PHST0708 T
PHST0708 T
PHST0708 T
KELLY YSHIDA
FLORIANÓPOLIS, SC
2020
KELLY YSHIDA
FLORIANÓPOLIS, SC
2020
Kelly Yshida
Descrevendo o Japão, escrevendo o Brasil:
Raça, trabalho e nação em três atos (1874; 1889; 1897)
Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi
julgado adequado para obtenção do título de Doutora em História.
____________________________
Prof. Dr. Lucas de Melo Reis Bueno
Coordenação do Programa de Pós-Graduação em História
____________________________
Prof. Dr. Adriano Luiz Duarte
Orientador
Florianópolis, 2020.
Aos meus pais, Helena e Yshida, que sempre
foram e continuam sendo minha prioridade.
AGRADECIMENTOS
The present work follows three Brazilian travelers who were in Japan in the second half
of the 19th century. Thus, from their travel writings, it was possible to study the first
contacts between those countries and what happened before the Japanese immigration to
Brazil. They are Francisco Antônio de Almeida, a scientist; Custódio de Mello, a military
man; and Aluísio Azevedo, a diplomat. From 1874 to 1899 they recorded moments of
political and social changes in Brazil, such as the passage from the empire to the republic,
the process of abolishing slave labor, and the interest in Asian workers. Also, they
reported the changes in Japan, with its opening and the consolidation as a modern nation.
Throughout this work, we tried to understand these experiences in a broader context, in
the face of imperialism at the end of the 19th century, in the dynamic, expanding, and
interconnected world of the Second Industrial Revolution. The goal is to unveil the
relations between race, labour and nation to understand the Brazilian interest in Japan and
in the Japanese people, the relations preceding immigration, and the prominence
construction given to Japan regarding other Asian countries.
Keywords: Relations between Brazil and Japan. Travel writing. Labour. Immigration.
19th century.
概要
本論文では、十九世紀後半に日本を訪れた三名のブラジル人旅行者が残した記
録を基に日本からブラジルへの公式移民のきっかけとなった背景を振り返る。
その三人とは、科学者のフランシスコ・アントニオ・デ・アルメイダ、軍人の
クストジオ・デ・メロ、そして外交官のアルイージオ・アゼヴェードであった
。1874年から1899年にかけて彼らは、ブラジル帝国からブラジル共和国への
移行、奴隷労働を廃止するプロセス、そしてその結果としてのアジア人労働者
への関心など、ブラジルにおける政治的および社会的変化の3つの節目を記す
と共に、日本の外国との条約改正交渉の時代と近代国家の形成にまつわる日本
の変化を記録した。筆者は本研究を通して、このような経験に関する各国の実
情と、19世紀末期の帝国主義論と対比しつつ、いわゆる第二次産業革命のダイ
ナミックで、様々な分野に相互関連があり、全てが拡大されていく世の中であ
ったことも含め、より広い文脈を視野に解釈することを試みる。そうして、ブ
ラジル側による日本という国や日本人への関心、移民に先立つ関係性、そして
他のアジア諸国に比べ日本に重点が置かれている理由を理解するために、各人
種、仕事、国家の関係性を明らかにしようと考える。
キーワード:ブラジルと日本の関係、旅行記録、仕事、移民、19世紀。
LISTA DE FIGURAS
1. APRESENTAÇÃO ................................................................................................... 16
1. APRESENTAÇÃO
1
Em relação à sequência dos viajantes, seguimos a cronologia apresentada em: KUNIYOSHI, Celina.
Imagens do Japão: Uma utopia de viajantes. São Paulo: Estação Liberdade/FAPESP, 1998, p. 116. A
primazia de Francisco Antônio de Almeida também foi destacada por outros pesquisadores, como Mônica
Okamoto (2010), Rogério Dezem (2005) e Jacques Ferreira Pinto (2018).
17
trouxe Wasaburo Otake, importante figura na relação entre os dois países. Por fim, o
escritor Aluísio Azevedo, diplomata de carreira, fez parte da primeira representação
diplomática da república a se estabelecer no Japão, em 1897, com a intenção de trazer
imigrantes japoneses ao Brasil, fascinado com a narrativa nacionalista que mobilizava
aquele país.
Delimitamos características gerais que auxiliaram a compreender as
especificidades da literatura de viagem2 – por vezes considerada “gênero menor”
(RIBEIRO, 2007) ou “gênero híbrido” (BORM, 2004) – e como nela se insere o relato,
especialmente como fonte documental.3 Dentro da abrangência do tipo de literatura, os
livros de viagens que nos dedicamos seguem a definição de serem compostos por uma
narrativa onde há um dominante não ficcional, relatados na primeira pessoa e que
apresentam uma jornada em que se pressupõe que autor, narrador e personagem principal
são apenas um ou idênticos (BORM, 2004, p.17) e, sobretudo, que tratam de uma
experiência real de trânsito. Aqui utilizamos o termo relato de viagem como um tipo de
literatura de viagem, baseada na experiência in loco do autor-viajante. Estes se diferem
dos relatórios (também presentes neste trabalho), previamente encomendados sobre um
tema específico, com caráter técnico.
Como é essencial a compreensão do texto literário como documento histórico4,
buscamos entender a relação do escrito e do viajante com a sociedade, antes e depois da
publicação. Compreendemos a integridade de uma elaboração literária pela interpretação
dialética entre texto e contexto, na qual o social é percebido como elemento interno da
2
São diversos os termos utilizados em relação à produção literária relacionada à viagem: literatura de
viagem, escritos de viagem, memórias de viajantes, narrativa de viagens, histórias de viagem. Além disso,
são recorrentes as referências às mais diversas temporalidades e conteúdos.
3
Optamos por não apresentar o longo debate sobre as obras de viajantes, especialmente estrangeiros no
Brasil, pois pode ser acessado de forma mais aprofundada em estudos como: LEITE, Ilka Boaventura.
Antropologia de viagem: escravos e libertos em Minas Gerais no século XIX. Editora UFMG,1996;
ROSSATO, Luciana. A lupa e o diário: história natural, viagens científicas e relatos sobre a Capitania de
Santa Catarina (1763-1822). Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2007; SUSSEKIND, Flora. O Brasil
não é longe daqui: o narrador, a viagem. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. O debate sobre um
brasileiro como viajante também pode ser visto em: SCHEMES, Elisa Freitas. Oswaldo Cabral na “Terra
da liberdade”: relato de uma viagem na vigência da política de boa vizinhança. 2013, 134f. Dissertação
(Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2013.
4
Mary Louise Pratt (1999, p.38) afirmou: “procurei não circunscrever o relato de viagem a um gênero, mas
evidenciar sua heterogeneidade e suas interações com outras formas de expressão”. A historiadora Mary
Anne Junqueira (2011, p.55), considerou que a definição de gênero literário “não interessa especialmente
ao historiador, uma vez que estamos preocupados com o que essa fonte pode nos informar e revelar sobre
determinado período. No entanto, o caminho trilhado pelo especialista [Jam Borm] e as aproximações que
faz do relato de viagem com outros tipos de discurso nos permitem compreender melhor a heterogeneidade
que atravessa esse corpus de textos”.
18
obra (CANDIDO, 2010). Afinal, ela é produto de seu tempo, decorrente das
possibilidades vivenciadas por aqueles viajantes diante de sua realidade pessoal, nacional
e global. Partimos do pressuposto de que a liberdade de criação que o autor tem diante de
seus personagens, cenários, diálogos e de toda a estrutura que compreende a narrativa –
forma e conteúdo – não é ilimitada. Neste sentido, o relato de viagem é duplamente
limitado, pois comporta a tensão entre a experiência em pelo menos dois lugares, o de
partida e o de chegada.
Por se tratarem de viajantes brasileiros indo ao Japão, cabia compreender como
era aquele país e que imagens os narradores formulavam sobre ele. Como não se tratam
de relatos amplamente conhecidos, dificilmente conseguiríamos material capaz de
responder satisfatoriamente sobre sua recepção e circulação que permitisse delimitar sua
influência social e política. Mas percebemos que tais relatos permitiam o acesso a um
cenário muito mais dinâmico do que pressupúnhamos no início. Por isso, a partir de
referências comuns nos textos, passamos a questionar a que demandas respondiam; além
disso, se faziam parte de um movimento mais amplo que a experiência pessoal, que
movimento era e como se vinculava àquele país asiático.
Falamos em um cenário dinâmico por ser este globalmente interconectado e por
fazer emergir elementos como as vinculações entre a história de chineses e japoneses no
Brasil, os contatos com lugares e populações do Sudeste Asiático comumente pouco
comentadas, as demandas brasileiras relacionadas a fatores exteriores, os interesses no
outro ancorados por demandas materiais (neste caso, trabalhadores) e as possibilidades
diante da conjuntura internacional. Estes fatores não eram evidentes, mas uma vez
analisados, responderam às nossas inquietações sobre o mundo visto, vivido e relatado
pelos viajantes.
Mesmo focado no período anterior, este trabalho também debate com estudos
sobre a imigração japonesa no século XX, tema já consolidado como campo de pesquisa.
Destacamos publicações de Hiroshi Saito e Célia Sakurai, particularmente importantes
para nós. O Japonês no Brasil: estudo de mobilidade e fixação (1961), de Saito, traz seu
esforço para construir uma noção abrangente acerca do imigrante japonês, com ampla
documentação a respeito das condições da vinda até detalhes do estabelecimento no
Brasil, material que consideramos de grande importância. Já Imigração Tutelada: os
japoneses no Brasil (2000), tese de Sakurai, analisa, em uma perspectiva crítica, o
estabelecimento e relações destes imigrantes diante de determinadas condições sociais e
19
históricas dos dois países. Mais do que focados em casos locais, estes trabalhos se voltam
para processos amplos da imigração e são centrais tanto para os estudos sobre os
japoneses no Brasil quanto para a formulação de novos questionamentos.
Destacamos também trabalhos de pesquisadoras que se propuseram a pensar sobre
a relação entre os dois países, com destaque para o século XIX: Celina Kuniyoshi, em
Imagens do Japão: Uma utopia dos viajantes (1998), acerca das artes e relatos sobre o
Japão publicados no século XIX e início do XX, com ênfase no japonismo como
movimento artístico e literário ativo na constituição de imagens sobre aquele país; a tese
de Monica Okamoto, O discurso brasileiro sobre o Japão via França: imigração,
identidade e preconceito racial (1860-1945) (2010), que traz a experiência francesa como
referência para a construção da imagem inicial dos japoneses no Brasil, demonstrando
como “autores brasileiros se apropriavam das ideias francesas sobre os nipônicos para seu
próprio benefício, selecionando temas e ângulos favoráveis e descartando ou
minimizando o que era problemático para a constituição da representação do Brasil diante
do Velho Mundo e dos Estados Unidos” (p.13); a tese de Marcia Yumi Takeuchi, Entre
Gueixas e Samurais: A imigração japonesa nas revistas ilustradas (1897 – 1945) (2009),
que investiga o antiniponismo no Brasil em revistas ilustradas e documentações
diplomáticas, atentando-se para a construção do preconceito desde o início da imigração;
e a dissertação do pesquisador Rogério Dezem, Matizes do “amarelo”: a gênese dos
discursos sobre os Orientais no Brasil (1878-1908) (2005), que, a partir da análise dos
discursos, estuda representações coletivas relacionadas ao Japão e aos japoneses entre os
séculos XIX e XX.
Nossa pesquisa se localiza inteiramente no século XIX, atentando para as
experiências de trânsito que ocorreram naquele momento. O recorte foi delimitado pelos
anos das viagens dos brasileiros no Japão; ou seja, de 1874, quando ocorreu a ida de
Francisco Antônio de Almeida, até 1899, quando a primeira legação oficial brasileira se
retirou do Japão. Optamos também por este recorte pelo volume de documentação e por
acreditarmos ser possível perceber a aproximação entre estes países desde contatos não
oficiais até a primeira tentativa formal. A análise que fazemos dedica-se a ampliar o
debate, inserindo relações com outros países da Ásia, diante do cenário imperialista e
buscando atentar para as condições materiais em que foram produzidos os relatos, fazendo
o cruzamento com fontes diversas.
20
Com isso, passamos a investigar mais detalhadamente este recorte que aparece
geralmente de forma introdutória nos trabalhos sobre o tema, a fim de entender as
continuidades e diferenciações sobre a imagem dos asiáticos no debate brasileiro, assim
como as demandas que fizeram com que sua vinda fosse negociada no final do oitocentos.
Em decorrência dos relatos e dos demais materiais analisados, preocupamo-nos com a
questão do trabalho, já que os “trabalhadores asiáticos” foram pensados como
possibilidade para o Brasil. As leis abolicionistas vieram a acirrar esta discussão que, para
além da retórica, implicava em investimentos reais. A ideia de transição do trabalho
escravo para o livre não é vista aqui como um caminho progressista, no qual a primeira
alternativa não teria sido adequada ao capitalismo e, portanto, a segunda foi posta em
prática. Quando tratamos de substituição ou transição, os termos são utilizados em
referência ao modo como foram apresentados na documentação pesquisada. O recorte
desta tese também abrange um período anterior à abolição da escravidão no Brasil,
portanto, entendemos que se tratam de elementos concomitantes, não corroborando uma
ideia acrítica sobre uma mudança completa no sistema de trabalho, que não leva em conta
a permanência tanto de características da escravidão quanto da população liberta existente
no país5.
A vinda de asiáticos ao Brasil não representou necessariamente a instauração do
trabalho assalariado no país, e a liberdade desses trabalhadores é questionável. Trata-se
de parte do desenvolvimento capitalista, no qual “muitos outros tipos de relações de
trabalho mercantilizadas tão importantes quanto o trabalho assalariado ‘livre’ sempre
coexistiram com este” (LINDEN, 2013, p. 398). Neste sentido, o debate sobre a vinda de
trabalhadores estrangeiros aconteceu em paralelo a proibição do tráfico (1850), Lei do
Ventre Livre (1871) e Lei dos Sexagenários (1885).
Este debate estava vinculado à questão racial. Tanto os viajantes objeto desta
pesquisa quanto os que acompanhamos no debate público possuíam noções informadas
por estudos que buscavam determinar diferenças raciais e hierarquizar populações. Desta
forma, o asiático era visto como “intermediário” entre o africano e o europeu. Havia uma
tentativa, como veremos, de não inserir os asiáticos na equação nacional, pois
compreendia-se que a espécie humana era dividida e que isto se relacionava à forma como
5
Considera-se a compreensão de Marcel Van der Linden (2013, p. 63) de que “o fato de a escravidão ter
sido em grande medida banida da sociedade capitalista moderna, mesmo em locais onde isso não fazia
sentido econômico do ponto de vista da acumulação de capital, tem menos a ver com contradições
econômicas do que com a tendência inerentemente universalista das normas burguesas”.
21
Quando Said afirma que o “Oriente ajudou a definir a Europa” (p. 28) podemos
considerar que essa afirmação pode ser usada tanto em termos subjetivos quanto
materiais. Percebemos também que não se trata apenas de populações observadas nas
viagens ou entendidas como possibilidades de trabalhadores, passivos diante da escolha
alheia. Nosso esforço é de percebê-los como agentes de resistência, com ações políticas,
tanto no âmbito institucional quanto no cotidiano. Como demonstra Pratt (1999, p. 31),
“se a metrópole imperial tende a ver a si mesma como determinando a periferia [...], ela
é habitualmente cega para as formas como a periferia determina a metrópole”.
O Ocidente, por sua vez, é entendido aqui como comunidade de valores
influenciada pelo cristianismo, surgido da ideia ampla de um modelo de civilização
6
Cabe registrar que a crítica ao orientalismo não foi inaugurada por Edward Said nem somente vinculada
ao Oriente Médio, como nos mostra o pesquisador malaio Syed Farid Alatas (2014), que remete à crítica
elaborada no Sudeste Asiático, no século XIX, pelo filipino José Rizal (1861-1896).
23
neto de D. Pedro II; na viagem de volta veio Wasaburo Otake, personagem importante
nas relações entre os dois países. O Japão visitado apresentava uma adequação mais
consolidada aos modelos ocidentais, formavam-se instituições, a Constituição era
promulgada e o país ganhava cada vez mais autonomia no plano internacional. No Brasil,
buscava-se resolver a questão dos trabalhadores com a vinda de chineses, mas com
interesse também no Japão.
O quinto capítulo acompanha a aproximação oficial com o Japão, decorrente deste
longo processo de interesse brasileiro pelos países asiáticos. Este é o período no qual o
Japão inicia seu fortalecimento como país imperialista na Ásia, com a Guerra Sino-
Japonesa (1894-5). Em relação ao Brasil, efetivou-se o Tratado de Amizade, Comércio e
Navegação (1895), com o envio de uma missão diplomática ao Japão em 1897, na qual
estava o escritor Aluísio Azevedo. Sua obra sobre o Japão é expressiva do crescimento
do nacionalismo japonês. Entretanto, foi publicada somente da década de 1980, mais do
que um problema para esta análise, o fato é demonstrativo da ampliação das produções e
do interesse sobre o Japão. O texto de Azavedo é abordado aqui junto aos ofícios das
Relações Exteriores, nos quais podemos acompanhar as atividades de legação brasileira
e os interesses voltados aos japoneses como imigrantes.
Finalmente, os acontecimentos contemporâneos a esta pesquisa trouxeram outras
problemáticas e infelizes coincidências com os temas analisados, como o tráfico de
trabalhadores e o racismo, guardadas as devidas especificidades de suas épocas. Em 2017,
foi noticiado que mulheres filipinas estavam sendo escravizadas para serviço doméstico
em São Paulo (FOLHA DE S. PAULO, 05/08/2017); em 2019, também em São Paulo,
foram encontradas mulheres chinesas em cárcere privado para exploração sexual
(FOLHA DE S. PAULO, 04/07/2019). De acordo com a Organização Internacional do
Trabalho (OIT), no início do século XXI, a região da Ásia e Pacífico concentrava o maior
número de pessoas em trabalho forçado (77% do total de trabalhadores), e também o
maior número de trabalhadores traficados.7 Isto nos faz perceber permanências do que
aqui debatemos numa dinâmica global profundamente assimétrica.
Mais recentemente, quando este trabalho já estava em fase final, a pandemia de
Covid-19 difundiu junto com o vírus uma narrativa acusatória contra chineses, que em
7
Dados disponíveis em INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. A global alliance against
forced labour: Global Report under the Follow-up to the ILO Declaration on Fundamental Principles and
Rights at Work. Geneva, 2005; ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Combate ao
Trabalho Escravo: um manual para empregadores e empresas. Brasília: OIT, 2011.
26
São diversas as razões pelas quais guardamos registros das nossas viagens, em
geral, marcadas atualmente pela garantia de sua circulação nas mídias sociais, que já
integram o comportamento de muitos de nós. O desenvolvimento do transporte aéreo
permite o deslocamento de longas distâncias e em poucas horas, sem mesmo precisarmos
ou termos a oportunidade de conhecer paisagens e pessoas pelos caminhos que
sobrevoamos. Neste movimento, o rápido espraiamento de imagens permite que a relação
com cenários e realidades distintas seja mais recorrente, mas possivelmente mais fugaz.
Antes do século XX, quando um viajante se propunha a participar de uma jornada
intercontinental, a configuração era bastante distinta. O longo período em navios, a
alimentação, as condições de higiene, os fatores climáticos, as doenças, a relação que se
estabelecia com a tripulação e, principalmente, as diversas paradas e encontros nos locais
em que atracavam tornavam o próprio trânsito parte da percepção sobre o destino. O
período a que nos dedicamos abrange a gênese da “globalização incipiente”
(ANDERSON, 2014, p.21), de um mundo já em boa parte mapeado, da navegação a
vapor, do telégrafo, das ferrovias, mas também da violência imperialista – todos fatores
que compunham as experiências dos nossos viajantes.
Para analisar a dimensão dessas viagens e como eram compostos os relatos, neste
primeiro capítulo, acompanharemos o percurso do paquete Ava, no qual viajou nosso
primeiro autor, o astrônomo Francisco Antônio de Almeida8. Interessa aqui igualmente
perceber a distância física e cultural que separava Brasil e Japão, além do contexto global
do final do oitocentos, quando emergiram as condições de contato entre os países. Cabe
detacar que Almeida foi, ao que a historiografia indica, o primeiro brasileiro a publicar
um relato sobre o Japão, embora sua primazia não inaugure propriamente um debate. A
obra de Almeida é a mais completa em termos de informações, traduções e imagens,
compondo um quadro detalhado desse mundo no fim do século. Posteriormente, ele
permaneceu atuante sobre a questão dos trabalhadores asiáticos e da nascente república
brasileira.
O astrônomo foi designado, em 1874, para acompanhar a missão francesa ao Japão
– que havia aberto seus portos aos estrangeiros apenas duas décadas antes, após uma longa
8
Seu nome completo é Francisco Antônio de Almeida Junior, entretanto é recorrente a variação do uso do
último nome. Utilizamos apenas Francisco Antônio de Almeida, pois é como está na autoria de seu livro
Da França ao Japão (1879).
28
política de isolamento – a fim de estudar a passagem de Vênus pelo Sol. Como Almeida
não se tornou uma figura amplamente conhecida, havendo sobre ele poucas informações,
iniciaremos apresentando sua trajetória e posteriormente sua obra Da França ao Japão:
narração de viagem e descrição histórica, usos e costumes dos habitantes da China, do
Japão e de outros países da Ásia.
9
Francisco Antônio de Almeida esteve envolvido na política da república e ocupou cargos não diretamente
vinculados a sua trajetória de cientista. Foi nesta busca pelo viajante-escritor que encontramos este processo
recente, reivindicando uma memória para Almeida.
30
10
Como demonstra a aparição de seu pai, então avô de Rosa de Maria, no Almanak Administrativo, Mercanil
e Industrial da Côrte e da Capital da Província do Rio de Janeiro, de 1873, fundado e redigido por Eduardo
von Laemmert, como Diretor aposentado da Diretoria da Fazenda.
31
11
Galeria dos Diretores do Observatório Nacional. Disponível em <https://www.on.br/index.php/pt-
br/conteudo-do-menu-superior/34-acessibilidade/70-galeria-dos-diretores.html>. Último acesso em
13/07/2020.
12
Durante o andamento desta pesquisa foi defendida a dissertação intitulada A Paralaxe do outro, sobre
Francisco Antônio de Almeida, que objetivou analisar a alteridade estabelecida entre o viajante brasileiro
e os visitados na África e Ásia, buscando ainda aproximações entre História e Astronomia. Nossa pesquisa
diferenciava-se por buscar inserir o relato em uma série e pensar a experiência de Almeida na aproximação
entre Brasil e Japão, dando destaque ainda para as litogravuras, diálogos com outros relatos e debates sobre
imperialismo e trabalhadores asiáticos. Ver: PINTO, Jacques Ferreira. A paralaxe do outro: medidas de
alteridade entre África e Ásia no primeiro relato de viagem de um brasileiro no Japão no século XIX. 2018,
140f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2018.
13
Ver: GUIMARÃES, Valéria. Revistas francesas no Brasil caminhos da modernidade: catálogos e
mediadores (Rio de Janeiro e São Paulo, século XIX e XX). Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá,
vol. 9, n. 2, jul. – dez., 2016.
32
Para Mourão, a viagem de Almeida ao Japão esteve marcada por questões que iam
além do conhecimento astronômico. O país se favorecia da valorização da ciência após a
guerra contra o Paraguai, a partir da criação de instituições como a Escola de Minas de
Ouro Preto, em 1876; Comissão Geográfica e Geológica do Brasil, em 1875; Laboratório
de Fisiologia do Museu Nacional, em 1880; Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro
(atual Sociedade Brasileira de Geografia), em 1883; Comissão Geográfica e Geológica
de São Paulo, em 1886 (MOURÃO, 2009, p. 325). Portanto, incentivados pela conjuntura
política de valorização científica, Lacaille e Almeida foram enviados “pela mordomia da
Casa Imperial” (p. 325).
A passagem do planeta Vênus pelo Sol é um evento importante para os estudos
astronômicos. Devido a sua raridade, quando o fenômeno ocorre há grande mobilização
de cientistas de todo o mundo: “os trânsitos aparecem, geralmente, em pares separados
de oito anos e, entre eles, de 121.5 ou 105.5 anos, alternadamente. O ciclo global é, então,
de 243 anos (8 + 121.5 + 8 + 105.5)” (AUGUSTO; SOBRINHO, 2007, p.7). Em 1874,
em Nagasaki, Almeida teve papel de destaque por ter operado o “revólver fotográfico”
de Jules Janssen, ferramenta que possibilitou que o evento fosse o “primeiro trânsito
‘público’ e fotografado” (AUGUSTO; SOBRINHO, 2007, p. 7) e que foi considerado um
precursos do sistema de filmes (MOURÃO, 2004). A passagem de 1874 foi precedida
pela de 1769, conhecida nos estudos sobre literaturas de viagem, pois foi testemunhada
pela expedição de James Cook. E a passagem que antecedeu aquela vista por Cook
ocorreu em 1761, tendo sido um dos principais eventos científicos a ultrapassar fronteiras
até então:
A observação do trânsito de Vênus de 1761 deu lugar provavelmente
ao primeiro grande projecto científico à escala internacional. Foram
enviadas expedições para locais tão remotos quanto a ilha de Sta Helena
(Atlântico), Terra Nova (Canadá), Vardø (Noruega, acima do Círculo
Ártico), Ilha de Rodrigues (Índico), Tobolsk (Sibéria) e Ilhas Maurícias
(Índico). (AUGUSTO; SOBRINHO, 2007. p.12).
Uma vez de retorno ao Brasil, Almeida foi nomeado para lecionar no 2º ano do
Curso de Minas da Escola Politécnica, no Rio de Janeiro. E, em 1879, publicou seu relato
Da França ao Japão: narração de viagem e descrição histórica, usos e costumes dos
habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia.
Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. De motibvs aeris. Universitas Fridericia Guilelmia Rhenana,
1876.
36
14
Celina Kuniyoshi (1998, p.107) apresentou que durante sua pesquisa, publicada em 1998, seu
levantamento contabilizou apenas nove obras de viajantes estrangeiros sobre o Japão anteriores à de
Francisco Antônio de Almeida.
15
O colecionador francês Philippe Burty denominou o interesse europeu pelos artefatos japoneses,
desenvolvido na década de 1860, de japonismo. Posteriormente, definiu como “um novo campo de estudos,
artísticos, históricos, etnográficos” (KUNIYOSHI, 1998, p. 76-7).
37
Sobre sua descrição e análise como cientista, ele destacava seu método: uma
análise inicial, a partir das primeiras impressões, uma segunda para confirmação dos
dados e, a partir daí, a interpretação do “ponto de vista da moderna civilisação” (p. 31), o
que indica sua perspectiva eurocêntrica. Embora saibamos que há no relato o caráter
subjetivo, é importante levar em conta que, para Almeida, tratava-se de uma descrição
objetiva, como se fossem decantadas as considerações imaginativas ou entusiásticas.
Mesmo voltando-se ao público leitor leigo, apresentava notas explicativas e citações de
38
outras obras, indícios de um texto elaborado após a viagem. Mesmo assim, a narrativa
não apresenta o mesmo caráter técnico e científico de outras obras suas – Notícia sobre
as minas de ferro de Jacupiranguinha e bases de um projeto de exploração (1878) e A
paralaxe do Sol e as passagens de Vênus (1878) – nem de engajamento político, como o
de A Federação e a Monarchia (1889).
O livro Da França ao Japão foi anunciado por diversos periódicos, como o
carioca Gazeta de Notícias:
Acaba de publicar-se um precioso volume intitulado Da França ao
Japão pelo nosso amigo Dr. Francisco Antonio de Almeida.
Compendía esta importante obra a narração de viagem e descripção
histórica, usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros
paizes da Asia. O autor trata d’estes assumptos com a crítica e a
observação que pôde exercer, quando, como adido á comissão do
governo francez foi ao Japão em 1874 acompanhar as observações da
passagem de Venus. A obra é ilustrada, e contém uma minuciosa carta
do Imperio do Japão, excelentemente gravada. (GAZETA DE
NOTICIAS, 12/01/1879)
A publição foi destacada por seu apuro gráfico e pelo ineditismo da temática. O
Jornal da Tarde, também publicado no Rio de Janeiro, destacou:
Tivemos o prazer e a honra de receber hoje uma importante obra,
publicada este anno, na Côrte, sob o titulo – Da França ao Japão.
É seu autor o ilustrado sr. dr. Francisco Antonio de Almeida, que fez
parte da comissão do governo francez, que observou a passagem de
Venus, no Japão, em 1874.
O livro, nitidamente impresso, adornado com mimosas gravuras, e
trazendo o retrato do autor e uma carta do império japonez, organizada,
segundo dados oficiaes, pelo mesmo sr. dr. Almeida, compõe-se da
narração de viagem a descripção histórica, usos e costumes dos
habitantes da China, Japão e outros paizes da Ásia.
Parte das gravuras são devidas ao lápis do conhecido sr. Bordalo
Pinheiro.
No seu gênero, é uma das melhores obras que temos visto.
Agradecendo a gentileza da oferta, recomendamos-la ás pessoas que
prezam as letras no seu valor real. (JORNAL DA TARDE, 14/01/1879)
A participação destes artistas na produção do relato foi possível pela então recente
produção de periódicos ilustrados no Brasil, bem recebidos pelo público, já habituado
com os importados da França, principalmente.16 Além do retrato do autor, as ilustrações
que constam em Da França ao Japão são:
16
A primeira publicação com “quadros sucessivos de imagens” foi a Revista Illustrada (1876-1898) de
Angelo Agostini, mas desde quinze anos antes, os leitores brasileiros já tinham acesso a este tipo de
publicação com os periódicos franceses (GUIMARÃES, V., 2016, p.26).
41
usos” em países distantes. Nas obras que influenciaram Almeida, estão as que
apresentavam figuras de japoneses, chineses e de outros “tipos” não europeus.
