Ana Júlia Cornélio Ribeiro
Ana Júlia Cornélio Ribeiro
Ana Júlia Cornélio Ribeiro
São Paulo
2021
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo
2021
Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial
desta Dissertação de Mestrado por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura _______________________________________________
Data ____________________________
e-mail __________________________________________________
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Edgard de Assis Carvalho – PUC-SP (orientador)
___________________________________________
Edmilson Felipe da Silva - PUC- SP
___________________________________________
Maria da Conceição de Almeida - UFRN-RN
Para todos aqueles que como eu, em algum momento, por ouvir
inverdades, não se sentem capazes. Com apoio, respeito, dedicação
tudo é passível de realização.
O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nivel
Superior- Brasil (CAPES) - Finance Code 001.
AGRADECIMENTOS
Descobri ao longo desse processo que escrever uma dissertação envolve - para além
dos muitos mergulhos profundos nas teorias do conhecimento - atos de reflexões sobre a
subjetividade. A maior dificuldade em expor ideias em uma dissertação é sistematizar, e
eventualmente criticar, com responsabilidade, maturidade e integridade o que pensadores já
refletiram sobre o mundo da cultura. Ao aprofundar as reflexões de Edgar Morin sobre arte
e ciência me deparei com os dilemas que vivencio como artista e professora. Tais atividades
podem ser consideradas opostas na mente de muitos, mas, para mim, são ao mesmo tempo
antagônicas e complementares.
Escrever para quem admiro, ser lida e respeitada pela posição de minhas ideias foi o
maior presente que recebi no processo da minha formação. Esse presente veio primeiro de
alguém que, para além de professor, tradutor, antropólogo, analista, orientador e
pesquisador, é um cidadão de responsabilidade afetiva para com todos os que estão ao seu
redor. Trata-se de um ser humano que dá direções, orientações, amplia possibilidades,
esclarece, escuta, corrige, estimula, abre os olhos, permite que seus orientandos tenham
responsabilidade de prazos e principalmente responsabilidade diante de suas criações. Esse
é o papel do orientador.
Esta dissertação é em primeiro lugar dedicada com muito amor ao meu orientador
Edgard de Assis Carvalho. Sem ele meu trabalho não floresceria. Ao lado dele, para avaliar
o texto da qualificação, ganhei duas orientações de profissionais brilhantes, pessoas
extremamente especiais: Edmilson Felipe, pela PUCSP e Maria da Conceição de Almeida,
pela UFRN. Eles me instruíram, avaliaram, debateram, filosofaram sobre o tema da pesquisa
durante algumas boas horas na qualificação. Despertaram em mim a ousadia e a humildade
da compreensão.
Comecei a perceber que, ao longo da pesquisa, nasce uma nova pessoa. Percebi,
também, que como professora posso ir além das palavras dos autores aqui referenciados; que
não existe maior trunfo do que o florescer do texto acadêmico por meio do amadurecimento
do autor que está por trás dele. Esse time me permitiu também ser respeitada dentro da
academia, ganhar segurança para expor a narrativa desta dissertação. Posso chamar de
mágico o efeito da experiência da qualificação que vou guardar para sempre em minha
memória.
Fui questionada, provocada, avaliada com respeito, motivada para prosseguir a
escrita final do texto. Graças aos estímulos recebidos na ocasião, pude constatar diferenças
consideráveis em minha postura. Não sabia o que esperar desse evento que tanto assombra
mestres e doutores. Ao ouvir as argumentações da banca, fui estimulada a vislumbrar o que
estava por vir e me preparar para isso. Foram longas horas, foi cansativo para todos os
envolvidos e o processo de transmutação aconteceu naquela sala do departamento de
antropologia do pátio da Cruz. Fui aprovada na qualificação e, com isso, me tornei uma
mulher mais amadurecida, "dona de minhas verdades”, que “cresce e se posiciona diante do
mundo” (palavras ditas, em algum momento da qualificação, pelos membros da banca.
Gostaria de agradecer também a meus pais, Sabrina e Juliano, pela generosidade, apoio,
compreensão, segurança e incentivo. Obrigada por serem minha família e me estruturarem,
com amor, paciência e colaboração.
Dedico também esta dissertação aos meus amigos, chefes e professores, Luiz Felipe
Pondé, Rubens Fernandes Junior e Martin Cezar Feijó, que me inspiraram a ser professora e
seguir nessa missão com ousadia e irreverência. Obrigada por acreditarem nos meus sonhos
e investirem neles.
Ao meu querido orientador, Edgard de Assis Carvalho, alma grandiosa e generosa
que, com elegância, afeto, atenção e maestria, iluminou cada página deste trabalho com seus
conselhos e orientações, bem como estimulou a ampliação de repertório em cada aula que
contribuiu enormemente para meu mestrado. Obrigada pela paciência, pelo carinho, pela
aceitação e transmissão de seus saberes, pelas análises e pela ajuda na minha busca de
conferir sentido à vida. Obrigada por compreender minhas angústias, e com leituras, acalmá-
las.
A todos os colegas que participaram, ao longo desses anos, das aulas e do grupo de
pesquisa Complexus. Obrigada por me inspirarem, ensinarem e construírem pontes que
ampliam meu caminhar.
À CAPES pelo apoio financeiro e pela prorrogação do prazo da bolsa em decorrência
da pandemia da COVID-19.
RESUMO
This thesis analyzes how post-modernity affects the relations of the subject, in dialogue with
the fragility of human bonds so that the insecurity inspired by this condition stimulates con-
flicting and ambivalent postures: wills and desires of strengthening affectional bonds while
letting them loose. After all, there is a growth of fear and cultural narcissism. In addition,
there is an exaggerated space of individuality, leaving loneliness each day closer and closer
to a subject: distressed, insecure and depressed, who fears to live and invest their time and
affection in lasting relationships. The sociologist Zygmunt Bauman, in his book Liquid Love,
states that "without humility and courage, there is no love" (BAUMAN, 2004, p. 22). So,
how to sustain love and affectional bonds in times of such fearful and narcissistic society?
The way of loving, as Bauman describes, suffers day after day; relationships are based on
glory, on the need to admire and be admired, which makes them fleeting and inconsistent.
Therefore, the works of this author are the main theoretical tools selected as bibliography of
this Master’s degree dissertation, whose objective is to some aspects of contemporaneity.
1 INTRODUÇÃO…………………………………………………13
2 A MARCHA DA SOLIDÃO………………………………….…15
2.1 Solidão…………………………………………………………27
2.2 Mudanças………………………………………………………33
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………..83
REFERÊNCIAS…………………………………………………..86
13
1 – INTRODUÇÃO
Zigmunt Bauman. O que inclui faixas etárias distintas, classe social semelhante, bairros de
mesmo convívio e comportamento social elitizado, vidas consideradas: líquidas, fluidas,
mutáveis. Sujeitos angustiados e com suas particularidades constroem um comportamento-
padrão que exemplifica o chamado novo modo de vida e estrutura afetiva social.
O objeto de análise desta dissertação foi o sujeito e como suas relações amorosas
aconteceram no ambiente chamado de pós-modernidade. Como parte da composição da
pesquisa fiz o uso da poesia como ilustração dos prefácios. Alguns dos poemas escritos no
início de cada capítulo foram encontrados durante o processo de pesquisa, outros são poesias
autorais, e todos foram selecionados para ilustrar e construir o tecido descrito na composição
do texto. Os poemas foram encontrados em pichações nas portas de banheiro da universidade
em que trabalho.
Esta dissertação buscou analisar o tema em escala macro para micro: mundialmente,
fazendo uso de pesquisas com dados globais; culturalmente, por meio da análise de
documentários específicos sobre o tema do afeto e dos relacionamentos, em culturas
orientais e ocidentais selecionando seis perfis e suas relações afetivas e fluidas na era pós-
moderna. Esclarecemos que alteramos as informações pessoais e criamos nomes fictícios
para proteger a identidade dos entrevistados.
Por meio dos estudos do teórico Zygmunt Bauman, identifiquei, nos sujeitos,
tendências na forma de se relacionar com os outros e com o mundo ao seu redor e encontrei
picos de conflitos e ambivalências que a modernidade líquida causa na maneira efêmera de
amar do sujeito pós-moderno.
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2 – A MARCHA DA SOLIDÃO
"A individualização veio para ficar; todos os que pensam sobre os meios de lidar com
seu impacto, sobre a forma como conduzimos nossas vidas, devem começar entendendo esse
fato. A individualização traz, para um número crescente de homens e mulheres, uma
liberdade sem precedentes para experimentar” Em "História da Solidão e dos Solitários”,
Georges Minois (2019) exemplifica que a solitude é transformadora e seus benefícios
consideráveis para o alcance do autoconhecimento e maturidade exige contemplar os anjos
e os demônios de nossas almas. Como ressalta Bauman, essa solitude envolve igualmente
uma "tarefa sem precedentes de lidar com suas consequências" (BAUMAN, 2008b, p. 69).
Vivemos na era pós-moderna, o que significa, para além da nomenclatura, uma
ruptura com valores, comportamentos e relações tradicionais. O mundo anterior ao pós-
moderno é definido como modernidade sólida por Zygmunt Bauman (1998): rígido,
previsível, estável e constante, com indivíduos que sabiam, assim que nasciam, exatamente
como a vida deles seguiria no fluxo constante de suas tradições familiares.
Na modernidade sólida, os valores familiares eram intrínsecos, a profissão era pré-
determinada pelos negócios, aos quais sua origem estava envolvida e sua obrigação era casar
para formar uma nova família, dando perpetuação à espécie, para obter sucesso na trajetória
do viver bem. Os vínculos afetivos, portanto, na modernidade sólida, também continham
caraterísticas estáveis, desprovidas de liberdade, mas dotadas de uma segurança material e
afetiva que se desfez como a frase em que Marx já previa: “tudo que é sólido desmancha no
ar”.
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Nas nossas sociedades modernas, as relações com o outro não são mais,
senão de modo ocasional e fragmentário, fundadas nessa experiência
global, nessa apreensão concreta dos sujeitos uns pelos outros. Elas
resultam, na maioria, de reconstruções indiretas com o auxílio de
documentos escritos. Estamos ligados a nosso passado, não mais por uma
tradição oral que supõe um contato vivido com pessoas, mas por livros e
outros documentos empilhados nas bibliotecas, por meio dos quais a crítica
se empenha em reconstituir o rosto de seus autores. (LÉVI-
STRAUSS,1998 p. 26).
contemporâneo ao qual me refiro: a condição de solidão dos sujeitos e sua maneira de negá-
la como mecanismo de defesa e visão otimista imposta pela cultura da felicidade.
Han (2017c), menciona a solidão como parte de um tempo de contemplação que é
perdido e desvalorizado no mundo atual. A frase citada anteriormente: “a solidão é a porta
para o autoconhecimento”, se refere à solidão que Han menciona, em que é necessário
silenciar-se, distanciar-se de tudo para olhar dentro de si e perceber, de fato, o que acontece
à sua volta.
É uma solidão contemplativa, ociosa e, ao mesmo tempo, criativa. Esse é o ideal de
solidão que a sociedade pós-moderna almeja, o que a garota da frase acima deseja encontrar
e que não é o que acontece na vida cotidiana dos sujeitos.
Quando estão sozinhos fisicamente, estão conectados virtualmente no mundo, com
intuito de sempre saber tudo o que acontece, certos de que não vão perder nada, mesmo
estando ausentes. A mente que não silencia não cria. A sociedade que não contempla sua
atual realidade vive de olhos fechados, refém dos sintomas cujas causas não compreendem.
Produzida recentemente por Christiane Amanpour, ex-correspondente internacional
da CNN, a série documental Sex and love around the world (Sexo e amor ao redor do
mundo), entrevista homens e mulheres de várias partes do mundo para que falem sobre suas
relações e vidas afetivas na contemporaneidade.
O primeiro capítulo aborda como as mulheres de Tóquio lidam com os afetos na sua
vida cotidiana. É interessante observar que a solidão, carência afetiva e falta de tempo para
procurar um parceiro são mencionadas por todas elas, mulheres de idades distintas e classes
sociais variadas em diferentes fases de relacionamentos.
