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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

NÍVIA GORDO

História da Escola de Aplicação da FEUSP (1976-1986):


a contribuição de José Mário Pires Azanha para a cultura escolar

SÃO PAULO
2010
NÍVIA GORDO

História da Escola de Aplicação da FEUSP (1976-1986):


a contribuição de José Mário Pires Azanha para a cultura escolar

Tese apresentada à Faculdade de Educação da Universidade de


São Paulo para obtenção do título de Doutora em Educação.

Área de Concentração: Filosofia e Educação


Orientadora: Profa. Dra. Carlota Josefina Malta C. dos Reis
Boto

SÃO PAULO
2010
FOLHA DE APROVAÇÃO

Autora: Nívia Gordo

Título: História da Escola de Aplicação da FEUSP (1976-1986): a contribuição de


José Mário Pires Azanha para a cultura escolar

Local e data de aprovação:______________________________________________

Banca examinadora:

____________________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

____________________________________________________________________________
Ao professor José Mário Pires Azanha
In memoriam

A todos os professores das escolas públicas.


AGRADECIMENTOS

Apresento meus agradecimentos aos colegas, amigos e instituições cujo apoio foi
valioso para a realização deste trabalho.

À Profa. Dra. Carlota dos Reis Boto, orientadora e amiga, que me incentivou a fazer
este trabalho.

À Profa. Dra. Mary Júlia Duetzsch e à Profa. Dra. Rosa Fátima de Souza que muito
contribuíram, no exame de qualificação, com uma profícua análise, comentários e
sugestões para revisão e aprofundamento deste estudo.

À Profa. Dra. Arlete Marques da Silva pela leitura crítica dos textos, sugestões e
indicações bibliográficas.

Aos responsáveis pela direção e coordenação da Escola de Aplicação da FEUSP, que


gentilmente permitiram acesso ao Centro de Memória dessa escola.

Às professoras Maria Salete Cruz, Maria Luiza Mondin, Elisabeth Camargo Prado,
Lezilda Vigneron, colegas e amigas queridas da Escola de Aplicação, que se dispuseram
a conceder depoimentos importantes, relativos às atividades desenvolvidas nessa escola.

À Profa. Dra. Sumaya Persona de Carvalho e à Profa. Ms. Rosa Maria Jorge Persona,
ambas da UFMT-Cuiabá, que constantemente me incentivaram e prestaram valiosa
colaboração para a realização deste trabalho.

A Márcia Bastos Colares Willy, secretária do Departamento de Filosofia e História da


Educação (FEUSP) pelo atendimento sempre gentil e solícito.

À Profa. Dra. Marinilzes Moradillo Mello pela leitura crítica e revisão técnica deste
trabalho.
A Miquelina Flexa, diretora da Biblioteca da Congregação da FEUSP, que várias vezes
me permitiu acesso a essa biblioteca para fins de pesquisa.

À Profa. Ms. Eliana dos Santos Costa Lana, que muito colaborou com a pesquisa de
textos para a revisão da literatura sobre o tema deste estudo, e também na gravação das
entrevistas coletivas da Escola de Aplicação da FEUSP.

À Profa. Dra. Iomar Barbosa Zaia, por me facilitar acesso aos documentos do Centro de
Memória da FEUSP.

A Instrutora de Informática, Maria das Dores Barbosa, por me ajudar na elaboração dos
quadros curriculares e organogramas.

A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho,


meus sinceros agradecimentos.
“Um galo sozinho não tece uma manhã...”
João Cabral de Melo Neto
LISTA DE FOTOS

Foto 1 – Planejamento
Foto2 – Castelo de sucata
Foto 3 – Porta de passagem
Foto 4 – Aranhas tecedoras
Foto 5 – Aranha Caramelo
Foto 6 – Pássaro de luz
Foto 7 – Aranha mãe
Foto 8 – Varal da primavera
Foto 9 – Aranhas-filhotes
Foto 10 – Arco-íris
Foto 11 – O espantalho
Foto 12 – Pássaro “Juim”
Foto 13 – “Flicts”
Foto 14 – Canto “As cores”
Foto 15 – Obras em argila
Foto 16 – Exposição
Foto 17 – “Lua-sol”
Foto 18 – “Grilo da paz”
Foto 19 – Jardim do grilo
Foto 20 – Abelha caramelo
Foto 21 – Cometa da luz
Foto 22 – O girino
Foto 23 – O casulo
Foto 24 – Caixa-casa do casulo
Foto 25 – Borboleta
Foto 26 – Dobradura: borboletas
LISTA DE ORGANOGRAMAS

Organograma 1 – Escola de Aplicação em 1975

Organograma 2 – Escola de Aplicação em 1977


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Currículo pleno (1972 a 1976)

Quadro 2 – Currículo em vigência nos anos letivos de 1977 a 1986

Quadro 3 – Quadro de Pessoal Administrativo e Técnico

Quadro 4 – Quadro Curricular Comparativo 1976 e 1977

Quadro 5 – Comparativo de alunos distribuído por série, classe, sexo – 1974-1982

Quadro 6 – Normas de estágio – 1976 a 1986

Quadro 7 – Atividades dos estagiários

Quadro 8 – Quadro Curricular 2ª Grau


LISTA DE TEXTOS DE ALUNOS

Texto 1 – Gato menino – Ricardo Marques

Texto 2 – O aquário – Raquel Vieira Diniz

Texto 3 – Arabela – Claudia

Texto 4 – Aquário – José Roberto

Texto 5 – Papai Noel – Carina

Texto 6 – A teia – Marcelo

Texto 7 – O Tatu – Keyvan

Texto 9 – O cometa – Carla

Texto 10 – O cometa – Fernando

Texto 11 – O cometa – Silvio Luiz

Texto 12 – A aranha – Vânia Adriana Bonfim Moreira

Texto 13 – O cometa amarelo – Erika

Texto 14 – O sol e a nuvem – Mariana

Texto 15 – O passarinho do fio – Jonas

Texto 16 – O apito – Fábio

Texto 17 – A nuvem azulzinha – Cecília

Texto 18 – O cartaz rasgado – Juliana

Texto 19 – O arco-íris – Tatiane C. Rosa


RESUMO

Este trabalho visa descrever a história da Escola de Aplicação (EA) da Faculdade de


Educação da USP no período de 1976 a 1986, durante o qual exerci as funções de
coordenadora pedagógica e diretora. Nesse período, a EA contou com a participação
do professor José Mário Azanha que, como Representante da FEUSP, orientou as
atividades de organização e funcionamento do Ensino fundamental, com o objetivo de
que a Escola de Aplicação pudesse contribuir com algumas ideias para a melhoria da
escola pública do Estado de São Paulo. Neste estudo procuraremos reconstituir, numa
perspectiva histórica, aspectos teóricos e práticos do trabalho realizado no referido
período.

Palavras-Chave: Escola de Aplicação, José Mário Pires Azanha, teoria e prática do


Ensino fundamental, escola pública.

ABSTRACT

This study aims at describing the history of the Escola de Aplicação (EA), at the School
of Education of the University of São Paulo (USP) during the period of 1976-1986,
when I was both the pedagogical coordinator and the director. During this period,
Professor José Mário Azanha, as a Representative of the School of Education of USP,
headed the organization and functioning activities of the Elementary school, with the
goal that the Escola de Aplicação (EA) could contribute with some ideas for improving
the public school system of the State of São Paulo. This study seeks to reconstruct,
through a historical perspective, both theoretical and practical aspects of the work that
took place during the mentioned period.

Keywords: Escola de Aplicação (EA), José Mário Pires Azanha, theory and practice of
the elementary school, public school.
SUMÁRIO

Capitulo I – Introdução---------------------------------------------------------------------------------- 21

1.1 Ideias norteadoras e fundamentos da pesquisa----------------------------------------------------- 23

1.2 Metodologia da pesquisa----------------------------------------------------------------------------- 26

1.3 Coleta de dados: técnicas e procedimentos ------------------------------------------------------- 26

1.4 Relato do cotidiano escolar: fundamentos-------------------------------------------------------- 27

1.5 José Mário Pires Azanha: um delineamento possível ------------------------------------------ 30

1.6 Obras de José Mário Pires Azanha --------------------------------------------------------------- 32

1.7 Conceitos básicos da obra de Azanha ----------------------------------------------------------- 32

1.8 Pensamento pedagógico de Azanha: algumas ideias ------------------------------------------ 33

1.9 Cultura escolar--------------------------------------------------------------------------------------- 38

1.10 Autonomia da escola ------------------------------------------------------------------------------ 39

1.11 Plano da dissertação-------------------------------------------------------------------------------- 42

Capítulo II – Escola de Aplicação------------------------------------------------------------------- 45

2.1 Histórico: de Escola de Demonstração para Escola de Aplicação--------------------------- 45

2 .2 Escola de Demonstração-------------------------------------------------------------------------- 45

2.3 Situação da Escola de Aplicação: 1976-1986---------------------------------------------------- 49

2.4 Regimento e objetivos: alterações feitas---------------------------------------------------------- 49

2.5 Currículo e programas de ensino: 1976-1977---------------------------------------------------- 51

2.6 Análise dos currículos – currículo adotado em 1977 ------------------------------------------- 52

2.7 Comparação dos currículos de 1976 e 1977------------------------------------------------------ 57

2.8 Sistema de avaliação do rendimento escolar------------------------------------------------------ 60

2.9 Organização do pessoal técnico-administrativo da Escola de Aplicação - 1976-1977---- 62

2.10 Análise das mudanças no quadro de pessoal técnico-administrativo------------------------- 63

2.11 Corpo docente--------------------------------------------------------------------------------------- 71

2.12 Corpo discente – 1º grau--------------------------------------------------------------------------- 75


2.13 Estágio------------------------------------------------------------------------------------------------ 77

Capítulo III - Orientação para as práticas escolares e atividades extraclasse--------------- 81

3.1 Plano Escolar Anual: Orientação Geral (Diretriz)------------------------------------------------ 81

3.2 Proposta pedagógica---------------------------------------------------------------------------------- 89

3.3 Planejamento do ano letivo: orientação----------------------------------------------------------- 91

3.4 Implicações da teoria não-diretiva na metodologia do ensino--------------------------------- 94

3.5 Atividades culturais e projetos de estudo--------------------------------------------------------- 98

3.6 Projeto de Ciências: meio ambiente--------------------------------------------------------------- 102

3.7 Projeto de alfabetização baseado na linguística estrutural-------------------------------------- 104

3.8 Projeto de alfabetização na linha da Semiótica--------------------------------------------------- 110

3.9 A alfabetização propriamente dita----------------------------------------------------------------- 116

3.10 Comentário sobre a forma de desenvolvimento do projeto------------------------------------ 119

Capítulo IV - Escola de Aplicação: relato do cotidiano e avaliação da aprendizagem---- 122

4.1 Escola de Aplicação (1976-1986)------------------------------------------------------------------ 123

4.2 Práticas escolares: área administrativa ------------------------------------------------------------ 124

4.3 Práticas escolares: área técnica--------------------------------------------------------------------- 129

4.4 Práticas escolares: corpo docente ------------------------------------------------------------------ 141

4.5 Práticas escolares: os alunos------------------------------------------------------------------------ 143

4.6 Práticas escolares: os auxiliares-------------------------------------------------------------------- 145

4.7 Práticas escolares: os pais --------------------------------------------------------------------------- 145

4.8 Práticas escolares: o Centro Cívico Escolar------------------------------------------------------- 146

4.9 Práticas escolares: estágio e pesquisas------------------------------------------------------------- 147

4.10 Comentários------------------------------------------------------------------------------------------ 148

Capítulo V: Escola de Aplicação: 1983-1986 ------------------------------------------------------ 150

5.1 1984: a Escola de Aplicação em crise------------------------------------------------------------- 150

5.2 A Escola de Aplicação em debate------------------------------------------------------------------ 166

5.3 Projeto do Ensino Médio para a Escola de Aplicação------------------------------------------- 173


5.4 Objetivo e caráter do ensino de 2º grau------------------------------------------------------------ 175

5.5 Diretrizes para organização curricular do plano de estudos------------------------------------ 175

5.6 Coerência dos diferentes ensinos com o objetivo do curso------------------------------------- 176

5.7 O Caráter autotélico do ensino de 2º grau -------------------------------------------------------- 177

5.8 Considerações sobre o quadro curricular---------------------------------------------------------- 177

5.9 1984-1986: rupturas e continuidades-------------------------------------------------------------- 181

5.10 Avaliação da aprendizagem: 1976 a 1986------------------------------------------------------ 182

Capítulo VI – Considerações finais------------------------------------------------------------------ 188

Referências bibliográficas------------------------------------------------------------------------------- 196


21

CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO

Na década de 70 do século XX continuava o processo da reforma do ensino brasileiro, marcado


por várias mudanças em nível de experimentação e inovação educacional; de organização e
forma de funcionamento das escolas, inclusive de alterações curriculares.
A reforma ganhou maior amplitude com a instituição da Lei de Diretrizes e Bases nº 5.692 de
agosto de 1971, complementada por uma série de dispositivos – decretos, resoluções, pareceres
– que deixava claro o caráter centralizador do governo na área educacional. Como observa
Souza (2008, p.266):

A própria origem da lei n. 5.692/71 é denotativa do modo como os governos militares


atuaram em relação à educação. De modo semelhante ao que ocorreu em relação à
reforma universitária em 1968, em 1970 o então Presidente da República, Emílio
Garrastazu Médici, criou, por decreto, um Grupo de Trabalho no Ministério da
Educação e Cultura para estudar e propor diretrizes para a educação elementar e
média do país. [...]. No Congresso Nacional, o projeto de lei foi apreciado em regime
de urgência, prescindindo da discussão com a sociedade civil desmobilizada e
silenciada pelo regime autoritário.

Uma das principais mudanças na educação brasileira consistiu na fusão do ensino primário e
ginasial que passou a ser denominado ensino de 1º grau com duração de oito anos1. Assim, pelo
menos do ponto de vista formal, atendeu-se ao que dispõe a Constituição de 1967 no sentido de
ser implantada uma escola única de educação fundamental.

Um aspecto também de caráter inovador consistiu no objetivo educacional estabelecido pelo


art. 1º da Lei 5.962/71: “O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao
educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento
de auto-realização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da
cidadania”.

Apesar de, na época, contar-se com defensores do dispositivo legal de qualificação para o
trabalho, predominaram intensa polêmica e críticas acirradas. Nesta linha de contestação,
Azanha (1987, p.128) assim se pronunciava:

1
De acordo com a Emenda Constitucional nº 53 do MEC, as crianças de 6 anos passaram a integrar o Ensino Fundamental.
Com isso, a Educação Infantil atende a crianzas de 0 a 5 anos e o Ensino Fundamental passou a ter a duração de 9 anos.
22

[...] A última reforma desse grau de ensino (Lei 5.692/71), ao arrepio das tendências
históricas da educação brasileira, pretendeu a profissionalização maciça no ensino
médio, a pretexto de uma necessidade nacional de mão-de-obra nesse nível. [...] Pelo
menos três erros graves foram cometidos nessa reforma: 1) a precoce e injusta
destinação profissional de jovens que ainda estavam a meio de sua formação
intelectual; 2) o abandono do superior objetivo da escola de 2º grau, que é a formação
para a plena cidadania, a partir de uma extravagante concepção tecnocrática a serviço
de interesses imediatistas e mal detectados; 3) a descaracterização do ensino normal
de tão viva tradição em São Paulo, e que foi transformado numa confusa e ineficiente
“habilitação para o magistério.

Para Cunha (2009), a Lei 5.692/71 foi impositiva, respaldada no movimento ditado pela teoria
do capital humano que se coadunava com a profissionalização obrigatória no 2º grau. Segundo
o autor, disso decorreu o fracasso do que era visado pelos articuladores da referida proposição.
Muito pelo contrário, diz Cunha, “houve prejuízos de real monta para a educação, para o ensino
e, principalmente, para a população em idade escolar”. (2009, p.5).

Ocorreram reações contrárias também por parte do pessoal da burocracia do ensino público;
dos diretores de escolas privadas, dos profissionais da área técnico-administrativo e docente das
escolas públicas, de intelectuais ligados à educação. Entretanto, somente em 1982, mediante a
Lei 7.044, o Congresso Nacional aprovaria a eliminação definitiva da profissionalização
compulsória. O ensino de 2º grau foi reestruturado em dois ramos: de escolas técnicas
profissionalizantes e de escolas de educação geral.

Como observa Aranha (2006), além de a reforma da Lei 5.692/71 não se efetivar quanto ao
objetivo da profissionalização, ela ocasionou muitos transtornos devido, entre outros fatores, à
falta de professores especializados e da infra-estrutura necessária aos cursos como oficinas,
material e laboratórios, principalmente nas áreas da indústria e da agricultura. Por este motivo,
foi dada primazia à área terciária que possibilitava instalações menos onerosas. Além disso, a
autora critica o fato de que a inclusão obrigatória do civismo nos currículos decorria de uma
imposição ideológica, reiterada pela eliminação da Filosofia e pela redução da carga horária de
História e Geografia, justamente disciplinas apropriadas para o desenvolvimento da atitude
crítica e da consciência política da realidade social em que se vive. E neste caso, ao se referir à
formação do sujeito crítico, não se pode esquecer, também, do caráter social da escola em que
esse sujeito deve ser preparado para participar da construção de uma sociedade justa e solidária.
Bernard Charlot (2009, p.17) chama de mistificação pedagógica a concepção do indivíduo
considerado como a realidade fundante da vida social:
23

[...] No essencial, a mistificação pedagógica consiste na redução do social ao


individual. Isso é feito por meio do que Jean Chateau chamou de desvio educativo. A
sociedade não é, em essência, uma estrutura, mas uma realidade totalmente
dependente das vontades e capacidades dos seus integrantes. Importa, pois, formar
adequadamente os indivíduos para que se construa uma sociedade sadia e feliz.

Nesse contexto de fatos e de ideias, situava-se a Escola de Aplicação da FEUSP/SP, objeto


deste trabalho. Faz-se pertinente, pois, a verificação de como a EA se organizou em termos da
legislação vigente e das proposições teóricas e práticas do processo educativo no período
proposto, a saber, 1976-1986. Trata-se de uma questão relevante para nosso trabalho de
pesquisa.

1.1 IDEIAS NORTEADORAS E FUNDAMENTOS DA PESQUISA


Em 31 de agosto de 1972 do século XX, foi extinto o Centro Regional de Pesquisas
Educacionais “Prof. Queiroz Filho” (CRPE/USP). Vinculado a este Centro funcionava, desde
1958, a Escola de Demonstração que tinha a “finalidade de servir de campo de observação
prática das atividades desenvolvidas na Divisão de Assistência ao Magistério2”. (FAZENDA,
1987). No prédio em que funcionava o referido Centro foi instalada a Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo que, por sua vez, assumiu a Escola de Demonstração com a
denominação de Escola de Aplicação, conforme disposto no art. 1º de seu regimento (1973).

A Escola de Aplicação de 1º grau (EA da FEUSP), anteriormente mantida pelo Centro


Regional de Pesquisas Educacionais “Prof. Queiroz Filho” do Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos (INEP/MEC), incorporada à Universidade de São Paulo por
força do Decreto Federal nº 71409 de 20/11/72, está sediada na Cidade Universitária e
é mantida pela FEUSP.

Entretanto, a Escola de Aplicação manteve, até 1975, a mesma estrutura da Escola de


Demonstração: quadro de pessoal, currículo, programas e, principalmente, os objetivos que a
caracterizavam como uma escola de cunho experimental. Os objetivos apresentados no
regimento da EA eram os seguintes:
• Proporcionar escolaridade de elevado padrão em nível de 1º grau, respeitando o que
dispõe o artigo 1º da Lei nº 4024/61 e o artigo 1º da Lei nº 5692/71;
• Demonstrar e pôr à prova métodos educacionais previstos no planejamento anual e
coerentes com o plano geral da Escola;
• Servir de campo de observação a professores da FEUSP e de estágios a alunos da
FEUSP nas condições previstas no planejamento escolar anual.

2
Orgão componente do CRPE “Prof. Queiroz Filho”.
24

O diretor da FEUSP na época, Prof. Dr. Roque Spencer Maciel de Barros, em reunião da
Congregação no início de 1976, decidiu substituir o então Conselho Consultivo3 — responsável
pela Escola de Aplicação junto à FEUSP — por um só representante, no caso pelo Prof. José
Mário Pires Azanha com ampla liberdade para reorganizar a Escola de Aplicação, a fim de
torná-la uma instituição comum, à semelhança de uma escola pública, diferindo apenas no
sentido de que ela deveria oferecer estágio aos alunos e campo de estudos aos professores da
Faculdade. Também, por escolha da Congregação, fomos indicadas para assumir a
responsabilidade pela coordenação técnica. Desta forma, passamos a trabalhar juntamente com
Azanha no período de 1976 até o final de 1984 quando, por divergências com o então chefe do
Departamento de Metodologia, Azanha pediu demissão do cargo de representante junto à EA, e
propôs um debate4 sobre essa escola. Continuamos na coordenação técnica da EA, acumulando
esta função com a de diretora, de 1983 até meados 1985.

Dada a relevância da atuação de Azanha no que se referiu à reorganização e ao funcionamento


da EA nos mais diversos aspectos de natureza técnico-administrativa e pedagógica e, em nosso
ver, aos bons resultados alcançados na aprendizagem, propusemos como objetivos deste
trabalho:
• Reconstituir a história da EA no período de 1976 a 1986.
• Descrever o posicionamento de Azanha frente aos movimentos de renovação
pedagógica nas décadas de 70 e 80;
• Identificar aspectos da teoria e da prática, desenvolvidos na EA, que possam ser viáveis5
na escola pública deste Estado.

Nosso trabalho fundamentou-se em três hipóteses. A primeira consistiu na constatação de que,


sem deixar de atender ao que dispunha a Lei 5692, de 11 de agosto de 1971, foi possível, com a
orientação de Azanha, organizar e desenvolver na Escola de Aplicação um currículo para o

3
A Seção I do antigo regimento da Escola de Aplicação dispunha em seu artigo 4º que “O Conselho Consultivo, presidido
pelo Diretor da FEUSP será formado por representantes dos Departamentos da Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo (FEUSP), na proporção de um por departamento, mediante indicação do respectivo Chefe e homologação da
Congregação da FEUSP”. (In: REGIMENTO DA ESCOLA DE APLICAÇÃO, 1973). Eram atribuições do Conselho Consultivo:
assessorar o diretor da FEUSP nos assuntos referentes à EA; apreciar o plano escolar anual elaborado pela EA; apreciar
relatórios semestrais e anuais de atividades; solicitar o assessoramento dos Departamentos da FEUSP, quando o entender
necessário; manter, pelo seu Presidente, informada a Congregação de todos os problemas referentes a EA”.
4
Ver relato deste debate no Capítulo V.
5
O conceito de viabilidade em pesquisa na área da educação constitui um dos pontos fortes da teoria de Azanha: “(…) também
em educação, as teorias seriam experimentadas, não para se saber se são falsas ou verdadeiras, pois não é o caso, mas para que
se investigue se são viáveis em face de um conjunto de condições”. (AZANHA, 1974, p. 77).
25

ensino de 1º e 2º graus de vocação humanista, pautado numa formação geral, assentada na


aquisição de uma cultura de caráter desinteressado ou autotélico6. A propósito, dizia Azanha
(1987, p. 161):
O reconhecimento deste caráter autotélico é ponto essencial para que as
programações específicas das disciplinas não degradem o ensino de 2º grau apenas a
um longo treinamento que, além de eventualmente não ter a eficiência que se
pretende, pode implantar no jovem uma dúvida e uma insegurança equivocadas com
relação ao seu próprio valor e aos parâmetros para aferi-lo.

A segunda hipótese referiu-se ao pressuposto de que a Diretriz estabelecida para a Escola de


Aplicação e que propõe como objetivo “[...] a mera e trivial transmissão de conhecimentos”
(Plano geral da Escola de Aplicação, 1976-1986, p.1) pode ser viável numa escola pública que
tenha como objetivo a formação de indivíduos com capacidade de crítica, pautada no empenho
sério e dedicado dos alunos nos estudos. Como argumenta o próprio Azanha na mencionada
Diretriz: “[...] Porque a capacidade de crítica depende para a sua expressão do domínio de um
instrumental, que não se obtém senão pelo estudo intensivo e sistemático.” (AZANHA, 1987,
p.153).

A terceira hipótese consistiu na concepção de que as práticas escolares da Escola de Aplicação


fundamentaram-se numa teoria crítica dos movimentos de renovação pedagógica,
especialmente nas décadas de 70 e 80 do século XX. Esses movimentos defendiam os métodos
ativos, a linha progressista que apregoava a liberdade do aluno como condição da
aprendizagem; a técnica do trabalho em grupo, a proposição de pesquisas aos alunos, a partir de
temas apresentados pelo professor, entre outras. Como bem analisa Lima (2005, p. 22):
[...] Azanha não se rendia aos entusiasmos de momento, muito freqüentes no campo
educacional. Ele não se rendia à paixão da revolução socialista redentora de todos os
males do capitalismo, nem ao fervor mudancista dos movimentos que reclamavam
urgentes e radicais transformações na educação brasileira; nem ao experimentalismo
de fundo positivista de algumas experiências pedagógicas; muito menos à escolha
arbitrária de uma teoria para ser usada como parâmetro curricular etc.

Tanto como educador quanto como teórico da educação, Azanha se posicionava, na realidade,
como um pensador singular que só aderia a um pensamento pedagógico se ele correspondesse,
com lógica e clareza, às suas próprias concepções, algumas das quais abordadas no decorrer
deste trabalho.

6
Em seu livro “Educação: alguns escritos”, Azanha cita A. Renault: “O ensino secundário tem por uma de suas finalidades a
preparação para os cursos superiores mas guarda, irrecusavelmente, um sentido autotélico, que é o da formação do espírito ou
do homem como um todo, neutro e indiferente entre as carreiras profissionais”. (RENAULT apud AZANHA, 1987, p.161.).
26

1.2 METODOLOGIA DA PESQUISA

Propusemo-nos a fazer uma investigação de caráter qualitativo que julgamos adequada aos
objetivos propostos. Partimos de uma análise dos princípios teóricos adotados e das atividades
práticas desenvolvidas na EA. Ou seja, o estudo não se voltou para a quantificação ou medida
objetiva de dados da realidade observada. Antes, ele se deteve na compreensão e no registro
dos dados obtidos na pesquisa, mediante procedimentos metodológicos diversos, segundo a
ótica dos sujeitos, nas diferentes situações em que estes se apresentam e se relacionam entre si.
Segundo Kerlinger (1979, p.6) esta é a abordagem metodológica indicada na seguinte situação:

[...] quando o interesse se focaliza em indivíduos, nações, organizações e


acontecimentos. A história, portanto, não é uma ciência. Isto de forma alguma
significa que ela seja de alguma maneira inferior ou superior à ciência. É
simplesmente diferente _ é ideográfica. [...] Para clínicos, professores e pessoas cujo
trabalho esteja ligado ao indivíduo, parece difícil compreender a ciência e o cientista
nomotético. Seu principal interesse na ciência, se existir, está em como ela pode
ajudá-los a curar ou ensinar indivíduos e nem tanto em leis abstratas que podem ou
não ser aplicadas a indivíduos particulares ou que talvez apliquem a eles apenas em
média.

Um dos eixos do estudo incidiu na análise dos documentos principais da Escola de Aplicação,
referentes à sua organização e funcionamento. O eixo subsequente implicou o exame das
atividades desenvolvidas pela coordenação técnica. e o terceiro eixo convergiu para entrevistas
semi-estruturadas com ex-professores, ex- alunos e ex-orientadores da equipe técnica.

1.3 COLETA DE DADOS: TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS

Foi feita a revisão da literatura relacionada com o objeto da pesquisa, com vistas ao
embasamento teórico, necessário à análise dos dados levantados no decorrer da investigação.
Na realização desse exame, é possível ter havido a interferência de certa subjetividade, uma vez
que é praticamente difícil manter atitude totalmente objetiva em estudos que impliquem
interpretação, especialmente em nosso caso em que se conta com muitos anos de prática
escolar. Entretanto, este aspecto pode ser atenuado mediante o empenho em manter constante
vigilância da tendência à subjetividade, como propõe Hegenberg em seu livro “Explicações
Científicas” (1978). Também, neste sentido, vale a observação de Burke (1992, p.136):

O problema está em se achar uma maneira de reconhecer os limites do conhecimento


e também da razão, enquanto ao mesmo tempo se constrói uma historiografia capaz
27

de organizar e explicar o mundo do passado. Por isso, o principal conflito não está
entre a nova história e a história tradicional, mas antes, no significado da história,
encarada como uma prática interpretativa.

E ainda, a observação de Bachelard (1972, p.289):

[...] como o conhecimento objetivo nunca está terminado; e como novos objetos
abordam sem cessar temas de conversação no diálogo entre o espírito e as coisas, todo
o ensino científico, quando é vívido, será agitado pelo fluxo e refluxo do empirismo e
do racionalismo. De fato a história do conhecimento científico é uma alternativa que
se renova sem cessar do empirismo e de racionalismo. Esta alternativa é algo mais que
um fato. É uma necessidade do dinamismo psicológico.

1.4 RELATO DO COTIDIANO ESCOLAR: FUNDAMENTOS

Com a finalidade de propiciar um conhecimento interno do funcionamento da escola nos seus


aspectos do dia-a-dia, pretendemos apresentar uma descrição cultural7 da EA com informações
claras e fidedignas. Conforme esclarece Paul Veyne (1971, p.25-26):

A escolha relativa do historiador só se encontra entre uma história que informa e


explica menos e uma história que explica mais e informa menos. A história
biográfica e anedótica, que se encontra no ponto mais baixo da escala, é uma história
fraca que não contem nela a sua própria inteligibilidade, a qual lhe advém somente
quando a transportamos em bloco para o seio duma história mais forte. [...] A
história biográfica e anedótica é menos explicativa, mas é mais rica do ponto de vista
da informação dado que considera os indivíduos na sua particularidade e porque
pormenoriza, para cada um deles, os cambiantes do caráter, os desvios das suas
motivações, as fases da sua deliberação. Esta informação esquematiza-se, depois
abole-se quando se passa a histórias cada vez mais fortes.

Outro aspecto consiste no modo como o relato do cotidiano deve ser escrito, uma vez que se
trata da descrição de fatos numa perspectiva histórica. No caso de escolha de uma linha da
história tradicional, teria sido possível a narrativa dos acontecimentos relativos às teorias
adotadas, às respectivas práticas escolares e resultados alcançados. Entretanto, essa forma de
abordagem poderia deixar, entre parênteses, aspectos miúdos da prática escolar que podem ser
altamente esclarecedores da dinâmica de uma escola e do contexto psicológico e social em que
transcorreu essa prática.
Diante disso, optou-se por uma abordagem histórica do cotidiano, mesmo levando em conta as
dificuldades que ela apresenta. Segundo Burke, um relato circunstanciado de fatos configura-se

7
Trata-se de uma descrição do dia-a-dia escolar que envolve, conforme definição de cultura escolar de autoria de Viñao Frago,
“práticas e condutas, modos de vida, hábitos e ritos – a história cotidiana do fazer escolar – objetos materiais – função, uso,
distribuição do espaço, materialidade física, simbologia, introdução, transformação, desaparição…– , e modos de pensar, assim
como significados e ideais compartilhadas (FRAGO apud GONÇALVES e FARIA FILHO, 2005).A descrição cultural
proposta é feita no capítulo IV deste trabalho.
28

como uma micro-narrativa, adequada à nova história, enquanto forma de narrativas que ela
propõe. Diz Burke (1972, p.347):

[...] Estas novas formas incluem a micro-narrativa, a narrativa de frente e para trás e
as histórias que se movimentam para frente e para trás, entre o mundo público e
privado, ou apresentam os mesmos acontecimentos a partir de pontos de vista
múltiplos.

Mas um relato na forma de micro-história parece ser insuficiente para dar conta de uma
interpretação mais global dos fatos relatados, uma vez que ela não propicia conexões entre
acontecimentos pequenos e grandes, conforme esclarece Azanha (1992, p.105):
[...] a questão central no estudo da vida cotidiana é apenas uma visão particular do
amplo e complexo problema teórico – presente em todas as áreas do saber – de
elucidar as relações entre o local e o global; entre o micro e o macro, entre o
particular e o universal, entre a parte e o todo.

Não se pode perder de vista que a compreensão do cotidiano em sua totalidade requer, segundo
Azanha (ob. cit., p.113-122), o atendimento a quatro demarcações conceituais:

1. A vida cotidiana (individual ou social) é uma totalidade de partes que são objetos
interligados.
2. A totalidade da vida cotidiana (individual ou grupal) é um processo histórico e,
portanto, em permanente fluência.
3. O acesso cognitivo à vida cotidiana pressupõe a possibilidade de sua partição, de
tal forma que uma ou mais partes sejam reveladoras da totalidade.
4. A idéia de que a vida cotidiana (individual ou social) pode revelar-se por
intermédio de uma ou mais de suas partes depende, para ser fecunda, da perspicácia
do investigador na elaboração de procedimentos teóricos adequados.

Azanha (ob. cit., p.124) teoriza o tema do cotidiano para dar significado ao estudo metódico de
práticas rotineiras, daquilo que se passa no dia-a-dia da escola. Serão tomadas, como
referencial, demarcações conceituais para esclarecer algumas ideias básicas da reconstituição
proposta:

1. A prática escolar, objeto deste estudo, é marcada por um caráter compósito, dado
que ela se constitui de partes não-separáveis: atitudes e procedimentos dos técnicos e
dos professores, dos alunos, e forma de relacionamento inter-pessoal, mas que
possibilitam a identificação de aspectos relevantes no cotidiano em estudo
2. A esse caráter compósito da prática escolar, subjaz um conceito de totalidade,
circunscrito nos limites do espaço e do tempo em que ocorreu a experiência a ser
relatada. Por outro lado, essa experiência envolve pessoas em ação, sujeitas, portanto,
a transformações. Nessas condições, propõe-se lidar com “totalidades parciais”, posto
que a experiência humana é sempre dinâmica e fluente.

Outro aspecto a ser considerado é o de que um fato narrado assume significação no contexto da
mentalidade em que ele ocorreu. Veyne (1971, p.199) esclarece a importância da norma da
época: “Compreender o passado suporá, portanto, que o historiador reconstroi na sua cabeça a
29

normalidade da época e que sabe torná-la sensível ao leitor. Um acontecimento só é o que é por
relação às normas da época”.

A concepção do histórico da Escola de Aplicação como uma “totalidade parcial”, um


compósito de fatos não-separáveis, levanta a questão de como extrair partes dela que sejam
reveladoras dessa totalidade.

Uma primeira solução já se apresenta na forma como este trabalho foi estruturado, ou seja,
numa delimitação do relato histórico em período.

A propósito, Certeau (1982, p.11) afirma: “O recurso à cronologia reconhece que é o lugar da
produção que autoriza o texto, antes de qualquer outro signo [...]. Ela (a cronologia) é a
condição de possibilidade do recorte em períodos”.

Parece oportuna, também, a distinção que Certeau (1982, p.12) faz entre acontecimento e fato:

[...] O acontecimento é aquele que recorta, para que haja inteligibilidade; o fato
histórico é aquele que preenche para que haja enunciados de sentido. O primeiro
condiciona a organização do discurso, o segundo fornece os significantes, destinados
a formar, de maneira narrativa, uma série de elementos significativos.

Além de ser necessário subdividir o fato histórico em procedimentos cronológicos, requer-se a


identificação, no período em estudo, de eventos essenciais do cotidiano, representativos do seu
universo, ou seja, da totalidade parcial, o que requer critérios de seleção.

Por isso, para cada episódio abordado, propõe-se, como fato central, a interrelação entre
pessoal administrativo, professores, alunos, pais; técnicos e professores, professores e alunos.
Desta forma, parece ser possível detectar como ocorria a dinâmica do ensino e da
aprendizagem, uma vez que, a partir de um processo de interação, os professores ou técnicos
novos ou iniciantes se integravam na dinâmica do dia-a-dia escolar.
30

1.5 JOSÉ MÁRIO PIRES AZANHA: UM DELINEAMENTO BIOGRÁFICO

Constitui um desafio traçar a biografia de José Mário Pires Azanha, seja como educador e
teórico ou homem público da educação. Embora longa, vale a pena reproduzir a notável
descrição de Azanha, como pessoa e professor, feita por Nilson Machado (2004, p.325).

Não era um homem simples. Nada nele era previsível, exceto, talvez, a radicalidade de
seu pensamento, a percuciência de sua argumentação, a intensa paixão na defesa de
seus pontos de vista e a freqüência com que se envolvia em polêmicas, sempre
imbuído, em seu juízo, dos mais altos ideais de justiça, do mais genuíno espírito
público. Notável era sua competência em transformar todas essas circunstâncias em
textos agudos, da melhor qualidade, extremamente bem redigidos. Era um mestre no
uso da palavra, sobretudo da palavra escrita. Sua retórica parecia, às vezes, dura, mas
era sempre muito eficiente, muito esclarecida, muito precisa. Em razão de suas
indiscutíveis qualidades intelectuais, certamente era mais respeitado que temido, mas
era temido, sem dúvida, o era. Não era fácil enfrentá-lo num debate; sua argumentação
era verdadeiramente fulminante. [...] Da educação à filosofia, da política à estética, da
antropologia à culinária, nenhuma dimensão do modo de ser do ser humano lhe era
indiferente. Com ele, todos os temas poderiam constituir-se em objetos de uma
reflexão densa, sempre apaixonada, sempre reveladora. [...] Sua independência
intelectual era admirável. Impossível classificá-lo em qualquer dos “ismos” que
povoam — e, às vezes, infestam o cenário acadêmico: positivismo, marxismo,
construtivismo, estruturalismo, personalismo, evolucionismo, conservadorismo, etc.,
etc., etc. É, ele não era um homem simples, não era simples compreendê-lo, ou mesmo
aceitar alguns de seus pontos de vista mais caros, sempre plenos de uma radicalidade
que somente os espíritos independentes e criativos podem alcançar. Mas era um ser
humano notável, um intelectual fecundo como poucos, um professor, um mestre no
sentido pleno da palavra. Infelizmente, deixou-nos muito cedo. Certamente,
sentiremos muito sua falta.

José Mário Pires Azanha nasceu em Sorocaba, Estado de São Paulo, em 28 de novembro de
1931, mas desde cedo foi com a família morar em Santa Cruz do Rio Pardo onde cursou o
primário e secundário entre 1942 e 1947. Em São Paulo cursou a Escola Normal, concluindo-a
em 1950. Em seguida, fez o curso de Pedagogia na Universidade de São Paulo com término em
1955. Ainda nesta Universidade, formou-se, em nível de pós-graduação em: “Análise Fatorial”,
“Planejamentos de Experimentos” e a “Nova História”.

No decorrer desses estudos, Azanha trabalhou como professor substituto no período de 1949 a
1953. Em seguida, entre 1955 e 1957, atuou como professor universitário de Estatística
Educacional e Psicologia Experimental na FFCL, “Sedes Sapientae”, PUC/SP e, entre 1956 e
1963, como professor de Filosofia no ensino secundário público de São Paulo.
31

Na sequência de sua carreira docente, lecionou Estatística Educacional (1957-1966), Pesquisa


Educacional (1958-1964), Metodologia Científica (1958-1960) e Metodologia da Ciência
(1965) no Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo, no Curso de Especialistas
em Educação para a América Latina, patrocinado pelo MEC-UNESCO. E, ainda, Pesquisa
Pedagógica (1978) na UNESP de Araraquara.

Em 1966, Azanha inicia a docência na Universidade de São Paulo, na Faculdade de Educação e


Ciências da Educação da USP, tendo lecionado Métodos e Técnicas de Pesquisa Pedagógica no
curso de graduação, entre 1966 e 1972; e Filosofia da Educação, no curso de pós-graduação,
entre 1974 e 2002. Em 1972, prestou doutorado direto; em 1990, também na FEUSP, realizou a
livre-docência e, em 1991, prestou concurso para professor titular. Aposentou-se pela medida
compulsória em 2001, após 55 anos de dedicação em defesa da escola pública.

Como professor em tempo integral na Faculdade de Educação da FEUSP, além de assumir


diversos cargos na instituição de ensino público, orientou vários alunos de mestrado e
doutorado. Também foi marcante sua atuação como representante da FEUSP junto à Escola de
Aplicação (1976-1984). Conforme relata Lima (2005, p. 29):

[...] Suas lutas mais marcantes no campo educacional, lembradas como polêmicas,
foram: a) a efetiva democratização do acesso à escola de oito anos em São Paulo, que
resultou na extinção do exame de admissão, depois do chamado curso primário, e
instituindo o grupo escolar-ginásio – ou escola de oito anos – que seria oficializada na
lei 5692/71 com o nome de ensino de 1º grau. Ou seja, o professor Azanha é
considerado como a personalidade que praticamente dirigiu essa Reforma do Ensino
em São Paulo, a partir das lutas nessa área desde 1967; b) a defesa da Escola de
Aplicação da FEUSP entre 1981 e 1984; c) a luta pela liberdade do professor e pela
autonomia das escolas presentes em suas falas, documentos, artigos e livros.

Como Conselheiro, os pareceres e deliberações do Professor Azanha foram determinantes para


a tomada de decisões importantes pelo Conselho Estadual de Educação. Como homem público,
Azanha foi alvo de homenagens: Acadêmico Titular na Academia Paulista de Educação
(13/8/1999); “Professor Emérito” da Faculdade de Educação da USP, em 27 de outubro de
2002.
32

1.6 OBRAS DE JOSÉ MÁRIO PIRES AZANHA

AZANHA, J, M. P. Experimentação educacional – uma contribuição para sua análise. São


Paulo: Edart, 1974.
______. Educação: alguns escritos. São Paulo: Ed. Nacional, 1987.
______. Uma ideia de pesquisa educacional. São Paulo: Edusp, 1992.
______. Educação: temas polêmicos. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
______.A formação do professor e outros escritos. São Paulo: SENAC, 2006 (obra
póstuma).

1.7 CONCEITOS BÁSICOS DA OBRA DE AZANHA

Azanha sempre se preocupou com a clareza dos conceitos em seus escritos, fossem de natureza
científica ou pedagógica. Considerando seu propósito de organizar a Escola de Aplicação com
vistas a um ensino de boa qualidade e que fosse viável numa escola pública, procuraremos
esclarecer sua concepção de “melhoria do ensino” e de “viabilidade”.
No que se refere à expressão “melhoria do ensino”, recorremos ao conceito explicitado pelo
próprio Azanha (2006, p.103):

[...] a melhoria do ensino é sempre uma questão institucional e uma instituição social,
como é a escola, é mais do que a simples reunião de professores, diretor e outros
profissionais. A escola, ou melhor, o mundo escolar é uma entidade coletiva, situada
num certo contexto, com práticas, convicções, saberes que se entrelaçam numa
história própria em permanente mudança. Esse mundo é um conjunto de vínculos
sociais, frutos da aceitação ou da rejeição a uma multiplicidade de valores pessoais e
sociais. [...] A idéia de um projeto pedagógico visando à melhoria desse mundo com
relação às suas práticas específicas, será uma ficção burocrática se não for fruto da
consciência e do esforço da coletividade escolar.

Ao analisar as escolas experimentais, Azanha observa que não se justificam investigações


científicas na área educacional, devido às peculiaridades dessa área que implica para fins de
estudos tão-somente projetos que permitam examinar a viabilidade de certos cursos de ação e
não a veracidade de hipóteses experimentais, próprias da investigação científica. Assim, um
plano ou projeto com vistas à melhoria do ensino deveria ser entendido como uma proposta de
viabilidade de um curso de ação.
33

Historicamente, é importante esclarecer que algumas das ideias de Azanha que balizaram o
projeto da Escola de Aplicação da FEUSP, a partir de 1976, já tinham anteriormente norteado o
esforço de melhoria da escola pública em 1968 na Administração Ulhoa Cintra, e retomado, em
1974, na Administração Paulo de Tarso.

1.8 PENSAMENTO PEDAGÓGICO DE AZANHA : ALGUMAS IDEIAS

Como vimos, é conhecida a atuação de José Mário Pires Azanha como homem público,
político, administrador e educador, empenhado na melhoria da escola em seus diversos
aspectos, especialmente no que se refere à democratização do ensino; à cultura e à autonomia
da escola, à formação do professor. Entendemos que, ainda que de forma sumária, essas ideias
deviam ser analisadas logo no início deste estudo, pelo fato de estarem presentes direta ou
indiretamente na proposta de ensino da Escola de Aplicação e constituírem fundamentos
mesmo deste trabalho.

Mais especificamente, o estudo aqui apresentado sobre o movimento de democratização do


ensino funda-se na concepção de que não basta a igualdade de acesso de todos na escola para a
concretização desse ideal. É preciso também assegurar, na medida do possível8, uma proposta
de ensino que seja adequada às características do público escolar, de modo a permitir a todos
uma efetiva aprendizagem, o que constituiu uma das preocupações da Escola de Aplicação. Isto
pode parecer óbvio, mas, na verdade, é um dos grandes entraves para a concretização do ideal
democrático na maioria das escolas, tendo sido alvo de estudos, discussões e movimentos há
vários anos, conforme veremos neste trabalho.

Com relação à ideia de Azanha sobre a democratização do ensino, tomaremos como referência
um artigo de sua autoria “Democratização do ensino: vicissitudes da idéia no ensino paulista”
em que são analisadas, numa perspectiva histórica, várias iniciativas no Estado de São Paulo,
como, por exemplo: a Reforma Sampaio Dória, em 1920; a luta pela escola pública no período
de 1948 a 1961; a expansão da matrícula no ensino ginasial, entre 1967 e 1969; e algumas
tentativas de renovação pedagógica, conforme ocorreu nos Ginásios Vocacionais.

8
No período de 1976 a 1986, José Mário Pires Azanha era adepto de uma relação pedagógica em que o professor deveria
considerar as características pessoais de cada aluno. Posteriormente, com a entrada maciça e diversificada de alunos na escola
pública, Azanha entendeu que essa relação, em seu ver de cunho preceptorial, deveria ser revista. O grande número de alunos
requeria, então, uma convergência do professor para um relacionamento baseado na tolerância e no respeito aos direitos
humanos dos alunos, já que não seria mais possível um ensino individualizado.
34

Ao assumir a diretoria da Instrução Pública do Estado de São Paulo, em 1920, Sampaio Dória
defrontou-se com o sério problema de um ensino primário bastante deficitário quanto ao
insuficiente número de vagas requeridas por excessiva demanda de candidatos. Essa situação
vinha se agravando a cada ano e exigia um considerável aumento de escolas para atender à
população necessitada de escolarização. Entretanto, afigurava-se como bastante difícil a
solução do problema, uma vez que a diretoria não dispunha dos recursos financeiros
necessários à criação das escolas requeridas para atendimento à grande demanda de candidatos.
Sampaio Dória via essa situação como um problema muito sério porque constituía, sobretudo,
um entrave para a concretização dos princípios de uma prática democrática. A propósito, já em
1918, em carta aberta ao ex-diretor da Instrução Pública, conforme cita Azanha, Sampaio Dória
(DÓRIA, 1923 apud AZANHA, 1987, p.39-40), assim se pronuncia:

Sempre que penso na realização prática dos princípios democráticos, uma dúvida,
uma quase descrença, me assalta o espírito, deante do espetáculo doloroso da
ignorância popular. Como organizar-se, por si mesmo, politicamente, um povo que
não sabe ler, não sabe escrever, não sabe contar? Se o povo não souber o que quer,
como há de querer o que deve? Governos populares, sem cultura, viverão morrendo
de sua própria incultura. [...] Eis por que me interessou, sempre, a solução prática do
problema do analphabetismo. A instrução, primária e obrigatória, a todos, por toda
parte, é ideal que me seduz.

Sampaio Dória, portanto, entendia ser uma exigência democrática a erradicação do


analfabetismo. E diante da escassez de recursos financeiros, ele tomou a decisão de reorganizar
o ensino primário de modo que a obrigatoriedade escolar começasse aos 9 anos e não mais aos
7 anos a fim de que fosse possível reduzir o ensino para 2 anos e desta forma dar oportunidade
a todos para acesso à escola. Assim, sem deixar de ser um educador, Sampaio Dória agiu como
um reformador e, nesta posição, como descreve Azanha, “escapou à sedução das soluções
simplistamente pedagógicas e teve acuidade para os termos políticos em que a situação se
apresentava” ( 1987, p.13).

Essa situação já fora objeto de reflexão por Sampaio Dória (DÓRIA, 1923 apud AZANHA,

1987, p. 29):

Sabe-se que sem egualdade, não há justiça. A desigualdade com que o Estado, em
matéria de ensino elementar, tem tratado aos seus filhos, é uma injustiça. E como, sem
justiça, não há democracia digna, a sustentação do systema actual seria
antidemocrática.

E Dória (1923 apud AZANHA, 1987 p.91-92) acrescenta mais um argumento a favor de sua
reforma:
35

Dizer que é preferível favorecer, com mais algumas noções, a um terço da população
escolar, e, como conseqüência negar tudo aos outros, é heresia democrática, e
necessidade. O governo estaria prompto a aceitar este ponto de vista, se, primeiro
demonstrassem que é justo, e, depois, que dois anos de escola não valem nada.

Azanha refuta as críticas feitas à Reforma Sampaio Dória e observa que, no caso, o aspecto
relevante a ser considerado nessa iniciativa é o de que não se democratiza uma instituição
pública como a escola sem que ela atenda a todos.

Quanto à expansão do ensino ginasial (1968-1970) na Administração Ulhoa Cintra, José Mário
Pires Azanha, integrante dessa Administração, teve atuação especial no processo de
democratização do ensino, ao unificar a preparação das provas dos “exames de admissão” e
reduzir suas exigências. Esta medida propiciou a concretização de uma política de expansão do
ensino ginasial com uma explosão de matrículas de alunos. Diante disso, muitos professores,
principalmente do ensino secundário, reagiram negativamente com o argumento de que o
grande aumento de alunos respondia pela queda da qualidade do ensino. E, como
consequência, ocorreu uma maciça porcentagem de reprovação dos alunos. Essa atitude
contraditória dos docentes e de outros responsáveis pela educação constituiu alvo de uma
criteriosa análise de Azanha (1983, p.32-33):

[...] Obviamente, essa política de expansão de matrículas alterou profundamente o


quadro anterior, obrigando, entre outras coisas, a uma intensiva ocupação do espaço
escolar. Mas o grande problema da Administração não foi a localização dos novos
alunos; isso era possível e acabou sendo feito. O problema maior consistiu na
resistência de grande parcela do magistério secundário que encontrou ampla
ressonância no pensamento pedagógico da época. Raros foram os que tomaram
posição na defesa da política de ampliação das vagas, embora todos, como sempre,
defendessem a democratização do ensino. A alegação de combate, já tantas vezes
enunciada, era sempre a mesma: o rebaixamento da qualidade do ensino. [...] Passado
o impacto dos exames facilitados e da matrícula onde fosse possível, a resistência do
magistério assumiu a forma de uma “profecia auto-realizadora”. Fundado na
convicção de uma inevitável queda da qualidade do ensino, o professorado não
procurou se ajustar à nova realidade da clientela escolar e insistiu na manutenção de
exigências intra-curso que anulariam pela reprovação maciça o esforço de abertura
escolar. Nem se alegue que isso seria a evidência empírica da queda do nível de
ensino. Ao contrário, nível de ensino não é variável abstrata, e reprovação é sempre
índice de defasagem entre critérios de exigência e reais condições de ensino-
aprendizagem. Ao expandir as matrículas, a Administração estava executando uma
política de educação num sentido amplo, que não poderia nem deveria ser aferida
didaticamente como se fosse uma simples questão interna da escola. O pressuposto
dessa política era a de que a democratização do ensino era incompatível com as
exigências estritas de admissão, conseqüentemente, era também, incompatível com a
permanência das anteriores exigências internas.

Na verdade, ante uma clientela ampla e diversificada, tornou-se difícil para o pessoal técnico-
administrativo e os professores a tarefa de adequar o processo de ensino às características do
36

novo contingente de alunos. E nesta condição, a escola pública continua sendo alvo de críticas
devido ao seu mau desempenho9. Por outro lado, propõem-se, de forma equivocada, projetos
de formação e de capacitação de professores, pautados em metodologias “renovadas” com
vistas à melhoria da qualidade do ensino.

A propósito, Nóvoa (2003, p.30) alerta:

[...] Em pedagogia, a moda significa quase sempre... a vontade de mudar para que
tudo fique na mesma! Ora, neste mundo marcado pela velocidade das comunicações e
da disseminação das idéias; neste mundo invadido por uma inflação tecnológica sem
precedentes, é preciso que os professores aprendam a cultivar um cepticismo
saudável, um cepticismo que não é feito de descrença ou de desencanto, mas antes de
uma vigilância crítica em relação a tudo que lhes é sugerido ou proposto. A inovação
só tem sentido se passar por dentro de cada um, se for objeto de um processo de
reflexão e de apropriação pessoal.

Esta observação é importante, pois, a inviabilidade de um projeto de ação pedagógica decorre


também do “não engajamento” de toda a equipe escolar numa proposta educacional
democrática. No entanto, continuamos assistindo, até os dias atuais, a um processo contínuo de
exclusão das camadas populares que, por direito, têm acesso à escola. Como observa Julio
Groppa Aquino (1996, p. 44):

É possível afirmar, portanto, que esta escola de outrora tinha um caráter elitista e
conservador, destinando-se prioritariamente às classes sociais privilegiadas. Ou
melhor, o acesso das camadas populares à escola era obstruído pela própria
estruturação escolar da época. O que os dias atuais atestam, no entanto, é que as
estratégias de exclusão, além de continuarem existindo, sofisticaram-se. Se antes a
dificuldade residia no acesso propriamente, hoje o fracasso contínuo encarrega-se de
expurgar aqueles que se aventuram neste trajeto, de certa forma, ainda elitizado e
militarizado.

Os ginásios vocacionais são abordados por Azanha por terem como objetivo a renovação do
ensino, entendida como um meio de formar cidadãos brasileiros aptos para o exercício da
democracia. Esses ginásios foram instituídos a partir de 1962 e funcionaram até 1970, tendo
sido implantados em 6 unidades ginasiais na capital e em cidades do interior. Na opinião de
Azanha, esses ginásios constituíram um dos mais expressivos esforços com vistas à renovação
do ensino público paulista. Dispunham de um estatuto legal próprio que lhes assegurava ampla
autonomia didática, administrativa e financeira. Nestas condições, foi possível um expressivo
desenvolvimento de atividades voltadas para o objetivo de renovação pedagógica, marcadas
por intenções de democratização do ensino. Num relatório de 1968, enviado pelo Serviço de

9
Evidentemente, a melhoria da qualidade do ensino na escola pública requer, também, medidas de ordem administrativa como,
por exemplo, ampliação da quantidade de prédios escolares, de recursos humanos, materiais e didáticos, entre outras.
37

Ensino Vocacional ao Conselho Estadual de Educação de São Paulo, fica claro que os Ginásios
Vocacionais visavam à formação do “Homem Brasileiro” em oposição às tentativas de
“transposição de padrões culturais e modelos estrangeiros estranhos à realidade do país”. O
relatório (1968, p. 10) concluído nos seguintes termos:
O momento histórico brasileiro exige uma democratização da cultura para que o
nosso Homem possa, através da formação da sua consciência crítica, encontrar sua
forma original de fazer o país se desenvolver. È o momento da opção em todos os
níveis. Assim, toda experiência, partindo não da doação de fórmulas prontas, mas da
descoberta comum, é um dado importante para a planificação do povo brasileiro.

