A VIDA de CRISTO - Geoffrey Hodson
A VIDA de CRISTO - Geoffrey Hodson
A VIDA de CRISTO - Geoffrey Hodson
Do Nascimento à Ascensão
Geoffrey Hodson
A VIDA DE CRISTO
Do Nascimento à Ascensão
Geoffrey Hodson
Tradução:
Edilson Almeida Pedrosa
Revisão:
Raul Branco
EDITORA TEOSÓFICA
Brasília-DF
Título original:
The Christ Life from Nativity to Ascension
A VIDA DE CRISTO,
Do Nascimento à Ascensão
H692
Brasília, 1999
ISBN 85-85961-21-X
Assunto:
1. Filosofia do Cristianismo
2. Teoria do Cristianismo
CDD 201
Capa:
Marcelo Ramos
Diagramação:
Reginaldo Alves Araújo
Revisão:
Zeneida Cereja da Silva
Sumário
Prefácio.....................................................................................................................
A Sabedoria Oculta e Por que ela ela é Oculta
PARTE UM
A HISTÓRIA EVANGÉLICA – UMA BREVE REVISÃO
Capítulo Um
PARTE DOIS
A ANUNCIAÇÃO. A IMACULADA CONCEPÇÃO, O NASCIMENTO,
A CHEGADA DOS MAGOS
Capítulo Dois (Lc. 1:26-74)...............................................................................
Capítulo Três (Jo 1:1-11)..................................................................................
Capítulo Quatro (Mt 1:18-25)...............................................................................
Capítulo Cinco (Mt 2)..........................................................................................
PARTE TRÊS:
O BATISMO
Capítulo Seis (Mt 3)............................................................................................
PARTE QUATRO:
COMEÇA O MINISTÉRIO
Capítulo Sete (Mt 4:1-11 e Jo 2:1-11; 4:27-54; 5:1-23).....................................
Capitulo Oito (Jo 6:47-54; 2:12-25; 3; 4:1-25 e Mt 4:12-25).............................
PARTE CINCO:
O SERMÃO DA MONTANHA
Capítulo Nove (Mt 5)..........................................................................................
Capítulo Dez (Mt 6)..........................................................................................
Capítulo Onze (Mt 7)..........................................................................................
PARTE SEIS:
MILAGRES DE CURA
Capítulo doze (Mt 8)...........................................................................................
Capitulo treze (Mt 9)............................................................................................
5
PARTE SETE:
CRISTO E SEUS APÓSTOLOS
Capítulo Quatorze (Mt 10).....................................................................................
Capítulo Quinze (Mt 11)..............................................................................
Capítulo Dezesseis (Mt 12).....................................................................................
PARTE OITO:
A PARÁBOLA DO SEMEADOR, SUA INTERPRETAÇÃO,
A ALIMENTAÇÃO DE CINCO MIL E O MANDAMENTO
DE CRISTO
Capítulo Dezessete (Mt 13).....................................................................................
Capítulo Dezoito (Mt 14 e Jo 8:3-11)..................................................................
Capítulo Dezenove (Mt 15).....................................................................................
Capítulo Vinte (Mt 16).....................................................................................
PARTE NOVE:
TRANSFIGURAÇÃO – ENSINAMENTOS E MILAGRES
Capítulo Vinte e Um (Mt 17)..........................................................................
Capítulo Vinte e Dois (Mt 18)..........................................................................
Capítulo Vinte e Três (Mt 19)..........................................................................
Capítulo Vinte e Quatro (Mt 20)..........................................................................
PARTE DEZ:
DOMINGO DE PALMAS, PURIFICAÇÃO
NO TEMPLO, PARÁBOLAS ADICIONAIS E TRAIÇÃO
Capítulo Vinte e Cinco (Mt 21:1-27).................................................................
Capítulo Vinte e Seis (Mt 16:6-13; 26:1-5, 14-35).........................................
Capítulo Vinte e Sete (Mt26: 36-75)...............................................................
PARTE ONZE:
JULGAMENTO, CRUCIFICAÇÃO,
RESSURREIÇÃO, REAPARECIMENTOS E ASCENSÃO
Capítulo Vinte e Oito (Mt 27).........................................................................
Capítulo Vinte e Nove (Mt28 e Jo 20:11-17, 24-29; 21 e
Lc 24:13-15, 28-31, 50-53)........................................
Glossário..................................................................................................................
Bibliografia..............................................................................................................
6
Dedicatória
Este trabalho é dedicado a Filo Judaeus,
o grande Sábio da Alexandria.
– Filo
Traduzido por W. R. Inge.
Agradecimentos
Reconheço com gratidão a ajuda de minha esposa Sandra na produção desse
trabalho, que transcreveu as interpretações originais ditadas por mim das passagens
bíblicas; ao meu queridíssimo amigo David Hugh Chisholm, que se incumbiu da
datilografia final do trabalho e da produção do índice; e a Truman Caylor
Wadlington, meu estimado colaborador literário, por editorar e coordenar as
sucessivas partes deste livro.
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8
9
Este trabalho está baseado na Bíblia de King James e todas citações e referências
são extraídas daquela versão. Naquilo que não houvesse discordância com o
original em inglês, apoiamos nossa tradução preferencialmente no texto bíblico
da versão brasileira da Bíblia de Jerusalém, da Edições Paulinas.
Ab.........................................................................................
Abdias Hab...............................................................................................................................................................
Habacuc Ne......................................................................................................................
Neemias
Ag.........................................................................................
Ageu Hb.................................................................................................................................................................
Hebreus Nm....................................................................................................................
Números
Am........................................................................................
Amós Is...................................................................................................................................................................
Isaías Os......................................................................................................................
Oséias
Ap.........................................................................................
Apocalipse Jd..................................................................................................................................................................
Judas 1Pd....................................................................................................................
1ºPedro
At..........................................................................................
Atos dos Apóstolos Jl...................................................................................................................................................................
Joel 2Pd....................................................................................................................
2ºPedro
Cl..........................................................................................
Colossenses Jn..................................................................................................................................................................
Jonas Pr......................................................................................................................
Provérbios
1Cor......................................................................................
1º Coríntios Jó..................................................................................................................................................................
Jó Rm....................................................................................................................
Romanos
2Cor......................................................................................
2º Coríntios Jo..................................................................................................................................................................
Evangelho de João 1Rs ...................................................................................................................
1º Reis
1Cr........................................................................................
1º Crônicas 1Jo.................................................................................................................................................................
1º de S. João 2Rs ...................................................................................................................
2º Reis
2Cr........................................................................................
2º Crônicas 2Jo.................................................................................................................................................................
2º de S. João Rt......................................................................................................................
Rute
Ct..........................................................................................
Cântico dos Cânticos 3Jo.................................................................................................................................................................
3º de S. João Sb......................................................................................................................
Sabedoria
Dn.........................................................................................
Daniel Jr...................................................................................................................................................................
Jeremias
Sf.......................................................................................................................
Sofonias
Dt..........................................................................................
Deuteronômio Js...................................................................................................................................................................
Josué
Sl.......................................................................................................................
Salmos
Ecl.........................................................................................
Eclesiastes Jt...................................................................................................................................................................
Judite
1Sm...................................................................................................................
1º Samuel
Ef..........................................................................................
Efésios Jz...................................................................................................................................................................
Juízes
2Sm...................................................................................................................
2º Samuel
Esd........................................................................................
Esdras Lc..................................................................................................................................................................
Evangelho de Lucas
Tg......................................................................................................................
Tiago
Est.........................................................................................
Ester Lm.................................................................................................................................................................
Lamentações
1Tm..................................................................................................................
1º Timóteo
Ex..........................................................................................
Êxodo Lv..................................................................................................................................................................
Levítico
2Tm..................................................................................................................
2º Timóteo
Ez .........................................................................................
Ezequiel Mc.................................................................................................................................................................
Evangelho de Marcos
1Ts....................................................................................................................
1º Tessalonicenses
Fl ..........................................................................................
Filipenses Mq ................................................................................................................................................................
Miquéias
2Ts....................................................................................................................
2º Tessalonicenses
Fm........................................................................................
Filemon Ml .................................................................................................................................................................
Malaquias
Tt......................................................................................................................
Tito
Gl..........................................................................................
Gálatas Mt.................................................................................................................................................................
Evangelho de Mateus
Zc......................................................................................................................
Zacarias
Gn.........................................................................................
Gênesis Na..................................................................................................................................................................
Naum
NT - nota do tradutor
gr. - grego
sânsc. - sâncrito
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PREFÁCIO
A história evangélica da vida de Cristo é muito apreciada e tomada como
uma fonte infalível de inspiração para muitos. A familiar história é considerada
inclusive tanto no sentido literal ou histórico como no alegórico. S. João, nos seus
primeiros cinco versículos, por exemplo, parece pretender que o Cristo deve ser
considerado primeiramente como um relato alegórico da encarnação e evolução do
Deus supremo do universo e do Ser divino no homem. Tão habilmente os
evangelistas esconderam e revelaram debaixo do véu da alegoria e do simbolismo o
mistério da Divina Encarnação (ou Natividade) no universo e as fases subseqüentes
da evolução que o conhecimento direto ou Tradição de Mistério não é sempre
discernível prontamente. Este livro é escrito na esperança de prover um guia para a
descoberta da Sabedoria secreta contida nos quatro relatos, ou evangelhos, da vida
de Cristo.
Deve ser sempre lembrado que a maravilhosa história não foi planejada para
ser interpretada meramente como a rememoração de eventos exteriores, mas deve
ser vista também como revelação do divino por trás das manifestações do homem
mortal e material subdesenvolvido. Na verdade, o relato total, escrito pelas mãos
desconhecidas dos evangelistas, é simplesmente um registro das experiências do
espírito na matéria, da Mônada no homem, da escapada de ambos da matéria e de
suas garras mortais, de volta à liberdade, a qual é o estado natural do espírito e da
Mônada no mundo da realidade divina.
Um significado místico não deve ser desdenhado, pois cada ser humano tem
um espírito crítico inerente como parte essencial de sua natureza. Finalmente, ele
vem a ter conhecimento de seu poder interior e a utilizá-lo como uma fonte infalível
de força e conforto para si próprio e para seus semelhantes. O Cristo interior pode,
entretanto, ser atualmente pressentido, ou percebido, como a sabedoria e a
compaixão que despontam e despertam o amor universal “recentemente nascido”.
Gradualmente, através do Batismo e da Transfiguração transcendentais, o amor
divino torna-se conhecido diretamente como um poder espiritual e uma presença
guardada como uma relíquia dentro do recesso secreto da alma. Depois disso, o
Cristo interior torna-se uma fonte de luz e centro de paz imperturbável, justamente
como o Salvador histórico que trouxe luz e outorgou paz para toda a humanidade. A
crucificação interior segue-se à transfiguração, mas somente como uma experiência
no caminho para a ascensão, quando a Terra e as coisas da Terra são deixadas para
trás, e a unidade com o Pai (ou Mônada) torna-se para sempre uma experiência
irremovível na consciência.
12
13
A SABEDORIA OCULTA
E PORQUE ELA É ESCONDIDA
O mais alto estágio de poder que a ciência oculta pode conferir é derivado do
conhecimento da unidade e da interação entre o macro e o microcosmo, o universo
e o homem. “O mistério do homem material e mortal segue-se ao mistério do Ser
divino e imortal,” escreveu Eliphas Levi. Lao-tse também expressou essa verdade
em suas palavras: “O universo é um homem em grande escala.”
O universo com todas suas partes, do mais alto plano até a natureza física, é
considerado interconectado e entrelaçado, formando um total singular: um corpo,
um organismo, um poder, uma vida, uma consciência, tudo ciclicamente evoluindo
sob uma lei. Os “órgãos”, ou partes, do macrocosmo, embora aparentemente
separados no espaço e em diferentes planos de manifestação, estão de fato
harmoniosamente interrelacionados, intercomunicados e interagem continuamente.
De acordo com essa revelação da filosofia oculta, o Zodíaco, as galáxias e
seus sistemas componentes, os planetas com seus reinos e planos da natureza, os
elementos, ordens de seres, forças radiantes, cores e notas são não só partes de um
todo coordenado, em correspondência, ou ressonância mútua, com cada uma das
outras, mas também, o que é profundamente significativo, têm suas representações
dentro do próprio homem. Esse sistema de correspondências está em operação
através de todo o microcosmo, da Mônada, ou espírito mais interno, à carne mortal,
incluindo as partes do mecanismo da consciência, os veículos e seus chakras
(centros, no homem, através dos quais fluem forças superfísicas – ver Glossário),
por meio dos quais o Espírito no homem é manifestado através de toda sua
natureza, variando em grau de acordo com o estágio de evolução alcançado. O ser
humano que descobre essa verdade pode introduzir-se no aspecto poder do universo
e utilizar-se de qualquer uma dessas forças. Ele então se torna dotado de influência
quase irresistível sobre a natureza e sobre os seus semelhantes.
Esse conhecimento da relação entre o universo e o homem é parte da
sabedoria secreta do cabalismo, o qual ensina que, na cadeia do ser, tudo está
contido dentro de tudo o mais. Onde alguém se encontra, lá está todo o universo.
Como é em cima, é embaixo; como é dentro, é fora. Cada coisa age
incessantemente sobre tudo o que existe. O cabalismo, então, enfatiza a interrelação
de todos mundos e níveis de seres segundo leis exatas, embora imperscrutáveis.
Todas coisas, além do mais, possuem profundidades que podem ser contempladas
de todos os ângulos.
Tal é parte da sabedoria que é dita estar implícita na Torá. Esse livro sagrado
é para os cabalistas a revelação das leis do cosmo, dos seus inter-relacionamentos
14
com o homem e da história dos judeus. Tudo está, entretanto, profundamente
escondido sob sucessivos véus de alegoria, símbolo e estórias metafóricas.
Orígenes, em Selecta in Psalmos, Patrologia Graeca XII, escreveu: “As Escrituras
Sagradas são como grandes casas, com muitos e muitos quartos, e fora de cada
porta existe uma chave; mas ela não é a correta. Encontrar as chaves certas que vão
abrir as portas, esta é a grande e árdua tarefa.”
Essa tarefa é dura de fato, demandando algum conhecimento de
cosmogênese, da emanação do universo pelo Absoluto, do finito pelo infinito, e dos
ciclos sucessivos, maior e menor, da involução e evolução. Além do mais, o
conhecimento da linguagem simbólica, dos seus propósitos, dos métodos e dos
símbolos clássicos, e a habilidade de analisar e interpretar metáforas históricas são
necessários para abrir o cofre da sabedoria oculta – a própria Bíblia Sagrada.
Onde o Verbo verificou que as coisas feitas de acordo com a história podiam ser
adaptadas para esses sentidos místicos, Ele fez uso delas, velando da multidão o
significado mais profundo; mas, onde na narrativa do desenvolvimento das coisas
super-sensoriais não ocorrem a execução daqueles eventos que já foram indicados pelo
significado místico, a escritura entrelaçou na história o relato de algum evento que não
teria acontecido, algumas vezes que não poderia ter ocorrido; algumas vezes que
poderia, mas não aconteceu.”
“De Principiis” Orígenes, filósofo cristão erudito bíblico, famoso por seus
ensinamentos em Alexandria e Cesaréia (C.185-C.254 d.C.).
Cada ocasião em que você encontra em nossos livros um conto cuja realidade
parece impossível, uma história que é repugnante à razão e ao bom senso, então
esteja certo de que ela contém uma imperscrutável alegoria velando uma profunda
verdade misteriosa e, quanto maior o absurdo da letra, mais profunda a sabedoria do
espírito.
15
Tal como uma linda mulher escondida no interior de um palácio que, quando
seu amigo e amado passa, abre por um momento uma janela secreta e é vista
somente por ele e, então, outra vez, se recolhe e desaparece por um longo tempo.
Assim, a doutrina mostra-se somente aos eleitos, mas também, mesmo para eles,
nem sempre da mesma maneira. No começo, profundamente velada, apenas acena
para o passante, com sua mão; ele simplesmente confia (em si mesmo) se em sua
compreensão percebe essa amável sugestão. Mais tarde, ela chega mais perto dele e
sussurra algumas poucas palavras, mas o semblante dela está ainda oculto por um
espesso véu, que sua vista não pode penetrar. Ainda mais tarde, ela conversa com
ele, seu semblante coberto com um véu mais fino. Depois que ele tiver se
acostumado com sua presença, ela finalmente se mostra face a face e confia-lhe os
segredos mais recônditos do seu coração ("Sod").
Rabino Simeon disse: "Se um homem olha a Torá meramente como um livro
que apresenta narrativas e problemas do dia a dia, coitado dele! Tal Torá, cuidando
dos interesses diários, nós também, nós mesmos, poderíamos compilar na verdade
um livro melhor. Mais do que isso, na posse dos dirigentes do mundo há livros de
méritos ainda maiores, e com estes poderíamos competir se desejássemos compilar
uma tal Torá. Mas a Torá, com todas as suas palavras, contém verdades
sobrenaturais e segredos sublimes."
16
"Se a casca é o princípio exotérico e a gema o esotérico, o que então é a
clara? A clara é o alimento da segunda, a sabedoria acumulada do mundo
centrando-se ao redor do mistério do crescimento que cada indivíduo deve absorver
antes que possa quebrar a casca. A transmutação da clara, por meio da gema, na
avezinha é o segredo dos segredos de toda a filosofia cabalística."
"E, acercando-se dele os discípulos, disseram-lhe: por que lhes falas por
parábolas? Ele respondendo, disse-lhes: Porque a vós é dado conhecer os mistérios
do reino dos céus, mas a eles não lhes é dado. Mas bem-aventurados os vossos
olhos, porque vêem, e os vossos ouvidos, porque ouvem."
"Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o
ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne verdadeiramente é comida, e o
meu sangue verdadeiramente é bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu
sangue permanece em mim e eu nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu
vivo pelo Pai, assim, quem de mim se alimenta, também, viverá por mim."
(João 6:54-57).
17
Incluir toda a verdade na linguagem escrita, expressar os maiores mistérios
ocultos em um estilo abstrato não só seria desnecessário, perigoso e sacrílego, mas
também impossível. Há verdades de uma ordem sutil, sintética e divina, que a
linguagem humana é incapaz expressar em toda sua inviolada inteireza. Somente a
música pode algumas vezes fazer a alma senti-las, somente o êxtase pode mostrá-las
em visão total, e somente simbolismo esotérico pode revelá-las ao espírito de um
modo concreto.
18
19
PARTE UM
A HISTÓRIA EVANGÉLICA
UMA BREVE REVISÃO
20
CAPÍTULO 1
E mbora a Religião Cristã tenha surgido depois que Jesus Cristo apareceu na
Palestina, há aproximadamente dois mil anos, ela não foi de forma alguma
uma revelação isolada ou nova. Melhor dizendo, ela tornou-se parte do
longo desenvolvimento histórico estabelecido e mantido nesse planeta pelos
Instrutores espirituais da raça e referidos no Novo Testamento como "os homens
justos tornados perfeitos"1. Santo Agostinho reconheceu a nova religião como a
continuação de um sistema religioso já existente, quando ele escreveu no século IV:
"alguma coisa idêntica àquilo a que agora chamamos religião cristã existiu entre os
antigos, e não estava ausente desde o começo da raça humana até a vinda de Cristo
na carne, a partir de quando a verdadeira religião, a qual já existia, começou a ser
chamada cristã"0. São Paulo, numa carta para seus convertidos em Corinto, referiu-
se à primordial existência da sabedoria divina nas seguintes palavras: "Ensinamos a
sabedoria de Deus, misteriosa e oculta, que Deus, antes dos séculos, de antemão
destinou para nossa glória"0.
Os ensinamentos dessa Sabedoria Eterna estão fundados no coração das
grandes crenças mundiais como um grupo das doutrinas centrais comuns a todas
elas. Essa uniformidade é revelada por um exame dos livros sagrados das várias
religiões e das palavras originais dos maiores instrutores do mundo. A Sabedoria
Antiga é na verdade a mais velha de todas as religiões, consistindo da Theosophia,
a sabedoria dos seres divinamente iluminados através das idades, chamada Teosofia
modernamente0.
Uma ressurgência de amplitude mundial dessa Religião Sabedoria ocorreu
evidentemente entre 700 a.C. e 300 d.C. Durante esse período apareceram Lao-Tse
e Confúcio na China; o Senhor Buda e Sri Shankaracharya na Índia; Zoroastro na
Pérsia; Pitágoras, Platão, Sócrates e Aristóteles na Grécia; e Amônio Saccas,
Plotino e outros neoplatônicos em Alexandria. Todos contribuíram para o grande
reavivamento da Filosofia e do pensamento religioso. Além do mais, os Mistérios
Maiores e Menores no Egito e na Grécia continuavam ainda atraindo, ensinando e
1
Hb 12:23.
0
Retratações 1. 13:3.
0
I Cor 2:7 (provavelmente escrito em 50 d.C.).
0
Ver Geoffrey Hodson, "The Hidden Wisdom in the Holy Bible", Vol.1, cap.6 e Vol.
2, pp. 48-9.
21
iniciando ocultistas e místicos. A esses podem ser agregados aqueles judeus que
estudaram o hebraísmo esotérico, conhecido como Cabala, e também os gnósticos
(Valentim, Basílides, Marcion e outros) que concorreram para o conceito de
"mistério do reino". Essas e outras correntes contemporâneas do pensamento e
cultura foram absorvidas pelo cristianismo nascente. Essa síntese foi iluminada e
potencializada pela presença e, mais tarde, culto de Jesus, o Cristo, como um centro
de vida e fonte de inspiração pessoal, o fundador espiritual da "nova" fé.
Fora o seu profundo efeito sobre as vidas de milhões de pessoas, pouco ou
nada é realmente conhecido sobre a pessoa, vida e morte de Jesus de Nazaré. Sua
aparência física não foi registrada no Novo Testamento, tampouco a vida familiar
de Jesus, exceto que ele tinha pelo menos quatro irmãos e duas irmãs, trabalhava
como carpinteiro e cresceu em sabedoria. Além disto, os evangelhos autografados
pelos evangelistas foram secretamente retirados ou perdidos. Cópias posteriores,
sem dúvida com muitas modificações, são as únicas disponíveis agora. Traduzidas,
editadas, alteradas para adaptar-se a conceitos e dogmas teológicos em mudança,
essas cópias falsificam os relatos originais em certas passagens, apesar de serem
verdadeiras em geral. Ademais, nenhum registro escrito dos eventos e ações
associados a Jesus foi efetuado, e os quatro evangelhos foram escritos muito depois
daqueles eventos da tradição oral, baseada na memória. Fora uma passagem
questionável em Josephus, nenhum registro histórico contemporâneo das séries de
incidentes registrados nos evangelhos foi encontrado em nenhum lugar. Pode ser
considerada como relevante a ausência total de qualquer referência em todos os
escritos dos historiadores do período ou nos registros do Império Romano e de
outros países vizinhos da Judéia de pelo menos a seqüência de acontecimentos
altamente dramáticos que culminaram na Crucificação, Ressurreição e Ascensão do
Senhor.
William Foxwell Albright, no seu livro "The Archeology of Palestine" ["A
Arqueologia da Palestina"], comenta sobre os primeiros textos do Novo
Testamento:
"O único manuscrito do Novo Testamento grego antecedendo o
quinto ou sexto século d.C., cuja existência era conhecida um século
atrás, foi o "Codex Vaticanus", um texto em manuscrito fino
(pergaminho) preservado na biblioteca do Vaticano, mas que esteve,
por todo esse tempo, virtualmente inacessível aos estudiosos e tem
sido utilizado escassamente por críticos textuais. Em 1859, um erudito
alemão, Constantin Tischendorf, descobriu um "Codex" em
pergaminho igualmente antigo no monastério de Santa Catarina do
Monte Sinai e conseguiu adquirir o precioso texto do Czar da Rússia.
Em 1933, o "Codex Sinaiticus", tendo sido comprado da Rússia pelo
Governo Britânico, tornou-se o principal tesouro do museu britânico,
que agora abriga 2 dos 3 mais importantes manuscritos bíblicos
gregos no mundo (o outro é o "Codex Alexandrinus" do 5º século).
Datando da primeira metade do século IV d.C., o "Vaticanus" e o
22
"Sinaiticus" agora representam as mais valiosas autoridades
existentes do texto do Novo Testamento..."
Sob o impacto dos novos achados, iniciou-se recentemente uma forte reação,
ajudada materialmente pelo ponto de vista de C. C. Torrey de que João é a tradução
de um texto aramaico escrito bem antes de 70 d.C. Alguns eruditos radicais (e.g.
Ervin Goodenough) agora consideram João como o mais antigo dos evangelhos, ao
invés do mais recente.
As alocuções de Jesus a seus discípulos registradas pelos evangelistas
carregam as marcas de uma autoria combinada, como de um grupo que contribuiu
depois de ouvir muitas de tais palestras e de escutar outros relatando-as. Esses
pronunciamentos rememorados e tais registros que possam ter existido foram
repetidos, cada pessoa acentuando passagens que se harmonizavam com seu
temperamento. As mentes mais objetivas foram indubitavelmente movidas pelos
chamados ensinamentos históricos que, assim, eram lembrados. Os devotos e
místicos, por outro lado, contribuíram de acordo com sua visão. Todas essas
reminiscências repetidas foram misturadas em uma narrativa, supostamente
descrevendo uma única motivação. Efetivamente, entretanto, muitos discursos em
diversas reuniões contribuíram para os variados ditos e idéias de Jesus, mas são
apresentados como se fossem proferidos ao mesmo tempo. É claro que uma ampla
margem de ação foi permitida aos evangelistas na compilação dos seus evangelhos.
Na verdade, nenhuma escritura de algum povo antigo pode ser tomada como
uma narrativa direta e contínua dos eventos escritos por um homem. Quase sempre
o contrário é verdadeiro. Todas são compilações para as quais, através dos séculos,
foram feitas adições. As idéias diferem, entre aqueles que escreveram
alegoricamente, a respeito da extensão da revelação oculta do conhecimento capaz
de conferir poder, do grau de velamento e mesmo da natureza dos véus a serem
empregados. Todas as escrituras e mitologias deveriam ser lidas e estudadas como
compilações por muitas mãos. Algumas dessas foram pouco inspiradas e mesmo
vulgares, particularmente quando o escritor de uma passagem, em sua ignorância,
considera toda a narrativa somente como história. O resultado é uma indesejável
mistura de inspiração divina e grosseria humana. Porém, em muitos exemplos, o
espiritual irrompe através do relato mais material, assim como o Sol explode entre
as nuvens escuras e enche de luz o mundo.
Um exame crítico dos evangelhos revela que Mateus e Lucas descreveram o
Nascimento diferentemente, e que Marcos e João não o mencionam de forma
alguma. Uma concepção imaculada e um nascimento por meio de uma virgem são
descritos pelos dois evangelistas precitados, não obstante a descendência de Jesus
ser afirmada através da linha paterna. Enquanto S. Lucas reconduz a família
diretamente para Nazaré, S. Mateus leva-a para o Egito, a fim de escapar do perigo
representado por Herodes, que tinha ordenado a morte de todas as crianças
masculinas com até dois anos de idade. Herodes, entretanto, sabidamente faleceu
quatro anos antes da data presumida do início da era cristã. Isso coloca a data natal
23
pelo menos seis anos antes da data do nascimento de Jesus tradicionalmente aceita.
A Ressurreição, tão vitalmente importante para o cristianismo, é diferentemente
narrada, como são os casos da descoberta da tumba vazia por Maria Madalena e das
aparições posteriores de Jesus. São Paulo, que escreveu pelo menos cinqüenta anos
depois, afirma que Jesus reapareceu para mais de quinhentas pessoas e
eventualmente para ele mesmo0. Os evangelhos, entretanto, limitam esse número
em menos de vinte.
Estudos modernos levaram as investigações tão longe que não se pode
esperar informações adicionais precisas. Mesmo a espantosa e aparentemente
acidental descoberta neste século dos Rolos do Mar Morto, parcialmente da mesma
época de Jesus, ainda não ajudou, porque como reunidos até agora e traduzidos não
mencionam Jesus.
Neste livro, o enfoque histórico não será seguido com exclusividade, embora
não seja desprezado. Ao contrário, será considerada a possibilidade de que os
evangelhos foram escritos por homens profundamente iluminados, cujos propósitos
foram menos os de escrever biografias do grande personagem do que os de revelar,
sob o véu da alegoria e da simbologia, verdades que são eternas. Evidências
internas indicam que os evangelistas possuíam conhecimentos ocultos,
aparentemente na forma de cabalismo, que é a doutrina esotérica dos hebreus. Isso é
especialmente notado no quarto evangelho, no qual S. João apresenta Cristo como
uma figura cósmica, declarando sua intenção de assim fazê-lo nos primeiros cinco
versículos do seu primeiro capítulo.
Ao apresentar essa visão, a historicidade dos evangelhos não está sendo
necessariamente questionada. Embora não haja até agora evidência contemporânea
decisiva – exceto quanto a um mui disputado pequeno parágrafo em "Josephus" – a
maioria dos estudiosos bíblicos concordam que o Jesus histórico viveu na Terra,
executou alguns dos atos e deu alguns ensinamentos que lhes são atribuídos e
encontrou uma morte violenta.
Não obstante, a Bíblia cristã, como também as escrituras de outras doutrinas,
foi, desde tempos remotos, considerada como pertencendo a uma categoria de
literatura especial, mesmo única, genericamente referida como a linguagem sagrada
da alegoria e do símbolo. Expoentes dos escritos das religiões orientais, os
primeiros cabalistas, os discípulos de Ammnonius Saccus, outros neoplatônicos de
Alexandria conhecidos como analogistas e seus sucessores até os tempos modernos
– todos têm considerado as escrituras mundiais como amplamente, mas não
inteiramente, alegóricas. Aceitando uma base histórica, eles também as
consideraram como sendo formadas de analogias, metáforas, parábolas e símbolos.
Diz-se que a literatura então produzida e preservada para a posteridade revela e, no
entanto, oculta verdades espirituais profundas que conferem poder.
De acordo como os ensinamentos ocultos, eventos históricos foram
ordenados e usados, conforme eram conhecidos e na medida em que se julgava
0
I Cor 15:6-8.
24
aconselhável divulgá-los. Muitos eventos sobrenaturais e milagres foram
adicionados, alguns dos quais ocorreram de fato, e o grande drama da vida, cósmica
e humana, foi então alegoricamente composto e relatado. Por exemplo, o jovem
iniciado, Jesus, tendo passado por treinamento no Egito e Israel, iniciou a sua
missão com sabedoria e zelo. O povo segui-o. Almas avançadas associaram-se a
ele, mas as autoridades temporais e eclesiásticas recearam-no e odiaram-no e
tramaram sua morte. Finalmente ele foi assassinado por apedrejamento e seu corpo
pendurado em uma árvore, como era o costume naquele tempo, de acordo com S.
Pedro0. Esse fim ignominioso não era literalmente adaptado ao simbolismo
iniciatório e cósmico que os autores dos evangelhos desejavam empregar, assim o
relato foi alterado.
Esse enfoque conduz à conclusão de que teria sido de pequena ou nenhuma
importância para os autores se eles registravam fatos verdadeiros ou não. Eles,
então, resolutamente introduziram nas suas narrativas relatos de observações
pessoais que não foram partilhadas com ninguém e, portanto, com pouca
probabilidade de terem sido testemunhados, bem como incidentes que certamente
não foram registrados e, na verdade, podem nunca ter realmente acontecido.
Todavia eles não foram acusados de falsificadores, uma vez que o seu motivo foi o
de usar a suposta história dos eventos que estavam acontecendo naquele tempo
como veículo de verdades eternas.
Além do mais, como iniciados eles estariam sob duas obrigações: primeira,
revelar verdades ocultas e, segunda, guiar leitores intuitivamente despertos para o
conhecimento oculto, embora ainda o preservando dos não-iniciados. Dessa
maneira e recomendando o autotreinamento, repetidamente advogado e descrito
tanto por Jesus quanto por João, eles diligenciaram no sentido de preparar pessoas
para o discipulado e a iniciação nos Mistérios. Esses, eu sugiro, foram seus
propósitos, especialmente em se tratando de João, que não se considerou obrigado a
ser um acurado historiador, mas acima de tudo, e mais do que isso, um revelador da
gnose e um despertador de almas 0. Os evangelistas, então, empreenderam a tarefa
enormente importante de preservar a história de Jesus e de relatar o ensinamento do
mistério, tanto livremente como em formas alegóricas, para evitar perdê-los durante
a prevista época referida como as "guerras e os rumores de guerra" 0. Uma
interpretação analógica e alegórica dos evangelhos – e ainda de muitos outros livros
da Bíblia – parece então ser perfeitamente permissível. Esse enfoque é, na verdade,
justificado pela iluminação adicional a ser obtida pelo uso das escrituras com esses
propósitos. Além do mais, passagens obscuras, despropositadas e mesmo
abomináveis podem tornar-se, dessa forma, fonte de importantes conhecimentos.
Os evangelhos revelam verdades eternas tais como as leis do ser e das
experiências místicas interiores e das realizações das nações e dos homens. Os
incidentes relatados, além do significado temporal e histórico, têm pelo menos
0
At 5:30.
0
Gnosis, ver G.R.S.Mead: "Pistis Sophia, Fragments of a Faith Forgotten.
0
Mt 24:6.
25
quatro sentidos eternos. Descrevem leis e operações do divino na natureza, cósmica
e solar; a experiência mística da humanidade em geral; o despertar interior em
discípulos ou naqueles que estão se desenvolvendo mais rapidamente do que a raça
humana; as experiências durante as grande iniciações que conduzem ao estado de
super-homem do Adepto0. A seguir vem uma afirmação e a aplicação ao homem de
quatro das sete chaves possíveis, ou principais interpretações, dos símbolos e
alegorias do mundo, que ajudam a tornar clara a linguagem do símbolo e da
alegoria0.
A primeira chave é a de que todos os eventos externos registrados,
supostamente históricos, também ocorrem interiormente, como já afirmado. Cada
evento registrado descreve uma experiência subjetiva do homem, seja como raça,
nação ou indivíduo. Essa aplicação é essencialmente dupla, referindo-se à
experiência e realização dos indivíduos que estão avançando pelo método
evolucionário normal e gradual e dos indivíduos que estão trilhando "o caminho da
santidade" adiante da raça.
A segunda chave é que cada uma das pessoas que figuram proeminentemente
nas histórias representa uma condição da consciência e uma qualidade do caráter.
Todos os atores são personificações de aspectos da natureza humana, de atributos,
princípios, poderes, faculdades, limitações, fraquezas e erros do homem. Algumas
vezes tais qualidades estão ausentes, às vezes elas estão nascendo ou despertando,
às vezes elas são dominantes, de acordo com o temperamento e grau de
desenvolvimento da pessoa que está sendo descrita.
A terceira chave é que cada história é considerada como uma descrição
gráfica da experiência da alma humana ao passar pelas várias fases da sua jornada
evolucionária para a Terra Prometida, ou consciência cósmica – o objetivo e cume
da perfeição humana. As narrativas relatam as aventuras e particularmente os testes,
provas, derrotas e vitórias de uma pessoa que simboliza a humanidade. Os atos
heróicos bem-sucedidos descrevem as realizações interiores, enquanto os fracassos
parciais ou completos, as frustrações e capitulações são alegorias das vitórias
temporárias do humano sobre o divino no homem, conquistas da matéria sobre o
espírito. Os trabalhos de Hércules, a viagem dos argonautas, as jornadas e
experiências dos israelitas, as vidas do Senhor Shri Krishna e do Senhor Cristo (e
do filho pródigo na parábola do mesmo nome) 0, entre muitos outros relatos, são
todos simbolicamente descritivos da jornada da alma e das exaltações psicológica,
intelectual e espiritual vividas ao longo daquela jornada. Quando os seres humanos
são os heróis, a vida do homem no seu estágio normal de desenvolvimento está
sendo descrita. Quando o herói é semidivino, a tônica é colocada sobre o progresso
do Ser divino no homem depois dele ter começado a assumir poder preponderante.
Quando, entretanto, a figura central é um Avatar0, ou descendente de um aspecto
0
Iniciação, Adeptos – ver Glossário.
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol.1, Introduction e pp. 85-99.
0
Ibid., Pt. 4.
0
Avatar – ver Glossário.
26
da Deidade, suas experiências narram aquelas do Eu [Self] espiritual durante as
últimas fases de evolução do homem divino na direção da estatura da humanidade
perfeita.
A quarta chave é que todos objetos e certas palavras têm significado
simbólico especial. A linguagem sagrada dos iniciados das Escolas de Mistério é
formada de hierogramas e símbolos mais do que de palavras somente, sendo o seu
significado sempre constante, como é também a doutrina que essa linguagem revela
em qualquer lugar0 .
Alegorias inspiradas são sempre distintas de novelas e biografias por várias
características, uma das quais é a intrusão do sobrenatural, tais como de seres
angélicos e divinos, até mesmo da própria Deidade. Quando isso acontece, pode ser
suspeitada a existência de uma revelação oculta. O leitor possuidor dessas chaves
pode, então, penetrar o véu do simbolismo para encontrar aspectos da sabedoria
oculta que estão sendo revelados. Freqüentemente, o enfoque literal limita a
realidade em questão para um dado plano, o físico, ao passo que o reconhecimento
de um significado simbólico intuitivo, por trás da narrativa, desperta dentro da
pessoa um eco que pode ressoar através de todos os níveis da consciência, do
corporal ao espiritual. Tal, meus próprios estudos têm-me levado a acreditar, é o
propósito geral e o método empregado pelos escritores antigos das mitologias e
escrituras do mundo. Essa visão forma o principal tema deste trabalho e também
dos meus livros abordando o Velho Testamento0.
A revelação da existência de uma linguagem sagrada de alegoria e símbolo e
a real interpretação das escrituras, que essa torna possível, constituem os
instrumentos verdadeiros para a liberação da cristandade da carga clericalismo, da
exploração e da escuridão da ignorância, sob as quais o cristianismo há muito tem
vivido. Que mudanças acarretariam tais interpretações? Pelo menos as que se
seguem.
Embora Deus exista numa escala cósmica, o Ser que preside nosso sistema
solar é o Logos Solar, de inconcebível poder, sabedoria, inteligência e glória,
igualmente imanente e transcendente0 .
Esse Logos ativo expressa-se como uma Trindade. O Primeiro Aspecto da
Deidade, ou Pai, como o criador original, ou melhor, emanador do universo, está
associado com o começo da expressão externa, no tempo e no espaço, do absoluto e
eterno princípio que permanece para sempre remoto e ainda inerente em todas as
coisas. O Segundo Aspecto é o doador da vida e a presença preservadora no
coração de toda criação, que mantém todos os seres e todas as coisas nutridos e
sustentados na senda que lhes é designada, sem o qual todos cairiam em decadência.
Isso, na verdade, ocorre no encerramento de cada era, ou "Dia da Criação", quando
0
Para uma exposição adicional das chaves, ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. 1,
Parts 2 e 3.
0
Ibid., Vols. 1, 2, 3.
0
Logos – ver Glossário e Geoffrey Hodson, "Lecture Notes from the School of the
Wisdom", Vol. 1, pp. 468, 474-5.
27
a força da vida é retirada do exterior, do universo objetivo. O Espírito Santo, ou
Terceiro Aspecto, pode ser considerado como o Logos manifestado, a presença e o
Verbo de Deus encarnado no seu universo e ativo como um poder redentor no
homem. Embora Deus Pai, como emanador, retire-se depois de originar o processo
da manifestação, o Terceiro Aspecto da Deidade, como diretor, modelador e
energizador, permanece constantemente em atividade altamente concentrada e
imensamente poderosa em e através de cada átomo de cada mundo. Esse é o
Aspecto mais especialmente associado com Jesus.
Jesus fala como um Avatar, um de uma longa série de manifestações do
divino em quem desceu a inspiradora presença do Terceiro Aspecto da Deidade, o
Espírito Santo.
Em seu ser mais interno, o homem é a Mônada, O Imortal Germe, na qual
estão sempre presentes possibilidades sem limites de desenvolvimento e
crescimento. Esse Cristo Interior é sempre um e inseparável do Logos Solar, que é o
verdadeiro e mais alto Pai no Céu 0. Então cada homem na sua natureza espiritual é
Deus, estando assim estabelecido no seu próprio direito divino, como afirmado por
Jesus e São Paulo0.
A Mônada no homem é expressa na sua alma imortal, ou Ego, como uma
trindade, a mais alta tríade da vontade, amor e inteligência espirituais, cada qual
representando um Aspecto da Trindade Divina. Essa alma espiritual reside em um
veículo chamado corpo causal, ou "veste de glória"0.
O homem exterior consiste de três veículos da personalidade, o mental, o
emocional e o físico, que personificam a completa descida do espírito no homem.
Cada aspecto do ser humano tem um veículo material apropriado, quer físico
ou superfísico, como seu meio de expressão. Esses são de sucessivos graus de
sutileza, desde o físico, que é o mais denso, até o material excessivamente rarefeito
do corpo causal. Todos esses níveis existem no mesmo espaço, por assim dizer, e
interpenetram um ao outro. Eles estendem-se ao redor do corpo de cada pessoa
como uma emanação superfísica, ou aura0.
Cada ser humano pode e deverá realizar o Ser Crístico, ou salvação, pelo
poder exclusivo dos seus atributos divinos. Esses são herdados do Habitante do
Recôndito, a Mônada do homem, sempre existente no interior do Logos Solar0.
O ministério do Cristo histórico não é somente o de redentor e salvador.
Esses dois processos podem ser cumpridos pelo próprio indivíduo, já que ele é
amplamente dotado de um inato poder redentor. O Cristo também funciona como o
mensageiro que desperta, ativando aquele princípio interior que redime. O Cristo
místico é a natureza de Cristo dentro do homem, nascida, ou despertada, para
0
Mônada – ver Glossário e Geoffrey Hodson, "Lecture Notes", Vol.1, Ch. 1.
0
Jo 10:34, I Cor. 3:16.
0
Corpo Causal – ver Glossário.
0
Aura – ver Glossário.
0
Adão e Eva personificam somente os progenitores físicos, os primeiros andróginos
a tornarem-se sexualmente diferenciados.
28
atividade no interior da inteligência espiritual, como São Paulo tornou claro 0. A
mensagem central da teologia cristã reformada teria sido sempre "... Cristo em vós,
esperança de glória"0. Como nossa Bíblia assegura-nos, nem mediador nem
sacerdote são necessários para realizar a salvação de qualquer homem.
Religião diz respeito unicamente à descoberta de cada indivíduo do seu
próprio Ser divino, o Cristo dentro dele, o Logos da alma.
Abstinências são proveitosas somente quando auxiliam o buscador na
descoberta do Eu divino interno.
A oração não é dirigida a uma divindade externa, mas ao Deus interno. Ela é
simplesmente um modo de realização consciente da unidade com o Deus Interior
(assim como na ioga).
A vida deve amoldar-se àquilo que a pessoa professa, e a conduta deve
contribuir para a comunhão com o Eu divino 0. A divergência entre viver um
domingo e um dia útil deve desaparecer; cada dia deve ser vivido como um dia
sagrado e, assim, deve definitivamente se tornar um "feriado".
Alguns membros da raça humana já alcançaram a profecia de Cristo,
transformando-se em "... homens justos tornados perfeitos" 0. Esses entraram pela
porta estreita e trilharam o caminho apertado 0 que conduz, através da senda
espiritual para a Ascensão, ao Ser Crístico, ao adeptado. Ao longo do caminho eles
devem passar por grandes iniciações, como as outorgadas nas Escolas de Mistério.
Entre esses seres perfeitos estão os membros da Comunhão dos Santos e os filiados
à ordem do Sacerdócio de Melquisedec0, também conhecida como a Hierarquia de
Adeptos que governa a vida do planeta ocultamente0.
A alma espiritual do homem realiza o adeptado através de vidas sucessivas,
ou renascimentos na Terra0.
A harmonia e a justiça de longo prazo estão asseguradas pela operação da lei
de causa e efeito, ou “semeando e colhendo”, chamada carma no ocidente 0.
Uma misteriosa lei governa a realização e felicidade humana duradouras.
Exposta resumidamente ela é: dar para viver, partilhar para desfrutar, servir para
desabrochar. Estranhamente, a prática do ideal de altruísmo não traz perda mas
ganho, não traz morte mas vida mais abundante. Desobediência a essa lei, movida
pelo desejo de posses pessoais exclusivistas e poderes, não traz ganho mas perda,
não traz vida mas morte. Esse auto-esvasiamento (kenosis – gr.) é praticado pelo
0
Gl 4:19.
0
Cl 1.:27, I João 3:24.
0
Cf. Mt 7:21.
0
Mt 5:48 (R.V.).
0
Mt 7:13, 14.
0
Sl 110:4; Hb 5:6, 10.
0
Hierarquia dos Adeptos – ver Adepto, Glossário.
0
Mt 4:5; Mt 11:14; Mc 9:13. Ver também Geoffrey Hodson, “Reencarnação, Fatos ou
Falácias?"
0
Gl 6:7; Mt 5:18 e 7:12.
29
próprio Logos, que nutre e sustenta o sistema solar pelo derramamento perpétuo de
sua própria vida. Essa atitude de auto-esvasiamento e modo de vida é a idéia central
do cristianismo; ela foi enunciada pelo nosso Senhor, que disse: "... quem odeia sua
vida neste mundo guardá-la-á para a vida eterna," e, "... se o grão de trigo que cai na
terra não morrer permanecerá só; mas se morrer produzirá muito fruto" 0 .
O homem é acompanhado no seu caminho evolucionário por incontáveis
membros das hostes angélicas, certas ordens das quais são aliadas da humanidade 0.
O ministério dos anjos está disponível em todo trabalho cumprido no serviço de
Deus e da humanidade.
O cristianismo como todas outras religiões é um modo da vida e não só um
sistema teológico com o qual a pessoa deve estar em concordância intelectual. Eu
sugiro que alguém pode legitimamente questionar ou mesmo negar certas doutrinas
da igreja e ainda ser merecedor do título de cristão. Além disso, idéias tais como as
precedentes podem ser incluídas em uma fé verdadeiramente cristã.
Quantos cristãos nominais existem? De dois bilhões e meio ou mais de
habitantes da Terra, algo como oitocentos e cinqüenta milhões – um em cada três –
são tidos como cristãos. Desses, quatrocentos e oitenta e quatro milhões são
católicos romanos, quarenta e um milhões presbiterianos e quarenta milhões
anglicanos ou da Igreja da Inglaterra. De maneira bastante estranha, nos últimos
dois mil anos, tal diversidade de crenças desenvolveu-se entre essas e muitas outras
denominações que agora é difícil reconhecer o fato de que elas pertencem à mesma
fé e admitem o mesmo Senhor.
A moderna crença cristã é talvez melhor exposta no Credo dos Apóstolos e
na Oração do Senhor0.
"Creio em um Deus o Pai Todo-poderoso, criador do céu e da Terra, e de
todas as coisas visíveis e invisíveis:
E em um Senhor Jesus Cristo, o Filho único de Deus, gerado por seu Pai
antes de todo mundo, Deus de Deus, Luz da Luz, Verdadeiro Deus do verdadeiro
Deus, gerado, não-criado, sendo de uma substância com o Pai, por quem todas as
coisas foram feitas: que para nós homens e para nossa salvação desceu do céu,, e
encarnou-se, por meio do Espírito Santo, na Virgem Maria, e fez-se homem, sendo
crucificado, também por nós, por ordem de Pôncio Pilatos. Sofreu e foi sepultado e,
ao terceiro dia, ressuscitou, de acordo com as escrituras, e ascendeu ao céu,
assentando-se à mão direita do Pai. E virá outra vez com glória para julgar os
vivos e os mortos: cujo reino não terá fim.
E eu acredito no Espírito Santo, no Senhor e Doador da Vida, Que procedeu
do Pai e do Filho, que é venerado e glorificado junto com o Pai e o Filho, Que
falou por intermédio dos profetas. E eu creio numa Igreja Católica Apostólica. Eu
0
Jo 12:25 e 12:24.Ver também Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. 1, pp. 24-38.
0
Ver Geoffrey Hodson, "The Kingdom of the Gods, and The Brotherhood of Angels
and of Men".
0
Tomado literalmente do "The Book of Common Prayer".
30
reconheço um batismo para a remissão dos pecados e espero pela ressurreição da
morte e a vida do mundo por vir. Amém".
"Pai nosso que estais no céu, Santificado seja vosso nome. Venha a nós o
vosso reino. Seja feita vossa vontade, aqui na Terra como no céu. O pão nosso de
cada dia nos dai hoje. Perdoai as nossas transgressões assim como perdoamos
aqueles que nos ofendem. Não nos deixeis cair em tentação, mas livra-nos do mal,
Pois teu é o reino, o poder e a glória, Para sempre. Amém."
Considero o seguinte como um ato ideal de fé0:
"Nós acreditamos que Deus é Amor, Poder, Verdade e Luz; que justiça
perfeita regula o mundo; que todos os Seus filhos um dia alcançarão Seus pés, não
importa o quanto se desviem. Nós cremos na Paternidade de Deus, na Irmandade
do homem; nós sabemos que servimo-Lo melhor quando melhor servimos aos
nossos semelhantes. Assim Sua benção se derramará sobre nós e teremos paz para
todo o sempre. Amém."
Deixem-nos agora considerar a possibilidade de que os evangelhos foram
escritos por homens que conheciam a Sabedoria Antiga e que eram peritos na
linguagem da alegoria e do símbolo e que escreveram nessa linguagem mais para
preservar o conhecimento que confere poder, através de sucessivos períodos de
escuridão, do que para preservar um relato histórico. Vamos examinar certos
dogmas e desenvolvimentos cristãos à luz da Teosofia, uma moderna exposição da
Sabedoria Antiga, que se constitui numa síntese esotérica da crença mundial.
Muitos eventos bíblicos tornam-se significativos quando vistos nessa luz.
S. João, cujos primeiros cinco versículos afirmam a doutrina do Logos,
enfatiza o cosmo, referindo-se ao Nascimento, Batismo, Crucificação e Ascensão de
Cristo de tal modo que são aplicáveis à emanação, involução e evolução da Vida
Una do cosmo como um todo. A Mônada, carregando a Vida divina, personificada
pelo Cristo do universo, é emanada na matéria de densidade cada vez maior. Se esse
enfoque é seguido, então o Batismo de Cristo representa a descida mais funda do
espírito na matéria, e o Rio Jordão, retirado do tempo e do espaço, é visto pelos
autores inspirados como um símbolo da matéria universal, dentro da qual a Vida
divina (Cristo) "descende" no arco involutivo. A tentação no deserto indica que o
descenso continua, que a nódoa da matéria é experimentada. A Transfiguração, por
seu turno, sugere que, cosmicamente, o espírito está ainda conscientemente em
contato com a Fonte, embora as experiências que se seguem no Getsêmani refiram-
se à descida mais profunda da vida una e prenunciem a "morte" e, mais tarde, o
"sepultamento" no túmulo de rocha (entrada no reino mineral). Lá ela está
metaforicamente morta na cruz da matéria – emblemática das quatro direções do
espaço0. Eventualmente, sob o impulso da lei do ciclo, essa Vida divina aventura-se
numa jornada de retorno à sua fonte espiritual. Desse ponto mais denso na matéria,
inicia-se o processo de evolução (Ressurreição), assinalando a volta para cima,
0
De "The Liturgy According to the Use of the Liberal Catholic Church", 3a. ed.
(Londres: St. Albans Press, 1942), p. 174.
0
Mat. 27:60.
31
enquanto a Ascensão é símbolo da conclusão final do ciclo de avanço e retorno. A
matéria não prende mais o espírito, que, então, transcende limitações materiais.
O drama de Cristo é também desempenhado dentro da alma do homem,
porque cada indivíduo passa pelas experiências relatadas nos evangelhos. Todos
homens têm suas transformações pelo idealismo (embora temporário), batismos ou
tristezas, tentações, exaltações espirituais, noites escuras da alma, crucificações e
sepultamento de todas suas esperanças. Essas são experiências humanas comuns. A
vida de Cristo é na verdade uma vida universal.
Além do mais, em uma possível interpretação microcósmica, no alvorecer da
emanação do Absoluto no universo finito, o espírito do homem aventura-se na
grande peregrinação: do puro espírito até a matéria mais densa – involução. A
Mônada humana primeiro projeta seu raio no campo evolucionário (Nascimento),
desce mais e mais fundo na matéria (Batismo) e eventualmente nasce num corpo
físico, uma verdadeira crucificação e sepultamento. São descritos simbolicamente
cada ciclo menor do nascimento físico e morte, os estágios mais adiantados da
evolução humana e a entrada na senda do renascimento espiritual, ou iniciação, e o
estabelecimento final do domínio do espírito, com a entrada humana no reino super-
humano da natureza.
Se a vida de Cristo é também interpretada como descritiva da entrada no
caminho rápido do desabrochar0, então o divino Eu [Self] no homem
espiritualmente desperto começa a tomar sua evolução em suas próprias mãos ou,
em termos bíblicos, responde ao chamado de João, o Batista, para "arrepender-se".
O neófito torna-se um discípulo, trilha a senda (o Caminho da Cruz), entra na
"corrente" (Batismo) e submete-se às cinco grandes iniciações (Nascimento,
Batismo, Transfiguração, Crucificação e Ascensão). Como descrito por São Paulo,
ele então alcança "a medida da estatura da plenitude de Cristo", ou realiza o
adeptado0. Tendo superado o natural egoísmo, torna-se livre em consciência, ou
ressuscitado da tumba e morte da matéria. Os vários anúncios e visões dos pais de
João, o Batista, e de Jesus são descritivos do despertar interior e do
desenvolvimento do poder divino em tais homens altamente avançados. Nessa
interpretação, a narrativa é aplicável a cada discípulo, iniciado ou Adepto e,
portanto, a todo ser humano que passa por essas experiências.
Os eventos também se aplicam à passagem de um homem, Jesus, pelas fases
de evolução acelerada. O discipulado de um Adepto Instrutor fazendo sua
apresentação diante da Fraternidade dos Adeptos; a firmeza na tentação; a resoluta
resistência no sofrimento; alguns dos segredos representados e transmitidos nos
ritos de iniciação, tudo isso está incluído alegoricamente em um ou mais dos quatro
evangelhos.
A doutrina do pecado original, importante no cristianismo, pode ser
interpretada à luz desse ensinamento. Uma declaração dessa doutrina ocorre nos
trinta e nove artigos de religião da Igreja da Inglaterra: "O pecado Original não
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. 1, pp. 216-220.
0
Ef 4:13.
32
reside nos que sucederam a Adão (como os pelagianos falam em vão), mas ele é a
falha e corrupção da natureza de todo homem, que naturalmente é engendrada da
descendência de Adão; pela qual o homem está muito longe da retidão original, e
por sua própria natureza está inclinado ao mal, de forma que o desejo da carne
sempre é oposto ao do espírito; e, por conseguinte, em cada pessoa nascida nesse
mundo, é merecida a cólera e a maldição de Deus. E essa infecção da natureza
permanece neles, que são regenerados". Novamente: "A condição do Homem após
a queda de Adão é tal que ele não pode voltar e aprestar-se por sua própria força
natural e boas obras, a crer e clamar por Deus. Portanto, não temos poder para fazer
boas obras agradáveis e aceitáveis a Deus sem a graça de Deus por Cristo
intercedendo por nós, para que possamos ter boa vontade, e trabalhando conosco,
quando temos aquela boa vontade."
Os pontos de vista oficialmente declarados são de difícil aceitação para o
estudante da Sabedoria Antiga. "o pecado original", mal-entendido como sendo o
relacionamento sexual de Adão e Eva, é considerado como um inevitável
acompanhamento do processo involucionário do espírito descendo à matéria, e,
definitivamente, não como a maldade que deliberadamente acompanha cada ser
humano que tem sido, desde então, condenado a nascer em pecado. Qualquer
mancha que possa ter havido será finalmente deixada para trás, suas conseqüências
sobre o corpo ou a alma não são permanentes. O processo Inteiro de descenso, ou
involução, é perfeitamente natural. Por um período, traz sofrimento e degradação,
mas não pode ser realmente descrito como uma queda trágica. O fruto será o pleno
conhecimento e a capacidade para manejar o mais potente dos poderes na natureza e
no homem – o divino poder para emanar universos e tudo que eles contêm.
Com respeito à ressurreição do corpo, originalmente se acreditava que as
partículas do corpo físico de cada homem subiriam magicamente da sepultura,
seriam entrelaçadas em um corpo divino e levadas a viver no céu. A ressurreição
de Cristo, por outro lado, significava que ele próprio ressurgiu verdadeiramente da
morte e tomou outra vez o mesmo corpo de carne e osso. Esse corpo, ainda que
intocável para Maria Madalena, foi mais tarde tocado por S. Tomé 0. Cristo
posteriormente ascendeu ao céu, onde permanecerá até o dia do seu retorno para
julgar toda a humanidade.
Tomada alegoricamente, a ressurreição pode referir-se à visão macrocósmica
de que a evolução sucede naturalmente à involução. Pode referir-se também à
ressurreição microcósmica, a subida do homem do domínio da matéria para a
liberdade da plena realização espiritual. Nesse sentido, o espírito do homem,
também personificado pelo Cristo, torna-se ressurreto não fisicamente, mas em
termos de consciência – livre das limitações da carne e do princípio egoístico da
mente.
A doutrina da expiação por Cristo dos pecados da humanidade e por todos os
indivíduos que "crêem nele" é também suscetível de uma interpretação teosófica. A
realização do ser crístico, ou adeptado, por exemplo, traz plena realização
0
Jo 20:27.
33
consciente de unidade com a natureza de Cristo dentro de cada ser humano. O
símbolo de Cristo como noivo e a alegoria do casamento divino são
apropriadamente usados para descrever essa unificação interior. A unidade
alcançada, aquele que ascendeu emana e reparte com cada ser humano seu próprio
poder espiritual, vida e consciência aperfeiçoados. Em variados graus, conforme a
capacidade para responder, isso capacita o ser humano na vida física a resistir à
tentação, renunciar ao "mundo", à carne e ao pecado, finalmente, a realizar sua
própria "egoidade" [selfhood] como um ser imortal e eterno.
Visto dessa maneira, a expiação [atonement] é um processo interior, uma
unificação [at-one-ment]. É a transmissão da luz e fluir interior da vida
espiritualizada e aprimorada, mais do que a transferência da água e do sangue 0. É a
sabedoria que é vertida das feridas de Cristo na cruz
O pensamento é então conduzido para o Cristo Interno, a natureza e o
princípio crístico interior – Atma-Buddhi0 – em cada ser humano, o "Cristo em
você" e o "Deus que realiza tudo em todos" de São Paulo 0. Nosso Senhor, ele
mesmo, afirmou para seus discípulos sua infalível presença no homem, "Eu estou
no meu Pai e vós em mim, e eu em vocês" e, nas suas palavras sobre a cruz, falou
para toda a humanidade: "Eis que eu estou convosco todos os dias, até a
consumação dos séculos"0. Essa expiação interior não impede o funcionamento da
lei de causa e efeito. A expiação não anula os efeitos da operação do carma sobre
aqueles que tenham deliberada, obstinada e continuamente pecado, nem é capaz de
"lavar suas almas até que elas estejam brancas como a neve" sem levar em
consideração as conseqüências do mal cometido intencionalmente.
Esse enfoque leva-nos para perto do cerne do cristianismo e igualmente de
todas as religiões, pois a existência dentro do homem da presença de Cristo é, na
verdade, a segurança de "salvação" do homem, ou obtenção final do espírito
crístico. Essa ajuda divina foi dita, pelo Senhor, ser universal e implica em sua
sabedoria, amor e compaixão por todos. Relembrando suas palavras: "Mas tenho
outras ovelhas que não são deste aprisco: também devo conduzi-las, e elas ouvirão a
minha voz; e haverá um só rebanho, e um só pastor 0." Então o próprio Senhor
Cristo considera todos seres como se fossem seu filho único. Sua preocupação por
todos, nos é assegurada, nunca cessará, nem ele partirá da Terra até que todo ser
humano alcance o espírito crístico, ou esteja "salvo", pois sua ajuda nunca cessa,
nunca seca, mas sempre flui, nunca declina, mas está sempre no máximo. Nesse
sentido, o termo Cristo significa também uma suprema sabedoria e amor operando
como uma função dentro da profundeza do ser humano, o ser crístico pertencendo
ao que está além e que é também interno, como a lua ou a flor refletida na
superfície tranqüila de um espelho.
0
Jo 19:34.
0
Ver Atma e Buddhi, Glossário.
0
I Cor 12:6.
0
Mt 28:20.
0
Jo 10:16 e 4:19.
34
Essa visão, embora imperfeitamente expressada aqui, eleva nosso tema
acima das limitações do dogma, doutrina e dominação. Alça o pensamento para
aquele nível no qual Deus e homem existem como um, e onde o Senhor Cristo é
revelado não só como um visitante divino na Terra há dois mil anos atrás, mas
também como parte essencial do Ser espiritual do homem, o Cristo Interior.
Isso parece ser sustentado por São Paulo, que escreveu: "Cristo em vós a
esperança de glória" e "eu sinto de novo as dores do parto, até que o Cristo seja
formado em vós" e "Operai a vossa própria salvação com tremor e temor, pois é
Deus quem opera em vós"0. Nesses e outros escritos, São Paulo claramente divergiu
da visão ortodoxa rabínica da escritura como um relato na história da nação hebréia.
Seres sobrenaturais, tais como Jeová e suas antíteses, desempenham papel
importante na vida do povo judeu. Ao longo deste livro ambos enfoques – o paulino
e o histórico – foram devidamente considerados, sendo a ênfase, entretanto,
colocada sobre a interpretação anterior, ou mística.
Os eventos importantes da vida de Jesus registrados no Novo Testamento
podem ser especificados como seguem: sua preexistência 0; o Nascimento em
Belém; a fuga para o Egito; sua infância e juventude em Nazaré, seguida por
ausência de informação até seu reaparecimento na primeira Páscoa em Jerusalém,
quando tinha 12 anos; o Batismo, quando o Espírito de Deus desceu sobre ele em
forma de pomba; a tentação e vitória no deserto da Judéia; a chamada de muitos
discípulos e a operação de muitos milagres; as duas rejeições pelos cidadãos de sua
cidade, Nazaré; a estada em Cafarnaum e, lá, o pronunciamento do Sermão da
Montanha; a cura de muitas pessoas com várias doenças; o ensinamento por
parábolas e duas profecias de sua morte iminente e Ressurreição; a Transfiguração
na montanha; as visitas as suas amigas Maria e Marta em Betânia; a entrada triunfal
em Jerusalém no domingo de ramos e sua lamentação sobre aquela cidade; as
conspirações contra ele pelos sacerdotes e anciãos, de quem um de seus discípulos,
Judas, recebeu pagamento para traí-lo; a lavagem dos pés dos discípulos; a Ceia do
Senhor e a agonia sofrida no Jardim de Getsêmani; traição e prisão; três
julgamentos distintos pelos judeus; os julgamentos romanos perante Pilatos e
Herodes, seguidos pela condenação, flagelo, escárnio e crucificação depois de
carregar sua própria cruz ao longo da Via Dolorosa em Jerusalém; fenômenos
sobrenaturais na ocasião da morte; o sepultamento, a ressurreição e reaparição para
muitas pessoas; a Ascensão ao céu e várias reaparições posteriores e a promessa
final: ..."Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos."
Esses eventos serão considerados historicamente e simbolicamente neste volume.
As palavras do Senhor, como chegaram até nós, são inspiradas e ricas em
orientação prática de conduta na vida diária. O Senhor alertou que ele próprio
deveria sempre ser lembrado como o Caminho, a Verdade e a Vida, o centro do
mundo. Em divina compaixão ele clamou: "Vinde a mim todos os que estais
cansados e oprimidos e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de
0
Cl 1:27; Gl 4;15; Fl 2:12.
0
Jo 1:1, 14.
35
mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para vossas
almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve" 0. Ele também ensinou o
ideal do serviço, dizendo: "...o maior dentre vós será o vosso servo" 0, e do amor: "O
meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei.
Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a sua vida pelos seus
amigos"0. Outros bem-conhecidos ensinamentos para orientação da humanidade
abrangem: "Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as
vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus." "Não ajunteis
tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões
minam e roubam; mas ajuntais tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem
consomem, e onde os ladrões não minam e roubam." "Portanto, tudo o que vós
quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós, porque esta é a lei e os
profetas." "Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas
aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus"0.
Podemos imaginar o grande iniciado hebreu, possivelmente vestido com uma
roupa branca folgada mas graciosa, algo mais alto do que a estatura da maioria do
povo, andando ereto, com cabelos castanhos, pouca barba e bigode, feições suaves e
olhos castanhos claros. Sobre suas maneiras, podemos supor que era em geral,
meigo, atraente e profundo, ainda que capaz de uma grande austeridade, seu
semblante dá a impressão de transformar-se, e sua pessoa tornar-se quase soberana
e patriarcal em sua majestade, seus olhos severos e acusadores. Ocasionalmente,
estenderia sua mão para frente como se num ato denunciatório, provocando, às
vezes, um afastamento até mesmo nas pessoas mais chegadas a ele, como se
sentissem queimadas pelo fogo.
Mais tarde, ele se sentaria sobre uma rocha ou uma pedra e cairia em
silêncio, como se em meditação profunda dentro de si mesmo. Então, o humilde, o
enfermo e o angustiado iriam aproximar-se dele com pedidos de graça para cura e
ajuda espiritual. Isso nunca seria recusado e, em alguns casos, ele olharia para o
suplicante do modo mais cativante, algumas vezes tocando, alguma vezes
afirmando, sempre ajudando no limite de seus poderes, que eram realmente muito
grandes. Crianças sempre evocaram seu mais carinhoso amor e interesse, e seus
pais traziam-nas das cidades, aldeias e pequenos lares para estar perto dele e ser por
ele abençoados quando passava por estes lugares.
Em tudo isso, enquanto se reconhecia como um mensageiro da Fraternidade
dos Adeptos e do Templo de Mistério, no qual tinha sido iniciado várias vezes, ele
não pensava que uma grande religião seria fundada em seu nome e sobre suas
palavras e ações. As formalidades da religião não tinham interesse para ele. De fato,
reprovava-as veementemente pela forma como eram seguidas nas sinagogas e entre
os rabinos de seu tempo.
0
Mt 11:28-30.
0
Mt 23:11.
0
Jo 15:12, 13.
0
Mt 5:16; 6:19-20; 7:12; 7:21.
36
Seus pés calçados de sandálias percorreram estradas, trilhas nos campos,
margens de lagos e rios e também ruas de vilas e cidades. Sua Luz brilhou sempre
ao seu redor e freqüentemente se tornou visível como uma radiação, alguma vezes
de uma intensidade deslumbrante. Nessas horas, na verdade, era suficiente estar
perto dele ou tocá-lo para ser curado, seja de doenças da alma mortal ou do corpo.
Interiormente ele estava sempre em paz, preservando um contentamento silencioso,
fundado sobre o conhecimento de uma pessoa iniciada, que, na verdade, em sua
identidade espiritual estava fora do alcance de todas adversidades e dos mais
severos inimigos, por mais que seu corpo pudesse ser chamado a resistir. Agora e
sempre, uma exaltação do espírito mudaria por completo sua conduta. Ele se
tornaria mais distante, como se falasse de uma grande distância e através de um
abismo mental. Estas eram as ocasiões em que o espírito do alto descia sobre ele, tal
como alegoricamente descrito no relato do seu Batismo. Essa descida, porém, não
ocorreu numa só ocasião, como ali sugerido, mas com muita freqüência à medida
que se tornava o veículo de incorporação da sabedoria divina e imortal.
Como um instrutor nato, como narram os evangelhos, ele retirava dos modos
e experiências humanos dos seus ouvintes as analogias, similaridades e metáforas
com as quais explicava suas idéias. Ele gostava de referir-se às mudanças das
estações, ao dia e à noite, ao Sol, à lua e às estrelas. Ele mesmo, muito sensível a
tais influências e fenômenos naturais, fê-los símbolos de sua sabedoria e,
espontaneamente, construiu parábolas baseadas sobre eles e sua conexão com as
mudanças e condições da personalidade e da vida humana. As pessoas simples que
se reuniram ao seu redor e ouviam-no estavam intimamente ligadas ao solo, à
agricultura e aos processos de plantio, cultivo e colheita do fruto do seu trabalho.
Muito mais freqüentemente do que foi registrado, natural e corretamente, ele
procurava com seus discípulos a privacidade do campo ou dos lares de um ou mais
deles. Nessas reuniões transmitia-lhes muito da sabedoria secreta que conhecia
muito bem e admoestava gentilmente àqueles que porventura houvessem caído dos
altos ideais do discipulado. Ao mesmo tempo, encorajava-os e elevava-os por
intermédio de sua presença e de suas palavras.0
Como aparece nos evangelhos, o Sermão da Montanha registra alguns dos
ensinamentos que ele lhes concedeu, especialmente as denominadas "beatitudes".
Mas havia muito mais quanto às práticas desejáveis e restrições que os discípulos
deveriam seguir. Por isso, a quem perseverava e persistia fiel, ele concedia uma
parte de seus poderes internos e ligava-os intimamente com ele próprio.
Naturalmente, nem todos que, então, atraiu para si permaneceram fiéis e vigorosos
ao longo das exigências físicas e mentais da vida espiritual.
0
Vivendo, como eu tenho feito, desde a precoce meninice, em um amor devoto por
Jesus e vivendo muito freqüentemente em prolongados períodos de pensamentos
sobre ele, como por exemplo, quando escrevendo meus livros sobre a Bíblia, tenho
percebido a figura que aqui descrevo, formando-a em minha mente. Aventuro-me,
pois, a incluir a sua descrição neste espaço domeu texto especialmente porque,
quando estava então escrevendo, a imagem do Mestre pareceu-me tornar-se tão viva
e tão clara. (G.H.).
37
Começou, então, o estabelecimento, embora de forma simples e natural,
daquilo que mais tarde veio a ser conhecido como os Mistérios de Jesus. Aquelas
práticas foram levadas adiante e desenvolvidas nos últimos anos do seu ministério e
foram continuadas depois da morte prematura do seu corpo físico. Os fragmentos
gnósticos oferecem relatos fielmente acurados desses Mistérios, os quais, como em
todos os casos, foram praticados com profunda discrição 0. Nisso Jesus não estava
agindo somente por conta própria, mas sob o comando da grande Fraternidade de
adeptos Instrutores da Terra. Um poderoso e, esperava-se, duradouro, impulso
espiritual estava para ser dado à humanidade e civilização ocidentais, que estava
àquele tempo se desenvolvendo. Egito e Grécia já estavam declinando em poder.
Seus Mistérios estavam começando a perder sua primitiva pureza e, em
conseqüência, sua habilidade de ser um canal para o poder dos hierofantes e da
sabedoria esotérica. A ascensão e a queda do Império Romano eram naturalmente
inteiramente conhecidas e previstas, assim como seria o relativo barbarismo e os
anos de trevas que se seguiriam.
A missão de Jesus, então, assume um significado muito mais importante do
que o que é dado pela religião exotérica, porque incluía a transmissão das instruções
de Mistério, o poder iniciatório e os ritos cerimoniais, que se esperava
permaneceriam no coração das civilizações e nações do Oriente Médio e da Europa,
crescendo e amadurecendo lentamente.
A missão de Jesus Cristo foi tragicamente encurtada, com o mundo sofrendo,
assim, uma irreparável perda. Depois da morte do seu líder, era natural que os
apóstolos e todos aqueles que haviam aceitado as mensagens de Cristo viessem a
unir-se em uma pequena comunidade, que eventualmente veio a se tornar a Igreja
Cristã. Eles formaram uma fraternidade num mundo hostil, porque somente em
unidade poderiam encontrar força para colocar em prática o ensinamento do seu
Mestre. Um relato do seu modo de vida é dado nos Atos dos Apóstolos:
0
Ver G.R.S. Mead, "Fragments of a Faith Forgotten".
38
transmitida por intermédio deles para o mundo.
Infelizmente, esse período de profunda unidade espiritual, inspiração,
experiência de vida e universalidade de perspectiva, desfrutado pelos primeiros
líderes e suas congregações nos primeiros séculos, não durou. Gradualmente, essas
águas da verdadeira vida deram lugar a um processo de cristalização de dogmas
rígidos. Do nascimento da teologia e credo, no terceiro e quarto séculos, brotaram
intolerância e sectarismo. As escolas neoplatônicas fecharam depois do martírio de
Hipátia [jovem filósofa neoplatônica, muito influente em Alexandria, assassinada
pela turba à mando da ortodoxia – NT], e o gnosticismo foi proscrito como heresia.
Assim a sabedoria esotérica e a Gnose, ou Teosofia, foram amplamente perdidas
para a cristandade ortodoxa, uma tragédia quase irreparável, sendo que alguns de
seus efeitos persistem até a presente data.
Entretanto, a relativa falha desse plano é mais aparente do que real. É
verdade que o eclesiasticismo, a teologia cristã ortodoxa, a disputa dentro das
igrejas, e a ambição por dominação espiritual, política e religiosa nos primeiros
séculos da era forçaram o esoterismo que Jesus comunicou a esconder-se cada vez
mais profundamente. Não obstante, a investigação nos mistérios da natureza e do
homem continuaram, embora sob segredo e constante ameaça de denúncia às
autoridades. Muitos iniciados – renascidos dos primeiros períodos – foram se
encarnando nas partes mais civilizadas do mundo ocidental. A lista deles é muito
maior do que é historicamente conhecida, porque viveram e trabalharam em
segredo, em parte por sua própria segurança e, parcialmente, em obediência ao ideal
de humildade. Charlatões existiram entre eles – inevitável no presente estágio da
evolução humana – e alguns deles tornaram-se historicamente conhecidos. Isso não
foi inteiramente desfavorável, posto que provaram ser um escudo para os
verdadeiros Adeptos no trabalho por trás do véu de silêncio do iniciado. Ordens e
sociedades secretas e semi-secretas surgiram mais tarde, inclusive a dos chamados
filósofos do fogo, o rosacrucianismo e os alquimistas. Alguns membros desses
grupos foram genuínos iniciados, enquanto outros foram somente iniciantes, a
serem arrastados na direção da grande busca que continuariam em vidas posteriores.
Ocasionalmente, arhats e adeptos escolhem nascer sob circunstâncias
favoráveis e fundam centros para a busca da vida esotérica e da sabedoria 0. Entre
esses encontram-se Apolônio de Tiana, Christian Rosenkreutz e alguns dos seus
discípulos, Lord Bacon, o líder platônico da Inglaterra, e aquele que escolheu
aparecer sob o nome de Conde de St. Germain. Muito antes desses, Jesus de Nazaré
não só curou multidões de doentes e instruiu-as, como também reacendeu as
chamas do conhecimento espiritual oculto e as manteve vivas, deixando muito mais
facilmente disponível, no plano físico, todos os aspectos da Tradição de Mistério.
0
Arhat – ver Glossário e Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. 1, p.227.
39
PARTE DOIS
A ANUNCIAÇÃO
A IMACULADA CONCEPÇÃO
O NASCIMENTO
A CHEGADA DOS MAGOS
40
CAPÍTULO 2
Lc 1:26. E, no sexto mês, foi o anjo Gabriel enviado por Deus a uma cidade da
Galiléia, chamada Nazaré,
27. A uma virgem desposada com um varão, cujo nome era José, da casa
de Davi; e o nome da virgem era Maria.
28. E, entrando o anjo aonde ela estava, disse: Salve, agraciada; o Senhor
é contigo: bendita és tu entre as mulheres.
41
Nos relatos feitos por S. Mateus, a anunciação para José foi feita em um
sonho, enquanto em Lucas ela ocorreu para Maria, quando ela estava evidentemente
bem-acordada, um tanto embaraçada.
Lc 1:31. Eis que em teu ventre conceberás e dará luz um filho, e por-lhe-ás o
nome de Jesus.
32. Este será grande, e será chamado filho do Altíssimo; e o Senhor
Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai.
33. E reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim.
34. E disse Maria ao anjo: Como se dará isso, visto que não conheço
varão?
0
"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus." Jo 1:1.
42
criativa, senão procriativa0. Da essência espiritual nasce um universo, e Jesus, o
futuro Cristo, personificando a natureza crística, ou sabedoria intuitiva no homem,
é, na vestimenta de luz, despertado da latência para a potência, do embrionário para
a condição de atividade ou nascimento0.
Nessa visão a anunciação, a concepção e o nascimento de Jesus devem ser
considerados menos como eventos históricos do que como mudanças
profundamente interiores que ocorrem em cada ser humano na consecução de certa
estatura espiritual, parcialmente personificada também por João Batista. Assim, os
três eventos podem ser interpretados menos como tendo ocorrido em sucessão, e
então limitados no tempo, do que como uma contínua regeneração e iluminação
interiores que ocorre em todo mundo dos homens, não só em Nazaré ou Belém.
Ademais, esses eventos podem ser vistos como além do espaço e da situação
geográfica, menos localizados do que globais, e ocorrendo menos para uma mulher
apenas e mais para a Virgem Maria dentro de cada ser humano. Embora o
evangelista no seu 34º versículo restrinja os eventos no tempo e no espaço e a uma
determinada mulher, afastando temporariamente a alegoria do nascimento de um ser
universal, a introdução do sobrenatural pode, todavia, ser permissivelmente
considerada também como encerrando uma intenção alegórica.
43
cujo poder elas foram uma expressão, representam a manifestação da força de
vontade positiva, o poder frutificador, a Palavra por cuja alocução o aparente
milagre é realizado – a imaculada conceição.
No sentido cósmico, o produto desse "milagre" é o universo, e no sentido
humano é a concepção, nascimento e desenvolvimento da inata, mas até então
embrionária, natureza crística do homem.
Três nomes são dados para a criança que está para nascer: Jesus, Filho do
Altíssimo e Filho de Deus. O primeiro foi conferido ao menino ao nascer e por ele
carregado ao longo de sua vida. A palavra Cristo, que foi adicionada como um
segundo nome, não é entretanto um nome próprio; antes ele descreve um estado do
ser, um degrau da estatura evolucionária e uma condição do corpo e da alma. Na
Grécia antiga o termo Christos, "o ungido", era aplicado àqueles que tinham sido
admitidos a um certo grau nos Mistérios Maiores. Iniciados que tinham alcançado
esse grau, ou nível, eram inteiramente dedicados à senda espiritual da vida e ao
serviço de Deus e da humanidade. Nesse sentido, eles eram "os ungidos", ou
consagrados.
A vida histórica de Jesus, do momento de seu Batismo em diante, revela que
ele foi, na verdade, em todos os aspectos e da forma mais plena, uma pessoa
ungida, daí então seu nome, Jesus, o Cristo.
O relato de S. Lucas prossegue descrevendo a concepção de João Batista:
Lc 1:36. Eis que também Isabel, tua prima, concebeu um filho em sua
velhice, e este é o sexto mês para aquela que era chamada estéril;
44
afirmou que João Batista era a reencarnação do profeta "Elijah", ou "Elias que
estava por vir"0.
Como tentativa, pode ser avançada a sugestão de que José, o suposto pai de
Jesus, podia, por seu turno, ser uma reencarnação do José do Livro de Gênesis, de
vez que ambos tinham o mesmo nome e eram também filhos de Jacó. A relação
entre o profeta "Elijah" e João Batista pode também ser inferida pelo fato da
similaridade de suas roupas, dieta e visitas ao deserto, ou regiões despovoadas.
João, tanto quanto Jesus, foi claramente uma figura predestinada,
alegoricamente descrita, como também o foram o Senhor Buda e Jesus, por uma
anunciação, seja por sábios fisicamente presentes, um membro das hostes angélicas
ou um mensageiro do alto. Tais visitantes informam aos futuros pais – e
especialmente à mãe – que um filho está prestes a nascer deles, o qual irá mostrar
qualidades divinas e influenciar mui poderosamente a humanidade.
Na realidade, embora uma visita angélica não seja negada, isto significa que
o Eu interior tinha alcançado o grau de desenvolvimento em que o caminho
(espiritual) seria trilhado cedo na vida e seguido sem interrupção até a morte, com
conseqüente entrada em uma fase evolucionariamente avançada. O próprio Ego
determinava-se a um curso particular de conduta no seu próximo renascimento – a
autoliberação completa das restrições concernentes à vida corpórea. Essas incluem a
limitação do pensamento puramente racional; argumentação e egoísmo nascidos do
engano da auto-separatividade [segundo o “Glossário Teosófico”, de H. P.
Blavatsky, Ed. Ground Ltda, a separatividade seria “a idéia errônea de que a Alma,
ou Eu, é distinta e independente do Eu único, universal e infinito”, tendo sido
qualificada como a “grande ilusão” – NT] ; desejo, cuja satisfação tolda a
consciência do cérebro; até mesmo a necessidade de futuros renascimentos na vida
física. Issto, inevitavelmente, compele mais tarde ao amadurecimento, disciplina,
educação e erros que os infantes e os jovens são propensos a cometer. A vida adulta
também traz seus impulsos e tentações, enquanto a velhice é freqüentemente
acompanhada por um lamentável declínio na capacidade física e mental.
Egos avançados – geralmente aqueles que receberam iniciação nos Mistérios
Maiores em vida anterior – determinam que será colocado um fim a essas e outras
degradações do espírito, que normalmente são inseparáveis da encarnação em
corpos de carne e osso, emoção e mente. Essa decisão – a verdadeira Anunciação –
é tão fortemente afirmada pelo Ego reencarnante que a mãe da criança em
desenvolvimento em seu ventre torna-se consciente dela, sentindo que, orgulho
maternal à parte, uma maravilhosa, mesmo magnífica, criança está para nascer dela.
Isso ela sabe interiormente, mas o conhecimento direto pode alcançá-la também de
uma fonte externa, talvez como uma anunciação por um anjo.
A decisão interior nunca é, entretanto, tomada exclusivamente para a
libertação deles. Homens mergulhados na ignorância e, além do mais, caindo
0
Ml 4:5; Mt 17:10-13, e Mc 9:13. Ver também Geoffrey Hodson, "Reincarnation,
Fact or Fallacy?", Cap. 4.
45
continuamente em erro e provocando reações de acordo com a lei, devem
similarmente ser salvos das tribulações da vida puramente mundana e da motivação
terrena para viver. Então há também um marcado sentido de missão.
Interpretado simbolicamente, o deserto representaria um árido,
espiritualmente infrutífero e igualmente materialístico estado de mente. A chegada
de João no deserto e sua dupla chamada para um caminho espiritual de vida e
preparação do caminho do Senhor habilitam-no a ser visto como uma
personificação da crescente influência do Eu espiritual sobre a mente ainda não-
espiritual, notadamente na forma de consciência. Então, uma mudança de um modo
de pensar e de viver autocentrados e materialísticos, "o isolamento", é realizada
pelo poder do espírito que habita no homem, João Batista. Essa mudança é
necessária antes da admissão nos Mistérios Maiores e antecede a passagem pelas
fases de desenvolvimento interior, alegoricamente descritas como uma imaculada
conceição e um nascimento do Cristo Criança, a mística Natividade. O iniciado
nasce de novo e torna-se merecedor do título de Christos, o ungido. Desse modo,
João Batista prepara o caminho para a vinda do Senhor.
A conveniência desse simbolismo, assim como as personificações humanas
do Eu tríplice imortal do homem, dá respaldo a uma interpretação alegórica dos
eventos antes, durante e depois do nascimento de Jesus.
Lucas 1:38. Disse então Maria: Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em
46
mim segundo a tua palavra. E o anjo ausentou-se dela.
Lc 1:43. E donde me provém isto a mim, que venha visitar-me a mãe do meu
0
Mais corretamente "interiormente" ("Within").
0
Ein Kerim é julgado ser o local de nascimento de João.
47
Senhor?
44. Pois eis que, ao chegar aos meus ouvidos a voz da tua saudação, a
criancinha saltou de alegria no meu ventre.
45. Bem-aventurada a que creu, pois hão de cumprir-se as coisas que da
parte do Senhor lhe foram ditas.
0
I Cor 15:44.
48
Lc 1:56. E Maria ficou com ela quase três meses, e depois voltou para sua
casa.
Lc 1:58. E os seus vizinhos e parentes ouviram que tinha Deus usado para
com ela de grande misericórdia, e alegraram-se com ela.
59. E aconteceu que, ao oitavo dia vieram circuncidar o menino, e
lhe chamaram Zacarias, o nome de seu pai.
0
Avatar – ver Glossário.
49
60. E, respondendo, sua mãe, disse: Não, porém será chamado João.
61. E disseram-lhe: Ninguém há na tua parentela que se chame por
este nome.
62. E perguntaram por acenos ao pai como queria que lhe
chamassem.
63. E, pedindo ele uma tabuinha de escrever, escreveu, dizendo: O
seu nome é João. E todos se maravilharam.
50
repetição e assim ausência de adiantamento, enquanto o nome João (que o povo
encheu o povo de espanto) retratava o nascimento (manifestação interior e
desenvolvimento) de um poder divino que, em termos de progresso evolucionário
era novo, ou recém-nascido.
51
obstante, contêm muitas profecias patentemente falsas a cerca do futuro da nação
hebréia; pois, estava prevista uma imponente e segura posição entre as nações do
mundo, em completa contradição com os eventos reais. O que, então, pode ser
deduzido dessa profunda ignorância acerca do futuro por alguém tido como elevado
em espírito e por isso capacitado a perceber acuradamente o futuro que subjaz à
frente do povo judeu? Se, como antes, uma falsidade registrada em uma narrativa
supostamente histórica indica uma revelação mística mais do que um fato histórico,
então, é sugerido, a narrativa está descrevendo a condição de consciência de toda a
raça humana na Terra e dos membros individuais daquela raça.
Por conseguinte, a experiência é vista mais como interna do que como
objetiva e refere-se à futura realização de consciência pela própria humanidade,
mais do que a uma preeminência particular a ser garantida a um pequeno grupo de
pessoas por decreto divino. Essa realização pode bem ser descrita como messiânica,
na medida em que ela inclui o despertar (ou nascimento) e o desenvolvimento
contínuo no homem – na verdade em todos os homens – de um amadurecimento
como o de Cristo e de compaixão por toda a humanidade 0. A capacidade de
conhecer a verdade diretamente – um outro sinal de um estado messiânico de
consciência – estabelece-se em toda a natureza espiritual, intelectual e física do
homem. Em vez de ter um aspecto predominando, ou tendo êxito na luta com um
outro, o ser humano completo alcança equilíbrio na atividade e nas influências de
todos os seus princípios. O homem integral era elevado espiritualmente e iluminado
intelectualmente em condições muitíssimo superiores às da humanidade comum no
tempo em que as profecias foram feitas (e, tragicamente, ainda é nos dias atuais).
Assim interpretadas, estas realizações são profetizadas para toda a
humanidade, não só para os hebreus em oposição a todos os outros. É bem verdade,
entretanto, que algumas pessoas e grupos, tais como aqueles reunidos ao redor de
grandes mestres ou avatares, alcançam essa estatura antes da raça humana como um
todo. A harmonia entre as nações do mundo será estabelecida então e, em
conseqüência, a posição de cada nação individual estará completamente assegurada;
cada uma será respeitada e mesmo honrada pela comunidade das nações – uma
idade messiânica na verdade.
Se esse enfoque é seguido, então, as revelações proféticas não são falsas
profecias, mas descrições corretas do resultado da vasta abrangência do progresso
evolucionário nas condições futuras mais elevadas do ser, para toda a humanidade.
Todas as belas, mesmo poéticas, descrições desse futuro são, então, estritamente
corretas quando pressagiadas pelos profetas, cujas consciências tornaram-se tão
elevadas que realizações muito distantes da raça foram previstas.
João Batista, sobre cujo nascimento os êxtases proféticos e poéticos do seu
pai foram pronunciados, é visto como uma personificação da inteligência humana
para a qual a humanidade está evoluindo e irá alcançar. A criança Jesus e o maduro
Jesus, o Cristo, a quem se referem Zacarias e, indiretamente, os seus precursores,
0
Jo 10:16.
52
personificam um estado do desenvolvimento humano ainda mais longínquo e mais
elevado. Nesse estágio, o divino no homem e no universo são conscientemente
realizados como aspectos de uma divindade0. Na verdade, isso pode muito bem ser
descrito como uma visita do "Astro das alturas"0.
0
"Eu e meu pai somos Um".
0
Lc 1:78.
53
CAPÍTULO TRÊS
Jo 1:1. No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era
Deus.
0
Ef 4:13..
0
Mt 7:13; Mt. 7:14.
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. I, Partes 5 e 6.
0
Lc 2:7.
54
2. Ele estava no princípio com Deus.
3. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se
fez.
4. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens;
5. E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.
0
Amen-Ra e Shabda-Brahman.
0
Jo 1:14.
0
Macrocósmico, Microcósmico – ver Glossário.
55
sempre um. Expresso de outra maneira, a luz do universo e a luz dos homens não
são duas luzes, mas uma, por toda a eternidade.
A palavra plural homens parece indicar a repetição da concepção encontrada
em outras escrituras, nas quais essa luz brilha sobre o mundo não só de dentro de
veículos escolhidos, tal como Jesus, mas brilha também dentro do Ser interior de
toda a humanidade. Esse Deus interno é mencionado como "o Soberano Interior
imortal assentado nos corações de todos os seres", "e como o Horus da Alma 0.
A doutrina da formação do universo e de tudo que ele contém pela "fala",
"voz", ou pelo "Verbo", não necessita ser especialmente enunciada aqui, uma vez
que foi apresentada mais detalhadamente em um volume anterior de interpretações
oferecidas sobre a Bíblia0.
Jó 1:9. Ali estava a luz verdadeira, que alumia a todo o homem que vem ao
mundo.
S. João reitera aqui que o Logos é luz, tanto macro como microcósmica.
Essa luz resulta da automanifestação do Logos como uma presença brilhante e um
poder, que iluminam tanto o espaço pré-cósmico como a mente humana. Nesse
versículo a aplicação humana está destacada, cada ser humano nasce no mundo
físico portando uma luz interna.
Essa luz é também identificada com Jesus, o Cristo, e pode ser considerada
como sinônimo de um atributo da alma espiritual do homem, a divindade nele, pela
qual, segundo S. João, a senda da encarnação é iluminada. Esta é a verdadeira "Luz
que ilumina todo homem que vem ao mundo". Se a narrativa é considerada
alegoricamente, então o homem não percebe sua luz interior até que certa fase do
progresso espiritual tenha sido atingida, descrita por S. Paulo como um nascimento
místico0.
Essa regeneração espiritual e psicológica, ou "renascimento", como Jesus se
referiu a ela, é precedida por uma drástica, embora gradual, mudança na perspectiva
0
Bhagavad Gita; Horus. Segunda Pessoa da Tríade de Edfu.
0
Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. II, Part 3, Introduction and Ch.I.
0
Gl 4:19.
56
da vida e na conduta do modo de viver diário 0. O ser humano no qual essa
concepção mística tenha ocorrido apresta-se para o conseqüente segundo
nascimento pela autopurificação. João Batista pode ser tomado como uma
personificação do chamado para fazer essa mudança, alcançando o homem exterior
a partir de seu Eu interno por intermédio da voz da consciência. Então essa
mudança é amplamente moral, e os hábitos ascéticos de vida atribuídos a João
Batista, bem como sua convocação para preparar o caminho do Senhor retratam
adequadamente essa influência. Expressa de outra maneira, o homem
completamente mundano transforma-se, a partir do interior, num homem cada vez
mais espiritualizado. João Batista é o precursor dessa mudança, por assim dizer, o
Hermes que resgata Perséfone, a alma encarnada, do mundo subterrâneo 0. Por isso,
dele é dito no oitavo versículo que "Não era ele a Luz ; mas foi enviado para que
testemunhasse aquela Luz".
