PHST0708 T

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 301

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

KELLY YSHIDA

DESCREVENDO O JAPÃO, ESCREVENDO O BRASIL:


RAÇA, TRABALHO E NAÇÃO EM TRÊS ATOS (1874; 1889; 1897)

FLORIANÓPOLIS, SC
2020
KELLY YSHIDA

DESCREVENDO O JAPÃO, ESCREVENDO O BRASIL:


RAÇA, TRABALHO E NAÇÃO EM TRÊS ATOS (1874; 1889; 1897)

Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em


História da Universidade Federal de Santa Catarina
para a obtenção do título de Doutora em História.
Orientador: Prof. Dr. Adriano Luiz Duarte

FLORIANÓPOLIS, SC
2020
Kelly Yshida
Descrevendo o Japão, escrevendo o Brasil:
Raça, trabalho e nação em três atos (1874; 1889; 1897)

O presente trabalho em nível de doutorado foi avaliado e aprovado por banca


examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Dr. Denilson Botelho de Deus


Universidade Federal de São Paulo

Prof. Dr. Henrique Espada Lima


Universidade Federal de Santa Catarina

Profa. Dra. Monica Setuyo Okamoto


Universidade Federal do Paraná

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi
julgado adequado para obtenção do título de Doutora em História.

____________________________
Prof. Dr. Lucas de Melo Reis Bueno
Coordenação do Programa de Pós-Graduação em História

____________________________
Prof. Dr. Adriano Luiz Duarte
Orientador

Florianópolis, 2020.
Aos meus pais, Helena e Yshida, que sempre
foram e continuam sendo minha prioridade.
AGRADECIMENTOS

Ao prof. Adriano Luiz Duarte, pela orientação, confiança, interesse no tema,


conversas, indicações e incentivo. Obrigada por me acompanhar ao longo deste processo.
À Marília Mezzomo Rodrigues, pelas leituras e indicações, que muito
contribuiram para a tese. Mais do que isso, obrigada por ter tornado a vida na universidade
(e fora dela) mais interessante, divertida e humana.
Ao Núcleo de Estudos História, Literatura e Sociedade (NEHLIS-UFSC)
– especialmente ao prof. Adriano, à Marília, ao Luiz A. de Souza e ao Guilherme de
Castro – por me receberem na pós-graduação. Vocês foram fundamentais para que eu
chegasse aqui.
Aos meus pais, Helena e Yshida, por tudo o que fizeram e fazem por mim e pelos
meus irmãos; por irem contra os estereótipos, por questionarem, por serem tão fortes e
inteligentes. E também ao Mauro Cezar, exemplo de calma, caráter e altruísmo, obrigada
por estar comigo nesta e em outras jornadas, seguimos!
Às pesquisadoras que foram muito presentes nesses últimos anos: Elisa Schemes,
que foi um feliz encontro interdisciplinar e interinstitucional, mas também além dessas
limitações; Patrícia V. Schatz, companheira incansável desde a graduação; e Taís Brito,
que se tornou minha parceria nas aulas do doutorado e nos dias sem aula também.
Aos demais amigos que, com boa conversa e boa comida, tornaram os dias
melhores mesmo diante dos tempos difíceis. Especialmente ao Bruno e ao Djeison, que
uma hora antes da apresentação desta tese (por videoconferência, por conta da pandemia
de Covid-19), ao faltar luz, ofereceram sua casa e deram todo apoio (moral e técnico, com
EPI e álcool 70%).
Agradeço aos professores que estiveram nas bancas de qualificação e final, e cujos
trabalhos, palestras, aulas, leituras, contribuíram para a elaboração desta tese: prof.
Denilson Botelho de Deus, prof. Henrique Espada Lima, profa. Marília Mezzomo
Rodrigues e profa. Monica Setuyo Okamoto.
Este trabalho não seria possível sem o Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGH-UFSC) e o apoio financeiro da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
A propósito, nossas experiências e escolhas são possibilitadas por uma série de
fatores. Em um país com grande desigualdade social e onde a educação pública tem
encontrado cada vez mais barreiras, o acesso à pós-graduação ainda é um privilégio. O
investimento que vinha sendo feito em educação pública desde o início dos anos 2000
contribuiu para que durante os anos em que cursei graduação participasse de projetos de
pesquisa e extensão e que a pós-graduação fosse uma realidade possível e facilitada pelo
recebimento de bolsa de estudos (Capes e Cnpq). Além disso, acessei bibliotecas e
acervos públicos de grande qualidade, que são fundamentais para a pesquisa em História.
Estes são apenas alguns dos fatores externos que me possibilitaram chegar aqui, considero
importante destacá-los para demonstrar que há muito mais do que meu esforço neste
caminho.
As massas são sempre os outros, que nós não conhecemos e não
podemos conhecer. No entanto hoje, em nosso tipo de sociedade,
nós vemos esses outros regularmente em sua infinidade de
variações; fisicamente, estamos parados ao lado deles. Eles estão
aqui, e estamos aqui com eles. E o fato de estarmos com eles é, é
claro, toda a questão. Para outras pessoas nós também somos
massa. Massas são as outras pessoas.
Na verdade, não existem massas; há apenas maneiras de ver as
pessoas como massas. Em uma sociedade industrial urbana há
muitas oportunidades para tais maneiras de ver. A questão não é
reiterar as condições objetivas e sim considerar, pessoal e
coletivamente, o que essas maneiras de ver fizeram com nosso
pensamento. Por certo, o fato é que uma maneira de ver outras
pessoas que passou a ser característica de nosso tipo de sociedade
foi capitalizada com objetivos de exploração política ou cultural.
O que nós vemos, neutramente, são outras pessoas, muitas outras
pessoas, que nos são desconhecidas. Na prática, nós as
massificamos e as interpretamos de acordo com alguma fórmula
conveniente. Dentro de seus termos, a fórmula é válida. No
entanto, nossa tarefa verdadeira é examinar a fórmula, e não a
massa. Para fazer isso, pode ser uma ajuda lembrar-nos de que
nós próprios estamos sendo massificados o tempo todo pelos
outros. Até o ponto em que achamos que a fórmula é inadequada
para nós mesmos, podemos desejar estender aos outros a cortesia
de reconhecer o desconhecido. (WILLIAMS, Raymond. 2011)

Ao preparar minha viagem ou ao chegar a um país estrangeiro,


compro, além de um guia prático, um relato de viagem um pouco
antigo. Por quê? Porque me oferece o prisma do qual necessito
exatamente para aproveitar bem minha viagem: uma imagem dos
outros um pouco caricatural que me permite constatar com
satisfação todo o caminho percorrido, separando-me do narrador,
mas suficientemente exata, claro, sob muitos pontos, para me
assegurar de minha própria superioridade; uma imagem do
viajante, com a qual me identifico e me distancio e que me tira
então todo e qualquer sentimento de culpa.
Mas enfim, dirá meu leitor exasperado, é tão grave que a imagem
dos índios nesses relatos não esteja de acordo com a realidade?
Não vamos também passar toda a vida chorando a sorte dos
indígenas de todos os países! Basta e mudemos de assunto. Que
tal irmos assistir a um bang-bang esta noite? (TODOROV,
Tzvetan. 2006)
RESUMO

Neste trabalho acompanhamos três viajantes brasileiros que estiveram no Japão na


segunda metade do século XIX e, a partir de seus relatos, refletimos sobre os primeiros
contatos entre estes países, antes da imigração oficial japonesa ao Brasil. São eles um
cientista, Francisco Antônio de Almeida; um militar, Custódio de Mello; e um diplomata,
Aluísio Azevedo. De 1874 a 1899, os três registraram momentos das mudanças políticas
e sociais no Brasil, como a passagem do império para a república, o processo de abolição
do trabalho escravo e o decorrente interesse nos trabalhadores asiáticos; e as mudanças
no Japão, com sua reabertura para o exterior e sua consolidação como nação moderna.
Ao longo do trabalho tentamos compreender as experiências dos viajantes tanto em
relação às realidades nacionais quanto a um contexto mais amplo, em diálogo com o
imperialismo do fim do século XIX, no mundo dinâmico, em expansão e interconectado
da chamada Segunda Revolução Industrial. Buscamos com isso desvelar as relações entre
raça, trabalho e nação, a fim de compreender o interesse brasileiro pelo Japão e pelos
japoneses, as relações que antecederam esta imigração e a construção do destaque dado
ao Japão em relação aos demais países asiáticos.

Palavras-chave: Relação Brasil - Japão. Relatos de viagem. Trabalho. Imigração. Século


XIX.
ABSTRACT

The present work follows three Brazilian travelers who were in Japan in the second half
of the 19th century. Thus, from their travel writings, it was possible to study the first
contacts between those countries and what happened before the Japanese immigration to
Brazil. They are Francisco Antônio de Almeida, a scientist; Custódio de Mello, a military
man; and Aluísio Azevedo, a diplomat. From 1874 to 1899 they recorded moments of
political and social changes in Brazil, such as the passage from the empire to the republic,
the process of abolishing slave labor, and the interest in Asian workers. Also, they
reported the changes in Japan, with its opening and the consolidation as a modern nation.
Throughout this work, we tried to understand these experiences in a broader context, in
the face of imperialism at the end of the 19th century, in the dynamic, expanding, and
interconnected world of the Second Industrial Revolution. The goal is to unveil the
relations between race, labour and nation to understand the Brazilian interest in Japan and
in the Japanese people, the relations preceding immigration, and the prominence
construction given to Japan regarding other Asian countries.

Keywords: Relations between Brazil and Japan. Travel writing. Labour. Immigration.
19th century.
概要

本論文では、十九世紀後半に日本を訪れた三名のブラジル人旅行者が残した記
録を基に日本からブラジルへの公式移民のきっかけとなった背景を振り返る。
その三人とは、科学者のフランシスコ・アントニオ・デ・アルメイダ、軍人の
クストジオ・デ・メロ、そして外交官のアルイージオ・アゼヴェードであった
。1874年から1899年にかけて彼らは、ブラジル帝国からブラジル共和国への
移行、奴隷労働を廃止するプロセス、そしてその結果としてのアジア人労働者
への関心など、ブラジルにおける政治的および社会的変化の3つの節目を記す
と共に、日本の外国との条約改正交渉の時代と近代国家の形成にまつわる日本
の変化を記録した。筆者は本研究を通して、このような経験に関する各国の実
情と、19世紀末期の帝国主義論と対比しつつ、いわゆる第二次産業革命のダイ
ナミックで、様々な分野に相互関連があり、全てが拡大されていく世の中であ
ったことも含め、より広い文脈を視野に解釈することを試みる。そうして、ブ
ラジル側による日本という国や日本人への関心、移民に先立つ関係性、そして
他のアジア諸国に比べ日本に重点が置かれている理由を理解するために、各人
種、仕事、国家の関係性を明らかにしようと考える。

キーワード:ブラジルと日本の関係、旅行記録、仕事、移民、19世紀。
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – DIPLOMA DE FRANCISCO ANTÔNIO DE ALMEIDA 34


FIGURA 2 – DISSERTAÇÃO DE FRANCISCO ANTÔNIO DE ALMEIDA 35
FIGURA 3 – ANÚNCIO DO LANÇAMENTO DE DA FRANÇA AO JAPÃO 39
FIGURA 4 – JOVEN CRIADO DE ADEN 56
FIGURA 5 – MUSICOS DE ADEN 57
FIGURA 6 – MULHER CINGULEZA 60
FIGURA 7 – PELLOTIQUEIRO INDIANO 62
FIGURA 8 – LETTRADO INDIANO 63
FIGURA 9 - NEGOCIANTE DE CEYLÃO 65
FIGURA 10 – MANIFESTO CONTRA OS ESTRANGEIROS 75
FIGURA 11 – MANIFESTO CONTRA OS ESTRANGEIROS (1875) 76
FIGURA 12 – TRADUÇÃO FRANCESA DO MANIFESTO CONTRA OS
ESTRANGEIROS (1875) 77
FIGURA 13 – MANDARIM CIVIL 80
FIGURA 14 – CIVIL-MANDARIN (DIE GARTENLAUBE) 81
FIGURA 15 – TWO CHINESE MANDARINS (LAI AFONG) 81
FIGURA 16 – MULHER CHINA 83
FIGURA 17 – A CHINESE MOTHER, WITH NURSE AND CHILDREN (LAI
AFONG) 84
FIGURA 18 – DAMA CHINEZA E SUA CRIADA 85
FIGURA 19 – DAMAGE CAUSED BY THE 1874 TYPHOON, HONG KONG (LAI
AFONG) 87
FIGURA 20 – MAPA DO JAPÃO (PHILLIP FRANZ VON SIEBOLD) 95
FIGURA 21 – CARTA DO IMPERIO DO JAPÃO 96
FIGURA 22 – MAPA DO JAPÃO (VICTOR MALTE-BRUN) 96
FIGURA 23 – BARBEIRO JAPONEZ 105
FIGURA 24 – JAPANESE BARBERS (AIMA HUMBERT) 106
FIGURA 25 – CHINESE BARBER (ROBERT TOMES E MATTHEW PERRY) 107
FIGURA 26 – DAMA JAPONEZA DORMINDO A SESTA 113
FIGURA 27 – ARTE DE TOYOHARA KUNICHIKA 114
FIGURA 28 – JEUNE FEMME ALLONGÉE (FELICE BEATO) 115
FIGURA 29 – BARCA DE PASSEIO TRIPULADA POR MULHERES JAPONEZAS
117
FIGURA 30 – ARTE DE TORII KIYONAGA 117
FIGURA 31 – JOVENS JAPONEZAS TOCANDO BANDOLIM 118
FIGURA 32 – ARTE DE KOMAI YOSHINOBU 119
FIGURA 33 – JOVEM DAMA JAPONEZA E SUA CRIADA 120
FIGURA 34 – JAPANESE LADIES (HARPER’S WEEKLY) 121
FIGURA 35 – IMPERADOR MEIJI (FOTOGRAFIA DE UCHIDA KUICHI) 122
FIGURA 36 – OS IMPERANTES DO JAPÃO 123
FIGURA 37 – PRINCIPE JAPONEZ 124
FIGURA 38 – ARTE DE UTAGAWA SADAHIDE 128
FIGURA 39 – CONTRACTO DE ENGAJAMENTO DE TRABALHADORES
ASIATICOS PARA O IMPERIO DO BRASIL 144
FIGURA 40 – REVISTA ILLUSTRADA (N. 120) 154
FIGURA 41 – REVISTA ILLUSTRADA (N. 120B) 155
FIGURA 42 – REVISTA ILLUSTRADA (N. 175) 156
FIGURA 43 – REVISTA ILLUSTRADA (N. 258) 157
FIGURA 44 – ARTE DE ADACHI GINKŌ 198
FIGURA 45 - ÉMILE ZOLA (ÉDOUARD MANET, 1868) 247
SUMÁRIO

1. APRESENTAÇÃO ................................................................................................... 16

2. A VIAGEM DE FRANCISCO ANTÔNIO DE ALMEIDA ................................. 27


2.1 UM NOME COMUM EM UMA TRAJETÓRIA INCOMUM ........................... 28
2.1.2 FRANCISCO ANTÔNIO DE ALMEIDA, O ASTRÔNOMO .............................. 31
2.2 A PUBLICAÇÃO DE DA FRANÇA AO JAPÃO .................................................. 36
2.3 A EUROPA COMO MEDIDA E OS “PAIZES CURIOSOS" ............................ 41
2.4 A ÁFRICA VISTA POR ALMEIDA ..................................................................... 48
2.5 A CHEGADA NA ÁSIA ......................................................................................... 54
2.5.1 O ESTREITO DE MALACA................................................................................. 67
2.6 A PASSAGEM PELA CHINA ............................................................................... 70
2.6.1 IMAGENS SOBRE A CHINA .............................................................................. 79

3. O JAPÃO DA SEGUNDA METADE DO OITOCENTOS .................................. 90


3.1 DA “DESCOBERTA” AO “ISOLAMENTO” ..................................................... 92
3.2 CENAS DE TRANSIÇÃO: ONDE DESEMBARCARAM OS VIAJANTES.. 100
3.2.1 “O MAIS CURIOSO E O MAIS DELICIOSO PAIZ DO MUNDO” .................. 103
3.2.2 AS MULHERES DO JAPÃO .............................................................................. 109
3.2.3 UM PAÍS “DECORADO Á EUROPÊA” ............................................................ 122
3.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ........................................................................ 132

4. “JÁ NÃO BASTAVA O PRETO, VAES TER O AMARELLO!" .................... 134


4.1 A ÁSIA NO BRASIL NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX .............. 135
4.2 A SOCIEDADE IMPORTADORA DE TRABALHADORES ASIÁTICOS... 142
4.3 TRABALHADORES ASIÁTICOS NAS PAUTAS DO CONGRESSO
AGRÍCOLA DE 1878................................................................................................... 146
4.4 TRATADO DE AMIZADE, COMÉRCIO E NAVEGAÇÃO ENTRE BRASIL E
CHINA ......................................................................................................................... 158
4.4.1 A VIAGEM DA VITAL DE OLIVEIRA ............................................................... 159
4.4.2 A MISSÃO ESPECIAL BRASILEIRA À CHINA.............................................. 162
4.4.3 “A CHINA E OS CHINS”: A QUESTÃO SOB A ÓTICA DO DIPLOMATA
HENRIQUE CARLOS LISBOA .................................................................................. 169
4.5 OS ASIÁTICOS NA SOCIEDADE CENTRAL DE IMMIGRAÇÃO ................. 171
4.6 ATUAÇÃO DE FRANCISCO ANTÔNIO DE ALMEIDA ............................... 176
4.7 UM PROJETO SEM SUCESSO.......................................................................... 179

5. A REPÚBLICA E A VIAGEM DE CUSTÓDIO DE MELLO .......................... 182


5.1 CUSTÓDIO DE MELLO EM “VINTE E UM MEZES AO REDOR DO
PLANETA” ................................................................................................................. 183
5.2 O JAPÃO ............................................................................................................... 189
5.2.1 A MODERNIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES JAPONESAS.............................. 197
5.3 A VINDA DE WASABURO OTAKE .................................................................. 200
5.4 A CHINA ............................................................................................................... 204
5.5 A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA ............................................................. 208
5.6 10 DE ABRIL DE 1892: OS VIAJANTES E A REPÚBLICA ........................... 211
5.7 A LEGAÇÃO BRASILEIRA NA CHINA E A CHEGADA DO TETARTOS .. 215
5.7.1 CHINESES E JAPONESES EM CHINS DO TETARTOS ................................... 222

6. ALUÍSIO AZEVEDO E A LEGAÇÃO BRASILEIRA AO JAPÃO ................ 227


6.1 O MOMENTO É JAPONÊS ................................................................................ 227
6.2 O TRATADO DE AMIZADE, COMÉRCIO E NAVEGAÇÃO ENTRE BRASIL
E JAPÃO ..................................................................................................................... 233
6.3 ALUÍSIO AZEVEDO E A CARREIRA DIPLOMÁTICA ............................... 237
6.4 UMA OBRA SOBRE O JAPÃO DAS LETRAS DE ALUÍSIO AZEVEDO .... 245
6.4.1 O JAPÃO OU AGONIA DE UMA RAÇA, DE ALUÍSIO AZEVEDO .................. 251
6.4.2 O JAPÃO COMO MODELO............................................................................... 262
6.4.3 AS JAPONESAS ................................................................................................. 264
6.5 A PRIMEIRA LEGAÇÃO BRASILEIRA NO JAPÃO .................................... 267
6.6 OS JAPONESES NO BRASIL............................................................................. 274

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 278


FONTES ...................................................................................................................... 285
PERIÓDICOS ............................................................................................................. 290
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 291
16

1. APRESENTAÇÃO

Em 1895 foi assinado o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre Brasil


e Japão, e em 1908 o navio Kasato Maru chegou ao porto de Santos, marcando
oficialmente o início da imigração japonesa no Brasil. Entretanto, na segunda metade do
século XIX ocorreram contatos e se estabeleceram interesses entre os dois países. Este
trabalho se situa neste período. Para tanto, foram utilizados os relatos de três viajantes
brasileiros que estiveram no Japão entre 1874 e 1899, buscando perceber as relações entre
raça, trabalho e nação, a fim de compreender o interesse brasileiro pelo Japão e pelos
japoneses, os antecedentes do processo de imigração e a construção do destaque dado ao
Japão em relação aos demais países asiáticos.
Durante o mestrado pesquisei crônicas jornalísticas e foi a partir do debate sobre
literatura que fui apresentada ao livro O Japão, de Aluísio Azevedo, escrito diante da
experiência do autor no final da década de 1890. Interessou-me o que foi produzido sobre
o Japão no Brasil antes da imigração, mais especificamente no século XIX. Foi assim que
soube do livro reconhecido como o “primeiro” relato de um brasileiro sobre aquele país,
Da França ao Japão, que trata da viagem de Francisco Antônio de Almeida em 1874.
Por sorte, naquele fim de mestrado, uma de suas raras edições estava sendo vendida. Uma
obra era do período imperial do Brasil, outra da república, e faltava algo que fosse capaz
de detalhar o que havia entre elas, na tentativa de compreender um processo e não dois
momentos estanques. Nessa busca, conheci a narrativa de Custódio de Mello, Vinte e um
mezes ao redor do planeta, sobre a circum-navegação que passou pelo Japão em 1889.
Os protagonistas desses relatos são um cientista, um militar e um diplomata.
Francisco Antônio de Almeida é reconhecido como o primeiro brasileiro a escrever um
relato de viagem sobre o Japão.1 Era estudante de astronomia na França, quando foi
indicado pelo império brasileiro para integrar a missão francesa de observação e registro
da passagem de Vênus diante do Sol, em 1874. Nos últimos momentos do império no
Brasil, coube a Custódio de Mello comandar uma circum-navegação oficial, tendo
chegado ao Japão em 1889, acompanhado pelo neto de D. Pedro II, D. Augusto – a
república foi proclamada durante esta viagem. Na volta, o navio que Mello comandava