Como observa Azanha (1983, p.9-10), essa idéia de democratização estava assentada, do ponto
de vista didático, na liberdade do aluno, considerada como condição de êxito do plano proposto
para os Ginásios Vocacionais:
A experiência vocacional surge com a preocupação de situar o jovem como alguém
atuante e inspirada em alguns princípios da Escola Nova, enfocando principalmente o
problema da liberdade do educando como agente da própria Educação, do seu próprio
desenvolvimento, e do professor como instrumento estimulador e explicitador das
situações educativas.

Azanha (ob. cit., p.29) complementa sua análise:


Um dos compromissos ligados à posição progressista é o da aspiração de transformar
politicamente a sociedade por meio da educação, o que fica claro nos Ginásios
Vocacionais e na maioria dos escritos sobre este assunto. Nessa linha, é como se a
escola democratizada, formando homens livres, fosse condição para edificar a
sociedade democrática – reunião de homens livres. Esta aspiração repousa na idéia
simplista da sociedade política concebida como sendo mero reflexo das
características dos indivíduos que a compõem. Precisamos escapar da ingenuidade de
supor que “a democracia não pode funcionar sem democratas e que cabe à educação
formá-los”. Porque democracia se refere a uma situação política, social, econômica
que não se concretiza pela simples associação de indivíduos democráticos.

Outro fato que reforçou a crítica de Azanha aos ginásios vocacionais consistiu na recusa
veemente dessas instituições em participar dos exames unificados e facilitados de admissão ao
ginásio. Diante dessa atitude, Azanha (1987, p. 35-36) comenta:

[...] depreende-se que a democratização do ensino era concebida como algo que
deveria ocorrer intramuros no plano pedagógico e não pela ampliação das
oportunidades educativas. Pode-se alegar que, preliminarmente – antes da expansão
de escolas – pretendiam construir o modelo da escola democrática. É possível; mas
isto não invalida o que foi dito: que a democratização poderia ser adiada até que
houvessem as condições ideais para realizá-la autenticamente. É interessante
observar que esse adiamento reúne a concordância dos democratas de todos os
matizes [...] Nessas condições, não obstante a preocupação com o povo, os Ginásios
Vocacionais conceberam a democratização do ensino como fundada numa prática
pedagógica infelizmente reservada a poucos pelo alto custo em que importava.

Mesmo que as propostas pedagógicas fossem justificáveis em si, permanece a questão de um


ensino bom para poucos, o que é incompatível com os ideais democráticos do ensino.
38

1.9 CULTURA ESCOLAR

Já em 1990, em artigo pioneiro na literatura nacional, Azanha (2002, p.67-68) introduziu a


expressão cultura escolar brasileira ao propor um programa de pesquisa com vistas a um
mapeamento cultural das escolas como alternativa às discussões, para o autor, inócuas ou
banais, a propósito da questão da crise da educação brasileira:
Na verdade, o simples reconhecimento da existência de uma crise na instituição da
escola deveria antes nos conduzir a rever nossas idéias sobre ela do que,
apressadamente, levar a esforços para reformá-la. Nem mesmo somos capazes,
atualmente, de responder, de modo interessante à questão: “o que é a escola?

Diante desta questão, Azanha (idem, p.28) propõe no mencionado programa de pesquisa de
cultura escolar:
[...] um amplo conjunto de investigações (multi e interdisciplinares) capazes de cobrir
o amplo espectro das manifestações culturais que ocorrem no ambiente escolar e que
se objetivam em determinadas práticas. Esses estudos deveriam não apenas descrever
essas práticas num certo momento como também identificar e deslindar os processos
de sua formação, transformação e permanência. Do conjunto desses estudos cujo
propósito seria um mapeamento cultural da escola, teríamos a possibilidade de chegar
a hipóteses interessantes sobre a crise educacional que não se limitem a referi-la a
esta ou àquela variável, mas que busquem compreendê-la na sua dimensão histórico-
social.

E Azanha conclui que, somente a partir de um conjunto de descrições como essas, será possível
compreender a situação escolar e, a partir dessa compreensão, chegar a um esforço de
explicação e de reformulação da escola. Um mapeamento cultural das escolas, assim proposto,
salienta o equívoco da ideia que vem sendo propalada, desde a década de 90, de que a “crise
escolar” decorre da queda da qualidade do ensino. Como membro do Conselho Estadual da
Educação, Azanha deixou clara a inocuidade dessa relação:

[...] Tanto no que diz respeito à escola como no que se relaciona com a família,
houve mudanças e rupturas institucionais. Descrever esse quadro como sendo de
crise é uma apreciação valorativa que pode ser um descaminho teórico de análise e de
investigações empíricas e, por isso mesmo, conducente a sérios equívocos na fixação
de diretrizes de atuação na esfera pública ou privada. A escola básica de hoje não é
um retrocesso em relação à escola de ontem. É outra escola, principalmente por ser
altamente expandida, e suas alegadas deficiências precisam ser enfrentadas por um
esforço permanente de investigação e busca. (Indicação CEE nº 07/2000, p.24).
Nessa busca, são oportunas, como referência, as ideias de Arendt (1998, p. 238-239),
apresentadas em seu livro “Entre o passado e o futuro”:

[...] a escola é a instituição que interpomos entre o domínio privado do lar e o mundo
com o fito de fazer que seja possível a transição, de alguma forma, da família para o
mundo. Aqui, o comparecimento não é exigido pela família, e sim pelo Estado, isto é,
o mundo público, e assim, em relação à criança, a escola representa em certo sentido
o mundo.
39

Não se pode perder de vista, entretanto, o fato de que a escola tem limites na sua ação
formativa, uma vez que ao lado dela atuam outras agências que interferem na formação da
criança e do adolescente, como igrejas, clubes recreativos, partidos políticos, instituições
culturais, a mídia em geral e outras. Mas o que distingue a escola dessas agências é o fato de
que a escolarização básica deve estar, necessariamente, como diz Azanha (2002, p. 81),
“impregnada pela herança cultural e não por posições parciais de cunho doutrinário, ideológico,
ou voltado para atividades específicas”.

Carvalho (2006, p.86) retoma essa asserção:

Neste sentido, o engajamento das instituições escolares em favor de uma formação


geral, que resulte no preparo para o exercício da cidadania e se empenhe na
promoção de uma conduta, fundada em princípios éticos de valorização dos direitos e
deveres fundamentais da pessoa, deixou de ser um assunto restrito a especialistas e
profissionais da educação para se constituir em uma questão de interesse público.

Há muito, Durkeim já defendia o caráter social da escola, o que hoje se ratifica, uma vez que a
instituição escolar está inserida na sociedade e uma das suas finalidades consiste na formação
do jovem para, como cidadão, viver e atuar na sociedade.

1.10 AUTONOMIA DA ESCOLA

Azanha deixa claro que a autonomia da escola consiste, em primeiro lugar, na autonomia do
processo educativo. A escola, assim como ocorre com outras instituições, é um lugar de
convivência e de trabalho, mas o que a distingue e a torna singular é o seu propósito de educar
com base no pressuposto de que o homem pode ser modificado.

Assim posta, a autonomia da escola não pode ser confundida com a proposição de um conjunto
de normas administrativas, com a aquisição de um regimento próprio ou mediante disposições
de um conselho deliberativo, conforme se pleiteia em função de uma presumida autonomia
escolar. Para Azanha (2006, p.144-145):
a autonomia da escola é algo que se põe com relação à liberdade de formular e
executar um projeto educativo. [...] Nesses termos, o projeto educativo de uma escola
é o propósito de transformar a clientela (e a comunidade) tomando em consideração
não as prescrições de uma pedagogia abstrata, mas as condições reais de vida dos
educandos. [...] para além do alcance de todos os constrangimentos políticos,
econômicos, culturais, sociais e pedagógicos, há um espaço de encontro e de convívio
humano que é potencialmente educativo. É pela ocupação desse espaço com um
projeto de educação consciente e crítico que se dará substância efetiva à aspiração de
autonomia da escola.
40

Em uma palestra no Seminário “A Autonomia na Escola Pública”, promovido pela Secretaria


de Estado da Educação, Azanha aborda o conceito de autonomia a partir das ideias de Arthur
Lovejoy. Segundo este historiador da Filosofia, é possível identificar a mentalidade de uma
época a partir de uma análise de certas palavras julgadas imprescindíveis, em certo período,
para a discussão de problemas situados num determinado contexto. No entender de Lovejoy,
são palavras que se tornam “sagradas” porque aparecem associadas a determinadas crenças ou
valores. Portanto, uma análise do uso dessas palavras “sagradas” permite identificar os valores
associados a esse uso que expressa a mentalidade da época.

Azanha transpõe essa ideia para a área da educação brasileira e deixa clara, numa perspectiva
histórica, desde 1932 com o “Manifesto dos Pioneiros” até as mais recentes leis de diretrizes e
bases da educação nacional, a escassez do uso da palavra “autonomia”. E quando usada – assim
como ocorre com o emprego de outras palavras e ideias que impregnam a mentalidade da época
– é sempre esvaziada de sua real significação. Afirma Azanha (2006, p.38-39):

Quem, no Brasil de hoje, teria a ousadia de colocar-se contra a autonomia escola ou de


pôr em dúvida a conveniência de sua gestão democrática? Quem teria a temeridade de
afirmar que a insistência na participação comunitária na vida da Escola pode ser, em
alguns casos, uma insensatez pedagógica? No entanto, não é difícil mostrar que,
muitas vezes, essas palavras “sagradas” transformaram-se em meros slogans e não
numa indicação de soluções.

Azanha observa que as escolas de uma rede não podem prescindir da responsabilidade da
Administração do sistema de ensino para estabelecer as diretrizes e as metas de uma política
educacional. Mas deve ser preservada a liberdade das escolas para a tomada de decisões
adequadas à sua rotina escolar, às suas ideias e convicções pedagógicas. Respeita-se, desta
forma, a autonomia de quem educa sem o constrangimento da submissão a normas, orientações
e decisões prontas, emanadas da direção e dos inúmeros órgãos técnicos responsáveis pela
condução do trabalho pedagógico. Para Azanha (1992, p.42):

É preciso que as escolas públicas tenham a autonomia que a lei lhes confere. Não
mais é possível que, nesse ponto, as escolas públicas sejam discriminadas das escolas
particulares, cuja autonomia legal é respeitada. Já dizia Bacon que a verdade brotará
mais facilmente do erro do que da confusão. É isso o que esperamos. As escolas
públicas encontrarão o seu verdadeiro caminho, apesar dos eventuais erros, se
eliminarmos a imensa e confusa interferência tecnocrática e administrativa que até
agora vem tolhendo a sua ação e o seu relacionamento com as comunidades a que
pertencem. Cabe à administração, nesse particular, a ação orientadora e não a
emasculação das potencialidades criativas.
41

No âmbito geral da administração escolar, verifica-se um empenho na modernização das


escolas. Evidentemente, trata-se de uma disposição louvável e necessária, desde que se
preserve o conceito de escola como uma instituição social que dispõe de uma cultura própria,
assentada em sua trajetória histórica, portanto, não sujeita a inovações infundadas e
imediatistas. Não é à toa que a instituição escolar apresenta certa resistência a mudanças e se
caracteriza segundo alguns teóricos por uma “demora cultural”. Como observa Azanha (1991,
p.22), a escola não pode ser vista como uma empresa:

A nossa idéia de escola tem sido, muitas vezes, excessivamente simplificada. Isso se
revela, por exemplo, na própria noção de crise educacional que circula amplamente.
É comum apontar-se como evidências da crise alguns resultados escolares como a
reprovação e a evasão maciças no 1º grau [...]. Se realmente esses ´fatos´ são
evidências da crise, a nossa concepção da escola é, inegavelmente, fabril, taylorista,
porque apenas leva em conta os resultados da instituição escolar. [...] Ora, [...] esses
resultados não têm a objetividade que se pretende, isto é, eles são simples correlatos
das maneiras como a vida escolar é praticada.

Outra preocupação de Azanha incide no possível desvirtuamento do conceito de autonomia da


escola quando ele é associado à ideia de democracia. Pode ocorrer, nos dois casos, a
convergência para uma atitude favorável ao consenso, eliminando-se uma saudável posição
divergente que, no convívio escolar, além de ser legítima, pode propiciar o surgimento de
soluções criativas para um melhor encaminhamento do trabalho escolar. Em face dessa
situação, Azanha (1992, p.46) retorna às ideias de Lovejoy:

[...] O próprio Arthur LOVEJOY chama a atenção para o fato de que, muitas vezes,
“palavras sagradas” podem dar origem a “confusas associações de ideias” e até
mesmo acabar abrigando significados contrários. É preciso que consideremos esse
risco. Ele não está tão distante se levarmos em conta que a palavra “autonomia”, por
conta de sua associação com valores democráticos, pode reduzir-se a uma busca de
consenso no âmbito das escolas. No entanto, consenso é apenas uma forma de
decisão e nem sempre a mais racional, nem a mais justa. Principalmente quando a
maioria, pelo simples fato de ser maioria, se julgar no direito de suprimir as
divergências, ainda que estas sejam legítimas.

Infelizmente, na prática do dia-a-dia são raros os professores e o pessoal da área técnico-


administrativa que trabalham na forma de um esforço coletivo, condição para a formulação de
uma proposta pedagógica que tenha em vista a melhoria da qualidade do ensino e da própria
instituição escolar.
42

1.11 PLANO DA DISSERTAÇÃO

O trabalho estrtura-se em torno de seis capítulos. Neste primeiro capítulo, introdutório,


apresentamos os fundamentos teóricos que norteiam o trabalho bem como as ideias centrais do
pensamento do Professor José Mário Pires Azanha.

O segundo capítulo apresenta uma descrição detalhada da Escola de Aplicação, desde sua
origem até 1984, quando José Mário Pires Azanha se demitiu do cargo de representante da
Faculdade de Educação junto à EA. Será dada continuidade à descrição até agosto de 1986,
uma vez que nesse período, de 1983 a 1986, continuamos na direção da escola, apesar das
sérias divergências que prejudicaram a continuidade do trabalho pedagógico com a orientação
que vinha sendo dada por esse professor. De acordo com a primeira orientação (até 1984),
serão relatadas as suas proposições, principalmente no que se refere aos objetivos da EA, a
currículo e programas então estabelecidos; à Diretriz da Escola, incluindo as mudanças feitas
nas áreas administrativas e pedagógicas.

No terceiro capítulo, procuramos deixar claro como ocorreram as práticas de ensino com base
na orientação de Azanha, estabelecida para a EA, à proposta pedagógica, ao planejamento de
ensino. Ainda neste capítulo, abordamos o posicionamento teórico de Azanha frente ao
movimento de renovação pedagógica que predominava na época e que era bem aceito pela
maioria dos professores da EA. Finalmente, serão descritos os projetos de estudos e as
atividades culturais, propostos com o objetivo de enriquecer a cultura geral dos alunos,
conforme dispunha a Diretriz que orientava os fins a serem alcançados pela Escola de
Aplicação.

No quarto capítulo, propomo-nos, a partir de uma contextualização das práticas escolares,


numa linha do cotidiano da escola, descrever como ocorriam essas práticas: a forma de atuação
da direção da Escola, dos professores, funcionários, alunos, pais e como eles se relacionavam
entre si, ressaltando mentalidades, normas, divergências e convergências, valores, concepções.
Em síntese, trata-se de uma tentativa modesta de apresentar uma descrição cultural da escola. O
capítulo é concluído com uma avaliação dos resultados obtidos, principalmente na área da
aprendizagem.
43

O quinto capítulo trata das divergências surgidas entre o chefe do Departamento de


Metodologia da FEUSP e Azanha, que tomou a decisão de pedir demissão do cargo de
representante da FEUSP junto à Escola de Aplicação, e propôs à Congregação da Faculdade
um debate sobre esta escola, como de fato aconteceu. Mas esta situação não impediu a
implantação do ensino médio e a elaboração do seu projeto por Azanha. Como o debate
ocasionou mudanças e divergências na continuidade das proposições de Azanha, procuraremos
relatar esta ocorrência e as conseqüências de que foi alvo a própria EA, juntamente com o
projeto pedagógico que estava em prática desde o início de 1976.

Dada a natureza deste trabalho, entendemos que ele não comporta conclusões. Procuraremos
salientar no sexto capítulo, em nível de revisão, os principais fatos e ideias que ocorreram na
experiência pedagógica posta em ação e que possam comprovar, ou não, nossas hipóteses.

Por fim, cabe informar que as fotos apresentadas neste trabalho registram atividades
desenvolvidas nas salas das classes da 1ª série da Escola de Aplicação da FEUSP no dia 23 de
maio de 1982 e são de autoria da Profª Maria Julia Rangel de Bonnis.
44
45

CAPÍTULO II
ESCOLA DE APLICAÇÃO

Será descrita a passagem da Escola de Demonstração para Escola de Aplicação no período de


1958 a 1976. Entendemos que desta forma ficará explicitada com mais clareza o objeto deste
estudo que consiste numa reconstituição do histórico da Escola de Aplicação, correspondente
ao período de 1976 a 1986 que contou com a contribuição de José Mário Pires Azanha, então
Representante da FEUSP junto a esta escola. Na sequência, será feita, mediante estudo
comparativo, uma análise da situação da Escola de Aplicação que, no período de 1976 a 1977,
foi alvo de alterações no que se referiu a objetivos, proposições curriculares, sistema de
avaliação do rendimento escolar, pessoal técnico-administrativo, corpo docente e discente. O
capítulo é encerrado com uma abordagem das normas de estágio.

2.1 HISTÓRICO: DE ESCOLA DE DEMONSTRAÇÃO PARA ESCOLA DE APLICAÇÃO

A Escola de Aplicação (EA) da Faculdade de Educação/USP tem sido tema de várias pesquisas
e estudos acadêmicos (FAZENDA, 1987; GALVÃO, 2001; TAMBERLINI, 2001; ZAIA, 2003; BISPO, 2005;
ROSA, 2005; LIMA, 2005; PAULINO, 2007). Entretanto, dados os objetivos a que se propõem, a
maior parte desses estudos detém-se, do ponto de vista histórico, a relacionar a origem da EA
com a extinção da Escola de Demonstração que fora vinculada ao ex-Centro Regional de
Pesquisas Educacionais (CRPE) “Prof. Queiróz Filho”, sediado na Universidade de São Paulo,
no prédio em que hoje funciona a atual Faculdade de Educação.

Procuraremos, inicialmente, descrever a origem da Escola de Demonstração, numa perspectiva


histórica, com o objetivo de tornar claras as mudanças ocorridas na sua passagem formal para
Escola de Aplicação, de 1976 a 1986, período em que está centrado o objeto do presente
estudo.

2.2 ESCOLA DE DEMONSTRAÇÃO

Neste estudo, salienta-se Anísio Teixeira, considerado um filósofo da educação que, embora
tenha atuado principalmente como administrador público em diferentes instâncias da educação
46

brasileira, marcou com suas ideias e decisões de ordem prática o movimento de renovação
educacional, cujas bases centraram-se, inicialmente, no escolanovismo10, surgido no final do
século XIX na Europa e nos Estados Unidos. Esse movimento tinha por objetivo a substituição
das práticas pedagógicas, tidas como tradicionais, por uma educação que visava à formação do
cidadão e ao aumento das condições de acesso de todos à escola.

Anísio Teixeira foi um entusiasta da nova pedagogia fundamentada na filosofia de John Dewey
e na sociologia de Durkheim. Já nos anos 30, Anísio defendia a reconstrução da escola com
base no conhecimento científico, a fim de que ela constituísse um instrumento de reorganização
social. Segundo Mendonça (1957), Anísio propunha “aplicar o conhecimento em três níveis de
atividades educativas: na organização e gestão dos serviços escolares, na formação dos
professores e, por fim, no interior mesmo da escola” (p.22), introduzindo nesta “o espírito
científico, percebido quase que como sinônimo de espírito experimentalista, de investigação,
de pesquisa”. (idem, ibidem).

Esse caráter experimental, investigativo e de pesquisa na área educacional ganhou força


quando, à frente do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), Anísio Teixeira criou,
mediante verbas da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO), o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE/INEP). Conforme esclarece
o próprio Anísio Teixeira (1957, p.22):

Os Centros de Pesquisas Educacionais foram criados para ajudar a aumentar os


conhecimentos científicos que assim possam ser utilizados pelos educadores – isto é,
pelos mestres, especialistas e administradores educacionais – para melhor realizarem
a sua tarefa de guias à formação humana, na espiral sem fim de seu indefinido
desenvolvimento.

O CRPE foi organizado em divisões autônomas: Pesquisa Educacional (DEPE), Pesquisa


Social (DEPES), Documentação e Informação Pedagógica (DDIP) e Aperfeiçoamento do
Magistério (DAM). Com essa estrutura de funcionamento e ligados diretamente ao CBPE,
foram criados os centros regionais de pesquisa educacional em Porto Alegre, Salvador, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte, Recife e São Paulo.

10
Para Anita Adas Gallo, o movimento surge no Brasil no cerne da expansão do pensamento liberal, marcado por importantes
mudanças políticas e sociais devido à aceleração do processo de industrialização e urbanização, decorrentes da expansão da
cultura cafeeira. In: http:/www.anped.org.br/24/PO251803934623.rtf. Acesso em: 27 set. 2009.
47

O Centro Regional de Pesquisas Educacionais “Prof. Queiroz Filho”, implantado na


Universidade de São Paulo, foi criado em 22 de maio de 1956, tendo permanecido em
funcionamento até 31 de agosto de 1972. Durante seu funcionamento, a Divisão de Assistência
ao Magistério (DAM) solicitou ao Diretor a criação de uma escola junto ao Centro, com a
finalidade de propiciar estágio, pesquisas e experimentações aos professores, e estes serem
assistidos em atividades teóricas e práticas. Como esclarece Ivani Fazenda: “Em 1958 começou
a funcionar a Escola de Demonstração do CRPE/SP para servir de campo de observação prática
das atividades desenvolvidas na DAM. (FAZENDA, 1987, p.62).

Segundo Zaia, a Escola de Demonstração – constituída em 1958 junto ao Centro de Pesquisas


Educacionais de São Paulo “Prof. Queiróz Filho”, a partir de duas classes experimentais de 1º
ano, do então ensino primário – teve a sua história marcada por ensaios de métodos e práticas
pedagógicas. Para Zaia (2003, p.1), a Escola serviria “para a observação de práticas
pedagógicas aos professores paulistas (e de toda região sudeste e sul) que freqüentavam os
Cursos oferecidos pelo CRPE/SP; a escola abria-se a intercâmbio também com países da
América Latina11.

Com a extinção do CRPE/USP, em 1972, instalou-se no prédio a atual Faculdade de Educação


que assumiu a manutenção da Escola de Demonstração com a denominação de Escola de
Aplicação (EA). Segundo o regimento interno da USP, a EA passaria a ser uma Escola de
Ensino Fundamental e Médio (este somente implantado, entretanto, em 1975).

Conforme afirma Bispo (2005), somente com a transferência da Escola de Demonstração para a
FEUSP é que se formulou um regimento interno da escola; até então, não se tem nenhum
registro dessa natureza.

Outro aspecto que requer esclarecimento refere-se à confusão geralmente feita entre a Escola
de Aplicação e o Colégio de Aplicação, ambos sediados na USP12. Conforme descreve
Tamberlini (2001, p.162, grifos da autora).

[...] É importante ainda registrar a experiência dos Colégios de Aplicação, que foram
implementados de forma vinculada às Faculdades de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas das Universidades Públicas. Merecem destaque, sobretudo, o Colégio de

11
In: http: //www.watson.fapesp.br/Ensino/dianags.htm. Acessado em 18/09/2009
12
O Colégio de Aplicação sediado na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo denominava-se “Colégio de
Aplicação Fidelino Figueiredo”.
48

Aplicação da Universidade federal do Rio de Janeiro e o Colégio de Aplicação da


USP.
Os Colégios de Aplicação, em geral, já funcionavam como escola de ensino
tradicional e depois de alguns anos de funcionamento é que foram transformados em
escolas chamadas experimentais. Os Colégios de Aplicação tinham uma preocupação
com a formação humanista e o desenvolvimento da consciência critica.
No que se refere ao Colégio de Aplicação da Universidade de São Paulo,
especificamente, sua criação data de 1957 e a introdução da linha renovada ocorreu
em 1963. Foram adotados métodos ativos, tais como o estudo do meio, o estudo
dirigido e outros, mas o processo de aprendizagem ainda era fortemente marcado por
praticas do ensino tradicional privilegiando o papel do pensamento em relação ao
papel da ação no que concerne à elaboração do conhecimento.

Zaia (2003, p.55) esclarece que a subordinação, ou incorporação da Escola de Aplicação à


FEUSP, foi efetivada por meio do Decreto Federal nº 71.409, de 20 de novembro de 1972,
como resultado da “primeira Reunião Ordinária da Congregação da Faculdade de Educação em
1970, realizada em uma sala provisória do prédio do CRPE-SP”, na qual, o então Diretor da
Faculdade, Laerte Ramos de Carvalho, colocava em discussão a possibilidade de adaptar o
projeto em construção do Colégio de Aplicação no prédio da própria Faculdade de Educação e
conforme esclarece Zaia (2003, p.44):

propunha a constituição de uma comissão para estudar o projeto de um Colégio


anexo à FEUSP com fins de experimentação pedagógica.Entretanto, o referido
colégio permaneceu vinculado à Faculdade de Filosofia da USP. Também para Zaia,
apesar de se ter como objetivo principal um modelo de escola que apresentasse
características de uma Escola de Aplicação, até o ano de 1976, a Escola apresentava
os mesmos objetivos do período em que ela era Escola de Demonstração.

A Escola de Demonstração funcionava, inicialmente, com a denominação de classe/ laboratório


de 1º ano primário. Posteriormente, foram criadas classes/laboratório de 2º a 4º anos primários
que hoje correspondem às quatro primeiras séries do Ensino Fundamental. As
classes/laboratório ganharam muito prestígio no meio educacional devido às experiências e às
inovações metodológicas de ensino que elas proporcionavam. Por este fato e com a finalidade
de firmar essas atividades em nível experimental, no início de 1962 as classes/laboratório foram
objeto de reorganização e passaram a funcionar como Escola de Demonstração com classes de
1ª à 8ª série que hoje correspondem ao ensino fundamental. A partir de 1972, conforme
mencionado, a Faculdade de Educação assumiu a Escola de Demonstração, dando-lhe a
denominação de Escola de Aplicação A partir de então, segundo Zaia (2003), “a alteração feita
nos objetivos tinha como justificativa afirmar o caráter de normalidade da Escola de Aplicação.
Não se tratava mais de uma escola especial perante as outras escolas da rede pública estadual
de ensino” (Zaia, 2003, p.56), a não ser pela sua condição de ser subordinada à FEUSP.
49

Somente em 1985 foi instituído o ensino médio, quando já se encontrava em funcionamento o


curso de 1º grau (ensino fundamental) na atual Escola de Aplicação, cujas dependências foram
ampliadas mediante a construção de um novo prédio em 1990. Atualmente, a escola funciona
em três prédios que contam com salas de aula, secretaria e direção; salas de Arte, laboratórios
de Física, Química, Biologia e Informática, biblioteca, quadra poli-esportiva e instalações
próprias para funcionamento do Grêmio, da Associação de Pais e Mestres, do Centro de
Memória..

2.3 SITUAÇÃO DA ESCOLA DE APLICAÇÃO: 1976-1986

No período de 1976 a 1986, sob a orientação de Azanha, foram feitas várias mudanças na
Escola de Aplicação: na área técnico-administrativa e pedagógica; no corpo docente e discente.
Para melhor compreensão das modificações feitas, descreveremos, inicialmente, as alterações
relativas aos objetivos da EA, ao currículo, às normas regimentais referentes ao sistema de
avaliação do rendimento escolar, e à forma de organização do pessoal, a partir de um quadro
comparativo de como era essa organização em 1976 e em 1986.

2.4 REGIMENTO E OBJETIVOS: ALTERAÇÕES FEITAS


Para estabelecer uma nova proposta de ensino e atribuir à EA seu efetivo caráter de aplicação,
ou seja, de uma escola que oferece estágio a alunos e campo de estudos a professores, a
primeira providência de Azanha consistiu na reformulação, em 1976, do regimento, que passou
a vigorar em 1977, uma vez que a EA já se encontrava em funcionamento no primeiro trimestre
de 1976.

Inicialmente, foram redefinidos os objetivos vigentes que se apresentavam de forma bastante


vaga como: “oferecer escolaridade de elevado padrão” e “demonstrar e pôr à prova métodos
educacionais”. Tornava-se difícil verificar a compatibilidade desses objetivos com as
atividades desenvolvidas na escola. Além disso, ficava clara a relação desses objetivos com o
propósito de “experimentação e renovação pedagógica” que fora incorporado pelos
professores e pais de alunos.

Numa posição contrária, Azanha defendeu a necessidade de afirmar o caráter “comum” da EA,
semelhante ao das escolas públicas da rede. Distante, assim, do objetivo de experimentação.
Com base nesta ideia, foram propostos os seguintes objetivos: 1) proporcionar escolaridade em
50

nível de 1º grau, respeitando o que dispõem o artigo 1º da Lei Federal 4.024/61 e os artigos 1º e
17 da Lei Federal 5.692/7113; 2) aplicar e avaliar métodos educacionais previstos no Plano
Escolar Anual; 3) servir de campo de estudo a professores da FEUSP e de estágio a alunos da
FEUSP nas condições previstas no Plano Escolar Anual. (Regimento da Escola de Aplicação:
1978/79)14.

Conforme já mencionamos, Azanha fazia parte dos opositores à Lei 5.692/71, especialmente no
que se referiu ao dispositivo sobre a profissionalização compulsória no ensino do segundo grau.
Talvez este fato explique a inclusão do artigo 1º da Lei 4.024/61, bem como do artigo 17 da lei
5.692/71 nos objetivos enunciados para a Escola de Aplicação. Esta segunda Lei, então em
vigor, devia necessariamente ser seguida. Por outro lado, a Lei 4.024 de 1961 fora mais flexível
e, parece-nos, mais acessível a propostas de formação de caráter humanista. Segundo Souza
(2008, p. 231):

[...] Esta Lei atendeu às reivindicações dos que há muito clamavam pela
descentralização e flexibilidade da educação, conferindo aos Estados competência
para a organização de seus sistemas de ensino. Desse modo, pela primeira vez, a
União abria mão do forte controle que exercera sobre o ensino secundário desde o
Império.

Mesmo assim, Azanha não deixou de criticar um dos dispositivos da lei 4.024/61 (artigo 1º,
alínea d) que propõe como uma das finalidades do ensino “o desenvolvimento integral da
personalidade humana e a sua participação na obra do bem comum”. Azanha (1987, p. 83),
que já vinha participando da reforma do ensino neste Estado, tomou este dispositivo como
referência para uma revisão da concepção do ensino primário:

[...] pretender, por exemplo, que num contexto urbano-industrial em elevado estágio
de desenvolvimento, a escola primária forme a personalidade integral do educando,
não é, de maneira alguma, valorizar-lhe as funções. É antes uma colocação ingênua e
até certo ponto prejudicial porque, desconsiderando as reais possibilidades de ação da
escola primária, lhe propõe objetivos que, por inatingíveis, não propiciam ao processo
educativo a orientação necessária à sua organização e desenvolvimento.

E Azanha (1987, p.83) deixa clara sua concepção de ensino que visa à formação de crianças nas
séries iniciais do 1º grau:
[...] Uma instituição que retém a criança durante apenas algumas horas do dia, quase
sempre empobrecendo o seu ambiente, não pode, nem deve se propor à formação
integral da personalidade dessa criança porque essa é uma tarefa irrealizável nessas
condições. Mas pode e deve procurar exercer uma influência integradora das
experiências que a criança viva, dentro e fora da escola, com vistas ao
13
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
14
O Regimento Escolar da Escola de Aplicação foi proposto sob a forma de anteprojeto em 1978. Após aprovação pela
Congregação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, o Regimento foi aprovado pelo Conselho Estadual de
Educação através dos Pareceres nº 1.571 de 08/12/1978 e nº 1.782 de 19/12/1979.
51

desenvolvimento harmônico da personalidade do educando. Não é possível formar


integralmente a criança no pedaço de vida que ela passa na escola, mas esse período
pode ser o ponto de partida para o desenvolvimento de hábitos e atitudes que
permitam à criança – sob a orientação do professor – uma integração de todas as suas
experiências.

A partir desta ponderação, Azanha salienta os limites da ação formativa da escola, quando se
leva em consideração a duração dos turnos diários das aulas, a influência da família dos alunos,
dos colegas e amigos; de instituições sociais e dos diversos meios de comunicação e
informação que, no conjunto, constituem, também, agências e situações que exercem grande
influência na formação de crianças e adolescentes.

2.5 CURRÍCULO E PROGRAMAS DE ENSINO: 1976-1977

Segundo Souza15, vários historiadores brasileiros (GOODSON, 1997; KLIEBARD, 1995;


GIMENO SACRISTÁN, 1998) salientam a importância do estudo do currículo, enquanto
construção social e histórica, cujo “entendimento exige a consideração das lutas, dos interesses
e mecanismos de poder implicados na definição dos conhecimentos válidos a serem
transmitidos nas instituições educacionais” (SOUZA, 2008, p.12).

Nestas condições, podemos observar que a expressão “currículo e programas de ensino”


apresenta um teor prescritivo, em nível de disciplinas e conteúdos, do currículo posto em
prática no ano de 1977 na Escola de Aplicação.

Em 1976, deu-se início imediato a algumas alterações no quadro de pessoal técnico-


administrativo. Outras reformulações nas normas regimentais e curriculares, bem como, no
Plano Escolar, também foram iniciadas, mas para vigência no ano subsequente.

O caráter prescritivo do currículo estabelecido para 1977 decorreu das ideias que perpassavam
a reforma do ensino no Estado de São Paulo. A propósito observa Souza (2008, p.247):

A expressão currículos e programas passou a ser amplamente utilizada no ensino


primário paulista a partir de então, denotando a apropriação das novas concepções
teóricas no campo do currículo. O entendimento adotado foi o de currículo como “
conjunto de todas as experiências do aluno (atos, fatos, compreensões e crenças) sob
a influência da escola” (São Paulo, 1968, p. 81) enquanto programas diziam respeito
aos guias escritos orientadores da atividade docente.

15
Os autores citados constam in SOUZA, 2008, p.12.
52

Na proposta curricular para o ensino de 1º grau, Azanha atendeu aos dispositivos da Lei
5.692/71 e às demais determinações emanadas dos órgãos responsáveis pela regulamentação do
ensino, mas enfatizou, sobretudo, as disciplinas – Língua Portuguesa, Inglesa e Francesa,
Matemática, Artes (Artes Plásticas e Industriais e Arte Musical), História, Geografia –
atribuindo-lhes a maior carga horária possível. Essa seleção cultural remonta à importância
atribuída a um ensino de formação geral de caráter humanista que não enfatiza, portanto, os
dispositivos de “sondagem de aptidões” ou de especialização para o trabalho. Na verdade,
coexistiram, até certo ponto, as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 4.024 de
1961 e nº 5.692 de 1971, o que propiciava aos organizadores do ensino, na época, certa
autonomia para a elaboração dos currículos16.

Entretanto, na década de 70 vigorava na área educacional uma forte imposição do governo,


especialmente no que se referia às proposições curriculares. Segundo Aranha (2006, p.314):

[...] a intenção explícita da ditadura em ´educar´ politicamente a juventude revelou-


se no decreto-lei baixado pala Junta Militar em 1969, que tornou obrigatório o ensino
de Educação Moral e Cívica nas escolas em todos os graus e modalidades de ensino.
No ensino secundário, a denominação mudava para Organização Social e Política
Brasileira (OSPB) e, no curso superior, para Estudos de problemas Brasileiros (EPB).
Nas propostas curriculares do governo transparecia o caráter ideológico e
manipulador dessas disciplinas.

2.6 ANÁLISE DOS CURRÍCULOS ( 1972 A 1976 _ 1977 A 1986)

Os quadros curriculares apresentados, a seguir, visam propiciar um estudo comparativo das


alterações curriculares feitas sob a orientação de Azanha, tendo-se como termo de comparação
o currículo adotado para a Escola de Demonstração, então Escola de Aplicação, no período de
1972 a 1976, e o currículo reformulado e posto em prática no período de 1977 a 1986.

16
A organização do currículo proposto atendeu ao que dispõe a Lei nº 5.692/71 e disposições complementares, conforme
seguem: Núcleo Comum: Parecer CFE nº 1/72; Deliberação CEE nº 2/72; matérias de inclusão obrigatória segundo art. 7º
da lei 5.692/71 e Resolução CFE nº 8/71; Educação Física: Decreto Federal nº 69.540/71; Educação Moral e Cívica: Decreto
Lei nº 869/69; Decreto nº 68.065/71; Parecer CFE nº 94/71; Resolução SE nº 15/73. Parecer CFE nº 2.068/72. Aviso
Ministerial nº 205/76; Ensino Religioso: Lei nº 5.692/71, art. 7º, Parágrafo Único. Indicação CEE nº 1/72; Deliberação CEE nº
2/72; Programas de Saúde: Indicação CEE nº 1/72; Deliberação CEE nº 2/72; Educação Artística: Indicação CEE nº 1/72;
Deliberação CEE nº 2/72; Deliberação CEE nº 10/72; Formação Especial: Parecer CFE nº 339/72; Deliberação CEE nº 10/72;
Tratamento Pedagógico: Parecer CFE nº 853/71; Resolução CFE nº 8/71.
53

Comunicação e Expressão Estudos sociais Ciências

Matérias

e
Orgniz. Soc. E

da
Educação Moral
Língua Educação Artística

Política do Brasil
Educação Física
Total

Matemática
Geo. Brasil
Geo. Geral
Geral

Hist. Brasil

comerciais
Hist. Geral
Art. Dram.
Português

Programa
Art. Plást.

Ciências
Art. Indt.

Políticas
Francês

e Cívica
Música
Séries

Saúde
Total Semanal 5 Inglês 1 1 1 2 1 4 5 3

Total Anual 180 35 35 35 70 35 150 180 110 830
Total Semanal 5 1 1 1 2 1 4 5 3

Total Anual 180 35 35 35 70 35 150 180 110 830
Total Semanal 5 1 1 1 2 1 4 5 3

Total Anual 180 35 35 35 70 35 150 180 110 830
Total Semanal 5 1 1 1 1 2 1 4 5 3

Total Anual 180 35 35 35 35 70 35 150 180 110 855
Total Semanal 5 2 2 1 1 1 3 4 4 3

Total Anual 180 70 70 35 35 35 110 150 150 110 945
Total Semanal 5 2 2 1 1 1 3 4 4 3

Total Anual 180 110 150 150 110 945
Total Semanal 5 2 2 1 1 1 3 2 3 4 3 2

Total Anual 180 110 70 110 150 110 70 1.045
Total Semanal 5 2 2 1 1 1 3 2 3

Total Anual 180 70 70 35 35 35 110 70 110 150 110 70 1.045
Ensino Religioso: Total Anual 35
Quadro 1 – Currículo pleno (1972 a 1976)

Matéria Conteúdos Específicos Tratamento Séries


Pedagógico 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª

Comunicação Língua Português e


Área de Estudo
e Educação Artística 11 11 11 11
Disciplina
Expressão Língua Português 5 5 5 5
Disciplina
Inglês 2 2 2 2

Geografia e História Área de Estudo 3 3 3 3 3 2


Geografia Disciplina 2 2
Estudos
História Disciplina 2 2
Sociais
nº 5692/71. Parecer CFE nª 853/71 e

Ed. M. e Cívica (1) Atividade 1 1 1 1


Núcleo Comum e Artigo 7º da Lei

Disciplina 2
OSPB Disciplina 2

Ciências Físicas e Área de Estudo 2 2 2 2 4 3 3 3


Ciências Biológicas e Programas
Resolução CFE 8/72

de Saúde
Matemática Disciplina 5 5 5 5 5 5 5 5
Educação Geral

Educação
Atividade 3 3 3 3 3 3 3 3
Física

Ensino
Atividade 1 1 1 1 1 1 1 1
Religioso
Artes Plásticas e
Deliberação CEE nº 10/72

Industriais Área de Estudo


Artes Arte Musical 1 1 1 1
Atividade
Formação Especial

1 1 1 1
Parecer CFE

Disciplina
Francês
Nº 339/72

2 2 2 2

Total Semana de Aula 26 26 26 26 27 27 27 27

Fonte: Gordo, N., 1981.


Quadro 2 - Currículo em vigência nos anos letivos de 1977 a 1986
Fonte: Gordo, N., 1981
54

No currículo adotado em 1977, a área de Comunicação e Expressão compreendeu as linguagens


(verbal e não-verbal). Atendendo ao disposto na LDB de 1971, o currículo constituiu-se nesta
área: i) das línguas portuguesa, inglesa e francesa, ressaltando-se a importância da língua
portuguesa como o meio por excelência da comunicação e da integração nacional; ii) de
expressão da cultura brasileira. Desta forma, a ênfase na língua como principal meio de
comunicação deslocou “[...] o eixo da aquisição da norma culta para o uso instrumental e
cotidiano da língua, tendo em vista a predominância dos meios de comunicação de massa”
(SOUZA, 2008, p.271). Não menos importantes, neste sentido, são os meios de expressão: as
Artes (plásticas, industriais, dramáticas, literárias entre outras) e a Educação Física. A
relevância dada à referida área deveu-se, também, ao contexto cultural e social da época em
que as linguagens e os meios de comunicação e de informação ganhavam um crescente
desenvolvimento devido ao avanço contínuo das ciências e da tecnologia.

Diante dessas ocorrências, houve uma expressiva mudança nos recursos didáticos,
especialmente no que se referiu ao material usado para leituras. A importância quase exclusiva
que era dada à indicação de livros da literatura clássica com o objetivo de despertar nos alunos
o interesse pela aprendizagem da língua na norma padrão ou culta passou a centrar-se mais no
emprego de materiais próprios da cultura popular, como histórias em quadrinhos, revistas,
jornais, contos populares e produções do folclore brasileiro. Entretanto, na prática, a partir de
1977, a Escola de Aplicação deu ênfase à leitura de clássicos da literatura infanto-juvenil, como
veremos mais adiante.

A inclusão de duas línguas estrangeiras modernas no currículo, Inglês e Francês, propostas


como componentes tanto da parte de educação geral, como da parte de formação especial,
decorreu do atendimento às peculiaridades da clientela escolar que tinha em vista a
continuidade dos estudos em nível superior ou mesmo, posteriormente, o encaminhamento
profissional. As aulas de Francês e de Inglês foram enriquecidas por meio de clubes que
funcionavam em horário extra, sob a responsabilidade financeira de Pais e Mestres, orientação
dos professores das respectivas disciplinas e, na medida do possível, contaram com a
participação de estagiários. Dessa forma, dava-se oportunidade aos alunos que revelassem
interesse por se aperfeiçoarem nessas línguas para prosseguirem no estudo e posteriormente,
serem encaminhados para uma formação profissional.
55

Quanto à matéria Estudos Sociais, nas 5ªs e 6ªs séries, foram instituídas aulas de Geografia e
História, como já ocorria nas 7ªs e 8ªs séries. Esta proposta de alteração do currículo fora
encaminhada para exame do Conselho Estadual de Educação do qual obteve aprovação. Assim,
Estudos Sociais foi matéria tratada nas séries iniciais – 1ª e 2ª – na forma de Integração Social.
Nas 3ª, 4ª, 5ª e 6ª séries a História e a Geografia passaram a ser tratadas como área de estudo
com a denominação de Estudos Sociais e na 7ª e 8ª séries, História e Geografia foram tratadas
sob a forma disciplinas- Organização Social e Política - cuja destinação foi a do preparo para o
exercício da cidadania constou, tanto no currículo de 76, quanto no de 1977, como disciplina
com apenas duas aulas semanais nas 8ªs séries.

Educação Moral e Cívica foi proposta nas séries iniciais, de 1ª à 4ª séries, como componente do
programa de Estudos Sociais. A propósito, a orientação (GORDO, 1981, p.24)17 dada foi a de
que essa matéria
[...] estará, igualmente, implícita em todas as atividades escolares que constituem
oportunidades para o desenvolvimento do espírito cívico e a formação moral. Com os
mesmos objetivos, são desenvolvidas atividades pelo Centro Cívico Escolar, conforme
orientação contida em estatuto. Além disso, na 8ª série, em atendimento a disposições
legais, a Educação Moral e Cívica é tratada, em conjunto com Organização Social e
Política do Brasil, sob a forma de disciplina.

A Matemática e as Ciências Físicas e Biológicas foram propostas, segundo a Lei, com o


objetivo de dar oportunidade ao aluno de desenvolver atitudes de iniciativas, pesquisa e de
criatividade no nível de invenções, propiciando-lhe condições para “[...] explicar o meio
próximo e remoto” (SOUZA, 2008, p 271).

Além de consideradas importantes meios de expressão, as Artes Plásticas e Industriais


passaram a ser tratadas como área de estudo nas classes de 5ª a 8ª séries, com vistas a atender
aos objetivos de formação especial em dois aspectos: sondagem de aptidões e de iniciação para
o trabalho. A justificativa de Azanha (1981, p.25) foi a seguinte:

Dando continuidade ao processo de sensibilização artística iniciado nas primeiras


séries, as Artes Plásticas, a partir da 5ª série, oferecem base para o desenvolvimento
das Artes Industriais. Por meio, principalmente, de atividades de natureza artesanal, de
projetos de designers são estimuladas certas qualidades de criatividade, organização,

17
Esta disposição foi aprovada nos termos do Parecer CFE nº 2086/72 e do Aviso Ministerial nº 205/76.
56

cooperação, apreciação, avaliação e, em situações variadas, explorados os aspectos


utilitário e comercial das artes.[...] Foi proposta apenas uma aula por semana que
deverá atender, em princípio, aos objetivos de formação especial de todos os alunos,
conforme preceituam as disposições legais. Aos alunos que revelarem aptidão e
interesses maiores por essas atividades, estão previstas aulas extras e optativas, em
horário diverso daquele em que funciona o curso e com maior flexibilidade na
duração. Além disso, entendeu-se que todas as matérias do currículo e os atos
escolares, de modo geral, proporcionam sempre ocasião para que sejam revelados e
explorados os interesses e tendências dos alunos. E levando em consideração a
conceituação de iniciação para o trabalho constante nos documentos legais sobre o
assunto, pareceu suficiente a proposição feita para a formação especial, nesta escola.

Um aspecto a ser salientado consiste na concepção de Azanha quanto à importância e à


necessidade de reduzir, na medida do possível, a quantidade das disciplinas que deveriam
compor o currículo. Esta ideia, aliás, já era antiga. Em 1968, ao elaborar o programa de ensino
primário, Azanha propôs um currículo bastante reduzido: Língua Portuguesa, Matemática,
História, Ciências e Geografia. Sua justificativa foi a de que cabe à escola ensinar, com afinco e
dedicação por parte do professor, o que é básico e estritamente necessário. Afirma Azanha
(1976, p.3):
A redução de disciplinas no currículo escolar baseia-se, também no pressuposto de
que se torna inexeqüível e mesmo, indesejável, a proposição de um currículo escolar
com um número excessivo de disciplinas para as escolas. O argumento é o de que
num espaço de, no máximo quatro horas diárias, torna-se impraticável levar a bom
termo um processo educativo de boa qualidade com um currículo sobrecarregado de
disciplinas.

Posteriormente, este educador reafirmou sua ideia ao elogiar a proposição de Alain18


(CHARTIER, 1981, p. 48):

Geometria e poesia. Isto basta. Uma tempera a outra. Mas ambas são necessárias.
Homero e Tales conduzirão o estudante pela mão. A criança tem esta ambição de ser
homem. Não devemos decepcioná-la. E menos ainda deixá-la escolher em meio ao
que ela ignora.

Evidentemente, a limitação do currículo a apenas duas disciplinas é feita com certo tom de
ironia. Mas a concepção do autor não parece estar distanciada do pensamento de Azanha que
sempre defendeu um currículo mínimo para a escola alcançar bons resultados. Entretanto, como
já observamos, esse mínimo curricular tornava-se praticamente inviável diante da prescrição
obrigatória da lei 5.692/71.

18
Alain é o nome como ficou conhecido o educador e pensador Émile Auguste Chartier.
57

2.7 COMPARAÇÃO DOS CURRÍCULOS DE 1976 E 1977

Para melhor esclarecimento do currículo vigente até 1976 e do currículo adotado a partir de
1977, segue uma análise comparativa. A matéria Comunicação e Expressão no currículo
anterior (1976) constava de Língua Portuguesa (1ª a 8ª série), Francesa e Inglesa (5ª a 8ª série),
Educação Artística: Música para todas as séries (1ª a 8ª), Arte Dramática da 4ª a 8ª séries, Artes
Plásticas para todas as séries (1ª a 8ª) e Arte Industrial da 1ª a 4ª série, sem que em qualquer
dos casos fosse citado, no quadro curricular, o tratamento pedagógico na forma de atividade,
área de estudo e disciplina. Também o quadro curricular não indica quais disciplinas faziam
parte da Educação Geral – Núcleo Comum – e quais compunham a Formação Especial,
ainda que a própria Lei já fizesse esta distinção. A matéria Estudos Sociais tinha como
componentes: Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política, Geografia Geral,
Geografia do Brasil, História Geral e História do Brasil. No currículo de 1977, os últimos
quatro componentes passaram a constar como Geografia e História. No currículo de 1976, a
matéria Ciências compunha-se de Matemática, Ciências, Programas de Saúde e Práticas
Comerciais, enquanto no currículo de 1977, na mesma matéria, os componentes eram Ciências
Físicas e Biológicas, Programas de Saúde e Matemática.

Ponto comun entre os dois currículos foi a atribuição de maior carga horária à Língua
Portuguesa e Matemática. E ainda a inclusão de línguas estrangeiras modernas, as disciplinas
Inglês e Francês. A matéria Organização Social e Política do Brasil foi incluída apenas nas 8ªs
séries, com duas aulas semanais

De modo geral, verificamos que as duas propostas curriculares convergiram mais para o
objetivo de formação geral do aluno do que propriamente para a sondagem de aptidões
(naturalmente já implícita no desenvolvimento do processo pedagógico) e para a iniciação
profissional. Isto se justifica em face das excessivas proposições do Conselho Federal de
Educação, feitas na forma de um rol de matérias sugeridas aos conselhos estaduais para a
composição da parte especial do currículo de ensino de 1º grau. A propósito, Souza (2008,
p.272) descreve algumas dessas indicações:

[...] na área econômica, por exemplo, indicava agricultura, pesca, economia doméstica
rural etc.; na área econômica secundária, organização industrial, mecânica, eletricidade,
construção civil, vestuário etc., e, na área econômica terciária, contabilidade, turismo,
hotelaria, enfermagem, puericultura, datilografia, entre outras.
58

Este aspecto leva-nos a questionar a dificuldade, senão a inviabilidade da organização


curricular segundo os dispositivos da Lei 5.962/71 que implicavam uma quantidade excessiva
de disciplinas obrigatórias para o ensino de 1º e de 2º graus. Romanelli (1978, p. 252) ratifica a
complexidade desta situação ao citar como problemas algumas incoerências da reforma do
ensino:
[...] O quinto problema que, segundo supomos, não pôde a lei 5.692 resolver
satisfatoriamente é o da extensão do currículo, sobretudo no ensino de 2º grau, onde as
disciplinas obrigatórias são de três formas: as fixadas pelo núcleo comum, as fixadas
pelo artigo 7º da lei 5.692, e as fixadas para a parte de formação especial, referente às
habilitações profissionais. Toda essa obrigatoriedade deixa uma margem muito
pequena de escolha por parte do estabelecimento, o que afinal quase transforma a
“adaptação à realidade” numa ficção, além de sobrecarregar bastante o currículo da
escola.

Por volta de 1980 já não restava dúvida quanto à inviabilidade de ser posta em prática a
profissionalização estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases 5.692/71. Em 1982, as escolas
foram dispensadas da profissionalização obrigatória mediante a lei nº 7.044/82. Por outro lado,
foi intensificado o apelo para a reposição da Filosofia no currículo, o que ocorreu no 2º grau,
mas na forma de disciplina optativa.

A respeito de currículo, não podemos deixar de considerar o que observa Aranha (2006) sobre a
crítica de outros autores, inclusive de Morin às propostas curriculares que apresentam as
disciplinas de forma estanque, sem interação entre elas. A autora cita as ideias de Morin (apud
ARANHA, 2006, p.281):

As crianças aprendem a história, a geografia, a química e a física dentro de categorias


isoladas, sem saber, ao mesmo tempo, que a história sempre se situa dentro de
espaços geográficos e que cada paisagem geográfica é fruto de uma história terrestre;
sem saber que a química e a microfísica têm o mesmo objetivo, porém, em escalas
diferentes. As crianças aprendem a conhecer os objetos isolando-os, quando seria
preciso, também, recolocá-los em seu meio ambiente para melhor conhecê-los,
sabendo que todo ser vivo só pode ser conhecido na sua relação com o meio que o
cerca, onde vai buscar energia e organização19.

Evidentemente, o conhecimento não é compartimentado e como cita Aranha (2006, p. 281)


“[...] as qualidades das partes, inicialmente virtuais, apenas se atualizam por meio das
interrelações com outras pessoas e com o ambiente”. Entretanto, parece difícil interligar, ainda
que de forma contextual ”[...] uma disciplina que seja ao mesmo tempo aberta e fechada,
rompendo com a idéia do saber parcelado que nos coloca a questão relativa ao todo e à parte, a
ser compreendida na noção de complexidade”. (MORIN, apud ARANHA, ob. cit., p. 281).

