Universidade Federal Fluminense Instituto de História Programa de Pós-Graduação em História

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

LÍVIA DE LAURO ANTUNES

SOB A GUARDA NEGRA


Abolição, raça e cidadania no imediato pós-abolição.

NITERÓI

2019
LÍVIA DE LAURO ANTUNES

SOB A GUARDA NEGRA: ABOLIÇÃO, RAÇA E CIDADANIA NO IMEDIATO PÓS-


ABOLIÇÃO.

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em História da Universidade Federal Fluminense
(PPGH/UFF) como requisito parcial para a
obtenção Do título de Doutora em História.
Campo de confluência: História social e política.

Orientador:
Prof. Dr. Carlos Gabriel Guimarães.

Niterói, RJ
2019

1
2
LÍVIA DE LAURO ANTUNES

SOB A GUARDA NEGRA: ABOLIÇÃO, RAÇA E CIDADANIA NO IMEDIATO PÓS-


ABOLIÇÃO.

Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação


em História da Universidade Federal Fluminense
(PPGH/UFF) como requisito parcial para a
obtenção de grau de Doutor em História.

Campo de confluência: História social e política.

Aprovada em 01 de abril de 2019

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________________
Professor Doutor Carlos Gabriel Guimarães
Universidade Federal Fluminense – Orientador

___________________________________________________________________________
Professor Doutor Humberto Fernandes Machado
Universidade Federal Fluminense

___________________________________________________________________________
Professor Doutor Flávio dos Santos Gomes
Universidade Federal do Rio de Janeiro

___________________________________________________________________________
Professor Doutor Petrônio Domingues
Universidade Federal de Sergipe

___________________________________________________________________________
Professor Doutor Jonis Freire
Universidade Federal Fluminense

Niterói
2019
3
AGRADECIMENTOS
A cada ano que passa se torna mais difícil fazer esse tipo de tarefa, agradecer às
pessoas fundamentais na minha trajetória de vida que me ajudaram a alcançar meus objetivos.
Sem estabelecer ordem de importância, começarei agradecendo a Deus, apesar dos meus
vários momentos de fraqueza e incerteza.
Agradeço a meu orientador, Carlos Gabriel Guimarães pela ajuda profissional dos
cinco últimos anos, palpites, sugestões, livros, dissertações, correções. Muito obrigada.
Agradeço também ao professor Flávio Gomes pelos anos de mestrado e todo aprendizado
acumulado.
Agradeço a todos os meus familiares que, longe ou perto, me ajudaram a enfrentar os
últimos anos. Aos meus pais devo o apoio de uma vida inteira. Obrigada pelo amor
incondicional, por me acalmarem nos momentos de tensão, por me guiarem, me apoiarem, por
acreditarem na minha capacidade de seguir em frente nas minhas escolhas. Às minhas irmãs,
Gabriela e Cecília, que dividem comigo a responsabilidade de sermos sempre uma família de
guerreiras. Obrigada por serem, também, meus exemplos e meu porto seguro.
Agradeço especialmente ao meu companheiro de vida, Jeffrei Hunter, que hoje é a
pessoa que mais que acalma e que me compreende. Ele divide comigo absolutamente tudo:
desde o amor mais inesperado, sincero e profundo, até meus maiores medos e incertezas.
Agora divide comigo também a vida que cresce dentro de mim em função desse amor. Muito
obrigada por ser tudo o que eu sempre procurei, não fosse você eu jamais teria chegado até
aqui.
Agradeço também a minha família de Brasília, minha madrinha, meu padrinho, meus
primos e primas. Mesmo longe, tenho certeza de que estarão sempre ao meu lado acreditando
em mim e torcendo pela minha felicidade. Amo vocês.
Agradeço aos meus amigos, todos eles. Desde os que não sabem o que isso significa,
até aqueles que abrirão a tese e logo procurarão por essa página. Tentarei, portanto ser breve.
Dentre todos os nomes que passarão por aqui, sem dúvida, alguns merecem atenção
especial. Iniciarei agradecendo ao amigo de uma vida inteira, Rafael Cupello. Ele é
responsável pela maior parte das minhas conquistas e vitórias. Exemplo de ser humano, ele
segue ao meu lado nessa vida e nessa profissão. Quebrando barreiras, ele me faz ir além, por
acreditar mais em mim do eu mesma, na maior parte das vezes. Muito obrigada por tudo e,
especialmente agora, por aceitar ser o padrinho da Lara.

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Agradeço especialmente também às irmãs que a UFF me deu: Ana Paula e Mariana.
Em todos esses anos de amizade, vocês continuam ao meu lado compartilhando as incertezas,
inseguranças, conflitos profissionais, frustações, risadas, vitórias, batalhas e choros de alegria
e tristeza. Seguiremos juntas nessa vida e nessa missão de sermos professoras no Brasil.
Agradeço à Tais Prôa por mantermos, desde a infância, o amor mais lindo e sincero
que distância nenhuma é capaz de mudar. Apesar da saudade você está sempre presente.
Agradeço aos meus amigos do Colégio Santa Mônica, mesmo passado tantos anos.
Principalmente Cyndell, Diogo, Nahú, Paulinho, João Vitor, Gustavo e Marcelo. Ao Marcelo,
especialmente, agradeço por ser um dos maiores amores que carrego no coração. Muito
obrigada meu amigo, mesmo mais distante você se mantém comigo.
Agradeço ao meu primo Hugo, que mesmo me abandonando pra morar na Alemanha
continua a compartilhar comigo as grandes conquistas e derrotas dessa vida. Muito obrigada
também a minha prima Renata, que me ajudou a superar meus medos e aflições nesses
últimos tempos. Agradeço ainda à Isa, Alice e Mozi pela grande amizade e por me fazerem
sair de casa, mesmo cheia de coisas pra fazer.
Às amigas e amigos de trabalho também tenho muito a agradecer. No Colégio
Imaculado Coração de Maria gostaria de lembrar o nome de algumas pessoas especiais que
partilham comigo, há mais de 4 anos, a linda experiência de ser professora dessa escola:
Amanda, Célia, Diogo, Edja, Fabiana, Isabela, Janice e Viviane. Sem vocês os dias de
trabalho não seriam, também, dias de alegria. Faço um agradecimento especial à minha
coordenadora Rosa, por todas as lições aprendidas. À você devo a maior parte do meu
engrandecimento profissional, que é, ao mesmo tempo, pessoal. Muito obrigada pela
paciência, compreensão e afeto compartilhados. Agradeço, ainda, à Nanci, que mesmo não
estando mais no CICM, espalhou e plantou carisma por onde passou.
No Colégio Marista São José (Barra) gostaria de agradecer especialmente ao Daniel,
Éric, Thiago, Luís Felipe, Paulo, Gustavo, Rodrigo, Salles, Hugo, Patrícia, Ana, William,
Fabiano, Taís, Emanu e Natália. Especialmente à minha irmã ruiva devo agradecer por todos
os conselhos, dilemas, medos, projetos, risadas e carinho compartilhado no último ano. Muito
obrigada por tudo. Às minhas coordenadoras Sabrina e Roberta Rosa, muito obrigada pelo
apoio no trabalho, pela defesa da nossa profissão, pelo jogo de cintura em momentos de
desafio e por batalharem por uma educação de qualidade. Minha acolhida na escola dependeu,
também, da fé de vocês em mim.

5
Agradeço ainda à professora Regina Wanderley pelos ensinamentos acumulados ao
longo dos anos, pelas broncas, pelas lições de vida e pelo carinho com todos os que passaram
pelo IGHB.
Agradeço à família Caiapó que me acompanha por toda uma vida, há 28 anos.
Agradeço, por fim, à TECO, por ter me ajudado a traçar meus próprios caminhos com
responsabilidade e sem auto piedade.

6
RESUMO
A presente tese de doutorado tem por finalidade investigar os eventos que envolveram a
associação da Guarda Negra da Redentora, criada no imediato pós-abolição no Rio de Janeiro
e em outras regiões do Brasil. A partir, principalmente, dos relatos da imprensa sobre essa
corporação, buscamos pistas a respeito do pensamento abolicionista da elite letrada brasileira,
seus sentidos políticos e suas dissidências, bem como os limites que impuseram às reformas
sociais e à condição de cidadania do negro. Em meio aos assuntos que emergiam sobre o
grupo isabelista, narrativas sobre raça e nacionalidade também mobilizavam a opinião
pública. Sendo assim, analisamos também as temáticas raciais que estiveram intrínsecas às
novas relações sociais inauguradas pelo fim da escravidão, sem perder de vista o
entendimento sobre a capacidade de agenciamento multifacetado dos homens de cor que
buscavam garantir a manutenção da liberdade com base em suas próprias perspectivas
políticas.

Palavras-chave: Guarda Negra – raça – abolição da escravidão.

7
ABSTRACT
The doctoral thesis aims to investigate the events that involved the association of the Black
Guard of the Redeemer, created in the immediate post-abolition in Rio de Janeiro and other
regions of Brazil. Based mainly on the press reports about this corporation, we sought clues
about the abolitionist thinking of the Brazilian literary elite, their political senses and their
dissent, as well as the limits they imposed on social reforms and the black citizenship status.
Among the issues that emerged about the Isabellist group, narratives about race and
nationality also mobilized public opinion, thus analyzing the racial themes that were intrinsic
to the new social relations inaugurated by the end of slavery. We have not lost sight of the
understanding of the multifaceted agency of men of color who sought to ensure the
maintenance of freedom on the basis of their own political perspectives.

Keywods: Guarda Negra – race – abolition of slavery.

8
SUMÁRIO
Introdução............................................................................................................................... 11

Capítulo 1: Entre a Monarquia e a República: “a guerra das penas” e os embates sobre


a Guarda Negra...................................................................................................................... 27
1.1 As narrativas a respeito da Guarda Negra, sua formação e desenvolvimento, a partir da
imprensa carioca................................................................................................................ 28
1.2 O “Patrocínio do 14 de maio” e a “guerra das penas”....................................................... 49

Capítulo 2: O medo da raça: o afloramento dos discursos raciais no Brasil no pós-


abolição e os usos políticos sobre as ações da Guarda Negra............................................. 96
2.1 Raça e racialismo no Brasil na segunda metade do século XIX: um rápido
panorama......................................................................................................................... 100
2.2 Os embates raciais e a Guarda Negra............................................................................... 109
2.3 A nova virada de José do Patrocínio e o fim de seu apoio a Guarda Negra.................... 148

Capítulo 3: A Guarda Negra sobre uma perspectiva nacional: ecos e desdobramentos


das manifestações de negros em prol da Monarquia no Brasil
................................................................................................................................................ 162
3.1 Notícias da Guarda Negra carioca espalhadas por todo o país........................................ 166
3.2 A Guarda Negra no interior do Rio de Janeiro................................................................ 183
3.3 A Guarda Negra em São Paulo........................................................................................ 195
3.4 A Guarda Negra no Espírito Santo.................................................................................. 212
3.5 A Guarda Negra em Minas Gerais................................................................................... 214
3.6 A Guarda Negra na Bahia................................................................................................ 220
3.7 A Guarda Negra em Recife.............................................................................................. 227
3.8 A Guarda Negra em Sergipe, Rio Grande do Norte e Belém do Pará............................. 237
3.9 Guarda Negra no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.............................................. 242

Capítulo 4: Apontamentos sobre a Guarda Negra após a instauração da


República.............................................................................................................................. 251
4.1 A Guarda Negra carioca e a capoeiragem........................................................................ 255

9
4.2 Relatos da Guarda Negra após o 15 de novembro de 1889 no Rio de
Janeiro.................................................................................................................................... 275
4.3 3 Relatos da Guarda Negra após o 15 de novembro de 1889 em outros lugares do
Brasil...................................................................................................................................... 284

Conclusão.............................................................................................................................. 300
Anexos................................................................................................................................... 307

Referências Bibliográficas................................................................................................... 308

10
INTRODUÇÃO

No dia 1° de abril de 1889 a Gazeta de Notícias trazia estampada em suas páginas uma
curta publicação assinada pela associação da Guarda Negra, onde se via a intensão de afastar
os libertos das ilusões da propaganda republicana que tinha como finalidade a sujeição dos
ex-escravos:

Nós, a Guarda Negra, sabemos que os fazendeiros sentem-se prejudicados


pela libertação da escravidão. (...) Só querem fazer os libertos se rebelarem
contra Isabel, a Redentora. (...). Eis aqui a prova da verdade, eles nos
prometem igualdade e perante os fazendeiros prometem indenização (...).1

Esse tipo de publicação marcou presença nas páginas dos periódicos de todo o país,
especialmente os cariocas, no contexto de crise e mudança institucional que caracterizou o
fim da Monarquia no Brasil, em finais da década de 1880 e início de 1890. Quanto à
corporação em si da Guarda Negra, pouco se escreveu a seu respeito por parte dos
historiadores. Como jamais possuiu uma institucionalização formal, as informações que
vieram à tona foram, majoritariamente, resultados de narrativas e debates revelados pela
imprensa. Apesar disso, podemos afirmar – sem exageros – que as contendas relativas a essa
associação fizeram parte das principais manchetes dos jornais da maior parte dos centros
urbanos brasileiros, entre os anos de 1888 e 1889. Em meio a uma conjuntura de fortes
tensões e cisões políticas, sociais e raciais, marcadas por manifestações, agitações, meetings,
comícios e por uma opinião pública cada vez mais ativa e polarizada entre republicanos e
monarquistas, os embates e cisões sobre a Guarda Negra fizeram emanar questões e
experiências inéditas que passaram a lidar com a população negra nas novas arenas da
política, enquanto sujeitos juridicamente livres.

Em suas primeiras aparições, a Guarda Negra filiava-se claramente à Monarquia e à


Princesa Regente contra a instauração da República no país, contudo, não se tratava de uma
massa de libertos manipulada pelo poder imperial. De acordo com Michel Trochin2, este
grupo era composto, majoritariamente, de negros brasileiros que lutavam por reformas sociais
e econômicas após a abolição da escravidão. Seus sócios seriam os próprios libertos que
deveriam, através dos meios necessários, expandir seus ideais pelo interior do Brasil,

1 Gazeta de Notícias, 01 abr. 1889, p. 03.


2 TROCHIN, Michel R. The Brasilian Black Guard: racial conflict in pos-abolition Brazil. The Americas, v.
XLIV, n.3, p.298-90, jan. 1988
11
instigando ex-escravos a não trabalharem para senhores que não apoiassem o Terceiro
Reinado. Apesar de sua clara origem urbana, o movimento se estendeu, também, para as áreas
rurais e para diferentes províncias brasileiras, nas quais surgiu uma série de grupos
caracterizados informalmente como sendo espécies de filiais da corporação.

No final do ano de 1888, as polêmicas em torno da Guarda Negra intensificaram-se,


gerando acirrados debates políticos e jornalísticos. O principal embate envolvendo a Guarda
Negra deu-se no dia 30 de dezembro de 1888, durante um comício do republicano Silva
Jardim, ocorrido na Sociedade Francesa de Ginástica, localizada na travessa da Barreira (atual
Rua Silva Jardim), 04, centro do Rio de Janeiro3. A percussão violenta, que transbordou para
a luta armada nas ruas do centro da cidade, colocou na ordem do dia os diferentes sentidos e
significados da Guarda Negra. O Almanaque Republicano Brasileiro, já em 1890,
rememorava esse acontecimento descrevendo de maneira grotesca os estereótipos dos homens
de cor que participaram das manifestações:

Já às 11 horas, o largo do Rocio apresentava o triste aspecto dos campos


inglórios, em que a insensatez espera a honra e a dignidade para assaltá-la.
Viam-se maltas de homens negros, metidos em largas roupas também negras
ou vestindo ternos espantados, de casemira barata. O charuto ao canto dos
lábios papudos, os olhos congestionados pelo álcool, os grandes petropolis
marejados como que para intimidar, davam a entender que ali estava um
bando perigoso. 4

Carregadas de percepções que inferiorizavam e estereotipavam os homens de cor,


muitas narrativas passaram a apostar em uma visão racializada para as cisões entre
monarquistas e republicanos, atestando a incapacidade do negro para a autodeterminação da
vida política e cidadã. Em geral, as publicações da imprensa republicana e daquela ligada ao
Partido Liberal partiam dos pressupostos de que os antigos escravos, uma vez em liberdade,
não seriam capazes de guiar os rumos de suas próprias vidas e, por isso, serviam de
ferramenta de manipulação por parte do governo imperial, especialmente do gabinete
conservador que os incentivava a capangagem e capoeiragem. Esse tipo de visão, portanto,

3
A Sociedade Francesa de Ginástica foi fundada em 1863 e autorizada a funcionar em fevereiro de 1871. A
respeito desta instituição conferir: MELO, Victor Andrade de. Ginástica, cultura e política no Rio de Janeiro do
século XIX: A Sociedade Ginástica Francesa. https://historiadoesporte.wordpress.com/2013/09/14/ginastica-
cultura-e-politica-no-rio-de-janeiro-do-seculo-xix-a-sociedade-ginastica-francesa/
4
Almanak Republicano Brasileiro, 1890, p. 229-230.
12
ratificava a incapacidade dos negros de compreender as vicissitudes das disputas políticas do
país, já que agiam motivados apenas por interesses imediatistas e por gratidão.

Por outro lado, alguns setores da imprensa, como José do Patrocínio através de seu
jornal Cidade do Rio, apostavam em outros sentidos para a associação. Em suas palavras, a
Guarda Negra era o “vasadoiro de quanta cólera, de quanto acesso rábico provocaram as
decepções de 13 de maio”.5 Nesse sentido, ela era a consequência natural da maneira de
pensar dos libertos, ao verem seus ex-senhores e grande parte dos fazendeiros levantarem a
bandeira republicana em virtude da abolição da escravidão e da esperança de indenização
senhorial. Sendo assim, na visão de Patrocínio e de alguns abolicionistas reformistas, a atitude
dos libertos em torno da Guarda Negra era, antes, uma forma de garantir os direitos de
liberdade conquistados, mas que ainda se encontravam em estado de contingência. Seja como
for, os sujeitos que escreveram sobre a dita corporação se utilizaram dessa temática para
produzirem e reproduzirem narrativas sobre raça, nacionalidade, igualdade e cidadania, nas
diferentes regiões do país onde estavam em disputas percepções de mundo e de sociedade
distintas, bem como projetos – também distintos – para o futuro da nação.

Dentre os autores que mais avançaram na temática sobre a Guarda Negra, podemos
citar Flávio dos Santos Gomes, Humberto Machado, Carlos Eugênio Líbano Soares e Clícea
Maria Augusto de Miranda, para o caso do Rio de Janeiro, e Wlamira R. de Albuquerque,
para a região da Bahia6. Flávio Gomes escreveu seu primeiro artigo sobre a organização da
Guarda Negra em 1991, inaugurando uma série de questões que ainda se encontram mal
respondidas pela historiografia. Abordando as manifestações de libertos na Corte a partir de
um viés político e criticando a visão simplista que perpetua a imagem do negro como um
sujeito passivo e manipulado pelo governo imperial, o autor lançou uma série de
questionamentos acerca dos sentidos da Guarda Negra nas lutas pela conquista da cidadania.

5
Cidade do Rio, 19 mar. 1889, p. 01.
6
GOMES, Flávio dos Santos. No meio das águas turvas – racismo e cidadania no alvorecer da República: a
Guarda Negra na Corte Imperial (1888-1889), in Estudos Afro-Asiáticos, nº21, dez./ 1991, pp.75-96;
MACHADO, Humberto Fernandes. A Guarda Negra no contexto urbano do Rio de Janeiro. Anais da XII
Reunião da Sociedade Brasileira de História. Porto Alegre, 1992; MACHADO Humberto Fernandes. Palavras e
brados: José do Patrocínio e a imprensa abolicionista do Rio de Janeiro. Niterói: Editora da UFF, 2014;
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. Negregada Instituição: os capoeiras no Rio de Janeiro (1850-1890).
Dissertação de Mestrado em História Social. Campinas, IFCH/ UNICAMP, 1993; MIRANDA, Clícea Maria
Augusto de. Guarda Negra da Redentora: verso e reverso de uma combativa associação de libertos. Dissertação
de Mestrado em História. UERJ, Rio de Janeiro, 2006. ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. O jogo da
dissimulação; abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
13
Da mesma forma, demonstrou como as tensões políticas da época se encontravam
intimamente atreladas aos conflitos raciais, crescentes na sociedade brasileira.

Humberto Machado investigou os debates jornalísticos a respeito das conturbações


geradas em nome da Guarda Negra. Através dos pronunciamentos publicados pela imprensa,
buscou compreender de quais formas o meio letrado da época entendeu as manifestações de
negros nas ruas do centro do Rio de Janeiro, dando-lhes diferentes significados em meio à
conjuntura de crise do sistema servil e da Monarquia. Dessa forma, nos mostra a contribuição
de dois importantes jornais, Cidade do Rio e Gazeta de Notícias, como relevantes veículos de
comunicação a respeito dos acontecimentos que envolveram a Guarda Negra no imediato pós-
abolição. Nessa trajetória, destacou também as ações e intenções de José do Patrocínio,
enquanto abolicionista e como sujeito que atuou nos campos político e intelectual, sempre de
acordo com as circunstâncias em que estava inserido.

Carlos Eugênio Líbano Soares investiu nos significados políticos que envolveram
conflitos de libertos, capoeiras, monarquistas e republicanos, analisando as articulações entre
políticos, eleições e manifestações de negros nas ruas, com o intuito de descortinar as raízes
mais profundas da formação da Guarda Negra. Em sua opinião, os contornos das
mobilizações políticas que culminaram com o surgimento da organização de negros após a
abolição podem ser vislumbrados ainda na década de 1860, bem como no contexto da Guerra
do Paraguai, na qual o recrutamento de negros-capoeiras foi decisivo. Para o autor, a
constituição das maltas de capoeiras, formadas ainda no início da segunda metade do século
XIX, está estritamente relacionada à posterior disposição da Guarda Negra enquanto grupo
político. Sendo assim, atribui duas versões para os objetivos organizacionais da associação em
questão. Uma primeira interpretação assinala o sentimento de gratidão dos libertos junto ao
poder imperial diante da emancipação consagrada pelo 13 de maio, enquanto um segundo
projeto demarca uma intenção mais política no tangente a constituição da Guarda Negra,
relacionando seus integrantes à formação de uma milícia armada de capoeiras na luta contra o
republicanismo, orientada pelo gabinete de João Alfredo Pereira de Oliveira (presidente do
Conselho de Ministros e chefe do gabinete conservador).

Clícea Maria, além de analisar alguns dos jornais cariocas que escreveram sobre as
temáticas e manifestações que envolveram a Guarda Negra, investigou a maneira como as
memórias dessa instituição foram resgatadas ou construídas por intelectuais e políticos. Para
tanto, recorreu aos testemunhos de Silva Jardim, José de Campos da Costa de Medeiros de
Albuquerque (um de seus companheiros na frente republicana) e Osvaldo Orico (biógrafo de
14
7
José do Patrocínio) . A partir dos depoimentos desses sujeitos sobre a corporação
monarquista – sempre avaliados de acordo com seus locais de fala – a autora analisou o
processo de construção das imagens e referências que passaram a definir a Guarda Negra até
os dias de hoje.

Wlamyra de Albuquerque nos informou a respeito da trajetória de Rui Barbosa no


contexto de crise do Segundo Reinado e, inevitavelmente, adentrou em questões sobre a
formação da Guarda Negra na Bahia, recorrendo às conturbações causadas por um comício de
Silva Jardim junto ao Partido Republicano e negros libertos nas ruas de Salvador que ficou
conhecido como o “massacre do Taboão”. Juntamente, a autora procurou traçar as interações
entre os acontecimentos baianos com aqueles ocorridos no Rio de Janeiro, demonstrando o
poder de comunicação e ação entre os negros pelo país, bem como entre abolicionistas,
republicanos e monarquistas, analisando ainda o movediço campo das tensões raciais que
emergiam no Brasil no século XIX.

Diferente do que parte da historiografia afirmou a respeito da Guarda Negra, definindo-a


somente – ou principalmente – pela capoeiragem arregimentada pelo governo imperial8,
investimos em uma visão diferente. Imersa em um momento de alargamento dos espaços de
atuação política, sustentamos uma percepção da Guarda Negra a partir de um olhar múltiplo e
multifacetado, entendendo-a como parte de um movimento social mais amplo, com formas de
ação pouco padronizadas e dispersas.9 Como todo movimento social, provavelmente era
heterogênea, com alinhamentos e integrantes flexíveis e mutáveis, além de ser marcada por
estratégias de mobilização situacionais, atuando conforme os jogos de poder em questão.
Dessa forma, seus objetivos e posicionamentos se transformavam ao longo do processo
político, inseridos no cotidiano de disputas e tensões que marcaram a crise final da Monarquia
brasileira.

7
ORICO, Oswaldo. O tigre da abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
8
RICCI, Maria Lúcia de Souza Rangel. Guarda Negra: Perfil de uma Sociedade em Crise, Campinas: M.L.S.R.
Ricci, 1990.
9
Corroboramos com a abordagem de Ângela Alonso para o uso do conceito de movimento social utilizado em
seu trabalho Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-88). Neste, a autora emprega uma
perspectiva sobre os movimentos sociais desenvolvida por Charles Tilly, representante de uma corrente de
pensamento que combina política e cultura na explicação dos movimentos sociais, em detrimento de uma
vertente economicista. Cf. ALONSO, Ângela. Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-
1888). São Paulo: Companhia das Letras, 2015. ALONSO, Ângela. As teorias dos movimentos sociais: um
balanço do debate. Lua Nova, São Paulo, 76: 49-86, 2009. TILLY, Charles. From Mobilization to Revolution.
Boston: Wesley Publishing Co., 1978.
15
Partimos ainda da noção de que suas formas de ação, nas mais diversas regiões do país,
evidenciaram que os sujeitos participantes desses embates entre monarquistas e republicanos
vislumbravam a capacidade de circularidade de informações, anunciando e marcando sua
presença nos comícios, encontros, passeatas ou nas sedes de jornais adversários. Suas
possíveis conexões com a polícia, lideranças locais ou com os partidos governamentais,
apenas confirmam as relações de trocas e negociações que marcaram a atuação desse amplo
movimento. Por fim, acreditamos que, mesmo que uma parcela da imprensa tenha se colocado
como porta-voz da corporação, chamando para si a liderança do grupo ou declarando certo
prestígio diante de suas decisões, a Guarda Negra agia com autonomia em relação a esses
indivíduos e escapava das supostas diretrizes que a elite letrada10 acreditava dar ao
movimento.

Como sabemos, a conjuntura do final do século XIX foi marcada por intensas
mudanças, que inauguravam novos ritmos de vida e formas de agir dos indivíduos. A
afirmação de novas ideias pautadas no liberalismo, em conjunto com o desenvolvimento do
capitalismo, acenava para mudanças, tanto no que diz respeito às condições materiais de vida,
como ao mundo das ideias, que cada vez mais exaltava os benefícios da civilização e do
progresso. Em meio a essas noções, crescia também o sentimento de nacionalismo, o
cientificismo e a afirmação de direitos básicos de cidadania e democracia, agora alargados. De
maneira geral, podemos dizer que a partir da segunda metade do século XIX, uma espécie de
renovação filosófica se fez presente nos círculos intelectuais brasileiros, principalmente a
partir da década de 1870, com a entrada mais intensa das ideias ilustradas. Os temas, os
objetos, a estética, tudo indicava para um tipo de escrita voltado para um maior alcance social.

Esse foi um período em que os jornais se multiplicaram e ampliaram seu público,


retratando em suas páginas as conturbações vivenciadas cotidianamente. As décadas que se
seguiram acompanharam o crescimento intensivo das campanhas abolicionistas e o
alargamento da rua como espaço público. A população das cidades cresceu de maneira
significativa na segunda metade do século XIX, junto com a urbanização e as melhorias em
infraestrutura. Com isso, as reivindicações nas praças públicas e na imprensa expandiram-se,
estendendo o espaço de atuação política, antes restrito ao Parlamento. As ideias produzidas
eram resultados das experiências da vida social e o crescimento populacional das cidades,

10
Para o conceito de elite letrada aqui empregado conferir: CARVALHO, José Murilo de, A Construção da
Ordem: a elite política. Teatro das Sombras: a política imperial. 5ª edição – Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2010.
16
com destaque para o Rio de Janeiro, o que fez surgir novos padrões de sociabilidade e
contatos culturais. A rua, interpretada pelo projeto Saquarema como o lugar da desordem, foi
paulatinamente ressignificada e adquiriu aspectos positivos, passando a ser vista como um
espaço de uso público da razão crítica11. Somam-se a isso uma espécie de democratização
desse novo espaço público e político, posto que passasse a ser frequentado pelos mais
variados tipos sociais. A Revolta do Vintém, por exemplo, ocorrida em 1º de janeiro de 1880,
ao reunir cerca de 4 mil pessoas no Largo do Paço, que marcharam em direção ao Largo de
São Francisco em uma manifestação contra o “imposto do vintém”, deflagrava essa nova
atitude política e esse novo uso público da rua12. Como apontado por Maria Tereza Chaves de
Mello13, a abolição da escravidão só foi possível graças à participação e a pressão da opinião
pública, crescente em todo o território nacional. Influenciada e insuflada pelos discursos
parlamentares, por artigos em jornais e revistas, pelos comícios nas praças públicas, a
campanha abolicionista atingiu patamares nunca antes presenciados 14. Somente com a
ampliação do palco político, que agregou elementos das culturas letrada e iletrada e
transformou a rua em espaço público da razão, tal empreendimento pode ser realizado.

Não podemos negar que a imprensa foi imprescindível em todo esse movimento.
Reproduzindo algumas ideias e concebendo outras, ela fez parte da formação e da ampliação
da opinião pública nacional, ainda que não possamos creditar esse processo inteiramente a ela.
Claudia Regina Andrade dos Santos15 nos ajuda a entender em que medida o movimento
abolicionista de utilizou da imprensa como um instrumento essencial de ação na esfera
pública, a partir de uma análise quantitativa sobre o Catálogo de Periódicos da Biblioteca
Nacional, referentes ao Rio de Janeiro. A autora constata que dezenas de novos títulos de

11
MELLO, Maria Tereza Chaves de. A República Consentida: cultura democrática e científica do final do
Império. Rio de Janeiro: Editora FGV; Editora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2007.
12
GRAHAM, Sandra. “O Motim do Vintém e a Cultura Política do Rio de Janeiro, 1880”. Revista Brasileira de
História, vol. 10, n. 20, pp211-232, mar.-ago. 1991. Para a autora o próprio destino das campanhas abolicionistas
teria se modificado após a revolta do vintém, posto que passaram a recorrer à diferentes formas de manifestações
públicas, seja através das ruas ou da imprensa, não ficando restritas ao Parlamento.
13
MELLO, Maria Tereza Chaves de. Op. Cit. Ricardo Salles também ressaltou a participação popular para o
crescimento do movimento abolicionista. SALLES, Ricardo Nostalgia Imperial: A Formação da Identidade
Nacional no Brasil do segundo Reinado. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.
14
Para ratificar esse processo a autora Cláudia Regina Andrade dos Santos analisa a expansão da vida
associativa carioca entre os anos de 1840 e 1888, utilizando como fonte principal o Almanak Laemmer. Em sua
pesquisa ela nos mostra um crescimento significativo das associações, principalmente a partir da década de 1880,
e evidencia a vinculação estreita desses grupos com a intensificação dos debates públicos sobre a abolição da
escravidão. Cf. SANTOS, Cláudia Regina Andrade dos. “Na rua, nos jornais e na tribuna: a Confederação
Abolicionista do Rio de Janeiro, antes e depois da abolição”, In: MACHADO, Maria Helena P. T; CASTILHO,
Celso Thomas. (Orgs), Tornando-se livre: agentes históricos e lutas sociais no processo de abolição. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2015, pp. 335-367.
15
Idem.
17
jornais foram criados, principalmente a partir da década de 1880, apoiando as bandeiras
emancipacionistas. Ela nos informa ainda que, além de espaços de produção e reprodução de
novas ideias, as sedes dos jornais serviram também como pontos de encontro e conflitos
sociais e operavam como núcleos de importantes associações – como foi o caso dos jornais de
José do Patrocínio, Gazeta da Tarde e Cidade do Rio que também foram as matrizes da
Confederação Abolicionista.

Expandia-se assim, um formato de imprensa cada vez mais atuante nos principais
centros urbanos de todo o país, em especial na Corte.16 Apesar de sabermos que é necessária
certa cautela quando reforçamos a capacidade dos jornais em edificar uma opinião pública,
tendo em vista a enorme quantidade de analfabetos no Brasil17, podemos assumir que, em se
tratando da realidade presente na Corte, especificamente, tal situação era um pouco diferente.
O intenso crescimento populacional com a enorme chegada de imigrantes e o crescente grau
de complexificação da sociedade fizeram do Rio de Janeiro um espaço privilegiado de difusão
de ideias e notícias. Ao contrário do restante do Brasil, por exemplo, onde a maior parte da
população era analfabeta, de acordo com o censo de 1872, calculava-se que na Corte o
número de alfabetizados era em torno de 50%, ou seja, uma parcela expressiva da população.
18
Podemos assumir, portanto, que nessa conjuntura as notícias e as ideias de fato se alargaram
e variaram, passando a abranger um público socialmente menos erudito, que passava a
perceber os noticiários não mais restritos ao domínio privado. Aos poucos a ideia de opinião
pública ganhava novas conotações e transformava-se em uma força política e em uma
instância crítica.19

Nesse quesito, Robert Darnton confirmou que o jornalismo – ou a imprensa – se


constituiu em um elemento central da esfera pública, nos fornecendo uma fonte de indicação e
disseminação de ideias que ultrapassavam as elites letradas, mesmo em um contexto marcado

16
MACHADO, Humberto Fernandes. A imprensa do Rio de Janeiro e o pós-abolição. ANPUH-RS, 2015.
Disponível em:
http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1439600925_ARQUIVO_PosAbolicaoeaImprensa.pdf
17
O Censo de 1872 revelou que havia apenas 1.563.078 indivíduos alfabetizados no Brasil entre a população
livre, num universo de 8.419.672 habitantes livres, ou seja 18, 5%. BRASIL, Diretoria Geral de Estatísticas,
Recenseamento da população do Império do Brasil a que se procedeu no dia 1 de agosto de 1872, Rio de Janeiro:
Tip. De G. Leuzinger & Filhos, (1873-1876), ps. 1/33.
18
Idem.
19
No tangente às interpretações sobre a formação de uma opinião pública para o contexto luso brasileiro
conferir: NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. "Opinião Pública." In: FERES, João (org.). Léxico da História
dos Conceitos políticos do Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009, pp.181-202.
18
pela oralidade.20 Identificando o público como ativo participante da cultura, Robert Darnton
confirmava a existência de um iluminismo mais variado, que possuiu entrada juntos às
diferentes esferas sociais. Sendo assim, a análise de periódicos vem sendo consagrada como
uma das principais vias de acesso ao pensamento coletivo de uma época, por desempenhar um
importante demonstrativo da intensidade das trocas de ideias e informações, sendo umas das
formas de acesso às práticas sociais.

Os escritos dos jornais, portanto, quando tomados os devidos cuidados metodológicos,


contribuem para compreender a realidade, na medida em que veiculam matérias que retratam
alguns aspectos da sociedade, acompanhando, também, suas transformações. O uso dos
periódicos como fontes históricas auxilia na identificação de ideias e ações que marcaram os
modos de vida de uma época, bem como nos revela como os sujeitos que neles escreveram
percebiam e observavam aquela sociedade. No entanto, não devemos esquecer que existem
influências do público leitor na organização e elaboração das notícias, bem como de filiações
político-ideológicas que guiam a forma e o conteúdo dos escritos jornalísticos. Longe da
neutralidade, a imprensa deve ser percebida como um agente político que contribui para o
estabelecimento de novas realidades através de estratégias diversas de mobilização e
persuasão, ainda que precise agradar seu público leitor.21 Além da possibilidade de
transformar simples fatos em eventos grandiosos, os jornais podem simplesmente omitir as
mais diversas ocorrências, dando sempre maior visibilidade ao que lhes interessa. A
publicidade confere, pois, a imprensa um enorme poder de produzir, aumentar ou silenciar
determinados acontecimentos em detrimento de outros. 22

Como apontado por Normam Flairclough23 diversos elementos extra-discursivos, se


introduzem num texto de forma subjetiva. Um texto nunca é algo isolado e nunca se restringe
aos aspectos linguísticos. O local de produção e as mentes que o produziu realmente refletem
um conteúdo social, mas são também capazes de construir novas relações e de posicionar as
pessoas de diferentes maneiras como sujeitos sociais frente aos discursos produzidos. Sendo
assim, quando analisamos determinada enunciação precisamos sempre ter em mente que ela

20
DARNTON, Robert. O iluminismo como negócio: História da publicação da ‘Enciclopédia’ 1775-1800.
Tradução de Laura T. Motta e Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
21
MOREL, Marco & BARROS, Mariana Monteiro. Palavras, imagem e poder: O surgimento da imprensa no
Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
22
NORA, Pierre. “O retorno do fato”. In: LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre (Orgs.). História: Novos
problemas. 3ª ed.. Tradução de Theo Santiago. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, pp. 179-193.
23
FLAIRCLOUGH, Normam. Discurso e Mudança Social. Revisão técnica e prefácio à edição brasileira de
Isabel Magalhães. Brasília: Ed. UNB, 2001, p. 91
19
está permeada pelas intenções do articulista e da sociedade em que ele está inserido. Se uma
notícia apresenta o desenrolar de algum evento, na realidade, ela retrata uma das possíveis
versões para esse mesmo evento, a partir de certas opiniões e expectativas. Portanto, quando o
historiador analisa um artigo jornalístico ele está investigando, duplamente, os
acontecimentos narrados, mas, principalmente, a própria narrativa do autor através de suas
visões de mundo. O desafio é, então, conseguir cruzar informações que o permitam
esquadrinhar essa dupla possibilidade. 24

Para além da análise dos materiais contidos na imprensa, que foram intensamente
utilizados ao longo de toda a tese, também buscamos investigar informações nos livros de
matrículas de presos da Casa de Detenção da Corte e do Distrito Federal dos anos de 1888,
1889 e 1890.25 Esses materiais foram preciosos para que pudéssemos compreender a
conjuntura tensa dos primeiros anos sem escravidão na então capital do país, bem como dos
primeiros anos do governo republicano. Contribuíram também para uma melhor percepção
das dinâmicas urbanas e políticas institucionais, principalmente no que diz respeito à
disciplinarização e o controle social da massa de indivíduos que formavam as camadas
trabalhadoras e percorriam os espaços da cidade, com destaque e com maior rigor para os
recém-egressos do cativeiro. Uma vez chegados à Casa de Detenção, os registros eram
preenchidos a mão pelo escrevente em campos já pré-determinados, o que os tornava
passíveis de erros ou equívocos. Através desse tipo de documentação, coletamos importantes
dados sobre os indivíduos considerados detratores e “perigosos” ara o ordenamento social,

24
Dentre os jornais que foram trabalhados ao longo da tese visando esses objetivos, podemos citar: A Capital; A
Epocha: órgão do partido conservador (PE);A Federação: órgão do partido republicano (RS);A Imprensa
(RJ);A Pátria (Folha da Província do Rio de Janeiro; A Pátria (órgão dos homens de cor);A Reforma: órgão do
partido liberal (SE); A República: órgão do partido republicano (PA); A República: órgão do partido
republicano (RN); A República: órgão do partido republicano (PR); A República: órgão do partido republicano
(RJ); A República Brasileira (RJ); Cidade do Rio (RJ); Constitucional: órgão do partido conservador (RJ);
Correio Paulistano; Diário da Bahia (BA); Diário da Tarde; Diário de Minas (MG); Diário de Notícias (RJ);
Diário de Pernambuco (PE); Diário do Comércio (RJ); Diário do Maranhão (MA); Diário do Povo (BA);
Gazeta da Tarde (RJ); Gazeta de Notícias (RJ); Gazeta do Natal: órgão conservador (RN); Gazeta do Sertão:
órgão democrata (PB); Goyaz: órgão do partido liberal (GO); Jornal do Comércio (RJ); Jornal do Povo (PE);
Jornal do Recife (PE); O Liberal do Pará (PA); Libertador: órgão da sociedade cearense libertadora (CE);
Novidades (RJ); O Novo Brasil (MA); O Apóstolo (RJ); O Cachoeirano: órgão do povo (ES); O Cearense (CE);
O Combate; O Espírito-santense (ES); O Grito do Povo: a Monarquia e a República (RJ); O Lynce (RJ); O
Mequetrefe (RJ); O Novo Brasil (MA); O Paiz (RJ); O Povo; O Republicano: órgão do partido republicano (SE);
O Tempo; Pacotilha (MA); Pedro II (CE); Revista Ilustrada; Revista Sul-Americana; Tribuna Liberal (RJ).
25
Os livros de matrícula dos prisioneiros encontram-se digitalizados e disponíveis para consulta online no
domínio do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ - http://aperj.godocs.com.br/). Segue lista do
material analisado e computado em nossa pesquisa: MD-LL-048 (26/0288 – 28/04/88); MD-LL-049 (28/04/88 –
01/08/88); MD-LL-050 (01/08/88 – 26/10/88); MD-LL-051 (11/07/89 – 08/08/89); MD-LL-052 (01/10/89 –
13/11/89); MD-LL-053 (13/11/89 – 13/01/90); MD-HN-0001 (01/03/1890 - 30/04/1890); MD-HO-0001
(30/04/1890 – 30/06/1890); MD-HN-0002 (04/06/1890 – 06/09/1890); MD-HN-0003 (08/09/1890 –
04/11/1890).
20
como: cor, idade, profissão, estado civil, filiação, local de moradia, tipo de crime, local de
nascimento, datas de detenção e soltura, além de uma descrição física dos presos.

Para os anos de 1888 e 1889, aqueles em que a Guarda Negra se manteve mais ativa e
com maior repercussão na imprensa, elaboramos bancos de dados mais detalhados,
priorizando as informações de prisioneiros classificados como pretos, pardos, mulatos, fulos,
morenos, e todos aqueles não-brancos que passavam na instituição. A respeito desses sujeitos
foram organizadas tabelas de acordo com as informações contidas na documentação. O
mesmo foi feito para os detentos brancos identificados como capoeiras. Em relação aos
prisioneiros brancos fichados por outros tipos de crimes, também os quantificamos, bem
como registramos suas nacionalidades, de modo a fazermos uma análise comparativa. No
entanto, fizemos um levantamento apenas quantitativo, sem alocar as demais informações em
um banco de dados minucioso. Indivíduos presos em datas e locais de confrontos da Guarda
Negra com republicanos foram alvos de investigação mais detalhada, a fim de que
cruzássemos algumas informações recolhidas nos periódicos com os livros de matrícula.
Infelizmente, parte importante dessa documentação se perdeu com o tempo, o que gerou
lacunas na pesquisa. Ainda assim, e apesar do estado degradado de conservação, elas nos
fornecem um rico material e nos permitem analisar uma parcela considerável dos registros de
detentos.

Incluímos ainda em nossa análise outras fontes ditas “oficiais”. Investigamos os


relatórios dos presidentes das províncias, os relatórios do Ministério da Justiça, os anais da
Câmara dos Deputados e do Senado e as Atas do Conselho de Estado dos anos de 1888 e
1889.26 Percebemos que as contendas relativas à Guarda Negra e aos embates entre
republicanos e monarquistas ultrapassaram os noticiários e foram citadas também por essa
documentação, o que nos ajuda a compreender o que essa associação representou, inclusive
perante o Estado, e o grau que as consequências de suas ações foram capazes de atingir.

Sendo assim, no primeiro capítulo da tese – Entre a Monarquia e a República: “a


guerra das penas” e os embates sobre a Guarda Negra – procuramos adentrar na temática
dessa associação carioca esclarecendo sobre as disputas na imprensa em torno da sua

26
Segue os links onde podemos acessar os bancos de dados da documentação supracitada:
http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial;
http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial;
http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/asp/AT_AtasDoConselhoDeEstado.asp;
http://imagem.camara.gov.br/diarios.asp?selCodColecaoCsv=A;
http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/asp/IP_AnaisImperio.asp.
21
formação, desenvolvimento e objetivos. Para tanto, elencamos periódicos de diversas
orientações políticas e ideológicas, com o objetivo de elaborarmos uma contextualização das
discussões, bem como o de mapearmos as múltiplas possibilidades de entendimento sobre a
corporação. Conseguimos perceber que monarquistas e republicanos, antes unidos pela
bandeira abolicionista, passaram a apresentar visões diversas e conflitantes sobre as
finalidades do grupo de negros e disputaram espaços públicos na imprensa para expor suas
ideias. A partir de seus artigos, aferimos ampla margem de fontes que nos abriram
possibilidades interpretativas a respeito da Guarda Negra. Todavia, os debates travados em
seu nome nos informaram, principalmente, acerca dos sujeitos que sobre ela discorreram.

A “guerra das penas”, que analisamos ao longo desse capítulo, nos forneceu também
pistas imprescindíveis sobre o pensamento abolicionista da elite letrada nacional, com
destaque para suas dissidências e o que entendiam e acreditavam sobre os limites das
reformas sociais e a respeito do lugar do negro na nova conjuntura social de plena liberdade
que se inaugurava a partir do 13 de maio de 1888. Em última instância, esses debates
narravam sobre a continuidade do amplo movimento abolicionista mesmo após a instauração
da liberdade. Dentre os jornais que obtiveram mais espaço nessa discussão, podemos citar:
Cidade do Rio; Diário de Notícias; Gazeta da Tarde, Gazeta de Notícias, O Paiz, Novidades,
Diário do Comércio, Revista Ilustrada, A Rua, O Apóstolo, O Mequetrefe, e o Constitucional.
Além dessas fontes, analisamos os relatórios do Ministério da Justiça dos anos de 1888 e
1889. Em suma, a elaboração desse capítulo, nos permitiu investigar o contexto intelectual,
político e ideológico que, até agora, norteou todas as visões sobre a instituição da Guarda
Negra. Disputas por projetos distintos de abolição e de governo encontravam-se em jogo em
meio aos artigos sobre “negros livres”, “capoeiras”, “baderneiros” e “novos cidadãos”. Visões
distintas sobre cidadania, igualdade, justiça e liberdade, também fazem parte dessa rede de
opiniões que buscava compreender um movimento de negros livres nas ruas das cidades de
todo o país, seja através da criminalização, manipulação ou legitimidade.

Como não poderia deixar de ser, os debates em torno das noções de raça estiveram
presentes de forma significativa nas concepções sobre a Guarda Negra e seus objetivos, já que
ao longo do século XIX, de maneira relativamente velada, práticas embasadas nos ideais de
raça se tornaram decisivas nos debates jurídicos, nas decisões políticas, nas concepções de
cidadania e nas memórias e símbolos da escravidão. A imprensa, a seu modo, também
contribuiu para a racialização das tensões sociais sobre o liberto e seu lugar na nação após a
abolição definitiva do cativeiro. Nos jornais, a associação ora aparece como um movimento
22
de negros em busca da redenção de sua raça, ora como um grupo que intenciona aflorar as
disputas e ódios raciais no país. De todo modo, de um lado ou de outro, as discussões em
torno da criação e objetivos da Guarda Negra foram intensamente racializadas. Os discursos
baseados na ideia de desordem racial e o medo de levantes da raça negra foram mecanismos
retóricos fortemente utilizados, e supervalorizados, que escondiam nas entrelinhas um receio
real a respeito da liberdade e do papel cidadão do negro no Brasil. De maneira geral, os
indivíduos que dissertavam sobre a Guarda Negra na imprensa utilizaram tal temática para
produzir e reproduzir narrativas sobre raça e nacionalidade, forjar papéis sociais, sensibilizar a
opinião pública, galgar objetivos políticos, construir e reconstruir identidades e se inserir no
debate sobre cidadania e igualdade num Brasil definitivamente livre. Recuperar esses
discursos foi o que fizemos ao longo do segundo capítulo (O medo da raça: o afloramento
dos discursos raciais no Brasil no pós-abolição e os usos políticos sobre as ações da Guarda
Negra), de maneira a apontar a importância da articulação da questão racial com o fim do
sistema escravista no Brasil e a crise final do governo monárquico, a partir dos eventos
envolvendo a Guarda Negra no imediato pós-abolição. Tudo isso imerso num momento
decisivo para construção da identidade nacional brasileira e dos limites de cidadania no povo
negro.

Cabe ressaltar que, para além de organizações de negros em defesa da Monarquia que se
identificavam com a Guarda Negra, nos deparamos com grupos de homens de cor que se
reuniam a favor da República e que criticavam veementemente as atitudes de tal associação.
Aproveitamos esse capítulo para dissertarmos a respeito das conexões e embates entre negros
republicanos e negros monarquistas, compreendendo que as experiências político-culturais
dos homens de cor foram diversas e multifacetadas e, portanto, possuidoras de múltiplas
motivações.27 Ultrapassaremos assim, uma visão essencialista que associa a raça negra ao
ideal monárquico pura e simplesmente, e que oblitera outras filiações e projetos políticos por
parte dos libertos. Nossas fontes principais foram ainda os diferentes jornais que circulavam,
principalmente no âmbito carioca, mas não apensas nele, e que publicaram sobre o assunto.
Soma-se a estes as atas do Conselho de Estado relativas aos anos de 1888 e 1889.

A análise dos jornais no final do século XIX também nos permitiu avaliar que a Guarda
Negra foi um fenômeno nacional. Uma rápida pesquisa nos periódicos da Biblioteca Nacional

27
DOMINGUES, Petrônio. “Cidadania levada a sério: os republicanos de cor no Brasil”. In: GOMES, Flávio
(Org.) e DOMINGUES, Petrônio (Org.): Políticas da Raça: experiências e legados da abolição e da pós-
emancipação no Brasil. São Paulo: Selo Negro Edições, 2014, pp. 121-154.
23
nos levou a quantia de 593 artigos a respeito dessa associação, em 74 periódicos diferentes,
para os anos finais do século XIX. É claro que precisamos ter em mente que o sistema de
busca disponível pela BN é falho, portanto, foram encontradas outras citações a respeito desse
grupo, que não foram sinalizados pelo método de investigação digital. Dentre essa quantia de
periódicos que trataram sobre o tema, podemos afirmar que 47 deles (ou seja, mais de 63% do
total dos periódicos) eram de outras regiões do Brasil que não o Rio de Janeiro. Esse resultado
alarga questionamentos acerca das repercussões da Guarda Negra fora da realidade regional
da Corte e acerca da formação real de núcleos identificados e solidarizados com aquele
movimento em outras partes do Brasil.

Para além da pesquisa dos periódicos, as análises dos relatórios dos presidentes das
províncias nos levaram a perceber que esses conflitos enunciados pelos jornais não se
limitaram ao nível do discurso e da retórica. Inúmeros casos de tensões entre monarquistas e
republicanos foram narradas nas mais diferentes localidades, seja no interior do Rio de
Janeiro, seja no restante do Brasil. Além disso, foi extremamente comum a reedição de artigos
de jornais cariocas que relatavam os embates entre a Guarda Negra e os comícios
republicanos, quase sempre evidenciando os aspectos brutais dessa associação e a barbárie em
que viviam os libertos do cativeiro, em um tom claramente amedrontador acerca das ações
políticas dos homens de cor. Esse mecanismo de insuflar o medo racial que verificamos no
âmbito da Corte se expandiu para diversas localidades do território nacional e fez parte de um
duplo movimento que, ao mesmo tempo em que deslegitimava a instituição monárquica,
aumentava os receios em relação aos homens de cor. Foram essas contendas que buscamos
investigar no terceiro capítulo dessa tese, intitulado A Guarda Negra sobre uma perspectiva
nacional: ecos e desdobramentos das manifestações de negros em prol da Monarquia no
Brasil, de modo a expandir os horizontes da associação da Guarda Negra e do que ela
representou nos mais diversos locais do país. Nesse sentido buscamos criar uma base de
comparação e experimentação entre as narrativas da imprensa em torno dessa associação por
todas as regiões do país, investigando-as a partir de suas especificidades, mas procurando
contextualizá-las num mesmo cenário nacional. A partir do epíteto “Guarda Negra”,
experiências sociais díspares foram amalgamadas, o que nos permitiu entrever as inquietações
em torno da reorganização social a nível nacional, em especial no que diz respeito à ideia de
manutenção da ordem no pós-abolição. Foi assim que uma série de grupos envolvidos com
práticas políticas locais já comuns em tempos passados, como a capangagem, a violência

24
eleitoral ou os apadrinhamentos, assumiram novos sentidos e significados e passaram a ser
denominados pelos escritos jornalísticos de Guarda Negra.

No quarto e último capítulo da tese – Apontamentos sobre a Guarda Negra após a


instauração da República –, como o próprio título nos informa, analisamos as repercussões
em torno dessa associação monarquista após o 15 de novembro de 1889. Para o contexto
carioca, inicialmente, procuramos romper com a perspectiva de que o fim abrupto da Guarda
Negra, ainda nos primeiros anos do regime republicano, esteve relacionado com o projeto de
perseguição e deportação dos capoeiras na cidade. Para tanto, questionamos a noção de que a
Guarda Negra era um grupo estritamente ligado à capoeiragem, tendo seu destino definido
pelas ações do novo governo. Nesse sentido, o cruzamento das fontes coletadas nos periódicos
com o material analisado e computado através da documentação dos livros de matrícula de
presos na Casa de Detenção foi de suma importância. Por exemplo, ao cruzarmos as listas de
presos publicadas pela imprensa relativas aos participantes dos conflitos urbanos entre
republicanos e monarquistas com os dados referentes à pesquisa das fichas de detentos,
conseguimos avaliar melhor a participação de capoeiras, brancos, negros, libertos, brasileiros,
estrangeiros, nos embates travados pelas ruas da cidade. Além disso, notamos algumas
menções à Guarda Negra via imprensa carioca, mesmo que de forma mais rara, nos primeiros
anos da década de 1890, agora relacionados a novas demandas e projetos. Assim como
fizemos para o caso do Rio de Janeiro, procuramos mapear o teor em que os relatos
envolvendo a denominação de Guarda Negra apareceram nas diversas localidades do país,
mesmo após a vitória do projeto republicano.

Também buscamos recuperar, rapidamente, as trajetórias de vida de dois personagens


centrais nas contendas entre homens de cor monarquistas e republicanos: Pedro Justo de
Souza e Anacleto Alves de Freitas. O primeiro foi um integrante da associação da Guarda
Negra, de acordo com seu próprio relato divulgado pela imprensa, e esteve envolvido em uma
série de outros pequenos delitos ao longo do final do século XIX. Foi caracterizado como
pardo, segundo o escrivão da Casa de Detenção da Corte, em ficha encontrada em 22 de
janeiro de 1893. Já Anacleto, foi um negro republicano engajado nos comícios de Silva
Jardim e um dos líderes do Club Republicano dos Homens de Cor. Participou das
conferências em prol da República, tendo seu discurso reproduzido pela imprensa e sendo
citado pelo próprio Silva Jardim em seu livro de memórias. Ambos marcaram presença nos
dois maiores conflitos urbanos envolvendo a Guarda Negra no centro do Rio de Janeiro e nos

25
ajudam a compreender as diferentes formas de atuação dos homens de cor na esfera pública e
política.

Em nosso entendimento, a análise das documentações selecionadas nos permitiu


expandir as possibilidades interpretativas acerca da Guarda Negra, ainda que não tenha nos
mostrado por completo o que foi essa associação. Ela nos revelou também importantes pistas
sobre o pensamento abolicionista de uma elite letrada brasileira, seus sentidos políticos, suas
dissidências, e os limites que impuseram às reformas sociais e à condição de cidadania do
negro. Através das penas dos jornalistas, e dos embates reais que a associação da Guarda
Negra suscitou, os indivíduos que agiram em sua defesa, ou mesmo contrários a ela, o fizeram
movidos por projetos de sociedade que acreditaram serem os melhores para si e para a nação,
mesmo que de maneira contingencial. Explorados de forma polissêmica, os assuntos que
emergiam sobre essa corporação também produziram e reproduziam narrativas sobre raça e
nacionalidade, sensibilizando a opinião pública e galgando objetivos políticos. As temáticas
raciais estiveram, portanto, sempre presentes nas mentes dos sujeitos que buscavam entender
e descrever as novas relações sociais que após a abolição caracterizavam o momento
histórico, político e social inaugurado no país. Não sendo um fenômeno regional restrito ao
âmbito da Corte ou mesmo circunscrito aos anos de 1888 e 1889, a Guarda Negra nos surge
como um tema capaz de revelar múltiplas possibilidades interpretativas sobre o imediato pós-
abolição e sobre cidadania e igualdade num Brasil definitivamente livre.

26
CAPÍTULO I
Entre a Monarquia e a República: “a guerra das penas” e os embates sobre a Guarda
Negra.

27
De norte ao sul do império fala-se com um terror religioso da constituição
dessa associação formidável, a Guarda Negra. A Internacional de Karl Marx
não passara de um ajuntamento raquítico comparada a essa instituição. Fala-
se e fala-se muito; porém onde fala-se mais é aqui, no centro do império, no
Rio de Janeiro. (...) A coisa é de arrepiar os cabelos. 1

A citação anterior, retirada do jornal O Mequetrefe2, apesar de fazer forte uso da


ironia, como a comparação com a 1ª Internacional organizada por Marx e Engels3, conseguiu
apreender e registrar um cenário político e social que marcou os dois últimos anos da
Monarquia no Brasil. Sobre o desígnio da Guarda Negra foram travados acirrados debates
políticos e jornalísticos, em meio a uma conjuntura extremamente polarizada entre
monarquistas e republicanos. Conjuntura que contava com a participação de personagens que,
se não eram completamente novos nas arenas políticas, agora inauguravam novas
experiências em uma sociedade juridicamente livre. Se as notícias que circulavam sobre a
Guarda Negra na imprensa não são capazes de definir por completo o que foi essa associação,
elas nos revelam, e muito, o que alguns setores do universo letrado pensaram sobre os
sentidos políticos de negros atuando em manifestações públicas. Mais ainda, nos ajudam a
descortinar as contendas relativas às dissidências entre os setores abolicionistas que, após o 13
de maio, se viram em disputas por diferentes projetos de abolição e nação.

1.1 As narrativas a respeito da Guarda Negra, sua formação e desenvolvimento, a partir


da imprensa carioca.
Pouco se sabe como se formou a Guarda Negra ou quais foram suas principais
ligações políticas. Como não constam referências “oficiais” de sua institucionalização, o que

1
O Mequetrefe, set. 1888, p. 06.
2
O Mequetrefe foi um jornal ilustrado que circulou no Rio de Janeiro entre os anos de 1875 e 1893. Até o ano de
1879, o jornal era propriedade de Pedro Lima e de Eduardo Joaquim Correia. A partir desse ano, este último se
tornou seu único proprietário até o fim sua vida, em 1891, quando José Joaquim Correia assumiu o comando do
jornal. Ao longo de sua existência, o periódico contou com um número grande de colaboradores, Olavo Bilac,
Arthur Azevedo, Henrique Lopes de Mendonça, Lúcio de Mendonça, Raimundo Correia, Filinto Almeida e Lins
de Albuquerque. Entre seus caricaturistas podemos citar Candido de Faria, Antonio Alves do Vale, Joseph Mill,
Aluísio de Azevedo e Antônio Bernardes Pereira Netto. De orientação republicana, abordou em suas páginas
ilustrações, notícias e textos que deixavam clara sua filiação com o republicanismo, utilizando inclusive
símbolos e alegorias republicanas inspiradas no modelo francês. Cf. LOPES, Aristeu Elisandro Machado. “O dia
de amanhã”: A República nas páginas do periódico ilustrado O Mequetrefe, 1875-1889. Revista História (São
Paulo) v.30, n.2, p. 239-265, ago/dez, 2011.
3
A Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), também conhecida como Primeira Internacional ou
simplesmente Internacional, foi uma organização fundada por Marx e Engels em 28 de setembro de 1864.
Constituiu-se na primeira organização operária transnacional, reunindo organizações operárias da Europa e
Estados Unidos. Cf. ABENDROTH, Wolfgang. A História Social do Movimento Trabalhista Europeu. Tradução
de Ina Mendonça. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
28
sabemos é fruto de publicações da imprensa4. Apesar de sua curta existência (a maior parte da
historiografia aponta para os anos de 1888-1889), as manifestações geradas em seu nome
permearam grande parte dos centros urbanos brasileiros, em especial o Rio de Janeiro, capital
do Império. Ela emergiu em um contexto de fortes tensões, marcadas por disputas políticas e
raciais que fizeram das ruas os centros mais importantes de mobilizações, agitações, meetings
e comícios, acompanhados de uma opinião pública cada vez mais participativa. Segundo o
Cidade do Rio5 – jornal de José do Patrocínio, que também exercia o cargo de redator chefe –
a Guarda Negra da Redentora teria se formado em 09 de julho 1888, a partir de um encontro
na casa do artista francês Emílio Rouéde6, com a participação dos pretos libertos Higino,
Manoel Antônio, Jason, Aprígio, Gaspar e Teócrito7. Dentre os objetivos assinalados pelos
seus integrantes, encontrava-se a defesa “do reinado da excelsa senhora”, a manutenção da
liberdade e do Terceiro Reinado em todo o território nacional, bem como a formação de

4
Acerca de diferentes interpretações sobre a Guarda Negra, conferir os seguintes trabalhos: BERGSTRESSER,
Rebeca. The Movement for the Abolition of Slavery in Rio de Janeiro, Brazil, 1880-1889. Tese (Doutorado em
Filosofia) – Departamento de História, Universidade de Stanford, 1973; TROCHIN, Michel R. The Brasilian
Black Guard: racial conflict in pos-abolition Brazil. The Americas, v. XLIV, n.3, p.298-90, jan. 1988;
MACHADO, Humberto Fernandes. A Guarda Negra no contexto urbano do Rio de Janeiro. Anais da XII
Reunião da Sociedade Brasileira de História. Porto Alegre, 1992; MACHADO Humberto Fernandes. Palavras e
Brados: José do Patrocínio e a imprensa abolicionista do Rio de Janeiro. Niterói: Editora da UFF, 2014.
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A negrada instituição: os capoeiras no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Secretaria Municipal da Cultura, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de
Editoração, 1994; MIRANDA, Clícea Maria. Guarda Negra da Redentora: verso e reverso de uma combativa
associação de libertos. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, UERJ,
Rio de Janeiro, 2006. ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. O jogo da dissimulação; abolição e cidadania negra
no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. VASCONCELOS, Rita de Cássia A. F de. República sim,
Escravidão não: O Republicanismo de José do Patrocínio e sua vivência na República. Dissertação (Mestrado
em História) - Programa de Pós-Graduação em História, UFF, Niterói, 2011. GOMES, Flávio dos Santos. ‘No
meio das águas turva’: raça, cidadania e mobilização política na cidade do Rio de Janeiro – 1888-1889. In:
GOMES, Flávio e DOMINGUES, Petrônio. Experiências da emancipação: biografias, instituições e
movimentos sociais no pós-abolição (19890-1980). São Paulo: Selo Negro, 2011.
5
O Cidade do Rio foi criado por José do Patrocínio em 28 de setembro de 1887 (em homenagem a data da Lei
do Ventre Livre), após ter saído da direção da Gazeta da Tarde, onde esteve desde 1881. O seu novo jornal teve
como principal objetivo a luta pela abolição da escravidão. Após essa conquista continuou expondo inúmeras
questões políticas e sociais que afligiam a realidade brasileira. De orientação republicana, no entanto, nunca se
afastou das críticas a esse partido e, por vezes, se aproximou da causa monarquista. Possuiu colaboradores
renomados como Olavo Bilac, Coelho Neto, Luis Murat, Pardal Mallet, Emílio Rouéde, entre outros. Com
alguns momentos de interrupção e suspensão ao longo da década de 1890, e passando por intensa crise
financeira, o jornal fechou as portas em 30 de junho de 1902, data de sua última edição. Cf.
https://bndigital.bn.gov.br/artigos/cidade-do-rio/. Acesso em: 11/01/2018. Cf. MACHADO Humberto
Fernandes. Palavras e brados: José do Patrocínio e a imprensa abolicionista do Rio de Janeiro. Niterói: Editora
da UFF, 2014.
6
Émile ou Emílio Rouède (1848-1908) foi um artista francês que se estabeleceu no Rio de Janeiro em 1880 e
acabou por exercer atividades diversas como jornalista, pintor, literato, fotógrafo, compositor, professor. Ao
longo da década de 1880 aproximou-se de intelectuais do período como Olavo Bilac, Aluísio Azevedo e José do
Patrocínio, chegando a ser colaborador do Cidade do Rio. Participou ativamente das campanhas abolicionistas e
se envolveu com a causa republicana, chegando a ser preso por Floriano Peixoto por fazer oposição a seu
governo. Faleceu em Santos em 1908. http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa22974/emile-rouede. Acesso
em: 15/01/2018.
7
Cidade do Rio, 10 jul. 1888, p.02.
29
alianças com outras instituições e a difusão de suas ideias pelo interior do país. No mesmo
artigo, publicado no dia 10 de julho de 1888, podemos perceber os objetivos elencados pela
associação que se intitulou Guarda Negra.

1º Criar-se uma associação, com o fim de opor resistência material a


qualquer movimento revolucionário, que hostilize a instituição que acabou
de libertar o país.
2º Só podem fazer parte, como seus sócios ativos, os libertos que se
comprometerem a obedecer aos mandatos de uma diretoria eleita por maioria
absoluta, em votação que se efetuará em momento oportuno.
3º Poderem ser sócios efetivos unicamente os que considerem o ato
memorável do dia 13 de maio, acontecimento digno de admiração geral e
não motivo para declarar guerra à humanitária princesa que o realizou.
4º Pedir à Confederação Abolicionista o seu apoio, para que esta sociedade
se ramifique por todo o império.
5º Pedir à imprensa que participa desse sentimento o seu valioso concurso.
6º e último. Aconselhar por todos os meios possíveis os libertos do interior
que só trabalhem nas fazendas daqueles que não juraram guerrear o terceiro
reinado.8

Através das decisões assentadas, ficava claro que a Guarda Negra se filiava à Monarquia
e a Princesa Regente contra a instauração da República no país. A organização burocrática da
Guarda Negra contava com “sócios ativos” – necessariamente libertos –, com sócios efetivos,
com uma diretoria, com o apoio da imprensa e da Confederação Abolicionista9. Todos
deveriam, através dos meios necessários, expandir tais ideais pelo interior do Brasil,
instigando ex-escravos a não trabalharem para senhores que atentassem contra o Terceiro
Reinado. As atividades básicas da associação consistiam em organização de sessões,
assembleias, reuniões, desfiles, e participação em eventos oficiais.
Três dias após a publicação da notícia anterior, em 13 de julho, José do Patrocínio abria
novo espaço para expor os agradecimentos de Emílio Rouéde às cartas de adesão (“umas
anônimas e outras assinadas”10) de grande número de pessoas à causa da Guarda Negra. Junto
ao agradecimento, o artista francês aproveitava para confirmar que seu objetivo não havia
sido receber mensagens de felicitações, mas sim reunir homens “dispostos a defender

8
Idem.
9
A Confederação Abolicionista foi fundada no escritório da Gazeta da Tarde em maio de 1883, com o objetivo
de reunir abolicionistas de todo país em prol da luta pela liberdade. Atuou inserida no movimento de forma
ampla, com a formação de caixas emancipadoras, criação de escolas noturnas e até no auxílio de fuga de
escravos. Dentre seus principais integrantes, podemos citar: José do Patrocínio, André Rebouças, João Clapp,
Luiz Murat, Joaquim Nabuco, dentro outro. Cf. ALONSO, Ângela. Flores, votos e balas: o movimento
abolicionista brasileiro (1868-1888). São Paulo: Companhia das Letras, 2015. Para leitura do Manifesto da
Confederação abolicionista do Rio de Janeiro, Cf. http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/174454
10
Cidade do Rio, 13 jul. 1888, p. 01.
30
materialmente a excelsa Redentora, caso os neo-republicanos façam uso de armas” e “levantar
barricadas, si os neo-sans-culottes tivessem coragem de proclamar uma revolução armada”11.
Rouéde, na realidade, se referia principalmente aos produtores do Oeste paulista, que
recentemente teriam abandonado as fileiras monarquistas e estariam flertando com a causa da
República na esperança de verem aceitas algumas de suas exigências, em especial o
pagamento de indenização pela libertação de suas propriedades escravas.
Consta em outro artigo publicado pelo Cidade do Rio, que a Guarda Negra teria
conferido a José do Patrocínio o título de Presidente Honorário da associação. O diploma lhe
foi entregue na sede do seu jornal, na Rua do Ouvidor n° 74, por uma comissão composta por
cerca de 300 membros da corporação. Essa era uma maneira de “testemunhar ao jornalista dos
escravos que a raça a que ele pertence sabe reconhecer nele o homem que só tem servido da
imprensa para bem de seu país e para a garantia dos direitos de todas as classes”12. Como
veremos ao longo do capítulo, Patrocínio será o grande defensor e porta-voz das
manifestações da Guarda Negra, pelo menos até meados do ano 1889, quando se afasta do
movimento e passa a criticar seu modelo de atuação. Além de Patrocínio, o chefe de polícia
da Corte, Clarindo de Almeida, também parecia possuir grande visibilidade entre os
associados. Pelo menos era o que advogava para si, ao assinar em alguns artigos como “chefe-
geral” e porta-voz da Guarda Negra na imprensa.13
De acordo com o editorial publicado no Diário de Notícias14 em 09 de maio de 1889, a
associação da Guarda Negra possuía pelo menos dois pontos de reuniões secretos na Corte.
Um, na Rua da Carioca, em aposentos da Casa da Lua, onde supostamente vivia um famoso
abolicionista15; e o outro no Catete, em uma chácara na Rua do Barão da Guaratiba. Alguns
meses depois, em meados de 1889, o jornal expôs outro local possível para os encontros e
sessões da Guarda Negra. Tratava-se de uma sala da sociedade Estrela do Oriente, localizada

11
Idem.
12
Cidade do Rio, 30 nov. 1888, p. 01.
13
Cidade do Rio, 31 dez. 1888, p. 01; Gazeta de Notícias, 01 jan. 1889, p. 01; Cidade do Rio, 03 jan. 1889, p.
03.
14
O Diário de Notícias era um jornal matutino e teve seu primeiro número publicado no Rio de Janeiro em
07/06/1885. Sua sede era na Rua do Ouvidor, nº 118, propriedade de Carneiro, Senra & Co. O surgimento do
jornal é produto da junção de duas outras folhas: Brasil e Folha Nova. Pode ser enquadrado como de orientação
republicana. Rui Barbosa fora seu redator-chefe em 1889. https://bndigital.bn.gov.br/artigos/diario-de-noticias/.
Acesso em: 15/01/2018.
15
Não sabemos que fontes a autora se baseou. Mas, Regina Echeverria destacou no seu livro sobre Isabel que a
Guarda Negra, no início, “funcionava modestamente na Rua da Carioca, nº 77, local também que abrigava uma
Sociedade Recreativa de nome “Habitantes da Lua”, contando então com 300 membros aproximadamente. A
seguir transferiu-se para a Rua Senhor dos Passos, nº 165, local onde foi fundada a “Sociedade Beneficente
Isabel, a Redentora”, mais tarde instalada na Rua Larga de São Joaquim ((hoje Marechal Floriano Peixoto)”.
ECHEVERRIA, Regina. A história da Princesa Isabel: Amor, liberdade e exílio. Rio de Janeiro: Versal 2014.
31
na Rua da Saúde16. Os integrantes dessa “legião de sangue”, nos informa o artigo, seriam
cocheiros, carroceiros, cozinheiros e criados de servir. O que aumentaria o receio em relação
aos cidadãos de bem, pois “cada um de nós (...) pode ter em sua casa, sem prevenção possível
contra o inimigo, uma arma da mancomunação homicida”. 17
Esses empregos descritos pelo escrevente eram os comumente assumidos pela
população negra na cidade do Rio de Janeiro, logo, colocava em suspeição qualquer homem
de cor, incentivando assim uma áurea de desconfiança e temor entre seus leitores. O mesmo
jornal, em seu apelo retórico contra a Guarda Negra, investia no exagero de seus integrantes,
afirmava que cerca de 1.500 a 1.600 homens compunham a associação. “Réus de polícia,
capoeiras, navalhistas, malfeitores da pior casta, ao lado de outros que não devem inspirar
18
senão piedade, pobres criaturas a quem nós abrimos os nossos corações (...)”. Seus
participantes eram, portanto, os mais variados e suas armas viriam da própria polícia que as
distribuía livremente, desde as navalhas até os revólveres.
Nas ruas da Corte o “fantasma” da Guarda Negra passou a pairar em diversas ocasiões
como festas, homenagens públicas e principalmente nos comícios republicanos. A “perigosa
associação, organizada depois de 13 de maio” era “ameaça permanente contra a ordem
pública da capital do império”. 19 Mas, a Guarda Negra passou a ganhar destaque definitivo na
imprensa brasileira, principalmente no final do ano de 1888, gerando acirrados debates
políticos e jornalísticos. O primeiro confronto envolvendo a associação deu-se no dia 30 de
dezembro, em meio a um comício do republicano Silva Jardim20, ocorrido na Sociedade

16
Diário de Notícias, 09 mai. 1889, p. 01.
17
Diário de Notícias, 15 jul. 1889, p. 01.
18
Idem.
19
Gazeta da Tarde, 05 jan. 1889, p. 01. A Gazeta da Tarde foi lançada em 10 de julho de 1880, como uma folha
abolicionista cujo proprietário era Ferreira de Menezes. Quando de sua morte, no ano seguinte, José do
Patrocínio, com suporte de seu sogro, Capitão Emiliano de Rosa Senna, adquiriu a posse do jornal, onde manteve
ferrenha propaganda pela abolição da escravidão, e fortes críticas a D. Pedro II. Foi o local de fundação da
Confederação Abolicionista, em maio de 1883. Em setembro de 1887, Patrocínio saiu do dito jornal e fundou o
Cidade do Rio. A Gazeta da Tarde passou, então, para as mãos de seu sócio proprietário Luiz Ferreira de Moura
Brito. Após a saída de Patrocínio, a Gazeta da Tarde continuou a sustentar seu apoio ao republicanismo,
travando intensas críticas à associação da Guarda Negra e a seu antigo dono. O jornal saiu de circulação,
aparentemente, em novembro de 1901. Cf. SILVA, Ana Carolina Feracin da. De “papa-pecúlios” a Tigre da
Abolição: a trajetória de José do Patrocínio nas últimas décadas do século XIX. Tese (Doutorado em História),
Campinas: UNICAMP, 2006. A respeito da Gazeta da Tarde e sua atuação no Abolicionismo cf. PINTO, Ana
Flávia Magalhães Pinto. Fortes laços em linhas rotas: literatos negros, racismo e cidadania na segunda metade
do século XIX. Tese (Doutorado em História). Campinas: IFCH, Unicamp, 2014. MACHADO Humberto
Fernandes. Palavras e brados: José do Patrocínio e a imprensa abolicionista do Rio de Janeiro. Niterói: Editora
da UFF, 2014.
20
Antonio da Silva Jardim (1860-1891) foi um dos maiores propagandistas e agitadores políticos da causa
republicana no Brasil. Formado em Direito, também atuou como jornalista (sendo por algum tempo colaborador
da Gazeta de Notícias e do O Paiz). Como ativista político, foi representante da ala mais radical do
republicanismo, ligada ao jacobinismo. Após a implantação da República, se decepciona com o novo regime e se
ausenta da vida política. Em 1891, em uma viagem para Europa, acaba morrendo tragado pelo vulcão Vesúvio,
32
Francesa de Ginástica, localizada no Largo do Rocio, antiga Travessa da Barreira e atual
Praça Tiradentes. A percussão violenta, que transbordou para a luta armada nas ruas da cidade
do Rio de Janeiro, colocou na ordem do dia os diferentes sentidos e significados da Guarda
Negra, bem como fez aflorar os debates a respeito da participação política do negro no Brasil.
Sobre os motivos que levaram ao conflito, muitas foram às versões exibidas nos periódicos da
época que estamparam noticiários sobre o confronto, ora criticando a ação radical e violenta
da Guarda Negra e dos libertos, ora a comitiva republicana.
De acordo com o jornal O Paiz21, a conferência de Silva Jardim, ocorrida no dia 30 de
dezembro de 1888, na realidade seria uma continuação de outra que havia acontecido uma
semana antes, no domingo 23 de dezembro. Desde essa ocasião, “um grupo de homens de cor
preta” teria acompanhado os republicanos até o largo de S. Francisco de Paula, onde “tendo
pretendido ferir o ilustre democrata Silva Jardim, provocou a reação que o repeliu e que foi
22
mitigada pelos próprios republicanos”. Como o assunto da conferência não se teria
esgotado (tratava-se de uma resposta ao deputado Joaquim Nabuco), ela se prolongaria para o
domingo seguinte. Segundo o jornal, havia se espalhado o boato de que a Guarda Negra não
consentiria que a reunião se realizasse e rondava de boca a boca a notícia de que Silva Jardim
seria assassinado em pleno salão. Toda a cidade tinha conhecimento do conflito que estava
prenunciado, por isso tentou-se impedir que a conferência acontecesse e se solicitou a Silva
Jardim que não se expusesse daquela maneira. A própria imprensa foi conclamada a não
comparecer, em virtudes dos riscos reais que o encontro republicano poderia desencadear:
“Foi, portanto, sob a pressão das ameaças públicas da Guarda Negra, que se realizou a
23
conferência do dia 30”. Para o periódico O Paiz, o conflito desse domingo entraria para a
história como o primeiro ato de heroísmo dos republicanos. Enquanto a Guarda Negra seria
lembrada pelo seu assalto contra a liberdade do cidadão.

em Pompéia. Cf. FERNANDES, Maria Fernanda Lombardi. A esperança e o desencanto: Silva Jardim e a
República. São Paulo: Humanitas, 2008.
21
O Paiz foi lançado em 1º outubro o de 1884, na cidade do Rio de Janeiro, por João José dos Reis Júnior, o
conde de São Salvador de Matozinhos. Seu primeiro redator chefe foi Rui Barboza, sendo logo substituído pelo
republicano Quintino Bocaiuva. Era considerada a folha de maior tiragem da América Latina no final do século
XIX. Sua sede localizava-se na Rua do Ouvidor, números 63-65. No ano de 1888, contou com a uma série de
artigos assinados pelo também republicano Silva Jardim. https://bndigital.bn.gov.br/artigos/o-paiz/. Acesso em:
15/01/2018. Apesar de sua clara orientação republicana, o jornal alegava não fazer propagandas para nenhum
partido político. “O Paiz não faz propaganda republicana. Se a fizesse, aumentaria com certeza a força dessa
causa política. O Paiz não faz tampouco propaganda monárquica. Se o fizesse, seria isso um novo indício da
decadência dessa instituição. O Paiz não serve aos interesses de nenhum partido, nem se acha enfeudado a
nenhuma influência política, conservadora, liberal ou republicana (...)”. Cf. O Paiz. 05 jan. 1889, p. 01.
22
O Paiz, 05 jan. 1889, p. 02.
23
Idem.
33
Sustentando a mesma opinião, o periódico Novidades24, concordava que o ataque da
Guarda Negra também teria sido premeditado e anunciado de véspera. No sábado anterior ao
conflito, o artigo fornecia a informação de que o plano contra os republicanos estava sendo
confabulado e organizado na 3ª delegacia de polícia.

Consta que nossa magnífica polícia, sempre zelosa pela ordem e segurança
públicas, prepara para amanhã uma grande ‘chinfrinada’ por ocasião da
conferência que o Dr. Silva Jardim vai fazer da Sociedade Francesa de
Ginástica. Dizem que há mesmo um programa assentado, há cinco dias, em
uma das delegacias. Ficou resolvido que por mais que apitem a policia
fardada se conservará surda. 25

Na segunda-feira seguinte ao confronto, o periódico publicava a descrição completa do


ocorrido. Segundo testemunhos não indicados, desde as 10 horas, “os grupos dos facínoras
apostados para o assalto” estavam se concentrando nas cercanias do edifício da Sociedade
Francesa de Ginástica, onde Silva Jardim realizaria sua conferência. Para o editorial do
Novidade era visível que os “grupos de pretos” estavam “ameaçadoramente armados de
cacetes e escondendo revólver e navalhas”. 26 Apenas meia hora depois de iniciado o comício
do republicano, já existia um “corpo de trezentos assaltantes” nos entornos do edifício. E já
“ao meio dia, sem o menor exagero”, podia-se “avaliar em mais de 500 homens de cor, os que
27
estacionavam dentro e fora do recinto do passeio”. Consta no jornal que um comissionado
da Guarda Negra foi à procura dos republicanos falar em nome de toda a instituição que ela
não tinha intenção de atacar e que só haveria combate caso as agressões e provocações
partissem dos adeptos da República. Supostamente nessa ocasião, o porta-voz da guarda teria
aproveitado o diálogo para garantir o recebimento de “mais de trezentos revólveres (...) dos
Srs. João Alfredo e Patrocínio”. 28
Os relatos da imprensa não variaram muito na descrição dos acontecimentos. Todos
concordavam com a enorme multidão prostrada em torno do edifício do Clube Ginástico

24
O Novidades foi lançado em 25 de janeiro de 1887 no Rio de Janeiro, por iniciativa de fazendeiros escravistas.
Era propriedade da firma Santos, Guanabara & Cia, e dirigido por Francisco Guilherme dos Santos, que assumia
a gerência do jornal, e por Alcindo Guanabara. Quando do seu lançamento, o jornal advogou possuir uma
posição política neutra, não aderindo a quaisquer partidos políticos. Até o fim do regime escravista, a folha
assumiu uma posição antiabolicionista e, após o 13 de maio, engrossou a bandeira republicana e indenizatória.
Seu escritório e sua redação ficavam na Rua do Ouvidor n° 143. http://bndigital.bn.gov.br/artigos/novidades/.
Acesso em 15/01/2018.
25
Novidades, 29. Dez. 1888, p. 01.
26
Novidades, 31 dez. 1888, p. 01.
27
Idem. O jornal O Paiz contabilizou cerca de 400 pessoas. Cf. O Paiz, 31. Dez. 1888, p. 01.
28
Idem.
34
Francês. Mas, enquanto o Novidades fez questão de destacar que os indivíduos que se
concentravam do lado de fora do prédio eram exclusivamente negros, a Gazeta de Notícias29,
por exemplo, computava a presença de grupos diversos, sem destacar a cor de seus
30
integrantes. O Diário de Notícias também não revelava aspectos raciais dos indivíduos
reunidos, mas salientava características relativas às “vestimentas suspeitas” de alguns
manifestantes que só pela sua “toilette” puderam ser julgados de contraventores. Eles usavam
uniformes azuis e chapeis de palha e em sua maioria portavam “bengalões que viravam e
reviravam entre os dedos”. 31
A conferência se iniciou em paz, com o Dr. Silva Jardim explanando suas ideias e
contou ainda com a chegada tranquila de Lopes Trovão32, “acolhido com uma longa salva de
palmas”33. Os ânimos começaram a se exaltar “quando alguém – sem intenção hostil –
34
hasteou no mastro a bandeira francesa”. A reação foi imediata e “uma multidão compacta
de assaltantes invadiu a Travessa da Barreira, brandindo cacetes e revólveres e gritando: –
35
mata! mata! – fervorosamente”. Essa versão foi publicada pelo Novidades e uma bem
parecida circulou na Gazeta de Notícias, a diferença essencial estava nas armas de ambos os
lados. De acordo com a narrativa da Gazeta de Notícias, os tiros tinham partido tanto do
36
prédio como da rua, assim como pedras, garrafas e pedaços de objetos. Um pouco distinto

29
A Gazeta de Notícias foi um jornal carioca fundado em 2 de agosto de 1875 por José Ferreira de Souza
Araújo. Além do fundador, chefiavam o jornal Henrique Chaves e Emanuel Carneiro. Quando de sua fundação
possuía o objetivo de lutar pela abolição da escravidão e pela difusão das ideias republicanas. Para tanto, possuía
uma equipe de colaboradores em que apareciam importantes nomes da época como Quintino Bocaiuva, Silva
Jardim e José do Patrocínio. No início da Primeira República, a Gazeta de Notícias passou a ser um jornal da
situação, defendendo o antimonarquismo e as elites agrárias. Apoiou o governo autoritário de Floriano Peixoto.
Sua história atravessou todo o período Vargas, a curta experiência democrática e a ditatura militar. De maneira
reduzida, ainda se encontra em circulação. http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/GAZETA%20DE%20NOT%C3%8DCIAS.pdf
30
Gazeta de Notícias, 31 dez. 1888, p. 01.
31
Diário de Notícias, 31 dez. 1888, p. 01.
32
José Lopes da Silva Trovão (1848-1925) foi um grande ativista político do movimento republicano. Nascido
no Rio de Janeiro, estudante de medicina, conheceu o republicanismo ainda no início do movimento, sendo um
dos assinantes do Manifesto do partido em 1870. Grande orador, costumava empolgar multidões em seus
discursos e comícios em prol da República, principalmente na Corte. Foi figura importante na Revolta do
Vintém e nas críticas a reforma eleitoral de 1881. Nesse mesmo período colaborou no periódico Gazetinha, de
cunho literário fundado por Arthur de Azevedo, e comandou o jornal O Combate. Também participou das
campanhas pela abolição. Após instaurada a República, ocupou importantes cargos político como deputado e
senador, bem como funções diplomáticas. Apesar de se manter muito tempo envolvido na política não deixou de
registrar sua decepção e descontentamento com o novo regime na sua célebre frase: “Essa não era a República
dos meus sonhos”. Morreu na cidade do Rio de Janeiro em 1925.
http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/TROV%C3%83O,%20Lopes.pdf Acesso em:
18/01/2018.
33
Novidades, 31 dez. 1888, p. 01.
34
Idem.
35
Idem.
36
O jornal O Paiz publicou versão parecida com a da Gazeta de Notícias: “de ambos os lados foram trocados
pedras, garrafas e tiros de revólveres”. O Paiz, 31 de. 1888, p. 01.
35
era o relato do Diário de Notícias. Em sua visão, teria sido um “indivíduo bem trajado” que
ao ir à janela do edifício e gritado “Vivas à República!” desencadearia toda a confusão. Os
grupos monarquistas teriam revidado com vivas à princesa e com pedras enormes, enquanto
os republicanos respondiam com tiros de revólveres. No interior do prédio, “com um
desespero de quem defende a vida”, um pequeno número de homens tentava repelir os
37
baderneiros e se esquivar dos apedrejamentos. Para organizarem sua defesa, os homens de
dentro do edifício, primeiramente, fecharam as janelas. Em seguida, através de atitudes de
“imprudências heroicas”, alguns resolveram responder aos agressores e partiram para a
violência. 38 O Diário do Comércio39 concordava que os revólveres haviam sido disparados de
cima para baixo, mas que depois, se ouviu tiros vindos das ruas. Do alto do sobrado, no Clube
Ginástico Francês, atiravam-se cadeiras, mesas e móveis de toda a espécie. O botequim foi
invadido e as garrafas acabaram também sendo usadas como projéteis. Não havendo mais
objetos nos salões para atirarem, começaram a servir-se das telhas: “todo o telhado da casa
ficou inutilizado. Foi um verdadeiro combate!”. 40
Aos poucos, os policiais foram chegando e afastaram os agressores, mas não
conseguiram dispersar a multidão. Segundo o Diário do Comércio o primeiro a chegar à
confusão foi o tenente França, comandando oito praças de infantaria. Depois chegaram mais
seis praças de cavalaria, que ao tentarem acalmar a multidão foram repelidos com pedradas. O
ataque continuou e foi necessário pedir reforços. Consta no Novidades que a polícia teria
demorado pelo menos meia hora, depois de iniciado o conflito, para comparecer ao local,
ainda assim em pequeno contingente. O editorial narrava ainda que dois soldados da
cavalaria, postados à Rua do Clube Ginástico, “obedecendo à senha combinada no dia 26 na
secretaria de polícia, olhavam imóveis para toda a cena”. 41 Em todos os relatos, a chegada do
Major Valadão e do Tenente França foi apontada como decisiva para conter o confronto, mas
insuficiente. O Diário de Notícias contou que, aproveitando a chegada do tenente França no
edifício do clube, muitos opositores conseguiram adentrar na conferência e a luta se vez

37
Novidades, 31 dez. 1888, p. 01.
38
Idem.
39
Não encontramos muitas informações sobre o Diário do Comércio (RJ). Ao que tudo indica, circulou no Rio
de Janeiro entre o período de 1888 e 1892, com sede na Rua do Ouvidor, nº 141. Dizia-se pertencente a uma
“imprensa neutra” (“O Diário do Comércio, fiel ao seu programa de não inclinar-se a esta ou aquela parcialidade,
não faz questão de cor política”). Cf. Diário do Comércio 17 jan. 1889, p. 01. Apesar de em suas primeiras
publicações parecer se identificar com o projeto do partido conservador e mesmo com a causa da Guarda Negra,
com o desenrolar da crise da monarquia aderiu à bandeira republicana e comemorou a vitória do que chamou
“revolução militar”. Cf. Diário do Comércio. 16 nov. 1889, p.01.
40
Diário do Comércio, 31 dez. 1888, p. 01.
41
Novidades, 31 dez. 1888, p. 01.
36
terrível: “o que ali ocorreu neste momento, não há pena que o descreva”. 42 Os conferencistas
lançaram mão de tudo o que tinham a seu alcance para defender-se: espadas, floretes, garrafas
vazias, tacos de bilhar, qualquer coisa poderia ser feita de arma. A sala da conferência ficou
em ruínas. Os reforços finalmente chegaram e ajudaram a controlar a situação. A Gazeta de
Notícia narrou que o apoio constou de 20 praças e mais alguns homens da cavalaria. Já o
Diário de Noticias contabilizou 30 praças de cavalaria e 100 de infantaria, que distribuídos
em patrulhas realizaram algumas prisões. Controlada a situação, o Major Valadão conseguiu
entrar no edifício, mandar medicar os feridos e pediu para que aos poucos os republicanos
fossem se retirando do comício.
Para o jornal Novidades, o 3º delegado interino, Dr. Valladares, estaria mancomunado
com a Guarda Negra, posto que a repartição policial em que se encontrava, na Rua do
Lavradio, ficava localizada “a dois passos” da Travessa da Barreira, lugar onde ocorreu o
conflito. Tal fato era incongruente com tamanha demora em comparecer e evitar o confronto,
o que justificava a cumplicidade entre parte da polícia e a associação de libertos. 43 A Gazeta
de Notícias reforçou a ausência de autoridades policiais e ratificou que só depois de muito
tempo, o Dr. Valladares teria aparecido na presença de um escrivão para averiguação dos
44
fatos. Em oposição, o periódico O Paiz, parabenizou a atitude policial e afirmou que as
providências haviam sido tomadas com calma e prudência, fazendo uso da força com cautela,
sempre que se julgou necessário.45
Depois de apaziguadas as tensões na Sociedade Francesa de Ginástica, as agressões
teriam continuado nas ruas adjacentes. O periódico Novidades constatou que grupos dispersos
perseguiram Silva Jardim enquanto ele caminhava para o Largo de São Francisco e gritavam
“vivas à Monarquia” e “mata o Silva Jardim”. 46 Este teria dito que não culpassem “os pobres
homens irresponsáveis, que guerreavam os republicanos, iludidos por traidores. Os únicos que
deviam responder por todos os desastres eram o presidente do conselho e um quitandeiro
47
assalariado, que tem jornal à Rua do Ouvidor [José do Patrocínio]”. Outra versão, um

42
Diário de Notícias, 31 dez. 1888, p. 01.
43
Novidades, 31 dez. 1888, p. 01.
44
Gazeta de Notícias, 31 dez. 1888, p. 01.
45
O Paiz, 31 de. 1888, p. 01.
46
Esta também foi a versão publicada pelo O Paiz. O jornal confirmou a versão de que Silva Jardim teria sido
cercado aos gritos de “mata, é o Silva Jardim!”. A polícia dispersou os agressores com o emprego de armas e o
conferencista republicano pode seguir o seu caminho. O Paiz, 31 de. 1888, p. 01. O Diário do Comércio também
confirmou a tentativa de agressão à Silva Jardim após a sua saída do edifício da Sociedade Francesa de
Ginástica. Segundo o relato do jornal: “o propagandista republicano teria sido fatalmente vítima se não fossem
os prontos socorros prestados pelo Sr. Capitão Lyrio, que com toda rapidez, aproximou-se dos agressores,
conseguindo dispersá-los”. Diário do Comércio, 31 dez. 1888, p. 01.
47
Novidades, 31 dez. 1888, p. 01.
37
pouco diferente, foi publicada pelo Diário de Notícias. Segundo o editorial, o conferencista
republicano teria saído no meio da balbúrdia, acompanhado pelo tenente França e, no Largo
de São Francisco, tomado o bonde da Lapa, ainda em companhia do dito tenente para evitar
48
que fosse vítima de agressões. Todos os noticiários, todavia, concordaram que muitos
ataques encabeçados por monarquistas haviam irrompido ao longo de todo o dia nas
proximidades da Rua do Ouvidor.
Os periódicos citaram séries de pequenos conflitos na Rua do Teatro, no Largo de São
Francisco, na Rua do Ouvidor, na Rua Gonçalves Dias, na Rua do Espírito Santo e na Rua da
Quitanda. O Novidades afirmou que após a prisão em flagrante de alguns dos agitadores pelo
subdelegado do 1º distrito do Sacramento, seus companheiros teriam tentado se reunir para
libertá-los e atacaram a estação policial, sendo repelidos pelas forças institucionais. No
entanto, o Sr. Clarindo de Almeida, “dócil instrumento que ocupa o lugar de chefe de polícia
49
da corte”, acionou uma ordem para soltá-los. O Diário de Notícias reportou uma versão
parecida para os acontecimentos e afirmou que às 5 horas da tarde “grande massa de povo
dirigiu-se a 1ª estação policial, exigindo a liberdade dos indivíduos que ali se achavam
50
presos”. O jornal nos informava que a soltura desses homens acabou se concretizando por
não terem sido capturados em flagrante. Relatava ainda, uma tentativa de ataque à sede do
jornal O Paiz, onde agitadores teriam forçado o arrombamento das portas do escritório e
atirado pedras para as janelas da sala particular de Quintino Bocaiuva. A polícia conseguira
dispersá-los com certa facilidade e colocou uma força de cavalaria de prontidão. Tudo isso
demonstrava o perigo à “paz pública” e a “segurança das famílias da capital do império”, que
se viam ameaçadas por “uma turba multa anônima de assassinos e desordeiros formando a
sombra da guarda negra”, com a permissividade e mesmo conivência policial e ministerial. 51
Os noticiários relataram que os primeiros feridos haviam sido medicados nas
farmácias Frederico da Costa e Monteiro & Marques, prestando-lhes os cuidados médicos o
Dr. Alfredo Barcellos. Posteriormente, os que apresentavam estado mais grave partiram
encaminhados para o Hospital da Misericórdia. De acordo com o Novidades, duas ou três
pessoas teriam sido mortas e calculava-se em mais de sessenta, o número de feridos. A folha,
no entanto, absteve-se de dar a listagem com seus nomes. Pudemos averiguar a morte de, pelo

48
Diário de Notícias, 31 dez. 1888, p. 01.
49
O Novidades confirmava que “diversos grupos de indivíduos de cor, mal trajados” teriam percorrido as ruas do
centro da cidade, acercando-se de pessoas que desconfiavam serem republicanas e as obrigavam a declarar
“vivas à monarquia e ao ministério”, “espancando-as se elas a isso se negassem”. Cf. Novidades, 31 dez. 1888, p.
01.
50
Diário de Notícias, 31 dez. 1888, p. 01.
51
Novidades, 31 dez. 1888, p. 01.
38
menos, um dos agredidos gravemente através das publicações dos outros jornais e do relatório
do chefe de polícia. Tratava-se de Augusto Duarte de Oliveira, morador à Rua de Santa Luzia,
n° 4. Tanto a Gazeta de Notícias, como o Diário de Notícias e O Paiz divulgaram listagem
contendo o nome dos principais feridos, bem como dos detidos pela polícia. Esses dados serão
analisados no capítulo 4 da tese, com o cruzamento da documentação da Casa de Detenção.
Em relação aos acontecimentos do dia 30 de dezembro de 1888, a maior parte dos
jornais supracitados, à sua maneira, trataram os republicanos como vítimas dos grupos
52
monarquistas, em especial da Guarda Negra. A exceção foi o periódico de José do
Patrocínio, Cidade do Rio. Em suas páginas, lamentava-se a forma pela qual os republicanos
vinham desenvolvendo a sua campanha, com conduta extremamente violenta, principalmente
em relação aos homens de cor. Como uma tentativa de afastar a responsabilidade dos
acontecimentos da associação de negros, o editorial iniciava o seu relato demonstrando que a
corporação havia se pronunciado, a partir de seu chefe geral Clarindo de Almeida, pela não
intervenção no conflito iminente marcado para o dia da conferência de Silva Jardim. No
entanto, “apesar da abstenção da Guarda Negra”, teria sido impossível conter “a explosão de
cólera popular, que desde muito fumega do caráter e do ébrio nacional, contra essa
53
propaganda republicana”. Importante ressaltar que o Cidade do Rio afirmou ser o comício
de Silva Jardim uma conferência “negro-republicana”. Não sabemos ao certo a veracidade de
sua história, mas conseguimos averiguar que havia negros republicanos assistindo a
conferência de Silva Jardim, a exemplo de Anacleto de Freitas, que acabou sendo preso
durante as agitações. Anacleto foi um fiel seguidor de Silva Jardim e um dos integrantes do
Clube Republicano dos Homens de Cor que será mais bem analisado no próximo capítulo da
tese. Por hora, basta enfatizar que o ato de reportar a participação de negros ao lado da
República, como veremos, foi um mecanismo de desnaturalizar as características raciais de
monarquistas e republicanos. Atestando que os negros lutavam em ambas as bandeiras, José
do Patrocínio colocava em questão a afirmação, comumente utilizada pela imprensa
adversária, de que as lutas eram entre negros e brancos, fomentando assim a guerra racial no
Brasil.
A descrição feita pelo Cidade do Rio acerca dos acontecimentos ocorridos na
Sociedade Francesa de Ginástica foi semelhante ao que já havia sido narrado anteriormente. O

52
O Diário do Comércio não cita a denominação Guarda Negra nos seus relatos sobre o acontecimento. A
Gazeta de Notícias, inicialmente também não faz referência à associação de libertos, mas três dias depois, ao se
referir aos conflitos do dia 30 de dezembro, é veemente em culpabilizar a Guarda Negra. Cf. Gazeta de Notícias,
02 jan. 1889, p. 02.
53
Cidade do Rio, 31 dez. 1888, p. 01.
39
jornal ratificava a versão divulgada pelo Diário de Notícias, na qual as agitações tiveram
início a partir de uma incitação que partiu de cima do prédio com gritos de “Vivas a
Republica” em direção à população concentrada na rua. Os revólveres foram descritos como
ferramentas usadas somente pelos republicanos, o que, segundo o jornal, podia ser confirmado
a partir dos ferimentos de balas que “deixavam claro terem partido os projéteis de cima para
54
baixo”. A população concentrada em torno do edifício, portanto, só teria reagido insuflada
pelos adversários políticos e, depois, pela defesa pessoal. Quem dizia o contrário, na realidade
queria “dar responsabilidade do sangue derramado àqueles que não fazem e não fizeram nada
além de defender-se”. A polícia foi elogiada, agindo da melhor maneira dentro das condições
oferecidas, posto ter sido capaz de proteger o conferencista e seus correligionários que não
saíram feridos. A publicação também confirmava os “pequenos distúrbios” ao longo do dia
nas ruas adjacentes, mas todos tendo sido facilmente controlados pelas autoridades policiais,
que se encarregaram de prender um grande número de beligerantes. O jornal citava ainda uma
lista com o nome dos principais feridos e dos prisioneiros.
A versão do Cidade do Rio para os acontecimentos do dia 30 em muito se aproximava
da que foi formulada pelo chefe de polícia da Corte e enviada para o ministro da justiça,
55
Antônio Ferreira Vianna. No relatório oficial, publicado pela maior parte da imprensa,
explicavam-se os motivos do confronto, atestando que os republicanos “haviam recebido a
tiros de revólver a multidão” que se agrupava no Largo do Rocio. Esta, por sua vez, teria
respondido com pedras e outros objetos. Dentre os feridos – impossíveis de se computar ao

54
Idem.
55
Antônio Ferreira Vianna iniciou sua carreira política como deputado geral do Rio de Janeiro em 1869 pelo
Partido Conservador, sendo reeleito para o cargo inúmeras vezes até o fim da Monarquia no Brasil. Também foi
vereador pelo Rio de Janeiro, chegando à presidente da Câmara Municipal. Assumiu o Ministério da Justiça na
maior parte do gabinete conservador de João Alfredo Correia, de março de 1888 aos primeiros dias de janeiro de
1889. Advogado, também atuou na imprensa com o posto de redator chefe do Diário do Rio de Janeiro (1868-
1869). Blake, Augusto Victorino Alves Sacramento, 1827-1903. Disponível em:
http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/221681 Acesso em: 18/01/2018; Conferir ainda:
http://www.arquivonacional.gov.br/images/pdf/imprio_brasileiro.pdf. Logo após o incidente ocorrido no dia 30
de dezembro, Ferreira Vianna sai do cargo de Ministro e em 04 de janeiro de 1889 assume Francisco de Assis
Rosa e Silva. É importante relatar que no relatório anual elaborado pelo ministério da Justiça acerca do ano de
1888 consta referência aos tumultos na cidade do Rio de Janeiro: “A 30 de dezembro, na rua do Clube Ginástico
desta cidade, deu-se um conflito, entre pessoas do povo e outras que assistiam a uma conferência no edifício da
sociedade ginástica francesa, resultando do mesmo conflito ficarem feridas muitas dessas pessoas, uma das quais
veio a falecer dias depois. A autoridade compareceu no lugar e tomou medidas necessárias para estabelecer a
ordem. Pelo inquérito aberto pelo 3º delegado, verificou-se que todos os ferimentos foram feitos com arma de
fogo, exceto um que o foi por arma contundente, e que a responsabilidade dos crimes que se praticaram por
ocasião dessa conferência cabe aos indivíduos que nela tomaram parte. Terminadas as diligências legais, foram
os autos remetidos ao juiz de direito do 7º distrito criminal para os fins convenientes”. Brasil. Relatório
apresentado á Assembleia Geral Legislativa na Quarta Sessão da Vigésima Legislatura pelo Ministro e
Secretario dos Negócios da Justiça Conselheiro Dr. Francisco d’Assis Rosa e Silva. Rio de Janeiro: Imp.
Nacional, 1889, Ministeriais da época do Império, 1888-1889. p. 14. Disponível em: http://www-
apps.crl.edu/brazil/ministerial/justica Acesso em: 07/04/2017.
40
certo já que muitos teriam se retirado para as suas casas – apenas seis realizaram o exame de
corpo de delito. Foi constatado que um desses indivíduos possuía um ferimento mortal, outro
estava em estado grave e os restantes apresentavam ferimentos leves. Com exceção de um
ferimento com arma branca, todos os outros eram oriundos de armas de fogo. Obviamente, o
relatório confirmava a eficiência policial, inclusive em resolver às agitações que se
espalharam posteriormente pela cidade. Cabe ressaltar que, tendo em vista os conflitos do dia
30 de dezembro de 1888, as conferências de caráter político em lugares públicos foram
proibidas pelo chefe de polícia, permitindo apenas que elas fossem realizadas em casas
particulares.
Ao transbordar para a luta armada, computando um falecimento e um número extenso
de feridos, a verdade é que esse conflito marcou a cultura política do final do século XIX na
cidade do Rio de Janeiro, num processo já iniciado, em outras proporções, desde a Revolta do
Vintém. 56 Ele trouxe à tona as tensões iminentes da sociedade brasileira que eclodiram após a
abolição, marcadas também por cisões raciais que a memória histórica queria transformar em
esquecimento. Tais tensões foram relatadas de maneira incansável pela imprensa, não apenas
carioca como nacional, enquanto sinônimo de preocupação e receio, e o 30 de dezembro de
1888 inaugurou nas aras da política a presença de uma sociedade plenamente livre em seus
direitos civis. Por esse motivo, obviamente, viu ampliar novas formas de segregação baseadas
em aspectos raciais. Não passaram despercebidas pela imprensa comparações entre as
campanhas abolicionistas e cisões violentas que emergiram após a consumação da liberdade,
em uma nova forma de atuação política que, além de utilizar a rua como espaço público,
contava também, com a participação das camadas populares e, em particular, com os homens
de cor.

A propaganda abolicionista, que tinha de lutar com ódios mais violentos e


com paixões mais ferozes, fez-se sem derramamento de sangue; houve
conferências tumultuosas, parecia às vezes ir o teatro abaixo, mas nunca de
lá saiu ninguém sem vida, e ferimentos, se os houve, tão insignificantes
foram, que não me lembro. 57

56
GRAHAM, Sandra. “O Motim do Vintém e a Cultura Política do Rio de Janeiro, 1880”. Revista Brasileira de
História, vol. 10, n. 20, pp211-232, mar.-ago. 1991. Para a autora o próprio destino das campanhas abolicionistas
teria se modificado após a revolta do vintém, posto que a população passasse a recorrer a diferentes formas de
manifestações públicas, seja através das ruas ou da imprensa, não ficando restritas ao Parlamento. A respeito da
Revolta do Vintém conferir também JESUS, Ronaldo Pereira de. A Revolta do Vintém e a crise da Monarquia.
História Social, Campinas, SP, nº 12, 73-89, 2006.
https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/viewFile/197/189
57
Diário de Notícias, 31 dez. 1888, p. 01.
41
Como sabemos, apesar das discordâncias e dos choques políticos que ocorreram ao
longo de todo o processo de luta pelo fim da escravidão, a imagem que se propagou a respeito
do 13 de maio no Brasil foi fundamentada em uma visão conciliatória e harmoniosa, que se
construiu ainda no imediato pós-abolição: “aqui, foi a Monarquia, representada pela excelsa
Redentora, que demoliu a bastilha do escravismo, sem matar absolutamente ninguém,
arriscando só uma coisa: o trono”. 58 A ideia central era a de que o Brasil, apesar de ter sido o
último país a conseguir quebrar os grilhões do cativeiro, incontestavelmente, possuía um povo
que ocupava o primeiro lugar do mundo civilizado pelo modo como o havia feito: sem lutas
civis, sem abalos econômicos, “em meio de flores, de vivas e de cânticos patriotas”. 59
Obviamente, a maior parte da elite letrada acreditava que o ato de libertação tinha sido
fruto de suas próprias campanhas, ainda que alguns setores confirmassem a importância do
escravo em meio a esse processo. Por isso, a citação anterior do Diário de Notícias se
escandalizava com o desfecho violento do ato de Silva Jardim. Para entendermos a mensagem
não foi preciso que o artigo a transformasse em palavras. O que havia mudado da campanha
abolicionista para o dia 30 de dezembro, e que fez emergir uma violência “nunca antes vista”
60
na vida política carioca, foi exatamente a presença da Guarda Negra. Ou melhor, a
participação de um corpo de homens de cor, que emergiram da escravidão e que, na
concepção do jornal, eram ainda despreparados para a vida cidadã e atuavam como capangas
do governo. Se a grande maioria da intelectualidade brasileira acreditava que a liberdade
precisava vir acompanhada do controle e instrução social e moral dos libertos e de uma série
de “obrigações” e compromissos com o objetivo de guardar o ex-escravo para a vida
civilizada, as agitações em torno da Guarda Negra comprometiam, e muito, essa lógica de
encaminhamento para a sociedade. Para combater essa associação que, na verdade, rompia
com uma visão de ordenamento e hierarquia social que se acreditava a melhor para a nação,
grande parte da imprensa foi responsável por lançar boatos deflagrando o receio e o temor dos
homens de cor frente à coletividade. 61

58
Cidade do Rio, 05 jan. 1889, p. 01.
59
Revista Ilustrada, 05 jan. 1889, p. 02. Acerca da visão de que a abolição da escravidão no Brasil foi
personificada pela figura da princesa Isabel e transformada em uma espécie de dádiva, sem a emergência de
conflitos e violência, conferir: SCHWARCZ, Lília. Dos males da dádiva: sobre as ambiguidades no processo da
Abolição brasileira. In GOMES, Flávio S. 3 CUNHA, Olivia M. G. (Org.). Quase-cidadão: histórias e
antropologias da pós-emancipação no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. 2007.
60
O artigo do Diário de Notícias ainda completa a sua ideia: “desgraçada é qualquer ideia quando para defendê-
la tem a gente que recorrer a meios extremos de brutalidade. É vergonhoso, é triste é antiamericano esse
espetáculo de brasileiros encarniçados contra brasileiros.” Diário de Notícias, 31 dez. 1888, p. 01.
61
A respeito da ideia de que um “medo negro” rondava o imaginário coletivo brasileiro, principalmente, a partir
da segunda metade do século XIX, Cf. AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda Negra, medo branco: o negro
no imaginário das elites – século XIX. São Paulo: Paz e Terra, 1987. CHALHOUB, Sidney. Medo branco das
42
Transcorrido o grande ato do dia 30 de dezembro de 1888, o espectro da Guarda Negra
passou a rondar qualquer encontro público, festa cívica ou reunião política na cidade do Rio
de Janeiro. E um dos eventos escolhidos para se propagar o terror em relação aos homens de
cor foi o primeiro aniversário da Lei Áurea e suas festas de comemoração. Nessa ocasião,
inúmeros boatos assustaram os habitantes da Corte, acionando a ideia de desordem e violência
que obviamente a Guarda Negra teria programado para o grande dia. Grande parte da
imprensa anunciava que pairava sobre o Rio de Janeiro uma espécie de pânico a respeito do
que poderia se suceder caso a Guarda Negra aparecesse para “anarquizar a capital do Império,
trucidando todos os que (...) ousam falar em república ou fazer censuras à Princesa e seus
adeptos”. 62 O Diário de Notícias talvez tenha sido o jornal que mais fez circular informações
sobre os perigos das celebrações pelo 13 de maio e chegou, inclusive, a falar em
cancelamento das comemorações. Quatro dias antes da ilustre data, o periódico já anunciava,
através da chamada de um de seus artigos, o que seria o acontecimento: uma “bernarda de 13
de maio”:

Diz-se que nestes últimos dias, tem chegado do interior, por várias estações
das vias férreas, cerca de quatro a cinco mil libertos, os quais acham-se
dispersos nesta cidade, para acudir à primeira voz à Guarda Negra. Consta-
nos que um magote de cerca de cinquenta atravessaram anteontem bisonhos
e tontos, as ruas mais centrais desta cidade. 63

Fazendo claro uso de um exagero retórico, o jornal não parava por aí. No dia seguinte
a propagação do terror continuava, mas, dessa vez, o artigo – que na realidade tratava-se de
uma reedição da Gazeta de Tarde64 – não apenas contribuía para generalizar os temores em
relação à população negra, mas determinava o culpado dos crimes que acometeriam os
cidadãos da cidade. Em tom premonitório a publicação afirmava:

O responsável por tudo quanto vai suceder é a princesa e, conseguintemente,


o seu conselheiro nato, o príncipe conde d’Eu, pois uma só palavra deste a
sua mulher e desta a seu ministro, impediria essa profunda anarquia em que
se tenta lançar a sociedade brasileira com o estabelecimento da guerra de
raças. 65

almas negras: escravos, libertos e republicanos na cidade do Rio. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.8,
n. 16, p. 83-105, mar./ ago. 1988.
62
Gazeta da Tarde, 09 mai. 1889, p. 01.
63
Diário de Notícias. 09 mai. 1889, p. 01.
64
Gazeta da Tarde, 09 mai. 1889, p. 01.
65
Diário de Notícias, 10 mai. 1889, p. 01.
43
Sendo assim, “a menor gota de sangue que caísse” no dia 13 de maio seria
responsabilidade da princesa, de seu marido e seu ministério. De maneira extremamente
impetuosa, o artigo insuflava mesmo a população a se utilizar da violência contra a família
imperial e seus assessores. Convocava qualquer indivíduo que sofresse algum tipo de dano ao
longo das celebrações a “fazer uso da dinamite contra essas pessoas que tomam a
responsabilidade de tão abominável ato”. Um atentado aos agentes do governo era, portanto,
justificável dentro dessas circunstâncias. Nas palavras do editorial: “entendemos que o
emprego de um terrível fulminato contra a gente que protege e ancora a Guarda Negra é
legítimo, justo e naturalíssimo (...) para tornar prática a desforra, quaisquer meios são
permitidos”. 66
Não obstante o exagero retórico e as tenebrosas informações transmitidas pelo Diário
de Notícias e pela imprensa de modo geral, ao que tudo indica, as festas ocorreram
calmamente e sem a interferência dos “magotes de pretos” ou da Guarda Negra. 67 O primeiro
aniversário da Abolição foi marcado pelo entusiasmo da população, que mesmo receosa do
que podia acontecer e em meio a dias chuvosos compareceu às ruas em marchas cívicas,
passeatas, enunciações e muita comemoração. As intrigas acerca dos tumultos programados
por libertos foram acusadas pela imprensa monarquista de serem frutos de uma campanha
republicana que ostentava dividir o país e enfraquecer a liberdade do império, mas que em
nada correspondiam à realidade.

