O Estatuto Das Línguas Locais em Contexto Pós

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O Estatuto das Línguas Locais em Contexto Pós-colonial

Hélder Simbad
Escritor, Professor e Crítico Literário
Hssandre32@gmail.com

Resumo

O presente artigo visa explicar o processo de constituição do inconsciente por


via da história e como esse inconsciente colonial continua a influenciar as tomadas de
decisão, definindo o actual quadro da situação linguística. Parte-se do princípio de que
as línguas naturais constituem-se como organismo vivo e, portanto, nascem,
desenvolvem-se, sobrevivem e podem ser extintas se não forem asseguradas por
políticas firmes. Opta-se pela pesquisa bibliográfica porque o nosso trabalho é do tipo
qualitativo é há um acervo disponível que, por via da reflexão dialéctica, nos permite
revisitar a história, questionar as imprecisões da definição de uma política linguística
que se ajusta a real situação sociolinguística de Angola, depois de largos anos de
independência.

Palavras-chaves
Línguas locais, português, Angola, colonialismo, inconsciente, política linguística.

Introdução
Angola é um país cuja independência foi alcançada há 45 anos. Porém, após
décadas de independência continua a viver as consequências da colonização. Dentre os
fenómenos com maior incidência, gerados pelo colonialismo, a situação linguística está
entre os mais gritantes. O português, língua herdada por via da colonização, passou a
configurar factor de unidade e as línguas locais foram durante muitos anos, apesar de
episódicos discursos de resgate, relegadas a sua sorte, sem a definição de um estatuto
definido por políticas linguísticas integradoras que respeitassem o binómio língua e
sociedade. Nos últimos anos, tem havido algumas demostrações de vontade por parte
das autoridades em elevar o estatuto das línguas nacionais de origem africana; contudo,
reconhecendo a complexidade desse problema, por via da lei nº. 32/20, o Estado decidiu
deixar a decisão final para um regulamento específico futuro.

Método
Do ponto de vista da forma da abordagem do problema, a nossa pesquisa é
qualitativa e, como ópera com fontes escritas como livros, revistas e outros documentos,
tem uma natureza bibliográfica. Objectivamos com este trabalho explicar a criação do
inconsciente colonial por via do processo de assimilacionismo, que pressupunha a não
assumpção das línguas de origem africana como línguas de escolarização, e sua
predominância num período de pós-colonialidade, condicionando a sobrevivência das
línguas locais. Para tal elencámos um conjunto de obras de diferentes campos
categoriais pela transversalidade do tema.

Fundamentação Teórica

O referencial teórico do nosso trabalho assenta nos seguintes pilares: língua,


sociedade e administração colonial; unidade linguística como factor de estabilidade; o
inconsciente colonial como o principal motivo da crescente desvalorização das línguas
locais. Com efeito, pela especificidade do trabalho, recorremos a diversos estudos
apresentados por investigadores comprometidos com a ciência. Por conseguinte, em se
tratando de um tema transversal, colocámos em diálogo historiadores, antropólogos,
psicólogos, politólogos linguistas. Kamwangamalu (2016), no seu livro Language
Policy and Economics: The Language Question in Africa, apresenta o continente
africano como uma história de insucesso em termos de planeamento linguístico;
entretanto, tal insucesso decorre daquilo que Silva (2010), no seu artigo intitulado
‘‘Política Linguística na África: do passado colonial ao futuro global’’, considera que
fruto ‘‘ de um processo intercultural’’ a que os africanos estiveram sujeito, ‘‘inclusive
de conflito, não viam outra solução para o futuro desses novos países, a não ser utilizar
o modelo de Estado europeu’’ e, conforme em Frédéric Mistral, citado por Silva (2010),
‘‘a língua é o mais importante instrumento de conquista, permitindo impor ideias e
valores sem contestação’’, resultando assim, naquilo que designamos por inconsciente
colonial, cujo processo de constituição começa, segundo Nascimento, em ‘‘ do Mato: os
Novos Assimilados em Luanda (1926- 1961)’’ , com o surgimento das sociedades
crioulas e com os novos assimilados, negros autóctones, de origem rural e saídos dos
seminários católicos. O resultado disso, em termos de políticas linguísticas, é, após
décadas de independência, as línguas locais não gozarem do prestígio que se esperava,
conforme denuncia Zavoni Ntondo (2002) em ‘‘Angola: Povos e Línguas’’. Por
conseguinte, por imperativo de economia de páginas passaremos a citar outras
referências não menos importantes na discussão.
Discussão