Publicações sobre esta temática não eram raras no século XIX, inclusive com os mesmos
termos, como vemos em: Le Japon: Histoire et description: Moeurs, costumes et religion
(1864), de Edouard Fraissinet, publicado em Paris; e Moeurs, usages et costumes de tous
les peuples du monde (1844), de Auguste Wahlen.
Entre textos e imagens, Francisco Antônio de Almeida narrou em seu livro a
viagem até o Japão, saindo de Marselha em 19 de agosto de 1874, a bordo do Ava,
propriedade da Compagnie des Messageries Maritimes, e depois, seu retorno à Europa.
Nos dezoito capítulos que compõem o livro, relatou a viagem a bordo dos navios Ava,
Tanais, Golden Age, Neva, La Provence, passando por Marselha e Toulon, Nápoles,
Cairo, Suez, Aden (Iêmen), Ponta de Galles, Ceilão (Sri Lanka), Malaca (Malásia),
Singapura, Saigon (Vietnã), Hong Kong, Macau, Pequim, Shangai (China), Yokohama,
Yedo e Nagasaki.
17
“Apezar de christãos, os doutores chinezes aprofundão e discutem a philosophia de Confucio, do mesmo
modo que, entre nós, os estudantes adiantados das nossas escolas entregão-se ao estudo da philosophia
positiva, desenvolvida magistralmente por Augusto Comte” (ALMEIDA, 1879, p.228)
43
18
A sistematização a partir da história natural permitiria uma nova “consciência planetária”. Para isso, “o
olhar (letrado, masculino, europeu) que empregasse o sistema poderia tornar familiar (‘naturalizar’) novos
lugares/novas visões imediatamente após o contato, por meio de sua incorporação à linguagem do sistema”
(PRATT, 1999, p.66). Nossos viajantes não eram vinculados à história natural, mas sua organicidade e
léxico europeu foram parte do que utilizaram para compreender e narrar suas experiências.
19
É importante informar que Linnaeus não foi o primeiro a dividir os povos por raças; no século XVI, por
exemplo, já havia uma classificação proposta por François Bernier.
20
a) Homem selvagem. Quadrúpede, mudo, peludo. b) Americano. Cor de cobre, colérico, ereto. Cabelo
negro, liso, espesso; narinas largas; semblante rude; barba rala; obstinado, alegre, livre. Pinta-se com finas
linhas vermelhas. Guia-se por costumes. c) Europeu. Claro, sanguíneo, musculoso; cabelo louro, castanho,
ondulado; olhos azuis; delicado, perspicaz, inventivo. Coberto por vestes justas. Governado por leis. d)
Asiático. Escuro, melancólico, rígido; cabelos negros; olhos escuros; severo, orgulho, cobiçoso. Coberto
por vestimentas soltas. Governado por opiniões. e) Africano. Negro, fleumático, relaxado. Cabelos negros,
crespos; pele acetinada; nariz achatado, lábios túmidos; engenhoso, indolente, negligente. Unta-se com
gordura. Governado pelo capricho. (PRATT, 1999. p. 68)
44
Se consideramos que um fator importante para que uma obra literária funcione no
local de sua publicação é a verossimilhança, que faz com que a narrativa estabeleça um
“sentimento de verdade” (CANDIDO, 2005. p. 55) especialmente útil para a compreensão
de uma realidade distante, entendemos também que há especificidades em um viajante
brasileiro escrevendo para seu público nacional. Sua compreensão de mundo se acorda
aos modelos de análise de seu contexto. No caso de Almeida, hierarquizando populações,
debatendo a miscigenação e a degeneração a partir de visões deterministas para justificar
características sociais e uma possível “adaptabilidade” à noção europeizada de
civilização, que incluía higienização, saneamento, alimentação, educação formal e
comportamento sexual. Tais premissas, intencionalmente utilizadas por pessoas
interessadas em interferir em processos sociais não são as mesmas do desenvolvimento
do conhecimento nas ciências biológicas. A apropriação acrítica de estudos sobre raça e
evolução humana também difere do estudo dos pesquisadores daquelas áreas. Por
exemplo, o modo como o darwinismo foi articulado politicamente por emissores que
muitas vezes não compartilhavam dos conhecimentos sobre evolução biológica caíram,
muitas vezes, em generalizações e usos políticos.21
Percebemos assim que, tanto em relação às ideias positivistas, quanto aos demais
esquemas explicativos da ciência europeia (como os determinismos e as teorias raciais),
21
Ver STRAUSS, André e WAIBORT, Ricardo. Sob o signo de Darwin? Sobre o mau uso de uma quimera.
Revista Brasileira de Ciências Sociais. vol. 23, n. 68, outubro/2008. p. 125-34.
46
não eram ideias autônomas. E nesta pesquisa, interessa-nos analisar o modo como elas
foram utilizadas para explicar questões sociais, articuladas para atender demandas
específicas. Por isso, consideramos importante conhecer o repertório mobilizado pelos
debatedores, como “conjunto de recursos intelectuais disponível numa dada sociedade
em certo tempo” e articulados em questões práticas. Estes repertórios “funcionam como
‘caixas de ferramentas’ às quais os agentes recorrem seletivamente, conforme suas
necessidades de compreender certas situações e definir linhas de ação” (ALONSO, 2002,
p. 40).
A narrativa de Almeida traz descrições de eventos históricos e contextualizações
políticas articuladas a arquitetura, natureza, cenas cotidianas, de modo que o leitor tivesse
condições de se apropriar daqueles cenários. Sobre suas referências, iam além das
publicações francesas e estadunidenses, valendo-se de “poetas portuguezes dos seculos
passados” que “aguçavão nossa impertinente curiosidade”, autores como Heródoto e
Estrabão, além dos “historiadores árabes” Schems Eddin e Makrisi (Al-Maqrizi)
(ALMEIDA, 1879, p. 39). A leitura que fazia dessas referências estrangeiras era variada,
mais do que apenas uma recepção de produções europeias, mesmo que houvesse
predileção pelos autores franceses. Esta valorização é perceptível nas citações da obra
Memoire sur le canal des deux mers, de Jacques-Marie Le Père, juntamente com a de
Ferdinand de Lesseps, responsável pela construção do Canal de Suez.
Outro fator relevante para o viajante era a defesa da Igreja Católica, especialmente
ao comentar os movimentos de expansão à China e ao Japão praticados por jesuítas e no
elogio às construções e obras de arte religiosas. Registrou que, na partida de Marselha,
“um grande numero de homens e mulheres entoavão cânticos ao Altíssimo e a Santa
Virgem, recomendando á sua guarda os viajantes do Ava”; suas “vozes fortes e sonoras
tocarão nossos corações, e comovidos e reverentes, descobrimos nossas cabeças a essas
demonstrações humanitárias e sublimes que só podem encontrar estimulo na religião do
Christo” (ALMEIDA, 1879, p. 11). O catolicismo serviria como parâmetro para comparar
as populações encontradas, assim como sua adesão à república. Portanto, dedicou-se ao
tema da Revolução Francesa22, que era então “o exemplo mais poderoso de explosão
popular na arena pública” (CARVALHO, 2014b, p. 10).
22
Francisco Antonio de Almeida apresentava os marselheses como que “revoltarão-se, por varias vezes,
contra o despotismo dos reis da França, e não raras, o sangue generoso dos Marselhezes regou o solo da
pátria, para vivificar a arvore da liberdade e fazel-a produzir os fructos que, mais tarde, forão saboreados
por todos que desejavão o reconhecimento da soberania popular” (1879, p.6). Elogiava especialmente a
47
formação de um “corpo colletivo” na “revolução de 89”. Além disso, os elogios à Marselha indicam
também sua posição republicana, lembrando que uma de suas principais imagens era a Marselhesa:
“símbolo que extrapolava as fronteiras nacionais, era símbolo universal da revolução” (CARVALHO,
2014b, p.110).
48
Para um viajante da segunda metade do século XIX, passar por diversos países
significava estar em contato com diferentes fases da expansão capitalista. Se “nos anos
1880, a Europa, além de ser o centro original do desenvolvimento capitalista que
dominava e transformava o mundo, era, de longe, a peça mais importante da economia
mundial e da sociedade burguesa” (HOBSBAWM, 2006, p.36), cabe olharmos para
outras localidades a fim de perceber como se dava a exploração pelas grandes potências
e a ação dos demais países. Trata-se sobretudo de um protagonismo imposto, uma
centralidade firmada a partir de acordos desiguais e de dominações físicas e simbólicas.
23
Sua leitura do Egito passava pelo poeta Heródoto, com dados sobre vegetação, subsistência, agricultura.
Comentou também o relato de Amrou (Amr ibn al-ʿĀṣ ) ao califa Omar antes da invasão muçulmana no
Egito no século VII: “imaginai um arido deserto e uma magnifica campina entre duas montanhas: uma,
tendo a fórma de uma collina de areias, e a outra, a do ventre de um cavalo hectico ou do dorso de um
camello. Eis o Egypto.” (ALMEIDA, 1879, p. 24).
49
Ele se referia ao uso do poder militar, que forçava países sem tecnologia bélica a
aceitar acordos que lhes eram desfavoráveis, como foi o caso do Japão. Se antes da
Revolução Industrial havia algum tipo de equilíbrio em termos materiais, esta “fez a
balança pender mais ainda a favor do mundo ‘avançado’ graças aos explosivos potentes,
às metralhadoras e ao transporte a vapor” (HOBSBAWM, 2006, p. 33).
A Inglaterra foi o principal alvo das críticas de Almeida e dos demais viajantes
que acompanharemos. De acordo com Hobsbawm (2006, p. 111-3), no final do século
XIX, sob seu domínio estava um quatro da superfície terrestre, e o objetivo britânico “não
era a expansão, mas impedir a intromissão de outros em territórios até então dominados
pelo comércio e pelo capital britânicos, como a maior parte do mundo ultramarino”.
O problema, na percepção de Almeida, era o custo de uma falsa filantropia,
cercada pela propaganda da liberdade de comércio:
E quando seos bons officios são recusados por algum governo patriotico
e sagaz que comprehende as intenções da philantropica Inglaterra, as
festas publicas, feitas em honra dos seos hospedes, são seguidas de lucto
ou de miseria; e não raras vezes, populações indefezas forão
assassinadas pelos soldados deste tão preconisado paiz que, assim,
preferião ser esmagadas pela força do que venderem seo solo ou
comprometterem o futuro da patria.
É, sobretudo, a propaganda ruinosa da liberdade de commercio que
serve de apoio a estes tratados extorquidos pelos canhões inglezes, que
substituem, sempre com vantagem, as mallogradas negociações
diplomaticas; deixando a escolha, de uma nação livre e então rica de
seos recursos naturaes, a paz na miseria ou a guerra com os seos
horrores, - a bolsa ou a vida; - e mais tarde, a bancarota infallivel
proporciona occasião a Rainha dos mares para transformar estes paizes
em protectorados e colonias.
50
24
Em 1870, os barcos britânicos eram responsáveis por quase um terço da tonelagem a vapor em todo o
mundo e na década seguinte por mais da metade (HOBSBAWM, 1982, p. 72).
51
Para os viajantes que iam ao Egito, vindos de suas realidades cristãs marcadas
pelo pecado, parecia ser encantador experenciar a transgressão daqueles valores. Almeida
comentava também a “etiqueta das mesas egypcias”, as louças, a disposição das famílias,
julgando que a comida “não é das mais desprezíveis aos nossos gostos” e, buscando dar
densidade a sua análise, diferenciou os hábitos alimentares por classes:
53
Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
57
Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
58
A longa viagem de Aden ao Ceilão (Sri Lanka) foi descrita como a fase “mais
monotona”, sem desembarques. Foi com grande interesse que Almeida contou sobre a
chegada à Ponta de Gale, cujo litoral tinha “coqueiros e palmeiras” que “recordou-nos a
patria” (p. 56). O grupo pôde contar com guia, restaurantes, hotéis e transporte,
demonstrando que a circulação de pessoas era recorrente, bem como o modelo europeu
de hospitalidade.
Enquanto comiamos, um cicerone apresentava-nos, em inglez, o seu
programma de modo a utilizar do melhor modo o tempo de demora do
Ava n’este porto, o que não excederia de quarenta e oito horas; e depois
de verificarmos o que havia de verdade nas palavras do officioso
cicerone, tomamol-o ao nosso serviço mediante uma gratificação (p.
57).
59
25
“Os britânicos, que haviam consumido 700 gramas de chá per capita nos anos 1840 e 1,5 kg nos anos
1860, estavam consumindo 2,6 kg nos anos 1890, mas isso representava uma média anual de importação
de 102 mil toneladas, contra menos de 45 mil toneladas nos anos 1860 e cerca de 18 nos anos 1840.
Enquanto os britânicos abandonavam as poucas xícaras de café que bebiam, para encher seus bules com
chá da Índia e do Ceilão (Sri Lanka), os americanos e alemães importavam café em quantidades cada vez
mais espetaculares, notadamente da América Latina” (HOBSBAWM, 2006, p. 97).
26
Com relação ao sistema de justiça, Almeida explicou que elefantes eram utilizados nas condenações: “se
os condemnados devem ser torturados e executados, elles arrancão-lhes os braços, com a tromba, lanção-
os ao ar e os recebem sobre suas presas onde morrem” (p. 58). Estes costumes foram paulatinamente
desaparecendo, mas antes foram registrados por viajantes como Robert Knox, em An historical relation of
the Island of Ceylon, de 1861.
60
Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
61
27
Entende-se aqui como aquelas que circulavam nos países ocidentais para satisfazer a curiosidade sobre os
lugares distantes, mas que também serviam de instrumento de construção das imagens e estereótipos de
sociedades coloniais. Sobre o tema ver: MCCLINTOCK, Anne. Couro Imperial: Raça, gênero e
sexualidade no embate colonial. Campinas: Editora da Unicamp, 2010; SONTAG, Susan. Sobre
fotografia. 10 reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
28
Fotografias destes dançarinos de rituais podem ser vistas, por exemplo, em: HUTCHINSON, H. N.;
GREGORY, J. W.; LYDEKKER, R. The living Races of Mankind. vol. I. London: Hutchinson & CO.,
Paternoster Row, 1902, p. 178. Disponível em <https://archive.org/details/livingracesofman01hutcrich>
Último acesso em 23/09/2019.
62
Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
63
Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
64
Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
66
A ação das grandes potências europeias na Ásia foi descrita, na maior parte do
texto, como negativa. Para tanto, o autor destacou sua experiência nos portos, marcados
por um contato desigual, por pobreza, pastiches e degradação moral e econômica dos
povos locais.
67
A distinção racial na região aparece descrita no modo de vida dos três principais
grupos, em distritos diferentes: os malaios, a maioria chinesa e uma minoria europeia. Na
parte ocupada pelos malaios, “na margem direita do rio”, Almeida percebeu que “as ruas
são immundas e desprendem um tal cheiro de oleo de coco que atordoa o estrangeiro e
causa-lhe agudas dores de cabeça”; por outro lado, “as edificações europeas são de bella
aparencia e rodeadas de jardins e situadas nos arrebaldes da cidade” (p. 71). Ali, o viajante
encontrou um suposto “cônsul do Brasil”, interessado na imigração de trabalhadores
chineses. Com as leis brasileiras que iam tornando ilegais os mecanismos da escravidão,
os asiáticos foram vistos como possibilidade de mão de obra. Mas o que se debatia em
termos de condições de trânsito e permanência no Brasil, deixava evidente a precarização
de um trabalho de baixo custo. Assim, tanto os favoráveis quanto os contrários aos
trabalhadores asiáticos no Brasil notavam semelhanças com o trabalho escravo:
Na nossa volta, encontramo-nos com um individuo que nos disse ser o
consul do Brazil em Cingapura; porém, não sómente sua linguagem,
como as idéas que apresentou sobre o melhor modo de facilitar a
emigração chineza para o nosso paiz nos impressionou bastante, vendo
68
Almeida não revelou o nome de seu interlocutor, mas nos documentos da missão
diplomática enviada pelo Governo Imperial do Brasil à China e ao Japão entre 1879 e
188029, há uma solicitação de “agentes consulares” em Malta, Suez, Cingapura, Hong
Kong e Macau para receberem o regulamento consular em vigor no Império
(MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2012[1880]), indicação de que havia
brasileiros naqueles locais considerados como cônsules. Já na década de 1850, foram
29
A missão foi comandada pelo almirante Artur Silveira da Mota, barão de Jaceguay, com o objetivo de
estabelecer relações com aquele país, o almirante e Eduardo Callado, o ofício apresentado foi enviado ao
barão de Cabo Frio, da “Diretoria Central da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros”.
69
extração”. Tais ideias se perpetuaram, sendo reproduzidas, no século XIX também por
Almeida.
Desde a saída da Europa, o viajante foi formando seus parâmetros de comparação;
as paradas nos portos apresentavam processos globais de espraiamento do imperialismo
e do capitalismo, fatores importantes para compreender a realidade dos locais na segunda
metade do oitocentos. A partir da passagem pelo Sudeste Asiático, Almeida aprofundou
suas análises e distinções sobre os asiáticos.
30
“Os seus usos são simples, trabalhão somente para comer, e os indivíduos das classes inferiores não
nutrem a esperança de tornarem-se ricos, mesmo, porque, nos disseram eles, os mandarins encontrarião
meio de se apoderarem do fruto dos nossos trabalhos” (ALMEIDA, 1879, p.79).
31
“Relachados com a limpeza de seos corpos, eles deixão crescer os cabelos, quase sempre cobertos de
vermes, e por estas razões não são raras as moléstias de pelle, de que os europeos tanto receião o contagio”
(ALMEIDA, 1879, p.79).
71
entretanto lindas de rosto e seos membros são bem desenvolvidos, porém o pouco ou
nenhum aceio com os seos corpos, as tornão nojentas e desprezíveis” (p. 79). Buscou
apresentar a diversidade local, explicando que “em outros pontos da Conchinchina
encontrão-se tribus laboriosas, vivendo em sociedade e facilmente susceptíveis de
civilisação; são, especialmente, os kambodjianos e os anamitas, os mais inteligentes, mais
vigorosos e os de mais alta estatura entre elles” (p. 79). A saída da Conchinchina foi
turbulenta, descrevendo o quão difícil era navegar na costa asiática: “as rajadas de vento
ameaçavão tudo demolir, o Ava mergulhava nas altaneiras ondas para elevar-se
bruscamente, estorcendo-se como o agonisante na hora fatal” (p. 80).
Logo o Ava chegaria à China, que no século XIX era um centro de disputa
internacional por bases coloniais. Além da violência imperialista, especialmente
decorrente da Guerra do Ópio (1839-42 e 1856-60), a China ainda sofria pela imagem
negativa elaborada no exterior. É compreensível, neste sentido, que sua relação com as
grandes potências tenha sido diferente da do Japão, como demonstra o historiador Jürgen
Osterhammel (2014, p. 237):
Na China, a resistência aos modelos de consumo estrangeiros foi ainda
maior do que no Japão, e as roupas ocidentais ganharam aceitação pela
primeira vez somente através das reformas militares da dinastia Qing
no início dos anos 1900. (...) Grupos de comerciantes chineses que,
desde meados do século XIX, tinham parceiros comerciais ocidentais
em Hong Kong, Xangai ou outros portos, permaneciam amplamente
fiéis aos modelos mais antigos em sua vida privada e não consumiam
muitos itens de luxo europeus. (tradução nossa)
Quando se tratava da China, o ópio se tornava tema central, não somente no relato
de Almeida. De acordo com Hobsbawm (1982, p. 50), entre 1850 e 1870, o comércio
mundial do ópio cresceu 260%. Entre 1844 1849, entravam na China 43 mil caixas do
produto vindas de Bengala (na Índia); o número chegou a 87 mil entre 1869 e 1874. O
tema abriu o capítulo que o viajante dedicou à China:
O trafico infame do opio é, em larga escala, feito pelos ingleses, e não
obstante as reclamações, protestos e apelos feitos, durante a revisão do
tratado de commercio de 1869 pelo Governo Imperial da China,
representado pelo Principe Kong e outros personagens ao Ministro de
S. M. Britannica, com o fim de reprimir o consumo de opio; já
augmentando os direitos da importação, ou os de exportação nos
mercados ingleses; o governo de Londres, tendo á frente o Sr.
Gladstone, foi surdo a esta justa petição, verdadeiro brado de
indignação da sociedade illustrada da China.
O esmedido amor de riquezas, que ninguem poderá desconhecer nos
inglezes, é a causa única de toda a sorte de iniquidades, praticadas por
estes homens nos paizes asiaticos. Esquecem-se até, que elles fazem
parte da humanidade e collocando-se fora da comunhão dos entes
racionaes, julgão-se legítimos senhores dos bens da terra, e pela força
se apossão do alheio, em nome de uma liberdade que a mór parte deles
no seu próprio paiz nunca conhecerão, vivendo na miséria e com um
desfarçamento de costumes mais degradante do que tudo que a esse
respeito se tem observado entre os selvagens.
O consumo do opio na China aumenta diariamente, e uma terça parte
da população, entrega-se desordenadamente á este infame vicio.
Alguns, fumão opio em largas fornalhas de seus compridos cachimbos;
outros, mascão o lento veneno como os indianos o betel e os africanos
o fumo; outros, ainda mais viciosos, preparão o opio em pílula e a todo
instante engolem uma ou duas gramas desta substancia. (p. 81-2)
Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
76
Fonte: LES MISSIONS CATHOLIQUES. Bulletin hebdomadaire illustré de L’œuvre. Œuvre pontificale
missionnaire de la Propagation de la foi. Paris : Challamel, 1875 p. 510. Disponível em
<https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k105615n/f520.item>. Último acesso em 13/07/2020.
77
Fonte: LES MISSIONS CATHOLIQUES. Bulletin hebdomadaire illustré de L’œuvre. Œuvre pontificale
missionnaire de la Propagation de la foi. Paris : Challamel. 22/10/1875 p. 510. Disponível em
<https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k105615n/f520.item> Último acesso em 13/07/2020.
78
momento tratando de seu país e suas demandas – escrever sobre o outro se tornava uma
forma de pensar sobre si.
O relato sobre a China é um dos mais completos do livro de Almeida, por conta
do interesse brasileiro, ao longo do século XIX, pelos trabalhadores chineses. Portanto,
diante do preconceito, o autor considerava que
muitas pessôas, aliás esclarecidas pelos conhecimentos que cultivão, da
historia e da literatura occidental, ignorão o gráo de civilização e de
instrucção da sociedade chineza; e, não raras vezes, somos interrogados
sobre o que vimos a este respeito, durante nossa visita a esse paiz (p.
95).
32
Tanto as fotografias quanto as estampas de artistas japoneses postas neste trabalho são para demonstrar
possibilidades materiais, temáticas e estéticas comuns em imagens sobre a China e o Japão no contexto das
viagens, em nenhum dos casos significa que exatamente elas tenham sido acessadas e reproduzidas no
relato que analisamos.
80
Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial. Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
81
Fonte: HUTCHINSON, H. N.; GREGORY, J. W.; LYDEKKER, R. The living Races of Mankind. vol. I.
London: Hutchinson & CO., Paternoster Row, 1902, p. 133. Disponível em
<https://archive.org/details/livingracesofman01hutcrich> Último acesso em 23/09/2019.
82
Havia uma circulação destas imagens no Ocidente, que eram não somente
copiadas, mas recompostas em novos cenários. Dessa forma, as modificações presentes
em Da França ao Japão são tão relevantes quanto os possíveis percursos das imagens.
Percebe-se na publicação brasileira a adição de vasos chineses, bem como desenhos na
parede. As porcelanas chinesas já ilustravam anúncios publicitários nos jornais brasileiros
muito antes da publicação de Almeida. Já em 1815 anunciavam-se louças trazidas de
Macau para serem vendidas na Corte, num comércio atuante desde o século XVI. Assim,
a inserção dos vasos de porcelana tornava mais fácil a identificação pelo leitor. Nesse
processo de reprodução da imagem, o receptor – cada vez mais distante da China – recebia
a figura carregada de referências que dialogavam com os estereótipos que reconhecia. A
arte ao fundo e a decoração das peças em cena nos remetem à chinoiserie, ou seja, um
gosto por objetos de origem ou inspiração chinesa, com ornamentos florais de
crisântemos e peônias, ambas recorrentes na vida religiosa e nas artes chinesas. De acordo
com Celina Kuniyoshi (1998, p. 94), era “a chinoiserie que comandava o gosto artístico
da elite política e econômica brasileira”. Além disso, a imagem atrás do “mandarim civil”,
sem muitos detalhes ou apuro, mostra um dragão e uma fênix – figuras conhecidas da
mitologia chinesa.
Em nossa pesquisa, percebemos que as imagens femininas compunham boa parte
das fotografias realizadas por estrangeiros na Ásia no século XIX, da mesma forma que
as descrições de perfis. Portanto não é estranha a quantidade dessas imagens na obra de
Almeida. Na China, a figura feminina aqui representada pela Mulher china (figura 16)
também remete às fotografias de estúdio, posadas, como as do fotógrafo Lai Afong ou as
do fotógrafo britânico William Saunders.33 O estúdio era um espaço contraditório da
domesticidade e do império, onde se teatralizava a partir de acessórios e decorações
exóticas um espetáculo condizente com as fantasias imperiais, sendo recorrente a
presença de mulheres (MCCLINTOCK, 2010, p.192). É provável que Almeida tenha
adquirido algumas dessas fotografias e encomendado sua reprodução em litogravuras
para seu relato, como fizera anteriormente. Nesta também foram incluídas referências à
China identificáveis pelos leitores brasileiros, como o arranjo de peônias.
33
Ver: SANDERS, Williams. Unidentified Young Manchu Woman. 1871. In: The International Center
of Photography (ICP). Diponível em: <https://www.icp.org/browse/archive/objects/unidentified-young-
manchu-woman>. Último acesso em 20/06/2020.
83
Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
84
Outra imagem colorida, denominada Dama chineza e sua criada (figura 18),
apresenta alguma semelhança com fotos de Afong, especialmente a intitulada A chinese
mother, with nurse and children (figura 17), que apresenta semelhanças com alguns
detalhes da litografia, como as poses, os adereços e as vestimentas. Na reprodução
litográfica para Da França ao Japão, foram igualmente utilizadas referências à
chinoiserie, nas estampas das roupas, no dragão do tapete e no quadro ao fundo.
Fonte: HUTCHINSON, H. N.; GREGORY, J. W.; LYDEKKER, R. The living Races of Mankind. Vol.
I. London: Hutchinson & CO., Paternoster Row, 1902. p.139. Disponível em
<https://archive.org/details/livingracesofman01hutcrich> Último acesso em 23/09/2019.
85
Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
86
Figura 19 – Damage caused by the 1874 typhoon, Hong Kong (Lai Afong)
Fonte: University of Bristol - Historical Photographs of China reference number: NA15-02. From an album
in The National Archives entitled ‘HONG KONG 2. Hong Kong and Macao: the typhoon of 22 September
1874. Disponível em <https://www.hpcbristol.net/>. Último acesso em 15/05/2020.
88
Não havia, na década de 1870, grande quantidade de publicações sobre o país, por
isso, o astrônomo se baseava nas narrativas de séculos anteriores, nas quais os
missionários cristãos eram personagens centrais. Nesse sentido, para Celina Kuniyoshi
(1998, p.106-7):
O conhecimento de Almeida sobre o Japão resumia-se às fontes
quinhentistas e seiscentistas: Fernão Mendes Pinto, Diogo do Couto,
padre Melchior Nunes Barreto, Kaempfer, “chronicas japonezas”,
“annaes da Companhia das Indias Orientaes”, etc. Essa falta de
informações recentes sobre o Nihon – os primeiros relatos oitocentistas
estavam sendo escritos – levou Almeida a se basear no julgamento feito
há mais de dois séculos. Reconheceu no nipônico exatamente as
características apontadas por aqueles autores
91
34
Sobre os relatos dos dois outros viajantes, retornaremos apenas a alguns comentários pontuais, para evitar
a repetição de informações.
92
“as verdades do christianismo não deixarião de influir sobre um povo intelligente e nobre”
e que diante dos missionários “pedia-lhes em altos brados o baptismo” (p. 115). Ao
mesmo tempo, o viajante delineava uma imagem negativa dos religiosos locais, os
bonzos, em contraposição aos missionários cristãos, solicitados de Roma, afinal “não erão
bastantes tão poucos pastores para tão numerosos rebanhos” (p. 122).
Um dos principais elementos da história dos primeiros missionários cristãos no
Japão era o grupo de vinte e seis mártires, executados em 1597, quando “cortarão-lhe o
nariz, as orelhas, e em seguida, depois de amarrados em grupos de três, forão conduzidos
pelas principaes ruas de Miako” (p.137). Em seguida, foram levados a Nagasaki, onde
foram levantadas cruzes e entoados cantos, como uma narrativa bíblica. 35 Almeida
descreveu outras execuções, como as de famílias japonesas, considerando como a
demonstração de fé era então correspondente ao sacrifício. O partidarismo de Almeida
em relação às empreitadas religiosas fez com que seu relato fosse elogiado pelo periódico
O Apostolo, do Rio de Janeiro: “É um trabalho esmerado e consciencioso. Seu illustre
autor fixa a verdade historica de terem sido os portuguezes os primeiros que penetraram
no Japão e commemora os grandes serviços alli prestados por S. Francisco Xavier” (O
APOSTOLO, 17/01/1879).
A questão cristã no Japão tornara-se tão relevante na aproximação com a Europa,
que o debate ocupou três capítulos de Da França ao Japão, a partir de dois elementos
que, embora inter-relacionados, partiam de pressupostos distintos: o comercial e o
religioso.
Do que temos dito, conclui-se, que existe actualmente no Japão, a
liberdade de cultos, sendo, porém, os christãos mal vistos pelo governo,
não por causa de suas crenças, mas sim por terem sido considerados
auxiliares naturaes dos europeus, e por consequencia perigosos á
segurança do Estado.
Ainda há poucos annos elles erão castigados com prisão simples ou
pagavão uma multa, felizmente, estes prejuizos tendem a desaparecer
sob a influencia benefica do contacto com as nações civilizadas.
