Lodi-Ribeiro, Gerson - Ensaios de História Alternativa

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Aos amigos,
Marcello Simão Branco, meu editor
favorito, que sempre me apoiou e que
primeiro acreditou nesta proposta
alternativa.
Roberto de Souza Causo, que insistiu
para que eu elaborasse esta coletânea.
Carla Cr1st1na Pere1ra, que iluminou
com seu conhecimento e corrigiu meus
(muitos) erros. Obrigado também pelos
puxões de orelha...
PREFÁCIO

Todos conhecem o ditado que afirma que


"uma andorinha só não faz verão". Verão,
daqueles com calor de 40° C à sombra, acho
que uma andorinha solitária não consegue
trazer não. Ainda mais no Brasil dos últimos
anos onde, pelo menos a meu ver, a atividade
literária e editorial nas áreas de ficção
científica, fantasia e horror parecem enfrent-
ar um longo e tenebroso inverno. Mas, como
ocorre às vezes nos invernos brasileiros, de
vez em quando reebemos a bênção de um
veranico, um período gostoso de manhãs cál-
idas e noites agradáveis após semanas de
clima invernal. Talvez um veranico seja coisa
que uma única andorinha possa trazer preso
a seu bico.
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Na abordagem sensata das temáticas


históricas na ficção científica brasileira como
um todo e nas histórias alternativas em par-
ticular, costumo encarar Gerson Lodi-
Ribeiro como a antítese dessa andorinha do
ditado popular. Voejando lá e cá, ora escre-
vendo ficção, ora ensaios em sua coluna no
Megabn, proferindo palestras em con-
gressos, ou ainda participando de fóruns in-
ternacionais relevantes, como o Point of
Divergence, ou ajudando a organizar a Al-
ternate History List, Gerson tem sido o
único defensor da tradição ainda incipiente
das histórias alternativas brasileiras.
O primeiro trabalho de Gerson Lodi-
Ribeiro que li foi a noveleta "Alienígenas
Mitológicos", publicada na Isaac
AsimovMagazine. O trabalho me transmitiu
uma excelente primeira impressão do autor.
Apesar de não ser uma história alternativa, a
noveleta chamou minha atenção pelo trata-
mento habilidoso dado à temática histórico-
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mitológica, e seu casamento harmonioso


com uma trama de primeiro contato, escrita
num estilo marcadamente hard.
Mas tarde, quando li "A Ética da
Traição", confesso ter me sentido um tanto
decepcionada. Apesar dessa segunda novel-
eta ser bem escrita, mais ambiciosa que a an-
terior e, melhor ainda, tratar-se da primeira
história alternativa brasileira de que tivera
notícias, o seu desenvolvimento me deixou
frustrada, principalmente por não definir
direito o seu ponto de divergência e tampou-
co esboçar uma linha temporal alternativa
convincente. Além disso, sempre considerei
a vitória paraguaia na Batalha do Riachuelo
um evento para lá de improvável... ou im-
plausível, como diria o próprio Gerson.
Quase tão implausível quanto o fato do
Paraguai evoluir para um regime socialista
democrático sob a égide de um ditador cruel
como Solano López. Nem é preciso explicar
(mas eu o faço assim mesmo) que tais
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argumentos deram pano para manga em


nossas discussões, tão logo nos tornamos
amigos. Mas, como se diz no meio
acadêmico, minhas queixas são simples fili-
granas teóricas. Quem sabe um dia o autor
não escreve uma outra história alternativa na
mesma linha temporal da vitória paraguaia
para esclarecer essas questões técnicas...
Anos atrás, acessando os fóruns de dis-
cussão da Usenet, descobri que o tal Gerson
tornara-se uma espécie de representante
extra-oficial da Alternate History List para a
língua portuguesa. Para quem não sabe, a
AHL é uma relação on-line atualizada tri-
mestralmente, que procura manter uma
listagem exaustiva dos trabalhos ficcionais e
não-ficcionais de história alternativa public-
ados em todo o mundo. Fiquei surpresa em
esbarrar com um brasileiro em plena Grande
Rede e, ainda por cima, falando de história,
assunto que, bem ou mal, tem sido minha es-
pecialidade há quase uma década. Senti-me
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um tanto cética a princípio: de acordo com a


Isaac Asimov brasileira o sujeito possuía
várias qualificações mas, segundo constava,
nenhuma delas dizia respeito à história. O
velho preconceito da acadêmica em relação
ao estudioso leigo? Talvez. Hoje, mais de três
anos depois, reconheço que ele vem realiz-
ando um bom trabalho, tanto no forneci-
mento de informações sobre as histórias al-
ternativas brasileiras em si, quanto para di-
rimir questões graves de âmbito mais geral.
Concluí que Gerson é um daqueles casos em
que, quando empregamos o epíteto algo en-
ganoso de "estudioso leigo' 'devemos tomar o
cuidado especial de enfatizar mais o
"estudioso" do que o "leigo".
A presente coletânea de ensaios reúne a
vasta maioria dos trabalhos de não-ficção na
área de história alternativa. Tenho a im-
pressão que engloba todos os artigos que o
autor publicou sobre o assunto nos três últi-
mos anos na coluna específica que mantém
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no fanzine de ficção científica Megalon. Ao


que eu saiba é a única coluna fixa sobre
história alternativa mantida em periódico de
FC amador ou profissional. Nestes três anos,
o autor abordou uma série de tópicos in-
stigantes, das conseqüências de uma Peste
Negra alternativa à análise das diversas
hipóteses de vitória confederada na Guerra
Civil Americana, de civilizações pré-colombi-
anas expulsando o colonizador europeu até
enredos de autênticas histórias alternativas
brasileiras. Apesar de me reconhecer um
tanto suspeita para opinar, sempre con-
siderei esses ensaios de história alternativa
dentre as melhores matérias de não-ficção
publicadas no Megalon.
Além dessa coluna fixa, Gerson tem parti-
cipado nos últimos dois anos de uma asso-
ciação amadora para o estudo das H.A., o
Point of Divergence. É o único membro
brasileiro e, se não me engano, também o
único que não tem o inglês como língua
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nativa. Por informações que tenho recebido


em segunda mão quanto a esse fórum de de-
bates, soube que o autor desta coletânea tem
conseguido incrementar da forma signific-
ativa as discussões sobre histórias
alternativas sul-americanas em geral, e
brasileiras em particular.
O projeto mais ambicioso do autor até o
momento é o Ciclo de Palmares, uma linha
histórica alternativa onde a Confederação de
Palmares teria recebido o apoio dos holan-
deses arca 1640 e se estabelecido meio
século mais tarde como a primeira nação in-
dependente da América. Gerson já dispõe de
três noveletas e um romance escritos nesse
universo. Tive o prazer de atuar como uma
espécie de consultora informal quando da
elaboração do romance em meados de 1995.
Não é uma obra desprovida de falhas
(pouquíssimos primeiros romances o são).
Mas trata-se de um trabalho original, bem
estruturado e bastante coerente, levando-se
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em conta as dificuldades enfrentadas pelo


autor para estabelecer o seu background
ficcional.
No texto da palestra que proferiu nos
Primeiros Encontros de Ficção Científica,
realizados em Portugal em setembro de
1996, Gerson afirmou que as histórias altern-
ativas portuguesa e brasileira eram territóri-
os totalmente virgens e inexplorados. Dis-
cordo peremptoriamente. Ele próprio já ex-
plorou de forma válida alguns dos temas es-
senciais ao desenvolvimento dessa tradição
nascente.
Por tudo o que disse acima, percebe-se
que o trabalho desenvolvido por Gerson
Lodi-Ribeiro é importante e digno da
atenção tanto do leigo interessado em se di-
vertir com o tema das histórias alternativas,
quando do estudioso interessado em apro-
fundar seus conhecimentos no assunto.
Mantenha-se em vôo, meu amigo. E to-
mara que o seu exemplo seja seguido.
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Carla Cristina Pereira Gonzalez Histori-


adora e Professora Universitária Cabo Frio,
Junho 1997.
INTRODUÇÃO

Histórias Alternativas são trabalhos de ficção


ou não-ficção que narram uma sucessão de
eventos hipotéticos, de natureza qualquer,
construindo um presente ou passado difer-
ente daquele que aceitamos como verídico.
Esta construção é elaborada a partir do pres-
suposto que, em algum ponto de um passado
ainda mais remoto, algum acontecimento
histórico não ocorreu nessa linha temporal
alternativa de forma idêntica a que sabemos
ter ocorrido em nossa própria linha
temporal.
Todos nós, vez por outra, já nos sur-
preendemos imaginando como seria o
mundo se um determinado evento natural ou
histórico do passado remoto ou recente
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tivesse ocorrido de maneira diversa. E se os


dinossauros existissem até hoje? E se os ro-
manos tivessem conseguido resistir aos
bárbaros? E se a Holanda houvesse mantido
suas colônias no nordeste brasileiro? E se a
Alemanha Nazista houvesse vencido os Alia-
dos na Segunda Guerra Mundial? E se o Lula
houvesse derrotado o Collor nas eleições
presidenciais de 1989? As possibilidades são
infinitas.
Os ensaios ora apresentados nesta
coletânea foram escritos originalmente para
a coluna de História Alternativa que
mantenho no Megalon, desde o número 29
desse fanzine, lançado em fevereiro de 1994.
Vinte ensaios foram publicados nos últimos
22 números, nesses quatro anos e oito meses
de atividade ininterrupta. Com exceção das
seções de notícias de alguns fanzines, é a
coluna fixa mais duradoura num fandom
brasileiro de tradições em geral efêmeras.
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Ao longo destes cinqüenta e poucos


meses, a coluna mudou de nome várias
vezes. Mais importante, contudo, foi a
mudança de enfoque sofrida gradativamente,
à medida que o autor estudava as temáticas
de história alternativa, e começava a domin-
ar o assunto um pouco melhor. A terminolo-
gia específica utilizada também se alterou,
para refletir os novos conhecimentos ad-
quiridos pelo autor, bem como uma maior
consonância com a nomenclatura empregada
por estudiosos do assunto no mundo inteiro.
Assim, termos antiquados como Terra Al-
ternativa e evento-chave, presentes nos
primeiros ensaios em suas versões originais,
cederam lugar a outros mais técnicos, como
história alternativa ou linha temporal al-
ternativa e ponto de divergência (ao longo
desta coletânea de ensaios, os termos técni-
cos específicos do jargão das histórias altern-
ativas serão apresentados inicialmente em
negrito e itálico ). No processo de revisão e
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preparo do material desta coletânea, pro-


curei coadunar o texto dos ensaios mais anti-
gos à nova terminologia e aos conhecimentos
mais recentes na área das histórias altern-
ativas. Portanto, os leitores fiéis da coluna do
Megalon não devem se assustar quando es-
barrarem num tópico ou outro que não lem-
bram ter lido no ensaio original, ou ainda,
que foi exposto de maneira ligeiramente
diferente da versão ora incluída nesta
coletânea.
Alguns dos ensaios mais antigos foram
parcialmente reescritos, não tanto para se al-
terar o anteriormente dito, mas para acres-
centar novas informações e em certos pon-
tos, devo confessar, para atenuar um pouco o
tom informal típico de um articulista de fan-
zine para com os seus leitores, cuja grande
maioria ele conhece pessoalmente,
mantendo em não poucos casos uma relação
de amizade.
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Em princípio, se pensou em organizar os


ensaios da coletânea na ordem exata da suas
publicações originais no Megabn. Mais
tarde, considerando o assunto em pauta,
optou-se por ordenar os ensaios em termos
de cronologia histórica, usando no caso os
pontos de divergência dos trabalhos neles
analisados. As datas de publicação dos en-
saios, bem como a edição do Megahn em que
primeiro apareceram, são citadas logo abaixo
do título de cada ensaio. Primeiro são ap-
resentados os ensaios específicos, relacion-
ados a determinados eventos históricos, de-
pois vêm os ensaios genéricos, e finalmente
os ensaios sobre temáticas brasileiras.
Há um ensaio ainda inédito nesta data,
"Filmes Alternativos", que deverá ter sido
publicado no Megalon na época em que o
leitor tiver esta coletânea em suas mãos.
Ao final do volume há um apêndice, cata-
logando os trabalhos de história alternativa
já publicados em português. Um apêndice
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pequeno, é verdade — infelizmente — em vir-


tude da própria escassez de trabalhos sobre o
assunto publicados no Brasil e em Portugal.
Senti-me obrigado a colocar também um ín-
dice remissivo, por sempre ter considerado a
ausência de tais ferramentas em obras de
consulta e referência um crime hediondo,
que deveria ser forçosamente passível de
pena capital.
Espero que esta coletânea consiga estim-
ular em seus leitores eventuais o prazer das
histórias alternativas, em suas manifestações
ficcionais e não ficcionais, tanto como hábito
de leitura salutar quanto como exercício
literário.
Gerson Lodi-Ribeiro, Rio de Janeiro,
agosto de 1998.
HISTÓRIAS NATURAIS
ALTERNATIVAS

Publicado originalmente no MEGALON


29 (fevereiro 1994)

Nos últimos anos temos assistido a vários


booms temáticos na FC&F. Em alguns
destes, como no caso da dinomania, perce-
bemos todas as características dos modismos
passageiros (infelizmente...). Outros booms,
contudo, parecem ter vindo para ficar, como
é o caso das histórias alternativas.
Enredos históricos alternativos são
aqueles que giram em torno de uma linha
temporal alternativa (LTA). É uma temática
que atrai também os amantes de romances
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históricos, tornando-os eventualmente novos


fãs de FC.
Neste tipo de argumento, o passado
histórico é alterado num ponto nevrálgico,
designado ponto de divergência1; muitas
vezes um evento histórico pouco significativo
em si. Contudo, a partir desse ponto de di-
vergência, costuma ocorrer aquilo que de-
nominamos Efeito Bola -de- Neve: as con-
seqüências da alteração propagam-se através
dos séculos como uma bola de neve colina
abaixo, culminando na construção de um
background histórico inteiramente diverso
daquele que aprendemos na escola. A trama
em geral desenrola-se poucos anos após a di-
vergência, ou num presen te alternativo 2. O
tour-de-force deste tipo de enredo reside
quase invariavelmente nas diferenças entre a
nossa linha temporal (NLT) e a LTA. Não
raro nas histórias alternativas a ação deixa
algo a desejar e, ainda assim, devido à
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riqueza do background, o resultado final


agrada ao leitor.
O que talvez não esteja muito claro na
mente da maioria é a impossibilidade de exi-
stir uma LTA não inserida num Universo Al-
ternativo . Afinal, as alterações na história da
vida humana na Terra implicariam, cedo ou
tarde, em alterações em nível de Sistema
Solar, dos sistemas estelares mais próximos,
e assim por diante, ad infinitum.
Quando se pensa em enredos de história
alternativa, normalmente se imagina que o
ponto de divergência seja uma alteração num
evento qualquer da história. Há coisa de
quinze anos, um punhado de autores
começou a propor a ocorrência de pontos de
divergência não mais na história humana,
mas sim na história natural. São as chama-
das Histórias Naturais Alternativas . Vere-
mos casos de pontos de divergência de
caráter biológico, geofísico e astronômico.
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Alguns autores estabelecem como pontos


de divergência certas diferenças na própria
evolução biológica terrestre. É o caso de
Harry Harrison na trilogia A Oeste do Éden3,
cujo primeiro volume foi publicado pela Gra-
diva, de Portugal4. O ponto de divergência é
a ausência do impacto de um meteorito gi-
gante que em NLT acarretou a extinção dos
dinossauros. Na época atual, uma espécie de
dinossauro bípede racional, as Yilàne, fu-
gindo da glaciação na Europa e África,
descobrem uma América do Norte habitada
por mamíferos superiores, inclusive duas es-
pécies de primatas racionais, os Tanu-Sasku
(humanos como nós) e os Paramutantes
(peludos e dotados de cauda pênsil).
O elemento principal dessa trama é a es-
calada do conflito entre as dinossauras e os
humanos. A espécie civilizada são as Yilòne,
detentoras de uma biotecnologia sofisticada,
embora algo inverossímil. Aliás, a própria
abordagem dos dinossauros adotada pelo
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autor é antiquada, não considerando as


hipóteses de homotermia tão em voga desde
a década de 1970. Outra implausibilidade re-
lativa, mas reconfortante, é a capacidade
mostrada por uma cultura meso-neolítica,
como a humana dessa LTA, de resistir aos
autênticos processos sistemáticos de genocí-
dio desencadeados por uma civilização
tecnológica mais forte.
Uma ou duas críticas literárias feministas
tentaram desmerecer a trilogia de Harrison,
pelo fato do autor propor como heróis
capazes de grandes êxitos militares os hu-
manos machos e como vilãs Yilàne fêmeas5.
Não creio ser uma crítica das mais pertin-
entes. Independente do fato da saga do Éden
ser não apenas o trabalho mais ambicioso de
Harrison, e de fato um dos melhores, tenho a
impressão que o chauvinismo não estava nos
planos do autor. Uma forte indicação para
corroborar esta hipótese é que o protagonista
humano criado pelas Yilàne só consegue se
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sentir atraído por uma única mulher (que


acaba tomando por esposa). Justamente uma
jovem que possuía uma deformidade facial
que a tornava vagamente semelhante a uma
Yilàne.
No romance Fenda no Espaço, publicado
em português pela Europa- América, Philip
K. Dick situa sua LTA numa Terra Paralela
onde Homo erectus evoluídos e dotados de
capacidades paranormais criaram uma civil-
ização de caráter planetário cujo nível
tecnológico equivaleria em NLT, grosso
modo, ao da humanidade do século XVII.
Harry Turtledove, o moderno papa dos
enredos de História Alternativa, nos contos e
noveletas reunidos num outro fix-up, A Dif-
ferent Flesh, dá um passo além de Dick, ao
imaginar os dilemas éticos e as novas per-
spectivas propostas à humanidade quando
Colombo chega à América e a descobre hab-
itada não por ameríndios, mas sim por
Homo erectus. mastodontes e tigres dentes-
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de-sabre. Os diferentes trabalhos se passam


em vários períodos históricos, desde os
primeiros núcleos urbanos coloniais ingleses
até os dias de hoje, onde a pesquisa para a
cura da AIDS avança a passos rápidos, graças
ao discutível emprego dos semi-humanos
como cobaias.
Em Universos Paraleks (Two Hawks
from Earth), Farmer estabelece um ponto de
divergência de caráter geofísico no mínimo
inusitado: a história humana numa LTA no
qual o continente americano simplesmente
não existe. Sem a América, não há milho,
batata e tabaco; gonorréia e sífilis; perus e
lhamas. Contudo, existem peles-vermelhas...
na Europa Oriental! Civilizados, aqueles que
poderíamos chamar de Ameríndios, caso
houvesse uma América, ocupam as regiões e
os papéis históricos preenchidos em NLT
pelos eslavos.
Fala-se por vezes em Terras Altern-
ativas, em lugar de LTA. O termo Terras
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Alternativas deve ser evitado, pois induz o


leitor a pensar que se trata de um planeta
muito semelhante, mas não inteiramente
idêntico ao nosso. Exceto quando ocorre,
como no caso do romance de Farmer
descrito acima, do ponto de divergência
situar-se de fato na constituição geofísica do
nosso planeta. Ainda assim, o termo mundo
alternativo é preferível. Além disso, nem to-
do mundo alternativo precisa ser necessaria-
mente a Terra. Vejam, por exemplo, o caso
de Harry Turtledove: ele desejava escrever
um romance que se passasse num planeta
Marte com atmosfera respirável, habitado
por uma civilização tecnológica autóctone.
Bem, este é o tipo de enredo que podia até
ter lá o seu charme nos bons e velhos tempos
em que Edgar Rice Burroughs descrevia as
aventuras de seu John Carter em Barsoom.
Mas hoje, talvez só Ray Bradbury con-
seguisse escapar impune de tal travessura de
implausibilidade. Contudo, o que um autor
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talentoso deseja, em geral consegue. Se um


Marte tipo Barsoom não é possível naquele
planeta árido de areias avermelhadas nas
quais as Viking pousaram, não há problema.
Basta propor um Marte Alternativo.
Na LT do romance A World of Diference,
a Terra é exatamente igual à nossa, exceto
que não existe um Planeta Vermelho em seus
céus noturnos. Em seu lugar, há Minerva,
um mundo de dimensões terrestres, com
oceanos de água e atmosfera de oxigênio-ni-
trogênio bem parecidos com os de nosso
planeta. A trama aborda as dificuldades da
primeira expedição tripulada que a human-
idade lança a Minerva (um esforço conjunto
de russos e norte- americanos) e o envolvi-
mento das duas tripulações num conflito
político - militar entre duas facções antagôn-
icas de minervianos.
HISTÓRIAS ANTIGAS
ALTERNATIVAS

Publicado originalmente no MEGALON


42 (novembro 1996)

O ato de escrever FC&F impõe ao autor


do gênero alguns dilemas e opções próprios,
não compartilhados por escritores que milit-
am em outras literaturas de gênero, ou no
que costumamos chamar de mainstream.
Quando um autor de western fala "Dodge
City", remete de imediato os leitores a uma
rua de terra batida, ladeada por casas de
madeira; uma escola primária de sala única;
a popular cadeia; alguns estábulos; a funer-
ária e um ou dois salloons. Quando um es-
critor de mainstream fala "Paris", traz à
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nossa lembrança as pontes sobre o Sena; a


catedral de Notre Dame; a Torre Eiffel; o
Arco do Triunfo; os cafés com mesinhas nas
calçadas, onde o protagonista degusta um
baguete delicioso com os patês mais varia-
dos, acompanhado por um vinho naáonal de
primeiríssima qualidade.
Agora, pense no autor de FC&F. Quando
ele fala "Paris, ano 2534", você não tem o
quadro geral pronto na cabeça. "A Torre Eif-
fel ainda existe?" E, em caso afirmativo, não
será como um pigmeu cercado por uma
floresta de arranha-céus quilométricos?
Toda a ambientação e o background terão
que ser montados do nada. A quantidade de
informação a ser passada ao leitor tende a
ser grande, e a dificuldade é ainda maior por
ser a FC&F um gênero literário exigente,
capaz de julgar com extremo rigor o vício de
interromper a ação e o fluxo narrativo para
fornecer explicações ao leitor.
30/434

Esse conjunto de dificuldades específicas


forçou os cultores do gênero a desenvolver
um ferramental próprio para informar o leit-
or sobre o background ao longo de um diá-
logo ou cena de ação, de modo a evitar
aquela sensação conhecida de ruptura do
fluxo narrativo, gerada com o intuito de min-
istrar uma preleção técnica. É como se nós
exigíssemos de um bom autor do gênero que
ele trocasse um pneu furado com o carro an-
dando... "Tudo bem," pensamos, "pode re-
duzir de 100 Km para uns 50 ou 60. Mas
nem pense em encostar no meio-fio e sair do
veículo!"
Se escrever histórias de boa qualidade e
plausíveis de FC&F implica em superar di-
ficuldades específicas ausentes tanto no
mainstream quanto em outras literaturas de
gênero, Passemos agora às dificuldades adi-
cionais com que o autor de história altern-
ativa se depara, além das boas e velhas di-
ficuldades inerentes da FC&F.
31/434

O autor de FC&F enfrenta o desafio de


situar seus leitores num futuro hipotético.
Essa dificuldade costuma ser superada com o
emprego de uma série de ícones típicos do
gênero, já bastante familiares à vasta maioria
dos leitores, ou pelo menos aqueles com al-
guma vivência dentro da FC&F.
A tarefa do autor de H.A. é, contudo,
mais árdua. Ele deve colocar o seu público
leitor não dentro de um simples mundo fu-
turo, mas de um cenário histórico alternativo
que tanto pode estar se desenrolando no
presente, quanto no passado ou no futuro. E
não pode contar com o auxílio dos tais ícones
mencionados acima. Por causa desta di-
ficuldade especial em situar o leitor, os back-
grounds históricos dos trabalhos de H.A.
costumam ser bastante detalhados. Este de-
talhamento implica numa atenção precípua
da parte do autor. Por isso, em boa parte da
ficção curta de H.A. o background ofusca o
enredo e a caracterização dos personagens,
32/434

como que deixando-os para segundo plano,


não obstante o fato óbvio de não sido esta a
intenção original do autor.
O background de um trabalho de H.A.
deve ser detalhado em função da necessidade
e do anseio menor ou maior de mostrar ao
leitor como aquela LTA. Quanto mais
distinto torna-se o cenário ficcional da NLT,
maior deve ser o esforço para fazer com que
o leitor se sinta inserido no enredo, para que
se possa firmar o tão badalado "pacto da
suspensão da incredulidade". Sabemos que,
em se tratando de H.A., quanto mais distante
no passado o autor situar o seu ponto de di-
vergência , mais diferente do mundo real
tenderá a ser o seu cenário ficcional. Um
ponto de divergência situado poucos anos no
passado, como um suposto fracasso no im-
bróglio do impeachment de Collor por exem-
plo, gera um cenário de H.A. que o autor
elabora e o leitor médio visualiza com mais
facilidade do que o produzido por um outro
33/434

ponto de divergência posicionado num pas-


sado remoto, como é o caso da noveleta
"Esperando os Olimpianos" de Frederik
Pohl.
É assim que, falando em processos criat-
ivos de dificuldade crescente, aportamos afi-
nal na questão dos cenários de história an-
tiga alternativa.
Ao decidir situar o seu ponto de divergên-
cia na Antigüidade, o autor de H.A. aceita
um desafio de extrema dificuldade. Deverá
construir um mundo que pouco ou nada tem
a ver com o nosso e, o pior, terá que fazê-lo
de uma forma historicamente verossímil, se
deseja que a sua H.A. seja de pronto recon-
hecida como tal, e não confundida com
fantasia antiga ou medieval.
A dificuldade de construir um cenário al-
ternativo desse tipo é o motivo principal de
termos relativamente tão poucos exemplos
de histórias antigas alternativas em relação
ao número de trabalhos de H.A. catalogados.
34/434

As exceções óbvias a esta regra são as


histórias de Roma Alternativa6, nas quais, a
bem da verdade, boa parte dos autores faz
uma espécie de trapaça consentida com os
leitores: cria uma sociedade totalitária e es-
cravista qualquer, aparelha os militares com
elmos, armaduras e gládios romanos,
emprega uma meia dúzia de expressões e
sentenças em latim e, voiM Está pronto o
cenário romano alternativo...
Mas o assunto agora é justamente
aquelas raras histórias antigas alternativas
cujos pontos de divergência situam-se no ex-
terior das vastas fronteiras espaçotemporais
do Mundo Romano, real, virtual e alternat-
ivo. Curiosamente, com uma exceção, todos
os exemplos citados a seguir foram publica-
dos em 1989 na antologia What Might Have
Been I: Alternate Empires, organizada por
Gregory Benford e pelo indefectível Martin
H. Greenberg.
35/434

"Bible Stories for Adults, No. 31: the


Covenant", como o próprio título indica, faz
parte de uma série do James Morrow in-
spiradas na mitologia do Antigo Testamento.
Não sei quantas dessas o autor já publicou,
mas tenho quase certeza de que, apesar do
título acima, não chegaram a casa das
trinta...
O conto em pauta é H.A. O ponto de di-
vergência nesse caso é a destruição das tab-
letes de pedra onde haviam sido gravados os
Dez Mandamentos. De acordo com as
tradições bíblicas, encolerizado ao descer do
Monte Sinai e constatar que os hebreus ven-
eravam o Bezerro de Ouro, Moisés teria
destruído as Tábuas das Leis. Segundo Mor-
row, além desse gesto de indignação pífia, o
patriarca ensandecido teria comandado um
massacre dos apóstatas. Milhares tombaram
numa autêntica carnificina. Mais tarde,
caindo em si, o líder hebreu sente-se trau-
matizado com a extensão do banho de
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sangue resultante de suas ordens insensatas.


O choque é tão intenso que ele não consegue
mais se lembrar dos mandamentos gravados
nos dois tabletes de pedra, reduzidos a
dezenas de milhares de fragmentos.
Sem as definições divinas sobre o que é
certo ou errado, a humanidade encontra-se
inocente do pecado e, portanto, liberta dos
sortilégios inerentes às religiões monoteís-
tas. Sem guerras, desigualdade ou es-
cravidão, e sempre assombrada pela dúvida
quanto aos limites que Deus lhe teria im-
posto, essa cultura humana alternativa
evolui até a época atual de uma forma muito
mais responsável do que a nossa. E tal so-
ciedade utópica parece funcionar às mil
maravilhas, até que se tenciona, através de
uma tecnologia avançada, reconstituir as
tábuas dos Dez Mandamentos a partir de
uma miríade de fragmentos quase micro-
scópicos, para que se pudesse afinal
descobrir que caminho Deus havia escolhido
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para a humanidade. Duas inteligências artifi-


ciais lutam em lados opostos, deliberando
quanto à validade dessa descoberta tardia, e
a conseqüente revelação da mesma aos cri-
adores. Um belo trabalho, menos pelo con-
teúdo de H.A. e mais pelas questões de
caráter ético e moral que o autor se propõe
discutir.
Em "To the Promised Land", Robert Sil-
verberg situa seu ponto de divergência bem
próximo ao de Morrow. Meses antes de
Moisés subir o
Monte Sinai em busca dos Dez
Mandamentos, deu-se, de acordo com a
Bíblia, o Êxodo do Egito. Pois bem, Silver-
berg situa seu ponto de divergência exata-
mente sobre esse evento. As águas do Mar
Vermelho não se abrem e o Êxodo fracassa.
Ao invés de fugir para a Terra Prometida, os
hebreus permanecem como escravos no
Egito faraônico. O cristianismo jamais se
desenvolve e, como conseqüência indireta,
38/434

uma República Romana Mundial perdura até


os dias de hoje. Mas a questão aqui não é
Roma Planetária, mas sim o papel do povo
judeu nessa LTA. Numa província onde em
NLT situar-se-ia o Estado de Israel, cientis-
tas e engenheiros judeus constroem em se-
gredo uma nave espacial para empreender
um novo êxodo, dessa vez de caráter
interestelar.
Num tom bastante diferente do
empregado em suas parábolas bíblicas, Mor-
row volta à carga no conto "Arms and the
Woman" (1991), publicado na antologia
What Might Have Been III: Alternate Wars.
Estamos circa 1.200 a.C., em plena
Guerra de Tróia, aquele cenário heróico e in-
stigante da Idade do Bronze, tão bem con-
hecido por qualquer pessoa que se tenha de-
liciado com a Ilíada de Homero.
Só que Morrow se lembra de um pequeno
detalhe, que talvez tenha passado desperce-
bido à linguagem poética dos versos de
39/434

Homero: depois de mais de uma década de


cerco, Helena já não devia ser mais aquela...
Devemos nos recordar que naqueles tempos
de antanho as pessoas não só viviam em mé-
dia bem menos do que hoje em dia, mas tam-
bém envelheciam mais rápido. Em termos de
expectativa de vida, uma mulher do segundo
milênio a.C. com trinta e muitos anos, já se
podia considerar, em termos comparativos,
uma matrona, para lá da meia-idade.
Quando esta Helena, mesmo amando
Páris, decide retornar à tenda de Menelau
para pôr um fim ao morticínio em seu nome
cometido, os guerreiros da Grécia sentem
uma tremenda decepção: "E por isto que
temos lutado todos estes anos?!"
Um satirista menos talentoso talvez se
resignasse a parar por aqui. Morrow, con-
tudo, vai mais além. Um conselho de guerra
conjunto é convocado. Pela primeira vez
desde o início do conflito, gregos e troianos
se sentam à mesa de negociações, para
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discutir os termos exatos da devolução da


balzaquiana.
A dignidade de Helena é resgatada ao fi-
nal, mesmo que tal ocorra de um modo in-
cidental, sem conexão com o baixo valor de
mercado da moça como presa de guerra.
Mesmo chegando a conclusão que a posse
matrona deixou há muito de se constituir em
objetivo político-militar relevante, ambas as
facções concordam em manter o estado de
beligerância. Afinal, a guerra, sobretudo uma
guerra de atrito de longa duração, é um in-
vento importante demais — além de ex-
tremamente divertido e muito útil em termos
de política interna — para que fosse aban-
donado assim, sem maiores delongas.
Na noveleta "In the House of Sorrows",
Poul Anderson escala e conquista a
montanha mais escarpada. Como em "The
Covenant" e "To the Promised Land", a
história se passa na época atual. Mas, ao con-
trário do que se dá nos trabalhos citados,
41/434

Anderson não se esquiva ao desafio de criar


um mundo atual inteiramente diferente do
nosso e, ainda assim, rico em detalhes e rec-
heado de implicações históricas plausíveis. O
ponto de divergência empregado como
premissa inicial é que em 701 a.C. os exérci-
tos assírios de Senaqueribe teriam não apen-
as sitiado Jerusalém, mas arrasado a cidade.
A maior parte da população foi passada pelo
fio da espada, como se costumava dizer
naquela época. E os poucos sobreviventes fo-
ram tomados como escravos.
A obliteração de Jerusalém aborta o sur-
gimento não só do cristianismo mas do is-
lamismo, além de debilitar o judaísmo.
Numa atitude ousada, o autor recusa a saída
fácil do Estado Romano Mundial, solução
óbvia para amenizar as agruras da tarefa de
transmitir ao leitor as nuances do seu back-
ground elaborado. A LTA proposta é uma
colcha de retalhos de influências étnicas e
culturais, colorida em padrões ainda mais
42/434

mesclados do que a matriz da NLT, sub-


metida à influência equalizadora das civiliza-
ções helenística e romana. Aqui e acolá
ressoam nas entrelinhas o som dos gongos
budistas; o tropel dos cascos dos pôneis
mongóis; o toque dos clarins romanos (sim,
também existiram romanos nesse mundo,
mas, como era de se esperar num enredo
verossímil, eles não perduraram incólumes
por mais dois milênios!); os cânticos das
cerimônias de sacrifício astecas; e até — por
que não? — as bravatas dos marinheiros
cartagineses e vikings, num emaranhado
multicultural capaz de deixar qualquer
apaixonado por história a lamentar que não
se trate de um romance, mas de uma simples
noveleta.
No meio desse cenário riquíssimo, o
autor nos mostra as peripécias e aventuras
do protagonista, um jovem cidadão de New
Markland (supostamente, a América do
Norte), nas ruas e casario de uma Jerusalém
43/434

alternativa, em meio a um conflito político-


religioso. É curioso observar que, não ob-
stante a ausência dos grandes credos
monoteístas, essa Jerusalém renascida das
cinzas parece capaz de reassumir o seu papel
histórico duplo de meca das religiões ociden-
tais e epicentro dos conflitos religiosos.
Com esse trabalho, Anderson parece jus-
tificar uma máxima defendida por um seg-
mento dos estudiosos de H.A. a respeito do
tamanho ideal de um trabalho de ficção: "Se
o conto é a forma de expressão em que os
gêneros da FC, do
Horror e da Fantasia atingem os seus
padrões de excelênáa, o subgênero da HA.
tem na noveleta a sua forma ideal."
Depois de tanto falar sobre as H.A. calca-
das na antigüidade extra-romana, não
poderíamos deixar de fora o belo conto
"Counting Potsherds" de Harry Turtledove, o
grande mestre dos cenários alternativos. O
background se inspira nas Guerras
44/434
7
Médicas , ocorridas num período da An-
tigüidade Clássica bem anterior à época
áurea da República Romana.
Turtledove posicionou o seu ponto de di-
vergência com o critério de um historiador
profissional. Tendo se dado em 23 de setem-
bro de 480 a.C., dias após a destruição da
cidade de Atenas pelos exércitos invasores, a
Batalha Naval de Salamina foi o evento de-
cisivo da Segunda Guerra Médica. O êxito da
estratégia genial da esquadra ateniense
comandada por Temístocles8resultou numa
vitória estrondosa, invertendo por completo
o rumo do conflito e propiciando a derrota fi-
nal do Império Persa ante à coligação das
cidades gregas, reunidas em torno de Atenas
e Esparta. A derrota persa colocou um ponto
final na pretensão expansionista desse im-
pério em relação ao continente europeu.
O autor imaginou que se os atenienses
houvessem sido batidos, nada seria capaz de
deter o avanço das hostes do imperador
45/434

Xerxes. Numa primeira etapa os exércitos do


Rei dos reis conquistariam toda a Hélade.
Eventualmente, as fronteiras do Império
Persa acabariam chegando às margens do
Atlântico.
O autor não situa a sua narrativa uns
poucos anos após a obliteração do mundo
grego, mas tampouco a dispõe no presente.
Meio milênio depois da vitória da esquadra
persa em Salamina, um eunuco, emissário do
Rei dos reis, é enviado da corte imperial à
satrapia helênica do império. O propósito da
viagem é realizar uma pesquisa arqueológica
nas ruínas de Atenas, a fim de resgatar para
a posteridade o nome do último governante
dessa cidade- Estado. O imperador persa
desejava que o nome do monarca ateniense
derrotado fosse citado nos anais comemor-
ativos da vitória do seu ancestral remoto,
Xerxes o Grande.
Auxiliado por um guia local, o arqueólogo
amador falha em descobrir o nome do
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suposto monarca ateniense, mas acaba


tropeçando em conceitos extremamente per-
turbadores, como o ostracismo e a
democracia...
ROMA ALTERNATIVA

Publicado originalmente no MEGALON


35 (abril 1995)

