos bens que os
nomeadamente a necessidade de retirar da torna indispensáveis à realização de tarefas
entidade privada o domínio sobre sectores- próprias da Administração.
chave da economia a favor da Nação.
c) A expropriação é uma providência
c) A nacionalização é uma providência corrente.
extraordinária.
d) A expropriação limita o direito de

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d) A nacionalização limita o direito de propriedade, por se entender que a utilidade


empresa e direito de iniciativa económica. pública desse bem impõe tal restrição.

e) A nacionalização tem por objecto uma e) A expropriação incide sobre bens


unidade produtiva ou bens económicos em imobiliários.
sentido restrito (a empresa, quotas, ramos de
actividade, etc. f) A declaração de expropriação pode ser
atacada com base em ilegalidade, porque é
f) O acto de nacionalização não pode ser um acto administrativo sujeito ao princípio da
impugnado judicialmente, senão com base legalidade.
em inconstitucionalidade (é um acto
materialmente político-legislativo). g) A lei que autoriza a expropriação,
pressupõe actos jurídicos posteriores.
g) A lei que leva a efeito a nacionalização,
produz efeitos automáticos.

Entretanto, tanto a nacionalização como a expropriação obrigam ao pagamento de indemnização,


nos termos do nº 2, do artigo 82 da Constituição de 2004 (Expropriação), e da Lei de Investimentos
(Lei nº 3/93, de 24 de Junho), cujo artigo 13, nº 2, determina que “a nacionalização de bens e
direitos que constituem investimento autorizado e realizado nos termos da lei será objecto de
indemnização justa e equitativa”.

b) Requisição
Na requisição a Administração Pública impõe aos particulares a obrigação de, temporariamente,
prestarem certos serviços ou de consentirem a utilização de alguns bens disponíveis, no interesse
público, cabendo o direito à indemnização.
A requisição relaciona-se com a possibilidade de a Administração ou as autoridades militares
poderem impor a um particular a obrigação de prestar serviços ou dispor um bem para utilização
temporária.
Tem como pressuposto a necessidade por interesse público, a submissão ao princípio da legalidade
e a justa indemnização.

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Segundo o artigo 1308º do Código Civil (Requisições), “só nos casos previstos na lei pode ter lugar a
requisição temporária de coisas do domínio privado”.
Mais adiante, o artigo 1310º do Código Civil (Indemnizações), refere que “havendo expropriação
por utilidade pública ou particular ou requisição de bens, é sempre devida a indemnização
adequada ao proprietário e aos titulares dos outros direitos reais afectados”.
Diferenças entre nacionalização e requisição:

NACIONALIZAÇÃO REQUISIÇÃO

a) A nacionalização tem carácter definitivo ou a) A requisição tem carácter temporário.


pelo menos de indeterminado (não se conhece
o horizonte temporal de vigência). b) A requisição é um acto normal de
Administração pública (acto administrativo).
b) A nacionalização tem fundamentos político-
ideológicos ou político-económicos, c) A requisição incide sobre bens móveis ou
nomeadamente a necessidade de retirar da imóveis.
entidade privada o domínio sobre sectores-
chave da economia a favor da Nação. d) A requisição é uma providência urgente
excepcional no interesse público (ex.: guerra,
c) A nacionalização tem por objecto uma calamidade natural, etc).
unidade produtiva ou bens económicos em
sentido restrito (a empresa, quotas, ramos de
actividade, etc.

d) A nacionalização é uma providência


extraordinária.

c) Confisco

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O confisco tem carácter sancionatório, consistindo na perda, a favor do Estado, da totalidade ou


parte do património em virtude do cometimento de actos ilícitos ou criminosos. Sendo uma sanção,
não lhe corresponde nenhuma indemnização.
A nacionalização, por sua vez, sabe-se que não tem carácter de sanção e pressupõe uma
indemnização ao ex-titular do bem, o que não ocorre quando haja confisco.
O Decreto-Lei nº 16/75, de 13 de Fevereiro previa a conduta dolosa dos particulares na actividade
económica de Moçambique, quer por acção, quer por abandono (artigo 1) a que correspondia, em
última instância, o confisco sobre os meios de produção (artigo 10, nº 3), sobre a presunção de
abandono.
d) Intervenção do Estado na gestão de empresas privadas
No caso da intervenção do estado na gestão da empresa privada trata-se unicamente da “gestão”
que se torna pública e não a propriedade do bem. A titularidade dos bens continua a ser pertença
dos particulares.
A intervenção é necessariamente temporária, e termina de 3 formas possíveis:
1. Através do retorno da gestão da empresa aos seus titulares,

2. Através de um processo de falência, caso a empresa demonstre ser absolutamente inviável;

3. Através da nacionalização da empresa, caso o interesse público o exija.

A figura da intervenção do Estado na gestão da empresa privada é de carácter excepcional e


transitório, pois o normal é que o titular da propriedade detenha igualmente a gestão.
Em Moçambique, a figura da intervenção do Estado na gestão da empresa privada está prevista no
Decreto-Lei nº 16/75, de 13 de Fevereiro, que indica no nº 1, do seu artigo 1, que “sempre que as
empresas, singulares ou colectivas não funcionem em termos de contribuir, normalmente, para o
desenvolvimento económico de Moçambique e para a satisfação dos interesses colectivos, ficarão
sujeitas à intervenção do Conselho de Ministros”.
Fundamentos ou justificações da intervenção do Estado nas empresas privadas, segundo o nº 3, do
artigo 1 do Decreto-Lei nº 16/75:
a) Encerramento total ou parcial de secções significativas da empresa ou ameaça de despedimento
do respectivo pessoal;

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b) Despedimento iminente ou efectivo de parte importante do pessoal da empresa, sem justa


causa;
c) Abandono das instalações ou estabelecimentos e de prédios rústicos ou urbanos pelos seus
proprietários, considerando-se como tal as empresas ou prédios rústicos ou urbanos cuja
propriedade os seus donos, tácita ou expressamente, não se verifique a uma utilização normal das
empresas, ou dos prédios, por período superior a 90 dias (ver artigo 10);
d) Descapitalização ou desinvestimentos significativos ou injustificados, nomeadamente pela
retirada, distracção ou imobilização de equipamentos ou outros bens da empresa, ou actos
preparatórios desse procedimento;
e) Incumprimento ou demora no cumprimento de forma reiterada das obrigações da empresa;

f) Desvio e fundos da actividade corrente da empresa;

g) Empolamento injustificado das despesas gerais da administração.

Na prática, o que aconteceu é que as empresas intervencionadas foram extintas e o seu património
transferido para o Estado, tendo algumas delas sido transformadas em Empresas Estatais. O Estado
agiu assim ao abrigo do estabelecido no artigo 1 do Decreto-Lei nº 18/77, de 28 de Abril, que foi
revogado pela Lei nº 13/91, de 3 de Agosto.

25. AS PRIVATIZAÇÕES
25.1. Noção de privatização
A privatização designa uma técnica pela qual o Estado reduz ou modifica a sua intervenção na
economia a favor do sector privado, implicando, por isso, a redução do domínio económico e do
sector público.
O conceito de privatização, consiste genericamente no movimento redutor do peso do sector
empresarial público efectuado através da transformação legal e factual de empresas com
personalidade jurídica de direito público em empresas de estatuto jurídico privado.
Estreitando o conceito, pode entender-se privatização como:
a) Transferência total ou parcial da propriedade de empresas e/ou bens públicos para entidades
privadas. A natureza pública desses bens ou empresas tanto pode ser originária como resultar de
nacionalizações anteriores (neste caso fala-se de reprivatização);

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b) Concessão a entidades privadas, mediante contrato, da gestão de empresas públicas ou serviços


públicos (ex.: a exploração de petróleo ou a gestão de estabelecimentos de saúde);

c) Contratação de serviços por entidades públicas a entidades privadas (subcontratação de serviços


públicos a privados);

d) Abertura à iniciativa privada de sectores anteriormente explorados pelo sector público em


regime de monopólio (ex: as telecomunicações, a televisão ou a distribuição de energia) – trata-se
da remoção de restrições à iniciativa. Apesar de não se verificar verdadeiramente privatização na
medida em que não há alienação da titularidade das
empresas públicas, há uma privatização no sentido da abertura aos privados de um sector de
actividade antes restrito ao sector público.

e) Desregulação sempre que o Estado alivia a carga normativa reguladora de um sector de


actividade na produção ou distribuição de um bem ou serviço (ex.: o regime e preços) permitindo o
livre funcionamento das regras de mercado.

f) Processo de submissão dos serviços ou da empresas públicas a regras de gestão de natureza


privada – entende-se como privatização formal.
Entende-se, assim, que nem todas as formas de privatização implicam que o Estado abandone o
financiamento e mesmo o planeamento dos respectivos serviços e que, nalguns casos, não se trata
de transferência de propriedade ou de gestão públicas mas a de ampliação do papel da actividade
privada ao lado da actividade pública, em concorrência ou conjugação.

25.2. Fundamentos da privatização


O grande movimento de privatizações começa nos anos 70 e 80 do séc. XX, respondendo a uma
lógica crescente de redução do papel do Estado na economia e na vida social. Este movimento é
impulsionado pelo reaparecimento das doutrinas neoliberais e neo-individualistas.
Foram apontadas várias razões para a necessidade das privatizações:

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

a) A ineficiência das empresas públicas, provocada em parte pelo facto de a gestão pública
sacrificar objectivos económico-financeiros e comerciais aos objectivos políticos e sociais – ex:
contracção de empréstimos, redução de tarifas e preços e manutenção de emprego;

b) A necessidade de diminuir o desequilíbrio dos orçamentos públicos, aliviando-os dos défices de


algumas empresas públicas e acrescendo-os das receitas provenientes da venda do respectivo
capital e património;

c) A redução do peso político dos sindicatos (Grã-Bretanha) ou das clientelas político-partidárias


(Itália);

d) A intenção de promover o capitalismo popular, ou seja, a distribuição popular de capital através


da participação neste dos trabalhadores das empresas a privatizar.