É pela influencia da civilisação occidental e pela facilidade com que
este povo della diriva melhoramentos para as suas instituições, que em
breve constituir-se-há uma das nações mais civilizadas pelas suas
35
A perseguição aos cristãos no Japão foi expressiva entre os séculos XVI e XVII, tanto em relação aos
estrangeiros quanto aos próprios japoneses convertidos. Além da questão religiosa, era entendido como
ameaça ao sistema político e social vigente. Os suspeitos de serem cristãos deveriam pisar em uma
referência à religião, caso não o fizessem eram punidos, de acordo com Kenneth Henshall (2008, p.85)
chegavam a “arrancar-lhes os olhos ou torturar os filhos à frente dos pais. As execuções também eram
horríveis, envolvendo crucificações, decapitações com uma serra ou serem atirados para piscinas de água
termal a ferver”.
94
36
O xogunato (“governo dos generais”) vigorou no Japão de 1185 a 1868, portanto teve mudanças em sua
organização ao longo do tempo, inicialmente “nesse sistema, o chefe militar, o xogum, não substitui o
imperador, mas exerce o poder de fato, premiando os seus seguidores mais leais com propriedades alienadas
dos inimigos e garantindo a eles uma renda”. O título de xogum “significa ‘comandante-chefe’, ou
‘generalíssimo’, que governa a partir de seu bakufu (nome dado ao local de onde se espraia o poder; na
transcrição literal significa ‘posto militar’), dali comanda toda a rede dos seus subordinados”. Além disso,
tratava-se de um título hereditário, governando apoiado em um exército de guerreiros samurais (SAKURAI,
2008, p. 82-5).
95
Fonte: SIEBOLD, Phillip Franz von. Karte von Japanischen Reiche nach Originalkarten und
astronomischebn Beobachtungen der Japaner. Die Inseln Kiusiu, Sikok und Nippon. 1840. Disponível
em < https://digitalcollections.universiteitleiden.nl/view/item/876341>. Último acesso em 13/04/2020.
37
Segundo as referências da Biblioteca Nacional da França, consultadas aqui pelo sistema Gallica, o mapa
foi produzido por Victor Adolphe Malte-Brun e publicado em: Le Japon contemporaine par Edouard
Fraissinet, Nouvelle Édition, Paris : A. Bertrand, 1864. 2 vol. Disponível em
<https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b84919518>. Último acesso em 13/04/2020.
96
Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
Fonte: FRAISSINET, Edouard. Le Japon: histoire et description, mœurs, coutume et religion. 2 ed. Paris:
Arthur Bertrand /Libraire de la Societé de Geographie, 1864. Disponível em
<https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b84919518>. Último acesso em 13/04/2020.
97
Philipp Franz von Siebold (1796-1866) foi um médico alemão designado pela
Dutch East India Company para atuar no posto comercial do Japão, no início do século
XIX38. Os holandeses eram então alguns dos poucos a manter contato com o Japão,
mesmo que restrito. Siebold foi um dos primeiros instrutores de artes e ciências ocidentais
no Japão, chegado em Nagasaki em 1823 (SUKEHIRO, 1989, p. 467). Como se nota, o
fechamento do Japão não era total. De acordo com o pesquisador Hirakawa Sukehiro
(1989, p. 435), a atividade intelectual durante o período de fechamento pode ser dividida
em três categorias: o confucionismo; os estudos japoneses (kokugaku); e os estudos
holandeses (rangaku). Com o processo de reabertura, na década de 1860, os estudos
holandeses, incluindo aqueles sobre o idioma, perderam espaço para o inglês, mas os
estudos japoneses e o confucionismo seriam importantes para reafirmação do
nacionalismo japonês, como veremos no último capítulo.
Durante o isolamento, o Japão vivenciou momentos de prosperidade, com o
desenvolvimento do comércio e de técnicas no campo, aumentando a circulação
monetária e a produção excedente.39 Isso levou ao crescimento demográfico, que, de
acordo com Célia Sakurai (2008, p. 126), foi de 1% ao ano, num país insular, colaborando
também para a expansão das cidades. Na planície de Kanto, Edo (atual Tóquio), “a cidade,
que no século XVI era praticamente uma aldeia de pescadores”, no século XVIII
tornou-se a maior do mundo, com mais de 1 milhão de habitantes,
quando o total dos japoneses estava próximo de atingir 26 milhões.
Osaka e Kyoto, centros comerciais mais antigos, também viram
multiplicar suas lojas, indústrias e bancos, além de armazéns e navios
costeiros (SAKURAI, 2008, p.126).
38
Embora haja o reconhecimento do trabalho cartográfico de Siebold no oitocentos, o conhecimento
geográfico japonês em relação ao exterior era desenvolvido desde antes do seu isolamento. Uma das
referências era Takahashi Kageyasu (1785 - 1829), astrônomo e geógrafo que publicou um mapa do Japão
em 1809. De acordo com a pesquisa de Shintaro Ayusawa (1964), este mapa foi apresentado em 1840,
quando foi incluído na obra Nippon, de Phillip Franz von Siebold.
39
De acordo com a pesquisadora Célia Sakurai (2008, p.125-126) entre o século XVI e o XVII, houve
expansão da manufatura do algodão e seda, passando a ser uma alternativa à agricultura, isto contribuiu
para o desenvolvimento do comércio, aumentando a circulação monetária a ponto de se tornar um “fato de
desequilíbrio” do antigo sistema. No campo, com a adoção da irrigação, fertilização e uso do arado,
contribuíram para aumento da produção.
98
A antiga ordem social já não supria as novas demandas. Ainda segundo Sakurai (2008, p.
127), essa “revolução comercial” ocorreu de forma mais rápida do que na Europa,
em termos de divisão do trabalho, que aproximou cidade e campo, e
aumentou a demanda por dinheiro, produtos e serviços. Contribuíram
para isso a estabilidade política interna, o transporte hidroviário
acessível, a unidade linguística, a abolição das barreiras comerciais e a
cultura mercantil desenvolvida e compartilhada.
40
“Regiões até então fora do circuito da chamada ‘civilização ocidental’ passam a fazer parte dos mapas de
domínio político (direto ou não) das grandes potências. A França anexa a Argélia em 1830 e o Taiti em
1880; a Bélgica domina o Congo em 1885. Nesse momento, a Grã-Bretanha apropria-se de parte da África
do Sul, domina Nova Zelândia, Austrália, Malvinas, Nova Guiné. Enfrenta problemas de resistência na
Ásia, especialmente na China e na Índia, que resultam em conflitos como a Guerra do Ópio na China. O
Canadá torna-se domínio inglês em 1867. Nesse meio tempo, a federação norte-americana aumenta
consideravelmente a sua extensão territorial anexando o Texas e a Califórnia (1836 e 1850
respectivamente), após um longo período de atritos com o México. Partes da América Latina continuam
lutando por sua independência da Espanha” (SAKURAI, 2008. p.128).
101
história japonesa: a Era Meiji. De acordo com Hirakawa Sukehiro (1989, p. 480), no
início da Era Meiji, entravam no Japão ideias de pensadores estadunidenses e ingleses,
como Mill, Benthan, Spencer e Buckle, bem como Rousseau e o republicanismo francês.
Elas contribuíram nos questionamentos ao sistema hierárquico vigente no país durante o
período Tokugawa.
Foram diversas as mudanças advindas da ascensão do imperador41, como a
centralização da capital em Edo (Tóquio), a instituição de um sistema bancário atualizado,
estabelecimento de imposto fixo sobre a terra, abolição da rigidez do sistema de classes
anterior. Para isso, foi necessário reforçar a imagem do imperador no imaginário popular,
após anos de domínio dos xoguns:
O Imperador Meiji cuidadosamente preparou viagens para várias partes
de seu reino (...). Numa época em que a mídia de massa ainda não era
capaz de forjar uma consciência nacional, esses encontros diretos entre
imperador e povo criaram um novo sentido do que significava ser
japonês. Ter visto o imperador significava ter participado do despertar
da solidariedade nacional. Na década de 1880, a monarquia japonesa
encontrou um novo lugar: Tóquio foi construída como a metrópole
imperial, o núcleo simbólico e ritual da nação, cujas apresentações não
eram nem um pouco inferiores às das capitais ocidentais.
(OSTERHAMMEL, 2014, p. 589, tradução nossa)
41
Em 1868, o Imperador apresentou algumas de suas diretrizes no Juramento de Cinco Artigos (五箇条の
御誓文), onde constava: “a discussão pública de ‘todos os assuntos’; a participação de todas as classes na
administração do país; liberdade para todos se dedicarem à sua ocupação preferida; abandono dos
‘procedimentos errados do passado’ (não especificados); procurar obter conhecimento em todo o mundo
para fortalecer o país (ou, mais literalmente, ‘para fortalecer as bases do poder imperial’)” (HENSHALL,
2008, p.108-9).
102
posteriormente do governo brasileiro, fazendo com que o Japão fosse visto como modelo
de crescimento progressista. Os viajantes brasileiros da segunda metade do século XIX
registraram em seus relatos as diferentes fases desse processo, destinado a criar um
governo central, treinar burocratas para administrar o estado, instituir um exército e uma
marinha modernos, organizar um sistema legal, fomentar o capitalismo, abolir os
privilégios do sistema anterior, consolidar um sistema educacional e reformar seus
costumes (SUKEHIRO, 1989).
Com o interesse dos japoneses pelo exterior, também houve o receio de que fosse
destruído o passado do país e que se adotassem valores e atributos materiais do exterior.
Ao mesmo tempo, a China era um exemplo de como a ameaça militar era um perigo
iminente, e que possuir poder bélico não seria o suficiente para se apresentar como igual
no cenário mundial. Experiências de japoneses enviados ao exterior demonstravam que
os poderes das grandes potências se baseavam também em instituições políticas e sociais.
Assim, o império japonês enviou missões aos Estados Unidos e Europa, compostas por
estudantes, burocratas e cientistas, para conhecer os modelos estatais, os sistemas
jurídicos, desenvolvimentos da medicina, dinâmicas de fábricas, escolas, bancos e
ferrovias. A busca por adaptar-se ao novo contexto, tentando manter o protagonismo
no processo, contribuiu para que o Japão se aproximasse e fosse bem visto pelas
grandes potências:
a flexibilidade dos japoneses em aceitar e assimilar a cultura e os
valores ocidentais em função de seus interesses, bem como a
sabedoria de seus homens de Estado é que permitiram ao Japão se
tornar um país moderno e competitivo como mais uma das potências
imperialistas nos moldes ocidentais. O Estado teve a capacidade de,
mediante a política externa, subverter as determinações estruturais de
longo prazo. (YAMAMURA, 1996, p.135)
É importante ponderar que a narrativa sobre o êxito do Japão foi, por vezes,
nociva para outros países asiáticos, submetidos ao imperialismo japonês. Mas essa nova
imagem do país se consolidava na política internacional. Como dito, os viajantes
brasileiros que lá aportaram, encontraram o país em diferentes fases deste processo de
inserção. Assim, não se trata de uma mesma “fotografia” da abertura do Japão vista da
mesma forma por todos os brasileiros, mas de experiências datadas, num processo de
contínua mudança.
103
Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
106
Fonte: HUMBERT, Aima. Japan and the Japanese. London: R. Bentley & son, 1874. p. 217
42
“O cliente está sentado à esquerda em um banco com quase o mesmo padrão de escultura em madeira e o
barbeiro está de pé raspando sua testa. O cliente está provavelmente segurando um prato para pegar o cabelo
que está caindo. Igualmente semelhante é o kit de ferramentas do barbeiro à direita onde também havia
chapéus de palha de abas largas. Os cenários de ambas as fotos são minimizados e provavelmente isto era
proposital, montada a cena em estúdio para fazer com que o barbeiro, o cliente e seu aparato se
destacassem” (CHEN, 2009. p.35, tradução nossa).
107
Fonte: TOMES, Robert. PERRY, Matthew. Japan and the Japanese: a narrative of the U.S. Government
Expedition to Japan under Commodore Perry.2ªed, London, Trübner & co, 1859. p.180
43
De acordo com o pesquisador Kenneth Henshall (2008, p.82): “Os castigos na Europa desse tempo eram
também severos pelos padrões actuais, mas a severidade dos do Japão era suficientemente grande para
chocar muitos europeus que então o visitavam. O francês François Caron, que permaneceu muitos anos no
Japão, na primeira metade do século XVII, escreveu que os seus castigos são assar, queimar, crucificar das
duas maneiras, esquartejar com quatro bois e ferver em óleo e água”.
108
Nestes lugares públicos o estrangeiro se sentia apto a tirar suas conclusões sobre
o país distante: “O leitor não se enganará suppondo por esta descripção, que o Japão é o
mais curioso e o mais delicioso paiz do mundo” e “alli não se encontra a indolencia e a
perversidade do chim, tudo é animação, alegria, excelente e encantador; o chá, a
porcellana, os belos objetos de charão, a seda, os japonezes e finalmente, até os deoses
são risonhos e meiguiceiros” (p.157).
Na sequência, registrou suas impressões sobre templos, jardins, comércio local,
crenças xintoístas e budistas e, especialmente, sobre as mulheres.
Das dezoito imagens presentes na obra de Almeida, sete têm como personagens
principais as mulheres, sendo que entre as coloridas, são três do total de quatro. Muitas
vezes, o viajante brasileiro se colocou como voyeur nas casas de chá, nas ruas, em espaços
privados.
Na segunda metade do oitocentos havia grande interesse em fotografias do Japão,
destacamos, por exemplo, as de Felice Beato, naturalizado inglês, e do austríaco Raimund
von Stillfried.44 São constantes nestes registros fotográficos mulheres com roupas
tradicionais, roupas do cotidiano que deixavam certa nudez à mostra, impressionando os
44
As fotografias de Felice Beato e Raimund von Stillfried se tornaram conhecidas especialmente por terem
sido coloridas à mão. Elas podem ser acessadas no acervo Gallica, da Biblioteca Nacional da França.
111
viajantes. Elas foram fotografadas deitadas, com seus pequenos suportes para cabeça
(figura 28), tocando instrumentos musicais, como o shamisen, e arrumando-se. Além
disso, algumas das imagens remetiam à arte japonesa denominada ukiyo-e45:
Ukiyo-e abrange uma vasta produção pictórica durante o período Edo,
diga-se, vasta demais em relação ao ukiyo-zôshi: sinônimo ora de meio
técnico, ora de temáticas abordadas, ora de sistema de produção, chega
até a se identificar com classe social. Compreende-se geralmente ukiyo-
e como uma produção visual manifesta através do meio xilográfico –
alguns estudiosos afirmam ser essa a sua característica distintiva -,
principalmente colorida, que possibilita, por seu caráter reprodutivo,
fruição, em grande escala, de livros, catálogos, álbuns, cartazes e
estampas independentes: já se viu nisso o início da editoração. Ukiyo-e
pode ser traduzido por “estampa xilográfica”, independentemente de
seus tratamentos técnicos ou tópicas. As estampas podem ser
classificadas em diversas categorias: bijin (de yûjo e yakusha), cenas de
peças de kabuki, áreas-de-prazeres, vistas famosas, pássaros-e-flores,
ocupações profissionais, viagens, monstros, animais divinos, poetas
famosos, monges chineses. (HASHIMOTO, 2002, p. 129-30)
45
Ver: HASHIMOTO, Madalena. Pintura e escritura do mundo Flutuante: Hishikawa Moronobu e
ukiyo-e Ilhara Saikaku e ukiyo-zôshi. Ed. Hedra. São Paulo, 2002.
46
“A definição, repetida exaustivamente, de ukiyo-e como ‘arte popular’, revela um ponto de vista
contemporâneo de separação entre níveis de produção (popular, erudito, folclórico); é improcedente, pois,
além da permanência de tópicas e de emulação de usos-e-costumes aristocráticos pelos citadinos, que não
são ‘povo’, vê-se um caleidoscópio de tópicas, meios técnicos e modos de compor e ver muito difundidos”
(HASHIMOTO, 2002. p.130).
112
47
É o caso do relato de Sir Rutherford Alcock, The capital of the Tycoon: a narrative of the three years
residence in Japan, publicado por The Bradley Company (1863). Aparece também em The Mikado’s
Empire (1876), de William Griffis, com a legenda The siesta. E também em The boy travellers in the Far
East: Adventures of two youths in a journey to Japan and China (1880), de Thomas W. Knox.
113
Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
114
48
Disponível em <https://www.imagesdepinal.com/images/1226-image-tour-du-monde-asie-
3760200946481.html>. Último acesso em 02/09/2020.
49
Ver: KUNIYOSHI, Celina. Imagens do Japão: Uma utopia de viajantes. São Paulo: Estação
Liberdade/FAPESP, 1998.
116
50
Ver: COALDRAKE, Kimi. Fine arts versus decorative arts: the categorization of Japanese arts at the
international expositions in Vienna (1873), Paris (1878) and Chicago (1893). In: Japan Forum, v.25, 2013,
p.174-190.
117
Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
Fonte: Torii Kiyonaga. Women Landing from a Pleasure Boat Drawn Up to the Shore at Mukojima
on Sumida River, Edo, ca. 1785. Disponível em <https://www.metmuseum.org/>. Último acesso em
01/08/2020.
118
Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
119
Fonte: Komai Yoshinobu. Women Playing Koto, Shamisen, and Kokyû. ca 1770. Disponível em
<https://collections.mfa.org/objects/234295>. Último acesso em 01/08/2020.
120
Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
121
Fonte: Uchida Kuichi. Mutsuhito, The Meiji Emperor. 1873. Metropolitan Museum of Art.
Disponível em <https://www.metmuseum.org/>. Último acesso em 03/08/2020.
123
Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
124
Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
125
Nesse sentido, percebemos que o relato de Almeida foi também um momento para
pensar seu próprio país, não somente como referência prévia evidente para compreender
a realidade desconhecida, mas como uso consciente do espaço de publicação para
reivindicação de suas demandas. Na viagem de retorno, ele conheceu Pedro de Orléans,
sobrinho de D. Pedro II, que elogiosamente qualificou como um oficial exemplar da
Marinha a serviço da República Francesa. “Neste caso, ser descendente de reis, encarece
as virtudes de quem também é bom cidadão e valente servidor da república” (p. 223).
127
51
Tamanho era o trânsito de pessoas para fins políticos e educacionais, que foi solicitado à Almeida por
intermédio de tradutores que levasse uma carta de uma mulher japonesa ao seu irmão em Paris, o que foi
feito pelo viajante.
128
Fonte: Utagawa Sadahide. Foreigners in the Drawing Room of Foreign Merchant's House in Yokohama.
1887. Disponível em <https://www.metmuseum.org/art/collection/search/73416>. Último acesso em
03/08/2020.
52
Imagem e descrição disponíveis em: Metropolitan Museum of Art:
<https://www.metmuseum.org/toah/works-of-art/2007.49.131a-c/>. Último acesso em 13/04/2020.
129
malayos que vagão pelas ruas da capital do Imperio e que, pelos seus
vícios, só servem para activar a vigilância da nossa policia.
Os chins ou malayos que aportarão á nossas plagas como emigrantes,
soubemos terem sido recrutados nas praias de Macau ou nas costas da
China, próximas de Hong-Kong.
Nenhuma vantagem se lhes offerecia; a troco de algumas piastras que
se lhes dava, embarcavão sem saberem para onde ião, erão
mendigantes, muitos, cobertos de lepra e imundos, que a fome e a
miséria os obrigavão irreflectiamente, a dar esse passo. E estes homens
invalidados pelas doenças, eivados dos mais degradantes vícios, não
podião satisfazer aos desejos do governo do Brazil quando autorisou
esta emigração. (p.169-70)
Tanto em 1874 quanto em 1879, quando Da França ao Japão foi publicado, este
debate estava em consonância com aquele que ocorria no Brasil, no qual os trabalhadores
asiáticos eram vistos como possibilidade para trabalhados temporários. Estes comentários
foram elaborados quando Almeida estava, na ordem da narrativa, no Japão, demonstrando
a dificuldade de pensar sobre o japonês no Brasil, pelo menos no século XIX, sem
compreender a dinâmica internacional e que sua imagem e experiências de aproximação
estiveram atreladas aos demais asiáticos. Assim, os “malayos que vagão pelas ruas da
capital do Imperio” (Rio de Janeiro) eram, provavelmente, trazidos de Singapura, como
ocorreu com as expedições de Manoel de Almeida Cardoso. Inclusive, “traficantes de
carne humana”, como denunciava o astrônomo, tiveram passagem pelo Japão durante sua
estadia:
Alguns dias depois da nossa chegada ao Japão alguns jornaes do paiz
noticiárão, que fora retido no porto de Nangasaki um navio brasileiro
que transportava mais de dous mil coolies, contra a vontade destes, que
não tinhão assignado contrato algum diante das autoridades chinesas
antes de embarcarem.
Immediatamente tratámos de verificar a noticia, e com efeito, o governo
japonez mandara desembarcar os coolies, reter o navio até ulterior
deliberação e encarcerar o capitão e a tripolação; porém, a sua bandeira
era a da República do Peru e felizmente neste ponto a notícia era
inexata.
Ao principio, pareceu-nos arbitraria e violenta a deliberação do governo
do Japão, porém, quem testemunhar a pouca humanidade com que os
estrangeiros tratão os chins e os japonezes quando uma vez sujeitos ao
direito da força, não deixará de approvar essas medidas necessárias
para a honra da civilisação e em bem dos nossos semelhantes.
As difficuldades que surgirão de todos os lados para contratarem
coolies que convenhão aos nossos lavradores, só poderão ser obviadas
pela diplomacia, do contrário, estamos convictos, de que o Governo
Imperial da China reclamará auxilio das marinhas de guerra
estrangeiras para impedir, como eles já disseram, o trafico de seus
131
A suspeita de que o navio fosse brasileiro indica que havia esta possibilidade; além
disso, o trecho mostra que não se tratavam de trabalhadores livres contratados, mas de
pessoas traficadas. O escritor ainda pontuava uma questão que seria central para a
possibilidade de vinda de trabalhadores livres, que era o estabelecimento de acordos
diplomáticos com os países asiáticos.
Francisco Antônio de Almeida vivenciou o Japão nos seus primeiros anos de
mudança, a ele caberia o ineditistimo que o tornaria porta-voz relevante sobre a Ásia no
Brasil. Se por um lado o Japão ia se constituindo como modelo de modernização,
ajustando, ainda que inicialmente, suas instituições e costumes – e aparecendo para o
viajante como uma possível potência futura – por outro, um dos debates mais importantes
no Brasil era a abolição e a imigração de trabalhadores. Assim, além de tratar de
impressões sobre usos e costumes, o relato de Almeida inseria-se na demanda nacional e
seria útil nesse sentido.
Apenas ao final de seu relato é que o astrônomo Francisco Antônio de Almeida
(1879, p. 191) se dedicou à “rara entrevista da caprichosa deusa com o galante Sol”. No
caminho à Nagasaki, a bordo do navio estadunidense Golden Age, notou que havia
“centenas de chins amontoados como fardos, quase adormecidos, ou fumando o opio em
seus imensos cachimbos” (p. 184). Ali, a missão francesa ficou hospedada junto a um
templo, local cedido pelos bonzos. A descrição da passagem de Vênus pelo Sol,
entretanto, nada tinha de cunho científico.
Almeida já se encaminhava para o fim do relato. Ao final de dezembro de 1874,
após três meses de estadia no Japão, despediu-se, deixando registrado em um monumento
japonês que um brasileiro participara da missão científica. Seguiu então para Shangai, de
onde o La Provence partiria para a Europa:
Nos pareceu que tínhamos vivido varios annos durante os nove mezes
que estivemos ausentes da Europa; e se uma longa viagem apresenta
132
A principal referência que se tem sobre Francisco Antônio de Almeida é seu relato
de viagem ao Japão, o primeiro de um brasileiro sobre o tema. Contudo, pode haver uma
falsa impressão de que tenha sido uma espécie de “inaugurador” deste contato, com um
pioneirismo que talvez não lhe caiba. Pois mesmo que nosso viajante tenha sido o
primeiro brasileiro – de que temos notícia – a relatar sua ida ao Japão, ele não foi o
precursor do debate sobre o país, como veremos neste capítulo.
Na segunda metade do século XIX, um dos debates recorrentes no Brasil se dava
sobre a “substituição” da mão de obra diante dos encaminhamentos para a abolição do
trabalho escravo. A dificuldade da vinda de imigrantes europeus, a falta de estrutura para
recebê-los, a permanência dos maus tratos, tudo isso aliado às distinções raciais e aos
projetos de nação que se vislumbravam contribuíam para colocar em pauta a possibilidade
de vinda de trabalhadores asiáticos. Estes trabalhadores traziam, para além do debate
racial, questões relacionadas à própria forma de trabalho. Geralmente, eles eram pensados
como temporários, vinculados a contratos e supostamente livres, embora muitos fossem
traficados. Isso nos remete às definições de Marcel Van der Linden (2013, p. 32) sobre
as formas intermediárias entre o trabalho assalariado e a escravidão, como a “servidão
por contrato”, na qual “os coolies indianos, indonésios e chineses empregados na África
do Sul, na América Latina e em outras partes da Ásia são um exemplo bem conhecido
dessa situação”. Houve a tentativa de que isto ocorresse também no Brasil com estas
populações, em relações firmadas por contratos assimétricos. Como demonstra o
pesquisador, na sociedade capitalista, as fronteiras entre o trabalho assalariado e outras
modalidades por vezes são vagas, com diversos graus intermediários. Tais pessoas, cuja
forma de trabalho é mercantilizada de formas diversas, com pouca ou nenhuma
autonomia, são consideradas “trabalhadores subalternos”:
Todo portador ou portadora de força de trabalho cuja força de trabalho
é vendida (ou alugada) a outra pessoa em condições de compulsão
econômica ou não econômica pertence à classe dos trabalhadores
subalternos, independentemente de o portador ou portadora da força de
trabalho vender ou alugar ele mesmo sua força de trabalho, e
independentemente de o portador ou portadora possuir meios de
produção. (LINDEN, 2013, p. 41)
Evidentemente, nos três séculos que se passaram até a chegada dos nossos viajantes, a
situação política mudou, assim como as relações internacionais.
O contato do Brasil com países asiáticos se dava especialmente no âmbito
comercial. Em 1810, o príncipe regente D. João VI decretou que importações chinesas de
portos portugueses, como Macau, estavam isentas de direitos de entrada no Brasil e outros
portos também sob domínio português. Leonor Seabra (2014, p. 11) aponta que o próprio
Senado enviou um navio, o Ulisses, comandado por Manuel Pereira, para fazer este
trânsito mercantil. Para a autora, “foi a primeira ligação directa oficial entre Macau e o
Brasil”. Na imprensa brasileira, o navio apareceu nas páginas da Gazeta do Rio de Janeiro
(06/09/1815), nas quais informava-se que, “no armazem da rua da Alfandega Nº5, se acha
a venda toda a louça vinda de Macau no navio Ulisses, em cuja porção se achão tambem
serviços completos para meza, e chá, de porcelana dourada, e esmaltada, assim como os
chás novos em caixa”.
A imprensa brasileira começou suas atividades oficialmente com a vinda da Corte
portuguesa, em 1808, ano de fundação da Gazeta do Rio de Janeiro. Nos primeiros anos
encontramos notícias traduzidas que citam o Japão, pela passagem de estrangeiros no
país, por conta de listas botânicas ou mesmo por informações da política europeia. Mas
de forma geral, nos periódicos nacionais da primeira metade do século XIX, a China era
mais presente nas matérias do que o Japão.53 Ainda que inicial, o contato via Portugal, a
circulação de informações por meio de impressos e as experiências in loco fizeram com
que houvesse, no Brasil, conhecimento e pré-conceitos tanto sobre o Japão54 quanto sobre
a Ásia de forma mais abrangente.
O debate sobre a possibilidade de vinda de trabalhadores asiáticos foi feito de
forma mais efetiva e organizada na segunda metade do século XIX, mas ele não era
totalmente novo. Desde o início do século, experiências pontuais já haviam ocorrido,
favorecidas pela navegação e domínios portugueses; a vinda destes trabalhadores,
53
Levantamento feito na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
54
Havia referências sobre o “sistema japonês”, antes mesmo da abertura daquele país, como mostram dois
exemplos. O primeiro foi a denominação Sociedade Japonônica para se referir à Coluna do Trono e do
Altar, no Maranhão, por sua postura conservadora em defesa do imperador português (DIARIO DE
PERNAMBUCO, 09/09/1829). Posteriormente, diante das ações expansionistas dos Estados Unidos, o
deputado Carvalho Reis54 reivindicava a abertura para a navegação do Rio Amazonas, afirmando “é
chegada a época de satisfazer-se a esse desideratum, não só dos Brazileiros, como de todos os povos
civilisados que comnosco mantêm relações commerciaes, quando menos para tirarmos o pretexto a essas
reclamações frequentes de que nós relativamente ao Amazonas fazemos política diversa da que fazemos no
Rio da Prata, que queremos alli conservar o systema japonez” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1864, p.
161). Estes dois breves exemplos mostram que já havia imagens formuladas sobre o Japão.
137
55
Jeffrey Lesser, em A negociação da identidade nacional: imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade
no Brasil (2001, p. 41) cita a fuga de dois chineses do Jardim Botânico, que foram caçados com cavalos e
cães.
56
De acordo com Cong e Seabra (2017, p.22), a chegada ocorreu em 1812.
57
Ver: LEITE, José Roberto Teixeira. A China no Brasil: Influências, marcas, ecos e sobrevivências
chinesas na arte e na sociedade do Brasil. Tese apresentada ao Instituto de Artes da UNICAMP. São
Paulo/Campinas. 1992.
138
Após serem arregimentados, eles eram confinados em barracões. “Até então eram
sujeitos aos maus tratos e aos métodos enganosos dos empregados das agências, sendo
que o pior dos métodos consistia na violência” (YANG, 1977, p. 424). Estes barracões
para reunir migrantes eram símbolos do tráfico; em 1851, havia cinco destes em Macau,
chegando, em 1873, a mais de 300 barracões mantidos por portugueses, espanhóis e
peruanos (SEABRA; CONG, 2017, p .23). Considerado como “continuação da
escravidão clássica” (YANG, 1977, p. 427), o “comércio de coolies” não foi um capítulo
apenas da história chinesa, mas de vários países.