19
In Aranha, M. L. de Arruda. História da Educação e da Pedagogía Geral e do Brasil. 3ª Ed. Ampliada, São Paulo,
Moderna, 2006, p. 281.
59

ARANHA (2006) esclarece esta noção ao salientar que o todo não consiste na soma das partes
cuja singularidade e especificidade modificam-nas quando na sua relação com o todo. Num
exemplo oportuno, a autora cita a música que ao invés de se constituir num amontoado de notas
distintas, consiste numa combinação de sons, baseada no ritmo, na melodia e na harmonia. Da
mesma forma, esclarece a autora (ARANHA, 2006, p. 281), acontece com o sujeito “[...] uma
vez que cada indivíduo tem sua singularidade como, também, suas semelhanças com sua etnia,
sociedade e cultura em que vive [...]”. Portanto, a concepção do ‘eu’ é complexa, porque para
se constituir ele precisa do ‘tu’, assim como ‘nós’ pertencemos ao mundo.

Neste contexto, Morin (apud SOUZA, 2006) refere-se à educação como um importante
processo para mediar, por reflexão, os contrastes que ocorrem em nossa sociedade: o conforto
proporcionado pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia frente ao individualismo,
egocentrismo das pessoas. Como o indivíduo pode tornar-se sujeito ativo, sem se reduzir ao
sistema? E no caso da educação, como os professores poderiam mudar a mentalidade da escola
quando eles próprios estão submetidos ao impacto das incoerências sócio-educativas? São
questões, cuja complexidade pode explicar o apreço de Morin ao conceito de
transdisciplinaridade.

No nosso modesto entendimento, de qualquer forma ainda se requer na escola uma referência
concreta para o trabalho docente, ou seja, uma proposta curricular com indicação de disciplinas
e até mesmo, conforme ocorreu na Escola de Aplicação no período de 1977 a 1986, uma
prescrição programática (de autoria dos próprios professores) com identificação de conteúdos.
Com base nesta referência, os professores, assim nos parece, poderiam planejar em conjunto
programas de ensino a serem postos em prática, até mesmo em nível de interdisciplinaridade ou
de transdisciplinaridade. Evidentemente, não se trata de querer tornar simples conceitos tão
complexos. O que se leva em conta são as condições em geral das escolas: excesso de alunos
que se distinguem por uma pluralidade cultural; condições materiais escolares geralmente
precárias, espaços e tempos de aula na maioria das vezes insuficientes e a questão
preponderante que se refere, em muitos casos, à formação e à motivação dos professores, além
do desempenho de alguns gestores.
60

2.8 SISTEMA DE AVALIAÇÃO DO RENDIMENTO ESCOLAR

A propósito da avaliação, Vasconcellos (2009, p.74-75) chama a atenção para os problemas que
devem ser evitados no processo avaliativo da aprendizagem dos alunos. O autor defende a
necessidade de mudanças nesta área a fim de evitar os estragos que vêm ocorrendo no cotidiano
escolar:

[...] Basta lembrar que (os estragos) atingem as mais diferentes esferas: psicológica
(rebaixamento da auto-estima, pedagógica (obstáculo à aprendizagem, por mais
paradoxal que possa parecer, já que deveria promovê-la), política (formação do
pacato cidadão), social (exclusão das oportunidades), econômica (não
desenvolvimento do potencial de criação de trabalho e riqueza), e também ética
(profundas injustiças, bem como, inversão de valores; o valor de troca – nota – torna-
se mais decisivo do que o valor de uso – conhecimento e aprendizagem.

Questões como estas salientam as dificuldades inerentes à avaliação que constitui sempre um
desafio, principalmente para o professor. Tanto assim, que foram constantes, na Escola de
Aplicação, as recorrências aos Conselhos de Classe para a tomada de decisões quanto aos casos
de dúvidas relativas à reprovação ou à aprovação de alunos que se situavam no limite do
rendimento escolar. Por outro lado, em ambos os regimentos (1976 e 1977), era dada
oportunidade ao aluno para ser assistido em aulas de recuperação, além de ser valorizado seu
esforço nos estudos. Mesmo assim, a avaliação da aprendizagem requer sempre do professor
muito discernimento e sensibilidade.

Além disso, Vasconcellos (2009, p.175) alerta para a questão dos modismos na avaliação: “um
dia fazíamos avaliação tradicional, no outro, diagnóstica, depois emancipatória, construtivista,
operatória, mediadora, dialógica, formativa, de 4ª geração, dialética, cidadã, por competência
etc.”. Na verdade, o autor deixa claro o cuidado que se deve ter quanto à escolha de uma
concepção de avaliação que seja adequada aos objetivos estabelecidos para a escola.

A Escola de Demonstração estabeleceu como critério de avaliação a média aritmética simples


das notas bimestrais e a valorização do esforço do aluno para aprender, aliado ao seu
desempenho nos trabalhos e em outras atividades escolares.

Conforme o artigo 26 do Regimento da Escola de Aplicação (1977), a verificação do


rendimento escolar tinha os seguintes objetivos:
61

I – diagnosticar dificuldades de aprendizagem, tendo em vista a recuperação do aluno


e o replanejamento dos trabalhos;
II – possibilitar ao aluno uma auto-avaliação sobre seu rendimento escolar
de modo a interessá-lo em seu próprio progresso e aperfeiçoamento;
III – obter informações para decidir sobre a promoção do aluno e a reorganização das
classes.

De acordo com o Regimento de 1977 (artigo 27), na verificação do rendimento escolar, a


recuperação e a promoção de alunos decorriam de trabalhos realizados pelo aluno sob a
orientação do professor, de provas escritas e/ou orais e da consideração do esforço pessoal e da
atitude do educando. Foram propostas quatro notas bimestrais e uma nota de prova final
expressas numa escala de 0 a 10 pontos. A cada uma dessas notas eram atribuídos,
respectivamente, os pesos 1 (1º bimestre); 2 ( 2º a 4º bimestres) e 3 (prova final). A prova final
versava sobre a programação anual efetivamente desenvolvida, dela ficando isento o aluno que
tivesse frequência igual ou superior a 75% e obtivesse nas avaliações bimestrais a média igual
ou superior a sete. Segundo o Regimento da Escola de Aplicação (1976, p.23):

No caso de um aluno de 5ª a 8ª série obter, após a prova final, média entre 4,5 e 4,9
em até três disciplinas, área de estudo ou atividade e ter freqüência igual ou superior a
75%, a sua promoção será decidida pelo Conselho de Classe. Nas classes de 1ª a 4ª
série, o Conselho da Escola, convocado por série, ouvido o professor, poderá decidir
sobre a retenção do aluno sem estudos finais de recuperação, quando ele demonstrar
incapacidade para prosseguir os estudos na série subseqüente.

No conjunto, as normas que regiam a verificação do rendimento escolar diferiam das adotadas
na rede oficial de ensino e mesmo na Escola de Aplicação, em 1976, nos seguintes pontos:
adoção de notas ao invés de conceitos; atribuição de pesos às notas das avaliações bimestrais e
finais; e inclusão de exame final após o último período de recuperação. A ideia foi a de que o
emprego de notas constitui uma forma de simplificar a avaliação e, ao mesmo tempo, favorecer
mais objetividade por parte do professor. Por outro lado, a decisão de atribuir pesos às notas e
de incluir uma prova final decorreu do propósito de conferir maior validade às avaliações e de
exigir seriedade e empenho dos alunos em relação aos estudos.

O regimento de 1976 previa a possibilidade de recuperar alunos após as avaliações bimestrais


e, atendendo ao que dispunha a legislação em vigor, era estabelecido o período de uma semana
de recuperação. Entretanto, no regimento de 1977, optou-se por aulas de recuperação durante
todo o ano letivo com base no pressuposto de que apenas em uma semana é impraticável
recuperar alunos que vinham apresentando dificuldades sistemáticas de aprendizagem. Mesmo
assim, a condição para encaminhamento de alunos para aulas de recuperação era a de que se
tratasse somente de alunos dificilmente recuperáveis na própria sala de aula. Esta seria uma
62

forma de assegurar o caráter de exceção que, naturalmente, devem ter as classes de


recuperação. Ao mesmo tempo, essa condição reforça a responsabilidade do professor pela
assistência que normalmente ele deve dar aos alunos com dificuldades de aprendizagem.
Considerando, ainda, a possibilidade da ocorrência de alunos que, apesar de promovidos,
exigiam assistência, previu-se para esses alunos aulas de recuperação no início do ano letivo.

2.9 ORGANIZAÇÃO DO PESSOAL TÉCNICO- ADMINISTRATIVO DA ESCOLA DE APLICAÇÃO -


1976-1977

Para melhor entendimento das alterações feitas no quadro de pessoal da Escola em 1976,
apresentamos o quadro, a seguir.
63

1976 1977

Pessoal Administrativo Pessoal Administrativo


Conselho Consultivo 06 Representante da FEUSP 01
Diretor 01 Diretor 01
Assistente do Diretor 01 Vice-Diretor 01
Assistente da Direção 09 Auxiliares de Direção 05
Secretária 01 Secretária 01
Auxiliares da Secretaria 06 Auxiliares da Secretaria 03
Serventes 08 Serventes 05
Zelador 01 Zelador 01

Pessoal Técnico Pessoal Técnico

Supervisão Pedagógica Coordenação Técnica

Responsável 01 Responsável 01
Professores Orientadores 04 Professores Orientadores 04
Orientador Educacional 01 Orientador Educacional 01
Bibliotecária 02 Bibliotecária 02

Serviço de Assistência ao Aluno 01


Responsável* 01
Assistência Psicológica* 01
*Eliminados
Fonoaudióloga* 01
Foniatria* 01
Educação Sanitária* 01

Quadro 3 - Quadro de Pessoal Administrativo e Técnico


Fonte: autoria própria, 2009.

2.10 ANÁLISE DAS MUDANÇAS NO QUADRO DE PESSOAL TÉCNICO-ADMINISTRATIVO

Em 1976, como se pode observar no quadro de pessoal, fazia parte do corpo administrativo o
diretor, vice-diretor, assistente da Direção e o Conselho Consultivo, que era constituído de cada
um dos chefes de Departamentos da FEUSP, na época em número de seis. O Conselho
Consultivo, presidido pelo diretor da FEUSP, tinha a função de, na qualidade de representantes
da Faculdade de Educação, participar das decisões consideradas relevantes nos assuntos
relativos à Escola de Aplicação. Também lhes cabia a responsabilidade de apreciar o Plano
Escolar Anual da EA, bem como, os relatórios anuais feitos pela Coordenação Técnica e
apreciados pelo corpo docente e administrativo. Ainda, quando necessário, o Conselho
Consultivo poderia solicitar cooperação de chefes dos Departamentos.
64

Com base nesta organização, pode-se considerar como excessiva a quantidade de pessoas
responsáveis pela direção da Escola de Aplicação, o que poderia, talvez, cercear o grau de
autonomia do diretor e, por conseqüência, da equipe escolar. Entretanto, pelo menos no acervo
documental pesquisado, nada consta neste sentido.

No plano geral da gestão escolar, pondera Vasconcellos (2009, p.153-154) sobre o desempenho
da equipe diretiva, especialmente quando ela é vazada numa linha autoritária:
O exercício do poder talvez seja um dos aspectos mais delicados para a equipe
diretiva. Inicialmente, é preciso reconhecer a existência do poder, não querer negá-lo.
Resgatamos aqui as valiosas contribuições de Foucault (1926-1984): o poder não é
uma coisa que está num determinado lugar, mas algo que flui entre os sujeitos em
relação; esta é uma característica inalienável dos relacionamentos humanos. Assim, a
questão passa a ser não negá-lo, mas discutir sua forma de exercício de que e de
quem se coloca.[...] Entendemos que o educador deve ser uma presença marcante, ser
uma forte referência para a coletividade; não é ser tirano, nem omisso; é ter proposta
e dialogar. E isto vale tanto para a sala de aula (professor), como para a escola como
um todo (equipe).

Ao assumir a Direção da FEUSP, o Prof. Dr. Roque Spencer Maciel de Barros decidiu
substituir o Conselho Consultivo por um único Representante da Faculdade junto à Escola de
Aplicação sendo que, conforme mencionamos, o indicado para esse cargo foi o Prof. José
Mário Pires Azanha, em 1986.

Em 1976, a Escola de Aplicação estava sem diretor. Portanto, a primeira providência de


Azanha consistiu em convidar para este cargo a Profª Ondina Gertrudes Annechino de Campos,
sua ex-assessora numa escola pública em que Azanha fora diretor. A escolha foi acertada
porque, logo no início, essa professora se distinguiu como notável gestora, no sentido que
Severino dá à gestão escolar ”[...] Não se trata de um papel puramente burocrático-
administrativo, mas de uma tarefa de articulação, de coordenação, de intencionalização, que,
embora suponha o administrativo, o vincula radicalmente ao pedagógico.” (SEVERINO, 1992
apud Vasconcellos, 2009, p.63, grifos do autor).

Azanha tomou outras decisões: incluiu no quadro de pessoal, auxiliares de Direção em


substituição ao assistente de Direção. Desta forma, foi solucionada a questão da falta de verbas
para contratar pessoas que pudessem auxiliar a Direção em várias atividades: substituição da
própria diretora e de professores em suas faltas eventuais, inspeção de alunos, assistência a
professores em suas atividades de rotina, atendimento a pais, fornecimento de material didático,
controle da limpeza das salas de aula e do horário de entrada e saída das classes.
65

Outra alteração consistiu na centralização da orientação técnica de todas as atividades com


vistas à racionalização de esforços. As atividades antes atribuídas à Coordenação Pedagógica
foram modificadas e constituíram atribuições de um único órgão – Coordenação Técnica –
que constava dos professores-orientadores das áreas de ensino, do orientador educacional e de
um responsável pela Coordenação Técnica. Portanto, foram excluídas do Serviço de
Assistência ao Aluno as funções relativas à Assistência Psicológica, Fonoaudiologia, Foniatria
e Educação Sanitária. Uma justificativa para esta exclusão consistiu na ideia de que a Escola de
Aplicação deveria funcionar de forma semelhante à de uma escola pública. Assim, ainda que os
técnicos excluídos estivessem atuando com muita eficiência, sua presença não se coadunava
com o quadro de pessoal existente nas escolas da rede oficial do ensino. Além disso, já havia
dificuldade na manutenção desse pessoal, devido à falta de verbas. E, ainda, as referidas
funções, apesar de constarem no regimento da escola, já não vinham sendo desenvolvidas20.

Quanto à Orientação Educacional, geralmente ela fica diretamente vinculada à Direção da


escola. No entanto, Azanha decidiu integrá-la à equipe de Coordenação Técnica com o objetivo
de assegurar uma necessária unidade nas atividades pedagógicas.

Vasconcellos (2009, p.72-73) levanta questão a respeito da presença de especialistas nas


escolas. Depois de várias digressões sobre o assunto, o autor conclui que:
Os papéis desempenhados pelos especialistas, nesta linha, são tão relevantes que, no
caso de ausência de agentes que os ocupem formalmente, serão exercidos por outros
profissionais no interior da instituição; não estamos, pois, falando de “cargos”, mas
de funções decisivas, tarefas imprescindíveis da prática educativa transformadora.

Com relação ao Orientador Educacional, por falta de verbas ele somente foi contratado em
1980. Suas atribuições consistiram de: participação do plano de trabalho da Coordenação
Técnica; acompanhamento e orientação dos estudos dos alunos, inclusive no processo de
recuperação, avaliação e integração escolar; atendimento aos pais, quando solicitado pelo
diretor ou pelo coordenador técnico.

Na continuidade da digressão de Vasconcellos (2009, p.75) a respeito dos especialistas que


atuam nas escolas, parecem-nos oportunas as observações que o autor faz a respeito do papel
do orientador educacional nas instituições públicas do ensino:

20
Estas informações constam in GORDO, N. Escola de Aplicação da Faculdade de Educação – relatório de atividades,
1981, p. 14-15.
66

[...] O trabalho da orientação, comprometido com a mudança, deve partir de onde o


sujeito (professor, aluno, pai etc.) está e não de onde se considera que eventualmente
deveria estar. Este é um princípio básico do interacionismo que deve ser aplicado não
só em sala de aula (partir de onde o aluno está!), mas também na pedagogia
institucional. Não cair numa análise moralista, de acusação, como se a pessoa tivesse
o tipo de prática que tem por ter decidido livre e conscientemente. Ter clareza, no
entanto, que partir de onde está não é ficar lá. Entender não para justificar, mas para
ajudar a mudar. Trata-se de estabelecer a dialética de continuidade-ruptura.

Esta concepção salienta a abrangência da contribuição do orientador educacional no contexto


escolar, inserido numa sociedade que vive uma profunda crise de sentido: alunos desorientados,
sem discernimento claro do motivo que o leva a estudar; professores sem noção clara do que e
para quê ensinar; a questão disciplinar, o Conselho de Classe frente às dificuldades de
avaliação dos alunos; os conselhos de escola. Em face deste quadro, Vasconcellos (2009)
ressalta a importante contribuição do orientador educacional, seja no resgate da identidade do
professor, seja no sentido de que o aluno se assuma como sujeito ou protagonista do seu
processo de educação, fazendo-se ouvir e participar da vida da escola em todos os seus níveis.
Na questão disciplinar, o orientador deve assumir uma atitude de enfrentamento dos problemas
surgidos, propondo-se constantemente ao diálogo que propicie vínculos de relacionamento
entre professor e alunos. Numa atitude de cooperação, o orientador deve participar de forma
construtiva na solução dos problemas enfrentados pelos conselhos de classe e de escola.

Também se enquadram na concepção de especialistas os professores-orientadores que


compunham a Coordenação Técnica que Vasconcellos (2009, p.80, grifos do autor) denomina
Supervisão:
O Coordenador, ao mesmo tempo em que acolhe e engendra, deve ser questionador,
desequilibrador, provocador, animando e disponibilizando subsídios que permitam o
crescimento do grupo; tem, portanto, um papel importante na formação dos
educadores, ajudando a elevar o nível de consciência: tomada de consciência (cf.
Freire, 1980), passagem do “senso comum à consciência filosófica” (cf. Saviani,
1983a), ou a criação de um novo patamar para o senso comum (cf. Boaventura
Santos, 1995: 45). Em termos de abertura para um novo paradigma, podemos nos
propor passar de “super” – visão para “outra” – visão!

Se os membros da Coordenação Técnica não conseguirem um mínimo de empatia e partirem


para um ajuizamento apressado do trabalho do professor, estarão anulando qualquer perspectiva
de um trabalho integrado e pautado num clima de respeito e de confiança que constitui
condição para um trabalho que deve e pode ser conjunto. Corre-se o risco de perder a
oportunidade de um necessário trabalho coletivo que tenha em vista a melhoria da escola em
todos os seus aspectos.
67

As bibliotecárias eram incumbidas da aquisição de livros sugeridos pelos professores e


Coordenação Técnica, além de manterem o acervo em bom estado de conservação e de
manutenção. O plano de atividades era de suma importância: abrangia as classes de 1ª à 8ª série
com ênfase em leituras intensivas de livros da literatura infanto-juvenil e em livros e textos
informativos principalmente das áreas de Ciências e de História. Desse conjunto de atividades,
salientou-se o plano de leituras desenvolvido pelas bibliotecárias junto às classes de 1ª e 2ª
séries auxiliando bastante o processo da alfabetização.

Para uma comparação de como se posicionavam os componentes da equipe escolar em nível de


hierarquia, seguem organogramas relativos aos anos de 1975 e 1977, respectivamente.
68

Congregação
FEUSP
Diretor Conselho
da FEUSP Consultivo

Representante do
Diretor da
FEUSP

Diretor
da E A
Assistente Associação
do Diretor Escola Lar

Órgãos Secretaria Coordenação


Auxiliares Pedagógica

Corpo
Manutenção Docente
Conservação e limpeza
Serviço de Serv. Assit. Ao
Supervisão aluno - SAA

Alunos

Organograma 1 – Escola de Aplicação em 1975


Fonte: GORDO, N., 1981.

Representante da FEUSP, Professor José Mário Pires Azanha assumiu as reformulações a


serem feitas e deu autonomia à diretora da EA para administrar a Escola de Aplicação e, da
mesma forma, incumbiu a responsável pela Coordenação Técnica para responder pelas
atividades pedagógicas. Desta forma, diretora e coordenadora atuariam em conjunto, mas sem
ingerência de uma na esfera de atuação da outra. Entretanto, a diretora seria a responsável pela
escola.

Conforme dispunha a Lei 5.692/71, foi designado um dos professores da área de Estudos
Sociais, devidamente credenciado, para assumir a orientação do Centro Cívico Escolar, regido
por estatuto próprio com as seguintes finalidades: “programar e realizar solenidades cívicas;
promover atividades de cunho cívico e cultural; estimular a organização e funcionamento de
instituições de classe e extraclasse.” (Artigo 2º do Estatuto do Centro Cívico Escolar, 1981).
69

Congregação da Diretor
FEUSP da FEUSP

Representante
do Diretor Direção da
EA

Conselho
da Escola
Associação
Escola Lar
Auxiliares de
Direção

Coordenação Centro Cívico


Técnica Escola

Secretaria
Orientador Professores Biblioteca
Educacional Orientadores
Corporação

Corpo Docente
Fonte: Gordo, N. (acervo pessoal)
Alunos Cantina Cooperativa

Pais

Organograma 2 – Escola de Aplicação em 1977


Fonte: GORDO, N., 1981.

Já em 1976, Azanha alterou o esquema organizacional do pessoal da Escola de Aplicação.


Manteve-se o vínculo do Diretor com a Congregação, mas atribuiu-se ao Diretor total
responsabilidade pela gestão da escola.
Souza (2008) observa que, apesar da grande expansão do ensino primário na década de 70, foi
mantido o mesmo formato da escola primária em que predominava a ênfase nos conteúdos, a
relação pedagógica baseada na autoridade do professor, na obediência e no controle, no
cumprimento dos programas de ensino e dos exames finais. Tratava-se, portanto, de uma
“atmosfera” propícia à concretização da atitude de civismo e de patriotismo. A autora cita, a
propósito, o depoimento de Mitrulis (1993, p. 63) sobre o calendário comemorativo das
escolas:
Além das festas obrigatórias, comemorava-se, entre outros, o Dia do Soldado
Constitucionalista, Dia Pan-Americano, Dia de Tiradentes, Dia de Anchieta, Dia de
Caxias, Dia da Asa, Dia dos Pais, Dia das Mães, Dia do professor, Dia da Criança,
Dia do Índio, Dia do Trabalho, Dia dos Animais, Dia da Ave, Dia da Árvore, Dia do
Selo, Dia do Solo... Havia uma boa receptividade às orientações da Secretaria da
Educação.
70

Na Escola de Aplicação, o calendário de comemorações constava de grande parte destes dias,


além das datas obrigatórias. Por outro lado, os alunos mantinham, no Centro Cívico Escolar,
um grêmio que visava analisar e discutir problemas surgidos com alunos, o regimento da
escola e até mesmo o Plano Escolar Anual. Também eram planejados e desenvolvidos planos
de festas culturais e campeonatos esportivos.

Quanto à Associação Escola e Lar, dotada de estatuto próprio, contava-se com ampla
participação de pais, inclusive em despesas com reformas da escola, como ocorreu, por
exemplo, com a reconstituição do auditório e dos banheiros dos alunos. Também os pais
participavam da administração da cooperativa da escola e da aquisição de materiais e
merendas para alunos carentes. Ajudavam ainda a diretora no controle da cantina e no
planejamento das festas juninas.

Um conselho de escola exerce um importante papel na tomada de decisões relativas tanto a


questões de natureza administrativa, quanto aos aspectos técnicos e pedagógicos. Na
realidade, gestão participativa não significa abrir mão das atribuições inerentes à direção, ao
pessoal técnico e aos professores. Significa, sim, criar condições para que num esforço
coletivo sejam solucionados problemas surgidos na escola. Como propõe Vasconcellos
(2009, p.63):

[...] O Conselho não pode ser reduzido a momento de recados, cobranças ou ameaças
(cf. Freire, 1991, p.16), uma reedição das famigeradas “reuniões de pais” do passado.
[...] O Conselho deve ser um espaço de exercício autêntico do diálogo, do poder de
decisão, portanto, de resgate da condição de sujeitos históricos de transformação, na
busca do bem comum no âmbito da escola e de suas relações. A Direção tem, pois,
um duplo papel: em relação a si (superar o fantasma da “perda de poder”) e aos
professores (exorcizar o fantasma da “invasão de privacidade”.

Além disso, a escola não pode mais funcionar isolada da comunidade, intramuros. Ao
contrário, deve abrir-se à comunidade para poder contar com seu apoio necessário e conviver,
de forma compartilhada, com as dificuldades surgidas.

A coordenação técnica constituía-se de professores-orientadores; um para cada uma das áreas:


Comunicação e Expressão, sendo que este professor era também responsável pela equipe;
Ciências, Matemática e Estudos Sociais. Também integrava a equipe o orientador educacional.
Indiretamente, as duas bibliotecárias integravam a coordenação técnica, uma vez que suas
71

atividades consistiam em subsidiar os professores-orientadores com livros e outros materiais


escritos, necessários a todas as áreas do ensino. Era dada assessoria especial à área de
Comunicação e Expressão, responsável, inclusive, pela alfabetização cujo processo incluía
leitura de livros da literatura infanto-juvenil. Além disso, esses livros eram também utilizados
nas classes de 2ª à 8ª série, cuja programação de português incluía atividades intensivas de
leitura.

Cabia à coordenação técnica acompanhar o trabalho docente e, em reuniões semanais, discutir e


decidir eventuais problemas surgidos no decorrer das aulas. Em algumas dessas reuniões,
questões surgidas no desenvolvimento dos programas de ensino eram objeto de seminários a
partir de textos de autores previamente selecionados, com vistas ao esclarecimento de dúvidas,
ou, em situações mais complexas, para equacionar problemas e chegar a um consenso quanto a
assuntos que geravam divergências entre os professores.

2.11 CORPO DOCENTE

Não diferiu muito o número de classes e de professores nos anos de 1976 e 1977. Entretanto,
entre 1973 e 1975, havia uma superlotação de classes que, em face do tamanho da escola,
exigiu medidas de redução de matrículas.

O quadro, a seguir, indica a distribuição dos professores por disciplinas e respectivas áreas nos
anos de 1976 e 1987.
72

Curso de 1º grau - 1976 Curso de 1º grau - 1987


Núcleo Corpo Docente Núcleo comum Corpo Docente
comum Área de comunicação e Expressão Área de comunicação e Expressão
Matérias Séries Professor Matérias Série Professor
Português 1ª a 8ª 07 Português 1ª a 8ª 07
Francês 5ª a 8ª 02 Francês 1ª a 8ª 02
Inglês 5ª a 8ª 01 Inglês 5ª a 8ª 01
Educ. Física- 1ª a 8ª 02 Educ. Física 1ª a 8ª 02
Educ. Musical 1 a 8ª 01 Educ. Musical 1ª a 8ª 01
Arte Dramática e Artes
Arte Dramática e Artes Plásticas 1ª a 8ª 01 1ª a 8ª 01
Plásticas
Área Estudos Sociais Séries Professor Área Estudos Sociais Série Professor
Geografia 1ª a 8ª 02 Geografia 1ª a 8ª 02
História e Ed. Moral e Cívica 1ª a 8ª 02 Educação Moral e Cívica 1ª a 8ª 02
Organização Política e Social do Organização Política e
8ª 01 8ª 01
Brasil Social do Brasil
Área de Ciências Séries Professor Área de Ciências Série Professor
Matemática 1ª a 8ª 03 Matemática 1ª a 8ª 03
Ciências físicas e Biológicas 1ª a 8ª 02 Ciências físicas e Biológicas 1ª a 8ª 02
Programa de Saúde e Higiene 1ª a 8ª 01 Eliminado
Parte Diversificada Séries Professor Parte Diversificada Série Professor
Artes Industriais Plásticas Artes Industriais 5ª a 8ª 01
5ª a 8ª 02
Comerciais Francês 5ª a 8ª 02
Quadro 4 – Quadro Curricular Comparativo 1976 e 1977
Fonte: autoria própria, 2009.

Com exceção de quatro professores formados em Escola Normal, os demais, inclusive de 1ª à


4ª série, tinham curso de nível superior. Como ocorria em quase todas as escolas,
predominavam no corpo docente professores do gênero feminino. Este fato, aliás, é objeto de
um criterioso estudo de Jane Soares de Almeida (2006, p.61-62):

A feminização do magistério, que dava mostras incipientes já a partir dos finais do


século XIX, seria fortalecida após a República. Na reconfiguração da sociedade que
se desejava progressista e esclarecida, com o potencial de regeneração nacional,
havia a crença numa visão de escola que domestica, cuida, ampara, ama e educa.
Essa crença vai ter seu prolongamento nas décadas seguintes à Proclamação e,
juntamente com as aspirações de unidade política e a proliferação de um discurso
alvissareiro sobre a educação, vai colocar nas mãos femininas a responsabilidade de
guiar a infância e moralizar os costumes. A figura da mulher na escola-mãe que
redime e encaminha para uma vida de utilidade e sucesso é esculpida em prosa e
verso. Nessa visão, constrói-se a tessitura mulher-mãe-professora, aquela que ilumina
na senda do saber e da moralidade, qual mãe amorosa debruçada sobre as frágeis
crianças a serem orientadas e transformadas por dedos que possuem a capacidade
natural de desenhar destinos e acalentar esperanças, coadjuvantes inspiradas de uma
escola que se erige como transformadora da consciência.
73

Mesmo com a extinção das escolas normais, ainda hoje prevalece a superioridade do número de
mulheres-professoras. E este predomínio permaneceu na Escola de Aplicação também no curso
de 2º grau, hoje ensino médio, criado em 1985.

Os professores em geral não têm o reconhecimento merecido e, parece-nos, trata-se de uma


profissão que não obteve, ao longo da história, o valor que lhe devia ser dado. Nóvoa (1999,
p.29-30, grifos do autor) analisa esta questão:

[...] É evidente que há uma perda de prestígio, associada à alteração do papel


tradicional dos professores no meio local: os professores do ensino primário já não
são, ao lado dos párocos, os únicos agentes culturais nas aldeias e vilas da província;
os professores do ensino secundário já não pertencem à elite social das cidades, cujo
recrutamento não passa apenas por critérios escolares. E é verdade que os professores
não souberam substituir estas imagens-força por novas representações profissionais.
Os professores constituem um dos mais numerosos grupos profissionais da
sociedade, o que, por vezes, dificulta o estatuto socioeconômico. Toda a gente
conhece um ou outro professor que não se investe na sua profissão, que não possui as
competências mínimas, que procura fazer o menos possível. O professorado no seu
conjunto é penalizado pela existência destes “casos”, que a própria profissão não tem
maneira de resolver: os colegas estão amarrados por uma “solidariedade” muitas
vezes deslocada: os diretores das escolas recusam-se a intervenções susceptíveis de
serem consideradas autoritárias; os sindicatos são supostos defenderem os interesses
de todos os seus membros; etc.Neste sentido, parece fundamental dotar a profissão
docente dos mecanismos de selecção e de diferenciação, que permitam basear a
carreira docente no mérito e na qualidade.

Os estudos atuais de Anne-Marie Chartier, historiadora das práticas culturais, vêem o professor
no centro das práticas escolares. A autora observa que com o declínio das chamadas teorias
reprodutivistas, a atual pesquisa na área da educação recolocou o professor no centro das
práticas escolares de que se torna o agente “[...] que as inaugura e funda” (2009, p.37). Ainda
afirma a autora: “Com isso, produziu-se um território propício para a reafirmação
contemporânea do professor como o epicentro das transformações da escola, de uma ‘nova
subjetividade’ emergente.” (ob. cit., p. 38). É o professor que pode vir a ser a alavanca para
uma reforma eficaz com vistas à sua melhoria. Entretanto, as reformas das instituições
escolares são feitas por políticos e administradores que não levam em conta o caráter singular
de cada escola; que desconhecem sua cultura e, principalmente, os saberes dos professores. Daí
a inocuidade das reformas.

No mesmo sentido, Viñao Fraga (apud OLIVEIRA e FARIA LIMA, 2009, p. 47) alerta para o
fato de que os políticos e administradores da educação são responsáveis pela configuração de
um conflito entre duas culturas no âmbito escolar: uma relativa aos professores e outra ao
74

grupo dos políticos e dos professores. Conflito que se torna visível na situação das reformas
das escolas. Para Viñao (OLIVEIRA e FARIA FILHO, 2009, p.47), a reforma da escola
“significaria uma alteração fundamental na organização do sistema educativo e na política
educacional de um dado país”, contudo “os políticos e administradores com frequência
permanecem afastados das necessidades, interesses e possibilidades dos professores”. Para
Viñao (apud OLIVEIRA e FARIA FILHO, 2009, p. 48) as:

macrorreformas’ estruturais e curriculares geradas no âmbito político-administrativo


modificam, pois, a cultura escolar. Mas não costumam ter em conta e em geral
opõem-se [...] a esta última, assim como, de um modo particular, à cultura acadêmica
professoral, ao conjunto de crenças, mentalidade e práticas de interacção e trabalho,
adquiridas, arraigadas e transmitidas, não sem modificações, de uma geração para
outra, com as quais os professores fazem frente tanto à sua tarefa quotidiana na aula e
fora dela como às prescrições e orientações administrativas.

São intentos de “reforma pelo alto que não consideram a vida e a experiência dos professores e
a dinâmica das instituições – ou de cada instituição – escolares” (ob. cit., p.48). De fato, as
reformas pelo alto deixam de levar em conta a vida e experiência docente, como também a
dinâmica das instituições escolares. Enquanto isso, malogram-se as reformas porque
desconsideram a cultura da escola.

* * *

Até o final do ano letivo de 1984, a EA mantinha apenas o curso de 1º grau. Considerando a
importância dada à alfabetização e, em especial, à formação do leitor e do autor e ao
desenvolvimento do raciocínio lógico, deu-se especial atenção à Língua Portuguesa e à
Matemática. Por este motivo, e com o objetivo de preparar os alunos de 1ª à 4ª para classes de
5ª à 8ª séries com vários professores, foram atribuídas aulas a duas professoras em cada uma
das classes de 3ª e 4ª séries: uma para Língua Portuguesa e Estudos Sociais e outra para
Matemática e Ciências.

De acordo com o Regimento Escolar (artigo 18) a seleção do corpo docente era de
responsabilidade de uma comissão de que faziam parte o: diretor da escola, o responsável pela
Coordenação Técnica e o professor-orientador da especialidade ou área afim. A seleção
constava de: exame do Curriculum vitae, entrevista, prova escrita e prova didática no caso de
ausência ou insuficiência de experiência docente anterior. A aprovação no processo de seleção
75

não assegurava a contratação, mas apenas credenciava o candidato a essa contratação, uma vez
que ele deveria respeitar a classificação.

Conforme consta em ata da Congregação da FEUSP21, em 1979 foi firmado um convênio de


cooperação técnica entre a Secretaria de Estado da Educação e a Reitoria da Universidade de
São Paulo. Essa cooperação técnica autorizava o afastamento de funcionários técnicos e
docentes, do quadro do magistério, para o exercício de funções técnicas e docentes junto à
Escola de Aplicação. Em contrapartida, a FEUSP se comprometia a cooperar com a Secretaria
de Educação, pondo à sua disposição, sempre que solicitado, o que segue:

I – A Escola de aplicação para estágios de observação;


II – Estudos e pesquisas que realizar no campo da educação;
III – Cursos de divulgação e aperfeiçoamento;
IV – Seminário e conferência sobre metodologia do ensino, avaliação de rendimento
escolar e outras relacionadas com a Escola de Aplicação;
V – Sua biblioteca especializada;
VI – Pareceres e assessoria no âmbito das atividades da Escola de Aplicação.
PARÁGRAFO ÚNICO – Deve ser enviado na primeira quinzena de cada ano, à
Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, relatório circunstanciado e
retrospectivo das atividades realizadas em função do plano elaborado no início do ano
letivo. ( Ata da Congregação, 02 de julho de 1979)

Constituíam atribuições dos professores: participar da elaboração do plano escolar anual e


colaborar na sua execução; lecionar de acordo com a programação estabelecida, podendo
solicitar assistência do professor-orientador no caso de eventuais dificuldades; colaborar na
orientação educacional dos alunos; participar das atividades cívicas e culturais promovidas pela
escola e da Associação de Pais e Mestres; comparecer às reuniões previstas no plano escolar
anual ou convocadas pela direção da EA; programar atividades para serem desenvolvidas em
suas faltas eventuais

2.12 CORPO DISCENTE- 1º GRAU

Desde 1977, a direção da EA deu continuidade a um processo de redução do número de alunos


e, consequentemente, de classes, a fim de que se chegasse a apenas duas classes por série com,
no máximo, 30 alunos cada uma. Essa redução se justificava porque o grande número de
alunos tendia a aumentar cada vez mais devido a uma crescente demanda de matrículas. Além
de contrariar as normas regimentais, então vigentes, o crescente aumento de alunos respondia

21
Livro 8, Ata de 23 de maio de 1979.
76

por dificuldades de natureza pedagógica e administrativa, sendo que a EA já estava usando


salas da Faculdade de Educação para as aulas.

Nº DE Nº DE ALUNOS
SÉRIES ALUNOS
CLASSES CLASSES
(Sexo (Sexo (Sexo (Sexo
1976 Masculino) Feminino) 1986 Masculino Feminino)
1ª 04 70 50 02 25 35
2ª 04 68 52 02 33 27
3ª 05 80 70 02 29 31
4ª 05 88 62 02 26 34
5ª 04 70 50 02 31 29
6ª 04 67 58 02 28 32
7ª 04 68 52 02 28 32
8ª 04 76 44 02 26 34
Total 34 587 433 16 226 254

Quadro 5 - Comparativo de alunos distribuídos por série, classe, sexo – 1974-1982


Fonte: autoria própria, 2009.

Em 1982, a EA contava com 16 classes e cada uma com 30 alunos. Este objetivo foi alcançado,
principalmente com a mudança de critérios para a matrícula, que, até então, eram baseados em
testes de prontidão. Sob orientação de Azanha, o sistema então vigente de matrículas mediante
testes psicológicos foi substituído por sorteio público, conforme consta no Regimento Escolar:

“As vagas para matrícula inicial na 1ª série da EA serão distribuídas por sorteio, pelas
categorias abaixo com as restrições especificadas:
I – um terço das vagas para inscritos que sejam filhos de funcionários docentes ou
administrativos da Faculdade de Educação;
II – um terço das vagas para inscritos que sejam filhos de funcionários, docentes ou
administrativos de outros institutos ou repartições da Universidade de São Paulo;
III – um terço das vagas para inscritos não abrangidos nos incisos “I” e “II”;
§2º – As vagas eventualmente restantes numa das categorias serão primeiramente
oferecidas por sorteio à categoria seguinte.
§ 2º - As vagas restantes de desistências serão novamente oferecidas na categoria em
que ocorrerem;
§3º - O sorteio será publicamente realizado em dia, hora e local a serem fixados pela
direção da Escola..”. .(Regimento Escolar, anexo nº 1).

Com base neste critério, a escola pôde contar com uma clientela variada. Por exemplo, os filhos
dos professores e de funcionários do “campus” eram favorecidos do ponto de vista cultural,
social e econômico. Esses alunos não diferiam muito dos colegas vindos de fora, se bem que
alguns deles, considerados carentes, pertenciam a meios sociais pouco favoráveis, como, por
exemplo, bairros pobres e favelas. Um aspecto importante consistiu na verificação de que,
independentemente do meio de origem, os alunos tiveram desempenho satisfatório nos estudos.
77

Entretanto, houve problemas de discriminação ou preconceito o que exigiu muitas intervenções


dos professores e do Orientador Educacional.

Na organização das classes prevaleceu o critério de idade cronológica dos alunos. Outros
critérios adotados como rendimento escolar, atitudes dos alunos não surtiram os resultados
esperados, como, por exemplo, melhoria do aproveitamento e da disciplina dos alunos. Ao
contrário, este critério ocasionou segregação dos alunos em relação aos colegas que
apresentavam menos rendimento. Este fato respondeu por uma atitude de apatia e por vezes, até
mesmo comportamento de rebeldia e de indisciplina.

2.13 ESTÁGIO

Um dos objetivos da Escola de Aplicação foi o de proporcionar estágio aos alunos da FEUSP, o
que foi feito desde que ela assumiu o caráter de aplicação. Em 1976, foram regulamentadas as
condições de estágio para que ele ocorresse de forma sistemática e rotineira com base numa
real integração de esforços da EA e dos professores de Práticas da FEUSP.

Com essa finalidade, foi estabelecido um conjunto de normas que, aprovado pelo diretor e
chefes de Departamentos da FEUSP, passou a orientar as atividades de estágio, desde o seu
planejamento até a sua avaliação.

As normas, tal como foram aprovadas pelos chefes de Departamentos e pela Congregação da
FEUSP, seguem transcritas.
78

Apresentar aos alunos da FEUSP, o plano de trabalho da EA de modo a esclarecê-los sobre as


1
condições de realização do estágio;
2 Orientar, acompanhar e controlar as atividades dos estagiários;
Apresentar aos professores responsáveis pelo estágio, no final das atividades avaliação da
3
atuação dos estagiários.
4 Caberá à Coordenadoria de Estágios do Departamento de Metodologia da FEUSP:
5 Receber as inscrições dos candidatos a estágio;
6 Estabelecer os horários a serem cumpridos pelos estagiários, ouvida a E.A.
7 Caberá ao professor responsável pelo estágio
8 Participar da elaboração do plano de estágio da Escola de Aplicação;
9 Participar das atividades de orientação, acompanhamento e controle dos estagiários;
Avaliar com a Escola de Aplicação o plano de estágio e a atuação dos estagiários.
10
Caberá ao estagiário:
Entrar em contato com a Coordenação Técnica para receber orientação para elaboração e
11
execução de planos de trabalho;
12 Cumprir o horário de entrada e saída;
Permanecer o período completo em sala de aula, quando o estágio for de participação em
13
classe;
Apresentar e discutir com a Escola de Aplicação, ao final do estágio, o relatório de suas
14
atividades.
Plano para o estágio:

Quadro 6 - Normas de estágio – 1976 a 1986


Fonte: GORDO, N., 1981.

As atividades previstas para os estagiários encontram-se dispostas no quadro a seguir.

1. Participação em sala de aula de 1ª a 4ª série


Atividades dirigidas pelo professor regente da classe
Recreio dirigido
Atividades na área de Educação Artística
Atividades de biblioteca de 5ª a 8ª série
Atividades dirigidas pelo professor regente nas seguintes disciplinas:
Educação
Português Matemática Ciências Estudos Sociais Inglês Francês
Artística
2. Outras atividades
01 Recuperação de alunos 04 Centro Cívico

02 Clubes de Francês e Inglês 05 Atividades junto ao setor administrativo da Escola

03 Coral 06 Atividades junto ao setor de coordenação técnica

Quadro 7 – Atividades dos estagiários


Fonte: idem, ibidem.
79

Não foi possível atender à totalidade dos estagiários devido a uma série de dificuldades. Muitos
estagiários não tinham condições de estagiar na Escola de Aplicação por falta de tempo, uma
vez que trabalhavam durante o dia e estudavam à noite; alguns não dispunham de horário
compatível com o horário de funcionamento da Escola. Outros estagiários preferiram estagiar
em escolas que exerciam menos controle sobre as atividades. Por outro lado, dado o número
reduzido de classes, não haveria condições para a Escola de Aplicação atender a todos os
estagiários num mesmo período do ano. Por isso, houve a necessidade de redistribuir esse
período entre os candidatos, o que desestimulava alguns deles devido ao receio de não cumpri-
lo em tempo hábil. Mesmo assim, o estágio assumiu um caráter de rotina, podendo ser
considerado razoável em termos de atendimento e das atividades desenvolvidas. Foram
atendidos estagiários tanto do curso de Pedagogia (Metodologia, Prática, Habilitações em
Administração Escolar e Supervisão do Ensino); dos cursos de licenciatura: Educação Física,
Inglês, Francês, Língua Portuguesa, Ciências Sociais, História, Geografia, Ciências e
Matemática. Foram atendidos, também, alunos de outras faculdades do “campus”: Geografia,
História, Matemática, Língua Portuguesa, entre outras.
80
81

CAPÍTULO III
ORIENTAÇÃO PARA AS PRÁTICAS ESCOLARES E
ATIVIDADES EXTRACLASSE

Nas décadas de 70 e 80 do século XX, a pedagogia contemporânea contava com uma extensa
produção de teorias sob a influência das ciências humanas, então preocupadas com a natureza
da criança, com os processos da aprendizagem e métodos de ensino. As concepções inerentes a
essa teorias variavam segundo as tendências evidenciadas – ora centradas no naturalismo ou no
humanismo, especialmente quando se tratava de proposições da psicopedagogia; ora
relacionadas à tendência positivista de Durkeim, à dialética de Marx, à teoria crítica dos
pensadores da Escola de Frankfurt, ao neokantismo, à linha crítico-reprodutivista; às tendências
não-diretivas, entre outras. Diante dessa profusão de teorias e tendências, chama nossa atenção
o posicionamento tomado por Azanha, distante de todas essas linhas teóricas ao estabelecer a
Diretriz e demais orientações a serem seguidas na Escola de Aplicação. Com uma concepção
própria de escola e do papel a ser por ela desempenhado, vamos ver que a atuação desse
educador ficou afastada de todos os “ismos”, fossem o positivismo, o construtivismo, o
progressivismo, o pragmatismo e neo-pragmatismo, o não-autoritarismo. É o que vamos
abordar neste capítulo em que analisaremos os principais documentos da Escola de Aplicação,
todos orientados por Azanha: o Plano Escolar Anual, a Diretriz da escola, que corresponde aos
fins estabelecidos para o processo educativo, orientação para o planejamento e
desenvolvimento das atividades do ensino, inclusive projetos culturais, de ciências e de
alfabetização.

3.1 PLANO ESCOLAR ANUAL: ORIENTAÇÃO GERAL (DIRETRIZ)

O artigo 22 do Regimento Escolar (GORDO, 1981, p.83), então em vigência, indicava as


atividades inerentes ao Plano Escolar Anual:

I – Orientação Geral em que serão traçadas as diretrizes gerais para análise e


programação das atividades da EA;
II – Análise dos trabalhos desenvolvidos no ano anterior com vistas à identificação de
dificuldades e de deficiências;
III – Programação dos trabalhos anuais, indicando:
a) normas e providências referentes à seleção do conteúdo dos programas, verificação
do rendimento, recuperação e promoção de alunos, orientação pedagógica e
educacional e às atividades complementares;
82

b) cronograma de reuniões ordinárias do Conselho da Escola, reuniões de orientação


pedagógica, períodos de aulas, comemorações cívicas, provas, exames, férias e
demais atividades;
c) Carga horária do currículo.

Esse Plano foi instituído em 1977 em caráter definitivo e era flexível o suficiente para permitir
reformulações, quando necessário. Constituiu um instrumento efetivo de orientação das
atividades escolares, especialmente no que se referiu ao item I – Orientação geral e diretriz.

Em face das alterações feitas na EA, inclusive a reorganização do pessoal administrativo e


técnico, os professores que já se encontravam em exercício solicitaram uma explicitação da
linha pedagógica que deveria nortear a Escola.

José Mário Pires Azanha escreveu essa linha, em 1977, na forma de uma diretriz a que deu o
título de Orientação Geral da Escola de Aplicação e que sempre constou como a parte inicial
do Plano Escolar de cada ano letivo. Entendemos ser relevante transcrever essa orientação,
ainda que longa, uma vez que ela expressa a concepção de Azanha sobre a escola pública e a
diretriz que lhe conviria seguir. Plano Escolar Anual- 1977, pp. 1 e 2):

Desde há alguns anos, o interesse e até mesmo a preocupação com a educação


vem se acentuando extraordinariamente numa certa camada da população.
Como conseqüência disso têm-se depositado esperanças crescentes e, até certo
ponto, infundadas na ação da escola. Espera-se dela talvez o milagre de
produzir gerações futuras menos angustiadas e perplexas do que as atuais.
Evidentemente, o próprio professor não poderia escapar a esse clima de
entusiasmo.
É nesse quadro, talvez, que se pode compreender a intensa procura de escolas
que se anunciam como “escolas renovadas”. Parece até que a renovação
pedagógica fará de nossas escolas instituições capazes de realizar aquilo que
as nossas ilusões nos fazem desejar da ação escolar. No entanto, na maior
parte das vezes, os resultados práticos têm sido mais escassos do que as
esperanças de pais e educadores. Talvez isso ocorra porque não haja
concepções claras e inequívocas do que se chama de “renovação pedagógica”.
Muitas vezes, esses esforços de renovação são historicamente desenraizados,
revelando um total desconhecimento dos clássicos do pensamento pedagógico,
que desde há séculos vêm preconizando medidas que, no entanto, esquecidas
ou ignoradas, não são nem sequer discutidas e experimentadas. Teoricamente
desinformado, o esforço de renovação pedagógica se esgota na adoção acrítica
de novidades cujo valor educativo é sempre uma incógnita, mas que são
alardeadas e difundidas como se delas dependesse todo êxito do ensino. Tudo
se passa como se a simples substituição do antigo pela novidade fosse a
garantia da excelência pedagógica. Não se trata aqui, evidentemente, de uma
exaltação do antigo em detrimento do novo, mas da recusa de tomar a ordem
temporal de aparecimento como o critério para apreciar os méritos de uma
prática ou de uma concepção. Alguns aspectos desse estilo de renovação são
facilmente assinaláveis. Por exemplo, tem-se dado uma exagerada ênfase à
importância da criatividade, perdendo-se de vista, muitas vezes, o fato de que
83

a simples originalidade não é algo que tenha um valor intrínseco. É claro que
não se deve incutir um espírito de rebanho, mas é claro também que, muitas,
vezes, a singularidade de um comportamento pode nada ter de criativo e
original, mas deveria até ser motivo de preocupação e de medidas preventivas.
Do mesmo modo, é preciso que a liberdade do educando seja concebida, no
plano individual, como uma complexa exigência interior que deve ser
cultivada e estimulada, e não apenas confundida com a permissão de uma
movimentação física inconseqüente ou inoportuna em face da natureza das
atividades. É preciso que professores e alunos compreendam que disciplina
nem sempre pode ser entendida como uma restrição a qualquer liberdade, mas
apenas como condição indispensável de trabalho individual ou coletivo.

Em seguida, após criticar o movimento de renovação pedagógica, Azanha (1986, p.1 e 2) define
a finalidade da Escola de Aplicação e as condições para seu alcance:

Esta escola se propõe um trabalho diferente desse confuso estilo de renovação


que, de prático, se resume em permissões sucessivas e desavisadas, na
complacência com os deveres não cumpridos e na tolerância sistemática com a
indisciplina. O que visamos é o desenvolvimento dos indivíduos com
capacidade de crítica. A capacidade de criticar a si próprio e a sociedade em
que vive é o único ponto de apoio firme para desenvolvimento de homens
criativos e livres. Contudo, não acreditamos que a capacidade de crítica possa
ser diretamente ensinada. Mas acreditamos que ninguém a desenvolverá na
ignorância ou no aprendizado insuficiente de um mínimo do acervo cultural da
sociedade em que vive. Porque a capacidade de crítica depende para a sua
expressão do domínio de um instrumental, que não se obtém senão pelo
estudo intensivo e sistemático. Por isso, o processo de ensino desta escola
visará, sobretudo, não ao hipotético desenvolvimento de inefáveis hábitos e
atitudes, mas à trivial e indispensável transmissão de conhecimentos. Os
hábitos e as atitudes que compõem um espírito crítico não se desenvolvem
formalmente; por isso a escola que se propõe educar (no sentido de
desenvolvimento de hábitos e atitudes) e não instruir (no sentido de aquisição
de conhecimentos) persegue um fantasma. Ninguém se educa sem aprender
algo, sem se instruir: como também ninguém se instrui sem que haja
oportunidade de formar hábitos e desenvolver atitudes. Nessas condições, o
empenho do professor em ensinar e o esforço do aluno em aprender são
elementos indispensáveis num trabalho educativo sério. O que não é
incompatível, evidentemente, com a amenidade dos métodos e a cordialidade
do relacionamento. Nenhum método, técnica ou procedimento será imposto ao
professor, mas nenhum deve ser permitido sem que ele seja capaz de justificá-
lo em termos da sua importância para a formação do educando, e não para
simples distração do aluno. A escola é um lugar de trabalho - que pode e deve
ser agradável – mas não de lazer.

Até 1977, a Escola de Aplicação não dispunha propriamente de uma Diretriz. Os professores,
especialmente das classes de 5ª à 8ª série, vinham trabalhando com uma metodologia bastante
diferente da adotada na educação tradicional. Centrava-se na concepção de que o aluno devia
ser visto como o centro do processo pedagógico, enquanto caberia ao professor propiciar
condições favoráveis à aprendizagem. Sem um posicionamento claramente explicitado, poder-
84

se-ia dizer que a maioria dos professores, consciente ou inconscientemente, manifestava uma
tendência não-diretiva no ensino e que convergia para a rejeição de autoritarismo.

Talvez por este motivo, tenham sido muitos os professores, inclusive alguns orientadores, a
externar divergências da Diretriz, então submetida a leituras e discussões. Não era de estranhar
esta reação, uma vez que Azanha propusera como objetivo da EA “[...] a trivial e
indispensável transmissão de conhecimentos” (GORDO, 1981, p.10, grifos nossos). Isto
numa época em que, ao lado de várias concepções pedagógicas, ainda ganhava expressão a
escola progressiva de Dewey (1859-1952) que, sob a influência do pragmatismo de William
James, identificou sua teoria com a expressão instrumentalismo ou funcionalismo. Autor,
dentre outras obras, de Democracia e educação, Dewey contribuiu de forma notável para a
propagação dos princípios da Escola Nova. Opunha-se totalmente à chamada escola tradicional
que, segundo ele, valorizava o intelectualismo e a memorização. De acordo com Aranha (2006,
p.261-262):

“Ao contrário da educação tradicional, que valorizava a obediência, Dewey destaca o


espírito de iniciativa e independência, que leva à autonomia e ao autogoverno,
virtude de uma sociedade democrática. [...] A escola, segundo Dewey, deve ter a
criança como centro – lembrar a ‘revolução copernicana’ preconizada pela educação
ativa desde Rousseau – e, portanto, oferecer espaço para o desenvolvimento dos
principais interesses da criança: ‘conversação ou comunicação’, ‘pesquisa ou a
descoberta das coisas’, ‘fabricação ou a construção das coisas’ e ‘expressão artística’.

Para a autora (ARANHA, ob. cit., p.262), o professor “não está na escola para impor certas
ideias à criança, ou para formar nela certos hábitos, mas está ali como membro da comunidade
para selecionar as influências que agirão sobre a criança e para ajudá-la a reagir
convenientemente a essas influências”.

De certa forma, a Escola Nova, movimento centrado nos métodos ativos, baseava-se em
princípios consentâneos com as ideias de Dewey, na defesa da individualização e da autonomia
da criança, o que requeria uma escola não-autoritária, apropriada ao educando para aprender
por si mesmo e aprender fazendo.

