Identidade e Construcao
Identidade e Construcao
Identidade e Construcao
Beatriz Santana
Edson Facco
Alunos do curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
RESUMO
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Num mundo de fronteiras difusas, muito se tem discutido sobre a preservação das
identidades culturais. As identidades culturais, conforme afirma Santos,
[...] não são rígidas nem, muito menos imutáveis. São resultados sempre transitórios e
fugazes de processos de identificação. Mesmo as identidades aparentemente mais
sólidas, como a de mulher, homem, país africano, país latino-americano ou país
europeu, escondem negociações de sentido, jogos de polissemia, choques de
temporalidades em constante processo de transformação, responsáveis em última
instância pela sucessão de configurações hermenêuticas que de época para época dão corpo
e vida a tais identidades. Identidades são, pois, identificações em curso. (SANTOS, 2001:
p.135, grifos nossos),
Diante desse conceito, pode-se considerar identidade cultural como algo inacabado,
que se encontra em constante construção, e ressaltar que a identidade nacional, apesar de ser
aparentemente sólida, está em constante processo de transformação. Sendo assim, o presente
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artigo buscará desenvolver uma breve reflexão em torno da (re)construção4 da identidade
nacional, tomando como exemplo a República de Moçambique, um país africano.
2 IDENTIDADE NACIONAL
Hall (2005: p.49) argumenta que as identidades nacionais não são coisas com as quais
os sujeitos nascem, mas são formadas e transformadas no interior da representação. As
identidades nacionais não são heranças genéticas. As pessoas não são apenas sujeitos sociais
legais de uma nação; elas participam da idéia da nação tal como representada em sua cultura
nacional. Nesse sentido, vale a reflexão de Paulo Freire:
A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela,
pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo. Vai dominando a
realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é fazedor. Vai
temporalizando os espaços geográficos. Faz cultura. [...] E, na medida em que cria, recria e
decide, vão se conformando as épocas históricas. É também criando e decidindo que o homem
deve participar destas épocas. (FREIRE, 1979: p.43).
Verifica-se, deste modo, que o sujeito de uma nação é um importante instrumento para
a construção da identidade nacional porque ao ser inserido e integrado no mundo produz
cultura e configura a história da sua época.
Além do sujeito, segundo Hull (2001: p11), “o mais importante símbolo nacional é
sem dúvida a língua. As dúvidas acerca da língua oficial envolvem também importantes
questões acerca da identidade nacional”.
Considerando-se isso, no que se refere à identidade nacional, a África merece destaque
não somente pelo seu contexto histórico, mas também, e, principalmente, pelo seu contexto
lingüístico-cultural, tendo em vista a diversidade de línguas faladas neste continente. Desse
espaço africano, restringir-se-á neste trabalho a República de Moçambique, antiga colônia
portuguesa, independente desde 1975, quando se constituiu como Nação e passou a buscar a
(re)construção da sua identidade nacional.
Após a independência, Moçambique institucionalizou a língua portuguesa, a língua do
seu colonizador, como língua oficial em detrimento das línguas nacionais africanas. De
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Os autores utilizaram o termo (re)construção por considerarem que a história de Moçambique, a exemplo do
Brasil ou de qualquer outra colônia portuguesa, é muito anterior à chegada dos colonizadores portugueses no
início do século XVI. De acordo com o site da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa –
(http://www.ono.com.pt/CPLP/documento.asp?documento=87), já no século VIII, navegadores arabo-persas
estabeleceram algumas feitorias comerciais na região.
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acordo com Brito e Martins (2004: p.9), “[...] o português era a única língua que poderia
nivelar as diferenças lingüísticas”.
A escolha, então, justificada como única garantia de manutenção da unidade nacional
moçambicana, demonstra claramente uma razão política: não privilegiar nenhum grupo étnico,
a fim de evitar uma guerra civil entre tribos e, com isso, impedir que o país se fragmentasse,
mantendo-se como uma só Nação-Estado.
É possível, portanto, afirmar que a prática política (melhor dizendo: o discurso político
oficial) em determinar a Língua Portuguesa como língua oficial buscou unir povos de diversas
etnias, culturas diferentes e, principalmente, línguas diversificadas num objetivo maior: a
(re)construção da identidade do povo moçambicano, uma vez que, conforme assinala Paulo
Freire,
[...] procurar descrever a língua portuguesa nos seus contextos específicos e entender as
idiossincrasias que a caracterizam, respeitando-lhe as experiências particulares, os valores
diferentes, a especificidade cultural e a sua peculiar visão do mundo. (BRITO e MARTINS,
2003: p.11).
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Reconhecer, portanto, que Moçambique apresenta uma situação lingüística plurilíngüe
é um dos caminhos possíveis para resgatar a identidade e a cultura moçambicana e, com isso,
integrar o povo a sociedade. Conforme indica Firmino,
[...] o uso do Português como uma língua nacional não irá por si garantir a unidade do país.