1
Em relação à sequência dos viajantes, seguimos a cronologia apresentada em: KUNIYOSHI, Celina.
Imagens do Japão: Uma utopia de viajantes. São Paulo: Estação Liberdade/FAPESP, 1998, p. 116. A
primazia de Francisco Antônio de Almeida também foi destacada por outros pesquisadores, como Mônica
Okamoto (2010), Rogério Dezem (2005) e Jacques Ferreira Pinto (2018).
17

trouxe Wasaburo Otake, importante figura na relação entre os dois países. Por fim, o
escritor Aluísio Azevedo, diplomata de carreira, fez parte da primeira representação
diplomática da república a se estabelecer no Japão, em 1897, com a intenção de trazer
imigrantes japoneses ao Brasil, fascinado com a narrativa nacionalista que mobilizava
aquele país.
Delimitamos características gerais que auxiliaram a compreender as
especificidades da literatura de viagem2 – por vezes considerada “gênero menor”
(RIBEIRO, 2007) ou “gênero híbrido” (BORM, 2004) – e como nela se insere o relato,
especialmente como fonte documental.3 Dentro da abrangência do tipo de literatura, os
livros de viagens que nos dedicamos seguem a definição de serem compostos por uma
narrativa onde há um dominante não ficcional, relatados na primeira pessoa e que
apresentam uma jornada em que se pressupõe que autor, narrador e personagem principal
são apenas um ou idênticos (BORM, 2004, p.17) e, sobretudo, que tratam de uma
experiência real de trânsito. Aqui utilizamos o termo relato de viagem como um tipo de
literatura de viagem, baseada na experiência in loco do autor-viajante. Estes se diferem
dos relatórios (também presentes neste trabalho), previamente encomendados sobre um
tema específico, com caráter técnico.
Como é essencial a compreensão do texto literário como documento histórico4,
buscamos entender a relação do escrito e do viajante com a sociedade, antes e depois da
publicação. Compreendemos a integridade de uma elaboração literária pela interpretação
dialética entre texto e contexto, na qual o social é percebido como elemento interno da

2
São diversos os termos utilizados em relação à produção literária relacionada à viagem: literatura de
viagem, escritos de viagem, memórias de viajantes, narrativa de viagens, histórias de viagem. Além disso,
são recorrentes as referências às mais diversas temporalidades e conteúdos.
3
Optamos por não apresentar o longo debate sobre as obras de viajantes, especialmente estrangeiros no
Brasil, pois pode ser acessado de forma mais aprofundada em estudos como: LEITE, Ilka Boaventura.
Antropologia de viagem: escravos e libertos em Minas Gerais no século XIX. Editora UFMG,1996;
ROSSATO, Luciana. A lupa e o diário: história natural, viagens científicas e relatos sobre a Capitania de
Santa Catarina (1763-1822). Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2007; SUSSEKIND, Flora. O Brasil
não é longe daqui: o narrador, a viagem. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. O debate sobre um
brasileiro como viajante também pode ser visto em: SCHEMES, Elisa Freitas. Oswaldo Cabral na “Terra
da liberdade”: relato de uma viagem na vigência da política de boa vizinhança. 2013, 134f. Dissertação
(Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2013.
4
Mary Louise Pratt (1999, p.38) afirmou: “procurei não circunscrever o relato de viagem a um gênero, mas
evidenciar sua heterogeneidade e suas interações com outras formas de expressão”. A historiadora Mary
Anne Junqueira (2011, p.55), considerou que a definição de gênero literário “não interessa especialmente
ao historiador, uma vez que estamos preocupados com o que essa fonte pode nos informar e revelar sobre
determinado período. No entanto, o caminho trilhado pelo especialista [Jam Borm] e as aproximações que
faz do relato de viagem com outros tipos de discurso nos permitem compreender melhor a heterogeneidade
que atravessa esse corpus de textos”.
18

obra (CANDIDO, 2010). Afinal, ela é produto de seu tempo, decorrente das
possibilidades vivenciadas por aqueles viajantes diante de sua realidade pessoal, nacional
e global. Partimos do pressuposto de que a liberdade de criação que o autor tem diante de
seus personagens, cenários, diálogos e de toda a estrutura que compreende a narrativa –
forma e conteúdo – não é ilimitada. Neste sentido, o relato de viagem é duplamente
limitado, pois comporta a tensão entre a experiência em pelo menos dois lugares, o de
partida e o de chegada.
Por se tratarem de viajantes brasileiros indo ao Japão, cabia compreender como
era aquele país e que imagens os narradores formulavam sobre ele. Como não se tratam
de relatos amplamente conhecidos, dificilmente conseguiríamos material capaz de
responder satisfatoriamente sobre sua recepção e circulação que permitisse delimitar sua
influência social e política. Mas percebemos que tais relatos permitiam o acesso a um
cenário muito mais dinâmico do que pressupúnhamos no início. Por isso, a partir de
referências comuns nos textos, passamos a questionar a que demandas respondiam; além
disso, se faziam parte de um movimento mais amplo que a experiência pessoal, que
movimento era e como se vinculava àquele país asiático.
Falamos em um cenário dinâmico por ser este globalmente interconectado e por
fazer emergir elementos como as vinculações entre a história de chineses e japoneses no
Brasil, os contatos com lugares e populações do Sudeste Asiático comumente pouco
comentadas, as demandas brasileiras relacionadas a fatores exteriores, os interesses no
outro ancorados por demandas materiais (neste caso, trabalhadores) e as possibilidades
diante da conjuntura internacional. Estes fatores não eram evidentes, mas uma vez
analisados, responderam às nossas inquietações sobre o mundo visto, vivido e relatado
pelos viajantes.
Mesmo focado no período anterior, este trabalho também debate com estudos
sobre a imigração japonesa no século XX, tema já consolidado como campo de pesquisa.
Destacamos publicações de Hiroshi Saito e Célia Sakurai, particularmente importantes
para nós. O Japonês no Brasil: estudo de mobilidade e fixação (1961), de Saito, traz seu
esforço para construir uma noção abrangente acerca do imigrante japonês, com ampla
documentação a respeito das condições da vinda até detalhes do estabelecimento no
Brasil, material que consideramos de grande importância. Já Imigração Tutelada: os
japoneses no Brasil (2000), tese de Sakurai, analisa, em uma perspectiva crítica, o
estabelecimento e relações destes imigrantes diante de determinadas condições sociais e
19

históricas dos dois países. Mais do que focados em casos locais, estes trabalhos se voltam
para processos amplos da imigração e são centrais tanto para os estudos sobre os
japoneses no Brasil quanto para a formulação de novos questionamentos.
Destacamos também trabalhos de pesquisadoras que se propuseram a pensar sobre
a relação entre os dois países, com destaque para o século XIX: Celina Kuniyoshi, em
Imagens do Japão: Uma utopia dos viajantes (1998), acerca das artes e relatos sobre o
Japão publicados no século XIX e início do XX, com ênfase no japonismo como
movimento artístico e literário ativo na constituição de imagens sobre aquele país; a tese
de Monica Okamoto, O discurso brasileiro sobre o Japão via França: imigração,
identidade e preconceito racial (1860-1945) (2010), que traz a experiência francesa como
referência para a construção da imagem inicial dos japoneses no Brasil, demonstrando
como “autores brasileiros se apropriavam das ideias francesas sobre os nipônicos para seu
próprio benefício, selecionando temas e ângulos favoráveis e descartando ou
minimizando o que era problemático para a constituição da representação do Brasil diante
do Velho Mundo e dos Estados Unidos” (p.13); a tese de Marcia Yumi Takeuchi, Entre
Gueixas e Samurais: A imigração japonesa nas revistas ilustradas (1897 – 1945) (2009),
que investiga o antiniponismo no Brasil em revistas ilustradas e documentações
diplomáticas, atentando-se para a construção do preconceito desde o início da imigração;
e a dissertação do pesquisador Rogério Dezem, Matizes do “amarelo”: a gênese dos
discursos sobre os Orientais no Brasil (1878-1908) (2005), que, a partir da análise dos
discursos, estuda representações coletivas relacionadas ao Japão e aos japoneses entre os
séculos XIX e XX.
Nossa pesquisa se localiza inteiramente no século XIX, atentando para as
experiências de trânsito que ocorreram naquele momento. O recorte foi delimitado pelos
anos das viagens dos brasileiros no Japão; ou seja, de 1874, quando ocorreu a ida de
Francisco Antônio de Almeida, até 1899, quando a primeira legação oficial brasileira se
retirou do Japão. Optamos também por este recorte pelo volume de documentação e por
acreditarmos ser possível perceber a aproximação entre estes países desde contatos não
oficiais até a primeira tentativa formal. A análise que fazemos dedica-se a ampliar o
debate, inserindo relações com outros países da Ásia, diante do cenário imperialista e
buscando atentar para as condições materiais em que foram produzidos os relatos, fazendo
o cruzamento com fontes diversas.
20

Com isso, passamos a investigar mais detalhadamente este recorte que aparece
geralmente de forma introdutória nos trabalhos sobre o tema, a fim de entender as
continuidades e diferenciações sobre a imagem dos asiáticos no debate brasileiro, assim
como as demandas que fizeram com que sua vinda fosse negociada no final do oitocentos.
Em decorrência dos relatos e dos demais materiais analisados, preocupamo-nos com a
questão do trabalho, já que os “trabalhadores asiáticos” foram pensados como
possibilidade para o Brasil. As leis abolicionistas vieram a acirrar esta discussão que, para
além da retórica, implicava em investimentos reais. A ideia de transição do trabalho
escravo para o livre não é vista aqui como um caminho progressista, no qual a primeira
alternativa não teria sido adequada ao capitalismo e, portanto, a segunda foi posta em
prática. Quando tratamos de substituição ou transição, os termos são utilizados em
referência ao modo como foram apresentados na documentação pesquisada. O recorte
desta tese também abrange um período anterior à abolição da escravidão no Brasil,
portanto, entendemos que se tratam de elementos concomitantes, não corroborando uma
ideia acrítica sobre uma mudança completa no sistema de trabalho, que não leva em conta
a permanência tanto de características da escravidão quanto da população liberta existente
no país5.
A vinda de asiáticos ao Brasil não representou necessariamente a instauração do
trabalho assalariado no país, e a liberdade desses trabalhadores é questionável. Trata-se
de parte do desenvolvimento capitalista, no qual “muitos outros tipos de relações de
trabalho mercantilizadas tão importantes quanto o trabalho assalariado ‘livre’ sempre
coexistiram com este” (LINDEN, 2013, p. 398). Neste sentido, o debate sobre a vinda de
trabalhadores estrangeiros aconteceu em paralelo a proibição do tráfico (1850), Lei do
Ventre Livre (1871) e Lei dos Sexagenários (1885).
Este debate estava vinculado à questão racial. Tanto os viajantes objeto desta
pesquisa quanto os que acompanhamos no debate público possuíam noções informadas
por estudos que buscavam determinar diferenças raciais e hierarquizar populações. Desta
forma, o asiático era visto como “intermediário” entre o africano e o europeu. Havia uma
tentativa, como veremos, de não inserir os asiáticos na equação nacional, pois
compreendia-se que a espécie humana era dividida e que isto se relacionava à forma como

5
Considera-se a compreensão de Marcel Van der Linden (2013, p. 63) de que “o fato de a escravidão ter
sido em grande medida banida da sociedade capitalista moderna, mesmo em locais onde isso não fazia
sentido econômico do ponto de vista da acumulação de capital, tem menos a ver com contradições
econômicas do que com a tendência inerentemente universalista das normas burguesas”.
21

cada “subespécie” se desenvolvia, não apenas biologicamente, mas intelectual e


socialmente. Difundia-se a teoria de que a heterogeneidade racial era motivo de
degradação social, portanto, se o branqueamento era uma solução para o Brasil, os
asiáticos “amarelos” ou “marrons” representariam um atraso nesse processo. De certa
forma, a opção por um grupo de trabalhadores significava também a escolha de um
elemento que pudesse ser participante da composição nacional.
Nosso recorte abarca igualmente o período dos “impérios” (1875-1914), parte da
experiência dos viajantes. Trata-se de um mundo determinado pelo avanço capitalista e
pela dominação dos impérios coloniais, em que
a maior parte do mundo, à exceção da Europa e das Américas, foi
formalmente dividida em territórios sob governo direto ou sob
dominação política indireta de um ou outro Estado de um pequeno
grupo: principalmente Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália,
Holanda, Bélgica, EUA e Japão (HOBSBAWM, 2006, p. 88).

O colonialismo foi o aspecto com impacto mais imediato no período, inclusive


nas ações de Brasil e Japão, que integravam a economia global formada no século XIX e
nela buscavam articular seus interesses.
Com relação às viagens no período, um dos trabalhos mais influentes é o de Mary
Louise Pratt (1999), intitulado Os olhos do império: relatos de viagem e transculturação,
no qual analisa principalmente os livros de viajantes europeus e suas atuações no
engajamento dos leitores a uma narrativa expansionista. Uma das elaborações mais
conhecidas da autora trata das “zonas de contato”:
espaços sociais onde culturas díspares se encontram, se chocam, se
entrelaçam uma com a outra, frequentemente em relações
extremamente assimétricas de dominação e subordinação – como o
colonialismo, o escravagismo, ou seus sucedâneos ora praticados em
todo o mundo (p. 27).

Nesses espaços ocorrem encontros entre pessoas geográfica e historicamente


separadas e sua análise contribui para questionar um processo amplo de dominação
europeia que também nos interessa.
A maior parte dos relatos de viajantes vincula-se às empreitadas diretamente
colonialistas. Mas esta não é a única possibilidade, afinal houve viagens intercontinentais
que não partilhavam necessariamente essa diferença geopolítica. Menos contemplados
são os relatos que tratam de relações entre lugares que não se enquandram na fórmula dos
viajantes europeus ou estadunidenses, como o eu das narrativas, escrevendo sobre
22

africanos, americanos, asiáticos, entendidos como os outros. Nos relatos de viajantes


brasileiros ao Japão no século XIX, essa experiência de alteridade traz um estranhamento
cultural, mas também certo constrangimento por se perceberem em uma condição
subalterna no cenário internacional. Ainda que valores e pensamentos difundidos pelos
colonizadores fossem fatores de sua experiência, não eram os únicos. Todos têm
considerações que podemos mapear a partir do pensamento europeu, mas não é possível
ignorar que a realidade de partida era brasileira. A interatividade no caso estudado se
organizava de forma que nenhum dos locais de contato era metrópole do outro, mas
estavam ambos, até a última viagem que acompanhamos, na “periferia do sistema
mundial” (ANDERSON, 2014, p. 21). Desta forma, permitiam-se utilizar o discurso
dominante, mas também o criticavam.
Nos aproximamos também de leituras críticas como a de Edward Said, autor de
Orientalismo (2015), que questiona as noções de Oriente e Ocidente, mostrando que
como conceitos e imagens de diferença “são constituídos de esforço humano – parte
afirmação, parte identificação do Outro” (p. 13). Há nisso muito de dominação6, pois uma
das compreensões do Orientalismo é a de que
pode ser discutido e analisado como instituição autorizada a lidar com
o Oriente – fazendo e corroborando afirmações a seu respeito,
descrevendo-o, ensinando-o, colonizando-o, governando-o: em suma, o
Orientalismo como um estilo ocidental para denominar, reestruturar e
ter autoridade sobre o Oriente (p. 29).

Quando Said afirma que o “Oriente ajudou a definir a Europa” (p. 28) podemos
considerar que essa afirmação pode ser usada tanto em termos subjetivos quanto
materiais. Percebemos também que não se trata apenas de populações observadas nas
viagens ou entendidas como possibilidades de trabalhadores, passivos diante da escolha
alheia. Nosso esforço é de percebê-los como agentes de resistência, com ações políticas,
tanto no âmbito institucional quanto no cotidiano. Como demonstra Pratt (1999, p. 31),
“se a metrópole imperial tende a ver a si mesma como determinando a periferia [...], ela
é habitualmente cega para as formas como a periferia determina a metrópole”.
O Ocidente, por sua vez, é entendido aqui como comunidade de valores
influenciada pelo cristianismo, surgido da ideia ampla de um modelo de civilização

6
Cabe registrar que a crítica ao orientalismo não foi inaugurada por Edward Said nem somente vinculada
ao Oriente Médio, como nos mostra o pesquisador malaio Syed Farid Alatas (2014), que remete à crítica
elaborada no Sudeste Asiático, no século XIX, pelo filipino José Rizal (1861-1896).
23

atlântica que passou a enquadrar tanto europeus quanto estadunidenses


(OSTERHAMMEL, 2014). Isto evidencia que, além de uma divisão do espaço físico,
trata-se de uma elaboração sobre o espaço político e social considerado como “mundo
civilizado” – é este o horizonte civilizacional que se vê utilizado como comparativo.
Se a própria diferença de Oriente e Ocidente, Leste e Oeste, civilizados e indígenas
é criada por indivíduos, temos que levar em conta uma construção na qual estão diversos
interesses. Nessa perspectiva, aquele que escreve também fala pelo outro, faz uma
distinção geográfica, psicológica, sociológica, estética, uma vez que todo conhecimento
é político e tem influência no meio em que se insere. As ações são guiadas pelos valores
desses viajantes, que se constituem como socialmente atuantes. Pensar sobre eles e os
debates sobre a Ásia, em sua aproximação com o Japão e no modo como buscavam
angariar trabalhadores também é uma forma de compreender a “estrutura de dominação
cultural” (SAID, 2015. p. 56) ainda relevante e presente, seja em questões mais
abrangentes como políticas migratórias e acordos internacionais, seja nas relações entre
indivíduos em um mundo onde os trânsitos são cada vez mais constantes.
O presente trabalho se formou a partir destas problemáticas, e para respondê-las
foi necessário mobilizar outras fontes além dos relatos de viagem. Utilizamos documentos
oficiais e relatórios do império e do início da república no Brasil, obras de outros
viajantes, fotografias, estampas, cartas, periódicos nacionais e estrangeiros. Os livros dos
três viajantes aqui analisados pertencem ao nosso acervo pessoal; os documentos
nacionais são majoritariamente do Arquivo Nacional, da Biblioteca Nacional e sua
Hemeroteca, da Fundação Alexandre Gusmão e do acervo do Ministério das Relações
Exteriores. Entre os estrangeiros, destacamos o acervo Gallica, da Bibliothèque Nationale
de France, e o do Metropolitan Museum of Art (EUA).
Consideramos importante compreender que o processo da viagem, em sua
totalidade, integra o relato e a experiência pessoal do viajante. Entretanto, temos três
longos trajetos entre Brasil e Japão e seria repetitivo nos alongarmos por todos os
percursos, por isso, acompanhamos mais detalhadamente o de Francisco Antônio de
Almeida. Ele é um personagem presente ao longo de toda nossa narrativa. Isto ocorreu
pela própria característica das fontes, que não são proporcionais, mas com lacunas e
revelações, justamente o que as torna tão interessantes. Diante delas, não poderíamos
negar espaço à atuação pública de Almeida depois da viagem, tanto nas questões sobre a
república quanto sobre os trabalhadores asiáticos.
24