De acordo com o pesquisador Alexander Yang (1977, p. 419),
A denominação de coolie aparece como coles nos escritos portugueses
quinhentistas. A palavra origina-se do hindu kuli. Evoluindo a seguir
para coly — koully e finalmente ao francês coulie. Em inglês passou a
ser coolie, massa móvel de trabalhadores assalariados, quer indianos,
quer chineses, que se irradiaram pelo Ocidente servindo a várias
sociedades.
Coolie não é uma população nem uma comunidade, tampouco uma etnia
específica. Trata-se de uma categoria de trabalho, que teve também grande relevância na
América Latina. Trabalhadores sob contrato sujeitos a condições análogas à escravidão,
supostamente temporária, muitas vezes traficados. Não era uma questão circunscrita ao
Brasil, já que
139
Lisa Yun (2008), que se dedicou ao estudo sobre estes trabalhadores em Cuba,
considera que o termo coolie foi publicamente presente como um “estereótipo
sensacionalista de trabalho asiático” (p. xix, tradução nossa). No Brasil, não houve um
programa regular de imigração de trabalhadores asiáticos contratados, como no Peru e
em Cuba, por exemplo. Mesmo assim, permaneceu o termo nos debates oitocentistas, que
invoca uma “história do trabalho racializada”, como afirma Yun, e sobretudo, foram
debatidos aqui como trabalhadores temporários que não eram considerados colonos.
Entretanto, a saída destes trabalhadores do seu país de origem foi objetivo de
disputas entre as potências estrangeiras.58 O fato é que a estrutura econômica que
sustentava este recrutamento de trabalhadores estava vinculada ao imperialismo e ao
trabalho nas colônias. Além disso, a lei de extraterritorialidade que limitava a ação da
justiça chinesa fazia com que os estrangeiros desafiassem as autoridades locais. Ainda,
de acordo com Liu Cong e Leonor Seabra (2017, p. 34), as Guerras do Ópio tiveram papel
importante na manutenção deste poder externo.
Estes dados serviam aos argumentos questionáveis de que os imigrantes chineses
se “submetiam a esse tipo de trabalho com baixa remuneração” (YANG, 1977, p. 419) e
sua opção se dava em colônias onde “o nativo não era eficiente” (p. 422). Escamoteavam-
se as condições sociais e econômicas nos locais de origem, como a violência do tráfico,
a pauperização e as consequências do imperialismo que tornavam aquelas populações
vulneráveis – situações presenciadas e descritas pelos viajantes. Assim como Almeida
observou o navio peruano com trabalhadores chineses, o pesquisador Daniel Botsman
discorreu sobre o incidente com o navio Maria Luz, que saiu de Macau em 1872 em
direção ao Peru e que, por conta de uma tempestade, aportou em Yokohama. Em
determinado momento, um dos 231 chineses que estava a bordo se jogou ao mar e nadou
58
Foi o caso da Convenção de Emigração (1866), assinada pela Inglaterra, França e China, em que foi
decretada a necessidade de inspeção de autoridades chinesas para liberar os emigrantes. Em Macau, ficou
proibido o tráfico atráves daquele porto, o que foi considerado pelos portugueses uma jogada de interesse
dos ingleses para dominar o tráfico (SEABRA; CONG, 2017, p.27).
140
Outros ainda haviam dito que foram coagidos a assinar os contratos, denunciaram
espancamentos e escassez de alimentos. O episódio comprova que os japoneses tinham
conhecimento da situação dos trabalhadores chineses nas Américas. Portanto, buscaram
organizar a emigração de seus trabalhadores em outras condições. Cabe destacar que,
diante das acusações de violência e abusos sofridos pelos trabalhadores, o governo chinês
enviou uma missão imperial para Cuba, então colônia espanhola exportadora de açúcar,
para investigar a situação. A documentação e os relatos foram reunidos em The Cuba
Comission Report, publicado em 1876, e demonstram a situação precária dos emigrados,
análoga à escravidão. Sabe-se que o tráfico de africanos escravizados não cessou por
conta dos marcos oficiais, e que o trânsito de trabalhadores asiáticos não foi iniciado com
o fim daquele – foram concomitantes. O problema do trabalho era uma questão
internacional amplamente debatida, gerando grande quantidade de informações e também
de preconceitos, que embasaram a opinião no Brasil. A partir de 1850, quando foi
promulgada a Lei Eusébio de Queiroz, decretando o fim do tráfico, e diante da expansão
da cafeicultura na região sudeste, estabeleceu-se o debate sobre uma mão de obra
alternativa, juntamente com aquele sobre projetos de nação. Sem surpresas, privilegiava-
se o trabalhador branco, católico e europeu como substituto do trabalhador escravizado.
De acordo com Emilia Viotti da Costa (2010, p. 309), entre 1853 e 1856, o
Maranhão recebeu 887 colonos estrangeiros, sendo 847 portugueses e 40 chineses. Em
1854, um navio de Manoel de Almeida Cardoso chegou ao Rio de Janeiro com 303
trabalhadores considerados “fortes, sadios e aptos para o trabalho agricola” vindos de
141
Singapura.59 Cardoso também revendia objetos que trazia da Ásia: em 1854, o Diario do
Rio de Janeiro (23/03/1854) publicava que no escritório do comerciante, vendiam-se
tecidos de Macau e Cantão, bem como charuteiras, obras de marfim, leques, louças,
esteiras, remédios e outros.
Estas experiências foram significativas diante da crise do sistema colonial no
Brasil, cuja estrutura política já não satisfazia as necessidades dos cafeeiros e da elite
urbana. Animados pelas ideias revolucionárias francesa e americana, aumentavam os
questionamentos acerca do status de colônia e da escravidão (COSTA, E. 2010, p. 29).
Nesse contexto, especialmente a partir da década de 1870, o trabalho escravo foi uma das
questões mais intensamente debatidas do Brasil, pois interferia não apenas na economia,
mas na própria estrutura social.
A segunda metade do século XIX foi marcada pela análise racial da sociedade. Os
modelos biológicos buscavam categorizar os seres humanos e foram utilizados também
para conservar a hierarquia social. A questão foi recorrente quando se considerava a
possibilidade de trabalhadores chineses e japoneses no país, reiterando as especificidades
no debate brasileiro sobre raça:
observado com cuidado pelos viajantes estrangeiros, analisado com
ceticismo por cientistas americanos e europeus interessados na questão
racial, temido por boa parte das elites pensantes locais, o cruzamento
de raças era entendido, com efeito, como uma questão central para a
compreensão dos destinos dessa nação. (SCHWARCZ, 2016, p. 18).
59
“Cabe aqui dar noticia da entrada em 9 de Fevereiro passado de 303 Chins, procedentes de Singapore a
bordo da barca americana Elisa Ann. O negociante Manoel de Almeida Cardoso, com a louvavel intenção
de fornecer braços proprios a alguns ramos da nossa lavoura, mandou contractar e vir esses trabalhadores
que parecerão-me fortes, sadios e aptos para o trabalho agricola: algumas das condições porém dos
contractos são taes que com difficuldade poderão os Chins ser aceitos pelos nossos lavradores” (BRASIL.
Ministério do Imperio. Documentos anexos ao Relatorio do Ministerio do Imperio apresentado à
Assembléa Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Typographia Nacional. 1855.p.30).
142
apresentaremos alguns dos principais grupos e momentos nos quais esta questão foi
considerada.
60
O “contrato” – “livre contrato” – era a manutenção de relações desiguais de trabalho utilizada não apenas
para estes imigrantes, mas também em relação aos libertos no Brasil, como demonstrou o historiador
Henrique Espada Lima (2005).
61
Disponível em: THE CUBA COMMISSION REPORT: A Hidden History of the Chinese in Cuba: The
Original English-language Text of 1876. Introduction by Denise Helly. The Johns Hopkins University
Press, 1993.
144
próprias custas. No caso dos trabalhadores coolies em Cuba, Lisa Yun (2008) considerou
que os contratos foram usados para angariar “escravos móveis”. O próprio contrato, que
muitas vezes nem mesmo era cumprido, estabelecia situações de precariedade e
desvantagem aos imigrantes, embora juridicamente fizesse valer esta relação como não
escravista. Fosse pelo idioma, pela falta de letramento ou por serem retidos à força, muitos
trabalhadores assinavam sem saber do que tratavam as cláusulas. O sistema de contrato
também foi utilizado no Brasil, de acordo com Henrique Espada Lima (2005, p. 312):
Todos enfrentavam o mesmo inimigo, encarnado pela nova forma de
coerção que era a própria condição da nova organização do trabalho
livre: a miséria, a necessidade e a precariedade. Essas eram as mesmas
causas que levavam os trabalhadores pobres da Europa, da China ou da
Índia a atravessar os oceanos para tentar uma vida melhor, trabalhando
nas fazendas de cana do Caribe, nas estradas de ferro do Oeste
americano ou nas plantações de café no Brasil.
62
O sociólogo malaio Syed Farid Alatas (2014) debateu a perspectiva crítica do filipino José Rizal,
elaborada no século XIX, acerca do mito da indolência dos filipinos, destacando que a indolência não era
a causa do atraso da sociedade, mas uma construção feita a partir da experiência do capitalismo colonial,
sob domínio espanhol.
63
Debatia-se inclusive sobre os modelos predominantes no debate sobre a produção agrícola, questionando
termos como “grande lavoura”, a partir das especificidades da cultura da cana-de-açúcar e do algodão, que
não deveriam ser consideradom sinônimo de “grande propriedade territorial”, afinal sua produção
demandava menor extensão de terras e foi um produto de relevância econômica no século XIX
(CONGRESSO AGRÍCOLA, 1988[1878],p. 129).
148
64
“Henri-Auguste Millet, de prenome abrasileirado para Henrique Augusto, foi o Secretário Geral da
Sociedade Auxiliadora da Agricultura de Pernambuco, bem como Primeiro Secretario do Congresso de
1878. Engenheiro de profissão, torna-se senhor de engenho na província e é como defensor dos interesses
agrários, embora defensor particularmente esclarecido, que desempenha um privilegiado papel no discurso
geral do Congresso” (CONGRESSO, 1878, p. XXIX).
149
conferencista acreditava que “o coolie é gente inteiramente servil, mas é homem livre”.
Concluía que “gente branca” não serviria para a lavoura tropical, não pela falta de força,
mas porque “não há um branco que possa trabalhar pelo mesmo salário de um preto ou
de um coolie da India” (p. 258). O discurso racial era explícito e útil para o tipo de contrato
que pretendiam utilizar, como se percebe na resposta de um participante da conferência
de Blacklaw, sobre a possibilidade de permanência dos estrangeiros:
Admittido, porém, que elles aqui fiquem, serão uma raça pior que a dos
negros? Não, é uma raça muito superior (apoiados, muito bem), igual á
nossa, com a differença de ter a côr bronzeada. Elles têm o semblante e
o cabello iguaes aos nossos, e estando bem pintados, não se póde
distinguir si são europeus ou asiaticos. Seu corpo, que sempre
conservam untado de azeite, não é grosso como o do negro. Todos os
dias tomam banhos nos ribeirões; são asseiados.
Uma voz: – Não têm catinga. (Hilaridade.) (CONGRESSO
AGRÍCOLA, 1988[1878], p. 259)
se aninham alguns Coolies imundos” (p. 160). Tinha como objetivo dar subsídios para o
debate em torno da “crise do trabalho” (p. vi). No relatório, os chineses não eram
considerados como potenciais colonos; para Mendonça, esta imigração mantinha-se como
instrumento transitório da nossa riqueza, ella operará entre nós a
substituição do trabalho servil pelo trabalho livre, desbravará o terreno
e abrirá os caminhos por onde a emigração da Europa correrá mais tarde
a disputar a posse do sólo de nossa patria como a da terra da promissão
do seculo proximo (p. 19).
inferiores aos chineses. Os europeus eram a medida civilizatória de todos, como vemos
na comparação entre chineses e japoneses:
Os Japonezes já mais próximos do que os Chins dos benefícios da
civilisação Européa, contando actualmente em seu seio professores e
profissionaes Inglezes, Francezes e Norte Americanos, teem nestes
últimos annos ganho maior sympathia: as Exposições internacionaes de
Philadelphia e de Pariz os collocaram em posição invejável; de facto o
consenso geral apregoou-os como nação adeantada e os Francezes
começaram a chamal-os "os Yankees da Ásia." Mas é incontestável que
tudo quanto se admirou no Japão foi o reflexo da China. Os Japonezes
são mais promptos, mais nervosos, mais accessiveis a extranhos, mas
são também mais levianos, mais irritadiços, mais rixosos e mais
licenciosos. A immoralidade da sociedade Japoneza, attestada por
quantos conhecem o paiz, faz com que a população mais culta da China
a olhe com desdém. Dos clássicos Chinezes tiraram os Japonezes a flor
da sua litteratura, ensinam Confucio nas suas escholas, e fallam o
Chinez como língua mais polida que a sua. Apezar de todas as
rivalidades e do afan com que desejam ganhar proeminencia na opinião
do mundo christão, os Japonezes confessam em seus escriptos a
superioridade da China, de que são apenas um satellite. (p. 24)
Ainda, dentre outras, uma edição de 1879 trouxe a lavoura representada por uma
mulher sendo atacada por um trabalhador chinês e um africano, com a legenda: “Pobre
lavoura! Já não bastava o preto, vaes ter o amarello!” (REVISTA ILLUSTRADA, n. 175,
1879). Mas foi em 1881 que a revista publicou uma das imagens mais emblemáticas da
situação: um fazendeiro montado sobre duas grandes cabeças, de um africano e um
chinês, com a legenda: “Preto e amarello. É possível que haja quem entenda que a nossa
lavoura só pode ser sustentada por essas duas raças tão feias! Mau gosto!”.
157
Como aumentasse o interesse por esses trabalhadores, uma missão diplomática foi
enviada à China na circum-navegação da corveta Vital de Oliveira que saiu em 1879. A
missão tinha por fim negociar um tratado que facilitasse a vinda de imigrantes ao Brasil.
Os trâmites foram difíceis, pois o governo chinês se mantinha atento às estratégias
estrangeiras para assinatura de tratados desiguais e contratação de trabalhadores com
acordos desfavoráveis.
O financiamento da missão diplomática fora solicitado à Câmara dos Deputados
pelo então ministro dos Negócios Estrangeiros, Antônio Moreira de Barros (RÉ, 2018, p.
823). Na sessão de 1º de setembro de 1879, Joaquim Nabuco mostrou-se contrário às
intenções da missão, por entendê-la como parte de um projeto que visava promover “uma
verdadeira emigração asiática para o Brasil, e essas relações diplomáticas que se quer
abrir não têm outro fim, não têm outro intuito senão mongolizar o nosso país” (NABUCO,
2010[1879], p. 215). Ele denunciava igualmente as artimanhas para burlar as leis
antiescravistas, advertindo que “o que se chama transição para o trabalho livre não é ainda
o período em que o trabalho escravo acaba e o trabalho livre começa” e, por isso, “não se
pode chamar período de transição, senhores, um tempo em que a escravidão está em toda
a sua força, em que os senhores estão ainda armados de todos os poderes e direitos
excepcionais que possuem sobre os escravos” (p. 223). Considerava ainda o problema
159
racial no Brasil, questionando: “sabe a Câmara por que motivo o chim é mais feito para a
luta da vida do que as raças superiores do Ocidente?” Como resposta, utilizou um
argumento elaborado no Congresso de Berlim (1878): “na luta da vida o chim acha-se
preparado com relação ao europeu tão favoravelmente como o europeu se achava
preparado com relação aos selvagens do novo continente” (p. 233). As razões para isso
eram o fato de serem “mais onívoros”, “mais sóbrios”, e “se contentam com menos”.
Nabuco relacionava essa adaptabilidade às teorias de Thomas Malthus, explicando que
os chineses “hão de multiplicar a nossa produção, podem fazer uma economia de
subsistência, uma economia de alimentação, que nenhuma outra raça pode fazer” (p. 234).
Mas pouco a pouco, “a nossa civilização progressiva e ocidental teria que tornar-se uma
civilização imóvel e asiática” (p. 235).
Como destacou Skidmore (2012, p. 63), “em nenhuma outra área a crença dos
abolicionistas no branqueamento ficou mais clara do que na reação à proposta de
trabalhadores chineses”. O debate fez com que favoráveis e contrários à vinda de
chineses, malaios, indianos e japoneses revelassem seus julgamentos raciais. Nabuco
reforçava seus argumentos:
O dia em que for tentado o primeiro ensaio com a garantia do país; o
dia em que, sob a nossa bandeira, se iniciar a nova imigração será
marcado com uma cruz preta na nossa história, porque ou teremos feito
sacrifícios imensos para acarretar para o país decepções,
desapontamentos, ou desar, no caso de não dar resultado a presente
tentativa – ou, no caso de serem coroados de sucesso os desejos do
governo, teremos promovido um verdadeiro tráfico de asiáticos para
constituir, no meio da escravatura existente, uma escravidão pior que a
dos africanos. (NABUCO, 2010[1879], p. 240)
Apesar de tudo, o tratado com a China era uma demanda de setores da elite
nacional. E logo a missão partiria rumo à Ásia.
65
Despacho de 6 dez. 1879. (BRASIL, 2012, p. 27).
66
Despacho de 6 dez. 1879. (BRASIL, 2012, p.27).
163
67
Ofício de 17 jan. 1880. (BRASIL, 2012, p.43).
68
Ofício de 8 dez. 1879. (BRASIL, 2012, p.34).
69
Ofício de 20 fev. 1880. (BRASIL, 2012, p.45).
70
Ofício de 19 jul. 1880. (BRASIL, 2012, p.52).
71
Ofício de 19 jul. 1880. (BRASIL, 2012, p.54).
164
72
Ofício de 19 jul. 1880. (BRASIL, 2012, p.55).
73
Ofício de 30 ago. 1880. (BRASIL, 2012, p.62).
165
europeias do Caribe e de outras partes do mundo” (RÉ, 2018, p. 825). Cabe lembrar,
entretanto, que os britânicos também disputavam portos na China e que os trabalhadores
asiáticos foram utilizados em suas próprias colônias.
Através de uma rede de informações internacionais, os chineses estavam cientes
do debate brasileiro sobre a mão de obra e da precariedade de condições. Ainda em 1879,
o visconde de Sinimbu, ministro da Agricultura e entusiasta da imigração chinesa,
defendia no Senado que:
Esse trabalhador faz temivel concurrencia ao trabalhador europeu, que,
comquanto seja mais intelligente, todavia não tem os mesmos habitos
de sobriedade de que resulta menor dispendio com o trabalho. O
trabalhador chinez, sendo mais sobrio, recebe menor salario, e deixa
maior somma de lucros ao proprietario ou áquelle que o tem a seu
serviço. E’ esta precisamente uma das razões por que devemos desejal-
o para o nosso paiz.
Em situação como a nossa, em que os processos agricolas são ainda tão
imperfeitos, em que, podemos dizel-o, a força muscular deve supprir a
falta de intelligencia e a imperfeição dos methodos empregados,
convem-nos sem duvida trabalhadores cujo salario seja modico, e é o
que se dá com o chim74.
74
BRASIL. Senado Imperial. Annaes do Senado do Imperio do Brazil. Anno de 1879. Livro 10.
Transcrição pela Subsecretaria de Anais do Senado Federal. 1879, p.5.
75
Ofício de 30 ago. 1880. (BRASIL, 2012, p.63-4).
166
76
Ofício de 30 ago. 1880. (BRASIL, 2012, p.64).
77
Ofício de 15 set. 1880. (BRASIL, 2012, p.66).
78
Ofício de 15 set. 1880. (BRASIL, 2012, p.70).
167
Porém,
em virtude de instabilidades políticas internas do Brasil, de ingerências
de certas potências ocidentais e de experiências anteriores malogradas
em tentativas de introdução de chineses no Brasil, submetidos a
79
Ofício de 15 set. 1880. (BRASIL, 2012, p.79).
80
Ofício de 29 out. 1880. (BRASIL, 2012, p.101).
81
Ofício de 11 jan. 1882. (BRASIL, 2012, p.140).
82
Com vapores com capacidade para 1000 a 1200 passageiros, em seis viagens anuais. A empresa de
navegação solicitava ao governo, para isso, subvenção anual de 100.000 dólares por três anos e outras
vantagens, variando ainda o valor se as viagens fossem até Cuba, outro lugar interessado nestes
trabalhadores. [Ofício de 11 jan. 1882. (BRASIL, 2012, p.140)]. Assim, o Brasil “terceirizaria” os trâmites
e não se responsabilizaria diretamente pelas condições dos trabalhadores durante a viagem – isso ficaria a
cargo da companhia de transportes. Mas, ao que tudo indica, a negociação não teve resultados.
83
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Relatorio do ano de 1882 apresentado à Assembleia
Geral Legislativa (...) publicado em 1883. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1883. p.43.
168
84
No relato, José Custódio Alves de Lima (1886) reiterava pontos comuns desse debate: as criticas sobre o
trabalho dos libertos – “que não dão o devido valor á liberdade que os brancos lhes concederam (...). E o
que se há de esperar de uma raça acostumada na escravidão desde longos annos, sem outro estimulo senão
o medo e o latego do senhor?” (p. 9) -, o vício do ópio – “esse veneno com que a Inglaterra mata milhates
de chinezes por anno” (p.181) -, a dificuldade do idioma, as relações familiares, apego à cultura de origem
e o trabalho civilizatório do cristianismo.
169
trâmites, havia sido “um tremendo fiasco o que se deu em 1879, porque, desde então até
hoje, não veio um só asiático para o nosso país”.
inserção do liberto no Brasil não era a melhor opção. Acreditava em uma “lenta
desaparição da raça negra” nos países onde havia escravidão e não se eximia de julgar o
que considerava o “pouco valor do que se chama trabalho nacional” (p. 316-7). Para ele,
os trabalhadores nacionais eram pouco assíduos e indolentes, que só trabalhavam o
suficiente para seu sustento, e que “são de uma independência invejável e de uma
suscetibilidade das mais melindrosas; à menor contestação com o patrão lembram-lhe que
não são escravos e raras vezes aceitam que os que os empregam os tratem senão como
iguais” (p. 317). Afirmava que, mesmo nos locais onde viviam com “luxo”, isto não
alterava “os hábitos primitivos dos negros” (p. 317).
Nesse sentido, um dos capítulos de A China e os Chins: Recordações de viagem
foi intitulado como Raça, caráter e costumes, no qual Lisboa debateu a diversidade racial
dentro da China, incluindo ilustrações com as diferenciações; em outro capítulo,
Emigração Chinesa, o autor indicou que “os emigrantes externos avaliam-se em três
milhões, sendo 1.800.000 nos Estados Asiáticos e 1.200.000 nos países dominados pela
raça europeia, na Ásia, Oceania, África e América” (p. 283), e ainda diferenciava
imigração por contrato e imigração livre. Comentava que, na imigração por contrato para
Havana, os recrutadores “iludiam os infelizes coolies” (p. 284) e se colocava contra o
processo violento desse tráfico. Como não havia grande experiência com estes
trabalhadores no Brasil, a ideia dos contratos de trabalhadores asiáticos vinha com falsos
ares de liberdade. Quando o governo chinês, sustentado pelas grandes potências,
pressionou o governo brasileiro em relação à esta espinhosa questão, o que vemos é uma
tentativa de adequação legal para conseguir trazer o trabalhador, fosse nos documentos
da missão ou nos produzidos posteriormente; mas no debate nacional, os interesses e
interessados eram os mesmos.
Lisboa defendia a emigração livre, “que levou o útil trabalho chinês a distintas
regiões do globo”, citou experiências em diversas colônias, especialmente na Ásia, mas
também nas américas. Para ele, “as pessoas que se interessam no Brasil pela questão da
imigração chinesa leram, sem dúvida, o excelente livro publicado em 1879 pelo nosso
digno cônsul em Nova York, sr. Salvador de Mendonça”, afirmando que só poderiam
“desconhecer as vantagens do trabalho chinês os que não leram aquele livro ou os que,
por uma obstinação, infelizmente bastante comum, não querem abrir os olhos à
evidência”. Lisboa trouxe à luz a questão “poderá essa imigração mongolizar-nos, na
expressão dos que classificam os chins entre a raça mongólica? É essa outra fase da
171
questão que desejo estudar” (p. 309). Considerava que o chinês não era um “povo
colonizador” e o trabalho temporário, ao invés da mongolização do Brasil, abriria
precedente para uma “corrente de vai e vem” (p. 310), vantajosa para a economia
nacional. E, caso fosse um insucesso essa vinda dos trabalhadores,
a distância que nos separa da China, as maiores despesas da viagem e a
má sorte dos primeiros que vierem serão suficientes razões para que não
venham mais. Os poucos introduzidos desaparecerão por si só, como já
desapareceram quase todos os importados pelo visconde de Bom Retiro
(p. 310).
três imigrantes alemães, “Karl von Koseritz, jornalista e deputado provincial do Rio
Grande do Sul, Hermann Blumenau, o fundador da colônia do mesmo nome em Santa
Catarina, e Hugo Gruber, diretor do jornal Allgemeine Deutsche Zeitung do Rio de
Janeiro” (p. 148). Em seu próprio periódico, A Immigração, publicado no Rio de Janeiro
entre 1883 e 1891, a sociedade expunha seus manifestos, atas e reprodução de notícias de
outros periódicos para fornecer subsídios a seus leitores e apresentar-lhes seus principais
debates acerca dos projetos de imigração.
Como visto, ideias racialistas do exterior circulavam no país. De acordo com
Thomas Skidmore, o francês Louis Couty colaborou com líderes da Sociedade Central,
como o visconde de Taunay. Publicou O Brasil em 1884: Esboços Sociológicos, no qual
afirmava: “tentei provar que foi a colonização pelos africanos escravizados que produziu
todos os males do Brasil, e indiquei a colonização por homens livres da Europa como o
único remédio possível” (COUTY apud SKIDMORE, 2012, p. 72). Sua proposição se
alinhava com o ideal da Sociedade Central, de que a vinda de europeus era a solução para
o sucesso nacional.
Um dos mais atuantes no propósito da Sociedade Central era o visconde de
Taunay85 que havia se ocupado, na Câmara dos Deputados, “da questão da immigração
europea, de preferencia a outra qualquer, pois vê nella o remédio para todos os males e
atrasos em que temos vivido” (A IMMIGRAÇÃO, 12/1883-08/1884). Entre os membros
da Sociedade também constavam André Rebouças e Antônio Ennes de Souza; ambos
professores na Escola Politécnica, e o diretor do periódico Gazeta de Notícias, Ferreira
de Araújo. Como destacou Michael Hall (1976, p. 153):
A Sociedade Central foi, portanto, em geral, dirigida por indivíduos da
nova classe média-alta urbana, sobretudo intelectuais, profissionais
independentes com treinamento científico e técnico, altos funcionários
públicos e negociantes envolvidos no comércio externo. Praticamente
todos os líderes tinham filiação com a Europa, através de nascimento,
família, educação ou negócios. Pela sua eloquência, auto-confiança e
treinamento técnico, eles demonstraram ser uma nova força na vida
brasileira: um grupo de classe média consciente de seus interesses
próprios e donos de uma crítica coerente e cabal da sociedade
tradicional brasileira.
A meta principal da Sociedade Central era a criação de uma forte classe
média rural composta de imigrantes europeus que seriam agricultores
independentes. A Sociedade criticava com veemência o sistema da
85
De acordo com Michael Hall (1976, p.150) “foi, em geral, uma figura excêntrica e de influência limitada
dentro do partido conservador, onde suas opiniões desinibidas sobre a imigração e questões relacionadas,
e um descaso ocasional pelas regras do partido, não eram bem vistos pelos seus chefes. O apoio que deu a
várias reformas liberais contribuiu enormemente para o seu isolamento parlamentar”.
173
86
Ainda nesta sessão, Koseritz “combateu com energia a idéa da introducção de trabalhadores chinezes,
cuja colaboração no trabalho nacional será, se fôr, proveitosa para muito poucos e meramente transitória,
174
Não enxertem nas difficuldades, que nos oneram já, mais esta e de
ordem tão grave. Não acreditem que vão encontrar no chim o
succedaneo do negro. Estão patentes aos inconvenientes do trabalho
escravo, e esses avultarão ainda no trabalho chinez, que precisa ainda
de uma inspecção rigorosa e de todos os instantes. Nem se admita como
aceitavel a idéa da docilidade chineza, a ponto de aturar, sem reagir,
castigos corporaes. Além de ser uma idéa falsa, é isto aviltante para os
sentimentos nacionais. Estejam bem certos que essa pretendida
mansidão dará de si cópia inesperada.
As raças amesquinhadas têm vivo o estimulo de vingança, e não poucos
perigos e incitamentos sanguinarias enxerga o orador, no contacto do
escravo brazileiro, este de uma docilidade enternecedora, com o
elemento chinez, cujo odio a raça branca é innato. Demais procuremos
por todos os modos levantar o espirito nacional. Meias soluções não
servem para os problemas que agitam hoje em dia a nação. A
inquietação que a sobressalta, é, sem comparação, muito mais
conveniente que a estagnação que produziria o fatal engano de que
estava achado o meio de fazer a transição do serviço escravo por meio
do chim, isto na melhor das hypotheses. Falla-se muito na California.
