Ana Júlia Cornélio Ribeiro

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Ana Júlia Cornélio Ribeiro

Amores líquidos no divã de Zygmunt Bauman: como a pós-modernidade afeta as relações


do sujeito

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

São Paulo
2021
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Ana Júlia Cornélio Ribeiro

Amores líquidos no divã de Zygmunt Bauman: como a pós-modernidade afeta as relações


do sujeito

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE
em Ciências Sociais, sob a orientação do
Prof. Dr. Edgard de Assis Carvalho.

São Paulo
2021
Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial
desta Dissertação de Mestrado por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

Assinatura _______________________________________________

Data ____________________________

e-mail __________________________________________________

Ribeiro, Ana Júlia Cornélio.


Amores líquidos no divã de Zygmunt Bauman: como a pós-modernidade afeta as
relações do sujeito / Ana Júlia Cornélio Ribeiro. São Paulo, 2020. 95p.

Orientador: Prof. Dr. Edgard de Assis Carvalho.


Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais. Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais, 2020.

Área de Concentração: Antropologia.

1. Zygmunt Bauman. 2. Amor líquido. 3. Modernidade líquida. I. Carvalho, Edgard


de Assis. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-
Graduados em Ciências Sociais. III. Amores líquidos no divã de Zygmunt Bauman:
como a pós-modernidade afeta as relações do sujeito.
Ana Júlia Cornélio Ribeiro

Amores líquidos no divã de Zygmunt Bauman: como a pós-modernidade afeta as relações


do sujeito

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE
em Ciências Sociais, área de concentração
Antropologia.

Aprovada em: __/__/____

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________
Edgard de Assis Carvalho – PUC-SP (orientador)

___________________________________________
Edmilson Felipe da Silva - PUC- SP

___________________________________________
Maria da Conceição de Almeida - UFRN-RN
Para todos aqueles que como eu, em algum momento, por ouvir
inverdades, não se sentem capazes. Com apoio, respeito, dedicação
tudo é passível de realização.
O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nivel
Superior- Brasil (CAPES) - Finance Code 001.
AGRADECIMENTOS

Descobri ao longo desse processo que escrever uma dissertação envolve - para além
dos muitos mergulhos profundos nas teorias do conhecimento - atos de reflexões sobre a
subjetividade. A maior dificuldade em expor ideias em uma dissertação é sistematizar, e
eventualmente criticar, com responsabilidade, maturidade e integridade o que pensadores já
refletiram sobre o mundo da cultura. Ao aprofundar as reflexões de Edgar Morin sobre arte
e ciência me deparei com os dilemas que vivencio como artista e professora. Tais atividades
podem ser consideradas opostas na mente de muitos, mas, para mim, são ao mesmo tempo
antagônicas e complementares.
Escrever para quem admiro, ser lida e respeitada pela posição de minhas ideias foi o
maior presente que recebi no processo da minha formação. Esse presente veio primeiro de
alguém que, para além de professor, tradutor, antropólogo, analista, orientador e
pesquisador, é um cidadão de responsabilidade afetiva para com todos os que estão ao seu
redor. Trata-se de um ser humano que dá direções, orientações, amplia possibilidades,
esclarece, escuta, corrige, estimula, abre os olhos, permite que seus orientandos tenham
responsabilidade de prazos e principalmente responsabilidade diante de suas criações. Esse
é o papel do orientador.
Esta dissertação é em primeiro lugar dedicada com muito amor ao meu orientador
Edgard de Assis Carvalho. Sem ele meu trabalho não floresceria. Ao lado dele, para avaliar
o texto da qualificação, ganhei duas orientações de profissionais brilhantes, pessoas
extremamente especiais: Edmilson Felipe, pela PUCSP e Maria da Conceição de Almeida,
pela UFRN. Eles me instruíram, avaliaram, debateram, filosofaram sobre o tema da pesquisa
durante algumas boas horas na qualificação. Despertaram em mim a ousadia e a humildade
da compreensão.
Comecei a perceber que, ao longo da pesquisa, nasce uma nova pessoa. Percebi,
também, que como professora posso ir além das palavras dos autores aqui referenciados; que
não existe maior trunfo do que o florescer do texto acadêmico por meio do amadurecimento
do autor que está por trás dele. Esse time me permitiu também ser respeitada dentro da
academia, ganhar segurança para expor a narrativa desta dissertação. Posso chamar de
mágico o efeito da experiência da qualificação que vou guardar para sempre em minha
memória.
Fui questionada, provocada, avaliada com respeito, motivada para prosseguir a
escrita final do texto. Graças aos estímulos recebidos na ocasião, pude constatar diferenças
consideráveis em minha postura. Não sabia o que esperar desse evento que tanto assombra
mestres e doutores. Ao ouvir as argumentações da banca, fui estimulada a vislumbrar o que
estava por vir e me preparar para isso. Foram longas horas, foi cansativo para todos os
envolvidos e o processo de transmutação aconteceu naquela sala do departamento de
antropologia do pátio da Cruz. Fui aprovada na qualificação e, com isso, me tornei uma
mulher mais amadurecida, "dona de minhas verdades”, que “cresce e se posiciona diante do
mundo” (palavras ditas, em algum momento da qualificação, pelos membros da banca.
Gostaria de agradecer também a meus pais, Sabrina e Juliano, pela generosidade, apoio,
compreensão, segurança e incentivo. Obrigada por serem minha família e me estruturarem,
com amor, paciência e colaboração.
Dedico também esta dissertação aos meus amigos, chefes e professores, Luiz Felipe
Pondé, Rubens Fernandes Junior e Martin Cezar Feijó, que me inspiraram a ser professora e
seguir nessa missão com ousadia e irreverência. Obrigada por acreditarem nos meus sonhos
e investirem neles.
Ao meu querido orientador, Edgard de Assis Carvalho, alma grandiosa e generosa
que, com elegância, afeto, atenção e maestria, iluminou cada página deste trabalho com seus
conselhos e orientações, bem como estimulou a ampliação de repertório em cada aula que
contribuiu enormemente para meu mestrado. Obrigada pela paciência, pelo carinho, pela
aceitação e transmissão de seus saberes, pelas análises e pela ajuda na minha busca de
conferir sentido à vida. Obrigada por compreender minhas angústias, e com leituras, acalmá-
las.
A todos os colegas que participaram, ao longo desses anos, das aulas e do grupo de
pesquisa Complexus. Obrigada por me inspirarem, ensinarem e construírem pontes que
ampliam meu caminhar.
À CAPES pelo apoio financeiro e pela prorrogação do prazo da bolsa em decorrência
da pandemia da COVID-19.
RESUMO

A dissertação analisa como a pós-modernidade afeta as relações do sujeito, dialogando com


a fragilidade dos laços humanos de forma que a insegurança inspirada por essa condição
estimula posturas conflitantes e ambivalentes: vontades e desejos de estreitar laços afetivos
e, ao mesmo tempo, deixando-os frouxos. Afinal, o medo e a cultura do narcisismo crescem.
A individualidade ganha espaço exacerbado, deixando a solidão cada dia mais próxima de
um sujeito aflito, inseguro e deprimido, que teme conviver e investir seu tempo e afeto em
relações duradouras. O sociólogo Zygmunt Bauman, em seu livro Amor Líquido: sobre a
fragilidade dos laços humanos, afirma que “sem humildade e coragem, não há amor” (2004,
p. 22). Como sustentar laços amorosos e afetivos em tempos de sociedade medrosa e
narcisista? A forma de amar padece dia após dia; as relações são baseadas na glória, na
necessidade de admirar e ser admirado, o que as torna fugazes e inconsistentes. As obras
desse autor foram as principais ferramentas teóricas selecionadas como bibliografia para esta
dissertação de mestrado, cujo objetivo é analisar alguns aspectos da contemporaneidade.

Palavras-chave: Zygmunt Bauman. Amor líquido. Modernidade líquida. Cultura.


ABSTRACT

This thesis analyzes how post-modernity affects the relations of the subject, in dialogue with
the fragility of human bonds so that the insecurity inspired by this condition stimulates con-
flicting and ambivalent postures: wills and desires of strengthening affectional bonds while
letting them loose. After all, there is a growth of fear and cultural narcissism. In addition,
there is an exaggerated space of individuality, leaving loneliness each day closer and closer
to a subject: distressed, insecure and depressed, who fears to live and invest their time and
affection in lasting relationships. The sociologist Zygmunt Bauman, in his book Liquid Love,
states that "without humility and courage, there is no love" (BAUMAN, 2004, p. 22). So,
how to sustain love and affectional bonds in times of such fearful and narcissistic society?
The way of loving, as Bauman describes, suffers day after day; relationships are based on
glory, on the need to admire and be admired, which makes them fleeting and inconsistent.
Therefore, the works of this author are the main theoretical tools selected as bibliography of
this Master’s degree dissertation, whose objective is to some aspects of contemporaneity.

Key words: Zygmunt Bauman. Liquid love. Liquid modernity. Culture


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO…………………………………………………13

2 A MARCHA DA SOLIDÃO………………………………….…15

2.1 Solidão…………………………………………………………27

2.2 Mudanças………………………………………………………33

2.3 O homem pós-moderno e a sociedade líquida…………………35

2.4 Os desafios da convivência…………………………………….39

2.4.1 Exemplos da imaturidade emocional contemporânea………..43

2.4.2 Corpus de novos relacionamentos..……………………..……45

2.5 O caminho social do isolamento….…………………………….70

2.5.1 Exaustão na vida pós-moderna…..……………………………73

3 O AMOR E SUA REVOLUÇÃO………………………………...75

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………..83

REFERÊNCIAS…………………………………………………..86
13

1 – INTRODUÇÃO

Como Zygmunt Bauman deixa claro em seus escritos, em tempos contemporâneos


de modernidade líquida torna-se clara a percepção de problemas no convívio social e a
dificuldade em estabelecer e manter vínculos pessoais afetivos e familiares. A presente
pesquisa visou analisar como esse modelo de homem pós-moderno sem vínculos se conecta
e interage com o mundo à sua volta. Afinal, a globalização e o capitalismo, com suas novas
tecnologias, trazem consequências para a humanidade, como percebeu Freud (1929-
1930/2011b) em O mal-estar na civilização, e Bauman (1998), em O mal-estar na pós-
modernidade.
Como fundamentação teórica para esta dissertação, adotamos, como principal autor,
Zygmunt Bauman, especificamente as seguintes obras: O mal-estar da pós-modernidade
(1998), Modernidade e ambivalência (1999b), Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços
humanos (2004) e Modernidade líquida (2001). Em paralelo às obras de Zygmunt Bauman,
selecionamos outras para dialogarem entre si: Byung-Chul Han contribui com: Sociedade
do cansaço (2017c), Agonia do eros (2017a), Sociedade da transparência (2017b) e
Topologia da violência (2017d). Para o pilar psicanalítico, foram fundamentais as obras de
Sigmund Freud: O mal-estar na civilização (1929-1930/2011b), Luto e melancolia
(1917/2011a), Além do princípio de prazer (1920/2018a), Totem e Tabu (1917/2013), bem
como Psicologia das massas e análise do eu (1921/2016). O triângulo sociológico,
filosófico, psicanalítico é a base cognitiva adotada na dissertação como referência
interpretativa básica.
Por que os sujeitos na pós-modernidade têm mais receio e dificuldade de estabelecer
vínculos? O que acontece para que, na pós-modernidade, as relações se tornem líquidas?
O propósito desta dissertação foi analisar, a partir do recorte social contemporâneo,
a vida afetiva de pessoas reais e seu convívio com as transformações do mundo atual e como
essas mudanças externas afetam seus relacionamentos. Como recurso para atender esse
propósito e exemplificar essas transformações definidas pelos autores aqui pesquisados
foram escolhidas seis personas, ou seja, casos que foram analisados como parte do cenário
afetivo da cidade de São Paulo na pós-modernidade. O sexteto é composto por histórias reais
identificadas durante uma longa trajetória de análise e pesquisas. Analisei, observei, e
identifiquei exemplos que formam uma composição para articular com a teoria descrita por
14

Zigmunt Bauman. O que inclui faixas etárias distintas, classe social semelhante, bairros de
mesmo convívio e comportamento social elitizado, vidas consideradas: líquidas, fluidas,
mutáveis. Sujeitos angustiados e com suas particularidades constroem um comportamento-
padrão que exemplifica o chamado novo modo de vida e estrutura afetiva social.
O objeto de análise desta dissertação foi o sujeito e como suas relações amorosas
aconteceram no ambiente chamado de pós-modernidade. Como parte da composição da
pesquisa fiz o uso da poesia como ilustração dos prefácios. Alguns dos poemas escritos no
início de cada capítulo foram encontrados durante o processo de pesquisa, outros são poesias
autorais, e todos foram selecionados para ilustrar e construir o tecido descrito na composição
do texto. Os poemas foram encontrados em pichações nas portas de banheiro da universidade
em que trabalho.
Esta dissertação buscou analisar o tema em escala macro para micro: mundialmente,
fazendo uso de pesquisas com dados globais; culturalmente, por meio da análise de
documentários específicos sobre o tema do afeto e dos relacionamentos, em culturas
orientais e ocidentais selecionando seis perfis e suas relações afetivas e fluidas na era pós-
moderna. Esclarecemos que alteramos as informações pessoais e criamos nomes fictícios
para proteger a identidade dos entrevistados.
Por meio dos estudos do teórico Zygmunt Bauman, identifiquei, nos sujeitos,
tendências na forma de se relacionar com os outros e com o mundo ao seu redor e encontrei
picos de conflitos e ambivalências que a modernidade líquida causa na maneira efêmera de
amar do sujeito pós-moderno.
15

2 – A MARCHA DA SOLIDÃO

Vezes o peito sofre hemorragias de medo, e chora.


Vezes saímos do mundo para a solidão ser cia.
O choro é naufrágio do coração que cansou de amar.
O amor dilacera, deprime, repele.
O amor afasta-nos da verdade
Estar só: eis o único abraço que podemos recorrer.

Sozinhos somente,
driblando as não verdades ao redor.
Acanhados, assustados e desconfiados…
Queremos um colo para deitar.
Confie no seu travesseiro,
pois o sono
Cura tudo.

"A individualização veio para ficar; todos os que pensam sobre os meios de lidar com
seu impacto, sobre a forma como conduzimos nossas vidas, devem começar entendendo esse
fato. A individualização traz, para um número crescente de homens e mulheres, uma
liberdade sem precedentes para experimentar” Em "História da Solidão e dos Solitários”,
Georges Minois (2019) exemplifica que a solitude é transformadora e seus benefícios
consideráveis para o alcance do autoconhecimento e maturidade exige contemplar os anjos
e os demônios de nossas almas. Como ressalta Bauman, essa solitude envolve igualmente
uma "tarefa sem precedentes de lidar com suas consequências" (BAUMAN, 2008b, p. 69).
Vivemos na era pós-moderna, o que significa, para além da nomenclatura, uma
ruptura com valores, comportamentos e relações tradicionais. O mundo anterior ao pós-
moderno é definido como modernidade sólida por Zygmunt Bauman (1998): rígido,
previsível, estável e constante, com indivíduos que sabiam, assim que nasciam, exatamente
como a vida deles seguiria no fluxo constante de suas tradições familiares.
Na modernidade sólida, os valores familiares eram intrínsecos, a profissão era pré-
determinada pelos negócios, aos quais sua origem estava envolvida e sua obrigação era casar
para formar uma nova família, dando perpetuação à espécie, para obter sucesso na trajetória
do viver bem. Os vínculos afetivos, portanto, na modernidade sólida, também continham
caraterísticas estáveis, desprovidas de liberdade, mas dotadas de uma segurança material e
afetiva que se desfez como a frase em que Marx já previa: “tudo que é sólido desmancha no
ar”.
16

Acontece, assim, ao longo da história da humanidade, a modernidade sólida, com o


surgimento de fatores como divórcio, instabilidade econômica, ruptura com valores
tradicionais, entre eles a fluidez dos vínculos afetivos, revoluções tecnológicas, surgimento
das mídias sociais, entre outros. Essa sequência de acontecimentos revolucionários pós-
modernos, foi criada pelo sapiens na busca de independência, na angústia de serem livres
para fazer suas próprias escolhas, diante da liberdade e do medo das incertezas. O
desequilíbrio do homem pós-moderno pode ser ilustrado como movimento pendular, no qual
os seres humanos oscilam entre o desejo de conquistar liberdade e o anseio por dispor de
segurança.
Em O mal-estar na civilização, Freud (1929-1930/2011b, p. 41) afirma que:

O impulso à liberdade se dirige, portanto, contra determinadas formas de


reivindicações da civilização, ou contra ela simplesmente. É pouco
provável que mediante alguma influência possamos levar o homem a
transformar sua natureza de uma térmite; ele sempre defenderá sua
exigência de liberdade individual contra a vontade do grupo.

Para analisar o fenômeno dos relacionamentos na modernidade líquida, é necessária


a religação entre antropologia, sociologia, filosofia e psicanálise. A pesquisa
transdisciplinar faz parte da complexidade dos fenômenos que, por sua vez, não são
ocasionalmente catastróficos por uma única razão; o copo transborda por partículas que são
opostas e complementares. Lévi-Strauss, tempos antes da realidade na qual estamos, ao
refletir sobre o papel da antropologia no mundo moderno, já afirmava os sintomas que viriam
a seguir na história de uma humanidade que quer se desligar de seu passado:

Nas nossas sociedades modernas, as relações com o outro não são mais,
senão de modo ocasional e fragmentário, fundadas nessa experiência
global, nessa apreensão concreta dos sujeitos uns pelos outros. Elas
resultam, na maioria, de reconstruções indiretas com o auxílio de
documentos escritos. Estamos ligados a nosso passado, não mais por uma
tradição oral que supõe um contato vivido com pessoas, mas por livros e
outros documentos empilhados nas bibliotecas, por meio dos quais a crítica
se empenha em reconstituir o rosto de seus autores. (LÉVI-
STRAUSS,1998 p. 26).