As críticas à escola tradicional, principalmente por seu caráter livresco e voltado para a
memorização ocorriam em outras teorias, como as de Kerschensteiner e Freinet e, de modo
geral, às teorias de tendências não-diretivas, como a de Carl Rogers (1902-1987) que
culminou, em 1921, com a escola Summerhill, fundada pelo escocês Alexander S. Neill.
85

Também se somam as teorias construtivistas cujo pressuposto é o de que o conhecimento


resulta de uma construção contínua, perpassada pela invenção e descoberta que convergem para
uma concepção interacionista da aprendizagem, baseada nos estudos de Piaget e que serviram
de fundamentos às teorias de Emília Ferreiro e de Lev Vygotsky. Com direções diferentes, mas
numa linha pós-construtivista, encontramos Edgar Morin, Perrenoud, entre outros, como os
adeptos do neo-pragmatismo. e da dialética fundada nas ideias marxistas.

Não é nossa intenção proceder a uma análise exaustiva da educação na linha do


contemporâneo. Apenas visamos contextualizar, com alguns exemplos, o panorama
educacional em que se situava a orientação geral ou Diretriz estabelecida por Azanha para a
Escola de Aplicação. Essa Diretriz pode apresentar alguns pontos comuns com a educação
tradicional, mas salienta-se nessa concepção um caráter singular, desvinculado dos “ismos”,
sobretudo dos que estão assentados em fundamentos psicológicos e nas tendências não-
diretivas. Por outro lado, as ideias de Azanha a respeito de uma escola ensinante (sua expressão
costumeira) encontravam eco nas concepções de autores como Alain. Em um dos livros deste
autor, Reflexões sobre a educação, Azanha escreveu o prefácio (AZANHA, 1978, p.XV, XVI,
grifos do autor) com um título bastante significativo: Alain ou a pedagogia da dificuldade, em
que ele faz uma severa crítica à proposição do ensino da criatividade e do ensino recreativo nas
escolas.
[...] É claro que todo progresso da cultura humana é devido a homens criativos, mas é
claro também que estes foram criativos com relação a um acervo cultural que
dominavam e que por isso mesmo foram capazes de superar. Como diz Alain: “Só
existe um método para inventar: é imitar [...] A arte de aprender se reduz, portanto, a
imitar por muito tempo e copiar por muito tempo, como qualquer músico sabe, e
qualquer pintor”.[...] Tanto pode ser original e criativo um poeta como um
torturador. Ser criativo é no fundo ser divergente. Mas ninguém diverge
simplesmente sem pontos de referência. Diverge-se de alguma coisa: de um modelo,
de uma opinião, de uma idéia. “Divergente” é um predicado comparativo assim como
“maior” ou “superar”. [...] Não atentando para isso, iludem-se os “tolos pedagogos”
da criatividade. E, pior que do que isso, tornam fraudulento o seu ensino, porque
mais ambiciosamente do que os sofistas propõem-se a ensinar até redação criativa
(redação divergente?!!!). Por meio de exercícios de criatividade (exercícios de
divergência?!!!).

Quanto ao ensino recreativo, Azanha (1978, p. XIX) apresenta seu parecer:

Talvez o contraste mais nítido entre a escola de ensino tradicional e a de ensino


renovado esteja no fato de que nesta diluiu-se completamente a distinção entre o
brinquedo e o estudo. Até mesmo os livros didáticos perderam a antiga gravidade e
procuram cada vez mais imitar as revistas de histórias em quadrinhos. Talvez se tente,
com medidas desse tipo, fazer crer que o estudo também é, ou pode, ou deve ser uma
forma de recreação. O que é evidentemente falso; pois a recreação pode ser
interrompida quando se quer (ou não se trata de recreação), enquanto que o estudo
exige perseverança não obstante o tédio.
86

Parece visível, portanto, o distanciamento das ideias de Azanha em relação aos teóricos da
renovação pedagógica, que, na época, eram amplamente estudados e debatidos entre os
educadores e, principalmente, nos cursos superiores de formação de professores.

As divergências dos professores da Escola de Aplicação em relação à Diretriz implicaram a


necessidade de várias reuniões, gerais e por áreas de ensino, planejadas e desenvolvidas pela
coordenação técnica. Deu-se continuidade a essas atividades no decorrer do ano letivo,
conforme foram previstas no Projeto Pedagógico.

Além disso, alguns professores levantaram questões de natureza conceitual: o que é ser crítico?
Qual concepção fundamenta o criticismo? Como se avalia a aprendizagem nessa linha?

Coube à coordenação técnica reunir-se com os professores em reuniões gerais e por áreas para
a discussão desses conceitos. Por orientação de Azanha foram tomadas como referência as
ideias de John Passmore (1981, p. 13)22, que se dedicou ao estudo do criticismo como objetivo
das escolas:
[...] O livre fluxo da imaginação é controlado pela crítica e esta é transformada em
uma nova visão de mundo. Não significa que o livre exercício da imaginação ou a
proposição de objeções sejam, em si, desprezíveis; a primeira pode ser fonte de novas
ideias e a segunda demonstrar a necessidade delas. Mas, por certo, a educação tenta
desenvolver as duas em combinação: “O educador está interessado em encorajar a
discussão crítica, o que é diferente do mero levantamento de objeções. A discussão é
um exercício de imaginação.”.

Nessas condições, o exercício da crítica contrapõe o uso da inteligência ao de hábitos, quando o


objetivo é o formar o educando para o pensamento crítico-criativo. Trata-se de substituir
exercícios por problemas a fim de que o aluno possa se valer da sua imaginação no sentido de
encontrar respostas para questões de que ele mesmo possa não ter as respostas prontas. Afirma
Passmore (1981, p.1-2, grifo do autor):

[...] À medida, pois, que a escola enfatiza, segundo as grandes tradições, a prática da
habilidade, em vez de aprendizagem mecânica – o uso da inteligência em lugar do
desenvolvimento de hábitos – ela, de certa forma, prepara o caminho para o pensamento
crítico-criativo. Parte substancial depende de como é ensinada a habilidade. O princípio
crucial parece ser: sempre e tão cedo quanto possível, substituir os exercícios por

22
John Passmore, filósofo australiano, professor de Filosofia da Escola de Pesquisa em Ciências Sociais e do Instituto de
Estudo Avançado em Canberra, Austrália. Dedicou-se à filosofia analítica tendo em vista o estudo de conceitos na área
educacional, inclusive o conceito de “ser crítico”. Seu livro mais famoso denomina-se A perfectibilidade do homem.
87

problemas. Por problema eu entendo uma situação onde o estudante não pode, de
imediato, decidir que regra aplicar ou como aplicá-la. Por exercício, uma situação na
qual isto é imediato, é óbvia. [...] A discussão crítica de regras aceitas pode começar
bem cedo na vida da criança; o que acontece mais tarde, conforme ela começa a se
iniciar nas grandes tradições, é que a área de discussão se amplia e a diferença entre os
tipos de discussão emerge mais claramente. Tal discussão crítica pode ser embaraçosa
para o professor; ele pode não estar convencido de que a regra seja razoável ou pode
também nunca ter se questionado como ela poderia ser justificada. Qualquer um que se
propõe a ensinar aos seus alunos como ser crítico, deve esperar constantemente ficar em
situação embaraçosa. Pode também esperar ser molestado por sua classe, por seu chefe
e pelos pais. Se ele desistir da idéia de ensinar os seus alunos a serem críticos e, para
aliviar sua consciência, treiná-los em habilidades, isto não será surpreendente. Mas ele
deve, pelo menos, deixar claro o que está fazendo e, ainda mais importante: o que não
está fazendo.

As proposições de Passmore dão oportunidade para esclarecer dois aspectos. O primeiro


consiste na constatação de que ao definir como objetivo da EA “[...] a trivial e indispensável
transmissão de conhecimentos”, Azanha deixou claro, também, que os conhecimentos
adquiridos pelo aluno estariam em função da ampliação de uma cultura geral que é condição
para alguém se tornar crítico-criativo (como quer Passmore). Portanto, o ato de transmitir
conhecimentos não se reduziria a meras aulas expositivas dadas a um aluno passivo. Ao
contrário, caberia ao professor expor um assunto com a finalidade de submetê-lo a discussões e
indagações por parte dos alunos. E nessas discussões deveriam prevalecer argumentos lógicos e
adequados para a aceitação ou refutação das ideias discutidas. Caso contrário, fugiria da atitude
crítica a objeção feita pelo simples fato de objetar, despida, portanto, da justificativa lógica e
coerente da objeção feita. E assim, os professores estariam resvalando para a simples formação
do que poderíamos chamar de “tolos objetantes”. Este fato sobreleva a importância e a
necessidade de um professor dotado de uma cultura geral e por consequência, que seja crítico-
criativo. Assim, somos levados ao segundo aspecto: teriam os professores uma sólida formação
e a necessária cultura geral para desenvolverem seu trabalho docente na linha do criticismo?
Sabemos que, além dos diversos problemas com que conta a escola pública, sobreleva-se o fato
de que alguns professores deixam a desejar quanto ao seu desempenho. No caso, uma saída
consistiria, como propõe Nóvoa (1999), numa formação continuada na própria instituição
escolar. De certa forma, foi o que a coordenação técnica procurou fazer mediante estudos e
seminários em reuniões gerais e por áreas de ensino.

Quanto à concepção do papel do professor, é significativa a mudança das ideias de Azanha


que, na década de 60, defendia uma relação pedagógica (professor e aluno) semelhante à
proposta por Gusdorf: “é no encontro a dois – professor e aluno - que ocorre a aprendizagem.”
Entretanto, dada a expansão maciça das matrículas no ensino fundamental e médio tornou-se
88

inviável, segundo Azanha (Indicação CEE-SP, 2000, p.7), a concepção da atividade de ensino
fundada na relação pedagógica professor-aluno:

Refletindo em grande parte as aflições norte-americanas com a corrida espacial no final


da década de 50, houve uma forte preocupação com a qualidade do ensino de ciências,
de matemática e, por contaminação, com as demais disciplinas no ensino fundamental e
médio. Por razões que ainda não estão suficientemente estudadas, essa pretendida
qualidade foi interpretada como uma questão a ser resolvida metodologicamente, por
meio de procedimentos de ensino supostamente mais eficazes porque seriam apoiados
em teorias psicológicas do desenvolvimento e da aprendizagem. O impacto dessas
ideias influiu fortemente nos cursos de licenciatura, ampliando substantivamente o
espaço curricular de disciplinas vinculadas às temáticas específicas de feição
metodológica e psicológica. Obviamente, tudo isso reforçou uma concepção de ensino
preceptorial numa relação pessoal entre professor e aluno.

Assim, diante do extenso número de alunos e, como consequência, de classes superlotadas,


modifica-se, necessariamente, a natureza da relação pedagógica e da formação de professores.
Para ambos os casos, Azanha (idem, ibidem, grifo do autor) propõe como referência a situação
real (e não abstrata) de cada escola:

[...] Na escola contemporânea, seja ela pública ou privada, o professor individual que
ensina e o aluno individual que aprende são ficções; seres tão imaginários quanto
aqueles a que se referem expressões como “homo oeconomicus”, “aluno médio”,
“sujeito epistêmico” e outras semelhantes. Não se trata de discutir a necessidade
teórica ou prática de conceitos gerais abstratos, mas a utilidade que eles possam ter
para fundamentar e orientar práticas docentes que devem ocorrer em situações
escolares concretas muito diferentes entre si. No atual quadro histórico – de ascensão
das massas a uma educação cada vez mais ampliada – não há lugar para essa visão
elitista e petrificada da relação pedagógica.

Em face dessa concepção, a coordenação técnica decidiu, conforme foi mencionado, organizar
uma programação de seminários e reuniões de estudo, com vistas à orientação dos professores,
adequada à Diretriz da EA e ao desenvolvimento das práticas escolares, de acordo com o
objetivo proposto. Essa programação foi incluída na Proposta Pedagógica.
89

3.2 PROPOSTA PEDAGÓGICA

A Diretriz da escola e a Proposta Pedagógica23 constituíam documentos integrantes do Plano


Escolar Anual. O Projeto Pedagógico sempre era iniciado com a apresentação da Diretriz.
Assim, num esforço coletivo, todo o pessoal da escola – técnico-administrativo e docente – era
reunido para identificar os principais problemas e dificuldades da escola para os quais eram
propostas medidas de solução. Atribuía-se a cada pessoa ou grupo a responsabilidade pelas
providências propostas durante um prazo previamente estipulado. Vencidos os prazos, fazia-se
nova reunião com todo o pessoal da escola para análise dos objetivos alcançados, sempre tendo
em vista a melhoria da escola em todos os sentidos. Com base nos resultados alcançados, fazia-
se nova análise de possíveis problemas identificados e nova atribuição de responsabilidade. E
assim ocorria sucessivamente no decorrer do ano escolar.

Como esclarece Azanha (2006, p. 96 e 103):

O projeto pedagógico da escola é apenas uma oportunidade para que algumas coisas
aconteçam e dentre elas o seguinte: tomada de consciência dos principais problemas
da escola, das possibilidades de solução e definição das responsabilidades coletivas e
pessoais para eliminar ou atenuar as falhas detectadas. Nada mais, porém isso é
muito, e muito difícil. [..] A idéia de um projeto pedagógico, visando á melhoria da
escola com relação às suas práticas específicas, será uma ficção burocrática se não
for fruto da consciência e do esforço da coletividade escolar. Por isso, é ela, a escola,
que precisa ser assistida e orientada sistematicamente, e seus membros temporários,
os professores, não devem ser aperfeiçoados abstratamente para o ensino da sua
disciplina, mas para a tarefa coletiva do projeto escolar.

Apresentamos como exemplo a análise da situação da EA no ano letivo de 1976, incluída na


primeira Proposta Pedagógica no ano letivo de 1976. Foram mantidas as mesmas matérias do
currículo adotado de 1972 a 1976. A escola funcionava em um único turno com duas séries por
classe e dispunha de tempo para, durante dois dias na semana, dar aulas de Artes em período
complementar. Com as alterações ocorridas na escola: extensão do curso de quatro para oito
anos, funcionamento em dois turnos, aumento do número de classes e de alunos, a carga horária
tornou-se excessiva em face do tempo disponível para a sua execução.

No decorrer da análise, foram identificados problemas surgidos devido a essa inadequação da


carga horária: dispersão dos alunos para assistirem a diversas aulas fora da classe – Artes
Plásticas, Artes Industriais, Educação Física e aulas de leitura na biblioteca. Em contrapartida,

23
A expressão Proposta Pedagógica é também conhecida e usada como Projeto Pedagógico ou Projeto-Político-Pedagógico.
Independentemente da diferença dos nomes, o significado é o mesmo.
90

restava apenas uma hora para as aulas de Português e Matemática. No geral, a carga horária
ficou bastante fragmentada, uma vez que as aulas das outras disciplinas citadas tinham uma
duração de 40 minutos. Descontados, entretanto, 10 minutos para a locomoção dos alunos,
cinco minutos para a organização do material, cada aula durava, de fato, 25 minutos.

Com relação às classes de 5ª à 8ª série, os problemas identificados eram semelhantes aos das
classes de 1ª à 4ª série como, por exemplo: certa indisciplina e barulho nas aulas de alguns
professores cuja concepção era a de que somente com muita liberdade os alunos teriam
condições de serem iniciados na compreensão da democracia e no desenvolvimento da
criatividade.

Outro aspecto referiu-se ao tratamento dado à organização dos programas de ensino. Ao invés
de ser enfatizada a definição dos conteúdos mínimos em cada disciplina, havia preocupação
maior com a formulação dos objetivos operacionalizados em termos comportamentais,
conforme as ideias de Bloom (taxonomia dos objetivos educacionais) que estavam em vigor na
época.

Também foi analisada a desorganização relativa às aulas de Educação Física. Essas aulas eram
ministradas à tarde, em três dias da semana, portanto, fora da carga horária. Apesar de as aulas
estarem, legalmente, sob a responsabilidade dos professores da EA, elas eram dadas, de fato,
pelos estagiários da Faculdade de Educação Física24. Este fato implicava retorno dos alunos à
escola durante três dias da semana com prejuízo dos alunos, dos pais, da disciplina e da ordem
na escola. Também dificultava o controle administrativo e técnico da programação das aulas,
uma vez que se contava com 90 estagiários.

Os técnicos que compunham o setor de orientação pedagógica, como era denominado antes da
reformulação do Regimento Escolar, ficavam impedidos de orientar os professores por falta de
horário comum a todos; havia também a dificuldade de elaborar um plano eficaz de atuação
que permitisse acompanhamento e controle do processo educativo.

24
Embora esse estágio tenha sido planejado de modo que os estagiários trabalhassem sob a supervisão dos professores da EA e
do coordenador de Prática de Educação Física, tal fato não ocorreu. Os estagiários, cerca de 90, assumiram inteiramente as
aulas como se fossem professores substitutos, sem orientação e com planos próprios, desarticulados do plano da escola.
(Proposta Pedagógica, 1977, p.3, acervo pessoal da autora).
91

Após a análise desses problemas, além de outros, eram indicadas na Proposta Pedagógica as
providências necessárias, tomadas em conjunto pelo pessoal coletivo da escola. Por exemplo,
como foi esclarecido, o processo de redução do número de alunos e, consequentemente, de
classes, a fim de que se chegasse a apenas duas classes por série com, no máximo, 30 alunos
cada uma. Essa redução se justificava porque o grande número de alunos tendia a aumentar
cada vez mais devido a uma crescente demanda de matrículas. Além de contrariar as normas
regimentais, então vigentes, o crescente aumento de alunos respondia por dificuldades de
natureza pedagógica e administrativa, sendo que a EA já estava usando salas da Faculdade de
Educação para as aulas. Além disso, o número excessivo de alunos constituía obstáculo à EA
para assumir seu caráter efetivo de uma escola de aplicação.

Na forma descrita, o Projeto Pedagógico era alvo de constantes análises e revisões, tendo-se
sempre em vista uma contínua melhoria da escola, especialmente nos aspectos pedagógicos.

3.3 PLANEJAMENTO DO ANO LETIVO: ORIENTAÇÃO

O preparo para a semana de planejamento iniciava-se com a formulação de convites aos


professores da Faculdade de Educação e a professores especialistas de outros institutos do
“campus”, especialmente das áreas de Literatura, Língua Portuguesa, Matemática, Ciências,
História, Geografia. A participação desses professores consistia de palestras e de
acompanhamento das atividades de planejamento. Os convites eram acompanhados de um
cronograma do trabalho, conforme modelo, a seguir.
92

2/02 3/02 4/02 5/02 6/02

Reunião - Leitura e apreciação - Atividades por área - Reunião de área


8:00 H. ÀS 12:00H.

Palestra do plano Escolar anual - Elaboração dos com especialistas


5ª À 8ª SÉRIE

- Sessão de programas de ensino


estudos

- Leitura e apreciação Sessões de estudo e elaboração dos programas


13:00 h. às 17:00 h.

11:00 horas Almoço do plano de ensino


de Confraternização Escolar
1ª à 4ª série

Anual
- Sessão de
Reunião-palestra estudos

Quadro 7 – Cronograma das atividades de planejamento no início do ano letivo


Fonte: GORDO, 1981.

Considerando a Diretriz da escola que enfatizava a “transmissão de conhecimentos”, “o


empenho professor em ensinar” e o “esforço do aluno para aprender”, Azanha (1986, p.23)
decidiu deixar clara uma orientação para as atividades de planejamento em que salientou a
importância da definição dos conteúdos mínimos e a forma como eles seriam ensinados:

Num período de apenas uma semana não se pode pretender a elaboração de um


planejamento global das atividades escolares para um ano. Mesmo deixando de lado
a discutível idéia de que num período mais longo esse planejamento global seria
exeqüível, pode-se talvez afirmar que, de qualquer modo, ele não seria desejável.
Porque um planejamento de tal forma abrangente obrigaria, no curso de sua
execução, a tantas e tantas reformulações que haveria o risco de não se fazer outra
coisa senão planejar e replanejar.
A.idéia do planejamento no início do ano escolar repousa na saudável preocupação
em assegurar um mínimo de entendimento e de conjugação de esforços entre pessoas
que realizam fragmentos de uma tarefa comum e que por força da própria dinâmica
do trabalho docente tendem a isolar-se. Embora esse eventual isolamento não seja
necessariamente um mal, poderá, contudo, ser oportunidade de perda de vista dos
objetivos comuns de todas as atividades escolares.
Nessas condições, o fundamental na semana de planejamento será rediscutir os
objetivos gerais do processo educativo do ensino de 1º grau, como ponto de partida
para avaliação do papel de cada matéria nesse processo. E, conseqüentemente,
deverá se chegar à determinação dos conteúdos mínimos a serem alcançados no
ensino de cada matéria, de modo a se assegurar sua efetiva contribuição à formação
geral do aluno.
Outros pontos a serem discutidos, como avaliação, recuperação, utilização de
biblioteca etc, serão subordinados a esse ponto prioritário: o que efetivamente é
indispensável ensinar em cada matéria e como fazê-lo.

O planejamento constava de um trabalho conjunto – coordenação técnica e professores.


Inicialmente, procedia-se a uma avaliação da programação desenvolvida no ano letivo anterior.
A partir dos aspectos positivos e negativos identificados nesse trabalho, principalmente no
93

âmbito do ensino e da aprendizagem, eram feitos os programas de ensino a serem


desenvolvidos no ano letivo.

Esse trabalho conjunto, realizado pela primeira vez no início do ano de 1977, contou com
certas dificuldades à vista da resistência de alguns grupos de professores que não se
conformavam com a idéia de iniciar a elaboração dos programas a partir da definição de
conteúdos mínimos e não, como costumavam fazer, definir primeiramente os objetivos para
depois traduzi-los em termos comportamentais. Os professores só desistiram desta idéia após
muita discussão e releituras da Diretriz.

A resistência, aliás, já era prevista a partir das divergências iniciais, como já descritas. A
propósito, Vasconcellos (2009, p.149) faz referências bastante pertinentes a situações como
esta:
[..].Alguns elementos a serem considerados no processo de construção dos programas
de ensino: ter clareza de que o Projeto Pedagógico é a grande referência para todos os
demais projetos da escola, inclusive o projeto de ensino-aprendizagem. A disciplina
que o professor ministra não é seu “feudo” ou “propriedade particular.” O educador
deve ter autonomia, mas esta deve estar integrada na perspectiva geral do trabalho
da área, do curso da escola.

Ainda, Vasconcellos (ob. cit., p.151) faz referência à forma de contribuição da coordenação
técnica:

Seria muito positivo que o professor pudesse sentir a coordenação pedagógica como
autêntica aliada nesta tentativa de alterar sua prática e não como elemento de controle
e fiscalização. A equipe de coordenação escolar tem por função articular todo o
trabalho em torno da proposta geral da escola e não ser elemento de controle formal e
burocrático. É interessante refletir sobre a diferença entre acompanhar – que é uma
necessidade- e fiscalizar- que é colocar-se fora e acima do processo.

Após a definição dos conteúdos mínimos, no sentido horizontal e horizontal, por séries, por
classes e por disciplinas, o importante na semana de planejamento consistia numa troca de
informações entre técnicos e professores a respeito de vários assuntos, como a situação da
aprendizagem dos alunos em cada classe e série; o que foi possível desenvolver da
programação de cada disciplina, quais as dificuldades encontradas e o que deveria ser
melhorado; aspectos positivos e negativos da orientação dada pelos orientadores das áreas; o
que deveria ser mudado com relação aos recursos didáticos, se o objetivo da escola estava
sendo alcançado e assim por diante:
94

3.4 IMPLICAÇÕES DA TEORIA NÃO-DIRETIVA NA METODOLOGIA DO ENSINO

Vimos que, na década de 70, quando Azanha assumiu a Representação da FEUSP junto à
Escola de Aplicação (1976), predominavam várias teorias de ensino, principalmente as do
progressivismo. Tinham como fundamento a concepção do aluno como centro do ensino-
aprendizagem de modo que o professor seria um auxiliar dedicado à organização das condições
favoráveis à aprendizagem. Assim, nessa concepção eram defendidas ideias como a liberdade
do aluno, a experiência, a pesquisa e o trabalho em grupo como atividades adequadas ao
desenvolvimento do aprendizado autônomo. Faria (1987) discorre sobre as ideias de Rogers
(1971, p.136, grifos do autor) a respeito da técnica do ensino-não diretivo:

É comum a divisão dos alunos em pequenos grupos, que aprendem por sua própria
iniciativa e responsabilidade. [...] (O) método de investigação de Suchman (consiste)
na orientação de pesquisa para alunos que se interessam na descoberta do
conhecimento científico. O professor estabelece o quadro da pesquisa mediante a
colocação de problema; propicia um ambiente receptivo e fornece assistência ao ato
de investigar para que os estudantes se tornem “cientistas por si mesmos”, num nível
natural, provocando respostas a problemas reais.

Além dessa concepção, salientava-se, também, a técnica da aprendizagem por descoberta, cuja
origem está, geralmente, ligada a nomes como Rousseau, Maria Montessori e John Dewey.
Como observa Faria (1987, p.57):

Algumas das ideias mais enfatizadas referem-se à aprendizagem pela experiência


direta, com situações de vida naturais, não forjadas, e à abordagem instrucional
centralizada na criança, em seus interesses espontâneos. São condenadas como
sacrilégios, quaisquer direções na aprendizagem. [...] como o ensino expositivo que é
visto como autoritário e desprovido potencialmente de significação. Somente os
discernimentos obtidos via descoberta é que são considerados transcendentalmente
dotados de significado.

Azanha, refratário ao movimento de renovação pedagógica, como vimos, decidiu justificar no


Plano Escolar da Escola de Aplicação sua crítica a essas várias tendências que então eram
propaladas e difundidas nas escolas e nos órgãos que faziam parte do sistema educacional deste
Estado.

A propósito, por exemplo, do uso da técnica da pesquisa como atividade escolar, Azanha
afirma que só um grave equívoco sobre a natureza da ciência poderia associar a idéia de
pesquisa à busca desorientada de dados. No entanto, raramente, a pesquisa como trabalho
escolar ultrapassa esse estágio: ao aluno dá-se um tema ou problema e o mais é por conta dele,
fazendo pesquisa. Azanha (1977, p.5) afirma que há nisso um jogo verbal travestido de
95

inovação pedagógica, que poderia ser tolerado como inconseqüente se não houvesse
inconvenientes:

Incentiva-se a fraude intelectual, porque o aluno desorientado na sua obrigação de


pesquisar pede ajuda aos pais, copia sem aspas e monta o trabalho de “pesquisa” que
no fundo satisfaz ao professor apenas pelo aspecto de montagem, pois se fosse feita
uma crítica honesta, qualquer trabalho de “pesquisa” no 1º grau teria que ser
considerado ruim.
Consultar enciclopédias, dicionários etc., é uma atividade que pode e deve ser
estimulada, mas sem o constrangimento de ter de copiá-las a pretexto de pesquisar.
Degrada-se na compreensão do aluno a própria idéia de pesquisa. Sonega-se a ele a
idéia de pesquisa como um instrumento de ampliação do saber pela coleta
desorientada de informações. E se a razão para levar o aluno a pesquisar é incutir
nele a idéia de que o progresso do saber humano é fruto da pesquisa sistemática, é
preciso averiguar até que ponto isso pode ser alcançado com a fastidiosa tarefa da
pesquisa escolar.
Nem se alegue que no trabalho de pesquisa escolar, estimula-se o aluno a tomar
iniciativas próprias, a menos que se entenda por isso a fraude de apresentar ideias
alheias como próprias.

E Azanha acrescenta que o único modo pelo qual a pesquisa escolar poderá assemelhar-se ao
autêntico trabalho de pesquisa consiste na proposição, aos alunos, de problemas bem
delimitados e da indispensável indicação de possíveis linhas de trabalho para sua solução. Fora
disso, a pesquisa escolar é uma contrafação da pesquisa científica.

Quanto à técnica de trabalho em grupo, parece que ela conta com mais defensores do que
opositores. Rogers (1971 apud FARIA, 1987, p.13), por exemplo, afirma “[...] ser comum a
divisão dos alunos em pequenos grupos, que aprendem por sua própria iniciativa e
responsabilidade”. Para Azanha, entretanto, não convém o uso desta técnica:

a prática do trabalho em grupo pode ser um recurso para a fomentação da preguiça ou


da ignorância ensejando, além da dispersão, por vezes ruidosa e barulhenta, a
promoção de alunos que por mérito próprio dificilmente obteriam a média necessária
para serem promovidos. É o caso de cogitar se não está aí uma possível explicação do
desnível verificado nesta escola entre as porcentagens de reprovação em Matemática e
a das demais disciplinas. É preciso ainda não desconsiderar o fato de que muitos
alunos por características pessoais preferem o trabalho individual. Isso é ruim?
Deveria ser desestimulado, mesmo a qualquer custo? Em nome de que princípios?”

Um dos problemas sempre levantados pelos professores referia-se a: quais disciplinas seriam
relevantes para um ensino que visa ao desenvolvimento do espírito crítico. Dizíamos que todas,
desde que ensinadas nos termos em que a EA propõe a instrução. Excepcionalmente, a Língua
Portuguesa assume especial relevância pelo fato de ser um dos meios por excelência de
comunicação. Seja qual for a disciplina, deve haver uma preocupação constante do professor
em relação à língua, considerando que o ensino se consubstancia, fundamentalmente, na
96

ampliação de conhecimentos em todas as áreas: Geografia, História, Artes em geral, Ciências, e


assim por diante.

A propósito, eram discutidas as ideias de Angel Rosenblat (1977, p.11)25:

Observa-se na criança, desde cedo, uma crescente avidez de palavras, de nomes, que
é sua maneira de apropriar-se do mundo (a maneira como a menina Hellen Keller,
surda, muda e cega, adquiriu o dom da palavra, o atesta dramaticamente). Não há
nessa avidez um fundamento para todo o desenvolvimento do espírito? Minha
opinião é que para formar as cabeças, a escola não deve ensinar nunca gramática,
senão a língua. Muita, muitíssima leitura; leitura oral, leitura comentada pelo
professor, leitura explicada pelo aluno; leitura em classe, leitura em casa, leitura de
contos (há que alimentar a imaginação da criança); leitura de lendas, biografias,
fábulas, anedotas, episódios históricos, discursos, leitura de pequenos trechos e de
livros completos. E muita escrita, cópia, redação, composição (sobre temas lidos ou
assinalados), cartas de toda espécie, resumos de qualquer tema, conversão em prosa
de trechos poéticos, e escrever em classe, e escrever em casa.E junto com a leitura e a
escrita, habituar o aluno a falar bem, a expressar-se com correção, a pronunciar bem,
a enriquecer sua língua. Tudo o que se faça nesse triplo sentido é pouco.
Porque através da língua, e como complemento dela, pode-se ensinar história,
geografia e ciências naturais. Em rigor, pode-se ensinar tudo, exceto matemáticas. E
mesmo em matemática a experiência mostra que muitos alunos fracassam por não
saber ler bem o enunciado dos problemas.

Outra questão frequentemente discutida pelos professores referia-se ao como ensinar, a qual
metodologia a ser adotada para o alcance dos objetivos da EA, conforme estavam propostos na
Diretriz. Aliás, os professores em geral sempre demonstram interesse por métodos e técnicas de
ensino, sem levar muito em conta as diversas variáveis que interferem na aprendizagem dos
alunos como, por exemplo: conhecimentos prévios do educando a respeito dos assuntos
estudados, a forma de comunicação usada pelo professor, o nível de linguagem dos alunos, e,
na medida do possível, a interação do professor com os alunos e desses entre si. Na verdade, a
metodologia de ensino é um assunto bastante discutível, assim como o é o próprio conceito de
Didática. A propósito, Azanha é autor de um artigo sobre Didática em que ele assume uma
atitude crítica a respeito da impropriedade ou mesmo da inoperância da polêmica sobre
métodos de ensino com vistas à melhoria do ensino ou ao êxito na aprendizagem.

Para chegar a essa conclusão, Azanha começa pelo estudo de métodos que, no caso do ensino,
implica o uso de certas regras que nos remetem a uma questão mais geral: a das relações entre
regras e atividades. Com vistas a esclarecer este assunto, Azanha distingue três casos: jogar

25
Angel Rosenblat é lingüista e pesquisador do ensino da língua nas escolas dos países latino-americanos. É natural de
Caracas, Venezuela, e autor da obra “La gramática y el idioma” em que defende o ensino da língua (falada e escrita) nas
escolas e critica o ensino formal da gramática nas séries iniciais do ensino fundamental.
97

xadrez requer, necessariamente, o conhecimento das regras do jogo. Trata-se, aqui do verbo
saber no sentido de saber que. No segundo caso, é citada como exemplo a ação de nadar que
difere do jogo de xadrez porque é uma atividade que não requer regras: trata-se de saber como.
No terceiro caso, são citados como exemplos: contar piadas com graça, pensar criticamente e
argumentar, que são atividades para as quais não existem regras. Como explica Azanha (1986,
p.75, grifos do autor):

Trata-se de atividades que revelam um saber como, um saber fazer e não um saber
que. Como diz Ryle, se perguntássemos a um humorista a quais regras ele obedece
para contar piadas com graça, provavelmente nada obteríamos. Aqui, segundo o autor
citado, a “prática eficiente precede a teoria”, isto é, o conhecimento de certas regras.
Não há um método para contar piadas, argumentar, pensar criticamente, porque essas
atividades são essencialmente criativas e não há método para inventar”.

Na sequência da sua explanação, Azanha conclui que a atividade de ensinar assemelha-se mais
ao ato de pensar criticamente, de contar piadas com graça, do que ao ato de jogar xadrez ou
nadar. Ensinar é uma atividade que se relaciona com o saber como da atividade de nadar e não
ao saber que próprio da atividade de jogar xadrez. Se alguém disser que uma pessoa sabe
ensinar, o que se pode deduzir disso é apenas que ela teve êxito na sua atividade de ensinar e só
eventualmente será possível dizer que ela segue alguma regra. Diante deste fato, Azanha (1986,
p. 77) conclui:

[...] Embora tenhamos aflorado o tema dos pressupostos da Didática numa


perspectiva limitada da análise lógica, acreditamos ter fornecido nesta exposição,
pelo menos, indicações de que o sonho de Comênio e também suas variantes
históricas e atuais repousam numa ilusão. A de que a atividade de ensinar, no seu
sentido amplo, possa ser exaustivamente regulada. O reconhecimento desse fato deve
ter um efeito moderador no entusiasmo com que, às vezes, aderimos a esta ou àquela
novidade no campo da Didática. Por outro lado, esta é uma conclusão muito positiva
porque revela que o professor, na sua atividade criativa de ensinar, é um solitário, que
por isso mesmo não deve esperar socorro definitivo de nenhum modelo ou método de
ensino, por mais avançadas e sofisticadas que sejam as teorias que supostamente os
fundamentam.

Essas e outras questões foram objeto de vários estudos e discussões que ocorreram nas reuniões
semanais da coordenação técnica com os professores. Não foram reuniões tranquilas. Como era
de se esperar, houve sempre divergências, especialmente por parte dos professores adeptos dos
métodos ativos e até mesmo do ensino não-diretivo. Entretanto, entendemos que,
principalmente em relação a questões do ensino, as divergências são esperadas e devem ser
vistas como meio de enriquecimento de ideias, uma vez que na área da educação pode haver
esforço para a busca da verdade, mas ela continua sendo apenas um ideal.
98

3.5 ATIVIDADES CULTURAIS E PROJETOS DE ESTUDO

Vimos que a Diretriz da EA, conforme consta no Plano Escolar Anual, define como objetivo da
escola a formação de alunos com capacidade de crítica, o que requer, necessariamente, uma
cultura geral. Como afirma Vinão (1909, p.46-47):

[...] mais que transmitir determinados códigos necessários para a inserção no mundo
do trabalho dos jovens, a escola teria como finalidade última a formação das novas
gerações, e isso se dá pela transmissão do que de melhor foi produzido pela
humanidade. Os códigos linguüísticos, os feitos da ciência, as habilidades
desenvolvidas pela matemática, além da arte, da história e das práticas de educação
corporal sobre a qual os professores poderão almejar o desenvolvimento pleno das
crianças e dos adolescentes. Não se trata de treinar habilidades e competências, mas
de propiciar o acesso à cultura que poderia, em tese, permitir a edificação de uma
sociedade que supere o preconceito, a violência e a desigualdade. Esse projeto,
segundo a sua ênfase, só pode ter alguma possibilidade de sucesso no âmbito de uma
escola pública, com grande qualidade acadêmica, que tenha professores qualificados
e motivados e sobretudo, que seja laica.

Atentos a proposições desta natureza, a coordenação técnica, a bibliotecária e os professores


incluíram no Plano Geral da Escola uma série de atividades extraclasse, com vistas a enriquecer
os programas de ensino como, por exemplo, campeonatos esportivos, peças teatrais, exposições
artísticas envolvendo artes plásticas, música e canto; feiras de livros da literatura infanto-
juvenil; a “Cerimônia do Chá”, em homenagem aos pais e alunos japoneses ou descendentes e,
também, no mesmo caso, exposições de “Origamis” e “Ikebanas”; “maratonas de matemática”;
barracas de remédios preparados pelos alunos, com orientação da professora-orientadora da
área de ciências, usando plantas medicinais da horta cultivada na escola, dentre outras
atividades.

Esse conjunto de atividades concentrava-se no evento denominado “Semana Cultural de


Outubro” que, como se pode deduzir, constituía um período especial e muito dinâmico: de
segunda à sexta-feira, de dia e de noite, contando-se com a presença de muitos pais e
convidados do “campus” e de outras escolas.

Das peças teatrais apresentadas, salientaram-se “O guriatã” e a “Ceia dos Cardeais” de autoria
de Júlio Dantas, sob orientação do professor de Artes, José Joaquim Marques, e da Profª Drª
Hercilia Tavares de Miranda, professora da FEUSP. Outra peça teatral que merece realce foi
“Roteiro de Viagem”, escrita e organizada por alunos da 4ª série, sob orientação dos
professores mencionados e da professora da classe Maria Salete Cruz. Aliás, esta professora
continua até hoje dando aulas de canto de músicas brasileiras populares, principalmente aos
99

alunos da 1ª à 4ª série. Também eram apresentados corais, declamações e peças teatrais nas
línguas francesa e inglesa, preparados pelas professoras dos “clubinhos” de francês e de inglês,
conforme são descritos mais adiante.

Outras atividades constavam de: narração de contos, apresentação do CORALUSP e do Coral


da EA, denominado “Os Pequenos Cantores da USP”; de entrevistas dos alunos com
repórteres, cronistas, publicitários, músicos e especialistas em assuntos científicos; de autores
lidos como, por exemplo, Ruth Rocha (todas as obras), Ziraldo (principalmente “O menino
maluquinho”), Lygia Bojunga Nunes (em especial “A bolsa amarela”), Tatiana Belink, João
Carlos Marinho, cuja obra “O gênio do crime” foi um dos livros mais lidos pelos alunos; Maria
Heloísa Penteado autora, entre outras obras, de “Lúcia já vou indo”, José Hamilton Ribeiro,
famoso correspondente de guerra e autor de “Pantanal, amor baguá”, Mirna Pynsk, entre
outros.
A respeito das atividades da “Semana de Outubro”, segue um depoimento da professora
Elizabeth Camargo Prado, então orientadora educacional da Escola de Aplicação:

DEPOIMENTO
Cheguei à Escola de Aplicação em 1980 no exato momento da
Semana Cultural que era realizada todos os anos. Fiquei
impressionada com a qualidade dos trabalhos apresentados pelos
alunos; de alto nível, o que refletia a qualidade dos professores
que tínhamos. Encantei-me com a Feira de Livros. O evento
estava sendo realizado no Auditório e a Feira ocupava um espaço
enorme e era de um cuidado apurado, tanto no que se referia aos
títulos apresentados, quanto à forma de montagem. Nunca vi
nada igual em escolas.

Na memória de todos também ficaram as professoras de Francês,


tão queridas de seus alunos. Com certeza nossos alunos
aprenderam o necessário da língua francesa, ou quem sabe até
além deste, e mais do que isso aprenderam muito da cultura
francesa. Foram inesquecíveis as apresentações teatrais em
francês e em inglês, de escritores famosos da literatura francesa e
norte-americana. Lembro-me do “Avarento”! Tudo elaborado
por professora e alunos. Na língua inglesa também tivemos
grandes apresentações e atividades. E... falando de teatro, vem à
nossa lembrança a imagem adorável do Kim e seu trabalho
fantástico com os alunos.Um trabalho de qualidade profissional,
culminando na encenação do “Guriatã” e da “Ceia dos
cardeais”.
Elisabeth Camargo Prado, 2009
100

* * *

As disciplinas Francês e Inglês eram ministradas nas classes de 5ª à 8ª série. Com o objetivo de
enriquecer a cultura dos alunos, foram organizadas duas salas para serem usadas como
“clubinhos” em horário alternado ao das aulas. Eram desenvolvidas atividades diversas:
conversação, canto e audição musical, redação de textos a partir da leitura de livros da literatura
inglesa, norte-americana e francesa. Essas atividades, iniciadas de forma assistemática em
1980, foram desenvolvidas sistematicamente em 1981, com a programação acrescida de
projeção de filmes, de “slides”, de leituras de revistas e jornais, principalmente da França e dos
Estados Unidos. Além disso, foram apresentadas peças teatrais adaptadas de autores da
literatura francesa, inglesa e norte-americana; canto, declamação de poemas. Segue uma
descrição de parte dessas atividades.

Os Clubes de Francês e de Inglês eram orientados, respectivamente, pelas professoras Regina


Teresa dos Santos Machado e Sandra Ferreira. A diretora cedeu-lhes duas salas para a
organização dos clubes. Os alunos, apesar de voluntários, constituíam um contingente bastante
razoável. Cada uma das salas foi organizada pelas professoras juntamente com os alunos. Com
verba cedida pelos pais, mediante a Associação Escola-Lar, foram comprados para cada sala
livros da literatura francesa, inglesa e norte-americana; dicionários; músicas gravadas em
discos. A sala de francês, por exemplo, era um ambiente descontraído, sem a presença de
cadeiras, mas com almofadas coloridas, cartazes nas paredes, aparelho de som, livros e “bandes
dessinées” em francês e uma coluna da sala foi aproveitada com uma pintura da Tour Eiffel
feita pelos próprios alunos. Da mesma forma, a sala de inglês era bastante descontraída e
contextualizada com materiais simbólicos da Inglaterra e dos Estados Unidos.

As duas professoras ensinavam os alunos com muita dedicação. Orientavam em atividades de


músicas, poemas, diálogos, leituras e dramatizações, além de adaptações de peças teatrais.
Principalmente na “Semana Cultural de Outubro” os trabalhos eram apresentados no auditório,
sendo que o vestuário e a organização do ambiente, como cenário, iluminação, mobiliário e
mesmo as roupas para as apresentações ficavam sob a responsabilidade dos professores e
alunos.
101

Os clubinhos funcionaram de 1980 a 1984 quando, com o início do ensino médio, as duas salas
passaram a funcionar como salas de aulas, uma vez que não se dispunha de outros locais. Mais
esclarecimentos são apresentados num depoimento da professora de francês, Regina Teresa dos
Santos Machado, a seguir.

DEPOIMENTO

Ingressei na Escola de Aplicação da USP em março de 1980. A proposta de trabalho


era a de por em prática um “Clube de Francês” que funcionaria com atividades na
parte da tarde, para os alunos que queriam aprender mais o idioma francês e
adquirir um pouco mais de autonomia na expressão oral dessa língua. Já durante a
entrevista tive que me expressar em francês com as coordenadoras Nivia Gordo e
Neuza Rocha Goyano, além de apresentar uma proposta da utilização do espaço
onde funcionaria o “Clubinho”.
No final do ano letivo de 1980, apresentamos no Anfiteatro da USP a primeira de
muitas encenações do “Le Cuisinier”, um texto da coleção “Français Facile”, e que
contava a história de um jovem que teve de sair de casa para realizar o seu sonho de
ser cozinheiro, pois seus pais não aceitavam a idéia. Nos anos seguintes as
apresentações foram consecutivamente: “Le Petit Prince” de Saint Exupéry,
apresentada no anfiteatro da USP e, no auditório da EAFEUSP, apresentamos
trechos de três obras de Molière: “Les Précieuses Ridicules”, “L’Avare” e “Le
Bourgeois Gentilhomme”. As encenações eram feitas por um aluno caracterizado
como Molière que explicava ao público, em português, o que iriam assistir e as
“suas” (de Molière) intenções ao escrever as comédias. Em seguida, apresentamos
uma comédia escrita em conjunto com os alunos daquele ano ,“Le Grand Loto”, que
contava a história de uma família pobre que ganhara na Loto e fazia planos toda
contente para empregar o dinheiro. Mas no momento em que vão receber o dinheiro,
recebem muito pouco, pois o “monstro da inflação” (bem popular na época) havia
comido quase todo o prêmio.
O “Clubinho” me levou a refletir sobre o valor das atividades no processo de
aprendizagem de uma língua estrangeira. Os alunos que participavam das atividades
à tarde adquiriam uma competência comunicativa e conseguiam se sair bem nas
diferentes situações de comunicação em sala de aula. Eu aprendi muito nessa época
e início de carreira e minha prática pedagógica desde então parte sempre de
atividades que estimulem e impliquem o aluno no processo de aprendizagem da
língua francesa.
Regina Teresa dos santos Machado, 200
102

Com o mesmo objetivo de ampliar a cultura geral dos alunos, eram desenvolvidos alguns
projetos de estudo nas diversas áreas de ensino, o que ocorreu principalmente na área de
ciências e da alfabetização No primeiro caso, tratava-se de, num prazo determinado, dar
oportunidade para grupos de alunos interessados em aprofundar o estudo de um tema. Quanto à
alfabetização, optamos por desenvolvê-la também na forma de projeto de estudo para termos a
oportunidade de verificar o grau de eficácia do método adotado, a partir dos registros das
dificuldades verificadas no decorrer do processo de ensino. Desta forma, podíamos testar,
constantemente, a linha de alfabetização adotada com base nos critérios de duração do
processo, eficiência e facilidade na aprendizagem, levando sempre em conta, evidentemente, o
ritmo de aprendizagem dos alunos.

3.6 PROJETO DE CIÊNCIAS: MEIO AMBIENTE

No decorrer das aulas de ciências foram levantadas questões que despertaram o interesse dos
alunos para um estudo mais detido do meio ambiente: o que é meio ambiente? Quais as
relações entre biosfera, tecnosfera e a sociosfera? Quais medidas de intervenção são necessárias
para a reconquista do equilíbrio do meio ambiente?

Evidentemente, não existem respostas conclusivas para a última questão. Mesmo assim,
decidimos formalizar um projeto de estudo do meio ambiente mediante, num primeiro
momento, leituras intensivas sobre o assunto. Os primeiros textos estudados já eram, na época,
compatíveis com as concepções atuais, descritas por Mello (2007, p. 41):

[...] o homem vive numa complexa teia de relações e interações que podemos esboçar
em três subsistemas básicos: a biosfera, a tecnosfera e a sociosfera. Os dois primeiros
compreendem as estruturas energéticas e materiais, e o terceiro, a institucional. A
biosfera inclui os horizontes da atmosfera, litosfera e hidrosfera, onde existe vida. Já a
tecnosfera abrange as estruturas constituídas pelo trabalho humano no espaço da
biosfera. [...] A humanidade vive e interage na relação desses subsistemas que dão o
limite para a existência da vida humana na terra.

Entretanto, permanece até hoje a difícil questão da possibilidade de reconquistar equilíbrio do


meio ambiente, principalmente se fizermos uma revisão de como ocorreu o processo desse
desequilíbrio. Enquadra-se bem, neste caso, a análise feita por Morin (1989, p.73).

as sociedades humanas julgaram emancipar-se da natureza criando cidades.


E, no entanto [...] é nesta e por esta emancipação urbana que a cultura, a
civilização, a sociedade se tornaram tributárias da natureza, como as
sociedades arcaicas nunca o foram (Sahlins, 1976). Com efeito, as
concentrações urbanas necessitam dum reabastecimento maciço e regular,
portanto dependem das colheitas que dependem dos riscos metereológicos,
103

econômicos e sociais (conflitos, guerras e invasões. [...] Doravante, são os


ciclos da água e a salubridade do ar que estão ameaçados pelos
escoamentos envenenados do tudo-no-esgoto nos rios e das dejeções de gás
na atmosfera. Os nossos transbordamentos perturbam não só os ciclos
biológicos, mas os anéis químicos primários ameçam a sua existência e, por
isso, a nossa existência.

Assim, embora as questões de educação ambiental sejam uma preocupação que permeia todo o
desenvolvimento do Programa de Ciências Físicas e Biológicas, em face do agravamento da
deterioração do meio ambiente, decidimos delimitar, primeiramente, o estudo com um projeto
específico, cujo tema foi a água, com vistas a sensibilizar os alunos com relação aos cuidados
que se deve ter com a natureza e o meio que nos cerca.

Especificamente, o projeto foi desenvolvido em 1980 com o principal objetivo de proporcionar


estudos que propiciassem aos alunos: noções sobre as interrelações biofísicas do meio
ambiente; condições para a identificação de alguns problemas e suas implicações com relação à
saúde, economia e cultura; consciência de sua possibilidade de participação do meio sadio.
Sabemos das limitações do nosso objetivo, se considerada a extensão do problema que hoje
preocupa tanto a humanidade. Como esclarece Mello (2007, p.42):

Em conseqüência da explosão populacional, da industrialização, e de uma acelerada


urbanização, a deterioração do meio ambiente passou a produzir efeitos diretos e
claramente identificáveis sobre as comunidades sociais. Mesmo assim, a organização
de uma consciência social e política em torno do problema só começou a tomar vulto
a partir deste século.

Diante desse contexto, nosso projeto bem modesto de estudo versou sobre o estudo da água e
sua interrelação biofísica no meio ambiente com base nas noções de ecossistema, cadeia
alimentar e da água na constituição dos seres vivos. Numa convergência para essas noções,
seguiu-se o estudo do ciclo da água na natureza, sujeita à poluição, aos esgotos industriais e
domésticos, problemas que podem ser atenuados mediante esgotos industriais e domésticos e
higiene e saúde a partir de tratamento da água para alimentação.

O projeto constou de excursões, atividades em laboratório, levantamento de dados informativos


em livros, jornais e revistas; projeção de filmes; palestras e discussões. A avaliação do
aproveitamento foi realizada por meio de um teste aplicado no final do projeto. Os resultados
obtidos foram comparados com os conhecimentos anteriores dos alunos, aferidos de um pré-
teste. Esses resultados demonstraram que, além da ampliação de conhecimentos, houve grande
interesse dos alunos, o que foi demonstrado pela busca espontânea de informações
complementares e leitura de textos além dos indicados para os temas estudados.
104

À vista dos resultados obtidos e da reconhecida importância da educação ambiental, decidimos


integrar o conteúdo do projeto a outros temas relacionados com a educação ambiental. Por
exemplo, os alunos chegaram a discutir e a pôr numa pauta de estudo a idéia de
desenvolvimento sustentável, tema considerado central nos dias de hoje.

Também na área de Ciências, foram desenvolvidos pelos alunos, com orientação da diretora e
da professora-orientadora, projetos de mais longa duração: jardinagem da área central da
escola, horticultura com predominância de plantas medicinais; cultivo de plantas frutíferas e
um grande aquário com criação de diversas espécies de peixes.

3.7 PROJETO DE ALFABETIZAÇÃO BASEADO NA LINGUÍSTICA ESTRUTURAL

Em 1976, deu-se início a um Projeto de Alfabetização, sob os auspícios de convênio firmado


entre a Universidade de São Paulo e o Ministério da Educação.

O objetivo desse projeto foi o de testar na prática a ideia de que a alfabetização, mais que uma
questão de método, requer um plano de alfabetização coerente com a estrutura da língua a ser
ensinada. Se considerada correta essa ideia, o projeto poderia contribuir para o ensino da leitura
e escrita em diversos aspectos, a saber: nos cursos de treinamento de alfabetizadores dever-se-
ia dar mais informações relativas à Língua Portuguesa do que a métodos e técnicas de ensino; o
planejamento da alfabetização seria mais produtivo se se limitasse à organização de uma
estrutura vocabular que apresentasse, numa sequência lógica, as características e as
dificuldades da língua, principalmente as de natureza fonética e fonológica; o acompanhamento
e o controle do processo de alfabetização deveriam ter como referência essa estrutura
vocabular. Ao mesmo tempo, ter-se-ia nessa própria estrutura a base para avaliar o
aproveitamento do aluno e ajudá-lo a superar suas dificuldades. Seguem os fundamentos e
conceitos da proposta de alfabetização.

Apesar de se tratar de um conceito bastante difundido, entendemos ser necessário, inicialmente,


esclarecer a distinção entre linguagem e língua. A linguagem, em seu sentido amplo,
compreende todos os meios de que o homem se serve para se comunicar, expressar e ampliar
continuamente sua visão de mundo. Esses meios correspondem aos códigos não-verbais –
música, dança, pintura, gestos, cores, ritmo, desenho etc. – e aos códigos verbais que
compreendem a língua falada e escrita.
105

O estudo da linguagem, assim conceituada, compete à Semiótica, teoria dos signos, cujo
principal precursor foi Peirce. A dimensão dessa teoria é descrita por Santaella (1984, p.14-15):

[...] de todas as aparências sensíveis, o homem – na sua inquieta indagação para a


compreensão dos fenômenos – desvela significações. É no homem e pelo homem que
se opera o processo de alteração dos sinais (qualquer estímulo emitido pelos objetos
do mundo) em signos ou linguagens (produtos da consciência). Nessa medida, o
termo linguagem se estende aos sistemas aparentemente mais inumanos, como as
linguagens binárias de que as máquinas se utilizam para se comunicar entre si e com
o homem (a linguagem do computador, por exemplo), até tudo aquilo que, na
natureza, fala ao homem e é sentido como linguagem. Haverá, assim, a linguagem
das flores, dos ventos, dos ruídos, dos sinais de energia vital emitidos pelo corpo e,
até mesmo, a linguagem do silêncio.

Ao estabelecer as bases da Linguística como ciência da língua, Saussure previu a necessidade


dessa ciência mais ampla, Semiótica ou Semiologia, que abranja todas as linguagens.

O projeto de alfabetização desenvolvido na EA foi marcado por uma ênfase dada, no início do
processo, nas características da língua, com fundamentos na Linguística, especialmente no que
se refere à Fonética e à Fonologia. Neste sentido, ao invés da adoção de cartilhas, foram
elaborados roteiros de alfabetização compostos de palavras substantivas familiares aos alunos,
dispostas numa sequência gradativa de dificuldades: das 7 vogais orais às 19 consoantes, em
posição intervocálica que, no total, dão conta de todo o repertório de um falante nativo da nossa
língua.