O quarto evangelho começa de maneira a indicar que ambos, Jesus, o Cristo,
e João, o Batista, eram personificações dos poderes interiores do homem. Assim
entendido, o quarto evangelho não é somente a descrição em forma alegórica do
modo espiritual de vida, mas também o apelo, pelo João Batista interior, para que a
humanidade ingresse naquela vida.
O leitor deste livro é informado de que seu autor não está desmentindo a
historicidade dos quatro evangelhos, pois este não é o objetivo. Antes, ele vê neles
abundantes, embora um tanto veladas, sugestões manifestas de um relato do
progresso, do homem, da pura materialidade para a vida espiritual.
Jo 1:10. Estava no mundo, «e o mundo foi feito por ele», e o mundo não o
conheceu. (A frase entre aspas está, por um lapso, omisso no texto
original, embora conste do citado Evangelho – NT).
11. Veio para o que era seu, e os seus não o receberam.
0
Jo 3:3.
0
Perséfone. Para uma plena exposição ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. I, pp.
252-256.
57
Nesses dois versículos vemos uma combinação de três Cristos: o Verbo
criativo, a luz espiritual dentro do homem (o Salvador) e o Jesus histórico. A divina
visitação é mencionada como tendo sido despercebida e não acolhida pelo mundo,
significando, sem dúvida, a humanidade em geral. A acusação é de fato verdadeira:
Cristo, a luz interior de cada ser humano, o Logos da alma, era e ainda é
despercebido e recusado0, o que talvez não seja estranho ao longo das primeiras
fases da evolução humana. Somente quando o princípio mental no homem começa a
desenvolver a faculdade de pensamento abstrato e intuitivo, é que a luz espiritual,
ou monádica, começa a ser percebida e reconhecida, tornando-se finalmente o
princípio guia de toda sua vida. Antes que essa estatura evolucionária seja atingida,
seja pela raça humana ou pelo homem individual, será de fato verdade que "o
mundo não o recebeu."
A vida registrada do Jesus histórico reflete aquelas mesmas fases do
desdobramento intelectual e espiritual. Jesus como um mestre, redentor e salvador,
não foi aceito por aqueles que estavam em posição de autoridade, que personificam,
como o fazem, o mando da personalidade e da mente formal com seus atributos de
separatividade, auto-satisfação, possessividade e orgulho 0. Jesus foi notado e
reconhecido somente por poucos, sua família, seus discípulos e amigos imediatos,
os quais personificam o intelecto espiritualmente iluminado
0
Considerar a condição do mundo e a conduta de muitos seres humanos nesta época:
guerras, crime, corrupção e vício desenfreados.
0
As qualidades favoráveis dessa parte da mente humana e o avanço da ciência e da
tecnologia, para os quais elas contribuíram, não são de forma alguma negligenciadas
ou subestimadas.
58
59
CAPÍTULO 4
60
Mt 1:18. Ora o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Estando Maria, sua
mãe, desposada de José, antes de se ajuntarem achou-se ter
concebido do Espírito Santo.
0
Jo 1:3.
0
Absoluto – ver Glossário.
61
espaço: "E o Espírito de Deus movia-se sobre a superfície das águas" 0. A semente,
ou ovo de um universo, sua idéia arquetípica, adquire vida como um modelo
dinâmico e embrionário.0 O décimo oitavo versículo desse capítulo pode, pois, ser
lido como uma descrição do primeiro estágio da cosmogênese. As potências
criativas masculina e feminina são personificadas pelo Espírito Santo e pela Virgem
Maria respectivamente, enquanto a atividade formativa é indicada em termos de
procriação humana. Assim, o puramente abstrato é apresentado em uma forma algo
concreta, uma verdade espiritual, desse modo, é trazida parcialmente ao alcance do
entendimento humano. Os autores são cuidadosos ao impedir uma interpretação
materialista do assunto, relatando a divina intervenção na mais íntima circunstância
na vida de um indivíduo, com isso produzindo uma imaculada concepção.
Um processo similar de criatividade espiritual é desenvolvido por duas
potências no interior da natureza espiritual do homem. Essas são o mais puro
espírito-essência – um raio do Deus Supremo – e a Individualidade imortal na sua
"vestimenta de luz", o corpo espiritual referido por S. Paulo0.
A faculdade de intuição espiritual jaz inativa, ou como uma semente, dentro
dessa vestimenta da alma por todo o período em que o corpo físico, as emoções e a
mente analítica do homem estão evoluindo. Num determinado momento, a mente
alcança um grau de desenvolvimento em que pode começar a abarcar idéias
abstratas. Essa capacidade estava dormente, virgem, sendo feminina em relação ao
poder positivo da vontade espiritual do homem. Assim, o processo criativo
universal desenvolve-se dentro da alma do homem; o germe ainda não fertilizado da
intuição espiritual é frutificado pela ação do espírito no recôndito da mente abstrata
virgem, "concebido", e mais tarde "nascido". O fruto dessa interação, o poder
recém-nascido da intuição espiritual, é chamado a consciência crística.
Alegoricamente, o Cristo é concebido dentro de Maria pela ação do Espírito Santo.
O subseqüente nascimento da consciência crística no homem tem sido denominado
pelos místicos "o Natal da alma". Aparentemente foi a esse evento, mais do que o
nascimento histórico de Jesus, que S. Paulo se referiu quando escreveu aos seus
convertidos, "Meus filhinhos, por quem de novo sinto as dores do parto, até que
Cristo seja formado em vós"0. Esses novos poderes são também personificados
pelos salvadores infantis, e suas aparições retratadas como natividades – um
artifício freqüentemente usado, no qual um suposto evento externo descreve, na
realidade, uma experiência interior0.
Essa é a representação no interior do homem dos processos criativos divinos.
Na verdade, uma nova faculdade nasce. Quando desenvolvida e amadurecida
mudará radicalmente – até mesmo revolucionará completamente – toda a
0
Gn 1:2.
0
Arquétipo – ver Glossário.
0
I Cor 15:44.
0
Gl 4:19.
0
Pelos escritores da linguagem simbólica. Cf. os nascimentos de Shri Krishna,
Gautama Buddha e dos deuses, deusas e crianças semidivinas na mitologia.
62
perspectiva do homem sobre a vida, pois ele verá então toda a criação, todos os
seres e todas as coisas não mais como separados uns dos outros, mas como partes
de um todo maior. O começo dessa fase da evolução humana é alegoricamente
descrito naquele versículo de S. Mateus e também no segundo versículo do Livro de
Gênesis.
Uma quarta pessoa é introduzida na história – José, noivo mas ainda não
casado com Maria. Ainda que mais tarde pai por direito da criança, ele não participa
da paternidade de Jesus. Isto é significativo se ele é considerado uma personificação
da mente formal, concreta do homem. A mente de José era suficientemente
desenvolvida para responder, mais do que negar, aos aparentemente ilógicos
lampejos de iluminação que vinham da intuição; ele é portanto habilmente descrito
como um homem justo. Ele não pode, entretanto, participar do nascimento ou
concepção espiritual, porque a mente puramente lógica que ele personifica, por sua
verdadeira natureza, não pode ser ativamente intuitiva. José, por conseguinte, e
muito acertadamente, é somente o pai adotivo de Jesus. Nessa interpretação é
resolvido o problema da improbabilidade extrema, quando não impossibilidade, de
um nascimento virgem, pois está sendo descrito um desenvolvimento espiritual
interior. Então, a concepção de Jesus, o Cristo, por Maria, é imaculada, como
afirma o evangelista.
Mt 1:19. Então José, seu marido, como era justo, e não queria infamar,
intentou deixá-la secretamente.
A ação de José poderia ser considerada menos como estritamente justa, como
a palavra foi traduzida, do que como bondosa, tolerante e compassiva. Essas
qualidades e suas expressões, não obstante os sentimentos pessoais, indicam uma
pessoa amadurecida, e esse, na verdade, é o caráter de alguém em quem a intuição
espiritual está prestes a se revelar e finalmente se desenvolver.
Mt 1:20. E, projetando ele isto, eis que em sonho lhe apareceu um anjo do
Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber Maria tua
mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo.
63
Em termos de evolução puramente humana, todas as profecias pré-natais
concernentes a nascimentos e missões de grandes seres que visitam a Terra e de
todas anunciações referem-se a um processo profundamente interior. Os anjos
significam a função geradora da vontade espiritual do homem desperto. Os pais que
ouvem e respondem representam a mente ativa mas disciplinada, a consciência
cerebral, e o corpo físico. A mãe é o princípio intermediário entre estes dois, o
corpo causal, que se torna a Veste de Glória 0. Então, esses versículos descrevem um
raio (o anjo) da Mônada, ou o recôndito espírito-essência divino do homem (o
Senhor), penetrando na mente dos homens altamente desenvolvidos (José).
Compreendendo o significado da existência humana e do conhecimento da fase da
evolução na qual o Eu interior está entrando, alcança-se então o homem exterior
(outra vez José). O fato de que José não resistiu ao incrível anúncio proclamado
pelo mensageiro angélico, além disto, indica sua maturidade e o alvorecer da
intuição.
Sob a elevada exaltação do espírito que está sendo descrita e como resultado
de sua estatura evolucionária, o homem espiritualmente desenvolvido torna-se
cônscio do "Cristo em vós esperança de glória" 0, cuja existência é afirmada por S.
Paulo.
A mente humana, no curso de sua evolução, tem muitos avisos e presságios
desse evento, percebendo-se cada vez mais iluminada por lampejos reveladores de
discernimento e conhecimento [insight], independentemente dos processos mentais
usuais. Finalmente, o espírito divino no homem torna-se tão poderoso e a evolução
de sua mente abstrata e intuição tão avançada que ele reconhece seu poder. No reino
das plantas isso corresponde à misteriosa formação do novo tecido que irá se tornar
um botão, e do qual se desenvolverá a flor, fragrância e semente – a promessa de
imortalidade. Dúvidas, argumentos e discussões a respeito da realidade dos relatos,
datas, autores, genealogias contraditórias e da ascendência da origem de Maria e
José desaparecem, como uma névoa na manhã de Sol, quando a verdadeira natureza
da mensagem é compreendida.
Mt 1:21. E dará à luz a um filho e chamará seu nome Jesus; porque ele
salvará o seu povo dos seus pecados.
Sempre que um texto sugere violação da lei, tais afirmações deveriam ser
vistas como uma sugestão para que se olhe além do significado aparente, para uma
possível revelação de sabedoria esotérica. A lei de causa e efeito, por exemplo, sob
a qual cada ação humana traz sua reação precisamente adequada, alterada
unicamente pelas ações intervenientes do autor, não pode jamais ser quebrada 0.
Nenhum poder no cosmo, nem mesmo da Deidade, pode interromper a operação
0
Corpo Causal – ver Glossário. "Veste de Glória" é um título gnóstico para o Corpo
Causal. Ver também G. R. S. Mead, "The Robe of Glory".
0
Cl 1:27.
0
Carma – ver Glossário.
64
dessa lei. Esse raciocínio é introduzido aqui para tornar claro que as expressões
salvador, salvação e salvar, relativamente a Jesus, não implicam o mais leve grau de
ab-rogação da lei de ação e reação, sobre a qual o próprio Jesus tão firmemente
insistiu e cuja existência S. Paulo também afirmou 0. A idéia de que o homem pode
de alguma forma escapar, anular ou ser salvo da operação dessa lei, quanto à
conduta que gera efeitos adversos, é vista, assim, como sendo completamente
errônea. Se alguém que está procurando a verdade permite que entre em sua mente
a idéia de uma possível forma de escapar da lei de causa e efeito, então esta procura
nunca será bem-sucedida, pois haverá sempre uma área escura ou pelo menos uma
deturpação na mente que impedirá a clara percepção da verdade e da lei.
O versículo sob consideração é de importância muito grande, não só no
estudo da vida de Jesus, mas também da doutrina teológica cristã em geral. A
profecia feita pelo anjo do Senhor para José, em sonho, de que Jesus "salvará o seu
povo de seus pecados" infelizmente tem sido muito mal-entendida e interpretada,
conduzindo ao gradual desenvolvimento e à insistência sobre a visão
grosseiramente materializada da expiação vicária como essencial para a salvação.
Esse erro manchou e desfigurou o pensamento cristão desde então, resultando na
crença de que a lei de igual e oposta ação e reação não se aplica à conduta dos
confessos e crentes cristãos.
Nenhum dano maior pode ser feito a nenhum homem, eu proponho, do que
frustá-lo de colher o que semeou, de ser avaliado de acordo com seus méritos, pois
os frutos de dois importantes processos – educação pela experiência e
desenvolvimento de um alto sentido moral – seriam perdidos para ele. A história do
ocidente desde o estabelecimento do cristianismo como uma religião do estado
indica que, a despeito de formidáveis exemplos ao contrário, esses dois desastres
acometeram as nações cristãs. Temos simplesmente que levar em consideração as
guerras e perseguições religiosas, inclusive a da mais terrível das instituições
organizadas, a Santa Inquisição, para perceber os efeitos desmoralizantes dessa
doutrina.
Todavia, salvadores visitaram a Terra e realizaram um "ministério de
salvação". Tal salvação pode ser sumariamente descrita como a intensificação das
atividades espiritual e moral, trabalhando dentro de um humano, para que, então,
ele seja salvo de uma autodegradação ainda maior, pelas influências
espiritualizadoras e purificadoras exercidas pelos salvadores do mundo, tanto
exteriormente, por suas vidas e ensinamentos, quanto interiormente, pelo partilhar
de seus exaltados poderes espirituais com o Eu imortal de todo homem. Em vários
graus, de acordo com a capacidade de resposta, o ser humano torna-se capaz de
resistir à tentação e, finalmente, realizar a seidade espiritual como um ser imortal e
eterno.
0
Mt 5:18 e 7:1; Gl 6:7. "Não erreis: Deus não se deixa enganar; porque tudo o que o
homem semear, isso também ceifará.”
65
Então, não só a "morte" do Salvador, mas também seu "nascimento", salva a
pessoa de seus pecados, de pelo menos duas maneiras. Primeira, os poderes
espirituais despertados da vontade e da sabedoria, funcionando por intermédio da
mente, reduzem a tendência à transgressão; segunda, eles capacitam o transgressor a
adquirir o máximo benefício na forma de entendimento ganho das reações
produzidas sob a lei. Uma consciência expandida e uma decisão de nunca mais agir
dessa forma estão entre os resultados benéficos.
Vista desse modo, a expiação é um evento interior, uma unificação, que não
evita a operação da lei de causa e efeito, pois é a presença de Cristo dentro do
homem, que assegura salvação, ou obtenção definitiva do Espírito Crístico, não a
obliteração do carma. Nesse sentido, o termo Cristo significa suprema sabedoria e
amor, operando como uma função dentro da profundeza do ser humano. Assim
considerado, o Espírito Crístico refere-se ao que está além que também está dentro,
como a lua refletida na superfície da água.
Certos místicos cristãos levaram o ensinamento mais adiante, dizendo com
Angelus Silesius0:
Embora Cristo nasça um milhar de vezes em Belém
E não dentro de ti mesmo,
Tua alma permanecerá aflita.
A Cruz no Gólgota contemplastes em vão,
A menos que, dentro de ti mesmo, ela seja erguida outra vez.
Mt 1:22. Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que foi dito da parte
do Senhor, pelo profeta, que diz:
23. Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e chamá-lo-ão
pelo nome de Emanuel, que traduzido é: Deus conosco.
0
Pseudônimo de Johann Scheffler: "The Cherubic Wanderer".
0
Mt 1:24.
66
desenvolvimentos humanos. Emanuel, significando "Deus conosco", refere-se
novamente ao poder de Deus desenvolvido dentro do homem, a intuição espiritual e
a pura sabedoria, dos quais nascem o entendimento e a compaixão semelhantes aos
do Cristo. A palavra Emanuel significa não só "que Deus esteja conosco", mas
também "Deus está conosco", querendo dizer que este fato é realizado. Emanuel,
portanto, descreve um estado da consciência. Embora ela possa significar tanto uma
oração como uma afirmação, seu significado místico corresponde à palavra
sânscrita Aum, com todos seus sobretons graves interiores, incluindo a afirmação,
nascida inteiramente da experiência, de que o espírito do homem é uma expressão,
ou raio, idêntico ao do espírito do universo.
Mt 1:24. Então José, despertando do sonho, fez como o anjo do Senhor lhe
ordenara, e recebeu a sua mulher.
25. E não a conheceu até que deu à luz seu filho primogênito; e pôs-
lhe o nome Jesus.
0
Iniciado – ver Glossário.
0
Ver Hodson: "Hidden Wisdom", Vol. II, pg. 98.
0
Na cosmogênese hindu, Vishnu sobre o assento-serpente (Ananta) que flutua nas
águas do espaço.
0
Uma referência de um axioma oculto: "A mente é a grande assassina do Real. Deixai
o discípulo matar o assassino". Os atributos não-intuitivos, excessivamente
argumentativos e materialistas da mente concreta contribuem para "assassinar" o
Real, que significa Verdade Eterna.
67
hábil agente da vontade interior. Simbolicamente, em sonho, José recebe instruções
de um anjo, as quais cumpre no estado de vigília.
A efetiva autofertilização do óvulo pode não ser inteiramente impossível no
futuro. A filosofia oculta abrange a idéia de que raças futuras de homens na Terra
usarão naturalmente esse método de reprodução, enquanto em fase ainda mais
adiantada da evolução humana, novos corpos físicos, nos quais almas humanas
encarnam, serão criados pelo poder do pensamento. Os próprios processos
reprodutivos sofrerão mudanças evolucionárias, e eles mostram obediência à lei de
progressão cíclica. A primeira raça física de homens na Terra, personificada por
Adão, foi andrógina e auto-reprodutiva 0. Quando, mais tarde, organismos
sexualmente diferenciados (Adão e Eva) desenvolveram-se, o atual método de
procriação tornou-se normal. Esse, outra vez de acordo com a filosofia oculta,
gradualmente dará lugar, em nível mais elevado, a uma retomada da auto-
reprodução. Entretanto, a história da imaculada conceição de Jesus é, eu penso,
melhor entendida no seu significado místico, porque, enquanto o esboço principal
da história pode ou não ser historicamente verdadeiro, misticamente ele é
inteiramente válido.
0
Ver Hodson: Hidden Wisdom, Vol. II, pp. 113-116.
68
69
CAPÍTULO 5
0
Is 35:8.
70
A Natividade, por sua vez, representa o processo de despertar o poder ativo
da natureza crística no homem. Esse estágio extremamente importante na evolução
do Eu espiritual é assistido pelas inteligências altamente evoluídas, como são tantos
outros processos da natureza. Os homens sábios (magos) vindos de longe, que são
ministros do Logos Solar e seus representantes oficiais neste planeta 0, personificam
essas ações. Eles podem ser percebidos como assistindo também durante o "parto"
místico, ou interior.
A estrela que atrai a atenção deles e guia-os para a cena da Natividade
representa o poder espiritual adicional e a luz que brilha na alma avançada nesta
fase do seu progresso em direção à perfeição 0. À medida que a "gestação" mística
avança para o nascimento do Cristo-menino interior, a aura torna-se mais amplas e
mostra luminosidade crescente. Essa mudança continua até os estágios mais
adiantados de desenvolvimento, tornando-se as "nuvens de glória" áuricas 0, nas
quais o poder crístico então plenamente desenvolvido e maduro ascende
metaforicamente ao céu para sentar-se à direita de Deus0.
A primeira das cinco grandes iniciações pelas quais o homem passa no limiar
da super-humanidade está também descrita alegoricamente no relato do Nascimento
de Jesus. Nesta versão, a estrebaria torna-se o sala da iniciação, e a hospedaria, que
está cheia, tipifica a vida mundana, "abarrotada", como estava, pelos homens do
mundo. Nessa versão, os homens sábios (magos) são oficiantes no rito sagrado e a
estrela simboliza a presença do Iniciador Uno neste planeta 0. Os dois relatos da
Natividade0 mais as referências de S. Paulo ao Cristo Interno nascido no homem
revelam um relato completo do místico e do oculto em forma alegórica 0.
As alegorias também podem ser interpretadas em termos da fisiologia oculta.
Nesse sentido, são descritivas de transformações que ocorrem no corpo físico e no
superfísico do homem durante a preparação para as grandes iniciações e a passagem
por elas. Antes desse momento chegar, os poderes divinos residentes no homem
estão relativamente inativos, e há pouca ou nenhuma percepção consciente deles. O
principal dentre esses é a força-de-vida criativa, o poder ígneo pelo qual universos
são levados à existência, modelados e aprimorados0.
0
Para uma interpretação mais completa veja Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. I, pp.
198-215.
0
Logos e Doutrina do Logos – veja Glossário. Veja também Geoffrey Hodson, "The
Kingdom of the Gods", Pt. 3, Cap. 4, e "Lecture Notes of the School of the Wisdom",
Vol. I, Cap. 16.
0
Perfeição. Veja Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. I, pp. 56-74.
0
Lc 21:27.
0
Mc 16:19.
0
Veja Geoffrey Hodson, "Lecture Notes of the School of the Wisdom, Vol. I, Cap.
16, Sec. 4.
0
Mt 1:18-25 e Lc 2:1-7.
0
Veja Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. I, Pts. 5 e 6.
0
Kundalini – veja Glossário.
71
Esse poder reside no homem, mas permanece como estava, por nascer, até
que certa fase evolucionária seja alcançada. Então seu despertar para a atividade
começa pela ação de outro poder divino no homem, o da vontade espiritual, que é
completamente distinto do Fogo criativo. A vontade no homem procede do
Primeiro Aspecto da Divina Trindade no homem, Deus o Pai, e nessa interpretação
o fogo da criação é o Terceiro Aspecto, Deus o Espírito Santo. A evolução
gradualmente provoca a expressão ativa da vontade espiritual no interior do
homem, que tem como uma de suas funções descer, tocar e despertar o adormecido
fogo criativo que reside na base da medula espinhal. Esse processo é
alegoricamente descrito na Anunciação para José, Zacarias e Maria. Os dois
homens representam a personalidade mortal, e Maria, a "veste de luz", o mais tênue
dos corpos superfísicos do homem, no qual o Eu e a vontade espirituais do homem
estão encarnados como desdobramentos do ser imortal 0. A chegada do arcanjo da
Anunciação e a intenção e o som de seu pronunciamento de palavras proféticas
representam o descenso da força de vontade espiritual interior que está despertando.
O resultado da união entre a vontade espiritual e a inteligência espiritual no
homem é, em princípio, duplo. O fogo sagrado na base da espinha é soprado até se
tornar uma chama, ou atiçado até entrar em atividade 0, e a faculdade da intuição
espiritual (o Cristo menino) – até agora germinalmente presente dentro da mente
abstrata do homem – começa a tornar-se um poder ativo. Esses dois processos são
complementares. O fogo ascendente torna o cérebro e a consciência no seu interior
responsivos ao poder, à sabedoria intuitiva e ao conhecimento do Eu interior que
está procurando expressão física. A faculdade intuitiva, incluindo a percepção
[insight] implícita e a capacidade para realizar a unidade no meio da diversidade,
encontra, desse modo, um veículo que se torna cada vez mais responsivo a ela na
verdadeira nova vida do homem espiritualmente desperto.
O termo imaculada conceição não é impreciso quando aplicado a um
processo profundamente espiritual de germinação (a Anunciação) interior. Segue-se
a gestação, durante a qual o neófito altamente sensibilizado vive em retiro,
geralmente no interior de um templo dos Mistérios Maiores, ou na casa do Mestre,
que cuidadosamente o guarda. Essa tutela é necessária, pois existem perigos e, a
menos que eles sejam evitados, uma espécie de "aborto" oculto poderia ocorrer.
Considerável tensão é exercida sobre o sistema nervoso por causa do despertamento
do fogo criativo. O próprio cérebro pode ser alternadamente sobreexcitado e muito
entorpecido. A mente por sua vez pode se tornar clara, poderosa e iluminada pelos
lampejos da penetrante intuição, acarretando o perigo do egoísmo e orgulho, como
o de Herodes. Visões psíquicas também podem ocorrer e, até ele se tornar
acostumado a elas, podem distrair e desencaminhar o neófito. Essas e outras
experiências podem levar o aspirante a desviar-se do verdadeiro caminho espiritual,
0
Ego – veja Glossário.
0
Kundalini.
72
para tornar-se (por exemplo) uma incorporação do orgulho, ao invés de uma
encarnação da humildade.
Evitados esses perigos, o nascimento místico ocorre naturalmente. O fogo
criador ascende ao coração e à cabeça; a sabedoria espiritual e a divina compaixão
transformam o neófito iniciado em um servo divinamente inspirado de seus
semelhantes. Tão completa é a transformação que verdadeiramente um novo ser,
como Cristo, nasce.
Mt 2:5. E eles lhe disseram: Em Belém da Judéia; porque assim está escrito
pelo profeta:
6. E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és menor entre as capitais
de Judá; porque de ti sairá o Guia que há de apascentar o meu povo
de Israel.
0
Essa transformação interna da natureza do homem constitui-se na verdadeira
Alquimia.
73
corpo causal, no interior da qual todos nascimentos espirituais ocorrem, a mãe, a
Virgem Maria.
Até então, a mente havia controlado o homem, como Herodes controlava seu
reino. À medida que aquele controle está sendo agora ameaçado, a esperteza, a
astúcia e o engano, como descritos nesses versículos, são empregados. Simular
deferência pode ser um assumido disfarce escondendo intenções sanguinárias. A
mente humana, quando impregnada de individualismo possessivo, usa habilidades
mentais para tentar descobrir o paradeiro do poder secreto ameaçador de sua longa
dominação do homem. Esses versículos indicam também que Herodes sabia
somente por boatos do nascimento de Jesus e do aparecimento da estrela. O
simbolismo é exato, pois a mente analítica não pode conhecer diretamente a pura
sabedoria e a intuição espiritual, simbolizadas pela estrela e personificadas pelo
Cristo-menino.
Assim como o adulto auxilia a criança recém-nascida, também os mais
velhos evolutivamente assistem àqueles que são espiritualmente recém-nascidos.
Em conseqüência, a força interior deles é aumentada e seus veículos externos
mortais harmonizados. Adeptos e iniciados – os homens sábios (magos) do Oriente
e os pastores da alegoria evangélica – rodeiam o recém iniciado com seu poder
protetor e, por meio de imponente cerimonial, invocam a ajuda divina e angélica
para ele. Oportunamente, entretanto, o jovem iniciado deve, como o escudeiro na
Ordem de Cavalaria, "obter suas esporas" [superar sua impulsividade – NT],
realizar sua fidalguia, pelo exercício de seus próprios poderes0.
Entrementes, como indicam esses versículos, a aversão e resistência interior
àquela realização estão se desenvolvendo. A auto-afirmação e as partes até então
tirânicas da natureza humana – mental, passional e física – decidem a morte daquilo
que as ameaçam e a continuação de sua tirania.
Mt 2:9. E tendo eles ouvido o rei, partiram; e eis que a estrela, que tinham
visto no oriente, ia adiante deles, até que chegando, se deteve sobre o
lugar onde estava o menino.
10. E, vendo eles a estrela, regozijaram-se muito com grande alegria.
11. E, entrando na casa, acharam o menino com Maria sua mãe, e,
prostrando-se, o adoraram; e abrindo os seus tesouros, lhe ofertaram
dádivas: ouro, incenso e mirra.
0
Um representante no mundo exterior dos sucessivos graus dos Mistérios Menores e
Maiores, como também na Franco-maçonaria.
74
indesejáveis expressões da natureza humana. Esses atributos estimulam o homem a
procurar a verdade e a luz, que, quando encontradas, são reconhecidas e adoradas.
O número três aplicado aos homens sábios (magos) e a seus presentes refere-
se simbolicamente à mais alta tríade da vontade espiritual, amor e inteligência, o
desdobramento da alma imortal, espiritual. Cada um desses três aspectos é uma
representação e reflexo, na alma espiritual do homem, de um aspecto da Deidade
tríplice, a Santíssima Trindade. Cada uma é despertada para crescente atividade,
como resultado tanto do desenvolvimento evolucionário como do rito solene da
iniciação.
A recém-nascida faculdade de percepção espiritual direta e de visão que
desperta compaixão, faculdade esta que revela a unidade indivisível da vida no
interior das formas, recebe uma porção, ou "presente", de um tipo particular de
energia e benção. Essa energia é inerente aos três aspectos da Deidade, bem como
aos três componentes do Eu interior do homem. Quando a alma humana entra na
fase de desenvolvimento que está sendo descrita, o divino na natureza e no homem
é levado a uma ação beneficente. A lei das correspondências conduz as forças do
macrocosmo à crescente atividade no interior do homem, o microcosmo 0. O Cristo
interno, recentemente desperto, é o foco para a atividade interior, ou recepção
desses poderes "externos", ou presentes.
Toda natureza reage em suas formas espiritual, intelectual, dinâmica e física
sempre que esse nascimento místico ocorre. Membros das hierarquias dos anjos,
referidas em S. Lucas como um hóspede celestial que apareceu para os pastores,
estão envolvidos0. Esses são os Eloins, ou inteligências associadas com as forças
cósmicas. Eles despertam, para uma atividade crescente, o Deus recém-nascido no
homem, sua divindade inerente. Também trazem seus presentes, que consistem de
associação direta com as várias correntes de força da vida, representadas pelas
diferentes ordens. Em termos de eletricidade, a grande estação geradora dessa
energia consiste fisicamente do Sol e dos planetas e, superfisicamente, de suas
contrapartes espirituais e regentes. O iniciado é colocado em circuito com isso.
Diferentes tipos de energia cósmica, ou correntes canalizadas pelos anjos, podem
ser descritos como diferentes comprimentos de ondas nas quais a energia única é
expressada em toda a natureza e no homem, visível e invisível.
O poder cósmico, solar, planetário e atômico é parcialmente expresso como
som, um vasto acorde composto de miríades de notas, cada qual com seus
sobretons. Então, os anjos presentes na Natividade cantam apropriadamente suas
angélicas canções; e, como o poder é único, o tema de seus sons é a unidade,
harmonia, paz e boa vontade entre os homens.
Mt 2:12. E, sendo por divina revelação avisados em sonhos para que não
voltassem para junto de Herodes, partiram para a sua terra por
0
Lei das Correspondências – veja Glossário.
0
Lc 2:13.
75
outro caminho.
Mt 2:13. E, tendo-se eles retirado, eis que o anjo do Senhor apareceu a José
em sonhos dizendo: levanta-te, e toma o menino e sua mãe, e foge
para o Egito, e demora-te lá até que eu te diga; porque Herodes há
de procurar o menino para matá-lo.
A experiência com um anjo ocorreu com José uma segunda vez, de acordo
com Mateus. Depois de profetizar o nascimento de Jesus, o anjo veio outra vez e o
preveniu do perigo e disse-lhe o que fazer para evitá-lo. A obtenção de qualquer
experiência mística verdadeira ou de qualquer grande expansão da consciência é
geralmente, senão sempre, seguida de um certo conflito. Quando em estado de
exaltação, o neófito esquece-se temporariamente de seu corpo, suas exigências e
necessidades. Em surgindo, essas parecem mais insistentes do que anteriormente,
em contraste com o estado de elevação. Isso ocorre por causa de uma resistência
instintiva exercida pela inércia da matéria e pelo medo instintivo de perda da
liberdade para entregar-se aos desejos materiais. Herodes personifica essa
resistência fundada na mentalidade egoística, nas emoções possessivas e sensuais e
nas atividades e prazeres habituais do corpo.
Indubitavelmente, o controle do homem mortal sobre a vida do homem
imortal no corpo é ameaçado, e seu fim está próximo. Essa mudança não ocorre
sem um esforço ou uma tentativa organizada pela mente mundana de destruir o
idealismo espiritual. Dois métodos de defesa contra essa resistência do interior são
possíveis. Um é o ataque frontal contra os atributos indesejáveis; o outro é um
desvio do foco da consciência sobre eles, para que sejam ignorados e tendam a
morrer de inanição. O último método é aconselhado e foi seguido por Jesus, que,
metaforicamente, escapou para o Egito. José, a mente, intuitivamente percebeu
tanto o perigo como o modo de evitá-lo. Alegoricamente, um anjo o instruiu.
76
A interpretação de tais narrativas como descritivas de experiências interiores,
iluminações e expansões de consciência é, passo a crer, tanto mais frutífera para o
leitor quanto mais aplicável àquela experiência humana universal que, quando
assim vista, os evangelhos retratam. Entretanto, essa concepção de anunciações e
outras orientações recebidas de anjos não significa a exclusão da historicidade da
narrativa nem da possibilidade da existência de ordens de anjos e de sua
conversação com os homens. Na verdade, as mudanças de consciência mencionadas
nestes comentários podem ser auxiliadas pelo sacerdócio angélico.
Mt. 2:14. E, levantando-se ele, tomou o menino e sua mãe, de noite, e foi
para o Egito.
15. E esteve lá até à morte de Herodes, para que se cumprisse o que foi
dito da parte do Senhor pelo profeta, que diz: Do Egito chamei o
meu Filho.
77
manifestação, involução e evolução da Vida divina na natureza, os princípios
básicos pelos quais os processos da natureza ocorrem e o contato direto com ordens
das hostes angélicas e seus líderes arcangélicos – tudo isto se tornava parte da
consciência do iniciado. Quando o treinamento terminava e a colação de grau
espiritual tinha sido conferida, os novos iniciados eram, então, enviados ao mundo
exterior para cautelosamente ensinar o conhecimento que adquiriram; para
encontrar e aceitar discípulos que poderiam treinar para o serviço e o progresso
similares; e para elevar o nível de consciência e de vida da humanidade fora da
rígida ortodoxia e na direção de níveis mais altos do pensamento e percepção direta
da comunhão com Deus. A vida oculta interior de tais homens é sempre
profundamente secreta e enquanto passam por seu treinamento vivem em retiro.
Esse costume universal e antigo foi evidentemente seguido por Jesus, de quem não
são dados registros até que apareça com a idade de doze anos. Os versículos sob
consideração constituem uma breve e velada referência a essa parte da preparação
de Jesus para sua grande missão.
Mt. 2:16. Então Herodes, vendo que tinha sido iludido pelos magos, irritou-se
muito, e mandou matar todos os meninos que havia em Belém, e em
todos os seus contornos, de dois anos para baixo, segundo o tempo
que diligentemente inquirira dos magos.
0
Lc 18:17.
78
Esse princípio universal é revelado por meio de alegoria em muitas escrituras
e mitologias mundiais. No relato grego da criação, Cronos, chefe de estado e pai
dos que viriam a ser deuses, foi alertado de que suas crianças o deporiam, assim
como ele, por seu turno, tinha deposto a seu pai, Uranus. Para impedir isso, Cronos
devorava cada uma de suas crianças imediatamente após seu nascimento. Por um
subterfúgio Zeus foi salvo.
Na escritura hindu, o Rei Kansa foi alertado de que o filho de Devaki e
Vasudeva depô-lo-ia e, em conseqüência, ele aniquilou criança após criança
imediatamente depois do nascimento. Pela intervenção de seres supranormais –
Mahadevas e Devas, as hierarquias de arcanjos e anjos – a oitava criança, Shri
Krishna, foi salva. Quando cresceu ele se tornou o Salvador e Instrutor da
humanidade. Herodes foi avisado de que nasceria em Israel uma criança que o
deporia. Por essa razão ele massacrou os inocentes; mas, de novo, como se por
divina intervenção, o menino Jesus foi salvo e tornou-se o instrutor espiritual de
incontáveis milhões de pessoas.
Aqui também, por meio de narrativa alegórica, estão relatadas as privações
que o espírito deve padecer, ou suportar, a inevitável pena, quando se torna
manifesto na matéria. Além disso, quanto mais profunda a densidade da "substância
material", maior a privação de poder. Shri Krishna, Jesus e Zeus, sendo salvos,
podem possivelmente ser considerados como exemplos da vitória do espírito sobre
a matéria, que é inevitavelmente alcançada logo que o processo criativo tenha sido
iniciado no primeiro "alvorecer". Nada pode efetiva e finalmente se opor à imersão
do espírito na matéria ou à evolução daquele mesmo espírito, um processo pelo qual
se produz um salvador de homens ou, no caso da humanidade em geral, o adeptado
é alcançado. Então, sugiro, o poder completamente irresistível que provoca a
emanação de universos está revelado nessas imortais histórias.
A Mônada humana experimenta similarmente sucessivas privações quando
se torna manifesta e toma corpo em matéria de sucessivos graus de densidade.
Finalmente, como é verdadeiramente profetizado nos mitos, a resistência da matéria
será sobrepujada e a "divina criança" – poder, sabedoria e inteligência do adepto –
nasce. Ainda que tais alegorias possam parecer repulsivas quando somente o véu,
ou cortina, é considerado, o princípio deliberadamente oculto por baixo é revelado
àqueles que sabem como afastar o véu.
Mt 2:17. Então se cumpriu o que foi dito pelo profeta Jeremias, que diz:
18. Em Ramá se ouviu uma voz, lamentação, choro e grande pranto:
Raquel chorando os seus filhos, e não querendo ser consolada,
porque já não existem.
79
perda associada com a capitulação do eu, que acompanha a realização da união com
Deus. Nesse caso, suas palavras são aplicáveis não só a Jesus, mas a cada iniciado
bem-sucedido.
Mt 2:19. Morto porém Herodes, eis que o anjo do Senhor apareceu num sonho
a José no Egito.
20. Dizendo: levanta-te, e toma o menino e sua mãe, e vai para a terra
de Israel; porque já estão mortos os que procuravam a morte do
menino.
80
na presente. Uma forma de orientação consiste na contínua iluminação das mentes
dos homens pelos membros da Hierarquia dos Adeptos, pois estes sábios inundam
os mundos superfísicos com impulsos espirituais, inspiração e iluminação. Também
sob a influência dos Adeptos, seus discípulos – os grandes instrutores do mundo –
transmitem aspectos da Sabedoria deles para a mente dos homens por intermédio de
suas vidas, seus ensinamentos e seus escritos. Esse processo é contínuo, embora
mais evidente em certos períodos da história do que em outros.
Além do mais, certos membros elevados da Hierarquia Oculta apresentam-se
visivelmente na Terra em seus próprios corpos ou inspirando e agindo por
intermédio de seus discípulos altamente evoluídos. O poder e eficácia de tais visitas
são, em certas ocasiões, grandemente realçados pela descida de um ou outro dos
Aspectos, ou Pessoas, da Santíssima Trindade, ou Logos Solar. A mente e o corpo
do representante humano devem ser cuidadosamente preparados, a fim de que possa
resistir à tensão do poder que flui através do corpo quando as manifestações estão
no auge. De acordo com a tradição gnóstica uma parte da missão destinada a Jesus
era que servisse como veículo para tal visita e descida do alto 0, começando no
período do Batismo nas águas do Jordão 0. Essa preparação, assumimos, tinha
começado no Egito e continuou na Palestina.
Mt 2:21. Então ele se levantou e tomou o menino e sua mãe, e foi para a terra
de Israel.
22. E, ouvindo que Arquelau reinava na Judéia em lugar de Herodes, seu
pai, receou ir para lá; mas avisado em sonhos por divina revelação,
foi para as partes da Galiléia.
23. E chegou, e habitou numa cidade chamada Nazaré para que se
cumprisse o que fora dito pelos profetas: ele será chamado
Nazareno.
81
plenamente, como é indicado pelas adversidades descritas na história da vida de
Jesus. Ademais, o progresso acelerado traz um aumento de resistência da própria
matéria, particularmente aquela que compõe os corpos com seus hábitos, desejos e
egoísmo remanescentes. Dificuldades também se originam de pessoas inflamadas
pelo ódio insuflado por membros da Fraternidade Negra, os Senhores da Face
Escura, que são os oponentes autoconstituídos da Grande Fraternidade Branca na
Terra e de todos seus agentes entre os homens.
Dentro das restrições impostas pela lei de causa e efeito, cada neófito sincero
é guiado, guardado e dirigido, visível e invisivelmente, pelos seus irmãos mais
experientes na evolução. Esse é outro significado da anunciação e dos avisos
recebidos dos membros das hostes angélicas ou de Deus. A Deidade aqui,
entretanto, não é tanto o Logos Solar de todo o universo, mas sua própria
reprodução como Mônada, ou divino espírito-essência no homem. O Logos Solar
está ocupado com vastas atividades relativas aos processos de involução e de
evolução em todos os reinos da natureza e suas incontáveis miríades de
representações. Todavia, a possibilidade de intervenção pela Deidade Suprema de
todo um universo em favor de um homem não é negada de forma alguma, não
importa quão improvável possa parecer. A sabedoria eterna ensina que a recepção
da graça divina, qualquer que seja sua fonte, é uma realidade na experiência
humana0.
Comunhão com a Suprema Deidade é, na verdade, freqüentemente declarada
tanto no Novo como no Velho Testamento. Quanto mais altamente evoluído o
participante humano, mais profundamente interiores tornam-se as experiências. O
sentido da unidade com Deus aprofunda-se, para culminar em pleno conhecimento
da unidade e identidade com aquele Ser eterno que preside sobre a evolução e
habita dentro da alma de todos os seres criados.
0
Cf. "O Bhagavad Gita", Décimo-segundo Discurso.
82
83
PARTE TRÊS
BATISMO
84
85
86
CAPÍTULO 6
87
ouviram a música de sua lira. Medéia acalmou com encantamentos o sibilante,
repugnante e imortal dragão de mil voltas que vigiava o velo de ouro 0, e o Senhor
Shri Krishna dominou a inimizade da serpente negra, Kaliya, dançando sobre seus
sete capuzes0. No fragmento gnóstico chamado "O Hino da Veste de Glória",
considerado pelos críticos literários ter sido escrito por Bardesanes, a parábola do
filho pródigo é repetida, possivelmente pelo próprio Bardesanes, representado pela
primeira pessoa. Lemos:
E eu comecei (então) a cativá-la,
A terrível Serpente respirando forte.
Eu embalei-a para dormir e descansar,
Cantando para ela o Nome de meu Pai,
O nome de nosso Segundo, (meu Irmão),
E (Nome) de minha Mãe, a Rainha do Oriente0.
O canto religioso é uma exteriorização de tal convocação interior para as
alturas espirituais, que, por sua influência harmonizante e edificante, pode auxiliar
na resposta àquela chamada.
Mais tarde Jesus convocou seus discípulos e, ao ouvirem a sua voz, eles por
sua vez, metaforicamente, "abandonaram suas redes e seguiram-no" 0. Misticamente,
os personagens divinos nas escrituras do mundo representam o Habitante do
Recôndito, a Mônada do homem (veja o gráfico no Capítulo Dois), enquanto o
"chamado" retrata o raio de instigante poder, a força de vontade, que a Mônada
envia ou sussurra aos "ouvidos" do homem externo.
88
João simbolizam a simplicidade e o ascetismo que são adotados nessa fase da
evolução humana, de acordo com essa lei. Indulgências, egoísmo, possessividade e
hábitos que embrutecem devem ser superados, ou transcendidos, antes que a
faculdade de intuição, ou qualidades do Cristo no homem, possa ser plenamente
expressa. Novos poderes exigem novos sacrifícios. Vitórias espirituais demandam
renúncias materiais.
Está também implícita aqui, embora não especificada, uma referência ao
modo de vida e à missão de Elias, que foi tanto um protótipo de João como uma
personificação do mesmo desenvolvimento interior e da mesma lei psico-espiritual.
Mt 3:5. Então ia ter com ele Jerusalém e toda a Judéia, e toda a província
adjacente ao Jordão.
6. E eram por ele batizados no rio Jordão, confessando os seus
pecados.
Mt 3:7. E, vendo ele muitos dos fariseus e dos saduceus, que vinham ao seu
batismo, dizia-lhes: Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da
ira futura?
8. Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento:
9. E não presumais, de vós mesmos, dizendo: Temos por pai a
Abraão; porque eu vos digo que mesmo destas pedras Deus pode
suscitar filhos a Abraão.
10. E também agora está posto o machado à raiz das árvores; toda
árvore, pois, que não produz bom fruto é cortada e lançada ao
fogo.
89
11. E eu, em verdade, vos batizo com água, para o arrependimento;
mas aquele que vem após mim é mais poderoso do que eu; cujas
alparcas não sou digno de levar; ele vos batizará com o Espírito
Santo, e com fogo.
12. Em sua mão tem a pá, e limpará a sua eira, e recolherá no celeiro
o seu trigo, e queimará a palha com fogo que nunca se apagará.
90
Sinóticos. O Christos cósmico, como Palavra criativa, ou poder divino formativo, e
a mística presença, ou Cristo interno, em muitos seres humanos estariam
combinados com o Salvador histórico dos homens. Jesus, o filho de Maria, devia
ser mostrado como uma manifestação da Deidade Suprema, tanto em seus aspectos
transcendentes como imanentes.
Em conseqüência, os episódios da vida de Jesus selecionados para inclusão
foram aqueles que se prestavam a tal apresentação, embora fossem adicionados
muitos que não são encontrados nos relatos dos outros três evangelistas. A estória
da vida é relatada de tal maneira que, adequadamente interpretada, retrata tanto a
história do cosmo como a do homem. A evolução humana naturalmente recebeu
maior atenção e foi descrita de forma a revelar estágios do desdobramento do
princípio divino no homem. Isso se aplica ao período em que o homem estava
passando por fases quase primitivas (e.g., a multidão gritando, "crucifica-o" 0), pela
entrada no caminho do discipulado e pelos desenvolvimentos, interior e exterior,
profundos que culminam na realização da estatura do homem perfeito, a verdadeira
apoteose do período humano de evolução (Ascensão).
Leitores capazes do discernimento necessário seriam, então, esclarecidos
quanto à sua própria seidade, condição, progresso e destinação espiritual na
realização do Espírito Crístico. Cada incidente relembrado – desde o ministério de
João Batista (uma fase evolucionária avançada) até sua morte por decapitação e, em
seguida, por eventos selecionados da vida de Jesus – relatados de tal forma que
tanto o significado cósmico como o místico eram revelados, ainda que
simbolicamente.
O quarto evangelho é claramente o trabalho de um homem ou de um grupo
de homens que era profundamente versado na doutrina do Logos. Eles também
estavam bem-informados a respeito do modo de vida normal da presente
humanidade e daqueles que estão progredindo à frente de seus semelhantes no
caminho evolutivo. Pela ajuda de um Mestre, ou sábio espiritual, tais homens
estavam mudando rapidamente na direção da realização do propósito a que se
destina a evolução humana, descrito pelas experiências e ações do próprio Jesus.
Jo 1:29. No dia seguinte João viu a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o
Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
É dito nesse versículo que João Batista – quer historicamente, quer de modo
puramente simbólico ou de ambos os modos – chamou a atenção do povo para que
vissem o jovem que tinha aparecido entre eles como não sendo um mortal comum,
mas uma verdadeira encarnação da Deidade Suprema. Isso pode ser considerado
como descritivo do estágio de iluminação alcançado por um ser humano (João) em
que ele percebe o cósmico no interior do humano, o divino dentro de um homem no
limiar da divindade plenamente desenvolvida (Jesus, o Cristo). Iluminado, João
0
Mc 15:13.
91
chama a atenção dos outros, cujas mentes poderiam estar similarmente abertas, para
a visão transcendente e para o exemplo vivo diante deles daquilo que eles se
tornariam.
Isso é feito de forma simbólica, sendo o primeiro símbolo o Cordeiro de
Deus. Enquanto geralmente o cordeiro recém-nascido evoca o conceito de
imaculado, sem marca, espontâneo, e infantilidade brincalhona, para o povo judeu o
pequeno animal tinha outros significados. Entre esses estava a promessa da
continuidade da existência tribal, já que seus antepassados eram um povo pastor.
Não só era o cordeiro a posse mais altamente recompensadora que eles podiam ter,
mas também era considerado como o mais valorizado presente ou sacrifício que
eles podiam oferecer. Então, para os Judeus, era um símbolo de extrema auto-
entrega em suposta adoração.
Num sentido semelhante, a Deidade por sua vez fez um sacrifício do seu
próprio Filho, divinamente concebido e oferecido, a fim de que a mortalidade e a
pecabilidade do gênero humano pudessem ser transcendidas e o homem redimido
pelo Cordeiro de Deus. Embora para algumas mentes esse conceito do sacrifício
literal de um cordeiro possa ser repugnante, ele é, no entanto, misticamente
verdadeiro. Deus ofereceu uma parte de si mesmo, o Deus vivo profundamente
escondido no interior de cada ser humano, para dar garantia de imortalidade final e
salvação0. A tônica aqui não é colocada sobre a pessoa física de Jesus, mas sobre o
fragmento sacrificado da natureza divina como realidade inerente, a imortal e
sempre imaculada Presença de Deus em cada ser humano. Assim considerado, o
Senhor do universo permite que uma porção de si mesmo (seu "Filho") seja
encerrada na forma, presa e entronizada na matéria. A palavra ‘encerrada’ pode
perfeitamente ser usada com respeito à condição pré-cósmica da vida eterna.
Jo 1:30. Este é aquele do qual eu disse: Após mim vem um varão que foi
antes de mim, porque já era primeiro do que eu.
Jo 1:31. E eu não o conhecia; mas, para que ele fosse manifestado a Israel,
vim eu, por isso, batizando com água.
32. E João testificou, dizendo: E vi o Espírito descer do céu como uma
pomba e repousar sobre ele.
0
2Cor 6:16.
92
Da mesma forma como S. Paulo escreveu sobre a Natividade de Jesus como
um evento interior, ocorrendo na consciência e na natureza do homem 0, parece
também que S. João escreveu sobre o Batismo em termos similares, fazendo de
João Batista seu porta-voz.
João Batista, como ele próprio admitiu, era um profeta cujos poderes ainda
não estavam perfeitamente desenvolvidos, posto que, embora Jesus tivesse estado
diante dele um pouco antes, João, por um tempo, não o reconhecera. Similarmente,
o poder profético inerente ao Eu espiritual do homem na sua "vestimenta de luz"
passa por gradual desenvolvimento e emerge como o poder de percepção [insight]
direta, intuitiva. João evidentemente estava no limiar desse estado e, finalmente,
reconheceu e proclamou a presença desse poder dentro de si mesmo, já que mais
tarde ele reconheceu, reverenciou e batizou Jesus e, presumivelmente, "viu" o
Espírito Santo descer sobre ele na forma de uma pomba.
A diferença na estatura espiritual está também indicada parcialmente pela
posterior história de Jesus e João. João manifestou-se intrépida e francamente
contra a maldade nos locais socialmente elevados e, assim, pagou com a vida,
aparentemente sem um registro de outros serviços. Jesus curou os doentes, instruiu
a humanidade nas realidades da religião, reafirmou o evangelho do amor altruísta e
arrebanhou e treinou discípulos, depois do que, por sua vez, foi-lhe tirada a vida.
Assim, os evangelistas apresentam Jesus como sendo mais elevado do que João e
isto João reconhece, dizendo que era indigno de atar as sandálias do Mestre. 0
Entretanto, ambos presumivelmente permaneceram dentro da corrente da vida
espiritual que tudo permeia, tipificada pelo Rio Jordão, e Jesus foi batizado por
João, o homem mais velho assistindo ao mais jovem. Mais tarde, exceto nas
comunicações por intermédio de outros e algumas referências por Jesus, os dois não
mais se encontraram. João, entretanto, realizou seu dharma de convocar seus
compatriotas ao arrependimento, batizando Jesus, denunciando o adultério e
entregando sua vida, ao invés de mostrar-se subserviente ao poder temporal. As
esplêndidas figuras de João Batista e de Jesus personificam todo aspirante que
sempre se direciona à consecução do avanço evolucionário.
Jo 1:33. E eu não o conhecia, mas o que me mandou batizar com água, esse me
disse: Sobre aquele que vires descer o Espírito, e sobre ele repousar,
esse é o que batiza com o Espírito Santo.
0
Gl 4:19.
0
Mt 3:11.
93
alguém elevado era nada menos que o Messias, cujo aparecimento os profetas de
antigamente haviam previsto.
Nenhuma referência posterior é feita sobre essa misteriosa pessoa. Se a
sugestão é permissível, pode ser vista uma alusão à existência de uma ordem na
qual João tinha sido admitido e na qual ele tinha recebido instrução – talvez a dos
essênios.
Jo. 1:35. No dia seguinte, João achava-se lá de novo, com dois de seus
discípulos.
36. Ao ver Jesus que passava, disse: "Eis o Cordeiro de Deus".
37. Os seus dois discípulos ouviram-no falar e seguiram a Jesus.
38. Jesus, voltando-se e vendo que o seguiam, disse-lhes: "Que estais
procurando?" Disseram-lhe: "Rabi, onde moras?0
0
Rabi pode ser interpretado como "Mestre".
94
percebe a verdadeira grandeza espiritual de seu Mestre, sua missão como um
messias para a humanidade e seu relacionamento com a Divindade, os arcanjos e
anjos das hostes celestes.
Assim, precocemente na vida de Jesus, como narrado por S. João, ele é
proclamado uma genuína manifestação do Verbo criativo, um representante na
Terra da Deidade, tanto como um veículo, ou canal, quanto como um ser humano
altamente evoluído e iluminado por seu próprio mérito.
Retornando ao relato de Mateus do batismo de Jesus por João, tornam-se
manifestas outras conotações: cósmica, mística e oculta.
Mt 3:13. Então veio Jesus da Galiléia ter com João, junto ao Jordão, para
ser batizado por ele.
95
******INSERIR GRÁFICO DA PG. 78 DO ORIGINAL EM INGLÊS****
0
Ver Js 3:11.
96
são mantidas e preservadas. O homem assim iluminado experimenta unificação com
as correntes da vida que tudo preservam, simbolizadas pela água e pelo termo
técnico "a corrente". O homem Jesus, distinto do Logos encarnado (Jo 1:1-5),
entrou0 na corrente, ou alegoricamente foi batizado nas águas do Jordão.
Mt 3:16. E, sendo Jesus batizado, saiu logo da água, e eis que se lhe
abriram os céus, e ele viu o Espírito de Deus descendo como
pomba e vindo sobre ele.
17. E eis que uma voz dos céus dizia: Este é o meu Filho amado, em
quem me comprazo.
Esses versículos podem ser lidos com uma descrição alegórica da expansão
da consciência e da realização da unidade com Deus que o batismo produz no
sentido já indicado. Na narrativa, as palavras ‘ele viu’ indicam que Jesus passou por
um estado interior de consciência pessoal, para ele somente. É extremamente
improvável que Jesus revelasse tais experiências espirituais profundamente
sagradas para um possível registro. Em tais casos, quando a escritura descreve
eventos que não podiam possivelmente ter sido conhecidos pelo observador, a
pessoa é encorajada0 a aplicar uma interpretação simbólica. A experiência foi
evidentemente dual, consistindo da ascensão de sua consciência a um estado de
iluminação – a abertura dos céus – e o descenso do poder espiritual e graça – a
pomba e a voz do Pai
Os versículos podem bem ser lidos como descritivos dos efeitos interiores e
místicos da passagem por uma das grandes iniciações. Barreiras que, até agora,
haviam fechado e limitado o alcance da percepção da Fonte do ser são penetradas
ou totalmente superadas. Como um prisioneiro escapa pelas portas abertas da
prisão, assim, durante o rito iniciatório, o centro da autoconsciência no iniciado é
liberado das limitações, notadamente daquelas associadas com um sentido
remanescente de individualidade separada e de pensamento auto-centrado. Essas
não mais prendem a consciência à terra e às fronteiras da existência terrena. É
como se os céus se abrissem e a consciência liberada. A consciência universal é
obtida quando todas limitações mundanas se desfazem. A natureza inteira do
homem assim iluminado é capacitada, como se sobre ele descesse a vontade de
Deus, o verdadeiro espírito da Deidade. A escolha da pomba como símbolo dessa
influência celestial sugere que, enquanto a ação do Logos tríplice estava presente, o
Segundo Aspecto de pura Sabedoria era acentuado.
O jovem iniciado hebreu, cuja vida está sendo contada nos seus aspectos
mais ocultos, em certo período de sua vida (entre a segunda e a terceira iniciações,
Batismo e Transfiguração), foi elevado em espírito além das realizações e
expansões místicas que usualmente acompanham a iniciação, pois ele também se
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. 1, pg. 3, Ch. 1. "Geographical Features".
0
Ibid. Vol. l, pp. 93-98.
97
tornou a figura central em um evento de significação planetária. Enquanto ele
estava sendo batizado por João no Rio Jordão, toda sua natureza física, intelectual e
espiritual tornou-se veículo para a Suprema Divindade, particularmente para o
Segundo Aspecto, o Christos, pois Jesus, o homem, tornou-se harmônico com
aquela manifestação da Deidade conhecida como o Cristo cósmico. Esse é descrito
como o poder preservador e sustentador, sabedoria e amor, do Logos Solar, um
poder divino e completamente impessoal eternamente derramado sobre todos os que
vivem, como benção e vitalidade espiritual sustentadora. Ele é a força da vida
misteriosa e onipresente da Deidade manifestada. Essa influência benigna deve ser
considerada como aflorando do centro do Eu interno do homem, em vez de
descendo de uma localização elevada no espaço.
Esse fluxo penetra em toda parte, mas não exclui a possibilidade de uma
concentração direta da sabedoria e do amor divinos, temporariamente focalizados
em um ser humano. Isso poderia ocorrer adicionalmente ao afloramento da
influência espiritual do Segundo Logos realçada pela passagem pelos ritos
iniciatórios0.
Embora a doutrina de que tais "descidas" ocorram repetidamente possa não
ser inteiramente aceitável para o cristianismo ortodoxo, não obstante ela tem seu
lugar na tradicional filosofia oriental. As descidas, ou avatares, de Vishnu e Shiva
são registradas no hinduísmo como o meio pelo qual, respectivamente, o Segundo e
o Terceiro Aspectos do Logos Solar exercem influências espiritualizantes sobre a
vida que evolui no planeta e, particularmente, sobre a raça humana. As
proclamações do Senhor Shri Krishna de que, em qualquer ocasião que houvesse
uma decadência da honradez, ele, como o Segundo Aspecto do Trimurti, sempre
voltaria outra vez; do Buddha, de que seria seguido por um sucessor chamado
Maitreya; e do Cristo, pelos lábios de Jesus, de que visitaria a Terra outra vez 0, tudo
se refere às manifestações cíclicas na Terra da Deidade Suprema do nosso universo,
o Logos Solar. Os ensinamentos mais transcendentes e as ações miraculosas de
Jesus podem supostamente ter acontecido quando tal descenso era mais intenso.
Isso pelo menos é sugerido no último versículo deste capítulo, o qual registra que
uma voz dos céus falou, dizendo, "Este é o meu filho amado, em quem me
comprazo".
Bem poderíamos citar, nesse particular, os escritos de H. P. Blavastsky que,
referindo-se aos ensinamentos dos ofitas e dos nazarenos, disse: "por conseguinte,
Christos, o perfeito, unindo-se com Sophia (divina sabedoria), desceu através das
sete regiões planetárias, assumindo em cada uma delas uma forma análoga ... [e]
entrou no homem Jesus no momento de seu batismo no Jordão. Daí em diante Jesus
começou a operar milagres; antes disto ele tinha estado inteiramente ignorante de
sua própria missão"0 .
0
Ibid. Vol. 1, Pt. 6.
0
Mt 24:6-30 e Mc 13:1-6.
0
H.P.Blavatsky, "The Secret Doctrine", 6-vol. ed. (Adyar:Theosophical Publishing
House), Vol. 5, p. 168.
98
PARTE QUATRO
COMEÇA O MINISTÉRIO
99
100
S
capítulo 7
e os relatos fornecidos nos evangelhos são tomados literalmente, é bem-claro
que duas personagens distintas estavam envolvidas nas séries de eventos
relatados: o proclamado Filho de Deus, ou Segundo Aspecto da Santíssima
Trindade, e Jesus, o homem. Os versículos seguintes dão suporte a essa visão.
Mt 4:1. Então foi conduzido Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado
pelo diabo.
101
considerado pelos esoteristas como um ser singular, extremamente potente e sutil,
direcionado para o mal e oposto a Deus, ou ao bem. Na verdade, ele não é
considerado como realmente existente de forma alguma, particularmente como uma
incorporação isolada da infâmia, da maldade e do desejo de seduzir a humanidade
para o caminho do mal. Antes, ele representa tanto o próprio homem em seus
aspecto mais "diabólicos", como a matéria com sua influência materializante,
despiritualizante [neologismo que derivamos do original inglês despiritualize, que
significa assumir feições terrenas, materiais e perda de energia espiritual – NT] e
seu efeito obscurecedor, aprisionante sobre a mente humana.
Se esse enfoque é seguido, está sendo descrito, então, o conflito entre o
espírito do homem e os seus revestimentos materiais, a consciência universal versus
o intelecto preso na matéria. Esse é um conflito muito real, e nenhum homem pode
escapar-lhe; porque o caminho de involução e evolução que a Mônada humana
escolheu para seguir está inevitavelmente repleto de obstáculos, oposição e
resistência0. Esses obstáculos são simbolizados pela figura simbólica de Satã, que é
a escuridão em oposição à luz, restrição em oposição à liberdade, egoísmo contra a
abnegação, e vontade própria em contraste com a auto-entrega à Vontade universal.
Ele tem sido descrito como "a sombra de si mesmo que o homem vê quando se vira
de costas para a luz".
O episódio da tentação de Jesus pode então ser tomado como uma alegoria
dos seus conflitos, embora, mais especialmente, como uma fase da batalha na qual a
vitória, a ser finalmente obtida, já está próxima. Jesus, conseqüentemente, é um
homem no limiar da super-humanidade, dotado de poder espiritual, prestes a ser
autoliberado do aprisionamento da matéria, da carne, do desejo e do egoísmo.
Embora tais fraquezas tenham sido transcendidas até então, de modo que não ocorre
batalha real e o demônio seja rejeitado imediatamente, a vitória final somente é
obtida na Ressurreição do túmulo e na Ascensão ao céu.
Mt 4:2. E, tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, depois teve fome.
3. E, chegando-se a ele o tentador, disse: Se tu és o Filho de Deus,
manda que estas pedras se tornem em pães.
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. 1, pt.4.
102
mental0 – que necessitam ser refinados, para que as limitações que impõem ao Eu
espiritual sejam reduzidas e finalmente superadas. O período de jejum de Jesus no
deserto significa, então, negação das exigências e dos atributos dos quatros aspectos
mortais do eu. O Eu divino então governa, e o eu material é ignorado, quase não
existindo. Enquanto tal condição é normal no homem perfeito, no homem ainda
imperfeito ela deve ser provocada pelo exercício da vontade, pela contemplação do
divino, ou pelos procedimentos da ioga, a ciência da transcendência da dualidade e
realização da unidade0.
Mt 4.4. E ele, porém, respondendo, disse: Está escrito: Nem só de pão viverá
o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.
103
posição e do prestígio é excessivamente grande. Muitos sucumbem, uns poucos
resistem, enquanto para um pequeno número nem mesmo existe inclinação para ser
tentado. Cada aspirante à rápida consecução da perfeição deve confrontar-se e
passar com sucesso pelo teste mais exigente, que se apresenta de muitas formas. A
tentação de Jesus no deserto é uma descrição alegórica dessa experiência universal.
0
Ver Geoffrey Hodson: "A Yoga of Light".
0
Is 35:8.
104
representa o mais alto pico de elevação de consciência alcançável em qualquer
momento. Ele também representa o Habitante do Recôndito, a própria Mônada. O
mais alto nível de realização é assim descrito na alegoria da presença de Jesus sobre
o pináculo do templo na cidade santa. A tentação de usar mal tal realização e os
poderes que a acompanham parece ser muito improvável. Entretanto, ela pode
ocorrer e ocorre, sendo o orgulho um dos últimos grilhões superados pela alma
avançada. Mesmo no limiar do adeptado formas extremamente sutis de sedução
para exibir poder podem provocar uma queda.
A natureza do teste está parcialmente descrita nas palavras de abertura da
tentação, "Se tu és o Filho de Deus". O iniciado pode nesse estágio tão prontamente
demonstrar faculdades supranormais, mesmo poderes como os de Deus, que
qualquer desafio pode evocar tal demonstração. Nessa ocasião, e também diante de
Pilatos0, Jesus se conteve, como devem fazer todos iniciados bem-sucedidos.
Essa tentação também indica a exigência típica da mente analítica de que
princípios eternos e verdades abstratas devam ser traduzidos em termos puramente
lógicos, conceituais e tridimensionais. Em outras alegorias relativas a essa
demanda insistente, o conhecimento do nome dele ou do dela é exigido de uma das
personagens. Lohengrim deu seu nome para Elizabeth que tinha perseverado mas,
em conseqüência, posteriormente desapareceu0. Como Lohengrin advertira, tal
particularização do universal envolve inevitavelmente severas restrições, de forma
que pode resultar em perda total.
O diabo também personifica a mente formal com todos seus atributos de
separatividade, orgulho e tirania. Esses resultam em expressões extremas e, a menos
que o neófito esteja plenamente emancipado e possa sustentar inteiramente a
consciência espiritual, há o perigo de uma queda. "Prove que divindade, eternidade
e imortalidade existem" exige a mente, também representada por aqueles que
zombaram de Jesus na Cruz, desafiando-o a que se salvasse. "Demonstre seus
poderes ou seja acusado de impostor" clamam tanto a mente quanto a plebe,
tentando o iniciado a autojustificar-se.
Um significado puramente físico pode ser também percebido. Riscos para o
corpo podem cercar o iniciado que está trilhando o caminho da santidade. Seres
maldosos, agentes da Fraternidade das Trevas 0, esperam a oportunidade para
seduzir, injuriar e mesmo destruir fisicamente o homem. Morte por aparente
acidente é um dos perigos a serem defrontados no caminho. Mesmo o homem
iluminado pode confiar demasiadamente na disponibilidade da assistência oculta e
assim experimentar dano e morte.
Mt 4:7. Disse-lhe Jesus: Também está escrito: Não tentarás o Senhor teu
Deus.
0
Mt 26:53.
0
Lohengrin and Elisabeth – ilustrada na ópera de Wagner "Lohengrin".
0
Ver Geoffrey Hodson: "Lecture Notes of the School of the Wisdom" Vol. I, p. 509 et
seq.
105
Jesus, como uma pessoa e como representante de cada iniciado bem-
sucedido, estava tão firmemente estabelecido em sua consciência espiritual que a
sua parte material (o diabo) não tinha poder para desviá-lo de seu centro espiritual,
pois, por longo tempo de prática regular, Jesus havia superado as exigências de sua
natureza mortal. De forma espontânea, natural e invariável todas suas respostas e
reações ao seu tentador demonstravam que ele estava completamente estabelecido
no reino da realidade eterna. Cada aspirante deve similarmente se estabelecer na
"cidadela" de sua natureza espiritual, o divino em si, e no reconhecimento de que a
mesma divindade existe em todos os homens. Então, nenhum poder acima no céu
ou abaixo na Terra (ou mesmo no inferno como um estado de consciência) pode,
com sucesso, atacar o eu-espiritualizado mas também universalizado, sabendo que
há somente um Eu espiritual em todo o universo. Na verdade, cada ser humano
pertence a uma raça espiritual que é sem divisão (paredes) de nenhuma espécie.
Nesse versículo, Jesus não só permanece impassível pela tentação e pelo
engodo armado para ele pelo diabo, ele também censura o diabo pela impiedade e
falta de reverência. A mente (diabo) está sendo disciplinada pelo seu usuário, o
pensador interior. Esse processo deve continuar até que a resposta espiritual torne-
se habitual.
106
Existe um momento na vida das nações e dos indivíduos quando deve ser
feita uma escolha entre o certo e o errado, mesmo entre o mais elevado e o mais
rasteiro. O iniciado que aspira à realização do adeptado, adiante da raça, defronta-se
com esse teste ácido, na sua mais aguda forma, como indicam os relatos das suas
variadas tentações0. Embasado no conhecimento da realidade última, o neófito é
protegido contra todas seduções do mundo ilusório 0. Assim, Jesus finalmente
repudia Satã e afirma a adoração do princípio divino e o serviço a um Deus
supremo, transcendente e que habita no interior, como a única meta digna de
homens iluminados e aspirantes.
107
aldeia de Canã. O relato pode, na verdade, ser reconhecido como um exemplo tanto
de revelação espiritual sob a forma de alegoria como de seu ocultamento nas coisas
insignificantes por trás do véu da história e do simbolismo. Apoio para esse enfoque
pode, talvez, ser obtido do fato de que João, o mais místico dos quatro evangelistas
e o único que identifica Jesus, o Cristo, com o Deus criativo, ou Verbo, é o único
que inclui a história da festa do casamento em Canã em seu relato da vida de Jesus.
Na linguagem mística em que os evangelhos foram escritos – bem como, na
verdade, muitos dos livros do Velho Testamento – o evento puramente físico de um
casamento está investido de um significado profundamente interno. Isso tem sido
referido como "o casamento celeste" e a união totalmente consciente do eu mortal
de qualquer místico com sua natureza divina profundamente interior.
Num certo estado de evolução, freqüentemente assistido por um Mestre
adepto, obtém-se a certeza de que o eu mortal, pessoal – que, até então, havia sido
considerado como a identidade real – não é, de fato, mais de que um veículo e
manifestação do verdadeiro Eu espiritual. Essa realização é habilmente descrita
como um casamento, uma vez que é obtida uma fusão verdadeira da mente formal
com a inteligência espiritual do homem. Essa descrição por meio de alegoria parece
ter sido o propósito do autor, que no primeiro versículo desse capítulo afirma que a
mãe de Jesus estava presente. Como dito anteriormente e indicado no diagrama
ilustrativo, o princípio feminino, ou mãe, em casamentos e nascimentos, personifica
a inteligência espiritual do homem e mais especificamente, a "vestimenta de luz" na
qual está envolto o chamado corpo causal. Todas as outras pessoas presentes
personificam seres humanos em vários estágios de desenvolvimento – desde os
anfitriões, aparentemente pais da noiva, que negligenciaram o aprovisionamento do
vinho necessário, até o próprio Jesus, que executou a transmutação.
Jo 2:3. E quando eles desejavam vinho, a mãe de Jesus lhe disse: Eles não têm
vinho.
108
adquirido e é derivada da inteligência espiritual, ou princípio maternal do Eu mais
elevado, Maria. Assim, é apropriado que a mãe de Jesus chame a atenção para a
necessidade de vinho.
Jó 2:4. Disse-lhe Jesus: Mulher que tenho eu contigo? Ainda não é chegada
a minha hora.
5. Sua mãe disse aos serventes: Fazei tudo quanto ele vos disser.
Jo 2:6. Havia ali seis talhas de pedra para purificação dos judeus, cada
uma contendo de duas a três medidas.
109
provocadas na estrutura cerebral física quando a natureza Crística se manifesta
como um poder disponível no mundo físico (como retratado pela real presença de
Jesus na festa de casamento). Várias porções do cérebro e de suas glândulas
associadas são profundamente afetadas por essa realização. O cérebro e cerebelo e a
glândula pituitária e a pineal, até então espiritualmente não-responsivos, começam,
quase milagrosamente, a transmitir à consciência de vigília verdades espirituais
relativas à natureza mais elevada do homem e do universo.
Vinho na linguagem simbólica significa sabedoria espiritual e poderes que se
tornam disponíveis ao homem ou à mulher em que a iluminação tenha se tornado
parte da experiência do despertar consciencial. A Vila de Caná, e particularmente a
casa e mesmo a sala na qual a festa de casamento tem lugar, corresponde à estrutura
óssea, ou crânio, onde o cérebro está encerrado, enquanto a cerimônia de casamento
que acabou de ocorrer retrata a fusão íntima da consciência das partes mortal e
imortal do homem. Apenas sob essas condições, podem se tornar manifestos os
poderes e faculdades da natureza de Cristo; o resultado não raramente parece ser um
milagre aos olhos dos observadores. Todo o evento, então, sob várias formas, é
evocativo da passagem de uma pessoa suficientemente evoluída pelas fases de auto-
iluminação que conduzem à realização da vida humana no adeptado.
A passagem por essas fases – algumas vezes acompanhadas por dificuldades
psicológicas e fisiológicas – é geralmente facilitada pela admissão a um templo dos
Mistérios Maiores e pelas iniciações nas mãos do hierofante, ou administrador do
templo. O isolamento e o cuidado protetor que estão disponíveis em tais templos
são planejados também para ajudar o iniciado em qualquer tensão que possa
aparecer, quer no cérebro ou no sistema nervoso ou nos corpos superfísicos e suas
contrapartes psicológicas.
O vinho é também um símbolo universalmente utilizado tanto para os
ensinamentos dados pelos Mistérios Maiores como para a condição de ser sábio
depois que tais ensinamentos tenham sido assimilados, ou depois que o vinho tenha
sido bebido. As estranhas palavras ruler e governor introduzidas na narrativa
[traduzidas por administrador da festa – NT] também podem indicar o
administrador chefe de um templo particular.
Essas interpretações do evento mostram-se úteis para conciliar as objeções
expressas algumas vezes de que Jesus, o Cristo, representando o estado espiritual e
o modo de vida mais elevados, não iria provavelmente encorajar o consumo de
álcool, que quando tomado em excesso é causa de muita miséria humana e
degradação. A interpretação mística tem suporte também sob esse ângulo.
110
O estudante da filosofia oculta notará com interesse que, no relato de S. João,
Jesus inicia seu ministério com a execução de um milagre, nesse caso na presença
de discípulos recentemente aceitos. As palavras de fechamento do décimo primeiro
versículo, se tomadas objetivamente, podem indicar parte do propósito do milagre,
isto é, o de auxiliar os novos e despreparados discípulos a ter confiança em seu
Mestre, baseada nas suas próprias observações e experiência de seus poderes
ocultos.
Jo. 4:28. Deixou pois a mulher o seu cântaro e foi à cidade, dizendo a todos,
29. Vinde, vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito;
porventura não é este o Cristo?
30. Saíram pois da cidade e foram ter com ele.
111
simbolicamente o conhecimento das leis do Ser, da missão de Jesus para a
humanidade e do poder ou da vontade de Deus necessários para sua realização".
Nesse período de sua vida – como até sua morte – Jesus é descrito por S.
João como tendo alcançado um elevado estado de iluminação espiritual e poder,
como convém ao "Verbo que se fez carne e habitou entre nós" 0. Sob a exaltação de
tal experiência interior, a necessidade por alimento físico tenderia a declinar
grandemente, senão mesmo a desaparecer completamente.
Jo 4:35. Não dizeis vós que ainda há quatro meses até que venha a ceifa? Eis
que eu vos digo: Levantai os vossos olhos, e vede as terras que já
estão brancas para a ceifa.
Jo 4:36. Já o ceifeiro recebe o seu salário e recolhe fruto para a vida eterna,
para que o semeador se alegre juntamente com o ceifeiro
0
Jo 1:14.
112
simbolicamente e, no entanto, também muito diretamente quando lhes disse que
ceifaram ou se valeram da semeadura ou trabalho de outras pessoas. Como
discípulos de um mestre divinamente inspirado e altamente evoluído, eles tinham se
tornado parte da vida oculta, a tradição oculta secreta sobre a Terra.
Aqueles que, em qualquer ocasião, seguem esse caminho colhem
verdadeiramente onde outros semearam. Desde os tempos mais remotos, mesmo
nos primórdios da vida humana sobre o planeta, homens e mulheres pesquisaram e
intuitivamente descobriram não só verdades eternas, mas também os métodos e
processos pelos quais aquelas verdades poderiam ser intelectualmente realizadas e
aplicadas à vida. Essa semeadura metafórica das sementes de sabedoria ainda
continua, resultando que cada novo principiante no caminho – e os discípulos
naquele tempo eram recém-chamados – beneficia-se das pesquisas e descobertas de
seus predecessores.
Portanto, nenhum aspirante sincero e abnegado, esforçando-se para
compreender os princípios subjacentes que governam tanto a vida material quanto a
espiritual, jamais estará só, ou totalmente dependente de seus próprios esforços,
pois seu instrutor ou Mestre gradualmente lhe revela a sabedoria inerente e
adquirida das idades. Essa, por sua vez, constitui-se em colheitas de semeaduras
anteriores nesse "campo" altamente especializado – a colheita do conhecimento
diretamente realizado, a sabedoria adquirida pessoalmente e a força de vontade
aplicável à vida espiritual e à ordinária do homem altamente desenvolvido. Nesse
sentido, cada discípulo sob instrução do adepto colhe onde não semeou. Se aqueles
ensinamentos de Jesus a seus discípulos são interpretados assim, então nem a mais
leve injustiça ou infringência das regras sob as quais a justiça está baseada podem
ser vislumbradas. Esse enfoque está seguramente apoiado no fato de que a leitura
puramente literal indica uma séria injustiça.
Jo 4:40. Indo pois ter com ele os samaritanos, rogaram-lhe que ficasse com eles;
e ele ficou ali dois dias.
41. E muitos mais creram nele, por causa da sua palavra.
42. E diziam à mulher: "Já não é pelo teu dito que nós cremos; porque nós
mesmos o temos ouvido, e sabemos que este é verdadeiramente o Cristo,
o Salvador do mundo."
113
Os cidadãos de Samaria que ficaram para ouvir Jesus e, em conseqüência,
foram iluminados representam os homens e mulheres que através das idades
finalmente encontraram sua própria luz e descobriram sua própria verdade. Apesar
de ajudados pelo estudo dos ensinamentos dos predecessores, sua definitiva
convicção é devida à iluminação interior e muito intuitiva da mente. Na história
evangélica esse poder espiritual individual, sabedoria e capacidade para auto-
harmonização são personificados por Jesus, o Cristo.
Se é adotada uma interpretação puramente mística de todo o episódio, então
a mulher de Samaria personifica a alma espiritual imortal em evolução do homem
em sua vestimenta de luz, enquanto Samaria e seu povo personificam o homem
mortal de mente, emoção e corpo físico. O encontro com Jesus no poço de Jacó
pode assim ser visto como uma descrição alegórica do despertar para a atividade
perceptiva do princípio da sabedoria dentro do Eu espiritual. Isso conduz finalmente
à iluminação da mente e do cérebro do homem exterior por aquela sabedoria,
simbolizada por Jesus como a água viva.
Nesse enfoque, toda a estória é descritiva da experiência interior de uma
pessoa – ou melhor de cada pessoa – que procura e consegue encontrar aquelas
verdades que os predecessores descobriram – não uma sabedoria puramente
mundana, mas uma verdade espiritual percebida (água de um poço), relativa à Vida
eterna, sobre a qual os mundos fenomênicos estão baseados.
114
em Cafarnaum.
47. Ouvindo dizer que Jesus viera da Judéia para a Galiléia, foi
procurá-lo e rogava-lhe que descesse e curasse seu filho, que estava
à morte.
48. Então Jesus lhe disse: "Se não virdes sinais e prodígios, não
acreditareis."
49. O funcionário real disse-lhe: "Senhor, desce, antes que meu filho
morra!"
50. Disse-lhe Jesus: "Vai, o teu filho vive." E o homem creu na palavra
que Jesus lhe disse e partiu.
51. Ele já descia, quando os seus servos vieram-lhe ao encontro, dizendo
que o seu filho vivia.
52. Perguntou, então, a que horas ele se sentira melhor. "Ontem, à hora
sétima, a febre o deixou."
53. Reconheceu, então, o pai ser precisamente aquela a hora em que
Jesus lhe dissera: "O teu filho vive"; e acreditou, ele e todos os da
sua casa.
54. Jesus realizou este segundo milagre, ao voltar da Judéia para a
Galiléia.
Esse belo e dramático relato descreve um poder obtido por todo Adepto ao
superar as barreiras normais de lugar e de distância e agir, quer sobrenormal ou
naturalmente, em outra parte de um país ou mesmo do mundo. O Eu espiritual
plenamente desenvolvido transcende limites que fisicamente separam posições
geográficas. Distância, por conseguinte, não oferece separação e não se apresenta
como obstáculo à manifestação do eu do Adepto ou da projeção do seu poder.
A cura do filho do régulo realizada à distância constitui-se em demonstração
dessa capacidade, a superação do espaço. Também é introduzida na narrativa a
sincronicidade no tempo, na medida em que os servos relatam ao funcionário real
que a febre deixou o seu filho e a recuperação começou no exato momento em que
Jesus havia pronunciado as palavras "teu filho vive".
A história também se presta a uma interpretação mística. A natureza de
Cristo, mesmo que ainda não ativa, ou aparente, está todavia presente como parte da
composição de cada indivíduo. Normalmente o homem é inconsciente de seu poder
interior e, como a história conta, pode mesmo ser impedido de obter tal
autoconhecimento por causa da "febre" metafórica ou atividade excessiva e radical
da mente, das emoções e do corpo, sintomas da doença do filho do nobre homem. A
febre é adequada, pois essa excessiva excitação da personalidade pode preocupar de
tal forma a mente que se torna incapaz de silêncio interior – o retorno à saúde no
sentido místico – que é o precursor essencial da iluminação, uma condição além da
mente e do corpo. Da mesma forma como Jesus acalmou a tempestade no auge da
tormenta na Galiléia, assim, nesse caso, ele diminuiu a febre que o filho do régulo
apresentava. Por causa disso, o filho foi salvo da "morte" do declínio espiritual.
115
Em tal leitura, o pai personificaria, na história, a intuição inata do homem e a
condição da mente que resulta do desenvolvimento evolucionário no qual a verdade
pode ser buscada e percebida internamente. José, o pai adotivo de Jesus, retrata essa
mesma estatura mental evoluída. Entretanto, as interpretações, mística e
psicológica, dos incidentes registrados da vida de Jesus não pretendem de forma
alguma excluir a historicidade do quarto evangelho.
Jo 5:1. Depois disto havia uma festa entre os Judeus, e Jesus subiu a
Jerusalém.
2. Existe em Jerusalém, junto à Porta das Ovelhas, uma piscina que, em
hebraico, se chama Betesda, com cinco pórticos.
3. Sob esses pórticos, deitados no chão, numerosos doentes, cegos,
coxos e paralíticos ficavam esperando o movimento da água.
4. Porquanto um anjo descia, de vez em quando, à piscina e agitava a
água; e o primeiro que ali descia, depois do movimento da água,
sarava de qualquer enfermidade que tivesse.
Pelas praias de um lago, nas ladeiras das montanhas ou nas ruas da cidade,
nessa fase de sua vida, Jesus continuou seu compassivo sacerdócio, curando os
doentes. Nesse quinto capítulo a localidade muda do campo para a cidade, dos
campos da Galiléia para a cidade-capital de Jerusalém. Ainda, a despeito da
mudança, os "milagres" de cura continuam. A cena ao lado da piscina de Betesda é
na verdade lamentável, porque "numerosos doentes, cegos, coxos e paralíticos"
ficavam reunidos ali esperançosos, ardentemente aspirando a cura. Porém,
aparentemente, só um deles estava destinado a ser curado.
Embora um evento sobrenatural não possa ser inteiramente descartado, a
história é tão improvável e os incidentes tão inusitados que a interpretação
simbólica é encorajada. Para alcançar esse efeito, vale lembrar que a incredibilidade
e a incongruidade são algumas vezes introduzidas em uma narrativa supostamente
histórica. Por exemplo, incongruamente, apenas uma pessoa de toda a multidão
devia ser curada, a despeito da presença e ação de um anjo.
Qual então deve ser o significado dessa estranha piscina, da multidão de
doentes esperando, da misteriosa agitação das águas por um anjo e do fracasso de
todos os suplicantes, a não ser um, de serem curados? Talvez os doentes
personifiquem a quase totalidade da raça humana, pois não são quase todos
desprovidos de boa saúde, quando julgados pelas condições de suas mentes, de suas
emoções e de suas relações com suas condutas? Ser íntegro, nesse sentido, implica
em que os ditames da consciência sejam seguidos dia a dia na conduta de vida. E
quando essa prática não é seguida, as "águas" da vida humana são agitadas de fato,
não tanto externamente por um anjo como interiormente pela ação daquela lei que
116
S. Paulo descreveu como semear e colher e a qual os sanscritistas antigos
denominaram carma0.
117
produz uma autocorreção e auto-harmonização em toda a personalidade. Essa ação
é alegoricamente descrita nos evangelhos por todas as curas aparentemente
milagrosas de doentes e pelos ressuscitamentos daqueles que haviam sido
declarados como mortos. Em outra parte, o próprio Jesus ensinou sobre essa
necessidade, aconselhando todos aspirantes a pedir, a buscar e a bater à porta, a
qual, quando aberta, conduz à Sala da Verdade0.
Um anjo agitando as águas da piscina de Betesda implica num estado de
consciência que não é mais rigidamente material, mas que busca e está aberto para
as partes da natureza humana invisíveis ou espirituais.
Se, no entanto, a estória é lida como uma descrição do aparentemente
milagroso, então a intenção pode ter sido a de apresentar os ensinamentos da
filosofia oculta relativos à agitação das águas por um agente invisível. O verbo
agitar, considerado nesse caso, significaria carregar as partículas da água com uma
qualidade especial de energia – magnetizando-as então, para usar outro termo – de
forma que uma pessoa entrando na água pudesse ser curada de uma doença física.
Também, é possível que a intensidade da energia, ou grau de magnetização, fosse
suficiente para curar apenas uma pessoa, que exauriria a força.
Assim, uma interpretação literal do relato, entendido como descritivo de uma
piscina física real dentro da cidade de Jerusalém e das duas ações sobrenaturais –
uma de tempos anteriores por um anjo e outra por Jesus – somente se torna possível
se se admite o milagre.
Jo 5:10. Então os judeus disseram àquele que tinha sido curado: "É sábado,
não te é lícito levar a cama."
11. Ele respondeu-lhes: "Aquele que me curou, ele próprio disse: Toma
tua cama e anda."
12. Perguntaram-lhe pois: "Quem é o homem que te disse: toma tua
cama e anda?"
13. E o que fora curado não sabia quem era; porque Jesus se havia
retirado, em razão de naquele lugar haver grande multidão.
14. Depois Jesus encontrou-o no templo e disse-lhe: "Eis que já estás
curado; não peques mais, para que te não suceda alguma coisa
pior."
15. E aquele homem foi e anunciou aos judeus que Jesus era o que o
curara.
16. E por esta causa os judeus perseguiram a Jesus e procuravam matá-
lo; porque fazia estas coisas no sábado.
S. João põe em acentuado contraste aqui a atitude de Jesus frente aos seus
concidadãos. Por um lado, Jesus curando e ajudando sem considerar as rígidas
regras, ou a teologia cristalizada. O povo, por outro lado, considerando mais
importante os regulamentos do que a restauração da saúde de um ser humano
0
Lc 11: 9, 10.
118
sofredor. Para os ortodoxos, a inclinação para o formalismo vem primeiro, enquanto
para o ser perfeito o formalismo não tem absolutamente nenhum espaço.
Percebe-se aqui, igualmente, as primeiras indicações de que a inimizade a
Jesus já podia existir por parte dos judeus ortodoxos e, mais especialmente, dos
rabinos. Finalmente, como revelam os evangelistas, o antagonismo mostrou-se
suficientemente forte para provocar a cessação prematura de sua missão.
Pode-se também discernir nesses versículos o enunciado de Jesus de dois
importantes princípios que governam a saúde ou doença dos seres humanos:
primeiro, o estado da mente da pessoa – e, assim, a conduta em relação à voz da
consciência – poderia influenciar diretamente a condição de seu corpo; e, segundo,
que a doença era o produto da transgressão da lei, ou "pecado". As palavras "vai,
não peques mais" pareciam, na verdade, indicar que a condição de paralisia do
homem que fora curado era o resultado de ações anteriores sob a lei de causa e
efeito, a qual Jesus, mais tarde, afirmou mais diretamente, bem como S. Paulo 0.
Grandes instrutores que precederam Jesus repetidamente enunciaram essa lei – de
que as ações são seguidas por reações apropriadas, segundo uma seqüência na qual
os efeitos seguem as causas, modificados por ações intermediárias.
Jo 5:17. E Jesus lhes respondeu: "Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho
também."
18. Por isso, os judeus ainda mais procuravam matá-lo, porque não só
quebrantava o sábado, mas também dizia que Deus era seu próprio
Pai, fazendo-se igual a Deus.
19. Retomando a palavra, Jesus lhes disse: "Em verdade, em verdade,
vos digo: o Filho, por si mesmo, nada pode fazer, mas só aquilo que
vê o Pai fazer; tudo o que este faz o Filho o faz igualmente."
20. Porque o Pai ama o Filho e lhe revela tudo o que faz; e lhe mostrará
maiores obras do que estas, para que vos maravilheis.
23. A fim de que todos honrem o Filho, como honram o Pai. Quem não
honra o Filho, não honra o Pai que o enviou.
0
Mt 5:18; 7:1, 2; Gl 6:7.
0
1 Cor 15:44.
119
Essas e outras afirmações similares sobre a inata divindade de cada ser humano,
harmonizam-se com as descrições da natureza plena do homem encontradas nas
escrituras de outras crenças mundiais. O segundo Aspecto do Trimurti-Vishnu
hindu – é descrito nas escrituras como "o Soberano Imortal Interior sediado nos
corações de todos os seres"0. S. Paulo escreveu: "Não sabeis vós que sóis o templo
de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?" Outras citações são: "Cristo em
vós, esperança de glória" e "... assim também operai a vossa salvação com temor e
tremor; porque é Deus que opera em vós ..." 0. O próprio Jesus declarou a realização
dessa unidade profundamente interior com Deus nas seguintes palavras: "Eu e meu
Pai somos um"0. Portanto, cada homem é definido como um deus por sua própria
natureza, uma Mônada, ou unidade de essência divina, uma centelha dentro de Uma
Chama, que no cristianismo é denominada Deus. Essa divindade interior é a
realidade última de cada ser humano. Jesus estava, então, reivindicando para si não
mais do que aquilo que é verdadeiro para todos homens, consistindo a diferença
somente no grau pelo qual essa verdade é conscientemente concebida, tornando-se
um princípio reinante e fonte de orientação e poder. Infelizmente, em homens
espiritualmente não-iluminados a realização é inexistente ou vacilante, enquanto em
Jesus ela era completa e contínua. Pode-se mesmo ser levado a questionar se essas
palavras foram na verdade proclamações públicas, visto que elocuções diretas não
parecem sábias. Não é possível que elas fossem instruções privadas dadas a seus
discípulos e outros companheiros mais íntimos?
Nos versículos em consideração, Jesus afirma esse conhecimento e sua
importância nas vidas, presente e futuras, de um ser humano. Por conseguinte, eles
transmitem tanto uma descrição verdadeira do próprio homem como os efeitos
sobre a vida humana, presente e futura, da realização do parentesco com o Deus
uno, que é, num sentido espiritual, o Pai de todos.
CAPÍTULO 8
0
Bhagavad Gita.
0
1 Cor 3:16; Cl 1:27; Fl 2:12, 13.
0
Jo 10:30.
120
assim, poderiam ter sido rejeitadas e estar além da compreensão intelectual. Quando
o crédito e a convicção são ganhos por tal método, então um indivíduo ou mesmo
um grupo pode se tornar receptivo a profundas idéias concernentes à vida espiritual
interna do homem.
Os milagres, como os de alimentar as multidões e andar sobre a água, que
ocorreram antes dos acontecimentos que se seguem no Livro de João, são omitidos
aqui porque estão inteiramente cobertos pelos capítulos vinte e vinte e um.
Jo 6:47. "Em verdade, em verdade, vos digo que aquele que crê em mim tem a
vida eterna.
48. Eu sou o pão da vida.
49. Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram.
50. Este é o pão que desce do céu, para que não pereça o que dele comer.
51. Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá
eternamente. O pão que eu darei é a minha carne, que eu darei pela
vida do mundo."
52. Disputavam, pois, os judeus entre si, dizendo: "Como nos pode dar
este a sua carne a comer?"
53. Jesus, então, lhes disse: "Em verdade, em verdade, vos digo que, se
não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu
sangue, não tereis a vida em vós.
54. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu
o ressuscitarei no último dia."