Tivemos uma semana de festas políticas e chuvas, tudo ao mesmo tempo,


mas em nada uma coisa impediu a outra. Somente os boatos de revolta de
negros, de grita republicana, de barulhos nas ruas, de vinganças da guarda
negra, imaginados e propagados por uma imprensa sem princípios, sem
patriotismo e oposicionista, abortaram e desmentiram completamente os
desejos e sonhos dos republiqueiros e do partido que desejava subir ao poder
mediante uma revolta. 68

66
Idem.
67
A Gazeta de Notícias anunciava: “Não foi perturbada a ordem pública na província do Rio de Janeiro, segundo
nos consta, tendo sido muito festejado em diversas localidades o aniversário da abolição”. Em seguida trazia
uma série de comunicados de diversos delegados de províncias variadas atestando a “completa tranquilidade e
regozijo por parte da população”. Gazeta de Notícias, 15 mai. 1889, p.01.
68
O Apóstolo: periódico religioso, moral e doutrinário, consagrado aos interesses da religião e da sociedade.
19 mai. 1889, p. 02. A primeira edição do Apóstolo data de 07 de janeiro de 1866. Publicava-se aos domingos,
pela Tipografia N.L Vianna & Filhos, na Rua d’ Ajuda, n° 79. Nessa ocasião, o jornal expôs as intenções que o
guiavam: sustentar os interesses do catolicismo, da moral e disciplina, com uma clara filiação ao Partido
Conservador. Em 1888, período da citação anterior, o jornal já circulava três vezes na semana, às quartas-feiras,
sextas-feiras e domingos. Sua sede também mudara e passara a ser produzido na Rua do Ourives. Foi publicado
até o ano de 1901.
44
Diferente do que ocorreu nas celebrações pelo primeiro aniversário da abolição da
escravidão no Brasil, em 14 de julho de 1889 as ações da Guarda Negra não ficaram restritas
aos discursos e aos boatos da imprensa. Neste dia transcorreu o segundo maior conflito que
envolveu a associação e que marcou o afastamento definitivo de José do Patrocínio de suas
fileiras. Assim como se deu no final do ano anterior, rondavam suspeitas de que grupos de
libertos em nome da Guarda Negra iriam “perturbar com agressões” as solenidades
republicanas pelo centenário da Revolução Francesa. A imprensa denunciou o fato e se
mostrou apreensiva com suas consequências, pois “sabia-se com muita antecedência que o dia
(...) não seria dos mais calmos para a pacífica população desta corte”. 69
Segundo o jornal O Paiz, as festas populares haviam ocorrido “em plena paz”, com
exceção de um tumulto provocado por “alguns maltrapilhos” na Rua do Ouvidor. Mas, nada
70
que despusesse os créditos dos brasileiros “como população civilizada”. Já o jornal
Novidades, garantia que as ruas centrais da cidade teriam sido palco “das mais tristes cenas”,
em decorrência do “elemento anárquico” que se fez presente por ocasião das passeatas em
honra ao dia nacional da França. Segundo este jornal, os atos de violência teriam se iniciado
ao terminar uma sessão solene realizada no Congresso Brasileiro, promovida pelo Centro
Republicano Lopes Trovão, à Rua Visconde do Rio Branco. Conforme as pessoas foram
saindo do prédio, começaram a ser agredidas “por indivíduos de caras particulares” que mais
71
pareciam “galés evadidos da Detenção ou de Fernando de Noronha”. Não foi preciso ao
jornal descrever as características raciais desses possíveis agitadores para percebermos o tom
preconceituoso de sua narrativa e concluirmos que se tratava da descrição de homens de cor.72
De acordo com O Paiz, foi então que a turba de agitadores teria tentado promover um
distúrbio e atacar o grupo republicano que, tranquilamente, passava nas cercanias para assistir
a conferência. Nessa ocasião teriam sido disparadas pedras, que acabaram por ferir uma
73
pessoa no rosto. Para o Novidades, a provocação teria partido dos capoeiras, que logo
depois intentaram iniciar uma confusão no bonde da companhia Villa Isabel por ter um de
seus passageiros erguido “viva a República”. A Gazeta de Notícias narrava uma versão um
pouco diferente, na qual os embates haviam se iniciado com uma série de gritos que partiram
dos republicanos atiçando os monarquistas que, então revidaram. Concordava, porém que as

69
Novidades, 15 jul. 1889, p. 01.
70
O Paiz, 15 jul. 1889, p. 01.
71
Novidades, 15 jul. 1889, p. 01.
72
O Diário do Comércio também fez uso desse tipo de recurso preconceituoso afirmando que os tumultos
partiram de “magotes de vagabundo, habitués da Casa de Detenção”. Cf. Diário do Comércio. 15 jul. 1889, p.
01.
73
O Paiz, 15 jul. 1889, p. 01.
45
tensões foram rapidamente interrompidas pela polícia, dirigida pelo 1° delegado, Dr.
Bernardino F. da Silva.
Nova confusão teve início quando um grande número de pessoas que acompanhava o
Dr. Lopes Trovão chegou ao Largo do Rocio. “Um grupo de populares armados de cacetes”
novamente irromperam contra eles aos gritos de “morra aos republicanos” e “viva à
Monarquia”. O relato do Diário de Notícias foi contundente ao confirmar a participação das
maltas de capoeira e a perseguição aos republicanos ao longo de diversas ruas do centro do
Rio de Janeiro, e descreveu de forma um pouco mais detalhada o encaminhamento dos fatos.
Confirmou o que outros jornais já haviam relatado, de que inicialmente o ataque teria
acontecido na Rua Visconde do Rio Branco, contra o Dr. Lopes Trovão que se encontrava
rodeado de amigos e admiradores. Nesse momento, uma malta de capoeiras tentou agredir o
médico desafiando-o com as seguintes exclamações: “Epa! Epa!”. Seus agressores portavam
74
“cacetes que agitavam determinantes no ar, e tentavam investir contra os republicanos”.
Impedidos pela polícia, dirigiram-se para a Rua do Regente onde formaram “uma massa
compacta” e se prepararam para novo ataque. Este se deu na Praça da Constituição (atual
Praça Tiradentes), em frente à Secretaria do Império, sendo repetido na Rua do Espírito Santo.
Nesse momento, consta no editorial que a malta computava entre 50 a 60 pessoas, “indivíduos
dispostos ao que desse e viesse”. 75 Nova afronta sucedeu, quando os republicanos chegaram a
Rua da Carioca e notaram um bando de capoeiras, que estavam acampados na Rua Sete de
Setembro, vindo a seu encontro. Um grupo de cavalaria que havia acabado de chegar, no
entanto, garantiu a passagem dos republicanos em relativa calmaria, que apenas tiveram que
ouvir de um dos capoeiras um brado de: “Avança!”. A partir daí os agitadores de dirigiram à
Rua do Ouvidor.
Lá chegando, por volta das 3 horas da tarde, se deram as cenas mais terríveis. Nessa
ocasião, “a turba de capoeiras” teria se dividido em dois grupos, prontos para “atacar os
republicanos simultaneamente, pela frente e por trás”.76 No quarteirão dessa rua com a
Gonçalves Dias e a Uruguaiana, diversos desordeiros começaram a agredir subitamente
77
indivíduos republicanos que “com a maior calma seguiam seu caminho”. A malta investiu
para o ataque portando navalhas, cacetes e arremessando pedras. Descreveu o Diário do
Comércio que “a capadoçagem queria sempre avançar, possessa, furiosa, a berras como se

74
Diário de Notícias, 15 jul. 1889, p. 01.
75
Idem.
76
Novidades, 15 jul. 1889, p. 01.
77
O Paiz, 15 jul. 1889, p. 01.
46
estivesse endemoniada”. 78 Afirmou ainda que, os agredidos entenderam que era preciso opor
a violência também com o uso da força e dispararam tiros de revólveres para se defender.
“Houve então um verdadeiro tiroteio”79. Algumas pessoas se refugiaram no Jockey Club e na
agência do Derby. Em meio à confusão “os gatunos” se aproveitaram da ocasião e roubaram o
que puderam. Um número relativamente grande de indivíduos ficou ferido, mas a desordem
foi repelida pela chegada de cerca de 50 praças da cavalaria. De acordo com a Gazeta de
Notícias, algumas pessoas afirmaram ter visto entre os desordeiros conhecidos agentes da
polícia secreta80. O Diário de Notícias também relatou informações nesse sentido. Ao
descrever o fim das comemorações, já por volta das 8 horas da noite, atestou uma “estranha
movimentação” de grupos no Largo de São Francisco de Paula que, munidos de cacetes e em
numerosos ajuntamentos, faziam comentários como se tivessem agido a mando do governo. 81
O jornal O Paiz atestava a boa conduta dos republicanos que com “calma e prudência”
fizeram suas comemorações, já que “provocações não faltaram” por parte dos monarquistas.
Atestava também a excelente atuação policial reconhecendo que ela procedeu da melhor
forma possível, estando a postos para qualquer confusão e “fazendo sentir à capangagem
redentora e eleitoral, que desta vez não estava com as costas aquecidas pela proteção do
governo e das autoridades”, em clara crítica ao ministério conservador. Para o periódico, era
evidente que ao final do dia, o povo baderneiro acabou retirando-se das ruas “admirado como
o ministério (liberal) sabe ostentar a força pública”82. O Novidades não concordava com essa
versão dos fatos e, diferentemente, asseverava a completa falha das autoridades policiais.
Segundo seu relato, era possível em todo momento notar os “chefes de maltas conhecidos da
polícia frequentadores de xadrez, comandando as troças de capoeiragem que lhes obedeciam”.
Eles faziam questão de “gingar a frente da passeata, manobrando grossos petrópolis, na
presença das autoridades policiais”83. O Diário de Notícias também deixou evidente a má
conduta da polícia, chegando a asseverar que se sua presença fosse menor, provavelmente os
conflitos também o seriam. Tal afirmativa deixava explicita a visão de mancomunação entre
os setores policiais e as maltas de capoeira, não escapando de suas críticas o chefe de polícia e

78
Diário do Comércio, 15 jul. 1889, p. 01.
79
Idem.
80
Gazeta de Notícias, 15 jul. 1889, p. 01.
81
Diário de Notícias, 15 jul. 1889, p. 01. O Diário do Comércio também relatou a existência de grupos suspeitos
rondando o Largo de São Francisco de Paula no raiar da noite: “À noite, continuaram as correrias pela Rua do
Ouvidor. Grupos de desordeiros divertiam-se em passear do Largo de S. Francisco de Paula até a Rua de
Gonçalves Dias, erguendo vivas e morras à monarquia e à república”. Cf. Diário do Comércio, 15 jul. 1889, p.
01.
82
O Paiz, 15 jul. 1889, p. 01.
83
Novidades, 15 jul. 1889, p. 01.
47
84
o novo ministério liberal. De forma igualmente enfática, o Diário do Comércio assegurava
que “a capoeiragem desenfreada e malfazeja enchia as ruas” e se organizava sem que a polícia
procurasse dispersá-la ou impedir os seus ataques: “as navalhas brilharam a luz do dia”. 85
A comprovação da participação da Guarda Negra no evento foi publicada pela
imprensa a partir do depoimento de Pedro Justo de Souza.86 Ferido no ombro, Pedro Justo
afirmou pertencer à associação e narrou sua versão para os acontecimentos. Ele vinha com um
grupo pela Rua do Ouvidor, gritando “viva a Monarquia, viva o partido liberal”, quando
estudantes e caixeiros os agrediram com armas fogo e contra eles dispararam tiros. Não sabia
acusar quem o havia ferido, mas confirmou que no dia anterior, em reunião com outros 70
integrantes da Guarda Negra na sala da Sociedade Estrela do Oriente, na Rua da Saúde, um
chefe (que preferiu não identificar), teria aconselhado a toda organização não sair nos festejos
de 14 de julho, pois muitos republicanos andavam armados, o que não havia sido obedecido.
Cabe ressaltar que Pedro Justo também esteve envolvido nos embates do dia 30 de dezembro
de 1888, sendo listado igualmente como um dos feridos no confronto com os republicanos. 87
Intencionamos narrar sua trajetória e a de Anacleto de Freitas – negro republicano – no
capítulo final da tese.
Diferente do que ocorreu em 30 de dezembro de 1888, dessa vez o Jornal de
Patrocínio não saiu em defesa da corporação de negros. Pelo contrário, culpou seus
integrantes e lamentou o uso da violência por parte da Guarda Negra, que acabou se
desvirtuando do seu objetivo inicial, que era somente proteger e guardar o Terceiro Reinado
para a Princesa Isabel. Destacou ainda a cumplicidade policial e a forma como a associação
estaria sendo utilizada para fins políticos obscuros. Não deixou de registrar, nesse interregno,
a manipulação do liberto que, recém-saído da escravidão, possuía uma alma ainda inocente e

84
Como será explicado mais a frente, o ministério conservador de João Alfredo caiu definitivamente no dia 1º de
junho de 1889 e foi substituído por um liberal, encabeçado por Afonso Celso de Assis Figueiredo – visconde de
Ouro Preto.
85
Diário do Comércio, 15 jul. 1889, p. 01. Encerrada a exposição dos eventos de 14 de julho de 1889, cabe
ressaltar que a Gazeta da Tarde foi o jornal que menos forneceu detalhes sobre os acontecimentos em questão.
Ela exibiu uma visão do conflito que, estranhamente e em contradição com sua filiação republicana, parecia
responsabilizar os republicanos a respeito dos tumultos e desordens que acometeram a cidade, em particular a
Rua do Ouvidor. Em sua análise dos fatos, chegara à conclusão que nenhum governo, por mais republicano que
fosse, permitiria tamanha manifestação política contra suas instituições, como havia feito o governo imperial, em
relação às comemorações pela República Francesa (que, segundo o editorial, em nada acometia a História do
Brasil). Tendo em vista a confusão que tomou conta do centro da cidade, a Gazeta da Tarde atestava a
necessidade se proibir tais atos políticos em ruas e praças públicas, já que não faziam outra coisa senão promover
a desordem e não entendiam o verdadeiro significado da liberdade de expressão. Portanto, imputava a culpa nos
“promotores da infeliz manifestação política, que não tinha absolutamente razão de ser”. Cf. Gazeta da Tarde,
15 jul. 1889, p. 01.
86
Gazeta de Notícias, 15 jul. 1889, p. 01; Diário de Notícias, 15 jul. 1889, p. 01; Jornal do Comércio, 15 jul.
1889, p.01.
87
Cidade do Rio, 31 dez. 1888, p. 01; Diário de Notícias, 31 dez. 1888, p. 01.
48
carente de instrução. De resto, a descrição dos acontecimentos foi bem parecida com a que já
foi narrada. A mudança do discurso de Patrocínio e suas principais razões serão mais bem
analisadas no próximo capítulo da tese. Para que nossa narrativa não fique repetitiva, basta
saber que o Cidade do Rio acabou por se utilizar de uma retórica que durante todo o ano de
1888 e metade de 1889 havia condenado veementemente. Para tentarmos dar sentido as
atitudes de Patrocínio, inicialmente, precisamos adentrar nos embates políticos do meio
jornalístico do imediato pós-abolição. Verificaremos que as contendas em torno da Guarda
Negra nos ajudam a entender os diferentes projetos de abolição que foram imaginados para o
Brasil e os motivos das dissidências dos setores abolicionistas após o 13 de maio.
Aproveitaremos para demonstrar que os conflitos, supostamente restritos à esfera política que
dividiram monarquistas e republicanos, estavam relacionados com projetos sociais mais
profundos, assentados ou não à ideia de participação do negro liberto na condição de
cidadania e no ideal de nação que se queria edificar.

1.2 O “Patrocínio do 14 de maio” e a “guerra das penas”

Como vimos, a maior parte do que sabemos sobre a Guarda Negra está relacionado ao
que saiu publicado pela imprensa. Nas folhas fluminenses esse foi um assunto intensamente
debatido nos anos de 1888 e 1889. Para se ter ideia, nada menos que 24 diferentes jornais com
sede no Rio de Janeiro publicaram dezenas de artigos a respeito dessa associação. 88 sem falar
do restante do Brasil (assunto que irá compor o terceiro capítulo desta tese). De todos esses
periódicos, aquele que mais apoiou as ações da Guarda Negra – pelo menos até meados de
1889 – foi o Cidade do Rio, cujo proprietário e redator chefe era José do Patrocínio. Portanto,
seria impossível escrever sobre essa associação sem adentrar em algumas particularidades das
visões e percepções sociais e políticas do jornalista negro. Não sabemos se ele chegou a ser o
fundador do grupo monarquista, mas podemos afirmar, sem dúvidas, que foi um dos seus
maiores apoiadores, chegando a receber o título de “presidente honorário” da corporação. 89

88
Segue lista da totalidade de periódicos fluminenses pesquisados que dissertaram a respeito da organização da
Guarda Negra: Gazeta de Notícias; Gazeta da Tarde; Diário de Notícias; Cidade do Rio; Novidades; Diário do
Comércio; Jornal do Comércio; O Paiz; República Brasileira; A Pátria (Folha da Província do Rio de Janeiro);
Revista Sul-Americana; Carbonário: órgão do povo; The Rio News; Constitucional: órgão do partido
conservador; O Fluminense; Revista Ilustrada; O Apóstolo; O Mequetrefe; A Estação: Jornal Ilustrado para a
família; Vida Fluminense; Revista de Estradas de Ferro; Almanak do Jornal do Agricultor; O Grito do Povo: a
Monarquia e a República; O Meio.
89
Cidade do Rio, 30 nov. 1888, p. 01.
49
José do Patrocínio foi um personagem central nas narrativas sobre as ações da Guarda
Negra. Figura fugidia e ambivalente, ele possuía uma capacidade de oratória e de retórica que
o conduziram a posições de destaque na imprensa carioca e nacional. Esteve atento e
conectado a inúmeras redes de alianças e militou em várias frentes de batalha, mantendo-se
inserido em múltiplos dissensos e polêmicas em torno da causa dos escravos e libertos.
Autointitulado republicano, se viu defensor do governo monárquico por um curto período de
tempo após a abolição. Seus interesses principais giravam em torno de reformas sociais
capazes de realocar o negro em posições de igualdade cidadã num universo agora livre. Para
isso, acreditou no projeto monarquista como o único percurso viável às suas demandas. Em
concordância com a suposta ambiguidade de suas posições, se fez um ferrenho defensor da
Princesa Regente, chegando a assumir um discurso de adoração, que por vezes conclamou
somente a ela o ato de libertação. Ao mesmo tempo em que afirmava o poder de manifestação
pública e política do negro liberto, o associava a gratidão e benignidade intrínseca da raça
negra.90
Ainda que fosse de um ponto de vista majoritariamente retórico, o apoio à Guarda
Negra representava, para Patrocínio, o apoio ao próprio fim da escravidão. Seu entendimento
sobre tal associação e as dissidências com outros jornais, ilumina inúmeros aspectos a respeito
do processo abolicionista brasileiro, suas consequências políticas, sociais e econômicas.
Ajuda também a compreender as disputas, não só entre monarquistas e republicanos, mas
principalmente por distintos projetos de abolição e participação popular nas esferas públicas.
Nos mostra ainda, a centralidade do papel da imprensa e da opinião pública acerca desse
mesmo processo, que permeou as lutas pela conquista da cidadania dos libertos no Brasil.
Portanto, analisar seus diálogos com outros periódicos, com destaque para as críticas que
empreendeu ao partido republicano, é o que faremos nesse capítulo inicial da tese, de modo a
nos ajudar a compreender os anos finais da Monarquia no Brasil e as consequências imediatas
da abolição da escravidão no seio da sociedade e da intelectualidade.
Em 04 de janeiro de 1889, uma sexta-feira, José do Patrocínio publicava em seu
91
jornal, Cidade do Rio, um artigo de sua autoria intitulado “À ponta de pena” , no qual

90
Sobre a trajetória social e política de José do Patrocínio, cf. MACHADO, Humberto. Palavras e brados: José
do Patrocínio e a imprensa abolicionista do Rio de Janeiro. Niterói: Editora da UFF, 2014. A respeito da
trajetória de vida de José do Patrocínio conferir também: SILVA, Ana Carolina Feracin da. De “papa-pecúlios”
a Tigre da Abolição: a trajetória de José do Patrocínio nas últimas décadas do século XIX. Tese (Doutorado em
História), Campinas: UNICAMP, 2006. Para uma análise das construções memorialísticas em torno de
Patrocínio ver: ORICO, Osvaldo. O tigre da abolição. Rio de Janeiro: Cia. Ed. Nacional, 1931; MAGALHÂES
JÚNIOR, Raimundo. A vida turbulenta de José do Patrocínio. 2ed. São Paulo: Lisa; Rio de Janeiro: INL, 1972.
91
Cidade do Rio, 04 jan. 1889, p.01.
50
expunha alguns de seus princípios políticos e suas críticas ao Partido Republicano. Em seu
texto, Patrocínio esclarecia que sua orientação abolicionista havia sempre sido contrária a
qualquer tipo de indenização aos senhores e que, incansavelmente, teria adotado como lema a
abolição imediata.92 Era, portanto, “com grande mágoa” que Patrocínio percebia a conversão
dos antigos clubes de lavoura em republicanos indenistas, ou seja, republicanos que
asseveravam o pagamento de indenizações em virtude da perda de sua “legítima” propriedade
93
escrava. Rapidamente, ele compreendeu, “como todos os homens de bem, que a República
94
não era senão a máscara de que se servia o escravismo”. A partir desse fato, Patrocínio
havia se dado conta que o ideal republicano com o qual se identificava estava sendo distorcido
pelo partido. 95
Na realidade, as discordâncias entre José do Patrocínio e o Partido Republicano
provém de tempos mais antigos. Desde 1881, ele já havia protestado contra a decisão do
partido de aceitar em suas fileiras proprietários de escravos e, enquanto líder da Confederação
Abolicionista, ditou o afastamento da corporação frente a outros grupos republicanos. No ano
de 1888, chegou a apoiar, junto com a Confederação, a candidatura do conservador Ferreira
Viana nas eleições para deputado, em detrimento do candidato republicano Quintino

92
Na realidade sabemos que as visões acerca da abolição de José do Patrocínio variaram bastante ao longo de
sua trajetória, chegando a flertar com propostas graduais e com ressarcimento aos grandes proprietários. Cf.
MACHADO, Humberto. Palavras e brados. Op. Cit.; SILVA, Ana Carolina Feracin da. De “papa-pecúlios” a
Tigre da Abolição. Op. Cit.
93
Cidade do Rio, 04 jan. 1889, p.01. Segundo Amanda M. Gomes, baseada em Renato Lemos, “Em novembro
de 1888 foram fundados o Partido Republicano de Minas Gerais e o Partido Republicano da Bahia a partir da
dissidência escravista, com foco na indenização. Em Minas a corrente que saiu do Partido Conservador e
ingressou no Republicano ficou conhecida como “indenistas”. Na Bahia, os contemporâneos falavam de
“indenizismo” ‘. GOMES, Amanda Muzzi. Fragilidade monarquista: das dissidências políticas de fins do
Império às reações na primeira década republicana (1860-1900). Tese (Doutorado em História Social da
Cultura). Rio de Janeiro: Departamento de História da PUC-RJ, 2013, vol. 1, p. 126 (Nota 144).
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/25728/25728.PDF. Conferir também LEMOS, Renato. A alternativa
republicana e o fim da monarquia. In: GRINBERG, Keila e SALLES, Ricardo H. (orgs.), O Brasil Imperial,
volume III: 1870-1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 416.
94
Cidade do Rio, 04 jan. 1889, p.01.
95
Amparado na análise dos programas do Partido Progressista da década de 1860 e do Partido Liberal, até a
formação do Clube Radical em 1868, José Murilo nos mostra que a criação do Partido Republicano, na
realidade, representou um retrocesso conservador em termos de propostas políticas e sociais. No que se refere à
variedade e profundidade das reformas cotejadas anteriormente pelos liberais radicais, o projeto republicano
deixava, e muito, a desejar, inclusive em relação à questão da emancipação. Preocupados em agregarem os
grandes proprietários de escravos às fileiras do novo partido, optou-se por não assumir uma posição aberta e
definitiva no tangente à abolição da escravidão. Tanto que o Partido Republicano só passou a assumir uma
posição clara contra a escravidão nas vésperas da emancipação, em 1887. Mais preocupados com as questões
institucionais, o partido acabou esvaziando muitas das agendas de transformações sociais que eram
anteriormente cotejadas. Como consequência desse processo, tivemos a instauração de uma República afastada
de programas que envolviam uma democracia plena com participação eleitoral mais ampla e maior possibilidade
de acesso a terra. Cf. CARVALHO, José Murilo de. “Republicanismo e radicalismo”. In: CARVALHO, José
Murilo e NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. (Orgs.). Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania,
política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
51
96
Bocaiuva. Quando da emergência das ações da Guarda Negra e do crescimento das
campanhas republicanas, Patrocínio se colocou ao lado dos adeptos da Princesa Regente e do
Terceiro Reinado, pelo menos até meados de 1889. Mesmo após o seu retorno à bandeira da
República, suas dissidências com o partido permaneceram até o fim de sua vida.
Não seria um exagero afirmar que a abolição da escravidão transformou todo o
panorama político-social brasileiro. Muitos monarquistas, ainda divididos entre liberais e
conservadores, engrossaram à bandeira republicana em virtude do modelo de libertação posto
em prática. Em contrapartida, alguns republicanos com propostas mais reformadoras, como o
próprio José do Patrocínio, passaram a apoiar a continuidade da Monarquia no Brasil – em
particular o Partido Conservador –, como uma espécie de estratégia política para se alcançar
as reformas sociais almejadas. Outros, de fato, agregaram às suas fileiras antigos senhores de
escravos e se mostraram mais preocupados com as mudanças políticas do que com as
97
reformas sociais. Em meio a essa complexa conjuntura, parecia crescer a legitimidade do
governo imperial junto às camadas populares, renovando e alimentando as esperanças em um
Terceiro Reinado.
José do Patrocínio vivenciou esse processo de maneira, por vezes, imprecisa. Dessa
forma, não é tarefa fácil definir as orientações político-partidárias do jornal por ele
96
Quintino Antônio Ferreira de Souza nasceu do Rio de Janeiro em 1836. Na década de 1850, já interessado
pelas atividades jornalísticas e literárias e estimulado pelo nativismo indigenista, substituiu seu sobrenome
paterno por Bocaiuva. Em 1860 passou a editar o Diário do Rio de Janeiro. Preocupado com a questão da
substituição da mão de obra escrava, fundou a Sociedade Imperial de Imigração em 1866. Quatro anos depois,
em novembro de 1870 criou o Clube Republicano do Rio de Janeiro. Cerca de um mês após lançou, pelo jornal A
República, o Manifesto Republicano, redigido juntamente com Salvador de Mendonça. Quintino participou da
fundação de O Paiz, que começou a circular em 1º de outubro de 1884, o qual ocupou a posição de redator-
chefe. A frente de tal periódico Quintino Bocaiuva se destacou na propaganda republicana e federalista. Foi um
dos civis que quatro dias antes do golpe de 15 de novembro se reuniu com os militares envolvidos na
conspiração republicana na residência do marechal Deodoro da Fonseca. Depois de instaurada a República,
Bocaiuva assumiu importantes cargos políticos como o de senador e presidente do estado do Rio de Janeiro.
Bocaiuva faleceu em 11 de julho de 1912. http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/BOCAIUVA,%20Quintino.pdf
97
O historiador José Murilo de Carvalho registra três projetos republicanos principais que estavam em disputa
no final do século XIX no Brasil: o liberalismo à americana, o jacobinismo à francesa e o positivismo. O
programa jacobino era baseado num modelo ideal de democracia clássica e direta, amparado pela vontade
popular. Trazia como referencial a Revolução Francesa e seus seguidores eram considerados a ala radical da
propaganda republicana. Os positivistas, por sua vez, inspirados nos ideais de Auguste Comte apostavam na
condenação da Monarquia em nome de um suposto ordenamento natural em busca do progresso. A República
seria a encarnação da fase positiva de sociedade. Dentre alguns de seus pressupostos podemos citar o apelo a um
Executivo forte e intervencionista, que amparava a noção de uma ditadura republicana, a separação entre Estado
e Igreja e uma política social de incorporação do proletariado à sociedade moderna. No caso do liberalismo,
preconizava-se uma sociedade composta por indivíduos autônomos e pela pouca intervenção do Estado na
economia e na vida dos cidadãos, a partir da aposta no federalismo. Esse modelo de República representava o
ideal dos grandes proprietários rurais, especialmente os paulistas, já que evitava o apelo à ampla participação
popular, por compreender o público como a soma dos interesses particulares. Esse foi o modelo que, segundo
José Murilo, saiu vitorioso no projeto de República brasileiro. Cf. CARVALHO, José Murilo de. Utopias
Republicanas. In: Idem. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 2011. Conferir, sobretudo o capítulo 1 “Utopias republicanas”, pp. 17-33.
52
encabeçado no período após a abolição. Á frente do Cidade do Rio, o qual também era sede
da Confederação Abolicionista, Patrocínio passou a defender de maneira contundente as ações
da Guarda Negra, da Princesa Isabel (que teria sido alçada por ele próprio ao título de
Redentora) e do Ministério 10 de março, chefiado pelo conselheiro João Alfredo Correia de
Oliveira98, representante do Partido Conservador.
Ao mesmo tempo em que manteve associados ao periódico monarquistas consagrados,
como André Rebouças e Joaquim Nabuco, o Cidade do Rio também agregou famosos
republicanos como Pardal Mallet, Raul Pompéia, Olavo Bilac, Paula Nei, Luiz Murat e
Emílio Rouéde. Este último, em publicação de 25 de abril de 1889, expunha quais seriam as
intenções do Cidade do Rio no pós abolição frente a expansão republicana junto aos antigos
senhores de escravos que apelavam para projetos compensatórios em decorrência da
libertação. Para tanto, Rouéde explicava que o Partido Republicano sempre esteve dividido
entre os abolicionistas e os anti-abolicionistas. Os primeiros pregavam a libertação imediata
como ferramenta essencial para a formação de um povo brasileiro, antes mesmo de qualquer
reforma de cunho governamental. Segundo o intelectual francês, eles compunham a menor
parte das fileiras do partido. Havia, em compensação, uma maioria de republicanos que
acreditava que as transformações políticas e a mudança do regime de governo seriam o
primeiro passo para a verdadeira liberdade. Este grupo, Rouéde denominou de “republicanos
não-abolicionistas”.
Quando do ato de libertação, essa ala do partido se organizou contra a princesa regente
em uma guerra declarada ao Terceiro Reinado. Os libertos entenderam esse ato como uma
afronta a sua conquista e se organizaram para defender o seu próprio futuro. Se referindo à
formação da Guarda Negra, Rouéde confirmava que a consequência das ações dos
neorrepublicanos havia sido o encontro em sua casa, que contando com a participação de
diversos libertos, formou uma associação de homens de cor para a defesa da Monarquia no
Brasil, sob a liderança de Isabel, a Redentora, “mulher que os havia dado os direitos de

98
O pernambucano João Alfredo Correia de Oliveira começou sua vida pública apadrinhado pelo seu sogro e tio
João Joaquim da Cunha Rego Barros, 3º barão de Goiana e chefe do Partido Conservador em Pernambuco. Foi
delegado de polícia e promotor público no Recife, deputado provincial, deputado geral e senador. Ocupou os
governos provinciais do Pará e de São Paulo, além de ter sido ministro de diversas pastas, desde Agricultura e
Negócios do Império, até o da Fazenda. Foi como presidente do Conselho de Ministros e ministro da fazenda do
gabinete de 10 de março de 1888, e que ficou no poder até 07 de junho de 1889, que ocorreu a aprovação
parlamentear da Lei Áurea, sancionada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888. Na República, foi
presidente do Banco do Brasil, no governo Hermes da Fonseca (abr. 1912 a nov. 1914).
http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=377 Cf. também
ANDRADE, Manoel Correia de. João Alfredo: o estadista da Abolição. Recife: Massangana, 1988.
53
cidadãos”. 99 E explicava os motivos que o levaram, bem como ao Cidade do Rio, a separar-se
definitivamente da aliança com o Partido Republicano.

Tenho a satisfação de haver sido um dos primeiros, senão o primeiro, que


(...) se separou do programa de São Paulo. (...) não podíamos militar no
mesmo partido, era necessário descriminar os campos, não queríamos
continuar cobertos e confundidos sob o estandarte republicano, os
fazendeiros que pediam a indenização e nós, abolicionistas que a
negávamos; (...) devíamos tomar uma solução enérgica e a tomamos. Dois
caminhos se apresentavam: os republicanos abolicionistas aderindo ao
manifesto de S. Paulo se haviam unido aos algozes; nós outros, os
abolicionistas republicanos, tomamos o caminho oposto; decidimos seguir a
sorte das vítimas. Os libertos, novos cidadãos, nos ensinaram o nosso
caminho. Em vez de pensar nas represálias, em vez de vingar três séculos de
cruentos martírios, dedicaram-se a defender a sua Excelsa Redentora (...);
enfim, em vez de odiar, amaram! Nós os imitamos!! 100

Rouéde esclarecia ainda que o primeiro passo para a igualdade de oportunidades seria
a educação dos ex-escravizados, de modo a ensiná-los a “usar da liberdade”. Somente assim,
o ideal verdadeiramente republicano se faria cumprir. Para além do artigo do artista francês, o
fato era que, como principal porta voz de seu jornal, José do Patrocínio obviamente
concordava com suas ideias e distanciava-se cada vez mais do Partido Republicano, se
mostrando um dos maiores defensores da causa do Terceiro Reinado. Ele acreditava que
apenas a Coroa seria capaz de trazer as mudanças necessárias que o Brasil necessitava no pós-
abolição para derrotar a “obra do escravismo” e, por isso, seguiu fiel a esse propósito. Talvez
possamos entender melhor o seu periódico, Cidade do Rio, e sua própria visão política, se
encararmos que após o 13 de maio ele manteve, antes de qualquer coisa, a sua fidelidade com
o seu projeto abolicionista, ainda se colocando como porta voz da Confederação 101. Esse seu
posicionamento, todavia, o levou a se afastar de republicanos como Rui Barboza, Silva
Jardim, Quintino Bocaiuva, Rangel Pestana, com os quais travou intensos debates no seio da
imprensa e mesmo fora dela. Sua denúncia era clara: os republicanos o acusavam de traidor
da causa democrática por ter se associado à Princesa Regente e ao Ministério 10 de março,
mas não eram capazes de perceber seus próprios equívocos ao agregar antigos senhores de
escravos em suas fileiras e renderem-se às propostas de indenização pelo fim da escravidão.

99
Emílio Rouéde, “Os libertos”. Cidade do Rio, 26 abri. 1889, p. 01.
100
Idem.
101
SANTOS, Cláudia Regina Andrade dos. Op. Cit.
54
A luta tornou-se pessoal; eu neguei aos Rangeis e Quintinos a capacidade
diretriz de que precisa o partido republicano. Eles que não podiam negar o
seu erro político, abstendo-se da responsabilidade da propaganda
abolicionista, fizeram-me a guerra covarde e traiçoeira da calúnia anônima.
Devia eu abandonar a imprensa, quando era combatido desenfreadamente
pelos indenistas? Podia eu negar o concurso da minha pena ao ministério,
que era combatido, só por ter assumido a responsabilidade da lei e 13 de
maio? 102

José do Patrocínio expandia o seu julgamento, apontando para o fato de que os


republicanos haviam esquecido às críticas ao governo de D. Pedro II e se arremetiam
“furiosamente contra a Princesa”. De maneira definitiva e contundente, ele acusava o partido
103
de fazer parte “da quadrilha de ladrões de alma e suor da raça negra”. Na realidade, a
citação anterior é parte de uma resposta de Patrocínio a um artigo publicado no O Paiz, em 04
de janeiro de 1889104. Tratava-se de uma republicação do jornal A Província de São Paulo,
105
assinada por Rangel Pestana e intitulada “A Ingratidão de Judas”. Nele criticavam-se as
ações da Guarda Negra referentes ao dia 30 de dezembro de 1888 e acusava-se Patrocínio de
traidor da causa republicana e fomentador de ódios raciais. As disputas com Quintino
Bocaiúva, evidenciadas nesta publicação e em tantas outras, na verdade ocorriam desde o
início da década de 1880, quando da defesa, por parte de Bocaiúva, de um projeto de
imigração chinesa106, o qual Patrocínio era um fervoroso crítico. Para Patrocínio a importação
de trabalhadores asiáticos inauguraria no Brasil uma espécie de nova escravidão e contribuiria
para alijar os antigos escravos de lugares no mercado de trabalho. Obviamente, a tensão entre
os dois se agravou com o desenrolar do ano de 1888, principalmente após a abolição, tendo
em vista os posicionamentos políticos expostos por Quintino através das publicações do jornal
O Paiz, do qual era redator chefe. As dissenções se fortaleceram ainda mais quando
102
Cidade do Rio, 04 jan. 1889, p.01.
103
Idem.
104
“D’a Província de São Paulo”, O Paiz, 04 jan. 1889, p. 01.
105
O periódico A Província de São Paulo foi fundado em 1875 como um dos maiores representantes da causa
republicana, chegando a ser o órgão de propaganda oficial do Partido Republicano Paulista (PRP). Rangel
Pestana foi um dos principais redatores da folha e também seu diretor, até que em 1888, A Província de São
Paulo passou a pertencer à firma Rangel Pestana & Cia.
Francisco Rangel Pestana (1839-1902) nasceu no Rio de Janeiro, onde também se formou em Direito. Atuou
como jornalista de diversos periódicos e foi um dos fundadores do Partido Radical, em 1863. Em 1870, foi um
dos subscritores do Manifesto Republicano e alistou-se ao Partido Republicano imediatamente após a sua
criação. Depois da instauração da República assumiu importantes funções políticas, através das quais fomentava
reformas educacionais. Ocupou o cargo de Deputado Federal, Senador e de Presidente do Banco da República.
Continuou a comandar seu jornal, agora com o nome de O Estado de São Paulo, até 1891. Faleceu em São
Paulo, em março de 1903. http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/PESTANA,%20Rangel.pdf
106
Acerca das posições de Quintino Bocaiuva sobre a imigração chinesa, cf. SILVA, Eduardo. As camélias do
Leblon e a abolição da escravatura: uma investigação da história cultural. São Paulo: Companhia das Letras,
2003.
55
Patrocínio e a Confederação Abolicionista não apoiaram a candidatura de Quintino Bocaiúva
para deputado nas eleições de 1888.
Cabe aqui, abrirmos uma rápida digressão para narrarmos a contenda de outro
107
importante abolicionista com Quintino Bocaiúva. Trata-se de Joaquim Nabuco.
Colaborador do Cidade do Rio e abolicionista atuante mesmo após o 13 de maio. No início do
ano de 1889, ele igualmente se desentendeu com o republicano Quintino Bocaiuva e rompeu
com o jornal O Paiz para o qual escrevia periodicamente. Em seu diário consta trecho da carta
que registrou no primeiro dia do ano para Bocaiuva, onde deixava evidente suas discordâncias
crescentes frente ao posicionamento político adquirido pelo periódico:

A inconciliável divergência em que me acho com o espírito, o alcance e o


propósito do programa que você traçou pra O Paiz no seu artigo de ontem
(“A agitação social”) veio tornar impossível a minha permanência no Paiz,
já dificultada na véspera pelo seu veto a publicação do meu artigo contra o
manifesto Paulino108 e a agitação republicana do escravismo intransigente
(...). É-me impossível continuar a servir O Paiz com o programa que ele
adotou e os intuitos que ele revela numa crise em que a meu ver corre perigo
a sorte da monarquia libertadora e com ela a existência da pátria unida e
uma. 109

A carta faz referência ao mês de junho de 1888, quando no dia 19, Nabuco registrava
em seu diário o veto de um artigo que havia escrito visando publicação no periódico O Paiz.
Na verdade, logo após a abolição da escravidão, Nabuco já vinha assinalando o aumento dos
desentendimentos frente às opiniões do republicano Quintino Bocaiuva. Até a data do 13 de
maio, o jornal O Paiz havia se aliado à causa abolicionista e diminuído às críticas ao gabinete
10 de março, mas, uma vez realizada a abolição, Quintino retomou as denúncias ao ministério
conservador. Tais situações culminaram quando Nabuco percebeu que, além da edição do dia
20 de junho de 1888 não trazer a divulgação do seu artigo – que criticava as declarações e

107
SALLES, Ricardo. Joaquim Nabuco. Um pensador do Império. Rio de Janeiro: Topbooks, 2002.
108
Refere-se a Paulino José Soares de Souza, o Conselheiro Paulino, então Conselheiro do Imperador e Senador
pelo Rio de Janeiro (Filho do Visconde Uruguai). Este havia se posicionado a favor de um projeto indenizatório
em virtude da abolição da escravidão e acusava a forma pela qual a lei do 13 de maio foi empreendida como um
ato de violência contra a lavoura. Cf. Ata de 31 de maio de 1889. Atas do Conselho de Estado Pleno. Códice 304,
Volume II. De 31-05-1889 a 10-08-1889. In: RODRIGUES, José H. (org.). Atas do Conselho de Estado: Terceiro
Conselho de Estado, 1884-1889. Brasília: Senado Federal, 1973-1978, s/d.
http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/ACE/ATAS12-Terceiro_Conselho_de_Estado_1884-1889.pdf.
Alguns líderes do Partido Conservador, após o 13 de maio, engrossaram as fileiras republicanas. O conselheiro
Paulino foi exemplo desse caso, se tornando uma das lideranças do Partido Republicano Fluminense (PRF). Cf.
FERREIRA, Marieta de M. (Coord.). A República na Velha Província: oligarquias e crise no estado do Rio de
Janeiro (1889-1930). Rio de Janeiro: Ed. Rio Fundo, 1989.
109
NABUCO, Joaquim. Diários, 1873-1910. Edição de texto, prefácios e notas; Evaldo Cabral de Mello. Rio de
Janeiro: Bem-Te-Vi. 2006, p. 280.
56
atitudes de cunho indenizatório de Paulino José Soares de Souza110 –, ainda carregava em suas
páginas uma matéria dando voz à grande lavoura.
O artigo que tanto o incomodou, e que foi relatado em sua carta de despedida como
um dos motivos de seu afastamento do periódico republicano, tornava notório esse apoio do
jornal aos ex-senhores de escravos. Publicado em uma quarta-feira, no mesmo dia 20 de junho
de 1888, o editorial fazia referência ao “golpe” que as classes produtoras brasileiras haviam
sofrido com a lei de libertação escrava. Expunha que desde o dia 14 de maio cabia ao Estado
111
centrar suas atenções em mecanismos e “projetos destinados a amparar a lavoura”. Esta,
“sem crédito, sem dinheiro, privada subitamente dos seus elementos tradicionais de trabalho”,
teria o direito de exigir do ministério soluções, de modo a “acudir com prontos e eficazes
112
remédios a crise resultante da abolição”. Tais fatos acabaram por dar origem a um pedido
de demissão por parte de Joaquim Nabuco das fileiras de O Paiz ainda no dia 20 de junho de
1888. Pedido que, todavia, não pareceu ter sido consumado até seu afastamento definitivo no
primeiro dia do ano de 1889.
Verificamos que Joaquim Nabuco, assim como Patrocínio, via com maus olhos o
crescimento de um republicanismo aliado a antigos setores escravistas e acusava Bocaiuva de
dar voz a esse programa. A decepção de Nabuco com a vitória do movimento republicano
também comprova o que ele entendia como sendo um êxito da grande lavoura e uma derrota
para o povo brasileiro, em especial para o negro liberto. Assim, assinalava em seu diário no
dia 17 de novembro de 1889: “Um ano depois do 13 de maio! Não podia ser mais pronta a
desforra. Os fazendeiros exultando. E o povo? E o escravo? Deus queira que a revolução
purifique a monarquia tanto quanto a Abolição engrandeceu-a”.113
Retornemos aos antagonismos latentes entre Patrocínio e o republicanismo, de modo a
compreender a sua posterior adesão à Guarda Negra como fruto de uma ação fiel a seu projeto
de abolição e de sociedade. Através do Cidade do Rio, as críticas de José do Patrocínio aos
republicanos eram incansáveis. O foco de suas denúncias visava àqueles que ele considerava
os adeptos de “última hora”, o que por vezes denominava de “republicanos de 14 de maio”.
Antigos senhores de escravos que, sem indenização, se afastaram do governo imperial e
cambiaram para a causa republicana. Para Patrocínio, a fragilidade dos ideais desses
“republicanos de 14 de maio” era óbvia e caminhava de acordo com as circunstâncias e com
os benefícios que poderiam adquirir. Em seu íntimo, ele sabia que esses ditos republicanos
110
Cf. Nota 108.
111
O Paiz, 20 jul. 1888, p. 01.
112
Idem.
113
NABUCO, Joaquim. Diários, 1873-1910. Op. Cit., p. 286.
57
“seriam ardentes monarquistas no dia em que o governo mandar votar a lei da
indenização!”114, porque na realidade não passavam de reminiscentes do escravismo em
brados desesperados pela perda de sua “propriedade humana”. Por isso, ele afirmava com
total convicção: “A lei de 13 de maio de 1888 extinguiu a escravidão; mas o escravagismo
ficou vivo, aceso e flamejante. Ele aí está proliferando e dando à luz indenistas,
republiquistas e hipotequistas”. 115
Suas críticas endereçadas ao Partido Republicano, portanto, representavam, em
primeiro lugar, a denúncia de um modelo de sociedade escravista, que tinha por objetivo alijar
os negros dos espaços de poder e da conquista de direitos de cidadania. A nosso ver, parece
que a aposta dos setores abolicionistas, ilustrados por Joaquim Nabuco, pelo próprio
Patrocínio e pelos indivíduos unidos em torno do Cidade do Rio – monarquistas ou
republicanos –, foi dar continuidade ao que acreditavam como projeto de abolição, que não se
restringia simplesmente ao ato de libertação. Em especial, o Cidade do Rio cita inúmeras
vezes a importância do acesso à terra para o ex-escravo, através do estabelecimento do que
116
denominava “democracia rural” – proposta elaborada pelo abolicionista André Rebouças.
Ainda em 26 maio de 1888, recém-abolido o cativeiro, o periódico fazia circular essa ideia:
“A divisão da terra é uma necessidade palpitante. É mister empregar os devolutos, para que
não apodreçam nos campos, como bestas, esses homens que ressuscitaram”. 117 Os programas
de reformas não se restringiam, todavia, a questão do acesso à terra, era preciso “reformar a
118
pátria de baixo para cima”. Para alcançar essa finalidade, por hora, a continuidade do
governo monárquico parecia mais aprazível e promissora, já que a Monarquia em si não era
considerada o problema central, uma vez que “nunca tiranizou”, o problema fundamental era
sim a “educação escravista, que nos corrompeu profundamente”.119
Frente à questão do processo abolicionista, José do Patrocínio valorizava o papel das
instituições, apesar de denunciar a lentidão para o ato final de libertação: “muito corajosa,

114
Cidade do Rio, 30 nov. 1888, p. 01. Richard Graham desenvolveu uma hipótese que parte dos ex-
proprietários de escravos teriam aderido à razão republicana não só em decorrência do modelo como foi posto
em prática o projeto abolicionista, mas também pelo receio de novas reformas por parte do governo monárquico.
Cf. GRAHAM, Richard. Escravidão, reforma e imperialismo. Tradução de Luiz João Caio. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1979.
115
Cidade do Rio, 27 jul. 1888, p. 01.
116
PESSANHA, Andréa Santos. Da abolição da escravatura à abolição da miséria: a vida e as ideias de André
Rebouças. Rio de Janeiro: UNIABEU, 2005.
117
Cidade do Rio, 26 mai. 1888, p. 01. Acerca da questão da terra nas últimas décadas da Monarquia brasileira
conferir: URBINATI, Inoã Pierre Carvalho. Ideias e projetos de reforma agrária no final do Império (1871-
1889): uma análise de seu sentido político e social. Dissertação (Mestrado em História). Rio de Janeiro:
Programa de Pós-Graduação em História da UERJ, 2008.
118
Cidade do Rio, 26 mai. 1888, p. 01.
119
Idem.
58
benemérita mesmo foi ela [Monarquia], fortalecendo Eusébio de Queiroz e Rio Branco e por
120
último, entregando-se à opinião abolicionista, encarnada no gabinete 10 de março”. Desse
modo, o país não necessitava de uma transformação institucional e política, mas de um
programa baseado em reformas sociais capazes de igualar as condições de todos os cidadãos,
fazendo surgir uma população instruída e consciente. Mais ainda, o Brasil almejava por um
projeto que colocasse “o trabalho ao alcance da nação”, ou seja, ao alcance de seu povo,
incluindo, evidentemente, o liberto. Em resumo a proposta era:

Dotar o país de estradas de ferro, de fábricas, de núcleos agrícolas, aplicar a


essa democracia rural de André Rebouças, (...), desenvolver pela ação do
Estado a política de centralização dos capitais, (...) restaurar o indivíduo pela
fé no trabalho, (...), dar alma ao trabalhador máquina, levantar a família
rebaixada.121

Através de uma crítica aos programas de federalização da política nacional, tanto


liberal como republicana, o artigo de onde foi retirada a citação anterior propunha um olhar
mais profundo para os temas da desigualdade social e do atraso do país, apelando para um
Executivo forte que pudesse amparar o processo de esclarecimento, instrução e
122
reincorporação do liberto à nação. Esse setor do abolicionismo, encarnado nas propostas
difundidas pelo periódico de José do Patrocínio, defendia como prioridade, portanto, as
reformas sociais sobre as transformações de cunho político. O que precisava ser feito ia além
da concessão da liberdade ao negro escravizado. Eram ações práticas capazes de promover as
mudanças sociais, cobrando da Monarquia sua dívida com o povo brasileiro, que havia
“sempre respeitado a ordem, a lei e estabelecido à paz”. Somente a partir dessa visão, o Brasil
estaria apto a se tornar um país composto por um “povo industrial e agrícola, capaz de
eclipsar em quarto de século todos os grandes povos do mundo”. 123
Era evidente para Patrocínio, que a associação entre o escravismo e republicanismo
acabava com o ideal republicano de uma sociedade igualitária e fraterna e com seu anseio
abolicionista de inclusão do negro no projeto de nação. Ao longo de todo o mês de junho de
1888, pudemos verificar no Cidade do Rio a difusão de violentas críticas à proposta de

120
Idem.
121
Idem.
122
A esse respeito o artigo utilizava uma metáfora interessante: “a Semelhante programa [federalista] se nos
afigura gêmeo da moral de um pai que, depois de desbaratar a fortuna dos filhos, sem lhes haver ensinado um
ofício, nem encaminhado em nenhuma profissão industrial; sem lhes haver formado o caráter, nem ao menos
reservado um pedaço de terra para receber os seus primeiros esforços, se julgasse quite com seus filhos, dando-
lhes a emancipação”. Cf. Cidade do Rio, 26 mai. 1888, p. 01.
123
Idem.
59
República que se queria instaurar, em uma série astutamente intitulada “Republiquistas”.
Nela, acusava-se a República de egoísta, plutocrática e oligárquica, sendo gerada pelo
despeito, pelo ódio e pela vontade de vingança frente à raça negra. Tudo isso aliado à ambição
de mando e de poder dos senhores de terra, ao “prurido da tirania e de despotismo” e a cobiça
pelo dinheiro. Enfim, era uma República de “surradores, esquartejadores e assassinos”, mas,
124
acima de tudo, de escravocratas. Longe de todos esses arquétipos, a República ideal viria
quando os “landlords”, ou seja, os grandes proprietários de terras e antigos donos de escravos,
já não mais tivessem o poder que detinham naquele momento, tanto político quanto
econômico. A reprovação ao então modelo republicano vinha aliada ao suposto afastamento
das camadas populares das fileiras do partido, que se mantinham cada vez mais elitistas e
associadas aos antigos donos de escravos. Tudo isso parecia justificar a sua aproximação com
o governo monárquico.

Por enquanto, é o povo, o “Zé povinho”, quem defende o trono! O dia em


que ele se faça republicano, então sim, acreditarei numa república possível.
(...). Por agora, tenham paciência, trabalhem; peçam o sufrágio universal, a
fim de poderem os libertos, que não são ricos como os republicanos, votar.
(grifo nosso).125

Foi, portanto, dentro dessas perspectivas, que José do Patrocínio se inseriu nos debates
sobre as ações da Guarda Negra, para conscientizar os 'irmãos de cor', através de um diálogo
com a sociedade civil e o Estado sobre as necessidades do pós-abolição. Sua lealdade parecia
ser com quem ele considerava o verdadeiro povo brasileiro, ou seja, os libertos – ainda que
saibamos que suas considerações faziam parte de um forte jogo de retórica. Na citação
anterior, suas críticas ao partido republicano parecem ser justificadas exatamente pelo
afastamento popular de suas fileiras e pela falta de um projeto capaz de agregar as camadas
mais baixas da sociedade. Logo, a formação da Guarda Negra representava o oposto do
caminho que até então percorria o partido republicano, ela demonstrava que a Monarquia era
capaz de reunir os libertos em torno de seus ideais. Por isso, Patrocínio não via com espanto o
fato de antigos escravizados se solidarizarem com o governo imperial e em especial com a
Princesa Isabel.

Não compreendo a estranheza dos neorrepublicanos, e acho até


perfeitamente natural que os novos cidadãos prefiram ver sentada no trono

124
Cidade do Rio, 19 jun. 1888, p. 01.
125
Cidade do Rio, 05 jan. 1889, p. 01.
60
do Brasil aquela que os libertou, a ver no primeiro posto de uma república o
Sr. Dr. Silva Jardim que ainda nada deu de útil e proveitoso à sua pátria. 126

Na realidade, o apoio dos ex-escravos à Monarquia parecia obvio para Patrocínio,


tendo em vista que após a lei de 13 de maio, a maior parte dos ex-senhores havia se
transformando “do dia para a noite em republicanos” e agiam com a finalidade de “guerrear
em todos os terrenos o Terceiro Reinado, satisfazendo assim, os seus sentimentos de ódio à
Monarquia”. A citação é longa, porém necessária:

Se os ex-senhores de escravos não tivessem feito apelo à revolução,


declarando guerrear fora da órbita legal o reinado futuro da Santa Mulher
que sacrificou o seu trono nas aras da libertação do Brasil, os libertos não se
teriam congregado para responder aos vivas à república dados pelos seus
antigos senhores de ontem, republicanos de hoje, com vivas à Monarquia; e
enfim se os neorrepublicanos não tivessem jurado sacrificar vidas e fazendas
pela república (...), os novos cidadãos não teriam jurado, por sua vez,
preferir mil vezes morrer, defendendo aquela que os libertou, a morrer nas
gargalheiras da escravidão amarrados aos pés dos cavalos nas estradas da
Paraíba do Sul. 127

A formação da Guarda Negra era, assim, “um produto lógico da má orientação do


partido republicano, quando, antes do 13 de maio evitava o problema servil e depois do 13 de
maio arregimentou o despeito da lavoura”128. Consciente da resistência republicana em aderir
à causa pelo fim da escravidão, o artigo ainda chamava a atenção dos supostos abolicionistas
adeptos da República. Assinalava o fato de que eles estariam se descuidando do ato grandioso
de libertação e formando uma “linha de batalha ao lado e ao mando dos grandes senhores
feudais do Brasil”, se esquecendo “de que isso é recuar no caminho do progresso e retardar ou
prostituir a república”129. De maneira enfática a publicação declarava que, apesar de a
escravidão ter acabado, as suas consequências permaneciam vivas e presentes no seio da
sociedade. Desse modo, para assegurar a recém-liberdade conquistada, era preciso, antes de
qualquer coisa, abafar as reações que vinham da lavoura e que, infelizmente, estavam sendo
sustentadas pela agitação republicana. Em outras palavras, o Partido Republicano estaria
contribuindo para dar voz as dissidências geradas pela lei do 13 de maio e colaborando para a
instabilidade da conquista da liberdade. Tendo em vista essas acepções, nada mais normal do
126
Idem.
127
Idem.
128
Cidade do Rio, 17 dez. 1888, p. 01. Trata-se de um artigo assinado pelo Dr. Campos da Paz, como resposta a
uma conferência realizada por Lopez Trovão no Teatro Polytheama, em 09 de dezembro de 1888.
129
Cidade do Rio, 17 dez. 1888, p. 01.
61
que a raça negra julgar a princesa e parte dos abolicionistas ameaçados, assim como a sua
própria liberdade, e unir-se em guarda “contra a reação que vem das senzalas, ora vazias”. 130
De maneira lógica, a publicação assegurava e concluía que a Guarda Negra era uma
consequência natural das atitudes demostradas por grande parte dos republicanos ao sustentar
alianças com antigos senhores de escravos: “quererão, por ventura, convencê-la [a guarda
negra] de que esse rebate que ecoa hoje nas campinas, onde ontem ela se curvava ao peso do
chicote, vem garantir a liberdade que ela adquirira a 13 de maio?”. 131
Patrocínio concordava com a ideia de que a Guarda Negra era a maneira encontrada
pelos ex-escravos de garantir a manutenção das suas liberdades. Por isso, a seu ver, ela se
constituía em uma genuína forma de manifestação popular atuando em torno de seus próprios
interesses. Composta por homens que vieram do eito e do seio da escravidão e que travavam
lutas em prol de sua liberdade através de escolhas conscientes, ela era uma corporação, ou
132
antes, “um verdadeiro partido político, tão respeitável como qualquer outro”. Trazia a
responsabilidade de garantir a sucessão da coroa à “mãe dos cativos”, mesmo que, para isso,
os libertos tivessem que utilizar seus próprios corpos e “fazer uma muralha capaz de receber
as balas, que os neorrepublicanos dirigem a sua Redentora”.133
Não podemos negar que, por vezes, parece haver certo personalismo de Patrocínio a
respeito da abolição da escravidão, encarando o ato de libertação como uma dádiva da
Princesa Isabel. Os artigos do seu periódico a partir de 1888 eram sempre marcados pela
contemplação à “excelsa senhora” que agindo em favor da liberdade do negro pôs em risco o
seu próprio futuro, ainda que em sua trajetória como jornalista tenha criticado fortemente à
referida princesa. Não raras vezes encontramos termos como, “santa senhora”, “princesa
redentora”, “mãe dos pretos”, “mãe dos cativos”, “santa mulher”, dentre muitos outros,
disseminados pelo jornal Cidade do Rio como referência à Isabel e seu grande feito: a
abolição. Certo de que seus inimigos públicos o acusavam de adoração à regente do trono,
Patrocínio também respondia acionando a coerência de seu pensamento: “Parece, portanto,
incrível que cem anos depois da revolução que tornou todos os homens iguais ante à lei, um
partido político, à sombra do barrete frígio, hostilize a Excelsa Senhora pelo fato de ter
134
transformado em lei no Brasil os Direitos do Homem”. Recorrendo a uma comparação
pouco legítima da situação nacional com a Revolução Francesa, Patrocínio reforçava sua

130
Idem.
131
Idem.
132
Cidade do Rio, 31 dez. 1888, p. 01.
133
Cidade do Rio, 05 jan. 1889, p. 01.
134
Idem.
62
fidelidade republicana, e afirmava que não havia nada mais natural do que homenagear e
reverenciar a mulher que havia concedido os direitos de cidadania para todos os brasileiros,
primeiro passo para a conquista da verdadeira igualdade e fraternidade nacional.
De acordo com Lilia Schwarcz, a abolição da escravidão foi entendida e apreendida
pela sociedade como uma dádiva, por isso a princesa Isabel foi convertida em “Redentora”.
Para ela, essa situação demonstra o personalismo presente na sociedade brasileira e revela
como as relações privadas acabam por se impor à esfera pública em nosso país. Uma vez que
a abolição foi vista como dádiva, restava aos libertos o agradecimento, a lealdade e a
submissão de quem ganha um presente, sempre de forma pacífica e longe dos tumultos
políticos. Afastava-se assim, a ideia de libertação das noções de conflito e violência. Além
disso, se sobrepunha a noção de favor e privilégio ao conceito de cidadania. 135 Robert Daibert
Jr, também nos informa sobre a construção mítica em torno da figura de Isabel como sendo a
redentora dos escravos, percepção que teria sido alimentada por grande parte da imprensa e
dos próprios setores abolicionistas, mas também pelos libertos. Para ele, a forma como se
desencadeou o processo de abolição no Brasil, conseguiu assegurar à Monarquia um aumento
de sua base de apoio popular e a imagem da Isabel teria sido central nesse processo. Ela
angariou e capitalizou para si o arquétipo e a alegoria de benemérita, redentora e mesmo
santa, por ser a signatária da Lei Áurea, assegurando uma possibilidade de futuro ao Terceiro
Reinado. Para o autor, a imagem monarquista que se construiu da abolição da escravidão por
setores da população negra, longe de ser a confirmação de sua alienação ou manipulação
política, na realidade compunha o modo próprio dos homens de cor de vivenciarem e darem
sentido aos seus sonhos de liberdade.136
Patrocínio pareceu reproduzir, em certa medida, esse modelo e essa simbologia
personalista acerca da abolição. Por mais que ele acreditasse no poder de mobilização do
escravo e, agora do liberto encarnado nas ações da Guarda Negra, em grande parte dos seus
discursos, vigorou a imagem de conciliação e harmonia social acerca do processo libertador,
responsabilizando, em última instância, as ações como sendo de Isabel. O próprio sentido que
dava a associação de negros parecia ambíguo. Ao mesmo tempo em que declarava o seu viés
político legítimo, igualando a associação a uma espécie de partido, cujo fim principal seria
demonstrar o poder de decisão dos homens de cor na esfera pública, afirmava que a união dos
libertos era fruto de uma atitude de agradecimento frente às ações da Princesa Regente: “os

135
SCHWARCZ, Lília. Dos males da dádiva: sobre as ambiguidades no processo da Abolição brasileira. In:
GOMES, F. S. e CUNHA, O. M. G. (Org.), Op. Cit., pp. 23-54.
136
DAIBERT, Robert Jr. Op. Cit., p. 225.
63
ex-escravos consideram-se pagos de toda uma vida de dor e de humilhação com a simples
liberdade”137. Esse agradecimento viria em forma de auxílio e sustentáculo do governo contra
as ações dos republicanos. Patrocínio ainda fazia questão de declarar que as condutas da
Guarda Negra eram todas amparadas pela legalidade e pela manutenção da ordem, nunca
baseadas em violências. Como leais “soldados” que eram, agiam sempre de forma pacífica.138
O apoio de Patrocínio à Guarda Negra e à Princesa Regente, amparado na ideia de
participação e mobilização popular na vida pública, explica algumas de suas dissidências
frente a outros jornalistas abolicionistas como Rui Barbosa. Rui, assim como boa parte da
imprensa contrária à Guarda Negra, acionava percepções sobre a imaturidade política dos ex-
escravos e seu despreparo para a vida cidadã. Também não é tarefa fácil determinar a filiação
política de Rui Barbosa no imediato pós-abolição. Até então identificado como monarquista
liberal, nos anos finais do Império Rui se aproximava cada vez mais da bandeira republicana e
de suas propostas de governo. Para Christian Linch139, as concepções de Rui Barbosa devem
ser compreendidas a partir de sua filiação à tradição política anglo-americana, onde a moral e
o direito precedem a própria política e onde o individualismo e a livre iniciativa são os
grandes postulados. Rui acreditava no aperfeiçoamento da população via conhecimento e
acreditava ser a lei o limite da soberania popular.
No âmbito das discussões sobre abolição, apesar de ter aderido à causa da liberdade,
para Linch, esta não era uma frente que o apaixonasse verdadeiramente. Tanto que no pós-
abolição ele acabou por relegar a agenda das transformações sociais ao segundo plano,

137
Cidade do Rio, 13 mai. 1889, p. 01.
138
André Rebouças também se insere nos acontecimentos a respeito da mobilização dos libertos em torno da
Guarda Negra, o que fica evidente através dos escritos no seu diário. O abolicionista monarquista, no dia 1º de
janeiro de 1889 menciona um encontro com o suposto organizador da associação de negros, Manuel Maria de
Beaurepaire Pinto Peixoto, para aconselhá-lo a manter os protestos de forma pacífica e dentro da legalidade, sem
perturbação da ordem. Interessante notar que o encontro se deu em data imediatamente posterior ao maior
conflito urbano que a Guarda Negra já havia se evolvido. Essa reunião teria ocorrido na sede do jornal Cidade do
Rio, na Rua do Ouvidor. Rebouças aproveitava ainda, para requerer ao suposto organizador da Guarda Negra o
empenho na criação de mecanismos de construção de clubs e associações que tivessem como finalidade a
promoção de educação e instrução da raça negra. Cf. SANTOS, Cláudia Regina Andrade dos. Op. Cit., p. 353.
Sobre André Rebouças ver: PESSANHA, Andréa Santos. Op. Cit.; REBOUÇAS, André. Diário 1888 e 1889.
Manuscrito. Arquivo Histórico do IHGB. Aparecem várias referências a Manuel Maria de Beaurepaire Pinto
Peixoto no Almanak Laemmert nos anos de 1891 a 1898. Ao que tudo indica ao longo desse tempo morou na
Rua das Laranjeiras, n° 65. Foi um militar, que chegou a patente de tenente, provavelmente formado em
Medicina. Ao lado do seu nome aparecem as seguintes referências: funcionário público, escriturário, solicitador,
capitão do estado maior, substituto da escola militar da capital do Rio de Janeiro, médico e tenente. Cf. Almanak
Laemmert: administrativo, mercantil e industrial do Rio de Janeiro, 1891-1898 Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=313394&pagfis=16651&url=http://memoria.bn.
br/docreader
139
LYNCH, Christian Edward Cyril. A utopia democrática: Rui Barbosa entre o Império e a República.
Disponível em:
http://www.academia.edu/12894679/A_utopia_democr%C3%A1tica_Rui_Barbosa_entre_o_Imp%C3%A9rio_e
_a_Rep%C3%BAblica. Acesso em: 11 jan. 2018.
64
retomando as propostas de reformulação da política. Acreditava em uma espécie de
“democracia racional” contra uma “democracia selvagem” e, por isso, presumia caber ao
liberto elevar sua moralidade e consciência a fim de poder participar das decisões cidadãs.
Suas percepções sobre a Guarda Negra muito nos informam sobre a sua visão abolicionista e
o que ele entendia como os limites da cidadania para o liberto. Assumindo constantemente o
discurso que excluía os ex-escravos dos arautos da política e dos espaços públicos140, Rui
Barbosa atestava seu despreparo moral e civilizacional, adquirido em virtude do passado de
cativeiro. Por isso, a liberdade deveria vir seguida da instrução e somente a partir daí a
condição de cidadania estaria completa: “mais necessárias são escolas de que eles tanto
carecem. A instrução os levará para o bom caminho e eles tornar-se-ão dignos da pátria.
Depois da liberdade a instrução e depois desta a liberdade de pensamento”. 141
Reiterando o seu posicionamento político, que relacionava a capacidade de
participação na vida pública ao grau de instrução dos indivíduos, Rui, obviamente,
interpretava a Guarda Negra como um movimento desorganizado, sem sentido político
próprio e típico daqueles ex-escravos barbarizados e incivilizados em decorrência do seu
passado de negação de direitos civis. Era um movimento violento e sanguinário, que
incentivava a guerra de raças no Brasil e que nascia do intuito de defender a princesa regente
contra o republicanismo. Para Rui Barbosa, o próprio argumento inicial para a formação da
organização de libertos não possuía sentido, já que em sua opinião não havia do que proteger
a Regente. Nenhum republicano vinha agindo de forma violenta e todos sustentavam suas
ideias dentro da legalidade. A propaganda republicana não passava de uma “agitação
constitucional”, já que não ultrapassava “o terreno da moral da persuasão pela tribuna”, era,
portanto, ao mesmo tempo pacífica e moralizadora. Em contrapartida, Rui Barbosa acusava a
Guarda Negra de rebater de forma sanguinária um adversário que apenas se utilizava da sua fé
na palavra. Rui resumia a luta travada em torno da Guarda Negra de maneira elucidativa: era
na realidade um conflito entre “o proselitismo inerte da inteligência” e “a reação da massa, do
número, da força, da cegueira armada”. 142
A verdade é que as percepções de Rui Barbosa, por vezes nos parecem ambíguas.
Recusava-se a compreender a abolição como um grande feito da Coroa e asseverava que a

140
Vale lembrar que Rui Barbosa defendeu a reforma eleitoral que alijou os analfabetos do poder de voto. “(...) a
soberania da consciência, a soberania do discernimento (...), vale, seja como for, um pouco mais que a soberania
analfabeta, a soberania néscia do inconsciente”. Cf. Anais da Câmara dos Deputados, 10 de julho de 1879. Apud.
LYNCH, Christian Edward Cyril. Op. Cit., p.10.
141
Diário de Notícias. 13 mai. 1889, p. 02.
142
Diário de Notícias, 20 abr. 1889, p. 01.
65
liberdade tinha vindo como resultado das campanhas abolicionistas propagadas pela imprensa
que alimentaram as vontades populares e pressionaram o governo. A lei do 13 de maio,
portanto, tinha sido uma conquista de toda a nação e não das instituições, era um triunfo da
moral humana e, por isso, os libertos não teriam “motivos para humilhar a sua gratidão até o
nível da esmola recebida na indigência da invalides”143. Rui deixava clara sua visão e expunha
que “o escravo teve um papel autonômico na crise terminativa da escravidão”. Obviamente,
para Rui Barbosa, a propaganda abolicionista feita pela impressa foi o que possibilitou ao
144
liberto abrir “os olhos ao senso íntimo da iniquidade que o vitimava”. Mas, a partir dali,
ele (ex-escravo) passou a constituir “o fator dominante na obra da redenção de si mesmo”. 145
Ainda em suas palavras, teria sido “o não quero dos escravos” o que feriu definitivamente a
instituição degradante da escravidão. Interessante notar que Rui Barbosa, assim como grande
parte da imprensa republicana que atacava as ações da Guarda Negra, partia da ideia de que a
abolição não teria sido uma dádiva da Princesa e da Monarquia e, a partir dessa presunção,
acionava noções que valorizam o papel da opinião pública, incluindo a do escravo, como
cruciais para a vitória do movimento libertador. Todavia, passada a abolição, outorgava ao
negro liberto a completa imaturidade para as decisões políticas e um papel secundário na
conduta de suas próprias decisões de vida.
Dentro dessa perspectiva de manipulação do ex-escravo, a imprensa de viés
republicano acusava com frequência José do Patrocínio de ser o chefe geral da associação de
negros e insuflar-lhes os ódios políticos contra a República e raciais contra a gente branca. A
Gazeta da Tarde, por exemplo, ironizava com a trajetória de vida de Patrocínio a frente do
jornal Cidade do Rio e atestava a manipulação cruel que o abolicionista negro vinha fazendo
com os ignorantes e infelizes libertos. “Entristeço-me porque vejo que no instante em que a
vontade popular os nivelou com os demais homens, dando-lhes todos os direitos (...), eles,
146
inconscientes destes mesmos direitos, deixam-se explorar de novo (...)”. Patrocínio era o
homem especialmente escolhido para levar a termo a obra de “guia dos inconscientes”,
transformando o ex-escravo em seu modo de ganhar a vida e a Guarda Negra em sua força
política.
Atitudes como esta, que asseguravam a incapacidade política aos negros libertos e sua
tendência à manipulação, foram comuns na maior parte da imprensa que dissertava sobre a
Guarda Negra. O periódico, também de orientação republicana, O Paiz, no dia 5 de janeiro de
143
Diário de Notícias. 13 mai. 1889, p. 01.
144
Idem.
145
Idem.
146
Gazeta da Tarde, 04 jan. 1889, p.01.
66
1889, ao relatar os motivos dos confrontos ocorridos no final do ano anterior, traria um
depoimento que demonstrava a sua visão acerca da participação dos ex-escravos à frente da
organização de negros:

(...) todos se revoltaram contra esta força organizada na sombra e na sombra


armada contra a sociedade – a guarda negra; todos sentiam um
confrangimento indescritível ao ver surgir na arena de combate os homens
que a revolução popular libertara a 13 de maio! 147

Como analisado por Flávio Gomes148, o constrangimento relatado no texto fazia parte
da incompreensão dos motivos que levavam libertos a agirem em prol da Monarquia brasileira
e a assumirem posicionamentos políticos em manifestações populares. A ideia de ingratidão e
certa decepção em relação às atitudes dos libertos, nesse contexto, nos mostra que para alguns
indivíduos o ex-escravo ainda não estava preparado para ingressar na completa cidadania.
149
Pelo contrário, tratava-se de uma “turba inconsciente açulada por quem foi abolicionista”.
As noções de manipulação política, possibilitadas pela suposta letargia do negro, foram
recursos retóricos frequentemente utilizados para atacar o governo imperial e a imprensa que
escrevia em defesa das ações da Guarda Negra, com destaque para o abolicionista José do
Patrocínio.
Rui Barbosa, como vimos, não escapou dessa percepção acerca dos limites das
capacidades sócio-políticas dos libertos. Assim, em consonância com a maior parte da
imprensa republicana, ele acusou o Ministério João Alfredo e José do Patrocínio de dar voz a
Guarda Negra e fomentar os crimes por ela cometidos. Aliás, responsabilizava o governo
imperial, de maneira geral, de financiar o grupo de negros para sua própria sustentação e a
polícia, em particular, de agir com cumplicidade e colaboração. Tudo isso formava a receita
completa para o estreitamento das fileiras monarquistas e o engrandecimento do partido
republicano.

Essa invenção teve o seu berço na polícia, recebeu o enxoval do Tesouro, a


benção do presidente do conselho e a santificação batismal da regência.
Nasceu adulta do mal e sequiosa de sangue (...). A cumplicidade policial
assegura-lhe por toda a parte, a mais absoluta impunidade. Que iremos dizer
147
O Paiz, 05 jan. 1889, p. 02. Apud. GOMES, Flávio dos Santos. ‘No meio das águas turvas’: raça, cidadania e
mobilização política na cidade do Rio de Janeiro – 1888-1889. In: GOMES, Flávio e DOMINGUES, Petrônio.
Experiências da emancipação: biografias, instituições e movimentos sociais no pós-abolição (19890-1980). São
Paulo: Selo Negro, 2011, p. 23.
148
Idem.
149
O Paiz, 05 jan. 1889, p. 02.
67
de um governo que organiza guardas pretorianas contra as instituições
liberais e entrega os direitos populares à escopeta do bandido? Não será
afugentar para a república todos os espíritos liberais e todos os
conservadores esclarecidos, aliando o trono à mazorca?” 150

Enquanto alguns abolicionistas como José do Patrocínio entediam as ações da Guarda


Negra como uma resposta à propaganda republicana, que se aliava aos antigos escravistas,
Rui Barbosa interpretava esse fato através de uma perspectiva contrária. Para ele, as fileiras
do republicanismo haviam crescido como consequência óbvia das ações do governo em
relação à Guarda Negra. O culpado pelo crescimento do movimento republicano era, em
última instância, a própria Princesa Regente e sua máquina governamental que “promovendo
a guerra de raças, inventando a Guarda Negra, acorçoando-a a trucidação dos ex-senhores e
atordoando as veleidades democráticas da lavoura com a prenunciada anistia aos assassinos
dos fazendeiros”151, não deixava escolha a esses homens a não ser se virarem contra a
Monarquia no Brasil. Embora Rui Barbosa se julgasse monarquista liberal quando do
processo de abolição, agora alegava que o federalismo se faria com ou sem a coroa. Essas e
outras atitudes demonstram que, na realidade, o jornalista se afastava cada vez mais dos ideais
monárquicos, pois desacreditava do seu poder de empreender as reformas políticas
necessárias, principalmente o federalismo.
Suas atitudes, por vezes dúbias, não passaram despercebidas por José do Patrocínio
que, em artigo publicado no dia 29 de abril de 1889, o denominou de “camaleão doido”. O
apelido foi escolhido em virtude do posicionamento adotado por Rui Barbosa frente à decisão
tomada pelo imperador de perdoar os escravos que haviam sido condenados pela lei de 10 de
152
junho de 1835. Nessa querela, Rui havia se colocado contrário a tal decisão e, por isso,
Patrocínio o atacava: “Agora, porém, o nosso antigo companheiro de lutas perdeu de todo o
juízo e nos faz o efeito de um camaleão doido, que saísse a dar rabanadas à esquerda e à
direita”. 153 Para Rui Barbosa, no entanto, ficava cada vez mais clara a sua percepção de que a
Monarquia havia se esgotado enquanto modelo político, principalmente no que diz respeito a

150
Diário de Notícias, 20 abr. 1889, p. 01.
151
Diário de Notícias, 04. Mai. 1889, p. 01.
152
A Lei nº 4, de 10/06/1835, no seu artigo 1° dizia: “Serão punidos com a pena de morte os escravos ou
escravas, que matarem por qualquer maneira que seja, propinarem veneno, ferirem gravemente ou fizerem outra
qualquer grave ofensa física a seu senhor, a sua mulher, a descendentes ou ascendentes, que em sua companhia
morarem, a administrador, feitor e ás suas mulheres, que com eles viverem”. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM4.htm. Acesso em 05 de jan. 2018.
A respeito desta lei Cf. PIROLA, Ricardo Figueiredo. A lei de 10 de junho de 1835: justiça, escravidão e pena
de morte. Tese (Doutorado em História). Campinas: UNICAMP, 2012.
http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/280892/1/Pirola_RicardoFigueiredo_D.pdf
153
Cidade do Rio, 29 abr. 1889, p. 01.
68
sua eficiência de elevar o Brasil a um padrão de democracia moderna. Em junho de 1889,
mesmo após a queda do gabinete conservador e a ascensão do liberal, quando foi convidado a
assumir o ministério, declinou e passou a criticar veementemente as ações do novo gabinete
nas páginas do seu jornal. Seus artigos pareciam definitivamente flertar com as iniciativas
republicanas e, quando o feito finalmente ocorreu, em 15 de novembro de 1889, Rui “aceitou
154
a República como um fato consumado”. Não cabe aqui narrar a história da decepção
republicana de Rui Barbosa. Por hora, basta explicar que a sua crença no poder da educação,
justiça e moralidade não foram suficientes para impedir a formação de um regime político
marcado pelo autoritarismo e pelo conservadorismo oligárquico. Seu desencanto com a
República obviamente não tardou a acontecer e ele se tornou um intenso crítico, tanto do
modelo jacobino florianista, quanto do modelo positivista. A República ideal para Rui deveria
se manter no espaço entre o radicalismo e o despotismo. Ou seja, de visão moderada, Rui, a
um só tempo, era contrário à “selvageria anárquica” e a inconstitucionalidade do autoritarismo
dos governos. Foi nesse momento que retomou a tentativa de refazer suas alianças com
antigos monarquistas e republicanos abolicionistas e se afastou de alguns companheiros de
longa data como Quintino Bocaiuva e Aristides Lobo, que demonstravam apoio a Floriano
Peixoto.
Retomando as nossas polêmicas sobre a Guarda Negra, o fato é que a maior parte dos
republicanos se viu atacada diretamente pelo governo imperial, visto como o grande
financiador e provedor da corporação, o que para alguns era motivo de vergonha nacional,
afinal “o que se dirá aqui e no estrangeiro de uma instituição que confia a sua guarda ao
155
capoeira sanguinário e ao garoto assalariado?”. A ideia de que a corporação de negros
poderia ser manipulada pelo governo não era de todo desligada da realidade. Uma prática
social já antiga alimentava esse tipo de percepção. Foi comum, durante todo o Segundo
Reinado, arregimentar capoeiras para servir como “capangas” de determinados indivíduos da
elite política imperial, principalmente ligados ao Partido Conservador, durante o processo
eleitoral para a Câmara dos Deputados. Quem nos informa a esse respeito é o historiador

154
“Não conspirei para a República. Tive a sua revelação nas vésperas, quando ela estava feita. O mal da sua
origem militar podia ser consideravelmente modificado pelo espírito civil de seu primeiro governo. Eis porque
aceitei, com muita resistência, a parte, que nele me coube” (BARBOSA, Rui. Cartas de Inglaterra. São Paulo:
Iracema, 1966. T.2, p. 170. Apud. LYNCH, Christian Edward Cyril. Op. Cit., p. 14).
155
O Paiz, 05 jan. 1889, p. 02.
69
Carlos Eugênio Libano Soares156, que afirma ainda que esse fenômeno não era restrito a
cidade do Rio de Janeiro e não se limitava a ideia simples de “capangagem” e manipulação.157
Façamos nova digressão para entendermos rapidamente essa questão. Segundo o
historiador, foi nos primeiros meses da década de 1870 que a Corte assistiu ao crescimento
das maltas de capoeira como um problema maior. Tal fato aconteceu em decorrência do fim
da Guerra do Paraguai que acabou por recrutar um grande número de capoeiras para lutar nas
batalhas ao sul do país. Terminada a guerra, esses indivíduos marcaram sua presença nas ruas
da cidade, entrando em constantes conflitos, inclusive com policiais. Ainda no ano de 1871,
Carlos Eugênio registra a fala do chefe de polícia da Corte que confirmava a ligação dos
capoeiras com algumas autoridades locais. Este, ao relatar a dificuldade de enquadrar a
capoeiragem como crime, tendo em vista que não estava previsto no Código Criminal da
época, afirmava:

É, pois evidente a dificuldade que encontra a autoridade de proceder contra


eles [capoeiras] principalmente por não poderem ser, em generalidade,
considerados como vagabundos, por serem Guardas Nacionais, praças
escusas, ou reformadas do Exército e Armada, artífices dos arsenais de
Marinha e Guerra, e nesta qualidade reclamados pelos respectivos
comandantes. 158

No entendimento de Carlos Eugênio, teria sido a eleição para deputados de 1872 o que
marcaria o surgimento das maltas de capoeira na vida política do Rio de Janeiro de maneira
definitiva. Data desse momento o surgimento da “Flor da gente”, malta de capoeira que
atuava na Freguesia da Glória e que ficou conhecida por sua marca de violência política a
serviço dos conservadores. Desde essa época, as críticas da imprensa liberal já recorriam à
ideia que o grupo de navalhistas teria sido inventado pelo Gabinete do Visconde de Rio
Branco para servir ao Partido Conservador e representava uma perturbadora desestabilização
da ordem. Para Carlos Eugênio, a entrada dos capoeiras na vida política eleitoral possuía
sentidos e significados mais profundos e indicava que a partir da participação na Guerra do

156
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. Negregada Instituição: os capoeiras no Rio de Janeiro (1850-1890).
Dissertação de Mestrado em História Social. Campinas, IFCH/ UNICAMP, 1993. Conferir, sobretudo, o capítulo
V: “Da Flor da Gente a Guarda-negra: os capoeiras na política imperial”, pp. 260-340.
157
A respeito da Capoeira conferir também os trabalhos de Luiz Sérgio Dias - “Capoeira, Morte e Vida no Rio
de Janeiro”. DIAS, Luiz Sérgio. Capoeira, morte e vida no Rio de Janeiro. In Revista do Brasil, Anoº, Nº 4, Rio
de Janeiro, Rioarte, 1985, pp. 106-116; DIAS, Luiz Sérgio. Quem tem medo de capoeira. Rio de Janeiro, 1890-
1904. Rio de Janeiro: Sec. Municipal de Culturas, 2001.
158
RCPC, in Brasil – Ministério dos Negócios da Justiça. Relatório Apresentado à Assembleia Geral Legislativa,
1871. Apud. SOARES, Carlos Eugênio Líbano. Op. Cit.,p. 273-274.
70
Paraguai a população de cor livre adquiria uma nova consciência das suas possibilidades de
atuação na esfera pública.
O dia 27 de fevereiro do ano de 1873 viraria um ponto de inflexão dessa nova
realidade caracterizada pela participação popular e negra em manifestações urbanas, que se
diferia da intimidação nas épocas de eleição. Nesse ano ocorreu um confronto entre capoeiras
e adeptos do republicanismo na sede do jornal A República, aos moldes do que se verificaria
anos depois sob a marca da Guarda Negra. Esse fato, de acordo com Carlos Eugênio,
assinalaria um novo padrão político – que não se limitava à conjuntura eleitoral –, marcado
pelo conflito entre capoeiras e republicanos, geralmente em festejos, reuniões públicas,
conferências e meetings até o final da Monarquia no Brasil.
A semelhança entre as formas de atuação dos capoeiras e da Guarda Negra também
não passou despercebida pela imprensa da época, que por vezes acionava a memória das
maltas para deslegitimar o novo grupo que se formava. Para a Gazeta de Notícia, não havia
uma só pessoa que logo não tivesse percebido que “a Guarda Negra tinha desempenhado
desta vez [30 de dezembro de 1888] o mesmo papel de que, em ocasiões análogas, são aqui
encarregados os chamados capoeiras da polícia”. 159 A diferença estaria somente no nome. Em
artigo publicado pelo jornal paulista A Província de São Paulo, essa comparação também se
fez evidente. Ao dissertar sobre o suposto ataque sofrido pelo jornal O Paiz, no mesmo dia 30
de dezembro, Rangel Pestana asseverava que o culpado era “a bela instituição da Guarda
Negra, aquela mesma Flor da Gente que tem sido traço característico da depravação e
decadência moral do governo do Brasil”. 160
A acusação dos republicanos acerca do consentimento da polícia e da frouxidão de
suas ações punitivas em relação à Guarda Negra partia da ideia de que as maltas de capoeira
haviam conseguido estabelecer relações de troca, amparadas por certa cumplicidade em
relação ao aparato policial. Esse tipo de denúncia era alicerçado a uma realidade social
também presente na vida política da Corte há algumas décadas. Mais uma vez, Carlos
Eugênio nos orienta sobre essa situação ao analisar a criação do Corpo de Secretas, que seria
uma espécie de polícia política clandestina composta por capoeiras e que atuava em serviços
ilegais para a corporação policial161. Portanto, a hipótese sustentada pelo autor para
compreender a organização da Guarda Negra parte da ideia de que a associação possuía raízes
mais profundas que podem ser buscadas nas origens das maltas de capoeiras e nos seus

159
Gazeta da Tarde. 24 jan. 1889, p. 03.
160
“D’a Província de São Paulo”, O Paiz. 04 jan. 1889, p. 01.
161
SOARES. Carlos Eugênio. Op. Cit.
71
padrões de atuação que remontam a década de 1870. Além disso, Carlos Eugênio pressupõe a
existência de dois modelos distintos de corporação. Um primeiro ancorado nas penas dos
literatos, principalmente José do Patrocínio, e que seria uma entidade política com suporte
institucional atuando dentro da legalidade e dialogando com outras associações da sociedade
civil. Ele representaria a atuação dos libertos a partir das aspirações da elite letrada. O
segundo modelo de Guarda Negra seria aquele organizado por João Alfredo e composto pelas
maltas de capoeiras, agindo em nome do Partido Conservador em uma clara associação com
as práticas políticas comuns há 20 anos na Corte, onde a “Flor da Gente” seria o principal
exemplo.
A associação entre os capoeiras e a Guarda Negra foi comumente utilizada pela
historiografia, que por vezes a limitou a essa característica. Apesar de concordarmos que
alguns capoeiras estiveram envolvidos nos embates entre republicanos e a Guarda Negra – o
que será apresentado de maneira mais detalhada no último capítulo da tese –, não
concordamos com esse duplo modelo para a associação, nem com o fato de que a Guarda foi
uma criação do ministério 10 de março. O fenômeno que a imprensa intitulou de Guarda
Negra não esteve restrito a política carioca e se fez sentir em outras localidades, tanto no
interior do Rio de Janeiro, como em demais partes do Brasil. Além disso, mesmo no âmbito
da Corte, suas ações se fizeram correntes inclusive após a queda do Ministério conservador de
João Alfredo, a exemplo dos conflitos de 14 de julho de 1889. Acreditamos que é preciso
encarar a Guarda Negra a partir de um olhar múltiplo e multifacetado, entendendo-a como
parte de um movimento social mais amplo e, por isso, com formas de ação pouco
padronizadas e dispersas. Ao encararmos as manifestações de negros nas ruas das cidades
como movimentos sociais, sejam eles através de associações como a Guarda Negra ou não,
precisamos entender que seus objetivos e posicionamentos se transformam ao longo do
processo político, conforme o jogo de forças e poder, já que movimentos sociais são fluídos,
heterogêneos, com alinhamentos e integrantes instáveis.162
Talvez a associação não fosse um grupo restrito e específico com seus integrantes pré-
determinados e inscritos em uma espécie de instituição ou partido político, como descreveu e
almejou Patrocínio. Ou talvez ela tenha sido muito mais do que isso. Quem sabe a Guarda
Negra nunca tenha existido aos moldes dos relatos de alguns setores da imprensa. Apesar da
referência a alguns de seus possíveis líderes, defendemos que o grupo se constituiu mais
fortemente pela elasticidade, e por disposições e maneiras de atuações espontâneas que

162
ALONSO, Ângela. Flores, votos e balas. Op. Cit.
72
escapavam a normatização e mesmo a tentativa de “domesticação” da intelectualidade que a
apoiava, incansável em docilizar suas ações. Não eram capangas do governo arregimentados
por João Alfredo, serviçais de Clarindo de Almeida, protetores da princesa regente, odiadores
da raça branca, capoeiras incontroláveis, retaliadores de ex-senhores de escravos. Ou, quem
sabe, podiam ser tudo isso ao mesmo tempo, dependendo da situação em pauta. Analisando a
Guarda Negra como um movimento social, suas fileiras poderiam ser marcadas pela pouca
rigidez e por estratégias de mobilização situacionais, que atuavam conforme as demandas em
questão. Suas ações demonstram que seus integrantes estavam inseridos no cotidiano,
fortemente polarizado, de disputas e tensões políticas que fizeram parte da sociedade
brasileira na crise final da Monarquia. Demonstra ainda que eles participavam da
circularidade de informações, anunciando e marcando sua presença nos comícios republicanos
ou nas sedes de jornais adversários. Suas possíveis conexões com a polícia ou com o partido
conservador apenas confirmam as relações de trocas e negociações que marcaram a atuação
desse amplo movimento.
Seja como for, sem dúvidas, a Guarda Negra representou uma forma de atuação
política marcada pelo uso dos espaços públicos, em especial da rua. Ainda que alguns nomes
da imprensa tenham chamado para si a liderança do grupo ou certo prestígio frente às suas
decisões, se colocando como porta vozes da corporação, notamos que a Guarda Negra agia
com autonomia em relação a esses indivíduos e escapava das supostas diretrizes que a elite
letrada acreditava dar ao movimento. Caso claro dessa contenta foram as manifestações de 14
de julho, quando Patrocínio acabou rompendo com a associação, acusando-a de cometer
violência indiscriminada e sem sentido, apelando para uma tentativa frustrada de fazer cessar
as manifestações do grupo. A falta de documentação oficial sobre a institucionalização da
Guarda Negra limita a nossa compreensão sobre a organização interna da corporação, apesar
de algumas pistas terem sido difundidas pela imprensa. No entanto, não nos afasta da
percepção de que a cultura política brasileira estava se transformando no final do século XIX
e alargando seus espaços de atuação, inclusive para o negro recém-liberto.
Analisar as culturas políticas na passagem do século XIX para o século XX significa
tratar das transformações sociais inauguradas pelo processo de abolição da escravidão e das
tensões que se relacionam ao crescimento do movimento republicano, uma vez que tais
acontecimentos modificaram o cenário político e introduziram novas formas de lidar com o

73
conceito de modernidade. Antônio Edmilson Martins Rodrigues163 nos chama a atenção para a
necessidade de analisarmos a cultura política do final do século XIX como sendo cosmopolita
e que, de maneira geral, procurava compreender a formação de um povo brasileiro em meios
às noções de progresso. Da mesma forma, aponta para o desenvolvimento das cidades e para o
crescimento de uma cultura política popular envolvida com o cotidiano das experiências
urbanas. Em suma, propõe um estudo dos cenários políticos, que ultrapasse o âmbito
institucional e suas definições, a favor da observação das novas experiências civis que
culminaram com o surgimento de uma cultura política moderna e crítica. Importante destacar
que utilizamos a definição de culturas políticas como complexos sistemas de representações,
rivais entre si, constituintes das identidades de grupos dentro da sociedade, que extrapolam,
164
no entanto, a noção reducionista de partido político. Esses sistemas de representações
permitem tornar mais inteligíveis os comportamentos políticos dos atores sociais.
De volta às contendas relativas à Guarda Negra, sem dúvida podemos perceber que,
associá-la às maltas de capoeira era um mecanismo para deslegitimar a corporação e
demonstrar que o governo imperial e a polícia agiam como cumplices da violência urbana que
estava deflagrada, o que em última instância era uma manobra para atingir a própria
instituição monárquica. Para o jornal republicano Novidades, a Guarda Negra não passava de
uma associação clandestina, de fins secretos e que representava um corpo armado fora da lei.
165
Sobre ela haveria um plano do Conde d’Eu para a garantia do Terceiro Reinado. Ele estaria
responsável por enviar as forças do exército brasileiro para “terras longínquas” enquanto aqui
na Corte se arregimentaria a Guarda Negra entre a polícia, deixando os cidadãos do Rio de
Janeiro em estado de completo abandono e desespero. Na realidade, o jornal se referia ao
envio de parte do contingente do exército brasileiro para o Mato Grosso, designado para servir
na fronteira sul do Império às ordens do general Deodoro da Fonseca. Nessa contenda, nem o
militar escapou de uma possível ligação com a Guarda Negra e acabou sendo acusado de ser
cumplice de suas ações.
Ainda de acordo com o jornal Novidades, os interesses do governo com as
manifestações da Guarda Negra eram mais obscuros do que se pensava. Tratava-se de uma

163
RODRIGUES, Antônio Edmilson Martins. Cultura política na passagem brasileira do século XIX ao século
XX. In: LESSA, Mônica Leite e Fonseca, Silvia C. P. de Brito. Entre a Monarquia e a república: imprensa,
pensamento político e historiografia (1822-1889). Rio de Janeiro: EDUREJ, 2008.
164
Para definições do conceito de cultura política de Serge Bernstein cf. BERSTEIN, Serge. A cultura política.
In: RIOUX, Jean-Pierre & SIRINELLI, Jean-François. Para uma história cultural. Lisboa: Editorial Estampa,
1998 e BERSTEIN, Serge. Culturas Políticas e Historiografia. In: AZEVEDO, Cecília et al. Cultura política,
memória e historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009. Cf. também MOTTA, Rodrigo Patto Sá (org.). Culturas
Políticas na História: novos estudos. Belo. Horizonte: Argumentum, 2009.
165
Novidades, 14 dez. 1888, p.01.
74
iniciativa deliberada do Ministro Ferreira Viana de fomentar os distúrbios urbanos e promover
a discórdia, com a finalidade de proibir as reuniões e os comícios republicanos de maneira
definitiva e debilitar o movimento. Mas, a causa republicana não se enfraqueceria dessa
maneira, pelo contrário, a Monarquia era quem cavava sua própria derrota. Para o jornal, de
passado escravocrata, “o fim da instituição monárquica já estava anunciado a partir do
momento em que a princesa regente havia ferido as classes conservadoras com o modelo de
abolição posto em prática, e preferido a dedicação e a aliança da Guarda Negra à das classes
166
produtoras”. Aí estava o motivo do real ressentimento com o governo imperial: ter ido de
encontro aos interesses da elite agrária para agradar as classes populares e abolicionistas
reformistas. Esse posicionamento feria o ordenamento e a lógica de funcionamento da
sociedade. Rompia um modelo de hierarquia e status quo que prevalecia até então e escondia
um profundo preconceito acerca da origem racial dos libertos.
Foi essa a ideia transmitida por outro artigo, dessa vez publicado na Gazeta da Tarde,
em 28 de setembro de 1888. Em suas páginas emanava as palavras de Aristides Lobo 167
acerca da proximidade do governo imperial com a Guarda Negra. Segundo o autor, não era
surpresa ver que o ministério estava congratulando a existência de tal associação, pelo
contrário, sua atitude era prevista e necessária em decorrência de sua decadência política.
Afinal, as “singulares predileções” do trono já eram conhecidas. Tratava-se obviamente de
168
uma referência a aproximação com a “raça boçal que a escravidão aviltara”. Se o governo
monárquico já demonstrava “o seu imbecil retrocesso” e envergonhava a nação “pela
contiguidade com a barbaria africana”, feita a abolição ele foi capaz de piorar as coisas: “Em
vez de elevar essa raça que se levanta dos linhos da escravidão, desce até ela, confunde-se
com os seus instintos, irmana-se com a sua rudez, explora a sua ignorância e o seu
abatimento”.169
Se, como vimos anteriormente, o Cidade do Rio foi o principal órgão da imprensa
carioca a defender as ações da Guarda Negra, ele com certeza não foi o único. Podemos citar

166
Novidades, 03 jan. 1889, p. 01.
167
Aristides da Silveira Lobo nasceu em Mamanguape (Paraíba) em 1838. Formado em Direito, filiou-se ao
Partido Liberal pelo qual foi eleito deputado pela província de Alagoas em 1864. Tornou-se republicano e foi
redator do jornal A República. Colaborou também com outros jornais como A Província de São Paulo e o Diário
Popular. Assim como Quintino Bocaiuva, participou de véspera da articulação do golpe militar que instaurou a
República no Brasil. É o autor da clássica frase a respeito desse processo “o povo assistiu aquilo bestializado,
atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada
militar”. No novo governo assumiu o cargo de deputado e depois senador. Faleceu em Minas Gerais em 1896.
http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/LOBO,%20Aristides.pdf
168
Gazeta da Tarde, 28 set. 1888, p. 02.
169
Idem.
75
como exemplo as publicações do jornal Constitucional – órgão do Partido Conservador170.
Obviamente de inclinação monarquista, seus noticiários geralmente atacavam os informes
republicanos e liberais que imputavam a criação da Guarda Negra à família imperial e em
especial à princesa Isabel. Foi o que verificamos no dia 21 de abril de 1889, quando o
periódico fez circular a ideia de que a corporação de negros seria um produto de suas próprias
escolhas e vontades: “a reação da massa popular, dos redimidos de ontem, contra os
republicanos que condenam a emancipação (...) e advogam a indenização dos proprietários, é
171
e será sempre um produto espontâneo da liberdade convertida em direito”. Sendo assim, a
formação da Guarda Negra, nada tinha a ver com um ato político de sustentação da
Monarquia por parte dos seus dirigentes, era, na verdade, um “instinto de conservação” do ex-
escravo para defender a sua conquista, qual seja, a liberdade. Nesse ponto, o artigo se dirigia
especificamente ao Diário de Notícias que tratava a Guarda Negra como uma espécie de seita
com fins secretos, ambiciosos e perniciosos. Para o Constitucional, todavia, a corporação
seria a “massa compacta da nação resistindo ao golpe da mão dos ambiciosos e protestando
pela permanência das instituições”, as únicas capazes de assegurar a unidade da liberdade. 172
O que o periódico trazia de novo, era a sua visão sobre o que seria, de fato, o grupo a
que todos denominavam Guarda Negra. Acusando a imprensa republicana de inventar
verdades com sua “fértil imaginação”, a folha afirmava que: “o que chamais Guarda Negra
nem é para nós uma organização (...). É o povo, é a raça redimida, é o direito de ser livre, é a
nação integrada, é a pátria orgulhosa da sua unidade soberana”.173 Pela primeira vez, notamos
a noção de que a Guarda Negra seria um movimento social e popular espontâneo de libertos,
sem teor institucional ou propostas de ação pré-definidas. Para comprovar sua teoria, o
editorial citava, por exemplo, as festas de comemoração pela abolição que teriam sido
organizadas naturalmente e livremente por diversos setores da população, sem que houvesse
algum plano calculado do governo por trás de tal fato.
No dia da comemoração pelo aniversário de um ano da lei de libertação, o
Constitucional publicava outra matéria com o mesmo tom acerca do que seria a Guarda
170
O Constitucional era um jornal claramente monarquista ligado ao Partido Conservador. Em sua primeira
publicação, datada de 15 de abril de 1889, já anunciava seus objetivos: “O Constitucional vem, portanto,
estabelecer o centro de união e de ação do partido conservador, e para esse centro convergirão naturalmente
todas as vistas e aspirações, no intuito de promover as reformas necessárias (...)” Cf. O Constitucional, 15 abr.
1889, p. 01. A sede do novo jornal ficava na Rua de São Francisco de Assis, n° 31. Ao tudo indica teve uma
duração de apenas 2 meses, saindo de circulação em final de junho de 1889. De acordo com notícia publicada no
Diário do Comércio, entre os redatores da nova folha constavam, José Avelino, o padre João Manuel, Passos
Miranda e Junqueira Ayres. Cf. Diário do Comércio. 17 abr. 1889, p. 02.
171
Constitucional – Órgão do Partido Conservador, 21 abr. 1889, p. 01.
172
Idem.
173
Idem.
76
Negra. Tratava-se de um editorial desmentindo várias acusações sobre o ministério de João
Alfredo e uma dessas querelas dizia respeito às agitações dos negros nas ruas do Rio de
Janeiro como parte de uma iniciativa da Princesa Regente. A esse respeito, novamente o
jornal expunha a sua visão: “A guarda negra é invenção da guarda branca de certos jornais,
posta em circulação para provocar desordens e conflitos, onde só reina um sentimento, de
ordinário plácido e ordeiro – a gratidão”174. Para o Constitucional, a Guarda Negra, aos
moldes em que vinha sendo tratada pela imprensa republicana e liberal, seria, portanto, uma
criação desses adversários do governo para promover o temor e a ojeriza aos homens de cor e
desqualificar a monarquia e o ministério 10 de março. Fruto de uma conspiração deliberada,
essa visão da Guarda Negra em nada representava a realidade, posto que os “libertos andam
por aí pacificamente, não se vingaram dos seus antigos senhores, hão de agora perder-se por
causa dos seus atuais detratores?”.175 A intenção desses “detratores” era, enfim, instigar o
medo pela imprensa, de modo a acionar a perseguição e a prisão dos homens de cor: “querem
leva-los às galés já que não podem mais atá-los ao tronco!”.176
Para combater esses “detratores” da Guarda Negra e da Monarquia, com certa
frequência acionava-se o discurso de valorização do trabalho de modo a afastar a ideia de que
os integrantes da associação seriam capoeiras arregimentados e postos a serviço do ministério
de João Alfredo, como assalariados do governo. Em defesa dos seus participantes, não raras
vezes circulavam notícias que confirmavam que os adeptos da dita corporação eram
indivíduos trabalhadores, morigerados e dignos de respeito, que tinham vindo do mundo da
escravidão, mas que permaneciam fiéis à ideia de trabalho. Imagem que buscava tranquilizar a
população a respeito de suas intenções e afastar a propaganda do medo insuflada pelos
republicanos que, a exemplo de Rui Barbosa, difundiam suas imagens como verdadeiros
vagabundos, desordeiros e subversivos da ordem.

Efetivamente há na corte um corpo de homens que juraram defender a


princesa custassem-lhe embora o sangue (...); essa sociedade defensiva não
foi, porém, criada pelo governo, mas sim pelo coração. É composta
exclusivamente de libertos – são os 13 de Maio organizados em exército que,
tomando a gratidão por estandarte, prestaram o juramento sagrado de pagar a
liberdade da raça com um ato de amor, dando uma prova ao mundo de que
sabem estimar, de que sabem reconhecer, de que sabem amar. A Guarda da
Regência não conta no seu número um assalariado – os homens, que a

174
Constitucional – Órgão do Partido Conservador, 13 mai. 1889, p. 01.
175
Idem.
176
Idem.
77
compõem não vieram da malta do Sr. Coelho Bastos, vieram do eito, vieram
do trabalho, vieram da escravidão (...). 177

Rompendo com o argumento de que os integrantes da Guarda Negra seriam compostos


por capoeiras contratados pelo governo, mas sem perder de vista o tom de simples gratulação
e retribuição que outorgava aos libertos, Patrocínio, através de seu periódico, corroborava o
poder de autonomia das suas ações. Através de um notável uso da retórica, o Cidade do Rio
atestava que os “novos cidadãos” possuíam os mesmos direitos de se expressar que qualquer
outro. No entanto, a bandeira republicana, “bastante larga para cobrir a carga de podridão do
escravismo”178, se baseava na percepção de que o liberto pela lei do 13 de maio “não tem
direito a opiniões políticas”.179 Sempre se utilizando da ironia e de uma escrita extremamente
enfática e crítica, o artigo prosseguia: “Outrora, como escravos, eles deviam seguir o libambo
do seu senhor; agora, esses abolicionistas são de opinião que, (...) eles não devem passar do
papel de gente dos seus ex-donos”. 180 Sua fala era contundente e mais uma vez acusava uma
vertente do movimento abolicionista, aquela que havia aderido ao Partido Republicano, de se
juntar a elite escravocrata e não dar voz às demandas dos libertos. Se estes se organizavam ao
redor da Guarda Negra, tal fato deveria ser encarado como um movimento político tão
legítimo como qualquer outro e não como fruto de uma ação governamental deliberada.
Sua explanação prosseguia tocando em um aspecto central: a organização de um
movimento popular e político de negros nas ruas do Rio de Janeiro parecia ferir uma
hierarquia social há muito consolidada e, por isso, o ex-senhor – ancorado pelas ideias
republicanas – repudiava e reprovava a Guarda Negra:

Acostumado a não ver no negro senão o instrumento da sua glória e do seu


bem estar, o degrau para a ascensão às posições; o ex-senhor de escravos
indignou-se ao sentir que o novo cidadão se empossava realmente do seu
direito de soberania, e atirava na balança da sociedade a sua opinião e a sua
vontade.181

Nesse trecho, lançava-se a ideia de que o verdadeiro desagrado das classes senhoriais
com a organização dos negros livres em uma instituição como a Guarda Negra era,
justamente, a tomada de espaços públicos de poder, antes restritos a uma elite política

177
Cidade do Rio, 31. Out. 1888, p. 01
178
Cidade do Rio, 19 mar. 1889, p. 01.
179
Idem.
180
Idem.
181
Idem.
78
majoritariamente branca. A participação de negros libertos em conflitos políticos de rua, ainda
que não traduzissem uma realidade inteiramente nova – tendo em vista que já havia intensa
participação de libertos e mesmo de escravos no movimento abolicionista dos grandes centros
urbanos – rompia os códigos de comportamentos políticos esperados para ex-escravos,
principalmente quando lutavam ao lado do regime que os havia escravizado. Assumindo uma
feição popular e negra, os movimentos de homens de cor transgrediam um estilo político já
muito enraizado e evidenciavam a participação do povo, agora igual perante a lei, nas cisões
sociais e políticas da época.182
Na Revista Ilustrada183 também notamos a argumentação do tipo republicano
abolicionista que denunciava os descaminhos do Partido Republicano e procurava combater o
escravismo indenizatório e dar sentido e apoio a Monarquia e ao Ministério de João Alfredo.
No dia 24 de novembro de 1888, por exemplo, um artigo denunciava o crescimento dos
manifestos pela República que “só prestavam ao fim de justificar e endeusar os ex-
proprietários de escravos”, que barganhavam e se vendiam por qualquer benefício: “(...) esses
tais republicanos da última hora aceitam tudo o que lhes derem. Dão-lhes dinheiro? Venha! Se
lhes tornarem a dar os escravos, eles tornarão outra vez a aceitá-los, declarando-se
184
monarquistas”. Em dezembro do mesmo ano, nova publicação atacava a “república do
despeito” e o “sarampo republicano”, argumentando a favor de que o crescimento das fileiras
do partido só poderia ser justificado pela adesão dos ex-senhores em decorrência da lei de
abolição da escravidão.