O trabalho possui cinco capítulos, organizados cronologicamente. O primeiro


apresenta Francisco Antônio de Almeida, a figura mais presente em nosso texto, mas o
viajante menos conhecido entre os que analisamos. No capítulo, buscamos demonstrar as
condições de elaboração de seu relato, intitulado Da França ao Japão, e acompanhamos
sua experiência de viagem desde a partida de Marselha até a passagem pela China. Neste
percurso, aparecem a centralidade cultural e política das potências europeias, as críticas
ao imperialismo, o debate racial, a importância dos portos asiáticos, sua diversidade e as
considerações iniciais a respeito dos chineses e do tráfico de trabalhadores. Além disso,
as imagens presentes na obra aqui reproduzidas demonstram a circulação de informações
sobre os países visitados e como foram readequadas para a publicação no Brasil.
No segundo capítulo, acompanhamos Almeida em sua estadia no Japão, em 1874.
Para a melhor compreensão da originalidade do autor na apresentação de um país distante,
começamos com a descrição do país no período anterior ao isolamento, recorrentemente
comentado pelos viajantes, com a atuação dos missionários cristãos. Nosso foco principal
está na experiência in loco do viajante, pois Almeida acompanhou um momento de
transição, no qual o Japão ainda estava em seus passos iniciais de mudança pós abertura,
contratando estrangeiros, repensando suas instituições e formulando sua imagem para o
exterior.
Retornamos ao Brasil no terceiro capítulo, a fim de preencher o espaço entre as
viagens de Francisco Antônio de Almeida (1874) e Custódio de Mello (1888), quando
havia um intenso debate sobre a mão de obra e a vinda de trabalhadores asiáticos para o
Brasil. Mais do que um capítulo contextual, buscamos demonstrar como ocorreu esse
debate, os contratos que inspiraram, o uso dos termos chins e coolies e os projetos para a
vinda destes, que evidenciam importantes questões sobre raça e classe. Na primeira
metade do século XIX, a relação entre o Brasil e os países do continente asiático era
mediada por Portugal, com poucas experiências de vinda de trabalhadores asiáticos. Já
no período que analisamos, a previsão da abolição da escravidão contribuía para
iniciativas em torno da demanda de trabalho livre e, publicamente, destacou-se o
Congresso Agrícola do Rio de Janeiro de 1878 e os embates para a assinatura do Tratado
com a China, em 1881.
O quarto capítulo apresenta o momento de transição entre império e república no
Brasil, quando Custódio de Mello esteve no Japão (1889), durante uma viagem de circum-
navegação da Marinha brasileira. Integrava esta viagem o príncipe Augusto Leopoldo,
25

neto de D. Pedro II; na viagem de volta veio Wasaburo Otake, personagem importante
nas relações entre os dois países. O Japão visitado apresentava uma adequação mais
consolidada aos modelos ocidentais, formavam-se instituições, a Constituição era
promulgada e o país ganhava cada vez mais autonomia no plano internacional. No Brasil,
buscava-se resolver a questão dos trabalhadores com a vinda de chineses, mas com
interesse também no Japão.
O quinto capítulo acompanha a aproximação oficial com o Japão, decorrente deste
longo processo de interesse brasileiro pelos países asiáticos. Este é o período no qual o
Japão inicia seu fortalecimento como país imperialista na Ásia, com a Guerra Sino-
Japonesa (1894-5). Em relação ao Brasil, efetivou-se o Tratado de Amizade, Comércio e
Navegação (1895), com o envio de uma missão diplomática ao Japão em 1897, na qual
estava o escritor Aluísio Azevedo. Sua obra sobre o Japão é expressiva do crescimento
do nacionalismo japonês. Entretanto, foi publicada somente da década de 1980, mais do
que um problema para esta análise, o fato é demonstrativo da ampliação das produções e
do interesse sobre o Japão. O texto de Azavedo é abordado aqui junto aos ofícios das
Relações Exteriores, nos quais podemos acompanhar as atividades de legação brasileira
e os interesses voltados aos japoneses como imigrantes.
Finalmente, os acontecimentos contemporâneos a esta pesquisa trouxeram outras
problemáticas e infelizes coincidências com os temas analisados, como o tráfico de
trabalhadores e o racismo, guardadas as devidas especificidades de suas épocas. Em 2017,
foi noticiado que mulheres filipinas estavam sendo escravizadas para serviço doméstico
em São Paulo (FOLHA DE S. PAULO, 05/08/2017); em 2019, também em São Paulo,
foram encontradas mulheres chinesas em cárcere privado para exploração sexual
(FOLHA DE S. PAULO, 04/07/2019). De acordo com a Organização Internacional do
Trabalho (OIT), no início do século XXI, a região da Ásia e Pacífico concentrava o maior
número de pessoas em trabalho forçado (77% do total de trabalhadores), e também o
maior número de trabalhadores traficados.7 Isto nos faz perceber permanências do que
aqui debatemos numa dinâmica global profundamente assimétrica.
Mais recentemente, quando este trabalho já estava em fase final, a pandemia de
Covid-19 difundiu junto com o vírus uma narrativa acusatória contra chineses, que em

7
Dados disponíveis em INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. A global alliance against
forced labour: Global Report under the Follow-up to the ILO Declaration on Fundamental Principles and
Rights at Work. Geneva, 2005; ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Combate ao
Trabalho Escravo: um manual para empregadores e empresas. Brasília: OIT, 2011.
26

muito se assemelha aos julgamentos pejorativos do século XIX. A suposição de que a


pandemia tenha começado na cidade chinesa de Wuhan, a denominação negativa de
“vírus chinês”, a utilização sensacionalista de notícias sobre morcegos como alimento
naquele país, tudo isso fez reemergir o preconceito, com agressões verbais e físicas em
diversos locais, incluindo no Brasil, onde os ataques se deram até mesmo em
comunicações oficiais.
Além disso, esses acontecimentos trouxeram à tona outra problemática, qual seja,
a pandemia demonstrou que, ao contrário do que muitos pensaram num primeiro
momento, não estávamos todos sob a mesma ameaça, mas sim que seus efeitos se sentem
de forma completamente diferente, dependendo da classe social, especialmente pobres e
“trabalhadores subalternos” (LINDEN, 2013). Não foi propriamente uma novidade saber
que a exploração de trabalhadores no sistema capitalista, no século XIX ou hoje, faz com
que milhares de mulheres e homens sejam colocados à margem da sociedade, com acesso
precário a alimentação, educação e saúde; contudo, neste momento, isto culminou na
maior letalidade da doença, expondo a face mais cruel da desigualdade social.
27

2. A VIAGEM DE FRANCISCO ANTÔNIO DE ALMEIDA

São diversas as razões pelas quais guardamos registros das nossas viagens, em
geral, marcadas atualmente pela garantia de sua circulação nas mídias sociais, que já
integram o comportamento de muitos de nós. O desenvolvimento do transporte aéreo
permite o deslocamento de longas distâncias e em poucas horas, sem mesmo precisarmos
ou termos a oportunidade de conhecer paisagens e pessoas pelos caminhos que
sobrevoamos. Neste movimento, o rápido espraiamento de imagens permite que a relação
com cenários e realidades distintas seja mais recorrente, mas possivelmente mais fugaz.
Antes do século XX, quando um viajante se propunha a participar de uma jornada
intercontinental, a configuração era bastante distinta. O longo período em navios, a
alimentação, as condições de higiene, os fatores climáticos, as doenças, a relação que se
estabelecia com a tripulação e, principalmente, as diversas paradas e encontros nos locais
em que atracavam tornavam o próprio trânsito parte da percepção sobre o destino. O
período a que nos dedicamos abrange a gênese da “globalização incipiente”
(ANDERSON, 2014, p.21), de um mundo já em boa parte mapeado, da navegação a
vapor, do telégrafo, das ferrovias, mas também da violência imperialista – todos fatores
que compunham as experiências dos nossos viajantes.
Para analisar a dimensão dessas viagens e como eram compostos os relatos, neste
primeiro capítulo, acompanharemos o percurso do paquete Ava, no qual viajou nosso
primeiro autor, o astrônomo Francisco Antônio de Almeida8. Interessa aqui igualmente
perceber a distância física e cultural que separava Brasil e Japão, além do contexto global
do final do oitocentos, quando emergiram as condições de contato entre os países. Cabe
detacar que Almeida foi, ao que a historiografia indica, o primeiro brasileiro a publicar
um relato sobre o Japão, embora sua primazia não inaugure propriamente um debate. A
obra de Almeida é a mais completa em termos de informações, traduções e imagens,
compondo um quadro detalhado desse mundo no fim do século. Posteriormente, ele
permaneceu atuante sobre a questão dos trabalhadores asiáticos e da nascente república
brasileira.
O astrônomo foi designado, em 1874, para acompanhar a missão francesa ao Japão
– que havia aberto seus portos aos estrangeiros apenas duas décadas antes, após uma longa

8
Seu nome completo é Francisco Antônio de Almeida Junior, entretanto é recorrente a variação do uso do
último nome. Utilizamos apenas Francisco Antônio de Almeida, pois é como está na autoria de seu livro
Da França ao Japão (1879).
28

política de isolamento – a fim de estudar a passagem de Vênus pelo Sol. Como Almeida
não se tornou uma figura amplamente conhecida, havendo sobre ele poucas informações,
iniciaremos apresentando sua trajetória e posteriormente sua obra Da França ao Japão:
narração de viagem e descrição histórica, usos e costumes dos habitantes da China, do
Japão e de outros países da Ásia.

2.1 UM NOME COMUM EM UMA TRAJETÓRIA INCOMUM

Indagar-se-ia neste instante se seria possível forjar


tantas provas contundentes e com tanta
autenticidade a respeito da vida desse homem que
ilustrou o século passado e que tanto dignificou o
Brasil, quer no solo pátrio como no exterior? Como
negar veracidade aos depoimentos de fls. 102, 103,
104 e 105, de anciãos que conviveram com o de
cujus e que atestaram, em linguagem simples,
porém, comovente, a sua participação no conflito
com o Paraguai?
Os pequeninos elos que faltam para encadear, numa
sequência, as diversas fases da vida do Dr.
FRANCISCO ANTONIO DE ALMEIDA, são
dispensáveis, ante as provas apensadas e os fatos
aqui exaustivamente narrados. (DIÁRIO OFICIAL,
02/03/1984)

Foi nesses termos que, em 1984, o ministro Alberto Hoffman, do Tribunal de


Contas da União (TCU), acatou o pedido de pensão de Rosa de Maria de Almeida
Schmitt, anteriormente indeferido pelo diretor de Inativos e Pensionistas, em 1975. Em
27 de fevereiro de 1967, Rosa Almeida solicitara ao Exército brasileiro uma pensão
vitalícia, “na qualidade de filha do Dr. Francisco Antônio de Almeida, veterano da
Campanha do Paraguai”, incluindo entre as referências sobre seu pai a viagem ao Japão
em 1874 (DIÁRIO OFICIAL, 02/03/1984).
Um dos motivos do primeiro indeferimento fora a quantidade de homônimos
contemporâneos de Franscisco Antônio de Almeida encontrados durante o processo. E o
mesmo problema permaneceu na pesquisa desta tese, pois em meio aos documentos
29

oitocentistas, encontramos o mesmo nome em avisos de casamentos e falecimentos, por


exemplo, tornando impossível associar todas as referências ao astrônomo.9
De acordo com os registros apresentados por Rosa Almeida, seu pai nasceu em 04
de maio de 1852, casou-se com Eugênia Lopes de Almeida e faleceu na cidade de Canela,
no Rio Grande do Sul, aos 76 anos. Ainda na juventude, teria participado da Guerra do
Paraguai, segundo cinco depoimentos reunidos pela filha. Além destes, havia uma Ordem
do Dia, de 1869, do Comando em Chefe de todas as forças brasileiras em operações na
República do Paraguai, no qual constava a baixa de um soldado de nome Franscisco
Antônio de Almeida, do 36º Corpo de Voluntários. A Diretoria de Inativos e Pensionistas
do Exército, que analisou a documentação em 1975, considerou problemática a
referência, pois havia dois soldados assim chamados: “o primeiro, do 34º Corpo de
Voluntários da Pátria, foi ferido em combate no ano de 1868, e o outro, do 36º, foi
reformado por incapacidade física em 29.06.1869” (DIÁRIO OFICIAL, 02/03/1984). De
acordo com a Diretoria, em nenhum dos casos os dados coincidiam com aqueles
apontados no processo de Rosa Almeida. A idade e os homônimos foram questionados:
“se algum deles fosse o pai da recorrente teria, à época, 16 anos” e, no mais, “a
participação na referida Campanha poderia ter sido a do avô e não do pai da recorrente,
uma vez que ambos tinham o mesmo nome, levando em conta a exiguidade do período
entre o tempo de soldado e a formação em Curso Superior na Europa” (DIÁRIO
OFICIAL, 02/03/1984)
Para o ministro do TCU, que aprovou o pedido posteriormente, o argumento não
se sustentava, tendo em vista que outros militares haviam servido desde muito jovens:
“haja visto o Duque de Caxias, General Osório, Almirantes Tamandaré e Barroso etc etc.,
tendo o primeiro prestado juramento à bandeira aos 14 anos”. Se em 1975, sete pontos
foram questionados para não conceder o direito de pensão a Rosa de Maria Almeida, em
1984, a Inspetoria do Tribunal considerou impossível exigir a “comprovação de fatos que
remontam a um passado distante” (DIÁRIO OFICIAL, 02/03/1984), entendendo como
satisfatórias as provas apresentadas. Embora considerasse incontestável a participação de
Almeida na Campanha do Paraguai, o ministro Alberto Hoffman ponderou a existência
de ao menos quatro militares com o mesmo nome:

9
Francisco Antônio de Almeida esteve envolvido na política da república e ocupou cargos não diretamente
vinculados a sua trajetória de cientista. Foi nesta busca pelo viajante-escritor que encontramos este processo
recente, reivindicando uma memória para Almeida.
30

Na realidade, a filiação e a naturalidade, ali lançados, não coincidem


com as do pai da peticionária e nem, tampouco, com as de seu avô que
contava, na ocasião, com 51 anos. Todavia, ali não há registro, também,
da entrada de nenhum militar proveniente do 34º ou do 36º Corpo de
Voluntários da Pátria. Como explicar, pois, a situação dos soldados,
ambos nominados FRANCISCO ANTONIO DE ALMEIDA, o
primeiro ferido em 1º.10.1868 e o segundo que teve baixa, em
consequência de licença, em 25.6.1869 (cf. docs. fls. 45, 48 e 74). Um
deles poderia, perfeitamente, ser o veterano em causa (DIÁRIO
OFICIAL, 02/03/1984).

No resultado final, a variedade de funções que Francisco Antônio de Almeida


exercera – como delegado de polícia em Niteroi, nomeado pelo governador do Rio de
Janeiro em 1890, presidente do Conselho de Intendência do Município – não foi
considerada um problema, mas “plenamente aceitáveis e próprios, na sequência que o
foram, na carreira dos superdotados”, história digna de um “herói brasileiro”, nas palavras
do ministro. Além disso:
O fato de neles não figurar nenhuma referência à Campanha do
Paraguai não pode ser considerado como uma afirmativa de sua não
participação naquele evento, uma vez que estas mercês não eram
pleiteadas mas concedidas dentro de um critério especial por parte das
autoridades outorgantes.
O argumento de que, se fosse realmente o veterano de que se cogita,
teria ele requerido o benefício do Decreto Legislativo nº1687, de
13.08.1907 e, a sua viúva, o instituído pelo Decreto Lei nº1544, de
25.08.1939, não pode prosperar. Ignora-se a razão por que não o fez.
Entretanto, muitas conjecturas podem ser tecidas e, uma delas, é a de
que gozava de boa situação financeira. Quanto à viúva, à data da
instituição do benefício em 1939, já se encontrava em idade avançada,
razão pela qual, provavelmente, dele não se socorreu (DIÁRIO
OFICIAL, 02/03/1984).

Se Francisco Antônio de Almeida de fato participou da guerra, não temos


subsídios para afirmar, mas o pedido de sua filha foi acatado pelo TCU, não apenas pelos
depoimentos arrolados ao pedido, mas pela aparente excepcionalidade da trajetória de
Almeida. Ficava evidente nesse debate que ele era parte da elite nacional oitocentista e,
com isso, tivera condições de acesso a uma carreira acadêmica e política10, fatores que
garantiram seu envio para estudos na Europa.

10
Como demonstra a aparição de seu pai, então avô de Rosa de Maria, no Almanak Administrativo, Mercanil
e Industrial da Côrte e da Capital da Província do Rio de Janeiro, de 1873, fundado e redigido por Eduardo
von Laemmert, como Diretor aposentado da Diretoria da Fazenda.
31

2.1.2 FRANCISCO ANTÔNIO DE ALMEIDA, O ASTRÔNOMO

Em 1872, no Relatorio da Repartição dos Negocios da Guerra, informava-se que


o Observatório Astronômico Nacional, sob a direção do Dr. Emmanuel Liais, recebera
mais verbas para a aquisição de instrumentos na Europa. Liais esteve no cargo entre 1870
e 1881; contudo, de 1871 a 1874, Camilo Ferreira Armond, visconde de Prados, assumira
como diretor interino11. Por isso, foi sob a direção do visconde que dois alunos – Julião
de Oliveira Lacaille e Francisco Antonio de Almeida Junior – receberam auxílio
financeiro por três anos, “afim de estudarem na Europa a sciencia astronômica, recebendo
instrucções do distincto Dr. Liais, emquanto não regressar elle ao Brazil” (MINISTÉRIO
DA GUERRA, 1872). Liais retornou em novembro de 1874, listando em seu relatório
oficial os materiais adquiridos na França, além de elogios à gestão do visconde de Prados
e à designação de Francisco Antônio de Almeida para acompanhar a comissão francesa
ao Japão, para estudar o trânsito planetário de Vênus (MINISTÉRIO DA GUERRA,
1875).
A estadia na França antes de seguir ao Japão não era apenas uma questão
geográfica. Como explica o astrônomo Rogério de Freitas Mourão (2009, p. 319) –
pesquisador que mais se dedicou aos trabalhos de Almeida12 –, a influência francesa na
ciência era evidente, sendo cerca de 80% dos livros científicos mundiais publicados
naquele idioma até a Primeira Guerra Mundial. Para o Brasil oitocentista, a França
representava o centro científico e cultural por excelência13. Era grande a influência
intelectual, com pensadores como Auguste Comte e suas ideias positivistas (das quais o
próprio viajante era adepto).

11
Galeria dos Diretores do Observatório Nacional. Disponível em <https://www.on.br/index.php/pt-
br/conteudo-do-menu-superior/34-acessibilidade/70-galeria-dos-diretores.html>. Último acesso em
13/07/2020.
12
Durante o andamento desta pesquisa foi defendida a dissertação intitulada A Paralaxe do outro, sobre
Francisco Antônio de Almeida, que objetivou analisar a alteridade estabelecida entre o viajante brasileiro
e os visitados na África e Ásia, buscando ainda aproximações entre História e Astronomia. Nossa pesquisa
diferenciava-se por buscar inserir o relato em uma série e pensar a experiência de Almeida na aproximação
entre Brasil e Japão, dando destaque ainda para as litogravuras, diálogos com outros relatos e debates sobre
imperialismo e trabalhadores asiáticos. Ver: PINTO, Jacques Ferreira. A paralaxe do outro: medidas de
alteridade entre África e Ásia no primeiro relato de viagem de um brasileiro no Japão no século XIX. 2018,
140f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2018.
13
Ver: GUIMARÃES, Valéria. Revistas francesas no Brasil caminhos da modernidade: catálogos e
mediadores (Rio de Janeiro e São Paulo, século XIX e XX). Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá,
vol. 9, n. 2, jul. – dez., 2016.
32

Para Mourão, a viagem de Almeida ao Japão esteve marcada por questões que iam
além do conhecimento astronômico. O país se favorecia da valorização da ciência após a
guerra contra o Paraguai, a partir da criação de instituições como a Escola de Minas de
Ouro Preto, em 1876; Comissão Geográfica e Geológica do Brasil, em 1875; Laboratório
de Fisiologia do Museu Nacional, em 1880; Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro
(atual Sociedade Brasileira de Geografia), em 1883; Comissão Geográfica e Geológica
de São Paulo, em 1886 (MOURÃO, 2009, p. 325). Portanto, incentivados pela conjuntura
política de valorização científica, Lacaille e Almeida foram enviados “pela mordomia da
Casa Imperial” (p. 325).
A passagem do planeta Vênus pelo Sol é um evento importante para os estudos
astronômicos. Devido a sua raridade, quando o fenômeno ocorre há grande mobilização
de cientistas de todo o mundo: “os trânsitos aparecem, geralmente, em pares separados
de oito anos e, entre eles, de 121.5 ou 105.5 anos, alternadamente. O ciclo global é, então,
de 243 anos (8 + 121.5 + 8 + 105.5)” (AUGUSTO; SOBRINHO, 2007, p.7). Em 1874,
em Nagasaki, Almeida teve papel de destaque por ter operado o “revólver fotográfico”
de Jules Janssen, ferramenta que possibilitou que o evento fosse o “primeiro trânsito
‘público’ e fotografado” (AUGUSTO; SOBRINHO, 2007, p. 7) e que foi considerado um
precursos do sistema de filmes (MOURÃO, 2004). A passagem de 1874 foi precedida
pela de 1769, conhecida nos estudos sobre literaturas de viagem, pois foi testemunhada
pela expedição de James Cook. E a passagem que antecedeu aquela vista por Cook
ocorreu em 1761, tendo sido um dos principais eventos científicos a ultrapassar fronteiras
até então:
A observação do trânsito de Vênus de 1761 deu lugar provavelmente
ao primeiro grande projecto científico à escala internacional. Foram
enviadas expedições para locais tão remotos quanto a ilha de Sta Helena
(Atlântico), Terra Nova (Canadá), Vardø (Noruega, acima do Círculo
Ártico), Ilha de Rodrigues (Índico), Tobolsk (Sibéria) e Ilhas Maurícias
(Índico). (AUGUSTO; SOBRINHO, 2007. p.12).