Ao contrário do que alguns leitores pos-


sam pensar, brincar com linhas históricas al-
ternativas não é um privilégio dos aficion-
ados de FC&F. Acadêmicos sisudos, histori-
adores sérios no aconchego de seus gabinetes
em universidades vetustas do Primeiro
Mundo, por vezes também se comprazem em
remexer as diferentes possibilidades ofereci-
das pela História.
"O que teria acontecido se o Exército
Confederado do General Lee houvesse
derrotado as forças da União na Batalha de
Gettysburg?", ou "Como seria o mundo de
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hoje se a marinha ateniense houvesse sido


destruída pela esquadra do Império Persa
na Batalha Naval de Salamina?" são algu-
mas das questões que costumam perturbar
os devaneios acadêmicos desses estudiosos.
É claro, os historiadores profissionais não
se referem à disciplina que analisa essas
hipóteses tão sérias de passados e presentes
fictícios mas possíveis como "histórias al-
ternativas", ou mesmo "linhas temporais al-
ternativas". Não. O termo correto, segundo
eles, é alo -história . Do grego alloS: outro.
Ou seja, "Outras Histórias". Traduzindo do
jargão acadêmico para o do fandom: Históri-
as Alternativas!
O estudo da alo -história é repudiado por
algumas escolas de filósofos da História, mas
valorizado por outras. O argumento dos de-
fensores desse estudo é que a análise de
hipóteses condicionais conduz o estudioso a
uma melhor compreensão da real
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importância das causas e conseqüências de


determinados fenômenos históricos cruciais.
Engana-se quem julga que a alo-história
é um fenômeno recente em termos de his-
toriografia. As especulações sobre "o que po-
deria ter ocorrido se..." já estavam presentes
no bojo de vários dos primeiros tratados
históricos da Antigüidade.
O primeiro exercício explícito de alo-
história de que se tem notícia foi praticado
por ninguém menos que Tito Lívio, o histori-
ador romano, contemporâneo de Augusto,
que escreveu o monumental Ab Urbe
Condita Libri9, um relato pormenorizado da
história de Roma e dos romanos, desde a
fundação da cidade até o final da República
(época em que foi escrito).
Pois bem, ao longo de três capítulos (17,
18 e 19) de seu Livro IX, Lívio faz uma di-
gressão histórica sobre o que teria aconte-
cido se Alexandre o Grande houvesse
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sobrevivido para retornar ao Ocidente e en-


frentar a
República Romana de seu tempo10. Patri-
oticamente ou não, Lívio sugere que as le-
giões romanas teriam derrotado as falanges
macedônicas. É difícil mensurar hoje o teor
de plausibilidade exato desse argumento.
Parece claro que o exército romano ao final
da República, época em que Lívio escreveu a
sua história, era bastante superior em ter-
mos de disciplina, organização e armamento,
às forças de Alexandre que haviam con-
quistado o Império Persa, cerca de três sécu-
los antes. Mas, será que as legiões romanas
contemporâneas às falanges de Alexandre
gozariam desta mesma superioridade?
Provavelmente não.
Bem, o fato é que, se por um lado a
primeira história alternativa que se conhece
não pode ser qualificada sequer como um
trabalho de ficção, e muito menos como
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FC&F, por outro constitui-se em exercício


alo-histórico da mais fina estirpe.
Assim sendo, podemos afirmar até prova
em contrário que a primeira H.A. foi uma
Roma Alternativa.
Ao longo desses quase dois milênios, Lí-
vio não teve seguidores à altura. Esta situ-
ação perdurou até meados do nosso século,
quando o tema foi retomado com vigor in-
suspeito, mas perfeitamente compreensível a
posteriori, aí sim, pelos autores da FC&F.
Em sua vigésima edição, a UseNet Altern-
ate History List relaciona 45 trabalhos sobre
mundos romanos alternativos. Claro que não
será possível uma análise exaustiva dessa
quase meia centena de textos no âmbito
deste ensaio, de modo que falaremos apenas
das H.A. mais significativas.
Em 1939, L. Sprague de Camp publicava
no número de dezembro da Unknown a
história Lest Darkness Fali, uma novela que
se tornaria um dos grandes clássicos do
52/434

gênero, tendo sido mais tarde reescrita como


romance (1949), versão esta aliás, publicada
em português pela Coleção Argonauta sob o
título de A Luz e as Trevas. Um estudioso da
história de Roma11 é acidentalmente trans-
portado para a época do Imperador Justini-
ano, pouco depois da Queda do Império Ro-
mano Ocidental. Após algumas peripécias,
ele decide patrocinar o advento de algumas
indústrias modernas numa tentativa de
evitar o surgimento da Idade das Trevas.
Alguns puristas, entre os quais eu me in-
cluo, não consideram Lest Darkness Fall
como H.A. autêntica, por argumentarem
que, embora descreva as aventuras de um
cientista do século XX na Itália do século VI,
o romance termina sem que o leitor descubra
se as alterações inseridas pelo protagonista
fincarão raízes sólidas, a ponto de modificar
de fato a história, impedindo a chegada da
Idade das Trevas, ou se serão obliteradas no
curso de umas poucas décadas.
53/434

Já Poul Anderson, dentro da série Os


Guarãões do Tempo, penetrou mais longe
que de Camp no passado romano ao escrever
o conto "Delenda Est" (1955). Uma manipu-
lação indevida no passado produz o assas-
sínio de Cipião o Africano, o único general
romano que conseguiu derrotar Aníbal
Barca, ao final da Segunda Guerra Púnica.
Em nosso mundo, Cipião desenvolveu a
genial estratégia indireta de transferir o
teatro de operações da península italiana
para a planície de Zama, próxima a Cartago.
Ali, em 202 a.C., os romanos finalmente bat-
eram o grande general cartaginês em batalha
definitiva. Segundo Anderson, numa LTA
sem Cipião, Aníbal teria saqueado e
destruído Roma12. No presente alternativo ,
os celtas estariam dirigindo carros movidos a
vapor nas ruas de "Nova York". Nem é pre-
ciso dizer que o famoso agente temporal
Manse Everard teve que regressar à época da
Segunda Guerra Púnica para endireitar as
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coisas, recriando o passado tal como o


conhecemos.
Sete anos depois de Anderson, foi a vez
de Frederik Pohl brincar com a História de
Roma. O autor fez isto no conto divertido "A
Missão Mortal de Phineas Snodgrass"
(1962), que pretende ser uma sátira ao tra-
balho clássico de L. Sprague de Camp. Um
cientista louco bem intencionado regressa à
Roma do início da Era Cristã, levando con-
sigo a penicilina e algumas noções de higiene
e educação sanitária, comumente associadas
ao advento da medicina moderna.
A introdução dessas idéias revolucionári-
as, bem como da tecnologia médica ne-
cessária para implementá-las, eleva drastica-
mente a expectativa média de vida dos ro-
manos, produzindo uma explosão popula-
cional sem precedentes. Como toda boa
sátira que se preza, os efeitos a longo prazo
são a um só tempo dramáticos e hilários. A
população cresce em ritmo exponencial,
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atingindo uma cifra de muitos quatrilhões de


habitantes. Os oceanos são drenados para
dar lugar às pessoas e a produção energética
de toda a Via Láctea é canalizada para ali-
mentar a maquinaria capaz de manter viva
essa multitude de criaturas humanas.
Ao que parece, pelo menos de acordo com
Pohl, a Idade das Trevas nem sempre é o pi-
or dos males...
Clifford D. Simak envereda pela fantasia
para construir sua Roma Alternativa no ro-
mance Onde Mora o Mal (1982). O ponto de
divergência se dá ao final do século IV,
quando o Império Romano mantém-se in-
cólume, não se dividindo nas metades
Ocidental e Oriental. Nesse romance, con-
tudo, mais importante do que a roupagem de
H.A. é a existência de dragões, fadas, du-
endes, elfos e... neandertais! Mais tarde, lá
pelos idos de 1400 A.D., o surgimento de
uma força designada simplesmente como "O
Mal" impede que o Império agonize numa
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lenta decadência. O Mal funciona como uma


espécie de Estado-tampão entre os territóri-
os de Roma e os domínios dos bárbaros. Mas
mesmo isto não passa de mero pano de
fundo. A história, na verdade, é mais uma
das deliciosas quest adventures tipicamente
simakianas.
Pohl gostou tanto de brincar com a
história de uma Roma Alternativa que re-
tornou ao tema com a noveleta "Esperando
os Olimpianos" (1988), publicada em por-
tuguês na Isaac Asimov Magazine. Aqui o
ponto de divergência foi a anistia concedida
a Jesus pelo imperador romano. O Cristian-
ismo jamais floresceu, e Roma permaneceu
forte e impávida até o século XX, delineando
um outro clichê da H.A., o Estado Romano
Mundial. Num presente alternativo onde a
tecnologia avançou mais do que em NLT mas
a escravidão ainda persiste, um escritor de
romance áentfico sofre uma crise de cri-
atividade às vésperas do primeiro contato
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direto com emissários de um consórcio de


civilizações alienígenas. Um amigo, dublê de
escritor e cientista, sugere que ele escreva
uma H.A. onde a civilização romana não
houvesse prevalecido, mas ele considera a
idéia inteiramente ridícula. Uma história
realmente deliciosa. Os leitores da Isaac
Asimov a elegeram como o melhor trabalho
de ficção publicado na revista.
Os romanos desenvolvem a máquina a
vapor, a navegação transoceânica e inventam
a metralhadora a vapor, conquistando o
planeta inteiro bem antes da nossa época, na
LTA proposta no conto "Manassas, Again"
(1991), de Gregory Benford. Mas tudo isto
ocorreu antes da história começar. A trama
em si gira em torno de uma espécie guerra
civil nas antigas colônias romanas na
América do século XIX13. Uma guerra difer-
ente: Os humanos orgânicos, cansados do té-
dio de uma vida de luxo e conforto dentro de
casulos tecnológicos, rebelam-se contra os
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robôs que os mantêm nesse estado de apatia.


Algumas máquinas decidem reagir pela força
das armas. A história toda se passa durante
uma emboscada que um grupo de rebeldes
humanos organiza ao longo de uma estrada
contra várias formações robotizadas. O con-
teúdo de H.A. é breve e algo gratuito. Ao que
tudo indica, Benford só criou esse enredo
bem escrito, mas um tanto ou quanto vazio
de conteúdo, para que o trabalho fosse in-
cluído numa antologia de H.A. organizada
por ele próprio.
No conto "The Tomb" (1991), de Jack
McDevitt, ao contrário do que se deu em
NLT, Constantino é derrotado por Maxêncio.
Com isto, a última reunificação dos Impérios
Ocidental e Oriental não se efetua, e o Cristi-
anismo não consegue se impor como religião
oficial em ambas as metades do Mundo Ro-
mano. Mais tarde, as hordas bárbaras varr-
em o Império, destruindo-o inteiramente e
dando início à Idade das Trevas. Como não
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existe um Império Bizantino para manter in-


tatos o conhecimento e os valores da cultura
greco- romana, essas trevas perduraram até
os dias de hoje. O leitor vai descobrindo tudo
isto aos poucos, à medida que o conto se
desenrola num tom melancólico e os dois
protagonistas escavam uma tumba encon-
trada nas ruínas de uma antiga cidade.
Em "Let Time Shape" (1992), George
Zebrowski desenvolve um enredo segundo o
qual uma frota cartaginesa teria partido da
metrópole após a derrota para os romanos
na Terceira Guerra Púnica. Esses
cartagineses navegaram até o Novo Mundo,
onde se aliaram às civilizações meso- americ-
anas (pela época, provavelmente os olmecas)
para erigir uma nova cultura. Quando Co-
lombo chega à América, depara-se com uma
cidade na ilha de Manhattan bastante semel-
hante à New York de nossos dias e descobre
que aquela civilização sofisticada havia se
aliado à Inglaterra. A história termina com
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Colombo sendo nomeado comandante-em-


chefe de uma força de submarinos, que faria
guerra à Espanha. Ele se surpreende
emitindo a ordem tradicional 'Fogopor todos
os tubos!" Diante disso, o que resta? Apenas
um conto bem pouco plausível para ser
levado a sério e que, como peça humorística,
comete o pecado supremo de não ser
engraçado...
ROMANOS NA AMÉRICA

Publicado originalmente no MEGALON


47 (Dezembro 1997)

Quando abordamos há tempos os cenári-


os históricos inspirados nas Romas Altern-
ativas14, mencionamos que muitas dessas
linhas temporais alternativas se baseavam
no fato da República ou do Império Romano
terem perdurado mais tempo do que em
NLT. Em vários casos, como na excelente
novela "Esperando os Olimpianos"15 de Fre-
derik Pohl, o autor advoga a existência de um
Estado Romano Mundial. Ora, se assim é,
uma extensão lógica das histórias nesses
cenários alternativos seria os enredos do tipo
"Romanos na América".
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Em "Esperando os Olimpianos" — em es-


sência a história de um autor de FC num
presente alternativo de um Estado Romano
Mundial séculos à nossa frente em termos
tecnológicos e que, já tendo efetuado o
Primeiro Contato, está às vésperas da
primeira visita dos emissários um consórcio
galáctico — Pohl menciona brevemente que
as primeiras legiões romanas a chegar na
América teriam desembarcado na península
de Iucatã por volta do século XIV. Após a
vitória na Batalha de Tehultapec, o general
Fornius Vello conquistou os maias, dando in-
ício à romanização dos Continentes Ociden-
tais. Ora, por aquela época a cultura maia já
estava em franca decadência, naquilo que é
chamado período pós-clássico, ou seja, em
termos históricos os maias estavam rolando
ladeira abaixo por suas próprias pernas.
Imagina-se, portanto, que os romanos al-
ternativos de Pohl tenham encontrado uma
presa fácil pela frente. A conquista da
63/434

América teria começado mais ou menos com


as legiões chutando um cachorro morto...
Observa-se ainda que, pela cronologia al-
ternativa imaginada pelo autor, a conquista
da China e da Índia seria bastante posterior à
romanização da América, pois somente de-
pois de cercar os antigos impérios asiáticos
tanto pelo ocidente quanto pelo oriente é que
os romanos conseguiram impor sua vontade
às antigas civilizações chinesas e indianas.
A romanização da América é abordada de
uma forma inteiramente diferente no ro-
mance Mysterium, de Robert Charles
Wilson.
Graças a uma experiência descontrolada
um laboratório secreto do governo que ab-
rigava um artefato alienígena insondável,
Two Rivers, uma cidadezinha americana
típica do estado de Michigan, na Região dos
Grandes Lagos, é transladada para uma linha
temporal alternativa onde o Império Ro-
mano jamais chegou a adotar o cristianismo
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como religião oficial. Os imperadores per-


maneceram pagãos até o século VIII da
nossa era, quando o império finalmente ruiu
(tanto no Oriente quanto no Ocidente).16
Com a queda de Roma, o cristianismo
chega ao ocidente pelas mãos dos invasores
bárbaros. Esse cristianismo alternativo é
bastante diferente do existente em NLT, com
uma influência profunda do gnosticismo17 e,
no lugar do monoteísmo, um autêntico
panteão de deuses, onde Jesus parece ocu-
par, grosso modo, o lugar do Zeus grego.
Paralelamente, uma influência romana mais
duradoura imprimiu marcas mais nítidas nas
instituições civis mais importantes da cul-
tura ocidental. Em pleno século XX a
América é uma ditadura teocrática, onde as
funções de polícia política são exercidas por
pretores e censores...
Os habitantes da pacata Two Rivers acor-
dam numa bela manhã e descobrem que a
sua cidade encontra-se cercada pela floresta
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virgem, as estradas de acesso à região desa-


pareceram sem deixar vestígios. Não há mais
luz ou água encanada, e tampouco televisão.
Uns poucos rádios mais potentes conseguem
sintonizar uma estação onde os locutores
parecem balbuciar uma algaravia que soa
como um misto de inglês e francês. Um pi-
loto comercial sobrevoa as regiões circunviz-
inhas e não vislumbra sinal da civilização.
Apenas quando voa sobre o local onde dever-
ia estar a cidade de Detroit, o aviador identi-
fica um vilarejo de proporções modestas.
Dias mais tarde, com a chegada das tro-
pas do exército daquele Estado teocrático, os
cidadãos de Two Rivers se descobrem en-
cravados numa América primitiva e subpo-
voada. Uma América onde tanto a Costa
Leste daquilo que seriam os E.U.A. quanto as
províncias orientais do Canadá, constituem
uma única nação independente formada pela
fusão das antigas colônias inglesas e france-
sas. Essa nação americana está engajada
66/434

numa longa guerra de atrito contra a


próspera colônia espanhola, que ocupa
aproximadamente a posição do México e da
América Central da NLT.
A polícia política apreende os livros da
biblioteca pública de Two Rivers. Pelos nos-
sos livros de história, eles descobrem quem
somos e, mais importante, que existem bom-
bas nucleares em nosso mundo. E pelos liv-
ros de física eles aprendem como construí-
las. Como os teocratas conservadores consid-
eram Two Rivers uma aberração in-
suportável, capaz de contaminar a sociedade
deles com seus costumes pervertidos e suas
heresias religiosas, não é preciso muito es-
forço da parte do leitor para imaginar que sí-
tio eles consideram ideal como campo de
testes para a explosão do protótipo de uma
bomba atômica.
Wilson não trabalha com um protag-
onista único, optando pela alternância do
foco narrativo entre uma série de
67/434

personagens principais, dentre eles um pro-


fessor de história frustrado; um garoto de 12
anos bastante curioso e ousado para a idade;
um jovem físico assombrado pela memória
de seu tio brilhante e perturbado (na verdade
o verdadeiro responsável pela experiência
que transladara Two Rivers ou, segundo uma
outra versão, criara todo o universo alternat-
ivo da América Teocrática...); o tenente da
guarda pretoriana encarregado da ocupação
de Two Rivers e uma etnóloga enviada pelo
mundo exterior para estudar a cidadezinha
alienígena.
Boa parte do romance é a história da ad-
aptação gradativa ao invasor estrangeiro, do
colaboracionismo de uma maioria de cid-
adãos norte- americanos típicos e da res-
istência de uns poucos desajustados às forças
ocupação inimigas. É curioso notar que, ja-
mais tendo passado pela experiência de ter o
solo pátrio ocupado por forças inimigas, os
autores americanos sintam necessidade de
68/434

recorrer à ficção científica ou à história al-


ternativa para falar do assunto.
O romance é muito interessante, pren-
dendo a atenção do leitor do princípio ao
fim. O autor driblou com categoria a di-
ficuldade extrema de elucubrar um presente
alternativo quase dois milênios distante do
ponto de divergência com o artifício elegante
de fazer com que a maior parte da ação
transcorresse numa cidadezinha da NLT
ocupada por forças externas de uma LTA. E
neste intento considero-o bem sucedido na
maior parte do tempo.
Para aqueles que lêem em inglês, vale à
pena conferir. De qualquer modo, seria uma
ótima pedida para um lançamento em por-
tuguês a ser feito por uma editora do porte
da Record ou da Europa-América.
Uma terceira América romanizada, total-
mente distinta tanto daquela insinuada em
"Esperando os Olimpianos" quanto da
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ensaiada em Mysterium é a apresentada por


S.P. Somtow na trilogia The Aquiliad18
O ponto de divergência aqui é a invenção
da máquina a vapor no primeiro século da
Era Cristã, graças às estripulias retrotempo-
rais de um delinqüente alienígena que era
simplesmente apaixonado pela cultura ro-
mana. Com navios a vapor os romanos nave-
gam rumo ao ocidente e descobrem a
América. Depois de algumas rusgas com os
indígenas, iniciam a colonização de Terra
Nova, o equivalente da Costa Leste dos
E.U.A. nessa LTA. No início da trilogia nada
se conhece da América do Norte a oeste do
Mississippi Miserabilis, segundo Somtow)
ou a sul do Rio Grande.
O primeiro romance dessa trilogia,
Aquila in the New World, é na verdade o fix-
up de quatro novelas que possuem o mesmo
narrador na figura do general romano Titus
Papinianus.
70/434

A primeira, "Aquila", passa-se durante o


governo de Domiciano (81-96 AD - NLT) na
província romana da Capadócia, onde o Titus
Papinianus é encarregado de expulsar os ex-
ércitos partas que haviam invadido a provín-
cia e ameaçavam o rebanho imperial de
bisões que os romanos haviam importado da
América para os espetáculos em seus circus
maximus. Em auxílio de Papinianus chegam
os Lakotas (uma das nações Sioux em NLT)
chefiados por Aquila, um velho cacique
ameríndio que fora pouco antes nomeado
senador romano. Para evitar o morticínio
dos seus venerados bisões, os guerreiros
lakotas sob o comando de Aquila salvam as
legiões romanas de um grande desastre
militar.
Na segunda novela, "Aquila the God",
como recompensa por sua vitória sobre os
partas, Papinianus é nomeado procurador da
província de Lacotia, em Terra Nova. Con-
hecedor da incompetência do general e
71/434

sabendo que o verdadeiro responsável pela


derrota dos partas fora Aquila, Domiciano
não dá sossego ao novo procurador provin-
cial, enviando o velho chefe de volta à
América para incumbir Papinianus de uma
nova missão espinhosa: ele deveria reunir
suas legiões e rumar para o oeste até encon-
trar o mítico reino da China, a fim de comer-
ciar a porcelana e a seda chinesas sem inter-
mediários. Depois de várias desventuras e
peripécias, Papinianus e Aquila acabam cap-
turados pelas tropas do exército olmeca. Os
olmecas consideram Aquila um deus e o
tratam de acordo. A cultura olmeca dessa
LTA dispõe de elevadores antigravitacionais
e discos voadores, dádivas de uma outra
casta de viajantes retrotemporais... O sacrifí-
cio do "novo deus" e de seu séquito é inter-
rompido pela intervenção providencial de
uma equipe de patrulheiros temporais aliení-
genas, preocupada com as várias barafundas
72/434

históricas disseminadas pelas mais diversas


culturas humanas.
O título da terceira novela, "Aquila Meets
Bigfoot", já diz tudo. Empreendendo um
novo avanço para o oeste, agora por ordem
do imperador Trajano (98-117 AD - NLT),
Papinianus e Aquila conquistam uma nova
província para o império e descobrem uma
tribo de sasquatius hebreus: mais uma
travessura do delinqüente temporal... E fi-
nalmente, a última novela dessa jix-up,
"Aquila: The Final Conflict", narra a luta de
Aquila e seus seguidores romanos e lakotas
contra as criações do criminoso temporal,
culminando na captura do próprio meliante,
que acaba entregue nas mãos, garras e
tentáculos dos patrulheiros. Como recom-
pensa, já em sua pira funerária (o equival-
ente lakota ao nosso leito de morte), Aquila é
convocado para ingressar na patrulha.
O segundo livro, Aquila and the Iron
Horse, é um romance de fato, e abre
73/434

justamente com as repercussões da pub-


licação das incríveis aventuras de Papinianus
em Terra Nova. Tomadas como uma espécie
de ficção científica daquela época, as nar-
rativas do procurador adquirem grande pop-
ularidade em todo o Mundo Romano.
O segundo romance é narrado por Equus
Insanus, filho de Aquila, adotado por Papini-
anus quando do desaparecimento do amigo.
Entediado com a vida civilizada em Roma,
Equus decide seguir para Terra Nova com o
pai adotivo quando esse é encarregado de su-
pervisionar a construção de uma ferrovia im-
perial nas pradarias do Meio Oeste Amer-
icano. Junto com ele, segue o amigo Lucius
Vinicius, sobrinho do imperador Trajano.
O tom do romance é ainda mais cômico
do que o adotado nas novelas que com-
puseram o fix-up. Os títulos dos capítulos
são ora homenagens, ora paródias, dos
grandes clássicos do gênero, e até de filmes
de sucesso que nada tiveram com FC: "Big
74/434

Trouble in Little Lacotia"; "Attack of the


Green Men"; "The Password is Spectacle"; "A
Pork Eclipse Now"; "Martian Odyssey", e por
aí vai...
O romance se divide em três partes. A
primeira se passa em Roma e narra as
travessuras e aventuras adolescentes de
Equus e Lucius. A segunda se passa em Laco-
tia e mostra os esforços romanos para con-
struir uma ferrovia continental e a tentativa
de sabotagem do criminoso temporal, que
retornou à essa LTA mais forte do que
nunca. A estratégia do marginal é substituir
romanos importantes por andróides sob seu
comando. A terceira parte se passa nos
próprios domínios do sociopata alienígena,
onde Equus e Lucius devem enfrentar as ma-
lignidades e o poder do criminoso, dessa vez
sem o auxílio oficial da patrulha temporal,
mas apenas as intervenções esporádicas de
um certo patrulheiro lakota renegado...
Dentre os monstros a ser enfrentados estão
75/434

dinossauros, pteranodontes e minotauros,


pois além dos
romanos e olmecas, o criminoso temporal
adorava dinossauros e a mitologia grega!
O terceiro romance, Aquila and the Sph-
inx, é narrado pelo próprio Lucius Vinicius e
fecha a trilogia com chave de ouro. É um
autêntico samba do sasquatch doido, por as-
sim dizer, onde tudo, mas realmente tudo,
pode acontecer... e geralmente acontece
mesmo! Aquila e Papinianus enriquecem es-
tupidamente ao fundar uma nova religião.
Pirâmides olmecas e egípcias se transform-
am em naves alienígenas e travam batalhas
espaciais em pleno Sistema Solar Exterior...
contra a Esfinge pilotada por nossos heróis!
Comandados por uma sacerdotisa
gostosíssima e ninfomaníaca apelidada Calli-
pygia por Lucius, os olmecas não se con-
stituem nos aliados mais fiéis, devido a uma
certa avidez a se auto-imolarem em sacrifício
— mas eles acabam auxiliando Aquila e
76/434

Lucius a lutar contra os Anasazi, que o crim-


inoso temporal (sempre ele!) havia convo-
cado como asseclas. Esse último romance é
de longe o mais nonsensical e divertido dos
três. O leitor é levado de surpresa em sur-
presa, sem saber jamais o que acontecerá na
página, no parágrafo seguinte.
Somtow faz nova brincadeira com os títu-
los dos capítulos: "Antiquities to the Stars";
"The Middle of Nowhere"; "Breakfast of
Champions"; "The Sphinx's Arse"; "The Pyr-
amid Parking Lot"; "In the Halls of the
Anasazii"; "The Incredible Shrinking
Sasquatch"; "A Man Called Equus", e assim
por diante...
Em resumo, o tom farsesco proposital ad-
otado por Somtow impede que os trabalhos
da trilogia sejam analisados como H.A. séria.
Ao que parece, aliás, a seriedade não está
nem de longe na lista de prioridades do
autor. O objetivo aqui é divertir o leitor com
uma história que é essencialmente maluca,
77/434

desmiolada e, no entanto, historicamente


acurada e, sobretudo, muito, muito en-
graçada. Considerando a quantidade de gar-
galhadas e o número de vezes em que fui
obrigado a parar a leitura para recuperar o
fôlego, creio que Somtow atingiu plenamente
esse objetivo. É um prazer constatar que ex-
istem autores capazes de abordar as histórias
alternativas, temáticas em geral sisudas, com
tamanho senso de humor.
PESTE NEGRA ALTERNATIVA

Publicado originalmente no MEGALON


31 (julho 1994)

Silverberg é considerado pelo fandom e


pela crítica como um dos autores mais criat-
ivos e originais do pedaço galáctico. Não é de
se espantar, portanto, que em meados da
década de 1960, quando decidiu escrever
umjuvenile com enredo de H.A., tenha in-
ventado uma temática própria, ao invés de
optar por um dos modelos já consagrados.
Bater nas mesmas teclas da vitória nazista na
Segunda Guerra, ou de uma derrota do Norte
na Guerra de Secessão? Quanta mesmice!
Mesmo há 30 anos, esse autor já tinha idéias
próprias e originais.
79/434

Silverberg pensou na Peste Negra, a


grande epidemia que varreu a Europa entre
1340 e 1350. Num intervalo de pouco mais
de quatro anos, entre um terço e metade da
população do continente foi simplesmente
apagada do mapa. Foram necessários cerca
de 200 anos para que a população européia
atingisse o patamar de 1348.
E se houvessem perecido três quartos ao
invés de apenas um terço? Na NLT a Peste
Negra já foi, em termos relativos, uma tragé-
dia sem precedentes na história das epidemi-
as humanas. Se apenas um europeu em cada
quatro permanecesse vivo ao final do ciclo
epidêmico, Silverberg imaginou que a
Europa Ocidental talvez se tornasse presa fá-
cil para a sede de conquista dos turcos
otomanos.
Na NLT, o expansionismo do Império
Otomano no ocidente foi detido a muito
custo, e apenas às portas de Viena, em out-
ubro de 1529. Uma Europa depauperada por
80/434

uma Peste Negra Alternativa como a imagin-


ada por Silverberg no entanto, não possuiria
efetivos suficientes para resistir ao avanço
das tropas dos sultões otomanos. Con-
quistando a Áustria ainda no século XIV, os
exércitos de Suleiman abririam as portas
para a invasão daquilo que em NLT seria o
Sacro Império Romano-Germânico. Depois
da queda desse último bastião da Europa
Central, os reinos de França, Espanha e Por-
tugal seriam levados de roldão pela enxur-
rada turca. Por fim, a própria Inglaterra seria
conquistada em meados do século XVI.
É claro que a expansão comercial e marí-
tima da Europa Ocidental jamais se daria
nessa LTA. No fundo, o exercício de ra-
ciocínio que Silverberg propõe ao leitor é que
este tente imaginar um mundo atual onde as
diferentes culturas e civilizações nativas da
América, África, Ásia e Oceania não foram
avassaladas pela fúria colonizatória do
europeu ocidental. Um mundo não só de
81/434

ocidentais e ocidentalizados, mas uma LTA


onde as maiores potências do século XX são
justamente os Impérios Inca e Asteca, onde
os russos colonizaram o litoral da Califórnia
e os grandes navegadores maoris tiveram a
oportunidade de consolidar a sua civilização
na Polinésia e em muitos outros arquipéla-
gos do Pacífico.
Mas, voltando aos europeus, sem a ex-
pansão comercial e marítima, foi apenas por
acidente que os súditos portugueses do vasto
Império Otomano finalmente descobriram a
América, nos últimos anos do século XVI.
Perdida numa grande tempestade, uma
caravela frágil e solitária se afastou da costa
africana e acabou aportando no Golfo do
México. O atraso dos europeus em quase um
século propiciou às civilizações pré-colombi-
anas o tempo necessário para que os Impéri-
os Inca e Asteca se consolidassem.
No caso particular do contato entre
astecas e os náufragos portugueses,
82/434

Montezuma III não encontrou a mínima res-


istência quando decidiu sacrificar os es-
trangeiros às divindades de seu povo.
Na Europa, o Império Otomano seguiu
sua vocação de potência tipicamente
continental, voltando-se para o seu interior,
e interessando-se apenas na consolidação da
religião islâmica nos territórios ocupados.
Sem a presença do conquistador europeu,
os Impérios Inca e Asteca aperfeiçoaram
seus Estados, aportando no século XX com o
status de superpotências. Na África, a ausên-
cia do colonizador branco e das práticas es-
cravistas, permitiu que os reinos negros, is-
lamizados ou não, se desenvolverem em seis
ou sete nações soberanas de economia
próspera e cultura pujante. No Pacífico, os
maoris também encontraram, na ausência
das potências européias, a sua oportunidade
de florescer como civilização.
Não atingido pela Peste, mas impedido
de se expandir na Europa devido à presença
83/434

hegemônica dos turcos, o império dos czares


russos conquista a Sibéria e o Alasca. Mas,
ao contrário do que ocorreu em NLT, eles
não pararam nas proximidades do Estreito
de Behring. Não encontrando resistência, os
russos desceram pela Colúmbia Britânica e
estabeleceram sólidos entrepostos comerci-
ais em toda a Costa Oeste, do Alasca ao norte
da Califórnia.
É nesse background rico e diversificado
que Silverberg coloca o romance The Gates
of Worlds. Tendo conquistado sua inde-
pendência ao Império Turco somente no iní-
cio deste século, a Inglaterra está iniciando
tardiamente o seu processo de industrializa-
ção. O protagonista é um jovem inglês ambi-
cioso. Filho de uma família nobre mas arru-
inada, ele decide embarcar para o México
dos astecas em busca da fortuna.
É claro que as coisas não ocorrem de
forma tão simples quanto ele havia ima-
ginado. Embora conquiste as simpatias de
84/434

um feiticeiro da corte de Montezuma XII e


de um jovem asteca de estirpe nobre, o inglês
acaba se envolvendo numa manobra revolu-
cionária, encabeçada por um primo e de-
safeto do imperador. O desacerto não passa,
naturalmente, de um pretexto para colocar o
protagonista e seus companheiros de viagem
vagando pelos mais diversos pontos da
América do Norte, e entrando em contato
com várias culturas, dentro e fora da área de
influência asteca.
Há espaço para a paixão juvenil. O prot-
agonista se enamora por sua companheira de
viagens, uma ameríndia de uma tribo per-
dida do litoral noroeste do continente. Fu-
gindo ao clichê do selvagem nobre mas ig-
norante, a jovem índia de Silverberg é uma
poliglota e grande apreciadora de
Shakespeare, capaz mesmo de aprender o
idioma turco para poder se deliciar com a
obra do Bardo em seu idioma original...
85/434

Ao final de suas peregrinações, o inglês


não consegue se tornar um mísero centavo
mais rico, mas parece algo amadurecido. A
história acaba com a sua decisão de partir
em busca da amada que, cansada dos sonhos
de grandeza do companheiro, acabou emig-
rando para um dos reinos da África.
Silverberg deixou esse universo ficcional
intocado por mais de vinte anos. No final da
década passada escreveu uma novela, um
trabalho inteiramente diferente de The Gates
of Worlds em tom, enredo e abordagem, mas
situado na mesma LTA criada para o
romance.
Estilisticamente falando, Lion Time in
Timbuctoo é um trabalho mais maduro que o
romance anterior. O autor já não mantém
mais os hábitos de hacker, que caracteriz-
aram seu estilo na década de 1960. O Robert
Silverberg do final dos anos 80 é um escritor
em pleno domínio da sua arte. Falta à nov-
ela, contudo, algo do viço e da ingenuidade
86/434

saudável presentes no romance. Não que


Lion Time in Timbuctoo não seja gostoso de
ler, muito ao contrário. É, no entanto, um
trabalho mais cerebral, com menos daquilo
que os norte- americanos costumam chamar
de sense of wonder.
Agora a história se passa num reino da
África Negra Muçulmana, correspondente a
uma fração da República de Mali do nosso
mundo, mas infinitamente mais próspero e
desenvolvido. Trata-se de uma história de
diplomacia e intriga política e amorosa.
O monarca desse importante Estado
africano está prestes a morrer. Seu filho úiico
e herdeiro é tido no exterior como um play-
boy irresponsável. Todas as grandes potên-
cias da Terra se apressam em enviar os seus
representantes para prestar as honras
fúnebres ao soberano, e para assistir a
coroação do seu sucessor.
Como seria de se esperar, a insistência do
velho monarca em permanecer vivo começa
87/434

a causar mal-estar aos diplomatas es-


trangeiros. Alguns desses tramam o assas-
sinato do príncipe herdeiro e a anexação do
tal reino por um Estado litorâneo, aliado de
russos, ingleses e astecas, mas antipático aos
interesses turcos. Para piorar a situação, a
espera dos estrangeiros se dá sob um verão
inclemente, com o país castigado por uma
seca e um calor alucinantes.
Ao contrário do que se deu com o ro-
mance, aqui não há um protagonista fixo que
narra a história na primeira pessoa. O foco
narrativo está ora sobre o herdeiro do trono,
ora sobre a bela filha do embaixador turco,
ou ainda sobre um dos outros diplomatas.
Silverberg também abre uma brecha para
um pequeno enlace amoroso e um curioso
menage a trois. Positivamente, não se trata
de um juvenile desta vez.
A ação física não parece tão preponder-
ante quanto em The Gates of Worlds. Mas
quem foi que disse que uma boa história de
88/434

intriga política precisa de muita ação física?


O importante é que o autor consiga prender
o interesse do leitor; e para isso, basta saber
escrever bem. E nesse aspecto o Silverberg
continua sendo imbatível.
Os dois trabalhos ainda não foram
traduzidos para o português até a presente
data. É uma pena. Mesmo assim, recomendo
com empenho aos aficionados fluentes em
inglês, sobretudo os apreciadores do Silver-
berg, que percam um tempinho para con-
ferir. Vale à pena.
PRÉ-COLOMBIANOS
ALTERNATIVOS

Publicado originalmente no MEGALON


44 (abril 1997)

"América para os [norte -]americanos!"


(James Monroe, 5° presidente dos
E.U.A.)