A situação em que nossa sociedade se encontra é de instabilidade, como sempre foi


mesmo na tradicionalidade; nunca se sabe o que está por vir, portanto, a angústia e a
17

incerteza acompanham a vida das pessoas, das instituições e moldam o comportamento


social que se transforma, mas que se mantem inseguro com suas certezas de instabilidades.
Ninguém, em nenhum aspecto, é insubstituível. Tudo é feito para ser trocado e
descartado rapidamente, incluindo as relações afetivas, sociais, econômicas e hierárquicas.
Os seres humanos não estão acostumados com esse novo cenário criado por eles mesmos. O
desespero para se manter estável causa um movimento contrário de desequilíbrio emocional,
social e financeiro. Talvez, nunca estivemos tão cientes da nossa fragilidade e
vulnerabilidade. É como se a mãe-natureza se distanciasse de seus filhos, pois eles mesmos
clamaram por independência e agora não sabem o que fazer com ela.
A competitividade é instalada por motivos claros: não há espaço suficiente para oito
bilhões de sapiens-demens no planeta trabalharem, produzirem riquezas e criarem sua prole.
Em decorrência disso, aumentam as rivalidades, repúdios, exclusões nas relações de uns
seres humanos com os outros. O outro é sempre visto como adversário e, por consequência,
deve ser neutralizado a qualquer custo para a pseudosegurança de uma vida cada vez mais
pautada por valores individualistas.
O cenário é propício para que os indivíduos fiquem sozinhos. A sociedade marcha
rumo à solidão sem estar ciente disso. Reclama-se da falta de vínculos afetivos, mas não se
quer lidar com eles, pois não se sabe se o tempo de trabalho que será dispersado para investir
nessa relação trará algum retorno positivo em suas vidas.
Na modernidade líquida, qualquer aposta é incerta e, se for para investir, que seja em
algo que promova riqueza, acumulação, lucro. As empresas na modernidade líquida
promovem uma nova forma de corporativismo, onde até mesmo o trabalho é individualizado
e solitário. O chamado home-office é uma espécie de educação a distância que priva o
funcionário da convivência com outros seres humanos para render mais em seu tempo de
trabalho.
Sozinho, competindo virtualmente em tempo integral para vencer a si mesmo e ser
digno de receber o lucro do capital, o trabalhador, qualquer que seja sua classe social ou
instituição, se depara com a mais fatal realidade da condição pós-moderna: a solidão.
Há também contradições e nuances da solidão como a angústia do isolamento em
contraste com a delícia da solitude que podem ser exploradas como possibilidades e
combinações fundamentais para saúde psicológica da vida das pessoas.
Os níveis de angústia geram problemas, embora a angústia possa ser incentivadora,
protagonista de força motora para que a pessoa busque o movimento contrário, equilibrando
18

suas relações e não permanecendo em uma obrigatoriedade estática da realidade. A


contingência é a fluidez e que determina o tempo se o tempo de isolamento pode ser
aproveitado como tempo de solitude é o próprio indivíduo.
Estamos em constante contato social mesmo quando estamos sozinhos, pois o
ambiente digital promove a comunicação ilimitada, acaba por promover a extensão do tempo
de trabalho e todo o tempo é simultaneamente tempo social e tempo de trabalho. Há
exemplos no decorrer da dissertação de profissionais que expõem sua rotina nas mídias
sociais, buscando mostrar de maneira informal o tempo de trabalho formal que ele gasta nas
atividades que exerce.
O tempo de solidão é também tempo de comunicações que usam meios digitais para
manter relações simultâneas, promovendo a hipertrofia de exposição e inflamação de
convivência. Essas condições desgastam a capacidade de sociabilidade e distanciam a
oportunidade de vivenciar a experiência da solitude. Solitude esta, em que o sujeito tenha
um tempo de respiro, criação, análise, reflexão, descanso. É na solitude que a alma pode se
comunicar com o sujeito, que as emoções deixam de parecer um entrave e passam a ser
compatíveis com o florescimento do eu.
É no silêncio que a possibilidade de criação e planejamento de ações ficam claros.
Para Byung-Chul Han (2017c), é a nossa sociedade que evita o vácuo do silêncio, da solidão
e não consegue descansar para se refazer. Uma sociedade que se destrói, se desgasta e acaba
por enfraquecer tanto o próprio indivíduo quanto o coletivo no qual ele se insere.
Essas análises de cenários reais são necessárias para desenvolver e compreender o
raciocínio analítico líquido. O que não significa que essa realidade seja imutável, muito
menos que muitas pessoas não consigam transcender esses sintomas cotidianos buscando
soluções e práticas paliativas para viver melhor.
O olhar do self sobre o mundo ao redor e como ele escolhe lidar com o cenário liquido
é que faz a diferença na estrutura social a longo prazo. O cenário é caótico, mas as formas
de lidar com ele podem não ser. O neurocientista Eduardo Sherberg trabalha traumas e estafa
dos seus pacientes utilizando a técnica chamada respiração holotrópica criada pelo
psicólogo transpessoal Stanislav Grof (1931-2018).
A técnica consiste em uma terapia de autoexploração profunda que torna possível
acessar os estados não-ordinários ou alterados de consciência. Normalmente a prática é feita
em duplas e a vivência pode incluir o acesso às memórias perdidas na infância, resolução de
traumas e considerável melhora em diversos processos emocionais.
19

A prática de respiração é o meio utilizado para execução desse processo terapêutico


o que significa que: o tempo de descanso, silêncio, respiração profunda acessam gatilhos
importantes para o bem-estar emocional, psíquico e físico dos indivíduos.
Esse é um exemplo concreto de hábitos milenares que podem ser incluídos na rotina
da vida líquida, auxiliando e incentivando o eu a investir em relações mais saudáveis, nas
esferas privada e coletiva. A solitude é uma obra-prima da vida que pode tornar a realidade
mais colorida e suportável.
Os seres humanos são reféns da sociedade, que é alimentada por laços frouxos,
flexíveis, irresponsáveis e individuais. Bauman (2008b) relata a coreografia contemporânea
de indivíduos solitários que confiam em sua própria solidão e padecem, agindo em função
de problemas e medos, buscando sentido, alimentando culpas, sem encontrar felicidade ou
soluções “naturais” para seu maior problema: a convivência.

[…] um fenômeno fácil de notar na superfície da vida contemporânea,


empurra-se as coisas para um “segundo nível”: a negação de veículos de
transcendência públicos e coletivos e o abandono do indivíduo a uma luta
solitária para qual a maioria de nós não conta com os recursos necessários
para executá-la sozinho. A apatia política e a colonização do espaço
publico com as intimidades da vida privada, a “queda do homem público
(BAUMAN, 2008b, p. 13).

Vidas solitárias, carências irredutíveis, silêncios cotidianos e um diálogo vago


mediado pelas redes sociais. A imagem da sociedade conectada é uma forma de tentar negar
o destino grotesco que as coisas tomaram: os seres humanos não suportam a existência do
mundo globalizado que eles mesmos criaram.
A vida nas universidades é um reflexo das contradições da sociedade. É interessante
observar, na prática cotidiana, a relação dos jovens de 17 a 24 anos e como sua condição é
afetada pelos sintomas pós-modernos.
Um exemplo: no dia 13 de maio, enquanto escrevia esta tese na faculdade em que
trabalho como professora, parei por alguns minutos para ir ao banheiro me recompor. Eis
que me deparo com a seguinte mensagem: “A solidão é a porta para o autoconhecimento”,
de autoria desconhecida.
Fundamentalmente é necessário analisar essa mensagem vinda de uma estudante do
sexo feminino, com idade entre 17 e 24 anos que, de maneira irreverente — posto que pelas
normas não é permitido escrever nas paredes ou portas da instituição —, relata o sintoma
20

contemporâneo ao qual me refiro: a condição de solidão dos sujeitos e sua maneira de negá-
la como mecanismo de defesa e visão otimista imposta pela cultura da felicidade.
Han (2017c), menciona a solidão como parte de um tempo de contemplação que é
perdido e desvalorizado no mundo atual. A frase citada anteriormente: “a solidão é a porta
para o autoconhecimento”, se refere à solidão que Han menciona, em que é necessário
silenciar-se, distanciar-se de tudo para olhar dentro de si e perceber, de fato, o que acontece
à sua volta.
É uma solidão contemplativa, ociosa e, ao mesmo tempo, criativa. Esse é o ideal de
solidão que a sociedade pós-moderna almeja, o que a garota da frase acima deseja encontrar
e que não é o que acontece na vida cotidiana dos sujeitos.
Quando estão sozinhos fisicamente, estão conectados virtualmente no mundo, com
intuito de sempre saber tudo o que acontece, certos de que não vão perder nada, mesmo
estando ausentes. A mente que não silencia não cria. A sociedade que não contempla sua
atual realidade vive de olhos fechados, refém dos sintomas cujas causas não compreendem.
Produzida recentemente por Christiane Amanpour, ex-correspondente internacional
da CNN, a série documental Sex and love around the world (Sexo e amor ao redor do
mundo), entrevista homens e mulheres de várias partes do mundo para que falem sobre suas
relações e vidas afetivas na contemporaneidade.
O primeiro capítulo aborda como as mulheres de Tóquio lidam com os afetos na sua
vida cotidiana. É interessante observar que a solidão, carência afetiva e falta de tempo para
procurar um parceiro são mencionadas por todas elas, mulheres de idades distintas e classes
sociais variadas em diferentes fases de relacionamentos.
Mulheres casadas, solteiras, divorciadas e em relacionamentos abertos sofrem com a
condição da solidão e, obviamente, o mercado se encarrega de propor soluções mirabolantes
e extremamente caras para resolver problemas que afligem a alma humana.
Clubes de mulheres são a nova moda das cidades mundiais: elas vão até esses locais,
caros e exclusivos para elas, para receber afeto dos garçons. Tal afeto inclui pegar ou segurar
nas mãos, acariciar o cabelo, conversar e se elogiar mutuamente, promover um momento de
troca de contato físico, mental e espiritual.
O clube não funciona como uma boate erótica ou bordel, onde as pessoas buscam
uma aventura sexual descompromissada; os funcionários não fazem sexo com suas clientes,
são pagos para dar afeto, atenção e carinho a cada uma delas.
21

O depoimento de um dos funcionários chamou minha atenção: ele menciona que


aquele novo trabalho possibilitava uma forma de relação que não tinha e sentia muita falta.
Olho no olho, conversa e contato físico ajudaram a diminuir a angústia e ansiedade com a
qual ele convivia antes de trabalhar lá.
A falta de contato humano, seja no ambiente familiar, entre casais ou pessoas jovens
e solteiras, não está restrito à cultura japonesa. Nas universidades de elite na cidade de São
Paulo, é possível reconhecer o mesmo tipo de fenômeno da carência e miséria afetiva
completa: alunos do último ano da graduação se queixam que ainda são virgens e não
iniciaram sua vida sexual, não por falta de vontade e desejo, mas por falta de habilidade e
oportunidade no convívio social, que possibilitasse uma convivência não superficial de
afeto.
O modo de vida on-line fez com que as pessoas desaprendessem a conviver de forma
off-line. Ouso chamar a geração da qual faço parte de analfabetos do afeto: sabe-se muito
sobre o amor, discute-se muito sobre sexo, mas não se pratica nenhum dos dois, pois não se
sabe por onde começar.
Há uma tendência nos indivíduos em buscar desesperadamente o controle do mundo
à sua volta, pois têm medo dele e, com o afeto, ocorre da mesma forma: criam expectativas
surrealistas perante os relacionamentos, deparam-se com as contingências, acabam
frustrados e, cada instante, mais vulneráveis.

Vulnerabilidade e incerteza são também as duas qualidades da condição


humana a partir das quais se molda aquele outro medo, o “medo oficial” -
o medo do poder humano, do poder construído e administrado pelo
homem. O medo oficial é construído segundo o padrão do poder inumano
refletido pelo medo cósmico (ou melhor, que dele emana) (BAUMAN;
DESSAL, 2017, p. 84).

Na marcha da solidão, existe uma tendência dos indivíduos de buscarem


independência e autonomia, tornando a realidade cada vez mais individualista, a fim de
torná-la simplificada. Não querem perder tempo, que pode ser sempre dedicado ao trabalho,
com relacionamentos que criariam vínculos irreversíveis como filhos, casamento com união
de bens e incertezas da fidelidade.
Prefere-se o sexo casual, a busca pelo prazer imediato, a relação sem obrigações e,
com isso, aumentam as insatisfações e decepções. Na esfera interpessoal, qualquer tipo de
afeto demanda responsabilidade para com o outro, mesmo que a duração de um relação
afetica seja imprevisível.
22

As obrigações cotidianas de bater metas, ser cada dia mais evoluído física e
profissionalmente produz indivíduos neuróticos pelo alcance de resultados inatingíveis e,
quando metas são alcançadas, novas surgem para que a pulsão vital continue ativa,
dominando tudo ao redor.
Quando a metodologia do campo profissional invade o comportamental nas relações
afetivas, aplicativos como Tinder, Happen e Grinder surgem para que as novas metas sejam
alcançadas. Busca-se conquistar e possuir o outro, como se as relações fossem uma grande
loja de departamentos, onde se compra sempre e descarta-se tudo rapidamente para continuar
comprando.
Com uma série de parceiros sexuais sendo mantidos ao mesmo tempo, homens e
mulheres se queixam de solidão e não têm a menor tolerância ou paciência para compreender
que, “às vezes” — pois dizer “sempre” assusta —, a parte extraordinária das relações se
desenvolvem no tempo de contato e convivência cotidianos. Rotina, cautela, tempo,
amizade, continuidade fazem parte da vida e alimentam as relações com suas nuances e
desencaixes.
Querem apenas companhia, desde que esta não crie problemas, não acorde em sua
cama no dia seguinte e muito menos atrapalhe as infindáveis possibilidades de
relacionamento ofertadas no “mercado do amor”. É dessa forma que a marcha da solidão
caminha a passos largos, como ilustram as assustadoras estatísticas.
De acordo com o jornal Japan Times, uma pesquisa feita com japoneses entre 18 e
34 anos mostrou que 42% dos homens e 44% das mulheres eram virgens. O estudo, de
autoria do Instituto Nacional de População e Previdência Social, é realizado a cada cinco
anos, e os dados começaram a ser coletados em 1987.
Após a divulgação dos resultados, o governo japonês anunciou que pretende elevar,
até 2025, a taxa de natalidade do país de 1,4 para 1,8. Para isso, o primeiro-ministro Shinzo
Abe já vem anunciando medidas para melhorar os serviços de babás e incentivos fiscais para
casais, mas esses programas ainda não apresentaram melhoras estatísticas concretas.
A maioria dos entrevistados afirmou que pretende se casar em algum ponto da vida,
porém não possui uma previsão concreta. “Eles querem, eventualmente, juntar as escovas
de dente. Mas a ideia é descartada porque há uma diferença entre os ideais e a realidade”,
afirma Futoshi Ishii, pesquisador-chefe do estudo. “É por isso que os casamentos são tardios
ou nunca acontecem, contribuindo para a baixa taxa de natalidade do país”.
23

A tendência a não ter relações sexuais não é parte de uma ausência de erótica, nem
se restringe à população nipônica oriental do planeta Terra. Os dados de uma pesquisa feita
em 21 países são surpreendentes: os resultados nacionais são avassaladores, principalmente
pelo fato de o Brasil ser um dos países mais liberais em questão de comportamento e de
relações humanas, onde as pessoas mais mantêm contato físico.
A Viacom International Media Networks (VIMN), divisão da Viacom Inc.
(NASDAQ: VIAB, VIA), divulgou os resultados do seu mais novo estudo: Vamos Falar de
Sexo, – realizado com cerca de 12 mil pessoas, entre 18 a 49 anos de idade. O objetivo da
pesquisa é entender quão satisfeitos estão os adultos com suas vidas sexuais, além de
aprofundar o assunto sobre como se sentem e onde encontram seus parceiros.
Além do Brasil, o estudo contou com outros vinte participantes: Austrália, Bélgica,
Colômbia, República Tcheca, Alemanha, Hungria, Indonésia, Itália, Malásia, México,
Holanda, Filipinas, Polônia, Romênia, Cingapura, África do Sul, Suécia, Tailândia, Reino
Unido e EUA.
Abaixo, os principais destaques do estudo no Brasil:
1. A virgindade é mais comum do que se imagina.
A pesquisa revelou que 25% dos jovens de 18 a 24 anos são virgens. Mundialmente,
esse número é ainda maior: 38%. Os países da região Ásia-Pacífico têm a maior
concentração de jovens adultos virgens (84% na Malásia e Cingapura, 78% na Indonésia,
53% na Tailândia, 47% nas Filipinas). A castidade também é muito comum entre os jovens
de 18 a 24 anos nos Estados Unidos, com 53%.
2. Morar com os pais atrapalha a vida amorosa.
A pesquisa também mostrou que 31% dos jovens de 18 a 24 anos não estão
namorando atualmente; 22% nunca estiveram em um relacionamento sério e 20% dos jovens
nunca viveram uma relação casual. O fato de 53% ainda morar com os pais tem um impacto
relevante na vida amorosa. Quando deixam a casa dos pais – a maioria por volta dos 26 anos
– é para ir morar com o parceiro.
3. Sexo casual não é tão comum quanto parece.
Entre adultos de 18 e 29 anos, menos da metade já tiveram um relacionamento de
apenas uma noite (39%).
4. A maioria das pessoas prefere paquera real à virtual.
Entre os adultos de 18 e 29 anos que fizeram sexo causal, 96% se conheceram
pessoalmente e 48%, através de um aplicativo ou site. Curiosamente, 21% dos homens de
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18 a 29 anos que fizeram sexo casual conheceram o(a) parceiro(a) na igreja. Já 20% dos
entrevistados afirmam que já tiveram alguma experiência sexual com colega de trabalho.
Em geral, os mais jovens se sentem mais confortáveis em compartilhar intimidades online:
24% dos adultos de 18 a 29 anos já mandaram nudes para alguém e 19% dos adultos de 30
a 49 anos já fizeram isso.
5. Aplicativos são pouco eficazes para conseguir relacionamentos sérios.
Entre adultos de 18 a 29 anos que utilizaram aplicativos de relacionamento, 39% dos
homens e 28% das mulheres conseguiram sexo casual. A minoria acabou em um
relacionamento sério: 12% dos homens e apenas 5% das mulheres.
6. Casais estão mais felizes com suas vidas sexuais do que os solteiros.
Mesmo com filhos, 58% dos casais afirmaram que estão satisfeitos a frequência de
sexo. Entre casais sem filhos o índice foi de 55%. Cerca de 80% da turma classificam a vida
sexual como “boa”, enquanto que entre os solteiros o número cai para 60%.
Para além das análises e estatísticas relacionadas aos afetos sexuais, que fazem parte
da condição de convivência da humanidade, as relações sociais cotidianas também sofrem
grande abalo estrutural com o cenário líquido da modernidade e as consequências podem
causar traumas.
Uma análise apresentada na 125ª Convenção Anual da Associação Americana de
Psicologia, feita por pesquisadores da Universidade Brigham Young, nos Estados Unidos,
constatou que a solidão é uma das principais ameaças do mundo atual e o risco do aumento
de morte prematura está aliado a ela.
A pesquisa ocorreu em duas partes. Na primeira, 148 estudos foram avaliados,
totalizando 300 mil pessoas. Cruzando as informações dessa turma, os experts americanos
concluíram que quem cultiva bons relacionamentos interpessoais tem 50% mais chances de
não falecer antes da hora em comparação aos solitários.
Já a segunda, considerou os dados de aproximadamente 3,4 milhões de voluntários,
divididos em 70 pesquisas. Como era de se esperar, também houve uma clara relação entre
a solidão ou o isolamento social e o risco de morrer antes do tempo. Mas o que intrigou os
experts é o fato de esses problemas, segundo o estudo, serem tão deletérios quanto a
obesidade ou outras condições sérias de saúde.
O isolamento social é definido como pouco ou nenhum contato com outros
indivíduos. A solidão, por sua vez, é marcada pela falta de conexão emocional com os
demais. Ou seja, é possível se sentir sozinho mesmo em meio a um mar de gente. Há
25

diferença entre isolamento e solidão. A solidão é ausência de si que deseja procurar no outro
resposta para angústias da própria alma.
Esse é o cenário da cultura pós-moderna e das potencialidades da vida humana em
tempos líquidos, como ressaltado por Bauman:
"A cultura pós-moderna elogia os deleites do sexo e encoraja que cada
canto e greta do Lebenswelt seja investido de significância erótica.
Impulsiona o colecionador de sensações pós-moderno a desenvolver
plenamente o potencial de sujeito sexual. Por outro lado, a mesma
cultura que proíbe explicitamente que se trate outro colecionador de
sensações como um objeto sexual. Contudo, o problema é que, em cada
encontro erótico é concebível sem que os parceiros assumam ambos os
papéis, às vezes fundindo-os em um só. Os sinais culturais contraditórios
minam, de maneira dissimulada, o que abertamente prezam e encorajam.
Essa é uma situação repleta de neuroses psíquicas, tornada ainda mais grave pelo
fato de não ser mais evidente o que a “norma” é e que tipo de “conformidade a
norma” poderia promover a cura dessas neuroses (BAUMAN, 2008b, p. 297).

A cultura líquida é comemorativa e incentivadora da individualidade do self, não por


razões maquiavélicas, mas pelo fato de que, em uma época de incertezas, o eu se fecha
narcisicamente em si mesmo. No mundo líquido, no qual as construções são feitas e desfeitas
velozmente, só resta ao self amedrontado e inseguro contar consigo mesmo e investir nas
suas conquistas individuais para garantir sua sobrevivência.
O homem é um animal solitário que tem consciência de sua finitude. Já nasce
angustiado por existir e desesperado para compreender o real sentido de sua existência. Para
compreendê-lo, o indivíduo tem de arregaçar as mangas e sair em busca de significados
simbólicos que ampliem a compreensão com os outros.
A vida humana é assim: todo o tempo nos esforçamos para preencher algum vazio;
esse preenchimento pode ser denominado de cultura. Na atual conjuntura estrutural
sócioeconômica mundial pós-moderna, ele foi deixado de lado pelo novo valor de produtor
de significado para a vida humana, a mercadoria.
Se não se consegue afeto com as culturas e práticas sociais off-line ou tradicionais
pelas dificuldades da convivência, compram-se experiências afetivas nos mercados digitais.
O resultado proporcionado por elas não é o mesmo, mas a humanidade insiste em acreditar
que a tecnologia pode combater carências.
Frans de Waal (2010) faz uso da teoria darwinista e a aplica em uma observação da
sociedade americana, analisando a competição como seu princípio organizador mais
26

importante. Existe uma tensão entre liberdade, segurança, liberdade econômica e os valores
da comunidade.
Em escalas globais, a modernidade líquida apresenta as características sociais acima
descritas. A natureza oferece informações preciosas sobre a condição da existência; humanos
ou não, os seres vivos possuem características e especificidades que devem ser levadas em
consideração para qualquer análise e compreensão de condições propostas.
Humanos possuem características como autosseleção, que é o fenômeno das gerações
seguintes herdarem o mesmo tipo de personalidade — tanto genética quanto cultural — das
relações anteriores. Os nossos antepassados fugiram e abandonaram suas raízes para
melhorar de vida, construir uma vida melhor longe de ambientes em guerra e fugir da
pobreza e da mísera; escolheram defender sua individualidade para garantir sobrevivência.
Portanto, “o resultado inevitável é uma cultura que gira em torno do sucesso individual”
(WAAL, 2010, p. 53).
A individualização entrelaçada à cultura de valorização do self colaboram para uma
péssima construção de empatia e manutenção de vínculos familiares, afetivos, amorosos e,
até mesmo, econômicos. O sujeito líquido escorre pelas instituições das quais a cultura ao
seu redor lhe impõe, pois ele não consegue permanecer constante em nenhuma delas e,
quando existe qualquer dificuldade, desaparece no ralo da fluidez, independente dos outros
ao redor, afetados por essa inconstância.
Na modernidade líquida, os sujeitos correm pela vida sozinhos, desesperados,
buscando a mesma solução de seus antepassados e não encontrando nada além de grandes
depressões. “Toda sociedade precisa encontrar um equilíbrio entre os motivos egoístas e os
motivos sociais para garantir que sua economia sirva a sociedade, e não ao contrário”
(WAAL, 2010, p. 61).
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2.1 – Solidão

Somos humanos e aprendemos a passar fome.