Mulheres casadas, solteiras, divorciadas e em relacionamentos abertos sofrem com a
condição da solidão e, obviamente, o mercado se encarrega de propor soluções mirabolantes
e extremamente caras para resolver problemas que afligem a alma humana.
Clubes de mulheres são a nova moda das cidades mundiais: elas vão até esses locais,
caros e exclusivos para elas, para receber afeto dos garçons. Tal afeto inclui pegar ou segurar
nas mãos, acariciar o cabelo, conversar e se elogiar mutuamente, promover um momento de
troca de contato físico, mental e espiritual.
O clube não funciona como uma boate erótica ou bordel, onde as pessoas buscam
uma aventura sexual descompromissada; os funcionários não fazem sexo com suas clientes,
são pagos para dar afeto, atenção e carinho a cada uma delas.
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As obrigações cotidianas de bater metas, ser cada dia mais evoluído física e
profissionalmente produz indivíduos neuróticos pelo alcance de resultados inatingíveis e,
quando metas são alcançadas, novas surgem para que a pulsão vital continue ativa,
dominando tudo ao redor.
Quando a metodologia do campo profissional invade o comportamental nas relações
afetivas, aplicativos como Tinder, Happen e Grinder surgem para que as novas metas sejam
alcançadas. Busca-se conquistar e possuir o outro, como se as relações fossem uma grande
loja de departamentos, onde se compra sempre e descarta-se tudo rapidamente para continuar
comprando.
Com uma série de parceiros sexuais sendo mantidos ao mesmo tempo, homens e
mulheres se queixam de solidão e não têm a menor tolerância ou paciência para compreender
que, “às vezes” — pois dizer “sempre” assusta —, a parte extraordinária das relações se
desenvolvem no tempo de contato e convivência cotidianos. Rotina, cautela, tempo,
amizade, continuidade fazem parte da vida e alimentam as relações com suas nuances e
desencaixes.
Querem apenas companhia, desde que esta não crie problemas, não acorde em sua
cama no dia seguinte e muito menos atrapalhe as infindáveis possibilidades de
relacionamento ofertadas no “mercado do amor”. É dessa forma que a marcha da solidão
caminha a passos largos, como ilustram as assustadoras estatísticas.
De acordo com o jornal Japan Times, uma pesquisa feita com japoneses entre 18 e
34 anos mostrou que 42% dos homens e 44% das mulheres eram virgens. O estudo, de
autoria do Instituto Nacional de População e Previdência Social, é realizado a cada cinco
anos, e os dados começaram a ser coletados em 1987.
Após a divulgação dos resultados, o governo japonês anunciou que pretende elevar,
até 2025, a taxa de natalidade do país de 1,4 para 1,8. Para isso, o primeiro-ministro Shinzo
Abe já vem anunciando medidas para melhorar os serviços de babás e incentivos fiscais para
casais, mas esses programas ainda não apresentaram melhoras estatísticas concretas.
A maioria dos entrevistados afirmou que pretende se casar em algum ponto da vida,
porém não possui uma previsão concreta. “Eles querem, eventualmente, juntar as escovas
de dente. Mas a ideia é descartada porque há uma diferença entre os ideais e a realidade”,
afirma Futoshi Ishii, pesquisador-chefe do estudo. “É por isso que os casamentos são tardios
ou nunca acontecem, contribuindo para a baixa taxa de natalidade do país”.
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A tendência a não ter relações sexuais não é parte de uma ausência de erótica, nem
se restringe à população nipônica oriental do planeta Terra. Os dados de uma pesquisa feita
em 21 países são surpreendentes: os resultados nacionais são avassaladores, principalmente
pelo fato de o Brasil ser um dos países mais liberais em questão de comportamento e de
relações humanas, onde as pessoas mais mantêm contato físico.
A Viacom International Media Networks (VIMN), divisão da Viacom Inc.
(NASDAQ: VIAB, VIA), divulgou os resultados do seu mais novo estudo: Vamos Falar de
Sexo, – realizado com cerca de 12 mil pessoas, entre 18 a 49 anos de idade. O objetivo da
pesquisa é entender quão satisfeitos estão os adultos com suas vidas sexuais, além de
aprofundar o assunto sobre como se sentem e onde encontram seus parceiros.
Além do Brasil, o estudo contou com outros vinte participantes: Austrália, Bélgica,
Colômbia, República Tcheca, Alemanha, Hungria, Indonésia, Itália, Malásia, México,
Holanda, Filipinas, Polônia, Romênia, Cingapura, África do Sul, Suécia, Tailândia, Reino
Unido e EUA.
Abaixo, os principais destaques do estudo no Brasil:
1. A virgindade é mais comum do que se imagina.
A pesquisa revelou que 25% dos jovens de 18 a 24 anos são virgens. Mundialmente,
esse número é ainda maior: 38%. Os países da região Ásia-Pacífico têm a maior
concentração de jovens adultos virgens (84% na Malásia e Cingapura, 78% na Indonésia,
53% na Tailândia, 47% nas Filipinas). A castidade também é muito comum entre os jovens
de 18 a 24 anos nos Estados Unidos, com 53%.
2. Morar com os pais atrapalha a vida amorosa.
A pesquisa também mostrou que 31% dos jovens de 18 a 24 anos não estão
namorando atualmente; 22% nunca estiveram em um relacionamento sério e 20% dos jovens
nunca viveram uma relação casual. O fato de 53% ainda morar com os pais tem um impacto
relevante na vida amorosa. Quando deixam a casa dos pais – a maioria por volta dos 26 anos
– é para ir morar com o parceiro.
3. Sexo casual não é tão comum quanto parece.
Entre adultos de 18 e 29 anos, menos da metade já tiveram um relacionamento de
apenas uma noite (39%).
4. A maioria das pessoas prefere paquera real à virtual.
Entre os adultos de 18 e 29 anos que fizeram sexo causal, 96% se conheceram
pessoalmente e 48%, através de um aplicativo ou site. Curiosamente, 21% dos homens de
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18 a 29 anos que fizeram sexo casual conheceram o(a) parceiro(a) na igreja. Já 20% dos
entrevistados afirmam que já tiveram alguma experiência sexual com colega de trabalho.
Em geral, os mais jovens se sentem mais confortáveis em compartilhar intimidades online:
24% dos adultos de 18 a 29 anos já mandaram nudes para alguém e 19% dos adultos de 30
a 49 anos já fizeram isso.
5. Aplicativos são pouco eficazes para conseguir relacionamentos sérios.
Entre adultos de 18 a 29 anos que utilizaram aplicativos de relacionamento, 39% dos
homens e 28% das mulheres conseguiram sexo casual. A minoria acabou em um
relacionamento sério: 12% dos homens e apenas 5% das mulheres.
6. Casais estão mais felizes com suas vidas sexuais do que os solteiros.
Mesmo com filhos, 58% dos casais afirmaram que estão satisfeitos a frequência de
sexo. Entre casais sem filhos o índice foi de 55%. Cerca de 80% da turma classificam a vida
sexual como “boa”, enquanto que entre os solteiros o número cai para 60%.
Para além das análises e estatísticas relacionadas aos afetos sexuais, que fazem parte
da condição de convivência da humanidade, as relações sociais cotidianas também sofrem
grande abalo estrutural com o cenário líquido da modernidade e as consequências podem
causar traumas.
Uma análise apresentada na 125ª Convenção Anual da Associação Americana de
Psicologia, feita por pesquisadores da Universidade Brigham Young, nos Estados Unidos,
constatou que a solidão é uma das principais ameaças do mundo atual e o risco do aumento
de morte prematura está aliado a ela.
A pesquisa ocorreu em duas partes. Na primeira, 148 estudos foram avaliados,
totalizando 300 mil pessoas. Cruzando as informações dessa turma, os experts americanos
concluíram que quem cultiva bons relacionamentos interpessoais tem 50% mais chances de
não falecer antes da hora em comparação aos solitários.
Já a segunda, considerou os dados de aproximadamente 3,4 milhões de voluntários,
divididos em 70 pesquisas. Como era de se esperar, também houve uma clara relação entre
a solidão ou o isolamento social e o risco de morrer antes do tempo. Mas o que intrigou os
experts é o fato de esses problemas, segundo o estudo, serem tão deletérios quanto a
obesidade ou outras condições sérias de saúde.
O isolamento social é definido como pouco ou nenhum contato com outros
indivíduos. A solidão, por sua vez, é marcada pela falta de conexão emocional com os
demais. Ou seja, é possível se sentir sozinho mesmo em meio a um mar de gente. Há
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diferença entre isolamento e solidão. A solidão é ausência de si que deseja procurar no outro
resposta para angústias da própria alma.
Esse é o cenário da cultura pós-moderna e das potencialidades da vida humana em
tempos líquidos, como ressaltado por Bauman:
"A cultura pós-moderna elogia os deleites do sexo e encoraja que cada
canto e greta do Lebenswelt seja investido de significância erótica.
Impulsiona o colecionador de sensações pós-moderno a desenvolver
plenamente o potencial de sujeito sexual. Por outro lado, a mesma
cultura que proíbe explicitamente que se trate outro colecionador de
sensações como um objeto sexual. Contudo, o problema é que, em cada
encontro erótico é concebível sem que os parceiros assumam ambos os
papéis, às vezes fundindo-os em um só. Os sinais culturais contraditórios
minam, de maneira dissimulada, o que abertamente prezam e encorajam.
Essa é uma situação repleta de neuroses psíquicas, tornada ainda mais grave pelo
fato de não ser mais evidente o que a “norma” é e que tipo de “conformidade a
norma” poderia promover a cura dessas neuroses (BAUMAN, 2008b, p. 297).
importante. Existe uma tensão entre liberdade, segurança, liberdade econômica e os valores
da comunidade.
Em escalas globais, a modernidade líquida apresenta as características sociais acima
descritas. A natureza oferece informações preciosas sobre a condição da existência; humanos
ou não, os seres vivos possuem características e especificidades que devem ser levadas em
consideração para qualquer análise e compreensão de condições propostas.
Humanos possuem características como autosseleção, que é o fenômeno das gerações
seguintes herdarem o mesmo tipo de personalidade — tanto genética quanto cultural — das
relações anteriores. Os nossos antepassados fugiram e abandonaram suas raízes para
melhorar de vida, construir uma vida melhor longe de ambientes em guerra e fugir da
pobreza e da mísera; escolheram defender sua individualidade para garantir sobrevivência.
Portanto, “o resultado inevitável é uma cultura que gira em torno do sucesso individual”
(WAAL, 2010, p. 53).
A individualização entrelaçada à cultura de valorização do self colaboram para uma
péssima construção de empatia e manutenção de vínculos familiares, afetivos, amorosos e,
até mesmo, econômicos. O sujeito líquido escorre pelas instituições das quais a cultura ao
seu redor lhe impõe, pois ele não consegue permanecer constante em nenhuma delas e,
quando existe qualquer dificuldade, desaparece no ralo da fluidez, independente dos outros
ao redor, afetados por essa inconstância.
Na modernidade líquida, os sujeitos correm pela vida sozinhos, desesperados,
buscando a mesma solução de seus antepassados e não encontrando nada além de grandes
depressões. “Toda sociedade precisa encontrar um equilíbrio entre os motivos egoístas e os
motivos sociais para garantir que sua economia sirva a sociedade, e não ao contrário”
(WAAL, 2010, p. 61).
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2.1 – Solidão
Antes do divórcio e do sufrágio universal era difícil ficar sozinho, essa opção era
inexistente e se fosse cogitada era semelhante ao suicídio ou morte. Solidão era a marca dos
frustados, loucos, criminosos, bruxas. Até a época atual não era vista com agrado e por isso
no cotidiano por mais que ela nos agrade, também incomoda. Quando não estamos bem, a
solidão é a primeira a falar a verdade, é por isso que dói e que fugimos dela para tentar fingir
que estamos no controle das emoções.
Não há como fugir da angústia na solidão contemporânea com todos os seus aparatos
tecnológicos e funcionais. Mesmo diante de uma comunicação 24/7 em que é possível se
comunicar 100% do tempo, a solidão pode estar presente.