Das muitas linhas temporais fictícias in-


troduzidas tanto nos enredos de histórias al-
ternativas quanto nos ensaios de especulação
histórica, os temas relacionados com as
Américas Alternativas, e sobretudo com os
E.U.A. Alternativos, destacam-se por sua
vasta quantidade. Ora são as Guerras de Se-
cessão Alternativas, ora são os presidentes
90/434

alternativos, ou até mesmo, conflitos do Vi-


etnã alternativos.
É fácil compreender essa concentração
temática quando nos conscientizamos de
dois fatos. O primeiro é o óbvio ululante: a
maioria dos autores de H.A. atuais são norte-
americanos e o mercado americano é o maior
consumidor mundial de FC e H.A. O segundo
fato é só um pouquinho menos óbvio que o
primeiro: o cidadão norte-americano típico
conhece relativamente bem a história do seu
país (ou, pelo menos, muito melhor do que
um brasileiro típico conhece a história
pátria), mas ignora quase tudo sobre a
história do resto do mundo. Algo da história
da Inglaterra, um tantinho de Roma, outro
da Grécia Antiga e do Egito Faraônico, mas é
só.
Daí, falar de Américas Alternativas
tornou-se com o tempo quase que um sinôn-
imo de E.U.A. Alternativos. Contudo, nós,
que não somos norte- americanos nem nada
91/434

(embora alguns brasileiros sonhassem em


sê-lo...), sabemos que a América é muito
maior do que os E.U.A. Sabemos mesmo,
não é?
Baseados nesta crença inabalável, vamos
iniciar neste ensaio um bate-papo sobre al-
gumas Américas Alternativas pouco conven-
cionais, dos mais diferentes tipos, cuja prin-
cipal característica comum seria justamente
a inexistência dos E.U.A.
Seguindo essa linha de abordagem, o
tema do presente ensaio são as Culturas Pré-
Colombianas Alternativas, onde devemos ob-
servar como alguns autores imaginaram que
as formações sociais ameríndias evoluiriam,
caso não houvessem sido decapitadas em
pleno apogeu pelo esforço colonizador das
potências marítimas da Europa Ocidental.
O romance A%tec Century (1993) do
autor inglês Christopher Evans é uma obra
notável sob vários aspectos. É um trabalho
que pode soar a princípio, sobretudo aos
92/434

leitores incautos, como mera história


romântica, a hve story quase impossível
entre uma princesinha inglesa destronada e
um príncipe herdeiro do Império Asteca.
Mas é muito mais do que isto.
O romance se passa em 1993, mas o
ponto de divergência se situa em 1519,
quando o conquistador castelhano Hernán
Cortez, apaixonado por uma princesa asteca,
passou-se para o lado do imperador Monte-
zuma II. Com o auxílio de Cortez, os astecas
não apenas evitam que as expedições castel-
hanas seguintes conquistem o seu império,
como ainda conseguem consolidar suas fron-
teiras através da aliança com outras tribos
avançadas.
Nos séculos seguintes, os astecas e seus
aliados tornam-se um verdadeiro entrave à
colonização européia da América. Na
América do Norte, os colonos anglo-
franceses ficam limitados à Nova Inglaterra e
ao Quebec. Na América do Sul, existe um
93/434

Império do Brasil até os dias de hoje. Con-


tudo, embora os detalhes não sejam forne-
cidos, é de se imaginar que esse Brasil Al-
ternativo (cujos habitantes também descend-
eriam de portugueses, índios e negros) esteja
restrito a pouco mais que uma faixa litorânea
banhada pelo Atlântico, pois os colonos do
Império Inca, aliado de primeira hora dos
astecas, desceram dos Andes ao longo dos
séculos, expandindo os seus domínios
Amazônia adentro.
Comandadas pelos generais Wellington,
Napoleão Bonaparte e Andrew Jackson19 as
forças conjuntas anglo-francesas con-
quistaram nas cercanias de New Orleans em
1815 a última grande vitória européia contra
os exércitos astecas em solo americano, at-
rasando durante meio século a expansão do
império no Vale do Mississipi.
Ao longo do romance Evans tece uma
crítica sutil ao imperialismo. Perfilados como
vítimas da sua ironia hermética aparecem
94/434

tanto o imperialismo inglês, quanto o seu


descendente direto, o imperialismo ianque.
O autor dedica uma atenção especial ao pa-
pel que os Estados Unidos desempenham
hoje em NLT. Em A%tec Century, o Império
Asteca é uma versão exagerada dos E.U.A.,
assumindo muitos dos atributos desse país
que, em NLT, comporta-se como a Roma do
tempo de Júlio César, agindo não raro como
autêntica república imperial.
É claro que os eletroeletrônicos, os video-
games e os snacks possuem nomes mexic-
atls, e a meca cinematográfica situa-se em
Acapulco e não Hollywood, mas até o leitor
mais desatento percebe do que Evans real-
mente está falando.
A narrativa é feita na primeira pessoa, à
medida que a história é contada pela
princesa Catherine, segunda na linha de su-
cessão ao trono inglês pela casa real deposta
dos Marlborough. Após a invasão dos exérci-
tos astecas, o débâcle das forças aéreas e
95/434

terrestres inglesas, e a retirada da Roy-


aiNavy, o rei e o príncipe herdeiro são feitos
prisioneiros, enquanto duas princesas reais
conseguem fugir para o exílio no país de
Gales. Depois de três anos, elas caem em
poder dos astecas e são levadas para Lon-
dres, bem a tempo de assistir ao funeral do
pai e à coroação do irmão infantilóide como
uma espécie de rei-fantoche.
Ao contrário do seu antecessor (morto
num atentado na Harrods, atribuído a ele-
mentos radicais da resistência inglesa), o
novo governador asteca é um exemplo ex-
celente de déspota esclarecido. Seu principal
método para pacificar a Inglaterra é a con-
cessão de liberdades civis limitadas e repres-
entatividade política à população, aliadas à
tentativa de promover um bem-estar econ-
ômico maior do que o gozado antes da ocu-
pação. Embora seja meio-irmão do gover-
nador, o comandante militar e segundo
homem do Império Asteca no Reino Unido é
96/434

vinho de outra pipa. Exemplar perfeito do


milico eficiente mas truculento, ardiloso e
malvado, Maxixca é o maior antagonista do
romance, fazendo um ótimo contraponto
com o protagonista bonzinho.
A conduta esclarecida, bem como os sen-
timentos éticos e humanitários do príncipe-
governador, despertam a admiração relut-
ante de uma princesa Catherine firmemente
imbuída de propósitos semelhantes. Da ad-
miração mútua para a paixão recolhida é um
pulo. Um dos pontos altos do romance é o
dilema crescente da protagonista entre o seu
senso de dever à pátria e o amor que começa
a nutrir pelo inimigo. Um autor menos
tarimbado se decidiria pela saída fácil do en-
lace amoroso, do tipo "o amor tudo supera".
Mas não há uma solução tão simples para o
envolvimento platônico entre Kate e
Extepan.
Como a narradora, o governador asteca,
Extepan Iquehuac Tlancuaxoloch, é uma
97/434

personagem riquíssima. Filho do imperador


com Dona Maria de Castilla, uma princesa
da casa real espanhola, ele é considerado um
meio-europeu (e portanto inferior) pela
nobreza mexicat, embora seja um candidato
sério à sucessão imperial, graças tanto às
suas qualidades pessoais quanto ao fato de
sua mãe ter sido o grande amor da vida do
imperador. A simpatia que Extepan nutre
pelos ingleses pode ser explicada em parte
por sua ascendência européia.
Enquanto o dia-a-dia da princesa se
desenrola, mostrando ora a sua dificuldade
em lidar com o caráter fraco dos irmãos (o
jovem rei inglês é persuadido a se casar com
uma bela, mas pouco importante, princes-
inha asteca, ao passo que a princesa Victoria
é falsamente acusada de terrorismo e exilada
na distante província chinesa do império),
ora o seu engajamento no processo de recon-
strução do país, ou ainda o dilema dos seus
sentimentos em relação ao governador,
98/434

várias linhas de intriga política-militar


transcorrem paralelas em background.
Existe um programa de inteligência artifi-
cial que simula a personalidade do marido
morto de Catherine, um antigo agente da in-
teligência britânica. O programa parece
capaz de penetrar nos computadores do sis-
tema de comando militar dos astecas. Auxili-
ada por um galês misterioso de intenções in-
sondáveis, Kate tenta plantar informações
falsas para confundir a inteligência militar
asteca, dificultando os planos de invasão da
Escócia.
Outra trama militar paralela é a con-
quista das outras nações do Reino Unido.
Depois da célere ocupação do País de Gales,
as invasões da Escócia e da Irlanda decorrem
em rápida sucessão. Como sempre, os exérci-
tos comandados por Maxixca se saem
vitoriosos.
Mais importante é o envolvimento cres-
cente dos astecas na Europa Oriental, e a
99/434

iminência do conflito com uma Rússia que,


embora a um só tempo imperial e comunista,
não é em absoluto o Estado totalitário que
conhecemos. Como se deu com os exércitos
de Napoleão e Hitler em NLT, as primeiras
fases da invasão asteca ao Império Russo se
constituem em êxitos retumbantes. A in-
vasão se dá em duas frentes: pelo sul, a partir
das províncias astecas da Índia e da China, e
pelo oeste, a partir das possessões do im-
pério na Europa Oriental. O sucesso inicial
reduz a grande extensão do Império Russo
(grosso modo semelhante a da antiga União
Soviética da NLT) a um território equival-
ente ao da nossa Rússia Européia. Contudo,
a explosão de um artefato nuclear russo
numa cidade ocupada pelos astecas, em
pleno desfile para comemorar uma grande
vitória, mata os dois filhos mais velhos do
imperador, guindando Extepan a comand-
ante supremo do exército invasor e primeiro
na linha de sucessão ao trono imperial.
100/434

Para tornar as coisas ainda mais com-


plicadas, os astecas, como os russos, também
possuem suas próprias armas secretas...
Em resumo, A%tec Century é um ro-
mance como poucos. Daqueles em que o leit-
or se sente triste quando chega à última pá-
gina. Evans consegue entrelaçar muito bem
as várias intrigas políticas (tanto as de
caráter militar quanto as palacianas) com os
dramas pessoais do casal de protagonistas, e
o trunfo principal do romance reside justa-
mente nesse casamento harmonioso.
Também inspirado no predomínio asteca
é "Red Alert" (1991), um conto divertido de
James Oltion. De forma análoga à que ocorre
no romance de Christopher Evans, o ponto
de divergência se situa circa 1520, quando
Montezuma II consegue expulsar os con-
quistadores europeus do México (aparente-
mente sem o auxílio de um Cortez apaixon-
ado...), apoiando outras nações ameríndias
para que façam o mesmo em seus respectivos
101/434

territórios. O resultado é uma espécie de


doutrina Monroe nativa capaz de manter a
América como patrimônio exclusivo dos
ameríndios.
A única colônia européia nessa América
Alter-Nativa é a que se situa na Ilha de Man-
hattan, o único pedaço do terra no Novo
Mundo que teria sido legalmente adquirido
aos nativos. Embora Oltion não se dê ao tra-
balho de explicar como, percebemos que, de
algum modo, a tecnologia evoluiu mais
rápido nessa LTA. Em meados do século XIX
há uma severa confrontação de caráter
político-militar nos moldes da Crise dos Mís-
seis de Cuba, onde os caças a jato de uma
força aérea intertribal da Federação Iroquesa
engajam com os aviões de Manhattan. Um
dos aspectos mais curiosos desse conto é que
os protagonistas são dois pilotos de caça
ameríndios chamados Nuvem Vermelha e
Cavalo Louco, que em NLT foram Sioux e
não Iroqueses...
102/434

No ensaio "Peste Negra Alternativa",


falamos da LTA idealizada por Robert Silver-
berg para o romance juvenil The Gates of
Worlds (1967), onde a peste negra teria
aniquilado três quartos da população da
Europa Ocidental, permitindo sua conquista
pelos exércitos do Império Otomano20. Sob o
domínio dos sultões otomanos não houve a
expansão marítima e colonial. Em con-
seqüência, as culturas autóctones da
América, África e Oceania puderam se
desenvolver livremente. O Império Asteca
teria aproveitado a oportunidade para con-
solidar o seu domínio sob as Américas do
Norte e Central. O Império Inca teria feito o
mesmo na América do Sul. Sem a influência
perniciosa dos europeus, vários reinos
muçulmanos continuaram a prosperar até a
época atual; enquanto isso, na Oceania, os
maoris puderam estabelecer sua autoridade
sobre as populações nativas das diferentes il-
has e arquipélagos do Pacífico. Com sua
103/434

expansão européia bloqueada pela hegemo-


nia do Império Otomano, os russos se vol-
taram para o leste, abocanhando não apenas
a Sibéria, mas também o litoral oeste da
América do Norte, desde o Alasca até a Baja
California.
Dentro desse background,, Silverberg es-
creveu o seu romance original, onde narrava
as andanças pelo Novo Mundo de um jovem
aventureiro oriundo de uma Inglaterra
recém-independente do domínio turco. Em
1990, o autor revisitaria essa LTA com a nov-
ela Lion Time in Timbuctoo21, cuja trama é
essencialmente uma intriga diplomática pas-
sada no reino africano de Songhay, às
vésperas da morte do emir e da coroação de
seu filho e herdeiro.
A convite de Silverberg, Chelsea Quinn
Yarbro escreveu uma novela, "An Exaltation
of Spiders" (1991), também passada na LTA
criada para The Gates of Worlds, mas com a
ação deslocada para a América do Sul.
104/434

Yarbro conseguiu esclarecer uma das prin-


cipais dúvidas que eu tinha sobre essa LTA:
"O que teria aconteado ao Império Inca?"22
Yarbro tenta mostrar ao leitor como o
Peru Incaico teria evoluído para um Estado
tecnológico moderno. Nessa tentativa, a
autora escreveu o trabalho mais belo da ant-
ologia Beyond the Gate of Worlds.
O Inca Verdadeiro está preocupado com
as maquinações políticas de seu primo, o
Falso Inca, que domina uma vasta extensão
territorial da Amazônia e pretende con-
quistar o Império com o auxílio militar dos
turcos otomanos. Considerando a conveniên-
cia de romper o isolacionismo político do
Peru, o Inca Verdadeiro decide que é
chegada a hora do Império estabelecer novas
alianças para contrabalançar a influência
otomana na América do Sul. As perspectivas,
contudo, não são das melhores: a escolha de-
ve ser feita entre os maoris altivos e dis-
tantes; os japoneses prestes a se tornarem
105/434

independentes do Império Russo; ou os


astecas, seus astuciosos e prepotentes vizin-
hos do norte.
O soberano inca parece afinal se decidir
pelos maoris. Para estabelecer o contato ini-
cial envia alguns navios da incipiente Ar-
mada Imperial literalmente para mares
nunca dantes navegados... O único trunfo
dos peruanos reside num certo domínio do
ar. Num século XX alternativo onde balões,
dirigíveis e aviões ainda não foram inventa-
dos, o Império Inca é a única nação a domin-
ar as técnicas do vôo planado. Flutuando
pelos céus em grandes asas-deltas, ligados à
superfície apenas por tênues cordas, os
membros do clã dos Aranhas (daí o título),
atuam como batedores, cumprindo missões
militares importantes e funcionando como
verdadeiros olhos do Inca Verdadeiro nas
províncias mais distantes do Império.
"An Exaltation of Spiders" é uma história
interessante e pungente, de leitura gostosa e
106/434

background histórico plausível, exceto por


um pequeno detalhe: Yarbro colocou Machu
Picchu como a capital do Império Inca. Isto
não é tanto uma heresia, mas uma tolice!
Machu Picchu é um pequenino vilarejo forti-
ficado, encravado no cume dos Andes. Do
ponto de vista geográfico não há espaço para
instalar a capital do Império Inca ali. Tam-
pouco há necessidade de transferir a capital
de Cuzco para Machu Picchu ou para um
outro sítio qualquer. Quando Francisco
Pizarro conquistou o Império Inca na quarta
década do século XVI, Cuzco era uma grande
metrópole, capaz de rivalizar com a Roma de
Augusto, ou com sua contemporânea asteca,
Tenochtitlán, tanto em tamanho quanto em
população. Os incas costumavam se referir
orgulhosamente à sua capital em quíchua
como "O Umbigo do Mundo". Imagino que
seria bem difícil para um cidadão do império
conceber um local mais adequado para
107/434

instalar sua capital do que no umbigo do


mundo...
DESCOBRIMENTOS
ALTERNATIVOS

Publicado originalmente no MEGALON


48 (março 1998)

Em 1992, ano do quinto centenário da


Descoberta da América, houve um surto sem
precedentes mas bastante compreensível de
contos e noveletas de história alternativa in-
spirados na subtemática dos Descobrimentos
Alternativos. A maioria dos trabalhos foi
publicada ao longo daquele ano na Isaac
AsimovMagazine, na Fantasy & Science Fic-
tion e, principalmente, na finada e saudosa
Amazing Stories.
Naquele mesmo ano, ainda em ritmo de
comemoração da data, Gregory Benford e
109/434

Martin H. Greenberg, dois antologistas de


ficção científica em geral e de história altern-
ativa em particular, decidiram lançar a
quarta e última antologia da série
WhatMightHave Been, com o subtítulo
oportuno de Alkrnate Americas. A maioria
dos contos dessa antologia trata de sub-
temáticas dos Descobrimentos Alternativos.
Aproveitando o ensejo da relativa prox-
imidade das festividades ligadas aos 500
Anos do Descobrimento do Brasil, vamos
abordar no presente ensaio os Descobri-
mentos Alternativos, fechando assim a se-
qüência sobre as Américas Alternativas, ini-
ciada com "Pré-Colombianos Alternativos" e
continuada em "Romanos na América"23,
onde se procurou mostrar os enredos de H.A.
centrados em Américas que evoluíram sem a
presença dos Estados Unidos — presença es-
ta, benéfica ou nefasta, deixo a decisão a
cargo da orientação político-ideológica do
leitor.
110/434

***
No conto "Ink From the New Moon",
publicado originalmente na Isaac Asimov
americana, A.A. Attanasio propõe uma
América do Norte alternativa colonizada pelo
Império Chinês da dinastia Song (iniciada
em 960 AD e extinta, ao menos em NLT,
pelas invasões mongólicas em 1279) a partir
do litoral do Pacífico.
Fugindo da perseguição religiosa desen-
cadeada por um imperador que considerava
o budismo como um credo estrangeiro perni-
cioso aos valores chineses tradicionais, um
grupo de monges navega na direção nascente
e descobre o arquipélago havaiano. As ilhas
são colonizadas e os nativos convertidos. Os
comerciantes marítimos e a Armada Song
seguem os monges, propiciando uma colon-
ização maciça das ilhas e uma nova expulsão
dos budistas. Mais uma vez eles navegam
para o leste e acabam descobrindo a
América.24
111/434

Os nativos das costas da Califórnia e do


Oregon são rapidamente convertidos ao
budismo. Quando os navegadores chineses e
a burocracia militar Song conseguem final-
mente descobrir o paradeiro dos monges de-
saparecidos, esses já haviam conseguido con-
verter boa parte da população autóctone. Os
Song enviam diversas levas de colonos e ex-
ploradores para as terras recém-descobertas.
Esses colonos constroem cidades, abrem es-
tradas e estabelecem rotas comerciais, plant-
ando nas Terras do Nascente o próprio es-
tablishment do império. Pressionados, os
monges simplesmente recuam para o interi-
or inculto, deixando uma trilha de nações
ameríndias convertidas à fé budista.
Um século mais tarde, os monges
começam a pregar uma rebelião branca con-
tra a obediência e a tributação devidas a um
soberano cujo trono dista do outro lado do
Oceano do Mundo. Os colonos compram a
idéia e as colônias chinesas lutam contra as
112/434

guarnições da metrópole longínqua,


tornando-se independentes e organizando-se
sob uma forma institucional algo similar na
aparência à dos Estados Unidos da América.
Essa semelhança é tão grande que soa inver-
ossímil. Até as críticas dos súditos leais ao
imperador Song são semelhantes àquelas
feitas pelos ingleses à organização política
dos E.U.A.25
A história em si é a narrativa que um ins-
petor do império em viagem pelas ex-colôni-
as faz à esposa. É quase um conto epistolar.
Só que a "carta", com tudo aquilo que o tal
burocrata com alma de escritor gostaria de
dizer, jamais é enviada, pois a esposa amada
que o esperava na China morreu durante sua
ausência.
Amargurado com sua desdita e desesper-
ado com a notícia da morte da esposa, o nar-
rador é dissuadido do suicídio pela chegada
dos Narigões à Costa Leste. Tratam-se de
navegadores europeus. As três famosas
113/434

caravelas comandadas por Cristóvão Co-


lombo. Impressionados com o avanço da
tecnologia náutica do junco imperial e o
poder dos foguetes militares chineses, os
ocidentais decidem capturar a embarcação
que serve ao inspetor para descobrir os seus
segredos.
L. Sprague de Camp propõe um cenário
superficialmente parecido com o de Attanas-
io, mas historicamente bem mais verossímil,
no conto "The Round-Eyed Barbarians",
publicado na mesma época na Amazing.
Ao contrário do que ocorre no conto de
Attanasio, a expansão marítima chinesa não
se dá na época da Dinastia Song, quando o
Império Chinês era constantemente
acossado pelas hordas mongóis ao norte e se
limitava no sul a uma faixa litorânea rica e
populosa banhada pelo Pacífico, mas sim
durante a dinastia Ming, cerca de três sécu-
los mais tarde, época em que, em NLT, o Im-
pério Celestial (como os chineses de então
114/434

denominavam o seu país) realmente


empreendeu uma expansão marítima e
comercial de vulto.
Entre 1405 e 1433, o império empenhou-
se em construir uma esquadra de navios de
tesouros, juncos mercantes gigantescos, os
maiores dos quais possuíam um
comprimento quase cinco vezes maior do
que o do Santa Maria, a nau capitânia de Co-
lombo em sua primeira viagem à América)26.
Ao longo de quase trinta anos essa Armada
poderosa comandada pelo almirante eunuco
Zheng He empreendeu sete expedições, le-
vando a seda, a porcelana e a cultura
chinesas às mais diferentes nações das costas
do Índico, de Taiwan e das ilhas indonésias
das especiarias até as prósperas cidades indi-
anas da costa de Malabar e os ricos portos do
Golfo Pérsico e do litoral de Moçambique.
Graças à força das armas e à pujança econ-
ômica do Império Celestial, todas as cidades-
Estado e nações estrangeiras banhadas pelo
115/434

Índico se viram obrigadas a reconhecer a


suserania do Trono do Dragão, fazendo do
imperador o soberano nominal de mais da
metade do mundo conhecido pelos chineses.
Essa época dourada de esplendor comercial
só terminou com a morte do imperador que
concebera e estimulara aquela fase de ex-
pansão marítima sem precedentes. Influen-
ciado por conselheiros conservadores, o novo
soberano decidiu dedicar os recursos do im-
pério aos problemas internos da China,
abandonando para sempre as expedições
grandiosas que marcaram o reinado de seu
pai.
O ponto de divergência proposto por de
Camp em "The Round-Eyed Barbarians" é
justamente a continuação dessas expedições
marítimas, que teriam navegado para terras
cada vez mais distantes, feito novas
descobertas, desenvolvidos novas técnicas e
encontrado riquezas capazes de justificar
viagens futuras a oceanos ainda mais
116/434

distantes, num processo que culminaria na


chegada à Europa Ocidental, através da cir-
cunavegação do continente africano (antes
que os navegadores lusitanos fizessem o
mesmo no sentido contrário), e na
descoberta da América, pela costa do
Pacífico.
No enredo de de Camp a Costa Oeste da
América do Norte é colonizada por cidadãos
de um império centralizado que se consid-
erava com justiça a maior potência da Terra.
Mais de um século depois da descoberta,
com as áreas mais férteis do subcontinente já
solidamente colonizados até a altura do Vale
do Mississippi, uma expedição militar
chinesa explorando as terras a leste dos
Montes Apalaches, defronta-se com uma
outra expedição, liderada por "bárbaros de
olhos redondos" trajando armaduras e elmos
metálicos e portando armas de fogo primit-
ivas. A superioridade das armas chinesas fala
mais alto nesse primeiro confronto e o chefe
117/434

bárbaro (que o leitor percebe facilmente ser


um típico conquistador castelhano) é feito
prisioneiro.
A situação se complica um pouco quando
o castelhano informa o general chinês que
havia raptado a filha de um chefe ameríndio,
e se torna ainda mais complicada quando o
tal chefe e seus guerreiros chegam ao acam-
pamento imperial com pintura de guerra e
dispostos a tomar satisfações do europeu.
Felizmente a séria questão diplomática se re-
solve pela intervenção da própria filha do
chefe, uma jovem extremamente prática e de
paixões muito, muito pragmáticas, para dizer
o mínimo...
Se uma provável descoberta da América
pelos chineses que não aconteceu de fato em
NLT gerou linhas históricas alternativas tão
interessantes quanto as de Attanasio e de
Camp, o que dizer da presença viking na
Groenlândia e na Nova Escócia, um evento
histórico já confirmado pelos estudiosos?
118/434

Já confirmado? Não é o que parece


pensar Kim Stanley Robinson em "Vinland
the Dream", publicado originalmente em
1991.
Nesse conto um grupo de arqueólogos
descobre que a presença dos nórdicos na
América Pré-Colombiana não teria passado
de uma fraude, um logro perpetrado por um
estudioso dublê de cientista e místico que
teria "plantado" as evidências de Vinland na
primeira metade do século XIX.
Hoje sabemos que os nórdicos realmente
fundaram uma pequena colônia na Groen-
lândia e tentaram - durante uma ou duas
gerações por volta do ano 1000 - fundar out-
ras colônias em dois ou três sítios do litoral
atlântico da América do Norte. As principais
razões para o insucesso foram o âmbito di-
minuto do empreendimento, o fato de sua
base (a Groenlândia) ser ela própria uma
colônia não inteiramente auto-suficiente e,
sobretudo, a beligerância das tribos
119/434

ameríndias que mais ou menos pela mesma


época desceram litoral canadense abaixo em
seus caiaques para colonizar as áreas já hab-
itadas pelos nórdicos. Fossem esses últimos
mais numerosos ou possuíssem uma superi-
oridade tecnológica mais pronunciada (como
aquela com que os portugueses e castelhanos
puderam contar cinco séculos mais tarde), é
bem provável que houvessem conseguido
resistir aos novos invasores. Mas, de
qualquer forma, em NLT isto não se deu.
Mas e se os nórdicos fossem mais numer-
osos? E se suas colônias na América já se
houvessem estabelecido há mais tempo? Ter-
íamos hoje uma América do Norte Viking?
L. Sprague de Camp responde essas
questões em sua novela clássica "The Wheels
of If" publicada originalmente na Unknown
em 1940 e republicada várias vezes desde en-
tão. No jubileu de ouro de sua primeira apar-
ição, a novela recebeu uma edição comemor-
ativa, sob a forma de um Tor Double, em
120/434

parceria com uma outra novela de Harry


Turtledove passada na mesma linha
histórica, "The Wheels of If' and "The Pugna-
cious Peacemaker" (1990).
O ponto de divergência dessa LTA ocorre
em meados do século IX, quando o rei Oswiu
da Northumbria27 decide adotar o cristian-
ismo celta, ao invés do cristianismo romano
(sua opção em NLT). Com o tempo, as cul-
turas nórdica e anglo-saxã se misturam e
essa forma de cristianismo se dissemina por
toda a Inglaterra. Dois séculos mais tarde, o
processo de cristianização celta dos vikings
torna de alguma forma não explicada o seu
esforço colonizatório na América do Norte
mais pujante do que em NLT. Em con-
seqüência, temos uma costa leste dos E.U.A.
e do Canadá colonizada por nórdicos e
anglo-saxões já a partir do século XI.
Como a diferença entre o nível tecnológi-
co dos recém-chegados e o dos nativos não é
muito grande, os ameríndios conseguem
121/434

manter sua cultura incólume a oeste do Mis-


sissippi. De maneira idêntica, o Império
Asteca pôde se erguer séculos mais tarde
para se tornar uma das potências hegemôn-
icas do mundo moderno. Na América do Sul
o cenário é ainda mais estranho: de alguma
forma não explicada pelo autor, o cristian-
ismo celta nas ilhas britânicas implica na
derrota do reino de Castela contra os mouros
quatro séculos mais tarde. Daí a península
ibérica continuar sob o domínio muçulmano
até o presente. As grandes navegações
ibéricas são empreendidas sob a flâmula do
crescente islâmico28, de modo que a América
do Sul atual se encontra dividida entre o Im-
pério Inca e o Emirado do Brasil, duas
potências que travam guerras constantes
pela disputa da região amazônica.
A trama da novela diz respeito às aven-
turas de um advogado nova- iorquino da
NLT que se descobre um dia residindo no
corpo de um bispo cristão-celta em Nova
122/434

Belfast, a cidade que ocuparia o lugar de


Nova York naquela LTA onde os cristãos
celtas iniciaram a colonização da América do
Norte no século XI. Depois de várias peripé-
cias interessantes, o protagonista descobre
como sua mente foi parar no corpo daquele
bispo alternativo.
A novela de Turtledove, uma espécie de
continuação do trabalho clássico de de
Camp. O mesmo bispo é enviado à América
do Sul para atuar como mediador da disputa
diplomática e militar entre o Império Inca e
o Emirado do Brasil pela posse da Amazônia.
No conto "Such a Deal", publicado origin-
almente na F&SF, Esther M. Friesner propõe
um cenário alternativo inteiramente sui gen-
eris mas, ainda assim, ibérico.
O ponto de divergência é a recusa final
dos reis católicos Fernando de Aragão e Isa-
bel de Castela em apoiar o plano louco de
Colombo de chegar às Índias navegando para
o ocidente (recusa, aliás, que também esteve
123/434

muito próxima de acontecer em nossa boa e


velha linha temporal). Sem ter a quem recor-
rer, Colombo pede auxílio a um rico mer-
cador judeu residente na cidade de Granada,
que à época era o último bastião mouro na
península ibérica.
Os mercadores judeus financiam a
viagem do genovês, mas Granada é cercada
pelos exércitos dos reis católicos. Quando a
situação parece perdida, as caravelas de Co-
lombo regressam do Novo Mundo com uma
divisão de guerreiros astecas. Estes engajam
de imediato na batalha contra os soldados
castelhanos e os derrotam, em grande parte
graças ao efeito surpresa. Um final bastante
implausível mas ainda assim divertido, na
categoria "cenas-que- você-sempre-quis-
ver".29
Por falar em cenários implausíveis, Ge-
orge Zebrowski escolhe os cartagineses da
época das Guerras Púnicas para colonizar o
124/434

Novo Mundo, no conto "Let Time Shape",


publicado originalmente na Amazing.
Novamente derrotados pelos romanos ao
final da Segunda Guerra Púnica, uns poucos
refugiados cartagineses decidem navegar
para o ocidente e acabam tropeçando na
América. O argumento soa implausível
quando lembramos que os cartagineses sin-
gravam o Mediterrâneo em galeras com re-
mos e velas latinas, navios pouquíssimo
apropriados a enfrentar o mar grosso e o
mau tempo típicos do Atlântico.
Uma vez na América, os cartagineses
aliam-se às civilizações mais avançadas do
continente (pela época, talvez os olmecas)
para criar uma supercivilização que pouco
fica a dever à encontrada na cidade perdida
no meio da Amazônia, descrita por Menotti
del Picchia em seu romance República 3000
(1924).
Quando Colombo chega à América
descobre que a tal supercivilização já havia
125/434

há muito estabelecido uma aliança com os


ingleses. Enfim, é oferecido ao genovês o
comando de uma esquadra de submarinos
modernos para afundar a Armada Espan-
hola... Como diria o saudoso Jack Palance,
"Acredite, se quiser... "
O conto não parece lá muito sério ou
plausível. Por outro lado, se era para soar en-
graçado, bem, lamento informar que não
achei graça. Se Zebrowski pretendeu adotar
um ar satírico... bom, neste caso talvez seja
interessante que alguém lhe conte que ele
ainda tem um longo caminho pela frente até
chegar ao patamar de um James Morrow.
Já o ponto de divergência selecionado por
Pamela Sargent na noveleta "The Sleeping
Serpent", publicada originalmente na Amaz-
ing, foi a conquista de toda a Europa Contin-
ental pelas hordas mongóis dos descend-
entes de Genghis Khan.
Em NLT, os mongóis invadiram a
Europa, derrotando todos os exércitos
126/434

enviados contra eles na Polônia e na Hun-


gria. A cavalaria dos invasores era uma força
insuperável e em 1241 parecia haver muito
pouco que os europeus pudessem fazer para
impedir o seu avanço. Afinal, o Império
Mongol era um Estado unificado que se es-
tendia do norte da China até a Ucrânia, ao
passo que a Europa era uma colcha de retal-
hos de pequenos Estados rivais em conflito
constante uns com os outros. Se os mongóis
venceram a grande maioria das batalhas dis-
putadas em solo europeu, o que os deteve em
seu intento de conquistar todas as nações, do
Mar Negro ao Atlântico? A resposta é:
simplesmente uma morte. Não uma morte
qualquer, mas o passamento do Grande
Khan, ocorrida naquele mesmo ano em
Karakorum, a capital do império. Pelas leis
de sucessão criadas por Genghis Khan,
quando o governante supremo do império
morria, todos os príncipes reais deveriam re-
gressar à Mongólia para tomar parte na
127/434

eleição do novo khakan. Como o exército que


invadira a Europa possuía três príncipes, o
comandante mongol reuniu suas tropas e
empreendeu uma retirada gloriosa até
Karakorum, adiando a invasão e conquista
da Europa para uma outra ocasião que, feliz-
mente para nós, jamais se deu...
Da narrativa acima percebemos que nem
sempre a história real representa o curso de
eventos que a priori se configuraria como o
mais provável. Pamela Sargent deve ter se
feito a pergunta: "E se o velho khan não
houvesse morrido em 1241?" Como res-
ultado, surgiu "The Sleeping Serpent". Os
mongóis não só conquistam a Europa contin-
ental como aprendem as técnicas de nave-
gação em alto mar com os ibéricos e, séculos
mais tarde, estabelecem suas colônias na
América do Norte. Sendo os únicos europeus
não submetidos à lei dos khans mongóis, os
ingleses também fundam suas próprias
colônias na América.
128/434

A guerra colonial eclode entre os ingleses


e os euro-mongóis (arrastando para o em-
bate as diversas nações indígenas aliadas de
ambos os lados), quando o filho do Khan da
França decide liderar a Federação Iroquesa
numa cruzada para expulsar os ingleses da
Nova Inglaterra.
Embora o argumento de Sargent real-
mente soe plausível no que diz respeito à
conquista da Europa pelos mongóis, é alta-
mente discutível se, sob tais circunstâncias,
os portugueses encontrariam a motivação
necessária para desenvolver as técnicas de
navegação que em NLT possibilitaram a ex-
pansão marítima européia.
No conto "If There Be Cause" de Sheila
Finch, também publicado na Amazing, os
ingleses também são os heróis, embora de
um modo inteiramente diferente do elucub-
rado por Sargent.
Numa de suas expedições, o corsário
inglês Sir Francis Drake teria disseminado o
129/434

protestantismo entre os ameríndios da Costa


do Pacífico.
Implausível? Nem tanto.
O que de fato aconteceu em NLT foi que,
buscando uma passagem pelo noroeste da
América do Norte que lhe permitisse regres-
sar à Inglaterra com o magnífico butim
apresado aos galeões espanhóis, Drake
acabou aportando em 1579 na Califórnia com
seu famoso Golden Hind e batizando aquela
costa de New Albion. Lá os corsários es-
tabeleceram contatos amistosos com os índi-
os Miwok. Os nativos consideraram os
ingleses deuses e entraram numa espécie de
êxtase místico, sendo acalmados somente
quando Drake ordenou que seus tripulantes
cantassem salmos religiosos...
Finch imagina que a forte impressão reli-
giosa causada pela visita dos corsários tenha
se propagado às gerações seguintes, não
apenas sob a forma do protestantismo, mas
também na adoção do English way of living
130/434

por parte dos ameríndios. Mais de um século


depois dessa conversão, quando os espan-
hóis iniciam a colonização da Califórnia,
eclode no Novo Mundo a primeira guerra re-
ligiosa entre católicos e protestantes.
Um descobrimento alternativo realmente
implausível e heterodoxo é o proposto por
Robert Silverberg no conto "Looking for the
Fountain", publicado na Asimov.
Um navio levando cruzados para arrancar
Jerusalém das mãos islâmicas desvia-se de
seu curso e vai aportar na Flórida... Uma
idéia no mínimo esdrúxula quando nos lem-
bramos que para viajar para a Palestina os
cruzados singravam o Mediterrâneo e não o
Atlântico. Mas, vá la! O Silverberg já está
cansado de saber disso...
Bem, de um modo ou outro, quatrocentos
anos mais tarde, ao aportar nessa península
em busca da legendária Fonte da Juventude,
o explorador castelhano Ponce de León es-
barra numa tribo de ameríndios
131/434

cristianizados que falava em partir para a


Palestina para libertar a Terra Santa.
Não obstante o argumento de extrema
implausibilidade, Silverberg faz um bom tra-
balho ao retratar de forma verossímil o es-
panto dos exploradores espanhóis com índi-
os cristãos que falam um dialeto abastardado
do francês medieval. Outro ponto interess-
ante é a percepção correta do autor de que
cruzados normandos do século XII e con-
quistadores castelhanos do século XVI são
criaturas sob certos aspectos tão alienígenas
entre si quanto qualquer seres não-hu-
manóides de uma cultura tecnológica que
possamos vir a encontrar nos séculos
vindouros.
Em resumo, um conto muito bem trabal-
hado, com alguns insights geniais, que teria
tudo para ser considerado excelente caso
houvesse sido escrito por outro autor que
não Robert Silverberg... Pois Silverberg nos
deixou mal (ou bem) acostumados. Seu
132/434

nome tornou-se quase que sinônimo de um


padrão de qualidade muito elevado. É neste
sentido que o leitor mais exigente talvez se
decepcione: este é apenas um trabalho medi-
ano de um grande mestre, nem de longe um
Silverberg vintage.
***
Tivemos acima uma amostra dos cenários
alternativos que os autores americanos
produziram inspirados pela comemoração do
quinto centenário da Descoberta da América.
Muito bem. Dentro em pouco mais de
dois anos estaremos comemorando o quinto
centenário da Descoberta do Brasil. Os gov-
ernos brasileiro e português estão pre-
parando uma série de eventos e festividades
que quase certamente produzirão reper-
cussões de âmbito mundial.
Se os autores americanos puderam escre-
ver sobre os descobrimentos alternativos
deles, porque não podemos fazê-lo sobre os
nossos? Possuímos autores talentosos em
133/434

ambos os lados do mundo lusófono e, mod-


éstia à parte, uma história pelo menos tão
rica quanto a dos povos anglo-saxões.
Pretendemos, o Carlos Orsi Martinho e
eu, organizar uma antologia de FC&F temát-
ica que relacione de alguma forma o
Descobrimento do Brasil à ficção científica
ou à história alternativa. O livro deverá ser
publicado em meados de abril de 2000, port-
anto os interessados têm dois anos e pouco
para pensar no assunto. O lançamento de-
verá ser efetuado pela Ano-Luz, uma
pequena editora fundada por iniciativa de
um pequeno grupo de autores, editores e fãs
de FC (dentre os quais se incluem o editor do
Megalon, César R.T. Silva, eu e o próprio
Carlos Orsi Martinho) que nutrem a pre-
tensão de incutir o gosto pela FC&F no
público leitor nacional.
Aguardem notícias sobre este empreendi-
mento. Aos autores de plantão, podem ir
134/434

colocando vossos neurônios privilegiados


para trabalhar. A hora é esta!
STEAMPUNKS!