Exatamente como foi feita uma distinção anterior entre água física e água “da
vida”, também, nesses versículos, faz-se uma distinção entre pão natural e pão
espiritual. Os israelitas no deserto, lembramos, tinham sido salvos da inanição pela
descida do maná, e a multidão em Cafarnaum tinha, há pouco, também
milagrosamente, sido alimentada por Jesus, a partir de somente cinco pães. Num
discurso muito longo Jesus se identifica com o pão “vivo” ou celestial0.
Claramente, a palavra pão é simbólica e pode ser interpretada como
referindo-se à natureza imortal do homem (céu) e aos seus atributos. O pão físico,
por outro lado, refere-se à natureza mortal do homem e aos seus atributos,
notadamente àquele da morte inevitável. As palavras de Jesus podem, dessa forma,
ser interpretadas como recomendação a que se coma o "pão da vida", significando
participar na vida da natureza espiritual do homem com sua imunidade à morte.
Aquele que pensa e vive somente como um ser humano natural de carne e sangue
está destinado a morrer, enquanto aquele que se determina na realização de natureza
espiritual intrínseca, sempre-existente, nunca morrerá nesta natureza, seu verdadeiro
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. 1 p. 109, para interpretação adicional do
simbolismo de montanhas, números, pão e peixe.
121
Eu. Jesus, então, se oferece como mediador entre esses dois aspectos do homem, o
divino ou "Pai que está no Céu" e a natureza corpórea, somente à qual o homem
está normalmente atento. Esses versículos podem, assim, ser lidos tanto como um
ensinamento a respeito da constituição do homem quanto uma exortação à
autodescoberta.
Jesus proclamou-se metaforicamente composto daquela carne e daquele
sangue que, quando consumidos, conferem vida imortal. Tomado literalmente isto é
quase repugnante, na medida em que sugere uma forma de canibalismo, e S. João
afirma nesse relato que membros do público e alguns de seus discípulos pararam de
segui-lo. Entretanto, se Jesus é considerado não só como uma personagem histórica,
mas também como uma personificação do "Cristo em vós", ou o poder místico, vida
e conhecimento da natureza espiritual do homem, então, as palavras de Jesus, que
de outra forma são difíceis de entender, tornam-se compreensíveis.
Nesse ponto, pode-se acrescentar que o conhecimento da natureza da morte
corporal e da vida eterna, ou da ressurreição, era tema central de alguns dos
ensinamentos dados secretamente nos templos dos Mistérios como no Egito, na
Grécia e em civilizações anteriores. Um estudo de filosofia oculta e das breves
declarações sobre o assunto da morte que iniciados desses templos permitiram-se
fazer indicam que, durante a cerimônia de iniciação, o iniciado perde a consciência,
entra em transe ou figurativamente "morre". Enquanto seu corpo está então
inconsciente, seu Eu interno, livre do corpo, está completamente consciente de seu
Ser divino e eterno, de natureza imortal e, assim, de sua imunidade à morte.
Retornando ao corpo, ou sendo "ressuscitado dos mortos", o iniciado rememora a
experiência pela qual passou. A partir de então, a morte não mais o aterroriza, pois
ele sabe por experiência que ele mesmo não pode morrer. Nas cerimônias dos
Mistérios Menores, tudo isso é feito simbolicamente, sendo a morte somente
figurativa, ao invés de envolver a perda de consciência.
Ao se rememorar essas tradições a respeito dos Mistérios antigos com suas
modernas representações e ler esse sexto capítulo, nota-se a estreita semelhança
entre as duas fontes de conhecimento. Isso apóia a possibilidade de que as ações e o
conhecimento de Jesus, durante essa fase inicial de seu ministério, embora
transmitidos simbolicamente, podem se referir aos ensinamentos secretos dos
templos dos Mistérios antigos. Essa idéia é reforçada pela impossibilidade de
compreensão de uma leitura literal das afirmações de Jesus0.
Jo 6:66. Desde então, muitos dos seus discípulos tornaram para trás e já não
andavam com ele.
Se for perguntado por que Jesus – como nos versículos deste capítulo – falou
de si próprio em ternos que inevitavelmente afastaria o público e até mesmo alguns
de seus discípulos, talvez possa ser respondido que esses ensinamentos são os do
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. 1. Cap. 3.
122
santuário e, portanto, apropriados somente para certos graus em um templo de
Mistérios. Os ensinamentos não são de forma alguma aplicáveis à maioria da
humanidade; pois, neófitos sob treinamento entenderiam e beneficiar-se-iam deles,
enquanto para o público presente naquela hora eles poderiam parecer verbosidade
sem sentido ou reivindicações egoístas de uma missão divina.
Jo 2:12. Depois disto, desceram a Cafarnaum, ele, sua mãe, os irmãos e os seus
discípulos e ali ficaram apenas alguns dias.
13. Estando próxima a Páscoa dos Judeus, Jesus subiu a Jerusalém.
14. No templo, encontrou os vendedores de bois, de ovelhas e de pombas e
os cambistas em suas bancas.
15. Tendo feito um chicote de cordas, expulsou todos do templo, com as
ovelhas e os bois; lançou ao chão o dinheiro dos cambistas e derrubou
as mesas
16. e disse aos que vendiam pombas: "Tirai tudo isto daqui; não façais da
casa de meu Pai uma casa de comércio."
123
estava escolhendo e aceitando discípulos, e sua ação descreve o alcançar da aptidão
para aquele privilégio, por intermédio da purificação do corpo físico, pela
eliminação dos hábitos e costumes não-espirituais estabelecidos. A história da vida
de Judas Iscariotes, particularmente em seus últimos meses, oferece um dramático
exemplo dos resultados do fracasso em realizar essa purificação, especialmente da
cobiça que causou sua ruína. Quer estivesse registrando história ou não, S. João
estava revelando certas leis da vida espiritual e, particularmente, as que afetam o
progresso no caminho da santidade.
Se, como tem sido indicado, a divina missão de Jesus como manifestação do
Espírito Santo tinha de fato começado depois de seu Batismo, então seria possível
para ele fazer milagres a partir de então, os quais provavelmente foram efetuados.
Jo. 2.24. Mas Jesus não tinha confiança neles, porque os conhecia a todos
124
25. e não necessitava de que o informassem sobre homem algum, porque
conhecia o que havia no homem.
A resposta de Jesus a Nicodemos indica que Jesus falou e João gravou suas
palavras em um sentido místico e, definitivamente, não como uma realidade física.
A expressão nascer de novo pode ser lida como uma referência à doutrina da
reencarnação ou uma mudança interior que produz efeitos de natureza tão dramática
que o indivíduo quase se torna outra pessoa. De acordo com os registros, Jesus se
referiu à reencarnação apenas em uma ocasião – Elias renascido como João Batista 0.
A expressão ‘ver o reino de Deus’ significa uma iluminação interior. Portanto, uma
leitura mística parece ser aqui mais apropriada. Então, nascer outra vez, no sentido
em que o ensinamento era dado, não significava um retorno ao útero da mãe e o
renascer daí, mas um renascimento em nível de consciência mais elevado do que o
normal, que percebe apenas as leis e os eventos físicos.
Da mesma forma como o nascimento de Jesus foi precedido pelo apelo ao
arrependimento e à autopurificação pronunciado por João Batista, também a
purificação do templo (mente e corpo) precedeu apropriadamente a iluminação de
Nicodemos e a obtenção de instruções do Mestre. O estado infantil de pureza,
significando espontaneidade e naturalidade, é, em outra parte, referida por Jesus
como essencial à obtenção da visão interior, ou renascimento. Em suas palavras,
"aquele que não receber o reino de Deus como uma criança, não entrará nele 0." A
tradição oculta refere-se a essa auto-regeneração profunda, interior, como uma
0
Mt 11:14.
0
Lc 18:17.
125
iniciação, palavra que significa tanto um retorno aos primeiros princípios ou a um
novo começo. As palavras de Jesus podem então, permissivelmente, ser
interpretadas como significando: "a não ser que um homem seja iniciado ele não
pode ver o reino de Deus."
Por mais ortodoxos que fossem os oficiais que testemunharam os milagres de
Jesus, o membro do Sinédrio chamado Nicodemos estava pessoalmente convicto,
embora preferisse revelar esse fato "à noite". Quer seja uma pessoa verdadeira ou
uma personificação da mente humana no limiar da iluminação, ele fez uma
colocação muito natural, em termos puramente lógicos. Mas Jesus aparentemente
desejava elevar o pensamento de Nicodemos acima das limitações do raciocínio
lógico da mente, para um domínio mais alto de consciência, em que princípios
imutáveis são compreendidos e verdades subjacentes são realizadas. O incidente é
assim relatado por S. João a fim de produzir uma descrição mais valiosa daquilo
que é essencial para obtenção de introspecção intuitiva e de percepção puramente
espiritual, a saber, a transcendência das limitações do raciocínio lógico e mesmo da
mente argumentativa.
0
Jo 1:33.
126
manifestado externa e objetivamente na pessoa visível de Jesus pode originar-se de
uma aceitação intuitiva quase imediata.
Jo 3:8. "O vento sopra onde quer, e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde
vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que é nascido
do Espírito."
Jo 3:12 Se não acreditais quando vos falo das coisas da Terra, como
acreditareis quando vos falar das coisas do céu?
127
enquanto Nicodemos, por sua vez, retrata a mente concreta com suas vantagens e
desvantagens. Suas limitações tornam-se óbvias pelas dificuldades experimentadas
por Nicodemos em entender e assimilar os ensinamentos do Mestre.
O cuidado com que Jesus se empenha em iluminar a mente de Nicodemos é
de especial interesse, tanto para aqueles que buscam um grau mais elevado em
consciência como para os que estudam os ensinamentos de sábios e Mestres de
Sabedoria. As dificuldades preliminares podem ser muito grandes, visto que existe
uma barreira – um verdadeiro véu na verdade – entre a mente formal do homem e a
abstrata. Esse véu geralmente pode ser penetrado quando Cristo, ou a natureza
intuitiva do homem, vem em auxílio da mente.
Jo 3:13. Ora, ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o
Filho do Homem, que está no céu.
0
Kundalini.
128
significados mais metafísicos e místicos, a saber, nascimento para uma perspectiva
inteiramente nova ou espiritual.
A estória do Velho Testamento sobre a serpente de bronze é suscetível de
uma interpretação similar0. A suposta doença dos israelitas refere-se às limitações
da mente humana e da perspectiva mental, enquanto a elevação da serpente pode
razoavelmente ser vista como um símbolo da elevação do poder-serpentino criativo,
capacitando o homem a ingressar em estados de consciência supramentais,
puramente espirituais. Um uso similar do símbolo da serpente é encontrado no
relato da transformação da vara de Aarão em uma serpente diante do Faraó 0, razão
pela qual foi permitido aos israelitas sair da escravidão no Egito. Aqui a escravidão
significa a subjugação da mente e das emoções aos desejos do corpo e de sua
gratificação – os assim chamados "prostíbulos" do Egito.
Considerado dessa maneira, o relato do encontro entre Jesus e Nicodemos,
incluindo a conversa que tiveram, pode ser entendido como descrevendo, por
intermédio de alegorias, as limitações normais, materialistas, ou objetivas, da mente
humana; a inteligência espiritual, crística, sobrenatural do homem (Jesus e seu
ensinamento místico); e os meios pelos quais a primeira pode se tornar responsiva à
última, por meio da elevação do poder serpentino. A menos que assim
interpretados, os versículos em tela são tão difíceis de compreender que o pleno
alcance de sua significação é virtualmente impossível.
Jo 3:15. Para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.
Jo. 3.16. Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu filho
unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a
vida eterna.
0
Nm 21:9.
0
Ex 7:10.
0
2 Cor 6:16.
129
teologia cristã ortodoxa e tradicional com sua ênfase sobre uma Deidade externa,
um Filho apresentando-se visivelmente e um ministério de salvação da alma.
Deus, como usado aqui, pode também significar aquelas dimensões no
interior do cosmo sobre as quais Deus presumidamente preside. Isso inclui a
totalidade das estrelas, nebulosas, galáxias e tudo que elas contêm, bem como uma
Deidade mais especialmente interessada na humanidade do planeta Terra. Uma
humanidade de adoradores admissivelmente usaria o termo Deus para referir-se a
um Poder criador divino, a uma vida divina interior, que tudo sustenta, e a uma
Inteligência divina diretora. Em tal conceito, Deus é tríplice na natureza de suas
atividades, porém uno em sua existência real, que é tanto transcendente ao cosmo
em seu todo, como a ele imanente. A essa definição seria indubitavelmente
acrescentado o conceito de uma Fonte atemporal, ilimitada e inesgotável de tudo o
que sempre foi, é e sempre será. Tal Deidade cósmica incorporaria na sua oni-
abarcante compaixão a humanidade de um simples planeta, particularmente da
Terra. Com esse conceito de deidade, a emanação de uma expressão do divino na
Terra, o amor compassivo pela raça humana é concebível. Isso expressa
parcialmente a visão da teologia cristã ortodoxa que está baseada nesses versículos.
Porém, literalmente, essas afirmações são quase sem significado. Na medida
em que o homem, como uma manifestação do puro espírito, ou Deus, e feito à sua
imagem, é imperecível em sua própria natureza, o imenso sacrifício, implícito numa
leitura literal, é completamente desnecessário. Preferivelmente, o versículo pode ser
lido como descritivo da manifestação da natureza crística no homem com
consciência corpórea, ou mortal. Alcançada essa natureza, a pessoa iluminada
obtém a certeza de que, como um ser espiritual, ela jamais morrerá. A morte pode
tomar o corpo em seu abraço gelado, mas nem a própria morte nem o medo da
morte será mais possível para aquele que alcançou a consciência crística. Todo o
episódio pode ser lido com uma descrição alegórica da evolução acelerada de uma
pessoa que se encontre ou no curso natural ou que tenha encontrado o Mestre, sendo
por ele guiado ao portal de um templo de Mistérios para receber a iniciação. Isso
confere experiência direta do significado da morte e o da imortalidade do Eu
espiritual do homem. Nicodemos pode ter sido uma dessas pessoas iluminadas.
Jo 3:17. "Pois Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar o mundo,
mas para que o mundo seja salvo por ele.
18. Quem nele crê não é condenado; quem não crê já está condenado,
porque não acreditou no nome do Filho único de Deus.
19. E a condenação é esta: Que a luz veio ao mundo mas os homens
amaram mais trevas do que a luz, porque as suas ações eram más.
20. Pois quem faz o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, para que
suas obras não sejam descobertas.
21. Mas quem age segundo a verdade aproxima-se da luz, para que se
manifeste que suas obras são feitas em Deus."
130
Como afirmado por S. João nesses versículos, o nascimento, a missão e a
morte de Jesus tinham supostamente o simples motivo de salvar a humanidade por
intermédio dele. O significado das palavras salvo e condenação e a presumida
intenção divina precisam ser considerados.
‘Salvo’ subentende a existência e a ameaça de um perigo, nesse caso
presumivelmente a condenação das almas da humanidade. Interpretadas
literalmente, as escrituras poderiam ser entendidas como significando que as almas
são condenadas por descrença.
Com toda reverência, proponho que o conceito de condenação não está de
acordo com a decisão de Deus de "criar o homem à Sua imagem" "para ser imortal,
e o fez à imagem de sua semelhança" 0. Se essas elocuções bíblicas são aceitas
literalmente, então a raça humana está liberta de toda contingência da má-conduta.
Além disso, a morte espiritual e a condenação eterna não podem existir para o
homem, uma vez que ele é imortal e eterno por sua verdadeira natureza.
Esse aparente, ainda que inevitável, dilema é resolvido se a ação e a intenção
divinas assim descritas são aceitas como o nascimento místico de poder, sabedoria,
compaixão e inteligência divinos, inerentes à natureza da humanidade. Essa
opinião, além disso, harmoniza-se com as elocuções de S. Paulo: "Cristo em vós,
esperança de glória" e "operai a vossa própria salvação com temor e tremor. Porque
Deus é o que opera em vós0". Sábios, videntes e profetas, através dos tempos, têm
dado testemunho de que a sua iluminação foi devida à realização interior da
existência da divina presença. Na escritura hindu, Yddisthira proclama: "Tu não és
Shri Krishna. Tu és o Soberano Imortal Interior assentado no coração de todos os
seres0". Então, a dúvida se o Deus que supostamente salva é um Ser cósmico ou a
Deidade mais pessoal, ocupada com a humanidade no planeta Terra, perde seu
significado, na medida em que está implícito o poder divino interior em toda
natureza e, por conseguinte, nas almas dos homens.
A palavra ‘condenação’ requer interpretação sob esse enfoque; pois o
sentido da palavra, como Jesus presumivelmente a teria usado, não implica que
Deus condene por causa da descrença, mas sim, sugere-se, por causa do estado de
não-iluminação, uma conduta e perspectiva puramente materialistas baseada nisto.
Condenação, nesse sentido, pode ser inferida das palavras bíblicas: "a luz veio ao
mundo mas os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas ações
eram más."
A palavra que, naqueles versículos, está traduzida como crença não deve ser
entendida como crença firmada a partir de uma fé cega, porque tal crença, embora
talvez considerada meritória eclesiasticamente, pode ter pequeno ou nenhum poder
de produzir a iluminação interior e os seus efeitos sobre a conduta a que Jesus
aparentemente se refere. Assim, presume-se que Jesus pretende uma crença fundada
sobre a experiência espiritual direta, pessoal. Essa deve ser obtida pela elevação da
mente àqueles reinos da consciência humana onde a natureza crística, ou "O Filho
0
Gn 1:26; Sb 2:23.
0
Fl 2:12-13.
0
Bhagavad Gita.
131
de Deus", está fundada no homem e pela sua penetração nesses reinos. A passagem
completa, assim interpretada, torna-se a descrição dos efeitos de tais conhecimentos
diretos que resultam da iluminação mística, até o ponto em que "O Verbo que se fez
carne" torna-se diretamente conhecido 0. O resultado é uma verdadeira
transfiguração, tanto da mente como da conduta de vida. Em tal caso o indivíduo
não pode, em nenhum sentido, estar sujeito à condenação, quer por Deus quer pelo
homem. Finalmente, como o versículo vigésimo primeiro indica, ações, mais do que
palavras, conduta, mais do que a afirmação de crença, constituem o teste final de
merecimento do indivíduo.
Jo 3:22. Depois disto, foi Jesus com seus discípulos para o território da Judéia
e permaneceu ali com eles e batizava.
23. João também batizava em Enom, perto de Salim, pois lá a água era
abundante e muitos se apresentavam para serem batizados.
24. Porque João ainda não fora encarcerado.
Jo 3:28. Vós mesmos sois testemunhas de que eu disse: Não sou eu o Cristo,
mas fui enviado adiante dele.
34. Pois aquele que Deus enviou fala as palavras de Deus; pois não lhe dá
Deus o Espírito por medida.
35. O Pai ama o Filho e tudo entregou em suas mãos.
Jo 3:36. Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no
Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece.
0
Jo 1:14.
132
As palavras de encerramento do discurso de João aos seus discípulos e às
pessoas ao redor dele indicam duas condições do intelecto humano, o mundano e o
espiritual. Esse conceito é estendido para incluir a realização da natureza imortal do
Eu divino no homem, pois esse é referido por João como "o Filho (que) tem a vida
eterna."
Jo 4:1. Quando o Senhor entendeu que os fariseus tinham ouvido dizer que
Jesus fazia e batizava mais discípulos do que João,
Jo 4:2. (ainda que Jesus mesmo não batizava, mas seus discípulos),
0
Jo 16:23, 24, 26.
133
Jo 4:5. Chegou, então, a uma cidade de Samaria, chamada Sicar, perto do
terreno que Jacó tinha dado a seu filho José.
6. Ali se achava o poço de Jacó. Jesus, pois, cansado da caminhada,
assentou-se junto ao poço. Era isso quase a hora sexta.
Jo 4:7. Veio uma mulher de Samaria tirar água. Disse-lhe Jesus: "Dá-me de
beber".
Como foi posteriormente aclarado pelo próprio Jesus, a água é usada como
um símbolo do suprimento inesgotável e sempre disponível da Sabedoria eterna, a
água da verdade.
Esse versículo, inserido entre parênteses na narrativa, tanto pode indicar que
se pretendia uma interpretação histórica literal dos versículos seguintes, bem como,
mais misticamente, que um estado de isolamento é essencial para o auto-refrigério
pelo beber das "águas da vida". Assim, Jesus estava só no poço onde encontrou a
mulher de Samaria.
A pergunta feita pela mulher mostra que Jesus parecia um judeu. Isso nos
fornece um dos raros indícios, talvez o único, quanto à sua aparência.
Evidentemente, quanto ao físico, ele era um jovem hebreu típico daqueles tempos.
A mulher de Samaria pertencia a outra raça que habitava o mesmo país. Os
dois povos evidentemente não tinham cooperação doméstica nem comercial
134
naqueles dias. Mas, para seu espanto, Jesus desconsiderou essa situação e
imediatamente pediu de beber a ela, superando assim quaisquer divisões entre os
dois grupos.
Jo 4:10. Jesus lhe respondeu: "Se conhecesses o dom de Deus e quem é que te
diz: Dá-me de beber, tu é que lhe pedirias e ele te daria água viva!"
Jo 4:12. "És, porventura, maior que o nosso pai Jacó, que nos deu este poço, do
qual ele mesmo bebeu, como seus filhos e os seus animais?"
Jo 4:13. Jesus respondeu e disse-lhe: "Qualquer que beber desta água tornará
a ter sede;
14. Mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque
a água que eu lhe der tornar-se-á nele uma fonte d’água jorrando para
a vida eterna."
135
Jesus persiste e, gradualmente, a visão divina é aberta dentro da mente
buscadora. A água, utilizada como um símbolo nesse evento, muda seus
significados simbólicos usuais: o espaço comum no macrocosmo e as emoções
humanas no microcosmo. Aqui, entretanto, a expressão a ‘água da vida’ significa a
verdade percebida por meios intuicionais e supramentais. A afirmação é, portanto,
completamente correta, de vez que quem quer que beba da água comum está mui
claramente autocondenado à sede contínua e recorrente, pois a emoção, exceto em
suas mais elevadas formas, nunca pode satisfazer-se nem mesmo saciar-se, exceto
temporariamente, porquanto ela é inevitavelmente seguida de mais sede.
A água da vida, por outro lado, satisfaz as mais altas aspirações do coração e
da mente do aspirante, porque, como sabedoria genuinamente espiritual, ela confere
realidades inalteráveis, verdades eternas e também faculdade para compreendê-las.
Como essas derivam-se do princípio da sabedoria espiritual, ou natureza crística no
homem, o Salvador fala verdadeiramente, ainda que simbolicamente, à mulher de
Samaria, que personifica o homem mortal em busca da verdade.
Adequadamente, Jesus e a mulher encontram-se num poço, pois um poço é
tanto um recipiente de água como uma fonte da qual ela pode ser tirada. Além do
mais, esse poço em particular possuía poderes especiais, na medida em que estava
associado com um patriarca e sábio de tempos passados. Isso significa as águas da
vida da Sabedoria eterna descobertas e transmitidas à humanidade pelos sábios
antigos. Assim visto, o incidente descreve um processo que ocorre no interior mais
profundo do ser humano já no limiar do despertar espiritual. A mulher de Samaria
personifica todos aqueles aspirantes à luz e à verdade que, através dos tempos, vêm
sedentos a um poço a fim de aplacar sua sede.
Infalivelmente, de acordo com venerável costume, quando um aspirante está
pronto, um mestre aparece e dá instrução relativa à senda da iluminação interior, as
águas vivas.
Jo 4:15. Disse-lhe a mulher: "Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha
mais sede nem tenha de vir mais aqui para tirá-la!"
A aspirante reage e compreende que tal sede não pode ser saciada num poço
e que poços exteriores não são mais necessários. Na luz da presença do Mestre ela
observa e reconhece que a verdade está no interior.
136
Jesus mostrou conhecimento muito particular a respeito da mulher de
Samaria, o qual possivelmente ele não poderia ter sabido em condições normais,
porque revelou a ela fatos de sua vida doméstica e marital. Essa revelação de
poderes sobrenaturais de percepção cumpriu seu objetivo de atrair a atenção e abrir
a intuição, pois, mais tarde, a mulher reconheceu-o como profeta e não só o escutou
com a mente aberta, mas também trouxe muitos outros até ele para que recebessem
sua sabedoria. O incidente teve o efeito de atrair grande número de pessoas para
ouvir Jesus, habilitando-o, assim, a cumprir sua missão tempestivamente.
Os maridos podem ser considerados como personificações das potências
monádicas, expressas como vontade, sabedoria, inteligência, emoção, consciência e
ação físicas. Entretanto, talvez nesse caso, possam ser melhor considerados como
seres humanos reais que tiveram seu papel na vida da mulher de Samaria, como
Jesus discerniu ocultamente.
A fusão do fato material com o milagre, como nessa história, dá margem a
uma interpretação simbólica não só do episódio na sua totalidade, como dos vários
diálogos e ações dos participantes. Se a mulher teve ou não casada cinco vezes ou
mais é menos importante do que o ensinamento concernente às águas da vida; do
que a iluminação conferida à mulher para que ela reconhecesse Jesus como sendo o
Messias e do que a responsividade do povo de Samaria aos seus ensinamentos.
Como ele mesmo disse mais tarde, esse último evento ofereceu novas
oportunidades para cumprir sua divina missão recebida do Pai que está no céu.
Além disso, é durante esse incidente que Jesus admitiu e mesmo proclamou que ele
era o Messias cujo aparecimento os primeiros profetas tinham previsto.
Jo 4:20. "Nossos pais adoraram neste monte, mas vós dizeis que em Jerusalém é
que se deve adorar."
21. Jesus lhe disse: "Acredita-me, mulher, vem a hora em que nem neste
monte nem em Jerusalém adorareis o Pai."
Jo 4:22. "Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos,
porque a salvação é dos judeus.
23. Mas vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores
adorarão o Pai em espírito e verdade; pois tais são os adoradores
que o Pai procura.
24. Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e
verdade."
137
A passagem revela, numa declaração maravilhosa, que o Pai no Céu deve ser
tomado menos como uma Deidade externa do que como uma Presença espiritual no
interior de cada homem e no universo. Jesus faz a diferença entre uma deidade
pessoal e talvez antropomórfica e o Poder Espiritual onipresente para ser adorado
de maneira ideal. Cultuando-O, o adorador pode aproximar-se e mesmo descobrir
dentro de si próprio aquilo que ele indica pela afirmativa de que "Deus é um
Espírito." É aí na natureza interior das coisas que o divino deve ser descoberto,
adorado e revelado.
Todas religiões, todas idéias e práticas religiosas são, assim, transformadas
na busca e consecução da união mística entre o espírito do homem e o Espírito que
é Deus. Por essas palavras, a história evangélica, e mais especialmente o quarto
evangelho, reitera e também revela a Sabedoria Eterna concernente à Fonte parental
divina de tudo que existe, o Espírito Universal. Isso sempre foi considerado e
ensinado por místicos como a verdade essencial, ainda que ilusória e sem forma, a
respeito da natureza divina.
Jo 4:25. A mulher lhe disse: "Sei que o Messias (que se chama Cristo) está para
vir. Quando ele vier, nos anunciará tudo."
26. Disse-lhe Jesus: "Eu, que falo contigo, sou ele."
138
tanto um estado de consciência como um templo dos Mistérios que não foi feito
com as mãos.
Agora voltemos ao Evangelho Segundo S. Mateus para continuar o relato da
missão de Jesus.
Mt 4:12. Ao ouvir que João tinha sido preso, ele voltou para Galiléia
13. e, deixando Nazaré, foi morar em Cafarnaum, à beira-mar, nos
confins de Zabulon e Neftali,
14. para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta Isaías, que diz:
15. Terra de Zabulon, terra de Neftali, caminho do mar, região além do
Jordão, Galiléia das Nações!
16. O povo que jazia nas trevas viu uma grande luz; aos que jaziam na
região sombria da morte surgiu uma luz.
17. A partir desse momento, começou Jesus a pregar e a dizer:
"Convertei-vos, porque está próximo o Reino dos céus."
João Batista tinha sido preso e, logo após, Jesus repete parte da mensagem de
João, supostamente em cumprimento de certas passagens proféticas no Livro de
Isaías0. João, como vimos, representa a influência espiritualizante e disciplinadora
do Eu interno sobre o homem externo. Seu ministério descreve a condição da alma
humana que responde naturalmente ao chamado para um modo de vida mais puro,
mais elevado, a fim de que o divino possa tornar-se manifesto e fortalecer o homem
externo.
A humanidade não alcançou, entretanto, esse estágio, e isso aplica-se
particularmente aos detentores de poder como Herodes. Esses homens "aprisionam"
o João Batista dentro deles mesmos, eles se tornam surdos à voz do poder redentor
interior e continuam a submeter-se à fascinação de uma vida puramente mundana.
Se a voz da consciência é repetidamente despercebida, a mente tende a tornar-se
surda a seu chamado, até que eventualmente o chamado torne-se tão insistente que
não pode ser ignorado por mais tempo e, por fim, supere a irresponsividade da
mente. Então Jesus continua a missão preparatória interrompida de João Batista,
pregando por sua vez: "Convertei-vos, porque está próximo o Reino dos céus."
Mt 4:18. E Jesus, andando junto ao mar da Galiléia, viu dois irmãos: Simão,
chamado Pedro, e seu irmão André, que lançavam a rede ao mar, pois
eram pescadores.
19. E disse-lhes: "Segui-me e eu vos farei pescadores de homens."
0
Is 9:1-2.
139
mística, Pedro e André, os primeiros discípulos, representam o princípio remidor
dentro do homem, aquela qualidade que mais rapidamente responde a um chamado
das alturas interiores. A ocupação deles como pescadores dá um indício da
verdadeira natureza daquela qualidade, pois que peixe é um símbolo do divino, de
amor como o de Cristo, de ternura, de compaixão e desejo de aplacar a dor. Pescar
implica em que aqueles atributos já estejam desenvolvidos e encontrando expressão
naqueles qualificados para o discipulado. O serviço que surge da compaixão e de
um sentido de responsabilidade pelo bem-estar dos outros é um dos mais elevados
atributos do homem. O espírito divino, personificado por Jesus, "chama" e alcança
o homem externo por intermédio daquelas qualidades. Habilmente, então, os dois
discípulos são descritos como pescadores.
Todos grandes Mestres que visitaram a humanidade, inclusive Jesus,
seguiram essa prática de ensinar publicamente às multidões e reservada e
cuidadosamente a estudantes selecionados. Pode-se presumir, entretanto, que seus
discípulos foram mais do que doze, sendo esse número, sem dúvida, escolhido em
concordância com a técnica e método da linguagem simbólica, pois o número doze
representa a completude, a totalidade e o pleno desabrochar no homem das doze
qualidades zodiacais0. O discipulado com um Mestre adepto é planejado por ele
para acelerar a obtenção dessa perfeição de doze aspectos.
0
Características humanas representadas pelos signos do Zodíaco.
0
Cf. Upanishad: "Não há absolutamente nenhum outro caminho."
140
altamente desenvolvidos seguiam-no e serviam-no imediatamente e de forma
inquestionável. Outros ouviam-no como que assombrados 0, enquanto alguns viam
nele um oponente ao poder que detinham e, conseqüentemente, perseguiam-no.
Outros ainda zombavam e escarneciam de seus sofrimentos e de sua aparente
incapacidade de livrar-se deles.
0
E.g. Mt 19:16-23, o nobre jovem rico.
0
Cf. Mt 14:47-8.
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. 1, p. 120.
141
Um discípulo é assim uma pessoa que é capaz de entrar em um novo mundo
de pensamento para cruzar fronteiras estabelecidas e, mesmo não seguindo os
procedimentos científicos, pensa além das limitações de fatos provados e
aparentemente aceitos, passando a condições dimensionais mais elevadas de
percepção. Um fenômeno particular é para ele não mais um fato isolado, mas a
expressão de uma Idéia universal. Princípios interessam-no muito mais do que fato
e fenômeno, e ele desenvolveu o poder de perceber e compreender leis
fundamentais. Quando, portanto, um ser super-humano, um Mestre, aproxima-se e
chama-o, ele responde imediatamente.
Assim, estão descritos nesses extraordinários versículos, por meio de
alegoria e símbolo, as fases da evolução humana, qualidades dos seres humanos, a
vida mística interior dos devotos e o aparecimento dos princípios redentores
internos.
0
Hb 12:23.
142
adiantados e outros que já alcançaram a perfeição. Existem variações dentro das
duas primeiras categorias e são representadas em alegorias inspiradas pela massa da
população e pelos heróis e discípulos, respectivamente. A figura central em tais
alegorias usualmente personifica o Adepto.
Mt 4.24. O seu renome espalhou-se por toda a Síria, de modo que lhe traziam
todos os que eram acometidos por doenças diversas e atormentados
por enfermidades, bem como endemoninhados, lunáticos e
paralíticos, e ele os curava.
Cada uma dessas doenças tem sua correspondência com uma desordem
psicológica particular. Ser possuído por um demônio refere-se à predominância no
homem das qualidades animalescas e irracionais, materiais, resultante da expressão
excessiva de certas paixões e desejos humanos e indulgência com eles. Uma
verdadeira obsessão por seres e influências maléficas, entretanto, não é descartada.
Formas interiores e externas podem ser combinadas em uma pessoa e produzir
verdadeiro tormento e mesmo atributos satânicos. Obsessão por uma idéia fixa pode
tornar uma pessoa completamente insana ou parcialmente naquele aspecto onde a
idéia e a sua expressão estão focalizadas. A paralisia psicológica, por sua vez, pode
ser descrita como uma condição na qual o controle e a direção do corpo e da mente
são instáveis, extremamente variáveis em grau e, ocasionalmente, ausentes.
Embora o progresso evolucionário normal venha a remover essas
enfermidades, elas podem ser corrigidas pela ação de um poder divino, sabedoria e
inteligência despertados dentro do paciente. Esse poder purificador e curativo não
se torna disponível, entretanto, até que uma fase adiantada de evolução seja
adentrada. Na verdade, todas dificuldades dos homens, quer externas ou internas,
são naturais em sua presente condição e permanecerão assim até que ele as supere.
Esse processo pode ser acelerado e o homem pode libertar-se do mal, apressando
seu progresso evolucionário com a ajuda daqueles que já avançaram a um estágio
posterior. Essa é a vida do discipulado, a denominada vida interior, o caminho da
cruz. Convocar e treinar discípulos é colocar os atributos humanos sob a influência
do divino no homem e, desse modo, substituir a ignorância pela sabedoria,
transformar a discórdia em concórdia, a indocilidade em controle, a sensualidade
em pureza e o orgulho em humildade.
Cada verdadeiro reformador (e mesmo alguns que talvez não sejam tão
verdadeiros) desfruta períodos de aclamação pública, como aconteceu com Jesus
nesse maravilhoso tempo de sua vida. Os inimigos da reforma, aqueles que estão
entrincheirados em posições rentáveis, não despertaram ainda para o sentido de
143
perigo e de ciúme acompanhados pelo medo da perda do prestígio e do poder. Os
defensores aclamam o Cristo e, aparentemente, os inimigos ainda dormem.
Jesus, tendo recebido a descida do Espírito Santo, estava brilhando com Seu
esplendor, exibindo completo domínio sobre os desejos mundanos e o elemento
material na natureza humana. Ele tinha começado a dar expressão aos grandes
poderes de que tinha sido dotado. Por tudo isso ele era um perfeito exemplo de um
iniciado dos Mistérios Maiores. A Suprema Divindade tinha se tornado ativa nele;
uma manifestação do poder divino pela causa da humanidade estava ocorrendo.
Ante ele achava-se o mundo dos homens: ignorantes porque não tinham ainda
descoberto a verdade ou porque eram deliberadamente mantidos neste estado por
aqueles que detinham a autoridade. Os homens que buscavam a sabedoria e aqueles
doentes da mente e do corpo (ou de ambos) eram atraídos em sua direção, vindos de
perto e de longe, e ele os iluminava e curava. As provas de força ainda não tinham
começado. A grande tragédia de um sublime instrutor a ser perdido fisicamente para
o mundo ainda estava longe. A sombra da cruz não havia ainda pairado sobre Jesus,
o Cristo, o ungido.
144
PARTE CINCO
O SERMÃO DA MONTANHA
145
146
CAPÍTULO 9
147
exemplificou o espírito do Sermão da Montanha por toda a sua vida e
principalmente no Getsêmani, onde, com extrema auto-renúncia, disse: "não seja
feito como eu quero"0. Isso, certamente, foi o máximo de altruísmo, o topo daquele
"monte", do qual, misticamente, o grande sermão foi pregado.
148
dos povos antigos e, como afirmado, é particularmente notável na do hinduísmo,
budismo e taoísmo. Embora os aspirantes à sabedoria oculta e espiritual tenham
descoberto essa verdade, a maior parte da humanidade está longe de tê-la alcançado
na atual fase da evolução, porque a mente, a despeito de suas magníficas
capacidades intelectuais, apresenta também as qualidades de avidez, egoísmo e
orgulho (ahamkara)0. Uma atitude altruísta e não-possessiva está sendo
perpetuamente negada pelas nações e pelos indivíduos, sendo então a causa raiz dos
males que atormentam a humanidade. A aplicação do Sermão da Montanha às
ocupações terrenas e, igualmente, pessoais é a única solução para os problemas
críticos presentemente enfrentados pelo gênero humano.
Embora aqueles que estão de luto (aqueles que pranteiam) sofram, a
verdadeira abnegação traz em si o conhecimento de que o ser amado que partiu
ainda vive, ainda ama e ainda partilha os segredos do coração e da mente. A morte
não é um mistério para aqueles que alcançaram a fase evolutiva descrita nesses
versículos, pois eles o resolveram pela experiência direta da imortalidade de seu
próprio Eu espiritual, assim como o de todos os homens. Estão apoiados, por
conseguinte, menos em auxílio externo do que em conhecimento interior.
Mt 5:6. "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão
fartos."
0
Ahamkara – ver Glossário.
149
espiritual. Tal privacidade não é arranjada pelos Instrutores espirituais com a
finalidade de privar o público da Sabedoria divina, mas somente para proporcionar
condições sob as quais instrução avançada possa ser dada a um pequeno grupo de
discípulos escolhidos, a quem o Mestre, indubitavelmente, percebe estar pelo menos
no limiar do estado desejável de consciência e próximo da fase de evolução na qual
os ideais se tornarão possíveis e praticáveis. Esse ensinamento altamente
especializado não poderia ser dado proveitosamente por Jesus para todas as pessoas
que se juntavam ao seu redor. Mal-entendida, mal-interpretada e aplicada
erradamente pelas pessoas não-intuitivas, a instrução poderia parecer implicar na
ausência de qualquer esforço, na entrega à passividade e mesmo na recomendação
prematura à renúncia do mundo. Isso poderia somente conduzir a desastre,
frustração, mágoa e pobreza. Homens pseudo-espirituais, escapando do trabalho do
mundo, tornam-se zangões, um dreno na comunidade e um obstáculo à evolução
deles mesmos.
O texto pode não parecer inteiramente merecedor tanto das sublimes idéias
como de sua apresentação aos discípulos, a menos que se compreenda que a
linguagem está propositadamente cifrada, iludindo os espiritualmente não-
instruídos, mas plenamente compreensível aos discípulos. Herdar a Terra, por
exemplo, significa ter o domínio da matéria, da existência material e portanto do
próprio corpo físico. Numa fase particular do desenvolvimento espiritual e oculto, a
matéria física cessa de ser um oponente que resiste à vontade do neófito. Ele a
conquistou, arrancou seus segredos e penetrou no seu âmago, que é o poder
cósmico. Então, livre das limitações da matéria, ele metaforicamente herda a Terra
com todas as suas possibilidades e poderes.
A grande descoberta não é de forma alguma fácil. Com todo o seu ser,
coração, mente e espírito, o aspirante bem-sucedido busca o conhecimento que é
poder. Ele aspira com intenso ardor, empenha-se com a mais firme determinação,
bate à porta com implacável vontade, movido internamente para conhecer a verdade
e então aplicar aquele conhecimento para o aperfeiçoamento da vida. Nesse sentido,
ele tem fome e sede de justiça, significando sabedoria pura e sua perfeita aplicação
à vida diária. Esse versículo assegura a todos aspirantes que essa justiça é
plenamente alcançável. Na verdade, todo o sermão descreve parcialmente a atitude
de mente essencial a tal consecução. Essa atitude surge naturalmente da
transcendência da idéia do eu e da separatividade. Os discípulos estavam sendo
treinados, como são todos os discípulos, para obter a consciência da Existência
Total, a totalidade única do Ser. Os versículos das bem-aventuranças descrevem a
maneira de enfocar a vida que daí resulta. A perfeição deve ser procurada determi-
nadamente. A auto-estima e o egoísmo devem ser transcendidos. Conhecimento
espiritual, sabedoria e poder devem se tornar a meta de todo esforço.
150
Os sermões para o público em geral são usualmente formulados e recebidos
como orientação para a conduta na vida, e o Sermão da Montanha pode assim ser
estudado, muito embora seus ensinamentos sejam difíceis de se aplicar na vida
diária no mundo. Entretanto, ele também descreve os resultados do desabrochar
espiritual. Aqueles que se tornaram iluminados, como se tivessem sido "ungidos",
estão naturalmente plenos de compaixão e portanto são misericordiosos. Eles se
tornaram a personificação da misericórdia no sentido do amor compassivo por tudo
aquilo que vive, sofre e está em dificuldade. Então, o versículo provê orientação
para vida, ratifica a lei de causa e efeito e descreve um estado de consciência.
151
Na medida em que todos os homens são espiritualmente filhos de Deus e
legitimamente assim designados, os termos usados pelo Mestre devem ter aqui um
significado especial. Os verdadeiros pacificadores, certamente, são aqueles que
estabeleceram a paz dentro de si mesmos. Isso envolve duas condições: um
relacionamento completamente harmonioso entre o homem exterior e o seu Eu
espiritual, e harmonia entre seu ser total e a Vida interior, pela qual o universo é
impregnado, vitalizado e sustentado. Motivos, pensamentos, palavras e ações
egoístas e cruéis são dissonantes. As pessoas em quem condições discordantes são
habituais nem são pacíficas consigo mesmas nem estão em paz com a vida eterna
que as envolve e permeia. Elas não podem, portanto, merecidamente ser chamadas
pacificadoras, ou filhas de Deus, no tocante a suas condutas e ao estado interior.
Calma sem agitação, serenidade interna e paz de coração e mente são
essenciais para o progresso no caminho da santidade. Isso produz paciência,
clemência e perdão, cada um dos quais contribui para aquele equilíbrio interior que
também pode ser descrito como paz. Sob tais condições, o homem pode se tornar
cônscio de sua natureza divina, manifestar suas qualidades e poderes divinos e ser,
nesse sentido, considerado filho de Deus.
152
aspectos, sua conduta são incompreensíveis. Caso elas instruam, seus ensinamentos
parecerão heréticos e poderão provocar desconfiança, medo e, para algumas
pessoas, oposição ativa, pois as próprias fundações da civilização e, especialmente,
da ortodoxia parecem ser atacadas e postas em perigo. A defesa por meio do ataque
pode então ocorrer, levando à perseguição e mesmo ao assassinato, como tem sido
demonstrado ao longo da História. A vida de Cristo, como narrada nos evangelhos,
é um exemplo dessas tendências e de sua trágica consumação.
Esses versículos asseguram àqueles que sofrem perseguição que sua
persistência na retidão não é vã. Eles são abençoados, especialmente no sentido de
que entram em união consciente com toda a vida, apesar da diversidade de suas
formas. Corpo e cérebro não podem mais aprisioná-los; as tendências separativas da
mente não podem mais isolá-los de seus semelhantes. A morte perdeu seu poder
sobre eles, porque determinaram seu centro de vida e de consciência não no corpo
mortal, mas no Eu espiritual indestrutível e imortal. Os sábios e seus discípulos,
eles é que são os homens felizes na Terra, pois que permanecem em paz, muito
embora a população ao seu redor seja dizimada pela guerra. Essas almas avançadas
são abençoadas na verdade, assim como são aquelas que são suficientemente sábias
para buscar seus conselhos e sentar-se a seus pés.
Mt 5:13. "Vós sois o sal da Terra; e se o sal for insípido, com que se há de
salgar? Para nada mais serve senão para se lançar fora e ser pisado
pelos homens."
153
comentários e muitas repetições. Os antigos registros, entretanto, somente legaram
os próprios conceitos e em forma um tanto enigmática.
Mt 5:14. "Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade edificada
sobre um monte."
154
velador e assim ela dá luz para todos que estão na casa.
16. Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vendo as
vossas boas obras, eles glorifiquem vosso Pai que está nos céus."
Como era seu costume, Jesus usava analogias simples na expressão de seus
ensinamentos. A instrução adicional foi dada aos discípulos para que partilhassem
com as demais pessoas aquilo que eles tinham descoberto e recebido. A importância
e o efeito de dar plena expressão à percepção intelectual e espiritual são afirmados.
Por pelo menos três justificativas a luz recebida deve ser repartida. A primeira é
pela ajuda à humanidade. O exemplo inspira outros e capacita-os a perceber o
divino no servo inspirado da humanidade. O Deus no homem muito raramente
brilha através de seu revestimento físico e é tão raramente visto que expressões
desse brilho nos modos de vida e nas demonstrações elevadas e nobres de sabedoria
e poder são de grande benefício aos observadores, privilegiados por estarem
presentes.
A segunda razão para compartilhar é, então, que a verdade e a luz possam
continuamente fluir através do homem iluminado, vitalizando-o e mantendo aberto
os canais interiores pelos quais mais conhecimento e luz possam ser recebidos. O
fracasso nisto conduz a inevitável adiamento do progresso, a um obscurecimento da
mente e a uma forma de estagnação psico-espiritual – que definha e desanima quase
como uma morte.
Em terceiro lugar, cada vez que o espírito divino no homem brilha através de
seus veículos, principalmente o físico, seu poder sobre a personalidade cresce.
Canais são cavados e alargados sempre que a espiritualidade caracteriza a conduta
pessoal. Como o exercício apropriado provoca o crescimento dos músculos, assim
também a expressão material contínua do espírito no homem aumenta em poder. O
Pai que está nos céus é um nome para esse espírito, a Mônada, o princípio
capacitante que exalta a natureza humana, por intermédio de quem ele se manifesta.
Mt 5:17. "Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas. Não vim revogá-
los, mas dar-lhes pleno cumprimento."
Essas palavras de Jesus para seus discípulos parecem estar descrevendo sua
missão e explicando qualquer iconoclastia que possa ter expressado. Por essas
palavras procurou não destruir a sabedoria herdada pelos hebreus, a Torá, a Lei,
mas libertar sua expressão de incrustações. Interpretações do Velho Testamento
asseveradas dogmaticamente, em particular dos livros mosaicos, tinham erigido
uma ortodoxia um tanto rígida e conduzido a erros inequívocos. A missão de Jesus
foi cumprir a lei pelo desafio à ortodoxia da época e liberar as mentes responsivas
dessas severas restrições. A destruição de falsas concepções naturalmente ocorreu
quando ele deu expressão a sua pura sabedoria. Ele mesmo estava livre nesse
sentido e tinha alcançado experiência interior duradoura da lei, ou pura sabedoria.
155
Então sua pessoa, sua vida, suas palavras e suas ocupações foram o cumprimento
perfeito da lei.
Mt 5:18. "Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem,
nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido."
156
pensamento, motivo e ação, que são essenciais à obtenção de estados espirituais de
percepção. Nenhuma dessas condições pode ser ignorada ou deliberadamente
desconsiderada sem a redução no grau de auto-iluminação.
São muitos os níveis de consciência que podem ser obtidos pelo homem por
intermédio da meditação e contemplação, e são diferentes as experiências a eles
associadas. O mais sagrado, elevado e maravilhoso estado consiste na máxima e
final absorção na ritmicamente pulsante e fortemente luminosa vida inerente no
universo – ainda que sem perda completa de identidade. Isso é o Paranirvana, ou
grandeza no reino dos céus, nos termos aqui usados. Tal morador do nirvana,
embora em um corpo, está imaculado, sem pecado, perfeitamente harmonizado em
todos níveis de sua existência, consciência e ação. Entretanto, nesse sentido, os
seres humanos podem entrar no reino dos céus, a despeito dos seus defeitos, embora
a altura alcançada venha ser muito menos transcendente. Tal homem é aqui descrito
como "o menor no reino dos céus."
Tais colocações comparativas não são o resultado de julgamentos por seres
externos, como examinadores em sistemas educacionais. Deus não é para ser
considerado como um guardião das portas do céu ou como um juiz decidindo os
destinos de diferentes pessoas. Isso ocorre em concordância com a lei impessoal
que governa não só as reações que surgem da conduta humana, mas também de
realizações espirituais. A lei penetra profundamente no âmago tanto da vida
humana como da universal, e nenhum nível de existência está isento do princípio de
ação e reação. As condições físicas são, de fato, produzidas pela conduta física, mas
os instrutores da lei mostram também sua operação sobre aqueles que aspiram à
vida superior e à consciência mais elevada. O próprio homem provoca e determina
a condição de sua alma pela sua motivação e conduta e sua habilidade ou
inabilidade para entrar nos estados de percepção espiritual.
Mt 5:20. "Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e
fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus."
157
condições, corre o risco da desintegração de sua mente pessoal. Inevitavelmente, a
aparência externa de bem-estar desintegrar-se-á ante as forças discordantes e
antagônicas dentro dele. Assim auto-obstruído e auto-restrito nenhum homem pode
alcançar o estado de consciência descrito como o reino dos céus, cuja culminância é
o Nirvana.
Mt 5:21. "Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; aquele que matar
terá que responder em juízo.
22. Eu, porém, vos digo: Todo aquele que se encolerizar contra seu irmão
terá de responder em juízo; aquele que chamar : "Cretino!" estará
sujeito ao julgamento do Sinédrio; aquele que lhe chamar: "Louco"
terá de responder ao julgamento do geena de fogo."
158
só no domínio da prática, mas, muito mais, no processo de obtenção da realização
espiritual descrita como o reino dos céus.
Essa realização não resulta de julgamento pela Deidade, mas da ação da lei
natural. Na verdade, a maravilhosa afirmação concernente ao reino dos céus começa
pela enunciação da lei dada no versículo dezoito.
159
Mt 5:27. "Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério.
28. Eu, porém, vos digo: todo aquele que olha para uma mulher com
desejo libidinoso já cometeu adultério com ela em seu coração."
Mt "Caso o teu olho direito te leve a pecar, arranca-o e lança-o para longe
5:29. de ti, pois é preferível que se perca um dos teus membros do que todo o
teu corpo seja lançado no geena.
30. Caso tua mão direita te leve a pecar, corta-a e lança-a para longe de ti,
pois é preferível que se perca um dos teus membros do que todo o teu
corpo seja lançado no geena."
0
Pr 23:7.
160
são permitidas sua livre expressão, sua ação desinibida. A conduta externamente
moral pode ser hipócrita, existindo muitas espécies de vícios no interior do coração
e da mente. Como esses vícios podem se corromper ou desenvolver-se em
malignidade, é na verdade essencial que eles sejam extirpados.
Se isso não é feito em tempo hábil, muito do poder mental do homem pode
se desvirtuar para fins desprezíveis que levam à conduta ignóbil, os quais, sob a lei,
trazem sofrimento ou, metaforicamente, lançam o malfeitor no inferno (um estado
de miséria, enquanto o céu é um estado de felicidade). A cirurgia, portanto, deve ser
feita sobre cada hábito mental adverso ou sobre cada parte da composição humana.
O bisturi do cirurgião é a vontade de aço que corta da mente, e também da conduta,
os "órgãos doentes" e as "malignidades mentais". A analogia é suscetível de ainda
maior desenvolvimento e aplicação. Por exemplo, a ordem e técnica na sala de
operação e a calma, a habilidade e a precisão do cirurgião podem servir como
exemplos do método ideal.
Essas elocuções do Senhor apontam para certa qualidade de caráter, uma
condição mental que pode ser definida como retidão, perfeitamente aplicável por
cada pessoa na tarefa de autocorreção a qualquer custo. Aqueles que podem ou
tencionam seguir os ensinamentos do Senhor não devem se deter em nada quando
está em jogo a purificação da alma e a iluminação. Na verdade, a inteireza, a
integridade e a máxima sinceridade são essenciais para o sucesso na higiene médica
e mental.
Mt 5:31. "Foi dito: Aquele que repudiar a sua mulher, dê-lhe uma carta de
divórcio.
32. Eu, porém, vos digo: todo aquele que repudia a sua mulher, a não ser
por motivo de fornicação, faz com que ela adultere; e aquele que casa
com a repudiada comete adultério."
Mt 5.33. "Ouvistes também que foi dito aos antigos: Não perjurarás, mas
cumprirás os teus juramentos para com o Senhor.
34. Eu, porém, vos digo: não jureis em hipótese alguma; nem pelo Céu,
porque é o trono de Deus,
161
35. Nem pela Terra, porque é o escabelo de seus pés, nem por Jerusalém,
porque é a Cidade do Grande Rei,
36. nem jures pela tua cabeça, porque tu não tens o poder de tornar um só
cabelo branco ou preto.
37. Seja o vosso sim, sim, e o vosso não, não. O que passa disso vem do
Maligno."
Mt 5:38. "Ouvistes que foi dito: Olho por olho e dente por dente.
39. Eu, porém, vos digo: não resistai ao mal; antes, àquele que te fere na
face direita oferece-lhe também a outra"
162
indivíduo que se permite não apenas se sentir provocado, mas também
contragolpear, quer mental ou fisicamente, comete erro grave. A disciplina da não-
reação à pressão externa e a preservação, sob todas as circunstância, do equilíbrio
interior são essenciais, porque, então, é estabelecida a perfeita harmonia, e ela
governa o pensamento e a conduta. O aspirante, portanto, permanece calmo,
impassível e sem represália a cada assalto à cidadela de sua consciência mais
interior. Com sua muralha de calma filosófica, mantida pela não-ação, aquela
cidadela é inexpugnável.
Essa recomendação é, reconhecidamente, um conselho de perfeição para a
maioria das pessoas e só é aplicado totalmente pelo Adepto. Isso acontece porque a
pessoa comum ainda não concebeu nem encontrou seu próprio centro de existência
e consciência. O neófito faz dessa descoberta um objetivo primordial, e, quando ele
começa a obter sucesso, a calma interior e o autocontrole são obtidos mais
facilmente do que antes. Oposto ao aparente significado do versículo trinta e nove,
isso não implica em fraqueza ou capitulação a um suposto inimigo externo. Ao
contrário, o poder da mente e o inflexível autocontrole são essenciais ao sucesso.
Na ioga, o centro de existência do ser humano é reconhecido como
fundamentalmente inseparável do espírito universal, e o iogue busca experimentar
isto em plena consciência. Além disso, ele pratica a manutenção dessa experiência
durante suas horas de vigília. Isso é de grande ajuda porque o espírito do universo é
mantido em equilíbrio dinâmico. A realização da unidade com esse espírito provoca
a participação do iogue na calma dinâmica e na harmonia ativa. Portanto, nenhum
verdadeiro iogue permitir-se-ia introduzir a discórdia no campo de sua consciência.
Conseqüentemente, ele não reage a distúrbios adversos, quer surjam na sua mente
ou no seu exterior. Simbolicamente, ele oferece a outra face.
Também, do ponto de vista puramente prático, esse, afinal, é o procedimento
mais sábio. A harmonia é a verdade, e a agressão é um equívoco. Contanto que o
erro não se vincule a outro e assim ganhe vida, ele fracassará, a verdade sempre
prevalecerá por fim, como a antiga máxima declara. Firmemente estabelecido nessa
crença, o homem sábio pode permitir-se enfrentar a discórdia com a harmonia,
preservando o silêncio.
Quando se trata apenas da própria pessoa, sempre que a discórdia chegue,
quer do interior ou do exterior, o método é recolher-se imediatamente ao centro de
perfeito equilíbrio e lá permanecer. A prática regular, a despeito das dificuldades,
instituirá esse hábito, até que finalmente a harmonia e a não-reação exterior sejam
respostas naturais e instintivas. Esse é o ideal da ioga e um dos mais difíceis de
alcançar.
A situação é, entretanto, radicalmente alterada quando outra pessoa ou grupo
é atacado. Aplica-se, então, uma nova lei ou regra de conduta. Essa pode ser
descrita como proteção e defesa nascidas da compaixão, idealmente livres da
paixão. Sob tais condições, que envolvem um princípio ou o bem-estar dos outros, o
163
conselho de Sri Krishna à Arjuna, "Luta, ó Partha", indica a conduta correta 0.
Embora alguém possa ser relativamente indiferente ou calmo quanto a seu próprio
interesse, ele não pode idealmente ser pacifista diante das necessidades de outros.
Mt 5:40. "E àquele que quer demandar-te em juízo, para tirar-te a túnica,
deixa-lhe também a capa."
Mt 5:41. "E, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas."
0
Bhagavad Gita.
164
passado deve ser desfeito e dissolvido. Essa é a mensagem do maravilhoso Sermão
da Montanha. Esse é o significado desses ensinamentos aparentemente difíceis do
Senhor.
Mt 5:42. "Dá a quem te pedir e não te desvieis daquele que quiser que lhe
emprestes."
Mt 5:43. "Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e aborrecerás o teu
inimigo.
44. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos
maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos
maltratam e vos perseguem."
165
ações externas dos homens, em seus eus interiores, eles são intimamente
aparentados, mesmo com aqueles que podem ferir.
Sabidamente essa é uma atitude muito elevada, uma alta realização. Para o
Adepto ela é a única possível. Ela é parte do significado do levantamento do Cristo
crucificado. A crucificação e morte são, pois, representações, física e simbólica, da
dissolução do sentido do eu e da elevação da consciência acima das ilusões e dos
erros que elas conduzem, e das quais a maioria da humanidade é vítima. O Sermão
da Montanha é proferido de tal altura, nesse caso de uma montanha.
Mt 5:45. "Deste modo vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos céus,
porque ele faz nascer o seu Sol igualmente sobre maus e bons e cair a
chuva sobre justos e injustos."
Mt 5:46. "Com efeito, se amais aos que vos amam, que recompensa tendes?
Não fazem também os publicanos a mesma coisa?"
Mt 5:47. "E se saudais apenas os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem
também os publicanos a mesma coisa?"
166
Mt 5:48. "Sede vós perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus."
Tanto os antigos rituais de mistério como os dos dias atuais que deles
derivam informam os neófitos do destino de todos os homens – a perfeição – e
adjura-os a agir assim no presente para acelerar seu cumprimento.
O Senhor Jesus Cristo, deveria ser lembrado, estava falando da experiência
direta da verdade interna da identidade absoluta do princípio de vida em todos os
seres. Mesmo enquanto as palavras jorravam de seus lábios e eram captadas pelos
ouvidos e mentes de seu extasiado público no lado montanhoso da Judéia, ele
próprio estava assentado no eterno, fundado na realização da unidade espiritual de
tudo no interior do universo e de tudo aquilo que ele contém. Essa percepção
espiritual conferida por suas palavras incluíam não apenas significados para a
mente, mas um fogo e uma convicção nascidos de seu próprio conhecimento
interior.
A cena pode ser pintada em pensamento meditativo. Imaginamos a figura do
Senhor vestido de branco, em pé, com grande dignidade que chegava à majestade,
enquanto o espírito descia sobre ele. Sentada no chão, a multidão de homens fixava-
o atentamente, enquanto seus amigos mais chegados, discípulos, parentes e pessoas
próximas ao discipulado ouviam a voz que falava como nenhum homem antes
falou. As curtas e simples sentenças proferidas por aquela voz maravilhosamente
modulada alcançavam, através dos ouvidos físicos e das mentes terrenas, até os
aspectos mais divinos da consciência humana. Embora de difícil aplicação nas
experiências da vida diária, quando ele fala os ensinamentos parecem fáceis de
compreender e mesmo óbvios para todos aqueles em estágio avançado. Assim ele, o
Instrutor dos homens, revelou o verdadeiro coração da verdade: que todos os
homens são um em sua essência mais interior.
167
168
CAPÍTULO 10
Mt 6:1. "Guardai-vos de praticar a vossa justiça diante dos homens para serdes
vistos por eles. Se o fizerdes, não recebereis a recompensa do vosso Pai
que está nos céus.
2. Por isso, quando deres uma esmola, não te ponhas a trombetear em
público, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, com o
propósito de serem elogiados pelos homens. Em verdade vos digo: já
receberam a sua recompensa."
169
Como, no entanto, o homem moderno alcançou seu atual lugar na natureza
pelo exercício, ao longo de muitas encarnações, da cautela, do cuidadoso
planejamento e do trabalho executado com o objetivo de ganho – o que é essencial
para a autopreservação e a habilidade para o cumprimento das obrigações –
dificilmente morre a causa profundamente arraigada da autocentralidade. Nisso
consiste a tarefa e a dificuldade com que se defrontam aqueles que se purificam do
eu por causa do amor.
A chave para essa consecução é a compreensão da natureza ilusória do
inerente sentido de auto-identidade, que é ilusória porque a essência espiritual, da
qual cada Mônada humana é uma manifestação, é a mesma em todos. Quando isso é
realizado, mesmo a idéia de que uma dádiva está sendo oferecida é substituída por
aquela do partilhar uma provisão universal da qual o homem é um administrador. O
carregador de água não supre a água que ele entrega. Aquele que oferece calor e luz
não é pessoalmente responsável ou louvável por essas dádivas. Ele somente as faz
disponível; não as cria e elas não são somente dele. Em termos cristãos, elas são do
Senhor e, portanto, seriam dadas impessoalmente em seu nome e somente em seu
nome. Ao tempo em que aplica esse princípio para a caridade, Jesus também
enuncia o ideal para cada ato.
Mt 6:3. "Antes, quando deres uma esmola, não saiba a tua mão esquerda o
que faz a tua direita,
4. para que a tua esmola fique em segredo; e o teu Pai, que vê em
segredo, te recompensará publicamente."
Mt 6:5. "E, quando orardes, não sejais como os hipócritas, porque eles gostam
de fazer oração pondo-se em pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de
serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua
recompensa."
170
Ostentação e meditação são mutuamente incompatíveis. Se a oração é
considerada como uma comunicação interior com o Deus interno, "a esperança de
glória", então o sucesso depende da integridade de coração. Se um homem ora a
Deus para que outros homens vejam sua devoção, "Deus" nem ouvirá nem
responderá, porque a forte, ainda que sutil, idéia de vantagem pessoal imporá uma
barreira impenetrável entre o externo e o interno, o humano e o divino no homem.
A taça oferecida para receber a divina graça – o vinho da sabedoria e do amor –
deve estar vazia de tudo mais. A cuidadosa limpeza dos vasos sagrados no altar
simboliza essa verdade.
Uma lei é então exposta, a lei que governa o processo de auto-iluminação. É
descrita a elevada ioga, difícil na verdade de praticar-se. Um Instrutor mundial deve
sempre ensinar os mais altos ideais – nesse caso o serviço e a oração em que o eu
esteja ausente.
Mt 6:6. "Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a porta,
ora a teu Pai que está em oculto; e o teu Pai, que vê secretamente, te
recompensará."
Mt 6:7. "Nas vossas orações não useis de vãs repetições, como fazem os
gentios, porque entendem que é pelo palavreado excessivo que serão
ouvidos."
171
cantando o Nome Sagrado – para que seja ouvida a voz interior. A mera repetição
não provocará essa consumação ou recompensa, ainda que as orações verbais,
inteiramente sinceras, de aspiração e de adoração possam servir para preparar o
caminho. Mas, depois, o silêncio deve prevalecer.
Mt 6:8. "Não sejais como eles, porque o vosso Pai sabe do que tendes
necessidade antes de lho pedirdes."
Como o Sol brilha perpetuamente com seu máximo poder, assim o divino
dentro e fora da natureza e de todos os homens está perpetuamente automanifestado
no mais alto grau possível. Além disso, exatamente como as nuvens criam véus
entre o Sol e o homem, nuvens internas criam obstáculos entre a mente e o cérebro.
A aparente ausência da luz do Sol, físico ou mental, é uma ilusão, pois que o Sol
externo e o interno brilham perpetuamente de eternidade a eternidade. O problema
jaz então no próprio homem, e está ao seu alcance dissipar todas as nuvens que
velam a luz de seu olho interno.
Da mesma forma como nas orações dirigidas ao Sol visível não é obtido
aumento de seu brilho, assim também, normalmente, não é recebido benefício
adicional nas orações com pedidos ao Sol espiritual, Deus, o Pai, a divina presença,
poder e luz em cada átomo e dentro da natureza interna do homem. Na verdade, é
quase impossível para essa divindade aumentar o grau de sua manifestação
beneficente, pois a divina manifestação está sempre no seu máximo.
A oração, entretanto, pode ter valor se remove as nuvens da mente e os véus
das emoções e eleva o nível de receptividade acima dessas regiões, para altitudes
nas quais o brilho divino possa ser percebido. A oração mais eficaz, o mais potente
ato de ioga, consiste menos em tentar "trazer para baixo" poder adicional e luz do
que em abrir a mente, a emoção e o corpo em entrega e receptividade ao divino.
Assim como a chuva cai refrescantemente sobre as plantas, concedendo umidade,
sem discriminar qualquer uma em particular, a chuva celestial é suprida
universalmente por uma Providência completamente beneficente, que não necessita
ser induzida por nenhum homem.
Mt 6:9. "Portanto, orai desta maneira: Pai nosso que estás nos céus,
santificado seja o vosso Nome."
172
Mente divina, pela qual todas as coisas são moldadas. A trindade é então evocada.
Na natureza ela é o Pai, o Filho e o Espírito Santo, enquanto no homem ela é
representada pelo poder deífico, pela sabedoria e pela inteligência. A oração
começa, então, por uma alocução ou afirmação que eleva o pensamento do devoto
ao tríplice Eu dentro dele, o Pai no interior do seu céu, cujo nome é Santidade.
Mt 6:10. "Venha o teu Reino, seja realizada a tua Vontade na terra, como é
realizada nos Céus.
11. O pão nosso de cada dia dá-nos hoje.
12. E perdoa-nos as nossa dívidas, como também nós perdoamos aos
nossos devedores.
13. E não nos induzas à tentação, mas livra-nos do mal. Porque a ti
pertencem o Reino, o Poder e a Glória, para sempre. Amém."
173
durante as horas de vigília. Então, a primeira invocação, que se segue à afirmação
da existência do tríplice Eu, é dirigida aos dois aspectos da mente humana. A mente
abstrata e a formal primeiro se encontram, depois se combinam e, finalmente, são
unidas. Esse é o "casamento celeste" e a vinda do reino de Deus no interior da
mente ativa. Em termos cabalísticos, o véu entre elas, o paraketh, deve não só ser
rasgado0 mas, finalmente, deve desaparecer por completo, depois do que o homem
iluminado tem apenas uma mente e uma perspectiva e atividade mental – aquela do
Eu imortal.
As famosas palavras "O pão nosso de cada dia dá-nos hoje" não se referem
ao trigo e ao pão, mas ao verdadeiro pão da vida, a essência espiritual do universo e
do homem, aquele divino "sustento" pelo qual eles existem e são mantidos. A
oração pelo pão diário pode então ser interpretada como uma afirmação de que o
poder interno, ou a força de vontade do homem, pode se tornar cada vez mais
corporificado no correspondente veículo mortal, o corpo físico. Tal apoio pode, na
verdade, ser metaforicamente assemelhado a um suprimento de alimento, o próprio
pão da vida.
Lido literalmente, o versículo doze é quase sem sentido, uma vez que, na
verdade, nesse particular, não pode haver perdão por um Deus externo dos erros
cometidos pelo homem, embora alguma pessoa possa desculpar outra pela ofensa
contra. Segundo a alocução de Jesus e de S. Paulo 0, a operação da lei de causa e
efeito não pode, de forma alguma e para nenhum pessoa, jamais ser sustada ou
mesmo interrompida, salvo por ações que modifiquem as realizadas pelo mesmo
ator, quer prejudicial ou benéfica pelo que lhe toca 0. Por conseguinte, está indicado
o restabelecimento da completa harmonia – tanto interiormente entre os veículos,
como externamente com a natureza e com os homens. A invocação está dirigida ao
ideal de harmonia, bondade e empatia, o princípio da sabedoria no Eu superior, a
fim de que estes atributos possam ser expressos mais completamente nas atividades
das emoções, com isso mantendo e, se for necessário, restaurando a tendência à
harmonização, ou ao perdão.
Visto que a ação da lei de causa e efeito que produz dor surge do princípio
universal da perpétua re-harmonização sempre que necessária, o estabelecimento de
uma tendência natural em direção à harmonia é uma grande vantagem. A atividade
causadora de dor provocada pelo pensamento, sentimento, palavra e ação será
menos provável, e será natural a ação que resulta em felicidade. Menos dor e mais
prazer ao autor resultará, então, sob a lei impessoal. Pelo fortalecimento e
ampliação da ligação entre o Deus supremo tríplice no homem e seus veículos
externos, a oração (na verdade uma meditação) é projetada para provocar a auto-
iluminação e a absorção definitiva do material no interior dos componentes
espirituais da natureza humana – o propósito subjacente da grande alocução. Um
processo interior está sendo instituído para superar as resistências da mente
0
Mt 27:51.
0
Mt 5:28 e Rm 12:19.
0
Ver Geoffrey Hodson, "Lecture Notes of the School of Wisdom", Vol. I.
174
concreta, do corpo físico e da vida diária – estimulada e continuada pela meditação
diária tanto quanto pelo progresso natural da evolução. A frase "seja realizada a tua
vontade na Terra, como é realizada no céu" indica essa consumação. O tríplice Eu
interior foi invocado para os correspondentes aspectos do tríplice homem exterior, a
força de vontade divina para o corpo, a sabedoria para as emoções e a inteligência
para a mente.
Mt 6:14. "Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai
vos perdoará".
0
O triângulo entrelaçado dentro do círculo representa o Adepto, cujo "signo" é o Selo
de Salomão.
175
indivíduo torna-se isento de erro. Nessas circunstâncias pouco ou nenhum carma
adverso é gerado. Quando uma ação prejudicial é dirigida contra alguém, se ele nem
sente nem age com ressentimento, o circuito é fechado. Se, entretanto, tal ideal
elevado não está ainda plenamente estabelecido no coração, então o rancor e a
injúria podem conduzir a pensamentos e ações ressentidos e mesmo ao desejo por
vingança. Assim, uma discórdia secundária torna-se um conflito importante. O
ciclo, em conseqüência, não é de forma alguma encerrado nem será até que a troca
cesse e os efeitos produzidos pela dor tenham seguido as causas que produziram a
dor, sob a ação da lei. Então e somente então será restaurada a harmonia ou, em
termos da oração, as transgressões serão "perdoadas", significando compensadas.
Essa resposta não é sempre fácil de obter.
O assunto tem profundas implicações filosóficas. Se tanto a vida universal e
quanto a humana são governadas pela lei, então ninguém pode jamais ferir
nenhum pessoa injustificadamente0. Em todos os casos, aquele que é ferido agiu no
passado de tal maneira que se tornou suscetível de um ataque exatamente
proporcional. O Eu interno, sempre isento de erro, não pode de forma alguma ser
prejudicado, quer exteriormente quer interiormente. Fundado nessa convicção e
mantendo firmemente nessa realização nascida da experiência, o verdadeiro filósofo
é pessoalmente indiferente ao mais virulento ataque e abuso. Sábio e generoso, ele
lastimará a adversidade que o atacante infelizmente está gerando para si próprio.
Essa preocupação com os outros está exemplificada nas palavras do Cristo
proferidas na cruz com referência àqueles que dele escarneceram, torturaram e
finalmente crucificaram-no: "Perdoa-os Pai, porque eles não sabem o que fazem."
Isso é valioso como um exemplo magnífico de perdão pessoal sob extrema
provocação, sem dúvida uma oração espontânea em intenção de seus
atormentadores. No entanto, em termos das afirmações de Jesus e S. Paulo sobre a
inevitabilidade da lei0, a súplica dificilmente pode ser considerada como tendo
efeitos benéficos sobre aqueles responsáveis pela crucificação 0. As ações foram
deles e, portanto, sobre eles as reações apropriadas devem ser precipitadas
inevitavelmente. Somente assim pode haver a possibilidade de um princípio de
justiça operativa no mundo e, portanto, eqüidade para o homem.
Reconhecidamente, tal calma imperturbável enquanto sofria tortura e tal
compaixão para com os torturadores são quase sobre-humanos. Todavia, o
ensinamento foi dado pelo grande Mestre e é também aceito como um ideal do
caminho da santidade. Na verdade, sua aceitação e aplicação vivencial foram
proclamadas por grandes Instrutores como essenciais àqueles que entrarão pela
"porta estreita" e trilharão o "caminho apertado" 0. Tal generosidade, abnegação e
poder para persistir impassível diante de uma tempestade depende tanto do
0
Ver Geoffrey Hodson, "Reincarnation, Fact ou Fallacy?"
0
Mt 5:28 e Rm 12:19.
0
Ver Geoffrey Hodson, "Reincarnation, Fact ou Fallacy?" pp. 254-6.
0
Mt 7:13.
176
desenvolvimento evolucionário como do autocontrole obtido por intermédio de
autodisciplina sistemática.
Mt 6:15. "Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também
vosso Pai vos não perdoará as vossas ofensas."
177
adversidades, tanto na vida diária como na espiritual. À parte os efeitos mais
imediatos, uma vez desenvolvida ela pode se tornar um hábito. Na primeira ocasião,
a mente é adversamente afetada e, por intermédio dela, o caráter. Ações hipócritas
podem então seguir-se umas às outras sem serem reconhecidas como tais, e a
hipocrisia pode insinuar-se tão sutilmente no caráter e na ação a ponto de ser quase
irreconhecível, estabelecendo-se como uma tendência da mente. A pureza de
coração então diminui e a conduta pode se estender a uma série de manobras falsas
visando o ganho pessoal. A partir de então, uma das mais importantes de todas as
qualidades que regem o sucesso na vida espiritual, a saber, a integridade, é
substituída por sua oposta, embrutecendo, desse modo, todo o grande empre-
endimento. Indubitavelmente, isto é parte do pensamento do Mestre relativamente a
uma recompensa.
178
homem. O divino está seguramente presente, intimamente próximo, esperando,
como o Mestre disse em outra parte, mas somente pode ser conhecido quando o
coração e a mente são totalmente sinceros e verdadeiros. É evidente, não é, que seus
opostos devam inevitavelmente rejeitar aquilo que é realmente a própria Verdade?
A mente insincera nunca poderia reconhecer uma expressão da verdade
inerentemente pura e perfeita. Nessa parte do sermão, o Mestre acentua esse fato.
179
para o pensamento e o interesse puramente espirituais. Dessa forma o homem ajunta
metaforicamente para si "tesouros no céu".
Quais são, então, esses tesouros? Eles são os poderes da alma, distintos
daqueles do corpo e da personalidade externa. Incluem a capacidade para exercer
um controle decisivo sobre as atividades da consciência, a qualquer nível de
percepção e ação. A vontade e o pensamento, ambos desenvolvidos num alto grau,
combinam-se numa autoridade absoluta e numa autocracia interior para as quais não
há apelação.
A sabedoria inata é desenvolvida em percepções abrangentes das verdades
primordiais. O intelecto, então, penetra automaticamente nas causas subjacentes de
qualquer situação, grupos de fatos ou, na verdade, de qualquer fato isolado. Os
processos do pensamento começam pelo interior do princípio subjacente e
prosseguem para o exterior para avaliar as variadas expressões daquele princípio.
Então, o intelecto superior da pessoa assim desenvolvida interpreta impecavelmente
cada evento e cada idéia; leis e processos naturais e itens do conhecimento –
especialmente aqueles que parecem se contradizer – são abarcados pela mente e
compreendidos pela inteligência superior.
Talvez o maior de todos tesouros nos céus seja a capacidade para perceber e
reconhecer, em todos os momentos, o princípio unificante do universo, aquele que
une todas as diversidades, preserva-as em harmonia e é, de fato, a realidade de suas
existências. Quando esse tesouro é alcançado, o homem é transfigurado, e sua vida
no mundo é transformada. Interiormente, ele é iluminado e dotado das dádivas do
espírito, enquanto externamente suas relações com todos outros seres são
expressões de um amor compassivo, ainda que impessoal.
Habilitados e iluminados pelas faculdades da alma, os discípulos, iniciados e
Adeptos são, de fato, ricos, pois eles reconhecem e procuram a verdadeira riqueza
do homem e avaliam tudo o mais de acordo com isto. Eles distinguem
infalivelmente o falso do verdadeiro, o transitório do eterno, o real do irreal.
180
Ele somente nasce na mente da pessoa quando tiverem ocorrido dois
desenvolvimentos interiores. São eles a realização inteiramente cônscia do Eu
divino e a realização do poder daquele Eu ao encontrar a mente e produzir aspiração
às alturas. No momento que o homem mortal diz "eu aspiro com ardor progredir
rapidamente, a fim de alcançar o discipulado e o adeptado" todas as coisas tornam-
se possíveis, inclusive a abertura interior e o avanço na senda da santidade. A
importância do interesse sincero dificilmente pode ser mais enfática.
Mt 6:22. "A lâmpada do corpo é o olho. Portanto, se o teu olho estiver são, todo
o teu corpo ficará iluminado."
Mt 6:23. "Se, porém, teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se,
portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão as trevas!"
0
Assume-se aqui a evolução do homem para o ser crístico por meio de sucessivas
vidas na Terra.
181
A mente separada do Eu espiritual pode ser quase como um demônio,
tentando o homem a trair sua consciência, tanto no relacionamento com os outros
como na conduta. A mente nesse estado pode também desviar o interesse do
espiritual para o material, da verdade para a mentira, do permanente para o
transitório e da unidade e integridade psicológica para diversos desejos e estados
conflitantes. Nesse sentido, então, o olho pode ser mau e, em conseqüência, todo o
corpo ser pleno de "trevas".
Mt 6:25. "Por isso vos digo: Não vos preocupeis com a vossa vida, quanto ao
que haveis de comer, nem com o vosso corpo, quanto ao que haveis
de vestir. Não é a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que
a roupa?
182
na vida física, ou expressões da arte do viver terreno. O aspirante cuida de seu
corpo exatamente como lubrifica uma máquina em obediência às leis físicas
conhecidas. Idealmente, ele realiza essas atividades preservativas para corresponder
às exigências naturais. Ele não se torna absorvido apaixonadamente nos processos
de preservação nem leva ao extremo nenhuma ação física autobeneficente. Ele
conserva o corpo em boa forma para que ele possa servi-lo melhor – e isso é tudo.
Instruções similares são dadas na filosofia da ioga para exercitar o discernimento, o
desprendimento e a imparcialidade com relação aos problemas materiais.
As carências com respeito à vida do espírito, o enriquecimento da alma e o
sustento da mente com a verdade podem ser plenamente satisfeitos naquele celeiro
e armazém ilimitado que é o aspecto espiritual da natureza. Assim como a
abundância pródiga dos germens de vida é observada fisicamente nas sementes das
plantas e árvores e nos semens dos organismos superiores, também o grande "Pai-
Mãe" de tudo, generosamente, supre espiritual e superfisicamente cada necessidade
da alma do homem. O conhecimento disso é parte da Sabedoria secreta dos tempos
e, quando descoberto, pode-se contar com ele muito naturalmente. O esforço
impaciente é substituído pela serenidade da plena segurança de um suprimento
generoso de tudo que o interior necessita. Finalmente, isso se reflete na conduta da
vida física. A paixão imoderada pelo poder e riqueza é substituída por um modo
ordenado de viver, no qual o anseio indevido não tem lugar. Tal, na verdade, é o
caminho para a paz de coração e mente.
Mt 6:26. "Olhai para as aves do céu; não semeiam, nem colhem, nem ajuntam
em celeiros. E, no entanto, vosso Pai celeste as alimenta. Ora, não
valeis vós mais do que elas?"
183
superior considera-os como um só estado de ser; porque não há nem dentro nem
fora na consciência de Deus, nem há tal dualidade como fonte e suprimento.
O princípio do suprimento inesgotável no interior é descoberto pelo homem
iluminado por Deus. Essa experiência consciencial expulsa o medo e toda ansiedade
e confere serenidade. Nesse sentido, somente como uma atitude mental, deve o
homem "não se preocupar com sua vida".
Mt 6:28. "E com a roupa, por que andais preocupados? Aprendei dos lírios do
campo, como crescem, e não trabalham e nem fiam.
29. E, no entanto, eu vos asseguro que nem Salomão, em todo o seu
esplendor, se vestiu como um deles."
Mais outra bem-escolhida analogia com a natureza é usada por Nosso Senhor
para instruir os neófitos na obtenção de uma postura especial frente à vida
espiritual. São diferenciados dois enfoques de vida e dois modos de viver: a atenção
indevida ao vestir e à aparência pessoal externa e, em contraste, a simplicidade e a
naturalidade.
De novo, o ensinamento não pode ser tomado literalmente, em especial por
aqueles que são obrigados pelas circunstâncias a viver no mundo exterior. O
Sermão da Montanha descreve um enfoque para a vida e, definitivamente, não um
modo de vida ou detalhes para aplicação; porque, naturalmente, o descuido afetado,
a irresponsabilidade e o deixar-se ir à deriva sob o argumento de naturalidade
somente podem conduzir ao desastre, material e espiritual. Em uma encarnação que
permite o retiro num eremitério, ou ashram, e onde o clima permite, a extrema
simplicidade no vestir é obviamente desejável. Ademais, são impostos tanto o
184
desvio da atenção a tais exterioridades como a concentração na luz interior, já que,
por tal meio, as distrações da mente e do corpo são reduzidas ao mínimo.
É discernível uma instrução igualmente mais profunda e mais sutil. Os
processos naturais pelos quais o reino das plantas está lindamente vestido, como no
caso da família do lírio, também ocorrem no homem; mas, sendo dotado da mente,
pode interferir no processo pelo poder de seu pensamento, que pode se intrometer
desarmoniosamente naquilo que deveria ser deixado à natureza. A fim de
acompanhar seus companheiros, ele se veste, mobila e decora sua casa e mune-se
do mais moderno meio de transporte, empregando, desse modo, tempo e dinheiro
que poderia ser gasto mais vantajosamente. Ademais, complica sua vida e mesmo
se empobrece. Assim, ao invés de estar contente com as simples necessidades de
um modo de vida digno e culto, estabelece condições que inevitavelmente distraem
sua atenção das necessidades espirituais, culturais e físicas.
Embora a atividade mental possa produzir complexidade indevida, o pensar
correto sobre a conduta na vida traz uma simplicidade muito desejável. A
espontaneidade, a naturalidade não imposta, permite o livre jogo das forças da vida.
O homem espiritualmente iluminado sabe que a própria vida suprirá
abundantemente todas as suas necessidades. Ele deixa para a força da vida o
trabalho que a ela é designado efetuar, enquanto ele se preocupa com a tarefa que
fixa para si próprio – a realização de uma maior iluminação e perfeição 0. Aqueles
que já são mais avançados na humanidade e também os que pela ioga tenham
obtido uma visão intuitiva de vida já estão aplicando esses princípios nas suas
vidas; pois a humanidade está evoluindo. No seu devido tempo, os ensinamentos do
Sermão da Montanha serão aplicados por todos bem naturalmente.
Mt "Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã
6:30. será lançada no forno, não vos vestirá muito mais a vós, homens de
pouca fé?
31. Não andeis pois inquietos, dizendo: Que comeremos ou que beberemos
ou com que nos vestiremos?
32. (Porque todas estas coisas os gentios procuram). De certo vosso Pai
celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas.
33. Mas buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas
vos serão acrescentadas."
34. Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã
cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.
0
Cf. "Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus." Mt
5:48.
185
inteligentemente as qualidades de ausência de paixão e desapego às coisas do
mundo material com seus prêmios e recompensas.
Se o Mestre é acusado de exagerar a importância dos valores e objetivos
puramente espirituais, então deveria ser reconhecido que isto é muito menos
prejudicial do que seu oposto. Além do mais, as próprias exigências do corpo e da
vida física, clamando irresistivelmente por satisfação, geralmente tendem a
restaurar qualquer desequilíbrio. Corretamente entendido, todo o sermão e,
especialmente os versículos de fechamento, constituem-se numa magnífica
alocução.
186
187
CAPÍTULO 11
188
O Mestre Jesus foi de um sentido mental eminentemente prático, tanto mais
porque reconheceu a simplicidade essencial das mentes de seus ouvintes. Sempre
que ele ensinava um princípio abstrato, raramente deixava de mostrar sua aplicação
na experiência comum humana, que podia facilmente ser apreciada e entendida.
Assim, ensinou que qualquer que possa ser o julgamento que você faça de um
homem e de seu modo de vida, também você e sua conduta tenderão a ser julgados.
Seja agradecido e provavelmente você receberá, por sua vez, agradecimento.
Condene e a condenação será possivelmente sua sorte. Esses modos de tratar os
outros são tanto automáticos como precisos.
No entanto, se o assunto for considerado muito mais profundamente e em
termos de um gradual desenvolvimento do caráter por meio dos modos habituais de
pensar, então os juízos desfavoráveis, as censuras aos outros, podem estabelecer
discordância, resultando em tendências cada vez mais fortes à crítica contrária.
Esses juízos dão o tom e, dessa forma, falseiam as avaliações do caráter e da
conduta das outras pessoas e estabelecem, nesse quadro, as qualidades indesejáveis
de separatividade, superioridade e o rompimento dos elos de unidade que deveriam
ligar toda humanidade. Dessa forma, o Senhor aconselha a todos estabelecerem o
hábito da valorização e do pensamento amável, mesmo beneficente, a cerca dos
outros, quer sejam importantes ou humildes, pecadores ou santos.
Mt 7:3. "Por que reparas no cisco que está no olho do teu irmão, quando não
percebes a trave que está no teu?"
189
para suas próprias qualidades e fraquezas indesejáveis e removê-las antes de criticar
e condenar destrutivamente as qualidades desfavoráveis nos outros.
Esse ensinamento do grande sermão deve, portanto, ser considerado muito
cuidadosamente e pesado com exatidão na balança da mente. Depois disso, pode ser
cuidadosa e diretamente aplicado à conduta de vida.
Mt "Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o cisco do teu olho, estando
7:4. uma trave no teu?"
Mt "Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e, então, verás bem para tirar
7:5. o cisco do olho do teu irmão."
Mt "Não deis aos cães o que é santo, nem atireis as vossas pérolas aos
7:6. porcos, para que não as pisem e, voltando-se contra vós, vos
estraçalhem."
O tema do ensinamento, uma vez mais, muda tão abruptamente que se pode
suspeitar de uma lacuna no registro original ou nas suas cópias. Esse versículo
190
proclama uma máxima profundamente oculta. Segredo no que diz respeito ao
conhecimento do poder é imposto estritamente, e é dada uma advertência contra a
insensata disseminação pública das verdades que conferem poder. Talvez o grande
Instrutor tenha constatado que as mais sutis e elevadas idéias que tinha exposto não
foram entendidas nem tomadas na devida consideração. Podem mesmo ter sido
recebidas com escárnio.
Tais verdades são comparadas a pérolas; os porcos significam aqueles que,
por falta de progresso na evolução, estão incapacitados de compreendê-las. A longa
história das numerosas tentativas de instruir e guiar a humanidade nos caminhos da
paz e da felicidade pelas revelações da lei espiritual justifica a advertência. Quase
inevitavelmente a multidão não-desenvolvida e, assim, ignorante não consegue
compreender a motivação do revelador ou as verdades reveladas. Tais pessoas
tendem a julgar a conduta dos outros em termos de sua própria autopreservação,
auto-interesse e maneiras puramente egoístas de pensar e agir. Eles são
completamente incapazes de ver e apreciar, num verdadeiro instrutor, uma estatura
maior do que a deles próprios um propósito não-maculado pelo auto-interesse. Essa
incapacidade e o ressentimento instintivo podem levar uma multidão ignorante a ir
contra e maltratar, senão destruir, um instrutor das verdades espirituais e da lei
moral fora de suas compreensões.
Um significado sempre mais profundo pode ser discernido na advertência
dada nesse versículo. Aos neófitos aceitos, discípulos e iniciados das Escolas de
Mistério são ensinadas certas verdades profundamente ocultas. De acordo com o
grau de desenvolvimento deles e da passagem pelas etapas dos Mistérios, recebem
instrução prática a respeito das forças ocultas e inteligências associadas e dos
modos de empregá-las. Em mãos erradas esse conhecimento pode ser
excessivamente perigoso, tanto para aquele que prematuramente o revela como para
aquele que prematuramente o recebe. Na arte religiosa egípcia, a estátua da criança
Horus Harpocrates, com o dedo nos lábios, retrata um membro recém-iniciado nos
Mistérios Maiores, indicando seu gesto a necessidade de silêncio.
Mesmo assim, podem surgir ocasiões nas quais um Instrutor deve falar,
embora a condenação e a punição, até de morte, sejam o resultado. Jesus deve ter
sabido disso e pode mesmo ter antevisto sua própria experiência de morte quando
procedeu ao pronunciamento das palavras desse versículo.
Mt 7:7. "Pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e vos será aberto;
8. pois todo o que pede, recebe; o que busca acha e ao que bate se lhe
abrirá."
191
Está descrita nesses versículos a maneira pela qual as barreiras podem ser
ultrapassadas e as bocas fechadas levadas a falar: bater persistentemente à porta do
templo metafórico da verdade e apelar insistentemente por orientação de um
instrutor da verdade. Iniciados dos Mistérios, menores e maiores, movimentam-se
continuamente entre os homens, quer sejam reconhecidos ou não. Cada um deles
tem o dever de procurar, encontrar e responder aos futuros neófitos, sinceros
buscadores da verdade. Eles não podem fechar seus ouvidos para nenhum apelo por
luz nem podem se recusar a ensinar aqueles que lhes pedem com ardor e com
vontade. Embora sempre com discernimento, os possuidores das chaves do
conhecimento submetem-se ao dever sagrado de usá-las para destrancar os
depósitos de sabedoria para aqueles que batem, procuram e pedem.
Tais respostas externas são complementadas pelas mudanças interiores do
aspirante. O Eu interior responde ao grito do homem externo por luz e à sua
determinação de encontrá-la. Um aprofundamento da compreensão dos aspectos
esotéricos e das implicações ocultas do ensinamento religioso existente, um
alargamento da empatia pelas demais pessoas, das oportunidades para servir e das
faculdades especiais para dar são amplamente encontradas dentro de si mesmo pelo
homem desperto espiritualmente. Sua procura, pedido e batida devem ser com o
coração puro, sem pensamento de ganho pessoal e com prontidão para partilhar
tudo quanto possa ser proveitoso. Assim desperto, determinado e com os olhos
fixos na altitude espiritual, cada aspirante está seguro do sucesso final na grande
busca por luz, verdade e poder.
Mt 7:9. "Quem dentre vós dará uma pedra a seu filho, se este lhe pedir pão?
192
amplamente baseada na lei mosaica. Uma parte da missão de Jesus era alargar a
visão das pessoas em tais assuntos e, em assim fazendo, quebrar o domínio do
poder sacerdotal e das rígidas interpretações das escrituras sobre suas mentes. A
necessidade de reforma era muito grande, e a perspectiva da grande multidão, sem
dúvida, tornou-se muito mais liberal, despertando novamente a inimizade da
instituição estabelecida, de seus líderes e sacerdotes associados. A totalidade da
casta sacerdotal daquele tempo se levantou contra ele e tirou-lhe a vida. Isso,
entretanto, não aconteceu antes desse sermão ter sido pregado e uma grande luz
derramada na mente da humanidade.
Mt "Ora, se vós que sois maus sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos,
7:11. quanto mais o vosso Pai, que está nos céus, dará coisas boas aos que lhe
pedem!"
Mt "Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o
7:12. vós a eles, porque isto é a Lei e os Profetas."