Portanto, não se pode afirmar que a solidão seja boa ou má, nobre ou péssima. De
fato, ela existe e às vezes pode ser bem utilizada para o autoconhecimento, o ócio criativo,
para a resolução de conflitos internos e externos, resiliência e empatia. Na solidão podem
se desvendar várias companhias inclusive selecioná-las da melhor forma para evitar andar
em bando e não ouvir as melodias de uma mente que quando pacificada pode ser criativa.
Dirigido por Nadav Lapid, (2019), o filme israelense Synonymes aborda a face
ambígua da solidão. Yoav, personagem principal, da história é um jovem israelita que se
muda para Paris para fugir de Israel e abandonar a carreira militar que lá seguia. Chegando
na “cidade da luz” ele se depara com a solidão em um apartamento velho, vazio, imenso,
sem moveis ou qualquer aparato que proporcione conforto e segurança. Dorme no chão e ao
acordar quando vai tomar um banho em uma velha banheira suja, branca, ele é assaltado e
suas roupas do corpo que eram sua única comodidade, desaparecem.
Sozinho e sem nenhuma intenção de retornar para Israel ou de manter contato com
sua família ele é encontrado por um casal francês de burgueses que o acolhe, dá roupas,
dinheiro e até um smartphone. O casal ainda oferece possibilidade de moradia para Yoav,
que não aceita por ter pretensões de conquistar sua liberdade, com a pequena ajuda para
sobreviver com as mínimas condições de dignidade humana, assim ele parte para um
apartamento caindo aos pedaços na periferia para morar sozinho.
Yoav se recusa a falar hebraico, língua de origem e só se comunica em francês,
compra um dicionário e através de vários sinônimos ele conta suas histórias de vida, de
guerra, para o escritor burguês que usa Yoav como animal de inspiração. Como se um belo
dia um animal fugido do zoológico entrasse na sua casa e você por curiosidade cuidasse dele
oferecendo condições para que ele permaneça e dependa de você para existir.
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Uma das potencialidades desse filme é o fato de que a história é baseada na vida do
diretor Nadav Lapid, semelhança com essa dissertação que se propõe a usar histórias para
compor as teorias de Zigmund Bauman e seus amores líquidos.
Synonymes é uma narrativa inspirada em uma história real de angústia, solidão,
desamparo estrutural, desejo fatal pela liberdade, mudança de local, de identidade, e como
tudo isso entra em crise.
Por mais que tente agir como um francês, conviver, comer, falar, Yoav nunca será
um francês. Não será reconhecido como francês por outros franceses e isso fica nítido cada
vez que ele tenta se naturalizar e sua postura de soldado israelense aparece, indignado,
revoltado, confrontando os valores franceses que ele mesmo queria adotar. O que foi
vislumbrado, não passou de mera ilusão.
É preciso resistir, mas onde encontrar energia para seguir lutando quando mais
ninguém parece estar ao seu lado? Synonymes faz das suas imagens o seu real discurso, mais
do que aquilo que é dito em diálogos aparentemente banais. No filme, real e imaginário,
razão e desrazão se entrelaçam inextricavelmente, o que obriga o espectador a buscar novos
significados psíquicos, sociais, culturais.
A liberdade parece estar ao alcance de todos, mas quando a confusão aumenta, é bom
não se enganar: as distâncias continuam vivas. O estrangeiro será sempre um estranho e por
essa perspectiva, concordando com Bauman (1998), ele se encontra sozinho e apátrida.
Cenas sublimes desse longa-metragem, vencedor do festival de Berlim, ilustram a
solidão positiva e negativa à qual me refiro. Tudo ali é contraditório, ambivalente, fluido. A
grandiosidade das imagens constitui uma bela análise da vida cotidiana na pós-modernidade.
Não é um filme sobre a França e sua xenofobia, não é um filme sobre o Estado de
Israel. É um filme sociopolítico, cultural, planetário, que trata das condições reais com as
quais as sociedades se defrontam. Yoav permanecerá para a sociedade francesa, sendo um
sinônimo mesmo que não queira. E sozinho segue em frente com algumas companhias que
aparecem no caminho.
O cinema tem o poder de ampliar a realidade em esfera global, dando exemplos locais
e se o filme acima trata mais especificamente da solidão, proponho a análise de um outro
longa-metragem que identifica ruídos e conflitos na esfera da solidão, da convivência e dos
vínculos sociaia. Cadê você Bernadette? (ou Where'd you go Bernadette?), é um longa
dirigido por Richard Linklater produzido e lançado em 2019, com Cate Blanchett como
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protagonista que interpreta a personagem Bernadette. Ela é uma mulher em torno dos 45
anos, arquiteta brilhante, que se vê de repente perdida em sua identidade.
Após casar e ter filho, muda de cidade e acaba por renunciar sua carreira, seus
sonhos, sua vida individual em prol do coletivo. A trajetória da personagem é um exemplo
da sociedade tradicional que atravessa a geração para sociedade atual, na qual o indivíduo
se depara com novas possibilidades como: divórcio, carreira e trabalho ao mesmo tempo o
exercício da maternidade, vida individual e vida coletiva, e questões que são angústias da
existência vista como normais na dinâmica social atual, mas provocam conflitos na estrutura
emocional e social de antes.
Bernadette se torna refém de aparatos tecnológicos, não tem tempo de descanso nem
contato com sua arte. Ela se distancia de tudo aquilo que era fundamental para sua evolução
pessoal e entra em depressão. A grande virada na vida da personagem é quando ela entende
e aceita que precisa ir em busca de si mesma e para isso é necessário um tempo de solidão e
reclusão para que ocorra evolução.
Liberta-se das amarras e ruídos que compõem seu cotidiano conturbado para
reestruturar seu eixo. A tarefa de olhar para dentro de si e ir em busca de desafios novos não
é fácil para a personagem, mas o final melhor que antes é certo. Ela consegue construir seu
maior projeto, volta a retomar suas individualidades, tomando as rédeas de sua jornada.
O filme é um exemplo de que a solidão quando bem aproveitada colabora com a vida
coletiva, o respeito de uma individualidade bem construída promove grandes avanços para
construção de uma realidade social saudável.
Não é egoísmo cuidar de si mesmo, mas sim um ato de amor próprio, questão de
sobrevivência que alimenta e sustenta a vontade de amar também quem está ao nosso lado.
A empatia começa quando os olhos angustiados são abraçados por eles mesmos e, quando
reconstruídos, tornam-se capazes de entender a convivialidade, a afetividade e o amor do
outro.
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2.2 – Mudanças
adaptações que as empresas e o mercado assumem para não ter possíveis prejuízos e se
estabelecerem com esse novo impacto midiático.
Start-ups e multinacionais reformam ambientes de trabalho com dressing home-
office unicamente para que os trabalhadores produzam mais, levem seus cães ou filhos e não
se desliguem um minuto sequer da máxima produtividade. O medo da solidão perde espaço
no cenário atual e o comportamento narcísico domina os novos processos sociais, políticos,
culturais e econômicos.
Modernidade líquida significa um novo modo de ser e estar no mundo. Repercute na
necessidade de experimentar novos comportamentos, como a exposição de sua intimidade
no âmbito privado e, com isso, conseguir uma colocação social que permita suprir, mesmo
precariamente, as carências de inúmeras formas superficiais. Essa supressão mata, pouco a
pouco, a comunicação real propriamente dita, criada na proximidade com a natureza e com
a conexão de outros seres humanos para que, momentaneamente se esqueça da morte e se
alivie a angústia de existir.
O humano se comunica primordialmente com o objetivo, inconsciente, de esquecer
a morte. Quando há ruídos nessa linguagem mediada e superficial, os indivíduos buscam
conforto e são tomados pelo medo, ansiedade, depressão, carência e insegurança, como se
não tivesse aprendido a suportar os desconfortos do existir.
35
descartados, posto que a mobilidade e a flexibilidade das empresas são tamanhas que, a
qualquer momento, cortes inesperados e mudanças de planos podem acontecer.
A solidez das convicções foi substituída pela liquidez do instante. Pela primeira vez
na História, a sociedade não consegue prever o que vem pela frente, a não ser as análises de
dados e convicções de que milhares de empregos já desaparecem, substituídos por máquinas
cada vez mais rápidas e precisas.
A estrutura familiar mudou drasticamente a partir do final do século XIX e início do
século XX. O afeto e o amor surgem como elementos fundadores da família, mas nem
sempre foi assim e não é por acaso que o imaginário humano gosta de idealizar histórias de
amor. No passado, as pessoas casavam com quem os pais mandavam, mas os laços de uma
família eram sagrados. Hoje, por outro lado, constituímos famílias, assumindo as diferenças
atuais que nos distinguem do mundo pré-moderno e as dificuldades que essa pluralidade de
relacionamentos pode trazer.
No entanto, observa-se uma real vontade e necessidade dos sujeitos de se
reconectarem a suas origens e essências. O mercado já compreendeu que o self deseja ser
especial, único e bem-recebido pelos laços afetivos tradicionais, revestidos de uma certa
simplicidade que podem eventualmente conter a tirania do Eu e fortalecer a autoestima..
Vejamos um exemplo: a capa de uma renomada revista mundial, em outubro de 2018,
trouxe a modelo mais bem paga do mundo, Gisele Bündchen, em uma foto suave e simples,
com título Raízes, para celebrar, segundo a revista, as origens da top model e a beleza natural
do Brasil.
Na foto de capa, a modelo usa um vestido de uma renomada grife parisiense de seda
pura e foi fotografada por um dos maiores diretores de desfiles no Brasil. Essa capa custou
alguns milhares de dólares, posto que a modelo não é paga em reais há muitos anos.
Qual a relevância da revista mais elitista e mundial colocar, na capa, uma foto
aparentemente simples na primeira versão e uma foto familiar em que a mesma modelo foi
clicada ao lado de sua mãe na segunda versão?
São as carências dos sujeitos desesperados por aconchego e segurança que buscam
no mercado capitalista, mais uma vez, a resposta. Quando o sujeito compra a revista, está
comprando a nova forma de amor e de comportamento. De forma explicita, a revista vende
a imagem que o modo de vida tradicional fundado na familia proporciona a homens e
mulheres carentes, deprimidos e isolados.
37
Te amo,
Só não entre na minha casa
Te quero,
Mas não precisamos dividir o mesmo quarto
Te desejo,
Desde que não tenham consequências negativas
Me arrisco,
Desde que esteja seguro.
Uma série alemã, vinculada à plataforma Netflix, intitulada Como vender drogas
online exemplifica a estranha mediação da comunicação dos jovens que têm sérios
problemas na forma de se relacionar afetivamente uns com os outros.
Na série, os personagens adolescentes não conseguem conversar sobre questões
sérias de maneira tradicional, olhos nos olhos — um pedido de desculpas é feito sempre via
redes sociais. Mesmo quando um personagem está no mesmo espaço físico que outro, eles
externam sentimentos por meios da inteligência artificial do aparelho celular.
Essa realidade de imaturidade e medo na comunicação é infelizmente o cenário da
convivência na pós-modernidade. Os seres humanos saem para jantar e enviam mensagens
pelo dispositivo eletrônico como se estivessem distantes fisicamente para utilizá-lo. De fato,
estão completamente ausentes da capacidade de estabelecer uma convivência real, que
demanda atenção, compreensão, capacidade de ouvir o outro, contemplar silêncios
preenchidos por atitudes e ações inconscientes, construindo, assim, laços afetivos e a
verdadeira comunicação que nasceu com o intuito de distanciar o homem de sua angústia
solitária.
A ferida na comunicação dos seres humanos ilustra um grave problema emocional
que tem consequências fatais no mundo real. Uma sociedade que não se escuta ou não se
comunica não estabelece vínculos. Sem vínculos, não há empatia. Sem empatia, não há
tolerância. Sem tolerância, só resta agressividade, aniquilação, extermínio e violência —
tanto de uns com outros quanto do self consigo mesmo.
As relações na modernidade líquida sofrem com a agonia do eros, a fragilidade dos
laços humanos, tornando-se a sociedade do esgotamento puro. Por falta de repouso nossa
civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os
inquietos, valeram tanto. Com a radicalidade que marca seus escritos, Nietzsche descreve a
essência do silêncio como força motora. Assim, pertence às correções necessárias a serem
tomadas quanto ao caráter da humanidade fortalecer em grande medida o elemento
contemplativo. (NIETZSCHE, 2005, p.37).