Alli trabalhavam os coolies em massa, ao passo que os fazendeiros os
querem esparços e disseminados. Verificaram então que a sua força de
produção e atividade é minima. O conjunto do esforço commum avulta;
não assim o serviço de pequenos grupos da gente fraca e sua natureza
corrupta e debil. (A IMMIGRAÇÃO, 12/1883-08/1884)
Considerava ainda que, “bastará, com effeito, o simples annuncio de que os chins
vão ser importados para o Brazil, para que a Europa cesse qualquer movimento
emigratorio” (A IMMIGRAÇÃO, 12/1883-08/1884). Havia um forte sentimento
antichinês que transparecia em suas afirmações, como a caracterização de “os decrepitos
filhos do Celeste Imperio”. A Sociedade publicou o manifesto Contra a introdução de
Chins, cúlis e proletários asiáticos, no qual esclarecia:
Não intentamos trocar a escravidão negra pela escravidão amarella e
substituir o misero captivo, sujeito ao chicote e ao tronco, pelo mal
aventurado asiatico, que, tangido da terra natal pela mais profunda
miseria, curva-se resignado ao bambú e às vilanias dos seus feitores, até
ao momento em que o desespero e o odio os levam ao suicidio ou aos
mais atrozes crimes, ao envenenamento em massa e ao incendio de
engenhos, fazendas, colheitas e plantações.
Dizem os sophistas: “Não é humano fechar-se o Brazil a uma raça
infeliz”. Mas elles calam que as suas sympathias pelo Chim não são
para educal-o e instruil-o; não são para eleval-o na escala moral e social;
não são para lhe dar familia e propriedade territorial; mas sim e
unicamente para atiral-o ao soalhento eito do café, ao humido
cannavial, ás pestilentas varzeas do arrozal, ou ás vallas de drenagem,
ao passo que o paiz perderá muito de sua energia e atividade, já de si frouxas, e que têm de ser retemperadas
com o contacto das raças fortes e vigorosas e não abastardadas e viciosas” (A IMMIGRAÇÃO, 12/1883-
08/1884).
175
87
Como a Companhia Comércio e Imigração Chinesa, que encerrou suas atividades em 14 de novembro
de 1883, após a partida de Ti-Kung-Sing, responsável pelas negociações. (COSTA, E. 2010, p. 314)
177
debate, ao contrário de estrangeiros que tratavam do tema, mas não conheciam a realidade
brasileira. Sua “carta na manga” era Francisco Antonio de Almeida:
Vou citar um Brazileiro distincto, o Sr. Francisco Antonio de Almeida
que foi addido do governo imperial á commissão do governo francez,
que verificou a passagem de Venus no Japão e que, fallando da China,
na opinião que expende, não é também favoravel á immigração chineza:
elle descreve os vicios a que os chins se entregam, bem como a paixão
pelo jogo, e mostra a quantidade de opio que consomem e quanto
augmenta diariamente este vicio, e diz que “uma terça parte da
população se entrega desordenadamente a esse infame vicio”; mostra
os diversos modos em que é usado, que por uns é fumado, por outros é
mascado, e para os mais viciosos é ingerido em pilulas. (JORNAL DO
AGRICULTOR, 1888, n.492, p. 403)
Este foi um dos momentos em que Francisco Antônio de Almeida foi apresentado
como voz autorizada sobre os asiáticos. A apropriação que se fez do seu relato se deu de
acordo com as demadas dos interessados na vinda dos trabalhadores no final do século
178
O artigo em questão era Coolies, publicado por um Almeida com mais idade,
indicado para cargos públicos no Rio de Janeiro e atuante politicamente. Mais de uma
década após sua viagem, não tinha a mesma crítica de 1874, mas mantinha-se contrário à
vinda dos trabalhadores chineses por entendê-la continuidade da escravidão. Citava
problemas da imigração chinesa nos Estados Unidos, julgando-a malsucedida. O artigo,
publicado em 1891, era influenciado pelo movimento antichinês que vinha daquele país.88
No artigo, Almeida traçava paralelos entre sua atualidade e sua experiência de
viagem em 1874:
Vimos, no litoral da China, em 1874, essas misérias de que fala a
imprensa americana e sorprehende-nos qualquer tentativa no sentido de
estabelecer-se a immigração chineza para o Brazil; seria um grave erro,
de sérias consequências, muito mais graves do que as denunciadas pelos
escriptores americanos. Nem mesmo convém aos interesses do paiz a
economia que pode resultar da concorrência do trabalho chinez.
Partindo do principio moral e econômico de que todo trabalho deve ser
justamente retribuído, sendo a paga proporcional ao valor produzido, é
intuitivo que a concorrência pelo vil preço da mao de obra só serviria
para degradar o operário inteligente que tivesse maior somma de
necessidades do que o chim, e, nas condições actuaes do paiz, uma tal
concorrência afugentaria a immigração europea.
Se não tivéssemos observado nas cidades da China a mais condemnavel
desídia em tudo quanto se refere aos serviços urbanos, se não
tivéssemos sentido profunda repugnância por esses homens imundos,
quase nus, moços e velhos, que aos milhares mendigam pelas ruas
cheias de lama, exhalando o cheiro putrefacto das decomposições
88
Em 1882, os Estados Unidos haviam promulgado a Lei de Exclusão de Chineses, proibindo sua imigração.
Mas de acordo com a historiadora Beth Lew Williams (2014), foi em 1888 que se efetivou uma política
real de exclusão. O artigo de Francisco Antônio de Almeida não apenas usava os Estados Unidos como
exemplo, mas era influenciado por este debate internacional contra os chineses. Exemplar é o caso do
filipino José Rizal que, ao retornar da Europa em 1888, vivenciou esse momento de política antichinesa.
De acordo com Benedict Anderson (2014, p.90), ele “chegou a São Francisco durante o período eleitoral,
quando a demagogia antiasiática esteve em seu ápice” e em decorrência dessa política segregacionista ficou
“mantido a bordo por dias a fio em razão da ‘quarentena’ – o navio transportava cerca de 650 chineses,
muitos úteis para a campanha racista anti-imigração”, portanto o viajante “apressou o passo para atravessar
o continente o mais rápido possível.”.
179
Em Da França ao Japão (1879, p. 96), Almeida afirmou que julgar o estado moral
e intelectual dos chineses a partir da imagem do litoral era um equívoco; valorizando sua
postura de cientista, explicou que tais julgamentos levariam a “faltarmos á verdade, por
fraqueza de espirito ou intolerável egoismo”; mais do que isso, relacionou a situação
precária à violência imperialista estrangeira e ainda teceu alguns elogios aos
trabalhadores, o que pôde ser visto no primeiro capítulo deste trabalho. Mas naquele final
de século XIX, sua pretensão de neutralidade dava lugar a uma subordinação à demanda
política, sob uma postura de oposição a uma nova escravidão, atrelada a uma série de
acusações e preconceitos antes questionados por ele mesmo.
Ele também citou a pretensão de vinda daqueles trabalhadores como “uma ilusão
daqueles que não se querem conformar com a lei de 13 de maio” (p. 530). Sua fala servia
como protesto contra a permanência da exploração do trabalho escravo e de exclusão dos
libertos. A conclusão de seu discurso apontou que “o principal dever para uma nação não
é acumular sacas de café, mas levantar o nível moral das populações, e é em nome desse
dever que o orador rejeita essa emenda, que faz com que o trabalho dos emancipados pela
lei de 13 de maio seja substituído pelo trabalho de uma raça inferior” (p. 534).
No Brasil, a presença do trabalhador asiático até então era mais uma intenção do
que uma realidade. Uma intenção de permanência da escravidão sob novos acordos
jurídicos, denunciada não necessariamente pela defesa dos trabalhadores, mas pelo medo
de que o “elemento asiático” acabasse fazendo parte da constituição racial de um país que
tinha como projeto o branqueamento da população. Não se viam com bons olhos os
89
“Pela verba de 10.000:000$, destinada a terras publicas, colonisação nacional e estrangeira, o governo
auxiliará aos agricultores na introducção de trabalhadores, qualquer que seja a sua origem e nacionalidade;
não podendo o auxilio exceder o preço das passagens dos colonos e immigrantes europeus.” (BRASIL.
Senado Imperial. Annaes do Senado do Imperio do Brazil. Anno de 1888. Livro 6. Transcrição pela
Subsecretaria de Anais do Senado Federal. 1888. p.452).
181
Custódio José de Mello nasceu na Bahia, em 1840. Seu pai era tenente-coronel, e
ele próprio iniciou a carreira militar aos dezesseis anos, sendo condecorado em diversos
momentos, incluindo pela atuação na guerra contra o Paraguai (BLAKE, 1970, p. 145).
Foi eleito deputado constituinte da República pelo estado da Bahia em 1890, esteve
presente na elaboração e promulgação da Constituição de 1891 e, além disso, ocupou
cargos de ministro da Marinha, das Relações Exteriores e da Guerra. Sua atuação mais
simbólica foi a participação na Revolta da Armada, em 1891, contra Deodoro da Fonseca;
e na de 1893, contra Floriano Peixoto.
Em 1888, comandou a circum-navegação a bordo do cruzador Almirante Barroso,
numa viagem de vinte e um meses, passando pelo Japão e levando a bordo Augusto
Leopoldo de Saxe-Coburgo e Brangança, neto do imperador Pedro II. Como a República
brasileira foi proclamada durante a viagem, este não retornou mais ao Brasil.
A viagem de circum-navegação foi designada pela Marinha Imperial Brasileira,
com o objetivo principal de instrução. De acordo com o almirante e historiador naval
Hélio Leôncio Martins, a viagem do Almirante Barroso fazia parte da retomada das
atividades da Marinha, após o período de operações fluviais na guerra contra o Paraguai
(1864-1870), assim como de seu desenvolvimento técnico – tendo o próprio Custódio de
Mello atualizado-se na Europa quanto às novas adaptações tecnológicas. Nesse cenário:
Simultaneamente, cruzadores mistos realizavam grandes cruzeiros
marítimos de readaptação do nosso pessoal às lides oceânicas. Só
viagens de circunavegação foram duas; nelas também teve Custódio sua
parte, comandando o Almirante Barroso nos 21 meses em que navegou
em torno do planeta (foi promovido ao almirantado em viagem,
transmitindo o comando ao imediato). Ao passar pela Índia, recebeu a
184
90
Hélio Leôncio Martins (1997, p.123) explicou que os desentendimentos entre Custódio de Mello e José
da Costa Azevedo, o Barão de Ladário, iniciaram por volta de 1885 quando estavam envolvidos na
construção da embarcação Aquidabã.
186
França ao Japão. Mesmo que as críticas destacassem que o livro tinha importância para
a Marinha, estas também questionavam o estilo da escrita de Custódio de Mello, inferindo
que não despertaria o interesse dos leitores em geral.
Uma das críticas mais severas foi a de Valentim Magalhães, um dos fundadores
da Academia Brasileira de Letras (ABL), publicada na coluna Semana Litteraria do A
Noticia:
Vinte e um mezes ao redor do planeta intitula-se o livro que acaba de
publicar o Sr. contra-almirante Custodio de Mello, aquelle mesmo que
etc. e tal.
É um grosso, um formidavel volume in quarto de 420 paginas.
Julio Verne não teria encontrado titulo mais feliz; mas este livro não é
um romance, nem mesmo um livro de impressões de viagem, mas
apenas – hélas! – a “descripção da viagem de circumnavegação do
cruzador Almirante Barroso”.
Manda minha habitual lealdade declarar que eu não li deste formidando
bouquin mais do que algumas, bem poucas, paginas. Em primeiro logar,
não tive tempo de lel-o todo do dia do recebimento ao de hoje; e depois
não o li porque o Sr. Custodio não quis que eu o lesse. Sim, meus
senhores; positivamente, não quis. É esquisito, é extraordinário, bem
sei, mas é isto mesmo. Ora digam-me, que faz quem quer agradar?
Torna-se agradável, não é assim? Que faz quem quer ser lido? Procura
attrahir e prender o leitor, evitando enfadal-o, buscando todos os meios
de obrigal-o docemente a receber-lhe o recado por extenso que seja; e,
por isso, começa por escrever o livro com alguma grammatica, porque
livros sem ella não agradam nem mesmo aos analphabetos.
(...)
E venhamos ao livro do Sr. Custodio de Mello. Faltam-lhe cinco cousas
indispensaveis a uma obra desta natureza: a) um índice das materias; b)
um mappa-roteiro da viagem; c) divisão dos assumptos por capítulos,
methodo expositivo de qualquer espécie; d) estylo; e) grammatica.
Quiz acompanhar a interessantissima excursão e não pude, porque a
obra está escripta em forma de relatorio, mas de relatorio á nossa moda,
relatorio passóca, sem disposição capitular das materias, sem ordem,
sem feitio, e porque não tem um mappa planisférico – falta inexplicavel.
Servi-me de um atlas, mas a primeira falta apontada impossibilitou-me
o trabalho.
Basta dizer que o livro não tem prefacio, nem introducção, nem signal
de que alli começa a primeira parte do trabalho...nada.
(...)
E n’esse estylo de realejo velho, continua S. Ex. durante quatrocentas
paginas, sem parar, sem tomar folego, sem abrir capitulo, nem divisão
de nenhuma espécie, sempre moendo, moendo sempre.
A esta censura capital pansará talvez S. Ex. responder victoriosamente
alegando que a dua obra não é um livro de touriste, mas sim um simples
relatorio de viagem, o seu diário de bordo.
Mas a alegação não procede. Não é isto um relatorio, pois S. Ex. não o
endereça nem apresenta ao ministro da matinha, nem seria sete annos
depois de feita a viagem que S. Ex. apresentaria o relatorio dela e, ainda
– e esta é a principal razão – nada impede um relatorio de ter methodo
e fôrma, de ser dividido em capitulos, com uma certa ordem e harmonia.
188
5.2 O JAPÃO
91
Tratava-se provavelmente do governador de Kanagawa, Oki Morikata.
92
Como foi visto no segundo capítulo, desde a década de 1860, o holandês que era o idioma estrangeiro
mais presente no país foi perdendo espaço para o inglês com a política de abertura (SUKEHIRO, 1989, p.
438).
191
93
Neste processo da arte como medida da civilização, os chineses retornavam como elemento de
comparação com os japoneses: “Como eu disse, não agradou-me em geral a musica japoneza; mas, no
entanto, nella, descobri harmonia, de cuja ausencia resente-se absolutamente a musica chineza, que nem
mesmo tal nome merece, e póde-se dizer uma trapalhada de sons, uma verdadeira ataxia musical; sendo
que esta é, de ordinario, estridente e detestavel, emquanto a outra, a japoneza, é plangente, uniforme e
grave, mas não inteiramente falha de melodia”. (p. 169)
195
Assim, o que Almeida presenciara pode ser visto como um plano temporário de
emprego de estrangeiros, cujas funções deveriam ser substituídas, tendo em vista fatores
como a formação de 411 engenheiros, de 1879 a 1885, na Universidade Imperial de
Tóquio (SUKEHIRO, 1989, p. 470). Diante de mudanças como esta, Custódio de Mello
notava maior protagonismo nos japoneses do que Almeida.
Mesmo diante das mudanças, mantinha-se a imagem do japonês como servil e
dócil, ainda em contraposição aos chineses:
O japonez é robusto, bravo sem crueldades, affavel e delicado sem
astucia, curioso, deixando-se apaixonar por toda sorte de
conhecimentos, trabalhador e industrioso; razão por que vê se alli tão
poucos vagabundos e raros mendigos e bebedos, que aliás na China são
encontrados em grande cópia. Quem, como nós, houver viajado os
paizes da Asia e Oceania, ha de convir em que o japonez é o povo mais
amavel, hospitaleiro, sympathico e de melhor indole, e sobretudo
cortez, de todo o oriente, e mesmo mais que certos povos da civilisada
Europa e da America. A urbanidade especialmente é levada ao excesso
e se ha tornado proverbial naquela gente. Quando se entra em um
restaurante ou em uma casa particular, é-se recebido pelos homens e as
mulheres prostrados de joelhos, as mãos no chão, e o rosto quase a
tocal-o; posição de comprimento e respeito aos hospedes. (MELLO,
1896, p. 161)
Este tipo de análise era mais do que uma consideração sobre o que havia visto nos
japoneses, mesmo que seja inevitável levar em consideração que a cosmovisão e os
costumes daquele povo valorizassem condutas de hospitalidade, respeito às hierarquias,
valorização do trabalho; eram também favorecidas as noções de progresso e civilização
nas quais o país buscava moldar suas instituições políticas e militares. A manutenção de
uma leitura positiva fazia com que a exposição da mulher permanecesse como exemplar
daquela sociedade:
As japonezas trazem salientemente estampado na sympathica
physionomia seu carater bondoso, simples e leviano ao mesmo tempo,
sem que sejam indifferentes aos reclamos da natureza; tanto assim que
nada alli é mais commum do que casarem-se mulheres
temporariamente, mesmo por dias, com estrangeiros e nativos, sendo as
condições previamente estipuladas e religiosamente cumpridas; e
terminado o tempo do contracto, fica livre aos ex-conjuges contrahirem
novos enlaces, temporarios ou perpetuos, sendo que alli tambem ha a
instituição da familia. Nem homens nem mulheres, no Japão, sabem o
que seja pudor, e é a cousa mais natural do mundo andarem em plena
196
Almeida em 1874, com Custódio de Mello elas ganharam novo fôlego por estarem com
seus resultados mais visíveis diante de mudanças mais consistentes nas instituições
japonesas.
(SUKEHIRO, 1989, p. 473). A iniciativa era parte de um projeto mais amplo, que incluiu
tradução de códigos legais, contratação de advogados estrangeiros, delegações japoneses
enviadas ao exterior para estudar diferentes modelos constitucionais e, ao final, “a
Constituição japonesa de 1889 foi o clímax da formação do estado Meiji como um híbrido
nipo-europeu” (OSTERHAMMEL, 2014, p. 598, tradução nossa).
Na imagem a seguir, vê-se a entrega da Constituição no Palácio Imperial, numa
imagem de Adachi Ginkō, de 1889:
GINKO, Adachi. View of the Issuance of the State Constitution in the State Chamber of the New
Imperial Palace. 1889. In: The Metropolitan Museum of Art.
Disponível em: <https://www.metmuseum.org/art/collection/search/55247>. Último acesso em
13/08/2020.
94
Ver: HASHIMOTO, Takehiko. Japanese clocks and the History of Ponctuality in Modern Japan. In: East
Asian Science, Technology and Society: an International Journal. Taiwan, 2008. p.123-133.
199
ocidental e, pelo seu valor, o imperador Meiji presentava os melhores estudantes com
relógios de bolso importados dos Estados Unidos (OSTERHAMMEL, 2014, p. 72).
A Constituição japonesa de 1889 é complexa, não apenas uma cópia de modelos
europeus. Foi formulada na tentativa de colocar os princípios japoneses no sistema mais
adequado às suas necessidades (NISH, 2003). A partir de um esforço de análise das leis
europeias, o Japão demonstrava que era capaz de articular e desenvolver seu próprio
projeto de nação moderna.
[...] o Japão no período Meiji tinha um gênio nacional para a
assimilação controlada de ideias do exterior. Eu chamo isso de “gênio
nacional” porque parece ser relativamente difundido em toda a
comunidade e uma característica tanto do século XX quanto do XIX.
Essa foi uma “assimilação” controlada porque os líderes Meiji
formulam suas próprias ideias e exerceram sua escolha de assimilar ou
rejeitar. Este não foi um processo apressado e direto: foi lento, doloroso
e deliberado e frequentemente envolvia uma investigação meticulosa.
Em sua implementação, as reformas geralmente envolviam uma grande
quantidade de tentativas e erros. Foi ainda mais complicada por
elementos partidários, tanto entre os líderes Meiji quanto entre os
burocratas que os guiavam. Todo o processo foi influenciado pelas
pressões e intervenções externas; mas, se este artigo argumentou
corretamente, os japoneses mantiveram um domínio firme sobre seu
destino. (NISH, 2003, p. 46-7, tradução nossa)
Para Hirakawa Sukehiro (1989, p. 489), o final da década de 1880 foi marcado
pelo “retorno a ser japonês”, não como xenofobia, mas como resposta à chamada
“ocidentalização” das primeiras décadas de abertura. Marco desse processo foi o Édito
Imperial de Educação, promulgado em 1890, tendo como foco os valores japoneses,
visando defender a unidade nacional e dando centralidade à figura do imperador. Este
objeto de controle social era obrigatório nas escolas e foi parte importante do
espraiamento do nacionalismo japonês.
Nos vinte e quatro anos que separam as experiências dos viajantes brasileiros, o
que temos, mais do que um projeto de abertura, é a consolidação das instituições
modernas no Japão. Sobre as duas viagens, propriamente ditas, as trajetórias foram, em
parte, inversas. Inclusive, a primeira foi da China ao Japão e esta segunda do Japão a
China. Mas na construção dos julgamentos em uma narrativa sobre a Ásia, manteve-se
em ambos os relatos a importância da passagem pelos dois países, reiterando a
comparação. Não se trata destes asiáticos vistos de forma genérica, mas como
indissociáveis para seu conhecimento; assim, se o eu é entendido em contraposição ao
outro, como apresenta Tzvetan Todorov (2006), neste caso, esses outros eram postos em
contraposição entre si, para que suas especificidades fossem compreendidas.
intérprete (MACK, 2010). Era conhecido também como Thomas Wasaburo Otake,
embora em suas obras constem apenas nome e sobrenome japoneses.
De acordo com o pesquisador Masato Ninomiya (2015), o jovem de 17 anos foi
um dos intérpretes da tripulação brasileira em sua estadia no Japão, tendo vindo ao Brasil
a convite do príncipe D. Augusto. Ninomiya ainda nos informa que outros jovens haviam
sido convidados, mas apenas Otake aceitara o convite. Segundo Edward Mack (2010, p.
48), “o príncipe, que era contemporâneo de Otake, simpatizou com o intérprete e sugeriu
que retornasse ao Brasil com eles. Otake tomou sua extraordinária decisão de partir e, em
4 de agosto de 1889, deixou o Japão a bordo do navio” (tradução nossa).
Otake não foi o primeiro japonês em terras brasileiras, houve os náufragos do
Wakamiya Maru, por exemplo. Ele tampouco o primeiro intérprete de japonês-português,
pois já havia essa troca linguística entre Portugal e Japão, com a entrada de jesuítas, mas
suas publicações seriam de grande importância no Brasil. Neste país permaneceu por sete
anos e teve acesso a lugares reservados para brasileiros. De acordo com Ninomiya (2015,
p. 54):
Otake obteve a nacionalidade brasileira porque estava a bordo do navio
de guerra brasileiro quando ocorreu essa mudança política. Por conta
disso, ele pôde estudar em escola para formação de oficiais subalternos
e assim obter conhecimento que, posteriormente, seriam a base da
fluência para editar o dicionário Japonês-Português.
95
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Almanaque do pessoal. Rio de Janeiro: Villas Boas & C.,
1938.
96
Wasaburo Otake é considerado responsável pelo primeiro dicionário para o público brasileiro e japonês
no Brasil. Entretanto, já havia dicionários desde o período do expansionismo português, como o
Vocabulario da Lingoa de Iapan. Eliza Atsuko Tashiro Perez e Jun Shirai, da USP, encontraram no Brasil
um exemplar deste dicionário bilíngue, publicado em 1603 pela Companhia de Jesus em Nagasaki; foi o
primeiro encontrado no continente americano. A descoberta foi apresentada em 2018. Disponível em
<https://www.fflch.usp.br/971>. Último acesso em 06/04/2019.
203
5.4 A CHINA
De Nagasaki, o Almirante Barroso partiu para Shangai, onde chegou após três
dias de viagem, enfrentando ciclones e tufões. Custódio de Mello relatou ter ficado
impressionado com o intenso comércio naquele porto (seda, chá, arroz, algodão, palha e
açúcar). Sua descrição da China incluía estereótipos moldados e espraiados pelo
imperialismo inglês. A questão do ópio foi também um dos principais comentários de
Custódio, levando em conta a violência comercial estrangeira neste processo:
No commercio de importação entra em larga escala o opio, cuja
introducção no imperio chinez constitue uma das paginas mais negras
da historia comercial da Inglaterra; porquanto os inglezes, que
pretendem passar por altruistas, e chegam mesmo a mostrar-se
protectores extremos dos animaes, muito embora seja a caça um
passatempo de sua predilecção, não trepidam, no entanto, em rainar a
existencia de um povo inteiro, atrofiando-lhe o physico, entorpecendo-
lhe a intelligencia e produzindo-lhe a degradação moral!
A quantidade de opio importado do estrangeiro pela China em 1888,
quase todo procedente da India, foi de 82.700,11 piculs. Além do opio
importado, consome-se alli o produzido no paiz, que, ao que dizem os
competentes, os fumantes, é inferior áquelle. (MELLO, 1896, p.207)
Com isso, desarticulava uma das principais críticas aos chineses e a denunciava
como parte de uma estratégia do imperialismo inglês:
206
tive logo de retroceder, tal a fedentina que d’alli se exhalava e que para
logo senti. No pequeno espaço que percorri pude ver nas ruas toda a
sorte de immundicies: tripas de peixe, pennas de gallinha, cascas de
fructas, materias fecaes, etc., e tudo isto em estado de decomposição; e
não sei por que os estrangeiros residentes em Shangai não procuram, ao
menos por amor a si proprios, educar aquella gente nos habitos de
asseio, fazendo-lhes sentir as grandes vantagens que d’ahi advêm para
a saude, e pedindo a intervenção da policia chineza nesse sentido.
Accresce que naquelle bairro as ruas são tão estreitas e irregulares e o
trafego tão consideravel, que a cada instante o transeunte corre o risco
de ser lançado por terra ou, pelo menos, de levar algum encontrão;
sendo preciso muito cuidado para por alli andar-se sem perigo.
baixa”, como os que puxavam os riquixás, vistos “com o mais soberano desprezo pelos
inglezes, que tratam esses chins ilotas como cães leprosos, ao mesmo tempo que a polícia
trata-os de continuo amassados a cacete” (p. 236).
Na década de 1880, por conta do debate sobre o trabalho, muito já tinha sido
apresentado no Brasil a respeito dos chineses, além disso, a circulação de informações
permitia com que Custódio de Mello tivesse maior acesso ao contexto recente daquele
país. É compreensível que sua perspectiva viesse a acirrar a crítica à ação dos estrangeiros
na China, incluindo o conhecimento sobre o uso do ópio e o tráfico nos diferentes portos,
e era ainda mais assertiva nas referências contemporâneas. Se, por um lado, tinha maior
percepção sobre os mecanismos de dominação e violência, por outro, suas caracterizações
dos chineses não eram mais amenas, aumentando a diferença em relação ao que descrevia
dos japoneses.
97
Defendido posteriormente pelos republicanos de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul
(CARVALHO, 2014, p.25b).
209
noroeste da ilha de Sumatra, no dia 29 de Novembro de 1889, isto é, quatorze dias após
o advento da Republica, fomos informados pelo Commandante da Divisão Naval
Holandeza, ali estacionada, da transformação politica que se operara na nossa Patria”
(MELLO, 1938, p. 17-8). Como tratava-se de uma representação oficial do Brasil, em
Colombo (Sri-Lanka), receberam um telegrama do Brasil com ordens para retirar a coroa
da bandeira nacional e instruções para receber a nova, da república, em Nápoles. Havia
ordens para que D. Augusto deixasse a missão (MELLO, 1938, p. 20). A partir deste
telegrama as duas primeiras mudanças foram efetivadas: a troca da bandeira e o
afastamento do príncipe. A primeira mais fácil que a segunda, pois incidia nas relações
entre a tripulação. Mais fácil, mas não menos simbólica, pois demonstrava que o Brasil
não estava mais sob as ordens da família imperial:
Em virtude dos ultimos e do primeiro telegramma acima transcriptos,
duas ordens tinhamos de fazer executar em Colombo: a relativa á
modificação da Bandeira e a referente ao pedido de demissão do
serviço, a ser feito por D. Augusto. Quanto à primeira, nada mais
simples. Mandámos chamar o official Immediato e lhe dissemos que a
fizesse cumprir fazendo executar a indicada alteração em certo numero
de bandeiras nacionais, quer de navio quer de escaler, existentes a
bordo, devendo-se desde logo modificar uma para ser içada no mais
curto lapso possivel. No tocante, porém, á outra ordem, a coisa mudava
de figura: limitámo-nos a mostrar a D. Augusto o telegramma em que
ella estava exarada, visto que, em face da lei, outro procedimento não
nos era licito observar. Este official, depois de haver lido o despacho
telegraphico, disse nos que ia consultar seu avô, o ex-Imeprador, sobre
o que deveria fazer; ao que, lhe respondemos: “Vossa Alteza faça o que
entender”. Nem diversa poderia ser nossa linguagem, pois o
telegramma ministerial não nos autorizava a fazer mais do que fizemos;
além do que, no exercicio de nossas funções, não nos sabemos haver
senão de conformidade com a justiça e a lei. (MELLO, 1938, p. 21)
98
O pedido de demissão ocorreu em 1891, pelo fato de Deodoro dar garantias para obras públicas sem
aceitar o processo democrático de decisão. Neste caso, propôs a garantia de juros para construção de um
porto no Rio Grande do Sul, a pedido de seu amigo Trajano Viriato. O evento era significativo dos atritos
do governo provisório (MARTINS, H., 1997, p. 52).
212
99
“Os abaixo assignados, officiaes generaes do exercito e da armada, não querendo, pelo silencio, co-
participar da responsabilidade moral da actual desorganisação em que se acham os Estados, devido a
indébita intervenção da força armada nas deposições dos respectivos governadores, dando em resultado a
morte de inúmeros cidadãos, implantando o terror, a duvida e o luto no seio das famílias, appellam para
vós, marechal, para que façais cessar tão lamentavel situação. A continuar por mais tempo semelhante
estado de desorganisação geral do paiz, será convertida a obra de 15 de novembro de 1889 na mais completa
anarchia. E os abaixo assignados, crentes, como estão, que só com a eleição do presidente da Republica,
feita quanto antes como determina a constituição federal e eleitoral, feita, porém, livremente sem a pressão
da força armada, se poderá restabelecer prontamente a confiança, o socego e a tranquilidade da familia
brazileira, e bem assim o conceito da Republica no exterior, hoje tão abalados, esperam e contam que neste
sentido dareis as vosas acertadas ordens, e que não vacilareis em reunir este importante serviço cívico aos
muitos que nos campos de batalha já prestates á Patria”(DIARIO DE NOTICIAS, 23/04/1892).