182
MACHADO, Maria Helena. O Plano e o Pânico: os movimentos sociais na década da Abolição. São Paulo:
EDUSP, 2010.
183
A Revista Ilustrada foi criada no Rio de Janeiro em 1876 pelo italiano Ângelo Agostini, que para muitos, foi
o mais importante artista gráfico do Segundo Reinado. Inicialmente, funcionava na Rua da Assembleia, n° 44,
transferindo-se em novembro de 1881 para a Rua Gonçalves Dias, nº 65 e, após 3 anos, para o n° 50 da mesma
rua. Fritz Harling, também conhecido como Frederico Harling, era quem administrava o jornal. Seu formato era
composto por 8 páginas, as quais contavam com ilustrações, textos e charges. Luís de Andrade, sob o
pseudônimo de “Júlio Verim” era o redator principal da Revista. Suas publicações tinham caráter noticioso e
político. De filiação abolicionista e republicana, a Revista, no entanto, apoiou o Ministério de João Alfredo e a
continuidade da Monarquia no Brasil, tendo em vista a entrada da elite escravista nas fileiras republicanas, até
abril de 1889, aproximadamente. Tempos antes, Ângelo Agostini já havia se afastado na Revista e se mudado
para a Europa. Retornando ao país em 1894, não participou mais da Revista. Pereira Neto, ingressou e assumiu a
edição e a parte artística em seu lugar. Em 1898 a Revista encerrou suas atividades.
http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/REVISTA%20ILUSTRADA.pdf. Sobre
Angelo Agostini cf. BALABAN, Marcelo. "Transição de cor": Raça e abolição nas estampas de negros de
Angelo Agostini na Revista Illustrada. Topoi (Rio J.). Rio de Janeiro, v. 16, n. 31, p. 418-441, Dec. 2015.
Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-
101X2015000200418&lng=en&nrm=iso>. access on 01 Feb. 2018. http://dx.doi.org/10.1590/2237-
101X016031003.
184
Revista Ilustrada, 24. Nov. 1888, p. 03-04.
79
O fato, por todos nós conhecido, é que antes de 13 de maio, o partido
republicano era uma agremiação microscópica, sem força para eleger,
sequer, um único deputado. (...) Perguntamos agora: como é que meses
depois, tendo-se abrandado todos os motivos de descontentamento, fazendo
o governo uma política adiantada e promulgando a liberdade dos escravos, o
partido republicano aumenta e agita-se como temos visto? (...) Essa
inundação vem das senzalas, vem das bastilhas escravistas, vem do ódio à lei
de 13 de maio, vem dos algozes de uma raça infeliz, vem de todos os
despeitados!185

Projetos e programas diversos guiaram os abolicionistas republicanos após a


instauração da liberdade. Apesar de ser um exagero afirmar que o partido republicano possuía
um número microscópico de correligionários antes de consumada a abolição, é verdade que
nos dois anos finais do Segundo Reinado ele ganhou um número significativo de adeptos, seja
nos meios acadêmicos, entre artistas, literatos ou nos círculos intelectuais de maneira geral.
Tornaram-se frequentes as conferências públicas e meetings políticos realizados, quase
sempre, em teatros, mas que se expandiam para as ruas e eram acompanhados por intensa
repressão policial. A aliança com a elite agrária também começou a ser denunciada de
maneira fervorosa por aqueles republicanos que possuíam um projeto abolicionista reformista
que acreditavam ter continuidade mesmo após a completa emancipação. Atuando em
confluência com o Cidade do Rio, a Revista Ilustrada contestava exatamente esse forte
crescimento das fileiras republicanas, particularmente a partir do dia 14 de maio, e concluía
acusando o partido de ter recorrido à alianças perigosas para a causa abolicionista.
É importante destacar que no que tange à Guarda Negra, a Revista Ilustrada quase
sempre apostou na coerência de suas atitudes, culpabilizando os republicanos pelos discursos
de ódio, mas reprovando as ações de violência que, supostamente, dela teriam partido.
Quando dos embates entre republicanos e a corporação referentes ao dia 30 de dezembro de
1888, a revista elaborou uma narrativa ponderada a respeito do grupo de negros, sem
demonstrar apoio ou rejeição completa, mas aproveitou as circunstâncias para reforçar suas
críticas aos direcionamentos do Partido Republicano. No artigo intitulado “Graves
Acontecimentos”, a ideia de cumprimento da ordem era acionada, com o objetivo de afastar
noções de violência de ambos os lados. Além dessa perspectiva, proclamava-se o direito à
liberdade de pensamento e de organização, aspecto que, de acordo com a revista, não parecia
estar sendo cumprido pelos republicanos: “o novo partido republicano tem sido o primeiro a
não nos atender, parecendo duvidar tanto do êxito de sua propaganda, que não escolhe meios,

185
Revista Ilustrada, 08. Dez. 1888, p. 02-03.
80
que fala a linguagem mais excitante, que açula as paixões e que pede cabeças como quem
186
pede croquetes!”. Assim, o periódico lamentava os fatos ocorridos, ratificando que essas
atitudes de agitação e desordem teriam partido dos republicanos, jamais dos abolicionistas,
garantindo desse modo a credibilidade e a legalidade da campanha libertadora: “quase todos
os abolicionistas se tem afastado dessas reuniões, aonde, em geral não se trata com a
deferência precisa, o glorioso movimento que libertou esta pátria”. 187 Notamos, portanto, que
apesar de a publicação não endossar às ações violentas por parte de nenhum dos lados e não
citar explicitamente a Guarda Negra, tenta de alguma forma salvaguardar o movimento
abolicionista, afastá-lo do ocorrido e reforçar e garantir seu mérito perante o ato de
libertação.188
Ainda no decorrer do ano de 1888, alguns acontecimentos contribuíram para
enfraquecer a unidade dos abolicionistas unidos em torno da causa monarquista, seja no
Cidade do Rio, na Confederação Abolicionista ou na Revista Ilustrada. Tendo em vista o
receio do crescimento do movimento republicano e a perda do apoio dos grandes proprietários
de terras, o Ministério 10 de março acabou por propor um projeto de lei de auxílios à lavoura.
189
Esse programa tinha por objetivo conceder uma série de empréstimos aos agricultores
como um mecanismo para assegurar a produtividade. Apesar de Patrocínio ter apresentado
argumentos a favor da medida ministerial, as críticas a João Alfredo por parte de seus antigos
defensores se tornaram iminentes. André Rebouças, por exemplo, registra em seu diário sua
visão contrária à proposta, acusando-a de ser uma “esmola aos Landlords”, o verdadeiro
abandono do Ministério com a causa dos libertos e da democracia rural. No dia 24 de julho de
1888, Rebouças escrevia: “depois dessa discussão com João Alfredo, nunca mais procurei
falar-lhe”190. Em seu diário, ao narrar tal acontecimento, ele acaba por expor que Joaquim
Nabuco, da mesma forma, possuía uma visão contrária à proposta indenizatória.

186
Revista Ilustrada, 05 jan. 1889, p. 07.
187
Idem.
188
O periódico se posicionou de maneira diferente em relação ao ataque, aparentemente empreendido também
pela Guarda Negra, à sede do jornal O Paiz, ocorrido no mesmo dia. Nessa ocasião a crítica foi contundente e a
Revista Ilustrada se mostrou solidária com seus parceiros de profissão, ainda que representantes de projetos
políticos e sociais distintos. Cf. Revista Ilustrada, 05 jan. 1889, p. 07.
189
Lido na sessão de 22 de junho de 1888 da Câmara dos Deputados, o projeto propunha a fundação de bancos,
em variados locais do Brasil, com o objetivo de emprestar aos grandes proprietários de terras e ex-donos de
escravos, com hipotecas das suas casas, meios de sustentar a lavoura e restabelecerem o equilíbrio da produção.
A respeito desses bancos de “auxílio” à lavoura Cf. LEVY, Maria Barbara. Legislação para o Encilhamento. In:
Idem. A Indústria do Rio de Janeiro através de suas sociedades anônimas. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ: Sec.
Mun. De Cultura do Rio de Janeiro, 994, pp. 113-176.
190
“Na Câmara dos Deputados com José do Patrocínio assistindo a apresentação pelo João Alfredo do
desgraçado Projeto de Lei de Auxílio à Lavoura, inspirado pelo Ramalho Ortigão e outros plutocratas desta
praça; assistindo o discurso de Joaquim Nabuco reprovando-o in limine; exprimindo ao Ministro Ferreira Vianna
e João Alfredo nossa oposição a essa esmola aos Landlords” (26 jun. 1888). “Na Câmara dos deputados com o
81
A Revista Ilustrada, representante do republicanismo abolicionista, mas até então
aliada com os programas do gabinete 10 de março, da mesma maneira declarava ter sido esse
o maior erro do Ministério, em uma tentativa desesperada de “fazer as pazes com o
escravismo”191. A partir de abril de 1889 as críticas a João Alfredo se avolumaram e, em
maio, a Revista Ilustrada anunciou seu afastamento definitivo com o programa monarquista:

Concordamos que o atual ministério tenha muitas culpas, e nós mesmos que
o sustentamos pelo amor da abolição, dele nos separamos porque não
correspondia a nosso ideal progressista, porque o víamos em conflito com a
vida nova e pujante de um povo libertado (...). Toda a nossa questão é de
reformas (...). 192

Em seguida o artigo demonstrava-se solidário com o programa político proposto por


Rui Barbosa: “reformas com ou sem a Coroa”, não fazendo questão de quem as concebesse.
Se o ministro João Alfredo não era capaz de empreender as mudanças necessárias, com
destaque para implementação do federalismo e da liberdade de culto religioso, era melhor que
193
deixasse o “lugar aos que podem reformar, favorecendo-nos assim com sua ausência”.
Apesar disso, o jornal ainda assumia um posicionamento contrário à dissolução do gabinete
conservador e à queda da Monarquia. Tal fato, todavia, não tardou a mudar. O fim do
ministério 10 de março e a ascensão do liberal Afonso Celso (visconde de Ouro Preto 194),
oficializada no dia 07 de junho de 1889, gerou indignação entre seus integrantes e marcou o
retorno definitivo do jornal a uma posição de enfrentamento direto perante a Monarquia. 195

amigo Joaquim Nabuco discutindo com o presidente do Conselho João Alfredo os seus auxílios al Landlordismo
e seu abandono dos Libertos e da Democracia Rural (...). Depois dessa discussão com João Alfredo, nunca mais
procurei falar-lhe”. REBOUÇAS, André. Diário 1888 e 1889. Manuscrito. Arquivo Histórico do IHGB. Apud.
SANTOS, Claudia Regina Andrade dos. Op. Cit., p. 356.
191
Revista Ilustrada, 8 jun. 1889. Apud. SANTOS, Claudia Regina Andrade dos. Op. Cit., p. 354.
192
Revista Ilustrada, 25 maio. 1889, p. 02.
193
Idem.
194
Afonso Celso de Assis Figueiredo (visconde de Ouro Preto) foi chamado para compor o novo ministério
liberal no dia 07 de junho de 1889. Afonso Celso de Assis Figueiredo (1837-1912) nasceu em Minas Gerais em
1837. Bacharel pela Faculdade de Direito de São Paulo, Assis Figueiredo foi deputado provincial e, depois,
deputado geral em várias legislaturas. Senador escolhido em 1879, foi também ministro da marinha em 1866, em
plena Guerra do Paraguai, e ministro da fazenda em 1878 no gabinete de Sinimbu. Assumiu a presidência do
Conselho de ministros e ministro da fazenda em 07/06/1889, o último gabinete imperial.
https://ihgb.org.br/perfil/userprofile/acdafigueiredo.html e http://www.cdpb.org.br/afonso_celso.pdf
195
Sobre a troca do ministério, assim publicou a Revista Ilustrada: “A hora a que escrevemos não se sabe ainda
qual é o ministério, mas consta que ele é fruto de um pacto de longa data, feito e jurado entre liberais
retrógrados. (...) O ministério que se anuncia é um verdadeiro salto das instituições na treva”. Cf. Revista
Ilustrada, 08 jun. 1889, p. 02. O editorial traz ainda um artigo intitulado “Ministério 10 de março”, através do
qual fazia um balanço pouco parcial dos aspectos positivos e negativos do governo de João Alfredo. Nele
verificamos uma valorização dos feitos do ministério que havia caído “diante de uma conjuração de ex-ministros
fatais ao país e de um Conselho de Estado irresponsável e usurpador das atribuições da representação nacional.
(...) Por nossa parte, cobrimos de flores, religiosamente, a campa do ministério que libertou uma raça e que fez
82
Um mês antes dessa publicação da Revista Ilustrada, que confirmava seu afastamento
com o ministério de João Alfredo, outros republicanos associados ao periódico de Patrocínio e
à Confederação Abolicionista romperam com a Monarquia e idealizaram um novo jornal, A
Rua196. Este foi o caso de Pardal Malet, Olavo Bilac, Raul Pompéia e Luiz Murat. O jornal
possuía sede na Rua do Carmo, número 45 e tinha como diretor-chefe Pardal Mallet197 e como
redatores os outros companheiros fundadores. Sua primeira publicação data de 18 de abril de
1889, tendo sido uma folha de duração curta, apenas 04 meses de vida. O periódico se
caracterizava pela simpatia com as ideias republicanas, incentivando a participação das
camadas populares para o alcance das transformações necessárias à sociedade. Indicava
também uma adesão ao socialismo, elucidando tal fato ainda no editorial de estreia, quando
Pardal Mallet discursava sobre o ato de emancipação nacional garantido pelo 13 de maio: “A
lei redentora constituiu-se em vitória socialista na luta hedionda do trabalho contra o
capital”.198

do Brasil, vilipendiado e escravo, uma pátria livre, em tudo digna da América”. Cf. Revista Ilustrada, 08 jun.
1889, p. 06. Para críticas a indicação de Afonso Celso à chefia do gabinete, ver também: Revista Ilustrada, 15
jun. 1889, p. 02.
196
A última aparição de Pardal Mallet no Cidade do Rio data de 13 de março de 1889. Em sua coluna “Coisas do
Dia”, na qual assinava sob o pseudônimo “Fulano de Tal”, Mallet afirmava que se mantinha firme aos seus
princípios e não se deixava “arrastar por entusiasmos de momento”, em uma clara referência a virada
monarquista de José do Patrocínio e seu apoio à Princesa e ao Ministério Conservador. Dois dias após essa
publicação, Patrocínio publicava que havia recebido um telegrama do antigo companheiro, nada amigável,
expressando os termos do afastamento: “Rompi em oposição”. Patrocínio encerrava este artigo fazendo uma
referência a um ditado árabe: “Deus me livre dos meus amigos, porque sei defender-me dos meus inimigos”. Cf.
José do Patrocínio, “Resposta”, Cidade do Rio, 15 de mar. 1889, p. 01. Apesar do rompimento, em 12 de abril de
1889, o Cidade do Rio anunciava a nova folha que se inaugurava: “Deve aparecer amanhã A Rua, revista
fluminense de que são redatores Pardal Mallet, Luiz Murat, Raul Pompéia e Olavo Bilac. A interessante revista,
que será o modelo das folhas desse gênero, está destinada a fazer sucesso extraordinário no nosso mundo
literário. A Rua não será exclusivamente literária: terá também seções políticas, científicas, etc. Será uma Rua
em que terão trânsito as modalidades do pensamento humano e que há devir muito além das expectativas,
passando triunfalmente pelas ruas da cidade, no meio da admiração pública”. Cidade do Rio, 12 abr. 1889, p.
0.1.
197
João Carlos de Medeiros Pardal Mallet, nasceu em 1864 no Rio Grande do Sul. Estudou Medicina no Rio de
Janeiro, mas acabou por abandonar o curso para formar-se em Direito pela Escola do Recife. A área em que se
destacou, no entanto foi o jornalismo, contribuindo para diversas folhas cariocas como a Gazeta da Tarde, o
Cidade do Rio e o Diário de Notícias. Alguns de seus pseudônimos eram: Armand de Saint Victor, Vítor Leal e
Souvarine. Participou fortemente das campanhas abolicionistas e dos movimentos republicanos. Em 1889
fundou seu próprio jornal, A Rua, juntamente com Luiz Murat, Raul Pompéia e Olavo Bilac e, posteriormente O
Meio, com Paula Nei e Coelho Neto. Em 1892 fundou novo periódico intitulado O Combate onde defendia suas
ideais socialistas e criticava o autoritarismo do governo de Floriano Peixoto. Por esse motivo acabou sendo
desterrado para Tabatinga (AM). Faleceu de tuberculose em Minas Gerais no ano de 1894.
http://www.academia.org.br/academicos/pardal-mallet/biografia
198
A Rua, 13 de abril de 1889. Apud. SILVA, Ana Carolina Feracin da. “Entre a pena e a espada: literatos e
jacobinos nos primeiros anos da República (1889-1895). Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento
de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. 2001, p. 72.
83
Assinando sobre o pseudônimo Souvarine, 199 Pardal Mallet acreditava no poder da lei
de libertação como um acontecimento que havia abalado as antigas formas de organização e
as estruturas da sociedade e da Monarquia no Brasil. A abolição, enquanto “cataclisma social”
seria capaz de levar a completa destruição do despotismo e da “nossa velha organização
200
econômica”, posto que inaugurasse no país um período revolucionário. Pardal Mallet não
via na abolição da escravidão uma dádiva da Princesa Isabel, pelo contrário, afirmava o poder
da campanha através da imprensa e assegurava o valor das ações práticas, por isso,
diferentemente de Patrocínio, não conclamava a Princesa Regente de “redentora”. Para Pardal
Mallet, o processo revolucionário, já iniciado, deveria ter continuidade com a participação do
povo. O fim do governo monárquico, acrescido pela instauração da República, aconteceria
como fruto de um ordenamento natural e acompanharia, por assim dizer, a obra de evolução e
progresso nacionais. 201
A sustentação dos ideários socialistas da nova folha partia da ideia de que o
proletariado brasileiro seria composto exatamente pelos libertos, já que diferentemente do que
ocorreu na Europa – que se encontrava na terceira fase de desenvolvimento capitalista (o que
Mallet denominava de estágio agrícola, mercantil e industrial) –, a nossa base produtiva havia
se desenvolvido no campo com a agricultura monocultora, a partir da mão de obra escrava.
Logo, o nosso proletariado só poderia emergir e participar da vida pública após o processo de
libertação. 202

A consequência lógica dessa sua atividade agrícola foi a formação exclusiva


do proletariado nos campos, desse proletariado que devia necessariamente
aparecer logo depois da abolição e cuja entrada agora na vida política do país
é capitulada em guerra de raça pela superficialidade observadora dos

199
Trata-se de uma referência a um intelectual russo revolucionário, personagem do romance Germinal de Èmile
Zola (1840-1902). Germinal é o título do sétimo volume da série “Os Rougon-Macquart – história natural e
social de uma família no Segundo Reinado”, desenvolvido entre os anos de 1871 e 1893. A publicação de
Germinal data de 1885 e descreve a história da luta de classes entre operários franceses das minas e seus patrões,
representantes da burguesia. Cf. ZOLA, Émile. São Paulo: Abril Editora, 1972. Apud. SILVA, Ana Carolina
Feracin da. Entre a pena e a espada. Op. Cit., p. 70.
200
A Rua, 13 de abril de 1889. Apud. SILVA, Ana Carolina Feracin da. Entre a pena e a espada. Op. Cit., p.72.
201
O projeto de nação de Pardal Mallet levava em conta o separatismo. Sendo assim, o desmembramento
territorial brasileiro seria um ato verdadeiramente revolucionário, já que o país seria incapaz de administrar toda
a sua extensão obedecendo aos princípios da equidade. A separação seria uma maneira de, posteriormente,
congregar todos os países vizinhos em uma grande aliança sul-americana. Tudo isso era exposto no seu lema:
“Dividir para unificar”. A Rua, 13 abr. 1889. Apud. SILVA, Ana Carolina Feracin da. Entre a pena e a espada
Op. Cit., p. 73 e 74.
202
Cf. BATALHA, Cláudio Henrique M. A Difusão do Marxismo e os socialistas brasileiros na virada do século
XIX. In: João Quartim de Moraes (org.) História do Marxismo no Brasil, Vol. II: Os Influxos Teóricos,
Campinas: Editora da Unicamp, 1995, pp. 11-44.
84
retóricos, mas que não tem culpa de trazer na epiderme essa cor negra triste
como seu fadário – o eterno luto dos seus amores e das suas aspirações.203

Nesse trecho fica clara a menção às agitações e mobilizações dos libertos que
adentravam novas esferas de poder e que a propaganda republicana atacava como sendo
baderneiros, agitadores e fomentadores do ódio de raça. Esse aspecto da retórica jornalística,
responsável por difundir fervorosamente a ideia de que um conflito racial entre negros e
brancos no Brasil era iminente, fez parte da estratégia de deslegitimação dos movimentos de
negros e da própria instituição monárquica no pós-abolição. Ele será analisado de maneira
mais precisa no próximo capítulo da tese. Por hora, basta ratificar que o jornal A Rua entendia
a superficialidade desse artifício retórico e o apontava como sendo um mecanismo para
afastar os libertos da vida política e cidadã do país. Pardal Mallet, ao contrário do que se
anunciava, não encarava os conflitos urbanos, incluindo obviamente a associação da Guarda
Negra, como constituídos por uma luta de raças, mas sim um conflito de classes. Nesse
sentido, os negros libertos, representantes do 4º Estado, não comungavam com os aspectos da
propaganda republicana encabeçada por “burgueses revolucionários que querem o poder”. 204
Apesar da descrença no programa de governo elaborado pelo trono, e de sua filiação
republicana autodeclarada, fica claro que o jornal A Rua continha severas críticas aos
principais líderes do republicanismo e seu partido político, como Quintino Bocaiuva, Silva
Jardim e Rui Barbosa205, da mesma maneira que denunciava às atuações dos chamados
“republicanos de 14 de maio”: “É nessa ameaça de conversão de última hora (...) que está o
206
perigo atual da causa democrática”. A incorporação dos grandes latifundiários a bandeira
da República representava um apego ao conservadorismo e às oligarquias e um programa
limitado de “meias reformas”, assim como um perigo ao avanço da democracia. À Guarda
Negra, em contrapartida, era atribuído um papel político respeitável e legítimo. Ela
representava o pavor das classes conservadoras, mas guardava “o segredo do porvir”:

A sua função histórica está de antemão traçada. Para congregá-la fazia-se


mister um nome e um sentimento, fossem quais fossem. Mas, reunida, não a
podem dissolver, porque não se moldou nas instituições pretorianas e
representa a reivindicação legítima dos trabalhadores. (...) aos gritos de –

203
A Rua, 27 abr. 1889. Apud. SANTOS, Claudia Regina Andrade dos. Op. Cit., p. 355.
204
A Rua. 27 abr. 1889. Apud. SILVA, Ana Carolina Feracin da. Entre a pena e a espada, p. 76.
205
Cf. A Rua, 04. Mai. 1889; A Rua, 27, abr. 1889, A Rua, 01 jun. 1889. Apud. SILVA, Ana Carolina Feracin da.
Op. Cit., p. 84-90.
206
A Rua, 15 jun. 1889. Apud. SANTOS, Claudia Regina Andrade dos. Op. Cit., p. 358.
85
viva a rainha! Eles [o proletariado brasileiro] vai perturbar as conferências
dos burgueses revolucionários que querem o poder.
Esse crime de lesa-revolução que parece estar perpetrando, é entretanto
natural e lógico, dimana de seus próprios interesses e demonstra que a
intuição das multidões vale mais do que a ciência dos doutores. Não sabendo
ler, ele não se deixa enganar pelas promessas do cartaz. Vê apenas que para
aquelas assembleias confluem os monopolizadores da terra, esses que ontem
o punham no tronco e lhe retalhavam as costas a chicote. E um raciocínio
instantâneo lhe diz que ali estando os seus exploradores do passado, ali estão
os seus exploradores de sempre. 207

A Guarda Negra, apesar de se manter fiel a Monarquia, era encarada de maneira


positiva, representando a emergência inédita da mobilização proletária brasileira, constituída
obviamente pelos ex-escravos. Ela possuía, portanto, uma espécie de “função histórica”
endereçada para o aniquilamento das instituições burguesas. Ao contrário daqueles que
atacavam a corporação alegando que ela seria uma milícia armada sustenta pelo governo e
tendo como princípio o ódio racial, e mesmo em divergência com os que a apoiavam, mas
aludiam apenas seu caráter de gratidão perante a princesa, Pardal Mallet propagandeava ideias
socialistas para compreender a associação. Esta representava uma espécie de ensaio do
proletariado genuinamente brasileiro, que aos poucos ganhava os espaços públicos, mesmo
que num processo ainda desordenado. A conjunção de negros em torna da dita Guarda não era
vista, portanto, como algo organizado e institucionalizado, diferente do que considerava José
do Patrocínio, que chegou a nomear a associação de “partido político”. Para o jornal A Rua, a
Guarda Negra era uma espécie de multidão popular ainda confusa e ignorante de suas próprias
ambições políticas, mesmo que representasse um ponto de inflexão na história do proletariado
brasileiro: “O oprimido brasileiro arregimenta-se ao grito de – Viva Isabel! Tal e qual a horda
que assaltava a Bastilha gritava – Viva o Rei! Ele é morigerado e pacato, ignorante de sua
própria força (...)”. 208
Tendo em vista essa perspectiva, como nos informa Ana Carolina Feracin da Silva209,
apesar de parecer que o periódico A Rua creditava aos libertos sentidos e autonomia às suas
escolhas políticas, um olhar mais profundo do mesmo artigo nos permite avaliar a
ambiguidade de suas ideias. Ao mesmo tempo em que considerava legítimas as ações dos ex-
escravos em torno da Guarda Negra – não apenas como fruto de uma intervenção de José do
Patrocínio, mas como resposta autêntica e lógica para o contexto em questão –, o artigo
também deixava claro que os negros não estariam sustentando tais atitudes através de suas

207
A Rua, 27 abr. 1889. Apud. SANTOS, Claudia Regina Andrade dos. Op. Cit., p 358 e 359.
208
A Rua, 04 mai, 1889. Apud. SILVA, Ana Carolina Feracin da. Entre a pena e a espada. Op. Cit., p. 364.
209
SILVA, Ana Carolina Feracin da. Entre a pena e a espada. Op. Cit.
86
próprias consciências políticas. Para Pardal Mallet, era como se os libertos fossem guiados
instintivamente, através de sentimentos primitivos. Não havendo capacidades para justificar
racionalmente seus atos, estariam agindo de forma passional, movidos pela retaliação dos seus
ex-senhores:

Liberto das cadeias de ontem, tem o direito sagrado da vingança. Rude no


seu modo de pensar, o seu código deve ser o código dos povos primitivos:
olho por olho, dente por dente! (...) A culpa não é dele se a doutrina
republicana não tem a força para lhe alevantar os entusiasmos. 210

Importante ressaltar que tal ponto de vista não era uma particularidade de Pardal
Mallet ou dos redatores de seu jornal, mas antes, uma diretriz que fez parte do pensamento
brasileiro da segunda metade do século XIX e início do XX. Esse raciocínio partia do
pressuposto que o atraso do negro não estava, necessariamente, vinculado a uma questão
biológica e naturalizada, e sim à sua trajetória história, ou seja, ao seu passado de escravidão.
Uma vez superada essa problemática através de ações educativas e inclusivas, o negro
conseguiria alcançar, finalmente, a maturidade de discernimento. Todos esses aspectos serão
mais bem analisados no segundo capítulo desta tese. Todavia, vale a pena ressaltar que, para
parte desses literatos, a própria imprensa era interpretada como um mecanismo prático-
pedagógico. Tanto Pardal Mallet, através de seu Jornal A Rua, como José do Patrocínio, com
o Cidade do Rio, ou mesmo Rui Barbosa com o Diário de Notícias, eram confiantes de sua
missão formativa e tutelar sobre o público. Quanto mais inteligível e acessível fossem os
textos e notícias publicadas, maior o alcance de seus sucessos. Todos tinham, portanto, uma
visão militante da imprensa, como um espaço educativo capaz de transformar e moldar
consciências coletivas.
Aproveitamos essa percepção para atentarmos ao fato, já confirmado por Robert
Darnton211, de que o jornalismo – ou a imprensa – se constituiu em um elemento central da
esfera pública nos fornecendo uma fonte de indicação e disseminação de ideias para além da
intelectualidade, mesmo em um contexto marcado pela oralidade, com grande parte da
população não alfabetizada, como no caso brasileiro. Identificando o público como ativo
participante da cultura, Robert Darnton é quem nos informa sobre a existência de um
iluminismo menos erudito e mais variado, que não se restringiu aos círculos letrados e

210
A Rua. 27 abr. 1889. Apud. SILVA, Ana Carolina Feracin da. Entre a pena e a espada. Op. Cit., p. 77.
211
DARNTON, Robert. O iluminismo como negócio: História da publicação da ‘Enciclopédia’ 1775-1800.
Tradução de Laura T. Motta e Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
87
possuiu entrada juntos às esferas sociais variadas. Seguindo a mesma linha de pensamento,
Maria Lúcia Pallares-Burk212 demonstrou que o advento da imprensa contribuiu de forma
significativa para o estudo das relações entre o mundo social e a palavra escrita, sendo a
análise de periódicos consagrada como uma das principais vias de acesso ao pensamento
coletivo de uma época. Como afirmado pela autora, a imprensa é capaz de desempenhar um
importante demonstrativo da intensidade das trocas de ideias e informações em determinada
conjuntura, auxiliando ainda na identificação de modos de pensar e agir de uma época.
Os escritos jornalísticos nos revelam ainda como os sujeitos que neles escreveram
percebiam e observavam aquela sociedade. Longe da neutralidade, a imprensa deve ser
entendida como um agente político que contribui para o estabelecimento de novas realidades
213
através de estratégias diversas de mobilização e persuasão. Não devemos esquecer ainda
que existem influências do público leitor na organização e elaboração das notícias, bem como
de filiações político-ideológicas que guiam a forma e o conteúdo apresentado ao público pelos
jornais. Além da possibilidade de transformar simples fatos em eventos grandiosos, eles
podem simplesmente omitir as mais diversas ocorrências, dando sempre maior visibilidade ao
que lhes interessa. Foi a partir desses pressupostos que nosso trabalho buscou avaliar os
elementos recolhidos em periódicos, analisando os principais embates e discussões
intelectuais, que obviamente ultrapassavam os âmbitos letrados, para compreender e galgar
formas de acesso às práticas sociais e às percepções ideológicas distintas, tomando os devidos
cuidados metodológicos.
No tangente às interpretações sobre a formação de uma população participativa
politicamente na gênese e na crítica de temas públicos, especialmente para o contexto luso
brasileiro, Lúcia Bastos nos informa sobre a história do conceito de opinião pública. Segundo
a autora, ele não consta nos dicionários até o final do século XIX, surgindo na semântica
histórica somente em 1890, com a 8ª edição de Moraes Silva214. Todavia, ainda que tal
expressão não constasse nos dicionários, não significava dizer que estivesse ausente das
múltiplas linguagens da época. Segundo Lúcia Bastos, o princípio da constituição do conceito
moderno de opinião pública no Brasil relaciona-se ao período em que as discussões políticas
começaram a transpor o domínio do círculo privado da Corte para impetrar em novos espaços

212
PALLARES-BURK, Maria Lúcia Garcia. The Spectator, o teatro das luzes: diálogos e imprensa no século
XVIII. São Paulo: Editora HUCITEC, 1995.
213
MOREL, Marco & BARROS, Mariana Monteiro. Palavras, imagem e poder: O surgimento da imprensa no
Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
214
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Opinião Pública. In: FERES, João (org.). Léxico da História dos
Conceitos políticos do Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009, pp.181-202.
88
215
públicos de sociabilidade. O passo decisivo se deu com a chegada da imprensa no país a
partir de 1808. As notícias e as ideias se alargaram e variaram, passando a abranger um
público socialmente menos erudito. Aos poucos, a ideia de opinião pública passou a ganhar
novas conotações e transformou-se em uma força política, em uma instância crítica, que
remetia para a concepção de uma vontade da maioria. Mas, foram as campanhas
abolicionistas que contribuíram decididamente para que a concepção de opinião pública que
conhecemos, vista como indivíduos que se exprimem em adesão à ações e ideias, dotados do
poder de transformar os rumos dos fatos, se consolidasse. Para o contexto do nosso trabalho,
podemos assumir, portanto, a existência, ainda que primária, dessa força crítica com poder de
opinião e transformação, que inaugurava uma nova cultura política em especial no Rio de
Janeiro, ao longo de toda a década de 1880.
Após esse breve deslocamento, encerremos com as contendas referentes às concepções
de abolição e participação popular do jornal A Rua e seu principal representante, Pardal
Mallet, que cruzaram a história do Cidade do Rio, de José do Patrocínio e da Guarda Negra.
De maneira resumida, suas ideias uniam o republicanismo e o socialismo, criticavam a
Monarquia, mas também o próprio partido republicano que havia se aliado ao
“conservadorismo burguês”. Seu intuito era não perder de vista um movimento aliado às
camadas populares para a realização das propostas reformistas. O arrebatamento de seus
princípios, no entanto, durou pouco tempo. O último editorial de A Rua data de 18 de julho de
1889, apenas quatro meses após o seu lançamento. Dentre os motivos que rondam a
explicação para a curta existência do periódico está, principalmente, a dificuldade financeira
216
que teria gerado a falência do jornal, mas também possíveis represálias políticas. Cabe
lembrar que, em seguida ao atentado ocorrido contra o Imperador, em 15 de julho de 1889,
quando disparou-se tiros sobre a carruagem que transportava a família imperial, a Polícia da
Corte fez publicar o seguinte comunicado elaborado por seu então chefe José Basson de
Miranda Osório:

Faço saber a todos que o presente edital virem ou dele notícia tiverem, que
serão processados pelo crime do art. 90 do Código Criminal os indivíduos

215
Idem. p. 183.
216
Ana Carolina Feracin da Silva nos informa que rondavam boatos de que Pardal Mallet havia se envolvido no
atentado do Imperador ocorrido em 15 de julho de 1889. Segundo o biógrafo Raimundo de Magalhães Jr, o
acusado de disparar três tiros contra a carruagem imperial, Adriano do Vale, teria citado à polícia o nome do
jornalista como sendo o responsável por lhe fornecer a arma e as instruções para o crime. Cf. Raimundo
Magalhães Jr. “A vida turbulenta de José do Patrocínio”. Op. Cit., p 273. SILVA, Ana Carolina Feracin da. Op.
Cit., p. 97-99.
89
que nas praças, ruas e outros lugares públicos ou em presença das
autoridades derem: Vivas à República, morras à Monarquia, vivas ao partido
republicano, ou proferirem gritos e frases igualmente sediciosos. (...)
Finalmente serão dissolvidos pela forma legal os ajuntamentos e reuniões em
lugares públicos (...). 217

Tendo em vista essa conjuntura política, o fim do jornal pode ser explicado, também,
como uma represália em relação aos posicionamentos desmedidos de Pardal Mallet nas
páginas de seu periódico, principalmente no dia 18 de julho de 1889. Ele, além de,
supostamente, ter sido citado pelo autor do atentando contra o imperador como coadjutor do
crime, ainda demonstrou apoio à suas ações e ao uso de mecanismos revolucionários e
violentos para a derrubada do regime monárquico218. Seja como for, desde antes do fim
definitivo do periódico, ainda em junho de 1889, quando da queda oficial do gabinete de João
Alfredo e a ascensão do liberal Afonso Celso, os integrantes do jornal A Rua se
reaproximaram de José do Patrocínio e alguns como Olavo Bilac e Luiz Murat foram
219
reincorporados ao Cidade do Rio. Os meses finais de 1889 marcaram uma retomada
republicana desse periódico, o que chegou a gerar o afastamento do seu então redator chefe,
Antônio Francisco Bandeira Júnior – Flag Jr. – de orientação monarquista. A saída de
Bandeira Jr pareceu ocorrer de forma pacífica, tendo Patrocínio reservado um local no
editorial do dia 12 de junho de 1889 para fazer-lhe uma homenagem e um agradecimento.
Publicou em conjunto a carta enviada pelo, agora, antigo redator, despedindo-se de seu cargo:
“A queda do gabinete 10 de março mudou a face das coisas. Muito naturalmente voltou V.S
às fileiras republicanas; eu não posso acompanhá-lo. Monarquista, permanecerei no meu
posto (...)”.220
A reintegração do Cidade do Rio às fileiras republicanas, no entanto, não significou
um retorno ou alinhamento com o partido e com as concepções de alguns de seus líderes. Em
publicação de 28 de setembro de 1889 um artigo que recebia o nome do próprio jornal
elucidava alguns de seus pontos de vista. Tratava-se de um periódico que havia conseguido se
emancipar dos partidos políticos e que, por isso, vivia uma espécie de isolamento (“os
republicanos afirmaram que nós nos havíamos vendido; os monarquistas (...) confirmavam

217
Cidade do Rio, 18 jul. 1889, p. 02.
218
Cf. A Rua, 18. Jul. 1889. Apud. SILVA, Ana Carolina Feracin da. Entre a pena e a espada Op. Cit., p. 97-99.
219
Pardal Mallet, por sua vez acabou por se incorporar em um novo projeto e se uniu a Coelho Netto e Paula Nei
para a criação de um novo jornal intitulado O Meio, cujo primeiro número data do dia 17 de agosto de 1889. O
jornal mantinha uma proposta republicana que tinha como base de sustentação o povo e como objetivo a
elaboração de reformas sociais. Cf. SILVA. Ana Carolina Feracin da. Op. Cit.
220
Cidade do Rio, 12 jun. 1889, p. 01.
90
que nos haviam comprado”. 221). Destacava que apesar das injustiças de que vinha sofrendo a
folha, a História havia de redimi-la: “a memória das gerações livres do Brasil e os
historiadores hão de fazê-la [Cidade do Rio] depor no processo histórico de sua pátria, na
222
primeira fila das testemunhas honestas e altivas do nosso tempo”. A publicação era
organizada em uma espécie de explicação ou justificativa para o alinhamento de Patrocínio
com a causa monarquista. Por isso, deixava claro que seu posicionamento a favor da
continuidade do governo monárquico fazia preciso sentido, já que teria contribuído para
“impedir uma revolução” que estaria em voga para arrebatar uma Coroa, já “caindo aos
pedaços por si mesma”. 223 Esse desencadeamento dos fatos teria sido terrível para o futuro da
224
nação, pois “nos condenaria a uma crise econômica e financeira das mais tenebrosas”.
Conforme o artigo se encaminhava para o final, a definição da proposta do periódico se fazia
clara:

A Cidade do Rio continuará a ser o que tem sido. Folha republicana que não
obedece, entretanto, passivamente, sem exame, à direção dada à propaganda
republicana brasileira. É republicana da República e não dos republicanos;
advoga ideias e não personalidades. Não espera, nem pede auxílio do seu
partido (...), mas está pronta a correr com ele todos os perigos do combate,
sem tréguas, por todos os meios e com todas as armas ao adversário comum
– o império. Somos antes de tudo partidários do oportunismo revolucionário
(...). Nunca perdemos a fé no povo; a sua fraqueza aparente não nos
desanima. (...).225

Seja lá o que significasse esse “oportunismo revolucionário”, Patrocínio e seu


periódico, de fato, se afastaram da bandeira monarquista após a ascensão do gabinete liberal,
assim como do apoio à Guarda Negra. As causas para esse desligamento em relação ao
movimento de negros, que até então considerava legítimo, serão melhores avaliadas no
capítulo 2 da tese. No entanto, é importante atentarmos que, para além da conjuntura política
e social, em especial a ascensão do liberal Afonso Celso, que influenciaram nas suas tomadas
de atitudes, motivações e ambições políticas pessoais guiaram Patrocínio. Se seus
posicionamentos e ações por vezes nos parecem ambíguos e contraditórios, servindo de
justificativas puramente retóricas e de ataques difamatórios para alcançar seus objetivos e
combater seus adversários, continham ideias e projetos valiosos e coerentes sobre a

221
Cidade do Rio, 28 set. 1889, p. 01.
222
Idem.
223
Idem.
224
Idem.
225
Idem.
91
nacionalidade e o que se imaginava da vida em liberdade para o negro no Brasil. Por hora,
basta entender que mesmo após o afastamento com a Guarda Negra, Patrocínio manteve um
discurso que inferia sentido a participação popular no andamento da instauração da República,
obviamente, sempre amparado pelas fronteiras da legalidade.
Parece que seu esforço afinal não se concretizou e a República se fez em formato de
226
um “golpe militar”. Ainda assim, Patrocínio tentou um último dispositivo para se fazer o
representante da voz popular na implementação da nova forma de governo no Brasil e se auto
declarou o “proclamador civil da República”. Recorreu para isso ao seu ato na Câmara
Municipal quando, percebendo a insegurança do golpe encabeçado pelos militares, leu em
plenário um documento escrito por Pardal Mallet, no qual declarava instaurada a República
brasileira. A edição de 15 de novembro de 1889 do Cidade do Rio já continha todo o
desenrolar do processo ocorrido ao longo do dia e iniciava sua chamada com a frase: “Viva o
227
exército Libertador!”. Pelo menos do ponto de vista retórico, Patrocínio não encarava o
golpe militar republicano como uma conquista das elites. Para ele, a República era fruto da
“deliberação popular” que havia sido aclamada pelos “braços do povo”. No mesmo dia 15 de
novembro, o Cidade do Rio fazia circular que a “revolução pacífica” havia sido feita pelo
povo e por ele estava sendo garantida: “desde as academias até o operário, erguem-se os
cidadãos, como um protesto vivo, tomando armas, organizando batalhões de voluntários em
228
defesa da nova pátria”. Parece que, mesmo para aqueles críticos do modelo de República
que se queria edificar, existiu um otimismo e certa confiança na possibilidade de se moldar
um novo governo através de outras concepções e inovações políticas e sociais. 229
Uma análise dos principais periódicos cariocas entre os anos de 1888 e 1889, período
marcado pela crise da Monarquia no Brasil e pelas indecisões e incertezas acerca do pós-
abolição, nos ajuda a compreender as disputas e dissidências de abolicionistas que, ao
assumirem posicionamentos políticos distintos, demonstraram seus projetos sociais e suas
ideias sobre o futuro da liberdade no país. Suas visões e interpretações sobre a associação da
Guarda Negra nos revelaram sobre o que pensaram a respeito das mobilizações políticas dos
negros libertos e dos espaços que almejaram ou renegaram às camadas populares nos seus
projetos de abolição, ou melhor, de nação. Para muitos deles, obviamente, a abolição apenas
se iniciou com a liberdade, mas definitivamente não estava completa com o ato de

226
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. 3ª.ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
227
Cidade do Rio, 15 nov. 1889, p. 01.
228
Idem, p. 02.
229
SANTOS, Claudia Regina Andrade dos. Op. Cit.
92
emancipação dos escravos. Afinal, como vimos, para alguns periódicos como o Cidade do Rio
ou A Pátria, a luta contra o escravismo deveria prosseguir.
Os discursos dos múltiplos representantes do abolicionismo que confiaram no poder
das reformas e as colocaram em primeiro plano podem e devem ser lidos como instrumentos
de retórica. Todavia, é possível inferir que eles, de fato, tenham acreditado na possibilidade de
transformação social, típica de um projeto prático-pedagógico que imaginavam ser a
finalidade da imprensa. As reformas se fariam transcendendo o limite das arenas
parlamentares, mobilizando a opinião pública urbana através de suas publicações, comícios e
meetings. O apoio final ao ato de instauração da República quem sabe represente uma
tentativa de associar o novo governo à noção de participação popular e de inserir esses
indivíduos militantes do abolicionismo no programa político republicano, em uma investida,
talvez frustrada, de galgar espaços políticos e sociais na nova realidade que se revelava.
No caso de José do Patrocínio, os antagonismos políticos entre seus projetos
abolicionistas e os encaminhamentos da República no Brasil continuaram e foram
ressignificados. A atuação de crítica ao novo governo se manteve em prol de uma realidade
marcada por estruturas mais igualitárias, principalmente em relação aos homens de cor.
Patrocínio até sua morte seguiu com suas denúncias contra a República e, em particular contra
o florianismo, não porque tivesse perdido os rumos de sua luta e de sua consciência após o
fim da escravidão, como muitos argumentaram. Mas, porque para ele, assim como para tantos
outros abolicionistas reformistas, a “República escravista” não completava sua proposta de
liberdade. Apenas 11 meses após o golpe que instituiu a República, o Cidade do Rio já
declarava sua decepção em relação ao novo regime, entregue à “influência perniciosa de uma
oligarquia de ambiciosos intrigantes que exploram em proveito próprio”. Acusava o governo
de não estar agindo para cumprir com compromisso de transformação social. E conclamava o
povo a não manter o silêncio e a exigir a reparação e a liberdade:

A verdade é que estamos parados, senão temos retrogradado; (...) a verdade é


que está reduzido o país a um feudo dos ministros (...); a verdade é que a
reparação se não faz, não se respeita o direito, não se consente a liberdade,
não se confessa o dever (...). O silêncio agora seria um crime. 230

230
Cidade do Rio, 18 out. 1890, p. 01.
93
Como nos informa seus biógrafos e alguns historiadores 231, dois anos após essa
publicação, em 1892, Patrocínio, junto com antigos companheiros da Confederação
Abolicionista – Pardal Mallet e Vicente de Souza – foi preso e extraditado para o Amazonas
(Cucuí), em decorrência das constantes dissidências com o governo autoritário do Marechal
Floriano Peixoto. Nova represália veio quando da Revolta da Armada: o Cidade do Rio, que
nesse momento tinha como redator chefe Olavo Bilac, foi posto na ilegalidade. Em 1895, com
o jornal reaberto, Patrocínio tentou a candidatura para deputado estadual, mas não alcançou a
vitória. Seguiu, no entanto, com suas críticas e denúncias sobre o que considerava uma
República incompleta, antidemocrática e desigual até o fim de sua vida.
Se os debates e conflitos políticos da imprensa exprimem, principalmente nos
contextos de crise, as próprias tensões e aspirações sociais, acreditamos que as publicações
relativas à Guarda Negra são ilustrativas desse argumento. Elas foram analisadas de forma
ampla, a partir de diferentes polos de conflitos. Ou seja, a partir dos relatos de seus apoiadores
e seus críticos que, obviamente, permeados pela retórica, disputavam entre si um complexo
espaço de legitimação de suas ideias frente à opinião pública e ao Estado. A análise dessas
publicações nos ajudou, portanto, a exprimir e reconstruir as tensões e os dilemas entre os
abolicionistas, em uma conjuntura dominada pelo dissenso e pela polarização de ideias e
programas políticos.
A Guarda Negra foi talvez a associação que mais esteve presente no imaginário social
e nos espaços da imprensa nos momentos finais da Monarquia no Brasil. Ela representou uma
forma de agenciamento multifacetado que escapou as tentativas de controle do mundo letrado.
Se houve uma espécie de institucionalização da corporação, como a imprensa supõe ao
fornecer pontos de encontro, organização burocrática e princípios norteadores, acreditamos
também que ela foi mais do que isso. Sustentamos a hipótese de que o que a imprensa chamou
de Guarda Negra fez parte de um movimento mais dinâmico que envolveu o uso do espaço
público por diferentes atores sociais, em um processo de contínuo rearranjo. Entre seus
integrantes estavam, obviamente os libertos, afinal, fossem eles os “13 de maio” ou não, o Rio
232
de Janeiro era uma “cidade negra” como a caracterizou Sidney Chalhoub. Mas,

231
Conferir os já citados trabalhos de MACHADO, Humberto. Palavras e brados. Op. Cit. SILVA, Ana
Carolina Feracin da. De “papa-pecúlios” a Tigre da Abolição. Op. Cit. Conferir ainda: ORICO, Osvaldo. O
Tigre da Abolição (edição comemorativa do centenário de José do Patrocínio), Rio de Janeiro, Gráfica Olímpico
Editora, 1953 (1931); MAGALHÂES JÚNIOR, Raimundo. A vida turbulenta de José do Patrocínio. 2ed. São
Paulo: Lisa; Rio de Janeiro: INL, 1972.
232
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São
Paulo, Companhia das Letras, 2011. CHALHOUB, Sidney. Medo branco das almas negras: escravos, libertos e
republicanos na cidade do Rio. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.8, n. 16, p. 83-105, mar./ ago. 1988.
94
certamente, suas fileiras não se limitaram a eles. Seus objetivos provavelmente também
variaram em virtude dos jogos de força e poder e do contexto em questão, pois como
sabemos, ela esteve presente em múltiplas regiões do Brasil. Caminharemos para descortinar
algumas dessas contendas ao longo da tese.
Enfim, o que tentamos sustentar nesse capítulo foi a ideia de que, mesmo após o ato de
libertação, as manifestações da Guarda Negra podem e devem ser encaradas como fazendo
parte do que Ângela Alonso233 definiu como o amplo movimento abolicionista brasileiro.
Apesar do trabalho da autora se concluir no ano de 1888, sabemos que esse movimento não se
encerrou com a abolição. Seja através das penas dos jornalistas, seja através dos embates reais
que a associação da Guarda Negra suscitou, os indivíduos que agiram em sua defesa ou
mesmo contrários a ela, o fizeram movidos por projetos de abolição que acreditaram serem os
melhores para si e para a nação, mesmo que de maneira contingencial. Nesse sentido, se a
imprensa nos fornece ampla margem de fontes para abrirmos possibilidades interpretativas a
respeito da Guarda Negra, os debates travados em seu nome nos informam – talvez mais
fortemente – acerca dos sujeitos que sobre ela discorreram. Sendo assim, a “guerra das penas”
que analisamos ao longo desse capítulo nos forneceu pistas imprescindíveis sobre o
pensamento abolicionista da elite letrada nacional, com destaque para suas dissidências e o
que entendiam e acreditavam sobre os limites das reformas sociais e sobre o lugar do negro na
nova conjuntura social de plena liberdade que se inaugurava a partir do 13 de maio de 1888.
Num momento em que o partido republicano contribuía para dar voz às dissidências geradas
pela libertação, abrindo espaço para os setores escravistas, muitos abolicionistas reformistas,
como José do Patrocínio, não perderam do horizonte o fato de que a supressão do cativeiro
precisava ser complementada com políticas e medidas concretas em benefício dos libertos e
seus descendentes e apostaram, mesmo que no universo da retórica, na importância da
mobilização popular para a realização das reformas e transformações sociais. Apostaram
também em uma visão de cidadania mais ampla e participativa para o os homens de cor no
Brasil.

233
ALONSO, Ângela. Flores, votos e balas. Op. Cit.
95
CAPÍTULO II
O medo da raça: o afloramento dos discursos raciais no Brasil no pós-
abolição e os usos políticos sobre as ações da Guarda Negra

96
Desde a segunda metade do século XIX um dos traços mais marcantes e singulares do
Brasil era a percepção de sua extrema miscigenação racial. No cenário internacional e entre os
viajantes que aqui passavam, o país era descrito como uma nação composta por diferentes
raças que conviviam de maneira extraordinária e cruzavam entre si, gerando indivíduos
híbridos e sem uma definição evolutiva definida1. De acordo com o censo de 1872, a
população mestiça e negra formava 55% do total do Brasil2. Essa situação era observada com
cuidado pelos olhares de estrangeiros e nacionais que buscavam compreender a questão racial
e a formação da nacionalidade brasileira. Ao lado do ceticismo presente em inúmeras teorias
científicas da época, o cruzamento racial também precisava ser encarado como uma questão
central para a compreensão das possibilidades de destinos para a nação.
Como sabemos, o contexto de desmonte do sistema escravista no Brasil,
principalmente a partir da década de 1870, representou um momento de entrada e diálogo com
novos ideários positivistas e evolucionistas, nos quais se inseriam os modelos raciais de
análise. Assim, nos esforçamos por avaliar a inserção, recuperação e transformação dessas
teorias raciais no momento de crise da escravidão no Brasil e no imediato pós-abolição.
Entendemos que, para além de compreendermos a reconstrução dos conceitos de raça à época,
é necessário analisarmos a conjuntura e as múltiplas formas que essas teorias se inseriram
nacionalmente, em particular nos embates jornalísticos a respeito dos conflitos de ruas que
envolviam negros, livres e libertos nos centros urbanos de todo o país. Especificamente,
tratamos dos embates em torno da instituição da Guarda Negra avaliando, em que medida,
essas discussões e tensões foram racializadas pelos seus integrantes, defensores e acusadores.
Dessa forma, nos interessa perceber como o argumento racial foi politicamente construído e
empregado nesse momento, assim como o conceito de raça que, para além de seu significado
biológico, passou a possuir uma interpretação, sobretudo social.
Como apontado por Lilia Schwarcz, o conceito de raça antes de ser analisado como
algo fixo, fechado e natural, deve ser compreendido como um conceito cujo significado é
constantemente renegociado e experimentado de acordo com a conjuntura histórica em

1
Segundo Lilia Schwarcz, o Brasil era visto pelos estrangeiros como um “grande laboratório racial”.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Espetáculo da miscigenação. Estud. av., São Paulo, v. 8, n. 20, p. 137-152, Apr.
1994. Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40141994000100017&lng=en&nrm=iso>. access on 03 Jan. 2018. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-
40141994000100017.
2
BRASIL, Diretoria Geral de Estatísticas. Recenseamento da população do Império do Brasil a que se procedeu
no dia 1 de agosto de 1872. Rio de Janeiro: Tip. De G. Leuzinger & Filhos, (1873-1876), pp. 1/33.
97
questão3. Ao longo dos anos, diversas taxonomias sociais foram utilizadas em inúmeras
categorias que pretendiam definir as formas de organização do homem de acordo com o seu
tempo e expectativas envolventes. As taxonomias sobre raça foram configurações muito
utilizadas ao longo dos séculos XIX e XX, que possuem consequências ainda no tempo
presente. Apesar de sabermos que a expressão raça, é uma construção social que possui
características particulares, por ser um produto da história e não existir fora de determinada
temporalidade e lugar, até o presente imediato não conseguimos lidar com à problemática
imposta pela compreensão desse conceito4. Na realidade, a raça é constante e continuamente
definida e redefinida no seio da sociedade, por homens e mulheres que vivem essas
experiências. Não importa qual a área de estudos em que se deseja trabalhar, as classificações
utilizadas continuarão a ser inexatas, pois não refletem um objeto inflexível, mas antes um
processo em constante transformação.
Antes de analisarmos propriamente o recorte histórico da tese, vale lembrar que entre
os anos de 1947 e 1964, a UNESCO organizou três reuniões acerca da temática racial,
analisando e desconstruindo a importância biológica associada a tal termo. Cientistas sociais e
geneticistas chegaram à conclusão de que a raça não é uma realidade biológica, mas apenas
um conceito, cientificamente inoperante, utilizado para explicar a diversidade humana e
dividi-la e subdividi-la em grupos. Com os progressos e descobertas realizados dentro das
disciplinas biológicas, os estudiosos perceberam que a ideia de raça havia se utilizado de
pretextos fenotípicos para investigar questões de ordem cultural. A invalidação do conceito de
raça, no entanto, não significa que todos os indivíduos ou todas as populações sejam
geneticamente semelhantes. Os patrimônios genéticos são diferentes, mas essas diferenças
não são suficientes para classificá-los em raças.5
Em resumo, já na segunda metade do século XX, o conceito de raça deixava de ser
naturalizado para ser analisado como uma classificação social. Assim, limitava-se a ideia de
raça a uma espécie de categoria taxinômica e estatística. No entanto, apesar de
compreendermos que a noção de raça não pode mais ser utilizada como um conceito
biológico, sabemos que se trata de uma realidade social. Portanto, estudá-lo não se tornou

3
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-
1930. Companhia das letras, 1993, p. 24.
4
BERLIN, Ira. De crioulo a africano: as origens atlânticas da sociedade afro-americana na América Norte
Continental. Estudos Afro-Asiáticos, Ano 26, nº 2, 2004, pp. 241-256
5
MULANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Palestra
proferida no 3º Seminário Nacional Relações Raciais e Educação-PENESB-RJ, 05/11/03.
https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2014/04/Uma-abordagem-conceitual-das-nocoes-de-raca-
racismo-dentidade-e-etnia.pdf
98
uma questão sem importância. Descontruir o significado histórico e biológico da ideia de raça
e entendê-la como uma categoria classificatória inserida em um contexto histórico e cultural,
não nos leva ao esquecimento das suas consequências sociológicas, posto que a raça persiste e
exerce influência real no mundo como representação poderosa para a demarcação de
diferenças, reprodução de identidades coletivas e construção de hierarquias6. As crenças em
atributos distintivos ligados à raça permanecem, como espécies de mitos, apesar de todo o
esforço em desconstruir seus embasamentos científicos.7
Em se tratando de Brasil, podemos dizer que o tema da raça se estabeleceu, e ainda de
estabelece, de maneira complexa. Por muito tempo silenciado, ele foi naturalizado e
consolidado, de forma a se negar o preconceito ou amenizar as desigualdades. Afirmou-se de
modo genérico uma espécie de harmonia social e racial, restringindo-se ao plano privado os
possíveis conflitos. Afinal, as constituições brasileiras, desde o período imperial, nunca
institucionalizaram segregações ou exclusões baseadas em critérios raciais. Um racismo
silenciado, escondido pela segurança das garantias legislativas de universalidade e igualdade,
se tornou, então, a cara do Brasil. Tudo isso levou para o terreno do privado e da intimidade
às múltiplas formas de discriminação, herdadas de um sistema paternalista, clientelista e
historicamente desigual. No Brasil, a aposta em um “branqueamento” da população gerou um
racismo próprio que confundiu cor e raça, pois as marcas físicas, capazes de variar de acordo
com a condição social e o lugar de fala do indivíduo, se tornaram mais decisivas na
delimitação das diferenças do que aspectos geracionais, o que confirmou a condição perene e
relativa dessa noção de raça transvestida na noção de cor no Brasil.8
Em meio a esta discussão sobre a não formalização dos espaços de discriminação no
Brasil, não podemos esquecer que o conceito de raça advindo das ciências biológicas e
transplantado para a vida social, ainda que perverso, adquiriu utilidade política, não apenas
para uma elite branca, mas para todos os sujeitos envolvidos nessa dinâmica, incluindo os
negros escravizados e libertos, que construíram a partir da ideia de raça suas próprias
identidades. Homens de cor, enquanto agentes de sua própria história, ressignificaram o
processo de racialização. Tal afirmação, antes de legitimar a utilização do conceito de raça,
busca investigar as múltiplas formas de negociação inventadas por escravos e seus
descendentes diante dos critérios raciais sobre os variados sentidos de cidadania. Afinal,

6
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade
brasileira. São Paulo: Claro Enigma, 2012.
7
A respeito dos mitos e das mitologias políticas cf. GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias políticas. Tradução
de Maria Lucia Machado. São Paulo: Cia das Letras, 1987.
8
SCHWARCZ. 2012, Op. Cit.
99
apesar de atualmente sabermos que não existe uma raça biológica, tanto brancos como negros
são cotidianamente racializados em um processo relacional. Desta forma, podemos dizer que
negros e brancos constroem e construíram a si mesmos e suas experiências em um mundo
racializado.9
Portanto, sem deixar de lado essa discussão, procuramos compreender o que
significava raça na segunda metade do século XIX para a nação brasileira recém-formada, em
meio a um contexto de ascensão de determinismos biológicos advindos do mundo ocidental.
A raça e, a partir dela, a evolução humana, da maneira que era colocada e interpretada pelos
pensadores europeus ou norte-americanos, não correspondia às expectativas de um país que
havia recebido cerca de 4 milhões de negros africanos e que, de fato, havia passado por um
processo de miscigenação, mas que se encontrava ansioso por encaixar-se nos moldes do
progresso e da civilização. Vejamos as principais teorias estrangeiras que chegaram com
maior força no território nacional e seus desdobramentos e reinterpretações por parte da
intelectualidade brasileira.

2.1 Raça e racialismo no Brasil na segunda metade do século XIX: um rápido panorama.

Os últimos anos do século XVIII e o início do século XIX foram marcados por
diversos processos de independência e da formação de Estados-Nação em todo o continente
americano. O surgimento das identidades nacionais, no entanto, não se deu em paralelo a esse
fenômeno. Foi preciso um longo período de definição e elaboração de aspectos culturais
identificadores com o objetivo de unificar um pretenso povo em nome de uma nacionalidade.
Tal fenômeno ocorreu ao longo de todo o século XIX e princípios do século XX. No Brasil,
esse contexto representou um momento em que noções embasadas nos ideais de raça, de
maneira relativamente velada, se tornaram presentes nas decisões políticas, nas concepções de
cidadania, nos debates intelectuais e jornalísticos e nas memórias e símbolos da escravidão. 10
Sem exageros, podemos afirmar que existe uma relação clara e intrínseca entre a
intensificação dos debates em torno da questão racial e o fim do sistema escravista no Brasil.

9
SCHUCMAN, Lia Vainer. Racismo e antirracismo: a categoria raça em questão. Rev. psicol. polít., São Paulo,
v. 10, n. 19, p. 41-55, jan. 2010. Disponível em
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2010000100005&lng=pt&nrm=iso
acessos em 03 jan. 2018.
10
Existe uma extensa bibliografia sobre o tema do Estado e da Nação no Brasil. Para uma síntese interessante
sobre o tema cf. GRAHAN, Richard. Construindo uma Nação no Brasil do século XIX: visões novas e antigas
sobre classe, cultura e Estado. Diálogos, DHI/UEM, v. 5, n. 1. p. 11-47, 2001; JANCSÓ, István (org.). Brasil:
Formação do Estado e da Nação. Ijuí: UNIJUÍ; São Paulo: HUCITEC-FAPESP, 2003.
100
Nesse momento, cada vez mais, notamos a presença de pressupostos iluministas e concepções
biologizadas do mundo, os quais inundavam as mentes de intelectuais com um otimismo
evolucionista que apontava para o andamento da barbárie à civilização como percurso
inexorável da humanidade11. Tendo em vista o crescente número de libertos e livres de cor no
seio da sociedade, esse foi um momento fundamental de reavaliação do quadro geral da
população brasileira e de sua composição étnica e racial. Os conceitos e as classificações
sempre serviram de ferramenta para organizar e operacionalizar o pensamento. Como em
qualquer operação de classificação, primeiramente se estabelece alguns critérios objetivos
com base na diferença e na semelhança. No século XVIII a cor da pele foi considerada como
critério fundamental para definir as chamadas raças e, no caso do Império Português, foi
decisiva na ocupação de cargos da governança12. No século XIX, acrescentam-se ao critério
da cor outros morfológicos como a forma do nariz, dos lábios, do queixo, do crânio, para
aperfeiçoar a classificação. Ao longo do Oitocentos as práticas científicas e seus resultados
ganharam maior destaque na conjuntura ocidental. As ciências naturais, em especial a
Biologia, atravessavam um momento de forte valorização, sobretudo a partir da teoria da
evolução de Charles Darwin. O interesse pelas Ciências Sociais também aumentou, a
Sociologia enquanto disciplina se estabeleceu e Durkheim foi seu maior representante.
Com a consolidação dos métodos explicativos das Ciências Naturais e com a divisão e
classificação do homem a partir de critérios biológicos, verificamos a introdução da
problemática racial para lidar com as semelhanças e diferenças entre os indivíduos. O termo
raça foi utilizado pela primeira vez, nos círculos acadêmicos, pelo naturalista francês Georges
Cuvier13, inaugurando uma discussão a respeito da origem das diferenças físicas entre os
homens que ainda permanece em voga no século XXI, mesmo que ressignificada. Nesse
contexto, teorias de diferenças raciais inatas que afirmavam a inferioridade do “não-branco”
foram sistematizadas, de modo a se tornarem presentes em todo o mundo ocidental. Dentre as

11
MALIK, Kenan. The Meaning of Race: Race, History and Culture in Western SocietyPress, 1996. (Chapter 4,
Race in the Age of Democracy; Chapter 5: Race, Culture and Nation); BETHENCOURT, Francisco. Racismos:
Das Cruzadas ao século XX. Tradução de Luís Oliveira Santos e João Quina Edições. São Paulo: Cia das Letras,
2018.
12
FIGUEIROA-REGO, João de; OLIVAL, Fernanda. Cor da pele, distinções e cargos: Portugal e espaços
atlânticos portugueses (séculos XVI a XVIII). Tempo, Niterói, v. 16, n. 30, p. 115-145, 2011. Available from
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-77042011000100006&lng=en&nrm=iso. access
on 03 Jan. 2018. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-77042011000100006.
13
Georges Curvier foi um naturalista francês do final do século XVIII e início do XIX, pré-Darwin, e que
desenvolveu pesquisas em História Natural, como a Paleontologia e Anatomia. Ocupou diversos cargos
administrativos no período de Napoleão Bonaparte e foi um dos principais pensadores franceses que influenciou
o preconceito racial no século XIX. https://www.britannica.com/biography/Georges-Cuvier
101
principais escolas de teorização racial, podemos destacar pelo menos três que tiveram ecos
significativos no Brasil.14
A primeira delas, desenvolvida nos Estados Unidos entre as décadas de 1840 e 1850
denominava-se escola etnológica-biológica e partia do princípio designado Poligenia. De
forma simplificada, tal teoria assumia que as raças humanas teriam diferenças físicas
intrínsecas porque na realidade eram constituídas por diferentes espécies. Estas espécies
dependiam das formas e do meio como haviam sido criadas e desenvolvidas. Assim como
animais pertenciam a diferentes espécies de acordo com as imposições geográficas e
climáticas, também ao Homo sapiens poderiam ser atribuídas singularidades de acordo com as
regiões as quais pertenciam. Tal escola se utilizou, para comprovação científica da
inferioridade das raças negra ou indígena, dos pressupostos e instrumentos da antropologia
física, com suas medições craneométricas que tinham por finalidade demonstrar que
diferenças fenotípicas congregavam distinções intelectuais e mentais. Louis Agassiz foi o
maior representante dessas ideias nas Américas e no Brasil, onde foi citado em trabalhos
nacionais no seio da intelectualidade, demonstrando a inferioridade de negros e mulatos.15
A segunda corrente de pensamento que permeou o século XIX nasceu na Europa e nos
Estados Unidos e era conhecida como “escola histórica”. Tendo como um dos seus maiores
representantes Joseph Arthur de Gobineau, conde de Gobineau16, seus pensadores atribuíam
aos processos e evidências históricas a superioridade e diferenciação das raças. Através das
diferenças físicas já comprovadas por etnólogos e antropólogos, a escola histórica ratificava a
superioridade da raça branca contando seus feitos históricos e civilizatórios. Tal entendimento
foi utilizado para justificar a superioridade da raça anglo-saxã demonstrando sua dominação
econômica, social e cultural por todo mundo ocidental.

14
SKIDMORE, Thomas. E.. Preto no Branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930).
Prefácio de Lilia M. Schwarcz, tradução de Donaldson M. Garschagen. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
15
Louis Agassiz foi um zoólogo e geólogo suíço, e um dos principais promotores do racismo científico no século
XIX. Ficou conhecido na época pela Expedição Thayer no Brasil, realizada entre os anos de 1865-1866, que
proporcionou um grande registro de tipos raciais dos brasileiros no RJ e AM. Essa expedição proporcionou,
também, farto registro de fotografias do Brasil do século XIX, que se encontram no acervo do Peabody Museum
de Harvard. A respeito do racismo de Louis Agassiz, cf.
http://www.cienciahoje.org.br/noticia/v/ler/id/2703/n/o_racismo_de_louis_agassiz
16
Joseph Arthur de Gobineau, conde de Gobineau, foi um diplomata, escritor e um dos principais teóricos do
racialismo no século XIX. Fora secretário de Alexis de Tocqueville, e diplomata em várias cidades europeias,
Teerã e no Rio de Janeiro (1869-1870). Sua principal obra foi Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas,
escrita em 1855, e que para muitos constituiu-se num dos primeiros trabalhos sobre a eugenia e o racismo no
século XIX. http://www.iranicaonline.org/articles/gobineau;
http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/Gobineau.html
A respeito de Gobineau no Brasil cf. SOUSA, Ricardo Alexandre Santos de. A Extinção dos brasileiros segundo
o conde de Gabineau. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 6, n. º 1, p. 21-34, jan | jun
2013 http://www.bunkerdacultura.com.br/books/a_extincao_dos_brasileiros_segundo_o_conde_gobineau.pdf
102
Por fim, temos o darwinismo social, como outra escola de preceitos racialistas que
influenciou de maneira significativa o pensamento social brasileiro. A Tese de Darwin, A
origem das espécies de 1859, descartava a hipótese poligenista, uma vez que partia da noção
de que uma única espécie, através de um processo evolutivo e de mutação, se perpetuava em
detrimento de outras (Monogenia). Tal teoria, que provinha das ciências naturais, foi utilizada
nas ciências do homem para comprovar a superioridade da raça branca. O darwinismo social
foi empregado pelos seus partidários, que se utilizavam da antropologia física, da frenologia,
da etnografia e da fisiologia, para afirmar a evolução do homem branco através da sua maior
aptidão ao meio, seguindo o pressuposto da tese da seleção natural. Sendo assim, os negros,
bem como índios ou mestiços eram espécies incipientes que tinham como destino acertado o
gradativo desaparecimento17. Dentre os vários pensadores darwinistas sociais devemos
lembrar os nomes do inglês Hebert Spencer18 e do alemão Ernest Haeckel19. O Darwinismo
Social deu um impulso enorme às teorias raciais, contribuindo para o surgimento de uma
variante de tal pensamento: a eugenia. Os eugenistas acreditavam no aperfeiçoamento das
raças humanas e procuravam relacionar as características físicas do homem com o seu
comportamento. Para os adeptos dessa corrente de pensamento era imprescindível que a
miscigenação fosse evitada.20
Foi ao longo do século XIX que os teóricos do darwinismo social procuraram
estabelecer correlações entre atributos fenotípicos e externos à elementos formadores da
moralidade e da natureza dos homens. Legitimados pela Biologia, os modelos darwinistas
serviram para demarcar critérios deterministas no julgamento de povos e culturas, fazendo da
raça um elemento definidor do futuro de uma nação. Inserido nesse processo, o Brasil surgia
como uma espécie de “laboratório racial”. Por isso, praticamente todos os pensadores
brasileiros se viram confrontados por essas teorias, bem como toda a América Latina. De
certa forma, podemos afirmar que o termo raça, no Brasil, esteve vinculado á própria noção
de nacionalidade e ao destino do país. Longe da neutralidade, a raça, ora aparecia de forma
positiva, ora de forma negativa junto à imagem da nação. Se inserir nos debates acerca de tais

17
SKIDMORE, Op. Cit. Em especial o capítulo 1: O contexto intelectual da Abolição no Brasil, pp. 37-73.
18
Herbert Spenser foi um filósofo e biólogo inglês, autor da célebre frase, a “sobrevivência do mais apto”. Suas
obras tiveram uma grande influência sobre a corrente evolucionista e liberal do século XIX, pois procurou
aplicar as leis da evolução natural de Darwin para explicar os comportamentos sociais.
http://www.iep.utm.edu/spencer/
19
Ernest Haeckel foi um médico, biólogo e naturalista alemão, nascido na Prússia. Assim como Spencer, foi um
divulgador da obra de Darwin na Alemanha, e publicou em 1899 a Lei biogenética fundamental, também
conhecida como a Ontogenia – Teoria da Recapitulação. http://www.ucmp.berkeley.edu/history/haeckel.html
20
A respeito da Eugenia no Brasil cf. MACIEL, Maria Eunice de S. A Eugenia no Brasil. Anos 90, Porto Alegra,
n.º 11, julho de 1999, p. 121-143. http://www.seer.ufrgs.br/anos90/article/viewFile/6545/3897.
103
teorias era, na realidade, uma forma de entrada em um mundo civilizado e em constante
progresso, mas não era tarefa fácil, tendo em vista a grande presença de negros e mulatos.
Com a crise do sistema servil e, finalmente, com a abolição da escravidão, a nação
necessitava delimitar e entender um suposto povo brasileiro, o que contava agora com
indivíduos que, pelo menos até a década de 1870, eram encarados como responsabilidade do
mundo privado, ou seja, escravos e seus descendentes. Todas as classificações utilizadas
anteriormente para diferenciar a população negra egressa do mundo da escravidão, não mais
faziam sentido e já não respondiam à urgência de compreender um povo juridicamente livre e,
nesse sentido, homogêneo. Sendo assim, as teorias raciais serviram como modelos viáveis
para as novas relações sociais que se montavam, ou mesmo para a manutenção das hierarquias
coletivas que estabeleciam critérios diferenciados para a concepção de cidadania. No Brasil
foi, portanto, com a entrada das teorias raciais, que as desigualdades passam a ser
naturalizadas e analisadas segundo critérios biológicos. Em outras palavras, as teorias raciais
se transformaram em novo argumento para explicar e confirmar as diferenças sociais. Em
vista das promessas de igualdade jurídica, a resposta foi a comprovação científica da
desigualdade entre os homens. Se a igualdade jurídica, perante a nova condição do negro em
liberdade, pretendia o fim das divisões civis, essas novas teorias traziam cisões mais
profundas, pois se pautavam na natureza dos indivíduos.
Já foi ressaltado que a imagem do Brasil na segunda metade do século XIX era a de
um país miscigenado. Nas visões dos estrangeiros que vinham ao país, o mestiço era a “cara
do Brasil”. A hibridização racial caracterizava-nos como atrasado no exterior, o que
claramente acarretava num tumulto interno para aqueles homens que procuravam inserir a
nova nação no eixo orientado pelas máximas ocidentais de civilização e progresso. Contudo, o
Brasil não podia alienar-se em sua própria realidade histórica e social, e a miscigenação já
havia ocorrido no país como consequência do sistema escravista. Os intelectuais brasileiros
não tinham a opção de encarar a mistura racial como uma questão sem relevância para a
sociedade. Nesse sentido, a atenção daqueles que tratavam de tal assunto voltou-se para o
mulato e, ao contrário das teorias europeias de degeneração, era preciso flexibilizar os enlaces
raciais brasileiros, a fim de que se pudesse dar conta de uma definição de seu povo e,
portanto, de uma história nacional. A confiança iluminista no progresso caracterizou formas
originais de pensamento que passaram a encarar as amalgamas raciais como aspecto singular
e positivo da nacionalidade brasileira. A mestiçagem, portanto, deixava de ser descrita apenas

104
em seus aspectos negativos, e se tornava, positivamente, característica fundamental da
identidade nacional.
Evidentemente, surgiram teorias raciais, cientificamente respaldadas, que apontavam
para a negatividade das oportunidades previstas para as nações compostas por “raças
inferiores”. A sociedade ilustrada brasileira, não se sentia, no entanto, atrasada ou bárbara, e
sim pertencente ao mundo civilizado21. Aos intelectuais ligados ao projeto civilizatório
cabiam a formulação de um projeto claramente didático-pedagógico, próprio da ilustração.
Descrever a realidade social e agir para elevar a Brasil a um novo estágio de modernidade
eram funções desses homens de letras, responsáveis ainda por desenhar e compreender os
aspectos formadores da identidade nacional.
Portanto, desde a primeira metade do século XIX, inúmeros intelectuais já apontavam
para a necessidade de analisar a sociedade brasileira a partir da presença e da convivência de
três diferentes raças: a negra, a branca e a indígena22. O primeiro estudioso brasileiro da
etnografia que inseriu o negro e o mulato em seus compêndios, foi o professor de medicina da
faculdade da Bahia, Nina Rodrigues, responsável por lançar os alicerces da etnologia e da
medicina legal no Brasil23. Dentre seus maiores feitos destaca-se a catalogação das origens de
africanos vindos para o Brasil pelo tráfico de escravos, procurando identificar seus grupos
linguísticos. Como fonte para o historiador, Nina Rodrigues também reuniu fotografias e
pinturas de africanos e objetos que possuíam identificação com a África. As teorias raciais de
Nina Rodrigues assimilavam inferioridade racial aos seus trabalhos de medicina legal, e eram
contrarias a ideia de aceitação do tipo mestiço como um intermediário que tenderia ao
embranquecimento e ao melhoramento intelectual. Resumidamente e de maneira simplória,
Nina Rodrigues, se inspirando em Agassiz, acreditava na noção de degeneração do tipo
mestiço, na superioridade da raça branca e que a influência da população negra era um dos
motivos do atraso brasileiro. Tais pressupostos podem ser observados ao analisarmos apenas
os títulos de algumas de suas obras, “Antropologia patológica”, “Miscigenação,
degenerescência e crime” e “Degenerescências física e mental entre os mestiços nas terras
quentes”. Assim afirmava Nina Rodrigues:

21
Ilmar Rhloff de Mattos destacou esta percepção civilizatória da classe senhorial e dirigente no seu projeto de
Estado Imperial. Cf. MATTOS, Ilmar Rohloff de. O gigante e o espelho. In: Grinberg Keila e Salles Ricardo
(Org.). O Brasil Imperial (1831-1870). v.2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p.13-51
22
VON MARTIUS, Karl Friedrich Philipp. Como se deve escrever a História do Brasil. Revista do IHGB, Rio
de Janeiro, vol. 6, n. 24, p. 384-401, jan. 1845; VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brasil.
Rio de Janeiro, E. e H. Laemmert, 1854.
23
CORRÊA, Mariza. As ilusões da liberdade: a Escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. Bragança
Paulista, Editora da Universidade São Francisco, 2001.
105
A raça negra no Brasil, por maiores que a tenham sidos os seus
incontestáveis serviços à nossa civilização, por mais justificados que sejam
as simpatias de que a cercou o revoltante abuso da escravidão (...) ha de
constituir sempre um dos fatores de nossa inferioridade como povo (...)24

Outra figura de destaque nesse contexto foi Silvio Romero, um dos primeiros homens
de ciência que no final do século XIX encarou a questão da mestiçagem no Brasil,
reconhecendo a sociedade como multirracial. Silvio Romero utilizou os modelos norte
americanos e europeus, adaptando-os a realidade nacional, sem, contudo, descartar a
superioridade da raça branca. Expoente da geração de 1870 25, Silvio Romero, em diálogos
constantes com escritores românticos, criticou a falta de objetividade e de compatibilidade
entre a narrativa e o real. Sendo um dos principais autores que buscou analisar o tipo
brasileiro, Silvio Romero incluiu o negro como figura de destaque nesse processo, e,
diferentemente de Nina Rodrigues, tratou do tema da inserção do mulato na sociedade
brasileira. Sua obra, por ser extensa, possuiu diferentes e ambíguos significados,
principalmente, no que diz respeito a sua posição teórica em relação aos mestiços. Sem
admitir a total degeneração destes, chegando em alguns momentos a demonstrar certo
otimismo em relação ao futuro do mulato, deixava explícita sua aceitação da superioridade
branca europeia. Tanto que, uma de suas propostas para o embranquecimento da população
brasileira foi o incentivo a imigração, principalmente de alemães, proposta esta, não rara nos
círculos intelectuais e políticos que necessitavam lidar com a crescente questão dos “não-
brancos” na sociedade. Segundo Maria Tereza Chaves de Mello 26, Silvio Romero não
entendia o mestiço a partir de uma soma de três diferentes raças, mas sim como um novo tipo
racial que compunha a raça brasileira, síntese da originalidade nacional e a base através da
qual se daria o embranquecimento.
Tanto para Sílvio Romero, como para grande parte dos intelectuais que lidavam com
temática racial agregada à nacional, o tipo mestiço era único e natural da América,
principalmente do Brasil. Admitia-se a mistura, sem, contudo, descartar a superioridade racial
do branco e a inferioridade do índio e do negro. O mestiço aparecia, portanto, como categoria
intermediária do processo evolutivo, não se constituindo em impeditivo ao avanço

24
RODRIGUES, Nina. Os Africanos no Brasil. São Paulo: Cia. Editor Nacional, 1932. p. 17. In: CORRÊA, Op.
Cit.
25
A respeito desses intelectuais cf. ALONSO, Ângela. Ideias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil
Império. São Paulo: Paz e Terra, 2002; SALLES, Ricardo. Nostalgia Imperial: escravidão e formação da
identidade nacional no Brasil do Segundo Reinado. Rio de Janeiro: Editora Ponteio, 2013.
26
MELLO, Maria Tereza Chaves de. A República Consentida: cultura democrática e científica do final do
Império. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.
106
civilizacional. Nesse sentido, a mestiçagem serviu como legitimação para demonstrar que o
Brasil possuía um futuro otimista em direção ao progresso racial e, consequentemente,
cultural frente aos países do Norte.
Obviamente, essas múltiplas teorias que lidavam com a mestiçagem, enquanto
realidade social, precisavam conviver com o paradoxo de almejar uma população branca para
o país. Por isso, notamos para o caso do Brasil, e também para alguns países da América
Latina, a disseminação do que atualmente denominamos de “ideal de branqueamento” –
espécie de “mito” que projeta transformações e melhorias baseadas na cor, e que serviu como
base interpretativa das relações sociais brasileiras durante parte do século XIX e XX. De
maneira geral, acreditava-se que o cruzamento entre duas “espécies” de cores diferentes
gerava naturalmente uma população mais clara, uma vez que os genes brancos eram
supostamente superiores e mais fortes. Além disso, acreditava-se que a população negra
diminuía por uma relação entre as taxas de natalidade (supostamente menores entre os negros)
e expectativa de vida. Por fim, partiam do princípio de que era necessário incentivar a
imigração, principalmente europeia, para o Brasil. O objetivo, claramente, girava em torno de
aumentar a porcentagem de “brancos puros” em relação aos negros e mestiços. Tais ideais
alimentaram conteúdos discriminatórios que possuem ecos ainda nos dias de hoje e levantam
questionamentos sobre o racismo e os limites da cidadania do negro no Brasil.
É preciso lembrar que, ao lado do crescimento das teorias raciais que apontavam para
a superioridade do tipo branco e que serviram de alicerce tanto para condenar como para
justificar a escravidão, perduraram no contexto brasileiro, por todo o século XIX, noções
fortemente influenciadas em ideais religiosos para explicar as disparidades no
desenvolvimento dos indivíduos. Como apontado por Andreas Hofbauer, na fase inicial da
expansão europeia o conceito de “negro” estava associado, primordialmente, a noções éticas e
religiosas que vinham acompanhadas por interpretações geográfico-climáticas a respeito da
origem das diferenças. Nesse sentido, as heterogeneidades se justificavam primordialmente
por um processo físico-natural que, em última instância, expressava a sabedoria divina. Tais
argumentos de teor religioso tinham reflexos não apenas nos discursos de jesuítas como na
própria intelectualidade brasileira, que, mesmo no desenrolar do Oitocentos, ainda não tratava
a questão da cor como um dado puramente biológico, como veremos através da análise das
fontes. Dessa maneira, podemos afirmar que, para além do crescimento da ciência e do
progresso intensificados com o desenrolar do século XIX, as explicações para as diferenças

107
entre os indivíduos não estavam, por completo, desconectadas de imagens religiosas e
simbólicas a respeito do branco e do preto no Brasil.27
Longe de serem formulações teóricas simples, as ideias sobre os modelos e categorias
raciais foram pensadas e repensadas. Carregavam o peso de enquadrar o Brasil nos moldes da
civilização europeia, encarando de maneira realista a questão do grande número de uma
população mulata. Esses pensadores assumiram o compromisso de transformar ou adaptar as
teses racialistas estrangeiras à realidade nacional multirracial, a qual não podia mais ser
descartada com o fim da escravidão. Por isso, muitos desses homens fizeram do mestiço o
distintivo da peculiaridade nacional. No entanto, essa característica sempre esteve associada a
noções sobre o “melhoramento da raça”, obviamente, via embranquecimento. Como afirmado
por Andreas Hofbauer, o ideário em torno da noção de embranquecimento se consolidou, para
o caso do Brasil, em “prática social”. Seu conteúdo, por possuir uma carga de ambiguidade
acerca das definições em torno das categorias de cor, encobriu aspectos discriminatórios e
possibilitou a manutenção de um poder patrimonial-escravista no pós-abolição. Além disso,
dificultou a formação de identidades coletivas centradas nas ideias de raça e a implantação de
projetos sociais e políticos de cunho nacional, voltados para a extensão dos direitos de
cidadania aos negros no Brasil.
Tendo em vista essa característica de ambivalência acerca das demarcações das
qualidades raciais no contexto brasileiro, foi importante atentarmos para o uso impreciso e
flexível das denominações de cor, que se confundiam com raça, e que eram negociadas
cotidianamente de acordo com as relações de poder numa sociedade patriarcal como o Brasil.
Em outras palavras, pudemos concluir que as percepções das cores eram muitas vezes
influenciadas por concepções de mundo, projetos políticos e posições na hierarquia social. As
definições das diferenças eram, portanto, fluidas e ambíguas. Para complexificar ainda mais
esse processo, precisamos lembrar que ao longo de todo o século XIX as percepções sobre
raça sofreram inúmeras redefinições acerca dos critérios avaliativos de inclusão e exclusão,
que para além de se basear em discursos científicos e naturalizados, não se desfaziam de
conteúdos religiosos e históricos para a definição das diferenças. O conceito de raça, quando
empregado dessa forma, era passível de evolução via educação e convívio social adequado.
Tal noção, como veremos adiante, estava fortemente presente no seio da imprensa brasileira
que imputará o atraso do negro mais a seu passado de escravidão, do que a uma degradação
biológica de sua raça.
27
HOFBAUER, Andreas. Uma História do Branqueamento ou o Negro em Questão. São Paulo, UNESP: 2006,
p. 158.
108
A utilização de diferentes termos e categoriais sociais alusivos à raça e a cor é uma
questão de fundamental importância para compreendermos o que essa sociedade pensava
acerca dessas mesmas categoriais. A terminologia empregada na definição, e raras às vezes,
na autoidentificação de descendentes de africanos no Brasil no final do século XIX, nas
diferentes documentações pesquisadas, era extremamente diversificada. Empregavam-se
termos como homens de cor, negros, raça negra, mulatos, pardos, “classe dos homens de cor”,
como uma série de gradações e caracterizações para a cor da pele. Nas fichas relativas aos
presos na Casa de Detenção28, por exemplo, encontramos registros os mais diferenciados na
classificação a respeito da cor dos indivíduos: fulos, acobreados, acaboclados, morenos (claro
e escuro), pretos, pardos, entre outros. Em relação à imprensa, pudemos notar que em diversos
artigos, inclusive de um mesmo jornal, eram utilizadas terminologias diferentes, muitas vezes
como sinônimas. A utilização de múltiplos termos raciais para descrever e designar pessoas e
grupos reflete a dificuldade de se compreender as categorias cor e raça – recém desenvolvidas
e aprofundadas no Brasil com o desencadeamento do processo abolicionista –, e suas relações
com a formação de uma identidade nacional. Vejamos de que forma a imprensa se utilizou e
reproduziu essas distinções raciais a partir dos eventos envolvendo a Guarda Negra, que
foram fortemente racializados por distintos projetos de poder – liberal, conservador e
republicano – e utilizados com objetivos ideológicos diversos.

2.2 Os embates raciais e a Guarda Negra

Sem sombras de dúvidas podemos afirmar que a Guarda Negra surgiu em um contexto
de fortes tensões raciais e intensa politização da Corte. Inserida nessa conjuntura, na qual se
estabeleciam os antagonistas das cenas políticas no cenário do pós-abolição, a imprensa
também contribuiu – a seu modo – para a racialização das tensões em torno dos libertos, suas
possibilidades de ação e seus lugares sociais. Utilizar os discursos de manipulação política e
racial que inferiorizavam os negros foi uma das principais estratégias utilizadas pela
imprensa, principalmente de orientação republicana, como vimos no capítulo 1. Tendo em
vista a entrada massiva das teorias raciais estrangeiras, reinterpretadas no Brasil, é importante
ressaltar que o mundo letrado acionava cada vez mais aspectos biológicos e históricos para a
explicação dessa inferioridade do negro. A possibilidade da participação política nos espaços
públicos por parte dos homens de cor e seus descendentes, juntamente com a emersão das

28
As fichas serão analisadas no quarto capítulo da tese.
109
questões raciais, aflorou o medo – em parte real, em parte supervalorizado – de um
revanchismo contra os brancos. Foi, nesse sentido, que os acontecimentos envolvendo a
Guarda Negra levantaram questionamentos sobre as cisões raciais no Brasil e o lugar de
cidadania reservado aos homens de cor no pós-abolição, e é nesse aspecto que focaremos o
nosso trabalho a partir de agora.
Quando a escravidão foi extinta, toda uma complexa montagem da sociedade
patriarcal e autoritária foi reorganizada e explicitada em atitudes diversas, seja da imprensa,
de policiais, de ex-senhores e dos próprios homens de cor. O que procuramos entender foi,
portanto, como a abolição da escravidão desorganizou e reestruturou o sistema hierárquico
das relações sociais e raciais no Brasil. Fazer transbordar para a sociedade livre da escravidão
as regras sociais do mundo escravista foi o objetivo e intensão principal das elites senhoriais,
garantindo-lhes a exclusividade da condição de cidadão no Brasil. Essa dubiedade entre uma
sociedade livre, mas que tentava garantir e manter as relações de dominação escravista,
buscava entender o papel do liberto em meio a conquista de direitos civis e políticos. Nesse
sentido, não poucas vezes a abolição foi sinônimo de desordem e a ação de negros nas ruas, a
exemplo da associação da Guarda Negra, foi encarada como risco de subversão da ordem
social, que até então reservava aos brancos a exclusividade das decisões políticas.
Em todo esse contexto, como nos chama atenção a historiadora Wlamyra de
Albuquerque, se é um completo exagero afirmarmos em uma possibilidade de guerra civil
entre as raças negra e branca no Brasil, o clima político e social também não era de calmaria e
sossego29. As disputas em torno das ideias de nação e cidadania, em especial dos homens de
cor, se encontravam num complexo campo interpretativo, mas que ultrapassavam a retórica e
eram percebidas no cotidiano dos grandes centros urbanos, em locais do interior e nas
fazendas de antigos senhores. Em meio as tensões políticas e sociais, que muitas vezes
refletiam visões de mundo distintas, entravam no jogo republicanos e monarquistas, ainda
divididos em liberais e conservadores. Nessa conjuntura, a possibilidade do desencadeamento
de conflitos raciais preocupava a todos os envolvidos, quaisquer que fossem suas filiações
partidárias. Soma-se a tudo isso, o fato de que os discursos que inferiorizavam o negro,
biológica e socialmente, tinham cada vez mais legitimidade junto à população, já que nesse
momento os debates científicos estavam à procura de sancionar suas teorias acerca da
inferioridade dos homens de cor, não apenas recorrendo ao seu passado de escravidão, como
também a perspectivas biologizantes acerca das diferenças raciais.
29
ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 2009.
110
É claro, que o preconceito da origem racial dos libertos era marcado por uma sutil e
poderosa memória social impregnada no imaginário ainda patriarcal e escravista que nem
sempre se conectava com uma visão cientifica sobre as diferenças raciais. Nada disso impediu
que inúmeros conceitos e categorias de raça fossem utilizados, das mais diferentes formas e
contextos. Para o caso deste capítulo, procuramos perceber que as questões alçadas nos
embates que envolveram a Guarda Negra levantaram temáticas raciais que colocaram em
risco a própria associação, a noção de identidade brasileira que se queria cunhar e mesmo o
sistema de governo monárquico. Esse tipo de argumentação, quase sempre, levava em
consideração a ascensão de disputas entre negros e brancos vista, até então, como não
pertencentes ao Brasil. Obviamente a ideia de nacionalidade que se procurava edificar deveria
ser afastada desse tipo de herança escravista e do ódio racial. A imprensa, tanto monarquista
como republicana produziu acerca desses assuntos inúmeros artigos que evidenciavam um
temor, em grande parte retórico, de uma possível guerra civil entre os tipos raciais preto e
branco. Esse recurso de oratória foi fortemente utilizado para caracterizar os verdadeiros
motivos e intenções da associação da Guarda Negra, que acima de todas as coisas teria sido
criada para difundir os ódios raciais e atacar a raça branca, em uma espécie de revanchismo.

Como se vê, (...) o governo dos senhores João Alfredo, Ferreira Viana,
Prado, etc. autorizam e promovem (...) uma ameaça insensata contra os
lavradores e a gente branca (...). Se tal procedimento não é um insensato
incitamento às más paixões e ódios contra a gente da sociedade educada,
quando tantos elementos de perversão social já tem espalhado com o
ministério de 10 de Março, vivendo fraudulentamente perante a letra da
Constituição política, traindo a realeza e atacando a integridade do império,
não sabemos o que seja30.

Para o Jornal A Pátria: folha da província do Rio de Janeiro, cujo redator chefe era
Carlos Bernardino de Moura31, e caracterizado por Machado de Assis como uma “folha

30
A Pátria (RJ), 23 dez. de 1888, p. 03.
31
Carlos Bernardino de Moura fez parte do grupo político dos liberais radicais no período da Liga Progressista
(1862-1868), e foi orador das Conferências Radicais no Rio de Janeiro. Opositor dos conservadores, Carlos
Bernardino nos anos 1850 e 1860 fundara o periódico A Pátria, que circulou desde 1851, o Echo da Nação, que
circulou de 1860 a 1861 e A Revolução Pacífica, um seminário editado em Niterói em 02/02/1862. Segundo José
Murilo de Carvalho, esse grupo de radicais, após o “golpe conservador” de 1868, criou o Clube Radical e, dois
anos depois, o Partido Republicano no Rio de Janeiro. Cf. CARVALHO, José Murilo de. Liberalismo,
radicalismo e republicanismo nos anos sessenta do século dezenove. Working Paper Number CBS-87-07. Centre
for Brazilian Studies University of Oxford. http://www.lac.ox.ac.uk/sites/sias/files/documents/WP87-murilo.pdf;
BRASIL, Bruno. A Revolução Pacífica. https://bndigital.bn.gov.br/artigos/a-revolucao-pacifica/
111
democrática”32, a situação estava clara: o governo imperial, sob a regência da princesa Isabel
e sob o comando ministerial do conservador João Alfredo de Oliveira, tinha como estratégia
política incitar o ódio de negros contra a gente branca – única parcela da sociedade “bem
educada”. A organização da Guarda Negra teria sido assim, um mecanismo encontrado pelo
governo para “a defesa da monarquia contra a raça branca, especialmente a lavoura e o
comércio”33. A associação tinha sua intenção bem definida, e mais do que isso, a intenção do
governo a partir dos usos que fazia dos homens de cor era precisa: atingir a grande
propriedade agrícola e a elite branca deflagrando ódios por todos os lados. Esse foi um
mecanismo largamente utilizado pela imprensa como forma de deslegitimação do poder
imperial e do Ministério 10 de março, bem como da própria Guarda Negra, que, ao fim, foi
marginalizada em todo o país por ser associada ao incitamento de ódios raciais.
Algumas semanas depois da edição anterior, em 13 de janeiro de 1889, o mesmo
jornal voltava a publicar uma matéria intitulada Seção Complexa, na qual tornava ainda mais
evidente o que entendia sobre as consequências da lei que aboliu a escravidão no Brasil, além
de esclarecer seu julgamento acerca das ações do ministério 10 de março e seu suposto apoio
à Guarda Negra:

(...) depois da lei revolucionária da abolição servil, fazer entrar


imediatamente no meio político brasileiro a raça preta, cuja cor é apenas
acidente, liberta de momento, sem noção do bem e do mal, da constituição
da família e do valor ou fomento do trabalho; e tomar o seu pessoal assim
aviltado para com ele organizar uma guarda de defesa à suposta ou real
realeza redentora, é cúmulo, não diremos de insensatez, mas da
perversidade, porque assim se ameaça a raça branca, provoca-se uma reação
cujas consequências ninguém pode positivar de momento.34

O artigo seguia afirmando que aqueles que compunham a associação de negros eram
indivíduos que vinham sendo manipulados e usados pelo governo imperial de maneira
perversa, sem noção de bem e mal, explorados durante três séculos e que, portanto, estariam
despreparados para a vida em liberdade e para os direitos e deveres sociais. Esses homens,
sem nenhuma noção de ensinamentos e organização de família, se constituíam em elementos
perigosos para a segurança dos indivíduos e suas propriedades. Aproveitava-se o ensejo
contra a associação da Guarda Negra para fazer valer inúmeras críticas a respeito da forma

32
ASSIS, Machado de. Bala de estalo. In: Idem. Crônicas escolhidas. Seleção, Introdução e notas de John
Gledson. São Paulo: Ed. Pinguim (Cia das Letras), 2013, nota 2.
33
A Pátria (RJ), 13 de jan. de 1889, p. 02.
34
Idem.
112
como foi conduzida a abolição da escravidão no Brasil. A lei Áurea, vista aqui como
revolucionária, teria deixado os antigos senhores à sua própria sorte para lidar com a questão
da produção, enquanto fazia entrar imediatamente na arena política uma raça preta
considerada despreparada e inferior. Podemos notar que, o que pareceu ser o incômodo maior
do enunciador da notícia – que não deixou sua assinatura – era, na realidade, a ruptura das
antigas hierarquias sociais que colocava no mesmo campo político ex-senhores e ex-
escravizados, agora constantemente caracterizados pela sua raça em negros e brancos.
Interessante notarmos que apesar de haver alusão à inferioridade da raça negra, os
argumentos não se dão no âmbito biológico. O autor do texto ao afirmar que a questão da cor
preta era acidental já estaria indo contra uma perspectiva científica acerca das raças. O
anatomista francês Robert Knox (1791-1862)35, por exemplo, em sua obra As raças humanas,
deixava claro que: “raças humanas não são resultado de acidentes, não são convertidas uma na
outra por algum artifício criativo”36 e ratificava a percepção de que acreditar em qualquer
forma de superação das debilidades raciais era contracientífico. Para ele, nenhuma diferença
moral que existisse entre as raças humanas era passível de superação via educação, religião ou
clima. O autor de nosso artigo no jornal A Pátria, no entanto, exprimia que o atraso racial do
povo negro estaria, acima de tudo, relacionado ao seu passado de escravidão, o que nos leva a
perceber que, mesmo utilizando a terminologia raça negra e raça branca, o artigo não recorre
somente e completamente às ideias biologizadas e científicas típicas do universo europeu e
norte americano.
Retomando a leitura do artigo anterior, do jornal A Pátria (RJ), podemos pensar na
possibilidade de que, provavelmente, a questão do conflito racial estivesse sendo
supervalorizada para esconder um incômodo mais profundo: a quebra de antigas hierarquias
sociais que a abolição da escravidão trouxe à tona37. O artigo seguia no seu lamento sobre a
forma como se deu o fim das relações de trabalho escravistas, afirmando que as classes
produtoras haviam sido espoliadas de uma propriedade legitimada pelo direito

35
Robert Knox nasceu na Escócia em 1791 e foi um importante anatomista, zoólogo e etnólogo. Apesar de sua
grande trajetória acadêmica, sua reputação acabou abalada por se envolver na compra de cadáveres
(provavelmente assassinados) para dissecação. Tendo sua imagem comprometida, foi viver em Londres, onde
deu continuidade a sua vida científica. Faleceu em 1862. https://www.ed.ac.uk/alumni/services/notable-
alumni/alumni-in-history/robert-knox
36
KNOX, Robert. The races of Men. Miami: Mnemosyne Publishing, 1969, p. 14. In: HOFBAUER, Andreas
“História do branqueamento”, p. 125.
37
O discurso do A Pátria, vem de encontro com a tese de José Murilo de que “a passagem do radicalismo para o
republicanismo, embora se apresentasse como radicalização política, foi de fato um retrocesso conservador se
levada em conta a maior questão social da época, a abolição da escravidão”. “Republicanismo e radicalismo”. In:
CARVALHO, José Murilo e NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. (Orgs.). Repensando o Brasil do
Oitocentos: cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
113
consuetudinário e que agora se viam ameaçadas justamente por aqueles que tinham sido seus
escravos durante séculos e que, “necessariamente, tem ódios inveterados a satisfazer”. É
claro, que para essa elite política branca a ruptura das antigas relações de dominação,
representava também, um receio real de revanchismo por parte da antiga propriedade escrava,
principalmente quando ela se fazia presente em manifestações públicas e agitações políticas,
ocupando espaços antes relegados à população branca e livre. No entanto, acreditamos na
possibilidade de que as cisões raciais também estivessem sendo utilizadas e supervalorizadas,
principalmente por parte da imprensa, como mecanismos retóricos, cuja finalidade era
alcançar objetivos políticos maiores, como o apoio ao movimento republicano e indenizatório
e a depreciação da Monarquia. Observaremos tais questões em outros artigos e periódicos.
No jornal de viés republicano O Paiz, já citado no capítulo anterior, também
verificamos o recurso ao ódio racial para relatar as ações da Guarda Negra. Por ocasião do já
mencionado conflito do dia 30 de dezembro, que encheu a imprensa carioca e nacional de
artigos e relatos sobre essa associação de negros, o periódico explicava em suas páginas que
os republicanos “tinham dado às lutas abolicionistas o mais precioso de suas atividades” 38, e
que apesar disso teriam sofrido um verdadeiro ataque de ingratidão incentivado pelos ódios
raciais. O 13 de maio havia então “se ofuscado na penumbra de uma luta sangrenta, em que o
ódio de raças armava os cidadãos da mesma pátria uns contra os outros na obra da
destruição!”39. Seria a guerra racial o legado do 13 de maio? Esse era o receio demonstrado
pela notícia que circulava no jornal. E mais ainda, estaria a completa desordem deflagrada
tendo em vista a nova realidade social do cidadão negro? Qual seria o destino do país agora
livre? A verdade é que esse tipo de pergunta rondava toda a sociedade brasileira após a
completa emancipação dos cativos. Enquanto parte dos abolicionistas intencionava dar
continuidade aos seus projetos de reformas sociais visando à igualdade de condições para o
negro, importantes segmentos da antiga elite senhorial ressentiam-se com as projeções de
futuro e a quebra das antigas hierarquias. E deixavam entrever, em meio a seus medos e
desejos, uma fala cada vez mais marcada por noções de disciplinarização, preconceitos e
distinções raciais.
Assim como os republicanos, a imprensa liberal atacava o gabinete conservador se
utilizando de estratégias políticas e retóricas muito parecidas. Para o jornal a Tribuna Liberal,
o ódio de raça já estaria, definitivamente e imprudentemente, sendo “implantado no seio da

38
O Paiz, 05 jan. 1889, p. 02.
39
Idem.
114
pátria” pela antipatia e inimizade entre brancos e pretos instigada pelas Guardas Negras40. Em
17 de maio de 1889, a folha reforçava que um dos objetivos do chefe conservador era “atiçar
no país o brasão da discórdia, dividindo a população em duas partes”. O artigo seguia
afirmando não entender os motivos que levaram João Alfredo a convicção de ser necessário
tratar os ex-senhores com suspeição e como “raça inferior à dos novos cidadãos”. Para além
do medo da superação e transformação da ordem social e racial vigente, o artigo acionava o
temor de um revanchismo negro, bem como da perda de propriedades de terras, apontando
que o ministério estaria esboçando um projeto de expropriação e distribuição de pequenas
propriedades aos antigos escravizados: “A fala do trono recentemente lida no parlamento,
anunciou ao país que vai ser proposto um projeto de lei agrária para o fim de esbulhar os
lavradores das terras que se acharem desaproveitadas”.41
O mesmo tipo de ataque era direcionado ao periódico de Patrocínio, encarado
frequentemente como órgão oficial do gabinete conservador. Tanto era assim, que o Jornal do
Recife42, de orientação liberal, espalhava para o Norte do país a notícia que a dita folha
governista continuava a fomentar uma guerra de raças, “como se a questão fosse, não entre
monarquistas e republicanos, mas entre brancos e negros”. E voltava a acionar a percepção
imaginária de uma antiga harmonia racial existente nos tempos da escravidão que,
supostamente, vinha sendo rompida após a conquista da liberdade: “Em um país onde mesmo

40
O jornal atestava que, em contrapartida, na Corte já vinha se reunido uma Guarda Patriótica formada por
homens brancos, com o objetivo de impedir às ações da Guarda Negra. Tribuna Liberal, 08 jan. 1889, p. 01.
41
Tribuna Liberal, 17 mai. 1889, p.01.
42
O Jornal do Recife, como seu próprio subtítulo afirmava, foi, em princípio, uma “Revista semanal” de
“Sciencias – Lettras – Artes”. Seu número de lançamento foi publicado em 1° de janeiro de 1859, sendo José de
Vasconcellos seu fundador, proprietário e diretor-redator. Era editado com oito páginas e sua sede funcionava na
Livraria Acadêmica, à Rua do Collegio (ultimo quarteirão, ao sul, da atual Rua do Imperador) n° 21. Dentre os
objetivos centrais do jornal destacava-se a intenção de “Trazer os nossos leitores a par de todo o movimento
social, quer no mundo da politica, quer no da sciencia, quer no da indústria” A partir de 1° de junho de 1880 o
Partido Liberal passou a ter uma coluna fixa no jornal, o que variou de acordo com o período, para a “defesa dos
seus amigos e do governo”. Sobretudo a partir de 1883, o periódico passou a engajar-se com a questão
abolicionista, tendo apoiado as candidaturas de Joaquim Nabuco e José Mariano nas eleições para deputados
distritais. Quando instaurada a República, na edição do dia 21 de novembro, o principal artigo político sugeria
aceitação da nova forma de governo, considerando esse o ato mais prudente a se fazer. Cf. BRASIL, Bruno.
Jornal do Recife. https://bndigital.bn.gov.br/artigos/jornal-do-recife/; IHGB. Sócios Falecidos Brasileiros.
https://ihgb.org.br/perfil/userprofile/josedvasconcelos.
Segundo Marc Jay Hoffnagel, em 1887, o Jornal do Recife foi adquirido por Luiz Filipe Sousa Leão, um dos
líderes do Partido Liberal em Pernambuco, “para servir de veículo oficial do partido” e era antiabolicionista.
HOFFNAGEL, Marc Jay. O Partido Liberal de Pernambuco e a questão Abolicionista, 1880-1888. Clio-Revista
de Pesquisa Histórica, nº 23, 2005, p. 19.
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/download/24831/20104. Luiz Nascimento tem uma outra
leitura sobre a relação do Jornal do Recife com o Partido Liberal. Segundo Nascimento, em 1° de abril de 1887,
o jornal foi adquirido por uma Sociedade Anônima, cujos representantes eram Sigismundo Gonçalves e Ulisses
Viana, e que “pela terceira vez, contratou o Partido Liberal, a partir de 1° de junho de 1887, uma coluna
destinada a defender seus pontos de vista (...)”. Cf. NASCIMENTO, Luiz. História da Imprensa de Pernambuco
(1821-1954). Vol. II, Diários do Recife – 1829-1900. Recife: Imprensa Universitária-UFPE, 1966, p. 115-117.
http://www.fundaj.gov.br/geral/200anosdaimprensa/historia_da_imprensa_v02.pdf.
115
no tempo da escravidão não houve distinção de raças, aparece um governo que, depois de
estarem todos iguais pela liberdade, açula as ruins paixões que aquele sentimento pode
produzir”.43
Como podemos notar, nessa conjuntura foi extremamente comum o uso de um recurso
retórico que vinculava a exaltação e exacerbação dos ódios e conflitos raciais aos objetivos do
governo imperial, tratado como incitador das ações da Guarda Negra. Ao mesmo tempo,
difundia-se a noção de que os republicanos galgavam estabelecer e garantir a ordem e a
harmonia racial. No panfleto republicano, O Grito do Povo44, de propriedade de João Ferreira
Polycarpo, publicado no Rio de Janeiro em 18 de outubro de 1888, notamos claramente a
intensão de exaltar a qualidade dos republicanos de promover a união nacional a partir da
percepção de fraternidade entre as raças, em contraste com os adeptos do sistema de governo
monárquico, que tinham a intenção de promover a desordem nacional através de embates
raciais.

E os republicanos provam a sua alta e nobre aspiração de concórdia e


colaboração fraternal no trabalho, chamando a si os negros, sentando-os à
mesma mesa, nos seus banquetes patrióticos, quando, entretanto, a política
de outros cava o ódio de raças, criando a guarda negra, não para bem dos
negros, mas por amor a monarquia. 45

O panfleto continuava sua narrativa anunciando que a chapa republicana era


composta pelos mais diferentes setores sociais: lavradores, médicos, comerciantes advogados,
industriais. Juntos, esses homens queriam, acima de todas as coisas, a “conciliação entre
capitalistas e proletários, proprietários agrícolas e trabalhadores” de modo a garantir o
funcionamento fraterno e harmônico de todos os órgãos sociais “na obra do progresso da
pátria”46. A tentativa era, obviamente, acusar a Guarda Negra de fomentar ódios raciais,
enquanto os republicanos contribuíam para a concórdia nacional e chamavam os negros para
sentarem-se a mesa ao lado dos brancos. O enunciador das ideias republicanas aproveitava a
ocasião para tranquilizar a antiga elite senhorial, preocupada em manter seus privilégios, e
reforçar que o objetivo dos adeptos da República não era “dissolver a pequena minoria dos

43
Jornal do Recife, 08 jan. 1889, p. 02.
44
O Grito do Povo foi fundado em 18 de junho de 1887, com uma clara filiação republicana. Seu proprietário
era João Ferreira Polycarpo. A redação e o escritório do jornal encontravam-se na Rua Uruguaiana n° 61, sendo
no ano de 1888 transferidas para a Rua do Rosário, n° 77. Ainda no seu número de estreia reforçava a
necessidade de instauração do tipo de governo republicano para que o Brasil, finalmente, seguisse o caminho do
progresso e da civilização. Cf. O Grito do Povo, 18 jun. 1887, p. 01.
45
O Grito do Povo, 18 out.1888, p.03.
46
Idem.
116
senhores de escravos na grande massa do povo”, o que abalaria as estruturas de organização
social e fomentaria a desordem, mas sim, nivelar as condições sociais, civis e políticas, que a
Monarquia havia feito questão de tornar antagônicas e, dessa forma, conseguir finalmente,
“igualar pretos e brancos”:

O verdadeiro ideal republicano virá fatalmente caracterizar a tendência do


partido republicano: confundir negros e brancos na corporação da pátria, o
que é coisa muito diversa de dissolver os proprietários agrícolas na massa
social – ideal genuinamente, puramente comunista. 47

Como veremos adiante, o desfecho da conjuntura abolicionista envolveu talvez, mais


elementos que se questionavam a respeito da questão nacional do que apenas o fim do
cativeiro em si mesmo, portanto, acionar a noção de ódios e conflitos raciais feria a percepção
de pátria que se queria edificar. As noções sobre raça estiveram no cerne das tensões que
envolveram a intelectualidade brasileira no pós-abolição, divida em dois projetos nacionais e
políticos principais, a República e a Monarquia. Os usos retóricos dessa possibilidade real de
um conflito racial dentro da sociedade brasileira, claramente composta por grande parte de
negros e mestiços, serviram a interesses diversos, mas especialmente para deslegitimar o
governo imperial a partir da corporação da Guarda Negra, supostamente apoiada pelo
ministério 10 de março e angariar apoio ao movimento republicano.
Os confrontos entre a associação da Guarda Negra e os grupos republicanos, uma vez
racializados, chegaram a gerar e fomentar comparações entre a realidade brasileira e os EUA.
Concordamos que esse tipo de comparação fazia parte de um exagero retórico com fins
políticos, mas também nos permitiu assegurar que as tensões entre negros e brancos eram
reais. Nessa contenda, o modelo de segregação racial norte americano era ilustrativo do que
não deveria acontecer no Brasil e a ideia que a imprensa transmitia era de que este tipo de
segregação e tensão, baseado na exclusão e no ódio racial, estaria iminente de irromper no
país, o que necessitava ser evitado por todos os meios possíveis. Esse claro exagero discursivo

47
O Grito do Povo: panfleto republicano, 1889, p. 12.
Claudia Santos, ao utilizar como fonte o jornal O Grito do Povo para analisar a questão fundiária na transição da
Monarquia para a República, salientou que o “panfleto republicano”, apesar de apresentar propostas que se
distanciavam do projeto da Confederação Abolicionista, possuía uma visão reformista que associava o fim da
escravidão a outras transformações estruturais visando à inserção do liberto no pós-abolição, em especial sobre o
acesso à terra e à melhores condições de trabalho. Para a autora, o jornal ainda buscava afastar a ideia de que
após a libertação o negro abandonaria as antigas fazendas e viveria do ócio. No entanto, a nosso ver, o panfleto
buscou muito mais a conciliação de uma visão de Nação, algo que a monarquia não fez segundo o “panfleto”, do
que promover de fato a distribuição da propriedade. SANTOS, Claudia. A Questão Fundiária na “transição” de
Monarquia para a República. In: MOTTA, Márcia (org.) Direito às avessas. Rio de Janeiro: EDUFF/
UNICENTRO, Coleção Terra, 2011, p. 225.
117
serviu, obviamente, para atacar a Guarda Negra e, num mesmo golpe, abalar a Monarquia.
Para a Gazeta de Notícias, por exemplo, em artigo relatando os acontecimentos relativos aos
enfrentamentos do dia 30 de dezembro de 1888, envolvendo republicanos e a corporação de
negros nas ruas do centro do Rio de Janeiro, essa questão estava clara:

É infalível e indispensável que os brancos, já provocados, armem-se para a


defensiva, e em breve veremos no Rio de Janeiro a reprodução de cenas
havidas nos Estados do Sul da União Americana, depois da abolição da
escravatura, em que os negros eram mortos a cada canto e por
insignificância”.48

A ideia transmitida pelo editorial era a de que, em virtude das ações violentas dos
negros que integravam o grupo em defesa da princesa Isabel e da Monarquia, restava aos
brancos se armarem como mecanismo de autodefesa. Esse fato, no entanto, faria emergir no
Brasil um cenário similar ao que ocorreu nos Estados Unidos, revelando confrontos raciais, e
isso era visto como algo completamente negativo. Se a associação entre América e liberdade
aparecia não poucas vezes demonstrando a força simbólica representada pelos Estados Unidos
como sendo a terra, por excelência, do livre-arbítrio e das instituições democráticas de
governo, a questão racial norte americana demarcava o atraso desse país na construção de sua
nacionalidade. Ao trazer à tona a experiência americana de segregação racial, letrados
brasileiros galgavam um aspecto próprio e benéfico da nossa trajetória histórica, pautada
muitas vezes em noções de miscigenação, que confirmava a possibilidade de convívio íntimo
entre as diferentes raças. Tudo isso fazia com que o Brasil fosse admitido como uma nação
desprovida de preconceitos raciais. Esse fato, no entanto, corria risco de ser desmantelado,
graças às ações de negros contra a gente branca, causando a desordem racial e social.
Para comprovar esse tipo de argumentação, a imprensa também recorreu à trajetória
histórica brasileira, acionando a percepção de que até aquele momento, o Brasil não contava
com os elementos que teriam dado lugar à Guerra de Secessão dos EUA, mas deixava
evidente que tal fato estava em vias de ser modificado. Para ratificar a harmonia racial que
marcava a sociedade brasileira, a Tribuna Liberal, por exemplo, lembrava que as famílias dos
senhores brancos “cuidavam carinhosamente com seus filhos, os filhos de suas criadas ou
escravas pretas”. Da mesma maneira que crianças brancas eram confiadas às amas pretas, que
eram também tratadas com “reconhecimento e bondade”.49 De acordo com a narrativa da

48
Gazeta de Notícias, 02 jan. 1889, p.02.
49
Tribuna Liberal, 08 jan. 1889, p. 01.
118
folha liberal, até então no Brasil “o homem preto e o branco não se repugnam nem se repelem.
Não existe animadversão entre eles”. O espírito pacífico e conciliatório do povo brasileiro era
evidenciado pela própria experiência do fim do cativeiro, já que após o ato supremo de
libertação, os pretos teriam sido “bastante generosos para esquecer o crime de que os fizeram
vítimas os brancos, e estes bastante dignos e desinteressados para, por fim, reparar aquele
crime”. O formato de abolição brasileiro teria, portanto, consolidado a estima e a fraternidade
entre as raças. O jornal expunha tudo isso para, em seguida, demonstrar seu espanto em
relação àqueles que queriam “quebrar tão fortes e proveitosos laços de união, fomentar
dissidência de sentimentos, provocar choques de crenças, infundir ódios separatistas entre
duas raças que o clima, a vida em comum e os promíscuos interesses irmanaram”. A culpa
para tais atitudes, obviamente, era imputada aos homens de cor, já que os sujeitos brancos não
se organizavam em partidos com objetivos de inimizade racial. A criação “desses
agremiamentos hostis”, viraria em pouco tempo a “desgraça e ruína da pátria”, e aos negros
caberia toda a responsabilidade do sangue derramado pela sede de vingança. 50
No início de 1889, o jornal A Pátria (RJ), ratificava essa questão, acionando
novamente a comparação entre a conjuntura norte americana do imediato pós-abolição com o
contexto brasileiro do final do século XIX. No entanto, desta vez, a crítica à Monarquia
aparecia de maneira mais contundente, pois o Estado imperial, especialmente o gabinete 10 de
março, era narrado como sendo o sustentáculo das tentativas de manifestação dos libertos
através da instituição da Guarda Negra.