Publicado originalmente no MEGALON


45 (julho 1997)

Há algum tempo, numa carta para a


coluna sobre Histórias Alternativas que
mantenho no Megalon, uma leitora pergun-
tou se deveríamos considerar todos os tra-
balhos steampunk como H.A. A indagação
suscitou dúvida deste lado da linha. Por um
lado, nunca tinha lido ou ouvido sobre um
trabalho steampunk que também não fosse
H.A. Por outro lado, pode ser que existam
exceções, não sabia... Afinal de contas, o que
é mesmo steampunk ?
136/434

Diante de questões tão graves, decidi


cumprir a promessa e dedicar um ensaio ao
assunto.
Consultando a Encyclopedia of Science
Fiction (1993) do John Clute e Peter Nich-
olls, uma espécie de Bíblia Sagrada do
gênero, descobri com alívio que o termo pos-
sui o seu verbete próprio. Diz ali:
"... trata-se de uma terminologia cun-
hada no final da década de 1980, em analo-
gia ao cyberpunk,, para descrever o sub-
gênero moderno cujos eventos de FC ocorr-
em sobre um background do século XIX."
Segundo Nicholls, o autor do verbete,
rezam as tradições que, embora os primeiros
trabalhos de proto-steampunk (!) tenham
sido produzidos por autores ingleses, o
steampunk em si é um fenômeno literário
típico da FC&F norte- americana. O sub-
gênero apresenta características de recor-
rência30, isto é, uma certa tendência dos
137/434

trabalhos mais recentes em revisitar os tem-


as e ambientes clássicos do gênero.
Ainda de acordo com Nicholls, os enredos
do subgênero se passam na Inglaterra, quase
sempre na Londres Vitoriana. A Inglaterra
retratada na maioria dos trabalhos teria pou-
ca correspondência com a nação que de fato
existiu no mundo real do século XIX,
inspirando-se antes em uma ou outra versão
fictícia, cuja gênese talvez remonte à crítica
social presente nos romances de Charles
Dickens.
A informação mais importante, contudo,
diz respeito aos trabalhos considerados como
steampunks que não podem ser enquadra-
dos como FC&F, e muito menos como H.A.
Dentre os principais títulos cinematográficos
estariam O Homem-Elefante (1980) e O
Jovem Sherlock Holmes (1985).
Na literatura de FC&F Nicholls classifica
como steampunks romances que, embora já
estejam se tornando clássicos31 dentro do
138/434

gênero, pouca ou nenhuma relação guardam


com as temáticas de H.A. Uma resposta
afirmativa à questão da leitora sobre a ex-
istência de steampunks fora do âmbito das
H.A.? Pelo menos, esta parece ser a opinião
oficial de Nicholls. E, como tal opinião
aparece expressa na Bíblia, talvez devamos
tomá-la como a Palavra do Senhor, não é?
Bom, como todo bom herege e icono-
clasta que se preza, permito-me vez por
outra discordar do Grande Pai Nicholls: para
mim, steampunk é um fenômeno exclusivo
da FC. E tanto Homunculus quanto Os Por-
tais de Anúbis estão muito mais para Fantas-
ia do que para FC.
No entanto, purismos e filigranas teóricas
à parte, nossa conversa aqui é sobre H.A.
Assim, vamos discutir agora os trabalhos de
steampunk que realmente contêm elementos
não só históricos, como também (e principal-
mente) alternativos.
139/434

Um dos trabalhos mais importantes do


subgênero steampunk, o parrudo romance
The Diference Engine (1991), foi escrito justa
e ironicamente pelos dois maiores ideólogos
do cyberpunk, William Gibson e Bruce
Sterling.
O título do romance é um trocadilho, pois
a máquina ãferenáal de Babbage foi de fato
projetada na NLT em 1822.
Contudo, não foi apenas a máquina difer-
encial que tornou o matemático e inventor
inglês Charles Babbage (1792-1871) famoso,
mas sim sua proposta de desenvolver um cal-
culador mecânico, que batizou de máquina
analítica (realmente, acho que The Analytic-
al Engine não daria um bom título...). Em-
bora esse segundo dispositivo jamais tenha
sido construído de fato32, e tenha sido conce-
bido como um aparelho decimal e não
binário, é considerado por muitos como uma
antecipação clara dos computadores digitais
modernos.
140/434

O ponto de divergência de The Diference


Engine é justamente o êxito na construção
da máquina analítica em meados da década
de 1820, possibilitando o emprego de com-
putadores digitais mecânicos movidos a va-
por já nos primórdios da Revolução
Industrial.
Graças ao advento das máquinas de Bab-
bage, a Revolução Industrial ocorreu num
ritmo acelerado, conduzindo a Europa em
geral e a Inglaterra em particular a re-
voluções sociais desconhecidas na primeira
metade do século passado em NLT. Cap-
itaneado por Lord Byron, o Partido Industri-
al Radical (Rads) assumiu o poder numa
Grã-Bretanha governada essencialmente por
uma meritocracia inspirada num iluminismo
científico (mas não social), onde os cientistas
e os sábios do império foram bem sucedidos
no empreendimento ousado de assumir o
poder político sem intermediários.
141/434

O romance se passa em Londres, no ano


de 1855, numa época de júbilo patriótico em
todo o Império Britânico, após uma vitória
militar fulminante contra os russos na
Guerra da Criméia33, cerca de um quarto de
século depois do início da Era dos Tumultos,
um período conturbado que culminou com o
assassínio do Primeiro-Ministro, o Duque de
Wellington, a conseqüente ruptura do antigo
regime aristocrático na Inglaterra e a as-
censão dos Rads ao poder.
Esse Império Britânico onipotente con-
seguiu realizar um sonho que o seu con-
gênere da NLT ousou acalentar, embora lhe
faltasse o ânimo necessário para concretizá-
lo: a fragmentação dos E.U.A. em vários
países distintos. Graças ao estímulo da Grã-
Bretanha, a Guerra de Secessão eclode cerca
de uma década mais cedo do que em NLT.
Ao contrário do que se deu em nosso mundo,
nessa LTA os ingleses não se furtaram em
apoiar os confederados. Os Estados do Sul
142/434

emergiram do conflito como nação inde-


pendente. Não satisfeito com o êxito dessa
intervenção, o Império Britânico influi na
decisão dos texanos de manterem sua
república34 fora da União e promove o es-
tabelecimento de uma nação soberana na
Califórnia. Mais curiosa ainda é a criação de
uma comuna de New York, onde os cidadãos
da Ilha de Manhattan aproveitam o caos re-
inante naquilo que restou dos antigos E.U.A.
para experimentarem um governo
autônomo, transformando- se numa espécie
de cidade-Estado moderna.
Não obstante essas divagações norte-
americanas, o romance se passa quase que
exclusivamente numa Londres Alternativa
imersa num século XIX ainda mais distópico
que o retratado nos romances de Charles
Dickens, no qual os autores parecem ter se
inspirado. Sob a ameaça do colapso ecológico
iminente, fruto de uma onda de poluição sem
precedentes, Londres é uma cidade de sonho
143/434

e pesadelo, centro nevrálgico a partir do qual


os Rads controlam os computadores que
controlam o império. Os cidadãos londrinos
portam cartões de identidade perfurados e
são designados por números; a polícia met-
ropolitana emprega computadores para
caçar criminosos.
Aparentemente, os autores gastaram o
melhor das suas criatividades na elaboração
desse background extremamente rico e com-
plexo. Porque a história em si é uma trama
de mistério convencional que, embora bem
escrita e dotada de um estilo erudito, não é lá
das mais interessantes. Um lote de cartões
de programação (Isto mesmo! Aqueles bons
e velhos cartões perfurados...) desaparece
das mãos de seus proprietários legítimos e
várias facções poderosas começam a mover
mundos e fundos para resgatá-los.
Os protagonistas são Sybil Gérard, a filha
pobre de um agitador Luddita; Edward Mal-
lory, um paleontólogo que se tornou famoso
144/434

com a descoberta de fósseis de Brontossaur-


us na América do Norte; e Laurence
Oliphant, um típico agente secreto ao serviço
de Sua Majestade (soa algo familiar, não é?).
A filha do Primeiro-Ministro, Ada Byron, ex-
erce dos bastidores (embora quase não
apareça em cena, é referida com freqüência
pelos demais personagens) o papel de gênio
científico de plantão, sendo conhecida pelo
grande público como Rainha dos
Computadores.
Um dos pontos altos do romance reside
em distingüir os personagens históricos dos
estritamente ficcionais e observar como a di-
vergência alterou as vidas dos primeiros.
Findo o romance em si, há uma série de
notas e apêndices históricos que atuam tanto
para emprestar ao trabalho uma espécie de
verossimilhança a posteriori, quanto para
mostrar que os autores fizeram o seu dever
de casa direitinho. Como se nós cá tivésse-
mos alguma dúvida!
145/434

O ponto menos plausível é a eficiência do


funcionamento dos tais computadores
mecânicos. Em termos de processamento de
informação essas máquinas analíticas de
Babbage parecem muito mais avançadas do
que os computadores digitais que nós pos-
suíamos na década de 1950. Um argumento
difícil de engolir quando nos lembramos que
as tais engenhocas (ao menos como Babbage
as concebeu) trabalhavam em base decimal e
não binária...
***
Outro romance de H.A. facilmente en-
quadrado como steampunk é Anti-Ice (1993)
de Stephen Baxter. O ponto de divergência
inicial é de caráter astronômico: por volta de
1720, a atração gravitacional da Terra cap-
tura um asteróide errante, que se torna o
nosso segundo satélite natural. O astro
recém-chegado é batizado de Pequena Lua.
Alguns fragmentos do asteróide caem na
Terra; constituindo o antigelo do título. O
146/434

antigelo é um supercondutor capaz de ex-


plodir liberando energia nuclear quando a
temperatura se eleva acima do seu ponto de
fusão. Graças ao monopólio da exploração de
jazidas de antigelo na Antártida (onde,
devido à baixa temperatura, o material pode
ser encontrado sob o estado sólido) e ao
desenvolvimento da técnica de extração con-
trolada da energia dessa substância, o Im-
pério Britânico transforma-se na grande su-
perpotência da segunda metade do século
XIX.
É claro que em NLT a Grã-Bretanha tam-
bém foi a grande potência da segunda met-
ade do século passado. Contudo, o domínio
exclusivo do antigelo, bem como o avanço
tecnológico proporcionado pela super-
abundância de energia barata, tornaram a
situação muito mais gritante.
O romance abre com um prólogo in-
teressante, situado cerca de vinte anos antes
da década de 1870, onde a ação realmente
147/434

decorre. Aqui, ao contrário de em The Difer-


ence Engine, os horrores da Guerra da
Criméia não são apenas aludidos en passant,
mas retratados em sua inteireza35. Para de-
cidir o conflito, o governo britânico faz ex-
plodir uma bomba de antigelo sobre Se-
bastopol, com um resultado tão drástico
quanto os dos bombardeios atômicos de
Hiroshima e Nagasaki em NLT.
A recorrência temática do romance pos-
sui um clima tipicamente verniano. Defen-
dido por um grande inventor, Sir Josiah
Traveller (que também é um dos protagonis-
tas), o controle do antigelo é um conceito
técnico revolucionário que traz em seu bojo
implicações de caráter econômico, político e
social... Ao longo do texto há alusões claras a
vários dos romances de Jules Verne, como
Vinte Mil Léguas Submarinas e Viagem ao
Redor da Lua. Baxter parece compartilhar
com Verne aquela falta de preocupação com
um maior desenvolvimento dos personagens.
148/434

Uma atitude mais típica, aliás, da literatura


de gênero do século passado. A dúvida aqui é
se trata-se de um recurso estilístico proposit-
al, ou de uma limitação inerente de Baxter
como autor.
A ação do romance se inicia em 1870, na
abertura de uma grande feira de ciências em
Manchester, a nova capital do Império
Britânico, instalada em pleno coração indus-
trial da Inglaterra. Lá o narrador — Ned Vi-
cars, um jovem diplomata inglês ingênuo,
não muito inteligente e dotado de uma visão
de mundo bastante limitada — trava o seu
primeiro contato não apenas com Traveller,
mas também com o chanceler prussiano Otto
von Bismarck, que também comparece ao
evento.
Além de Traveller, outros companheiros
de aventuras de Vicars são o jornalista e pat-
riota inglês George Holden e Pocket, o
fleumático mordomo do inventor. Boa parte
do romance decorre no interior do Phaetom,
149/434

a espaçonave experimental do inventor, ao


longo de uma viagem interplanetária não
planejada que culmina com o primeiro pouso
humano na Lua (mais ecos vernianos).
Como bom panaca que se preza, Vicars
tem um envolvimento platônico e unilateral
com uma astuta diplomata francesa. Mas a
jovem não é exatamente o que parece aos ol-
hos de nosso tolinho...
Uma séria intriga política funciona como
pano de fundo desse romance de aventuras.
Como em NLT, Bismarck provoca a França,
até que o imperador Napoleão III declara
guerra à Prússia. A superpotência britânica
se vê forçada a intervir no conflito,
empregando pela segunda vez a sua arma
mais terrível, a bomba de antigelo.
***
Também de Baxter, o recente romance
The Time Ships (1995) é outro steampunk da
mais fina estirpe. Desta vez, a recorrência
direta é feita ao próprio A Máquina do
150/434

Tempo de H.G. Wells, num trabalho que ab-


riga em seu bojo volumoso (empaperback o
romance possui exatas 520 páginas!) duas ou
três linhas históricas alternativas distintas.
Em primeiro lugar The Time Ships é a
melhor continuação escrita até hoje do clás-
sico de Wells. Todos os leitores de A Má-
quina do Tempo, ou mesmo aqueles que só
assistiram o filme homônimo, já se pergun-
taram em algum momento o que teria
acontecido ao Viajante Temporal após aquele
jantar com o grupo de amigos em que narrou
suas aventuras num futuro remoto habitado
por elóis e morlocks. O fato é que ele desa-
pareceu para sempre e os últimos que
tiveram contato com ele afirmaram que
parecia decidido a regressar para o futuro
longínquo. Bem, o que teria de fato aconte-
cido? Para onde o Viajante teria ido?
O romance de Baxter se propõe a respon-
der estas e outras perguntas, tarefa que
cumpre de forma bastante satisfatória. É
151/434

claro que o protagonista regressa ao futuro,


mas o fato de que algumas pessoas daquele
seu presente vitoriano tomaram conheci-
mento do futuro parece ter sido suficiente
para alterá-lo. O futuro descrito por Wells foi
impresso de maneira tão nítida no ima-
ginário popular que poderíamos ousar nos
referir à proposta de Baxter como sendo uma
espécie de futuro alte rnativo .
Não é necessário entrar em detalhes que
certamente estragariam o prazer da leitura
desse trabalho suigeneris que, segundo Bax-
ter, seria o romance que Wells teria escrito se
na época as teorias da relatividade e da física
quântica já fossem conhecidas. Basta dizer o
protagonista não encontra o futuro da forma
como havia deixado. Ao contrário, depara-se
com o Sistema Solar envolto numa esfera de
Dyson de várias camadas, separando a es-
pécie dominante dos seres humanos primit-
ivos (algo semelhantes aos reles espécimes
do século XX).
152/434

Fugindo desse futuro anômalo, o Viajante


acaba sendo levado para uma Inglaterra Al-
ternativa, onde os aliados travam uma
guerra mundial de quase meio século contra
o Império Alemão. Uma nação cujos cid-
adãos atemorizados usam máscaras contra
gás e habitam cidades revestidas por domos
impenetráveis de aço e concreto, numa LTA
onde os militares aliados e alemães guer-
reiam não apenas no presente, mas no pas-
sado e no futuro. Graças à máquina do
tempo original do Viajante, os cientistas
comprometidos com o esforço de guerra teri-
am aprendido como construir maciços veícu-
los temporais, numa alusão rápida a uma
outra obra de Wells, não traduzida em por-
tuguês, "The Land Ironclads" (1903), onde o
autor antecipa o emprego dos tanques nos
conflitos terrestres.
Algumas peripécias temporais mais
tarde, o Viajante e seu grupo (incluindo um
morlock intelectual extremamente cordato)
153/434

se tornam náufragos no Paleoceno, há cerca


de cinqüenta milhões de anos. Pouco a pouco
conseguem estabelecer o primeiro núcleo de
cultura humana. É claro que a existência de
um ponto de divergência representado pelo
advento precoce de uma cultura humana em
50.000.000 a.C. produz conseqüências
capazes de tornar o presente inteiramente ir-
reconhecível aos nossos heróis.
The Time Ships é um romance pesado,
com trechos difíceis de ler (Baxter não é lá o
que poderíamos considerar como um grande
estilista...), mas que indubitavelmente vale à
pena, ao menos para aqueles que apreciaram
o original de Wells, e sobretudo para os
leitores que se lamentaram por não saber
que fim teria levado o Viajante Temporal.
Trata-se de um romance de grandes idéias e
amplos conceitos filosóficos, e não uma mera
história de aventuras. Um trabalho capaz de
abrir os horizontes do leitor e imbuí-lo
daquele sense of wonder de que tanto se fala
154/434

e que muitos críticos consideram como o ele-


mento mais importante de uma obra de FC.
Uma espécie de bônus adicional é descobrir
afinal o nome de batismo do Viajante. O fato
é que Baxter conseguiu prestar uma bela
homenagem, feita com um agradável conhe-
cimento de causa, ao clássico seminal de
Wells. Uma obra que, mesmo centenária,
continua sendo, na opinião de muitos, o mel-
hor trabalho sobre viagens no tempo já
produzido no âmbito da FC.
PREFERÊNCIA NACIONAL
NORTE-AMERICANA

Publicado originalmente no MEGALON


32 (setembro 1994)

Quando a gente começa a estudar os tem-


as históricos alternativos, acaba mais cedo
ou mais tarde fazendo duas constatações
bem interessantes e dignas de nota.
A primeira é que existem acúmulos con-
sideráveis de trabalhos cujos pontos de
divergência situam-se em torno de certos
períodos históricos críticos. Dispondo de um
universo amostral com algo em torno de mil
e duzentos trabalhos de H.A., é possível
montar um gráfico de freqüências, onde a
abscissa será o eixo do tempo dado em anos,
156/434

e a ordenada o número de trabalhos. Repara-


mos facilmente nesse gráfico, a presença de
vários picos de ocorrência de pontos de di-
vergência em datas históricas bem determin-
adas. O ano da derrota da Invencível Armada
de Filipe II diante da esquadra inglesa
(1588) ou o período correspondente à Se-
gunda Guerra Mundial (1939-45), são dois
exemplos clássicos.
Em segundo lugar, paralelamente ao
acúmulo de pontos de divergência em datas
específicas, ocorre o fenômeno da chamada
preferência nacional . Autores britânicos, por
exemplo, adoram as LTA que se iniciam
tendo como ponto de divergência a vitória da
Armada Espanhola em 1588. Segundo o ar-
gumento, uma vitória da Espanha, a con-
seqüente invasão da Inglaterra e o estabele-
cimento de uma dinastia simpática ao catoli-
cismo, teria impedido a Reforma Protestante
e a Revolução Industrial até os dias de hoje.
157/434

Os autores franceses de H.A., menos con-


hecidos fora de suas próprias fronteiras, são
autênticos apaixonados pela possibilidade de
Napoleão ter vencido a batalha de Waterloo
em 1815 (ou mesmo antes) e estendido o
domínio da França Imperial por toda a
Europa. Vale à pena citar que o romance
mais antigo que hoje se aceita como sendo
H.A. foi escrito originalmente em francês36,
constituindo-se sobre um LTA onde Na-
poleão conquista primeiro a Europa e depois
o mundo, precisa dizer mais?
Pois é. E quanto aos autores norte-amer-
icanos? Bom, a grande preferência nos
E.U.A. é sem dúvida a Guerra de Secessão
ou, como eles chamam, a Guerra entre os
Estados, travada entre a União (Norte, man-
ufatureiro, industrializado e urbano) e a
Confederação(Sul, agrícola, rural, e escrav-
ista), de 1861 a 1865.
Obviamente, o filão principal dessa
temática é a hipótese da vitória confederada
158/434

e suas conseqüências. De alguns anos para


cá, um punhado de autores têm enveredado
por LTA que abordam a vitória da União,
que de fato se deu, ocorrendo em circunstân-
cias distintas das que encontramos em NLT.
É realmente incrível a quantidade de tra-
balhos existentes em torno dessa preferência
nacional. A maioria dos autores norte-amer-
icanos modernos já experimentou pelo
menos um enredo nessa temática clássica de
H.A. Nove dentre dez enredos históricos al-
ternativos escritos por anglo-saxões e cujos
pontos de divergência situam-se entre, di-
gamos, 1820 e 1870, abordam de uma
maneira ou de outra os resultados de uma
Guerra de Secessão Alternativa.
Um dos primeiros trabalhos a apresentar
a vitória sulista na Guerra de Secessão foi es-
crito em 1931, não por um escritor de FC,
mas sim por um político. Ninguém menos
que Sir Winston Churchill, primeiro-minis-
tro britânico durante a Segunda Guerra
159/434

Mundial. Na verdade, "If Lee Had Not Won


the Battle of Gettysburg" tem muito mais de
ensaio que de obra de ficção. Supostamente
escrito numa LTA, o ensaio advoga que a
vitória hipotética do Norte na Guerra de Se-
cessão teria impedido a formação de uma
Commonwealth mundial capitaneada pela
Grã-Bretanha, pelos Estados Unidos e pela
Confederação. Embora esse trabalho, até
mesmo em função do pioneirismo e da fama
de seu autor, costume atrair o interesse de
estudiosos e diletantes, seu argumento não é
lá dos mais convincentes.
Bem menos sério, embora mais contun-
dente que o ensaio de Churchill, é o conto de
James Morrow, "Abe Lincoln in McDonald's"
(1989). O presidente dos EUA teria con-
cordado em assinar o Tratado de Seward
com o presidente confederado Jefferson
Davis, reconhecendo a independência dos
Estados Confederados da América. O acordo
entre o Norte e o Sul propiciaria a
160/434

perpetuação das práticas escravistas em am-


bas as nações até o início do século XXI.
Pouco plausível, mas divertido e algo válido
como crítica social. Em NLT, consta que esse
tratado esteve de fato sobre a mesa do gabin-
ete de Lincoln. Se o Exército do Norte da Vir-
gínia (confederado) houvesse conquistado
uma vitória expressiva sobre as forças fede-
rais na Batalha de Gettysburg, é bastante
provável que o Sul obtivesse o tão ansiado
apoio do Império Britânico e Lincoln se visse
forçado a assinar o tratado, pondo fim ao
conflito.
O ponto de divergência de The Difference
Engine (1991), massivo romance conjunto de
William Gibson e Bruce Sterling, é o êxito na
execução do projeto de Babbage da máquina
analítica. Em conseqüência, a Grã-Bretanha
passa a contar com computadores digitais
mecânicos já nos primórdios de sua re-
volução industrial. Os autores informam en
passant que, décadas mais tarde, esse
161/434

Império Britânico superpoderoso não só ter-


ia apoiado a independência do Sul após a
vitória na Guerra de Secessão, como ainda
teria conseguido fragmentar os EUA em vári-
os outros países, como as repúblicas da Cali-
fórnia e do Texas, e a comuna de New
York.37
Ambos os grandes romances que tratam
de alternativas para a Guerra de Secessão
versam sobre a vitória sulista e a formação
dos Estados Confederados da América.
O primeiro é um autêntico clássico do
subgênero, sempre citado quando os estu-
diosos relacionam os melhores trabalhos de
H. A. já escritos: Bring the Jubilee (1953), de
Ward Moore. Já o segundo, publicado quase
quarenta anos mais tarde, em 1992, é um
candidato seríssimo ao posto de novo clás-
sico de H.A. Trata-se do excelente The Guns
of the South, de Harry Turtledove, o mod-
erno Papa dos enredos históricos
alternativos.
162/434

Lançado em Portugal sob o título E o


Tempo Tudo Levou.., Bring the Jubilee é o
relato pungente da decadência econômica e
da estagnação social dos EUA, após a derrota
na Guerra de Secessão. Os exércitos confed-
erados teriam vencido a Batalha de Gettys-
burg e levado o conflito até a capital da Un-
ião. Uma vez independentes, os Estados
Confederados teriam conquistado gradual-
mente toda a América Latina, até a
Patagônia. Trata-se de um romance de
presente alternativo , no sentido em que a
história se passa na época em que foi escrita.
Moore coloca o foco narrativo sobre um
jovem camponês autodidata dos EUA, que
através de seu esforço pessoal acaba se trans-
formando em historiador especializado na
Guerra de Independência do Sul. Trata-se de
um romance extremamente bem escrito, com
personagens e enredo muito bem delineados,
uma obra que realmente merece constar no
163/434

hall of fame de qualquer biblioteca de enre-


dos históricos alternativos.
Ao contrário de Bring the Jubilee, The
Guns of the South é um romance de passado
alternativo , cuja trama se passa em 1864
(último ano da guerra, nessa LTA) e nos três
ou quatro anos seguintes. Após a derrota
confederada em Gettysburg, o exército do
general Lee recebe um fornecimento de 100
mil fuzis-metralhadora AK-47 de rebeldes
racistas de uma África do Sul do século XXI.
Depois de vitórias retumbantes sobre as tro-
pas federais comandadas pelo general Grant,
incluindo inclusive a ocupação militar de
Washington, os
sulistas começam a se dedicar à estrutur-
ação definitiva do novo país, o que, dentre
outras coisas, significava lidar com as
exigências de cunho racista dos afrikanders.
A reconstituição histórica de Turtledove é
bastante convincente, sua narrativa é fluente
e os seus personagens possuem uma
164/434

consistência extrema. Plenamente engajado


nas lutas contra a discriminação racial, e
confessadamente baseado num projeto-de-
lei (não aprovado) proposto por abolicionis-
tas durante o Segundo Reinado Brasileiro, o
autor elabora um cenário bastante plausível
para a libertação gradual dos escravos da
nova república. O foco narrativo se alterna,
sendo ora colocado sobre o General Robert
E. Lee, no início o comandante-em-chefe dos
Exércitos da Confederação e mais tarde can-
didato a presidência dos E.C.A., e ora sobre
um sargento servindo no Exército do Norte
da Virgínia que, com o término do conflito,
tenta retomar a atividade de mestre-escola
em sua cidadezinha natal.
Se muitos escritores propuseram a vitória
sulista, outros publicaram H.A. onde, como
em NLT, a União teria vencido, porém sob
circunstâncias diferentes das que apren-
demos na escola.
165/434

Na noveleta "Custer's Last Jump" (1976),


Steven Utley e Howard Waldrop propuseram
como ponto de divergência a invenção do
avião circa 1750. Tanto os E.U.A. quanto a
Confederação empregaram caças para apoiar
as unidades de superfície e bombardeiros
para destruir vastas áreas das cidades inimi-
gas. Em conseqüência desses avanços da aer-
onáutica militar, a guerra acaba se pro-
longando mais que em NLT. Numa atitude
de desespero, a Força Aérea Confederada
treina pilotos de caça sioux, em troca de
campos de pouso nos solos das reservas indí-
genas desse povo. Após o término da guerra,
esses sioux conseguem empregar alguns dos
caças confederados contra os dirigíveis-de-
combate do general pára-quedista George
Armstrong Custer, em Little Big Horn. O
título do trabalho praticamente já conta o fi-
nal. Mas o curioso é que a noveleta foi escrita
sob a forma de um artigo histórico, com
referências e tudo (metade dessas
166/434

referências é real e a outra inventada). Ao


contrário do que se possa imaginar em
princípio, longe de tornar o trabalho
maçante, o artifício da roupagem não-fic-
cional até concedeu um charme especial à
essa noveleta, que foi finalista ao Nebula.
Custer também é coadjuvante na novela
"No Spot of Ground" (1989), de Walter Jon
Williams. Aqui, embora a vitória final da Un-
ião pareça mais do que certa, o amargo e
taciturno general-de-brigada confederado
Edgar Alan Poe ainda consegue a proeza de
impedir no último instante a tomada Rich-
mond, a capital rebelde, pelas tropas do gen-
eral Custer. Williams obtém êxito consider-
ável na proeza de fazer Poe soar verossímil
como general confederado. Os apreciadores
do autor da saborosa coletânea Histórias
Extraordinárias reconhecerão o tom de
Poe nesse amargurado CSA brigadier
general.
167/434

Na noveleta "Mules in Horses' Harness"


(1989), Michael Cassutt apresenta um
cenário sui generis: Lincoln foi assassinado
em 1863, bem no meio da Guerra de Se-
cessão. Encolerizados, os políticos da União
determinaram que o Sul fosse tratado a ferro
e fogo, como uma nação estrangeira
derrotada numa guerra externa. Aos estados
sulistas é concedida a independência, mas
somente depois de sofrerem uma ocupação
militar por cerca de 40 anos. Nos dias de ho-
je, a Confederação é uma espécie de Japão
Americano — uma grande potência econôm-
ica desprovida de poderio militar — graças à
liderança mundial na área de computadores
diferenciais (analógicos, e não digitais como
em NLT). Mas todo esse background é mero
pretexto para uma história que, em si, talvez
seja before the Golden Age demais para os
gostos sofisticados de muitos leitores.
Em algumas H.A., a União vence como
em NLT. Já em outros, o Sul derrota as
168/434

tropas federais e conquista sua independên-


cia. Existe, no entanto, uma terceira categor-
ia de enredos alternativos, onde a Guerra de
Secessão simplesmente não se dá.
Um caso claramente patológico é o do
físico negro na noveleta de Alec George
Effinger, "Tudo Menos a Honra" (1989),
publicada no Brasil pela finada Isaac Asimov
Magazine. Como já se tornou clichê nesses
casos, as boas intenções do cientista saem
pela culatra, quando ele altera o passado,
transformando a Insurreição Confederada da
sua LTA na nossa velha e boa Guerra de Se-
cessão. O efeito colateral acaba matando o
doente: não há mais um Império Germânico
exercendo um domínio benévolo sobre a
Europa, eclodem as nossas duas guerras
mundiais, os nazistas capturam o nosso her-
ói e...
Nada tão drástico assim ocorre na novel-
eta de Poul Anderson, "When Free Men Shall
Stand" (1991), onde a Guerra de Secessão é
169/434

substituída por um conflito entre norte-


americanos e franceses. Calma, eu explico. O
ponto de divergência situa-se em 1798, justo
na vitória das forças napoleônicas na batalha
naval de Cape Trafalgar (vencida em NLT
pelo Esquadra Britânica sob o comando de
Lord Nelson), que torna o Império Francês
absoluto na Europa e, anos mais tarde, na
América. A jovem república norte-americana
se vê subitamente cercada por um mundo
francês hostil: o Canadá ao norte, o México
ao sul e a Louisiana a sudoeste. Os anos se
passam e, mais ou menos na época da nossa
Guerra de Secessão, desenrola-se a Segunda
Guerra Franco-Americana. O general sulista
Sam Houston captura a cidade de New Or-
leans, mas aguarda com preocupação a
chegada do exército francês que tentará
libertar essa importante cidade portuária. O
que ocorre então é o conflito de duas con-
cepções antagônicas de guerra moderna. A
honra, bravura e experiência das hostes
170/434

francesas; o espírito napoleónico ainda vivo


depois de meio século, enfrentando as téc-
nicas e a eficiência de uma nação industrial-
izada, capaz de praticar as artes da guerra
tecnológica, por assim dizer. Um estilo de
fazer guerra que vimos pela primeira vez in-
troduzido em NLT na última fase da Guerra
de Secessão, quando o General Ulysses Grant
assumiu o comando geral dos Exércitos da
União.
Segundo a última contagem do catálogo
Alternate History List38, existem cerca de 60
trabalhos de H.A. versando direta ou in-
diretamente sobre a Guerra de Secessão.
Trabalhos de qualidades, dimensões e abord-
agens diversas, com uma coisa em comum:
foram escritos por autores norte- amer-
icanos. Isto é o que se pode chamar de
preferência nacional.
Enquanto isso, aqui no Brasil, ao menos
em termos de H.A., ainda não definimos
nossa preferência nacional... Para falar a
171/434

verdade, ainda nem temos tradição de escre-


ver FC&F com LTA. Bom, quem sabe já não
chegou a hora de começarmos a mudar isto.
UMA HISTÓRIA SERTANEJA
ALTERNATIVA

Publicado originalmente no
MEGALON 29 (fevereiro 1994)

José J. Veiga é considerado por muitos


como o maior fantasista brasileiro da atual-
idade. Desde o final da década de 1950 seus
trabalhos vêm sendo publicados sob a forma
de romances e coletâneas de contos. Seus
textos abordam por vezes temáticas próxim-
as às tipicamente encontradas em trabalhos
convencionais de FC&F. A narrativa, con-
tudo, é sempre conduzida num tom proposit-
ada e decididamente interiorano, e muitas
vezes com uma mensagem edificante e uma
crítica social implícita no contexto.
Em 1989, Veiga lançou o romance A
Casca da Serpente pela Bertrand Brasil. Não
173/434

é um trabalho de FC&F. Pelo menos, não se


encaixa dentro da concepção ortodoxa que a
maioria mantém em relação ao nosso gênero
literário. Curiosamente, trata-se de um texto
com fortes elementos de história alternativa.
O ponto de divergência é a sobrevivência
de Antônio Conselheiro, líder do levante de
Canudos, no início da República, nos últimos
anos do século XIX. Em NLT, Conselheiro
tombou quando as tropas federais con-
seguiram finalmente vencer os revoltosos e
destruir o vilarejo de Canudos.
Em NLT, Antônio Vicente Mendes Ma-
ciel, mais conhecido como Antônio
Conselheiro, converteu-se em beato (para os
sertões da época um misto de sacerdote e
líder de jagunços) depois de haver exercido
várias profissões. No início de sua vida ascét-
ica vagou pelo sertão, até se fixar em Ca-
nudos, no sertão do norte da Bahia, às mar-
gens do Rio Vaza-Barris (um nome em si já
com uma certa evocação à la José J. Veiga).
174/434

A pregação de Conselheiro atraiu a popu-


lação sertaneja ao recém-fandado Arraial dos
Canudos. Em seus tempos áureos, o vilarejo
chegou a possuir de 20 mil a 30 mil habit-
antes. A influência crescente de Conselheiro
nos sertões incomodou o governador da
Bahia, que ao menor pretexto enviou tropas
contra Canudos. Com a derrota das forças
baianas, o governador solicitou auxílio das
tropas federais. Duas expedições do exército,
ambas municiadas com canhões e metral-
hadoras, foram igualmente derrotadas. Essa
sucessão de fracassos provocou uma onda de
protestos no Rio de Janeiro.
Com o governo republicano estabelecido
há menos de uma década, os políticos e os
militares da capital viram em Canudos a in-
fluência oculta dos interesses monarquistas,
fantasia estimulada pelo fato de Conselheiro
pregar a volta da Monarquia (mais por
motivos religiosos do que políticos). Final-
mente, uma expedição sob o comando do
175/434

general Arthur Oscar, constituída de 8 mil


soldados e dotada de equipamento moderno,
arrasou o Arraial de Canudos em agosto de
1897, após um mês e meio de combates.
Os defensores que não tombaram em
batalha foram degolados pelas tropas
federais...
Na LTA proposta por Veiga, o velho líder
teria conseguido escapar com alguns de seus
seguidores mais fiéis. Depois de algum
tempo, conseguem erigir uma nova
comunidade numa serra íngreme dos sertões
do norte da Bahia.
O caminho escolhido por Veiga é aquele
que costumamos designar história de herói
alternativo. Essa subvertente pouco ex-
plorada dos enredos históricos alternativos
caracteriza-se por dois aspectos principais:
a) são histórias de passado alternativo onde
maior parte da ação transcorre na vizinhança
espaçotemporal do ponto de divergência pro-
priamente dito; e b) esse ponto de
176/434

divergência encontra-se quase sempre asso-


ciado à sobrevivência de um personagem
histórico, ou a alguma decisão fulcral que
esse personagem teria tomado.
Na literatura de FC&F existem alguns
bons exemplos de histórias de heróis altern-
ativos. No conto "Departures" de Harry
Turtledove, Maomé se converte à fé cristã e o
islamismo jamais é fundado. Já em "Ronces-
valles" de Judith Tarr, o Islã leva a melhor,
quando Carlos Magno decide converter-se ao
credo muçulmano, quando descobre que a
retaguarda de seus exércitos fora atacada nos
Pirineus não pelos mouros, mas sim por
mercenários cristãos a soldo de Bizâncio.
Ignoro se Veiga é ou não um conhecedor
das tradições literárias do subgênero. Mas o
fato é que ele inicia sua narrativa com a fuga
de Antônio Conselheiro nos últimos dias de
Canudos. Boa parte do romance se dedica
aos acontecimentos que teriam se dado nos
primeiros dias após essa fuga.
177/434

Ao longo de uns poucos meses, Consel-


heiro consegue erigir uma nova comunidade,
segundo ele, Canudos passado a limpo. Em
paralelo à luta dos sertanejos para construir
uma nova utopia, o autor vai gradativamente
descaracterizando o velho líder religioso. É
um fato concreto que a proximidade da
morte tem o poder de modificar a maneira
de ser de uma pessoa. Mas a mudança que
Veiga propõe de Antônio Conselheiro para
Tio Antônio é radical demais para que a ju-
lguemos verossímil. Do líder carismático e
autoritário, de uma religiosidade beirando o
fanatismo, e incapaz de discutir suas de-
cisões com os subordinados, o velho Antônio
torna-se da noite para o dia um democrata
convicto, imbuído de fortes tendências anár-
quicas. Abandona o hábito religioso em favor
das vestimentas civis. Raspa a longa barba e
tosa a vasta cabeleira. Torna-se mais aberto,
às opiniões alheias. Um homem inteiramente
novo: pragmático e bem pouco preocupado
178/434

com rezas e questiúnculas religiosas. O título


do romance é a maior prova de que o autor
está consciente da mudança abrupta que
provoca na personalidade de Antônio
Conselheiro.
A nova comunidade cresce, à medida que
recebe a adesão de sertanejos e retirantes, at-
raídos como moscas pela fama do ex-beato.
Mas, a essa notoriedade acaba se sobrepondo
àquela da formação social perdida nos con-
fins do sertão. Um vilarejo sem líderes autor-
itários, onde o mais humilde dos trabal-
hadores poderia expressar verbalmente suas
idéias e preocupações sem medo durante as
reuniões comunais. Humanistas e homens
de ciência se sentem naturalmente atraídos
para aquela comunidade sui generis, e
acabam travando contato com o novo
Antônio Conselheiro, um líder laico, prag-
mático e democrata.
A narrativa só se aproxima do presente
alternativo nas últimas duas páginas, nos
179/434

quatro últimos parágrafos. O leitor é então


sucintamente informado que a Concorrênàa
de Itatimundé, o vilarejo fundado pelos
sobreviventes dos Canudos, teria perdurado
por cerca de setenta anos, servindo como
modelo para muitos outras comunidades
semelhantes, criadas em vários países, nas
mesmas bases de cooperação e igualdade.
Finalmente, o autor acrescenta que essa
comunidade original teria sido varrida do
mapa em 1965 (Pelos militares vitoriosos no
golpe do ano anterior? Veiga deixa a questão
em aberto). Os solos onde a Concorrência
teria existido por quase três quartos de
século foram transformados num depósito
de lixo atômico, administrado por uma in-
dústria química multinacional.
2a GUERRA MUNDIAL -
ENREDOS CLÁSSICOS

Publicado originalmente no MEGALON


36 (julho 1995)

No ensaio sobre as Guerras de Secessão


Alternativas, falamos de certos temas clássi-
cos do subgênero, as chamadas preferências
nacionais . Dissemos também que os autores
americanos, franceses e ingleses possuem
suas obsessões nacionais, por assim dizer.
Pois bem. Ao largo dessas recorrências
nacionais existe uma outra tendência
fortíssima, claramente visível a qualquer
estudioso das H.A., as temáticas universais .
181/434

As duas temáticas universais mais


badaladas são as que exploram as altern-
ativas históricas sobre o Mundo Romano e
sobre a Segunda Guerra Mundial.
Enquanto a História de Roma é um pro-
cesso que se estendeu por mais de um
milênio39, a Segunda Guerra Mundial foi um
fenômeno histórico essencialmente restrito,
que cabe inteiro dentro de uma década,
desde que tomemos o cuidado de excluir a
análise de suas causas e conseqüências.
Isoladamente, a Segunda Guerra Mundial
foi o assunto que gerou mais enredos de H.A.
O presente ensaio abordará apenas os trabal-
hos clássicos, definidos ad hoc como aqueles
escritos antes desta década40. Não se fará
aqui uma análise exaustiva dessa sub-
vertente, abordando-se somente alguns dos
trabalhos mais significativos.
Um dos primeiros trabalhos desta sub-
sub-vertente foi "Two Dooms" (1958) de
Cyril M. Kornbluth escrito treze anos após o
182/434

término da Segunda Guerra. Nesta história


um funcionário do Centro de Pesquisa de
Los Alamos tem um vislumbre de um mundo
onde os E.U.A. não desenvolveram a bomba
atômica e as potências do Eixo venceram a
guerra, repartindo a América do Norte entre
si. A H.A. em si passa-se apenas na cabeça do
protagonista.
Quatro anos mais tarde, Philip K. Dick
nos brinda com uma outra visão da América
segmentada por vencedores de uma Segunda
Guerra Alternativa, no magnífico romance O
Homem do Castelo Alto (1962). O trabalho
conquistou o Hugo no ano seguinte, e foi
publicado por aqui pela Brasiliense. O ponto
de divergência é o assassínio do presidente
Franklin D. Roosevelt em 1933. Sem
Roosevelt, os E.U.A. mantêm a postura
isolacionista ao longo de todas a década de
1930, só participando do esforço-de-guerra
aliado após o ataque japonês a Pearl Harbor,
época em que a Inglaterra e a U.R.S.S. já
183/434

haviam sido praticamente derrotadas pelas


forças do Terceiro Reich. Uma guerra em
dois oceanos, que a América travou sozinha.
Os americanos demoraram tanto a ingressar
no conflito que, quando o fizeram, já não
havia mais esperanças de vitória.
A Costa Oeste até as Montanhas Rocho-
sas foi ocupada pelo Japão; a Costa Leste até
o Mississipi pelo Terceiro Reich; existindo
ainda uma República das Rochosas, nomin-
almente independente e que atuava como
uma espécie de Estado-tampão entre os ter-
ritórios ocupados pelas duas potências
vencedoras.
O romance trata basicamente das re-
lações entre os americanos e os seus gov-
ernantes nipônicos. Embora os japoneses se-
jam retratados com uma certa simpatia, o
mesmo não se dá com os nazistas. Na tal
República das Rochosas há um autor de FC
que escreve sua própria Segunda Guerra
Mundial Alternativa, passada num mundo
184/434

que não é o nosso, mas no qual os Aliados


venceram o conflito. Em meio a uma trama
movimentada, os protagonistas desvendam
uma verdade fundamental com o auxílio do I
Ching: o mundo real não é o do romance de
Dick, mas sim o descrito pelo autor de FC
dessa LTA, o mundo da vitória aliada.
Dezesseis anos depois do marco lançado
por Dick com O Homem do Castelo Alto, Len
Deighton consegue fugir à mesmice que
começava a dominar a subtemática com o ro-
mance SS-GB (1978), publicado aqui pela
Civilização Brasileira. A história se passa em
1941 numa Londres ocupada pelos nazistas,
depois da vitória alemã na Batalha da
Inglaterra um ano antes e da posterior ocu-
pação do país pelos exércitos do Reich.
Trata-se na verdade de um romance policial
de narrativa econômica, realizada em tom
severo e algo sombrio, mas bem ambientado
como H.A. Um detetive da Scotland Yard
viúvo tenta educar o filho numa Londres
185/434

ocupada enquanto investiga um crime de


homicídio. Ao longo da investigação, acaba
tropeçando em colaboracionistas; tramas &
dramas da Resistência Inglesa, num complô
pelo domínio da energia atômica, e numa op-
eração paramilitar de desembarque ar-
quitetada pelos U.S. Marine Corps.
No ano seguinte, Philip José Farmer pub-
licaria o romance Two Hawks from Earth
(1979), lançado em português na Coleção Ar-
gonauta sob o título enganoso de Universos
Paralelos. Esse trabalho já foi analisado num
ensaio anterior41, mas de outro ponto de
vista. O que nos interessa agora são as difer-
entes Segundas Guerras Mundiais de três
linhas temporais diversas. O protagonista é o
Two Hawks do título original, um oficial
ameríndio da U.S.A.F. que pilota um caça
durante a Segunda Guerra. Inadvertida-
mente vai parar numa LTA onde o contin-
ente americano não existe.
186/434

Embora a América não exista, a Europa


continua em guerra. Um conflito que opõe
um Estado germânico profundamente auto-
crático (qualquer coincidência com a NLT é
mera semelhança...) e uma confederação de
nações indígenas que, em nossa Terra seriam
ditas ameríndias. Não tendo migrado para a
América, as diferentes tribos pele-vermelhas
colonizaram a Europa Oriental, ocupando o
espaço geográfico e o papel histórico que as
nações eslavas desempenharam em NLT.
Aterrissando em pleno Estado germânico,
Two Hawks é imediatamente tomado por es-
pião. Mais tarde, defronta-se com um piloto
alemão de uma outra LTA, onde o nazismo
não existia e a Segunda Guerra era travada
entre os Aliados e o Império Alemão do
Kaiser Wilhelm III.
Em 1987 David Brin conseguiu uma in-
dicação para o Hugo com a noveleta de
fantasia científica "Thor Meets Captain
America" publicada no ano anterior. No ano
187/434

de 1944, às vésperas de perder a guerra, um


grupo de místicos alemães patrocinados pelo
Reich conjura os deuses do panteão nórdico.
Assim, Odin, Thor, Balder e outros, passam a
lutar ao lado dos nazistas, conseguindo dessa
forma equilibrar a situação e prolongando o
conflito até a década de 1980. Na época em
que a história se passa, embora os amer-
icanos possuam aviões, submarinos e
tanques mais modernos; satélites artificiais e
artefatos nucleares, mal conseguem evitar a
derrota diante do poder dos deuses. Um cap-
itão do exército norte-americano é enviado
para desempenhar atrás das linhas inimigas
uma missão secreta arquitetada por nada
mais nada menos do que Loki, o deus do
Mal, meio-irmão e arqui- rival de Thor, a ún-
ica entidade nórdica disposta a auxiliar os
Aliados. Embora divertida e interessante, a
noveleta transmite uma mensagem
extremamente pró-americana, como se os
Aliados fossem autênticos santos e os
188/434

nazistas o próprio Diabo encarnado.