1- O Combate das línguas nativas pela administração colonial

Os contactos de Angola com o mundo ocidental, especificamente com Portugal,


em termos históricos, começaram em 1482,com a chegada de Diogo Cão à Foz do Rio
Zaire. Daí começou um trajecto de relações e tentativas de subjugação permanente com
implicações psicológicas dos dois lados (colonizador e colonizado).

Por ser a língua o principal factor de identidade, consideramos o combate das


línguas nativas pela administração colonial como a fase mais avançada de um processo
que visava a reconstrução do sujeito africano à imagem que o colonizador desejava. Por
esse motivo, Frédéric Mistral apud Silva (2010) considera ‘‘a língua como o mais
importante instrumento de conquista, porquanto permite impor ideias sem contestação’’.

Em termos teóricos, usa-se o conceito de colonialismo para designar a doutrina


política, económica e militar que embasa as conquistas territoriais com o intuito de
estabelecer o controlo e autoridade da metrópole, por meio da imposição administrativa
e cultural1. Entretanto, na esteira de Filho & Dias (2015, p.9), entendemos que, muito
mais do que um sistema de exploração económica e de dominação política, o
colonialismo pode mesmo ser entendido ‘‘como um modo de percepção do mundo e de
enquadramento da vida social’’.

O sucesso do empreendimento colonial dependia da criação e manutenção de uma


percepção do mundo fundada em relações de identidade e alteridade. Era preciso
definir o status de cada pessoa na nova estrutura forjada pelo colonialismo (Filho &
Dias, 2015, p.11).

Dessa tensa relação entre identidade e alteridade, assim como da necessidade de


definição de status no seio da dinâmica social nasceram os hibridismos, as
miscigenações, as apropriações. Em virtude disso, categorias como “civilizado”,
“assimilado”, “moderno” e “tradicional” foram criadas para simplificar, distinguir e
hierarquizar. (Filho & Dias, 2015, p.11). Todavia, é preciso sublinhar que, o processo
de assimilacionismo obedeceu etapas, cumprindo uma agenda previamente
delineada, tendo começado com o processo de crioulização que, no âmbito da

1
https://www.todamateria.com.br/colonialismo/ acessado a 26 de Janeiro de 2021
administração colonial portuguesa, segundo Nascimento (2013, p.18), podem ser
entendidos,

como grupos locais (nativos ou não), quase sempre mestiços, que


falavam a língua das populações a serem colonizadas e entendia, ao
menos em parte, seus códigos sociais e culturais, por isso eram utilizados
como vectores do processo de mistura entre portugueses e nativos,
facilitando a actuação de Portugal nas suas colónias.

Os crioulos constituem, em Angola, o primeiro grupo de assimilados. O segundo


grupo de assimilados eram negros não miscigenados, tinham origem rural, derivavam
das relações entre a população nativa e os missionários e, em virtude dos seus estudos e
alguma ascensão económica, solicitavam o Bilhete de Assimilado conseguindo assim
um estatuto legal concedido a todos os negros e seus descendentes nascidos nas colónias
que cumprissem os pré-requisitos determinados em Angola pelo capítulo I do
Regulamento de Recenseamento e Cobrança do Imposto Indígena, aprovado pelo
Diploma Legislativo nº 2372.O processo de assimilacionismo actuava lentamente na
esfera do psicológico e levava a auto-negação, ao auto-ódio. ‘‘O ser assimilado era ter
um estilo de vida europeu, o que incluía ir ao cinema caso os brancos aceitassem’’
(Nascimento 2013, p.109), isto incluía falar a língua do colonizador com o maior grau
de excelência possível. Durante todo esse processo de violência real e simbólica que foi
o colonialismo, o homem desaprendeu a colocar em primeiro lugar a sua cultura.
Contudo, convém ressaltar que o não resgate se deve também à actual configuração
ideológica que não passa duma extensão do inconsciente colonial.