193
Por exemplo, se um homem golpeia outro, arremessando-o ao chão, três
ações podem seguir-se. O ofensor pode dar na vítima uma pancada adicional, até
mesmo matá-la; pode sentir arrependimento e expressá-lo através da ajuda, do
levantar e do cuidar da pessoa então golpeada; ou pode ignorá-la, abandonando-a a
sua sorte. Cada uma dessas ações afetaria os resultados do primeiro golpe,
quaisquer que fossem os seus níveis: mental, emocional, verbal, físico ou uma
combinação de vários destes.
Caso um segundo golpe, talvez fatal, seja dado após o primeiro, então a
reação seria ainda mais grave. Caso a compaixão conduza à reparação sincera e à
prestação de toda ajuda possível, então a reação ao primeiro golpe seria
proporcionalmente reduzida. Na verdade, poderia mesmo ser neutralizada,
especialmente se a ajuda continuasse mesmo depois que todos os efeitos do golpe
tivessem desaparecido e um permanente e bem-sucedido acordo para ajuda fosse
estabelecido. No terceiro caso, quando a vítima é ignorada, abandonada ao
sofrimento e mesmo à morte, os efeitos integrais, ou mesmo aumentados, da ação
serão sentidos pelo autor, visto que, como diz a máxima já familiar, atos de omissão
que produzem sofrimento podem trazer adversidades. Tal, na verdade, é a lei, como
enunciada pela sucessão de sábios, filósofos e santos que visitaram e instruíram a
humanidade.
Aqui, outra vez, o cristianismo ortodoxo tem duplamente enganado a
humanidade – por falhar na proclamação desse processo natural como sendo uma
lei do universo e por afirmar dogmaticamente o oposto. De acordo com a visão
ortodoxa, embora um ser humano possa profunda e deliberadamente, por vício ou
crueldade, transgredir a lei divina e humana, os resultados podem ser frustrados e a
lei negada pela fé no suposto fato da expiação vicária.
Um desserviço muito grave à humanidade é inerente ao dogma da Redenção,
que num erro extremo foi colocado no coração da teologia cristã. Isso ocorre porque
a própria doutrina é falsa e, na verdade, os homens são encorajados a ceder a toda
espécie de fraqueza, pela certeza de que não haverá resultados dolorosos, quer neste
mundo ou no outro. As mentes humanas são, em conseqüência, doutrinadas com a
falsidade, e é afastado da humanidade o incentivo à autodisciplina, produzido pelo
conhecimento de que o efeito se segue à causa. A penosa condição do mundo
ocidental desde o tempo de Jesus, e particularmente na época atual, pode bem ser o
resultado parcial do duplo efeito da doutrina da remissão dos pecados.
Sob essa lei não pode haver barganha, assim como uma oração a Deus não
pode mudar as leis sob as quais planetas, sóis e universos prosseguem em seus
movimentos através do espaço. A morte de Jesus, apesar da sinceridade da crença,
não pode de forma alguma, nem no menor grau, desviar, mesmo por um fio de
cabelo, a operação da lei que assegura justiça.
O moderno cristianismo ortodoxo comete um erro ao enfatizar a Salvação e
remissão dos pecados, ao invés de fazê-lo sobre a sabedoria que é a Logia que Jesus
deu ao mundo. Assim como para os budistas instruídos o dharma é o presente do
Buda à humanidade, também os cristãos instruídos deveriam considerar os
ensinamentos de Jesus, por sua vez, como sua grande dádiva.
194
Mt 7:13. "Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o
caminho que leva à destruição. E muitos são os que entram por ele.
14. Estreita, porém, é a porta e apertado o caminho que conduz à vida. E
poucos são os que o encontram."
195
recolhe qualquer faculdade que tenha sido possível colher e a carrega, juntamente
com os efeitos residuais daquela vida, para uma personalidade física posterior.
Então, a destruição não se refere à alma do homem, mas sim a dois motivos
particulares para viver, ou modos de vida, cada qual com seu efeito sobre aquele
que os escolheu. A porta estreita refere-se a um modo disciplinado, senão ascético,
de vida. O caminho apertado refere-se ao "caminho do fio da navalha" do
hinduísmo, com armadilhas e perigos de cada lado, no qual, ao trilhá-lo, o homem
adere rigorosamente a certas regras de vida. A preferência por tal forma de vida
controlada e direcionada acelera a evolução daqueles que a adotam. A iniciação e o
adeptado são desse modo alcançados antes do resto da humanidade, como
acontence também a certos estados espirituais de consciência apropriados àquelas
realizações. Por outro lado, uma vida puramente terrena e, mais especificamente
superlicenciosa, que reconhece apenas a personalidade física, raramente conduz ao
despertar do conhecimento do Eu divino, a alma imortal. Cônscio da inevitável
mortalidade, tal pessoa move-se para a morte sem compreensão da imortalidade da
alma. Para essa condição a palavra destruição é usada do modo descrito. Um
caminho é apertado e outro é largo; os discípulos escolhem aquele e os não-
discípulos este. Numa mente iluminada não pode existir nenhum traço de louvor ou
julgamento a respeito dessa preferência. Ela é o resultado de um processo natural.
Exatamente como o botão produz uma planta em flor no tempo e na estação certos,
assim o botão do ser crístico forma-se e, mais tarde, desabrocha na alma do homem.
Antes de chegar esse momento, entretanto, não pode haver botão nem planta nem o
despertar da alma.
É bem verdade que presságios e insinuações de mudança podem ocorrer. Na
verdade, várias vidas terrenas podem passar antes que a decisão seja tomada. A
ratificação na conduta física pode ser gradual e mesmo sofrer resistência pelo corpo
físico e pela mente governada pelos hábitos. Essa se torna menos e menos efetiva,
como se estivesse sendo consumida pelo fogo do Eu recém-desperto. Finalmente,
ocorre a mudança total em determinada vida, com freqüência como uma completa
conversão, uma revolução interior, até mesmo com aparência de fanatismo. A
decisão é então irrevogável. A resistência do corpo e da mente, condicionados pelo
hábito, já desgastada, é rapidamente superada, sendo estes subjugados. O caminho
apertado é então escolhido e trilhado até o fim, embora sejam grandes as
dificuldades e sérias as quedas. Começou a abertura incipiente do botão e a
formação profundamente interior do adeptado.
Essa é uma fase esperada do desenvolvimento humano e, quando adentrada,
é prontamente reconhecida pelo futuro Mestre, o Adepto guardião. Isso é
exemplificado pelas ações de Jesus e dos denominados pescadores. O Mestre
reconheceu neles a condição de despertos e convidou-os para o discipulado. Eles
responderam sem hesitação, "deixaram tudo e seguiram-no".
Em termos conscienciais, a afirmação de que o caminho apertado conduz à
vida é verdadeira para a pessoa que o percorre; porque quando o caminho é trilhado,
a percepção de si mesmo como um ser puramente espiritual é gradualmente obtida.
196
Normalmente, as personalidades desintegram-se paulatinamente após a morte,
enquanto a consciência individual, o Ego, o veículo do espírito, permanece. O
iniciado reconhece-se como imortal e eterno, como uma identidade puramente
espiritual, um raio do Eu Supremo. A morte do corpo significa muito pouco para
aquele inteiramente firmado nessa compreensão nascida da experiência direta,
obtida no seguir as regras de vida expostas no Sermão da Montanha. Ele
compreende que a morte é mais a perda do nome e da forma; visto que a alma
espiritual vive continuamente, evoluindo através da longa série de vidas terrenas,
cada uma com seu nascimento físico e morte. Nesse sentido, pelo menos, entrar
pela porta estreita e trilhar o caminho apertado que "conduz à vida", significa a vida
eterna ou consciência da imortalidade.
Ocorre exceção ao processo natural da morte naqueles homens e mulheres
que avançaram no caminho da santidade à fase em que as naturezas e os veículos
emocionais e mentais não se desintegram. Isso é um dos efeitos produzidos pela
passagem no rito de iniciação nos Mistérios Maiores, pois o toque do tirso nas mãos
de um adepto hierofante penetra esses veículos com uma quantidade suficiente de
fogo do espírito para torná-los imortais. Depois disso, eles não morrem, sendo
conservados pelo menos até que o adeptado seja alcançado. Nesse sentido
profundamente oculto, o iniciado ganha a vida eterna, relativamente falando.
Possivelmente, implicações ainda mais profundas podem ser percebidas na
expressão vida. Aqueles Adeptos que voluntariamente decidem deter um corpo
físico são capazes de conferir-lhe longevidade incomum. O corpo não aparenta
envelhecer, continua com maturidade jovial e eficiência muito além do período
normal, por muitos séculos de fato e é deixado de lado unicamente de acordo com a
própria decisão e vontade do Adepto. Muito embora seus corpos morram, não
ocorre declínio no pleno despertar espiritual que eles, como seres divinos e
imortais, alcançaram. Isso pode também estar incluído no termo vida, pois dois
significados podem ser dados à palavra, a saber, a realização plenamente consciente
da eternidade da alma espiritual e a obtenção de extrema longevidade do corpo.
Como um essênio treinado e um membro iniciado dos Mistérios Maiores
praticados no Egito naquele tempo, o grande Reformador hebreu, que veio a ser
conhecido como Jesus Cristo, deve ter conhecido esses fatos. Seus instrutores
ensinaram-lhe esses fatos, e ele mesmo – grande gnóstico que era, usando essa
palavra no seu significado mais elevado – teria aprendido esses mistérios por
experiência direta. A partir dessas considerações parece suficientemente claro que,
embora muitos o tenham ouvido, o Sermão da Montanha foi transmitido
principalmente como um guia para o discipulado e a iniciação, para aqueles que
realmente tinham passado pela porta estreita e estavam trilhando o caminho
apertado. De fato, é verdade que são muito poucos os que encontram esse caminho.
197
Uma das muitas armadilhas ao longo do caminho apertado é ser
desencaminhado por aqueles de motivação egoísta, impura, que reivindicam serem
instrutores espirituais. O perigo é muito real e surge do contato com dois diferentes
tipos de pessoas. Um desses consiste dos homens ou mulheres que desejam obter
prestígio e, dessa forma, poder, simulando sabedoria espiritual, fazendo ostentações
ocultas e reivindicando terem sido designados como guias. A outra espécie é ainda
mais perigosa porque representa as forças da escuridão. Essa consiste dos homens e
mulheres maus que deliberadamente firmam suas vontades contra o processo
evolucionário, que procuram degradar os seres humanos para que eles prontamente
caiam como vítimas e que atacam especialmente os neófitos no caminho apertado.
Na verdade, "são lobos ferozes".
Felizmente, os verdadeiros instrutores e sua orientação também existem e
estão disponíveis. Essas orientações, tais como o Sermão da Montanha, consistem
não só da revelação das leis da vida espiritual, mas também de um aviso contra as
armadilhas, inclusive daquelas aqui denominadas falsos profetas.
Mt "Do mesmo modo, toda árvore boa dá bons frutos, mas a árvore má dá
7:17. frutos ruins."
198
investigado; somente se ele se harmoniza como o ideal, o verdadeiro mestre teria
sido encontrado
A intenção é aqui enfatizada, pois a palavra bom significa genuíno, sincero,
verdadeiramente iluminado e livre de desejo pessoal. A expressão má, por outro
lado, significa o oposto dessas qualidades e, ainda mais, a ausência dessas
qualidades no caráter daqueles que buscam explorar, em seu próprio benefício, sua
pequena quantidade de entendimento. Enquanto essa última é permissível ou
mesmo necessária nos assuntos materiais, ela é definitivamente um mal dentro de
um sistema de orientação espiritual, quer de um instrutor isolado ou de um grupo
organizado.
O desejo de proveito pessoal – benefício pessoal de qualquer espécie – está
profundamente arraigado em cada ser humano e de forma natural por esta razão. A
necessidade de manter a vida e a liberdade força o homem nesse sentido. Mesmo
um genuíno conselheiro da humanidade, um instrutor de verdades espirituais, pode
ceder ao encanto da recompensa pessoal, quer de bens, financeira ou de prestígio.
O motivo de ganho pessoal corrói a pureza de coração. Todo aluno vem a ser
considerado não só como um recebedor de instrução, mas também como uma fonte
de riqueza. A escolha dos ricos, a influência mental para doar generosamente e
outras sutis maquinações desfiguram, assim, a pureza da motivação; o
unidirecionamento foi perdido. A sabedoria intuitiva e a compreensão delicada e
precisa começam a diminuir e o sentido de unidade com o aluno é reduzida ao
mínimo. Mesmo homens e mulheres que passaram pelas mãos de um verdadeiro
instrutor puro de coração, com o tempo, podem se tornar autodegradados em
pessoas de negócio, com o suposto status oficial de sabedoria como seus artigos.
Erros mais profundos e mais prejudiciais podem também afligir a alma do
futuro instrutor e, mais especificamente, do auto-intitulado guru. Ele ou ela pode
ofender e corroer a honra, a probidade e a moralidade daqueles sob seu cuidado.
Um relacionamento espiritual torna-se então degradado em algo carnal, trazendo
dano muito grave para um aluno confiante e portanto vulnerável. Na verdade, como
esse versículo indica, tais falsos profetas vêm em pele de cordeiro, mas
internamente são lobos ferozes.
Aqueles que procuram sabedoria e orientação para entrar pela porta estreita
deveriam tomar, portanto, cuidado especial na escolha e aceitação de um instrutor,
levando em conta os testes mencionados anteriormente. Sinais de deterioração
seriam também discernidos e o instrutor seria repudiado imediatamente se o
desmerecimento for constatado. Isso não é ingratidão, nem excesso de criticismo.
Antes, é sábia a cautela relativamente a questões envolvendo não só a vida presente,
mas também as futuras e a velocidade e direcionamento do progresso no sentido da
libertação.
Na era de escuridão do presente período histórico, o egoísmo e auto-interesse
predominam inevitavelmente. Na verdade, eles são virtualmente impostos à
humanidade por causa das dificuldades, necessidades e perigos inseparáveis da vida
física. Conseqüentemente, verdadeiros mestres tendem a ser raros e os falsos são
199
muitos. Sábia, portanto, é a orientação do Mestre contra eles. Visto que isso é
especialmente verdadeiro hoje, quando muitos estão despertando para a busca da
verdade, a advertência é até mesmo mais apropriada do que era no período em que
foi dada.
Mt "Uma árvore boa não pode dar frutos ruins, nem uma árvore má dar
7:18. bons frutos."
Mt. 7:19. "Toda árvore que não produz bons frutos é cortada e lançada ao fogo.
20. É pelos frutos, portanto, que os reconhecereis."
Mt 7:21. "Nem todo aquele que diz "Senhor, Senhor" entrará no Reino dos céus,
mas sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus."
200
"Senhor, Senhor" não induzirá o estado de consciência implícito e expresso na
rendição à vontade de Deus.
A exaltação interior, inspiração e bem-aventurança consciencial, ou o estado
do reino dos céus, o desenvolvimento e a prática de ioga, combinados, serão
alcançados por todos homens quando passarem pela fase evolucionária apropriada.
A negação da vontade própria e o desinteresse no eu e no desejo pessoal também
surgem no homem muito naturalmente, assinalando a chegada de um certo estágio
de desenvolvimento. Para esses a iluminação e a bem-aventurança podem ser
obtidas antes do tempo normal que toca à humanidade como um todo.
Similarmente, a natureza produzirá um botão em uma roseira, e ele se abrirá
em cores, forma, dimensões e fragrância estritamente de acordo com sua classe ou
espécie, na devida estação. O horticultor, entretanto, pode forçar o adiantamento do
tempo de florescência e da produção de fruto e da semente numa planta. No
entanto, flor, semente e fruto serão estritamente de acordo com a espécie.
Igualmente, na evolução da consciência humana, embora a exaltação interior seja
passível de ser forçada, ela será essencialmente natural e verdadeira para a espécie
humana e para a própria pessoa que então a realiza.
Mt "Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não foi em teu nome que
7:22. profetizamos e em teu nome que expulsamos demônios e em teu nome
que fizemos muitas maravilhas?"
201
É certamente muito apropriado que o grande sermão que expôs as leis da
vida espiritual devesse terminar com a apresentação da autenticidade máxima e a
insistência sobre ela. Tal vida exige completa sinceridade em tudo que a ela diz
respeito e no seu impacto sobre os outros.
Contudo, o componente de conveniência e o desejo de permanecer bem
perante os seus companheiros – quase naturais na vida terrena – são as maiores
dificuldades a erradicar e superar. Eles podem se arrastar e insidiosamente penetrar
o pensamento e a razão, até que o próprio homem falhe em reconhecê-los pelo que
são, mentiras finamente veladas. A menos que sejam notados, podem tornar um
bom homem num hipócrita.
Mt "Assim, todo aquele que ouve estas minhas palavras e as põe em prática
7:24. será comparado a um homem sensato que construiu a sua casa sobre a
rocha.
25. Caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra
a casa, mas ela não caiu, porque estava alicerçada na rocha."
202
expectativa de que deva ser. Haverá inevitavelmente quedas e fracassos ao longo do
caminho. O segredo do sucesso definitivo consiste da decisão interior, irrevogável e
determinada de alcançar a realização espiritual e o espírito de sinceridade e
veracidade como propósito de conduta de vida.
Mt "Por outro lado, todo aquele que ouve estas minhas palavras, mas não
7:26. as pratica, será comparado a um insensato que construiu a sua casa
sobre a areia.
27. Caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra
a casa, e ela caiu. E foi grande a sua queda!".
203
29. porque as ensinava com autoridade e não como os escribas.
Aqui, definida em uma frase vinda de tempos remotos, está a diferença entre
um eclesiástico que fala de acordo com a ortodoxia e um homem iluminado,
falando de sua própria experiência e conhecimento. A personagem original, parcial
e imperfeitamente revelada pelo Jesus dos evangelhos, falou, de fato, com a
autoridade de sua própria experiência. Ele foi um agente e representante da
Fraternidade de homens e mulheres iluminados que tinham sido iniciados nos
Mistérios Maiores, uma pequena sociedade. Ele foi um grande expoente de sua
sabedoria esotérica.
Desses versículos pode ser obtida uma imagem, quase um retrato, do grande
Reformador. Ele era um homem jovem que se movia entre as massas com a
segurança de alguém de posse de profundo conhecimento e do poder que este
confere. Além do mais, ele era obviamente treinado para viver exatamente de
acordo com aqueles princípios e leis da vida superior enunciados no seu grande
sermão. Cada palavra e gesto, expressão da face, movimento e o porte do corpo,
todos teriam revelado sua posição como um homem entre homens e seu status na
evolução como um ser superior. A autoridade com que falou, nascida da
experiência pessoal, da pureza de sua vida e do poder que irradiou, atraiu a
população.
Inevitavelmente, isso provocou intenso ciúme e hostilidade no clero firmado
no poder, pois ali estava um estranho, um homem do povo, sustentando com
sucesso conhecer mais e ensinar mais sabiamente do que os próprios doutores da lei
e da religião hebraica. Quando, além do mais, ele pareceu desprezar crenças e leis
antigas e dogmas religiosos estabelecidos, esse antagonismo assumiu grandes
proporções.
Sem dúvida, ele sabia que o pronunciamento desse sermão colocá-lo-ia
imediatamente em perigo, porque seguramente nenhum homem pode atacar a
ortodoxia, de modo especial em religião, sem chamar a atenção e excitar a
hostilidade daqueles empenhados em defendê-la. Quando, ademais, seus ofícios e
rendimentos são ameaçados, o antagonismo torna-se ativo e de fato perigoso. O
pronunciamento do sermão pode, portanto, ser legitimamente considerado como
uma ação que contribuiu grandemente para a hostilidade oficial que envolveu Jesus
e, finalmente, provocou sua morte prematura.
Todavia, o grande sermão vive, assim como a pessoa de Jesus, nos corações
de incontáveis milhões, enquanto aqueles que provocaram seu assassinato estão
esquecidos ou são execrados. Infelizmente, o mesmo destino, originado dos
mesmos fatos, ameaçou e ainda ameaça historicamente àqueles que seguiram as
pegadas de Jesus como transmissores da Sabedoria das Idades e de suas aplicações
na conduta de vida, tanto espiritual quanto secular.
204
205
PARTE SEIS
MILAGRES DE CURA
206
CAPÍTULO DOZE
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. 1, pp. 130-1.
207
para a conduta de vida. A multidão nessa alegoria – se o relato do incidente pode
ser assim considerado – representa a grande variedade de seres humanos e de
qualidades e características de cada homem individualmente.
A ioga do conhecimento está descrita em termos da religião universal, e os
frutos de sua prática bem-sucedida estão claramente definidos. A estória do Sermão
da Montanha pode então ser tomada como uma exposição de jnana ioga, o caminho
da iluminação através da alumiação da mente a partir de níveis supramentais de
consciência, ou as alturas da montanha.
Esse modo de olhar para o evento de forma alguma o diminui do ponto de
vista histórico. Sem dúvida, o grande Instrutor, durante todo seu mui breve
ministério, arrastou muita gente para as encostas das montanhas, bem como para os
vilarejos e cidades onde lhes falou, partilhando a sabedoria que tinha percebido e
recebido. Não apenas uma, mas muitas vezes, essa cena deve ter acontecido, como
também durante os ministérios de outros membros da estirpe imortal de Instrutores
da humanidade, os Instrutores divinos que sucessivamente visitam a Terra e a
humanidade.
A menos que controlada, a lepra é uma doença mortal, que corrói a carne e
só termina com a morte. Ela é, portanto, um símbolo da mortalidade. O Eu divino
do homem, por outro lado, é imortal e, por sua íntima combinação com a mente, as
emoções e a consciência física, pode conferir-lhes extrema longevidade, senão
plena imortalidade. Tomado como uma alegoria, o milagre, registrado como
seguindo-se imediatamente à descida de Cristo da montanha, descreve o estado de
totalidade, ou completa unificação de todos os aspectos da natureza humana,
espiritual e material, de forma que a doença é desafiada e a morte afugentada.
Há também uma lepra da mente, o abrigar e expressar pensamentos
deletérios, supercríticos, hostis e irados como um hábito mental. Isso também é
eliminado, quando eventualmente a influência unificante e iluminante do Eu
espiritual alcança, inunda e penetra a mentalidade sadia do homem. Poderia parecer
que isso somente pode acontecer como resultado de um desejo expresso por ajuda
para superação e eliminação do mal corrosivo. Assim, o leproso buscou o Cristo,
que o tocou e curou. A busca, ou indagação, baseada na confissão sincera e humilde
do erro, capacitou o Eu recôndito a agir visivelmente, alcançando ou
simbolicamente tocando a mente. Aquele contato direto foi suficiente, como é
sempre, para curar a terrível doença.
Mt 8:4. E Jesus lhe disse: "Cuidado, não digas nada a ninguém, mas vai
mostrar-te ao sacerdote e apresenta a oferta prescrita por Moisés, para
que lhe sirva de prova."
208
Em mais de uma ocasião Jesus instruiu àqueles em quem tinha efetuado um
milagre a manter silêncio. Isso está em concordância com o costume universal
observado por aqueles que vêm como grandes Instrutores da humanidade. A pura
sabedoria é sua dádiva, e não buscam fama quando a distribuem, sabendo que ela
não é de sua propriedade, ainda que percebida dentro deles próprios.
Milagres podem ser realizados principalmente pela compaixão por aqueles
que sofrem ou, em alguns casos, para servirem de evidência da posse do poder que
a sabedoria confere. Notoriedade como um fazedor de milagre, uma outra razão
para realizar milagres, é o menor dos objetivos, enquanto a iluminação das mentes
dos homens é o maior.
No Sermão da Montanha, Jesus tinha encorajado modificação, senão
infração, da lei mosaica, particularmente com respeito à retaliação em reação à
injúria. A multidão seguiu-o e aclamou-o. Ele estava indubitavelmente cônscio de
que a raiva e a inveja da classe sacerdotal seria desse modo despertada. Não
desejando nada para si próprio e talvez buscando contemporizar, instruiu o leproso
para apresentar-se ao sacerdote e seguir a lei mosaica de reconhecimento e oferenda
material pelos favores espirituais obtidos. Após essa doença da alma e do corpo,
inevitavelmente fatal, ter sido curada, a vida externa deveria conformar-se à lei
natural, eclesiástica e espiritual, tanto psicológica como fisicamente. Daí a
advertência para ir ao sacerdote.
Embora esse registro do segundo grande milagre de cura tenha, sem dúvida,
base histórica verdadeira, uma interpretação mística da história também é possível.
Quando a natureza crística do homem alcança a maturidade e torna-se um poder
evidente dentro dele, a unificação de toda sua natureza e, portanto, a saúde é um dos
resultados. O Cristo externo, andando entre as pessoas, ensinando e curando-as,
personifica o princípio crístico desperto, ou manifesto, e maduro em um homem
espiritualmente evoluído. Quando essa fase da evolução é alcançada, milagres
aparentes, espantosos aos olhos do mundo, podem bem ser realizados. O maior de
todos os milagres também se torna possível: a transmissão do poder espiritual ao
homem físico exterior, que desse modo se torna "ungido", um curador e salvador de
homens.
Tal pessoa iluminada torna-se naturalmente curada no sentido do
estabelecimento da completa harmonia em toda a sua natureza mortal; ela está
íntegra, curada interna e externamente. Em conseqüência, nenhuma desarmonia
nem doença pode continuar existindo nele. Exatamente assim era o próprio Jesus,
como também o é cada pessoa igualmente ungida. Visto desse modo, todo milagre
209
pode ser entendido como a descrição de uma manifestação de poder do verdadeiro
Eu espiritual, como um resultado pelo qual várias desordens – lepra,
entorpecimento, paralisia, cegueira e mesmo a própria morte – são dominadas.
Além disso, cada uma dessas doenças é representativa e típica de um falso
estado da mente e de um erro de perspectiva da vida. Um homem pode sofrer da
lepra do ódio, da paralisia da indecisão e da falta de confiança, de cegueira da luz
espiritual. Embora a orientação e a terapia externas possam ajudar na superação
dessas dificuldades, a cura real deve vir do interior.
Os escritores que usaram a linguagem simbólica estavam atentos à existência
de feridas e doenças interiores e psicológicas, bem como de suas curas efetivas.
Eles revelaram esse conhecimento quando orientaram a humanidade por meio de
alegorias e símbolos. De qualquer forma, esse enfoque é aceitável para todos os
estudantes de escrituras mundiais, tais interpretações místicas podem prover
iluminação à mente e mesmo pistas, senão completa revelação, quanto aos meios de
autocura.
210
8:8. meu teto; basta que digas uma palavra e o meu criado ficará são."
Mt 8:9. "Com efeito, também eu estou debaixo de ordens e tenho soldados sob o
meu comando, e quando digo a um: "Vai!", ele vai, e a outro: "Vem!",
ele vem; e quando digo ao meu servo: "Faze isto", ele o faz."
211
assim um ideal. Ainda que sendo um homem investido da autoridade que ele
mesmo descreve, ele é, entretanto, humilde e discernente em sua mente e coração.
Por conseguinte, simbolicamente, seu servo foi curado à distância. Em termos da
experiência mística, a natureza crística no seu interior foi capacitada, por intermédio
de uma atitude mental útil, a alcançar e iluminar, ou curar, sua natureza mortal,
incluindo especialmente o cérebro-mente.
A disposição para receber está refletida nas circunstâncias materiais daqueles
a quem as revelações místicas ocorrem. A origem humilde pode indicar, por
analogia, a humildade de mente e a liberação do orgulho e da ostentação. No outro
lado da escala social, a realeza – ainda que tendo pouca ou nenhuma relevância nos
problemas espirituais – pode indicar orgulho de nascimento e posição que se
tornaram adequadamente controlados. Em ambos os casos, bem como em todos
estágios intermediários possíveis, as condições de coração e mente devem ser
discernidas. Quando a mente se volta para o Mestre oculto da alma, como aconteceu
com o centurião, a resposta é sempre a mesma: "eu virei e curarei ...".
O império romano era o poder por trás do centurião, que mantinha seu posto
em seu nome. Roma, portanto, representa a mente superior, em que estão contidos
os princípios e fundamentos sobre os quais a mente e o corpo estão baseados. O
imperador é o Senhor de todos e representa a inteligência divina funcionando
através do Eu interno e do homem externo.
Os processos de colonização, em seu significado místico, implicam na
consecução do domínio do Eu interno sobre mente e corpo com suas miríades de
células e partes – povos subjugados.
Mt Ouvindo isto, Jesus ficou admirado e disse aos que o seguiam: "Em
8:10. verdade vos digo que, em Israel, não achei ninguém que tivesse tal fé."
212
Nessas gradações de aproximação com Jesus, os evangelistas também apresentam
as fases da evolução mental e espiritual do homem. O mundano e o sábio terreno
não percebem nenhuma suposta presença espiritual dentro deles ou não estão
interessados nela. Os buscadores são aqueles que admitem os apelos do caráter
místico daquela presença. Aqueles que foram curados e ressuscitados da morte
representam os regenerados, para quem a questão da vida espiritual torna-se
gradualmente uma maneira espiritual de viver. Os discípulos são aqueles que
conhecem o divino dentro deles e estão irrevogavelmente comprometidos com sua
realização cada vez mais plena, bem como na mais completa e permanente entrega
de suas vidas externas para sua perfeita expressão.
Mt "enquanto os filhos do Reino serão postos para fora, nas trevas, onde
8:12. haverá choro e ranger de dentes."
213
Palestina. Os evangelistas bem podem ter estado registrando fatos, embora
subordinados à memória e à repetição oral de eventos ocorridos meio século ou
mais no passado.
Contudo, a estória contém certos elementos que indicam uma intenção
mística e o uso da linguagem simbólica. Entre esses estão o pedido de cura por um
oficial romano a um membro de uma raça derrotada, um povo desprezado por
alguns romanos; a suposta admiração de Jesus que, como uma pessoa divina,
perceberia imediatamente o estado de consciência que o centurião atingiu; e a cura à
distância, como se por milagre ou poder mágico. As intervenções divinas, deve-se
ter em mente, geralmente indicam a intenção do autor em aplicar um significado
moral ou místico.
Mt. 8:14. Entrando Jesus na casa de Pedro, viu a sogra deste, que estava de
cama e com febre.
15. Logo tocou-lhe a mão e a febre a deixou. Ela se levantou e pôs-se a
servi-lo.
214
Mt 8: 16. Ao entardecer, trouxeram-lhe muitos endemoninhados e ele, com sua
palavra, expulsou os espíritos e curou todos os que estavam enfermos.
Mt A fim de se cumprir o que foi dito pelo profeta Isaías: "Levou as nossas
8:17. enfermidades e carregou as nossas doenças."
215
entretanto, que os próprios profetas escreveram misticamente, bem como
historicamente. Eles também podem ser lidos como descrevendo os
desenvolvimentos interiores que ocorrem no homem espiritualmente desperto.
O profeta Isaías descreve certas experiências místicas: as iluminações
interiores pela luz perpétua, a transcendência da morte, a compreensão da
imortalidade e a harmonização completa de todos os aspectos da natureza humana.
Algumas partes da natureza do homem podem estar em conflito com as qualidades
superiores e até mesmo as ameaçar. Isaías se refere a essas partes como os animais
de rapina e outras criaturas perigosas. Sua famosa afirmação de que "o lobo morará
com o cordeiro" descreve a completa harmonização de todos os poderes e atributos
da natureza superior e inferior do homem0.
Grandes videntes escreveram para todos povos em todos os tempos, muito
embora usando uma pessoa ou uma época exemplificativa. Isaías assim escreveu
não só sobre a vinda de Jesus, o Messias, mas sobre todo aquele que chega à
verdadeira experiência mística e é iniciado na sabedoria e nos Mistérios ocultos. Os
evangelistas também combinam o místico com o histórico, usando a linguagem de
símbolos com esse propósito.
0
Is 11:6-9.
0
Parivrajaka – Wanderer.
216
Na linguagem simbólica os mortos são aqueles em quem nenhuma centelha
viva de espiritualidade e idealismo puro ainda arde para influenciar a conduta da
vida diária. Essas pessoas estão figurativamente mortas do ponto de vista puramente
espiritual, que se refere em grande parte ao grau de iluminação e controle que o Eu
interno traz para o homem externo.
Tais pessoas devem ser ajudadas preferencialmente de forma genérica, ao
invés de individualmente como pessoas particulares com quem os discípulos estão
mais preocupados. A elas é oferecida a religião ortodoxa, cujas determinações
éticas, tais como os Dez Mandamentos, satisfazem suas necessidades espirituais
razoavelmente bem. Sem dúvida, são pessoas admiráveis e boas, mas ainda não
estão aptas para beneficiar-se da sabedoria ou da vida esotéricas.
Tais elocuções um tanto contundentes de Cristo – muitas delas registradas
nos evangelhos – podem também ser consideradas descritivas de uma certa
aproximação do caminho do discipulado e da realização acelerada. Essa é a atitude
de alguém completamente determinado, unidirecionado e com preocupação quase
exclusiva com o grande objetivo espiritual, com as tarefas e os deveres do discípulo
e com a obtenção da sabedoria pura. Considerações materiais e mesmo laços
familiares ficam em segundo plano no pensamento e na vida do discípulo que,
todavia, habilmente cumpre os deveres indispensáveis. A perseguição de qualquer
objetivo terreno, se é para ser bem-sucedida, requer essa qualidade de
unidirecionamento e, portanto, de exclusividade, particularmente com respeito aos
assuntos e às pessoas não relacionados com a iniciativa. Se isso é verdadeiro e
necessário na vida terrena, deve ser ainda muito mais na vida espiritual. O esforço
para acelerar o processo evolucionário que ocorre no interior da alma espiritual e
para alcançar um estado de iluminação espiritual à frente da humanidade redunda
inevitavelmente em grandes exigências sobre aquele que busca o sucesso.
A necessidade de propósito único pode estar implícita na aparentemente
severa admoestação de Cristo ao discípulo. Nesse sentido a orientação pode bem ser
assim interpretada como: "Mantenha por completo sua mente na vida espiritual e no
Mestre. Há outros cuja tarefa é realizar os deveres mais mundanos e materiais.
Todas comunidades têm pessoas encarregadas e subordinadas para a execução de
enterros. Deixe aquela tarefa para eles e concentre-se na sua própria obra, que é a de
ser discípulo perfeito."
Esse aspecto da vida esotérica deve parecer bastante severo para aqueles
cujas motivações são formadas por considerações terrenas e mais pessoais. Se as
afirmações de Cristo estão corretamente relatadas e traduzidas, poder-se-ia estar
completamente seguro de que nenhuma insensibilidade nem negligência de dever
filial poderiam jamais ser inculcadas por um verdadeiro Mestre e Instrutor da
humanidade.
217
24. E, nisso, houve no mar uma grande agitação, de modo que o barco era
varrido pelas ondas. Ele dormia.
25. Os discípulos então chegaram-se a ele e o despertaram, dizendo:
"Senhor, salva-nos, estamos perecendo!"
26. Disse-lhes ele: "Por que sois tão covardes, homens fracos de fé?"
Depois, pondo-se de pé, conjurou severamente os ventos e o mar. E
houve uma grande bonança.
218
com a vontade e pensamento virtualmente irresistíveis, capacita-o a afetar todas
essas manifestações, seja pelo influenciar dos sentidos dos observadores ou pelo
controle dos próprios elementos. Se, portanto, o relato do acalmamento da
tempestade pelo Cristo, que exercitou seu poder vocalmente, deve ser interpretado
literalmente como o registro de um milagre, também ele é compreensível e aceitável
como tal para o estudante de ciência oculta.
O devoto cuja religião está fundada menos na compreensão do que na fé e
que se interessa pouco ou nada pelo modus operandi aceita prontamente tais
manifestações extraordinárias como fatos concretos, perfeitamente dentro da
capacidade do seu adorado Senhor, ou Mestre espiritual. Outros menos interessados
nas inspirações ocultas ou nas manifestações da devoção pura podem ler o relato
como descritivo de experiências místicas, particularmente das mudanças produzidas
dentro da consciência interna e externa do homem. Visto desse modo, o incidente
tão breve e concisamente relatado pode ser entendido como a descrição da evolução
do homem. A mente do homem se torna o verdadeiro cenário tanto da tempestade
como da intervenção milagrosa de um poder superior. Uma fase particular e muito
importante é acentuada, a saber, a do despertar espiritual e dos seus resultados mais
imediatos.
Transcorreram longas eras de desenvolvimento evolucionário. O barco da
vida do homem exterior veleja. O capitão, a mente, comanda a embarcação de
acordo com as regras estabelecidas que são suficientes para o cumprimento da sua
tarefa. A vida física do homem continua de geração a geração e vida após vida. As
águas da vida mantêm na sua jornada a embarcação de seu Deus Supremo interior –
o universo material. A lei natural preserva tanto o universo como o homem mortal.
A tempestade consiste dos ventos da dúvida e das ondas do desejo e o perigo
com que estes ameaçam a embarcação física da vida do homem. Ele reconhece as
incertezas e a instabilidade de uma base puramente material de viver. Tensões
inevitáveis e eventos incontroláveis indicam a existência de forças e leis até agora
despercebidas e desconhecidas. Gradualmente, entretanto, uma tempestade
figurativa começa a formar-se na mente humana. Simbolicamente, são observadas
variações da bússola.
A tempestade mental ganha força quando a mente se torna determinada a
encontrar estabilidade no meio da instabilidade das ocupações terrenas. Conceitos
familiares e idéias aceitas perdem cada vez mais sua validade e muitos são
rejeitados. O homem desenvolve uma vontade firme de conhecer e, por intermédio
do conhecimento, obter estabilidade inabalável e uma paz incontestável. Essa fase é
caracterizada por duas percepções: o reconhecimento da instabilidade e da
insegurança de uma vida que depende apenas do suporte material e da satisfação
emocional; e o discernimento de que a estabilidade e a segurança somente podem
ser encontrados nos domínios do supramental e do espiritual. Só a dependência do
mundo material, do conhecimento material e do poder material não pode resolver o
enigma da existência nem revelar a verdade que serve como fundamento inabalável
para o pensamento e a ação.
219
Os discípulos quando tensos representam aspiração, determinação e despertar
da intuição, e como resultado do estresse a grande descoberta é feita. A frase chave
no relato de S. Mateus é o apelo dos discípulos: "Senhor, salva-nos, estamos
perecendo." Quando metaforicamente esse apelo surge do interior do coração e da
mente de um homem, começa uma nova fase evolucionária para ele. A mente
formal deliberadamente se abre para a luz e verdade das fontes profundamente
interiores até então desconhecidas e desconectadas. A manifestação do espírito no
homem e seu domínio sobre a matéria é representada pelo emergir do Senhor Cristo
do sono no interior do barco. Como ele está adormecido e aparentemente
inconsciente da crise, até ser despertado por um pedido de ajuda, assim também o
poder espiritual do homem conforma-se em seu próprio mundo, cumprindo somente
a vida automática que preserva as funções. Simbolicamente, o Cristo que dorme é
despertado pelos discípulos expostos ao perigo ao tentarem pilotar o barco numa
tempestade. Os discípulos compreendem que apenas um Ser pode salvá-los na sua
grave emergência, o divino Mestre quando desperto do sono. Ele responde a esse
apelo e demonstra completo controle sobre os elementos ar e água. Ocorre um
encontro, seguido por uma união; espírito, mente e cérebro tornam-se uma entidade
de consciência. As tempestades mentais da dúvida, da revolta contra a ignorância,
impotência e instabilidade se desvanecem. Reina a paz, a verdadeira paz do eterno.
Embora a resposta seja imediata nessa estória, muitas vidas podem ser
necessárias à transferência do interesse e da segurança materiais para padrões de
conduta e pensamento espirituais. Essa mudança normalmente não pode ser iniciada
ou forçada por um agente externo. Algumas vezes despertar temporariamente
prenuncia o grande evento, mas sua influência não é mantida como inicialmente. As
vidas sucedem-se, cada qual com seus testes e suas tempestades, suas vitórias e
alegrias. Gradualmente a grande transferência ocorre. Verdades ocultas e
espirituais, leis e padrões morais tornam-se aceitos. Em conseqüência, a natureza
tempestuosa e a insegurança da vida são substituídas pela tranqüilidade mental e
descoberta interior de um poder espiritual inabalável, uma rocha dos tempos na
verdade. Isso corresponde à presença do Cristo como Mestre e a aceitação de seu
chamado para o discipulado.
Se os próprios autores registraram o incidente do acalmar da tempestade com
a intenção de também descrever tais desdobramentos e realizações místicas, é
questão que admite pelo menos a sugestão de uma resposta afirmativa, porque a
introdução de uma presença divina e miraculosa e de um poder mágico para
produzir efeitos sobrenaturais pode ser tomada como indicação de tal intento e
como justificação de tal interpretação. Se esse não é o caso, se foi pretendida a
aplicação impessoal da história, então o valor do relato é grandemente reduzido,
para dizer o mínimo, pois se torna apenas parte da biografia de Jesus e da história
do povo judeu de quase dois mil anos atrás. Entretanto, há muita evidência literária
interna de que, como os autores de certos e livros e passagens do Velho
Testamento, os evangelistas eram cabalistas instruídos e, portanto, bem-versados na
tradição oculta do hebraísmo esotérico.
220
Mt Os homens ficaram espantados e diziam: "Que homem é este, que até os
8:27. ventos e mar lhe obedecem?"
221
compreensão instintiva de que, quando a luz da intuição ilumina o cérebro-mente, o
domínio da personalidade pela mente possessiva, arrogante e materialística cessa
sem demora. A zombaria de um dos ladrões crucificados ao lado do Senhor é
descritivo desse ressentimento e atitude mental zombeteira.
A resistência por parte do homem externo pode continuar por várias vidas.
Inevitavelmente virá, entretanto, aquela vida na qual o Eu interno mostra-se mais
poderoso do que a mente materialística e as emoções sensuais – os dois homens
possuídos – e seu domínio está no fim. Alegoricamente, o Cristo aparece em cena e
exorciza os demônios. O fato de que os dois homens reconheceram Jesus como o
Filho de Deus indica o desenvolvimento de certa perceptividade espiritual e
também de progresso evolucionário para um estado de espiritualidade pura e de
auto-exorcismo das restrições e erros passados.
Mt Ora a certa distância deles havia uma manada de porcos que estava
8:30. pastando.
31. Assim os demônios lhe imploravam, dizendo: "Se nos expulsas, manda-
nos para a manada de porcos."
32. E ele lhes disse: "Ide." Eles, saindo, foram para os porcos e logo toda a
manada se precipitou no lago por um despenhadeiro e morreram nas
águas.
0
Astral – ver Glossário.
222
liberação ou salvação terá sido obtida. O ser humano liberado está então imaculado
e imune às impurezas.
Tal interpretação não exclui o fato da existência objetiva da obsessão, das
entidades maldosas nem nega a possibilidade delas serem expulsas por alguém
dotado do conhecimento e do poder necessários. As cerimônias executadas por
aqueles que foram investidos desse poder ou por quem desenvolveu sua própria
vontade no grau necessário podem exorcizar tais demônios pela força do
pensamento e palavras de poder.
O exorcista que, porém, ainda é só um homem deve geralmente empregar
frases e símbolos, ou sinais de poder, como demonstra um estudo dos rituais de
exorcismo e exibições de cura. O adepto, se decide usar linguagem audível,
necessita pronunciar uma só palavra para comandar a saída. Assim, Jesus realizou o
exorcismo pronunciando a ordem "Ide". Proferida por um Adepto, e expressando
sua vontade, essa palavra é irresistível, representando um comando final.
Quer as entidades expulsas fossem formas-pensamentos ou seres humanos
incorpóreos, eles tinham que obedecer, voltando em seguida aos níveis inferiores do
mundo astral, ao qual pertencem por sua própria natureza.
Uma interpretação literal do relato é inaceitável porque nenhum Adepto
destrói vida desnecessariamente. Na verdade, os denominados demônios poderiam
facilmente ter sido eliminados de uma maneira que não fosse prejudicial ou
provocasse a morte de uma forma de vida subumana. A partir dessas considerações,
a interpretação mística dessa dramática narrativa e seu uso pelo leitor é mais
aceitável. Isso é particularmente assim quando é percebida a adequação de tal
concepção.
223
Entretanto, no presente estágio da evolução humana neste planeta, a
humanidade está despreparada para tal iluminação espiritual e entrega pessoal.
Quando, portanto, um chamado alcança os ouvidos de tais homens e os primeiros
impulsos interiores espiritualizantes começam a ser sentidos, podem surgir
ressentimentos. Então a pressão perturbadora, ou chamado, pode ter acesso negado
na vida e na conduta do homem em seu corpo e nas preocupações terrenas. Isso
pode ser a referência psicológica e mística contida nesse dois versículos, os quais
contam que toda uma cidade pediu a Jesus "que se retirasse do seu território."
224
225
CAPÍTULO TREZE
226
inibir sua operação, principalmente sobre ele mesmo, mas também sobre outros. A
faculdade de levitação é um exemplo desse poder.
Quando outra pessoa é afetada, o relacionamento dessa pessoa com a
natureza é fator decisivo. Ninguém pode, por exemplo, ser aliviado da doença se
ainda está numa condição de discordância com o princípio da vida. Algum alívio
pode ser dado, mas somente em estrita consonância com o limite da discórdia.
O homem curado da paralisia tinha passado pelas fases de retribuição que se
seguem à ação discordante antes da liberação final do débito. Se não tivesse sido
assim, nem mesmo Jesus poderia tê-lo curado inteiramente.
Se, entretanto, os salvadores históricos representam um poder interno, um
agente espiritualizante no interior do homem, então sua ação pode modificar a
atitude subseqüente e a conduta discordante do ator e provocar uma rápida
neutralização da atribulação. A iluminação interior pode ser produzida, capacitando
o transgressor a rearmonizar-se com a natureza e com as pessoas contra quem ele
tinha pecado. Essa também é uma ação que produziria seus resultados, um dos quais
poderia ser acelerar a cura.
Afora isso, o próprio tempo produz finalmente uma restauração da harmonia.
As forças contraditórias conseqüentemente se exaurem, quando então tal harmonia
sobrevém naturalmente. A cura, se milagrosa ou médica, é dependente dessa
recuperação da harmonia. O olhar penetrante de um verdadeiro vidente capacita-o a
perceber se isso ocorreu ou não. A expressão "os teus pecados te são perdoados"
pode, então, simplesmente significar que causa e efeito estão quase equilibrados,
que a infelicidade está naturalmente próxima do seu fim ou já findou. Um ato de
harmonização espiritual sabiamente dirigido e poderoso é, assim, suficiente para
trazer de volta o paciente para o caminho correto e, assim, para a libertação do
infortúnio.
Se o relato do milagre oferecido nesses versículos é tomado historicamente,
então as palavras do Cristo podem ser lidas como afirmações de que essa
rearmonização foi, nesse caso, completa. Embora, geralmente, possa haver demora
antes que um organismo vivo reassuma a normalidade, quer do ambiente ou da
condição interior, um Adepto é capaz de operar a recuperação muito rapidamente.
Os termos fé e perdão usados no texto podem ser entendidos
apropriadamente como rearmonização. Isso aplica-se tanto exteriormente, no
relacionamento com outras pessoas, como interiormente, no relacionamento do
homem com sua própria alma; quando a dívida está paga, a harmonia prevalece,
externa e internamente. Esse princípio aplica-se igualmente na conduta harmoniosa
e harmonizante que resulta em bem-estar pessoal e circundante, bem como
harmonia e paz psicológica e espiritual. Assim considerado, o relato do milagre
pode ser entendido como uma ilustração da existência e da operação da lei de causa
e efeito e de um poder do Adepto para discernir a condição de qualquer ser humano
em relação àquela lei.
Se, entretanto, o incidente é tomado como uma alegoria, então outras
verdades estão reveladas. A paralisia agitante é um movimento incontrolável de
227
todo o corpo ou um tremor de certos membros. Considerada assim, uma vida
trêmula é aquela que não é dirigida do interior, um modo de vida descuidado,
inteiramente material, desequilibrado e instável. Na verdade, é a condição da
maioria dos homens na presente fase do desenvolvimento humano, de tal forma que
a humanidade pode ser considerada como trêmula.
Entretanto, para uma minoria isso não é assim. Aqueles que estão mais
avançados do que o resto da humanidade são movidos cada vez mais do interior,
inflamados pelo idealismo, disciplinados e refreados em corpo e mente segundo um
conjunto de ideais. Eles voluntariamente reconhecem o governo da lei e o respeito
por ela. Ainda que a maioria possa ver os benefícios da lei civil e possa obedecer
suas determinações, eles não estão ainda completamente imbuídos do ideal da ação
correta por seu próprio mérito. A História revela que essa, na verdade, é a condição
do grosso da humanidade. Um sinal de avanço evolutivo é a aceitação do correto
por seu próprio mérito, ao invés do benefício pessoal. Isso vem da natureza crística
no interior do homem, quer seja ou não conscientemente compreendida.
Gradualmente a compreensão raia, o Deus vivo revela-se à mente e ao coração
sensíveis. A ação descontrolada e maldirigida cessa e a pessoa está espiritual e
psicologicamente curada.
Mt. 9:3. Ao ver isto, alguns dos escribas diziam consigo: "Está blasfemando."
4. Mas Jesus, conhecendo os seus pensamentos disse: "Por que tendes
esses maus pensamentos em vossos corações?"
5. Com efeito, que é mais fácil dizer: "Os teus pecados te são perdoados,
ou dizer: Levanta-te e anda?"
6. "Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem poder na Terra
de perdoar pecados (disse então ao paralítico): "Levanta-te, toma teu
catre e vai e para casa."
228
posição e daquele veículo de percepção do Eu manifestado. Assim, a natureza
crística no interior do homem manifesta-se à personalidade exterior, unifica seus,
até então, diversos elementos, confere-lhes coesão, direção inteligente e controle de
movimento. A condição de paralítico é então substituída por uma certa medida de
autocontrole, autodirecionamento propositado e integridade.
O relato da seqüência do milagre começa no terceiro versículo desse
capítulo, no qual é dito que os escribas declaram ser blasfêmico o proclamado
perdão de pecados. Eles representam os atributos de inveja, materialismo,
desdenho, cinismo e crítica destrutiva da mente analítica do homem.
A mente humana inclui duas faculdades distintas, a de abstração e a de
pensamento concreto, ou crítico. O poder de exame separado, crítico e de avaliação
de qualquer idéia ou plano das atividades práticas da vida é tão natural quanto
valioso. Assim usado, nenhuma falha pode ser encontrada na capacidade própria
nem na sua aplicação consistente, detalhada e precisa para solução de problemas
materiais e na conduta de vida.
Se, no entanto, idéias abstratas e percepções intuitivas são submetidas a
análise inadequada, particularmente com uma inclinação para a hostilidade, então
os entendimentos mais profundos e suas eventuais aplicações no processo e
experiências do pensamento podem ser embrutecidos. Isso é especialmente
verdadeiro nas primeiras fases da auto-iluminação, quer considerando níveis de
entendimento mundanos ou espirituais. O silêncio mental, ou melhor, uma atitude
mental de espera, é mais conducente ao surgimento de idéias novas e criativas e ao
funcionamento da ideação espiritual. Essas não podem se enraizar, desenvolver-se e
florescer na mente se são criticamente analisadas desde o começo.
Nos relatos de S. Mateus da cura, por Jesus, do homem acometido de
tremores, os escribas e sua ação combinada personificam esse atributo mental. Essa
hostilidade nasce do medo de que a admissão das idéias emergentes possa levar à
perda de poder, influência e função diretiva na conduta da vida física. Nesse
sentido, a mente formal assemelha-se a um ditador de um estado autoritário. Tal
dirigente não pode, não ousa, tolerar nenhuma interferência de outros no seu
despotismo ou sugestão de controle sobre ele, porque se isso prosperasse a sua
ditadura eventualmente terminaria. No que concerne à manutenção de seu sistema e
ao controle das mentes cegas de seus membros, a ortodoxia religiosa estreita e
defensiva está precisamente na mesma posição. Todo dogmatismo em assuntos
religiosos surge do medo e desse impulso para o poder e sua preservação.
Jesus, por outro lado, personifica a sabedoria completamente fluente, livre e
pura dos níveis além da mente analítica, individualista e que busca poder. Todo o
drama da vida do Cristo pode ser compreendido como uma alegoria do conflito
entre esses dois aspectos da natureza humana. O espírito interno do homem, de
onde a sabedoria pura alcança seu eu externo, conduz sempre à novidade, ao novo
nascimento e à recepção de novas idéias. Na medida em que essas idéias inspiram
novos conceitos de vida e modos de pensar e agir, elas inevitavelmente ameaçam as
formas estabelecidas de pensamento e as religiões ortodoxas. Os inimigos dos
229
salvadores e dos heróis, nas grandes alegorias, personificam a resistência, enquanto
os próprios salvadores e heróis personificam sempre os novos impulsos espirituais,
a iluminação espiritual viva e as idéias criativas. Devadatta, Kansa, Set e Herod,
como também Satã em certos aspectos, representam esses atributos e ações mentais,
como afirmado antes. O conflito é inevitável e todas as batalhas nas alegorias
mundiais – inclusive a guerra no céu, Kurukshetra, Armageddon, os combates
mais pessoais entre representantes da luz e da escuridão, homens e bestas
predadoras – exemplificam esse contínuo conflito.
Ainda que para o taumaturgo a própria demonstração de cura milagrosa fosse
conclusiva, não deixando espaço para discussões posteriores, para o filósofo isso
pode não ser, de fato, assim. Os dois enfoques pertencem a dois níveis de
consciência e ação diferentes, embora interconectados. Na visão do filósofo, a
aparente assunção por Jesus do poder para perdoar pecados põe em dúvida a
exatidão do próprio registro, pois nenhum sábio iluminado seria culpado de alegar
poder para ab-rogar essa lei, porque o próprio universo como um todo está fundado
sobre o princípio da qual é derivada. O documento original, as várias traduções
pelas quais passou no processo de ser copiado e, mais especialmente, a honestidade
e integridade dos copistas e tradutores são questionadas. Infelizmente, teólogos e
mesmo homens ignorantes têm mexido no texto da Bíblia e em nenhuma parte mais
do que nas palavras dos quatro evangelhos. Os relatos dos eventos e das afirmações,
por conseguinte, podem estar muito desvirtuados ou bastante incompletos.
Declarações que contrariam a razão e negam princípios imutáveis devem ser lidas
com discernimento para que a compreensão seja alcançada.
Na medida em que a Bíblia, em comum com outras escrituras, contém muitas
de tais incongruências, a interpretação mística desfruta de grande força,
proporcionando, como o faz, a única reconciliação possível.
230
Espírito e matéria são coexistentes, coeternos e coativos. O espírito é
dependente da matéria para sua manifestação. Na doença, a matéria dos corpos
humanos está numa condição anormal e, portanto, dificulta a manifestação plena e
harmoniosa nela e por intermédio dela das influências, forças e poderes espirituais.
Isto aplica-se também às experiências místicas em estado de vigília. As células e a
substância cerebrais estão relacionadas com a consciência elevada, como está
também a matéria dos corpos sutis. Genialidade, inspiração e iluminação interiores
são dependentes de uma receptividade intensificada do cérebro-mente, que implica
numa condição de suas essências. Ioga, oração e contemplação envolvem não só a
expansão da consciência, mas também a condição e a função das moléculas e
células do corpo físico e das energias dos veículos superfísicos. A ação da vontade e
do pensamento por meio da pronúncia de palavras de poder, nas fases preliminares
de auto-exaltação, afetam tanto a consciência como a matéria de seus veículos.
Isso também se aplica à cura espiritual na qual se efetua a correção de
anormalidades na condição e função da substância dos veículos afetados. Um
maldenominado milagre de cura, embora seja simples na aparência, pode ser de fato
uma operação bastante complicada. Nela está envolvida matéria de vários graus de
densidade dos corpos, mental, emocional, etérico e físico, do homem. Em doença
grave, tal como um tremor ou paralisia, a anormalidade pode estar presente em
todos esses veículos; ela deve, portanto, ser corrigida em todos eles. Isso requer
grande conhecimento oculto e a aplicação de força, segundo princípios ocultos em
que os iniciados são instruídos.
Pode existir patologia profunda no interior da psique do homem, acarretando
um estado anormal da matéria de que os corpos, astral e mental, são constituídos.
Um verdadeiro desvio molecular em relação ao normal pode existir e é este, o
aspecto material da doença, que o curador oculto deve corrigir. Embora alguns dos
milagres de cura de Jesus, como de outros sábios, apresentem-se como simples ou
como atos isolados, na realidade procedimentos bastante complexos estariam
presentes. Naturalmente, os que os registraram dificilmente poderiam relatá-los ou
mesmo conhecê-los, na medida em que os processos interiores são invisíveis.
Os denominados milagres são milagrosos somente por causa do
desconhecimento das leis sob as quais os efeitos são produzidos. Realizações
científicas atuais teriam parecido milagrosas em épocas anteriores, mas são o
resultado da aplicação do conhecimento adquirido mais recentemente. A analogia
não é, entretanto, exata, uma vez que as causas de tais acontecimentos, como a cura
espiritual, não são, e nunca podem ser, percebidas e conhecidas fisicamente. A
humanidade eventualmente reconhecerá e aprenderá a usar essas forças, como as
empregam os Adeptos, da mesma forma como as energias físicas de potências cada
vez maiores estão sendo utilizadas pelo homem moderno. Quando isto ocorrer, os
efeitos produzidos pelo seu uso não parecerão mais milagrosos do que parecem ser
hoje os muitos usos da eletricidade.
231
9:8. tal poder aos homens.
232
deliberadamente ou não, expressaram um apelo no interior de suas mentes por
entendimento e orientação espiritual. Tal chamado nunca é deixado sem resposta.
Quando prova ser tanto genuíno quanto persistente, um Adepto Instrutor observa-o
e com grande sabedoria escolhe um método de resposta. No início, essa pode ser
totalmente mística, podendo ser também bastante objetiva, como o chamado dos
discípulos do Buda ou do Senhor Cristo.
A breve descrição do chamado de Mateus contém a significante declaração
de que, em ouvindo as palavras "segue-me", ele levantou-se e seguiu-o. Nisso está
retratada a resposta instantânea de espírito a espírito afim e o imediato
reconhecimento do Instrutor pelo discípulo que finalmente encontrou seu Mestre.
Quando a busca é sincera e a descoberta verdadeira, a resposta é sem hesitação. A
vida do discipulado torna-se a única verdadeira e, conseqüentemente, a única
desejável. Assim como seus companheiros discípulos do Cristo, Mateus entrou no
antigo caminho, tendo ouvido o chamado e se ajoelhado aos pés do Mestre.
233
O processo de regeneração está alegoricamente retratado. Os princípios
divinos, o Cristo, os mais nobres e mais disciplinados atributos, e a natureza animal
do homem mais inferior entram em estreito relacionamento, partilhando da mesma
refeição. Assim interpretado, isso significa em que foi alcançado um estágio de
desenvolvimento no qual o Eu interno está iluminando e espiritualizando o homem
externo. A mística Presença de Cristo é notavelmente sentida; sua influência é
reconhecida e aceita. Os aspectos materiais e espirituais da natureza humana
combinam-se intimamente, e um modo de vida espiritual está prestes a ser iniciado.
234
Uma parte da função daqueles grandes seres, que periodicamente visitam a
Terra e a humanidade, é estimular e acelerar o crescimento, na mente mundial, do
princípio da sabedoria, ou natureza crística no homem. A real presença deles tem
esse efeito, desse modo ajudam aqueles que podem responder a um estado de
consciência que vê os homens e a natureza a partir do interior e que observa em
funcionamento o princípio de vida interior que desabrocha. A visão deles não é
limitada pelas formas externas, com suas divisões e diferenças temporárias.
A sabedoria pura e direta leva tais sábios ao âmago dos problemas humanos
e a solucioná-los. Isso está evidenciado na resposta do Cristo aos fariseus dada
nesse versículo: "Não necessitam de médico os sãos, mas sim os doentes."
235
repuxa a roupa e o rasgo torna-se maior.
17. Nem se põe vinho novo em odres velhos; caso contrário, estouram os
odres, o vinho se entorna e os odres ficam inutilizados. Antes, o vinho
novo se põe em odres novos; assim ambos se conservam."
Mt Enquanto Jesus lhes falava sobre essas coisas, veio um chefe e prostrou-
9:18. se diante dele, dizendo: "Minha filha acaba de morrer. Mas vem, impõe-
lhe a mão e ela viverá."
236
ao alcance de seus poderes discernir a origem das doenças e mesmo da morte e, sob
certas condições, corrigi-las.
De duas maneiras é possível para um Adepto executar a ressurreição.
Quando a morte é somente aparente, porque o corpo está mergulhado em coma
muito profundo, a centelha de vida ainda não se extinguiu de fato, a causa física
desse estado pode ser corrigida e a consciência interior restaurada, a mente torna-se
outra vez operativa no corpo. Posteriormente, a pessoa despertará, tendo sido
restaurado, gradual ou imediatamente, o pleno funcionamento do mecanismo de
consciência em cada nível. É quase exclusivamente em tais circunstâncias que um
Adepto efetuará o aparente milagre. O carma do paciente, da sua família e de outras
pessoas intimamente a ele relacionadas é o fator decisivo na decisão do Adepto de
ressuscitamento e do grau de funcionamento imediato e posterior do Eu interno no
corpo. Antes de agir, o Adepto apura a situação cármica, para o que está capacitado,
e então atua de acordo com ela.
Contudo, se a morte de fato aconteceu, e a conexão entre o Eu interno e o
corpo tiver sido definitivamente rompida, então uma ação completamente diferente
se torna necessária. Outra vez o adepto vidente deve examinar as condições físicas e
superfísicas, atentar para a situação cármica e agir adequadamente. Se decide
prosseguir, a ligação magnética entre o Ego e o homem externo, o "cordão de
prata", é restaurada e o habitante original retorna ao corpo abandonado. Algumas
vezes outro Ego pode vincular-se ao corpo. Condições cármicas e conexões
intricadas estão presentes em tal procedimento, podendo ser necessária a consulta a
um agente do Governo Interno do Mundo. As incumbências desse agente incluem a
supervisão da administração da lei do carma em colaboração com autoridades ainda
mais elevadas, os Senhores do Carma revelados na literatura oculta.
Em ambos os casos, o cérebro deve receber um poderoso estímulo de uma
subida forçada da força de vida criativa, a Kundalini-Shakti, para dentro da
cabeça. Ao mesmo tempo o centro de força na coroa da cabeça deve ser reaberto
nos planos etérico e físico, e o mecanismo completo da consciência em todos os
planos deve ser reativado. O grau e as posições necessários dependem da condição
da pessoa, condição essa que o adepto operador terá cuidado de verificar. Quando
esses dois processos tiverem sido completados com sucesso, o Eu interno é puxado
por uma certa afinidade magnética com o corpo e induzido a retornar à vida física
outra vez. Quando é introduzido um novo Ego, é escolhido um que tenha perdido
seu próprio corpo prematuramente em termos de anos, como por exemplo por uma
morte "acidental".
Os relatos bíblicos de tais eventos podem ter um significado psico-espiritual.
No código da Bíblia a palavra morte é usada para descrever um estado de completa
inconsciência sobre qualquer coisa que não seja o físico, a ignorância de
experiência espiritual e a conseqüente negação de sua existência. O coma e o sono
referem-se à eclipse temporária, no que toca à consciência física, do seu Eu interno,
seu esplendor e outras influências. Em ambos os casos é a mente do homem que
237
está realmente morta e assim permanece até que a morte natural ocorra, a menos
que a iluminação restaure a percepção e vivacidade espirituais.
Isso pode acontecer de diversas formas. Os processos naturais de evolução,
através de longas eras, sensibilizam a matéria de que consistem o cérebro e o corpo
mental, de forma que o espírito no interior torna-se conhecido por experiência
direta. De vez em quando, um desastre ou choque racial, nacional ou pessoal pode
abalar de tal forma as fundações de uma crença puramente mundana e material a
ponto de provocar, pelo desespero, a sua renúncia e a admissão de sua não
confiabilidade e falsidade. Isso proporciona ao Eu interior uma oportunidade de
proporcionar uma revelação das realidades espirituais dentro do cérebro-mente,
como se pela ação da graça divina. Quem experimenta esse processo volta-se,
então, para o interior, a única fonte possível de ajuda.
Um terceiro modo pelo qual o entorpecimento do cérebro-mente pode ser
superado é pela prática de ioga, consistentemente incorporada à vida diária. Isso
inclui a meditação sobre o divino em certas horas e o permear cada ação da vida
diária com aspirações espirituais e totalmente altruísticas, particularmente aquelas
nas quais os outros estão envolvidos. Essa prática provoca forçosamente a
sensibilização do cérebro e da mente à força-de-vontade e ao entendimento intuitivo
constantemente transmitidos pelo Eu interno.
Não obstante, outro modo de renovar a vida deriva-se da total falência ou
algo ainda pior que decorre de atos desesperados. Nesse caso o princípio crístico, o
divino Atma, como que força sua passagem para a consciência da personalidade,
que então se torna iluminada e espiritualmente viva. As alegorias de um salvador
que responde a uma súplica para intervir e ressuscitar alguém que está morto
descrevem geralmente essa situação.
Qualquer que seja a causa ou causas, o efeito é de fato levantar o homem
exterior de uma condição de entorpecimento espiritual, de viver como morto. As
experiências místicas resultantes e o modo pelo qual elas são obtidas estão descritos
pelas palavras chaves usadas como símbolos de condições de consciência. A casa
do falecido, por exemplo, refere-se ao corpo físico e a seu estado normal de
consciência física. A pessoa falecida representa a mente formal em um estado de
total ignorância das leis espirituais subjacentes e do verdadeiro usuário da mente, o
Eu espiritual oculto.
Surge então um visitante divino, quer sob a aparência de um curador ou de
um mensageiro, que, tal como Hermes, tira Perséfone do inferno 0. Em tais
alegorias, a palavra falada representa o poder transmitido, que, como uma
influência vitalizadora, desperta a mente para realização do conteúdo espiritual do
universo e do homem. Isso, na verdade, é como uma ressurreição da morte, uma
ressuscitação e restauração da vida.
Mt Enquanto ia, certa mulher, que sofria de um fluxo de sangue fazia doze
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. 1, p. 81.
238
9:20. anos, aproximou-se dele por trás e tocou-lhe a orla da veste,
21. pois dizia consigo: "Será bastante que eu toque a sua veste e ficarei
curada."
22. Jesus, voltando-se e vendo-a, disse-lhe: "Ânimo, minha filha, a tua fé te
salvou." Desde aquele momento a mulher ficou curada.
239
busca resoluta baseada na intuição, ou mesmo na influência do próprio Mestre,
levam a encontrá-lo. Inicialmente isso é algo limitado, a mulher somente toca por
trás a roupa do Cristo. Mas, em resposta, o Mestre volta-se e exercita o poder da
Palavra. A sentença expressando sua plena aceitação ao pedido do aspirante indica
o estabelecimento de uma relação íntima entre Mestre e discípulo, bem como entre
o ego e a personalidade.
A roupa do Cristo é um símbolo da radiante vestimenta de luz, na qual a
divina presença está encarnada nos níveis espirituais da consciência. Tocá-la é
simbolicamente penetrar nos níveis externos daquele estado do ser e, desse modo,
liberar o poder do habitante interior, tornar-se ciente da orla da consciência divina.
Posteriormente, isso conduz à plena consciência e ao intercâmbio mútuo entre o
homem imortal e o mortal que, em conseqüência, torna-se integrado.
A ponte entre o homem mortal, material, e o Adepto Instrutor é, então,
alegoricamente descrita como consistindo da compreensão da imperfeição e doença
e da aspiração para chegar aos seus pés. A busca da mulher, seu conhecimento
intuitivo de que ele existe e que quando encontrado irá curá-la, o toque de sua
roupa, uma humilde receptividade de sua influência, escutando suas palavras e
sendo depois aceita no interior de sua consciência, tudo isso é descritivo das
mudanças que ocorrem dentro do aspirante e das expressões de conduta para quais
conduzirão.
Essa é a senda imutável para a qual não há alternativa, conduzindo da vida
normal rotineira e do mundo do homem para os mundos supranormais, sobre-
sensuais dos homens perfeitos. Ele ou ela que na plenitude de seu coração trilha
aquela senda, ou cruza aquela ponte ligando os dois mundos, chega infalivelmente
ao seu destino, que é a presença do Mestre e a recepção de sua sabedoria e poder
integrante.
Se aquela história é cuidadosamente estudada em sua aplicação na prática da
ciência da ioga, a mulher que está doente também representa a mente e o cérebro,
como seu órgão psicológico. Não-iluminado e, por conseguinte, perdendo tempo e
força vital, quando a senda evolutiva é trilhada muito vagarosamente, ele necessita
urgentemente da iluminante e aclaradora presença e influência recebida
conscientemente da vontade, sabedoria e inteligência espirituais, a natureza crística.
A busca do curador corresponde à percepção intuitiva de que a fonte de perfeição e
de cura jaz no interior, consistindo no fato da divina presença interior. Essa
presença deve ser encontrada e "tocada", levemente no início – a mulher somente
tocou a bainha da roupa dele. O cérebro está ainda insuficientemente iluminado,
sensível ou responsivo para que possa capacitar seu possuidor a realizar o poder
crístico na consciência de vigília. Depois disso, não obstante, o Mestre "volta-se" e
fala com ela; o poder crístico é conhecido face a face; o iogue ouve a palavra do
divino no interior. Isto culmina na plena revelação experimentada no interior do
cérebro que esteja inteiramente cônscio tanto da presença do espírito eterno, que é o
verdadeiro homem, como desta identidade.
240
Essa compreensão somente pode ser alcançada por uma busca ativa, que
toma a forma de prática da arte e da ciência da auto-iluminação. Pelo domínio da
permanência do pensamento na fonte da luz interna, com o propósito de tornar-se
identificado com ela, um fluxo constantemente crescente é produzido do fluido vital
(prana) e do fogo e energia procriativos universais que sobem e fluem do corpo para
dentro do cérebro (kundalini). Isso melhora a capacidade para o pensamento
metafísico e a sensibilidade à influência do Eu divino interior. Outro resultado
consiste da "descida" daquela Presença, realizada pelo iogue de vários modos,
segundo o temperamento e outras características básicas. Pela meditação do iogue,
o Deus Interior pode se tornar conhecido como poder e força de vontade interiores
irresistíveis; como intuição e sabedoria espirituais que crescem regularmente; como
compaixão e ternura profundas pela divindade incorporada em todos outros,
especialmente naqueles que sofrem e naqueles empenhados numa busca similar;
como experiências de unidade e identidade; como luz e iluminação dentro da mente
e do cérebro. Uma ou mais dessas qualidades – eventualmente todas – assumem
poder crescente na vida interna e externa do devoto que, em conseqüência, é
harmonizado, integrado ou, nos termos da história, é curado pela fé.
Então, como em outros casos, os relatos de milagres nas escrituras,
principalmente os de cura, proporcionam a descrição de experiências e iluminações
interiores, particularmente as que ocorrem com as pessoas que reconhecem e
confessam suas limitações e empenham-se sinceramente em superá-las. Os doentes
que, em sua grande necessidade, buscam por um curador divino e nele confiam,
encontram-no e são curados.
0
Mc 5:22 (Jairo).
241
vista oculto quanto do místico, o incidente mesmo como relatado é pleno de
interesse. No primeiro enfoque, Jesus, como um ocultista treinado, perceberia
imediatamente que a menina estava apenas aparentemente morta, o cordão de prata
não se havia rompido ainda, e o cérebro ainda estava ativo.
Embora possa não ter sido feita referência, a lei de causa e efeito
desempenha um papel quase decisivo em tal aparente milagre. Neste, tanto os
membros da família como a pessoa em transe estão enredados, pois a condição e a
experiência de todos resultam daquela lei. Numa vida anterior, provavelmente,
todos haviam gerado o infortúnio, possivelmente provocando a morte de outra
pessoa. A pessoa em transe poderia ter na verdade dado o golpe mortal.
Se o ato foi puramente pessoal, deliberadamente executado para satisfazer o
ódio, um desejo por vingança ou outro instinto sanguinário, então a ressuscitação do
transe seria improvável. O carma não permitiria uma intervenção oculta 0; as mão do
curador seriam atadas, por assim dizer. Se o assassinato foi um ato oficial efetuado
no cumprimento de uma ordem superior, mas com alguma satisfação pessoal, ou o
carma estava quase resolvido, então a intervenção poderia ocorrer, de acordo com a
grande lei.
Se lido como a descrição da recuperação do idealismo e da espiritualidade
temporariamente perdidos, então a convocação verbal para levantar-se e a ação de
tomar a jovem pela mão referem-se ao contato efetivo e intimamente interior entre
os eus interno e externo. A voz é uma expressão do espírito recôndito e o tomar a
mão representa sua manifestação no corpo. Como resultado, a restauração da
consciência espiritual e da iluminação e do controle Egóico da personalidade são
alcançados.
Tanto na aplicação literal da estória como na mística, a influência essencial é
a da Presença Crística despertada e capacitada, seja como um visitante físico ou
como um poder espiritual interior.
Mt. 9:27. E, partindo Jesus dali, puseram-se a segui-lo dois cegos, que gritavam
e diziam: "Filho de Davi, tem compaixão de nós!"
28. Quando entrou em casa, os cegos aproximaram-se dele. Jesus lhes
perguntou: "Credes vós que tenho poder de fazer de fazer isso?" Eles
responderam: "Sim, Senhor."
29. Então tocou-lhes os olhos e disse: "Seja feito segundo vossa fé."
30. E os seus olho se abriram. Jesus, porém, os admoestou com energia:
"Cuidado, para que ninguém o saiba."
31. Mas eles, ao saírem dali, espalharam a sua fama por toda aquela
região.
0
Ver Hodson, "Lecture Notes", p. 180.
242
interior, a essência espiritual recôndita, que é o esplendor da Mônada. Os
suplicantes por cura retratam a natureza mortal, pessoal com várias dificuldades e
limitações, particularmente carência de iluminação espiritual.
Nesse exemplo, os dois homens cegos representam, por um lado, a mente e
as emoções associadas e, por outro, o corpo físico. Foi alcançada uma fase de
evolução em que a existência da luz espiritual é reconhecida e sua ausência na
mente e no cérebro compreendida e lamentada. É retratado, então, o homem como
buscador da luz espiritual – o homem que compreendeu que toda luz mundana é
somente escuridão, e que aqueles que não conhecem outra luz são na verdade cegos.
Intuitivamente desperto para essa cegueira e limitação, o ser humano nesse estágio
determina-se a procurar e encontrar a luz espiritual, para tornar-se pessoalmente
iluminado. Assim, os dois cegos suplicam a Jesus, como o Filho de Davi, o
princípio divino, por piedade para com eles e por sua condição mentalmente
obscurecida. O reconhecimento da linhagem real de Jesus pode possivelmente ser
uma referência à própria Mônada como a fonte original e, assim, ao progenitor do
poder crístico.
A entrada de Jesus na casa dos homens cegos indica o ingresso naquela fase
da vida mística do homem em que a Presença real, interior é parcialmente
compreendida pela consciência de vigília, pois a casa, nesse sentido, significa a
mente, o cérebro e o corpo como a casa física do Eu interior.
A pergunta direta de Jesus a respeito da fé nele indica a necessidade de um
reconhecimento intelectual e intuicional da existência interior, em cada um, do
poder e da presença divina. Os dois homens afirmaram seu pleno reconhecimento
da luz interior e a completa confiança em seu poder para iluminar. Isso é decisivo
para que a iluminação seja obtida. Sem isso como base para a aspiração e a
disciplina espirituais, a busca será de difícil realização. A procura deve ser fundada
no contato real entre o Atma interior, ou espírito, e o homem exterior, a despeito do
fato de que os efeitos totais ainda não tenham sido alcançados.
Os olhos são símbolos da mente abstrata e concreta e, quando cegos, do
estado de não-iluminação. O toque da mão de Cristo, que proporcionou a cura,
refere-se à proximidade do poder interior com a mente e descreve o resultado do
pleno contato, que provoca a iluminação. Então, simbolicamente, os olhos dos
homens cegos foram abertos.
O fato de que Jesus admoestou os dois homens para que não revelassem a
sua ação e a experiência deles refere-se a uma profunda lei espiritual: experiências
interiores e ocultas perdem parte de sua eficácia e poder quando inadequadamente
reveladas e inoportunamente discutidas. A iluminação mental é o resultado de um
misterioso processo da natureza – de um segredo em operação na essência espiritual
interior do homem, o Cristo – no laboratório da mente humana. O sucesso exige
uma dose de quietude, discrição e silêncio, na medida em que o próprio processo
possui esses atributos. Assim, torna-se melhor o silêncio para aqueles em que o
processo está ocorrendo. Isso aplica-se principalmente aos conhecidos casuais, mas
nem tanto aos amigos íntimos que estão similarmente buscando e tenham começado
igualmente a ser iluminados.
243
Mt. 9:32. Logo que saíram, eis que lhe trouxeram um endemoninhado mudo.
33. Expulso o demônio, o mudo falou. A multidão ficou admirada e pôs-se
a dizer: "Nunca se viu coisa semelhante em Israel!"
244
vistas como resultados de más ações passadas. A mudez, por exemplo, uma
condição da inexpressividade, de incapacidade para traduzir o pensamento por meio
da palavra, pode resultar do silêncio imposto por decreto cármico. A mudez física
pode estar associada com e mesmo causada por várias formas de restrições
psicológicas para a plena expressão do Eu. Uma dessas afeta a expressão do
sentimento de amor, circunstância na qual a pessoa que ama está de língua presa,
severamente limitada, cerrada, por assim dizer, em uma prisão psicológica de
absoluta incapacidade física para expressar amor. Isso pode, talvez, ser o carma de
excessiva promiscuidade em vidas anteriores.
Há também uma condição psicológica caracterizada por um bloqueio mental
que torna o sofredor incapaz de auto-expressão quanto a idéias metafísicas. Isso
pode ser uma reação cármica pelos votos de silêncio quebrados em vidas anteriores.
Como um membro de um templo ou escola de Mistério, certos votos de silêncio
tinham sido feitos e por fim rompidos. O denominado conhecimento sagrado e
mesmo verdades ocultas recebidas sob juramento tinham sido proposital ou
descuidadamente revelados. No caso anterior, mais particularmente, uma restrição
peculiar de auto-expressão pessoal é parte do resultado cármico. Outros aspectos de
tal castigo merecido podem ser a incapacidade de encontrar e ser admitido em uma
escola oculta, ou uma cegueira mental que impede a mente de reconhecer tanto a
própria escola como a sabedoria que ela ensina. Ademais, há uma condição mais ou
menos natural de inexpressividade no que diz respeito a idéias metafísicas.
Nesse incidente o homem mudo representa a personalidade severamente
limitada, enquanto o Cristo personifica o Eu espiritual interior, particularmente em
seu aspecto de poder. A vontade espiritual realizada (a presença reconhecida de
Cristo) exercita tal poder sobre a mente e o cérebro embotados que os obstáculos à
expressão do Eu tornam-se gradualmente menos efetivos e finalmente desaparecem.
Então, quando o poder espiritual manifesta-se e revela-se no interior do indivíduo,
uma expressão livre e plena do Eu interior no exterior é alcançada. Simbolicamente,
um mudo é curado pela ação oculta do Cristo.
Mt Os fariseus, porém, diziam: "É pelo príncipe dos demônios que expulsa
9:34. os demônios."
245
Tais inimigos do homem podem ser tanto exteriores como interiores. Ambos
representam resistência, restrição e, em casos extremos, o desejo de destruir. Se
externos, estes são homens hostis; se interiores, são atributos, qualidades de caráter,
maneiras habituais de pensar e agir que distorcem e constringem a expressão do Eu
espiritual do homem na sua natureza física.
Na escritura inspirada, os fariseus, como outros declarados inimigos, podem
representar quaisquer daquelas resistências. Os fariseus no Novo Testamento
personificam a resistência à mudança, a decidida afirmação da superioridade e da
veracidade derradeira dos modos estabelecidos do pensamento e dos dogmas
religiosos. Esses são os fariseus de todos os tempos, de todas as escrituras, mitos e
alegorias, nas quais eles nunca deixaram de aparecer, porque os autores iniciados
conheciam perfeitamente esse atributo da humanidade e seus modos de expressão
mais gerais.
Os fariseus são apresentados nesse versículo como tentando sujar a reputação
de Jesus e assim solapar sua influência. O espírito nele está em conflito com o deles
e pode por algum tempo ser frustrado, em parte pelo medo do desdém público e em
parte pela ausência de estatura evolutiva que confere coragem e constância na causa
da verdade. Esse versículo, ainda que seja curto, expressa todas essas
considerações, muitas das quais são resumidas pela palavra que tem se tornado
parte de algumas linguagens, a saber, farisaico.
Jesus representa regiões da consciência que ainda estão fora do alcance da
compreensão e do conhecimento. Os suplicantes por cura e aqueles que se
recuperam são símbolos de tais pessoas proeminentes, mas ainda limitados pela
intolerância e pelo materialismo. Pela ajuda do Eu interno, a natureza crística
interior, eles se tornam libertos de suas limitações intelectuais. A luz raia sobre suas
mentes, o entendimento alcança seus ouvidos mentais e a paralisia mental deles,
concernente às verdades espirituais, é superada. A rigidez de mente é substituída
pela flexibilidade e abertura a respeito de idéias metafísicas.
Essas mudanças muitíssimo benéficas geralmente acontecem gradualmente,
embora os estágios finais de auto-iluminação possam ocorrer com velocidade
dramática. A iluminação pode ocorrer como se fosse em um instante. Na linguagem
sagrada essas experiências interiores são descritas na forma de ações comoventes de
salvadores visitantes.
246
tramarem sua destruição, o grande salvador dos homens prossegue seu divino
ensinamento indiferente e impassível. A festa de Domingo de Ramos está baseada
nas experiências de tais épocas. Na verdade, a maré da missão de Jesus estava em
seu ponto máximo.
Essa lei aplica-se também à vida interior, espiritual, do homem. Na verdade,
não há uma circunstância na história imortal da vida de Jesus que não tenha sua
expressão na vida de cada ser humano, como também na de cada nação. Existem
meses ou anos na vida dos seres humanos quando a aspiração espiritual, o idealismo
e a determinada aplicação dos mesmos na vida diária são fortemente sentidas e
realizadas com sucesso. Esse é o momento, seguindo o exemplo de Jesus e de
outros grandes mestres, para aproveitar tais oportunidades e dar plena rédea às
influências mais elevadas então em operação. Felizes são aqueles para quem esse
versículo é uma descrição verídica tanto da vida interior como da exterior.
247
irmãos mais velhos, os trabalhadores, têm continuamente colocado à disposição, a
carência ainda é premente.
Nessa interpretação, a colheita é a própria humanidade e particularmente as
nações e indivíduos sofredores: o oprimido, o preso, o torturado, o elemento
criminoso e aqueles que sofrem doenças físicas e mentais, inclusive o mal da
psicologia da multidão.
Afortunadamente, homens e mulheres iluminados também existem na Terra e
estão exercendo sua influência benéfica e elevando suas vozes em um apelo para
que se substituam tais pecados, como o uso destrutivo dos produtos do avanço
científico e de suas aplicações, por propósitos e metas construtivos. Todos que
podem se tornar capazes de falar, elevando as vozes e usando da escrita para que a
humanidade reconheça outros objetivos e realizações totalmente construtivos,
servem poderosamente à humanidade nesse período crítico da história. Estes
ceifadores são os homens e mulheres sábios, auto-iluminados, dedicados e
compassivos. Eles vão desde os "homens justos tornados perfeitos," os Adeptos
planetários, passando por instrutores, educadores e estadistas inspirados que lidam
com as multidões e as grandes questões, até todos aqueles que, freqüentemente
despercebidos nas várias ocupações da vida, servem devidamente a seus
semelhantes. As palavras dos homens sábios podem iluminar a mente, e a vida dos
homens dedicados pode tocar e inspirar o coração.
Felizmente, o número deles cresce tanto quanto, infelizmente, aumenta a
necessidade por mais e mais deles. Videntes, santos e Adeptos, ou homens
perfeitos, têm sempre surgido das fileiras da humanidade. Eles continuam a
aparecer, mas ainda são muito poucos em proporção à enorme e crescente demanda
por sua influência e serviços. O "caminho da santidade", o caminho apertado que
conduz à vida eterna, está aberto, está sendo encontrado e trilhado, ainda que por
uma minoria muito reduzida de seres humanos por enquanto. Eles, entretanto, são
de grande importância para a raça humana, fora de toda proporção com o número
deles. Sua eficácia vem da superação da condição de serem meros aprendizes, para
tornarem-se auto-iluminados, e pelo aprofundar da perspicácia, conhecendo a
verdade diretamente. Visto que o Cristo estava se dirigindo a seus próprios
discípulos, parece razoável assumir que estava se referindo à vida oculta da
humanidade na Terra e aos neófitos, aos discípulos, verdadeiros iniciados nos
Mistérios Maiores, e aos Adeptos, que são a flor da raça humana.
Interpretadas desse modo, as palavras do Cristo constituem-se em uma
convocação enviada a todas as pessoas, não só para o serviço e sacrifício em suas
vidas, mas também – usando outra analogia – para buscar e encontrar o Mestre e
por intermédio dele tornarem-se "pescadores de homens." Assim, o formidável
capítulo encerra-se com um apelo do Mestre dos Mestres para que um crescente
número de homens e mulheres ingressem num modo de vida motivado pela
abnegação e caracterizado pela autopurificação, autodisciplina, serviço à
humanidade e especialmente pela busca do Mestre e da sabedoria espiritual da qual
ele é a personificação. É profundamente verdadeiro hoje, como há dois mil anos,
que a colheita está pronta, mas os trabalhadores são poucos.
248
249
250
PARTE SETE
CRISTO E SEUS APÓSTOLOS
251
252
CAPÍTULO QUATORZE
0
Mc 4:11.
253
Simbolicamente, o Cristo está presente como o reconhecido Mestre, e os discípulos
recebem o poder crístico, cada um deles representando um veículo e um atributo da
consciência humana.
Em toda ocasião que a Mônada-Ego alcança essa fase de desenvolvimento
antes do tempo normal, o mesmo fenômeno ocorre. As grandes iniciações
poderosamente realçam a presença átmica. Durante a fase do discipulado,
silenciosamente e despercebido, o Mestre emprega, em todos os níveis, uma
influência espiritualizante sobre a consciência e os veículos dos discípulos,
preparando-os desse modo como candidatos à iniciação. O trabalho do guru 0, em
seu sentido mais elevado, como expresso pelos grandes rishis, inclui tal ajuda
preparatória, que é também favorecida pelos ensinamentos e tarefas dadas aos
discípulos. Assim ajudado e capacitado interiormente, o discípulo realiza
gradualmente, como estados interiores de ser, as condições descritas nesse
versículo.
Embora o treino regular e normal dado pelos Adeptos Instrutores a seus
discípulos esteja parcialmente descrito, o versículo pode ser também interpretado
num sentido místico. Tais discípulos são escolhidos dentre aquelas pessoas em que
os aspectos espirituais da natureza humana estão começando a predominar sobre
suas tendências materiais. O poder de Cristo desperta, ou nasce, neles como
resultado do desenvolvimento evolutivo e da prática regular da contemplação, bem
como de uma conduta e um modo de vida meditativos.
Quando essa fase é alcançada, as condições na natureza pessoal descritas
como espíritos imundos, males e enfermidades são automaticamente melhoradas,
para finalmente desaparecer. O Cristo interior, desperto e ativo, bane a impureza e
harmoniza as discórdias. Isso resulta menos de um ato deliberado, do que do
resultado natural da espiritualidade aumentada no pensamento e na vida e da
manifestação crescente do Deus-Interior na pessoa física. Na verdade, nenhum
espaço é deixado para aquilo que é carnal e dissonante em uma personalidade que
está sendo preenchida pela divina presença encarnada.
Além do mais, cada ocultista, significando alguém tocado pelo fogo de Atma
e que estuda a ciência oculta, oportunamente se torna dotado do poder de expulsar
entidades obsediantes reais de pessoas e lugares. A faculdade e as técnicas do
exorcismo e da cura envolvem uma transmissão de poder do instrutor ao discípulo e
da instrução em seu uso efetivo. Como inferido, habitantes impuros e desagradáveis
dos mundos superfísicos realmente existem e podem obsediar a pessoa viva.
Geralmente são, mas nem sempre, pessoas desencarnadas que foram más durante
suas vidas físicas e continuam a sê-lo depois da morte, pelos menos por uns tempos.
Tais seres podem prender-se aos veículos superfísicos de suas vítimas, sendo
principalmente a natureza emocional usada como uma espécie de residência.
Ocultistas treinados são capazes tanto de ver tal entidade invasora como de expulsá-
la, selando depois a aura da vítima contra intrusões posteriores. Igualmente, males e
0
Guru – instrutor.
254
enfermidades causados por tais obsessores, como também por outras influências
físicas e psicológicas, podem ser diagnosticados e curados pelos discípulos de um
Adepto Instrutor.
Tal treinamento é tanto místico quanto oculto. A natureza interior do
discípulo, o Habitante do Recôndito, é descoberta e chamada à atividade, e uma
medida muito maior de poder espiritual do próprio Mestre torna-se disponível ao
discípulo, por meio de uma fusão mística das suas individualidades. Além do mais,
o discípulo recebe, em geral, um treinamento oculto preciso na aplicação do poder
que resulta na autopurificação e na cura espiritual.
O íntimo relacionamento entre os Adeptos Instrutores e seus discípulos
escolhidos forma, então, uma parte da constante, não obstante secreta, vida
espiritual e oculta seguida por uma pequena minoria de seres humanos neste
planeta. Em épocas anteriores nas quais as tendências materiais do homem eram
mais fortes do que as espirituais, era necessário treinamento especial para capacitar
aqueles que estavam à frente da raça humana para entender e vivenciar a senda do
desenvolvimento acelerado.
O poder de curar e expulsar aquilo que é impuro é levado a termo no fim de
um sistema solar, em um discípulo quando ele alcança o adeptado, e no mundo dos
homens nas fases correspondentes da evolução racial0.
Os leitores que estejam interessados em astrologia talvez possam levar em
especial consideração a seguinte aplicação tentativa desta ciência num aspecto da
vida de Cristo. No sentido cósmico, os doze apóstolos representam as inteligências
cósmicas associadas com os centros de poder zodiacais 0 e as forças, influências e
poderes zodiacais que afetam o homem como indivíduo e como raça humana. Esses
centros são um mistério profundo, especialmente, na medida em que os astros de
cada um dos signos do zodíaco não têm relacionamento espacial ou eletromagnético
aparente com os outros. A combinação deles em uma suposta unidade não tem base
no fato astronômico, salvo aqueles que podem parecer mover-se sincronicamente.
A doutrina oculta sugere que esse conhecimento foi parte da contribuição dos
primeiros instrutores e progenitores espirituais do homem. Isso recebe algum
suporte do fato de que nomes, formas e influências emanantes similares, embora
nem sempre idênticos, são atribuídos a cada um dos signos por povos amplamente
separados, tanto no tempo como na localização de suas civilizações. O sistema teria
sido bem-conhecido pelos cabalistas instruídos no período em que os evangelhos
foram escritos.
Quando a ciência da Astrologia é corretamente usada e os aspectos são
corretamente interpretados, é oferecida forte evidência – senão prova – da realidade
das influências supostamente emanantes dos grupos de estrelas mencionados.
Aspectos astrológicos podem estar relacionados a várias condições tais como as
0
Para uma explicação da evolução racial assim considerada, ver Geoffrey Hodson,
Lecture Notes of the School of the Wisdon, Vol. I, Ch. 14.
0
Inteligências Cósmicas ou Regentes ou Planetas – ver H. P. Blavatsky em A
Doutrina Secreta, Vls. 2, 3, 4 e 5 (na versão inglesa).
255
características humanas, as tendências para agir de uma maneira particular,
liberdade ou resistência à tendência geral dos eventos, quer seja relativamente aos
indivíduos, às nações ou à raça humana como um todo. O assunto é pelo menos
digno de investigação e tem, na verdade, obtido atenção e respeito de grandes
mentes.