O que nos parece certo, é que as tentativas de tais libertos, (...) essas proezas
aconselhadas pela conduta do ministério autorizando a organização da
guarda negra, e os atos de seus delegados nas províncias, podem dar
sucessos lutuosos iguais aos dos Estados Unidos, logo após a extinção da
escravidão, e muito comprometer a monarquia que carece de tais
instrumentos de defesa.51

A Guarda Negra seria, portanto, um instrumento de defesa do Império e, por isso, este
saía como responsável por fomentar os ódios raciais e fazer eclodir uma suposta guerra civil
entre negros e brancos no Brasil. Claramente, esse tipo de comparação era colocado de forma
exagerada, com o objetivo de animar os ânimos e envolver a opinião pública contra a
associação de negros e contra a própria instituição monárquica.

50
Idem.
51
A Pátria (RJ), 14 fev. 1889, p. 03.
119
Apesar dos usos políticos operados por grande parte da imprensa adversária em torno
da racialização da Guarda Negra, o fato é que, tanto monarquistas como republicanos
reforçaram projetos políticos e sociais acerca do futuro da nação baseados em discursos sobre
a harmonia social entre todos os cidadãos brasileiros, independente de critérios raciais,
utilizando, como vimos, da imaginação transnacional na construção desse tipo de estratégia
narrativa. Assim, tentava-se transmitir uma forte e poderosa ideia de conciliação entre as raças
ao longo da história nacional, mesmo em um contexto de três séculos de escravidão, o que
gerava fama e motivo de orgulho no cenário internacional. Apesar do progresso material norte
americano52, a ideia transmitida era a de que aquele país não estaria à frente do Brasil no que
diz respeito aos seus aspectos civilizacionais e à formação de uma pátria, graças aos
mecanismos institucionalizados de exclusão e segregação do povo negro. No contexto
brasileiro, esse tipo de antagonismo entre as raças deveria desaparecer por completo, de modo
a levar o país para o caminho do crescimento e engrandecimento nacional. A percepção era de
que a escravidão brasileira, enquanto fato histórico formativo da nossa nacionalidade, havia
gerado fronteiras raciais pouco definidas, quando comparadas ao caso estadunidense e isso era
essencial para o futuro da pátria.
A esse respeito, a historiadora Hebe Mattos argumenta que houve um esforço da elite
letrada brasileira em evitar a racialização dos fundamentos de sustentação do escravismo
desde a primeira metade do século XIX, quando da entrada maciça das teorias racialistas norte
americanas e europeias no território nacional53. Inserida na conjuntura brasileira, já
fortemente marcada pela mestiçagem, a moderna noção de raça, em vez de se apresentar
como solução e possibilidade de perpetuação de hierarquias, era antes um problema. Tendo
em vista a quantidade expressiva de uma população livre de cor, a autora argumenta que em
vez de se demarcar fronteiras baseadas em características raciais entre os indivíduos, um

52
Comparando as rendas per capita em dólares internacional dos EUA e Brasil temos o seguinte: 1820, EUA
com U% 1.894 e o Brasil com U$ 908; 1830, EUA com U$ 2.073 e o Brasil com U$ 892; 1840, os EUA com
2.392 e o Brasil com U$ 852; 1850, EUA com U$ 2.721 e o Brasil com U$ 988; 1860, EUA com U$ 3.282 e o
Brasil com U$ 999:1870, EUA com U$ 3.683 e Brasil com U$ 1.300; 1880, EUA com U$ 4.797 e Brasil com
U$ 1.128; em 1890, EUA com 5.111 e Brasil com U$ 1.208; 1900, EUA com U$ 6.164 e Brasil com U$ 1.054.
Através dos dados, percebemos que a diferença entre os EUA e o Brasil passou de 100% em 1820, para 584%
em 1900. Além disto, o Brasil teve quatro quedas da renda per capita em 1830, 1840, 1880 e 1900. A
recuperação do PIB ocorreu com a expansão do café em 1850. Cf. TOMBOLO, G. e SAMPAIO, A. V. O PIB
brasileiro nos séculos XIX e XX: 200 anos de flutuação. Revista de Economia, v. 39, n. 3 (ano 37), p. 181-216,
set./dez. 2013, p. 203. http://revistas.ufpr.br/economia/article/view/31283/22683. A respeito das estimativas do
PIB brasileiro no século XIX Cf. ABREU, Marcelo de Paiva e LAGO, Luiz Aranha C. do. A economia
brasileira no Império, 1822-1889. Texto para Discussão n.º 584. Departamento de Economia, PUC-RJ, p. 3-5.
http://www.economia.puc-rio.br/PDF/td584.pdf
53
MATTOS, Hebe. “Racialização e Cidadania no Império do Brasil”. In: CARVALHO, José Murilo e NEVES,
Lúcia Maria Pereira das. (Orgs.). Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania, política e liberdade. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, pp. 351-391.
120
caminho mais comum no Brasil foi o silenciamento a respeito da própria cor/ raça nas
documentações oficiais, ainda que ela permanecesse como marca de discriminação e distinção
social54. De maneira diferente ocorria nos EUA, onde o sucesso da noção de raça era absoluto
e impedia o acesso aos direitos civis por parte dos negros e seus descendentes de modo
deliberado e mesmo institucionalizado, inclusive antes da abolição. Para a historiadora, a
justificativa racial para a escravidão norte americana é uma das chaves que ajuda a explicar as
limitações para a obtenção de alforria por parte do escravizado nos EUA, contribuindo,
portanto, para a perpetuação da escravidão em sua parte sul. A autora nos mostra ainda que,
desde a década de 1830, já ocorriam comparações entre os EUA e o Brasil nos círculos
intelectuais e nos debates políticos nacionais55. Os norte-americanos eram acusados de
incoerência por praticarem o segregacionismo, ao mesmo tempo em que disseminavam os
princípios de igualdade e os direitos básicos de todos os homens. O Brasil, ao negar o
pressuposto racial para perpetuação do escravismo, salvaguardava as prerrogativas liberais
que legitimavam a continuidade da escravidão. Para Hebe Mattos, os interesses escravistas
dominantes em nosso país tinham como premissa, não a raça, mais o direito de propriedade e
as antigas hierarquias sociais tradicionais do antigo Império português. Logo, acionava-se a
percepção, fortemente retórica, de que o escravo, uma vez deixado de ser propriedade,
tornava-se plenamente cidadão.
Podemos dizer, no entanto, que esse cenário começou a se transformar principalmente
a partir da década de 1870, quando da assinatura da Lei do Ventre Livre. Nesse momento, as
discussões a respeito da inserção do negro na cidadania plena deflagraram novas formas de
exclusão que muitas vezes recorreram às modernas noções de raça, o que se tornou ainda mais
iminente quando da abolição definitiva da escravidão. Ressaltamos que, dificilmente, o
conceito de raça era empregado de maneira completamente biologizada pela nossa
intelectualidade, que soube adequar e adaptar as teorias estrangeiras à realidade nacional e
misturar ciência, religião, história e determinismos físico-climáticos, como veremos adiante a
partir da análise das fontes. No entanto, se é verdade que no plano do discurso e da retórica os
atrasos imputados ao povo negro eram, em primeiro lugar, vistos como oriundos de seu

54
MATTOS, Hebe. Das cores do silêncio: o significado da liberdade no oeste escravista – Brasil século XIX. 2ª
ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. As documentações utilizadas pela autora foram, em sua maioria, ações
civis, fontes criminais e registros de casamento e óbito.
55
Para tanto, a autora parte das interlocuções do Conselheiro Antônio Pereira Rebouças, em 1832, quando dos
debates a respeito da primeira reforma da Guarda Nacional, em especial sobre a emenda do Sr. Calmon, que teve
como proposta impedir que libertos, mesmo os possuidores da quantia necessária, não pudessem ser nomeados
oficiais da dita guarda. MATTOS, Hebe. Op. Cit., pp. 374-384.
121
passado de escravidão, na prática seus lugares sociais foram fortemente demarcados segundo
critérios raciais repletos de preconceitos.
A análise dos artigos da imprensa reflete o uso constante das categorias raciais,
demonstrando que a marca da cor dos indivíduos foi com frequência salientada e reforçada. O
mesmo pode-se dizer das fontes criminais, como as fichas de matrícula da Casa de Detenção.
Nelas, as características físicas dos prisioneiros, dentre as quais a cor, estiveram sempre
presentes e não foram silenciadas. Nesse sentido, concordamos com Elione Guimarães que,
sem ir de encontro a uma historiografia que consagrou a conquista de espaços sociais aos
escravos e libertos no período escravista e no pós-abolição, atesta que suas trajetórias foram
árduas em virtude, dentre outros fatores, do forte preconceito racial que vivenciavam56. Ao
analisar a luta de afrodescendentes pela conquista e seguridade de suas terras, a autora nos
mostra que a cor e a condição de ex-cativo estiveram sempre latentes nas documentações.
Diferentemente do que detectou Hebe Mattos ao analisar os significados da liberdade
no sudeste escravista, constatando que a cor dos indivíduos esteve ausente na maioria das
fontes por ela consultadas, tanto para o período imperial como para o pós-abolição, Elione
Guimarães argumentou em sentido contrário. Em suas análises acerca da documentação civil,
criminal e da imprensa, no contexto de Juiz de Fora no século XIX e início do XX, a marca da
cor se manteve vigente, o que a permitiu investigar o tratamento dado a afrodescendentes pelo
sistema judiciário antes e depois do cativeiro e acompanhar seus múltiplos viveres e
trajetórias de vida. Segundo a autora, o negro, uma vez tornado cidadão, teve que lutar
cotidianamente para conseguir fazer desaparecer o estigma de sua cor/raça e garantir seus
direitos, frequentemente desrespeitados pelos mais poderosos e pela justiça brasileira. Sendo
assim, se para alguns setores da elite letrada houve uma tentativa de afastar o conceito de raça
das justificativas da escravidão, apartando as possibilidades de tensões raciais em uma
realidade social claramente marcada pela mestiçagem e não comprometendo a imagem de
nação que se queria edificar, a verdade é que no cotidiano dos homens negros a racialização
esteve presente de forma intensa, demarcando seus lugares sociais e seus limites de cidadania.
Como vimos até aqui, a intelectualidade brasileira, inserida nas noções de progresso e
civilização, buscava galgar uma imagem mais “evoluída” para a nação, demonstrado a
inexistência de qualquer segregação no interior do Brasil. Essa “fórmula” comprovaria o
rápido progresso de um país recém-saído de um sistema escravista que, no entanto, possuía

56
GUIMARÃES, Elione Silva. Múltiplos viveres de afrodescendentes na escravidão e no pós-abolição: família,
trabalho, terra e conflito (Juiz de Fora- MG, 1828-1928). São Paulo: Annablume; Juiz de Fora: Funalfa Edições,
2006.
122
um povo unificado, ainda que diversificado. Afinal, era necessário correr atrás dos prejuízos
que séculos de escravidão havia produzido, seja através do silenciamento e esquecimento da
instituição escravista como parte inegável na construção da nacionalidade, seja afirmando que
tal sistema não gerou problemas para a composição de um povo brasileiro unido em sua raça e
em seus direitos civis. Por isso, os periódicos de diferentes filiações partidárias tentaram
afastar de seus próprios projetos sociais e políticos questões que pudessem associá-los à
conflitos raciais. Ao mesmo tempo, tentava-se comprometer o projeto político adversário,
associando-o aos preconceitos de origem racial e às recentes cisões entre brancos e pretos
incitadas pela Guarda Negra. Se pudemos percebem que grande parte das narrativas
republicanas e liberais acusavam a Guarda Negra de promover o desequilíbrio das relações
raciais no Brasil, aqueles que apoiavam a dita associação esforçaram-se, também, para alegar
o inverso e atacar seus adversários. Assim, editoriais monarquistas passaram a insistir no fato
de que os responsáveis pelos tumultos e tensões entre as raças eram, na realidade, os adeptos
da República.

O modo como os republicanos de 14 de maio estão dirigindo a propaganda


contra as instituições vigentes, tem provocado em toda a parte do país a
maior indignação. Desnaturado o sagrado ideal da República, servem-se dele
como a arma da vingança contra a monarquia, os que não queriam e não
querem ainda agora conformar-se com a igualdade de todos os brasileiros.
Quem tem lido os panfletos e ouvido ou lido os discursos de alguns dos
oradores da república escravista, sabe de que modo fazem eles a propaganda.
(...) Contra os homens de cor são vulcânicas as expressões de ódio.57

Nesse trecho, podemos perceber que, associado aos ideais dos que se diziam
republicanos, estava a noção de que suas formas de ação eram voltadas especialmente contra
os homens de cor. As manifestações republicanas eram acusadas de agressivas e injuriosas,
chegando-se a adjetivar seus líderes de “chefes da república do ódio”. Em meio a esse embate
intelectual acerca da violência racial, retomava-se a ideia de que os grupos republicanos
aumentaram suas filiações graças ao apoio da antiga classe senhorial escravista e, é claro, que
tal fato não passou despercebido nos discursos a respeito da agressividade contra os negros
libertos. Os “assalariados do escravismo, mascarados de republicanos” 58, como assim os
caracterizou Clarindo de Almeida, chefe de polícia da Corte e intitulado chefe-geral da

57
Cidade do Rio, 31 dez. 1888, p.01.
58
Cidade do Rio, 31 dez. 1888, p.01. Nesse trecho é transcrito uma suposta fala de Clarindo de Almeida acerca
do conflito entre a Guarda Negra e os republicanos no centro do Rio de Janeiro no dia 30 de dezembro de 1888.
123
Guarda Negra, “não davam aos homens de cor o direito de discordar das suas opiniões” 59.
Aqui, notamos claramente que o embate entre republicanos e monarquistas era também
interpretado a partir da noção de conflito entre ex-senhores e ex-escravos, ou mais ainda entre
brancos e os homens de cor. O jornal Cidade do Rio acusava, na realidade, os adeptos da
República – especialmente os latifundiários, “antigos proprietários de seres humanos” – de
possuírem um inimigo específico, qual sejam os “cidadãos pretos”.
A ideia de que a imprensa republicana fomentava deliberadamente os ódios raciais,
acusando injustamente os integrantes da Guarda Negra de se voltarem contra os homens
brancos, se tornou especialmente clara em artigo intitulado A Intriga, publicado no dia 16 de
janeiro de 1889 no jornal Cidade do Rio, sem a assinatura do seu autor. Nele, notamos a
acusação feita aos “neorrepublicanos” – como eram chamados aqueles que aderiram à causa
somente após o fim do sistema escravista no Brasil –, de impopularizar a associação da
Guarda Negra acionando o ódio entre as raças. A citação é longa, porém importante:

Para impopularizar essa corporação, que é um partido político, tão legítimo


como qualquer outro, dizem os pseudo democratas que ela [guarda negra]
tem por fim armar negros contra brancos. Ressalta desta arguição os
seguintes corolários: 1º. Os republicanos de 14 de maio julgam-se os únicos
brancos existentes no país; 2º. Os republicanos de 14 de maio, que vem
trazer a época da liberdade, não aditem que os negros divirjam da opinião
deles; 3º. Os republicanos de 14 de maio só permitem ao negro o direito de
pensar como eles pensam, de sustentar o que eles sustentam. Restituídos aos
seus direitos, em 13 de maio, os negros pensaram que lhes estava garantida
pela lei e pelos costumes a autonomia mental, que deve exercer todo
cidadão. Enganaram-se: aí estão os republicanos de 14 de maio para lhes
dizer que lhes é defesa a liberdade de pensamento e de volição quanto à
estima e dedicação à princesa, que sancionou a lei igualitária de Maio.60

Em primeiro lugar os “pseudo-democratas”, como o editorial caracterizava os


republicanos de forma a salientar sua propaganda política falaciosa, eram acusados de
propagarem noticias falaciosas de que a Guarda Negra teria como objetivo promover o ódio
racial no Brasil. Como resposta a essa ideia, vista como hipócrita, evidenciamos um discurso
repleto de noções que demonstravam o papel de autoafirmação dos homens de cor no
universo público e político, com direitos de cidadãos livres. Em defesa da associação, o artigo
reforçava a percepção de que os republicanos não eram os únicos brancos do país, assumindo,
dessa maneira, que os conflitos não pleiteavam uma raça em particular, mas sim um

59
Idem.
60
Cidade do Rio, 16 jan. 1889, p.01.
124
determinado grupo político. Em seguida expunha a concepção de que os homens de cor teriam
o direito de pensar diferentemente dos adeptos da República e de divergir de suas propostas e
opiniões, pois uma vez em liberdade, possuíam a autoridade e a autonomia de decidirem os
rumos de suas vidas. Portanto, podiam escolher pela dedicação à princesa Isabel, caso
julgassem necessário, já que, como todo cidadão livre, tinham liberdade de expressão e
soberania sobre seus próprios pensamentos.
O Diário do Comércio, quando das primeiras aparições da Guarda Negra e do conflito
urbano do dia 30 de dezembro de 1888, também se colocou ao lado da associação e acusou os
republicanos de serem os responsáveis pelos conflitos raciais que se deflagravam. 61 Segundo
o editorial, para assegurar que as tensões entre negros e brancos fossem impedidas e
superadas, só existia um meio: proibir as manifestações, comícios e meetings dos adoradores
da República. De acordo com a publicação, as conferências republicanas escondiam e
difundiam um projeto mais profundo, o de promover a divisão do país para o fortalecimento
de seu programa político, em uma clara intenção de:

implantar no Brasil o ódio de raças e a guerra do branco contra o negro. (...)


Mas a Guarda Negra não odiará os brancos, não procurará criar o ódio de
raça, porque os membros dela, apesar de serem negros, tem um coração puro
que palpita pela pátria que eles adoram e que não desejam ver esfacelar
numa guerra fraticida.62

Apoiado em um discurso que partiu em defesa da corporação da Guarda Negra, o


artigo expôs suas visões a respeito das limitações e “qualidades” raciais dos homens de cor.
Possuidores de uma índole benevolente e de corações puros, “apesar de serem negros”, os
integrantes da associação de libertos pareceram tipificados como uma espécie de “bons
selvagens”, incapazes de praticar atos de violência contra “seus irmãos” e contra a sua pátria.
A partir de uma visão essencialista acerca da raça negra, que seria por natureza pacífica, o
editorial buscava claramente amenizar os ânimos e os temores que corriam a respeito das
consequências sociais em virtude do fim da escravidão. Nesse sentido, não havia o que temer,
posto que nenhum ato de revanchismo contra a gente branca estaria partindo dos ex-cativos.

61
Cabe destacar que o Diário do Comércio, como de costume à época, chamava para si um posicionamento de
neutralidade em relação aos seus compromissos políticos. No entanto, uma análise de seus artigos nos permitiu
avaliar certa filiação monarquista de orientação conservadora. Tal fato se transformou ao longo da crise da
instituição monárquica, quando o periódico acabou por aderir à causa republicana.
62
Diário do Comércio, 01 jan. 1889, p. 02.
125
Pelo contrário, eram os republicanos quem buscavam aflorar essas dissidências promovendo
preconceitos e distúrbios sociais.
Os temores acerca dos conflitos entre negros e brancos não foram divulgados apenas
na imprensa da Corte. No interior do Rio de Janeiro, assim como em outras partes do Brasil,
os noticiários republicanos faziam questão de relatar o estado de selvageria e desordem em
que se encontrava o país após a abolição da escravidão, de modo a atingir a propaganda
monarquista. As notícias se espalhavam e circulavam em diversos jornais, muitos publicando
correspondências com centros urbanos de múltiplas localidades ou ainda reimprimindo artigos
de periódicos mais consagrados da Corte, como o Gazeta da Tarde ou Diário de Notícias. O
fato era que, o medo da ascensão de tensões raciais, assim como o medo das manifestações de
negros libertos ou não pelo 13 de maio, eram enunciados e postos em evidência para todo o
Brasil através da imprensa. Um jornal publicado no Paraná, por exemplo, cujo nome era A
República: Pátria e Democracia, de filiação republicana63, nos informava no dia 6 de maio de
1889 sobre um incidente envolvendo a Guarda Negra no interior do Rio de Janeiro, no
município de São Fidélis, na vila de Pádua.

Na vila de Pádua, município de São Fidélis, província do Rio, cerca de 800


libertos, armados de cassetetes e garruchas, percorreram todas as ruas,
ameaçando os republicanos e os seus antigos senhores sem distinção de
política. (...) Continuam as ameaças aos brancos e a população está aterrada.
Levou-nos a este vergonhoso estado de selvageria a organização da guarda
negra.64

Interessante notarmos que o periódico paranaense fazia questão de enunciar conflitos


envolvendo a Guarda Negra no interior do Rio de Janeiro, bem distante do local de onde era
publicado. E, provavelmente, anunciando um enfrentamento de pouca repercussão, já que ele
não apareceu relatado na grande imprensa da Corte. Tal fato nos leva a pensar, não só no
poder de circulação de ideias, mas em como o fenômeno da Guarda Negra foi vivido e temido
em todo o país, ou pelo menos, utilizado como mecanismo retórico para a ascensão ou
expansão do medo contra os homens de cor. As notícias dos embates mais fervorosos
envolvendo a Guarda Negra e os republicanos na Corte, por exemplo, foram anunciadas nos

63
O jornal A República: pátria e democracia era representante oficial do Partido Republicano em Curitiba,
fundado em 1887 pelo Clube Republicano da mesma cidade. Era publicado uma vez por semana e perdurou até o
ano de 1930. Á época de nossa pesquisa era dirigido por Joaquim Antônio da Silva e tinha como redator chefe
Chichorro Júnior. A respeito da imprensa republicana no Paraná cf. CORRÊA, Amélia Siegel. Imprensa política
e pensamento republicano no final do século XIX. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 17, n. 32, p. 139-158, fev.
2009. http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v17n32/v17n32a09.pdf.
64
A República (PR), 06 mai. 1889, p. 02.
126
mais variados jornais do país, ainda nos primeiros meses após a abolição. A maior parte deles
exaltando a condição de barbárie em que se encontravam aqueles negros saídos do cativeiro,
que colocavam em risco os homens brancos e suas hierarquias sociais, fato que analisaremos
melhor no terceiro capítulo da tese.
Caminhando ao encontro dessa evidência, notamos, por exemplo, que o jornal O
Cearense65, publicava na sessão de correspondência um verdadeiro alerta vindo do Rio de
Janeiro66. Nele, se noticiava que a Guarda Negra estava “na ordem do dia”. Em seguida
apresentava os objetivos da associação através de uma longa narrativa que, em poucas
palavras, a definia como “uma milícia, que está na capital do império substituindo o exército”,
composta por negros em geral, computando um total de “uns 4 mil crioulos”, estatística
obviamente superestimada. Embora o artigo evidenciasse que a associação não possuía um
estatuto legal, reconhecia que ela era incentivada pelo governo imperial. José do Patrocínio
era caracterizado como sendo “a alma dessa milícia organizada” e seu principal defensor
através do periódico Cidade do Rio, responsável por incutir o ódio à raça branca. Logo
depois, apresentava o maior conflito entre a Guarda Negra e o republicano Silva Jardim,
ocorrido no Rio de Janeiro no dia 30 de dezembro de 1888, apontando para comunhão da
polícia com essa associação. Notícias desse gênero, que se espalhavam por todo o território
nacional, serviam de alerta para as realidades regionais a respeito do estrago que a Guarda
Negra poderia vir a fazer e de como se deveria evitar que seu exemplo fosse seguido ou
incentivado. Intrínseco a essa questão estava o receio de um enfrentamento de negros contra
brancos, caracterizando a disputa racial em uma conjuntura até então reconhecida como
harmoniosa e fraternal.
Esse tipo de relato, que circulava em todo o território brasileiro, fez da Guarda Negra
um fenômeno nacional, pelo menos a nível do discurso e da retórica. Em meio a esse fato, a

65
O jornal O Cearense surgiu no dia 04 de outubro de 1843, fundado por Frederico Augusto Pamplona, Tristão
Araripe e Tomás Pompeu, como um órgão do Partido Liberal. Era impresso pelo menos uma vez por semana, o
que variou de acordo com as circunstâncias, tendo tipografia e escritório instalados em Fortaleza. O periódico foi
fruto de outros dois jornais, Vinte e Três de Julho (1840) e A Fidelidade (1844), ambos de orientação liberal.
Após a instauração da República até a sua última edição, publicada em 25 de fevereiro de 1891, os idealizadores
do jornal substituíram a epígrafe “órgão liberal” por “órgão democrático” e, em 1895, fundaram o jornal Ceará,
órgão do Partido Republicano. Cf. STUDART, Guilherme. Para a História do Jornalismo Cearense (1824-
1924). Fortaleza: Tip. Moderna – F. Carneiro, 1924, p. 36-37 e 115. Cf. SOUSA, Eusébio de. A Imprensa do
Ceará dos seus primeiros dias aos atuais. https://www.institutodoceara.org.br/revista/Rev-
apresentacao/RevPorAno/1933/1933-AImprensadoCearaemseusprimeirosdias.pdf
Frederico Augusto Pamplona era filho do coronel João Tibúrcio Pamplona e de Francisca Joaquina Pamplona.
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Olinda, foi deputado geral pelo Partido Liberal do Ceará (6ª, 7ª
e 11ª legislatura), e presidentes das províncias do Ceará (1847) e do Rio Grande do Norte (1847-1848).
https://ihgb.org.br/perfil/userprofile/FAPamplona.html
66
Cearense: órgão liberal. 22 jan. 1889, p. 02.
127
imprensa brasileira contribuiu, à sua maneira, para o aumento da racialização das tensões
políticas e sociais no pós-abolição e em especial na crise final do Segundo Reinado. Em
contra partida, a tentativa de manutenção da ideia de harmonia social tentou ser resguardada,
tanto por parte de republicanos como da imprensa solidarizada com o grupo de negros. José
do Patrocínio, por exemplo, em artigo que visava defender as ações da Guarda Negra no dia
30 de dezembro de 1888, mais uma vez deixava em evidência o caráter pacífico da associação
de libertos, bem como da raça negra de forma geral, que soube responder o ato de libertação
de forma agradecida e generosa, confirmando a imagem de harmonia racial brasileira.

Apesar da abstenção da guarda negra, foi impossível conter, ontem, a


explosão da cólera popular que desde muito fumega do caráter e do ébrio
nacional contra essa propaganda que insulta duas vezes a pátria, rebaixando
lhe o ideal americano e uma raça que pelos seus sentimentos generosos,
conseguiu fazer-se amar ao ponto de sermos nós um povo quase sem
preconceitos de cor.67

Nesta passagem percebemos uma dupla acusação de Patrocínio aos militantes


republicanos: em primeiro lugar, eles subvertiam o ideal americano de liberdade, já que se
aliavam aos antigos senhores de escravos e, em segundo lugar, eram responsáveis por
marginalizar a raça negra acusando-a de violência, despreparo para vida cidadã e disposição
para o conflito. Logo ela, que a seu ver, seria uma raça composta por gente generosa e
pacífica por natureza, indisposta ao confronto, o que podia ser verificado ao se olhar para o
estado harmônico em que negros e brancos conviviam no país. No entender desse jornalista, o
Brasil, pelo modo como havia se desenvolvido social e historicamente, teria “quase”
conseguido escapar dos preconceitos relativos a ideologias raciais. Importante percebermos
que ele não nega completamente a existência de preconceitos e tensões raciais no país, como
o fazem outros intelectuais. Talvez, pelo fato de ser, ele mesmo, negro, filho de liberta e ter
vivenciado um longo caminho de batalhas para se inserir socialmente. Desde a autorização do
seu casamento com uma pessoa branca, até alcançar um status importante enquanto intelectual
e escritor, a marca da sua cor lembrava sempre do seu passado e tornava suas possibilidades
68
de ação e ascensão mais difíceis de serem galgadas. Por isso, era tão importante salientar
que a associação da Guarda Negra não estaria contribuindo para romper com esse modelo de
harmonia racial “quase” completa. De maneira aparentemente ambígua, fica claro para o

67
Cidade do Rio, 31 dez. 1888, p. 02.
68
MACHADO, Humberto Fernandes. Palavras e Brados. Op. Cit.
128
leitor, que, por mais que Patrocínio não vislumbrasse a total conciliação entre as raças, ele
também não negava esse padrão. Apenas ratificava que a violência e a disputa entre pretos e
brancos não seria o real objetivo das manifestações dos libertos e, sim, a possibilidade de
atuação dos ex-escravos como cidadãos brasileiros.
Alguns dias depois da publicação anterior, em 3 de janeiro de 1889, o Cidade do Rio
voltava a defender-se das acusações da imprensa adversária em novo artigo. Sendo assim,
atestava que: “O nosso fim não é levantar o homem de cor contra o branco, mas restituir ao
homem de cor o direito que lhes foi roubado, de intervir nos negócios públicos”69. Nesse
trecho, Clarindo de Almeida – quem assina o artigo – respondia às acusações do jornal Gazeta
da Tarde que havia afirmado que “a raça negra estava se armando para matar a raça branca”,
trazendo à tona no país um conflito que não deveria existir. Em seguida, declarava que, na
realidade, era a própria Gazeta da Tarde quem queria provocar esse conflito maliciosamente,
já que não tinha outro meio de atrair seu público leitor.
Através da leitura da matéria, também conseguimos inferir que Clarindo de Almeida
fazia questão de ratificar que as ações da associação da Guarda Negra eram dirigidas ao
movimento republicano como um todo, independente de sua composição racial, e não a um
grupo étnico específico, já que assim ele declarava: “Não é por serem brancos os
republicanos, mas por serem a vergonha da nação, que nós os combatemos”.70 Logo, para o
chefe de polícia da Corte, as ações dos negros libertos não eram estritamente direcionadas a
uma determinada raça, no caso a branca, mas sim à um partido político e seus apoiadores. Tal
fato fica evidente quando percebemos que, ao citar os embates ocorridos em 30 de dezembro,
o jornal Cidade do Rio, não poupa os negros de filiação republicana e se refere inúmeras
vezes, às ações violentas desses “republicanos de cor” que estiveram envolvidos nos
confrontos contra os componentes da Guarda Negra. Novamente, era Clarindo de Almeida
quem nos informava sobre as ações de hostilidade desses indivíduos. Assim declarava o chefe
de polícia da Corte: “Em nome dos cidadãos que, levados pelo sentimento da gratidão e do
patriotismo, hipotecaram a sua vida e a sua honra à Princesa Redentora, protesto contra as
injúrias e atentados dos negros republicanos contra os homens de cor”. 71
A fala de Clarindo de Almeida também demonstrava que havia, principalmente por
parte da imprensa republicana, a intenção de fomentar e enaltecer essa tensão racial que
envolvia as manifestações da Guarda Negra, já que muitas das vezes se silenciava sobre a

69
Cidade do Rio, 03 jan. 1889, p. 01.
70
Idem.
71
Cidade do Rio, 31 dez. 1888, p. 01.
129
participação de negros agindo contra essa mesma associação e envoltos em conflitos
intrarraciais de republicanos contra monarquistas. Essa era uma forma de se reforçar a noção
de que aos ex-escravos manipulados cabia às ações de ódio contra o homem branco,
escondendo-se, por exemplo, que muitas das vezes essas tensões envolviam os próprios
homens de cor que lutavam em ambas as bandeiras políticas. Os conflitos ocorridos no dia 30
de dezembro foram narrados de forma quase unânime pela imprensa como uma ação de
enfrentamento entre negros (monarquistas) e brancos (republicanos). Raríssimas vezes se
falou que esse confronto ocorreu com a participação de negros e brancos misturados sobre
diferentes bandeiras políticas. Assim, supervalorizava-se o medo de uma guerra racial para
transformá-lo em arma política contra o governo imperial. Enquanto Clarindo tentava
defender a associação de libertos e retirá-la das arenas dos ódios raciais, declarando que na
verdade a disputa se dava entre visões e filiações políticas distintas, muitos periódicos faziam
exatamente o contrário e confirmavam as incitações aos ódios raciais por parte da Guarda
Negra e da Monarquia.
Rompendo com algumas verdades historiográficas generalizantes que associaram uma
determinada raça, no caso a negra, a ligações e interesses políticos de maneira unívoca,
Petrônio Domingues nos informa sobre os aspectos multifacetados das identificações políticas
dos negros libertos no pós-abolição.72 De maneira elucidativa, o autor analisa as conexões e
embates entre negros republicanos e negros monarquistas para compreender que as
experiências político-culturais dos homens de cor foram diversas e multifacetadas e, portanto,
possuidoras de múltiplas motivações. Ainda que se possa argumentar que os libertos e a
“gente de cor” de maneira geral tenham mantido uma identificação mais latente e afetiva com
a causa monarquista e visto, tanto na figura da princesa Isabel, como na de D. Pedro II a
possibilidade de um poder tolerante e paternalista, seria um equívoco assumir que as filiações
políticas do povo negro se deram de forma unilateral e simplista. Enquanto a Guarda Negra,
que é objeto de estudo desse trabalho, desfraldava a bandeira monarquista, Petrônio nos
informa acerca dos homens de cor que acreditavam no projeto republicano e em sua retórica
de liberdade, igualdade e fraternidade. Considerando essa diversidade de expectativas e
projetos em torno da nação, o autor examinou os diálogos e os embates políticos no seio da
população negra recém-saída da escravidão.

72
DOMINGUES, Petrônio. “Cidadania levada a sério: os republicanos de cor no Brasil”. In: GOMES, Flávio
(Org.) e DOMINGUES, Petrônio (Org.): Políticas da Raça: experiências e legados da abolição e da pós-
emancipação no Brasil. São Paulo: Selo Negro Edições, 2014, pp. 121-154.
130
Como vimos no capítulo 1, a maior parte da imprensa era habituada a encarar os
libertos envolvidos nos conflitos da Guarda Negra a partir de um ponto de vista essencialista,
negligenciando as próprias visões de mundo que possuíam e encarando seus pensamentos e
comportamentos de forma única e homogênea. Portanto, associava-se a adoração à Monarquia
e à princesa Isabel por parte dos negros como uma deficiência da sua raça, ou como fruto de
um passado ignóbil que os alijou da educação necessária e os impediu de pensar criticamente
e deliberadamente. Era essa marca de atraso racial e histórico-social que foi utilizada como
desculpa para provar que os homens de cor estavam sendo manipulados pelo governo imperial
e por abolicionistas reformistas como José do Patrocínio. Esse tipo de argumento, presente na
grande maioria das publicações sobre a Guarda Negra, escondeu outras filiações e projetos
políticos por parte dos libertos. Petrônio Domingues nos mostra, por exemplo, que os
integrantes do antigo e célebre quilombo do Jabaquara, em Santos, liderado por Quintino de
Lacerda, foram intensos críticos à associação da Guarda Negra.73
A amizade de Quintino com a causa republicana remonta ainda aos anos de 1888
quando este entrou em contato com os ideais de Silva Jardim e tornou-se um admirador da
“República Jacobina”, acreditando ser essa forma de governo à responsável por consolidar as
condições de liberdade e igualdade, ampliando os direitos de cidadania dos negros no Brasil.
Em monção realizada em 13 de janeiro de 1889, por cerca de 300 homens de cor, reunidos no
Jabaquara, Quintino de Lacerda expunha a ideia de que a Monarquia havia conservado a
escravidão dos negros por mais de três séculos e que agora pretendia inflar-se ao trazer para si
a vitória do movimento que pôs fim à escravidão, retirando do povo essa conquista. Em artigo
publicado na Gazeta de Notícias os homens de cor residentes em Santos declaravam:

1º. Que reconhecem a abolição da escravatura no Brasil como feita pelos


esforços populares, que se impuseram energicamente à coroa;
2º. Que se consideram do povo e pelo povo em todas as suas manifestações
tendentes à reorganização da pátria.
E protestam contra aqueles que aliciam os seus irmãos de raça, formando
uma verdadeira farsa a que intitulam ‘Guarda Negra’, em qualquer parte que
ela seja formada, porque enxergam nessa infâmia o início de uma guerra
civil produzida pelo ódio de duas raças.74

73
A respeito de Quintino de Lacerda, cf. também PEREIRA, Mateus Serva. Uma viagem possível: da
escravidão à cidadania, Quintino de Lacerda e as possibilidades de integração dos ex-escravos no Brasil.
Dissertação (Mestrado em História). Niterói: PPGH, 2011. http://www.historia.uff.br/stricto/td/1488.pdf
74
Gazeta da Tarde, 24 jan. 1889, p.03.
131
Se aspectos raciais estavam no jogo de poder que marcaram o processo abolicionista e
o pós-emancipação, o trabalho de Petrônio nos ajuda a perceber que as relações e
identificações políticas vão além da questão racial. Associar a população negra à causa
monarquista, pura e simplesmente, bem como a população branca ao republicanismo, é não
perceber que as filiações partidárias possuíam outros significados, que poderiam variar
conforme a conjuntura em questão. Intencionamos reforçar, portanto, uma perspectiva já
característica do trabalho de Petrônio, mas pouco presente nos trabalhos historiográfico, qual
seja, a ideia de que os negros libertos nem sempre se associaram e, muitas vezes, até
rejeitaram ou se tornaram indiferentes à bandeira monarquista. No trabalho de tal autor,
evidenciamos inclusive a formação de uma imprensa negra republicana atuando na cidade de
São Paulo, no ano de 1889, sob a denominação de A Pátria: órgão dos homens de cor.75
Possuindo alguns aspectos semelhantes à moção elaborada pelos antigos integrantes do
quilombo do Jabaquara em Santos, os articulistas desse periódico reafirmavam noções de
igualdade e fraternidade e transmitiam a ideia de que a abolição, longe de ser um produto do
governo imperial, era um feito dos homens de cor e da massa da sociedade independente de
raça e classe.76 Fato esse, que se completaria com a vitória da soberania popular em nome da
República.
Para o contexto do Rio de Janeiro podemos falar da formação do Club Republicano
dos Homens de Cor. O jornal Cidade do Rio publicado no dia 6 de junho de 1889 foi quem
nos informou a respeito da sua origem e desenvolvimento.77 A fundação do grupo se deu na
casa de José P. F. de Souza Coelho, por iniciativa dele e de Deocleciano Martyr, contando
com a participação de 55 “cidadãos de cor”. Foi eleita uma diretoria, composta por Augusto
Xavier de Mello (presidente); José Martins Pereira (vice-presidente); Anacleto Alves de
Freitas (primeiro secretário); Rodolpho Gomes (segundo secretário); Sinerio Alves
(tesoureiro); e Francisco Alves de Freitas (procurador). Dentre as propostas de ação do grupo
estava “o combate às instituições vigentes”, a fundação de um grupo beneficente e aulas
noturnas, a garantia da presença nas reuniões políticas (diga-se republicanas) que ocorressem
no Rio de Janeiro, lutando em seu favor e, por fim, instituir “a propaganda política com a raça
preta” elucidando aos homens de cor que estão sendo vítimas do governo monárquico.78

75
DOMINGUES, Petrônio. Op. Cit., pp.134-137.
76
A Pátria: órgão dos homens de cor (SP), 2 ago.1889, p.02.
77
Cidade do Rio, 06 jun. 1889, p. 02.
78
Conferir também o periódico O Cachoeirano: órgão do povo, 09 jun. 1889, p. 03; O Republicano. 23 jun.
1889, p. 02. Diário de Notícias, 04 jun. 1889, p. 01; República brasileira, 05 jun. 1889, p. 03.
132
Interessante notar que a presença do dito primeiro secretário do Club Republicano,
Anacleto Alves de Freitas, se fez marcante nos dois maiores conflitos de ruas envolvendo a
Guarda Negra e os republicanos (em 30 de dezembro de 1888 e 14 de julho de 1889), fazendo
cumprir assim o que estipulava as bases de atuação de seu grupo. Em ambas as ocasiões ele
aparece na lista de prisioneiros emitida por inúmeros periódicos. Além disso, Anacleto é
citado no livro de memórias de Silva Jardim e pelo abolicionista Evaristo de Moraes. Tal
assunto será melhor explorado no capítulo 4 dessa tese, mas é notável que sua presença nessas
ocasiões demonstra que as ações da população de cor apareciam latentes nas duas arenas de
combate: ao lado da manutenção do império do Brasil e da instauração de um regime
republicano no país.
A circularidade das publicações na imprensa era intensa e as notícias que emanavam
da Corte possuíam ainda mais poder de difusão. Tanto é que essa publicação a respeito da
formação de um Club Republicano dos Homens de Cor no Rio de Janeiro se fez sentir em São
Paulo, e o jornal A Pátria, poucos dias depois, se mostrou solidário a causa. No dia 2 de
agosto de 1889 os articulistas desse periódico aproveitavam mais uma vez para rechaçar as
ações da Guarda Negra e reforçar seu apoio à ideia de República. Aproveitaram esse
momento também, para reforçarem suas identidades raciais e nacionais.

(...) Aqui, nesta parte da América do Sul, tivemos nosso berço, mas onde
está nossa Pátria? Eis o que não podemos responder por enquanto. Mais de
três séculos e meio são contados que descoberto foi o Brasil; em cada um
século, em cada um ano, em cada um mês, em cada uma semana, em cada
um minuto, em cada um segundo, eis as páginas da história de três séculos e
tantos anos, onde se escreveu o martirológio dos infelizes filhos d’África
escravizados no Brasil (...) Ontem deram a liberdade ao escravizado, mas
esqueceram-se de que o liberto, que se transforma em cidadão, tem direito e
precisão de ter uma pátria. Sim, quem mais que eles tem direito sobre o solo
em que pisam? (...) E nós que sentimos correr em nossas veias o sangue
africano, nós que nos orgulhamos em pertencer a essa raça, que foi a
primeira que penetrada no seio virgem da terra, de lá voltou com as mãos
cheias de ouro e pedras preciosas. (...) os três séculos de trabalhos dessa raça
expatriada e escravizada, encheu também de ouro e de pedras preciosas o
erário dos reis e dos imperadores. É o tempo que corre que exige o nosso
congraçamento para, juntos, combatermos as trevas nas quais imersos estão
ainda muitos dos libertos de ontem, educá-los e encaminha-los da ideia
grandiosa [da] Pátria e [da] República.79

A partir da leitura completa do artigo conseguimos inferir que seu autor, Ignácio de A.
Lima, não veio do seio da escravidão e não foi libertado pela lei de 13 de maio, já que, em

79
A Pátria: órgão dos homens de cor (SP), 2 ago.1889, p.02.
133
diversas vezes, ele se referiu “ao martírio de nossos pais e avós que sucumbiram entre
sacrifícios e dores”, não inserindo ele próprio nesse processo. Como se as agruras da
escravidão estivessem circunscritas aos seus antepassados, cabendo a ele, a partir de agora,
lutar pela garantia da plena liberdade que se consolidaria através do ideal republicano.
Percebemos também a valorização de um passado africano, salientado como motivo de
orgulho de sua raça. Ao recuperar esse suposto antepassado e garantir a sua ligação com a
África, o autor do texto fazia uso de um artifício retórico que valorizava a sua enunciação e a
sua identidade racial, dando voz e reproduzindo uma espécie de mito político de
engrandecimento da africanidade. Além disso, reproduzia a noção de que cabia ao negro,
duplamente, a condição de cidadão e de povo brasileiro. Somava-se assim, à noção de
identificação racial a necessidade de demarcar seu lugar como integrante da nação. Aliás,
segundo o autor do artigo, este seria o seguimento social que mais merecimento possuía na
construção da pátria, uma vez que haviam sido os negros, os responsáveis por desenvolver a
economia do país.
Sendo assim, se por um lado, parte da intelectualidade brasileira através de diversas
instituições de saber como os Institutos Históricos80 ou as Faculdades de Medicina e Direito
retiravam o lugar do negro do seu projeto de nação, ou melhor, apenas o inseriam a partir das
noções de mestiçagem, com o objetivo claro de pôr em prática perspectivas acerca do
branqueamento e “melhoramento da raça”,81 setores do universo letrado da imprensa, como
foi o caso do jornal A Pátria: órgão dos homens de cor e do próprio Cidade do Rio, criaram
espaços narrativos que reconheciam a presença do negro no seio da nacionalidade – ainda que
muitas vezes essa presença fosse marcada por um passado de escravidão e se restringisse ao
universo da retórica. O que percebemos a partir da análise dos jornais é que, já no final do
século XIX, muito antes do que a maior parte da historiografia nos informa, havia a formação
de um movimento de clara valorização da raça negra e do passado africano. Valorização esta,

80
No Império, além do IHGB (1838), foi criado o Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano (IAGP)
em 1862. Com a República foram criados os demais Institutos, como os de São Paulo (1894) e o de Minas
Gerais (1907). Coube a este último, IHGMG, “a recuperação da Inconfidência Mineira sob o aspecto de modelo
republicano fundador da História do Brasil”. Cf. CALLARI, Cláudia Regina. Os Institutos Históricos: do
Patronato de D. Pedro II à construção do Tiradentes. Rev. bras. Hist., São Paulo, v. 21, n. 40, p. 59-82, 2001.
Available from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
01882001000100004&lng=en&nrm=iso. access on 04 Jan. 2018. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-
01882001000100004.
81
SCHWARCZ, Lilia, O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930.
Companhia das letras, 1993; TURIN, Rodrigo. Narrar o passado, projetar o futuro: Sílvio Romero e a
experiência historiográfica oitocentista. Dissertação (Mestrado em História). Porto Alegre: UFRGS, 2005;
ANTUNES, Lívia. Por uma memória da nação: abolição e pós-emancipação nos Institutos Históricos (uma
abordagem comparada). Dissertação (Mestrado em História). Rio de Janeiro: Programa de pós-graduação em
História Comparada-UFRJ, 2014.
134
que não se fazia em detrimento da identidade nacional, pelo contrário. Lutava-se para
demarcar e valorizar os lugares do povo negro dentro do projeto nacional, escapando da
retórica sobre mistura racial. 82
Não podemos esquecer, todavia, que o círculo intelectual brasileiro, já desde o final do
século XIX e ao longo do século XX – principalmente a partir de 1930 – consagrou a
mestiçagem como chave de leitura para o entendimento da nação. Os universos letrados
brasileiros ofereceram um caminho ao debate sobre os negros, através do mestiçamento,
justamente em um momento decisivo de demarcação de direitos políticos do novo regime
republicano e, portanto, da própria definição dos critérios de cidadania. Por volta da década de
1930, a cultura mestiça despontou como representação oficial da nação, com o Estado Novo e
seus ideólogos trazendo para si os méritos de criação de uma nacionalidade baseada na
mistura racial de índios, negros e brancos, unificando noções políticas e culturais em torno da
noção de um povo miscigenado como o representante da verdadeira nacionalidade.83 Essa
definição do nacional era, claramente, mais mestiça do que negra, já que os tipos raciais não-
brancos dificilmente tornar-se-iam símbolos nacionais, tendo em vista as discriminações e as
ameaças que esses homens significavam ao desenvolvimento da modernidade no país. Os
negros, e mesmo os indígenas, naturalmente não preenchiam os requisitos necessários para
compor uma identidade coletiva centrada em suas imagens84. Por isso, admitia-se a mistura,
sem, contudo, descartar a superioridade racial do branco. O mestiço aparecia, portanto, como
categoria intermediária do processo evolutivo. Esse tipo de pensamento alimentou e deu
origem ao que chamamos de ideal do embranquecimento, que ainda vigora no imaginário
social e racial brasileiro. Como destacado por Andreas Hofbauer, o ideário de branqueamento,
que levava as pessoas a almejarem a cor mais clara possível, durante muito tempo escondeu

82
A esse respeito, recorremos aos estudos do sociólogo Paul Gilroy. Para ele existiu sempre uma plasticidade na
construção das identidades raciais negras diaspóricas, já que a inserção desses indivíduos no mundo moderno,
principalmente no seio da intelectualidade, era assinalada pela ambivalência, posto que marcada por uma tensão
entre ser produto da civilização ocidental e possuir uma identidade racial, profundamente condicionada e
organicamente gerada por essa civilização. Nesse sentido, houve sempre uma tensão e uma confusão que
envolveu identidade racial e identidade nacional por parte da população negra nos mais diversos locais da
América. Cf. GILROY, Paul. O Atlântico Negro. Modernidade e dupla consciência. São Paulo: Editora 34,
2001.
83
Segundo Renato Ortiz, “Com a revolução de 30, a industrialização e a modernização do país, a ideia de
mestiçagem é ressignificada, seu aspecto negativo transmuta-se em positivo. Neste sentido, a obra de Gilberto
Freyre é importante, ela confere aos brasileiros uma carteira de identidade”. ORTIZ, Renato. Imagens do Brasil.
Revista Sociedade e Estado - Volume 28, Número 3, setembro/dezembro 2013, p. 615.
http://www.scielo.br/pdf/se/v28n3/a08v28n3.pdf
84
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. “Comunidades indígenas e Estado nacional: histórias, memórias e
identidades em construção (Rio de Janeiro e México – séculos XVIII e XIX)”. In: ABREU, Marta; GONTIJO,
Rebeca; SOIHET, Rachel (orgs.). Cultura política e leituras do passado: historiografia e ensino de história. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
135
seus teores discriminatórios por não essencializar limites específicos de cor ou de raça. Essa
aparente ambiguidade e flexibilidade na demarcação de fronteiras identitárias possibilitou ao
Brasil apresentar-se como um país não-racista no cenário mundial e dificultou a formação de
identidades coletivas em torno da noção de raça negra, bem como retardou a implantação de
projetos sociais voltados especificamente para a extensão de cidadania ao negro no Brasil.85
Retomando as questões relativas às tensões raciais que envolveram a imprensa e a
Guarda Negra no final do século XIX, podemos afirmar que o modelo jornalístico,
principalmente republicano, visou depreciar os negros que defendessem o Terceiro Reinado
acionando ideias que influíam o temor de disputas raciais, declaradas então como inexistentes
na sociedade. Dessa forma insuflaram o medo junto à população imprimindo uma condição de
barbárie aos defensores da princesa Regente e D. Pedro II. Essencializar e considerar que
existia uma natureza inerente aos homens de cor, também foi uma estratégia importante para
assegurar antigas hierarquias sociais. Afinal, não podemos esquecer que as ideias de
progresso nas quais essa elite letrada estava pautada relacionavam-se intrinsicamente a um
modelo evolutivo no qual o negro se encontrava na parte mais baixa da escala. Logo, associar
os discursos sobre as incapacidades negras com o a Monarquia serviu a dois objetivos:
deslegitimar o governo imperial que buscava nesse “tipo de gente desqualificada” seu apoio
político, bem como invalidar a própria ação pública dos libertos e homens de cor.
Rui Barbosa, em artigo publicado no jornal Diário de Notícias, do qual era o redator-
chefe, deixa evidente o que pensava a respeito dos homens de cor e das possibilidades de
participação política desses indivíduos, aproveitando ainda para irromper fortes críticas à
Monarquia.

Ao manipanso grotesco das senzalas, próprio para a gente d’África sucedia o


feiticismo da idolatria áulica, digna de uma nação de libertos inconscientes.
E para que ninguém ousasse deturpar o sossego desses ritos, imaginou-se
estender em volta da Coroa um exército de corações iludidos. Deste
pensamento perverso contra a raça emancipadora e a raça emancipada
nasceu o artifício de organizar em batalhões da princesa, os homens de cor.86

A ideia que Rui Barbosa transmitia nesse artigo era a de que a abolição havia se
organizado sem “morticínio”, violência ou sequer “um brado de revolta” e que por parte dos
negros, taxados como incapacitados e preguiçosos, dormindo “um sono ébrio de haxixe”87,

85
HOFBAUER, Op. Cit. p. 213.
86
Diário de Notícias, 19 mar. 1889, p. 01.
87
Idem.
136
coube aguardar as ações da raça emancipadora, qual seja, a raça branca. A abolição não era
vista, portanto, como um ato de conquista dos libertos, mas fruto das campanhas
abolicionistas, em especial por parte da imprensa. A Monarquia, perpetuadora da escravidão
por mais de três séculos, era acusada de continuar se aproveitando e explorando o negro agora
livre. Nesse sentido, Rui Barbosa afirmava que coube a Coroa induzir “o ânimo inculto dos
redimidos a mancharem no ódio a sua gratidão e fazerem da primeira balbuciação da sua
liberdade uma ameaça de morte”. A ideia de manipulação e incapacidade política do povo
negro, que havia sido emancipado, fica aqui explícita. Rui Barbosa demostrava, assim, quais
eram as suas ideias de cidadania para os homens que haviam saído recentemente do
servilismo e que seriam, portanto, incapazes de deliberar sobre a vida em liberdade.
É importante notarmos que, embora Rui Barbosa associe o feiticismo e a idolatria à
gente de África, sua percepção sobre raça – assim como de grande parte dos autores que
publicavam nos inúmeros periódicos pesquisados – não era ainda completamente científica e
biologizada. Tanto que, para ele, o atraso do povo negro era uma questão reversível que
demandaria tempo e dependeria da educação e de formas de sociabilidade adequadas. Sendo
assim, o atraso dos homens de cor poderia ser superado, pois dependia mais do seu passado de
escravidão do que de uma composição biológica específica. Portanto, embora saibamos que,
ao longo do século XIX, novas tendências de pensamento delinearam e impulsionaram
transformações sociais (ou seja, a crença na razão, a crença no progresso e a crença na ciência
que explicavam aspectos naturais antes solucionados pela força da fé) e que essas referências
sobre o modo de pensar geraram novos critérios para se avaliar as diferenças sociais e raciais,
muitos brasileiros, incluindo a nossa elite letrada, ainda não avaliavam a raça de um ponto de
vista determinista biológico.
Como demonstrado anteriormente, as teorias científicas, elaboradas a partir de estudos
anatômicos sobre as diferenças entre os homens, partiam do pressuposto de que existiam
singularidades físicas e mentais que dividiam a humanidade. Singularidades essas que
nenhuma questão religiosa, geográfico-climática ou educacional conseguiria resolver. O
conde Arthur de Gobineau, em seu livro Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas
(1853-1855), afirmava veementemente que os europeus não deveriam nutrir esperanças de
civilizar os povos negros, já que sua raça demandava um “caráter de animosidade”, cabendo
88
unicamente a raça branca a “verdadeira civilização”. Dessa forma, crer em modelos de

88
GOBINEAU, Arthur Graf. Versuch über die Ungleichheit der Menschenrassen (Band I). Stuttgart:
Frommanns Verlag, 1939, p. 239. Apud. HOFBAUER, Andreas “História do branqueamento”, p. 125. Em
137
superação para a condição de retrocesso, tal como fazia Rui Barbosa, era incompatível com
ideias científicas sobre os critérios raciais. Para o intelectual brasileiro o atraso do progresso
da nação, o flagelo de nossa política e relações sociais, vinha, antes de tudo, do passado
desumanizador que escravizou seres humanos em detrimento de outros. Era esse o estigma
indissociável da condição de inferioridade dos homens de cor. Nesse sentido, havia sido a
escravidão o que gerou a corrupção moral que ele pressupunha perceber entre os descendentes
de africanos e não a negritude em si mesma. Eram as heranças que a sociedade monárquica
escravista havia deixado o que impedia o avanço nacional e comprometia a formação do
nosso povo e a completa liberdade. Todavia, essa percepção não impediu que Rui Barbosa
olhasse para a condição de cidadania do liberto com uma visão restritiva. A seu modo,
portanto, ele criou e acreditou em diferenças reais que demarcavam lugares sociais entre o
negro e o branco no Brasil.89
Ao analisar o pensamento abolicionista de Joaquim Nabuco, Ricardo Salles já havia
notado essa característica para compreender uma vertente da intelectualidade brasileira a
partir da década de 187090. Para ele, o fim da escravidão no Brasil resultou em novas
narrativas da nação ancoradas em ideias sobre raça, nas quais a mestiçagem assumia o
importante papel de condicionar a possibilidade de uma identificação nacional. No entanto,
Ricardo Salles aponta que o movimento político abolicionista, de maneira geral, e em especial
Joaquim Nabuco, não incorporaram uma preocupação com a composição racial do povo
brasileiro de maneira cientificista e biologizada. O problema maior era antes a escravidão e
sua herança, do que o escravo e seu atraso racial91. Tal afirmativa não significa dizer que, de
certa forma, esses indivíduos não tenham incorporado referências teóricas europeias e norte
americanas da pretensa superioridade do homem branco sobre a raça africana. Afinal, era um
momento de forte fascinação com os grandes centros europeus e suas teorias científicas. Mas
a percepção da necessidade de uma nova sociedade redimida do cativeiro e, portanto, apta a
construir sua identidade nacional, baseava-se, antes, na incorporação dos ex-escravos a novas
concepções de cidadania, do que na segregação e delimitação de critérios de exclusão raciais.
A ideia era, portanto, reconstruir o Brasil sobre a união das raças agora em liberdade. A
escravidão generalizada como aspecto histórico formativo da nacionalidade e suas possíveis

trabalhos posteriores, Gobineau chega a aceitar que a mestiçagem era capaz de gerar indivíduos melhores que os
negros, mais ainda inferiores aos brancos. Dessa forma, assumia uma possibilidade de evolução racial.
89
Cf. ALBUQUERQUE, Wlamyra. Op. Cit.
90
SALLES, Ricardo. Joaquim Nabuco, o abolicionismo e a nação que não foi. RIHGB, Rio de Janeiro, 161
(406): 53-75, jan/mar. 2000.
91
NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. São Paulo: Publifolha, 2000.
138
consequências era a preocupação maior. Portanto, privilegiavam claramente fatores de ordem
histórica para explicar a diversidade entre os grupos humanos. Em alguns casos, como o de
Nabuco ou Patrocínio, essa preocupação demonstrava que as questões acerca de uma
construção social da nação deveriam necessariamente se basear em uma ideia de cidadania
abrangente para o negro no Brasil, diferente do que pensava Rui Barbosa, por exemplo.
Fosse de um ponto de vista completamente biologizado ou não, o que notamos,
principalmente por parte dos jornais que apoiavam a causa da República, foi à intenção de
projetar noções sobre raça e disputas raciais e associá-las ao projeto político monarquista. A
ideia era imputar aos apoiadores do governo imperial o estigma de negros manipulados para
difundir que a sustentação da Monarquia partia de um povo iludido e barbarizado pelo seu
passado e por seu tipo racial. Portanto, os periódicos de matriz republicana, especialmente, ao
lançarem mão das críticas ao governo imperial, no meio do caminho iam inventariando ideias
sobre diferenças e conflitos entre negros e brancos. Tal fato, nos ajuda a perceber como as
questões sobre raça estavam cada vez mais subjacentes às ações e intensões políticas da
época.92
Esse artifício político e retórico que exaltava as características raciais dos negros
monarquistas de maneira a deslegitimar suas ações, não passou despercebido por parte dos
setores que defendiam e apoiavam as manifestações públicas da Guarda Negra. Esse aspecto
pode ser verificado em um artigo sem assinatura (possivelmente de autoria de José do
Patrocínio), publicado no periódico Cidade do Rio, no qual verificamos a indignação do autor
ao reclamar que indivíduos negros só eram acusados de fomentarem ódios raciais quando
estavam lutando ao lado do governo imperial. Quando a ação e as manifestações públicas
partiam de iniciativas negro-republicanas eram vistas como um direito democrático.

Pelo alcorão democrático dos grandes reformadores, os negros exercem um


direito, quando se reúnem para protestar contra a monarquia, como em
Santos, e sufragar a propaganda republicana, que declarou já não escolher o
terreno para o combate contra Isabel, a Redentora. Se, porém, os negros se
reúnem para protestar contra essa propaganda, estéril como a anarquia, e
torpe como o ódio, estão fora da lei e, sobretudo, cavam o valo dos
preconceitos e dos ódios de raça!93

Nesse sentido, a artigo elaborava uma crítica à imprensa adversária que se utilizava da
retórica acerca dos ódios raciais de maneira parcial. O preconceito contra o homem branco só

92
ALBUQUERQUE, Wlamyra. Op. Cit., p. 162
93
Cidade do Rio, 16 jan. 1889, p. 01.
139
era acionado quando interessante para criticar àqueles que lutavam ao lado do governo
imperial, o contrário era silenciado e negado. O jornal de Patrocínio seguia sua explanação
afirmando que se “os republicanos de 14 de maio” fossem às ruas acompanhados de Quintino
de Lacerda e Francisco Glicério (abolicionistas e republicanos negros) em combate à
Monarquia, suas ações, ainda que executadas por homens de cor, não seriam reproduzidas
como ódio de raça, “porque é em nome da república dos ex-senhores de escravos”. E
continuava dizendo que, caso a Guarda Negra se colocasse ao lado de brancos monarquistas
para combater o ideal da República, isso bastaria para a imprensa afirmar que se tratava de
disputa racial. Ao fim, acionava a ideia de traição para definir alguns homens de cor que, tais
como Quintino e Glicério, tinham aderido à bandeira republicana recorrendo a uma citação de
Camões para expor seu argumento: “É força que entre os mesmos portugueses. Alguns
traidores hajam algumas vezes”.94
Importante perceber que quando os homens de cor, dissidentes do mundo da
escravidão, aderiam ao movimento republicano, este não se utilizava de noções raciais para
menosprezar suas capacidades de discernimento e seu grau de entendimento político. Ou seja,
enquanto os negros monarquistas eram taxados de imaturos, mal-educados, despreparados
para a cidadania, posto que beirassem à barbárie, aqueles mesmos representantes da raça
negra, uma vez lutando pela bandeira republicana, não eram adjetivados de forma pejorativa,
como se tivessem superado a sua condição racial. Nessa retórica, a identidade racial negra,
ainda que presente, era representada como algo secundário, de pouca importância dentro do
cenário maior de apoio ao novo regime nacional. Notamos, dessa maneira, como esse tipo de
construção retórica acerca da racialização das tensões envolvendo monarquistas e
republicanos foi usada conforme os jogos de interesse de cada momento. A imprensa
republicana acusava os libertos de pertencerem a uma raça atrasada quando estes se
mostravam adeptos do Terceiro Reinado, mas, quando afinados à República eram
simplesmente negros que haviam vencido os obstáculos e seu passado de escravidão para
tornarem-se cidadãos. A ideia de raça era, portanto, multifacetada e servia a objetivos e
interesses específicos.
Se a retórica do medo racial saiu vitoriosa ao fim do processo, é porque, em certa
medida, um receio real existia. Obviamente, indivíduos recém-saídos da escravidão e
invadindo os espaços públicos através de manifestações e filiações políticas causavam
temores entre aqueles que sempre estiveram no topo das decisões e estruturas de poder. Esses

94
Idem.
140
novos sujeitos, que durante muito tempo estiveram resguardados às decisões do mundo
privado e seus projetos de futuros, cunhavam suas próprias concepções do que seria a vida em
liberdade. Concepções essas, que muitas vezes guardavam interesses inteligíveis para a
maioria da sociedade livre e em especial branca. Todavia, e sem contradizer essa realidade,
percebemos um intenso empenho por parte dos republicanos em fomentar e, porque não,
supervalorizar o temor a respeito das ações de negros libertos. Em muitas publicações da
imprensa republicana, o recurso a racialização que envolveu os conflitos da Guarda Negra foi,
antes, uma espécie de mecanismo político de deslegitimação, tanto da Monarquia, como da
própria associação, do que uma descrição fiel da realidade que se observava e que se
descrevia.
Como apontado por Normam Flairclough95, quando analisamos um discurso é preciso
ressaltar as suas relações com as práticas sociais. Um discurso não é formado apenas por um
texto isolado, não se restringe aos aspectos linguísticos, mantendo uma relação intrínseca e
contextual com o ideológico e o social. Neste caso, o local de produção e as mentes que
produzem os discursos tornam-se de extrema relevância, pois são amparadas por diversos
elementos extra discursivos, que se introduzem no texto de forma subjetiva. Sendo assim, os
dados linguísticos presentes em artigos de jornais, por exemplo, possuem de fato um conteúdo
social, mas que precisa ser analisado de forma cuidadosa. Esse cuidado metodológico no
momento de análise das fontes nos levou à questionar, em que medida a retórica dos ódios
raciais, tão deflagrada pela imprensa que criticava o governo imperial, foi utilizada para se
criar, ou melhor, se intensificar um aspecto social. Mais uma vez é Norman Flaiclough que
nos ajuda a pensar sobre a relação entre discurso e transformação da realidade, o que é caro
para nossa análise. Para o autor, os discursos não apenas refletem ou representam relações
sociais, eles as constroem, bem como posicionam as pessoas de diferentes maneiras como
sujeitos sociais frente a esses discursos. São esses efeitos do discurso que tentamos mapear e
compreender ao pesquisar sobre os usos retóricos e ideológicos da imprensa acerca da
temática racial e das ações da Guarda Negra.
Ao fim, a ideia que a imprensa republicana – e em menor parte a monarquista liberal –
conseguiu transmitir sobre a associação da Guarda Negra e sobre as possibilidades de
deflagração de uma guerra civil entre as raças branca e preta, foi fundamental para a
deslegitimação da Monarquia, principalmente associada ao Partido Conservador, e para a
vitória do movimento republicano. Reverteu-se o jogo, a Guarda Negra enquanto instituição
95
FLAIRCLOUGH, Normam. Discurso e Mudança Social. Revisão técnica e prefácio à edição brasileira de
Isabel Magalhães. Brasília: Ed. UNB, 2001, p. 91.
141
que pretendia salvaguardar o futuro da Princesa Regente e do Terceiro Reinado no Brasil
transformou-se em peça fundamental para a queda do Partido Conservador e para o posterior
fim da Monarquia.
Os temores a respeito da raça negra e da disseminação de preconceitos raciais,
supostamente inexistentes na realidade brasileira, quando supervalorizados, foram capazes de
mobilizar sujeitos, bem como a sociedade de maneira geral, que passaram a se posicionar
criticamente e ideologicamente sobre tal questão. Ou seja, a valorização, no âmbito do
discurso, das tensões entre negros e brancos – algo que obviamente existia na sociedade, mas
em menor proporção do que se propagava – foi capaz de moldar opiniões que transformaram
a realidade social e política brasileira. A própria queda do Ministério 10 de março, chefiado
por João Alfredo Correia de Oliveira pode ser relacionada a esse aspecto de valorização de
seu suposto apoio à Guarda Negra e incentivo aos ódios raciais, já que, não raro, a imprensa
publicava artigos que imputavam a criação de tal grupo por João Alfredo ou que ratificavam a
colaboração ministerial frente às ações e manifestações dos negros libertos. Tal assunto foi
fortemente explorado pelos críticos do ministério e serviu de justificativa para a queda de seu
gabinete. Assim publicava, por exemplo, o jornal A Pátria (RJ) em janeiro de 1889:

Desde que o sr. Presidente do conselho de ministros, (...) em ato solene, de


manifestações públicas, (de amigos) em sua residência, afirmou
autorizadamente o sr. João Alfredo por sua deliberação, a criação da guarda
negra, e recomendou o seu crescimento para a defesa da coroa, no presente,
de S. M. o Imperador, e no futuro de Sua Augusta filha, a Regente; não é
lícito por em dúvida a origem oficial da provocação do conflito e da também
oficial responsabilidade, portanto, dos ferimentos e assassinatos, que se
ocultam. 96

Esse é apenas um dos inúmeros exemplos de periódicos que associavam a Guarda Negra
ao chefe do gabinete 10 de março e responsabilizavam o governo imperial por suas ações e
seus “crimes”. Mas, tal aproximação não foi explorada apenas pela imprensa. A associação da
Guarda Negra e os medos reais e simbólicos que ela representou chegaram a ser acionados
inclusive nos encontros parlamentares que procuravam criticar e derrubar o Ministério 10 de
março e o presidente do Conselho de Ministros. Nesses eventos a associação de negros era
resgata como símbolo da desordem e do ódio racial demonstrando a incapacidade do
presidente de agir frente à questão dos libertos. Para piorar a situação de João Alfredo, este

96
A Pátria, 13 jan. 1889, p. 01-02.
142
era acusado de apoiar a causa da Guarda Negra fomentando a perseguição contra a raça
branca.
Em se tratando dos possíveis motivos que levaram a queda do Ministério 10 de março,
uma breve leitura das reuniões do Conselho de Estado97, nos leva a entender que ela se
relaciona fortemente à maneira como à elite agrária encarou a aprovação da lei que pôs fim ao
trabalho servil, sem indenização aos proprietários de escravos. Nem liberais, nem
conservadores perdoaram o fato de que João Alfredo havia desorganizado o trabalho agrícola,
abolindo a escravidão, sem oferecer compensações pelos prejuízos sofridos por parte dos ex-
senhores. No parecer do Conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira, esse destacou:

A abolição do elemento servil desorganizou de golpe a lavoura do país,


deixando-a a um tempo sem tratadores e sem capitais. Era uma necessidade
indeclinável acudí-la de pronto, fornecendo-lhe dinheiro por meio de crédito
e braços pela imigração. O ministério ou desconheceu a urgência e extensão
destas necessidades, ou não soube adotar as medidas adaptadas a satisfazê-
las. 98

Essa percepção era também comum em parte da imprensa de viés republicano e liberal
que atestava que o primeiro erro do ministério teria sido a abolição sem indenização e
imediata “pela intervenção patente e confessada da representante da monarquia” 99. Para o
jornal Novidades, como consequência de tal fato, teria se iniciado o processo de divórcio das
classes conservadoras com o governo imperial, bem como a passagem em massa dos
latifundiários para a causa da República. Num contexto de agitação, desordem e revolução

97
Na visão de José Murilo de Carvalho, o Conselho de Estado era a “cabeça do Governo” no Império brasileiro.
Cf. CARVALHO, José Murilo de. O Conselho de Estado: a cabeça do Governo. In: Idem. A Construção da
Ordem: a elite política imperial; Teatro de Sombras: a política imperial. 2ª ed.. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, Relue
Dumará, 1996, pp. 327-358. Uma outra visão sobre o Conselho está em MARTINS, Maria Fernanda Vieira. A
velha arte de governar: um estudo sobre política e elites a partir do Conselho de Estado (1842-1889). Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 2007.
98
Ata de 31 de maio de 1889. Atas do Conselho de Estado Pleno. Códice 304, Volume II. De 31-05-1889 a 10-
08-1889. In: José H. Rodrigues (org.). Atas do Conselho de Estado: Terceiro Conselho de Estado, 1884-1889.
Brasília: Senado Federal, 1973-1978, s/d. http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/ACE/ATAS12-
Terceiro_Conselho_de_Estado_1884-1889.pdf,
Lafayette Rodrigues Pereira, o conselheiro Lafayette, era filho do barão de Pouso Alegre, Antônio Rodrigues
Pereira, e sobrinho de Alcides Rodrigues Pereira, barão de Lamim. Sua família era proprietária da Fazenda dos
Macacos, em Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo,
foi promotor público em Ouro Preto e advogou no escritório de advocacia de Teixeira de Freitas. Foi presidente
das províncias do Ceará (1864-65) e a do Maranhão (1865-66), e signatário do Manifesto Republicano de 1870.
Foi ministro da Justiça do gabinete Sinimbu, e senador em 1879, sendo acusado pelos adversários de que
“escorregava para cima”. Foi presidente do Conselho e ministro da Fazenda do gabinete de 24/05/1883, sendo
substituído pelo gabinete Dantas de 06/06/1884. Durante o seu governo, ocorreu a Questão Militar. Cf. LEME,
Ernesto. Lafayette Rodrigues Pereira. http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/66450/69060
99
Novidades, 31 dez.1888, p. 01.
143
popular, o ministério era acusado de não ter feito “mais do que de dia para dia acirrar ódios e
aumentar desgostos”. Esses ódios, obviamente, diziam respeito à elite agrária branca, que
“espoliada e reduzida à miséria”, agora “abraçava a ideia republicana”. Nesse mesmo editorial
outro artigo reforçava sua crítica ao gabinete 10 de março de maneira ainda mais impetuosa:

Sem talento, sem tino, sem critério, despido de ideias, de princípios, de


orientação, tendo a consciência de que não pode governar, de que não sabe
fazê-lo, de que o seu governo é funesto à nação e à monarquia, de que as está
traindo miseravelmente, o ministério leva a insânia a ponto de pretender
dividir a nação em duas partes, de atirar uma sobre a outra, (...).100

De todos os erros cometidos por João Alfredo, fica claro que o mais grave era atiçar o
conflito entre brancos e negros, atormentando a elite agrária responsável por sustentar a
economia do país. A repulsa ao gabinete conservador já poderia ser evidenciada, de acordo
com o jornal, pelo resultado nas urnas das eleições subsequentes, que haviam demonstrado o
crescimento dos candidatos adversários, em especial republicanos. A ideia transmitida era a
de que o chefe do conselho de ministros estaria mais do que agindo em detrimento de sua
própria administração pública, atuava para contribuir, sobremaneira, com a queda da
Monarquia no Brasil e, principalmente com a divisão da nação. Para a Tribuna Liberal, por
exemplo, o chefe conservador, enquanto o “protetor da raça escura”, estaria açulando e
estabelecendo entre os brasileiros diversos e inéditos preconceitos de cor, contribuindo para
estigmatizar a raça negra.101
Aliava-se a essas problemáticas as acusações de corrupção, censuras parlamentares,
gastos públicos excessivos, falhas na estratégia de incentivo ao trabalho imigrante, nepotismo
e o apoio explícito à Guarda Negra que fomentava os ódios raciais no Brasil. Desde maio de
1889 o chefe dos ministros, já vinha pedindo a dissolução da Câmara dos Deputados, tendo
em vista que, sem base política, não conseguia dar prosseguimento à gerência dos negócios
públicos. Dentre as poucas sessões do Conselho de Estado convocadas nos últimos anos da
Monarquia no Brasil, podemos destacar justamente a de 31 de maio de 1889, quando João
Alfredo se reúne com os Conselheiros e o Imperador para debater sobre a possibilidade de
dissolução da Câmara dos Deputados. Nesse momento, ele expõe que o governo não possuía
maioria firme para prosseguir com os trabalhos legislativos, porque “três grupos

100
Idem.
101
Tribuna Liberal, 03 jan. 1889, p.02.
144
essencialmente antagônicos (...), uniam-se para tornar impossível a vida do ministério”102. No
entanto, as severas críticas de seus companheiros, inclusive do Partido Conservador,
demonstravam que seu prestígio e apoio político se esvaíam cada vez mais.
Em data anterior a da reunião do Conselho de Estado, em 16 de maio de 1889, o jornal
Constitucional: órgão do partido conservador (RJ) publicava, supostamente, a íntegra dos
discursos proferidos na reunião do Senado ocorrida dois dias antes, na qual João Alfredo
Correia de Oliveira foi conclamado a prestar esclarecimentos sobre suas condutas
governamentais e suas intenções de dissolver a Câmara dos Deputados, chegando inclusive a
responder sobre as acusações que o associavam á Guarda Negra e faziam crescer as
103
desconfianças políticas do seu ministério. João Alfredo iniciava sua defesa, declarando
que, ao contrário do que muito se propagou pela imprensa que afirmava que as comemorações
de 13 de maio de 1889 seriam uma verdadeira revolução pelas ruas, com os negros libertos
cometendo todo o tipo de desordem, as festas correram tranquilas e dentro da legalidade.
Aproveitou o assunto para defender-se das acusações que o associavam à Guarda Negra e aos
ódios raciais: “Aqui, Sr. Presidente, cabe dizer que é completamente imaginária essa
acusação, que se tem repetido, de que eu levanto ódios de raças e de que o país está por isso
ameaçado da pior das guerras civis”104. João Alfredo salientava que esse tipo de declaração se
constituía em “verdadeira calúnia” e admirava-se que esse categoria de informação estivesse
sendo publicada entre aqueles articulistas que antes do 13 de maio “achavam toda a população
escrava capaz de entrar no gozo pleno da liberdade”.105
Como forma de sustentar sua argumentação e demostrar que havia uma manipulação das
notícias que exaltavam o número de crimes e desordens praticados por ex-escravos, o
presidente do Conselho de Ministros certificava que vinha se dedicando ao trabalho de avaliar
em que proporção “os libertos concorrem para a estatística criminal”, antes e depois do 13 de
maio. Declarava estar satisfeito por perceber que a “raça oprimida e mal educada, quando teve
liberdade, não abusou de tão grande benefício”. Logo, não havia porque temer o boato de que
os negros fomentavam a violência e o ódio contra os homens brancos. Em seguida,
continuava com sua explanação sobre a fraude da versão que circulava pela imprensa e pelo

102
Ata de 31 de maio de 1889. Atas do Conselho de Estado Pleno. Códice 304, Volume II. De 31-05-1889 a 10-
08-1889. In: José H. Rodrigues (org.). Atas do Conselho de Estado: Terceiro Conselho de Estado, 1884-1889.
Brasília: Senado Federal, 1973-1978, s/d. http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/ACE/ATAS12-
Terceiro_Conselho_de_Estado_1884-1889.pdf
103
Em pesquisa ao Senado Federal, verificamos que não constam os livros contendo os anais do Senado para o
ano de 1889.
104
Constitucional: órgão do partido conservador, 16 mai. 1889, p. 2-3. Conferir ainda: Gazeta de Notícias, 15
mai. 1889, p. 01-02.
105
Idem
145
senso comum de que a Guarda Negra teria sido criada pelo governo imperial, se afastando das
notícias que asseguravam sua solidariedade frente ao grupo de negros libertos.

Em minha casa, uma vez, apareceu uma comissão de homens da chamada


guarda negra, e eu lhes disse que era feliz por ter concorrido de algum modo
para a libertação dos escravos, e mais feliz seria se eles conservassem em
todos os tempos, como até então pelo seu procedimento, os sentimentos de
ordem, de obediência à lei e de reconhecimento aos seus benfeitores.
Um jornal publicou que eu tinha dito que crescessem para sustentar as
instituições!106

Nesse trecho, João Alfredo fazia alusão aos inúmeros periódicos que, segundo ele,
haviam publicado a sua fala de maneira distorcida. Na realidade ele estava se referindo às
comemorações pelo seu aniversário, quando a associação da Guarda Negra havia mandado
uma comissão para homenageá-lo. Inúmeros jornais, das mais diferentes filiações políticas,
fizeram circular em suas páginas o suposto discurso do chefe dos ministros em favor da
associação da Guarda Negra. Neste, João Alfredo felicitava o grupo de negros e incentivava o
seu crescimento para a defesa e sustento da Monarquia e da Princesa Regente107. Em alguns
momentos, tal discurso era acionado pela imprensa republicana e liberal para criticar o
governo, alegando a manipulação política dos ex-escravos; em outros, a imprensa
monarquista e a abolicionista reformista, apoiando o Partido Conservador, retomavam a fala
de João Alfredo para engrandecer a associação da Guarda Negra e o caráter benevolente e
agradecido dos libertos. Os senadores, no entanto, desconfiavam da nova versão descrita por
João Alfredo e alegavam que tais notícias, que vinculavam o chefe do gabinete à Guarda
Negra, haviam sido publicadas em jornais da situação e não da oposição, logo não haveria
motivos para distorcer sua enunciação. Todavia, o chefe do gabinete seguia alegando que sua
fala havia sido desvirtuada pela imprensa e encerrava seu discurso ratificando sua idoneidade
e seus interesses para com o futuro da nação.
As denúncias de oposição à João Alfredo se intensificavam, principalmente a partir de
maio de 1889, quando o ministério propôs à Câmara as medidas do imposto territorial e de
desapropriação das terras em torno das estradas de ferro. Da mesma forma, o Senado acirrava
a sua oposição com inúmeras denúncias de corrupção. Era evidente que João Alfredo ia
106
Idem.
107
“Disse S. Ex. [João Alfredo] (...) que se aumentasse a guarda negra a fim de poder garantir as nossas
instituições e as augustas pessoas do Imperador e do Anjo do Brasil [princesa Isabel].” C.f. Novidades, 22 dez.
1888, p.02. Esse mesmo discurso com pequenas modificações foi transmitido na maior parte da imprensa
carioca. Cf. A Pátria, 23 dez. 1888, p. 02-03; Cidade do Rio, 13 dez. 1888, p. 01; Jornal do Comércio, 13 dez.
1888, p.02; Gazeta de Notícias. 13 dez. 1888, p. 02; Gazeta da Tarde, 14 dez. de 1888, p. 02.
146
perdendo apoio político de inúmeras fileiras e seu afastamento do ministério se deu ainda em
junho de 1889.
Retornando a reunião do Conselho de Estado de 31 de maio desse mesmo ano, quando
João Alfredo argumentava em favor da dissolução da Câmara, a maior parte dos conselheiros
ponderava sobre o momento político brasileiro e considerava arriscado fazer uso do Poder
Moderador quando às críticas à Monarquia se apoiavam exatamente nessa característica
autoritária da política brasileira. Tinha-se a consciência de que o Partido Republicano crescia
e ganhava força nos meios políticos e populares e o uso arbitrário da força do Imperador
serviria para fazer aumentar as fileiras dessa nova forma de governo. A maior parte dos
Conselheiros considerava a atitude de dissolução da Câmara incoerente, tendo em vista que
ela era formada por maioria conservadora, tal qual a filiação de João Alfredo. Portanto, a
perda do apoio político por parte do chefe do gabinete era vista antes, como fruto de sua
incapacidade de conciliar conflitos e manter alianças, do que por incoerências partidárias. Em
meio aos debates sobre a decomposição da Câmara, crescia a ideia de que, se João Alfredo
não possuía apoio de nenhum dos partidos, Liberal, Conservador ou mesmo o Republicano, o
ideal seria, então, a dissolução do próprio Ministério, o que acabou por acontecer 108. Em 7 de
junho de 1889, era formado um novo gabinete chefiado pelo liberal Afonso Celso de Assis
Figueiredo, o visconde de Outro Preto. Logo após a nova formação ministerial, a tão criticada
dissolução da Câmara dos Deputados foi apoiada pela maior parte dos conselheiros e
aprovada pelo Imperador.
Para o capítulo em questão, o intrigante foi notar que, além das acusações de corrupção,
nepotismo, concessões irregulares, atraso governamental, as temáticas acerca das agitações
populares envolvendo libertos, em especial a associação da Guarda Negra, foram acionadas
como mecanismo de deslegitimação ministerial. Tanto que, em seu discurso, João Alfredo se
defendia diretamente dessas acusações, o que não fez de forma explícita e direta em relação às
demais polêmicas. Tudo isso nos ajuda a perceber e a sustentar nossa hipótese de que as
manifestações da Guarda Negra, associadas às incitações de ódios raciais – supervalorizadas
para se argumentar sobre uma possível guerra civil entre negros e brancos – foram utilizadas
com objetivos diversos na arena política. A preocupação que se queria evidenciar não era
apenas a entrada de ex-escravos na vida pública e cidadã agindo em manifestações sociais,
ainda que esse ponto fosse central. O receio perpassava a questão racial e a ascensão de ódios
entre negros e brancos, ou pelo menos era essa a retórica utilizada para mobilizar sujeitos e

108
Atas do Conselho de Estado, 31 de mai. 1889. Op. Cit.
147
posicionar a sociedade perante o fim da escravidão. João Alfredo não era acusado apenas de
apoiar uma associação de homens de cor, mas de incentivar disputas raciais, e isso foi
fundamental para sua perda de apoio e legitimidade. Podemos afirmar, portanto, que o
discurso da racialização dos conflitos e tensões sociais foi fundamental para o
enfraquecimento do ministério 10 de março e, por conseguinte, para a crise na Monarquia no
Brasil.

2.3 A nova virada de José do Patrocínio e o fim de seu apoio a Guarda Negra.

A população foi convencida pelo discurso do medo racial e do medo da Guarda Negra, e
agiu e reagiu em função dele. 109 Ao fim, o próprio José do Patrocínio acabou rompendo com
a associação, tendo em vista a ascensão do gabinete liberal, mas também e, virtude do receio
da desordem e da guerra racial. Na realidade, desde o início da formação desse movimento,
Patrocínio sempre se preocupou em manter as manifestações de negros no campo da
legalidade e comprometida com a manutenção da ordem social, não aderindo à violência e a
desobediência civil. Ainda no dia 31 de dezembro de 1888, logo após os intensos conflitos
que ocorreram no Club Ginástico Francês, o jornalista negro fez questão de demonstrar que os
atos de violência não teriam partido dos integrantes da Guarda Negra e ratificou o seu
compromisso com a liberdade de expressão, o respeito à lei e a garantia da fraternidade
nacional.

O tumulto de ontem não aproveita a nenhuma das causas em litigio e


demonstra simplesmente que o ódio nada pode construir que honre a história
de um povo. Aos cidadãos que, como nós, discordam do modo como está
sendo feita a propaganda republicana, pedimos que deem o exemplo da mais
absoluta tolerância e do maior respeito à liberdade. Não se pode exigir do
escravismo que ele dê mais do que tem dado: o rochedo é áspero e estéril.
(...)
Pedimos em nome da nossa pátria, em nome da lei do 13 de maio, em nome
do nosso futuro, que não pode ser senão de amor e fraternidade, respeito á lei
e à ordem, único meio de garantir a democracia (grifo nosso).110

109
Baseado em Max Weber, Nelson Rosário destaca que “a capacidade de convencimento sobre o outro no
campo da política não está assentada, necessariamente, na violência. Aliás, o desafio da política é conseguir
êxito na indução do comportamento sem a necessidade do recurso extremo à coerção física. Esse poder que
conquista a obediência deixando em segundo plano o uso da violência, à posse de bens materiais ou o hábito dos
súditos deve ser entendido como dominação legítima ou como o exercício do poder de autoridade”. SOUZA,
Nelson Rosário de. Fundamentos da Ciência Política. Curitiba: ISDE, 2010, p. 83.
110
Cidade do Rio, 31 dez. 1888, p. 02.
148
Nesse trecho notamos o comprometimento de Patrocínio não só em defender as ações
da associação de negros, separando-a da noção de ódio racial, mas também percebemos como
ele não se colocava a favor de uma proposta de radicalização desse movimento. Como nos
informa Humberto Machado acerca das orientações políticas de José do Patrocínio,
diferentemente do que muito se propagou por parte de memorialistas e biógrafos do autor, ele
não pode ser caracterizado como um radical simplesmente, tanto para o período abolicionista
como para o pós-abolição111. O conjunto de suas ideias e ações, ainda que em alguns
momentos da sua trajetória pública e política dialogassem com percepções mais enérgicas e
extremadas, foram marcadas por noções pautadas na legalidade e moderação. Patrocínio,
embora nem sempre com uma atuação política uniforme, acreditou no poder das leis e
alicerces políticos para minar o cativeiro no Brasil, buscando sempre as reformas das
instituições, e assim continuou após o fim da escravidão.
José Murilo de Carvalho, ao introduzir uma coletânea de artigos publicados por José
do Patrocínio, também nos fala sobre essa multiplicidade de alianças e projetos, bem como
sobre a dubiedade de suas ações. Para entendê-lo, José Murilo o caracteriza como sendo um
homem que sempre viveu em fronteiras de mundos distintos e muitas vezes conflitivos.
Começando pela fronteira etnicorracial, posto que filho de mãe negra com pai branco;
passando pela fronteira civil – filho de liberta com pai livre e senhor de escravos, que aliás
nunca o reconheceu legalmente –; a fronteira entre o mundo rural, no qual se criou até os 15
anos, e o mundo urbano onde fez carreira; a fronteira intelectual, pois apesar de conquistar
uma posição conceituada no cenário da imprensa nacional, jamais conseguiu se formar em
uma carreira de prestígio, conquistando o diploma de farmacêutico; e, finalmente a fronteira
política entre reformismo e radicalismo.112
Confirmando essa ideia, Humberto Machado destaca que, desde o início da década de
1880, havia um receio por parte de Patrocínio em radicalizar o movimento reformista em
virtude da possibilidade do crescimento das revoltas escravas. Ainda que em alguns
111
MACHADO, Humberto. Palavras e brados. Op. Cit. A respeito da trajetória de vida de José do Patrocínio
conferir também: SILVA, Ana Carolina Feracin da. De “papa-pecúlios” a Tigre da Abolição: a trajetória de
José do Patrocínio nas últimas décadas do século XIX. Tese de Doutorado em História, Campinas: IFCH-
UNICAMP, 2006.
112
CARVALHO, José Murilo de. “Introdução”. In: PATROCÍNIO, José do. Campanha abolicionista> coletânea
de artigos/ José do Patrocínio. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Dep. Nacional do Livro, 1996,
p.09. “A começar pela fronteira étnica: pai branco, mãe negra, um mulato, como se dizia na época, cor de tijolo
queimado em sua própria definição. Depois, a fronteira civil: mãe escrava, pai senhor de escravos e escravas. A
fronteira do estigma social, a seguir: oficialmente registrado como exposto, só mais tarde constando o nome da
mãe, nunca legalmente reconhecido pelo pai. Mais: a fronteira entre o mundo interior em que se criou e viveu até
os 15 anos e o mundo da Corte em que exerceu a atividade profissional e política. Ainda: a fronteira intelectual
de uma formação superior mas de baixo prestígio, a de farmacêutico, convivendo com a formação dos bacharéis
em Direito, Medicina e Engenharia. Por fim, a fronteira entre o reformismo e o radicalismo políticos”.
149
momentos declarasse seu apoio a ações mais violentas como autodefesa e a fuga do cativeiro,
em outros acabou por assentir propostas de abolição gradativa. Portanto, considerava a
manutenção da ordem como o limite para a efetivação das mudanças almejadas. Sua
ambiguidade também marcou alguns discursos e posicionamentos em relação à Guarda
Negra. Embora incialmente enérgico a respeito da associação, aos poucos, a possibilidade de
que as questões raciais pudessem extrapolar as divergências partidárias também preocupou
José do Patrocínio. O fervoroso abolicionista encerrou o seu apoio à associação da Guarda
Negra alertando sobre as consequências da racialização das relações políticas e insinuou o
quanto a exaltação dos embates raciais entre negros e brancos representava um perigo para a
ordem nacional e para o futuro do negro no país. Visualizamos que as chances de que os ódios
raciais pudessem se espalhar pelo Brasil esteve no centro de seu argumento final.

Homens de cor, apelo para aqueles a quem dei toda a minha mocidade, e
todo o meu coração. É necessário, em nome da nossa pátria e do próprio
futuro de nossos filhos, que terão de pagar o ódio de raça, que as influências
desumanas, que estão dirigindo a Guarda Negra, vão semeando; é necessário
que todos os homens de cor mais instruídos se consagrem a propaganda
humanitária de esclarecer a seus irmãos, a quem o cativeiro roubou a noção
da vida social. Urge convencer os nossos desditosos irmãos de que eles vão
ser dentro em pouco condenados a um cativeiro ainda pior, do que o de
ontem, o ódio público.113

O artigo se refere ao dia 14 de julho de 1889, data de comemoração do centenário da


Revolução Francesa. Segundo Patrocínio, apesar dos esforços do governo e das academias
que promoveram a homenagem ao marco consagrado como a genuína libertação do
despotismo, uma verdadeira “cena de barbárie” tomou conta do centro da cidade por volta das
Ruas do Ouvidor, Gonçalves Dias e Uruguaiana. “Com grande dor no coração” ele imputava
a culpa do acontecimento à associação da Guarda Negra, que havia sido fundada para
defender a princesa regente e o futuro do Terceiro Reinado que corria risco de “sucumbir” e
não tinha “por missão agredir, mas defender”. O fim de seu apoio é marcando por um
discurso que ratifica a ignorância do povo negro em virtude de seu passado de cativeiro e
desqualifica-o para as ações e funções políticas, tal como fazia há tempos a imprensa
republicana que Patrocínio tanto criticara. Sua dissidência com o grupo de negros se justifica
pela possibilidade de ascensão de ódios raciais, que em última instancia deterioraria a imagem

113
Cidade do Rio, 15 jul. 1889, p. 01.
150
de todos os homens de cor e comprometeria o futuro da nação (e em certa medida o seu
próprio futuro).
Patrocínio prossegue sua narrativa explicando que o retorno do Imperador D. Pedro II
ao poder, bem como a “calma” dos movimentos políticos vigentes, “restituindo a sociedade
seu estado normal”, fazia desaparecer a necessidade de tal associação de negros, o que deveria
cessar as suas ações. Mas, ao contrário do que a realidade social exigia, a Guarda Negra
“conservou-se, e o que é triste, desviada de seu nobre e generoso fim”. Acusando os
indivíduos que viam nessa associação uma forma de galgar posições políticas, Patrocínio
concluía:

a raça que fez pelo trabalho a riqueza pública, a raça que tem tido sempre os
maiores encargos da nossa sociedade, desde o cativeiro até as fileiras rasas
da batalha, não teve ainda o quinhão de instrução, que lhe devia tocar na
partilha equitativa dos direitos sociais. (...) Os acontecimentos de ontem
demonstram que os nossos irmãos estão sendo criminosamente explorados.
Só a mais infame especulação podia conseguir que partisse de homens de cor
a perturbação de uma festa que tinha por fim honrar a memória da
Revolução, que teve como um de seus dogmas a libertação dos cativos e a
igualdade política da raça negra. (...) Os que lhe estão aconselhando o
contrário especulam com ela e a comprometem para sempre, o que é pouco,
mas criam o ódio de raça que é tudo, quanto ao futuro dos nossos filhos.114

Os negros dessa associação, antes defendidos pelo próprio Patrocínio como cidadãos
participantes da política de maneira autônoma, expondo suas vontades e visões de mundo de
forma particular, agora são taxados como sendo manipulados e despreparados para as
decisões políticas – em uma clara tentativa de atacar o novo gabinete de Afonso Celso.
Utilizando o mesmo discurso que ao longo de todo o ano de 1888 e a metade de 1889 foi
ferrenhamente combatido e criticado por ele próprio, Patrocínio passava a salientar a falta de
instrução do liberto que o cativeiro havia gerado. Continuava afirmando que uma parcela de
indivíduos com interesses conspiratórios estava “se dizendo amigo dos negros” e se
aproveitando da “coragem e abnegação deles”. Os acontecimentos do dia 14 de julho
demonstravam que “os nossos irmãos estão sendo criminosamente explorados”. A instituição
da Guarda Negra teria se tornado então, um instrumento do governo liberal utilizado para
sustentar os mais diversos tipos de atentados contra a liberdade de expressão, oprimindo a
livre manifestação. Obviamente, a queda do Ministério 10 de março, vigorosamente
defendido por Patrocínio, contribuiu para a mudança de posição evidenciada pelo intelectual

114
Idem
151
negro. Além disso, o retorno de D. Pedro II e o afastamento temporário de Isabel do trono
brasileiro, também nos ajudam a explicar o retorno de Patrocínio às fileiras republicanas e o
fim de seu apoio a Guarda Negra. Aliado a essas questões, ele percebia que muitos de seus
companheiros abolicionistas reformistas haviam se afastado definitivamente do governo
imperial e retomado ao ideal de uma República igualitária. 115 No entanto, o que tentaremos
demonstrar é que, somado a tudo isso, existiam ainda questões pessoais, em especial relativas
à sua condição racial que o arrolaram a se voltar contra a associação da Guarda Negra.
Para explicar as posições muitas vezes dúbias de Patrocínio, Humberto Machado se
utiliza do conceito de intelectual como um indivíduo que contribui para a transmissão de
conhecimento dentro de uma sociedade, possuindo, portanto, o “monopólio do saber”. Esse
grupo era composto por diversos setores sociais como, artistas, escritores, religiosos,
filósofos, jornalistas e inclusive políticos, o que dificultava a sua unidade em termos de
posicionamentos e pensamentos. Com o objetivo de compreender essa “elite intelectual”,
Humberto também recorre à ideia de “camadas ilustradas”. Esse conceito ajudaria a explicar a
crença desse grupo na ideia de progresso e civilização alicerçada a um projeto de cunho
prático-pedagógico típico da ilustração, o que os levava a almejar e a se engajar em ações
políticas diversas, em paralelo às suas atividades intelectuais. Nesse sentido, outra
característica comum a essa intelectualidade era que ela estava direta ou indiretamente ligada
à esfera de poder, oscilando sempre em virtude de seus interesses.116
Ângela de Castro Gomes também evidencia essa característica acerca do círculo
intelectual brasileiro dos séculos XIX e início do século XX. Para ela, podemos usar o
conceito de intelectual como uma categoria sócio-profissional de contornos flexíveis que, ao
mesmo tempo em que produziam e reproduziam interpretações da realidade social, possuíam
ainda importantes relações políticas. No caso especificamente do Brasil nesse contexto, a
autora diz ser incerto trabalharmos com uma separação rígida entre o campo intelectual e o
político, embora possamos reconhecer uma crescente autonomia entre ambas as categorias117.
Intelectuais seriam, portanto, indivíduos responsáveis por produzir bens simbólicos
estritamente relacionados ao campo político, ou seja, seriam atores políticos agindo no campo
da cultura. Tal fato marca o forte vínculo entre poder e saber. Essa relação pode ser verificada

115
Foi o caso de alguns de seus companheiros do Cidade do Rio que romperam com a sua folha e fundaram o
jornal A Rua, tratado no capítulo anterior. Foi o caso também das orientações políticas da Revista Ilustrada que
após a queda de João Alfredo voltou a se aproximar do ideal republicano.
116
MACHADO, Humberto Fernandes. Palavras e Brados. Op. Cit., p. 74-76.
117
GOMES, Ângela de Castro. A República, a História e o IHGB. Belo Horizonte: Argumentum, 2009, p. 26. A
respeito do conceito de campo intelectual e campo de poder conferir: BOURDIEU, Pierre. Campo de poder,
campo intelectual. Itinerario de um concepto. S.l: Editorial Montressor, 2002.
152
empiricamente, no caso desse trabalho, quando analisamos os jornais que articulavam uma
diversidade de atores que agiam em torno de um projeto político específico e se utilizavam da
imprensa como forma de conduta para atingir seus objetivos.
A intenção desse capítulo não foi, necessariamente, procurar compreender as
motivações e filiações políticas em torno do pensamento de José do Patrocínio – como outros
autores já o fizeram – mas tentar demonstrar como as questões raciais estiveram no cerne de
suas decisões – e das decisões políticas que marcaram a queda da Monarquia e a ascensão da
República no Brasil. Através da fala de Patrocínio após os confrontos ocorridos no dia 14 de
julho de 1889 percebemos uma mudança de tom. Percebemos que ele acabou por “render-se”
ao discurso, majoritariamente utilizado pelos republicanos e liberais, de deslegitimação da
associação de negros pautados na ideia de desordem e no medo do florescimento dos ódios
raciais. Tal possibilidade, de confrontos entre negros e brancos, era contrária a todo o ideal de
sociedade almejado por Patrocínio, já que sabemos que ao longo de sua trajetória, tanto como
jornalista quanto político, o seu compromisso com percepções de harmonia em termos sociais
e raciais esteve presente. Como exemplo de tal pressuposto, verificamos que durante sua vida
e sua produção literária e jornalística Patrocínio buscou entender o processo miscigenatório
do ponto de vista positivo, já que para ele a mistura racial era capaz de permitir um
aprimoramento social. Obviamente, tal conotação foi preferida levando em conta sua própria
história pessoal: desde o nascimento foi fruto da mistura racial e a manteve ao casar-se com
uma mulher branca. Sua fala era, portanto, uma maneira de legitimação de sua própria
identidade enquanto intelectual e negro, em meio a uma sociedade cada vez mais demarcada
por discursos que acionavam a ideia de raça nas mais diversas maneiras. Confirmar e almejar
o ideal de comunhão entre negros e brancos e da “quase” inexistência de preconceitos raciais
era, na realidade, acreditar em um futuro otimista para si mesmo e difundir esse tipo de
pensamento era uma das maneiras de garantir esse projeto.
Não podemos esquecer que as questões acerca das tensões raciais obviamente
estiveram em jogo no processo de construção da identidade nacional. A ideia de nação se
constituiu, durante o século XIX, em tema sagrado de reflexão política em todo mundo
ocidental, se estabelecendo como entidade histórica inquestionável e tornando-se um novo
sistema de reconhecimento e formação de identidades coletivas. Se essa concepção era tão
cara à intelectualidade brasileira ao longo de todo o Oitocentos, evidentemente as
manifestações envolvendo a Guarda Negra, e a maneira como a imprensa, republicana ou
monarquista, transmitia essas tensões, também possuem relação com a ideia que se tinha e

153
que se queria imprimir a respeito da nossa nacionalidade. Ideia essa que só pode ser
completamente arquitetada após o processo que culminou com o fim irrestrito da escravidão
no Brasil. Portanto, podemos afirmar que o imediato pós-abolição, somado aos primeiros anos
do novo regime de governo, são períodos extremamente importantes para avaliarmos as
transformações políticas e sociais no país no que diz respeito à formação de uma identidade
nacional e às concepções racializadas que essa identidade trazia. Apenas com o fim da
instituição escravista, que durou mais de três séculos, encerrava-se um período no qual a
população trabalhadora – os escravos – se definia pela carência de direitos. Sendo assim, a
existência da escravidão comprometia um processo de construção da nação brasileira, já que
impossibilitava a formação da ideia de um povo unificado.
Sem exageros, podemos afirmar então que a abolição da escravidão inaugurou novas
formas, não só de elaboração das narrativas históricas, como da própria percepção de
indivíduo, nacionalidade, cidadania e povo brasileiro. Para Ângela de Castro Gomes, por
exemplo, o fim da escravidão, associado à instauração da República, assinalaram um ponto de
inflexão na história da cidadania brasileira, bem como na construção da identidade nacional,
pois apenas após esses dois processos, que estiveram fortemente interligados, pudemos passar
a falar de igualdade jurídica dos homens perante a lei118. Ou seja, só após a abolição, que de
fato não libertou proporcionalmente uma quantidade expressiva de escravos e não garantiu o
acesso à propriedade, e a República que, por sua vez, não irrompeu no país práticas políticas
representativas que divergissem significativamente daquelas experimentadas no Império, se
tornou possível no Brasil uma realidade política baseada no princípio da equidade. Somente
em decorrência de ambos os processos, passamos a nos constituir como nação e por
consequência necessitar pôr em pauta questões relativas à extensão dos direitos de cidadania
aos seus indivíduos, incluindo o ex-escravo. Os intelectuais, tais como Patrocínio ou Rui
Barbosa que haviam atuado também nas causas abolicionistas, carregavam esse tipo de
preocupação em sua escrita, qual seja, dar conta de construir uma narrativa coerente com as
características que se almejava para a nação brasileira, bem como criticar aquelas que não se
enquadrassem nesse ideal. A imprensa serviu como um importante espaço de retórica capaz
de evidenciar esse tipo de “batalha” pelo ideal nacional. Por isso, era tão caro a esses homens
construir uma imagem do Brasil separada, tanto do seu passado de escravidão, como de um
futuro de distúrbios sociais baseados em disputas e ódios raciais.

118
GOMES, Ângela de Castro. Op. Cit., p. 14.
154
Vimos, portanto, que a emancipação trazia para a ordem do dia inúmeros projetos de
nação e de “povo brasileiro” pautados em noções racializadas. Imerso nesses debates, o 13 de
maio aparecia como data simbólica com inúmeros sentidos e significados para indivíduos que
partilhavam questionamentos diversos em torno da vida em liberdade e do lugar do negro na
nacionalidade. Apesar das diferentes maneiras de lidar com a data que instituiu a libertação
completa dos escravos no Brasil, notamos, na maior parte de imprensa abolicionista, que este
dia foi acima tudo, comemorado como uma data de união nacional que impulsionava o Brasil
para o progresso, sendo retratado como uma conquista de todos os brasileiros. Logo, após a
abolição não deviria haver qualquer resquício de segregação. E os conflitos envolvendo a
associação da Guarda Negra representavam exatamente o oposto desse ideal de fraternidade
nacional e do anseio identitário que se almejava cunhar. Portanto, a opção da imprensa,
principalmente republicana e posteriormente por parte do próprio José do Patrocínio, em
criticar as ações da Guarda Negra, também escondiam um amplo movimento de transmissão
da identidade nacional que se queria edificar, baseado na ideia de unidade, sem exaltação de
antagonismos e ódios raciais. Nesse sentido, as manifestações públicas de negros libertos que
agitavam os centros urbanos precisavam ser desclassificadas, pois não estavam em
consonância com o ideal de integração à comunidade nacional que se queria acentuar. O fato
é que a Guarda Negra fazia emergir ideais de oposição e conflito que não deveriam compor as
narrativas patrióticas sobre o Brasil naquele momento.
Essas perspectivas não escaparam aos autores dos artigos de grande parte dos jornais
que apresentaram a data de libertação como ponto de inflexão para a construção da ideia de
nação. Se o treze de maio era percebido e representado como símbolo da liberdade que, sob
vários aspectos, confundiu-se com noções de igualdade, tratava-se de uma data a partir da
qual se podia imaginar uma sociedade homogênea e pronta para realizar-se enquanto povo, de
onde não deveria emanar qualquer rastro de tensão social e racial. A ideia transmitida por
muitos periódicos era de que a Lei Área, ao romper as algemas que pesavam sobre o negro,
significava o triunfo da nossa nacionalidade, possibilitando ao Brasil desenvolver todo o seu
potencial enquanto país. Por isso, em diversas ocasiões a lei era transmitida como uma
“conquista da civilização”, uma “revolução social” que abria campos para as lutas políticas,
era aquela que deu origem a pátria e aos direitos civis. Assim publicava o jornal republicano
Goyaz em 07 de janeiro de 1889: “Não nos iludamos; nosso 13 de maio do ano passado só

155
tem por equivalente na história dos povos modernos o 14 de julho de 1789 – a queda da
bastilha”.119
José do Patrocínio ia além e dizia que a lei do 13 de maio dava origem ao verdadeiro
povo brasileiro, qual sejam, os libertos.120 Sabemos que a Lei Áurea não assegurou a
integração plena do negro à nacionalidade, no entanto podemos afirmar que, mesmo no
universo da retórica, este era o ideal a ser galgado para alguns setores da intelectualidade
brasileira que possuíam projetos de abolição que iam além da ação libertadora e contavam
com o desenvolvimento de um sistema educacional público, incentivo à pequena propriedade
e ao trabalho, entre outras ações inclusivas. Para o caso de José do Patrocínio, podemos
afirmar que ele não perdeu no horizonte o fato de que a supressão do cativeiro precisava ser
complementada com políticas e medidas concretas em benefício dos libertos e seus
descendentes. E se utilizava dessas questões para, novamente, criticar a propaganda
republicana afirmando que ela queria rebaixar a condição dos negros na sociedade e suas
possibilidades de futuro ao deixar para eles baixos salários, “a condição mais miserável dos
operários” e a impossibilidade de “sonhar com a posse de terras ou a economia de capital para
entrar na concorrência industrial e intelectual”121. Com tais posicionamentos críticos,
verificamos que ele se inseria no debate sobre as ações da Guarda Negra, também como
forma de conscientizar e animar os 'irmãos de cor', nas lutas de seus direitos em um diálogo
com a sociedade civil e o Estado. Nesse sentido, em alguns artigos conseguimos perceber a
sua identidade negra sendo acionada e declarada, principalmente para retrucar relatos de seus
opositores que o acusavam de traidor da causa republicana.