Pensando bem, não há nada de novo na atit-
ude de Brin (aliás, um de meus autores fa-
voritos): ao longo dos séculos a história tem
sido sempre escrita pelos vencedores. Ou,
como diria Breno o Gaulês: "Vae wctis!"42
A noveleta "The Last Article" (1987) de
Harry Turtledove se passa num ponto inde-
terminado da década de 1950, numa Índia
recém-ocupada por um Terceiro Reich enfim
vitorioso na Guerra da Europa. Depois de
ocupar militarmente tanto a Inglaterra
quanto a União Soviética, os exércitos nazis-
tas finalmente encontram tempo para se
dedicar às antigas colônias britânicas na
Ásia. Mas Turtledove não quer falar sobre
uma Segunda Guerra Mundial Alternativa
per si. O seu interesse é mostrar o que
aconteceria se um regime autoritário in-
spirado na doutrina expressa em Mein
Kampf se defrontasse com as técnicas de res-
istência passiva e os princípios de não-
189/434

violência propugnados por Mahatma


Gandhi, e que obtiveram um êxito relativo na
época do domínio britânico.
Dean R. Koontz publicou em 1988 o ro-
mance The Lighting, lançado no Brasil pela
Record como O Guardião. O conteúdo de
H.A. é bastante breve e só se torna explícito
ao final do trabalho. A história é sui generis
no sentido de mostrar um viajante temporal
proveniente não do futuro, mas do passado.
Mais especificamente, dos estertores da Ale-
manha Nazista de 1944. Apaixonado por
uma escritora americana, o viajante tempor-
al se transforma numa espécie de anjo-da-
guarda da jovem e, inadvertidamente, altera
a história tal como ele a conhecia (ou seja,
uma LTA onde os E.U.A. e a Grã- Bretanha
atacaram a U.R.S.S., logo após a vitória sobre
a Alemanha Nazista) transformando a sua
LTA na NLT.
A noveleta "Loose Cannon" (1989) de
Susan Schwarz talvez só possa ser apreciada
190/434

em sua inteireza pelo leitor de FC&F que


também seja amante dos temas históricos. É
um trabalho bem escrito que serviu para
mostrar que Schwarz conhece como poucos
autores os meandros da história ocidental do
século XX. Como não poderia deixar de ser,
recebeu uma indicação para o Nebula no ano
seguinte. Trata-se do papel que T.E.
Lawrence (isto mesmo: o Lawrence das Ará-
bias!) teria na Segunda Guerra, caso não
houvesse morrido num acidente de moto-
cicleta em 1935. Cinco anos mais tarde, em
plena Segunda Guerra, Churchill convence
Lawrence a regressar à África do Norte com
a missão de persuadir Rommel, o melhor e
mais íntegro dos generais alemães, a aban-
donar a causa nazista. Como trunfo,
Lawrence leva consigo provas da existência
dos campos de extermínio de judeus.
A ficção curta em torno das H.A. sobre a
Segunda Guerra Mundial são figura tão
comum no mercado de FC&F anglo-saxão
191/434

que o assunto mereceu a sua antologia


temática própria em 1986: Hitler Victorious,
organizada por Gregory Benford & Martin H.
Greenberg. Dentre os onze trabalhos sobre a
vitória nazista na Segunda Guerra Mundial,
destaca-se a noveleta "Moon of Ice", de Brad
Lineweaver, publicada originalmente na
Ama%ing Stories de março de 1982 e repub-
licada na antologia. Segundo Gregory Ben-
ford, trata- se da melhor H.A. sobre a Se-
gunda Guerra que ele já leu, o que em si não
é pouca coisa... Quem sabe algum editor
brasileiro ou lusitano não se anima e decide
lançar esse livro pela primeira vez em nosso
idioma?
E, por falar em se animar e tomar uma at-
itude, o que dizer dos autores de FC&F
brasileiros? Embora o Brasil tenha parti-
cipado da Segunda Guerra Mundial através
do envio da Força Expedicionária ao teatro
de operações italiano, (ainda) não temos tra-
balhos sobre Segundas Guerras
192/434
43
Alternativas . Quem sabe, não é hora de
mudarmos este quadro?
SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

ENREDOS ATUAIS Publicado original-


mente no MEGALON 39 (fevereiro 1996)

A quantidade de trabalhos de Segunda


Guerra Alternativa publicados nesta década
é testemunho notável de que, longe de estar
esgotado, esse filão do subgênero das H.A.
continua produzindo muito cascalho e, de
vez em quando, uma ou outra gema preciosa.
Podemos aplicar aqui (como a quase tudo na
vida) a 1a Lei de Sturgeon44. Deixemos, en-
tão, à medida do possível, o cascalho de lado,
e tentemos nos dedicar apenas às pepitas de
ouro e às pedras preciosas.
Logo no início da década, em 1991, Fran-
cis M. Busby publicou o conto "Tundra
194/434

Moss". Se Dick havia proposto o assassínio


de Roosevelt em 1933, em O Homem do
Castelo Alto, Busby é mais modesto: depois
de sofrer apenas um pequeno derrame ao fi-
nal de 1941, o presidente não conseguiu resi-
stir às pressões, do Congresso e da opinião
pública, para que todo o esforço-de- guerra
americano se concentrasse primeiro na
Guerra do Pacífico. Assim, enquanto ingleses
e russos enfrentam os nazistas na Europa, as
forças americanas se dedicam exclusiva-
mente à contenção da ameaça representada
pelo Império Nipônico no outro hemisfério.
Partindo deste cenário inicial de H.A., a
trama se revela apenas um thrilkr de guerra
no Ártico. Uma equipe de sabotadores ja-
poneses desembarca em Amchitka com a
missão de obliterar o sistema de comu-
nicação estratégica do Alto-Comando norte-
americano para o Pacífico Norte. Isto ocorre
ao mesmo tempo que as ordens para uma
ofensiva crucial estão sendo transmitidas,
195/434

justamente pelos cabos que os americanos


consideravam imunes à ação inimiga.
No mesmo ano, Allen Steele publica na
Isaac AsimovMagazine americana o conto
"Goddard's People", uma espécie de hom-
enagem a Robert Goddard, o pioneiro na
fabricação e lançamento de foguetes espaci-
ais; um homem que, até a época de sua
morte, era mais respeitado no exterior do
que em sua terra natal.
Em NLT, alertado por Albert Einstein
para o fato de que a Alemanha Nazista estar-
ia desenvolvendo a bomba atômica, o presid-
ente Roosevelt teria dado os primeiros pas-
sos no sentido de criar o Projeto Manhattan,
que possibilitou o fabrico das bombas amer-
icanas e o término da Guerra do Pacífico sem
a necessidade de realizar a invasão do ar-
quipélago nipônico, uma tarefa militar que
se revelaria sem dúvida árdua e custosa em
termos de vidas humanas e recursos
materiais.
196/434

Em "Goddard's People", alertados para o


fato de que uma equipe de cientistas alemães
estaria desenvolvendo um foguete
transatlântico, o governo dos E.U.A. decide
iniciar um programa-relâmpago sob o
comando de Goddard para lançar o seu
próprio foguete. A corrida espacial, por as-
sim dizer, se dá contra os nazistas, e não con-
tra os soviéticos. Em conseqüência desse es-
forço, a primeira missão humana tripulada
pousa em Marte em 1976.
Harry Turtledove propôs um cenário sui
generis no conto "Ready for the Fatherland"
(1991). Não há vitória, tampouco derrota di-
ante de Hitler, mas apenas um empate téc-
nico. Durante uma visita ao front russo, em
19 de fevereiro de 1943, insatisfeito com os
resultados da campanha de Leningrado,
Hitler ofende um de seus generais com o pior
insulto possível a um nazista: 'Judeu!" O ofi-
cial perde a cabeça e assassina o Führer com
três disparos de sua Luger. O Alto Comando
197/434

nazista assume o governo do Reich e assina


um tratado de paz com os soviéticos, numa
época em que a Alemanha ainda dispunha de
alguns trunfos na manga. Meses mais tarde,
a paz é estabelecida também com os E.U.A. e
a Inglaterra. Como resultado da interrupção
precoce da Segunda Guerra, o mundo geo-
político de hoje se divide em três forças mu-
tuamente antagônicas: as potências ociden-
tais; a U.R.S.S. e seus vassalos comunistas e
os Estados fascistas do Eixo, liderados pela
Alemanha Nazista e a Itália dos herdeiros de
Benito Mussolini.
Nesse cenário fascinante, dois agentes
britânicos disfarçados de pescadores itali-
anos fazem contato em 1979 com um guerril-
heiro sérvio, cuja facção pretende receber
armas ocidentais para continuar a luta ar-
mada contra o governo fascista da Croácia.
Em 1992, Robert Harris publicou o ro-
mance Fatherland,, lançado no Brasil pela
Record sob o título de Pátria Amada. A
198/434

história guarda uma certa semelhança com


SS-GB de Len Deighton45, com uma pitada
de Parque Gorki trata-se essencialmente de
um romance policial ambientado numa H.A.
onde a Alemanha Nazista venceu a Segunda
Guerra. Mas as semelhanças acabam aí. O
trabalho de Harris é mais vigoroso e contun-
dente. Pungente onde Deighton foi seco;
ambicioso onde SS-GB foi apenas indifer-
ente; melhor trabalhado em termos de
história alternativa e, sobretudo, mais diver-
tido e mais corajoso em seu esboço dos
horrores e das agruras de um mundo no qual
a Alemanha seria a maior potência mundial.
A ação se passa em Berlim de 1964, às
vésperas do 75° aniversário de Adolf Hitler,
num mundo onde os E.U.A. venceram a
Guerra do Pacífico contra o Império
Nipônico, mas deixaram à Europa à mercê
dos exércitos do Terceiro Reich. As fronteir-
as alemãs se estendem do Reno até os Urais.
A Europa Oriental, a Rússia Européia e a
199/434

Ásia Menor não passam de províncias de um


vasto império, ao passo que a Europa
Ocidental e a Inglaterra, nominalmente inde-
pendentes, foram de fato reduzidas a Estado
vassalos, governados por marionetes cujos
cordões são manipulados por Berlim. A pró-
pria União Européia se dá sob a égide e o
patrocínio do Reich Alemão.
O presidente dos E.U.A. é um velho e
conhecido corrupto, Joseph Kennedy, pai de
J.F.K., um político que em NLT foi não apen-
as um anti- semita convicto, mas um tre-
mendo simpatizante de várias das políticas
nazi- fascistas.
Mas nem tudo são flores na Grande Ale-
manha. Apoiados por dólares e armas amer-
icanas, a guerrilha soviética torna a vida dos
colonos alemães do Leste Europeu um
autêntico inferno. E em pleno coração do
Reich há um clima de apreensão e temor
constante. Filhos denunciam seus pais;
cônjuges acusam-se mutuamente de alta-
200/434

traição, numa atmosfera não muito diferente


da retratada por George Orwell em 1984.
Neste cenário deliciosamente detalhado,
onde as minúcias históricas, longe de atrap-
alhar o bom andamento da ação, só
emprestam mais sabor à trama, um major-
detetive inteiramente apolítico (embora tra-
balhe na divisão criminal da SS) investiga o
suposto suicídio de um figurão do Partido e
amigo pessoal do Führer.
Como costuma ocorrer nos romances
policiais, as coisas nunca são exatamente o
que aparentam. Testemunhas desaparecem;
um velho carrasco nazista torna-se o algoz
do investigador; este se envolve romantica-
mente com uma americana, dublê de jor-
nalista e agitadora, desvenda pouco a pouco
a verdade sobre o desaparecimento dos
judeus (uma nódoa antiga em sua consciên-
cia) e, para piorar ainda mais a situação, é
odiado pela ex-esposa e menosprezado pelo
201/434

filho de dez anos, já seduzido pelo canto de


sereia da Juventude Hitlerista.
Arrisco-me a afirmar que se trata de um
clássico em termos de Segunda Guerra Mun-
dial Alternativa. Um trabalho cuja preocu-
pação primordial é entreter e, no entanto, é
bem escrito, possui uma trama elaborada,
cheia de reviravoltas e um arcabouço de
história alternativa extremamente consist-
ente e que, além de tudo, transmite uma
mensagem edificante.
Sei que pode até soar como heresia para
alguns leitores, mas ouso colocar Pátria
Amada na mesma prateleira das obras-pri-
mas da história alternativa, bem ao lado do
aclamado O Homem do Castelo Alto, de
Dick. Harris não faz feio, mesmo quando
comparado à obra-prima do velho mestre.
No ano passado o romance de Harris foi
transformado num telefilme de mesmo título
(no original) pela HBO. Quem sabe se dentro
em breve os assinantes brasileiros dos
202/434

sistemas de TV a cabo não estarão assistindo


essa história alternativa em suas telinhas?
No mesmo ano em que Robert Harris
lançava o seu romance, Turtledove publicava
mais um conto de Segunda Guerra Altern-
ativa, "In the Presence of Mine Enemies"
(1992), onde uma América do Norte
isolacionista assistiu impassível à queda da
Inglaterra e da União Soviética diante da su-
perioridade da máquina militar de Hitler.
Uma geração mais tarde, os E.U.A. se torn-
aram presa fácil para o esforço conjunto do
Terceiro Reich e do Império Nipônico.
Como no romance de Harris, a história se
passa numa Berlim que é a virtual capital do
mundo, e denota uma preocupação especial
com o destino dos judeus após a vitória
nazista. Aqui a ação decorre no início do
século XXI, mais de meio século após a
derrocada final dos E.U.A., apresentado
como o último bastião da finada democracia
ocidental.
203/434

Mas o enredo não gira em torno de intri-


gas políticas ou investigações policiais.
Longe disso. Trata-se da história pungente
da sobrevivência das últimas comunidades
de judeus na Europa, umas poucas famílias
que conseguem subsistir ocultas sob a más-
cara de bons cidadãos nazistas. Mas Turtle-
dove nos fala também do trauma da
descoberta e da perda da inocência; do
choque de uma garota de dez anos quando os
pais lhe revelam o maior segredo da família,
um segredo que, se ventilado a terceiros, po-
deria representar a sentença de morte imedi-
ata, não só para si mas para todos os seus
parentes e amigos.
Este não é o primeiro trabalho em que
Turtledove denota uma preocupação notável
com o problema da discriminação. Sem
dúvida, um trabalho sensível de um autor
judeu (não ortodoxo) sobre o estigma do in-
divíduo ou grupo hostilizado por ser consid-
erado diferente da maioria.
204/434

Ainda sobre as Segundas Guerras Altern-


ativas de Turtledove, o autor concluiu a pub-
licação nos E.U.A. da sua tetralogia sobre
uma invasão alienígena em 1942, numa épo-
ca em que a balança da Segunda Guerra
Mundial ainda parecia grosso modo equilib-
rada. Esse trabalho ambicioso deverá mere-
cer um ensaio específico num futuro não
muito distante.
VAMPIROS ALTERNATIVOS

Publicado originalmente no MEGALON


40 (abril 1996)

Como seres imortais, é de se esperar que


os vampiros do Horror Literário vaguem
para lá e para cá, ao longo da história hu-
mana, desde a Antiguidade até os tempos
atuais. Do ponto de vista da cronologia
histórica, as peças de ficção sobre vampiros
podem assumir dois enfoques: enredos
centrados no presente e aqueles transcor-
ridos num passado próximo ou remoto. Afi-
nal, se o autor imagina uma criatura de seis
ou sete séculos de idade, é justo que o leitor
se pergunte onde ela estaria e, sobretudo, o
que estaria fazendo, na época da chegada da
206/434

esquadra de Vasco da Gama a Calecute, do


início da Guerra de Secessão ou das Invasões
Holandesas ao nordeste brasileiro.
O romance Drácula (1897), de Bram
Stoker, se passa na época em que foi escrito.
Já a maior parte d'O Vampiro Lestat (1985),
da Anne Rice, decorre no passado, uma vez
que o vampiro do título, um imortal com
séculos de idade, compraz-se em narrar as
travessuras da sua juventude.
Considerando a grande liberdade ofere-
cida pela temática dos vampiros para a cri-
ação e o desenvolvimento de backgrounds
históricos elaborados, é de se surpreender
que, até pouco tempo, quase nada se
houvesse escrito sobre histórias alternativas
de vampiros. Talvez a ausência se devesse ao
preconceito de muitos autores de H.A. para
com a temática dos vampiros... Mas numa
época em que a própria FC hard
assenhoreou-se desse ícone máximo do
207/434

horror, manter esse preconceito é uma pos-


tura, no mínimo, discutível.
De qualquer modo, nos últimos dez anos
dois romances preencheram esta lacuna: O
Império do Medo (1988), de Brian Stable-
ford, e Anno Dracula (1992), de Kim
Newman.
O Império do Medo é aquilo que eu cos-
tumo chamar de ficção científica de vampiro,
na melhor tradição de Eu Sou a Lenda
(1954), de Richard Matheson, mas com o
background mais calcado em história, e
menos na biologia. Embora inédito no Brasil,
o romance foi publicado em Portugal pela
Clássica, dentro da prestigiosa Coleção Lim-
ites, numa tradução para lá de razoável.
Segundo o autor, os vampiros sempre ter-
iam existido à margem da história humana
(A verdadeira origem desses seres só é des-
vendada ao final do romance). Os povos
europeus, contudo, só teriam entrado em
contato com o fenômeno na época em que as
208/434

hordas de Átila o Huno invadiram o contin-


ente, nos estertores do Império Romano
Ocidental. O F/age/o de Deus e seus guer-
reiros seriam bárbaros-vampiros (uma ana-
logia aliás, bem típica de Stableford) assolan-
do a Europa não apenas com o morticínio
cruel e a destruição material mas, principal-
mente, com a praga do vampirismo.
Ao contrário do seu congênere real, esse
Átila alternativo, vampiro e imortal, não se
satisfaz meramente em invadir a Europa,
mas conquista o continente de forma com-
pleta e definitiva. Ao longo dos séculos, ele
vampiriza todos os líderes importantes do
Ocidente. No século XVII, onde a maior
parte da história se desenrola, embora vivo,
o bom e velho Flagelo de Deus já perdeu
muito da sanidade. Em seu nome, governam
Carlos Magno, imperador da Grande Nor-
mandia (Europa Ocidental), e Ricardo
Coração-de- Leão, príncipe regente da
Inglaterra46. Os vampiros também dominam
209/434

a Europa Central e Oriental (Canato da


Valáquia); a África Negra; a Índia e a China.
Ao que parece, apenas no Norte da
África, no Oriente Médio e na Ásia Menor os
mortais conseguem se manter senhores dos
seus destinos, sob o manto protetor de um
Islamismo que não tolera vampiros. No que
diz respeito à cristandade, há um vampiro
sentado no trono de São Pedro em Roma, de
forma que o jugo dos vampiros sobre os hu-
manos comuns está institucionalizado a
ponto de haver mesmo um reconhecimento
formal desta ascendência à luz do direito
divino.
O autor estabelece outra analogia, entre a
continuidade governamental, associada à
perenidade da classe dominante, e o imobil-
ismo social, técnico e cultural ao qual a
Europa Vampira está submetida. Em contra-
partida, os humanos comuns, numa maioria
de quase mil para um, começam a fomentar
um desenvolvimento científico e tecnológico
210/434

que se constitui, per si, a maior ameaça à or-


dem estabelecida, pois há o perigo real de se
modificar o mundo, de uma forma mais
rápida do que os espíritos envelhecidos dos
vampiros poderão acompanhar.
O protagonista é um estudioso inglês,
filho de um mortal que teria, ao se deixar
propositadamente contaminar por uma
moléstia virulenta e desconhecida, envenen-
ado Carmilla, uma lady-elder muito antiga,
de quem havia sido amante, num passado
em que fora jovem e belo.
Para escapar às conseqüências do crime
do pai, o estudioso foge para o litoral da
África. Vários anos mais tarde, associa-se a
um pirata e outros marginais, com o objetivo
de descobrir a origem do poder dos vam-
piros. Uma fonte que, segundo a lenda, es-
taria enterrada no coração da África Negra.
Uma boa parte do romance é em verdade
a história dessa jornada de um grupo reduz-
ido em busca do conhecimento secreto. A
211/434

quest termina quando os viajantes tropeçam


numa cidade perdida, no melhor estilo de
Edgar Rice Burroughs. Uma sociedade onde
os vampiros exercem um governo benévolo,
num estilo bem diferente das tiranias
européias. Depois de várias peripécias, uma
vez conquistada a compreensão empírica do
modo de transformar humanos comuns em
vampiros, o grupo obtém a sua própria
amostra dessa fonte de poder, valendo-se de
um ardil bastante sagaz e não desprovido de
uma certa dose de sensualidade.
Quando a ciência consegue colocar as
suas garras na metamorfose vampírica, o
fenômeno é destrinchado passo a passo. As
superstições e os mitos de uma origem
sobrenatural caem por terra, dando lugar a
uma explicação científica do processo. Um
dos primeiros "resultados operacionais" do
roubo do segredo é a criação de um exército
de novos vampiros — imortais arrivistas —
para combater o poder dos elders
212/434

estabelecidos. Essa nova imortalidade parece


estar ao alcance de todos.
Nesse ponto do romance, acontece aquilo
que o leitor mais atento já estava esperando
há muito. Essa história de vampiro perde
seus últimos vestígios de horror quando a ex-
plicação científica do vampirismo é estabele-
cida para além de qualquer dúvida. Desde o
início mais inclinado para a FC do que para o
Horror, o tom narrativo já prenunciava o in-
tuito do autor em exibir sua ficção científica
travestida em roupagem horrorífica.
Dublê de autor de FC e sociólogo da ciên-
cia, Stableford não decidiu criar sua versão
pessoal do mito de Prometeu apenas para
vender mais livros. O que ele está fazendo,
de fato, é usar a ficção para elevar sua voz
numa homenagem ao poder inerente do con-
hecimento científico de multiplicar e demo-
cratizar as oportunidades de acesso ao bem-
estar, antes só disponível aos muito
abastados.
213/434

É uma visão primeiro-mundista, é lógico.


E, como tal, algo distante da realidade
brasileira. Mas, até aí, nada de mais. Só os
muito tolos ainda insistem em associar a re-
volução científica e tecnológica as maladias
sociais do mundo como um todo, e do país
em particular. Como mera ferramenta, de-
sprovida de valor moral intrínseco, a ciência
não deve ser responsabilizada pela miséria e
pela desigualdade presentes em nossa so-
ciedade. Bom, mas isto é papo para outro
ensaio.
O Império do Medo tem um epílogo curto
passado na época atual, onde Stableford
tenta saciar a curiosidade dos leitores que se
perguntavam como evoluiria um mundo
onde os vampiros tivessem existência real. É
um mundo de paz, pois os homens e mul-
heres imortais já não suportam a idéia de cri-
ar meios de extermínio em larga escala. Uma
espécie de apêndice, interessante, mas não
de todo necessário.
214/434

Como o próprio título já indica, Anno


Dracula de Kim Newman é um romance de
história alternativa diferente.
No curso de um trabalho de HA conven-
cional, qualquer autor de FC que se preze é
capaz de transformar uma ou mais figuras
históricas da NLT em personagens literários.
Não satisfeito com este tipo de liberdade,
Newman teve a ousadia de tomar
emprestado um punhado de personagens de
vários dos autores britânicos mais populares
da Era Vitoriana. Entre os principais hom-
enageados estão Conan Doyle, Robert Louis
Stevenson, H.G. Wells e, é claro, Bram
Stoker.
Outros personagens utilizados como co-
adjuvantes são os grandes vampiros da liter-
atura vitoriana, como Sir Francis Varney, o
Lorde Ruthven do Dr. Polidori, a Condessa
Carmilla von Karnstein de Sheridan Le Fanu,
e outros menos cotados.
215/434

Diferente do que ocorre no romance ori-


ginal de Stoker, na linha histórico- literária
alternativa de Newman, o Conde Drácula
não é morto pelo pequeno grupo liderado
por Van Helsing. O vampiro consegue ex-
pandir sua base na Inglaterra, converte nov-
os seguidores, e contrabandeia para a Corte
de Saint James um pequeno mas aguerrido
exército de vampiros valáquios, composto
por seus seguidores mais fiéis, cuja lealdade
havia sido comprovada por vários séculos de
vassalagem inconteste. A culminância da
conquista incruenta do Império Britânico se
dá quando Drácula consegue desposar a
Rainha Vitória, tornando-se príncipe-con-
sorte e sendo nomeado LordProtector desse
império.
Quando o romance começa, Drácula
parece ter a situação sob seu inteiro controle.
Os postos mais importantes do império estão
ocupados por vampiros. Lorde Ruthven, um
elder dandy e cosmopolita, é o Primeiro-
216/434

Ministro. Já o sanguinário Francis Varney foi


nomeado para o cargo de Governador Geral
da Índia, a mais rica das colônias britânicas.
A elite intelectual, política e financeira da
Inglaterra está sendo aos poucos convertida
de humana em vampira. Inimigos de peso do
novo regime foram afastados, quer pela ex-
ecução sumária, nos casos de Van Helsing e
Jonathan Harker, ou pelo confinamento
num campo de concentração criado na Escó-
cia47. Uma instituição que, segundo as in-
sinuações de Newman, ficaria devendo
muito pouco aos campos de extermínio
nazistas.
Mas existem focos de resistência. Um
deles é representado pelos anarquistas e
pelos fanáticos religiosos, que consideram o
príncipe-consorte como o Anticristo. Não
raro, o palácio emprega sua guarda valáquia
para reprimir as revoltas que grassam nessa
Londres conturbada.
217/434

Outro foco de resistência, este mais sutil


e organizado, é o Diogenes Club, uma espécie
de serviço informal de inteligência do im-
pério, composto por um pequeno grupo de
homens de grande poder, que não hesita em
contratar vampiros ou se aliar aos mestres
do crime organizado, para atingir o
propósito de reverter o quadro político ao es-
tado anterior à vitória de Drácula.
Para aumentar o embaraço da elite da
Nova Ordem, há um misterioso serial kilkr
de vampiros assolando o East End londrino.
Mais precisamente, em Whitechapel... A
história está soando familiar? Pois é. Nada
mais, nada menos que o nosso bom e velho
Jack o Estripador; plausível e engen-
hosamente transformado pelo autor num as-
sassino de prostitutas- vampiras48. A iden-
tidade do psicopata não é mistério algum
para o leitor. Pelo contrário, é justamente a
revelação gradativa do seu modus operandi e
de suas motivações inconfessáveis que
218/434

constituem um dos grandes atrativos desse


romance excepcional.
E há ainda os cientistas que, sem abrir
mão de sua humanidade em favor da vant-
agem dúbia de uma conversão, propõem-se a
estudar o vampirismo como fenômeno nat-
ural, empreendendo um esforço hercúleo
para enquadrá- lo no âmbito do conheci-
mento biológico da época. Os campeões
desta causa quixotesca, como a esta altura o
leitor já está desconfiando, são o Dr. Jekyll e
o Dr. Moreau.
Os dois protagonistas do romance não fo-
ram, no entanto, escolhidos dentre os per-
sonagens ilustres citados anteriormente. Um
deles é de fato um oficial humano que tra-
balha sob as ordens do Diogenes Club. A
outra é uma lady-elder adorável, uns poucos
anos mais idosa que Drácula, embora pareça
ter quinze anos, a idade da sua conversão,
pertencendo a uma estirpe mais nobre e dis-
tinta que a do velho conde.
219/434

O enredo de Anno Dracula gira em torno


da subversão gradual do Estado mais civiliz-
ado e poderoso da Terra, empreendida pelo
golpe de audácia de um bárbaro vampiro
carpatiano, e da luta para reverter o
processo.
O vampirismo é retratado como um fenô-
meno social que afeta de maneiras diversas
as diferentes camadas da população. Para as
elites, a conversão representa, mais do que
qualquer outra coisa, a esperança de um
reajuste à Nova Ordem, com uma possível
ampliação dos privilégios anteriores. Para a
classe proletária, no entanto, a conversão
não confere esta certeza de melhoria de vida.
Ao contrário, atua como agente adicional na
geração da miséria e do vício. Jovens vam-
piros indigentes não precisam de comida, é
claro. Mas necessitam de sangue em
abundância, e da proteção contra os raios
solares.
220/434

O final é apoteótico, fazendo realmente


justiça à excelente qualidade do romance
como um todo.
Contudo, sem o temor de estragar o
prazer do leitor, podemos confidenciar que,
embora Jack o Estripador seja eliminado
quase ao final da história, um novo serial
killer surge para aterrorizar as madrugadas
londrinas. Já adivinharam de quem se trata,
não é? Isto mesmo: Mr. Hyde!
Como pequena nota de caráter pessoal,
este ensaísta deve confessar que, inspirado
em tão egrégios antecessores, sucumbiu in-
teiramente à tentação de produzir os seus
próprios vampiros alternativos. Tanto as
noveletas "O Vampiro de Nova Holanda" e
"Assessor Para Assuntos Fúnebres" quanto o
romance Os Canhões de Palmares (ainda
inédito) passam-se numa LTA onde a Con-
federação de Palmares prosperou e, com o
auxílio dos holandeses de Maurício de
Nassau, tornou-se o primeiro Estado
221/434

independente da América, em finais do


século XVII. Também há vampiros nesse
universo ficcional. São vampiros científicos,
embora se assemelhem antes à Miriam, prot-
agonista do romance Fome de Viver (1981)
de Whitley Strieber, do que aos imortais pro-
postos por Stableford em O Império do
Medo.
PARALELOS VS. ALTERNATIVOS

Publicado originalmente no MEGALON


30 (maio 1994)

Muito se tem discutido sobre as difer-


enças e similaridades entre duas temáticas
correlatas da FC, os enredos que abordam os
Universos Paralelos e aqueles que se baseiam
em Histórias Alternativas. Embora vastas, as
fronteiras entre esses dois reinos parecem
algo nebulosas. Se até os autores, editores e
tradutores49 metem às vezes os pés pelas
mãos, imagine como alguns leitores devem
se sentir confusos com essa bagunça...
Bom, vamos tentar por um pouco de or-
dem na casa.
223/434

Admitindo que duas regiões distintas


possam estar vinculadas entre si através de
uma distorção qualquer do continuum, cos-
tumamos dizer que essas regiões se local-
izam em dois Universos Paralelos quando
elas estão separadas por um intervalo es-
paçotemporal considerável, em comparação
com as distâncias astronômicas cotidianas
(se é que existe esse conceito...). Assim, para
a tecnologia humana atual, uma dobra es-
paçotemporal que nos transportasse da
Terra para um planeta orbitante em torno de
uma estrela do lado oposto da Via Láctea po-
deria ser encarado como um portal para um
universo paralelo .
Na FC clássica, os universos paralelos fo-
ram usados como um recurso para facilitar o
contato da humanidade com inteligências
alienígenas. Nos tempos before the Golden
Age, alguns autores pareciam julgar o con-
ceito de universo paralelo menos implausível
do que o das viagens interestelares.
224/434

Nos enredos desse tipo, as duas regiões


distintas costumavam se localizar em univer-
sos diferentes mesmo, ou mais prosaica-
mente, em planos dimensionais distintos.
Esses dois pontos, separados muitas vezes
por milhões de anos-luz, estariam conecta-
dos por meio de portais naturais ou artifici-
ais, fabricados com o auxílio de supertecno-
logia humana ou alienígena. As explicações
físicas e a natureza hipotética desses portais
são as mais diversas possíveis, indo das sin-
gularidades ou dobras na estrutura do con-
tinuum, até os passes de mágica mais
estapafúrdios.
No romance de fantasia científica
Estrada da Glória (Argonautas 182 & 183),
Heinlein advoga a existência de uma série de
mundos terrestróides paralelos, existentes
em vários sistemas estelares, galáxias, planos
de realidade e universos distintos, conecta-
dos entre si por meio de portais naturais,
permanentes ou temporários, ou ainda
225/434

através da aplicação de tecnologia específica.