À medida que os alunos expandem sua competência Linguística mediante leitura e escrita de
frases, palavras, sílabas, eles são incentivados, também, a interpretar textos curtos com sentido,
ilustrados, que possibilitam contatos com atividades no nível amplo da linguagem: leitura,
escrita, desenho, música, pintura, colagem, inspirados na temática em estudos do dia a dia.
Dessa forma, o processo da alfabetização fica centrado, também, no nível da linguagem e não
só no dos signos verbais. Essa ideia fica clara mediante a concepção de signo apresentada,
respectivamente, por Saussure e Peirce.

Para Saussure, o signo linguístico consiste de uma associação de significante e significado:


assemelha-se a uma moeda que perderia seu valor caso se separassem “cara” e “coroa”. Do
signo linguístico [kasa], por exemplo, não se pode dissociar a sequência de sons ou
(significantes) da idéia que se tem de casa (significado).
106

Por outro lado, Peirce conceitua os signos em geral, dando-lhes um caráter de tríade:
significado, significante, interpretante, conforme explicação de Santaella (1984, p.79):

[...] A partir da relação de representação que o signo mantém com seu objeto,
produz-se na mente interpretadora outro signo que traduz o significado do primeiro (é
o interpretante). Portanto, um signo pode ser traduzido por outro signo num processo
de semiose (processo de geração de signos de que participam um signo, seu objeto e
seu interpretante).

Como esclarece Pignatarin (1980, p.3):


A Semiótica serve para estabelecer as ligações entre um código e outro código, entre
uma linguagem e outra linguagem, serve para ler o mundo não-verbal: “ler” um
quadro, “ler” uma dança, “ler” um filme – e para ensinar a ler o mundo verbal em
ligação com o mundo icônico e não-verbal.

Em face dos conceitos descritos, a elaboração de um roteiro de alfabetização, tal como ocorreu
na Escola de Aplicação, defrontou-se com um problema: o de viabilizar a aprendizagem da
leitura e da escrita a partir de um vocabulário básico estruturado em palavras-chave que
mantivessem sempre significado para o aluno. A solução consistiu na seleção de um conjunto
de palavras-chave, substantivas, que propiciassem, simultaneamente, o estudo dos constituintes
dos signos linguísticos e a formação de novos signos (semiose) em nível de textos.

A necessidade do estudo (leitura e escrita) dos constituintes dos signos linguísticos decorre das
características da nossa língua, descritas conforme segue. Nossa língua constitui um sistema de
signos que, segundo Martinet (1968) “[...] articula-se no nível do enunciado (1ª articulação) e
dos fonemas (2ª articulação)”. Por exemplo, na emissão do enunciado “A menina joga bola”, a
língua cumpre sua primeira articulação. Ao desdobrar este enunciado em seus constituintes
fonêmicos – /a/, /m/, /e/, /n/, /i/, /a/, /j/, /o/, /g/, /a/, /a/, /b/, /o/ /l/, /a/ – realiza-se a língua em
sua segunda articulação.

O número de fonemas é limitado – 7 vogais orais e 19 consoantes em posição intervocálica.


Portanto, nossa língua oferece a grande vantagem de ser bastante econômica. Seu inventário,
restrito, é estabelecido por comutações sucessivas em que o fonema exerce a função de
distinção de significado. Por exemplo, em pato, mato, gato, rato, o significado de cada palavra
é mantido graças aos fonemas /p/ /m/, /g/, /r/. Como afirma Rodrigues (1972, p.5)

Desta forma, a língua se articula no plano dos enunciados e no da formação dos


signos. Só se conhece uma língua quando se dominam as duas articulações que lhe são
características. Portanto, no nível da alfabetização, a leitura supõe apropriação do
código e a compreensão do texto. Trata-se de um processo que implica abstração em
atividades de análise e síntese.
107

Com base nestas informações, foram desenvolvidos projetos de alfabetização, contando-se


com a valiosa participação das professoras-alfabetizadoras Maria Júlia Rangel De Bonnis e
Maria Aparecida Bicudo. No segundo semestre do ano letivo, a maioria dos alunos apresentava
domínio da escrita de frases e textos curtos e liam os livros da literatura infantil, juntamente
com as professoras e a bibliotecária. Entretanto, é de ressaltar que muitos alunos já vinham com
uma boa bagagem do aprendizado da leitura, enquanto outros eram iniciantes e requeriam mais
assistência.

Também participamos de várias atividades na área da alfabetização junto a outras instituições


como a Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas (CENP) da Secretaria de Educação do
Estado de São Paulo; cursos televisivos de alfabetização na TV Cultura deste Estado; oficinas
de alfabetização para professores da rede estadual do ensino, além de cursos e palestras nos
Estados do Pará e Paraná; em projetos de alfabetização desenvolvidos pelo Instituto Nacional
de Estudos Pedagógicos (INEP), com sede no Rio de Janeiro. No período de cerca de quatro
anos, assessoramos técnicos da Secretaria Estadual de Cuiabá (Mato Grosso) e professores do
Departamento de Metodologia da Universidade Federal de Mato Grosso. A propósito deste
trabalho, segue o depoimento da Professora Rosa Maria Jorge Persona que lecionava na
referida universidade, era técnica da Secretaria da Educação e respondia, principalmente, pela
alfabetização nas escolas públicas da rede de ensino.
108

DEPOIMENTO
Eu, Rosa Maria Jorge Persona, professora da Universidade Federal
de Mato Grosso (UFMT), e técnica em assuntos educacionais da
Secretaria de Educação de Estado – SEDUC, apresento um depoimento
sobre fatos que considero relevantes, após o estágio realizado na
Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da USP, em São Paulo,
numa classe de primeira série, na participação do planejamento de
curso de treinamento de alfabetizadores e na revisão do documento
desta Secretaria da Educação “currículo compactado” (1ª e 2ª séries),
no período de 25 a 27 de novembro de 1976 (Anexo 1).

Nesta época, eu coordenava o Projeto Novas Metodologias, no


Departamento de Educação da Secretaria de Educação e Cultura do
Estado de Mato Grosso – SEDUC, tendo como objetivo “elevar os
índices de promoção da 1ª para a 2ª serie. Com o término do Projeto
do MEC em 1979 e com a mudança do governo, o grupo foi desfeito.
Como já lecionava na Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT,
fui representar a Secretaria de Educação e Cultura – SEC, no convênio
de Cooperação Técnica entre a UFMT e a SEC, no Projeto de
Integração da Universidade com o ensino de 1º e 2º graus –
SESU/MEC. Este Projeto consistia em desenvolver atividades
relacionadas a estágios curriculares das licenciaturas em duas escolas
estaduais de Cuiabá.

Novamente a Escola de Aplicação foi solicitada a prestar assessoria


técnica a mais um projeto em Mato Grosso. Com as orientações e as
contribuições baseadas nos comentários sobre a orientação geral do
Plano Anual da Escola de Aplicação da FEUSP, em 1981, a respeito
da necessidade de se delimitar as reais possibilidades da ação
educacional da escola. Isso posto [...] percebeu-se que a escola
pretensamente atribui a si a responsabilidade da formação integral do
educando, quando na realidade essa função é exercida pelo contexto
situacional em que o indivíduo está inserido. O poder da ação da
escola, efetivamente, é limitado. No entanto, a tomada de consciência
dessa limitação leva não à renuncia do seu esforço em fazer educação,
mas a um repensar de sua função, a partir de suas reais condições.”
(Universidade. Rev. UFMT, 1983, p.32)

Nesse sentido, a assessoria às escolas definiu-se para o


aprofundamento do objetivo básico de “aprender a ler e escrever” com
a ampliação nos seus aspectos sociais, culturais e políticos,
109

capacitando a criança e o adolescente a ler com compreensão e


criticidade; pensar reflexivamente comunicando suas ideias com
clareza e ordenamento lógico, escrevendo ou falando; promover a
aquisição crítica dos conteúdos básicos nas diferentes áreas. Para
atender a estes objetivos foram desenvolvidos os programas de
Alfabetização, Monitoria, Recuperação Paralela, Revitalização do
magistério que representou um esforço significativo de professores e
estagiários do magistério na reorientação do processo educacional das
escolas.

Para socialização deste trabalho, em 1983, a equipe da UFMT


participou do Encontro Nacional de Prática de Ensino na Faculdade de
Educação da USP e apresentou parte dos resultados alcançados deste
Projeto publicado nos anais do Encontro. Outro artigo intitulado “A
Política e a Práxis do Estágio das Licenciaturas da UFMT” foi
publicado na revista Universidade da UFMT, ano III, nº. 3, set-dez-
1983, conforme anexos 3 e 4.

Rosa Maria Jorge Persona, 2009

Uma avaliação importante do trabalho realizado pela Escola de Aplicação consta no ofício
endereçado ao Reitor da Universidade de São Paulo pelo diretor da Faculdade de Educação,
Prof. Dr. Heládio César Gonçalves, afirmando o nível de importância da Escola de Aplicação a
justificar sua manutenção. Num rol de justificativas, inclusive a respeito da alfabetização, o
diretor da FEUSP assim se manifesta (Ata da Congregação, 1984, Livro 12, p. 656-57):

[...] Quanto ao segundo objetivo (aplicar e avaliar métodos educacionais previstos no


Plano Escolar Anual da Escola de aplicação), é de se ressaltar que, na área de
alfabetização, uma das mais cruciais do ensino de 1º grau, a atuação da E.A. ganhou
alto relevo e expressão como se pode constatar pela sua participação nas seguintes
atividades: colaboração com a Secretaria da Educação de São Paulo; Programa de
Treinamento de Professores (TV Cultura); participação em Planejamento e Monitoria
de Cursos de Preparação de Monitores de Alfabetização; elaboração de
documentos subsidiários para Alfabetização e Recuperação; assessoria ao projeto
de Implantação do Ciclo Básico; participação no desenvolvimento do
Projeto “Oficina de Alfabetização” para professores da rede; assessoria ao
Projeto “Ipê” (Treinamento de Professores de 1ª e 2ª séries pela TV Cultura).
Colaboração com Secretarias de outros Estados: Cursos de Treinamento para
professores de alfabetização dos Estados de Espírito Santo, Paraná e Mato Grosso;
participação em Encontro Estadual de Professores de 1ª série do Estado de Mato
Grosso. Colaboração com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais:
elaboração e execução de Projetos de alfabetização em várias escolas estaduais, em
função de convênio firmado com o INEP.
110

3. 8 PROJETO DE ALFABETIZAÇÃO NA LINHA DA SEMIÓTICA

Os professores Kim (José Joaquim Marques) e Hercília Tavares de Miranda orientaram um


projeto de alfabetização na linha da Semiótica, usando a língua na sua função poética.
Participamos desse projeto juntamente com as professoras Cristina Gatti, professora de música,
Maria Júlia Rangel de Bonnis e Maria Aparecida Bicudo, ambas responsáveis pela
alfabetização nas duas primeiras séries.

O projeto foi descrito na nossa dissertação de mestrado. Dada à natureza desse trabalho,
decidimos retomar parte do projeto, uma vez que a alfabetização constitui uma tarefa
complexa, alvo contínuo de pesquisas, estudos e proposições.

O processo de alfabetização pode se tornar mais significativo para o aluno, centrando-se na


linguagem e não somente na língua. Porque a linguagem, em seu sentido amplo, como
mencionado, constitui-se tanto dos signos verbais (a língua), quanto dos signos não-verbais,
como a música, a pintura, o desenho, os gestos, o ritmo, a dança etc. Ao conceituar língua,
Saussure (1977, p.44) deixa clara a necessidade de uma ciência mais ampla do que a
Linguística para dar conta de todas as linguagens

A língua é um sistema de signos que exprimem ideias, e, por isso, é confrontável com
a escrita, com o alfabeto dos surdos-mudos, os ritos simbólicos, as fórmulas de
cortesia, os sinais militares etc. Ela é simplesmente o mais importante de tais
sistemas. Pode-se, assim, conceber uma ciência que estude a vida dos signos e, em
conseqüência, da psicologia geral, chamá-la-emos semiologia (do grego signo).

Neste sentido, Peirce (1977, p.44) propõe a Semiótica como uma teoria geral dos signos: “Uma
doutrina da natureza essencial e das variedades fundamentais de cada semiose possível”.

Segue um estudo comparativo do conceito de signo segundo Saussure e Peirce e suas


implicações no processo da alfabetização.
111

Linguagem

Signo saussureano Signo peirceano


Alfabetização

Modelo lingüístico Modelo semiótico

Características Características

• Verbal e não- verbal integrados, repertório • Ênfase no verbal, repertório programado, alta
programável (alta informação) previsibilidade (baixa informação)
• Linguagem centrada na função poética • Linguagem centrada na função referencial
• Incentivo no processo da semiose: geração de • Ênfase na estrutura da língua
signos verbais a partir de signos não verbais
• Receptor ativo; interpretante em processo contínuo • Receptor passivo: usuário de signos pré-
de semiose; tentativa de recuperação do poético a selecionados
partir do cotidiano
• Metodologia da descoberta (heurística) assume o • Metodologia condicionadora, ênfase na
erro; insere o provável automatização
• Emissor e receptor: aluno e professor • Emissor: professor; aluno receptor

Os professores das classes da 2ª série ficaram encarregados de, juntamente com seus alunos,
receber os alunos das 1ªs séries. O programa da recepção foi planejado pela equipe responsável
pelo Projeto: o professor de Artes Plásticas, Kim, a professora Hercília Tavares de Miranda da
FEUSP, as professoras da 1ª série Maria Júlia De Bonnis, Maria Aparecida Bicudo. A parte
inicial constou de uma recepção aos alunos da 1ª série pelos alunos da 2ª série.

Estes alunos escolheram os locais da escola para onde eles levariam os colegas: sala de Artes,
biblioteca, jardim, horta, auditório e quadra de esportes. Quanto às atividades, a escolha dos
alunos constou de jogos recreativos, pinturas, desenhos, colagens, dobraduras, canto. Assim, o
112

objetivo foi plenamente alcançado: os alunos recém-chegados logo se integraram entre si e com
os colegas das 2ªs séries.

Ficou decidido que nenhum roteiro prévio de alfabetização seria preparado. O vocabulário
básico da alfabetização seria formado no decorrer das atividades programadas, conforme foi
descrito acima. Desta forma, foi substituído o programado pelo programável, no nível do
provável, o que implicava, também, assumir o erro.

No decorrer das atividades, os professores-alfabetizadores foram registrando os


acontecimentos, as preferências dos alunos, inclusive os objetos pelos quais demonstravam
maior interesse por serem mais significativos. Os professores verificaram, por exemplo, que
dentre todas as produções artísticas dos alunos das 2ªs séries, destinadas à recepção, as crianças
das 1ªs séries demonstraram admiração e atração por um castelo feito de sucata. Aliás, esse
castelo constituiu um forte elo de ligação entre os alunos das quatro classes de 1ªs e 2ªs séries.
(Fotos 1 e 2.).

O “Castelo”, tão bem aceito pelos alunos da 1ª série, deu margem a inúmeras atividades em
nível de comunicação e expressão: narração de histórias, criação de poemas e de músicas,
dramatizações, audição de histórias; desenhos, ilustrações, construção de castelos com papelão
e papéis coloridos, também mediante dobraduras; informações sobre as mais diversas formas
de moradia, desde as cavernas até edifícios de apartamentos; iglus, casas de barro e de pau-a-
pique, mansões modernas. Também foram lembradas muitas histórias infantis de reis,
príncipes, princesas.

Ao visitarem, certo dia, a sala de Artes, os alunos ficaram encantados com uma bela porta que
foi feita juntamente com alunos da 5ª à 8ª série para servir de cenário numa peça teatral. O
professor Kim e a professora Hercília aproveitaram o interesse das crianças para discutir o que
poderia significar essa porta. As ideias foram muitas: passagem para um jardim, para um
castelo, uma linda festa. Também foi lembrado que o ato de abrir e fechar uma porta lembrava
o pulsar do coração: a entrada de tudo o que tem vida! No dia seguinte, o professor Kim levou,
bem antes das aulas, a porta para uma das salas de aula da 1ª série.

Quando os alunos chegaram e viram a porta, bateram palmas com muita alegria. Kim e a
professora Hercília aproveitaram o momento para discutir com os alunos o que a porta
113

representaria para eles. Todos queriam falar ao mesmo tempo e a professora pediu a cada um
que fizesse uma sugestão. No final, foi escolhida uma das sugestões e todos concordaram: a
porta serviria de “passagem” para todas as personagens que seriam construídas pelos próprios
alunos (Foto 3.). Depois, como se tratava de duas classes, Kim e os alunos fizeram uma porta
muito bonita para a outra sala de aulas. Aliás, nas duas classes eram desenvolvidas as mesmas
atividades.

Num dia em que todos estavam cuidando do jardim da escola, houve um grande alvoroço
quando um aluno mostrou aos colegas uma grande aranha. Kim aproveitou o interesse e propôs
que todos, em grupos, fizessem, na sala de Artes, umas aranhas com dobraduras, linha,
lantejoulas e fios de lã. Os alunos escolheram duas aranhas maiores para ficarem, em cada sala,
numa teia. Essas aranhas foram colocada numa ala da sala, onde já havia algumas flores feitas
com papel crepon. E os alunos deram ao local o nome de “Jardim Mágico” Todas as
personagens que eram construídas ficariam morando no “Jardim Mágico”. As aranhas foram
tecendo seus fios e “produzindo” outras aranhas que ficaram no alto das salas, (Fotos 4, 5, 6 e
7.).

Ao chegar a primavera, o jardim da escola ficou todo florido numa variedade de cores. Diante
do encantamento das crianças, Kim e a professora Hercília, juntamente com as professoras das
1ªs séries desenvolveram várias atividades com base no tema “A primavera”: poemas, pintura
de flores, plantio de mudas de outras flores trazidas pelas crianças, organização de paineis com
as pétalas que naturalmente caíam no chão. Depois, em homenagem à primavera, os alunos
construíram diversos varais com fitas das mais variadas cores. Os varais foram expostos no
saguão da escola e nas salas de aula. (Foto 8.).

As professoras escreviam, em fichas de cartolina, legendas com os nomes das personagens que
eram feitas pelos alunos. Colocavam legenda em cada um dos objetos. Desta forma, em leitura
incidental, os alunos iam se familiarizando com a escrita. Eram, também, incentivados a copiar
as palavras das legendas: castelo, porta, aranha, “Jardim Mágico”, primavera, flores.

Estas e outras legendas eram lidas espontaneamente pelos alunos. E à medida que liam, eram
solicitados a copiá-las num caderno a que foi dado o nome de “Diário de Vida”. Depois, com
base nesse diário, foi possível organizar um vocabulário básico para a sistematização da
alfabetização.
114

Num outro canto das salas, próximo à janela de vidro, os alunos decidiram “plantar” uma
bananeira que foi feita, sob a orientação do Kim, usando-se para isso papéis coloridos,
recortados no formato de folhas de bananeira, assentadas num tronco feito com pedaços de pau,
forrados com papel verde de seda. Segundo a idéia dos alunos, a bananeira ali plantada deveria
dar sombra às aranhas-filhotes. (Foto 9.).

Dos varais da primavera, surgiu a idéia de desenhar e pintar um grande arco-íris que, colocado
acima do quadro-negro, daria luz ao “Jardim Mágico.” (Foto 10.).

Conforme já foi descrito neste trabalho, a diretora, juntamente com a professora-orientadora de


Ciências, desenvolveu com os alunos um projeto de horticultura. Foram plantadas verduras
diversas, mas, principalmente, plantas medicinais. Os alunos das 1ªs séries ficaram
encarregados de retirar ervas daninhas que normalmente brotavam nos canteiros. Acontece que
começaram a surgir vários pássaros, na tentativa de bicar folhas e frutos da horta. Ao tomar
conhecimento do fato, Kim planejou com as crianças a construção de um grande espantalho. E
assim foi feito o que resolveu de vez o problema criado pelos pássaros. Os alunos gostaram
muito do espantalho e quiseram fazer um menor para, segundo eles, proteger as “plantas” e os
pequenos “habitantes” que enfeitavam o “jardim mágico” das duas salas de aula. (Foto11.).

Para evitar, entretanto, uma atitude de rejeição aos pássaros, a professora Ângela explicou aos
alunos que, apesar do acontecido, os pássaros também deviam ser amados: graças a eles, eram
espalhadas sementes de todas as espécies de plantas que cresciam na forma de flores, de
árvores frutíferas e comuns, de ornamentação e até mesmo de plantas medicinais. Os alunos
entenderam a importância dos pássaros e perguntaram ao Kim se não poderiam pôr alguns
pássaros nas salas de aula. O professor mostrou-lhes que isto não era recomendável porque as
aves ficariam presas e elas gostavam de voar em liberdade. No entanto, ele sugeriu aos alunos
que desenhassem vários pássaros e, depois, poderiam escolher os que fossem do agrado de
todos. Depois de ser escolhido o desenho, Kim deu-lhes papelão, cola, tesouras, papéis
coloridos e transparentes para que fizessem um pássaro igual ao do desenho. Desta forma, foi
criado o pássaro “Juím” e o prenderam com um fio bem fino perto da janela, dando a idéia de
que estava voando. (Foto 12.).

Outra atividade que foi bastante agradável e produtiva consistiu na leitura, pelas professoras, do
livro “Flicts”. Os alunos gostaram muito do livro e aceitaram a sugestão de fazer um painel
115

inspirado na história. (Foto 13.). Depois, com a orientação da professora de música, Cristina
Gatti, foi criada uma música “As cores”, inspirada no “Flicts”. (Foto 14.).

Por sugestão do professor Kim, os alunos tiveram a oportunidade de trabalhar com argila. A
aprendizagem consistiu no preparo da massa de argila e em moldá-la com formas diversas:
objetos utilitários como cuias, pratos, vasos, pires. A professora de música aproveitou a
oportunidade para orientar a confecção de instrumentos musicais. (Foto 15.).

Nessas atividades de modelagem, sugeri às professoras das classes que orientassem os alunos
para a formação de letras do alfabeto. Tive a oportunidade de constatar que no decorrer da
modelagem das letras, os alunos se aperfeiçoavam rapidamente na execução de movimentos de
coordenação motora fina, necessária à aprendizagem da escrita. Desta forma, as alfabetizadoras
e eu elaboramos um plano de aulas de modelagem. Com auxílio da diretora e da “Associação
Escola e Lar”, foi contratado o professor Jean, especialista em arte cerâmica, para dar aulas de
acordo com o plano durante três meses.

Tanto os objetos criados, quanto as várias letras modeladas ficaram expostos até o final do ano
letivo no “jardim Mágico” de cada classe. (Foto 16.).

As atividades e as produções dos alunos foram semelhantes nas duas classes, portanto, com
contextos iguais: o cantinho das “aranhas-filhotes”, a “Abelha Caramelo”, a “Lua-Sol”. Ocorria
muito barulho nas classes devido à natureza dos trabalhos. O professor Kim e a professora
Hercília se reuniram com as duas classes e disseram aos alunos que precisavam resolver o
problema do barulho. Perguntaram aos alunos como poderiam solucionar o problema. Depois
de várias discussões, todos aceitaram a sugestão de um deles: fazer um grilo grande de papelão
e que seria chamado o “Grilo da Paz”. Quando as professoras colocassem o grilo entre as flores
do “Jardim”, todos deveriam ficar em completo silêncio. Foi um grilo para cada classe. Quando
as professoras punham o grilo no jardim, a classe ficava em silêncio e, dessa forma, foi
resolvido o problema. (Fotos 17, 18, 19, 20.).

Depois de mostrarem cartazes com ilustrações do Universo, as alfabetizadoras contaram uma


história que tinha um cometa como personagem principal. Ele vagava solitário no espaço e “se
sentia muito sozinho”. As crianças ficaram comovidas e decidiram fazer um cometa com
116

longas caudas de luz. Na parede de cada classe foi posto o “Cometa da Luz” que teria a
companhia de todos. (Foto 21).

A horta serviu, também, de fonte de inspiração para muitas atividades, principalmente a partir
de aulas dadas pela professora Ângela, orientadora da área de Ciências. Um dia, ela discorreu
sobre os animais úteis às plantas, como, por exemplo, os sapos que já tinham sido vistos pelos
alunos. Eles demonstraram interesse para acompanhar as fases de crescimento dos sapos. Um
dia, um aluno apareceu com um girino numa vasilha com água e pediu à professora para ele ser
criado na sala de aula. (Foto 22). Assim, a professora Ângela, juntamente com os alunos,
construiu um terrário.

Um pai de alunos deu à classe uma caixa de casulos e descreveu as fases de desenvolvimento
das borboletas. Inicialmente, os alunos quiseram guardar os casulos numa caixa enfeitada com
papel celofane, mas depois decidiram com as professoras que eles ficariam num dos armários
do laboratório de Ciências. Depois de algum tempo, as professoras contaram a grande
novidade: as borboletas estavam saindo dos casulos. Todos correram para soltá-las no jardim e,
então, assistiram aos vôos das pequenas borboletas coloridas. As crianças acenavam para elas e
batiam palmas. (Fotos 23, 24 e 25).

Depois o professor Kim ensinou aos alunos como fazer borboletas com papeis coloridos. Em
homenagem às borboletas que se foram e, como lembrança, as borboletas feitas foram coladas
numa das janelas de cada sala de aula. (Foto 26.).

Todas as situações descritas, objetos e desenhos figurativos feitos pelos alunos constituíram um
contexto que tinha muito significado para eles. Esse contexto, portanto, facilitou bastante o
processo da alfabetização.

3.9 A ALFABETIZAÇÃO PROPRIAMENTE DITA

Inicialmente, verificamos os “Diários de Vida” dos alunos para identificar as palavras que eles
já sabiam ler e escrever mediante leitura incidental das legendas e cartazes. Foram identificadas
muitas palavras e expressões: “aranha”, “jardim mágico”, “porta”, “passagem”, “cometa”,
“rosas”, “primavera”, “espantalho”, “grilo da paz”, “Flicts”, “borboleta”, “varal de fitas”,
“girino”, “sapo”, “abelha caramelo”, “pássaro Juím”, “casulo”, “bananeira”, entre outras.
117

Em vista desse vocabulário e da forma como ele foi “construído”, procuramos fugir do
processo silábico, a partir de análise fonética, caso contrário seria perdido todo o contexto
significativo que fora criado. Assim, para evitar a “dissecação” desse contexto e compatibilizá-
lo com a alfabetização, pusemos em prática o seguinte plano:

a) Símbolos iniciais: porta – passagem – vida


b) Símbolos derivados:
• Aranha – fio – sala – magia
• Janela – árvore – rola – galho
• Sapo – lago – horta
• Casa – escola – castelo
• Casulo –lagarta – borboleta
• Classe – jardim mágico
• Segredo do grilo
• Estrela – céu – nuvem
• Caracol– árvore mágica
• Lua – sol

b) Símbolos associados aos elementos da natureza:


AR: cometa, estrela, nuvem, pássaro, borboleta, fios da teia, arco-íris
TERRA: árvore, casa, castelo, escola, caracol, horta, jardim
ÁGUA: peixe, rio, cachoeira, girino
FOGO: sol, lua-sol, estrela de luz

Na primeira etapa, esse vocabulário foi revisto pelos alunos com vistas à reconstrução dos
eventos que a ele se referiam. Em seguida, substituímos a “silabação” e a análise fonética por
exercícios de leitura sob a forma de paranomásias (anagramas). Por exemplo:

Palavras
Aranha fio sala magia
Ara fia sal mar
Arara fira sara marola
Ar fiar safira mala
118

Frases
A aranha tece fios de teia na sala.
Os fios no ar parecem marolas do mar.

Entretanto, esse processo era demorado e não conseguíamos ter muito claro um vocabulário
básico da alfabetização que contemplasse todas as ocorrências da língua. No início do mês de
outubro, decidimos aproveitar o recurso das paranomásias e sistematizar o processo da
alfabetização mediante atividades de análise e síntese do vocabulário estabelecido.
Transcrevemos as palavras em fichas que, após serem lidas pelos alunos, eram recortadas em
sílabas. Em seguida, as sílabas eram reagrupadas, formando palavras novas. Por exemplo:

Janela árvore rola galho


Já- ne- la àr- vo- re ro-la ga-lho

Palavras novas: Voar – areja – rolar – rolha – névoa


Frases: O galho da árvore rola na neve.
Olho a névoa da janela.

Mantivemos preocupação de usar textos na função poética tanto em atividades de leitura, como
de escrita. Posteriormente, foram trabalhados textos nos demais gêneros.

No final do ano letivo, as duas classes liam com certa desenvoltura textos sob a forma de
poemas e de prosa. Também escreviam textos quase sempre voltados para as situações criadas,
conforme descrição feita. Além disso, os alunos escreviam sobre fatos das suas experiências.
Por exemplo, um aluno escreveu sobre seu gato que havia sumido de sua casa e do qual sentia
muita saudade. Uma aluna que chorou muito por ver seu cartaz rasgado por um colega do
período da manhã (aluno de 5ª série), escreveu sobre a sua tristeza. Outros alunos escreviam
textos imaginados sobre nuvens, cometas, jardins mágicos. Outros preferiam escrever fatos
reais relacionados com objetos ou animais que faziam parte do contexto criado nas salas de
aula.

Para conhecimento do nível dessas redações, seguem algumas cópias dos textos originais
escritos pelos alunos.
119

3.10 COMENTÁRIO SOBRE A FORMA DE DESENVOLVIMENTO DO PROJETO

Na primeira fase das atividades do Projeto, pode-se dizer que a prática correspondeu à
construção artística dos alunos na linha do “ready-made”, conforme denominação de Marcel
Duchamp. Por convenção, objetos utilitários, reais são declarados obra de arte pelo artista, sem
qualquer alteração em sua aparência externa. Foi o que ocorreu com a porta, os casulos, as
borboletas, os girinos, as lagartas etc. Conforme expõe Duchamp, no “ready-made”
aproximam-se arte e realidade de forma que o objeto se auto-representa e se configura como
imitação de si mesmo.

Para Duchamp, citado por Karin Thomaz, o objeto descontextualizado liberta-se da sua
finalidade unidimensional e consumista, ganhando uma aparência pura. Arte e objetos de
situação se identificam: a “coisa” da vida declarada arte, chama a atenção para a própria vida.
Esse processo de construção da realidade pode também ser interpretado do ponto de vista
artístico visual. Referimo-nos a dois conceitos: o de “happening” de Allan Kaprow e o de
“action” de Karin Thomaz. O “happening” visa transformar espectador em ator. O cotidiano da
vida torna-se insólito ganhando um novo sentido. O espectador ator desperta-se da letargia do
comportamento habitual e frui o prazer da descoberta de sua própria vida num outro nível de
pensamento e de sentimento. Afrouxam-se seus “óculos sociais”, devolvendo-lhe, até certo
ponto, o “olhar inocente”, perdido na infância.

Na nossa experiência, o “happening” ocorria diariamente e com facilidade uma vez que a
criança é naturalmente predisposta ao jogo da imitação. Evidentemente, não se poderia perder
de vista o objetivo principal do trabalho: alfabetizar. Construídos os referentes, era necessário
empregá-los num processo sistemático de leitura e escrita. O que implicou, num certo
momento, a interrupção dos eventos de improvisação do “happening” e o emprego de
estratégias previamente planejadas para ações determinadas e conscientes de aprendizagem da
língua. Também na arte, ainda na descrição de K. Thomaz, a Ação marca-se pela intenção
deliberada de distanciar espectador e artista. É o momento em que cabe ao ator apresentar
interpretações alternativas da realidade, isto é, das condições da atividade humana no tempo e
no espaço.
120

A alfabetização não dispensa técnicas. Mas também não a arte. Mas como mantê-la (a arte)
uma vez que a língua, enquanto objeto de aprendizagem, “amarra” a percepção/cognição em
quadros mentais já estereotipados pela práxis?
Blikstein (1985, p.86) vê a solução no cultivo da função poética da linguagem:

No conflito dialético com a práxis, a linguagem criativa e poética vai desmontando os


corredores isotópicos e os estereótipos, denunciando assim a fabricação da realidade.
Aí ela pode tornar-se uma prática libertadora.

Em relação ao ensino, é à metáfora de Ortega Y Gasset (1987, p.303) que recorremos para
fundamentar a experiência de alfabetização, marcada de uma simbologia “afetiva” e de
estímulos à criatividade:
[...] Uma pedagogia de “secreção interna”, pelo contrário, fomenta as funções vitais
do educando. Nas funções psíquicas importam os sentimentos. A alegria, a tristeza, a
esperança, a melancolia, a compaixão, a ambição, o rancor, a simpatia, e outras
inúmeras forças do sentimento constituem alavancas de crescimento, de tendência à
ascensão.
É preciso preservar o “olhar inocente” da criança e seu modo próprio de ver o
mundo. Nesse mundo em que tudo pode vir a ser, a autêntica varinha de virtudes é a
própria alma da criança.

Ortega Y Gasset (PALMER apud ORTEGA Y GASSET, 2005, p.295, grifo do autor)
evidencia assim sua concepção radicalmente humana da pedagogia, sendo que suas ideias
devem ser entendidas no plano de sua própria vida, uma vez que para ele, como para
PALMER, a vida é como “ [...] uma unidade de dramático dinamismo entre o mundo e a
pessoa, e é necessário que a pessoa a concretize”.

Em face do que relatamos e diante dos resultados obtidos, o conjunto das atividades
desenvolvidas parece comprovar a eficiência das orientações dadas por Azanha. Conforme ele
sempre dizia – “é de forma comum e com recursos simples que se leva a termo a
aprendizagem”. Mesmo os conflitos surgidos em face da resistência e das divergências de
alguns professores e orientadores constituíram situações favoráveis para o enriquecimento do
trabalho pedagógico, o que ratifica o pensamento de Azanha: nem sempre o consenso deve
preponderar num grupo de trabalho: muitas vezes é das divergências que surgem oportunidades
mais ricas e criativas para o processo educativo.

Outro fato que merece atenção consiste num certo afastamento, que é necessário, de
proposições relativas ao que se denomina “renovação pedagógica”. Muitas das vezes, são
proposições distanciadas da realidade cultural da escola e, por isso mesmo, inócuas ou de
resultados escassos.
121
122

CAPÍTULO IV
ESCOLA DE APLICAÇÃO:
RELATO DO COTIDIANO E AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

Neste capítulo procuramos contextualizar o trabalho realizado na Escola de Aplicação mediante


descrição do cotidiano das práticas de ensino. Em seguida, é feita uma avaliação dos resultados
obtidos no período de 1976 a 1986 relativos, principalmente, à aprendizagem dos alunos.

A descrição cultural da Escola de Aplicação, ou seja, do seu dia a dia, refere-se a mentalidades,
discursos, atitudes, hábitos, conflitos, procedimentos, resultados escolares, regulamentações
etc. Tomamos como base a proposição de Azanha (1992, p.4) ao discorrer a respeito de um
“Programa de pesquisas sobre a cultura escolar brasileira” em que ele esclarece como devem
ser feitas as descrições das práticas escolares:

[...] Não se trata, simplesmente, de caracterizar os protagonistas que atuam no espaço


escolar e relacioná-los a condições sociais, políticas e econômicas, procedimento que
poderia sugerir relações de causa e efeito que, muitas vezes, implicam pressupostos
obscuros e simplistas. O que interessa é descrever as “práticas escolares” e os seus
correlatos (objetivados em mentalidades, conflitos, discursos, procedimentos,
hábitos, atitudes, regulamentações, resultados escolares etc.). Somente o acúmulo
sistemático dessas descrições permitirá compor um quadro compreensivo da situação
escolar, ponto de partida para um esforço de explicação e de reformulação.

Heller (2008, p. 32) estende, no mesmo sentido, sua concepção de cotidiano:

A vida cotidiana é, em grande medida, heterogênea; e isso sob vários aspectos,


sobretudo no que se refere ao conteúdo e à significação ou importância de nossos
tipos de atividade. São partes orgânicas da vida cotidiana: a organização do trabalho
e da vida privada, os lazeres e o descanso, a atividade social sistematizada, o
intercâmbio e a purificação.

Para a autora, além de heterogênea, a vida cotidiana é também hierárquica. Nos tempos pré-
históricos, por exemplo, o trabalho ocupava um lugar primordial na hierarquia; já, para a
população livre da Ática do século V antes de nossa era, o lugar central da vida cotidiana
consistia na atividade social, no divertimento em que predominava o cultivo dos aspectos
físicos e mentais; na contemplação. Hoje, entretanto, parece ser difícil identificar a atividade
central da hierarquia na vida cotidiana devido à complexidade da nossa sociedade e até mesmo
da vida individual. Considerando o dia a dia na escola e conforme vimos com Azanha, no
123

contexto do cotidiano parecem predominar as práticas escolares correlacionadas com as


normas, as mentalidades, os valores, entre outros aspectos que se revelam na dinâmica singular
e heterogênea de cada escola. Na concepção de Agnes Heller (2008, p.32), a heterogeneidade
“[...] é imprescindível para conseguir essa “explicitação normal” da cotidianidade”.

4.1 ESCOLA DE APLICAÇÃO (1976-1986)

Em 1974, assumimos a coordenação da área de Comunicação e Expressão da Escola de


Aplicação (EA) da FEUSP, a convite da Professora Adla Neme que, na época, era supervisora
do Serviço de Orientação Pedagógica (SOP) da EA e professora-orientadora da área de
Matemática juntamente com as professoras-orientadoras das demais áreas.

Conforme já vimos, no início de 1976 a EA entrou num processo de reorganização porque, até
então, ela continuava com os mesmos objetivos e organização de Escola de Demonstração,
vinculada ao Centro de Pesquisas Regionais “Prof. Queiroz Filho” que fora extinto e, no seu
prédio, instalara-se a atual Faculdade de Educação. Como já foi esclarecido, para essa
reorganização da Escola de Demonstração e com o objetivo de atribuir-lhe o caráter de uma
escola de aplicação, o diretor da FEUSP designou o professor José Mário Pires Azanha para ser
o representante da Faculdade junto à EA.

Além de termos sido aluna e orientanda desse professor, já vínhamos trabalhando desde 1963
sob sua coordenação, no Programa de Assistência Técnica em Educação, junto às secretarias de
Educação dos Estados do Norte e do Nordeste (1963 a 1968) e, depois, como orientadora no
Setor de Orientação Técnica, instituído por ele na Secretaria de Estado da Educação de São
Paulo. Acreditamos que, devido a essa longa convivência, o Professor José Mário Pires Azanha
tenha nos convidado para coordenar a Escola de Aplicação. Evidentemente, foi bastante
significativo o convite, mas ao mesmo tempo, havia o constrangimento de assumir uma função
que até então havia sido exercida pela Profª Adla Neme. Conversamos sobre a situação e ela
esclareceu que seu interesse consistia tão-somente em continuar como orientadora de
Matemática o que, de fato, aconteceu.

Entretanto, essa mudança não transcorreu de forma pacífica devido a vários motivos: a
professora Adla fazia parte do corpo docente da FEUSP, já vinha atuando há tempo como
supervisora da Orientação Pedagógica na Escola de Aplicação, desde quando ela era Escola de
124

Demonstração, e mantinha um vínculo profissional e afetivo com os orientadores e os


professores. Nessa situação, de forma implícita, a substituição era alvo de críticas. Somente
depois de certo tempo em que foi possível a constatação de que nada foi mudado em nível de
relacionamento pessoal e de que foi mantida a atitude de respeito e amizade com a professora
Adla, bem como, junto a todo pessoal da escola, pudemos perceber, depois de certo tempo, que
a situação voltara ao normal.

Sabe-se que a estrutura social de uma escola assemelha-se a um conjunto de ilhas por mais
harmoniosa que seja a interação entre as pessoas. Há vários grupos: dos professores da 1ª à 4ª
série, dos professores da 5ª à 8ª série, dos colegas de classes de uma mesma série; dos que
lecionam uma mesma disciplina; dos orientadores, dos auxiliares e dos diversos agrupamentos
dos alunos, segundo inúmeros critérios, como sexo, idade, atividades esportivas e até mesmo
classe econômica e social. Evidentemente, esses aspectos muitas vezes impedem um
relacionamento harmonioso constante, isento de conflitos.

Outra característica da escola é a de que ela é dinâmica e sujeita a constantes mudanças. Pode-
se dizer que nenhum dia escolar é semelhante a outro: sempre surgem fatos novos, situações
imprevistas, adesão a ideias, valores, conflitos; conciliações e desentendimentos, inovações e
resistências; convergências e divergências. Portanto, o cotidiano da Escola de Aplicação, como
o de qualquer outra instituição escolar, deve ser analisado nesta ótica.

4.2 PRÁTICAS ESCOLARES: ÁREA ADMINISTRATIVA

Conforme as normas regimentais, as atividades administrativas da Escola de Aplicação ficavam


a cargo da diretora, vice-diretora, secretária, auxiliares e de funcionários encarregados da
limpeza, do controle dos horários de entrada e saída dos alunos, da preparação do café para
todos os funcionários da escola, do monitoramento do recreio, os quais deviam permanecer em
cada um dos corredores das salas de aula para atendimento a professores e alunos, se
necessário. Todos conviviam num clima de amizade e interação devido ao fato de a escola ser
pequena e de trabalharem juntos há muitos anos, à exceção da diretora.

Predominava um ambiente de “família” que se firmou mais ainda com a entrada da diretora,
comunicativa, alegre, simpática e, ao mesmo tempo, competente como profissional. Mantinha
tudo em dia e em ordem, desde a limpeza geral da escola até os serviços de documentação e as
125

providências necessárias para um bom desempenho dos técnicos, professores e alunos. Em


pouco tempo, fez amizade com os pais que iam à escola e conhecia os alunos com seus
respectivos nomes.
A propósito da interação do pessoal da EA e de situações marcantes vividas na época, veja-se
depoimento da orientadora educacional Profª Elisabeth Camargo Prado, a seguir.
Aliás, depois que ela deixou a escola organizada “como queria”, dedicou-se quase que
exclusivamente a trabalhar com os alunos. Por exemplo, um dos problemas da escola referia-se
aos banheiros que, apesar da limpeza diária, no final do expediente estavam sempre sujos.
Dona Ondina solucionou o problema da seguinte forma: reuniu-se com alunos representantes
de todas as classes para o planejamento da reforma dos seis banheiros. Os alunos escolheram o
tipo e a cor dos azulejos, os vasos sanitários e as tampas, os cestos de lixo à vista de coleções
de amostras; entrevistaram um pedreiro para fazer o orçamento dos seus serviços e o dos
materiais necessários. Em seguida, esses alunos (meninos e meninas) foram encarregados de
fazer a divulgação do projeto e do orçamento em todas as classes com a finalidade de, mediante
uma campanha, levantarem a verba necessária. Após cerca de dois meses, com
acompanhamento constante da comissão de alunos, os banheiros ficaram prontos e foram
inaugurados com uma solenidade, afixando-se acima de suas portas um cartaz muito bonito,
feito com a ajuda do professor de Artes, com os dizeres “Este banheiro é nosso. Deve ficar
sempre limpo!” Daí por diante, os alunos mantiveram os banheiros em ordem e se algum colega
“falhasse” era chamado à atenção.

Do mesmo modo, Dona Ondina e a orientadora da área de Ciências, Professora Ângela Valim
da Silveira, desenvolveram com todos os alunos um projeto de jardinagem na área central da
escola e sua manutenção era feita pelos próprios alunos: para cada dia da semana, uma classe
do período da manhã e da tarde, ficou encarregada de “afofar” a terra, tirar as ervas
daninhas e regar as plantas. Constantemente, Dona Ondina dizia: “O jardim é dos alunos.
Todos precisam pôr as mãos na terra.”. Também foram afixadas placas em cada árvore com
identificação de seu nome científico. Ainda, no fundo do terreno foram plantadas árvores
frutíferas e, ao lado da escola, fez-se, com os alunos, uma horta com plantas medicinais. Sob a
orientação da professora Ângela, os alunos temperavam garrafas de vinagre com essas plantas
e as vendiam na “Semana Cultural de Outubro” e nas festas juninas. A manutenção dos dois
projetos ficou também sob a responsabilidade dos alunos.
126

DEPOIMENTO

Foi na biblioteca que nasceu, como resultado da minha parceria com a


Profª Dra Heloysa Dantas, o Projeto Letras e Livros (até hoje desenvolvido
na E.A), para apoio às crianças que ingressavam na escola, sem
escolaridade e que, portanto, sentiam dificuldades de acompanhar o
processo de alfabetização. Com o livro de literatura infantil (a Lezilda
sempre indicando as boas novidades) e jogos com letras em ceramica ou
plástico, trabalhávamos com as crianças individualmente! Também, as
crianças cuidavam da horta: plantavam, colhiam e com as professoras
faziam a “Grande Salada” e todos eram convidados a saboreá-la juntos.
Lamentei a mudança de Regimento. Quando o Professor José Mario saiu, o
Regimento em que trabalhou naqueles “Anos dourados”, também mudou. A
estrutura Pedagógica que tínhamos, com os vários coordenadores de áreas,
a coordenadora pedagógica, a orientadora educacional e a diretora,
desenvolvendo e avaliando, juntas, um trabalho pedagógico; reestruturando-
o nas necessidades; é o caminho seguro, para que um Projeto Pedagógico se
desenvolva. Tínhamos um claro Projeto pedagógico que propunha
desenvolver o espírito crítico dos alunos mediante uma sólida formação
geral que impedia o “criticar sem fundamentos, sem base; com alienação”.
A Direção (no caso Dona Ondina) também vinha para ficar (falo isso,
porque hoje, a direção é escolhida por eleição entre os pares, e permanece
por dois anos, podendo ser reconduzida por mais dois).
Dona Ondina dirigia a E.A com suave mão de ferro. Nada passava
desapercebido; envolvia-se com professores, pais e alunos de modo único e
com os projetos da Escola; conseguia aglutinar pais e alunos em “obras”
incríveis, num processo educativo. Dona Ondina tinha seus “métodos de
castigo” pouco ortodoxos, como mandar limpar grama, capinar, limpar
horta e jardim. Métodos às vezes questionados por um ou outro professor.
Mas para minha surpresa, quando alunos já formados, adultos, voltavam
para uma visita, lembravam-se com carinho e saudade daqueles”castigos” e
bendiziam o chão de que “cuidaram”. Em reuniões com ex alunos, pude
verificar o fruto do trabalho que desenvolvemos. O nosso Projeto
Pedagógico “vingou”! Formamos alunos críticos que, como profissionais,
souberam fazer uma análise crítica da sociedade em que atuam, e qual o
papel que devem exercer buscando melhorias para um país melhor! No
Ensino Médio, um Projeto de Informação Profissional aliava o conhecimento
das profissões aos interesses e aptidões dos alunos. Convidava profissionais
de renome nas suas profissões, tanto da USP, como da sociedade em geral.
Antes de me aposentar resolvi fazer esse Encontro só com profissionais ex
127

alunos da EA. Tínhamos profissionais em todas as áreas. Foi com certeza um


dos mais belos momentos que vivi na EA. Ao falarem sobre suas profissões,
antes relataram o que receberam da EA: a formação necessária para
seguirem um curso, uma profissão, atuar na sociedade;.receberam
conhecimentos e a forma para pensar, refletir, argumentar e buscar saídas.
Na fala desses ex-meninos/as que eu tinha recebido na entrevista de
ingresso, aos 7 anos, depreendia-se toda uma consciência social. Um médico
e uma enfermeira enfatizaram com ardor os problemas humanos na saúde,
ou seja, a falta de atendimento, por falta de leitos, falta de hospitais e
materiais pelo Brasil afora, a questão da terceira idade, dos planos de saúde,
impossíveis do povo pagar. Isso era mais analisado e discutido do que
salário, status da profissão!Na fala de um jornalista surgiu a questão de
como ele poderia e deveria atuar em benefício da sociedade. Foi
emocionante! Choramos nós e quem ainda estava por lá.

Profª Elisabeth Camargo Prado, 2009

Depois, por sugestão de Azanha, foi assentado um banco sob uma das árvores e nele foi
gravado um dos versos de Cecília Meireles: “Saudade é um banco vazio de jardim.” Também
por sugestão dele foi feito um arco contornado com flores da planta “Primavera” na entrada da
rampa que dava acesso ao 1º andar. No alto do arco foi colocada uma placa em que estava
escrito “Aqui se estuda com prazer!”.

Um acontecimento grave foi o do início de um incêndio no auditório da escola que, na verdade


não era utilizado por estar em péssimo estado: cadeiras rasgadas, piso e teto estragados. Esta
situação facilitou a propagação do incêndio. Imediatamente, Dona Ondina acionou o corpo de
bombeiros e pediu que fossem retirados os alunos das classes. O incêndio foi contornado pelos
bombeiros, mas a diretora não se retirou da escola enquanto a situação não ficou
completamente normalizada. Já à noite, os professores aconselharam-na a ir para casa porque
parecia muito cansada. Mas ela se recusou: “Sou responsável pela escola como diretora. Um
capitão jamais abandona seu navio”. Na mesma semana, ela solicitou aos bombeiros um
treinamento de todo o pessoal da escola contra incêndio e vários ensaios com os alunos para
desocupação do prédio como medida preventiva.
128

Passado pouco tempo após o incidente, a diretora fez um projeto com alunos e pais para uma
reforma total do auditório. A verba foi obtida após uma série de atividades: festa junina com
barracas, venda de sorvetes, bingos, sorteios de prêmios, além de doações de vários pais e
auxílio financeiro da Associação Escola-Lar que sempre batalhou pela melhoria da escola. O
Auditório ficou impecável e passou a ser usado para apresentação das atividades programadas
para a “Semana Cultural de Outubro”: peças teatrais, Coral da USP, encontros dos alunos com
autores de livros lidos, “Feira de Livros”, além de várias reuniões. Constantemente o auditório
era cedido aos professores da FEUSP para realização de Encontros, Debates, Palestras,
Seminários.

Preocupadas com a aprendizagem dos alunos, Dona Ondina e a orientadora educacional,


professora Elisabeth de Camargo Prado, criaram o “Semáforo”. Foi dada a cada aluno uma
folha de papel com registro das disciplinas de um lado e, do outro, casilas, cada uma com
indicação de notas de 0 a 10. Após cada prova bimestral, o aluno devia pintar a casila
correspondente à nota obtida em cada disciplina: até 4,5, cor vermelha que indicava perigo; até
6,5, cor amarela, como indicação de atenção; acima de 7, a casila era pintada com cor verde
que significava passagem para bom, ótimo. Desta forma, ficava fácil, tanto para os alunos,
quanto para os pais, terem uma visão do nível de aprendizagem. Para os professores, o
“semáforo” deixava mais clara a situação de cada aluno e o que deveria ser feito para ajudá-lo.

Outra boa qualidade da Diretora consistia na facilidade com que ela conseguira um bom
entrosamento do pessoal da escola. Participava sempre de um animado “café do recreio” com
os professores e técnicos. Às vezes, ela levava bolo e biscoitos. Ria-se muito com os casos que
ela contava. Além disso, no final de cada semestre, ela organizava um almoço para todos na
própria escola, o que criava um clima alegre e descontraído.

Mas Dona Ondina era severa quando se tratava do cumprimento da legislação e das normas
estabelecidas no Regimento. Cumpria e fazia cumprir tudo à risca, desde horários de trabalho
até atendimento ao calendário e aos documentos escolares em geral. Devido a este
comportamento, não era raro surgirem conflitos, principalmente com professores que, por
chegarem à escola com atraso, eram impedidos de assinar o ponto no horário que
corresponderia à aula a ser dada. Outro fato gerador de conflitos ocorria nos horários após o
recreio. Ao sinal de término, se algum professor permanecesse na sala do café, a diretora
mandava chamá-lo e pedia a um dos auxiliares que entrasse imediatamente com a classe. Isso
129

criava certo mal-estar entre os professores que criticavam a “excessiva rigidez” da Dona
Ondina. Na verdade, ela não aceitava um mínimo deslize no cumprimento das normas, fosse
por parte dos professores, dos técnicos, do pessoal administrativo ou dos alunos.

4.3 PRÁTICAS ESCOLARES: ÁREA TÉCNICA

A coordenação técnica compunha-se dos seguintes professores-orientadores:


Área de Matemática - Professora Adla Neme
Área de Ciências Físicas e Biológicas - Professora Ângela Valim da Silveira
Área de Estudos Sociais - Professora Heloísa Dupas Penteado
Área de Comunicação e Expressão - Professora Nívia Gordo
Orientadora Educacional- Professora Elisabeth Camargo Prado
Biblioteca – Professora Lezilda Vigneron

Como já foi esclarecido, tivemos dificuldade para sermos aceitas como coordenadora
pedagógica. Por isso, no início limitamo-nos a um relacionamento bastante informal e
amistoso, principalmente com os professores, sem, no entanto, deixarmos de desenvolver as
atividades que, segundo as normas, estavam sob nossa responsabilidade.

O trabalho inicial que nos foi solicitado pelo professor José Mário consistiu na elaboração da
primeira Proposta Pedagógica para a Escola. Com certo constrangimento, dissemo-lhe que
nunca havíamos feito este tipo de documento. Então, ele nos pediu que fizéssemos, por escrito,
um levantamento de todos os aspectos negativos da escola e frisou que os aspectos positivos
não requeriam, evidentemente, qualquer observação. Anotamos as deficiências conforme já
descrevemos no tópico “Proposta Pedagógica”: currículo sobrecarregado para as classes de 1ª à
8ª série, excesso de excursões, de trabalhos em grupo e de pesquisas a partir de temas dados;
número excessivo de estagiários encarregados das aulas de Educação Física.

A partir dessas questões, o Professor José Mário solicitou, para cada uma delas, indicação das
providências que deveriam ser tomadas para solucioná-las. E assim foi feito. Após tomar
conhecimento dessas proposições, o professor esclareceu que estava praticamente pronta a
Proposta Pedagógica; requeria apenas uma introdução na forma de Diretriz ou Orientação Geral
e perguntou se queríamos escrevê-la ou se preferíamos que ele a escrevesse. Prontamente,
passamo-lhe a incumbência.
130

Terminada a Proposta, o professor José Mário esclareceu que ela só teria validade se fosse lida
e discutida, criticada, ou não, e aprovada por todo o pessoal da escola, pois, um Projeto
Pedagógico deve, necessariamente, ser fruto de um esforço coletivo, caso contrário, não passa
de uma mera imposição sem conseqüência. Assim, demos cópias à diretora e a todos seus
funcionários, com inteira liberdade para acrescentar ou modificar o que julgassem necessário.

Da mesma forma, demos cópias a cada um dos integrantes da coordenação técnica, inclusive à
orientadora educacional e à bibliotecária. Marcamos uma reunião a fim de tomar ciência do
parecer de cada técnico.

Na verdade, foram necessárias várias reuniões, pois, havia muitos pontos de discordância,
especialmente no que se referia à eliminação das técnicas de “trabalho em grupo”, de
“pesquisas pelos alunos a partir de temas dados pelos professores” e das excursões. Mas o
ponto mais alto das divergências centrava-se na Diretriz em que o professor José Mário propôs
como objetivo da escola “a mera e indispensável transmissão de conhecimentos”. Solicitamos
que relessem e que comentássemos a Diretriz por inteiro, o que nos pareceu que, até certo
ponto, minimizou as discordâncias. Solicitamos, então, a cada professor-orientador que
discutisse a Proposta Pedagógica com os professores de suas áreas. Esclarecemos que eles
teriam toda a liberdade para fazer críticas e alterações, desde que as justificassem e
reescrevessem os itens que fossem alvo de divergência.