Permutas de forças eletromagnéticas estão ocorrendo por todo o cosmos.
Algumas dessas forças podem ser detectadas por instrumentos modernos. A ciência
oculta ensina que, além do mais, forças superfísicas são irradiadas de corpos
celestes, inclusive da Terra e de cada coisa sobre ela, orgânica ou inorgânica 0.
Adeptos de épocas anteriores estavam cientes desses fatos e possuíam
conhecimento organizado a respeito de sua natureza e fontes. Esse conhecimento da
interação das influências estelares foi organizado por eles em uma ciência, um
fragmento da qual foi revelado aos iniciados de períodos anteriores. Esses, por seu
turno, levaram os aspectos mais materiais da ciência para o populacho, em parte
para preservar na mente da raça o conhecimento do fato de que o universo e o
homem consistem de mais do que a mera matéria física e formas materiais. A
astrologia na verdade é uma das formas mais efetivas para apresentar essa verdade
às mentes receptivas.
O número de discípulos, doze, sugere tanto um significado solar como
cósmico, relativamente à pessoa do Cristo. Em primeiro lugar, ele não teria
necessariamente se limitado a somente doze discípulos, mas quase certamente teria
escolhido um número maior de homens e mulheres da nação hebréia que se
sentiram atraídos para ele e seguiram-no. As várias comunidades ocultas ativas
naquele tempo, tais como a dos essênios, dos ebionitas e dos nazarenos, todas
teriam membros que já estavam seguindo a vida do discipulado. Eles estariam
muito provavelmente a serviço de Jesus, especialmente depois da descida do
espírito sobre ele no Batismo. Ademais, haveria possivelmente outros ingressados
recentemente na vida interior e mesmo alguns de lugares distantes, que viriam
receber a bênção e ficar por algum tempo na presença do grande Mestre vivo.
Os discípulos de Jesus totalizando somente doze, as doze tribos de Israel e de
seus patriarcas, os doze trabalhos de Hércules e outras classificações duodecimais
na antiga literatura – todas constituem-se em referências às influências duodecimais
físicas e superfísicas e às suas características correspondentes no interior da raça
humana na Terra0. Por exemplo, Judas Iscariotes, que provocou a prisão, o
julgamento, a morte e por fim a Ascensão de Jesus, personifica o planeta Saturno e
o signo de Escorpião. Ele representa a influência da mente analítica com suas
características favoráveis e desfavoráveis. Personifica também os efeitos
aprisionantes e insensibilizantes da matéria sobre o espírito do homem. O
desenvolvimento evolutivo conduz finalmente ao controle e à ressurreição do
homem desse domínio da mente e da matéria.
0
Ciência Oculta – ver Glossário.
0
Ver Geoffrey Hodson, Lecture Notes, Vol. I, Ch. 13.
256
Em termos de evolução planetária e racial, os doze signos e suas várias
personificações na literatura alegórica representam fases e estágios do
desenvolvimento da consciência humana. Esses processos seguem uma série de
doze ciclos, nos quais a suposta influência de cada signo segue o anterior na
predominância e nos eventos típicos. Esses ciclos são repetidos muitas vezes
através da evolução da raça humana, como revelaria um estudo aprofundado da
História com essa chave. A época de Cristo, por exemplo, representa e tem sido
caracterizada pelas qualidades do signo de Peixes e por seus dois planetas regentes.
É suposto por alguns astrólogos que Aquário está agora deslocando a influência
aparentemente declinante de Peixes.
O homem em sua natureza global tem em si as forças e as inteligências dos
doze signos zodiacais e de seus planetas regentes e está intimamente em harmonia
com elas. Em seu desenvolvimento interior, ele tira da latência para a atividade
esses doze poderes e capacidades. Os doze discípulos personificam esses atributos
de cada homem, enquanto o próprio Senhor Cristo, que é o Mestre deles, representa
o Sol, o espírito no interior, a fonte de luz e verdade.
Os incidentes registrados nos evangelhos são suscetíveis de uma
interpretação em três partes, com uma tríplice revelação da verdade – histórica,
cósmica e mística. Elas como que revelam três Cristos, o histórico visitante da
Terra; o Logos solar; e a Mônada do homem. Da mesma forma como o privilégio
do discipulado é sobretudo, mas não inteiramente, concedido com o fim de acelerar
o desenvolvimento dos discípulos, assim a grande alegoria dos doze aspectos pode
ser considerada como descritiva do desenvolvimento dos sistemas solares, das raças
de homens na Terra e de indivíduos em particular. A evolução dessas três ordens de
criação é descrita, em termos da linguagem sagrada, como o sentido subjacente das
supostas aventuras e experiências do povo em pauta.0
Cristo no meio dos discípulos, guiando-os e conduzindo-os pelo exemplo,
ensinando, dançando, cantando e revelando-se espiritualmente, reflete, na Terra, o
Logos de um universo em relação com seus componentes. Similarmente, o Senhor
Shri Krishna como divino músico no centro do círculo das dançarinas gopis, como
o parceiro místico de cada um deles no Rasa-Lila, é um retrato do mesmo
fenômeno. Assim também, com simbolismo diverso, estão Mestre e discípulos em
toda escritura mundial autêntica. Autores inspirados unem desse modo o céu e a
Terra e descrevem princípios celestiais na forma de acontecimentos terrenos,
trazendo-os, assim, ao alcance das mentes humanas.
0
Ver Hodson, Hidden Wisdon, Vol. 1, p. 89.
257
4. Simão, o Cananita, e Judas Iscariotes, aquele que o traiu.
Mt. 10:5. Esses doze enviou Jesus com estas recomendações: "Não tomeis o
caminho dos gentios, nem entreis em cidade de samararitanos.
6. Dirigi-vos, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel.
7. Dirigindo-vos a elas, proclamai que o Reino dos céus está próximo."
0
Boanerges, foi um nome místico dado a Tiago e João, por exemplo. Mc 3:17.
0
Jo 10:16.
258
transmitiu por todo o Mundo Mediterrâneo e, na verdade, sem distinção de raça ou
religião.
Tanto como um estado de consciência quanto uma condição interior do Eu
espiritual do homem, o reino dos céus está sempre bastante próximo, pois ele é, de
fato, um contínuo atributo da consciência da alma espiritual do homem. Esse estado
de ser inclui bem-aventurança consciencial e completa e imperturbável serenidade,
baseadas sobre a absoluta certeza da eternidade e assim da imortalidade do Eu
interior. Também, uma duradoura e perpétua compreensão da unidade de toda a
vida e de suas inumeráveis personificações caracteriza a consciência espiritual. Isso
implica na ausência do mínimo sentido de divisão, ou separação, de quaisquer
dessas personificações – uma condição que é intraduzível e indescritível em termos
do pensamento conceitual. Deus como a essência recôndita e núcleo de toda
existência, inclusive da própria natureza do homem, está sempre presente no
exterior e no interior. Além do mais, a consciência espiritual não conhece a
escuridão, uma vez que outro de seus atributos consiste da luz perpétua. Essas
condições não são questionadas como conclusões razoáveis nem são contestadas
pelo ponto de vista oposto, pois este último não pode existir para o Eu interno.
O âmago do ensinamento de Jesus, como de todos outros grandes esoteristas,
consiste de uma afirmação da existência do Eu divino, da referência ao seu estado
de ser e da exortação para que se tornem cônscio dele e finalmente mantenham-se
permanentemente nele. Nesses termos, é verdadeiramente ensinado que o reino dos
céus está, na verdade, "dentro de vós".
259
freqüentemente o faz, no trabalho dos discípulos, usando seus veículos como canais
de cura e de forças curativas. Além disso, o discípulo pode deliberadamente invocar
e tornar-se um canal de graça e poder curativo do Instrutor. Ele pode estabelecer
tais condições em si próprio e, então, invocar a ajuda do Mestre num caso
particular, seja para um indivíduo ou um grupo de pessoas. Esse poder de mediação
é conferido ao discípulo por um Instrutor, que usa um procedimento oculto para o
estabelecimento da sintonia exigida e para a transmissão de poder. As palavras
desse versículo sugerem que o Senhor Cristo conferiu essas faculdades ocultas e
espirituais particulares aos seus discípulos quando os instruiu no trabalho indicado
por suas palavras, para que os discípulos expressassem e representassem sua
presença ao cumprirem a missão para a qual ele os chamou.
Outro método de cura que faz parte do relacionamento entre discípulo e
Instrutor Adepto resulta do treinamento na ciência oculta. A fisiologia oculta é
ensinada, e o fluxo de energias vitais e de forças eletromagnéticas do corpo físico é
estudado por meio da clarividência que o estudante desenvolve. Além do mais, é
estudada a anatomia dos corpos superfísicos sob condições normais e patológicas e,
ainda diretamente, por meio de clarividência treinada, positiva. O diagnóstico das
condições física, vital e psicológica, torna-se então possível. Freqüentemente, é
obtida uma compreensão intuitiva da situação como um todo, mais propriamente do
que dos detalhes.
Ademais, são ensinados procedimentos corretivos. Esses incluem a projeção
de certas forças ocultas, por meio da força de vontade do pensamento, a fim de
superar dissensões e restaurar a harmonia, tanto nos órgãos como em suas funções.
Em caso de entidades invasoras e obsediantes superfísicas – seja elemental, ou
pensamento produzido por corpos superfísicos descartados ou seres humanos
falecidos com plena consciência – os intrusos psíquicos são desalojados.
A expressão "de graça dai" pode ser interpretada como significando, não só
servir os outros sempre que requisitado, mas também ajudar à humanidade sem
pensamento no eu. Essa última é uma ponderação importante, pois o discernimento
deve ser usado sempre em todas as ações físicas, especialmente naquelas de ajuda,
sem o que o corpo seria enfraquecido ou mesmo destruído. A atitude de auto-
esquecimento serve como uma proteção.
Está também indicada uma lei oculta e espiritual. O estudante que se torna
um recipiente do poder e da benção do Mestre deve, por sua vez, transformar isto
em ajuda ao seu semelhante. Se tais poderes são estocados, ou acumulados, para
uso pessoal, ao invés de serem extravasados através dos corações abertos para alívio
da humanidade sofredora e para iluminação das mentes obscurecidas, então o
suprimento e o influxo diminuem e, por fim, cessam completamente. Essa injunção
pode então ser considerada não só como uma instrução imediata, mas também como
um aviso e uma afirmação da lei.
Mt 10:09. "Não leveis ouro, nem prata, nem cobre nos vossos cintos,
10. nem alforje para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem
260
cajado: pois o operário é digno do seu sustento."
261
discrepância entre a prática pessoal e a doutrina. Nesse importante assunto a vida
externa do discípulo deve ser justa, sincera e verdadeira, não só para influenciar as
mentes dos outros, mas pelo amor à verdade.
Então, as posses pessoais, as roupas e as finanças serão mantidas num
mínimo sensato, sendo o discernimento empregado sempre em obediência a essa
regra. O manto amarelo e a tigela de esmola do monge budista, o manto açafrão, o
rosário, o cajado e a culinária e vasos cerimoniais do hindu sannyasi (o homem
santo), e a simplicidade de Elias e João Batista tudo isto exemplifica a obediência a
esses ideais de desapego e ausência de paixão.
Essa regra pode também ter sido planejada para ser uma salvaguarda contra
aquela cupidez em que Judas Iscariotes caiu. O poder espiritual e a aura magnética
de um discípulo aceito podem se mostrar atrativas a outros. A doação de presentes
constitui-se numa reação natural, e a sede por lucro pode ser despertada pelo
recebimento deles. A consciência pode ser nublada por fundos acumulados além
das necessidades dos anos presentes e futuros do discípulo e de seus dependentes.
Qualquer tendência para a avareza exacerbada pelo recebimento de presentes deve
ser estritamente evitada. Os objetos referidos nesses versículos podem, então, ser
considerados tanto reais como símbolos do estado ideal da mente.
Mt 10:11. "E quando entrardes numa cidade ou numa aldeia, procurai saber de
alguém que seja digno e permanecei ali até vos retirardes do lugar."
A vida oculta e o espírito secreto deste planeta têm seus devotos, aspirantes e
seguidores mais avançados vivendo insuspeitamente em diversas partes do mundo.
Embora possam parecer sem notoriedade aos olhos do mundo ou mesmo algo
excêntricos segundo padrões populares, eles, todavia, representam oásis nos
desertos do materialismo e do egoísmo e centros onde refúgio e isolamento estão
disponíveis aos Instrutores adeptos e a seus discípulos viajantes. Quando o
discípulo viaja no curso de seu ministério dedicado à humanidade e em resposta aos
chamados de serviço do seu Mestre, ele é também previamente informado de tais
colegas devotos ou rapidamente os descobre. Em alguns casos esses são advertidos
de sua chegada. Em outros ele tem de fazer uma discreta averiguação, buscando
seus irmãos e, quando adequado, colocando-se aos cuidados deles.
Além de observarem reciprocamente o modo de vida e as características
pessoais, tanto o visitante como o anfitrião reconhecem o valor ou falta de valor um
do outro pelo uso dos sentidos espirituais que se aguçaram no curso do treinamento.
262
Um estado de desarmonia existe inevitavelmente em algum grau onde seres
humanos se congregam e vivem juntos. Parte da missão dos ocultistas é reduzi-la,
por suas ações e sua presença, e aumentar a harmonia.
Embora cada discípulo verdadeiramente aprovado e ocultamente aceito por
um Instrutor Adepto seja naturalmente e algumas vezes inconscientemente um
centro de paz, a potência desse centro é aumentada pelo ato consciente de invocar e
estabelecer uma paz interior profunda. O Adepto é uma encarnação daquele estado
de ser e de consciência completamente harmonizado que é habilmente descrito
como "a paz de Deus que excede toda compreensão"0. Quando um discípulo realiza
um ato oculto de harmonização, a paz do Mestre é transferida e conduzida por
intermédio do discípulo e de sua aura ao seu ambiente. Tal auxílio deliberado afeta
tanto a vizinhança como os habitantes da casa, segundo o grau de responsividade e
o estado natural deles, bem como a condição de suas psiques no momento da
invocação de saudação.
A instrução para restringir a benção de paz e a saudação à casa que for digna
e negá-la a quem for indigno clama por alguma explicação. Digna nesse contexto
pode ser traduzida como uma condição de responsividade às influências espirituais.
Como é limitada a quantidade de energia disponível do discípulo que é doadora de
paz, harmonizante e curativa, ele é aconselhado a usá-la com discernimento e
visando à sua provável efetividade; porque é uma lei da vida espiritual que tais
forças e capacidades devem ser sempre usadas para obter os resultados máximos
com o mínimo esforço.
Mt 10:14. "Mas, se alguém não vos recebe e não dá ouvidos às vossas palavras,
saí daquela casa ou daquela cidade e sacudi o pó de vossos pés."
0
Fl 4:7.
263
para aceitá-la. Se corretamente traduzida, a última sentença daquele versículo pode
ser considerada sob essa luz.
Somente nesse sentido, nunca em um espírito de condenação e
separatividade, o discípulo seleciona o receptor da benção e da sabedoria do seu
Mestre. Em nenhuma circunstância ele jamais adotaria uma atitude de desunião
com qualquer de seus semelhantes, nem deixaria de ajudar aos mais inferiores
sempre que a ajuda pudesse ser benéfica.
Mt 10:15. "Em verdade vos digo que o dia do Juízo será mais tolerável para
Sodoma e Gomorra do que para aquela cidade."
Nesse ponto pode haver alguma dúvida legítima quanto a se o Senhor Cristo
foi de fato a fonte desse versículo. Pois, na sua presente forma, a injunção pareceria
demasiadamente severa e de veracidade filosoficamente duvidosa. Essa injunção
não parece estar em conformidade com as regras da vida espiritual, que estão
fundadas na unidade de tudo que vive ou na prática dessas regras com o
discernimento nascido do amor. Quando essa passagem é comparada com as
palavras de Cristo relativas às suas torturas na cruz, "Pai, perdoa-lhes, porque não
sabem o que fazem0, a dúvida sobre sua autenticidade é um tanto fortalecida "
Nenhum homem pode ser condenado porque se recusou, ainda que com
desprezo, a receber um visitante espiritual e sua mensagem; pois, em grande parte,
sua cegueira é mais um marco da presente estatura evolutiva. Nenhum homem pode
ser também imparcialmente condenado ou submetido a punição severa por causa da
juventude espiritual. Similarmente, um jovem escolar também não poderá
provavelmente corresponder aos ensinamentos da Matemática avançada ou dar as
boas vindas a um professor daquele ramo da ciência. Isso é devido menos ao
desmerecimento do que à juventude e ao seu estágio nos processos da educação.
Mt 10:16. "Eis que eu vos envio como ovelhas entre lobos. Por isso, sede
prudentes como as serpentes e mansos como as pombas."
0
Lc 23:34.
264
mantém, entretanto, uma aguçada sensibilidade em diversas direções e em
intensidades diferentes. Quando ele está fora no mundo, essas condições tornam o
discípulo extremamente vulnerável.
Esse versículo pode ser considerado como orientação aos discípulos quanto
aos seus próprios estados interiores de ser e aos impactos do mundo sobre eles.
Metaforicamente, eles são como ovelhas entre lobos, entre homens que são
indisciplinados em seus modos de vida e ávidos em sua ganância por poder e
riqueza. Aspirantes espirituais tornados sensíveis podem ser presas fáceis para tais
homens. Podem mesmo ser feitas tentativas de usar a sua aparente simplicidade e o
encanto de sua espiritualidade para fins egoísticos.
O Mestre coloca os discípulos em guarda contra tais perigos, prevenindo-os
para serem sábios e absterem-se de toda forma de violência. Sua influência
cautelosa, protetora será, entretanto, estendida a eles, porque isso é parte do
significado do mais sagrado de todos os relacionamentos possíveis – aquele entre
Instrutor e discípulo. Não obstante, a partida do Mestre pode se constituir num teste
rigoroso e, em conseqüência, apresentar o perigo de uma queda espiritual.
Essas palavras de Jesus são tão aplicáveis hoje, quanto foram quando
proferidas. A maior sedução a que pode sucumbir um discípulo que vive no mundo
externo é a da riqueza e da liberdade e do poder mundanos que ela parece
proporcionar. Na verdade, muitos são aqueles membros dos santuários espirituais
que partiram em missões externas e sucumbiram ao fascínio das riquezas, a mais
sutil das tentações. A posse de bens materiais pode produzir a ilusão de que a
segurança financeira pode compensar a perda da integridade oculta e espiritual.
Esse é um erro profundo, como descobriram aqueles que abandonaram a senda da
retidão pelos caminhos da luxúria supridos pelo dinheiro, aquela "gazua que nunca
falha."
Mt. "Guardai-vos dos homens: eles vos entregarão aos sinédrios e vos
10:17. flagelarão em suas sinagogas.
18. E, por causa de mim, sereis conduzidos à presença de governadores e
de reis, para dar testemunho perante eles e perante as nações."
É dada aqui uma advertência. Um libertador das mentes dos homens está
incessantemente em conflito com aqueles que poderiam aprisioná-lo dentro dos
grilhões do pensamento estabelecido, dos métodos de adoração e mesmo da conduta
diária na vida. Uma grande e notável mudança é produzida na consciência dos
discípulos de um Adepto Instrutor. Em conseqüência, eles vêem e conhecem cada
vez mais o espírito das escrituras e o significado místico das doutrinas e dos
cerimoniais. Quando ensinam isso a outros, uma realização interior da essência da
religião encontra inevitavelmente expressão. Para tais iluminados a verdade interior
faz-se clara, e eles a transmitem como os santos e profetas sempre fizeram, não
obstante com uma certa sabedoria e tomando precauções.
265
Pode ser bastante acentuada0 a diferença entre os ensinamentos de alguém
que fala com a liberdade interior que resulta da experiência espiritual e os daqueles
que estão restritos à letra morta da escritura. A solidez de uma doutrina parece ser
injuriada pela pessoa verdadeiramente iluminada que transcendeu as restrições desta
doutrina. A menos que sua linguagem seja escolhida muito criteriosamente e suas
palavras reprimidas, ele pode parecer estar atacando diretamente as religiões
ortodoxas. Na verdade, ele pode mesmo sentir-se deliberadamente chamado a agir
assim, como fez Jesus.
Além do mais, a sabedoria e o entendimento do adepto, particularmente
quanto às necessidades espirituais dos homens e como elas podem ser atendidas,
são tão profundos e penetrantes que ofuscam aqueles que não possuem tais atributos
e capacidades. Entretanto, o instrutor espiritual verdadeiro deve cumprir sua missão
libertadora, visto que para isto é que ele foi enviado ao mundo.
O Mestre está, nessas palavras, advertindo seus discípulos contra a ira e o
ódio, aconselhando-os a ser cautelosos e quando necessário falar a verdade.
Mt 10:20. "porque não sereis vós que estareis falando naquela hora, mas o
Espírito de vosso Pai é que falará em vós."
O Pai cuja voz fala de dentro refere-se ao espírito divino interior no homem,
o Deus vivo para o qual o homem exterior é um templo, como foi escrito por são
Paulo0. Essa auto-iluminação interior em plena consciência física não deve, em
nenhum sentido, ser confundida com a prática de mediunidade espírita, que é
anátema para o ocultista e para o verdadeiro discípulo. As duas diferem
profundamente, na medida em o mediunismo acarreta a entrega do autocontrole a
0
Cf. Mt 7:29.
0
2Cor 6:16.
266
outro, enquanto a iluminação interior envolve o pleno autocontrole e auto-
iluminação.
Contudo, os pensamentos do Adepto Instrutor podem ser projetados na
mente do discípulo e encontrar expressão em suas palavras quando ele ensina, pois
que o Instrutor associa sua própria consciência à do discípulo, de forma que a
interação entre eles pode ter lugar sempre. Quando puro de coração e com a mente
tranquila, o discípulo sintoniza-se com seu instrutor. Conseqüentemente, ele pode,
em vários níveis, estar cônscio dos pensamentos do seu instrutor e assim testar suas
próprias idéias concernentes aos assuntos sob exame.
Os quatro evangelistas abstêm-se de descrever qualquer detalhe do
treinamento psicológico e espiritual que os discípulos de Jesus receberam de suas
mãos, porque isso é muito privado e é sempre guardado como um segredo quase
divino, exceto pelos apóstatas. Nesse versículos, entretanto, é feita alguma
referência a essa parte do relacionamento entre discípulo e Mestre.
267
Pai, mãe, irmão e irmã, a despeito do amor familiar, são todavia homens e mulheres
de seus dias e épocas, enquanto o neófito espiritual pertence a outra época
completamente diferente, que será alcançada no futuro pela denominada pessoa
comum. Jesus, conhecendo bem isso, preveniu então seus próprios discípulos antes
deles saírem para a confusão do pecado, tristeza e mundanismo. Prevenidos e assim
armados, eles são enviados em suas missões.
A despeito dessa advertência, dois dos discípulos designados falharam, um
deles temporariamente e o outro definitivamente. Pedro negou seu Senhor à noite,
mas se recuperou quando o dia amanheceu e a voz do Eu interior, como
consciência, foi ouvida e respondida pelo remorso sincero e auto-redenção 0. Judas,
por outro lado, tornando-se prisioneiro de sua própria cobiça ainda não curada
falhou e, finalmente, tirou sua própria vida0.
Tais são, na verdade, alguns dos testes e perigos a serem inevitavelmente
enfrentados pelos homens que, interiormente inspirados, de forma deliberada
trilham a senda do progresso acelerado e encontram-se movidos por ideais de vida
associados com o caminho estreito.
Mt 10:22. "Sereis odiados por todos por causa do meu nome. Aquele, porém, que
perseverar até o fim, esse será salvo."
Mt 10:23. "Quando vos perseguirem numa cidade, fugi para outra. E se vos
0
Mt 26:69-75.
0
Mt 27:5.
268
perseguirem nesta, tornai a fugir para uma terceira. Em verdade vos
digo que acabareis de percorrer as cidades de Israel até que venha o
Filho do Homem."
Mt 10:24. "Não existe discípulo superior ao mestre, nem servo superior ao seu
senhor.
25. Basta que o discípulo se torne como o mestre e o servo como o seu
0
A natureza crística já está ativa e desperta num crescente número de pessoas. Daí a
Aliança das Nações, as Nações Unidas, a Cruz Vermelha Internacional e todos
movimentos mundiais para ajuda da humanidade sem o cunho de vantagem nacional
ou pessoal.
269
senhor. Se chamaram Belzebu ao chefe da casa, quanto mais chamarão
assim aos seus familiares?"
270
Externamente, a própria aura da pessoa espiritualmente desperta pode irritar
aqueles que lhe prestam atenção, pois seu modo de vida e de falar, indicativos de
idealismo elevado, podem contrariar as pessoas. Esse antagonismo pode tomar
formas violentas, como está demonstrado na história de todo Avatar e instrutor
espiritual que visitou a Terra0. Interiormente, as próprias células do corpo do neófito
exigem, podendo mesmo clamar em pânico a continuação das indulgências
anteriores com a intemperança. A mente por sua vez de forma automática, como
também conscientemente, resiste à universalização e agarra-se determinadamente a
sua atitude dominante de individualidade separada, pessoal.
Mais particularmente, o ensinamento a propósito da resistência e da
hostilidade seria, mais tarde, exemplificado na vida do próprio Cristo, pois ele foi
caluniado, atacado, traído, torturado e assassinado. Nesse exemplo a resistência da
matéria ao espírito e da personalidade mortal do homem à influência sobre ele de
sua própria natureza divina são dramatizadas com grande discernimento, habilidade
e sabedoria. Na verdade, a história evangélica é uma revelação do conhecimento
espiritual e oculto das mais felizes dentre todas as muitas revelações alegóricas.
Mt 10:26. "Não tenhais medo deles, portanto. Pois nada há de encoberto que não
haja de revelar-se, nem de oculto que não haja de saber-se."
Mt 10:27. "O que vos digo às escuras, dizei-o à luz do dia; o que vos é dito aos
ouvidos, proclamai-o sobre os telhados.
0
Cf. Shri Krishna e o Rei Kansa, Gautama Buddha e Devadatta, e Jesus e o Rei
Herodes.
271
tempo apoiando seus seguidores, com receio de que, em face do antagonismo das
multidões, eles pudessem recusar ou diluir demasiadamente o ensinamento que
receberam.
Mt 10:28. "Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma.
Temei antes aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno."
Mt. 10:29. "Não se vendem dois pardais por um asse? E, no entanto, nenhum
deles cai por terra sem o consentimento do vosso Pai!
30. E até mesmo os cabelos de vossa cabeça estão todos contados."
Mt 10:31. "Não tenhais medo, pois valeis mais do que muito pardais."
272
sido a junção de partes rememoradas de inúmeras palestras, tais como as que todo
Mestre adepto faz, de tempos em tempos, para seus discípulos.
Pode-se estar seguro de que nas casas e sobrados, nos bosques sombreados e
nas praias de lagos e nos pequenos córregos, talvez no próprio Rio Jordão, Jesus
reuniu seus discípulos na intimidade e aconselhou-os. Suas palavras devem ter
ficado profundamente impressas em suas mentes, de forma que a memória escrita
delas pode ter sido razoavelmente acurada. Entretanto, muito deve ter sido também
esquecido ou considerado como desnecessário para registro. Além do mais, também
devem ter havido ensinamentos profundamente esotéricos que lhes foram
recomendados guardar secretamente no interior de seus corações, verdades para
serem vividas mais do que para serem repetidas. Presumivelmente, devem ter sido
dados ensinamentos sábios mais profundos do que os livremente revelados,
relativamente às experiências físicas e psicológicas que surgem no início da senda
do desenvolvimento acelerado0.
Mt 10:32. "Todo aquele, portanto, que se declarar por mim diante dos homens,
também eu me declararei por ele diante de meu Pai que está nos céus."
Uma leitura literal desse versículo parece ser de difícil aceitação. Tomado
misticamente, entretanto, uma profunda verdade é revelada. O homem em quem o
princípio crístico está inativo é, por enquanto, incapaz de contatar o poder espiritual
e a iluminação intelectual de seu Eu recôndito ou ser por eles alcançado. Portanto,
ao invés da ação pessoal de um Mestre, está sendo descrita uma fase evolutiva e as
experiências e possibilidades a ela associadas.
0
Ver Hodson, Hidden Wisdon, Vol. II, Pt. VI.
273
Mt 10:34. "Não penseis que vim trazer paz à Terra. Não vim trazer paz, mas
espada.
35. Com efeito vim trazer divisão entre o homem e seu pai, entre a filha e
sua mãe, entre a nora e sua sogra.
36. Em suma: os inimigos do homem serão os seus próprios familiares.
37. Aquele que ama pai ou mãe mais do que a mim não é digno de mim. E
aquele que ama filho ou filha mais do que a mim não é digno de mim."
274
membros da sua família. Mesmo assim, a passagem necessita ser lida e aplicada
com grande discernimento. Além da unidirecionalidade, a sabedoria capaz de
discernimento é um atributo do homem desenvolvido 0, como também são o amor
impessoal e a consideração pelos outros. A delicadeza extrema caracterizaria,
portanto, a expressão da irrevogável opção do discípulo em seus relacionamentos
com aqueles mais chegados e queridos. Internamente, entretanto, e quando estão
envolvidos grandes princípios, a possibilidade de compromisso está fora de
cogitação para ele.
Também está indicado nesses versículos o desinteresse pessoal pelas coisas
do mundo e suas recompensas e por todos relacionamentos humanos que possam
obstar os objetivos escolhidos. A completa ausência de paixão no que diz respeito
às ocupações e posses pessoais é apresentada como um ideal essencial 0.
O registro das palavras de Jesus pode não expressar completamente a sua
declaração, pois que ele, como outros Instrutores espirituais, provavelmente faria de
forma menos drástica sua declaração de princípios, ainda que as apresentando com
clareza inconfundível. Entretanto, a sucinta e poderosa alocução registrada no
versículo trinta e quatro persiste rigorosamente verdadeira, porque o processo de
sair de uma vida baseada em interesses mundanos e objetivos puramente materiais
realmente necessita uma operação definida, quase cirúrgica. Essa "separação" pode
parecer mais drástica para observadores que não estejam igualmente tocados do que
para a pessoa realmente submetida à operação; pois, mental e psicologicamente, a
operação tornou-se um procedimento perfeitamente natural, inevitável na verdade.
O mundo desaparece para ele, como também o interesse nas coisas do mundo. Ele
viu a glória da luz interior. Experimentou a bem-aventurança da unidade, da união
das partes internas de sua natureza revelada, à sua mente. A partir desse momento,
como diz uma antiga escritura: "Não há outro caminho a seguir" 0. A atitude de
crescente unidade de propósito é também adotada de forma completamente natural.
Na verdade, pode ser dito que ela toma posse do homem, a invés de que o homem a
adota por escolha pessoal.
Verdadeiramente, nenhum agente externo pode causar em qualquer ser
humano a mudança decisiva, da vida do mundo para outra dedicada à
espiritualidade e ao serviço da humanidade, como descrita nos versículos
relembrados nesse capítulo. Tal mudança e tais escolhas, quando feitas
sinceramente, vêm do interior e são os resultados perfeitamente naturais da entrada
na fase de avanço evolutivo. A Mônada naquele estágio capacita e ilumina o Eu
interior desabrochado, que, por seu turno, apossa-se do homem exterior. Assim,
pode-se considerar que o Senhor estaria descrevendo uma atitude interna da mente,
ao invés de um modo de conduta.
0
A palavra sânscrita Viveka expressa esse ideal. Ver Sankaracharya, The Crest Jewel
of Wisdom.
0
A palavra sânscrita Vairagya expressa esse ideal completamente. Ver
Sankaracharya, The Crest Jewel of Wisdom, e Bhagavad Gita.
0
Upanishads.
275
Se, entretanto, for argumentado que os homens e mulheres comuns do
mundo serão os principais leitores de obras tais como os evangelhos, e que dela
pode resultar a ruptura da vida familiar ou pelo menos posto em perigo o amor da
família, então duas possibilidades devem ser consideradas. Na primeira, o Senhor
estava falando somente para seus discípulos. Na segunda, os evangelhos podem ser
inexatos, porquanto foram escritos talvez um século ou mais depois dos eventos.
Uma vez que alegoristas iniciados participaram na produção dos quatro evangelhos,
pode seguramente ser dada maior peso à primeira dessas duas possibilidades, pois,
como uma enunciação da atitude ideal da mente e das leis que governam a evolução
acelerada, os versículos devem ser considerados como verdadeiras jóias de
sabedoria, obras-primas – mesmo em em se tratando de traduções – descrevendo a
vida oculta e sobre ela dando orientação. Leis exatamente similares estão delineadas
nas escrituras de outras crenças mundiais, notavelmente no hinduísmo, budismo,
taoísmo e sufismo0 – que descrevem a autodisciplina quase férrea e o
unidirecionamento extremo, ditos serem essenciais ao sucesso na obtenção de
estatura evolutiva elevada, à frente da raça.
Mt 10:38. "Aquele que não toma a sua cruz e não segue após mim não é digno de
mim."
Mt 10:39. "Aquele que acha a sua vida, vai perdê-la, mas quem perde a sua vida
por causa de mim, vai achá-la."
0
Os Brahmasutras, Yoga Sutras, o Bhagavad Gita, Viveka Chudamani (The Crest
Jewel of Wisdom) são exemplos do hinduísmo; Sr. Edwin Arnold em A Luz da Ásia
e outros trabalhos; Lao-Tse, no Tao-te-Ching, parcialmente traduzido em Hodson,
Lectures Notes, Vol. I, Ch. 15, Section 6; Fiels, trans., Confession of Al Ghazzali.
0
Ver Geoffrey Hodson, Reencarnação, Fato ou Falácia?
276
Na natureza, as coberturas exteriores, conchas, cascas e membranas de
envolvimento são quebradas quando o germe-semente, até então incluso no interior,
começa a reproduzir sua geração. Isso também ocorre no interior do homem
renascido espiritualmente. A casca envolvente da autoconfiança, da autoproteção e
da individualidade gananciosa perdem o poder sobre a consciência interior
divinamente expandida e que frutificou espiritualmente. Muito naturalmente, tal
pessoa começa a preocupar-se menos e menos com sua personalidade anterior
autocentrada e mais e mais com o Eu divino mais abarcante, encarnado na raça
humana como um todo, e com a vida una, encarnada em todos os reinos da
natureza, pois que agora experimenta a unidade com tudo.
Quando, entretanto, essa mudança de atitude começa pela primeira vez a
afetar sua visão de vida, o neófito experimenta a tendência para voltar aos motivos e
modos de pensamento anteriores. Essa é a fase evolutiva em que o verdadeiro
Instrutor espiritual aparece, dando conselhos e fortalecendo o impulso interior para
o altruísmo. Essa duas influências, a mudança interna e a ajuda do Mestre,
finalmente levam o discípulo a um estado de mente em que a "perda" da auto-
separatividade que o acompanha, na qual ele, até então, acreditava, é
completamente superada pelo "ganho" espiritual interior. Ele descobre dentro de si
mesmo que a renúncia real ao auto-interesse conduz não à perda, mas a uma
realização para qual não pode conceber nenhum horizonte ou limite, pois
universalizou seu centro de autoconsciência.
Essa gradual e memorável transformação de perspectiva finalmente leva o
discípulo ao adeptado. Tendo-o então alcançado, funde-se conscientemente no
oceano ilimitado da Vida interior do universo. A partir de então, pode dizer com o
Senhor Cristo e com igual realização plena: "eu e o Pai somos um." Sua existência
humana é assim concluída ao alcançar a humanidade perfeita. Tornou-se um ser
super-humano, um "homem justo tornado perfeito", tendo alcançado a "medida da
estatura da plenitude de Cristo0."
Assim, os ensinamentos contidos nesse versículo fecundo, que revelam o
segredo interno de progresso na senda do desenvolvimento rápido, tornam-se
plenamente manifestos nele, que antes fora homem e agora tornou-se homem
perfeito. O segredo é que o homem outrora existente, quando através de longos
períodos de evolução tornou-se conhecido de si próprio, deve morrer a fim de que o
novo homem possa viver. Todas as mortes alegóricas e figurativas registradas na
escritura e legitimadas nos ritos iniciatórios solenes referem-se a essa verdade
maior.
Mt 10:40. "Quem vos recebe, a mim me recebe, e quem me recebe, recebe ao que
me enviou."
277
pois, uma vez que aquela sagrada relação esteja plenamente estabelecida, a unidade
entre eles é próxima e pessoal na verdade. Eles são de fato um, não só por
compartilharem a Vida una, mas por causa da combinação da consciência e de
veículos sutis em uma íntima concordância. Tais discípulos levam consigo a
presença de seu Mestre aonde quer que vão, enquanto, por sua vez, participam, na
medida de suas capacidades, da vida e do trabalho do Mestre. Como o Mestre, por
assim dizer, acompanha-os por toda parte do mundo externo, eles também estão
como ele em tudo o que faz. Assim, no sentido literal, quando um discípulo é
recebido, seja mental, fisicamente ou ambos, o Mestre também é recebido.
Essa presença interior do Adepto pode ocasionalmente se tornar manifesta,
como às vezes acontece, seja como uma atmosfera ou uma ação, uma influência ou
palavras proferidas que talvez mudem a vida dos que as recebem.
278
exemplificado no Sermão da Montanha. Ademais, com variados graus de
consciência, está agindo sob as ordens de seu Mestre. Sem pensar no eu, ele é um
ajudante, um curador e instrutor de seus semelhantes em nome de seu Mestre.
Essa vida interior é extraordinariamente privada e sagrada para ele, não
sendo permitido nem mesmo a seus parentes mais próximos partilhar dela, pois eles
são incapazes disto. Na verdade somente aqueles que, como ele próprio, entraram
pela "porta estreita" e estão trilhando o "caminho apertado" podem compreender um
estado de consciência e um modo de vida apropriado ao discipulado e dele
participar.
CAPÍTULO QUINZE
Mt 11:2. João, ouvindo falar, na prisão, a respeito das obras de Cristo, enviou a
ele os seus discípulos,
A dizer-lhe "És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?"
3.
Jesus respondeu-lhes: "Ide contar a João o que estais ouvindo e
4. vendo:
"Os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os leprosos são
5. purificados e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é
anunciado o evangelho.
"E bem-aventurado aquele que não ficar escandalizado por causa de
6. mim!"
279
Como mensageiro e precursor enviado para preparar o caminho para o
Messias, João é apresentado como uma figura histórica e como uma reencarnação
de Elias. Em seu modo de vida, vestir-se, alimentar-se e por seu evangelho de
autopurificação, João, na verdade, muito se assemelha ao profeta do Velho
Testamento. O aprisionamento por Herodes e mais tarde a decapitação não estão,
entretanto, em completa harmonia com a idéia que se tem do profeta Elias
apresentada no Velho Testamento, pois Elias foi o homem preservado e protegido
por Deus que ascendeu aos céus numa carruagem de fogo, permitindo que seu
manto caísse sobre seu sucessor, Eliseu 0. Um homem como esse, dotado de poderes
teúrgicos, não seria vencido por um governador romano transitório. A anomalia é,
entretanto, resolvida se a história é considerada alegoricamente.
João, o Batista, na prisão representa a influência restritiva e espiritualmente
obscurecedora, sobre o homem, da mente excessivamente analítica, crítica e
orgulhosa – uma prisão potencial na verdade; pois sob sua influência, a sabedoria
espiritual fica de fora e as faculdades intuitivas são "aprisionadas" ou mesmo
paralisadas. Desnecessário dizer que não só as qualidades indesejáveis da mente
restringem a influência do Eu superior sobre a natureza mortal, mas também as
forças emocionais no homem, paixão e desejo, quando se admite sua expressão
inadequadamente. Essas forças e o veículo no qual surgem, o denominado corpo
astral0, e através do qual expressam-se originalmente, são personificados por sua
vez por Salomé, a dançarina que provoca e gratifica os instintos sexuais do rei. Os
discípulos representam a natureza mental e emocional disciplinadas e dedicadas do
homem, enquanto a multidão não-iluminada, suas cidades e mesmo o próprio país
caracterizam o corpo físico e os estados de consciência puramente materiais.
Na linguagem sagrada da alegoria e do símbolo, o drama da iniciação com
suas aflições, provações e triunfos é apresentado como se no palco da vida; no
presente exemplo, a Judéia de uns 2.000 anos atrás. A estória é entretanto
atemporal, os eventos acontecem sempre quando os homens e mulheres
autotreinados e inspirados passam pela morte e ressurreição figuradas, através das
quais são descritas experiências associadas com a passagem pelos graus dos
Mistérios Maiores. Ainda que o relato da escritura possa parecer objetivo, a
experiência é totalmente interior, o drama desenvolve-se dentro da alma do homem
desperto. Esses seres humanos regenerados, os iniciados de todos os tempos, não
são mais espiritualmente cegos, coxos, leprosos, surdos, mortos ou empobrecidos.
Como indicado no quinto versículo, todas essas limitações desaparecem. Elas
pertencem às restrições da humanidade mortal, durante a fase que precede a
regeneração espiritual. Quando essa última ocorre, a presença do Cristo é
misticamente experimentada e conseqüentemente cessam todos os sofrimentos.
0
2Rs 2:11, 13.
0
Astral – ver Glossário.
280
11:7. "Que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento?
Mt "Mas que fostes ver? Um homem vestido de roupas finas? Mas os que
11:8. vestem roupas finas vivem nos palácios dos reis."
Mt "Então, que fostes ver? Um Profeta? Eu vos afirmo que sim, e mais do
11:9. que um profeta."
Mt 11:10. "É dele que está escrito: Eis que envio o meu mensageiro à tua
frente; ele preparará o teu caminho diante de ti."
Mt 11:11. "Em verdade vos digo que, entre os nascidos de mulher, não surgiu
0
O Pentateuco.
0
Ml 4:5.
281
nenhum maior do que João, o Batista, e, no entanto, o menor no Reino
dos céus é maior do que ele.
Mt 11:12. "Desde os dias de João Batista até agora, o reino dos céus sofre
violência dos que querem entrar, e violentos se apoderam dele."
Mt 11:13. "Porque todos os profetas bem como a Lei profetizaram, até João.
14. E, se quiserdes dar crédito, ele é Elias que havia de vir.
15. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça."
282
no mais alto grau0. Os discípulos foram também inteiramente informados de que as
formas materiais de auto-expressão devem, por sua vez, ser finalmente
desenvolvidas como instrumentos de perfeita responsividade e máxima beleza
Assim, Jesus, ao menos em uma ocasião (versículo catorze), afirmou aos
discípulos que, em obediência a essa lei, João, o Batista, era na verdade um
reaparecimento num novo corpo, uma reencarnação do Eu espiritual, que
anteriormente tinha estado encarnado sob o nome de Elias. Da forma como o
registro foi transmitido, esse processo refere-se somente ao grande profeta e sua
última encarnação. Entretanto, aos discípulos fora dada evidência objetiva da
eficácia em todos os homens da lei cíclica universal. Embora para a ortodoxia dos
hebreus isso fosse evidente heresia, para os seguidores dos ensinamentos secretos
da cabala o funcionamento da lei cíclica era e ainda é bastante bem-conhecido.
O apelo do Mestre foi, entretanto, não apenas à mente, mas também à
intuição, a sabedoria do coração. O último daqueles três versículos apela ao ouvinte
para receber não só as palavras, mas a própria verdade por trás e no interior das
palavras, pois todo ensinamento de mistério é dirigido não só ao intelecto, embora
seja valioso para a mente, porém muito mais às percepções e respostas intuitivas
mais profundas que surgem do aspecto sabedoria do Eu recôndito.
A doutrina do renascimento tinha alcançado os países mediterrâneos a partir
do Oriente e do Extremo Oriente, tendo sido trazida por mercadores, missionários e
pelos instruídos na Doutrina Secreta quando viajavam de suas pátrias para o
Ocidente. Os essênios conheciam-na, bem como os iniciados dos Mistérios
egípcios. Jesus, como um deles, estava portanto bem-instruído na idéia e assim
capacitado a comparti-la com os poucos escolhidos, de quem nunca esperava
traição a sua pessoa ou aos ensinamentos mais esotéricos e não-ortodoxos que
ministrara. Dentre esses ensinamentos estava toda a doutrina dos ciclos, universal e
humano, ensinada somente no santuário.
A necessidade de segredo era muito grande naquele tempo e lugar. Era
perigoso revelar qualquer coisa não ensinada na Torá, como Jesus mais tarde
percebeu, sendo a morte a penalidade. Pois Jesus ensinou não só a lei dos
renascimentos, mas outra muito mais heterodoxa, a natural divindade do próprio
homem, que cada um é uma verdadeira manifestação do puro espírito conhecido
como Adonai.
Mt 11:16. "A quem vou comparar esta geração? Ela é como crianças sentadas
nas praças, a desafiarem-se mutuamente:
17. Nós vos tocamos flauta e não dançastes! Entoamos lamentações e não
chorastes!"
0
Ver Geoffrey Hodson, "Reincarnation, Fact or Fallacy?"
283
desenvolvimento, sendo os últimos vistos muito desfavoravelmente. Esse contraste
é mais acentuado neste capítulo, pois Nosso Senhor confia a seus discípulos a
sabedoria secreta e censura àqueles que nem a conhecem nem se importam com ela.
Ele retrata esses últimos como estando sentados nas praças, indicando que o maior
interesse deles era, de certa forma, o que fazer com o dinheiro e como obtê-lo. Eles
também pedem colaboração uns aos outros, mas inutilmente, pois cada um está
preocupado com seus próprios interesses. Aquilo que era verdade naqueles dias
ainda o é atualmente. Isso é parte da tragédia do mundo no kali yuga da quinta raça
raiz0, porque neste ciclo a mente tanto começa a dominar o coração como a
obscurecer a luz da intuição.
Com sua visão oniabarcante o Mestre discute e revela a seus discípulos, em
particular, a situação do mundo e a condição do grosso da humanidade. Todavia,
para as pessoas no mundo em geral, ele foi todo amor, como demonstram os
maravilhosos versículos que encerram este capítulo.
Mt 11:18. "Com efeito, veio João, que não come nem bebe, e dizem: Um demônio
está nele."
19. Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizem: "Eis aí um glutão e
beberrão, amigo de publicanos e pecadores". Mas a sabedoria é
justificada por seus filhos."
284
despreparado para aceitar aqueles que falam aos níveis supramentais, revelando
sabedoria e ética mais elevadas do que a deles.
Entretanto, como este capítulo e os evangelhos geralmente revelam, os
buscadores, neófitos e discípulos existiram naquele tempo e procuraram os pés do
Mestre. Hoje, felizmente, seu número é muito maior, bem como seu poder para
influenciar as condições e o pensamento do mundo. O ideal e, em considerável
extensão, a prática da cooperação mundial são um dos resultados, enquanto o
incremento nos movimentos esotéricos, válidos ou não, é outro exemplo da
mudança que está gradualmente levando a uma busca mundial. Ao tempo do Senhor
tais movimentos foram muito poucos. Entre os buscadores uns poucos descobrem e
adotam a Religião Sabedoria e chegam aos pés do Mestre. Isso continuará e
aumentará com a passagem da maré do progresso.
Mt 11:20. Então começou a verberar as cidades onde havia feito a maior parte
dos seus milagres, por não se terem arrependido:
21. "Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque se em Tiro e Sidônia
tivessem sido realizados os milagres que em vós se realizaram, há
muito se teriam convertido, vestindo-se de cilício e cobrindo-se de
cinza."
22. "Mas eu vos digo: O Dia do Juízo será mais tolerável para Tiro e
Sidônia do que para vós."
23. "E tu, Cafarnaum, por acaso te elevarás até o céu? Antes, até o inferno
descerás. Porque se em Sodoma tivessem sido realizados os milagres
que em ti se realizaram, ela teria permanecido até hoje."
24. Mas eu vos digo que o Dia do Juízo será mais suportável para a terra
de Sodoma do que para vós."
25. Por esse tempo, pôs-se Jesus a dizer: "Eu te louvo, ó Pai, Senhor do
céu e da Terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e doutores e
as revelaste aos pequeninos."
26. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado."
Esses versículos estão entre muitos outros das escrituras que podem
legitimamente ser considerados, de maneira geral, pelo que apresentam
textualmente. Num espírito adequado, nascido do reconhecimento de sua grandeza,
certas cidades da Judéia receberam com devido respeito a presença do Senhor, os
seus ensinamentos e modos de vida. A essas ele louvou. Outras cidades, muito
embora parecendo responder a seus conselhos, na realidade continuavam em seus
indesejáveis caminhos anteriores. O Senhor censurou-as e, além disso, profetizou
sua ruína, que aconteceu mais tarde.
Se, entretanto, os versículos são considerados fora do tempo e do espaço e
lidos num sentido mais universal, então as cidades e seus povos simbolizam tanto
certos tipos de seres humanos quanto as características comuns de quase todos os
homens. Como é freqüentemente o caso, as pessoas sofisticadas e aparentemente
285
eruditas tornam-se tão preocupadas com seu próprio intelectualismo que não
respondem às revelações da sabedoria intuitiva e da ética simples que ela revela. Os
homens aparentemente ignorantes, por outro lado, referidos com freqüência como
os pequeninos, em virtude da grande quietude e mesmo vazio de suas mentes, são
capazes de responder aos sussurros da sabedoria profunda de suas almas. Os ideais
de pureza de vida e de auto-restrição dos desejos têm para eles grande atratividade.
O Senhor profetizou-lhes boa sorte.
A divisão da humanidade em dois tipos distintos, os letrados e os
relativamente iletrados, não deve, entretanto, ser levada muito longe, pois,
naturalmente, a aprendizagem profunda pode ser valiosa. A compreensão intelectual
nascida de estudos profundos e de pesquisa continuada da verdade pelas mentes
inquiridoras não precisa, necessariamente, constituir-se em barreira à percepção da
Verdade em si mesma. Tampouco, a erudição torna necessariamente a mente bem-
informada em não-responsiva à iluminação supramental. Naturalmente, da mesma
forma, a falta de instrução não deve ser considerada como requisito indispensável à
iluminação espiritual. A humildade e um espírito de abnegação e pesquisa dedicada
aos mistérios da vida podem bem ser incorporados à busca interior profunda dos
segredos recônditos da alma humana e à descoberta do verdadeiro Eu do homem.
Mt 11:27. "Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho senão
o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho
o quiser revelar."
286
existência humana e a garantia de salvação, significando evolução até "a medida da
estatura da plenitude de Cristo."
Nesse versículo o Filho é muito menos uma personagem, embora grande, que
aparece num período, num lugar e numa forma humana, do que a divina sabedoria,
a vida e o amor de Deus impessoal e onipresente. No homem essa presença serve
como mediador entre o material e o espiritual nele, sua mente e luz eterna. O divino
pronunciamento repetido aqui nesse versículo pode ser recebido como verdadeiro se
a palavra Filho é entendida como a voz divina, a natureza crística interior, o Cristo
no recôndito, que é o verdadeiro revelador e salvador de toda a humanidade. Como
S. Paulo freqüentemente insistiu, esse é o "Cristo em vós, a esperança de glória" 0.
Mt 11:28. "Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo e
eu vos darei descanso.
29. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e
humilde de coração, e encontrareis descanso para vossas almas,
30. pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve."
287
mais jovens do que ele na evolução. Eles são como suas crianças, e ele os ama, quer
sejam pecadores ou santos. Ademais, ele se oferece a todos como o verdadeiro e
infalível refúgio, irmão mais velho e companheiro em todas as obrigações da vida
humana.
Um significado místico não deve ser negligenciado, entretanto, pois
finalmente cada ser humano apóia-se e utiliza-se de seu inerente ser crístico como
uma fonte infalível de vigor e conforto, tanto para si próprio como para seus
semelhantes.
Aqueles que traduziram, editaram e organizaram em capítulos e versículos os
antigos manuscritos fizeram-no bem, parece-nos, ao fechar este capítulo, de dura
desaprovação, com palavras descritivas de bom aconselhamento cristão, auto-
entrega e amor oniabarcante.
288
289
CAPÍTULO DEZESSEIS
Mt Por esse tempo, Jesus passou, num sábado, pelas plantações. Os seus
12:1. discípulos, que estavam com fome, puseram-se a colher espigas e a
comê-las.
2. Os fariseus, vendo isso, disseram: "Olha só! Os teus discípulos a
fazerem o que não é lícito fazer num sábado!"
290
3. Mas ele respondeu-lhes: "Não lestes o que fez Davi e seus companheiros
quando tiveram fome?
4. Como entrou na Casa de Deus e como eles comeram os pães da
proposição, que não era lícito comer, nem a ele, nem aos que estavam
com ele, mas exclusivamente aos sacerdotes?
5. Ou não lestes na Lei que com os seus deveres sabáticos os sacerdotes
violam o sábado e ficam sem culpa?
6. Digo-vos que aqui está quem é maior do que o Templo.
7. Mas se soubésseis o que significa: Misericórdia é que eu quero e não
sacrifício, não condenaríeis os que não têm culpa.
8. Porque o Filho do homem até do sábado é senhor."
291
isso é sempre assim quando o despertar interior causa um afastamento, até mesmo
uma repulsa, ao exoterismo das religiões e de suas escrituras.
A mente formal pode resistir ao ensinamento esotérico e produzir
argumentos em apoio à sua resistência. A mais espiritual e profética natureza
sintetizante do intelecto humano toma e "come" os grãos dourados da verdade. O
divino no interior, o Cristo místico, por sua vez, tanto recomenda como estimula a
fome por luz e vida espirituais. O quadro dos discípulos, jovens e idosos, andando
com seu Mestre pelo milharal maduro, iluminado pelo Sol, é de fato uma bonita
imagem e, além do mais, uma linguagem simbólica, que reflete a beleza e a
liberdade da relação entre a mente e o espírito, o homem e Deus, o discípulo e o
Mestre.
O episódio encerra-se com uma afirmação de Jesus de que ele era na verdade
mais do que homem, sendo uma encarnação consciente do Espírito de Deus, e que
assumia, por essa razão, o título místico de "Filho do homem." Podemos estar
certos de que essa declaração foi feita só com o objetivo de abrir as mentes de seus
ouvintes. Ele buscava penetrar com sua sabedoria e verdade a opacidade e a
escuridão com as quais a ortodoxia tinha, por muito tempo, cegado os rabinos, que
deveriam ter sido fonte de luz espiritual.
292
Então aconteceu o próprio milagre, a saber, a instantânea restauração da mão
paralisada e murcha do homem, de tal forma que ficou "como a outra."
Evidentemente, a efetiva restituição da vitalidade e da capacidade de transmitir
sinais do tecido humano pode ocorrer por meio do poder teúrgico do Adepto. As
células mortas podem ser trazidas à vida e à atividade. Assim, o incidente pode ser
lido como uma revelação tríplice. Primeira, está relatado um evento histórico na
vida de Jesus. Segunda, o fato demonstra que a sabedoria pura, como personificada
por Jesus, pode iluminar e, quando necessário, confundir a mente analítica, a
despeito de seus atributos de esperteza e determinação para conservar o poder
dominante, como no sacerdócio. Terceira, está claro que a ciência oculta, como
estudada e praticada por um homem perfeito, capacita-o a alcançar efeitos
terapêuticos muito acima da capacidade da ciência médica daqueles ou dos dias
posteriores, até mesmo da presente época.
Se, além disso, é buscada uma interpretação mística e feita uma tentativa de
percepção e aplicação do significado espiritual de tal evento, então deveria ser
lembrado inicialmente que todos os dramáticos incidentes ocorreram dentro de uma
sinagoga. Qual é então o significado desse cenário particular? Na linguagem
sagrada, o templo é um símbolo do corpo e da natureza física do homem, como São
Paulo afirmou0, e das influências ao seu redor; ele é sagrado na verdade, na medida
em que o Deus interior, embora profundamente velado, está entesourado no
homem. Dentro da sinagoga estavam pessoas de vários tipos e de diferentes
condições, cada uma personificando uma parte da totalidade do homem e também
os vários atributos humanos, a estatura evolutiva e os estados da mente e do
coração0. De novo, Jesus representa o divino no homem, e os seus discípulos
imediatos e os seguidores fiéis personificam o intelecto intuitivo, enquanto os
astutos sacerdotes e fariseus representam os atributos desonestos e conspiradores da
mente que busca o poder. O homem com a mão atrofiada, por seu turno, tipifica as
ilusões e licenciosidades sensuais que, inevitavelmente, levam à conduta irracional
e errônea e ao mal-uso das faculdades subjetivas.
Mais particularmente, ele também representa o homem no estágio em que é
ainda incapaz de realizar ou colocar em prática os ideais que tenha concebido. A
mão que serviria a seus semelhantes está impotente para assim agir, simbolicamente
seca. Ele é o idealista pleno de sonhos, cujo limitado desenvolvimento impede-o de
executá-los. Não obstante, está espiritualmente desperto (na presença de Cristo)
num certo grau e necessita somente uma espiritualidade adicional no que toca à sua
consciência física. Ele encontra Jesus, o Cristo, significando que do seu interior
ocorre o derramamento adicional do poder divino, compaixão e graça curativa. Ele
ouve as palavras de Jesus, "a voz tranqüila e baixa" interior. Obedece ao seu
comando, estica sua mão e, imediatamente, está curado. Alcançou aquela estatura
0
I Cor. 3:16.
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol 1, Pt.3, Ch. 1.
293
evolutiva na qual é, então, capaz de externar na sua vida diária os princípios e ideais
que concebeu intelectualmente.
Assim considerado, o incidente revela que, quando finalmente a natureza e a
presença crísticas, tornam-se ativas no interior do homem – simbolizadas pela
presença física de Jesus – as espertezas inferiores fracassam em seus objetivos, e o
engano é dissipado e substituído pela verdadeira percepção. Em conseqüência, a
conduta, tipificada pela mão do homem assim iluminado, torna-se perfeita, curada
ou integrada.
Tais interpretações dos incidentes descritos nos livros sagrados dão-lhes
significado perpétuo e duradouro, ao tempo em que resultam num valioso conselho
àqueles que os lêem receptivamente. Tal conselho pode ser exposto como segue: o
puro espírito está no seu interior; busque-o, colocando sua mente numa condição de
receptividade espiritual, como numa sinagoga; reconheça inteiramente suas
enfermidades e erros, ou estenda sua mão ressecada. A auto-iluminação seguir-se-á
no devido curso, corrigirá seus erros, dará efetividade a sua conduta e o integrará
outra vez.
O versículo catorze, além disso, indica que a prática do retiro no interior do
santuário da alma, por meio da oração e da contemplação, deve ser regularmente
mantida. Os atributos humanos adversos não se anulam por uma simples
experiência de consciência exaltada, pois eles foram estabelecidos por muitos anos,
mesmo por muitas vidas, de expressão e desenvolvimento que são normais.
Metaforicamente, os fariseus continuarão a buscar maneiras pelas quais possam
destruir tanto a experiência de iluminação e liberação quanto a sua Fonte interior.
Hábitos restritivos só podem ser extirpados vagarosamente, com esforço e pela vida
simbólica na sinagoga ou templo, no interior do qual o divino é reconhecido e
adorado.
294
Mt 12:17. a fim de que se cumprisse o que foi dito pelo profeta Isaías:
18. Eis o meu Servo, a quem escolhi, o meu Amado, de quem minha alma
se agrada. Porei o meu Espírito sobre ele e ele anunciará o Direito às
nações.
19. Ele não discutirá, nem clamará; nem sua voz nas ruas se ouvirá.
20. Ele não quebrará o caniço rachado nem apagará a mecha que ainda
fumega, até que conduza o Direito ao triunfo.
21. E no seu nome as nações porão sua esperança.
O relato desse milagre, breve e direto, pode tanto ser lido sob o ponto de
vista histórico como místico, da mesma forma como ocorre aos outros denominados
milagres0. Uma interpretação mística é possível quando os relatos são interpretados
como efeitos produzidos na mente ou nas emoções pela realização da presença do
Ser Crístico no interior de alguém que tinha sido, até então, mentalmente cego ou
excessivamente opiniático ou sofrido de depleção por longo tempo, ou pelo efluxo
0
Embora o fenômeno produzido pelos poderes supranormais possam parecer
milagres, são sempre, entretanto, o resultado do exercício consciente do poder da
vontade, combinado com o conhecimento das forças superfísicas da natureza, sob
leis ainda não descobertas pela ciência. São, portanto, erradamente chamados
milagres.
295
das energias físicas e vitais. Como já explicado, a mudez, nesse sentido, pode
corresponder a uma deficiência mental relativamente ao processo de meditação
sobre o divino no interior, ou "mudez" mística. A alma está, por assim dizer, muda
perante o espírito que reside no recôndito. Conseqüentemente, o corpo está privado
de comunicação entre o homem externo e o interno.
A ausência de contato pode ser devida à longa e continuada suspensão da
oração e da meditação, de forma que a faculdade de comunicação interna é perdida,
ou à falta do necessário desenvolvimento evolutivo do Eu interno. Nesse último
caso, sob circunstâncias normais, haveria pouco ou nenhum desejo, nenhuma
aspiração à experiência mística e à elevação da consciência física para além do
pensamento ordinário nos afazeres mundanos. Quando, entretanto, o Eu espiritual,
personificado pelo Cristo, torna-se estimulado por várias causas, seja permanente
ou temporariamente, ele, que tinha sido mudo interiormente, consegue "falar" com
o Deus interior. Finalmente, a evolução conduzirá o Eu interno, de forma natural, à
condição na qual estará suficientemente vigoroso para alcançar e influenciar o
cérebro-mente. Mais tarde, em resposta ao impulso interior, a vida meditativa é
adentrada. Em ambos os casos, o estado iluminado de consciência é alegoricamente
descrito como uma cura milagrosa – uma restauração da visão, por exemplo – pela
presença de um ser divino.
Quando o carma permite, um alto iniciado nos Mistérios Maiores, tal como
presume-se que Jesus tenha sido, especialmente quando inspirado pelo Espírito de
Deus0, é capaz de exorcizar uma entidade obsediante e curar a cegueira e a mudez,
bem como muitas outras aflições físicas. A aura de um ser de tal elevação e a
influência do poder de que é sempre um veículo podem, assim, iluminar a mente e o
coração do sofredor para que sejam removidos os obstáculos físicos e psicológicos,
resultando na restauração da perfeita saúde. Além disso, quando outras condições
permitem, a aura magnética de tal ser é capaz de curar sem esforço consciente,
como está exemplificado no incidente em que Cristo cura a mulher que sofria de um
fluxo de sangue por doze anos0. Nesse caso, somente a estreita aproximação e o
contato com suas roupas foram suficiente para curá-la, onde todos os esforços dos
médicos até então tinham falhado. É interessante que Cristo ficou ciente do fluxo de
força curativa que resultou do toque de sua roupa, pois que exclamou: "Quem me
tocou?"0.
Pode-se assumir que resultados cármicos de sérias ações desarmônicas
anteriores, como por exemplo a crueldade extrema ou o abuso do corpo em
devassidões, poderiam ser superados, sob a lei cármica, se o Adepto verificasse que
o indivíduo que estava sofrendo receberia, naquele instante, grande benefício
egóico pela restauração do pleno uso do corpo até o fim daquela encarnação
particular. O cumprimento do destino e a consumação das ações que provavelmente
contribuem para o bem-estar da raça humana seriam exemplos de condições
0
Como no Batismo. Ver Mt 3:15-17.
0
Mt 9:20-22.
0
Lc 8:43-48.
296
causativas sob as quais as barreiras para as curas "milagrosas" poderiam ser
forçosamente superadas. Tais casos são raros, poder-se-ia imaginar, e normalmente
o papel da lei é decisivo em todas as circunstâncias.
Aparentes milagres de cura executados por um Adepto, tal como Cristo,
ainda que benéficos e úteis, são puramente terrenos e, portanto, temporários. A cura
do despertar interior é espiritual e assim duradoura.
Mt 12:23. Toda a multidão ficou espantada e pôs-se a dizer: "Não era este o
Filho de Davi?"
24. Mas os fariseus, ouvindo isto, disseram: "Ele não expulsa demônios
senão por Belzebu, príncipe dos demônios."
Mt 12:25. Conhecendo os seus pensamentos, Jesus lhes disse: "Todo reino divido
contra si mesmo acaba em ruína e nenhuma cidade ou casa dividida
contra si mesma poderá subsistir."
297
A presença sobre a Terra de um ser divino e sua manifestação sob a forma
humana, como supostamente teria ocorrido, produz sempre dois efeitos opostos.
Um, é despertar a inimizade daqueles que, por seus próprios objetivos, determinam-
se a preservar o status quo; o outro, é evocar o reconhecimento favorável, seguido
pela conduta apropriada. Esses dois efeitos estão personificados, primeiro pelos
fariseus, que se determinaram a destruir Jesus, e, segundo, pela multidão que o
seguiu. Aqueles foram deixados na escuridão exterior de seu próprio ódio, enquanto
os últimos foram iluminados e curados, seja metafórica ou realmente.
A hostilidade do clero é compreensível, pois os sacerdotes estão saturados de
ortodoxia. Jesus, cedo em sua missão, constituiu-se numa ameaça ao domínio
espiritual, mental e material deles. Ali estava um homem de origem humilde, o filho
de um carpinteiro, sem grau ou título eclesiástico, e não reivindicando nenhum, que
se consorciou com o povo em geral. A notável retidão de suas respostas a cada
acusação e sua óbvia posse de poderes espirituais, que nenhum deles possuía, deve
ter provocado apreensão.
Na verdade, Jesus enfrentava-os firmemente em seus próprios campos
religiosos e no raciocínio dialético, e o versículo oferece exemplo do último. Nele,
Jesus é apresentado como tendo demolido, pela clareza de raciocínio, o argumento
absurdo e a acusação dos rabinos de que ele realizou o ato beneficente de cura do
doente como um agente do senhor dos abismos, Belzebu. Colocado, assim, em
justaposição, ações beneficentes e poderes demoníacos são obviamente
contraditórios; se o demônio curasse o enfermo e ensinasse sabedoria à multidão,
então ele não mais poderia ser classificado como mau. Pode-se prontamente
entender que as derrotas públicas aumentaram a raiva e deram origem à irritação
daqueles que se colocaram como seus oponentes, aumentando, além do mais, a
hostilidade e a determinação de derrotar Jesus e destruir o seu trabalho.
Mt 12:26. Ora, se Satanás expulsa a Satanás, está divido contra si mesmo. Como,
então, poderá subsistir seu reinado?
27. Se eu expulso os demônios por Belzebu, por quem os expulsam os
vossos filhos? Por isso, eles mesmos serão os vossos juízes.
28. Mas, se é pelo Espírito de Deus que eu expulso os demônios, então o
Reino de Deus já chegou a vós.
298
simples e mentalmente abertas podem ter visto aquela luz e sido levadas a crer nele
como um mensageiro do alto.
Mt 12:29. "Ou como pode alguém entrar na casa de um forte e roubar os seus
pertences, se primeiro não o amarrar? Só então poderá roubar a sua
casa."
Mt 12:30. "Quem não está comigo, está contra mim, e quem não ajunta comigo,
dispersa."
Mt 12:31. "Por isso vos digo: Todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos
299
homens, mas a blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoada."
300
palavras e ações, então os efeitos favoráveis ou adversos penetram muito mais
profundamente. O nível mais profundo é o da pura essência espiritual, o Espírito
Santo no homem. Quando esse Terceiro Aspecto da Deidade é deliberadamente
injuriado, desprezado e objeto de blasfêmia plena de intenção, então, na verdade, os
efeitos são sempre muito mais sérios. Não só tais atos e blasfêmias afetam o homem
mortal e mesmo o Ego no corpo causal, mas também penetram o Eu recôndito.
Reconhecidamente, esse Deus interior está além de qualquer adversidade. Todavia,
sua oportunidade de auto-expressão e, portanto, de desenvolvimento pode ser
aumentada, diminuída ou mesmo inteiramente frustada.
À parte a condenação pela blasfêmia, filosoficamente é insustentável sugerir
que qualquer ação, mesmo quando constantemente repetida, seja para sempre
imperdoável e inesquecível. Pode-se ser perdoado por questionar os escritores
antigos, tradutores e editores responsáveis pelos registros das palavras de Jesus,
embora não se possa questioná-lo. Deverá chegar o tempo em que sob a lei
compensatória os efeitos produzidos pelas causas deverão se expressar. Por fim, o
blasfemador se tornará iluminado, cessando assim de blasfemar. Os efeitos dos
erros precedentes encontrarão compensação e, mais tarde, será estabelecido um
harmonioso retorno ao equilíbrio, embora possa ter sido profunda a transgressão 0.
Os efeitos imediatos e mesmo de longo prazo da blasfêmia, referidos por
Jesus, devem ser evidentemente severos e prolongados. A humanidade é, por
conseguinte, advertida muito seriamente contra as blasfêmias e os erros que delas
surgem. O pecado em ignorância, o erro durante a experimentação e a aversão
temporária aos processos da natureza e à sociedade humana podem ser naturais,
mas a blasfêmia deliberada, de longo alcance e penetração contra o poder e a
presença interiores divinos, nos quais o homem vive, move-se e tem o seu ser, é um
"pecado" do qual somente pode se redimir após longas eras .
Mt 12:32. "Se alguém disser uma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á
perdoado, mas se disser contra o Espírito Santo, não lhe será
perdoado, nem neste mundo, nem no vindouro."
0
Ver Hodson, "Reincarnation, Fact ou Fallacy?"
301
denominadas blasfêmias contra o Espírito Santo, que foram tão severamente
condenadas por Jesus, devem incluir tais perversões, maldades e descida deliberada
nas formas mais negras e sujas de maquinações e atividades malvadas.
Uma vez que uma pessoa aspire às alturas espirituais, uma evolução
acelerada começa a ocorrer dentro dela. Ele ou ela abre-se, expande-se, floresce.
Inversamente, quando uma pessoa, seriamente e com intenção consciente, entra
num caminho de egoísmo, sem considerar os princípios morais e os efeitos de suas
ações sobre os outros, começa então o que poderia ser chamado "retrocesso" 0.
Contradições, inibições do desenvolvimento e endurecimento progressivo do
coração são alguns dos resultados. Esses podem se tornar de tão longo alcance a
ponto de influenciar a condição do Ego por todo o resto do Manvantara0. Nesse
sentido, então, a blasfêmia contra o Espírito Santo pode ser descrita como um
pecado imperdoável, especialmente quando está sendo proferida uma advertência
muito séria0. A lendária figura de Mefistófeles personifica parcialmente esse mal e
indica a maneira pela qual as pessoas más buscam espalhar sua própria doença
moral. Por outro lado, todo genuíno aspirante à espiritualidade e à descoberta do
verdadeiro Eu move-se com velocidade acelerada, com asas nos pés, ao longo do
caminho do desenvolvimento rápido para o cume da montanha evolutiva, quer seja
chamada Olimpo ou Kailas.
Mt 12:33. "Ou declarais que a árvore é boa e o seu fruto é bom, ou declarais que
a árvore é má e o seu fruto é mau. É pelo fruto que se conhece a
árvore."
302
Ele ou ela se torna uma pessoa boa, amável e nobre. A nobreza e mesmo a
santidade da natureza são desenvolvidas. Isso é completamente independente das
ações resultantes e de seus efeitos na arena da vida física, onde somente condições
harmoniosas e úteis são geradas.
De acordo com os registros, o grande Instrutor continuou a dizer que o
inverso também é verdadeiro. Os motivos cruéis, desonestos e torpes, quando
consistentemente seguidos, constroem de forma inevitável qualidades
correspondentes no caráter, na mentalidade e na visão do agente, embora elas
possam parecer corretas em sua aparência externa. Além disso, toda vez que a
prática do bem ou do mal é seguida, então o caráter humano, a qualidade inata do
ego, é correspondentemente afetado mais profundamente. Em última instância, a
individualidade real emerge inevitavelmente. De uma alma malvada e ruim, surgem
o mal e a ruindade. De uma pura e sábia alma, a pureza e a sabedoria emanam. Daí
suas palavras que, como muitas outras, chegaram até o presente: "Pelos frutos os
conhecereis"0.
O problema da extensão ou do grau do resultado também necessita ser
estudado. Naturalmente, a freqüência ou habitualidade com que um motivo
encontra expressão no pensamento e na conduta determina o efeito sobre o caráter.
As leis morais raras vezes podem ser quebradas e essa intermitência influencia tanto
as reações sob a lei de causa e efeito como o desenvolvimento do caráter. Além
disso, tais erros ocasionais podem ser entremeados com boas e nobres ações,
inspiradas pelo Eu interior. Podem também ser cometidos sem razões egoísticas. As
ações nobres e boas reduzem os efeitos adversos das ações com motivos contrários.
Assim, em suas operações interiores, o carma torna-se uma espécie de equação que
está continuamente mudando, mesmo dia a dia, hora a hora.
A analogia com a horticultura – uma entre as muitas usadas por Nosso
Senhor – é valiosa já que, até o momento de sua morte, uma árvore pode se
recuperar da enfermidade e das limitações do desenvolvimento. O vírus pode ser
erradicado; as condições das raízes podem ser melhoradas com condições benéficas
e um pronto suprimento de nutrientes e água. Assim é também com a maravilhosa
"árvore" viva que é o homem. Até o último momento, ainda que o mal tenha estado
tão arraigado a ponto de se tornar quase não erradicável, o mais degradado ser
humano pode ainda ter uma chance. A menos que a voz da consciência tenha sido
tão consistentemente negligenciada e mesmo escarnecida, gerando surdez espiritual
– que pode ser descrita como "morte pessoal" – a faísca de vida da Chama Una
pode ainda ser abanada, tornando-se num fogo efetivo 0. Em casos raros, onde essa
auto-salvação não é possível, então os efeitos inevitavelmente se seguem às causas,
e o círculo de involução e evolução no reino humano deve ser trilhado de novo0.
Mt 12:34. "Raça de víboras, como podeis falar coisas boas, se sois maus?
0
Mt 7:20.
0
Centelha – a Mônada; Chama Una – a Suprema Deidade.
0
Ver Hodson, "Lecture Notes", Vol. 1, Ch.2.
303
Porque a boca fala daquilo de que o coração está cheio.
35. O homem bom, do seu bom tesouro tira o bem, mas o homem mau, do
seu mau tesouro tira o mal."
A completa falsidade de atitude dos fariseus deve ter estado evidente, tanto
no tom de suas vozes como na sua bem-conhecida conduta. O termo farisaico
chegou aos nossos dias como descritivo da extrema hipocrisia, particularmente na
maneira de se expressar e na falsidade no falar. Quer a analogia seja justa ou injusta
para a antiga seita dominante de sacerdotes, o Mestre evidentemente se encontrou
com freqüência na presença de pessoas para quem a intenção e o discurso estavam
só levemente relacionados, com pouca ou nenhuma consideração para com a
verdade e voltadas completamente para o ardil, o engano e as palavras macias que
velavam más intenções. Na presença deles e diante de todo o povo, ele arrancou-
lhes a máscara de falsidade e anunciou a condenação criada por eles mesmos, que
os aguardava como um resultado da sua conduta. Contudo, a análise penetrante da
natureza humana encerrada nesses dois versículos não era completamente
condenatória nem limitada no tempo e no espaço e, tampouco, aplicava-se a um
povo particular. Ao contrário, o Senhor estava revelando uma profunda sabedoria
que se aplica a toda humanidade, particularmente na presente Kali yuga0.
Cabe a todos, e particularmente aos neófitos espirituais, observar
cuidadosamente e trabalhar seus caráteres, de forma que as virtudes desenvolvidas
não sejam meramente superficiais, mas venham a se estabelecer também como
parte de todo o seu ser. Isso implica em autenticidade, sinceridade e na completa
crença na virtude em si mesma, não só como uma qualidade mostrada por
conveniência, pois tal caminho traz perigo para alma, que pode ser corrompida pela
insinceridade, inconsistência e procedimento e fala dúbios. A instrução é também
necessária porque é possível desgarra-se, um tanto inconscientemente, no meio
desses erros, particularmente quanto pressionado por condições adversas da vida
diária.
Todas tentativas de gozar a vida espiritual e o progresso no caminho da
santidade serão sempre abortadas completamente sob tais condições de
desonestidade, pois todas as aparentes virtudes, mesmos as boas ações, perdem
significado e importância quando mascaram uma falsidade. Em outra ocasião o
Senhor deu aos infelizes que caem nesse erro o título de "sepulcros caiados" 0.
Mt 12:36. "Mas eu vos digo que de toda palavra inútil que os homens disseram,
darão contas no dia do juízo.
37. Pois por tuas palavras serás justificado e por tuas palavras serás
condenado."
0
Kali Yuga (sânsc.) – a Idade das Trevas.
0
Mt 23:27.
304
O Mestre apresenta aqui um padrão muito elevado de conduta humana. Ao
mesmo tempo, pronuncia uma advertência a respeito da importância da palavra
falada para o orador, não só no presente mas também no futuro. Ele fala como um
filósofo ocultista, alguém que conhece, por exemplo, que o poder que distingue os
homens dos animais – e na verdade de todas as outras criaturas – é a capacidade
para expressar o pensamento em palavras. Tal realização, que resulta da evolução
eterna, carrega consigo uma responsabilidade muito pesada, pois enquanto as
palavras descuidadas, ditas por brincadeira, são de pouca ou nenhuma importância,
como anteriormente explicado, cada palavra e frase pronunciadas com seriedade
carregam um poder e uma energia, dos quais devem inevitavelmente resultar efeitos
significativos.
Nesse sentido, uma palavra deve evidentemente ser considerada como tendo
a mesma potência de uma ação, e a fala como uma ação que produzirá sua reação,
apropriada tanto à intenção interior como ao significado presumido. Evidentemente
o destino e o caráter são moldados não só pela conduta visível, objetiva e pelo seus
efeitos sobre os outros, mas também pelas conclusões da mente, os pensamentos
formulados e as palavras que lhe são associadas. Quando lemos a imortal história,
estamos na presença de uma ciência da vida que nos ensina alguns princípios sobre
os quais a felicidade e a infelicidade humanas estão baseadas em diferentes graus.
A expressão "dia do juízo" é erradamente imaginada como referindo-se a um
tempo particular – ou mesmo a um momento – quando ocorrerá o fim deste mundo.
Acredita-se equivocadamente que, no governo divino do universo e nos
julgamentos relativos ao destino dos homens, a acusação, o julgamento e a
sentença devem ser postergados até algum término vagamente concebido da vida
objetiva. Essa é uma das falácias do cristianismo ortodoxo e, na verdade, muito
prejudicial.
A verdade é que cada dia é um dia de julgamento, e quase se pode
acrescentar que cada hora é a hora do destino. Nenhum magistrado externo senta-se
ou sentará para julgar o homem como indivíduo ou como raça. O homem é sempre
seu próprio juiz e, por suas intenções interiores, palavras e ações, ele e somente ele
pronuncia sua sentença. No entanto, da mesma forma como os prisioneiros podem
ter as sentenças comutadas e serem postos em liberdade condicional, também,
quando a conduta posterior gera novas causas, os decretos e as sentenças mudam,
tornando-se adequadamente mais duros ou mais suaves. Essas sutilezas não foram
aparentemente enunciadas pelo Mestre, que ensinou verdades centrais e, de acordo
como os registros que nos chegaram, entregou ensinamentos relativamente simples
e facilmente inteligíveis.
Quando tais cenas registradas nas histórias evangélicas são retratadas, vê-se
também a presença dos neófitos e discípulos que Jesus arrebanhava ao seu redor –
seu círculo interno de pupilos, por assim dizer. Todas as máximas, padrões que se
aplicam em geral ao homem e à mulher do mundo, têm propósito especial e
significado profundo para o aspirante espiritual, pois os poderes interiores que estão
se desenvolvendo conferem significado adicional para a motivação e a conduta.
305
Portanto, em conjunto com a grande alocução do Sermão da Montanha, esses ideais
da vida espiritual e os ensinamentos relativos ao denominado caminho do fio da
navalha dão substância adicional e direção ao aspirante espiritual. Isso foi mesclado
com orientação geral e mesmo com censuras transmitidas ao público como um todo.
0
Jn 1:1-9.
306
o de Jesus ressuscitado, após três dias e três noites de seu enterro, segundo as
escrituras. Assim, um Princípio de Vida abstrato está representado numa forma
concreta pela personificação de uma figura central num drama. Tal interpretação é
baseada na linguagem usada pelos escritores antigos desses assuntos, pois eles se
referiam aos períodos de atividade objetiva como dias e aos períodos de
manifestação subjetiva e relativo descanso como noites0.
O segundo possível significado da história, quando aplicado tanto a Jonas
quanto a Jesus, constitui-se numa revelação, por meio de símbolo e alegoria, de um
dos segredos da iniciação, como sugerido anteriormente. Nos primeiros tempos e
em civilizações mais antigas, os Mistérios Menores e Maiores eram instituições
públicas, não obstante as próprias revelações dos Mistérios permanecerem secretas,
como ainda permanecem até os dias atuais. Nos Mistérios Maiores, em que a
alegoria dá lugar à realidade, o próprio candidato era levado – no breve espaço de
três dias e três noites ou algum outro período de tempo escolhido – a representar
uma parte do processo involutivo e evolutivo da natureza. Ele ou ela era induzido a
deitar-se sobre uma cruz, o símbolo do universo físico, com seus quatro quadrantes
do espaço representado pelos braços da cruz da matéria. Isso era a crucificação
cerimonial representada sobre o corpo do candidato, que simbolizava a própria Vida
Una, tornada inconsciente no ponto mais baixo do universo material, o mundo
físico. O candidato não era pregado, mas amarrado à cruz e, depois disso, levado
pelo hierofante à condição de inconsciência física, ao transe de fato.
Simbolicamente, a Vida divina dorme no reino mineral da natureza, a condição
mais densa de substância universal e da matéria planetária, também representada
pelo túmulo na rocha em que Jesus foi sepultado 0. Quando esse período se encerra,
a Vida desenvolve a sensibilidade, tornando-se finalmente autoconsciente e capaz
de experiência mística no homem. Assim, o iniciado é despertado e levantado da
cruz. Assim também Jonas e Jesus foram ressuscitados e livres de suas mortes
figurativas. Dessa maneira uma interpretação oculta do Nascimento e do Batismo
indica que Jesus tinha realmente passado por esse rito sagrado e estava destinado a
passar por outros, sendo a história de sua Transfiguração, Paixão, Crucificação e
Ressurreição uma descrição alegórica do final cerimonial que precedeu, e ainda
precede, a auto-iniciação no adeptado.
Um significado ainda mais profundo pode ser discernido em muitas alegorias
nas quais o símbolo do peixe é empregado: aquele estado de percepção espiritual no
qual a unidade absoluta e eternamente inquebrantável é realizada. Isso é referido
como o estado de consciência de peixe, e iniciados e salvadores são designados
como "pescadores" de outros seres humanos. Jesus chamou seus discípulos a este
ofício e submeteu-os ao treinamento que os levaria, por sua vez, aos Mistérios e à
entrada na consciência de peixe0.
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol 2.
0
Mt 27:60.
0
"Segui-me e eu vos tornarei pescadores de homens." Mc 1:17.
307
A realização da unidade conduz ao serviço pelo bem da humanidade, nascido
da compaixão pelos que sofrem. Isso também está retratado pelo símbolo de peixe,
sendo Jesus seu representante perfeito. Como revelou nesses versículos, ele próprio
está destinado a experimentar de novo, e ainda mais profundamente, a exaltação
espiritual da absoluta combinação ou dissolução no oceano infinito da Vida do
universo.
308
justiça temperada com misericórdia e enfatizou a importância do amor ao próximo
que conduz à caridade ativa para com todos.
A terceira função do Mestre foi selecionar, entre a massa de pessoas comuns
de seu tempo, aqueles em que discernira estatura evolutiva mais elevada. Esses
eram os membros mais evoluídos da raça humana, alguns deles alunos numa vida
anterior, e todos oferecendo condições que lhes conferiam suscetibilidade para o
treinamento espiritual e o desenvolvimento oculto. A última função define seu
papel como Instrutor divino, ministrando em geral para todos, mas selecionando uns
poucos para serem recebidos como seus discípulos.
Em várias elocuções Jesus usou o método metafórico, como nesses
versículos, onde o povo de Nínive e a rainha de Sabá (do Sul) simbolizavam tanto o
castigo quanto as ameaçadoras tropas romanas.
Mt. Estando ainda a falar às multidões, sua mãe e seus irmãos estavam
12:46. fora, procurando falar-lhe.
47. Alguém lhe disse: Eis a tua mãe e os teus irmãos que estão aí fora e
procuram falar-te."
48. Jesus respondeu àquele que o avisou: "Quem é minha mãe e quem são
meus irmãos?"
49. E, apontando para os discípulos com a mão, disse: "Aqui estão a
minha mãe e os meus irmãos,
50. Porque aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos Céus, esse
é meu irmão, irmã e mãe."
309
o puramente físico – colocando tão grande ênfase sobre o primeiro, que o último
virtualmente desaparece, mas não por completo.
No ideal de obediência ao conselho "sede vós pois perfeitos", deve-se dar
importância crescente ao conceito de humanidade como um todo e reduzida
relevância à sua própria família, nação ou raça 0. Em especial, não devem surgir
apegos meramente físicos entre os servidores da humanidade e a humanidade como
um todo. Cada discípulo torna-se um cidadão do mundo, levando toda a
humanidade no seu coração, sem reservas.
As generalizações em tais assuntos podem parecer frias e insensíveis, até
mesmo severas e ameaçadoras. O estado mais ampliado de mente é muito mais do
que aquilo. Os versículos precedentes indicam que Jesus estava num estado
exaltado, altamente profético e pleno de poder espiritual. Não se pode deduzir que
ele perderia essa condição após a interrupção de seu discurso. Pode-se, entretanto,
estar certo de que, quando a comunicação ao povo tivesse terminado, sendo
retomada a normalidade do corpo físico, o amor familiar encontrava sua plena
expressão. Em épocas de descanso e repouso do corpo, Jesus, como todos os
iluminados, deve ter sido delicado e amável para com todos e, especialmente, com
os membros de sua família. Não obstante, haveria sempre uma tendência para ele
cair num estado meditativo, no qual estaria temporariamente retirado do seu
ambiente. Seus companheiros aprenderiam a apreciar e respeitar aqueles silêncios e
cuidar para que ele não fosse perturbado.
Um aparente paradoxo está contido no incidente da clara rejeição de Jesus à
sua mãe e aos seus irmãos, por um lado, enquanto, por outro, ensinava
insistentemente a importância do amor, que exaltou como o mais elevado ideal nas
relações humanas. Outro exemplo é a pregação do amor universal sem preferência
pessoal, em oposição à justa indignação dos grandes Instrutores contra os homens
maus e a maldade pelas quais são responsáveis. Nesse contexto, portanto, o Eu
espiritual interior, mesmo de um homem muito mal, é considerado tão amado
quanto o Eu interior de qualquer outro ser. Tal amor é impessoal e sem exigências e
assim tem algo das qualidades espirituais e universais.
0
Mt 5:48.
310
311
PARTE OITO
A PARÁBOLA DO SEMEADOR,
SUA INTERPRETAÇÃO,
A COMIDA PARA CINCO MIL
E O MANDAMENTO DE CRISTO
312
CAPÍTULO DEZESSETE
313
A cena evocada é tanto autêntica como bonita, porque ao leitor é permitido
visualizar um grande ajuntamento de pessoas da Palestina no meio das montanhas e
das planícies, vestidas com as roupas da época, aproximando-se de Jesus, a fim de
vê-lo, ouvir sua voz e receber seu ensinamento. Como fazia freqüentemente, Jesus
tirava suas comparações e analogias da natureza e das atividades das pessoas que se
reuniam ao seu redor. Quão fácil deve ter sido para eles imaginar o que ele
descrevia e seguir as ações da estória, que começou com as palavras: "Eis que um
semeador saiu a semear." Portanto, quando Jesus falava, eles se sentiam
perfeitamente à vontade na atmosfera mental em que ele os colocava e em ouvir o
que era uma estória de suas próprias vidas e experiências familiares. Nesse caso, é
apresentado não mais do que um relance da notável capacidade de Jesus de atrair
sua audiência e trazê-los para perto de si. De fato, a autenticidade dessa parte da
estória evangélica parece estar completamente estabelecida quando se lê.
Na verdade, entretanto, nenhuma ação física estava sendo descrita. Antes,
como demonstra sua interpretação posterior, estavam sendo descritos, em forma
simbólica, os estágios de evolução e as condições apropriadas da mente. Realmente,
o Mestre podia até mesmo estar se servindo de suas próprias experiências com os
tipos de pessoas que tinha encontrado e de suas diferentes reações à sabedoria que
procurou lhes transmitir. Deve ter havido muitos que estavam totalmente
despreparados e, portanto, completamente desinteressados tanto das verdades
simples como da sabedoria profunda e esotérica que era parte de suas conversações
e discursos. Outros, talvez, podem ter ouvido com certa displicência e o seu
interesse só levemente atiçado e a sua curiosidade desperta somente de forma débil.
O ensinamento real significaria pouco ou nada para eles, especialmente após ter
silenciado a sua voz e os seus ouvintes terem retornado a seus afazeres diários. As
palavras estavam acima deles e as idéias eram abstratas em comparação com os
duros fatos de suas vidas diárias e com os interesses amplamente materiais. Essas
são as pessoas referidas por S. Marcos: "... aos de fora todas estas coisas se dizem
por parábolas"0.
Poucos devem ter obtido plena compreensão e dado resposta. Para eles foi
revelado o significado interior das parábolas e de outros ensinamentos. Dentre esses
Jesus escolheria discípulos, descobrindo sua prontidão, tanto pela visão espiritual
direta de suas estruturas internas quanto pelas respostas à sua pessoa e mensagem.
0
Mc 4:11.
314
aluno de um Instrutor adepto e um cidadão comum. Um discípulo tanto está
desperto espiritualmente como manifesta isto em consciência e ação, e ele se
empenha num juramento solene irrevogável de lealdade à verdade, ao seu Mestre e
ao segredo.
O discipulado diz respeito à estatura evolutiva, não só na vida em que é
alcançado, como também numa série de vidas em que o avanço e o desabrochar do
Eu espiritual, cada vez mais, expressam a espiritualidade como uma característica
implícita. Realizações e posições mundanas, busca de prazeres onde apenas os
sentidos estão envolvidos e as tendências para agir egoisticamente – tudo isso
declina nas séries de vidas que estão para culminar na descoberta do Instrutor e na
aceitação por ele. Embora, no início, um conflito interior, uma Armagedon mística,
seja experimentado, gradualmente todas as sensações de renúncia declinam, sendo
substituídas por escolhas perfeitamente naturais e espontâneas das fontes culturais,
intelectuais e espirituais de felicidade. O mundo nos seus aspectos óbvios e
materiais perde seu domínio sobre a mente e o coração de tal indivíduo, enquanto,
ao mesmo tempo, a necessidade humana de felicidade, bem-estar e
desenvolvimento espiritual ocupa crescentemente seu interesse e atividades. O
aspirante torna-se um servo de seus semelhantes. Isso é indicado pela declaração de
que, antes de serem chamados, alguns dos discípulos de Jesus eram pescadores e
um era médico. Ser um pescador, símbolo dos atributos humanos de compaixão,
amor e serviço impessoal, conduz à salvação e, finalmente, à estatura do homem
perfeito. O médico oculto cura não só os corpos, mas as almas, pelo treino,
ensinamento e orientação no caminho do discipulado daqueles que estão buscando a
luz sagrada da verdade. Ele se empenha em estabelecer o sentido de unidade
daqueles que estão buscando sua ajuda ou que são levados a ele para orientação no
viver a vida perfeita. Esses processos de desabrochar interior, as mudanças de
interesse, motivação e caráter e as ações benéficas resultantes constituem-se no
sinal daqueles que estão se aproximando do estágio evolutivo do discipulado e,
ainda mais, daqueles que alcançaram e passaram adiante dele – os iniciados da
humanidade.