Que meus golpes iam lhes ao coração prova o ódio que me votam. Apesar de
tudo, não podem os Rangeis (Rangel Pestana) e Quintinos (Quintino
Bocaiuva) negar que eu sou um negro de talento. (...) Declararam-me traidor
à República e como sabem que sou pobre e sou negro, venderam-me ao
governo.122

Nesse artigo, Patrocínio responde às acusações, principalmente de Quintino Bocaiúva


e Rangel Pestana, que constantemente afirmavam que o jornalista negro havia se vendido ao
Estado Imperial com o objetivo de agregar recursos que pudessem cobrir suas despesas

119
Goyaz: órgão republicano, 07 jun. 1889, p. 01.
120
“libertos do 13 de maio constituem, entre nós, o verdadeiro povo brasileiro”. Cidade do Rio, 05 jan. 1889, p.
01.
121
Cidade do Rio, 16 jan. 1889, p. 01.
122
Cidade do Rio, 04 jan. 1889, p. 02.
156
excessivas e sustentar seu jornal Cidade do Rio, que passava por crise financeira. Patrocínio
respondia corroborando suas críticas aos republicanos que haviam traído a causa abolicionista
ao agregar às suas fileiras antigos senhores de escravos. Mas, nesse ínterim tratava de acionar
a sua identidade racial negra assumindo que parte da crítica que a imprensa republicana
inferia contra a sua pessoa era devido a sua condição racial de homem negro.
Sua maneira de interpretar tais acusações não estava equivocada, muitos jornalistas e
republicanos faziam alusões negativas à Patrocínio, justamente por conta de sua característica
racial e sua condição de intelectual negro. Silva Jardim, por exemplo, representante da frente
republicana jacobina e responsável por encabeçar os maiores encontros de republicanos que
acabaram por entrar em conflitos com a associação da Guarda Negra, assim se referiu a José
do Patrocínio:

Este homem de cor, mas até então tolerado por todos os brancos, que jamais
lhe haviam feito questão da raça, muito amado mesmo pela mocidade e pelo
público generoso, em vista de uma suposta dedicação à causa dos escravos –
converteu-se em órgão da dinastia, principalmente da Princesa D. Isabel, e
do ministério, que apensas presidira ao ato parlamentar da abolição; e daí
começou de sustentá-los, traidor então de sua raça, que por proletária no
Brasil, carece claramente, para o seu desenvolvimento de um regime
republicano, traidor do partido a que dissera pertencer.123

Verificamos na fala de Silva Jardim que a questão racial assume posição crucial.
Patrocínio, enquanto lutava nas bandeiras abolicionistas pelo fim imediato e sem indenização
da escravidão no Brasil, assumindo uma identificação com a causa republicana, era visto
positivamente, com sua característica racial silenciada – mas não esquecida. Como afirmamos
em outros momentos, uma vez abolida a escravidão, engendraram-se novos terrenos e
dimensões de poder pautadas em ideias recentes de raça e nacionalidade. As disputas e
dissidências políticas passaram a contar com esse novo critério de exclusão. Se antes Silva
Jardim não havia feito “questão da raça” de José do Patrocínio, sendo por isso mesmo
“generoso” como ele próprio o colocou, agora sua negritude lhe parecia crucial para demarcar
as incoerências políticas desse intelectual. Ao mesmo tempo em que sua raça o
desqualificava, ela também representava uma traição junto a seu próprio povo, já que para
Silva Jardim lutar ao lado na Monarquia apenas fazia de Patrocínio um idólatra de Isabel e do

123
JARDIM, Antônio da Silva. Propaganda Republicana (1888-1889). Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui
Barbosa/ Conselho Federal de Cultura, 1978, p. 321/324. Apud. MACHADO, Humberto. Palavras e Brados, p.
49.
157
Ministério João Alfredo e um “vendido” para o governo imperial. A verdadeira liberdade do
ex-escravo se consumaria com o desenvolvimento do regime republicano.
Em outro artigo, encontrado no acervo da Casa de Rui Barbosa na sessão “seleta de
recorte”, intitulado Dia a Dia e tratando-se de uma republicação da Gazeta de Notícias, José
do Patrocínio é novamente aludido como traidor de sua raça por ter aderido ao movimento da
Guarda Negra e à causa monarquista. Na realidade tratava-se de uma coluna diária, na qual
muitas de suas publicações faziam referências pejorativas à Guarda Negra e à Patrocínio –
que recebe o apelido de “Latrocínio” em grande parte das edições da coluna. O autor do texto,
assinado como G.H, admite que Patrocínio era um homem de raro talento e de grande
competência, “era um jornalista feito, um orador de palavra fácil, um homem popular, enfim”.
E, justamente por tais aspectos, “ninguém melhor do ele poderia ser o Judas de sua raça”. Tal
declaração era justificada exatamente pelo fato de ele ser um indivíduo naturalmente
privilegiado em seus dons de oratória para aproveitar-se da ingenuidade dos antigos cativos e
fazer “de um punhado de homens “uma muralha e um chicote”.124
Aos que acusavam Patrocínio de traição e antipatriotismo devido à sua adesão à causa
monarquista e à sua solidariedade com as ações da Guarda Negra, ele respondia: “é
antipatriótico reunirem-se os homens de cor com o pensamento único de aperfeiçoarem-se, de
fortificarem-se por uma ideia de amor e fraternidade, para desmentir perante a civilização os
125
que diziam que a sua raça era incapaz de moralidade e de progresso?”. Evidenciava-se,
assim, que para Patrocínio a união dos homens de cor, bem como seu apoio a essa causa, nada
tinha de antipatriótico, pelo contrário, era a comprovação de seu amor à nação e da
preocupação com seu futuro. Era uma forma de aperfeiçoar a raça negra e fazê-la entrar nas
arenas políticas e na plena cidadania.
Entretanto, tendo em vista suas diversas falas de defesa da Guarda Negra, como explicar
o afastamento de José do Patrocínio dessa associação? Como sabemos, existem, no processo
de elaboração de uma memória coletiva, componentes políticos decisivos que influenciam a
seleção dos acontecimentos que serão perpetuados ou esquecidos. Para o caso do Brasil, os
combates por memórias que produziram diferentes sentidos e significados acerca do 13 de
maio e do imediato pós-abolição, imersos em realidades locais e regionais diversas, geraram
expectativas e propostas de futuro diferentes sobre o papel do liberto na condição de cidadão
brasileiro politicamente ativo. Tendo em mente que o passado, é ativamente construído e a
memória é sempre politicamente marcada, pois vive no campo das escolhas, dos valores e dos
124
RBdigital. Seleta de Recortes, 1889.
125
Cidade do Rio, 16 jan. 1889, p. 01.
158
significados126, podemos dizer que no contexto dos movimentos de negros libertos no
imediato pós-abolição houve uma tentativa de apagar das memórias coletivas sobre a
identidade brasileira qualquer ação que remetesse a conflitos e tensões raciais entre negros e
brancos, bem como silenciar formas radicais de lutas por direitos políticos que pudessem pôr
em risco o ordenamento das relações sociais e de poder na sociedade brasileira que buscava
constituir-se enquanto nação.
Para José do Patrocínio a situação era mais profunda e mais complexa, posto que, além
do futuro de uma identidade nacional para o Brasil, estava em jogo seu próprio destino. Seu
apoio inicial a Guarda Negra, como explicitado no capítulo anterior, pode ser compreendido
pelo seu compromisso com o futuro da abolição no país e mesmo através de certo
personalismo por Isabel, alçada por ele à categoria de Redentora. O que explicaria então, sua
ruptura com uma associação que apoiou e sustentou de maneira intensa? Sem dúvida, a queda
do ministério João Alfredo, a ascensão do gabinete liberal chefiado por Afonso Celso, antiga
desavença política de Patrocínio, e o retorno de D. Pedro II ao poder, influenciaram sua
decisão de retornar à bandeira republicana. No entanto, argumentamos também que as ações
de violência da Guarda Negra, cada vez mais exploradas negativamente pela imprensa que se
empenhava em reiterar a percepção de ódio racial, em última instância, prejudicavam seu
ideal de harmonia social e representavam um risco a sua posição já estabelecida nos círculos
intelectuais. Portanto, quando Patrocínio percebe, talvez não uma radicalização da
organização em si, mas que as críticas e a reprovação às ações da Guarda Negra estavam cada
vez mais ferrenhas no âmbito político, social e jornalístico, em conjunto com o novo contexto
governamental, ele se afasta do movimento. Seu futuro, enquanto integrante de uma elite
intelectual, sendo um homem de cor, poderia ser prejudicado caso seu apoio à associação se
perpetuasse. Sua fala no Cidade do Rio demonstra isso de maneira clara. Como destacou
Patrocínio, as ações empreendidas pela Guarda Negra poderiam condenar os descendentes de
africanos a um cativeiro ainda pior do que a escravidão, ou seja, o ódio público, e evitar tal
situação era imprescindível. As noções de identidade nacional, pautadas no caro ideal de
harmonia social, estavam em jogo naquele momento, mas também o seu próprio destino
estava marcado pelas tensões que a Guarda Negra poderia vir a desenvolver na sociedade. O
medo da ascensão do ódio racial por parte de Patrocínio talvez tenha sido o receio da exclusão
social de si próprio. Logo, sua ruptura com a associação não deve ser vista como uma atitude

126
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de: Cultura política e lugares de memória. In: AZEVEDO, Cecília et al.
Cultura política, memória e historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009, p. 447. POLLAK, Michael. Memória,
esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, Vol. 2, nº 3, 1989, p. 3-15.
159
dúbia, mas deliberada e pensada visando seus interesses pessoais de garantia do seu lugar
social e intelectual.
Ao fim, seu esforço talvez não tenha sido suficiente para lhe salvar do estigma de
“negro traidor”, posto que mesmo após seu retorno às fileiras republicanas e depois de chamar
para si a autoria do ato de proclamação pública do novo governo, foi posto à margem na nova
ordem política e jamais se recuperou da marca de “monarquista de 14 de maio”.
Como sabemos, a construção de identidades raciais faz parte de um processo
heterogêneo, dinâmico, múltiplo, oblíquo, marcado por permanentes formulações e
reformulações que escapam a qualquer tentativa reducionista ou essencialista. A construção
das identidades negras, no contexto americano especialmente, foi híbrida e relacional,
marcadas por um processo de constante negociação e conexão com a identidade nacional. No
caso exposto de José de Patrocínio, fica claro para o leitor que suas declarações o definiam,
em primeiro lugar, como brasileiro, para além de negro. E talvez tal aspecto fosse mais
importante do que sua característica biológica. No entanto, não podemos esquecer que seu
patriotismo foi sempre difundido levando em consideração, sobretudo, as contribuições dos
escravos e seus descendentes para a nação, tanto que caracterizava os libertos como o
verdadeiro povo brasileiro, seus filhos mais autênticos. Dessa forma, Patrocínio representava
essa ambivalência na construção identitária de negros no imediato pós-abolição, que
conjugava noções de enraizamento nacionais e territoriais típicas da virada do século XIX
para o XX, com percepções sobre raça e sobre o passado escravista. Seus posicionamentos
políticos e discursivos necessitam, portanto, ser analisados dentro dessa conjuntura, para não
corrermos o risco de enxergarmos incoerências onde existem processos lógicos e complexos.
José do Patrocínio, em uma fala muito consciente já sinalizava: “A lei de 13 de maio
havia irremissivelmente de engendrar ódios e vinganças, agradecimentos e simpatias, porque
os seus efeitos eram múltiplos e diametralmente opostos”127. Tendo em mente que a formação
da identidade nacional era um aspecto decisivo nas mentes de intelectuais à época, inclusive
negros, conseguimos entender a tamanha necessidade de silenciar e reverter as possibilidades
de ascensão de conflitos raciais no Brasil, já que a “evolução nacional” era impedida pela
possibilidade de crescimento dessas agitações. Instigar ou fazer emergir os constantes
embates entre representantes da Guarda Negra e brancos republicanos era, acima de tudo, pôr
em risco a ideia de “povo brasileiro”, ainda nada concisa ou definitiva. Era arriscar a tão
declamada “fraternidade” do espírito entre os homens no Brasil. Era fazer ruir a ideia de união

127
Cidade do Rio, 04 jan. 1889, p. 01.
160
racial que tanto se almejava como característica da nação e que se queria gravar na história
nacional como parte de um passado positivo do país. Era, especialmente para Patrocínio, pôr
em perigo seu próprio futuro.

161
CAPÍTULO III
A Guarda Negra sobre uma perspectiva nacional: ecos e desdobramentos das
manifestações de negros em prol da Monarquia no Brasil.

162
A partir da década de 1880, quando as campanhas abolicionistas se expandiram, tanto
em número de seguidores, quanto em modelos de atuação, a Corte não se constituiu como o
único espaço de difusão das ideias de liberdade no Império brasileiro. As principais lideranças
abolicionistas tais como Patrocínio, Rebouças e Nabuco, já apresentadas nos capítulos
anteriores, apostaram cada vez mais na nacionalização e mesmo na internacionalização do
movimento, pleiteando diferentes vias de ação que envolviam desde a mobilização popular –
através da imprensa, comícios, peças teatrais –, pressões sobre o Parlamento e o governo, até
contatos no exterior, com associações e abolicionistas renomados, como Frederick Douglas,
Victor Schoelcher, Rafael Maria de Labra y Cadrana, entre outros.1
Ainda nos anos de 1880, vínculos foram reforçados e ampliados entre os abolicionistas
brasileiros e estrangeiros, entre cariocas e cearenses, e deles com outras províncias de Norte a
Sul. Correspondências e artigos da imprensa da Corte circulavam pelas capitais do país
reproduzidos pelos periódicos locais2. Associações libertadoras se espalhavam pelo Brasil,
mesmo em regiões mais afastadas da capital, como a Sociedade Emancipadora Goyana, criada
na cidade de Goiás3, conectando ideias antigas e novas e expandindo a luta pela liberdade.
Esse tipo de movimento tinha como objetivo congregar propostas dispersas em uma espécie
de rede nacional abolicionista. Ângela Alonso denominou esta campanha de “libertação de
territórios”, e afirmou tratar-se de um estilo de ativismo modular que galgava espaços nas
províncias de todo o país semeando apoio e promovendo a liberdade conjunta de diversos
escravos.
Tal processo, somado ao apoio político do executivo local e à pequena quantidade de
escravos possibilitaram o “fim” da escravidão nas províncias do Ceará e do Amazonas, ambas
em 18844. O próprio Manifesto da Confederação Abolicionista, lançado em agosto de 1883, já

1
Nesse sentido conferir: ALONSO, Ângela. Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-
1888). São Paulo: Companhia das Letras, 2015. Em especial o capítulo 5: Expansão, pp. 152-185.
2
Pérola Maria Goldfeder Castro está desenvolvendo uma pesquisa de doutorado sobre os Correios no Império,
demonstrando a abrangência nacional do mesmo. CASTRO, Pérola Maria Goldfeder. O Império dos Correios:
Notas de pesquisa sobre o sistema postal brasileiro no século XIX.
http://www.seo.org.br/images/Perola_Goldfeder.pdf
3
A cidade de Goiás, também conhecida como Goiás Velho, era a antiga capital do estado homônimo, até a
criação de Goiânia na década de 1930. A respeito da Sociedade Emancipadora Goyana, fundada em 1879,
conferir: SANT’ANNA, Thiago F.. Os abolicionismos na cidade de Goiás: pluralidades e singularidades nos
anos 1880. Élisée, Rev. Geo. UEG – Anápolis, v.2, n.2, p.92-107, jul./dez. 2013.
http://www.revista.ueg.br/index.php/elisee/article/viewFile/2407/1515
4
Como ressaltou Paulo Henrique de Souza Martins, embora o ano de 1884 tenha entrado para a história e para a
memória como o ano da abolição de todos os escravos na província do Ceará, “ainda existiam escravos na
província”. A respeito desta contradição e da criação de uma memória da abolição no Ceará cf. MARTINS,
Paulo Henrique de Souza. Abolição e Pós-Abolição no Ceará: sobre silêncios e memórias de uma história
laureada (1881-1934) Anais do XXVI Simpósio Nacional da ANPUH- Associação Nacional de História. São
Paulo: USP, 2011.
163
demarcava o caráter nacional do abolicionismo, tendo sido assinado por sociedades
representantes de diversas regiões do país, algumas ligadas, inclusive, a diferentes categorias
sócio profissionais.5
Seguindo uma linha de pensamento correlata, Ricardo Salles destaca que o movimento
abolicionista teria sido uma espécie de “elemento catalisador” das múltiplas vivências e lutas
pela liberdade em torno de uma bandeira unificada, conferindo novos significados às batalhas
pela abolição que, envolvendo diversos segmentos sociais, até então ocorria de maneira
dispersa e desagregada. A atuação dos abolicionistas, portanto, teria transformado o
movimento em uma espécie de organização, unificando as vontades coletivas e atuando em
diferentes setores: político, ideológico e social6. Ainda que o autor não concorde e aponte para
a intencionalidade de nacionalização do movimento, Salles reafirma a sua capacidade de
difusão pelo Brasil, de forma mais ou menos organizada e articulada.
De maneira proposital ou acidental, o fato é que, nessa conjuntura, o abolicionismo já
havia se nacionalizado. Ultrapassando as fronteiras geopolíticas da Corte, expandiu-se para
regiões com muitos ou poucos escravos, em associações heterogêneas compostas de
integrantes com perfis sociais variados, pois nesse movimento de efusão, a luta pela liberdade
já havia se popularizado e transcendido as barreiras da intelectualidade. Sua variedade e a
intensidade das ações demonstram que a bandeira antiescravista havia se disseminado no
Brasil. Em vista disto, não é de se estranhar que no imediato pós-abolição as querelas que
envolveram as decisões políticas e disputas sociais também fossem nacionais e que notícias de
conflitos entre monarquistas e republicanos, entre ex-escravos e ex-senhores, entre brancos e
homens de cor, fossem publicadas em jornais de todo o país. A imprensa e a cidade, em

http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300882866_ARQUIVO_ArtigoSNH2011-
PauloHenriquedeSouzaMartins.pdf
5
A título de exemplo podemos constatar a assinatura da Libertadora Pernambucana, da Abolicionista Espírito
Santense, da Sociedade Libertadora Sul Rio-Grandense, do Centro Abolicionista Gutenberg, do Clube
Abolicionista dos Empregados do Comércio e da Libertadora da Escola Militar.
6
Para tanto, se baseia na definição gramsciniana de partido político. Nesse sentido o “partido abolicionista”, de
que fala Salles, não teria uma conotação literal. Seria, na realidade, um polo de aglutinação e difusão de uma
nova vontade coletiva relacionada organicamente a determinada classe ou grupo social, em luta contra uma
classe ou grupo social dominante, que nesse caso seria a classe senhorial escravista. Cf: SALLES, Ricardo.
Resistência escrava e abolição na província do Rio de Janeiro: o Partido do Abolicionismo. In: LIMA, Ivana
Stolze; GRIMBERG, Keila e REIS, Daniel Aarão (Orgs.). Instituições Nefandas: o fim da escravidão e da
servidão no Brasil, nos Estados Unidos e na Rússia. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2018, pp.
266-293. Conferir ainda: SALLES, Ricardo. “O Partido Abolicionista”. In ANDRADE, M. G.; FARIA, S. O.
(Org.). História regional e Local II: O plural e o singular em debate. Salvador: Eduneb, 2012, pp. 191-215.
Importante ressaltar que Salles discorda do trabalho de Ângela Alonso (Nota 1), pois, ao enfatizar o caráter
dominante do movimento abolicionista, Salles o enxerga como uma nova forma de ativismo político, enquanto
Alonso assinala a continuidade de um processo que nasce na década de 1860 e se perpetua até 1880, atuando
como um movimento social que possui demandas e formas de agir contingenciais e flexíveis, variando de acordo
com o contexto em questão.
164
âmbito nacional, eram mecanismos políticos e arenas de verdadeiros combates, não apenas
intelectuais como sociais, que se encontraram em diálogo com diferentes demandas populares,
seja para criticá-las ou apoiá-las. E apesar da cidade do Rio de Janeiro7 ter sido o ponto
nevrálgico para a eclosão de conflitos entre ex-escravos e ex-senhores, monarquistas e
republicanos, temores de insurreição dos libertos, casos de violência política e policial, bem
como rebeldia popular, pipocaram em todo o território nacional, seja em centros urbanos ou
em regiões mais interioranas. Por todo o país uma imprensa já grandemente diversificada e
ativa8, majoritariamente republicana, transmitia a ideia de que uma revolução social e uma
guerra civil eram um perigo iminente.
Obviamente, as tensões que eclodiram sob a insígnia da Guarda Negra não escaparam
dessa divulgação e ganharam espaços nas manchetes de quase todo o território nacional. De
norte a sul, notícias que evolviam o grupo de negros eram publicadas, seja para demonstrar
seu poder de difusão e acionar o temor de distúrbios e transgressão da ordem pública, seja
para aprovar seus feitos e formas de atuação. Nesse capítulo, portanto, investiremos em uma
interpretação dos movimentos de negros nas ruas a partir das publicações sobre a associação
da Guarda Negra, através de uma perspectiva nacional, de modo a compreender as
possibilidades de circulação de experiências entre esses movimentos em diversos locais do
Brasil. Trataremos de verificar como projetos e tensões oriundas do fim da escravidão foram
vividos por diferentes sujeitos históricos que, apesar das divergências, inclusive geográficas,
perpassaram por experiências e criaram respostas comuns à crise institucional e social
deflagrada nesse contexto. Dividiremos, portanto, essa etapa do trabalho de acordo com a
região em questão. Falaremos por exemplo, dos desdobramentos da Guarda Negra carioca em
São Paulo, Recife, Bahia, Maranhão, Rio Grande do Sul e assim sucessivamente, bem como
de grupos regionais que seguiram esse modelo e se intitularam também como “Guarda
Negra”. Aproveitaremos para falar – sempre que possível – de movimentos contrários à
corporação de libertos que por ventura tenham surgido e dos ecos que os conflitos ocorridos
na Corte promoveram nessas localidades.

7
Município Neutro da Corte de 1834 a 1889, e Distrito Federal de 1891 a 1960.
8
Segundo Marialva Barbosa, a partir de 1880, os principais jornais do Rio de Janeiro, como Jornal do
Commercio, O Paiz e Gazeta de Notícias, já estavam organizados como grandes empresas e com estratégias
modernas de atuação no mercado. BARBOSA, Marialva. Donos do Rio: imprensa, poder e público. Rio de
Janeiro: Vício de Leitura, 2000.
165
3.1 Notícias da Guarda Negra carioca espalhadas por todo o país.
Nos capítulos anteriores avaliamos de que forma a imprensa carioca narrou e construiu
percepções específicas sobre a Guarda Negra, que se modificavam de acordo com a filiação
política e a conjuntura em questão. Intitulada “guerra das penas”, chamamos a atenção para as
formas diversas que periódicos de orientação liberal, conservadora ou republicana,
representaram e estruturaram sobre uma mesma situação: a emersão de um movimento social
agenciado por pessoas do povo, em sua maioria homens de cor, contra a instauração da
República no Brasil e que prometia garantir a proteção do Terceiro Reinado. Em seguida,
avaliamos em quais sentidos os discursos de cada uma dessas notícias se utilizaram das
noções de raça, cada vez mais frequentes, para consolidarem seus argumentos sobre a Guarda
Negra em si e, principalmente, sobre os limites de cidadania concedidos aos libertos. Nessa
primeira parte do capítulo que agora tratamos de desenvolver, avaliamos como as notícias da
Guarda Negra carioca repercutiram em diversos locais do Brasil e em quais termos foram
narradas. Nossa finalidade foi entender qual percepção sobre a Guarda Negra foi transmitida e
edificada para o restante do país, influenciando, inclusive a percepção futura que se construiu
sobre o movimento.
Em praticamente todos os jornais, principalmente nos mais importantes, como O Paiz,
Jornal do Comércio, Diário de Notícias, Jornal do Brasil e outros9, que circulavam na Corte
no final do século XIX, havia uma sessão específica para tratar de correspondências e
telegramas com notícias que atualizavam cada região sobre o restante do Brasil. Enquanto
capital do Império, a cidade do Rio de Janeiro estava no centro nas tensões políticas e sociais,
e nada mais natural que grande parte dos eventos que ali ocorressem, promovessem ecos por
toda a nação. Como era de se esperar, assim também aconteceu com as notícias sobre a
criação de uma Guarda Negra da Redentora, determinada a garantir a manutenção da
Monarquia no Brasil. De todas as informações que ressoaram sobre a corporação de libertos
no país a fora, sem dúvida, a que mais recebeu destaque foi à relativa aos confrontos de 30 de
dezembro de 1888, quando da conferência republicana no salão da Sociedade Francesa de
Ginástica.
O Jornal do Recife10, por exemplo, em 03 de janeiro de 1889 – apenas poucos dias do
respectivo embate – fazia vir à tona os acontecimentos ocorridos nas ruas da Corte, quando da

9
BARBOSA, Marialva. Op. Cit.
10
O Jornal do Recife, como seu próprio subtítulo afirmava, foi, em princípio, uma “Revista semanal” de
“Sciencias – Lettras – Artes”. Seu número de lançamento foi publicado em 1° de janeiro de 1859, sendo José de
Vasconcellos seu fundador, proprietário e diretor-redator. Era editado com oito páginas e sua sede funcionava na
Livraria Acadêmica, à Rua do Collegio (ultimo quarteirão, ao sul, da atual Rua do Imperador) n.º 21. Dentre os
166
conferência de Silva Jardim11. Se utilizando de um discurso condenatório em relação ao
Ministério conservador de João Alfredo e à associação de negros libertos, o periódico
reeditava uma publicação do jornal carioca O Paiz. Salientava, no entanto, que apoiava a
continuidade do sistema monárquico como forma de gerir a nação e, portanto, estava ao lado
das instituições, em virtude da situação econômica e do perfil cultural da nação. Mas, não
deixava de condenar a atitude indecorosa do gabinete conservador que se cercava de uma
“banda turbulenta” para garantir sua sustentação.12
Porta-voz do Partido Liberal de Pernambuco, sua posição em relação à Monarquia
ficava ainda mais evidente quando, ao relatar, tempos depois, sobre o mesmo acontecimento,
o correspondente do Rio de Janeiro ao Jornal do Recife, salientou uma série de críticas às
capacidades políticas e oratórias do famoso republicano, Silva Jardim, mal dizendo seu
domínio sobre o português e sua falta de clareza para compreender os acontecimentos
políticos. Aproveitava ainda para esquivar a Monarquia da pecha de escravista, confirmando
que diversos donos de escravos pelo país a fora, justamente teriam baldeado para o
republicanismo, tendo em vista a abolição encabeçada pelo governo.13
Em 04 de janeiro desse mesmo ano, segundo dia consecutivo de publicação sobre o
confronto entre a Guarda Negra e os republicanos na Corte, uma matéria ainda maior saiu
registrada nas páginas do mesmo jornal. Na coluna “Notícias Políticas”, novamente, uma série

objetivos centrais do jornal destacava-se a intenção de “Trazer os nossos leitores a par de todo o movimento
social, quer no mundo da politica, quer no da sciencia, quer no da indústria” A partir de 1° de junho de 1880 o
Partido Liberal passou a ter uma coluna fixa no jornal, o que variou de acordo com o período, para a “defesa dos
seus amigos e do governo”. Sobretudo a partir de 1883, o periódico passou a engajar-se com a questão
abolicionista, tendo apoiado as candidaturas de Joaquim Nabuco e José Mariano nas eleições para deputados
distritais. Quando instaurada a República, na edição do dia 21 de novembro, o principal artigo político sugeria
aceitação da nova forma de governo, considerando esse o ato mais prudente a se fazer. Cf. BRASIL, Bruno.
Jornal do Recife. https://bndigital.bn.gov.br/artigos/jornal-do-recife/; IHGB. Sócios Falecidos Brasileiros.
https://ihgb.org.br/perfil/userprofile/josedvasconcelos.
Segundo Marc Jay Hoffnagel, em 1887, o Jornal do Recife foi adquirido por Luiz Filipe Sousa Leão, um dos
líderes do Partido Liberal em Pernambuco, “para servir de veículo oficial do partido” e era antiabolicionista.
HOFFNAGEL, Marc Jay. O Partido Liberal de Pernambuco e a questão Abolicionista, 1880-1888. Clio-Revista
de Pesquisa Histórica, nº 23, 2005, p. 19.
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/download/24831/20104. Luiz Nascimento tem uma outra
leitura sobre a relação do Jornal do Recife com o Partido Liberal. Segundo Nascimento, em 1° de abril de 1887,
o jornal foi adquirido por uma Sociedade Anônima, cujos representantes eram Sigismundo Gonçalves e Ulisses
Viana, e que “pela terceira vez, contratou o Partido Liberal, a partir de 1° de junho de 1887, uma coluna
destinada a defender seus pontos de vista (...)”. Cf. NASCIMENTO, Luiz. História da Imprensa de Pernambuco
(1821-1954). Vol. II, Diários do Recife – 1829-1900. Recife: Imprensa Universitária-UFPE, 1966, p. 115-117.
http://www.fundaj.gov.br/geral/200anosdaimprensa/historia_da_imprensa_v02.pdf.
11
Jornal do Recife, 03 jan. 1889, p. 01.
12
Idem. Conferir também artigo publicado no dia 08 de janeiro de 1889, que narra de forma mais detalhada o
embate ocorrido na Corte entre monarquistas e republicanos. Importante destacar que o artigo reafirma os
discursos já analisados no capítulo 1 sobre o dito acontecimento, culpabilizando a Guarda Negra e encarando a
polícia e o governo como cumplices e artífices de todo o movimento, ao lado de Clarindo de Almeida, então
chefe de polícia, e de José do Patrocínio. Cf. Jornal do Recife, 08 jan. 1889, p. 01.
13
Jornal do Recife, 05 fev. 1889, p. 01.
167
de julgamentos ao atual ministério se faziam presentes. Dentre eles, obviamente, emergia a
questão da Guarda Negra referendada como sustentáculo do governo. A diferença era que o
tom das críticas agora aparecia carregado de retóricas racistas que depreciavam a população
negra de maneira geral. Nesse sentido, ao narrar fatos que supostamente contaram com a
presença da Guarda, como o aniversário de D. Pedro II em dezembro do ano anterior, o
editorial informava que “a Rua do Ouvidor parecia um pedaço da costa da África, tal era o
número de pretos que constituía o préstito (....). Era simplesmente triste e indicava que os dias
de gala do império iam acabar”14. O mesmo havia ocorrido quando das homenagens pelo
aniversário de João Alfredo. Segundo o jornal, nessa ocasião “repetiram-se quase as mesmas
cenas e foram à casa do 1º Ministro de Sua Majestade os tais negrinhos deitar manifestação
pelo faustoso dia!”.15
Em Pernambuco, outra folha anunciava sobre os conflitos de 30 de dezembro na
Corte. Era a vez do pequeno Jornal do Povo16 que, no seu primeiro editorial de 14 de janeiro
de 1889, trazia um longo artigo sobre o vergonhoso ato contra os republicanos encabeçado
pela Guarda Negra no Rio de Janeiro. Frisava a notícia que, independente de bandeiras
políticas, a liberdade de pensamento e o direito de reunião deveriam ser a premissa de todo
povo civilizado. Logo, não se podia admitir que no Brasil “tal monstruosidade possa ser a
salvaguarda de um trono”17. Pouco menos de um mês depois, novo artigo denunciava a
corporação de libertos e o recrutamento obrigatório previsto pelo governo sem que houvesse
guerra iminente. Aproveitava para relatar que na Corte, capital do império, vinha se
acometendo “toda a sorte de tropelias, toda a sorte de violências”, lançando, por fim o

14
Jornal do Recife, 04 jan. 1889, p. 01.
15
Idem. O Jornal do Recife do dia 23 de julho de 1889 também narra detalhadamente o conflito envolvendo a
Guarda Negra quando das comemorações pelo centenário da Revolução Francesa. Descreve o andamento dos
embates entre republicanos e membros do grupo de libertos, assim como transcreve alguns depoimentos de
pessoas envolvidas e feridas no dito confronto. Cf. Jornal do Recife, 23 jul. 1889, p. 01. O Diário de
Pernambuco também fazia ecoar nessa província os acontecimentos que se desencadearam no dia 14 de julho no
Rio de Janeiro. De maneira bastante detalhada, transcrevia os motivos do conflito, seu desenvolvimento e
desfecho, revelando ainda o número de pessoas feridas e alguns relatos de vítimas e testemunhas presentes. Cf.
Diário de Pernambuco, 23 jul. 1889, p. 02.
16
Segundo Luiz Nascimento, o Jornal do Povo – Publicação a Tarde – começou a existir no dia 14 de Janeiro de
1889, em formato médio, com quatro páginas de quatro colunas. Corpo redacional oculto, aparecia apenas no
cabeçalho o nome do correspondente no Rio de Janeiro: Luis da França e Silva e do correspondente do Pará: Sr.
Horizonte Brasileiro. O mesmo Nascimento destacou que o dito jornal circulou com certa irregularidade e seu
último editorial foi o de nº 144, datado de 20/07/1889. NASCIMENTO, op. cit., p. 300 e 301. No artigo de
abertura o jornal deixava transparecer que seu compromisso era exclusivamente com o povo, sendo sua missão
manter as notícias afastadas das paixões individuais, de modo a garantir a verdade dos fatos. Demonstrava, no
entanto, logo no seu 1° número uma posição crítica à instituição Monárquica. Cf. Jornal do Povo, 14 jan. 1889,
p. 01-02.
17
Jornal do Povo, 14 jan. 1889, p. 01-02.
168
questionamento: “O que se fará de nós?”18. No mês seguinte um telegrama enviado de Recife
e publicado pelo mesmo jornal confirmava a expansão das ações da Guarda Negra – “tão
negra como as ideias que germinam nos cérebros dos inimigos do progresso do Brasil” – na
região sudeste do país, onde já se verificavam tristes fatos difundidos por todo o Rio de
Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, sendo imperativo impedir que o mesmo se espalhasse para
o Norte.19
Ainda nas províncias do Norte, o periódico paraibano Gazeta do Sertão20,
autointitulado democrático, trazia estampado em sua terceira edição de 1889, os horrores da
Guarda Negra carioca e do Ministério João Alfredo21. O mesmo fazia o jornal de orientação
liberal Diário da Bahia22, em 27 de janeiro de 1889, quando publicou uma cópia de artigo do
Novidades – jornal carioca de orientação republicana e ligado a elite latifundiária – fazendo
menção ao confronto do dia 30 de dezembro do ano anterior na Corte e criticando de maneira
veemente o ministro João Alfredo23. No Ceará, o periódico monarquista vinculado ao Partido
Conservador, intitulado Pedro II24, também fez ecoar imagens negativas da Guarda Negra, do

18
Jornal do Povo, 06 fev. 1889, p. 01.
19
Jornal do Povo, 12 fev. 1889, p. 01.
20
A Gazeta do Sertão – órgão democrata, publicação semanal – foi um periódico paraibano, mais
especificamente da região de Campina Grande, de médio porte que circulou no Brasil entre os anos de 1888 e
1891. Tinha como diretores I. Joffily e F. Retumba e seu editorial de estreia foi publicado em 1° de setembro de
1888. Nele nota-se uma forte crítica à centralização do poder, em especial destacando a situação de
esquecimento nacional que viviam os sertões no Brasil. Em meio às críticas ao encaminhamento do governo
monárquico vivificava a ideia de soberania popular como único mecanismo capaz de solucionar os problemas
nacionais: “progresso e democracia – tal é o nosso primeiro brado”. Cf. Gazeta do Sertão, 01 set. 1889, p. 01-02.
O último número do jornal foi publicado no dia 06 de maio de 1891.
21
Gazeta do Sertão, 18 jan. 1889, p. 01-02.
22
O Diário da Bahia (1875-1957) surgiu em 13 de março de 1875, em Salvador, por iniciativa do português
Manuel da Silva Lopes Cardoso. Foi porta voz do Partido Liberal, fazendo frente ao Jornal da Bahia (1853-78),
ligado ao Partido Conservador. Devido às dificuldades financeiras passou por diversos donos. Dentre o seu corpo
de redação fizeram parte grandes nomes da elite intelectual da época: Ruy Barbosa, Rodolfo Dantas, Sátiro Dias,
Belarmino Barreto, dentre outros. A partir da década de 1880 o jornal passou a se engajar nas grandes
campanhas do Império: a reforma eleitoral pelo voto direto, a reforma educacional, a abolição da escravidão e,
finalmente, a propaganda republicana. Instaurada a nova forma de governo, o periódico se colocou como
republicano e federalista, entrando, todavia, em divergências políticas dependendo do contexto em questão. Cf.
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/diario-da-bahia;
https://bndigital.bn.gov.br/artigos/diario-de-noticias-salvador-1875/.
Para Maria da Conceição Reis Teixeira, o Diário da Bahia (1833-1955) era não só ligado aos liberais, como
também à elite da época, e constituiu-se na “Tribuna dos Abolicionistas” na Bahia. “Ruy Barbosa foi diretor e
redator do Diário da Bahia e, nesta condição, utilizou-se do referido periódico como uma de suas tribunas na
defesa da causa abolicionista em solo baiano” Conferir: TEIXEIRA, Maria da Conceição Reis. O Diário da
Bahia: Tribuna dos Abolicionistas. p. 2029 (Nota 2). http://www.filologia.org.br/ileel/artigos/artigo_248.pdf
23
Diário da Bahia, 27 jan. 1889, p. 02.
24
O jornal Pedro II (1840-1889) foi fundado no dia 12 de setembro de 1840 como órgão do Partido
Conservador, substituindo o Deseseis de Dezembro, que vinha sendo publicado desde 1838. O periódico passou
por inúmeras mudanças em sua direção que dependeram do contexto político de cada época e do comando do
Partido Conservador no Ceará. Um dos seus idealizadores foi Manoel Felizardo de Souza Melo, então presidente
da província do Ceará (1838). Dentre os principais assuntos que circulavam no jornal destacava-se a
preocupação com a ordem, com a Constituição, com a Monarquia e com os direitos dos cearenses. Apesar da
filiação conservadora, o periódico foi crítico do gabinete 10 de março chefiado por João Alfredo. Dias após a
169
Ministério 10 de março e do crescimento do partido republicano no sul do país, em especial
no Rio de Janeiro25. Ainda em Fortaleza o Libertador (órgão da sociedade cearense
Libertadora)26, republicava, em agosto, um artigo do Diário de Notícias carioca informando
sobre os confrontos ocorridos na Corte quando das comemorações pelo centenário da
Revolução Francesa, trazendo à tona a imagem de uma Monarquia transviada, que apelava
para a proteção de negros ex-escravos27. Em novo artigo publicado pouco tempo depois, o
mesmo jornal repudiava a visita do Conde d’Eu ao norte do país, bem como as ações do
gabinete Ouro Preto, atestando que todas as medidas monarquistas eram inúteis frente ao
quadro geral de apoio ao republicanismo nas províncias do Norte.28
Novamente na província do Ceará, o jornal O Cearense29 divulgava uma
correspondência vinda da Corte e datada de início de janeiro de 1889, através da qual
noticiava a respeito da formação da Guarda Negra carioca e dos confrontos corridos no
penúltimo dia do ano anterior30. Através da correspondência podemos notar a visão que se
propalava a respeito da instituição de negros e a urgência sobre tal assunto. Na carta afirmava-
se que a Guarda era, em verdade, uma espécie de milícia atuante na capital do império em
substituição ao exército que havia sido levado para as fronteiras do Mato Grosso do Sul, como

instauração da República, o jornal mudou de nome e passou a chamar-se de O Brazil (24/11/1889), encerrando
suas atividades pouco tempo depois, em janeiro de 1890. Cf. FERNANDES, Ana Carla Sabino. Entre as
contendas e paixões partidárias dos jornais Cearense, Pedro II e Constituição na segunda metade do século
XIX. Dissertação (Mestrado em História). Fortaleza: PPGH/UFC, 2004.
25
Pedro II, 25 jan. 1889, p. 01.
26
O jornal Libertador (1881-1890) foi fundado no dia 1° de janeiro de 1881 pela Sociedade Cearense
Libertadora e se tornou o principal porta voz do movimento abolicionista no Ceará. Entre seus redatores
encontravam-se José Joaquim Teles Marrocos, Antônio Bezerra de Menezes e Antônio Martins. De acordo com
Ana Carla Sabino Fernandes, apesar de seu compromisso abolicionista, por vezes, o Libertador parecia
simpático aos interesses dos conservadores. Tanto foi assim, que ao longo de sua existência manteve embates
com o jornal O Cearense, filiado ao Partido Liberal. Sua última edição data de 31 de dezembro de 1890. Cf.
FERNANDES, Ana Carla Sabino. Op. Cit.
27
Libertador. 03, ago. 1889, p. 02.
28
Libertador, 07 ago. 1889, p. 03.
29
O jornal O Cearense surgiu no dia 04 de outubro de 1843, fundado por Frederico Augusto Pamplona, Tristão
Araripe e Tomás Pompeu, como um órgão do Partido Liberal. Era impresso pelo menos uma vez por semana, o
que variou de acordo com as circunstâncias, tendo tipografia e escritório instalados em Fortaleza. O periódico foi
fruto de outros dois jornais, Vinte e Três de Julho (1840) e A Fidelidade (1844), ambos de orientação liberal.
Após a instauração da República até a sua última edição, publicada em 25 de fevereiro de 1891, os idealizadores
do jornal substituíram a epígrafe “órgão liberal” por “órgão democrático” e, em 1895, fundaram o jornal Ceará,
órgão do Partido Republicano. Cf. STUDART, Guilherme. Para a História do Jornalismo Cearense (1824-
1924). Fortaleza: Tip. Moderna – F. Carneiro, 1924, p. 36-37 e 115. Disponível em:
http://ufdc.ufl.edu/AA00000264/00001/3j. Cf. SOUSA, Eusébio de. A Imprensa do Ceará dos seus primeiros
dias aos atuais. https://www.institutodoceara.org.br/revista/Rev-apresentacao/RevPorAno/1933/1933-
AImprensadoCearaemseusprimeirosdias.pdf
Frederico Augusto Pamplona era filho do coronel João Tibúrcio Pamplona e de Francisca Joaquina Pamplona.
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Olinda, foi deputado geral pelo Partido Liberal do Ceará (6ª, 7ª
e 11ª legislatura), e presidente das províncias do Ceará (1847) e do Rio Grande do Norte (1847-1848).
https://ihgb.org.br/perfil/userprofile/FAPamplona.html
30
O Cearense, 22 jan. 1889, p. 01-02.
170
manobra do governo que “o queria o mais longe possível do Rio de Janeiro”31. Confirmava-se
ainda que a associação era composta por libertos, em especial os 13 de maio, e que sua
criação havia sido fruto de uma iniciativa da Confederação Abolicionista, que após a
libertação total do mundo escravista, lutava agora contra os que queriam abolir a Monarquia.
A mensagem computava ainda que cerca de três mil crioulos haviam se filiado a instituição e
que, apesar de não possuir estatuto ou lei orgânica, sua existência era reconhecida e legalizada
pelo governo, haja vista que havia sido recebida pelo Imperador e por João Alfredo, quando
da data de seus respectivos aniversários. José do Patrocínio aparecia na correspondência
descritiva, como “a alma dessa milícia organizada”, responsável também por insuflar os ódios
de raça entre os brasileiros. Após um sucinto resumo das origens e mecanismos de atuação da
Guarda Negra, a correspondência descrevia com bastante rigor os conflitos ocorridos na
conferência de Silva Jardim em 30 de dezembro, destacando o papel das instituições do
governo e os passos dados pela polícia na ocasião. Destacava ainda, o ataque ocorrido no
mesmo dia à sede do jornal O Paiz, supostamente pelos mesmos integrantes da associação de
libertos. O teor utilizado na difusão dessas informações era taxativo, culpabilizando as ações
“dos populares” e engrandecendo a resistência dos republicanos.
Correspondências também vinham do Ceará para o Rio de Janeiro e demonstravam o
pleno entendimento e acompanhamento das notícias emanadas sobre as tensões e críticas
envolvendo a Guarda Negra em todo o território nacional. Em 15 de março de 1889, o Cidade
do Rio, por exemplo, publicava notícias vindas da dita província que se solidarizavam com as
ações de resistência e enfrentamento praticadas pelo periódico de Patrocínio contra a
“república negreira”. A carta cearense, sem assinatura e escrita em primeira pessoa do plural,
aplaudia ainda a atitude do jornal carioca frente ao ministério conservador que “despedaçou a
última gargalheira da escravidão” e que agora precisava lutar contra a “república nascida do
despeito”. Nesse interim, a correspondência cearense deixava evidente que a sua crítica não
era ao modelo republicano em si mesmo, mas à qualidade da República que se erguia no
Brasil, afirmando que num porvir, socialmente diferente, a nova forma de governo pudesse se
fazer presente: “A república virá mais tarde, talvez; mas esta que saiu do seio do negreirismo
está nojenta e asquerosa; não serve para começar uma nova ordem de coisas”32. A mensagem
prosseguia legitimando as ações da Guarda Negra e sublinhava a reação que ela suscitava ao
“negreirismo despeitado”. Apesar dos altos brados para rechaça-la, o grupo de negros era, em
verdade, “coisa muito natural”. Ao constatar esse fato, a carta deixava em dúvida sua
31
Idem.
32
Cidade do Rio, 20 abr. 1889, p. 03.
171
procedência, remetendo a noção de que poderia ter sido escrita por um grupo de libertos ao
afirmar: “quem nunca foi escravo não pode avaliar quanto é amarga e dolorosa esta posição”.
E prosseguia com uma pergunta retórica: “Que posição devem tomar os libertos diante dos
ataques brutais à Monarquia que cortou-lhes as cordas do pescoço? (...) O ex-escravo sabe do
que lhe está reservado, caso vença a república negreira”. O autor (ou autores), que se colocava
como representante de toda a província do Ceará, concluía sua mensagem ao ratificar que os
libertos tinham toda a razão ao empunhar armas e defender o Terceiro Reinado e, por fim,
incentivava a continuidade da Guarda Negra, responsável por trazer um futuro promissor para
a pátria brasileira.
No Maranhão os eventos do penúltimo dia do ano de 1888 no Rio de Janeiro foram
utilizados pela imprensa com objetivos de difundir o republicanismo na região. Os relatos
referentes aos confrontos envolvendo a Guarda Negra serviram para alarmar a população
local e atestar o abalo estrutural da Monarquia. Apostando em um discurso que apelava para o
isolamento da instituição monárquica brasileira em comparação com os demais países
33
americanos, o editorial do jornal O Novo Brasil via na criação da associação de libertos
como que um último recurso de um governo já sem ter onde se estruturar, sem apoio do
exército, da igreja e da maior parte da população. Ao conclamar o povo maranhense a aderir
ao republicanismo e não ficar indiferente nesse momento tão crucial da história do país, o
periódico voltava a utilizar do mesmo discurso de que o governo se alimentava da inocência e
incoerência dos recém-libertos, que iludidos se deixavam enganar. Por fim, retornava ao apelo
republicano e a uma aliança com os “irmãos do sul” que haviam sofrido o mais terrível
atentado às suas vidas, ameaçadas pelos “punhais das navalhas, dos tiros de revolver e dos
cacetes da Guarda Negra!!!”.34
Ainda na província do Maranhão a Pacotilha35, folha de orientação liberal e uma das
maiores da região, estampava em suas páginas informações sobre os ataques à sede do jornal

33
O Novo Brasil (1888-1889) foi um jornal maranhense, de filiação republicana e curta duração que teve sua
primeira edição em 21 de julho de 1888. Sua tipografia e redação localizavam-se na Travessa da Passagem,
sendo depois transferidas para a Rua Grande. Era publicado uma vez por semana, em dia indeterminado. Logo
no número inicial notamos fortes críticas à instituição da Monarquia através de uma linguagem áspera e direta,
que conclamava o povo à luta pela liberdade e pelo progresso. Após a instauração da República, o jornal
apareceu como órgão oficial do novo governo, sob a propriedade de Satyro Antonio de Faria. Sua última edição
data de 16 de dezembro de 1889.
34
O Novo Brasil, 06 fev. 1889, p. 02.
35
O jornal Pacotilha foi fundado em 30 de outubro de 1880 por Victor Lobato e dirigido durante muitos anos
por Agostinho Reis. Seus artigos possuíam uma voz crítica sobre a conjuntura política e social do Maranhão,
travando debates com outras folhas da região como o jornal A Civilização. Apesar de reforçar sua neutralidade
perante os acontecimentos, assumia uma orientação liberal durante o período imperial. Com o passar dos anos se
tornou a maior folha da região, possuindo grande valor no meio jornalístico e tendo como um de seus colunistas
Aluísio de Azevedo. Por volta de 1892 o jornal foi vendido para o político José Barreto Rodrigues, integrante do
172
O Paiz, despontados no mesmo dia 30 de dezembro de 1888. Em decorrência dos usos
políticos que o gabinete conservador imprimia à instituição da Guarda Negra, o editorial
maranhense atestava o fiasco do ministério João Alfredo, lhe incutindo a responsabilidade
pela falta de liberdade da tribuna. Além de dirigir suas ações violentas contra as conferências
republicanas, o ministério agora atacava a imprensa e seus redatores, lançando mão dos
libertos do 13 de maio e da chamada Guarda Negra. Tudo isso comprovava que o governo, ao
adentrar o terreno das arbitrariedades, automaticamente contribuía para a ruína da nação e,
consequentemente, para o seu próprio epitáfio, de modo nada triunfal.36
Os ataques sofridos pelo jornal O Paiz37 também tiveram intensa reverberação nas
manchetes do periódico sergipano O Republicano38. Em uma coluna intitulada “Ingratidão de
Judas” (republicação do periódico A Província de São Paulo), a folha demonstrava a imensa
decepção com os rumos da política nacional, principalmente pela agressão encabeçada contra
Quintino Bocaiúva pela Guarda Negra, “aquela mesma flor da gente que tem sido o traço
característico da depravação e decadência moral do governo do Brasil”39. A análise de
inúmeros artigos publicados pela imprensa nos permite concluir que a imagem de José do
Patrocínio era depreciada pelo país a fora, juntamente com a do Ministério João Alfredo e a
da Monarquia. Nesse caso, expandia-se para o Norte a percepção de que Patrocínio,
caracterizado mais uma vez como um “negro de talento”, em vez de estar guiando a sua raça
para “a evolução moral”, contribuía para fortalecer o contrário: “ensina-lhes que a ingratidão
é a melhor recompensa da raça infeliz (...)”.40

grupo político do Coronel Mariano Lisboa. Com algumas poucas interrupções o periódico conseguiu manter-se
ativo até o ano de 1939. Cf. MENDONÇA, Edinamária. Da posição-sujeito às tomadas de posição: o jornal
Pacotilha no contexto das comemorações do tricentenário da fundação de São Luis, capital do Maranhão.
Disponível em: http://www.pgletras.uerj.br/linguistica/textos/livro07/LTAA7_a26.pdf
36
Pacotilha, 29 jan. 1889, p. 03. Além desses dois jornais, o Diário do Maranhão também informou sobre os
conflitos ocorridos na Corte. Todavia, o fez a partir de outra perspectiva, ao republicar um artigo do jornal
governista Cidade do Rio. Cf. Diário do Maranhão, 15 jan. 1889, p. 01.
37
O Paiz tinha vínculos com o movimento republicano, embora afirmasse nas suas páginas a neutralidade
política. Conferir: PESSANHA, Andréa Santos da Silva. O Paiz e a Gazeta Nacional: imprensa republicana e
abolição. Rio de Janeiro, 1884-1888. Tese (Doutorado em História). Niterói: PPGH/ UFF, 2006. BOGÉA,
Camila de Freitas Silva. O Paiz e o movimento republicano: um jornal apartidário com uma coluna republicana.
Anais do XXIX Simpósio Nacional de História.
https://www.snh2017.anpuh.org/resources/anais/54/1502824427_ARQUIVO_ANpuhfinal2017.pdf
38
A primeira edição do jornal O Republicano, data de 11 de novembro de 1888. Tratava-se de um órgão do
Partido Republicano, de distribuição gratuita e publicação bissemanal. Foi o segundo periódico republicano
aparecido em Sergipe. Entre seus redatores estava Felisbelo Firmo de Oliveira Freire, “um dos fundadores do
Clube Republicano Federal de Laranjeiras após a queda da Monarquia e a proclamação da República. Participou
da Junta Governativa de Sergipe entre 18 de novembro e 02 de dezembro de 1889 (...).” ABREU, Alzira. Alves
de (Coord. Geral). Felisbelo Freire. In: Idem. Dicionário Histórico-Biográfico da Primeira República 1889-
1930. Rio de Janeiro: FGV, 2015. Conferir também: IHGB. Dicionário Histórico, vol. 1, Edição 2. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1922, p. 1576.
39
O Republicano (SE), 20 jan. 1889, p. 03.
40
Idem.
173
Outro órgão da imprensa em Sergipe, dessa vez de orientação liberal, noticiou acerca
dos embates da Corte envolvendo a associação da Guarda Isabelista. Tratava-se do periódico
A Reforma41 que em sua matéria ofereceu maior riqueza de detalhes expondo o
acontecimento, as condições do conflito, o número de feridos e o papel da polícia42. O
editorial corroborava com as visões comumente difundidas por republicanos e liberais que
condenavam à ação dos poderes públicos, em especial do gabinete conservador e do chefe de
polícia, ambos vistos como responsáveis por darem voz a Guarda Negra. Nas colunas que
circulavam nesse periódico, cidadãos eram conclamados a se utilizarem de armas e partirem
para uma verdadeira insurreição, inspirados pelo centenário da Revolução Francesa, uma vez
que utilizavam o argumento de que o governo também fazia uso da força e armava os libertos
contra os cidadãos de bem. Em um artigo repleto de ofensas à própria figura de D. Pedro II, à
“célebre guarda negra, sob o comando geral do Sr. Ferreira Vianna” e à Monarquia como um
todo, assumia-se que a solução mais imediata e audaciosa para a sua superação seria mesmo o
enfrentamento direto:

A Monarquia não deve mais governar: está podre e quer à custa do generoso
sangue brasileiro ter ainda dias de vida! Cidadãos, ao cumprimento de
deveres! A Pátria exige todas as nossas armas, toda a nossa atividade. (...)
Expulsemos de nosso seio uma família egoísta, ambiciosa, privilegiada,
cujos chefes são: um príncipe conspirador, velho, pretencioso, anêmico e
demente (...) Sergipanos, ao 89 do Brasil! (...) Sergipanos, cumpri o vosso
dever, correr aos postos onde se acham os vossos irmãos preparados para a
luta! Sergipanos!... às armas!... à Revolução!43

O jornal não poupava críticas ao governo imperial e confirmava, em novo artigo, que o
ano de 1889 era o último da Monarquia no Brasil44. Seguindo a mesma linha de
argumentação, as denúncias à associação da Guarda Negra também apareciam de maneira
cada vez mais depreciativas e injuriosas. Sendo assim, somavam às características de
menosprezo racial e político, já conhecidas e destacadas nos capítulos anteriores, o fato de
que a corporação era composta por analfabetos, há pouco abatidos pelo cativeiro que não
possuíam instrução regular ou dinheiro e que, por isso, lutavam da única maneira possível:

41
O jornal A Reforma foi fundado em Aracajú (SE), por José de Faro Rolemberg, no dia 1° de janeiro de 1887
como sendo um órgão oficial do Partido Liberal. Seu redator chefe era o Bacharel Gumersindo A. Bessa. Em
1889 passou a ser dirigido por Apulchro Motta até o dia 29 de dezembro desse mesmo ano, quando saiu de
circulação.
42
A Reforma (SE), 13 jan. 1889, p. 03-04.
43
O Republicano (SE), 27 jan. 1889, p. 01. Vale destacar o título do artigo: “Ás armas” e o nome (codinome) do
autor: Ratcliff.
44
O Republicano (SE), 17 fev. 1889, p. 01-02.
174
através do uso da força bruta, via arregimentação e capangagem. Os preconceitos se
estendiam para o âmbito social e o artigo reforçava estereótipos afirmando que os libertos que
compunham o grupo cheiravam a pinga e eram indecentemente vestidos. Em suma,
menosprezava a corporação por tratar-se de proletariados analfabetos, sem capacidade de se
tornarem eleitores, organizados em uma “milícia indisciplinada e composta de cozinheiros e
desempregados, mais ou menos vagabundos”.45
Por conseguinte avaliavam que devido à desonra da Princesa e do governo como um
todo seria muito mais justo que “a futura imperatriz, por graça de Deus e de uma boa parte
dos libertos de 13 de maio, fosse reinar em qualquer parte da África com seus novos e
dedicados súditos”46. São essas e outras passagens que nos levam a entender que o incômodo
causado pela Guarda Negra realmente ia muito além da ideia de deflagração da desordem, do
suposto medo da classe agrária e da sustentação do ideal republicano. Estava fortemente em
jogo, o legado de uma sociedade escravista que adotava categorizações raciais, pelo menos
desde a metade do século XIX e que entendia o futuro da nacionalidade brasileira através
desse viés racializado, onde a herança africana deveria se mostrar a menor possível ou ser
expurgada de volta para a África.
Os eventos da Corte que envolveram a Guarda Negra também se espalharam para o
Rio Grande do Norte. Em julho de 1889, o órgão do partido republicano local, publicado em
Natal e intitulado A República47 noticiava que o ministério 10 de março havia sido
responsável pela criação da mais funesta e vil das instituições: uma guarda assassina que
direcionava a seus libertadores ataques de negros inconscientes, “saídos do cativeiro com a
alma ainda ensombrada pela ignorância deprimente das senzalas”48. João Alfredo aparecia no
artigo como sendo o responsável por afagar e proteger “o mais pernicioso elemento de
desordem que poderia surgir no seio de nossa sociedade”, armando o liberto contra o povo e
incitando e buscando arrimo nos ódios raciais. Nesse momento a narrativa fazia referência ao
“morticínio de 30 de dezembro”, caracterizando-o como uma infame tragédia, fruto da
maneira como o gabinete conservador teria encaminhado o processo abolicionista. O artigo
remetia ainda a imagem do ministro João Alfredo como sendo um “abolicionista de última
hora” e que em nada merecia os louros pela libertação. Pelo contrário, havia sempre sido

45
Idem.
46
O Republicano (SE), 10 mar. 1889, p. 02.
47
O jornal A República (RN) foi fundado em 1° de julho de 1889 por Pedro Velho de Albuquerque Maranhão
com o objetivo de ser o órgão oficial do partido republicano no Rio Grande do Norte. Possuía publicação diária,
sendo seu escritório e tipografia localizados à Rua Correia Telles, n.06.
48
A República (RN), 01 jul. 1889, p. 01-02.
175
hostil ao abolicionismo e apenas subiu ao poder para assinar um decreto que a nação já havia
decidido.
Em Belém do Pará as informações sobre o acontecimento carioca foram noticiadas
pelo órgão monarquista de oposição, O Liberal do Pará49, cujo editorial publicava trecho de
artigo extraído do periódico Novidades, com sede no Rio de Janeiro, mas contestava a
hipótese de que o governo havia tramado o confronto premeditadamente. O jornal paraense,
ainda que se colocasse em posição contrária à Guarda Negra e ao gabinete conservador,
sustentava a ideia de que o confronto teria se iniciado por atitudes dos republicanos que, de
cima do edifício, teriam insuflado e atirado na população.50
Já no Espírito Santo, outro periódico, dessa vez de orientação monarquista e
conservadora, assumia atitudes de valorização das ações governamentais. Dessa forma, O
Espírito-Santense51 fazia emergir posicionamentos favoráveis à Guarda Negra, destacando
sua atitude de resistência frente às ações agressivas dos republicanos. Segundo a notícia, os
ataques do dia 30 de dezembro teriam partido dos conferencistas republicanos aglomerados
no prédio e armados de revólveres, contra um povo que só tinha pedaços de pedra e pau para
se defender. Para atestar essa informação a notícia fazia referência ao relatório de polícia da
52
Corte, que demonstrava que os tiros teriam vindo de cima para baixo. Ainda na mesma
província a edição do dia 06 de janeiro de 1889 do jornal O Cachoeirano53, se encarregava de
publicar notícias vindas do Rio de Janeiro, porém condenando as ações da Guarda Negra e da
polícia carioca54. Menos de um mês depois, em 02 de fevereiro, uma correspondência vinda
da Corte era publicada nas páginas da mesma folha capixaba55. Em seu conteúdo voltava-se a

49
O Liberal do Pará foi fundado em 10 de janeiro de 1869 em substituição ao Jornal do Amazonas que
recentemente havia sido suspenso. Em sua primeira edição o periódico já transparecia suas intenções
jornalísticas: “Seu fim é defender, sustentar é difundir as ideias liberais”. Publicava-se todos os dias da semana,
com exceção das segundas-feiras. Após a instauração da República tornou-se órgão oficial do Partido
Republicano Democrático, perdurando somente até dezembro de 1889.
50
O Liberal do Pará, 05 jan. 1889, p. 01.
51
O Espírito-Santense foi um jornal de orientação conservadora, fundado em 08 de setembro de 1870. Seu
proprietário à época era Pedro de Santana Lopes e seu administrador Manoel Antonio de Albuquerque Rosa. Em
02 de abril de 1874 ele passa a ser editado com o seguinte subtítulo: “jornal político, científico, literário e
noticioso”. Nesse mesmo ano um de seus redatores, Bazilio Carvalho Daemon, adquiriu a propriedade da folha
capixaba, que se manteve ativa até junho de 1889.
52
O Espírito-Santense, 16 jan. 1889, p. 02.
53
O jornal O Cachoeirano teve sua primeira publicação em 07 de janeiro de 1877, quando foi fundado por Luiz
de Loyola e Silva. A respeito desse famoso periódico espírito-santense, Adilson Silva Santos ressaltou que ele se
tornou um órgão republicano em julho de 1888, quando os redatores Dr. Antonio Gomes Aguirre e Bernardo
Horta assumiram também a direção do jornal. Depois dessa data, a partir de 15 de junho de 1890, ele passa a ser
o órgão oficial do Clube Republicano 4 de Maio e, em seguida, da União Republicana Espírito-Santense. O
periódico se manteve ativo até o ano de 1923. Conferir: SANTOS, Adilson Silva. Rev. Hist. UEG - Anápolis,
v.2, n.2, p. 111-122, jul./dez. 2013. http://www.revista.ueg.br/index.php/revistahistoria/article/view/2411
54
O Cachoeirano, 06 jan. 1889, p. 03.
55
O Cachoeirano, 02 fev. 1889, p. 02.
176
narrar os conflitos vividos no Clube Ginástico Francês através de um tom extremamente
pejorativo que definia a Guarda Negra como sendo uma corporação composta pela pior
espécie de gente: negro safado, ordinário, bêbado e vagabundo. Como de costume, houve
supervalorização do número de indivíduos envolvidos. Calculava-se quatrocentos agentes da
Guarda Negra contra apenas quarenta republicanos, que teriam resistido heroicamente.
Destes, apenas quatro teriam se ferido, enquanto entre os negros seriam, pelo menos, quarenta
e três, somados a dez mortos. Todas essas informações serviam para que a notícia se
encaminhasse clamando pelo armamento do Partido Republicano. Esta seria a única chance
frente aos homens desalmados e verdadeiros bandidos que sustentavam a Monarquia. Assim
afirmava a notícia: “De hoje em diante todas as violências da parte dos republicanos são
legítimas, porque estamos em estado de legítima defesa”.56
A partir dos artigos analisados até aqui, pudemos notar que, sobretudo para as
províncias do Norte, se expandia a noção de que a criação da Guarda Negra era fruto de uma
ação governamental e servia para indicar o desespero institucional e acelerar o processo de
crise do governo imperial. Não à toa as notícias sobre essa corporação circulavam
majoritariamente entre a imprensa republicana que, ao narrar sobre o comportamento dos
libertos, deixava também evidente a sua visão sobre o processo de abolição e seu receio a
respeito da desapropriação de terras devolutas – no formato da tão aclamada “democracia
rural” de Rebouças – e dos enormes prejuízos que ela poderia causar ao mundo do trabalho,
rompendo os laços de dependência de uma mão de obra agora livre. Na realidade, esse medo
esteve presente em integrantes de diversas facções políticas pelo país a fora, fossem eles
conservadores, liberais ou republicanos, que passaram a apostar como saída para atravancar
essa aspiração, na derrubada do Ministério 10 de março ou no desmoronamento do próprio
regime. Obviamente, utilizaram como argumento de deslegitimação do governo a criação e a
cumplicidade da Guarda Negra, seguindo o modelo do que já se fazia através da imprensa do
Rio de Janeiro. A leitura e análise das fontes sobre essa questão nos permitiu vislumbrar a
perda de apoio e da validade política do ministério conservador por todo o território nacional,
pelo menos entre uma elite intelectual, sendo suas “ações desastrosas” também encaradas
como impulsionadoras do sentimento republicano.

56
Outro artigo de conteúdo parecido foi publicado no dia 03 de março de 1889, cujo título recebeu o nome de “O
plano negregado”. Tratava-se de expor os mecanismos de manipulação do governo e, em especial, do ministério
conservador, junto aos libertos pelo 13 de maio. O editorial iniciava-se afirmando o compromisso da propaganda
republicana com a manutenção da ordem e tranquilidade pública, mas afirmava que se a Monarquia apelava para
a violência, também o fariam os republicanos: “ao fogo e ao ferro, oporemos também fogo e ferro”. Cf. O
Cachoeirano, 03 mar. 1889, p. 01. Os confrontos ocorridos na Corte em 14 de julho de 1889 também
reverberaram nas páginas de O Cachoeirano. Cf. O Cachoeirano, 21 jul. 1889, p. 01-02.
177
Tanto foi assim que a folha pernambucana A Epocha57, ligada oficialmente ao Partido
Conservador, optou, no entanto, por se afastar do então Ministério. Através de uma análise de
seus artigos verificamos intensas críticas às ações de João Alfredo, que vão desde o modelo
de lei abolicionista que aprovou, até o incentivo à instituição da Guarda Negra. As falhas do
presidente do Conselho de Ministros, segundo o jornal, vinham despertando em todas as
províncias do Norte, com destaque para o Ceará, o Maranhão e o Pará, tamanho
descontentamento que levavam indivíduos antes fiéis à Monarquia a duvidarem do seu poder
de administração da sociedade. Assim afirmava o editorial: “por toda a parte, grande número
de conservadores vendo falseados os princípios desse grande partido, e descrentes de sua
regeneração, alistou-se nas fileiras republicanas”.58
Essa ideia foi também partilhada pelo, já citado, periódico de orientação liberal Diário
da Bahia, que também trazia a noção de que as ações do gabinete serviam para a verdadeira
ruína das instituições e esfacelamento da Monarquia. Ao se sustentar por meio “do terror
negro”, João Alfredo contribuía para “matar a livre manifestação do pensamento e as novas
aspirações democráticas do país”. Tais feitos provocavam a vasta reação republicana “em
espíritos descrentes que já perderam a fé nas instituições monárquicas”. O editorial
aproveitava para rememorar o processo de assinatura da lei de abolição e declarar que João
Alfredo em nada tinha tido iniciativa e, portanto, não merecia nenhum reconhecimento sobre
um ato que já estava aceito e consolidado pela consciência nacional. Pelo contrário, em sua
história, apenas tinha de notável a grande incoerência, “senão dobres de caráter”, por ter
adotado uma lei de emancipação que ao longo de sua vida sempre se mostrou contrário e
esteve em desacordo, combatendo-a na véspera.59 Nesse momento o artigo fazia referência às
ações de João Alfredo avessas à reforma Dantas, que em 1884 propunha medidas
emancipatórias, fortemente apoiadas pelo movimento abolicionista e contra as quais o chefe
do ministério 10 de março se opôs veementemente.
Em última instância, a noção difundida era a de que a Guarda Negra estaria
efetivamente colaborando com a obra da República e afastando o apoio de “monarquistas
57
Segundo Luis do Nascimento, a folha pernambucana “saiu a lume no dia 08 de agosto de 1889, tendo como
redatores Joao Barbalho Uchoa Cavalcanti, Jose Soriano de Sousa, Felicio Buarque de Macedo e outros (...).
Logo no primeiro número, A Epocha divulgou uma proclamação do chefe conservador Paulino Jose de Sousa (o
conselheiro Paulino, filho do Visconde do Uruguai) e um artigo redacional atacando o Diário de Pernambuco,
que defendia o chefe conservador rival, o conselheiro Joao Alfredo Correia de Oliveira. A chefia do Partido
Conservador tornou-se, por algum tempo, pomo de discórdia entre os dois jornais, cada um a impugnar o nome
apoiado pelo outro, participando igualmente, da polêmica, em menor escala, A Provincia, defensora da facção de
Joao Alfredo. (...) o matutino teve vida curta, desaparecendo com o n°. 176, de 13 de setembro de 1890”.
NASCIMENTO, op. cit., p. 307-308 e 310.
58
A Epocha, 08 ago. 1889, p.02.
59
Diário da Bahia, 11 abr. 1889, p. 01.
178
sinceros e moderados”, ao verem o governo apelando para os serviços de “mercenários sem
escrúpulos” e “boçais iludidos”. Tudo isso se configurava em motivo de escândalo e de
vergonha nacional para aqueles que ainda cofiavam nas instituições vigentes. Por essa razão,
o Diário da Bahia deixava claro que, caso essa situação se prologasse por mais alguns meses
não restaria “outro alvitre aos homens de bem a não ser buscar em outros ideais a reparação
dos males de que sofremos”.60
Como vimos, um dos pontos centrais das críticas ao gabinete conservador, e a própria
Monarquia, estava no modelo de abolição que havia se concretizado no Brasil, imediato e sem
indenização. Sendo assim, a ruína do ministério estaria decretada em virtude do “sulco
profundo” que o separava das “classes prejudicadas com a extinção do elemento servil”, ou
seja, a perda de apoio dos antigos senhores de escravos era a causa básica para seu
fracasso61.Também cabia ao gabinete conservador à reprovação social por açular contra esse
mesmo grupo o ódio dos antigos escravizados. O resultado seria, portanto, um ambiente de
medo e desconfiança de negros contra brancos, de ex-escravos contra ex-senhores. Um receio
que, no entanto, não se limitava aos centros urbanos cariocas, mas que se espalhava pelo
Brasil a fora:

(...) o susto e o pavor invadem importantes localidades do interior,


ameaçadas de assaltos sanguinolentos. A senha comunicada à Guarda Negra
pelo Sr. Presidente do conselho, e que já produziu lúgubres efeitos nesta
Corte, vai ecoando no país como um grito de extermínio.62

Para o Sul também se espalhavam as notícias sobre a corporação de libertos e a visão


negativa de João Alfredo e do futuro da Monarquia no Brasil. Em Porto Alegre, por exemplo,
a folha de orientação republicana A Federação63 marcou sua presença ao anunciar as ações da
Guarda Negra carioca e seguiu firme contestando tanto o governo conservador, quanto o
liberal. Com artigos muito incisivos que atacavam veementemente os indivíduos ligados ao
regime monárquico, o jornal fez ecoar seu desprezo pela Guarda Negra em todo o Sul do país.
De modo a não ficarmos repetitivos, basta afirmarmos que, em relação ao confronto do

60
Diário da Bahia, 25 mai. 1889, p. 01.
61
Tribuna Liberal, 08 mai. 1889, p. 01.
62
Idem.
63
O periódico A Federação foi fundado por Julio de Castilho em 1884 na cidade de Porto Alegre “como órgão
oficial do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). Em suas páginas, Antônio Augusto Borges de Medeiros,
chefe supremo do PRR, a partir de 1903, assinou editoriais e publicou declarações sobre os principais
acontecimentos da época”. https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/FEDERA%C3%87%C3%83O,%20A.pdf. Conferir também HOHLFELDT, Antonio. A imprensa sul-
rio-grandense entre 1870 e 1930. Revista E-Compós, dezembro de 2006, p. 2-12.
179
penúltimo dia do ano de 1888, o periódico manteve o discurso republicano, já comum, de
ataque ao ministério 10 de março e de hostilidade às maltas de capoeiras formadas por
indivíduos brutalizados, que agiam manipulados pelo governo. No entanto, quando dos
confrontos relativos à 14 de julho de 1889, o jornal avançou na denúncia contra a Monarquia
e atacou firmemente o ministério liberal de Afonso Celso. A folha sulista afirmava que,
quando das comemorações pelo centenário da Revolução Francesa, o gabinete liberal teria
incentivado a “borra da sociedade fluminense” a ir para a rua, como elemento de coação
àqueles que comemoravam o sentimento republicano. Lembrava o periódico, que essa gente
bárbara, sem responsabilidade e sem moralidade, “composta de tudo quanto há de criminosos
impunes no Rio de Janeiro”, eram os membros da Guarda Negra, da mesma guarda que tinha
sido fortemente criticada e atacada pela Tribuna Liberal, jornal do então Visconde de Ouro
Preto e que agora reaparecia no novo governo.
As críticas seguiam e asseguravam que o ministério liberal nada tinha feito para mudar
o quadro da polícia carioca, que como já se sabia, era composto de integrantes da associação
negra e fiéis à Monarquia. Atestava a folha sulista que, apesar dos pedidos e das promessas,
quando chegado o dia 14 de julho o corpo destes policiais acompanhou a procissão cívica com
atitudes constantemente provocadoras, o que só poderia ocasionar em conflito. O jornal
aproveitava ainda para criticar a imprensa carioca que, a seu ver, não teria registrado
verdadeiramente a seriedade dos conflitos ocorridos na Rua do Ouvidor no respectivo dia e
garantia que a Monarquia apenas fantasiava-se de liberal, mas que em realidade era
reacionária e assassina. 64
As informações sobre a Guarda Negra pareceram ainda ter alcançado a
internacionalização. De acordo com o Diário de Notícias, a imprensa de Buenos Aires, teria
se referido à associação de libertos ao se recordar da data da abolição da escravidão no Brasil,
em função de seu primeiro aniversário65. O mesmo jornal também trazia traduzido em suas
páginas uma publicação alemã da Gazeta de Colonia (kölnische Zeitung) do dia 16 de agosto
de 1889, intitulada “O desenvolvimento do partido republicano no Brasil” (Die Entwieklung
der republicanischen Partei in Brasilien), onde apareciam referências à corporação de

64
A Federação, 29 jul. 1889, p. 01. Poucos dias depois, nova publicação criticando o novo gabinete liberal
apareciam nas páginas de A Federação, onde se utilizava também a retórica da Guarda Negra como sustentáculo
do sistema Monárquico já falido e em desacordo com o progresso natural dos sistemas políticos. Nessa
publicação reforçava-se, mais uma vez, a ideia de que a Guarda Negra era, em verdade, uma associação
integrada pelo corpo policial carioca. Cf. A Federação, 02 ago. 1889, p. 01.
65
Diário de Notícias, 14 mai. 1889, p. 02.
180
homens de cor66. O artigo reproduzia o estilo de narrativa já recorrente que associava o
crescimento do partido republicano ao fim do cativeiro no Brasil, com destaque para as
províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Confirmava o desagrado vindo da
elite agrária nacional, que se via prejudicada com a carência de mão de obra e pela negação
das propostas de indenização em consequência da libertação escrava, sendo este o principal
motivo para se voltarem contra o governo imperial. A Guarda Negra surgia como uma espécie
de resposta criada em virtude do crescimento do movimento republicano e do risco de
impedimento da consolidação do Terceiro Reinado. As mensagens propagadas pelo editorial a
respeito dessa associação, apenas reiteravam o que a maior parte da imprensa nacional já
informara: era um grupo composto por libertos, unidos pela missão de proteger a princesa,
tendo como líderes antigos adversários da escravidão.
De acordo com a publicação, teria sido a criação de tal grupo o que permitiu a
intensificação do republicanismo no país, fazendo-o invadir todo o império. As notícias sobre
o confronto ocorrido no Club Ginástico Francês nos últimos dias do ano de 1888, da mesma
maneira, estiveram presentes na edição. Elas foram narradas de modo à culpabilizar a
corporação de negros, tendo como consequência o efeito contrário, ou seja, serviram como
que uma centelha que fez crescer ainda mais o ideal pela República, se espalhando por toda a
imprensa, o exército, as academias e a escola Militar. O artigo se encerrava falando de alguns
líderes do Partido Republicano e de como este já vinha conquistando, inclusive, maiores
espaços na política, ao vencer eleições.
Já depois de implantada a República no Brasil, uma edição do Le Nacional – jornal
francês – foi republicada pelo Diário de Notícias, narrando os acontecimentos que
culminaram com a caída da Monarquia no país67. Além de descrever o enfraquecimento do
poder do imperador e a perda de legitimidade do governo perante os inúmeros setores da
população, enfocando no crescimento das campanhas republicanas ao longo dos últimos anos,
o artigo descreve também a formação da Guarda Negra pelos libertos como forma de defesa

66
Diário de Notícias, 20 out. 1889, p. 01. O jornal republicano piauiense Actualidade também trouxe em suas
páginas a transcrição da notícia alemã. Actualidade, 04 dez. 1889, p. 03.
A Gazeta de Colônia foi um jornal publicado na cidade de Colônia desde 1802, e que para Marx e Engels, estava
relacionado aos liberais. No último terço do século XIX estava ligado ao Partido Nacional Liberal. Para Fritz K
Ringer, esse partido “era, pelo menos em parte, representante político dos industriais”. RINGER, Fritz K..
Declínio dos Mandarins Alemães - A Comunidade Acadêmica Alemã 1890 – 1933. Tradução de Dinah Abreu
Azevedo. São Paulo: EDUSP, 2000, p. 133.
67
O jornal Le Nacional foi um diário francês fundado em janeiro de 1830 por Adolphe Thiers, Armand Carrel,
François Auguste Mignet, e o editor era Auguste Sautelet. Na Terceira República (1870-1940), o jornal
representava as ideias da esquerda republicana, e entre seus principais escritores estavam Emile de La
Bédollière, Horace Ayraud-Degeorge, Charles Sauvestre, Émile Deschanel e outros.
181
da família imperial, bem como as tensões urbanas que se formaram em torno desse grupo e os
republicanos.68
O que conseguimos constatar, de maneira geral, foi que a imagem da Guarda Negra
que mais se espalhou pelo Brasil, via imprensa, esteve relacionada àquela construída pelos
republicanos e, em certa medida pelos liberais, que depreciavam o movimento. Ao
construírem uma narrativa sobre a Guarda Negra carregada de conotações negativas,
associando-a ao governo conservador de João Alfredo acabavam, também, por
deslegitimarem o ministério 10 de março, que já vinha se afastando dos grandes proprietários
de terra incomodados com o formato de lei abolicionista que se aprovou e sendo acusado de
inúmeros casos de corrupção, má gestão e autoritarismo. Não à toa conseguiu sobreviver
apenas até junho de 1889, caindo para dar lugar a curta administração do liberal Afonso
Celso. O pouco que conseguimos apreender sobre as narrativas internacionais a respeito da
corporação apresentavam o mesmo estilo de interpretação que os inimigos do movimento
atribuíam a ele. Apesar da difusão dessa imagem negativa, notamos a presença da Guarda
Negra em maior ou menor grau em diversas regiões do Brasil e é sobre essa questão que agora
abordaremos no capítulo. Novos significados foram atribuídos a cada uma das manifestações
do que a imprensa local designou como Guarda Negra. Novos sentidos foram erigidos para a
associação, de acordo com questões e intensões regionais. Todavia, não intentamos perder de
vista o contexto mais amplo pelo qual atravessava o Brasil, o que nos permite fazer
comparações entre articulações políticas e históricas diferentes, mas não dissociadas. Por fim,
é preciso lembrar sempre que a associação da Guarda Negra, como a entendiam os
intelectuais que publicavam nos jornais, foi um processo de construção coletiva que,
certamente, contou com uma parcela de idealização e, por isso, nos diz menos sobre a
corporação em si mesma, do que sobre as articulações sociais que a produziram.

68
Diário de Notícias, 23 dez. 1889, p. 02.
182
3.2 A Guarda Negra no interior do Rio de Janeiro.

Se a Guarda Negra enquanto corporação de libertos que lutavam pela defesa da


Princesa Imperial repercutiu em formato de notícias que se espalharam por todas as regiões do
Brasil, nada mais natural que também o fizesse no próprio Rio de Janeiro, em cidades mais
afastadas da capital. A seguir listamos uma série de localidades onde conseguimos mapear
informações sobre a Guarda Negra, seja de movimentos que se organizaram em sua defesa ou
para sua condenação. Cabe mencionar que a maior parte das cidades fluminenses destacadas
estão situadas na Bacia do Rio Paraíba do Sul e eram locais de grande peso político,
econômico e social, marcados pela produção de açúcar e café, com mão de obra escrava.
Como veremos, a imprensa republicana atuou sobremaneira contra as lideranças
conservadoras dessas localidades.
A primeira cidade analisada foi também um dos centros mais famosos de luta pela
emancipação dos escravos. Trata-se, obviamente, de Campos dos Goytacazes. A região de
Campos, ao norte da província fluminense, foi palco de grandes e acirradas lutas pelo fim da
escravidão ao longo de toda a década de 1880, tendo sido, por esse motivo, local de referência

183
para todo o Império de revoltas pela liberdade. Desde o século XVIII, Campos era uma área
açucareira que contava com grande presença de mão de obra escrava e que com o passar do
tempo passou também a dispor de diversificada sociedade civil69. A cidade possuía centro
urbano relativamente dinâmico, onde se notava a presença de advogados, médicos,
professores, pequenos comerciantes, funcionários públicos e muitos trabalhadores livres, sem
falar de uma imprensa já estabelecida, que participou intensamente da campanha
abolicionista. Nesse aspecto podemos dar destaque para o jornal 25 de Março, cujo
proprietário e redator chefe era o antigo delegado de polícia, Carlos de Lacerda, também um
dos fundadores da Sociedade Campista Libertadora e do Clube Abolicionista Carlos de
Lacerda70. A partir de 1886 e 1887, as estratégias de lutas abolicionistas se intensificaram na
região, bem como o uso da violência, tanto por parte de policiais e senhores, como por
escravos e abolicionistas. Esse quadro marca também o período pós-abolicionista e demonstra
o alcance das lutas dos homens livres de cor.
Nesse contexto imediatamente posterior à conquista da liberdade, as ações da Guarda
Negra também reverberaram em Campos, mas não encontramos referências específicas no
sentido de criação de uma corporação como na Corte.71 No que diz respeito ao grupo de
libertos lutando a favor da Princesa Imperial, os parceiros José do Patrocínio e Carlos de
Lacerda pareciam discordar. Enquanto aquele defendia as ações da Guarda Negra nas páginas
de seu jornal Cidade do Rio, como vimos nos capítulos anteriores, o republicano Lacerda foi
um grande crítico do movimento. Em 26 de março de 1889, por exemplo, a Tribuna Liberal
noticiava que havia sido realizada no teatro Empyreo uma brilhante festa em homenagem ao
jornal 25 de março. O recinto do teatro regurgitava de povo e muitas famílias ocupavam o

69
A respeito da relação açúcar e escravos em Campos dos Goytacazes conferir: FARIA, Sheila de Castro. Terra
e trabalho em Campos dos Goytacazes (1850-1920). Dissertação (Mestrado em História). Niterói: PPGH/UFF,
1986. Segundo Ismenia Lima Martins, com base no Relatório do Presidente de Província do Rio de Janeiro,
Campos era o maior município escravista da província, e, em 1878, tinha uma população escrava de 35.888,
enquanto Vassouras e Valença, dois dos principais municípios cafeeiros, tinham 21.083 e 27.099
respectivamente. Walter Pereira, com base no Almanack de Campos de 1881, projetou uma população escrava
de 28.913, para uma população total de 99.995 habitantes. Conferir: MARTINS, Ismenia Lima. Os problemas de
mão-de-obra da grande lavoura fluminense: o tráfico intra-provincial (1850-1878). Ciclo de Estudos
Fluminenses da Universidade Federal Fluminense, 1973. p. 11; PEREIRA, Walter Luiz Carneiro de Mattos.
Francisco Ferreira Saturnino Braga: negócios e fortuna em Campos dos Goytacazes. História (São Paulo) v.31,
n.2, p. 219, jul/dez 2012. http://www.scielo.br/pdf/his/v31n2/11.pdf
70
Acerca do jornal 25 de Março, Cf.: “Para matar a liberdade seria preciso fazer desaparecer a humanidade: o
jornal abolicionista 25 de Março em Campos dos Goytacazes”. In: MUAZE, Mariana; SALLES, Ricardo
(Orgs.). O Vale do Paraíba e o Império do Brasil nos quadros da Segunda Escravidão. Rio de Janeiro: 7 Letras,
2015.
71
Apesar de não termos encontrado referências sobre uma corporação local da Guarda Negra em Campos,
alguns artigos de jornais, ao relatar a expansão dessa associação pelo país, confirmam rapidamente a existência
de um grupo filiado à Guarda Negra nessa região. A título de exemplo conferir: Pacotilha (MA), 07 fev. 1889, p.
03.
184
lugar, sendo imponente o aspecto da reunião. Carlos de Lacerda fazia “profissão de fé
republicana” e aproveitava para combater a Guarda Negra. Segundo o artigo, sua declaração
contra a corporação teria sido acolhida com entusiásticos aplausos, da mesma maneira que o
belíssimo discurso do Dr. Nilo Peçanha, orador oficial da festa, que terminou “entre
estrepitosos vivas à república, à Nilo Peçanha e à Carlos Lacerda” 72. Assim como nesse
evento, as festas de comemoração pela abolição também contaram com declamações
proferidas por Carlos de Lacerda condenando a Guarda Negra, sendo, da mesma maneira,
intensamente aplaudidas pelos libertos.73
Diferentemente do que registramos para Campos, em Valença se oficializou a
formação de uma Guarda Negra. Quem nos informou a respeito foi uma publicação da Gazeta
de Notícias do dia 29 de maio de 1889: “Tremei, republicanos, que a nossa última hora é
chegada; está constituída em Valença a Guarda Negra: presidente, Barão de Ipiabas;
secretário, Barbeiro Eulálio; tesoureiro, Villa Maria”74. Contrariando os boatos que
afirmavam que o dito barão só teria se filiado à associação de libertos em um ato de vingança
e traição à sua classe e à sua raça, tendo em vista sua derrota nas eleições para a Câmara
Municipal, e deixando de lado o estigma de terrível escravocrata, o editorial valorizava sua
adesão ao movimento e desmentia esse tipo de narrativa. Nesse sentido, assegurava que “Seu
Chiquinho”, em referência ao Barão de Ipiabas, detentor de profunda inteligência e ilustração,
vislumbrava no advento da República a ruína da pátria e temia sinceramente pela
“reescravização dos pretinhos”, contra a qual o barão teria valorosamente pugnado.75
Três dias depois dessa publicação, novo artigo sobre a participação do barão de
Ipiabas na liderança da Guarda Negra de Valença aparecia nas páginas da Gazeta de Notícias,
dessa vez para desmentir a informação transmitida anteriormente. O artigo, assinado com o

72
Tribuna Liberal, 26 mar. 1889, p. 02.
73
Tribuna Liberal, 15 mai. 1889, p. 03. Conferir também: Diário de Notícias, 15 mai. 1889, p. 02 e O
Cachoeirano, 26 mai. 1889, p. 02. A respeito do político republicano Nilo Peçanha, um dos fundadores do
Partido Republicano Fluminense, deputado constituinte em 1890, deputado federal e senador, presidente estadual
e candidato à presidência da República em 1921, conferir: ABREU, Alzira Alves de. Partido Republicano
Fluminense (PRF). http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/PARTIDO%20REPUBLICANO%20FLUMINENSE%20(PRF).pdf; FERREIRA, Marieta. Nilo
Peçanha. https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/PEÇANHA,%20Nilo.pd
74
Gazeta de Notícias, 29 mai. 1889, p. 03.
Trata-se do 2º barão de Ipiabas, Francisco Pinheiro de Souza Werneck, filho de Peregrino José de Américo
Pinheiro, 1º barão com honras e visconde com honras de grandeza de Ipiabas. O 2º barão, após a Constituição de
1891, integrou à Constituinte Estadual responsável pela elaboração da Constituinte do Estado do Rio de Janeiro.
Cf. ABREU, Alzira Alves de (coord. geral). Dicionário histórico-biográfico da Primeira República (1889-
1930). Rio de Janeiro: FGV/Editora do CPDOC, s.p. (verbete sobre o deputado federal Manuel Henrique de
Fonseca Portela). A respeito do 1º barão de Ipiabas, sua rede de sociabilidade e familiar com os Werneck,
cafeicultor e líder político cf. TAUNAY, Affonse de. História do Café no Brasil volume 8. No Brasil Imperial
1872-1880 (Tomo VI). Rio de Janeiro: Departamento Nacional do Café, 1939.
75
Gazeta de Notícias, 29 mai. 1889, p. 03. Artigo assinado pelo: “Ajudante de ordens de S. Ex. Ouvidio [?]”.
185
pseudônimo Vigilante, iniciava-se afirmando que o autor do editorial anterior, na realidade,
havia sido comprado para depreciar a imagem do barão de Ipiadas, associando-o à Guarda
Negra com o objetivo de criar uma indisposição com os lavradores da região 76. Isentava os
republicanos de serem autores da referida calúnia e afirmava que era preciso ir buscar na Rua
do Ouvidor o culpado pelas mentiras publicadas na imprensa. Apelidado ironicamente de
Chico, este seria um sujeito que devia inúmeros favores ao barão e antes das comemorações
de um ano do 13 de maio, ele já teria espalhado ofícios em Valença, Desengano e na Corte
confirmando que o barão era chefe da Guarda Negra.
Essa pequena discórdia deixa evidente os usos políticos que se fazia da Guarda Negra
no imediato pós-abolição. O nome da associação era utilizado pelos inimigos políticos com
objetivos claros de difamação para perda de legitimidade frente a seus aliados e agregados.
Ao que tudo indica, no entanto, a formação de uma Guarda Negra na cidade de Valença é
anterior à contenda relativa ao Barão de Ipiabas e sua suposta liderança sobre o movimento,
pois ainda em março de 1889, o Diário de Notícias confirmava a presença da Guarda Negra
na região em conflitos envolvendo republicanos e libertos77. Tal fato era corroborado pelo
Cidade do Rio no mesmo mês, onde artigo assinado por Flag Júnior deixava evidente a tensão
ocorrida entre integrantes da associação de libertos e republicanos, em uma conferência que
Silva Jardim havia organizado na localidade. A mesma publicação citava ainda ocorrências
semelhantes em Madre Deus de Angustura, localizado em Além Paraíba, Minas Gerais.78
Para além de uma possível organização da Guarda Negra em Valença, os jornais
também narram sobre manifestações em oposição ao grupo monarquista na região. Foi o que
encontramos registrado no Diário de Minas, em fevereiro de 1889, quando da visita de Silva
Jardim à cidade. Narrava o jornal que cerca de 500 homens, todos libertos, haviam recebido o
conferencista republicano com entusiásticos vivas e bandas de música pedindo por sua
proteção contra o recrutamento obrigatório. O encontro teria se dado na fazenda do
comendador Domingos Theodoro de Azevedo Júnior, denominada Santa Genoveva, onde
Silva Jardim havia aproveitado para falar do papel negativo da Guarda Negra para todo o
país.79
Os receios em relação aos negros libertos de Valença também ficam evidentes através
de uma carta publicada pelo Diário de Notícias e republicada pelo O Paiz, na qual consta um
apelo sobre a terrível conjuntura da região após o ato de abolição da escravidão. O periódico
76
Gazeta de Notícias, 01 jun. 1889, p. 03.
77
Diário de Notícias, 20 mar. 1889, p. 01.
78
Cidade do Rio, 21 mar. 1889, p. 01.
79
Diário de Minas, 17 fev. 1889, p. 01.
186
preferiu manter o anonimato de sua remetente, mas garantia que a autora da carta era esposa
de um antigo e devotado abolicionista. Escrita em 25 de abril e endereçada ao irmão da
escrevente, a correspondência iniciava-se narrando os temores que cercavam os festejos
negros em comemoração ao 13 de maio em Valença80. Assim afirmava a autora: “eu espero o
dia 13, como um condenado que sobe ao cadafalso” e atestava que seu vizinho já havia
avisado que, em sua fazenda, os libertos “há muitos dias estão fabricando balas e dizendo que
são para os republicanos. Todos em Valença estão aterrados, ao ponto de algumas pessoas
projetarem viagens no dia 12”. Por isso, apostava no clientelismo e clamava por algum auxílio
de amigo próximo do irmão, conhecido do então chefe de polícia, para lhe “arranjar alguma
coisa”. Através do seu modo de escrever é provável que não tivesse a aprovação do marido no
pedido de ajuda particular, mas seu temor era maior e a fazia agir, uma vez que os libertos se
encontravam incontroláveis e altaneiros e “já não fazem questão de política, mas sim de raça”.
Por fim, deixava evidente seu risco de morte: “parece-me que a nossa existência está por dias.
Ando sobressaltada que não como, não durmo, vivo na maior melancolia”. Após a carta, o
artigo do jornal prosseguia confirmando que ela representava todo um quadro maior de
desespero e agonia das famílias brasileiras em virtude do Ministério 10 de março, responsável
por inventar a Guarda Negra. O artigo tinha a clara intenção de sensibilizar o leitor através da
figura da mulher desamparada, mãe de família, atordoada pelo medo a mando do gabinete
conservador. Se antes a revolta e aversão ao regime de governo se dava nas ruas, entre o povo
ou no parlamento, agora invadia o ambiente doméstico e familiar e chegava ao “coração
benevolente da mulher”. O editorial afirmava ainda que a associação da Guarda Negra não se
limitava às antigas disputas eleitorais e políticas que envolviam capangas de ambos os
partidos, onde as paixões particulares eram passageiras. Tratava-se, agora de uma “luta civil”,
racializada e sistematicamente aberta pelas influências oficiais, mantida com o dinheiro do
povo e legitimada no espírito de fanáticos pela princesa imperial.
Ao que tudo indica, o projeto da Guarda Negra expandia-se para o interior do Brasil e
parecia apavorar uma significativa parcela da população que via no negro liberto uma ameaça
ao ordenamento social. Pelo menos, era o que deixava evidente um artigo publicado pelo
Diário de Notícias81, em abril de 1889 sobre um confronto envolvendo republicanos e homens

80
O Paiz, 07 jun. 1889, p. 01. Trata-se de uma republicação do Diário de Notícias assinada por Rui Barbosa. A
mesma publicação aparece no Diário do Povo (BA), em data anterior – no aniversário de um ano da abolição da
escravidão. Cf. Diário do Povo (BA), 13 mai. 1889, p. 01-02.
81
Diário de Notícias, 19 abr. 1889, 01. É importante ressaltar que esse artigo saiu reproduzido nas páginas do
jornal sergipano O Republicano em 05 de maio de 1889. Cf. O Republicano (SE), 05 mai. 1889, p. 01-02.
187
de cor, em Lage de Muriaé82. Como de costume, o conflito havia ocorrido em meio a uma
conferência de adeptos da República, e terminado em grande violência, chegando mesmo a se
falar em número indeterminado de mortos. Na ocasião, narrava o jornal, uma massa enorme
de policiais e libertos armados havia invadido o edifício onde se celebrava pacificamente “um
banquete democrático”, assombrando a todos os presentes com ameaças de morte e disparos
de tiros. Cena similar a que havia ocorrido na Corte, em 30 de dezembro do ano anterior, e
que parecia se repetir por todo o interior do país: janelas quebradas, armas a postos,
arremessos de garrafas, tentativas de incêndio ao prédio onde se dava a conferência. Em
suma, muita violência em meio a “vivas à polícia” e “vivas à rainha”.83
A costumeira cumplicidade policial teria se transformado em ação violenta e passado
dos limites na ocasião. Nesse sentido, o artigo confirmava a prisão de um cidadão ferido com
um tiro, Antonio Pereira, e a aplicação de uma série de castigos enquanto se encontrava atado
em um tronco, sendo torturado ao longo de toda a noite. Não encontramos, porém, referência
à cor do dito indivíduo ou à sua filiação política: se republicano ou apoiador da Guarda Negra.
A publicação informava ainda que o comandante do destacamento policial era quem,
supostamente liderava todos os libertos na ação violenta. Estes, em conjunto com demais
integrantes da polícia, impediam ainda a livre movimentação da população local, ao se
disfarçarem de operários rurais para guarnecer pontos de saída da cidade. O chefe de polícia,
no entanto, informava que um tenente havia sido enviado para Lage de Muriaé a fim de
verificar o que realmente se dava na região, tendo atestado, por fim, que reinava a paz na
localidade.84
Seguindo a mesma linha de argumentação utilizada para compreender as supostas
ações dos integrantes da Guarda Negra na capital do Rio de Janeiro, taxados de instrumentos
de manipulação por parte da Coroa e fomentadores de um conflito fraticida inter-racial, o
artigo aprofundava esse temor, ao certificar que o movimento de libertos ganhava espaços e
novos adeptos no interior do país: “eis o rastro sinistro, que prepara a guerra civil, levando ao
seio dos nossos sertões o ódio entre as raças, sentimento funesto que o cativeiro não gerara” 85.
Não bastasse o que se vivia nas ruas da Corte, onde o derramamento de sangue já era algo

82
A região onde se localiza Lage de Muriaé foi desbravada por José Lanes Brandão e seus familiares no século
XIX. O crescimento da região está associado ao desenvolvimento da atividade cafeeira, base da economia local.
Em 1860 foi criada a freguesia de Nossa Senhora da Piedade, pertencente a Santo Antônio de Pádua, que em
1887 passou a fazer parte de Itaperuna com a denominação de São José do Avaí. Posteriormente a região passou
a ser chamada de Lage de Muriaé, ganhando sua autonomia apenas em 1963. Cf.
http://www.inepac.rj.gov.br/application/assets/img/site/LajedoMuriae.pdf
83
Diário de Notícias, 19 abr. 1889, 01.
84
Diário de Notícias, 20 abr. 1889, p. 01.
85
Idem.
188
comum, “o exemplo lastrou como a peste negra”, por todo o território nacional. Tudo isso
graças ao apoio e organização da polícia, somados à ignorância dos egressos do cativeiro, que
se juntavam às maltas de capoeiras, aos grupos de operários da alfândega e demais tipos de
homens de cor “espumando cólera e morte contra oradores democráticos e o jornalismo
independente”. Esse alvoroço levava o jornal a concluir que a maneira como a “raça
miseranda” agia após o fim do cativeiro era motivo de vergonha nacional. Incapaz de perceber
as vicissitudes políticas, ela maculava todo o processo histórico brasileiro e confundia
proprietários, liberais, abolicionistas, tratando a todos como traidores do Terceiro Reinado.
O editorial apelava ainda para outra forma de retórica depreciativa acerca da Guarda
Negra ao associá-la à vagabundagem e ao abandono do mundo do trabalho. Dessa forma,
confirmava que a situação de crescimento dos grupos de ex-escravos que sustentavam o
Terceiro Reinado no interior do Brasil era ainda mais grave do que no meio urbano, uma vez
que esses agrupamentos, orientados e aliciados para atuar contra antigos senhores,
representavam um risco à economia nacional. Assim, em vez de se obstinarem e se fincarem
ao trabalho, trocavam o labor pela rebelião. A ideia era que “no interior, o liberto depõe a
enxada, volta as costas à terra e põe ao ombro a garrucha homicida”. 86
Para além dos prejuízos produtivos, as tensões em torno da associação da Guarda
Negra, também fizeram emergir um discurso depreciativo sobre o papel político e cidadão do
ex-escravo. Se até agora as narrativas apenas falaram dos mecanismos de manipulação da
monarquia sobre um povo inconsciente, de forma bem generalizante, a linguagem utilizada
pelo Diário de Notícias é bem diretiva e aponta para o receio do liberto de compor eleitorado,
participando das votações como os demais cidadãos. Para constatar o seu temor sobre os
direitos de cidadania dos homens de cor e dissipá-lo entre os seus leitores, a publicação
reforçava um suposto dito da época: “o objeto da lei de 13 de maio foi inverter, no Brasil, a
ordem social substituindo o cativeiro negro pelo branco”, afirmando, no entanto, que a nação
não se submeteria a essa troca.87 Por fim, o artigo apelava para uma comparação, nada
verossímil, entre as “garrafadas de Lage de Muriaé” e as garrafadas da Corte, em março de
1831, já que estas teriam pressagiado o fim do Primeiro Reinado, assim como aquelas o
fariam com o Segundo.
As reverberações dos conflitos ocorridos em Lage de Muriaé também se fizeram
presentes no Recife, e através do Jornal do Povo conseguimos extrair mais algumas

86
Idem.
87
Idem.
189
informações sobre a dita confusão entre monarquistas e republicanos.88 O evento em questão
era, na realidade, uma conferência encabeçada por Nilo Peçanha, seguida de banquete
organizado para mais de duzentas pessoas. Tudo se encaminhava tranquilamente até que se
iniciaram os gritos de “viva a regente” e “morra Nilo”. Foi então que a casa onde estavam
reunidos teria sido imediatamente cercada. Os revoltosos, compostos por libertos e soldados,
liderados pelo comandante do destacamento, conseguiram adentrar a sala principal, para a
surpresa dos convivas, dando início, assim, as mais terríveis e inexplicáveis cenas de
desordem. O artigo era incisivo e atestava que o mesmo cenário que já havia ocorrido no Rio
de Janeiro reproduzia-se agora em cidades do interior. Dentre os muitos feridos do confronto,
estava o próprio Nilo Peçanha, atingido na perna, e que precisou sair do local disfarçado de
roceiro para não ser assassinado pela Guarda Negra – “negra instituição, tão negra como as
ideais que podem germinar em seres indignos de existir na sociedade (...)”.89 A publicação se
encerrava fazendo um apelo ao leitor e aos partidos políticos para que notassem a vergonha e
a miséria nacional que a Monarquia cavava para o Brasil, extinguindo a possibilidade de
liberdade de pensamento e manifestação.
O referido conflito com a Guarda Negra em Lage de Muriaé gerou ainda uma
confusão política acerca de boatos sobre seus verdadeiros culpados e aliciadores. Tanto na
Gazeta de Notícias como no Jornal do Comércio, em 30 de julho de 1889, verificamos uma
espécie de carta ao público, assinada por Eduardo A. Silva Gatto, na qual este desmentia o
rumor que o associava ao confronto envolvendo republicanos e a Guarda Negra, quando da
conferência de Nilo Peçanha90. Ao defender-se, o autor do texto corroborava que seu
envolvimento com a corporação de negros não podia ser mais descabido, já que ele mesmo
era um fazendeiro, que necessitava do trabalho dos libertos e vivia rodeado por eles, logo
“não era possível fazer a torpe incitação para se organizarem em Guarda Negra, em prejuízo
do trabalho agrícola e contra os que foram possuidores de escravos”. Além disso, prezava
pelas suas amizades republicanas e jamais contribuiria para esses desabafos violentos,
“açulando contra eles essa multidão perigosa e inconsciente”. Ao se confirmar inocente, o
próprio Silva Gatto solucionava a questão: atribuía a culpa dos conflitos à polícia, que havia
incitado os negros libertos, que se organizavam em festividades em paralelo e ignoravam a

88
Jornal do Povo, 29 abr. 1889, p. 01.
89
Idem.
90
Gazeta de Notícias, 30 jul. 1889, p. 03. Jornal do Comércio, 30 jul. 1889, p. 03.
190
91
reunião republicana, à promoverem os distúrbios. Por esse motivo, teria sido impossível
prever ou impedir o conflito, já que não havia sido uma ação previamente calculada.
Em Santo Antônio de Pádua92 também se oficializou uma organização da Guarda
Negra. De acordo com informações publicadas pela imprensa, a corporação tinha como dois
93
de seus chefes um subdelegado e um importante conservador locais. O quartel general dos
“mashorqueiros” que compunham a associação seria inclusive na fazenda do dito
subdelegado. Seu modus operandi era o de sempre: em conferências republicanas, estes se
reuniam com a força policial existente, “formando elevado número de homens”,
principalmente libertos, que verbalizavam ameaças de todos os tipos, cada vez mais
ostensivas. A notícia afirmava, no entanto, que o processo vinha se radicalizando e que, se de
início, os atos de agressão eram dirigidos especificamente aos republicanos, uma vez que
haviam ganhado força, passaram a agir contra todos os ex-senhores, de modo geral: “as
ameaças, a princípio dirigidas contra os republicanos, compreendem agora, sem distinção de
partido, todos os antigos senhores, todos os brancos, todos os que não foram escravos”.94
Estendia-se, na mesma medida, o medo deste “jubileu de canibais” cada vez mais presentes
no interior do Rio de Janeiro e de todo o Brasil.
Na região vizinha, em São Fidélis95, o jornal carioca Novidades circulava notícias
sobre a criação de uma Guarda Negra local.96 A informação principal partia da folha Gazeta
da Comarca, demonstrando preocupação com a manutenção da ordem na região. A gazeta
desacreditava, todavia, que ali germinasse e florescesse “a fatal semente”, já que o “brioso
povo fidelense” saberia castigar os infames especuladores que intencionassem criar esse
modelo de associação. A imprensa republicana paraense também fazia menção à tentativa de
organização da Guarda Negra na cidade interiorana de São Fidélis, na vila de Pádua. Constava

91
Idem.
92
A história de Santo Antônio de Pádua está relacionada a dois religiosos que se estabeleceram na região: Frei
Florido de Cittá di Castelli e Frei Bento Giovanni Benedetta Libilla (Bento de Gênova, como assinava e era
conhecido). As terras relativas à futura cidade foram doadas por João Francisco Pinheiro e João Luiz Marinho
para que os párocos pudessem ali se estabelecer e aldear os índios Puris. Anos mais tarde foi construída uma
capela em dedicação a Santo Antônio e a localidade passou a ser chamada de Arraial de Santo Antônio de Pádua.
Tornou-se Freguesia pela Lei Provincial n° 296, de 1° de junho de 1843. Passou à condição de cidade graças ao
Decreto Presidencial n° 2.597, de 2 de janeiro de 1882. http://www.santoantoniodepadua.rj.gov.br/historia.php
93
O Republicano (SE), 19 mai. 1889, p. 01. Trata-se de uma republicação do Diário de Notícias.
94
Idem.
95
Região fronteiriça ao Rio Paraíba, o surgimento de São Fidélis também se relaciona ao aldeamento dos nativos
locais, em especial os índios coroados e puris. Os frades capuchinhos responsáveis pela missão foram Frei
Vitório de Cambiasca e Frei Ângelo Maria de Luca, em fins do século XVIII. No ano de 1818, a localidade
recebeu o predicamento de curato e em 1838, participava da Junta de Paz dos Campos dos Goytacazes. O
povoado foi elevado à categoria de Freguesia em 1840, tendo se tornado vila, com a denominação de São Fidélis
de Sigmaringa em 1850, desmembrado de Campos. Finalmente, foi elevada à condição de cidade e sede com a
denominação de São Fidélis, pelo decreto-lei nº 1533, de 03-12-1870. http://saofidelis.rj.gov.br/historia/
96
Novidades, 09 mai. 1889, p. 02.
191
a notícia publicada pela folha A República97 que cerca de 800 libertos, armados de cacetes e
garruchas estavam percorrendo todas as ruas, ameaçando republicanos, seus antigos senhores
e todos os brancos, sem distinção de política98. Um incidente maior teria acometido o Dr.
Laurindo Pitta99, que então estava para chegar à cidade pela estação de trem para a realização
de uma conferência republicana. Consta a notícia que os revoltosos da suposta Guarda Negra
o aguardavam e diziam abertamente que o queriam matar100. Apesar do clima de incerteza, a
conferência parece ter ocorrido normalmente e contou também com a presença de Nilo
Peçanha, que ainda estava ferido do recente conflito ocorrido em Lage de Muriaé envolvendo
a Guarda Negra daquela região.
Como avaliamos até aqui, as notícias sobre a Guarda Negra circulavam de forma
intensa em todos os jornais do Brasil, em especial os de filiação republicana. Estes noticiavam
acontecimentos envolvendo a associação mesmo que muito distantes de seus locais de
publicação. Tanto era assim, que ficamos sabendo pela folha sergipana O Republicano sobre
manifestações de libertos contra a Guarda Negra em Paty do Alferes, então município de
Vassouras, Rio de Janeiro, através de um telegrama enviado da própria estação de Paty, em 19
de abril de 1889, e encaminhado “ao grande cidadão Rui Barbosa”101. Nele, os libertos
Quintino Avellar (designado como preto), Ambrósio Teixeira, João Gomes Baptista,
Francisco de Salles Avellar, José dos Santos Pereira, Ricardo Leopoldino Almeida e Sergio
Barboza dos Santos, atestavam que se mantinham contra as intenções do império de formar
um “conluio” de homens inconscientes para a defesa do Terceiro Reinado. Confirmavam,
como de costume, que o ato de abolição teria sido uma obra de todo o povo, que havia
forçado a Coroa e o Parlamento a decretá-lo, dando destaque para o caso do Cubatão nesse
processo de pressão popular. O mais interessante do protesto, no entanto, é o fato de os
libertos aproveitarem esse momento para exigir do governo garantias de instrução aos recém
ex-escravizados. Na realidade, a queixa desses indivíduos retornava à lei de 28 de setembro

97
O jornal A República: pátria e democracia (PR) era representante oficial do Partido Republicano em Curitiba,
fundado em 1887 e publicado uma vez por semana. Á época era dirigido por Joaquim Antônio da Silva e tinha
como redator chefe Chichorro Júnior.
98
A República (PR), 06 mai. 1889, p. 02.
99
Nascido em São Fidélis no dia 22 de novembro de 1854, Laurindo Pitta bacharelou-se em Direito e exerceu,
em 1885, o cargo de presidente da província do Espírito Santo. Envolvido pelos ideais republicanos, após a
implantação do novo regime foi eleito senador estadual no estado do Rio de Janeiro em 1891 e deputado estadual
em 1901. Foi um intenso defensor do reaparelhamento da Marinha brasileira em seus mandatos. Faleceu em 21
de dezembro de 1904. No ano de 1910 recebeu uma homenagem do governo brasileiro ao dar o nome de um
rebocador de alto-mar construído na Inglaterra que participou da Primeira Guerra Mundial. Cf.
https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/PITTA,%20Laurindo.pdf
100
Consta informação que um conflito de fato aconteceu, onde saiu ferido o alferes Procópio. Cf. A República
(PR), 06 mai. 1889, p. 02.
101
O Republicano (SE), 19 mai. 1889, p. 02.
192
de 1871, que segundo eles, havia sido “burlada e nunca posta em execução quanto à parte que
tratava da educação dos ingênuos”, por isso seus filhos jaziam imersos em profundas
trevas.102 O argumento remetia à ideia de que se os ministros da rainha faziam dos libertos os
alicerces inconscientes do Terceiro Reinado, isso se dava pelo fato de que esses homens não
tinham tido acesso à instrução necessária e prometida. Desse modo, aproveitavam a ocasião
para exigir “a educação e a instrução que a lei de 28 de setembro de 1871 lhes concedeu”103.
Afirmavam ainda que se o governo continuava a cobrar o imposto de 5% para o fundo de
emancipação dos escravos, em um contexto em que a escravidão não mais existia, o justo
seria que ele fosse “revertido para a educação dos filhos dos libertos” e, para conseguirem
alcançar esse fim, apelavam para a ajuda do companheiro Rui Barbosa. O manifesto se
encerrava com a garantia de que para fugir do grande perigo em que a sociedade se
encontrava e para impedir que seus filhos e irmãos “ergam mão assassina para abater aqueles
que querem a república”, só havia uma única maneira: promover à educação dos homens de
cor.
Cerca de um mês antes da publicação anterior, a folha carioca Cidade do Rio
apresentou uma versão inversa sobre a manifestação dos mesmos libertos em Paty do
Alferes.104 Contendo o nome e a cor de cada um dos signatários105, o manifesto dos libertos
teria sido um pedido de ajuda à José do Patrocínio – “verdadeiro defensor do povo” – em
vista do reconhecimento do papel do governo e da princesa no processo abolicionista. O
objetivo era apelar publicamente para impedir o avanço da propaganda “negreira de barrete
frígio”, de modo que os egressos do cativeiro não se deixassem levar pelos discursos dos
republicanos de 14 de maio. Em meio às palavras dos libertos apareciam noções de gratidão à
princesa e ao gabinete João Alfredo, ainda que reconhecessem o papel do povo na conquista
da liberdade, bem como a importância do movimento abolicionista. Por este motivo
afirmavam que jamais levantariam “armas contra os que os fizeram, cidadãos de uma pátria
livre e grande”.106
Infelizmente não temos como saber qual das versões é a verdadeira, ou mesmo se, de
fato, chegou a existir qualquer manifesto dos libertos nesse sentido. A partir de ambas as
publicações, no entanto, podemos notar como a imprensa se tornou um importante palco de

102
Idem.
103
Idem.
104
Cidade do Rio, 25 abr. 1889, p. 01. Conferir. MACHADO, Humberto. Palavras e Brados. Op. Cit., p. 54-55.
105
Quintiliano Avelar (branco), Ambrosio Teixeira (preto), João Gomes Baptista (pardo), F. de Salles Avellar
(caboclo), José dos Santos Pereira (preto), Ricardo L. Almeida (pardo), Sérgio B. dos Santos (disfarçado). Cf.
Cidade do Rio, 25 abr. 1889, p. 01.
106
Idem.
193
disputas políticas e como as temáticas relativas à Guarda Negra e ao papel dos libertos se fez
essencial nesse contexto. Os periódicos, fossem eles republicanos ou monarquistas, trouxeram
à tona e chegaram a disputar o apoio da massa dos homens de cor egressos do cativeiro, como
se a adesão desses indivíduos às suas bandeiras legitimasse e endossasse suas causas. Em
outras palavras, ainda que de maneira incompleta e, muitas vezes retórica, valorizava-se a
ação política desses homens de cor que lutavam por cada vertente política, ao mesmo tempo
em que se apropriavam de um pseudodiscurso ou manifesto de libertos no interior do Rio de
Janeiro para engrandecer as causas republicana ou monarquista. Os libertos passavam, dessa
forma, a agentes políticos reconhecidos na esfera pública ainda que de maneira contingencial.
Para além das localidades relatadas, as atitudes de protesto em relação a Guarda Negra
também marcaram a região de Resende. O informe vinha a público pela Tribuna Liberal em
curta notícia. Os libertos da região teriam se reunido quando do aniversário de um ano pela
abolição e, ao mesmo tempo em que festejavam, teriam se manifestado em reprovação à
Guarda Negra107. Como pudemos notar até aqui, diversas formas de menção à corporação
monarquista envolvendo os homens de cor marcaram presença no interior do Rio de Janeiro e
se expandiram pelo Brasil a fora. Ao que tudo indica, a imprensa, especialmente de orientação
republicana, tratou de noticiar as mais sutis e mesmo superficiais informações que pudessem
remeter a formação de grupos similares a Guarda Negra no interior do estado, de modo a
deslegitimar a Monarquia e a possibilidade de sua perpetuação. Por certo, muitos desses
embates entre republicanos e monarquistas que marcaram esse período de instabilidade
política e institucional, não identificavam a si mesmos como “Guarda Negra” e se originaram
espontaneamente em virtude de interesses políticos específicos. Nada disso impediu, todavia,
que a imprensa formulasse novos sentidos e realidades para esse tipo de manifestação e
difundisse uma determinada visão sobre acontecimentos, na maior parte das vezes, díspares.
Vejamos agora a maneira como a dita corporação foi abordada para as demais localidades
brasileiras.