Adotamos o mesmo procedimento em reuniões com todo o pessoal da escola. Foram reuniões
demoradas e difíceis, mas no final, a Proposta foi aprovada com algumas modificações, como,
por exemplo, a manutenção das excursões e de algumas pesquisas que já estavam planejadas.

Em seguida, solicitamos à orientadora educacional, à bibliotecária e a cada professora-


orientadora que elaborassem com os professores um plano geral de trabalho que fosse coerente
com a Proposta Pedagógica. Desta forma, foi feito o primeiro Plano Escolar Anual, acrescido
de calendário, horário de aulas, datas comemorativas, cronograma das provas bimestrais,
atividades culturais, entre outras.

Sob a orientação de Azanha, coube à coordenação técnica, à professora Neuza Rocha Goyano,
e a alguns professores da Faculdade a elaboração de um novo Regimento para a escola. Este
131

deveria incluir o escalonamento das disciplinas curriculares, de acordo com a LDB, com
atribuição de carga horária maior à Língua Portuguesa e à Matemática a fim de enfatizar a
formação geral dos alunos.

No início do ano letivo de 1976, as professoras de 1ª à 4ª série protestaram quando sugerimos


que evitassem aulas formais de gramática. Contestaram sob a alegação de que somente com
atividades de oralidade, leitura e escrita o programa ficaria esvaziado. Como não ensinar
gramática?

Antecipadamente, havíamos solicitado à bibliotecária que fizesse uma relação de livros da


literatura infanto-juvenil, adequados às classes de 1ª à 4ª série, a fim de apresentá-la às
professoras. E lhes propusemos que apenas lessem os livros com os alunos, em voz alta,
parando para comentários sobre as personagens e passagens interessantes, ilustrações, enredo.
Apenas isto. Sem qualquer cobrança. Nada de resumos, questionários. O importante seria que
os alunos sentissem prazer com as leituras.

Após certo tempo, as professoras disseram que a proposta das leituras estava dando certo. Os
alunos liam muito e o problema é que escolhiam livros diferentes, além dos indicados. E todos
queriam comentar o que tinham lido. Desta forma, as professoras precisavam ler muito também
e não tinham tempo para mais nada nas aulas de Português! A sorte é que contavam com a
ajuda da Bibliotecária. Então, sugerimos que incentivassem os alunos a escrever sobre o que
quisessem com base no que liam. O que deu bom resultado na produção escrita dos alunos. Ao
mesmo tempo, o professor de Artes Plásticas, José Joaquim Marques, integrava as leituras com
produções artísticas: desenhos, pinturas, ilustrações, cartazes. E algumas professoras cantavam
com as crianças os poemas musicados em livros infantis como, por exemplo, “A arca de Noé”,
de autoria de Vinícius de Moraes e “Ou isto ou aquilo”, de Cecília Meireles.

Como sempre ocorre, as classes não eram homogêneas. Havia alunos que apresentavam
lentidão na aprendizagem e requeriam assistência especial em aulas de reforço. Outros alunos
não demonstravam o mesmo interesse dos colegas pelas atividades de leitura e de escrita. Havia
mesmo grupos de alunos que “em segredo” faziam rodízio para as leituras que depois eram
compartilhadas por todos. Assim, cada aluno lia apenas um livro, mas “comentava” todos os
livros indicados como se os tivesse lido. Os alunos da 1ª série começavam a ler e a escrever
somente a partir do segundo semestre.
132

Não se podia perder de vista que a capacidade de crítica requer uma cultura geral, o que exige
uma contínua aquisição de conhecimentos das diversas áreas: História, Geografia, Literatura,
Artes em geral, Ciências, Matemática e, de modo especial, a Língua Portuguesa.

Para atender melhor a esse requisito, a coordenação técnica e os professores propuseram, como
objetivo primordial, a formação do aluno como leitor e autor, já a partir das séries iniciais.
Assim, da 1ª à 8ª série, os alunos e professores passaram a ler livros de bons autores da
literatura infanto-juvenil. Neste caso, prevaleceu a escolha de autores clássicos que, entre
outras vantagens, abordam temas universais que se perpetuam no tempo e no espaço, sempre
sujeitos às mais diversas interpretações. Não são, portanto, objetos de consumo que se esgotam
no término da leitura. Em seu livro “Por que ler os clássicos”, Ítalo Calvino (1985, p.11-12)
define livros clássicos: “livros que, quanto mais conhecemos por ouvir dizer, quando são lidos
de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos. [...] “Um clássico é um livro que nunca
terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”.

O plano da biblioteca incluiu também leitura de biografias de grandes cientistas e artistas,


como Galileu Galilei, Oswaldo Cruz, Pasteur, Tarsila do Amaral, Portinari, Van Gogh,
Leonardo Da Vinci, entre outros.

Com atuação conjunta dos professores e da bibliotecária, a maioria dos alunos lia muito. Para
se ter uma idéia, apresentamos relação de livros lidos em cada série durante um ano letivo.

1ª Série:
1) s/a, A história da ratinha (conto popular), EBAL, RJ, 1979.
2) s/a, Ali-Babá e os 40 ladrões (conto popular, EBAL, RJ, 1979.
3) Barrie, James, Os meninos voadores (Peter Pan), EBAL, RJ, 1979.
4) Collodi, Pinóquio, EBAL, RJ, 1979.
5) Grimm (Irmãos), A bela Adormecida, EBAL, RJ, 1979.
6) Grimm (Irmãos), O patinho encantado, EBAL, RJ, 1979.
7) Grimm (Irmãos), Os sete cabritinhos e o lobo, EBAL, RJ, 1979.
8) Helô, Cocorocó, a galinha esperta, EBAL, RJ, 1979.
9) Helô, Manchinha, a bezerra ingênua, EBAL, Rj, 1979.
10) Helô, Os dois valentes, EBAL, RJ, 1979.
11) Helô, Pim-Pim, o ursinho travesso, EBAL, RJ, 1977.
133

12) Penteado, Maria Heloisa, Lúcia-já-vou-indo, 3ª ed., Ática, São Paulo, 1979.
13) Perrault, O gato de botas, EBAL, RJ, 1979.
14) Salloutti, Elza César, A árvore zoológica da Lalico Pimentão, Ática, SP, 1980.
15) Sébille, Colette, O patinho e a pena, 2ª ed. Ática, SP, 197
2ª série
1) Almeida, Fernanda Lopes de, A fada que tinha ideias, 2ª ed. Ática, SP, 1979.
2) Andersen, H. C, Contos de Andersen, 9ª ed., Brasiliense, SP, 1978.
3) Carvalho David de, As aventuras dos três Joãozinhos, Pioneira, SP, 1979.
4) Grimm (Irmãos), Contos de Grimm, 8ª ed. Brasilense, SP, 1978.
5) José, Guaymédes, A galinha Nanduca em São Paulo, Pioneira (Série Pinju), SP, 1979.
6) Leornardos, Stella, O geniozinho faz de conta, Pioneira, SP, 1979.
7) Machado, Maria Clara, Clarinha na ilha, José Oympio, RJ, 1979.
8) Machado, Maria Clara, Pluft, o fantasminha, CEDIBRA, RJ, 1970.
9) Moraes, Vinícius de, A arca de Noé, poemas infantis, José Olympio, RJ, 1980.
10) Penteado, Maria Heloisa, A menina que o vento roubou, 2ª ed., Pioneira, SP, 1979.
11) Penteado, Maria Heloisa, Trinca de reis, Pioneira/MEC, SP, 1979.
12) Prado, Maria Dinorah Luz, Felpudo e Olhogrande, Globo, Série Paradidática, Porto
Alegre, 1979.
13) Rocha, Ruth, O reizinho mandão, 2ª ed. Pioneira, SP, 1979.
14) Veríssimo, Érico, A vida do elefante Basílio, Globo, Porto Alegre, 1979.,
15) Veríssimo, Érico, As aventuras do avião vermelho, 10ª ed., Globo, Porto Alegre, 1980.
16) Veríssimo, Érico, O urso com música na barriga, Globo, Porto Alegre, 1975.
17) Veríssimo, Érico, Rosa Maria no castelo encantado, Globo, Porto Alegre, 1975.
3ª série
1) Almeida, Lúcia Machado de, Estórias do fundo do mar, 5ª ed., Melhoramentos, SP, 1980.
2) Andrade, Carlos Drummond de e outros, Para gostar de ler, vol. V, Ática, SP, 1979/80.
3) Cascudo, Câmara, Lendas Brasileiras, Ed. Ouro, RJ, s/d.
4) Defoe, Daniel, Robinson Crusoé, Ed. Ouro, RJ, s/d.
5) Druon, Maurice, O menino do dedo verde, 21ª ed., José Olympio, RJ, 1979.
6) Dupré, Maria José, A ilha perdida, 7ª ed., Ática, SP, 1975.
7) Kipling, Rudyard, Estórias bem assim, Ed. Ouro, RJ, s/d.
8) Lessa, Orígenes, Memórias de um cabo de vassoura, Ed. Ouro, RJ, s/d.
9) Lobato, J. B. Monteiro, Peter Pan, 22ª ed., Brasiliense, SP, 1979.
10) Lobato, J. B. Monteiro, O sítio do Pica-Pau Amarelo, 19ª ed. Brasiliense, SP, 1977.
134

11) Porto, Cristina, Se...será Serafina? Ática, SP, 1980.


12) Pyle, Howard, Robin Hood, Ed. Ouro, RJ, s/d.
13) Ramos, Graciliano, Seleção de contos brasileiros, Ed. Ouro, RJ, s/d.
14) Verne, Júlio, Vinte mil léguas submarinas, ed. Ouro, RJ, s/d.
15) Verne, Júlio, A volta ao mundo em 80 dias, Ed. Ouro, RJ, s/d.
16) Werneck, Leny, O velho que foi embora, 2ª ed. Melhoramentos, SP, 1977
4ª série
1) Almeida, Lúcia Machado de, O caso da borboleta Atíria, 7ª ed., Ática, SP, 1978.
2) Bandeira, Manuel, Meus poemas preferidos, Ed. Ouro, RJ, s/d.
3) Carroll, Lewis, Alice no país das maravilhas, Ed. Ouro, RJ, s/d.
4) Cascudo, Câmara, Lendas brasileiras, Ed. Ouro, RJ, s/d.
5) Jardim, Luís, As aventuras do menino Chico de Assis, 7ª ed. José Olympio, RJ, 1979.
6) Jardim, Luís, O boi Aruá, 12ª ed., José Olympio, RJ. 1979.
7) Lessa, Orígenes, As letras falantes, Ed. Ouro, RJ. s/d.
8) Lobato, J. B. Monteiro, Viagem ao céu, 24ª ed., Brasiliense, SP, 1979.
9) Nunes, Lygia Bojunga, A bolsa amarela, 4ª ed. Agir, RJ. 1980.
10) Ramos, Graciliano, Seleção de contos brasileiros Norte-Nordeste, Ed.Ouro, RJ, s/d.
11) Sabino, Fernando e outros, Para gostar de ler, volII, 3ª ed. Àtica, SP, 1979.
12) Silva Marinho, João Carlos, O gênio do crime, 16ª ed., Obelisco, SP, s/d.
13) Sing Chiang, Marco Pólo, ed. Ouro, RJ, s/d.
14) Twain, Mark, As aventuras de Tom Sawyer, Ed. Ouro, RJ., S/d.
15) Verne, júlio, A ilha misteriosa, Ed. Ouro, RJ. s/d.
16) Verne, Júlio, A volta ao mundo em 80 dias, Ed. Ouro, RJ. s/d.
17) Verne, Júlio, Viagem ao centro da terra, Ed. Ouro, RJ, s/d.
5ª série
1) Bopp, Raul, Cobra Norato e outros poemas, 12ª ed., Civilização Brasileira, RJ, 1978.
2) Cascudo, Câmara, lendas brasileiras, Ed. Ouro, RJ, s/d.
3)Christie, Agatha, Por que não pediram a Evans? Nova Fronteira, 3ª ed., Nova Fronteira, RJ,
1976.
4) Picchia, Menotti Del, Juca Mulato, Ed. Ouro, RJ., s/d.
5) Ramos, Graciliano Contos e lendas brasileiras, Ed. Ouro, RJ, s/d.
6ª série
1) Bopp, Raul, Cobra Norato e outros poemas, 12ª ed., Civilização Brasileira, RJ, 1978.
135

2) Bulfinch, Thomas, O livro de ouro da mitologia – História de deuses e heróis, Ed. Ouro, RJ,
s/d.
3) Cascudo, Câmara, lendas brasileiras, ed. Ouro, RJ. s/d.
4) Picchia, Menotti Del, Juca mulato, Ed. Ouro, RJ., s/d.
5) Ramos, Graciliano, Contos e lendas brasileiras, Ed. Ouro, RJ., s/d.
6) Veríssimo, Érico, Música ao longe, 27ª ed., Globo, Porto Alegre, 1979.
Obs.: Nesta série, foram ainda lidas diversas obras à escolha dos alunos.
7ª série
1) Amado, Jorge, A morte e a morte de Quincas Berro D`Água, Record, RJ, s/d.
2) Amado, Jorge, Capitães de areia, Record, RJ., s/d.
3) Forsyth, Frederick, O pastor, Record, RJ, s/d.
4) Hess, Hermann, Contos, Civilização Brasileira, SP., s/d.
5) Huxley, Aldous, O admirável mundo novo, Círculo do livro, SP, s/d.
6) Picchia, menotti Del, Juca mulato, Ed. Ouro, RJ, s/d..
7) Veríssimo, Érico, Contos, 5ª ed., Globo, Porto Alegre, 1980.
8ª série
1) Amado, Jorge, Capitães de areia, Record, RJ, s/d.
2) Bach, Richard, Ilusões, Record, RJ, s/d.
3) Hess, Hermann, Demian, 16ª ed., Civilização Brasileira, RJ, 1979.
4) Picchia, Menotti Del, Juca mulato, Ed. Ouro, RJ, s/d.

Diariamente, passávamos nas classes de 1ª à 4ª série e dizíamos aos alunos: “Como é? Estão
lendo bastante? Precisam ler mais!”. Devido a esta atitude, aconteceu um fato engraçado que
ilustra bem o envolvimento dos alunos com leitura. Chegamos perto de uma aluna da 2ª série
junto ao bebedouro e ela disse: “Ô, Nívia, estou adorando a “Vivi Pimenta.”! Ante um olhar de
interrogação, ela interpelou: “Não vai me dizer que não leu!”. E acrescentou, gesticulando com
o dedo: “Precisa ler mais, hein?”

A propósito do nosso empenho nas atividades de leitura, entendemos ser importante o


depoimento da ex-professora Maria Salete Cruz, a seguir.
136

DEPOIMENTO
O bom do trabalho na Escola de Aplicação era a liberdade que
as crianças tinham para escolher e ler os livros de que gostassem.
Certa vez, uma aluna quis levar para casa o livro que contava a vida
do Hitler. Ela pegou o livro e ninguém contestou, mas a linguagem era
muito difícil. No dia seguinte ela veio devolver, pois não tinha
conseguido ler. Não precisou ninguém dizer, ela mesma descobriu que
não dava para ler.
Numa outra ocasião, um dos alunos leu O fantasma de Chaterville,
ele gostou tanto do livro que chegou à sala de aula e não parava de
falar sobre o livro. O resultado foi que todos os alunos leram, ou seja,
a tal propaganda de boca em boca. Além disso, o aluno fez o resumo
do livro com as passagens de que ele mais havia gostado. O melhor de
tudo é que eles liam por prazer, porque não havia prova, nem nota;
eles gostavam de ler e pronto. As crianças são curiosas e é possível
trabalhar isso com os livros. Da Odisséia de Homero, por exemplo,
eles começaram a trabalhar com mitologia. Acontece que eu quis
situar Homero nesse contexto, e comecei a falar de Sócrates. Expliquei
a eles que mesmo os discípulos desse mestre, por vezes discordavam
deles. Os alunos queriam saber porque Sócrates era revolucionário e
porque ele teve que tomar cicuta e queriam saber porque ele teve que
se retratar. Eu expliquei que mesmo na Antiguidade quando alguém
contrariava o Estado e a Igreja, era condenado, principalmente na
época de Sócrates. Então eles me perguntaram: e se ele não quisesse
beber? E eu lhes disse que por motivos éticos Sócrates resolveu não
fugir.
Houve uma discussão dos alunos de 4ª série, logo que surgiu na
China a lei que obrigava as famílias a terem um único filho. As
crianças discutiam o que seria feito diante da possibilidade de
nascerem gêmeos ou trigêmeos. O pensamento deles gerava discussão
e tinha conteúdo.
Voltando ao assunto da época da Escola de Aplicação, Monteiro
Lobato foi um sucesso, mas ninguém ganhava da Ágatha Christie.
Certa vez, um dos alunos, de descendência japonesa, queria ler o
livro da Ágatha Christie, mas a mãe não queria porque acreditava
que a obra da autora só tratava de crimes e de violência. Mas o
menino gostava muito e mais tarde a mãe descobriu que o texto da
autora não era sanguinário, mas de suspense, que era a trama que
prendia a atenção do filho. Ele leu toda a coleção da biblioteca e o
pai teve que comprar os demais livros da autora que a escola não
137

tinha. Quanto à Escola de Aplicação posso dizer que nunca tive tanta
oportunidade de exercitar minha criatividade quanto no tempo em
que trabalhei lá e nesse projeto que acabamos de relatar. “Tinha
criança que fazia lição na carteira e ficava com um livro no colo.
Muitos autores visitaram a Escola de Aplicação nessa época:
Ziraldo, Hamilton Ribeiro, Eliardo França e sua esposa Eliana, Ruth
Rocha, Tatiana Belink, Toni Brandão e outros.
Maria Salete Cruz, 2009

Também obtivemos um depoimento da professora Lezilda Vigneron que, conforme já


mencionamos, respondeu, na época, pela biblioteca. Criou e acompanhou constantemente o
plano das leituras da escola.

DEPOIMENTO

Na ocasião eu falei com a Dona Ondina e com você também Nívia. Disse-
lhes que eu não estava satisfeita com o andamento da participação dos alunos
na biblioteca. Então vocês me propuseram montar um projeto, ou um
programa nesse sentido. Propus então que além do empréstimo dos livros,
fizéssemos uma orientação de leitura de modo que os alunos passassem a se
interessar, de fato, pela leitura e a escrita, baseadas no que foi lido.
Fiz um plano e apresentei para a Nívia que achou ótimo, e gostou tanto que
levou a proposta para todas as professoras da Escola de Aplicação.
Propusemos que a leitura não ficasse solta, e para tanto fiz uma lista dos
livros selecionados de acordo com a série e a faixa etária de cada aluno,
Entreguei uma lista para os professores de cada série para que eles decidissem
sobre a melhor forma de trabalhar.
Eu lia todos os livros antes de colocá-los na prateleira da biblioteca, e dava
o meu parecer sobre o texto, sobre a linguagem etc. A biblioteca passou a ser
chamada de sala de leitura. Essa nomenclatura foi fundamental porque não é
preciso ter uma bibliotecária, mas alguém que auxilie as crianças na hora da
leitura (a Nívia brigou por isso também).
Lezilda Vigneron, 2009

Outro depoimento que julgamos importante é feito por uma ex-aluna, Emi Koide, que estudou
nos cursos fundamental e médio da Escola de Aplicação. Emi, que exerce a função de
pesquisadora, tem uma longa e exitosa trajetória acadêmica. Mestre em Ciências da
138

Comunicação pela ECA/USP, Emi graduou-se em Artes Plásticas pela Unicamp e hoje é
graduanda em Filosofia e Doutoranda em Psicologia na USP. Segue seu depoimento.

DEPOIMENTO

Lembro-me dos primeiros anos do ensino fundamental (1º grau na época) em


que havia um incentivo à leitura como algo prazeroso, lúdico. Criar histórias e
espaços – lembro-me de uma casa das meninas que foi criada dentro da sala de
aula e também de um foguete na outra sala. Cadernos ilustrados de textos e
poesia também eram desenvolvidos. Visitas à biblioteca, responsável por
viagens de estudo do meio, inesquecíveis, para o sul do Brasil, também eram
constantes. Mais tarde, na 8ª série e colegial, havia também a leitura de textos
interessantíssimos, ao mesmo tempo em que eram complexos na época, e com os
quais fui me deparar também depois na faculdade. Lembro- me da leitura de
parte do “Queijos e os vermes” de Carlo Ginzburg na 8ª série com o Duvaldo,
em que se discutia a Inquisição. Também me lembro da leitura de parte do
Fausto de Goethe e parte do livro “Tudo o que é sólido se desmancha no ar” de
Marshall Bermann no 1º colegial, na aula do Omar, em que se discutia o
advento da modernidade. Foram experiências fundamentais. Também, desde a
1ª série, tínhamos cadernos de textos individuais e coletivos. Também me lembro
das viagens de estudo do meio e da produção de cadernos de campo e reflexões.
As atividades nos levavam a nos apropriar da escrita como meio de reflexão e
crítica.
Eu me lembro de algumas aulas em que se ia a biblioteca, mas tenho a
impressão de que a visita ou os livros a escolher eram de escolha do aluno, me
parecia assim algo espontâneo, não dirigido. Nos primeiros anos (1º grau), eu
gostava das poesias de Cecília Meirelles, alguns poemas de Drummond, que eram
trabalhados em sala. Também gostei de “Bibi meia longa” de Astrid Lindgren,
“Grimble”, de Clement Freud. Lembro de ter tirado na biblioteca “A mulher que
matou os peixes”, de Clarice Lispector. Ainda que não se falasse de
interdisciplinaridade, acho que muitas coisas se remetiam à leitura como as
músicas de Vinícius, Tom e Chico Buarque que eram cantadas com a profa Maria
Salete. Também as peças de teatro que alunos de turmas mais velhas
apresentavam com o prof. Kim, a partir de textos de Lígia Bojunga Nunes;
lembro-me de uma encenação de “Casa da Madrinha”. Outros livros da autora
também foram marcantes: “Os colegas”, “A bolsa amarela.”
Emi Kodi, 2009
139

Com relação à coordenação técnica, havia um bom relacionamento entre as professoras-


orientadoras e a orientadora educacional. Todas estavam imbuídas de sua responsabilidade para
manter a coerência necessária entre os planos das aulas de cada área e a Diretriz da escola. Com
base nela, orientávamos os professores de cada área nas reuniões semanais, previstas no
calendário escolar. Os problemas, dúvidas e divergências eram discutidos nas nossas reuniões,
também semanais.

Da mesma forma, eram compartilhados os projetos de estudo: da área de Ciências, a professora


Ângela punha a equipe a par do Projeto de Meio Ambiente, Horticultura, Jardinagem e do
Projeto Articulação Ciências e Alfabetização, que teve a duração de três anos. Juntamente com
as alfabetizadoras, elaborávamos roteiros de alfabetização com base em temas sugeridos pela
professora Ângela: “Animais”, “Plantas”, “O Planeta Terra”. Nosso objetivo era o de conciliar
o roteiro da alfabetização com a programação de Ciências, o que dava bons resultados. O
professor de Artes Plásticas também participava dos projetos mediante integração desses temas
com produções artísticas: desenhos, ilustrações, pintura, máscaras (de animais), maquetes, entre
outras. A orientadora de História e Geografia, professora Heloísa Dupas Penteado, dava
informações sobre o andamento do seu Projeto de “Estudo do Meio”, a partir da temática “O
homem no tempo e no espaço fazendo história”.

A professora Adla Neme, orientadora de Matemática, trabalhava mais à parte, pois esta matéria
não propicia integração explícita com as outras disciplinas a não ser com Português, no que se
refere à leitura de enunciados de problemas e com as disciplinas que visam ao desenvolvimento
do raciocínio lógico e a estudos com dados estatísticos.

No final do ano letivo, cada professor-orientador juntamente com os professores das


respectivas áreas, mais a orientadora educacional e a bibliotecária escreviam relatório
circunstanciado e crítico das atividades desenvolvidas durante o ano letivo. Com base nestes
relatórios, fazíamos um único relatório. Entregava-o, juntamente com cópias do Plano Escolar
Anual, à Diretora que, por sua vez, os enviava em quatro cópias: uma para o professor José
Mário e três para o diretor da FEUSP que, de acordo com o Convênio de Cooperação Técnica,
firmado com a Secretaria Estadual de Educação, devia encaminhar uma cópia ao Conselho
Estadual de Educação e outra à Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP),
órgão técnico da Secretaria Estadual da Educação.
140

Esse relatório geralmente ocasionava uma série de conflitos. Como eram apontados os acertos e
os desacertos da escola, alguns professores e até mesmo orientadores discordavam, muitas
vezes com veemência, das críticas apresentadas. As reuniões se transformavam em calorosos
debates. Quanto a nós, entendíamos que numa escola em que se propunha como objetivo o
desenvolvimento da atitude crítica, era preciso “saber conviver com as divergências”. Portanto,
mantínhamos um diálogo mediante argumentos que justificassem as críticas feitas no relatório.
Algumas vezes, as revíamos diante dos contra-argumentos que julgávamos procedentes. Assim,
houve reuniões gerais que tiveram duração de até quatro horas quando o previsto era de, no
máximo, duas horas. Um fato desagradável consistiu na reação de alguns professores e mesmo
orientadores que, ao invés de se posicionarem no plano da divergência de ideias, viam as
críticas como ofensa pessoal e passavam a manter uma atitude antagônica em relação à nossa
pessoa. Instaurava-se, assim, um clima de desarmonia e, o que era pior, de um antagonismo
pessoal disfarçado. Neste sentido, podemos dizer que desde o início de 1977, a equipe de
professores se dividia em um grupo que era favorável à orientação e à Diretriz da escola e outro
contrário não só a esta linha, quanto à coordenadora e ao professor José Mário que passou a ser
rotulado como positivista. Vamos ver que mais tarde, em 1984, esta situação já constituía o
embrião da “rachadura”, que iria eclodir quando a Escola de Aplicação entrou em crise,
conforme será relatado mais adiante.

A área de Comunicação e Expressão que estava sob nossa responsabilidade era a mais extensa.
Era integrada por professores de Português, Artes Plásticas, Arte Musical, Francês, Inglês e
Educação Física. Também faziam parte do grupo a orientadora educacional e a bibliotecária.
Com o objetivo de integrar os professores e também as atividades de cada disciplina, várias
vezes pedíamos a um desses professores que desse “aulas” para o grupo. Essa atividade dava
bons resultados, tanto no nível de interação dos professores entre si quanto no nível das
disciplinas. O professor de Educação Física dava uma aula, por exemplo, de alongamento e
esclarecia sua importância para cada parte do corpo, principalmente das crianças que estavam
em processo de crescimento. A professora de música explicava como ensinava música e nos
convidava a cantar uma música previamente selecionada. O professor de Artes dava aulas de
expressão corporal, imitando, por exemplo, uma ave, um animal. Foi assim que descobrimos o
que havia acontecido numa aula de Matemática na 5ª série. A professora escrevera na lousa
para a classe: “Seja o número 8”. De repente, ela ouviu um barulho de carteiras, virou-se e viu
os alunos se contorcendo em gestos de expressão corporal para “serem um 8”, conforme faziam
em atividades de expressão corporal nas aulas de Artes!
141

A orientadora educacional desenvolvia, conforme já foi mencionado, um importante projeto


que tinha como objetivo solucionar dificuldades relacionadas com a diversidade dos alunos no
nível da linguagem, especialmente da fala; de aspectos étnicos, econômicos, sociais. O trabalho
da orientadora era realizado em reuniões com os alunos e professores, com vistas a eliminar
preconceitos e discriminações. Na escola havia, também, um pequeno número de alunos que
usava drogas. Como era uma situação delicada, a orientadora trabalhava diretamente com os
pais para solucionar o problema. Além disso, ela dava assistência aos alunos que apresentavam
dificuldades de aprendizagem, encaminhando-os com as respectivas professoras para aulas de
recuperação.

A fim de assegurar a continuidade do ensino no plano vertical e horizontal, na semana de


planejamento, os orientadores faziam reuniões com os professores por áreas de ensino –
Comunicação e Expressão, Ciências Físicas e Biológicas, Matemática, História e Geografia
(Estudos Sociais) – por classes e por séries. Desta forma, era possível verificar: a sequência
das atividades programadas (pontos comuns e diferentes), o que não foi possível ensinar, o
nível de aprendizagem de cada aluno com identificação de suas dificuldades e sugestões para
aulas de recuperação, ou de temas a serem retomados. A atividade contava com a participação
da orientadora educacional que, no decorrer do ano letivo, acompanhava a “vida escolar” de
cada aluno. Após as atividades de avaliação dos alunos, os professores estabeleciam, sob
orientação dos respectivos orientadores, os conteúdos mínimos para cada programa de ensino.

O professor José Mário não ia diariamente à Escola de Aplicação, mas estava sempre a par de
tudo, orientava e sugeria procedimentos para solução de problemas surgidos mediante contato
frequente com a diretora e a coordenadora. Algumas vezes, participava de reuniões com os
demais orientadores da Coordenação Técnica e com a bibliotecária para sugerir títulos de livros
da literatura infanto-juvenil e biografias de grandes cientistas e artistas.

4.4 PRÁTICAS ESCOLARES: CORPO DOCENTE

Os professores da 1ª à 8ª série tinham um bom relacionamento. Entretanto, como sempre ocorre


nas escolas, evidenciava-se maior interação entre as professoras de 1ª à 4ª série devido a
diversos fatores: horário único de trabalho, manutenção das mesmas classes e das mesmas
professoras durante o ano letivo, um tempo longo de trabalho juntas, convivência em horário
142

integral com os alunos. Além disso, como não eram especialistas, tinham mais condições de
trocar experiências sobre procedimentos, conhecimentos, técnicas de trabalho. O grupo era
muito alegre, bem humorado o que propiciava um clima de harmonia e de amizade dos
professores entre si e com os alunos.

Os professores de 5ª à 8ª série mantinham certo grau de interação devido, principalmente, à


atuação dos professores-orientadores que visavam sempre a uma integração dos professores
entre si e com as aulas em função do objetivo da escola, especialmente no decorrer da
passagem dos alunos da 4ª para a 5ª série. Certa vez, depois de ouvir várias críticas dos
professores de Português das 5ªs séries, relativas a erros de ortografia dos alunos que chegavam
da 4ª série, perguntei-lhes se poderia fazer com eles uma “brincadeira”. Como concordaram,
ditei-lhes uma série de palavras, tendo escolhido as de grafia difícil. Todos os professores
erraram a escrita de algumas palavras. Frisei, então, que não se justificavam as críticas aos
alunos que escreviam com erros ortográficos, uma vez que a aprendizagem da ortografia
começa na 1ª série e se prolonga por toda a vida.

Mas no geral os professores de 5ª à 8ª série, exceto o problema mencionado, eram acessíveis;


empenhavam-se em ensinar de forma adequada ao objetivo da escola e se relacionavam bem
com os alunos. Mantínhamos contato mais constante com as professoras de Francês e de Inglês,
responsáveis pelos “clubes” das respectivas disciplinas, cuja forma de funcionamento já foi
descrita neste trabalho.

O dia escolar começava cedo. Às 6h30, geralmente os professores de 5ª à 8ª série assinavam o


ponto. Seguiam, depois, para a sala dos professores em que lhes era servido um cafezinho.
Alguns professores liam, mas, a maioria preferia manter uma conversa animada sobre os mais
variados assuntos: situações de sala de aula, da vida pessoal. Mas o tempo era curto, pois, às
sete horas era dado o sinal de entrada para as classes e Dona Ondina exigia pontualidade. O
horário do recreio era mais animado porque se dispunha de mais tempo para conversas, troca de
informações sobre receitas culinárias, moda, filmes etc.

Devido à responsabilidade direta com a alfabetização e sua continuidade nas séries


subseqüentes, a coordenadora concentrava mais atenção nos alunos e professores das séries
iniciais, 1ª e 2ª séries, uma vez que se entende serem necessários, no mínimo, dois anos para
uma alfabetização mais consistente e que possibilite a concretização do objetivo de despertar e
143

manter o prazer e o interesse pela leitura e para a expansão da competência Linguística dos
alunos, especialmente na comunicação oral e escrita. Também era feito um constante trabalho
com a bibliotecária, encarregada de desenvolver um plano de leitura em todas as séries,
conforme já foi descrito. Desta forma, interagíamos com os professores de 5ª à 8ª nas reuniões
semanais.

Na verdade, a coordenadora e as professoras da 1ª à 4ª série formavam um grupo bem


integrado, com muita amizade. Às 3ªs feiras, as aulas começavam às 13horas e terminavam às
18 horas; nos demais dias, o horário era de 13 às 17h30. Nesta meia hora no final das aulas, os
alunos saíam com os pais e ficávamos conversando animadamente até por volta das 18 horas.
Era um verdadeiro encontro com relato de fatos do dia, brincadeiras, risadas num contexto de
grande animação! Alguns pais, já conhecidos, também se aproximavam do grupo e
participavam das conversas.

No geral, o pessoal da escola – diretora e vice-diretora, auxiliares, orientadores, professores e


alunos – convivia num clima de muito afeto. Somente a partir de 1984, a que já fizemos
referência, por motivos de ideologia política, houve uma “rachadura” na escola e
principalmente os professores de 5ª à 8ª série dividiram-se em dois grupos. A consequência foi
que, com relação aos professores da 5ª à 8ª série, a afinidade por afeto foi substituída pela
afinidade política. Assim, no segundo semestre de 1984 e no ano de 1985 a Escola de
Aplicação passou por muitas alterações, a partir de divergências entre um chefe de
Departamento da FEUSP e o professor José Mário, o que ocasionou sua decisão de se demitir
da representação da Faculdade junto à EA e, ao mesmo tempo, propor um debate sobre a
escola. Após muito esforço da Congregação da Faculdade, do professor José Mário e de vários
pais, foi autorizada pelo Reitor da USP a implantação e o funcionamento do 2º grau na EA.

4.5 PRÁTICAS ESCOLARES: OS ALUNOS

Com o processo de redução de classes e de alunos, a escola passou a ter duas classes por série e
30 alunos por classe, num total de 480 no Ensino Fundamental, o que facilitava muito o
acompanhamento dos alunos em todos os sentidos: avaliação da aprendizagem, recuperação,
frequência e disciplina. Mesmo assim, como acontece em todas as escolas, havia grupos que
eram mais irrequietos e requeriam atenção maior por motivo de brigas, de transgressão das
normas da escola. Nestes casos, os alunos constituíam alvo da atenção da diretora, da
144

orientadora educacional e dos próprios professores. Em situações mais graves, os pais eram
chamados para tomar ciência das ocorrências e assumir os procedimentos cabíveis. O artigo 20
do Regimento Escolar apresenta normas relativas aos alunos:

Art. 20 – Constituem deveres do aluno:


I – respeitar os colegas, professores e demais funcionários da Escola, colaborando no
cumprimento das determinações que visem ao bom funcionamento da classe e da
escola;
II – ser assíduo e pontual em todas as atividades da Escola, incluindo as
comemorações cívicas.
§ 1º - O aluno que faltar aos seus deveres está sujeito a penas de advertência,
repreensão e suspensão.
§ 2º - Em caso de reincidência contumaz, o aluno terá a sua situação examinada pelo
Conselho da Escola com vistas à sua transferência compulsória.
Art. 21 – Constituem direitos do aluno:
I – ter asseguradas as condições necessárias ao seu desenvolvimento pessoal;
II – ser respeitado pelos colegas, professores e demais funcionários da escola;
III – ser ouvido nas suas reclamações e cientificado das razões no caso de não
atendimento.

Apenas um aluno foi cogitado de suspensão por escrever em letras grandes na parede da escola
“Cecília gosta de homem”. Isto gerou um tumulto por parte dos pais da menina e do pessoal da
escola. Convocado pelo Conselho de Classe, o aluno foi interpelado a respeito do que fizera.
Sua explicação pegou todo mundo de surpresa: “Eu não quis fazer nenhum mal a Cecília. É
que quando lhe falei em namoro ela me disse que não queria porque eu sou muito criança.
Então achei que ela queria namorar um homem”. Diante disso, o caso foi encerrado com uma
advertência ao aluno por haver “pichado” a parede da escola e fazer citação pessoal da aluna.

Entre os meninos havia certa divisão: o grupo que estudava pouco porque preferia esportes e
jogos esportivos e o grupo que preferia o contrário, estudava muito e não gostava de esportes.
Isso gerava provocações, apelidos, o que exigia intervenção constante dos professores e da
orientadora educacional.

De qualquer forma, é preciso reconhecer que os adolescentes têm características próprias que
os dispõem a protestos e a contrariar o que é tido como norma. Como o objetivo da escola era o
de desenvolver atitude crítica e a criatividade, os alunos eram incentivados a expor suas
divergências, mas também, a justificá-las mediante argumentos lógicos. De modo geral, os
alunos apresentavam bom rendimento escolar, principalmente porque queriam ficar livres do
exame final.
145

4.6 PRÁTICAS ESCOLARES: OS AUXILIARES

Os auxiliares eram professores que tinham mais contato com todo o pessoal da escola. Alguns
ficavam nos corredores das classes para atender, quando necessário, a professores e alunos.
Outros ficavam na cozinha para o café e para aquecer as marmitas dos funcionários que
levavam suas refeições como acontecia com os próprios Auxiliares. Aliás, a cozinha era o
recanto predileto de todos para um “bate-papo” alegre e descontraído e onde sempre se tomava
um cafezinho. Era na cozinha que, como se diz na prática, ficava-se a par de todas as “fofocas”,
pois os funcionários “sabiam de tudo”. As auxiliares também observavam os recreios,
controlavam a limpeza das salas de aulas, da sala dos professores, da Direção, do pessoal da
Secretaria e da Biblioteca. Além disso, faziam outros serviços solicitados pela Direção. Eram
queridos por todos e participavam sempre dos eventos da escola.

Além dos auxiliares, a EA contava com a ajuda de um vigia, Senhor Enéias que, juntamente
com sua esposa, Dona Antônia residiam numa das dependências da escola sob manutenção da
Associação Escola e lar. Eram pessoas ótimas e bastante prestativas. Muitas vezes, alguns pais
chegavam tarde para pegar os filhos. O casal levava as crianças para sua casa e, com carinho,
serviam-lhes um lanche ou até mesmo um jantar. Alguns professores almoçavam na casa deles
mediante uma quantia previamente estabelecida. Dona Tonica estava sempre pronta para
oferecer um cafezinho e pão ou bolo às pessoas da escola que gostavam muito de fazer-lhe uma
visita. O casal era querido por todo o pessoal, inclusive pelos alunos, e participava de todos os
eventos da escola.

4.7 PRÁTICAS ESCOLARES: OS PAIS

A maioria dos pais fazia parte da “Associação Escola-Lar” e dava importante ajuda à escola,
que não dispunha de verba suficiente para atender a várias necessidades: material escolar,
merenda e uniforme para os alunos carentes, consertos do prédio, material para as aulas de
Educação Física e de esportes e, conforme já foi descrito, verba e materiais para a reconstrução
do auditório que foi alvo de incêndio. A diretora era muito ligada à Associação e, no final de
várias reuniões, eram tomadas providências para resolver as mais diversas dificuldades.

Um evento que contava com inteira participação dos Associados e de outros pais era a Festa
Junina que propiciava vultosa arrecadação de dinheiro para a manutenção da Escola. Uns
146

meses antes eram iniciados os preparativos para a festa: professores ensaiavam as quadrilhas
com os alunos; pais e comerciantes doavam prendas para as inúmeras barracas e leilões; eram
adquiridos balcões de sorvetes, refrigerantes e água a serem vendidos pelos professores. Todos
participavam dos preparativos: professores, auxiliares, direção, pessoal da Secretaria, alunos,
pais e mães. Dona Ondina escalava os professores para, em rodízio, responderem por serviços:
cuidar de barracas; vender sorvetes e bolos feitos pelas mães; vender cartões para sorteios de
prendas diversas. Pode-se dizer que a festa junina era o evento por excelência de integração do
pessoal da escola e dos pais. E também era a maior fonte de renda da escola.

Outro evento importante que não dava rendimentos em dinheiro, mas que movimentava todo o
pessoal da escola e os pais era o da “Semana Cultural de Outubro”, a que já fizemos referência.
No auditório eram apresentados todos os dias peças teatrais, coral, encontros com autores lidos
pelos alunos. Nas salas de aulas, havia exposições artísticas de trabalhos feitos pelos alunos; era
apresentada a “Cerimônia do Chá”, uma feira de livros, uma sala em que as mães japonesas
expunham “ikebanas”, “dobraduras”; em outra sala os alunos davam explicações, sob a
orientação da professora Ângela, a respeito de como fazer chás com plantas medicinais
apropriadas para tratamento de saúde. Assim, a semana era muito movimentada e propiciava
muita interação do pessoal da escola e dos pais.

4.8 PRÁTICAS ESCOLARES: O CENTRO CÍVICO ESCOLAR

A Direção cedeu um espaço para funcionamento do Centro Cívico Escolar a que os alunos
deram o nome de “Nosso Território”. Sob a orientação da professora Heloísa Ghisi, os alunos
desenvolviam diversas atividades: planejamento das festas de comemoração cívica, festivais
musicais, campeonatos esportivos, reuniões para discussão de problemas apresentados pelos
colegas, seminários e debates. Certa vez, os alunos tiveram o consentimento da diretora para
leitura e discussão das normas regimentais da escola. Por outro lado, na época de planejamento
da Festa unina e da Semana Cultural de Outubro, todos os membros do Centro Cívico
auxiliavam bastante a Direção, tanto na forma de sugestões quanto na participação das
atividades.
147

4.9 PRÁTICAS ESCOLARES: ESTÁGIO E PESQUISAS

De acordo com as normas de estágio, no início do ano letivo professores da FEUSP deviam
fazer, juntamente com a coordenação técnica, planos de estágio para os alunos da Pedagogia
que se interessavam, principalmente pela área administrativa, orientação educacional e técnica.
O relacionamento com esses alunos era muito bom e nunca houve qualquer problema quanto ao
cumprimento das normas e do estágio em si.

Também eram recebidos alunos da licenciatura que preferiam estagiar nas salas de aula para
um contato mais próximo com as disciplinas de seu interesse. Alguns deles se dispunham a
participar das aulas de recuperação e das atividades da bibliotecária, principalmente junto às
classes da 1ª à 4ª série. Muitos deles se interessavam pelas aulas de alfabetização e
colaboravam com os professores dando assistência aos alunos que apresentavam dificuldades
de aprendizagem.

Recebíamos, também, estagiários de outros institutos do “campus”, geralmente dos cursos de


História, Geografia, Ciências, Matemática, Português e literatura. Praticamente, era constante o
estágio de alunos da Escola de Educação Física. Devido ao fato de a escola ser pequena, não
era possível atender a todos os candidatos que passavam a ser escalonados por semestre.

Conforme as normas, no final do estágio, cada aluno entregava um relatório das atividades
desenvolvidas, incluindo-se um comentário a respeito dos aspectos positivos e negativos do
estágio e da escola. As observações feitas eram bastante pertinentes e nos ajudavam a rever
aspectos que, de fato, requeriam alterações

Entretanto, devido às alegações de que as normas de estágio apresentavam muitas restrições,


poucos professores da FEUSP procuravam a escola para a elaboração de planos de estágio para
seus alunos. As normas do estágio, aliás, constituíram a principal causa das divergências
surgidas entre o professor José Mário e o chefe do Departamento de Metodologia da FEUSP, e
que ocasionaram o pedido de demissão do professor como representante da Faculdade junto à
EA e sua proposição para um debate sobre esta escola, conforme veremos mais adiante.

Mesmo assim, na área de pesquisas e projetos de estudo, alguns professores da FEUSP


procuraram a escola e contribuíram bastante para a melhoria do ensino. A professora Ana
148

Maria Pessoa de Carvalho, por exemplo, colaborou muito na programação e na metodologia do


ensino de Física no 2º grau. A professora Heleni Mitrulis, além de fazer palestras aos
professores, participava de associações em benefício da escola. Também se contou com a
valiosa colaboração da professora Hercília Tavares de Miranda que, durante dois ou mais anos,
fez pesquisa na escola, na área de Comunicação e Expressão, e realizou um trabalho admirável
no desenvolvimento da programação de Artes e de Português. Sua presença na escola era
constante, trabalhando muito com o professor de Artes, José Joaquim Marques, mais conhecido
como Kim. Conforme já mencionamos, o que mais se salientou nas atividades desenvolvidas
pelos dois professores foi a organização e encenação de “A Ceia dos Cardeais”, de autoria de
Júlio Dantas. A peça foi adaptada por Hercília, que fez uma leitura semiótica da obra original e,
juntamente com o professor Kim, cuidou de tudo: preparação dos três alunos que representaram
os Cardeais, vestuário; cenário, iluminação, música.

Feita em homenagem ao professor José Mário, a peça foi apresentada durante uma semana e
contou com a presença dos pais, pessoal da escola e diversos convidados: professores da
FEUSP, do “campus”, da PUC e de outras instituições. Todas as apresentações contaram com o
auditório lotado. A propósito da peça, um dos Cardeais, Renato Modesto de Souza, é hoje um
grande ator de teatro.

4.10 COMENTÁRIOS

Ao relatar a história do cotidiano na Escola de Aplicação, procuramos abordar cada área


significativa de atuação – administrativa, técnica, docente, discente etc. Visamos descrever
acontecimentos do dia a dia, relacionados com os atores de cada segmento da escola: a diretora
e seus auxiliares; a coordenação técnica juntamente com a orientadora educacional e a
bibliotecária; o corpo docente, os alunos, os pais, ressaltando sempre o papel desempenhado
por eles, procurando evidenciar a forma como interagiam, de modo a desvelar as relações
interpessoais, as normas, os valores, a mentalidade reinante que, no conjunto, configuravam o
“saber da escola”, a sua cultura.

A definição claramente estabelecida de uma diretriz para a escola constituiu uma referência
sólida para assegurar, gradativamente, a coerência do trabalho pedagógico em todos os níveis
do ensino de 1ª à 8ª série. Essa coerência, por sua vez, tornou consistente o trabalho integrado
dos professores-orientadores, da orientadora educacional e da bibliotecária que se empenharam
149

junto aos professores e alunos, com vistas a um bom rendimento escolar. Evidentemente, não
se tratou de uma convivência tranquila, como foi relatado. Aliás, ocorreram muitos conflitos no
plano das ideias e, como não deveria acontecer, muitos deles foram levados para o plano
pessoal, o que dificultou a integração desejada. Quanto à aprendizagem, houve a questão da
diferença de ritmo de aprendizagem o que justificou a proposição de aulas de reforço e de
recuperação durante todos os anos letivos aos alunos que requeriam assistência.

Ainda, o fato de a escola funcionar mediante uma diretriz possibilitou a identificação de acertos
e de desacertos, o que propiciava tanto a manutenção quanto o redirecionamento do trabalho
pedagógico. Outro aspecto que não pode ser desconsiderado é o de que a rotina de uma escola é
sempre dinâmica, estando sujeita a divergências, a conflitos internos. No caso da Escola de
Aplicação, esta situação requeria muito diálogo sem qualquer intento de persuasão mas, pelo
contrário, dando-se primazia aos argumentos lógicos. Conforme orientação do professor José
Mário, as divergências, ao contrário das convergências, podem constituir excelentes
oportunidades de crescimento pessoal e intelectual, e mesmo de melhoria do que, até então,
fosse considerado bom e correto.

Devido ao empenho de todos na aprendizagem dos alunos e dos resultados obtidos, a escola foi
ganhando um bom conceito. Tanto que os pais não mediram esforços para a implantação do
ensino médio, então, ensino de 2º grau.
150

CAPÍTULO V
ESCOLA DE APLICAÇÃO: 1983-1986

No período de 1976 a 1982, a gestão da Escola de Aplicação esteve a cargo da professora


Ondina Gertrudes Annichino de Campos que, no final de 1982, pediu demissão.. Por este
motivo, assumimos a Direção da EA, no início de 1983, a convite do professor José Mário
Pires Azanha, com aprovação da Direção e da Congregação da FEUSP. Apesar dessa mudança,
foi mantida a forma de organização e de funcionamento da escola, conforme a orientação geral
dada por Azanha. Assim, o ano letivo de 1983 transcorreu normalmente. Entretanto, no ano
subsequente, iniciou-se um processo de “crise” na Escola de Aplicação que, como veremos, foi
cogitada até de extinção.

Neste capítulo descrevemos o contexto da situação, em 1984, em que se questionou a


continuidade da Escola de Aplicação, ao mesmo tempo em que se iniciou um movimento em
prol da implantação do ensino médio na escola. Em seguida, procuramos esclarecer os motivos
que levaram José Mário Pires Azanha a tomar a decisão de realizar um debate sobre a Escola
de Aplicação.

5.1 1984: A ESCOLA DE APLICAÇÃO EM CRISE

Em 1984, ocorreu um movimento de pais de alunos e de alguns professores com vistas à


implantação do ensino médio, então ensino de 2º grau, na Escola de Aplicação, dando-se,
assim, continuidade ao ensino fundamental.

Entretanto, o reitor da USP, Professor Doutor Antonio Helio Guerra Vieira já havia enviado um
ofício ao diretor da FEUSP, conforme segue:

São Paulo, 12 de julho de 1984. Senhor Diretor [...] Consulto Vossa Excelência e os
órgãos próprios da Faculdade de Educação sobre o interesse da Faculdade em manter
a Escola de Aplicação, para suas atividades de ensino e pesquisa, como também
sobre as atividades dessa natureza, baseadas na Escola, que tenham sido
desenvolvidas até esta data. Consulto também sobre a alternativa dessas mesmas
atividades serem desenvolvidas em escola pública de rede estadual, mediante
convênio com a Secretaria da Educação. Valho-me do ensejo para renovar-lhe
protestos de elevada estima e distinta consideração.
151

A propósito desse ofício e de problemas internos surgidos na FEUSP, no dia 16 de outubro de


1984 realizou-se a 8ª reunião extraordinária na sala da Congregação da Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo, sob a presidência do diretor da FEUSP, Professor Doutor
Heládio César Gonçalves Antunha, com a presença dos professores: Alexandre Augusto
Martins Rodrigues, Celso de Rui Beisiegel, Roberto Moreira, Nélio Parra, Hercília Tavares de
Miranda, Roseli Fischmann, Maria do Rosário Silveira Porto e José Mário Pires Azanha, como
representante da Faculdade junto à Escola de Aplicação. O diretor informou que o motivo da
reunião decorria da dificuldade que estava encontrando para dar andamento às propostas de
solução dos problemas que a Escola de Aplicação vinha enfrentando. Esclareceu que se tratava
de divergências de pontos de vista, o que tornava difícil resolver as questões sem o amparo da
Congregação. Essas divergências consistiam na falta de um consenso entre os congregantes
quanto ao terceiro objetivo da Escola de Aplicação, que era o de oferecer estágios e servir de
campo de estudos e pesquisas, respectivamente aos alunos e professores da FEUSP.

O assunto era realmente bastante discutível, uma vez que este objetivo não vinha sendo
alcançado de forma plena, o que indicava a necessidade de melhor entrosamento entre as duas
instituições, apesar de que as normas de estágio tenham sido aprovadas pela Congregação da
FEUSP, após consultas ao corpo docente e aos chefes dos Departamentos da Faculdade. Por
outro lado, como vimos, o reitor da Universidade enviara ofício ao Diretor da FEUSP em que
questionava a manutenção e mesmo a existência da Escola de Aplicação, uma vez que lhe
parecia não se justificar uma escola primária na Universidade, principalmente porque ela não
propiciava pesquisas e estudos científicos e gostaria que a Direção da FEUSP ratificasse ou não
esse parecer. O reitor esclareceu que estava apenas emitindo seu ponto de vista, portanto
aguardaria o parecer da Congregação da FEUSP.

Neste caso, a questão já se configurava em termos da continuidade ou não da Escola de


Aplicação. E o diretor esclareceu que a Congregação deveria tomar uma decisão que
representasse o pensamento da Faculdade. O professor Alexandre Augusto Martins Rodrigues
indagou sobre o papel exato que a Escola de Aplicação desempenhava para a Faculdade como
instituição universitária, no sentido de auxiliar a pesquisa e o ensino. O professor José Mário
Pires Azanha (Ata da Congregação, Livro 14, vol. 3, 1984, p. 767-68) esclareceu:

No documento que o Professor Heládio enviou ao Reitor, há um trecho em que se


tenta exatamente dar uma resposta a essa pergunta, primeiro fazendo referência à
função institucional da Escola, em termos dos seus fundamentos legais. Depois, há
152

uma transcrição dos objetivos da Escola em que fica esclarecido que, dentre os
objetivos da aplicação e avaliação de métodos educacionais, está o de servir de
campo de estudo a professores e de estágio a alunos da FEUSP. Há uma referência a
como esses objetivos têm sido alcançados nos últimos anos, mostrando a sua
vinculação com outras instituições, inclusive com a Secretaria de Educação do
Estado de São Paulo. Trata-se de uma Escola de Aplicação, que ao mesmo tempo é
uma escola aberta a pesquisa e a estágio, não é em si própria uma escola
experimental, estando mais próxima a uma escola comum da rede pública do Estado.
Tem prestado certo tipo de colaboração, poderia prestar um tipo mais amplo.

A professora Hercília Tavares de Miranda informou que fazia pesquisas na Escola de


Aplicação já há dois anos, trabalhando com os professores da área de Comunicação e
expressão. E acrescentou que, além de ser uma boa escola muito próxima da realidade, a Escola
de Aplicação era rica em termos de experiência dos professores em busca de metodologia, o
que não deixava de ser um campo rico também para pesquisa.

O professor Nélio Parra afirmou que os méritos da Escola de Aplicação eram suficientemente
comprovados, mas ele acreditava que, em parte, a reação do reitor se devia ao relacionamento
da Escola de Aplicação com a Faculdade de Educação, sendo que, em seu ver, esse
relacionamento era bem fraco e que alguma coisa devia ser feita para que ele se estreitasse.
Acrescentou ser necessário estudar formas de relacionamento maior, de tal maneira que a
Faculdade pudesse aproveitar mais de todos os benefícios que a escola poderia oferecer e
aproveitar mais os serviços da Faculdade.