O século XXI estimula o fim dos afetos, do amor que está desaparecendo em função
de uma infinita liberdade de escolha; num mundo de possibilidades, o amor morre. Amar é
escolher. Apaixonar-se significa permitir-se correr riscos e se machucar, é renunciar da
liberdade individual para compartilhar. A racionalização dos afetos vinculados à tecnologia
provocam a morte desses mecanismos sentimentais. O que está em curso é a opção de
41
possibilidades ilimitadas; diante delas, os seres humanos ficam sozinhos e cada vez mais
narcisistas.
A depressão é uma enfermidade narcísica. O que leva à depressão é uma relação
consigo mesmo exageradamente sobrecarregada e pautada num controle exagerado e
doentio. O sujeito depressivo-narcisista está esgotado e fatigado de si mesmo. Não tem
mundo e é abandonado pelo outro. Eros e depressão se contrapõem e se complementam
mutuamente. O eros arranca o sujeito de si mesmo e direciona-o para o outro. A depressão,
ao contrário, mergulha em si mesma. O sujeito de hoje, voltado narcisicamente ao
desempenho, está em busca de sucesso (HAN, 2017a, p. 10).
Nessa busca incondicional pelo sucesso, o indivíduo se ausenta do outro e mergulha
na depressão de si mesmo, impossibilitando qualquer outro tipo de relação que não seja
favorável ao seu sucesso e desempenho, impossibilitando o amor. A depressão se apresenta
dessa forma e, na sociedade individualizada, ela se instaura como natural, amparada e
falsamente solucionada pela indústria dos medicamentos.
Com os avanços da ciência, acredita-se que é possível administrar os sentimentos,
quando, na realidade, simplesmente se mascara e insensibiliza a humanidade que chora,
sangrando por dentro e sorrindo por fora, movida por compostos químicos. O mundo está
criando uma geração de dependentes químicos que mascara suas dores para seguirem
produzindo e trabalhando normalmente e que, a cada dose medicamentosa, desaprendem a
sobreviver e esquecem como a dor é parte da experiência de vida, algo indispensável para o
alcance da maturidade.
Ao tentar evitar as dores da humanidade, cria-se uma geração de seres mimados,
medrosos, imaturos, incapazes. Somos recém-nascidos no afeto e não sabemos ouvir “não”.
O não sucesso e a não riqueza nos assustam a ponto de não sabermos mais como lidar com
eles e berramos por atenção, por bens materiais. Fomos criados para conseguir tudo, logo
não compreendemos o “não poder — poder”.
Se fosse possível ter controle sobre os outros e sobre nós mesmos, não estaríamos
vivendo “a vida como ela é”. Viver é contingência; se relacionar, também.
Em função dos fenômenos comportamentais atuais, o amor se dilui na sexualidade
real ou virtual. O sexo se transforma em modos de avaliação de desempenho. Carentes de
afeto, nós e os outros nos convertemos em objetos, brincamos uns com os outros na orgia
incontida da mercadoria humana, que é descartada logo após o consumo imediato.
42
O perfil da sociedade líquida faz com que também evitemos conviver com o
diferente: só se busca no outro a confirmação de si mesmo. Bauman (2004), descreve esse
tipo de relação como sendo agravada pelo fenômeno da globalização e descreve, ainda, o
agravamento de comportamentos de intolerância religiosa, atos de xenofobia e movimentos
de ódio a posições políticas diferentes.
O atual momento político do Brasil é um exemplo clássico da modernidade líquida
descrita por Bauman: não é possível estabelecer diálogo e comunicação quando nenhuma
das partes aceita abdicar das certezas para escutar o outro. Os circuitos sociais se fecham, o
preconceito aumenta, a empatia desaparece e o ódio se instaura. O ódio, a solidão é a negação
da convivência e a contemporaneidade é a era que matou o amor, impossibilitando a real
convivência social, econômica e afetiva.
Em Espiral de Ideias, Carvalho enfatiza a solidariedade como algo fundamental para
permanência da convivência. (2017, p. 135) :
Pense como eu
Ator e seus pais são mortos ao visitar família da namorada dele em SP. Segundo a
polícia, disparos foram dados pelo pai da namorada do jovem quando Rafael e os pais
conversavam com a garota e a mãe dela sobre o namoro.
O ator Rafael Henrique Miguel, de 22 anos, e seus pais morreram após serem
baleados, por volta das 13h55min, na Estrada do Alvarenga, no bairro da Pedreira, na Zona
Sul da capital paulista.
De acordo com a Secretaria da Segurança Pública, Rafael, acompanhado de seus
pais, João Alcisio Miguel, de 52 anos, e Miriam Selma Miguel, de 50 anos, foram conversar
com o pai da namorada dele sobre o namoro. Eles foram recebidos pela jovem e sua mãe.
Durante a conversa, o comerciante Paulo Curpertino Matias, de 48 anos, chegou ao
local armado e atirou nas três vítimas, que morreram no local. O autor dos disparos fugiu.
Foi solicitada perícia ao local e carro de cadáver. O caso foi registrado como homicídio
consumado no 98º DP.
Isabela Tibcherani, namorada de Rafael Miguel, ator assassinado, usou o Twitter na
madrugada desta segunda-feira (10/06/2019) para se manifestar. “Eu preciso de você, meu
amor”, escreveu a jovem.
Isabela e Rafael namoravam há um ano e dois meses.
44
O caso apresentado acima é um reflexo de tudo o que foi descrito nesta dissertação
até o momento. A manifestação da violência e do extermínio é movida por um ser narcísico,
incapaz de conviver com algo que escape ao seu controle. Quando o outro executa uma ação
que seja contrária ao que esse indivíduo imagina, ele enlouquece e, de forma irracional,
manifesta sua imaturidade, dilacerando completamente os afetos ao seu redor.
O caso, até o momento, não foi solucionado, mas é importante enfatizar, de acordo
com a teoria psicanalítica freudiana, que o suicídio, a aniquilação de si mesmo após a
percepção de atitudes irreversíveis que nada resolvem o desespero, são maioria no desfecho
de casos passionais.
Esse é também o retrato que Zygmunt Bauman denomina como extermínio do
diferente: “O amor e a morte - os dois personagens principais dessa história sem trama nem
desfecho, mas que condensa a maior parte do som e da fúria da vida” (2004, p. 16).
45
Woody Allen consegue transmutar as projeções e identificações nos seus filmes com
maestria: Dia de chuva em Nova York (2020), Meia noite em Paris (2011), Para Roma com
amor (2012) são histórias de amor que poderiam muito bem ser protagonizadas por nós,
meros mortais, e que muitas vezes parecem ser parte da nossa vida, de um romance do
passado que deu certo ou deu errado e que permanecem ocultas ou recalcadas no
inconsciente.
A intensidade das imagens é de tal monta que tudo se passa como se Woody Allen
tivesse observado nossa pacata vida de maneira silenciosa e potencializado acontecimentos
marcantes, convertendo a vida em um roteiro imaginário que aciona projeções e
identificações que desfazem a oposição entre imaginário e real. O campo dos afetos é
desnudado de tal modo que o espectador não sabe mais se está diante de uma ficção.
Sem pretensões de escrever e dirigir narrativas como o mestre do cinema fez, mas os
depoimentos subsequentes têm objetivo semelhante: falar de amor, saudar tempos que já se
foram e expor questões pessoais de pessoas que tive a honra de conhecer, conversar,
entrevistar e bem de perto observar para depois de muitos anos usar como figuras simbólicas
que dançam em conjunto e que compõem uma dramaturgia afetiva, cenário de paixões,
espectativas, decepções, esperanças.
A literatura e a poesia me acompanham desde o início da escrita e por isso permaneci
com elas, sendo fiel à essência poética que caminha com base em teorias e molda
carinhosamente desenhos dos animais noturnos que assombram os questionamentos da
existência humana.
O exercício de observar a sociedade e selecionar seis pessoas, aliás sete, pois também
me incluo no conjunto, com minhas próprias paixões e afetos, não foi tarefa fácil, pois exigiu
distanciamento, imparcialidade, coragem, análise, responsabilidade.
Cuidadosamente escolhi e ordenei histórias ouvidas por meio de um comportamento
jornalístico investigativo; troquei os uniformes para não expor ou identificar ninguém. Meu
objetivo foi tentar compreender a sociedade, a cultura, o amor, como molas que movem o
mundo, mesmo que no mundo real as pessoas não se deem conta disso. Sempre fiquei
intrigada com uma das máximas de Jacques Lacan sobre o amor. O amor – Lacan afirmou
– é oferecer o que não se tem a alguém que não o quer.
47
O apartamento alugado pelo casal foi reformado e, como ambos vão mudar para
países distantes, Beatriz colocou todos os móveis à venda em uma espécie de bazar intimista,
só para amigos.
O casal acredita que a distância só fará bem para a relação, pois preserva a
individualidade de cada um. Na questão de fidelidade, nada foi mencionado, pois, segundo
eles, relacionamento não tem espaço para cobranças.
Com a fragilidade das estruturas familiares, com a expectativa de vida de muitas
famílias sendo mais curta do que a de seus membros, com a participação em determinada
linhagem familiar tornando-se rapidamente um dos elementos indetermináveis da líquida era
moderna e com adesão a uma das diversas redes de parentesco disponíveis transformando-
se, para um crescente número de indivíduos ,numa questão de escolha…"(BAUMAN, 2004,
p. 60).
Essa forma de comportamento, na qual se prioriza a pulverização das relações é
presente na vida de Mauro e também na de sua atual esposa, que inclusive menciona o fato
de congelar seus óvulos para no futuro ter filhos, com fertilização in vitro, e não por meio
da forma convencional de reprodução.
Bauman já havia ressaltado essa tendência: “Atualmente a medicina compete com o
sexo pela responsabilidade da ‘reprodução’” (2004, p. 58), teoria essa que é exemplificada
no comportamento de Beatriz.
No âmbito do convívio social nota-se extrema dificuldade de conciliar relações com
o diferente. Bauman (2004) chama esse convívio destruído de espectro de xenofobia. Apesar
de mudar algumas vezes de país e cidade, Mauro sempre escolhe sua moradia em locais onde
pessoas de sua condição social estão presentes, demonstrando certo tipo de isolamento social
e intolerância com o diferente. O próprio bazar da venda dos móveis do casal é intimista, e
pessoas que não são parte do meio social que ambos convivem não são toleradas. O diferente
não é bem-vindo, mesmo nos casos comerciais.
Não obter constância diante das dificuldades aparentes nas relações é mais uma
característica presente na vida de Mauro, um sujeito tipicamente pós-moderno que prefere
migrar para o desconhecido em vez de resolver as questões presentes.
A dificuldade de lidar com o amadurecimento biológico e prático da vida cotidiana
está atrelada à vida líquida que prioriza a juventude, a imaturidade e o comportamento
adolescente que seria inadmissível numa sociedade clássica e tradicional.
49
fazendo para sua filha, estimulou Beatriz para que fizessem inúmeros cursos, workshops de
“como ser pai e mãe”; “como trocar fraldas”; "métodos de educar seu filho”.
Juntos, filmaram cada detalhe e cada curso que fizeram durante a gestação, mudaram
de apartamento para um lugar maior que coubesse as muitas coisas compradas para receber
a criança. Beatriz não cogitou voltar ao Japão, mas manteve seu apartamento alugado lá.
Mauro não cogitou voltar para Itália, por considerar o país atrasado, enquanto "os
americanos fazem as coisas acontecerem”.
Mesmo críticos da vida pós-moderna se integral plenamente nela. Criticam a forma
como brasileiros compram, questionam a efemeridade americana, mas baseiam grande parte
de seu tempo livre comprando e mostrando tudo aquilo que adquirem. Ficam on-line tempo
integral, inclusive Mauro, que antes se omitia das redes sociais e passou a publicar sobre o
tempo livre dispendido: na academia, no shopping, no aluguel de carros para o fim de semana
em Miami.