Como se vê, argumentavam-se razões de ordem financeira, económica, política e ideológica para
justificar o movimento das privatizações.

25.3. Classificação
A privatização pode classificar-se em:
Formal ou Legal;

Material;

Económica e Financeira.

a) Privatização Formal ou Legal: traduz-se, apenas, no recurso pelo Estado de regimes jurídicos de
direito privado, não obstante manter a respectiva titularidade e direcção da gestão.

b) Privatização Material: traduz-se na transferência da propriedade ou da gestão dos meios de


produção do sector público para o sector privado.

c) Privatização Económica e Financeira: traduz-se na abertura das empresas ao capital privado,


mas sem o estado abdicar do controlo jurídico que lhe advém de uma participação maioritária.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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25.4. As Privatizações em Moçambique


Ainda em 1989, antes portanto da Constituição de 1990 que haveria de consagrar a abertura à
economia de mercado, o Decreto nº 21/89 já pretendia regular o novo fenómeno da alienação de
parte do sector público a favor de privados.
I. Regime Jurídico

Mas, será a Lei nº 15/91, de 3 de Agosto que irá definir, de forma clara, identificando as
modalidades de alienação a título oneroso de empresas, estabelecimentos, instalações, quotas e
outras formas de participação financeira do Estado. De facto, e mais profundamente, esta lei veio
regular o processo de reestruturação empresarial do Estado (artigo 3).
Definiram-se os sectores de carácter estratégico que obrigavam à permanência nas empresas
públicas (artigo 4) independentemente de posterior alargamento a ser determinado por Decreto do
Conselho de Ministros.
II. Objectivos

Os objectivos para as privatizações são de natureza diversa, económicos, financeiros, sociais e


políticos.
a) Económicos – modernização e aumento da competitividade económica, reforço da capacidade
empresarial nacional e desenvolvimento do mercado de capitais;

b) Financeiros – diminuição dos encargos com o sector público, utilização das receitas das
privatizações para amortização da dívida pública, da dívida do sector empresarial do Estado;

c) Sociais – intenção de promover uma ampla participação dos trabalhadores das próprias
empresas e dos pequenos subscritores na titularidade do capital das empresas;

d) Políticos – redução do Estado na economia.

Os objectivos desta reestruturação empresarial do Estado estão contemplados no artigo 6.


III. Processo requerido para a alienação

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

A Lei nº 15/91, de 3 de Agosto consagra, as seguintes modalidades:


a) CONCURSO PÚBLICO - este método é aplicado quando se preveja a afluência de um considerável
número de candidatos. Em caso de igualdade de pontuação dá-se preferência aos proponentes de
nacionalidade moçambicana e aos combatentes da Luta de Libertação Nacional.

b) OFERTA OU VENDA PÚBLICA DE ACÇÕES - também consagrada no artigo 3º do Decreto nº 28/91


de 21 de Novembro, com ela se faculta ao público a possibilidade de aquisição de acções de
determinada sociedade anónima de responsabilidade limitada. A venda pode ser feita com base na
melhor oferta ou preço a fixar, fixando-se igualmente o limite de acções que um único accionista
pode adquirir.

c) NEGOCIAÇÃO PARTICULAR OU CONCURSO RESTRITO - aqui procede-se a negociação autónoma


após prospecção de potenciais interessados. As propostas recebidas são avaliadas com base em
duas ordens de critérios: técnicos - compreendendo a análise dos planos de desenvolvimento e
viabilização da empresa; a capacidade técnica de gestão demonstrada pela vocação e experiência
do concorrente e as garantias quanto à idoneidade comercial, financeira, industrial e fiscal,
financeiros - é levada em linha de conta o preço e as condições de pagamento.

d) REALIZAÇÃO DE INVESTIMENTOS PRIVADOS INCLUINDO PELA VIA DE EMISSÃO DE NOVAS


ACÇÕES - recorre-se a esta modalidade sempre que haja necessidade de aumentar o capital para
permitir a realização de novos investimentos, tendo em vista a reabilitação ou expansão da
capacidade produtiva ou de prestação de serviços, com o objectivo de melhorar a gestão,
modernização tecnológica, diversificação de produções ou actividades e acesso a mercados.

e) ALIENAÇÃO OU VENDA A GESTORES, TÉCNICOS E TRABALHADORES - a lei prescreve


determinadas condições nomeadamente:

i. Prestem serviço a tempo inteiro há pelo menos 5 anos e sejam por ela remunerados. Poderão
também adquirir os reformados e aposentados da empresa ou do estabelecimento objecto de
alienação.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

Para as aquisições individuais estabelece-se um limite máximo de 25% da parcela de capital social
reservada a esta categoria de subscritores, ou de 10% do capital da sociedade.
ii. As acções adquiridas por esta via são intransmissíveis durante um período de 5 anos, dentro do
qual estas serão nominativas, exceptuando, obviamente, as situações jurídicas sucessórias que
envolvam transmissibilidade. Em relação aos gestores, técnicos e trabalhadores da empresa o prazo
de intransmissibilidade é de 3 anos.

IV. O investimento estrangeiro nos processos de alienação


A alienação é aberta ao investimento estrangeiro podendo mesmo ser o capital maioritário (artigo
18 nº 1), sem prejuízo do acesso ao capital pelos gestores, técnicos e trabalhadores da empresa. O
capital decorrente do investimento estrangeiro não poderá, no entanto, corresponder a 100 por
cento (artigo 18 nº 3).

V. O Fundo de Privatizações

O produto gerado pela alienação constituirá receita de um fundo próprio a ser criado pelo Conselho
de Ministros (artigo 25) e essas receitas terão como destino prioritário:
a) Estimular o investimento em actividades produtivas e de prestação de serviços;

b) Criação de emprego e introdução de novas tecnologias;

c) Promoção e dinamização de actividade do empresariado nacional de pequena e média dimensão;

d) Reinvestimento no sector empresarial do Estado.

VI. Outras leis sobre a matéria de Privatizações:

No seguimento desta Lei nº 15/91, são de particular importância:


a) O Decreto nº 28/91, de 21 de Novembro – regulamenta mais detalhadamente o quadro legal, os
critérios e modalidades de privatização das empresas, estabelecimentos, instalações e
participações financeiras do Estado;

b) A Lei nº 17/92, de 14 de Outubro – clarifica a aquisição de capital por parte de Gestores,


técnicos e trabalhadores;

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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c) O Decreto nº 19/93, de 14 de Setembro – visa criar condições para regular a situação jurídica de
empresas, prática necessária ao processo de reestruturação do sector empresarial do Estado;

d) O Decreto nº 20/93, de 14 de Setembro – estabelece um regime especial quanto a modalidades


e prazos de realização de participações do capital por parte Gestores, técnicos e trabalhadores
nacionais;

e) Resolução nº15/2001, de 10 de Abril – define as linhas gerais da Política de Reestruturação do


Sector Empresarial com Participações do Estado.

VII. A concessão de bens e serviços públicos

Consiste na atribuição, por contrato, pela Administração Pública a uma entidade externa
(concessionária), da gestão e/ou da exploração de uma catividade ou serviço público.

O facto de os contratos de concessão preverem com frequência um longo período de validade,


torna os concessionários numa espécie de colaboradores permanentes da Administração, tendo
levado, inclusive a sua qualificação como “órgãos indirectos” da Administração.
A entidade concessionária poder uma empresa de capital privado, misto ou público.
A concessão faz-se através de um contrato de natureza administrativa celebrado entre o Estado e a
entidade concessionária. No âmbito deste contrato, o concessionário compromete-se a prosperar
e/ou explorar bens do domínio público, a projectar, construir e manter uma obra e/ou fazer
funcionar um serviço.
Nos actuais esquemas de concessão de obras públicas o concessionário é encarregado de tudo:
projectar, financiar, construir as infra-estruturas e explorar o serviço, cobrando as tarifas ou taxas
aos utentes e transferindo, no final o serviço para o Estado.
O concessionário assume o exercício de actividade por sua conta e risco. Determina (sujeita a um
limite máximo contratual) e cobra, como já vimos, valores de taxas ou preços, na quilo que constitui
em princípio um direito seu, mas à autoridade pública reserva-se um poder de controlo.
No caso da construção de uma obra, o contrato pode prever a atribuição de poderes necessários à
sua execução, nomeadamente o de proceder a expropriações de utilidade pública.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

As recentes alterações ao sector empresarial do Estado transformando muitas empresas públicas


em sociedades comerciais e em empresas privadas deram uma maior relevância a esta figura da
concessão de bens e serviços públicos.

Tema 6: O REGIME JURÍDICO DAS EMPRESAS ESTATAIS E DAS EMPRESAS PÚBLICAS


MOÇAMBICANAS

26. O SECTOR EMPRESARIAL DO ESTADO – TIPOLOGIA DAS EMPRESAS60

26.1. Noção de empresa


Empresa - traduz uma organização de factores produtivos destinada à produção de bens e
serviços.
O conceito de empresa pode ser construído sob 3 pontos de vista, nomeadamente: o
económico, o jurídico e o sociológico.
 Na vertente económica, a ideia de empresa está associada a uma unidade de produção,
uma unidade de exploração económica, ou seja, a qualquer associação de factores
humanos, materiais e financeiros para a produção de bens e/ou serviços.
 Na vertente jurídica, entende-se por empresa qualquer pessoa jurídica ou organização
dotada de vida própria, que explora determinado ramo de actividade, com fim lucrativo.
 Na vertente sociológica, entende-se por empresa qualquer comunidade humana e de
trabalho que influi sobre o meio social e é influenciado também por esse meio.

26.2. Tipologia das empresas


I. Sob o ponto de vista jurídico existe a seguinte tipologia de empresas:

60
Esta matéria é abordada nas páginas 246 a 268 da obra de WATY.

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Curso de Licenciatura em Direito

Segundo o critério da propriedade dos meios de produção utilizados (artigo 99 da CRM):


 Empresas Estatais e Empresas Públicas;
 Empresas Privadas;
 Empresas Mistas;
 Empresas Cooperativas.