A propósito deste parecer, o professor José Mário Pires Azanha (Ata da Congregação, Livro
14, vol 3, 1984, p. 769) fez o seguinte comentário:

Com relação às observações do Professor Nélio Parra, gostaria de dar um depoimento


pessoal. Como professor da Faculdade penso que o relacionamento da Faculdade de
Educação com a Escola está previsto num conjunto de normas referentes ao estágio,
aprovadas por uma Comissão, e repito, pela milésima vez, para professores da casa
que não sabem, normas essas elaboradas por Comissão Interdepartamental e
aprovadas pela Congregação. No âmbito dessas normas, a questão de estágio é
equacionada para que a presença do estagiário não seja um prejuízo para o ensino na
própria escola, Alguns professores têm conseguido, com competência, dedicação e
esforço estabelecer esse relacionamento com a escola, até lhe dando uma
contribuição, como é o caso das Professoras Hercília Tavares de Miranda, Eleny
Mitrulis e de vários outros. Outros professores da Faculdade, por razões que não me
cabem, têm, sistematicamente, feito críticas às normas a respeito do estágio da
Faculdade achando-as restritivas. Essas normas são restritivas no seguinte ponto: para
que haja um estágio na escolinha, não é suficiente mandar o aluno, é necessário que o
professor entre em entendimentos com a orientação técnica da escola e que se
organize um plano de estágio. Mas, mesmo assim, levando em conta que a
Congregação é soberana para rever essas normas de estágio – como, aliás, foi
levantado no Congressinho da FEUSP – e adequá-las de tal forma que o recipiente
tenha o conteúdo que deve ter. Quero dizer, aquilo que cabe à escola como iniciativa,
isto é, insistir na sua utilização como campo de estudo e observação, esgota até o
153

limite da sua competência, mais seria impertinência. Sistematicamente, no início de


cada ano, por ocasião da época de planejamento, da época de rediscussão da
programação, a escola faz um convite formal a todos os Departamentos da
Faculdade, e mais ainda, a todas as Unidades da Universidade que teriam
colaboração a dar. O que conseguimos perceber? Percebemos que nessas ocasiões
vêm professores de todas as Unidades da USP, às vezes um ou dois da Faculdade de
Educação. De modo que a minha opinião a respeito do relacionamento Escola de
Aplicação e Faculdade, é que a FE, como Instituição, a não ser por um ou outro de
seus docentes, não utiliza uma potencialidade de trabalho que aí está.

Na 9ª Reunião Extraordinária da Congregação, sob a presidência do Professor Doutor Heládio


Cesar Gonçalves Antunha e a participação dos mesmos professores, o diretor disse que a
reunião tinha o objetivo de dar notícias a respeito de um encontro da Comissão da Congregação
com o reitor sobre os assuntos relacionados com a Escola de Aplicação. A professora Hercília
Tavares de Miranda relatou que o reitor esperava, de imediato, uma decisão quanto à prioridade
em relação à verba que fora destinada à Faculdade de Educação para a reforma dos blocos “A”
e “B”, acrescentando que a ampliação da Escola de Aplicação seria decidida pela Faculdade de
Educação. O professor Celso Rui Beisiegel informou que o reitor deixara claro não ter nada
contra a Escola de Aplicação e que as decisões a respeito dela ficariam por conta da FEUSP. O
professor José Mário Pires Azanha, que também fizera parte da Comissão, disse que relatara ao
reitor o desenvolvimento dos estágios junto à Escola de Aplicação, citando como exemplo a
participação do Instituto de Matemática e Estatística. O professor Alexandre Augusto Martins
Rodrigues relatou que – a partir de informação dada na reunião a respeito de um projeto a ser
elaborado pela Faculdade de Educação para aproveitamento da rede estadual nas escolas
vizinhas da USP, incluindo-se também as licenciaturas – o reitor mostrara-se favorável a
encontrar verba para a implantação do 2º grau. O diretor lembrou que o professor José Mário
Pires Azanha estava elaborando um anteprojeto, voltado para assessoria técnica à rede de
escolas.

Após descrever o projeto das reformas relativas às dependências da FEUSP, o professor Celso
Rui Beisiegel demonstrou que seria possível instalar o 2º grau na Escola de Aplicação, já a
partir de 1985. A professora Roseli Fischmann observou que seria necessário operacionalizar
os seguintes pontos: 1º) a implantação do 2º grau; 2º) a criação de um grupo de trabalho para a
elaboração de um anteprojeto de aprimoramento das funções de docência e pesquisa na Escola
de Aplicação, especialmente junto ao 2º grau e 3º) a designação de um grupo de trabalho para a
elaboração de outro anteprojeto a ser apresentado à Congregação para a realização da
interligação da Faculdade de Educação com as escolas da rede oficial de ensino. Neste último
154

caso, como mencionado, o professor José Mário Pires Azanha já iniciara a redação deste
anteprojeto.

Em face do que foi lido nas atas das reuniões, inclusive das atividades desenvolvidas pela
Congregação, especialmente no decorrer do ano de 1984, pudemos constatar uma série de
aspectos. Em primeiro lugar, salientam-se o esforço e a dedicação dos membros da
Congregação, sob a presidência do diretor da FEUSP, no sentido de manter a Escola de
Aplicação que já funcionava em nível de 1º grau (ensino fundamental) e de implantar, a partir
de 1985, o curso de 2º grau (ensino médio). Também se destaca a valiosa participação da
Comissão de Pais e do professor José Mário Pires Azanha que se dispuseram a assumir
compromissos e a escrever os documentos necessários em prol da Escola de Aplicação. Deve-
se, ainda, ao professor Azanha a elaboração do Projeto de 2º grau que, segundo o Conselho
Estadual de Educação, serviria de modelo para todas as escolas do Estado de São Paulo. Ainda
no que se refere à Escola de Aplicação, salienta-se o profícuo trabalho da Comissão,
especialmente do Professor Doutor Celso Rui Biesegiel, encarregado de acompanhar as
reformas necessárias na FEUSP, sem perder de vista a solução para o funcionamento do curso
de 2º grau. A propósito, este professor assim se manifesta num relatório:

A Escola de Aplicação, com auxílio dos pais de alunos e mediante redistribuição de


algumas atividades em suas atuais dependências, já preparou duas salas de aula e já
conta com instalações para as práticas de laboratório disponíveis para o
funcionamento do Ensino de 2º grau, em 1985. Assim, em 1985 a Escola poderia
iniciar o funcionamento do 2º grau sem recorrer a novas instalações. Em 1986, as
duas classes de 2º grau promovidas para a 2ª série necessitarão de duas salas de aula.
Em 1987, seriam quatro as novas salas de aula necessárias. Ora, por tudo o que já foi
visto nas considerações anteriores, em 1986 e 1987 não faltarão nesta Faculdade os
espaços necessários para possibilitar o funcionamento do 2º grau na Escola de
Aplicação. Sob o ponto de vista das instalações, o Ensino de 2º grau poderá ser
iniciado em 1985, sem desrespeito às orientações estabelecidas pelo Magnífico
Reitor.

No mês de dezembro de 1984, o diretor da Faculdade de Educação, Professor Doutor Heládio


César Gonçalves Antunha (Ata de Reunião, Livro 14, vol. 3, 1984, p. 806-807) enviou um
ofício ao reitor da USP, Professor Doutor Antonio Hélio Guerra Vieira, de que transcrevemos
trechos em que são feitas referências à Escola de Aplicação:

Magnífico Reitor:

Meu mandato na Diretoria da Faculdade de Educação encerra-se no próximo dia 09


de dezembro. É, pois, tempo de balanço, de avaliação, de prestação de contas e de
perspectivas para o futuro. [...] Dentre as iniciativas em que se encontra vivamente
empenhada a FEUSP merece especial realce o papel da E.A. como campo
privilegiado para a realização de estudos e pesquisas de interesse da Universidade de
155

São Paulo e da comunidade em geral. Embora reconhecendo em tese o respeitável


argumento de não ser atribuição ou obrigação da Universidade a manutenção de
ensino de 1º e de 2º grau, a verdade é que a E.A. está aí e há muito tempo (grifos do
autor) servindo à FEUSP e servindo a um expressivo número de crianças.

A E.A. tem sofrido críticas de professores e servidores da USP, que não se


conformam com o processo adotado para a seleção dos alunos das classes iniciais.
Por falta de vagas, a E.A. serve apenas a um grupo reduzido de crianças sorteadas.
[...] Em carta de 12 de junho p.p., Vossa Magnificência consultou-me sobre o
“interesse da Faculdade em manter a Escola de Aplicação para as atividades de
ensino e pesquisa”. Já na entrevista que Vossa Magnificência concedeu a “O Estado
de São Paulo” (edição 09/09 p.p.) parece haver dúvidas sobre o alcance pela Escola
de Aplicação dos seus próprios objetivos, o que originou mobilização de pais de
alunos, que em recente assembléia geral votaram providências destinadas a
desenvolver campanha para a continuidade da E.A. e a implementação, em 1985, do
curso de 2º grau (grifo ao autor).

Após informar que a Escola de Aplicação é uma instituição prevista no § 2º do Artigo 9º do


Regimento da FEUSP, nos termos do parágrafo único do artigo 146 do Regimento Geral da
USP, o diretor (ob. cit., p.655-656) descreveu os objetivos da E.A.:

I – proporcionar escolaridade em nível de 1º grau, respeitando o que dispõe o artigo


1º da lei Federal 4024/61 e os artigos 1º e 17 da Lei Federal 5692/71;
II – aplicar e avaliar métodos educacionais previstos no Plano Escolar Anual;
III – servir de campo de estudo a professores da FEUSP e de estágio a alunos da
FEUSP nas condições previstas no Plano Escolar Anual.

O diretor continua o ofício (idem, ibidem) nos seguintes termos:

quanto ao 1º objetivo é forçoso reconhecer que os resultados obtidos ao longo dos


últimos anos já firmaram reputação notória da E.A. quanto à excelência de seus
padrões de ensino. Não há, no caso, apenas a expressão de uma opinião pessoal, mas
também notícias sistemáticas do sucesso dos egressos da E.A. em outras escolas,
como ainda as contínuas solicitações de colaboração da E.A.em projetos da
Secretaria da Educação de São Paulo, Mato Grosso, Universidade Federal de Mato
Grosso e Prefeitura de Belém, além de várias escolas da rede estadual e particular.
Acrescente-se ainda que, anualmente, a FEUSP encaminha relatório das atividades da
E.A. ao Conselho Estadual de Educação, órgão que no sistema estadual deve avaliar
empreendimentos do gênero.

Na sequência do ofício, o diretor faz uma explanação a respeito do segundo objetivo que deixa
de ser aqui transcrita porque já foi apresentada neste trabalho, no item Projeto de Alfabetização.

O diretor faz menção ao estágio e a pesquisas na Escola de Aplicação que, de fato, constituíram
a causa principal das divergências entre um dos congregantes, professor Nélio Parra, e Azanha
por ocasião da justificativa da permanência da E.A. junto ao reitor. A propósito deste assunto o
diretor (ob. cit., p.658) argumenta:
156

Quanto ao 3º objetivo, servir de campo de estudos, a E.A. tem oferecido


oportunidades não apenas aos professores da FEUSP como também aos de outras
unidades da USP, como por exemplo, Instituto de Psicologia, Instituto de Química,
Escola de Educação Física, Faculdade de Medicina, Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas (Curso de Letras).
Na parte relativa a estágios de alunos, forçoso é reconhecer que, pelas próprias
dimensões físicas da escola, o atendimento está restrito quase que apenas a alunos
das diversas habilitações da FEUSP. Os demais licenciandos são obrigados, na maior
parte das vezes, a recorrer a outras escolas para seus estágios. Embora essa situação
possa parecer negativa é importante assinalar que o estágio de alunos da Pedagogia é
muito diferenciado pois, destina-se, principalmente, a futuros orientadores, diretores
de escola e supervisores, isto é, a futuros dirigentes da rede de ensino.

O diretor dá continuidade ao ofício com abordagem acerca da implantação do curso de 2º grau


em 1985. Contextualiza a situação da época no que se refere ao ensino de 2º grau que, com a
emergência da Lei Federal n. 7.044, passou por profundas alterações, especialmente no que se
referia à filosofia e organização desses ramos de ensino em todo o território nacional. Como
essa Lei tornou a organização do ensino de 2º grau bastante flexível, reabriram-se as discussões
a seu respeito, sendo que as próprias Secretarias de Educação se mostraram hesitantes quanto
às possíveis organizações desejáveis. Em seguida, é abordada a proposição de uma instituição
de assessoria técnica em Educação mediante a qual a Faculdade de Educação e a Escola de
Aplicação poderiam contribuir para a melhoria das escolas públicas, sediadas na vizinhança da
USP. O diretor (ob. cit., p.659-660) justifica esta proposição:

[...] Não tenho dúvida de que a execução de um projeto dessa natureza pode
beneficiar amplamente a Universidade e a região que a circunda, além de que poderia
também oferecer um campo novo para organização dos cursos de licenciatura em
novas bases. [...] Nessas condições, não apenas seria possível ampliar o alcance da
experiência da E.A. como também criar uma dimensão integradora do trabalho dos
Departamentos desta Faculdade e de outros institutos interessados. [...] Nesse sentido,
tomo a liberdade de sugerir a Vossa Magnificência a continuidade e a consolidação
dos projetos de (1º) manutenção e desenvolvimento da Escola de Aplicação de 1º
grau; (2º) e de implantação do 2º grau no início de 1985. Ao mesmo tempo, peço a
Vossa Magnificência sua especial atenção à sugestão vinda da própria Escola de
Aplicação – e por mim encampada – de instituição da Assessoria Técnica em
Educação.

* * *

Vimos, no decorrer do relato da situação da Escola de Aplicação, que ela correu o risco de até
mesmo ser extinta, conforme se manifestou o o reitor da USP. Diante deste fato, o diretor da
Faculdade realizou uma série de reuniões da Congregação para discutir tanto a continuidade do
ensino fundamental quanto a implantação do ensino médio na Escola de Aplicação. Na
primeira reunião da Congregação a respeito do assunto, o diretor da FEUSP deixou claro que a
157

necessidade dessa reunião decorria, entre outros fatores, de divergências de ponto de vista. Na
verdade, essas divergências referiam-se a sérios desentendimentos entre os professores Nélio
Parra e José Mário Pires Azanha. Este fato, aliás, constituiu o verdadeiro motivo do pedido de
demissão do professor José Mário Pires Azanha da representação junto à Escola de Aplicação
e, mais ainda, da sugestão deste professor para pôr a EA em debate. Embora extensas,
entendemos ser importante transcrever as cartas trocadas entre esses dois professores, que as
encaminharam à Congregação para serem lidas em suas reuniões, conforme consta na Ata da
Congregação de 1984, no Livro 14, volume 3, à página 767-806. Veja a seguir.

Carta do professor José Mário enviada ao Diretor da FEUSP para ser lida
na reunião da Congregação:
São Paulo, 17 de outubro de 1984. Senhor Diretor. Desde 1976 venho
colaborando, com exceção de um ano, com a Escola de Aplicação na condição
de representante da Direção da FEUSP. Ao longo desse tempo, tive a satisfação
e o orgulho de participar, ainda que em grau menor, do excepcional esforço da
Direção e dos professores da EA no sentido de fazer de uma escola, que se dizia
então falida, uma instituição educacional respeitada por todos pelo alto padrão
de ensino. Creio ser esta a condição essencial justificadora da existência de uma
escola de aplicação. Neste momento, porém, a EA e a FEUSP enfrentam um
novo desafio, pois, a propósito da implantação do curso de 2º grau, o próprio
Reitor levanta dúvidas não só a respeito da necessidade do novo curso como
também sobre a conveniência de manter o atual curso de 1º grau. Em face dessa
situação e para examiná-la, V.Exa.. houve por bem convocar reunião da
Congregação, realizada em 16 p. p., a que compareci na qualidade de
convidado. No transcorrer dessa reunião, quando se discutia proposta de
solicitação de uma audiência do Senhor Reitor para os Membros da
Congregação, o Professor Nélio Parra (Chefe do Departamento de Didática)
manifestou-se afirmando não ter condições pessoais de defender a escola de
aplicação por discordar do relacionamento dessa instituição com a FEUSP.
Ora, esse relacionamento é disciplinado basicamente por dois documentos, a
saber, o Regimento da EA e as Normas de Estágios, ambos aprovados pela
própria Congregação e reformáveis a qualquer tempo em face de propostas
mais interessantes. Até hoje, não obstante comentários esparsos, às vezes
depreciativos, e apresentados até mesmo em salas de aula, nenhuma proposta de
alteração foi formulada, nem mesmo quando houve solicitação formal sobre o
assunto por ocasião dos estudos sobre o 2º grau. Apesar da surpresa com que
ouvi a declaração do Professor Nélio Parra, sabedor do que acima está dito,
abstive-me no momento de iniciar polêmica em respeito ao Colegiado de cuja
reunião de que participava como simples convidado. Neste momento, contudo,
158

sinto-me à vontade para apresentar e solicitar o que segue: 1. A manifestação


do Professor Nélio Parra ocorreu em reunião formal de Congregação e como
tal constitui-se em fato concreto inarredável, impossível de ser ignorado pela
Congregação. Além disso, veicula denúncia implícita e grave de que a EA falhou
como escola de aplicação a tal ponto que é indefensável frente a críticas e
eventuais tentativas de promover a sua desativação. 2. Evidentemente, denúncia
desse tipo, proferida no ambiente em que foi enunciada, tem que ser
rigorosamente apurada para que se tomem em seguida providências corretivas e
saneadoras. Quero crer que não se trata apenas da questão de estágios e de
colaboração no planejamento de atividades porque estas facilmente poderiam
ser ajustadas em face de propostas objetivas e consentâneas com os
superiores interesses do ensino na EA. As palavras do Professor Nélio Parra
sugerem mais: a ausência de uma sólida concepção do que deve ser e de
como deve ser organizada uma autêntica escola de aplicação. 3. Permito-me,
portanto, sugerir a V.Exa., bem como à Congregação, que se constitua, de
imediato, comissão presidida pelo referido professor ou por elemento por
ele indicado para preparar relatório que, no mínimo, abranja os seguintes
pontos: a- A idéia de uma autêntica escola de aplicação. B – Crítica da
EA a partir dessa idéia. C – Reformulação de regimento, normas de estágios
e de outros aspectos necessários à reorientação pretendida. 4- A rejeição da
minha sugestão seria lamentável porque significaria, no fundo, que a
manifestação do referido professor foi apena s ato de leviandade que
convém não levar em conta. Confiado no tirocínio de V. Exa. e no espírito
público dos demais membros da Congregação, aguardo que o assunto seja
encaminhado segundo os superiores interesses da instituição e segundo as
normas acadêmicas usuais até mesmo em questões de menor monta. Creio,
ainda, ser dispensável reafirmar a V. Exa. que declino da distinção que me foi
feita na designação como representante da Direção junto à EA. Isto me parece
essencial para que os estudos que preconizo recebam apenas o influxo das
ideias renovadoras que, certamente, conduzirão a EA ao padrão que,
involuntariamente, posso ter de algum modo impedido. Na certeza de que esta
carta tenha a mesma audiência que a manifestação do professor Nélio Parra,
apresento-lhe os meus cumprimentos. Ass. José Mário Pires Azanha,
Representante da Direção da FEUSP junto à EA. Exmo. Sr. Prof. Dr. Heladio
Cesar Gonçalves Antunha. DD. Diretor da FEUSP.

Ainda na mesma reunião em que foi lida a carta de Azanha, o Professor Nélio Parra pediu a
palavra para assim se manifestar:
159

[...] não queria trazer esse assunto, porque pensei que ficaria no aspecto pessoal, mas
no dia seguinte à última Congregação, por volta das 11:00 horas fui interpelado no
saguão da Faculdade, no meio de alunos da pós-graduação, orientandos meus – pelo
Professor José Mário Pires Azanha, que sem qualquer preliminar, num estado de
nervos impressionante, usou os piores nomes de baixo calão, num tom exacerbado.
Insisti com ele para irmos à sua sala, querendo explicar o que houve, qual foi a razão,
mas não tive chance nenhuma e esta carta vem demonstrar as dificuldades que temos
na Faculdade para que ideias divergentes possam ser discutidas num ambiente
acadêmico. Não é uma posição minha que deve provocar esse tipo de reação. Eu ser
ofendido moralmente, em altos brados no saguão da Faculdade, na presença de
diversos alunos? É muito simples e normal, em colegiados, a discordância e
argumentações. Isso é mais uma evidência de que diversas vezes tentei conversar
sobre o relacionamento da Escola de Aplicação e Faculdade de Educação e tive esse
tipo de reação. Uma reação fechada, como se fosse um assunto indiscutível. Acho
que é minha opinião e, não a opinião da Congregação; estávamos conversando aqui,
foi uma opinião lançada, uma impressão que tenho no momento, que de maneira
alguma merecia esse tipo de reação. Mas é a dificuldade que temos nessa Faculdade,
por parte de alguns professores, em dialogar. Alguns perderam o costume de ouvir
opiniões divergentes. Eu sinto muito ter sido também sem qualquer intenção de
ampliar mais as discussões. Simplesmente estávamos conversando abertamente,
trocando opiniões. Mas foi um fato lamentável e presenciado por muita gente.

Na 137ª. Reunião Ordinária da Congregação da Faculdade de Educação da USP, o


diretor solicitou a leitura de documento (In: Ata da Congregação, 1984, Livro 14, vol. 3, p.782-
784) de autoria do professor Nelio Parra em resposta à carta do professor José Mario Pires
Azanha a respeito do desentendimento entre ambos, por divergências quanto aos objetivos da
Escola de Aplicação. Segue o documento transcrito.

Carta do professor Nélio Parra enviada ao Diretor da FEUSP em


resposta à carta do professor José Mário de 18/10/84

São Paulo, 22 de outubro de 1984, Senhor Diretor. Vejo-me


constrangido, em razão dos termos do ofício enviado pelo Professor José
Mário Pires Azanha e lido na última reunião da Congregação (18/10/84)
a expor a V. Exa. e demais membros deste Colegiado, o que segue: No
dia seguinte ao da penúltima Congregação (16/10/84) cerca das 11 horas
da manhã, no saguão da FEUSP fui, sem qualquer preâmbulo,
argumentação ou pedido de esclarecimento, destratado pelo Professor
José Mário Pires Azanha de uma forma que prefiro não reproduzir neste
documento. Apesar do descontrole emocional do citado professor,
consegui depreender que tal comportamento fora motivado por
pronunciamento que eu fizera na sessão da Congregação em que se
tratou da Escola de Aplicação. O respeito e a admiração que sempre
dediquei ao Professor José Mário Pires Azanha levaram-me a sobrelevar
o incidente, buscando outras explicações ao fato, que não a mera
160

existência de pontos de vista divergentes, na certeza de que, passada a


‘tempestade’ do momento, discutiríamos nossos desacordos num clima
mais compatível com o ambiente acadêmico. Devo lembrar que em outras
ocasiões, quando tentei analisar o assunto ‘Escola de Aplicação’, com o
Professor José Mário Pires Azanha, a sua reação, se bem que não tenha
atingido o nível desta última, não foi, em absoluto, animadora. Entre
manter uma amizade a mim muito cara e insistir na análise do problema
em questão, pondo em risco a primeira, optei pela amizade. O acontecido
agora evidencia que o meu receio não era infundado. Entretanto, e daí a
razão principal desta manifestação, no dia seguinte ao do deplorável
ocorrido, fui surpreendido com a leitura do ofício do professor José
Mário Pires Azanha a V. Exa., onde é dada a interpretação parcial à
minha intervenção da Congregação em tela. Sinto-me, pois, obrigado,
funcional e moralmente, a prestar os esclarecimentos seguintes que
reputo importantes para a compreensão dos fatos. O relato, ainda que
sucinto, da atmosfera das sessões da Congregação (dias 16 e 18/10/84)
quando se discutiu o grave problema colocado pelo Senhor Reitor a V.
Exa., a respeito da continuidade ou não da Escola de Aplicação, é
fundamental, principalmente para os que pretendem julgar o conteúdo e
as intenções dos diversos pronunciamentos dos senhores membros deste
Colegiado. A fidelidade desta exposição poderá ser verificada através
das gravações das fitas magnéticas destas reuniões. A surpresa e a
perplexidade dos membros da Congregação ante a proposta da Reitoria
de desativação da Escola de Aplicação geraram manifestações diversas
onde da busca de explicações saltava-se à discussão de estratégias para,
logo em seguida, voltar-se ao ponto inicial. Neste caminhar em círculo,
dois pontos foram por todos aceitos: 1) A preservação da Escola de
Aplicação cujos méritos são inquestionáveis e, 2) a não concordância
com uma sobrecarga ao já insuficiente orçamento da FEUSP. Em certo
momento foi sugerido um encontro dos membros da Congregação com o
Senhor Reitor, para tentar esclarecer o problema. Perguntas bastante
pertinentes formuladas pelo Professor Dr. Alexandre Augusto Martins
Rodrigues aos membros da Congregação, a respeito do papel atual da
Escola de Aplicação nas atividades da FEUSP, revelaram-se de difícil
resposta. Tal fato, diga-se de passagem, repetiu-se na reunião seguinte,
de 18/10/84, quando novamente o Professor Dr. Alexandre levantou a
hipótese de que, talvez, respostas claras, bem fundamentadas sobre o
relacionamento da Escola de Aplicação com a Faculdade devessem
constituir o argumento forte em um possível encontro com o Senhor
Reitor. Nesta oportunidade, assim como os demais colegas, manifestei
161

meu ponto de vista, externando informações sobejamente conhecidas e


admitidas, a respeito do pequeno intercâmbio entre as duas entidades em
questão. Acredito ter sido até cansativo ao insistir que não estava
interessado em buscar possíveis culpados para o fato, mas sim em
dialogar, em outras circunstâncias, para em conjunto resolver a situação.
Ao longo dos debates afirmei que em uma hipotética entrevista da
Congregação com o Senhor Reitor, eu não teria condições morais de, se
questionado diretamente, afirmar que, em razão do uso que a FEUSP faz
atualmente da Escola de Aplicação, esta se justificaria quanto
‘laboratório de ensino’. Em certo momento desta discussão, o Professor
José Mário Pires Azanha retirou-se da reunião. Na troca de opiniões em
que se seguiu e se prolongou na reunião seguinte, pude concluir e
justificar o meu pronunciamento anterior: não deveríamos correr o risco
de manter um contato com o Senhor Reitor, antes que tivéssemos firmado
uma posição bem definida quanto ao papel de uma Escola de Aplicação
para uma Faculdade de Educação, que não era este o momento para se
discutir se o atual relacionamento entre estas duas entidades era bom ou
não. O que importava agora era manter em funcionamento a ‘escolinha’.
Como disse antes, a gravação em fita magnética pode comprovar as
afirmações aqui expostas que, diga-se de passagem, foram esposadas
pela maioria dos membros da Congregação. O objetivo era claro: dar
mais peso ao argumento da necessidade de um ‘laboratório de ensino’
(Escola de Aplicação) para a FEUSP. O acompanhamento apenas
parcial das reuniões da Congregação onde se discutiu a Escola de
Aplicação pode, em parte, explicar o comportamento do professor José
Mário Pires Azanha, que relatei no início e também o nível de sua
interpretação, exposta no ofício mencionado, interpretação que vai além
das limitadas informações de que dispunha, de vez que não participou de
toda a discussão. A acusação de leviandade levantada em seu ofício,
pois, deve ser redirecionada. Senhor Diretor, não poderia encerrar este
ofício sem manifestar o meu profundo respeito a todos os membros da
Congregação que em que pesem o clima preocupante que nos envolve e o
esforço exigido em sessões quase que permanentes, tentaram, com a
máxima boa vontade, compreensão e respeito mútuo, encontrar uma
maneira adequada e compatível com o nível das partes – Reitoria e
Congregação – para solucionar o grave problema com que se defronta a
FEUSP atualmente. Um ambiente desta natureza, de discussão livre e de
respeito às ideias divergentes, é básico à sobrevivência de uma
instituição. É nestas circunstâncias de ‘crise’ que, principalmente, os
ideais mais altos da Faculdade devem prevalecer acima de quaisquer
162

discordâncias ou desentendimentos que possam ocorrer em nível das


pessoas. Solicitando de V. Exa. a gentileza de que este ofício seja lido e
incluído na Ata da próxima reunião da Congregação, reitero-lhe os meus
mais atentos cumprimentos. Ass.: Nélio Parra. Chefe do Departamento
de Metodologia do Ensino e Educação Comparada.

A carta do Professor Nélio Parra deu ensejo à nova resposta do Professor José Mário. Segue o
ofício (In: Ata da Congregação, 1984, Livro 14, vol. 3, p.740-43) transcrito.
163

Ofício do Professor José Mário Pires Azanha ao Professor Nélio Parra


(com cópias para os Membros da Congregação da FEUSP).

São Paulo, 25 de outubro de 1984.


Senhor Professor
Não era minha intenção retomar o assunto de sua conduta na reunião da
Congregação, realizada em 16 p.p.. Minha carta ao Diretor da FEUSP havia,
para mim, encerrado o episódio. Nessa carta não há nenhuma ofensa ao
senhor. Apenas frisei nela que se a Congregação não constituísse a comissão
que sugeri para examinar suas considerações sobre a escola de aplicação, isso
equivaleria na prática a tomá-las como levianas. Textualmente, eu disse: “A
rejeição de minha sugestão seria lamentável porque significaria, no fundo, que
a manifestação do referido professor foi apenas ato de leviandade que convém
não levar em conta.” Continuo a pensar assim.
Contudo, o senhor sentiu-se agravado, não pela Congregação que não
constituiu a comissão sugerida, mas, por mim e apressou-se em escrever
também ao Diretor da FEUSP expondo a sua versão do episódio. Não se
limitou, porém, aos fatos e investiu pesadamente contra a minha pessoa. O
perfil que me traça é inteiramente negativo sem nenhuma atenuante. Retrata-
me como impulsivo, grosseiro, avesso à discussão, intolerante e além de tudo
leviano, pois teria feito afirmações sobre fatos que não conhecia
completamente. Confesso-lhe que nunca fui julgado tão severamente e com tal
furor. De minha atuação nesta Faculdade, segundo sua carta, nada sobra de
positivo.
Permita-me, pois, retomar alguns pontos da referida carta, não para
justificar-me, mas apenas para a justa memória das coisas.
1 – Em primeiro lugar, não o abona academicamente o uso desenvolto que
faz da falácia “argumentum ad hominem”, dirigindo o ataque ao homem na
esperança de assim desvalorizar suas ideias e posições. Tal prática, usual na
imprensa marrom, é essencialmente astuciosa. Confesso-lhe que em minha
longa vida de serviços públicos, provada em situações difíceis, apenas algumas
vezes defrontei-me com tal procedimento. É um tipo de argumento
retoricamente eficaz porque aposta na turvação das águas. V.Sa. usou dele
quando, desconsiderando inteiramente minha modesta mas efetiva contribuição
aos trabalhos da EA , procurou confundir minha austeridade no serviço
público com carranca, mau humor, irascibilidade etc.. Não lhe será difícil
obter êxito no exercício dessa prática. Minha figura física facilitar-lhe-á a
tarefa.
164

2 – Segundo os termos de sua carta, eu teria agido levianamente porque fui


precipitado em afirmar coisas sem conhecimento completo do que ocorrera em
reuniões da Congregação a que não assisti. Repilo a injúria por duas razões. Em
primeiro, porque não é verdade. Na minha carta ao Diretor da FEUSP ative-me
exclusivamente ao que o senhor confessa que afirmou mesmo, isto é, não ter
condições pessoais (ou morais) de defesa da EA como escola de aplicação.
Segundo, porque o senhor está precariamente credenciado para ajuizar
moralmente a minha conduta no episódio. Senão, vejamos. Temos convivido
diariamente nesta Faculdade e no dia em que ocorreu a referida reunião
almoçamos juntos, mais a senhora diretora da EA. Nessa ocasião, conversamos
sobre o assunto da reunião, a carta da Direção da FEUSP à Reitoria, o senhor
adiantou, sem que lhe perguntassem, que iria apenas propor a aprovação dos
termos da mesma. Depois, conduziu-se diferentemente do que dissera, pois a carta
do Senhor diretor foi em defesa da EA e o senhor alegou não ter condições de
fazer essa defesa (voltarei a este ponto). É claro que cada um age segundo seus
próprios princípios, mas não pude evitar a surpresa, porque não consigo aceitar
que se possa agir em desacordo com o que se afirma. Em face disso, por mais
comedido que queira ser, não sei como evitar a palavra deslealdade para
descrever o seu desempenho no episódio.
3 – Por isso mesmo, ao procurá-lo no dia seguinte para exprobar-lhe a conduta
usei o calão, única linguagem que me pareceu adequada ao momento. Porque,
convenhamos, em certas questões de caráter o calão tem uma força descritiva que
falta à linguagem acadêmica, tão eufemística e solene. Afinal, em Roma, como os
romanos.
4 – Ao longo de sua carta, o senhor procurou caracterizar-me como avesso à
discussão e intolerante com as divergências, razão pela qual até hoje não foi
possível que a sua crítica e a de outros pudessem produzir os desejados efeitos
corretivos nos descaminhos pelos quais, com minha orientação, enveredou a Escola
de Aplicação.. A situação teria chegado a tal ponto que, hoje, essa escola é
indefensável. Baldadas vezes teria havido tentativas de crítica. Todas repelidas por
mim.
Não me interessa esquadrinhar a motivação que o levou a essa apresentação do
relacionamento entre a EA e a Faculdade. Mas, ela repousa numa inverdade. O
relacionamento entre as duas instituições é regulado pelos respectivos regimentos e
por normas de estágios fixados por comissão conjunta.
Nunca houve por parte dos professores da Faculdade formulação da proposição
de reexame desses documentos apesar até de ter havido oportunidades formais
para tal. Além disso, em cada início do ano há convite para que professores
165

da FE participem do planejamento das atividades da EA. Enfim, oportunidades de


crítica têm sido sistematicamente desconsideradas. Nenhuma divergência se
estabelece sem crítica. A menos que, quando fala em divergências, o senhor esteja
se referindo a comentários à boca pequena de que vez por outra se tem notícia.
Mesmo em relação a esse tipo de comentário, V.Sa. não poderá negar que há cerca
de dois anos solicitei-lhe formalmente que convocasse uma reunião para esclarecer
e discutir o assunto, pois tomáramos conhecimento de que isso estaria ocorrendo
em sala de aula. Mas, nunca houve a reunião solicitada. Ainda há pouco, no
Congressinho da FEUSP, propus de público e na sua frente que o assunto do
relacionamento EA-FE fosse objeto de um exame sistemático por professores e
alunos. Também desta vez nada houve.
Percebe-se que com relação a este ponto V.Sa. também usa a técnica do
“argumentum ad hominem”. Retratando-me como intratável e intolerante seria
inútil tentar o diálogo. Porém, ainda assim, cabe observar que eu não sou a escola
de aplicação e que na Direção da mesma há uma pessoa extremamente afável,
humilde e bem educada.
5 – Há ainda outro ponto a esclarecer a respeito de suas palavras na
Congregação sobre não ter “condições morais” de fazer a defesa da EA como
escola de aplicação. Realmente, nós dois sabemos que não tinha. O porquê também,
pois por ocasião da carta do Senhor Reitor ao Diretor da Faculdade fazendo
interpelação a respeito do interesse na manutenção da EA, V.Sa., já tinha dito ao
Reitor que a EA nada mais era do que uma prestação de serviços à comunidade.
Isso, eu soube de sua própria boca, dito na presença do Prof. Celso Beisiegel.
Apesar de censurá-lo na ocasião, jamais difundi a informação para não fazer
intrigas num assunto de tal relevância. Percebo agora que errei, pois o fulcro da
posição do Senhor Reitor é exatamente este: não cabe à Universidade propiciar
escolaridade de 1º e 2º graus a ninguém, por isso, prestando a EA apenas esse
serviço não seria irrazoável desativá-la. No entanto, ao afirmar na Congregação
que não teria “condições morais” de defender a EA, V.Sa. omitiu esse fato que,
contudo, é altamente relevante para a plena compreensão de toda a história. Eu, por
consideração humanitária também silenciei.
6 – Finalmente, há ainda um ponto a considerar. Num trecho de sua carta, a
propósito do relacionamento entre EA e FEUSP, V.Sa. num rasgo que parece ser de
generosidade, disse “que não estava interessado em buscar possíveis culpados.”
Estranha linguagem. Estranha mentalidade acadêmica! Repugna-me ouvir dizer que
numa universidade, pessoas que têm certas ideias em Educação e que as expõem e
defendem, possam por qualquer critério que seja, serem consideradas culpadas,
ainda que impunes e perdoadas. A culpa e a inocência não são categorias para
166

avaliar a vida acadêmica. Já houve um tempo, não muito distante, em que os


“culpados” eram chamados de subversivos. De minha parte, que atravessei esse
tempo e sofri o seu peso, rejeito a generosidade mal colocada.
Parece-me desnecessário o alongamento desta carta. A um leitor sereno, ela
fornece elementos para um ajuizamento também sereno de tão desagradável
episódio. Lamento muito profundamente ter sido constrangido a escrevê-la.
Mas, não pude deixar de fazê-lo por respeito à minha própria atuação nesta
Faculdade. Não tenho do que me defender, mas não posso consentir que com
leveza sejam desconsiderados serviços que prestei com inatacável honestidade
pessoal e profissional.
É de se lamentar, ainda e acima de tudo, que não esteja ocorrendo o mais
importante, que é a defesa unânime de uma escola que, embora imensamente
aperfeiçoável, constitui uma demonstração inequívoca de que também a escola
pública pode ser uma boa escola.
Lamento, finalmente, que V.Sa. tenha se prestado talvez até incautamente a um
jogo confuso e destrutivo cuja motivação não identifico.
Assinado: José Mário Pires Azanha

* * *

Conforme afirmara, Azanha demitiu-se do cargo de representante da FEUSP junto à Escola de


Aplicação em 1984, mas empenhou-se na realização de um debate sobre a escola. A propósito,
ele comenta o fato de que discutir, criticar e reformular experiências de ensino deveria ser uma
atividade corriqueira numa instituição acadêmica. Entretanto, não era este o caso a respeito do
debate sobre a Escola de Aplicação que constituía um fato insólito. Daí a necessidade de serem
explicitadas com clareza as razões desse acontecimento, bem como os objetivos a serem
alcançados, o que será descrito a seguir..

5.2 A ESCOLA DE APLICAÇÃO EM DEBATE

Como decorrência das divergências descritas e, mais ainda, da solicitação do professor José
Mário Pires Azanha a fim de que se realizasse o debate sobre a Escola de Aplicação, o diretor
da Faculdade constituiu uma comissão para isso. Entretanto, devido a vários fatos –
concordância do reitor para a manutenção da E.A., a implantação do 2º grau e a substituição da
Direção da Faculdade – a comissão se dissolveu e o debate só se concretizou em 1985.
167

Uma nova comissão de representantes da Faculdade junto à E.A. interessou-se pela realização
do debate. Azanha esclareceu quais eram suas expectativas, adiantando que se elas fossem
frustradas, também seria frustrado o próprio debate “transformando-o em mera tertúlia
acadêmica”.

Essas expectativas, segundo Azanha (1986, p.167-168) foram as seguintes:

Em primeiro lugar que nenhuma proposta de reformulação seja feita sem a


correspondente crítica do ponto a ser reformulado, bem como da explícita indicação
do relacionamento da crítica e da proposta com uma concepção alternativa de escola
de aplicação.
Em segundo lugar, não podemos imaginar que, neste debate, o pessoal da E.A. seja
sumária e primariamente colocado em julgamento e, portanto, numa posição
defensiva; e que o pessoal da FEUSP assuma a posição do jogador, colocando-se,
portanto, em situação de ataque. O que está em discussão é o projeto da escola de
aplicação como tal. Isso não significa apenas um conjunto de ideias, mas também o
esforço de realização dessas ideias. O que importa, pois, é o balanço crítico de tudo
que ocorreu nos últimos anos e, a partir dele, o estabelecimento das reorientações
necessárias.

Azanha enfatizou a importância da crítica fundamentada no debate e reiterou que cabia ao


pessoal da Faculdade a responsabilidade de explicitar as alegadas insatisfações, expressas
esparsamente e, por vezes, inoportunas por alguns de seus membros. E concluiu (idem, ibidem)
:
Esta é a razão principal que torna este debate um acontecimento insólito. A FE, de
fato, sempre foi ambígua na sua responsabilidade para com a Escola de Aplicação.
Ambigüidade, no caso, pode eventualmente ser indicação de inconseqüência
intelectual e de irresponsabilidade acadêmica. Este debate é o momento para que a
FE assuma o seu papel acadêmico e desfaça esta suspeita.

Ao explanar sobre sua concepção de escola de Aplicação, Azanha deixa claro que suas ideias a
respeito tinham como referência a Escola de Aplicação da FEUSP, uma vez que sua atuação
nessa escola contou com uma participação marcante no período de 1976 a 1984. Por isso ele
disse se sentir disponível para receber críticas, pois não tinha a pretensão de que seu
desempenho estivesse isento de erros. Assim, ele esclareceu que se sentia à vontade para fazer
considerações sobre a idéia de escola de aplicação, embora tivesse sempre em vista a Escola de
Aplicação da FEUSP.

A autonomia da escola constitui, para Azanha, uma idéia essencial ao processo educativo: sem
ela uma escola pode ter um mero doutrinador e não, um educador. A autonomia do professor
decorre de um esforço coletivo que tem em vista pôr em prática um projeto educativo da
escola, elaborado pela própria escola e com vistas a um objetivo comum. Neste sentido, não
168

seria possível conceber uma escola de aplicação diferenciada das escolas públicas, o que
constituiria um desvirtuamento de sua real finalidade. Diz Azanha (1986, p.169).

[...] Não obstante a clareza desta idéia, o risco de estabelecimento de um estatuto


privilegiado é permanente numa escola pública de aplicação; a história recente do
ensino público paulista está cheio de exemplos de escolas que, pelos privilégios
acumulados, desviaram-se do papel que lhes cabia em face da rede pública. Mas, uma
escola de aplicação deve, quase paradoxalmente, ser exemplar. Exemplar como
indicação da viabilidade de ensino público eficiente sem condições privilegiadas.
Principalmente nestes tempos, em que a “má qualidade do ensino público” é a
principal razão, ideologicamente manipulada para legitimar o descaso governamental
com a escola pública; ganha relevo, até mesmo político, o esforço de demonstração
da viabilidade pedagógica de uma boa escola pública.

Na sequência da sua explanação, Azanha afirma que uma escola pública de aplicação deve,
necessariamente, ser gerida por responsáveis que tenham consciência política de seu
desempenho, o que implica uma contínua revisão conceitual que os preserve do
“corporativismo funcional” ou pedagógico. Numa exemplificação: não é possível que a
reprovação de um aluno não seja um reflexo do trabalho do professor. Falhas de aprendizagem
não devem ser vistas apenas como falhas do aluno, mas também do ensino. E isto deve ser um
entendimento essencial numa escola de aplicação, dada a sua natureza exemplar para a rede
pública. Se a escola, enquanto instituição autônoma deve ter seu próprio projeto pedagógico,
não se justifica enviar-lhe pacotes preparados em instância superior. Porque é necessário
respeitar a cultura própria de cada escola que, por si só, é sempre diferente de qualquer outra
escola. Para Azanha (ob. cit., p.170):

[...] Nessas condições, cada escola pública deve formular o seu próprio plano de
melhoria a partir da análise honesta de suas próprias deficiências. Sem este esforço, o
trabalho escolar acaba sendo fragmentário, contraditório e ineficiente, pois, diretrizes
e orientações gerais não são capazes de organizar as rotinas do cotidiano e é nesse
cotidiano que o trabalho educativo se desenvolve. Por exemplo, não basta preconizar
como orientação geral o desenvolvimento do espírito crítico e ministrar, na prática,
um ensino que não solicite a compreensão do aluno, mas apenas a devolução, por
este, da lição recebida. Não basta preconizar a excelência da convivência
democrática, cujo fundamento é a tolerância com a divergência, e instituir padrões
disciplinares inteiramente desacompanhados do esforço do diálogo e de
convencimento.
Por isso, se em face da extensão da rede de escolas, toda esperança de melhoria do
ensino depende de um esforço próprio, de cada escola na elaboração e na execução
de seus planos específicos, não se concebe que uma escola de aplicação tenha suas
diretrizes e orientações gerais apenas como componentes de relatórios, sem nenhuma
conseqüência na organização de suas rotinas, sem nenhuma conseqüência na
organização de suas rotinas cotidianas de ensino e de convivência social.

O debate sobre a Escola de Aplicação foi realizado nos dias 27, 28 e 29 de agosto de 1985.
Nesta época, o quadro de pessoal da USP, da Faculdade de Educação e da Escola de Aplicação
era o que segue.
169

Reitor da USP:
Prof. Dr. Antonio Hélio Guerra Vieira
Vice-Reitor da USP:
Prof. Dr. Antonio Guimarães Ferri.
Diretor da FEUSP:
Prof. Dr. Antonio Carlos Coelho Campino
Vice-Diretor da FEUSP:
Prof. Dr. Alexandre Augusto Martins Rodrigues
Diretora da Escola de Aplicação:
Profa. Nívia Gordo
Representante do diretor da FEUSP junto à Escola de Aplicação:
Profa. Cecília Sanches Teixeira
Comissão Organizadora:
Profa. Angelina Teixeira Peralva, Profa. Elisabete Mokrejs, Profa. Cecília Sanches Teixeira

O programa do debate constou de abertura pelo então diretor da FEUSP, Prof. Dr. Antonio
Carlos Coelho Campino. Após salientar a importância do debate, o diretor fez o seguinte
pronunciamento (FEUSP, 1985, p.12-13):

[...] Entendo que muito já se fez na Escola de Aplicação no sentido de permitir que
contribuamos positivamente nesse debate e justifiquemos a existência de uma escola
de 1º e 2º graus dentro da Universidade de São Paulo. Entretanto, muito há ainda, que
fazer. Entre estas tarefas, identifico como premente a de dar à Escola de Aplicação
uma estrutura administrativa ágil e dinâmica que possibilite melhores condições de
trabalho e permita uma melhor integração entre a Escola e a Faculdade de Educação.
Aliás, cabe lembrar que a Comissão que estruturou este debate explicitou como seu
objetivo fundamental o de repensar as relações entre a FEUSP e a Escola de
Aplicação.
Outra tarefa fundamental é a de identificar e desenvolver lideranças que possam
auxiliar na formulação e implantação do projeto da nova Escola de Aplicação. Assim,
espera-se deste debate a formulação das diretrizes gerais para uma nova fase da
Escola de Aplicação, a sugestão de formas organizacionais e administrativas que
permitam implementar e desenvolver este projeto e o surgimento de lideranças ao
nível do corpo docente, que nos possam auxiliar na transformação dessa ótima escola
que ela é hoje em uma verdadeira Escola de Aplicação.

Seguiu-se uma Mesa Redonda em que foi abordado o tema “Diferentes Experiências e
Concepções de Escolas de Aplicação, Experimentais e de Demonstração”. Contou-se com a
participação dos professores: Olga Molina (coordenadora), Luci Maria Brandão (representante
do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Juiz de Fora), Bernadete Gatti
(representante da Fundação Carlos Chagas) e José Mário Pires Azanha (professor da FEUSP).
170

Após um intervalo, houve debate sobre a “A Escola de Aplicação da FEUSP”, coordenado por
Dirceu da Silva, tendo como expositora Maria do Carmo Ferraz Tedesco, ambos professores
da Escola de Aplicação. Foram debatedoras as professoras da FEUSP: Lisete Regina Gomes
Arelaro, Olga Bechara e Anna Maria Pessoa de Carvalho.

O segundo dia do debate constou de grupos de trabalho com participação de todos os


componentes da equipe escolar da E.A.: direção, coordenação técnica e professores,
distribuídos por áreas de ensino: Comunicação e Expressão, Estudos Sociais, Ciências e
Matemática. Após exposição desses grupos de trabalho, houve uma sessão plenária.

No terceiro dia, contou-se com a participação de três grupos de trabalho, coordenados por professores
da FEUSP:
Grupo 1 – “O Regimento da Escola de Aplicação”. Coordenação: Maria do Rosário Silveira Porto;
Grupo 2 – “Normas de Estágio”. Coordenação: Moacyr Ribeiro do Valle;
Grupo 3 – “Expansão da Escola de Aplicação: Curso noturno, Pré-Escola, Educação Especial”.
Coordenação: Marília P. Spósito.

O debate terminou com a exposição destes grupos, seguida de sessão plenária e


“Recomendações à Congregação da FEUSP”.

No decorrer das exposições e dos debates ocorridos nos três dias houve muitas sugestões com
vistas a mudanças na Escola de Aplicação como, por exemplo, eleições do coordenador (por
áreas de ensino) entre os pares, instituição de um plano de carreira para os professores com
base em diversos critérios: bom desempenho, especialização em cursos e pesquisas na FEUSP,
avaliação pelos próprios colegas. Outros aspectos foram também objeto de discussão, como
alterações no Regimento da E.A: remuneração por horas de planejamento; aumento de
responsabilidades para a direção e para o conselho da escola, eliminação do registro das
disciplinas que compõem o currículo, uma vez que elas já estão estabelecidas por lei, entre
outras.

Também foram feitas diversas sugestões para melhorar a integração da Escola de Aplicação
com a Faculdade de Educação: participação do Diretor da E.A. na Congregação como membro
nato mesmo sem direito a voto; trabalho conjunto do coordenador pedagógico e da orientadora
educacional, respectivamente, com uma professora da FEUSP e uma da EA. Da mesma forma,
171

desenvolvimento de projetos de pesquisa por professores da E.A com professores da FEUSP. E


assim por diante.

Considerando a multiplicidade de proposições feitas nas sessões plenárias e a dificuldade de


equacioná-las em tempo curto, foi sugerida a formação de uma Comissão Paritária que,
dependendo da aprovação do Diretor da FEUSP, seria encarregada de formular as propostas de
acordo com as ideias expressas nas sessões plenárias. Desta forma, foi organizada essa
Comissão que constou de três professores da FEUSP e quatro professores e mais dois suplentes
da E.A., um representante da Associação Escola-Lar da Escola de Aplicação.

O Relatório de Atividades da Comissão Paritária FEUSP/EA (1986, p.1) é iniciado nos


seguintes termos:
Atendendo à solicitação encaminhada pelo Plenário dos debates sobre a Escola de
Aplicação, o Exmo. Sr. Diretor da FEUSP constituiu uma Comissão Paritária,
encarregada de, conforme o ofício nº 894, dirigido aos senhores Chefes dos
Departamentos, formular propostas concretas no que se refere a:
1. Reconsideração dos objetivos da EA, tendo em vista um trabalho conjunto, em
termos de:
- atividades de pesquisa nas diversas áreas da educação;
- formação de professores e especialistas em educação;
- oferta de escolaridade de 1º e 2º grau, respeitando o disposto na legislação vigente;
- constituição de um centro irradiador de projetos pedagógicos.
2. Reconsideração da situação da EA quanto ao seu regime jurídico, à sua estrutura
técnico-administrativa e ao seu regimento, de modo a garantir a realização dos
objetivos apontados.
3. Redefinição da carreira do corpo docente da EA.

Após examinar as discussões realizadas no plenário, analisar os documentos que disciplinam a


instituição, relatórios, esclarecimentos verbais e debates entre os membros da Comissão
Paritária, chegou-se às seguintes conclusões: manutenção dos objetivos da EA como escola de
1º e 2º graus, assegurando-se seu caráter de escola pública que dê apoio à pesquisa e estágio.
Afirma o Relatório (FEUSP/EA, 1986, p.3)

Enquanto Escola de Aplicação, seus objetivos devem ser propostos com vistas a uma
integração efetiva dos professores da FEUSP e EA, capaz de garantir oportunidades
de observação, pesquisa, reflexão e progresso do conhecimento sobre a educação aos
professores e alunos da FEUSP, bem como, aos docentes da EA.” (Relatório da
Comissão Paritária.

Quanto à autonomia da EA, dispõe-se que ela é assegurada mediante sua liberdade de formular
seu próprio projeto pedagógico, contendo objetivos gerais, recursos metodológicos, currículo,
forma de avaliação, sendo que esse projeto fica sujeito a reformulações e revisões constantes.
172

A estrutura técnico-administrativa da EA deve ser tal que permita a instituição de canais que
facilitem e estimulem a colaboração da EA junto à FEUSP.

Com relação ao Regimento da EA, a Comissão (ob. cit., p.3) faz a seguinte observação:

O Regimento Interno da EA deve ser reformulado em vista de sua adaptação ao


enunciado nos itens anteriores e a uma estrutura técnico-administrativa que permita a
participação da coletividade interessada no desempenho da escola – corpo discente,
pais, professores e diretores da EA e da FEUSP, em estreita colaboração para
elaborar o projeto autônomo da Escola.

No que se refere à instituição de uma carreira para os professores da EA, a Comissão propõe
que sejam assegurados, na proposta de estatutos, os princípios mais gerais que devam orientar a
estruturação dessa carreira.

A Comissão entende que a reformulação básica sugerida propiciará atividades de pesquisa nas
diversas áreas da educação, formação de professores e especialistas em educação, além da
instituição de um centro irradiador de projetos pedagógicos.

Finalmente, são apresentados alguns esclarecimentos a respeito das consultas feitas à Comissão
(idem, p.40):
Em relação ao primeiro tópico – aumento do número de vagas para funcionários da
USP – a Comissão propõe alteração no Regimento da EA no sentido de atender a este
justo pedido, embora sem estabelecer distinção entre funcionários docentes ou
administrativos, por entender que todos são, igualmente, servidores da USP.
Quanto à ampliação da EA, a Comissão sugere, tendo em vista esclarecimentos
prestados por docentes da EA, que se aumente uma classe para cada série do 1º grau,
a partir de 1987. Desta maneira, no próximo ano a EA ofereceria 90 (noventa) vagas
a 1ª série do 1º grau. No tocante ao 2º grau, o aumento das trinta vagas, na 1ª série, a
partir de 1988, tendo em vista a conclusão dos estudos da primeira turma.
Quanto à solicitação de que “as crianças matriculadas na Creche da USP tenham
direito ao acesso direto na Escola de aplicação” que lhe são dirigidos, a Comissão
entende que esta não seria uma medida justa. A Creche não pode atender a todos os
pedidos que lhe são dirigidos e, conseqüentemente, algumas crianças, filhas de
funcionários docentes ou administrativos, seriam duplamente penalizadas, uma vez
que, ao serem rejeitadas pela Creche, estariam automaticamente excluídas da EA.
No tocante à sugestão de que seja instalado “um curso de 1º grau noturno que atenda
a funcionários”, entende a Comissão ser esta uma idéia interessante, sem dúvida, de
grande alcance social, mas que deveria ser objeto de estudos mais aprofundados pelas
características diferenciadoras que um curso desta natureza apresentaria em relação
aos desenvolvidos pela EA.