Anoréxicos de peso,
De afeto,
De fé e
De Amor.
Morrendo de sede,
Nadando no rio dos egoístas.

Dos males do mundo, a solidão é um dos mais contemporâneos, principalmente


quando as relações acontecem, na maior parte do tempo, de forma mediada, com prazos de
validade cada vez mais precários e efêmeros. Estar sozinho implica mergulhar em profundo
autoconhecimento, identificar a pluralidade de buracos negros, observar as lacunas da alma
— que não são poucas.
Para preencher tais lacunas de alguma forma, as relações do sujeito fora de sua esfera
individual seriam indispensáveis, algo que não acontece na pós-modernidade, em terras de
amores líquidos, relações superficiais e narcisismo exacerbado.
Pode ser que nunca tenha sido tão agradável estar sozinho. A praticidade de lidar
consigo e nada além torna a vida do sujeito mais simples, propiciando ao mercado de
trabalho maior tempo de envolvimento, pois não há perda de foco em sua produtividade.
Segundo Bauman (2004), para a sociedade atual, isso causa problemas e produz
efeitos como egoísmo, carência, ambivalência nas relações, frustrações, medo e ansiedade.
O mercado se aproveita disso, com suas lojas de móveis single, tecnologias e cobertores da
NASA para abraçar aquele que se sente só e prefere permanecer dessa forma, pois
estabelecer vínculos torna-se cada vez mais problemático e desafiador.
Quem tem o poder de escolha na vida single dificilmente vai assumir a
responsabilidade de uma vida compartilhada, a não ser que a solidão se torne insuportável.
Mesmo assim, já existem recursos suficientes para ser feliz sozinho. Romântico e boêmio,
Tom Jobim soube como ninguém enaltecer a magia dos afetos, as intermitências do amor, a
impermanência da felicidade.
Arriscar, apostar em algo em que se tenha convicção, investir no outro deixam de ser
prioritárias. A geração pós-moderna ou contemporânea é medrosa e mimada. Existir e
sobreviver não é tarefa fácil, muito menos agradável. A geração passada preocupada com
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questões de ascensão, padronização, tradicionalidade, manutenção das relações, mesmo que


essas não fossem saudáveis, nos sugerem que sua conduta diante da vida e das
responsabilidades eram mais coerentes que as gerações século XXI. No entanto, quando
questionadas sobre seus valores, formas de viver no mundo contemporâneo relatam
angústias semelhantes às das gerações mais novas. A frustração é inerente à condição do
sujeito insaciável, movido pelos desejos do ego e reprimido por ele.
A geração de sujeitos pós-modernos é de homens e mulheres em uma adolescência
retardada. Por exemplo, no auge dos 25 anos, a maioria não é independente nem adulta, no
sentido de estar inserida no mercado de trabalho, e muito menos madura em relação à vida
e às relações afetivas.
A geração que antecede os anos 1990 possuía fibra e responsabilidade que eram
oriundas de um desconforto de desencaixe sócio-estrutural para a qual a geração da pós-
modernidade não foi submetida. A geração anterior precisava trabalhar para se sustentar,
controlar os gastos, casar, ter filhos e educá-los para que as gerações futuras tivessem a
possibilidade de fazer escolhas.
Essas circunstâncias propiciaram uma vida material confortável para os sujeitos pós-
modernos, conforto esse que transformou, com comodidade e apatia, a juventude que, em
função de opções, podia voar mais alto e escolhe permanecer apática, funcionando a base de
remédios e se relacionando sem nenhum afeto e com muita tecnologia.
O enfraquecimento do sujeito acontece não só pelo conforto das tecnologias, mas
também pelo sedentarismo familiar propiciado pelo enriquecimento, que cria uma geração
pós-moderna enfraquecida no sentido prático das ações. Criou-se um ser humano com a
sensibilidade aflorada, devido ao tempo que tem para pensar na vida e sobre as coisas,
beirando o enlouquecimento e gerando ansiedade que, por motivos específicos, (Bauman,
2004) explica, deixam o sujeito angustiado, ansioso e inerte para qualquer forma de ação
que seja duradoura.
Claramente ocorreu uma mudança no perfil comportamental e estrutural da
sociedade no século XXI. O capitalismo torna tudo mais volátil, pois consome-se mais,
descarta-se tudo mais rápido e compete-se para entrar e permanecer no mercado profissional.
Esse fato consiste em ser melhor que a maioria, ter maior carga de leitura, conteúdo e
produção.
Em consequência disso, a solidão tende a aparecer e permanecer de forma camuflada.
A pós-modernidade é dos solitários, pois eles são bombardeados por falsas realidades. As
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mídias sociais propiciam conforto de relações ilusórias de convivência, compartilhando


interesses em comum e fazendo, superficialmente, companhia uns aos outros, gerando a
impressão, que se torna real na contemporaneidade, de que só existe a parte boa da
convivência.
Quando alguém se aproxima de algo além do permitido, seja no mundo digital ou na
esfera pessoal real, existe um sentimento de invasão e repulsa do convívio social. A
privacidade torna-se inexistente, os vínculos são diluídos — assim como as esferas do que é
publico e privado — e os momentos de lazer são escancarados nas redes sociais; tudo é
exposto de maneira exibicionista. Tal fato frequentemente afasta relações sólidas e opiniões
com embasamento, enfatizando preconceitos. As redes sociais neutralizam a experiência
sensível de estar vivo, assim como a função visceral da convivência, que é complexa e
demanda exercício constante de maturidade.
O sujeito pós-moderno finge estar feliz, bem-resolvido, bem-informado e bem-
acompanhado. Volta para casa, solitário, e permanece na frente de telas que sustentam a
alienação coletiva de que está tudo bem, de que não existem tristezas e muito menos solidão.
Os seres humanos nunca estiveram tão distantes da realidade, do mundo real e de
uma vida concreta, como se tinha na modernidade sólida. São mediados por telas, na maior
parte do tempo, bombardeados por informações e conteúdos banais, falando sobre nada com
todo mundo o tempo todo e, ao mesmo tempo, sem encontrar ninguém.
Na era contemporânea, existem alguns locais que ainda fazem o ser humano tocar a
esfera da realidade sólida: no divã da análise, no teatro, na produção de atividades que
demandem concentração. Não dá para fugir, segundo Bauman (1999), do mal-estar na pós-
modernidade, mas é possível lidar com ele de maneira mais inteligente e criativa.
A cada dia, se tem menos tempo para fazer esse tipo de atividade. Toma-se uma série
de medicamentos para camuflar consequências daquilo que é da ordem líquida, tapa-se
lacunas com telas, preenche-se vazios com bolhas de ar: faz tudo que é sólido se desmanchar.
A realidade é a única segurança e disfarçá-la piora as consequências da solidão.
Abandonados, inseguros e sem resistência alguma, os sujeitos não conseguem equilíbrio
nem conforto para andar nas calçadas da existência.
Há também a outra da face da solidão: a face oculta que é a parte boa, na qual um
indivíduo não pode culpar ninguém além de si mesmo pelas suas atitudes e escolhas. A
solidão pode ser boa e até mesmo libertadora.
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Antes do divórcio e do sufrágio universal era difícil ficar sozinho, essa opção era
inexistente e se fosse cogitada era semelhante ao suicídio ou morte. Solidão era a marca dos
frustados, loucos, criminosos, bruxas. Até a época atual não era vista com agrado e por isso
no cotidiano por mais que ela nos agrade, também incomoda. Quando não estamos bem, a
solidão é a primeira a falar a verdade, é por isso que dói e que fugimos dela para tentar fingir
que estamos no controle das emoções.
Não há como fugir da angústia na solidão contemporânea com todos os seus aparatos
tecnológicos e funcionais. Mesmo diante de uma comunicação 24/7 em que é possível se
comunicar 100% do tempo, a solidão pode estar presente.
Portanto, não se pode afirmar que a solidão seja boa ou má, nobre ou péssima. De
fato, ela existe e às vezes pode ser bem utilizada para o autoconhecimento, o ócio criativo,
para a resolução de conflitos internos e externos, resiliência e empatia. Na solidão podem
se desvendar várias companhias inclusive selecioná-las da melhor forma para evitar andar
em bando e não ouvir as melodias de uma mente que quando pacificada pode ser criativa.
Dirigido por Nadav Lapid, (2019), o filme israelense Synonymes aborda a face
ambígua da solidão. Yoav, personagem principal, da história é um jovem israelita que se
muda para Paris para fugir de Israel e abandonar a carreira militar que lá seguia. Chegando
na “cidade da luz” ele se depara com a solidão em um apartamento velho, vazio, imenso,
sem moveis ou qualquer aparato que proporcione conforto e segurança. Dorme no chão e ao
acordar quando vai tomar um banho em uma velha banheira suja, branca, ele é assaltado e
suas roupas do corpo que eram sua única comodidade, desaparecem.
Sozinho e sem nenhuma intenção de retornar para Israel ou de manter contato com
sua família ele é encontrado por um casal francês de burgueses que o acolhe, dá roupas,
dinheiro e até um smartphone. O casal ainda oferece possibilidade de moradia para Yoav,
que não aceita por ter pretensões de conquistar sua liberdade, com a pequena ajuda para
sobreviver com as mínimas condições de dignidade humana, assim ele parte para um
apartamento caindo aos pedaços na periferia para morar sozinho.
Yoav se recusa a falar hebraico, língua de origem e só se comunica em francês,
compra um dicionário e através de vários sinônimos ele conta suas histórias de vida, de
guerra, para o escritor burguês que usa Yoav como animal de inspiração. Como se um belo
dia um animal fugido do zoológico entrasse na sua casa e você por curiosidade cuidasse dele
oferecendo condições para que ele permaneça e dependa de você para existir.
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Uma das potencialidades desse filme é o fato de que a história é baseada na vida do
diretor Nadav Lapid, semelhança com essa dissertação que se propõe a usar histórias para
compor as teorias de Zigmund Bauman e seus amores líquidos.
Synonymes é uma narrativa inspirada em uma história real de angústia, solidão,
desamparo estrutural, desejo fatal pela liberdade, mudança de local, de identidade, e como
tudo isso entra em crise.
Por mais que tente agir como um francês, conviver, comer, falar, Yoav nunca será
um francês. Não será reconhecido como francês por outros franceses e isso fica nítido cada
vez que ele tenta se naturalizar e sua postura de soldado israelense aparece, indignado,
revoltado, confrontando os valores franceses que ele mesmo queria adotar. O que foi
vislumbrado, não passou de mera ilusão.
É preciso resistir, mas onde encontrar energia para seguir lutando quando mais
ninguém parece estar ao seu lado? Synonymes faz das suas imagens o seu real discurso, mais
do que aquilo que é dito em diálogos aparentemente banais. No filme, real e imaginário,
razão e desrazão se entrelaçam inextricavelmente, o que obriga o espectador a buscar novos
significados psíquicos, sociais, culturais.
A liberdade parece estar ao alcance de todos, mas quando a confusão aumenta, é bom
não se enganar: as distâncias continuam vivas. O estrangeiro será sempre um estranho e por
essa perspectiva, concordando com Bauman (1998), ele se encontra sozinho e apátrida.
Cenas sublimes desse longa-metragem, vencedor do festival de Berlim, ilustram a
solidão positiva e negativa à qual me refiro. Tudo ali é contraditório, ambivalente, fluido. A
grandiosidade das imagens constitui uma bela análise da vida cotidiana na pós-modernidade.
Não é um filme sobre a França e sua xenofobia, não é um filme sobre o Estado de
Israel. É um filme sociopolítico, cultural, planetário, que trata das condições reais com as
quais as sociedades se defrontam. Yoav permanecerá para a sociedade francesa, sendo um
sinônimo mesmo que não queira. E sozinho segue em frente com algumas companhias que
aparecem no caminho.
O cinema tem o poder de ampliar a realidade em esfera global, dando exemplos locais
e se o filme acima trata mais especificamente da solidão, proponho a análise de um outro
longa-metragem que identifica ruídos e conflitos na esfera da solidão, da convivência e dos
vínculos sociaia. Cadê você Bernadette? (ou Where'd you go Bernadette?), é um longa
dirigido por Richard Linklater produzido e lançado em 2019, com Cate Blanchett como
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protagonista que interpreta a personagem Bernadette. Ela é uma mulher em torno dos 45
anos, arquiteta brilhante, que se vê de repente perdida em sua identidade.
Após casar e ter filho, muda de cidade e acaba por renunciar sua carreira, seus
sonhos, sua vida individual em prol do coletivo. A trajetória da personagem é um exemplo
da sociedade tradicional que atravessa a geração para sociedade atual, na qual o indivíduo
se depara com novas possibilidades como: divórcio, carreira e trabalho ao mesmo tempo o
exercício da maternidade, vida individual e vida coletiva, e questões que são angústias da
existência vista como normais na dinâmica social atual, mas provocam conflitos na estrutura
emocional e social de antes.
Bernadette se torna refém de aparatos tecnológicos, não tem tempo de descanso nem
contato com sua arte. Ela se distancia de tudo aquilo que era fundamental para sua evolução
pessoal e entra em depressão. A grande virada na vida da personagem é quando ela entende
e aceita que precisa ir em busca de si mesma e para isso é necessário um tempo de solidão e
reclusão para que ocorra evolução.
Liberta-se das amarras e ruídos que compõem seu cotidiano conturbado para
reestruturar seu eixo. A tarefa de olhar para dentro de si e ir em busca de desafios novos não
é fácil para a personagem, mas o final melhor que antes é certo. Ela consegue construir seu
maior projeto, volta a retomar suas individualidades, tomando as rédeas de sua jornada.
O filme é um exemplo de que a solidão quando bem aproveitada colabora com a vida
coletiva, o respeito de uma individualidade bem construída promove grandes avanços para
construção de uma realidade social saudável.
Não é egoísmo cuidar de si mesmo, mas sim um ato de amor próprio, questão de
sobrevivência que alimenta e sustenta a vontade de amar também quem está ao nosso lado.
A empatia começa quando os olhos angustiados são abraçados por eles mesmos e, quando
reconstruídos, tornam-se capazes de entender a convivialidade, a afetividade e o amor do
outro.
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2.2 – Mudanças

Como um brinquedo que não serve mais


A vida sempre se desfaz
No passar breve do tempo.
Morrer, dormir…William disse.
Mas em cada um de nós está o fardo de viver
Dia após dia
Aguardando a única verdade da vida
Que sempre será
Somente a morte.
É fardo pesado
Olhar de frente as leis da existência
No entanto, pior que saber da morte é morrer estando
vivo e
padecer no esquecimento.

Com base nos argumentos anteriores, é perceptível a mudança radical dos


comportamental que interfere na forma dos sujeitos se relacionarem. Isso se deve à
possibilidade de desfazer os laços matrimoniais tradicionais, à constante preocupação e
interesse dos indivíduos em obter sucesso e ascensão no mercado de trabalho, cada instante
mais concorrido, ao surgimento das mídias sociais, dos aplicativos de relacionamentos para
sair da solidão de forma imediata e efêmera e à velocidade e durabilidade dos vínculos em
função de uma maior liberdade sexual contemporânea.
A sexualidade atual faz com que as etapas da conquista sejam mediadas pelo sexo, o
que antes era uma forma de recompensa e bônus do casamento. A retomada de regimes de
relacionamentos poligâmicos e o mercado do prazer individual aproximam os seres
humanos, mas os distanciam emocionalmente cada vez mais e a cada instante, o que afeta
não só a postura do sujeito nas relações afetivas, como também a relação indivíduo- mundo.
Para compreender o que está à nossa volta, é necessária a noção mínima de quem
somos e em qual local estamos. Na modernidade líquida, os seres caminham na alienação da
própria alma, substituindo o valor humano pelo valor de compra, na qual uma nebulosa
emocional paira na sociedade evoluída tecnologicamente.
Além disso, é intrigante observar os impactos e consequências causadas nas relações
antigas que se modificam perante o novo cenário pós-moderno. Outro fato é o estudo das
34

adaptações que as empresas e o mercado assumem para não ter possíveis prejuízos e se
estabelecerem com esse novo impacto midiático.
Start-ups e multinacionais reformam ambientes de trabalho com dressing home-
office unicamente para que os trabalhadores produzam mais, levem seus cães ou filhos e não
se desliguem um minuto sequer da máxima produtividade. O medo da solidão perde espaço
no cenário atual e o comportamento narcísico domina os novos processos sociais, políticos,
culturais e econômicos.
Modernidade líquida significa um novo modo de ser e estar no mundo. Repercute na
necessidade de experimentar novos comportamentos, como a exposição de sua intimidade
no âmbito privado e, com isso, conseguir uma colocação social que permita suprir, mesmo
precariamente, as carências de inúmeras formas superficiais. Essa supressão mata, pouco a
pouco, a comunicação real propriamente dita, criada na proximidade com a natureza e com
a conexão de outros seres humanos para que, momentaneamente se esqueça da morte e se
alivie a angústia de existir.
O humano se comunica primordialmente com o objetivo, inconsciente, de esquecer
a morte. Quando há ruídos nessa linguagem mediada e superficial, os indivíduos buscam
conforto e são tomados pelo medo, ansiedade, depressão, carência e insegurança, como se
não tivesse aprendido a suportar os desconfortos do existir.
35

2.3 – O homem pós-moderno e a sociedade líquida

Uns sabem lidar com a vida…


Outros contemplam a morte.
Mas…
O que é viver se não estar vivo num só plano?
A verdade que resta é uma só:
Ninguém sabe coisa alguma.
E todos tentam se apegar em algo,
No entanto:
"Tudo que é sólido, desmancha no ar."
E sem chão algum
Vagamos rumo ao desconhecido.