Antes, o reforço da nação moçambicana estará em função de como se irá permitir aos
diferentes grupos sociais [...] fazer parte da Nação-Estado, e de como eles sentirem que
beneficiam dos recursos postos à disposição pelo sistema nacional. (FIRMINO, 2001: p.308)
Com base na obra de Paulo Freire, que desenvolveu, entre tantos outros, trabalhos de
alfabetização em países lusófonos, como Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe (tendo,
também, se preocupado com a questão da alfabetização de adultos em Angola e
Moçambique), pode-se afirmar que o reforço para esta nação encontra-se na educação.
A educação se faz uma tarefa altamente importante, uma vez que deve ajudar o homem a
ajudar-se, colocando-o numa postura conscientemente crítica diante se seus problemas. Para
tanto, é absolutamente indispensável à humanização do homem [...], não poderia ser feita
nem pelo engodo, nem pelo medo, nem pela força. Mas, por uma educação que, por ser
educação, haveria de ser corajosa, propondo ao povo a reflexão sobre si mesmo, sobre seu
tempo, sobre suas responsabilidades, sobre seu papel no novo clima cultural da época de
transição. Uma educação que lhe propiciasse a reflexão sobre seu próprio poder de refletir e
que tivesse sua instrumentalidade, por isso mesmo, no desenvolvimento desse poder, na
explicitação de suas potencialidades, de que decorreria sua capacidade de opção. (FREIRE,
1997. p. 62)
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[...] necessário promover o uso das línguas nacionais, uma vez que a política lingüística deve
reflectir a identidade moçambicana. Neste documento, chama-se a atenção para o facto de o
Português não ser conhecido pela maioria da população, não podendo ser considerado uma
língua moçambicana. (apud Gonçalves, 1996: p.31)
De outro lado, têm-se autores que concordam que o papel da língua portuguesa nada
mais é do que um instrumento para a construção da identidade nacional, a exemplo dessa
afirmação cita-se Rosário:
Tomando como exemplo a língua Macua que, embora seja apontada como uma das
línguas com o maior número de falantes nativos, é predominante em apenas uma das regiões
do norte. No restante do país, a presença de falantes nativos de Macua não é significativa.
Portanto, para tornar uma língua autóctone oficial, como “preservação de uma identidade”,
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esta língua deverá ser aprendida por todos os moçambicanos e, além disso, para a sua
estruturação, serão necessários estudos descritivos para a produção de uma gramática e,
conseqüentemente, a elaboração de material didático adequado.
Essa situação já não ocorre com o Português, pois, embora não seja falado por toda a
população, já possui uma gramática sistematizada e materiais didáticos que podem ser
adaptados ao ensino moçambicano. Além disso, é possível encontrar falantes de Língua
Portuguesa espalhados por todo o território moçambicano.
A presença da Língua Portuguesa não constitui, ao contrário do que acreditam alguns
estudiosos e/ou autoridades, uma ameaça para a identidade de Moçambique, posto que a
língua portuguesa tem-se mostrado capaz de se harmonizar com as línguas autóctones – como
pode ser observado no trecho que se segue do poema Sangue de Mãe da Minha Mãe de José
Craveirinha (1980: p.93-94, grifo nosso), em que novas palavras (vocábulos de línguas
autóctones) são introduzidas na Língua Portuguesa:
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabendo-se que a elevação de uma língua autóctone causaria provavelmente uma nova
guerra civil, pode-se afirmar que o Português é instrumento de apaziguação, bem como um
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Xipalapala: espécie de trompa ou trombeta de chifre do antílope pala-pala, com que se convoca o povo. Corneta
feita de um chifre de boi.
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Xigubo: Dança de exaltação guerreira antes ou depois da batalha. Termo de origem onomatopaica (dos
tambores)
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caminho para a integração desses grupos étnicos. Contudo, a língua portuguesa em
Moçambique deve estar comprometida com a inserção do povo moçambicano na história de
seu país como figurante e autor, a fim de promover a construção e a preservação da identidade
moçambicana, além de uni-los de maneira sólida. Assim, à medida que novos fatos históricos,
políticos e sociais – internos e externos – surgem, vão influenciar no crescimento e
amadurecimento da nação, fazendo com que esta permaneça em constante construção e
formação de identidade, porque quanto mais conscientemente faça a sua História [da nação
moçambicana], tanto mais o povo perceberá, com lucidez, as dificuldades que tem a
enfrentar, no domínio econômico, social e cultural, no processo permanente da sua libertação
(FREIRE, 2003: p.40-41).
ABSTRACT
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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_______. O povo diz a sua palavra ou a alfabetização em São Tomé e Príncipe. A
importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 45 ed. São Paulo: Cortez, 2003.
GONÇALVES, Perpétua. Português de Moçambique: uma variedade em formação. Maputo:
Livraria Universitária, 1996.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade.Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
HULL, Geoffrey. Timor Leste: Identidade, Língua e Política Educacional. Lisboa: Instituto
Camões.
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