Beatriz atuava da mesma forma. Quando a criança nasceu, a rotina integral da recém-
nascida foi escancarada nas redes sociais. A filha do casal que passou a ser considerada uma
baby influencer, já fez ensaios de fotos profissionais, vende brinquedos e roupas infantis,
tem uma rotina publicada em tempo real, inclusive enquanto dorme.
Han (2017b), afirma que o cansaço e a exposição constante estressam e promovem o
esgarçamento da sociabilidade. Não existe na família de Mauro, um mínimo de tempo
privado, particular. Até as brigas do casal são filmadas nas redes sociais e a maioria delas
desemboca na compra de um utensílio novo que pretende resolver o problema.
Mauro tem medo de envelhecer e agora com o peso da paternidade se comporta como
garoto moderno que leva a vida tranquila, no light style de pai influencer, focado em investir
em todos os novos produtos e tecnologias para o conforto de seu lar. Beatriz assim que
acabou de ser mãe em um parto filmado transmitido em real time em suas redes sociais na
banheira de seu apartamento luxuoso com doulas e médicos, fotógrafos, maquiadores. Pediu
desculpas para todos desculpas por estar cansada e não conseguir responder à s perguntas de
seus seguidores.
Mauro e Beatriz quando questionados se permanecerão casados manifestam reações
como: “enquanto eu estiver gorda e flácida pós-parto sim, quando eu voltar com meu corpo
perfeito, me recuso a ser escrava dele. Apesar de que meus seguidores o adoram, ganhei
vários trabalhos com nossa nova fase.
51
Mauro diz frases como: fui golpeado, chamei minha esposa para passar uns dias em
Nova York, agora não tenho mais sossego e meu cartão de crédito magicamente
desapareceu. E tem um bebê morando lá em casa. Não sei se sou capaz de aguentar isso para
sempre, ainda bem que babás existem e que consigo ter a possibilidade de trocar de esposa
caso me canse dessa. Já está durando muito, ele reitera. A parte boa é ganhar presentes dos
seguidores da Beatriz e as marcas de pai me adoram e tem me dado dinheiro para falar delas.
Quando sozinho isso não aconteceu.
O clichê pode significar verdades que não são elegantemente ditas em uma entrevista
formal, é também diagnosticado como fenômeno base para encontrar as realidades dos afetos
em questão. Juntos por conveniência, para manter possíveis aparências, e no tempo em que
aquela relação for rentável aos dois. Trata-se de um casamento neoliberal.
As tecnologias alteram nossas percepções, e são por vezes extensões dos sentidos
humanos segundo a definição de Marshall McLuhan. Qual seria então a definição para essa
nova realidade das relações humanas?
A vida de Mauro expressa a agonia do Eros, titulo de uma das obras de Byung-Chul
Han. A família, o amor, convivência foram massacrados pelo narcisismo das pessoas que ali
convivem. O amor morreu na família de Mauro, se é que um dia existiu. Amar envolve abrir
mão de si por um outro, o que não ocorreu com o casal. Suas vivências envolvem inúmeros
momentos de afirmação, promoção, construção egoica. Ouso imaginar Bauman analisando
Mauro e sua família no divã. Com certeza, o conceito-chave de amor líquido seria norteador
da interpretação.
Em entrevista para Revista Isto É (2015), Bauman explicita o retrato social acima
descrito:
Amor líquido é um amor “até segundo aviso”, o amor a partir do padrão
dos bens de consumo: mantenha-os enquanto eles te trouxerem satisfação
e os substitua por outros que prometem ainda mais satisfação. O amor com
um espectro de eliminação imediata e, assim, também de ansiedade
permanente, pairando acima dele. Na sua forma “líquida”, o amor tenta
substituir a qualidade por quantidade — mas isso nunca pode ser feito,
como seus praticantes mais cedo ou mais tarde acabam percebendo. É bom
lembrar que o amor não é um “objeto encontrado”, mas um produto de um
longo e muitas vezes difícil esforço e de boa vontade.
O amor voltado para alegrias efêmeras proporcionadas por bens de consumo torna
explícitas as carências infantis que carregamos para vida adulta e que destroem a
possibilidades de exercício afetivo real, difícil de ser realizado na vida líquida cotidiana.
52
É vegano, muito ativo nas mídias sociais, onde promove seu podcast e compartilha
com os seguidores um projeto chamado MCS (Mente-Corpo-Saúde) criado por ele, onde os
seguidores postam a hashtag #MCS e marcam o perfil, fazendo 30 minutos de meditação,
leitura e atividade física todos os dias. As melhores postagens são repostadas por ele em
histórias do perfil. Sua fama aumentou quando uma famosa blogueira do Brasil fez uma
harmonização facial e trocou suas características faciais, divulgando todo o processo estético
nas suas redes sociais .
Para Bauman (2004), as formas para exemplificar as relações amorosas são definidas
em categorias de afinidade e parentesco onde “o parentesco seria o laço irredutível e
inquebrável, o laço de sangue, aquilo que não nos da escolha e é impossível de renegar” (p.
45). No caso de Rogério a dificuldade de se desprender do parentesco é evidente.
Rogério menciona uma forte ligação de admiração pela figura materna. Escolheu ser
médico, assim como sua mãe, trabalha na clínica fundada por ela e, mesmo possuindo
condições financeiras favoráveis para sua independência, não consegue sair da casa dela e
acaba evitando a evolução de sua relação com a namorada por estar emocionalmente atrelado
ao parentesco.
Portanto, a solidão acompanha o comportamento de Rogério, que tenta se distanciar
das afinidades por solidão quando, no entanto, é apenas uma fuga com desejo incontrolável
de se aproximar das relações de parentesco, que diluíram sua segurança na infância quando
os pais se divorciaram.
O comportamento de Rogério é a busca do sujeito em tentar se desviar das relações
tradicionais, ao mesmo tempo em que em que busca a segurança na sua vida individual. Essa
postura é ambivalente, contraditória e característica da modernidade líquida. Afeta as
relações do sujeito que não consegue criar vínculos afetivos reais e duradouros.
No âmbito profissional, é interessante identificar como Rogério consegue
transformar a relação de bem-estar do self em mercadoria. Sua relação com pacientes e
amigos se dá de forma on-line em maior escala que off-line. Essa condição foi
adequadamente percebida por Bauman: “A relação mais importante da proximidade virtual
parece ser a separação entre comunicação e relacionamento” (BAUMAN, 2004, p. 83).
O projeto M-C-S permite entrever as contradições das variedades virtuais como
igualmente percebido por Bauman:
54
A condição de Rogério pode ser compreendida como “a solidão por trás da porta
fechada de um quarto com um telefone celular na mão pode parecer uma condição menos
arriscada e mais segura do que compartilhar o terreno doméstico comum” (BAUMAN, 2004,
p. 85).
Essa atitude é o símbolo do indivíduo amedrontado que, distante da proteção das
práticas tradicionais e do conforto materno, age de forma defensiva, escondendo-se de sua
própria condição de solidão e comunicando-se, o tempo todo, por meio das mídias sociais.
Se “com tempo suficiente, os celulares treinariam os olhos a olhar sem ver”
(BAUMAN, 2004, p. 80), Rogério, ao longo da vida, treinou se comunicar sem se relacionar
de modo efetivo. Até o momento prefere experienciar sua liberdade para conhecer melhor
sua identidade, seria errado explorar a condição de solitude? Mesmo que solitário existe
evolução, e talvez seja mais fácil administrar o eu individual que já está em crise o suficiente
pelas mudanças e acelerações temporais para depois de certa maturidade convier e partilhar
relações mais saudáveis.
O que difere o comportamento social normal do comportamento de isolamento
problemático é a dose em que ele se manifesta. No caso acima temos episódios de acesso de
reclusão e momentos breves de socialização obrigatória por isso é considerado uma afetação
negativa da pós-modernidade na vida do sujeito.
Recentemente o cinema americano retratou uma história que exemplifica essa hiper-
relação homem-tecnologia e afastamento das pessoas reais pela mediação de contato entre
pessoas-virtuais: Jexi é o nome da comédia-romântica dos diretores Jon Lucas e Scott
Moore, (2020) em que o protagonista Phill, não tem amigos e se relaciona com sua assistente
pessoal Jexi que é um algoritmo, um sistema de inteligência artificial.
Com Jexi, ele tem companhia e orientação em tudo o que faz, se sente seguro com
ela mesmo que ela não seja real. Porém, quando o rapaz perde gradativamente a dependência
em usar o celular e resolve conviver socialmente experimentar o antigo mundo real, Jexi se
transforma em um pesadelo ao tentar trazê-lo de volta para ela, mesmo que isso signifique
arruinar suas chances de obter sucesso na vida.
55
O filme ilustra a realidade da dependência de Rogério com suas redes sociais e seu
isolamento. Enquanto medita, Rogério faz transmissões ao vivo de sua meditação, cada
consulta é espetacularizada e divulgada nas mídias sociais, seus rituais teoricamente
baseados na cultura xamânica são filmados e editados com efeitos especiais e cantos
sagrados cuja função é fazer com que os alimentos nutram amorosamente o corpo.
Existe uma necessidade de retomada do pensamento mágico na rotina de Rogério
que se perde pela mediação das tecnologias e pela sua própria função e linha de trabalho de
negar o envelhecimento as condições naturais da degeneração de nossa espécie efêmera. O
avatar de Rogério seria uma espécie de xamã com smartphones e drones que através do
botox, soros para aumento de imunidade e jatos de plasma torna seus pacientes mais fortes
e aptos na cadeia evolucionista.
Em seu consultório, dá palestras para seus pacientes e seguidores das mídias sociais.
Os temas mais recorrentes são a melhoria dos relacionamentos amorosos (ele próprio nunca
teve um relacionamento amoroso a longo prazo), dicas de aplicativos para expansão da
consciência com estímulos auditivos binaurais: uma técnica de som que simula áudio 3D por
meio de uma ilusão acústica. Essa prática é utilizada em tratamentos para reduzir estresse e
ansiedade, aumentar a concentração, melhorar a qualidade do sono, entre outros exemplos.
Apesar de não ter sua eficácia comprovada, diversos estudos apontam resultados positivos
para a prática.; outra técnica aplicada para aliviar sintomas da ansiedade é a chamada
growding (que consiste em andar descalço na grama e abraçar arvores); mantras para cantar
e atrair juventude.
Importante destacar que os seguidores de Rogério pagam um preço elevado para
alcançar esses tipos de conteúdos como se fossem novas formas de se viver e experienciar a
vida quando na realidade são formas tradicionais que em culturas indígenas, na filosofia do
yoga, em terapia ou analise no divã são bem mais palpáveis.
A efemeridade das relações desemboca na efemeridade do conhecimento e da
maneira com a qual as pessoas buscam soluções para resolver angústias de sua condição.
Rogério afirma para outros algo que quer afirmar para si e que mesmo assim toda
essa propaganda de um life style criado por ele em seu projeto M-S-C (mente, corpo, saúde)
não solucionou sua constante necessidade de aprovação, medo das relações e fuga de
convivência, como Bauman ressalta.
56
"Os contatos online têm uma vantagem sobre os offline: são mais fáceis e
menos arriscados — o que muita gente acha atraente. Eles tornam mais
fácil se conectar e se desconectar. Casos as coisas fiquem “quentes” demais
para o conforto, você pode simplesmente desligar, sem necessidade de
explicações complexas, sem inventar desculpas, sem censuras ou culpa.
Atrás do seu laptop ou iPhone, com fones no ouvido, você pode se cortar
fora dos desconfortos do mundo offline. Mas não há almoços grátis, como
diz um provérbio inglês: se você ganha algo, perde alguma coisa. Entre as
coisas perdidas estão as habilidades necessárias para estabelecer relações
de confiança, as para o que der vier, na saúde ou na tristeza, com outras
pessoas. Relações cujos encantos você nunca conhecerá a menos que
pratique. O problema é que, quanto mais você busca fugir dos
inconvenientes da vida offline, maior será a tendência a se desconectar.”(
BAUMAN para Revista Isto é, 2015).
57
muitos planos para o futuro e gosta de viver o presente, de preferência passando os finais de
semana em Ilha Bela, na casa de praia dos amigos.