Em 1921, informa Serrote (2015, p.27), embora muitos missionários Protestante


e Católicos sugerissem que era necessário o uso das línguas nativas para o processo de
evangelização, Norton de Matos, Governador-geral de Angola, publicou o Decreto nº
77, que proibia o uso das línguas locais dentro do território colonial. Tal medida levou
ao agravamento da situação linguística nacional e continua a ter implicações em nossos
dias. Dentre os artigos que constavam do decreto destacamos os seguintes:

Artigo 1º, ponto 3: É obrigatório, em qualquer missão, o ensino da língua


portuguesa; ponto 4: É vedado o ensino de qualquer língua estrangeira;
Artigo 2º: Não é permitido ensinar, nas escolas de missões, línguas indígenas;
Artigo 3º: O uso de língua indígena só é permitido em linguagem falada na

2
C.f SANTOS, W.S. (2013). Gentes do Mato: os ‘‘Novos Assimilados’’ de Luanda (1926-1961).
Universidade de São Paulo.
catequese e, como auxiliar, no período do ensino elementar de língua
portuguesa.

Segundo Serrote (2015, p. 19) Norton de Matos, nas suas Memórias e Trabalhos
da Minha Vida publicados em 1944, confessa que ‘‘a sua preocupação foi a de espalhar
e fixar a língua Portuguesa em todas as colónias’’. Em vista disso, a língua portuguesa,
língua de instrução, passou assim a ser considerada o primeiro critério para que a um
indígena fosse conferido o estatuto de assimilado. Em contrapartida, o combate às
línguas nativas e a definição do estatuto do indígena assimilado foram factores
determinantes para construção de uma identidade que acompanha o sujeito angolano de
forma inconsciente, uma memória instaurada, a qual designamos por ‘‘ inconsciente
colonial’’ e terá sempre implicações no devir.

2- A língua portuguesa como factor de unidade

Para Oliveira (s.d, p.233), depois de Angola ter alcançado a independência e se


ter tornado uma nação, ‘‘pela lógica dos Estados modernos, sua tapeçaria linguística
acabou por se tornar um problema para os ideais nacionalistas, principalmente no que
diz respeito à escolha de apenas uma língua’’. Tal decisão deu-se logo a seguir a
independência, a meio de conflitos existenciais – próprio de quem acaba de a conquistar
– ideológicos e político-militar; ou seja, face a urgência de se efectivar a nação, assim
como as constantes ameaças internas e externas, os detentores do poder não tinham
reunidas condições propícias para se pensar numa política linguística que potenciasse e
valorizasse pelo menos uma das línguas locais ao ponto de figurar na academia e
administração pública.

Após a conquista das independências, ‘‘as elites africanas, consequência de um


processo intercultural, inclusive de conflito, não viam outra solução para o futuro desses
novos países a não ser utilizar o modelo de estado europeu’’ (Silva,2010, p.4). Angola,
sendo um país africano, também foi gerado por esse contexto específico de subjugação
permanente que foi o colonialismo e, tendo como paradigma de estruturação político-
administrativa a Europa, adoptou como já terá ficado explícito, o português como língua
oficial, sendo, portanto, segundo Chicuna (2020, p.50) ‘‘a única língua não-africana
falada em todo o território nacional’’. Porém, ressalta-se que antes do domínio
português e consequentemente da imposição da sua cosmovisão, em termos de
organização político-administrativa, o território angolano era habitado por diferentes
grupos étnicos que formavam reinos autónomos. Com a nova configuração geográfica
definida pelas normas político-administrativas de matriz ocidental, após a
independência de Angola, ‘‘era necessário criar, forjar uma identidade nacional acima
da identidade étnica capaz de manter o novo país unido’’ (Silva, 2010, p.4). Forjar tal
‘‘identidade nacional acima da identidade étnica’’ com vista a criação do estado novo
pressupunha a existência de um denominador comum: a língua portuguesa como factor
de unidade.