Nota-se que a passagem de Vênus, para além de um evento científico importante,


era também uma empreitada política de largo alcance, em relação direta com os trânsitos
além-mar e, consequentemente, com a produção de livros de viagem. Para Mary Louise
Pratt (1999, p. 80)
A “grande era” da viagem científica está usualmente associada às
expedições de Cook, Bougainville e outros aos mares do sul,
inicialmente organizadas próximo à passagem de Vênus pelo
33

meridiano, em 1768. Estas expedições marítimas efetivamente


inauguraram a era da viagem científica e do relato de viagem científico.
Mas, ao mesmo tempo, elas marcaram o fim: o da última grande fase
da navegação de exploração européia. Cook descobriu e mapeou a costa
do último continente não cartografado – a Austrália. De certa forma,
preparou o cenário para a nova fase da exploração de terra firme.

Ainda de acordo com Mourão (2009, p. 317-8), as empreitadas científicas eram


vinculadas às atividades da política internacional:

Em astronomia foram organizadas comissões internacionais com


objetivos científicos como, por exemplo, a paralaxe do Sol, ou seja, a
determinação da unidade astronômica pela observação da passagem de
Vênus que estimulava a organização de grandes expedições no século
XVIII e XIX (...).
Com o objetivo de neutralizar as ações de outros países, a França tentou
coordenar as missões da passagem de Vênus de 1882, através da
Academia de Ciência de Paris, da qual participaria o Brasil. Essa
decisão francesa se baseava na grande vitória com que as expedições
anteriores tinham contribuído para o fortalecimento e a exploração
geográfica de países além-mar.

Este contexto científico é parte da experiência do viajante no momento de escrita


do relato, e negá-lo descaracterizaria a própria obra. Se a “corrida científica” tinha
vinculações políticas, o mesmo ocorreria com a publicação do relato de Francisco
Antônio de Almeida, que se tornou um material utilizado no debate sobre a vinda de
trabalhadores asiáticos ao Brasil no final do século XIX e demonstrativa da participação
do Brasil no evento cientifico.
Almeida doutorou-se em 1876. O certificado (figura 1), da atual Universidade de
Bonn, na Alemanha, foi assinado por August Kekulé, um dos mais renomados químicos
do XIX. No documento, ele é identificado como brasileiro vinculado ao Imperial
Observatório do Rio de Janeiro, cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa e membro da
Sociedade Geográfica de Paris.
No dia 16 de fevereiro de 1876, o jornal O Globo publicou:
Passará pela Bahia em seu regresso da Europa o Dr. Francisco Antonio
de Almeida Junior, filho do coronel Francisco Antonio de Almeida,
director de Fazenda aposentado da província do Rio de Janeiro.
Encarregado pelo nosso governo de assistir no Japão á passagem de
Venus em 1874 e fazer as observações astronômicas solicitadas pela
sciencia, o Dr. Almeida Junior acaba de completar os seus estudos na
Europa de onde volta para o seio de sua família, precedido pelos
louvores e consideração que lhe tem prodigalizado a imprensa. (O
GLOBO, 16/02/1876)
34

Uma vez de retorno ao Brasil, Almeida foi nomeado para lecionar no 2º ano do
Curso de Minas da Escola Politécnica, no Rio de Janeiro. E, em 1879, publicou seu relato
Da França ao Japão: narração de viagem e descrição histórica, usos e costumes dos
habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia.

Figura 1 – Diploma de Francisco Antônio de Almeida

Fonte: DIPLOMA de Doutor em Filosofia concedido a Francisco Antônio de Almeida, do Imperial


Observatório Astronômico do Rio de Janeiro. Referência: BR RJANRIO 2H.0.0.346. Disponível no
Arquivo Nacional.
35

Figura 2 – Dissertação de Francisco Antônio de Almeida

Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. De motibvs aeris. Universitas Fridericia Guilelmia Rhenana,
1876.
36

2.2 A PUBLICAÇÃO DE DA FRANÇA AO JAPÃO

Uma obra tão bem cuidada, com desenhos coloridos


e em preto e branco, de autoria de artistas famosos
na época, como o português Raphael Bordallo
Pinheiro e J. Mill, acabou relegada ao
esquecimento. No entanto, foi ela a iniciadora do
Japonismo no Brasil, a pioneira na construção do
exótico Japão e na retomada do imaginário
quinhentista/seiscentista do País dos Samurais.
(KUNIYOSHI, 1998, p. 111)

A definição acima é de Celina Kuniyoshi sobre Da França ao Japão, que, desde


sua publicação em 1879, chamava a atenção pela qualidade material. Naquele momento,
havia poucas obras publicadas sobre o Japão.14 De acordo com a pesquisadora, que se
dedicou ao estudo do japonismo15, “podemos considerar que Francisco Antonio de
Almeida não é apenas um japonista pioneiro no Brasil, mas também no Ocidente”
(KUNIYOSHI, 1998, p. 107). Entretanto, a publicação em português teria dificultado sua
circulação fora do Brasil e seu reconhecimento.
Antes de enviar Francisco Antonio de Almeida ao Japão, o Ministério da Guerra
(11/07/1874) emitiu uma nota comunicando a importância da empreitada, a ajuda de custo
e o que deveria ser feito por ele:
Ministério dos Negócios da Guerra – Rio de Janeiro, 11 de Julho de
1874.
Devendo realizar-se no dia 8 de Dezembro do corrente anno um dos
mais importantes fenômenos astronomicos, a passagem de Venus pelo
disco solar, para cuja observação foram já nomeadas comissões de
diversos paizes europeus, e convindo que o Brazil se faça representar
em alguma delas, tem o governo imperial resolvido designar a v. para
esse fim, incumbindo a legação brasileira em Pariz de obter do governo
francez que v. vá fazendo parte da respectiva comissão, na qualidade de
adjunto ou adido, sendo que, além do vencimento mensal que v. está
percebendo nesta data é mandada pôr a disposição da delegacia do
tesouro em Londres, a quantia de 1:500 ¢ rs. para lhe ser abonada, como
ajuda de custo, para as despesas extraordinárias e de transporte.
Deverá v. apresentar opportunamente um relatorio ou memoria sobre o
mencionado phenomeno.
O governo espera que v. desempenhará esta commissão com todo o
zelo.

14
Celina Kuniyoshi (1998, p.107) apresentou que durante sua pesquisa, publicada em 1998, seu
levantamento contabilizou apenas nove obras de viajantes estrangeiros sobre o Japão anteriores à de
Francisco Antônio de Almeida.
15
O colecionador francês Philippe Burty denominou o interesse europeu pelos artefatos japoneses,
desenvolvido na década de 1860, de japonismo. Posteriormente, definiu como “um novo campo de estudos,
artísticos, históricos, etnográficos” (KUNIYOSHI, 1998, p. 76-7).
37

Deos guarde a v. - João José de Oliveira Junqueira – Sr. Francisco


Antonio de Almeida Junior.

A contrapartida em relação ao financiamento da viagem de estudos era o “relatório


ou memória”, o qual não sabemos afirmar se foi o relato Da França ao Japão, a
publicação científica A paralaxe do sol e a passagem de Venus ou se foram ambos. É
possível que o segundo título, pelo caráter técnico, tenha sido o documento solicitado
pelo governo brasileiro, embora o relato fosse uma resposta à opinião pública diante das
notícias publicadas sobre o investimento do governo na viagem do astrônomo.
Almeida permaneceu três meses no Japão. Suas considerações em Da França ao
Japão são fruto de uma experiência guiada e em grupo, elaboradas a partir das anotações
feitas durante as duas viagens, de ida e volta. Ele pôde rever e mesmo conhecer outros
pontos dos mesmos lugares, como expôs na própria obra, em trechos nos quais comentou
a importância da viagem de retorno. Num destes, ao partir do Egito, indicou sua vontade
de conhecer Alexandria quando voltasse:
Ficará a satisfação da nossa curiosidade para quando voltarmos do
Oriente, já habituados com os costumes orientaes e as emoções da
viagem; e, como dizem que a civilisação partio do Oriente, não será sem
interesse procurarmos seos vestigios d’este extremo ao occidente; e
sendo o methodo indispensavel a todos os projectos que o espirito
humano póde conceber, approveitamos da viagem de ida para
disprevenidos recebermos as impressões, e durante a volta
coordenaremos os factos e deduziremos as nossas observações sobre o
gráo de desenvolvimento de cada povo, sob o ponto de vista da moderna
civilisação.
Assim, esta segunda visita pelos mesmos paizes servirá para
corrigirmos os nossos primeiros juizos, com o único fim de
restabelecermos a verdade, muitas vezes adulterada pela imaginação
ardente e enthusiastica de alguns viajantes, ou pela exageração de
outros, que julgão assim, tornar mais interessante a descripção viciada
de suas viagens. (ALMEIDA, 1879, p.31-2)

Sobre sua descrição e análise como cientista, ele destacava seu método: uma
análise inicial, a partir das primeiras impressões, uma segunda para confirmação dos
dados e, a partir daí, a interpretação do “ponto de vista da moderna civilisação” (p. 31), o
que indica sua perspectiva eurocêntrica. Embora saibamos que há no relato o caráter
subjetivo, é importante levar em conta que, para Almeida, tratava-se de uma descrição
objetiva, como se fossem decantadas as considerações imaginativas ou entusiásticas.
Mesmo voltando-se ao público leitor leigo, apresentava notas explicativas e citações de
38

outras obras, indícios de um texto elaborado após a viagem. Mesmo assim, a narrativa
não apresenta o mesmo caráter técnico e científico de outras obras suas – Notícia sobre
as minas de ferro de Jacupiranguinha e bases de um projeto de exploração (1878) e A
paralaxe do Sol e as passagens de Vênus (1878) – nem de engajamento político, como o
de A Federação e a Monarchia (1889).
O livro Da França ao Japão foi anunciado por diversos periódicos, como o
carioca Gazeta de Notícias:
Acaba de publicar-se um precioso volume intitulado Da França ao
Japão pelo nosso amigo Dr. Francisco Antonio de Almeida.
Compendía esta importante obra a narração de viagem e descripção
histórica, usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros
paizes da Asia. O autor trata d’estes assumptos com a crítica e a
observação que pôde exercer, quando, como adido á comissão do
governo francez foi ao Japão em 1874 acompanhar as observações da
passagem de Venus. A obra é ilustrada, e contém uma minuciosa carta
do Imperio do Japão, excelentemente gravada. (GAZETA DE
NOTICIAS, 12/01/1879)

A publição foi destacada por seu apuro gráfico e pelo ineditismo da temática. O
Jornal da Tarde, também publicado no Rio de Janeiro, destacou:
Tivemos o prazer e a honra de receber hoje uma importante obra,
publicada este anno, na Côrte, sob o titulo – Da França ao Japão.
É seu autor o ilustrado sr. dr. Francisco Antonio de Almeida, que fez
parte da comissão do governo francez, que observou a passagem de
Venus, no Japão, em 1874.
O livro, nitidamente impresso, adornado com mimosas gravuras, e
trazendo o retrato do autor e uma carta do império japonez, organizada,
segundo dados oficiaes, pelo mesmo sr. dr. Almeida, compõe-se da
narração de viagem a descripção histórica, usos e costumes dos
habitantes da China, Japão e outros paizes da Ásia.
Parte das gravuras são devidas ao lápis do conhecido sr. Bordalo
Pinheiro.
No seu gênero, é uma das melhores obras que temos visto.
Agradecendo a gentileza da oferta, recomendamos-la ás pessoas que
prezam as letras no seu valor real. (JORNAL DA TARDE, 14/01/1879)

A literatura de viagem atraía o interesse comercial. A pesquisadora Mary Louise


Pratt (1999, p. 159) relacionou-a com a profissionalização da escrita, já no século XVIII,
quando
havia se tornado um negócio lucrativo, escritores-viajantes e seus
editores se baseavam cada vez mais em escritores e editores
profissionais para assegurar um produto competitivo, frequentemente
transformando completamente os manuscritos, em geral na direção do
romance.
39

Em diversos periódicos da capital do império, encontramos notas sobre o


lançamento do livro de Almeida, como em O Besouro, de propriedade do ilustrador
português Bordalo Pinheiro:

Figura 3 – Anúncio do lançamento de Da França ao Japão

Fonte: O Besouro, 28 de setembro de 1878. Disponível em<http://memoria.bn.br/DocReader/749915/270>


Último acesso em 14/02/2017.

Entre 1879 e 1880, a publicação se destacava pelos aspectos materiais da obra,


pois era “a primeira vez que no Brazil se faz chromos em doze cores” (GAZETA DE
NOTICIAS, 12/02/1879). Estas figuras foram produzidas pela Imperial Lithographia de
A. Speltz, e o livro foi impresso pela Typographia do Apostolo, ambos no Rio de Janeiro.
As imagens foram assinadas pelo próprio Alexandre Speltz, por Bordalo Pinheiro
e Joseph Mill. Sobre Speltz temos poucas referências atualmente. Quanto ao desenhista
português Bordalo Pinheiro, chegou ao Brasil em 1875, a convite do proprietário do
periódico O Mosquito, Manuel Rodrigues Carneiro. Bordalo veio preencher o lugar
deixado pelo italiano Angelo Agostini, tendo retornado a Portugal no início de 1879, ano
da publicação do relato de Almeida (COSTA, C., 2007, p.187). O ilustrador francês
Joseph Mill trabalhava em periódicos e lecionava em liceus e para alunos particulares,
mas sua trajetória no Brasil foi marcada pelas charges (p. 170). O conhecimento e a
experiência dos ilustradores eram importantes para a qualidade das imagens de Da
França ao Japão, que foram um dos principais chamarizes para a obra.
40

A participação destes artistas na produção do relato foi possível pela então recente
produção de periódicos ilustrados no Brasil, bem recebidos pelo público, já habituado
com os importados da França, principalmente.16 Além do retrato do autor, as ilustrações
que constam em Da França ao Japão são:

Tabela 1 – Imagens que ilustram Da França ao Japão


Título Legenda Cores Autoria
China Mandarim civil Colorida Alexandre Speltz
Aden Joven criado de Aden Monocromática Bordalo Pinheiro
Aden Musicos de Aden Monocromática Joseph Mill
Ceylão Lettrado indiano Monocromática Joseph Mill
Ceylão Pellotiqueiro indiano Monocromática Bordalo Pinheiro
Ceylão Nogociante do Monocromática Bordalo Pinheiro
Ceylão
Ceylão Mulher cinguleza Monocromática Joseph Mill
Manifesto publicado Monocromática –
– pelos chins contra os
estrangeiros
China Mulher china Monocromática Joseph Mill
Japão Imperantes do Japão Monocromática –
China Dama chineza e sua Colorida –
criada
Japão Principe Japonez Monocromática Joseph Mill
Japão Barbeiro japonez Monocromática Joseph Mill
Japão Jovens japonezas Monocromática Joseph Mill
tocando bandolim
Japão Dama japoneza Monocromática Joseph Mill
dormindo a sesta
Japão Barca de passeio Colorida Alexandre Speltz
tripulada por
mulheres japonezas
Japão Jovem dama Colorida –
japoneza e sua criada
Carta do Imperio do Colorida Francisco Antonio de
Japão org. segundo – Almeida
documentos officiaes
Fonte: Dados compilados a partir da análise do livro Da França ao Japão (1879)

Esses ilustradores europeus, em contato com imagens de diferentes continentes,


transpunham-nas para o público brasileiro. Percebe-se que Almeida teve acesso a elas por
diversos meios, alguns dos quais conseguimos mapear, da gravura à fotografia. No livro,
elas eram importantes para que os leitores pudessem visualizar os diferentes “costumes e

16
A primeira publicação com “quadros sucessivos de imagens” foi a Revista Illustrada (1876-1898) de
Angelo Agostini, mas desde quinze anos antes, os leitores brasileiros já tinham acesso a este tipo de
publicação com os periódicos franceses (GUIMARÃES, V., 2016, p.26).
41

usos” em países distantes. Nas obras que influenciaram Almeida, estão as que
apresentavam figuras de japoneses, chineses e de outros “tipos” não europeus.
Publicações sobre esta temática não eram raras no século XIX, inclusive com os mesmos
termos, como vemos em: Le Japon: Histoire et description: Moeurs, costumes et religion
(1864), de Edouard Fraissinet, publicado em Paris; e Moeurs, usages et costumes de tous
les peuples du monde (1844), de Auguste Wahlen.
Entre textos e imagens, Francisco Antônio de Almeida narrou em seu livro a
viagem até o Japão, saindo de Marselha em 19 de agosto de 1874, a bordo do Ava,
propriedade da Compagnie des Messageries Maritimes, e depois, seu retorno à Europa.
Nos dezoito capítulos que compõem o livro, relatou a viagem a bordo dos navios Ava,
Tanais, Golden Age, Neva, La Provence, passando por Marselha e Toulon, Nápoles,
Cairo, Suez, Aden (Iêmen), Ponta de Galles, Ceilão (Sri Lanka), Malaca (Malásia),
Singapura, Saigon (Vietnã), Hong Kong, Macau, Pequim, Shangai (China), Yokohama,
Yedo e Nagasaki.

2.3 A EUROPA COMO MEDIDA E OS “PAIZES CURIOSOS"

Ao iniciar a narração de sua viagem, Francisco Antônio Almeida explicou que a


ida ao Japão se devia a um acontecimento astronômico, descrito de forma poética, quando
a “deosa da formosura” se encontraria com o “dardejante Sol”, tendo os observadores um
“papel de terceiro em questão de amor” (ALMEIDA, 1879, p. 8-9). Mas em Da França
ao Japão, observa-se que a passagem de Vênus pelo Sol ou os debates científicos não são
centrais, mas sim a descrição dos lugares e os “usos e costumes” das populações que o
autor conheceu.
Para demonstrar sua erudição, Almeida expôs seus conhecimentos sobre arte e
história, mobilizados especialmente em sua passagem pela Europa. Este acesso
decorrente de sua instrução e origem social moldou seus gostos, e isto é um indicativo
sobre o que buscava apresentar de si no relato e da construção de sua distinção social
(BOURDIEU, 2007). Assim, as esculturas do francês Pierre Puget, em Toulon, por si só
“compensam a visita do estrangeiro” (ALMEIDA, 1879, p. 12). Em Nápoles, a
arquitetura “recordava-nos que a patria das artes era vizinha da capital do christianismo”
(p. 12), onde as obras barrocas eram apreciadas pelo viajante católico. Seu interesse pela
42

arte italiana rendeu descrições de monumentos, museus, pinturas e esculturas da


Renascença. Almeida também tinha interesse pela arqueologia, como demonstram as
descrições das estátuas de bronze encontradas em escavações nas antigas cidades de
Pompéia e Herculano, destruídas pelo Vesúvio, e os papiros “escripturados pelos antigos
e por consequencia, preciosos depositários dos seus pensamentos” (p. 16). Também deu
importância às traduções dos trabalhos de “Philodemo, Rabirio e Epicuro, graças aos
perseverantes cuidados dos sábios Carcani, Ignarro e Giordano” (p. 17).
Todas essas referências sobre arte, literatura e história visavam distinguir a obra
de uma simples narração de acontecimentos. Demonstrar erudição era parte de uma
estratégia para diferenciar-se de um comerciante ou militar em viagem. Este referencial
também era importante para a validação de seu discurso. De acordo com Almeida, ele ia
em “busca da verdade” – termo frequentemente usado no relato – e para isso aproveitaria
da viagem de retorno para certificar-se de suas observações. Este modelo de análise
condizia com sua orientação positivista de subordinação da imaginação à observação,
contrapondo-se aos que se influenciavam pelas “pequeninas miserias” e que, por
interesse, sacrificavam “ao seu epicurismo, a dignidade propria e a verdade historica”
(ALMEIDA, 1879, p. 24). Estes pensamentos do século XIX foram centrais para a
concepção de história de Almeida e mesmo para sua própria atividade. No “século da
História” o uso do termo remete àquele do postivisvo, das escolas metódicas, da “História
como ciência” (MARTINS, E., 2015, p. 10-1). Por isso era cara ao nosso viajante a
elaboração de argumentos articulados com dados empíricos.
Almeida considerava Comte uma importante referência. Na obra História do
Positivismo no Brasil (1964), de Ivan Lins, é apresentado um trecho do relato de Almeida
no qual ele elogiou os estudos do positivismo comtiano no país17: “em 1879, no livro Da
França ao Japão, o Dr. Francisco Antônio de Almeida observava que, assim como os
doutores chineses aprofundavam a filosofia de Confúcio, os alunos adiantados das nossas
Escolas se entregavam ao estudo da filosofia positiva” (p. 509). É importante lembrar que
a primeira Sociedade Positivista foi fundada no Rio de Janeiro dois anos após a viagem
do astrônomo ao Japão, em 1876 (SKIDMORE, 2012, p. 46). Mas suas perspectivas eram
provavelmente mediadas pela Escola Politécnica, como explica Skidmore (2012, p. 48):

17
“Apezar de christãos, os doutores chinezes aprofundão e discutem a philosophia de Confucio, do mesmo
modo que, entre nós, os estudantes adiantados das nossas escolas entregão-se ao estudo da philosophia
positiva, desenvolvida magistralmente por Augusto Comte” (ALMEIDA, 1879, p.228)
43

Na década de 1860, estudantes de matemática ou engenharia no Rio


ouviam de seus professores que as doutrinas filosóficas de Comte
constituíam a aplicação lógica da ciência à sociedade. Tais ideias
levavam muitos estudantes ao positivismo; e vários desses jovens,
formados pela Academia Militar ou pela Escola Politécnica, tornaram-
se proeminentes oficiais do Exército e engenheiros.