Quanto ao Regimento da Escola de Aplicação, a Comissão instituiu, na parte administrativa,


um Conselho Diretor como órgão consultivo, normativo e deliberativo, sendo, assim, a
instância máxima de orientação da EA.
173

Esse Conselho seria composto de treze membros, a saber: diretor da FEUSP, um docente de
cada Departamento da FEUSP, o diretor da EA, três docentes da EA, um representante dos
funcionários administrativos da EA, escolhido entre seus pares, dois pais de alunos, um de 1º e
outro de 2º grau; dois alunos: um do 1º e outro do 2º grau.

O Conselho Diretor teria amplas atribuições, estando subordinado apenas ao diretor da FEUSP
ou, na ausência dele, ao seu vice-diretor.

No período de 1985 a 1987, foram concretizadas algumas das proposições feitas no debate.
Modificou-se o regimento da escola que dispôs, por exemplo, sobre a instituição de um
conselho diretor, um conselho da escola; a eleição, entre os pares, do diretor e de responsáveis
pela orientação pedagógica, a carreira profissional dos professores, entre outras disposições.
Assim, foi modificado o plano técnico-administrativo e pedagógico da Escola de Aplicação,
orientado por Azanha e que fora posto em prática desde o ano de 1976.

Apesar dessas alterações, salienta-se o fato de que não foram atendidas as proposições
inicialmente feitas por Azanha, ou seja, definição de uma concepção de escola de aplicação; a
identificação das possíveis falhas que até então a escola vinha apresentando, nem os
argumentos que justificassem essas críticas. Além disso, no decorrer do funcionamento da EA,
não foram estabelecidas, pelo menos até 1986, uma diretriz e demais orientações, conforme
ocorreu no período em que o professor José Mário Pires Azanha atuou como representante da
FEUSP junto à EA. Em 1985, foi implantado e posto em funcionamento o ensino de 2º grau,
atual ensino médio, cujo projeto é de autoria deste professor.

5.3 PROJETO DO ENSINO MÉDIO PARA A ESCOLA DE APLICAÇÃO


Faremos uma análise bastante sumária do Projeto do Ensino Médio, uma vez que o objeto do
nosso estudo é o ensino fundamental. Considerando o caráter exemplar desse Projeto,
entendemos que se justifica uma abordagem de suas principais ideias.

Para ilustrar o sentido de educação humanista, proposto para o Ensino Médio, Azanha
apresenta uma epígrafe relativa ao pensamento de Rousseau (1987, p. 153):

Que se destine meu aluno à carreira militar, à eclesiástica ou à advocacia pouco me importa.
Antes da vocação dos pais, a natureza chama-o para a vida humana. Viver é o ofício que lhe
quero ensinar. Saindo de minhas mãos, ele não será, concordo, nem magistrado, nem soldado,
nem padre; será primeiramente um homem.
174

Na introdução do seu estudo, Azanha observa que, independentemente de qualquer avaliação


do pensamento pedagógico de Rousseau, a epígrafe transcrita de suas ideias retrata o que se
pode chamar de “originalidade fundamental” do antigo ensino secundário que sempre visou a
uma “cultura geral” de caráter desinteressado. Mesmo em face das transformações econômicas
e sociais que afetaram o ensino médio, sempre prevaleceu a atração por cursos desse nível que
tinham por finalidade uma formação geral. Entretanto, com a promulgação da Lei 5.692/71,
cometeu-se o erro de atrelar a formação dos adolescentes ao mercado de trabalho,
desfigurando-se, assim, tanto o ensino secundário, quanto o ensino técnico de 2º grau. Somente
após a implantação da lei 7.044 foi possível refazer a distinção entre um ensino de caráter
formativo e um ensino profissionalizante.

Afirma Azanha (1986, p.154-155):


Com a edição da Lei 7.044, supera-se a obrigatoriedade profissionalizante e
restauram-se, assim, novas oportunidades para o ensino de 2º grau, não apenas para
que se retome a histórica vocação formativa do antigo ensino secundário como
também para que o problema da profissionalização tenha soluções mais criativas e
adequadas no momento histórico brasileiro. [...] É no âmbito dessas oportunidades
que se pretende implantar o ensino de 2º grau na Escola de Aplicação da FEUSP.
Confinado, porém, esse esforço aos limites de uma única escola, não será possível
ensaiar-se nela um tipo de organização integradora de ensino de 2º grau que antes
concilie do que separe a tradição formativa e a tradição técnica desse ensino.

Entretanto, Azanha entende que seria possível essa ação integradora desde que, num prazo mais
longo, fosse instituído um plano amplo pela Secretaria de Estado da Educação e a Universidade
de São Paulo. O plano de ensino de 2º grau, elaborado para a Escola de Aplicação, se
estenderia ao maior número possível de escolas públicas da rede oficial de ensino. Tratar-se-ia,
então, de desenvolver o 2º grau com três anos de formação geral. Depois, os alunos que assim o
quisessem poderiam optar por um curso profissionalizante de um ano em escolas técnicas
especiais, em empresas ou na Universidade. Desta forma, o aluno teria uma formação geral e
comum que lhe permitiria o exercício da sua cidadania, aliada a um bom desempenho como
profissional.

Entretanto, o plano integrador tinha limites, uma vez que ele dependia de acordos de médio ou
até mesmo de longo prazo e era necessário definir, no momento, o objetivo do Ensino Médio
com certa rapidez, uma vez que o curso seria iniciado já no ano de 1985. Afirma Azanha(ob.
cit., p.155):
175

No momento, por força desses limites, não é viável que no curso de 2º grau a instalar-
se na E.A. destinado a uma clientela reduzida, sejam aproveitadas todas as
possibilidades que a Lei 7.044 oferece para a integração da tradição humanista da
formação geral com as exigências específicas de uma formação técnica diferenciada.
Por isso, optou-se por aquela, na convicção de que a preparação para o trabalho se
funda numa sólida formação geral.

5.4 OBJETIVO E CARÁTER DO ENSINO DE 2º GRAU

Azanha deixa claro que o objetivo fundamental do ensino de 2º grau é o de contribuir para o
exercício consciente da cidadania Mas ele levanta a questão da dificuldade de explicitar a
noção de cidadania. Um dos meios para isso consiste na tentativa de identificar as
características da formação para a cidadania, sendo que a principal delas é a de que essa
formação “interessa à sociedade como um todo e não especificamente a qualquer grupo ou
segmento social em particular”. Portanto, a cidadania não comporta distinção de classes, nem
particularização. Sendo assim, o ensino de 2º grau deve ser necessariamente, geral e comum.
Afirma então Azanha (1986, p.156):

Esta situação fica melhor esclarecida quando notamos que no antigo ensino médio
não apenas o ensino secundário era um “ensino de classe ou montado para uma
classe”, como também o eram os ramos técnicos daquele ensino. O que variava eram
as classes sociais a que se destinavam um e outros. Mas, todos distinguiam e
diferenciavam. A idéia que defendemos aqui é a de que o ensino simplesmente
formativo, despojado do caráter ornamental e distintivo que teve, presta-se, pela sua
própria natureza, a ser um ensino geral e comum, enquanto que o ensino técnico, não.
Porque “a cultura geral representa aquilo que aproxima e une os homens ao passo que
a profissão, muitas vezes, aquilo que os separa. [...] Num Estado democrático onde
todo trabalhador é cidadão, é indispensável que a especialização não seja um
obstáculo à compreensão dos mais vastos problemas e que uma ampla e sólida
cultura geral libere o homem das estreitas limitações do técnico.

5.5 DIRETRIZES PARA ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DO PLANO DE ESTUDOS

Após definir o caráter do ensino de 2º grau, foi preciso tomar decisão com relação ao conteúdo
da formação geral e comum. Para Azanha, esta atividade está vinculada a uma orientação
político-filosófica em face da cultura e constitui o critério para selecionar e ordenar os
elementos culturais, adequados à formação geral, proposta para o ensino de 2º grau.

O que foi dito a respeito da unidade na formação do cidadão leva à dedução de que também se
requer um só plano de estudos para todos os alunos, ainda que a Psicologia defenda a idéia de
que é preciso respeitar as diferenças individuais. Sem deixar de lado essa importante variável,
não se pode perder de vista o significado político do ato educativo que tende mais para a
unidade das proposições curriculares a fim de evitar um currículo muito extenso que acarreta a
176

ampliação das opções curriculares e compromete a unidade do plano de estudos, além de tornar
o plano inviável do ponto de vista econômico.

Num outro item, Azanha aborda a dificuldade que apresenta a seleção do conteúdo do plano de
estudos que é um assunto, de certa forma, polêmico. Há os que defendem os valores de uma
cultura tradicional sob a alegação de que ela asseguraria o caráter desinteressado da formação
geral. Por outro lado, estão os defensores de uma “visão jornalística da realidade”, atendo-se ao
que ocorre no contemporâneo em oposição a um saber clássico. Em face dessas posições,
Azanha (ob. cit., p.159) dá o seu parecer:

Para nós, seria fastidioso, além de desnecessário, o exame das distorções, dos sofismas
e das simulações ideológicas que cercam essas posições radicais. Mesmo porque, no
plano curricular, essas posições se definem mais como uma questão de ênfase.
Nenhuma delas contesta a importância da Ciência, da Arte ou da Literatura num
processo de formação geral. A disputa ocorre em termos dos elementos dessas áreas
culturais que seriam relevantes nesse processo. Com isso, o problema reduz-se, na
verdade, à questão mais específica da programação de cada matéria. E, realmente, o
ponto fundamental é este, porque o conteúdo de uma formação geral não é nem pode
ser estático. A aquisição de uma cultura geral não é apenas uma questão de
ajuntamento de certos ingredientes culturais, mas um processo de desenvolvimento
pessoal que pode ser buscado por diferentes meios, todos eles adequados, se
convenientemente programados.

5.6 COERÊNCIA DOS DIFERENTES ENSINOS COM O OBJETIVO DO CURSO

Para Azanha, dois critérios devem determinar o conteúdo programático de cada disciplina:
coerência dos diferentes ensinos com o objetivo do curso e o caráter autotélico do ensino de 2º
grau.

Com relação ao primeiro critério, Azanha afirma que um dos problemas que dificulta a
coerência entre os programas de ensino decorre do professor de 2º grau, uma vez que, na
maioria das vezes, esse professor enfatiza a sua disciplina numa visão particular, perdendo de
vista que, exceto a língua nacional, todas as disciplinas devem convergir para o objetivo do
curso, sem que se perca a indispensável visão de conjunto. Neste sentido, Azanha cita Gusdorf
(apud AZANHA, 1967, p.89-90):

Ao professor é exigido que não se limite a apresentar-se como homem de um


determinado saber, mas como testemunha da verdade e afirmador de valores. [...]
Assim, o professor de matemática ensina matemática mas, ensina também a verdade
humana, mesmo que a não ensine; o professor de história ou de latim ensina história
e latim, mas ensina a verdade, mesmo que julgue que a administração não o paga
para isso. Ninguém se ocupa com a formação espiritual mas de fato, toda gente se
ocupa com ela.
177

Azanha acrescenta que a consciência dessa responsabilidade pelo professor é a única garantia
de que ele não perca de vista [...] “o valor essencialmente relativo de qualquer área do saber
num processo de formação geral.”

5.7 O CARÁTER AUTOTÉLICO DO ENSINO DE 2º GRAU

Azanha observa que uma possível fonte de distorção da concepção do ensino de 2º grau
consiste na sua proximidade temporal com o ensino superior, o que pode ser a causa de se
atribuir ao ensino de 2º grau um caráter propedêutico. Isso explica a preocupação de
professores, pais e alunos com um ensino que prepare os alunos para que tenham êxito nos
exames vestibulares. Em síntese, tem-se a idéia errônea de que o ensino de 2º grau constitui
uma “ponte” para o ensino superior. Azanha esclarece esse engano com o esclarecimento de
que um ensino que tem como objetivo a formação geral não pode ser transformado num
simples curso de treinamento. Trata-se de um ensino que tem uma finalidade em si mesmo.
Sendo assim, o ensino de 2º grau assume uma finalidade bem mais ampla porque prepara o
aluno tanto para uma formação superior, quanto para o trabalho sem que, no entanto, tenha
qualquer vínculo com a idéia de profissionalização.
A propósito, Azanha cita A. Renault (apud AZANHA, 1982, p. 46) que faz uma explanação
sobre o ensino secundário:

(o ensino secundário) tem por uma de suas finalidades a preparação para os cursos
superiores mas guarda, irrecusavelmente, um sentido autotélico, que é o da formação
do espírito ou do homem como um todo, neutro e indiferente entre as carreiras
profissionais.

Azanha conclui (1986, p. 161):


O reconhecimento deste caráter autotélico é ponto essencial para que as
programações específicas das disciplinas não degradem o ensino de 2º grau apenas a
um longo treinamento que, além de eventualmente não ter a eficiência que se
pretende, pode implantar no jovem uma dúvida e uma insegurança equivocadas com
relação ao seu próprio valor e aos parâmetros para aferi-lo.

5.8 CONSIDERAÇÕES SOBRE O QUADRO CURRICULAR

Azanha (1987, p.157) esclarece que o título das disciplinas que integram um quadro curricular
pode ser suficiente para justificar sua inclusão num processo de formação geral. Entretanto, ele
julga conveniente explicitar as proposições de algumas disciplinas, especialmente aquelas
178

relacionadas com a parte diversificada, preservando-a da destinação que lhe era dada,
principalmente, por força de Lei 5.692/71

[...] que na ignorância ou na usual displicência tecnocrática para com as raízes


históricas dos problemas, ensaiou de modo improvisado e artificial atrelar a educação
numa fase fundamental da adolescência a supostos reclamos do mercado do trabalho.
Os resultados foram catastróficos porque se descaracterizou não apenas o antigo
ensino secundário como também todo ensino técnico médio.

Na transição da Lei 5.692/71 para a Lei 7.044, pelo menos no âmbito do ensino de 2º grau,
atual ensino médio, a situação foi reparada, se bem que foi mantida uma situação de
duplicidade, ou seja, foi mantido, de forma paralela, um ensino voltado para a formação geral e
um ensino de caráter profissionalizante. Essa decisão foi alvo de críticas de Azanha (1987,
p.154):
Ainda que essa situação devesse ser superada porque socialmente injusta e destinada
a perpetuar essa injustiça, a Lei 5.692 sem eliminar esse problema tumultuou a
questão e retardou a busca de soluções pela imposição a todo o ensino de 2º grau de
um modelo falsamente profissionalizante.

Posteriormente, essa questão do ensino profissionalizante no 2º grau é superada com a edição


da Lei 7.044. Pelo menos foi possível resgatar o caráter formativo desse nível do ensino
mediante a proposição de uma formação geral e comum. Ao mesmo tempo, tornaram-se viáveis
soluções adequadas à organização de um ensino profissionalizante que melhor atendesse às
características dos alunos e às reais necessidades do país.

É sabido que principalmente nos dias atuais, a crescente evolução tecnológica vem alterando,
cada vez mais, os objetivos dos cursos profissionalizantes, mesmo em nível de ensino médio.
Ao invés de uma mera especialização são requeridos cursos formativos numa linha de cultura
geral com vistas à criatividade e à atitude crítica. Afirma Azanha (1987, p.155):
[...] Numa tal organização do 2º:grau, evitar-se-ia a diluição improfícua dos escassos
recursos humanos e materiais profissionalizantes e não se sacrificaria o essencial:: a
formação geral e comum para o exercício da cidadania.

Com base nessas concepções, um grupo constituído de professores da FEUSP, da diretora e


técnicos da Escola de Aplicação estabeleceu, sob a orientação de Azanha, o quadro curricular
para o ensino de 2º grau, hoje ensino médio, que segue..
179

Série

Res. CFE no 8/71 e 58/76 e Deliberação CEE n.º 18/72


1ª 2ª 3ª
Conteúdos Tratamento Ciências Ciências
Matérias
Específicos Pedagógico Naturais Humanas
Núcleo Comum e matériais referidas Artigo82

Língua Portuguesa e Área de


PARTE COMUN

4 4 3 4
Comunicação Literatura Brasileira Estudo
e Expressão Inglês Disciplina 2 2 2 2
Educação Artística Disciplina 2 - - -

História Disciplina 2 - 2
7º da Lei 5.692/72 e 7.044/82

Geografia Disciplina 2 2 - -
Estudos
Educação Moral e
Sociais Disciplina - 2 - -
Cívica
OSPB Disciplina - - 2 2

Matemática Disciplina 4 4 5 3
Física Disciplina 2 2 4 2
Ciências Química Disciplina 2 2 4 2
Biologia e Programa Área de
3 2 4 2
De Saúde Estudo

Educação
Atividade 3 3 3 3
Física

Geografia Econômica Disciplina - - - -


Literatura Geral Disciplina 2 1 1 1
Francês Disciplina 2 2 - -
Filosofia Disciplina - - 2 3
DIVERSIFICADA

Lógica Disciplina - 2 - -

Total
30 30 30 30
PARTE

Geral

Ensino Religioso 1 1 1 1
Dias Letivos: 180 Duração total do Curso: 3.240 horas-aulas (1080 cada série)
Semanas: 36 Duração hora-aula: 50 minutos
Quadro 8 - Quadro Curricular 2ª Grau
Fonte: Gordo, N, 1981.

Azanha apresenta uma justificativa das disciplinas incluídas na parte diversificada: Literatura
Geral, Filosofia, Lógica e Geografia Econômica.

A inclusão da Literatura Geral no currículo propicia oportunidade de contato dos alunos com
obras importantes da Literatura Universal que abordam problemas permanentes da
humanidade. Para Azanha (1986, p.163):
A familiaridade com esses problemas pode, muitas vezes, ser muito mais interessante
do ponto de vista educativo quando proporcionada por meio de obras literárias do que
por pretensos e discutíveis estudos científicos. Considerem-se, por exemplo, assuntos
como o mundo do trabalho, da guerra, das paixões humanas e outros semelhantes,
180

cujo estudo científico é tão difícil e problemático principalmente no nível de 2º grau,


mas que são temas brilhantemente tratados em obras literárias acessíveis à
compreensão do adolescente e talvez com muito maior força persuasiva. Nesse
sentido, o ensino de Literatura Geral deverá antes estimular a leitura e a conseqüente
discussão dos temas tratados do que preocupar-se com classificação de escolas e de
estilos literários.

A Filosofia, quando isenta de um caráter doutrinário e que não seja posto como verdade, o que
consiste apenas na sua busca, constitui uma disciplina de suma importância quanto ao seu valor
formativo. A valorização do seu ensino no que se refere à sua própria vocação histórica é
suficiente para a formação do aluno na iniciação filosófica.

Azanha (1986, p.163-164) esclarece a distinção a ser feita entre o ensino da Filosofia e o da
Lógica:

Talvez se deva apenas justificar a separação do ensino da Lógica e o da Filosofia


porque isso não tem sido usual na tradição do ensino brasileiro que neste particular
sempre refletiu a tradição francesa. Realmente, os antigos manuais franceses de
Filosofia costumavam tratar a Lógica como “parte” daquela. Contudo, esse modo de
dispor o assunto apenas refletia certa estagnação dos estudos lógicos na França desde
meados do século XIX até meados do século XX. Mas já no século passado, os
trabalhos de Boole na Inglaterra, de Frege na Alemanha e, posteriormente, os de
Russel e Whitehead impulsionaram a Lógica a um extraordinário desenvolvimento e
a uma situação de plena autonomia. Não se trata, evidentemente, de negar a
multiplicidade de problemas filosóficos que as questões lógicas propõem como, aliás,
em muitas outras ciências, mas o de reivindicar que o exame da Lógica não se limite
a exercícios no âmbito da silogística como era comum na adoção dos antigos
compêndios franceses..

Quanto à Lógica, Azanha esclarece que seus notáveis recursos técnicos atuais permitem análise
das mais diversas formas de argumentação, tendo um notável papel no aprendizado crítico das
várias áreas do saber. Portanto, a familiaridade dos alunos com os recursos da Lógica, propicia
o desenvolvimento de um pensamento crítico.

Finalmente, Azanha (idem, ibidem) justifica a disciplina Geografia Econômica para o


conhecimento da economia nacional e mundial:
O estudo da disciplina Geografia Econômica atende ao óbvio propósito de fornecer
elementos indispensáveis à compreensão de parte dos fatores informativos
indispensáveis à compreensão de parte dos fatores de equilíbrio e de desequilíbrio da
economia mundial e nacional. Embora tenhamos presente que as bases geográficas da
Economia não bastam para a compreensão do assunto não queremos incorrer no
extremo oposto e permitir que noções tão essenciais sejam colhidas casualmente em
leituras eventuais. A própria realidade brasileira, nas suas diferenças tão profundas, é
inapreensível sem o conhecimento dessas noções.
181

5.9 1984-1986: RUPTURAS E CONTINUIDADES

A partir do debate sobre a Escola de Aplicação, a professora da FEUSP, Cecília Sanches


Teixeira, foi designada representante da direção da faculdade junto á essa escola, uma vez que
o professor José Mário Pires Azanha se demitira do cargo. Entretanto, essa professora não se
apresentou formalmente ao pessoal da escola, nem no segundo semestre de 1984, nem no
decorrer de 1985. Por outro lado, com base em depoimento apresentado na tese de Lima (2005,
p.167):

[...] A crise pela qual a EA passou nessa época foi muito mais de natureza interna: a
escola “rachou”, houve uma guerra entre dois grupos de concepções políticas, que
não apenas se distinguiam quanto à filosofia da escola, mas também refletiam o clima
da política do Brasil. Havia um grupo de professores “petistas” que tentou assumir o
comando da escola e mudar sua filosofia teórico-metodológica. [...] esse grupo de
professores da EA contou com a conivência da Profª Maria Cecília Sanches Teixeira,
que recebia, na FEUSP, “embaixada” desses professores, dando-lhes cobertura e
orientação, numa atitude, senão antiética, no mínimo, incorreta.

Esta situação de “crise interna” na Escola de Aplicação criou, no segundo semestre de 1984,
um clima bastante tenso entre os professores, a direção e a coordenação técnica. A situação não
se modificou mesmo com a designação de uma nova diretora para a EA, que nos substituiu no
início de 1985, a professora Magda Falco de Brito. Alvo de forte pressão, ela permaneceu no
cargo apenas seis meses. Foi substituída pela professora Neuza Rocha Goyano na condição de
diretora “pro-tempore”. Posteriormente, a direção da escola foi assumida por uma diretora
concursada e designada pela Direção da FEUSP, mas a situação só se normalizou na gestão do
professor João Theodoro D´Olim Marote, a quem foi concedida ampla liberdade para
solucionar os problemas da escola, inclusive por meio de demissões.

No final de agosto de 1976, saímos da Escola de Aplicação por motivo de aposentadoria.


Apesar dos problemas relatados, com os quais nos defrontamos, as atividades administrativas e
pedagógicas transcorreram normalmente. Foi possível dar continuidade às aulas do ensino
fundamental e iniciar o funcionamento do primeiro ano do curso do ensino médio. Neste caso,
foram tomadas as medidas necessárias: seleção e designação dos professores para as disciplinas
constantes no currículo descrito, bem como planejamento e programação das aulas. O que
diferiu da rotina que vínhamos mantendo foi a forma das reuniões semanais pedagógicas que,
devido aos problemas de relacionamento com o grupo de professores dissidentes,
transformaram-se em reuniões gerais em que predominaram discussões tensas entre a
coordenadora; professores, favoráveis á manutenção da forma como vinha funcionando a
182

escola, e professores contrários a esta posição, ou seja, defensores de mudanças na linha e na


organização da escola. Por volta de 1988, o que este grupo pleiteava foi posto em prática:
implantação de nova forma de carreira para os professores com direito, inclusive, a cursos de
pós-graduação na FEUSP; substituição de concurso para diretor da escola por eleição de diretor
entre os pares; eliminação do cargo de coordenador pedagógico e de professores orientadores,
mantendo-se apenas uma equipe técnica, constituída de professores-coordenadores das áreas do
ensino, também eleitos entre os pares. Além disso, passaram a ser ignoradas a Diretriz e demais
orientações da escola, estabelecidas por Azanha. Este, aliás, foi alvo de muitas críticas pelo
mencionado grupo de professores que o rotulavam ora como “positivista”, ora como adepto do
“reprodutivismo” segundo a teoria de Bourdieu.

Evidentemente, a situação aqui descrita correspondeu a uma fase. Temos conhecimento de que
no decorrer do tempo a Escola de Aplicação passou a ser conduzida com tranquilidade e de
forma eficiente.

5.10 AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: 1976 A 1986

Principalmente a partir do ano letivo de 1977, a Escola de Aplicação passou a apresentar bons
resultados especialmente no que se referia à aprendizagem dos alunos. Conforme já
esclarecemos, todo o esforço da equipe escolar convergia para a aprendizagem dos alunos. Os
que no final das avaliações bimestrais apresentavam médias abaixo do esperado eram
imediatamente encaminhados para aulas de reforço ou recuperação, oferecidas durante todo o
ano letivo. Também no final de cada prova bimestral, o Conselho de Classe se reunia para
discutir a situação dos alunos que apresentavam nota abaixo da média e identificar as causas
dessa ocorrência para a tomada das providências necessárias. Com esses procedimentos,
praticamente não havia reprovações. Aliás, a reprovação de alunos requeria uma análise
exaustiva e ponderada do Conselho de Classes. Por exemplo, houve um caso incomum em que
uma professora de Matemática insistia em reprovar um aluno que havia obtido a média 4,9. Nas
demais disciplinas, ele fora aprovado. Depois de muita discussão entre a professora e os
colegas que compunham o Conselho de Classe, a professora de Matemática reconheceu que
não devia reprovar um aluno por causa de um décimo.

Na semana de planejamento do ano letivo, como já foi esclarecido, os professores de uma série
reuniam-se com os colegas da série subsequente, da 1ª à 8ª série, para troca de ideias e de
183

informações a respeito da situação de cada aluno, da programação desenvolvida e dos pontos


em que ela deveria ser modificada com a finalidade de adequá-la ao nível de aprendizagem dos
alunos.

Com a implantação do curso de 2º grau, o empenho dos professores e orientadores concentrava-


se, também, numa constante melhoria da aprendizagem. Um fato expressivo da boa formação
dos alunos foi o de que, mesmo considerando o caráter autotélico dado ao Projeto do curso, o
que descartava, de plano, o ensino propedêutico tão comum nos cursos desse nível, nossos
alunos eram aprovados com tranquilidade nos cursos de nível superior. Hoje são médicos,
advogados, publicitários, atores de teatro, dentistas, músicos (inclusive um faz parte da
Orquestra Sinfônica de Moscou), nutricionistas, antropólogos, engenheiros e assim por diante.

Conforme relatamos neste trabalho, o objetivo da Escola de Aplicação consistiu no


desenvolvimento de indivíduos com capacidade de crítica. Evidentemente, é difícil, senão
impossível, dimensionar o alcance desse objetivo, uma vez que a atitude crítica não comporta
uma avaliação exata em nível de aprendizagem. O que podemos afirmar é que o principal
requisito para o desenvolvimento dessa capacidade consiste na contínua aquisição de uma
cultura geral, mediante muito estudo e diálogo, o que foi sempre objeto do ensino na Escola de
Aplicação. Mas sempre é necessária certa precaução com a avaliação de resultados obtidos num
curso de qualquer nível. Como observa Azanha 2006, p.148), a busca da eficiência no ensino não
pode reduzir-se à busca de uma utilidade imediata (grifo nosso). Mais:

Em qualquer nível de ensino escolar há objetivos somente alcançáveis a longo prazo.


Às vezes eles só serão atingidos após o término do período em escolaridade. Trata-se
daquilo que Michael Polanyi chamou de “objetivos não comportamentais”, isto é, não
observáveis nas respostas a questões de uma prova ou de outro trabalho escolar.
Pense-se, por exemplo, na capacidade de conviver democraticamente em situações
não escolares, de exercer senso crítico em situações profissionais, de ser solidário em
lutas e aflições alheias, etc.

A orientação geral da Escola de Aplicação, ou Diretriz, é bastante significativa porque ela


traduz a concepção de Azanha a respeito de como deveria funcionar a escola pública. Para
aquilatar os resultados que essa Diretriz proporcionou à Escola de Aplicação, apresentamos
depoimentos de ex-professores.
184

A entrevista, a seguir, ocorreu com as ex-professoras Maria Luiza Mondin, Lezilda Vigneron e
Maria Salete Cruz. Gentilmente, elas se dispuseram a participar de uma reunião (2009) em que
deram depoimentos, a seguir transcritos.

Pergunta: vocês devem se lembrar que, em 1976, o Prof. José Mário Pires
Azanha assumiu a Representação da FEUSP junto à Escola de Aplicação. O que
acham da orientação que ele estabeleceu para a EA?
Profa. Maria Luiza: Lembro que no começo, o objetivo de transmissão de
conhecimentos causou arrepios nos adeptos da renovação pedagógica. Mas deu
muito certo na linha que trabalhamos.
Profa. Maria Salete Cruz: Essa transmissão de conhecimentos tinha a
finalidade de formar o aluno crítico-criativo. E isto foi alcançado. Sei disso
porque mantive contato com nossos ex-alunos e eles vêm tendo êxito como
profissionais: juízes de direito, nutricionistas, pesquisadores, engenheiros,
dentistas, atores de teatro e assim por diante. Temos até um grande músico que
hoje faz parte da orquestra sinfônica da Rússia.
Profa. Maria Luiza: Uma vez eu pedi vinte livros, e cada aluno comprou vinte
livros, que foram lidos durante um semestre. Depois reduzimos para dez, pois
começou a pesar no bolso dos pais. Semanalmente, tínhamos uma aula na
biblioteca. A Professora Lezilda esperava os alunos e juntos passavam uma hora
na biblioteca. Na semana seguinte havia uma discussão das leituras feitas, na
forma de uma conversa, e era interessante porque quando um aluno gostava do
livro ele entusiasmava os outros. Os melhores resultados foram dos professores
de 1ª à 4ª séries, porque a partir da 5ª série os alunos tinham que, a cada
disciplina, sair de uma sala para outra, e as professoras de português não tinham
o hábito de levar os alunos para a biblioteca. Mas os alunos já haviam adquirido
o hábito de ler e continuavam lendo bastante.
Profa. Maria Luiza: minha filha estudou na Escola de Aplicação desde a
primeira série até o ensino médio. Tornou-se uma leitora inveterada. Hoje,
quando eu pergunto o que ela quer de presente, ela faz uma lista de livros e diz:-
qualquer um da lista serve. Seu pedido de presente de aniversario é uma lista de
livros. Certa vez, os alunos de 4ª série da escola de Aplicação encenaram um
texto de Graciliano Ramos, de uma história de um homem que quando ia calçar
as botas eram cobras (alguma coisa assim), era como se o texto estivesse ali na
nossa frente, e todos os alunos leram o livro. Hoje, se perguntarmos a um aluno
quem é Graciliano Ramos, eles não sabem quem é.
A nova maneira de tratar os alunos é a da chamada renovação pedagógica, e
continua a renovação, e continua a confusão. Não se transmite nada, não se
transmite o conhecimento, nem uma coisa e nem outra, porque quer tanta coisa ao
mesmo tempo, que não se chega a lugar nenhum.
185

Diz-se que o objetivo da renovação pedagógica é formar um cidadão crítico,


responsável pelo planeta, ecologicamente correto, mas ele não sabe ler nem
escrever o próprio nome.
Meus alunos de quarta série sabiam os nomes dos vulcões e o que acontece no
fundo do mar e, além disso, sabiam ler. Eles aprenderam o que precisavam. Hoje,
os alunos não sabem mais nada. Não sabem nada do mar, nada de vulcão e
também não sabem ler nem escrever, produzem um texto vazio, cheio de absurdos,
com erros de concordância, com erros de todos os níveis, porque a internet ajuda
no vocabulário empobrecido. Então eu pergunto: melhorou em quê?

* * *

Milton Sacco é funcionário que vem trabalhando na FEUSP desde que nesse prédio funcionava
o Centro de Pesquisas “Prof. Queiroz Filho”, então vinculado ao Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos (INEP) com sede no Rio de Janeiro. Seu filho cursou o ensino fundamental e
Médio na Escola de Aplicação. Numa entrevista com o pai, ele afirmou que o ensino da EA foi
muito bom, tanto que seu filho já está cursando pós-graduação na Faculdade de Educação da
USP.

* * *
186

A ex-aluna Paula Lopes Gomes estudou, na Escola de Aplicação, da 1ª série do 1º grau até a
3ª série do Ensino Médio. Formou-se na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Hoje é Juíza de Direito no Estado de São Paulo. Segue seu depoimento (2009).

A respeito dos professores:


Tenho lembranças agradáveis de grande parte dos professores. Consigo me
lembrar dos professores que me ensinaram a escrever e a contar (Cristina,
Tioko, Lituko, Iracy, Salete, Luciana), os que me ensinaram a praticar esportes
(Monica, Ubiratan, Célio, Celi, Dodô). No ginásio e no Colegial, lembro-me de
Duvaldo, Rosana, Glória, Ricardo (Filosofia), Paulo, Marcio, Ruth, Cristina,
Yara, Rosana. Todos esses e outros tantos foram muito importantes para minha
formação.
Quanto ao objetivo da EA:
Acredito, ainda, que a Escola sempre procurou ensinar-nos a sermos críticos
quanto ao conteúdo das mensagens e dos escritos. Enfim, acredito que minha
escola profissional e minha atuação tenham estrita relação com minha vivência
na Escola de Aplicação.

Sobre as atividades de artes plásticas, de música e de teatro:


Desde o primário, música, teatro e artes plásticas foram atividades que
realizamos. Essas atividades foram desenvolvidas até o último ano do colegial.
Foi fundamental para que pudessemos desenvolver outras habilidades, para
aqueles que possuissem talentos especiais pudessem descobri-los.
E a entrevistada encerra seu depoimento com o seguinte comentário:
A convivência com a diferença, o desenvolvimento do espírito crítico e do
sentimento de solidariedade humana bem como a criação de espaço para que os
talentos individuais pudessem surgir, foram alguns dos aspectos fundamentais da
Escola de Aplicação.
Paula Lopes Gomes, 2009

* * *
187

A ex-aluna Carolina Mondin cursou o 1º e 2º grau na Escola de Aplicação. Formou-se


publicitária. Na entrevista (2009) que ela nos concedeu foram feitas as observações que
seguem.

Primeiras memórias logo nas primeiras e segundas séries são o Prof. Kim -
artes- e a Cris de música.
Ricardo Fabrinni (filosofia) - porque me ensinou a pensar na lógica do texto e
na importância da coesão e coerência; Rosana Nubia (história) - porque
mostrou que a verdadeira história não é a contada nos livros didáticos e
porque forneceu elementos valiosos para ampliar a percepção do
mundo Victoriano. Física: apesar da dificuldade na matéria em si, o professor
era tão apaixonado pela física que me fez gostar da matéria. Yara (português) -
foi ela quem trabalhou os livros clássicos de uma maneira leve; ampliando a
paixão pela literatura.
As leituras
Lembro das idas semanais à biblioteca e tenho a certeza de ter lido todos os
livros infantis na época do primário. As bibliotecárias: Lezilda e Wanda sempre
nos auxiliavam. Em relação aos livros informativos, com o passar do tempo e
com a necessidade de livros mais específicos, o material disponível na
biblioteca ficou obsoleto.
As atividades de leitura aconteceram mais durante a época do primário e
fazíamos um breve resumo para os colegas do livrinho que havíamos lido
naquela semana. Lembro de gostar muito desses momentos. Acho que são
importantes para a formação. Como me formei na Aplicação em 1995, não
recordo nomes dos autores dos livros.
A respeito do objetivo de escrever, ler e das aulas de Artes:
Sempre fomos incentivados a pensar e a nos expressar, inclusive escrevendo.
Acho que esse objetivo foi cumprido ao longo de todos os anos, em algumas
épocas e em outras menos, mas sempre escrevemos.
Artes
Minha primeira memória da EA sobre Arte é a de uma peça encenada pelos
alunos do Prof. Kim. Peças em francês também eram apresentadas e me lembro
de gostar muito. Quanto à música, aconteceram alguns festivais de músicas e,
quando participei do grêmio, fizemos questão de organizar um grande festival
de música e cultura.
Como encerrou o depoimento
Percebo que o principal diferencial da minha formação em relação aos meus
amigos que não foram da EA, é que sempre fui estimulada a pensar; sempre li
livros que hoje sei que nunca fizeram parte do "currículo oficial".
188

Além disso, minha turma foi privilegiada, por fazer - todos os anos- viagens de
estudo de meio que, em minha opinião, são o melhor aprendizado.
No terceiro colegial fomos até Carajás, passando por Brasília, Belém, Goiânia,
entre outros locais. O espaço da EA também era diferenciado; lembro de comer
as amoras que colhia no pé, durante as aulas. O CEPEUSP também faz parte da
nossa formação diferenciada, pois sempre tivemos espaço e recursos para
desenvolver este lado.
Carolina Mondin, 2009

* * *
189

CAPÍTULO VI

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procuramos deixar claro, no início deste trabalho, que um dos nossos objetivos seria o de
reconstituir a história da Escola de Aplicação no transcorrer do período de 1976 a 1986. Isto
porque queríamos relatar o modo pelo qual Azanha pôs em prática as ideias que há muito vinha
defendendo em prol da melhoria da escola pública. Neste caso, poder-se-ia questionar o fato de
que há certa distância, em termos comparativos, entre a Escola de Aplicação e escolas da rede
oficial de ensino deste Estado. Prevendo este questionamento, Azanha procurou dar um
formato à EA que a tornasse exemplar para a escola pública, ou seja, que tivesse uma forma de
organização e de funcionamento simples, à semelhança de qualquer outra escola

A referida reconstituição abrangeu o histórico da passagem da Escola de Demonstração para


Escola de Aplicação e as principais mudanças nas normas regimentais e nos objetivos,
currículos e programas, sistema de avaliação do rendimento escolar, organização do pessoal
docente e técnico-administrativo; reorganização das classes, forma de matrículas nas 1ªs séries
por meio de sorteio público, normas de estágio. De modo especial, salientou-se a orientação
dada para as práticas escolares na forma de uma Diretriz que, como vimos, norteou o processo
educativo.

No decorrer da nossa explanação, procuramos descrever fatos do cotidiano com vistas à


identificação da cultura da Escola de Aplicação, traduzida em termos de valores, mentalidades,
conflitos normas, atitudes, formas de relacionamento. Neste sentido, convém lembrar que cada
escola tem sua própria cultura, tornando-a uma instituição singular. O que pode esclarecer o
fato de que a melhoria de uma escola só se concretiza se ela decorrer de uma pré-disposição
coletiva e interna da equipe escolar. Talvez isto explique casos da inoperância de “cursos de
treinamento ou aperfeiçoamento” ministrados fora do contexto escolar, ou de “pacotes” de
orientação metodológica enviados por técnicos das secretarias de educação às escolas. É o
professor, na sua escola, dentro da sua sala de aula que faz a aprendizagem acontecer. Mesmo
levando em conta que a escola de hoje é outra escola, distante de um ensino preceptorial, como
frisa Azanha, convém lembrar que é na sala de aula que ocorre a aprendizagem.
190

A Diretriz estabelecida para a EA propiciou bons resultados ao servir como referência para o
projeto de ensino posto em prática tal como foi descrito. É nesta ótica que, segundo um dos
objetivos deste trabalho, são evocadas algumas ideias que talvez possam ser viáveis na escola
pública.

Em primeiro lugar, entendemos ser de importância fundamental a definição, pela equipe


escolar, da Dretriz da escola de modo a deixar claros sua finalidade e objetivos, aliados às
ideias que explicitem sua linha pedagógica. Tem-se, assim, um parâmetro para verificar se as
práticas escolares estão ocorrendo de acordo com a Diretriz traçada. Desta forma, torna-se
possível corrigir os desvios identificados no decorrer do ano letivo.

A Diretriz, assim estabelecida, poderá constituir a parte inicial integrante da Proposta


Pedagógica da escola. Inicialmente são identificadas as dificuldades, deficiências ou problemas
existentes na escola; as proposições e procedimentos a serem adotados; a atribuição de
responsabilidade às pessoas encarregadas de responder pela solução desses problemas. Uma
vez que a instituição escolar é sempre dinâmica, são necessárias contínuas alterações para que
não se perca de vista a coerência das práticas escolares com a Diretriz estabelecida. O fato é
que a Proposta Pedagógica implica especial atenção da equipe escolar porque ela representa
uma oportunidade de pôr em prática a autonomia da escola..A propósito, esclarece Azanha
(2006, p.148):

[...] Foi finalmente sancionada uma nova Lei (nº 9.394), que revogou não apenas a
Lei 4.024, mas também algumas outras que versavam sobre a temática das diretrizes
e bases da educação nacional. Não se pretende aqui um estudo comparativo entre a
nova lei e as anteriores, mas apenas assinalar que pelo menos em alguns pontos o que
se conseguiu não foi uma “meia vitória”, porém um grande avanço. (p.65/66).
Pela primeira vez na legislação brasileira focalizaram-se as questões da autonomia da
escola e de sua proposta pedagógica. O artigo 12, inciso I, estabelece como
incumbência principal da escola a elaboração e a execução de sua proposta
pedagógica e o artigo 13, inciso I, e o artigo 14, incisos I e II, estabelecem que essa
proposta é uma tarefa coletiva da qual devem participar professores, outros
profissionais da educação e as comunidades escolar e local.
A relevância dessa abertura legal é maior para a escola pública que, a não ser em
raríssimas exceções, integra uma rede cuja administração centralizada tem uma
vocação intervencionista que, continuamente, trata como homogêneas situações
escolares substantivamente heterogêneas. E pretende eliminar diferenças por
ordenações regulamentadoras burocráticas que, arrogantemente, confundem poder
administrativo com discernimento pedagógico. Tendo em vista quadro semelhante,
Anísio Teixeira, já em 1962, alertava: “ É por isto mesmo que tais pequenas vitórias
precisam ser consolidadas na sua execução. Não se julgue que isto seja automático.
Se não houver visão e vigilância no cumprimento da lei, a máquina administrativa
poderá vir a burlá-la completamente”.
191

Sabemos que o êxito da escola depende, essencialmente, da conjugação de esforços da equipe


escolar e da comunidade para a elaboração da proposta pedagógica, fazendo valer sua
autonomia, o que pode impedir um possível intervencionismo das esferas administrativas e
técnicas que se situam em níveis de instância superior. Para Azanha (2006, p.67-68).

[...] a nova LDB delineou na atribuição, como tarefa principal da escola, da


elaboração e execução da sua proposta pedagógica. Essa tarefa consiste
principalmente na definição dos problemas prioritários da escola. É nesse momento
que é indispensável o que Anísio Teixeira chamou de “ visão e vigilância” para
resistir às arremetidas burocratizantes e, também, aos pruridos cienticistas dos
“diagnósticos” e “levantamentos” intermináveis e inconclusivos. Os problemas da
escola são simplesmente aqueles que assim são percebidos pelas comunidades locais
e escolares. Haverá, nessa percepção, enganos, distorções, exageros, etc. Mas é aí que
se instala a grande oportunidade para início da função educativa de cada escola para
construir a sua identidade institucional, identificando e tentando resolver os seus
problemas. Como dizia mestre Anísio: “Afinal, é na escola que se trava a última
batalha contra as resistências de um país em mudança”.

Quanto ao currículo e à carga horária, Azanha entende que, sem deixar de atender ao que
dispõe a legislação, deve-se propor um mínimo possível de disciplinas, atribuindo maior carga
horária à Língua Portuguesa e à Matemática, uma vez que se visa à formação geral e comum do
aluno. Também é importante que se inclua no currículo de 5ª à 8ª série uma ou mais línguas
estrangeiras modernas que contribuem muito para ampliar a cultura dos alunos.

No que se refere às inovações inerentes a movimentos de renovação pedagógica, parece-nos ter


ficado claro o posicionamento contrário de Azanha. Em relação às atividades de planejamento,
por exemplo, sua idéia é a de que não é possível, nem desejável que em apenas uma semana
seja elaborado o Plano anual da escola. Essa semana deveria ser reservada para encontro dos
professores por série e por classe para troca de informações sobre a programação efetivamente
ensinada e a situação de aprendizagem de cada aluno a fim de assegurar a continuidade do
ensino. Além disso, dever-se-ia aproveitar a oportunidade para a definição dos conteúdos
mínimos a serem ensinados em cada classe. Apenas isto. As demais atividades a serem
planejadas seriam postergadas para uma época estabelecida entre os professores, a direção e o
pessoal técnico da escola. Portanto, o importante na semana de planejamento consistiria na
definição do que vai ser ensinado e de como fazê-lo.

A metodologia de ensino deve ser coerente com a Diretriz e os objetivos da escola. Um


trabalho educativo sério requer um professor empenhado em ensinar e alunos esforçados para
aprender, o que exclui, de plano, um ensino pautado apenas em jogos e brincadeiras. É preciso
192

que prevaleça a disciplina do aluno num ambiente de ensino com muito diálogo sobre o assunto
em estudo.

Alain (apud AZANHA, 1978, p.4), citado por Azanha, defende a importância do “desafio” para
o aluno:

[...] Não direi apenas que tudo o que é fácil é mau; direi mesmo que o que julgamos
fácil é mau. Por exemplo, a atenção fácil não é de modo algum a atenção; ou, senão,
poderemos dizer que o cão que espera o açúcar presta atenção. Igualmente, não quero
vestígio de açúcar; e a velha história do cálice amargo cujas bordas são untadas de
mel parece-me ridícula. Preferia tornar amargas as bordas de um cálice de mel,
todavia isso não é necessário; os verdadeiros problemas são inicialmente amargos de
gosto; o prazer virá para aqueles que vencerem o amargor. Não prometerei, portanto,
o prazer, mas darei como finalidade a dificuldade vencida. Esse é o atrativo que
convém ao homem; somente assim é que conseguirá pensar em vez de experimentar.

No que se refere à avaliação da aprendizagem, os critérios estabelecidos, conforme são


descritos no regimento escolar, ocasionaram empenho dos alunos nos estudos, especialmente
no sentido de alcançarem a média necessária para ficarem dispensados do exame final.

Outro aspecto que entendemos ser importante refere-se à alfabetização que constitui sempre
uma tarefa difícil em todas as escolas e, talvez por isso, ela seja alvo de inúmeras proposições
de natureza metodológica e mesmo teórica. Independentemente dessa situação, conforme já
mencionamos, parece-nos ser importante o fato de que nossa língua é alfabética e bastante
econômica. Desta forma, acreditamos que esta característica deveria ser levada em conta nos
planos de alfabetização. Estamos defendendo aqui o método rotulado como “tradicional”, que é
objeto de inúmeras críticas, principalmente nos dias de hoje em que há uma grande tendência
para valorizar a alfabetização numa linha construtivista. Evidentemente, o processo da
alfabetização em seu sentido amplo requer tempo para que se dê conta de todas as ocorrências
da língua, principalmente na escrita em que contamos com a dificuldade da ortografia. É certo
que alguns alunos apresentam lentidão ou dificuldades na aprendizagem, o que é possível
contornar mediante assistência especial dada em aulas de reforço e de recuperação. Há também
o fato de que, dada a complexidade da nossa língua escrita, a alfabetização se inicia na primeira
série, mas requer continuidade na segunda série, sendo aperfeiçoada nas demais séries e,
podemos dizer, ao longo da vida.

Esse aperfeiçoamento da alfabetização requer, entre outras atividades, uma ênfase especial na
leitura intensiva de livros da literatura infanto-juvenil, desde a 1ª série, conforme descrevemos
193

no decorrer deste trabalho. Sabemos que a maioria das escolas não tem recursos financeiros
para a formação de uma boa biblioteca. Neste caso, a equipe escolar poderia recorrer a outros
meios, como, por exemplo, organizar os livros paradidáticos fornecidos pelo Ministério da
Educação, fazer campanhas para a formação de acervo de livros doados pelas editoras, pelos
próprios alunos e pais; junto a instituições, empresas. Neste sentido, é oportuno lembrar a
importância de um bom relacionamento da escola com a comunidade familiar e com as
entidades da cidade, estabelecendo com elas um bom relacionamento até mesmo em nível de
parcerias, conforme vem ocorrendo com diversas escolas.

Uma dificuldade com que nos defrontamos referiu-se à diversidade dos alunos em vários
aspectos: étnico, social, econômico, gênero, nível de linguagem. Não é possível deixar de
abordar essa situação, uma vez que, principalmente nos dias de hoje, tem-se debatido bastante
sobre a necessidade de as escolas tomarem todas as medidas possíveis em prol da inclusão dos
alunos, eliminando-se, da melhor forma possível, as discriminações, os preconceitos não só
entre os próprios alunos como até mesmo entre alguns professores e funcionários das escolas. É
visível o preconceito, principalmente no que se refere à linguagem ou ao modo de falar de
alguns alunos. Trata-se de um preconceito equivocado, uma vez que na fala não existe
fundamento para o “falar certo ou errado”. Evidentemente, é preciso valorizar o domínio da
língua na norma-padrão. Trata-se de uma aprendizagem gradativa que ocorre ao longo do
curso, especialmente nas atividades de redação e em situações formais de comunicação oral.

Sabemos que não é fácil combater atitudes de discriminação e de preconceitos, uma vez que
elas são adquiridas pelas pessoas, principalmente, no meio em que nascem, crescem e vivem.

* * *

Quanto à primeira hipótese levantada no início deste trabalho, acreditamos que a orientação de
Azanha surtiu bons resultados. Foi possível organizar e pôr em prática, tanto para o curso
Fundamental, como para o Ensino Médio, um currículo de vocação humanista, ou de cunho
autotélico, voltado para uma formação geral e comum, sem deixar de atender ao disposto na
Lei 5692/71, vigente na época, conforme descrevemos no decorrer do primeiro capítulo. O
processo pedagógico desenvolveu-se numa linha que poderia ser denominada triádica:
formação geral – ampliação da cultura – desenvolvimento da capacidade de crítica. Neste
sentido, tomamos como referência o depoimento de uma ex-aluna que permaneceu na Escola
194

de Aplicação no decorrer dos cursos fundamental e Médio. Trata-se da ex-aluna Mariana


Castro Maciel que cursou o 1º e o 2º graus na Escola de Aplicação e atualmente é nutricionista.

DEPOIMENTO
Eu me lembro de todos os meus professores. Lembranças agradáveis eu
tenho da maioria deles. Mas me marcaram a professora Luciana Barone de
Estudos Sociais (1986 e 1987) porque era muito doce e didática; a professora
Samira de francês, porque os ensinamentos continuam em minha mente até
hoje, mesmo sem ter cursado francês fora. Do professor Ricardo de filosofia e
Victoriano de física, que despertaram o “pensar” em mim. Gostei muito das
disciplinas de francês pela curiosidade pela língua e de português, pela
essencialidade.
Não vejo ninguém da minha turma com medo e/ou preguiça de abrir um
livro e buscar seu conteúdo. Isto foi um choque para mim principalmente
quando entrei para a faculdade, quando me deparei com outras pessoas,
outras cabeças, outro jeito de pensar e encarar os estudos.
Lembro-me como se fosse hoje das nossas aulas semanais na biblioteca e
das interpretações que fazíamos dos livros. Lembro do livro “Clarinha na
Ilha”, mas não me lembro do autor. Da “Bolsa Amarela da Lygia Bojunga
Nunes. Do “Zero, zero alpiste” da Mirna Pinsky e de outros mais.
As atividades de artes eram bem variadas e incentivavam os alunos a
criarem. Esse era o maior ponto. Isso sem falar na infinidade de músicas
brasileiras que sei até hoje e meu gosto musical mais apurado que desenvolvi
desde essa época. Duvido que tenha algum aluno do meu tempo que não se
lembre ao menos de uma das músicas que cantávamos com a professora
Salete de português ou com a Claudia, de música. Para mim o mais
importante foi a formação de cidadãos críticos, pensantes e atuantes.

Mariana Castro Maciel, 2009

A explanação até aqui feita vem ratificar nossa segunda hipótese. Apesar das críticas feitas ao
que se costuma denominar ensino tradicional, parece-nos irrefutável a ideia de que a formação
da criança, do jovem e do adolescente requer, necessariamente, além de outros aspectos, a
aquisição de conhecimentos, ou, como propõe Azanha: A mera e trivial transmissão de
conhecimentos. Evidentemente, não se trata aqui da exaltação das aulas essencialmente
expositivas, mas, sim, de uma forma de ensino em que, centrada em informações, o professor
195

instiga o aluno a discuti-las, a defendê-las ou a refutá-las no decorrer de um constante diálogo.


Como já afirmamos várias vezes, a base da aprendizagem consiste no estudo intensivo e
sistemático do aluno e no empenho contínuo do professor em ensinar. Como esclarece Azanha
(1987, p.157-158, grifos nossos) na Diretriz da escola:

[...] O que visamos é o desenvolvimento dos indivíduos com capacidade de crítica.


A capacidade de criticar a si próprio e a sociedade em que vive é o único ponto de
apoio firme para o desenvolvimento de homens criativos e livres. Contudo, não
acreditamos que a capacidade de crítica possa ser diretamente ensinada. Mas
acreditamos que ninguém a desenvolverá na ignorância ou no aprendizado
insuficiente de um mínimo do acervo cultural da sociedade em que vive. Porque a
capacidade de crítica depende para a sua expressão do domínio de um
instrumental, que não se obtém senão pelo estudo intensivo e sistemático. Por
isso, o processo de ensino desta escola visará, sobretudo, não ao hipotético
desenvolvimento de inefáveis hábitos e atitudes, mas à indispensável e trivial
transmissão de conhecimentos. Os hábitos e as atitudes que compõem um espírito
crítico não se desenvolvem formalmente; por isso a escola que se propõe educar (no
sentido de desenvolvimento de hábitos e atitudes) e não instruir (no sentido de
aquisição de conhecimentos) persegue um fantasma.

Nestas condições, parece-nos ser viável a proposição feita, desde que a equipe escolar da escola
pública se proponha ao desenvolvimento de uma formação geral, voltada para a formação de
indivíduos críticos.

A referida Diretriz leva-nos à nossa terceira hipótese. A de que o posicionamento de Azanha


em relação ao movimento de renovação pedagógica foi não só o de contestá-la, como o de
substituí-la por uma linha orientadora, vazada na simplicidade e no que é comum; mais
próxima do que se convencionou chamar de ensino tradicional. Haja vista a crítica de Azanha a
diversas inovações propaladas, na época, como, por exemplo: métodos ativos, liberdade do
aluno como condição de aprendizagem, técnicas de ensino da criatividade, brincadeiras e
recreações como meios favoráveis à aprendizagem; realização de trabalhos em grupos; novas
metodologias do ensino, entre outras.

Conforme mencionamos, este trabalho não comportaria uma conclusão porque apenas relata
uma forma de ensino que poderia ser traduzida como um plano de ação. Nestas condições,
mesmo acreditando que uma possível concretização desse plano em escolas públicas possa dar
bons resultados, teríamos a dizer, como sempre se manifestava o professor José Mário em
situações semelhantes: “Quanto aos bons resultados de um plano de ação posto em prática,
cabe somente à história dizer...”.
196
197

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