SÃ - Ntese1 - CV
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• A cidade surge como um espaço que se opõe ao campo. O espaço urbano é visto
como opressivo e destrutivo (por exemplo, nos poemas «Num bairro moderno» e «O
sentimento dum ocidental»), tanto para o sujeito poético como para os populares que
para aí se deslocam em busca de melhores condições de vida, na sequência do
enorme êxodo rural que ocorreu nesta época. Em contrapartida, o campo é perspeti-
vado como um local de liberdade - sendo que o espaço rural não é idealizado, mas
descrito de forma realista e concreta.
• Mesmo nos poemas que se concentram no espaço citadino, são feitas referências
frequentes ao campo - como que a lembrar que a vocação do ser humano se orienta
para uma vida harmoniosa e natural, que só no campo se encontra, e que a vida na
cidade o desumaniza. Deste modo, no espaço urbano há sempre um desejo de eva-
são para o campo.
• Esse olhar subjetivo sobre o real e a cidade concretiza-se em vários casos numa
representação imaginativa das figuras, dos elementos e dos espaços que são
descritos. A imaginação do sujeito poético leva-o, por exemplo, a comparar a
atriz elegante e intimidada de «Cristalizações» a uma cabra fugidia ( «Com seus
pezinhos rápidos, de cabra!») ou a falar, no mesmo poema, das «árvores
despidas» do inverno como «uma esquadra [fundeada] em fria paz».
• Por fim, note-se que a imaginação do sujeito lírico é também responsável por
trazer para o presente alusões ao passado da cidade, seja esse passado glorioso
ou sombrio: «Assim que pela História eu me aventuro e alargo» . Os grandiosos
tempos idos da pátria emergem pela evocação de «Mouros, baixéis, heróis, tudo
ressuscitado» ou de Camões; os períodos de obscurantismo revelam-se quando,
por exemplo, duas igrejas recordam os tempos da Inquisição: «um ermo inqui-
sidor severo» (exemplos de «O sentimento dum ocidental») .
• Tal significa que esta imaginação poética contribui decisivamente para dar sig-
nificado (valorização, crltica, sentido, etc.) à realidade que o sujeito poético
descreve. Óscar Lopes (1987: 470-473) sugere mesmo que essa imaginação
funciona através da interseção, do cruzamento de diferentes planos: objetivo e
subjetivo, realidade e imaginação, ou presente e passado.
• Há, contudo, uma dimensão épica no poema; mas essa não pertence ao pre-
sente, à Lisboa moderna. O Tejo, a estátua de Camões e alguns outros elemen-
tos remetem para um passado em que Portugal conheceu a grandeza e a glória.
As alusões aos Descobrimentos e ao Império Marítimo são, assim, um esboço
de uma epopeia do passado, que o presente torna amarga porque já não é essa
a realidade moderna.
• Como sucederia com Camões, se tivesse vivido no fim do século x1x, o sujeito
poético perdeu o motivo para celebrar a pátria decadente.e a cidade sem brilho.
No presente do eu poético, a viagem que se pode fazer já não é a das Desco-
bertas, plena de aventura, mas a fuga, a evasão para outro lugar diferente:
«Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!/[ ... ] Madrid, Paris, Berlim, São
Petersburgo, o mundo!»
• Por fim, também as personagens que povoam a cidade moderna não são já os
heróis militares, cívicos, políticos e artísticos de outrora. São agora personagens
decadentes como burgueses, dentistas ou gente que trabalha mecanicamente,
que não trazem estatuto épico à cidade.
1. Estrutura
• Cesário Verde investe grande cuidado na busca da perfeição formal dos seus
poemas. Essa é uma das razões que levaram alguns estudiosos a aproximar
a poesia deste autor da dos poetas do Parnasianismo (ver glossário).
2. Linguagem e estilo
• Cesário Verde inovou a literatura portuguesa, em fins do século x1x, ao trazer para
o domínio da poesia uma nova linguagem, menos retórica e menos elevada. Esta
coaduna-se com o tratamento original e novo de temas antigos (campo, mulher)
e modernos (cidade) e com o tipo de arte que o autor cultivava.
• Uma estranheza imediata que um leitor do século x1x teria sentido ao entrar na
poesia de Cesário Verde emergiria do discurso pouco ornamentado e pouco
rebuscado que contrastava com a retórica pesada e sentimental de alguma
lírica romântica. Ao representar a realidade moderna da segunda metade de
Oitocentos, Cesário socorre-se de vocábulos e expressões da vivência citadina,
sobretudo a que se associa ao povo. E a poesia começa a ser frequentada por
termos que até então não tinham aí entrada, como «via-férrea», «varinas»,
«infeção», «esguedelhada», «macadamizada », etc.
• A lírica de Cesário Verde aproxima-se da prosa não apenas pelo seu tom
coloquial e antideclamatório mas também, e como vimos, pelo uso do verso
longo - como o decassílabo e o alexandrino e do encavalgamento.