II. Sob o ponto de vista económico, existe a seguinte tipologia de empresas:


a) Segundo o critério dos sectores de actividade:
 Empresas do Sector Primário ou Produtivo (ex: empresas agrícolas, silvícolas,
pesqueiras, extractivas - mineiras);
 Empresas do Sector Secundário ou Transformador (ex: empresas de electricidade,
gás e água, construção e obras públicas, etc);
 Empresas do Sector Terciário ou de Serviços (ex: empresas de comércio,
transportes, comunicações, bancárias, seguros, imobiliárias, de outros serviços).

b) Segundo o critério da natureza da actividade desenvolvida:


 Empresas de Produção;
 Empresas de Comércio;
 Empresas de Prestação de Serviços.

c) Segundo o critério da dimensão das empresas:


 Micro Empresas;
 Pequenas Empresas;
 Médias Empresas;
 Grandes Empresas.

d) Segundo o critério do número de empresários envolvidos:


 Empresas Singulares;
 Empresas Colectivas.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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Em Moçambique, a classificação de empresas varia em razão da situação concreta e dos


objectivos em vista.

27. O Sector Empresarial do Estado – Empresas Públicas, Privadas e


Mistas ou de Capitais Públicos61

O Sector Público Empresarial é constituído pelas Empresas Estatais, Empresas Públicas e outras
empresas cuja orientação, controlo ou tutela dependa da Administração Central do Estado, de
modo directo ou indirecto.
a) Empresa Estatal (E.E) – é aquela cuja titularidade e gestão são exclusivamente do Estado,
estando a Empresa Estatal integrada dentro do Estado.
b) Empresa Pública (E.P) – é aquela criada pelo Estado, com capitais próprios ou de outras
entidades públicas e que sujeitam-se à direcção e orientação do Estado. São públicas por
a titularidade dos respectivos factores ser de entidades públicas, as quais controlam e
asseguram as respectivas decisões, ou por assumirem formas de organização e actuação
próprias do Direito Público.
c) Empresas Mistas – são sociedades de direito privado, organizadas segundo a forma
comercial comum, cujo capital pertence em parte a agentes económicos privados, em
parte ao Estado ou outras entidades públicas, que por esse motivo se encontram
associadas à sua gestão.

As empresas mistas são todas que por lei têm a participação de entidades públicas e
privadas, quer essa participação seja obrigatória quer seja facultativa.

Nas formas de participação podemos distinguir duas modalidades:


i) Participação simples – que não atribui à entidade pública a possibilidade de
controlar a decisão na empresa, mas apenas a de participar com as restantes
entidades na formulação das decisões dos seus órgãos sociais.
ii) Participação de controlo – atribui à entidade pública o poder ou a faculdade de ser
predominante na formulação do conteúdo das decisões dos órgãos sociais.
61
Cfr. WATY, Op. Cit., p. 248ss. O Autor também faz referência às disposições legais, dentro do ordenamento jurídico
moçambicano, que regulam cada tipo empresarial.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

d) Empresas de Capitais Públicos - são empresas constituídas em conformidade com a lei


comercial associando o Estado e outras entidades públicas para um determinado fim
(recuperação de empresas, gestão do património do Estado, etc.).

A Lei nº 7/2012, de 8 de Fevereiro (Lei de Base da Organização e Funcionamento da


Administração Pública), define, no seu artigo 104, os objectivos do Sector Empresarial do Estado,
que são:
a) Garantir o exercício de actividades nas áreas consideradas estratégicas, nomeadamente
económicas, nos ramos de indústria, mineração, energia, hidrocarbonetos, turismo,
transporte e comércio, ou
b) Garantir a obtenção de níveis adequados de satisfação das necessidades da
colectividade, bem como a promoção do desenvolvimento segundo parâmetros
exigentes de qualidade, economia, eficiência e eficácia, contribuindo igualmente para o
equilíbrio económico e financeiro do conjunto do sector público.

27.1. A disciplina jurídica das empresas


 As Empresas Singulares e as Sociedades Comerciais, regem-se pelas normas do Código
Comercial, para além dos respectivos Estatutos e Regulamentos e, bem assim, pela
legislação da área de actividade.
 As Empresas Estatais regem-se pela Lei das Empresas Estatais, Lei nº 2/81, de 30 de
Setembro, para além dos seus Estatutos e Regulamentos e, bem assim, pela legislação da
área de actividade62.
 As Empresas Públicas regem-se pela Lei das Empresas Públicas, Lei nº 6/2012, de 8 de
Fevereiro, para além dos seus Estatutos e Regulamentos e, bem assim, pela legislação da
área de actividade.
 As Empresas Cooperativas regem-se pela Lei das Cooperativas, Lei nº 23/2009, de 8 de
Setembro, para além dos seus Estatutos e Regulamentos e, bem assim, pela legislação da
área de actividade.

62
Cfr. WATY, Op. Cit., p. 248.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

27.2. AS EMPRESAS ESTATAIS (E.E)63


27.2.1. Noção de Empresa Estatal
Segundo a Lei nº 2/81, de 30 de Setembro (Lei das Empresas Estatais), no seu artigo 1
(Definição), “são empresas estatais as unidades sócio-económicas, propriedade do Estado que as
cria, dirige e afecta os recursos materiais, financeiros e humanos adequados à ampliação do seu
processo de reprodução no cumprimento do plano, no sentido de consolidar e aumentar um sector
estatal que domine e determine a economia nacional”.
As Empresas Estatais realizam a sua actividade no quadro do cumprimento do plano.
As Empresas Estatais, de acordo com este diploma, estavam particularmente associadas ao
processo revolucionário em curso, obrigando-se não só ao desempenho de funções na área da
produção, mas a um conjunto de tarefas de defesa do modelo de economia Socialista (artigo 3 da
Lei nº 2/81), bem como de formação política, técnica, científica e cultural dos seus trabalhadores
(artigo 2 da Lei nº 2/81).

27.2.2. Regime jurídico das Empresas Estatais64

1º ― Criação e extinção
As Empresas Estatais são criadas pelo Estado por Decreto do Conselho de Ministros, no caso das
Empresas Estatais de âmbito nacional.
No caso das Empresas Estatais de âmbito local são criadas por Diploma Ministerial, conjunto dos
Ministros do Plano e Finanças e do Ministro que superintende o ramo ou sector de actividade onde
irá operar (artigo 6 da Lei nº 2/81).

O Decreto ou Diploma Ministerial que cria cada Empresa Estatal deve definir o órgão do
aparelho de Estado a que a mesma se subordina (artigo 6 e artigo 8 da Lei nº 2/81).
A extinção da Empresa Estatal compete ao Conselho de Ministros - órgão criador, por via de
Decreto.
A constituição das Empresas Estatais e as respectivas alterações está sujeita a registo junto da
Conservatória de Registo Comercial (artigo 11 da Lei nº 2/81).

63
Cfr. Ibidem, p. 248ss.
64
Cfr. Ibidem, p.249ss.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

2º ― Personalidade, capacidade jurídica e autonomia

As Empresas Estatais gozam de personalidade e capacidade jurídica (artigo 5 da Lei nº 2/81).


A Empresa Estatal tem uma personalidade jurídica diferente da do Estado. Entretanto, está
subordinada a órgãos centrais do aparelho de Estado (subordinação hierárquica), e integra-se
profundamente no aparelho de Estado, tornando-se num prolongamento dos ramos de actividade
do Estado, porquanto são vinculadas ao cumprimento do plano definido centralmente.
As Empresas Estatais não detêm autonomia administrativa, financeira e patrimonial.

3º ― O regime financeiro
No campo financeiro, é-lhes concedida, pelo artigo 25 nº 1, a possibilidade de contrair
empréstimos a curto prazo.
Às Empresas Estatais está reservado o papel ou responsabilidade de fornecimento de receitas ao
Estado, através das transferências de lucros e impostos, os quais seriam transferidos em cada ano
para o Orçamento do Estado (artigo 26 da Lei nº 2/81).
As subvenções recebidas do Orçamento do Estado poderiam ocorrer quando tal se justificasse,
necessitando de aprovação do Ministério das Finanças, nos termos da Lei Orçamental aprovada
(artigo 26, nº 3 da Lei nº 2/81).
A alienação de património só podia ocorrer com autorização do órgão central do aparelho do
Estado que superintende o ramo ou sector de actividade (artigo 27, nº 2 da Lei nº 2/81).
A gestão económica e financeira das Empresas Estatais realiza-se de acordo com o plano (artigo
13 e artigo 21, nº 2 da Lei nº 2/81).

4º ― Órgãos das Empresas Estatais


Nos termos dos artigos 15 a 19 da Lei nº 2/81, são órgãos da Empresas Estatais os seguintes: o
Director-Geral, um ou mais directores e os Colectivos de Trabalho.

a) Director-Geral: é nomeado, exonerado e demitido por despacho do dirigente do órgão


central do aparelho do Estado que superintende o ramo ou sector de actividade (artigo 17,
nº 1 da Lei nº 2/81).
b) Os directores: que são executivos imediatos do Director-Geral, são nomeados exonerados e
demitidos por despacho do dirigente do órgão central do aparelho do Estado que

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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superintende o ramo ou sector de actividade, sob proposta do Director-Geral da Empresa


Estatal (artigo 17, nº 2 da Lei nº 2/81).
c) Os Colectivos de Trabalho: são um meio de assegurar a participação colectiva dos
trabalhadores na direcção da empresa e na organização do processo produtivo, e devem
existir na empresa tantos colectivos quanto os níveis de dirigente (artigo 18, da Lei nº 2/81).

5º ― Regime laboral aplicável aos Trabalhadores das Empresas Estatais


Nos termos do nº 1 do artigo 32 da Lei nº 2/81, aos trabalhadores das Empresas Estatais aplica-
se a Lei do Trabalho, nomeadamente quanto a contratação, horário de trabalho e pagamento de
impostos.