Importa salientar que todos os países colonizados por Portugal adoptaram a


língua portuguesa como língua oficial. Segundo Fonseca (2012, p.4),

os líderes consideravam que a diversidade linguística de seus países não propiciava


o nascimento de uma nação coesa política e culturalmente e que pudesse dialogar
com o mundo, dentro e fora da África, sobretudo porque a partir da independência
teriam que dialogar com diversas organizações internacionais e diferentes Estados.

Em relação às palavras de Fonseca, levanta-se também a questão de


desenvolvimento e crescimento de nações fora desses espaços determinados pelo
ocidente por via da instauração de comunidades linguísticas que, ainda que com nova
roupagem, verdade seja dita, garantem a continuidade e a hegemonia da superestrutura
colonial em que o centro continua a ser a Europa (anglofonia, francofonia, lusofonia) e
as ex. províncias ultramarinas integram esse lugar na condição de figura menor.

A língua, bem como a literatura e a história, é um dos três grandes pilares de


sustentação da identidade e da cultura nacionais. (Anderson, 2008, apud Oliveira, s.d,
p.221). Por esse motivo, na tentação e tentativa de se definir ‘‘angolanidade literária’’
por via da assumpção da língua portuguesa como pertença – ainda que de forma
subjectiva, por imperativo psicológico derivado do complexo do colonizado –
geralmente os estudiosos referem-se ao uso da língua portuguesa com os falares locais,
ou seja, como uma língua que, ao entrar em contacto com as línguas locais, assumiu
características próprias. Para reforçar institucionalmente esta ideia, tal corrente
configura-se como principal preceito nas instâncias de validação e valoração (Crítica
Literária e Prémios Literários) da obra literária como artefacto cultural.

Muitos estudos sobre políticas linguísticas modernas dedicam-se ao conceito e à


construção dos Estados nacionais. Tal fato é atribuído à ideia de “unidade” que se
vincula a essa construção: uma língua, um povo, uma nação (Oliveira, s.d, p.219). No
caso de Angola, foi indubitavelmente este princípio de unidade que terá provocado uma
inversão de olhar nos nacionalistas angolanos, que se constituíram como poder, em
relação à língua portuguesa, símbolo maior do colonizador e, por conseguinte, geradora
de conflitos existenciais.

O papel político da língua em relação à construção de nação se tornou forte na


época da instauração dos Estados modernos, cujo projecto, com o intuito de unificar
para melhor governar, sobrepôs língua e nação. (Anderson, 2008, apud, Oliveira, s.d,
p.221). Em consequência desta lógica, Angola passou a ser um país multilíngue,
caracterizado pela coexistência do português com outras línguas nativas, do grupo
bantu. A coexistência dessas línguas pode dar-se em vários níveis. O problema que
levantamos é o lugar que essas línguas ocupam nas estruturas administrativas e,
sobretudo, no processo de escolarização do indivíduo, lugar onde se constrói a
consciência.

Em termos de produção escrita, Angola dispõe de uma produção literária que


começa no final do século XIX e se estende até aos nossos dias. Cada país expressa a
sua literatura por via de uma língua. Os artífices da literatura angolana (a literatura
escrita), na generalidade, desde os finais do século XIX, privilegiam a língua portuguesa
como língua de produção porque sempre foi a língua de escolarização e, em certos
casos, por ser a língua materna. Ademais, há o drama de, escrevendo em línguas locais,
o autor ser lido por um número muito reduzido de leitores. Em termos de produção
científica, eleva-se o drama porque as línguas de origem africana, em Angola, não
gozam ainda de prestígio académico e há um número muito reduzido de falantes
bilingue com o nível desejado para enfrentar materiais escritos nessas línguas.