Incerto quanto ao futuro da sociedade, o sujeito pós-moderno tem fixado suas


esperanças e expectativas no presente, no instante, na individualidade. Por toda parte, os
anúncios publicitários, as revistas e as redes sociais conclamam as pessoas a viverem o
agora, a pensarem em si mesmas. O ser humano pós-moderno substitui os projetos para o
futuro pelo prazer instantâneo, a produção pela especulação, o conteúdo pela performance,
a experiência pela flexibilidade e os sonhos pelas ambições. Nos três exemplos anteriores,
é possível identificar a liquidez a que Bauman (2004) se refere acerca da fragilidade dos
laços humanos.
A estética na fluidez do agora com a velocidade e mobilidade está sendo a base de
uma liberdade que foi definida por Lévi-Strauss (1998, p.76) como “a liberdade sem
precedentes, também acompanhada pela impotência sem precedentes. Criticamos o mundo,
nunca estamos satisfeitos, mas raramente sabemos o que fazer com nossas críticas”.
Se, de forma isolada, os sujeitos vivem nessas condições, o panorama de uma
sociedade líquida pode ser descrito e codificado. Tema básico desta pesquisa, as relações do
sujeito são definidas pelo recorte do amor líquido que aborda relações sociais, afetivas e
empresariais, que identificam a sociedade líquida propriamente dita, pouco apegada aos seus
antecedentes histórico-culturais e obcecada pela novidade. Rompem-se os laços do passado
são cortados e uma espécie de eterno presente comanda as ações e os vínculos sociais.
Os produtos renovam-se diariamente e os empresários não temem anunciar que os
próprios objetos produzidos já estão ultrapassados. Da mesma forma, os trabalhadores do
século XXI vivem em constante liquidez, em permanente incerteza e medo de serem
36

descartados, posto que a mobilidade e a flexibilidade das empresas são tamanhas que, a
qualquer momento, cortes inesperados e mudanças de planos podem acontecer.
A solidez das convicções foi substituída pela liquidez do instante. Pela primeira vez
na História, a sociedade não consegue prever o que vem pela frente, a não ser as análises de
dados e convicções de que milhares de empregos já desaparecem, substituídos por máquinas
cada vez mais rápidas e precisas.
A estrutura familiar mudou drasticamente a partir do final do século XIX e início do
século XX. O afeto e o amor surgem como elementos fundadores da família, mas nem
sempre foi assim e não é por acaso que o imaginário humano gosta de idealizar histórias de
amor. No passado, as pessoas casavam com quem os pais mandavam, mas os laços de uma
família eram sagrados. Hoje, por outro lado, constituímos famílias, assumindo as diferenças
atuais que nos distinguem do mundo pré-moderno e as dificuldades que essa pluralidade de
relacionamentos pode trazer.
No entanto, observa-se uma real vontade e necessidade dos sujeitos de se
reconectarem a suas origens e essências. O mercado já compreendeu que o self deseja ser
especial, único e bem-recebido pelos laços afetivos tradicionais, revestidos de uma certa
simplicidade que podem eventualmente conter a tirania do Eu e fortalecer a autoestima..
Vejamos um exemplo: a capa de uma renomada revista mundial, em outubro de 2018,
trouxe a modelo mais bem paga do mundo, Gisele Bündchen, em uma foto suave e simples,
com título Raízes, para celebrar, segundo a revista, as origens da top model e a beleza natural
do Brasil.
Na foto de capa, a modelo usa um vestido de uma renomada grife parisiense de seda
pura e foi fotografada por um dos maiores diretores de desfiles no Brasil. Essa capa custou
alguns milhares de dólares, posto que a modelo não é paga em reais há muitos anos.
Qual a relevância da revista mais elitista e mundial colocar, na capa, uma foto
aparentemente simples na primeira versão e uma foto familiar em que a mesma modelo foi
clicada ao lado de sua mãe na segunda versão?
São as carências dos sujeitos desesperados por aconchego e segurança que buscam
no mercado capitalista, mais uma vez, a resposta. Quando o sujeito compra a revista, está
comprando a nova forma de amor e de comportamento. De forma explicita, a revista vende
a imagem que o modo de vida tradicional fundado na familia proporciona a homens e
mulheres carentes, deprimidos e isolados.
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Bauman (2004) exemplifica as relações amorosas em categorias de afinidade e


parentesco. O parentesco seria o laço irredutível e inquebrável; é o laço de sangue, aquilo
que não nos oferece escolha e é impossível de renegar. A afinidade é eletiva e escolhida por
um processo que pode resultar na formação da afinidade ou na rejeição. Apesar de sempre
haver a possibilidade de voltar atrás e deixar a relação de lado, ressaltamos ainda que a
afinidade tem como objetivo ser como o parentesco.
Em época de amores líquidos, Bauman (2004) afirma que até mesmo a afinidade está
se tornando algo pouco comum, pois a sociedade está vivenciando um extremo descarte das
relações humanas. Mas laços de afinidade são fundamentais para a ampliação das relações
afetivas e amorosas na contemporaneidade.
O amor próprio é resultado de ser amado. Trata-se de uma relação infinita e
incessante, pois é quando o sujeito percebe que sua voz é ouvida, que sua opinião é
importante ou que sua presença será sentida. Entende que é único, especial e digno de amor.
“Só o outro pode dizer que somos dignos de amor, o que fazemos é reconhecer essa
classificação” (BAUMAN, 2004, p.24)
Num processo de identificação com aquele que nos amou, também entendemos que
há necessidade de amor existe nele. Nós nos amamos quando nosso ego se identifica com o
outro e, dessa forma, amamos a nós mesmos. Somos merecedores de amor e, ao mesmo
tempo, amantes do outro.
Bauman (2004) ressalta que a expressão “amai ao próximo como ama a ti mesmo”
representa a máxima da moralidade. O instinto de preservação não é suficiente para a
sobrevivência. É necessário haver uma instância moral e ética que atue nas definições do eu
e do outro, para que as relações humanas se consolidem no curso do tempo, como bem
percebeu Freud.

Na verdade, se aquele impotente mandamento dissesse: ‘Ama a teu


próximo como este te ama’, eu não lhe faria objeções. E há um segundo mandamento
que me parece mais incompreensível ainda e que desperta em mim uma oposição
mais forte ainda. Trata-se do mandamento ‘Ama os teus inimigos’ (FREUD, 1978,
p.165)

Em uma sociedade de pura incerteza em relação ao outro, o amor nos é negado. É


negada a dignidade de sermos amados. Não há amor próprio e não há injunções sociais que
prescrevam o amor ao próximo, fazendo dele algo fundamental na vida em sociedade.
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Amar ao próximo não é algo natural. É o ato fundador da moralidade. Se nossas


ferramentas de relacionamento estão engajadas com nossa época fluida e se as injunções ou
prescrições para amar o próximo estão cada vez mais formais e estabelecidas por códigos
penais, então o caminho da sociedade é a autodestruição deprimida e solitária.
Sujeitos que sucumbem na depressão e na solidão desesperada se isolam, perdem a
produtividade e, assim, acabam consumindo menos. A indústria do consumo, portanto,
oferece, para além dos antidepressivos, algumas ferramentas para manter o sujeito feliz,
mesmo que essa felicidade seja efêmera e instantânea.
Objetos de consumo servem para as necessidades, desejos ou impulsos do
consumidor. Assim também os filhos. Eles não são desejados pelas alegrias do prazer
paternal e material que se espera que proporcionem - "alegrias de uma espécie que nenhum
objeto de consumo, por mais engenhoso e sofisticado que seja pode proporcionar
"(BAUMAN, 2004, p. 60).
São essas sensações que a capa da revista citada acima e outros milhares de produtos
e bens de consumo em geral buscam oferecer — até mesmo ter filhos que, segundo Bauman,
“estão entre as aquisições mais caras que o consumidor pode fazer ao longo de toda sua vida”
(2004, p. 61). Todas essas sensações vão em busca de um afeto ilusório que escorre pelas
mãos e não preenche o vazio.
Por fim, para Bauman, a modernidade líquida e o amor líquido fazem parte das
relações dos sujeitos e, impreterivelmente, são resultantes do desgaste da conexão do homem
com a natureza, provocado pela civilização e pelo domínio do quadrinômio ciência-técnica-
indústria-Estado, como considera Edgar Morin em seu ensaio Rumo ao abismo. (Morin,
2004)
39

2.4 – Os desafios da convivência

Te amo,
Só não entre na minha casa
Te quero,
Mas não precisamos dividir o mesmo quarto
Te desejo,
Desde que não tenham consequências negativas
Me arrisco,
Desde que esteja seguro.

Byung-Chul Han e Zygmunt Bauman desenvolvem hipóteses que explicam e


justificam o comportamento da sociedade contemporânea e suas lacunas afetivas na forma
de se relacionar.
Han (2017) denomina como sociedade do cansaço fenômenos contemporâneos como
falta de empatia, individualização, escassez de tempo, ausência de análise contemplativa
sobre o self e suas relações. Todas essas características da sociedade desembocam em uma
sucessão de desafios na forma de conviver das pessoas em suas vidas cotidianas.
Bauman (2006) denomina de medo líquido o fato de os seres humanos abrirem mão
de sua liberdade em nome da segurança e de amor líquido a falta de sentido das relações
ligadas ao afeto, tanto de uns seres humanos com outros quanto o amor individual de um
único ser em relação ao mundo em que ele habita.
Serres discorre sobre o começo de uma outra humanidade, que sofre impactos de
acontecimentos contemporâneos, sendo datado no século XX pelo fim da agricultura
“modeladora de culturas, ciências, vida social, corpos e religião” (2003, p. 53). E é como se
uma nova forma de afetividade surgisse nas relações emocionais na medida em que o mundo
evolui em suas tecnologias.
Os desafios da convivência são, em parte, consequências de uma mediação da
comunicação feita através das mídias sociais. Os indivíduos não sabem mais como conviver
de forma off-line — não os que fizeram parte do universo analógico e viveram a transição,
mas sim a geração a partir dos anos 2000. Tal geração não faz ideia da convivência e das
relações antes da internet — responsável pela totalidade da globalização e da queda das
fronteiras do espaço, bem como do surgimento de novas fronteiras, que impedem os olhos
nos olhos e fragmentam a experiência humana.
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Uma série alemã, vinculada à plataforma Netflix, intitulada Como vender drogas
online exemplifica a estranha mediação da comunicação dos jovens que têm sérios
problemas na forma de se relacionar afetivamente uns com os outros.
Na série, os personagens adolescentes não conseguem conversar sobre questões
sérias de maneira tradicional, olhos nos olhos — um pedido de desculpas é feito sempre via
redes sociais. Mesmo quando um personagem está no mesmo espaço físico que outro, eles
externam sentimentos por meios da inteligência artificial do aparelho celular.
Essa realidade de imaturidade e medo na comunicação é infelizmente o cenário da
convivência na pós-modernidade. Os seres humanos saem para jantar e enviam mensagens
pelo dispositivo eletrônico como se estivessem distantes fisicamente para utilizá-lo. De fato,
estão completamente ausentes da capacidade de estabelecer uma convivência real, que
demanda atenção, compreensão, capacidade de ouvir o outro, contemplar silêncios
preenchidos por atitudes e ações inconscientes, construindo, assim, laços afetivos e a
verdadeira comunicação que nasceu com o intuito de distanciar o homem de sua angústia
solitária.
A ferida na comunicação dos seres humanos ilustra um grave problema emocional
que tem consequências fatais no mundo real. Uma sociedade que não se escuta ou não se
comunica não estabelece vínculos. Sem vínculos, não há empatia. Sem empatia, não há
tolerância. Sem tolerância, só resta agressividade, aniquilação, extermínio e violência —
tanto de uns com outros quanto do self consigo mesmo.
As relações na modernidade líquida sofrem com a agonia do eros, a fragilidade dos
laços humanos, tornando-se a sociedade do esgotamento puro. Por falta de repouso nossa
civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os
inquietos, valeram tanto. Com a radicalidade que marca seus escritos, Nietzsche descreve a
essência do silêncio como força motora. Assim, pertence às correções necessárias a serem
tomadas quanto ao caráter da humanidade fortalecer em grande medida o elemento
contemplativo. (NIETZSCHE, 2005, p.37).
O século XXI estimula o fim dos afetos, do amor que está desaparecendo em função
de uma infinita liberdade de escolha; num mundo de possibilidades, o amor morre. Amar é
escolher. Apaixonar-se significa permitir-se correr riscos e se machucar, é renunciar da
liberdade individual para compartilhar. A racionalização dos afetos vinculados à tecnologia
provocam a morte desses mecanismos sentimentais. O que está em curso é a opção de
41

possibilidades ilimitadas; diante delas, os seres humanos ficam sozinhos e cada vez mais
narcisistas.
A depressão é uma enfermidade narcísica. O que leva à depressão é uma relação
consigo mesmo exageradamente sobrecarregada e pautada num controle exagerado e
doentio. O sujeito depressivo-narcisista está esgotado e fatigado de si mesmo. Não tem
mundo e é abandonado pelo outro. Eros e depressão se contrapõem e se complementam
mutuamente. O eros arranca o sujeito de si mesmo e direciona-o para o outro. A depressão,
ao contrário, mergulha em si mesma. O sujeito de hoje, voltado narcisicamente ao
desempenho, está em busca de sucesso (HAN, 2017a, p. 10).
Nessa busca incondicional pelo sucesso, o indivíduo se ausenta do outro e mergulha
na depressão de si mesmo, impossibilitando qualquer outro tipo de relação que não seja
favorável ao seu sucesso e desempenho, impossibilitando o amor. A depressão se apresenta
dessa forma e, na sociedade individualizada, ela se instaura como natural, amparada e
falsamente solucionada pela indústria dos medicamentos.
Com os avanços da ciência, acredita-se que é possível administrar os sentimentos,
quando, na realidade, simplesmente se mascara e insensibiliza a humanidade que chora,
sangrando por dentro e sorrindo por fora, movida por compostos químicos. O mundo está
criando uma geração de dependentes químicos que mascara suas dores para seguirem
produzindo e trabalhando normalmente e que, a cada dose medicamentosa, desaprendem a
sobreviver e esquecem como a dor é parte da experiência de vida, algo indispensável para o
alcance da maturidade.
Ao tentar evitar as dores da humanidade, cria-se uma geração de seres mimados,
medrosos, imaturos, incapazes. Somos recém-nascidos no afeto e não sabemos ouvir “não”.
O não sucesso e a não riqueza nos assustam a ponto de não sabermos mais como lidar com
eles e berramos por atenção, por bens materiais. Fomos criados para conseguir tudo, logo
não compreendemos o “não poder — poder”.
Se fosse possível ter controle sobre os outros e sobre nós mesmos, não estaríamos
vivendo “a vida como ela é”. Viver é contingência; se relacionar, também.
Em função dos fenômenos comportamentais atuais, o amor se dilui na sexualidade
real ou virtual. O sexo se transforma em modos de avaliação de desempenho. Carentes de
afeto, nós e os outros nos convertemos em objetos, brincamos uns com os outros na orgia
incontida da mercadoria humana, que é descartada logo após o consumo imediato.
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O perfil da sociedade líquida faz com que também evitemos conviver com o
diferente: só se busca no outro a confirmação de si mesmo. Bauman (2004), descreve esse
tipo de relação como sendo agravada pelo fenômeno da globalização e descreve, ainda, o
agravamento de comportamentos de intolerância religiosa, atos de xenofobia e movimentos
de ódio a posições políticas diferentes.
O atual momento político do Brasil é um exemplo clássico da modernidade líquida
descrita por Bauman: não é possível estabelecer diálogo e comunicação quando nenhuma
das partes aceita abdicar das certezas para escutar o outro. Os circuitos sociais se fecham, o
preconceito aumenta, a empatia desaparece e o ódio se instaura. O ódio, a solidão é a negação
da convivência e a contemporaneidade é a era que matou o amor, impossibilitando a real
convivência social, econômica e afetiva.
Em Espiral de Ideias, Carvalho enfatiza a solidariedade como algo fundamental para
permanência da convivência. (2017, p. 135) :

A recuperação da vida só se efetivará se conseguirmos exercitar a


solidariedade. Para redescobri-la é preciso consumar e manter o dialogo
ativo e permanente. Para dialogar, é necessário que as partes envolvidas
suspendam, mesmo que temporariamente, suas crenças, pressupostos e
preconceitos, para que a comunicação e o fluxo das ideias se efetive e se
movimente. Ao observarmos nosso cotidiano escolar, familiar, politico,
amoroso, constatamos que perdemos essa condição ética.
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2.4.1 – Exemplos da imaturidade emocional contemporânea

Pense como eu

Diga o que eu digo


E assim
Conviveremos
Ande na esquerda nunca vire a direita
E assim
Apoiaremos
Faça o que eu mando não pergunte nem discorde
Só assim
Não há confronto.
Homo, hetero, misto, brocha.
Pode ser outras coisas se quiser também…
Só não da para ser burro
E é isso que escolhem ser.

Caso Rafael Miguel - São Paulo, 9 de junho de 2019

Ator e seus pais são mortos ao visitar família da namorada dele em SP. Segundo a
polícia, disparos foram dados pelo pai da namorada do jovem quando Rafael e os pais
conversavam com a garota e a mãe dela sobre o namoro.
O ator Rafael Henrique Miguel, de 22 anos, e seus pais morreram após serem
baleados, por volta das 13h55min, na Estrada do Alvarenga, no bairro da Pedreira, na Zona
Sul da capital paulista.
De acordo com a Secretaria da Segurança Pública, Rafael, acompanhado de seus
pais, João Alcisio Miguel, de 52 anos, e Miriam Selma Miguel, de 50 anos, foram conversar
com o pai da namorada dele sobre o namoro. Eles foram recebidos pela jovem e sua mãe.
Durante a conversa, o comerciante Paulo Curpertino Matias, de 48 anos, chegou ao
local armado e atirou nas três vítimas, que morreram no local. O autor dos disparos fugiu.
Foi solicitada perícia ao local e carro de cadáver. O caso foi registrado como homicídio
consumado no 98º DP.
Isabela Tibcherani, namorada de Rafael Miguel, ator assassinado, usou o Twitter na
madrugada desta segunda-feira (10/06/2019) para se manifestar. “Eu preciso de você, meu
amor”, escreveu a jovem.
Isabela e Rafael namoravam há um ano e dois meses.
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O caso apresentado acima é um reflexo de tudo o que foi descrito nesta dissertação
até o momento. A manifestação da violência e do extermínio é movida por um ser narcísico,
incapaz de conviver com algo que escape ao seu controle. Quando o outro executa uma ação
que seja contrária ao que esse indivíduo imagina, ele enlouquece e, de forma irracional,
manifesta sua imaturidade, dilacerando completamente os afetos ao seu redor.
O caso, até o momento, não foi solucionado, mas é importante enfatizar, de acordo
com a teoria psicanalítica freudiana, que o suicídio, a aniquilação de si mesmo após a
percepção de atitudes irreversíveis que nada resolvem o desespero, são maioria no desfecho
de casos passionais.
Esse é também o retrato que Zygmunt Bauman denomina como extermínio do
diferente: “O amor e a morte - os dois personagens principais dessa história sem trama nem
desfecho, mas que condensa a maior parte do som e da fúria da vida” (2004, p. 16).
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2.4.2 – Corpus de novos relacionamentos

A seguir encontra-se a análise de seis pessoas que foram transformadas em personas


para ilustrar e moldar arquétipos do comportamento contemporâneo descritos nas obras de
Zigmunt Bauman. As personas dessa dissertação são pessoas reais que ao longo da trajetória
de pesquisa apresentaram comportamento próximo às teorias descritas por Zigmunt Bauman
e foram selecionadas para compor o DNA da pesquisa.
As análises de caso foram realizadas ao longo de seis meses com seis "objetos de
estudos" diferentes. Foram criados, para cada fabulação, nomes e cenários fictícios para
proteger a identidade dos entrevistados que são pessoas reais e que validam essa dissertação.
Para cada persona criada, a partir das entrevistas, segue uma análise pautada em
conceitos desenvolvidos nas três obras selecionadas de Zygmunt Bauman: O mal-estar da
pós-modernidade (1998), Modernidade e ambivalência (1999b) e Amor líquido (2004).
Toda e qualquer semelhança com a realidade não é em vão. O olhar de um
pesquisador é moldado para encontrar exemplos reais que ilustram teorias que podem não
parecer, mas que são cotidianas.
O conceito de arquétipo formulado por Carl Gustav Jung se adequa no cenário da
pesquisa. Para Jung, arquétipos são imagens promordiais tranhistóricas e transpessoais
originadas de uma repetição progressiva de uma mesma experiência durante muitas
gerações, armazenadas no inconsciente coletivo.
Portanto, quando discorro sobre a vida de “Mauro, Rogério, Arthur, Anne, Helena,
e Antônio” escrevo sobre pessoas reais que podem ser cada um de nós. Personas que
representam todos nós inseridos na grande tela da vida como estivéssemos assistindo a um
filme.
Os mecanismos de projeção-identificação definidos por Edgar Morin são facilmente
identificáveis na sétima arte, da qual sou amante e espectadora voraz. Quando vamos ao
cinema e nos deparamos com boas histórias em algum momento projetamos a nós mesmos
nos personagens e, ao sair da sala, podemos encontrar pistas que equacionem melhor
questões subjetivas, politicas, culturais.
Pode até ser que diretores e roteiristas não tenham a menor ideia de que suas
narrativas venham a despertar mecanismos de autorreflexão. De posse da pluralidade das
imagens, cada espectador pode reorganizar ideias, utopias, sonhos, recalques. Aqui reside a
magia da arte, da literatura do cinema e das personas desta dissertação.
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Woody Allen consegue transmutar as projeções e identificações nos seus filmes com
maestria: Dia de chuva em Nova York (2020), Meia noite em Paris (2011), Para Roma com
amor (2012) são histórias de amor que poderiam muito bem ser protagonizadas por nós,
meros mortais, e que muitas vezes parecem ser parte da nossa vida, de um romance do
passado que deu certo ou deu errado e que permanecem ocultas ou recalcadas no
inconsciente.
A intensidade das imagens é de tal monta que tudo se passa como se Woody Allen
tivesse observado nossa pacata vida de maneira silenciosa e potencializado acontecimentos
marcantes, convertendo a vida em um roteiro imaginário que aciona projeções e
identificações que desfazem a oposição entre imaginário e real. O campo dos afetos é
desnudado de tal modo que o espectador não sabe mais se está diante de uma ficção.
Sem pretensões de escrever e dirigir narrativas como o mestre do cinema fez, mas os
depoimentos subsequentes têm objetivo semelhante: falar de amor, saudar tempos que já se
foram e expor questões pessoais de pessoas que tive a honra de conhecer, conversar,
entrevistar e bem de perto observar para depois de muitos anos usar como figuras simbólicas
que dançam em conjunto e que compõem uma dramaturgia afetiva, cenário de paixões,
espectativas, decepções, esperanças.
A literatura e a poesia me acompanham desde o início da escrita e por isso permaneci
com elas, sendo fiel à essência poética que caminha com base em teorias e molda
carinhosamente desenhos dos animais noturnos que assombram os questionamentos da
existência humana.
O exercício de observar a sociedade e selecionar seis pessoas, aliás sete, pois também
me incluo no conjunto, com minhas próprias paixões e afetos, não foi tarefa fácil, pois exigiu
distanciamento, imparcialidade, coragem, análise, responsabilidade.
Cuidadosamente escolhi e ordenei histórias ouvidas por meio de um comportamento
jornalístico investigativo; troquei os uniformes para não expor ou identificar ninguém. Meu
objetivo foi tentar compreender a sociedade, a cultura, o amor, como molas que movem o
mundo, mesmo que no mundo real as pessoas não se deem conta disso. Sempre fiquei
intrigada com uma das máximas de Jacques Lacan sobre o amor. O amor – Lacan afirmou
– é oferecer o que não se tem a alguém que não o quer.
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Persona I - (Mauro Schuatz) - europeu norte-americano