27.2.3. Transição da Empresa Estatal para Empresa Pública


Como se vê no preâmbulo da Lei nº 17/91, de 3 de Agosto (primeira Lei das Empresas Públicas,
que foi revogada pela Lei nº 6/2012, de 8 de Fevereiro), por força da aplicação do Programa de
Reabilitação Económica (PRE), era preciso alterar o regime jurídico das Empresas Estatais por estar
ultrapassado.
Defendia-se a introdução de novos mecanismos jurídicos no sentido de garantir uma maior
eficiência e rentabilidade do sector empresarial do Estado, para além de uma profunda alteração na
gestão das empresas dotadas de capital do Estado.

27.3. AS EMPRESAS PÚBLICAS (E.P)

27.3.1. Noção de Empresa Pública


Segundo a Lei nº 6/2012, de 8 de Fevereiro (actual Lei das Empresas Públicas), no seu artigo 1
(Natureza e Objectivos), “Empresa Pública é entidade de natureza empresarial criada pelo Estado,
com capitais próprios ou de outras entidades públicas, e realiza a sua actividade no quadro dos
objectivos traçados no diploma de criação”.

A Empresa Pública é criada por um acto de autoridade do Estado e caracteriza-se


estruturalmente por:
a) Exercício directo de uma actividade económica e social;
b) Existência de capital estatutário, garantia dos credores e suporte do seu equilíbrio financeiro;

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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c) Aplicabilidade de regras de economicidade e gestão empresarial, quer as empresas actuem


em monopólio quer em concorrência;
d) Aplicabilidade genérica das normas comuns em matéria fiscal, processual e de Trabalho;
e) O Direito Privado é o direito genericamente aplicável aos actos próprios da actividade da
empresa;
f) Reconhecimento de uma ampla “autonomia administrativa, patrimonial e financeira”.

27.3.2. Regime jurídico das Empresas Públicas


A Lei nº 7/2012, de 8 de Fevereiro (Lei de Base da Organização e Funcionamento da
Administração Pública), no seu artigo 105 (Regime jurídico), estabelece o seguinte:
“1. As empresas que integram o sector empresarial do Estado regem-se pelo direito privado,
salvo no que estiver especialmente regulado na Lei das Empresas Públicas, bem como nos
diplomas legais que aprovarem os respectivos estatutos.
2. O sector empresarial do estado está sujeito às regras gerais da tributação e às regras da
concorrência no mercado.
3. As empresas participadas pelo Estado estão sujeitas ao regime jurídico comercial, laboral
e fiscal, ou de outra natureza , aplicável às empresas privadas”.
Esta disposição descreve o essencial do regime jurídico das Empresas Públicas, sendo de
destacar ainda o seguinte:

1º ― Criação e extinção
A Empresa Pública é criada por Decreto do Conselho de Ministros, tomando em conta a
viabilidade económica, financeira e social comprovada pelo estudo previamente elaborado (artigo
3, nº 1 da Lei nº 7/2012).
Compete igualmente ao Conselho de Ministros aprovar as alterações aos Estatutos que se
mostrarem necessárias.
A constituição de Empresa Pública e as alterações aos seus estatutos devem ser registadas na
Conservatória de Registo das Entidades Legais, no prazo de 30 dias a contar da respectiva
publicação no Boletim da República (artigo 7 da Lei nº 7/2012).

A criação de uma Empresa Pública por Decreto é um acto administrativo e por conseguinte
impugnável no Tribunal Administrativo.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

Um aspecto importante é que as Autarquias Locais também têm competência para a criação de
Empresas Públicas, devido a autonomia patrimobnial que lhes é reconhecida através da Lei nº 2/97,
de 18 de Fevereiro.
O capital social da Empresa Pública, bem como as condições da sua realização, são fixados no
respectivo Decreto de criação. O capital social pode subdividir-se em unidades de participação,
representadas em títulos na forma especificada nos Estatutos da empresa (artigo 20 da Lei nº
7/2012).

A extinção da Empresa Pública compete ao Conselho de Ministros - órgão criador, por via de
Decreto.
Segundo o nº 1 do artigo 38 da Lei nº 7/2012 (Formas de extinção), a extinção de uma Empresa
Pública pode visar:
a) A reorganização das respectivas actividades, mediante a sua cisão ou fusão com outras, ou
b) Destinar-se a pôr termo a tais actividades, sendo então seguida da liquidação do respectivo
património.
Não são aplicáveis à extinção das Empresas Públicas as regras sobre dissolução e liquidação de
sociedades nem os institutos da falência e insolvência (nº 2 do artigo 38 da Lei nº 7/2012).

2º ― Personalidade e capacidade jurídica das Empresas Públicas65


A Empresa Pública é pessoa colectiva dotada de personalidade jurídica e de autonomia
administrativa, financeira e patrimonial (artigo 2, nº 1 da Lei nº 7/2012).
A Empresa Pública é autónoma face ao Estado, dispõe de personalidade jurídica própria,
diferente do Estado.
A personalidade própria é a condição indispensável para que a actividade empresarial se
constitua como a actividade principal da empresa e assim se constitua o seu regime jurídico.
A concessão de personalidade jurídica à Empresa Pública estabelece:
a) Todos os direitos e obrigações necessários à prossecução do seu objecto;
b) Representação através dos seus órgãos – Conselho de Administração (artigos 12, 13 e 14
da Lei nº 7/2012);
c) Autonomia patrimonial;

Determinações contidas na Lei n.º 7/2012, de 8 de Fevereiro (Lei de Base da Organização e


65

Funcionamento da Administração Pública).

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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d) Autonomia financeira.

A capacidade jurídica da Empresa Pública compreende todos os direitos e obrigações


necessários à prossecução do seu objecto, tal como fixado nos respectivos Estatutos (artigo 2, nº 2
da Lei nº 7/2012).
O objecto da Empresa Pública é sempre definido por lei e constitui um limite à sua competência,
sendo nulos todos os actos e contratos praticados e celebrados pela empresa, os quais contrariem
ou transcendam o seu objecto.
Para a prática de actos só indirectamente relacionados com o objecto da empresa, é necessária a
autorização do governo ou o parecer dos órgãos da empresa, consoante os casos, e de acordo com
os estatutos.

3º ― Autonomia das Empresa Públicas (Administrativa, Financeira e Patrimonial)


a) Autonomia Administrativa
A autonomia administrativa é a faculdade que a empresa tem de gerir os seus recursos (artigo nº
22, nº 2 da Lei nº 7/2012).
A autonomia administrativa significa, grosso modo, que as Empresas Públicas são livres e
independentes na tomada de decisões, não dependem de uma autorização e, devido a essa
autonomia administrativa, os actos administrativos definitivos e executórios praticados pelos seus
órgãos no âmbito das suas competências, não são passíveis de recurso hierárquico mas sim recurso
contencioso junto do Tribunal Administrativo (artigo 48, nº 2 da Lei nº 7/2012).

b) Autonomia Financeira
A autonomia financeira é a capacidade da empresa pública gerarar receitas no decurso da sua
actividade operacional que cubram a totalidade das respectivas despesas (artigo n.º 22, nº 3 da Lei
n.º 7/2012).
A autonomia financeira assenta na existência de um orçamento próprio, elaborado pela própria
empresa e aprovado pelo Governo. A Lei n.º 7/2012, no seu artigo 5, alínea d) conjugado com o
artigo 28 estabelece que as Empresas Públicas devem elaborar, em cada ano económico,
orçamentos de exploração e investimento, por grandes rubricas, a serem submetidos à aprovação
do Ministro das Finanças, sob proposta do Ministro da respectiva área de subordinação.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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O Orçamento das Empresas Públicas não faz parte integrante do Orçamento do Estado, nem
incide sobre ele qualquer acto de aprovação Parlamentar.
A fiscalização do orçamento compete ao Conselho Fiscal (artigo 16, n.º 1, alínea a) da Lei n.º
7/2012).

A autonomia financeira das empresas Públicas também se manifesta pelo facto das mesmas
recolherem as suas próprias receitas e realizar despesas inerentes à sua actividade, gerindo a sua
própria receita.

c) Autonomia Patrimonial
A autonomia patrimonial é a capacidade que a Empresa Pública tem de adquirir, registar, gerir e
dispor de bens patrimoniais necessários à prossecução do seu objecto (artigo nº 22, nº 4 da Lei nº
7/2012).
Os bens que integram o património da Empresa Pública podem ser penhorados e executados
judicialmente, bem como podem ser constituídas, sobre eles, garantias reais de modo a privilegiar
determinados credores numa execução.
No entanto, o regime de autonomia patrimonial das Empresas Públicas não permite a sua
falência ou insolvência, não sendo possível liquidação concursal plena do seu património por
iniciativa dos credores.
A liquidação das Empresas Públicas ocorre por iniciativa do Governo.
De acordo com o artigo 19 da Lei nº 7/2012, o património das Empresas Públicas é constituído
pelos bens e direitos recebidos ou adquiridos para exercício da sua actividade. As Empresas
Públicas administram, ainda, os bens do domínio público do Estado afectos às actividades a seu
cargo, devendo manter o respectivo cadastro actualizado.
Pelas dívidas das Empresas Públicas respondem apenas os bens que integram o respectivo
património, desde que não sejam bens de domínio público.

3º ― O regime de tutela e intervenção do Conselho de Ministros


A relação que se estabelece entre as Empresas Públicas e órgãos do Estado é de tipo tutelar,
concretizando-se em intervenção e fiscalização tipificadas na lei.