O pensamento positivista também era de interesse de membros da elite que


desejavam modernização e desenvolvimento econômico sem mudança social.
Característica ainda importante para Almeida era o fato de que
a tônica dada por Comte à família como unidade básica da sociedade
era outra ideia atraente para os brasileiros ansiosos por modernização,
mas preocupados com a forte ênfase no indivíduo característica do
pensamento liberal europeu (o que poderia corroer a família)
(SKIDMORE, 2012, p. 48).

Da Europa também vinham as teorias raciais. A publicação de Systema Naturae,


de Carl Linnaeus, influenciou o modo como os europeus se entendiam em relação às
demais populações18, mesmo que seu sistema tenha sido elaborado para classificar
plantas; com ele, Linnaeus “sintetizou as aspirações continentais e transnacionais da
ciência europeia” (PRATT, 1999, p. 57). Systema Naturae foi publicado em 1735 e
atualizado em 1758, quando incluiu a categorização da espécie homo sapiens, em seis
variantes19. Linneaus classificou os tipos humanos por critérios como cor de cabelo, de
olhos, hábitos vestimentais, características morais e organização social.20 Trata-se de uma
categorização comparativa que reforçava teses sobre a superioridade europeia, do homem
racional, forte e belo. As características dos asiáticos não eram consideradas positivas,
entendimento que permaneceu por mais de um século depois como qualificativo
recorrente sobre as populações da Ásia.

18
A sistematização a partir da história natural permitiria uma nova “consciência planetária”. Para isso, “o
olhar (letrado, masculino, europeu) que empregasse o sistema poderia tornar familiar (‘naturalizar’) novos
lugares/novas visões imediatamente após o contato, por meio de sua incorporação à linguagem do sistema”
(PRATT, 1999, p.66). Nossos viajantes não eram vinculados à história natural, mas sua organicidade e
léxico europeu foram parte do que utilizaram para compreender e narrar suas experiências.
19
É importante informar que Linnaeus não foi o primeiro a dividir os povos por raças; no século XVI, por
exemplo, já havia uma classificação proposta por François Bernier.
20
a) Homem selvagem. Quadrúpede, mudo, peludo. b) Americano. Cor de cobre, colérico, ereto. Cabelo
negro, liso, espesso; narinas largas; semblante rude; barba rala; obstinado, alegre, livre. Pinta-se com finas
linhas vermelhas. Guia-se por costumes. c) Europeu. Claro, sanguíneo, musculoso; cabelo louro, castanho,
ondulado; olhos azuis; delicado, perspicaz, inventivo. Coberto por vestes justas. Governado por leis. d)
Asiático. Escuro, melancólico, rígido; cabelos negros; olhos escuros; severo, orgulho, cobiçoso. Coberto
por vestimentas soltas. Governado por opiniões. e) Africano. Negro, fleumático, relaxado. Cabelos negros,
crespos; pele acetinada; nariz achatado, lábios túmidos; engenhoso, indolente, negligente. Unta-se com
gordura. Governado pelo capricho. (PRATT, 1999. p. 68)
44

Mas é a classificação sobre os seres humanos, nos moldes da elaborada pelo


cientista alemão Johann Friedrich Blumenbach em 1795, a mais presente no discurso do
fim do oitocentos sobre os trabalhadores asiáticos. Ele dividiu cinco raças principais:
caucasianos, mongóis, etíopes, americanos e malaios. Resumidamente, para Blumenbach,
caucasianos eram os brancos europeus, eventualmente, alguns oriundos da Ásia Oriental
e do Norte da África; mongóis eram os amarelos, asiáticos (exceto os malaios) e uma
reduzida população da Europa e da América do Norte; etíopes eram os pretos, oriundos
da África subsaariana; os americanos eram cor de cobre, habitantes das Américas; e os
malaios eram os de cor marrom, habitantes de ilhas do Pacífico, das Filipinas e da
península da Malásia (BLUMENBACH apud BENDYSHE, 1865, p.264-266). Segundo
sua perspectiva monogenista, as três primeiras raças seriam as centrais, das quais os
caucasianos eram não apenas os mais belos, mas a eles também pertencia a preeminência
dos humanos; mongóis e etíopes representavam degenerações; e “transitórios”, os
americanos eram a intermediários entre caucasianos e mongóis, e os malaios entre
caucasianos e etíopes (BENDYSHE, 1865. p. xi). A partir dessas concepções racialistas
elaborava-se uma narrativa que tornava os não brancos inferiores em termos físicos e
morais.
Nesta classificação, cabe salientar que asiáticos e amarelos não apareciam como
sinônimos, embora fossem assim considerados em grande parte do debate no Brasil.
Encontramos também a presença de asiáticos considerados “marrons”, fazendo com que
o termo “malaio” fosse utilizado para definir determinados grupos de trabalhadores
asiáticos no oitocentos, nem sempre em referência aos habitantes da Malásia.
Nenhum de nossos viajantes debateu estas obras diretamente, embora suas
premissas integrem as análises presentes nos relatos. Eles se utilizaram destas como
verdades científicas, assim como categorias políticas, de manutenção da estrutura social
ou ainda, de acordo com Lilia Schwarcz (2016, p. 24) como “um novo argumento de
sucesso para o estabelecimento de diferenças sociais”. Assim,
O termo raça, antes de aparecer como um conceito fechado, fixo e
natural, é entendido como um objeto de conhecimento, cujo significado
estará sendo constantemente renegociado e experimentado nesse
contexto histórico específico, que tanto investiu em modelos biológicos
de análise.

No debate ao qual nos dedicamos, o determinismo racial era acompanhado pelo


geográfico e histórico ao se pensar sobre os asiáticos. E também era influenciado pela
45

ampliação da noção de raça, como equivalente à ideia de nação, articulada no final do


século XIX (SCHWARCZ, 2016, p.83).
Tratava-se de modelos estrangeiros que, ao longo do século XIX, se espraiavam
pelo mundo, tendo sido traduzidos para a realidade nacional. Para Jürgen Osterhammel
(2014, p. 855):
Em 1900, a palavra "raça" era de uso comum em muitas línguas ao redor
do mundo. Em geral, as ideias estavam saturadas de racismo. Pelo
menos no “Ocidente”, mas encontrado em todos os continentes na era
do imperialismo, poucos duvidavam que a humanidade fosse dividida
em raças com diferentes capacidades biologicamente determinadas, e
que, portanto, nem todos tinham o mesmo direito de escolher seus
próprios caminhos. Por volta de 1800, embora as práticas nas colônias
e o tráfico transatlântico de escravos fossem baseados em diferenças na
cor da pele, essas ideias estavam sendo desenvolvidas principalmente
nos círculos acadêmicos europeus. Em 1880, elas eram parte do
imaginário coletivo nas sociedades ocidentais. (tradução nossa)

Se consideramos que um fator importante para que uma obra literária funcione no
local de sua publicação é a verossimilhança, que faz com que a narrativa estabeleça um
“sentimento de verdade” (CANDIDO, 2005. p. 55) especialmente útil para a compreensão
de uma realidade distante, entendemos também que há especificidades em um viajante
brasileiro escrevendo para seu público nacional. Sua compreensão de mundo se acorda
aos modelos de análise de seu contexto. No caso de Almeida, hierarquizando populações,
debatendo a miscigenação e a degeneração a partir de visões deterministas para justificar
características sociais e uma possível “adaptabilidade” à noção europeizada de
civilização, que incluía higienização, saneamento, alimentação, educação formal e
comportamento sexual. Tais premissas, intencionalmente utilizadas por pessoas
interessadas em interferir em processos sociais não são as mesmas do desenvolvimento
do conhecimento nas ciências biológicas. A apropriação acrítica de estudos sobre raça e
evolução humana também difere do estudo dos pesquisadores daquelas áreas. Por
exemplo, o modo como o darwinismo foi articulado politicamente por emissores que
muitas vezes não compartilhavam dos conhecimentos sobre evolução biológica caíram,
muitas vezes, em generalizações e usos políticos.21
Percebemos assim que, tanto em relação às ideias positivistas, quanto aos demais
esquemas explicativos da ciência europeia (como os determinismos e as teorias raciais),

21
Ver STRAUSS, André e WAIBORT, Ricardo. Sob o signo de Darwin? Sobre o mau uso de uma quimera.
Revista Brasileira de Ciências Sociais. vol. 23, n. 68, outubro/2008. p. 125-34.
46

não eram ideias autônomas. E nesta pesquisa, interessa-nos analisar o modo como elas
foram utilizadas para explicar questões sociais, articuladas para atender demandas
específicas. Por isso, consideramos importante conhecer o repertório mobilizado pelos
debatedores, como “conjunto de recursos intelectuais disponível numa dada sociedade
em certo tempo” e articulados em questões práticas. Estes repertórios “funcionam como
‘caixas de ferramentas’ às quais os agentes recorrem seletivamente, conforme suas
necessidades de compreender certas situações e definir linhas de ação” (ALONSO, 2002,
p. 40).
A narrativa de Almeida traz descrições de eventos históricos e contextualizações
políticas articuladas a arquitetura, natureza, cenas cotidianas, de modo que o leitor tivesse
condições de se apropriar daqueles cenários. Sobre suas referências, iam além das
publicações francesas e estadunidenses, valendo-se de “poetas portuguezes dos seculos
passados” que “aguçavão nossa impertinente curiosidade”, autores como Heródoto e
Estrabão, além dos “historiadores árabes” Schems Eddin e Makrisi (Al-Maqrizi)
(ALMEIDA, 1879, p. 39). A leitura que fazia dessas referências estrangeiras era variada,
mais do que apenas uma recepção de produções europeias, mesmo que houvesse
predileção pelos autores franceses. Esta valorização é perceptível nas citações da obra
Memoire sur le canal des deux mers, de Jacques-Marie Le Père, juntamente com a de
Ferdinand de Lesseps, responsável pela construção do Canal de Suez.
Outro fator relevante para o viajante era a defesa da Igreja Católica, especialmente
ao comentar os movimentos de expansão à China e ao Japão praticados por jesuítas e no
elogio às construções e obras de arte religiosas. Registrou que, na partida de Marselha,
“um grande numero de homens e mulheres entoavão cânticos ao Altíssimo e a Santa
Virgem, recomendando á sua guarda os viajantes do Ava”; suas “vozes fortes e sonoras
tocarão nossos corações, e comovidos e reverentes, descobrimos nossas cabeças a essas
demonstrações humanitárias e sublimes que só podem encontrar estimulo na religião do
Christo” (ALMEIDA, 1879, p. 11). O catolicismo serviria como parâmetro para comparar
as populações encontradas, assim como sua adesão à república. Portanto, dedicou-se ao
tema da Revolução Francesa22, que era então “o exemplo mais poderoso de explosão
popular na arena pública” (CARVALHO, 2014b, p. 10).

22
Francisco Antonio de Almeida apresentava os marselheses como que “revoltarão-se, por varias vezes,
contra o despotismo dos reis da França, e não raras, o sangue generoso dos Marselhezes regou o solo da
pátria, para vivificar a arvore da liberdade e fazel-a produzir os fructos que, mais tarde, forão saboreados
por todos que desejavão o reconhecimento da soberania popular” (1879, p.6). Elogiava especialmente a
47

Da França, a expedição que Almeida integrava parou na Itália, passou por


Siracusa, e dali seguiu em direção ao norte da África: “perdíamos de vista as terras da
Europa; esta parte do Globo a mais importante pelo engenho dos seus filhos, porém menos
tradicional do que as regiões que íamos percorrer” (ALMEIDA, 1879, p. 22). Animava-
se igualmente em “visitar paizes curiosos” ao leste da Europa, de onde vinham os
“primeiros philosophos, cujas doutrinas, alguns seculos mais tarde, forão expostas sob
outras fórmas, pelos sabios do occidente” (p. 8). Para além de curiosidades, Almeida
presenciou a expansão do capitalismo e do imperialismo, assim como dos seus rastros de
desigualdade na modificação das dinâmicas sociais e do trabalho nas partes mais distantes
do globo em relação à Europa.
O século XIX permitiu novas experiências aos homens e mulheres das mais
diversas partes do globo, de acordo com seu local e situação socioeconômica. De acordo
com Benedict Anderson (2014, p. 21), as últimas duas décadas do século XIX foram o
período da “globalização incipiente”, no qual “a invenção do telégrafo foi rapidamente
seguida por muitos aperfeiçoamentos”, como os cabos submarinos transoceânicos, a
União Postal Universal (1876), o navio a vapor e as ferrovias. Essas condições
compuseram o mundo percorrido pelos viajantes e muitas delas podem ser percebidas nos
encaminhamentos das missões brasileiras ao exterior. O navio a vapor, por exemplo, foi
central para a mobilidade destes sujeitos, assim como a comunicação em longas
distâncias, que permitia a troca de informações durante as negociações internacionais.
Diferentemente do período dos “descobrimentos” do século XVI, havia no XIX
uma rede de informações capaz de permitir que indivíduos em diversas localidades
tivessem conhecimento do que havia além-mar. Nas palavras de Hobsbawm (2006, p.
29), o mundo
(...) em 1880 era genuinamente global. Quase todas as suas partes agora
eram conhecidas e mapeadas de modo mais ou menos adequado ou
aproximado. Com mínimas exceções, a exploração já não consistia em
‘descoberta’, mas numa forma de esforço atlético, muitas vezes
mesclado a importantes elementos de competição pessoal ou nacional;
tipicamente a tentativa de dominar os ambientes físicos mais duros e
inóspitos do Ártico e da Antártida.

formação de um “corpo colletivo” na “revolução de 89”. Além disso, os elogios à Marselha indicam
também sua posição republicana, lembrando que uma de suas principais imagens era a Marselhesa:
“símbolo que extrapolava as fronteiras nacionais, era símbolo universal da revolução” (CARVALHO,
2014b, p.110).
48

Para um viajante da segunda metade do século XIX, passar por diversos países
significava estar em contato com diferentes fases da expansão capitalista. Se “nos anos
1880, a Europa, além de ser o centro original do desenvolvimento capitalista que
dominava e transformava o mundo, era, de longe, a peça mais importante da economia
mundial e da sociedade burguesa” (HOBSBAWM, 2006, p.36), cabe olharmos para
outras localidades a fim de perceber como se dava a exploração pelas grandes potências
e a ação dos demais países. Trata-se sobretudo de um protagonismo imposto, uma
centralidade firmada a partir de acordos desiguais e de dominações físicas e simbólicas.

2.4 A ÁFRICA VISTA POR ALMEIDA

A chegada ao norte da África foi narrada por Francisco Antônio de Almeida a


partir do Rio Nilo, “o rei dos rios africanos” (ALMEIDA, 1879, p. 24), onde “a vista da
costa egypcia nos despertou mil recordações sobre a história da antiga terra dos Pharaós”
(p. 23). O viajante escreveu sobre o “primitivo Egypto” apresentado por historiadores
como Herótodo23 e também refletiu sobre a ação externa das grandes potências naquele
local:
Infelizmente, quando pelo incessante trabalho do progresso, era de
esperar a regeneração das grandes nações da antiguidade, vemos, ao
contrario, que o engrandecimento dos paizes novos importa na ruina
d’aquelles, que dispoem de uma seiva mais pobre, e de cuja circulação
mais lenta resulta atraso para suas artes e sciencias.
Será esta a justa explicação da decadencia dos antigos povos, outr’ora
capazes de grandes commettimentos, como demonstrão seos
monumentos, e hoje, apologistas empedernidos das velhas instituições,
e intolerantes sectários da escola de Epicuro?
De certo, esta causa não se opporia á marcha triumphante da civilização
moderna se, em nome do seo mais forte baluarte, a liberdade,
ambiciosas nações não excogitassem pérfidas ardilezas para
assenhorearem-se, pela força ou astucia, arbítrios supremos de seos
destinos. (p.25)

É marcante no texto a imagem de um “velho mundo” que se opõe a um “novo” e


a marcha da “civilização moderna” que, com a “liberdade” como palavra de ordem,

23
Sua leitura do Egito passava pelo poeta Heródoto, com dados sobre vegetação, subsistência, agricultura.
Comentou também o relato de Amrou (Amr ibn al-ʿĀṣ ) ao califa Omar antes da invasão muçulmana no
Egito no século VII: “imaginai um arido deserto e uma magnifica campina entre duas montanhas: uma,
tendo a fórma de uma collina de areias, e a outra, a do ventre de um cavalo hectico ou do dorso de um
camello. Eis o Egypto.” (ALMEIDA, 1879, p. 24).
49

subjugava e violentava outras, desenhando uma crítica ao imperialismo inglês.


Continuava:
E, já que falamos do Egypto, não será sem interesse lembrarmo-nos da
influencia que a politica da altiva Inglaterra exerceo sobre o destino
deste paiz. Impondo seos tratados de commercio com as bocas dos
canhões; justificão a violencia, negando a qualquer estado a direito de
permanecer fora da comunhão social; porém, se n’estes tratados fossem
atendidas as condições de vida de cada povo e não concebidos para
exclusiva proteção ao commercio inglez, estamos convictos, de que não
veríamos os portos dos paizes humilhados, transformados em theatros
de rapinas, dignos dos Alaricos e dos Atilas, porém que nos modernos
tempos têm por autores, filantrópicos diplomatas; não, como aquelles,
montados em seos indomáveis cavalos e apoiados na força do seo braço,
porém defendidos pela inviolabilidade de suas pessoas, sempre
recebidas com as honras e as festas. (p. 26)

Ele se referia ao uso do poder militar, que forçava países sem tecnologia bélica a
aceitar acordos que lhes eram desfavoráveis, como foi o caso do Japão. Se antes da
Revolução Industrial havia algum tipo de equilíbrio em termos materiais, esta “fez a
balança pender mais ainda a favor do mundo ‘avançado’ graças aos explosivos potentes,
às metralhadoras e ao transporte a vapor” (HOBSBAWM, 2006, p. 33).
A Inglaterra foi o principal alvo das críticas de Almeida e dos demais viajantes
que acompanharemos. De acordo com Hobsbawm (2006, p. 111-3), no final do século
XIX, sob seu domínio estava um quatro da superfície terrestre, e o objetivo britânico “não
era a expansão, mas impedir a intromissão de outros em territórios até então dominados
pelo comércio e pelo capital britânicos, como a maior parte do mundo ultramarino”.
O problema, na percepção de Almeida, era o custo de uma falsa filantropia,
cercada pela propaganda da liberdade de comércio:
E quando seos bons officios são recusados por algum governo patriotico
e sagaz que comprehende as intenções da philantropica Inglaterra, as
festas publicas, feitas em honra dos seos hospedes, são seguidas de lucto
ou de miseria; e não raras vezes, populações indefezas forão
assassinadas pelos soldados deste tão preconisado paiz que, assim,
preferião ser esmagadas pela força do que venderem seo solo ou
comprometterem o futuro da patria.
É, sobretudo, a propaganda ruinosa da liberdade de commercio que
serve de apoio a estes tratados extorquidos pelos canhões inglezes, que
substituem, sempre com vantagem, as mallogradas negociações
diplomaticas; deixando a escolha, de uma nação livre e então rica de
seos recursos naturaes, a paz na miseria ou a guerra com os seos
horrores, - a bolsa ou a vida; - e mais tarde, a bancarota infallivel
proporciona occasião a Rainha dos mares para transformar estes paizes
em protectorados e colonias.
50

Aos grandes acontecimentos suscitados no começo do seculo pela


Inglaterra, e que mudarão a face política de muitos Estados da Europa,
succederão questão de interesse commercial para este paiz, nas quaes,
o espirito do publico inglez estava perfeitamente de accordo com o
governo.
Assim é, que facil foi a victoria para a Inglaterra, cujas doutrinas da sua
politica externa cifrava-se em propagar e sustentar por todos os meios
a liberdade de commercio, necessariamente vantajoso para ella que
somente dispõe de sua industria manufactureira e exclusivamente
utilisa materias primas estrangeiras. (p. 26-7)

O Egito despertava o interesse das grandes potências, especialmente dos ingleses,