Mauro Schuatz, publicitário e empresário de origem italiana, 47 anos, está em seu


terceiro casamento. Até o momento não tem filhos biológicos, no entanto, é pai de três filhos
adotivos do segundo casamento, com os quais não mantém contato depois de ter iniciado
seu relacionamento atual.
Saiu de Roma aos 16 anos e veio morar em São Paulo para estudar Publicidade e
Propaganda. Formou-se, abriu a própria agência e começou a empreender e investir em
diferentes setores. Casou-se a primeira vez, segundo ele, por conveniência; era mais fácil
morar junto e, economicamente, mais inteligente, posto que ambos estivessem distantes de
suas famílias biológicas. O casal não tinha interesse em ter filhos ou comprar uma casa;
queriam viajar e o relacionamento com união total de bens durou dois anos, haja vista que
os interesses eram diferentes e incompatíveis.
Alguns anos depois de viver sozinho, relacionando-se com inúmeras parceiras de
uma só vez, casou-se com uma mulher mais velha que ele, pois já estavam “namorando” há
um tempo e, com muitos bens materiais, sua parceira queria um contrato de separação total
de bens. Eles moravam em casas separadas e em estados diferentes: ele em São Paulo, ela
em Salvador. Ela já tinha filhos de um primeiro casamento e, num belo dia, Mauro relata
que chegou na casa de sua esposa e ela havia adotado três crianças.
Viveram juntos por cinco anos, quando sua esposa decidiu que um relacionamento
monogâmico heterossexual não funcionava mais para suprir suas necessidades. Ela se
separou de Mauro e trouxe sua namorada para viver com ela em Salvador.
Solteiro novamente, Mauro, aos 43 anos, faliu sua empresa em São Paulo e começou
a trabalhar como funcionário de uma multinacional. Mudava-se de casa com frequência,
posto que os contratos de locação terminavam e não eram renovados. Conheceu Beatriz
Souza, jornalista, digital influencer, que hoje é sua atual esposa.
Com dois anos de casados, moram em um apartamento alugado na rua Alagoas, em
São Paulo. Beatriz resolveu se mudar para Tóquio, em janeiro de 2019, para trabalhar com
o marketing de uma empresa de cosméticos. Mauro foi transferido para a sede da empresa,
localizada em Nova York.
Não definiram se continuarão casados nessa nova fase, mas se consideram amigos.
Beatriz congelou seus óvulos, pois pretende ter filhos de forma independente no futuro.
Mauro mencionou na entrevista que casou-se com ela unicamente com o objetivo de ser pai.
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O apartamento alugado pelo casal foi reformado e, como ambos vão mudar para
países distantes, Beatriz colocou todos os móveis à venda em uma espécie de bazar intimista,
só para amigos.
O casal acredita que a distância só fará bem para a relação, pois preserva a
individualidade de cada um. Na questão de fidelidade, nada foi mencionado, pois, segundo
eles, relacionamento não tem espaço para cobranças.
Com a fragilidade das estruturas familiares, com a expectativa de vida de muitas
famílias sendo mais curta do que a de seus membros, com a participação em determinada
linhagem familiar tornando-se rapidamente um dos elementos indetermináveis da líquida era
moderna e com adesão a uma das diversas redes de parentesco disponíveis transformando-
se, para um crescente número de indivíduos ,numa questão de escolha…"(BAUMAN, 2004,
p. 60).
Essa forma de comportamento, na qual se prioriza a pulverização das relações é
presente na vida de Mauro e também na de sua atual esposa, que inclusive menciona o fato
de congelar seus óvulos para no futuro ter filhos, com fertilização in vitro, e não por meio
da forma convencional de reprodução.
Bauman já havia ressaltado essa tendência: “Atualmente a medicina compete com o
sexo pela responsabilidade da ‘reprodução’” (2004, p. 58), teoria essa que é exemplificada
no comportamento de Beatriz.
No âmbito do convívio social nota-se extrema dificuldade de conciliar relações com
o diferente. Bauman (2004) chama esse convívio destruído de espectro de xenofobia. Apesar
de mudar algumas vezes de país e cidade, Mauro sempre escolhe sua moradia em locais onde
pessoas de sua condição social estão presentes, demonstrando certo tipo de isolamento social
e intolerância com o diferente. O próprio bazar da venda dos móveis do casal é intimista, e
pessoas que não são parte do meio social que ambos convivem não são toleradas. O diferente
não é bem-vindo, mesmo nos casos comerciais.
Não obter constância diante das dificuldades aparentes nas relações é mais uma
característica presente na vida de Mauro, um sujeito tipicamente pós-moderno que prefere
migrar para o desconhecido em vez de resolver as questões presentes.
A dificuldade de lidar com o amadurecimento biológico e prático da vida cotidiana
está atrelada à vida líquida que prioriza a juventude, a imaturidade e o comportamento
adolescente que seria inadmissível numa sociedade clássica e tradicional.
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O desejo de se manter jovem a qualquer custo é, de fato, um desejo de negar o


amadurecimento e a evolução. O amor de Mauro pela vida é líquido e se encontra em águas
rasas, temendo qualquer vínculo ou sugestão que a profundidade possa oferecer.
Ao longo da pesquisa e análise da vida de Mauro, mudanças interessantes e pontuais
ocorreram na sua trajetória, nas redes sociais sua esposa iniciou uma série sobre inseminação
artificial, filmada aqui no Brasil onde sua ginecologista mora. As mídias sociais da digital
influencer já demonstrava grande parte de sua rotina, causando a impressão para quem
acompanha de estar em tempo integral conectado com ela.
Voltando ao consultório, Beatriz resolveu congelar mais alguns óvulos no nitrogênio
pois Mauro não havia demonstrado interesse em ser pai e ela tinha total intenção de ser mãe.
Apesar de viver em Tóquio, ela não se sentia confortável e não conseguia confiar nos
laboratórios do Japão. Por isso voltou ao Brasil para fazer o procedimento.
Durante sua volta ao Brasil, reencontrou o marido que não via há alguns meses, e
tiveram a ideia de fazerem uma viagem para Nova York para passar um tempo juntos e tentar
construir uma rotina de casal normal, segundo eles.
Beatriz redefiniu sua rotina de trabalho no campo da multidisciplinaridade e foi com
Marco para Nova York. Uma característica do casal que chama atenção é sua relação com o
consumo. Compram muito, e de tudo. Roupas, aparelhos tecnológicos, perfumes, carros,
móveis novos, mudam as decorações inclusive dos flats em que passam temporadas.
Apesar de italiano, Mauro se comporta como americano, escolheu viver nos Estados
Unidos e não se dá conta de que seu estilo de vida é totalmente inspirado no american way
of life. Ele se considera um profissional de sucesso que consegue comprar aquilo que deseja
e sustentar gastos extravagantes de sua esposa. Orgulha-se disso. Ela se diz independente,
mas tem suas despesas individuais pagas por ele. Para Beatriz, o mínimo que um homem
tem de fazer é patrocinar as despesas da família .
Durante a temporada de Nova York vivendo juntos, partilhando de uma rotina
convencional, Beatriz engravidou. Não foi algo planejado, Mauro não queria ser pai e
surpreendentemente não fizeram um aborto. Beatriz já declarou algumas vezes em suas redes
sociais que preferiria que seu filho biológico fosse concebido em laboratório, para ser melhor
planejado e seguro em relação à boa formação. Mesmo assim, estava contente e surpresa da
gravidez ter acontecido de maneira convencional.
Mauro mudou seu comportamento de bon vivant para pai, provedor. Começou a
publicar constantemente em suas redes sociais fotos e vídeos de todas as compras que estava
50

fazendo para sua filha, estimulou Beatriz para que fizessem inúmeros cursos, workshops de
“como ser pai e mãe”; “como trocar fraldas”; "métodos de educar seu filho”.
Juntos, filmaram cada detalhe e cada curso que fizeram durante a gestação, mudaram
de apartamento para um lugar maior que coubesse as muitas coisas compradas para receber
a criança. Beatriz não cogitou voltar ao Japão, mas manteve seu apartamento alugado lá.
Mauro não cogitou voltar para Itália, por considerar o país atrasado, enquanto "os
americanos fazem as coisas acontecerem”.
Mesmo críticos da vida pós-moderna se integral plenamente nela. Criticam a forma
como brasileiros compram, questionam a efemeridade americana, mas baseiam grande parte
de seu tempo livre comprando e mostrando tudo aquilo que adquirem. Ficam on-line tempo
integral, inclusive Mauro, que antes se omitia das redes sociais e passou a publicar sobre o
tempo livre dispendido: na academia, no shopping, no aluguel de carros para o fim de semana
em Miami.
Beatriz atuava da mesma forma. Quando a criança nasceu, a rotina integral da recém-
nascida foi escancarada nas redes sociais. A filha do casal que passou a ser considerada uma
baby influencer, já fez ensaios de fotos profissionais, vende brinquedos e roupas infantis,
tem uma rotina publicada em tempo real, inclusive enquanto dorme.
Han (2017b), afirma que o cansaço e a exposição constante estressam e promovem o
esgarçamento da sociabilidade. Não existe na família de Mauro, um mínimo de tempo
privado, particular. Até as brigas do casal são filmadas nas redes sociais e a maioria delas
desemboca na compra de um utensílio novo que pretende resolver o problema.
Mauro tem medo de envelhecer e agora com o peso da paternidade se comporta como
garoto moderno que leva a vida tranquila, no light style de pai influencer, focado em investir
em todos os novos produtos e tecnologias para o conforto de seu lar. Beatriz assim que
acabou de ser mãe em um parto filmado transmitido em real time em suas redes sociais na
banheira de seu apartamento luxuoso com doulas e médicos, fotógrafos, maquiadores. Pediu
desculpas para todos desculpas por estar cansada e não conseguir responder à s perguntas de
seus seguidores.
Mauro e Beatriz quando questionados se permanecerão casados manifestam reações
como: “enquanto eu estiver gorda e flácida pós-parto sim, quando eu voltar com meu corpo
perfeito, me recuso a ser escrava dele. Apesar de que meus seguidores o adoram, ganhei
vários trabalhos com nossa nova fase.
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Mauro diz frases como: fui golpeado, chamei minha esposa para passar uns dias em
Nova York, agora não tenho mais sossego e meu cartão de crédito magicamente
desapareceu. E tem um bebê morando lá em casa. Não sei se sou capaz de aguentar isso para
sempre, ainda bem que babás existem e que consigo ter a possibilidade de trocar de esposa
caso me canse dessa. Já está durando muito, ele reitera. A parte boa é ganhar presentes dos
seguidores da Beatriz e as marcas de pai me adoram e tem me dado dinheiro para falar delas.
Quando sozinho isso não aconteceu.
O clichê pode significar verdades que não são elegantemente ditas em uma entrevista
formal, é também diagnosticado como fenômeno base para encontrar as realidades dos afetos
em questão. Juntos por conveniência, para manter possíveis aparências, e no tempo em que
aquela relação for rentável aos dois. Trata-se de um casamento neoliberal.
As tecnologias alteram nossas percepções, e são por vezes extensões dos sentidos
humanos segundo a definição de Marshall McLuhan. Qual seria então a definição para essa
nova realidade das relações humanas?
A vida de Mauro expressa a agonia do Eros, titulo de uma das obras de Byung-Chul
Han. A família, o amor, convivência foram massacrados pelo narcisismo das pessoas que ali
convivem. O amor morreu na família de Mauro, se é que um dia existiu. Amar envolve abrir
mão de si por um outro, o que não ocorreu com o casal. Suas vivências envolvem inúmeros
momentos de afirmação, promoção, construção egoica. Ouso imaginar Bauman analisando
Mauro e sua família no divã. Com certeza, o conceito-chave de amor líquido seria norteador
da interpretação.
Em entrevista para Revista Isto É (2015), Bauman explicita o retrato social acima
descrito:
Amor líquido é um amor “até segundo aviso”, o amor a partir do padrão
dos bens de consumo: mantenha-os enquanto eles te trouxerem satisfação
e os substitua por outros que prometem ainda mais satisfação. O amor com
um espectro de eliminação imediata e, assim, também de ansiedade
permanente, pairando acima dele. Na sua forma “líquida”, o amor tenta
substituir a qualidade por quantidade — mas isso nunca pode ser feito,
como seus praticantes mais cedo ou mais tarde acabam percebendo. É bom
lembrar que o amor não é um “objeto encontrado”, mas um produto de um
longo e muitas vezes difícil esforço e de boa vontade.

O amor voltado para alegrias efêmeras proporcionadas por bens de consumo torna
explícitas as carências infantis que carregamos para vida adulta e que destroem a
possibilidades de exercício afetivo real, difícil de ser realizado na vida líquida cotidiana.
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Persona II - (Rogério Varandas) – xamã estético / coach elitista

Rogério Varandas é um médico dermatologista de 34 anos. Nunca foi casado, mas


namora Carolina Faria, de 22 anos, dentista de formação e, atualmente, coach de
relacionamentos, estão juntos há 4 anos. Rogério vive metade da semana na casa da mãe
com seu padrasto em São Paulo, e na outra metade em um apartamento alugado no Rio de
Janeiro, onde também trabalha.
Antes da Medicina, Rogério trabalhava como músico e fazia shows com sua banda.
Hoje a música é reservada para o lazer, assim como a yoga e os retiros espirituais que gosta
de fazer sozinho.
Sua mãe, Renata, também é médica; trabalha com nutrição e medicina preventiva,
apesar de ser cardiologista. Eles atendem juntos no consultório da família no Higienópolis,
em São Paulo.
Rogério, no momento, está em transição: sua mãe e seu padrasto vão mudar para um
apartamento menor e vender a casa onde todos vivem. Ele pretende alugar um apartamento
single para viver sozinho. No entanto, sua namorada, que mora de aluguel com uma amiga,
tem intenção de morar com ele. Ele relata que não se sente confortável em dividir sua vida
individual com outra pessoa, posto que sua rotina de trabalho é desgastante e atribulada. Ele
diz que, quando chega em casa, gosta de ficar sozinho e em silêncio, e acredita que ela não
entenderia esse tipo de necessidade de espaço individual. No entanto, economicamente, seria
mais viável dividir o novo aluguel de São Paulo, posto que ele já possui gastos individuais
no Rio de Janeiro.
É interessante mencionar que ele diz que não deixou de clinicar em outra cidade, pois
se sente mais livre estando lá e cá e não precisa dividir seu espaço com ninguém durante
metade de sua semana, o que para ele é positivo e agradável. Não pretende ter filhos pelos
próximos dez anos e acredita que, na questão fidelidade, preservar a parceira de certos
constrangimentos é essencial para a saúde do relacionamento. Acredita que exista uma
tendência de poligamia na pós-modernidade, no entanto, não de forma declarada.
Denomina seu trabalho como um exercício dermatológico de arte facial; considera-
se um designer, e se define um indivíduo rumo ao avatar — nova nomenclatura do
übermensch nietzschiano.
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É vegano, muito ativo nas mídias sociais, onde promove seu podcast e compartilha
com os seguidores um projeto chamado MCS (Mente-Corpo-Saúde) criado por ele, onde os
seguidores postam a hashtag #MCS e marcam o perfil, fazendo 30 minutos de meditação,
leitura e atividade física todos os dias. As melhores postagens são repostadas por ele em
histórias do perfil. Sua fama aumentou quando uma famosa blogueira do Brasil fez uma
harmonização facial e trocou suas características faciais, divulgando todo o processo estético
nas suas redes sociais .
Para Bauman (2004), as formas para exemplificar as relações amorosas são definidas
em categorias de afinidade e parentesco onde “o parentesco seria o laço irredutível e
inquebrável, o laço de sangue, aquilo que não nos da escolha e é impossível de renegar” (p.
45). No caso de Rogério a dificuldade de se desprender do parentesco é evidente.
Rogério menciona uma forte ligação de admiração pela figura materna. Escolheu ser
médico, assim como sua mãe, trabalha na clínica fundada por ela e, mesmo possuindo
condições financeiras favoráveis para sua independência, não consegue sair da casa dela e
acaba evitando a evolução de sua relação com a namorada por estar emocionalmente atrelado
ao parentesco.
Portanto, a solidão acompanha o comportamento de Rogério, que tenta se distanciar
das afinidades por solidão quando, no entanto, é apenas uma fuga com desejo incontrolável
de se aproximar das relações de parentesco, que diluíram sua segurança na infância quando
os pais se divorciaram.
O comportamento de Rogério é a busca do sujeito em tentar se desviar das relações
tradicionais, ao mesmo tempo em que em que busca a segurança na sua vida individual. Essa
postura é ambivalente, contraditória e característica da modernidade líquida. Afeta as
relações do sujeito que não consegue criar vínculos afetivos reais e duradouros.
No âmbito profissional, é interessante identificar como Rogério consegue
transformar a relação de bem-estar do self em mercadoria. Sua relação com pacientes e
amigos se dá de forma on-line em maior escala que off-line. Essa condição foi
adequadamente percebida por Bauman: “A relação mais importante da proximidade virtual
parece ser a separação entre comunicação e relacionamento” (BAUMAN, 2004, p. 83).
O projeto M-C-S permite entrever as contradições das variedades virtuais como
igualmente percebido por Bauman:
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A proximidade virtual e a não virtual trocaram de lugar, agora a variedade


virtual é que se tornou a “realidade”, segundo a descrição clássica de Émile
Durkheim: algo que fixa, que institui fora de nós certas formas de agir e
certos julgamentos que não dependem de cada vontade particular tomada
isoladamente” (BAUMAN, 2004, p. 84).