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Nos termos do nº 1 do artigo 4 da Lei nº 7/2012 (Tutela), o Decreto de criação da Empresa


Pública indica o Ministro ou dirigente responsável pela tutela sectorial consoante a actividade que
integre o seu objecto, sem prejuízo do princípio da autonomia da respectiva gestão.
A tutela financeira da Empresa Pública é exercida pelo Ministro que superintende a área das
Finanças.
A tutela efectiva-se pela nomeação ou exoneração do corpo directivo - Administradores e
Presidente do Conselho de Administração das Empresas Públicas (nºs 3 e 4, do artigo 12, da Lei nº
7/2012), pela presença no Conselho de Administração do representante do Ministro das Finanças
(nº 1 do artigo 12, da Lei nº 7/2012), pela aprovação de actos da Empresa Pública e seus órgãos
(artigo 5 da Lei nº 7/2012), nomeadamente: políticas gerais de desenvolvimento da empresa,
planos anuais de actividades e os respectivos orçamentos, relatórios de gestão e as contas do
exercício, bem como apreciar o parecer do Conselho Fiscal, planos plurianuais de actividades
económica e financeira, ploíticas de salários, remunerações e outras regalias.
A tutela e a intervenção governamentais na vida da Empresa Pública têm em vista evitar a
ocorrência de resultados negativos decorrentes da eventual má condução da empresa, daí que isso
impõe sempre a intervenção do Estado com vista a reparar os danos, o que tambem impõe maiores
sacrifícios a este66.

4º ― Órgãos das Empresas Públicas


Nos termos do artigo 11 da Lei nº 7/2012, os órgãos obrigatórios das Empresas Públicas são o
Conselho de Administração e o Conselho Fiscal.
a) Conselho de Administração: é o órgão de gestão da empresa, constituído por um número
ímpar de membros, 5 a 7 elementos, incluindo um indicado pelo Ministério das Finanças e
outro pelos trabalhadores. O Presidente do Conselho de Administração (PCA) é nomeado
pelo Conselho de Ministros, mediante proposta do Ministro de tutela sectorial, ouvido o
Ministro das Finanças, enquanto que os Administradores são nomeados por despacho do
Ministro de tutela sectorial (artigo 12 da Lei nº 7/2012).
As competências do Conselho de Administração estão estabelecidas no artigo 13 da mesma
Lei.

66
Os sacrifícios aqui referidos reportam-se ao dever que o Estado tem de assumir os prejuízos que resultem da má gestão
das Empresas Públicas.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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b) Conselho Fiscal: é o órgão de fiscalização da Empresa Pública composto por 3 membros,


sendo um presidente e dois vogais. Os membros do Conselho Fiscal são nomeados pelo
Ministro das Finanças, ouvido o Ministro de tutela sectorial (artigo 15 da Lei nº 7/2012).
Destacam-se das suas competências:
 Examinar periodicamente a contabilidade da empresa e a execução dos orçamentos;
 Analisar os relatórios e contas da empresa e emitir parecer sobre os mesmos;
 Pronunciar-se sobre o desempenho financeiro da empresa, a economicidade e a
eficência da gestão e a realização dos resultados e benefícios programados;
 Verificar se os actos dos diferentes órgãos da empresa pública são conformes à Lei,
Estatutos e demais normas aplicáveis, etc.

5º ― Princípios de gestão económica das Empresas Públicas67


Os princípios de gestão das Empresas Públicas são: economicidade, eficiência e planeamento.
Nos termos do nº 1, do artigo 25 da Lei nº 7/2012 (Princípios de gestão), “a gestão das Empresas
Públicas deve ser conduzida de acordo com a política económica e social do Estado e segundo
princípios de economicidade, racionalidade de recursos e de boa governação, por forma a garantir a
sua viabilidade técnica, económica e financeira”.

a) Princípio da economicidade
O princípio da economicidade exige o lucro empresarial, ou seja, o excedente. Os preços
praticados pela empresa devem, portanto, ser superiores aos preços de custo.
A Empresa Pública deve gerir a sua actividade de forma que as suas receitas sejam superiores
aos custos e, por conseguinte, os preços praticados pelas Empresas Públicas devem ser superiores
aos custos de produção.
Ficam, no entanto, salvaguardadas as situacões em que seja necessário o apoio financeiro do
Estado sempre que a empresa desempenhe uma função eminentemente social (ex: transportes
públicos) ou pretenda, através dela, aumentar o volume de exportações. Isto significa que, quando
o Estado impõe às Empresas Públicas missões que se afastam da sua gestão normal deve atraibuir-
lhes as necessárias compensações financeiras de modo a não comprometer o seu equilíbrio. Mas,

67
O conjunto de princípios que se segue está explicado por....

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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as subvenções para cobertura de défice de exploração devem ser, sempre, consideradas


excepcionais.
O lucro das Empresas Públicas tem um destino legal, o de contribuir para a auto-suficiência da
empresa. No entanto, no caso das Empresas Públicas não lucrativas isto não significa que a gestão
não respeite o princípio da economicidade. Isto porque a noção de economicidade é mais ampla do
que a de lucro. Por economicidade deve entender-se a manutenção do equilíbrio financeiro, ou
seja, a cobertura dos custos pelas receitas.
Temos, portanto, Empresas Públicas comerciais e industriais lucrativas e Empresas Públicas de
serviço público não lucrativas, embora funcionando em termos moderadamente empresariais.

b) Princípio da eficiência
Este princípio obriga a um aproveitamento racional dos meios humanos e materiais,
minimizando os custos de produção. Possibilita criar as condições de rentabilidade das empresas.

c) Princípio do planeamento
Este princípio via a perspectivação racional da gestão da empresa anual e a médio prazo.
Pretende-se que os seus órgãos se habituem a calcular racionalmente as suas decisões de acordo
com a conjuntura económica nacional e internacional. Requer-se uma capacidade de estabelecer
estratégias de gestão.

6º ― Regime laboral aplicável aos Trabalhadores das Empresas Públicas


Nos termos do artigo 52 da Lei nº 7/2012, aos trabalhadores das Empresas Públicas aplica-se a
Lei do Trabalho em vigor68, nomeadamente quanto à contratação, horário de trabalho e regime de
segurança social.

68
Referência à Lei n.º 23/2007, de 10 de Agosto.

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Tema 7: O ESTADO COMO REGULADOR DA ECONOMIA

28. O ESTADO COMO REGULADOR DA ECONOMIA69

28.1. Noção de regulação económica


A regulação da economia é um acto de poder do Estado que pode assumir diversas formas. De
certo modo, é comum o entendimento de regulação pública como intervenção indirecta do Estado
na vida económica, para a realização do interesse público.
O termo regulação económica é bastante amplo, engloba toda a organização, disciplina ou
fiscalização da actividade económica pelo Estado, seja através de medidas legislativas,
administrativas, ou da concessão de serviços públicos aos privados, segundo os fins de certo
modelo económico adoptado no país.
A regulação pública da economia consiste no conjunto de medidas legislativas, administrativas
e convencionadas através das quais o Estado, por si ou por delegação, determina, controla ou
influencia o comportamento dos agentes económicos, tendo em vista evitar efeitos desses
comportamentos que sejam lesivos para os interesses socialmente legítimos, e orientá-los em
direcções socialmente desejáveis70.
O conceito de regulação exclui, como é óbvio, a actividade directa do Estado como produtor de
bens e serviços.
Enquanto regulador, interessa ao Estado alterar o comportamento dos agentes económicos em
relação ao que seria se esses comportamentos obedecessem apenas às leis do mercado ou a
formas de auto-regulação. Por isso, há que distinguir dois aspectos fundamentais: a regulação
pública e a auto-regulação.
Distinção entre regulação pública e regulação privada (auto-regulação):
A regulação pública é, desde logo, diferente da regulação do mercado por regras de entidades
privadas dotadas de poder económico suficiente para a tornarem efectiva – a auto-regulação (ex.:
regulamentos internos ou Códigos de Conduta de associações privadas).

69
O tema aqui apresentado é extraído em DOS SANTOS, António Cardos et all., Op.Cit., pp.225-248.
70
DOS SANTOS, António Carlos et all., Op.Cit., p.225.

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No entanto, cabem no âmbito da regulação pública as medidas convencionadas ou


contratualizadas entre entidades públicas e privadas, por iniciativa e num quadro legal das
primeiras (ex: contratos-programa, preços convencionados e acordos de concertação).
Cabe, igualmente, no âmbito da regulação pública a regulação produzida por entidades privadas
por delegação e com base no enquadramento produzido por entidades públicas, como acontece
com as normas técnicas.
Apesar de a regulação pública se dirigir, maioritariamente ao sector privado, isso não significa
que o Estado não seja, igualmente, abrangido. A matéria de concorrência é um exemplo, já que as
suas regras se aplicam a todos os agentes económicos, independentemente da sua natureza
pública, privada ou outra.
Resumindo:
 Regulação económica pode ser definida como a tentativa do Estado para corrigir as
falhas do mercado, através da imposição de determinados comportamentos aos agentes
económicos privados.
 A regulação económica implica, assim, antes do mais, a definição de objectivos por via
legislativa, a escolha dos instrumentos para assegurar a prossecução de tais objectivos e
a opção quanto aos meios para dotar esses instrumentos da necessária coercibilidade.

28.2. Necessidade de regulação económica


O Estado tem muitas razões para regular a actividade económica. A razão mais frequente para o
aparecimento da regulação é a garantia do interesse público; noutros casos, a regulação pode visar
a protecção do lucro dos produtores ou fornecedores, ou até a resposta a grupos de interesses.
O Estado está encarregue de uma quantidade de funções que só ele pode exercer para a
satisfação das necessidades colectivas, desde a legislação, justiça, defesa e segurança, defesa do
meio ambiente, administração do património, entre outras. A regulação económica é uma
alternativa ao desempenho pelo Estado do papel de agente económico.
A regulação económica concretiza-se através das formas seguintes:
a) Leis e Decretos-lei;
b) Contractos económicos;
c) Política Económica;
d) Concessão de subsídios fiscais ou financeiros.