O Mestre, com sua percepção penetrante, geralmente sabe quando essas
aspirações são sentidas pelo homem exterior. Quando o aspirante merece confiança
para guardar sua palavra, especialmente para manter segredo, uma certa garantia é
solicitada e dada. A natureza dessa obrigação inclui a promessa de empenho em
seguir o caminho da santidade até o seu fim no adeptado, de manter sagradas as
coisas que são sagradas, defendê-las do profano e, tanto quanto a natureza humana
permita, viver uma vida de pureza, sem egoísmo, sem ofensa e serviço sabiamente
dirigido ao interesse do seu semelhante.
Tais homens e mulheres são selecionados, ensinados e treinados pelos
Instrutores adeptos, de acordo com um costume muito antigo e universal. Quando
eles progridem e demonstram razoável fidelidade, os ensinamentos ocultos são-lhes
revelados. Eles aprendem os segredos ocultos dos poderes, processos e partes
315
componentes do universo e do homem, ou como disse Jesus: "a eles é dado
conhecer os mistérios do reino dos céus."
Mt 13:12. "Pois àquele que tem, lhe será dado e lhe será dado em abundância,
mas ao que não tem, mesmo o que tem lhe será tirado.
13. É por isso que lhes falo em parábolas: porque vêem sem ver, e ouvem
sem ouvir nem entender."
O leitor pode ser perdoado por julgar que o versículo doze contém um sério
erro no relato e na tradução ou é uma alocução tão enigmática que excede o
entendimento humano ordinário. Verdadeiramente, qualquer que possa ser o
significado e a idéia que Jesus pretendia apresentar, a sentença parece ser quase
inteiramente contraditória por si mesma. Mesmo assim, sob a linguagem enigmática
é possível discernir um sentido de grande importância.
O verso pode permissibly seja levado para recorrer a percepção espiritual,
intuitiveness, e a sabedoria que resultam forma o funcionando correto das duas
faculdades.
O versículo pode ser considerado como referindo-se à percepção e à intuição
espirituais e à sabedoria que resulta do funcionamento correto destas duas
faculdades. Nesse sentido, é verdade que sabedoria conduz à sabedoria adicional. A
percepção espiritual funciona como um catalisador que induz a uma transformação
mais rápida do conhecimento em sabedoria. A intuição pura capacita aqueles que a
possuem e usam-na sabiamente a penetrar fundo nos mistérios ocultos da vida, nos
propósitos subjacentes da natureza e nas influências e motivações profundamente
enraizadas por trás da conduta e da personalidade humanas. O sábio reconhece a
Verdade como algo mais do que só um conjunto de verdades distintas. Ele
compreende os processos pelos quais gradualmente ocorre a emanação do universo,
dos sistemas solares e de todos os seus componentes; e existe uma tranqüilidade em
meio a sua compreensão cada vez mais profunda, no interior da qual o
conhecimento continuamente cresce. Então, é válido dizer da sabedoria que quanto
mais a pessoa a tem mais ela cresce.
Por outro lado, a mente que está absorvida principalmente na coleta de
conhecimento factual, que valoriza isto mais do que uma compreensão cada vem
mais abrangente e mais profunda daqueles princípios, dos quais os fatos são
somente uma manifestação temporária, amealha só um pouco da sabedoria eterna,
as verdadeiras riquezas da alma. Além disso, a mente humana pode tornar-se tão
concentrada na natureza objetiva e nos fatos discutíveis e mesmo demonstráveis a
ponto de perder o pouco de sabedoria que possa ter começado a desenvolver. O
versículo pode possivelmente ser lido nesse sentido, especialmente a sentença de
encerramento.
Analogias e metáforas são necessárias, a fim de atrair a atenção dos homens
e mulheres iletrados ou não-instruídos, absorvidos com eventos externos à lei e aos
processos ocultos da natureza em operação na evolução humana e mesmo na vida
316
diária. Metáforas, analogias, alegorias e parábolas têm função dual. Ambas se
referem às verdades poderosas e aos processos iniciados na mente dos ouvintes, os
quais levarão à compreensão das leis naturais que estão sendo reveladas. Um
símbolo pode se tornar uma força dinâmica, quando objeto de meditação com vista
ao descobrimento de seu significado.
Um dos mais antigos métodos de colocar em atividade a sabedoria inerente
do Eu interno do homem é ministrar um choque de má compreensão, confusão
mental e obscurecimento. É estranhamente verdadeiro que quando a mente formal
está assim paralisada num estado de vacuidade e silêncio, nem que seja por um só
momento, a iluminação pode repentinamente surgir. Um dos fatores essenciais de
tal auto-iluminação é o silêncio mental temporário, uma quietude ativa – se a
expressão for permitida – em que se verifica que a paz permeia toda a região da
consciência humana. Em si mesmo isso é um fruto valioso da prática da
contemplação absorta. É também a condição na qual se percebe mais tarde que a luz
da sabedoria despertou. Isso ocorre menos como um momento deslumbrante,
repentinamente ofuscante, do que como uma iluminação quieta e contínua, como se
gerada de uma chama eterna.
Os discípulos são homens e mulheres em quem a chama eterna da sabedoria
foi acesa. Essa "lâmpada" nunca pode ser acesa em alguém por nenhuma mão
externa. É um brilho natural e profundamente interior da Luz eterna do universo
dentro do Eu interno do homem verdadeiramente iluminado. Os discípulos dos
Adeptos são então diferençados de seus semelhantes, sendo, portanto, capazes de
perceber a verdade direta, de receber de seus Mestres o conhecimento que podem
compreender sem usar mal. É bem verdade que um Judas sempre pode surgir entre
eles, enquanto outros podem abandonar a vida do discipulado, talvez pelo restante
de uma encarnação. Esses são os riscos que cada Mestre e Instrutor deve enfrentar e
de que deve se resguardar tanto quanto possível.
Mt 13:14. "É neles que se cumpre a profecia de Isaías, que diz: Certamente
haveis de ouvir, e jamais entendereis. Certamente haveis de enxergar,
e jamais vereis.
15. Porque o coração deste povo se tornou insensível. E eles ouviram de
má vontade, e fecharam os olhos, para não acontecer que vejam com
os olhos, e ouçam com os ouvidos, e entendam com o coração e se
convertam e assim eu os cure.
16. Mas felizes os vossos olhos, porque vêem, e os vossos ouvidos, porque
ouvem."
317
especialmente nos versículos em consideração, onde os olhos e os ouvidos referidos
não são os do corpo mas os da mente.
A perceptibilidade mental – não só para a instrução verbal direta, mas
também com respeito às experiências e realizações conscientes – mostra-se
requisito indispensável para a recepção dos Mistérios do Reino de Deus. Sem isso,
os ensinamentos esotéricos parecem ser inevitavelmente a mais absoluta tolice, a
extrema estupidez. Até mesmo inverdades deliberadamente enganadoras são
algumas vezes perpetuadas para proteção contra equívocos prejudiciais de outros,
que induzem à conduta imprópria grave. A raiva pessoal, surgida de um sentido
humilhante de incapacidade de entendimento, ou a mistificação podem levar a
ações adversas.
O ignorante que "tem olhos, mas não vê e ouvidos, mas não ouve" interpreta
muito mal as palavras do Instrutor e as razões para proferi-las. O versículo quinze
dá um dos motivos para esse embotamento de percepção, a saber, o temor de que os
conceitos religiosos estabelecidos, os costumes e os hábitos sejam perturbados e
seja encontrado um novo modo de cultuar. O ignorante, relutando então a ser
convertido, fecha seus olhos mentais à luz da verdade e seus ouvidos às palavras da
sabedoria. Eles, na verdade, dificilmente ousam fazer diferente, e assim suas
reações são previsíveis. Mais tarde, em sua ascensão na escada evolutiva, buscarão
ardentemente e desenvolverão a capacidade de encontrar e compreender a
sabedoria, que nas primeiras fases estava fora de seu entendimento. A juventude
egóica que os impede de alcançar os Mistérios será um dia superada. Mais tarde,
uma mão amiga conduzi-los-á à entrada do santuário. Os discípulos, por outro lado,
já tinham alcançado aquele estágio que lhes permitia receber os Mistérios do Reino
de Deus face a face.
Mt 13:17. "Em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que
vedes e não viram, e ouvir o que ouvis e não ouviram."
De novo, as referências são menos para os órgãos dos sentidos e mais para as
condições da mente humana, particularmente aquelas resultantes da mente aberta e
da sabedoria intuitiva da maturidade evolutiva. Na mente do Instrutor espiritual não
há elemento de condenação ou mesmo censura das almas mais jovens, somente há o
reconhecimento dos diferentes estágios de abertura e de desenvolvimento do
homem e as características que lhe estão associadas.
318
21. mas não tem raiz em si mesmo, é de momento: quando surge a
tribulação ou a perseguição por causa da Palavra, logo sucumbe.
22. O que foi semeado entre os espinhos é aquele que ouve a Palavra, mas
os cuidados do mundo e a sedução da riqueza sufocam a Palavra e ela
se torna infrutífera.
23. O que foi semeado em terra boa é aquele que ouve a Palavra e a
entende. Esse dá fruto, produzindo à razão de cem, de sessenta e
trinta.”
319
De fato, nenhum estado mental, indesejável ou desejável, permanece para
sempre. A mente humana está passando por um desenvolvimento evolutivo que lhe
proporcionará a condição em que a verdade recebida será sustentada e
eventualmente suplementada pela experiência direta de sua verdade. Assim, os
estágios descritos na parábola podem ser considerados como sucessivos em todos os
seres humanos, tendo os discípulos de Jesus alcançado um avançado grau de
receptividade mental e de percepção.
Os "espinhos" constituem-se nas numerosas influências distrativas, as quais
prendem a atenção da mente de maneira tão forte que o indivíduo é incapaz de
prestar atenção aos frutos delicados e florescentes da percepção interior. O Mestre
refere-se à posse de riquezas como uma dessas distrações. Na verdade, as posses
mundanas podem, por essa razão, preocupar a mente a ponto de torná-la não
receptiva à sabedoria percebida intuitivamente ou até mesmo de esquecê-la.
As riquezas em si mesmas não são desprezíveis. Na verdade, elas podem ser
úteis se pelo menos ajudarem os menos favorecidos do mundo. Podem também
propiciar a libertação do trabalho, de forma que a receptividade e a percepção
possam ser desenvolvidas pela meditação e, em conseqüência, possibilitar o alcance
da compreensão das leis espirituais. A riqueza é somente prejudicial quando se
coloca entre a mente e o espírito do homem, quando produz uma preocupação
extrema com o mundanismo em prejuízo da concentração nas coisas do espírito, das
experiências místicas e das revelações da verdade. Os seres humanos que ainda não
ultrapassaram esse estágio estão descritos na parte referente à semente que caiu
entre os espinhos.
O estado ideal para o qual, um dia, evoluirão as mentes de toda a
humanidade está descrito como a semeadura em boa terra e o entendimento da
palavra ouvida. Mesmo quando esse grau de receptividade é alcançado, ainda
permanecem diferenças de capacidade mental para compreender idéias abstratas. A
perfeição humana e aqueles que dela muito se aproximam dão fruto na proporção de
um por cem, outro sessenta, e outro ainda trinta, segundo seu grau evolutivo.
Embora não afirmado diretamente, quanto ao que revela o registro baseado
na memória e na tradição oral, a doutrina da evolução, no que ela afeta o
desenvolvimento da mente humana, está quase inteiramente descrita nessa
maravilhosa parábola. Na medida em que, entretanto, toda conduta brota, em última
instância, do intelecto, e cada ação pode por fim ser remontada a esta fonte, então o
desenvolvimento total do homem é abrangido pela revelação. Todos os homens
passam por graus de desenvolvimento, referidos alegoricamente como a margem do
caminho: pedregosa, espinhosa e terra fértil. Como sugerido, cada um desses graus
indica a etapa que o ser humano está atingindo, de um estágio quase primitivo de
desenvolvimento na direção da "medida da estatura da plenitude de Cristo." Esse
ensinamento, do homem como um ser que evolui, somente podia ser apresentado
alegoricamente ao povo, mas os discípulos estariam bem-capacitados a perceber o
significado subjacente da parábola e compreendê-lo, e serem iluminados pela
sabedoria oculta no seu interior.
320
A verdade esotérica não é deliberadamente sonegada por causa da disposição
de esconder ou por causa de um sistema de favoritismo. O princípio diretor diz
respeito à habilidade dos ouvintes para compreenderem e beneficiarem-se da
verdade revelada.
Mt 13:24. Propôs-lhes outra parábola, dizendo: "O reino dos céus é semelhante
a um homem que semeou boa semente no seu campo.
25. Enquanto todos dormiam, veio o seu inimigo e semeou o joio no meio
do trigo e foi-se embora.
26. Quando o trigo cresceu e começou a granar, apareceu também o joio.
27. Os servos do proprietário foram procurá-lo e lhe disseram: `Senhor,
não semeaste boa semente no teu campo? Como então está cheio de
joio ?´
28. Ao que respondeu: `Um inimigo é que fez isto.´ Os servos
perguntaram-lhe: `Queres, então, que vamos arrancá-lo ?´
29. Ele respondeu: `Não, para não acontecer que, ao arrancar o joio, com
ele arranqueis também o trigo.
30. Deixai-os crescer juntos até a colheita. No tempo de colheita, direi aos
ceifeiros: Arrancai primeiro o joio e atai-o em feixes para ser
queimado; em seguida, recolhei o trigo no meu celeiro.´"
321
Na verdade, essa e outras partes verdadeiramente inspiradas das escrituras
mundiais descrevem realmente o próprio homem, a humanidade e o indivíduo e
registram a história de seu desenvolvimento, desde o estágio primitivo até o Ser
Crístico e o Ser Búdico. A constituição ou estrutura global do homem espiritual,
intelectual e material está também revelada, enquanto, ao mesmo tempo, é dada
orientação sábia quanto a como evitar as tristezas da vida e trilhar o caminho para a
perfeição com sucesso.
Mt 13:31. Propôs-lhes outra parábola, dizendo: "O reino dos céus é semelhante
a um grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo.
32. Embora seja a menor de todas as sementes, quando cresce é maior do
que qualquer hortaliça e torna-se árvore, a tal ponto que as aves do
céu se abrigam nos seus ramos."
322
reino dos céus referido na parábola é aquele estado de existência divina e de
consciência espiritual no mais elevado nível do qual todas coisas emergem e todos
os universos e homens são os produtos ou frutos, que sempre estão evoluindo.
Se argumenta que a interpretação que Jesus ofereceu mais tarde aos seus
discípulos não contempla tudo quanto está sugerido aqui, poderia ser lembrado que
as interpretações reais, os ensinamentos profundamente esotéricos, foram dados em
completa privacidade, apenas para os discípulos comprometidos. Nenhum daqueles
presentes provavelmente revelaria a natureza e o conteúdo das interpretações então
oferecidas, principalmente por escrito. De acordo com esse costume, o próprio
Jesus nada escreveu, e é razoável assumir que tanto os livros canônicos como os
apócrifos do Novo Testamento, especialmente os evangelhos, fornecem relatos
muito incompletos e algumas vezes incorretos de tudo o que ocorreu. Os autores
dos evangelhos e as datas em que estes foram compilados pela primeira vez são
desconhecidos pelos eruditos bíblicos, assim como deve permanecer a plena
descrição de todos os eventos da vida de Jesus e, especialmente, o registro completo
dos ensinamentos secretos que ele passou. Entretanto, muito ensinamento adicional
pode ser inferido, particularmente onde são usados símbolos clássicos e registrados
eventos e conversações que parecem conter implicações de sabedoria esotérica.
Aqui é usada uma chave numérica, a saber, o número três. Entre seus muitos
significados, esse número refere-se às três partes componentes da personalidade
mortal do homem enquanto vivendo na carne: a mente e as faculdades mentais; os
sentimentos e as aptidões emotivas; e o corpo físico, através do qual a mente e a
emoção encontram expressão na consciência de vigília.
Sob circunstâncias normais e até certa fase da evolução, essas três partes
estão limitadas em função de seus próprios níveis de consciência e de ser. A mente
cumpre processos mentais com certa lógica e razoabilidade; as emoções expressam
tanto o pensamento como o sentimento combinados, usualmente predominando o
último; o corpo é o instrumento da consciência e da ação em seu próprio plano de
existência. Uma intrusão da parte mais elevada e mais espiritual da natureza
humana raramente alcança e influencia significativamente essas três funções do ser
humano médio e normal.
Quando uma fase posterior de desenvolvimento está se aproximando e,
subseqüentemente, é adentrada, mudanças sutis começam a ocorrer: compreensão
das leis subjacentes aos fenômenos físicos, idealismo, caridade, crescente
sentimento de afinidade fraternal entre os homens, busca por compreensão mais
profunda e uma religião de experiência interior. Essas mudanças devem-se à
intrusão do Eu espiritual do homem a partir de um nível supramental; elas vêm da
região da inteligência abstrata em que aquele Eu subsiste. O reino dos céus é a
323
expressão simbólica desse nível e estado. A parábola pode ser interpretada como
uma descrição alegórica dos efeitos aceleradores dessa manifestação sobre o
homem mortal.
O fermento ou levedura, quando utilizado na fabricação do pão, é o mais
adequado símbolo usado para descrever a influência sobre o pensamento humano e
a ação das espiritualizantes, intelectualmente estimulantes e purificantes irradiações
de poder do Eu recôndito do homem. Pois, quando esse denominado fermento
alcança ou se torna "oculto" no tríplice homem exterior, sua verdadeira natureza
começa a ser transformada, exatamente como a massa sobe e expande-se quando
nela a levedura é misturada. A mulher da parábola pode personificar a própria
Senhora Natureza, uma vez que são descritos processos bastante naturais, muito
embora a assistência espiritual do Deus interior ou do Instrutor Adepto externo
possa apressar a complementação do processo de levedura e, desse modo, acelerar a
evolução geral do indivíduo assim assistido.
Evidentemente, durante o tempo de seu ministério, do qual essas parábolas
foram retiradas, Jesus falou de forma oracular, como é o hábito dos grandes Mestres
de Sabedoria ao dirigirem-se a uma audiência heterogênea. Claramente, o
significado da curta parábola antes sugerido dificilmente seria percebido pelas
pessoas não-instruídas. Pode-se seguramente imaginar, entretanto, que, entre
aqueles que ouviam os ensinamentos de Jesus, haviam muitos pertencentes a
algumas das comunidades ocultas daquele tempo que reconheceriam, em
conseqüência, o ensinamento transmitido. Em outras ocasiões, quando estava só
com esses ouvintes, ele sem dúvida explicava muito mais profundamente,
revelando, dessa forma, os níveis de sabedoria esotérica que eles estariam
habilitados a compreender.
Mt 13:34. Jesus falou tudo isso às multidões por parábolas. E sem parábolas
nada lhes falava,
35. para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta: "Abrirei a boca em
parábolas; proclamarei coisas ocultas desde a formação do mundo."
324
e espirituais do homem e do universo, pode conferir poderes muito grandes para o
bem ou para o mal de seu possuidor.
A orientação oferecida aos discípulos pode bem ter sido para fixar suas
consciências, esperanças e aspirações na divina presença, que constitui o Eu real, e
para retirá-las, cada vez mais, de seu mero revestimento corporal e dos interesses da
vida física; o espírito eterno é a realidade enquanto o corpo perecível é irreal. Na
verdade, esse é sempre o apelo de todos os Instrutores da humanidade, quer seja
feito alegórica ou diretamente. Se esse enfoque é aceito, então a suposta ação do Pai
de separar o mau do virtuoso e lançar o primeiro na fornalha ardente, descreve
325
realmente a inevitável desintegração de todas as formas, enquanto o espírito, pelo
qual elas tinham sido até então animadas, existe eternamente. O Filho do Homem e
seus anjos, que separam tudo aquilo que é denso e lançam-no ao fogo, significam o
curso perfeitamente natural dos eventos cósmicos. O espírito ascende a alturas cada
vez mais elevadas de auto-expressão, e seus revestimentos materiais deixam de
prendê-lo. Na verdade, isso acontece não apenas nas fase finais da evolução
universal e planetária, mas repetidamente toda vez que um ser humano morre.
Os Instrutores ocultos asseguram a seus discípulos que, ao se tornarem
cônscios de si próprios em suas naturezas espirituais, mantendo seus centros de
consciência naquele nível, tornar-se-ão imortais. A sua autoconsciência persistirá
não afetada pela morte física ou mesmo pela dissolução dos planetas e do Sol
central ao redor do qual viajaram durante eras. Como sempre, no sentido humano, a
imortalidade é o grande tema, e o modo de sua obtenção é a orientação dada pelo
Instrutor ao discípulo. Até mesmo a multidão inconsciente de tudo ao seu redor, a
não ser do mundo físico, tem o direito de ouvir a sabedoria e de receber a
convocação, não obstante esta possa estar revestida de símbolo, alegoria e parábola.
Deve ser entendido que Jesus usou o termo o reino dos céus tanto para a
parte divina imortal do homem, a qual entesoura a mais pura essência espiritual,
quanto também para seu estado de consciência associado. Esse, na verdade, é o
supremo tesouro no interior do campo da consciência. Abençoados são aqueles que
descobrem o Eu e entram no seu estado de permanente bem-aventurança, porque
encontraram o tesouro dos tesouros, a verdadeira "jóia do lótus." Na linguagem
simbólica deste capítulo, Jesus exorta a todos que o escutavam a procurar primeiro
esse Eu interno e conhecer a sua realidade. Então, ainda que tendo seu lugar e
propósito, tudo mais se desvanece em insignificância comparativa. Simbolicamente,
o homem que encontrou esse tesouro dentro do "campo" de atividades de seu dia-a-
dia acertadamente compra aquele campo ou toma posse completa, para que o
tesouro escondido possa ser seu.
Sem dúvida, para seus discípulos preferidos e dedicados, Jesus desvelou a
alegoria e revelou a verdade oculta. Ele despertou a visão interna daqueles que
podiam responder. Além de todas outras grandes dádivas de sabedoria para o
mundo – algumas, mas nem todas, das quais estão preservadas nos evangelhos – ele
deu ênfase ao supremo valor da realização direta e da experiência viva da presença
divina e de sua condição de ser. Ele ensinou não só a importância atual dessa
presença, porém, muito mais, as infinitas possibilidades que se derivam da semente
do Deus supremo entesourada no seu interior. Para isso ele escolheu o símbolo da
semente de mostarda.
326
Mt 13:45. "O reino dos céus é ainda semelhante a um negociante que anda em
busca de pérolas finas.
46. Ao achar uma pérola de grande valor, vai, vende tudo o que possui e a
compra."
Um símbolo mais bonito e mais apto é aqui escolhido para o tesouro dos
tesouros – a pérola de grande valor. De fato, o Eu oculto, espiritual do homem é de
grande valor, sem preço, pois é o próprio eterno. Verdadeiramente, quando o
homem do tempo e do espaço descobre o Eu atemporal e imortal, a admiração é tão
grande que ele dá tudo por este tesouro.
Mt 13:47. "O reino dos céus é ainda semelhante a uma rede lançada ao mar, que
apanha tudo.
48. Quando está cheia, puxam-na para a praia e, sentados, juntam o que é
bom em vasilhas, mas o que não presta, deitam fora."
327
dentre os justos
50. e os lançarão na fornalha ardente. Ali haverá choro e ranger de
dentes."
328
incapacitados de participar dele plenamente no tempo apropriado. Eles são deixados
para trás, enquanto seres no corpo principal da vida em evolução são levados para
níveis mais elevados.
É da máxima importância, entretanto, compreender que não há nisso
nenhuma punição ou descuido. Mesmo as ervas daninhas são compostas de
substância que contêm vida. Embora o jardineiro possa arrancá-las e livrar-se delas,
ele não pode destruir a vida interior nem impedir a transformação da substância de
uma condição em outra. De fato, a vida e a matéria são eternas e, embora a matéria
dos corpos humanos possa ser separada da alma espiritual interior, como na morte,
aquela alma é, pela sua real natureza, indestrutível e eterna. A separação é
necessária nos casos de fracasso relativo – simbolizado possivelmente pelo
sofrimento mencionado – mas isso não implica, de forma alguma, a exclusão da
consciência, do interesse e do cuidado divinos. Pelo contrário, são realizados
esforços especiais para proteger tais casos, para assisti-los no progresso à sua
própria velocidade e mesmo para que alcancem o "corpo principal", juntem-se a ele
e sigam adiante.
O grande Instrutor escondeu indubitavelmente esse profundo conhecimento
oculto sob o véu da alegoria, embora pareça também muito provável que o escriba,
em cujos escritos o evangelista baseou a sua biografia de Jesus, tenha registrado
incorretamente suas palavras.
329
e da religião hebréia. Alguns encontravam-se em circunstâncias bastante humildes,
enquanto outros eram educados segundo os padrões da época. Entre esses últimos
poder-se-ia encontrar uns poucos cabalistas instruídos, e esses teriam recebido a
iluminação mais profunda e alcançado maior entendimento dos Mistérios que ele
estava ensinando por parábolas.
O pai de família que apresenta novos e velhos tesouros personifica a
inteligência que ouve, a capacidade perceptiva de um pupilo. Qualquer que seja o
estágio de desenvolvimento egóico ou o grau de educação pessoal, externa ou
interna, as palavras de um Mestre, ditas face a face ao aluno, fazem mais do que
instruir. Isso é parte do milagre e da magia do ensinamento de um Adepto. Embora
possa se empenhar em conversação a respeito de negócios mais ou menos terrenos
e, portanto, normais, quando dá informação espiritual e oculta, ele não só oferece
conhecimento, mas, o que muitas vezes é mais importante, retira das profundezas
interiores da mente do aprendiz sua própria sabedoria inata e novos pensamentos,
evocando respostas do Eu interior. Assim, o Mestre refere-se aos tesouros novos e
velhos que o suposto pai de família apresenta. Na verdade, isso seria o ideal de
todos os instrutores e, especialmente, daqueles que dão instrução filosófica e
apresentam idéias espirituais.
Naturalmente, é bastante lícita uma aceitação literal da frase "à sua pátria", e
é um fato peculiar que a intimidade física cega os olhos e a mente, como por
exemplo dos membros de uma família e dos conhecidos de infância. Entretanto,
simbolicamente, o adágio refere-se menos à pátria de alguém do que ao estado da
mente dos que recebem a sabedoria espiritual. Nesses versículos a diferença entre
os despertos espiritualmente e os não-despertos, referidos anteriormente, torna-se
acentuada, pois que, apesar de o Mestre, conforme seu costume, ensinar da forma
mais sábia, as pessoas de seu próprio distrito – símbolo da mente não desperta –
fracassaram em reconhecer tanto sua verdadeira grandeza como a sabedoria de suas
palavras.
Aqueles que criticam, desprezam e zombam fazem assim porque ainda não
alcançaram o grau de desenvolvimento, nem passaram, talvez, pelo sofrimento que
habilita a mente a perceber a verdade impessoal, a sabedoria oculta e o
conhecimento revelado.
330
A frase "à sua pátria" pode também ser interpretada como significando as
pessoas cujas mentes estão restritas ao conhecimento da aparência meramente
pessoal e material do instrutor e das idéias transmitidas. Elas vêem o corpo material
de Jesus como igual aos seus, não indo além, sendo incapazes de assim fazê-lo.
Subjacente a essa cegueira está o estado de não-desperto, que é a barreira real para
responder à sabedoria, qualquer que possa ser sua fonte.
331
CAPÍTULO DEZOITO
332
9. E o rei se entristeceu. Entretanto, por causa de seu juramento e dos
convivas presentes, ordenou que lha dessem.
10. E mandou decapitar João no cárcere.
11. A cabeça foi trazida num prato e entregue à moça, que a levou à sua
mãe.
12. Vieram então os discípulos de João, pegaram o seu corpo e o
sepultaram. Em seguida, foram anunciar o ocorrido a Jesus.
0
Interpretação iniciatória – ver Hodson, "Hidden Wisdom", vol. 2, pp. 32-3.
0
Mt 5:18; 7:1,2.
333
ser assim alcançadas, mas a auto-iluminação e a percepção direta da verdade em sua
pureza estarão sempre perdidas na confusão da discussão e na insistência verbosa
em que as próprias idéias são as únicas verdadeiras e valiosas.
Essas características da natureza humana, que tinham sua utilidade na fase
inicial do desenvolvimento do homem e da civilização, devem ser completamente
eliminadas para que a Verdade genuína ilumine a mente humana. Isso é
acompanhado por um decidido ataque interior contra essas características e,
eventualmente, pela sua eliminação do caráter de homem auto-iluminado. Essa
imensa realização é simbolizada pela decapitação, que é um retrato hábil da morte
do poder do intelecto separativo e intolerante, o esgotamento da tendência para
argüir e debater a respeito daquilo que está além do seu poder. Essas características
são analíticas, conquanto a plena percepção da Verdade, em si mesma, possa ser
descrita como uma síntese transcendente.
O símbolo da decapitação, então, descreve alegoricamente a liberação final
da inteligência abstrata e profética. Golias, por exemplo, é representado como um
gigante com armadura desafiando arrogantemente seus inimigos, mas Davi, recém-
chegado do campo, tendo entrado num riacho para obter uma pedra branca, matou-o
e cortou-lhe a cabeça0. Perseu, semelhantemente, cortou a cabeça da Medusa,
enquanto Hércules decapitou a hidra de nove cabeças de Lerna. O espírito de João é
liberto da prisão, tanto da carne como da mente formal, com suas limitações
anteriores e idéias fixas, inclusive da opressão e dominação representada por
Herodes; porque a mente deve ser aquietada – morta figurativamente – para que o
livre fluxo das idéias intuitivamente percebidas, a natureza crística, seja realizado.
Na verdade, sugiro que, em todos os relatos de degolação de membros importantes
dos elencos de dramas simbólicos, cada decapitação significa o fim de uma época
evolucionária, sobre a qual a mente mortal do homem tinha, até então, governado
corretamente, a não ser em casos extremos0.
Já que a alma do homem é eterna e a morte corporal não tem efeito sobre ela,
João Batista, morrendo para o visível e para as circunstâncias e atividades
freqüentemente feias da vida mundana, também simbolizadas pela morte, alcançou
"a outra margem". Nisso ele tipifica cada iniciado que tenha passado pelo ritos
sagrados de sucessivas iniciações.
Na interpretação histórica, mais do que na alegórica, a resposta favorável de
Herodes ao pedido de Salomé, pela cabeça de João Batista numa bandeja, pode ser
entendida como tendo provocado o fim de sua missão, pelo assassinato de seu
corpo. O filósofo, por sua vez, veria nesse evento a operação da lei do carma, sob a
qual João Batista estava colhendo aquilo que havia semeado previamente. O medo
de Herodes, como a hesitação de Pilatos quando julgava Jesus, indica o surgimento
da intuição do verdadeiro significado da vida, do real propósito da existência
humana, do ideal de conduta humana e do começo do entendimento de que os
0
Cf. Golias, 1Sm 17.
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", vol. 2, pp. 289-90.
334
homens que eles mantinham presos eram exemplos vivos dessas virtudes. Todos
ditadores têm tais receios, mas tendem a sufocá-los nas suas taças, por medo de
perder seus poderes, como bem poderiam. A ferroada na consciência, entretanto,
continuará a molestá-los, até que ela se torne como a voz de João Batista, clamando
por arrependimento no deserto da existência meramente mundana. A auto-reforma
finalmente acontecerá e os débitos formados pelas más ações serão pagos com
tristeza e agonia; porque essa é a Paixão do Senhor pela qual cada iniciado deve
passar no seu caminho para o adeptado0.
Mt 14:13. Jesus, ouvindo isso, partiu dali, de barco, para um lugar deserto,
afastado. Assim que as multidões o souberam, vieram das cidades,
seguindo-o a pé.
14. Assim que desembarcou, viu uma multidão e, tomado de compaixão,
curou os seus doentes.
0
Gl 6:7.
335
então coloca o incidente fora do puramente material, elevando-o ao místico, como
se não fora da Terra e sim do céu.
As palavras escolhidas pelos narradores levam o grande banquete a assumir o
caráter de uma refeição sagrada, uma verdadeira Eucaristia, pois é dito que Jesus
elevou os olhos ao céu, "partiu" os pães deu-os aos discípulos e estes às multidões.
A execução do ato da duplicação e multiplicação de objetos físicos está bem de
acordo com a capacidade de todo sábio ocultista, de cada Adepto que tenha sido
iniciado nos Mistérios Maiores. O milagre pode, portanto, ser perfeitamente aceito
como produzido por alguém a quem fosse possível tais aparentes milagres.
As duas espécies de comida, pão e peixe, são também usadas como símbolos
por aqueles que escrevem na linguagem simbólica. O pão é interpretado como o
próprio conhecimento e como o tipo de alimento da mente que a capacita
naturalmente a perceber e apreciar idéias metafísicas. O peixe, por outro lado,
significa a condição pela qual a unidade de toda a vida no universo e a conseqüente
unidade espiritual de todos os seres são realizadas como experiências na
consciência. Ademais, dessa realização surge compaixão divina que conduz a uma
bela espécie de ternura espiritual, que é expressa como sabedoria e auxílio amoroso
para aqueles em necessidade.
A comida, tão miraculosamente multiplicada e dada a aproximadamente
cinco mil pessoas, pode também ser considerada como o nutriente mental e
espiritual – a infusão nas mentes das pessoas daquela influência espiritual que lhes
confere responsividade à iluminação. A exaltação da alma, mais do que o alimento
físico apenas, foi então dada ao vasto ajuntamento de pessoas. Uma discussão
posterior da simbologia usada ocorre no capítulo seguinte em outra versão do
incidente.
Parece improvável que o relato de um evento que ocorreu alguns anos antes
da história ter sido escrita possa registrar o número real de cestos com as sobras,
mesmo se estes tivessem sido contados naquela época, o que é também improvável.
Um significado esotérico pode então ser buscado, muito embora a possibilidade da
produção de tal superabundância a partir de uma fonte original tão pequena seja
aceita como possível. O número doze sugere totalidade, inteireza, acabamento. Os
cestos podem indicar recipientes, veículos ou suportes, enquanto o alimento físico
pode ser aqui interpretado como o nutriente da alma. Se esse ponto de vista é
adotado, então o corpo da sabedoria espiritual, do conhecimento esotérico, estava
disponível para a consciência da multidão, que por sua vez representa a humanidade
como um todo. O ato do Senhor significa o serviço para humanidade pelos "homens
336
tornados perfeitos", fazendo disponível a sabedoria espiritual que eles descobriram
e preservaram através dos tempos.
Para algumas mentes essa interpretação do memorável incidente pode ser
mais aceitável do que sua leitura como uma narrativa de eventos reais. Na verdade,
para a grande maioria das pessoas, o Senhor é descrito como tendo executado uma
ação que para eles era totalmente impossível. A fé, entretanto, habilita àqueles que
acreditam na Bíblia como o trabalho inspirado de Deus a aceitar a narrativa como
um relato de um dos muitos milagres executados pelo Senhor. Mesmo tal fé,
chamada cega porque nenhuma ação do intelecto está envolvida, pode ser preferível
à rejeição completa, pois essa última envolve um fechamento da mente, em
conseqüência da qual o cunho e a importância do relato são apagados e a sabedoria
oculta perdida.
Não há razão inerente para que um Adepto não possa multiplicar nenhum
objeto físico quase indefinidamente, particularmente quando protegido e autorizado
por um aspecto do Divino. O Batismo de Jesus, acompanhado pela descida do
Espírito Santo sobre ele, fez com que ele não fosse mais um homem no sentido
comum do termo, mas um homem divino, unificado com o sublime Senhor do
universo e, em conseqüência, um Mestre da substância material de que consiste o
universo. Na verdade, todos os Adeptos que saem de seu isolamento e entram no
mundo dos homens, pela sua real presença e também por suas palavras, irradiam
aquela pura sabedoria que não é desse mundo. A sabedoria, além disso, é infinita e,
portanto, inesgotável; tanto real como simbolicamente, há sempre mais do que
aquilo que estava disponível. Esse incidente conclusivo que o evangelista descreve
oferece um indício para o entendimento da estória, na medida em que introduz o
milagre ou prodígio que implica a inesgotabilidade daquilo que havia sido dado.
Mt 14:24. O barco, porém, já estava no meio do mar, açoitado pelas ondas, pois
o vento era contrário.
337
25. Na quarta vigília da noite, ele dirigiu-se a eles, caminhando sobre o
mar.
26. Os discípulos, porém, vendo que caminhava sobre o mar, ficaram
atemorizados e diziam: "É um fantasma!" E gritaram de medo.
27. Mas Jesus lhes disse logo: "Tende confiança, sou eu, não tenhais
medo."
338
superado. A energia que, até agora, encontrara expressão através de válvulas
emocionais transmuta-se em poder espiritual, em particular numa força de vontade
consideravelmente aumentada. Metaforicamente, o Eu espiritual interior, de forma
segura, "anda sobre" (usa como uma ajuda para mover-se) a natureza do desejo
humano, que até aqui possuía o atributo do perigo.
Os discípulos no interior do barco não reconheceram Jesus até que falasse
com eles. Isso pode ser uma referência alegórica à voz do divino dentro do homem,
o Logos da alma. A palavra voz nesse contexto é também descritiva da
comunicação íntima que é estabelecida, durante as experiências místicas, entre o
homem divino e o mortal. Essa comunicação confere imenso poder, sendo,
portanto, potencialmente perigosa e, daí, expressa em linguagem alegórica.
As palavras de Jesus nem são limitadas a ele nem restritas ao tempo e à data
em que supostamente foram pronunciadas. A experiência pode ser passada por
qualquer um a qualquer tempo, pois é atemporal e universal. O Deus dentro do
homem anda continuamente sobre a água, entra no barco da consciência física do
homem e depois disso acalma o desejo. Expresso de outra forma, Jesus está sempre
andando sobre a água, em direção à humanidade. Os homens disciplinados, ainda
que dormindo inicialmente, testemunham sua aproximação, ouvem sua voz e, então,
aceitam-no como um passageiro no barco de suas vidas e mentes mortais.
Cristo personifica cosmicamente a potência positiva que cria, o espírito
divino, enquanto a água corresponde ao vasto mar do até então Espaço Virgem. Os
autores dos primeiros versículos do Livro de Gênesis usaram a mesma linguagem
metafórica, que também é encontrada em outras cosmogonias. Quando o "espírito
de Deus" movia-se sobre a "superfície das águas" 0, a quietude precósmica deu lugar
à atividade geradora e produtora da forma – uma tempestade por contraste. O
domínio posterior do espírito sobre a matéria e o início e a manutenção dos
processos evolutivos ordenados podem também ser retratados pelo Cristo a bordo
do barco – a forma externa do universo – acalmando a tempestade.
0
Gn 1:2.
339
ainda plenamente o estágio de desenvolvimento no qual o desejo não tinha mais
nenhum domínio sobre ele. Isso está evidenciado nos incidentes registrados
posteriormente nos evangelhos, em particular sua afronta declarada contra a paixão
e a morte previstas pelo Senhor, como também a negação durante a cena do
julgamento. Embora elevado pelo entusiasmo e devoção, que lhe permitiu andar
alguma distância sobre as águas para saudar seu Senhor, quando a excitação e
entusiasmo excessivos de suas emoções surgiram, ele correu perigo de afogar-se.
Isso não aconteceu porque o Senhor estendeu a mão e salvou-o milagrosamente.
Sem o menor descrédito ao poder do Adepto, andar sobre as águas e acalmar
o vento são uma revelação, feita por meio do símbolo e da alegoria, da natureza
humana, mortal e imortal, e das respectivas condições e poderes de cada Adepto. A
mensagem da estória é, em parte, estabeler o hábito regular da oração contemplativa
diária, atingindo-se com isso aquele poder e paz interiores que, quando realizados,
conduzirão, às vezes, a pessoa miraculosamente sobre as turbulentas águas da vida
de forma segura. A oração, muito mais a contemplação do que a súplica, induz à
realização dessa divindade interna. Isso, por sua vez, eleva o homem com a mente
calma acima das tormentas da vida.
Encerra-se o capítulo com descrições de eventos que podem ser lidos tanto
histórica como alegoricamente. Na verdade, a despeito das diferenças entre os
evangelhos, muita coisa neles é historicamente confiável, podendo-se seguramente
assumir que Jesus velejou sobre o mar da Galiléia, cruzou de uma parte a outra as
suas praias, evocou adoração de seus discípulos quando sua natureza divina
revelou-se e curou e ensinou a grande número de pessoas. Aparentemente, menores
referências, como as da cura pelo simples toque na bainha de sua veste, sugerem
uma possível tentativa de revelações de verdades que são atemporais, pois quando o
homem com suas várias imperfeições (doenças) elevam a consciência pessoal em
união com seu Eu divino (a presença de Cristo), então sua natureza mortal torna-se
purificada e espiritualizada (curada das doenças).
Nesse processo de auto-elevação acima das atividades da mente racional,
mesmo os primeiros contatos com a inteligência sintetizante e unificadora (a orla de
sua veste) podem e produzem efeitos os mais notáveis. Essa verdade é registrada de
várias formas na literatura simbólica e mística que o homem produziu. O
conhecimento do divino, da experiência da Vida onipresente e de que se é uma
340
manifestação dela podem atrair, como se da franja da natureza divina, rios de
inspiração e influências reintegrantes e harmonizantes. Esse fato pode ser
descoberto bem no início, ou limiar, das experiências místicas.
Lc 8:2. Assim como algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos
malignos e doenças: Maria, chamada Madalena, da qual haviam saído
sete demônios.
Jo 8:3. Os escribas e fariseus trazem, então, certa mulher surpreendida em
adultério e, colocando-a no meio,
4. Dizem-lhe: "Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante delito de
adultério.
5. Na Lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulheres. Tu, porém, que
dizes?"
6. Eles assim diziam para pô-lo à prova, a fim de terem matéria para
acusá-lo. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o dedo, como
se não os ouvisse.
7. Como persistissem em interrogá-lo, ergueu-se e lhes disse: "Quem
dentre vós que não tem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra!"
8. Inclinando-se de novo, escrevia na terra.
9. Eles, porém, ouvindo isto, estando convencidos por sua própria
consciência, saíram um após o outro, a começar pelos mais velhos.
Ficou só Jesus e a mulher que estava no meio.
10. Então, erguendo-se Jesus, e não vendo ninguém mais do que a mulher,
disse-lhe: "Mulher, onde estão os teus acusadores? Ninguém te
condenou?"
11. Disse ela: Ninguém, Senhor." Disse, então, Jesus: "Nem eu te condeno.
Vai, e não peques mais."
341
342
CAPÍTULO DEZENOVE
É
aceitável uma interpretação literal dos milagres de Jesus; fatos históricos
podem bem ter sido registrados. Entretanto, os escritores da linguagem
sagrada estão capacitados a registrar os incidentes de tal modo que as nuanças
místicas sejam também reveladas, sendo esse um dos principais propósitos da
invenção e uso dessa categoria de literatura. Se o leitor faz a pergunta "qual a
verdade?" a resposta é no mínimo dupla. Uma base histórica pode existir e ser de
interesse considerável, mas a revelação da sabedoria espiritual da qual ela é um
veículo é de significado e valor muito maiores. Os autores das escrituras mundiais,
os maiores tesouros da humanidade, escrevem com essa intenção e visando a esse
conhecimento. Os versículos dos evangelhos deveriam ser lidos assim.
343
coração e na vida – tem a difícil, senão perigosa, tarefa de remover estas
incrustações e revelar uma vez mais as verdades como foram originalmente
formuladas em sua prístima pureza. Jesus foi um desses reformadores. Confrontou-
se, em conseqüência, com os tremendos poderes da ortodoxia estabelecida.
Com grande habilidade e poder de comunicação, não só respondeu aos
ataques contra seus discípulos, como também levou o confronto para o campo de
seus inimigos, trazendo desapontamento àqueles que tentavam enredá-lo e difamá-
lo e a seus seguidores. Esse atributo de Jesus, esse traço em seu caráter, de grande
perícia intelectual combinada à introspecção penetrante, como a lógica de um
advogado, não é geralmente reconhecido. Todavia, os quatro evangelistas nunca o
apresentaram embaraçado por qualquer ataque verbal. Ao contrário, infalivelmente
é apresentado como extremamente habilidoso em tais formas de debate.
Ele estava naturalmente numa posição muito favorável relativamente a seus
acusadores. Primeiro, podia ver dentro de seus corações e observar a hipocrisia por
trás de suas palavras. Segundo, tinha sob seu comando a compreensão completa do
assunto sobre o qual os ataques estavam baseados e, terceiro, não estava no rol dos
homens comuns, estando muito acima deles, como um alto iniciado ou Adepto.
Verbalmente, portanto, nunca poderia ser enlaçado.
344
purificação do pecado da alma, o sucesso depende amplamente da fidelidade ou
sinceridade do aspirante. Assim, Jesus testa a mulher, aplicando um problema
mental. Triunfalmente ela o resolve e supera a provação, respondendo-lhe
igualmente em seus próprios termos com a analogia eficaz dos cachorros. Ela
imediatamente se torna inundada de plena compreensão intuicional. Depois disso, o
caminho estava desimpedido e o milagre de cura, seja externa ou interna, foi
executado simbolicamente. A filha, possuída de um demônio, poderia ter sido tanto
obsediada como epilética. Esotericamente, ela é parte de sua mãe, na medida em
que, nas alegorias, todas as pessoas personificam aspectos da individualidade total
do homem, como também do universo.
De todos os que poderiam se beneficiar do poder de cura do Senhor, só
aqueles cujas palavras ou condição demonstravam total entrega – ou como os
evangelhos dizem "fé" – receberam o milagre da cura. A fé, nesse sentido
puramente psicológico, significa que a mente está capacitada a superar as limitações
normais da mente concreta, que são apropriadas para os problemas puramente
materiais e intelectuais, mas que são um obstáculo para a iluminação pela intuição.
Com fé, a mente pode manter a abertura e a receptividade instintiva em problemas
além do seu alcance. Embora isso possa parecer, em alguns casos e para algumas
pessoas, ser estupidez ou credulidade, ela pode indicar uma posição evolutiva
avançada.
Essa alegoria, bem como outras parábolas, também descreve processos
mentais delicados e sutis: a dualidade do intelecto humano; o lugar de junção, ou
encontro, dos dois aspectos da mente; o obstáculo peculiar e especial que aí existe,
conhecido como o "véu", útil e proveitoso até certo grau de desenvolvimento; e os
modos pelos quais aquela barreira pode ser ultrapassada. A fé é um sinal de que a
barreira está cedendo e de que uma mudança já está ocorrendo em alguma extensão,
embora não inteiramente. A pessoa sabe, mas, por algum tempo, não pode justificar
mentalmente. Mesmo assim, a despeito de objeções, a crença, ou fé, é mantida. A
má saúde indica um estado psicológico no qual a condição de iluminação não pode
passar pela barreira e ser recebida seja pela mente argumentativa ou pelo cérebro.
O fator decisivo para plena abertura do portal ou portão entre os dois
aspectos da mente consiste da vontade espiritual aplicada ativamente. Esse poder
essencial é personificado pelo Cristo curando com sucesso as doenças. O Habitante
do Recôndito projeta seu raio – o som da voz do Mestre – na mente 0, pois essa
influência do alto é capaz de penetrar e abrir sempre mais amplamente o véu entre o
eu imortal e o mortal no homem.
Essa é a verdadeira cura da doença pelos milagres. Pois, em todos os casos
registrados nos evangelhos, é a mente que está doente, seja paralisada, cega, coxa,
surda, muda, possuída de um demônio ou morta num sentido metafórico. A ação do
poder espiritual interno (Atma) sobre o doente é para superar as condições e
0
É notável que, em quase todos os casos, esse ato teúrgico é executado pela palavra
falada ou pelo poder da palavra – a influência do Logos dentro da alma.
345
limitações mentais normais. Na verdade, como os sábios antigos diziam: "a mente
(enferma) é a assassina do real"0.
Aquelas cidades onde Jesus, por causa da descrença, não operou milagres
referem-se aos seres humanos em que a mente ainda não tinha evoluído o suficiente
para fazê-los responsivos ao toque ou à palavra da divina presença dentro deles.
Nessa fase, é impossível a percepção intuitiva direta da verdade espiritual abstrata.
Alegoricamente, o Mestre não está presente. A oração, o freqüentar a igreja e a
adoração são atitudes valiosas, à medida em que ajudam nesse desenvolvimento
desejável. Quando essas atitudes são seguidas pelo estudo da filosofia e, o que é
ainda mais importante, pela prática da ioga, o véu pode ser "rasgado ao meio" antes
do momento evolutivo normal. Isso é retratado na escritura e no mito sempre que
um ser divino, semidivino ou humano "roga ao Senhor" e isso é exatamente o que a
mulher cananéia fez. Além do mais, ela clamou persistentemente recusando-se a
não ser atendida.
O demônio personifica simplesmente, nessa história, todos os atributos da
mente e do cérebro que, em grande parte por causa do materialismo, desprezo e
argumentação, bloqueiam a luz da intuição. Embora seja a mente, de maneira geral,
que está enferma, nos dois episódios nos quais Jesus expulsa demônios, as
desordens físicas e emocionais, as deficiências e os excessos podem também ter
contribuído para a doença. Outra vez a cura verdadeira é a descoberta, a entrega e a
invocação do Eu espiritual (o Senhor), as três atitudes essenciais para o sucesso na
iluminação. Depois disso, os atributos falsos e adquiridos (o demônio), que não são
verdadeiros para a natureza original, desaparecem ou são exorcizados e
afugentados.
0
H. P. Blavatsky, "The Voice of the Silence", Fragmento I, p. 17.
346
Pode-se assumir que, enquanto o doente aparentemente recebia a milagrosa
restauração física, pela compaixão de Jesus por seus sofrimentos, maior
receptividade à mensagem que trazia era um resultado compensatório, provocando
iluminação e clarificação das mentes dos que sofriam. Assim, Jesus é mostrado
como portador da luz às mentes dos homens, particularmente daquelas que estão em
trevas. Os mentalmente coxos, cegos, mudos e aleijados tiveram a clara visão
mental restaurada e mesmo a iluminação através da intuição, personificada pelo
próprio Mestre. Então, se isso é verdadeiro, tanto a cura permanente quanto a
prevenção de futuras doenças mentais teriam sido encontradas.
Por causa da memorável manifestação espiritual que ocorreu no Batismo,
deve ser assumido que Jesus realizou seus extraordinários feitos tanto na condição
de homem, como na de veículo de um Aspecto do Divino.
O versículo vinte e nove fala de uma retirada das praias da Galiléia e,
acompanhado de seus discípulos, segundo S. João 0, uma subida a uma montanha.
Possivelmente, a sabedoria secreta foi dada enquanto estava "sobre o monte", seja
essa elevação considerada literal ou simbolicamente. Em quaisquer dessas
situações, Jesus evidentemente seguiu o costume de todos os Instrutores espirituais
de comunicar aos discípulos selecionados o conhecimento oculto e a experiência
direta dos níveis mais espirituais da consciência humana. As verdades transmitidas
verbalmente seriam também percebidas diretamente, por causa das condições de
sensibilidade e elevação, às quais os discípulos são levados quando na presença de
seu Mestre. A ausência de qualquer declaração descritiva da ocorrência de eventos
ou da execução de ações na montanha pode bem ser o resultado da típica imposição
de segredo de tais ocasiões.
O caminho do discipulado é cercado de muitos provações, testes e
dificuldades, nos quais os fracassos temporários frustam aquela perfeição de
conduta que é o ideal de todo discípulo. Talvez o maior desses perigos surja dos
atributos de orgulho que permaneceram, mas que estavam latentes até então. Um
cuidado muito grande é, portanto, exercido no treinamento dos discípulos e na
revelação a eles do conhecimento que confere poder, a posse do qual poderia elevá-
los acima de seus semelhantes. Tal conhecimento inclui o poder de realizar aqueles
aparentes milagres que o próprio Jesus mostrou-se capaz de fazer. Essa habilidade
poderia, na verdade, levar à tona certas sementes de egoísmo e, assim, trazer risco,
se não fracasso na senda trilhada durante uma encarnação particular. Tal
erro,entretanto, não seria necessariamente final, pois que o retorno à humildade
essencial poderia sempre ocorrer, seja na mesma vida ou numa posterior.
Essas e outras considerações podem ter levado Jesus a retirar-se para uma
montanha e lá sentar-se com seus discípulos. O retiro mental em um elevado estado
de consciência e a prática prolongada de contemplação estão entre os objetivos de
um Mestre adepto quando ensinando aos discípulos.
0
Jo 6:3.
347
Mt 15:32. Jesus, chamando os discípulos, disse: "Tenho compaixão da multidão,
porque já faz três dias que está comigo e não tem o que comer. Não
quero despedi-la em jejum, de medo que possa desfalecer pelo
caminho."
33. Os discípulos lhe disseram: "De onde tiraríamos, num deserto, tantos
pães para saciar uma tal multidão?"
34. Jesus lhes disse: "Quantos pães tendes?" Responderam: "Sete e alguns
peixinhos."
35. Então, mandando que a multidão se assentasse pelo chão,
36. tomou os sete pães e os peixes e, depois de dar graças, partiu-os e
dava-os aos discípulos, e os discípulos às multidões.
37. Todos comeram e ficaram saciados, e ainda recolheram sete cestos
cheios dos pedaços que sobraram.
38. Ora, os que comeram eram quatro mil homens, sem contar mulheres e
crianças.
39. Tendo despedido as multidões, entrou no barco e foi para o território
de Magadan.
0
Físico, etérico, emocional e mental.
348
por conhecimento é ativada. Os três dias sugerem que, não só a mente, mas também
o coração e o cérebro – o tríplice homem – anseiam pela sabedoria e pela verdade.
Essas últimas são introduzidas na história por meio de seus símbolos
clássicos. O pão refere-se ao conhecimento da verdade a respeito dos princípios
subjacentes da manifestação e da existência divina na natureza e no homem, e o
peixe significa a pura sabedoria da natureza crística, que somente pode nutrir
espiritualmente o homem integral0. As pessoas foram trazidas à presença de um
Instrutor espiritual, Jesus o Cristo, quando estavam jejuando e passando fome, o que
significa ânsia pela sabedoria espiritual. O aparente milagre indica que a posse da
sabedoria e o despertar da natureza crística são suficientes para suprir as
necessidades da vida no nível espiritual e no material. Os discípulos, que também
estavam presentes, indicam a condição do caráter disciplinado.
De novo um símbolo numérico – o sete – é empregado pelo evangelista.
Como observado anteriormente, o número sete refere-se à natureza sétupla do
homem e a uma fase avançada de desenvolvimento, um estágio de desenvolvimento
que envolve a tríade "mais elevada" e o quaternário "inferior". Uma época chegou
ao fim e uma nova está começando. O materialismo e a mundanidade perderam sua
influência. Simbolicamente, como de fato, uma montanha foi escalada. Somente o
conhecimento das coisas terrenas, embora grande, já não satisfaz a mente.
O arranjo de símbolos sugere o advento do estágio em que o espírito interior
tornou-se suficientemente capacitado e desenvolvido para despertar no homem
externo a vontade para a autodisciplina e a aspiração para adquirir a sabedoria e o
poder que ela confere. Enquanto a massa da humanidade está ainda muito longe de
ter atingido esse estágio, inúmeras pessoas continuam a alcançá-lo e a avançar na
grande busca da iluminação espiritual, que nunca é negada. A luz necessária brilha
do interior da alma espiritual, e o nutriente necessário para a mente e o coração (pão
e peixe) é suprido fartamente.
Jesus, sendo responsável pela abundância de alimento, personifica o Cristo
Interno suficientemente evoluído para afetar a natureza global quíntupla do
homem0. Sua ação, do começo ao fim, encerra tanto a condição de sabedoria
espiritual altamente desenvolvida, semelhante à de Cristo, como a expressão natural
ativa na conduta de vida de um Adepto. Todo o episódio pode ser considerado
como encorajamento aos aspirantes quanto ao progresso na senda interna que
conduz "à medida da estatura da plenitude de Cristo" 0; pois o Adepto é não apenas
sustentado completamente do interior, com suprimentos inesgotáveis, mas também
tem sob seu comando abundância espiritual superior às suas próprias necessidades.
Ele está, por conseguinte, apto a repartir e reparte com o mundo em geral (os quatro
mil) e especialmente com aqueles que alcançaram o discipulado.
0
Ver Hodson, "The Hidden Wisdom in the Holy Bible", Vol. I, Quest ed., p. 109,
para interpretações adicionais do simbolismo de montanhas, números, pão e peixe.
0
Ver diagrama da p. (?).
0
Ef 4:13.
349
Essa superabundância deriva não só do Eu espiritual do homem, mas
também da Fonte, a essência espiritual universal com a qual o Adepto está
conscientemente identificado. Em conseqüência, quando um homem descobre sua
própria seidade espiritual divina, a presença de Deus dentro dele, então o poder do
universo e mesmo de todo o cosmo está à sua disposição. Tão grande é a influência
potencial de tal ser humano altamente iluminado que, por segurança, seu poder
somente será revelado à humanidade sob o véu da alegoria, como nesse caso.
Visto assim, o incidente descreve menos um evento ocorrido há
aproximadamente dois mil anos do que um processo contínuo, um desenvolvimento
no interior da alma do homem – e mesmo da sua própria natureza. Nesse sentido,
Jesus, rodeado por seus discípulos sob instrução, está sempre sentado numa alta
montanha e constantemente pronto para alimentar todos aqueles que têm o mundo
como um deserto, que subiram a montanha e aí receberam a sabedoria e a verdade
ardentemente buscada e fortemente desejada, o alimento da alma.
Essa interpretação não exclui, entretanto, a possibilidade do exercício do
poder adéptico por Jesus, pois a habilidade para executar o fenômeno da
multiplicação, quando ele é tecnicamente oportuno, é possuído por todos Adeptos.
Entrementes, enquanto a imortal estória continua a ser contada, a nação
hebréia de todos os tempos e os escribas, fariseus e sacerdotes que estão à espreita
para apanhar o Senhor numa armadilha vão vivendo suas vidas de sua própria
maneira mundana, todos descuidados da beleza e da maravilha em seu meio na
pessoa de Jesus.
350
CAPÍTULO VINTE
351
ações. Isso, naturalmente, não se aplica aos discípulos, que já tinham aprendido a
estudar e interpretar os propósitos secretos e as motivações furtivas dos homens.
Sem dúvida, os saduceus e fariseus estavam esperando que Jesus fosse
responder-lhes nos termos de suas solicitação, preparada especialmente para
enredá-lo. Possivelmente, estavam também esperando induzir Jesus a produzir
algum fenômeno oculto observável, pois que tinham conhecimento dos milagres de
cura e da alimentação da multidão. Qualquer que fosse, entretanto, o propósito
deles, não só falharam em envolver Jesus, mas a sua resposta demonstrou que,
como sempre, ele via seus desígnios dissimulados. Fazendo isso claro, ele deu-lhes
também um conselho valioso a respeito dos caminhos e destinos dos homens, como
indicam os versículos.
A referência ao sinal do profeta Jonas pode ser interpretada no sentido de que
um bode expiatório, possivelmente alguma figura pública, poderia ser encontrado,
acusado de causar desgraça e executado. Assim como Jonas foi acusado de ser o
responsável pelo perigo no navio e lançado ao mar, o próprio Jesus deveria ser
crucificado.
Parece evidente, da resposta de Jesus, que uma certa decadência tinha se
estabelecido entre os judeus e, ao percebê-la, Jesus soube que ela levaria
inevitavelmente à ruína. O mundanismo da humanidade em geral e a teimosia dos
homens não-iluminados estão bem-retratados pelos incidentes históricos que se
seguiram. O poder romano estava naquele tempo crescendo e se estendendo. Mais
tarde, sob o imperador Titus, Jerusalém deveria cair, o templo seria saqueado e o
povo hebreu disperso pelo mundo. Jesus previu indubitavelmente tudo isso e, em
sua resposta, censurou àquelas pessoas que eram responsáveis pela decadência. Na
verdade, seu nascimento e sua missão podem bem ter sido planejados para prevenir,
despertar moral e espiritualmente e, dessa forma, salvar o povo Judeu.
Embora isso não tenha acontecido, um grande impulso espiritual foi, não
obstante, liberado. Não só os discípulos imediatos de Jesus, mas incontáveis
milhões de outras pessoas têm renunciado ao mundanismo e à tolerância consigo
mesmas, colocando seus pés no caminho da santidade em conseqüência da
mensagem, da missão e do poder que Jesus trouxe ao mundo e que ainda perdura.
Juntos, esses quatro versículos podem trazer uma mensagem para todos os
homens de todos os tempos, qual seja a de nunca se olhar somente o exterior, deve-
se também perceber, meditar e compreender os sinais interiores.
Jesus pode ter apresentado esse ensinamento no círculo íntimo dos seus
discípulos um pouco mais tarde. O pão foi provavelmente usado por ele como um
símbolo do conhecimento da verdade ou do entendimento espiritual. O fato de que
352
os discípulos tinham esquecido de trazer pão quando partiram de barco com o
Mestre para Magadan pode ser interpretado como uma alegoria da ausência
temporária, por parte deles, dessa qualidade, pois que também estavam preocupados
com o aspecto externo do incidente acima. Jesus evidentemente percebeu isso e
preveniu-os quanto ao ponto de vista materialístico, que simbolizou como o
fermento dos fariseus e saduceus.
Mt E eles arrazoavam entre si, dizendo: "Ele disse isso porque não
16.7. trouxemos pão."
8. E Jesus, percebendo, disse: "Homens fracos na fé! Por que refletir entre
vós por não terdes pão?
9. Ainda não entendeis, nem vos lembrais dos cinco pães para cinco mil
homens e de quantos cestos recolhestes?
10. Nem dos sete pães para quatro mil e de quantos cestos recolhestes?
11. Como não entendeis que eu não estava falando de pão, quando vos
disse: Acautelai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus?"
12. Então compreenderam que não dissera que se guardassem do fermento
do pão, mas da doutrina dos fariseus e dos saduceus.
Esses versículos indicam que a percepção mental estava ativa nos discípulos
e que eles discerniram o significado mental e espiritual do pão, do fermento e do
peixe, a saber, que eram símbolos da verdade e da sabedoria espiritual. Nisso pode
se distinguir a verdadeira missão daqueles membros da Grande Fraternidade dos
Adeptos, "os homens justos tornados perfeitos", quando visitam e ensinam de forma
visível à humanidade. Eles vieram nem tanto para realizar prodígios – utilizados
amplamente para atrair a atenção daqueles com preocupações puramente materiais
– mas para despertar a consciência da humanidade para as verdades e os valores
espirituais.
O fermento, a levedura que faz a farinha crescer no sentido em que os
padeiros usam o termo, é na verdade o mais apropriado símbolo da doutrina secreta
– a sabedoria e a percepção esotérica – que revela as verdades ocultas por trás e
dentro do véu do ensinamento exotérico. Nesses versículos Jesus parece mesmo dar
ao símbolo um significado taumatúrgico, sugerindo que o milagre de alimentar a
multidão foi executado por meio do conhecimento ganho com o entendimento
espiritual. De fato, isso é profundamente verdadeiro. As leis, as forças e as
inteligências associadas com elas, bem como o conhecimento secreto quanto a isso
e as suas operações e inter-relacionamentos estão adequadamente simbolizados pelo
fermento. Todos os denominados fenômenos produzidos pelos Adeptos e por seus
discípulos altamente desenvolvidos são de fato realizados exatamente por estes
meios, a saber, o conhecimento dos procedimentos secretos da natureza, aplicado
direta e corretamente pela vontade desperta.
Como os discípulos compreenderam, conforme é dito, os fariseus e saduceus
personificam o puramente exotérico em suas apresentações tradicionais e um tanto
353
rígidas. Mas o Mestre advertiu seus discípulos e, dessa forma, a maior parte da
humanidade contra eles. Se esses episódios e ensinamentos são interpretados no
sentido humano, então a tradicional e incrustada doutrina, apoiada rigidamente
pelos eclesiásticos, representa as tendências da mente formal do homem. O pão não
fermentado pode ser considerado como a interpretação literal, não simbólica. Cristo
personifica aquela percepção altamente intuitiva que, quando suficientemente
desenvolvida, "fermenta", ou ilumina, o intelecto do homem, de forma que entende
o literal e compreende o significado dos ensinamentos alegóricos.
Se a analogia é levada adiante, o campo representa o homem físico; a
multidão e seu apetite natural, as necessidades e desejos materiais. Os discípulos
representam esses mesmos desejos, refinados e transmutados pela vontade,
enquanto o Senhor Cristo refere-se ao Habitante do Recôndito que, quando ativo no
homem, satisfaz tanto o coração como a mente, corpo e alma.
Embora tal uso de analogia e metáfora não seja inteiramente aprovado pela
mente formal, em especial das pessoas genuinamente ocidentais, os povos do
Oriente e do Oriente Médio habitualmente usam de forma sutil imagens na
conversação normal e, quando considerando e expondo verdades e leis espirituais,
usam-nas deliberadamente. Os evangelhos revelam que Jesus seguiu essa prática.
Como uma produção literária, esse evangelho, mais do que uma narrativa
encadeada, registra algo como uma coleção de incidentes relembrados. Assim,
naturalmente, o humor de Jesus muda um tanto abruptamente: delicado, como
quando salvando e curando; expressando poder, quando executando "milagres";
condenatório, quando censurando; altamente elevado, quando ensinando, como na
montanha e quase provocante, como nesses versículos. Os autores dos evangelhos
parecem ter-se baseado num original composto de uma coleção de rememorações
de muitas jornadas, visitas, diferentes relacionamentos com pessoas e nos
ensinamentos e treinamento de seus discípulos. O que restou disso deve ter sido
costurado sem muita consideração pela conexão no tempo e no espaço. Dessa
forma, os versículos em exame são inseridos sem vinculação com as passagens
precedentes.
Como um visitante divino, Jesus não necessitaria perguntar aos outros pelo
modo como as pessoas o estavam considerando, pois poderia saber disso por
percepção direta própria. Essa forma de ensinar, quase como parte de algum ritual
354
de pergunta e resposta, destinava-se a desenvolver a percepção intuitiva de seus
seguidores imediatos.
A primeira resposta sugere muita confusão de pensamento na mente da
população. Não havia possibilidade de Jesus ser identificado com João Batista, que
era seu contemporâneo. A segunda resposta – que Jesus era um reaparecimento de
Elias, Jeremias ou um dos outros profetas – encerra a expectativa dos judeus da
vinda de um Messias, para introduzir uma Era Messiânica, e um reconhecimento da
doutrina do renascimento.
Depois disso, sem aceitar ou negar, mesmo sem comentar, Jesus se dirigiu
aos discípulos pedindo-lhes sua opinião. Simão Pedro responde quase como alguém
que experimentou uma súbita revelação espiritual, cuja percepção interior estava
desperta em intensa atividade. Qualquer que possa ter sido sua resposta original, o
versículo expressa seu conhecimento direto da identidade real de Jesus como sendo
mais do que homem, "o Cristo, o Filho do Deus vivo."
A dualidade está aqui proclamada: que Jesus era Cristo, um "ungido" 0, um
iniciado dos Mistérios e também o "Filho", um veículo na terra para o Segundo
Aspecto da Trindade. Jesus é então declarado por Simão Pedro ser tanto o
compatriota de todos eles como uma manifestação do Deus Supremo na Terra. Ele
compreendeu que o corpo de Jesus de Nazaré era freqüentemente ocupado por um
ser transcendentemente e maravilhoso, um elevado membro iniciado da Grande
Fraternidade Branca dos Adeptos. Sua percepção lembra uma similar expansão de
consciência alcançada por Tomé, chamado Dídimo (Gêmeo) 0. Maria, a mãe de
Jesus, guarda em seu coração esse mesmo conhecimento, a Anunciação realmente a
descreve entrando no elevado estado em que a verdade espiritual torna-se
conhecida0. Embora a cristandade exotérica nem tenha compreendido nem
reconhecido o profundo significado das afirmações de Pedro e de Tomé, elas estão
entre as mais reveladoras declarações nos quatro evangelhos a respeito da natureza
real do Mestre deles, Jesus "o Cristo, o Filho do Deus Vivo."
Não é revelado se nenhum dos outros discípulos desfrutou ou não da mesma
experiência ou se Jesus despertou-lhes esse estado elevado de consciência. O relato
restringe-se à proclamação de Simão Pedro. Entretanto, quando os versículos em
exame são lidos, a cena evocada mostra-se completamente fora do comum. Os
discípulos podem ter estado reunidos ao redor de seu Mestre, sobre quem,
possivelmente, tinha descido uma radiação especial da Luz suprema. Isso pode ter
sido visível para todos eles e cada um deles pode ter sido questionado, a despeito da
ausência de qualquer registro do fato. Talvez uma forma de iniciação estivesse
sendo representada, Jesus como um hierofante e Pedro como um candidato. A
pergunta a respeito da verdadeira natureza do Mestre e a resposta instantânea e
0
O uso da palavra Cristo como um nome, mais do que um título, sugere uma
interpolação posterior, uma vez que a palavra grega Chrestos, significando o
Ungido, não foi usada.
0
Jo 20:28.
0
Lc 1:46-55, o Magnificat.
355
exaltada de Pedro podem ter sido devido a uma elevada condição induzida pela
aplicação deliberada do poder sacerdotal de Jesus sobre Pedro, como era costumeiro
nos antigos Mistérios. Embora no sentido literário e histórico as palavras usadas
sejam importantes; como uma descrição do divino, elas são de menor significado do
que a experiência mística que implicam.
356
como o fundador humano da fé cristã. Nesse particular é interessante notar que
Paulo nunca se encontrou fisicamente com Jesus, conforme a confusa cronologia do
Novo Testamento indica.
A promessa de Jesus a Pedro de dar as chaves do reino dos céus é suscetível
de várias interpretações. As próprias chaves referem-se ao conhecimento dos
princípios subjacentes, das forças causativas, poderes e inteligências por meio dos
quais o universo é moldado de acordo com a ideação divina. Isso inclui o
conhecimento da ordem divina sobre a qual repousam universos e pela qual todos
os seres e coisas objetivas, até o próprio átomo, ajustam-se numa posição ordenada
na vasta concepção e manifestação do cosmo. Verdadeiramente tal compreensão
implica numa posse intelectual da metafórica "taça celeste", ou o plano e sua
expressão cíclica e cumprimento através de idades sem fim.
Vale notar que essa promessa de Jesus a Pedro seguiu-se à sua percepção da
real natureza do Mestre. Assim, sua auto-iluminação e despertar espiritual conduziu
à iluminação intelectual a respeito das causas e do curso de todas as coisas. Os
resultados da iniciação, a qual Pedro pode ter experimentado, consistem, entre
outros, de uma profunda regeneração espiritual, um desvelar dos olhos espirituais,
por assim dizer, e uma expansão do intelecto no conhecimento dos poderes que dão
origem às coisas.
A natureza das faculdades espirituais e ocultas resultantes pode ser
alegoricamente bem-descrita pelas sentenças de encerramento desses versículos a
respeito de ligar e desligar. Certamente elas não podem ser aceitas, de forma
alguma, em seu sentido puramente literal. As verdadeiras leis do ser e a operação de
causa e efeito – tanto geral como pessoal – colocam limitações muito grandes ao
exercício dos poderes alcançados pelos iluminados. Nenhum homem, embora de
elevada estatura espiritual, pode interferir nas situações e condições básicas tanto do
universo como de outro ser humano. Se, entretanto, o versículo inteiro é lido como
descritivo de mudanças interiores e do intercâmbio harmonioso entre o Eu externo e
o interno de um iniciado, então o pronunciamento pode ser considerado como
perfeitamente verdadeiro.
357
segredo que não deve ser dado ao populacho negligente. Mesmo assim, o
conhecimento deve ter se tornado público, pois foi em grande parte por causa disso
que Jesus foi condenado0.
Essa efusão, pode-se presumir, foi não apenas em benefício da humanidade,
mas também de todos os reinos da natureza para os quais o mundo é um lar. Sempre
que ocorre a descida do Deus Supremo através de um ser humano, um impulso
estimulante alcança a vida em desenvolvimento nos níveis do mineral, vegetal,
animal, humano, super-humano e angélico.
Estão registradas em todos os evangelhos várias dessas revelações diretas e
descobertas pessoais. A primeira dessas consiste da Anunciação a Maria e na sua
humilde aceitação, nascida da realização interior de sua verdade 0. Outra experiência
aconteceu com os pastores quando, com seus rebanhos, estavam em adoração
perante o recém-nascido Cristo-criança, que assim personifica a iluminação e a
percepção espirituais recém-alcançadas0. Uma terceira revelação foi recebida pelos
Magos, simbolizada pela visão de uma estrela e pela correta interpretação de que
ela brilhava metaforicamente sobre o Cristo-criança em Belém, sendo esta visão
seguida da presença deles junto à sagrada família 0. Uma descida do Espírito Santo
sobre Jesus ocorreu no seu Batismo, quando o céu se abriu e soou o formidável
pronunciamento de que ele era um Avatar0. A compreensão direta de Pedro, o
reconhecimento de Jesus por Maria Madalena no jardim depois da Ressurreição e a
declaração de Tomé, apelidado Dídimo, no andar superior onde se encontraram 0 –
tudo isso constitui-se em referências veladas à iluminação espiritual que a presença
de Jesus produziu naqueles que atraiu para si.
Mt 16:21. A partir dessa época, Jesus começou a mostrar a seus discípulos que
era necessário que fosse a Jerusalém e sofresse muito dos anciãos, dos
chefes dos sacerdotes e dos escribas, e que fosse morto e ressurgisse
ao terceiro dia.
Essa profecia concernente a Jesus pode também ser lida como uma referência
à Vida cósmica que passa pela fase involucionária do seu ciclo de peregrinação,
quando alcança a morte e o enterro numa tumba na rocha, seguindo pelo arco
evolucionário, alegoricamente retratado como a Ressurreição, reaparecimento e
Ascensão ao céu em nuvens de glória. Jesus pode ter feito uma revelação dessa
profunda verdade concernente à Vida espiritual e ao Senhor, dos quais ele era uma
manifestação, como permitiu aos discípulos saberem. Os ingredientes cósmicos e
místicos nos evangelhos estão aí reunidos. Os autores parecem ter decidido velar a
0
Mt 26:64-65.
0
Lc 1:28-38.
0
Lc 2:8-15.
0
Mt 2:2.
0
Mt 3:16-17.
0
Mc 9:2, 5; Jo. 21:7, 15; 20:15-17; 20:28.
358
verdade na alegoria da prisão pessoal e da morte, não apenas nesse versículo, mas
nos últimos capítulos do evangelho.
0
At 5:30; 10:39.
359
pleno entendimento, perfeita compreensão. Nesse sentido, tanto o protesto como a
repreensão que é suscitada descrevem os estágios de auto-iluminação e os
obstáculos interiores para sua conclusão.
Esse enfoque parece ser mais aceitável do que uma leitura puramente natural
e histórica, pois o diálogo seguiu-se muito abruptamente à descrição da exaltação
consciencial de Pedro e do grande elogio e promessa que evocou do Mestre. Na
verdade, os dois episódios são mutuamente contraditórios, embora também a
condenação de Pedro, quando comparado a Satanás, fosse seguramente excessiva.
Mt 16:24. Então disse Jesus aos seus discípulos: "Se alguém quer vir após mim,
negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.
25. Pois aquele que quiser salvar a sua vida, vai perdê-la, mas o que
perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la."
0
Mt 5:18; Lc 16:17; Mt 7:1-2, 12.
360
personificação dessa atitude e de sua aceitação, pois o grande ideal de altruísmo é
uma necessidade inteiramente universal e não está limitada ao homem Jesus. Pode-
se lembrar de injunções bastante semelhantes do Senhor Shri Krisna a Arjuna, que
foram igualmente apresentadas em termos pessoais, mesmo quando inculcavam a
verdadeira essência da universalidade. Interpretados pessoalmente, os divinos
Instrutores personificam a Vida universal, e os seus conselhos exortam todos os
homens a se fundirem nela.
Assim sendo, não é por causa do Mestre que o candidato à iniciação alcança
o estado de renúncia completa do eu e da vida tingida pelo auto-interesse. Antes,
ela se torna natural, inevitável e inescapável como o único modo de vida.
Mt 16:26. "Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua
alma? Ou que dará o homem em troca de sua alma?"
361
inequivocamente cientes da escolha inevitável e essencial. Suas palavras
afortunadamente estão registradas para todos os aspirantes. A riqueza como um
bem a ser administrado é admissível. A riqueza como um objetivo obsessivo não é
permitida, pois a primeira conduz à luz espiritual e a última às trevas espirituais.
Mt 16:27. "Pois o Filho do homem há de vir na glória do seu Pai, com os seus
anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com as suas obras."
Essa alocução profundamente oculta tem grande peso para todo estudante
sincero da filosofia oculta. Ela pode ser recebida e registrada sob vários pontos de
vista. O primeiro deles será para algumas pessoas como uma profecia histórica ou
promessa de vinda ou, mais propriamente, de retorno do Filho de Deus na forma
humana sobre a Terra.
O Mestre disse a seus discípulos que a sucessão de visitas divinas em épocas
críticas da vida da humanidade está destinada a continuar. Em alguma ocasião
futura, na hora apropriada e quando a necessidade for grande, o Segundo Aspecto
da Santíssima Trindade, o Christos, ou Filho, aparecerá novamente diante do
homem, assumindo a forma humana visível. Ele ensinará outra vez, dará o tom de
uma nova era, reunirá ao seu redor pessoas altruístas que estejam capacitadas para o
discipulado, treinando-as e iniciando-as, a fim de que uma nova ordem mundial
possa ser anunciada. Os olhos do sábio serão suficientemente abertos no sentido
místico para capacitá-los a ver não apenas a brilhante radiância, mas também as
companhias de anjos que o auxiliam, executam suas ordens e respondem ao
chamado de sua vontade.
De acordo com a etnologia oculta, que ensina a evolução tanto do corpo
humano como da condição da mente que o usa, chegará o tempo em que a
percepção espiritual, ou intuição, iluminará a mente com o conhecimento da
unidade da Vida que permeia toda a criação, a base da Fraternidade do Homem.
Esse ideal terá então alcançado tal comando sobre os corações e mentes dos homens
que será capaz de levar a um governo mundial baseado no verdadeiro
relacionamento familiar de todos os homens, capacitando-os, tanto interna como
externamente, a coordenar os governos das nações de acordo com o reconhecido
relacionamento de fraternidade. Nesse sentido, ainda figurativamente, o Filho do
Homem terá aparecido em glória sobre a Terra acompanhado pelas hostes de anjos
auxiliadores, também perceptíveis naquela ocasião aos membros mais avançados da
raça humana.
Ainda num terceiro modo de ver, a profecia está destinada a ser cumprida,
pois também virá o tempo em que não só os mais adiantados, mas quase toda a
humanidade, terão alcançado a "esplêndida visão", e o princípio subjacente de
unidade terá se tornado conhecido, honrado e aceito como o único guia de todo
relacionamento humano.
Em cada uma dessas fases da evolução, um certo equilíbrio de causa e efeito
terá ocorrido naturalmente e, nesse sentido, cada homem será considerado de
362
acordo com suas necessidades. Uma camada ainda mais profunda da sabedoria
oculta pode ser percebida no grande pronunciamento profético. Não nessa Terra e
num período muito posterior, as Mônadas dos homens serão reunidas no seu estado
natural de unidade. Então continuarão seu desenvolvimento eterno para alturas e
profundidades ainda maiores de conhecimento, sabedoria e poder em outro globo
em que viva o homem. Nessa época, virá tanto a iluminação espiritual como uma
espécie de cuidado divino, como se por ele que é chamado o Bom Pastor.
Num futuro longínquo, o "julgamento" real, ou avaliação, ou o
desenvolvimento espiritual e intelectual tenderá a produzir as melhores condições
possíveis para desdobramentos posteriores daqueles que estão avançados ou
atrasados em relação ao conjunto padrão. Os mais adiantados serão ajudados a
alcançar rapidamente a estatura da humanidade perfeita, enquanto os atrasados
receberão, no seu devido curso, cuidado especial e orientação para conseguir a
mesma realização no tempo mais curto.
Essa é a verdade oculta mais profunda subjacente à mal-entendida separação
das ovelhas e das cabras e o lançamento destas no tormento eterno – muito
malcompreendida na verdade, pois jamais existiu ou existirá tal condição ou
suposta punição pela autoridade divina . Cada homem, em cada estado de
desenvolvimento, simplesmente colhe o que semeou. Essa lei é a única autoridade e
árbitro que determina as condições das séries de vidas e corpos dos homens.
Tais são algumas, mas não todas, as implicações das palavras de Jesus,
faladas indubitavelmente aos seus discípulos em segredo e, provavelmente,
seguidas por comentários não registrados, pois somente uma parte da sabedoria
secreta que Jesus transmitiu aos discípulos foi colocada à disposição do público em
geral.
Mt 16:28. "Em verdade vos digo que alguns dos que aqui estão não provarão a
morte até que vejam o Filho do homem vindo em seu Reino."
363
próprios como a outros com eles associados. Essa é uma resposta ao enigma dos
judeus – na verdade de todos – a expectativa da vinda de um Messias nunca ser
realizada; pois os profetas que previram tais eventos não estavam se referindo
amplamente a um evento histórico, mas à chegada de seus discípulos – e finalmente
da humanidade – ao estado "messiânico" de consciência. Além disso, no sentido
oculto esses versículos descrevem a passagem pelas grandes iniciações e as
experiências conscienciais associadas. Quando atingido, esse estado tanto
transfigura externamente como ilumina internamente, de forma que aqueles em
quem ele ocorre se sentem cheios de glória.
Todavia, mesmo no sentido profético, a humanidade estará vivendo, num
futuro longínquo, em condições mundiais derivadas de um estado de consciência
em que a maioria dos homens se tornará como o Messias. Raça após raça e nação
após nação, cada uma realizando, embora gradualmente, um alargamento e
aprofundamento da capacidade de iluminar-se espiritualmente. Isso culminará
certamente na entrada da humanidade numa experiência messiânica interior e no
estabelecimento conseqüente de uma Era Messiânica no mundo.
Muito embora defeituosamente repetido, malrelatado, fora do contexto e
incluído num evangelho que seria publicamente consultado, o versículo sob
consideração é profundamente verdadeiro no seu sentido místico. A linguagem
parece indicar que o Mestre tinha reunido seus discípulos à parte do populacho,
falado da senda da iniciação e de suas sucessivas condições de consciência e
revelado que alguns deles estavam no limiar dessas experiências. O discípulo João
"a quem Jesus amava" pode muito bem ter sido um desses, embora
induvitavelmente existissem outros com os quais obteve sucesso em levá-los ao
portal da iniciação.
Uma das grandes descobertas, quando essa fase for atingida, é a do próprio
estado de imortalidade. O homem iniciado difere do pré-iniciado pelo fato de que
ele se uniu, embora temporariamente no começo, com o espírito eterno que, em
realidade, ele é. Ao iniciar-se a morte física do corpo, esse conhecimento enche sua
mente e coração e, quando seu corpo morre, ele entra rápida e diretamente em
mística união com sua alma eterna, sabendo, com plena iluminação e grande
exaltação, que ele é uma unidade imperecível de consciência do Deus Supremo.
Quanto maior o número de iniciações alcançadas antes da morte, maior exaltação e
realização da imortalidade. Esse é o significado da frase mística "a iniciação ensina
como morrer."
364
NONA PARTE
TRANSFIGURAÇÃO
ENSINAMENTO E MILAGRES
365
366
CAPÍTULO VINTE E UM
Mt Seis dias depois, Jesus tomou Pedro, Tiago e seu irmão João, e os levou
17:1. para um lugar à parte, em um alto monte.
2. E ali foi transfigurado diante deles. O seu rosto resplandeceu como o
Sol, e as suas vestes tornaram-se alvas como a luz.
3. E eis que lhes apareceram Moisés e Elias conversando com ele.
367
sinóticos, a sucessão de eventos não é sempre a mesma. O período de seis dias do
primeiro versículo ocorre sem referência aos períodos e eventos precedentes, que
não incluem a sucessão de dias. Isso também sugere ou uma omissão deliberada de
eventos nesse interregno ou a ausência de informação a respeito desses seis dias na
vida de Cristo.
Nesses versículos, descritivos da Transfiguração de Cristo, o registro
puramente histórico é elevado a um relato de experiência espiritual que se passa
quando se entra num estado de iluminação, neste caso vivida pelo Cristo e, num
menor grau, pelos três discípulos. A escolha por Cristo de Pedro, Tiago e seu irmão
João para participarem da cena da Transfiguração sugere que estes três discípulos
podem ter alcançado diferentes graus de iluminação, estando mais adiantados do
que os outros membros do grupo. Talvez eles já tivessem passado por graus
anteriores, obtendo assim permissão para entrar no templo onde graus superiores
estavam sendo celebrados, a fim de perceberem algo do grande evento. Como
registrado por S. Mateus no aparentemente simples e certamente breve relato, as
experiências do próprio Jesus não são relatadas, mas somente as dos três discípulos.
Isso pode indicar que ele ascendeu a níveis de consciência e passou por um grau
iniciatório que eles não tinham ainda alcançado.
O fenômeno da Transfiguração é uma experiência reconhecida, que é
vivenciada plenamente quando as iniciações superiores são conferidas 0. Aos
observadores, o iniciado parece quase desaparecer diante de seus olhos, ao ser
substituído pela radiante presença da alma espiritual exaltada. A pessoa por inteira,
mesmo o corpo físico, parece brilhar a partir do interior, como é dito ter ocorrido
com Moisés no Monte Sinai e com Jesus no Monte da Transfiguração 0. Tão grande
é o poder que está sendo expressado e tão brilhante a luz interior que mesmo a
roupa pode parecer estar iluminada.
Os versículos também registram um esplendor além daquilo que é observável
pelos presentes. Durante o rito iniciatório que aqui está sendo descrito
alegoricamente, o centro de consciência do iniciado está unido com o do universo e
da Divindade que o preside. Isso produz a experiência de intensa iluminação de
toda a natureza e também de capacitação da parte imortal e da mortal do iniciado 0.
Tais principais regenerações e expansões psicoespirituais interiores de
consciência não ocorrem de forma inteiramente solitária. Aqueles que já as
atingiram, os Adeptos, os sábios dos primeiros tempos, estão presentes e observam
o Eu imortal interior – livre de suas vestimentas físicas – enquanto essas grandes
mudanças estão ocorrendo. No nascimento de Jesus, por exemplo, esses seres
avançados são alegoricamente referidos pela inclusão dos pastores, sendo um dos
títulos dos Adeptos o de pastor de almas. Aqui, dois grandes sábios hebreus, Moisés
e Elias, estavam muito provavelmente presentes e também incluídos na narrativa
como personificações de membros da Fraternidade de Adeptos.
0
Transfiguração – ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. 1, pp.226/7.
0
Ex 34:29-30.
0
Ver "The Minor Works of St. Teresa (of Avila) and St. Clare and Her Order”.
368
O "caminho sagrado" que conduzia da Acrópole, em Atenas, até os templos
de iniciação, em Eleusis, também pode ser considerado como um símbolo externo
de uma senda interior aberta para todos aqueles que perseverarem. As iniciações
conferidas, especialmente as dos Mistérios Maiores, tinham as mesmas
características das descritas alegoricamente no Novo Testamento. Além disso,
apesar de veladas pelo segredo, essas cerimônias estão ainda sendo encenadas em
salas e catacumbas, simbolizadas pelo estábulo, onde os profanos não têm
permissão para entrar0.
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. 1, p. 5-6.
0
Maat é a encarnação da Verdade e da Justiça.
0
Anru, a imortalidade abençoada.
369
Os próprios discípulos podem ter sido tão elevados em consciência ao
receberem o privilégio de testemunhar a exaltação de Jesus, seu Mestre, que se
tornaram temporariamente dotados de percepção extrasensorial. Os sinais e sons
sobrenaturais a eles revelados dessa forma podem bem ter provocado um assombro,
referido como medo. Depois que a cerimônia ou experiência interior foi concluída,
o estado de elevação da consciência tenderia a atenuar-se, o que, com a presença
visível e o toque de Jesus, restabeleceria neles a normalidade.
Esses dois versículos, que parecem quase como interpolações, podem ser
considerados tanto do ponto de vista histórico como do místico. É historicamente
relatado, de maneira crível, que tanto Isaías como João Batista previram e
profetizaram um evento que poderia ser interpretado como a vinda do Messias,
também profetizado por Malaquias0. Misticamente, Elias e João Batista, como
precursores que prepararam o caminho para o Senhor, personificam os
desenvolvimentos e condições de consciência e caráter de uma pessoa que está no
0
Is 10:17; Jo 1:27, Ml. 3.
370
limiar de uma iluminação superior, tal como a de uma iniciação. A voz da
consciência torna-se poderosamente constrangedora, de forma que a natureza e a
conduta externas do condidato conformar-se-ão completamente com os ideais,
espiritual e moral. Assim, os profetas personificam a poderosa influência do homem
interno sobre a personalidade externa.
Mt 17:12. "Eu vos digo, porém, que Elias já veio, mas não o reconheceram. Ao
contrário, fizeram com ele tudo quanto quiseram. Do mesmo modo,
também o Filho do homem irá sofrer da parte deles."
13. Então os discípulos entenderam que se referia a João Batista.
Embora esse possa ter sido um caso real de obsessão que Jesus, mas não seus
discípulos, pôde exorcizar, a narrativa pode também ser lida como uma alegoria
descrevendo a correção de um estado deturpado de mente, a restauração de uma
0
Elias, o mesmo que Elijah.
371
perda temporária do controle mental. Nos primeiros estágios de evolução, a
personalidade mortal externa tende a estar fora do controle do Eu imortal e,
portanto, deficiente mental e mesmo estar agindo moralmente de forma irracional
do ponto de vista egóico. Em sendo assim, é freqüente absorver-se na auto-
satisfação, em prejuízo dos outros e até mesmo desonestamente, senão cruelmente.
Tal conduta evoca a operação "adversa" da lei de causa e efeito e traz, assim,
sofrimento à vida pessoal.
Essa condição e a tendência ao sofrimento de que resulta desaparecem
quando um certo estágio de evolução é alcançado. Por causa disso, o princípio
crístico (personificado por Jesus) torna-se suficientemente desenvolvido (Jesus está
presente), trazendo ordem à vida inteira da personalidade. A força de vontade
associada e a percepção intuitiva tornam-se suficientemente fortes para cruzar a
ponte da natureza mortal ou, para usar outra analogia, o véu entre o homem interior
e o exterior é rompido ou atravessado0. A mente é, então, não apenas corretamente
orientada a respeito dos problemas materiais e do uso do corpo e da vida física, mas
também iluminada pela luz da sabedoria e dirigida à plena compreensão do
significado e do propósito da existência humana e dos modos pelos quais aquele
propósito é realizado naturalmente.
O pai que vem a Jesus em favor de seu filho é também uma figura
significativa na história. Ele personifica o aspecto mais intelectual do Eu imortal, a
inteligência abstrata. Os discípulos, nesse caso, representam atributos do homem
mortal que, não obstante em desenvolvimento, ainda não estão plenamente
amadurecidos. Em conseqüência, os discípulos não conseguem realizar a cura,
recebendo aparentemente uma repreensão. Entretanto, quando, em crescente
proporção, o poder, a sabedoria intuitiva e o discernimento intelectual (Jesus) são
despertos no homem externo, o modo como ele se conduz, tanto em viver sua vida
como no seu relacionamento com outros homens, torna-se normal. Na verdade,
antes que o estado de iluminação seja penetrado, esses relacionamentos podem ser
tão tolos, tão desregradamente egoístas e insensivelmente cruéis que os indivíduos e
mesmo as nações podem ser descritos como estando possuídos por um demônio.