3- A subalternização das línguas locais


No âmbito da taxonomia apresentado por Silva (2010, p.4) em relação as
Políticas Linguísticas Africanas, Angola integra o núcleo dos Países da África
Subsariana com políticas exoglóssica na medida em que adoptou uma política de
valorização externa, sendo um país com uma pluralidade de línguas em que nenhuma
delas atinge 50 % da população.

A problemática do estatuto das línguas locais em Angola é uma das


consequências do colonialismo. Todavia, dentre as impossibilidades de reversão que
geralmente derivam de processos violentos, parece-nos ser um daqueles problemas que
podem ser resolvidos havendo vontade política e um processo de auscultação dos
técnicos de língua.

Como que prevendo o percurso conturbado das línguas nacionais de origem


africana na esfera académica, social e administrativa, Agostinho Neto, então Presidente
da República, advertia que “o uso exclusivo da língua portuguesa, como língua oficial,
veicular e utilizável actualmente na nossa literatura, não resolve os nossos problemas. E
tanto no ensino primário, como provavelmente no médio, será preciso utilizar as nossas
línguas” (Costa da, F. 2006, p. 46). Porém, passaram-se quatro décadas desde o seu
desaparecimento físico, e esse desiderato, que, em termos de imaginário, configura uma
vontade colectiva, ainda não foi alcançado, conforme denuncia Ntondo (2002, p.18):

“As línguas não Bantu e Bantu, consideradas nacionais, não gozam de nenhum
estatuto definido, servindo somente de línguas de comunicação a micro nível, quer
dizer, entre os membro de um mesmo grupo etnolinguístico ou de uma mesma
comunidade linguística”.

Importa advertir que quando Zavoni Ntondo se refere às línguas não bantu,
procurar fazer lembrar as minorias constituídas por povos como os Khoi Khoi e Sans,
que raramente são tidos e achados nas discussões sobre a nação.

Segundo Ndombele (2017, p.75), Norton de Matos advogava que,


as línguas indígenas de Angola, o Kibundu, o Umbundu e tantas outras, apenas lhe
interessavam como elemento de estudo da linguística, da evolução social de
comunidades humanas e do desenvolvimento mental da humanidade. O mesmo
julgava que essas línguas se obliterassem e desaparecessem de todos, pois que ele as
considerava como línguas de cães.

Por esse motivo, a valorização das línguas angolanas, em consonância com


Ndombele (2017), deve ser concebida como um potente factor de dasalienação, de
libertação ideológica.
Kamwangamalu (2016, p.193), certamente depois de vários estudos, conclui que
‘‘ The African continent does not have an extensive history of successful language
planning’’3; no entanto, convém ressaltar que este insucesso que África enfrenta em
termos de planeamento linguístico, resulta, sobretudo, da colonização linguística que o
ocidente impôs ao continente e da actual configuração político-administrativa que
consiste na aglomeração de ex. reinos que gozavam de autonomia linguística. No caso
de Angola, dada a complexidade dessa matéria, em termos de estatuto, as línguas locais
vêem-se condicionadas pelo lento processo de evolução do pensamento político,
3
Nossa tradução O continente africano não tem uma extensa história de sucesso em termos de
planeamento linguístico.
científico e consequentemente social, pois, as leis são criadas à medida do pensamento.
Assim, em 2001, o horizonte de compreensão deste fenómeno levou a que, em sede da
Assembleia Nacional, se decidisse, no ponto1, do artigo 9 da Lei de base do sistema de
educação de 2001, que o ‘‘ ensino nas escolas’’ deve ser ‘‘ ministrado em língua
portuguesa ’’, apenas em língua portuguesa, configurando-se assim como uma extensão
do ponto 3 do artigo 2º do decreto n.º 77 promulgado pela administração portuguesa em
Angola, liderada por Norton de Matos, que obrigava o uso exclusivo da língua
portuguesa como língua de escolarização, proibindo, no artigo 2ª o ensino das línguas
estrangeiras. Todavia, após vários processos de introspecção colectiva e, quiçá, uma
certa pressão em termos de posicionamento da comunidade académica, aprovou-se, em
2020, na Assembleia Nacional, a lei 32/20 de 12 de Agosto em que se pode destacar, em
termos de laterária legal relacionada com língua e ensino o seguinte:

3-sem prejuízo do previsto no nº. 1, podem ser utilizadas as demais línguas


de Angola, nos diferentes Subsistemas de Ensino, nos termos a
regulamentar em diploma próprio.

A situação linguística dos países com diversidade étnica e consequentemente


plurilingues, em contexto pós-colonial, é complexa e exige a adopção de medidas que
não firam sensibilidade de terceiros, pois o que se propõe não é um novo genocídio
linguístico nem sobreposição étnica. Em vista disso, o prestígio das línguas locais far-
se-á sentir quando se obliterar essa dimensão futurista implícita no sintagma nos termos
a regulamentar em diploma próprio e concretizar-se com medidas aprovadas por via de
discussões racionais, portanto, sem paixões, entre a comunidade académica, políticos e
até mesmo elementos identificados da sociedade civil. Ainda assim, face ao português,
as línguas locais continuarão a gozar de menor prestígio por força da sua condição
regional.

Para já, conta o presente e não aquilo que poderá acontecer em termos de um
novo diploma legal sobre esta matéria. Assim, segundo a Constituição da República de
Angola, no seu número 1 do artigo 19.º,‘‘a língua oficial da República de Angola é o
português’’. No nº 2 desse mesmo artigo, lê-se que o ‘‘Estado valoriza e promove o
estudo, o ensino e a utilização das demais línguas de Angola’’. Sobressai nessa
passagem o lexema ‘‘ demais’’ que, numa abordagem filosófico-linguística é reveladora
do papel secundário que as línguas locais assumem na construção de uma narrativa
colectiva. Por fim, convém ressaltar que, as leis têm seguido a evolução da sociedade e
são aprovadas em função do estágio em que ela se encontra. No artigo 21.º, sobre as
Tarefas fundamentais do Estado lê-se na alínea n) que ‘‘constituem tarefas
fundamentais do Estado angolano’’:

Proteger, valorizar e dignificar as línguas angolanas de origem africana, como


património cultural, e promover o seu desenvolvimento, como línguas de
identidade nacional e de comunicação.

Tem-se assistido, ano após ano, a inclusão das línguas nos currículos
académicos, sobretudo a nível médio e universitário. Entretanto tal esforço verifica-se
sobretudo em relação aos cursos de letras e ciências sociais, com avanços e retrocessos.
Com efeito, pode-se levantar aqui a problemática de quadros humanos e meios de
ensino como entraves para que se alcance tal desiderato. O problema das línguas
nacionais não se constitui só como um problema de política de língua e
consequentemente de planeamento, mas do inconsciente colonial que nos persegue a
todos, fechando-nos nas grades das ideologias, e não permite concretizar da melhor
forma as políticas gizadas pelo estado.

Referencias Bibliográficas
Angola. Constituição da República de Angola. Luanda: Imprensa Nacional. 2010.
Angola. Lei 13 do Sistema de Base de Educação de Angola. Luanda: Assembleia
Nacional, 2001.
Angola. Lei que altera a lei nº 17/16, de 7 de Outubro – Lie de Bases do Sistema de
Educação e Ensino. Luanda: Imprensa Nacional. 2020
Chikuna, F. (2020). Contributo da Professora Amélia Mingas para o Ensino e Promoção
da Língua Portuguesa em Angola in Amélia Mingas: A mulher, a cidadã, a académica
(49-62). Carvalho & Carmelino (Org.). Mayamba Editora, Luanda.

Fernandes, J; Ntondo, Z. (2002). Angola: Povos e Línguas. Nzila, Luanda

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