Alguns desses mundos possuiriam espécimes
animais e vegetais semelhantes aos con-
gêneres terrestres, que teriam migrado para
lá através da utilização involuntária dos por-
tais. Essa migração teria sido realizada tam-
bém pela espécie humana, comum a vários
desses mundos.
Já Simak, nos romances Mundos Simul-
tâneos ["Ring Around the Sun" - Argonauta
42] e As Flores que Pensam ["AllFlesh is
Grass" - Argonauta 112] propõe a existência
de planetas terrestróides em dimensões
paralelas à nossa. No primeiro trabalho, ex-
iste uma cadeia de mundos não habitados,
prestes a ser explorados e colonizados pela
humanidade, sob os auspícios de uma organ-
ização de mutantes. Já no segundo romance,
descobre-se um portal ligando uma
cidadezinha norte-americana a um mundo
bastante semelhante à Terra, cuja forma de
226/434

vida dominante seria uma espécie racional


de vegetais dotados de poderes telepáticos.
Um exemplo mais recente que os citados
acima é o de O Despertar dos Deuses ['The
Gods Themselves", 1972] de Isaac Asimov,
um romance muito interessante onde aliení-
genas trissexuados, cujos ciclos de vida
dividem-se em duas fases distintas, abrem
uma passagem entre o universo deles e o no
sso. De um modo bastante plausível, o Bom
Doutor argumenta que apenas matéria bruta,
composta por elementos simples, poderia
cruzar a passagem incólume. O portal não
poderia ser usado por criaturas tão compl-
exas quanto um ser vivo. Os alienígenas ini-
ciam um intercâmbio de matérias-primas
com a humanidade. A transação decorre às
mil maravilhas, até que se descobre que a
permuta de elementos implicaria em sérios
riscos de destruição para uma das culturas...
***
227/434

Histórias Alternativas seriam linhas


temporais exatamente como a nossa.
Histórias idênticas àquela que aprendemos
na escola, mas só até um certo ponto...
Idênticas, ma non troppo!
Esta é uma das temáticas mais caras ao
aficionado de FC&F, e uma das mais em voga
ultimamente. As H.A. atraem também os
amantes dos romances históricos, que
eventualmente tornam-se novos apre-
ciadores de FC&F em geral. Os membros do
fandom que gostam de História são os mais
propensos a se apaixonar pelos enredos de
H.A.
Mas afinal como poderíamos definir uma
História Alternativa? É o trabalho cuja trama
se passa numa linha temporal onde todos os
eventos das histórias geológica, biológica e
humana ocorreram exatamente como em
NLT, até um determinado instante: o ponto
de divergência, onde a história do mundo
saiu dos trilhos, por assim dizer; ou seja,
228/434

surgiu num determinado momento um


evento que aconteceu de um modo em NLT e
de um modo diverso nessa LTA.
Normalmente, o ponto de divergência se
situa num determinado evento da história
humana, embora existam trabalhos em que o
autor preferiu colocar o ponto de divergência
sobre eventos da história geológica ou bioló-
gica terrestre.50 De qualquer modo, as difer-
enças advindas desse descarrilhamento con-
stituem quase sempre o grande atrativo
desse tipo de trabalho.
Existem dois tipos de argumento básicos.
Vamos chamá-los de enredos de passado al-
ternativo e enredos de presente alternativo
.51
Nos presentes alternativos, o passado
histórico é modificado num ponto de diver-
gência muitas vezes pouco significativo em
si. Esse evento é referenciado apenas en-
passant ou, até deixado implícito, num nível
meramente subliminar para a vasta maioria
229/434

dos leitores. Mas isso não importa. Porque,


como uma bola de neve colina abaixo, as
conseqüências da alteração propagam-se at-
ravés dos séculos, culminando na construção
de um background histórico inteiramente
diverso daquele que aprendemos na escola.
A trama se desenrola num presente alternat-
ivo . O tour-de-force deste tipo de enredo
reside quase invariavelmente nas diferenças
entre a LTA e a NLT. Muitas vezes a ação
deixa algo a desejar e ainda assim, devido à
riqueza desse background, o resultado final
agrada ao leitor. Muitos dos trabalhos clássi-
cos de H.A., como O Homem do Castelo Alto,
de Philip K. Dick, ou Pavand52 de Keith
Roberts, pertencem a essa estirpe, não se
preocupando com o ponto de divergência em
si e tratando quase que exclusivamente das
suas conseqüências.
Os enredos de passado alternativo são
mais modestos. Não se preocupam com o
presente alternativo hipotético, atendo-se
230/434

antes ao ponto de divergência em si e ao que


acontece num passado alternativo sub-
seqüente, em geral distante uns poucos anos
dessa divergência. Embora nos enredos de
passado alternativo o escopo seja menos
abrangente, o trabalho de reconstituição
histórica deve ser mais detalhado. Um dos
grandes cultores dessa subvertente é o
historiador norte-americano Harry Turtle-
dove. No romance The Guns of the South,
por exemplo, ele descreve uma vitória con-
federada bem plausível na Guerra de Se-
cessão, narrando a seguir todo o trabalho de
estruturação dos Estados Confederados da
América. A história começa em janeiro de
1864 e termina menos de quatro anos mais
tarde.
Exceções notáveis são os enredos de pas-
sados alternativos nos quais os pontos de di-
vergência estão muito distanciados da época
em que a trama se desenrola. Um exemplo
bem conhecido dessa variante é o fix-up O
231/434

Agente de Bizâncio (Argonautas 374 & 375)


de Harry Turtledove, onde o protagonista é
um agente secreto que atua num século XIII
alternativo, no qual o Islamismo jamais exis-
tiu e o Império Romano Oriental manteve-se
como a maior potência militar do continente
afro-eurasiano. Um outro caso menos
badalado é o belo romance O Império do
Medo, de Brian Stableford, no qual a Europa
no século XVII é governada por uma casta de
vampiros imortais.
Alguns autores colocam suas H.A. sem
maiores explicações: no âmbito do trabalho
ficcional aquela é a única linha histórica pos-
sível, e ponto final. Já outros, associam suas
histórias alternativas às travessuras de
viajantes temporais. Uma vez no passado,
esses viajantes desencadeariam um autêntico
festival de paradoxos positivo-negativos, al-
terando a história, ora para criar uma linha
alternativa em detrimento da NLT; ora para
destruí-la, dando origem à nossa linha.
232/434

Outros autores ainda, colocam as suas


LTA em universos paralelos ao nosso. É o
que se vê, por exemplo, no romance Fenda
no Espaço (Europa- América, LBFC 79), de
Philip K. Dick. Esse trabalho propõe uma
LTA situada numa Terra paralela onde o
Homo sapiens não se desenvolveu. A cultura
tecnológica dessa outra Terra foi erigida por
uma espécie de pitecantropos com cérebros
mais desenvolvidos, embora menores que os
nossos. Essa cultura pitecantrópica possuía
caráter planetário. Seu nível tecnológico era
grosso modo equivalente ao da humanidade
do século XVII. Em compensação, seus cid-
adãos dispunham de capacidades paranor-
mais sequer imaginadas por seus primos
sapiens, em tese mais evoluídos.
Nem todos os enredos de H.A. se limitam
exclusivamente aos vastos domínios da FC.
Embora jamais tenha escrito trabalhos de
H.A. na FC,
233/434

Clifford D. Simak é o autor de dois ro-


mances de fantasia passados em presentes
alternativos, com quest plots>3 e nítidos ele-
mentos de espada & magia.
Um deles, Onde Mora o Mal (Argonauta
338), chega a situar fisicamente uma nação
habitada por criaturas não-humanas — du-
endes, fadas, ogros, demônios, etc. — que
teriam dado origem aos nossos mitos e len-
das. E o outro, A Irmandade do Talismã (Ar-
gonauta 274), aborda as atividades de uma
horda de entes malignos que atuaria em loc-
ais e épocas críticas, de modo a impedir o
desenvolvimento da humanidade ao longo
dos séculos.
Um outro exemplo de romance de fantas-
ia com enredo de H.A. é O Tempo da Magia
["Too Many Magicians" - Argonauta 271], de
Randall Garrett. No século XIV, ao invés da
gênese do método científico, os sábios e
filósofos começam a enunciar as leis que
regem os fenômenos da magia e da
234/434

paranormalidade. Como resultado, no século


XX, uma Pax Britannica quase onipresente
baseia sua civilização tecnológica não em
princípios científicos, mas sim nos postula-
dos lógicos e filosóficos da magia. Sobre este
background, o autor desenvolve uma
história de detetive movimentada. Garrett
voltou a explorar o mesmo universo ficcional
em outros trabalhos.
***
Muito se tem escrito, dentro e fora do
fandom, sobre pretensas explicações
científicas para a existência de linhas
históricas alternativas e universos paralelos.
Uma gama muito vasta de entidades da física
moderna têm sido invocadas na tentativa se
não de justificar a existência das H.A. e dos
portais dimensionais , ao menos de torná-los
minimamente plausíveis. Dentro da FC&F
quase todas as entidades mencionadas já fo-
ram usadas e abusadas, desde o bom e velho
gato de Schoedinger até os mini-buracos
235/434

negros primordiais. Já os cientistas têm


preferido usar fenômenos astrofísico- relat-
ivísticos ou cosmológicos mais em voga,
como os superstrings e wormholes.
Mas, por enquanto, tudo não passa de es-
peculação inteligente. Modelos matemáticos
sofisticados cujos reais significados físicos
(se é que há algum) são ainda ignorados.
Pode até ser que existam histórias altern-
ativas e universos paralelos, mas por en-
quanto não há infelizmente um só micro-
grama de fato concreto que comprove essa
existência.
UM HISTORIADOR
ALTERNATIVO

Publicado originalmente no MEGALON


34 (fevereiro 1995)

Harry Turtledove é um autor norte-amer-


icano que fez sua estréia profissional ao final
da década de 1970, publicando os primeiros
contos e noveletas nas revistas nas revistas
de FC&F. Depois dessa iniciação salutar, ele
obteve um reconhecimento considerável, in-
tra e extra-fandom, graças à publicação de
sua tetralogia de Fantasia sobre a Legião de
Videssos53, onde conta as aventuras de uma
legião romana do final do período repub-
licano num mundo paralelo em que a magia
237/434

é um fato cotidiano e o Império de Videssos é


a maior potência do planeta.
Menos conhecido como autor de FC, ele
tem, no entanto, a maior parte de sua
produção dentro deste gênero. Tanto a ficção
curta quanto os romances de Turtledove são
invariavelmente bem escritos, denotando
contudo, também e sempre, uma preocu-
pação em contar uma história gostosa, habit-
ada por personagens sólidos e consistentes,
com enfoques originais e tramas engen-
hosas54.
Ao longo das décadas de 1980 e 90, apro-
veitando sua formação acadêmica de histori-
ador, com PhD em História do Império Biz-
antino, Turtledove especializou-se nos enre-
dos históricos alternativos, gerando uma
quantidade surpreendente de trabalhos de
H.A. Trabalhos com os pontos de divergência
situados nas mais diferentes épocas do pas-
sado humano ou terrestre. Abordagens, as
mais diversas possíveis.
238/434

Os únicos enredos históricos alternativos


do autor publicados em português foram os
contidos no fix-up O Agente de Bizâncio
(Coleção Argonauta 374 & 375). Trata-se das
aventuras de Basil Argyros, uma espécie de
James Bond do Império Bizantino do século
XIII, numa LTA onde, seiscentos anos antes,
Maomé se converteu ao cristianismo e a ex-
pansão islâmica jamais se deu. Bizâncio é a
maior potência do continente afro- eurasi-
ano, mas suas vastas fronteiras são intermit-
entemente acossadas, ora pelas hostes
bárbaras, ora pelos exércitos do Império
Persa.
Existem dois outros trabalhos de ficção
curta passados nessa LTA de Bizâncio, mas
não pertencentes àfix-up original. Um deles
é a noveleta "Pillar of Cloud, Pillar of Fire"
(1989): mais uma aventura do agente Basil
Argyros, desta vez em Alexandria, enfrent-
ando uma greve dos trabalhadores encar-
regados de reconstruir o famoso Farol. E há
239/434

também o conto "Departures" (1989), uma


espécie de prelúdio ao ciclo como um todo,
onde o autor retrata os apuros de Maomé e
de outros monges de um mosteiro às vésper-
as de mais uma das periódicas invasões do
Império Persa aos desertos de uma Síria há
muito romanizada55.
No conto "Islands in the Sea" (1989), a
situação é inteiramente outra. Aqui Maomé
não só criou o islamismo, como os árabes
conseguiram tomar Constantinopla por volta
do ano 720 AD. Sem o Império Bizantino
para atuar como escudo, não apenas a penín-
sula ibérica, mas a própria Europa Central e
Oriental tornam-se presas fáceis do expan-
sionismo árabe. Neste caso, um emissário do
califa tenta convencer o soberano dos búl-
garos a se converter pacificamente ao Corão.
Mas o monarca tem outras idéias e es-
tabelece uma espécie de quem dá mais entre
duas comitivas de teólogos, uma islâmica e
outra cristã. Dá-se então um autêntico duelo
240/434

de religiões, quando os argumentos, e a pró-


pria concepção de fé, dos árabes são riposta-
dos pelos contra-argumentos dos católicos
romanos.
Um outro conto que aborda a queda de
baluartes essenciais para a existência da
civilização ocidental é "Counting Potsherds"
(1989), onde a derrota de Atenas na guerra
com os persas faz com que os exércitos de
Xerxes ocupem a Hélade, aniquilando o
mundo grego e, em conseqüência, ceifando
NLT ainda em seu nascedouro. Para reviver
a conquista de Atenas, o monarca persa atual
envia um arqueólogo eunuco até a Grécia
para explorar as ruínas da acrópole, em
busca do nome do último rei da cidade. O
objetivo da expedição não é atingido, mas o
persa e seu auxiliar grego acabam
tropeçando em conceitos alienígenas, como o
ostracismo e a democracia.
A novela "The Pugnacious Peacemaker"
(1990) é uma espécie de seqüência de um
241/434

grande clássico dos enredos históricos al-


ternativos, The Wheels ff (1940), de L.
Sprague de Camp. O trabalho de Turtledove
tem o cunho de homenagem, uma comemor-
ação pelo jubileu de ouro do lançamento da
novela de De Camp56. É a história de um cid-
adão nova- iorquino cuja mente vai parar no
corpo de um bispo residente numa LTA onde
a América do Norte foi colonizada pelos vik-
ings e a América do Sul pelos árabes. Os Im-
périos Inca e Asteca, bem como as nações
Cherokee, Sioux e Apache sobrevivem e
prosperam até o século XX. Na pele do
mesmo bispo que havia encarnado no tra-
balho original, o protagonista corta um do-
brado quando é indicado para atuar como ár-
bitro no tratado de paz entre o Império Inca
e o Emirado do Brasil... Pode?
Outro fix-up do autor, A DifferentFlesh
(1988), reúne os contos e noveletas passados
num mundo onde a América era habitada
originalmente não por índios, mas sim por
242/434

Homo erectus. Nessa H.A., os ingleses e


franceses encontram menos resistência para
colonizar a América do Norte. Em com-
pensação, na América Latina, sem a prata
dos Incas e o ouro dos Astecas, a colonização
espanhola não se desenvolve muito bem. En-
quanto isto, os portugueses estão se defront-
ando com megatérios, gliptodontes e tigres
dentes-de-sabre em plena Patagônia. Sem
um pingo de sentimentalismo piegas sequer,
Turtledove consegue abordar de forma im-
pecável as questões éticas geradas pela ex-
istência de criaturas que nem bem podiam
ser tratadas como animais, nem como seres
humanos. A mera existência dos sims parece
introduzir mudanças sensíveis no curso da
história de seus primos mais evoluídos. A Te-
oria da Evolução é descoberta já no século
XVII; os negros norte-americanos con-
quistam sua liberdade bem mais cedo; e
graças ao emprego de cobaias sims, a cura da
AIDS já foi descoberta em 1988. Em cada um
243/434

desses casos, como em inúmeras outras situ-


ações ao longo dessa série de histórias inter-
ligadas, além de divertir o leitor, Turtledove
aproveita para falar a respeito do que é ser
humano. Isto, per si, faz dessa obra louvável
algo digno de ser lido.
O autor cria outra história natural altern-
ativa no romance A World of Difference
(1990). Neste caso, o ponto de divergência
nem ao menos situa-se na Terra, mas sim na
quarta órbita do Sistema Solar, e localiza-se
mais de 4 bilhões de anos no passado: um
planeta do tamanho da Terra, Minerva, teria
se formado em lugar de Marte. Ao final do
século XX, uma expedição conjunta com-
posta por uma espaçonave norte-americana
e outra soviética contata os nativos de Min-
erva. Como seria de se esperar, as duas
tripulações aliam-se a facções locais difer-
entes e acabam atuando em lados opostos de
uma animada guerra dos autóctones. Os
minervianos representam uma das melhores
244/434

concepções de inteligência alienígena não-


humanóide da década de 198057.
"Hindsight" (1984) foi uma noveleta que
Turtledove escreveu em homenagem a John
W. Campbell, um editor com o qual obvia-
mente ele não teve contato como autor, mas
apenas como leitor. Uma mulher dos anos
80 regressa à década de 1950 e, no intuito de
evitar a decadência econômica e moral da
sociedade norte-americana de seu tempo,
torna-se autora de FC, escrevendo sob seu
nome os trabalhos clássicos de Heinlein e
Clarke, dentre outros. James McGregor, edit-
or da Astonishing Science Fiction, e seu
autor favorito, empreendem uma invest-
igação para descobrir quem seria o mis-
terioso e bem sucedido escritor que enviava
seus trabalhos em folhas de impressora de
microcomputador. Dentre outras coisas,
"Hindsight" faz uma elegia ao ato de se es-
crever FC na Golden Age; fala da desilusão
com o sonho norte-americano e a decadência
245/434

dessa cultura; abordando ainda, as questões


relevantes ao feminismo e à temática da fi-
delidade conjugal.
Em 1992, por ocasião do 500° aniversário
do descobrimento da América, lançou-se um
número comemorativo da coleção What
Might Have Been, organizada por Gregory
Benford: AlternateAmericas. Harry Turtle-
dove, que já havia participado dos números
anteriores, publicou neste o conto curto
satírico "Report of the Special Committee on
the Quality of Life". Um relatório que advoga
contra o empreendimento de Colombo. Em
tom alarmista, o documento levanta a per-
spectiva de danos ecológicos, religiosos e
econômicos que recairiam sobre a Europa,
caso a Espanha insistisse em prosseguir com
sua expansão marítima.
A maioria dos estudiosos de enredos
históricos alternativos pensava que não
havia mais nada original a se escrever sobre
a Guerra de Secessão. Turtledove mostrou
246/434

que estávamos equivocados com o maciço


romance The Guns of the South (1992). O
trabalho mais verossímil já escrito sobre a
Guerra de Secessão. Aqui os leitores con-
viverão tanto com o General Robert Lee, um
abolicionista convicto no comando dos exér-
citos confederados, quanto com alguns de
seus soldados. Com um pequeno detalhe: a
grande maioria dos personagens do século
XIX realmente existiram! O romance foi
comercializado não como FC&F mas sim
como romance histórico e, é claro, tornou-se
um tremendo bestselkr58. Uma curiosidade
especial para nós é o paralelo que Turtledove
traça en passant entre o sistema escravista
do Segundo Império (Não o Galáctico, mas o
Brasileiro mesmo...) e aquele que a Confed-
eração vitoriosa pretendia implementar. Não
foi a primeira vez, tampouco será a última,
que o autor demonstrou numa obra de entre-
tenimento sua preocupação clara com os
247/434

problemas advindos da discriminação racial


e da desigualdade entre os indivíduos.
Turtledove tem conseguido explorar com
originalidade um outro filão que muitos jul-
gavam aparentemente esgotado, a Segunda
Guerra Mundial Alternativa.
Numa época em que a Europa e a URSS
já caíram sob o jugo alemão há algum tempo,
o Terceiro Reich começa a se ocupar das
colônias britânicas de além-mar. Este é o
cenário de "The Last Article" (1987), uma
noveleta que mostra o que acontece quando
a doutrina nazista expressa em Mein Kampf
se defronta com as técnicas de resistência
passiva e os princípios de não-agressão prop-
ugnados por Gandhi.
No conto "Ready for the Fatherland"
(1991), Hitler é assassinado em plena cam-
panha da Rússia. O Alto-Comando alemão
faz a paz com a URSS e, mais tarde, com a
Inglaterra e os EUA. Como resultado, temos
um mundo atual tripartido entre as
248/434

democracias ocidentais, os Estados fascistas


do Eixo e os países comunistas.
"In the Presence of Mine Enemies" (1992)
retrata outra vitória nazista. A história se
passa no início do século XXI, mais de 50
anos após as vitórias nazistas contra os
norte-americanos. É um conto pungente,
onde as últimas comunidades de judeus da
Europa sobrevivem ocultas sob o disfarce de
bons cidadãos nazistas. É também a história
de uma garotinha traumatizada ao descobrir
ser judia por ocasião da festa de seu 10°
aniversário. Turtledove parece mais uma vez
preocupado com o problema da discrimin-
ação. Um trabalho bonito escrito por um
judeu não ortodoxo, justamente sobre o sen-
timento de ser judeu num mundo hostil.
E, em termos de Segunda Guerra Altern-
ativa, a obra máxima de Turtledove é sem
dúvida a série Worldwar — uma tetralogia
que aborda as conseqüências de uma invasão
249/434

alienígena em pleno conflito mundial.


Aguardem novidades sobre o assunto.
ALTERNATIVAS À BRASILEIRA

Publicado originalmente no MEGALON


43 (janeiro 1997)

Como alguns dos leitores talvez saibam,


estive em Portugal em finais de setembro de
1996 representando o nosso fandom nos
Primeiros Encontros de Ficção Científica e
Fantástico, um congresso com cinco dias de
duração que ocorreu na aprazível Vila de
Cascais. Naqueles Encontros, tive a opor-
tunidade de proferir uma palestra cujo tema
foi justamente "Histórias Alternativas". Ao
longo dessa participação, tentei falar um
pouco sobre os conceitos principais e as
temáticas mais importantes do subgênero
das H.A., um discurso sem grandes
251/434

novidades para o eventual leitor fiel da


coluna que mantenho no Megabn.
A título de encerramento da palestra e in-
ício da discussão com a platéia, procurei
mostrar que a história luso-brasileira é pelo
menos tão rica quanto a anglo-saxã e que, ao
contrário do que ocorre ao norte do Equador,
em termos de histórias alternativas os nossos
filões temáticos ainda se encontram pratica-
mente virgens, e prontos para serem explor-
ados pelos autores de língua portuguesa.
Num tom alarmista proposital, conclamei os
escritores presentes para a necessidade de
singrarmos por esses mares o mais rápido
possível, antes que os aventureiros ianques
desembarquem em nossas praias.
Bom, de antemão peço desculpas pelo
tom apoteótico do tal encerramento. Foi algo
que na época me surgiu como uma espécie
de desabafo. Quando elaborei aquele final de
palestra no quarto do hotel em Cascais, tinha
vívida na memória a lembrança de que já
252/434

fazia um bom tempo que a literatura


fantástica luso-brasileira não produzia uma
ficção histórica, seja H.A. ou não, com um
mínimo de qualidade indispensável à leitura
prazerosa.
Pois bem. Parece que meus anseios foram
atendidos. Em dose dupla.
Graças ao Roberto Causo, descobri o ro-
mance O Dia em que Napoleão Fugiu de
Santa Helena, de Fernando G. Sampaio, um
autor carioca há muito radicado no Rio
Grande do Sul59.
O livro foi publicado em 1994 pela S, M &
B Editores, como primeiro volume da
coleção "Romances Brasileiros".
Já pelo título percebemos que O Dia em
que Napoleão Fugiu de Santa Helena é de
fato um romance de história alternativa, não
é? Não. Não é. Trata-se em realidade mais de
história oculta do que alternativa.
Mas, como é isto?
253/434

Calma. Vamos explicar. História oculta é


aquela que, embora possua eventos pretéri-
tos um pouco diferentes dos que aprendemos
na escola, não chega a se constituir numa
linha histórica alternativa genuína, pelo
simples fato dessas nuances não alterarem
significativamente o presente e o futuro.
Um exemplo concreto seria o boato le-
gendário que afirma que o presidente
Kennedy teria sobrevivido ao atentado de
Dallas em 1963. Imaginemos que tal boato
fosse verídico. A questão de John Kennedy
estar vivo ou morto perde toda a importância
quando assumimos alguns pressupostos
simples: (i) ele desapareceu do cenário
histórico; (ii) a versão oficial afirma que ele
morreu; e o principal, (iii) a grande maioria
das pessoas acredita que ele está de fato
morto. Em resumo, mesmo se Kennedy est-
ivesse vivo, sob as condições acima imagin-
adas isto não faria lá grande diferença. Não é
como se ele houvesse sobrevivido
254/434

publicamente e continuado a governar os


E.U.A. Essa sobrevivência oculta aos olhos
de todos não gera uma linha histórica altern-
ativa. Porque nada impede que, sem que nós
o saibamos, Kennedy esteja de fato vivo em
NLT. Ou seja, se Kennedy permanecesse vivo
mas escondido e muito poucas pessoas
soubessem do fato, isto seria história oculta,
mas não alternativa.
Pois bem. O mesmo ocorre no romance
de Sampaio.
Em busca de apoio dos E.U.A. para criar
um Estado republicano no nordeste
brasileiro do início do século passado, re-
volucionários pernambucanos são obrigados
a compactuar com o plano mirabolante tra-
mado pelo governo americano, com o auxílio
de refugiados franceses, para libertar Na-
poleão Bonaparte da sua prisão na ilha de
Santa Helena.
A premissa do interesse dos governantes
ianques em libertar Napoleão soou algo
255/434

implausível numa primeira leitura. Segundo


o autor, eles pretendiam evitar que o Corso
fugisse por sua própria conta e risco para o
México, onde seria capaz de criar um novo
império expansionista que talvez entrasse na
disputa pela posse de territórios cobiçados
pelos próprios E.U.A. Neste ponto, uma per-
gunta se faz obrigatória: não seria mais fácil
assassinar o ex-imperador dos franceses?
Afinal, para eliminar Napoleão bastaria uma
ação de espionagem isolada, e não uma oper-
ação militar da envergadura daquela que foi
tão bem descrita no romance.
Uma vez superado o problema da
premissa inverosímil, a leitura é agradável
para o apreciador de romances históricos em
geral.
Napoleão é resgatado e instalado numa
fazendola do interior do nordeste, mas o fato
pouco ou nada influencia o curso da história
como conhecemos. Um sósia é deixado no
seu lugar em Santa Helena e os captores
256/434

ingleses jamais desconfiam da troca. O sub-


stituto morre em 1821, na data exata em que
sabemos que o Napoleão real faleceu. O con-
hecimento da libertação (ou, melhor
dizendo, do novo cativeiro) do ex-imperador
é um segredo de Estado, zelosamente
guardado por uns poucos poderosos. Ele é
mantido em total isolamento até a data da
sua verdadeira morte, em dezembro de 1822.
Em realidade, é justamente o fato da fuga
de Bonaparte ter sido preservada inteira-
mente fora dos anais históricos oficiais, não
possuindo a mínima influência no curso dos
eventos posteriores, para quaisquer das
nações ou personagens envolvidos, que nos
permite classificar O Dia em que Napoleão
Fugiu de Santa Helena não como história al-
ternativa, mas como história oculta.
O que se observa na estruturação do ro-
mance é que o resgate de Napoleão funciona
não como mola propulsora do enredo, mas
como mero pretexto para que o autor se
257/434

exercite o seu talento nos temas que lhe são


caros, abordando com pertinência consider-
ável determinadas questões históricas assaz
instigantes do processo de independência do
Brasil; questões essas que vêm intrigando
várias gerações de estudiosos.
Assim, é sob este prisma de mainstream
histórico que deveremos ler e analisar o tra-
balho de Sampaio, não obstante o fato do
próprio autor ter classificado o seu texto
como romance fantástico.
Como romance histórico O Dia em que
Napoleão... funciona muito bem.
A narrativa começa em Washington, em
março de 1816, logo após um breve prólogo
em Paris, no gabinete do imperador Na-
poleão, em 27 de novembro de 1800. Acom-
panhamos as peripécias de um representante
dos revolucionários pernambucanos na tent-
ativa de conseguir o apoio do governo amer-
icano para a sua causa. Pelos motivos expos-
tos acima, os americanos acabam
258/434

condicionando este auxílio à libertação de


Bonaparte.
Desde o início, duas tramas se
entrelaçam, desenvolvendo-se em paralelo
durante a primeira metade do romance. A
primeira é a conspiração para retirar Na-
poleão de Santa Helena e trazê-lo para a
América. A segunda é uma narrativa semific-
cional do processo de independência
brasileiro. Essa segunda linha de enredo é de
longe a temática principal de Sampaio. É
nela que o autor procura desmistificar certas
versões oficiais equivocadas da nossa
história, como por exemplo, o Dia do Fico, o
Grito do Ipiranga e a noção de que Dom
Pedro I era um constitucionalista convicto.
O enredo transcorre ora nos E.U.A., ora
em Pernambuco, quando acompanhamos as
articulações dos revolucionários repub-
licanos, ou ainda na própria corte por-
tuguesa, então sediada na cidade do Rio de
Janeiro. Há ainda breves passagens pela ilha
259/434

de Santa Helena, quando o resgate de Bona-


parte transcorre sob a forma de um desem-
barque anfíbio60, e pelo arquipélago de
Fernando de Noronha, onde o ex-monarca é
provisoriamente instalado.
Ao longo de toda a trama, observa-se a
preocupação precípua do autor em se manter
fiel às fontes históricas tradicionais, nar-
rando com detalhes as marchas e con-
tramarchas do nosso processo de inde-
pendência. A história apresentada não é
aquela versão romanceada pelo ufanismo
que muitos de nós aprendemos na escola.
Mas é a versão mais fiel e, se pensarmos
bem, é também aquela que oferece a ex-
plicação mais plausível para os eventos que
culminaram na independência do Brasil.
Sampaio obtém êxito na tentativa de
transformar figuras históricas em persona-
gens literários convincentes, um procedi-
mento bem simples em princípio, mas de ex-
ecução difícil na prática. Alguns desses,
260/434

como D. Pedro I e Dom João VI foram bem


trabalhados. Outros, até por uma questão de
espaço, tiveram que ser apenas esboçados.
Os tempos em que aprendi História do
Brasil na escola já se vão longe há décadas,
de modo que não me sinto muito envergon-
hado ao confessar ter sido forçado a realizar
as minhas próprias pesquisas, no intuito de
confirmar a existência real de alguns dos
personagens empregados pelo autor. E neste
ponto Sampaio faz jus a um elogio merecido:
conseguiu abordar as figuras históricas, das
mais ilustres às menos conhecidas, com rigor
e respeito às fontes disponíveis, sem com isto
se descuidar dos aspectos fictícios do ro-
mance, recheando a história real aqui, ali e
acolá com uma ficção gostosa de ler.
O romance se divide em sete partes, com
mais de trinta capítulos pequenos, os quais
se subdividem geralmente em duas ou mais
cenas. Ao contrário do que o leitor possa
imaginar, tais divisões tornam a leitura mais
261/434

ágil, não prejudicando a compreensão graças


à prosa limpa do autor e ao artifício simples,
mas sempre útil, de principiar cada capítulo
com o local e a data onde a ação se
desenrola.
No seu todo, o romance de Fernando G.
Sampaio é uma obra que vale à pena ser con-
ferida. Não é história alternativa, embora
tenha uns poucos elementos deste sub-
gênero. Não escrever H.A. foi uma opção
consciente de um autor que parece dominar
a História do Brasil como poucos. Imaginem
o que Sampaio não seria capaz de fazer se
decidisse escrever H.A. explícita. O que um
autor talentoso como ele não faria com uma
República do Piratini Alternativa, só para
citarmos um exemplo? Mas é um romance
histórico brasileiro da mais fina estirpe. Se
como eu você é um apreciador do gênero,
pode mergulhar de cabeça que eu garanto61.
***
262/434

Outro trabalho capaz de mexer com a


cabeça do leitor é o conto "Folha Imperial",
de Ataíde Tartari, publicado no Somnium N°
65 (Dezembro de 1996). Desta vez trata-se de
uma história alternativa de fato, aliás, uma
abordagem muito bem humorada de um
Brasil Alternativo.
Não sei exatamente onde situar o ponto
de divergência, mas uma boa pista é o fato
do golpe republicano liderado pelo marechal
Deodoro da Fonseca ter fracassado. Segundo
Tartari, em conseqüência desse fiasco, ter-
íamos o Império do Brasil perdurando até os
dias de hoje. Deodoro, aliás, é considerado o
"traidor dos traidores" (SIC), tendo sido con-
denado à morte pela tentativa de golpe con-
tra Dom Pedro II, embora posteriormente
anistiado pelo próprio imperador. No
presente alternativo, deodoro tornou-se uma
alcunha pejorativa que denota os simpatiz-
antes da causa republicana.
263/434

"Folha Imperial" é o nome do jornal onde


trabalha o protagonista, Ronaldo Cetro, um
repórter interessado em cobrir as vidas dos
membros do jet-set do Império em geral e a
do príncipe-herdeiro em particular.
Como seu antepassado, Dom Pedro I, o
príncipe Dom Joãozinho é um bon vivant e
um tremendo mulherengo, já teve um caso
até com a Lady Di e agora parece disposto a
noivar com uma das mulatas do Sargentelli.
Várias personalidades históricas do Brasil
real tem suas contrapartes ficcionais, re-
flexos quase perfeitos nesse império tupi-
niquim alternativo, sendo citados en passant
por seus títulos de nobreza. Deste modo,
Ayrton Senna é o Conde de Interlagos; Pelé é
o Marquês de Santos e Fernando Henrique
Cardoso é o Visconde de Higienópolis.
Essa história repleta de bom humor narra
um dia de trabalho estafante do repórter
Ronaldo Cetro. Primeiro ele é perseguido
pelo Barão do Dona Marta, um chefe do
264/434

tráfico de drogas na favela homônima que


acabara de receber um título de nobreza.
Mais tarde ele e um fotógrafo cumprem
vigília próximo ao Palácio Imperial na esper-
ança de flagrar o príncipe saindo para mais
uma de suas incursões amorosas noturnas.
Acabam obtendo um furo jornalístico ao sur-
preender Dom Joãozinho com a escultural
mulata Rosinete.
No dia seguinte, na redação da Folha, o
editor quase tem um ataque apoplético.
Monarquista convicto e ultraconservador, o
velho treme nas bases ao imaginar o escân-
dalo que seria se o Príncipe do Grão-Pará,
herdeiro da coroa imperial, desposasse uma
plebéia. No meio dessa crise política imin-
ente, a redação é visitada por uma senadora
do PTR, Partido dos Trabalhadores Repub-
licanos, o grupo de deodoros mais radicais.
O enredo parece implausível? Pode até
ser. Mas o autor não parece tão preocupado
com a verossimilhança, quanto com o
265/434

humor. E não posso dizer que exista de-


mérito nessa preocupação ousada.
"Folha Imperial" é uma história altern-
ativa leve, divertida e eficaz. O autor foi ex-
tremamente feliz na tentativa de fundir
história, fantasia e humor. Aliás, em minha
humilde opinião, julgo o conto de Tartari
comparável a algumas das histórias altern-
ativas do James Morrow. De qualquer forma,
sem a menor sombra de dúvida, o autor foi
melhor sucedido nesta fusão do que o Barry
Malzberg, um dos queridinhos da crítica de
FC americana, que há anos vem tentando
inutilmente escrever uma H.A. engraçada.
Ou talvez, quem sabe, as histórias de
Malzberg só agradem ao senso de humor
americano...
"Folha Imperial" é o tipo de trabalho que,
imagino, teria boa aceitação fora do fandom.
Aliás, eu consideraria um prazer e uma
honra poder incluir esse conto numa
266/434

antologia de histórias alternativas brasileiras


que planejo publicar algum dia.
COM A PALAVRA, O LEITOR

Publicado originalmente no MEGALON


41 (julho 1996)

Ao longo dos últimos três anos, com a


cumplicidade do editor e a tolerância dos
leitores, tenho mantido uma coluna de
História Alternativa no Megabn, a única do
seu gênero em fanzines brasileiros e, se-
gundo me consta, em qualquer fanzine de
FC&F.
Não sem uma certa surpresa e alegria
constatamos, o editor e este ensaísta, que a
atitude dos leitores em relação à coluna tem
sido de uma maneira geral bem mais parti-
cipante do que a resposta típica ante às
268/434

demais matérias publicadas neste e em out-


ros veículos do fandom.
Há pouco mais de um ano, tomei a liber-
dade de pedir auxílio aos leitores para identi-
ficar quaisquer trabalhos de H.A. publicados
em português que não houvessem sido rela-
cionados numa listagem então publicada
como anexo da coluna. A resposta foi mara-
vilhosa. De vários cantos do país chegaram
cartas, apontando lapsos reais ou aparentes
na relação. Correções implementadas, e a
lista atualizada foi transmitida ao Dr. Robert
B. Schmunk, o coordenador da lista mundial
de trabalhos ficcionais e não-ficcionais de
H.A.
Contudo, uma reação inesperada ao meu
pedido de auxílio, tão ou mais promissora
que o próprio auxílio em si, foram as dúvidas
suscitadas pela temática de H.A. Dúvidas
que começaram a aportar em minha caixa
postal junto com as cartas que prestavam in-
formações bibliográficas relevantes.
269/434