107
Tribuna Liberal, 15 maio. 1889, p. 03. Conferir ainda: Diário de Notícias, 15 mai. 1889, p. 02.
194
3.3 A Guarda Negra em São Paulo.

No caso de São Paulo, além dos materiais contidos na imprensa, que foram
privilegiados até aqui, investigamos os relatórios dos presidentes de província. A respeito
dessa documentação, é importante salientar que a maioria dos relatórios tratou das tensões
políticas, do processo abolicionista e dos problemas policiais com uma espécie de otimismo
exacerbado, ainda que por ventura citassem confrontos entre monarquistas e republicanos.
Essa característica, completamente compreensível – já que afirmar o contrário era depor
contra sua própria administração –, não reduz a importância desse tipo de material para o
historiador. No caso da província paulista, o relatório desenvolvido por Pedro Vicente de
Azevedo para o ano de 1888, por exemplo, tratou de assegurar a permanência da ordem e
tranquilidade públicas, graças à índole pacífica comum a todos os paulistas, que
demonstravam maior preocupação com o desenvolvimento industrial e com o bem-estar
coletivo do que com ambições e lutas políticas108. Quaisquer distúrbios que, por contradição

108
Relatório apresentado á Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo pelo presidente da província, Dr.
Pedro Vicente de Azevedo. São Paulo: Typ. a Vapor de Jorge Seckler & Comp., 11 jan. 1889, p. 44-45.
Disponível em: http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial. Acesso em: 08/07/2018.
Pedro Vicente de Azevedo, natural de Lorena (SP), era filho do negociante e comendador José Vicente de
Azevedo, e chefe do Partido Conservador de Lorena. Pedro Vicente foi presidente das províncias do Pará, de
195
tivessem ocorrido, eram antes frutos da “índole turbulenta” de pequeno número de indivíduos,
do que resultado de dissidências entre os partidos nacionais “que ambicionam chegar a seus
fins pelos caminhos retos do Justo e do Honesto”.109
Todavia, a continuidade da leitura do relatório nos permitiu perceber certa contradição
em comparação a essa narrativa inicial, pois colocava em evidência algumas tensões
envolvendo republicanos e monarquistas nas ruas da capital paulista. Podemos citar, por
exemplo, os motins do dia 24 de novembro de 1888, quando algumas pessoas “sem distinção
de classe” reuniram-se no Largo de S. Francisco para despedirem-se do 17° batalhão de
Infantaria que se retiraria da província. Ao percorrerem as principais ruas da cidade, cerca de
300 ou 400 indivíduos começaram a dar vivas à República, aos soldados do 17° Batalhão, e
morras à Monarquia. Do ato, se acometeu confronto com paisanos, tendo sucedido número
significativo de feridos e, pelo menos, uma morte. O relatório, apesar de não fazer referência à
organização da Guarda Negra na descrição dessa contenda, deixa evidente que tensões
políticas sucediam na cidade, maquiladas pelas disputas das diferentes facções partidárias que
marcaram o imediato pós-abolição e ajuda a romper a perspectiva, muito difundida pela
imprensa e parte da historiografia, de certa homogeneidade e consenso republicano na região.
Em relação ao balanço dos distúrbios causados no mundo do trabalho pela lei de 13 de
maio, o relatório também demonstrava otimismo e eliminava a menção de qualquer forma de
tensão ou conflito entre ex-senhores e ex-escravizados em São Paulo, em uma espécie de
“felicidade quase miraculosa para a província”. Decorridos 08 meses da referida lei de
libertação, dizia o relatório que nenhuma violação séria da tranquilidade pública e da
segurança individual havia se dado. Nesse aspecto é importante asseverar sobre a maneira
como o relato encarava a culminância do ato de libertação. Nas palavras do então presidente
da província, Pedro Vicente de Azevedo, tratava-se de uma ação combinada de influências
diversas que contavam desde o esforço decidido dos abolicionistas, passando pela libertação
em massa e pela fuga numerosa de escravos, que desamparavam as fazendas dos seus
senhores, até culminar na negação do poder público, em especial dos militares, em capturar os
fugitivos. Todos esses fatos “criavam para a vida social e econômica da província uma

1874 a 1875, Minas Gerais, de 27 de fevereiro de 1875 a 22 de março 1875, Pernambuco, de 1886 a 1887, e de
São Paulo, de 23 de junho de 1888 a 11 de abril de 1889. Foi também vereador e participou da 1ª eleição, em
1899, indireta e realizada na Câmara dos Vereadores, para a escolha do prefeito da cidade de São Paulo. O eleito
foi Eduardo Prado, e Pedro Vicente ficou como vice-prefeito da cidade de São Paulo de 1899 a 1904. Foi
também sócio fundador do IHGSP.
109
Relatório apresentado á Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo pelo presidente da província, Dr.
Pedro Vicente de Azevedo. São Paulo: Typ. a Vapor de Jorge Seckler & Comp., 11 jan. 1889, p. 44-45.
Disponível em: http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial. Acesso em: 08/07/2018.
196
situação perigosa e intolerável, de que era urgente sair.” A lei de 13 de maio, portanto, foi
encarada como forma de se restabelecer a ordem pública que vinha sendo perturbada, de
modo a garantir o futuro do país ameaçado.110
A abolição era encarada, portanto, como a resolução de um problema social que
tornava insustentável a indústria agrícola. Nesse sentido, o presidente da província afirmava
que, ao contrário do que se acometia antes do 13 de maio, “as famílias habitam hoje,
desassombrosamente as fazendas”, mantendo as colheitas de forma regular devido “a
facilidade com que o lavrador pode encontrar trabalhadores livres”. Sem grandes sobressaltos
para o mundo do trabalho, que, segundo o relatório, se encarregou de operar com calmaria
inesperada a transição para a liberdade, não era de se estranhar que “a tranquilidade e a
segurança nacional, longe de se alterarem, tenham-se consolidado e robustecido”.111
A real ou imaginada calmaria que pairava em São Paulo pela descrição do relatório
oficial do presidente de província, pouco condizia com o que se publicava nos jornais112. Em
se tratando das notícias sobre a atuação da Guarda Negra pelos diversos lugares do Brasil,
verificamos que as informações que mais circulavam, com exceção do Rio de Janeiro, eram a
respeito da província paulista. Nesse sentido, os editoriais variaram entre o apoio e o desprezo
à organização de negros – este marcando a maior parte das publicações. Na Corte e em outras
regiões do Brasil, as notícias informavam com frequência sobre a criação de grupos
semelhantes ou de grupos em repulsa à Guarda Negra nas cidades paulistanas.
Já no início de janeiro de 1889, o jornal carioca Tribuna Liberal, publicava em sua
sessão diária O dia de ontem, informações sobre a criação de uma Guarda Negra na cidade de

110
Idem, p. 144.
111
Idem, p. 145. Sobre a questão da terra é curioso notar que o relatório deixa subentendido a possibilidade de
divisão das grandes propriedades. Ao fim da narrativa o autor declarava que se parte da grande lavoura for
afetada e não se puder manter, esta deverá ser substituída pela “multiplicidade de pequenas indústrias agrícolas,
que se constituirão o receptáculo da atividade de muitos indivíduos”, uma vez que os benefícios dos grandes
domínios territoriais eram muito contestáveis: “não passam de extensas reservas do fazendeiro, que nunca teve
braços suficientes para as cultivar”, sendo sua realidade útil “nenhuma!”. Era mister, portanto, “obrigar o
proprietário a dividir essas terras, a constituí-las em lotes de pequenas dimensões, para que possam ser cultivadas
(...)”. Idem, p. 145.
112
O relatório do ano de 1889, em virtude da mudança de regime político, provavelmente não foi elaborado, já
que não consta no acervo, assim como o relatório de inúmeras outras Províncias no mesmo período. No ano
seguinte, 1890, não aparece nas páginas do documento paulista, elaborado pelo então governador Prudente de
Moraes, nenhuma referência a Guarda Negra ou a conflitos do tipo, que envolvessem qualquer forma de
resistência monarquista. Apenas asseverava-se sobre a insuficiência da força policial, devido a seu baixo número
de permanentes, o que tornava ineficiente o policiamento regular da capital e dos municípios do estado.
Contraditoriamente, salientava-se o fato de que a tranquilidade pública não vinha sendo perturbada, mesmo no
“período revolucionário” que atravessava o país. Há apenas referência a diversos conflitos entre operários e
trabalhadores das obras do cais e soldados da polícia, resultando de um desses embates, inclusive, uma morte.
Cf. Exposição apresentada ao Dr. Jorge Tibiriçá pelo 1° governador do estado de São Paulo, Dr. Prudente de
Moraes. São Paulo: Tip. Vanorden & Comp.,18 out. 1890, p. 07. Disponível em: http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/s%C3%A3o_paulo. Acesso em: 14/07/2018.
197
São Paulo, tal como já se havia formado em Campinas e Piracicaba, “à imitação do que,
infelizmente, existe na Corte”113. Simultaneamente, a artigo nos informava que grupos de
homens de cor teriam se reunido em oposição a essas organizações “funestas e
perigosíssimas” que já vinham “tomando proporções alarmantes”. A coluna difundia ainda a
notícia de que grande parte dos homens de cor paulistas teriam se reunido no teatro
Polytheama, em Jundiaí, para se organizarem contra tal corporação e contra o recrutamento
obrigatório. Nesse mesmo dia o jornal publicava a íntegra do telegrama paulista enviado no
dia 08 de janeiro:

Tentam aqui organizar uma Guarda Negra, já formada em Campinas e em


Piracicaba. Muitos homens de cor se reuniram hoje aqui e protestaram contra
esse fato. É de perigosas consequências o apoio prestado pelo governo a
essas excrescências sociais, que ameaçam a ordem pública. Cumpre profligar
com energia esse erro do governo. A reação é inevitável por parte dos
brancos. 114

Além da Tribuna Liberal, o jornal Gazeta da Tarde publicou informações sobre o


mesmo acontecimento. Em suas páginas podemos ler a íntegra da referida moção organizada
pelos homens de cor paulistas em oposição a Guarda Negra. Através dela eles reconheciam
que a abolição do elemento servil havia sido feita unicamente em virtude dos esforços
populares e, por isso, não estavam dispostos “a auxiliar a quem quer que seja no plano de
dividir o país em castas, plantando os ódios de raças no solo da nossa pátria” 115. Segundo o
editorial, esses homens de cor haviam declarado que, sob qualquer condição, estariam ao lado
do povo, pois eram homens de razão e entendimento, detentores de seriedade e elevação
moral, ao contrário daqueles que se amotinavam em torno da manutenção do Terceiro
Reinado.116
Assim como os periódicos supracitados, a Gazeta de Notícias publicou dias antes – em
07 de janeiro de 1889 – referência a um telegrama vindo de São Paulo, o qual também
informava sobre a moção organizada por homens de cor paulistas no Teatro Polytheama em
oposição à Guarda Negra. Nesse mesmo telegrama o editorial fazia circular a informação de
que o chefe abolicionista Antônio Bento havia declarado que não tomava parte direta ou
indireta na dita organização, já que ainda não tinha ponderado sobre qual atitude tomar em

113
Tribuna Liberal, 08 jan. 1889, p. 02.
114
Idem.
115
Gazeta da Tarde, 09 jan. 1889, p. 02.
116
Idem.
198
vista dos acontecimentos recentes relativos à 30 de dezembro do ano anterior 117. No mesmo
dia, novo telegrama recebido de S. Simão (SP) anunciava possibilidades de agressões entre
republicanos e monarquistas em uma conferência de Francisco Glicério, onde se aprovou a
ida de reforços policias para a região, tendo em vista a participação de Campos Salles e
Rangel Pestana em discurso oposicionista ao governo imperial.
Pudemos notar que as notícias sobre o referido encontro de homens de cor paulistas
contrários à organização da Guarda Negra no Polytheama correram pela imprensa de todo o
país, principalmente entre os jornais de filiação republicana. No norte, o jornal maranhense O
Novo Brasil118, fazia circular uma carta vinda de São Paulo em 07 de janeiro, na qual se
confirmava a noção de que os negros paulistas não teriam recebido com bons olhos à ideia de
uma filial da Guarda Negra em sua província119. Sem assinatura, a correspondência atestava
que os redimidos de 13 de maio, em São Paulo, teriam logo compreendido que seus irmãos de
cor cariocas estavam sendo explorados e manipulados pelo governo e pela ganância de alguns
indivíduos. Em contraste, os paulistas vivenciavam um “espírito de confraternização entre
pretos e brancos”, característico da grandeza do seu povo. Na visão do correspondente, tal
sentimento harmonioso seria fruto das ideias republicanas há muito implantadas e
consolidadas na província, o que teria permitido aos pretos paulistas a coerência necessária e
o patriotismo suficiente para entender o papel pueril do governo monárquico na reforma
servil, não lhe devendo, portanto, nenhuma espécie de gratidão.
Em 15 de janeiro, nova referência à congregação de homens de cor da província de
São Paulo contrários à Guarda Negra era noticiada. Dessa vez, falava-se em torno de 500
homens reunidos na cidade de Santos, entre os quais Quintino de Lacerda, Eugênio Wansuit e
Beneticto Ramos. Em menção ao líder do antigo quilombo do Jabaquara, o editorial de 16 de
janeiro prosseguia afirmando que:

117
Gazeta de Notícias, 07 jan. 1889, p. 02. A mesma informação circulou também no Jornal do Recife, no dia 18
de janeiro de 1889. O artigo confirmava a existência de uma numerosa reunião de homens de cor em São Paulo
contra a associação da Guarda Negra e o recrutamento obrigatório. Informava ainda que a convocação havia sido
organizada por meio de um boletim assinado por uma comissão composta por seis homens de cor e que grande
número de cidadãos não havia comparecido ao protesto em virtude do receio de serem recrutados. Reafirmava
também o discurso de neutralidade e indecisão a respeito da Guarda Negra por parte de Antônio Bento. Cf.
Jornal do Recife, 18 jan. 1889, p. 01. O periódico circulante no Maranhão intitulado Pacotilha, estampou
informações muito semelhantes à que o Jornal do Recife em publicação sobre a reunião dos homens de cor
paulista. Cf. Pacotilha, 28 jan. 1889, p. 03.
118
O Novo Brasil foi um jornal maranhense, declaradamente republicano, fundado em julho de 1888. Após a
instauração da República, ainda em 1889, passou a trazer impresso o subtítulo: “jornal oficial do governo do
estado” e o nome de seu diretor: Satyro de Antonio Faria. De vida curta, o periódico desapareceu nesse mesmo
ano.
119
O Novo Brasil, 06 fev. 1889, p. 04.
199
(...) esse negro vê mais longe do que os linces que vão na frente do povo
dizendo dirigi-lo e encaminhá-lo para o Bem e para a Felicidade;
compreende que seria um crime a luta fraticida que se está preparando e, na
sua intuição rude, mas clarividente, confia mais na indefectível força das leis
evolutivas (...). 120

Apesar de, aparentemente elogiar o talento natural de Quintino de Lacerda para


vislumbrar as tentativas de manipulação dos libertos por parte do governo imperial e de seu
ministério conservador, o editorial não abandonava perspectivas preconceituosas a cerca desse
próprio negro, ao atestar a rudez natural de sua raça. O artigo seguia no apelo pela
fraternidade nacional e asseverava sobre os riscos que esse tipo de associação poderia
deflagrar, artifício usual da retórica jornalística. Apelava ainda para a ideia de progresso que
estaria sendo freada pela luta fraticida entre negros e brancos e, mais especificamente entre
libertos e livres.121 Nesse sentido, “os pretos de Santos” eram como que um exemplo de
probidade cívica e amor patriótico e, por isso mesmo, deveriam se espalhar por todo o país.
Somente dessa maneira a obra colossal do 13 de maio estaria garantida.
A Gazeta de Notícias fazia referência ao mesmo acontecimento, porém registrava um
número menor de assinaturas – cerca de trezentas – contra o recrutamento e os procedimentos
da Guarda Negra122. A informação circulou ainda pelo Jornal do Recife que confirmou a
presença de aproximadamente 300 homens de cor, que reunidos em assembleia especial
declararam reconhecer a abolição como fruto de esforços populares que se impuseram à
Coroa e que se consideravam parte integrante do povo brasileiro e, por isso, se mostravam
contrários aos aliciadores de seus irmãos de raça para a formação da Guarda Negra, vista
como o início de uma guerra civil produzida por ódios fraticidas123. O editorial fazia menção a
informações publicadas pelo periódico a Província de São Paulo que atestava ainda a
presença de alguns dos heróis de Capivary, da célebre jornada do Cubatão, no referido
encontro.124

120
Gazeta de Notícias, 15 jan. 1889, p. 02.
121
“Os que hoje fazem tal propaganda antipatriótica, os que hoje armam os libertos contra os livres, são os
mesmo que ainda ontem protestavam com a fagulhenta indignação contra o emprego das expressões liberto e ex-
escravo! Que incoerência!” Tribuna Liberal, 16 jan. 1889, p. 01/02.
122
Gazeta de Notícias, 15 jan. 1889, p. 02.
123
Jornal do Recife, 29 jan. 1889, p. 01.
124
Localizada na Serra do Mar, Cubatão era uma região de quilombolas, de difícil acesso e rota de fuga dos
escravos que vinham do interior, perseguidos pelo capitão-do-mato, em direção a Santos. No caso da retirada de
escravos da fazenda de Capivari, no interior de São Paulo, e no confronto com a polícia, este acontecimento foi
narrado por Evaristo de Moraes e consta no verbete Retiradas, do Dicionário organizado por Clovis Moura.
Conferir: MOURA, Clovis. Dicionário da Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: EDUSP, 2004, pp. 354-355
(Retiradas).
200
A respeito do documento publicado pelo periódico a Província de São Paulo, Pedro
Figueiredo Alves da Cunha destacou que o mesmo era uma carta do líder negro de Santos,
Eugênio Wansuit, um ex-combatente da Guerra do Paraguai. Para Pedro Figueiredo,

o teor dessa carta supera a simples rejeição à formação de guardas sob a


tutela da elite, indicando uma profunda percepção do líder negro sobre os
acontecimentos mais recentes, ou seja, sobre a natureza da própria Abolição.
Para ele (Wansuit), os verdadeiros heróis do movimento abolicionista na
província se fizeram no “Cubatão”, ou seja, nas disputas entre capoeiras e
valentões de Santos com capitães do mato e soldados, com o intuito de
permitir fugas de cativos pela Serra do Mar. De outra parte, os ataques aos
monarquistas na figura da regente ou de seu consorte estrangeiro revelam
limites à ideia já tão propalada da simpatia dos ex-escravos pelo regime
monárquico e suas figuras. Somado a isso, voltando à questão da formação
de uma Guarda Negra, a carta indica que havia efetivamente pessoas
tentando formá-la, mas essas não seriam as lideranças tradicionais, como o
próprio Wansuit ou os lideres quilombolas de Santos (grifo nosso). 125

Sobre esse aspecto cabe ressaltar que o historiador George Andrews formulou a
hipótese de que uma Guarda Negra paulista jamais teria se formado, apesar de algumas
tentativas regionais, em virtude de uma trajetória republicana mais consolidada na região, o
que se somava ao fato de possuir uma população menor quando comparada a do Rio de
Janeiro. Apesar disso, o autor afirma que o sentimento monarquista estava presente entre os
homens de cor paulistas, o que ele ratifica através de notícias de organizações e clubes
monarquistas entre a comunidade negra126. De fato, pelos artigos encontrados em nossa
pesquisa notamos um número muito maior de relatos sobre ações de libertos e negros em
oposição à associação da Guarda Negra do que a seu favor na província de São Paulo; no
entanto, também vislumbramos algumas referências à formação desse grupo monarquista,
como nos casos de Piracicaba, Campinas, Jundiaí ou da própria capital paulista.
Retornando ao evento envolvendo Quintino de Lacerda, seu feito reverberou ainda em
Sergipe, o que atestamos através de análises nas páginas do jornal O Republicano127. Agindo
de maneira a levantar a honra de sua raça, em contraposição ao que faziam os integrantes da
Guarda Negra, que atuavam motivados pela mentira e hipocrisia, o artigo frisava no protesto
encabeçado pelo líder sergipano do Quilombo do Jabaquara contra a dita associação de

125
CUNHA, Pedro Figueiredo Alves da. Capoeiras e valentões na História de São Paulo (1830-1930).
Dissertação (Mestrado em História Social). São Paulo: FLCH/USP, 2011, pp. 213-214.
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-11092012-105013/pt-br.php
126
ANDREWS, George Reid. Negros e brancos em São Paulo (1888 – 1988). Tradução de Magda Lopes;
revisão técnica e apresentação de Maria Ligia Coelho Prado. Bauru: EDUSC, 1998, p. 81.
127
O Republicano (SE), 24 fev. 1889, p. 01.
201
negros, valorizando a criação de uma Guarda Cívica de São Paulo, em oposição ao
movimento monarquista. O artigo apelava ainda para uma lista de conflitos envolvendo a
Guarda Negra em todo o país conclamando o povo nortista a sua hereditariedade democrática
holandesa e o patriotismo de Frei Caneca, de modo a não deixarem os sentimentos
fomentados pelas ações da Monarquia se expandirem pela província.128
No Espírito Santo, em Cachoeiro de Itapemirim, as notícias paulistas também
marcaram presença. Lá a imprensa republicana, através do jornal O Cachoeirano, se mostrou
solidária à reunião dos homens de cor santistas em contraposição às ações da Guarda
Negra129. O artigo reproduzia a versão já narrada anteriormente, confirmando o número de
500 pessoas presentes e a assinatura de uma monção, reeditada pelo jornal. Reforçava ainda o
entusiasmo da população que aplaudia estrepitosamente os discursos proferidos e aclamava a
todos os oradores, em unanimidade. A presença do líder do quilombo do Jabaquara, Quintino
de Lacerda, foi igualmente anunciada. O artigo se encerrava com uma espécie de apelo para
que todos os homens de cor seguissem o modelo paulista, combatendo “o modo capcioso
porque os monarquistas procuram iludir os 13 de maio”. Prenunciava ainda que, muito em
breve, a Guarda Negra desapareceria e a Monarquia veria o “feitiço virando contra o
feiticeiro”.
Alguns dias depois do ocorrido na cidade de Santos, a Tribuna Liberal voltava a
publicar correspondência paulista, enviada no dia 09 de janeiro, na qual as ações da Guarda
Negra eram reportadas. Em destaque estavam as consequências do confronto de 30 de
dezembro do ano anterior, ocorridos no Rio de Janeiro, caracterizado como uma “farsa
violenta que envergonhou a capital do império”. Nessa publicação, a finalidade do governo
em relação às manifestações da corporação de negros estava dada:

O governo fomenta motins nas sombras, para ostensivamente os sufocar:


com isso, por um lado amedronta o soberano para assegurar-lhe confiança; e
por outro lado amedronta os capitalistas, agricultores e classes médias
sociais, que diante da ameaça de motins preferirá, naturalmente, pôr-se ao
lado dos que os sufocam.130

128
Novas informações sobre esse acontecimento reaparecem em publicação posterior que reproduz um telegrama
vindo de São Paulo com comunicados muito parecidos com os que haviam saído pela Gazeta de Notícias.
Reforçava-se, no entanto, a valorização da origem de Quintino de Lacerda enquanto sergipano. Cf. O
Republicano (SE), 24 fev. 1889, p. 03.
129
O Cachoeirano, 27 jan. 1889, p. 02. Novas informações vindas se São Paulo foram publicadas pelo jornal
capixaba em 17 de fevereiro de 1889. Tratava-se parabenizar a vitória do candidato liberal Ferreira Braga que
contou com o apoio do partido republicano. Em meio a essa notícia, o artigo confirmava que a Guarda Negra de
São Paulo seria arregimentada por Antonio Prado, chefe do partido conservador dessa mesma província. Cf. O
Cachoeirano, 17 fev. 1889, p. 02.
130
Tribuna Liberal, 13 jan. 1889, p.01.
202
Em outras palavras cabia ao governo insuflar essas conturbações para dar
prosseguimento e sustentação a seu poder. A mesma correspondência aproveitava a ocasião
para noticiar a respeito dos conflitos ocorridos em São Simão e Bragança, “à semelhança do
que havia se dado na Corte” e terminava fazendo um apelo à sociedade: “a consequência será
a guerra civil se o imperador não enxergar com a clareza de outrora a perigosa situação do
presente”.131
A aparente neutralidade e apatia de Antônio Bento publicada pela imprensa em relação
à Guarda Negra, não parece ter durado muito tempo. Em coluna intitulada “Interior”, a Gazeta
da Tarde republicava uma edição da Folha de São Paulo informando sobre a convocação de
uma reunião organizada pelo próprio abolicionista, em Piracicaba, com o intuito de formar
uma Guarda Negra na região132. Com tom de chacota, o editorial informava que apenas cinco
pretos haviam comparecido ao local, o que significava que os libertos paulistas teriam
conquistado a consciência de cidadãos e abdicado da condição de exploração que os
transformara em instrumento de manipulação. A tentativa de Antônio Bento de organizar um
grupo de libertos semelhante ao da Corte, segundo a publicação, não passava de uma maneira
de procurar uma nova ideia para lhe servir de bandeira, uma vez que a abolição já havia sido
conquistada e o grande abolicionista se tornara figura do passado, com seu valor político
nulificado. Uma vez vencida a causa abolicionista, já não havia a necessidade de continuar
essa luta sem sentido que só fazia crescer no país os ódios de raça. A ideia central era a de que
o movimento abolicionista – ou partido político abolicionista, como o próprio artigo intitulava
– teria findando juntamente com o desfecho do sistema escravista no país. Os que se diziam
“soldados da redenção do negro” e que antes batalhavam pela mesma bandeira, encontravam-
se agora divididos entre republicanos, conservadores ou liberais, já os homens de cor não
tiveram tempo para introjetar a magnitude da transformação social que lhes atingira e, por

131
Idem.
132
Gazeta da Tarde, 20 mar. 1889, p. 01. O jornal maranhense O Novo Brasil (MA) também anunciava com
desgosto a iniciativa de alguns isabelistas de Piracicaba para a formação da Guarda Negra. A notícia, no entanto,
não concedia o protagonismo do movimento à Antonio Bento, apenas afirmava que os negros se apoderaram do
seu nome para se acobertarem. Confirmava as mesmas informações publicadas pela Gazeta da Tarde e pela
Folha de São Paulo de que apenas cinco pretos teriam comparecido ao local marcado. Contraditoriamente,
narrava sobre bandas de música percorrendo as ruas da cidade e queimação de fogos e foguetes no teatro, onde
teriam combinado o dito encontro de formação da Guarda Negra. O pequeno artigo expõe ainda que entre os
promotores e oradores do evento, figuravam “o escrivão da coletoria, o filho do delegado Rocha, o advogado N.
Tolentino e J. Luiz”. Cf. O Novo Brasil, 15 abr. 1889, p. 04. A Revista Sul-Americana, publicada no Rio de
Janeiro, confirmou as informações de que Antônio Bento teria sido o responsável por chamar às armas a Guarda
Negra paulista. No entanto, a tentativa malograra, já que apenas “uns cinco ou seis vagabundos” teriam
comparecido ao local marcado. Revista Sul-Americana, 15 mar. 1889, p. 06.
203
isso, não conseguiam ainda “ser coisa nenhuma”, apenas trabalhavam para o seu bem estar e o
de sua família.
A manifesta tentativa de formação da Guarda Negra na cidade de Piracicaba em março
de 1889, não foi a primeira. Ainda em janeiro do mesmo ano, o jornal Diário de Notícias
confirmava que uma associação intitulada Guarda Negra Isabel a Redentora havia se
formado na referida cidade paulista. Essa informação vinha em conjunto a um telegrama que
transmitia a ideia de que os organizadores do dito grupo teriam sido convidados a comparecer
à polícia, tendo o delegado aconselhado a eles que não levassem a frente o projeto em
questão. Contrariando esse pedido, o artigo informava que muitos artistas, alguns negociantes
e demais tipos de pessoas teriam se filiado à referida Guarda Negra133. Essa mesma
informação surgia estampada nas páginas do Cidade do Rio, que garantia ainda ser
avultadíssimo o número inicial de associados e que, em breve, a organização faria uma
passeata pelas ruas da cidade134. A folha paulista O Federalista também estampava
referências à organização de uma Guarda Negra em Piracicaba. A notícia afirmava que o
governo, na falta de exército organizava cidadãos ilegalmente armados para perseguir
republicanos e fazer “aqui na província, os mesmos desacatos que praticou no Rio de
Janeiro”.135
Todavia, alguns dias depois, o periódico carioca, Novidades afirmava que a Gazeta de
Piracicaba havia informado que a notícia sobre a fundação de uma Guarda Negra na região
não era ainda exata e definitiva136. Entretanto, tudo indicava que esse modelo de corporação já
havia se espalhado por toda a província de São Paulo. Em nova publicação o Diário de
Notícias voltava a noticiar que outra organização da Guarda Negra havia se originado em
mais um local, dessa vez em Jundiaí. Nesse ensejo, os libertos teriam aproveitado para
aclamar vividamente o líder abolicionista Antônio Bento.137
Se o modelo de corporação de negros libertos para sustentáculo da Monarquia se
espalhava por São Paulo138, também o faziam as manifestações e reuniões de homens de cor

133
Diário de Notícias, 08 jan. 1889, p. 02.
134
Cidade do Rio, 05 jan. 1889, p.02. Informações sobre a criação de uma Guarda Negra em Piracicaba fluíam
também para o Maranhão: Assim noticiava o jornal Pacotilha: “Não é somente na Corte, não é somente em
Campos que se organizou a Guarda Negra. Em Campinas e em Piracicaba, em S. Paulo, dá-se igual
organização”. E logo em seguida confirmava: “Em Piracicaba fundou-se uma associação com o título – Guarda
Negra da Redentora. É avultado o número de associados”. Cf. Pacotilha, 07 fev. 1889, p. 03.
135
Artigo republicado pelo jornal A Pacotilha. Cf. A Pacotilha, 07 fev. 1889, p. 03.
136
Novidades, 12 jan. 1889, p. 01.
137
Diário de Notícias, 09 jan. 1889, p. 01.
138
Ao contrário do que ocorria em São Paulo capital, Campinas, Jundiaí, Piracicaba e em outras localidades
paulistas, em São José dos Campos, a imprensa assegurava que a Guarda Negra ali não havia ainda chegado. O
204
que propunham o contrário. Em Santos, por exemplo, um editorial intitulado “Macaquinhos
no Sótão” narrava as relações entre os libertos locais e a Guarda Negra. O editorial, assinado
por José Telha, afirmava que os negros santistas, de modo geral, não estavam de acordo com
o grupo de libertos da Corte. O autor deixava claro, no entanto, que considerava mais natural
o que faziam os homens de cor que apoiavam o grupo monarquista. Apesar disso, condenava
as ações de distúrbio e violência, vistas em 30 de dezembro de 1888. Entendia que, quando a
associação se reunia para gritar em prol da princesa e do Império ela estava certa no seu
papel, mas quando partia para a agressão, apenas jogava contra si mesma. Utilizando de uma
fala ao mesmo tempo irônica e crítica, o autor do artigo nos informa que antes de virar notícia
nas páginas dos jornais, graças ao confronto do Clube Ginástico Francês, “toda a gente sabia
da existência da guarda negra e não se incomodava. Desse dia em diante, há quem pense que a
guarda é um perigo”.139
Em se tratando da reação dos libertos santistas à corporação dos negros monarquistas,
o autor considerava pouco natural suas atitudes, que menosprezavam o papel das instituições
no processo libertador e apenas validavam as ações populares na conquista da liberdade. A
esse respeito José Telha afirmava:

Eu também acho que os pretos paulistas, retirando-se em massa das


fazendas, em boa ordem, e coçando a polícia pelo caminho, pesaram mais
que tudo na balança; mas nem por isso me esqueço que, depois de todo esse
esforço, ainda o governo de então fez-se de tolo e ficou a ver em que
paravam as modas. Se a Princesa Imperial (...) não tivesse chamado o Sr.
João Alfredo, ainda a escravidão duraria alguns meses e, talvez, custasse
muita desordem. 140

Em consonância com o que havia sido descrito no relatório de presidente da província


de 1888, o autor do artigo ratificava a visão de que a abolição foi parte de um processo que
envolveu múltiplas forças e variadas ações políticas e sociais, ainda que destacasse o papel
das instituições. Da mesma maneira interpretava o ato de libertação como o fim de um
período de desordem que havia caracterizado as terras paulistas, principalmente a partir de
1885. O que incomodava o autor do texto, no entanto, era a sensação de incongruência que lhe
conferia o fato de ex-senhores de escravos e negros libertos pela lei de 13 de maio levantarem
a mesma bandeira contra a Guarda Negra e o governo imperial. Essa incongruência só poderia

que garantia a informação era o fato de que na região as manifestações entre monarquistas e republicanos se
davam sempre de forma pacífica. Jornal do Recife, 20 fev. 1889, p. 01.
139
Gazeta de Notícias, 18 jan. 1889, p. 01.
140
Idem.
205
ser explicada por uma visão equivocada do ato de libertação de algumas das partes: “O ato
não pode ter sido igualmente mau para uns e para outros; se foi o esforço popular [quem
promoveu a abolição], não há razão para que os fazendeiros se queixem da princesa; se foi a
Princesa, quem não se deve queixar são os pretos”141. Em outras palavras, era obvio para o
autor que se os ex-senhores estavam se filiando, aos montes, ao partido republicano e lutando
contra a regente do trono, nada mais natural para os escravizados do que se prostrar em apoio
ao Terceiro Reinado.142
No mesmo mês de janeiro, O Diário de Santos também anunciava que a população
local condenava as ações da Guarda Negra e clamava por garantias de liberdade, pelo fim das
práticas criminosas promovidas pelas autoridades superiores e por maior autonomia
administrativa. Segundo a folha, a situação dos libertos deveria ser tratada de maneira
urgente, com o intuito de evitar que em Santos se repetisse o que já vinha acontecendo no Rio
de Janeiro. De acordo com o editorial, a gratidão eterna e infundada ao Ministério 10 de
março não fazia sentido e não devia ser suficiente para manter um gabinete corrupto e
incompetente. Por isso, a necessidade de pôr fim ao regime atual era imediata, sob a pena de
se expandir pelo país a fora as tristes cenas cariocas143. Alguns dias depois a imprensa voltava
a noticiar que palavras de ordem contra a Guarda Negra puderam ser ouvidas nas ruas da
cidade santista, após uma conferência republicana de Barata Ribeiro, onde o povo saíra aos
gritos de “viva a República” e “morra a Monarquia e a Guarda Negra”.144
Em Campinas também se viam ações em detrimento da Guarda Negra, o que foi
constantemente noticiado pelos jornais da Corte. Ainda em janeiro de 1889, no dia 21, a
Gazeta da Tarde reproduzia notícia publicada pelo Diário do Rio Claro, confirmando que há
poucos dias no Largo de São Bernardo, os homens de cor haviam se organizado em festas e
dado declarações em oposição à Guarda Negra, chegando um deles a afirmar que os pretos
que pertenciam a essa associação mereciam “tronco, ferro e bacalhaus” 145. Nova publicação,
reproduzida do Diário de Campinas, deixava evidente a circularidade de informações sobre a

141
Idem.
142
Novo protesto contra os intuitos da Guarda Negra e o recrutamento militar obrigatório surgia na cidade de
Santos em fins de janeiro de 1889. Quem divulgava a informação era o jornal carioca Gazeta de Notícias. Gazeta
de Notícias, 29 jan. 1889, p. 02.
143
O artigo publicado pelo Diário de Santos foi reeditado pelas páginas do Jornal do Recife. Cf. Jornal do
Recife, 25 jan. 1889, p. 01.
144
Gazeta de Notícias, 17 fev. 1889, p. 02.
145
Gazeta de Notícias, 21 jan. 1889, p. 01.
206
Guarda Negra na imprensa146. O artigo do periódico paulista fazia referência aos confrontos
cariocas ocorridos no dia 30 de dezembro do ano anterior nas ruas do centro da cidade e
apontava para os riscos de desordem e ameaça à livre manifestação que a associação de
negros poderia desencadear. No decorrer do texto aparecia a noção, já largamente
propagandeada, de que a Guarda Negra teria se formado logo após o ato de libertação geral
dos cativos, sem nenhum motivo lógico, uma vez que a princesa e a Monarquia não corriam
risco iminente de nenhuma das classes sociais. A abolição, segundo o editorial, teria sido um
ato por todos desejado e festejado, sendo já um fato consumado, fruto da legítima vontade
nacional, sem riscos de retrocesso. Na realidade, a ideia transmitida partia do pressuposto de
que a criação da corporação nem seria fruto da iniciativa espontânea dos libertos, e sim, o
resultado de instigações e esforços de pessoas que buscavam utilizar os ex-escravos como
instrumentos, explorando sua ignorância, sob o consentimento e aprovação do governo. Vê-se
por aí que as percepções acerca da Guarda Negra pouco mudavam de um lugar para outro.
Reproduziam-se as ideias de que o grupo era composto por indivíduos manipulados e,
portanto, aptos a qualquer tipo de ação, mesmo violentas, e que o governo e alguns
abolicionistas estariam envolvidos como as verdadeiras lideranças desses procedimentos.147
Nova reunião entre os homens de cor de Campinas era anunciada, dessa vez pela
Gazeta de Notícias, em 15 de fevereiro de 1889. A data era uma sexta-feira e antecipava
informações sobre o encontro que se daria no próximo domingo, quando os libertos se
reuniriam em protesto contra a criação da Guarda Negra148. A mesma informação foi
transmitida pela Gazeta da Tarde e pelo Diário de Notícias149 e, alguns dias depois, a Tribuna
Liberal publicava nota sucinta sobre o dito movimento: “Houve ontem uma reunião de
homens de cor na qual fez-se um protesto contra a Guarda Negra e o recrutamento, afirmando
que não obedeciam, assim procedendo, a intuitos políticos.150
Ainda em Campinas, verificamos a ocorrência de outro encontro de libertos contra a
Monarquia. Era uma terça-feira chuvosa, e aproveitando os festejos em homenagem a São
Benedito, os homens de cor reuniram-se para protestar contra a Guarda Negra e o
recrutamento forçado. Entre os oradores encontrava-se Albino Aranha, Francisco Gonçalves
de Andrade e Irineu Augusto da Silva. Seus discursos clamavam contra “os intuitos daqueles

146
O Diário de Campinas foi lançado em 19/09/1875, e constituiu-se no primeiro jornal diário de Campinas.
Fora editado por Henrique de Barcelos, ao lado de Moraes Sarmento, Gonçalves Pinheiro e Joaquim de Toledo.
Era defensor do Abolicionismo. www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?down=CMUHE037667
147
Gazeta da Tarde, 29 jan. 1889, p. 01.
148
Gazeta de Notícias, 15 fev. 1889, p. 02.
149
Gazeta da Tarde, 15 fev. 1889, p. 02 e Diário de Notícias, 16 fev. 1889, p. 04.
150
Tribuna Liberal, 19 de fev. 1889, p. 02.
207
que querem transformar os pretos em instrumentos de ódios, para fins políticos”.151 Nas
palavras enunciadas, emergia a noção de que os libertos ali reunidos em assembleia buscavam
tratar dos interesses da sua classe e que, por isso, repudiavam taxativamente a chamada
Guarda Negra. Retornavam à percepção de que o processo de abolição foi fruto de uma
conjunção de fatores políticos e sociais entre os quais se destacavam tanto os escravos, como
abolicionistas e a própria Princesa Regente. Nesse ínterim possuía papel primordial as ações
do povo, de modo geral, e do exército, em particular. Dessa maneira, os libertos ali agregados
declaravam dever gratidão a todos “sem distinção de cor política”.

Não nos julgamos obrigados a defender o trono da Sra. Princesa Isabel a


quem votamos respeito igual ao que tributamos a todos quantos, nacionais
ou estrangeiros se empenharam na luta abolicionista. 152

Interessante notar que o protesto recorria à ideia, já debatida no capítulo anterior, de


que aos negros recém-libertos cabia à plena noção de pertencimento à identidade nacional.
Aqueles homens de cor que se posicionavam contrários à Guarda Negra demonstravam que
seus sentimentos de pertença à nacionalidade eram maiores do que uma suposta identidade
racial e, por isso, faziam questão de declarar: “somos brasileiros também e não queremos
ódios de raça (...) saímos do cativeiro e queremos viver como homens livres”.153 Esse trecho
deixa claro que havia, por parte dos negros recém-libertos, um receio a respeito do que o
estigma da cor e do cativeiro poderia lhes oferecer num futuro de liberdade e, nesse sentido,
percebiam que as tensões deflagradas pela associação da Guarda Negra fariam surgir e
insuflar possíveis adversidades e dificuldades para o reconhecimento da sua recente condição
de cidadania. A opção por não se aliar a esse tipo de manifestação foi, portanto, também uma
ação e uma decisão política, tomada conscientemente por pessoas que vivenciavam o recém-
universo de liberdade e julgavam a melhor opção de futuro para si mesmas.

151
Gazeta da Tarde, 26 fev. 1889, p. 02. Essa mesma informação foi publicada pelo Diário de Notícias, porém
de maneira bem mais reduzida. Cf. Diário de Notícias, 22 fev. 1889, p. 02.
152
Idem. O jornal sergipano O Republicano, também fez circular informações sobre esse acontecimento, que
chamou de meeting dos libertos em Campinas. A publicação também destacava a participação de Albino Aranha
e a assinatura de um protesto epigrafado Brado Patriótico, no qual os libertos declararam-se contrários ao
recrutamento e à Guarda Negra. Segundo a notícia publicada, os homens de cor ali reunidos teriam, ainda,
aproveitado a ocasião para aderirem ao partido republicano. Cf. O Republicano, 17 mar. 1889, p. 03. Duas
semanas depois, o mesmo jornal voltava a relatar esse acontecimento, dessa vez confirmando a presença de mais
de 600 homens de cor que “manifestavam a alta compreensão da sua liberdade”, uma vez que serviam para
manter a paz nacional e não “para fazer uma guerra de raças”. O editorial trazia também a transcrição do protesto
elaborado pelos participantes do encontro. Cf. O Republicano, 31 mar. 1889, p. 03.
153
Gazeta da Tarde, 26 fev. 1889, p. 02.
208
Não foi apenas nos grandes centros urbanos ou na capital paulista que os ecos sobre a
associação da Guarda Negra puderam ser ouvidos. A Tribuna Liberal, que publicava no Rio
de Janeiro, garantia que em Casa Branca154, município de São Paulo, uma reunião de homens
de cor havia se dado para também contra a organização isabelista e o recrutamento
obrigatório. Na ocasião falaram dois libertos e os senhores Serpa, Mercado e Silveira. Durante
o encontrou, o artigo confirmava o vivo entusiasmo da população e a manutenção da mais
perfeita ordem.155
A Gazeta de Notícias também publicava sobre esse acontecimento, porém de maneira
um pouco mais detalhada, transcrevendo o abaixo assinado feito pelos libertos do município
em questão. Nele, apareciam noções de que a Guarda Negra merecia a mais severa
condenação por parte dos homens de cor, uma vez que havia sido criada unicamente com a
intenção de perturbação da ordem social, impedindo a livre manifestação da opinião pública e
servindo de instrumento manipulador do governo imperial. Movidos, mais uma vez, pela ideia
de que a abolição teria sido uma conquista do esforço popular, “sem influência do governo ou
do trono”, os negros libertos prometiam jamais fazer parte da dita guarda ou permitir que seus
companheiros a ela se filiassem. Aproveitavam para denunciar em seu abaixo assinado o
recrutamento indiscriminado e autoritário feito pelo governo, em circunstância da ida do
exército para as fronteiras do Mato Grosso. Por fim, agindo em “defesa de nossos interesses e
da tranquilidade pública”, os novos cidadãos negros se prontificaram a formar a Guarda
Cívica da Comarca de Casa Branca para lutar contra os negros monarquistas156. Alguns dias
depois, em 02 de fevereiro de 1889, o mesmo jornal voltava a publicar sobre o feito dos
homens de cor de Casa Branca, reproduzindo o abaixo assinado e desejando que o mesmo
sentimento cívico que tomou conta dos paulistas dessa região se espalhasse por diferentes
pontos do Brasil “em idênticos corpos de resistência à reação monárquica”.157
Bastou que se passassem dois dias para que a reação da Guarda Negra também viesse
em forma de artigo publicado pelo mesmo periódico. Intitulado “Resposta à Guarda Cívica”,
154
Os registros históricos de Casa Branca, como povoação, só apareceram no final do século XVIII. O Distrito
foi criado com a denominação de Casa Branca, por Resolução Regia de 15 de março de 1814 e Alvará de 25 de
outubro de 1814, pertencente ao município de Mogi-Mirim. Uma vez elevado à categoria de vila com a
denominação de Casa Branca, pela lei provincial nº 15, de 25 de fevereiro de 1841, foi desmembrado de Mogi-
Mirim. Passou à condição de cidade pela lei provincial nº 22, de 27-03-1872. Vale ressaltar que o território de
Casa Branca, no século passado, compreendia os atuais Municípios de São Simão, Cajuru, Mococa, Santa Rita
do Passa Quatro, São José do Rio Pardo, Santa Cruz dos Palmares e Caconde.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/saopaulo/casabranca.pdf
155
Tribuna Liberal, 29. Jan. 1889, p. 02
156
Gazeta de Notícias, 31 jan. 1889, p. 01.
157
Gazeta de Notícias, 02 fev. 1889, p. 02. Além desses dois periódicos, a mesma informação saiu publicada no
jornal sergipano O Republicano em 24 de fevereiro do mesmo ano e, novamente em 10 de março. Cf. O
Republicano (SE), 24 fev. 1889, p. 02. O Republicano (SE), 10 mar. 1889, p. 03.
209
datado de 04 de fevereiro e assinado pela “Guarda Negra”, o texto acusava o redator da
Gazeta de Notícias de cometer afrontas, não só contra a organização de negros, mas contra o
governo imperial e à imagem da princesa Isabel. Denunciava que os artigos que criticavam a
corporação e confirmavam a participação de negros em outros grupos, como a Guarda Cívica,
não passavam de blasfêmia, já que na realidade eram escritos por adversários que tinham a
única intenção de se “aproveitar de alguns iludidos”. Nesse interim, lançava a ideia –
contraditória – de que entre os libertos do 13 de maio ainda não tinham homens capazes de
escrever e publicar artigos pela imprensa em conceituados jornais, e que talvez notícias, como
as da Guarda Cívica criada em Casa Branca, não passasse de um mecanismo dos republicanos
do 14 de maio para que os ódios recaíssem contra a raça preta.

Nós, a Guarda Negra, perguntamos: estes artigos serão escritos por nossos
patrícios que há pouco deixaram a corrente do cativeiro? Ou por adversários
que querem aproveitar-se de alguns iludidos? Note bem, a Guarda Negra não
é de facínoras, nem turbulentos; não é de assalariados. A Guarda Negra para
servir não precisa ser recrutada, só basta ser chamada. 158

No dia 11 de fevereiro de 1889, outro município paulista foi perturbado pelas


repercussões da Guarda Negra: Mogi-mirim159. Mais uma vez, a imprensa carioca confirmava
uma grande reunião de homens de cor para que protestassem contra a organização de libertos
fiéis a princesa e contra o recrutamento obrigatório.160 Pouco tempo antes, a Gazeta de
Mogimirim trazia à público os desdobramentos sobre o 30 de dezembro de 1888 que havia
abalado as ruas da Corte. Em seu editorial, insistia-se na neutralidade do jornal que,
supostamente, não estaria filiado a nenhum partido político, querendo apenas “o progresso
local, o respeito à autoridade e a justiça igual para todos”. Nesse sentido é que atestava os
riscos que a associação da Guarda Negra poderia incorrer para o bem estar local e nacional.
Comparando-a com as tropas de janízaros, em referência ao exército da elite Otomana
recrutado entre jovens e crianças cristãs para serem educadas sob os valores muçulmanos, o

158
Gazeta de Notícias, 04 fev. 1889, p. 02.
159
A freguesia foi criada em 1751, desmembrada da freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Campo, atual
Mogi Guaçu. A elevação da freguesia de São José de Mogi Mirim à vila se deu em 22 de outubro de 1769, após
cisão do município de Jundiaí. A vila de São José de Mogi Mirim passou a abranger um enorme território, com
limites no rio Atibaia e no rio Grande, este na divisa entre São Paulo e Minas Gerais. Com o passar do tempo,
foram se formando arraiais e povoados como Franca, Casa Branca, Rio Claro, Mogi Guaçu, Itapira, São João da
Boa Vista, Serra Negra, Pinhal e inúmeros outros. Pela lei nº 17, de 3 de abril de 1849, o presidente da província
de São Paulo, padre Vicente Pires da Mota, elevou a vila de Mogi Mirim à categoria de cidade. Por lei provincial
de 17 de julho de 1852, Mogi Mirim passou a ser sede de comarca.
160
Tribuna Liberal, 13 de fev. 1889, p. 02. A Gazeta de Notícias informou sobre o mesmo acontecimento, assim
como o Jornal do Recife. Cf. Gazeta de Notícias, 12 fev. 1889, p. 02 e Jornal do Recife, 28 fev. 1889, p. 01.
210
artigo enfocava nos riscos que representava delegar a confiança pública à ex-escravos recém-
libertos. Em contínua analogia com o exército de janízaros, o artigo prosseguia: “Foi esta
mesma milícia que, a princípio fiel e subordinada, mais tarde muito poderosa, conspirou
contra a ordem pública (...)”161. Apontava ainda para o enorme crescimento da propaganda
republicana mesmo entre os políticos locais, que já ganhavam espaços nas eleições. Os
“sintomas do futuro” estavam postos e não tardariam com a instauração da República no
Brasil, processo inevitável e condizente com o novo nível de progresso do país, agora livre da
escravidão. De acordo com o editorial, a fragilidade dos ideais que moviam os libertos em
torno da Guarda Negra era tamanha, que uma vez chegado o momento da nova forma de
governo, a dita associação seria, ela mesma, a responsável pela implantação da República no
Brasil, num ato deliberado de traição.
As comparações entre a Guarda Negra e o exército de janízaros foram respondidas por
José do Patrocínio através do Cidade do Rio. Na coluna intitulada “Elas por Elas” no dia 19
de março de 1889, o ilustre abolicionista alegava que detratar a Guarda Negra era moda
nacional, mas compará-la a janízaros era uma “alucinação retórica”, com propósitos
tresloucados e cheios de calúnias.162 No seu melhor estilo crítico e sarcástico, Patrocínio
aproveitava o assunto para retrucar na mesma moeda, argumentando que “os difamadores da
Guarda Negra reconhecem que há também janízaros brancos. São os de pior espécie. (...)
Nascem já com a alma para o ofício”.163 A alegoria era dirigida, obviamente, aos
“republicanos de 14 de maio” que se engajavam e se seduziam pelo novo modelo político,
uma vez que a Monarquia não mais estava disposta a garantir a manutenção de seus interesses
e sua posição de superioridade na estrutura social.

161
Trata-se de um artigo da imprensa de Mogi-mirim republicado pela Gazeta de Tarde. Cf: Gazeta da Tarde, 04
fev. 1889, p. 01. Notícias sobre a dita manifestação dos homens de cor de Mogi-mirim emanaram para o Norte
do país, sendo publicadas pelo Jornal do Povo (PE), circulante em Pernambuco, no dia 07 de março. Cf. Jornal
do Povo (PE), 07 mar. 1889, p. 02.
162
Cidade do Rio, 19 mar. 1889, p. 01.
163
Idem.
211
3.4 Guarda Negra no Espírito Santo.

No estado do Espírito Santo vislumbramos uma rápida referência organização de uma


Guarda Negra local. Ela teria se formado em Cachoeiro de Itapemirim164 e participado de
tensões políticas ainda no final de 1888. As notícias vinham do órgão republicano O
Cachoeirano e denunciavam as atitudes do grupo monarquista, que teriam marcado presença
na cidade quando das festas pelo aniversário de D. Pedro II, no dia 2 de dezembro165. Segundo
a narrativa do jornal, os festejos se deram em frente ao edifício da Câmara Municipal, regado

164
O início do povoamento nessa região possui relação com incursões para a procura de ouro e o aldeamento dos
índios Puris e Botocudos. O desenvolvimento da localidade se deu em virtude da expansão de grandes fazendas
de cana de açúcar e posteriormente de café. Em 1864, Cachoeiro é elevada à categoria de Vila e o ano de 1876
data a criação da Comarca de Cachoeiro de Itapemirim, só elevada à categoria de cidade em 1889.
http://www.cachoeiro.es.gov.br/site1.php?pag_site=CIDADE&subPagina=CIDADE&id1=4HISTOR
165
O Cachoeirano, 02 dez. 1889, p. 01-02.
212
a muita comida, bebida e danças africanas. Tudo corria pacificamente até que os “canibais
depois de estômagos cheios de carne mal cosida (...) atiraram-se a cevar ódios antigos”. A
imponência da manifestação teria atingido o seu ápice a partir das oito horas da noite,
momento em que a Guarda Negra, que acompanhava o monarquista liberal e tenente João
Cândido Borges d’Athayde, começou a insuflar o povo a dar “foras à República”. Os
republicanos que estavam presentes responderam a afronta e desataram a gritar “viva a
República e fora a Monarquia”. Segundo a notícia, nesse instante o tenente Borges cercou-se
grotescamente dos libertos e os fez gritar mais ainda em apoio a Monarquia. Trava-se de um
indivíduo sempre muito respeitado em suas crenças políticas, mas “desde que se animou a ser
o chefe de uma horda ignorante”, deu motivo para que reprovassem suas atitudes. O artigo
relembrava ainda que o tenente, que se dizia líder do grupo de negros, havia sido um grande
possuidor de escravos, sendo inclusive acusado pelo assassinato de um dos seus cativos. “Tal
é o homem que hoje se rodeia da Guarda Negra para acender ódios nesta pequena e limitada
sociedade!”.166
A narrativa do editorial prosseguia, assumindo a, já habitual, noção de que os pobres
libertos não teriam verdadeiro conhecimento sobre os fatos. Era essa ignorância o que os
levava a práticas inconsequentes e imorais. Por isso, eles abandonavam o trabalho nas
fazendas e possuíam verdadeira disposição para a vida libidinosa, ainda mais quando eram
insuflados pelas festas monarquistas, onde tinham livre acesso a foguetórios, alimentos e
muito vinho, o que os fazia repugnar o trabalho “e continuar nesta vida de danças e de serem
monarquistas”.167 O artigo se encerrava num tom de ameaça, confirmando que se os
republicanos quisessem agir, conseguiriam trazer para o seu lado todos os libertos que, por
calor do momento, gritavam pela bandeira do império: “assim como depois da lei de 13 de
maio pululam por aí abolicionistas, também a República terá muitos adeptos de última
hora”.168

166
Idem.
167
Idem.
168
Idem.
213
3.5 A Guarda Negra em Minas Gerais.

Em se tratando da região de Minas Gerais, encontramos um número inferior de


registros sobre a Guarda Negra se compararmos com locais como São Paulo ou Recife –
como veremos adiante. Mesmo assim, sabemos que a corporação de libertos marcou sua
presença em disputas partidárias envolvendo republicanos e monarquistas. Em telegrama
vindo da cidade de Leopoldina para o Rio de Janeiro, por exemplo, existe referência à
169
formação de uma Guarda Negra local. A correspondência era sucinta, mas informava que,
quando da visita de Silva Jardim à Leopoldina, “o chefe da Guarda Negra neste município”

169
Localizada na região conhecida como Sertões do Leste, uma extensa faixa de Mata Atlântica que ia do Rio
Paraibuna e do Caminho Novo até o Rio Doce, atual Zona da Mata Mineira, Leopoldina virou município pela
Lei Provincial n° 666, de 27 de abril de 1854, quando desvinculou-se de Mar de Hespanha. O nome foi em
homenagem à segunda filha de D. Pedro II, e foi uma região produtora de café e com grande contingente de
trabalho escravo. A respeito da população escrava em Leopoldina e outras localidades da Zona da Mata mineira
cf. GUIMARÃES, Elione Silva. Escravos e libertos da Zona da Mata mineira: da luta pela liberdade aos
primeiros anos do pós-emancipação (1870-1900). Revista Científica da FAMINAS. V. 1, N.º 2, maio-ago de
2005, pp. 63-85. https://unifaminas.s3.amazonaws.com/upload/downloads/200910151656391684.pdf. Cf. a Nota
180.
214
teria feito questão de vitoriar o ilustre tribuno170. Podemos citar também um caso ocorrido no
dia 12 de fevereiro de 1889, quando a Gazeta de Notícias reproduziu um telegrama vindo da
cidade de Ouro Preto, então capital da província, informando que conflitos entre libertos e
republicanos haviam acarretado em ferimento ao fazendeiro Leandro Ribeiro e que somado a
ele calculava-se um total de 20 feridos. Segundo as informações, os motivos do conflito
diziam respeito ao fato de que os turbulentos de Joanesia teriam se unido aos negros das
cidades de Borda e Sete Cachoeiras171 e passaram a persuadir “aos libertos que a República os
quer re-escravizar”.172
Poucos dias antes, O Diário de Minas173 já vinha anunciando, com receio e
desconfiança, informações sobre graves conflitos, em vários pontos da província, envolvendo
republicanos e monarquistas. Segundo a notícia, a iniciativa havia partido de desordeiros
incitados pela polícia em Boa Vista, Joanésia, Araponga e Bagres 174. Estes teriam juntado
cerca de 400 homens e, naquele momento, partiam para a cidade de Ferros. A publicação
confirmava ainda que os conflitos envolveram tiroteios e inúmeros feridos. 175 Nova
informação sobre grupos identificados com a Guarda Negra partia do correspondente do
mesmo jornal em São João Del Rei. Este noticiava a suspensão da conferência de Silva
Jardim na região, prevista para o dia 18 de março, pressupondo como motivo a organização da
Guarda Negra local. O editorial ratificava que ela era composta por libertos de 13 de maio,

170
Gazeta de Notícias, 05 mar. 1889, p. 02.
171
Sete Cachoeiras é um distrito do município Ferros, que está localizado à leste de Belo Horizonte (Região das
Vertentes). Ferros, ex-Santana de Ferros, virou vila pela lei provincial nº 3.195, de 23 de setembro de 1884,
separando-se de Itabira, e era constituído pelos distritos de Joanésia (ex-Paraíba do Mato Dentro) e Sete
Cachoeiras, que também pertenciam à Itabira. Após pertencer ao município de Ferros, Joanésia passou a ser
distrito de Mesquita e somente em 12 de dezembro de 1953 se emancipa completamente. No tocante à Bordas,
não sabemos dizer se é Borda do Mato (Sul de Minas) ou outro.
172
Gazeta de Notícias, 12 fev. 1889, p. 02.
173
O Diário de Minas começou a circular em junho de 1888, na cidade de Ouro Preto, e contava com colunistas
respeitados nacionalmente, como Raul Pompéia, Augusto de Lima, Raimundo Corrêa e Lúcio Mendonça. O
periódico possuiu vida curta e em 1889 foi incorporado ao Pharol. Cabe ressaltar que este jornal não tem
nenhuma relação com o de mesmo nome, Diário de Minas, que circulou entre os anos de 1866 e 1878, também
na cidade de Ouro Preto. Cf. MENDES Faria Jairo. O nascimento e a consolidação da imprensa informativa em
Minas Gerais. Revista Dito e Feito, Curitiba, v. 7, n. 11, p. 1-13, jul./dez. 2016.
174
A referência a Bagres diz respeito, provavelmente, a Bom Jesus do Bagre, distrito do município de Belo
Oriente localizado no colar metropolitano do Vale do Aço, onde também se cultivava cana de açúcar e café. A
região de Araponga tem seu povoamento relacionado à exploração do ouro no século XVIII, quando recebia o
nome de Arraial dos Arrepiados. Em 09 de novembro de 1826 foi criada a Freguesia de São Miguel e Alma dos
Arrepiados, pertencente ao município de Viçosa; em 10 de julho de 1886, a Lei Provincial n° 3387 mudou a
denominação da freguesia para São Miguel do Araponga. Em 17 de dezembro de 1938 seu nome foi reduzido
simplesmente para Araponga que passou a ser um distrito do município de Ervália. Finalmente, em 30 de
dezembro de 1962, pela Lei Estadual n° 2764, o distrito de Araponga foi elevado à categoria de cidade.
https://araponga.mg.gov.br/.Em relação a Boa Vista não sabemos de trata-se de Boa Vista de Minas ou Bela
Vista de Minas.
175
Diário de Minas 08 fev. 1889, p. 01.
215
que haviam acordado em fazer uma manifestação hostil à Silva Jardim partindo da estação da
estrada de ferro, de modo a impedir a conferência, o que, a princípio, teria sido bem sucedido.
Outra localidade de Minas Gerais aparecia nas reportagens sobre os tumultos que
envolviam republicanos e monarquistas. Dessa vez, tratava-se da cidade de Serro176, que a
exemplo do que ia acontecendo no Rio de Janeiro e em São Paulo estava sendo palco do
“sistema que ultimamente lançou mão o governo, para abafar o movimento republicano”. O
telegrama enviado para o Jornal do Recife sobre o episódio mineiro foi preciso ao assinalar
que “a Guarda Negra tem tido filiais em algumas províncias”, como era o caso da associação
conhecida como Tocha Vermelha. Todas elas compostas por desordeiros e mantidas pelas
autoridades públicas, atestando o perigo nacional que representava o Ministério 10 de março
para a continuidade da ordem e da paz institucional177. Poucos dias depois, o mesmo jornal
recebia novas informações mineiras e especulava sobre a chegada de um batalhão mandado
pelo governo para resguardar “a ordem perturbada pelos desordeiros que compõem a Guarda
Negra”178. Atestava que após os tumultos verificados na Corte, quando da conferência de
Silva Jardim, havia ocorrido em Mariana confronto ainda mais grave, porém pouco divulgado
pela imprensa. Nessa ocasião a polícia teria, ela mesma, assassinado o republicano José Faria
e atirado contra o povo, num ato deliberado de violência e usurpação do direito de livre
manifestação. A coluna “Notícias Políticas” aproveitava ainda para alardear sobre a
“gravidade assustadora” dos tumultos que vinham envolvendo a corporação de libertos em
todo o país, uma vez que em vez de ser um grupo restrito e espontâneo de alguns fanáticos,
que externavam livremente suas filiações políticas à favor da monarquia, tratava-se de pessoas
ordenadas pelos representantes do poder público, em um ato de emprego da força contra o
direito. Essa forma de repressão aos republicanos também era vista como uma maneira de
evidenciar a fragilidade institucional, o que ajudava a engrandecer e legitimar ainda mais a
propaganda pela República.

176
Situada ás margens do rio Jequitinhonha, o “Arraial do Ribeirão das Minas de Santo Antônio do Bom Retiro
do Serro do Frio” foi fundado em 1702, e seu crescimento e importância esteve relacionado com a descoberta do
ouro e, depois, com os diamantes. Em 1714, foi elevado à vila e município com o nome de Vila do Príncipe pelo
governador Brás Baltasar da Silveira. Em 17 de fevereiro de 1720 passou a ser sede da comarca do Serro do Frio
(Norte-Nordeste da capitania de Minas Gerais). Através da Lei provincial de 06 de março de 1838, foi elevada à
categoria de cidade, com a denominação de Serro. No decorrer do século XIX, a economia do Serro esteve
atrelada a da cidade de Diamantina. Conferir SOUZA, José Moreira de. Cidade: momentos e processos. Serro e
Diamantina na formação do Norte Mineiro no século XIX. São Paulo: Marco Zero,1993. O Serro foi local de
uma revolta escrava em 1864. Conferir: MOTA, Isadora Moura. “A Galinha estava morta e pronta e só faltava
assar-se”: A Revolta Escrava do Serro (Minas gerais, 1864). História Social, Campinas-SP, Nº 12, 35-51, 2006.
https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/viewFile/195/187
177
Jornal do Recife, 09 fev. 1889, p. 01. Esse evento ocorrido na cidade mineira de Serro também foi
confirmado pela Gazeta do Sertão em 15 de fevereiro de 1889. Cf. Gazeta do Sertão, 15 fev. 1889, p. 01-02.
178
Jornal do Recife, 12 fev. 1889, p. 01.
216
Em primeiro de março de 1889, a Gazeta da Tarde republicava uma coluna escrita por
Aristides Lobo no Diário Popular (RJ), na qual se constatava, mais uma vez, o receio das
ações de libertos mineiros, em virtude dos telegramas enviados da província de Minas Gerais
que anunciavam os distúrbios envolvendo a Guarda Negra na região 179. Especialmente nas
cidades de Ponte Nova e Conceição180, o “novo mecanismo político”, baseado no uso da
“capangagem organizada” já havia sido lançado contra os republicanos. Para o autor, tratava-
se de repetir em outras localidades do Brasil, o mesmo projeto que já tinha dado resultado na
Corte, através da manipulação de “assassinos assalariados do governo”. Isso se constatava
pelo fato de que a desordem já se encontrava espalhada pelas cidades de Joanesia, Anta,
Araponga, Bagres e Pedra Bonita. As atitudes de violência, que segundo o autor eram
encabeçadas pelo “banditismo monárquico”, tinham a intensão de levar as forças armadas a
invadir Minas Gerais, o que poderia ser comprovado pelas recentes ações do 10° e 24°
batalhões de infantaria, que supostamente estariam prontos a marchar até a referida província.
“O processo parece em tudo semelhante ao que foi empregado na Corte”, afirmava Aristides
Lobo, e continuava declarando que a polícia faria questão de participar apoiando o
movimento para “esmagar” o partido republicano por meio da força181. Por esses motivos, o
editorial vociferava ser preciso que “de Sul a Norte a nação se levante como um só homem
para expelir de seu seio a planta daninha que a quer asfixiar. Um pouco mais de paciência,
ânimo firme, inteligência e organização das forças democráticas, e a obra estará completa”. 182
Confirmando a circularidade das informações publicadas pela imprensa nacional, o
jornal sergipano O Republicano reeditava um trecho de uma carta particular que havia
circulado no periódico carioca O Paiz, mas que se remetia à cidade de São Sebastião de
Estrella183, em Minas Gerais. Nesta, informava-se que um grupo de “mais de 100 libertos
armados de cacetes” vinha percorrendo o arraial dando “vivas à rainha” e provocando os

179
Gazeta da Tarde, 01 mar. 1889, p. 03.
180
Ponte Nova está localizada na Zona da Mata Mineira, sendo elevada à categoria de cidade em 1866, quando
se separou do município de Mariana. O desenvolvimento local se deve em muito à expansão da lavoura de cana
de açúcar, que lhe valeu o título de maior centro açucareiro de Minas Gerais no decorrer do século XIX e início
do XX. https://pontenova.mg.gov.br/ponte-nova/historia-e-contemporaneidade/. Com relação à Conceição, não
sabemos se trata de Conceição de Mata Dentro ou Conceição de Minas.
181
Idem.
182
Idem.
183
São Sebastião da Estrela, vulgarmente chamado de “onça”, é um distrito da cidade de Santo Antônio do
Amparo, que por sua vez está localizado na mesorregião Oeste de Minas Gerais (2017). Na primeira metade do
século XIX, Santo Antônio do Amparo era um distrito do termo de São José Del Rey, na Comarca do Rio das
Mortes (Esta comarca foi instituída em 1714, e existiu até 1892, quando a Republica reorganizou o sistema
judiciário). A respeito da Comarca do Rio das Mortes e das divisões territoriais das Minas Gerais no século XIX,
conferir: GRAÇA Filho, Afonso Alencastro. Oeste e o mito da decadência de Minas Gerais: São João del Rei
(1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002; SARAIVA, Luiz Fernando. O Império das Minas Gerais: café e
poder na zona da Mata Mineira, 1853-1893. 2008. Tese (Doutorado em História). Niterói: PPGH/UFF, 2008;
217
republicanos. Como de costume, não havia “nem sombra de autoridade” para conter os
manifestantes e suas ações de violência. Para o autor da carta, que preferiu manter-se no
anonimato, a conjuntura era a pior possível, já que claramente via-se “a repetição das cenas do
vandalismo iniciadas na Corte” espalhadas para toda a nação. Tão interessante quanto o
desabafo em forma de carta do morador da cidade mineira sobre a nacionalização das
manifestações monarquistas aos moldes da Guarda Negra envolvendo os libertos, é pensar
que essa notícia foi publicada em um jornal de Sergipe, num claro movimento de alardear a
população sobre os perigos da expansão dessa organização, que aparentemente invadia,
inclusive, o Norte do país. Dias depois, o mesmo jornal voltava a publicar informações sobre
a criação e participação do grupo de negros monarquistas em outra cidade mineira:
Baependi.184 O artigo firmava um protesto contra a forma “brusca e insólita” que havia sido
agredido o Dr. Antônio Torquato Fortes Junqueira – juiz de direito da comarca de Baependi –
pela corporação de libertos. Na ocasião, ele havia sido forçado, “à base do cacete”, a
vangloriar a monarquia e o ministério. Felizmente conseguiu sair são e salvo “das mãos dos
facinorosos e sanguinários membros da Guarda Negra de S. A., a Princesa Imperial”.185
Tendo em vista os acontecimentos mineiros, localizamos – através da Gazeta de
Notícias – uma mensagem assinada pela própria associação da Guarda Negra carioca, em
congratulação e solidariedade aos libertos de Minas Gerais e Valença: “Nós, a Guarda Negra
cá da Corte, saudamos os libertos mineiros e valencianos pelas provas de patriotismo e
lealdade à nossa pátria”.186 Em sua mensagem ainda insistiam para que seguissem firme na
missão de resistir a ilusão e enganação republicana que só causam “ruína e perseguição à
nossas famílias”187. O diálogo via imprensa era, também, um convite à coalizão na luta pela
defesa do Terceiro Reinado. Em relação ao processo de abolição da escravidão e em resposta
ao que afirmavam os republicanos, os representantes da Guarda Negra ratificavam que foi o
povo quem a fez, mas não todos. Em especial um “povo abolicionista reunido ao exército, à
armada e à Princesa Imperial” 188, com a participação categórica do gabinete 10 de março. Ao
fim do comunicado, o porta-voz da corporação tratava de defender-se das acusações de

184
O povoamento da região de Baependi tem relação com a instalação de desbravadores em busca do ouro, ainda
no final do século XVII. A região se desenvolveu ao longo do caminho da Estrada Real à época da mineração.
Foi no ano de 1752 que o pequeno povoado se tornou Freguesia, até que em 1814 foi elevado à categoria de Vila
e em 1855 separou-se da Comarca do Rio das Mortes. Finalmente, no dia 2 de maio de 1856 foi elevada à
categoria de cidade. A mineração foi paulatinamente substituída por atividades agrícolas, especialmente a
plantação de tabaco, e pela criação de gado. http://www.baependi.mg.gov.br/
185
O Republicano (SE), 24 mar. 1889, p. 02.
186
Gazeta de Notícias, 24 mar. 1889, p. 03.
187
Idem.
188
Idem.
218
disputa racial e afirmava que “a raça preta não luta contra os brancos porque não há motivos
para isso, só queremos defender nossa protetora e nosso direito civil que estão sendo atacados
por um povo vingador”. 189
Ainda na província de Minas Gerais, dessa vez em Juiz de Fora, na Zona da Mata
mineira, principal região cafeeira mineira do século XIX 190, a imprensa registrava novos
conflitos entre libertos e republicanos. Apesar do ambiente de animação e comemoração que
esteve imerso no primeiro aniversário da abolição em todo o país, como confirmavam os
jornais (em contradição com o que haviam propalado para o grande dia), em Juiz de Fora o
clima de hostilidade foi sentido. Após as comemorações situadas na Igreja Matriz, os libertos
se reuniram para ouvir uma série de discursos em homenagem ao fim do cativeiro no Brasil,
entre os quais gritavam vivas à princesa e à Monarquia. Terminadas as elocuções, partiram
em passeata pela cidade e quando se encontravam próximos ao escritório do jornal Diário de
Minas, um indivíduo, em meio ao povo, gritou “Viva a República”. Foi o bastante para que se
formasse um tumulto e para que houvesse “grande pânico entre os familiares que ali se
achavam”, mas os encarregados da polícia e da justiça conseguiram acalmar a situação e o
agrupamento seguiu saudando o Imperador, a princesa e a Monarquia. 191

189
Idem.
190
A respeito da escravidão, cafeicultura e da produção de alimentos da Zona da Mata conferir entre os vários
trabalhos: ANDRADE, Rômulo. Limites impostos pela escravidão à comunidade escrava e seus vínculos de
parentesco. Zona da mata de Minas Gerais, séculos XIX. (A subjetividade do escravo perante a coisificação
social própria do escravismo). Tese (Doutorado em História). São Paulo: FFLCH/USP, 1995; PIRES, Anderson.
Capital Agrário, Investimento e Crise na Cafeicultura de Juiz de Fora (1870-1930). Dissertação (Mestrando em
História). Niterói: PPGH/UFF, 1993; SARAIVA, Luiz Fernando. Um correr de casas, antigas senzalas: a
transição do trabalho escravo para o livre em Juiz de Fora, 1870-1900. Dissertação (Mestrado em História).
Niterói: UFF, 2001; GUIMARÃES, Elione. Violência entre parceiros de cativeiro: Juiz de Fora, segunda
metade do século XIX. São Paulo: FAPEB/Annablume, 2006; FREIRE, Jonis. Escravidão e família escrava na
Zona da Mata Mineira oitocentista. Tese (Doutorado em História). Campinas: IFCH-UNICAMP, 2009.
http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/280898/1/Freire_Jonis_D.pdf
191
Diário de Notícias, 14 mai. 1889, p. 02.
219
3.6 A Guarda Negra na Bahia.

Com exceção do confronto carioca ocorrido nas ruas do centro da cidade no penúltimo
dia do ano de 1888, que sem dúvida foi o mais noticiado e o que mais reverberou pelas
manchetes dos jornais em todo o país, o célebre fato que marcou a chegada de Silva Jardim à
capital baiana de Salvador, em junho de 1889, se configura no segundo evento mais famoso
envolvendo a Guarda Negra no Brasil. Antes dele, no entanto, a província já vinha sofrendo
as consequências da eclosão de grupos de libertos lutando pela Monarquia, aos moldes da
Guarda Negra carioca. A primeira informação de que temos notícia foi publicada ainda em
janeiro de 1889, mais especificamente no dia 15, pela Tribuna Liberal. Tratava-se de um
telegrama enviado da Bahia, noticiando que ali se pretendia fundar uma associação da Guarda
Negra192. Poucos meses depois, em abril, o Diário da Bahia enviava informação vinda da

192
Tribuna Liberal, 15 jan. 1889, p. 02. Informações sobre a criação de uma Guarda Negra baiana também
circularam pelo Maranhão. Através de pequena referência publicada pela Pacotilha, verificamos a tentativa de
220
cidade de Caravelas193 para o jornal carioca, Gazeta da Tarde, afirmando que a região vivia
um “regime de terror”, perpetrado pela Guarda Negra, supostamente para garantir os
desmandos do Sr. Magalhães Castro, juiz municipal, e do subdelegado Salú-Grande.194
Em pesquisa mais profunda realizada no periódico baiano supracitado, percebemos
que, na realidade a notícia vinda de Caravelas referia-se a uma querela envolvendo o vigário
da região, Francisco José Bernardino, que supostamente agia mancomunado com Magalhães
Castro. Procedendo de forma autoritária e avessa aos dogmas cristãos, o padre teria
contribuído para a morte do alferes Cândido José de Sant’Anna, cidadão exemplar, devoto
cristão e administrador do cemitério da igreja. Para piorar, no momento do enterro do alferes,
o vigário, em conjunto com o juiz municipal, que se resguardava com a ajuda da Guarda
Negra, levaram o corpo do morto para enterrá-lo fora de território sagrado, em uma região
afastada do cemitério, e junto a um cavalo. Os presentes confirmaram que alguns integrantes
da Guarda Negra insuflavam o povo afirmando que o morto tinha tido o destino que todos os
liberais deveriam ter, sendo enterrados como um animal. Tal atitude gerou revolta entre a
população, que se reuniu em número aproximado de trezentas pessoas e em marcha
conseguiram desenterrar o cadáver e colocá-lo no cemitério, como lhe era de direito.195
A configuração e as formas de atuação da Guarda Negra em Caravelas foram
novamente explicitadas pelo Diário da Bahia ao relatar uma tentativa de assassinato de três
homens ligados ao partido liberal, ocorrida em 19 de maio de 1888196. Apesar de os
homicídios terem sido evitados, graças à traição de um dos membros da guarda, que avisou
com antecedência as intensões de assassinato, os desordeiros foram marchar pelas ruas da
cidade “praticando diabruras”. Nesse meio tempo, suspeitaram de três libertos serem adeptos
do partido liberal e por isso os agrediram, levando dois deles ao óbito. Narrava o artigo, que
no dia seguinte, os assassinos – Felisberto e Valentim – já conhecidos pela população local,

organização de uma Guarda Negra baiana, por parte do Sr. Pamphilo de Santa Cruz, “à semelhança do que há na
Corte”. Cf. Pacotilha, 06 fev. 1889, p. 03.
193
Banhada pelo rio de mesmo nome, e localizada no Sul da Bahia, perto do Espirito Santo, Caravelas fora
fundada em 1581, e teve o status de vila alcançado em 1700. Virou cidade em 1855. No século XIX, o porto de
Caravelas constituiu-se no principal entreposto comercial do extremo Sul da província da Bahia. Conferir
SAMPAIO, Marcos Guedes Vaz. Uma Contribuição à História dos Transportes no Brasil: a Companhia
Bahiana de Navegação a Vapor (1839-1894), Tese (Doutorado em História Econômica). São Paulo:
FFLCH/PPGHE/USP, 2006, p. 111.
194
Trata-se de uma republicação do Diário da Bahia na Gazeta da Tarde no dia 1° de abril de 1889. Cf. Gazeta
da Tarde, 01 abr. 1889, p. 01. De tendência liberal, o Diário da Bahia foi fundado por Demétrio Ciríaco
Tourinho e Manuel Jesuíno Ferreira, e teve seu primeiro número lançado em 01 de janeiro de 1856. Importantes
líderes liberais publicaram artigos no jornal, destacando-se Rui Barbosa, Manuel Vitorino, Augusto Álvares
Guimarães, Luiz Vianna e outros. Conferir SILVA, Kátia Maria de Carvalho. O Diário da Bahia e o Século XIX.
Rio de Janeiro: INL, 1979.
195
Diário da Bahia, 04 mai. 1889, p. 02.
196
Diário da Bahia, 01 nov. 1889, p. 01.
221
foram vistos entrando na casa do juiz municipal Magalhães Couto e ali demoraram-se por
muito tempo. A folha informava ainda que o grupo de indigentes, denominado Guarda Negra,
era obra do partido conservador, pois sua criação datava da época em que este subiu ao poder.
Em junho de 1889, o mesmo periódico voltava a relatar sobre novo acontecimento em
Caravelas envolvendo a Guarda Negra, encarada mais uma vez como capangagem do juiz
municipal Magalhães Castro, do vigário Francisco José Bernardino e do delegado de polícia
Salustiano Muniz de Almeida197. Era um domingo, dia 02 do referido mês, na Rua do
Comércio, a mais frequentada da cidade, quando um integrante da Guarda Negra apareceu
armado de uma espingarda em plena luz do dia, às quatro horas da tarde. O guarda municipal
que se encontrava na localidade foi, então, averiguar o que o dito indivíduo fazia e tentar
retirar-lhe a arma. Porém, bastou se aproximar para ser logo jogado ao chão com um
“trambolhão” que lhe dera o tal capanga da Guarda Negra, que imediatamente desarmou o
oficial. Vieram em seu socorro dois companheiros de vigília, o que foi inútil, pois surgiu de
dentro de uma casa um grupo de mais dez “dos tais da Guarda Negra”. Em número maior,
esses homens começaram a espancar violentamente os guardas municipais com socos e
pontapés. Depois de lhes agredir, o grupo se dirigiu para a padaria do delegado de polícia,
Salustiano Muniz, carregando como troféu os bonés e as armas que usavam os oficias do
governo. O delegado, mesmo após ouvir a confissão do crime, nada fez para punir tais
indigentes e “mandou os desordeiros em santa paz”. A notícia afirmava ainda que, quando um
dos oficiais tentou buscar explicação ao delegado por este não ter tomado nenhuma
providência, foi ameaçado de novo espancamento, sendo salvo por pessoas do povo. No dia
seguinte, os integrantes da Guarda Negra seguiram para o povoado da Barra, próximo a
Caravelas, onde estaria residindo o juiz municipal Magalhães Castro, e juntos jantaram e se
amotinaram.
Apesar das tensões recorrentes no final de 1889, as intensões do vigário Francisco José
Bernardino e do juiz municipal Magalhães Castro em arregimentar uma Guarda Negra
pessoal, pareceram malograr. Isso porque sabemos que em fins de outubro de 1889, mais
especificamente no dia 24, uma correspondência vinda da cidade de Caravelas e posta em
circulação, como de costume, pelo Diário da Bahia, informava sobre a demissão do dito

197
Diário da Bahia, 13 jun. 1889, p. 01. A associação entre o pároco Francisco José Bernardino e o juiz
Magalhães Castro com a Guarda Negra reaparece em artigo publicado em agosto de 1889, que na realidade
tratava-se de uma correspondência datada de 22 de julho de 1889. Esta se resumia a detratar a imagem do vigário
acusando-o novamente de imoralidade, autoritarismo e desonra a fé cristã, aproveitando para confirmar que ele
andava protegido por uma fração da Guarda Negra e mais dois jagunços. Cf. Diário da Bahia 04. Ago. 1889, p.
02.
222
pároco e a prisão de dois integrantes da Guarda Negra – Henrique Fernandes de Britto e
Antonio Francisco de Almeida. Segundo a informação, em virtude desses episódios, a guarda
dispersou-se e reapareceu a paz na cidade de Caravelas. O juiz municipal, Magalhães Castro,
vendo-se isolado dos próprios correligionários e sem apoio político, teria se mudado em início
de setembro com toda a sua família para a região de Ponta da Areia, distante quatro
quilômetros de sua antiga cidade, onde se encontrava ameaçado de morte.198
Os relatos acima descritos como ações da Guarda Negra em Caravelas parecem se
utilizar dessa designação – Guarda Negra – tão recorrente no contexto em questão, para se
referirem a algo já bastante usual entre os líderes locais quando queriam garantir seus
interesses políticos: a arregimentação de aliados entre a população, chamados
costumeiramente de capangas. A nova terminologia, contudo, não era inocente ou utilizada
por acaso, tinha fins políticos específicos que entreviam uma dupla intensão. Em primeiro
lugar, buscavam alardear o país e a população para uma questão local que se queria resolver
com certa urgência, no caso a demissão do padre Bernardino e o afastamento do juiz
municipal que tanto incomodava a população já muito insatisfeita com a retirada do antigo
vigário. Para isso, aumentava-se a proporção dos eventos apelando para a utilização de um
termo fortemente em evidência: “Guarda Negra”. Por outro lado, não podemos esquecer a
intensão do periódico ao trazer a público, rotineiramente, essas informações. Havia a escolha,
nunca neutra, de demonstrar que os grupos denominados como Guarda Negra se espalhavam
pelo interior do país, de modo a atingir o governo imperial e o gabinete conservador, visto –
como vimos –, como um dos promotores do grupo em questão. Propagar o terror e o receio
acerca da nacionalização da corporação de negros, agindo especialmente contra povoados até
então tidos como tranquilos, era um poderoso mecanismo para a constatação da falência da
política ministerial.
Mas não foi apenas em Caravelas que a Guarda Negra se fez presente no território
baiano. Ainda em julho do mesmo ano, uma correspondência vinda de Salvador era publicada
pela Gazeta de Notícias. Datada de algumas semanas antes, em 16 de junho, e alocada na
sessão do jornal intitulada “Propaganda Republicana”, a mensagem falava exatamente sobre
as agitações em torno da estadia de Silva Jardim no Norte do país. Tratava-se de um registro
sobre o evento que ficou conhecido como “o massacre do Taboão” e que marcou a presença
da Guarda Negra nas ruas de Salvador. Quem narrava os acontecimentos era Luiz Pires que

198
Diário da Bahia, 01 nov. 1889, p. 01.
223
confirmava a boa receptiva de Silva Jardim à cidade baiana com “prolongadíssima salva de
palmas e entusiásticos vivas”.199
Segundo a narrativa, o entusiasmo da população era tão grande que as pessoas saíam
de seus trabalhos e afazeres para abraça-lo e saudá-lo “estrepitosamente”. Tudo caminhava
tranquilamente enquanto o préstito republicano subia a ladeira do Taboão. Foi então que um
grupo de mais de cem “capadócios, homens de cor, policiais disfarçados e armados de
cacetes, facas e pedras” começou a gritar “morra a República”, “morra Silva Jardim” e a dar
vivas à Monarquia e ao Partido Liberal. Em meio à confusão um dos supostos integrantes da
Guarda Negra rasgou o estandarte do Club Republicano e Silva Jardim aconselhou calma
diante do conflito iminente. Ao entrar na Praça dos Tamarindos, os membros da corporação
de homens de cor partiram violentamente em direção aos republicanos e “começaram a
distribuir barbaramente cacetadas e pedradas”. Os seguidores de Silva Jardim e ele próprio,
visto que estavam completamente desarmados, acabaram por fugir e se abrigar em casas de
particulares. O ilustre republicano se refugiou junto com os companheiros Virgílio Damásio,
Cosme Moreira, Gascão da Cunha e Deocleciano Ramos. Enquanto isso, o chefe dos
“capadócios” conclamava todo o povo a matar Silva Jardim. A luta havia durado cerca de
uma hora e como de costume a polícia foi acusada de inércia e inutilidade. O responsável
dessa vez era o Visconde de Ouro Preto, que deixava visível “a sua cumplicidade naquele ato
de vandalismo”. Uma vez acionada a polícia, um carro se encarregou da remoção de Jardim e
Damásio, sendo que este chegou a se ferir no confronto, assim como muitos acadêmicos e
pessoas do povo.
Ao que tudo indica, o embate continuou a desenrolar-se no edifício público onde se
encontrava a Faculdade de Medicina, entre a Guarda Negra e os estudantes dessa instituição.
Acalmados os ânimos, Silva Jardim tratou de partir naquela mesma tarde da Bahia. O relato se
encerrava com uma suposta referência à fala de uma “velha preta”, no momento em que Silva
Jardim estava refugiado na casa de “uns pobres operários”. Relato esse, que buscava depreciar
a imagem do Partido Liberal, na figura de Visconde de Ouro Preto, e a Monarquia encarnada
pelo Conde d’Eu:

‘Eu bem disse que ia haver uma guerrinha... Esse partido liberal já fez a
guerra do Paraguai. Olhem agora a revolução lá fora’. E a velha benzia-se.

199
Gazeta de Notícias, 09 jul. 1889, p. 02. A respeito desse evento, conferir o trabalho de Wlamyra
Albuquerque, especialmente o capítulo 3: “Divergências políticas, diferenças raciais: Rui Barbosa e a Guarda
Negra”. ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. O jogo da dissimulação; abolição e cidadania negra no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 2009.
224
Está mal o Sr. Gastão de Orleans, e mais o Sr. De Ouro Preto, As pretas da
terra do vatapá conhecem-lhes a crônica.200

O Diário da Bahia confirmava o acontecimento na ladeira do Taboão e fornecia


algumas novas informações201. Em se tratando de um periódico de orientação monarquista,
ligado ao partido liberal, a organização da narrativa ocorreu de maneira um pouco diferente.
Em seu artigo do dia 16 de junho, o periódico explicava que a notícia de que Silva Jardim iria
chegar à capital baiana no mesmo paquete do Conde d’Eu gerou, alguns dias antes, uma
espécie de meeting republicano para se deliberar sobre a recepção do grande propagandista. A
reunião anunciada se efetuou tranquilamente, sem nenhum incidente que perturbasse a ordem
das coisas, no entanto, deixou patente que o partido republicano estava ali em visível minoria
e que a nova forma de governo não contava com a adesão da população local.
Segundo o periódico monarquista, chegado o paquete que trazia Silva Jardim, os
republicanos – quase em sua totalidade estudantes da Faculdade de Medicina – trataram logo
de trazê-lo para a terra aos gritos de morra a Monarquia e viva a República. Nessa ocasião,
muitos deles teriam agido de maneira pouco prudente, instigando o povo ao redor. O jornal
assegurava ainda, que de acordo com suas fontes, os jovens estudantes teriam tentado,
inclusive, arrancar a bandeira nacional da pequena embarcação que os levava à terra firme,
substituindo-a pela bandeira republicana. Já nas ruas, a situação estourou quando o grupo que
trazia Silva Jardim passou pela ladeira do Taboão e se encontrou com outro, composto de
indivíduos do povo e de orientação monarquista, muito mais numeroso e armado de cacetes e
de pedras. O conflito então irrompeu, deixando de imediato algumas pessoas feridas.
A versão do que ocorreu em seguida condiz com aquela publicada pela imprensa
carioca nas páginas da Gazeta de Notícias. Segundo o editorial baiano, o grupo republicano
acabou por se desfazer e seus membros se dispersaram. Silva Jardim e alguns companheiros
acolheram-se em uma casa particular, na própria ladeira do Taboão, escapando assim dos
adversários. Sabendo que os republicanos ali se encontravam, o chefe de polícia e o suplente
de delegado do 2º distrito, coronel Santos Marques, foram até lá acudir o pequeno grupo de
refugiados. Garantiram a sua saída tranquilamente e os conduziram de carro à residência do
conselheiro Virgílio Damazio, localizada na Calçada do Bonfim. Os jovens acadêmicos que
haviam de dispersado se reorganizaram no edifício da Faculdade de Medicina, onde

200
Gazeta de Notícias, 09 jul. 1889, p. 02. Cabe ressaltar que para o autor do artigo a associação da Guarda
Negra seria fruto da vontade do conselheiro João Alfredo e desenvolvida pelo Visconde de Ouro Preto, que
naquele momento assumia a liderança do grupo.
201
Cf. Diário da Bahia, 16 jun. 1889, p. 01.
225
encontraram novamente com um grupo de monarquistas, desencadeando outro conflito. Ao ter
notícia do fato, o chefe de polícia dirigiu-se imediatamente para a Praça Conde d’Eu e “com
louvabilíssima prudência e rara energia” conteve os ânimos e dissolveu os grupos envolvidos,
pondo fim ao confronto.202
No que diz respeito a esse aspecto, podemos notar desavenças entre as versões do
evento. Enquanto a Gazeta de Notícias confirmava a má orientação da polícia e sua delonga
para solucionar as tensões, a folha baiana atestava a capacidade ímpar do chefe de polícia e
seus subordinados na contenção da situação. Por fim, o Diário da Bahia encerrava o artigo
culpabilizando ambas as partes envolvidas: de um lado os republicanos erraram ao dar caráter
de provocação à manifestação, de outro, os monarquistas ao responderem com violência a
estas demonstrações. Deixando clara a sua orientação liberal, o periódico baiano procurava
não culpabilizar o governo, atestando que ele havia cumprido “escrupulosamente” sua função
e resguardado à vida e a segurança dos republicanos. Aproveitava ainda para imputar ao
partido conservador a culpa pela desorganização do serviço policial, tendo em vista que em
seu período de vigência ele o teria deixado em verdadeiro abandono.
Importante salientar que em nenhum momento o jornal baiano em questão se utilizou
do termo Guarda Negra para se referir ao grupo monarquista que entrou em choque com os
republicanos na ladeira do Taboão. E, como bem sabemos, o silêncio também nos diz muita
coisa. Nesse caso, obviamente, se tratava de afastar essa denominação de qualquer atitude ou
tensão que ocorresse na vigência do Partido Liberal, que recentemente havia subido ao poder.
Era, portanto, um claro movimento de romper a relação entre a bandeira liberal e a corporação
de libertos que tanto havia sido detratada nas páginas do periódico, que sempre a referendava
como uma arma do Partido Conservador. Já o jornal carioca, como demonstrado acima, não
concordava com essa versão e assumia que a Guarda Negra era uma característica da
Monarquia, fosse ela regida por qualquer um dos partidos. Desse modo, encarava a associação
de negros como um instrumento que teria sido criado pelo gabinete de João Alfredo, mas que
agora, sob a vigência liberal, vinha sendo fortalecido por Afonso Celso.

202
O relatório em que o então presidente da Província da Bahia, Manuel do Nascimento Machado Portella,
transfere a sua administração para Aurélio Ferreira Espinheira, em 1º de abril de 1889, apesar de descrever
inúmeros aspectos relativos à vida e ao desenvolvimento da Bahia, incluindo a manutenção da ordem através do
bom uso policial, não faz menção a nenhum acontecimento relativo à Guarda Negra.202 O massacre do Taboão
ficou de fora de qualquer análise nesse sentido, uma vez que ocorreu em junho desse mesmo ano e, portanto, foi
posterior a escrita do parecer do governo provincial. Novo documento nesse sentido só volta a aparecer no
acervo em 1892. Cf. Relatório com que o Exm. Sr. Cons. Dr. Manuel do nascimento Machado Portella passou a
administração da Província ao Exm. Sr. Des. Aurélio Ferreira Espinheira no dia 1º de abril de 1889. Bahia: Typ.
Da Gazeta da Bahia, 1889. http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/bahia. Acesso em: 14/07/2018.
226
3.7 A Guarda Negra em Recife.
Uma análise apurada das fontes da imprensa disponíveis para a província de
Pernambuco, com destaque para o Recife, nos levou a uma grande querela acerca da Guarda
Negra na região, que se perpetuou inclusive para o período posterior a instauração da
República no Brasil203. A partir de um contexto muito parecido com o que ocorreu na cidade
de Caravelas, Bahia, onde a denominação “Guarda Negra” foi utilizada para designar
possivelmente grupos de apadrinhados ou aliados políticos, notamos que aqui a dita
corporação também fez parte de disputas regionais e jogos de poder específicos, imersos em
lógicas e lideranças locais, com destaque para a figura do abolicionista José Mariano.204
A primeira notícia envolvendo a Guarda Negra e José Mariano que encontramos
apareceu nas páginas de um jornal carioca, quando a Gazeta da Tarde apresentou uma
publicação de um dos artigos do periódico de orientação liberal A Província205, que Mariano
havia fundado e que continuava a dirigir.206 O artigo encarava a Guarda Negra a partir de uma
perspectiva negativa, trazendo a mensagem de que a corporação ameaçava o futuro da
instituição monárquica e que suas ações poderiam desencadear em sérios conflitos internos

203
Sobre a Guarda Negra no Recife conferir o trabalho de: HOFFNAGEL, Marc Jay. Recife entre a monarquia e
a república. Anais da XXV reunião da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica – SBPH. Rio de Janeiro, 2005.
HOFFNAGEL, Marc Jay. From Monarchy to Republic in Northeast Brazil: The Case of Pernambuco, 1868-
1895. 1975. 282f. Tese (Ph.D.) – Departament of History, Indiana University, USA. As repercussões da Guarda
Negra após o 15 de novembro de 1889 serão mais bem detalhadas no quarto capítulo da tese.
204
José Mariano Carneiro da Cunha nasceu em Ribeirão (Pernambuco), em 1850. Filho de Mariano Xavier
Carneiro da Cunha, tenente-coronel da Guarda Nacional e senhor de engenho, formou-se em Direito em 1870
pela Faculdade do Recife. Foi membro do Partido Liberal e fundador do jornal A Província. Na política assumiu
por diversas vezes o cargo de deputado geral do Estado de Pernambuco, entre os anos de 1878 a 1885. Tornou-se
líder abolicionista e um dos fundadores do Clube do Cupim, mas não aderiu ao movimento republicano no
imediato pós-abolição. Instaurada a República assumiu o cargo de deputado constituinte por Pernambuco. Por
ocasião da Revolta da Armada (1893), a qual apoiou, chegou a ser preso na Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro,
por determinação de Floriano Peixoto. Após sua soltura fundou, em Pernambuco, o Partido Autonomista, ao lado
de José Maria de Albuquerque Melo. Após a morte de sua esposa Olegária da Costa Gama Carneiro da Cunha,
retirou-se da política, assumindo um Cartório de Títulos e Documentos no Rio de Janeiro, por nomeação do
então presidente Rodrigues Alves. Em 1909 retorna as atividades políticas e funda o Partido Republicano
Conservador. Em 1912 assumiu a cadeira de deputado federal pela Paraíba, onde permaneceu por pouco tempo,
pois faleceu em 8 de junho do mesmo ano. Cf. https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/CUNHA,%20Jos%C3%A9%20Mariano%20Carneiro%20da.pdf. Acesso em 10/07/2018.
205
O jornal A Província - Órgão do Partido Liberal - começou a publicar-se no dia 06 de setembro de 1872, na
cidade de Recife. Seu diretor era José Mariano Carneiro da Cunha e seu gerente Minervino Augusto de Sousa
Leão. Teve como redatores as seguintes personalidades: Jose da Costa Ribeiro, Francisco Amintas de Carvalho
Moura, Inocencio Serafico de Assis Carvalho, Aprigio Justiniano da Silva Guimaraes, Ulisses Machado Pereira
Viana, Jacinto Pereira do Rego, Antonio Epaminondas de Melo, Antonio de Siqueira Cavalcanti e Maximiano
Lopes Machado. O periódico ganhou muita popularidade à época das campanhas abolicionistas destacando-se no
discurso acirrado em defesa dos escravos. A Província conquistou tamanha reputação que chegou a ser o maior
jornal do nordeste brasileiro, ultrapassando a popularidade do Diário de Pernambuco. A folha esteve em
circulação até o ano de 1933. NASCIMENTO, Luiz. A História da Imprensa de Pernambuco. Op. cit., p. 174.
206
Infelizmente não existem exemplares do jornal A Província entre os anos de 1878 e 1890, o que nos impediu
de analisar os possíveis diálogos e respostas de Mariano ou de grupos que o apoiavam.
227
em todo o país, em virtude do horizonte de disputas raciais que ela emanava207. A publicação
seguia aprofundando suas críticas ao ministério conservador e afirmando que, de norte a sul, o
governo cavava sua própria sepultura, graças ao “derramamento de sangue” que promovia em
todo o território nacional. Somadas a todos esses problemas, as leis de repressão à livre
manifestação contribuíam, sobremaneira, para despertar o horror em todos os corações e as
desconfianças na capacidade da Família Real de agir em prol da pátria. A ideia central era que
as ações governamentais vinham fomentando sentimentos de vingança e a cólera popular,
contribuindo para que o espírito republicano ascendesse no país. Se, pelo contrário, o governo
fosse um símbolo de paz e de ordem, fazendo um consórcio com a democracia e com o
espírito liberal, a sorte da Monarquia poderia ser garantida.208
Posteriormente, encontramos uma fala do liberal Mariano na 20ª sessão da Assembleia
Provincial do Recife, dada em 08 de abril de 1889 e publicada pelo Jornal do Recife, na qual
ele, novamente, detratava a associação da Guarda Negra e a utilizava como arma retórica
contra o governo conservador209. Sob a presidência interina de Augusto de Sousa Leão,
primeiro e único Barão de Caiará210 ocorreu um intenso debate acerca dos desmandos do
Ministério de João Alfredo, com destaque para os escândalos de corrupção, violência e
autoritarismo211. Como não poderia deixar de ser, a suposta filiação do gabinete 10 de março
com a corporação da Guarda Negra reaparecia nos argumentos que associavam governo e
violência. Em fala de José Mariano, este salientava que o grupo de libertos havia sido “aceito
e abençoado pelo Sr. Presidente do Conselho”, o que atestava que o país marchava “a passos
largos para a próxima bancarrota”212. A discussão prosseguia entre os críticos e defensores do
gabinete conservador, que alegavam falta de provas sobre o suposto acolhimento da Guarda
Negra por parte de João Alfredo e sobre os crimes cometidos pela polícia e autoridades locais.

207
Assim o editorial caracterizava a triste conjuntura nacional: “A comédia começa a transforma-se em tragédia.
(...) Triste e fúnebre começo do Terceiro Reinado, entre os rubros e sinistros clarões da guerra civil” Cf. Gazeta
da Tarde, 23 fev. 1889, p. 02.
208
Idem.
209
Jornal do Recife, 26 abr. 1889, p. 01.
210
Descendente da poderosa família Sousa Leão, proprietária de vários engenhos em Pernambuco, Augusto de
Sousa Leão era filho de Domingos de Sousa Leão com Teresa de Jesus Coelho, e irmão de Domingos de Sousa
Leão, o Barão de Vila Bela. Bacharel formado pela Faculdade de Direito do Recife, foi deputado provincial em
sucessivas legislaturas e também presidente da Assembleia Provincial de Pernambuco. Foi vice-presidente da
província de Pernambuco, exercendo o cargo interinamente duas vezes, de 26 de janeiro a 08 de abril de 1885 e
de 20 de junho a 17 de julho de 1889.
211
O principal enunciador nesse sentido foi o Sr. Correia da Cruz, que chegou a afirmar que o Brasil vivia em
perfeito estado de anarquia: “Todos os dias a imprensa registra fatos da maior gravidade praticados contra a
honra, a vida e a liberdade do cidadão. (...) Os crimes se reproduzem de modo assombroso, a autoridade perdeu a
sua força moral (...). Enfim, estamos prestes a precipitarmos num abismo insondável, estamos às bordas de um
vulcão”. Jornal do Recife, 26 abr. 1889, p. 01.
212
Idem.
228
Por fim, sem chegar a um consenso deu-se continuidade a sessão com a leitura da “ordem do
dia” e a votação de projetos. Pouco mais de um mês depois, em 23 de maio, a Assembleia
Provincial do Recife voltou a se reunir, e já tendo em perspectiva a queda do gabinete
conservador, previa também o fim da organização da Guarda Negra em todo o país.213 Assim
declarava o Sr. José Maria214: “Felizmente a Guarda Negra foi uma criação negra do
presidente do conselho, e eu creio que com o presidente do conselho desaparecerá”.215
Nossas pesquisas pelos periódicos pernambucanos, no entanto, demonstraram ser
confusa a relação construída pela imprensa entre a Guarda Negra e José Mariano. Apesar de
se colocar em oposição à associação de libertos em sua fala na Assembleia Provincial e no
artigo de seu jornal – expostos anteriormente –, seu nome apareceu ligado à criação de uma
Guarda Negra após a instauração do governo liberal de Afonso Celso. Esse tipo de
informação revelou-se inúmeras vezes no Diário de Pernambuco216. Em agosto de 1889, por
exemplo, uma correspondência vinda da Corte era publicada nas páginas da folha
pernambucana, onde Mariano era caracterizado como uma espécie de líder popular que
levantava o povo contra a República. Sem utilizar a denominação “Guarda Negra”, como foi
recorrente em outras edições, o editorial confirmava a expansão pelo Brasil de manifestações
em prol da Monarquia da seguinte maneira:

No Recife, como em São Paulo, como em Porto Alegre, como aqui [Rio de
Janeiro], como em S. Salvador, há a grande ralé popular, a lama do fundo da
caldeira que sempre ferve e que de um momento para o outro, ou aos pés de
um ídolo suposto, ou aos pés de uma autoridade, vai de rastros, porque não
tem consciência (...). A canalhada, amalgamada em um bolo, bestificada em
sua entidade moral e, arruinada pela educação e pelo desleixo, a gentinha,
que é sempre a mesma em todas as manifestações – é quem aclama o Sr.

213
Jornal do Recife, 20 jun. 1889, p. 01.
214
José Maria de Albuquerque Melo foi presidente da Câmara dos Deputados e governou rapidamente
Pernambuco em 1891, durante três dias que antecederam a nomeação de Antônio Epaminondas de Barros, o
Barão de Contendas. Fez oposição ao governo de Alexandre José Barbosa Lima (1892-1886) e por isso acabou
perseguido e assassinado. Cf. https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/MELO,%20Jos%C3%A9%20Maria%20de%20Albuquerque.pdf
215
Jornal do Recife, 20 jun. 1889, p. 01.
216
Fundado no dia 7 de novembro de 1825, pelo tipógrafo Antonio José de Miranda Falcão, o Diário de
Pernambuco teve vários proprietários. Em fevereiro de 1835, o jornal foi vendido à firma Pinheiro e Faria, de
propriedade de Manuel Figueroa de Faria, que o transformou em órgão oficial dos governos da província (essa
posição seria mantida até 1911, com alguns pequenos períodos de exceção). Antiescravista já na década de 1850,
o jornal exaltou a assinatura da Lei Áurea em maio de 1888, dando cinco dias de férias aos empregados para que
todos comemorassem as “festas da liberdade”. Pouco antes da instauração da República, a folha já se colocava a
favor de um movimento libertador, capaz de superar o gabinete liberal de Ouro Preto. A partir de 19 de
novembro de 1889, retirou do cabeçalho o emblema das armas imperiais de suas edições, se enquadrando
rapidamente no novo regime. http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/diario-de-
pernambuco.
229
José Mariano. (...) é esta a casta faminta que chamam, por grossa hipérbole
‘povo’.217

Em data posterior à queda do império no Brasil, novo artigo rememorava, em formato


de um relato, a péssima conduta política de José Mariano, eminente abolicionista, antigo
integrante e fundador do Clube do Cupim218 e articulista do jornal A Província. Segundo as
informações descritas no editorial, a Guarda Negra teria surgido na cidade do Recife graças a
iniciativa e assentimento desse publicista, que a ordenava fazer “tudo quanto fosse necessário
pelo bem de sua causa”. Em seguida aparecia uma lista dos supostos acometimentos em que a
corporação havia marcado sua presença ao longo de 1889, a mando de Mariano:

Em 20 de junho quisera perturbar a conferência pública do Teatro de Santo


Antônio e apedrejara a casa do Dr. Ribeiro Britto, onde se hospedara o Dr.
Silva Jardim; em 22 de julho tentava assassinar publicamente os
republicanos e em 29 do mesmo mês assaltar as oficinas tipográficas de O
Norte.219

Ambos os eventos de 20 de junho e 22 de julho diziam respeito à visita de Silva


Jardim ao Recife, quando, supostamente teria sido afrontado pela Guarda Negra local. A
chegada do ilustre republicano à cidade, já se encontrava em suspeição, em virtude do que
havia acontecido na província vizinha do Norte, a Bahia, assolada pelo massacre da Ladeira
do Taboão. Por isso, os republicanos enviaram mensagem ao então presidente da província de
Pernambuco, Ignácio de Souza Leão, “pedindo-lhe garantias da lei” para que a recepção de

217
Diário de Pernambuco, 13 ago. 1889, p. 04.
218
O Clube do Cupim tem grande destaque na história do movimento abolicionista pernambucano. Foi
idealizado por João Ramos, que sonhava em libertar Pernambuco da escravidão, assim como havia sido feito no
Ceará. No dia 08 de outubro de 1884, João Ramos e mais 11 amigos reuniram-se para fundar uma sociedade
abolicionista e secreta denominada Relâmpago, que depois mudou de nome para Clube do Cupim. A sociedade
não possuía estatuto e seus membros identificavam-se por codinomes relativos às províncias do Brasil. Foram
fundadores da associação: João Ramos, presidente (“Ceará”); Guilherme Ferreira Pinto, tesoureiro (“Goiás”);
Alfredo Pinto Vieira de Melo, secretário (“Minas Gerais”); Fernando de Paes Barreto, o orador do Clube
(“Maranhão”); Numa Pompílio (“Mato Grosso”), João José da Cunha Lajes (“Amazonas”); Barros Sobrinho
(“São Paulo”), Antônio Faria (“Rio Grande do Sul”); Gaspar da Costa (“Rio de Janeiro”); Nuno Alves da
Fonseca (“Alagoas”); Alfredo Ferreira Pinto (“Bahia”); Manoel Joaquim Pessoa (“Rio Grande do Norte”) e Luís
Gonzaga do Amaral e Silva (“Pernambuco”). A esses indivíduos somaram-se novos membros com o passar do
tempo, dentre os quais José Mariano (“Espírito Santo”). A sociedade agia atuando tanto legalmente, através da
compra de escravos, como cladestinamente, apoiando e tramando fugas, o que se tornou mais frequente. Os
escravos fugidos eram enviados a diversas localidades como Camocim, Natal, Macau, Macaíba, Belém, Manaus,
Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e até Montevidéu, no Uruguai. Cf. CASTILHO, Celso. Abolitionism Matters:
The Politics of Antislavery in Pernambuco, Brazil, 1869-1888, PhD dissertation, University of California,
Berkeley, 2008, p.175. SALES, Maria Letícia Xavier. O Clube do Cupim e a memória pernambucana. Revista
do Arquivo Público, Recife, v. 40, n.º 43, p. 101-115, out. 1990.
219
Diário de Pernambuco, 07 dez. 1889, p. 02.
230
Silva Jardim ocorresse da melhor forma possível220. Todavia, obtiveram como resposta que
não lhe era “viável asseverar que elas [as medidas] fossem cumpridas”, mas que haveria de
recomendar aos cidadãos que as desempenhassem. Despersuadindo às recomendações, José
Mariano teria consentido que alguns de seus “amigos” fossem interromper a conferência
republicana que se passava no Teatro de Santo Antônio, na quinta-feira, 20 de junho. Além
disso, recomendou que apedrejassem a casa que o tribuno republicano estava hospedado, à
Rua do Hospício, número 81.
Completava-se pouco mais de um mês que Silva Jardim encontrava-se pela cidade,
quando o diretório central de Pernambuco resolveu anunciar uma conferência marcada para o
dia 22 de julho, na parte da tarde. Ela ocorreria a céu aberto, no Largo da Matriz de Santo
Antônio, já que “se tornava impossível orar em edifícios particulares”221, porque certamente
os proprietários, prevendo confusões, não queriam pôr em risco suas propriedades. Como
forma de evitar que o encontro acontecesse, o artigo garantia que cartas anônimas haviam sido
enviadas com ameaças às vidas de Martins Júnior, Maciel Pinheiro e Silva Jardim. Nada
disso, contudo, era capaz de impedir os republicanos, que mantiveram firme sua proposta de
conferência para o fim do dia. Foi então, que José Mariano resolveu reunir no local indicado
mais de 300 pessoas, “compreendendo malfeitores, desordeiros assalariados, soldados
disfarçados à paisana, guardas fiscais e outros empregados de baixa categoria” para
protestarem contra o comício republicano222. Dentre as ofensas supostamente proferidas pelo
grupo de “marianistas” – como eram denominados – vislumbramos queixas contra a
“Republica da escravidão”, e a acusação de Silva Jardim como “caixeiro dos fazendeiros
escravocratas do Sul”.223
Nessa querela, Mariano saiu empoderado e subindo os degraus da Matriz de Santo
Antônio, “confundiu” as classes honestas e trabalhadoras, ao declamar suas teorias e
princípios sobre a república escravista, “ordenando ao seu povo que de forma alguma
consentisse a efetuação da conferência”.224 Influenciados pela fala de Mariano as pessoas
teriam percorrido as ruas em passeata, sob música do 14° batalhão, “com estrepitosos gritos
de viva a Monarquia e abaixo a República”. Ao ver o tamanho da reação monarquista, já pelas
quatro horas da tarde, Manoel Francisco de Barros Rego apresentou por escrito um
documento pedindo para que a conferência não se realizasse, o que de fato aconteceu.