214
100
De acordo com Blake, como apresentado inicialmente, Almeida teria sido levado à fortaleza de São José
(1970, p.390).
101
Cabe aqui explicar que a trajetória de Francisco Antonio de Almeida contou ainda com nomeações para
cargos públicos e ativa participação nos debates sobre a república. O cientista que inicialmente foi
apresentado como engenheiro e astrônomo, dedicado à pesquisa, teve homônimos contemporâneos que
também foram politicamente atuantes, permitindo confusões mais recorrentemente por muitas vezes não
usar o nome “Junior”. Entretanto, sua assinatura manuscrita nos documentos da década de 1870, referentes
à viagem ao Japão, e em cartas ao marechal Deodoro reclamando de sua exoneração mantém a mesma
grafia; além da publicação de A Federação e a Monarchia, comprovam a atuação de Almeida nessas
diversas esferas.
102
Considerava que “se incidentes ridículos e nullos, como o da tarde de 10, assumem as proporções
juridicas de perigo imminente da patria e commoção intestina da republica; se o estado de sitio, declarado
sob pretextos insignificantes, como esse, vinga fóros de constitucional, ou se não se admite á justiça federal
o direito de não lhe reconhecer esse caracter, e proteger contra as consequencias dessa adulteração do nosso
regimen o individuo e a liberdade, então, senhores juízes, a vossa abdicação estará firmada, como a
abdicação do Congresso, que terá na dictadura permanente do executivo o filtro depurador das suas
deliberações, como vós tereis nella o fiscal soberano da vossa independencia.” (BARBOSA, 1892, p.55).
215
abril só seriam anistiados pelo decreto de 5 de agosto de 1892.103 A anistia trouxe calma
momentânea, mas logo seguida por uma revolta antiflorianista encabeçada pela Marinha.
Em 1893, o momento da Segunda Revolta da Armada, também teve Custódio de
Mello à frente.104 Dele dizia-se que pretendia a presidência da república, especulação
desmentida num manifesto de 6 de setembro de 1893: “nenhuma sugestão de poder,
nenhum desejo de governo, nenhuma aspiração de exercer mandatos por esforço violento
da própria individualidade, me levam à Revolução” (MELLO apud CARONE, 1976, p.
28). Seja como for, mais organizada, a revolta de 1893 chegou a bombardear fortes do
Rio de Janeiro e a se aproximar dos federalistas do sul do país.
Nesse evento, os três viajantes que movem esta análise se encontraram,
demonstrando que os republicanos não eram um grupo homogêneo e principalmente que
o Brasil também vivenciava um importante momento de transformação política. O Brasil
não era mais um império, tentava se organizar como república. Daquele momento em
diante, as viagens para o Japão teriam outras configurações diplomáticas, pois se tratavam
de dois países buscando seu lugar como nações modernas no cenário internacional.
103
BRASIL. Decreto nº 72-b, de 5 de agosto de 1892. Concede amnistia aos cidadãos implicados nos
acontecimentos políticos de 10 de abril do mesmo anno, bem como nas revoltas das fortalezas da Lage e
Santa Cruz, ocorridas em janeiro de 1892. Rio de Janeiro: Presidência da República, 1892.
104
De acordo com Hélio Leoncio Martins (1997), Custódio inicialmente recusou dirigir a revolta, mas
posteriormente foi convencido pelo Almirante Jaceguai.
216
Mais uma vez associados a ladrões de galinha e ao vício do ópio, os chineses eram
apresentados aos leitores como passivos diante da escolha que poderia se fazer em relação
à imigração. Ou seja, mesmo com as dificuldades de negociação de um tratado com a
China, mantinha-se um discurso que invizibilizava a agência dos chineses e seu governo
diante da escolha brasileira e que, por fim, os reduzia às características que os colocavam
como inferiores às outras opções.
Em 24 de março de 1893, o decreto n. 1331 concedia verbas para a efetivação do
tratado já firmado com a China, a elaboração de um tratado com o Japão, além “do
estabelecimento de agentes diplomaticos e consulares nesses paizes, para manutenção de
suas boas relações, e especialmente encarregados esses e outros agentes de fiscalisar a
emigração que daquelles paizes se dirigir para o Brazil.”105 A legação brasileira na China
foi criada pelo decreto n. 1429, de 10 de junho de 1893. No quadro do corpo diplomático,
José da Costa Azevedo, o barão de Ladário, e Joaquim Francisco de Assis Brazil, estavam
como enviados extraordinários e ministros plenipotenciários. Havia também três
secretários106 e Francisco Antônio de Almeida, nomeado “auxiliar da embaixada
brasileira que tem de ir à China (...) e encarregado de estudar todas as industrias do Japão
applicaveis ao Brazil” (JORNAL DO BRAZIL, 04/04/1893).
No quadro despesas da missão, consta que Almeida “regressou de Pariz, deixando
de seguir para o seu posto”107. Mesmo no Brasil, continuava vinculado à missão, e em 3
de setembro de 1893, enviou ao presidente Floriano Peixoto o relatório intitulado
Memória apresentada à V. Exª o Sr. Marechal Vice-Presidente da República sobre a
Immigração chineza, seguida de um projecto de fiscalização pelo Dr. Francisco Antonio
de Almeida108. O documento reiterava a presença e a legitimidade de Almeida no debate
sobre a Ásia e os asiáticos, bem como justificava o pagamento recebido para participar
da missão. Em sua análise sobre a imigração, indicou modalidades de fiscalização nos
105
BRASIL. Decreto nº 1.331, de 24 de março de 1893. Abre ao Ministerio dos Negocios da Industria,
Viação e Obras Publicas um crédito extraordinario de 150:000$000 ao cambio de 27 ds. por 1$000 para dar
cumprimento ao disposto no art. 2º da lei n. 97 de 5 de outubro de 1892. Rio de Janeiro: Presidência da
República, 1893.
106
José Cordeiro do Rego Barros, Dario Galvão e Luiz de Moraes.
107
“Quadro demonstrativo das despesas com o pessoal da missão especial à China”. Disponível em: Missão
especial do Celeste Imperio, confiada a direção do Barão de Ladário. 1893-1894. Correspondências e
textos impressos do acervo da Biblioteca Nacional.
108
Ofícios referentes ao serviço de terras e colonização do governo do estado do Rio Grande do Sul;
memorial sobre a hospedaria de Pinheiro; memória e projeto de fiscalização sobre a imigração chinesa;
relatório da comissão de propaganda de imigração e colonização do norte do Brasil. 28/08/1893-
21/06/1894. Referência: BR AN, RIO Q6.LEG.ADM,MIV.1059. Disponível no Arquivo Nacional.
218
109
“Pelas informações que me foi possivel fazer nas publicações de viagem de diversos exploradores e pelos
conhecimentos que adquiri durante a minha viagem a China em 1874-1875, posso affirmar que o
trabalhador manchú é melhor, sob todos os pontos de vista, aos demais que habitam a China”. (ALMEIDA,
1893).
219
110
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Relatório do ano de 1893 apresentado ao Vice-
Presidente da República dos Estados Unidos do Brazil (...) em maio de 1894. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1894, p.28.
111
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Relatório do ano de 1893 apresentado ao Vice-
Presidente da República dos Estados Unidos do Brazil (...) em maio de 1894. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1894, p.30.
112
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Relatório do ano de 1893 apresentado ao Vice-
Presidente da República dos Estados Unidos do Brazil (...) em maio de 1894. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1894, p. 32.
220
113
Cartas comunicando que foi nomeado ministro da Marinha e convidando o destinatário a permanecer no
gabinete; solicitando nomeações de terceiros; informando a saída do primeiro secretário da missão especial
do Brasil na China, da qual o autor é encarregado; e expondo idéias sobre emigração de trabalhadores. Data:
08/06/1889-23/05/1894. Referência: BR AN, RIO Q6.LEG.COR,CAR.217. Disponível no Arquivo
Nacional.
114
Carta do ministro Alexandre Cassiano do Nascimento enviada ao Almirante José da Costa Azevedo em
28 de maio de 1894. Disponível em: Missão especial do Celeste Imperio, confiada a direção do Barão
de Ladário. 1893-1894. Correspondências e textos impressos do acervo da Biblioteca Nacional.
221
século XIX. De acordo com o pesquisador Hiroshi Saito (1961, p.21), os primeiros
trabalhadores japoneses no Havaí chegaram em 1868 e “como se tratasse de imigração
ilegal, não precedida de entendimentos oficiais, deu origem a um conflito entre os dois
países em questão”, solucionado em 1871 com a assinatura de um Tratado de Amizade
possibilitando a imigração regular, iniciada em 1875. Para além do tratado, os ofícios da
missão brasileira atendiam à questão da imigração japonesa. Como demonstra a carta do
arquivo da missão em Hong Kong, direcionada ao barão de Ladário, de 7 de junho de
1894115:
Agradeço a V. E. sua carta de 23 de abril ultimo e folgo em saber que
V.E. tem na máxima importancia a conclusão de um Tratado entre o
Brasil e o Japão. Tratado que nos abrira as portas para a imigração
japonesa.
(...)
Contamos com o esforço patriotico de V.E. e com o apoio do Ex. Vice
Presidente da República cuja solicitude por esse assumpto é notória,
deixo em Paris as cousas preparadas para que possa a introdução de
imigrantes japoneses ter lugar logo após a celebração do Tratado entre
os dous paises. 116
De acordo com Jeffrey Lesser (2001, p. 156), ao voltar-se para o Japão, o enviado
brasileiro “sabotou sua própria missão de tratado na China” e, naquele momento, “o
governo Qing tinha tão pouco interesse no Brasil quanto Costa Azevedo tinha na China”
(p. 66). Contudo, o que se nota na documentação é mais um desdobramento das relações
com a China, como as negociações do tratado de 1881 e o descontentamento com a saída
dos trabalhadores a bordo do Tetartos, do que propriamente desinteresse.
O decreto n. 1896, de 23 de novembro de 1894, que determinava o retorno da
missão enviada à China, comunicava a exoneração do astrônomo Francisco Antônio de
Almeida. A missão foi cancelada em função da guerra sino-japonesa: “A guerra com o
Japão, apezar das victorias que este tem alcançado, póde durar ainda algum tempo e as
115
Ao que nossas pesquisas indicam, o remetente trata-se do Conde de Figueiredo, fundador do Banco
Nacional Brasileiro. No papel da carta estava timbrado a marca da sede de Paris do Banco Nacional
Brazileiro e, dois meses após a escrita da mesma, onde dizia que em breve retornaria ao seu país, foi
noticiado no periódico O Pharol que “vindo da Europa, acha-se no Rio de Janeiro o sr. Conde de Figueiredo,
presidente do Banco Nacional Brazileiro” (01/08/1894).
116
Carta do Almirante José da Costa Azevedo enviada em 7 de junho de 1894. Disponível em: Missão
especial do Celeste Imperio, confiada a direção do Barão de Ladário. 1893-1894. Correspondências e
textos impressos do acervo da Biblioteca Nacional.
222
suas desastrosas consequencias hão de ocupar depois da paz toda a atenção do Governo
chinez. Tem portanto de ser adiada a projectada negociação”117.
117
BRASIL. Decreto nº 1.896, de 23 de novembro de 1894. Adia os serviços autorisados pela lei n. 97 de 5
de outubro de 1892 e manda retirar a Missão á China. Rio de Janeiro: Presidência da República, 1894.
223
Illustrada, por Angelo Agostini. Defensora da vinda dos chineses, Amelia Azevedo os
considerava fortes, asseados, honestos, dóceis, obedientes, inteligentes, esforçados,
silenciosos e, grande vantagem, de baixo custo. Ela trazia para o debate a importância da
paciência com as dificuldades de idioma, alimentação e outros costumes que dificultavam
a adaptação no início. Destacava como importante para o bom convívio ganhar-lhes a
confiança, pois “com a brandura e o jeito consegue-se tudo deles, o que já não acontece
com a aspereza ou a violência” (p. 67). Por fim, a proprietária rural buscava diferenciá-
los dos demais imigrantes e do trabalho escravo:
Além de ser mais barato o trabalho do chim, devemos levar em
conta a paz do espírito que sua brandura nos proporciona.
Dizer-se que o chim vem substituir o elemento servil e
representar um segundo período de escravidão em um país livre
é uma ideia sem fundamento. O chim não se sujeitará a ser
tratado como escravo; usará sempre das prerrogativas de sua
liberdade, porque é livre e ele o sabe. Sua inteligência não é
inculta. Todos os nossos sabem ler, inclusivamente o menino
de 11 anos. Não é isto um belo exemplo, vermos como está a
instrução introduzida na China entre o proletariado que precisa
emigrar para ganhar a vida? Não há, pois, escravidão possível
para quem tem as luzes da instrução e o poderio da inteligência.
(LISBOA, 2018[1894], p. 70)
Henrique Lisboa, como provocação e defesa, dizia que nos relatos “não são, pois,
os mesmos chins com que nos ameaçavam a Sociedade Central de Imigração e o sr. José
do Patrocínio. Ninguém os achou raquíticos, viciados, imorais, facinorosos, ou
bestializados pelo ópio. Já devemos dar graças a Deus!” (p. 78). A análise de Lisboa sobre
um período experimental antes da abertura da imigração espontânea depositava
esperanças em relação aos primeiros resultados e destacava a necessidade de mecanismos
de acompanhamento, proteção e fiscalização do processo. Lisboa (p. 81) considerava
cinco sistemas de imigração possíveis:
1º. Imigração contratada por conta direta dos fazendeiros;
2º. Imigração contratada ou livre por conta de empresas comerciais;
3º. Imigração contratada ou livre por conta dos governos estaduais;
4º. Imigração livre por conta da União;
5º. Imigração espontânea e livre.
118
O livro de Pierre Loti, publicado em 1887, teve sucesso e foi traduzido para trinta e seis línguas
(OKAMOTO, 2002, p.85). Para Celina Kuniyoshi (1998, p.86), ele foi o inaugurador da literatura japonista.
A história foi inspirada em seus três meses no Japão, em 1885, “mais especificamente na cidade portuária
de Nagasaki, onde casou-se, na vida real, com uma japonesa de dezoito anos chamada Okane”
(OKAMOTO, 2002, p.86).
225
poderiam ser úteis para o trabalho, levando em conta “a conveniência econômica que
talvez encontrássemos no concurso da mulher japonesa para mil rendosos lavores em que
excelam os seus mimosos, porém hábeis dedos” (p. 115).
Lisboa julgava que “o trabalho japonês está em condições de prestar valioso
auxílio à lavoura do Brasil”, embora “o recurso ao trabalho chinês merece, sem dúvida,
alguma preferência pela maior perseverança, submissão e espírito prático da raça chinesa”
(p. 103). Um dos argumentos centrais nos elogios aos japoneses era também motivo para
fazê-los serem preteridos em relação aos chineses, afinal não havia de fato uma ruptura
em relação aos projetos a respeito dos trabalhadores asiáticos; o que muitos almejavam
era trabalhadores que se assemelhassem aos do sistema abolido e não ao assalariado livre:
Por último a ocidentalização das instituições japonesas veio a dar ali ao
proletário maiores liberdades e facilidades para conseguir um bem-estar
que a opressão dos mandarins não permite ao proletário chinês. Por
todos esses motivos, creio que nos seria de maior benefício receber da
China o considerável número de braços de que precisamos e que o
Japão dificilmente nos poderá fornecer (p. 103)
Na última década do século XIX, o Brasil havia se tornado república. O Japão não
era mais o país recém-aberto ao exterior; a euforia com as novidades e os acordos
desiguais davam lugar à reafirmação de uma identidade e à busca pelo protagonismo em
suas relações internacionais. Quando os dois países assinaram o Tratado de Amizade,
Comércio e Navegação em 1895, a imprensa brasileira tornava mais evidente a construção
da diferença entre a China e o Japão, situação favorecida pela primeira Guerra Sino–
Japonesa (1894-5). A disputa entre os países interessados na Coreia contribuiu para a
consolidação da imagem forte do Japão no exterior e foi um marco da expansão do
império. Em 1895, Japão e China assinaram o armistício pelo Tratado de Shimonoseki,
findando a guerra. Entre outros acordos, garantiu-se a independência da Coreia, que a
China pagasse uma indenização ao Japão e que este teria domínio sobre a Manchúria,
Taiwan e Ilhas Pescadores, antes sob posse chinesa (SAKURAI, 2008, p. 164). Para o
historiador Jürgen Osterhammel (2014, p. 483), o país ganhou respeito como um poder
regional depois da vitória sobre a China, mas só a vitória sobre o império czarista, em
1905, o fez entrar no círculo das Grandes Potências. Para Kyu Hyun Kim (2012, p. 20-
1), uma “comunidade imaginada” foi consolidada no Japão a partir da experiência da
guerra, da luta contra o inimigo estrangeiro, das informações partilhadas, da união física
ou mesmo figurativa.
O glamour imperialista alimentou o entusiasmo nacionalista, a “febre
da guerra”. Melhoras nas tecnologias de comunicação, o
desenvolvimento dos meios de informação e a incorporação de diversas
localidades em uma matriz nacional, todos tiveram seus papéis críticos
nessa confluência explosiva de expansão imperialista e integração
nacional (tradução nossa).
119
Foi utilizada a versão disponível pelo projeto de digitalização das obras de Machado de Assis realizado
na Universidade Federal de Santa Catarina, referentes à Obra Completa de Machado de Assis. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, Vol. III, 1994. Disponível em: <http://www.machadodeassis.ufsc.br> Acessado em
24 de junho de 2017.
120
Sobre a imigração chinesa nas crônicas de Machado de Assis ver também: HASHIMOTO, Shirlei Lica.
As representações dos japoneses nos textos modernistas brasileiros: Mario de Andrade, Oswald de
Andrade e Juó Bananére. 2012. 362 f. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) – Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012; RAMOS, Ana Flávia Cernic.
Das batalhas literárias e sociais surge o “método”: escravidão, trabalho livre e imigração nas crônicas de
Machado de Assis (1878-1883). In: Machado de Assis em Linha, v.11, n.23. Universidade de São Paulo:
Jan/Abr, 2018.
230
Em poucos anos, na segunda metade do século XIX o Japão não só criou uma
estrutura interna condizente com o padrão das grandes potências, como demonstraria que
era um agente dominante nas disputas internacionais. Machado de Assis afirmou que
trocaria um Tratado de Tien Tsin, referindo-se aos chineses121, por um de Yokohama,
com o Japão. O escritor dialogava com o que era publicado nos periódicos sobre a
chegada de um representante japonês. Como, por exemplo, no Correio Paulistano de 20
de outubro de 1894 onde estava a matéria Sho Nemoto em S. Paulo: visita do enviado
especial do governo do Japão ao Estado de S. Paulo. A vinda de Sho Nemoto visava o
estabelecimento de relações diplomáticas, das quais decorreriam a imigração japonesa.
Para Lesser (2001, p. 154), “a busca por mão-de-obra submissa casava-se bem com a
afirmação nada sutil de Sho Nemoto, de que os japoneses eram os ‘brancos’ da Ásia”. O
diplomata teria apresentado uma imagem dos japoneses como “quietos, trabalhadores e
ansiosos por se tornarem brasileiros”.
Ainda no texto de 28 de outubro de 1894, Machado de Assis apresentou um
posicionamento favorável a esta imigração na Gazeta de Notícias:
Ao mesmo tempo, o Sr. Dr. Lacerda Werneck, um dos nossos
lavradores esclarecidos e competentes, acaba de publicar um artigo
commemorando os esforços empregados para a próxima vinda de
trabalhadores japonezes. “É do Japão (diz elle) que nos ha de vir a
restauração da nossa lavoura.” S. Ex. falla com enthusiasmo d’aquella
nação civilisada e prospera, e das suas recentes victorias sobre a China
(p. 1).
121
Havia diversos tratados com o mesmo nome, todos assinados com a China. Um deles era o Tratado de
Tien Tsin que havia sido assinado durante a Segunda Guerra do Ópio devido aos interesses comerciais
estrangeiros, em especial ingleses, em 1858. Em relação ao Brasil, o Tratado de Amizade assinado em 1880
entre Eduardo Callado e Arthur Silveira da Mota e o Governo chinês foi popularmente chamado pelo
mesmo nome.
122
Manoel Peixoto de Lacerda Werneck, é considerado um “ardoroso pró-chinês” (LESSER, 2001, p.73).
De acordo com Jeffrey Lesser, Luiz Peixoto de Lacerda Werneck, por outro lado, foi um dos agentes no
ataque à imigração chinesa para o Brasil (p.44).
231
123
Exemplar desta ironia é a crônica publicada em 23 de outubro de 1883, na série Balas de Estalo. Nela
Machado de Assis criou um ofício do “vice-rei da Índia ao Conde Granville”, que teria sido “impresso na
Gazeta de Londres”. Comparando o termo chim a chimpanzé, o “vice-rei”, afirmava: “A primeira vantagem
do chim-panzé é que é muito mais sobrio que o chim commum. (...) O chim-panzé não usa roupa, calçado
ou chapéo. Não vive com os olhos na patria; ao contrário, Sir John Sterling e seus parentes affirmam que
têm conseguido fazer com que os chim-panzés mortos sejam comidos pelos sobreviventes, e a economia
resultante d’este meio de sepultura póde subir, n’uma plantação de dois mil trabalhadores, a duzentas libras
por anno. Não tendo os chim-panzés nenhuma especie de sociedade, nem instituições, não ha em parte
alguma embaixadas nem consulados; o que quer dizer que não ha nenhuma especie de reclamação
diplomatica, e póde V. Ex. calcular o socego que este facto traz ao trabalho e aos trabalhadores”.
232
Meses depois, Machado de Assis (21/04/1895) voltou a citar o Japão e sua língua
por intermédio do Padre Lucena: “Segundo um velho frade que narrou as viagens de S.
Francisco Xavier por aquellas terras, ha alli diversos vocabularios para uso das pessoas
que fallam, a quem fallam, de que fallam, que idade tem quando fallam e quantos anos
tem aquellas a quem fallam”. A História da vida do padre Francisco de Xavier, e do que
fizerão na India os mais religiosos da Companhia de Jesus, do Padre Lucena foi
publicada em 1600 na cidade de Lisboa. Um de seus exemplares foi comercializado, no
Brasil, em 1895, entre “obras de grandes escriptores classicos”, anunciado a partir da
venda em quatro volumes (GAZETA DE NOTICIAS, 19/01/1885). Em A Semana,
Machado de Assis citou a publicação em outros momentos, sublinhando aspectos como
o trabalhador chinês, a língua japonesa e as religiões asiáticas.
De modo geral, construía-se uma imagem favorável em relação aos japoneses,
especialmente no fim do século XIX. Machado comentava sobre a produção dos irmãos
Goncourt e o japonismo na França; escreveu que o Japão “inventava-se a si mesmo”. Para
Machado, o Japão “forjava a espada que um dia viria pôr na balança dos destinos da
Ásia” (28/10/1894).
Eram constantes as notícias sobre os países asiáticos nos principais periódicos
brasileiros. Na Gazeta de Notícias foi criada a coluna China e Japão, para informar sobre
o andamento da guerra. Eram, majoritariamente, notícias do Japão vindas “das folhas
europeas recém-chegadas” (GAZETA DE NOTICIAS, 25/10/1894) ou de telegramas
traduzidos para o público brasileiro. Assim, quando a crônica de Machado de Assis
apontava que “o momento é japonês”, ela se alinhava aos debates e notícias sobre a guerra
e o expansionismo japonês, não se abstendo de críticas às formas de trabalho nem de
comentários sobre a possibilidade de imigração.
233
Foi neste momento de revisão que o país negociou seu tratado com o Brasil. A
entrada de asiáticos no Brasil havia sido proibida pelo decreto n. 528, de 28 de junho de
1890. O primeiro artigo do capítulo sobre introdução de imigrantes determinava:
É inteiramente livre a entrada, nos portos da Republica, dos individuos
válidos e aptos para o trabalho, que não se acharem sujeitos á acção
criminal do seu paiz, exceptuados os indigenas da Asia, ou da Africa
que sómente mediante autorização do Congresso Nacional poderão ser
admittidos de accordo com as condições que forem então estipuladas.124
124
BRASIL. Decreto nº 528, de 28 de junho de 1890. Regularisa o serviço da introducção e localisação de
immigrantes na Republica dos Estados Unidos do Brazil. Rio de Janeiro: Presidência da República, 1890.
125
BRASIL. Lei nº 97, de 5 de outubro de 1892. Permitte livre entrada no territorio da Republica de
immigrantes de nacionalidade chineza e japoneza; autorisa o Governo a promover a execução do tratado
de 5 de setembro de 1890 com a China; a celebrar tratado de commercio, paz e amizade com o Japão, e dá
outras providencias attinentes á immigração daquellas procedencias. Rio de Janeiro: Presidência da
República, 1892.
234
e “por vos parecer preferivel o serviço japonez, resolvestes que a missão não tivesse
seguimento” (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1895, p. 43).
A respeito do Japão, o relatório, reiterava a necessidade de o governo brasileiro
aceitar a assinatura de um tratado com base na reciprocidade, lembrando que:
Aqui mesmo vai-se formando a convicção de que esse paiz offerece aos
estrangeiros garantias sufficientes. O Almirante Costa Azevedo, que
por alli passou em caminho para a China, assim pensa e na sua
correspondencia com este Ministerio declarou-se firmemente pela
immigração Japoneza.
Ocorre ainda, que o Governo daquelle Imperio resolveu ultimamente
não permittir a emigração para os paizes que não queiram sujeitar os
seus subditos á jurisdicção local.
Da conformidade com o vosso pensamento, recommendei ao Ministro
em Pariz, que por meio do seu collega do Japão procurasse saber si este
ainda está disposto a tratar comnosco, e si concorda em fazer a
negociação naquella capital.
O Ministro Japonez ainda não recebeu resposta, e eu não estranho a
demora, porque a guerra com a China, que felizmente está terminada,
absorvia naturalmente toda a atenção do seu Governo (MINISTÉRIO
DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1895, p. 43).
126
Carta do ministro Alexandre Cassiano do Nascimento enviada ao Almirante José da Costa Azevedo em
28 de maio de 1894. Disponível em: Missão especial do Celeste Imperio, confiada a direção do Barão
de Ladário. 1893-1894. Correspondências e textos impressos do acervo da Biblioteca Nacional.
236
127
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Relatorio do ano de 1895 apresentado ao Presidente da
República dos Estados Unidos do Brazil (...) em 30 de abril de 1896. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1896, p.193.
128
BRASIL. Decreto nº 2.489, de 31 de março de 1897. Manda executar o Tratado de Amizade,
Commercio e Navegação celebrado entre o Brazil e o Japão em 5 de novembro de 1895. Rio de Janeiro:
Presidência da República, 1897.
237
Cabe perceber neste excerto que o ministro japonês foi apresentado em função da
imagem de modernização construída pelo seu país, em direção à ordem das grandes
potências. Nesse sentido, Sutemi Chinda foi um representante do processo de abertura do
Japão apresentado pelos viajantes: educado no exterior, conhecedor das instituições
estrangeiras, fluente em outros idiomas; mesmo seu cozinheiro era especializado na
culinária europeia.
A legação brasileira teve como ministro plenipotenciário Henrique Carlos Ribeiro
Lisboa, que já havia participado da missão brasileira à China e publicado livros sobre os
trabalhadores dos países asiáticos. Desta vez, Aluísio Azevedo integraria o grupo,
inserido diretamente na questão dos trabalhadores, atuando provavelmente como “agente
de imigração”, função cujo objetivo era “incentivar e organizar a imigração para o Brasil,
fornecendo mão de obra barata” (VEJMELKA, 2013, p. 404).
Seu pai, viúvo de um primeiro casamento, era comerciante, havia sido vice-
presidente da Sociedade Dramática Maranhense, foi criador do gabinete Português de
Leitura130(1852) e tornou-se vice-cônsul de Portugal em 1859. A mãe havia recebido
129
Portanto, focaremos não na sua trajetória literária, mas em alguns elementos importantes para
compreender sua ida para carreira diplomática e atuação no Japão. Entre as biografias do escritor, utilizamos
aqui a de Jean-Yves Mérian, intitulada Aluizio Azevedo: vida e obra (1857-1913).
130
“O Gabinete Português de Leitura possuía, em 1867, 4.892 volumes. Eram essencialmente romances,
folhetins, contos, poesias em português ou traduzidas do francês. Algumas dessas obras haviam sido
traduzidas e publicadas em São Luís mesmo. Rapidamente adquiriam-se as obras mais recentes: em alguns
238
casos a diferença cronológica com a Europa era de algumas semanas apenas, o tempo da travessia”
(MÉRIAN, 2013, p.46-7).
131
As casas de cômodo “eram, em geral, casas antigas, divididas numa multitude de quartos alugados, com
mobília ou não, aos que, operários, artistas ou jornalistas, não dispunham de recursos suficientes para alugar
um apartamento” (MÉRIAN, 2013, p. 413).
132
Afonso Celso de Assis Figueiredo Júnior (1860-1938), filho do visconde de Ouro Preto, eleito deputado
por Minas Gerais, foi jornalista, escritor e um dos membros fundadores da Academia Brasileira de Letras.
239
Embora sua condição fosse facilitada pelo mecenato que amenizava suas
dificuldades financeiras, não era a situação que julgava ideal. Azevedo contava com “um
aristocrata abastado que o ajudava nos momentos difíceis”, João Gomes de Carvalho,
visconde de Barra Mansa (MÉRIAN, 2013, p. 415). As tentativas para conseguir uma
vaga no funcionalismo público demonstravam que “não foi um escritor ‘profissional’,
nem um boêmio por livre escolha. Ele foi forçado a isso tanto pela falta de qualificação
profissional, como por causas políticas” (p. 374).