Vários missivistas reclamaram, e não sem


uma certa razão, que este colunista men-
ciona muitos romances e trabalhos de ficção
curta não traduzidos para o português. É
verdade. Mas a razão é simples. Nos países
lusófonos, o subgênero H.A. sofre das
mazelas comuns (mas talvez num grau ainda
mais elevado) ao restante da FC&F: a maior-
ia dos trabalhos não foram traduzidos para o
português. Como agravante, observa-se que
essa carência é ainda mais pronunciada
quando se trata de trabalhos recentes, sobre-
tudo de autores novos, que estão explodindo
lá fora, embora sejam completos descon-
hecidos dos hierarcas camonianos do mer-
cado editorial brasileiro. E a situação seria
ainda pior, não fossem as coleções portugue-
sas Argonauta, da Livros do Brasil, e Livro de
Bolso FC, da Europa-América...
Contudo, considerando o quão pouco po-
demos fazer de imediato para alterar signi-
ficativamene esta tendência, só resta encarar
270/434

a crise pelo seu lado bom. As obras estão de


fato disponíveis, a preços muito mais razoá-
veis do que os praticados no Brasil ou em
Portugal, só que em inglês. Ocorre na H.A. o
mesmo que na FC&F como um todo: a vont-
ade e a capacidade de ler em inglês é funda-
mental para aqueles que almejam uma com-
preensão mais profunda do gênero. Neste as-
pecto, uma dicotomia curiosa: ao contrário
do que ocorre no fandom brasileiro em geral,
a grande maioria dos membros do subfan-
dom carioca lê FC&F em inglês. Talvez um
fruto indireto do estímulo inicial ministrado
por aqueles fãs que são, ou foram em alguma
fase de suas vidas, tradutores profissionais.
No meu caso pessoal, embora tenha con-
cluído com competência mediana o meu
curso regular de inglês, só adquiri a fluência
necessária para ler os pockets de FC, cujas
lombadas até então eu só namorava nas est-
antes das livrarias (sem a menor coragem de
sequer tentar uma aproximação romântica),
271/434

quando decidi arriscar e meter a cara. Ah, o


primeiro pocket a gente nunca esquece... No
meu caso foi o Way Station, que muitos con-
sideram (e eu concordo) o melhor romance
do Clifford D. Simak. Levei quase um mês
com o pocket de um lado e um minidi-
cionário do outro, mas consegui. O segundo
romance em inglês foi mais fácil, o terceiro
mais ainda. E, um belo dia, me surpreendi
lendo capítulos inteiros sem ao menos abrir
o tal dicionário. A moral da história vocês já
sabem tão bem quanto eu: somos capazes
das coisas mais difíceis quando se trata de
possibilitar o nosso acesso a novas fontes de
prazer.
Bom, mas voltando à vaca-fria das dúvi-
das sobre H.A., muita gente tem se pergun-
tado, e me perguntado, se o conto "Dori
Bangs" do Bruce Sterling, publicado na
finada Isaac Asimov brasileira, seria H.A.
Esta é uma questão assaz pertinente,
tanto que causa até hoje polêmicas entre os
272/434

estudiosos de H.A. Dentro da nossa área de


pesquisa há uma minoria empedernida que
defende o argumento seguinte: qualquer tra-
balho de ficção se constitui em H.A. se o
curso da história se desviar, ao longo do seu
enredo, ainda que milimetricamente, da
nossa linha histórica. É consenso da maioria,
no entanto, que somente as alterações signi-
ficativas geram enredos de H.A. Por alter-
ações significativas devemos entender no
âmbito desta discussão as mudanças capazes
de perturbar a história da humanidade como
um todo.
Tomando um exemplo cotidiano, vamos
admitir que você não se casasse com seu côn-
juge atual, mas com outra pessoa. Nesse
caso, os seus filhos seriam diferentes do que
são hoje, certo? E, desta forma, o universo
inteiro seria um pouco diferente do que é.
Tudo bem. Mas, em termos de H.A., será que
isto influiria decisivamente na história?
Talvez sim, talvez não. Quem sabe um de
273/434

seus filhos, do futuro do presente ou do fu-


turo do pretérito, não viesse a se tornar uma
figura histórica importante, capaz de mudar
os destinos do país, ou até do mundo? Neste
caso, sua decisão de casar com "A" e não com
"B" constituiu-se num ponto de divergência,
bastante e suficiente para gerar uma H.A.
distinta da história em NLT. Caso contrário,
se nenhum dos seus filhos, passados,
presentes, futuros ou condicionais, mudar
significativamente o curso da história, então,
segundo os cânones vigentes, sua escolha
matrimonial não gerou, ou gerará, uma
H.A... Ufa! Que alívio! Aposto que essa re-
sponsabilidade medonha para com o destino
da espécie humana já estava te deixando com
um frio na barriga, não é?
Assim sendo, pela definição exposta
acima, "Dori Bangs", a história de uma figura
do pop underground norte-americano das
décadas de 1960 e 70 que, segundo Sterling,
poderia ter casado com a Dori do título, não
274/434

se constitui em princípio, numa H.A. A


menos, é claro, que o roqueiro inveterado
enrustido dentro de você insista que um di-
nossauro da contracultura a mais ou a menos
faça de fato alguma diferença em termos
globais a longo prazo...
Mas, deixemos de lado as questões
genéricas, passando às dúvidas de caráter es-
pecífico dos leitores da coluna.
Em sua carta de 19 de setembro de 1995,
César R.T. Silva, ilustrador emérito, fan-
zineiro arcano, além de figura de proa em
nosso fandom, levantou uma série de
questões, as mais pertinentes das quais abor-
darei nas próximas linhas, por julgar que
talvez possam se constituir, numa certa me-
dida, em dúvidas mais ou menos comuns a
vários leitores da coluna.
César argumenta que os romances Onde
Mora o Mal, A Irmandade do Talismã e O
Outro Lado do Tempo do Simak seriam
fantasias medievais, e não H.A. Segundo ele,
275/434

nenhum dos três romances possuiria os ele-


mentos históricos necessários para justificar
a sua classificação como história alternativa.
Argumenta que se considerarmos esses ro-
mances do Simak como tal, teríamos que
fazer o mesmo com a maior parte da obra de
Tolkien. Será mesmo? Bem, vejamos.
A trama de A Irmandade do Talismã
transcorre no interior de uma Inglaterra me-
dieval que ainda persiste em pleno século
XX, num cenário histórico onde a Renas-
cença não ocorreu e a humanidade ainda
vive na Idade Média. Já Onde Mora o Mal se
passa numa LTA onde o Império Romano
perdurou até os nossos dias. Dois romances
de fantasia, não há a menor dúvida. Fantasi-
as situadas não em mundos imaginários,
como a Terra Média de Tolkien, mas antes
calcados numa história em tudo semelhante
à do nosso mundo, até a ocorrência do ponto
de divergência. Esta é, aliás, a definição de
H.A. Em ambos os trabalhos, Simak adotou
276/434

o substrato histórico real como ponto de


partida na elaboração dos seus back-
grounds62, que se passam de fato em LTA.
Quanto a'O Outro Lado do Tempo
['EnchantedPilgrimage"- Argonauta 227],
concordo plenamente com o César: não é
H.A. Aliás, a minha opinião sobre o conteúdo
de H.A. desse romance mudou ao longo do
tempo. Confesso que, no tempo em que meus
conhecimentos sobre as H.A. ainda não eram
tão sólidos, eu tendia a considerar O Outro
Lado do Tempo como uma 'Terra Altern-
ativa situada num universo paralelo '63.
Mais tarde, depois de ler o original, percebi
que o Simak não propôs a existência de um
ponto de divergência; e tampouco explicou
se as outras duas Terras eram idênticas à
nossa, ou simplesmente mundos terrestri-
formes paralelos à Terra da NLT. Por isso, de
uns dez anos para cá, passei a considerar o
romance mais como um trabalho de mundos
paralelos do que H.A.64
277/434

Quanto a se considerar os trabalhos de


Tolkien como H.A., não se discutirá esta
questão aqui, não tanto pelo fato de julgá-la
meramente retórica, mas por não considerá-
la pertinente no atual estado da nossa
discussão.
Pertinentes, contudo, são as questões que
o César levanta, na mesma missiva, sobre
três romances do Philip K. Dick, Os Olhos do
Céu, Regresso ao Passado e Deus da Fúria.
Seriam ou não H.A.?
Bem, os dois primeiros trabalhos são
casos típicos de mundos paralelos, com pou-
ca ou nenhuma relação com a temática de
H.A. No mundo paralelo de Os Olhos do Céu
os milagres fazem parte do cotidiano. Já em
Regresso ao Passado, é o próprio tempo que
flui de trás para frente (conseqüências ocor-
rendo antes das causas) no mundo paralelo
proposto pelo autor.
E o Deus da Fúria? Bem, aqui Dick parte
do pressuposto de que Deus é
278/434

intrinsecamente mal. Mas, e daí? Não vejo


no que isto tem a ver com H.A.
César pergunta ainda se Tembreabrezi, o
Lugar do Início e Flageb dos Céus, ambos da
Ursula K. LeGuin, seriam H.A.
Tembreabrezi... é mais um caso clássico
de mundo paralelo. Uma novela bela e ex-
tremamente bem escrita, como costuma
acontecer com os trabalhos da autora, mas
não tem nada a ver com H.A. Já o Flagelo
dos Céus apresenta de fato alterações de
caráter histórico. Mas, como todas ocorrem
num futuro hipotético, também não vejo
muita relação com a temática de H.A.
Em sua carta de 1° de outubro de 1995,
Carla Pereira, historiadora doutorada nos
E.U.A. e atualmente residente na Região dos
Lagos, levanta questões mais espinhosas e
tão pertinentes quanto às de César Silva.
Referindo-se a um de meus ensaios an-
teriores nesta coluna65, Carla afirma se sen-
tir desconfortável com a perspectiva de
279/434

considerar as "histórias de dinossauros"


[SIC] da trilogia A Oeste do Eden do Harry
Harrison como H.A. Bem, neste caso estou
de mãos atadas: que posso fazer, se o próprio
autor afirma que o seu mundo ficcional de-
corre de uma LTA onde o grande impacto
meteorítico do final do Cretáceo não ocorreu
e, em conseqüência, os dinossauros não se
extingüiram? Tudo bem. Concordo que não
há abordagem histórica alguma em A Oeste
do Eden (Ah, os puristas...). Mas, de
qualquer modo, há um ponto de divergência,
a partir do qual as histórias do universo e da
Terra se modificaram, não é? E isto, per si,
permite a classificação dessa história de di-
nossauro em particular como H.A.
Outra de minha amiga historiadora: de-
pois de fuçar a listagem mundial de H.A.
diretamente, via Internet, ela reclama de um
erro existente na data do ponto de divergên-
cia da noveleta "In the House of Sorrows" do
Poul Anderson (a citar, a tomada de
280/434

Jerusalém pelo Império Assírio, impedindo


em última análise o desenvolvimento do cris-
tianismo). Realmente, os assírios não in-
vadiram a Judéia e a Galiléia circa 160 a.C.,
mas muito antes, por volta de 700 a.C. Já
passei a informação ao coordenador da nossa
lista para que se providencie as devidas cor-
reções. Muito obrigado!
Ainda na mesma carta, Carla pergunta se
devemos considerar todos os trabalhos de
steampunk como H.A. Olha, sinceramente,
eu ainda não tinha pensado no assunto.
Nunca li ou ouvi falar de um trabalho steam-
punk que também não fosse H.A. A não ser
que vocês considerem Os Portais de Anúbis,
do Tim Powers, como steampunk.... Uma
proposição para lá de discutível. De qualquer
forma, está aceita a sugestão de um ensaio
futuro sobre a questão steampunk no âmbito
desta coluna.
E, finalmente, a historiadora critica a im-
plausibilidade do ponto de divergência
281/434

escolhido por este colunista na noveleta "A


Ética da Traição" (a citar, vitória paraguaia
na Batalha Naval do Riachuelo). Bom, outra
situação difícil. Se por um lado, como eu
sempre digo, o leitor tem (quase) sempre
razão; por outro, considero minha pesquisa
sobre o assunto bastante acurada. Algo em
tom de brincadeira, Carla ameaça escrever
uma crítica à noveleta. Suas críticas serão
sempre bem-vindas. Ou, como dizem os nos-
sos primos ibéricos, iQui vienga el toro!
Em contato telefônico, Roberto de Souza
Causo me perguntou se o conto "A Moça
Triste de Berlim", de João Batista Melo, pub-
licado na coletânea As Baleias do Saguenay,
é H.A. O trabalho em questão propõe que o
dirigível Hindenburg teria explodido sobre
os céus do Rio de Janeiro, e não sobre New
Jersey, E.U.A. Essa catástrofe alternativa é
suficiente para classificar o trabalho como
H.A. Contudo, além de não desenvolver bem
o argumento, o autor não parece interessado
282/434

em se expressar no jargão próprio, comum


tanto aos trabalhos de temática histórica,
quanto aos de H.A. É um dos contos mais
fracos de uma coletânea repleta de bons e
maus momentos.
Em outra carta, de 18 de novembro de
1995, César R.T. Silva volta à carga, ind-
agando se a novela "Skull City" do Lucius
Shepard e os contos "Petra" do Greg Bear e
"O Contínuo de Gernsback" do William Gib-
son seriam H.A. Bem, como já dizia o Velho
Jack (Estripador), vamos por partes...
Primeiro, "Skull City" apresenta uma es-
pécie de mundo paralelo, que poderia ou não
ser uma H.A. Como o autor não esclarece es-
ta questão, não costumamos classificar essa
história louquíssima como alternativa.
"Petra" realmente apresenta alguns ele-
mentos históricos dispersos em sua trama.
Mas nada coerente ou consistente o bastante
para permitir sequer a tentativa de
283/434

classificação como H.A., mundo paralelo,


história futura, ou história oculta .
Agora, quanto ao "Contínuo de Gerns-
back", publicado em português na antologia
Reflexos do Futuro, organizada pelo Bruce
Sterling e publicada pela Argonauta, no que
me diz respeito é H.A., e a lista mundial con-
corda comigo. O que não chega a ser nen-
huma grande novidade, pois, de um modo
geral, Robert Schmunk, o coordenador dessa
lista, costuma ser mais liberal que eu,
quando se trata de considerar um trabalho
como H.A.
FUTEBOL ALTERNATIVO

Publicado originalmente no MEGALON


49 (junho 1998)

Estávamos, eu, o editor do Megabn e al-


guns amigos comuns, justamente fechando
nossas contas no Hotel Jaguary, depois de
um fim de semana prá lá de animado na
quinta edição da InteriorCon, quando nos
deparamos com a edição de domingo da
Folha de São Paulo. Havia uma chamada na
capa para uma reportagem especial no ca-
derno esportivo sobre "As Copas Que Não
Aconteceram", onde os autores discorriam
no mais sério tom não-ficcional e document-
al, sobre os resultados das Copas do Mundo
de 1942 na Argentina e de 1946 em Portugal.
285/434

Antes que os futebolistas de plantão mais


afoitos exclamem invocados "Não houve
nenhuma Copa em 1942 ou 1946!", esclareço
que, realmente, devido à Segunda Guerra
Mundial, tais competições não se deram.
Pelo menos, não em nossa linha temporal
(NLT)... Já na linha temporal alternativa
(LTA) criada pelos articulistas da Folha,
apesar do conflito mundial, as duas Copas de
fato ocorreram. Ao que se saiba, este é o
primeiro exemplo de história contrafactual
(vertente não-ficcional das histórias altern-
ativas) abordando o futebol.
Segundo a reportagem, a Argentina foi
bicampeã em 1942 e 1946! Como premissa
principal, os autores alegam que nossos
grandes rivais portenhos possuíam o melhor
selecionado do mundo àquela época. Além
disso, a Itália e a Alemanha, as maiores
potências futebolísticas européias, não
puderam enviar suas equipes para a Copa de
1942 na Argentina (por causa da própria
286/434

Guerra) e não tiveram condições de reunir


seleções bem preparadas para a Copa de Por-
tugal, que ocorreu apenas um ano após o
término do conflito mundial.
Em NLT, a Copa de 1942 teria sido
provavelmente na Argentina se não houvesse
a Guerra, pois a nação vizinha já se havia
candidatado para sediar a competição, já
possuía grandes estádios e um futebol profis-
sional de altíssima qualidade. Por causa do
conflito, apenas onze seleções compare-
ceram: seis sul-americanas e cinco européias
- estas últimas de países tecnicamente neut-
ros. Um problema de plausibilidade nessa
especulação é se supor que a Suíça (com-
pletamente isolada em 1942), a Espanha
(recém-saída de uma dolorosa guerra civil)
ou a Dinamarca (ocupada pelas forças do
Terceiro Reich!) teriam sido capazes de re-
unir equipes nacionais e enviá-las até a
América do Sul. Contudo, um problema a
meu ver muito mais sério é se julgar haver
287/434

clima para uma Copa do Mundo em meio ao


maior conflito militar da humanidade... É
preciso ser muito apaixonado por futebol
para imaginar algo do gênero.66 Mas, argu-
mentam os autores, admitindo-se tal
premissa como válida, a Argentina teria se
sagrado campeã e o Brasil vice.
Quatro anos mais tarde, em Portugal, a
história não teria sido muito diferente.
Porque em Portugal? Porque era um dos
poucos países europeus inteiros em 1946.
Foram dezesseis as seleções competidoras. A
Argentina tornou-se bicampeã, tendo a Itália
como vice, a Suécia em terceiro lugar e o
Brasil em quarto.
***
Mas, e quanto ao futebol alternativo na
ficção brasileira? Será que existem alguns
exemplos?
A recém-relançada antologia da Relume-
Dumará Onze em Campo e um Banco de
Primeira, organizada por Flávio Moreira da
288/434

Costa, contém dezesseis contos, mas nada


que se assemelhe à literatura fantástica,
quanto mais à história alternativa. A antolo-
gia conta com a participação de alguns dos
autores mais conceituados da safra atual da
literatura brasileira. Embora sejam em geral
bem escritos e alguns sejam de fato interess-
antes, os contos dessa antologia são, até
certo ponto, previsíveis e decepcionantes. As
duas grandes exceções são o excelente "Na
Boca do Túnel" de Sérgio Sant'Anna e o pun-
gente "Escanteio" de Anna Maria Martins.
Uma lembrança ligeiramente alternativa
dos tempos de antanho é o curta- metragem
"Barbosa", de Jorge Furtado, onde um
torcedor fanático faz uma viagem retrotem-
poral para alterar o passado e impedir que o
Brasil perdesse a final da Copa de 1950 para
o Uruguai no Maracanã. Infelizmente para
os patriotas de chuteiras, o tiro sai pela cu-
latra quando o protagonista produz um para-
doxo temporal positivo. No entanto, essa não
289/434

foi, acreditem, a última palavra sobre via-


gens temporais futebolísticas na FCB... Mais
detalhes sobre o enredo desse curta no en-
saio "Filmes Alternativos".
Além dessa película solitária, haveria
mais algum trabalho futebolístico na FCB?.
Ao que eu saiba, em termos profissionais,
não houve nenhum... por enquanto.
Faço ênfase especial no por enquanto.
Pois está prestes a sair pela micro- editora
Ano-Luz, a antologia de futebol e FC, Outras
Copas, Outros Mundos. Depois de vários
meses estudando esquemas táticos e técnicos
de dezenas de contos e noveletas, nosso tre-
inador, Marcello Simão Branco, selecionou
os onze trabalhos titulares que integrarão a
primeira antologia com temática esportiva
da FCB. Além do prefácio do grande jogador
e técnico da Seleção Brasileira, Telê Santana,
e de proporcionar a estréia profissional para
quatro novos autores, essa antologia ap-
resentará dois trabalhos de história
290/434

alternativa stricto sensu e um terceiro sobre


viagens retrotemporais futebolísticas no mel-
hor estilo das histórias de patrulha temporal
e com fortes elementos de H.A.
Embora tais histórias ainda estejam in-
éditas no momento em que escrevo o ensaio
presente, quero crer que se trate de uma con-
dição meramente temporária. Além disso, eu
jamais desperdiçaria a oportunidade ex-
celente de, com uma pequena dose de
conivência do Editor (que, coincidentemente
também é o treinador de nossa antologia...),
fazer uma pequena propaganda institucional
de nosso produto que, espero, deixará uma
parcela dos leitores com água na boca.
O conto "Se Cortez Houvesse Vencido a
Peleja de Cozumel" da historiadora Carla
Pereira é escrito sob a forma de matéria jor-
nalística. Algo que dentro do subgênero da
H.A. costumamos chamar de pseudo - non-
fictional , ou seja, ficção sob a forma de uma
carta, artigo de divulgação, reportagem ou
291/434

ensaio científico. É claro que essas pseudo


não-ficções também se fazem presentes na
FC convencional; exemplos abundam, desde
"Uma Recusa a Mais" de Patricia Nurse, pas-
sando pelo meu próprio "Alienígenas Mitoló-
gicos", até chegar ao "Carta à Redação" do
Bráulio Tavares, ainda inédito, mas também
presente em Outras Copas, Outros Mundos.
Mas são mais freqüentes na H.A., a ponto de
terem criado uma tradição muito forte no
subgênero, já contando com diversos clássi-
cos do porte do ensaio "If Lee Had Not Won
the Battle of Gettysburg" de Winston
Churchill ou "Report of the Special Commit-
tee on the Quality of Life" de Harry
Turtledove.
Em "Se Cortez...", às vésperas da decisão
de uma Copa do Mundo de Balípodo
Moderno, uma repórter rememora os event-
os históricos que produziram o fracasso da
terceira expedição castelhana ao México e es-
pecula no que teria acontecido se Cortez
292/434

houvesse logrado êxito. Em NLT, os navios


dessa terceira expedição fizeram realmente
uma parada breve em Cozumel, tendo sido
bem recebidos pelos maias, que à época
mantinham um pequeno centro comercial
nessa ilha.
Nessa LTA, os nativos convidam os
castelhanos para disputar uma partida de
tlachtli, um jogo de bola praticado por diver-
sas culturas pré-colombianas (maias e
astecas entre elas) e cujas regras se assemel-
hariam vagamente às de nosso futebol. De
fato, existem quadras de tlachtli nas ruínas
de muitas cidades maias. Já se encontraram
quadras construídas em datas anteriores a
1.000 a.C., o que provavelmente faz do
tlachtli o primeiro antepassado do futebol e
o esporte oficial com bola mais antigo de que
se tem notícias.
Pois bem. Do resultado dessa inocente
peleja de Cozumel proposta pela autora toda
a história se altera a partir de 1520,
293/434

culminando num Brasil alternativo onde os


elementos culturais ameríndios e europeus
parecem ter se fundido de uma forma muito
mais equilibrada e harmoniosa do que ocor-
reu em NLT. Uma estréia de categoria, para
empregar o jargão do esporte, onde nem
mesmo a questão do efeito da ação das
moléstias infecciosas trazidas pelos europeus
ao Novo Mundo é esquecida, e até as formas
primitivas do futebol grego e romano são
citadas en passant. Lamento apenas o fato
de Carla não ter mostrado mais dessa LTA
tão original quanto interessante. Ah, a se
lamentar também, eu não ter ouvido falar
desse trabalho de H.A. da Carla antes de es-
crever o ensaio "Américas Alternativas I -
Pré-Colombianos Alternativos", algumas
edições atrás. Espero que Carla não pare por
aí e nos brinde no futuro com outras H.A.
passadas nessa LTA.
Outra estréia de classe foi a de Octávio
Aragão com a noveleta "Eu Matei Paolo
294/434

Rossi". Trata-se aqui de uma homenagem


explícita aos contos de patrulha temporal es-
critos por Poul Anderson. Uma homenagem
elaborada com muita verve e bom-humor;
um autêntico achado, prontamente convo-
cado por nosso treinador!
A estrutura desse tipo de história é bem
conhecida pelo leitor médio de ficção
científica: cronoterroristas ou meros turistas
temporais viajam ao passado e alteram os
resultados de eventos históricos cruciais,
gerando assim LTAs a partir de pontos de di-
vergência proposital ou inadvertidamente in-
troduzidos. Ao regressar ao presente, os
viajantes se deparam com uma cultura in-
teiramente diferente daquela que deixaram
na jornada de ida. Por via de regra, agentes
de um ou outro tipo de polícia temporal são
obrigados a intervir para colocar a história
novamente em seus eixos etéreos, quer do
nosso ponto de vista, quer da perspectiva de
uma outra linha temporal qualquer.
295/434

Na noveleta "Eu Matei Paolo Rossi" há


todos esses elementos e muito mais. Um
torcedor desarvorado regressa ao lar após a
derrota por 3x2 para a Itália na Copa de 1982
na Espanha. Descobre que um vizinho itali-
ano sebosinho fez uma viagem temporal de
alguns dias ao passado para dopar o atacante
Paolo Rossi, de modo que este jogasse o
partidaço que de fato jogou em NLT, possib-
ilitando assim a vitória da Squadra Azzura
sobre a Seleção Canarinho, então franca fa-
vorita ao título mundial. Diante da incredul-
idade do protagonista, o viajante lança di-
ante de seus olhos o clássico jornal com o
clichê da manchete que jamais aconteceu:
BRASIL TETRACAMPEÃO MUNDIAL!!!
Desse ponto em diante, estimulado pelo
vizinho italiano, o protagonista se envolve
nos mais diversos e emaranhados imbróglios
espaçotemporais, alterando cada vez mais a
história em geral e os resultados das Copas
do Mundo em particular.
296/434

Já aprendemos que, neste tipo de enredo,


quanto mais bagunça tocamos nos diferentes
continua e linhas históricas, maior será a
probabilidade de uma intervenção da temida
polícia temporal, ou Intempol® no caso. É
isto que acontece, só que, refletindo as prát-
icas policiais brasileiras, os agentes da fami-
gerada organização estão longe de ser
aqueles funcionários assépticos, bonzinhos e
politicamente corretos, típicos da FC escrita
no Primeiro Mundo. Ao contrário, são uns
meganhas truculentos, mas tremendamente
eficientes, que, no bom e velho estilo dos
tempos da ditadura, partem logo prá por-
rada, apagando simplesmente o protagonista
do nosso continuum espaçotemporal e o de-
portando para a "prisão dos homens que
nunca existiram"... E a história não pára por
aí, não. Mais detalhes em na antologia Out-
ras Copas, Outros Mundos.
E, finalmente, o doce e culpado prazer de
falar sobre o meu próprio trabalho; no caso
297/434

em pauta, a noveleta de H.A. "Tátrias de


Chuteiras".
Como muitos já perceberam, o título veio
de uma citação do teatrólogo Nélson Rodrig-
ues. A histótia aborda exatamente esse tipo
aberrante de patriotismo exacerbado que no
Brasil só aparece às vésperas das Copas do
Mundo. Uma espécie de patriotismo facil-
mente manipulável por políticos inescrupu-
losos (tudo bem, em termos de Brasil isto é
quase que um pleonasmo vicioso) daqui e do
estrangeiro, e de todas as épocas, com in-
teresses prá lá de escusos...
"Tátrias de Chuteiras" é um trabalho na
mesma LTA da noveleta "O Vampiro de Nova
Holanda", uma H.A. em que a República de
Palmares existe até os dias de hoje. A ação se
passa na final da 15a Copa do Mundo, em
1986 nos Estados Unidos. Na ausência das
Guerras Mundiais, a história do futebol
avançou duas Copas do Mundo em relação à
NLT: a Copa de 1942 foi disputada em
298/434

Palmares e a de 1946 na Alemanha. Embora


existam cinco seleções bicampeãs, nenhum
país conseguiu ainda se sagrar tricampeão e,
portanto, conquistar em definitivo a Taça
Jules Rimet. A final da Copa dos Estados Un-
idos determinará para sempre a posse do
troféu, pois é justamente entre as seleções
bicampeãs do Brasil e de Palmares.
Só que, mais do um simples jogo, a final é
uma autêntica guerra entre as duas nações
rivais — jamais a expressão "batalha campal"
se aplicou tão bem a uma partida de
futebol...
O técnico da seleção palmarina é o
brasileiro Nascimento, segundo muitos o
maior goleador e o futebolista mais completo
de todos os tempos; um sujeito cujo senti-
mento de lealdade se encontra dividido entre
sua raça e a pátria em que nasceu, isto num
mundo onde Palmares é a campeã da luta
contra o escravismo e o colonialismo, a
grande defensora da causa da igualdade da
299/434

Raça Negra, além de uma superpotência que


já derrotou o Brasil em várias guerras, desde
os tempos do Império, isto para não falar nas
inúmeras escaramuças fronteiriças...
***
Bom, em termos de futebol alternativo
era mais ou menos isto que eu queria ap-
resentar. Já no que diz respeito a Outras Co-
pas, Outros Mundos, além da óbvia paixão
do editor (do Megalon e da antologia) e
deste articulista pelo rude esporte bretão,
houve, confesso, o anseio desvairado por
uma desforra contra todos aqueles contos de
FC e HA sobre beisebol, futebol americano e
demais esportes insossos e incompreensíveis
que os autores anglo-saxões tanto nos têm
impingido no último meio século. Esta é a
nossa resposta: não temos que escrever
sobre beisebol e nem nos seria fácil fazê-lo.
Mas, em termos de futebol (soccer.), acho
que sabemos do que estamos falando e, port-
anto, podemos aplicar o mesmo princípio
300/434

que sempre defendi em relação a se ter es-


critores de FCB escrevendo histórias altern-
ativas com pontos de divergências, linhas
temporais alternativas e, sobretudo, temátic-
as inspiradas em nossa própria história. É
melhor que o façamos logo, antes que o in-
imigo desembarque em nossas praias...
Além dos três trabalhos abordados neste
ensaio, a antologia possui seleções brasileir-
as ora tornando-se invencíveis com o auxílio
de programações nanotecnológicas, ora en-
frentando escretes alienígenas... Já outros
alienígenas vêm à Terra em segredo para
aprender o futebol e o levar para seu planeta
natal e evitar a decadência de sua cultura
galáctica. Há situações genuinamente love-
craftianas onde políticos desonestos (olha
eles aí de novo!) usam o futebol com propós-
itos malignos; aquelas onde pais são levados
à loucura pela falta de talento futebolístico
dos filhos; ou ainda outras, em que países in-
teiros são arrastados à guerra por causa do
301/434

futebol... Espero que vocês gostem. E,


quanto ao mais, bola prá frente, que atrás
vem gente!
FILMES ALTERNATIVOS

Publicado originalmente no MEGALON


50 (outubro 1998)

Há algum tempo meu amigo Marcello,


editor do Megahn, vem insistindo em que eu
escreva um ensaio para a coluna sobre os
filmes de cinema e televisão com enredos de
história alternativa ou, se tal não fosse pos-
sível, um ensaio sobre filmes que possuíssem
pelo menos elementos desse subgênero da
FC. Adiei a empreitada até agora por julgar
não dispor de espécimes suficientes: não
parecia haver uma quantidade razoável de
filmes, televisivos ou cinematográficos, que
eu pudesse em sã consciência classificar
como histórias alternativas.
303/434

Contudo, após breve pesquisa, e forçando


a barra só um pouquinho, creio ter con-
seguido assunto bastante para abordar os
enredos alternativos nas mídias
audiovisuais.
Conforme mencionado no ensaio "Fute-
bol Alternativo", uma película que poder-
íamos considerar como "FC com elementos
de história alternativa" é o curta-metragem
"Barbosa", onde um torcedor faz uma viagem
retrotemporal, aterrissando no Maracanã em
plena final da Copa de 1950. Ele pretende
alertar Barbosa, o goleiro brasileiro, dos de-
talhes exatos do chute do atacante uruguaio
que marcaria o gol da vitória da Celeste
Olímpica. Mas, justo quando o viajante tem-
poral chama Barbosa, o arqueiro se distrai e
deixa de prestar atenção ao ataque ad-
versário e... a seleção uruguaia marca o se-
gundo gol! Um belo exemplo de paradoxo
temporal positivo : a intervenção no passado
se faz necessária para criar o próprio passado
304/434

conhecido pelo protagonista. Não chega a ser


H.A. na acepção lata do termo, pois não há
ponto de divergência a partir do qual a
história se altera do padrão conhecido. Mas
que tem jeito de H.A., ah lá isto tem.
Outro exemplo dos tempos de antanho é
o telefilme documentário inglês f Britain
Had Falkn, apresentado pela BBC-TV em
1972. O ponto de divergência se dá em 1940,
em plena Segunda Guerra Mundial, quando
a Alemanha obtém êxito na tentativa de
desembarque nas Ilhas Britânicas, um plano
ousado que o Alto-Comando Nazista de
nossa linha temporal também acalentava na
época, tendo batizado-o de "Operação Leão-
Marinho". Após a descrição do cenário dessa
operação de desembarque hipotética, o filme
apresenta algumas especulações sobre os
rumos que a ocupação militar nazista teria
tomado, discutindo se os ingleses teriam ou
não conseguido repelir os invasores.
305/434

Um exemplo mais acessível para nós do


que esse obscuro documentário inglês realiz-
ado há mais de um quarto de século é o filme
A Última Tentação de Cristo (1988), dirigido
por Martin Scorsese e protagonizado Willem
Dafoe.
De fato, a história da vida e da obra de
Jesus Cristo não é per si alternativa. Ocorre,
no entanto, que lá para o final do filme,
quando Jesus já está pregado na cruz, ele so-
fre justamente a última tentação do título,
tendo uma visão onde lhe é mostrado como
será/teria sido sua vida, se ele renegar/
tivesse renegado sua missão na Terra em
troca da sobrevivência e de uma velhice tran-
qüila. Esses breves minutos de filme
mostram o que teria acontecido com Jesus,
seus descendentes diretos, amigos, seguid-
ores e com o próprio Cristianismo, caso ele
tivesse decidido abandonar sua fé.
Admitindo-se a realidade histórica de Jesus
(assunto que estou longe de pretender
306/434

discutir no espaço exíguo desta coluna), de-


vemos considerar A Última Tentação de
Cristo senão um filme de história alternativa,
pelo menos um com elementos de H.A.
A comédia Rei Por Acaso (1991), sobre
um plebeu norte-americano que se torna rei
da Grã-Bretanha, não tem absolutamente
nada a ver com H.A., exceto o fato de ter se
baseado no romance Headlong: a Novel
(1980) de Emlym Williams, este sim, uma
história alternativa. No livro, a família real
britânica morre num acidente de dirigível
em 1935. Um ator de teatro de 25 anos
torna-se o rei da Inglaterra, descobrindo aos
poucos os limites do poder real na monar-
quia britânica do período imediatamente an-
terior à Segunda Guerra Mundial. O filme é
dirigido por David S. Wart e protagonizado
pelo hilário John Goodman, um dos atores
coadjuvantes mais bem pagos de Hollywood.
A Era da Traição (1993), dirigido por
Kevin Connor, é outro filme que não tem
307/434

nada a ver com H.A. exceto que conta as


aventuras e desventuras de Marcus Didius
Falco, um típico detetive particular nos
primeiros anos do Império Romano. O filme
se inspira no protagonista de uma série de
romances de detetive passados em Roma An-
tiga, todos escritos pela americana Lindsey
Davis. É isto mesmo: Falco é um detetive
particular nos moldes modernos imerso nos
tempos e roupagem da Roma Imperial. Não
é história alternativa, concordo. Mas tem to-
do um clima de H.A. além de ser diversão
garantida.
Até agora falamos apenas em filmes que
possuem apenas nuances ou elementos de
história alternativa, e não num filme cujo
enredo fosse realmente calcado no
subgênero.
Dirigido por Christopher Menaul e prot-
agonizado por Rutger Hauer, A Nação do
Medo (1994) é neste sentido the real stuf; a
película de história alternativa por
308/434

excelência. O filme é uma produção especial


da HBO inspirada no romance Pátria
Amada [FATHERLAND, 1990] de Robert
Harris.
O enredo do filme segue o romance com
razoável (mas não absoluta) fidelidade.
Trata-se de mais uma história de Segunda
Guerra Mundial Alternativa. O ponto de di-
vergência é o êxito do ataque-relâmpago
alemão à
U.R.S.S. A rápida conquista da Ucrânia e
da porção européia da Rússia faz com que
esse Reich Alternativo passe a se estender
desde o Atlântico até os Urais. Muito mais
fortes que em NLT, os nazistas conseguem
repelir os aliados no desembarque maciço do
Dia "D". Enquanto a Alemanha vence a
Guerra da Europa, os E.U.A. derrotam o Im-
pério Japonês na Guerra do Pacífico.
A ação do filme se passa em 1964, quando
um coronel do departamento criminal da
S.S. investiga uma série de assassinatos de
309/434

figurões da cúpula do Partido Nazista na se-


mana da comemoração do 75° aniversário de
Adolf Hitler e às vésperas da visita do presid-
ente americano Joseph Kennedy à Ale-
manha, para tentar estabelecer tratados que
pusessem fim ao clima de Guerra Fria exist-
ente entre as duas superpotências.
O investigador criminal da S.S. é o típico
protagonista alemão dos enredos de Segunda
Guerra Mundial escritos por autores amer-
icanos: um antigo herói de guerra, contrário
aos princípios nazistas e incomodado por sua
consciência. No clímax de A Nação do Medo
esse protagonista é forçado a denunciar a
farsa que se estabelecera sobre o desapareci-
mento de milhões de judeus, ciganos e out-
ros indesejáveis à glória do Reich. À semel-
hança do romance, o protagonista morre no
final do filme. Contudo, ao contrário do
clima sombrio do fim do romance, ao
término do filme há uma mensagem de es-
perança cujo ponto principal é a atitude do
310/434

filho do investigador, então completamente


infectado pela doutrina da Juventude
Hitlerista.
***
Estreou no Brasil há pouco tempo a série
Sliders, a primeira tentativa séria(?) de se
fazer um seriado de FC com temática de
história alternativa. É a história de um
inventor pós-adolescente que bem poderia
concorrer ao prêmio de "Jovem Cientista
Louco 1998". Assim como que meio de orel-
hada, o garoto constrói uma máquina capaz
de abrir portais entre as várias linhas
temporais.
No piloto da série, o jovem, sua quase
namorada, seu professor de física favorito e
um cantor de soul music para lá de gaiato
naufragam numa LTA quando o dispositivo
de navegação dimensional deles se avaria na
primeira expedição do grupo. O quarteto vai
parar numa América do Norte afligida por
uma Era Glacial. Em viagem solo anterior, o
311/434

jovem cientista louco havia visitado uma


América onde Elvis Presley estava vivo até
hoje...
No segundo episódio, os quatro náufra-
gos vão parar numa América transformada
numa ditadura comunista, emprestando seu
apoio ao movimento de resistência ao re-
gime, liderado pela análoga da quase namor-
ada do jovem cientista naquela LTA. Do
outro lado do front ideológico, o análogo do
professor de física é um general comunista
que comanda o presídio político da Costa
Oeste.
Por estranha coincidência, um análogo
também assume papel importante no ter-
ceiro episódio, numa LTA onde os E.U.A. es-
tão sofrendo os efeitos de uma epidemia de
gripe cujo grau de letalidade é muito superi-
or ao da AIDS. Os E.U.A. se transformam
numa ditadura governada por uma elite
médica numa tentativa extrema de controlar
a disseminação da epidemia. O líder da
312/434

resistência é justamente o análogo do prot-


agonista, desta vez um jovem cientista louco
da biologia e não da física...
Um análogo coadjuvante que aparece na
maioria dos episódios é um motorista de táxi
que o quarteto de protagonistas já aprendeu
a empregar como termômetro para avaliar o
quão diferente ou estranha é a nova LTA que
estão visitando. Essa figura hilária é respon-
sável por alguns dos momentos cômicos
presentes em quase todos os episódios.
Com enredos muito centrados na realid-
ade americana da Costa Oeste (todas as
histórias se passam na área da Baía de San
Francisco), a principal crítica à série SUders
nestes dois anos de exibição nos E.U.A. é que
os episódios se tornaram repetitivos e pouco
imaginativos. Uma pena. Por um lado, a
série é mais uma idéia excelente desper-
diçada. Por outro, para os apreciadores do
subgênero SUders seria uma oportunidade
única de assistir com regularidade um
313/434

programa cuja temática se assemelhe um


pouco aos enredos de vários romances e con-
tos de H.A.67
Sliders passa às 21:00h, no Sábado Sci-Fi
do canal USA.
TEMÁTICAS LUSO-BRASILEIRAS

Publicado originalmente no MEGALON


46 (setembro 1997)

Já comentamos anteriormente que os


trabalhos de história alternativa, sobretudo
os mais longos como as novelas e os ro-
mances, têm um grande apelo junto ao
público leitor dos países desenvolvidos, visto
possuírem o tipo de enredo capaz de agradar
tanto aos fãs de ficção científica e fantasia,
quanto aos amantes dos romances
históricos.
Contudo, dependendo da formação
acadêmica do autor, escrever boa ficção de
H.A. pode revelar-se tarefa mais árdua do
315/434

que escrever num outro subgênero qualquer


da ficção científica.
Expostas as peculiaridades do subgênero,
observa-se que se nem tudo são flores, tam-
pouco são apenas espinhos. Autores luso-
brasileiros que por ventura se decidam a es-
crever H.A. contam com um trunfo poderoso
que os seus congêneres anglo-saxões já não
dispõem há várias décadas. Apesar de nossa
relativa inexperiência no subgênero,
gozamos da vantagem imensa de contar com
jazidas históricas praticamente inexploradas.
Temos toda a história de Portugal e do
Brasil, ainda intatas, à nossa disposição. Ao
todo, quase 1.300 anos de história docu-
mentada, e isto para não falarmos da pré-
história lusitana...68
Daí a importância para o êxito do sub-
gênero no idioma de que os autores lusó-
fonos, quando decidirem singrar os me-
andros de nossas linhas históricas
alternativas, façam-no em comando de suas
316/434

próprias naus, navios construídos com o


nosso conhecimento, junto às nossas praias,
e não às alheias. Não faz muito sentido escre-
vermos sobre vitórias confederadas na
Guerra de Secessão ou derrotas da Inglaterra
para a Invencível Armada de Filipe II. Além
da competição ser imensa, não teríamos
backgrounds históricos tão bons, quando
comparados com o de autores que estudaram
esses temas desde a infância, e que dispõem
de fontes de consulta mais abundantes e
acessíveis do que aquelas que nos seria viável
mobilizar.
Ao contrário, devemos escolher temas
que nos digam respeito e que nos sejam
caros. Temas que tenham a ver com as
histórias do Brasil e de
Portugal. Assuntos que, em tese, somos
capazes de abordar melhor do que qualquer
autor estrangeiro.69
317/434