220
Diário de Pernambuco 06 dez. 1889, p. 02.
221
Idem.
222
Idem.
223
Idem.
224
Idem.
231
Nesse quesito é importante salientarmos que, obviamente, havia circulação não apenas
entre notícias e informações via correspondências e noticiários nos jornais, como também
entre indivíduos, que viajavam entre províncias trazendo consigo outras experiências de
manifestações análogas. No livro de memórias de Silva Jardim conseguimos vislumbrar, por
exemplo, o caso de dois grandes republicanos pernambucanos que participaram dos embates
na Corte, no dia 30 de dezembro: Ribeiro de Brito Filho e Aníbal Falcão. Certamente,
pairavam em suas mentes a clara memória das movimentações anti-republicanas associadas a
Guarda Negra carioca e o temor de sua repetição em Pernambuco.225
O órgão A República, editado em Natal também fez emergir notícias sobre a querela
envolvendo José Mariano e a conferência republicana de 22 de julho na província vizinha de
Pernambuco226. Na realidade tratava-se de uma correspondência vinda de Recife e assinada
por Braz de Mello, onde se repetia a mesma ideia exposta anteriormente: o abolicionista
liberal, José Mariano, teria açulado o povo e arregimentado seus capangas “dos antros da
Vársea”, uma feitoria onde este tinha apelo político e popular, para levá-los ao Largo da
Matriz de Santo Antônio contra o projetado meeting republicano. Após ameaças de todas as
formas e cartas anônimas contra Silva Jardim, o delegado Barros Rego soube poupar as cenas
de sangue que se prenunciavam e aconselhou que fosse suspenso o encontro entre os
republicanos, já que “a polícia não poderia conter a malta dos assalariados”. A
correspondência informava ainda que, logo que se constatou que Silva Jardim não iria realizar
seu planejado cotejo, uma banda de música do 14° batalhão postou-se bem em frente a
redação do jornal A Província, onde se encontrava José Mariano a declamar um entusiástico
depoimento “Ouro-Pretista”. Dali seguiu, então, o próprio Mariano acompanhado de música e
de povo em passeata. No dia 31 do mesmo mês, Silva Jardim seguiu de volta ao Rio de
Janeiro e deu por interrompida a sua projetada excursão pelo Norte do país.
Encontramos nova referência a essa mesma ocasião, em data posterior a instauração da
República no Brasil. Em conferência realizada por José Mariano e publicada pelo Diário do
Maranhão227 em diversas edições de maio de 1890, ele relembrava os acontecimentos de 22

225
JARDIM, Antônio da Silva. Memórias e viagens: campanha de um propagandista (1887-1890). Lisboa:
Tipografia da Cia. Nacional, 1891. p.369 e p.409. Apud. OZANAM, Israel. Capoeira e capoeiras entre a
Guarda Negra e a educação física no Recife. Dissertação (Mestrado em História). Recife: PPGH/UFPE, 2013, p.
45.
226
A República (RN), 13 ago. 1889, p. 04.
227
O Diário do Maranhão foi um jornal criado por empresários locais no ano de 1855, na cidade de São Luís e
dirigido por Antônio Rego. O periódico se apresentava como um “jornal do comércio, lavoura e indústria”. Teve
sua circulação suspensa em 1858 e se reestabeleceu em 1873. Sua publicação era diária e matutina, deixando de
sair apenas às segundas-feiras. A redação e tipografia do Diário do Maranhão localizavam-se na Rua das
Palmas, número 6. Cf. https://bndigital.bn.gov.br/artigos/diario-do-maranhao/
232
de julho de 1889 e defendia-se das acusações de seus inimigos políticos, ao mesmo tempo em
que tentava galgar um novo espaço no cenário republicano, ao afirmar que jamais possuiu
uma turba de capangas e brabos assalariados228. Seus seguidores eram homens do povo que
agiam em concordância com suas ideias e com base na confiança e no agradecimento. Ao
longo de sua fala notamos a tentativa de reconstrução de sua imagem e de sua trajetória
política, de modo a promover maior aceitação junto ao novo panorama de governo, sem
perder de vista as críticas à nova instituição e à República brasileira. Quando do meeting de
Silva Jardim, Mariano confirmava que não havia reunido nenhum grupo para combater o
encontro republicano previamente, mas que os homens, ao vê-lo presente, começaram a
clamar por seu nome e dar vivas à Monarquia. Seu papel limitou-se à instruir o povo reunido
dizendo que deveriam repelir a propaganda republicana, despótica e alijada de participação
popular, que se utilizava de propagandistas do sul para lhes darem lições de liberdade.
Mariano afirmava ainda que Silva Jardim representava uma escola que ele combateria
para sempre, porque era a negação do princípio da soberania popular. Ao contrário do que
seus críticos diziam, Mariano atestava que, em realidade, suas ações haviam evitado um
conflito real e mais grave, já que ao sair em passeata conseguiu afastar o povo revoltado da
conferência e depois dispersá-lo na mais completa paz. Mas, jamais teria agido com o intuito
de impedir a fala do conferencista. Se, ao fim, o meeting acabou sendo suspenso foi porque os
republicanos se deixaram impressionar por boatos e pelo receio do que já havia acontecido na
ladeira do Taboão, na Bahia. Encerrando sua fala, Mariano fazia ainda menção à Guarda
Negra. Ele afirmava que os homens que a compunham eram todos os batalhadores da santa
cruzada da abolição e as vítimas libertadas do cativeiro que se reuniram em agradecimento
aos seus benfeitores. Eram denodados cidadãos que concorreram para que se apagasse a mais
negra mancha do país – a escravidão – em um momento em que muitos queriam a sua
conservação.
A relação de José Mariano com a República pode ser comparada, em parte, a do
próprio José do Patrocínio. A diferença essencial entre eles é que, enquanto Patrocínio se viu
defensor do gabinete conservador e após a sua queda começou a retomar suas antigas
posições republicanas, Mariano fez o oposto. Mesmo pertencente ao Partido Liberal, há algum
tempo o articulista do jornal A Província demonstrava intenções de bandear para o lado
republicano, em vista da perpetuação do governo de João Alfredo. No entanto, quando o

228
Diário do Maranhão 10 mai. 1890, p. 02; Diário do Maranhão, 13 mai. 1890, p. 01; Diário do Maranhão, 14
mai. 1890, p. 01-02; Diário do Maranhão, 16 mai. 1890, p. 02-03; Diário do Maranhão, 19 mai. 1890, p. 02;
Diário do Maranhão, 20 mai. 1890, p. 02.
233
liberal Afonso Celso assume o ministério em junho de 1889, Mariano troca de lado. Podemos
perceber esse processo em inúmeros artigos do Diário de Pernambuco, que se tornou um fiel
crítico de Mariano em vista dessa ambiguidade. Em coluna intitulada “República ou
Monarquia”, por exemplo, foi publicado um artigo endereçado diretamente ao jornal A
Província, onde evidenciamos claramente essa questão: “Antes, tudo eram trevas na
monarquia e a república era a luz; agora mudado o cenário político, a luz vem da monarquia e
a república é a treva, vem da nuvem negra do despeito”.229
Podemos assumir também que a não debandada de Mariano para a República possa ter
sido influenciada pelos apelos do companheiro abolicionista Joaquim Nabuco, que em
correspondências pessoais, chegou a pedir para que o mesmo não insuflasse o sentimento
republicano naquele momento e se mantivesse firme ao lado dos interesses do povo. A carta é
datada de 02 de janeiro de 1889 e reforça a percepção de que a aspiração republicana, no
modo como estava sendo organizada, não representava os ideais abolicionistas e muito menos
a massa popular.

Tu estás nesse momento, meu caro Amigo, numa posição difícil. És


positivamente a esperança dos republicanos e o teu pronunciamento teria a
importância de uma batalha perdida para a monarquia e ganha para a
república. (...) mas devo dizer-te: Não te enganes! A causa do povo não é a
república. (...) Qualquer que seja o caráter do movimento no Norte, no Sul
ele é uma explosão de despeito e de rancor contra a lei de 13 de Maio.230

Nabuco seguia seu apelo descrevendo as manifestações de 30 de dezembro na Corte,


confirmando que ali teria se organizado uma Guarda Negra para a defesa do Terceiro Reinado
e que os republicanos haviam atacado o grupo com tiros de revolveres. “Isto não promete
nada bom, mas o resultado de tudo há de ser o ódio de raça, porque os republicanos falam
abertamente em matar negros como se matam cães”231. Em seguida afirmava que nunca havia
imaginado eclodir no Brasil uma guerra civil depois da abolição, mas que, inevitavelmente,
ela iria acontecer: “o que se quer hoje é o extermínio de uma raça e, como ela é a que tem
mais coragem, o resultado será uma luta encarniçada”232. Ao fim, declarava que o sentimento
que o movia era o amor aos escravos e a Pernambuco, e que por isso via no liberalismo
monárquico a melhor opção, em detrimento da revolução republicana: “no dia em que te vir

229
Cf. Diário de Pernambuco, 23 jun. 1889, p. 03.
230
CHACON, Vamireh. Joaquim Nabuco: revolucionário conservador: sua filosofia política (Coleção
Biblioteca Básica Brasileira). Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2000, p. 135-136.
231
Idem.
232
Idem.
234
passando para a república, como os republicanos esperam, terei pena do pobre povo do qual
és um dos poucos sinceros amigos que tenho conhecido e terei pena de Pernambuco”.233
Seja como for, se motivado pela dissolução do gabinete conservador e a subida dos
liberais ao poder, ou pelo apelo de Nabuco e outros abolicionistas reformistas para o modelo
de República que se pretendia instaurar, o fato é que Mariano manteve-se fiel aos ideais do
liberalismo monárquico e acabou por não levantar a bandeira republicana. Tal feito custou-lhe
a inimizade ferrenha do Diário de Pernambuco que passou a representa-lo como perseguidor
e disseminador de terror e ódio pela imprensa e pelas ruas, através de sua malta de capoeiras
que compunham a Guarda Negra. Custou-lhe também o estigma de monarquista após o 15 de
novembro, quando teve dificuldades de galgar aceitação pública no novo regime.
Em 08 de dezembro, por exemplo, já instaurada a nova forma de governo, o periódico
publicava um artigo que retomava essa temática e respondia a acusação feita por José
Mariano de que a República havia sido decretada sem a participação da população, pegando
de surpresa o próprio Partido Republicano234. A resposta a essa provocação aparecia em um
texto que, novamente, evocava a parceria da Guarda Negra e o tribuno do jornal A Província.
Segundo a narrativa, José Mariano era, em primeiro lugar, um embusteiro que perseguiu os
sonhadores da República abusando da ignorância dos homens do povo e criando a Guarda
Negra. Quanto à instauração do novo regime em si, o editorial assegurava que, se ele foi
garantido pelos esforços dos militares – elementos de força e estabilidade – todavia, só pode
ser mantido, com o apoio de valioso contingente de republicanos espalhados por todo o país,
atuantes nas ruas, em clubes e através da imprensa.
Nesse aspecto cabe fazermos uma pequena digressão para falarmos sobre duas visões
historiográficas acerca do processo de instauração da República no Brasil que se remetem as
versões, tanto de Mariano, como do Diário de Pernambuco sobre esse mesmo ato. José
Murilo de Carvalho, em seu clássico livro os Bestializados, nos mostra que apesar da grande
participação de profissionais liberais na propaganda republicana, como advogados, jornalistas,
estudantes e militares, de maneira geral ela não foi capaz de incorporar o povo na
campanha235. Sem perder de vista os diferentes projetos de república e as ações de alguns
republicanos que, influenciados pela Revolução Francesa, alargaram o horizonte da
propaganda para as ruas – caso de Silva Jardim –, José Murilo afirma que ela foi instaurada
sem que esses segmentos participassem de maneira efetiva, sendo caracterizada como um ato
233
Idem.
234
Diário de Pernambuco, 08 dez. 1889, p. 03.
235
CARVALHO, José Murilo. Os Bestializados, o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
235
militar que contou, pouco tempo antes e de maneira limitada, com o apoio de lideranças civis
do Rio de Janeiro, deixando de fora o restante do Brasil.
Em contra partida, Maria Tereza Chaves de Mello, no seu livro A República
consentida, se opõe à interpretação do 15 de novembro como “uma parada militar”, que não
contou com o respaldo e apoio da população236. Para a autora, a instauração da República teria
sido a culminância de um longo processo, cultural e político, de adesão à essa ideia, marcado
por novas maneiras de se pensar a política no país. Ainda de acordo com Maria Tereza, os
adeptos do republicanismo souberam valer-se da indisposição dos militares junto ao Império
para enfraquecer a imagem da Monarquia, ao mesmo tempo em que perceberam a grande
utilidade que eles poderiam oferecer na derrubada do governo imperial. Portanto, analisa o
sentido simbólico da presença de militares junto ao republicanismo nas manifestações das
ruas e percebe a acolhida popular frente às tropas do exército. Os militares encarnaram o
mundo da ordem, posto que fossem representantes de um grupo culto e intelectualizado,
porém detentores do poder das armas. Esse importante segmento social, uma vez que ganhou
a adesão popular, empreendeu a ação que culminou com a instauração da República no Brasil,
no dia 15 de novembro de 1889. Em suma, sua análise recupera a rede de apoio ao
republicanismo em todo o Brasil e relativiza o isolamento da percepção de mero golpe militar
para a instauração da República. Todavia, ao objetivar a ideia do consenso, acaba por
minimizar os diferentes e divergentes projetos políticos e sociais de República para o país.
As ligações entre José Mariano e a Guarda Negra continuaram a ser destacadas pela
imprensa mesmo após o 15 de novembro de 1889, todavia, optamos por narrar esses eventos
no último capítulo da tese que tratará especialmente desse contexto. Por hora, basta sabermos
da relação de dubiedade entre o famoso abolicionista pernambucano e a associação da Guarda
Negra, tida por seus inimigos políticos como capangagem particular para a sustentação da
Monarquia. Como vimos, os debates jornalísticos locais que envolveram os principais
periódicos de Pernambuco falavam abertamente em uma Guarda Negra agindo contra os
movimentos republicanos sob a liderança de José Mariano, em aspectos muito parecidos ao
que, no Rio de Janeiro, foi acusado José do Patrocínio. A diferença era que Mariano,
supostamente, agia para a sustentação do gabinete liberal e não do conservador João Alfredo.
Os mecanismos de atuação da corporação monarquista eram, também, descritos de forma
similar. Os “capangas do cabeleira” atuavam nas ruas, em conferências e meetings
republicanos, com a finalidade de garantir a continuidade da Monarquia, o que nos ajuda a
236
MELLO, Maria Tereza Chaves de. A República Consentida: cultura democrática e científica do final do
Império. Rio de Janeiro: Editora FGV; Editora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2007.
236
perceber que o modelo de Guarda Negra interpretado pela imprensa carioca para compreender
os distúrbios e cisões políticas do imediato pós-abolição se expandiram para outras regiões do
país.

3.8 A Guarda Negra em Sergipe, Rio Grande do Norte e Belém do Pará.


Em início de fevereiro de 1889, o jornal O Republicano, órgão oficial do Partido
Republicano de Sergipe, demonstrava sua solidariedade aos seus compatriotas que haviam
sofrido ataques monarquistas envolvendo a Guarda Negra no Rio de Janeiro, quando da
conferência de Silva Jardim no final do ano anterior237. Aproveitava a ocasião para repetir e
insistir nos estereótipos já comuns a respeito dos libertos e do governo imperial, tidos como
os responsáveis por açular ódios de raças. Na realidade os eventos da Corte repercutiram
enormemente nas páginas do jornal sergipano, ganhando espaço em inúmeras edições. Alguns
dias após as notícias relatadas anteriormente, o jornal voltava a narrar sobre o assunto e a
espalhar o temor entre seus leitores, esclarecendo-os acerca do que chamou de “questão da
liberdade”. Esta se tratava do preparo do espírito nacional para a implantação da República no
Brasil, afirmando que o povo em sua totalidade deveria participar completamente do
processo. Cabia então ao partido republicano promover conferências contínuas,
principalmente nas pequenas províncias do Norte, como era o caso de Sergipe, para que o
ideal republicano estivesse ao alcance de todos, levando-os a compreender os motivos de ser
considerado melhor do que o sistema monárquico de governo. Como o “espírito do brasileiro
é afeito a toda sorte de represálias, criado na sombra da escravidão”, os governantes haviam
se aproveitado da ignorância popular para implantar um regime de terror substituindo a
liberdade de pensamento pela “liberdade do cacete, do revolver e do punhal” 238. Era nesse
sentido que o artigo retornava à situação envolvendo a Guarda Negra no dia 30 de dezembro
de 1888 nas ruas da Corte e denunciava veementemente os feitos da Monarquia, sem focar
sua crítica a conservadores ou liberais. Portanto, fazia circular convicções de que a instituição
monárquica havia reunido em torno de si “uma centena de homens de cor, ontem arrancados
das garras da escravidão” e formado traiçoeiramente “um novo partido monárquico”,
ordenado a matar e assassinar os verdadeiros defensores da causa abolicionista239. Apesar de
espalhar essa visão negativa sobre a Guarda Negra, em nenhum momento, no entanto, o
editorial fez menção a formação de semelhante grupo na província de Sergipe.

237
O Republicano (SE), 03 fev. 1889, p. 01.
238
O Republicano (SE), 10 fev. 1889, p. 01.
239
Idem.
237
A realidade mudaria em menos de um mês após a publicação anterior. Era início de
março, quando o mesmo jornal anunciou uma tentativa de formação de Guarda Negra na
cidade de Laranjeiras240. Rogando pela sensibilidade no tocante à causa da lavoura, vista
como a classe social representante da “marcha civilizadora do país”, mas que havia sido a
grande prejudicada pela lei de libertação, o editorial apelava para a lucidez do povo sergipano:

És tu, sergipano, que aprovas semelhante medida, semelhante plano? Qual


será a posição que há de ocupar a lavoura de Sergipe perante esse
movimento, que originou-se em Laranjeiras, de açular-se os espíritos
incultos? 241

Em seguida partia para uma comparação com o caso paulista, confirmando que
naquela localidade, quando a Guarda Negra tentou invadir a província houve um duplo
movimento: de um lado, parte dos libertos esclarecidos se uniu em forma de reação contra os
próprios homens de cor, e de outro, coube principalmente à classe agrícola se consorciar em
adesão ao partido republicano para enfrentar o problema. Essa comparação com a conjuntura
paulista era, obviamente, um chamamento à filiação dos latifundiários sergipanos ao partido
republicano. Para alcançar esse objetivo o artigo confirmava ainda que a mesma atitude
teriam tomado os mineiros, tanto por parte da lavoura como do comércio:

Se a lavoura e o comércio de São Paulo aderem ao partido republicano (...)


como o resultado de uma oposição ao governo, de calar e consentir na
organização de tal guarda; se a lavoura e o comércio de Minas, levados por
idênticos sentimentos, levantam o mesmo protesto e aderem à república, que
fazem o comércio e lavoura de Sergipe? 242

Claramente, a possibilidade de surgimento de uma frente da Guarda Negra em


Sergipe, mesmo que em uma única cidade – Laranjeiras – era argumento suficiente para
movimentar as vontades políticas e propagar a necessidade de adesão ao republicanismo por
parte da grande lavoura. A situação de Laranjeiras também era comparada com a que vivia o
Rio de Janeiro, com a finalidade de ratificar a violência desse tipo de movimento e alertar o
povo sergipano: “Ontem na Corte (...), amanhã será Laranjeiras o teatro das façanhas
imperiais para extermínio dos heroicos defensores dos direitos do povo”243. Em tom

240
O Republicano (SE), 03 mar. 1889, p. 01.
241
Idem.
242
Idem.
243
O Republicano (SE), 10 de mar. 1889, p. 02.
238
ameaçador e ao mesmo tempo condenatório, o artigo se perguntava ainda quem teria a
coragem de ser responsável por apoiar essa espécie de “desgraça social”, assim como fazia
José do Patrocínio no Rio de Janeiro: “Quem será o Patrocínio larangeirense?”.244
Para corroborar seus argumentos e difundir o pânico entre os latifundiários, o artigo
apostava ainda na retórica do ex-escravo vingativo que alimentava ódios contra seus ex-
senhores, ódios estes que a Guarda Negra possuía intenções de aflorar: “Os proprietários são
os que têm de sofrer mais com a tal Guarda Negra, porque existe ainda uma prevenção, o ódio
dos ex-escravos com os ex-senhores; logo, todo proprietário deve trabalhar com todos os
esforços e, se possível for, pegar em armas para defender a República”245. Assim, clamava aos
seus compatriotas (posto que declarasse ser ele próprio – Francisco Vieira de Mello Luduvior
– um lavrador) que acordassem do sono profundo para levantarem a bandeira do
republicanismo.
Em apoio ao combate à corporação da Guarda Negra que se ambicionava criar em
Laranjeiras246, houve um abaixo assinado dos republicanos residentes em Aracajú. No
documento, eles expressavam seu espírito de protesto contra a “insânia do monarquismo” que
pretendia criar na província de Sergipe os ódios de raça até então inexistentes247. Em uma
reunião do Club Republicano Federal de Laranjeiras248, realizada em 10 de março de 1889, a
associação monarquista composta por libertos voltava a ser alvo de críticas. Para os
republicanos de Itaporanga presentes no local, o melhor meio de agir em combate a esse tipo
de manifestação era a indiferença. Para outros integrantes do grupo, todavia, a maneira ideal
era levar a instrução necessária ao negro recém-liberto, de modo que não se deixasse
manipular tão facilmente. Sendo assim, houve a solicitação para a criação de uma escola

244
Idem.
245
O Republicano (SE), 10 mar. 1889, p. 03.
246
O surgimento de Laranjeiras, provavelmente relaciona-se a uma feira que funcionava no porto fluvial com
acesso à Barra do Cotinguiba e que a partir do século XVIII e XIX foi se tornando um importante centro
comercial da província de Sergipe, tendo a produção de cana de açúcar e tabaco suas principais fontes de renda.
Considerada uma das localidades mais ricas da região, no recôncavo do açúcar sergipano, Laranjeiras foi elevada
à condição de Vila em 07 de agosto de 1832 e passou à condição de cidade em 04 de maio de 1848. Laranjeiras
está situada a 18km da Capital Aracaju, à margem direita do Rio Cotinguiba, afluente do Rio Sergipe. Cf.
http://www.laranjeiras.se.gov.br/ler.asp?id=753&titulo=conteudo.
A respeito da escravidão em Sergipe cf. PASSOS SUBRINHO, Josué Modesto dos. Reordenamento do
Trabalho: trabalho escravo e trabalho livre no Nordeste açucareiro, Sergipe, 1850-1930, Aracaju, Funcaju,
2000.
247
O Republicano (SE), 17 mar. 1889, p. 01.
248
Um dos fundadores do Club Republicano Federal de Laranjeiras foi Baltasar de Araújo Góis, “que atuou na
imprensa política como um dos redatores do jornal O Republicano, dirigido por Felisbelo Freire”. (...). “Após a
queda da Monarquia e a proclamação da República, participou da junta governativa de Sergipe entre 18/11 a
02/12 de 1889”, dividindo com Antonio José de Siqueira Meneses o governo até a posse de Felisbelo Freire, em
13/12/1889, como presidente indicado pelo governo provisório do Marechal Deodoro da Fonseca. Conferir
ABREU, Alzira, Op. Cit.
239
noturna “para os homens do povo”, a expensas do referido clube, “especialmente para os
libertos, a quem, em vez da foice da Guarda Negra que lhes dava a Monarquia, convertendo-
os em selvagens, os republicanos deviam dar o livro, convertendo-os em bons cidadãos”.249
Todos os correligionários apoiaram entusiasticamente a ideia e assinaram documento para
firmar o encaminhamento da aula primária republicana de Laranjeiras.
O jornal sergipano de orientação liberal, A Reforma, também informou sobre a criação
de uma Guarda Negra na cidade de Laranjeiras que se organizava “sob os auspícios de um
ancião respeitável”. Segundo o jornal, a existência de tal associação era possível graças à
proteção dos “governadores da terra”. Por mais que o grupo se dissesse fiel e protetor do
governo, na realidade tratava-se de “uma quadrilha de salteadores para a obtenção dos meios
suficientes à sustentação de meia dúzia de exploradores”.250 Pouco tempo depois, o mesmo
periódico voltava a publicar sobre a “Guarda Negra laranjeirense”, garantindo que a dita
cidade estava “ardendo em fogo vivo” e que a disposição para as lutas e enfrentamentos era
enorme. Em rápida referência, o novo artigo informava ainda que um indivíduo que assistia a
uma sessão do clube republicano de Laranjeiras teria contado que o Dr. Olyntho Dantas,
“num ímpeto de coragem”, declarara em pleno auditório que o quartel general da Guarda
Negra, havia se organizado no engenho S. Pedro, habitação do Dr. Pelino Nobre, 1° vice-
presidente da província, em exercício. 251
Outras províncias do Norte também sentiram, em escala menor, a presença da
corporação da Guarda Negra. Foram os casos do Rio Grande do Norte e Belém do Pará. Em
correspondência enviada de Natal para o Diário de Pernambuco, em fevereiro de 1889, por
exemplo, confirmava-se que nesse mesmo mês havia se formado uma Guarda Negra na
região. Para ser mais exata, a corporação havia sido concebida no dia nove, quando muitos
libertos teriam se reunido, graças a convites prévios feitos pela imprensa, para criarem uma
“associação ou clube a que deram o nome de Guarda Negra”. Após a reunião eles saíram em
passeada pelas ruas da cidade, precedidos por banda de música e numerosas pessoas do povo,
que apoiavam entusiasticamente a instituição da Monarquia, o Imperador e a princesa
imperial. A mensagem ratificava ainda que a manifestação havia sido feita na mais bela
ordem e sem nenhum incidente desagradável.252

249
O Republicano (SE), 17 mar. 1889, p. 01-02.
250
A Reforma (SE), 03 mar. 1889, p. 01.
251
A Reforma (SE), 24 mar. 1889, p. 02-03.
252
Diário de Pernambuco, 19 fev. 1889, p. 02. Notícias publicadas após o 15 de novembro de 1889 davam pistas
dos possíveis chefes da Guarda Negra na região. Segundo artigo publicano pelo Jornal do Recife e assinado por
“um Rio Grandense” o major e comendador Joaquim Guilherme de Souza Caldas era o líder da Guarda Negra do
240
Rápida informação sobre a criação dessa corporação no Rio Grande do Norte também
foi publicada pelo Jornal do Povo, circulante em Pernambuco. No final do mesmo mês de
fevereiro, na coluna “Novidade e Avisos”, o editorial narrava que acabava de ser criada uma
Guarda Negra na região, auxiliada pelas autoridades daquela província, em especial pelo
presidente e chefe de polícia253. Segundo o Jornal do Recife, o chefe da associação da Guarda
Negra da região era o major e comendador Joaquim Guilherme de Souza Caldas254, inspetor
do Tesouro da Província do Rio Grande do Norte. 255
Em Belém do Pará, vislumbramos breve informação sobre a criação de uma Guarda
Negra, “a exemplo de outras províncias”. Segundo o artigo do Liberal do Pará, o seu chefe
seria Leão Titan, o valente major de Benfica. Seu fim era “defender as sustentações juradas e
manter o feudalismo conegal”, bem como proteger as localidades de Pinheiro e Murutucú.256

Natal. Cf. Jornal do Recife, 21 out. 1890, p. 03. Há também referências de que o chefe da Guarda Negra na
região fosse José Gervasio de Amorim Garcia. Cf. Jornal do Recife, 11 dez. 1891, p. 03.
253
Jornal do Povo, 27 fev. 1889, p. 01. O jornal A República (RN), publicado em Natal faz rápida menção a
atuação da Guarda Negra na região e suas modalidades de ação contra a imprensa republicana e ataques às
tipografias de jornais. Cf. A República (RN), 05 ago. 1889, p. 04.
254
Joaquim Guilherme de Souza Caldas “nasceu em Natal a 26 de junho de 1836. Fez o curso de Humanidades
no Atheneu Norte-rio-grandense, não cursando faculdade depois face às limitações financeiras da família. Hábil
na construção de textos, contudo, tornou-se exímio jornalista e em 1868 já se destacava como um dos bons
redatores de O Conservador, órgão do partido ao qual se vinculara. Como político, foi Deputado Provincial anos
seguidos (nos biênios compreendidos entre 1870 e 1877 e no de 1880 a 1881). Com a queda da monarquia
passou por um curto período de desânimo mas, retemperando-se, voltou à oposição, fustigando Pedro Velho e
elegendo-se ao Congresso Constituinte. Foi Inspetor do Tesouro Provincial (depois, Estadual) e Comendador da
Ordem de Cristo. Faleceu em 26 de fevereiro de 1898”. Cf.
http://adcon.rn.gov.br/ACERVO/secretaria_extraordinaria_de_cultura/DOC/DOC000000000108734.PDF
255
Jornal do Recife, 21 out. 1890, p.03.
256
Liberal do Pará, 09 fev. 1889, p.02.
241
3.9 A Guarda Negra no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.

242
No dia 09 de fevereiro de 1889, uma reprodução de artigo publicado nos jornais
sulistas Rio Grandense e A Federação257 circulou nas páginas da folha carioca Gazeta da
Tarde. Nas ideias propaladas pelo editorial, avaliamos as reverberações das ações da Guarda
Negra no Rio de Janeiro, com destaque para os confrontos ocorridos no Clube Ginástico
Francês. Segundo a notícia, a proposta da corporação seria sufocar as manifestações
crescentes da opinião pública republicana empregando métodos violentos através dos braços
dos ex-escravos. Ao rememorar aqueles acontecimentos o artigo afastava da “briosa província
do Rio Grande do Sul” qualquer forma de consentimento a esse tipo de associação,
responsável por atacar crenças e aspirações legítimas de um partido político que era, em
verdade, “uma escola de progresso social”.258 Por partir de atitudes de hostilidade e
brutalidade, a causa da Guarda Negra era dada como vencida, mesmo que o governo lançasse
mão de “maltas de capoeiras e larápios”, retirados das cadeias para assassinar representantes
da “Ideia Nova”.

257
A Federação foi fundado por Julio de Castilho em 1884 em Porto Alegre “como órgão oficial do Partido
Republicano Rio-Grandense (PRR). Em suas páginas, Antônio Augusto Borges de Medeiros, chefe supremo do
PRR a partir de 1903, assinou editoriais e publicou declarações sobre os principais acontecimentos da época.
Desapareceu junto com o PRR, extinto por decreto a 2 de dezembro de 1937, logo após a decretação do Estado
Novo. https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/FEDERA%C3%87%C3%83O,%20A.pdf. Conferir também HOHLFELDT, Antonio. A imprensa sul-
rio-grandense entre 1870 e 1930. Revista E-Compós, Dezembro de 2006, p. 2-12.
258
Gazeta da Tarde, 09 fev. 1889, p. 01.
243
Apesar do malogro anunciado para a causa da Guarda Negra, o Rio Grande do Sul,
afinal, viu surgir uma associação aos moldes da que se propalava e se detratava na Corte. Ela
havia se formado na cidade de Bagé259 por um “grupo de homens de cor verdadeiramente
gratos à lei 13 de maio”260. Pelo menos, era o que nos informava, rapidamente, o jornal
Cidade do Rio, ainda em janeiro de 1889. Aparentemente, na cidade de São Gabriel261
também houve a tentativa de formação de uma Guarda Negra, segundo nos deixa pistas
notícias da imprensa. Uma conferência republicana encabeçada pelo Dr. Fernando Abbott262,
realizada em 03 de março do corrente ano, a convite da Sociedade 13 de maio e do Club
Republicano no teatro Harmonia, declarava a intenção humanitária de ensinar aos seus
associados os direitos e deveres adquiridos com a vida em liberdade e criticava as tentativas
locais de organização da Guarda Negra. Aos indivíduos ali reunidos o conferencista
declamava que:

Seu objetivo é levar às inteligências dos cidadãos que a lei de 13 de maio


trouxe à sociedade, a convicção de que só pelo trabalho e pela instrução
deixariam de ser instrumentos inconscientes e vítimas de duas explorações
como essa que estão sofrendo da monarquia que, depois de oprimi-los
durante três séculos, quer fazer deles muralha contra o embate da onda
republicana que ameaça tragar o trono. 263

O discurso educativo, beirando a uma espécie de ação civilizatória em relação ao


liberto, era claro e tinha a intensão de evitar que os possíveis inconvenientes da vida em
liberdade, principalmente a vagabundagem e a perturbação da ordem pudessem comprometer

259
Localizada na Região da Campanha, pampa gaúcho, e na fronteira com o Uruguai, Bagé constituiu-se numa
das principais áreas do charque ao lado de Pelotas no século XIX. A respeito da relação de Bagé com a fronteira
conferir: BICA, Alessandro Carvalho. Uma Miragem sobre o processo de formação do município de Bagé no
contexto rio-grandense e fronteiriço. ESTUDIOS HISTÓRICOS – CDHRPyB- Año IX – Julio - Diciembre 2017
- Nº 18 – ISSN: 1688 – 5317. Uruguay. http://www.estudioshistoricos.org/18/eh1832.pdf
260
Cidade do Rio, 29 jan. 1889, p. 02.
261
A cidade de São Gabriel está situada na região da Campanha Central. Assim como Bagé, foram centros
importantes do federalismo e da Revolução Farroupilha, além da economia escrava no Rio Grande do Sul.
SANTOS, Viviane C. dos e SIMÕES, Rodrigo Lemos. Maçonaria e Abolição: aspectos do progresso de
emancipação da população negra no município de São Gabriel/RS. Revista de Iniciação Científica da ULBRA.
Canoas, nº 15, p. 72-84, 2017.
262
Fernando Fernandes Abbott nasceu em São Gabriel no ano de 1857, filho de Jonatas Abbott Filho e de
Zeferina Fernandes Abbott. Formou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, mas retornou a São
Gabriel para desenvolver sua carreira. Positivista e abolicionista, fundou em sua cidade o Clube Republicano,
bem como filiou-se ao Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). Foi também jornalista, diretor do órgão O
Precursor e Zig-Zag, ambos destinados à campanha republicana. Com a proclamação do novo regime foi eleito
deputado constituinte pelo Rio Grande do Sul, tendo ainda assumido inteirinamente o governo desse estado entre
16 de março e 15 de julho de 1891 e 27 de setembro de 1892 e 25 de janeiro de 1893. Atuou ainda como
Deputado Federal em 1894 e combateu a Revolução Federalista. Faleceu em São Gabriel, em 13 de agosto de
1924. https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/1%20Verbetes%20letra%20A.pdf
263
Gazeta da Tarde, 20 mar. 1889, p. 02.
244
a hierarquia social e afastar o negro do lugar que até então lhe pertencia, o mundo do trabalho.
Portanto, no imediato pós-abolição não foi incomum que grupos, compostos inclusive de
antigos abolicionistas, se reunissem para mostrar o reto caminho dos direitos e deveres de um
cidadão. Após a devida instrução e aperfeiçoamento intelectual e moral, e não antes disso, os
264
libertos estariam aptos “a almejar altas posições” . Essa tentativa de conquistar certa
estabilidade e harmonia social após a decretação da abolição apelava, até mesmo, para a
manutenção e organização da “família negra”, ao reforçar a ideia de que ela era uma espécie
de unidade fundamental da sociedade e uma escola para a moralidade e os bons costumes.265
A Guarda Negra, obviamente, imanava um perigoso movimento de contestação social
que não deveria se expandir para os homens e mulheres livres de cor, uma vez que
representava um risco à estrutura social que se queria manter ou a que se almejava alcançar.
Desse modo, o Dr. Fernando Abbott, falando como porta voz dos próprios libertos e apelando
para a não filiação destes à causa da Guarda Negra, encerrava sua conferência com a leitura
da seguinte moção:

Os libertos da cidade de S. Gabriel, convencidos de que a instituição da


guarda negra, com o fim de sustentar a monarquia no Brasil, é mais uma
exploração da raça que por tanto tempo foi vítima do cativeiro (...) tem por
objetivo dividir a população brasileira em dois grupos hostis: brancos e
pretos, aconselhando ódios de que a raça negra deve a sua emancipação
exclusivamente à monarquia; protesta contra a organização ilegítima,
indecente e perigosa, cognominada “guarda negra da redentora”, assumindo
ao mesmo tempo a responsabilidade de compromisso de se fazerem cidadãos
brasileiros em vez de guardas inconscientes de instituições que não
fortificam a opinião nacional e antes contrariam as aspirações populares.266

A ideia de que era preciso difundir escolas e o ensino moral e religioso entre a
população local, de modo a impedir o aumento da criminalidade pela província, era comum
também nos discursos das autoridades. No relatório elaborado por Rodrigo de Azambuja
Villanova, então presidente provincial do Rio Grande do Sul, em agosto de 1888, já se
apontava para a falta de educação completa “até as últimas camadas sociais”, juntamente com
a disposição para o uso ilegal de armamentos e o vício da embriaguez, somados a impunidade
frequente em virtude da extensão do território, como os principais produtores dos crimes na

264
Idem.
265
Idem.
266
Idem. Nova alusão às atitudes contrárias à Guarda Negra no Rio Grande do Sul apareceu nos jornais quando
da conferência republicana encabeçada pelo Dr. Alvaro Chaves. Segundo informações dos periódicos, ele teria
se referido à Guarda Negra como uma instituição assalariada pelo governo para massacrar o povo. Consta que na
conferência estiveram presentes muitos oficiais do exército. Cf. O Novo Brasil, 23 fev. 1889, 04.
245
região. Tudo o que já era ruim, teria piorado, sobremaneira, após o 13 de maio, que se
encarregou não só de libertar incondicionalmente todos os escravos, como de tornar rotos
todos os contratos e obrigações que se baseavam em leis anteriores, principalmente a lei de
libertação do ventre escravo. Por isso, no atual estado em que se encontrava a província, “a
vida e a propriedade do cidadão ficaram quase sem amparo e defendidas, antes, pelos recursos
pessoais de cada um do que pelo poder policial”. Obviamente, a culpa dos atos criminosos
recaía sobre os libertos, que “vagueavam de uns para outros municípios atacando a
propriedade alheia para buscarem meios de subsistência que não querem procurar no
trabalho”, constituindo-se, por isso, em uma ameaça permanente à ordem pública.

A liberdade plena, conferida de chofre a milhares de indivíduos educados


sob o regime do cativeiro, sem a menor compreensão dos deveres de
cidadão, habituados a serem governados pelo temor do castigo corporal,
única barreira a seus instintos, (...) e para os quais a lei é um fato
desconhecido (...), é a produtora do estado anormal que já em pouco se vai
tão acentuadamente sentindo em suas consequências o efeito.267

O relatório prosseguia, confirmando que graças à lei que aboliu a escravidão, crescia a
cada dia nas cidades e vilas da província sulista a vagabundagem e a ociosidade. Assim como
a prostituição, que se alastrava como algo assustador. Menores, filhas de escravas, que antes
estavam no seio das famílias dos seus antigos senhores, “ao abrigo das seduções”, ao serem
entregues a suas respectivas mães, “muitas de uma perversidade moral sem nome e pela
influência do meio para onde foram transportadas”, recebiam maus exemplos diários que as
levavam a adotar uma vida de devassidão. Vagavam pelas ruas da capital e de outras cidades
do interior, como exemplo da miséria a que foram impelidas pela “brusca transição porque
passaram”, não estando preparadas para viver sem uma tutela particular. Foram simplesmente
“jogadas”, sem abrigo e sem amparo, às mãos de um Estado que não lhes garantia proteção
contra as misérias e seduções da vida em liberdade.
Dentro do que se propõe essa tese, não cabe avaliar aqui o real aumento da
criminalidade na Província do Rio Grande do Sul após o ato de libertação, apesar disso, a fala
do presidente provincial é um rico exemplo da retórica escravista utilizada contra a lei de 13
de maio, imediata e incondicional. Retórica essa que, comumente, imputava ao liberto a
incapacidade de conduzir sua vida de maneira autodeterminada e apelava para a tutela do

267
Relatório com que o Exm. Sr. Dr. Rodrigo de Azambuja Villanova passou a administração da Província de S.
Pedro de Rio Grande do Sul a S. Ex., o Sr. Barão de Santa Thecla, no dia 09 de Agosto de 1888. Porto Alegre:
Oficinas Tipográficas do Conservador, 1889, p. 04-06.
246
homem branco, civilizado e bem educado como a única possiblidade de salvação. Ao apelar
para a difusão do medo entre a população, tendo em vista os atos de violência deliberados e
incontroláveis pelo poder público e policial, o governador se utilizava de argumentos comuns
para pressionar o Estado a tomar medidas indenizatórias e de tempo de aprendizagem, como
vimos nos capítulos anteriores em relação à Guarda Negra. Se compararmos, no entanto, os
relatórios de Presidentes de Província de forma geral, disponíveis para os anos de 1888 e
1889, a menor parte deles destaca o aumento da criminalidade nas localidades em questão
como consequência da abolição. Pelo contrário, um grande número ratifica a forma tranquila
em que conseguiram transacionar para o estado de plena liberdade. De maneira geral,
podemos concluir que as reclamações se tornavam mais comuns no tangente à reorganização
da lavoura e do mundo do trabalho, do que sobre a manutenção da ordem e tranquilidade
pública.
Ainda no Rio Grande do Sul, dessa vez na cidade de São Borja268, vislumbramos
novas manifestações em detrimento da Guarda Negra. Elas ocorreram em paralelo ao primeiro
aniversário pela abolição da escravidão, em meio à celebração do Clube Republicano desta
mesma cidade. Na ocasião, indivíduos egressos do cativeiro teriam se reunido e firmado a
seguinte declaração:

Nós, pessoas do povo, amantes da liberdade e do engrandecimento de nossa


pátria, e reconhecendo os esforços do partido republicano por tudo que pode
fazer um país feliz, manifestamo-nos contra o 3º Reinado e contra os
absurdos da Guarda Negra; sejam quais forem as nossas condições, seremos
sempre pela República, por essa causa sagrada do direito de cada cidadão. 269

Interessante notar que a respectiva declaração aparecia assinada por vinte e quatro
pessoas, dentre elas homens e mulheres270. De toda a documentação analisada até aqui,
sempre que apareciam moções, declarações, estatutos etc., relativos à manifestações
contrárias ou a favor da Guarda Negra, compostas ou não por libertos, todas as assinaturas se

268
Ainda em meados do século XVII (1687), São Borja foi fundada pelos padres jesuítas como o primeiro dos
chamados Sete Povos das Missões. Situa-se na fronteira oeste do estado, sendo banhada pelo rio Uruguai.
WAGNER, Anderson e FOLETTO, Ariene Guimarães. A Oeste do Rio Grande: História Agrária em São Borja
(1850-1885). Disciplinarum Scientia, Série Ciências Sociais e Humanas, Santa Maria, V. 3, Nº. 1, p. 57-76,
2002. https://periodicos.ufn.edu.br/index.php/disciplinarumCH/article/view/1601/1506
269
A Federação, 13 jul. 1889, p. 02.
270
Segue listagem dos indivíduos que assinaram a dita declaração: Militão Rmioss, Antonia Pompêo, Alzira
Marianna de Oliveira, Eugenia Menezes, Abrão Justiniano da Silva, Ventura Ferreira Bicca, Thomaz de Aquino
Pereira, Manoel Setembrino Falcão, Escolastica Maria da Conceição, Luiz Angelico, Ventura Belmiro, Maria
Ferreira de Moraes, Manoel do Nascimento, Innocencio Pinheiro, Antonio Lages, Alberto M. da Conceição,
Ramão Luiz Angelico, João Ricardo, Miguel Gonçalves Cascão, Adão Falcão, Leandro Baptista, Pedro Pereira,
Lourenço João Gomes. Cf. A Federação, 13 jul. 1889, p. 02.
247
restringiam a indivíduos do sexo masculino. Essa publicação, portanto, além de demonstrar a
capacidade de agenciamento de indivíduos negros à questões políticas, inclusive contra a
causa monarquista, ainda confirma a presença de um público feminino presente nesse tipo de
tensão e ação pública, mesmo que diminuto quando comparado aos sujeitos do sexo
masculino.
Para além do Rio Grande do Sul, também notamos a presença da Guarda Negra em
Santa Catarina marcando sua presença no processo eleitoral, a exemplo da capangagem já
comum em disputas partidárias há longos períodos. Era o que nos informava uma publicação
carioca da Gazeta de Notícias, acerca das eleições no município de Guaraciaba271:

A eleição foi aqui muito pouco concorrida porque vários eleitores


atemorizaram-se, receando a Guarda Negra que, segundo contava, vinha
impedir a eleição, porque, diziam eles, essa eleição era para se tratar da
República e o fim desta era recativá-los 272

Com efeito, o editorial garantia que no momento da votação, um numeroso grupo de


“malfeitores armados de espingardas, garruchas, facas e foices”, havia se entrincheirado em
um canto do arraial, tendo sido preciso a ação do delegado para reverter a situação, dando voz
de prisão a inúmeros turbulentos. Estes, por terem resistido, travaram uma luta violenta e
como resultado do confronto saíram feridos de ambas as partes. Nada disso, no entanto, era
novidade em períodos eleitorais. O que agora denominavam como fruto de ações da Guarda
Negra há muito ocorria em disputas locais com representantes do partido conservador ou
liberal. É bem verdade, contudo, que a conjuntura de crise social e institucional certamente
ampliou a intensidade dessas disputas e trouxe à tona um movimento republicano fortalecido
por dissidentes liberais e conservadores, trazendo novas regras a um jogo antigo. No entanto,
mantemos a ideia de que a terminologia “Guarda Negra” nesse contexto, foi usada pela
imprensa em diferentes localidades do Brasil para caracterizar determinados movimentos sem
que os próprios agentes envolvidos assim se identificassem ou tivessem consciência desse
fato.
Como sabemos, a construção das narrativas históricas sobre o ato de libertação, logo
após o 13 de maio, se esforçaram vigorosamente na estratégia política de construir uma
imagem da abolição da escravidão associada à noção de harmonia e ao cumprimento da

271
Guaraciaba é um dos municípios do estado de Santa Catarina que alcançou sua emancipação política apenas
em 1° de outubro de 1961.
272
Gazeta de Notícias, 31 mai. 1889, p. 01.
248
ordem, quando na realidade sabemos da emergência de inúmeros conflitos políticos e sociais
ao longo, principalmente, de toda a década de 1880. Conflitos estes que permaneceram e
foram resinificados em grande parte do país no período imediatamente posterior a abolição, o
que faz do ano de 1888-1889 ponto primordial para a compreensão da (re)organização da
sociedade brasileira, recentemente e completamente livre, em um momento atravessado por
crise institucional e alarde econômico. Os movimentos que caracterizaram as ações da Guarda
Negra fizeram parte desse momento e contribuíram para aumentar as tensões e as disputas
políticas oriundas da abolição da escravidão. Nos capítulos anteriores avaliamos a construção
da ideia de Guarda Negra pela imprensa carioca e de que forma essa questão revelou
concepções e intensões de bandeiras políticas e de indivíduos que possuíam projetos de
abolição e de nação distintos, mas irremediavelmente marcados pela racialização. No capítulo
que agora se encerra procuramos demostrar a nacionalização desse tipo de movimento,
designado Guarda Negra, nos mais diferentes locais do país. Tarefa complicada, pois ao
fazermos o exercício para entrever o contexto mais amplo por trás de cada especificidade,
corremos o risco de não identificarmos os limites da generalização.
Tentando escapar dessa questão buscamos criar uma base de comparação e
experimentação entre as narrativas da imprensa em torno da Guarda Negra por todas as
regiões do país, analisando-as em suas particularidades, mas, ao mesmo tempo, nos
esforçando para contextualizá-las dentro de um mesmo referencial e cenário nacional.
Levando em conta a heterogeneidade da conjuntura brasileira do imediato pós-abolição,
procuramos entender como experiências sociais díspares, produziram projetos e partilharam
questionamentos em torno de uma mesma questão: o que fazer após o fim da escravidão? Foi
extremamente enriquecedor observar o leque de formas de resistência e agenciamento dos
quais falavam os jornais de todo o Brasil sob a designação de Guarda Negra e mesmo contra
ela, dando novos significados às ações políticas já antigas nos cenários regionais como, por
exemplo, em disputas eleitorais. O uso da comparação nesse capítulo não se limitou,
portanto, ao simples levantamento de similaridades e diferenças regionais em torno do projeto
da Guarda Negra, mas foi antes, um esforço para compreendermos as articulações entre os
processos históricos que marcaram o contexto brasileiro no imediato pós-abolição, onde
novas noções sobre raça, liberdade, trabalho e cidadania deram o tom das discussões. Foi
nesse sentido, que utilizamos o método comparativo a partir de um múltiplo campo de

249
observação, e expandimos a noção de História Comparada para falarmos também em História
Conectada.273

273
O conceito de História Conectada aqui empregado parte da noção de que um múltiplo campo de observação,
para além das análises de semelhanças e diferenças em torno de uma mesma questão, é capaz de nos fornecer
uma iluminação recíproca do objeto de conhecimento, de modo a compreendê-lo em suas variadas facetas e
vicissitudes. Para uma análise deste conceito, conferir: KOCKA, Jürgen. Comparison and beyond. History and
Theory. Feb. 2003. p. 39-44.
250
CAPÍTULO IV
Apontamentos sobre a Guarda Negra após a instauração da República.

251
Se desde a década de 1870 o movimento republicano ganhou força no Brasil, tendo
crescido consideravelmente durante os anos 1880, em novembro de 1889 ele culminava na
aproximação de chefes políticos civis, como Quintino Bocaiuva, Francisco Glicério, Aristides
Logo e Rui Barbosa, com líderes militares do exército e da Armada. 1 Tramas, especulações,
negociações formavam-se tanto do lado dos republicanos como de monarquistas que
buscavam garantir a instauração do Terceiro Reinado. Na imprensa, circulavam rumores de
que D. Pedro II abdicaria em favor de Isabel, sua filha. As tensões e a atmosfera de
imprevisibilidade ganhavam dimensões cada vez maiores. Em 14 de novembro espalhou-se a
notícia falsa de que o governo teria expedido ordem de prisão contra Deodoro da Fonseca e
Benjamin Constant e de que a Segunda Brigada de São Cristóvão sofreria um ataque da
2
Guarda Negra. Segundo relatos da imprensa, esses boatos teriam precipitado os
acontecimentos que culminaram com o golpe de 15 de novembro. 3 Na madruga deste mesmo
dia, oficiais dos regimentos de artilharia e cavalaria teriam se mobilizado, junto aos estudantes
da Escola Superior de Guerra para combater as supostas intenções do governo. Ao saber dos
acontecimentos, o então chefe do gabinete liberal, visconde de Ouro Preto se reuniu com seu
ministério no Quartel-General do exército, no Campo de Santana, para organizar a resistência.
Aparentemente malogrado o contra movimento, as tropas golpistas adentraram o Campo de
Santana ainda pela manhã do dia 15 de novembro. Deodoro da Fonseca declarou deposto
Ouro Preto e todo seu gabinete, não destronando, todavia, o Imperador ou declarando
formalmente a instauração da República.4

1
Maria Tereza Chaves de Mello analisa o sentido simbólico da presença de militares junto ao republicanismo
nas manifestações das ruas e percebe a acolhida popular frente às tropas do exército. Os militares encarnaram o
mundo da ordem, posto que fossem representantes de um grupo culto e intelectualizado, porém detentores do
poder das armas. Esse importante segmento social, uma vez que ganhou a adesão popular, empreendeu o golpe
que culminou com a instauração da República no Brasil, no dia 15 de novembro de 1889. MELLO, Maria Tereza
Chaves de. A República Consentida: cultura democrática e científica do final do Império. Rio de Janeiro:
Editora FGV; Editora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2007.
2
Diversos jornais cariocas anunciaram preparativos de ações da Guarda Negra em novembro de 1889, o que foi
utilizado, inclusive, como justificativa para a precipitação do golpe militar no dia 15 do mesmo mês. Um artigo
publicado pelo Diário de Notícias, por exemplo, quatro dias antes e escrito por um militar que preferiu não se
identificar, afirmava que os integrantes do grupo de negros estavam sendo arregimentados e recebendo
pagamentos através de verbas secretas, disfarçados sob o nome de Guarda Nacional. Nas mãos de seus
integrantes, o governo estaria mandado distribuir cerca de treze mil armas, além de canhões Krupp. O incógnito
militar denunciava ainda que a polícia se encontrava completamente militarizada e, todas as noites, aguardava
em prontidão a espera de algo indeterminado. “Estaremos ameaçados de alguma invasão inimiga?” o editorial
lançava a pergunta ao final. Cf. Diário de Notícias, 11 nov. 1889, p. 03.
3
Inúmeros jornais relataram o processo que culminou com o golpe dos militares em 15 de novembro, a título de
ilustração, conferir: Gazeta de Notícias, 10 jan. 1890, p. 03. Gazeta de Notícias 10 jul. 1890, p. 01. O Paiz, 10
jan. 1890, p. 02. Jornal do Commercio, 10 jan. 1890, p. 02.
4
CASTRO, Celso. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de janeiro: Zahar,
1995.
252
No mesmo dia à tarde, republicanos militares e alguns civis que tomaram ciência do
movimento já se mostravam apreensivos com a hesitação de Deodoro em relação à derrubada
formal da Monarquia. Foi então que entrou em cena José do Patrocínio, que já havia rompido
com a Guarda Negra e com o Terceiro Reinado, lançando a ideia de se dirigir à Câmara
Municipal, já que era vereador, e de lá proclamar a República. Foi acompanhado de um
pequeno grupo de manifestantes que apoiavam o movimento, partindo da redação de seu
jornal Cidade do Rio. Chegando a seu destino, proclamou publicamente a República e hasteou
a bandeira do Clube Lopes Trovão para simbolizar o grande acontecimento. Tendo em vista
seu feito, Patrocínio, posteriormente, passou a chamar para si o título de “Proclamador civil
da República”, não tendo, no entanto, seu ato entrado para a história como de significativa
importância para o desfecho do movimento.5
Como Deodoro da Fonseca havia se retirado para sua casa, em virtude de problemas
de saúde, parte dos manifestantes civis que haviam se reunido na Câmara Municipal foram
caminhando pelas ruas até seus aposentos, incluindo José do Patrocínio. Lá chegando, quem
recebeu a multidão foi Benjamin Constant. Patrocínio contou-lhe seu feito, mas a resposta foi
hesitante. Benjamin Constant afirmou que aguardaria a decisão do Governo Provisório que
convocaria uma Assembleia Constituinte para deliberar sobre o futuro do regime político no
Brasil. A situação mudou quando se tomou ciência das intenções do Imperador de compor um
novo ministério sob a liderança de Silveira Martins. Só então Deodoro teria decidido derrubar
a Monarquia formalmente. Um governo provisório com Deodoro como presidente foi
montado e se assinou o primeiro decreto republicano: “Fica Proclamada provisoriamente e
6
decretada como forma de governo da Nação brasileira – a República Federativa”. No dia
seguinte foi anunciada a D. Pedro II a mensagem do novo presidente comunicando-lhe dos
acontecimentos e ordenando-lhe que em 24 horas abandonasse o país com toda a sua família.
Na madrugada de 17 de novembro o Imperador e sua família partiram do Brasil e chegaram a
capital portuguesa em 07 de dezembro do mesmo ano. Estava consumada, assim, a mudança
de regime político no Brasil.

5
Na visão de Rita de Cássia A F de Vasconcelos, “A alcunha de ‘proclamador civil da república’ atribuída ao
jornalista Patrocínio começou a ganhar fôlego quando o mesmo descreveu a sua participação durante a instalação
da República, no Cidade do Rio, em 14 de dezembro de 1889. Isto era crucial para ele defender-se da acusação
de falso republicano a qual vinha recebendo”. VASCONCELOS, Rita de Cássia Azevedo Ferreira de. República
Sim, Escravidão Não: O Republicanismo de José do Patrocínio e sua vivência na República. Dissertação de
Mestrado em História Contemporânea I. Niterói: PPGH/UFF, 2011, p. 137.
http://www.historia.uff.br/stricto/td/1464.pdf
6
Artigo 1, do Decreto nº1, de 15 de novembro de 1889. “Proclama provisoriamente e decreta como forma de
governo da Nação Brasileira a República Federativa, e estabelece as normas pelas quais se devem reger os
Estados Federais.” http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/D0001.htm
253
Como todo golpe de Estado, o 15 de novembro iniciou-se como uma tentativa e uma
possibilidade. O fato de ter sido efetivado e consumado não fez dele algo inevitável nem
incorrigível para os indivíduos que vivenciavam aquele momento. Portanto, apesar de ter se
dado, incialmente, sem alardes ou sensacionalismos e com pouca participação popular, sua
consolidação não se fez sem embates frente às pessoas que estavam dispostas a lutar pela
Monarquia. A análise dos artigos de jornais nos permite notar que conflitos envolvendo
monarquistas e republicanos continuaram a acontecer nas mais diversas partes do país e,
apesar da Guarda Negra, aos poucos ter desaparecido dos relatos da imprensa, ainda
conseguimos notar sua presença nos anos iniciais da década de 1890, bem como o receio e o
temor do retorno desse grupo de negros atuando em prol do Terceiro Reinado em épocas
ainda mais distantes.
De maneira geral, podemos dizer que a memória do grupo de negros libertos
permaneceu presente no imaginário político dos brasileiros e na imprensa sendo sempre
retomada como instrumento de exaltação do movimento republicano e como demonstrativo da
ruína dos princípios monárquicos. Em inúmeras ocasiões foi lembrada como parte
fundamental para a perda de credibilidade da Princesa Isabel e do Imperador, mas acima de
tudo era vista com temor por aqueles indivíduos que percebiam naquele tipo de movimento
uma possibilidade de conduta para os novos cidadãos brasileiros egressos do cativeiro. A
rememoração de homens de cor, vistos como ignorantes, ébrios, desordeiros e mal educados,
reunidos ao redor um ideal interpretado como ignóbil e degradante, assustou por longos anos
a elite política brasileira que se esforçou por extirpar a possibilidade de atuação política
autônoma de homens e mulheres negras. A marca da capoeiragem e da capangagem acabou
por atravessar os séculos e definir a Guarda Negra para as gerações futuras, que não foram
capazes de ver naquele amplo movimento social sentidos políticos diversos que envolveram
percepções de expectativas de futuro, liberdade, cidadania, raça, trabalho e ordenamento
social. Nesse capítulo apresentaremos algumas relações entre a Guarda Negra do Rio de
Janeiro e a capoeiragem, indo além da percepção de que tal associação desapareceu por conta
da perseguição política empreendida pelo novo governo aos capoeiras. Vislumbraremos ainda
a forma como a imprensa carioca e nacional tratou sobre a temática da Guarda Negra após o
15 de novembro de 1889.

254
4.1 A Guarda Negra carioca e a capoeiragem.
Com a vitória do projeto republicano novos mecanismos de combate à desordem e à
vagabundagem foram determinados. Foi nesse contexto que entrou em cena o chefe de
polícia, do agora Distrito Federal, o republicano João Batista Sampaio Ferraz, o "Cavanhaque
de Aço"7. Sob o pretexto de que era necessário combater os resquícios da Guarda Negra, ele
empreendeu uma política de intensa perseguição aos capoeiras e desordeiros. Na realidade,
segundo nos informa Carlos Eugênio, a capoeira já vinha representando um crescente perigo
nas ruas da Corte no decorrer de toda a década de 1880. Através da análise dos relatórios dos
chefes de polícia e de alguns jornais da imprensa carioca, o historiador avaliou em que
medida a prática da capoeiragem se tornou um problema de ordem pública na cidade do Rio
de Janeiro, ampliando seu espaço de atuação e passando a ser um recurso utilizado pela maior
parte dos grupos políticos, inclusive em rixas de rua8. Como vimos no capítulo inicial dessa
tese, Carlos Eugênio associa a gênese e o modus operandi da Guarda Negra às maltas de
capoeira já presentes e famosas na capital do Império, o que discordamos em nosso trabalho.
Segundo o mesmo autor, foi durante a gestão de João Alfredo9 que a teia de relações
entre capoeiras e o aparato policial, que há muito já ocorria, alcançou dimensões refinadas,
sendo esse momento seguido por intensa perseguição política, já no início do período
republicano10. Com a chegada do novo regime fez-se imprescindível acabar com os resquícios
de antigos monarquistas por parte do novo chefe de polícia, Sampaio Ferraz, que passou a
assumir estratégias de captura e deportação de líderes de maltas de capoeira que tinham como

7
João Batista Sampaio Ferraz nasceu em 1856 na província de São Paulo, na fazenda Santa Maria. Era filho de
importante fazendeiro de café, Joaquim Bueno de Sampaio Góes, conhecido como “Quito Sampaio” e que
participou da Convenção Republicana de Itu de 1873. Seus avós paternos eram da família Camargo de São
Paulo, uma das principais famílias paulista. Formado pela Escola de Direito da capital paulista, no Rio de Janeiro
casou-se com D. Elisa Vidal Leite Ribeiro, filha de Joaquim Vidal Leite Ribeiro, primeiro e único barão de
Itamarandiba. Tornou-se promotor público da Corte ainda jovem. Militante republicano, filiou-se a ideologia
jacobina, partidário, portanto, de uma república revolucionária. Para divulgação de suas ideias fundou o jornal O
Correio do Povo. Esteve inclusive presente na Sociedade Ginástica Francesa em 30 de dezembro de 1888 para a
conferência de Silva Jardim, bem como nas comemorações pelo centenário da Revolução Francesa em 14 de
julho de 1889, presenciando, em ambas as ocasiões, os conflitos com a Guarda Negra. Após o 15 de novembro,
foi rapidamente convidado para assumir o cargo de chefe de polícia do novo Distrito Federal, sob a condição de
ter liberdade para livrar a cidade dos antigos monarquistas, cargo que assumiu até novembro desse mesmo ano.
Cf. SOARES, Carlos Eugênio Líbano. Negregada Instituição: os capoeiras no Rio de Janeiro (1850-1890).
Dissertação de Mestrado em História Social. Campinas, IFCH/ UNICAMP, 1993, p. 423-424. Conferir também
Apanhado Genealógico. Revista do Arquivo Municipal CXXV. São Paulo: Prefeitura do Município de São
Paulo/Departamento de Cultura, 1949, pp. 67-68.
8
A respeito da Capoeira conferir também os trabalhos de Luiz Sérgio Dias - “Capoeira, Morte e Vida no Rio de
Janeiro”. DIAS, Luiz Sérgio. Capoeira, morte e vida no Rio de Janeiro. In Revista do Brasil, Anoº, Nº 4, Rio de
Janeiro, Rioarte, 1985, pp. 106-116; DIAS, Luiz Sérgio. Quem tem medo de capoeira. Rio de Janeiro, 1890-
1904. Rio de Janeiro: Sec. Municipal de Culturas, 2001.
9
João Alfredo Correia de Oliveira, presidente do conselho de ministros do Gabinete Conservador de 10 de
março de 1888 a 7 de junho de 1889.
10
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. Op. Cit., p. 415.
255
principal destino a ilha prisão Fernando de Noronha, não sem antes serem fichados e
permaneceram alguns dias na Casa de Detenção do Distrito Federal. Foi também nesse
contexto que a capoeira passou a ser considerada crime de acordo com o Novo Código Penal
da República, deixando de ser apenas delito, como era na época da Monarquia.11
Podemos vislumbrar a grande notoriedade de Sampaio Ferraz como chefe de polícia
através das notícias publicadas pela imprensa. O jornal carioca A República12, por exemplo,
confirma a intensa perseguição feita por Sampaio Ferraz aos capoeiras nos informando sobre
a prisão de José Elysio dos Reis, o famoso Juca Reis13. Irmão do 2º Conde de São Salvador de
Mattosinhos14, ele havia retornado de Portugal quando foi visto na rua pelo próprio chefe de
polícia que declarou voz de prisão. Segundo a publicação da folha republicana, a atitude de
Sampaio Ferraz fazia jus a sua promessa de dar “cabo dessa raça malvada e maldita que
infestava as ruas dessa capital e servia de capanga nas eleições, de agente de polícia secreta e
estava às ordens das autoridades policiais”.15 Ainda de acordo com a notícia, a capoeiragem
durante o período imperial havia sido elevada à altura de uma instituição, formando quase a
totalidade dos indivíduos que compunham a Guarda Negra. Por isso, o serviço do novo chefe
de polícia era imprescindível e extraordinário, lutando inclusive contra a “alta estirpe” para
sepultar esse mal, a exemplo do que acabara de fazer com José Elysio dos Reis ao sustentar

11
Decreto n° 847, de 11 de outubro de 1890. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-
1899/decreto-847-11-outubro-1890-503086-publicacaooriginal-1-pe.html. A prática da capoeiragem permaneceu
como crime até o ano de 1932, sendo liberada por decreto do então presidente Getúlio Vargas.
12
O Jornal A República (RJ) foi fundado em 1890 pelo republicano Pedro Tavares Júnior que além de
proprietário exercia a função de redator chefe. Era publicado na cidade de Campos, diariamente, com exceção
das segundas-feiras. No ano de 1892 ele passou a ser propriedade de Antônio de Almeida Nunes que manteve as
publicações até 1895, data e que o jornal saiu de circulação e encerrou suas atividades.
13
A República (RJ), 22 abr. 1890, p. 02. Em nova publicação o jornal narrava que o evento em torno da prisão de
Juca Reis levou a uma crise ministerial que culminou com a saída de Quintino Bocaiúva do Ministério das
Relações Exteriores e com a deportação do dito capoeira para Fernando de Noronha. A República (RJ), 26 abr.
1890, p. 01. Segundo Marcio de Souza Castilho, Quintino Bocaiuva fora o mentor intelectual da fundação do
jornal O Paiz. CASTILHO, Marcio de Souza. O amigo incondicional de todos os governos: a trajetória de João
Lage em O Paiz nos primeiros anos da República. Anais no 9º Encontro Nacional de História da Mídia. UFOP.
Ouro Preto, MG. http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/9o-encontro-2013/artigos/gt-historia-do-
jornalismo/201co-amigo-incondicional-de-todos-os-governos201d-a-trajetoria-de-joao-lage-em-o-paiz-nos-
primeiros-anos-da-republica. A amizade entre Quintino e o segundo Conde de Matozinho também fora destacada
por DIAS, Op. Cit., p. 130.
http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4204430/4101440/quem_tem_medo_capoeira.pdf
14
João José dos Reis Junior, 2º Visconde e 2º Conde de São Salvador de Mattosinhos, era negociante de grosso e
proprietário do Jornal O Paiz. Ambos, Reis Junior e José Elysio, eram filhos de João José dos Reis Júnior, 1º
visconde e 1º conde de São Salvador de Matosinhos, esse último foi título criado por decreto de 29 de janeiro
de 1880 do rei D. Luís I de Portugal. Negociante de grosso, banqueiro, ex-diretor e fundador do banco inglês
Brazilian and Portugueses Bank (depois English Bank of Rio de Janeiro), do Banco Commercial do Rio de
Janeiro e do Banco do Brasil e diretor da Cia Brasileira de Navegação a Vapor. Foi também presidente honorário
das Associações Comerciais do Porto e Lisboa, diretor da Associação Comercial do Rio de Janeiro, na qualidade
de representante do comércio português. http://www.museu-
emigrantes.org/docs/titulados/Joao%20Jose%20dos%20Reis.pdf
15
A República (RJ), 22 abr. 1890, p. 02.
256
sua prisão e deportação para Fernando de Noronha – a despeito das tentativas de Quintino
Bocaiuva, então Ministro das Relações Exteriores de impedir sua atitude.16
Como dito anteriormente, para Carlos Eugênio a capoeiragem era uma estratégia
política que, apesar de ser utilizada por ambos os partidos do período imperial, se propagou
como uma prática majoritariamente ligada aos conservadores, sendo extirpada ou fortemente
combatida pelo novo regime republicano sob a liderança de Sampaio Ferraz. Ainda segundo o
mesmo autor, que entende a Guarda Negra atuando aos moldes das maltas de capoeira e
representando a continuidade de uma política imperial há muito consagrada na capital do Rio
de Janeiro, o progressivo desaparecimento desse grupo de negros libertos estaria estritamente
relacionado à política de perseguição aos capoeiras promovida pelo novo chefe de polícia. Em
outras palavras, o fim da Guarda Negra se dava em consonância com a repressão à
capoeiragem. Diferentemente de Soares, e como temos ressaltado, sustentamos a hipótese de
que a Guarda Negra não desapareceu em virtude da perseguição pura e simples às maltas de
capoeira, já que entendemos que a associação não se reduzia a essa característica –
capoeiragem – e relativizamos mesmo o grau dessa repressão aos capoeiras pelo novo regime
republicano. Para tanto, avaliamos algumas informações contidas nos livros de matrícula de
presos da Casa de Detenção da Corte e do Distrito Federal.17
As informações contidas no material analisado da Casa de Detenção são preciosas para
compreendermos a conjuntura tensa dos primeiros anos sem escravidão na então capital do
país, bem como dos primeiros anos do governo republicano. Esse período ilumina os estudos
sobre as dinâmicas urbanas e as políticas institucionais, principalmente no que diz respeito à
disciplinarização e o controle social da massa de indivíduos que formavam as camadas
16
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. Op. Cit., p. 431-433.
17
A Casa de Detenção da Corte foi fundada pelo ministro da Justiça José Thomaz Nabuco de Araújo, com o
Decreto nº 1.7748 de 02 de julho de 1856 e foi estabelecida provisoriamente dentro do complexo prisional da
Casa de Correção. No regulamento de 1856 foi definido que a Casa de Detenção da Corte era destinada aos
presos descritos como: indiciados por qualquer crime, os condenados a qualquer pena, cujos processos pendem
de recurso que suspende a execução da sentença, os indiciados por crimes afiançáveis e inafiançáveis como
também as pessoas pronunciadas por crimes com pena de morte, galés perpétuas ou prisão com trabalho por
mais de dez anos – nesse último caso há uma exceção aos crimes inafiançáveis. Era prevista também a presença
dos presos por infração de posturas municipais ou dos regulamentos policiais, infração de contrato, dívidas civis
ou comerciais. No caso dos estrangeiros, os indivíduos permaneceriam ali por requisição dos seus respectivos
Cônsules. Ou seja, eram detidos na Casa de Detenção da Corte uma grande variedade de presos e, convém
destacar que, boa parte das detenções não tiveram sequência ou prosseguimento jurídico por durarem, em sua
maioria, dois ou três dias sem que fosse aberto inquérito e o suspeito julgado. A Casa de Detenção contava com
uma capacidade prisional para apenas 160 indivíduos, o que significa que, sem dúvida, a superlotação era
frequente como podemos perceber ao analisar os relatórios anuais do Ministro da Justiça. Cf. CLB (Coleções de
Leis do Brasil). Decreto n º 1774 de 02 de julho de 1856. Do regulamento para a Casa de Detenção estabelecida
provisoriamente na Casa de Correção da Corte. Vol. 1. p. 294-295. Conferir também ASSIS, Charleston José de
Souza, DUARTE, Leila Menezes e MENDES, Anderson F Moreira. Fontes para o Estudo da Imigração
Portuguesa no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. In: MARTINS, Ismênia Lima e SOUSA, Fernando
(org.), Portugueses no Brasil: migrantes em dois atos. Niterói: Muiraquitã, 2006, pp. 27-43.
257
trabalhadoras e percorriam os espaços da cidade, com destaque e com maior rigor para os
recém-egressos do cativeiro. Através desse tipo de documentação, podemos obter dados que
nos permitem entender a história de homens e mulheres que viviam em um país onde a
liberdade não significava um risco eminente, ainda que a luta pela sua manutenção estivesse
em jogo. Por meio desse material coletamos importantes dados sobre cor, idade, profissão,
estado civil, filiação, local de moradia, tipo de crime, local de nascimento, datas de detenção e
soltura, além de uma descrição física dos presos. Tudo isso mostra que ao chegar à Casa de
Detenção os presos eram submetidos a um exame minucioso, marcado por procedimentos
comumente utilizados pela polícia da época para distinguir traços e características que
ajudassem a identificar indivíduos.
Em nosso trabalho priorizamos as fichas de detentos classificados como pretos,
pardos, mulatos, fulos, morenos, enfim, todos aqueles não brancos. No entanto, também
quantificamos os brancos e suas nacionalidades de modo a fazermos uma análise comparativa.
Indivíduos de cor branca presos como capoeiras também foram alvo de um estudo mais
minucioso, bem como os presos em datas e locais de confrontos da Guarda Negra com
republicanos, a fim de que cruzássemos algumas informações recolhidas nos periódicos com
os livros de matrícula.
Dentre os detentos fichados, a maior parte identificava-se com o nome e o sobrenome,
porém não raro encontramos registros apenas com o primeiro nome. Como sabemos, a
ausência de sobrenome era traço marcante nos registros oficiais de quem viveu a escravidão.
Trazendo a experiência desses anos tão recentes, o escrivão frequentemente desconfiava da
identidade dos detentos. Por isso, ao registrar o nome de alguns indivíduos, fazia questão de
colocar a identidade que já sabia a respeito dele e só depois inseria a identificação que o preso
dizia possuir. Sendo assim, um pardo, de 20 anos, brasileiro, natural do Rio de Janeiro,
solteiro, carroceiro, morador da Rua de São Pedro, preso por desordem, em 21 de setembro de
1888, foi registrado com o nome de Basílio Antônio de Miranda, mas também deu o nome de
Manoel Antônio dos Santos e disse chamar-se Basílio Afonso de Miranda, o que
posteriormente foi registrado pelo escrivão na linha de baixo daquela em que colocou a
identificação que acreditava ser a verdadeira.18
Em outro caso, João Rosas, “que diz chamar-se Antônio João”, africano da Costa,
classificado de cor preta, pais incógnitos, com 50 anos, solteiro, morador da ladeira da Glória,

18
Casa de Detenção da Corte. Arquivo Público do Estado Rio de Janeiro. Matrículas de Detentos. MD-LL-050
(01/08/88 – 26/10/88), p. 282. Disponível em: http://aperj.godocs.com.br/
258
chacareiro, foi preso por turbulento em 27 de agosto de 188819. Para além das suspeitas do
escrivão, essa multiplicidade de nomes nos parece revelar que as identidades ainda não
estavam por completo definidas no pós-abolição, ou melhor, estavam em processo de
redefinição. Como sabemos, na época do cativeiro era relativamente comum a adoção de
estratégias de trocas de nomes entre os escravos que fugiam dos seus senhores e que
assumiam outras identidades nos locais em que se refugiavam 20. Isso ocorreu principalmente
com o avanço do movimento abolicionista, quando muitos cativos fugiram das fazendas e
buscaram se misturar à população livre dos grandes centros urbanos. Todavia, no imediato
pós-abolição, a adoção de outro nome e sobrenome talvez refletisse a incerteza e a
insegurança da garantia da liberdade nesse período inicial, já que não raro, ex-senhores
reclamavam abertamente no Parlamento e na imprensa por mecanismos que garantissem a
ordem e a autoridade sobre seus dependentes, mesmo que libertos. Há muito pouco tempo
sancionada, nada podia garantir que a Lei Áurea fosse mantida ou que o cativeiro pudesse
retornar. Sendo assim, o medo da reescravização no imediato pós-abolição era real e a
mudança de nome uma estratégia para inviabilizá-la.21
Além da multiplicidade de identidades apreendidas, diferentes nacionalidades foram
encontradas entre os presos. Essas nacionalidades refletem um pouco o movimento de
migração na cidade do Rio de Janeiro e o número expressivo de portugueses que aqui viviam
e faziam parte da vida e das vicissitudes cotidianas. Indivíduos de diferentes localidades do
Brasil também eram fichados na Casa de Detenção, o que nos mostra o forte movimento de
migração interna. Esse tipo de análise poderia contribuir, inclusive, para os estudos acerca do
tráfico interno de escravos e da chegada de trabalhadores livres nacionais que abasteceram o
crescimento da economia do Sudeste.
Como destacado anteriormente, uma investigação do material contido nessa instituição
nos serve de termômetro para acompanhar o crescimento e as transformações ocorridas no
Rio de Janeiro através da ebulição das ruas e da ação da polícia. Com o grande crescimento
demográfico ocorrido principalmente a partir da segunda metade do século XIX, notamos a
complexificação da sociedade composta cada vez mais por homens e mulheres de cor livres e
ex-escravos que conquistavam sua liberdade, mas também por imigrantes de origens

19
Casa de Detenção da Corte. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Matrículas de Detentos. MD-LL-
050 (01/08/88 – 26/10/88), p. 155. Disponível em: http://aperj.godocs.com.br/
20
CHALOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012.
21
FILHO, Walter Fraga. O cotidiano movediço do pós-abolição: ex-escravizados na cidade de Salvador, 1189-
1890.
259
diversas22. Obviamente o crescimento urbano veio atrelado à necessidade por maior controle
social, fazendo parte desse processo a criação de distritos policiais e novos dispositivos de
vigilância policial como os toques de recolher23 e as rondas noturnas, além do aumento de
prisões de indivíduos considerados “suspeitos”, principalmente homens negros, escravizados
ou livres e pobres. Daí o grande número de prisões sob à denúncia de vadiagem e as tentativas
de cerceamento das liberdades através de regulamentos sobre a venda de bebidas alcoólicas, a
proibição da capoeira, regras para o porte de arma, entre outras práticas.24 Tudo isso
pressupunha um aumento da demanda policial nas ruas da cidade, sendo a casa de Detenção a
instituição que operou com centralidade no controle do circuito de crime carioca, através da
aplicação cotidiana do Código de Posturas Municipais.
Dois importantes trabalhos que tratam sobre o sistema prisional brasileiro no século
XIX e que analisaram os dados contidos nos materiais relativos à Casa de Detenção nos
ajudaram a traçar um quadro geral da realidade carcerária carioca para a década de 1880. A
dissertação de mestrado de Anita de Souza Lazarim25 e um artigo da historiadora Gizlene
Neder intitulado Cidade, identidade e exclusão social, publicado pela Revista Tempo26. Em
sua pesquisa, Anita Lazarim esclarece sobre o quadro de detentos para os anos de 1860 até a
década de 1880 e evidencia uma tendência que se confirma após a abolição da escravidão a
respeito dos motivos das prisões. A maior parte delas era realizada por vadiagem, embriaguez
e comportamento desordeiro (72%)27. Seu trabalho também confirma o enorme número de
presos portugueses nas ruas da cidade do Rio de Janeiro.28

22
No recenseamento de 1872, o município da Corte contava 294.972 habitantes, sendo 226.033 livres (82%) e
48.939 escravizados (17,8%). Cf. SOARES, Luiz Carlos. O povo de Cam na capital do Brasil: a escravidão
urbana no Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2007, p.34-36. Manolo Florentino apresenta
os mesmos números de Luiz Carlos, mas mostra também por freguesias, a saber: nas freguesias urbanas, o total
de livres era de 191.176 (84%) e o total de escravos era de 37.567 (14%); nas freguesias rurais, o total de livres
era de 34.857 (75%) e o total de escravos era de 11.372 (25%). FLORENTINO, Manolo. Alforrias e Etnicidade
no Rio de Janeiro oitocentista. Topoi, Rio de Janeiro, set. 2002, pp. 9-40, p. 10-11 (Tabela 1: Evolução
demográfica da cidade do Rio de Janeiro, de acordo ao estatuto jurídico dos habitantes, 1799-1872)
http://www.scielo.br/pdf/topoi/v3n5/2237-101X-topoi-3-05-00009.pdf
23
Sobre o toque de recolher, o Toque de Aragão, ver CHAZKEL, Amy. “O lado escuro do poder municipal: a
mão-de-obra forçada e o toque de recolher no Rio de Janeiro oitocentista”. Revista Mundos do Trabalho, V.5,
N.9, 2013, p. 31-48.
24
Sidney Chalhoub em Cidade Febril empregou a noção de “classes perigosas” utilizada no Brasil em um debate
parlamentar na Câmara dos Deputados após a abolição da escravidão. Essa noção colocava em suspeição
generalizada, especialmente, os cidadãos pobres vistos como malfeitores em potencial e, automaticamente,
levantava a pauta de projetos sobre a repressão da ociosidade e da vagabundagem. Cf. CHALHOUB, Sidney.
Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p.22.
25
LAZARIM, Anita de Souza. Rotinas do Cárcere: uma história social da Casa de Detenção da Corte entre
1856-1889. Dissertação de Mestrado em História. Guarulhos: UNIFESP, 2017.
26
NEDER, Gizlene. Cidade, identidade e exclusão social. Tempo, Rio de Janeiro, Vol. 2, n° 3, 1997, pp. 106-
134.
27
De 1860 até 1880, na documentação dos livros de matrícula dos detentos da Casa de Detenção, o quadro geral
das detenções apresenta os seguintes motivos de prisão: 24% das detenções foram por vadiagem, 22% por serem
260
É importante ressaltar que Anita Lazarim organizou sua pesquisa por amostragem, em
decorrência do enorme quantitativo de detentos para a década de 1880 (cerca de 41.000).
Sendo assim, ela contabilizou apenas alguns prisioneiros distribuídos nos meses iniciais de
cada ano e a partir daí condensou suas conclusões. Para a nossa pesquisa, foi necessário
computar cada um dos presos entre os anos de 1888 e 1890, o que somou um total de 7.677
detentos. Além disso, para os anos de 1888 e 1889, aqueles em que a Guarda Negra se
manteve mais ativa e com maior repercussão na imprensa, elaboramos bancos de dados mais
detalhados, priorizando as informações de prisioneiros não-brancos que passavam na
instituição. A respeito desses sujeitos foram organizadas tabelas de acordo com as
informações contidas na documentação. Dentre os dados priorizados selecionamos: nome,
nacionalidade, naturalidade, nome dos pais, motivo da prisão, local de moradia, ocupação,
idade e cor. Não deixamos de registrar os crimes cometidos pelos homens brancos e suas
nacionalidades, no entanto fizemos um levantamento apenas quantitativo, computando o
número de prisioneiros e seus locais de origem, sem alocar as demais informações em um
banco de dados.29
Ainda assim, podemos utilizar o trabalho de Anita Lazarim para montarmos um
quadro geral da população carcerária do Rio de Janeiro na década de 1880, tendo sempre em
mente a enorme circulação de pessoas no interior da Casa de Detenção. Convém destacar que
a maior parte das detenções não tinha sequência na instituição judiciária, ou seja, tratavam-se
de prisões que duravam dois ou três dias e que não davam origem a inquérito e investigação
policial ou mesmo julgamento. Os registros eram feitos no momento de entrada na Casa de
Detenção e preenchidos a mão pelo escrevente em campos já pré-determinados, o que os
tornava passíveis de erros ou equívocos. Conforme os indivíduos compreendiam os jogos de

escravos fugidos ou por suspeita de serem escravos fugidos, 16% por desordem e 10% por embriaguez. Cf.
LAZARIM, Anita de Souza. Op. Cit. Em especial o capítulo 2, pp. 69-106.
28
Luiz Carlos Soares afirma que mais de 130.000 imigrantes portugueses chegaram ao Rio de Janeiro entre
1851-1870. Cf. SOARES, Luiz Carlos. “O Rio de Janeiro no século XIX: desenvolvimento econômico, urbano e
populacional”. In: O povo de cam na capital do Brasil: a escravidão urbana no Rio de Janeiro do século XIX.
Rio de Janeiro: 7 Letras, 2007, pp.34-36. Conferir também. ALENCASTRO, Luiz Felipe. Proletários e
escravos: imigrantes portugueses e cativos africanos no Rio de Janeiro 1850-1872. Novos Estudos CEBRAP
(Impresso), v.21, pp.30-56, 1988.
29
Importante destacar que os livros de matrícula da Casa de Detenção são manuscritos que se encontram em
mau estado de conservação, em sua maioria. Além disso, muitos desses livros desapareceram, deixando várias
lacunas ao longo dos anos. Porém, apesar dessas dificuldades, eles nos fornecem um rico material e permitem
analisarmos uma parcela considerável dos registros de detentos. Atualmente eles encontram-se digitalizados e
disponíveis para consulta online no domínio do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ -
http://aperj.godocs.com.br/). Segue lista do material analisado e computado em nossa pesquisa: MD-LL-048
(26/0288 – 28/04/88); MD-LL-049 (28/04/88 – 01/08/88); MD-LL-050 (01/08/88 – 26/10/88); MD-LL-051
(11/07/89 – 08/08/89); MD-LL-052 (01/10/89 – 13/11/89); MD-LL-053 (13/11/89 – 13/01/90); MD-HN-0001
(01/03/1890 - 30/04/1890); MD-HO-0001 (30/04/1890 – 30/06/1890); MD-HN-0002 (04/06/1890 –
06/09/1890); MD-HN-0003 (08/09/1890 – 04/11/1890).
261
poder em questão e o sistema de aprisionamento, graças em parte ao grande número de
reincidentes, é provável que tenham entendido que inserir-se no mundo do trabalho
amenizava penalidades e os afastava da ideia de desordem. Portanto, provavelmente, muitos
encarcerados declaravam profissões ou simplesmente atestavam serem trabalhadores, ainda
que não tivessem real ocupação, para escapar dos prejuízos que advinham da noção de
ociosidade e se livrarem mais rapidamente de suas penas. Não cabe nesse trabalho
analisarmos um quadro de profissões de cada um desses indivíduos, basta afirmarmos que a
maior parte deles se dizia pertencente a algum ofício ou simplesmente afirmavam ser
“trabalhadores”.
Em relação à cor dos indivíduos registrados pelos escrivães na Casa de Detenção da
Corte, notamos certo desequilíbrio entre brancos e não-brancos. Para os anos de 1888 e 1889
foram detidos 4.759 indivíduos, sendo que destes 2.091 eram brancos e 2.668 eram não-
brancos, respectivamente 44% e 56% – Gráfico 1 (anexo 1).

Gráfico 1: Total de presos brancos e não brancos na Casa de Detenção, 1888-1889

3000

2500
Número de indivíduuos

56%
2000
44%
1500
Brancos
1000 Não-brancos

500

0
Brancos Não-brancos
Cor

Fonte: Livros da Casa de Detenção, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. MD-LL-048 (26/0288 –
28/04/88); MD-LL-049 (28/04/88 – 01/08/88); MD-LL-050 (01/08/88 – 26/10/88); MD-LL-051 (11/07/1889 –
08/09/1889); MD-LL-052 (01/10/1889 – 13/11/1889); MD-LL-053 (13/11/1889 – 14/11/1889).

Apesar dessa diferença na detenção de brancos e não-brancos, não existia, todavia,


uma forte disparidade. Cabe destacar que entre os detentos que chamamos de não-brancos
foram registradas inúmeras categorias de cores: preta, morena, parda, parda clara, parda
escura, acaboclada, cabra, fula, cabocla. Não fizemos, no entanto, um quadro geral para cada
um desses registros raciais. Importante notar também que nossos resultados de pesquisa
262
corroboram aqueles encontrados por Anita Lazarim. A autora computou para toda a década de
1880 a mesma tendência: 60,6% da população carcerária carioca era composta por pessoas
não-brancas e 38% por brancas, sendo que em alguns casos a letra do escrivão esteve ilegível
ou a lacuna referente à cor do sujeito vazia (1,4%). Essa análise nos indica, porém, que o
número de prisões de pessoas brancas vinha aumentando na Casa de Detenção, o que
podemos verificar através do já citado artigo de Gizlene Neder. Nele, a autora nos indica uma
mudança desse quadro geral da cor dos detentos para os primeiros anos da República e aponta
para certo equilíbrio nas ações policiais sobre brancos e não-brancos entre os anos de 1890 e
1924, assegurando inclusive uma tendência para à prisão de indivíduos de cor branca.30
Tal situação pode ser explicada, em parte, pela presença cada vez mais marcante de
imigrantes europeus nos centros urbanos cariocas, principalmente portugueses. Apenas para
os anos de 1888 e 1889, por exemplo, o nosso levantamento das fichas de matrícula permitiu
perceber que dentre o total de prisioneiros brancos, 2.091 indivíduos, apenas 453 eram
brasileiros, ou seja, 22%. Enquanto isso, o número de portugueses detidos era de 1071,
aproximadamente 51% do total, e os demais estrangeiros computavam 567 sujeitos, o que
representava 27% das prisões de brancos na Casa de Detenção – Gráfico 2 (anexo 2).

Gráfico 2: Total de presos brancos por nacionalidade na Casa de Detenção,


1888-1889

1200
51%
1000
Número de Indivíduos

800

27%
600
Brasileiros
22%
400 Portugueses
Demais estrangeiros
200

0
Brasileiros Portugueses Demais
estrangeiros
Nacionalidades

Fonte: Livros da Casa de Detenção, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. MD-LL-048 (26/0288
– 28/04/88); MD-LL-049 (28/04/88 – 01/08/88); MD-LL-050 (01/08/88 – 26/10/88); MD-LL-051

30
NEDER, Gizlene. Op. Cit., p. 133.
263
(11/07/1889 – 08/09/1889); MD-LL-052 (01/10/1889 – 13/11/1889); MD-LL-053 (13/11/1889 –
14/11/1889).

A partir da coleta dos desses dados, podemos inferir que a enorme presença de
estrangeiros na sociedade nem sempre era vista de forma positiva. Tanto artigos na imprensa
como os relatórios de chefes de polícia demonstram certa dubiedade sobre o papel social do
imigrante. Em determinadas circunstâncias o estrangeiro era tratado como promotor da
civilização e como o “bom trabalhador”, capaz de embranquecer a nação brasileira, enquanto
em outras era visto como um elemento nocivo, considerado vadio e vagabundo, a contaminar
o trabalhador nacional. De um modo ou de outro, o fato é que a presença de brancos
estrangeiros foi marcante nas celas da Casa de Detenção, em especial a de portugueses. A
presença desses portugueses no contexto carcerário carioca foi também analisado pelo
historiador Carlos Eugenio Líbano Soares em seu estudo sobre a capoeira. Através dele o
historiador defendeu a existência de uma espécie de intercâmbio cultural que perpassava a
população negra, escrava ou livre, e os imigrantes portugueses, já que estes segmentos sociais
compartilhavam condições de vida e de trabalho semelhantes. Esses indivíduos muitas das
vezes eram vizinhos que dividiam a mesma ocupação, pagavam aluguel, moravam em
cortiços, frequentavam espaços parecidos e sofriam com as mesmas epidemias.
Consequentemente, experimentavam pressões parecidas da polícia e eram alvos dos mesmos
31
mecanismos de disciplinarização. Vale ressaltar que dentre os capoeiras fichados na Casa
de Detenção entre 1888 e 1889 muitos eram brancos e de origem portuguesa.
Retomando a questão dos motivos das prisões para que possamos avaliar
especialmente aquelas desempenhadas pelo crime de capoeira, apenas para a década de 1880,
temos os seguintes resultados: segundo o trabalho de Anita Lazarim a desordem, a vadiagem e
a embriaguez se sustentaram como os motivos de prisão mais comuns, somando juntos 77,5%
32
do total. A capoeira apareceu em quarto lugar, compondo 5,72% dos delitos entre os anos
de 1881 e 1889. Em seguida apareceram os crimes por fuga, “ratoneiro” e “gatuno”, como
podemos vislumbrar no gráfico 3 desenvolvido pela autora.

31
SOARES, Carlos Eugenio Líbano. Op. Cit. Em especial o capítulo 4: “De Fadistas e Galegos: os portugueses
na capoeira”, pp. 215-259.
32
Separadamente cada um dos crimes representava: desordem, 32%; vadiagem, 31,5% e embriaguez 14%. Cf.
LAZARIM, Anita de Souza. Op. Cit., p. 77.
264
Gráfico 3: Os Motivos de prisão entre 1881 e 1889.

Fonte: Casa de Detenção da Corte. Apud. LAZARIM, Anita de Souza, Op. Cit., p. 77.

O nosso próprio levantamento de dados nos permitiu esmiuçar esse quadro geral já
apontado por Anita Lazarim e melhor direcioná-lo aos objetivos desse trabalho. Sendo assim,
optamos por analisar a quantidade de prisioneiros que passaram pela Casa de Detenção pelo
motivo de “capoeira” nos ministérios conservador e liberal. Essa foi uma maneira de
avaliarmos o grau de fidelidade apontado por parte da historiografia entre a capoeiragem e o
partido conservador, tido, por este motivo, como um dos possíveis agitadores e mesmo
organizadores da Guarda Negra. Em seguida, comparamos os dados encontrados com o
período de gestão de Sampaio Ferraz como chefe de polícia do Distrito Federal, de modo a
avaliarmos a intensificação dessa perseguição aos ditos capoeiras no momento imediatamente
posterior à instauração do regime republicano no Brasil, interpretando em que medida existe
congruência entre o desmantelamento das maltas de capoeira – e se ele foi decisivo ou não – e
o suposto fim da associação da Guarda Negra.
Dessa forma, entre 10 de março de 1888 até o fim do ministério conservador de João
Alfredo, em 07 de junho de 1889, conseguimos quantificar, através do levantamento de todos
os nomes de prisioneiros que passaram pela Casa de Detenção, quais e quantos deles foram
detidos pelo crime de capoeira, ainda que algumas vezes associados a outros tipos de delitos.
33
Para tal período computamos um total de 2.964 indivíduos fichados na Casa de Detenção,

33
Cabe destacar que os livros de matrícula do período que vai de 27/10/1888 a 10/07/1889 se encontram
desaparecidos. Trata-se exatamente do momento em que a Guarda Negra e os republicanos travaram embate no
265
sendo que destes, 295 haviam sido aprisionados pela prática da capoeiragem, o que nos
aponta para uma proporção de 10% de presos por capoeira em relação ao número total –
Gráfico 4 (anexo 3).

Gráfico 4: Número de presos por capoeira no Ministério João Alfredo Correia de


Oliveira, 10/03/1888 a 07/06/1889 (%)

295,
10%

2269, 90%

Outros Capoeiras

Fonte: Livros da Casa de Detenção, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. MD-LL-048 (26/02/88 –
28/04/88); MD-LL-049 (28/04/88 – 01/08/88); MD-LL-050 (01/08/88 – 26/10/88).

Quando do início do ministério liberal de Afonso Celso, em 07 de junho de 1889, até o


dia 15 de novembro do mesmo ano, data de instauração da República no Brasil, tivemos a
quantidade de apenas 11 presos por capoeira, dentre o total de 1064 detentos contabilizados, o
que significava, aproximadamente, 1% do total de prisões – Gráfico 5 (anexo 4). Cabe
destacar que o gabinete de Afonso Celso foi mais curto que o de João Alfredo, e que os livros
relativos às datas a partir de 09 de agosto de 1889 até 30 de setembro do mesmo ano não
puderam ser localizados. Ainda assim é significativa a diminuição do número de detentos pelo
crime de capoeira no curto gabinete liberal, quando analisamos de maneira proporcional.

Clube Ginástico Francês, em 30 de dezembro de 1888, o que nos impossibilitou de cruzar os nomes dos
indivíduos presos fornecidos pela imprensa com os livros de matrícula da Casa de Detenção.
266
Gráfico 5: Número de presos por capoeira no Ministério Ouro Preto, 07/06/1889
a15/11/1889 (%)

11
1%

Outros
Capoeira

1053
99%

Fonte: Livros da Casa de Detenção, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. MD-LL-051
(11/07/1889 – 08/09/1889); MD-LL-052 (01/10/1889 – 13/11/1889); MD-LL-053 (13/11/1889 –
14/11/1889).

Voltando aos dados dos gráficos anteriores, podemos admitir que ambos demonstram
que tanto o Partido Liberal quanto o Conservador, uma vez no poder, sustentaram a
perseguição aos ditos capoeiras, ainda que Carlos Eugênio aponte para a relação mais íntima e
fiel de capoeiras com o ministério de João Alfredo. Mesmo que tenhamos mais livros de
matrícula para a gestão do gabinete conservador, quando analisamos proporcionalmente, o
número de prisões por capoeiragem empreendidas na chefia de João Alfredo é muito superior.
Tal fato, isoladamente, não sustenta a hipótese de que capoeiras e gabinete conservador não
tenham assumido alianças e filiações políticas, como bem nos demonstrou Carlos Eugênio,
mas ajuda a entender que esse tipo de relação não foi unânime e que a prática da capoeira foi
fortemente combatida pela polícia carioca desse período, de maneira até mais intensa do em
comparação com a gestão liberal de seu sucessor.
Como verificado ao longo dos outros capítulos da tese, a Guarda Negra foi associada
hora ao gabinete conservador, hora ao liberal pela imprensa carioca e nacional. Todavia, se a
entendermos como uma simples prática de capoeiragem fomentada pelo ministério João
Alfredo, podemos questionar o fato de que esse mesmo ministério empreendeu uma forte
perseguição aos delitos de capoeira nas ruas cariocas enquanto esteve em vigor. Na realidade,
se confrontarmos os dados obtidos em nossa pesquisa com aqueles definidos por Anita
Lazarim para toda a década de 1880, podemos concluir, inclusive, que houve um aumento
267
significativo do número de prisões por capoeira nessa gestão, o que, em parte, pode ser
explicado pela expansão das próprias tensões políticas que envolviam conservadores, liberais
e republicanos se assumirmos que a prática da capoeira era comum como ferramenta política
desse período, ainda que considerada ilegal.
Infelizmente, não conseguimos cruzar as fontes da imprensa com os livros de
matrícula da Casa de Detenção para os meses finais de 1888, o que significa que não pudemos
comparar os nomes daqueles indivíduos listados pelos jornais como sendo detidos no
confronto entre a Guarda Negra e os republicanos que assistiam à conferência de Silva Jardim
na antiga Travessa da Barreira, com as fichas de matrícula da Casa de Detenção.
Conseguimos, todavia, identificar aqueles que foram presos em virtude dos conflitos pelo
centenário da Revolução Francesa, em 14 de julho de 1889, também nas ruas da cidade do
Rio de Janeiro, em especial na Rua do Ouvidor. De maneira geral, os jornais cariocas
publicaram listagem igual ou parecida dos indivíduos aprisionados nessa ocasião, sendo
muitos deles encontrados nos livros de matrículas de presos no dia seguinte, 15 de julho.
Dentre os nomes apresentados na imprensa, pudemos localizar os seguintes detentos:

Antônio
Alfredo
José
Emygdio
Rodrigues
Prestello Américo Antônio Antônio de Avelino da
Accacio Serpa (diz
Nome (diz chamar- José dos Gonçalves Siqueira Silva
Quaresma chamar-se
se Alfredo Santos Pimentel Bastos Ribeiro
Paulino
Emydio
Martins
Perestelo)
Rodrigues)
Nacionalidade Português Português Brasileira Português Brasileira Brasileira Brasileira

Ilha da Rio de Angra dos Rio de


Naturalidade Coimbra Braga Campos
Mandeira Janeiro Reis Janeiro
Fortunato José João
Henrique de [?] Martins José Pinto
Pai José dos Gonçalves Siqueira
Jesus [?] Rodrigues Ribeiro
Santos Pimentel Bastos
Genoveva[?] Maria Luiza Maria Ambrozina
Maria Maria da
Mãe Maria da Josefa da Martins
Lopes Dias Silva
Perestelo Conceição Conceição Rodrigues

Preso por Preso por Preso por


Preso por Preso por Preso por
desordem desordem desordem
Preso por desordem desordem posse de desordem
Motivo do às 02:30 na Rua da às [?] horas
na Rua da Conceição na Rua da armas em às 19 horas
Crime horas da Conceição da noite na
às 22 horas. Conceição flagrante e na Rua do
noite na Rua às 22 Rua do
às 22 horas. vagabundo Ouvidor
do Ouvidor. horas. Ouvidor

Idade 37 18 19 20 25 18 18
Estado Civil Solteiro Solteiro Solteiro Solteiro Solteiro Solteiro Solteiro

268
Rua Nova do Rua do Rua da Rua Senhor Rua da Rua do Rua do
Morada
Ouvidor Monte Candelária dos Passos Saúde Moroado[?] Lavradio
Ocupação Cozinheiro Marceneiro Trabalhador Marceneiro Marítmo Caixeiro Copeiro
Cor Branca Branca Parda Branca Branca Branca Branca
Data de
18/07/1889 16/07/1889 17/07/1889 15/07/1889 19/07/1889 17/07/1889 17/07/1889
soltura

Joaquim José
Coelho de Francisco
Castro (diz (diz
José
chamar-se João Leite João da José chamar-se Luiz Pinto Manoel
Nome Cardoso
Joaquim da Costa Costa Antônio José Pereira Rottas
Vieira
Coelho da Francisco
Costa) dos
Santos)
Nacionalida
Brasileira Português Português Brasileira Português Brasileira Brasileira Grego
de
Naturalidad Rio de Rio de Minas
Filgueiras Braga Bahia Porto
e Janeiro Janeiro Gerais
Antônio José Manoel José Manoel
Antônio
Pai Coelho da Durão da José da Antônio Cardozo Francisco Miguel
Francisco
Costa Silva Costa Vieira Pereira
Maria Ignácia Maria Constança
Rita Emília Anna Rita Pinto
Mãe Ignácia da Leite da Rosa da Daminana Eva
da Silva Guedes Nunes
Costa Costa Conceição da Silva
Preso por Preso por Preso por Preso por Preso por Preso por Preso por Preso por
desordem desordem desordem desordem desordem desordem desorde desordem
Motivo do na Rua da na Rua da às 22 às 19 na Rua da às 19 m às 19 na Rua do
Crime Conceição Conceição horas na horas na Conceição horas na horas na Rezende
às 22 às 22 Rua da Rua do às 22 Rua do Rua do às 22
horas. horas. Conceição Ouvidor horas. Ouvidor Ouvidor horas
Idade 19 22 19 20 30 22 21 25
Estado Civil Solteiro Solteiro Solteiro Solteiro Solteiro Solteiro Solteiro Solteiro
Rua
Rua Rua da
Senhor Rua do Morro do Largo da Ilha de Rua da
Morada Senador Santa
dos Riachuelo Castelo Lapa Paquetá Gambôa
Pompeu Luzia
Passos
Carpinteir Trabalhad Carpinteir Escrevent Vendedor
Ocupação Lustrador Cozinheiro Pintor
o or o e de Ostras
Cor Branca Branca Branca Preta Branca Parda Branca Branca
Data de 17/07/188 15/07/188 17/07/188 19/07/188 18/07/188 20/07/188 15/07/188
Ilegível
soltura 9 9 9 9 9 9 9

Fonte: Livros da Casa de Detenção, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. MD-LL-051 (11/07/1889 –
08/09/1889)

A listagem desses indivíduos saiu publicada nas diversas folhas cariocas nas edições
do dia 15 de julho, o que nos leva a pensar que eles tenham sido detidos no próprio dia 14 ou
na madrugada do dia 15, e fichados na Casa de Detenção posteriormente. Além destes, o
Diário de Notícias publicou mais alguns nomes de pessoas supostamente detidas, mas que
não puderam ser encontradas nos livros de matrícula. São eles: Manuel Januário, Fernandes
269
Vianna, Eugenio Teixeira Coelho, Ramiro Pereira de Sant’Anna e Severino José de
34
Sant’Anna . O que mais nos chama atenção ao analisarmos esse quadro geral dos
prisioneiros dos confrontos do dia 14 de julho de 1889 é que a grande maioria era de cor
branca (80%) sendo seis, dos quinze detentos, de nacionalidade Portuguesa. Alguns indícios
apontam que o único indivíduo de cor preta, José Antônio, provavelmente tenha sido um
escravo, tendo em vista não possuir sobrenome e fornecer apenas o primeiro nome do pai,
Antônio como ele, apesar de relatar todo o nome da mãe, Maria Rosa da Conceição. Embora
tenha fornecido apenas a informação de ser um “trabalhador”, o periódico de José do
Patrocínio, Cidade do Rio, confirmou que era um empregado da Tipografia Nacional. A
opção por ocultar seu local de trabalho, seguramente, foi intencional, objetivando proteger-se
de maiores problemas ou de perder seu emprego. Aliás, uma análise mais minuciosa sobre as
ditas ocupações dos presos seria capaz de revelar a variada dimensão social entre esse
universo de pessoas, bem como o movimento de trabalhadores na cidade do Rio de Janeiro,
mas escaparia aos objetivos desse trabalho.35
Através da análise dos detentos, podemos notar ainda que, dentre os oito brasileiros,
apenas quatro eram naturais do Rio de Janeiro, o que nos indica o grau de complexidade da
sociedade carioca permeada pela presença de estrangeiros e migrantes de dentro do próprio
país. Pelos motivos das prisões e seus respectivos horários percebemos que esses indivíduos
foram detidos em grupos, com raras exceções, e todos pela mesma justificativa: desordem.
Apesar disso, o jornal Cidade do Rio afirmava que, pelo menos, quatro deles eram “capoeiras
conhecidos”, Manuel Rotta (vulgo grego das ostras), João Leite da Costa, João da Costa e
Américo José dos Santos, os três primeiros brancos e um o último pardo. 36
Importante atentar que alguns desses sujeitos já haviam passado ou retornaram a Casa
de Detenção pouco tempo depois. Foi o caso de Américo José dos Santos, que tinha sido
detido em 22 de maio de 1888, sendo na ocasião nomeado com o sobrenome Souza em vez de
Santos. Concluímos que se trata da mesma pessoa pela sua filiação, que é idêntica, além de

34
Diário de Notícias, 15 jul. 1889, p. 02.
35
Uma análise dos tipos de ocupação fornecidos pelos detentos para o período analisado (barbeiro, cozinheiro,
sapateiro, marítimo, carpinteiro, ferreiro, carroceiro, servente de pedreiro, pedreiro, empalhador etc), nos permite
concluir que o universo dos prisioneiros que passavam pela Casa de Detenção era, em sua maior parte, composto
por profissionais urbanos pobres. Eram profissões subalternas que não exigiam maior escolaridade, ainda que
algumas delas exigissem maior especialização. Paulo Terra, analisando os cocheiros e carroceiros no Rio de
Janeiro, detectou a prisão deles, e de muitos portugueses, na Casa de Detenção por infrações cometidas. Cf.
TERRA, Paulo Cruz. Cidadania e trabalhadores: Cocheiros e carroceiros no Rio de Janeiro (1870-1906). Tese
de Doutorado em História Contemporânea. Niterói: PPGH/UFF, 2012.
http://www.historia.uff.br/stricto/td/1404.pdf. A respeito dos imigrantes portugueses no Rio de Janeiro, conferir
MARTINS e SOUSA, Op. Cit.
36
Cidade do Rio, 15 jul. 1889, p. 02.
270
outros dados como idade e naturalidade. Nessa detenção anterior foi preso pelo crime de
capoeira, sendo caracterizado como de cor preta e não parda como o escrivão posterior. Além
deste, Avelino da Silva Ribeiro, vulgo “cai n’água”, também foi encontrado em outra ocasião
na Casa de Detenção. Em 07 de janeiro de 1890, sob a gestão de Sampaio Ferraz, ele foi preso
por ser um “capoeira conhecido”. Forneceu os mesmos nomes dos pais, mas tentou passar-se
por português, o que foi registrado pelo escrivão. Já havia mudado de endereço, estando agora
na Rua de Santa Thereza, 45. Sua profissão também mudara, anteriormente havia dito ser
copeiro e agora servente de pedreiro. Em outubro de 1889, Joaquim Coelho da Costa, como
disse se chamar, foi preso novamente, dessa vez pelo crime de agressão à força pública.
Manteve todas as informações fornecidas na ocasião anterior. João Leite da Costa também
retornou ao cárcere em 27 de outubro de 1889, mais uma vez sendo preso pelo motivo de
desordem. Manteve sua profissão, mas mudou de moradia, estando agora na Rua do Lavradio,
17. Nessa ocasião foi caracterizado como sendo de cor morena e não branca.
Não temos como avaliar se esses indivíduos realmente pertenceram à associação da
Guarda Negra, se eram republicanos ou monarquistas. O fato é que se envolveram nas tensões
em torno das comemorações pelo centenário da Revolução Francesa que ocorreram nas ruas
do centro da cidade, marcadas pela presença do que a imprensa denominou de Guarda Negra.
Localizar as pessoas que participaram desses confrontos nos ajuda a sustentar a hipótese de
que esses movimentos e manifestações irrompidos nesse contexto de incertezas institucionais
foram muito além da cisão entre negros, libertos do 13 de maio (como parte da historiografia
definiu a Guarda Negra), e republicanos. Da mesma forma, expande a noção de que os
embates ocorreram simplesmente pela ação de negros capoeiras, capangas do partido
conservador ou da polícia carioca. Tais enfrentamentos fizeram parte da conjuntura da cidade
do Rio de Janeiro nas tensões que envolveram a abolição da escravidão e a instauração da
República, contando com a participação de inúmeros e diversos agentes, brancos, negros,
libertos, monarquista, republicanos, guiados por interesses particulares que perpassavam a
questão da manutenção ou não da Monarquia no Brasil, dos direitos de liberdade e cidadania
adquiridos, do ideal de governo a ser seguido e até mesmo da gratidão em relação à abolição
da escravidão.
Para o período republicano, o trabalho da historiadora Gizlene Neder, já citado
anteriormente, nos fornece um excelente panorama a respeito dos tipos de crimes cometidos
pelos prisioneiros da Casa de Detenção do Distrito Federal. Infelizmente, os dados
encontrados pela autora não coincidem com aqueles levantados ao longo da nossa pesquisa

271
para o ano de 1890, mais especificamente durante a gestão de Sampaio Ferraz como chefe de
polícia. A autora computou uma quantidade reduzida de crimes para o dito ano – apenas 143,
sendo que destes 32 por motivo de capoeira, deixando claro em seu artigo que não foram
levantados os livros em sua totalidade para cada um dos anos analisados.37 Por termos
conseguido localizar cinco livros de fichas de detentos, ou seja, o total do período – não
havendo, portanto, lacunas na pesquisa – optamos por fazer nova contagem. Sendo assim,
conseguimos mapear a porcentagem de presos pelo crime de capoeira em comparação com o
total de detentos, assim como fizemos para a gestão de João Alfredo e Afonso Celso. A partir
dessas informações verificamos uma quantidade de 276 presos por capoeira para um conjunto
de 3.649 indivíduos detidos, ou seja, aproximadamente 7,5% das prisões feitas por Sampaio
Ferraz foram pelo motivo de capoeira ou suspeita de capoeira, como comumente aparecia nas
fichas de matrículas – Gráfico 6 (anexo 5).

Gráfico 6: Presos por capoeira na gestão de Sampaio Ferraz,


11/1889 a 11/1890 (%)

7,5%
276

Outros
Capoeiras

92,5%
3373

Fonte: Livros da Casa de Detenção, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. MD-LL-053 (15/11/1889 –
13/01/1890); MD-HN-0001 (01/03/1890 - 30/04/1890); MD-HO-0001 (30/04/1890 - 30/06/1890); MD-HN-
0002 (04/06/1890 - 06/09/1890); MD-HN-0003 (08/09/1890 - 04/11/1890).