“cuja posição como potência mundial passou a depender, de forma definitiva, da
construção do Canal de Suez” (HOBSBAWM, 1982, p. 139-40), uma vez que eram
majoritários no comércio marítimo24. É compreensível que Almeida tenha dado ênfase ao
Canal em sua narrativa, pois “1250 milhões de toneladas (...) passaram através do canal
de Suez em 1874 – no primeiro ano de operação haviam passado menos de meio milhão”
(HOBSBAWM, 1982, p. 72). Ele também destacou a atuação dos egípcios na sua
construção, concretizando um desejo dos faraós, “para cuja execução faltavão então os
grandes engenhos de que a sciencia moderna hoje dispõe” (ALMEIDA, 1879, p. 37). Com
a construção “franqueada à todas as bandeiras, a inauguração do canal de Suez marca uma
data nova para a navegação com o Oriente. Outr’ora, a navegação para os paizes da Asia
era difícil e muito mais longa” (p. 41).
Almeida desejava ir à Alexandria, mas como não pôde fazê-lo, escreveu a partir
do que lhe foi contado por um de seus companheiros de viagem no Ava (segundo o
astrônomo, um “perfeito gentleman”):
Viajando para empregar o seo tempo, como elle nos declarou, e para
não se deixar vencer pelo spleen nacional, o nosso amigo viaja só,
apenas fazendo-se accompanhar de um boule-dogg, de uma pequena
mala e com suas cartas de credito. É o typo do inglez amavel e pouco
se occupando dos accidentes que tornão uma viagem difficil e custosa.
Com o seo dinheiro tudo vence, com o seo cão conversava, e com seus
olhos tudo observa, sómente para si; e, se tivemos a felicidade de colher
de suas interessantes informações, alguma utilidade para nossos
projectos, devemos a um serviço que lhe prestamos, quando suspenso
sobre as vagas, apenas sustendo-se com as mãos na extremidade de um
cabo, em consequencia de se ter quebrado a escada de bordo, fomos a
seo auxilio, ajudando o a sahir de uma situação bastante incommoda.
Desde então o nosso companheiro tornou-se amigo e com prazer
acceitamos a sua amavel sociedade. (p. 32)

24
Em 1870, os barcos britânicos eram responsáveis por quase um terço da tonelagem a vapor em todo o
mundo e na década seguinte por mais da metade (HOBSBAWM, 1982, p. 72).
51

De acordo com Hobsbawm (1982, p. 203), “a metade do século XIX marca o


começo da maior migração dos povos na História”, concomitante ao desenvolvimento
industrial; nesse sentido, é inegável que a migração em massa tenha números e
consequência maiores que outros tipos de viagem. Mas havia outro fenômeno, o da
viagem por lazer, como era o caso daquele que se aventurava para “empregar seo tempo”
e cuja viagem também era possibilitada pela conjuntura do fim do XIX. A diferença
repousava na questão de classe, afinal, naquele século, “a forma característica de viagem
para o pobre era a migração. Para a classe média e os ricos, era mais e mais turismo” (p.
212). Aquele modo de trânsito proporciado pelo desenvolvimento do transporte à vapor
era acessível a poucos.
Os tripulantes do Ava aportaram em Port Said, na entrada do Canal de Suez, onde
a primeira impressão foi “péssima e, na verdade, nada se encontra digno de menção nas
suas ruas imundas e nas edificações sem importância, sem originalidade e ocupadas, em
geral, pelas casas de jogo e pelos mercadores” (ALMEIDA, 1879, p. 33). Neste ponto,
fez o primeiro comentário sobre as mulheres, o que seria recorrente na sequência. Em seu
relato, a mulher tornava-se a medida do comportamento social, a representação das falhas
e sucessos de cada sociedade. Tanto em Da França ao Japão quanto nas demais obras
analisadas, raça, gênero e classe aparecem interseccionados. Nesse sentido, a
pesquisadora Anne McClintock (2010, p. 19) compreende que “raça, gênero e classe não
são distintos reinos da experiência, que existem em esplêndido isolamento entre si (...),
eles existem em relação entre si e através dessa relação – ainda que de modos
contraditórios e em conflitos”. Uma vez que,
gênero não é só uma questão de sexualidade, mas também uma questão
de subordinação do trabalho e pilhagem imperial; raça não é só uma
questão de cor da pele, mas também uma questão de força de trabalho,
incubada pelo gênero. Apresso-me a acrescentar que não quero implicar
que esses domínios são redutíveis ou idênticos entre si; em vez disso,
existem em relações íntimas, recíprocas e contraditórias. (p. 20)

As mulheres vivenciaram o imperialismo de maneiras diferentes da dos homens e


também entre si, afinal, a mulher europeia da burguesia não partilhava da realidade da
mulher africana escravizada e era ainda diferente da mulher asiática. Desta foma, para os
viajantes, havia um interesse por estas mulheres tanto como medida civilizatória das
sociedades quanto pelo “erótico transracial” (PRATT, 1999, p. 148) que os facinava.
52

Se o viajante tinha apenas os recursos de seu idioma e experiência para descrever


os “outros”, havia um padrão físico e de conduta feminina capaz de servir de medida às
demais, qual seja, o modelo feminino europeu e cristão. Assim, a violência do capitalismo
em Port Said se refletia nas mulheres “gastas pela vida dissipada da prostituta disfarçada”,
em meio aos jogos de azar, como a corroborar suas demais considerações.
Por ser uma cidade portuária, havia em Port Said trabalhadores, foragidos, artistas,
policiais, pessoas de diversos locais, o que levava à mestiçagem, uma das questões mais
debatidas no Brasil. Para Almeida, era a responsável pelos males do local. Além disso,
“da diversidade de costumes d’estes individuos não se podia esperar uma população
laboriosa e honesta” (p. 35). O viajante considerou Suez uma cidade “em via de
prosperidade”, especialmente pelo comércio. A arquitetura ainda não lhe era agradável,
apenas no que se parecia com a europeia. Os “tipos locais” foram descritos como “os
Arabes do Sinai, miseravelmente trajados com immundos andrajos; os Persas, em cujas
cabeças se elevão enormes chapeos de astracan; os negros do Sennaar, os Fellahs, e
finalmente, os Turcos, entalados em suas vestes officiaes e de caracter europeu” (p. 43).
Às mulheres, dedicou mais de uma página, diferenciando-as das anteriores que
encontrara. Das egípcias ricas e vestidas luxuosamente descreveu as roupas e os
penteados, dando ênfase aos véus. Destacava a dança das almeas, “que são os
espectaculos mais procurados pela sociedade egypcia, e consistem em reproduzir com
naturalidade as gradações dos sentimentos do amor” (p. 44). Eram mulheres
ornamentadas, com as pálpebras contornadas de preto e as mãos e orelhas pintadas de
carmim:
Quando ellas dão começo ao bailado, a expressão dos seus olhos é terno
e de doce amor; os requebros do seu corpo são lentos e parecem
dominados por preguiçosa volupia; progressivamente ellas exprimem a
embriaguez do amor, agitando com frenesi seus membros, volvendo os
negros olhos em suas profundas orbitas, como que querendo,
voluntariamente, eliminar a faculdade de ver, e concentrar toda a
energia de seu ser no gozo de sensuaes deleites. (p. 44)

Para os viajantes que iam ao Egito, vindos de suas realidades cristãs marcadas
pelo pecado, parecia ser encantador experenciar a transgressão daqueles valores. Almeida
comentava também a “etiqueta das mesas egypcias”, as louças, a disposição das famílias,
julgando que a comida “não é das mais desprezíveis aos nossos gostos” e, buscando dar
densidade a sua análise, diferenciou os hábitos alimentares por classes:
53

O chefe de rica familia preside as refeições diarias, tendo a seos lados


suas mulheres e filhos, emquanto que as familias menos favorecidas
pela fortuna, vivem com frugalidade, e seos membros apenas se reunem
na ceia, que é a principal refeição dos egypcios (p. 45).

Já a “mesa dos proletários” foi apresentada em função das substituições com


produtos de menor custo em relação à dos mais ricos. Como dito inicialmente, a
elaboração de um autor nunca é alheia à realidade em que vive. No texto de Almeida,
nota-se o uso de termos como “proletários” e “prostitutas”, por exemplo, em função do
que entendia como semelhantes às categorias do mundo ao qual pertencia. A “etiqueta”
como medida da civilização de um povo tinha como ponto ideal os franceses; já o leitor
brasileiro tinha diante de si referências mais próximas: “o vinho, muito parece-se com o
nosso jurupinga de S. Paulo, em cuja preparação apenas empregão uvas, assucar e agua”
(p. 46).
As cidades do Egito visitadas pelo brasileiro foram descritas como cenários de
transição geográfica e cultural entre o que se imaginava sobre “Oriente e Ocidente”, entre
o mundo europeizado e civilizado e o asiático e exótico:
Hoje, o Cairo, bem como Alexandria, é habitado por grande numero de
europeus, e diariamente, esta interessante cidade recebe a visita de
muitos estrangeiros. A sua proximidade dos portos do Mediterraneo,
com os quaes se communica varias vezes por semana, por meio de
muitos paquetes, facilita esta verdadeira excursão á quem se achar na
Europa, e, assim, é imperdoavel aos toristas que desprezão esta viagem,
a falta de gosto para as ruinas do mundo antigo. (p. 48)

Em alguns momentos, a narrativa de Almeida se aproxima de um guia aos toristas,


como era o gentleman que ele apresentou anteriormente aos leitores. Sugeria locais de
visitação, atividades de lazer, direcionando os olhares dos próximos viajantes e, não
menos, aconselhando comportamentos aos leitores. E assim, em meio a surpresas e
curiosidades, passar pelo Canal de Suez era como abrir a porta para a Ásia.
54

2.5 A CHEGADA NA ÁSIA

Após quatro dias, a expedição chegou à Aden, “possessão inglesa situada na


entrada do Mar Vermelho”. Francisco Antônio de Almeida elogiou a arquitetura de estilo
europeu da casa do governador, enquanto “as outras, são verdadeiras choças, cobertas de
esteiras, e sem oferecer nenhum conchego aos estrangeiros”. A população foi descrita
como os “negros arabes”, “judeos egypcios ou armenios”, “typos da raça negra”; por
influência inglesa, mulheres penteavam-se “á moda das jovens europeas”. Mas chamava
atenção que os habitantes locais “deixarão-se photografar mediante alguns shellings que
lhes offerecemos”.
Essa informação indica a possibilidade de que algumas das ilustrações de Da
França ao Japão foram realizadas a partir dessas fotografias, como o Joven criado de
Aden (figura 4). O trabalho foi assinado por Bordalo Pinheiro, em cujo periódico (O
Besouro) foi publicada a “primeira fotorreportagem” brasileira, em 1878, apenas um ano
antes da publicação de Da França ao Japão. Na edição de 20 de julho de 1878, em
reportagem sobre a seca no Ceará, O Besouro publicou duas ilustrações de Bordalo,
“copias fidelissimas de photografias que nos foram remettidas pelo nosso amigo e collega
José do Patrocínio”, colaborador no periódico (COSTA, C., 2007, p. 238). Percebe-se que
a qualidade das imagens do livro de Almeida advém igualmente de uma técnica
aprimorada em periódicos ilustrados, demonstrando a relevância destes ilustradores e do
desenvolvimento da imprensa no Brasil.
Sobre os trabalhadores de Aden, na Penínusula Arábica, Almeida apontou que
eram negros “de boa indole, eles são aptos para certas profissões e com facilidade,
aprendem o que se lhes ensina sem que seja necessario o emprego da violencia ou dos
castigos” (1879, p.50-1). A miséria do local foi observada e descrita pelo cientista sem
pudores:
Apenas o Ava ancorou n’este porto, pequeninas canôas occupadas por
um ou dous negros, ainda adolescenes, o rodearão, e os negrinhos
arabes, gritavão aos passageiros, em estropeado francez ou inglez,
pedindo-lhes que atirassem á água moedas de prata que irião buscar ao
fundo do mar.
Completamente nús, estes amphibios mergulhão com maior destreza, e
durante um ou dous minutos, procurão no fundo do mar o objecto dos
seus desejos; é sobretudo, quando a moeda é alguma piastra ou peça de
cinco francos, que torna-se interessante o combate entre os nadadores.
Elles mergulhão ao mesmo tempo, seguem a mesma direcção, e depois
de se debaterem sobre a arêa, um volta victorioso á superficie d’agua
55

com a moeda preza entre os dentes. Durante este tempo, as canôas


impellidas umas contra as outras são emborcadas ou enchem-se d’agua,
porém, apenas finda a luta, vencedores e vencidos ajudão-se
mutuamente, esgotão a água que enchem as canôas ou endireitão as que
se achão voltadas com a abertura para baixo.
Outras vezes, a troco de um shelling, elles mergulhão e atravessão, sob
a água, a quilha do navio, surgindo no lado opposto ao da partida.
O mais interessante é ver com que actividade e destreza elles lutão entre
si, para ganharem o premio promettido, por alguns passageiros, ao que
mais velozmente percorresse a nado a distancia que separava o Ava de
uma boia que via-se a trezentos e alguns metros do navio.
Á regata que assistimos na nossa ida, tomarão parte seis dos mais
ageitados nadadores; a partida effectuou-se no logar onde se achava
uma boia; e ganharia o premio, que consistia em duas libras sterlinas, o
primeiro que tocasse com a mão no bojo do Ava.
Dado o signal, a luta começou com ardor e esforço; os nadadores
formavão, instantes depois, dois grupos; no primeiro, contava-se
quatro, e no segundo, já distanciado de mais de dez metros, vião-se dous
que parecião estar fóra da luta, entretanto, apenas faltava a quarta parte
da distancia a vencer quando estes dous ultimos alcançavão seus
companheiros e facilmente se adiantavão. Durante alguns instantes a
victoria pareceu indecisa entre os dous que, mais intelligentes, souberão
poupar no princípio seus esforços; finalmente, um era vencedor, attingia
a meta marcada, porém esquecia-se de tocar no bojo do Ava, o que com
espirito, o outro fez, reclamando o premio promettido.
Legitimamente as duas libras lhes erão devidas, porém como o
vencedor foi o primeiro a reconhecer o direito do seu competidor, a
equidade mandava que os passageiros do Ava premiassem a ambos, e,
com effeito, cada um recebeo duas libras sterlinas.
Parece que tal somma fez a riqueza de alguns dias d’estes dous entes, e
tal foi o seu contentamento e alegria que algumas horas depois só se
fallava no povoado de Aden sobre esta regata de homens. (ALMEIDA,
1879, p. 51-2)

Após a “regata de homens”, definidos por Almeida como anfíbios atrás de


moedas, houve festejos, os quais o viajante relacionou aos do Brasil, comparando as
danças e músicas “que tantas vezes assistimos nos terreiros das fazendas dos nossos
lavradores” (p. 54).
Os músicos de Aden (figura 5) se deixavam fotografar mediante pagamento: “em
um dos grupos, quatro ou cinco musicos tocavão em instrumentos indigenas um
acompanhamento às cantigas dos fadistas. Apenas estes individuos nos virão, vierão
offerecer suas photographias mediante dois shellings” (p. 54).
56

Figura 4 – Joven Criado de Aden

Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
57

Figura 5 – Musicos de Aden

Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
58

Segundo o relato de Almeida, um dos músicos falava inglês e explicou que as


dançarinas eram chamadas por ingleses para dançar em suas festas. Se outrora a dança no
Egito era marcada pela volúpia e as mulheres de Port Said eram referenciadas pela
prostituição, as mulheres de Aden carregavam o estereótipo sexualizado das africanas no
Brasil.
Entre outras dançarinas sobresahia uma, pelo bem desenhado contorno
de seus membros e ostensivo vestuario. Esta robusta africana trajava
curto saióte sobre largas calças, e na parte superior do seu corpo
apparecia o peito de fina camiza, negligentemente aberto, e deixando
ver o custoso colar que em multiplices voltas rodeavão seos seios e
pescoço.
Eis como os naturaes de Aden danção por occasião de suas festas o fado
africano.
Á um signal os homens e mulheres formão dois grupos, e quando os
musicos dão começo as melodiosas harmonias de que são capazes seus
instrumentos; de cada grupo destaca-se um individuo fazendo mil
tregeitos com o corpo, batendo palmas e cantando; então, a mulher,
depois de parecer acceitar as momices que lhe fez seu par, recua
fugindo-lhe com o corpo e afastando com ligeireza seu rosto aos labios
do amante.
Um outro individuo embarga o passo ao infeliz pretendente, e,
repetindo os mesmos movimentos, esforça-se em roubar o penhor tão
desejado; e só quando as faces se encontrão fortuitamente ou por
calculada intenção, é que outra meiguiceira fadista sahe ao encontro do
seu par, repetindo-se as mesmas scenas; emquanto que os felizes
amantes, com seus braços enleiados, e governados por sensual
sentimento, vão as barracas beber o licôr indigeno de que já fallamos.
E se a dança que acabamos de descrever, não se parece em todos os
pontos com o fado de nossa terra; é certo que este nada mais é do que a
dança africana de Aden, mais degenerada, ainda que melhor
acompanhada pelas sapateadas e o tinnido das esporas dos nossos
jovens lavradores. (p. 55)

A longa viagem de Aden ao Ceilão (Sri Lanka) foi descrita como a fase “mais
monotona”, sem desembarques. Foi com grande interesse que Almeida contou sobre a
chegada à Ponta de Gale, cujo litoral tinha “coqueiros e palmeiras” que “recordou-nos a
patria” (p. 56). O grupo pôde contar com guia, restaurantes, hotéis e transporte,
demonstrando que a circulação de pessoas era recorrente, bem como o modelo europeu
de hospitalidade.
Enquanto comiamos, um cicerone apresentava-nos, em inglez, o seu
programma de modo a utilizar do melhor modo o tempo de demora do
Ava n’este porto, o que não excederia de quarenta e oito horas; e depois
de verificarmos o que havia de verdade nas palavras do officioso
cicerone, tomamol-o ao nosso serviço mediante uma gratificação (p.
57).
59

A descrição do astrônomo sobre a arquitetura local revelava os domínios pelos


quais o Ceilão havia passado, como as fortificações dos portugueses, que ali chegaram no
mesmo período em que aportaram no Brasil. Naquela segunda metade do século XIX, o
local era uma colônia britânica, importante produtora de chá e canela.25 Almeida notava
que a condição financeira e cultural de uma parcela da população possibilitava mais
proximidade com o modo de vida do colonizador, criando adaptações com o uso de itens
estrangeiros, algo recorrente nesses locais de trânsito, como os portos. Assim, “as pessoas
das classes superiores vestem-se mais ou menos do mesmo modo que os europeos, sempre
trazem um chapéu de sol e muitas vezes um criado, que as acompanhão é encarregado
deste trabalho” (p. 59). Sobre os cingaleses, “geralmente de alta estatura, bem
conformados e musculosos; e se conhece pela forma do rosto, que a raça malaia neles
predomina” (p. 59). Não há menções no texto sobre as mulheres no Ceilão, mas há a
ilustração Mulher cinguleza (figura 6).
Com relação aos costumes, Almeida descreveu roupas, habitações, a prática da
escrita em folhas de palmeira, os “tipos” locais, comidas, justiça26, os rituais budistas –
que ele considerava uma “seita” com tradições “confusas e as doutrinas muitas vezes
contraditórias” (p. 60). Já as informações sobre a chegada dos primeiros europeus ao
Ceilão, as disputas em torno da colonização e a religião local em muito se assemelhavam
à narrativa do livro Voyage Pittoresque autour du monde: résumé général des voyages et
découvertes, de Dumont D’Urville, publicado em Paris em 1846.

25
“Os britânicos, que haviam consumido 700 gramas de chá per capita nos anos 1840 e 1,5 kg nos anos
1860, estavam consumindo 2,6 kg nos anos 1890, mas isso representava uma média anual de importação
de 102 mil toneladas, contra menos de 45 mil toneladas nos anos 1860 e cerca de 18 nos anos 1840.
Enquanto os britânicos abandonavam as poucas xícaras de café que bebiam, para encher seus bules com
chá da Índia e do Ceilão (Sri Lanka), os americanos e alemães importavam café em quantidades cada vez
mais espetaculares, notadamente da América Latina” (HOBSBAWM, 2006, p. 97).
26
Com relação ao sistema de justiça, Almeida explicou que elefantes eram utilizados nas condenações: “se
os condemnados devem ser torturados e executados, elles arrancão-lhes os braços, com a tromba, lanção-
os ao ar e os recebem sobre suas presas onde morrem” (p. 58). Estes costumes foram paulatinamente
desaparecendo, mas antes foram registrados por viajantes como Robert Knox, em An historical relation of
the Island of Ceylon, de 1861.
60

Figura 6 – Mulher Cinguleza

Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
61

Juntamente com um guia, Almeida esteve em um templo budista, onde foram


apresentados a um sacerdote local:
É grotesca a capa côr de tijolos com que os sacerdotes de Budha se
distinguem das outras classes da população. Reunindo ao mesmo tempo
ao seu aspecto respeitavel, a gesticulação a mais comica, elles,
aproximando-se do tempo, dirigem-se aos seus deoses mimicamente,
pronunciando uma invocação em lingua indigena, ora sob tom de
censura, ora sob o de humilde supplica. (p. 58)

A imagem sob o título Pellotiqueiro indiano (figura 7), relacionava-se ao que


Almeida presenciou no templo budista e o suposto pelotiqueiro (quem faz truques e
malabarismo) em muito se assemelhava às fotografias coloniais 27 dos dançarinos de
rituais chamados devil dancers que circulavam no fim do século XIX e que eram
recorrentes em narrativas de viajantes sobre o local28.
Almeida percebia que a quiromancia e a astrologia eram ali amplamente
utilizadas. Numa visita a um famoso quiromante local, percebeu que “sua linguagem era
de um homem de letras, que cultiva a historia a medicina e sobretudo a cosmographia”
(p. 62), provavelmente o homem representado como Letrado indiano em seu relato
(figura 8). Ao questionar sobre sua crença no horóscopo e na quiromancia, ouviu do
homem que “aquella era sua profissão” (grifo do autor). Tratava-se, sobretudo, de
demonstrar uma contraposição em relação à ciência moderna. O astronômo concluiu que
“assim podemos, de um modo geral, ajuisar os conhecimentos d’estes individuos sobre a
astronomia e certamente só como meio de vida, elles empregão-se em illudir a
credulidade do povo com estes embustes” (p. 62).