A condição de Rogério pode ser compreendida como “a solidão por trás da porta
fechada de um quarto com um telefone celular na mão pode parecer uma condição menos
arriscada e mais segura do que compartilhar o terreno doméstico comum” (BAUMAN, 2004,
p. 85).
Essa atitude é o símbolo do indivíduo amedrontado que, distante da proteção das
práticas tradicionais e do conforto materno, age de forma defensiva, escondendo-se de sua
própria condição de solidão e comunicando-se, o tempo todo, por meio das mídias sociais.
Se “com tempo suficiente, os celulares treinariam os olhos a olhar sem ver”
(BAUMAN, 2004, p. 80), Rogério, ao longo da vida, treinou se comunicar sem se relacionar
de modo efetivo. Até o momento prefere experienciar sua liberdade para conhecer melhor
sua identidade, seria errado explorar a condição de solitude? Mesmo que solitário existe
evolução, e talvez seja mais fácil administrar o eu individual que já está em crise o suficiente
pelas mudanças e acelerações temporais para depois de certa maturidade convier e partilhar
relações mais saudáveis.
O que difere o comportamento social normal do comportamento de isolamento
problemático é a dose em que ele se manifesta. No caso acima temos episódios de acesso de
reclusão e momentos breves de socialização obrigatória por isso é considerado uma afetação
negativa da pós-modernidade na vida do sujeito.
Recentemente o cinema americano retratou uma história que exemplifica essa hiper-
relação homem-tecnologia e afastamento das pessoas reais pela mediação de contato entre
pessoas-virtuais: Jexi é o nome da comédia-romântica dos diretores Jon Lucas e Scott
Moore, (2020) em que o protagonista Phill, não tem amigos e se relaciona com sua assistente
pessoal Jexi que é um algoritmo, um sistema de inteligência artificial.
Com Jexi, ele tem companhia e orientação em tudo o que faz, se sente seguro com
ela mesmo que ela não seja real. Porém, quando o rapaz perde gradativamente a dependência
em usar o celular e resolve conviver socialmente experimentar o antigo mundo real, Jexi se
transforma em um pesadelo ao tentar trazê-lo de volta para ela, mesmo que isso signifique
arruinar suas chances de obter sucesso na vida.
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O filme ilustra a realidade da dependência de Rogério com suas redes sociais e seu
isolamento. Enquanto medita, Rogério faz transmissões ao vivo de sua meditação, cada
consulta é espetacularizada e divulgada nas mídias sociais, seus rituais teoricamente
baseados na cultura xamânica são filmados e editados com efeitos especiais e cantos
sagrados cuja função é fazer com que os alimentos nutram amorosamente o corpo.
Existe uma necessidade de retomada do pensamento mágico na rotina de Rogério
que se perde pela mediação das tecnologias e pela sua própria função e linha de trabalho de
negar o envelhecimento as condições naturais da degeneração de nossa espécie efêmera. O
avatar de Rogério seria uma espécie de xamã com smartphones e drones que através do
botox, soros para aumento de imunidade e jatos de plasma torna seus pacientes mais fortes
e aptos na cadeia evolucionista.
Em seu consultório, dá palestras para seus pacientes e seguidores das mídias sociais.
Os temas mais recorrentes são a melhoria dos relacionamentos amorosos (ele próprio nunca
teve um relacionamento amoroso a longo prazo), dicas de aplicativos para expansão da
consciência com estímulos auditivos binaurais: uma técnica de som que simula áudio 3D por
meio de uma ilusão acústica. Essa prática é utilizada em tratamentos para reduzir estresse e
ansiedade, aumentar a concentração, melhorar a qualidade do sono, entre outros exemplos.
Apesar de não ter sua eficácia comprovada, diversos estudos apontam resultados positivos
para a prática.; outra técnica aplicada para aliviar sintomas da ansiedade é a chamada
growding (que consiste em andar descalço na grama e abraçar arvores); mantras para cantar
e atrair juventude.
Importante destacar que os seguidores de Rogério pagam um preço elevado para
alcançar esses tipos de conteúdos como se fossem novas formas de se viver e experienciar a
vida quando na realidade são formas tradicionais que em culturas indígenas, na filosofia do
yoga, em terapia ou analise no divã são bem mais palpáveis.
A efemeridade das relações desemboca na efemeridade do conhecimento e da
maneira com a qual as pessoas buscam soluções para resolver angústias de sua condição.
Rogério afirma para outros algo que quer afirmar para si e que mesmo assim toda
essa propaganda de um life style criado por ele em seu projeto M-S-C (mente, corpo, saúde)
não solucionou sua constante necessidade de aprovação, medo das relações e fuga de
convivência, como Bauman ressalta.
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"Os contatos online têm uma vantagem sobre os offline: são mais fáceis e
menos arriscados — o que muita gente acha atraente. Eles tornam mais
fácil se conectar e se desconectar. Casos as coisas fiquem “quentes” demais
para o conforto, você pode simplesmente desligar, sem necessidade de
explicações complexas, sem inventar desculpas, sem censuras ou culpa.
Atrás do seu laptop ou iPhone, com fones no ouvido, você pode se cortar
fora dos desconfortos do mundo offline. Mas não há almoços grátis, como
diz um provérbio inglês: se você ganha algo, perde alguma coisa. Entre as
coisas perdidas estão as habilidades necessárias para estabelecer relações
de confiança, as para o que der vier, na saúde ou na tristeza, com outras
pessoas. Relações cujos encantos você nunca conhecerá a menos que
pratique. O problema é que, quanto mais você busca fugir dos
inconvenientes da vida offline, maior será a tendência a se desconectar.”(
BAUMAN para Revista Isto é, 2015).
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Persona III - (Arthur Barcelos) – Greta Thunberg do Itaim

Com 29 anos, Arthur Barcelos é publicitário. Nasceu em Brasília, onde chegou a


trabalhar na ONU, mas resolveu largar tudo e se mudar para São Paulo para viver de forma
mais livre e independente.
Mora sozinho e afirma não estar solteiro, mas sim “ser solteiro”. Já morou com sua
ex-namorada, mas não se adaptou e preferiu seguir a vida de forma mais tranquila e fluida.
Há dois anos morando em São Paulo, Arthur mudou de empresa três vezes. Quando
chegou na cidade, foi trabalhar como CEO em uma das maiores agências de publicidade da
América Latina. Sentiu-se aprisionado pela carreira sem nenhuma qualidade de vida e
resolveu sair.
No tempo em que ficou desempregado, recebeu ajuda financeira de seu pai e, com o
dinheiro que recebeu no seu acerto de contas com a agência, realizou seu sonho de consumo:
um carro modelo Jeep, mesmo que enfatize que os carros são prejudiciais, destroem a
qualidade do ar com alta emissão de gases poluentes. Para ajudar o planeta, ele escolhe
sempre andar de bike durante a semana e nos demais momentos usa seu novo carro para
viagens ao litoral.
Dois meses depois, foi contratado pela agência concorrente da anterior e lá trabalhou
por um curto período. Resolveu pedir demissão, pois o sistema era muito semelhante e ele
estava se tornando “um cara que não era ele”.
Pensou em sair do país e ir trabalhar na empresa de seu pai com sede em Miami, até
que uma nova start-up abriu vaga para um novo CEO e ele decidiu experimentar essa nova
oportunidade.
Há três meses, trabalha no espaço compartilhado do Google no Itaim Bibi, em horário
comercial, ambiente agradável, descolado e informal, que combina com sua personalidade
dele e onde consegue viver seu cotidiano de forma mais leve. Não usa plástico, evita o carro
e participa do programa segunda sem carne movimento famoso nas redes sociais de pessoas
que pretendem salvar o planeta deixando de consumir carne uma vez na semana.
Nos relacionamentos, Arthur diz ter parceiras sexuais que são suas amigas e que não
interferem na sua individualidade. Mencionou que sente vontade de novas experiências
como, por exemplo, uma relação homossexual, mas ainda não teve oportunidade. Não tem
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muitos planos para o futuro e gosta de viver o presente, de preferência passando os finais de
semana em Ilha Bela, na casa de praia dos amigos.
Para Bauman, a forma líquida do afeto é definida pela vontade de estreitar os laços
afetivos e, ao mesmo tempo, mantê-los frouxos: "O compromisso com outra pessoa ou com
outras pessoas, em particular o compromisso incondicional e certamente aquele do tipo “até
que a morte os separe”, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, parece cada vez
mais uma armadilha que se deve evitar a todo custo.” (BAUMAN, 2004, p. 113).
É assim que Arthur Barcelos vive sua vida, evitando qualquer forma de laço
permanente, de compromisso exclusivo, comportamento este que se estende e afeta suas
relações profissionais: já trabalhou em diferentes empresas e, assim como se demite das
empresas, se descola das relações afetivas. A transitoriedade em que vive é fluida e
incongruente.
A forma como Arthur encara o sexo e as relações afetivas é ao se relacionar em larga
escala, sem nenhuma profundidade. Bauman afirma que “quando a qualidade decepciona,
você procura a salvação na quantidade. Quando a duração não está disponível é na rapidez
da mudança que pode redimi-lo” ( BAUMAN, 2004, p. 77).
O que se depreende disso é que a capacidade de amar constitui um desafio
permanente como Bauman percebe, ao reiterar que “a satisfação do amor individual não
pode ser atingida sem a humildade, a coragem, a fé e a disciplina verdadeiras”, afirma
Fromm, apenas para acrescentar adiante com tristeza que em “uma cultura na qual são raras
essas qualidades, atingir a capacidade de amar será sempre, necessariamente, uma rara
conquista.”
Em uma cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso
imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços
prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro. A promessa
de aprender a arte de amar é a oferta (falsa, enganosa, mas que deseja ardentemente que seja
verdadeira) de construir a “experiência amorosa” à semelhança de outras mercadorias, que
fascinam seduzem exibindo todas essas características e prometem desejo sem ansiedade,
esforço sem suor e resultados sem esforço (BAUMAN, 2004).
Amar é ter responsabilidade afetiva para com o outro e, aparentemente, Arthur tem
preferência em abandonar qualquer vínculo que não seja efêmero. Seu comportamento nas
redes sociais é oculto e pontual em exposição, ele afirma que prefere não expor tanto seu
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dia mas adora acompanhar o que as pessoas que conhece e celebridades que gosta estão
fazendo em tempo real.
Como não usa aplicativos de relacionamento escolhe suas parceiras sexuais através
do Instagram. Adquiriu um vício em compras on-line depois de ter sido traído em seu último
relacionamento que durou seis meses. Gosta de comprar tudo que tem muita tecnologia:
máquina de café que vem com opção de dry martini e agua com gás, assistente pessoal do
Google, Alexa, um robô com quem ele mais conversa e confia: “ Ela sabe dos meus horários,
hábitos e me avisa tudo o que preciso lembrar e fazer”.
Compra skates e pranchas de surfe de vários tipo. Mesmo assim, se considera
minimalista e objetivo, pois mora em um luxuoso apartamento pequeno, tecnológico e
através dos seus sistemas multiconectados ele consegue integrar sua vida: carro, casa,
celular, computador, smart watch, tudo se comunica e facilita a rotina atribulada.
Arthur relata dificuldades para dormir, tem tomado alguns medicamentos para
ansiedade quando sente necessidade, toma também alguns medicamentos para auxiliar o
aumento da produtividade como Aderal que o deixa bastante ligado. Compra esses
medicamentos com receitas de amigos que são médicos e que também tomam medicamentos
para ajudar na rotina do dia a dia.
Quando questionado sobre o porquê de não fazer análise ou terapia, afirma que
prefere não gastar dinheiro com isso: “Sou normal, quem hoje em dia não toma umas drogas
para viver? Sou feliz assim, saio para beber e é isso. Pensar demais estraga tudo. E outra, em
uma agência de publicidade ou no mercado de modo geral quem não rende está na rua, eu
sou CEO por natureza, tenho obrigação de ser melhor que todos e quando estou cansado um
Aderal ajuda muito.”
Homens e mulheres da mesma faixa etária de Arthur reiteram esse tipo de afirmação.
O documentário Take your pills, lançado em 2018, acompanha a vida de pessoas que fazem
uso de Ritalina e Aderal. Esses tipos de medicamentos são receitados para pessoas que
possuem Transtornos do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), no entanto, tornou-
se uma epidemia entre as saudáveis que os utilizam para melhorar a performance nos estudos
ou no trabalho.
Numa sociedade como a nossa em que a competitividade e a alta demanda por
resultados levam as pessoas à exaustão é comum o uso de drogas como uma falsa forma de
compensação para o aumento da produtividade. Muitos casos retratados no documentário
seguem esse padrão.
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Um dos entrevistados, que opta por não ser identificado, diz que usou estimulantes
para conseguir virar noites trabalhando, a fim de completar as metas exigidas pelo seu chefe.
Segundo ele, é comum em grandes empresas, devido a alta competitividade, o uso de Aderal.
Outro enrevistado, produtor de músicas, conta que tomar as pílulas o transforma em “um
capitalista melhor”.
E não apenas no mundo do trabalho existe tal epidemia: desde o colegial as pessoas
são tentadas a utilizar os estimulantes. Há relato sobre como os alunos, que não possuem
nem 18 anos ainda, tomam as pílulas para conseguir melhores notas no SAT (versão
estadunidense do ENEM). Ao entrar na universidade, a pressão não diminui. Nos grupos e
chats on-line de estudantes um grande mercado de compra e venda de medicamentos
estimula esse tipo de consumo.
Valores da sociedade capitalista como o individualismo, o “todos contra todos”, a
busca incansável por alcançar metas e ser bem-sucedido, além da pressão nas empresas para
que os funcionários apresentem cada vez mais produtividade, está deixando a população
doente, tanto fisicamente como mentalmente: “Hoje a pessoa explora a si mesma achando
que está se realizando; é a lógica traiçoeira do neoliberalismo que culmina na síndrome de
bournout’". (HAN, 2017, entrevista a El País)
Arthur não parece ter consciência de que seus atos são sempre em função de um
desempenho ultrassatisfatório, inclusive nas relações sexuais, utilizando por vezes Viagra
para prolongar a transa e, segundo ele, satisfazer suas parceiras mais intensamente. A busca
constante por produção e desempenho esgota a vida de Arthur, que não consegue perceber
ou intuir que não está feliz, mas sim desesperado, ansioso, angustiado.
Ao invés de paz, descanso, celulares desligados, olhos nos olhos e pés descalços, ele
vivencia um cotidiano que envenena suas potencialidades reais. Seu discurso de não usar
plástico para salvar o planeta comparado com seu hábito de comprar e manter um padrão de
vida refém de alta tecnologia soa como algo incongruente. De modo semelhante, a
efemeridade de suas relações afetivas não contribui para superar seu mal-estar, mantendo-o
numa insatisfação psíquica, mesmo diante do aparente sucesso que cerca sua vida material.
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Persona IV - (Anne Andrade) – ama todos, não quer ninguém

Anne Andrade, hoje com 23 anos, é solteira e estudante de arquitetura. Aos 16 anos,
saiu da casa de seus pais no interior do Rio grande do Sul para viver na cidade de São Paulo,
com o propósito de estudar em uma universidade renomada, crescer profissionalmente e
ganhar o mundo. Após dois meses de curso, descobriu que foi aprovada na faculdade de
Arquitetura que sempre sonhou, largou a universidade pública mudou-se para uma particular
contrariando a maioria e investiu na referência de seus sonhos. Ane sempre teve o sonho de
morar em uma metrópole posto que se sentia presa e fora do mundo na pequena cidade onde
nasceu, ao mesmo tempo afirma se sentir engolida pela selva de pedra, com níveis de
preocupação e stress bem mais elevados do que estava acostumada.
A liberdade de escolha e o universo de múltiplas possibilidades para o mercado de
trabalho também deixam Ane seduzida e fora de foco, ao mesmo tempo que sente vontade
de concluir sua faculdade sente que esta perdendo ótimas oportunidades no mercado da
moda fora do pais e fica constantemente divida entre a carreira profissional de arquitetura e
urbanismo e outras possibilidades que podem existir fora dessa rotina padronizada de ensino.
Cursando Arquitetura, trabalhava como modelo nas horas vagas para conseguir
bancar suas contas na capital. Conheceu Gabriel Machado, seu primeiro namorado sério pois
antes dele não havia ficado com alguém por mais de 2 vezes seguidas, não estava apaixonada
por Gabriel mais aceitou namorar com ele para vivenciar essa experiência que terminou
após seis meses de relacionamento, Ane por perder sua liberdade e por sustentar grande parte
dos gastos dele, posto que a condição financeira dela fosse superior se cansou de Gabriel.
A relação deles se assemelhava a um namoro com características de casamento:
durante a semana, moravam juntos no apartamento dela, alugado nos Jardins, aos fins de
semana cada um saia sozinho e cuidavam da própria vida para preservar a liberdade, não
falavam sobre fidelidade mas aparentemente o relacionamento era monogâmico. Ane infeliz
na condição de estar com uma única pessoa e se sentindo perdendo a oportunidade de
vivenciar outras experiências de relações terminou com Gabriel, dizendo também que não
se sentia confortável bancando as contas dele.
Imediatamente após o término dessa relação Anne no dia seguinte, envolveu-se com
Heitor Cavalcante, de 39 anos, diretor de casting da agência de modelos em que trabalhava,
eles já haviam flertado algumas vezes nas reuniões da agência e em uma manhã de trabalho
eles transaram no escritório de Heitor. Anne gostava do fato de que Heitor era casado e não
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invadia sua liberdade nem atrapalhava seu cotidiano. Permaneceram juntos, namorando em
segredo com o passar do tempo se apaixonou e quando se declarou Heitor pulou fora.
Com o coração partido, resolveu se mudar, fazer um intercâmbio em Nova York,
onde foi estudar inglês, trabalhar como modelo e aprimorar as habilidades como futura
arquiteta. Sentiu-se usada por Heitor mesmo que desde o início sabia que a relação deles
seria algo diferente do tipo de relacionamentos que seus pais e conhecidos no interior
viveram segundo suas análises e perspectivas.
Anne não queria casar, mas também não queria ficar sozinha. Queria se apaixonar
mas ja sabia que sofrer por amor é descobrir o desencanto e esse causava dores profundas e
oscilações de ansiedade e depressão, sentimentos que ela mesma ja sentia estando só, mas
que na companhia de um relacionamento mal resolvido dentro de suas noções de realidade
eram potencializadas a ponto de bagunçar e desestruturar sua vida acadêmica, financeira e
profissional.
Com receio de se relacionar, não conseguia conhecer pessoas fora do seu ambiente
profissional, transava muito com inúmeros parceiros que nos Estados Unidos não lembrava
nem o nome, mas não passava disso: sexo pelo sexo. Suas relações de convivência eram
exclusivas com as pessoas com quem trabalhava. Sua vida era completamente voltada ao
trabalho, seu tempo livre era também tempo de trabalho, seus momentos de lazer poucos
minutos de sexo com pessoas desconhecidas.
Namorou também alguns garotos de sua idade, mas não permitia que nada evoluísse
para algo sério, acreditava que paixão atrapalhava a vida e preferia não lidar com ela. Chegou
a questionar sua sexualidade e experimentou se relacionar com uma mulher por uma noite,
uma mulher que conheceu pela internet aparentemente com características que Anne não
sentia atração, mas por curiosidade seguiu a explorar mais um território do afeto e da
sexualidade em busca de algo que nem ela mesma conseguia entender plenamente. Talvez
se sentisse medíocre com sua heterossexualidade.
Conheceu também James, um arquiteto de 45 anos, e apaixonaram-se à primeira
vista. James namorava outra pessoa, mas vivia um relacionamento aberto, portanto, se
envolveu com Ane. Viveram esse romance juntos até Ane se mudar novamente para São
Paulo, a fim de continuar seus estudos. Em um primeiro momento, conseguiram levar a
relação à distância, até que James teve um filho com sua outra namorada e resolveu casar-
se com ela.
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Ficou devastada. Amava James e sentia que existia um futuro onde essa relação
pudesse se transformar em algo mais palpável, estreito ou sério (palavra que não gosta de
usar para definir estados de relacionamentos), sentiu-se rejeitada e voltou ao Brasil.
De volta para a faculdade de arquitetura, conheceu Pedro, advogado solteiro com a
mesma idade que ela. Começaram a namorar e rapidamente ele se mudou para casa dela.
Morando juntos, sentiu-se casada pela segunda vez e, mesmo incomodada com a situação,
aceitou permanecer por carência afetiva, provocada pela frustração da relação anterior.
Namorando Pedro, encontrou algumas vezes com seu ex-namorado, James, em suas
vindas ao Brasil, pessoa pela qual realmente tinha interesse afetivo, mas não retomaram
nada. Um dia descobriu que Pedro era golpista, mentia sobre ser advogado, sobre sua família,
sobre sua condição financeira e que ele estava com ela por conta de sua condição
socioeconômica. Terminaram, contra a vontade de Pedro, que passou a perseguir Ane até
ela pedir ajuda e conseguir uma medida protetiva para impedi-lo de obter qualquer contato
com ela.
Saiu emocionalmente abalada dessa relação e, desde então, não conseguiu se
relacionar afetivamente. No entanto, apaixonou-se mais uma vez, por um homem 30 anos
mais velho que ela, casado e com filhos, relação essa fadada ao fracasso, posto que na
realidade nenhuma das partes envolvidas buscava um relacionamento, queriam aventuras e
tiveram momentos breves, porém intensos. Anne não mantém laços com amigos ou
conhecidos, não socializa com pessoas ao redor. Somente permanece na condição de
apaixonar-se e desapaixonar-se.
É exatamente isso que define a condição afetiva do sujeito pós-moderno, segundo
Bauman (2004). Anne aparentemente quer mudar e não consegue. Atualmente, ela se declara
só, sem maiores planos de formar família ou investir em relacionamentos. Sabe que, por
mais que tente não se apaixonar, sua natureza busca o afeto e, como ressalta Bauman, “amar
significa abrir-se ao destino, a mais sublime de todas as condições humanas, em que o medo
se funde ao regozijo num amálgama irreversível” (BAUMAN, 2004, p. 21).
Anne se encaixa no cenário contemporâneo, onde o sujeito tem constante necessidade
de mudança e renovação, assim como os parceiros com quem ela se relaciona, eles também
moldam o cenário de suas vidas em função de serem afetados pelas novas possibilidades até
antes ignoradas ou tratadas como impensáveis.
Seu âmbito afetivo é mediado pela memória e evidência do fracasso das relações,
provocadas pela fantasia de sua ansiedade. Ane não consegue conhecer pessoas disponíveis
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para um relacionamento, pois sua real intenção é não ter um relacionamento. Ao mesmo
tempo, sente a insegurança e a carência na solidão de falar com muitos e se comunicar com
poucos.
Baseada nas experiências passadas, acredita que todas as suas outras formas de
relação, de alguma maneira, estarão a caminho de um fim e, por viés controlador, outra
característica presente, tenta premeditar todos os riscos que as relações possam ter, como
antídoto do sofrimento.
Na maior parte do tempo, ela se frusta, posto que não é possível premeditar a
contingência, ela vive com o fantasma da insegurança incorporado em sua alma. Em
contrapartida, Anne acredita que a súbita abundância e a evidente disponibilidade das
experiências amorosas podem alimentar a convicção de que amar, apaixonar-se, instigar o
amor é uma habilidade, e que o domínio dessa habilidade aumenta com a prática e a
assiduidade do exercício.
Pode-se até acreditar que as habilidades do fazer amor tendem a crescer com o
acúmulo de experiências; que o próximo amor será uma experiência ainda mais estimulante
do que a que vivemos atualmente, embora não tão emocionante quanto a que vira depois.
Ao longo das experiências cada vez mais frustradas, por colocar expectativas
fantasiosas nas relações, Anne paralisa sua capacidade de sociabilidade para evitar o fracasso
do inalcançável e dedicar-se unicamente a si mesma, aparentemente a única pessoa com a
qual se importa.
Busca o relacionamento na expectativa de mitigar a insegurança que infestou sua
solidão; mas o tratamento só fez expandir os sintomas, agora você talvez se sinta mais
inseguro do que antes, ainda que essa nova e agravada insegurança possa provir de outros
traumas, recalques, dramas. A insegurança de Anne diante das relações é semelhante às
outras personas aqui descritas no tocante a relacionamentos afetivos. Não há como fugir, a
pós-modernidade oferece a possibilidade de viver e passear pela existência de diferentes
formas ainda não vividas e pensadas e, por isso, causa inseguranças, medo, ansiedade.
Se estar apaixonado é definido pela neurociência como condição de não compreensão
total da realidade, toda sociedade que busca hoje a efemeridade de uma paixão demonstra a
ausência de uma visão de mundo consciente que não consegue se fixar no sujeito amoroso.
Por isso, sai pela vida errando, se apaixonando aqui e acolá, trocando de afeto como se
troca de roupas.
65