Se compararmos os resultados obtidos pela pesquisa e vislumbrados através dos


gráficos, podemos avaliar que a quantidade de prisões nos livros de matrícula cujo motivo do
crime era “capoeira”, comparando as últimas gestões dos gabinetes conservador e liberal com

37
NEDER, Gizlene. Op. Cit., p. 126.
272
o primeiro ano do regime republicano no Brasil, especificamente até novembro de 1890 –
período em que Sampaio Ferraz saiu do cargo de chefe de polícia – perceberemos que foi
durante o Ministério Conservador, tido como pioneiro e aliado da prática da capoeiragem,
onde ocorreu o maior número de detenções motivados pelo crime de capoeira. Em
contrapartida, o período no qual Sampaio Ferraz exerceu a chefia da polícia não expõe a
exorbitante perseguição às maltas de capoeira como tanto se deflagrava na imprensa.
Portanto, sua fama de ter conseguido exterminar a capoeira das ruas da cidade do Rio de
Janeiro, talvez não seja fruto de uma ação policial inteiramente nova ou renovada, uma vez
que a capoeira já se encontrava entre os maiores motivadores de prisões em períodos
anteriores.
Importante ressaltar que alguns livros de matrícula possuem observações em uma
folha ao lado sobre os destinos dos prisioneiros e, de fato, verificamos que alguns capoeiras
foram enviados para o presídio de Fernando de Noronha. No entanto, essa situação não se
mostrou uma realidade para a maior parte dos casos. Infelizmente, não pudemos computar a
porcentagem desses prisioneiros deportados, pois muitas fichas estão sem a folha de
observação, o que não resultaria em números condizentes com a realidade. Mas, dentre
aqueles que foram verificados, a menor parte teve como destino a ilha prisão. É bem verdade,
todavia, que logo nos primeiros meses de funcionamento da República no Brasil a polícia
carioca realizou uma intensa campanha de caçada aos capoeiras, pois de novembro de 1889 a
janeiro de 1890, ela conseguiu prender 109 capoeiras – o que representa quase 15% do total
de prisões. Talvez, a fama de Sampaio Ferraz de ter conseguido perseguir e exterminar as
maltas cariocas de capoeira tenha advindo dessa situação, somada ao fato de ter realmente
enviado alguns de seus chefes para bem longe do Rio de Janeiro. No entanto, podemos
relativizar a excepcional perseguição da prática da capoeiragem no período completo de sua
gestão, como se fosse algo sem precedentes no passado. 38
Não queremos através de nossos resultados afirmar que não houve perseguição aos
capoeiras no novo regime, até porque, segundo Carlos Eugênio as formas de combate às
antigas maltas não se fez apenas através de prisões. Procurou-se romper antigas solidariedades
políticas, pôs-se fim a polícia secreta, incorporou-se grande contingente de soldados oriundos
de São Paulo no corpo policial do Rio de Janeiro, além disso, muitos dos indivíduos presos
também podem não ter sido fichados nos livros da Casa de Detenção. Porém, também

38
A partir de 1891 e ao longo dos anos iniciais da República o trabalho de Gizlene nos mostra que o número de
prisões por capoeira decai substancialmente, até que em 1915 e 1917 ele volta a subir. NEDER, Gizlene. Op.
Cit., p. 126.
273
podemos imaginar que em meio à imediata implantação de um regime que ainda se
encontrava em estado de contingência e suspeição, a imprensa, especialmente aquela fiel à
nova forma de governo, bem como os relatórios de ministros e chefes de polícia reforçariam
suas bem sucedidas ações e demonstrariam que suas atitudes estavam verdadeiramente
rompendo com o status quo dos tempos imperiais, ainda que tais relatos não fossem
inteiramente condizentes com a realidade39. Logo, se a prática da capoeira era um instrumento
político comum, principalmente nos períodos eleitorais durante a Monarquia, afirmar que este
fato estava sendo eliminado da realidade carioca e propagar esse feito pela imprensa era uma
maneira que reforçar o sucesso da política republicana.
Esse trabalho, todavia, não é sobre a capoeira no Rio de Janeiro. Porém, como grande
parcela da historiografia associou os destinos da Guarda Negra às maltas de capoeira
cariocas40, nos pareceu imprescindível resgatar algumas dessas questões incorporando outros
questionamentos. Para isso, a análise dos livros de matrículas de presos se mostrou
importantíssima. Através do cruzamento deles com o material publicado nos jornais, pudemos
verificar que, de fato, alguns capoeiras estiveram envolvidos em, pelo menos, um dos
confrontos em que a imprensa narrou a presença da Guarda Negra – 14 de julho de 1889. No
entanto, não foram apenas capoeiras ou ex-escravos que dele participaram ou saíram detidos
e, certamente esses indivíduos não eram compostos apenas por libertos do 13 de maio. Ao
mesmo tempo, alguns autores também associaram um suposto fim abrupto da associação da
Guarda Negra da Redentora com a intensa perseguição à capoeiragem implementada pelo
novo regime de governo. Tentamos mostrar que tal situação pode ser relativizada, na medida
em que percebemos que durante o Ministério Conservador a prisão por motivo de capoeira na
Casa de Detenção chegou a ser mais intensa do que durante a gestão de Sampaio Ferraz como
chefe de polícia do regime republicano.
Além disso, notamos algumas menções à Guarda Negra na imprensa, certamente mais
raras, mesmo após o 15 de novembro. Sustentamos a noção de que essa associação não
39
Segundo Luiz Sergio Dias “O esquema de ação idealizado pelo chefe de polícia tinha, como base, rondas
noturnas - as "canoas" - que, dirigidas por conhecedores das áreas escusas da cidade, surpreendiam capoeiras em
plena rua, e até mesmo a chegada a casa. Um recurso utilizado em algumas ocasiões foi a provocação de
conflitos de rua por agentes da própria polícia, visando a atrair capoeiras que, geralmente, viam-se cercados e
presos”. DIAS, Op. Cit., p. 129.
40
De maneira geral, a imprensa fiel à nova forma de governo, também investiu nessa concepção que associava a
Guarda Negra aos capoeiras de maneira monolítica. Podemos vislumbrar esse fato, por exemplo, através de uma
curta notícia que demonstrava o receio do retorno da capoeiragem e, por conseguinte, da Guarda Negra expressa
no Correio Paulistano que reeditava informações concedidas pelo Jornal do Comércio do Rio de Janeiro. Em
pequeno aviso intitulado “Volta a capoeiragem” a folha informava que o governo estaria ordenando o regresso
dos deportados à Fernando de Noronha por Sampaio Ferraz. Ao voltar, os “meliantes” estariam se estabelecendo
no negócio de casas de tavolagem. Por fim encerrava o aviso externando o seguinte receio: “teremos nova
Guarda Negra?”. Correio Paulistano (SP), 09 abr. 1891, p. 01.
274
desapareceu pura e simplesmente, mas que sua existência fez parte de um contexto específico
de crises institucionais que possibilitaram o florescimento de distintas propostas de
organização e participação social e política. Uma vez vitorioso o projeto republicano e
rechaçada a Família Real do Brasil, ainda que múltiplas tensões entre monarquistas
continuassem existindo, aos poucos, aqueles indivíduos identificados com os movimentos que
contaram com a participação da Guarda Negra, passaram a se envolver em novas lutas e
projetos. Tentaremos, a partir de agora mapear a forma como a corporação da Guarda Negra
foi retratada após a vitória republicana no Brasil, especificamente no Rio de Janeiro e, em
seguida, em outras regiões do país.

4.2 Relatos da Guarda Negra após o 15 de novembro de 1889 no Rio de Janeiro.


Em primeiro lugar, é preciso lembrar que apagar ou silenciar as marcas do passado
monarquista fez parte do projeto republicano em seus primeiros anos. Da mesma maneira que
negativar algumas de suas antigas tradições para que se pudesse criar novos símbolos e novas
referências de identificação, nem sempre bem sucedidas41. Certamente, a imprensa de
orientação republicana assumiu um papel imprescindível nesse processo selecionando o quê e
como narrar. Daí a frequente tentativa de associação do movimento republicano ao ideal
antiescravista chamando para si a liderança no longo percurso político e social que culminou
com a abolição da escravidão, apontando, ao mesmo tempo, para o atraso da Monarquia
brasileira que assumiu o estigma de ser o último país do mundo civilizado a libertar seus
cativos.42
No que diz respeito à memória da Guarda Negra, grande parte dos artigos que se
propagaram por toda a impressa nacional a resgataram como lembrança fundamental para
demonstração da força do republicanismo no Brasil que teria saído vitorioso mesmo contra
uma horda de negros bárbaros e violentos arregimentados pelo governo imperial.
Aproveitava-se ainda as narrativas que envolveram o grupo de negros nas ruas das cidades de
todo o país como forma de homenagear a resistência e virtude de alguns personagens
41
Conferir CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no país. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011.
42
Michel Pollak nos informa a respeito dos processos de silenciamento da memória. De acordo com tal autor
para cada lembrança perpetuada optamos, inconscientemente, por esquecer ou abafar inúmeras outras. Portanto,
existem, no processo de elaboração de uma memória coletiva, componentes políticos decisivos que influenciam
a seleção dos acontecimentos que serão perpetuados, ao mesmo tempo em que grupos marginalizados lutam para
se fazerem ouvir nessa batalha por memórias. Nesse sentido, é preciso ter em mente que o passado é ativamente
construído e a memória é sempre politicamente marcada, uma vez que vive no campo das escolhas, dos valores e
dos significados. Cf. POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
Vol. 2, nº 3, 1989, p.3-15. MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Cultura política e lugares de memória. In:
AZEVEDO, Cecília et al. Cultura política, memória e historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009. p. 447
275
decisivos para a vitória do movimento republicano, especialmente Silva Jardim. Em
contrapartida, algumas publicações se utilizaram das memórias de envolvimento com a
Guarda Negra como instrumento para menosprezar e deslegitimar as ações de personagens
que assumiram novas funções no governo republicano, como ocorreu nos casos de José do
Patrocínio e José Mariano, já citados nos capítulos anteriores 43. De maneira geral, no entanto,
as narrativas continuam apontando para a consolidação da guarda como uma ferramenta do
governo imperial, hora aparecendo como instrumento criado por D. Pedro II, hora pela
princesa Isabel, pelo gabinete conservador de João Alfredo e mesmo pelo liberal de Ouro
Preto. A construção da memória geralmente se fez no sentido de reforçar que a tentativa
frustrada de se instituir um grupo de negros libertos dispostos a morrer pelo Terceiro Reinado
foi o ponto chave para a queda da Monarquia no país.
Ainda assim, mesmo no final dos anos de 1890, como era de costume nas páginas da
Gazeta de Notícias, notamos uma pequena publicação assinada pelos “chefes da Guarda
Negra” e endereçada ao governador dos Estados Unidos do Brasil:

Ao governador dos Estados Unidos do Brasil. Unido a classe operária, à


congregação da guarda negra, reclamamos a nossa liberdade sobre os artigos
decretados sobre profissões, pedimos encarecidamente para que nos poupe
de tais sacrifícios. Esperamos que nos atenda. Os chefes da guarda negra.44

No pequeno apelo, a Guarda Negra se colocava ao lado da classe operária para


reclamar seus direitos provavelmente no que diz respeito à arrecadação do imposto de
indústrias e profissões que foi mantido pelo novo governo. Em fevereiro de 1892, nova
publicação nos dá pistas de que antigos chefes da guarda negra, reconhecidamente, estavam
atuando em protestos em conjunto com outras categorias de trabalhadores. Dessa vez em
Valença, eles capitaneavam uma greve, promovida em sua maior parte por estrangeiros,
contra a elevação da tabela de impostos municipais. A publicação, todavia, atestava que a real
intenção do movimento era “preparar o terreno” para as futuras eleições municipais,

43
O mesmo tipo de situação aconteceu, por exemplo, com Bernardino Ferreira da Silva, nomeado chefe de
polícia da Capital Federal em 18 de maio de 1892. Foi acusado pelo jornal carioca A Capital de ser cúmplice das
ações da Guarda Negra na época em que era 1° Delegado de Polícia da Corte, durante a gestão do gabinete
liberal de Afonso Celso. Cf. A Capital, 15 fev. 1892, p. 02. Situação semelhante aconteceu ainda com Angelo
Benevenuto, que assumiu o cargo de delegado de polícia em Valença no mesmo ano, não sem antes ser acusado
por Hermes da Fonseca em sessão da Câmara dos Deputados de ter sido ele o chefe da Guarda Negra daquela
região. Cf. Gazeta de Notícias, 19 jan. 1892, p. 01. Gazeta de Notícias, 29 jan. 1892, p. 03.
44
Gazeta de Notícias, 11 dez. 1890, p. 03.
276
certamente rememorando a participação de capoeiras, tidos como integrantes da Guarda
Negra nas eleições no contexto imperial. 45
Já em 1895 o Diário de Notícias fez rápida menção ao reaparecimento do grupo de
negros, dando a entender que ele teria sido responsável pela tentativa de assassinato do major
Jacaré, na travessa do Rosário, o que havia gerado protesto de alguns cidadãos46.Quatro anos
depois, em 15 de março de 1899 no jornal O Lynce, verificamos uma referência a existência
de uma Guarda Negra ainda atuante nas ruas no centro da cidade do Rio de Janeiro47. Não
raro as notícias designavam toda espécie de ameaças e crimes políticos envolvendo
adversários nas disputas eleitorais como sendo fruto da Guarda Negra. Tal fato foi fortemente
verificado para as demais regiões do Brasil, conforme veremos mais a frente.
Já segunda década do século XX, no ano de 1912, a memória da Guarda Negra se fez
presente quando foi associada a um grupo de caixeiros cariocas. Dizia o artigo do jornal A
Imprensa, cujo redator chefe à época era Rui Barbosa, que o prefeito da cidade do Rio de
Janeiro estava favorecendo um grupo específico de caixeiros e prejudicando os demais
profissionais do comércio. Isso porque havia colocado em vigor uma lei que passava a cobrar
uma taxa por uma licença especial para que os estabelecimentos comerciais funcionassem nos
domingos e feriados. Em virtude desse fato muitos empregados do comércio se opuseram e
passaram a receber ameaças dos caixeiros que empregaram a força bruta para obrigarem os
comerciantes a fecharem suas casas. A notícia frisava que o prefeito pretendia agradar a classe
caixeira, composta de indivíduos irrefletidos e insensatos, rebaixando-a à condição de Guarda
Negra.48
Apesar de não termos grandes informações sobre a corporação da Guarda Negra
publicadas pela imprensa para o período republicano, conseguimos mapear uma rápida
trajetória de dois indivíduos que nos informam sobre a capacidade de agenciamento negro em
projetos políticos distintos, antes e após o período republicano. Participantes dos maiores
eventos que envolveram a Guarda Negra nas ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro,
ambos nos mostram que a suposta ausência dessa associação nos jornais, não significou o
desaparecimento desses indivíduos e suas formas de atuação. São eles: Pedro Justo de Souza e
Anacleto Alvez de Freitas. O primeiro foi um integrante da associação da Guarda Negra, de

45
Gazeta de Notícias, 12 fev. 1892, p. 03.
46
Diário de Notícias, 04 fev. 1895, p. 01.
47
O Lynce (RJ), 15 mar. 1899, p. 01.
48
A Imprensa (RJ), 25 fev. 1912, p. 04. O general Bento Manuel Ribeiro Carneiro Monteiro fora nomeado pelo
presidente Hermes da Fonseca prefeito do Distrito Federal, em 15 de novembro de 1910. Importante lembrar que
Rui Barbosa foi o candidato civil nas eleições de 1910, a campanha civilista, vencida pelo marechal Hermes da
Fonseca.
277
acordo com seu próprio relato divulgado pela imprensa e esteve envolvido em uma série de
outros pequenos delitos ao longo do final do século XIX. Foi caracterizado como pardo,
segundo o escrivão da Casa de Detenção da Corte, em ficha encontrada em 22 de janeiro de
1893. Já Anacleto, foi um negro republicano engajado nos comícios de Silva Jardim e um dos
líderes do Club Republicano dos Homens de Cor. Participou das conferências em prol da
República, tendo seu discurso reproduzido pela imprensa e sendo citado pelo próprio Silva
Jardim em seu livro de memórias. Em nosso percurso de pesquisa, decidimos mapear suas
trajetórias e atividades de modo a nos ajudar a entender as diferentes formas de atuação dos
homens de cor na esfera pública e política. Para tanto foi imprescindível o cruzamento de
fontes da imprensa com os livros de matrícula da Casa de Detenção, bem como alguns relatos
memorialísticos.
De maneira limitada podemos nos utilizar da trajetória de Pedro Justo de Souza, citado
rapidamente do primeiro capítulo da tese, para avaliarmos um possível destino para alguns
dos participantes do amplo movimento designado Guarda Negra. Apenas a título de
rememoração, Pedro Justo esteve envolvido tanto nos confrontos do dia 30 de dezembro de
1888, como nos do dia 14 de julho de 1889, saindo ferido em ambas as ocasiões. No último
caso, quando das comemorações pelo centenário da Revolução Francesa, Pedro Justo deu um
depoimento que foi reeditado em diversos jornais da imprensa carioca – Diário de Notícias,
Jornal do Comércio e Gazeta de Notícias49 – se dizendo pertencente a associação da Guarda
Negra e ofertando alguns detalhes sobre a instituição e sobre a eclosão das tensões com os
republicanos, já citados no primeiro capítulo.
A época, morador no Largo do Catumbi, número 72, Pedro Justo tinha 24 anos de
idade, era solteiro e empregado da confeitaria da Rua Estácio de Sá. Seu nome reapareceu nas
notícias dos jornais cariocas apenas em 1891 por ter sido preso no Espírito Santo em virtude
de um espancamento, cuja vítima era Frederico Thomaz Pinto50. Já no ano de 1893, Pedro
Justo ressurgia nos noticiários como um dos trabalhadores da estiva que haviam furtado café
dos armazéns das docas do Rio de Janeiro, sendo, por isso, preso51. Para essa ocasião
conseguimos encontrar sua ficha na Casa de Detenção do Distrito Federal e recolhemos um
pouco mais de informações a seu respeito. A data de sua entrada na prisão é de 22 de janeiro
de 1893, não constando o dia de soltura. Pedro tinha 28 anos, era solteiro, “trabalhador”, de
cor parda, natural de Barra Mansa e filho de Justino de Souza e de Francelina[?] Maria da
49
Gazeta de Notícias, 15 jul. 1889, p. 01; Diário de Notícias, 15 jul. 1889, p. 01; Jornal do Comércio, 15 jul.
1889, p.01.
50
O Paiz, 12 mai. 1891, p.02; Jornal do Comércio, 12 mai. 1891, p.
51
Gazeta de Notícias, 30 jan. 1893, p. 01; Gazeta de Notícias, 04 fev. 1893, p. 05.
278
Conceição. Preso pelo crime de roubo, ele trajava camisa de meia, calça e paletó de cor e um
chapéu preto, tendo pelo corpo marcas de varíola.52
Ainda que não tenhamos conseguido maiores informações a seu respeito, percebemos
alguns horizontes para um dos possíveis homens de cor que integraram as manifestações que
caracterizaram a Guarda Negra de 1888: conquistar uma profissão subalterna, típica de
trabalhadores urbanos pobres. Quando analisamos essas informações com alguns outros
artigos da imprensa que reafirmam a presença de antigos participantes da Guarda Negra junto
a movimentos grevistas e manifestações ligadas ao mundo do trabalho e a categoriais
profissionais específicas, podemos concluir que esses indivíduos provavelmente não
desapareceram das manifestações civis ou das tensões que envolveram os populares no novo
regime. Trouxeram consigo antigas experiências de luta e as ressignificaram em vista de um
novo panorama político e social53. Ainda que a nomenclatura ou a designação “Guarda
Negra” tenha, aos poucos, desaparecido dos noticiários, certamente os indivíduos que
participaram das cisões que envolveram os anos finais da Monarquia no Brasil não
sucumbiram com ela. Reafirmamos aqui nosso posicionamento que percebe a Guarda Negra
como um amplo movimento social, ressignificado de acordo com o contexto regional em
questão, mas que não se limitou às definições e sentidos que a imprensa tentou ou quis lhe
dar. Agindo de maneira contingencial esses indivíduos moviam-se guiados por objetivos e
posicionamentos que se transformavam ao longo do processo político conforme o jogo de
forças e poder, e certamente a instauração e consolidação da República os fez selecionar
novas estratégias de mobilização, não por incoerência, mas por necessidade.
Não concordamos, portanto, com a interpretação comumente difundida de que a
Guarda Negra desapareceu, pura e simplesmente, com a instauração do novo regime político.
Sabemos que, para o caso do Rio de Janeiro, o novo chefe de polícia empreendeu uma intensa
perseguição política aos capoeiras, e que, provavelmente, prendeu muitos dos homens de cor
que se envolveram nas manifestações monarquistas e republicanas que marcaram os anos
finais da década de 1880. Mas, avaliar o fim dessa associação tendo em vista esse ponto
específico é limitar o vasto entendimento que conseguimos construir ao longo da tese sobre as

52
Casa de Detenção do Distrito Federal. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Matrículas de Detentos.
MD-HN-018 (03/01/1893 – 07/02/1893), p. 303. Disponível em: http://aperj.godocs.com.br/
53
O conceito de experiência histórica em Edward Palmer Thompson é de suma importância para analisar as
ações humanas e as lutas cotidianas dos indivíduos no ambiente social e histórico, como na conjuntura do pós-
abolição no Rio de Janeiro e da expansão do capitalismo no Brasil. Conferir THOMPSON, Edward Palmer. A
Miséria da Teoria ou um planetário de erros (uma crítica ao pensamento de Althusser).Tradução de Waltensir
Dutra. Rio: Zahar, 1981. THOMPSON, Edward Palmer. Senhores e Caçadores. Trad. Denise Bottmann, Rio
de. Janeiro: Paz e Terra, 1986.
279
mais variadas “guardas negras” que se formaram, não só no Rio de Janeiro, como em todo o
Brasil. É encarar essa associação simplesmente como uma espécie de capoeiragem.
Reforçamos, mais uma vez, que apesar de a imprensa, aos poucos, abandonar ou “esquecer”
tal corporação, isso não significou um ponto final na história dos indivíduos que nela
estiveram envolvidos.
De orientação política adversa à de Pedro Justo de Souza, Anacleto Alves de Freitas
foi um personagem de destaque nas campanhas republicanas. Homem de cor, esteve
envolvido nos conflitos com a Guarda Negra, aparecendo na lista de prisioneiros fornecida
pelos jornais cariocas quando dos dois maiores confrontos no centro da cidade, em 30 de
dezembro de 1888 e 14 de julho de 1889. Infelizmente não foi possível localizar seu nome em
nenhuma ficha da Casa de Detenção entre os anos de 1888 e 1890, mas algumas informações
a seu respeito apareceram publicadas pela imprensa. Como nos informa Petrônio Domingues,
Anacleto foi um dos fundadores do Clube Republicano dos Homens de Cor, iniciando sua
trajetória na instituição como 1° Secretário e se tornando, posteriormente, presidente 54. Ao
que tudo indica possuía um irmão que também fazia parte do grupo, Francisco Alves de
Freitas, e que atuava como Procurador da associação. Anacleto foi um entusiástico seguidor
de Silva Jardim, sendo citado inclusive no seu livro de memórias. Ao longo dos anos de 1888
e 1889, ele possuiu algumas passagens pela Casa de Detenção, segundo narram os periódicos,
na maior parte das vezes envolvido em desordem55. Quando das comemorações pelo
centenário da Revolução Francesa, seu discurso, proferido na sessão solene ocorrida no salão
do Congresso Brasileiro, apareceu transcrito ao lado das falas de importantes republicanos
como, Lopes Trovão e Quintino Bocaiuva.

Concidadãos – Filho obscuro dessa raça sofredora, que só um século depois


do grande evento franco, cujo centenário celebramos, viu a bastilha de suas
dores derrubada e o dia de seu direito iluminado aos clarões da liberdade.
Eco fraco do grande coração africano que infundiu ao espírito da América o
grande sentimento que há de impulsionar a obra nova do renascimento
humano; proletário preto, como aqueles que fecundaram a terra da pátria
pelas bagas de suor de um trabalho imposto e sem os alentes do proveito,
venho hoje aqui, à face dos batalhadores do progresso congregados em festa
solene ao grande fato da queda da Bastilha, que iniciou a queda da liberdade
humana, prostrar-me ante a memória dos valorosos heróis do grande feito e
saudar a grande mãe do mundo ocidental bradando: Viva a França! 56

54
DOMINGUES, Petrônio. “Cidadania levada a sério: os republicanos de cor no Brasil”. In: GOMES, Flávio
(Org.) e DOMINGUES, Petrônio (Org.): Políticas da Raça: experiências e legados da abolição e da pós-
emancipação no Brasil. São Paulo: Selo Negro Edições, 2014, p. 137.
55
Diário de Notícias, 05 ago. 1888, p. 02. Gazeta da Tarde, 14 dez. 1889, 02.
56
O Paiz, 15 jul. 1889, p. 01.
280
Interessante notar em sua fala a presença de uma identidade racial negra bastante
definida, na medida em que seu discurso não foi genérico, voltado ao ideal republicano pura e
simplesmente. Se colocando como “filho da raça negra” e “proletário preto”, ele falou aos
homens de cor que partilharam de uma história em comum de sacrifícios e dores. História
essa que perdurou por mais cem anos até sair vitoriosa com a conquista da liberdade escrava.
Pouco tempo depois, em janeiro de 1890, já instaurada a nova forma de governo, o nome de
Anacleto surgia estampado em diferentes folhas cariocas, no Diário de Notícias, na Gazeta de
Notícias e no Diário do Comércio57, sendo nomeado Guarda Municipal da Freguesia de Santa
Rita. No mês seguinte, todavia, ele reaparecia na lista de exonerados do cargo 58. Em 1892 o
jornal O Combate, cujo redator chefe era Pardal Malet, publicava uma nota em homenagem
ao aniversário de Anacleto, definindo-o como o “primeiro preto republicano”, de
comportamento nobre e sincero, que sempre se afastou da Guarda Negra59. Em 1893, ele
recebeu elogios pelos serviços prestados na Fortaleza de São João, junto a outros praças e
oficiais do 1° batalhão de artilharia de posição da Guarda Municipal 60. Por fim, no ano
seguinte, Anacleto Alves de Freitas, agora como 2° sargento, aderiu a um protesto
republicano a favor do Marechal Floriano Peixoto e contrário a alguns “elementos inimigos da
República” que se manifestavam em detrimento do então presidente61. Essa foi a última
menção que conseguimos identificar nos periódicos a respeito do famoso negro republicano,
que, ao que tudo indica, continuou atuando no novo regime – seja através do Clube
Republicano dos Homens de cor ou individualmente – a favor do que entendia por seus
direitos adquiridos, demarcando o lugar de sua fala por sua característica racial de proletário
preto, como ele mesmo o definiu.
A trajetória de Anacleto nos permite perceber que, para além dos homens de cor
monarquistas que participaram das tensões características dos últimos anos do governo
imperial, tivemos ainda negros republicanos que lutaram pela mudança de regime e a
apoiaram publicamente. No Diário de Campinas de 27 de novembro de 1889, por exemplo,
homens de cor manifestavam publicamente seu total apoio ao novo governo:

Considerando que a forma de governo republicana proclamada no dia 15 do


corrente é uma garantia para a classe dos homens de cor e que sob a bandeira

57
Diário de Notícias, 19 jan. 1890, p. 02; Gazeta de Notícias, 19 jan. 1890, p. 02; Diário do Comércio, 19 jan.
1890, p. 01.
58
Jornal do Comércio, 12 fev. 1890, p. 01.
59
O Combate, 20 mar. 1892, p. 03.
60
O Tempo, 27 nov. 1893, p. 02.
61
O Tempo, 22 abr. 1894, p. 01
281
desse partido patriótico devem desaparecer as distinções de classes, {...} a
classe dos homens de cor resolve: aceitar em absoluto a forma de governo –
República Federal dos Estados Unidos do Brasil.62

No Rio de Janeiro, o Clube Republicano dos Homens de Cor, do qual Anacleto fazia
parte, também demonstrou satisfação com a nova forma de governo e continuou a se
organizar em benefício da população negra. Todavia, segundo Petrônio Domingues, aos
poucos as informações sobre esse clube republicano vão desaparecendo na imprensa,
indicando uma possível desestruturação paulatina. Em 21 de abril de 1892, por exemplo,
verificamos a participação de um se seus integrantes – Deocleciano Martyr – em uma
cerimônia de homenagem a Tiradentes – o “maior herói republicano” – presidida por Sampaio
Ferraz no salão de honra da “intendência municipal” e que contou om a presença de Floriano
Peixoto e dos membros de seu ministério. Em agosto de 1893, Anacleto de Freitas,
novamente como presidente do Clube Republicano dos Homens de Cor, reaparecia nas
páginas da imprensa carioca em uma cerimônia organizada pelo terceiro aniversário da
proclamação da República, onde foi oferecida uma lapiseira de ouro ao então presidente do
Brasil. Mesmo assim, aos poucos a agremiação vai desaparecendo dos relatos dos jornais não
deixando vestígios no século XX.
Independente da presença dos homens de cor em prol da Monarquia ou da República,
o fato é que após o 15 de novembro de 1889 eles não desapareceram das tensões políticas e
continuaram travando debates nas ruas, nos meetings, nos eventos públicos e na imprensa.
Ainda que negligenciados pela elite política, eles atuaram como personagens – não tão novos
– nas disputas do sistema de governo que se inaugurava, rompendo com os códigos de
comportamento esperados para o negro, em especial o ex-escravo, evidenciando, assim, a
participação do povo nas novas cisões político-sociais.63
Apesar de algumas aparições da associação da Guarda Negra na imprensa, na
realidade, desde o final de 1889, ela vai se esvaecendo dos debates jornalísticos. No próprio
ato de instauração da República, ainda que permeado por boatos sobre ataques da guarda aos
quartéis do exército, não houve manifestação hostil dos libertos contra a proclamação em si
62
Diário de Campinas, 27 nov. 1889. Apud. DOMINGUES, Petrônio, Op. Cit., p. 147.
63
Ângela de Castro Gomes aponta para a importância no tangente às experiências políticas e sociais brasileiras
no período da Primeira República, rompendo uma cultura histórica que priorizou o rebaixamento de qualquer
tipo de ação política desse período à ideia de fraude, principalmente em relação ao processo eleitoral. Dessa
forma, ela assinala a rica movimentação de sujeitos que exigiam e construíam espaços de cidadania, ainda que
informais, nesse período, sem negar ou minimizar as fraudes e violência que limitaram, significativamente, as
formas de representação. Cf. GOMES, Ângela de Castro e ABREU, Martha. A nova “Velha” República um
pouco de história e historiografia. Tempo Nº 26 Vol. 13 - Jan. 2009; GOMES, Ângela Maria de Castro. A
república, a história e o IHGB. Belo Horizonte: Editora Argumentum, 2009.
282
mesma64. Esse fato serviu para que muitos sujeitos ligados ao novo regime e mesmo parte da
historiografia sustentasse a noção de que a Guarda Negra, em verdade, não teria passado de
um grupo de capangas, manipulados pela polícia para a sustentação da Monarquia ou ainda,
que fossem libertos sem expressão política se manifestando em prol de gratidão à princesa
Isabel.
Percebemos, no entanto, que algumas aparições da Guarda Negra se fizeram presentes
após o 15 de novembro, lutando por objetivos diferentes. Tratava-se, dessa vez, de
mobilizações em torno de melhores condições de vida e trabalho. As rápidas descrições de
parte das trajetórias de vida de Pedro Justo de Souza e Anacleto Alves de Freitas
demonstraram que os homens de cor, monarquistas ou republicanos, que estiveram
envolvidos nas tenções em torno da Guarda Negra e dos últimos anos da Monarquia no Brasil,
não desapareceram. Trouxeram suas experiências enquanto homens negros, libertos ou não, e
galgaram novos espaços de liberdade e sociabilidade. Num país marcado pela história da
escravidão, os homens de cor continuaram a procurar inúmeras possibilidades de participação
política através de percepções diversas sobre cidadania, mundo do trabalho, raça e controle
social.
As memórias da Guarda Negra e suas ações em 1888 e 1889, no entanto, continuaram
a marcar as páginas dos jornais por um longo período. Não traziam muitas novidades em
relação ao que a imprensa republicana à época já expunha sobre a dita corporação. Apenas
rememoravam e reforçavam a suspeição sobre a organização política dos homens de cor, em
especial aqueles egressos do cativeiro sem acesso à educação, atestando seu grau de
manipulação e incapacidade para a vida cidadã. Por vezes, alguns artigos também se
utilizavam das lembranças da Guarda Negra para acusar seus adversários políticos de
envolvimento com a associação e desmerecer suas atitudes, principalmente em períodos
eleitorais. José do Patrocínio, por exemplo, jamais escapou do estigma de ter criado e
assumido a liderança da Guarda Negra e foi acusado desse feito até o fim dos seus dias.
Venceu, afinal, a versão que a imprensa republicana difundia sobre a corporação e aos poucos

64
Ronaldo P. de Jesus afirma que as visões da “gente comum” sobre a Monarquia eram multifacetadas e
contraditórias, chegando inclusive à indiferença. Portanto, em sua opinião, não havia um apoio popular sólido à
instituição monárquica. Mesmo após a abolição da escravidão, quando percebemos a figura da Princesa Isabel
ser alçada como símbolo do governo imperial e um aumento da legitimidade monárquica diante da população da
Corte, Ronaldo de Jesus sugere que tal fato deve ter ocorrido somente nos anos seguintes, frente às conturbações
do governo republicano em seus primeiros anos. Ou seja, as dificuldades econômicas e institucionais, a violência
e a confusão política da década de 1890 teriam tornado possível o surgimento de uma nostalgia em relação ao
período anterior e, assim resgatado símbolos e memórias não tão centrais à sociedade da época. JESUS, Ronaldo
P. de, As visões da Monarquia: escravos, operários e abolicionismo na Corte. Belo Horizonte: Editora
Argumentum, 2009.
283
ela foi de fato desaparecendo das páginas dos jornais cariocas, na medida em que o novo
regime ia se consolidando.
Todavia, reforçamos que o que os jornais cariocas denominaram de Guarda Negra fez
parte de um amplo movimento social característico do processo de abolição da escravidão e
de crise da Monarquia no Brasil, onde, obviamente, negros já livres e libertos estiveram
envolvidos. Dessa forma, o suposto fim da associação tem pouco a ver com uma intensa
perseguição aos antigos capoeiras pelo novo governo ou com a perda do horizonte de um
Terceiro Reinado da princesa Redentora por parte dos libertos manipulados e imaturos. Não
havendo filiações e objetivos rígidos entre aqueles que participaram das tensões
características desse período, acreditamos que o gradativo desaparecimento da Guarda Negra
tem mais relação com a mudança da conjuntura política nacional que ocasionou, por
consequência, novas estratégias de ação, objetivos e filiações. Aquilo que um dia caracterizou
a luta central da Guarda Negra não fazia mais sentido político, uma vez que o golpe de 15 de
novembro se mostrou vitorioso e consolidou-se, mas isso não significou que os homens e
mulheres de cor tivessem perdido de vista suas demandas sociais. Eles continuaram a marcar
suas presenças em outras formas de manifestações. Olhando dessa perspectiva podemos até
afirmar que a Guarda Negra não desapareceu, apenas se transmutou em novas maneiras de
ações políticas.

4.3 Relatos da Guarda Negra após o 15 de novembro de 1889 em outros lugares do


Brasil.
Em 15 de novembro de 1889 se abandonou um modelo institucional que durava por
décadas e que possuía na figura do Imperador a chave de organização política, por um modelo
institucional até então estranho à realidade brasileira. Por isso, nos primeiros anos da
República rondava uma imprevisibilidade em relação a variados aspectos da vida política do
país, em especial em torno da reconfiguração dos poderes. As incertezas geradas pela quebra
do modelo da dinâmica imperial de governo geraram incontáveis eventos de agitação social e
instabilidade política que marcaram os primeiros anos do novo governo e que podemos
perceber em todo o país, logo nos primeiros dias após o ato dos militares no Rio de Janeiro.
No Maranhão, por exemplo, constatou-se relevante movimento popular em prol da
Monarquia em 17 de novembro de 1889, data imediatamente posterior a instauração da
República no Brasil. Além de ter sido narrado pela imprensa local, ele apareceu nas páginas
do relatório oficial em que José Thomaz da Porciuncula passou a administração do estado do

284
Maranhão para Augusto Olympio Gomes de Castro, em 1890.65 Este apresentava transcrito
uma parcela da reportagem publicada pelo Diário do Maranhão de 18 de novembro,
intitulada “Acontecimentos de Ontem”. Nela, narrava-se que uma massa de homens havia
cercado a casa da tipografia do jornal Globo, onde se achava o redator Francisco de Paula
Belford Duarte, na tentativa de impedi-lo de fazer uma conferência em homenagem à
República. Passado o horário marcado para a conferência, o povo saiu pelas ruas em direção à
casa do Desembargador Tito Mattos para cumprimentá-lo e dar vivas à Monarquia.
“Serenados os espíritos” o povo se acalmou, porém, mais tarde outros grupos retornaram a
percorrer as ruas e, novamente em frente ao jornal Globo, prostrou-se grande quantidade de
povo. Uma força de infantaria foi encaminhada para o local, com o objetivo de evitar
desordens. Foi ineficiente, já que à noite continuaram os gritos monarquistas e o
enfrentamento se fez presente, ocasionando graves conflitos, tiros e pelos menos 14 feridos e
4 mortes.66

65
Relatório com que o Exm. Sr. José Thomaz da Porciuncula passou a administração do estado em 07 de julho
de 1890 ao Sr. Vice-Governador, Exm. Conselheiro Augusto Olympio Gomes de Castro. Maranhão, 1890, p. 04-
05. Disponível em: http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/maranh%C3%A3o. Acesso em: 14/07/2018.
José Thomaz de Porciuncula “estudou no Colégio Pedro II e ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro em 1872. Depois de formado, passou a clinicar em Petrópolis. Ainda durante o Império filiou-se ao
Clube Republicano, presidido por Joaquim Saldanha Marinho, fundou uma seção da agremiação em Petrópolis e
elegeu-se deputado provincial para a legislatura 1884-1885. Nesse mandato, formou ao lado de Antônio Luís
Santos Werneck, antigo membro do Partido Conservador e recente adepto do republicanismo, a primeira
oposição republicana da Assembleia Provincial do Rio de Janeiro. Nas eleições para o biênio 1886-1887. (...).
Quando o marechal Deodoro da Fonseca, sustentado por setores do Exército e por civis, instalou o regime
republicano em 15 de novembro de 1889, era um dos nomes mais fortes para assumir o governo do estado do
Rio de Janeiro. Seu prestígio político fundava-se em sua atuação como “republicano histórico” e no fato de
possuir fortes bases eleitorais em vários municípios fluminenses. Foi, porém, preterido, e Francisco Portela
tornou-se o presidente fluminense, por influência de Quintino Bocaiúva. Possivelmente como uma compensação
política, o presidente Deodoro da Fonseca o nomeou presidente do estado do Maranhão, na sucessão de
Francisco Frazão Muniz Varela. Foi nomeado por decreto de 31 de dezembro de 1889 e em 07 de julho de 1890
demitiu-se do posto, transmitindo-o a Augusto Olímpio Gomes de Castro”. Disponível em:
https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/PORCI%C3%9ANCULA,%20Jos%C3%A9%20Tom%C3%A1s%20da.pdf
Augusto Olympio Gomes de Castro “foi deputado provincial pelo Partido Conservador no Maranhão de 1876 a
1877 e nesse último ano retomou o mandato de deputado geral. Em 1878 fundou o jornal O Tempo, também
ligado ao Partido Conservador. Ainda uma vez voltou à Câmara dos Deputados, em 1882, e nela permaneceu até
o fim do Império. Presidiu a Câmara de maio de 1887 a maio de 1888. Logo após a proclamação da República
pelo marechal Deodoro da Fonseca, em 15 de novembro de 1889, aderiu ao novo regime. (...). Em 1890 fundou
o jornal O Nacional, órgão do Partido Nacional, e foi nomeado vice-governador do Maranhão. Ocupava esse
cargo quando assumiu o governo do estado, no dia 05 de julho de 1890, em substituição ao então titular José
Tomás da Porciúncula. Permaneceu à frente do governo maranhense até o dia 25 do mesmo mês, quando foi
substituído pelo novo governador, o capitão-tenente Manuel Inácio Belfort Vieira. Conferir:
https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/CASTRO,%20Augusto%20Ol%C3%ADmpio%20Gomes%20de.pdf
66
Segue lista dos indivíduos que faleceram no confronto: João de Britto, morto por ferimento à bala. Era natural
do Maranhão, com 40 anos de idade, solteiro e caracterizado como sendo de cor parda. Sérgio, morto por
ferimento à bala. Natural do Maranhão, com 22 anos de idade, solteiro e de cor preta. Martinho, também natural
do Maranhão e morto por ferimento à bala. Possuía 29 anos, era solteiro e foi caracterizado como pardo.
Finalmente, Raimundo Araújo Costa, natural do Maranhão, morto de tétano proveniente do ferimento causado
285
Após a narrativa transcrita do jornal, o relatório governamental fazia emergir as
palavras do alferes Antonio Raimundo Bello sobre o mesmo acontecimento. Este informava
que havia se reunido com 11 praças, desde as16 horas, em frente ao edifício do jornal Globo,
onde se aglomeravam pessoas do povo contra o redator da folha. O sucesso inicial em
dispersar a população se esvaiu quando à noite, por volta das sete horas, numerosos grupos
armados se dirigiram para o local. Com efeito, uma multidão de homens com revólveres,
pedaços de pedra, pás e garrafas recomeçaram a encher as ruas proferindo gritos sediciosos e
disparando tiros, com a finalidade de invadir a redação do referido jornal. Tendo em vista que
a população revoltada não se acalmava e agia violentamente contra a força policial que corria
risco de “ser esmagada pela multidão de revoltosos que era extraordinariamente grande”, o
alferes então ordenou uma descarga à bala, resultando em três mortes e alguns feridos. Só
assim o povo debandou e correu para todos os lados “restabelecendo-se imediatamente a
ordem e tranquilidade dos habitantes da cidade”.67
A Secretaria de Polícia do Maranhão, ao descrever os conflitos acima, trazia novas
informações e referências. Afirmava, por exemplo, que os acontecimentos eram resultados da
ignorância do povo em virtude da especulação causada pela mudança do sistema de governo
no país, tendo sido encabeçado por uma malta de homens de cor. Algumas páginas à frente no
mesmo relatório, na sessão dispensada à descrição sobre a “tranquilidade pública”
maranhense, voltava-se a alertar sobre o estado de agitação em que se encontrava a população
desde a inauguração da República no Brasil. Além dos confrontos ocorridos em 17 de
novembro, envolvendo reações monarquistas ao ato deliberado pelos militares na Corte, o
documento informava que na cidade de Caxias e na povoação de Pedreiras também havia tido
um princípio de desordem no mesmo sentido, “devido ao desregramento dos libertos ali
aglomerados”68. A ordem pública havia sido alterada ainda em Cajapió, em Alcântara e na
Vila de Guimarães.
Interessante notar que a situação transcorrida em terras maranhenses demonstra que,
diferentemente do Rio de Janeiro, onde não temos notícias de levantes de homens de cor
contra o golpe de 15 de novembro, em outras partes do Brasil ocorrências de conflitos e

pela bala. Tinha 31 anos, era solteiro e de cor preta. Essas informações constam no relatório do governador do
Maranhão e foram coletadas junto ao cemitério da Santa Casa de Misericórdia nos dias 18 e 19 de novembro de
1889. Cf. Op. Cit. Relatório Maranhão, 1890, p. 09 (mapa7). Como dito anteriormente, algumas pesquisas
historiográficas apontam para o fato de que a falta de sobrenome pode significar proximidade com o mundo da
escravidão. Portanto dois desses indivíduos que faleceram no confronto tem chances de ser ex-escravos. Sobre
esse tema conferir: CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão. Op. Cit.
67
Op. Cit. Relatório Maranhão, 1890, p. 11.
68
Idem, p. 30; Idem, p. 145.
286
tensões se fizeram presentes. Em Recife, por exemplo, podemos perceber o mesmo tipo de
euforia no dia imediatamente posterior a instauração da República no Rio de Janeiro. A
diferença é que dessa vez, a imprensa confirmou a presença da Guarda Negra, onde o nome
de José Mariano reapareceu como líder do grupo de capangas monarquistas. Foi assim que o
Diário de Pernambuco, em sua façanha de criticar o ilustre abolicionista, admitiu a ele, mais
uma vez em conjunto com a Guarda Negra, a participação de um contra movimento cujo
objetivo era impedir que o novo presidente do estado de Pernambuco assumisse o poder69.
Narrava o artigo que para alcançar a esse fim José Mariano havia mandado buscar
secretamente no Arsenal de Guerra uma grande quantidade de cartuchos e “outros
preparativos bélicos” que saíram disfarçados em uma carroça. O jornal assegurava ainda que
Mariano planejava cortar o acesso aos telégrafos, de modo que não fosse possível fazer
contato com o governo central. Nesse intuito, o telégrafo nacional teria sido tomado pela força
policial, porém, como havia parte do contingente que não estava disposto a executar tais
ordens, Mariano teria, então, ordenado “aos bravos da Guarda Negra” a respectiva função. A
tentativa de movimento, todavia, malogrou e passado um dia inteiro de negociações, no
próprio dia 16 de novembro, entre nove e dez horas da noite, foi garantida a posse do
Presidente de Pernambuco pelo comandante de armas.
Nova associação entre José Mariano e a Guarda Negra, em dezembro de 1889, pode
ser vislumbrada em telegrama enviado de Recife para a folha carioca Gazeta de Notícias.
Nele, transmitia-se a informação de que alguns membros da Guarda Negra teriam
comparecido de forma hostil a uma conferência republicana liderada por Altino de Araújo em
apoio ao novo governo. Em meio aos festejos e discursos republicanos, o grupo monarquista
teria iniciado vários comentários e interpelações, sendo, por isso, vaiado70. Alguns dias
depois, novo telegrama noticiava a participação da Guarda Negra em uma passeata,
organizada por membros da classe comercial. Os integrantes da associação teriam dado vivas
a José Mariano, não sendo, no entanto, bem recebidos ou correspondidos71. Em 25 de junho

69
Diário de Pernambuco, 11 dez. 1889, p. 03. Israel Ozanam afirma que havia boatos de que o líder do Poço da
Panela (José Mariano), após o 15 de novembro teria tentado impedir a difusão da notícia da queda do trono no
Recife, se lançando assim, em uma tentativa de manter a Monarquia no Norte do país. Cf. OZANAM, Israel.
Capoeira e capoeiras entre a Guarda Negra e a educação física no Recife. Dissertação (Mestrado em História).
Recife: PPPGH/UFPE, 2013, p. 35.
70
Gazeta de Notícias, 09 dez. 1889, p. 02.
71
Gazeta de Notícias, 17 dez. 1889, p. 01. Há ainda referência ao líder do Poço (José Mariano) como mandante
da Guarda Negra no jornal A Epocha. Em 1890, depois de instaurada a República no Brasil, o jornal resgatava
uma lembrança do acontecimento ocorrido em 22 de julho de 1889, quando Silva Jardim chegara ao Recife, para
atribuir ao fiscal do Poço a autoria do movimento. Cabia a ele, supostamente, o agenciamento de grande número
de capangas armados que, “engrossando as fileiras do batalhão da Guarda Negra” teriam se apresentado no pátio
287
de 1890 ainda podemos perceber menção a reuniões da Guarda Negra em Recife através da
imprensa. Nesse dia, o Diário de Pernambuco publicava que o grupo de libertos havia se
reunido em nome de empregados públicos para manifestar-se contra o marechal Deodoro e o
governo republicano, contanto, porém com a adesão de “todas as classes sociais”72. A
reportagem anunciava ainda a formação do Clube Paroquial de Santo Antônio, o qual
afirmava ser um novo “grêmio da Guarda Negra”, formado por indivíduos arregimentados da
antiga corporação. 73
A relação que se construiu entre a Guarda Negra e o abolicionista José Mariano, deve-
se muito em parte, ao jogo de disputas políticas que caracterizou o pós-abolição e a crise da
Monarquia no Brasil. Seu modelo de atuação e suas críticas aos republicanos de última hora,
muito influenciaram para a construção de uma memória do político liberal como o criador da
Guarda Negra, instituição que ele próprio criticara em suas primeiras declarações. Sua
imagem como líder do grupo de libertos pode ser vista também como uma tentativa do novo
regime em afastar Mariano e seus correligionários de qualquer espaço na política republicana
pernambucana, o que podemos vislumbrar através de alguns artigos que negam a Mariano a
condição de “republicano puro” ou “republicano histórico”74. O que nos lembra muito o que
também aconteceu com José do Patrocínio para no contexto do Rio de Janeiro.
É bem verdade, no entanto, que o fundador do periódico A Província, mantinha
relações antigas com maltas de capoeira para resguardar e garantir interesses políticos locais.
Quem primeiro informou sobre o assunto foi o conservador Félix Cavalcanti, cujo diário foi
publicado por Gilberto Freyre.75 Segundo ele, em torno de Mariano girava “a massa popular
do Recife, povo inclinado a desordens e a anarquia”. Quando das eleições de 1884 para
compor a Câmara dos Deputados, Mariano teria ido à Igreja Matriz de São José, cercado de
seus capoeiras, em especial do cocheiro Nicolau, e deflagrado conflitos que acabaram por
gerar a morte do major Manoel Joaquim Ferreira Esteves, conhecido como Bodé e um dos
principais líderes do partido conservador na região.76 No entanto, o próprio Mariano jamais se
declarou pertencente à Guarda Negra: “asseguro-vos, meus senhores, que nunca tive capangas
a meu serviço, nunca precisei de assalariados para defenderem comigo as santas causas a que

da matriz de Santo Antônio “dispostos a aniquilar os republicanos que ali aparecessem”. Cf. A Epocha, 08 jan.
1890, p. 02.
72
Diário de Pernambuco, 25 jun. 1890, p. 03.
73
Idem. Diário de Pernambuco, 03 jul. 1890, p. 04.
74
OZANAM, Israel. Op. Cit.
75
FREYRE, Gilberto. O velho Félix e suas “memórias de um Cavalcanti. Recife: Massangana, 1989. (Série
República, 7), p. 73.
76
Há informações de que na realidade José Mariano apenas havia levado seus “capangas” para se proteger dos
integrantes do partido conservador que o haviam ameaçado de morte.
288
me tenho consagrado”. Se possuía apoio de pessoas do povo, era antes porque elas julgavam
poder acreditar e confiar em seu caráter, do que por arregimentação em troca de pagamento. 77
Ao que tudo indica, em muitas partes do país as ações da Guarda Negra continuaram a
evocar o temor de um movimento de restauração monarquista no período imediatamente
posterior a instauração da República. As notícias dos periódicos de todo o Brasil deixam
evidente essa questão. O Diário de Pernambuco, por exemplo, mesmo depois do 15 de
novembro continuou a publicar uma série de artigos combativos que detratavam à antiga
organização de libertos, taxada como instituição arruinada. Acusava os integrantes dessa
corporação de traidores, já que uma vez instaurada a “revolução republicana”, que os pegou
de supetão, eles passaram a mudar de tática:

Veio a revolução com que essa gente não contava e, uma vez apanhada de
surpresa, a Guarda Negra muda de tática. Imponente para a luta, finge-se de
republicana, pronta para servir o mesmo regime que tantas iras provocara.78

O momento era realmente instável, já que os antigos abolicionistas preparavam


festejos em comemoração ao aniversário de João Alfredo, chefe do gabinete conservador que
havia decretado o ato de libertação e que voltava a cidade de Recife. Naturalmente, os riscos
dessa movimentação eram evidentes para um regime instaurado recentemente e de supetão
para grande parte dos próprios republicanos. Nessa ocasião os adversários de Mariano
aproveitaram para associar a iniciativa à restauração da Guarda Negra.79 Dessa forma,
anunciaram que a comissão criada para homenagear o chefe do Ministério 10 de março seria
composta pelo próprio José Mariano, João Rames, Numa Pompilio, Guilherme Pinto e Barros
Sobrinho, todos antigos integrantes da associação isabelista. As homenagens teriam, assim,
uma finalidade obscura que iria além das comemorações pela abolição: “para falar com toda a
franqueza o que o Cabelleira [José Mariano] pretende, não é fazer manifestação abolicionista,
e sim organizar o partido do orçamento, vulgo Guarda Negra, da qual ele é o chefe”.80

77
FREYRE, Gilberto. Op. Cit., p. 73 e OZANAM, Israel. Op. Cit., p. 49.
78
Diário de Pernambuco, 14 dez. 1889, p. 03.
79
“Se o intuito de alguns orleanistas preparando festas para a recepção do ilustre Sr. Conselheiro João Alfredo, é
arregimentar a Guarda Negra, dando-lhe um chefe ostensivo, estou certo de que o ex-ministro que promulgou a
abolição dos escravos, saberá desprezar essa tática, zelando o seu nome de pernambucano (...)”. O artigo
continuava afirmando que os mesmos cidadãos que buscavam homenagear o antigo chefe do gabinete
conservador, há bem pouco tempo o criticavam fervorosamente. A mensagem se concluía com a garantia que o
governo provisório vigiava a Guarda Negra bem de perto, sem a perder de vista. Cf. Diário de Pernambuco, 21
dez. 1889, p. 04. Conferir ainda: Diário de Pernambuco, 22 dez. 1889, p. 03.
80
Diário de Pernambuco 19 dez. 1889, p. 03. Cabe ressaltar que o artigo foi assinado pelo Major A. Afonso Leal
e recebeu o título de: “O major A. A. Leal, a Guarda Negra, o Cabeleira e o Clube do Cupim”.
289
O artigo em questão era assinado pelo major Afonso Leal 81 que vinha apresentando
uma série de notícias na folha pernambucana na tentativa de esquivar-se de qualquer
associação com a Guarda Negra. Foi assim que, apenas um dia após a publicação anterior, ele
retornava ao jornal para detalhar, de forma concisa, a verdadeira organização da Guarda
Negra, sua origem e seus principais integrantes. Narrava o major que ela foi orquestrada por
alguns líderes do antigo Clube do Cupim e que o próprio Mariano havia tentado enganá-lo
para entrar no grupo que lutaria pela manutenção do império. Se esquivando de qualquer
relação com a dita corporação, o major fornecia os nomes e características de alguns de seus
integrantes:

1° Dr. Mariano do Poço, orador de carroça, ex-secretário de Gastão Corby,


advogado e jornalista de oitiva. 2° Dr. Pereira Júnior, fundador da União
Nacional, lente de bobage da Escola Normal e defensor da lavoura. 3°
Tenente Paula (vulgo Pachá) ex-cocheiro da Casa de Orleans, antigo
proprietário da Revista de Artes e atual repórter de A Lanceta. 4° Nicolau de
C. Gama, oficial de diversos defuntos, compadre do Dr. Mariano do Poço. 5°
Francisco de Paula Neves, ex-guarda fiscal e morador da Casa de Detenção,
moço sobre quem recai a injusta acusação de assassino de Ricardo
Guimarães. 6° João Ramos, cônsul estrangeiro, sócio do Clube do Cupim.
7° Praxedes do Gaz, peritimo afiador de violão. 8° Alferes Pedro Valente
(brabo de oitiva). 9° Inocêncio de tal (vulgo Bico-doce) ex-eficial da guarda
nacional. 10° Tenente Anselmo, afinador de violão e morador à rua das
Cruzes. 11° J. R. Duarte (comendador de oitiva) redator de A Exposição e
sonetista peritimo. 12° M. J. Menna da Costa (fotógrafo de bobage) antigo
republicano, autor da – Musa extravagante – proprietário de A Lanceta.82

Pairava assim a suspeição e o temor em torno do movimento monarquista que assolou


a grande parte do território nacional na luta pela garantia do Terceiro Reinado e que não
parece ter desaparecido da memória popular tão cedo. Em 22 de dezembro de 1889, novo
artigo nesse sentido e assinado pelo mesmo major, surgia com o título de “A Guarda Negra
em desespero”. Afirmava ele que dentro da nova realidade política do país não havia espaço
para essa horda de assalariados e cocheiros analfabetos que a tudo obedeciam sobre as ordens
de um general decaído (Mariano). E terminava prometendo completar o nome de todos os

81
Não conseguimos localizar referências sobre a vida e carreira do Major Antônio Affonso Leal, apesar da busca
em diversos dicionários biográficos. Pelos artigos publicados na imprensa sabemos que foi um jornalista de
destaque na região de Pernambuco, atuando principalmente através do Jornal do Recife. Há referências de que
também exerceu cargos políticos. Sabemos somente que existe uma rua em sua homenagem em Recife e que
faleceu em 13 de fevereiro de 1895, o que averiguamos através de uma pequena nota publicada pela imprensa.
Cf. Jornal do Recife, 15 fev. 1895, p. 03.
82
Diário de Pernambuco 20 dez. 1889, p. 03.
290
principais integrantes da corporação. Dito e feito. Assim garantiu sua presença na edição
posterior do jornal, citando mais doze nomes de componentes da Guarda Negra:

13° Dr. Phaelante (vulgo elefante), escritor das “Verdades do Sol”; 14°
Nuno Pompilio, dentista perito, moço de óculos e gravata branca; 15° Dr.
Carneiro Tracista escritor de [?], “Sete Passos” e outras obrinhas. Juiz
municipal dispensa-o a bem da moralidade pública; 16° Capitão Xico Torres,
comandante dos brabos83, morador do Estado da Várzea; 17° Vera Cruz, tio
de José Benta e Bentinho, compadre do Dr. Mariano, morador no Poço e
cortador de orelhas; 18° Costa e Sá, ex-cadete do exército, ajudante de
ordens do Dr. Mariano, orador de oitiva; 19° Tito Lívio (romano de oitiva),
redator de O Obreiro. 20° Dr. Pão Sovado, moço de talento e influência
política, diversas vezes eleito na viçaversa; 21° José da Benta, oficial de
muitos defuntos, primeira Parnaíba (compreende faca de ponta) do Poço,
morador na Casa de Detenção; 22° Philemon Peixoto, correspondente
telegráfico de diversos jornais (compreende Lanceta e Cara Dura), repórter
de A Província; 23° Dr. João Festeiro, antigo engenheiro, cantor de hinos e
fabricante de arcos de canela; 24° M. Reinaux, agricultor, general de
bobage”.84

Como podemos evidenciar pela análise das duas listagens de nomes oferecidas pelo
major Leal, a composição social do grupo de “marianistas”, que ele intitulava como sendo a
Guarda Negra no Recife, era bastante variada. Agregava desde lavradores a capoeiras,
militares, comerciantes e prisioneiros. Dificilmente esses indivíduos formavam uma unidade
política, como a imprensa os imputava, mais provável que fizessem parte do círculo de
contato e influência de José Mariano e que agissem de maneira contingencial, de acordo com
demandas em questão. Por certo, se envolveram nas querelas entre monarquistas e
republicanos que emergiram em todos os centros urbanos no pós-abolição e como lutassem
pela continuidade da Monarquia, acabaram por receber o estigma, já popular, de “Guarda
Negra”. Todavia, o que a imprensa comumente chamou de Guarda Negra, e aqui pensamos no
amplo movimento social integrado por homens que entraram em confronto direto com os
republicanos, ia muito além dessa listagem. Com isso, não queremos afirmar que Mariano,
enquanto líder abolicionista, de fato não tivesse ressonância popular e fosse capaz de insuflar
manifestações a seu favor. Provavelmente, seus discursos mobilizaram parte da população,
em especial os libertos e homens de cor que traziam consigo a presença de um escravismo
83
O termo “brabos” era geralmente utilizado para se referir aos capoeiras na região.
84
Diário de Pernambuco, 22 dez. 1889, p. 04. Nesse mesmo editorial, logo abaixo da listagem fornecida pelo
major Afonso Leal, emergia a fala do Tenente Anselmo A. de Azevedo, que dois dias antes havia sido acusado
de pertencer à Guarda Negra. Ele negava as acusações em um texto repleto de termos no diminutivo, em tom de
ironia, e concluía afirmando que “boquinha calada não faz mal a ninguém”. Na edição posterior, em 24 de
dezembro, o tenente Anselmo voltava a se defender da acuação de pertencente a Guarda Negra. Cf. Diário de
Pernambuco, 24 dez. 1889, p. 03.
291
marcado na memória. Esses indivíduos certamente entraram em choques durante todo o ano
de 1889 com as propostas de uma República, que se aproximava dos antigos senhores de
escravos e dos grandes latifundiários, o que por vezes gerou conflitos reais. A analogia entre
Mariano e a Guarda Negra, no entanto, só se deu em data posterior a junho de 1889, quando
da entrada do gabinete de Afonso Celso, período em que o Mariano retomava à bandeira do
liberalismo monárquico. O que queremos dizer com isso é que houve uma construção
deliberada, por parte dos republicanos, que associou o líder popular e abolicionista à liderança
da Guarda Negra, de maneira a desmerecer sua imagem política antes e depois da República
no Brasil.
Seja como for, a verdade é que, mesmo após a instauração da República, o espectro da
Guarda Negra, que em verdade representava as manifestações populares a favor da princesa e
do Terceiro Reinado, pairava em Recife, como em outras localidades do Brasil, assim como o
receio de um retorno à Monarquia.85 Muito longe da consolidação, o novo regime, por certo,
não fez desaparecer subitamente os confrontos e as tensões políticas, já que grande parcela do
povo não aceitou de maneira instantânea o golpe militar que a todos pegou de surpresa. Sendo
assim, podemos garantir que a memória da Guarda Negra se manteve presente e levantou
suspeitas de retorno. Nesse aspecto, é interessante notar que o Jornal do Recife, talvez tenha
sido o periódico que mais alongou a memória da Guarda Negra em suas publicações.
Mesmo após a queda da Monarquia e ascensão da República, uma série de narrativas
surgia na referida folha, contando sobre o processo de crise do governo imperial e de desgaste
da figura do imperador, assumindo como um dos pontos centrais desse processo de crise a
suposta criação e manutenção da associação de libertos pelo gabinete João Alfredo. Ao longo
da década de 1890 algumas publicações reforçavam esse sentido, enquanto outras
relacionavam a antecipação dos planos militares de implantação da República à boatos de
ataque da Guarda Negra aos quartéis militares. Todavia, é interessante notar que referências à
dita corporação estão presentes até os anos de 1930 no jornal. Uma análise dos artigos nos
permite constatar, por exemplo, que a imagem da Guarda Negra retornava sempre que se
falava sobre a corrupção e os desmandos da polícia agindo para fins específicos. Foi esse o
caso em 1918, quando um artigo publicado no dia 03 de agosto tipificava parte do corpo

85
Ainda em Pernambuco, dessa vez em Itamaracá, rondou o boato de que alguns indivíduos estariam formando
um “Clube da Guarda Negra” para sair de máscara nos dias de carnaval de 1890. Jornal do Recife, 18 fev. 1890,
p.02.
292
policial como uma “tocaia assassina”, criada para a “vergonha e indignidade da própria
corporação, em que estão amilhados como a Guarda Negra de arrivistas (...)”. 86
Novamente, no ano de 1928, a instituição da Guarda Negra reaparecia ao se falar dessa
mesma temática. O editorial narrava brevemente um retrospecto sobre o processo de
instauração da República no Brasil e, como de costume, informava sobre as ações da
associação de libertos promovidas através do subsidio do governo imperial. Nesse momento
lançava mão de uma comparação com o então tempo presente, destacando que atualmente “o
exército vê formar-se ao seu lado as Polícias Militarizadas, destinadas ao mesmo papel das
corporações que o Visconde de Ouro Preto tentou organizar”. 87 A novidade era que no lugar
de João Alfredo, chefe do gabinete conservador, a memória histórica trouxe a tona a figura do
liberal Afonso Celso como o grande amotinador da Guarda Negra. Outro artigo publicado
alguns anos depois, em 1934, fazia surgir a mesma referência: “o Visconde de Ouro Preto (...)
preparou-se para agir (...). Foi assim que determinou exercícios bélicos, (...) reorganizando a
polícia e a Guarda Negra, resolvido mesmo a armar as forças militares da Polícia (...)”.88
Se utilizar da expressão “Guarda Negra” foi comum no período republicano para
definir e, ao mesmo tempo, deslegitimar movimentos populares variados, bem como
indivíduos que tentavam se inserir na nova distribuição de poderes. Dessa forma, trazer
consigo a insígnia de integrante da Guarda Negra era o mesmo que associar-se ao passado
monarquista e, portanto, ser adversário da República. Para verificarmos esse tipo de
estratégia, podemos citar também o caso dos registros sobre a Guarda Negra relativos ao Rio
Grande do Norte. Para essa localidade, a ideia em torno dessa corporação após a instauração
da República passou a ser associada ao surgimento de movimentos populares variados, em
especial ao sebastianismo, e como ferramenta de ataque a grupos políticos adversários. Essa
adversidade pode ser vislumbrada através de embates entre dois importantes jornais da região:
A República89 e a Gazeta do Natal90. De maneira bem enérgica, ambos se utilizavam da
memória da Guarda Negra para denegrir a imagem de seus inimigos no novo regime,

86
Jornal do Recife, 08 ago. 1918, p. 01.
87
Jornal do Recife, 25 nov. 1928, p. 01.
88
Jornal do Recife, 15 nov. 1935, p. 01.
89
O jornal A República (RN) foi fundado em 1° de julho de 1889 por Pedro Velho de Albuquerque Maranhão
com o objetivo de ser o órgão oficial do partido republicano no Rio Grande do Norte. Possuía publicação diária,
sendo seu escritório e tipografia localizados à Rua Correia Telles, n.06.
90
A Gazeta do Natal foi criada no dia 31 de dezembro de 1887, sendo um jornal ligado ao Partido Conservador.
Dentre seus redatores estavam M. P. de Oliveira Santos e A. de Amorim Garcia. Publicava-se às segundas e
quartas-feiras, passando, posteriormente, a ser lançada apenas aos sábados. Seu escritório e redação funcionavam
na Rua Visconde do Rio Branco, n.35. Após a instauração da República trocou o subtítulo “órgão conservador”
para “ordem e progresso”, o que demonstra a rápida adaptação à mudança de conjuntura política. A última
edição do jornal data de 13 de dezembro de 1890.
293
acusando-os de ligação com o recente passado monarquista, em particular com o gabinete
liberal de Ouro Preto.
O jornal A República (MA) havia sido fundado em julho de 1889, por Pedro Velho de
Albuquerque Maranhão91, que assumiu o governo provisório do Rio Grande do Norte logo
após a vitória republicana no país. Nesse periódico percebemos uma série de acusações que
encaram a Guarda Negra como uma “irmã germana da semente daninha do sebastianismo”92,
sendo a Gazeta do Natal a porta vez desses movimentos. Ainda em princípios de 1890, por
exemplo, a folha noticiava que “a Guarda Negra ou a malta sebastianista” estava perdendo o
senso político e conspirando contra as reformas republicanas, através da manipulação do povo
pobre e ignorante do interior, em especial contra o casamento civil e a liberdade de culto
religioso.

Para a empreitada de difamar a revolução e como um comentário sarcástico


à intolerância religiosa, aproveitou a guarda negra o primeiro levita que
encontrou a procura de celebridade e de emprego para os parentes e,
achando-o trefego e linguarudo, deu-lhe a investidura de apóstolo do
sebastianismo!93

Em variados momentos o periódico republicano tratava a Gazeta do Natal como sendo


sinônimo da Guarda Negra, afirmando serem “duas denominações que exprimem a mesma
ideia”. Ela seria responsável por fazer circular uma série de artigos repletos de embustes e
perfídias contra o governo do estado, sendo cúmplice do sebastianismo e do grupo
94
monarquista. Na realidade a questão central continuava a rodar em torno de disputas

91
Pedro Velho de Albuquerque e Maranhão (1856-1907) nasceu em Macaíba (RN), em 27 de novembro de
1856, herdeiro de uma das maiores fortunas do Rio Grande do Norte. Formou-se pela Faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro em 1881. Sua entrada na política se deu em 1888, quando ajudou a fundar a Sociedade
Libertadora Norte Rio-Grandense. Foi também um dos fundadores do Partido Republicano do Rio Grande do
Norte, em 27 de janeiro de 1889 e do jornal A República em 1° de julho do mesmo ano. Dois dias após a
instauração do regime republicano recebeu a administração do Rio Grande do Norte de seu antecessor até o dia
06 de dezembro, quando Adolfo da Silva Gordo foi enviado pela capital para ser o governador provisório da
região. Pedro Velho foi eleito deputado ao Congresso Nacional Constituinte e voltou rapidamente a assumir o
governo do estado antes de tomar posse do novo cargo. Quando da eleição de Deodoro para Presidente da
República pela Constituinte as divergências políticas cresceram no Rio Grande no Norte e o “pedrovelhismo”
passou a se delinear como uma corrente política do Partido Republicano, rivalizada apenas pela de José Bernardo
de Medeiros. O “pedrovelhismo” passou então a se caracterizar por um discurso que enfatizava a fidelidade ao
ideário republicano e a adesão ao centralismo partidário, contra o que rotulava como “sebastianismo” ou
“saudosismo monárquico”. Cf. https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/VELHO,%20Pedro.pdf
92
A República (RN), 01 jul. 1890, p. 03. Em momento posterior o periódico afirmou que “o monstro do
sebastianismo era uma “híbrida mistura da Guarda Negra com as fezes do ouropretismo”. Cf. A República (RN),
26 out. 1890, p.02.
93
A República (RN), 21 jun. 1890, p. 02.
94
A República (RN), 01 set. 1890, p. 02-03.
294
políticas e eleitorais, já que a Gazeta do Natal se colocava contrária a Pedro Velho e seus
aliados, enquanto o jornal A República, obviamente, falava a seu favor. As tensões se
intensificavam, como de costume, em períodos eleitorais, onde a Guarda Negra foi mais uma
vez citada pela folha oficial do partido republicano.

O centro histórico da Guarda Negra transferiu para o dia 30 a reunião que


devia organizar a sua chapa de candidatos ao Congresso Federal. (...) Não
haverá tempo de fazer chegar ao conhecimento do grande eleitorado
sebastianista o grande mérito dos grandes homens em quem devem votar. 95

A Gazeta do Natal, por sua vez, negava as acusações feitas por seus adversários e
publicava informações de que era Pedro Velho quem teria acolhido dois ex-integrantes da
Guarda Negra em seu ministério quando governador, perdoando seus crimes e lhes dando o
epíteto de “bons republicanos”. Um deles inclusive passara a envergar a farda de oficial do
corpo de Polícia. A notícia atestava, no entanto, que a Guarda Negra há muito havia se
96
dissolvido na região. Menos de um mês depois, uma correspondência publicada pelo
mesmo jornal voltava a articular as atitudes políticas de Pedro Velho às da antiga Guarda
Negra, afirmando que sua gestão resgatava e incorporava os modos de atuação do grupo
isabelista: “em pleno regime da democracia, o anonimato da República agarra-se aos ossos da
guarda negra, evoca-lhe o espírito, aprende a maravilha de seus processos (...)”97. A
informação dizia respeito a uma suposta tentativa de Pedro Velho de impedir que o novo
governador Affonso Gordo assumisse seu posto, opondo-se a sua vinda com a “Flor da Gente,
punhais e dinamite”.
A Gazeta do Natal continuava a defender-se dos libelos que a ligavam a elementos do
regime decaído e da intriga monárquica que ainda pairavam no Rio Grande do Norte. Para
tanto, asseverava que os membros do jornal nada tinham a ver com o “despeito negro e
monárquico” e partia para o ataque afirmando que entre os redatores da República é que
98
estavam antigos “ouropretistas” e adeptos da remota Guarda Negra. Em se tratando da
suposta relação entre A Gazeta do Natal e o sebastianismo, atestava que esse tipo de
declaração era mais um artifício político da imprensa adversária para prejudicar a folha. Em
verdade, garantia que o clero do Rio Grande do Norte jamais havia tentado sublevar o povo
contra o governo ou se colocado contrário ao casamento civil, tendo ocorrido apenas uma
95
A República (RN), 16 ago. 1890, p. 04.
96
Gazeta do Natal, 01 mar. 1890, p. 03.
97
Gazeta do Natal, 29 mar. 1890, p. 03.
98
Gazeta do Natal, 28 jun. 1890, p. 01.
295
manifestação popular pontual na freguesia de Macahyba sobre o tema, onde inclusive teriam
participado alguns familiares dos redatores da República. 99
Em 1891, quando um novo governador assumiu seu cargo do Estado, Amintas de
Barros, o periódico A República voltou a tocar na temática da Guarda Negra afirmado que seu
100
governo estava a serviço do antigo grupo isabelista. A nova gestão era acusada de
substituir antigos republicanos históricos dos cargos de governo para dar lugar a inimigos
conhecidos do regime, sem mérito e sem capacidade, sendo movido pelos “comendadores da
Guarda Negra”. Como de costume, também o acusava de aliança com o “sebastianismo
carcomido” por desacreditar dos homens que realmente prezam pela República. 101
Ainda no Rio Grande do Norte o jornal O Povo relatava uma tentativa de ação da
Guarda Negra, liderada pelo comendador Joaquim Guilherme de Souza Caldas – tido como
líder do grupo –, com o objetivo de destituir o então governador João Gomes de seu cargo.
Sua péssima administração teria levantado ódios dos maiores inimigos da República, dentre
os quais estavam os sebastianistas de todo o estado, levando-os a marcar uma ação conjunta
para o dia 09 de dezembro de 1890. A iniciativa, entretanto, havia malogrado em virtude da
deposição de João Gomes por parte do governo provisório de Deodoro da Fonseca. 102
A análise dos materiais contidos na imprensa de diversas regiões do Brasil sobre a
Guarda Negra após a instauração da República em muito se parece com a conclusão que
chegamos sobre esse assunto para o período anterior, de crise do Segundo Reinado. As
notícias publicadas pelos jornais de múltiplas localidades se utilizavam do termo “Guarda
Negra” para se referirem às práticas políticas locais já comuns em tempos passados, como a
capangagem, a violência eleitoral ou os apadrinhamentos, dando novos sentidos e significados
103
a esses acontecimentos. Como outros exemplos desse tipo de cenário podemos citar
pequenos casos espalhados pelo território nacional onde vislumbramos a terminologia
“Guarda Negra” sendo resgatada para definir ações comumente presentes em períodos
anteriores. Na Bahia, os relatos sobre as atitudes de grupos de desordeiros, geralmente ligados

99
Gazeta do Natal, 05 jul. 1890, p. 01-02.
100
A República (RN), 21 mar. 1891, p. 02. Cabe ressaltar que entre novembro de 1889 e novembro de 1891 o
estado do Rio Grande do Norte foi administrado por nada menos que 10 governadores diferentes, fato que
demonstra a instabilidade política da região.
101
A República (RN), 04 abr. 1891, p. 02.
102
O Povo (RN), 21 dez. 1890, p. 01.
103
Sobre esse aspecto, reforçamos o papel que a imprensa possui não apenas de narrar eventos cotidianos,
auxiliando o historiador na identificação de traços sociais, políticos e mentais de determinados períodos, como
também possui, enquanto agente político, a capacidade de construir e difundir novas realidades através de suas
matérias e mecanismos de distribuição da informação, sempre de acordo com determinada filiação ideológica.
MOREL, Marco & BARROS, Mariana Monteiro. Palavras, imagem e poder: o surgimento da imprensa no
Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
296
a líderes locais, continuaram a ser endossados como provenientes da Guarda Negra após o 15
de novembro e a mudança de governo. Em janeiro de 1890 o jornal carioca O Paiz informava
que em Santana de Lustosa, cidade baiana, era terrível o que se passava. Grupos de homens
armados, formando cerca de 80 indivíduos, sob o mando do subdelegado local aterrorizavam
a população perturbando o comércio e a tranquilidade pública: “uma Guarda Negra (...)
composta de capangas armados e de desordeiros, se incorporou para intimidar os lustosenses e
obriga-los a crer na perdida força moral das autoridades”. 104 Apesar de citar uma lista das
ações do dito grupo, destacando os castigos por eles cometidos contra os cidadãos locais, a
notícia não fez menção à filiação desses indivíduos com a causa monarquista.
Em Cuiabá, Mato Grosso, o jornal carioca A Imprensa, cujo redator chefe à época era
Rui Barbosa, noticiava em 27 de dezembro de 1899, que, em vista de disputas eleitorais, uma
Guarda Negra composta de capangas do governo havia se organizado para cercar a casa de
um senador. Constava no jornal que a atitude era um escândalo contra a liberdade e que, por
isso, a população local estaria prestes a se revoltar. 105 Alguns anos depois, em 1912, o mesmo
jornal emanava preocupação com a situação descrita pelos telegramas vindos do estado do
Pará. Assegurava a folha que o Corpo de Bombeiros daquela localidade havia sido por
completo afastado de suas atribuições e se “convertido em Guarda Negra”, atuando em
conjunto com a polícia e os capangas de João Coelho, então governador desse estado. Estes
homens estariam percorrendo as ruas da cidade durante o dia e a noite disparando a esmo as
suas carabinas contra o povo e contra o jornal A Província do Pará, instaurando no estado a
mais “funesta ditadura”. Tudo isso em virtude da vontade irresponsável do governador de
impedir o prosseguimento das apurações das eleições estaduais para deputado, de modo a
manter seus aliados no poder a base da força e contra as garantias constitucionais. 106
Novo artigo publicado seis dias depois voltava a apresentar a situação do estado do
Pará, dessa vez fornecendo alguns nomes dos indivíduos que serviam a suposta Guarda
Negra: Paulino, Bento Ernesto, “Dente de Ouro”, “Neco”, “Dez mil Réis”, Manuel Vendeiro,
Rito Aprillo, Raymundo Santos, Endoro Pinheiro, “Pé de Bola”, José Fernandes (vulgo
Zumba), Pedro Hilário (ex-praça da Brigada), “Carne Guisada”, Vicente (ex-marinheiro
nacional), Manuel Seabra, Oscar Passos, Lemberg, Armando Pinho, “Lyra de Prata”, Amorim

104
O Paiz, 01 jan. 1890, p. 05.
105
A Imprensa (RJ), 27 dez. 1899, p. 01.
106
A Imprensa (RJ), 15 jul. 1912, p. 01.
297
e muitos outros qualificados como arruaceiros constantes, criminosos, bêbados inveterados,
turbulentos, gatunos e mesmo criminosos de morte. 107
No mesmo estado alguns anos antes, em 22 de agosto de 1900, localizamos uma
correspondência enviada ao jornal do Clube Republicano da região intitulado A República,
confirmando a existência de uma Guarda Negra em Quatipurú. A notícia afirmava que o
grupo era composto de “negros ébrios e ladrões” que viviam nas ruas da vila provocando
desordens e perseguindo homens pacíficos noite e dia. O correspondente informava que
apesar de o governador ter conseguido acabar com a guarda local do interior, naquela região
ela havia crescido, sendo encabeçada pelo professor Vieira. Este, em vez de cuidar dos
alunos, abandonava a escola durante semanas inteiras para viver de taberna em taberna
embriagado e insultando a todos os seus desafetos. Quem sustentava o grupo de “cangaceiros”
era o coletor Manoel João da Costa, que em troca de favores lhes fornecia vinho à vontade. O
juiz substituto da região, Francisco de Andrade Pinheiro, também participava das ações que
punham terror a vila em conjunto com o professor. A carta se encerrava com um apelo ao
governador do Pará e ao chefe da segurança para que tomassem alguma providência, de modo
que os bons cidadãos pudessem voltar a viver tranquilamente. 108
Novamente associada a uma espécie de capangagem política, o termo Guarda Negra
reapareceu em 1914, no sul do Brasil – estado do Paraná – para se referir a um grupo de
assalariados armados pelo tenente Palmiro Pulcherio – famoso na região pela construção de
vilas operárias – que agiram com o objetivo de assassinar o deputado Irineu Machado. A ação
109
da “Guarda Negra do famigerado tenente” teria sido descoberta a tempo de ser impedida,
de modo que o supliciado nada sofreu. Ao avaliarmos esses tipos de narrativas percebemos,
portanto, que para as diversas partes do interior do Brasil, o que comumente a imprensa
denominou de Guarda Negra dizia respeito a grupos com objetivos políticos locais e
específicos que não necessariamente pareciam com o que ocorreu na Corte em meio às
tensões permeadas pela polarização entre monarquistas e republicanos. Alguns traços, no
entanto, permaneceram em comum: a maior parte das narrativas manteve uma lógica
racializada que percebia nos homens de cor um perigo iminente para a ruptura da ordem
social. Identificados sempre como desordeiros, ébrios, violentos, ignorantes, nunca coube a
eles a qualidade de cidadãos agindo em virtude de seus próprios interesses.

107
A Imprensa (RJ), 21 jul. 1912, p. 03. Conferir também: A Imprensa (RJ), 22 jul. 1912, p. 01.
108
A República: órgão do Clube Republicano (PA), 22 ago. 1900, p. 02.
109
Diário da Tarde, 14 mar. 1914, p. 01.
298
Apesar das diferentes realidades regionais, da mudança institucional de regime
político, das incertezas sobre a nova distribuição de poderes e mesmo sobre a manutenção e o
futuro da República no país, o fato é que tanto as memórias da Guarda Negra do período
imperial se mantiveram presentes por um longo tempo após o 15 de novembro de 1889, como
a existência de grupos que continuaram a receber essa denominação. Como vimos, em
diversos locais do país (Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Pará e
Paraná), seja por estratégia política ou não, a designação “Guarda Negra” permaneceu a
definir manifestações sociais que contavam com a presença de homens de cor. No caso
específico do Rio de Janeiro, verificamos que para além das práticas policiais baseadas na
ideia de disciplina e controle social, em especial sobre a massa dos trabalhadores pobres, ou
das “classes perigosas”, algumas passagens sobre ações da Guarda Negra se mantiveram
presentes. Ultrapassando os relatos memorialísticos sobre a corporação dos tempos imperiais,
ou a noção de que ela desapareceu com a perseguição aos capoeiras pelo novo governo,
percebemos que a Guarda Negra esteve também associada a movimentos e protestos de
trabalhadores que buscavam mecanismos de sobrevivência e novos direitos sociais em meio a
uma conjuntura marcada por um projeto de modernidade excludente e autoritário, baseado na
vigilância permanente dos espaços públicos e envolto no manto da ideia de progresso.

299
CONCLUSÃO

Presente no imaginário social brasileiro de forma intensa, especialmente nos anos de


1888 e 1889, a associação da Guarda Negra recebeu ampla atenção da imprensa, tendo
diversas notícias produzidas e reproduzidas em periódicos de todo o país. Analisadas a partir
de diferentes polos de conflito, essas publicações nos ajudaram a conhecer as próprias tensões
e aspirações sociais que emergiram em função da abolição da escravidão e da crise da
Monarquia no Brasil. Seus apoiadores ou críticos, ao disputarem entre si um complexo espaço
de legitimação das suas ideias, exprimiram as tensões e os dilemas que vivenciavam, em meio
a uma conjuntura cada vez mais marcada pelo dissenso e pela polarização de programas
políticos.

A Guarda Negra, no entanto, ao representar uma forma de agenciamento multifacetado,


escapou das tentativas de controle do mundo letrado. Rompendo com a percepção de que essa
corporação foi um grupo criado pelo ministério conservador ou pelos próprios articulistas de
jornais, como José do Patrocínio, sustentamos a hipótese de que o que a imprensa denominou
de Guarda Negra fez parte de um amplo movimento social, mais dinâmico, caracterizado pelo
uso dos espaços públicos e composto de diferentes atores sociais, em um processo sempre
contínuo de rearranjo. Entre seus integrantes, obviamente, constavam libertos e homens de
cor, fossem eles os “13 de maio” ou não. Todavia, acreditamos que em suas fileiras estavam
presentes diversos agentes, uma vez que movimentos sociais são marcados pela
heterogeneidade e por alinhamentos e integrantes instáveis. A seleção de estratégias de
mobilização também era situacional, ocorriam conforme os jogos de poder, e as mudanças de
tática, que, longe de serem incoerentes, eram pautadas pela necessidade.

Imerso num contexto que envolveu instituições políticas e espaço público, o fenômeno
da abolição da escravidão foi aqui analisado como pertencente a um jogo de tensões e
negociações acerca dos lugares pertencentes aos negros nessa nova sociedade. Ainda que
multifacetadas e diversas, as manifestações públicas envolvendo a Guarda Negra
evidenciavam que os libertos desejavam participar politicamente dos acontecimentos e das
tomadas de decisões na condição de cidadãos livres. Portanto, encaramos esses eventos como
parte do amplo movimento abolicionista brasileiro, mesmo que após o ato formal de
libertação. Isso porque os indivíduos que agiam em sua defesa ou contrários a ela, o faziam
alicerçados em projetos de abolição que consideravam ser os melhores para a nação. Sendo
assim, para além da investigação da real institucionalização da Guarda Negra, seus
300
integrantes, pontos de encontro, organização burocrática, investimos nos aspectos submersos
dos debates que ocorriam em seu nome, o que nos revelou pistas imprescindíveis sobre os
programas e pensamentos abolicionistas da elite letrada nacional, suas dissidências e os
limites que impunham às reformas sociais e ao lugar dos homens de cor na composição da
identidade nacional.

Em relação a esse aspecto destacamos, particularmente, o papel de José do Patrocínio. A


análise das fontes nos levou a questionamentos sobre propostas e posicionamentos desse
jornalista negro, bem como às suas mudanças de atitudes em relação à sua filiação
republicana. Vivendo um mundo de fronteiras, como assim denominou José Murilo de
Carvalho1, Patrocínio assumiu posicionamentos que por vezes pareceram contraditórios, não
somente em relação à corporação de negros, como também a respeito de seus programas e
projetos políticos. Autodeclarado republicano passou a ser o maior defensor da princesa e da
continuidade da Monarquia no Brasil após o ato de libertação. Nesse momento foi também o
grande apoiador das manifestações da Guarda Negra, atestando sua autonomia e seu
planejamento político. Com o desenrolar do ano de 1889, no entanto, principalmente depois
da queda do Ministério João Alfredo e do retorno de D. Pedro II ao posto de governante,
Patrocínio retornou às fileiras republicanas e passou a assumir uma fala de crítica à Guarda
Negra, sem abandonar, contudo, o valor que dava a participação das camadas populares no
seio das decisões políticas. Portanto, uma das nossas intenções com o dito trabalho foi
procurar compreender as motivações e anseios de José do Patrocínio nesse curto período de
tempo. Período este que acreditamos ter sido central em sua vida, onde se encontrava em jogo
não apenas sua percepção de futuro para a nação, mas especialmente, para si mesmo enquanto
jornalista negro.

Em meio a essa conjuntura, tivemos como um dos objetivos dessa pesquisa apontar para
a importância da articulação da questão racial ao fim do sistema escravista no Brasil e à crise
final do governo monárquico, a partir dos eventos envolvendo a Guarda Negra no imediato
pós-abolição. Conjuntura essa, cada vez mais alicerçada nos ideais de raça que se tornavam
candentes nas tensões sociais, nas decisões políticas, nas concepções de cidadania e nas
memórias e símbolos da escravidão. Como sabemos, o processo que culminou com a abolição
da escravidão no país e no mundo fez emergir novas maneiras de segregação que dessem
conta de reelaborar antigas formas de convívio social e antigas relações de poder

1
CARVALHO, José Murilo: “Introdução”. In: PATROCÍNIO, José do. Campanha abolicionista> coletânea de
artigos/ José do Patrocínio. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Navional, Dep. Nacional do Livro, 1996, p.09.
301
hierarquizantes. Num contexto onde, cada vez mais, a consciência cívica se avolumava,
pertencer a uma comunidade imaginada sendo descendente de escravos era um assunto
complexo. Afinal, se as origens partilhadas e o nascimento ajudavam a definir o
pertencimento em uma comunidade de sentidos, como incluir alguém que havia chegado via
tráfico transatlântico ou que descendia de indivíduos nessa condição? Dessa forma, em todo o
mundo americano que lidava com o processo de libertação da mão de obra escrava, novos
mecanismos de exclusão cívica, baseados cada vez mais em heranças biológicas definidoras
dos tipos raciais, foram sendo cunhados. Foi nesse sentido que Joseph Miller afirmou que a
abolição da escravidão se tornou tão abominável quanto a própria escravidão2. Exageros à
parte, se o fim do sistema escravista tornou, do ponto de vista jurídico, todos iguais diante da
lei, também deu origem a desigualdades extremamente cruéis, posto que sem vias de
superação, já que demarcadas pela natureza e “comprovadas” pela ciência. Sendo assim, as
demarcações raciais continuaram e complexificaram um processo de inabilitação cívica que
tornou os indivíduos negros e seus descendentes alijados, ou melhor, esquecidos, em seus
direitos formais de cidadania.

Para o caso do Brasil, essas definições sobre raça foram sempre ambíguas e
multifacetadas, já que o próprio entendimento sobre tal conceito era, na maioria das vezes,
pouco preciso. Como afirma Ivana Stolze Lima3, entender os usos e sentidos políticos acerca
das diferenças e identidades raciais é muito mais rico do que analisar os aspectos fisiológicos
e teóricos que definiam tal categoria. Ser um cidadão negro ou mestiço possuiu conotações
variadas, geralmente do ponto de vista da exclusão e ausência, seja qual fosse o conceito de
raça utilizado pelos seus enunciadores. Essa imprecisão a respeito da raça nunca impediu,
portanto, que ela servisse para demarcar fronteiras e lugares sociais, bem como retirar os
homens de cor das possibilidades de ação e manifestação (e diga-se de cidadania) nos espaços
públicos e políticos que se formavam.

A análise das fontes nos permitiu vislumbrar que o processo de abolição da escravidão
no Brasil deu origem a uma espécie de mitologia política em torno da percepção de que a
libertação dos escravos havia sido feita de maneira relativamente pacífica, evitando assim, a
formação de ideologias raciais oficiais e a criação de categorias de segregação

2
MILLER, Joseph. C. A abolição como um discurso de apreensão cívica: escravidão como abominação pública.
In: XAVIER, Regina Célia Lima (Org.): Escravidão e Liberdade: temas, problemas e perspectivas de análise.
São Paulo: Alameda, 2012.
3
LIMA, Ivana Stolze. Cores, marcas e falas: sentidos da mestiçagem no Império do Brasil. Rio de Janeiro:
Arquivo Nacional, 2003.
302
institucionalizadas, tal como havia ocorrido nos Estados Unidos da América. Criara-se,
portanto, no Brasil, a imagem de uma harmonia racial, fruto de uma espécie de escravidão
benigna. A Guarda Negra e os debates que ela suscitou, constrangiam esse tipo mitologia que
se queria edificar como sendo o retrato do Brasil, pois colocavam em evidência as tensões
existentes entre negros e brancos no seio da sociedade. Tensões essas, que souberam ser
plenamente exploradas – e diga-se supervalorizadas – pela imprensa republicana e liberal para
enfraquecer o movimento em si, mas também para alcançar objetivos políticos maiores, como
a deslegitimação do Ministério chefiado por João Alfredo Pereira de Oliveira e da própria
instituição monárquica.

Ao longo da nossa exposição tentamos demonstrar o compromisso da elite intelectual


que atuava via imprensa com a elaboração de uma nacionalidade para o Brasil. Tarefa nada
simples e emersa em complexas disputas que envolveram narrativas particulares sobre o papel
do liberto na vida política e cidadã do país. Para além das tensões reais que suas ações
representaram, vislumbramos que as múltiplas narrativas elaboras por periódicos de filiações
políticas distintas traziam intrinsicamente visões de futuro, também distintas, a respeito do
negro no Brasil. Esses testemunhos, obviamente selecionavam determinados aspectos
narrativos e não outros para serem transmitidos ao público leitor, perpetuando as marcas que
eles consideravam interessantes para a composição da nacionalidade, em um claro processo
de construção da memória coletiva. Ao recém-formado Estado nacional cabia elaborar uma
nova identidade que o diferenciasse dos estados europeus, recriando ou inventando fatos no
passado que permitisse o delineamento de aspectos constitutivos de um pretenso povo. Se o
pensamento intelectual brasileiro, de fato estava voltado para o mundo europeu e norte
americano, em vista do projeto civilizatório encetado por essas nações, sabemos também que
motivações internas guiaram o modo de ver desses homens e, nesse sentido, os conflitos
urbanos e rurais envolvendo libertos fizeram grande diferença, pois evidenciavam
características da nação que se queriam silenciar.

A associação da Guarda Negra foi assunto explorado de forma polissêmica, com


múltiplos sentidos e significados para os agentes que sobre ela publicavam. De maneira geral,
esses indivíduos utilizaram tal temática para produzir e reproduzir narrativas sobre raça e
nacionalidade, forjar papéis sociais, sensibilizar a opinião pública, galgar objetivos políticos,
forjar e reconstruir identidades e se inserir no debate sobre cidadania e igualdade num Brasil
definitivamente livre. No entanto, as possibilidades de conflitos entre negros e brancos iam de
encontro a essa euforia renovada e, por isso, foram enormemente combatidas. Além disso, não
303
podemos esquecer que a Guarda Negra representava, a um só tempo, um duplo receio: a
entrada de negros na esfera pública e política e a possibilidade de racialização da sociedade –
o que deveria ser combatido, já que não representava a ideia de Brasil que se queria galgar
interna e externamente. Talvez, o enfoque nos discursos que racializaram sobremaneira a
instituição escondessem um medo mais profundo, o da chegada definitiva da liberdade para o
negro, agregada a sua condição de cidadania, comprometendo antigas relações hierárquicas.

A análise dos jornais no final do século XIX também nos permitiu avaliar que a
Guarda Negra foi um fenômeno nacional. Inúmeros casos de tensões entre monarquistas e
republicanos foram narradas nas mais diferentes localidades brasileiras, seja no interior ou nos
grandes centros urbanos. Da mesma forma, foi extremamente comum a reedição de artigos de
jornais cariocas que relatavam os embates entre a Guarda Negra e os comícios republicanos,
quase sempre evidenciando os aspectos brutais dessa associação e a barbárie em que viviam
os libertos do cativeiro, em um tom, claramente, amedrontador acerca das ações políticas dos
homens de cor. Em meio ao recente processo de abolição era preciso apostar no controle
social e moral dos libertos, que vinha acompanhado de uma série de “obrigações” e
compromissos com o objetivo de guardá-los para a vida civilizada. Certamente a Guarda
Negra ameaçava esse projeto e demonstrava a capacidade de agenciamento político e social
dos homens de cor na luta por seus próprios interesses. Por isso, o mecanismo de insuflar o
medo racial que verificamos para o âmbito da Corte se expandiu para diversas localidades do
território nacional e fez parte de um duplo movimento que, ao mesmo tempo em que
deslegitimava a instituição monárquica, aumentava os receios em relação aos homens de cor.

Ao criarmos uma base de comparação e experimentação entre as narrativas da imprensa


em torno dessa associação por todas as regiões do país, buscamos analisá-las a partir de suas
especificidades, mas sempre as contextualizando ao cenário nacional mais amplo. A partir do
epíteto “Guarda Negra”, experiências sociais díspares foram amalgamadas, o que nos permitiu
entrever as inquietações em torno da reorganização social após a abolição da escravidão a
nível nacional, em especial no que diz respeito à ideia de manutenção da ordem e do lugar
conferido aos homens de cor na condição de cidadãos livres. Foi assim que uma série de
grupos envolvidos com práticas políticas locais já comuns em tempos passados, como a
capangagem, a violência eleitoral ou os apadrinhamentos, assumiram novos sentidos e
significados e passaram a ser denominados pelos articulistas dos jornais de Guarda Negra.

Diferentemente do que afirmou uma parcela da historiografia, procuramos romper com a


percepção que associou um suposto fim abrupto da associação da Guarda Negra, com a
304
intensa perseguição e deportação dos capoeiras empreendida pelo novo governo republicano,
em especial no Rio de Janeiro. Na realidade, questionamos tanto a noção de que a
capoeiragem foi a marca desse grupo monarquista, como também relativizamos essa atividade
de aprisionamento de capoeiras pelo novo chefe de polícia, Sampaio Ferraz como algo nunca
antes visto no âmbito carioca. Para tanto, o material coletado e computado entre a
documentação dos livros de matrícula de presos na Casa de Detenção do Rio de Janeiro e do
Distrito Federal foi de suma importância.

Ao cruzarmos as listas de presos publicadas pela imprensa relativas aos participantes


dos conflitos urbanos entre republicanos e monarquistas, com os dados referentes à pesquisa
das fichas de detentos, conseguimos avaliar melhor a participação de capoeiras, brancos,
negros, libertos, brasileiros, estrangeiros, nos embates travados pelas ruas da cidade. Além
disso, notamos algumas menções à Guarda Negra via imprensa carioca, mesmo que de forma
mais rara, nos primeiros anos da década de 1890, relacionados a novas demandas e projetos.
Independente de serem monarquistas ou republicanos, o fato é que após o 15 de novembro de
1889, os homens de cor não desapareceram das tensões políticas ou esqueceram de suas
aspirações sociais. Continuaram a marcar presença nos debates, nas ruas, nos meetings, nos
eventos públicos e na imprensa. Percebemos, por exemplo, algumas aparições assinadas pelos
chefes da Guarda Negra na imprensa carioca, associadas a mobilizações em torno de melhores
condições de vida e de trabalho, inseridas em greves e manifestações ligadas a determinadas
categorias profissionais. Obviamente esses sujeitos trouxeram suas experiências para
galgarem novos espaços de sociabilidade e novas possibilidades de participação política e
cidadã.

Assim como fizemos para o caso do Rio de Janeiro, procuramos mapear o teor em que
os relatos envolvendo a denominação de Guarda Negra apareceram nas diversas localidades
do país, mesmo após a vitória do projeto republicano. Para a maior parte dos casos,
continuamos a notar que essas publicações, na realidade, ilustravam situações políticas
presentes há muito tempo, que envolviam capangas políticos guiados quase sempre por
interesses locais e eleitorais, e que continuaram a receber a insígnia de Guarda Negra. A
imprensa, por sua vez, se esforçou para reforçar esse tipo de denominação com o objetivo de
ratificar os riscos que ainda existiam de levantes monarquistas nas regiões mais afastadas do
Brasil, ainda que tal receio fosse supervalorizado. De maneira geral, no entanto, a maior parte
das publicações que emergia após a instauração da República, era composta de relatos
memorialísticos que confirmavam a versão republicana sobre a associação. Nesse sentido,
305
reforçava-se a suspeição sobre essa organização de homens de cor, composta por indivíduos
sem educação e, por isso, sujeitos a forte manipulação, marcados pela incapacidade para a
vida pública e para a tomada de decisões políticas. A partir da disseminação dessas ideias,
aproveitava-se ainda para enaltecer a força do republicanismo brasileiro que havia vencido o
obscurantismo da Monarquia e seu exército de capangas e capoeiras. Venceu, afinal, a versão
que a imprensa republicana imputou à Guarda Negra e que até hoje a caracteriza frente a
grande parte dos relatos memorialísticos e estudos historiográficos.

306
ANEXOS

Anexo 1
Total de presos brancos e não brancos na Casa de Detenção,
1888-1889
Brancos 2091
Não Brancos 2668
Total 4759

Anexo 2
Total de presos brancos por nacionalidade na Casa de
Detenção.
1888-1889
Brasileiros 453
Portugueses 1071
Demais estrangeiros 567
Total 2091

Anexo 3
Número de presos por capoeira no Ministério João Alfredo
Correia de Oliveira, 10/03/1888 a 07/06/1889.
Capoeira 295
Demais crimes 2269
Total 2964

Anexo 4
Número de presos por capoeira no Ministério Ouro Preto,
07/06/1889 a 15/11/1889
Capoeira 11
Demais crimes 1053
Total 1064

Anexo 5
Presos por capoeira na gestão de Sampaio Ferraz,
11/1889 a 11/1890
Capoeira 276
Demais crimes 3373
Total 3649

307
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FONTES E BIBLIOGRAFIA

Fontes Manuscritas
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro
Livros de matrícula da Casa de Detenção da Corte:
MD-LL-048 (26/0288 – 28/04/88)
MD-LL-049 (28/04/88 – 01/08/88)
MD-LL-050 (01/08/88 – 26/10/88)
MD-LL-051 (11/07/89 – 08/08/89)
MD-LL-052 (01/10/89 – 13/11/89)
MD-LL-053 (13/11/89 – 13/01/90)

Livros de matrícula da casa de Detenção do Distrito Federal:


MD-HN-0001 (01/03/1890 – 30/04/1890)
MD-HO-0001 (30/04/1890 – 30/06/1890)
MD-HN-0002 (04/06/1890 – 06/09/1890)
MD-HN-0003 (08/09/1890 – 04/11/1890)
Disponível em: http://aperj.godocs.com.br/.

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro


Diário de André Rebouças. IHGB. BR. DL 464,06 e DL 464,07

Publicações e impressões:
NABUCO, Joaquim. Diários, 1873-1910. Edição de texto, prefácios e notas; Evaldo Cabral
de Mello. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi. 2006

Fontes impressas
Biblioteca Nacional. Seção de Periódicos/ Hemeroteca Digital.
A Capital - 15/02/1892.
A Epocha: órgão do partido conservador (PE) - 08/08/1889; 08/01/1890.
A Federação: órgão do partido republicano (RS) – 13/07/1889; 29/07/1889; 02/08/1889.

308
A Imprensa (RJ) – 27/12/1899; 25/02/1912; 15/07/1912; 21/07/1912; 22/07/1912.
A Pátria (Folha da Província do Rio de Janeiro) – 23/12/1888; 13/01/1889; 14/02/1889.
A Pátria (órgão dos homens de cor) - 02/08/1889.
A Reforma: órgão do partido liberal (SE) – 13/01/1889; 03/03/1889; 24/03/1889.
A República: ógão do partido republicano (PA) - 22/08/1900.
A República: órgão do partido republicano (RN) – 06/05/1889.
A República: órgão do partido republicano (PR) - 01/07/1889; 05/08/1889; 13/08/1889;
21/06/1890; 01/07/1890; 16/08/1890; 01/09/1890; 26/10/1890; 21/03/1891; 04/04/1891.
A República: órgão do partido republicano (RJ) – 22/04/1890; 26/04/1890.
A República Brasileira (RJ) - 05/06/1889.
Cidade do Rio (RJ) – 13/05/1888; 26/05/1888; 19/06/1888; 10/07/1888; 13/07/1888;
27/07/1888; 31/10/1888; 30/11/1888; 13/12/1888; 17/12/1888; 31/12/1888; 03/01/1889;
04/01/1889; 05/01/1889; 16/01/1889; 29/01/1889; 13/03/1889; 15/03/1889; 19/03/1889;
21/03/1889; 12/04/1889; 20/04/1889; 25/04/1889; 26/04/1889; 29/04/1889; 12/06/1889;
15/06/1889; 18/07/1889; 06/08/1889; 28/09/1889; 15/11/1889; 18/10/1890.
Constitucional: órgão do partido conservador (RJ) – 15/04/1889; 21/04/1889; 13/05/1889;
16/05/1889.
Correio Paulistano – 09/04/1891.
Diário da Bahia (BA) – 27/01/1889; 11/04/1889; 25/05/1889; 04/05/1889; 13/06/1889;
16/06/1889; 04/08/1889; 01/11/1889.
Diário da Tarde – 14/03/1914.
Diário de Minas (MG) – 08/02/1889; 17/02/1889.
Diário de Notícias (RJ) – 05/08/1888; 31/12/1888; 08/01/1889; 09/01/1889; 16/02/1889;
22/02/1889; 19/03/1889; 20/03/1889; 19/04/1889; 20/04/1889; 04/05/1889; 09/05/1889;
10/05/1889; 13/05/1889; 14/05/1889; 15/05/1889; 04/06/1889; 15/07/1889; 20/10/1889;
11/11/1889; 23/12/1889; 19/01/1890; 14/02/1895.
Diário de Pernambuco (PE) – 19/02/1889; 23/06/1889; 25/06/1890; 03/07/1890; 23/07/1889;
13/08/1889; 06/12/1889; 07/12/1889; 08/12/1889; 11/12/1889; 14/12/1889; 19/12/1889;
20/12/1889; 21/12/1889; 22/12/1889; 24/12/1889.
Diário do Comércio (RJ) – 31/12/1888; 01/01/1889; 17/04/1889; 15/07/1889; 16/11/1889;
19/01/1890.
Diário do Maranhão (MA) – 15/01/1889; 10/05/1890; 13/05/1890; 14/05/1890; 16/05/1890;
19/05/1890; 20/05/1890.

309
Diário do Povo (BA) – 13/05/1889.
Gazeta da Tarde (RJ) – 28/09/1888; 14/12/1888; 04/01/1889; 05/01/1889; 09/01/1889;
24/01/1889; 29/01/1889; 04/02/1889; 09/02/1889; 15/02/1889; 23/02/1889; 26/02/1889;
01/03/1889; 20/03/1889; 09/05/1889; 15/07/1889; 14/12/1889.
Gazeta de Notícias (RJ) – 13/12/1888; 31/12/1888; 01/01/1889; 02/01/1889; 07/01/1889;
15/01/1889; 18/01/1889; 21/01/1889; 29/01/1889; 31/01/1889; 02/02/1889; 04/02/1889;
12/02/1889; 15/02/1889; 17/02/1889; 05/03/1889; 24/03/1889; 15/05/1889; 29/05/1889;
31/05/1889; 01/06/1889; 09/07/1889; 15/07/1889; 30/07/1889; 09/12/1889; 17/12/1889;
10/01/1890; 19/01/1890; 10/07/1890; 11/12/1890; 19/01/1892; 29/01/1892; 12/02/1892;
30/01/1893; 04/02/1893.
Gazeta do Natal: órgão conservador (RN) – 01/03/1890; 29/03/1890; 28/06/1890;
05/07/1890.
Gazeta do Sertão: órgão democrata (PB) – 18/01/1889; 15/02/1889; 30/07/1889.
Goyaz: órgão do partido liberal (GO) – 07/01/1889.
Jornal do Comércio (RJ) – 13/12/1888; 14/01/1889; 15/07/1889; 10/01/1890; 12/02/1890;
12/05/1891.
Jornal do Povo (PE) – 03/01/1889; 06/02/1889; 12/02/1889; 27/02/1889; 07/03/1889;
29/04/1889.
Jornal do Recife (PE) – 04/01/1889; 05/01/1889; 08/01/1889; 18/01/1889; 25/01/1889;
29/01/1889; 05/02/1889; 09/02/1889; 12/02/1889; 20/02/1889; 28/02/1889; 26/04/1889;
20/06/1889; 23/07/1889; 18/02/1890; 21/10/1890; 11/12/1891; 15/02/1895; 08/08/1918;
25/11/1928; 15/11/1935.
O Liberal do Pará (PA) – 09/02/1889; 03/08/1889.
Libertador: órgão da sociedade cearense libertadora (CE) – 09/05/1889; 07/08/1889.
Novidades (RJ) – 22/11/1888; 14/12/1888; 29/12/1888; 31/12/1888; 03/01/1889; 12/01/1889;
06/02/1889; 15/07/1889.
O Novo Brasil (MA) – 06/01/1889.
O Apóstolo (RJ) – 19/05/1889.
O Cachoeirano: órgão do povo (ES) – 22/01/1889; 27/01/1889; 02/02/1889; 17/02/1889;
03/03/1889; 26/05/1889; 09/06/1889; 21/07/1889; 02/12/1889.
O Cearense (CE) – 22/01/1889; 20/03/1892.
O Combate – 15/03/1899.
O Espírito-santense (ES) – 16/01/1889.

310
O Grito do Povo: a Monarquia e a República (RJ) - 18/06/1888; 18/10/1888; Panfleto
Republicano, 1889.
O Lynce (RJ) – 06/02/1889.
O Mequetrefe (RJ) - 07/1888
O Novo Brasil (MA) – 23/02/1889; 15/04/1889; 07/06/1889.
O Paiz (RJ) – 31/12/1888; 04/01/1889; 05/01/1889; 15/07/1889; 20/07/1889; 01/01/1890;
10/01/1890; 21/12/1890; 12/05/1891.
O Povo – 20/01/1889.
O Republicano: órgão do partido republicano (SE) – 27/01/1889; 03/02/1889; 10/02/1889;
17/02/1889; 24/02/1889; 03/03/1889; 10/03/1889; 17/03/1889; 24/03/1889; 31/03/1889;
05/05/1889; 19/05/1889; 23/06/1889; 27/11/1893.
O Tempo – 29/01/1889; 22/04/1894.
Pacotilha (MA) – 25/01/1889; 28/01/1889; 06/02/1889; 07/02/1889.
Pedro II (CE) – 15/03/1889.
Revista Ilustrada – 24/11/1888; 08/12/1888; 05/01/1889; 25/05/1889; 08/06/1889;
15/06/1889.
Revista Sul-Americana – 08/05/1889.
Tribuna Liberal (RJ) – 03/01/1889; 08/01/1889; 13/01/1889; 15/01/1889; 16/01/1889;
29/01/1889; 13/02/1889; 19/02/1889; 26/03/1889; 15/05/1889; 01/09/1889.

Atas do Conselho de Estado de 1889


Atas do Conselho de Estado Pleno. Códice 304, Volume II. De 31-05-1889 a 10-08-1889. In:
José H. Rodrigues (org.). Atas do Conselho de Estado: Terceiro Conselho de Estado, 1884-
1889. Brasília: Senado Federal, 1973-1978, s/d.
http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/ACE/ATAS12-
Terceiro_Conselho_de_Estado_1884-1889.pdf

Relatório apresentado á Assembleia Geral Legislativa na Quarta Sessão da Vigésima


Legislatura pelo Ministro e Secretario dos Negócios da Justiça Conselheiro Dr. Francisco
d’Assis Rosa e Silva. Rio de Janeiro: Imp. Nacional, 1889, Ministeriais da época do Império,
1888-1889. p. 14. Disponível em: http://www-apps.crl.edu/brazil/ministerial/justica Acesso
em: 07/04/2017.

311
Relatórios dos presidentes de províncias:
Relatório com que o Exm. Sr. José Thomaz da Porciuncula passou a administração do estado
em 07 de julho de 1890 ao Sr. Vice-Governador, Exm. Conselheiro Augusto Olympio Gomes
de Castro. Maranhão, 1890, p. 04-05. Disponível em: http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/maranh%C3%A3o. Acesso em: 14/07/2018.

Relatório apresentado á Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo pelo presidente da


província, Dr. Pedro Vicente de Azevedo. São Paulo: Typ. a Vapor de Jorge Seckler &
Comp., 11 jan. 1889, p. 44-45. Disponível em: http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial.
Acesso em: 08/07/2018.

Exposição apresentada ao Dr. Jorge Tibiriçá pelo 1° governador do estado de São Paulo, Dr.
Prudente de Moraes. São Paulo: Tip. Vanorden & Comp.,18 out. 1890, p. 07. Disponível em:
http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/s%C3%A3o_paulo. Acesso em: 14/07/2018.

Relatório com que o Exm. Sr. Cons. Dr. Manuel do nascimento Machado Portella passou a
administração da Província ao Exm. Sr. Des. Aurélio Ferreira Espinheira no dia 1º de abril de
1889. Bahia: Typ. Da Gazeta da Bahia, 1889. http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/bahia.
Acesso em: 14/07/2018.

Relatório com que o Exm. Sr. Dr. Rodrigo de Azambuja Villanova passou a administração da
Província de S. Pedro de Rio Grande do Sul a S. Ex., o Sr. Barão de Santa Thecla, no dia 09
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Anais da Câmara dos Deputados, 10 de julho de 1879. Disponível em:


http://imagem.camara.gov.br/diarios.asp?selCodColecaoCsv=A

CLB (Coleções de Leis do Brasil). Decreto n º 1774 de 02 de julho de 1856. Do regulamento


para a Casa de Detenção estabelecida provisoriamente na Casa de Correção da Corte. Vol. 1.
p. 294-295.

312
Obras de referências:
BLAKE, A. V. A. S. Diccionario bibliografico brazileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
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