Para Bauman, a forma líquida do afeto é definida pela vontade de estreitar os laços
afetivos e, ao mesmo tempo, mantê-los frouxos: "O compromisso com outra pessoa ou com
outras pessoas, em particular o compromisso incondicional e certamente aquele do tipo “até
que a morte os separe”, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, parece cada vez
mais uma armadilha que se deve evitar a todo custo.” (BAUMAN, 2004, p. 113).
É assim que Arthur Barcelos vive sua vida, evitando qualquer forma de laço
permanente, de compromisso exclusivo, comportamento este que se estende e afeta suas
relações profissionais: já trabalhou em diferentes empresas e, assim como se demite das
empresas, se descola das relações afetivas. A transitoriedade em que vive é fluida e
incongruente.
A forma como Arthur encara o sexo e as relações afetivas é ao se relacionar em larga
escala, sem nenhuma profundidade. Bauman afirma que “quando a qualidade decepciona,
você procura a salvação na quantidade. Quando a duração não está disponível é na rapidez
da mudança que pode redimi-lo” ( BAUMAN, 2004, p. 77).
O que se depreende disso é que a capacidade de amar constitui um desafio
permanente como Bauman percebe, ao reiterar que “a satisfação do amor individual não
pode ser atingida sem a humildade, a coragem, a fé e a disciplina verdadeiras”, afirma
Fromm, apenas para acrescentar adiante com tristeza que em “uma cultura na qual são raras
essas qualidades, atingir a capacidade de amar será sempre, necessariamente, uma rara
conquista.”
Em uma cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso
imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços
prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro. A promessa
de aprender a arte de amar é a oferta (falsa, enganosa, mas que deseja ardentemente que seja
verdadeira) de construir a “experiência amorosa” à semelhança de outras mercadorias, que
fascinam seduzem exibindo todas essas características e prometem desejo sem ansiedade,
esforço sem suor e resultados sem esforço (BAUMAN, 2004).
Amar é ter responsabilidade afetiva para com o outro e, aparentemente, Arthur tem
preferência em abandonar qualquer vínculo que não seja efêmero. Seu comportamento nas
redes sociais é oculto e pontual em exposição, ele afirma que prefere não expor tanto seu
59
dia mas adora acompanhar o que as pessoas que conhece e celebridades que gosta estão
fazendo em tempo real.
Como não usa aplicativos de relacionamento escolhe suas parceiras sexuais através
do Instagram. Adquiriu um vício em compras on-line depois de ter sido traído em seu último
relacionamento que durou seis meses. Gosta de comprar tudo que tem muita tecnologia:
máquina de café que vem com opção de dry martini e agua com gás, assistente pessoal do
Google, Alexa, um robô com quem ele mais conversa e confia: “ Ela sabe dos meus horários,
hábitos e me avisa tudo o que preciso lembrar e fazer”.
Compra skates e pranchas de surfe de vários tipo. Mesmo assim, se considera
minimalista e objetivo, pois mora em um luxuoso apartamento pequeno, tecnológico e
através dos seus sistemas multiconectados ele consegue integrar sua vida: carro, casa,
celular, computador, smart watch, tudo se comunica e facilita a rotina atribulada.
Arthur relata dificuldades para dormir, tem tomado alguns medicamentos para
ansiedade quando sente necessidade, toma também alguns medicamentos para auxiliar o
aumento da produtividade como Aderal que o deixa bastante ligado. Compra esses
medicamentos com receitas de amigos que são médicos e que também tomam medicamentos
para ajudar na rotina do dia a dia.
Quando questionado sobre o porquê de não fazer análise ou terapia, afirma que
prefere não gastar dinheiro com isso: “Sou normal, quem hoje em dia não toma umas drogas
para viver? Sou feliz assim, saio para beber e é isso. Pensar demais estraga tudo. E outra, em
uma agência de publicidade ou no mercado de modo geral quem não rende está na rua, eu
sou CEO por natureza, tenho obrigação de ser melhor que todos e quando estou cansado um
Aderal ajuda muito.”
Homens e mulheres da mesma faixa etária de Arthur reiteram esse tipo de afirmação.
O documentário Take your pills, lançado em 2018, acompanha a vida de pessoas que fazem
uso de Ritalina e Aderal. Esses tipos de medicamentos são receitados para pessoas que
possuem Transtornos do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), no entanto, tornou-
se uma epidemia entre as saudáveis que os utilizam para melhorar a performance nos estudos
ou no trabalho.
Numa sociedade como a nossa em que a competitividade e a alta demanda por
resultados levam as pessoas à exaustão é comum o uso de drogas como uma falsa forma de
compensação para o aumento da produtividade. Muitos casos retratados no documentário
seguem esse padrão.
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Um dos entrevistados, que opta por não ser identificado, diz que usou estimulantes
para conseguir virar noites trabalhando, a fim de completar as metas exigidas pelo seu chefe.
Segundo ele, é comum em grandes empresas, devido a alta competitividade, o uso de Aderal.
Outro enrevistado, produtor de músicas, conta que tomar as pílulas o transforma em “um
capitalista melhor”.
E não apenas no mundo do trabalho existe tal epidemia: desde o colegial as pessoas
são tentadas a utilizar os estimulantes. Há relato sobre como os alunos, que não possuem
nem 18 anos ainda, tomam as pílulas para conseguir melhores notas no SAT (versão
estadunidense do ENEM). Ao entrar na universidade, a pressão não diminui. Nos grupos e
chats on-line de estudantes um grande mercado de compra e venda de medicamentos
estimula esse tipo de consumo.
Valores da sociedade capitalista como o individualismo, o “todos contra todos”, a
busca incansável por alcançar metas e ser bem-sucedido, além da pressão nas empresas para
que os funcionários apresentem cada vez mais produtividade, está deixando a população
doente, tanto fisicamente como mentalmente: “Hoje a pessoa explora a si mesma achando
que está se realizando; é a lógica traiçoeira do neoliberalismo que culmina na síndrome de
bournout’". (HAN, 2017, entrevista a El País)
Arthur não parece ter consciência de que seus atos são sempre em função de um
desempenho ultrassatisfatório, inclusive nas relações sexuais, utilizando por vezes Viagra
para prolongar a transa e, segundo ele, satisfazer suas parceiras mais intensamente. A busca
constante por produção e desempenho esgota a vida de Arthur, que não consegue perceber
ou intuir que não está feliz, mas sim desesperado, ansioso, angustiado.
Ao invés de paz, descanso, celulares desligados, olhos nos olhos e pés descalços, ele
vivencia um cotidiano que envenena suas potencialidades reais. Seu discurso de não usar
plástico para salvar o planeta comparado com seu hábito de comprar e manter um padrão de
vida refém de alta tecnologia soa como algo incongruente. De modo semelhante, a
efemeridade de suas relações afetivas não contribui para superar seu mal-estar, mantendo-o
numa insatisfação psíquica, mesmo diante do aparente sucesso que cerca sua vida material.
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Anne Andrade, hoje com 23 anos, é solteira e estudante de arquitetura. Aos 16 anos,
saiu da casa de seus pais no interior do Rio grande do Sul para viver na cidade de São Paulo,
com o propósito de estudar em uma universidade renomada, crescer profissionalmente e
ganhar o mundo. Após dois meses de curso, descobriu que foi aprovada na faculdade de
Arquitetura que sempre sonhou, largou a universidade pública mudou-se para uma particular
contrariando a maioria e investiu na referência de seus sonhos. Ane sempre teve o sonho de
morar em uma metrópole posto que se sentia presa e fora do mundo na pequena cidade onde
nasceu, ao mesmo tempo afirma se sentir engolida pela selva de pedra, com níveis de
preocupação e stress bem mais elevados do que estava acostumada.
A liberdade de escolha e o universo de múltiplas possibilidades para o mercado de
trabalho também deixam Ane seduzida e fora de foco, ao mesmo tempo que sente vontade
de concluir sua faculdade sente que esta perdendo ótimas oportunidades no mercado da
moda fora do pais e fica constantemente divida entre a carreira profissional de arquitetura e
urbanismo e outras possibilidades que podem existir fora dessa rotina padronizada de ensino.
Cursando Arquitetura, trabalhava como modelo nas horas vagas para conseguir
bancar suas contas na capital. Conheceu Gabriel Machado, seu primeiro namorado sério pois
antes dele não havia ficado com alguém por mais de 2 vezes seguidas, não estava apaixonada
por Gabriel mais aceitou namorar com ele para vivenciar essa experiência que terminou
após seis meses de relacionamento, Ane por perder sua liberdade e por sustentar grande parte
dos gastos dele, posto que a condição financeira dela fosse superior se cansou de Gabriel.
A relação deles se assemelhava a um namoro com características de casamento:
durante a semana, moravam juntos no apartamento dela, alugado nos Jardins, aos fins de
semana cada um saia sozinho e cuidavam da própria vida para preservar a liberdade, não
falavam sobre fidelidade mas aparentemente o relacionamento era monogâmico. Ane infeliz
na condição de estar com uma única pessoa e se sentindo perdendo a oportunidade de
vivenciar outras experiências de relações terminou com Gabriel, dizendo também que não
se sentia confortável bancando as contas dele.
Imediatamente após o término dessa relação Anne no dia seguinte, envolveu-se com
Heitor Cavalcante, de 39 anos, diretor de casting da agência de modelos em que trabalhava,
eles já haviam flertado algumas vezes nas reuniões da agência e em uma manhã de trabalho
eles transaram no escritório de Heitor. Anne gostava do fato de que Heitor era casado e não
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invadia sua liberdade nem atrapalhava seu cotidiano. Permaneceram juntos, namorando em
segredo com o passar do tempo se apaixonou e quando se declarou Heitor pulou fora.
Com o coração partido, resolveu se mudar, fazer um intercâmbio em Nova York,
onde foi estudar inglês, trabalhar como modelo e aprimorar as habilidades como futura
arquiteta. Sentiu-se usada por Heitor mesmo que desde o início sabia que a relação deles
seria algo diferente do tipo de relacionamentos que seus pais e conhecidos no interior
viveram segundo suas análises e perspectivas.
Anne não queria casar, mas também não queria ficar sozinha. Queria se apaixonar
mas ja sabia que sofrer por amor é descobrir o desencanto e esse causava dores profundas e
oscilações de ansiedade e depressão, sentimentos que ela mesma ja sentia estando só, mas
que na companhia de um relacionamento mal resolvido dentro de suas noções de realidade
eram potencializadas a ponto de bagunçar e desestruturar sua vida acadêmica, financeira e
profissional.
Com receio de se relacionar, não conseguia conhecer pessoas fora do seu ambiente
profissional, transava muito com inúmeros parceiros que nos Estados Unidos não lembrava
nem o nome, mas não passava disso: sexo pelo sexo. Suas relações de convivência eram
exclusivas com as pessoas com quem trabalhava. Sua vida era completamente voltada ao
trabalho, seu tempo livre era também tempo de trabalho, seus momentos de lazer poucos
minutos de sexo com pessoas desconhecidas.
Namorou também alguns garotos de sua idade, mas não permitia que nada evoluísse
para algo sério, acreditava que paixão atrapalhava a vida e preferia não lidar com ela. Chegou
a questionar sua sexualidade e experimentou se relacionar com uma mulher por uma noite,
uma mulher que conheceu pela internet aparentemente com características que Anne não
sentia atração, mas por curiosidade seguiu a explorar mais um território do afeto e da
sexualidade em busca de algo que nem ela mesma conseguia entender plenamente. Talvez
se sentisse medíocre com sua heterossexualidade.
Conheceu também James, um arquiteto de 45 anos, e apaixonaram-se à primeira
vista. James namorava outra pessoa, mas vivia um relacionamento aberto, portanto, se
envolveu com Ane. Viveram esse romance juntos até Ane se mudar novamente para São
Paulo, a fim de continuar seus estudos. Em um primeiro momento, conseguiram levar a
relação à distância, até que James teve um filho com sua outra namorada e resolveu casar-
se com ela.
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Ficou devastada. Amava James e sentia que existia um futuro onde essa relação
pudesse se transformar em algo mais palpável, estreito ou sério (palavra que não gosta de
usar para definir estados de relacionamentos), sentiu-se rejeitada e voltou ao Brasil.