Um novo cenário, com novos problemas e possibilidades esse é o foco de Anne


passar pela vida experimentando as opções de múltiplas conexões que ocorrem ao mesmo
tempo. Consequentemente um cansaço mortal de energia gasta em triplo para administrar
todos os plurissentimentos que são alimentados e decapitados dia a dia.
Um eros em eterna agonia de não encontrar nenhum porto seguro para obter descanso
e a possível saída seria então um mergulho profundo em autoconhecimento o que não tem
sido pensado e analisado, posto que tudo que dura muito nesse cenário é descartado.
66

Persona V - (Helena Guimarães) – Família tradicionalmente complexa

Psicóloga, de 37 anos, casada há dez anos e com três filhos pequenos, Helena
Guimarães atende seus pacientes numa clínica de transtornos mentais na rua Oscar Freire,
em São Paulo.
Helena desenvolveu o hábito de procurar os parentes de seus pacientes e de se
relacionar com eles, a fim de solucionar os conflitos relatados no divã de seu consultório.
Essa forma de terapia já rendeu alguns processos ao longo de sua carreira e, seu
marido, que é advogado, já interferiu algumas vezes, proibindo Helena de se comportar dessa
forma. Ela não gosta de estar casada. No entanto, não recorre à separação em função dos
filhos que, inclusive, apresentam alguns problemas na vida escolar e têm dificuldade de
aceitação com o gênero biológico com que nasceram.
Ciente de que Carlos, seu marido, tem um caso com a secretária há cinco anos,
Helena acredita que monogamia não é viável e que fidelidade no relacionamento não tem a
ver com sexo fora do casamento.
Sente-se infeliz na condição em que se encontra. Já tentou abandonar a família e se
mudar para a Austrália, para viver com seu personal trainer, de 28 anos, fase essa que durou
seis meses. Voltou ao Brasil em função dos seus filhos pequenos estarem com sérios
problemas de relacionamento e aprendizado na escola.
Permanece com Carlos em um casamento em que já não se relacionam sexualmente,
mesmo dormindo no mesmo quarto. Helena acredita que essa imagem de união entre pai e
mãe numa primeira infância seja importante para os filhos.
Carlos conserva o casamento em função de preservar o patrimônio e pela imagem
social positiva que uma família tradicional oferece. Em entrevista, afirmaram: “preservamos
nossa individualidade e privacidade e, ao mesmo tempo, construímos uma unidade familiar
muito rara nos dias de hoje”.
A transgressão e a concepção de unidade familiar inabalável traçam o perfil de
Helena e de sua forma de se relacionar. Intransigente no comportamento profissional, Helena
apoia-se no marido advogado como unidade de proteção e manutenção de sua razão. Carlos,
por sua vez, sente-se útil em regulamentar a vida profissional de sua esposa, mas a forma
com a qual eles insistem em se comportar é interessante e recorrente no cenário familiar pós-
moderno.
67

Descrevem a atual situação familiar como uma rara experiência de sucesso. É uma
análise equivocada e fantasiosa, visto que os problemas são palpáveis e inevitáveis em
qualquer espécie de relacionamento e unidade familiar pós-moderna — é algo bem distante
da realidade.
A relação dela com os filhos e marido é, acima de tudo, uma relação de objeto de
consumo emocional, assim como a decisão de não recorrer ao divórcio para preservar o
patrimônio. "Comprometer-se com um relacionamento “irrelevante em longo prazo” é uma
faca de dois gumes. Faz com que manter ou confiscar o investimento seja uma questão de
cálculo e decisão. Mas não há motivo para supor que seu parceiro ou parceira não deseje, se
for o caso, exercitar uma escolha semelhante, e que não esteja livre para fazê-lo quando
desejar.
Essa consciência aumenta ainda mais sua incerteza. É a base do conviver que está
em jogo. “Nenhuma variação do convívio humano é plenamente estruturada, nenhuma
diferenciação interna é totalmente abrangente, inclusiva e livre de ambivalência, nenhuma
hierarquia é total e congelada” (BAUMAN, 2004, p. 95). A família de Helena está distante
de constituir qualquer espécie de unidade familiar estruturada existente.
O que todos buscam é uma base sólida em uma estrutura de areia movediça. A
insegurança e a instabilidade desembocam no medo e na falta de coragem e ousadia para
superá-lo. Helena não se assume. Existe um anseio de ser uma mulher independente que não
consegue se desligar do tradicional modo arcaico com que sua avó se relacionava. Helena
poderia aprender a ser livre, mas, mesmo que as portas da gaiola estejam abertas, ela não
consegue voar, nem que fosse por breves instantes. Por isso, sempre retorna ao berço de ouro
que a aprisiona e frustra.
É mais comum do que parece, casais infelizes permanecerem juntos: por hábito,
inseguranças, medo de abalo na vida financeira, evitar sofrimento dos filhos, receio de mudar
de vida drasticamente, educação machista e conservadora, medo da solidão e abandono na
terceira idade, e por aí escorrem os motivos na grande cachoeira das lamentações que
mantém Helena com suas razões infeliz e casada mesmo que de forma falsa.
68

Persona VI - (Antônio Albuquerque) – psiquiatra, membro da associação de psiquiatria do


Leblon

Psiquiatra, de 68 anos, Antônio Albuquerque é pai de seis filhos. Já se casou nove


vezes e, atualmente, está em seu último processo de divórcio.
As nove vezes em que se casou foram com suas amantes de seus antigos casamentos.
Ele acredita que os relacionamentos têm um prazo de validade e, quando esse prazo vence,
sem contradizer as leis naturais das relações, ele segue adiante.
Não se considera apegado aos bens materiais e pratica o desapego, dividindo seu
patrimônio com cada uma de suas ex-mulheres. Nenhum dos filhos mora com ele.
Atualmente, vive sozinho numa mansão de três andares no Morumbi, em São Paulo. Ele diz:
“Se tenho oportunidade de bancar meu conforto individual na velhice, não tenho necessidade
de permanecer numa família que não precisa mais da minha presença. Acredito que ajudei
as mulheres que casaram comigo a adquirirem a segurança que elas desejavam e inclusive a
procriar. Sou um pai presente e meus filhos são felizes.”
Quando questionado o fato de se casar nove vezes, Antônio diz que é um sinal de
coragem e de distância da acomodação com a infelicidade, na qual a maior parte da
sociedade tradicional se acostumou.
Não está em busca de um relacionamento e afirma que se casaria de novo caso se
apaixonasse e sentisse que fosse valer a pena. No fim da entrevista, o médico psiquiatra
selecionou a frase clássica de Vinícius de Moraes, em Soneto de Fidelidade, para
fundamentar sua relação com o amor: “que não seja imortal posto que é chama, mas que seja
infinito enquanto dure”.
Na modernidade líquida, a espetacularização da vida e o fetiche das relações que são
tratadas como mercadorias ocorrem em larga escala. Antônio é um exemplo do amor líquido
utilizado como moeda de troca e da intitulação do self como mercadoria.
Trata as relações e as conquistas patrimoniais da mesma forma: existe uma
dissolução de amor e compra. Ele se sente confortável em ser o meio pelo qual pessoas têm
oportunidade de conquistar uma ascensão material e financeira. Ao mesmo tempo, trata suas
famílias anteriores como propriedades conquistadas.
"O homo oeconomicus – o ator econômico solitário, autorreferente e autocentrado,
que persegue o melhor ideal e se guia pela escolha racional, preocupado em não cair nas
garras de quaisquer emoções que resistam a ser traduzidas em ganhos monetários e vivendo
69

num mundo cheio de outros personagens que compartilham todas essas virtudes, e nada
além.
O único personagem que os praticantes do mercado podem, querem reconhecer e
acolher é o homo consumens - o solitário, autorreferente e autocentrado comprador que
adotou a busca pela melhor barganha com uma cura para a solidão e não conhece outra
terapia.” (BAUMAN, 2004, p. 91)
O comportamento de Antônio se enquadra nos perfis do homo economicus e do homo
consumens explicitados por Bauman. Transita por eles de forma intermitente: apaixona-se
e desapaixona-se, ama e desama, numa infindável espiral de afetos inconstantes. Sente
dificuldades em amar o próximo, seus convívios são coisificados com durabilidade pré-
estabelecida, sendo destruídos no fim de cada separação. Solitário e infeliz, Antônio
simplesmente é o personagem dele mesmo. Espelha o sujeito pós-moderno que trata “os
outros seres humanos como objeto de consumo e a julgá-los, segundo o padrão desses objetos, pelo
volume de prazer que provavelmente oferecem e em termos de seu valor monetário” (BAUMAN,
2004, p. 97).
70

2.5 – O caminho social do isolamento

Aprender a lidar com a tristeza é fundamental para


existir.
É assim que temos prova de estar vivos e
não sonhando em momentos irreais.
É na tristeza que a verdade é revelada,
Sentida.
Longe das mentiras que a felicidade finge.
Felicidade é perigosa,
traiçoeira,
viciante.
A felicidade inventa o impossível na nossa cara,
E quando começamos a crer,
Ela some, deixa buraco.
Vivemos sabendo que vamos morrer,
Só daí já dá pra ver
Que felicidade não é o caminho.

A tendência social na modernidade líquida é o isolamento; “estamos em uma época


de construção de isolados”, como enfatizou Gilles Lipovetzky. O indivíduo hipermoderno é
caracterizado pelo investimento em sua individualidade, com independência afetiva
agregada de um recalque emotivo. Cada ser humano contemporâneo promove livres
associações, fazendo uso da indiferença como mecanismo de civilidade.
Em aplicativos de mensagens no celular, é de bom tom, no comportamento atual,
demorar algum tempo para responder o outro, tempo esse que seria natural na modernidade
em função da forma não imediata de lidar com tecnologias.
Hoje, mesmo que a mensagem seja recebida de maneira fugaz, quando se trata de
relacionamentos afetivos e amorosos, os indivíduos fingem indiferença enquanto estão
desesperados para falar sobre suas emoções.
A indiferença não é o sinônimo da falta de sentimentos humanos, mas sim da
condição de que existe um bloqueio ao lidar com eles, que torna indivíduos isolados sedentos
de comunicação analógica — diálogo convencional —, em que é fundamental, diante do
outro, mostrar-ser disponível, vulnerável, sensível.
A cultura pós-moderna não permite vulnerabilidade, pois não tem tempo para
movimentos bucólicos do romantismo. O mundo está nas mãos do capitalismo que atribui
valor afetivo ao luxo, ao consumo e ao trabalho. Portanto, os indivíduos lidam com suas
paixões de forma pouco duradoura, descartando sentimentos como se descartam bens
71

materiais comprados na banca de qualquer esquina. Assim, erroneamente, constroem uma


imagem madura de si pelo investimento que se faz no instante, uma vez que a vida é breve
e indeterminada.
Se só se vive uma vez, por que construir laços afetivos que serão perpétuos? A
liberdade é a nova doutrina a ser alcançada. Os indivíduos são reféns do trabalho, do
dinheiro, da falta de tempo e estão exaustos e indispostos para construir uma relação de
afetividade.
Investir no outro afetivamente é o maior risco que um ser humano pode correr. Não
existe garantia nenhuma nos investimentos do afeto. Por isso ele é especial, raro e causa
medo na sociedade da insegurança. Medo esse que bloqueia as pulsões emocionais e
promovem a cultura do isolamento: “não quero um relacionamento pois não tenho tempo de
sofrer com ele” ou “se isso abalar minha saúde mental, meu trabalho será prejudicado”.
Frases como essas ilustram a condição de indivíduos que preferem se isolar daquilo que
almejam pelo fato de que viver dá trabalho, e o trabalho cotidiano do amor demanda
qualidades das quais a sociedade pós-moderna não possui.
O isolamento agrava o narcisismo e a postura de ausentar-se da convivência é
resultado de um self cansado de desilusões, que se acumulam no inconsciente e deprimem
socialmente o indivíduo.
Em larga escala, esse fenômeno ocorre e molda a cultura depreciativa e narcisista de
seres humanos, chorando sozinhos em frente aos seus dispositivos eletrônicos e aplicativos
de relacionamento, com tentativas malsucedidas de amor.
Sem amor, a amargura se instala, assim como a ausência da empatia. Crimes
passionais, feminicídios, suicídios, crises de pânico, transtornos de ansiedade e depressão
são consequências vivênciadas pelos sujeitos da modernidade líquida em função de suas
relações sociais dilaceradas.
A onda mercadológica se delicia nos sintomas e cria novas formas de consumo,
vendendo terapias amadoras e experiências para aliviar as angústias da sociedade:
mindfullness, terapia com coach de relacionamento, clube do nadismo, flutuação, personal
friend, dentre outros inúmeros serviços personalizados, individuais e exclusivos. Esses
serviços são exclusivos porque ninguém quer algo que envolva coletivos.
Ter um cuidado individual é fundamental para lidar com a extrema carência
promovida por células narcisistas malformadas. Também são caros, mas são executados por
outras pessoas carentes, sem formação alguma em Psicanálise ou Psiquiatria. Atrocidades
72

estão sendo propagadas como verdades e sendo comercializadas com a promessa de


solucionar problemas graves de questões kantianas que a Filosofia, Antropologia, Sociologia
e Psicologia estudam e analisam há séculos, mas que não encontraram respostas até o
momento.
73

2.5.1 – Exaustão na vida pós-moderna

Mediado por telas


No compasso de olhos apavorados
Sedentos por afeto
Distantes do amor
Padecendo na angústia de seguir desamparado por
tudo aquilo que não existe mais
Para cada dor
Um remedio que a mascara
Para cada alma
Um abismo solitário.

O Ocidente pareceu não se preocupar com os efeitos dos avanços tecnológicos e suas
consequências na vida cotidiana. Acelerando na velocidade da luz, visando conquistar
modernidade suficiente para facilitar o cotidiano e se surpreendendo com outro tempo,
outros modos e diferentes sintomas.
De acordo com Han (2017), cada época temporal na história da humanidade possui
uma série de enfermidades distintas e fundamentais. São perspectivas patológicas que
identificam noções antropológicas que, quando analisadas no século passado, bactérias e
vírus ultrarresistentes assombravam a condição de segurança da vida humana.
Durante os anos, a Medicina evolui e, para cada bactéria, um antibiótico; para cada
vírus, uma vacina. Assim, a ameaça foi sanada ou, em alguns casos, controlada com sucesso.
A Terra está em constante movimento; a humanidade, também. Com o passar dos séculos,
novas ameaças ao bem-estar coletivo esperam, ansiosas, para completar o ciclo fatal da
natureza: destrui e recriar. Han (2017) analisa as amarras do século XXI não mais como
bacteriológicas, e sim neuronais.
"Doencas neuronais como depressão, Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH), Transtorno de Personalidade Limítrofe (TPL) ou Síndrome de
Burnout (SB) determinam a paisagem patológica do começo do século XXI. Não são
infecções, mas enfartos provocados pela negatividade de algo imunologicamente diverso,
mas pelo excesso de positividade." (HAN, 2017c, p. 7)
A ultravalorização do bem, da positividade está violentando a humanidade e a
motivando, negativamente, a duras penas, papéis de super desempenho, produção e
comunicação.
74

O super-homem nietzschiano está moldando o corporativismo terrestre e


assassinando a capacidade dos homens de fracassar, de pensar, de sentir. Longe do fracasso
não existe aprendizado. Não há tempo para recompor e analisar novas formas de agir. Sem
sentimentos, a empatia padece e, na ausência dela, o narcisismo promove, suavemente, a
aniquilação da humanidade.
Quando se busca somente o bom desempenho, não há tempo para distrações. Se
Foucault (1975) definia a sociedade disciplinar feita por fábricas, asilos, hospitais, quartéis,
hoje a sociedade segue na escrava conduta pautada pelo saudável politicamente correto de
uma vida em função de academias, veganismo, bancos, shoppings, aeroportos e laboratórios
de inseminação artificial.
Nos tornamos sujeitos do desempenho, publicitários da própria vida e neuróticos para
atingir uma performance inexistente. Voltamos à pré-história — ou sequer saímos dela, em
questões comportamentais —, onde ser multitarefa era questão de sobrevivência. “Na vida
selvagem o animal está obrigado a dividir sua atenção em diversas atividades. Por isso, não
é capaz de aprofundamento contemplativo” (HAN, 2017c, p. 32).
O aprofundamento contemplativo é a capacidade de pensar, refletir, recriar. É um
aprendizado de não reagir sem pensar, evitando o esgotamento. A vida contemplativa ajuda
a inibir os impulsos destrutivos, os estímulos opressivos e a estupidez da mecanicidade
ininterrupta.
Se vivemos numa época desprovida de tempo contemplatório, somos zumbis do
desempenho, pois pensamos em produzir muito, quando na realidade morremos no
movimento rotativo e exaustivo de girar engrenagens no mesmo sentido, rumo ao nada.
Nesse sentido, o autor define a sociedade como sendo a “sociedade do cansaço”, não
por ser inativa, mas por se movimentar de forma extra-ativa o tempo todo, tornando-se cega,
burra e incapaz de mergulhar numa análise profunda do mundo. Dopados por estimulantes,
rápidos e hiperconectados com desempenho exacerbado, provocamos, sem querer, o infarto
da alma, a cegueira da verdade; executamos a destruição completa da nossa própria
humanidade.
75

3 – O AMOR E SUA REVOLUÇÃO

Ali se vai
Ali se, fica!
Ali se volta.
E se justifica
Ali se mora
Ali se briga
Ali se chora
Ali, sem vida
Ali se morre
Se ali fica
Ali se, vai!
Não se justifica
Ali cê vive
Aqui cê vem
Alice, viva
Que eu fico bem.