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No caso moçambicano, a necessidade de regulação económica pelo Estado é imposta pela


Constituição da República, nas seguintes disposições:
a) Artigo 101 (Coordenação da actividade económica), que determina, no seu nº 1, que “ O
Estado promove, coordena e fiscaliza a actividade económica, agindo directa ou
indirectamente para a solução dos problemas fundamentais do povo e para a redução das
desigualdades sociais e regionais”.
b) Artigo 179, nº 1, que estabelece que “compete à Assembleia da República legislar sobre as
questões básicas da política interna e externa do país”, que inclui a actividade económica.
Mais adiante, o nº 2 do mesmo artigo atribui competência à Assembleia da República para
deliberar sobre as grandes opções do Plano Económico e Social e do Orçamento do Estado e
os respectivos relatórios de execução (alínea l), e aprovar o Orçamento do estado (alínea
m).
c) Por fim, no artigo 204, nº 1, estabelece-se que “compete ao Conselho de Ministros promover
e regulamentar a actividade económica e dos sectores sociais” (alínea f), preparar o Plano
Económico e Social e o Orçamento do Estado e executá-los após a aprovação pela
Assembleia da República (alínea e).

29. Principais áreas da regulação económica


As principais áreas de regulação económica variam em função do nível de desenvolvimento dos
países, de acordo com a internacionalização e globalização das economias.
Assim, enquanto algumas das áreas tradicionais de regulação, como a fixação de preços,
perderam importância, emergiram outras, como o controlo da qualidade dos produtos, do
ambiente ou do consumo.
É de salientar que o processo de regulação económica foi desenvolvido em paralelo com o
processo das privatizações. Por força das privatizações, o Estado reduziu o seu papel de produtor
de bens e serviços, afastando-se gradualmente da intervenção directa na economia. Para assegurar
a prossecução do bem-estar colectivo, socorre-se do instituto da regulação económica, para
condicionar ou influenciar o comportamento dos agentes económicos, ainda que se trate de uma
intervenção mínima, que respeite as regras do mercado.
As principais áreas de regulação económica são:
1) Planeamento económico e formas de orientação e auxílio aos agentes económicos;
2) Regras de acesso à actividade económica;

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3) Concorrência e preços;
4) Actividade monetária e financeira;
5) Ambiente;
6) Qualidade;
7) Protecção dos consumidores;
8) Informação e comunicação;
9) Mercados emergentes.

30. Âmbito da regulação


A regulação pode ter diferentes amplitudes, sendo de destacar o âmbito territorial ou geográfico
e o âmbito material:
1) De um ponto de vista territorial ou geográfico, o seu âmbito pode ser mundial, regional,
nacional ou local.
a) A regulação mundial– resulta de normas e regras emanadas de organismos
económicos mundiais, como por exemplo o Fundo Monetário Internacional, o Banco
Mundial, por via das grandes linhas orientadoras negociadas no âmbito da
Organização Mundial do Comércio (OMC), mas é preciso ter em conta que estas
regras somente vinculam o Estado moçambicano quando validamente aprovadas,
ratificadas e oficialmente publicadas, conforme previsto no artigo 18 da Constituição
da República de Moçambique (de 2004).
b) A regulação regional – resulta de acordos celebrados entre um amplo número de
Estados, pertencentes a determinada região geográfica. Por exemplo, os protocolos
comerciais celebrados entre os Estados membros da SADC ou da União Africana. A
alínea a) do nº 1, do artigo 2 do Tratado da SADC visa harmonizar políticas e planos
sócio-económicos dos Estados membros.
c) A regulação nacional – compreende as normas e regras produzidas pelo Estado, por
exemplo o Estado moçambicano, com vigência somente no território nacional. Cite-se
por exemplo, a Lei dos Investimentos e o respectivo regulamento, a Lei Bancária e o
respectivo regulamento.
d) A regulação local – compreende a regulação de vocação local, com vigência apenas
numa área territorial restrita ou limitada de um país, como por exemplo as normas
emanadas das autoridades federais, municipais ou poder local, conforme o caso.

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Uma das principais e mais importantes características da regulação pública é a interpenetração,


a hierarquização e a dependência entre os níveis de regulação.
A distribuição de competências pode suscitar problemas de ordem diversa, entre os quais se
coloca o da eficiência. Invoca-se neste caso o princípio da subsidiariedade, segundo o qual os
patamares superiores da regulação só devem ser accionados quando os patamares mais baixos não
tenham capacidade para atingir uma solução satisfatória.

2) De um ponto de vista material, o seu âmbito pode ser geral ou da totalidade da economia,
sectorial, de um tipo de empresas e de uma actividade específica.
a) A regulação geral ou da totalidade da economia – quando regula todos os sectores da
economia. Por exemplo, através do plano, das normas de concorrência, das normas de
defesa do consumidor ou do ambiente.
b) A regulação sectorial ou de um sector de actividade – quando regula um determinado
sector de actividade. Por exemplo, o sector dos transportes, as telecomunicações, os
têxteis, etc.
c) A regulação de um tipo de empresa – quando a regulação apenas abrange determinado
tipo de empresa, como por exemplo pequenas e médias empresas.
d) A regulação de uma actividade específica, como por exemplo a actividade industrial, de
exportação, agrícola.

31. Tipos de regulação


Em função dos seus objectivos, as medidas de regulação pública podem ser agrupadas em duas
categorias básicas:
1) Medidas de restrição da liberdade de iniciativa económica em qualquer das suas
componentes: acesso, organização ou exercício da actividade económica.
Este tipo de regulação é tradicionalmente designada por política económica e opera através
de medidas de carácter preventivo e repressivo.
Pode proibir-se ou condicionar-se (prevenção) o exercício de certas actividades (ex: através
da proibição de instalação de bombas de gasolina ou de venda de bebidas alcóolicas junto a
escolas) ou reprimir-se (repressão) práticas ilícitas tipificadas na lei. Esta regulação significa
sempre que os destinatários das normas assumem deveres. Como grandes exemplos deste

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tipo de regulação, temos o regime de acesso, licenciamento e exercício de uma actividade,


particularmente no que respeita à matéria de concorrência e preços.
2) Medidas de apoio aos agentes económicos, através de normas de indicações, incentivos,
apoios ou auxílios aos mesmos para que assumam determinados comportamentos
favoráveis ao desenvolvimento de políticas públicas, nomeadamente económicas e sociais.
Os planos de desenvolvimento e os diversos tipos de auxílio concedido às empresas
enquadram-se nesta categoria. Destas normas advêm faculdades.

32. PROCEDIMENTOS DE REGULAÇÃO (pp. 230-242 da obra referenciada na introdução do


capítulo)

32.1. Procedimentos unilaterais


Procedimentos unilaterais - trata-se de medidas imperativas, de natureza legislativa e/ou
administrativa, de âmbito geral ou individual, limitadoras da liberdade dos agentes económicos ou
dando-lhes algumas vantagens condicionadas a determinados comportamentos.
Exemplo: actos administrativos de carácter preventivo (licenças), actos repressivos (aplicação
de sanções de natureza civil, administrativa ou penal), actos de controlo (inspecções) e incentivos
condicionados a determinados comportamentos dos agentes económicos (ex: dar emprego a
deficientes ou dar primeiros empregos), quando a lei confere à Administração Pública o poder
discricionário para proceder a esse julgamento.
O Plano Económico e Social (PES), embora negociado na sua elaboração e execução, é
originariamente um procedimento unilateral de orientação e enquadramento.

32.2. Procedimentos negociados


Procedimentos negociados - trata-se da crescente privatização dos instrumentos de regulação
económica da Administração, complementando ou substituindo os actos administrativos unilaterais
por acordos de incitação ou de colaboração com os destinatários da regulação.

A) Os Contratos Económicos
Natureza jurídica: contém características especiais que podem levantar dúvidas sobre a sua
natureza de verdadeiros contratos, já que as empresas interessadas em subscrevê-los têm que
possuir determinados requisitos impostos, previamente, por lei. Fica assim limitado o princípio da

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autonomia da vontade. Também a decisão final de celebrar ou não o contrato depende das
autoridades administrativas competentes. Por estas razões, são por vezes designados actos-
condição.
A favor da natureza contratual está o facto de implicarem a aceitação (pelas empresas) de
certas condições, obtendo contrapartidas a que o Estado se obriga. Essas obrigações constam de
um acordo assinado livremente. As obrigações nele constante resultam do contrato e não da lei.
Para além disso, o Estado não pode altera-lo ou rescindi-lo, a não ser por incumprimento da outra
parte.
Trata-se de contratos que integram, assim, elementos de direito público e de direito privado,
comprovando-se aqui, claramente, a natureza mista do Direito Económico.

Tipos de Contrato:

a) Contratos-programa: visam, essencialmente, a execução do plano;


b) Contratos de desenvolvimento geral: é o caso, por exemplo, de contratos para o
desenvolvimento do sector da exportação;
c) Contratos fiscais: vantagens fiscais a troco de um projecto de investimento;
d) Os “quase contratos”: constituem promessas de comportamento por parte das empresas
para obterem contratos de auxílio financeiro como os de viabilização da empresa.

B) A Concertação Económica e Social


Designa um processo institucionalizado ou não, de definição de medidas de política económica
e social mediante a negociação entre o Estado e os representantes dos interesses afectados por
essas medidas. As organizações patronais e sindicais são os parceiros típicos dos acordos de
concertação, mas pode haver outros, como os dos consumidores com os fabricantes e/ou
distribuidores.
A Concertação Económica e Social corresponde a negociações ou debates conjuntos, entre o
Governo, as Confederações Sindicais e as Confederações patronais, sobre temas como salários,
política de emprego, dispositivos de protecção social, controlo de inflação, condições de melhoria
da competitividade das empresas e da economia.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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A concertação social, é um mecanismo auto-regulador, através do qual as organizações de


cúpula, representativas dos trabalhadores, participam, com intensidade variável, nos processos de
decisão que cabem na competência do Governo.
A sua autonomia e natureza jurídica não são muito claras. Estão próximos dos contratos
económicos, dos acordos políticos ou de processos de consulta.
Podem ter, por âmbito, políticas globais (controlo da inflação), sectoriais (reestruturação de um
sector em crise) ou aplicar-se mesmo a uma só empresa.
Temos como exemplo de concertação social, os Pactos Tripartidos – Governo, Patronato e
Sindicatos para a elaboração de Contratos Colectivos de Trabalho.
Em Moçambique a concertação económica e social concretiza-se através da Comissão
Consultiva do Trabalho, aprovada pelo Decreto nº 7/94, de 9 de Março, que visa promover a
institucionalização do diálogo e consultas entre o Governo, as organizações representativas dos
empregadores e de trabalhadores, permitindo que as transformações necessárias para a
reestruturação económica e desenvolvimento, ocorram no quadro de uma paz concertada, e ainda
no âmbito da CTA – Confederação das Associações Económicas de Moçambique, com fundamento
legal na Lei nr. 8/91, de 18 de Julho e Lei nº 27/91, de 31 de Dezembro.