Convém fazermos aqui uma pequena di-


gressão sobre as diferenças quanto ao ensino
da história pátria em Portugal e no Brasil.
A maioria dos brasileiros estuda História
do Brasil de forma intermitente, ao longo de
vários anos letivos, tanto no primeiro quanto
no segundo grau. Contudo, nossa história ja-
mais teve o seu ensino valorizado. Já ouvi al-
guns professores culparem a ditadura
militar-tecnocrática por essa obliteração do
nosso passado histórico. Aquela ditadura
possuía realmente um caráter desenvolvi-
mentista, enxergando o Brasil não apenas
como o país do futuro, mas também como
um país sem passado.
Fiz o primeiro e segundo graus de 1968 a
1978, em pleno tempo da ditadura e, de fato,
só tive a disciplina História do Brasil minis-
trada em cinco daqueles onze anos. E, ainda
assim, a nossa história parecia acabar com a
Proclamação da República. Embora meu
colégio dispusesse de bons professores de
318/434

história, eles jamais abordaram tópicos que


dissessem respeito ao nosso século. Revolta
dos Canudos? Nem pensar! Tenho a im-
pressão que tais assuntos sequer faziam
parte da matéria cobrada no vestibular. A
única exceção louvável foi a do Prof. Manuel
Maurício de Albuquerque, que não se furtou
em abordar os tópicos do nosso passado re-
cente, desmistificando ainda várias figuras
históricas idolatradas pela ditadura.70
Embora imagine que a ditadura militar
tenha possuído a sua parcela de culpa, a ex-
plicação como um todo me parece um tanto
simplista. Tenho a impressão de que o en-
sino de história do Brasil não é, e nem nunca
foi, muito valorizado pelo fato de não dar-
mos muito valor ao nosso passado histórico.
Ao contrário de outros povos, não nos or-
gulhamos dos feitos heróicos das grandes
figuras do passado. E talvez tenhamos até
uma certa dose de razão. Afinal, todas as
nossas revoluções libertárias fracassaram; a
319/434

nossa maior guerra tornou-se o genocídio de


um povo, coisa que a muitos envergonha até
hoje; e o nosso próprio processo de
independência revelou-se em verdade um
mecanismo de continuidade, elaborado de
modo a permitir a manutenção do status quo
da classe dominante.
Por outro lado, será que as grandes batal-
has e revoluções vencidas por outros povos
que não o nosso foram realmente tão grandi-
osas assim? Ou não será tudo uma questão
de marketing histórico? Porque, de acordo
com os cânones, "os vencedores escrevem a
história..."
Já em Portugal, a ditadura salazarista se
distinguiu da brasileira tanto por seu caráter
anti-progressista quanto pelo ufanismo
histórico exacerbado, o que em termos de
ensino da história pátria implicou na valoriz-
ação ao passado de glórias do país, brava-
mente granjeadas durante a Reconquista
Ibérica e, sobretudo mais tarde, na época das
320/434

grandes navegações e dos Descobrimentos,


nos séculos XV e XVI.
Em resultado não tanto das distinções
culturais mas das diferenças no ensino da
história pátria nos dois países, os por-
tugueses de hoje não apenas conhecem a
história de Portugal bem melhor do que nós
conhecemos a nossa, mas, talvez mais im-
portante, possuem maior apreço por seu pas-
sado histórico.
Voltando à questão do marketing
histórico, convém lembrar que, como luso-
brasileiros, possuímos uma história pelo
menos tão rica quanto a dos anglo-amer-
icanos. Se eles dispõem da Invasões Vikings
e da Conquista Normanda, nós temos a Re-
conquista Ibérica. À Guerra de Secessão po-
demos contrapor a Guerra do Paraguai. O
nosso equivalente à Guerra dos Sete Anos fo-
ram os trinta anos de guerra para expulsar os
invasores holandeses. As guerras civis ingle-
sas do século XVII encontram seu
321/434

contraponto nas guerras civis portuguesas da


primeira metade do século XIX, onde se bat-
eram liberais e absolutistas. A existência dos
Estados Confederados da América, país
efêmero surgido do seio de uns E.U.A. frat-
urados pela Guerra de Secessão, traz-nos à
memória os ecos da República do Piratini,
que sobreviveu durante uma década
(1836-1845) no sul do Brasil em plena Era
Imperial. E, dentro deste espírito, assim por
diante.
Para os autores lusófonos que pretendam
se dedicar à ficção de H.A. as perspectivas
hoje não poderiam ser melhores. Mas esta
situação não deve perdurar muito tempo.
Pois, diante de tantos filões históricos
riquíssimos e, no entanto, inexplorados, é de
se imaginar que exista o risco de nos de-
pararmos, caso não ocupemos logo o ter-
ritório que é nosso por direito, com invasores
estrangeiros desembarcando em nossas prai-
as. Este temor relativo tem a sua razão de
322/434

ser: os autores de FC&F anglo-americanos


possuem uma visão bastante pragmática e
profissional do mercado literário capaz de
absorver os trabalhos de H.A. E eles sabem
que os seus filões históricos estão prestes a
se esgotar. Existem autores, como Patricia
Anthony que já exploram hoje tanto os filões
históricos brasileiros71 quanto os por-
tugueses72, se bem que não em termos de
H.A., ainda...
De qualquer modo, as histórias das duas
nações parecem repletas de eventos interess-
antes que poderiam ser facilmente aproveita-
dos como pontos de divergência, a partir dos
quais nossos autores de H.A. em potencial
poderiam elaborar suas LTA luso-brasileiras
e daí escrever seus contos e romances
históricos alternativos.
E se o Brasil houvesse perdido a Guerra
do Paraguai? A república vitoriosa
transformar-se-ia em potência mundial, ou a
megalomania de López cedo ou tarde
323/434

abortaria os sonhos de grandeza da nação


guarani? E o que aconteceria com o Brasil
em cada um desses casos?
E se Nassau houvesse regressado ao
Brasil e os holandeses derrotassem os luso-
brasileiros na Segunda Batalha de Guar-
arapes, teríamos um país de fala batava no
nordeste brasileiro? E se tal acontecesse, ser-
ia esse país a maior potência da América do
Sul, ou apenas um Suriname nordestino? E
onde se encaixaria a Confederação de Pal-
mares nesse quadro?
E se Dom Sebastião I houvesse deixado
herdeiros varões, e Portugal não fosse incor-
porado à Espanha durante as seis décadas da
União Ibérica? Um Portugal independente
decerto manteria sua esquadra, sua con-
strução naval, e não teria suas colônias inva-
didas pelos holandeses. Diante disso, con-
seguiria se manter como potência de
primeira linha ao longo do século XVII, ou
acabaria por ceder terreno às potências
324/434

emergentes, como a Inglaterra e a própria


Holanda?
Por outro lado, como seriam Portugal e o
Brasil se a União Ibérica houvesse perdurado
mais tempo, ou até sobrevivido até os dias de
hoje?
E se Dom João VI houvesse ousado en-
frentar com o auxílio dos ingleses os exérci-
tos de Napoleão, ao invés de fugir com a
Família Real para o Brasil? Teríamos deste
lado do Atlântico um império brasileiro? Ou,
como nossos vizinhos hispano-americanos,
passaríamos direto de colônia à república? E,
neste caso, teria o Brasil conseguido manter
sua integridade territorial, ou se fragmentar-
ia como as antigas colônias espanholas?
E se, por outro lado, depois da corte por-
tuguesa ter fugido para o Brasil, Napoleão
houvesse afinal decidido não invadir Por-
tugal, haveria uma espécie de Reino Unido
de Portugal e Brasil ao longo do século XIX?
Ou os dois países acabariam se separando de
325/434

qualquer modo, com o Brasil tornando-se


um império e Portugal uma república?
Romas Alternativas? E se Viriato, líder
das tribos lusitanas e primeiro grande herói
da história portuguesa, houvesse conseguido
resistir às legiões da República de Roma em
145 a.C.? Ficaria o oeste da Península Ibérica
desta LTA hipotética tão livre da influência
romana quanto os bárbaros da Germânia da
NLT após a vitória de Armínio sobre as três
legiões de Varus? Neste caso, que tipo de cul-
tura surgiria dali?
E, por falar em Brasil Fragmentado, o
que teria acontecido se a República do Pirat-
ini houvesse resultado? Serviria a inde-
pendência gaúcha de exemplo a outras
províncias revoltosas? E esses diferentes
Brasis, como seriam?
E quanto à Revolução de 1964? Se ela não
houvesse ocorrido, teríamos um Brasil signi-
ficativamente diferente do existente em
326/434

NLT? E essas diferenças dar-se-iam para


melhor ou pior?
E se a Globo houvesse evoluído não para
uma rede de televisão mas sim para uma in-
dústria cinematográfica? Teríamos uma Hol-
lywood tropical no Brasil?
E se a emenda das Diretas Já fosse
aprovada pelo Congresso em 1984? A linha
dura do Exército realmente tentaria um
golpe de Estado, obrigando Ulysses
Guimarães e Tancredo Neves a um governo
no exílio? Nesse caso, como se posicionariam
a Marinha e a Aeronáutica?
E se Lula houvesse vencido as eleições
presidenciais de 1989? Um governo federal
petista conseguiria colocar o Brasil na trilha
da prosperidade? Como as elites econômicas
e os militares reagiriam?
E se o impeachment de Collor houvesse
fracassado? Teríamos uma guerra civil? Ou
quem sabe, apenas um atentado
presidencial?
327/434

Por tudo o que se discutiu acima, po-


demos notar que em termos de H.A. somos
como os primeiros descobridores, singrando
por mares nunca dantes navegados.
Vagamos por territórios virgens, uma
autêntica Terra Incognita. Nossas possibil-
idades são infinitas. Cabe a nós explorá-las.
APÊNDICE

HISTóRIAS ALTERNATIVAS PUBLICADAS EM


PORTUGUêS

Anderson, Poul: "Delenda Est", in Os


Guardiões do Tempo, Francisco Alves
(1984). Tradução: Reinaldo Guarany.
Aragão, Octávio: "Eu Matei Paolo
Rossi", in Outras Copas, Outros Mundos,
org. Marcello Simão Branco, Ano-Luz /
PECAS (1998).
Barbet, Pierre: Os Cruzados do Espaço
[Baphomet'sMeteor], Coleção Argonauta N°
258, Livros do Brasil (1980). Tradução:
Eurico Fonseca.
Bertolotto, Rodrigo; Rodrigo Bueno
e Sérgio Teixeira Jr.: "As Copas Que Não
Aconteceram", in Folha de São Paulo, re-
portagem especial do caderno "Esporte" na
edição de 09 de novembro de 1997.
329/434

Bester, Alfred: "Os Assassinos de


Maomé", in Viajantes no Tempo, Panorama
(1970). Tradução: Eduardo Saló.
Bradbury, Ray: "O Reboar do Trovão",
in Ficção Científica Para Quem Não Gosta
de Ficção Científica, org. Terry Carr, O
Cruzeiro (1969). Tradução: Edgar Costa
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Saló.
Veiga, José J.: A Casca da Serpente,
Bestseller (1989).
1)ponto de diver-
gência : instante
histórico onde ocorre o
evento-chave ou evento
diferenciador, a partir
do qual a história do
universo em geral e da
humanidade em partic-
ular se desvia da
história real de forma
inequívoca e irrever-
sível, gerando um
cenário histórico altern-
ativo. ?
2)Existem algu-
mas exceções
notáveis. O Agente de
Bizâncio , um fix-up
saboroso de Turtledove,
passa-se num século
XIII alternativo, onde
Maomé jamais fundou
o Islamismo e o Im-
pério Bizantino é a
grande potência
européia. O episódio
"Mirror, Mirror", es-
crito por Jerome Bixby
para a Jornada nas
Estrelas - Série Clás-
sica, decorre num fu-
turo alternativo (em re-
lação ao futuro-padrão
339/434

do universo Star Trek),


onde os romulanos teri-
am ocupado o Sistema
Solar durante várias
gerações, provocando
uma reação militarista
que acarretou no ad-
vento do Império Hu-
mano, tão logo os inv-
asores foram expulsos.
?
3)Os trabalhos
de H.A. publicadas em
português, citados ou
não nesta coletânea de
ensaios, estão relacion-
ados no apêndice, ao fi-
nal do volume. ?
4)Os três ro-
mances que compõem a
trilogia são, no origin-
al, West of Eden
(1984); Winterin
Eden (1986) e
Return to Eden
(1988). ?
5)As fêmeas
Yilàne são as verdadeir-
as cabeças pensantes da
espécie. Os machos são
meros objetos sexuais.
São os machos, aliás,
que ficam grávidos. ?
6)Os enredos de
Roma Alternativa serão
abordados no ensaio
seguinte. ?
7)Também cha-
madas de Guerras
Greco-Pérsicas, ou
simplesmente Guerras
Pérsicas. ?
8)Os navios per-
sas, mais pesados e de
maior calado, foram at-
raídos para as águas ra-
sas e traiçoeiras da baía
de Salamina, entre o
continente e a ilha de
Salamina. Sem espaço
de manobra e, em mui-
tos casos, encalhados,
mais de mil navios per-
sas foram abordados e
afundados por menos
de 400 naus ateni-
enses. ?
9)Publicado em
português pela Editora
Paumape em seis
volumes, sob o título
de História de Roma.
Tradução e notas de
Paulo Matos Peixoto. ?
10)Os títulos dos
três capítulos são os
seguintes: -"Digressão
Sobre as Possibilidades
de Alexandre, o
Grande, na Itália"; -
"Paralelo Entre Alexan-
dre e os Generais Ro-
manos"; e- "Com-
paração Entre as Tro-
pas Romanas e as de
Alexandre". ?
11)De Camp
coloca um especialista
em História de Roma
como protagonista para
justificar o seu bom
conhecimento do latim
clássico, uma vez que os
romanos obviamente
não articulavam o
inglês do século XX.
Uma preocupação que o
autor já teve em 1939, e
que esteve aparente-
mente ausente dos es-
píritos dos produtores
de O Túnel do Tempo ,
cerca de um quarto de
século mais tarde,
apenas para citar um
349/434

dentre muitos exem-


plos.?
12)Desenvolvi-
mento improvável.
Roma era uma cidade
maciçamente forti-
ficada, os romanos
mantinham o controle
marítimo da região e
Aníbal não dispunha de
máquinas de sítio. Mas,
ainda assim, como
hipótese, é fascinante.
?
13)Apenas a
título de curiosidade,
Manassas foi o nome
que os Confederados
deram a duas batalhas
da Guerra de Secessão,
eventos que a União
preferiu denominar
Batalhas de Bull Run.
Essas batalhas se de-
ram aproximadamente
no mesmo local, em 21
de Julho de 1861 e 30
de Agosto de 1862.
Ambos os engajamen-
tos resultaram em
vitórias confederadas.
?
14)"Roma Al-
ternativa". ?
15)Publicada no
Brasil pela finada
IAM, essa novela foi
eleita pelos sócios do
CLFC como o melhor
trabalho de ficção pub-
licado na revista ao
longo dos seus quase
três anos de existên-
cia... A novela já foi an-
alisada nesta coluna,
justamente no ensaio
"Roma Alternativa",
mas não do ponto de
vista dos romanos na
América.
Aliás, "Esperando os
Olimpianos" é o tipo do
trabalho de H.A. cuja
354/434

apreciação se eleva a
cada leitura. Para escre-
ver o presente ensaio
reli a novela pela se-
gunda vez, deliciando-
me com uma série de
pequenos detalhes e
nuances que não havia
percebido quer na
leitura, quer na
primeira releitura.
Detalhes que são como
o bouquet acentuado ou
o aroma suave de um
vinho de estirpe superi-
or, que só percebemos
no segundo ou terceiro
gole de degustação... As
citações sobre a Derrota
355/434

de Varus; a maneira in-


teligente de situar o
leitor quanto ao avanço
científico e tecnológico
dos romanos alternat-
ivos sobre a nossa civil-
ização ao citar, por ex-
emplo, as descobertas
alternativas de Tycho
Brahe e Galileu Galilei;
e muito mais... Detalhes
que eu simplesmente
não apreciei devida-
mente na primeira
leitura, preocupado
que estava com as
agruras do protagonista
e em descobrir qual era
356/434

o propósito dos tais


olimpianos. ?
16)Wilson parece
aceitar pelo menos
neste aspecto a opinião
defendida por Gibbon
em Declínio e Queda
do Império Romano ,
onde a decadência de
Roma é atribuída es-
sencialmente a dois
fatores: o barbarismo
e o cristianismo. Um
Império não cristianiz-
ado perduraria mais
três séculos... ?
17)Gnosticismo
- movimento filosófico
e religioso de caráter
dualista do início da
Era Cristã. O termo
designa uma variedade
de seitas que pro-
metiam a salvação at-
ravés da obtenção de
um conhecimento
secreto [do grego,
gnosis] que seria reve-
lado pela divindade. As
idéias cristãs foram
rapidamente incorpora-
das a essas doutrinas
sincréticas, a ponto de
já no século II, essas
seitas constituírem uma
359/434

ameaça grave ao cristi-


anismo. Muito da
doutrina cristã daquela
época foi elaborada
como forma de reação
ao gnosticismo. ?
18)Uma quarta
América romanizada é
aquela apresentada en
passant por Gregory
Benford no conto
"Manassas, Again", já
analisado no ensaio
"Roma Alternativa". ?
19)Uma in-
dicação sintomática
fornecida por Evans da
verdadeira pujança do
expansionismo asteca:
foi necessário o esforço
conjunto dos três
maiores generais das
primeiras décadas do
século XIX para deter o
avanço das tropas do
tlatoani (comandante
supremo) Cozcatezcatl.
?
20)Uma
hipótese bastante
plausível quando nos
lembramos que em
NLT, onde a Peste
Negra aniquilou apenas
cerca de um quarto da
população da Europa
Ocidental, já foi ex-
tremamente difícil de-
ter o avanço dos exérci-
tos otomanos, vitória
somente obtida em 14
de outubro de 1529
junto às muralhas de
Viena, após a queda de
Constantinopla, a perda
de quase toda a
Europa Oriental e de
363/434

boa parte da Europa


Central. ?
21)Essa novela
foi publicada original-
mente na IAsfm (1990),
aparecendo no mesmo
ano sob a forma de livro
pela Axolotl Press. Mais
tarde foi novamente re-
publicada em duas ant-
ologias de história al-
ternativa: Beyond the
Gate of Worlds
(1991), organizada pelo
próprio Silverberg, e
The Way It Wasn't:
Great Stories of Al-
ternate History
(1996), do indefectível
Martin H. Greenberg.
?
22)No que diz
respeito às Américas
Pré-Colombianas Al-
ternativas, é curioso ob-
servar que os cenários
associados aos
Vikings e Astecas Al-
ternativos são muito
mais freqüentes entre
os autores anglo-
saxões do que os
baseados em Incas Al-
ternativos. Talvez seja
mais fácil escrever
sobre Astecas e Vikings
— culturas que esses
autores conhecem (hi-
poteticamente) melhor
— do que sobre Incas,
366/434

Olmecas e Maias.
Além da novela de Yar-
bro, outra exceção bem-
vinda foi a novela de
Turtledove, "The Pug-
nacious Peacemaker"
(1990), uma continu-
ação da novela clássica
de L. Sprague de
Camp, The Wheels ff
(1940). Ao contrário do
trabalho original, a se-
quel transcorre num
Império Inca contem-
porâneo. Essas duas
novelas serão breve-
mente analisadas num
dos ensaios seguintes,
367/434

"Um Historiador Al-


ternativo". ?
23)Ensaios pub-
licados nesta coluna no
Megalon 44 (Abril
1997) e Megalon 47
(Dezembro 1997), re-
spectivamente. ?
24)A semelhança
da colonização inglesa
da costa atlântica da
América do Norte em
NLT, os chineses de At-
tanasio colonizaram a
Costa Oeste buscando
essencialmente uma
nova pátria onde
tivessem liberdade para
professar sua fé reli-
giosa. ?
25)Attanasio
chega ao requinte de
propor uma estrutura
política pretensamente
democrática, dominada
pelos partidos Conser-
vador (Confucionistas),
Liberal (Budistas) e
Radical (aborígenes
convertidos ao
Taoísmo). Há também
uma Grande Muralha
ao sul, para impedir as
invasões dos bárbaros
Astecatls... ?
26)Os maiores
navios de tesouros pos-
suíam 135 metros de
comprimento, deslo-
cavam 1.500 toneladas
e contavam com uma
tripulação de 1.300 ho-
mens, entre marinheir-
os, soldados e fun-
cionários civis, respon-
sáveis pelo comércio do
Império Celestial com
as nações estrangeiras.
Possuíam cinco mas-
tros gigantescos dota-
dos de velas rígidas de
bambu que podiam ser
recolhidas como
grandes venezianas e
372/434

anteparas internas que


criavam compartimen-
tos estanques, bem
como vastos rebanhos
de animais vivos e ver-
duras frescas cultiva-
das a bordo. ?
27)Northumbria:
reino formado no norte
da Inglaterra no século
VII a partir da fusão de
Bernicia e Deira, reinos
anglo-saxões original-
mente estabelecidos
circa 500 AD. Boa
parte da Northumbria
foi tomada pelos nórdi-
cos no século IX, tendo
sido posteriormente re-
conquistado pelo reino
anglo-saxão de Wessex
em 954. ?
28)É altamente
discutível se a expansão
marítima ibérica e as
grandes descobertas
também ocorreriam
sob o domínio muçul-
mano. Afinal, em NLT
as culturas islâmicas
jamais desenvolveram
as técnicas que per-
mitiriam a navegação
em alto-mar. Tampou-
co parece plausível que
se sentissem estimula-
das a fazê-lo nessa
LTA proposta por de
Camp. ?
29)Em NLT os
reis católicos Fernando
e Isabel tomaram final-
mente Granada em
1492, o mesmo ano em
que Colombo
empreende sua
primeira viagem à
América. ?
30)Aliás, a re-
corrência aos temas
clássicos é um fenô-
meno relativamente
comum na FC&F. No
subgênero steampunk
esta tendência se mani-
festa de uma forma ex-
agerada. ?
31)Morlock
Night (1979) de K.W.
Jeter; Os Portais de
Anúbis (1983) de Tim
Powers, e
Homunculus (1986)
de James P. Blaylock.
?
32)O projeto ja-
mais foi concluído, em-
bora Babbage tenha se
dedicado ao mesmo de
1833 a 1842 e con-
sumido £ 17.000 de
verbas governamentais,
além de cerca de £
20.000 da sua fortuna
pessoal.
Mais de um século
mais tarde, um grupo
de cientistas retomou
os planos originais da
máquina analítica,
construindo um protó-
tipo funcional a fim de
provar que o projeto
379/434

de Babbage estava cor-


reto afinal. ?
33)Essa vitória
foi conquistada com fa-
cilidade graças ao
emprego de armas
modernas, como
metralhadoras, fuzis de
repetição, infantaria
mecanizada e outros
artefatos bélicos típicos
das guerras do século
XX da NLT. Em con-
seqüência, o número
de vítimas e o mor-
ticínio nos campos de
batalha também foram
semelhantes aos dos
conflitos reais do nosso
século... ?
34)Na época em
que o romance se passa,
a Grã-Bretanha presta
apoio à guerrilha
comanche (através da
venda subsidiada de
metralhadoras giratóri-
as às tribos guerril-
heiras) em sua luta con-
tra uma República do
Texas empobrecida e
presidida por Samuel
Houston, o mesmo
general norte-amer-
icano que em NLT
também emergiu como
herói na luta pela inde-
pendência do Texas,
tendo sido por duas
382/434

vezes presidente
daquele Estado Sober-
ano. ?
35)É curioso
notar a fixação desses
dois ro-
mances steampunk , es-
critos em estilos in-
teiramente diferentes,
no tópico da Guerra da
Criméia. Porque será?
Bom, além de se ter
constituído num con-
flito extremamente san-
grento em NLT, a
Guerra da Criméia
(1853-1856) repres-
entou o final do longo
período de Pax
Britannica na
Europa, uma época de
paz e progresso
384/434

material que já se es-


tendia desde a vitória
dos exércitos britânico
e prussiano sobre Na-
poleão em Waterloo
(1815). A Guerra da
Criméia opôs o Império
Britânico, a França, o
Império Otomano e o
Reino do Piemonte de
um lado, contra o Im-
pério Russo, do outro.
Centrado nas cercanias
de Sebastopol, na
península ucraniana
da Criméia, onde a es-
quadra imperial russa
possuía uma grande
base naval fortificada, o
385/434

conflito teve como


motivo principal frear a
expansão da influência
russa no Mar Negro.
Este objetivo político-
militar foi atingido com
a vitória dos aliados. A
guerra resultou em
pouco mais de 500.000
baixas, distribuídas de
forma grosso modo
eqüitativa para os dois
lados. Deste total, cerca
da metade tombou em
combate. O restante
caiu vítima da cólera,
que grassou livremente
entre os exércitos das
386/434

duas facções beliger-


antes. ?
36)Geoffroy-
Chateau, Louis-Napo-
leon: Napoleon et la
Conquete du Monde,
1812-1823:HHistoire
de la Monarchie Uni-
verselle (Dellaye,
1836). O ponto de di-
vergência em si foi a de-
cisão do Imperador
que, ao invés de per-
mitir que o exército
francês congelasse no
inverno moscovita, or-
denou que suas tropas
seguissem em frente
na campanha russa, o
que culminou na
destruição dos exércitos
388/434

do Czar. Depois dessa


vitória no front russo,
Napoleão voltou suas
atenções para a Europa
Ocidental, batendo os
ingleses na Península
Ibérica e sedimentando
a hegemonia imperial
por toda a Europa. ?
37)Vide o ensaio
"Steampunks!" para
uma análise mais detal-
hada desse romance. ?
38)Alternate
History List version
28, 03 March 1997;
by Robert B. Schmunk.
Home-page:
ht-
tp://www.skate-
city.com/ah . ?
39)Considerando-
se aqui apenas a
História do Império
Romano no Ocidente,
não contando, portanto,
com o Império Biz-
antino (Romano Ori-
ental), que sobreviveu
por quase um milênio à
Queda do Império Ro-
mano Ocidental. ?
40)O ensaio
seguinte trata das Se-
gundas Guerras Mundi-
ais Alternativas escritas
nos anos 1990. ?
41)"Histórias
Naturais Alternativas".
?
42)No latim ori-
ginal: "Ai dos ven-
cidos!" O incidente se
reporta ao segundo
século da República Ro-
mana, em 381 a.C.,
quando Roma foi inva-
dida pelos gauleses.
Breno, o chefe gaulês,
teria dito a frase aos
tribunos romanos
quando esses re-
clamaram do sistema
utilizado pelos
gauleses para pesar as
mil libras de ouro
trazidas pelos romanos,
resgate que deveria ser
pago a fim de que os
395/434

exércitos gauleses
abandonassem Roma,
deixando a cidade mais
ou menos intata. ?
43)Em sua nov-
eleta "Patrulha Para o
Desconhecido" (1990),
Roberto de Sousa
Causo aborda o
primeiro contato de
pracinhas brasileiros
com entidades aliení-
genas em plena cam-
panha da Itália. Em-
bora não chegue a ser
H.A., trata-se de um
bom aproveitamento
temático da história re-
cente do país. ?
44)A 1a Lei de
Sturgeon, em seu
enunciado clássico,
reza que "Noventa por
cento de todos os tra-
balhos de FC publica-
dos são lixo. Em com-
pensação, 90% de toda
a literatura mainstream
publicada é lixo tam-
bém." ?
45)Vide o ensaio
anterior: "Segunda
Guerra Mundial -
Enredos Clássicos". ?
46)Consider-
ando suas datas de nas-
cimento, no início dessa
história alternativa Car-
los Magno [742] e
Coração-de-Leão
[1157], possuem, algo
em torno de 880 e 470
anos, respectivamente.
?
47)O detento
mais conhecido do es-
tabelecimento é Sher-
lock Holmes. Com sua
capacidade dedutiva
notável, o detetive
começou a desvendar
uma série de crimes
cuja solução não in-
teressava em absoluto
ao Palácio de Bucking-
ham. Para tornar sua
situação precária ainda
mais crítica, Holmes
teria recusado peremp-
toriamente a
conversão.
Outro preso famoso
é o próprio Abraham
401/434

Stoker. O autor irlandês


teria revelado umas
tantas verdades sensí-
veis à realeza vampira
sob o disfarce de um
romance popular... ?
48)Os vampiros
de Newman podem ser
mortos com lâminas ou
balas de prata, como os
lobisomens do folclore
tradicional. Outra ana-
logia licantrópica é a
metamorfose em
formas animais, uma
capacidade compartil-
hada pela maioria das
estirpes vampíricas.
O vampirismo é
transmitido pela in-
gestão de sangue de
vampiro. Exatamente
como ocorre na Entrev-
ista com o Vampiro
(1976) ou no próprio O
403/434

Império do Medo. Con-


tudo, ao contrário dos
vampiros de Rice e St-
ableford, os imortais de
Newman obedecem o
modelo antiquado no
que diz respeito à inca-
pacidade de gerar im-
agem refletida no es-
pelho ou de aparecer
em fotografias. Não po-
deria ser de outro
modo, em se tratando
de um romance que
procura seguir
fielmente os passos do
original de Stoker. ?
49)Um bom ex-
emplo é o de Two
Hawks from Earth,
um romance de H.A.
onde Philip José
Farmer imagina como
seria o nosso mundo e a
nossa civilização se o
continente americano
não existisse. Na
tradução esse trabalho
recebeu o título algo
enganoso, em bom por-
tuguês lusitano, de
Universos Paralelos
(Coleção Argonauta,
343). ?
50)Vide o
ensaio: "Histórias Nat-
urais Alternativas". ?
51)Até a presente
data só tomei conheci-
mento de um trabalho
de FC baseado num
enredo de futuro al-
ternativo, no sentido
do próprio ponto de di-
vergência se situar no
futuro da humanidade.
Trata-se do episódio
da Série Clássica do
seriado Jornada nas
Estrelas , "Mirror, Mir-
ror", onde alguns tripu-
lantes da Enterprise
caem numa linha tem-
poral onde havia um
Império Humano em
lugar da Federação. ?
52)Nesse fix-up
o autor parece ter
mudado de idéia à me-
dida que escrevia os
diferentes contos e nov-
eletas. Logo no
prólogo, dá a entender
claramente que se trata
de uma H.A. E no epí-
logo, surprise, sur-
prise: aquela era a
NLT, após um holo-
causto nuclear... Fica a
pergunta: a história
correu pela segunda vez
exatamente pelos mes-
mos trilhos, até a
vitória da Invencível
408/434

Armada? Sinceramente,
não convenceu! ?
53)The Mis-
placedLegion (1986);
An Emperor for the
Legion (1986);
TheLegion of Videssos
(1986); The Swords of
the Legion (1986), to-
dos publicados pela
série de Fantasia da
Ballantine-Del Rey.
Como as datas de copy-
right sugerem, o quatro
volumes da tetralogia
foram publicados de
uma só vez nos E.U.A.
?
54)Para aqueles
que ainda não con-
hecem os trabalhos de
Turtledove, digo apenas
o seguinte: se você
gosta de Silverberg ou
Farmer em seus tem-
pos áureos, você vai
amar Turtledove. Em
resumo: Simak no céu e
Turtledove na Terra (ou
Terras...). ?
55)Uma curi-
osidade: este conto es-
teve com publicação
prevista na finada IAM
brasileira. Chegou a ser
traduzido mas, antes de
ser publicado, a Record
decidiu encerrar as
atividades da revista.
Turtledove permaneceu
inédito no país até a
publicação do conto
"Estação de Incubação"
(1985), na antologia
Dinossauros! (1990),
de Jack Dann & Gard-
ner Dozois, lançada
entre nós pela Aleph
em 1993. ?
56)Esta novela
de Turtledove foi en-
comendada pela Tor
Doubles para pub-
licação num volume
comemorativo, junto
com o trabalho original
de De Camp. Até esta
data foi a única pub-
licação de "The Pugna-
cious Peacemaker". ?
57)Estudos séri-
os na área de SETI
parecem suportar argu-
mentos contrários à
crença arraigada na FC
da predominância da
forma humanóide.
Maiores detalhes sobre
o assunto podem ser
encontrados no artigo
clássico "The Nonpre-
valence of Humanoids"
- G.G. Simpson,
Science, vol. 143, Feb.
1964. ?
58)Maiores de-
talhes sobre a Guerra
de Secessão em geral, e
o romance The Guns of
the South em particu-
lar, podem ser encon-
trados no ensaio "A
Preferência Nacional
Norte-Americana". ?
59)Curi-
osamente, há cerca de
22 anos, eu já havia
lido outra obra desse
autor, cujo título era
Atlântida: Fantasia e
Realidade. Trata-se
de um texto de divul-
gação bastante lúcido,
que explica de modo
convincente as origens
do mito desse contin-
ente perdido. Um
autêntico colírio de co-
erência em meio aos
livros de Erick Von
Daniken e Charles Berl-
itz que então inun-
davam as estantes das
416/434

livrarias que eu cos-


tumava freqüentar. ?
60)Do ponto de
vista militar, essa oper-
ação de desembarque é
bem descrita e consid-
eravelmente bem
planejada. Há uma
manobra desviacionista
interessante. A
empreitada conta in-
clusive com o apoio de
submarinos! Mas,
novamente, trata-se de
uma operação de enver-
gadura desnecessaria-
mente grande, exces-
siva para atingir o
simples objetivo de
subtrair Napoleão aos
ingleses. ?
61)O Dia em
que Napoleão Fugiu
de Santa Helena pode
ser solicitado através da
S,M&B Editores Ltda.,
no endereço: Rua Co-
mendador Coruja, 199 -
90220-180, Porto
Alegre - RS, ou por con-
tato direto com o autor,
através da Caixa Postal
# 8.006 - Agência Aero-
porto -90201-970 -
Porto Alegre - RS. ?
62)A opção do
autor pela H.A. parece
mais clara na leitura
dos romances em
inglês, i.e, textos não
beneficiados pela
tradução resumida da
Argonauta. ?
63)Lodi-Ribeiro,
Gerson: "Universos
Paralelos vs. Alternat-
ivos: Existe Difer-
ença?", Somnium 46
(julho-agosto 1990). ?
64)Vide "Recor-
rência da Temática da
Peregrinação na Obra
de Clifford D. Simak"
[Somnium 44]. Curi-
osamente, esse último
artigo, que expõe
minha opinião cor-
rente, embora escrito
cerca de dois anos mais
tarde que o primeiro,
acabou sendo publicado
meses antes... ?
65)"Histórias
Naturais Alternativas".
?
66)Uma outra
crítica, mais sutil, à
tese do bicampeona-
mento portenho é a
falácia de se admitir
que a seleção favorita
antes do início da Copa
deveria forçosamente se
sagrar campeã mundial
ao final do torneio.
Ora, nós brasileiros,
eméritos campeões
morais de inúmeras
Copas do Mundo,
sabemos muito bem
que isto nem sempre
acontece... Se não me
falha a memória, a
Hungria de Puskas,
424/434

uma verdadeira má-


quina de jogar futebol,
também não venceu a
Copa do Mundo de
1954. Tampouco a
França de Fontaine em
1958 na Suécia; ou o
Brasil de Falcão,
Sócrates e Zico em
1982 na Espanha. ?
67)No episódio
"Cidade à Beira da
Eternidade" da série
clássica Jornada nas
Estrelas (roteiro de
Harlan Ellison), NLT
quase se transforma
numa LTA quando uma
líder pacifista retarda o
ingresso dos E.U.A. na
Segunda Guerra Mun-
dial, dando tempo à
Alemanha Nazista de
concluir seus experi-
mentos com água
pesada e iniciar um
projeto de construção
de bombas atômicas.
Com armas nucleares e
426/434

foguetes V-2 para


transportá-las, a Ale-
manha conquista o
mundo. Tudo isto
porque o Dr. McCoy
havia salvo a vida de
Edith Keller, a tal líder
pacifista... Felizmente,
Kirk & Cia. con-
tribuem inadvertida-
mente para que a moça
morra atropelada, pre-
servando "a história
como conhecemos"... ?
68)Os autores
brasileiros não devem
sentir maiores escrúpu-
los em se assenhorear
da História de Por-
tugal, sobretudo no que
diz respeito ao período
anterior a 1500 AD, do
que o demonstrado
pelos autores norte-
americanos de fantasia
histórica e H.A. ao es-
crever, por exemplo,
sobre a Inglaterra
romano-bretã do tempo
dos cavaleiros da Tá-
vola Redonda ou dos
reis saxões. Afinal de
contas, uma vasta
428/434

maioria de por-
tugueses e brasileiros
atuais possuem ante-
passados comuns nos
habitantes de Portugal
de quinhentos anos at-
rás. ?
69)Minha exper-
iência pessoal talvez
possa ilustrar o argu-
mento. Depois de ban-
car a tradução da novel-
eta "A Ética da Traição"
para o inglês, consegui
publicar esta história
no A.P.A. (uma espécie
de "fanzine
acadêmico") de H.A. do
qual participo como
único membro que não
tem no inglês o seu
primeiro idioma.
Independente da qual-
idade (péssima, por sin-
al) da tradução e dos
méritos (discutíveis)
430/434

inerentes à novel-
eta, todos os demais
participantes — norte-
americanos e ingleses
— sentiram-se bastante
empolgados pela ori-
ginalidade da premissa:
eles jamais haviam ima-
ginado uma H.A. com
temática sul-americana.
É claro que eles seriam
incapazes, em princí-
pio, de criar uma LTA
plausível cujo ponto de
divergência se situasse
na Guerra do Paraguai.
A grande maioria se-
quer sabia da existência
desse conflito... ?
70)Aliás, devido
a essa conduta, exec-
rável aos olhos do re-
gime militar, o Prof.
Manuel Maurício foi di-
versas vezes retirado da
sala de aula por agentes
da repressão. Embora
se dissesse à boca
pequena pelos corre-
dores do colégio que os
agentes o levavam para
ser interrogado nos
calabouços da ditadura,
quando questionado o
historiador sempre fez
piadas a respeito. ?
71)Cradle of
Splendor (Ace Books,
1996) - passado no
Brasil de um futuro
próximo: cientistas
brasileiros perdem o
controle de um foguete
após o lançamento, mas
o veículo continua em
seu curso, embora não
possua meios de
propulsão conhecidos.
O romance aborda tam-
bém figuras do nosso
folclore. ?
72)God's Fires
(Ace Books, 1997) - pas-
sado em Portugal, dur-
ante o período da In-
quisição: espaçonave
alienígena faz ater-
ragem forçada próximo
a uma vilazinha por-
tuguesa e seus tripu-
lantes são capturados
por padres jesuítas. A
população local e a pró-
pria Igreja se ques-
tionam quanto à origem
dos alienígenas: Seriam
anjos ou demônios? ?
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