Reflexões do afeto na vida pós-moderna, encontradas em pequenos rabiscos, em


paredes de banheiros públicos, dentro de universidades, ilustram a essência das teorias do
afeto abordadas nesta dissertação.
A condição de desamparo estrutural, vista na poesia acima de autoria desconhecida,
é notória para o conceito de amor líquido. Alice é o sujeito pós-moderno que tem seus afetos
e suas pulsões abaladas pela pós-modernidade. A autoria desconhecida do poema é a
condição de amparo que coloca as cartas das quais Alice precisa para apoiar sua existência
e não desistir, visto que, na vida contemporânea, a insegurança cresce, o medo trava e impede
o sujeito de amar.
Amar é correr riscos, assim como viver, pois envolve lidar com o terreno
desconhecido. Para garantir a sobrevivência, é necessário estabelecer conexões, formar
agrupamentos de familiaridades que promovem um núcleo que circunde o universo do
indivíduo para que este não tema em arriscar seus dias, existindo e vivendo, de fato, uma
vida real.
A realidade dos indivíduos contemporâneos é bem distinta da condição descrita
acima. O amor próprio vem sendo destruído pelo próprio sujeito que está refém da sociedade
de alto desempenho mencionada por Han (2017). Com cobranças exacerbadas, o sujeito pós-
moderno falha e não admite suas fraquezas. Cria-se, em redes sociais, personas para seu self
ferido, tentando mentir sobre si para o mundo e para seu próprio terror mortal: a insegurança.
76

O medo e a insegurança são as maiores companhias da humanidade ao longo de sua


existência. Ao contrário da sociedade anterior, que usava o medo como espaço proveniente
de cautela e repetia, assim, atos e condutas dos antepassados para tentar roterizar a vida em
uma espécie de zona segura, na pós-modernidade, o medo é exacerbado e impede o sujeito
de sair de sua casa.
Casos de síndrome do pânico aguda e transtornos de ansiedade são mais comuns na
atualidade e mais acentuados nas grandes cidades. Portanto, todas as verdades que os seres
humanos acreditavam até o momento caíram por terra. O desamparo está, inclusive, no amor
próprio e, com sentimento de incapacidade, esse indivíduo vai frequentar a sociedade e
destruir toda e qualquer possível relação de risco que vier ao seu encontro.
De maneira inconsciente, o sujeito inseguro tem atitudes de auto sabotagem
provocadas por um medo extremo de falhar. Antes que o fracasso ocorra, o próprio indivíduo
boicota e destrói sua vida por medo de vivê-la.
O diagnóstico freudiano do mal-estar na civilização está enraizadona base da
sociedade líquida e o caos se instaura quando não há um momento em que reflexões
fundamentais para o autoconhecimento são feitas. O tempo ou ócio criativo do sujeito foi
ocupado pelo cenário de realidade virtual que mente, oprime, envergonha e mascara o
indivíduo.
Na vida mediada pelas redes sociais, o amor próprio se dilui a cada rejeição. O
ambiente pós-moderno é o lar dos ressentidos, dotados de desculpas para evitar as
transvalorações necessárias para o amadurecimento.
A sociedade esconde a morte de seus afetos no consumo, no marketing, na ciência,
na religião, no veganismo, nos “relacionamentos abertos”, na independência do self e no
minimalismo. O acúmulo de bens e a adesão de crenças segura a falta de sentido e de afeto
dos seres humanos e adoece o eros. É como se o movimento pulsional dos indivíduos fosse
castrado em prol de uma utópica segurança, capaz de evitar sentimentos como angústia, dor,
tristeza, decepção e fracasso.
"Toda dor, toda infelicidade, observa Nietzsche foram falsificadas por uma ideia de
erro, de falta: “A dor foi frustrada de sua inocência”. O amor-paixão (o discurso amoroso)
sucumbe sem cessar a essa falsificação. Haveria nesse amor a possibilidade de uma dor
inocente, de uma infelicidade inocente (se eu fosse fiel ao Imaginário puro, e só reproduzisse
em mim a díade infantil, o sofrimento da criança separada da mãe), eu não colocaria então
em questão aquilo que me machuca, eu poderia ate afirmar o sofrimento. Assim seria a
77

inocência da paixão: não uma pureza, absolutamente, mas simplesmente a rejeição da


Falta. O enamorado seria tão inocente quanto os heróis de Sade. Infelizmente, o sofrimento
dele é geralmente alfinetado pelo seu duplo, o Erro: tenho medo do outro “mais que de meu
pai” (NIETZSCHE, 2005, p. 112).

Não há como escapar da angústia. É dela que vem a condição que move a alma dos
homens. Sublimar o medo dos afetos é fundamental para existir, para conviver em sociedade,
e a morte desse afeto é uma das grandes causas do abalo estrutural contemporâneo. Se o
amor morre, a pulsão termina. Sem pulsão, não há vida. Sem vida, não há movimento. A
psique humana é paralítica na pós-modernidade.
Nessa analogia com o poema do início do capítulo, Alice ilustra o sujeito pós-
moderno paralisado diante da vida, com seus afetos abalados e seu amor próprio vandalizado
pelo cotidiano. A mensagem pulsional é: “Alice, viva para não morrer”, corra riscos,
permita-se vivenciar a estética filosófica da experiência existencial. O sentido da vida está
no combate, na coragem de encontrar sensações desconhecidas e lidar com elas. É por medo
do sofrimento que a humanidade se encontra paralisada.
A ideia de amor líquido de Zygmunt Bauman transcende valores e descrições dos
afetos amorosos. Para Bauman, a raiz social da condição humana é extirpada pela pós-
modernidade, reduzida a um mero palco de operações midiáticas, sensações depauradas,
amores brutalizados, consumismos desenfreados.
De todos os exemplos descritos nesta dissertação, o poema “Alice”, encontrado
escrito na parede de um banheiro, de uma universidade, na cidade de São Paulo, é a viva
comprovação de que a pós-modernidade afeta as relações do sujeito, em todos os âmbitos,
questões e instituições das quais ele faz parte. A destruição parte do foco central, da matriz
criadora da vida: o amor, os afetos.
"Quanto mais eu fracasso no luto da imagem, mais fico angustiado; mas, quanto
mais eu o consigo, mais me entristeço. Se o exílio do Imaginário é o caminho necessário
para a “cura”, convenhamos que o progresso é triste.Essa tristeza não é uma melancolia
completa (de forma alguma clínica), pois não me acuso de nada e não fico prostrado. Minha
tristeza pertence a essa faixa de melancolia onde a perda do ser amado fica abstrata. Falta
redobrada: não posso nem mesmo investir minha infelicidade, como no tempo em que eu
sofria por estar apaixonado. Nesse tempo, eu desejava, eu sonhava, eu lutava, diante de
mim havia um bem, apenas retardado, atravessado por contratempos. Agora, não ha mais
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repercussão, tudo está calmo e é pior. Embora justificado por uma economia - a imagem
morre para que eu viva- o luto amoroso tem sempre um resto: uma palavra volta sem parar:
“Que pena.” (FREUD, 2010, p. 105).
O egoísmo é a grande revolução moral pós-moderna marcada por rupturas
consideradas irreversíveis. Ruptura com a ancestralidade, com a vida campestre, com o
sentimento de comunidade de destino. Dentre todas essas rupturas, o egoísmo é uma das
expressões mais visíveis no cotidiano global. O sujeito se torna o centro de tudo, só se
preocupa com ele mesmo, não consegue estabelecer relações baseadas no altruísmo e na
solidariedade.
Hoje, o individualismo se torna o motor da sociedade. A atitude de pensar primeiro
em si, de colocar o self sempre em primeiro lugar e a impressão de que podemos nos colocar
em primeiro plano passam a moldar as relações sociais. Cada indivíduo passa a se
consisderar seu próprio sol, onde todo o sistema gira a seu redor. Essa noção é catastrófica
para o convívio em sociedade. Daí se explica o sucesso das chamadas terapias de autoajuda,
de aconselhamento trivial, que pretendem alterar o comportamento humano, combater o
estresse e todas as síndromes dele decorrentes.
Autoestima, massagens no ego, ideia de prosperidade constante — a publicidade já
se apropriou desse ideário para expandir suas formas de comunicação. As universidades
modificam seu sistema em prol de formar cidadãos com diplomas voltados para as
necessidades do mercado. A fragmentação domina o cenário dos saberes e não estimula a
tão pretendida religação das culturas humanista e científica. O narcisismo, a infatilização e
o imediattismo são as consequências mais visíveis desse processo.
Não há sociedade sem comunicação e existem padrões de conduta moral que mantêm
a ordem social estabelecida, e o egoísmo não colabora nesse esquema. O oposto ao egoísmo
seria a generosidade, a empatia. O egoísmo é a base da sociedade atual, como se pode
depreender no pequeno recorte “empírico” apresentado nesta dissertação: pessoas de classe
alta, heterossexuais, residentes de bairros ricos da cidade de São Paulo.
Cada persona descrita nos capítulos anteriores apresenta características de seres
humanos egotistas, mimados, ressentidos. Possuem extrema dificuldade em manter laços
afetivos, posto que se relacionar exige comunicação, negociação, renúncia do movimento
individual, abdicação da privacidade, entre outras premissas da generosidade e empatia.
Entre as características, estão a carência, a dificuldade de lidar com fracasso, o fato
de mentir para si mesmo, o consumo exacerbado de bens materiais para tentar preencher
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lacunas sentimentais, a troca de parceiro no primeiro desafio da convivência, a relação com


vários parceiros ao mesmo tempo e o não vínculo profundo com nenhum deles. Há também
a invenção de soluções práticas para controlar e administrar a vida cotidiana, como fazer
metas diárias para crescer dez passos na sua carreira. Todos esses sintomas estão presentes
em todas as personas desta dissertação, que demostram, de alguma forma, o novo movimento
social promovido pela configuração líquida, descrita por Bauman. A fragilidade dos vínculos
é inegável, perceptível nas diferentes faixas etárias da pesquisa.
Todos são imaturos na forma de lidar com a vida e com as relações amorosas; um
enamoramento juvenil para com a existência que nega a realidade da vida, descrita por
Nietzsche, como uma dança constante de criação e destruição. Nos amores líquidos, nem a
criação nem a destruição existem; só há um terreno arenoso, incerto, onde tentam manter o
equilíbrio e acabam paralisados, negando a vida que se destrói no decorrer do tempo. O
enriquecimento empobrece a alma do homem, petrificando-a, retirando dela a energia de
viver.
Durante um debate em sala de aula, fui questionada sobre o porquê em falar dessas
pessoas que representam uma pequena porcentagem da população e que, tecnicamente, não
têm nada a melhorar em suas vidas confortáveis e desprovidas de dificuldades financeiras.
Pensando nesse questionamento, apresenta-se, aqui, a real razão da importância desta
dissertação: a sociedade brasileira é comandada pela elite rica, que representa esse 1% da
concentração de riqueza nacional.
Os depoimentos imaginários narrados no “divã de Bauman”, que constituem esta
dissertação são de chefes de grandes instituições que empregam pessoas que precisam de
trabalho e que, infelizmente, estão nas mãos de seus patrões. Estes estão desprovidos de
capacidades empáticas, com sérias questões emocionais mal resolvidas, são agressivos por
ausência de autoestima e colocam, no acúmulo de bens materiais, sua afirmação de
relevância no mundo. Essa pequena parte da sociedade também dita o comportamento, a
tendência do que é bom ou ruim, do que deve ser valorizado e almejado pelo restante da
população, que admira e também deseja conquistar o enriquecimento. Nas favelas e bairros
pobres do Brasil, infelizmente, estamos engatinhando para solucionar problemas de ausência
de segurança, saúde e dignidade mínima do sujeito.
Existem teses e dissertações em Ciências Sociais que analisam esse recorte social.
Não seria digno escrever e analisar realidades não vivenciadas, pois nasci e cresci fazendo
parte do 1% que possui condições básicas de saúde, alimentação e moradia. Observando a
80

carência de dissertações que abordem essa pequena parte da elite da cidade de São Paulo,
resolvi destrinchá-la e compreendê-la um pouco mais.
Essa minoria elitista está em constante desequilíbrio emocional. Quando não se tem
problemas estruturais de sobrevivência, as questões emocionais vêm à tona. A humanidade
evoluiu em tecnologias, mas não em estado de civilidade e controle emocional. Quanto
menores as preocupações com a sobrevivência, maiores as questões com permanência na
condição de existência, posto que a morte é certa.
Nelson Rodrigues em suas declarações e obras deixou explicita a frase “dinheiro
compra até amor verdadeiro”. Sua indagação não é discordável, no entanto, ela não discorre
sobre o amor básico do sujeito: o amor próprio. A ausência de amor próprio torna as pessoas
ressentidas, egoístas e com comportamentos cada vez mais egoístas. O dinheiro não
soluciona a inquietude noturna. O dinheiro pode comprar medicamentos que sedam suas
doenças emocionais, mas não resolvem as questões da convivência cotidiana.
O real problema da sociedade se dá na péssima relação entre sujeitos. São relações
de opressor e oprimido, de interesses individuais acima dos bens coletivos e da constante
busca do poder. Han (2017d) e O que é poder?, analisa essa situação do ser humano ser
violento por natureza e ir em busca de dominar tudo o que está à sua volta. Quem tem o
poder monetário nas mãos também tem a imaturidade de não saber o que fazer com ele. E
isso está relacionado, inclusive, ao mundo dos afetos, o alicerce social e moral da
humanidade.
Ignorar as condições afetivas no mundo pós-moderno é negar o cerne das questões
mundiais. Já é tempo de tratar dos problemas sociais e antropológicos olhando seu único
causador: o indivíduo. Por isso, para refletir sobre questões mundiais como desigualdade,
violência, guerras, abusos sexuais, homicídios, suicídios, caos social, é primordial analisar
primeiro os seres humanos. Estes moldam esse cenário e suas relações afetivas, pois são
nelas que a convivência e a afabilidade se instauram.
A conta é básica, porém complexa: quando se trata de seres humanos, lidamos com
contingências e, se fazemos parte da natureza, se viemos dela, em alguma medida, somos,
também, matéria de criação e destruição. No breve passar do tempo, estamos destruindo uns
aos outros, tentando sobreviver sem saber para onde vamos. Os cernes das questões sociais
são, portanto, problemas de questões pessoais que se ampliam em esferas que transcendem
os sujeitos.
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Em um dos casos apresentados nesta dissertação, a persona muda de residência


constantemente, o que afeta, por exemplo, vidas além da sua própria: a vida dos proprietários
que alugam seus empreendimentos para sobreviver e, portanto, têm o contrato rompido de
uma hora para outra por um indivíduo que simplesmente está farto de viver ali. Isso acontece
da noite para o dia: multas são pagas; contratos, desfeitos. São simples instantes de oscilação
em microesferas que afetam a macroeconomia do país em crise.
A crise econômica mundial não é apenas uma crise econômica. É um problema que
transcende o mundo físico e compõe o insconsciente coletivo. Nos tornamos globais, mas
também menos solidários e fraternos.
Vivemos a crise dos sujeitos e das subjetividades. E os problemas físicos do planeta,
quando envolvem questões sociais, não são resolvidos, pois a supremacia das tecnologias
comanda o cotidiano das empresas. Egos inflados iludem e não fortalecem o senso de
comunidade. Questões de cunho natural, como tufões, desastres ambientais, tsunamis e
enchentes são imprevisíveis. No entanto, o rompimento da barragem de Brumadinho, em
Minas Gerais, (2019) poderia ter sido evitado se os gestores da empresa Vale fossem menos
egotistas.
Considero digno o estudo do conflito das emoções nos setores sociais que gozam de
um conforto material exacerbado. É fácil ser vegano quando se tem o que comer. O conflito
interno de si mesmo foi essencial para Freud entender o consciente e inconsciente, além do id, ego e
superego, e é a base para entendermos como a mente humana funciona, por que conviver socialmente
é um desafio e por que o Eu por vezes fica contra si mesmo.
Não existe Eu totalmente harmônico. O Eu é uma ilusão e é isso que Freud chama de
estrutura cindida do sujeito humano: a ideia de que se tem uma estrutura subjetiva, dividida
em duas partes, em dois grandes sistemas, o inconsciente e o consciente, circundado pelo
Isso e pelo Super eu.
Freud disse “o eu não é senhor em sua morada”, pois está sempre em conflito, e isso
não seria um problema se a humanidade não se alienasse dessa estrutura subjetiva. Os seres
humanos negam seus problemas como se a vida fluísse e nada de errado ou estranho
acontecesse no movimento do sujeito-mundo, mundo-sujeito e na relação sujeito-sujeito —
consigo mesmo.
Quando não negam conflitos internos, culpam o outro como protagonista de seus
problemas individuais. A condição subjetiva do sujeito está, como diria Nietzsche, além do
bem e do mal. Podemos tomar consciência dela para viver melhor em sociedade: através dos
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livros, do cinema, da análise no divã — tema desta dissertação —, de templos e igrejas.


Existem inúmeras estratégias.
E é covarde agir culpando uns aos outros. É infantil dizer que a culpa dos problemas
da humanidade é da sociedade e que existem pessoas “vítimas do sistema”, como se a
crueldade estivesse na conta dos sistemas. “A sociedade”, “o bloco” e “o sistema” são
formados e criados por indivíduos isolados, incapazes de solucionar seus próprios
problemas. Essas esferas privadas se misturam com esferas públicas e problemas individuais
tornam-se problemas sociais. A culpa da destruição dos laços afetivos do sujeito é do próprio
sujeito, que inventa tecnologias para culpar sua angústia cósmica.
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4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Indefinível

Não compre essa briga.


Não pense que alguém,
Nessa gruta de mundo, define o
amor.

Poetas tentam,
Psicanalistas inventam,
Histéricas gritam na porta dos bares,
Padres catequizam iletrados sem
Sorte
Em datas propagandísticas.
Há quem confine o amor aos
bichinhos de estimação,
Plantas, filhos, objetos, contas bancárias gordas
Ou gangues organizadas em arenas encharcadas de
loucos.
O mundo morre pela falta daquilo
Que não existe;
Mas nao ha quem resista a um
Delirio ficcional:

Peripécias entre o bem e o mal?

(Edmilson Felipe)

A presente dissertação buscou analisar como a pós-modernidade afeta as relações do


sujeito, amparado pelo teórico Zygmunt Bauman e sua concepção de amor líquido,
transitando com autores da Psicanálise, Sociologia e Filosofia e formando, através de
personas, uma reflexão para a análise do corpus de novos relacionamentos.
Para o recorte central proposto, foram abordadas personas que compõem a elite
paulistana que reside nos bairros de classe alta. São sujeitos de faixas etárias distintas, mas
que marcam a vida adulta do indivíduo (24 - 37 anos e de 47 - 68 anos).
Essas personas possuem recursos financeiros semelhantes, estilos de vida
congruentes e profissões que, mesmo distintas, promovem comportamentos de existência
semelhantes. A história de cada persona dialoga e é analisada por conceitos como: o amor
líquido de Zygmunt Bauman, que visa dissecar a vida do indivíduo.
Em tempos contemporâneos de modernidade líquida, torna-se clara a percepção de
problemas no convívio social e a dificuldade de estabelecer e manter vínculos pessoais
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afetivos e familiares. Esta dissertação se propôs a analisar como esse modelo de homem pós-
moderno, sem vínculos, se conecta e interage com o mundo à sua volta.
Respondeu por que os sujeitos, na pós-modernidade, têm mais receio e dificuldade
de estabelecer vínculos, e o que acontece para que as relações se tornem líquidas.
Ao analisar fragmentos de seis entrevistas transcritas, através da criação de seis
personas, estabeleceu-se exemplos, respostas e conexões das relações fluidas e a fragilidade
dos laços afetivos. Esta dissertação exibe um panorama de tendências dos sujeitos na forma
de se relacionar com os outros e com o mundo ao redor, os picos de conflitos e as
ambivalências que a modernidade líquida provoca na maneira efêmera de amar.
A dissertação buscou compreender como esse sujeito pós-moderno, aparentemente
sem vínculos, se conecta e aprende a mediar as relações, pois se distanciaram de toda a
segurança proporcionada pela tradição e pelo sentimento de comunidade.
A evolução do homem é a evolução da sociedade ao qual ele faz parte. A sociedade
1% narcisista e individualizada dita as regras das demais faces da pirâmide social mundial
e, enquanto não olharmos para o sujeito que tem sua vida destruída, seus laços afetivos
fragilizados e sérios problemas psicológicos relacionados a distúrbios do ego, não
construiremos uma planilha mínima de relações saudáveis, não violentas e igualitárias.

Tornar-se consciente dos mecanismos que fazem a vida penosa, mesmo


impossível de ser vivida, não significa neutraliza-los, trazer à luz as
contradições não significa resolve-las” (Pierre Bourdieu - La misère du
monde.) E , no entanto por mais céticos que possamos ser quanto a eficácia
social da mensagem sociológica, não podemos negar os efeitos de permitir
que aqueles que sofrem descubram a possibilidade de relacionar seus
sofrimentos a causas sociais ; nem podemos descartar os efeitos de tornar-
se conscientes da origem social da infelicidade em todas as suas formas
inclusive nas mais intimas secretas. (BAUMAN, 2001, p. 266)

Para além das faces de múltiplos relacionamentos, amores líquidos ou não amores, a
vida acontece através de laços e comunicação. Mesmo que esses sejam desfeitos com
facilidade em algum momento surgiu a necessidade de buscá-los para distanciar-se da
solidão. Em outros momentos procura-se exatamente o contrário: silêncio , distanciamento
a própria solidão, que é importante para que existam momentos saudáveis na convivência.
Podemos negar ou esquecer que o viver é dialógico e dialético e que não há como
controlar a contingência mas existem meios de conhecer as fontes de nossas sombras e
angústias, não para resolvê-las como um teorema pitagórico, mas para melhor administrá-
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las e desenvolver mecanismos de sublimação dos fantasmas e feridas que nos assolam.
Temos de ensaiar novas formas de conviver e viver em sociedade isso perdurará enquanto o
mundo existir.
O conhecimento é das mais belas formas de assumir responsabilidade de escolha e
para que essas escolhas sejam livres, devem ser entendidas como um mergulho de realidade
na alma da sabedoria. Arte, psicanálise, filosofia, sociologia, antropologia, neurociência,
física quântica, religiões são interpretações do mundo, ao mesmo tempo opostas e
complemenetares, formatos de entendimento, escolas do pensamento, ferramentas do
reconhecimento que moldam as ciências e a comunicação e que permeiam a totalidade das
relações sociais.
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5 - REFERÊNCIAS

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