Somente a vontade e a sabedoria espiritual associada e plenamente operativa, como
representadas por Jesus o Cristo, podem tornar homens e nações livres do erro. Na
presente fase da evolução racial, muitos seres humanos já ultrapassaram – e muitos
estão agora ultrapassando – os estágios referidos, com crescente uso consciente da
inteligência abstrata, inspirada e intuitivamente iluminada. São esses, os idealistas
entre os homens, que se tornaram gênios em muitos aspectos da vida e líderes de
movimentos voltados para melhorar as desventuradas condições gerais da
humanidade.
Mt 17:19. Então os discípulos, procurando Jesus a sós, disseram: "Por que razão
não pudemos expulsá-lo?
0
Mt 27:51.
372
20. Jesus respondeu-lhes: "Por causa da fraqueza da vossa fé, pois em
verdade vos digo: se tiverdes fé como o grão de mostarda, direis a este
monte: Transporta-te daqui para lá, e ele se transportará, e nada vos
será impossível.
21. Mas esta casta de demônios não se expulsa senão pela oração e pelo
jejum."
0
Ver Hodson, "The Pathway to Perfection".
373
Mt 17:22. Estando eles reunidos na Galiléia, Jesus lhes disse: " O Filho do
Homem vai ser entregue às mãos dos homens
23. e eles o matarão, mas no terceiro dia ressuscitará." E eles ficaram
muito tristes.
0
Possivelmente significando ‘da humanidade’.
0
Ver C. W. King, "The Gnostics and Their Remains".
374
Nessa estória, a justaposição do natural com o denominado "sobrenatural",
do material com o espiritual, retira a narrativa do reino da história e coloca-a no da
revelação através de símbolo e alegoria. Muito embora o poder para executar o
aparente milagre exatamente como narrado nesses versículos seja possuído por todo
Adepto, tal método de obter o dinheiro do tributo seria intricado e, além disso,
envolveria o exercício não permissível e desnecessário de poder oculto, a prática de
crueldade e o abate de uma criatura senciente. Visto que esses atos não são
realizados usualmente pela pessoa plenamente espiritualizada e, na medida em que
o próprio episódio é de validade questionável, pode perfeitamente ser inferida a
existência de uma mensagem subjacente no interior da narrativa.
O peixe aparece em muitos lugares na grande literatura alegórica mundial.
Vaivasvata Manu foi guiado através dos grandes perigos da "inundação" pelo
Senhor Vishnu na forma de um peixe0. Jesus, como manifestação do Christos na
forma humana, escolheu seus discípulos entre os pescadores, alimentou a multidão
com uns poucos peixes, obteve do interior de um peixe o dinheiro para pagar o
tributo e ajudou seus discípulos a conseguir uma pesca miraculosa de peixes em
águas onde tinham pescado anteriormente sem sucesso. O peixe, além disso, está
associado, no mundo das escrituras, com o Segundo Aspecto da Trindade e, desse
modo, com os atributos de preservação da vida e os de sabedoria pertencentes à
Deidade recôndita no universo do homem0. Seria ideal deixar espaço para o
exercício dessas funções do Princípio da Vida no cotidiano humano e também para
o recebimento de orientação direta deste Princípio. Se isso é feito, então ambas as
estórias relatadas nesses versículos podem indicar que mesmo as necessidades do
viver diário serão satisfeitas. Essa idéia é muito importante para toda humanidade e,
especialmente, para o homem moderno, que se acostumou enormente a voltar-se
para o exterior a fim de obter o necessário para sua vida intelectual e material.
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. 1, p. 65.
0
Ver ibid., Vol. I., p. 109.
375
CAPÍTULO VINTE E DOIS
É
quase inevitável que mudanças, adições e omissões possam ter alterado
substancialmente a verdadeira história da vida de Cristo. Ninguém escreveu
na ocasião, muito menos Jesus. Não obstante, muito daquilo que denota a
verdadeira grandeza da pessoa e dos ensinamentos do Mestre foi legado à
humanidade por intermédio tanto de "livros" canônicos como apócrifos. Este
capítulo contém uma das grandes jóias da literatura sagrada, não apenas a
apresentada pela Bíblia e pelo Novo Testamento, mas no volume completo de
ensinamentos recebidos concernentes à senda da vida espiritual.
376
espontâneo e liberal. A humildade é ensinada como uma suprema virtude, não a
modéstia farisaicamente assumida de um homem atento aos observadores, mas,
mais do que isso, como a humildade absolutamente verdadeira e direta de alguém
que está cônscio de suas falhas e limitações. Semelhante ausência total de soberba é
evidência do límpido reconhecimento da estatura evolutiva, das capacidades
desenvolvidas e das que ainda não foram desenvolvidas.
A auto-avaliação devida e apropriada está, entretanto, longe de ser o único
ingrediente de humildade, pois esta dificilmente poderia ser descrita como infantil.
A verdadeira humildade é atributo inato de uma pessoa de estatura avançada, de um
ser humano desenvolvido em quem instintiva e perfeitamente, de forma natural, a
virtude da modéstia genuína e sincera está profundamente estabelecida e expressa-
se automaticamente. Os Instrutores espirituais, através dos tempos, têm, de forma
similar, inculcado esse ideal como pedra de toque e teste de grandeza,
particularmente no que diz respeito à confiança e segurança de progresso e
realização no modo de vida espiritual. Ele é por essa razão particularmente
aplicável ao discipulado.
Mt "E aquele que receber uma criança como esta por causa do meu nome,
18:5. recebe a mim."
377
escândalos, mas ai do homem pelo qual o escândalo vem!"
378
9 E, se o teu olho te escandaliza, arranca-o e atira-o para longe de ti.
. Melhor é que entres com um olho só para a vida do que, tendo dois
olhos, seres atirado no fogo do inferno."
Mt 18:10. "Não desprezeis nenhum desses pequeninos, porque eu vos digo que
os seus anjos nos céus vêem continuamente a face de meu Pai que está
nos céus."
379
Os versículos sob consideração, portanto, podem ser vistos como referindo-se
apenas às crianças, assim como dando uma advertência quanto às reações muito
adversas, sob a égide da lei, das ações perniciosas contra "aqueles pequeninos".
Entretanto, como já sugerido, esse título também significa os recém-iniciados e,
assim, metaforicamente jovens na vida de iniciado.
A advertência aplica-se em especial aos ataques à mente, tal como a tentativa
de destruição do conhecimento, adquirido intuitivamente, das leis da vida em geral
e da vida espiritual em particular, como por exemplo, por ataques astuciosos e
dissentâneos dirigidos a outras regras mundialmente aceitas quanto ao modo de vida
espiritual. Na verdade, os efeitos de tais injúrias podem ser mais prejudiciais
especialmente quando a vítima perde a fé em si mesma, no seu modo de vida
recém-escolhido e nas suas aspirações de alcançar rapidamente as alturas evolutivas
para ajudar mais efetivamente seus semelhantes.
Nos relatos tradicionais, a pessoa deve estar isenta de imperfeições – quiçá
das muito graves. Isso pode aplicar-se ao versículo dez, no qual Jesus, quando
falando de crianças, fez referências a seus anjos. O termo pode aplicar-se àquela
parte da natureza humana referida por S. Paulo como o "corpo espiritual" 0, pois que
esse corpo permanece eternamente em realizada unidade com o Deus Supremo. Isso
é verdadeiro para todo ser humano e não só para as crianças. Tal afirmação pode ser
percebida como fortalecendo a idéia de que Jesus estava usando as expressões
criança e pequeninos num sentido especial, a saber, a de um ser humano recém-
tocado no seu corpo mortal pelo poder, luz e fogo do Regente Imortal Interior, ou
Mônada.
0
I Cor 15:44.
380
No versículo catorze, entretanto, Jesus refere-se outra vez aos pequeninos
como se fosse a segurança deles que despertava um interesse tão grande, sugerindo
aqui, de novo, um significado especial para o termo. Em certa medida o futuro da
humanidade – especialmente o espiritual e o cultural – pode ser profundamente
afetado pelo progresso desses pequeninos na vida espiritual. Cada indivíduo que
encontra o Mestre e ajoelha-se a seus pés, sendo ensinado por ele, ajuda, a seguir, a
cada um de seus irmãos da humanidade.
As Escolas de Mistério e templos da antiguidade, os seus membros iniciados
e os hierofantes foram sempre abertos a tais aspirantes. Esses eram, então,
conduzidos por seus Mestres na travessia do portal da iniciação – um novo começo
na verdade. Dali, ascendiam ao íngreme e estreito caminho que conduz ao adeptado
e, finalmente, ao cargo de hierofante, não só nos templos antigos, mas também,
embora mais secretamente, nos de hoje.
Embora sempre secretos no que toca ao ensinamento de Mistério neles
revelado, tais centros espirituais existiram e podiam ser encontrados e penetrados
ainda nos tempos mais antigos. Na verdade, muito antes da época de Cristo, no seu
tempo e desde então, e ainda hoje, a senda, o Instrutor espiritual, as cortes internas e
externas que conduzem ao santuário sempre existiram, podem ser e são
encontrados, e levam à grande meta. As condições do corpo e da consciência
daqueles que assim encontraram e trilharam com sucesso o antigo caminho são
necessariamente sensíveis ao extremo. Os aspirantes são, por conseguinte, muito
vulneráveis – mental, psíquica e fisicamente – a perturbações durante o delicado
processo de acomodação ao novo modo de vida. Essa é parcialmente a razão da
segregação no interior das Escolas de Mistério e ashrams do mundo concedida
àqueles que podiam se aproveitar disto.
Mt 18:15. "Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai e repreende-o a sós. Se ele te
ouvir, ganhaste o teu irmão.
16. Mas, se não te ouvir, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para
que pela boca de duas ou três testemunhas toda a palavra seja
confirmada.
17. E, se não lhes der ouvido, dize-o à Igreja. Se nem mesmo à Igreja der
ouvido, trata-o como gentio ou publicano."
381
Enquanto em treinamento, o discípulo está submetido a várias tensões
interiores e psicológicas, pois que a energia vital do Mestre está sendo partilhada
com ele e as energias associadas estão agindo sobre o sistema nervoso e as áreas
relacionadas no veículo etérico e nos mais sutis. Quando o corpo está desperto, seu
próprio Eu espiritual está também direcionando idéias e forças aos quatro veículos
da personalidade, e a penetrante atmosfera psíquica e as correntes de pensamento do
exterior atuam sobre ele. Essas três, às quais podem ser juntadas certas forças
astrológicas, tendem a criar condições de tensão no discípulo. Em consequência, e
com vista a obtenção do maior benefício dessas energias, o discípulo necessita
enormemente conseguir e manter associações, que deverão ser tão livres de
perturbações quanto possível. As rixas e angústias causadas pelas perturbações e
também pelos desentendimentos profundos podem impedir e retardar o progresso e
o desenvolvimento do discípulo em treinamento quando está especialmente
suscetível a eles. Por essas e outras razões, indubitavelmente, Jesus deu o conselho
contido nesses versículos.
Mt 18:18. "Em verdade vos digo: tudo quanto ligardes na Terra será ligado no
céu e tudo quanto desligardes na Terra será desligado no céu."
Mt 18:19. "Também vos digo que, se dois de vós estiverem de acordo na Terra
sobre qualquer coisa que queiram pedir, isto lhes será concedido por
meu Pai que está nos céus."
Mt 18:20. "Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu
no meio deles."
382
Se, como deve ser assumido, o pronome ‘meu’ é uma tradução correta do
original, então Jesus se identifica com o poder onipresente, a vida e a consciência
da Deidade Suprema, ou Pai. Assim, assegura-se que os poderes teúrgicos são
alcançáveis, não só pela invocação a Deus, mas também pela atuação em nome de
Jesus, o Cristo. Se apenas duas ou três pessoas assim se reunirem em seu nome, ele
seguramente estará presente, e isso pode ser considerado como tendo um
significado não apenas místico, mas também operacional, ou em termos de poder
oculto. Essas garantias foram dadas indubitavelmente aos discípulos a fim de
fortalecê-los e ajudá-los depois que o seu Mestre fosse afastado deles em virtude da
sua morte. Esse consolo foi também assegurado para servir de apoio, sempre que a
dúvida e o perigo pudessem assaltá-los.
Os ensinamentos da filosofia oculta incluem essa idéia, afirmando que todos
iniciados e discípulos plenamente aceitos estão intimamente ligados ao seu Mestre,
mais particularmente nos níveis espirituais e intelectuais. Por causa dessa estreita
associação que é providenciada pelo Adepto, ele pode prontamente alcançar e usar
o discípulo como um canal para idéias e influências, enquanto o discípulo por sua
vez tem livre acesso ao Mestre.
A mais íntima dessas unificações diz respeito principalmente ao divino Ser
Mais Interior, ou o Pai que está nos céus – tanto do Mestre como do discípulo. A
intimidade implícita nos versículos dezoito, dezenove e vinte sugere que eles
pertencem a uma série de instruções que Jesus, como cada Mestre adepto, deu
secretamente a seus discípulos em épocas diferentes.
383
mais tarde, foram repetidas. Quando, portanto, a estória da vida de Jesus veio a ser
escrita, esses ensinamentos entre muitos outros puderam ser recapitulados e
incluídos na estória evangélica.
Mt 18:23. "Eis porque o reino dos céus é semelhante a um rei que resolveu
acertar contas com os seus servos.
24. Ao começar o acerto, trouxeram-lhe um que devia dez mil talentos.
25. Não tendo este com que pagar, o senhor ordenou que o vendessem,
juntamente com a mulher e os filhos e todos os seus bens, para o
pagamento da dívida.
26. O servo, porém, caiu aos seus pés e, prostrado, suplicava-lhe: 'Senhor,
sê generoso para comigo e te pagarei tudo'.
27. Diante disso, o senhor, compadecendo-se do servo, soltou-o e
perdoou-lhe a dívida.
28. Mas, quando saiu dali, este servo encontrou um dos seus
companheiros de servidão, que lhe devia cem denários e, agarrando-o
pelo pescoço, pôs-se a sufocá-lo e a insistir: 'Paga-me o que me deves.'
29. O companheiro, caindo aos seus pés, rogava-lhe: 'Sê generoso para
comigo e tudo te pagarei.'
30. Mas ele não quis ouvi-lo; antes, retirou-se e mandou lançá-lo na
prisão até que pagasse o que devia.
31. Vendo, pois, os seus companheiros de servidão o que acontecera,
ficaram muito penalizados e, procurando o senhor, contaram-lhe todo
o acontecido.
32. Então o senhor mandou chamar aquele servo e lhe disse: 'Servo mau,
eu te perdoei toda a tua dívida porque me rogaste.
33. Não devias, também tu, ter compaixão do teu companheiro, como eu
tive misericórdia de ti?'
34. Assim, encolerizado, o seu senhor o entregou aos verdugos, até que
pagasse toda a sua dívida.
35. Eis como meu Pai celeste agirá convosco, se cada um de vós não
perdoar, de coração, ao seu irmão."
384
Uma interpretação possível da alegoria pode ser a de que Jesus está dando a
seus discípulos instrução direta a respeito da existência e da operação da lei de
causa e efeito. Como explicado anteriormente, ele próprio enunciou essa doutrina
de forma muito enérgica como o fez o apóstolo Paulo 0. O mesmo ensinamento pode
ser encontrado no Velho Testamento e em todas as escrituras mundiais.
A filosofia oculta também aceita essa doutrina, mas, exceto pelo uso
deliberado de alegoria, ela não ensina que nenhum agente pessoal, divino ou
humano, seja responsável pela sua aplicação. Ao contrário, o princípio de causa e
efeito é apresentado como uma seqüência automática, impessoal. Diz-se que esse
processo está baseado num método de harmonização ou sintonização igualmente
impessoal, que está incessantemente em operação por todo o universo. A deificação
do método, se corretamente atribuído a Jesus, pode ter sido seu modo de indicar a
universalidade e a inevitabilidade da lei segundo a qual a reação apropriada segue
cada ação. São Paulo também introduz seu enunciado da doutrina por uma
referência à onisciência de Deus, dizendo: "Deus não se deixa escarnecer" 0.
0
Mt 5:7, 5:18, 7:1-2, 7:12; Lc 16:17; Gl 6:7.
0
Gl 6:7.
385
386
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
C ontinua a estória das viagens de Jesus através do interior, das praias do mar
e do lago da Galiléia. O Mar da Galiléia com as montanhas ao derredor,
mormente aquelas a oeste do lago, foram deixadas para trás, a fim de que,
indubitavelmente, influenciasse outro grupo de pessoas. Como em muitos outros
lugares, os doentes foram levados até ele que, com sua divina compaixão e poder,
curou-os.
Ele também ensinou a população e a seus discípulos a verdade, na extensão
em que podiam compreender. Embora um instrutor espiritual deva prestar atenção
às condições e necessidades daqueles que estão vivendo em condições normais,
Jesus dirigiu-se principalmente àqueles que tinham se tornado intimamente movidos
a procurar e a adotar o modo de vida espiritual – como na verdade fizeram todos os
grandes instrutores. Então, quase todas os seus pronunciamentos intentavam servir
como orientação para aqueles que se tornaram aspirantes ao discipulado.
387
para a proteção da mulher naquele tempo, essas palavras de Jesus são hoje tanto
desafiadas quanto negligenciadas.
Mt 19:7. Eles, porém, objetaram: "Por que, então, ordenou Moisés que se desse
carta de divórcio e depois se repudiasse?"
8. Ele disse: "Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos
permitiu repudiar às vossas mulheres, mas desde o princípio não era
assim.
9. E eu vos digo que todo aquele que repudiar a sua mulher – exceto por
motivo de fornicação – e desposar uma outra, comete adultério; e o
que casar com a repudiada também comete adultério."
10. Os discípulos disseram-lhe: "Se é assim a condição do homem em
relação à mulher, não vale a pena casar-se."
11. Ele acrescentou: "Nem todos são capazes de compreender essa
palavra, mas só aqueles a quem é concedido.
12. Com efeito, há eunucos que nasceram assim, desde o ventre materno.
E há eunucos que foram feitos eunucos pelos homens. E há eunucos
que se fizeram eunucos por causa do reino dos céus. Quem tiver
capacidade para compreender, compreenda!"
Sem dúvida, afora um amor natural pelas crianças e pelo que representam,
Jesus sempre foi especialmente terno com elas. Como está claro em outra parte, ele
também utilizou certos atributos das crianças para servirem como exemplos a todos
os candidatos a ingressar numa vida superior, o reino dos céus. Os discípulos, como
não eram suficientemente avançados, falharam em perceber a intenção interna ou a
afeição pelas crianças, característica de seu Mestre e, então, tentavam protegê-lo de
intromissão inoportuna.
Algumas pessoas despertas "renascidas" há pouco podiam ter sido também as
crianças aludidas por Jesus. A associação com um grande instrutor e o toque de suas
388
mãos sobre elas pode ser de valor, principalmente em ajudá-las a retomar o modo
de vida que tinham seguido em encarnações anteriores.
O ser humano avançado, quer seja alto iniciado ou Adepto, torna-se
naturalmente possuído de uma certa fascinação que é sentida por muitos. Dessa
forma, lemos que multidões de pessoas vinham a Jesus e seguiam-no. Dentre essas,
era provável que as crianças tenham sido especialmente responsivas à sua influência
quase indefinível e, assim, destemidamente se acercaram dele, de quem irradiava
esta influência.
Estranhamente, pois tal é a perversidade da natureza humana, sobre algumas
pessoas é produzido efeito oposto. São esses os odientos do mundo. A raiva deles
nasce principalmente do ressentimento contra aqueles que são "maiores" do eles e
que recomendam uma moralidade que não desejam ou não estão dispostos a aceitar.
Para esses, a atração que um instrutor exerce sobre muitas pessoas torna-se também
uma fonte de ofensa, daí a hostilidade deles. Aqueles que chegam ao mundo antes
que este esteja preparado para eles, que exercem uma influência e sustentam um
ideal moral mais elevado do que é o normal para o seu tempo, suscitam
inevitavelmente essa resposta adversa. Se continuam na tarefa que escolheram,
então a inimizade aumenta até que seus efeitos tornem-se realmente mortais, como
mostrou-se verdadeiro no caso de Jesus.
Mt 19:16. Aí alguém se aproximou dele e disse: "Bom Mestre, que bem farei para
ter a vida eterna?"
17. E ele respondeu: "Por que me chamas de bom? Não há bom senão um
só, que é Deus. Mas se queres entrar para a vida, guarda os
mandamentos."
18. Aquele perguntou-lhe: "Quais?" Jesus respondeu: "Não matarás, não
adulterarás, não roubarás, não levantarás falso testemunho;
19. honra pai e mãe e amarás o teu próximo como a ti mesmo."
Como será mostrado no versículo vinte e um, a distinção entre a vida normal
do mundo, embora honrada, e a vida do discipulado torna-se clara. Um moço rico
da elite veio a Jesus procurando orientação para ingressar na vida espiritual e
praticá-la0. Jesus, com aquela impessoalidade e modéstia realista, característica dos
homens verdadeiramente grandes, repudiou, de início, todo o direito de ser
chamado bom. Sem dúvida, discernindo de forma correta o grau evolutivo e a
atitude frente à vida do jovem, aconselhou-o a guardar os mandamentos, a saber: ser
um bom cidadão e bom judeu. Em resposta a um pedido de orientação específica,
Jesus cita alguns dos dez mandamentos.
Mt 19:20. Disse-lhe então o moço: "tudo isso tenho guardado desde a minha
mocidade. Que me falta ainda?"
0
Lc 18:18.
389
Ao fazer essa pergunta, o jovem mostrou a seriedade de seus propósitos e um
senso intuitivo de que existia uma vida interna, com suas regras próprias especiais,
dirigindo o progresso para aquilo que ele inicialmente chamou de vida eterna.
Mt 19:21. Jesus lhe respondeu: "Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens e
dá aos pobres e terás um tesouro nos céus. Depois vem e segue-me."
Mt 19:22. O moço , ouvindo essa palavra, saiu pesaroso, pois era possuidor de
muitas propriedades.
0
Ef 4:13; Hb 12:23.
390
e necessariamente talvez, autocentrados, voltados para a satisfação de desejos
pessoais e consumistas. Entretanto, os inúmeros idealistas e, finalmente, a maioria
das pessoas irão bicar a casca e libertar a si mesmos, em conseqüência do que – e
não antes – a paz reinará nessa terra arrasada.
Mt 19:23. Então Jesus disse aos seus discípulos: "Em verdade vos digo que um
rico dificilmente entrará no reino dos céus."
24. "E vos digo ainda: é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma
agulha do que um rico entrar no reino de Deus."
0
Fl 2:13.
391
meramente expôs a lei que governa a auto-espiritualização e então esclareceu os
seus discípulos, para quem tais ensinamentos eram preliminarmente dirigidos, a
respeito de sua operação. Sem dúvida ele deixou cada um aplicar o ensinamento por
si mesmo.
0
Ver Hodson, "Lecture Notes", Vol. I, pp. 18-19.
0
Corpo espiritual. Ver Glossário: Ego.
392
em virtude de sua natureza profundamente esotérica, pois sem essa instrução mais
completa os discípulos estariam justificadamente "confusos" pela afirmação radical
feita por seu Mestre.
Mt 19:27. Pedro, então tomando a palavra, disse: "Eis que nós deixamos tudo e
te seguimos. O que é que vamos receber?"
28. Disse-lhes Jesus: "Em verdade vos digo que, quando, na regeneração,
o Filho do Homem se assentar no trono de sua glória, também vós, que
me seguistes, vos sentareis em doze tronos para julgar as doze tribos
de Israel."
Mt 19:29. "E todo aquele que tenha deixado casas ou irmãos ou irmãs ou pai ou
mãe ou filhos ou terras, por causa do meu nome, receberá muito mais
e herdará a vida eterna.
30. Porém, muitos dos primeiros serão últimos, e muitos dos últimos,
primeiros."
Se o mais alto grau de iluminação interior deve ser alcançado, então deve
ocorrer a renúncia completa e derradeira de todos relacionamentos externos com o
mundo que possam constranger o devoto. Em uma declaração registrada por Lucas,
393
Jesus também disse: "Se alguém vem a mim e não odeia pai e mãe, mulher, filhos,
irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode ser meu discípulo" 0. A fim de
demonstrar esse completo unidirecionamento e entrega total, Abraão, no Monte
Moriá, preparou-se para sacrificar o seu filho Isaac, mas um anjo segurou sua mão 0.
Foi, então, encontrado um substituto, um cordeiro preso num arbusto. O próprio
Jesus manteve com sua mãe, Maria Madalena e seus discípulos um relacionamento
muito estreito e mostrou profunda preocupação pelo futuro de sua mãe após sua
morte, pois, enquanto ainda vivo na cruz, confiou-a a João, o discípulo a quem
amava. Evidentemente, então, a natureza extrema da exigência de total dedicação
exclusiva – mesmo com o sacrifício da família e dos amigos – deve ser considerada
como analogia e metáfora e não no sentido estritamente literal. Nesses versículos
essa necessidade é metaforicamente trazida para o reino da vida privada, das
responsabilidades e deveres de um ser humano.
Outra justificativa para uma leitura metafórica é que a adoção estritamente
literal da afirmação do Senhor, quanto às necessidades e exigências extremas
impostas ao devoto, levaria a uma conduta que seria bastante oposta a uma outra
qualidade essencial, que é a ternura, compreendendo esta um profundo interesse não
apenas pelos membros da própria família, mas pela felicidade de todas as criaturas e
de todos os homens.
Todos os discípulos, talvez à exceção de Judas, são apresentados como não
tendo relacionamentos obrigatórios de nenhuma espécie. Eles estavam, em
conseqüência, literalmente capacitados a renunciar tudo e a seguir o Mestre. Podem
ser vistos, portanto, como protótipos daqueles seres humanos cuja posição evolutiva
e modo de vida (darma e carma) permitiram-lhes a liberdade de adotar um modo de
vida inteiramente espiritual. Isso os capacitou a assumir o papel de mendicantes ou
monges, quer ligados ou não a uma instituição e, assim, serem completamente livres
para seguir o caminho que se tornou o verdadeiro desejo de seus corações. O
pensamento é então induzido ao verdadeiro significado do ideal universal fundado
pelo misticismo do Oriente e do Ocidente. Ele pode ser descrito como o advento
daquele estado em que se pode realizar muito naturalmente o único e irresistível
desejo do coração. A mente aspira e a vontade determina-se a encontrar um
Instrutor espiritual e, sob sua orientação, alcançar as alturas evolutivas da forma
mais rápida e completa possível. Isso finalmente se torna a única fascinante e
diretora idéia que domina a mente e o coração do indivíduo que está assim desperto
espiritualmente. Visto desse modo, a busca e mesmo a "cruel" (no sentido
puramente físico) exigência feita por Jesus no versículo vinte e nove não se referem
à resposta artificial a ordens de outro, mas, muito mais, a um estado de consciência.
Como dizem os Upanishad: "não há absolutamente nenhum outro caminho a
seguir."
0
Lc 14:26.
0
Gn 22:1-13.
394
O versículo final desse capítulo pode ser lido como descritivo da diferença
entre o reconhecimento do valor puramente temporal e o do espiritual. A pessoa que
valha mais para a mente mundana e por ela seja considerada em primeiro lugar,
quando avaliada e examinada espiritualmente, pode ser julgada menos valorosa do
que outra que, até então, era considerada de menor importância. O discípulo mais
jovem pode eventualmente, por exemplo, ultrapassar seus companheiros, enquanto
um irmão mais antigo e aparentemente mais evoluído pode exibir fraquezas que o
colocam num degrau inferior da escada evolutiva.
395
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
É
altamente provável que Jesus tivesse mais de doze discípulos. Talvez o
número variasse ao longo do tempo do seu ministério. Deve ter havido almas
avançadas, na sua época, como agora, que, para usar a descrição do Irmão
Lawrence, estavam "possuídas pelo alento do Espírito Santo" e, em conseqüência,
seguiam “adiante mesmo no sono". Esses versículos são dirigidos principalmente a
elas.
396
olho é mau porque eu sou bom?'
16. Assim, os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão últimos.
Porque muitos são chamados, mas pouco os escolhidos.'
Não é meu propósito aqui escrever uma homilia sobre essa parábola que,
para dizer o mínimo, é peculiar, se é que está corretamente rememorada, reportada e
escrita. Pode-se, entretanto, perceber um propósito subjacente, a saber, a
diferenciação entre o sentido puramente temporal da retidão e da probidade, por um
lado, e um fato espiritual definitivo por outro, porque esses dois – o transitório e o
eterno – nem sempre parecem concordar à primeira vista. No plano externo, os
trabalhadores tinham alguma razão em suas reclamações, muito embora, como
empregados, talvez tivessem pouco direito de expressá-las de modo coercivo, como
lhes disse o seu patrão. Esse, por sua vez, como ele disse, tinha todo o direito de
gastar seu dinheiro do modo que quisesse.
Se, entretanto, a parábola, particularmente os versículos de encerramento, é
aplicada espiritualmente, então Jesus deixou claro que nem a posição evolutiva nem
a aptidão para o discipulado (período de trabalho) dependem apenas daquilo que é
puramente temporal e externo, porque as fontes inesgotáveis da energia da vida
espiritual estão profundamente escondidas no recôndito da alma humana e somente
um verdadeiro vidente ou profeta pode percebê-las corretamente ou avaliar seu grau
de atividade. Essas podem ter pouco ou nenhuma relação com os anos e horas de
trabalho no mundo externo. Às vezes de forma desconcertante, como quase todo
discípulo finalmente aprende, um observador silencioso ou um membro de um
grupo de aspirantes recentemente filiado pode mostrar-se espiritualmente mais
evoluído e mais plenamente desperto e, assim, ser mais digno de, no mínimo, iguais
"salários" (avanço espiritual) do que até mesmo o mais antigo e fervoroso discípulo.
No campo da educação, por exemplo, não são apenas os anos de aplicação, mas
principalmente a realização acadêmica, que decidem a colocação.
O Mestre, entretanto, vê com segurança o interior mais profundo da natureza
de cada aspirante que se coloca à sua disposição, observa seu verdadeiro
desenvolvimento, quer tenha sido aceito há muito tempo ou ingressado
recentemente, e confere a cada um o lugar que, por justiça, lhe é devido. Embora
isso possa não parecer muito satisfatório para as pessoas sem discernimento, esse
reconhecimento do status espiritual é perfeitamente justo, de acordo com a
avaliação pelos verdadeiros valores. Sem dúvida o Mestre alonga-se sobre esses
padrões de julgamento não só na ocasião registrada, mas, freqüentemente, quando
treinava seus discípulos para julgar pelos valores espirituais e não só pelos
materiais.
397
morte
19. e o entregarão aos gentios para ser escarnecido, açoitado e
crucificado. Mas no terceiro dia ressuscitará."
Aqui também é dito que Jesus estava falando somente aos seus discípulos,
quer eles fossem doze ou, muito provavelmente, um número maior, uma
possibilidade explorada anteriormente. Jesus pode ter realmente falado essas
palavras proféticas. Como registradas, elas são consideradas como referência
exclusiva à personagem histórica. Não obstante, existe a possibilidade de que um
significado metafórico mais profundo era o ensinado, especialmente pelo fato de
que algumas afirmações de Jesus, colocadas pelos compiladores desse capítulo,
foram feitas aos discípulos durante os momentos de intimidade quase sagrados que
caracterizam o relacionamento Mestre-discípulo.
Talvez possa ser discernido um duplo propósito para a previsão das
dramáticas e trágicas experiências a serem brevemente vivenciadas. Um desses
pode ter sido o de preparar as mentes dos discípulos antes que os eventos realmente
ocorressem, a fim de atenuar a dor e o choque. O outro pode ter sido o de revelar
certas verdades e indicar certas provações pelas quais, não apenas Jesus, mas
também todos os que se aproximam da condição de adepto antes dos demais
membros da raça humana devam inevitavelmente passar, através de sucessivas
iniciações nos Mistérios Maiores. Essa interpretação está apoiada na resposta de
Jesus aos filhos de Zebedeu, a ser posteriormente considerada.
Em avanço às interpretações mais completas que se seguirão, é admissível
dizer aqui que todos os discípulos devem estar preparados para passar por
provações comparáveis àquelas por que passou Jesus. Unicamente aqueles de
espírito muito forte seriam capazes de pagar o preço exigido pela natureza para, por
assim dizer, ser forçada e, assim, atingir a perfeição antes do tempo normal, sendo
as condições normais decididas pelas leis cíclicas que governam a evolução da raça.
Então, com essas declarações, Jesus estava se apresentando aos discípulos como um
modelo para todos que, nas palavras de S. Paulo, "chegam ao estado de Homem
Perfeito à medida da estatura da plenitude de Cristo"0.
Estudantes do cristianismo místico podem estar interessados na teoria do
docetismo desenvolvida pela Igreja Cristã primitiva0. Essa idéia brotou das mesmas
raízes do gnosticismo e era caracteristicamente sustentada por escritores gnósticos.
Segundo essa teoria, Cristo não tinha um corpo real ou natural, mas apenas corpo
aparente ou ilusório. A origem da heresia deve situar-se nas especulações gregas
alexandrinas e orientais a respeito da impureza essencial da matéria. A doutrina
diferiu muito no seu aspecto segundo o ponto de vista adotado pelos diferentes
autores. Os mais radicais docetistas assumiam a posição de que Cristo nasceu sem
qualquer participação de matéria e que todos os atos e sofrimentos de sua vida
humana, inclusive a crucificação, foram apenas aparentes. Eles atribuíram a Cristo
um corpo etéreo e celeste, ao invés de um corpo verdadeiramente humano, e
0
Ef 4:13.
0
Docetismo, gr., "parecer."
398
variavam na sua avaliação quanto à participação que esse corpo tinha nas ações e
sofrimentos reais de Cristo.
Mt 20:20. Então a mãe dos filhos de Zebedeu, juntamente com os seus filhos,
dirigiu-se a ele, prostando-se para fazer-lhe um pedido.
21. Ele perguntou: "Que queres?" Ao que ela respondeu: "Dize que estes
meus dois filhos se assentem um à tua direita e o outro à tua esquerda,
no teu reino."
22. Jesus, porém, respondeu e disse: "Não sabeis o que estais pedindo.
Podeis beber o cálice que estou para beber e ser batizados com o
batismo com que sou batizado?" Eles responderam: "Podemos."
23. Então lhes disse: "Sim, bebereis de meu cálice. Todavia, sentar à
minha direita e à minha esquerda, não cabe a mim concedê-lo; mas é
para aqueles aos quais meu Pai preparou."
Como no caso do jovem rico que procurou a ajuda de Jesus para viver a vida
espiritual0, os dois filhos de Zebedeu são também submetidos ao "teste de fogo" da
prontidão, tanto para iniciar aquele grande esforço como para suportá-lo até o
triunfo final. Em resposta, Jesus refere-se a si mesmo como um exemplo das
qualidades de caráter necessárias à sua própria experiência, com o sentido de
indicar as provações pelas quais cada aspirante deve estar preparado para passar.
Assim fazendo, Jesus eleva a previsão de sua futura Paixão muito acima das
limitações de sua própria personalidade no tempo e no espaço e apresenta-as como
uma experiência universal.
Ao contrário do jovem rico que se sentiu incapaz, naquele momento de sua
vida, de submeter-se aos testes, particularmente ao de desapego, os filhos de
Zebedeu proclamaram sua prontidão. Eles foram recebidos imediatamente na
companhia dos discípulos de Jesus. Ele sugeriu-lhes, entretanto, que a posição que
ocupariam por fim não dependia de sua escolha, mas sim da escolha de seu Pai, que
deve ser considerada como a lei eterna ou a divina presença interior tanto nele
próprio como em cada um dos novos discípulos.
Os fatos registrados de que foi a mãe dos filhos de Zebedeu quem os
apresentou a Jesus e fez o pedido no interesse deles e o de que foi a esposa de
Pilatos quem lhe enviou uma advertência, através de um mensageiro, a respeito do
procedimento a ser adotado com Jesus 0, são do interesse do estudante de
simbologia. Essas duas mulheres, bem como outras na Bíblia, podem ser
consideradas como personificações da intuição espiritual que se desenvolve nas
pessoas avançadas e capacita-as a perceber idéias e oportunidades que, de outra
maneira, não podem ser aproveitadas, particularmente pela mente analítica. Duas
diferentes fases de desenvolvimento estão retratadas. A mãe dos filhos de Zebedeu
estava realmente presente. Isso significa que a faculdade intuitiva desenvolvida
0
Mt 19:16-23.
0
Mt 27:29.
399
tinha se tornado um poder real e ativo, um guia presente na vida do aspirante,
capacitando-o a perceber o princípio crístico desperto no interior, a meditar sobre
ele e a respondê-lo. Pilatos, por outro lado, como mostra a sua descrita conduta, não
era tão avançado. Alegoricamente, sua mulher estava ausente e, em conseqüência,
teve de enviar sua advertência – realmente uma apreensão interior, intuitiva – por
intermédio de um mensageiro. Se a estória é interpretada assim, a mente formal não
era infelizmente desenvolvida a ponto de ser responsiva à mensagem intuitiva.
400
Havia passado evidentemente o período em que Jesus e seus discípulos
estavam sozinhos e durante o qual, em privacidade, ele os orientava e iluminava-os.
O recebimento de instruções a respeito da humildade, auto-subordinação e serviço
aos outros encerrou essa parte das suas vidas em conjunto. Jesus, doravante, devia
seguir em frente e enfrentar os eventos terríveis que precederiam a grande tragédia.
Mesmo assim, seja como um grande Adepto que estivesse visitando o mundo dos
homens ou como um poder místico despertando no homem, ele realizou o "milagre"
da restauração da visão de dois cegos.
Os versículos podem ser lidos literalmente como uma descrição do exercício
do poder adéptico sobre os dois homens que, até então, tinham estado cegos.
Misticamente considerado, pode estar implícita uma mudança dramática de
consciência. Os dois homens personificam as duas partes de um indivíduo para
quem deve ser recuperada a visão espiritual. A mente e o coração não estão, de
início, iluminados, aclarados por nenhum vislumbre de luz espiritual, nenhuma
capacidade de sabedoria intuitiva ou introspecção implícita – uma cegueira de fato.
Na medida em que todos os homens estão evoluindo, enquanto a natureza crística
desenvolve-se, tal cegueira naturalmente decresce. Quando chega a hora, a presença
e o poder divinos do Eu interior, personificado por Jesus, "entram em cena" na vida
diária e dão origem ao miraculoso poder místico, pelo qual a mente e o coração são
iluminados, bem como o homem exterior. Do ponto de vista simbólico, a visão é
restaurada pela presença aparentemente acidental de um Instrutor espiritual. A
"cegueira" de uma mentalidade materialista e autocentrada desaparece quase de
imediato. O coração compreensivo e o olho atento substituem a insensibilidade
precedente, tanto do coração como da mente. A escuridão mental diminui e o
egoísmo transforma-se em bondade amorosa.
Essa leitura está de certa forma apoiada nos clamores e súplicas dos dois
cegos. Orações por luz espiritual, conhecimento e entendimento são igualmente
proferidas, ou melhor, surgem espontaneamente no interior da mente e do coração
obscurecidos.
Mesmo depois dessa mudança ter ocorrido, um passo adiante deve ser dado.
Esse passo, como anteriormente descrito, é marcado por profundo
descontentamento com as limitações existentes e pela determinação em superá-las,
visando encontrar um Instrutor espiritual para depois seguir-lhe as pegadas. Esse
enfoque está fundado nas descrições da conduta subseqüente daqueles que recebem
tais ajudas. No presente caso, é dito que os dois cegos, cuja visão tinha sido
restaurada por Jesus, "seguiram-no".
401
PARTE DEZ
DOMINGO DE PALMAS
PURIFICAÇÃO DO TEMPLO
PARÁBOLAS ADICIONAIS
TRAIÇÃO
402
403
CAPÍTULO VINTE E CINCO
0
Como apontado por muitos estudiosos bíblicos.
404
Em escritos simbólicos tais incongruências, como o conhecimento da
existência da jumenta e de seu filhote e da boa vontade do proprietário para enviá-
los a uma pessoa completamente desconhecida e com propósito ignorado, são às
vezes incluídas como um vestígio da existência de algum significado subjacente.
Considerado literalmente, esse relato somente pode ser aceito como história se há a
crença no exercício de poderes sobrenaturais e no desenvolvimento da faculdade de
visão sobrenatural, que é adquirida naturalmente quando o caminho estreito é
trilhado. Ainda que a faculdade e os resultados de seu uso possam parecer
surpreendentes, eles são, todavia, bastante normais para quem se aproxima do
adeptado, como Jesus é retratado, particularmente nesses episódios finais de sua
vida, que culmina na Ascensão à mão direita de Deus.
O jumento é um símbolo tanto da obstinação proverbial como, quando
domesticado, da obediência serena e submissa às ordens de seu dono. A quádrupla
natureza mortal do homem – mente, emoção, vitalidade e corpo – obstinadamente
resistente à vontade da tríade espiritual interior0, torna-se inteiramente obediente
durante o caminho do fio da navalha. A imagem de Jesus cavalgando no jumento
retrata habilmente essa situação. Assim, vista como uma alegoria, a estória é
perfeitamente razoável.
Mt 21:4. Isso aconteceu para se cumprir o que foi dito pelo profeta:
5. Dizei à filha de Sião: Eis que o teu rei vem a ti, manso e montado em
um jumento, em um jumentinho, filho de uma jumenta.
0
Vontade espiritual, sabedoria espiritual e inteligência espiritual.
0
Zc 9:9.
0
Jo 1:1-5.
0
Mt 5:3-27.
405
Mt Os discípulos foram e fizeram como Jesus lhes ordenara:
21:6.
7. trouxeram a jumenta e o jumentinho e puseram sobre eles as suas vestes.
E ele sentou-se em cima
406
habitantes da cidade referem-se ao estado exaltado de consciência e à felicidade que
são experimentados, quando a condição de elevação espiritual é alcançada.
0
Ver diagrama da pg. *** da anunciação.
0
Augoeides (gr.) – o fragmento divino auto-irradiante. Ver Glossário.
0
Skekinah – "A glória do Senhor", o símbolo visível da glória de Deus que habitava
no tabernáculo e no Templo de Salomão. Nm 14:10; Rs 8:10, 11.
0
Querubim – Ex 25:19.
407
como um símbolo apropriado que foi projetado sobre a ordem numérica que é a
base da manifestação do divino no interior das formas materiais e a garantia de
comunicação cada vez mais próxima entre elas. Aqui, simbolicamente, tanto o
despertar espiritual quanto o interesse pelas necessidades da vida material podem
ser unificados, como o são. Essa união e comunicação depende da pureza de
motivação e conduta, na medida em que as impurezas obstruem o inter-
relacionamento.
Aqueles que entram e os que oficiam no templo personificam qualidades de
caráter do homem mortal. Se é para ser alcançado avanço espiritual e adentrado o
reino dos céus, então toda a natureza inferior do homem deve ser purificada e a
tendência de profanar o acesso do divino interior pela comercialização nascida da
cupidez deve ser inteiramente erradicada. Quando, entretanto, a natureza crística do
homem torna-se suficientemente evoluída e externamente manifestada no eu
externo, a purificação pelo seu poder ocorre naturalmente. Tal despertar místico e
os seus efeitos estão retratados na estória da purificação do templo de Jerusalém por
Jesus Cristo, presente e ativo dentro dele.
O homem é, então, quem profana o templo de seu corpo, emoções e mente,
enquanto o poder divino cada vez mais potente e desperto, que é sua existência real,
em um de seus efeitos sobre ele, purifica o templo de sua natureza mortal mais
externa. Assim, nas estórias sagradas da vida de Jesus, história e alegoria são
misturadas em um relato suscetível de ser lido tanto em seu significado temporal
como eterno.
No sentido literal, quando tragicamente a profanação continua por um
período muito longo e quando a adoração se torna cada vez mais tradicional e
rígida, o templo perde sua validade, assim os templos tornam-se ruínas ou são
destruídos pelos conquistadores. Essas quedas temporais, externas são menos uma
perda trágica do que um meio para a libertação do homem da teologia bitolada e
tortuosa, dos males do sacerdócio e da dominação dos seres humanos por ameaças
de futuro extermínio.
408
Esses versículos, enquanto possibilidade histórica, tanto chamam a atenção
para uma tendência muito humana quanto previnem contra ela. A resistência dos
poderes enraizados contra a purificação, a cura e a libertação é inevitável, como
revelam esses versículos quando lidos simbolicamente. Se, como já sugerido, o
templo é considerado como representante da natureza quádrupla do homem, então a
resistência da matéria ao espírito – geralmente manifestada pela mente – é
personificada como os chefes dos sacerdotes e dos escribas. Sempre ciumentos de
uma intromissão em seu poder e posição tradicionais, essas autoridades, por sua
vez, se opõem à influência de um enfoque liberal da vida e do dogma religiosos
estabelecidos. Esse é o conflito quase contínuo, a Armagedon interior, que é travada
entre o espírito do homem (Jesus) e a ambição pelo poder e a determinação para
conservá-lo, quando alcançado (o clero, os fariseus e os escribas).
Também no templo do universo, a matéria de que são construídas as formas
externas e a consciência instintiva que aí evolui tendem continuamente a resistir
tanto ao aumento da sensibilidade ao plano criativo como ao efeito modelador do
Arquétipo. Num certo estágio da evolução do homem, a mente humana é
igualmente relutante em permitir a entrada de novas idéias – e especialmente do
poder que liberta. A história da teologia dogmática cristã, com o relato da
proscriçãode idéias supostamente heréticas, num ato de autodefesa, dá um exemplo
apropriado dessa tendência: a Santa Inquisição.
Nada pode, entretanto, parar para sempre o progresso evolutivo e as
transformações e descobertas que ele traz. Finalmente, embora seja muito demorada
a consumação, a pressão incessante do poder espiritualizante e modelador supera
tanto a oposição instintiva como a deliberada. Os instintos e os atributos da
personalidade humana que opõem resistência serão, por fim, obrigados a ceder.
Dogmas considerados infalíveis numa época revelam-se, às vezes, completamente
falsos no período seguinte e, assim, devem ser abandonados – o sistema
geocêntrico, por exemplo. Os pequeninos e as criancinhas de peito, a que se refere
Jesus quando se reporta às escrituras, personificam os novos modos de vida recém-
descobertos que estão fundados em verdades intuitivamente percebidas. Assim, o
próprio Jesus pode ser considerado, não apenas como o Messias há muito esperado,
mas também como modelo de uma nova era de desenvolvimento intelectual e
espiritual.
409
Embora a faculdade teúrgica aqui descrita esteja no âmbito do poder do
homem perfeito, a ação de Jesus de secar uma criatura vivente inocente é, para dizer
o mínimo, contrária ao seu feitio, pois ele proclamou que sua missão era trazer vida
e não antecipar a morte. Essa incongruência sugere que o incidente é alegórico,
aludindo a uma lei da vida que é descoberta pelo homem quando sua natureza
espiritual se desenvolve. Sob essa lei, a estagnação aguarda infalivelmente os
indivíduos ou nações que não repartem suas realizações e riquezas com os seus
semelhantes. A figueira que não dá frutos simboliza essa lei em operação e
especialmente em seu efeito final, a esterilidade.
Parece razoável assumir que o próprio Jesus havia interpretado ou explicado
sua ação. Poderíamos ser perdoados por assumir que ele deve ter restaurado a vida e
o vigor da figueira após tê-la secado como um exemplo. Nada nesse sentido,
entretanto, está incluso no relato fornecido pelo evangelista. Na verdade, toda a
narrativa deve ser considerada como muito incompleta, tendo Jesus dito e feito
muitas coisas que foram ou esquecidas pelos primeiros narradores ou, talvez,
excluídas do relato por serem desnecessárias.
410
sugestão de que o fenômeno evidentemente produzido por Jesus foi apenas uma
ilusão, maya em sânscrito0, produzida sobre a mente dos que ali estavam pelo
imenso poder de que Jesus era dotado. De qualquer maneira, a mensagem que
permanece do incidente é a de que aquele que dá vive, e aquele que reparte tem
alegria, enquanto aquele que retém morre, e aquele que acumula perde, sendo esta a
própria lei da vida. Ela é obedecida pelos espiritualmente iluminados e mesmo pelo
Logos Solar, que esparge sua Vida em abundância desde o alvorecer de sua
manifestação objetiva até o seu ocaso.
Mt 21:23. Vindo ele ao templo, estava a ensinar, quando os chefes dos sacerdotes
e os anciãos do povo se aproximaram e perguntaram-lhe: "Com que
autoridade fazes estas coisas?" E quem te concedeu essa autoridade?"
24. Jesus respondeu: “Eu também vos perguntarei uma coisa. Se me
responderdes, também eu vos direi com que autoridade faço estas
coisas:
25. O batismo de João, de onde era? Do céu ou dos homens?" Eles
arrazoavam entre si, dizendo: "Se respondermos: `Do céu', ele nos
dirá: `Por que então não crestes nele?'
26. Se respondermos: `Dos homens', temos medo da multidão, pois todos
consideram João como profeta."
27. Diante disso, responderam a Jesus: "Não sabemos." Ao que ele
também respondeu: "Nem eu vos digo com que autoridade faço estas
coisas."
0
Maia (sânsc.), ilusão.
411
absolutamente que careçam de importância ou que não sejam instrutivos, antes são
omitidos porque a maioria deles fala por si mesma.)
412
Conseqüentemente, são desenvolvidos os poderes e as propriedades inerentes do
espírito, que estavam latentes inicialmente. Quando é assumido o mais denso dos
veículos, o corpo físico, a Mônada está ali quase impotente no princípio.
Essa encarnação do espírito na matéria e do espírito humano num corpo
físico é adequadamente descrita na linguagem sagrada como morte e sepultamento.
A própria estória da vida de Cristo, nesse particular, presta-se bem a tal
interpretação, da mesma forma como a morte e a ressurreição de Osiris e também
de Perséfone. As restrições que acompanham e, mais particularmente, as tendências
sensuais e egoístas resultantes são tão contrárias à sensibilidade, luz e beleza do Eu
interno que são merecedoras de serem descritas como traições. Os procedimentos
involutivos da natureza culminam, de fato, num enfraquecimento tão completo dos
impulsos espirituais que se justifica referir-se figurativamente a eles como
crucificação e morte.
O homem, como Mônada, supera por fim as limitações da matéria; ele
sensibiliza e molda seus veículos de forma que eles não são mais obstáculos, porém
instrumentos obedientes e iluminados da auto-expressão monádica. O Judas nas
pessoas trai, ou despiritualiza, a consciência, mas, no momento certo, a restrição da
morte é superada e o Cristo efetua sua própria Ressurreição e Ascensão final aos
céus. Esse paraíso inclui a realização plenamente consciente da unidade com o
espírito universal. O Cristo, tendo alcançado isto há muito tempo, diz: "Eu e meu
Pai somos um"0. Esses processos são tanto naturais quanto inevitáveis. Uma vez
tendo começado a emanação, nada, tanto no céu como na terra, pode impedir o
cumprimento do ciclo de surgimento e retorno da Vida do cosmo e do homem, cada
qual com sua potencialidade desdobrada em doze aspectos. A traição, a morte e o
sepultamento, vistos como um arco do ciclo completo de surgimento e retorno, são
benéficos e, de fato, essenciais ao cumprimento do processo de emanação.
Esse enfoque do processo de involução e evolução subordina, em grande
parte, a interpretação oferecida aos versículos que se seguem. A necessidade de tais
subterfúgios não é difícil de perceber, na medida em que tal conhecimento dos
processos profundamente ocultos da despiritualização, tanto do Logos cósmico
como da Mônada do homem, podiam colocar nas mãos de homens maus poder
perigoso que eles bem poderiam usar prejudicialmente.
Mt 26:1. Quando Jesus terminou todas estas palavras, disse aos discípulos:
2. "Sabeis que daqui a dois dias será a Páscoa, e o Filho do homem será
entregue para ser crucificado."
3. Então o chefe dos sacerdotes e dos escribas e os anciãos do povo
congregaram-se no pátio do Sumo Sacerdote, que se chamava Caifás,
4. e decidiram juntos que prenderiam a Jesus por um ardil e o matariam.
5. Diziam, contudo: "Não durante a festa, para não haver tumulto no
meio do povo."
0
Jo 10:30.
413
Nesses versículos, Jesus vaticinou mais uma vez sua traição e crucificação,
revelando desse modo sua presciência dos futuros eventos, particularmente aqueles
nos quais seria a figura central. Um significado místico pode talvez ser inferido,
posto que, sem nenhuma sugestão feita para fuga da catástrofe, a profecia pareceria
estar inteiramente sem sentido ou propósito.
Como dito anteriormente, os aparentes, aliados e inimigos das figuras
centrais nos grandes dramas alegóricos representam espírito e matéria, vida e forma,
os pólos eternamente opostos que estão sempre em guerra. Todos inimigos
representam as influências materializantes do processo involucionário sobre a vida
e as ordens de anjos e arcanjos cuja tarefa na economia da natureza é ajudar no
processo de envolvimento do espírito na matéria macrocósmica e microcósmica.
Em termos cabalísticos, Judas Iscariotes, Pilatos, a multidão e os soldados
personificam as Sefiras Inversas, aqueles agentes referidos, um tanto
enganosamente, como as hierarquias satânicas, cuja tarefa é causar a morte
metafórica que, seguramente, é seguida pela Ressurreição e Ascensão 0. Todos os
chefes no grande drama – Pilatos, Caifás e os membros do Sinédrio, por exemplo –
podem ser vistos, por sua vez, como as mais avançadas de tais inteligências
angélicas, e os subordinados, como oficiais de posto inferior. A inimizade assim
considerada é apenas aparente; de fato, é uma cortina velando uma verdade
profundamente oculta. Na verdade, a oposição não é real quando vista do ponto de
vista evolucionário, pois a ajuda dada no arco descendente é, de qualquer modo, tão
valiosa e tão necessária quanto aquela proporcionada no seu oposto – o caminho de
retorno.
0
Ver Geoffrey Hodson, "The Kingdom of the Gods", Parte 3, cap.5.
414
sua memória."
415
visitava e lá recebia hospitalidade, indica aqueles seres humanos mais avançados
que já, e quase naturalmente, expressam em seus modos de vida o idealismo
espiritual nascido de uma realização de unidade cada vez mais profunda. Como em
muitos outros casos, esse incidente, com sua beleza e sua feiura, pode então ser
considerado como um "camafeu" retratando alegoricamente verdades espirituais e
experiências místicas.
Mt 26:14. Então um dos doze, chamado Judas Iscariotes, foi até os chefes dos
sacerdotes
15. e disse: "O que me dareis se eu o entregar?" Fixaram-lhe, então, a
quantia de trinta moedas de prata.
16. E a partir disso, ele procurava uma oportunidade para entregá-lo.
416
batalhas são empreendidas secretamente, somente o próprio guerreiro sabe a seu
respeito, visto que ocorrem na arena e no campo de batalha de sua vida privada. O
segredo está indicado por Judas indo encontrar-se em particular com os inimigos –
os sacerdotes nesse caso.
Os sacerdotes que pagaram o preço, comprando desse modo a desonra de
outro, retratam, por sua vez, a cupidez, a dominação e um temor instintivo de que,
se a "nova vida" (Jesus) tivesse influência na população, seu poder sacerdotal e todo
prestígio poderiam ser perdidos. Assim, os "sacerdotes" dentro da humanidade
estão prontos a adotar até mesmo as mais sórdidas medidas para salvarem-se, quais
sejam, o suborno, a corrupção e a espécie de duplicidade escusa, característica de
alguns membros de sua casta. As trinta moedas de prata supostamente recebidas em
pagamento pela traição tornam-se três, pela redução no simbolismo dos números.
Isso pode ser interpretado como uma referência aos três níveis mais densos da
matéria: a matéria mental, a substância do desejo e a própria matéria física. Esses
três níveis oferecem o maior grau de resistência ao espírito, neste sistema solar e
neste planeta específicos. No homem, eles compreendem os três veículos da
personalidade, dentro dos quais subsistem as falhas quase fatais: a mental, a
emocional e a física, representadas pelo próprio Judas. Esses veículos personificam
a completa descida do espírito do homem através de cada uma de suas sucessivas
encarnações.
A prata está em ressonância vibracional com a lua, assim como o ouro está
em mútua harmonia com o Sol. Na terminologia oculta é dito que eles são
correspondentes. A lua representa: a natureza pessoal do homem, seu eu corpóreo
mortal e suas habilidades para procriação e regeneração físicas; a emoção em todas
as suas fases e as capacidades da mente formal discriminatória. A escolha desse
metal para a recompensa é pelo menos sugestiva de tal interpretação.
O Eu espiritual do homem é também triplo em sua constituição. A vontade, a
sabedoria e a inteligência divinas são temporariamente focalizadas num raio
individualizado para formar a alma espiritual de cada homem. Na medida em que
esse tríplice Eu manifesta-se na matéria física a cada nova encarnação, diz-se que
tal matéria recebe uma tríplice benção, ou pagamento, como na alegoria Judas
recebe trinta (três) moedas de prata.
417
O claro conhecimento de uma casa situada a certa distância, onde seria feita a
Última Ceia, e de seu proprietário constituiu-se numa demonstração de poder
oculto, bem como numa indicação de que a narrativa pode ser lida alegoricamente.
A interpretação alegórica não deve ser considerada, entretanto, como uma negação
de sua historicidade ou mesmo pô-la em dúvida.
O comer junto tem sido, de longa data, indicação de um relacionamento
íntimo. Tais refeições sagradas precederam o cristianismo de muito tempo, pois era
um costume ritual antigo, e é comparável ao relacionamento que existe entre a Vida
divina interior (Jesus) e a substância do Cosmo.
O número doze atribuído aos discípulos refere-se à totalidade dos poderes e
inteligências do universo e do homem, retratada desde os tempos antigos pelos doze
signos do Zodíaco. Sentados à mesa, comendo juntos com Jesus ao centro, a
assembléia representa adequadamente o Logos Solar, com "seus" doze atributos
zodiacais principais, no processo de tornar-se mais e mais intimamente associado
com a matéria de densidade cada vez mais profunda 0. O homem, igualmente, passa
por esse processo. Como pura essência espiritual entra e evolui nos reinos,
subumano e humano, da natureza, cada um com seus corpos materiais densos e,
assim, reduzindo, por sua vez, a consciência e o poder espirituais a um mínimo.
Alegoricamente, ele vai para o cativeiro no Egito 0, para o exílio na Babilônia e é
traído e morto em Jerusalém.
A tão retratada cena descrita nesses versículos introduz o leitor que possui e
usa as chave de interpretação naquela fase do processo de descida que precede
imediatamente a entrada final na matéria física sólida, pois que somente a parte
etérica do universo físico ou do corpo humano foi até então referida na estória
imortal0.
Se o método alegórico ainda pode ser aplicado à cena, a preparação e o servir
a refeição referem-se àqueles servos da Vida Una conhecidos como arcanjos, anjos
e espíritos da natureza, por cujo auxílio o poder criativo, a vida em evolução e a
inteligência diretiva estão encarnados em veículos materiais. Essa ajuda oferecida à
Mônada do homem torna disponível veículos de densidade cada vez maior, nos
quais ela é introduzida. Pela experiência no uso desses veículos e pela vitória final
sobre suas resistências, ela tira da latência para a potência os seus poderes
espirituais embrionários. Simbolicamente, homens misteriosos e não denominados
("alguém", no versículo dezoito) dão um jumento para a viagem à Jerusalém e um
lugar e servos para que a Última Ceia possa ser comida comunalmente.
Aplicada ao universo, a cena retrata o Logos, personificado por Jesus, seus
doze poderes solares e zodiacais, personificados pelos doze discípulos, com seus
regentes arcangélicos, ou agentes que aumentam a plenitude da manifestação divina
0
O masculino é usado apenas por conveniência. Ver Glossário: Deus, Logos e
Doutrina do Logos.
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. 3 e 4.
0
Ver no Glossário – Cadeia. Por favor, leia cuidadosamente os dois parágrafos e
também Hodson, "Lecture Notes" Vol. 1, cap. 14.
418
com a continuação da emanação. A sala de jantar é o princípio delimitador ou anel-
não-passarás; a mesa retangular representa os quatro níveis descentes da
manifestação divina: mental, emocional, vital e física. Na medida em que a morte e
o sepultamento de Jesus foram muito próximos da Última Ceia, as fases de
encerramento da Emanação estão sendo alegoricamente retratadas. Dentro de
poucas horas, como Jesus previu para até mesmo o próprio Judas, ele seria traído,
condenado, cruelmente assassinado e enterrado. Assim, o grau de escuridão mais
profundo e o mais denso grau de encarnação material estavam prestes a serem
adentrados.
Mt 26:21. E, enquanto comiam, disse-lhes: "Em verdade vos digo que um de vós
me entregará."
22. Eles, muito entristecidos, puseram-se – um por um – a perguntar-lhe:
"Acaso sou eu, Senhor?"
23. Ele respondeu: "O que comigo põe a mão no prato, este me entregará.
24. Com efeito, o Filho do homem vai, conforme está escrito a seu
respeito, mas ai daquele homem por quem o Filho do homem for
entregue! Melhor seria para aquele homem não ter nascido!"
25. Então Judas, o seu traidor, perguntou: "Por ventura sou eu, Rabi?"
Jesus respondeu-lhe: "Tu o dizes."
0
Lc 24:44.
419
Em muitas dessas alegorias é introduzido um traidor, quer seja Cain, Set,
Devadatta, Loki ou a traidora Clytemnestra0.
Como discutido anteriormente, a traição de Jesus pelo discípulo Judas pode
ser considerada como um retrato do procedimento involutivo da natureza,
possivelmente personificado pelo próprio Judas, e de sua assistência pelas hostes
angélicas. Assim como as ordens de seres angélicos fazem sua parte, introduzindo a
vida espiritual na matéria, também a Mônada-Ego do homem nasce em corpos
construídos de matéria cada vez mais densa, culminando por completar o
crescimento fetal intra-uterino do corpo. Embora invisíveis aos olhos físicos, estão
presentes inteligências que trabalham ativamente como construtores dos veículos e
como diretores daquelas forças criativas das quais o mecanismo de consciência que
conecta o Ego ao cérebro é construído. Além disso, a privação – mental, emocional
e física – é progressiva, cada estágio produzindo sua própria forma de restrição,
crucificação e morte, a partir da qual, entretanto, a ressurreição, ou libertação, é
finalmente obtida.
Assim, na leitura alegórica, o Cristo como personificação do espírito não
tinha escolha. Uma vez tenha sido iniciado o processo da exteriorização e
localização do espírito, tudo o mais deve seguir de acordo com a lei universal. Essa
lei está também revelada na parábola filho pródigo0.
Se tais considerações filosóficas estão aplicadas à estória de Judas Iscariotes,
então a trágica figura não deve ser inteiramente abominada e deplorada. Ele
desempenha um papel essencial no drama da vida de Cristo. Judas e seus associados
são apresentados como homens maus e intensamente cruéis. Todavia, a
Ressurreição e Ascensão de Jesus são mostradas nos evangelhos como resultados
diretos da suposta apostasia de Judas e do ataque decidido dos juízes e dos seus
soldados, que executavam seus decretos. Sem eles e o que representam, a matéria e
a humanidade teriam sido, em conseqüência, privadas da redenção e da influência
espiritualizante tanto do espírito como de cada Adepto elevado. Embora Judas seja
apresentado como um inimigo, ele realmente personifica, segundo a linguagem da
alegoria e do símbolo, um agente que é tanto essencial como finalmente benéfico.
Na medida em que esse enfoque já foi abordado em alguns de meus livros
anteriores, cito passagens pertinentes tiradas deles quanto a esse ponto.
Inteligências Sublimes, Dhyan Chohans, os Arcanjos e Anjos do cabalismo,
dirigem o processo involucionário e evolucionário e asseguram seu "sucesso".
Aqueles que estão presentes no arco descendente tendem a ser concebidos pelo
homem como satânicos. Os que atuam no arco ascendente são considerados como
redentores. As alegorias das escrituras os apresentam como antagonistas e o homem
considera-os respectivamente como demoníacos e divinos. Na realidade, são
poderes mutuamente equilibrados, trabalhando para objetivos temporariamente
opostos. The Kingdom of the Gods, p. 177.
0
Set, religião egípcia; Devadatta, escrituras budistas; Loki, mitologia escandinava;
Clytemnestra, mitologia grega.
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. 1, Pt.4.
420
O poeta irlandês James Stephens intuiu e expressou esse ensinamento
profundamente oculto em seu poema "A Plenitude do Tempo"0:
Em um trono de ferro enferrujado,
Além da mais longínqua estrela do espaço,
Eu vi Satã sentado sozinho;
Velha e abatida estava sua face,
Pois seu trabalho estava feito e ele
Descansava na eternidade.
0
James Stephens, "Collected Poems", (Londres: 1931) Macmillan & Co. Ltd.
421
ausência do bem. Ele existe apenas para aquele que é sua vítima. Demon Deus
Inversus est. O Diabo é a própria sombra que o homem vê quando volta as costas
para a luz. A natureza nem é boa nem má, e a manifestação resulta apenas de lei
imutável e impessoal. (The Kingdom of the Gods, p. 178, terceiro parágrafo).
. . . A estória de José, que é apresentado como uma personagem histórica, é
também – como o são outras narrativas do Pentateuco – uma alegoria que descreve
a lei dos ciclos: um ciclo maior composto de ciclos menores quase inumeráveis 0. O
ciclo maior de expansão da vida criativa, o aparecimento dos Oficiais Criativos, a
construção do cosmo, sua densificação e a entrada da vida interior na mais profunda
das profundezas estão todos revelados na parte da estória que explica que José
estava fora no campo com seus irmãos e que culmina na descida supostamente
forçada de José numa cova. O encarceramento numa cova que tinha sido cavada na
terra – bem como o sepultamento de Cristo "num sepulcro escavado na rocha" 0 –
podem ser vistos como indicativo de que, no processo de involução, a onda de vida
emanada que conduzia a Mônada tinha alcançado o nível mais profundo de
incorporação na substância física sólida, o reino mineral da própria Terra.
A vitória final do Espírito sobre a matéria, da vida sobre a forma, está
descrita alegoricamente no relato do resgate de José da cova e de sua posterior
grande realização..." (The Hidden Wisdom in the Holy Bible, Vol.III, p. 183,
linha 4, et seq.).
A recuperação da liberdade e a realização da "medida da estatura da
plenitude de Cristo" é um benefício transcendente 0. As ações de Judas, segundo
uma interpretação literal, que foram responsáveis por essa realização, foram, de
fato, apenas temporariamente desfavoráveis. Os benefícios são, por outro lado,
conservados por todo tempo, já que o Adepto é para todo o sempre "além do
cuidado, além da tristeza, além do pecado e da mundanidade, um mendicante, um
sábio, um curador, o Rei dos Reis, o Iogue dos Iogues"0.
0
A rotação de um planeta em torno de seu eixo, enquanto circula ao redor do Sol,
ilustra parcialmente essa idéia, embora o número dos ciclos e subciclos relacionados
sejam bem maiores do que dois.
0
Mc 15:46.
0
Ef 4:13.
0
"The Mahatma Letters para A. P. Sinnett", terceira edição, Carta nº 31, p. 238.
422
A instituição da festa da Eucaristia está aqui descrita, ainda que na sua mais
simples forma. Embora compartilhar o alimento seja considerado universalmente
como uma indicação dos interesses repartidos e dos valores comuns, a presença
física do Cristo evidentemente conferiu a essa "Última Ceia" um caráter moral e
espiritual profundo, intrínseco. Na verdade, três símbolos e três ações estão
combinados nesse relato da Última Ceia que Jesus e seus discípulos partilharam. Os
símbolos são o cálice, o vinho nele contido, e o pão que foi comido. As três ações
foram o partir o pão, sua benção e distribuição a todos os que estavam presentes.
Visto macrocosmicamente, o vinho é a energia vital espiritual que preserva e
unifica, com a qual os mundos devem ser preenchidos. O pão representa o princípio
Logóico pelo qual é efetuado o processo da divina manifestação do Eu. As leis
subjacentes e sempre imutáveis – tais como a divina manifestação do Eu por meio
do "som", ou verbo, e o cíclico ir e vir da semente que carrega a Vida do Logos –
constituem-se na Verdade final que é simbolizada pelo pão nesta interpretação
macrocósmica.
No sentido macrocósmico, partir o pão implica na ação do Logos uno de
tornar-se manifesto em inumeráveis formas, sempre em obediência a leis
fundamentais. Sua bênção refere-se à expansão do poder divino, com seu efeito
infalivelmente espiritualizante, e à estimulação das tendências para o processo
evolutivo. Visto microcosmicamente, o pão é um símbolo do conhecimento
esotérico. Ele é feito de grão nutritivo, um produto fundamental da natureza.
Quando moído – mentalmente analisado – ele é combinado com o fermento, um
agente do crescimento, referindo-se à função de fermentação interior exercida pela
intuição espiritual na mente. Juntos, o grão e o fermento significam o pleno
entendimento das leis do ser. Compartilhar o pão simboliza a absorção intuitiva e
mental do conhecimento divino, ou a auto-unificação com o mentalmente nutritivo
grão da verdade.
O cálice é o veículo da inteligência abstrata, ou corpo causal, do homem que
recebe a sabedoria destilada das experiências da vida. Essa sabedoria interior é o
vinho com que o cálice é continuamente suprido. É o "vinho da vida" que é
administrado ao homem exterior por sucessivas encarnações. O vinho consagrado
simbolizava para o homem a sabedoria divina inerente na Mônada e expressava-se
cada vez mais no interior de seu Eu imortal em sua "veste de glória", ou o cálice. O
Eu interno, como sacerdote interior, administra essa influência espiritual, por sua
vez, a sucessivas personalidades mortais, na forma de sabedoria e de suas
aplicações na conduta diária.
No versículo vinte e oito, Jesus confere ao vinho um significado simbólico
igualmente muito mais profundo, pois, após sua bênção, foi considerado não mais
como vinho apenas, mas como representante de seu próprio sangue, "derramado por
muitos para remissão dos pecados." Qual pode ser, então, o significado de tal
simbologia, o partilhar o vinho consagrado como símbolo do sangue de Cristo?
Uma das funções de um ser espiritual elevado que visita a humanidade é
proporcionar vicariamente, no interesse da humanidade, aquilo que ela ainda é
423
incapaz de prover por si mesma. Isso é a natureza crística (Buddhi) plenamente
desperta, que é uma parte do Eu espiritual triplo de cada homem. Na humanidade
presente, esse veículo e a função que deveria executar estão ainda normalmente
adormecidos, inativos e, portanto, indisponíveis. No Adepto esse veículo está
plenamente desabrochado e ativo, especialmente em sua capacidade de ser um
veículo por meio do qual o espírito mais elevado possa alcançar o homem mortal
exterior. O vinho, especialmente o consagrado, é um símbolo físico dessa parte
profundamente interior da natureza interna do homem e de seu papel como um meio
condutor do Espírito mais elevado (Atma) para a matéria mais inferior.
Ao oferecer o cálice e dizer "esse é meu sangue, o sangue do novo
testamento", Jesus referia-se presumivelmente àquela Nova Era, a futura Era em
que a evolução do homem, ajudada por seu ministério interior – a Unificação –
levará esse veículo e poder à plena manifestação no seu interior.
Como o sangue é o fluido essencial pelo qual a vida do corpo é mantida,
então o sangue de Cristo torna-se o símbolo daquilo que é essencial para o sustento
e preservação da alma espiritual e da mortal do homem. Da mesma forma como o
sangue flui através do corpo físico do homem, assim a força da vida do Logos
penetra e, desse modo, sustenta todo o universo, material e espiritual. Os Salvadores
e Redentores servem como veículos dessa vida interna e sabedoria oculta. Eles,
portanto, impedem o homem de cair em degradação mais profunda do que, de outra
maneira, poderia ocorrer e despertam para a vida sua natureza crística até então
adormecida; bem como ativam a capacidade dessa natureza de canalizar o poder
espiritual mais elevado para sua vida diária.
Esse despertar e estímulo de tudo o que é espiritual no homem não pode ser
logicamente considerado como uma anulação dos efeitos das ações adversas que já
tenham sido praticadas. Pode, entretanto, reduzir grandemente a tendência a repeti-
las e, ao mesmo tempo, acelerar a evolução espiritual de todos aqueles que são
responsivos à vida vertida (ou aqueles que simbolicamente beberam o sangue de
Cristo). A remissão de pecados, que é teologicamente associada com a Redenção,
parece exigir certa interpretação simbólica para aqueles de intelecto filosófico. Na
verdade, as próprias palavras do Senhor Cristo que afirmam tão fortemente a
existência e funcionamento da lei de ação e reação, causa e efeito, parecem
constituir-se numa negação absoluta de tal possibilidade 0. Infelizmente, a idéia
espiritual foi materializada num conceito teológico equivocado de perdão dos
pecados, tornando mais difícil para aqueles que estão a beira do pecado resistir à
tentação de cometê-lo, pois tanto a voz da consciência como o receio da retribuição
posterior têm seu poder reduzidos pela aceitação da idéia de que Cristo trará o
perdão, ou a remissão de seus pecados.
Simbolicamente, a ação de Jesus torna-se menos um rito objetivo,
sacramental, e muito mais um partilhar profundamente interior de sua própria vida
0
Mt 5:18; Lc 16:17, Mt 1:2; Mt 7:12; Gl 6: 7.
424
com todos aqueles que possam recebê-la – metaforicamente bebam do cálice. Esse é
o significado esotérico mais profundo da Expiação.
Mt 26:29. "Eu vos digo: desde agora, não beberei deste fruto da videira até
aquele dia em que convosco beberei o vinho novo no reino do meu
Pai."
425
decisão e a ação são, no entanto, totalmente universais, nascidas de um amor divino
por tudo aquilo que existe.
Mesmo os homens e mulheres ainda não iluminados espiritualmente fazem
sacrifícios pessoais pelo bem-estar e felicidade dos outros e, por isso, ascendem à
maior altura. Tais atos de renúncia e aceitação de perda pessoal em favor dos seres
humanos podem ser considerados como um dos efeitos do espargir da força de vida
dos Adeptos, dos Salvadores mundiais e do "Verbo que se fez carne e habitou entre
nós"0 – o Logos Solar. O martírio, na sua forma mais elevada e em consonância
com os motivos e ideais mais legítimos e espirituais, é uma expressão suprema
dessa divina influência e a estória da vida de Jesus retrata-o sendo alçado às
maiores alturas.
O Sacramento da Eucaristia, conferido às congregações durante a adoração
na Igreja Cristã, retrata e refere-se definitivamente a esse divino sacrifício. Os que
recebem inteligentemente esse sacramento percebem-se, mais e mais, persuadidos a
responder àqueles ideais que podem ser descritos como o Bem, a Verdade e a
Beleza0.
Semelhante, sugiro, é a parte do mistério ordenado nas igrejas cristãs durante
a cerimônia da Sagrada Comunhão. Tal é também o significado místico dos
versículos sob consideração.
Mt 26:30. Depois de terem cantado o hino, saíram para o monte das Oliveiras.
31. Jesus disse-lhes, então: "Esta noite todos vós vos escandalizareis por
minha causa, pois está escrito: Ferirei o pastor e as ovelhas do
rebanho se dispersarão.
32. Mas, depois que eu ressurgir, eu vos precederei na Galiléia."
426
podem produzir efeitos predeterminados sobre as células cerebrais e sobre a
condição da mente. A literatura gnóstica oferece exemplos de tais práticas 0. Existem
evidências de que Jesus treinou seus discípulos nessa arte altamente oculta, não
apenas no seu período de vida, mas até mesmo durante as reaparições após sua
morte.
A subida do Monte das Oliveiras por Jesus e seus discípulos e a chegada ao
cume descrevem simbolicamente a realização de um estado exaltado, no qual todos
os atributos e qualidades da natureza humana são transformados numa condição
espiritualizada. Quando o conhecimento é alcançado por tal meio, as leis universais
são compreendidas. As limitações de passado, presente e futuro começam a ser
transcendidas e passam a serem vistas como parte de uma maré de eventos fluindo
continuamente. O poder de profetizar é uma das faculdades resultantes. Aquilo que
é passado e futuro no reino do tempo torna-se o eterno presente, o absoluto
AGORA0. Assim, esses três estados de tempo são postos em íntima proximidade: o
passado sendo a profecia; o presente abrangendo a traição quase imediata; e o
futuro, a próxima reunião na Galiléia.
De fato, a consciência de tais personagens exaltadas, como Jesus, transcende
o tempo. Em certas ocasiões, místicos e devotos existentes na humanidade
ingressam nesse estado e vislumbram o passado, presente e futuro como um cortejo
de eventos intimamente relacionados. Assim, Jesus é apresentado não apenas como
conhecendo o futuro, mas também como sendo capaz de decidir suas próprias ações
e a localização geográfica delas, pois, num futuro que estava para acontecer a pelo
menos quatro dias da data em que falou, ele designou a Galiléia como o local da
reunião.
Os eventos que estão aqui relatados não teriam necessariamente ocorrido de
fato. Na verdade, toda a estória evangélica é tão habilmente escrita que revela
experiências da consciência humana, transformações, desenvolvimentos e avanços
progressivos quando a vida-de-Cristo é vivida – inteiramente vivida, deve ser dito –
por qualquer ser humano. Isso aplica-se igualmente aos gentios, judeus ou membros
de qualquer outro grupo racial ou religioso.
A repentina mudança de referência, de uma profecia bíblica passada 0 para a
designação de uma região (Galiléia) a ser visitada no futuro, dá algum suporte à
idéia de que os evangelhos consistem parcialmente de compilações, por diferentes
autores, baseadas em incidentes da vida de Jesus relembrados ou informados.
427
por tua causa, eu jamais me escandalizarei."
34. Jesus declarou: "Em verdade te digo que esta noite, antes que o galo
cante, me negarás três vezes!"
35. Ao que Pedro disse: "Mesmo que tivesse de morrer contigo, não te
negarei." O mesmo disseram todos os discípulos.
428
429
CAPÍTULO VINTE E SETE
0
Mc 1:17.
0
Tirso – o bastão de iniciação.
430
caminho da liberação do corpo e a ascenderem de um dos reinos da natureza até o
reino seguinte. Os iniciados dos antigos templos de Mistério, dessa forma,
avançavam além da humanidade e tornavam-se super-humanos em poder, sabedoria
e conhecimento desenvolvidos, bem como na sua aplicação habilidosa na arte de
viver. Embora eles possam ter aparentemente morrido, realmente se retiraram de
forma voluntária do mundo. Assim, considerado misticamente, Getsêmani,
Jerusalém, Gólgota e os eventos associados a eles estão fora do tempo e do espaço.
Felizmente para a humanidade, eles continuarão a ser assim.
Mt 26:36. Então Jesus foi com eles a um lugar chamado Getsêmani e disse aos
discípulos: "Sentai-vos ai enquanto vou até ali para orar."
37. Levando Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e
a angustiar-se.
38. Disse-lhes, então: "A minha alma está triste até a morte. Permanecei
aqui e vigiai comigo."
0
Ver diagrama nº 4, pg.
431
pronto, mas a carne é fraca."
42. Afastando-se de novo pela segunda vez, orou: "Meu Pai, se não é
possível que este cálice passe sem que eu o beba, seja feita a tua
vontade!"
43. E ao voltar de novo, encontrou-os dormindo, pois os seus olhos
estavam pesados de sono.
44. Deixando-os, afastou-se e orou pela terceira vez, dizendo de novo as
mesmas palavras.
432
inseparáveis do avanço do iniciado que, com determinação absoluta, está forçando
seu caminho para o adeptado à frente da raça humana. O homem antigo é
completamente deixado para trás. A natureza tríplice do homem puramente mortal –
mente, emoção e corpo – deve ser completa e inteiramente limpa de qualquer traço
do egoísmo da mente, dos desejos das emoções e dos apetites e do sentido de posse
do corpo. O sofrimento de Jesus no Getsêmani retrata essa experiência. Assim, o
iniciado permanece diante do portal que conduz à quarta iniciação 0 e, quando ele é
aberto, ultrapassa-o. Portanto, a experiência de encontrar os discípulos dormindo no
Getsêmani é vivenciada três vezes e triplamente narrada
Na Transfiguração, foi dito que Jesus e seus doze associados estavam
envolvidos por luz, indicando desse modo uma experiência interior do tríplice Eu
espiritual do homem, descrita como ocorrendo no cume de uma montanha. A
provação no Getsêmani ocorre na escuridão ao pé de uma montanha. Nessa ocasião,
três pessoas além de Jesus ocupam a cena, indicando que não o Eu superior, mas o
homem mortal desempenhou o papel principal nesse grande drama da auto-
redenção e da autoliberação humanas. A escuridão da hora do anoitecer, o
isolamento e a necessidade do cumprimento de destino escolhido por ele mesmo
revelam as conseqüências essenciais e inescapáveis da libertação auto-concedida
das sujeições a que a humanidade está presa.
Mt 26:45. Vem, então, para junto dos discípulos e lhes diz: "Dormi agora e
repousai: eis que a hora está chegando e o Filho do homem está sendo
entregue às mãos dos pecadores.
46. Levantai-vos! Vamos! Eis que meu traidor está chegando."
Mt 26:47. E enquanto ainda falava, eis que veio Judas, um dos Doze, com grande
multidão com espadas e paus, da parte dos chefes dos sacerdotes e dos
anciãos do povo.
0
Ver Hodson, "The Pathway to Perfection and Hidden Wisdom", Vol. 1.
433
como inofensivos seguidores de uma senda antiga, ele como um Instrutor e eles
como seus discípulos, nenhum dos quais exibe tendências hostis. Todavia, a
multidão que se aproxima dessa pequena assembléia é reportada como estando
armada de espadas e paus.
Uma das leis da natureza definitivamente não transgredível é a de que o
equilíbrio tem que ser preservado ou restaurado quando temporariamente
perturbado. No reino da ação humana essa lei é cumprida de forma inescapável.
Cada ação intencional produz sua reação apropriada, embora o reajuste e a
compensação possam vir com grande demora. Antes da liberação final dos grilhões
que o homem coloca em si mesmo, cada causa deve ser compensada por seu próprio
efeito natural. Tudo o que é bom, as ações nobres e altruístas, recebe sua devida
recompensa, que toma a forma de auxílios recebidos e prazeres desfrutados,
enquanto cada ação que produz dor e é inspirada pelo egoísmo deve ser
compensada pela própria resposta autoproduzida na forma de limitação e dor. O
reino humano não deve – na verdade não pode – ser deixado para trás até que esse
processo completamente natural tenha se esgotado, como retrata a alegoria egípcia
da acusação e julgamento no Portal de Maat.
As cenas de encerramento da vida de Jesus, a serem consideradas agora,
revelam, por seu turno, o cumprimento dessas mesmas leis e a cobrança da mesma
retribuição cármica, por mais alegóricas que as experiências possam ser descritas.
Se, por exemplo, a quebra de confiança arruinou a gestão de um servidor público
acreditado ou de alguém inteiramente amado dentro do círculo da vida doméstica,
então o ofensor experimentará a traição, embora a infidelidade tenha ocorrido muito
anteriormente. Não durante a encarnação como Jesus de Nazaré da estória
evangélica, mas em alguma vida anterior do mesmo Eu espiritual, deve ter ocorrido
uma traição. Se o débito não foi inteiramente compensado em cada uma das vidas
anteriores, então, na encarnação final humana, ele deve ser inteiramente liquidado.
Assim, um discípulo de confiança trai seu Mestre e, em conseqüência permanece
como um vergonhoso exemplo de infidelidade, mesmo hoje.
O Jardim de Getsêmani, dentro do qual a grande traição – quando
considerada exteriormente – teve lugar, pode então ser percebido como o cenário no
interior do qual foi dado um passo decisivo e deliberado para a libertação perpétua e
para a bem-aventurança e paz eternas. Tal leitura não reduziria, entretanto, a força
da pessoa de Judas como um exemplo de degradação na qual o homem pode cair
quando permite à excessiva cobiça silenciar sua consciência. Judas também
permanece como terrível aviso contra a infidelidade em toda caminhada da vida
humana. Isto aplica-se especialmente àqueles em quem o desejo de poder e a
determinação para acumular riqueza desonestamente conduzem à traição da virtude
social e moral. O próprio Jesus preveniu não apenas ao Judas da estória, mas a
todos os judas, através dos tempos, de que um ganho temporário assim obtido traria
inevitavelmente tal sofrimento que eles desejariam nunca ter nascido. Tenha Judas
existido como um ser humano ou não, sua maior traição não foi a Jesus, mas a si
mesmo.
434
Evidentemente, existe a possibilidade de que um vestígio, ao menos, dessa
tendência, dessa fraqueza, poderia estar presente mesmo no mais nobre e melhor
dos homens, pois que Judas não foi somente admitido na Última Ceia, mas foi-lhe
permitido colocar a mão no mesmo prato que o Mestre estava usando. É difícil
supor que uma qualidade tão profundamente desfavorável, como a infidelidade
exibida por Judas, pudesse escapar à detecção, sendo sua aceitação como discípulo
devidamente adiada. Jesus demonstra memorável indulgência e compaixão, pois
provou saber que Judas estava a ponto de traí-lo. Outra qualidade do homem
altamente evoluído destacou-se no Jesus dos evangelhos, pois sequer uma vez
condenou ou, ao menos, arengou com Judas e Pedro, quando o primeiro o traiu e o
outro negou-o.
Mt 26:48. O seu traidor dera-lhes um sinal, dizendo: "É aquele que eu beijar,
prendei-o."
49. E logo, aproximando-se de Jesus, disse: "Salve, Rabi!" e o beijou.
Uma das mais íntimas expressões de amor é empregada aqui, como meio
escolhido pelo traidor para identificar Jesus ao chefe dos sacerdotes e aos outros. A
intimidade é assim enfatizada, já que era desnecessário um sinal tão pessoal,
apontar com o dedo teria funcionado igualmente. Entretanto, numa interpretação
cósmica, quando a essência espiritual do universo entra em íntima associação com a
matéria do espaço virgem, o beijo é um símbolo apropriado do relacionamento. A
entrada na matéria é indicada como expressões de amor pelos autores de escrituras e
mitos alegóricos.
O ar de irrealidade que se percebe em tais narrativas e sua inaceitabilidade
pela mente discriminadora são resolvidos se a encarnação e a morte do Logos no
interior do seu sistema solar são consideradas como o tema real, a revelação
esotérica das numerosas e quase sempre universais estórias 0. O Logos de fato não
0
Nos mitos gregos: Zeus, vindo na forma de uma nuvem, significa o ar e a água. Sua
entrada em Dânae na forma de uma chuva de ouro significa o mineral. A captura de
Afrodite e Ares por Hefesto e o enredo deles em uma rede indicam o mental e o
emocional. O touro sobre o qual Europa foi levada e tudo o que supostamente se
seguiu simbolizam o poder cósmico e gerador do Deus Supremo do Universo (Zeus).
O Minotauro pode ser, quase igualmente, interpretado como união realizada dos
poderes, criador e procriativo, de Deus e do homem iluminado, enquanto Pasífae,
levada pela premência do desejo pelo Minotauro e pela união com ele, representa a
própria matéria (o princípio feminino na natureza e a faculdade intuitiva desperta no
homem) que aspira ardentemente a unidade com o Divino, ou Buddhi, o veículo de
Atma, em união com este.
O Cristo (Logos pregado na Cruz da matéria) é talvez o mais perfeito símbolo do
procedimento de encarnação do espírito. Na verdade, a Cruz, com seus braços,
vertical (espírito) e horizontal (matéria), retrata a mesma idéia.
O procedimento cerimonial conhecido como a Santa Unção – à parte seu significado
imediato – também retrata a imposição e penetração do espírito (óleo consagrado) na
435
morre, nem sua glória divina é de forma alguma reduzida pela automanifestação na
matéria. O vasto plano subjacente, que gradualmente (segundo o tempo terrestre)
está sendo cumprido, pode ser descrito como a emergência e transformação de
potencialidades embrionárias em capacidades, faculdades e poderes sempre
crescentes, pois o poder, do qual o plano é uma expressão, está profundamente
oculto dentro do espírito e, era após era, torna-se impresso na matéria. A partir do
momento em que o espírito do universo expressa-se na matéria e nas formas finitas,
e o espírito do homem encarna-se em veículos materiais, esse misterioso processo
ocorre no interior da natureza. A própria substância, então, torna-se permeada e
carregada dessa decisão cósmica, seja de um Ser ou do estado de "Seidade". O
impulso para o desenvolvimento ininterrupto dos poderes inatos e latentes é, depois,
completamente irresistível, como se fosse o cumprimento de um decreto
continuamente enunciado e irrevogável.
Embora não individualizada, a Inteligência divina pode ser perceptível. A
existência de projeto, modelo e propósito arquetípico torna-se evidente, seja nos
reinos orgânicos da natureza física ou no homem, quando são observadas mudanças
do estado embrionário para o plenamente desenvolvido. A involução (ou plantio) e
a evolução (ou crescimento) estão longe de serem caóticas, ao acaso ou baseadas
em mera chance. Ao contrário, plano, propósito e projeto são visíveis em toda parte.
Assim, por inferência, pode ser assumido que a "ideação intrínseca" evidente nos
reinos orgânicos da natureza na Terra seja estendida a todos os reinos cósmicos,
visíveis e invisíveis, perto ou longe. Essa é uma das verdades secretas concedidas
aos iniciados dos Mistérios antigos ou descobertas diretamente pelos observadores
iluminados. Ela é, de fato, a única grande chave pela qual os processos da vida
tornam-se compreensíveis. Esses processos são então percebidos como inteligentes
e dirigidos, embora sejam invisíveis para o não-iniciado e não-iluminado. Uma vez
obtido, esse conhecimento confere poder diretamente, sendo, dessa forma,
suscetível de grave abuso, particularmente quando desviado para propósitos
humanos tais como despotismo e dominação. Daí o velamento na forma de símbolo,
alegoria e mito.
Se essas idéias são aplicadas à estória da vida de Jesus, conforme contada
pelos quatro evangelistas, o próprio Mestre pode ser, então, considerado uma
manifestação, na forma humana, da vontade da natureza de gerar flores cheias de
semente a partir de sementes, e de homens superiores a partir de "bebês". Suas
experiências descrevem assim, no geral, a interação entre espírito e matéria e, no
particular, entre a Mônada do homem e a sua pessoa física.
A traição com um beijo e os eventos que se seguiram retratam com notável
aptidão os resultados de tal interação.
436
Por séculos a narrativa tem sido interpretada literalmente, como se fora uma
história de eventos que realmente ocorreram. À parte o simbolismo, a estória é
suficientemente dramática e o relato da Paixão de Jesus, que esses versículos
descrevem, é suficientemente trágico para evocar profundas respostas do leitor.
Dentre os inúmeros eventos notáveis durante essas horas finais da vida de
Jesus, sua completa submissão parece ser o mais memorável. Isso é assim
especialmente porque ele proclamou seu poder de libertar-se, à vontade, por
invocação do auxílio angélico disponível0, como será adicionalmente discutido em
versículos posteriores.
Como antes sugerido, a denominada descida do espírito na matéria é ajudada
e mesmo provocada por ordens sucessivas de hostes angélicas, representadas pelos
vários e sucessivos inimigos de Jesus. Cada uma dessas ordens transmite a essência
espiritual emanada à matéria no grau de densidade em que esta consciência angélica
está estabelecida e atuando. Esse procedimento culmina na personificação da divina
presença no interior da substância física nos três estados: sólido, líquido e gasoso. A
aproximação de Judas e dos agressores na escuridão, que produziu o contato (o
beijo) e a indicação verbal como meios de traição, corresponde à encarnação do
espírito na matéria física correspondente ao ar, o veículo do som. As interrogações
subseqüentes e, mais especificamente, as flagelações e o coroamento que provocam
um fluxo de sangue, corresponderiam ao grau líquido de densidade, enquanto a
fixação na cruz, a morte e o sepultamento podem ser lidos como a divina imanência
no interior da matéria de densidade cada vez mais profunda, até que a matéria física
(reino mineral) seja alcançada, simbolizada pela rocha da tumba. Assim, é retratado,
passo a passo, o ponto mais profundo da descida do princípio e da presença divinos.