Em seu livro sobre o Japão este tema retornava como crítica. Azevedo era um
admirador do Japão antes da abertura ao exterior; entre outras questões, elogiava a
valorização da arte. Ao escrever sobre o país durante seu isolamento, o escritor expunha
seu incômodo em relação à produção artística pós-abertura, voltada para o comércio:
É, com efeito, durante aquela extensão pacífica que atingiram a sua
mais linda plenitude as artes e as indústrias japonesas, caindo depois
vertiginosamente com a revolução e ameaçando hoje em dia
desaparecer para sempre, estioladas de todo pela macaqueação da arte
europeia e do industrialismo cosmopolita e banal. Os artistas japoneses,
então diretamente protegidos pelos daimos senhoriais não faziam obra
de afogadilho destinada ao comércio, que só em muito pequena escala
existia no Japão. Como tinham vida garantida pelo príncipe a que
serviam, e absolutamente despreocupada de necessidades materiais ou
de ambições burguesas, trabalhavam sem impaciência, sem pressa de
acabar, e só cuidosos da perfeição e requintado esmero. Daí essas
inverossímeis maravilhas de laca, de bronze, de esmalte, de mosaico,
de porcelana, e todas as outras mil inapreciáveis coisas, das quais neste
240
sincero livro muito tenho que vos referir; coisas que nunca mais se
repetiram depois daquele tempo áureo e que, - infelizes dos olhos
futuros! – Nunca mais se farão em parte alguma do mundo.
(AZEVEDO, 2010[189?], p. 90-1)
A arte aqui é favorecida pelo autor pois não teria vinculação econômica. Essa
questão era importante na própria trajetória de Azevedo.
Sobre os anos iniciais da república no Brasil, Olavo Bilac publicou uma crônica
em A Cigarra, demonstrando-se desiludido diante do novo contexto, perguntando-se “que
remédio descobriríamos hoje, bastante forte, que nos premunisse a alta contra a infecção
da política? E como não há de a gente perturbar-se com o que vê e com o que ouve, se
não há mais garantia nenhuma, nem para o Sonho, nem para a Vida?”. O sonho incluía a
possibilidade da juventude boêmia e a previsão de uma outra política; o autor questionava,
um a um, os intelectuais de seu grupo, incluindo o futuro cônsul:
Lembras-te tu, Aluizio Azevedo, dos tempos em que atravessavas a
vida, de olhos e ouvidos cerrados ao barulho e ao espectaculo do
mundo, porque a tua alma, carregada de sonhos, vivia fechada consigo
mesma, concentrada no grande trabalho da gestação da tua obra?
(BILAC, 18/07/1895, p. 2).
uma Sogra (oh! Magalhães! Vem esse livro ou não vem?), Os mysterios
da Tijuca, A Philomena Borges, Os Demonios, e outros tantos livros em
que o illustre moço tem gasto a mocidade e a saude para honrar o Brasil,
- quem tivesse na sua fé de officio tantos títulos de recommendação á
gratidão e ao amor de seus compatriotas, não careceria de fazer
concurso para mostrar que sabe...
Mas, enfim, foi preciso fazer concurso, e elle o fez, brilhantissimo.
Resta agora que a sua nomeação venha. O illustre ministro das Relações
Exteriores, que é um homem de lettras, e que acaba agora mesmo de
firmar a reputação do seu talento e do seu patriotismo com a
luminosissima discussão do caso da Trindade, lembrar-se-á de que
ninguem com mais honra para todos nós é capaz de representar em
qualquer parte o nome brasileiro, - do que este trabalhador infatigavel,
cujo talento tem o esplendor do nosso céo e a fecundidade sagrada e
perpetua do nosso sólo. (BILAC, 01/08/1895, p. 2)
Azevedo frisava seu esforço para ir à Europa, “poderia ter obtido um mau
consulado em algumas das bibocas republicanas da América do Sul, mas fiz questão de
ir para a Europa” (AZEVEDO, 1961[1896], p. 119), mesmo que tivesse sido mais fácil
permanecer no seu continente de origem, por causa da crescente aproximação do Brasil
com os países vizinhos e os Estados Unidos (CERVO; BUENO, 2012, p. 177).134
133
Henrique Coelho Neto (apud MÉRIAN, 2013, p.547) descreveu que Aluísio Azevedo, desiludido, havia
comentado que desejava viver somente da diplomacia, dizia “Que romances, contos?...estás doido! Vou ser
cônsul e nada mais. De literatura estou farto”.
134
No processo de reorientação da política externa dos primeiros anos da república, de acordo com
Clodoaldo Bueno (2012, p.175), tentaram suprimir várias legações brasileiras. Nas palavras do pesquisador
“os deputados eivados de jacobinismo tinham preconceito contra formas de governo não republicanas e
contra países europeus em geral”. Eles pediam, inclusive, que fossem extintas as da Rússia e do Japão, “sob
a alegação de que faltavam ao Brasil interesses nesses países”.
242
135
Aluízio Azevedo esteve em Lisboa e nessa breve passagem encontrou, entre outros, o ilustrador
português que esteve no Brasil e trabalhou em Da França ao Japão, Bordalo Pinheiro, sobre o qual afirmou:
“Como o Bordalo é doido!” (AZEVEDO apud MÉRIAN, 2013, p.551).
136
Ofício de 10 set. 1897. (BRASIL, 2012, p.169).
243
Azevedo considerava que sua carreira havia sido prejudicada por uma publicação
satírica de seu irmão. Assim como a literatura servia como justificativa para a não
nomeação, sua obra em processo sobre o Japão servia como motivo para mantê-lo no
país:
E quando o general Dionísio, depois de ceder à pressão presidencial,
perguntou ao Salafrário porque lhe fizera faltar ao prometido, arredando
um candidato que lhe parecia digno, o Salafrário lhe respondeu que “A
pedra da bexiga passara para o sapato...” referindo-se a uma quadrinha
de Gavroche no Pais a respeito da enfermidade vesical daquela bêsta,
quando o Manuel Vitorino acabava de receber o formidável coice que
o pôs fora do Govêrno. – De sorte que, porque meu irmão publicou uma
quadrinha, satirizando aquêle tipo, o tipo, nem só não me deu o lugar
que se criou para mim, como ainda me prejudicou sériamente no meu
futuro, como agora se vê da carta do Olinto. – E a cousa chegou a este
extremo pelo seguinte processo: A nomeação do tal Cunha era ipso-
facto a minha exoneração por extinção de lugar. O Henrique Lisboa,
então ministro no Japão, telegrafou ao Dionísio sobre as desvantagens
da minha retirada daquele país (conhecia êle de leitura o livro que eu
estava engendrando sobre Dai Nippon) e o Dionísio que me julgava
lesado, resolveu conservar-me como vice-cônsul honorário, pago, com
os mesmos vencimentos anteriores, pela verba de Extraordinários do
Exterior. Consultou-me sobre o caso por telegrama, e eu resolvi ficar
para poder continuar a fazer o meu livro. Note-se que o telegrama me
surpreendeu já em S. Francisco da Califórnia, perdendo eu três meses
nesse passeio forçado, e quase naufragando à volta, a bordo do vapor
inglês Coptic (AZEVEDO, 1961[1900], p.136-7)
Aluísio Azevedo foi eleito para ocupar a cadeira número quatro da Academia
Brasileira de Letras em 1897, mesmo ano em que foi para Yokohama. Um livro sobre o
Japão estava nos planos do escritor – se não antes, logo nos primeiros momentos da
estadia naquele país. Como ele era conhecido nos meios literário e jornalístico, sua
chegada ao Japão foi anunciada na imprensa, que também criava uma expectativa pela
obra:
Por cartas recebidas de Port-Said, sabemos que já se deve achar no
Japão o Sr. Aluizio Azevedo, nosso vice-consul em Yokohama. O Sr.
Aluizio Azevedo mostra-se muito satisfeito com a sua recente
transferencia para o Japão, cuja curiosa e sorprendente civilisação
pretende estudar em um livro, em que analysará detidamente os seus
aspectos mais interessantes. Estamos certos que a presença do Sr.
Aluizio Azevedo em Yokohama, com as facilidades a que lhe dá juz a
natureza do cargo que ora desempenha, em muito contribuirá para o
bom commercio das nossas relações, ora encetadas com tanta satisfação
reciproca com a grande nação do Extremo Oriente. (JORNAL DO
COMMERCIO, 29/10/1897)
Azevedo não era apenas amador, como também dedicado a ser intérprete da
história e da cultura japonesa na obra que pretendia lançar no Brasil – O Japão. Ele,
porém, não pretendia escrever um relato de viagem. Para Renato Ortiz (1997, p. 93), trata-
246
Certamente as obras lidas por Azevedo neste momento foram importantes para a
elaboração de seu texto. Por exemplo, o livro de Georges Bousquet, Le Japon de nos jours
et les échelles de l’Extrême Orient (1877); o autor esteve no Japão em 1872, como
conselheiro do governo japonês no processo de adequação das instituições políticas.
Vinte e três anos depois da viagem de Francisco Antônio de Almeida, o país aonde
Azevedo foi enviado era, sem dúvidas, muito mais conhecido e explorado. Luiz Dantas
(1984, p.21) resume em uma questão as experiências e adesões naturalistas de Azevedo:
“Como compreender que a Itália das ilhas Lípari e de Nápoles, sonhada em Uma lágrima
de mulher, o primeiro romance, e as raízes do Extremo Oriente, desvendadas em O Japão,
possam se harmonizar no interior da obra do discípulo brasileiro de Emile Zola?”. Ele
esclarece que era comum aos escritores do oitocentos o interesse pelo exotismo e o
“desejo de descobrir o novo e o estranho, e de representá-lo” (p. 21).
No final do século XIX, o japonismo havia se tornado “moda” nas artes e na
literatura. Na pintura há referências que possivelmente chegaram ao escritor, como as
obras dos impressionistas, com evidente inspiração nas estampas japonesas. No retrato do
escritor Émile Zola, o pintor impressionista Édouard Manet chegou a inserir na tela uma
estampa de Utagawa Kuniaki II (que aparece ao lado de seu outro quadro Olympia e o
Baco de Velasquez), além de um biombo japonês:
247
Azevedo também quis ser um intérprete do Japão, inserindo sua narrativa entre as
demais, mas buscando uma originalidade.
Escrever sobre o Japão no final do século XIX implicava aderir a uma
tendência artística, a um gosto, cuja primeira característica era a de ser
cosmopolita. Europeus, americanos do norte e do sul, homens de letras
ou artistas plásticos, o público cultivado em geral, achavam-se
sensibilizados, fascinados, pela última grande descoberta do Ocidente,
por sua última grande viagem – o Japão. E a reação a esse encontro, que
vai da Madame Butterfly de Puccini aos escritos de Lafcadio Hearn, da
decoração dos interiores fin de siècle à grande revolução da pintura, que
é o impressionismo, é o que se poderia chamar de japonismo.
(DANTAS, 1984, p.20)
como pontos-chave as obras dos escritores ocidentais Edmond Goncourt, Lafcadio Hearn,
Pierre Loti e Wenceslau de Moraes (com publicações entre 1887 e 1928). A facilidade de
comunicação e acesso aos países estrangeiros intensificou o contato, para Hobsbawm
(2006, p.119) o período imperialista aumentou o número de escritores que escolheram ser
“intermediários” entre o “mundo ocidental” e o “exótico”.
Além de Loti, Lafcadio Hearn140 foi um dos mais conhecidos estrangeiros que
buscou interpretar o Japão, iniciando em 1894, com Glimpses of unfamiliar Japan.
Chegou no país em 1890, como correspondente do Harper’s Magazine, de Nova Iorque;
casou-se e fixou residência no Japão, tendo publicado vários livros sobre o país: Glimpses
of unifamiliar Japan (1894), Kokoro: Hints and echoes of Japanese inner life (1896), In
ghostly Japan (1899), Kotto (1902), Kwaidan (1904) e Japan: an attempt of
interpretation (1904) (KUNIYOSHI, 1998, p. 88). Na análise de Glimpses of unifamiliar
Japan, a pesquisadora Rie Askew (2009) considerou que naquele momento a demanda
por livros sobre o Japão tinha se enraizado no mundo Ocidental, interesse desencadeado
pelo japonismo.
Para Luiz Dantas (1984, p. 24), se concretizasse sua publicação, Azevedo “se
colocaria entre os pioneiros”, considerando que Madame Chrysantéme (1887) e
Japoneries d’automne (1889) de Pierre Loti “pertencem a um gênero mais romanesco
que ‘científico’.”. O livro O Japão se encaixaria, desta forma, em um “continuum” (p.
20) de aproximação e vulgarização do conhecimento sobre o local. Era justamente esse o
problema, na medida em que a cada nova publicação sobre o assunto, menor era o
ineditismo. Nessa perspectiva, a demora na publicação teria sido central para que
Azevedo desistisse de seu projeto de publicar o livro no início do século XX. Em 1900,
em La Plata, na Argentina, Azevedo enviou uma carta para Lúcio de Mendonça, a quem
contou sobre sua tentativa para ser nomeado a um cargo em Portugal “porque isso,
segundo a otimista opinião do solicitador, traria a vantagem de poder eu imprimir lá o
meu livro já pronto sobre o Japão” (AZEVEDO, 1961[1900], p.132). Onze anos depois,
ainda se mantinha a expectativa, como era demonstrado no Jornal do Recife:
Sómente então soube que o nosso grande Aluizio para seu bem e nosso
mal deixára definitivamente de escrever, ideando em todo caso ainda
uma obra impressionista e forte, sobre o Japão passado, a terra curiosa
e singular das gueishas, quimonos e jiu-jitsu.
140
“Lafcadio Hearn, grego de nascimento, filho de pai irlandês, mas de origem romena, e de mãe grega,
cidadão americano tendo vivido muito tempo nas Antilhas antes de ir ao Japão, onde se casou e se converteu
ao budismo.” (DANTAS, 1984, p.22).
249
Apesar de já se terem passado hoje uns largos dois annos destes régios
projectos de trabalho, continuamos anciosamente a esperal-o ainda.
Esse livro, ao par da obra magistral e profundamente sociologica de
Oliveira Lima, seria, certo, o que de melhor se disse já daquella
civilização original. Iriamos ter o lado curioso e esthetico daquella raça
exquisita, para o completo desmoronamento das torpezas de Pierre Loti
na sua “Chrisanthème” hedionda e da literatura ainda bem mais
lamentavel de Tokutomi.
Emquanto, porém, estas cousas anciadas e dignas se não realisam o
nosso caro amigo se distrahe da nostalgia da arte em torpesas generosas.
(JORNAL DO RECIFE, 20/03/1911)
De acordo com Jean-Yves Mérian, “se concluído, o livro poderia ter sido a
primeira obra de um escritor brasileiro sobre o Japão moderno” (2013, p. 17). Ao que
parece, era esse ineditismo que Azevedo buscava, mas é pouco provável que não tivesse
conhecimento de Da França ao Japão, por exemplo. Como a obra de Francisco Antônio
de Almeida não era exclusivamente sobre o Japão, nem literária, o livro de Azevedo seria
mais acessível e reconhecido, mesmo que não o primeiro sobre o tema.
O fato é que o livro de Azevedo não foi publicado no início do século XX. Logo
se sucederam outras obras sobre o tema, de acordo com Afrânio Peixoto, amigo do
escritor,
dia a dia o livro ia sendo conhecido e sabido por todo o mundo sem que
fosse impresso e lido. Um livro esgotado e inédito. Agora já parecia
feito de lugares comuns e as deduções e profecias seriam cousas
passadas: a novidade e a perspicácia de observação seriam até pela
malicia havidas como arranjo e embuste, pela crítica como
desinteressantes e ociosas. Aluísio, desgostoso, não quis mais escrever.
(PEIXOTO apud DANTAS, 1984, p. 14-5).
sobre o Japão, já que não podia mais ser publicado, como o desejara, não o seria
mediocremente” (PEIXOTO apud DANTAS, 1984, p. 14).
O livro O Japão ao qual temos acesso atualmente, é uma publicação póstuma dos
escritos de Aluísio Azevedo. A transcrição do manuscrito foi feita e analisada por Luiz
Dantas como parte de seu doutorado, concluído em 1980, na Universidade de Aix-en-
Provence. A publicação saiu em 1984, pela editora Roswitha Kempf, com apoio da Japan
Foundation. O manuscrito foi preparado por Fernando Nery, secretário da biblioteca da
Academia Brasileira de Letras entre 1923 e 1948 (DANTAS, 1984, p. 37). A segunda
edição de O Japão foi impressa na coleção Cadernos da Biblioteca Nacional, em 2010,
com organização de Fábio Lima. O título do livro já suscita questões de uma obra não
finalizada, pois não se sabe ao certo se esta era a escolha do autor. De acordo com Luiz
Dantas, optou-se por conservar o título citado por um dos biógrafos do escritor, Raimundo
de Menezes. Contudo, isto não era unanimidade:
Já outro crítico, e amigo do romancista, Afrânio Peixoto, refere-se ao
inédito japonês como Agonia de uma raça. E para encerrar a lista, a
biografia mais recente de Aluísio Azevedo, a de Jean-Yves Mérian,
designa os cadernos que os herdeiros do escritor conservam em Buenos
Aires, contendo apontamentos e esboços, pelo nome de O Japão tal
como ele é. Essa multiplicidade de títulos faz supor, evidentemente, que
Aluísio Azevedo, enquanto vivo, não fixara sua escolha sobre nenhum
deles, para um livro que nunca pôde publicar, nem concluir
completamente. (DANTAS, 1984, p. 36-7)
uma continuidade sobre o tema quanto revisitando e muitas vezes repetindo perspectivas
já consolidadas nas visões europeia e estadunidense.
Mesmo que dando espaço privilegiado ao meio e à raça, desnudando os problemas
sociais e econômicos, o naturalismo brasileiro tinha suas especificidades. Azevedo
articulou estes elementos como condicionantes das ações em sua narrativa ambientada no
Cortiço. Para Candido, “em nenhum outro romance do Brasil tinha aparecido semelhante
coexistência de todos os nossos tipos raciais” (p. 138). Nesse sentido,
esta Bertoleza, aliás, que era cafuza, serve para surpreendermos o
narrador em pleno racismo, corrente no seu tempo com apoio numa
pseudo-ciência antropológica que angustiava os intelectuais brasileiros
quando pensavam na mestiçagem local. João Romão propõe a Bertoleza
morarem juntos, e ela aceita, feliz, “porque, como toda a cafuza (...) não
queria sujeitar-se a negros e procurava instintivamente o homem numa
raça superior à sua”.
Nada falta, como se vê: o instinto racial, a raça inferior, o desejo de
melhorá-la, o contacto redentor com a raça superior. (CANDIDO,
1993, p. 143-4)
141
Para Dantas (1984), esta é a única carta conhecida enviada por Aluísio Azevedo durante o período em
que esteve em Yokohama; contudo, encontramos outras publicadas pelo seu irmão Artur Azevedo,
inclusive apresentadas anteriormente nesta análise.
252
Querido Artur,
Deixei Mito anteontem e com ele ficou a estrada de ferro; agora viajo
em congo e cá estou em Oda, província de Mitachi, onde a pobre
população me olha como se fosse um bicho raro. Deixei a minha mala
em Mito e só trouxe uma maleta de mão; lá se me ficou também o
tinteiro e o papel, obrigando-me a escrever-te a pincel e nanquim. Este
papel em que te escrevo é feito em rolo donde vai se gastando à
proporção que se precisa (estava bom para Rui Barbosa) e o tinteiro
correspondente é muito curioso, é uma caixinha de tinta.
Desta mania de ficar conhecendo o verdadeiro Japão e a legítima vida
japonesa tenho experimentado das boas. Do que eu trazia de provisão
da comida europeia, nada mais me resta e começo a familiarizar-me
com a pitança japonesa. O grande caso é que meu livro há de ser
verdadeiro, porque hei de entrar no coração do japonês como estou
penetrando no íntimo do seu país e dos seus costumes. Imagina que meu
quarto é do tamanho de uma cama e que me não deixam dormir às
escuras, para não ser perseguido pelos maus espíritos. (AZEVEDO
apud DANTAS, 1984, p. 16)
142
Nas palavras de Eric Hobsbawm: “A chegada da estrada de ferro era em si mesmo um símbolo, já que a
construção do planeta como uma economia única era, de várias formas, o aspecto mais espetacular e de
maior alcance da industrialização” (HOBSBAWM, 1982, p.56).
253
fotografavam e anotavam, como se vissem “um bicho raro”. Assim como Susan Sontag
(2018, p. 17) afirmou que há uma agressão implícita no uso da câmera fotográfica, pode-
se dizer que também era agressivo o modo como o viajante observador analisava os povos
que descrevia. O desconforto de Azevedo, portanto, não deveria ser maior do que aqueles
que tinham suas ruas invadidas por estrangeiros em busca de curiosidades.
Tamanha a estranheza dos hábitos, que o viajante carregava sua “comida
europeia”; mas, mesmo mantendo estas distâncias, seu objetivo era “entrar no coração
japonês” (AZEVEDO apud DANTAS, 1984, p. 16), e aqui se diferencia dos viajantes
anteriores que tratamos. Enquanto Francisco Antônio de Almeida buscava uma análise
baseada na “verdade” com conotação científica, de descrição objetiva da história e do que
via, e Custódio de Mello elaborava uma espécie de diário de bordo, com sequência de
datas e fatos, Azevedo tentava compreender os valores e sentimentos japoneses; nesse
sentido, o escritor tratava a história do Japão buscando explicar as motivações dos
personagens.
Já instalado em Yokohama e atuando no consulado, Azevedo enviou, em setembro
de 1898, uma carta ao seu irmão que foi publicada no jornal O Paiz:
Aluizio Azevedo escreveu-me do Japão, dizendo que trabalha
activamente n’uma obra sobre os usos e costumes daquelle paiz.
“Oh! livro difficil de fazer! diz elle. Imagina que a maior parte das
coisas que se lêem sobre o Japão são verdadeiras patranhas, e eu quero
dizer a verdade... Com certeza quem passará por mentiroso hei de ser
eu, porque todos acreditam em Pierre Loti et reliqua”
E mais adiante:
“O meu livro está muito adiantado, quero ver se imprimo aqui mesmo,
com estampas japonezas. Por elle verás a impressão que me tem
produzido este original paiz e os seus habitantes, em geral meigos e
bons.”
Não me furto o prazer de copiar as seguintes linhas:
“Faz agora (8 de julho) um calor mais intenso que o do Rio de Janeiro.
E pensar que ha cinco mezes a neve embranquecia tudo! É o que tem
de mais impressionador o Japão – é assim uma especie de indice do
mundo.
Aqui se encontram todas as fructas dos trópicos e todas as fructas da
Europa. Hoje tens a manga, o ananaz, o cambucá, - amanhã a ginja, o
alperce, o damasco, - apenas deixam de ser tão saborosas como na
Europa, na América e na África.
Mas não são só as fructas: aqui ha todas as aves: o faisão é tão commum
como a gallinha e o peru; ha todos os peixes, e o salmão anda ao alcance
de todas as bolsas; ha todas as flores e, posto que menos odorantes, são
mais bellas e decorativas que em parte nenhuma do mundo.
A paisagem em geral é encantadora, as cidades é que são feias,
monótonas, pouco divertidas.
254
No meu livro dou conta de tudo com uma sinceridade que talvez não
seja bem comprehendida pelos leitores. Mas ora adeus! para fazer
Madame Chrysanthème não vale a pena vir ao Japão.
O que me desconsola é esta falta de lingua que se entenda. Não sei o
que me parece estar a gente a escrever os seus livros em portuguez,
quando nem mesmo os portuguezes tomam a serio o que na lingua
delles se escreve no Brazil. Ao fazer-se um livro já se tem certeza de
que elle, por melhor que seja, nunca será um livro illustro.”
As linhas que ahi ficam são destinadas aos numerosos amigos que
constantemente me pedem notícias de Aluizio Azevedo.
A.A. (O PAIZ, 12/09/1898, p. 1)
143
De acordo com Luiz Dantas, as traduções de Kojiki e Nihongi foram feitas respectivamente por Basil
Hall Chamberlain e William George Aston, publicadas em 1833 e 1896.
256
144
Uma questão importante é que muitas das informações das experiências não podem ser confirmadas,
considerando ainda que alguns relatos foram escritos por ghost writers ou editados, como os da primeira
expedição de James Cook por John Hawkesworth. E, mesmo que elaborados pelas mãos do viajante, quão
fidedigna seria a descrição? Mesmo que as respostas sejam negativas, ela ainda nos propõe a pensar sobre
o que se buscava informar e que era uma elaboração possível em sua época sobre a realidade visitada e
sobre o próprio autor.
257
145
Esta perspectiva, inclusive, estava em Bousquet que afirmava que a rápida difusão do budismo era
possível pela “inclinação própria do temperamento japonês pela imitação” (DANTAS, 1984, p.156).
258
Esses elementos teriam criado a coesão capaz de fazer emergir um país forte na
Era Meiji. Para Azevedo, isto era o que faltava para que a república brasileira se tornasse
uma nação forte. O escritor era um saudosista do período anterior à abertura, crítico da
expansão capitalista e considerava que
o dinheiro ainda servia só para ser gasto e não para ser multiplicado pela
tabuada dos filhos de Israel; o capital ainda não era capital, era coisa
secundária, não se tinha transformado em força viva e roda dentada que
engrena, arrasta, mastiga e babuja a moral, o talento, o amor e o caráter
da melhor porção do mundo moderno (2010[189?], p. 93-4).
146
De acordo com Célia Sakurai (2008, p.147), a ideia de governo havia sido adicionada à original, nesta
acreditava-se na importância da harmonia entre sistema terrestre e leis celestes, “defenderam, assim, a
crença de uma relação profunda entre a harmonia e a existência dos governos, que são a forma de regular a
convivência entre os homens.”, além disso naquele momento a ideia de lealdade foi destacada a fim de
fortalecer a figura do imperador.
259
No caso de Richardson, relatos dão conta de que ele estava com outros três
estrangeiros e que “foi assassinado à luz do dia sem – do ponto de vista ocidental – ter
provocado qualquer incidente” (KODET, 2016, p. 50, tradução nossa). Já para os
japoneses, teria sido ofensiva a atitude do europeu, ao “tentar passar direto por uma
comitiva de samurais (algo que seria normal na China, onde os ocidentais olhavam para
a população local como racialmente inferiores) sem prestar o respeito habitual de
desmontar do cavalo” (p. 51, tradução nossa); tratava-se de uma comitiva importante,
vinda do domínio de Satsuma. Conhecido como Incidente de Namamugi, o caso
261
a tal extremo por uma raça velha, impassível e hipócrita como a raça
chinesa. (p. 144)
147
Sobre o descontentamento popular, Célia Sakurai (2008, p.154-57) apresentou 177 revoltas camponesas
entre 1868 e 1873, em protesto contra o pagamento de impostos em dinheiro; havia também o problema da
obrigatoriedade do serviço militar que afastava os jovens dos trabalhos no campo, as revoltas dos samurais
contra o corte dos privilégios e, entre outros, a divergência dos que perderam poder político com a
reestruturação da Restauração.
263
cosmovisão japonesa e a que vinha das grandes potências precisou ser remodelada para a
manutenção da coesão nacional, assim, “com o tempo, os japoneses aceitaram os
princípios ocidentais de igualdade e de liberdade, reforçando, concomitantemente e sem
se acreditarem contraditórios, a hierarquia e a lealdade para com os superiores no modelo
confuciano da harmonia” (SAKURAI, 2008, p. 152-3). Esse cenário animava o vice-
cônsul Azevedo, que tinha defendido a república quando de sua proclamação, mas que se
via descontente com seus rumos. Além disso, o desenvolvimento industrial e científico,
caros à concepção positivista, tornava o Japão ainda mais interessante. No Brasil, o
processo de construção nacional também ocorria, porém, mais do que manter o território,
buscava-se a identificação dos cidadãos com a república. De acordo com José Murilo de
Carvalho (2014b, p. 32), no início desta, não existia uma comunidade política, mesmo
que a Guerra do Paraguai tivesse dado margem a um sentimento nacional e mesmo que o
Brasil tivesse elementos fundamentais para a construção da uma identidade nacional,
como língua, religião e unidade política.
Entretanto, uma das características do nacionalismo japonês era a xenofobia, que
“se acentuou com a propaganda da nação japonesa como uma única e grande familia,
abrangendo todo o território e se distinguindo das outras por sua ligação com a linhagem
imperial e, consequentemente, com Amaterasu, a deusa do sol” (SAKURAI, 2008,
p.146). Para o nacionalismo, era importante um povo com uma cultura e um passado em
comum. A ideia estava presente nos relatos dos viajantes anteriores, mas no texto de
Azevedo, ganhava contornos de defesa do nacionalismo japonês, já que ele vivenciou o
momento em que aquele projeto estava em curso, tendo sido igualmente influenciado por
ele.
Assim como o Japão se esforçava para a formação de vínculos que mantivessem
a coesão nacional na Era Meiji, no Brasil, buscava-se criar um imaginário republicano
capaz de legitimar o novo governo ou “atingir não só a cabeça mas, de modo especial, o
coração, isto é, as aspirações, os medos e as esperanças de um povo”. Além disso tanto
em uma quanto em outra realidade, essa elaboração do imaginário e identificações era
central pois “é nele que as sociedades definem suas identidades e objetivos, definem seus
inimigos, organizam seu passado, presente e futuro” (CARVALHO, 2014b, p.10).
Entre a primeira e a última viagem que acompanhamos, os dois países viveram
mudanças sociais e políticas que acarretaram a busca pela formação de nações modernas.
O Japão foi capaz de formar tanto uma coesão social quanto desenvolver-se econômica e
264
6.4.3 AS JAPONESAS
Quando esteve em Mito, Azevedo apontou que estava sempre acompanhado por
japonesas. Além disso, Afrânio Peixoto viu em seu gabinete de trabalho, em Nápoles,
uma tela de seda com a imagem de “Satô, uma criatura formosa, quase ocidental na sua
miúda face morena, mas com a graça tênue e sutil, de recato e de simplicidade, das
musumês, já lendárias”, sugeria ainda que se tratava de um romance vivido por Azevedo
que não pôde acompanhá-lo e que por “mais de dez anos, e outro mundo de permeio, não
lhe privaram de uma saudade” (PEIXOTO apud DANTAS, 1984, p.15).