27
Entende-se aqui como aquelas que circulavam nos países ocidentais para satisfazer a curiosidade sobre os
lugares distantes, mas que também serviam de instrumento de construção das imagens e estereótipos de
sociedades coloniais. Sobre o tema ver: MCCLINTOCK, Anne. Couro Imperial: Raça, gênero e
sexualidade no embate colonial. Campinas: Editora da Unicamp, 2010; SONTAG, Susan. Sobre
fotografia. 10 reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
28
Fotografias destes dançarinos de rituais podem ser vistas, por exemplo, em: HUTCHINSON, H. N.;
GREGORY, J. W.; LYDEKKER, R. The living Races of Mankind. vol. I. London: Hutchinson & CO.,
Paternoster Row, 1902, p. 178. Disponível em <https://archive.org/details/livingracesofman01hutcrich>
Último acesso em 23/09/2019.
62

Figura 7 – Pellotiqueiro indiano

Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
63

Figura 8 – Lettrado indiano

Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
64

Existia um desenvolvimento turístico no Ceilão, vinculado às demais atividades


comerciais. E se de um lado havia uma estrutura para receber viajantes, de outro havia
falsificações de objetos como estratégia de comércio:
Fizemos acquisição de algumas pedras em estado bruto, para nossa
collecção, porém, entre as verdadeiras, encontramos posteriormente,
alguns pedaços de vidro colorido e apresentando as mesmas fórmas de
cristallisação; tal é a honestidade dos negociantes de joias de Ceylão
contra os quaes os estrangeiros devem se prevenir, pois, a imitação dos
crystaes de saphira e de esmeralda é tão perfeita, que os seus caracteres
physicos não bastão para distinguil-os dos verdadeiros. Consta-nos que
esta falsificação é industria ingleza nos paizes da India e de que são
unicas victimas, os proprios estrangeiros. (ALMEIDA, 1879, p. 63)

Isto é um indicativo de que a viagem de Almeida, em 1874, não ocorreu num


mundo pouco explorado, despreparado para receber um viajante ocidental ou mesmo em
fase de plena descoberta. Na viagem de volta ao Brasil, Almeida procurou o negociante
que lhe vendera as pedras falsas, conseguindo trocá-las por 25 pérolas. Contudo, “nem
desta vez, escapamos; sete perolas erão verdadeiras imitações, como depois verificamos,
entretanto na apparencia, côr e tamanho todas erão perfeitamente semelhantes” (p. 64).
Como o objetivo do relato que o Almeida escrevia era torná-lo um guia ao próximo
viajante, disponibilizou uma imagem do vendedor fraudulento (figura 9), “cujo retrato
merece ser apreciado pelos leitores” (p. 64):
65

Figura 9 - Negociante de Ceylão

Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
66

O Ceilão aparece no relato como um marco inicial do continente asiático. Ao tratar


da história do local Almeida deu ênfase às dominações de portugueses, holandeses e
ingleses nas proximidades da Índia, mas reinterando sua crítica ao imperialismo:
Como nas outras possessões inglezas da India, o systema colonial
adoptado é o mesmo; a humilhação da moral, o aniquilamento de uma
nacionalidade, a corrupção dos costumes; - taes são os commodos
meios de que se servem os actuaes dominadores para conservarem sua
possessões; comtudo, foi difficil fazer dessapparecer, ao principio, todo
o patriotismo de milhões de homens; por varias vezes elles tentarão
sacudir o jugo, mas, diante das bayonetas e das metralhas, o direito e a
justiça ainda são, infelizmente, sacrificadas no seculo XIX. (p. 65)

O astrônomo considerava os religiosos como parte da estratégia de dominação. Os


portugueses “serviam-se de seus missionarios para mais facilmente dominarem os
povos”; posteriormente, “os hollandezes empregarão muitas vezes a intriga e sacrificarão
suas crenças religiosas para desalojarem aquelles de suas possessões”, e “finalmente, no
nosso tempo, os inglezes, alimentão o vicio, degradão os povos para que desarmando-os
de seus brios, lhes dispensem o emprego da força” (p. 66). Almeida comentava a falsa
filantropia do colonizador, denunciando a pauperização:
Assim, quanto a dominação Europea na Asia, longe de ser um prejuizo
dos antigos tempos que tende a desapparecer, é, no nosso século, a
perda da moral e de quaesquer sentimentos que ainda os indianos
conservão dos seus antigos usos; entretanto, será esta dominação
legitima e o systema colonial humanitario que permitta a qualquer
escriptor sustentar o direito e a pretendida philantropia da liberal
Inglaterra nas suas possessões da India?
A mais cabal prova do vicio da sociedade ingleza, é a miseria que se
observa nos seus proprios condados ou ducados e que faz callar o
expontaneo sentimento de honra nas classes desprotegidas da fortuna.
(p. 66)

A ação das grandes potências europeias na Ásia foi descrita, na maior parte do
texto, como negativa. Para tanto, o autor destacou sua experiência nos portos, marcados
por um contato desigual, por pobreza, pastiches e degradação moral e econômica dos
povos locais.
67

2.5.1 O ESTREITO DE MALACA

O Ava prosseguiu navegando em direção ao Japão, passando por Malaca, na


Malásia. A cidade de Malaca havia sido conquistada por portugueses, disputada por
holandeses e ingleses, todos interessados na “chave do estreito”, até então principal
passagem entre os Oceanos Índico e Pacífico.
Naqueles mares era praticada a pirataria, por “bandidos do mar”. Para Almeida
esta havia sido “a ocupação preferida pelos malayos e chins” (p. 68). A pilhagem de
navios ocorria em lugares estratégicos das rotas decorrentes da expansão comercial e do
trânsito intercontinental. O Sudeste Asiático, onde se localiza a Malásia, tinha grande
circulação de chineses, os quais, na interpretação do viajante, “depois de viverem sobre
as aguas durante alguns annos a roubarem, os antigos piratas voltão impunemente, graças
a venalidade dos mandarins” (p. 69). Deixando Malaca, a expedição do Ava seguiu para
Singapura, igualmente importante no comercio internacional e também território de
disputa entre potências ocidentais.
o grande armazém europeu na Asia: exporta os produtos da Europa
como sejão o ferro, zinco, panos de lã, produtos chimicos; e em troca,
recebe a sêda, o charão, o papel da China, a camphora, a canela, a
pimenta, o dente de elefante, o cravo da India, as noses moscadas, a
tartaruga e mil outros objectos tanto da Ásia como da Oceania (p.70).

A distinção racial na região aparece descrita no modo de vida dos três principais
grupos, em distritos diferentes: os malaios, a maioria chinesa e uma minoria europeia. Na
parte ocupada pelos malaios, “na margem direita do rio”, Almeida percebeu que “as ruas
são immundas e desprendem um tal cheiro de oleo de coco que atordoa o estrangeiro e
causa-lhe agudas dores de cabeça”; por outro lado, “as edificações europeas são de bella
aparencia e rodeadas de jardins e situadas nos arrebaldes da cidade” (p. 71). Ali, o viajante
encontrou um suposto “cônsul do Brasil”, interessado na imigração de trabalhadores
chineses. Com as leis brasileiras que iam tornando ilegais os mecanismos da escravidão,
os asiáticos foram vistos como possibilidade de mão de obra. Mas o que se debatia em
termos de condições de trânsito e permanência no Brasil, deixava evidente a precarização
de um trabalho de baixo custo. Assim, tanto os favoráveis quanto os contrários aos
trabalhadores asiáticos no Brasil notavam semelhanças com o trabalho escravo:
Na nossa volta, encontramo-nos com um individuo que nos disse ser o
consul do Brazil em Cingapura; porém, não sómente sua linguagem,
como as idéas que apresentou sobre o melhor modo de facilitar a
emigração chineza para o nosso paiz nos impressionou bastante, vendo
68

nellas retratado o traficante de carne humana, e perfeito


compromettedor de nossos interesses, sem que seja necessario juntar
outro encargo ao que lhe foi individualmente confiado.
Comtudo, o nosso consul de Cingapura é importante negociante no
lugar; e, como o mais antigo dos consules, os seus collegas estrangeiros
lhe reservão o lugar de honra nas festas officiaes. Não sabemos como
tal honra é correspondida, porém não é dubio que a etiqueta malaia é
estrictamente observada.
Fômos recebido com natural agrado pelo Sr. consul, e durante a
conversação que tivemos com o representante dos nossos interesses na
cidade mais importante do commercio asiatico, nenhum outro incidente
se deu que nos fizesse sahir da indifferença pela sua pessoa, a não ser o
protesto que lhe fizemos contra a immoralidade do seu projecto de
emigração chineza, que consistia mais ou menos em por força, astucia
e falsas promessas, embarcar-se os chins em navios que empregassem-
se neste novo trafico de importação de carne humana.
Infelizmente, parece que esta desastrada idéa, encontra apoio e decidida
protecção por parte de alguns negociantes da capital do Império, os
quaes, segundo o estulto consul de Cingapura, esperão obter apoio e
protecção do governo imperial. Sem attendermos a nenhuma
conveniencia, que neste caso seia fatal aos nossos interesses,
denunciamos valorosamente estes factos que podem ser averiguados
por quem competir; e, assim fazendo, temos a consciencia de que
cumprimos um dever de patriotismo, ainda que por isso incorramos no
desagrado e desaggravo de quem se julgar offendido.
Se para appropriarmos os braços entrangeiros á satisfação das
necessidades da patria, fosse necessario depravar o minimo sentimento
do nosso coração, preferiamos vel-a lutando com a miseria, de que nós,
pelos nossos erros e nenhum patriotismo, somos os unicos culpados; e
conservar illeso para melhores tempos, o estro racional e moral da nossa
sociedade.
Não é esta, a parte deste livro a mais appropriada para fallarmos das
vantagens e inconvenientes da emigração chineza para nosso paiz,
deixaremos esta questão para quando tratarmos da China e de seus
habitantes. (ALMEIDA, 1879, p.71-3)

Almeida não revelou o nome de seu interlocutor, mas nos documentos da missão
diplomática enviada pelo Governo Imperial do Brasil à China e ao Japão entre 1879 e
188029, há uma solicitação de “agentes consulares” em Malta, Suez, Cingapura, Hong
Kong e Macau para receberem o regulamento consular em vigor no Império
(MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2012[1880]), indicação de que havia
brasileiros naqueles locais considerados como cônsules. Já na década de 1850, foram

29
A missão foi comandada pelo almirante Artur Silveira da Mota, barão de Jaceguay, com o objetivo de
estabelecer relações com aquele país, o almirante e Eduardo Callado, o ofício apresentado foi enviado ao
barão de Cabo Frio, da “Diretoria Central da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros”.
69

enviados trabalhadores para o Brasil a partir de Singapura, por inciativa de Manoel de


Almeida Cardoso. Isto sublinha a importância do local naquele contexto, tornando
necessário compreender a Ásia de forma mais ampla e perceber que o continente era mais
diverso e dinâmico, para além de um ou outro país que se destacaram no processo.
É possível que o interlocutor de Francisco Antônio de Almeida também pudesse
ser um influente comerciante brasileiro. De qualquer forma, ele tinha interesses
financeiros e defendia um projeto de imigração considerado imoral pelo viajante, pois se
assemelhava à escravidão. Mas é preciso ter em mente que essa “desastrada idéa” não era
um rompante individual, mas um projeto defendido por setores do império – e
posteriormente da república – que buscavam apoio do governo. A “carne humana” que
seria traficada era a dos chins, termo colonialista e por vezes utilizado de forma
pejorativa, recorrente nos debates sobre trabalhadores asiáticos. De acordo com Serge
Gruzinski (2015, p. 102), no século XVI, “os portugueses e os ibéricos em geral falam
dos chins antes mesmo de desembarcarem na costa do Império Celestial”, explicando que
“chins é um nome que os marinheiros de Lisboa não fazem senão passar adiante”. No
Brasil oitocentista, o termo era utilizado como sinônimo de chinês, algumas vezes de
forma genérica, outras vezes destacando especificidades, pois na Dinastia Qing (1644-
1912) a China anexou extensos territórios, como a Mongólia, e era composta por
diferentes povos. Em A China e os chins, o diplomata Henrique Ribeiro Lisboa
(2012[1888], p. 172) explicou que no Império chinês, “todos os súditos do império,
manchus, mongóis ou chins, são iguais perante a lei”, demonstrando o termo chins não
compreendia necessariamente todos os habitantes do território chinês. Esta diversidade
ajuda a compreender o motivo pelos quais tanto viajantes (incluindo o próprio Almeida),
quanto representantes políticos e fazendeiros se esforçavam para determinar qual desses
povos dentro da China do século XIX deveria ser escolhido como trabalhador ideal para
o Brasil.
Almeida não foi o primeiro a encontrar chineses antes de chegar à China, por conta
da dinâmica das rotas de navegação, especialmente na passagem pelo Sudeste Asiático.
Gruzinski (2015, p. 41) aponta que a chegada dos portugueses em Malaca no século XVI
fez com que tivessem contato com a comunidade chinesa local; na Suma Oriental – “que
faz um levantamento dos recursos da Ásia que os portugueses estão descobrindo” – os
chineses de Malaca foram associados à mentira e ao furto, “porque eles são de baixa
70

extração”. Tais ideias se perpetuaram, sendo reproduzidas, no século XIX também por
Almeida.
Desde a saída da Europa, o viajante foi formando seus parâmetros de comparação;
as paradas nos portos apresentavam processos globais de espraiamento do imperialismo
e do capitalismo, fatores importantes para compreender a realidade dos locais na segunda
metade do oitocentos. A partir da passagem pelo Sudeste Asiático, Almeida aprofundou
suas análises e distinções sobre os asiáticos.

2.6 A PASSAGEM PELA CHINA

Francisco Antônio de Almeida aportou em Saigon, atual Cidade de Ho Chi Minh,


no Vietnã. Seu julgamento sobre a colonização francesa foi particularmente elogioso:
“Tudo que ahi vimos lembra o espirito social do povo francez, sabendo com gosto reunir
o util ao agradavel, sem comtudo contrahir onerosos compromissos, ou sacrificar sem
utilidade correspondente, grandes sommas de dinheiro” (p.75). As colônias eram
diversas, e o imperialismo não era visto de forma homogênea; como admirador da França,
transpôs os elogios às colônias. Ao contrário do que escreveu sobre as possessões
inglesas, considerava que
a administração militar n’esta colonia, é a que mais convem aos
interesses da França. Algumas tribus selvagens habitando ao norte de
Saigon perturbão em suas excursões o socego da colonia e torna-se
então necessario repellil-as, para as suas brenhas, pelas armas (p. 76).

Os franceses também eram considerados pelo viajante como responsáveis pelo


sucesso da Conchinchina (atual sul do Vietnã), que estava próxima de se tornar “um posto
avançado da França, que virá a adquirir a mesma importância de que gosa Cingapura,
como grande empório do commercio inglez na Asia” (p. 78). Portanto, para Almeida,
aqui o problema não estava na ação externa, mas nos habitantes locais.
Ao descrever a população, o astrônomo apresentou suas disputas internas30,
contrapôs seus costumes aos dos europeus31 e registrou que “algumas mulheres são

30
“Os seus usos são simples, trabalhão somente para comer, e os indivíduos das classes inferiores não
nutrem a esperança de tornarem-se ricos, mesmo, porque, nos disseram eles, os mandarins encontrarião
meio de se apoderarem do fruto dos nossos trabalhos” (ALMEIDA, 1879, p.79).
31
“Relachados com a limpeza de seos corpos, eles deixão crescer os cabelos, quase sempre cobertos de
vermes, e por estas razões não são raras as moléstias de pelle, de que os europeos tanto receião o contagio”
(ALMEIDA, 1879, p.79).
71

entretanto lindas de rosto e seos membros são bem desenvolvidos, porém o pouco ou
nenhum aceio com os seos corpos, as tornão nojentas e desprezíveis” (p. 79). Buscou
apresentar a diversidade local, explicando que “em outros pontos da Conchinchina
encontrão-se tribus laboriosas, vivendo em sociedade e facilmente susceptíveis de
civilisação; são, especialmente, os kambodjianos e os anamitas, os mais inteligentes, mais
vigorosos e os de mais alta estatura entre elles” (p. 79). A saída da Conchinchina foi
turbulenta, descrevendo o quão difícil era navegar na costa asiática: “as rajadas de vento
ameaçavão tudo demolir, o Ava mergulhava nas altaneiras ondas para elevar-se
bruscamente, estorcendo-se como o agonisante na hora fatal” (p. 80).
Logo o Ava chegaria à China, que no século XIX era um centro de disputa
internacional por bases coloniais. Além da violência imperialista, especialmente
decorrente da Guerra do Ópio (1839-42 e 1856-60), a China ainda sofria pela imagem
negativa elaborada no exterior. É compreensível, neste sentido, que sua relação com as
grandes potências tenha sido diferente da do Japão, como demonstra o historiador Jürgen
Osterhammel (2014, p. 237):
Na China, a resistência aos modelos de consumo estrangeiros foi ainda
maior do que no Japão, e as roupas ocidentais ganharam aceitação pela
primeira vez somente através das reformas militares da dinastia Qing
no início dos anos 1900. (...) Grupos de comerciantes chineses que,
desde meados do século XIX, tinham parceiros comerciais ocidentais
em Hong Kong, Xangai ou outros portos, permaneciam amplamente
fiéis aos modelos mais antigos em sua vida privada e não consumiam
muitos itens de luxo europeus. (tradução nossa)

Para os leitores brasileiros, Francisco Antonio de Almeida trouxe subsídios para


que compreendessem a situação social, debatendo principalmente a ação dos ingleses na
China. Além disso, trouxe à cena a diversidade presente no grande território chinês,
questionando leituras homogeneizadoras do país.
O Ava aportou na Ilha de Hong Kong que, “com o aumento extraordinário da
navegação do Oriente”, tornava-se “a mais importante praça comercial da Asia” (p. 81).
Almeida também apontou que era
sobretudo pelos seos portos de mar que penetra nas mil e quinhentas
cidades da China, o terrível veneno que entorpece o espirito e
enfraquece progressivamente os musculos de grande parte da população
da China, transformando seos habitantes em verdadeiros entes
irracionais. (p. 81)
72

Quando se tratava da China, o ópio se tornava tema central, não somente no relato
de Almeida. De acordo com Hobsbawm (1982, p. 50), entre 1850 e 1870, o comércio
mundial do ópio cresceu 260%. Entre 1844 1849, entravam na China 43 mil caixas do
produto vindas de Bengala (na Índia); o número chegou a 87 mil entre 1869 e 1874. O
tema abriu o capítulo que o viajante dedicou à China:
O trafico infame do opio é, em larga escala, feito pelos ingleses, e não
obstante as reclamações, protestos e apelos feitos, durante a revisão do
tratado de commercio de 1869 pelo Governo Imperial da China,
representado pelo Principe Kong e outros personagens ao Ministro de
S. M. Britannica, com o fim de reprimir o consumo de opio; já
augmentando os direitos da importação, ou os de exportação nos
mercados ingleses; o governo de Londres, tendo á frente o Sr.
Gladstone, foi surdo a esta justa petição, verdadeiro brado de
indignação da sociedade illustrada da China.
O esmedido amor de riquezas, que ninguem poderá desconhecer nos
inglezes, é a causa única de toda a sorte de iniquidades, praticadas por
estes homens nos paizes asiaticos. Esquecem-se até, que elles fazem
parte da humanidade e collocando-se fora da comunhão dos entes
racionaes, julgão-se legítimos senhores dos bens da terra, e pela força
se apossão do alheio, em nome de uma liberdade que a mór parte deles
no seu próprio paiz nunca conhecerão, vivendo na miséria e com um
desfarçamento de costumes mais degradante do que tudo que a esse
respeito se tem observado entre os selvagens.
O consumo do opio na China aumenta diariamente, e uma terça parte
da população, entrega-se desordenadamente á este infame vicio.
Alguns, fumão opio em largas fornalhas de seus compridos cachimbos;
outros, mascão o lento veneno como os indianos o betel e os africanos
o fumo; outros, ainda mais viciosos, preparão o opio em pílula e a todo
instante engolem uma ou duas gramas desta substancia. (p. 81-2)

Para embasar sua crítica à Inglaterra, Almeida incluiu em nota de rodapé a


transcrição de uma reclamação de comissários chineses em relação às ações estrangeiras.
Apresentou também o comércio local, destacando a influência externa e tecendo alguns
elogios ao trabalho dos chineses:
os chins são bons empregados de escripta e inteligentes correctores para
compras e vendas das mercancias orientaes, e, em taes empregos, são
bem remunerados pelos negociantes europeos, e salvo os japonezes,
que, em geral, os excedem em probidade, nenhum outro povo da Asia
é mais apto para o commercio. (p. 84)