As palavras de Judas aos seus aliados, "prendei-o", pode bem ser entendidas como
uma descrição do domínio inflexível que a matéria física mantém sobre o espírito
encarnado.
Esse enfoque responde a questão que poderia naturalmente surgir quanto à
previsão de Jesus e à sua submissão àqueles inimigos, explicando ainda suas
freqüentes citações de profecias do Velho Testamento. A capitulação deve ter sido
voluntária, pois ele já tinha demonstrado que podia se tornar invisível.
O estudante poderia questionar se a referência de Jesus a doze legiões de
anjos a que poderia recorrer para salvá-lo, caso assim desejasse 0, ainda que não o
fizesse, pode ser uma alusão para que se considere a narrativa como amplamente
alegórica, senão totalmente. Essa possibilidade é amparada pelo uso do número
sete, que na filosofia oculta, inclusive no cabalismo 0, é o número das ordens de
anjos relacionadas com a involução. Em tal leitura, Jesus é visto, na verdade, como
uma personificação da Deidade tríplice, e as cenas de encerramento de sua vida
0
Mt 26:53.
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. 2, Appendix, The Sephirothal Tree.
0
Mt 26:53.
437
como alegorias descritivas da "oblação eterna", o divino sacrifício conduzindo à
morte simbólica do próprio Deus.
Mt 26:51. Eis que um dos que estavam com Jesus, estendendo a mão,
desembainhou a espada e, ferindo o servo do Sumo Sacerdote,
decepou-lhe a orelha.
Esse versículo tem sido citado para indicar a presença de homens armados na
companhia de Jesus. Isso está baseado na afirmação anterior de que um dos
discípulos era zelote. Embora não haja meios de provar ou contestar inteiramente
isso, existe a possibilidade de que um motivo político para a prisão de Jesus como
sendo um zelote que resiste à lei romana fornece outra razão possível para o ataque
movido contra ele pelas autoridades. A narrativa, entretanto, apresenta-o mais
propriamente como um reformador dos costumes religiosos hebreus dessa época e,
particularmente, como um libertador do povo dos métodos farisaicos de adorar em
público e dos piores males do poder sacerdotal.
O evento descrito nesse versículo respalda a idéia de que foram incluídos
alguns homens armados na companhia de Jesus e que eles transgrediram o
ensinamento de misericórdia, moderação e do "oferecer a outra face" que Jesus deu
a seus discípulos durante o Sermão da Montanha 0. O homem armado é referido em
outra passagem como Simão Pedro, que era um dos doze e, portanto, familiarizado
com o ensinamento que Jesus havia transmitido 0. O corte da orelha do servo do
Sumo Sacerdote pode possivelmente ter acontecido numa espécie de confusão que
se seguiu à prisão, embora essa seja uma parte algo estranha do corpo para ser
ferida. Uma ação defensiva teria visado uma parte mais vital. Se considerado
simbólico, então, o corte da orelha poderia referir-se ao fato de que as pessoas não
estavam preparadas para ouvir as palavras do Instrutor.
Na filosofia oculta, entretanto, a orelha direita do homem corresponde à parte
da mente que raciocina, à faculdade analítica e argumentativa que, usada em
excesso, pode impedir o recebimento da sabedoria iluminativa dos níveis mais
profundos da natureza humana, o princípio crístico 0. O ato de cortar a orelha direita
pode se referir então à remoção dessa inibição, que ocorre quando a natureza
crística é trazida para perto da mente formal ou é capaz de alcançá-la. Isso está
indicado possivelmente pela real presença do Cristo, que personifica um aspecto da
divina sabedoria no homem, sendo um dos seus discípulos o agente. S. Lucas, que é
conhecido como médico, registra que Jesus curou o ferimento 0, cujo ato, por sua
0
Mt 5:7; Lucas 6:20.
0
Jo 18:10.
0
Ver Hodson, "Lecture Notes", Vol. I, Ch. 13, Chart. Olho direito - Buddhi; olho
esquerdo - Manas 1; orelha direita - Manas 2 (mente que raciocina); orelha esquerda
- astral; narina direita - prana; narina esquerda - duplo etérico; boca - Atma.
0
Lc 22:51.
438
vez, pode simbolizar a realização da faculdade de adquirir conhecimento pelo
exercício da intuição.
Se esse episódio é apresentado como histórico pelos quatro evangelistas ou
como uma das numerosas sugestões de uma verdade psicológica e espiritual, não
pode ser decidido facilmente. O estudante da filosofia oculta é, todavia, capaz de
perceber possíveis revelações de uma sabedoria profundamente velada por
intermédio de alegoria.
Quanto a essa possibilidade, uma pessoa pode bem receber orientação direta,
individual para tal interpretação, a saber, a remoção ou redução temporária da
atividade da mente quanto a seus aspectos argumentativos e de constante
movimentação. Ela se torna, em conseqüência, sensível à resposta daquela
sabedoria que está contida no intelecto iluminado espiritualmente, ou intuição,
personificado por Jesus.
Mt 26:52. Mas Jesus lhe disse: "Guarda a tua espada no seu lugar, pois todos os
que pegam a espada pela espada perecerão."
Mt 26:53. "Ou pensas tu que eu não poderia apelar para o meu Pai, para que ele
pusesse à minha disposição, agora mesmo, mais de doze legiões de
anjos?"
0
Lc 24:31, 51.
439
Através dos tempos, Jesus acabou sendo considerado um ser divino real, o
verdadeiro Filho de Deus, que voluntariamente surgiu na Terra e submeteu-se à
multidão e às autoridades, a fim de que, pela sua morte, a humanidade pudesse ser
redimida da mancha do pecado original, de outra forma inapagável, provocado pela
queda de Adão e Eva no Jardim do Éden. O Evangelho Segundo S. João manifesta
essa opinião, que pode também ser encontrada nos sinóticos. Contudo Jesus não
afirma isso como seu propósito. Na verdade, tal possibilidade teria sido uma
negação da sua declaração de que os acontecimentos e experiências dos homens são
reações perfeitamente naturais e exatamente apropriadas, autoproduzidas por
aqueles que executaram as ações. Se a sua alocução é verdadeira – não existindo
razão para dúvida – então ninguém, nem mesmo o Senhor Jesus Cristo, seja como o
Verbo criador de S. João0 ou como o princípio divino na natureza e no homem,
pode possivelmente ab-rogar essa lei.
0
Jo 6:63.
440
Outra possibilidade merece consideração, a saber, que eram imperfeitas,
senão inteiramente falhas, a memória daqueles que fizeram as descrições dos
eventos e os registros das afirmações suscitadas. Pois, deve ser lembrado, os
compiladores dos evangelhos eram dependentes dos relatos das testemunhas
oculares.
Jesus afirma seu poder para obter ajuda de doze legiões de anjos e, quase
imediatamente após, tenta argumentar com seus atacantes em termos puramente
materiais. Tal combinação do sobrenatural com o meramente material, como nesses
versículos e em muitos outros lugares da Bíblia, retira da narrativa seu caráter
histórico, introduzindo-a nos reinos do pensamento místico e do oculto. Como antes
sugerido, a estória da vida de Jesus é suscetível de ser interpretada como uma
revelação da lei da manifestação da essência espiritual no universo e no homem, seu
enclausuramento na matéria de densidade cada vez maior e o caminho da volta. Os
incidentes descrevem os efeitos produzidos nos diferentes estágios da grande
jornada para fora e de retorno.
A referência de Jesus à sua presença no templo e ao seu ensinamento às
pessoas nesse local descreve, por intermédio de alegoria, tanto o universo como o
homem. Cosmicamente, Jesus personifica a divina imanência e o templo é um
símbolo do universo material, tornado santo por aquela presença. No homem a
presença espiritual é retratada por Jesus, enquanto o templo é um símbolo da
natureza mortal com seus numerosos atributos, personificados pelos membros da
congregação. A Divina Presença tendo o mesmo nome em ambas interpretações – a
cósmica e a humana – sublinha o antigo ensinamento de que as duas são idênticas.
O Cristo em toda a natureza e o Cristo no homem não são duas divindades, mas
uma e a mesma. A verdade é de fato retratada habilmente pelo enigma de Cristo no
templo e seu ensinamento às pessoas lá.
Sua presença no templo, um lugar de adoração, pode também se referir ao
estágio na senda que precede à descida aos níveis mais profundos, onde a
resistência atingirá o seu limite. No templo, Jesus está ainda em terreno sagrado e,
assim, imune por ora. Jesus no Getsêmani e avançando rapidamente para o Calvário
está em contato com a matéria do universo no seu mais alto grau de densidade,
retratado pela inimizade mostrada no ataque que recebeu e pela traição de Judas.
Ele é simbolicamente assassinado ou dão-lhe uma morte figurativa, para ressurgir
mais tarde. Assim, conclui-se, a rendição e a morte de Jesus não aconteceram para
que uma antiga profecia pudesse ser cumprida, mas, mais do que isso, porque a lei
da descida do espírito na matéria, seguida pelo seu retorno à sua Fonte, é iniludível,
441
um processo que governa todas manifestações do espírito na matéria, da divindade
na natureza e do Deus Supremo no homem0.
Quando então o espírito se encarna na matéria física densa e o princípio
divino no homem personifica-se num corpo físico, com seus apetites e sua essência
ainda não espiritualizados, os atributos divinos expressam-se com crescente
dificuldade, para finalmente desaparecer. Assim, "todos os discípulos,
abandonando-o, fugiram." Essa ação é difícil de aceitar-se num sentido literal,
especialmente no caso do discípulo João, que amou seu Mestre e a quem Jesus
amou. Embora a maioria daqueles escolhidos possa ter se mostrado infiel, é
razoável supor-se que alguns dos discípulos possam ter seguido seu Mestre à
distância. Na verdade, a afirmação é contraditada no versículo cinqüenta e oito, o
qual expressa que "Pedro o seguiu de longe..."
Essas inconsistências na estória chamam também a atenção para as aflições,
testes e provações pelas quais um iniciado passa quando trilha a senda da realização
acelerada do adeptado. Num certo estágio, toda ajuda externa parece ter sido
retirada, toda assistência, moral e física, parece falhar num momento de grande
necessidade. Isso deve ser assim, pois o Habitante do Recôndito deve tornar-se
plenamente realizado e, desse modo, conhecido como a única garantia infalível de
salvação, decerto a única real identidade eterna no universo e no homem. Essa
provação e essa realização final são também confirmadas pelas palavras de Jesus
sobre a cruz e na sua afirmação: "Eu e meu Pai somos um"0.
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", Vol. 1, Part IV.
0
Jo19:28; 10:30.
442
financeiro, por meio do despotismo e da força, nunca são abandonados, até que os
processos evolutivos demonstrem que eles não são confiáveis. A história registra
que, por algum tempo, nessa batalha entre o ultrapassado e o recém-nascido, o
velho temporariamente domina o novo. Entretanto, o dogmatismo e o controle pela
ameaça e pelo medo finalmente provocam sua própria derrota e desaparecem, como
está evidenciado no presente momento. O colonialismo mantido pela força, por
exemplo, cedeu à exigência de liberdade e autogoverno. Mesmo a natureza, no
reino das plantas, exibe esse procedimento quando a uma estação segue-se a outra, e
aquilo que se tornou velho extingue-se para ser substituído por formas que são
novas.
Assim, embora os inimigos de Jesus tenham-no dominado e destruído
materialmente, ele vive como uma influência para o bem, sendo uma
personificação da liberdade muito depois de seus antigos adversários terem partido
do mundo. Ainda que Jesus permaneça aparentemente impotente diante de seus
adversários, a vitória é finalmente concedida à condição de consciência em
desenvolvimento e à forma democrática de governo.
O apóstolo Pedro, que seguiu seu Mestre, negando-o três vezes e
arrependendo-se depois, personifica o atributo da mente humana que, mesmo tendo
compreendido uma verdade, não obstante, logo após, luta contra ela, nega-a de
fato, assim como Pedro negou seu Senhor. A verdade prevalece por fim, quando
Pedro se apieda e se arrepende. Como o fundamento da fé cristã pessoal e
apostólica, ele finalmente se torna receptor e transmissor daquela verdade que havia
traído num momento de fraqueza humana. Na fase de sua vida descrita nesse e nos
versículos seguintes, Pedro é mostrado exibindo a fraqueza humana da autoproteção
às expensas da verdade. Ele é, assim, apresentado como praticando um ato de
covardia, com a finalidade de livrar-se de ser acusado junto com seu Mestre.
Naquele momento, ele não podia aceitar a ignomínia inevitavelmente associada
com os seguidores de alguém que, depois do julgamento, fora condenado como
inimigo do Estado e herético. Conseqüentemente negou a associação.
Misticamente interpretado, o incidente retrata os efeitos sobre a mente, os
motivos e a conduta humanos de estar-se dissociado do Eu superior. Assim
considerado, Pedro não está na efetiva presença de Jesus, mas entre os servos, os
empregados domésticos de fato, embora tais serviçais possam ter sido pessoas
meritórias. Isso metaforicamente descreve um estado de consciência no qual uma
pessoa não está presentemente – quando sob grande tensão por exemplo – sendo
inspirado pelo seu Eu espiritual (Jesus), antes está interessada nos atributos menos
desejáveis da natureza humana (servos). Essas são as condições sob as quais um
homem pode situar-se muito abaixo do melhor que existe no seu interior e, em
momentos de crise, abandonar a si mesmo, a seu Mestre e a sua causa.
A isso, entretanto, deve contrapor-se a possibilidade de que Pedro estava sob
grande tensão. Os eventos no Getsêmani, a profecia de Jesus quanto a sua própria
morte, o avanço dos inimigos conduzidos por Judas e o ato da traição por um beijo,
a capitulação de Jesus quando se esperava que poderia ter mostrado seus poderes
443
sobrenaturais e o incidente do corte da orelha, seguido da repreensão do Senhor –
podem bem ter perturbado profundamente um homem como Pedro que, em certas
ocasiões, era capaz de certa impetuosidade como parte de seu caráter. Além disso,
os discípulos devem ter esperado que Jesus justificaria a fé que nele tinham –
possivelmente como Messias – e que confundiria seus inimigos por meio de
demonstração de poder espiritual. Pode-se assumir que essa esperança tinha
começado a desvanecer-se.
Pedro, então, pode bem ser perdoado, até porque a história perdoou-o, pois
quando o dia amanheceu ele se arrependeu. Uma certa inevitabilidade está
associada com seu ato de negação, quase como se ele fora um destino irrevogável,
na medida em que o próprio Jesus tinha-o anteriormente profetizado.
Pedro, seja lembrado, personifica a natureza mortal do homem – mental,
emocional e física. Em conformidade com a prática seguida pelos escritores
alegóricos, suas ações retratam o estado de iluminado e de não-iluminado,
particularmente da mente pela qual a emoção e o corpo são dirigidos. Então Pedro,
em exultação, proclama sua lealdade e, no estado não-iluminado, nega-a. Assim
também, o próprio homem, antes que a auto-iluminação esteja permanentemente
estabelecida, está sujeito a alternâncias de várias espécies, que são causas
contributivas para os muitos sofrimentos e quedas. Na verdade, a estória do
apóstolo Pedro pode ser interpretada como advertência e conselho para a obtenção,
pela contemplação regular, daquele equilíbrio pessoal que assegura a continuidade
da experiência espiritual e uma certa firmeza em todas as circunstâncias,
particularmente sob o esforço adicional de trilhar a senda do discipulado.
Entretanto, quando finda o episódio, Pedro se arrepende e está presente na sala
superior, quando Jesus reaparece. Ele finalmente justifica a profecia de Jesus que,
traduzindo seu nome como "pedra"0, afirma que sua Igreja será construída sobre ele.
Se interpolada posteriormente ou não, essa profecia e seu cumprimento indicam que
o homem, sendo essencialmente um espírito, sempre pode se recuperar, ainda que a
queda seja grande, até mesmo da negação de sua própria natureza espiritual auto-
existente, personificada por Jesus nos evangelhos.
444
Mt 26:61. que afirmaram: "Este homem declarou: Posso destruir o templo de
Deus e edificá-lo depois de três dias."
Mt 26:63. Jesus, porém, ficou calado. E o Sumo Sacerdote lhe disse: "Eu te
conjuro pelo Deus Vivo que nos declares se tu és o Cristo, o Filho de
0
Jo 2:19.
445
Deus."
64. Jesus respondeu: "Tu o disseste. Aliás, eu vos digo que, de ora em
diante, vereis o Filho do Homem sentado à direita do Poder e vindo
sobre as nuvens do céu."
Um drama interior está sendo relatado por meio de uma alegoria. Do ponto
de vista microcósmico – caso tenha havido exatidão do registro, tradução e forma
final da Bíblia na versão de King James – o homem externo (o Sumo Sacerdote)
está começando a compreender sua verdadeira natureza, sua própria divindade
interior. Sua mente, de modo característico, busca verificação, até mesmo
demonstração, da presença interior de um ser semelhante a Deus, uma verdadeira
deidade o Christos da alma.
O homem mortal entra no palco, por assim dizer, vê sua própria divindade,
personificada por Jesus. Surpreso, ele questiona a realidade da visão, como Tomé
faz posteriormente. Ocorre uma revelação dramática, uma luz interior brilha de
dentro da mente e do cérebro do homem mortal, que encontra a si mesmo, talvez
despreparado, no limiar da maior de todas as descobertas, a saber, sua própria alma
imortal. Tomé Dídimo exclama: "Senhor meu e Deus meu"0.
Além de todas as expectativas, ocorre a grande revelação. Jesus, como o Eu
imortal e eterno, dá uma resposta positiva e, além disso, vaticina a consecução
segura do objetivo evolutivo. Cada homem que assim se volta seriamente para
dentro, em direção ao centro de seu próprio ser, certamente encontra aquilo que
busca. Falando nesses termos, Jesus somente expressou a simples verdade quando
respondeu a seus juízes.
"As nuvens do céu" referem-se à radiância de muitas matizes com que o
homem perfeito está rodeado no mundo espiritual, ou dos céus, por meio da qual
aqueles que têm olhos para ver reconhecem sua estatura.
O suposto – mesmo imaginado – Messias esperado no futuro é, na realidade,
o homem perfeito de todos os tempos, e tais seres humanos continuamente se
realizam e, assim, "chegam". A mais genuína bem-aventurança e a mais pura
sabedoria em que todo ser humano perfeito encontra-se – e para qual cada homem
evoluirá um dia – pode também ser a condição a que se refere a profecia de uma
Segunda Vinda. Talvez um estado de consciência, mais do que a chegada de uma
personagem divina particular, está sendo descrito. Essa sabedoria oculta a respeito
da evolução e do futuro do homem – bem como do próprio Jesus – foi revelada na
resposta e na afirmação de Jesus ao Sumo Sacerdote.
Mt 26:65. O Sumo Sacerdote então rasgou suas vestes dizendo: "Blasfemou! Que
necessidade temos ainda de testemunhas? Vede: vós ouvistes neste
instante a blasfêmia."
0
Jo 20:28.
446
A frase "que necessidade temos ainda de testemunhas?" é rica de significado
espiritual, pois uma vez que a visão interior direta tenha sido alcançada, nenhuma
voz externa que a ratifique é necessária, a exemplo de Tomé. Muito diferente,
entretanto, são as reações dessas duas pessoas no mesmo drama, indubitavelmente
por causa da diferença de suas posições na senda evolutiva. Tomé evoluiu até o
grau em que não apenas reconhecia seu próprio Eu divino, como proclamava esse
fato abertamente. Isso significa que a partir de então a esplêndida visão foi aceita e
inteiramente aplicada à vida do homem externo. Tal resposta sincera, mesmo
exaltada, raramente ocorre, particularmente quando as implicações da experiência
interior vão contra os desejos da pessoa temporariamente iluminada, contra as suas
oportunidades prazerosas e contra sua posição entre os semelhantes. Como Pilatos,
ela nega a verdade – lava metaforicamente as mãos de toda a experiência – e
entrega-se não ao superior, mas aos elementos mais baixos da natureza humana.
Incapaz, na ocasião, de passar no teste (seguramente muito severo), reassume as
associações, o modo de vida e a posição de poder que, como uma pessoa mundana,
tinha alcançado. Para seus companheiros "sacerdotes", presentes também ao
julgamento, o Sumo Sacerdote proclama o Cristo como sendo um blasfemador, e a
esplendida visão da proclamada estatura espiritual como sendo uma blasfêmia.
Poucos, na verdade, são aqueles que chegam à presença viva do Mestre, seja
como uma luz oculta ou uma personagem que alcançou o adeptado, e emergem
daquela visão firmes e fortes. Menos ainda são aqueles que se desviam das
tentações da vida mundana com sua pompa exterior, seu prestígio e poder,
ingressando naquilo que Isaías denominou de "o caminho da santidade"0.
Dentro daqueles que temporariamente falharam, a natureza crística, o
verdadeiro Eu, está "crucificada", como retrata a estória da vida de Jesus
alegoricamente interpretada.
0
Is 35: 8.
0
Sb 2:23.
447
sentenciado à morte de acordo com a lei, mas não se poderia dizer que era "réu de
morte".
Mt 26:69. Pedro estava sentado fora, no pátio. Aproximou-se dele uma criada,
dizendo: "Também tu estavas como Jesus, o galileu!"
70. Ele, porém, negou diante de todos, dizendo: "Não sei o que dizes."
71. Saindo para o pórtico, uma outra viu-o e disse aos que ali estavam:
"Ele estava com Jesus de Nazaré."
72. De novo ele negou, jurando que não conhecia o homem.
73. Pouco depois, os que lá estavam disseram a Pedro: "De fato, também
tu és um deles; pois o teu dialeto te denuncia."
74. Então ele começou a praguejar e a jurar, dizendo: "Não conheço o
homem!" E imediatamente um galo cantou.
75. E Pedro se lembrou da palavra que Jesus dissera: "Antes que o galo
cante, três vezes me negarás." Saindo dali, ele chorou amargamente.
448
Cristo nele, tinha previsto, Pedro mentiu três vezes: mental, emocional e
verbalmente.
A profecia mostrou-se muito verdadeira, embora no caso de Pedro a
madrugada trouxesse o arrependimento quando o galo cantou. Pedro estava receoso
de que ele também pudesse compartilhar o destino de seu Mestre, e esse temor
levou-o a negar, não só o Jesus histórico, mas também o supremo em si mesmo, o
Deus interno.
A introdução do número três nas duas estórias indica os três níveis mais
densos da matéria e os três veículos mortais do homem. Judas aceitou – sem dúvida
por acordo – trinta moedas, enquanto Pedro negou três vezes qualquer associação
com seu Mestre. No primeiro caso, a cupidez e a infidelidade provocaram a queda;
no último, o medo mais forte do que a jura e o amor do discípulo por seu Senhor foi
o principal responsável.
A queda de Judas é completa, terminando no suicídio. Pedro, por outro lado,
porquanto estava pleno de remorso manifestado pelas lágrimas, recuperou sua
integridade, e, como não existe nenhum registro em contrário, assume-se que tenha
sido aceito novamente na companhia dos discípulos de Jesus. As ações de Pedro
tencionavam apenas a autoproteção e, de modo algum, parecem ter contribuído para
a condenação de Jesus pelas autoridades. Seu erro, portanto, foi muito menos sério
do que o de Judas, que lucrou financeiramente e foi responsável pela identificação e
prisão de seu Mestre, como também de tudo o que se seguiu.
O grave desvio de conduta tanto de Judas quanto de Pedro e a entrega de
Jesus por Pilatos à multidão ocorreram durante a escuridão da noite e isso é
importante por si mesmo, pois a cegueira, as trevas, o adormecimento e a noite,
quando aplicados ao homem, são símbolos de atividade reduzida do Eu espiritual.
Representam a mente obscurecida e a condição despiritualizada da personalidade
inteira do homem. Essa condição é ademais indicada pelo fato de que nem Judas
nem Pedro estavam fisicamente na presença de Jesus quando os planos para traição
foram feitos e a negação ocorreu. Essa ausência do Mestre pode ser interpretada
como um estado de consciência no qual os aspectos mais espirituais da natureza
humana (Jesus) estavam fora do alcance das personalidades mortais (Judas e
Pedro).
Dia, por outro lado, significa a plena influência e expressão da alma imortal
nos veículos mortais. Esse simbolismo é aparentemente empregado na estória de
Pedro, cujo remorso foi profundamente sentido ao nascer do dia. O cantar do galo
introduz o som como elemento adicional, e certos sons proferidos corretamente –
mantras – é dito, têm o poder de dispersar as trevas da mente humana, ainda que
estas possam ser profundas. Assim, os efeitos vibratórios, tais como das ondas
sonoras emitidas pelo canto do galo, podem despertar as mentes obscurecidas para a
luz interior do idealismo, do bom-juízo e dos altos padrões morais. Simbolicamente,
o canto do galo tanto anuncia quanto provoca o alvorecer de uma condição de "luz
do dia", ou do intelecto como que iluminado pelo Sol. É também de interesse o fato
de que ambos os homens usaram a voz durante os dois episódios, embora as
449
palavras de Pedro sejam de maior significado, porquanto, na terceira ocasião,
sustentou sua negação com o uso de imprecações, que podem ter sido blasfemas.
Visto que Pedro era o único discípulo presente no pátio, não havendo
indicação da presença ali de um anotador dos fatos, surge a questão de como os
eventos registrados puderam se tornar conhecidos de qualquer observador,
especialmente dos compiladores posteriores dos evangelhos. Se essa dúvida é
significativa, justifica-se ainda mais uma interpretação alegórica dos incidentes.
Na cosmogênese, o espírito é considerado como de polaridade positiva, a
potência masculina no processo criativo, enquanto a matéria, por outro lado, é de
polaridade negativa, a potência feminina. Essa duas polaridades são freqüentemente
representadas por seres, macho e a fêmea, respectivamente, como por exemplo a
deusa Nut e deus Seb na simbologia egípcia.
No homem, a tríade superior (a alma) é referida como masculina, e o
quaternário inferior (o homem externo), como feminino e, na simbologia mitológica
e escritural, este último é colocado como inimigo do primeiro. Em conformidade
com esse método de escrever, uma donzela é apresentada desafiando Pedro e
suscitando sua tríplice negação, representando, talvez, a parte mais material da
constituição do homem e, portanto, o iniciador de sua queda da graça. O episódio de
Sansão e Dalila é um entre muitos do Velho Testamento ao qual essa interpretação
pode ser aplicada.
Existem, entretanto, exceções a essa regra. De vez em quando, a natureza
superior do homem é representada por uma mulher e a natureza externa por um
homem. Por isso, a Deusa Atena foi a inspiradora e protetora dos heróis, e a esposa
de Pilatos foi quem o advertiu quanto a seu relacionamento com Jesus, um episódio
que será considerado mais tarde.
450
451
PARTE ONZE
INTERROGATÓRIO, CRUCIFICAÇÃO,
RESSURREIÇÃO REAPARECIMENTO
E ASCENSÃO
452
CAPÍTULO VINTE E OITO
453
foram dotados com poderes sobrenaturais, dirigiram com sucesso o impulso
espiritual iniciado pelo seu Mestre para trazer à existência a fé cristã.
Dentre os três pontos de vista apresentados, seja qual for o levado em
consideração, torna-se claro que a estória da vida e morte de Jesus é imortal, pois a
involução e a evolução da essência espiritual divina no interior do universo e do
homem está ainda em andamento e destina-se a continuar assim até o fim do
período. Ademais, outros Mestres da vida e da morte surgiram nos últimos dois mil
anos; outros homens tornaram-se seus discípulos e têm sido treinados para serem
agentes dos poderes, graças e idéias que seus Mestres lhes revelaram.
Vista assim, a narrativa assume uma universalidade que a coloca fora das
limitações do tempo e do espaço, conferindo-lhe a condição de uma revelação de
verdades que são eternas. Os axiomas de Euclides, tal como "duas coisas iguais a
uma terceira são iguais entre si", permanecem verdadeiros quer aplicados antes ou
depois da Era Cristã, no hemisfério norte ou no sul. Nenhuma época ou lugar pode
negá-las ou omiti-los. Da mesma forma a emanação, involução e evolução do
recôndito espírito do universo e do homem e o aprimoramento constante da sua
manifestação são também filosoficamente axiomáticos e independem, assim, do
tempo e do espaço.
Na medida em que a estória da vida de Jesus relatada nos evangelhos é uma
apresentação dramática dos processos mencionados antes, então, nem a exatidão do
registro nem a época em que se diz teria vivido Jesus são de especial importância
para a mente filosófica. Ainda assim, a tradução inglesa dos evangelhos originais é
tão rica em alusões simbólicas, filosóficas e ocultas, escritas na linguagem de
mistério, que um estudo da narrativa pode mostrar-se altamente gratificante.
Mt Então Judas, que o entregara, vendo que Jesus fora condenado, sentiu
27:3. remorsos e veio devolver aos chefes dos sacerdotes e aos anciãos as
trinta moedas de prata,
454
4 dizendo: "Pequei, entregando um sangue inocente." Mas eles
. responderam: "Que temos nós com isso? O problema é teu."
5 Ele, atirando as moedas ao Templo, retirou-se e foi se enforcar.
.
0
Lc 24:13, et seq.
455
que simbólicos, indicam que Jesus pessoalmente os ensinou e os inspirou por alguns
anos após sua Ressurreição. Mas essa experiência foi pessoal e em grande parte
privada e, assim, não realizou as expectativas fundadas na profecia de uma
demonstração pública e mundial do messiado.
A atitude mental e a ação dos sacerdotes a respeito das trinta moedas de prata
devolvidas não parecem lógicas, pois, em primeiro lugar, os sacerdotes estavam
prontos a pagar com recursos do tesouro por um suborno pela traição que levaria a
morte de Jesus, contudo não estavam preparados para devolvê-los ao tesouro após
terem cumprido o seu propósito. O destino final que deram ao dinheiro, comprar e
usar um pedaço de terra como um cemitério e sua denominação de "Campo de
Sangue", confere ao relato do incidente a possibilidade de posterior interpretação
simbólica como a perda de controle sobre o homem mortal pelo Ego interior. Na
verdade, a estória de Judas, desde sua aceitação como um discípulo até seu suicídio,
pode ver vista como descritiva do conflito entre dois aspectos e características da
mente humana. Essa guerra ocorre num certo estágio da evolução quando o Eu
espiritual não é ainda suficientemente desenvolvido para iluminar e controlar os
motivos e a conduta do homem mortal. Porque cada homem é tanto divino como
humano, a luta nesse caminho interior – o verdadeiro Armagedon – é inevitável.
Judas, quer tenha existido ou não, retrata exatamente um homem numa certa
fase de desenvolvimento em que o Eu interno, o divino nele, está começando a
alcançar o poder de espiritualizar o homem mortal integral, sua consciência, seus
motivos e sua conduta. Isso está evidenciado pelo fato de que ele foi atraído para o
círculo interno dos associados de Jesus na qualidade de discípulo escolhido. Jesus
personifica o Eu interior que busca purificar e elevar o homem externo, enquanto
Judas é aquele homem externo, com suas aspirações espirituais e as ainda
remanescentes fraquezas humanas e possibilidades de autodegradação. O
desabrochar do Eu espiritual de Judas, como o de todos os homens de quem ele é
um protótipo, não era ainda suficientemente poderoso para eliminar ou reduzir a
importância daquelas qualidades. Assim, o homem Judas foi derrotado na guerra
interior.
O restante de sua estória conta somente o resultado do malogro do homem
mortal que, a despeito de um temporário retorno da consciência, morreu, por suas
próprias mãos, para a possibilidade de passar pela "porta estreita" e entrar no
456
"caminho apertado", a senda da santidade 0. A filosofia oculta, que está repleta de
ensinamentos sobre esse e outros assuntos correlatos, assegura que para o ser
humano qualquer experiência jamais será uma derrota final, sendo todo homem
combinação de um espírito eterno e imortal com uma individualidade mortal, os
dois unidos pela presença e atividade do intelecto.
Judas como um Ego encarnado – assim como o jovem rico – viverá outra
vez, aspirará de novo e, certamente, tornar-se-á, por fim, discípulo confiável, pois o
espírito do homem contém dentro de si mesmo a garantia de completa vitória.
0
Mt 7:13-14; Is 35:8.
0
Ver diagrama p.
0
Ptah, criador do mundo que trouxe à existência as formas visíveis por meio do seu
coração (pensamento) e de sua língua (pela expressão vocal).
457
influência da matéria sobre o espírito, a quem deve simbolicamente "trair", como já
sugerido.
Caso haja a acusação de que muita coisa está sendo deduzida de tão pouco,
pode ser lembrado, então, que os antigos escritores inspirados estavam
deliberadamente ocultando verdades profundas e altamente significativas em seus
trabalhos, que eventualmente se tornariam disponíveis ao público em geral. O
verdadeiro buscador da luz, além disso, está sempre preparado para atentar tanto
para as sugestões como para as declarações simbólicas da verdade que ele ou ela
está determinada a descobrir. Tais estudantes, embora sempre submetendo suas
descobertas ao teste final de razoabilidade e concordância com a sabedoria secreta,
estão preparados para pesquisar os tesouros da verdade, embora eles possam estar
profundamente enterrados nas ricas minas daquela literatura que está escrita na
linguagem de mistério.
O quaternário pitagórico, do qual foram retiradas muitas inferências, não
nega a existência das triplicidades eternas inerentes ao espírito e à matéria. Como o
grande sábio conhecia muito bem, o quarto elemento surge da contínua interação
dos outros três. É como se fora o positivo e negativo abraçando-se continuamente
ao redor da polaridade central ou neutra. Isso é o caduceu cósmico, o poder
serpentino tríplice no Logos, na natureza, e no homem. O iniciado e o Adepto
aprendem a usar essa triplicidade como forma de autolibertação do domínio
aprisionador da matéria, de outra forma inflexível. Daí, temos os caduceus nos
Mistérios gregos, outra simbologia da serpente nos Mistérios egípcios e os supostos
ritos de fertilidade no hinduísmo. A forma espiralada do Ying e do Yang no
pensamento filosófico chinês antigo, com sua interação harmoniosa como condição
essencial para libertação, está baseada na mesma idéia.
458
Se, entretanto, os evangelistas e outras testemunhas foram homens sábios,
Mágicos, saturados da sabedoria oculta e que escreveram uma maravilhosa
revelação alegórica para a humanidade pelos séculos, então a estória deles é
realmente exata.
Tanto o Logos quanto a Mônada são como reis e encarnam, de forma
completamente voluntária, na matéria da mais profunda densidade, a fim de que
suas vidas inatas possam se tornar cada vez mais manifestas e brilhar
resplandecentemente como poderes de fato reais. Dúvidas quanto a historicidade do
incidente surgem do fato de que Jesus sabia disso e, em assim respondendo,
condenou-se deliberadamente à morte na verdade. O aparente mistério da resposta
autocondenatória é resolvida pela compreensão do fato de que, verdadeiramente,
tanto o Logos como a Mônada são de fato como reis entre os homens.
Assim, Jesus é colocado como condenando a si mesmo à morte (da matéria e
de seus atributos), mas sempre com o pleno conhecimento, como ele proclama, da
elevação que deve se seguir e seguir-se-á, alegoricamente retratada pela
Ressurreição e Ascensão.
Mt 27:15. Por ocasião da festa, era costume o governador soltar um preso que a
multidão desejava.
16. Nesta ocasião, tinham eles um preso famoso, chamado Barrabás.
17. Como estivessem reunidos, Pilatos lhes disse: "Quem quereis que vos
solte, Barrabás ou Jesus, chamado o Cristo?"
18. Pois ele sabia que eles o haviam entregue por inveja.
459
A previsão do destino de Jesus era evidentemente compartilhada por Pilatos
que, como o versículo dezoito deixa claro, evidencia uma aparente imparcialidade.
O costume hebreu era, entretanto, devidamente conhecido e Barrabás, ladrão
condenado, foi oferecido como substituto de Jesus.
Mt 27:19. Enquanto estava sentado no tribunal, sua mulher lhe mandou dizer:
"Não te envolvas com este justo, porque muito sofri hoje em sonho por
causa dele."
460
Disseram: "Barrabás."
22. Pilatos perguntou: "Que farei de Jesus, que chamam de Cristo?"
Todos responderam: "Seja crucificado!"
Mt 27:23. Tornou a dizer-lhes: "Mas que mal ele fez?" Eles, porém, gritavam
com veemência: "Seja crucificado!"
24. Vendo Pilatos que nada conseguia, mas ao contrário, a desordem
aumentava, pegou água e, lavando as mãos, na presença da multidão,
disse: "Estou inocente desse sangue. A responsabilidade é vossa."
25. A isso todo o povo respondeu: "O seu sangue caia sobre nós e nossos
filhos."
0
Gunas – ver Glossário.
461
O próprio Pilatos foi virtualmente responsável por todo o tratamento
subseqüente de Jesus, inclusive sua crucificação. Mesmo ele possivelmente poderia
ter ao menos começado a arrepender-se – como o fizeram Pedro e Judas – pois
posteriormente se recusou a modificar o teor da inscrição que redigiu e que deveria
ser colocada sobre a cabeça do Cristo crucificado.
462
um caniço na mão direita. E, ajoelhando-se diante dele, diziam-lhe,
caçoando: "Salve, ó rei dos judeus!"
0
Chakra – ver Glossário.
463
ação dos hierofantes dos ritos de Mistério, que faziam atuar certas forças ocultas e
espirituais sobre partes específicas da cabeça, notadamente sobre a coroa. O não-
iniciado meramente via um rei ou uma rainha usando um uraeus ou coroa, mas o
iniciado, sendo instruído ocultamente e tendo ele mesmo igualmente alcançado a
iluminação, via a manifestação da verdadeira realeza espiritual. Vista assim, a coroa
de espinhos e o ato de colocá-la sobre a cabeça de Jesus constituem-se na parte mais
profundamente espiritual do simbolismo da Crucificação.
O cetro de junco, como símbolo da realeza, se entendido corretamente,
demonstra a maior de todas as fontes de poder humano e de autocontrole, a saber, a
suavidade com que tal poder é sempre aplicado para o propósito de instruir, inspirar
e, quando necessário, corrigir. Um desenvolvimento dual é assim exibido:
verdadeiramente uma augusta vontade e um domínio completo sobre sua expressão
em ação.
Quando o homem se torna um sábio ocultista por sua própria escolha, seu
autocontrole é tão grande que ele permanece impassível diante do antagonismo que
sua grandeza evoca e imperturbável diante da cruel folia com que o escárnio é
acompanhado. Antes de alcançar o adeptado, certa quantidade de sofrimento deve
ser aceita como pagamento dos débitos incorridos, pois, assim e somente assim,
todos os vínculos são finalmente desfeitos.
464
exigentes, nunca estão além da capacidade do candidato de suportá-las e de emergir
vitorioso, coroado de fato. Ou o espírito do iniciado é suficientemente evoluído ou,
se não for este o caso, razoável auxílio é providenciado. Ainda assim, a fim de que
possa emergir triunfantemente, aquele a ser iniciado deve demonstrar seu poder de
resistir à provação, ainda que lhe seja concedida alguma assistência. Simão de
Cirene personifica esse princípio da compaixão em meio aos sofrimentos mais
dolorosos.
O nome do lugar onde Jesus foi crucificado fornece uma chave para que
possa ser entendido o significado esotérico de sua Paixão e morte. Quando essa
chave se ajusta à fechadura e é virada ao menos uma vez, o real local do grande
evento é revelado, a saber, o interior do crânio, ou da cabeça do homem. O grande
triunfo deve ser obtido e a grande iluminação deve ocorrer no órgão físico da
consciência, pois não é o homem físico que é crucificado e que ressuscita da morte,
mas o radiante e entronado Eu interno que, após longas eras de evolução, alcança a
realeza espiritual. Os poderes, capacidades e sabedoria resultantes são parte da
riqueza da alma que evolui, mais do que o corpo físico do homem. Assim, nesse
versículo, os autores inspirados dos evangelhos fornecem ao investigador da
sabedoria esotérica ali existente a sugestão, a pista necessária ou, mais
precisamente, a chave verdadeira.
Mt 27:34. Deram-lhe de beber vinagre misturado com fel. Ele provou, mas não
quis beber.
465
as minhas vestes e lançaram sorte sobre a minha roupa.
466
Na usual coleção de símbolos associados com a Crucificação de Jesus, o
cravo tem quatro faces e uma cabeça geometricamente modelada, sendo símbolo
muito usado da própria matéria e do espírito profundamente "encravado" nela. A
força que o empurra é representada em tal simbologia pelo martelo, que deve ter
sido usado durante todo o processo extremamente doloroso. Ele pode ser
considerado como um emblema da verdadeira força de vontade do próprio Logos
no cumprimento de seu desígnio de sofrer uma crucificação simbólica – e real, de
certa forma. Estendendo essa interpretação, os cravos longos, geometricamente
delineados e pontiagudos, podem simbolizar a projetada força dinâmica elétrica
pela qual os átomos são formados e o plano divino, ou Arquétipo, é impresso na
matéria. O mangual, a maça, o porrete e o martelo, associados com os seres divinos
presentes ativamente na simbologia dos povos antigos, podem referir-se tanto a esse
próprio poder quanto à maneira pela qual é empregado. Vista assim, a Crucificação
de Jesus, o Cristo, é considerada uma descrição alegórica da auto-encarnação do
Logos imanente na matéria de seu universo e de todos os sacrifícios e restrições que
isso deve exigir. Contudo, o Logos é também transcendente, acima e além de seu
universo e, nesse aspecto de seu Ser, relativamente livre de limitações espaciais, ele
experimenta a consciência típica dos Seres divinos.
O coração ferido, mas sempre aberto, do Senhor, algumas vezes chamado de
Sagrado Coração, indica que, tanto no Logos como no Adepto, o coração de amor
oniabarcante está sempre aberto às necessidades, às aspirações e mesmo às
negações e ódio do mundo dos seres dotados de mente. Numa interpretação mística,
o conflito entre a vontade interior do aspirante e os indesejáveis traços de caráter e
atitudes habituais de pensamento, sentimento e ação infligem aquelas "feridas"
místicas que Jesus sofreu quando trilhou a senda da Cruz, do Getsêmani ao Gólgota.
O desvestir Jesus, o "rasgar" suas vestes e o sortear os pedaços dela podem
ser interpretados simbolicamente. Em manifestação, a Vida do Logos, personificada
por Jesus e simbolizada por sua suposta roupa sem costura, materializa-se em
inúmeras formas, ou parte-se. Essa aparente divisão é uma ilusão, pois que, a
despeito da diversidade de formas, inorgânicas e orgânicas, físicas e superfísicas, a
Vida no interior de todas elas é uma e a mesma. Se tal interpretação não for levada
muito longe, então o proclamado sorteio pode referir-se à mudança aparente sob a
qual a natureza produz sua progênie quase inumerável – as formas naturais. Na
verdade, nenhum sorteio nem incerteza alguma estão naturalmente associados com
a produção e o desenvolvimento das formas naturais, as quais aparecem e mudam
segundo lei exata.
467
a sala de julgamento até o Gólgota. Enquanto o ato da crucificação continuava, eles
se sentavam para observar a agonia de Jesus e para esperar por sua morte. Isso
denota uma atitude de mente que, de forma lamentável, é apresentada por alguns
membros da raça humana, embora felizmente nem todos.
A proclamação que cita a suposta confissão de Jesus deve ser considerada
como uma expressão do escárnio com que o seu título era recebido. Não obstante,
ele era, no sentido puramente espiritual, um rei entre seus companheiros hebreus,
sendo muito mais evoluído do que qualquer deles, um homem de estatura
verdadeiramente real. Ademais, era descendente dos antigos reis, como as diversas
genealogias indicam. Embora nenhuma dessas duas razões fosse reconhecida, elas
consubstanciavam tal reivindicação, ainda que seja extremamente improvável que
ele mesmo a tenha feito.
468
Já que um desses ladrões desdenhou e zombou de Jesus, ele pode bem
personificar a mente formal analítica e não intuicional. O outro ladrão suplicou por
estar com Jesus no paraíso após a morte dos seus corpos, um pedido que foi
concedido. Se a apresentação atual é aceitável, então o segundo ladrão personifica a
inteligência abstrata que é responsiva a idéias e lampejos da iluminação dos níveis
intuicionais e puramente espirituais. Jesus entre os dois ladrões indica aquele estado
de consciência no qual a mente formal, com todas as suas operações e funções, está
plena e conscientemente separada do intelecto abstrato, de forma que a primeira não
pode mais inibir as funções interiores do último. Em conseqüência, os aspectos do
homem puramente espirituais, altamente intuicionais e, na verdade, supramentais
nobres, personificados por Jesus na Cruz, podem e, de fato, tornam-se manifestos.
Assim, é um estado de consciência e um estágio na evolução humana que estão
sendo alegórica e simbolicamente retratados e não o espetáculo degradante,
horroroso do tríplice ato de crueldade e sadismo desumanos. Como antes
mencionado, esse enfoque ganha apoio adicional por causa do nome do local no
qual a cena de horror foi executada, o Gólgota, "o lugar da caveira". Vale notar que
o corpo físico tinha sido deixado desamparado e, assim, estava impossibilitado de
encontrar a auto-iluminação, autolibertação e autocoroação puramente espirituais.
Enquanto os ignorantes desafiam Jesus para que desça da cruz, os sábios vêm
e sabem que, ao contrário, ele se elevou acima dela, tendo deixado seu corpo pela
saída formada pelo centro de força aberto na coroa da cabeça. Essa é a real
Ressurreição; o túmulo referido mais tarde está simbolizando o corpo e o crânio, no
qual normalmente o centro da autoconsciência está aprisionado.
O Evangelho apócrifo de João, que descreve muitas experiências místicas do
discípulo que Jesus amou, parece dar suporte ao enfoque de que a suposta
Crucificação no Gólgota foi realmente um símbolo ou mesmo uma ilusão induzida
na mente do público. Com isso, sem dúvida, ele se referia à mente não-iluminada
que confunde o véu de alegoria e símbolo com a realidade, sendo incapaz ou
relutante de perceber as verdades subjacentes0. João escreve que, inspirado pelo
Mestre durante a Crucificação, ele subiu o Monte das Oliveiras e entrou numa
caverna0. Lá, viu o Senhor que lhe disse: "João, a multidão em Jerusalém está me
crucificando e me perfurando com lanças e canas, e dão-me fel e vinagre para
beber. Mas a ti eu falo ..." Ele então indicou a João uma cruz de luz como a
verdadeira Cruz e a cruz de madeira como uma ilusão, continuando: "Nem eu sou
0
Ver "The Apocryphal New Testament", trans. Montague Rhodes James (Oxford:
Clarendon Press), p. 254-256.
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", vol. 2, p. 42-43.
469
aquele que está na Cruz ... pois, saiba você, que eu estou inteiramente com o Pai e o
Pai comigo".
Por essa razão, a morte nos Mistérios é dupla. O iniciado tem que superar o
receio da morte e elevar-se acima dos mundos inferiores. Ele se decide pelo
progresso e sabe que esse é o único caminho. Há sofrimento, uma verdadeira paixão
de dor, mas a consciência não é limitada por ela. O sofrimento torna-se um meio-
tom sombrio para a canção do triunfo que a Mônada-Ego canta.
470
falecido retorna à vida em termos de conhecimento consciente de sua própria
divindade, com seu poder, sabedoria e inteligência espirituais inerentes.
Mt 27:44. E até os ladrões, que foram crucificados junto com ele, o insultavam.
Mt 27:45. Desde a hora sexta até a hora nona, houve treva em toda a Terra.
46. Lá pela hora nona, Jesus deu um grande grito: "Eli, Eli, Lemá
sabachtáni?", isto é, "Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?"
0
Ver Lc 23:42.
471
solidão no universo, começando no Getsêmani, para Jesus, alcançando sua
culminação na Cruz. Essa falta de qualquer apoio externo e pessoal é seguida por
uma escuridão mental, durante a qual a realização de sua própria divindade e sua
unidade com o Logos é completamente perdida. Essa supressão, embora temporária,
de um estado de consciência já alcançado, a saber, a unidade com o Senhor do
universo, pode durar um momento ou um tempo infinito. Tão grande privação
evoca um grito de protesto da mente e do coração do iniciado que está quebrando
suas derradeiras algemas – com efeito um protesto porque a Deidade o tinha
desamparado.
Essa é uma experiência essencial. Só após toda ajuda externa ser retirada, a
verdade desponta para o autocrucificado: a de que ele e a eterna Deidade são um e o
mesmo Ser. Essa descoberta é tão revolucionária e tão transcendente que o iniciado
nunca poderá perder outra vez o conhecimento que realizou, não meramente de
unidade, mas até mesmo de identidade com o Deus universal. A segunda tradução
aplicar-se-ia mais adequadamente à alegria de uma experiência que vem a seguir,
com o grito apropriado: "Deus meu, Deus meu, como me glorificastes". Assim, as
duas possíveis traduções não são mutuamente exclusivas, mas, melhor dizendo,
consecutivas no tempo, como indicado.
Mt 27:47. Alguns dos que tinham ficado ali, ouvindo-o, disseram: "Está
chamando Elias!"
472
lido como descritivo dessa forma de sofrimento, tipicamente retratado pelo vinagre
a ser bebido quando chega a agonia da morte física
.
Mt 27:49. Mas os outros diziam: "Deixa, vejamos se Elias vem salvá-lo!"
0
"The Collected Dialogues of Plato", (Princeton University, 1969), p. 275.
473
heróis. Nos Mistérios Maiores, projetados para produzir uma experiência real, o
candidato é ajudado externamente pelo rito de iniciação e, interiormente, por meio
da prática regular de ioga. Essa realização só é plenamente possível quando tenha
sido alcançado um certo estágio de desenvolvimento egóico, ou da alma, em que a
personalidade é literalmente forçada a colaborar com o Ego iniciado, por quem é
"assassinada".
Os aspirantes chegam a isso gradualmente pela capitulação contínua e
habitual do eu inferior ao superior e pela transcendência do desejo pessoal,
possessivo e do orgulho egoístico de onde se origina. Essa morte é, entretanto, não
um ato isolado, ocorrendo num momento determinado. O processo continua por
muitas vidas até a realização da iniciação final: a coroação triunfal do espírito do
homem.
O homem no limiar da super-humanidade sobe, então, na escada evolutiva,
que simboliza a senda da alma, desde a natureza inferior até a superior, do terreno
ao espiritual. Essa escada ascende da Terra ao Sol, do corpo físico à Mônada. O
caminho para o alto, a própria senda da santidade, consiste de estágios ou degraus
de progresso: Nascimento, Batismo, Transfiguração, Crucificação e Morte. Ele
representa assim a evolução das qualidades da natureza humana mais elevadas e a
gradual manifestação do Habitante do Recôndito, a Mônada, desde o estado de Ego
do homem iluminado e iniciado até o de Adepto ou Ser Crístico. O próprio egoísmo
não perdura nem continuará para sempre, pois está destinado a tornar-se um dos
degraus pelo qual o iniciado sobe ao "trono da divina glória", por intermédio do
amor a Deus e ao próximo ou à raça humana0.
Misticamente, a escada da evolução, de fato a própria senda, está dentro do
homem, que ascende por ela da ignorância e do sofrimento ao conhecimento, à
sabedoria e à realeza. Essa ascensão culmina na união com o eterno um, a vida
universal, "como a água na água, a luz na luz e o espaço no espaço." A coroa de
espinhos tornou-se então um verdadeiro símbolo de realeza. O cetro de junco é um
emblema de poder, flexível e facilmente quebrável aos olhos da multidão, mas de
fato um emblema do movimento espiritual por toda a natureza (espiritual,
intelectual e física) do homem autoliberado.
0
Mc 12:31.
474
indicado. Uma leitura simbólica, assim encorajada, fornece descrições de alterações
na consciência que ocorrem durante a passagem pelo quarto grande rito iniciatório.
Assim interpretado, o véu é visto como uma barreira entre o Eu espiritual e o
cérebro-mente, indubitável protetor e cumpridor de outras funções 0. Essa barreira
separadora, já quase atravessada, desaparece agora completamente. Em
conseqüência, o Eu interno tem acesso desinibido à mente e, através desta, ao
cérebro, enquanto o iniciado, por seu turno, está pronto para reconhecer-se como
um Filho de Deus, divino e imortal, e a desfrutar livre acesso aos níveis
supranormais de consciência.
O tremor de terra e o rachar das pedras podem ser interpretados como os
efeitos puramente físicos dessa comunhão entre o interno e o externo. A matéria do
cérebro e o sistema nervoso não podem mais impor resistência ao pleno e livre jogo
do poder espiritual e da vida do Eu imortal que, desse modo, afetam profundamente
tanto os estados de consciência como as atividades físicas.
0
O Véu. Para interpretação mais completa ver Hodson, "Hidden Wisdom", vol. a, p.
141-3.
475
homem não é inteiramente perfeito até que uma expansão posterior de consciência
seja obtida e conferida uma quinta iniciação.
476
hostes do Logos também ajudam na manifestação da Mônada em cada estágio da
auto-incorporação na matéria e, particularmente, no nível físico mais denso, o corpo
humano0. O sepulcro é assim corretamente descrito como novo e lavrado na rocha,
significando o reino mineral e a estrutura óssea do corpo do homem, especialmente
o crânio.
A ação de José de Arimatéia de rolar uma grande pedra "para a entrada do
túmulo" é de grande significado oculto. A cada reencarnação os membros da
hierarquia angélica auxiliam o Eu espiritual em desenvolvimento a construir novos
corpos e o mecanismo da consciência, para que durante as horas de vigília a
consciência fique presa no corpo físico. Isso é essencial para o cumprimento
daqueles propósitos evolutivos que são dependentes das experiências físicas
totalmente restritivas. Uma vez encarnada, ou nascida num corpo físico, a
consciência deve, durante esse período, estar limitada a ele. Da mesma forma, como
ossos que formam a coroa da cabeça do bebê recém-nascido não estão inteiramente
fechados, mas gradualmente se unindo, assim também um fechamento similar é
executado nas partes superfísicas do mecanismo da consciência. Em termos
cabalísticos, as hostes angélicas associadas com as quatro Sefiras "Inferiores" –
Netzarch, Hod, Yesod e Malkuth – encerram o raio projetado da Mônada-Ego (a
Tríade celeste) no envoltório do corpo físico, sendo essa uma parte da função delas
no interesse do homem, o microcosmo0.
A entrada nas regiões e nos estados de consciência mais inferiores ainda –
Klippoth – está, além disso, fechada para o eu humano encarnado. Somente em
certos estágios avançados de desenvolvimento e progresso no caminho de retorno,
essa regra é derrogada, quando então aqueles que estão no portal do adeptado
adquirem o poder de ingressar tanto na consciência espiritual como na subfísica e
deixar o corpo à vontade e entrar em outras regiões dos planetas e do universo.
Simbolicamente, em tais casos a rocha é tirada da frente do sepulcro, como será
descrito posteriormente.
Mt 27:61. Ora, Maria Madalena e a outra Maria estavam ali sentadas em frente
ao sepulcro.
62. No dia seguinte, um dia depois da Preparação, os chefes dos
sacerdotes e os fariseus, reunidos junto a Pilatos,
63. diziam: "Senhor, lembramo-nos de que aquele impostor disse, quando
ainda vivo: `Depois de três dias ressurgirei!'
64. Ordena, pois, que o sepulcro seja guardado com segurança até o
terceiro dia, para que os discípulos não venham roubá-lo e depois
digam ao povo: `Ressurgiu dos mortos!' e a última impostura será pior
do que a primeira."
65. Pilatos respondeu: "Tendes uma guarda; ide, guardai o sepulcro,
0
Ver Hodson, "The Kingdom of the Gods" e "The Miracle of Birth".
0
Cabala – ver Glossário.
477
como entendeis."
66. E, saindo eles puseram em segurança o sepulcro, selando a pedra e
montando guarda.
478
CAPÍTULO VINTE E NOVE
Mt 28:1. Após o sábado, ao raiar do primeiro dia das semana, Maria Madalena
e a outra Maria vieram ver o sepulcro.
2. E eis que houve um grande terremoto: pois o Anjo do Senhor,
descendo do céu e aproximando-se removeu a pedra e sentou-se sobre
ela.
3. O seu aspecto era como o do relâmpago e a sua roupa alva como a
neve.
479
estórias evangélicas pelos anjos com vestes alvas, como nos casos das Anunciações:
a Zacarias e a Maria.
O medo associado à alegria que movia as duas Marias, juntamente com as
dúvidas dos apóstolos indicam a grandeza do fenômeno da mudança, da partida
para o retorno. Posto que as Mônadas dos homens participam dos processos
cósmicos por meio da projeção da vida e da consciência monádica nesses processos,
segue-se que a mudança de direção afeta profundamente tanto o presente quanto o
futuro de cada Mônada humana. Da mesma forma como exclamou o filho pródigo,
"eu me levantarei", assim também cada homem ressuscitará para a fase de sua
evolução em que a meta espiritual é compreendida claramente. No momento
adequado, em seu corpo físico, o caminho da cruz que conduz à Ressurreição e
Ascensão simbólicas será adentrado autoconscientemente. Essa é uma interpretação
possível – a microcósmica – dos eventos registrados nos capítulos finais dos quatro
evangelhos.
Macrocosmicamente, quando a jornada "ascendente", ou melhor "cada vez
mais sutil", de retorno é realizada, o universo físico, planeta a planeta, é
abandonado. A Vida divina interior é removida da matéria física, e "o sepulcro está
vazio."
O homem no limiar do adeptado passa por essa fase antes do tempo e do
ritmo evolucionários normais. Muito embora o Adepto possa manter um corpo
físico, este não é mais um "sepulcro", na medida em que o homem assim exaltado
entra nele e dele se afasta à vontade. Conhecidos, amigos e discípulos que
conheceram um Adepto antes dele atingir esse estado exaltado tornam-se cônscios
dessa mudança. Ainda que a associação possa continuar após essa realização, a
forma em que o Mestre aparece é mais superfísica do que física. Na estória de
Cristo, isso é indicado alegoricamente pela descoberta de um túmulo vazio pelas
duas Marias e, mais tarde, por Pedro e por outros discípulos.
Na medida em que não está mais limitado pelas leis e condições da matéria
física, o Mestre pode reaparecer no interior de salas fechadas, como o Cristo fez.
A mortalha achada no sepulcro, onde tinha sido deixada anteriormente, pode
significar a morte do poder da matéria física, incapaz de "enterrar" outra vez a
consciência do Adepto. O cueiro com que o Cristo-criança foi enrolado simboliza a
matéria física com seus átomos giratórios, que fora aceita consciente e
deliberadamente no "nascimento". O cueiro tornou-se a mortalha na morte
alegórica. Juntos, o sepulcro vazio e a mortalha descartada, retratam o fim do poder
da matéria física sobre a consciência humana e, no sentido macrocósmico, o fim de
uma era.
480
O estado de consciência dos guardas do túmulo de Jesus também simboliza o
domínio do tríplice Eu espiritual do ressurreto sobre os corpos mortais. Esses estão,
por assim dizer, privados do poder de aprisionar e, assim, podem ser considerados
como tendo desmaiado ou caído no sono.
As mulheres discípulas, por outro lado, como resultado de seu treinamento,
foram capazes de se comunicar com o anjo de luz e saber que seu Mestre tinha se
levantado do túmulo, significando que o desenvolvimento delas as habilitava a
estarem cônscias do Habitante nos corpos e a aprender a respeito dele, o Um imortal
ou Eu espiritual.
A mente feminina é tradicionalmente considerada como menos
argumentativa e mais capaz de percepção intuitiva do que a masculina. Isso é
sugerido e apoiado pelo fato de que a descoberta da tumba vazia e a primeira
revelação da ressurreição do Senhor foi proporcionada a uma mulher em vez de a
um discípulo homem. Esses fatos podem significar também que a mente humana
em geral está no limiar de torna-se capaz da percepção intuicional direta, pois essa é
uma condição receptiva e mesmo passiva do intelecto humano, por essa razão
feminina.
Mt Ele não está aqui, pois ressurgiu, conforme havia dito. Vinde ver o lugar
28:6. onde ele jazia.
7. Ide já contar aos discípulos que ele ressurgiu dos mortos, e que ele vos
precede na Galiléia. Ali o vereis. Vede bem, eu vo-lo disse!"
481
consciência permanente que foi então alcançado. Esse estado é puramente
espiritual, altamente exaltado e, do momento do triunfo em diante, será o centro de
permanência, ou morada, da pessoa auto-emancipada.
Mt 28.10. Então Jesus disse: "Não temais! Ide anunciar a meus irmãos que se
dirijam para a Galiléia; lá me verão."
Mt 26:11. Enquanto elas iam, eis que alguns da guarda foram à cidade e
anunciaram aos chefes dos sacerdotes tudo o que acontecera.
12. Estes, depois de se reunirem com os anciãos e deliberarem com eles,
deram aos soldados uma vultosa quantia de dinheiro,
13. recomendando: "Dizeis que os seus discípulos vieram de noite,
enquanto dormíeis, e o roubaram.
14. Se isto chegar aos ouvidos do governador, nós o convenceremos e vos
deixaremos sem complicação."
15. Eles pegaram o dinheiro e agiram de acordo com as instruções
recebidas. E espalhou-se essa história entre os judeus até o dia de hoje.
482
aspectos, mais profundo e verdadeiramente mais revelador da vida espiritual e
material de Jesus do que os sinóticos.
483
incidente, como descrito por S. João, é também de profundo interesse para o
estudante de ciência oculta, especialmente quando o simbolismo já discutido indica
o processo de auto-iluminação no interior do cérebro enquanto desperto.
Similarmente, a crucificação ou morte ocorreu no interior do crânio, ou "no
Gólgota." As pessoas podem preferir ver no sepulcro vazio um símbolo do cérebro-
mente até então não-iluminado e também do seu terceiro ventrículo, vazio da
faculdade de plena percepção intuitiva.
O método mais oculto de realização abrange o despertar e a ascensão à
cabeça da tríplice corrente do divino Fogo criativo (Kundalini Shakti). Sob tal
enfoque, os dois anjos representariam os dois pólos da corrente desse tríplice Fogo
Serpentino, enquanto flui ao longo da coluna vertebral e passa através do sepulcro
até então vazio, despertando nesse ponto as qualidade e faculdades da natureza
crística do homem. Essa experiência é necessariamente gradual, na medida em que
a pressa inadequada e uma iluminação demasiadamente repentina poderiam fazer
do neófito um demente, ao invés de um ser humano iluminado. Por isso a
advertência de Jesus a Maria de que não deveria tocá-lo na primeira reunião.
A ordem a Maria para informar a irmandade sobre a Ressurreição e as
experiências que se seguiram referem-se aos fatos que aconteceram posteriormente.
São também visíveis sugestões de procedimentos profundamente ocultos pelos
quais o Adepto ascensionado passa quando seu corpo físico tem a permissão de
morrer no que concerne às aparências externas. Na verdade, é formado um
substituto no mesmo molde, na semelhança do antigo corpo, mas não mais sujeito
ao processo de decadência celular e morte. Isso resulta em invulgar longevidade
para a "nova" forma humana0. Nesse processo, a transformação e a nova formação
podem bem ser um tanto gradual, incluindo uma fase em que a total solidez física
ainda não se completou. Pode-se conceber que Jesus pediu a Maria para não tocá-lo
porque esse processo estava incompleto naquele momento. Essa última
interpretação, se aceita, endossa a opinião de que S. João detinha um conhecimento
especial e ele próprio tinha igualmente passado por esse processo ou testemunhado
a nova formação do corpo físico de um Adepto. Pode-se então pensar que S. João
ou quem possa ter sido o autor desse quarto evangelho tenha realmente assistido a
esses acontecimentos profundamente oculto, bem como, na verdade, a muitos
outros, na medida em que escreve no trigésimo versículo: "Jesus fez, diante de seus
discípulos, muitos outros sinais ainda, que não se acham escritos neste livro."
Jo 20:24. Um dos Doze, Tomé, chamado Dídimo, não estava com eles, quando
veio Jesus.
25. Os outros discípulos, então, lhe disseram: "Vimos o Senhor!" Mas ele
lhes disse: "Se eu não vir em suas mãos o lugar dos cravos e se não
puser o meu dedo no lugar dos cravos e minha mão no seu lado, não
acreditarei."
26. Oito dias depois, achavam-se os discípulos, de novo, dentro de casa, e
0
Ver "The Elixir of Life" de G.M., p. 1-20, em "Five Years of Theosophy" (vários
autores). Londres: Theosophical Publishing Society, 1910.
484
Tomé com eles. Jesus veio, estando as portas fechadas, pôs-se no meio
deles e disse: "A paz esteja convosco!"
27. Disse depois a Tomé: "Põe o teu dedo aqui e vê minhas mãos! Estende
a tua mão e põe-na no meu lado e não seja incrédulo, mas acredita!"
28. Respondeu-lhe Tomé: "Meu Senhor e meu Deus!"
29. Jesus lhe diz: "Porque viste, creste. Felizes os que não viram e
creram!"
485
É de interesse o fato de que somente em quatro ocasiões foi admitida a
intimidade física com Jesus, a saber, quando: Maria Madalena untou-o; ele mesmo
lavou os pés de seus discípulos; o discípulo João inclinou-se sobre o seu peito; e
Tomé foi autorizado a colocar seus dedos nas feridas físicas 0. Misticamente
interpretadas, as intimidades admitidas podem ser alegoricamente descritivas da
realização da unidade. Quando a natureza crística no homem torna-se
suficientemente desenvolvida e a consciência humana está, em conseqüência,
elevada numa experiência de consciência crística, a unidade da pessoa com todos
os outros seres é reconhecida como uma verdade viva, sendo a separatividade
reduzida a um mínimo. No versículo vinte e oito o resultado dessa entrada no estado
de elevação espiritual e de vivência da unidade está bem-descrito na exclamação
aparentemente extática de Tomé: "Meu Senhor e meu Deus."
Estão registradas nos evangelhos várias de tais revelações e descobertas
pessoais diretas. A primeira dessas consiste na Anunciação a Maria e da sua
submissa aceitação, nascida da realização interior da autenticidade dessa
compreensão. Outra experiência ocorreu com os pastores quando, com seus
rebanhos, adoravam o Cristo recém-nascido, o que representa a iluminação e a
percepção espirituais recém-atingidas. Uma terceira revelação foi a recebida pelos
Magos, simbolizada pela visão, corretamente interpretada, de uma estrela brilhando
metaforicamente sobre o recém-nascido Cristo em Belém. A isso seguiu-se a
presença deles junto à sagrada família. Houve também a descida do Espírito Santo
sobre Jesus no seu Batismo, abrindo-se-lhe os céus, de onde reverberou o grande
pronunciamento de que ele era um Avatar. Os incidentes que agora estão sendo
considerados – a realização direta de Pedro, o reconhecimento de Jesus por Maria
Madalena no jardim após a Ressurreição e a declaração de Tomé na sala de cima
onde eles se encontraram mais tarde – tudo isso constitui-se em referência velada da
iluminação espiritual que a presença de Jesus produzia naqueles que se
aproximavam dele.
Uma fase mais avançada do progresso evolutivo e, portanto, da percepção
intuitiva estão presumivelmente descritos no versículo vinte e nove, pois finalmente
o dom da intuição espiritual torna-se tão altamente desenvolvido que a
demonstração objetiva não é mais necessária, tendo sido alcançado o discernimento
implícito.
0
Jo 12:3; Mt 26:6-7; Mc 14:3; Jo 13:1-20; Jo 13:25; Jo 20:27-28.
486
apanharam.
4. Já amanhecera. Jesus estava de pé, na praia, mas os discípulos não
sabiam que era Jesus.
5. Então Jesus lhes disse: "Jovens, tendes algo para comer?"
Responderam-lhe: "Não!"
6. Disse-lhes: "Lançai a rede à direita do barco e achareis." Lançaram,
então, e não tinham mais força para puxá-la, por causa da quantidade
de peixes.
Jo 21:7. Aquele discípulo que Jesus amava disse, então, a Pedro: "É o Senhor!"
0
Ver Hodson, "Hidden Wisdom", vol. 1, p. 109.
487
E, quando Simão Pedro ouviu que era o Senhor, vestiu sua capa de
pescador – porque estava nu – e atirou-se ao mar.
8. Os outros discípulos vieram no barco (porque não estavam longe da
terra senão quase duzentos côvados), arrastando a rede com os peixes.
Jo 21:9. Quando saltaram em terra, viram brasas acesas, tendo por cima peixe e
pão.
488
Apesar de não desprezar a possibilidade de ação física por Jesus, o fogo
aceso por um Adepto é descritivo não só de uma aspiração ardente desperta, mas
também do Fogo Serpentino que leva o cérebro a tal estado de responsividade que a
sabedoria e a intuição espirituais tornam-se disponíveis no estado de vigília.
Jo 21:10. Jesus lhes disse: "Trazei alguns dos peixes que apanhastes."
11. Simão Pedro subiu, então, ao barco e arrastou a rede para a terra,
cheia de cento e cinqüenta e três peixes grandes; e apesar de serem
tantos, a rede não se rompeu.
Como em Emaús e agora nas praias da Galiléia, comer com Jesus transforma
um procedimento natural numa refeição sacramental, trazendo com ela a visão e o
entendimento espirituais. Neste caso, diz-se que os discípulos souberam sem
questionar que, na verdade, estavam na presença do Senhor ressuscitado, com todos
os significados psicológicos e espirituais de tal experiência. Nas poucas palavras da
sentença "Quem és tu? porque sabiam que era o Senhor" pode ser percebida a
totalidade da experiência mística, pois "o Senhor" aqui se refere não apenas ao
Jesus ressurreto ou, igualmente, à sua expressão eterna como Avatar do supremo
Senhor do universo, mas também à divina Presença no interior de toda a
humanidade.
Jo 21:13. Jesus aproxima-se, toma o pão e o distribui entre eles; e faz o mesmo
com o peixe.
489
vivenciadas durante uma "refeição" sacramental e, por conseguinte, mística. A
refeição partilhada a convite do Mestre pode também ser interpretada, ainda que
cautelosamente, como referindo-se a experiências passadas na consciência durante
certos ritos iniciatórios, pois a característica de tais ritos é a relação intimamente
realizada entre o espírito humano e o universal, como retratada na intimidade de
uma refeição.
Vista historicamente, essa refeição em grupo, ao lado do Mar da Galiléia,
seguindo-se a todos os sofrimentos ocorridos desde a traição, deve ter sido tanto
uma ocasião muito solene como intimamente jubilosa. As profecias que pareciam
ter falhado estavam agora cumpridas, ao menos para os discípulos. Quando se lê
esses versículos descrevendo a reunião de Jesus com seus discípulos, tanto se pode
considerar a cena como um evento objetivo quanto, em alguma medida, participar
também da experiência espiritual alegoricamente referida. Isso é também
verdadeiro para quase todos os outros relatos dos eventos do grande drama da vida
de Jesus, desde a Anunciação até a Ascensão, como muitos cristãos sinceros e
devotos descobriram. Na verdade, a imortal estória não só narra eventos ocorridos
na Palestina há dois mil anos ou mais, mas retrata também a vida interior de cada
místico verdadeiro, com presságio de experiências espirituais, alegrias, riscos,
triunfos e pesares temporários, crucificações e ascensão. Essa universalidade
transmite a todos os relatos escriturais da vida de salvadores de homens a condição
e o poder duradouros de inspirar e elevar aqueles que os lêem. Assim acontece com
o tão breve relato da bendita, mas cheia de temor, terceira reunião dos discípulos
com seu Mestre ressurreto.
Jo 21:14. Foi esta a terceira vez que Jesus se manifestou aos discípulos, depois
de ressuscitado dos mortos.
490
O discípulo Pedro é aqui indicado como o representante oficial de Jesus, o
Cristo, e o transmissor através dos tempos de sua palavra para a humanidade. Sobre
essa escolha e sua missão, divinamente inspiradas como foram, está fundamentada a
instituição do papado. Há declarações de que o próprio Pedro morreu e foi
enterrado no lugar onde a igreja que tomou o seu nome foi erigida. Essa igreja,
desde então, tem sido considerada pelos membros de uma de suas denominações
como o coração físico e o centro da cristandade. Tem-se afirmado, sob a autoridade
papal, que certos ossos do corpo de São Pedro foram descobertos sob o altar do
sagrado edifício.
Todavia, cada discípulo que, sob teste (o tríplice interrogatório de Jesus),
prova ser sincero, capaz e merecedor está similar e muito naturalmente na obrigação
de dividir com a humanidade os ensinamentos recebidos. As instruções para Pedro
podem, portanto, ser consideradas como descritivas de um dever atemporal e
completamente impessoal que recai sobre todos os discípulos, particularmente os
iniciados.
Jo 21:19. Disse isto para indicar com que espécie de morte Pedro daria glória a
Deus. Tendo falado assim, disse-lhe: "Segue-me."
Jo 21:20. Pedro, voltando-se, viu que o seguia o discípulo que Jesus amava,
aquele que, na ceia, se reclinara sobre o seu peito e perguntara:
"Senhor, quem é que te vai entregar?"
21. Pedro, vendo-o, disse a Jesus: "Senhor, e este que será?"
22. Jesus lhe disse: "Se eu quero que ele permaneça até que eu venha, que
te importa? Segue-me tu."
491
Pedro ainda necessitava evidentemente de uma lição suave – e ele a recebe
nesses versículos – sobre a impessoalidade que deve caracterizar o pensamento e a
vida de um discípulo. Ele é também instruído no sentido de que cada homem deve
ser livre para cumprir seu destino e, idealmente, fazê-lo sem nenhuma tentativa de
intromissão de outros.
A missão e o futuro de João diferem dos de Pedro, como está evidenciado
não só pelas palavras de Jesus, mas também por sua conduta, descrita alhures pelos
quatro evangelistas.
A natureza mística de João é revelada no já mencionado documento apócrifo
conhecido como Os Atos de João, no qual o espírito de Jesus dá a João
conhecimento da plena realidade concernente à aparente crucificação do seu corpo.
Pedro, pelo que se pode deduzir, era um pouco mais exotérico, muito embora sua
definida missão consistisse do resgate dos ensinamentos de seu Mestre para a
humanidade. Dois tipos distintos de seres humanos estão assim retratados, da
mesma forma como os remanescentes dos doze também exibem os vários
temperamentos humanos sempre que se lhes revelam o caráter e a conduta pessoais.
Jo 21:25. Há, porém, muitas outras coisas que Jesus fez e que, se fossem escritas
uma por uma, creio que o mundo não poderia conter os livros que se
escreveriam. Amém.
Lc 24:13. Eis que dois deles viajavam neste mesmo dia para uma aldeia
chamada Emaús, a sessenta estádios de Jerusalém;
14. e conversavam sobre todos esses acontecimentos.
15. Ora, enquanto conversavam e discutiam entre si, o próprio Jesus
aproximou-se e pôs-se a caminhar com eles;
492
28. Aproximando-se da aldeia para onde iam, Jesus simulou que ia mais
adiante.
29. Eles, porém, insistiram, dizendo: "Permanece conosco, pois cai a tarde
e o dia já declina." Entrou então para ficar com eles.
30. E, uma vez à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, depois partiu-o
e distribuiu-o a eles.
31. Então seus olhos se abriram e o reconheceram; ele, porém ficou
invisível diante deles;
493
programada para ocorrer sobre uma montanha, pois, como já foi visto, os cumes das
montanhas são símbolos de estados de consciência humana em que as leis do
despertar espiritual e as verdades a ele relativas tornam-se viáveis. Ademais, a
ressurreição de Jesus representa aquilo que nunca poderá expirar ou morrer, a saber,
a própria essência espiritual divina e eterna e, igualmente, o eterno espírito do
homem.
O estado de mente a que a morte parece provocar separação e
desaparecimento definitivos é retratado por símbolos topográficos relativos ao nível
do solo e dos vales. Somente quando o homem se eleva em consciência acima da
neblina da ilusão, onde as mortes e separações parecem ter ocorrido, ele vê então a
realidade. Lá, no ar puro e claro dos cumes das montanhas da consciência humana,
essas ilusões são transcendidas, e a realidade sempre existente torna-se conhecida.
Sob graves tensões e esforços estrênuos, a mente humana perde a visão do
Eu espiritual, o Eu-Cristo do homem, alegoricamente retratado como a figura
central da estória evangélica. Os eventos do Getsêmani ao Gólgota representam
alegoricamente essas tensões e os seus efeitos. Eles mantêm a mente no plano
terreno e nas cidades dos homens, onde a ilusão governa e a realidade está
temporariamente submersa.
Agora, quando a imortal estória aproxima-se do término, os estados elevados
da mente são novamente adentrados, quando Mestre e discípulos são
simbolicamente apresentados juntos na montanha.
494
espiritual da qual a faculdade da percepção direta e intuitiva surge. Quando em
dúvida, portanto, a realização do Eu espiritual interno – o Cristo presente – seria
procurada e obtida. Depois, todas as dúvidas desaparecerão forçosamente, como a
cerração diante do brilho do Sol. A verdade encontra-se assim no interior e, quando
descoberta, confere à mente que busca não apenas completa confiança, mas também
o pleno poder para que a grande busca possa continuar, até que seu objetivo seja
alcançado.
Os versículos seguintes continuam a revelação, pois não só a dúvida é
dissipada e o poder obtido, mas o caminho a ser seguido torna-se claro. Nas
palavras do Senhor: "Ide, portanto, e ensinai a todas nações", a elevada convocação
de um instrutor da sabedoria espiritual à humanidade torna-se o dever do discípulo
do Senhor, agora inteiramente convencido e completamente capacitado.
S. Mateus encerra seu memorável evangelho repetindo a maravilhosa
promessa do Senhor Cristo a toda a humanidade de que ele estará com eles "até a
consumação dos séculos." Outra vez, a essa promessa pode ser atribuído um
significado místico, a saber, que o Cristo interno está e sempre estará
indubitavelmente presente na natureza interna de cada ser humano. Essa leitura
ganha apoio no fato de que a pessoa histórica de Jesus não está fisicamente presente
no mundo em forma visível, audível e tangível desde aquele tempo. Pode-se
relembrar aqui a afirmação de S. Paulo de que "Cristo em vós [é] a esperança de
glória0."
A palavra "amém" no final do evangelho pode ser aqui considerada não
apenas como uma afirmação ou complemento de uma oração, mas também como
uma expressão do divino nome que confere poder inefável àqueles que conhecem o
modo de expressá-lo e o intento com que ele deve ser expresso.
0
Cl 1:27.
495
evolutivo não é perdido, entretanto, e cada Mônada reemerge na condição alcançada
no encerramento do ciclo precedente. Também não é final o afastamento, como
indicado pela promessa de permanecer espiritualmente unido com o universo e os
seus habitantes
A garantia de um retorno indica igualmente que um novo ciclo de
manifestação ativa começará como um veículo para a vida divina, sem dúvida em
outro nível mais elevado. As "guerras e os rumores de guerra", que deverão ser o
sinal da nova encarnação, referem-se à inevitável oposição entre a atividade e a
inércia, que caracterizam o estado da substância na abertura de um novo ciclo.
Os supostos espectadores são talvez aqueles seres mais avançados do ciclo
precedente – Os Adeptos e os Arcanjos – que estão suficientemente evoluídos e
despertos espiritualmente para serem capazes de "ver" e compreender o processo
cósmico. Esses são denominados "as primícias dos que dormem" 0, que assistirão ao
Logos na próxima dispensação.
Assim, a grande estória termina por um período, para somente ser retomada
quando for inaugurado o novo ciclo. Uma vez mais o "Cristo" será profetizado,
anunciado e nascido, para seguir como antes o mesmo caminho, mas numa forma
sublimada, num arco mais elevado da espiral evolutiva. Conceituando a Deidade
transcendente e imanente como sendo o poder que a tudo compele por detrás dos
ciclos no universo e no homem, esse estudo da estória da vida do Senhor Cristo é
levado a termo com profunda reverência e humildade. Podemos retratar Cristo não
apenas como o maravilhoso instrutor e curador de homens, que foi
indubitavelmente, mas como alguém que também buscou – "pescou", na verdade –
os homens e mulheres especiais por meio dos quais os aspectos mais esotéricos da
Religião-Sabedoria puderam ser concedidos à humanidade após ele ter se retirado
fisicamente. Ele deu impulso e exerceu influência espiritualizante tão poderosos e
duradouros que a passagem de dois mil anos ainda não diminuiu de forma alguma.
A Comunhão dos Santos, as pesquisas dos ocultistas e dos místicos e a experiência
espiritual dos cristãos para quem ele se revelou como um ser vivo dão, eu sugiro, à
sua pessoa, vida e presença na Terra um significado e valor adicional muito
profundo. Mesmo a ascensão de nações impiedosamente competitivas, altamente
industrializadas e quase completamente materialistas não diminuiu, de forma
alguma, a luz que ele acendeu, pois ele foi muito mais poderoso do que todos os
materialistas ou grupos de comerciantes que possam jamais ter surgido entre os
homens.
0
I Cor 15:20.
496
GLOSSÁRIO
Absoluto – O princípio impessoal, supremo e incognoscível do universo. Veja
Parabrahman.
Adepto – Adeptus (latim). "Aquele que obteve". Um iniciado do quinto grau nos
Mistérios Maiores, Mestre na ciência da filosofia esotérica, um homem perfeito, ser
exaltado que alcançou o domínio completo sobre sua natureza puramente humana e
possui conhecimento e poder proporcionais à sua elevada estatura evolutiva.
Ahamkara (sansc.) – A primeira tendência para a limitação, considerada como a
origem de toda manifestação. No homem, o conceito de "eu", autoconsciência ou
auto-identidade, a ilusão do eu como uma existência separada, em contraste com a
realidade do Ser Uno universal.
Akasa (sansc.) – "A essência espiritual sutil e super-sensória, que permeia todo o
espaço. A substância primordial erroneamente identificada como éter ..... Ela está
para o éter assim como o espírito está para a matéria." H.P.Blavatsky: The
Theosophical Glossary.
Arhat (pali) – "O merecedor." Exotericamente, "aquele que merece honras
divinas." Esotericamente, um Iniciado do quarto grau que entrou no Caminho mais
alto e foi, portanto, emancipado da auto-separação e do renascimento compulsório.
Arquétipo (gr.) "Primeiro molde", ou estampa. A "idéia" essencial, ideal ou
abstrata. A concepção divina da qual se deriva a "idéia" divina de todo o universo
no tempo e no espaço; o poder governante da criação.
Astral. A região da expressão de todos os sentimentos e desejos da alma humana.
Veja também Kama.
Atma (sansc.) – "O Ser." O Espírito universal, o sétimo princípio na constituição
sétupla do homem, a Alma Suprema.O Espírito-Essência do universo (Paramatman
– "o Ser Além").
Augoeides (gr.) – "O fragmento divino auto-radiante," o Manto de Glória dos
gnósticos e o Karana Sharira, "O Corpo Causal," do hinduísmo.
Aura – Uma essência ou fluido sutil e invisível que emana dos corpos humanos,
animais e mesmo dos inanimados.
Avatar (sansc.) A doutrina da encarnação divina, ou "descida."
Avatara (sansc.) – "Descida." A encarnação de uma Deidade, especialmente de
Vishnu, o Segundo Aspecto da Trindade hinduísta.
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Brahman (sansc.) – O Princípio impessoal, supremo e incognoscível do universo,
de cuja essência tudo emana e para o qual tudo retorna.
Buddhi (sansc.) – O sexto princípio no homem, o da sabedoria intuitiva, veículo do
sétimo, Atma, a Alma suprema no homem. A Alma Universal.
Cabala (hebraico) – De QBLH, "uma tradição não escrita, ou oral." A sabedoria
escondida dos rabinos hebreus, derivada da doutrina secreta dos antigos povos
hebreus. Veja Hodson: The Kingdom of the Gods, Parte III, Cap. IV.
Cadeia – Na filosofia oculta diz-se que um Sistema Solar consiste de dez Esquemas
Planetários. Cada Esquema é composto de sete Cadeias de Globos. Em relação ao
tempo, uma Cadeia consiste da passagem da onda-de-vida sete vezes pelos seus sete
Globos. Cada uma dessas passagem é chamada Ronda e ao completar-se a sétima
Ronda termina a vida da Cadeia. Os Globos de uma Ronda são tanto superfísicos
como físicos e são organizados num padrão cíclico, com três num arco descendente,
três num arco ascendente e sendo o do meio, ou quarto Globo, o mais denso e o
ponto de inflexão. O período de cada uma dessas unidades, do Sistema Solar ao
Globo, chamado de Manvantara, é sucedido por um período passivo de igual
duração chamado Pralaya. O término da atividade do sétimo Globo da sétima
Ronda da sétima Cadeia põe um fim à atividade de um Esquema Planetário.
Carma (sansc.) – "Ação," conotando a lei de ação e reação, causa e efeito e os
resultados da operação desta lei sobre indivíduos e nações. Veja Hodson:
Reincarnation, Fact or Fallacy?
Chacra (sansc.) – Uma "roda", ou disco. Um centro de força giratório como um
vórtice em forma de túnel, com abertura na superfície dos corpos etéricos e sutis do
homem e seu tronco levando às contrapartes superfísicas da coluna cervical e dos
centros nervosos das glândulas. Existem sete chacras principais associados com o
sacro, o baço, o plexo solar, o coração, a garganta e as glândulas pituitária e pineal.
Os chacras são tanto órgãos da consciência superfísica como transportadores da
força vital entre os corpos superfísicos e físico. Veja C.W. Leadbeater: Os Chacras.
Ciência Oculta – "A ciência dos segredos da natureza: físico e psíquico, mental e
espiritual... No Ocidente, a Kabbalah pode ser citada; no Oriente, o misticismo, a
magia e a filosofia iogue." H.P.Blavatsky: Glossário Teosófico.
Corpo Causal – O corpo imortal do Ego reencarnante do homem, criado de matéria
dos níveis "elevados" do mundo mental. É chamado de Causal, porque acumula
dentro de si os resultados de todas as experiências e estas agem como causas,
moldando as vidas futuras e influenciando a conduta futura.
Correspondência – Veja Lei das Correspondências.
Cosmocratores (gr.) – "Os Construtores do Universo", os Arquitetos do Mundo ou
as Forças criativas personificadas.
Devas (sansc.) – "Os Seres Brilhantes", seres espirituais, Logoi planetários e as
hierarquias de arcanjos e anjos.
Dhyan Chohans (sansc.) – Os "Senhores da Contemplação", as inteligências
divinas encarregadas de supervisionar o Cosmos.
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Dhyani (sansc.) – "Especialistas na Ioga". Também um nome genérico para seres
espirituais, Logoi planetários e hierarquias de arcanjos e anjos.
Dia de Brahma – Um período de 4.320.000.000 anos (terrenos), durante o qual
Brahma, tendo emergido de seu ovo dourado (Hiranyagarbha), cria e molda o
mundo material (sendo simplesmente a força fertilizadora e criativa na natureza.).
Veja H.P.Blavatsky: A Doutrina Secreta (ed. em 6 vol.), Vol III, p. 80.
Doutrina do Logos – O universo é primeiramente concebido no pensamento
divino, que é o poder governante na criação. A "Palavra criativa que expressa a
idéia é então "falada" e as sementes, até então quiescentes, das coisas vivas
germinam e aparecem de dentro do oceano do Espaço, a Grande Profundidade. Veja
Hodson: Lecture Notes of the School of the Wisdom. Vol. II, Parte 2, Seç. 2.
Ego – O Ser espiritual tríplice, imortal em desenvolvimento no homem em sua
veste de luz. O Corpo Causal.
Fohat (tib.) – "Energia Divina". A força construtiva da eletricidade cósmica.
Gnósticos (gr.) – Os filósofos que formularam e ensinaram a Gnose, ou
conhecimento. Eles floresceram nos três primeiros séculos da era Cristã.
Gunas (sansc.) – As três qualidades, ou atributos, inerentes na matéria: Rajas –
atividade, desejo; Sattva – harmonia, ritmo; Tamas – inércia, estagnação.
Iniciado – Initiatus (latim) – A designação de alguém que tenha recebido e a quem
tenham sido revelados os mistérios e os segredos da filosofia oculta. Veja Geoffrey
Hodson: The Hidden Wisdom in the Holy Bible, Vol. I. pp. 216-228.
Iniciação – Uma profunda regeneração espiritual e psicológica, resultando dela um
novo "nascimento", um novo começo, uma nova vida sendo iniciada.
Kama (sansc.) – Desejo, sentimento, emoção. Veja Astral.
Kundalini (sansc.) – O princípio serpentino da vida universal. Um poder oculto
sétuplo, superfísico no universo e no homem, representado na simbologia grega
como o caduceu. Veja Hodson: Lecture Notes of the School of the Wisdom, Vol. II,
Cap. I, Seç. 3; Arthur Avalon (Sir John Woodroffe): The Serpent Power.
Lei de Correspondência – A coordenação harmoniosa de ressonância mútua entre
as muitas partes aparentemente separadas do universo e as partes correspondentes
da constituição do homem. Na filosofia oculta, todos os componentes do
macrocosmo e do microcosmo são interligados e interagem de acordo com um
sistema universal de troca vibratória. Alegorias inspiradas podem e, na verdade,
deveriam ser compreendidas igualmente nos sentidos macro e microcósmicos.
Logos (gr.) – "O Verbo", "Uma Entidade espiritual divina". A Deidade
manifestada, a expressão exterior ou efeito da Causa sempre escondida. Assim a
fala é o Logos do pensamento e Logos é corretamente traduzido para o latim como
"Verbo" e para o Português como "Palavra", no sentido metafísico.
Macrocosmo. Literalmente "Grande Universo" ou Cosmo.
Mantras (sansc.) – Versos dos Vedas arrumados de forma rítmica para que, quando
proferidos, certas vibrações sejam geradas, produzindo efeitos desejados sobre os
corpos físicos e superfísicos.
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Manvantara (sansc.) – "Período entre Manus". Época de atividade criativa. Um
período de manifestação. O período de não-manifestação é chamado um "Pralaya."
Microcosmo – "Pequeno Universo." O reflexo em miniatura do macrocosmo.
Destarte o átomo pode ser dito como sendo o "microcosmo" do sistema solar, seus
elétrons movendo-se de acordo com as mesmas leis; e o homem pode ser chamado
de "microcosmo" do universo, já que ele tem dentro de si todos os elementos deste
universo.
Mônada (gr.) – "Sozinho." O Espírito divino no homem, o "Morador do
Recôndito," que se diz evoluir através dos reinos subumanos da natureza para o
humano e daí para a estatura do Adepto, além da qual se estendem altitudes
evolutivas sem limites.
Mônada-Ego – Um termo duplo usado neste trabalho para denotar a manifestação
individualizada da Mônada humana como um Espírito tríplice. A Centelha divina
ou Morador do Recôndito (Mônada) que no curso da evolução atingiu a
individualidade autoconsciente como homem (Ego) e está incorporada nos veículos
da mente, emoções e carne, durante a vida na Terra.
Nirvana (sansc.) – "Extinguindo a vida". Absorção consciente na Vida Una do
cosmo, ou consciência absoluta (budismo).
Noite de Brahma – Um período de duração igual ao dia de Brahama, durante o
qual diz-se que Brahma está dormindo.
Parabrahman (sansc.) – "Além de Brahma." O supremo Brahma infinito, o
Absoluto, sem atributos, Realidade sem segundo; o Princípio impessoal, sem nome,
universal e eterno.
Shakti (sansc.) – Habilidade, poder, capacidade, faculdade, força. A força emanada
de um deus diz-se ser a sua esposa, ou shakti. Assim, ainda que uma deidade ou
personagem central e sua consorte, ou esposa, sejam apresentados como duas
pessoas separadas, a última (a esposa) na verdade personifica atributos ou poderes
da primeira (o esposo). Conseqüentemente, o suposto par na realidade representa
um ser.
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