33. O PLANO71

33.1. Noção
O Plano é um documento adoptado pelo poder público, que analisa a evolução nacional,
identifica os problemas e define a orientação que seja pertinente.
Ou seja, o Plano Económico pode ser definido como o acto jurídico que define e hierarquiza
objectivos de política económica a prosseguir em certo prazo e estabelece as medidas adequadas à
sua execução.
No conceito de plano económico fazem parte 3 elementos: as previsões, os objectivos e os
meios a utilizar, numa perspectiva sempre temporária.
O Plano visa alterar o comportamento dos agentes económicos através de um grande quadro
normativo definido pelo Estado. Trata-se de uma orientação global, sistemática e propositada dos
fenómenos económicos por parte do Estado.

71
Vejam-se as diferentes espécies de planos em WATY, Op.Cit., pp. 339-443.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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O planeamento surge como um auxiliar do mercado, sendo este formalizado através de actos
legislativos, ou seja, através da intervenção indirecta do Estado na vida económica
O «orçamento» é o plano mais antigo.

33.2. Características
 O plano é um diagnóstico e formulação de previsões quantitativas e qualitativas.
 O plano é fixação de objectivos e metas sectoriais e globais, mínimas e máximas.
 O plano é escolha e ordenação de meios financeiros para a prossecução de objectivos.
 O plano tem objectivos económicos mas também sociais.
A planificação pressupõe sempre uma programação. A primeira é de natureza macroeconómica
e de referência político-económica e a segunda limita-se aos aspectos técnicos e meios necessários
à realização dos objectivos planificados.
Nos países de economia de mercado, o plano é um instrumento político meramente indicativo,
pois, não determina a conduta dos agentes, já que seja qual for o grau de intervenção, a economia
assenta sempre na liberdade de decisão dos agentes económicos.
Nos países de economia centralizada (Socialistas), o plano é um instrumento fundamental da
actividade económica, pois, determina a conduta dos agentes económicos, em razão do seu
carácter vinculativo, quer ao sector público, quer privado.
Em termos de composição, o plano compreende dois documentos, designadamente:

a) A Lei do Plano – através da qual o legislador aprova as grandes opções nacionais.


b) O Plano propriamente dito - é o documento, a “peça técnica” decorrente da acção de
planificação, da autoria do Governo.
A elaboração do plano é da competência do Governo, que dispõe de um Departamento junto
do Ministério das Finanças que responde pela área. Os órgãos que participam na elaboração do
plano são órgãos do Estado, os Sindicatos e os serviços públicos.

33.3. Classificação dos planos


Quanto aos tipos de planificação podemos encontrar:
1) Planificação Económica e Social;
2) Planificação com opções políticas, técnicas e administrativas;

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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3) Planificação regular (ou normal);


4) Planificação eventual ou de emergência;
5) Planificação sectorial;
6) Planificação regional;
7) Planificação global, etc.

Quanto aos tipos de Planos podemos encontrar:


1) Segundo o critério do horizonte temporal ou duração - temos planos de longo, médio e
curto prazo.
2) Segundo o critério da vinculação - os planos podem ser imperativos, indicativos e
maleáveis ou mistos.
Os planos imperativos integram um conjunto de preceitos, normas ou ordens que, em
princípio, são obrigatórios para a generalidade dos sujeitos, que são típicos de
economias Socialistas.
Os planos indicativos, próprios de economias Capitalistas ou competitivas, têm uma
execução em que o princípio da liberdade dos sujeitos económicos é característico.
Contém objectivos, estratégias e medidas que podem ou não ser executados pelos
agentes a quem dizem respeito, podendo a sua execução fundamentar a atribuição de
benefícios ou vantagens especiais a quem a empreenda, embora não seja obrigatória.
Os planos mistos são parcialmente indicativos e parcialmente imperativos, ou em
relação a tipos de sujeitos discriminados ou em relação a áreas ou tipos de medidas
diferentres incluídos no seu âmbito.
3) Segundo o critério do seu âmbito - os planos podem ser regulares ou normais (quando
incidem sobre um processo continuado de planeamento), eventuais ou de emergência
(quando referentes a necessidades individualizadas ou excepcionais), sectoriais (aponta
para áreas fundamentais de realização do plano), regionais (por regiões).

33.4. Natureza jurídica dos planos

 Natureza jurídica do Plano:


O Plano apresenta uma natureza política, jurídica e económica.
 Tem natureza política porque é uma decisão política.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
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 Tem natureza jurídica porque apresenta-se sob a forma de Lei, já que está
juridicamente expresso.
 Tem natureza económica porque é um instrumento de desenvolvimento.
Compete ao Governo propor o Plano Quinquenal. É a partir daí que se constrói o Plano
Económico e Social (PES) anual.
É imperativo quanto à sua apresentação na Assembleia da República mas é maleável quanto ao
seu cumprimento.
O plano pode aparecer como uma Lei-Medida e o primeiro interessado em cumpri-lo é o
Governo. É também uma Lei-Orientação, com carácter dirigista e orientador.
Alguns defendem que se trata de um Acto-Incentivo – pode dar compensações a quem cumprir
os incentivos lá contemplados (volumes de investimento, quantidades produzidas, etc).
O plano, nas economias de mercado, apesar de ter disposições obrigatórias para certos agentes
públicos, é mais político e técnico de política governativa. Apesar de não conter sanções, no pode
deixar de ser qualificado como um instrumento jurídico. Está dotado de generalidade e de
normatividade própria dos actos jurídicos e a sua elaboração corresponde às exigências
democráticas pelos mais qualificados representantes dos administrados.
É correntemente referido como:
- acto jurídico,
- acto colectivo,
- comprometimento unilateral do Estado,
- ilustração de contradições internas da democracia.

 O plano terá relevância jurídica?


O Plano tem, desde logo, legitimidade Constitucional. Define direitos, obrigações e expectativas
e é um instrumento privilegiado para a realização imediata de certos direitos fundamentais com
repercussão sócio-económica.
A norma que contém o plano é de especial dignidade podendo ser materialmente
constitucional, colocando o plano a nível de princípio constitucional mesmo que não escrito.
Funda-se na responsabilidade e na necessidade de dominar o acaso assumindo-se como uma
obrigação de fazer.

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DIREITO ECONÓMICO - 2º Ano, 2016
Curso de Licenciatura em Direito

A planificação pode exigir uma relativa contracção de certos direitos fundamentais. É uma área
de intervenção dos poderes públicos onde se evidencia a vontade e a ideologia dos agentes
administrativos.
Recordemos os planos de Moçambique:
a) PAP – Plano de Acções Prioritárias;
b) PEN – Plano Económico Nacional;
c) PEC – Plano Estatal Central;
d) PES – Plano Económico e Social;
e) Agenda 20-25.

Exercícios Diversos
Tema 1: Introdução ao Direito Económico

1. A típica distinção oitocentista entre Direito Público e Direito Privado abre fissuras. Comente

2. Sobre a concepção ampla do Direito Económico, que admite a autonomia e que em termos
práticos também a nega, recaem críticas. Discuta esta afirmação.

3. O Direito e a Economia são dois subsistemas que se interinfluenciam.Comente.

4. Não obstante a ordenação jurídica da economia ser um fenómeno recente, o Direito


Económico é fruto de uma evolução ocorrida fundamentalmente no século passado.

5. O declínio das fontes clássicas de direito e a vinculação concertada tem implicações


especiais no estudo das “Fontes do Direito Económico”. Comente esclarecendo como é que
estas duas características se manifestam no estudo das fontes do Direito Económico.

6. “...a coexistência de normas públicas e privadas verifica-se também noutros ramos do


direito” (in: Teodoro Andrade Waty, Direito Económico, W&W Editora, 2011, p. 68). Por
exemplo, no Direito do Trabalho são também reconhecidas como Fontes do Direito os
Regulamentos Internos e Instrumentos de Regulamentação Colectiva. Em que medida este
fenómeno torna-se especial no Direito Económico?

7. Para o caso de Moçambique, para além das fontes mistas ou privadas do Direito Económico,
podemos identificar outras fontes internas supra-estaduais. Comente.

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8. O Direito Económico coloca em profunda interdisciplinaridade duas ciências, o Direito e a


Economia. Comente.

9. O período entre as duas grandes guerras foi fecundo para o surgimento do Direito
Económico como intervenção do Estado na Ordenação Económica. Como se pode justificar a
necessidade do Estado intervir na Economia?

10. “Havendo pois vários direitos da economia, qual o sentido de um Direito Económico
autónomo?” (in: António Carlos dos Santos e outros, Direito Económico, 3ª Edição, Coimbra,
1998, p. 13). Comente justificando a autonomia do Direito Económico.
11. “O Direito Económico que se afirma no pós primeira guerra mundial tem como ideia
fundamental a intervenção do Estado em aparente contradição com a Economia de
mercado. Discuta.
12. A autonomia do Direito Económico é controvertida. Discuta.
13. A mão invisível de Adam Smith é a regra do funcionamento do mercado. Posicione-se.
14. Um dos fundamentos da autonomia do Direito Económico é o facto desta apresentar
características próprias. Identifique três características do Direito Económico apresentando
o seu sentido.

15. Segundo António Carlos Santos, afirmar que o Direito Económico constitui “uma superação
da clássica distinção entre direito público e privado é (...) excessivo”. Fale, criticamente, da
natureza do Direito Económico.