De volta para a faculdade de arquitetura, conheceu Pedro, advogado solteiro com a
mesma idade que ela. Começaram a namorar e rapidamente ele se mudou para casa dela.
Morando juntos, sentiu-se casada pela segunda vez e, mesmo incomodada com a situação,
aceitou permanecer por carência afetiva, provocada pela frustração da relação anterior.
Namorando Pedro, encontrou algumas vezes com seu ex-namorado, James, em suas
vindas ao Brasil, pessoa pela qual realmente tinha interesse afetivo, mas não retomaram
nada. Um dia descobriu que Pedro era golpista, mentia sobre ser advogado, sobre sua família,
sobre sua condição financeira e que ele estava com ela por conta de sua condição
socioeconômica. Terminaram, contra a vontade de Pedro, que passou a perseguir Ane até
ela pedir ajuda e conseguir uma medida protetiva para impedi-lo de obter qualquer contato
com ela.
Saiu emocionalmente abalada dessa relação e, desde então, não conseguiu se
relacionar afetivamente. No entanto, apaixonou-se mais uma vez, por um homem 30 anos
mais velho que ela, casado e com filhos, relação essa fadada ao fracasso, posto que na
realidade nenhuma das partes envolvidas buscava um relacionamento, queriam aventuras e
tiveram momentos breves, porém intensos. Anne não mantém laços com amigos ou
conhecidos, não socializa com pessoas ao redor. Somente permanece na condição de
apaixonar-se e desapaixonar-se.
É exatamente isso que define a condição afetiva do sujeito pós-moderno, segundo
Bauman (2004). Anne aparentemente quer mudar e não consegue. Atualmente, ela se declara
só, sem maiores planos de formar família ou investir em relacionamentos. Sabe que, por
mais que tente não se apaixonar, sua natureza busca o afeto e, como ressalta Bauman, “amar
significa abrir-se ao destino, a mais sublime de todas as condições humanas, em que o medo
se funde ao regozijo num amálgama irreversível” (BAUMAN, 2004, p. 21).
Anne se encaixa no cenário contemporâneo, onde o sujeito tem constante necessidade
de mudança e renovação, assim como os parceiros com quem ela se relaciona, eles também
moldam o cenário de suas vidas em função de serem afetados pelas novas possibilidades até
antes ignoradas ou tratadas como impensáveis.
Seu âmbito afetivo é mediado pela memória e evidência do fracasso das relações,
provocadas pela fantasia de sua ansiedade. Ane não consegue conhecer pessoas disponíveis
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para um relacionamento, pois sua real intenção é não ter um relacionamento. Ao mesmo
tempo, sente a insegurança e a carência na solidão de falar com muitos e se comunicar com
poucos.
Baseada nas experiências passadas, acredita que todas as suas outras formas de
relação, de alguma maneira, estarão a caminho de um fim e, por viés controlador, outra
característica presente, tenta premeditar todos os riscos que as relações possam ter, como
antídoto do sofrimento.
Na maior parte do tempo, ela se frusta, posto que não é possível premeditar a
contingência, ela vive com o fantasma da insegurança incorporado em sua alma. Em
contrapartida, Anne acredita que a súbita abundância e a evidente disponibilidade das
experiências amorosas podem alimentar a convicção de que amar, apaixonar-se, instigar o
amor é uma habilidade, e que o domínio dessa habilidade aumenta com a prática e a
assiduidade do exercício.
Pode-se até acreditar que as habilidades do fazer amor tendem a crescer com o
acúmulo de experiências; que o próximo amor será uma experiência ainda mais estimulante
do que a que vivemos atualmente, embora não tão emocionante quanto a que vira depois.
Ao longo das experiências cada vez mais frustradas, por colocar expectativas
fantasiosas nas relações, Anne paralisa sua capacidade de sociabilidade para evitar o fracasso
do inalcançável e dedicar-se unicamente a si mesma, aparentemente a única pessoa com a
qual se importa.
Busca o relacionamento na expectativa de mitigar a insegurança que infestou sua
solidão; mas o tratamento só fez expandir os sintomas, agora você talvez se sinta mais
inseguro do que antes, ainda que essa nova e agravada insegurança possa provir de outros
traumas, recalques, dramas. A insegurança de Anne diante das relações é semelhante às
outras personas aqui descritas no tocante a relacionamentos afetivos. Não há como fugir, a
pós-modernidade oferece a possibilidade de viver e passear pela existência de diferentes
formas ainda não vividas e pensadas e, por isso, causa inseguranças, medo, ansiedade.
Se estar apaixonado é definido pela neurociência como condição de não compreensão
total da realidade, toda sociedade que busca hoje a efemeridade de uma paixão demonstra a
ausência de uma visão de mundo consciente que não consegue se fixar no sujeito amoroso.
Por isso, sai pela vida errando, se apaixonando aqui e acolá, trocando de afeto como se
troca de roupas.
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Psicóloga, de 37 anos, casada há dez anos e com três filhos pequenos, Helena
Guimarães atende seus pacientes numa clínica de transtornos mentais na rua Oscar Freire,
em São Paulo.
Helena desenvolveu o hábito de procurar os parentes de seus pacientes e de se
relacionar com eles, a fim de solucionar os conflitos relatados no divã de seu consultório.
Essa forma de terapia já rendeu alguns processos ao longo de sua carreira e, seu
marido, que é advogado, já interferiu algumas vezes, proibindo Helena de se comportar dessa
forma. Ela não gosta de estar casada. No entanto, não recorre à separação em função dos
filhos que, inclusive, apresentam alguns problemas na vida escolar e têm dificuldade de
aceitação com o gênero biológico com que nasceram.
Ciente de que Carlos, seu marido, tem um caso com a secretária há cinco anos,
Helena acredita que monogamia não é viável e que fidelidade no relacionamento não tem a
ver com sexo fora do casamento.
Sente-se infeliz na condição em que se encontra. Já tentou abandonar a família e se
mudar para a Austrália, para viver com seu personal trainer, de 28 anos, fase essa que durou
seis meses. Voltou ao Brasil em função dos seus filhos pequenos estarem com sérios
problemas de relacionamento e aprendizado na escola.
Permanece com Carlos em um casamento em que já não se relacionam sexualmente,
mesmo dormindo no mesmo quarto. Helena acredita que essa imagem de união entre pai e
mãe numa primeira infância seja importante para os filhos.
Carlos conserva o casamento em função de preservar o patrimônio e pela imagem
social positiva que uma família tradicional oferece. Em entrevista, afirmaram: “preservamos
nossa individualidade e privacidade e, ao mesmo tempo, construímos uma unidade familiar
muito rara nos dias de hoje”.
A transgressão e a concepção de unidade familiar inabalável traçam o perfil de
Helena e de sua forma de se relacionar. Intransigente no comportamento profissional, Helena
apoia-se no marido advogado como unidade de proteção e manutenção de sua razão. Carlos,
por sua vez, sente-se útil em regulamentar a vida profissional de sua esposa, mas a forma
com a qual eles insistem em se comportar é interessante e recorrente no cenário familiar pós-
moderno.
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Descrevem a atual situação familiar como uma rara experiência de sucesso. É uma
análise equivocada e fantasiosa, visto que os problemas são palpáveis e inevitáveis em
qualquer espécie de relacionamento e unidade familiar pós-moderna — é algo bem distante
da realidade.
A relação dela com os filhos e marido é, acima de tudo, uma relação de objeto de
consumo emocional, assim como a decisão de não recorrer ao divórcio para preservar o
patrimônio. "Comprometer-se com um relacionamento “irrelevante em longo prazo” é uma
faca de dois gumes. Faz com que manter ou confiscar o investimento seja uma questão de
cálculo e decisão. Mas não há motivo para supor que seu parceiro ou parceira não deseje, se
for o caso, exercitar uma escolha semelhante, e que não esteja livre para fazê-lo quando
desejar.
Essa consciência aumenta ainda mais sua incerteza. É a base do conviver que está
em jogo. “Nenhuma variação do convívio humano é plenamente estruturada, nenhuma
diferenciação interna é totalmente abrangente, inclusiva e livre de ambivalência, nenhuma
hierarquia é total e congelada” (BAUMAN, 2004, p. 95). A família de Helena está distante
de constituir qualquer espécie de unidade familiar estruturada existente.
O que todos buscam é uma base sólida em uma estrutura de areia movediça. A
insegurança e a instabilidade desembocam no medo e na falta de coragem e ousadia para
superá-lo. Helena não se assume. Existe um anseio de ser uma mulher independente que não
consegue se desligar do tradicional modo arcaico com que sua avó se relacionava. Helena
poderia aprender a ser livre, mas, mesmo que as portas da gaiola estejam abertas, ela não
consegue voar, nem que fosse por breves instantes. Por isso, sempre retorna ao berço de ouro
que a aprisiona e frustra.
É mais comum do que parece, casais infelizes permanecerem juntos: por hábito,
inseguranças, medo de abalo na vida financeira, evitar sofrimento dos filhos, receio de mudar
de vida drasticamente, educação machista e conservadora, medo da solidão e abandono na
terceira idade, e por aí escorrem os motivos na grande cachoeira das lamentações que
mantém Helena com suas razões infeliz e casada mesmo que de forma falsa.
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num mundo cheio de outros personagens que compartilham todas essas virtudes, e nada
além.
O único personagem que os praticantes do mercado podem, querem reconhecer e
acolher é o homo consumens - o solitário, autorreferente e autocentrado comprador que
adotou a busca pela melhor barganha com uma cura para a solidão e não conhece outra
terapia.” (BAUMAN, 2004, p. 91)
O comportamento de Antônio se enquadra nos perfis do homo economicus e do homo
consumens explicitados por Bauman. Transita por eles de forma intermitente: apaixona-se
e desapaixona-se, ama e desama, numa infindável espiral de afetos inconstantes. Sente
dificuldades em amar o próximo, seus convívios são coisificados com durabilidade pré-
estabelecida, sendo destruídos no fim de cada separação. Solitário e infeliz, Antônio
simplesmente é o personagem dele mesmo. Espelha o sujeito pós-moderno que trata “os
outros seres humanos como objeto de consumo e a julgá-los, segundo o padrão desses objetos, pelo
volume de prazer que provavelmente oferecem e em termos de seu valor monetário” (BAUMAN,
2004, p. 97).
70
O Ocidente pareceu não se preocupar com os efeitos dos avanços tecnológicos e suas
consequências na vida cotidiana. Acelerando na velocidade da luz, visando conquistar
modernidade suficiente para facilitar o cotidiano e se surpreendendo com outro tempo,
outros modos e diferentes sintomas.
De acordo com Han (2017), cada época temporal na história da humanidade possui
uma série de enfermidades distintas e fundamentais. São perspectivas patológicas que
identificam noções antropológicas que, quando analisadas no século passado, bactérias e
vírus ultrarresistentes assombravam a condição de segurança da vida humana.
Durante os anos, a Medicina evolui e, para cada bactéria, um antibiótico; para cada
vírus, uma vacina. Assim, a ameaça foi sanada ou, em alguns casos, controlada com sucesso.
A Terra está em constante movimento; a humanidade, também. Com o passar dos séculos,
novas ameaças ao bem-estar coletivo esperam, ansiosas, para completar o ciclo fatal da
natureza: destrui e recriar. Han (2017) analisa as amarras do século XXI não mais como
bacteriológicas, e sim neuronais.
"Doencas neuronais como depressão, Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH), Transtorno de Personalidade Limítrofe (TPL) ou Síndrome de
Burnout (SB) determinam a paisagem patológica do começo do século XXI. Não são
infecções, mas enfartos provocados pela negatividade de algo imunologicamente diverso,
mas pelo excesso de positividade." (HAN, 2017c, p. 7)
A ultravalorização do bem, da positividade está violentando a humanidade e a
motivando, negativamente, a duras penas, papéis de super desempenho, produção e
comunicação.
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Ali se vai
Ali se, fica!
Ali se volta.
E se justifica
Ali se mora
Ali se briga
Ali se chora
Ali, sem vida
Ali se morre
Se ali fica
Ali se, vai!