Em diversas passagens dos relatos de viajantes brasileiros, as mulheres foram
entendidas como medida da civilização. Tratava-se do seu asseio pessoal, comportamento
conjugal, danças, sexualidade, vestimentas. Dentre os que acompanhamos, o viajante que
dedicou mais páginas às japonesas diante da chamada “ocidentalização” foi Aluísio
Azevedo. Diferentemente dos outros viajantes, Azevedo inseriu em sua narrativa a figura
da musume, termo usado na literatura francesa para as descrições sobre o Japão148. O
escritor descreveu que, antes da abertura, os holandeses importavam ovelhas e cabras para
abate. Mas havia também outras negociações:
Assim, quando mais tarde, depois de muita lamúria, permitiu o xogum
que as “musmês” da mais baixa extração fossem ter à ilha Dechima e
isso somente na ausência do sol, o povo começou de alcunhálas de
“ovelhas” e “cabras”, qualificativo com que ainda agora grande parte
dele estigmatiza a japonesa que partilha com qualquer ocidental o fruto
do paraíso. (AZEVEDO, 2010 [189?], p.88)
148
A tradução do termo musume para o português brasileiro que temos mais próxima à viagem é a de
Wasaburo Otake (1957, p.344): “filha, moça, donzela, rapariga, menina”.
266
149
O quadro de Vicent Van Gogh, La Mousmé, de 1888, está acessível no acervo digital da National Gallery
of Art de Nova Yorque. Disponível em <https://www.nga.gov/collection/art-object-page.46626.html>.
Último acesso em 13/08/2020.
267
Ciente da imagem de falta de liberdade das japonesas vivendo fechadas “no annel
de ferro da restricta moral”, Azevedo questionava: “É odiosa a sua moral domestica,
porque faz da mulher um objeto sem vontade?”; ele mesmo respondia que sim, mas
ponderava que era positivo na medida em que promovia estabilidade familiar e evitava
práticas como a da roda dos expostos, “enquanto a vontade de toda e qualquer mulher
japoneza nada mais fôr do que o fiel reflexo da vontade do respectivo marido”
(AZEVEDO, 1904[1902], p. 217).
A leitura de Azevedo parecia ir na direção de Bousquet, para quem “a mulher
japonesa ocupa uma posição de escrava, enclausurada e muda na sociedade japonesa, sem
direito a uma vida social” (OKAMOTO, 2010, p.81). Para o brasileiro, a ideia construída
sobre a passividade da mulher foi considerada positiva. Esse texto reiterava seu discurso
em relação aos males da entrada de estrangeiros, seus valores e modos de vida, no Japão.
A mulher, assim como o país, corria o perigo de se degenerar e perder suas virtudes.
Cada qualificativo dado às mulheres correspondia a uma realidade social mais
ampla. Nota-se que na narrativa de Aluísio Azevedo há menos espaço para o Japão
exótico e inocente, os corpos aparentes, a casa de banho, as risadas, que vinham nas
palavras e imagens de Da França ao Japão (1879). Já em meados do século XX não
apenas a realidade no Japão era diferente, especialmente nos espaços acessados pelos
estrangeiros, mas também outra perspectiva estava consolidada e influenciava as novas
narrativas. Entretanto, permanecia o interesse dos viajantes pelo “erótico transracial”
(PRATT, 1999, p. 148), pelas mulheres que lhes causavam estranhamento e de quem
julgavam o comportamento como observadores brasileiros intelectualizados à europeia e
conservadores.
150
Ofício de 2 jan. 1898. (BRASIL, 2012, p.195).
151
Despacho de 22 maio 1897. (BRASIL, 2012, p.163).
269
152
Ofício de 4 out. 1897. (BRASIL, 2012, p.173).
153
Não há nestes registros da data de publicação, informa-se apenas que se trata de uma revista japonesa
quinzenal e redigida por homens importantes do país e que, portanto, era um veículo de informação
considerado relevante naquele momento.
154
Ofício de 4 out. 1897. (BRASIL, 2012, p.176).
270
155
Ofício de 1 nov. 1897. (BRASIL, 2012, p.179).
156
O artigo aparece citado no Ofício de 18 fev. 1898. (BRASIL, 2012, p.208).
271
157
Ofício de 30 nov. 1898. (BRASIL, 2012, p.240).
158
Ofício de 20 dez. 1898. (BRASIL, 2012, p.247).
272
Senhor Ministro,
Desde o estabelecimento desta legação e do consulado em Yokohama,
tanto eu como o sr. Ferraz Rego recebemos frequentes consultas com
relação à emigração japonesa para o Brasil e ao comércio direto entre
os dois países. Por outro lado, do Brasil tenho tido de satisfazer também
a vários pedidos de informações sobre assuntos japoneses. A supressão
desta legação e dos consulados no Japão, torna d’ora em diante
impossível a satisfação de semelhantes requisições, que mais necessária
se fará sentir agora que parecem encaminhar-se a uma solução prática
os propósitos de iniciar a emigração e de estabelecer uma corrente de
transações diretas entre este país e o nosso. 159
159
Ofício de 20 jan. 1899. (BRASIL, 2012, p.260).
160
Ofício de 20 jan. 1899. (BRASIL, 2012, p.260).
161
Ofício de 28 jun. 1901. (BRASIL, 2012, p.275).
273
outro ministro japonês no Brasil em lugar no sr. Chinda, que vai ser
removido para a Holanda.Animei-o a realizar essa nomeação fazendo-
lhe sentir que a conservação da legação japonês no Brasil muito
contribuiria para o restabelecimento da nossa representação
diplomática aqui, desde que as circunstâncias o permitissem. Citei-lhes
os exemplos da Rússia e da Áustria que tinham mantido os seus
ministros no Brasil, apesar de suprimidas as nossas legações naqueles
países. Os meus argumentos, felizmente confirmados por iguais
seguranças que destes aí ao sr. Miura e que ele transmitiu a este governo
em extenso telegrama, conseguiram modificar o ânimo do sr. Aoki, o
qual prometeu-me trabalhar junto ao imperador e ao presidente do
Conselho para que fosse feita a nomeação de um novo ministro no
Brasil. Anteontem anunciou-me o visconde já estar isso decidido, tendo
recaído a escolha no sr. Narinori Okoshi, o qual, além de outros cargos
importantes na administração interna, exerceu funções consulares em
Londres e Xangai.162
162
Ofício de 1 mar. 1899. (BRASIL, 2012, p.264-5).
163
Ofício de 28 fev. 1899. (BRASIL, 2012, p.263).
274
Diferente de muitos dos seus antecessores, Oliveira Lima não era um entusiasta
da vinda de japoneses ao Brasil164, “tanto pelo perigo que oferece de uma maior mistura
de raças inferiores na nossa população, como pela carência de experiência agrícola com
modernos processos e utensílios”, mas sobretudo, pela “natureza psicológica e objetivo
social que separa a raça ariana da mongólica”165. Inclusive, em determinado momento
ponderou que “o chinês é um trabalhador infinitamente mais acomodado e bem mais
laborioso do que o japonês, e não existe, no seu caso, o perigo das reclamações
diplomáticas que seria para temer por parte do governo japonês”166.
Se a assinatura do Tratado de Amizade com o Japão havia sido postergada por
conta da Guerra Sino-Japonesa, a vinda dos imigrantes teve interferência da Guerra
Russo-Japonesa, em 1905. Ambos os eventos deixavam evidente que o Japão se construía
como uma nova potência no cenário internacional. No Brasil, os contatos e as diferentes
visões elaboradas sobre os japoneses e o Japão fizeram parte da dinâmica de aproximação
entre os países e foram importantes para a construção do destaque dado ao Japão. Quando
os primeiros imigrantes chegaram ao Brasil em 1908, sua imagem já não era nem aquela
homogeneizadora do trabalhador asiático de meados do século XIX, tampouco a
romantizada, do exotismo caro aos viajantes, mesmo que resquícios dessas duas visões
tivessem permanecido.
164
Ver: TAKEUCHI, Marcia Yumi. A diplomacia brasileira diante da imigração japonesa (1897-1942).
Estudos Japoneses. n. 28, 2008. p. 99-112.
165
Ofício de 15 set. 1901. (BRASIL, 2012, p.309).
166
Ofício de 12 abr. 1902. (BRASIL, 2012, p.359).
275
167
Diante do fim do subsídio e do grande interesse das empresas de imigração, três empresas conseguiram
junto ao governo nova concessão de 4 a 5 anos a partir de 1917, unidas sob o nome Brasil Imin Kumiai.
Posteriormente, a empresa mais famosa de emigração seria a Kaigai Kokumin Kaisha (K.K.K.). De acordo
com Saito (1961, p. 32), “este foi o primeiro passo que o governo nipônico dava no sentido de imprimir
cunho nacional e estatal à política emigratória para o Brasil. A própria criação da empresa monopolizadora
K.K.K. foi uma iniciativa tomada pelo gabinete chefiado pelo então Premier Terauchi”. O sistema de
subsídio foi assumido em 1925 pelo próprio governo japonês e mantido até 1941. É de 1908 a 1925,
portanto, que Saito recorta o primeiro período, experimental, da vinda de japoneses para o Brasil a fim de
suprir a necessidade de trabalhadores nas lavouras de café. Seguiram-se outros momentos, de 1926 a 1941,
com o subsídio japonês em uma política ativa de emigração até o rompimento por conta da Segunda Guerra
Mundial. E, por fim, com a retomada a partir de 1953.
277
objetivo de migração temporária através do trabalho assalariado, por isso os que vieram
mais tarde já substituíram seu objetivo por um de prazo mais ou menos longo” (SAITO,
1961, p. 115).
Na década de 1870, entraram 219.128 imigrantes europeus no Brasil; na década
seguinte, foram 525.086, chegando a 1.129.315 na década de 1890 (SAITO, 1961, p. 41).
De acordo com os dados do Departamento de Imigração e Colonização da Secretaria de
Agricultura do Estado de São Paulo, estado que mais recebeu imigrantes japoneses no
Brasil, na primeira metade do século XX foi contabilizada a entrada de mais de 190 mil
deles.168 Após um longo debate, contatos, iniciativas governamentais e privadas (muitas
frustradas em relação aos trabalhadores asiáticos); mesmo tendo sido iniciada após os
Estados Unidos ou outros países latino-americanos, a imigração japonesa para o Brasil
correspondeu a mais de um terço do total para o continente e, ao invés de temporários,
eles se estabeleceriam como colonos no país169.
168
Para termos dimensão desta quantidade em comparação com as demais populações estrangeiras, nota-
se que, entre os anos de 1870 e 1952, foram registradas em São Paulo a entrada de 894.037 italianos,
406.448 espanhóis, 481.572 portugueses, 190.063 japoneses, 70.837 alemães e 39.693 austríacos. (SAITO,
1961, p. 43).
169
De acordo com os Dados Estatísticos do Ministério de Relações Exteriores do Japão sobre a emigração
japonesa entre 1885 e 1955, foram 241.709 imigrantes que vieram para países latino americanos, excluindo
o Brasil; e 196.737 para este país (SAITO, 1961, p.23).
278
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
com as experiências e interesses sobre os demais asiáticos, bem como sobre os imigrantes
europeus, em vez de inaugurar um quadro de discussões sem precedentes.
Num certo sentido, é possível afirmar que nenhuma história é apenas local, pois
entre o local e o global há sempre uma relação, um diálogo, com encontros e
desencontros. Do século XVII até a metade do século XIX, o Japão viveu uma política de
isolamento; quando iniciou o contato com o Brasil, já eram correntes discussões e
experiências com outros países do mesmo continente. Por isso, esta pesquisa sobre
viajantes brasileiros no Japão trata, por tantas vezes, de chineses, malaios, indianos, e
utiliza frequentemente o termo genérico “trabalhadores asiáticos”.
Os brasileiros, comumente vistos e descritos pelos viajantes europeus como os
outros, naquele momento eram observadores e narradores. Mas isto não os tornava
originários de uma grande potência, mas antes, demonstrava ambiguidades brasileiras. Os
viajantes testemunharam o movimento do século XIX que trouxe a “moda” da “literatura
de inspiração exótica”, e estar então no Japão era vivenciar este mundo diferente e em
rápida mudança. Por mais que as obras às quais nos dedicamos tenham se baseado em
leituras de textos estrangeiros, consideramos a experiência in loco como um grande
diferencial, pois
Esses homens de letras, desejosos de empreender obras fieis à
complexidade da civilização que tinham escolhido como assunto,
encontravam-se na obrigação de recorrer a uma ciência mais
aprofundada que a própria, nessa matéria. Não seria justo concluir
afirmando que a viagem ao Japão se fazia no interior de suas
bibliotecas, porque a experiência vivida e o conhecimento livresco se
alternavam. (DANTAS, 1984, p. 26)
no século XIX nos possibilita acessar um cenário mais diverso e global, atentando para
as diferentes conexões que foram estabelecidas nessas experiências.
No Manifesto Comunista (1848), Marx e Engels trataram do crescente mercado
mundial, da expansão industrial e do desenvolvimento da burguesia. Seu texto,
explicitamente político, demonstrava a dinâmica da qual tomaram parte os viajantes.
Como documento histórico, a obra e a luta política são reveladoras das relações
estabelecidas em prol da liberdade e do mercado, que foram mesmo denunciadas pelos
três viajantes brasileiros, que pouco ou nada tinham de revolucionários, mas que se viram
diante da situação, por vezes degradante, nos diversos portos que passaram. Expoentes na
emergência da consciência crítica sobre esse processo, Marx e Engels denunciaram a
exploração tanto de um indivíduo por outro, quanto de uma nação por outra. Nesse
sentido, criticaram o que percebemos ao expandirmos o panorama: a necessidade de
integração, por parte do mercado, até os lugares mais remotos, para obtenção de matérias-
primas, para suprir as demandas criadas por produtos de países distantes, sustentar seus
sistemas financeiros, tornando “a estreiteza e o isolamento nacionais (...) cada vez mais
impossíveis” (p. 17). Como estratégia de dominação, também pudemos acompanhar a
ação, pelo discurso, de levar a civilização como projeto de benfeitoria.
A necessidade de mercados sempre crescentes para seus produtos
impele a burguesia a conquistar todo o globo terrestre. Ela precisa
estabelecer-se, explorar e criar vínculos em todos os lugares.
(...)
Com a rápida melhora dos instrumentos de produção e das
comunicações, a burguesia logra integrar na civilização até os povos
mais bárbaros. Os preços baratos de suas mercadorias são a artilharia
pesada com a qual ela derruba todas as muralhas da China e faz
capitular até os povos bárbaros mais hostis aos estrangeiros. Sob a
ameaça da ruína, ela obriga todas as nações a adotarem o modo burguês
de produção; força-as a introduzir a assim chamada civilização, quer
dizer, se tornarem burguesas. Em suma, ela cria um mundo à sua
imagem e semelhança (p.16-7).
Como havia mais do que visões românticas sobre os países distantes, os viajantes
testemunharam realidades concretas com suas dificuldades materiais e estranhamentos,
trazendo também em seus relatos a expansão imperialista e sua desigualdade. Essa
assimetria produzia cenários de pobreza e violência nas relações de trabalho, na
alimentação, no acesso às condições de saúde, na arquitetura, nas vestimentas, na
educação. Nesse sentido, os brasileiros compreendiam aquela realidade a partir de
“ferramentas europeias”, de uma perspectiva eurocentrada, mas não como colonizadores,
já que vinham de um país que ainda convivia com os resquícios de uma colônia e tinham
suas próprias demandas nacionais a responder. As discussões sobre nação e a negociação
da identidade nacional eram temas importantes para a elite republicana; portanto, essa
relação de alteridade é também uma forma de perceber como o Brasil era pensado. Ou
seja, em certa medida, era sintomática da construção nacional frente aos demais países,
fossem os imperialistas ou aqueles que estavam na periferia do capitalismo.
Mesmo diante do pouco acesso aos documentos asiáticos, buscamos construir uma
perspectiva que questionasse a passividade dos “observados”. Por exemplo, diante das
fotografias coloniais e demais imagens, percebemos que estas faziam circular
estereótipos, mas quando compreendemos as etapas de sua elaboração, percebemos que
havia escolhas e delimitações desses outros, afinal, a cobrança pelo retrato, a atuação na
venda de imagens, a opção do que apresentar ao turista, a determinação da figura
governamental a ser eternizada, todos esses movimentos demonstravam capacidade de
ação. Além disso, quando vimos as inspirações e transcrições nos relatos dos viajantes
(por vezes plágios), percebemos que ocorreram de forma seletiva e não sem critérios, a
fim de reforçar determinada visão sobre o que era exposto, indo além da simples cópia.
Se as leituras vindas da Europa e dos Estados Unidos eram parte das influências
dos viajantes, é importante salientar que, dispostas sobre outra experiência, tais leituras
foram reelaboradas pelos brasileiros. Interessava a eles pensar sobre as demandas locais,
como os projetos de colonização e, neste caso, havia o receio da miscigenação asiática
com uma população considerada “totalmente mulata, viciada no sangue e no espírito e
assustadoramente feia” (GOBINEAU apud SCHWARCZ, 2016, p. 17). Os três viajantes
brasileiros não eram nem locais escrevendo diretamente sobre suas realidades de
colonizados, nem colonizadores. A referência recorrente ao início da história dos países
sobre os quais escreviam a partir da chegada dos europeus, por exemplo, configura uma
narrativa “enquadrada pela colonialidade” (ANDERSON, 2014, p. 34) de obras anteriores
282
e das quais foram muitas vezes reprodutores, chegando a sentir-se parte da civilização
europeia. Mas houve também a tentativa de romper com este processo, como na
recorrente defesa dos povos locais contra os ataques das grandes potências. Por
conseguinte, eu e eles não aparecem como algo estanque em seus relatos. O eu brasileiro
não é sempre o colonizador, nem mesmo o “ocidental”; por vezes ele é o colonizado, o
oposto das potências imperialistas, como demonstram as críticas à dominação inglesa.
Eles, de forma semelhante, pode se referir aos asiáticos, mas também aos europeus ou
estadunidenses. E nós, às vezes, compartilha dos hábitos civilizados, outras vezes se vê
como vítima do imperialismo. Mas com relação ao trabalho, os asiáticos eram
irremediavelmente os outros, logo, passíveis de servir ao nosso projeto naquele fim de
século. Mesmo após a abolição da escravidão no Brasil, essa distinção permaneceu no
debate, denotando como as medidas de coerção e disciplina eram apresentadas como
necessárias para garantir a obediência do trabalhador, agora supostamente livre.
Naquele momento, no Brasil via-se os asiáticos como possibilidade intermediária
entre africanos e europeus; e o discurso sobre eles era, em grande medida, racial. Nestas
elaborações, foi perceptível que diversas categorias, a princípio científicas, foram
mobilizadas com fins políticos, econômicos e adequadas às demandas dos seus emissores.
Para além do campo de conhecimento biológico, a questão racial era articulada de forma
a encaixar-se em diferentes discursos. Eram premissas abrangentes, que visavam ordenar
o mundo natural e passaram a hierarquizar os seres humanos. Assim, a sistematização de
raças das análises biológicas passou a ser um recurso utilizado para fins de divisão de
classes. Como afirmou Anne McClintock (2010, p. 20), “o imperialismo e a invenção da
raça foram aspectos fundamentais da modernidade industrial ocidental”, pois forjava-se
uma justificativa de superioridade de alguns, enquanto mantinham-se as “classes
perigosas” sob policiamento. O elemento histórico e as diferenças culturais, por sua vez,
passaram a ser utilizados para construção da “diferença japonesa”; posteriormente, ficaria
mais evidente as distinções étnicas entre chineses e japoneses, após a vinda dos imigrantes
e a construção de suas identidades no século XX.
Com relação aos chineses no Brasil, o debate foi elaborado sobre a vinda de
poucos trabalhadores, no início do século XIX, em consonância com as experiências nos
Estados Unidos, Cuba e Peru, que eram favorecidas pelas ações imperialistas no país de
origem. As análises sobre coolies, chins, malaios, indianos e depois sobre imigrantes
283
FONTES
ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição
histórica, usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia.
Rio de Janeiro: Typ. Do Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879.
______. O Japão: Apresentação e comentários por Luiz Dantas. São Paulo: Roswitha
Kempf Editores. 1984[189?].
CONGRESSO Agrícola do Rio de Janeiro, 1878. (Edição fac-similar dos Anais publicado
pela Typographia Nacional em 1878) Anais Introd. e notas de José Murilo de Carvalho.
Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1988.
GRAHAM, Maria. Journal of a Voyage to Brazil and residence there, during part of
the years 1821, 1822, 1823. Londres, 1824.
SOUZA FILHO, Tarquínio de. O Ensino Technico no Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1887
THE CUBA COMMISSION REPORT. A Hidden History of the Chinese in Cuba: The
Original English-language Text of 1876. Introduction by Denise Helly. The Johns
Hopkins University Press, 1993.
PERIÓDICOS
A Cigarra, 1895.
A Immigração, 1883-1885.
A Ordem, 1892.
A Noticia, 1896.
Correio da Manhã, 1937.
Diario de Noticias, 1891-1892.
Diario de Pernambuco, 1829.
Die Gartenlaube, 1876.
Gazeta da Tarde, 1896.
Gazeta de Notícias, 1879-1895; 1938.
Jornal do Agricultor, 1888.
Jornal do Brazil, 1893.
Jornal do Commercio, 1888-1897.
Jornal do Recife, 1911.
O Apostolo, 1879.
O Liberal do Pará, 1875.
O Paiz, 1879-1898.
O Pharol, 1894.
Pacotilha, 1898.
Revista Brazileira, 1896.
Revista do Brazil, 1900.
Revista Maritima, 1881-1882; 1895.
291
REFERÊNCIAS
ALATAS, Syed Farid. The problem of academic dependency: Latin America and the
Malay world. Post-Regionalism in the Global Age: Multiculturalism and Cultural
Circulation in Asia and Latin America. Rio de Janeiro: Academia da Latinidade. 2014.
ALBURQUERQUE, Luis. Los “libros de viajes” como género literário. In: GIRALDO,
Manuel Lucena; PIMENTEL, Juan (orgs.). Diez estúdios sobre literatura de viajes.
Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2006.
ASKEW, Rie. The critical reception of Lafcadio Hearn outside Japan. New Zealand
Journal of Asian Studies, n. 11, 2009. p. 44-71.
AZEVEDO, Ricardo Pereira de. Apresentação. In: LISBOA, Henrique Carlos Ribeiro. A
China e os Chins: Recordações de viagem. Rio de Janeiro: Fundação Alexandre de
Gusmão/CHDD, 2016. p. 7-11
BORM, Jan. Defining travel: on the travel book, travel writing and terminology. In:
HOOPER, Glenn; YOUNGS, Tim (Ed.) Perspectives on travel writing. Aldershot:
Ashgate, 2004.
BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. 1. ed. São Paulo: Edusp;
Porto Alegre: Zouk, 2007.
______. De Cortiço a Cortiço. In: ______. O discurso e a cidade. São Paulo: Livraria
Duas Cidades. 1993.
______. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a república que não foi. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002.
CHEN, Shi. Early chinese photographers from 1840 to 1870: innovation and
adaptation in the development of chinese photography. University of Florida, 2009.
COALDRAKE, Kimi. Fine arts versus decorative arts: the categorization of Japanese arts
at the international expositions in Vienna (1873), Paris (1878) and Chicago (1893). Japan
Forum, v.25, 2013, p.174-190.
COSTA, Carlos Roberto da. A Revista no Brasil do Século XIX. 2007, 292f. Tese
(Doutorado em Ciências da Comunicação) – Escola de Comunicação e Artes da
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
COSTA, Milton Carlos. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo:
Annablume, 2003.
EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução. 6 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2006.
ELIAS, Maria José. Os debates sobre o trabalho dos chins e o problema da mão-de-obra
no Brasil durante o século XIX. In: Trabalho livre e trabalho escravo: Anais do
VI Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História. São Paulo: ANPUH,
1973, p. 697-715.
FRANCO, Stella Maris Scatena. Relatos de viagem: reflexões sobre seu uso como fonte
documental. In: JUNQUEIRA, Many Anne; FRANCO, Stella M. Scatena. (Orgs.).
Cadernos de Seminários de Pesquisa. vol II. São Paulo: Humanitas, 2011.
HIRAYAMA, Mikiko. The Emperor's New Clothes: Japanese Visuality and Imperial
Portrait Photography. History of Photography, v. 33, n. 2, 2009, p. 165-84.
HOBSBAWM, Eric. A Era do Capital (1848-1975), 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1982
______. A Era dos Impérios (1875-1914). 10 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.
______. A Era das Revoluções: Europa (1789-1848). 21 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2007.
______. Nações e nacionalismo desde 1780. São Paulo: Saraiva de Bolso, 2011.
JONES, Michael J. 23rd september 1874 Typhoon. In: JONES, Michael J., A History of
Hong Kong Typhoons – From 1874. Hong Kong: Regal Printing Limited, 2017.
JUNQUEIRA, Mary Anne. Elementos para uma discussão metodológica dos relatos de
viagem como fonte para o historiador. In: JUNQUEIRA, Mary Anne; FRANCO, Stella
M. Scatena. (Orgs.). Cadernos de Seminários de Pesquisa. vol II. São Paulo:
Humanitas, 2011.
KIM, Kyu Hyun. The Sino-Japanese War (1894-1895): Japanese National Integration and
Construction of the Korean “Other”. International Journal of Korean History. vol.17,
n. 1. 2012. p. 1-27.
296
KODET, Roman. Richardson Affaire: Great Britain and the Tokugawa Bakufu 1862–
1863. Prague Papers on the History of International Relations. Prague: Charles
University, 2016. p. 42-59.
KUNIYOSHI, Celina. Imagens do Japão: Uma utopia de viajantes. São Paulo: Estação
Liberdade/FAPESP, 1998.
LEE, Erika. The “Yellow Peril” and Asian Exclusion in the Americas. Pacific Historical
Review. vol. 76. n. 4. University of California, 2007, p. 537-62.
LIMA, Fábio. Um Japão que se perdeu. In: AZEVEDO, Aluísio. O Japão. Cadernos da
Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 2010. p. 7-22.
LINS, Ivan. História do Positivismo no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1964.
LINDEN, Marcel Van der. História do trabalho: o Velho, o Novo e o Global. Revista
Mundos do Trabalho, v.1, n. 1, janeiro-junho, 2009. p. 11-26.
______. Trabalhadores do mundo. Ensaios para uma história global do trabalho. São
Paulo: Editora da Unicamp, 2013.
297
MACHADO NETO, Antônio Luiz. Estrutura social da República das Letras. São
Paulo: Editora da USP/ Editorial Grijalbo, 1973.
MATTOS, Ilmar Rohrloff de. Do Império à República. Estudos históricos. Rio de.
Janeiro: FGV, 1989. p. 163-71.
MÉRIAN, Jean-Yves. Aluísio Azevedo: vida e obra (1857-1913). 2a ed. Rio de Janeiro:
Fundação Biblioteca Nacional: Garamond, 2013.
MOSCATO, Daniela Casoni. O viajante não está só: a cultura científica em memórias
sobre o Brasil e as ligações entre os naturalistas luso-brasileiros do século XVIII e os
viajantes cientistas do século XIX. 2017. 241f. Tese (Doutorado em História). Programa
de Pós-Graduação em História. Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2017.
MOURA, Carlos Francisco. Relações entre Macau e o Brasil no Século XIX. Revista de
Cultura. Edição internacional. Instituto Cultural do Governo de Macau, 2001.
______. The Brazilian contribution to the observations of the transit of Venus. In:
KURTZ, D. W. (ed.). Transit of Venus: New views of the solar system and galaxy.
Proceedings IAU Colloquim. N. 196, Cambridge University Press: Reino Unido, 2004.
NISH, Ian. Some thoughts on the origins of the Meiji Constitution, 1889. In: BOSCARO,
Adriana; GATTI, Franco; RAVERI, Massimo (eds.). Rethinking Japan: Social sciences,
ideology and thought. vol. II. London: Japan Library Limited, 2003, p. 42-7.
______. Madame Chrysanthème, de Pierre Loti – Uma leitura francesa do Japão. Estudos
Japoneses. n. 22, 2002. p. 85-90.
ORTIZ, Renato. Aluísio de Azevedo e o Japão. Uma apreciação crítica. Tempo social.
São Paulo, v.9, n.2 1997, p. 79-95.
PINTO, Jacques Ferreira. A paralaxe do outro: medidas de alteridade entre África e Ásia
no primeiro relato de viagem de um brasileiro no Japão no século XIX. 2018, 140f.
Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2018
SEABRA, Leonor Diaz de. Intercâmbio cultural entre Macau e Brasil. Revista de
Cultura. Edição internacional. Instituto Cultural do Governo de Macau, n. 46, 2014. p.
6-19.
SEABRA, Leonor Diaz de; CONG, Liu. O Tráfico de Cules através do porto de Macau.
Revista de Cultura. Edição internacional. Instituto Cultural do Governo de Macau, n.
55, 2017. p. 20-41.
SCHWARZ, Roberto. Que horas são? Ensaios. São Paulo, 3 reim. Companhia das
Letras. 2002.
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. 10 reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
STRAUSS, André e WAIBORT, Ricardo. Sob o signo de Darwin? Sobre o mau uso de
uma quimera. Revista Brasileira de Ciências Sociais. vol. 23, n. 68, outubro/2008. p.
125-34.
SUKEHIRO, Hirakawa. Japan’s turn to the West. In: JANSEN, Marius B. (ed). The
Cambridge History of Japan. vol. 5: The Nineteenth Century. Cambridge University
Press, 1989, p. 432-98.
TINHORAO, Jose Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo:
Editora 34, 1998.
______. A viagem e seu relato. Revista de Letras, São Paulo, v. 46, n.1, jan/jun. 2006.
WILLIAMS, Raymond. Culture is ordinary. In: Gable, Robin (ed.). Resources of hope.
London. Verso, 1989.
______. A política e as letras. Entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp,
2013.
YUN, Lisa. The Coolie Speaks: Chinese Indentured Labourers and African Slaves in
Cuba. Philadephia: Temple University Press, 2008.