16. Diga, justificando, se o entendimento de que o “O Direito Económico estuda a regulação da


organização e direcção da actividade económica” corresponde a uma concepção ampla
deste ramo e se esta admite a sua autonomia.

Tema 2: Princípios e Regras do Direito Económico


1. Explique três características do Direito Económico que tendem a distinguí-lo de
outrasdisciplinas jurídicas.

2. Em não mais que dez linhas refira-se aos Princípios e Regras do Direito Económico.

3. São várias as características do direito económico. Em não mais que quatro linhas explique em que consiste a
Recenticidade, Declínio das Fontes tradicionais de direito, Permeabilidade Política e Crescimento da Vinculação
Concertada.

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4. Debruce-se sobre o Princípio da Economicidade e da Regra da Oportunidade, dando um


exemplo prático desta regra.

Tema 3 e 4: Constituição Económica

1. Os sentidos formal e material de Constituição têm, no caso de Moçambique, particular e


especial relevância no Estudo das “Constituições Económicas Moçambicanas”. Comente.

2. “Sem independência, nem Assembleia Constituinte, houve reformas que alteraram


substancialmente a Constituição Económica” (in: Teodoro Andrade Waty, Direito
Económico, W&W Editora, 2011, p. 105). Comente.

3. Ainda na vigência da Constituição de 1975, medidas económicas foram tomadas e


implementadas, muitas vezes anunciadas em comícios. Como se pode explicar este
fenómeno?

4. O Conselho de Ministros reuniu-se para apreciar a situação económica de moçambique e


tomou as seguintes medidas: i) Nacionalizar as empresas com um volume de negócios
superior a 2.500.000,00mt, ii) Transformas as empresas de capitais mistos em empresas
públicas e reverter a favor do Estado as empresas intervencionadas.

a. Diga justificando em qual das Constituições económicas as medidas supra se


enquadrariam

b. Identifique a forma de intervenção na econmoia do sector empresarial do Estado.

5. Apresente os principais objectivos do PRE e discuta sobre a constitucionalidade deste.

Tema 5: Organização Económica e Função Social da Propriedade


1. Explique dois sentidos do termo privatização.

2. Alguns autores têm defendido que a intervenção do Estado na gestão das empresas privadas consubstancia uma
verdadeira nacionalização. Comente

3. Identifique a forma de intervenção na economia do sector empresarial do Estado. Justifique a sua resposta.

Tema 6: O Regime Jurídico das Empresas Públicas e Das Empresas Estatais Moçambicanas

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1. Identifique na CRM de 2004 pelo menos duas disposições que revelem o tipo de intervenção do Estado,
segundo o critério quantitativo, adoptado em Moçambique. Justifique a sua resposta.

2. A limitação constante do art. 19, n° 2 da lei 6/12 de 8 de Fevereiro não põe em causa o
princípio da liberdade da gestão das empresas públicas visto que tal limitação apenas incide
sobre a capacidade de dispor de bens e não sobre a capacidade de administrar tais bens.
Comente.

3. O sector empresarial do Estrado revela uma forma de intervenção na economia.


Identifique-a.

4. Refira-se à dinâmica histórica que caracteriza o “Estado Produtor” em Moçambique.

5. A autonomia das Empresas Estatais em relação ao aparelho do Estado é meramente fictícia.


Comente.

6. Tanto nas Empresas Públicas como nas Empresas de Capital Público temos o Estado como
único detentor das participações. Refira-se à diferença entre estas duas empresas?

7. A reprivartização põe em causa o processo irreversivel das Nacionalizações. Comente.

Tema 7: O Estado Como Regulador da Economia

1. O Plano, manifestação do “Estado Regulador”, é diferente da planificação e do dirigismo. Explique.


2. O Estado regulador exerce a sua função através de procedimentos unilaterais e
procedimentos negociados. Explique.
3. Desenvolva: “As modalidades de intervenção económica do Estado Moçambicano, ao
longo dos tempos”.

4. Diga, justificando, se o entendimento de que o “O Direito Económico estuda a regulação


da organização e direcção da actividade económica” corresponde a uma concepção ampla
deste ramo e se esta admite a sua autonomia
5. O Estado regulador exerce a sua função através de procedimentos unilaterais e
procedimentos negociados. Explique.
6. “O Plano seria uma via intermédia entre o estatismo e o laisser faire, laisser passer incondicional”. Comente.

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A “Altiva- Estradas e Pontes, SA”, face a dificuldade de ligação rodoviária entre Maputo e Catembe,
através de uma proposta dirigida ao Ministério dos Transportes e Comunicações, ofereceu-se para
estabelecer uma parceria com o Governo visando a construção e exploração de uma ponte ligando
a Cidade de Maputo à Catembe. Face a proposta acima referida e face ao facto de ter sido a
entidade privada a proponente daparceria, o Ministro dos Transportes e Comunicações dispensou a
realização do procedimento concursal e partiu de imediato para a celebração do contrato de
parceria na modalidade de contrato de gestão com a empresa supra referida. No contrato de
parceria ficou estabelecido que o Estado Moçambicano não participaria com capital na construção
da ponte mas prestaria uma garantia financeira ao Banco financiador do projecto bem como ficou
estabelecido que, durante os primeiros dez anos de exploração da ponte, o parceiro privado ficaria
isento do pagamento ao Governo da contrapartida pela celebração do contrato de parceria. Quid
Juris?

II
“As empresas, estabelecimentos, instalações, quotas e outras formas de participação do Estado em
património dalgumas empresas e/ou entidades revertidas, apropriadas ou transferidas para o
Estado, (...), em cumprimento das directivas económicas e sociais do Partido Frelimo, vêm sendo
trespassados, vendidos ou cedidos por diversas formas pelos Ministérios e Secretarias de Estado que
tutelam as suas actividades, sem uma regulação adequada.
Ora, os bens em questão constituem património do Estado pelo que a sua alienação tem de ser o
mais transparente possível
Assim, urge encontrar rapidamente as soluções adequadas, que (...) possibilitem traçar novas
etapas do processo de cessação de propriedade do Estado (...)
De igual modona alienação de participações sociais que forem negociáveis, privilegiar-se-ão os
critérios de avaliação que mais se coadunam com a situação patrimonial da empresa (...)
Nestes termos ao abrigo do disposto na (...) Constituição da República, o Conselho de Ministros
decreta:
Artigo 1: É aprovado o Regulamento de Avaliação a título oneroso, de empresas, estabelecimentos,
instalações, quotas e outras formas de participação financeira da propriedade do Estado(...)
Artigo 2: A alienação doutros bens que reverteram para o Estado não abrangidos pelo presente
decreto será feita de acordo com a legislação vigente. (...)

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Artigo 5: As empresas e estabelecimentos intervencionados, não podem ser alienados enquanto não
for regularizada a sua titularidade a favor do Estado. (...)”
a) Identifique, justificando (de preferência recorrendo a transcrições), no diploma supra,
os elementos caracterizadores das constituições económicas estudadas.

b) O texto supra reflecte algumas características do Direito Económico. Identifique-as e,


usando passagens do texto, justifique.

Bibliografia
 Manuais
 CORDEIRO, A. Menezes; S/D - Direito da Economia, I Vol, Edição da Associação
Académica da Faculdade de Direito de Lisboa
 DOS SANTOS, ANTÓNIO CARLOS et all, Direito Económico, 3ª Ed., Livraria Almedina,
Coimbra 1998
 MOTA PINTO, Carlos Alberto; S/D - Direito Económico Português, Coimbra
 SOUSA FRANCO, António L.; S/D - Noções de Direito da Economia, 1º Vol, 2º Vol,
Edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa
 VAZ, Manuel Afonso; S/D - Direito Económico – A ordem Económica Portuguesa, S/
Ed., Coimbra.
 WATY, Teodoro Andrade, Direito Económico, WW Editora, Limitada, Maputo, 2011
 Legislação
 Constituição da República de Moçambique de 2004.
 Código Civil.
 Lei nº 23/2007, de 1 de Agosto – Lei do Trabalho
 Lei nº 9/87, de 19 de Setembro – Lei de Defesa da Economia.
 Lei 2/81, de 30 de Setembro – Lei de Empresas Estatais.
 Lei 15/91, de 3 de Agosto – Lei das Privatizações.

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 Lei 3/93, de 4 de Julho – Lei de Investimento.


 Decreto 43/2009, de 21 de Agosto – Regulamento da Lei de Investimento.
 Lei 4/2009, de 12 de Janeiro – Código de Benefícios Fiscais.
 Decreto 48/2013, de 13 de Setembro – Altera o artigo 12 do Regulamento da Lei de
Investimento.
 Lei 15/2011, de 10 de Agosto – Lei das Parcerias Público-Privadas.
 Lei 6/2012, de 8 de Fevereiro – Lei das Empresas Públicas.
 Decreto nº 21/89, de 23 de Maio.
 Lei nº 23/2009, de 8 de Setembro – Lei Geral das Cooperativas
 Decreto nº 7/94, de 9 de Maco – Comissão Consultiva do Trabalho
 O Decreto nº 28/91, de 21 de Novembro – regulamenta mais detalhadamente o
quadro legal, os critérios e modalidades de privatização das empresas,
estabelecimentos, instalações e participações financeiras do Estado;
 A Lei nº 17/92, de 14 de Outubro – clarifica a aquisição de capital por parte de
Gestores, técnicos e trabalhadores;
 O Decreto nº 19/93, de 14 de Setembro – visa criar condições para regular a situação
jurídica de empresas, prática necessária ao processo de reestruturação do sector
empresarial do Estado;
 O Decreto nº 20/93, de 14 de Setembro – estabelece um regime especial quanto a
modalidades e prazos de realização de participações do capital por parte Gestores,
técnicos e trabalhadores nacionais;
 Resolução nº15/2001, de 10 de Abril – define as linhas gerais da Política de
Reestruturação do Sector Empresarial com Participações do Estado.

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