Não se justifica
Ali cê vive
Aqui cê vem
Alice, viva
Que eu fico bem.
Não há como escapar da angústia. É dela que vem a condição que move a alma dos
homens. Sublimar o medo dos afetos é fundamental para existir, para conviver em sociedade,
e a morte desse afeto é uma das grandes causas do abalo estrutural contemporâneo. Se o
amor morre, a pulsão termina. Sem pulsão, não há vida. Sem vida, não há movimento. A
psique humana é paralítica na pós-modernidade.
Nessa analogia com o poema do início do capítulo, Alice ilustra o sujeito pós-
moderno paralisado diante da vida, com seus afetos abalados e seu amor próprio vandalizado
pelo cotidiano. A mensagem pulsional é: “Alice, viva para não morrer”, corra riscos,
permita-se vivenciar a estética filosófica da experiência existencial. O sentido da vida está
no combate, na coragem de encontrar sensações desconhecidas e lidar com elas. É por medo
do sofrimento que a humanidade se encontra paralisada.
A ideia de amor líquido de Zygmunt Bauman transcende valores e descrições dos
afetos amorosos. Para Bauman, a raiz social da condição humana é extirpada pela pós-
modernidade, reduzida a um mero palco de operações midiáticas, sensações depauradas,
amores brutalizados, consumismos desenfreados.
De todos os exemplos descritos nesta dissertação, o poema “Alice”, encontrado
escrito na parede de um banheiro, de uma universidade, na cidade de São Paulo, é a viva
comprovação de que a pós-modernidade afeta as relações do sujeito, em todos os âmbitos,
questões e instituições das quais ele faz parte. A destruição parte do foco central, da matriz
criadora da vida: o amor, os afetos.
"Quanto mais eu fracasso no luto da imagem, mais fico angustiado; mas, quanto
mais eu o consigo, mais me entristeço. Se o exílio do Imaginário é o caminho necessário
para a “cura”, convenhamos que o progresso é triste.Essa tristeza não é uma melancolia
completa (de forma alguma clínica), pois não me acuso de nada e não fico prostrado. Minha
tristeza pertence a essa faixa de melancolia onde a perda do ser amado fica abstrata. Falta
redobrada: não posso nem mesmo investir minha infelicidade, como no tempo em que eu
sofria por estar apaixonado. Nesse tempo, eu desejava, eu sonhava, eu lutava, diante de
mim havia um bem, apenas retardado, atravessado por contratempos. Agora, não ha mais
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repercussão, tudo está calmo e é pior. Embora justificado por uma economia - a imagem
morre para que eu viva- o luto amoroso tem sempre um resto: uma palavra volta sem parar:
“Que pena.” (FREUD, 2010, p. 105).
O egoísmo é a grande revolução moral pós-moderna marcada por rupturas
consideradas irreversíveis. Ruptura com a ancestralidade, com a vida campestre, com o
sentimento de comunidade de destino. Dentre todas essas rupturas, o egoísmo é uma das
expressões mais visíveis no cotidiano global. O sujeito se torna o centro de tudo, só se
preocupa com ele mesmo, não consegue estabelecer relações baseadas no altruísmo e na
solidariedade.
Hoje, o individualismo se torna o motor da sociedade. A atitude de pensar primeiro
em si, de colocar o self sempre em primeiro lugar e a impressão de que podemos nos colocar
em primeiro plano passam a moldar as relações sociais. Cada indivíduo passa a se
consisderar seu próprio sol, onde todo o sistema gira a seu redor. Essa noção é catastrófica
para o convívio em sociedade. Daí se explica o sucesso das chamadas terapias de autoajuda,
de aconselhamento trivial, que pretendem alterar o comportamento humano, combater o
estresse e todas as síndromes dele decorrentes.
Autoestima, massagens no ego, ideia de prosperidade constante — a publicidade já
se apropriou desse ideário para expandir suas formas de comunicação. As universidades
modificam seu sistema em prol de formar cidadãos com diplomas voltados para as
necessidades do mercado. A fragmentação domina o cenário dos saberes e não estimula a
tão pretendida religação das culturas humanista e científica. O narcisismo, a infatilização e
o imediattismo são as consequências mais visíveis desse processo.
Não há sociedade sem comunicação e existem padrões de conduta moral que mantêm
a ordem social estabelecida, e o egoísmo não colabora nesse esquema. O oposto ao egoísmo
seria a generosidade, a empatia. O egoísmo é a base da sociedade atual, como se pode
depreender no pequeno recorte “empírico” apresentado nesta dissertação: pessoas de classe
alta, heterossexuais, residentes de bairros ricos da cidade de São Paulo.
Cada persona descrita nos capítulos anteriores apresenta características de seres
humanos egotistas, mimados, ressentidos. Possuem extrema dificuldade em manter laços
afetivos, posto que se relacionar exige comunicação, negociação, renúncia do movimento
individual, abdicação da privacidade, entre outras premissas da generosidade e empatia.
Entre as características, estão a carência, a dificuldade de lidar com fracasso, o fato
de mentir para si mesmo, o consumo exacerbado de bens materiais para tentar preencher
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carência de dissertações que abordem essa pequena parte da elite da cidade de São Paulo,
resolvi destrinchá-la e compreendê-la um pouco mais.
Essa minoria elitista está em constante desequilíbrio emocional. Quando não se tem
problemas estruturais de sobrevivência, as questões emocionais vêm à tona. A humanidade
evoluiu em tecnologias, mas não em estado de civilidade e controle emocional. Quanto
menores as preocupações com a sobrevivência, maiores as questões com permanência na
condição de existência, posto que a morte é certa.
Nelson Rodrigues em suas declarações e obras deixou explicita a frase “dinheiro
compra até amor verdadeiro”. Sua indagação não é discordável, no entanto, ela não discorre
sobre o amor básico do sujeito: o amor próprio. A ausência de amor próprio torna as pessoas
ressentidas, egoístas e com comportamentos cada vez mais egoístas. O dinheiro não
soluciona a inquietude noturna. O dinheiro pode comprar medicamentos que sedam suas
doenças emocionais, mas não resolvem as questões da convivência cotidiana.
O real problema da sociedade se dá na péssima relação entre sujeitos. São relações
de opressor e oprimido, de interesses individuais acima dos bens coletivos e da constante
busca do poder. Han (2017d) e O que é poder?, analisa essa situação do ser humano ser
violento por natureza e ir em busca de dominar tudo o que está à sua volta. Quem tem o
poder monetário nas mãos também tem a imaturidade de não saber o que fazer com ele. E
isso está relacionado, inclusive, ao mundo dos afetos, o alicerce social e moral da
humanidade.
Ignorar as condições afetivas no mundo pós-moderno é negar o cerne das questões
mundiais. Já é tempo de tratar dos problemas sociais e antropológicos olhando seu único
causador: o indivíduo. Por isso, para refletir sobre questões mundiais como desigualdade,
violência, guerras, abusos sexuais, homicídios, suicídios, caos social, é primordial analisar
primeiro os seres humanos. Estes moldam esse cenário e suas relações afetivas, pois são
nelas que a convivência e a afabilidade se instauram.
A conta é básica, porém complexa: quando se trata de seres humanos, lidamos com
contingências e, se fazemos parte da natureza, se viemos dela, em alguma medida, somos,
também, matéria de criação e destruição. No breve passar do tempo, estamos destruindo uns
aos outros, tentando sobreviver sem saber para onde vamos. Os cernes das questões sociais
são, portanto, problemas de questões pessoais que se ampliam em esferas que transcendem
os sujeitos.
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4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Indefinível
Poetas tentam,
Psicanalistas inventam,
Histéricas gritam na porta dos bares,
Padres catequizam iletrados sem
Sorte
Em datas propagandísticas.
Há quem confine o amor aos
bichinhos de estimação,
Plantas, filhos, objetos, contas bancárias gordas
Ou gangues organizadas em arenas encharcadas de
loucos.
O mundo morre pela falta daquilo
Que não existe;
Mas nao ha quem resista a um
Delirio ficcional:
(Edmilson Felipe)
afetivos e familiares. Esta dissertação se propôs a analisar como esse modelo de homem pós-
moderno, sem vínculos, se conecta e interage com o mundo à sua volta.
Respondeu por que os sujeitos, na pós-modernidade, têm mais receio e dificuldade
de estabelecer vínculos, e o que acontece para que as relações se tornem líquidas.
Ao analisar fragmentos de seis entrevistas transcritas, através da criação de seis
personas, estabeleceu-se exemplos, respostas e conexões das relações fluidas e a fragilidade
dos laços afetivos. Esta dissertação exibe um panorama de tendências dos sujeitos na forma
de se relacionar com os outros e com o mundo ao redor, os picos de conflitos e as
ambivalências que a modernidade líquida provoca na maneira efêmera de amar.
A dissertação buscou compreender como esse sujeito pós-moderno, aparentemente
sem vínculos, se conecta e aprende a mediar as relações, pois se distanciaram de toda a
segurança proporcionada pela tradição e pelo sentimento de comunidade.
A evolução do homem é a evolução da sociedade ao qual ele faz parte. A sociedade
1% narcisista e individualizada dita as regras das demais faces da pirâmide social mundial
e, enquanto não olharmos para o sujeito que tem sua vida destruída, seus laços afetivos
fragilizados e sérios problemas psicológicos relacionados a distúrbios do ego, não
construiremos uma planilha mínima de relações saudáveis, não violentas e igualitárias.
Para além das faces de múltiplos relacionamentos, amores líquidos ou não amores, a
vida acontece através de laços e comunicação. Mesmo que esses sejam desfeitos com
facilidade em algum momento surgiu a necessidade de buscá-los para distanciar-se da
solidão. Em outros momentos procura-se exatamente o contrário: silêncio , distanciamento
a própria solidão, que é importante para que existam momentos saudáveis na convivência.
Podemos negar ou esquecer que o viver é dialógico e dialético e que não há como
controlar a contingência mas existem meios de conhecer as fontes de nossas sombras e
angústias, não para resolvê-las como um teorema pitagórico, mas para melhor administrá-
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las e desenvolver mecanismos de sublimação dos fantasmas e feridas que nos assolam.
Temos de ensaiar novas formas de conviver e viver em sociedade isso perdurará enquanto o
mundo existir.
O conhecimento é das mais belas formas de assumir responsabilidade de escolha e
para que essas escolhas sejam livres, devem ser entendidas como um mergulho de realidade
na alma da sabedoria. Arte, psicanálise, filosofia, sociologia, antropologia, neurociência,
física quântica, religiões são interpretações do mundo, ao mesmo tempo opostas e
complemenetares, formatos de entendimento, escolas do pensamento, ferramentas do
reconhecimento que moldam as ciências e a comunicação e que permeiam a totalidade das
relações sociais.
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5 - REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. 44 cartas do mundo líquido moderno. Tradução Vera Pereira. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2011a.
BAUMAN, Zygmunt. Bauman sobre Bauman: diálogos com Keith Tester. Tradução Carlos
Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011b.
FREUD, Sigmund. (1920) Além do princípio de prazer. Tradução Renato Zwick. Porto
Alegre: L&PM, 2018a.
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FREUD, Sigmund. (1927) O futuro de uma ilusão. Tradução Renato Zwick. Porto Alegre:
L&PM, 2018b.
FREUD, Sigmund. (1921) Psicologia das massas e análise do eu. Tradução Renato Zwick.
Porto Alegre: L&PM, 2016.
FREUD, Sigmund. (1913) Totem e tabu. Tradução Paulo César de Souza. Londres: Penguin;
Companhia das Letras, 2013.
FREUD, Sigmund. (1917) Luto e melancolia. Tradução Marilene Carone. São Paulo: Cosac
Naify, 2011a.
HAN, Byung-Chul. Agonia do eros. Tradução Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes,
2017a.
HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. Tradução Paulo Geiger. São Paulo:
Companhia das Letras, 2018.
HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. 44. ed. Tradução
Janaina Marcoantonio. Porto Alegre: L&PM, 2015.
MINOIS, George. História da solidão e dos solitários. Tradução Maria das Graças de
Souza. São Paulo: Unesp, 2019.
WAAL, Frans de. A era da empatia. Tradução Rejane Rubino. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010.