A comparação com os japoneses permanecia em destaque, remetendo ao


estereótipo decorrente da questão do ópio:
Uma outra qualidade avantaja o negociante japonez sobre o chinez, é a
sobriedade em certos vicios, o que não era de esperar de homens que
entregão-se ao opio, em busca de estupidas emoções e lascivos sonhos.
73

Assim, ao anoitecer, é contristador vêr-se, nas lojas de venda chinesas,


o chefe da casa e mesmo seus empregados, embriagados e abatidos,
completamente distrahidos do que fazem, respondendo por
monossyllabos ao que se lhes pergunta, apenas ocupados com seus
compridos cachimbos, e em empestar o ambiente com o fumo do
maldito extracto de dormideiras. (p. 84)

O conhecimento a respeito de “usos e costumes” em detalhes também tinha


interesse político. Exemplar era o caso do corte de cabelo tradicional dos homens
chineses, imagem recorrente na imprensa ilustrada da época. O “tradicional rabicho”,
como explicava Almeida, foi usado na medida em que se sabia que ao perdê-lo os
chineses se sentiam “desonrados e banidos da sociedade”. Informações como esta eram
utilizadas para controlá-los, e na Califórnia, por exemplo,
alguns culpados de pequenos delictos forão condemnados a perderem o
rabicho, o numero de infractores do regulamento policial diminuio
consideravelmente. Ainda hoje esta pena é aplicada em algumas
cidades dos Estados Unidos e mesmo na China, quando se trata de
pequenos delictos. (p. 86)

A próxima parada da expedição foi em Macau, marcada pelo domínio português


na Ásia, e que havia sido “o verdadeiro empório do commercio portuguez com o Japão;
hoje, em completa decadencia” (p. 87). Sua importância estava então no valor histórico
de seus fortes, igrejas e outras construções portuguesas. Almeida observou que “a terra
onde Camões, o poeta ao mesmo tempo mythologico e christão, terminou Os Lusiadas, é
hoje apenas habitada pelos descendentes de uma raça europea, atrozmente degenerada
pelo sangue indiano e chinez” (p. 89). Apresentou os chineses como viciados em jogos –
“na phrase do mais abalisado economista, Adam Smith, o verme destruidor de toda
riqueza” –, especialmente os que viviam na proximidade dos portos. Além disso, o
astrônomo considerava os chineses “pouco leaes”, “muito insolentes”, enfim, “para
fallarmos verdade, nenhuma garantia tem o viajante quando se interna no celeste Imperio”
(p. 89). Os chineses dos portos foram apresentados como perigosos e pouco amigáveis
com os estrangeiros, fato que levou o viajante a reclamar que o governo não tomava
medidas para prevenir os delitos, mas que “se contenta em punir os assassinos, emquanto
que, com seu silencio, autorisa a publicação e distribuição de manifestos contra os
europeus, excitando o ódio das populações das cidades onde se distribuem taes pasquins”
(p. 89).
74

A tradução de um destes panfletos contra os estrangeiros – atribuída a Eugène


Cottin – foi publicado em Da França ao Japão (figura 10). A indicação do nome do
tradutor nos indica o percurso do texto: a tradução do chinês para o francês e a imagem
foram originalmente publicadas em Les missions catholiques: bulletin hebdomadaire
illustré de L’œuvre de la propagation de la foi, de 1875 (figuras 11-12). Do francês, o
texto foi traduzido para o português e publicado no relato de viagem de Almeida,
demonstrando alguns filtros de leitura. Colocava ainda estas imagens como forma de
compor sua narrativa que incluía comentários sobre ataques e situações de violência
contra estrangeiros, afirmando que era necessária uma intervenção externa para contê-
los.
Almeida considerava, entretanto, que os chineses tinham razões para tal
comportamento, por conta da interferência estrangeira em seus costumes e política,
muitas vezes determinadas pela “diplomacia de canhão”, com ameaças e violência:
Muitas vezes ouvimos dizer, que a China é um paiz estacionário,
rebelde a civilisação e insociavel; e, se estas acusações são fundadas,
comtudo, tendo sido este rico paiz sacrificado em seus interesses, pelos
famosos tratados de commercio com algumas nações da Europa, é
natural a desconfiança que alimentão seus filhos contra qualquer
instituição estrangeira, das quaes, algumas, já servirão aos ingleses para
levarem a efeito seus ambiciosos projectos.
N’estas condições, vivendo fóra do contacto europeu com uma
civilisação propria e sendo victima da diplomacia do canhão, este povo
não pode supportar qualquer innovação nos seus costumes desde que
suspeitão ser de origem européa, e, já muitas vezes, as revoluções
instigadas pelos lettrados, derrubarão ministros d’estado e obrigarão o
imperador a mudar de politica.
Apezar do odio que o povo chinez vota a tudo que é europeu, o governo
da China, auxiliado por uma parte da sociedade illustrada, parece
resolvido a sacudir o espírito estacionário de exclusão que caracterisa
suas relações com as demais nações. (p. 99)
75

Figura 10 – Manifesto contra os estrangeiros

Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
76

Figura 11 – Manifesto contra os estrangeiros (1875)

Fonte: LES MISSIONS CATHOLIQUES. Bulletin hebdomadaire illustré de L’œuvre. Œuvre pontificale
missionnaire de la Propagation de la foi. Paris : Challamel, 1875 p. 510. Disponível em
<https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k105615n/f520.item>. Último acesso em 13/07/2020.
77

Figura 12 – Tradução francesa do Manifesto contra os estrangeiros (1875)

Fonte: LES MISSIONS CATHOLIQUES. Bulletin hebdomadaire illustré de L’œuvre. Œuvre pontificale
missionnaire de la Propagation de la foi. Paris : Challamel. 22/10/1875 p. 510. Disponível em
<https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k105615n/f520.item> Último acesso em 13/07/2020.
78

Contra este espírito e em face de um crescente e impositivo contato com países


europeus e os Estados Unidos, a China tomava medidas na tentativa de protagonizar tais
contatos. O viajante criticava a superficialidade das análises que, com o entusiasmo das
primeiras impressões, “mofão das instituições chinesas, por que as julgarão pelas
aparências, baseando-se em observações incompletas ou informações inexatas”. Tais
análises desconsiderariam a diversidade daquele país, levando em conta apenas as cidades
portuárias, porta de entrada de estrangeiros, comércio, violência e dos vícios, um “abysmo
fervescente de corrupção”, local inapropriado para “recolher os dados para julgar o estado
moral e intelectual de um povo”. Almeida ponderava sobre suas próprias opiniões,
concluindo que “a má vontade com que os chins nos recebem” gerava antipatia por eles,
mas “esta repugnância natural não deve, entretanto, guiar nosso juizo quando tratamos de
descrever os usos e costumes de uma sociedade, sob pena de faltarmos á verdade, por
fraqueza de espirito ou intoleravel egoismo”. Esclarecia que “para podermos conhecer os
costumes dos chins, temos necessidade de investigar a razão de suas leis, e sua indole, e
mesmo o fundamento da vida de familia, e sobretudo, não devemos deixar-nos
impressionar pelo que vimos nas cidades do littoral” (p. 96).
Suas leituras deterministas permaneciam com relação à mestiçagem das áreas
litorâneas. Nestes lugares, o meio e a constituição racial eram determinantes para o
insucesso, fato ao qual recorreria futuramente em sua participação no debate sobre os
trabalhadores asiáticos no Brasil. O habitante litorâneo sofria com a dinâmica exacerbada
e violenta dos trânsitos e do capitalismo. Entretanto, Almeida também acreditava que o
julgamento a respeito de um povo deveria vir de uma investigação sobre seus costumes,
leis, índole, família, além das situações presenciadas nos portos. Defensor da separação
entre política e religião, afirmava que “a superstição lavra na China nas classes inferiores,
do mesmo modo que o fanatismo nos povos de raça latina”, sendo que “á nenhum
individuo supersticioso, é confiado os empregos do Estado” (p. 98). Almeida inspirava-
se na lei dos três estados de Auguste Comte, que ia progressivamente do teológico para o
positivo. Estava inserida na crítica do astrônomo uma análise sobre o Brasil igualmente,
uma vez que os positivistas consideravam a monarquia como fator de atraso,
imobilizando o país numa “fase teológico-militar, que deveria ser superada pela fase
positiva, cuja melhor encarnação era a república” (CARVALHO, 2014b, p. 27). Mesmo
se debruçando sobre cenários e experiências no exterior, o escritor viajante estava a todo
79

momento tratando de seu país e suas demandas – escrever sobre o outro se tornava uma
forma de pensar sobre si.
O relato sobre a China é um dos mais completos do livro de Almeida, por conta
do interesse brasileiro, ao longo do século XIX, pelos trabalhadores chineses. Portanto,
diante do preconceito, o autor considerava que
muitas pessôas, aliás esclarecidas pelos conhecimentos que cultivão, da
historia e da literatura occidental, ignorão o gráo de civilização e de
instrucção da sociedade chineza; e, não raras vezes, somos interrogados
sobre o que vimos a este respeito, durante nossa visita a esse paiz (p.
95).

Deste modo, destacava a relevância e o interesse pela sua obra.

2.6.1 IMAGENS SOBRE A CHINA

As ilustrações em Da França ao Japão davam aos leitores a oportunidade de


“visualizar” melhor os personagens descritos por Francisco Antônio de Almeida. Imagens
sobre o Ceilão, China e Japão circulavam fora da Ásia, em periódicos, postais, relatos de
viagem, compondo uma série útil aos leitores, compondo um imaginário sobre diferentes
populações e, por vezes, reiterando estereótipos32. Diferentemente do que ocorria com o
Japão, por conta de sua política de isolamento, imagens sobre a China e suas populações
eram mais presentes no exterior.
A primeira imagem sobre os chineses em Da França ao Japão, intitulada
Mandarim civil (figura 13), foi assinada por Speltz e impressa em cores. Ela nos remete
à ilustração publicada em 1876 no jornal alemão Die Gartenlaube; que, por sua vez,
indicava como referência uma missão científica igualmente dedicada ao estudo da
passagem de Vênus de 1874 (figura 14). Provavelmente Almeida estava na Alemanha
quando a imagem foi publicada no periódico, por ter sido o mesmo ano de seu
doutoramento na Universidade de Bonn.
Há ainda uma fotografia de estúdio (figura 15), realizada pelo fotógrafo chinês
Lai Afong, que representava um indivíduo muito semelhante ao da reprodução do Die

32
Tanto as fotografias quanto as estampas de artistas japoneses postas neste trabalho são para demonstrar
possibilidades materiais, temáticas e estéticas comuns em imagens sobre a China e o Japão no contexto das
viagens, em nenhum dos casos significa que exatamente elas tenham sido acessadas e reproduzidas no
relato que analisamos.
80

Gartenlaube. A mesa ao centro, os objetos, os detalhes das roupas e acessórios, as


sombras nos tecidos e a posição das mãos sobre um aparador são muito semelhantes nas
três imagens.

Figura 13 – Mandarim civil

Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial. Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
81

Figura 14 – Civil-mandarin (Die Gartenlaube)

Fonte: Die Gartenlaube. Alemanha. 1876, p. 69. Disponível em


<https://archive.org/details/bub_gb_NSc7AQAAIAAJ>. Último acesso em 23/09/2019.

Figura 15 – Two chinese Mandarins (Lai Afong)

Fonte: HUTCHINSON, H. N.; GREGORY, J. W.; LYDEKKER, R. The living Races of Mankind. vol. I.
London: Hutchinson & CO., Paternoster Row, 1902, p. 133. Disponível em
<https://archive.org/details/livingracesofman01hutcrich> Último acesso em 23/09/2019.
82

Havia uma circulação destas imagens no Ocidente, que eram não somente
copiadas, mas recompostas em novos cenários. Dessa forma, as modificações presentes
em Da França ao Japão são tão relevantes quanto os possíveis percursos das imagens.
Percebe-se na publicação brasileira a adição de vasos chineses, bem como desenhos na
parede. As porcelanas chinesas já ilustravam anúncios publicitários nos jornais brasileiros
muito antes da publicação de Almeida. Já em 1815 anunciavam-se louças trazidas de
Macau para serem vendidas na Corte, num comércio atuante desde o século XVI. Assim,
a inserção dos vasos de porcelana tornava mais fácil a identificação pelo leitor. Nesse
processo de reprodução da imagem, o receptor – cada vez mais distante da China – recebia
a figura carregada de referências que dialogavam com os estereótipos que reconhecia. A
arte ao fundo e a decoração das peças em cena nos remetem à chinoiserie, ou seja, um
gosto por objetos de origem ou inspiração chinesa, com ornamentos florais de
crisântemos e peônias, ambas recorrentes na vida religiosa e nas artes chinesas. De acordo
com Celina Kuniyoshi (1998, p. 94), era “a chinoiserie que comandava o gosto artístico
da elite política e econômica brasileira”. Além disso, a imagem atrás do “mandarim civil”,
sem muitos detalhes ou apuro, mostra um dragão e uma fênix – figuras conhecidas da
mitologia chinesa.
Em nossa pesquisa, percebemos que as imagens femininas compunham boa parte
das fotografias realizadas por estrangeiros na Ásia no século XIX, da mesma forma que
as descrições de perfis. Portanto não é estranha a quantidade dessas imagens na obra de
Almeida. Na China, a figura feminina aqui representada pela Mulher china (figura 16)
também remete às fotografias de estúdio, posadas, como as do fotógrafo Lai Afong ou as
do fotógrafo britânico William Saunders.33 O estúdio era um espaço contraditório da
domesticidade e do império, onde se teatralizava a partir de acessórios e decorações
exóticas um espetáculo condizente com as fantasias imperiais, sendo recorrente a
presença de mulheres (MCCLINTOCK, 2010, p.192). É provável que Almeida tenha
adquirido algumas dessas fotografias e encomendado sua reprodução em litogravuras
para seu relato, como fizera anteriormente. Nesta também foram incluídas referências à
China identificáveis pelos leitores brasileiros, como o arranjo de peônias.

33
Ver: SANDERS, Williams. Unidentified Young Manchu Woman. 1871. In: The International Center
of Photography (ICP). Diponível em: <https://www.icp.org/browse/archive/objects/unidentified-young-
manchu-woman>. Último acesso em 20/06/2020.
83

Figura 16 – Mulher china

Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
84

Outra imagem colorida, denominada Dama chineza e sua criada (figura 18),
apresenta alguma semelhança com fotos de Afong, especialmente a intitulada A chinese
mother, with nurse and children (figura 17), que apresenta semelhanças com alguns
detalhes da litografia, como as poses, os adereços e as vestimentas. Na reprodução
litográfica para Da França ao Japão, foram igualmente utilizadas referências à
chinoiserie, nas estampas das roupas, no dragão do tapete e no quadro ao fundo.

Figura 17 – A chinese mother, with nurse and children (Lai Afong)

Fonte: HUTCHINSON, H. N.; GREGORY, J. W.; LYDEKKER, R. The living Races of Mankind. Vol.
I. London: Hutchinson & CO., Paternoster Row, 1902. p.139. Disponível em
<https://archive.org/details/livingracesofman01hutcrich> Último acesso em 23/09/2019.
85

Figura 18 – Dama chineza e sua criada

Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
86

Em Da França ao Japão há três imagens sobre a China, além da cópia do


manifesto contra os estrangeiros, vertido para o português a partir da tradução francesa
de Eugêne Cottin. Essa análise segue um percurso de aproximação com as fotografias de
Lai Afong (1839-1890), por ter produzido no período da viagem de Almeida, ter circulado
em locais onde o viajante esteve e pelo fato de suas imagens terem sido recorrentes no
exterior – seu estúdio foi o mais duradouro de Hong Kong (CHEN, 2009, p. 25). A
atuação de Afong é representativa da circulação de pessoas e técnicas na segunda metade
dos oitocentos, demonstrando que não foram apenas os europeus os protagonistas neste
processo, mas que chineses – assim como outros fora das grandes potências – também
utilizaram dessas técnicas para registrar sua realidade, não tendo sido passivamente
observados apenas.
O reconhecimento do fotógrafo ia além da China, sendo um dos motivos de seu
sucesso a qualidade estética que continha elementos chineses e gostos ocidentais (CHEN,
2009. p. 39). Era reconhecido por fornecer imagens para viajantes, negociantes e turistas.
Contratara um assistente português, para negociar com europeus, e pelo menos outros
dois fotógrafos estrangeiros na década de 1870 (p. 37). Houve um acontecimento em
especial que aproximou as trajetórias de Almeida e Afong. Em setembro de 1874, um
tufão devastou Hong Kong, alcançado outras localidades na Ásia, como Macau, chegando
a ser noticiado na imprensa brasileira. O jornal O Liberal do Pará, de 22 de janeiro de
1875, reproduziu uma correspondência de Macau para o jornal China Mail, de Hong
Kong: “A mais terrivel calamidade acaba de cahir sobre esta cidade. Macáu não é hoje
mais do que um montão de ruinas”. Mais que isso,
os pobres habitantes tinhão unicamente dificuldade na escolha da morte
pela agua, pelo fogo ou pelo desabamento dos edificios, porém a morte
estava em toda a parte. Muitas pessoas que se tinhão refugiado forão
envolvidas no interior das habitações forão envolvidas pelas chammas
e carbonisadas.

O ciclone no porto de Hong Kong destruiu navios e abalou o paquete Ava.


Almeida (1879, p. 101) relatou que “às duas horas da madrugada ouvimos em um destes
intervallos, gritos de agonia e de socorro; e no mesmo instante um grande navio passava
á garra a bombordo do Ava e ia-se despedaçar sobre as casas que rodeão o caes da cidade”.
Nos navios atingidos, ainda havia pessoas esperando socorro.
Segundo os jornaes inglezes, o numero de mortos se elevava a oito mil,
compreendidas as pessoas que perecerão nos navios hespanhoes, cujos
passageiros compunhão-se na mór parte de famílias proscriptas da
87

Hespanha pela guerra civil, e que ião ás Philippinas em busca de asylo


que, na sua patria, lhes era negado pelos soldados de D. Carlos.
Descemos á terra e desviamos os olhos destes montões de cadaveres de
pescadores chins e de europeus, que as vagas lançavão a praia. Durante
seis dias, que ahi permanecemos, só o desgosto e o pezar nos
desanimava em nossos passeios e visitas aos arredores de Hong Kong.
(p.102)

Em meio a este cenário, Almeida dava a dimensão do atrito entre chineses e


estrangeiros no cotidiano daquela população, descrevendo o ataque de piratas aos
armazéns americanos, o saque e a pilhagem. A cena incluía pais encontrando os filhos
entre cadáveres e comandantes que vagavam sem razão pelas ruas chinesas.
Assim como Almeida, Lai Afong estava no local. Aquele tufão foi o primeiro a
ser vastamente documentado pela Hong Kong Government Gazette e ser reportado por
telégrafo internacional – o cabo telegráfico submarino havia sido instalado em Hong
Kong poucos anos antes, em 1871 (JONES, 2017, p. 24). No dia 23 de setembro de 1874,
Afong fotografou os destroços do navio espanhol Albany.

Figura 19 – Damage caused by the 1874 typhoon, Hong Kong (Lai Afong)

Fonte: University of Bristol - Historical Photographs of China reference number: NA15-02. From an album
in The National Archives entitled ‘HONG KONG 2. Hong Kong and Macao: the typhoon of 22 September
1874. Disponível em <https://www.hpcbristol.net/>. Último acesso em 15/05/2020.
88

E em Da França ao Japão, Almeida descreveu a mesma cena:


Muitos forão os dias de consternação e de luto que se seguirão ao da
horrivel catástrofe; e a cidade de Hong-Kong foi theatro de pungentes
e dilaceranetes scenas.
Aqui, era um pai curvado pelos annos que reconhecia entre os vultos
desfigurados dos cadaveres o do filho querido, a quem havia horas,
considerava seu unico arrimo; mais adiante, uma pobre viuva trazendo
pela mão dous filhinhos, levantava seus olhos ao céo para pedir ao
Creador coragem e resignação, emquanto as crianças chamavão, em
lingua indigena, aquelle que, sem duvida, lhes tinha dedicado seu
ultimo pensamento; além, perto dos destroços do vapor Albany, um
homem de tez morena com os cabellos em desordem e suas vestes em
desalinho, andava a largos passos sobre o caes, gesticulando e fallando
em voz alta e em lingua hespanhola, como que ordenando as manobras
de um navio em perigo: - era o comandante do Albany a quem a
desgraça da vespera tornara louco.
E estas lugubres scenas se repetirão durante o dia por varias vezes, todos
choravão, e quem não tinha lagrimas para verter devia soffrer
horrivelmente; - concentrava sem duvida acerba dor em seu coração.
(p.103)

Estarem no mesmo evento não garante o contato, mas é um indício de uma


possível aproximação do brasileiro com a obra do fotógrafo chinês. As fotografias de
Afong foram divulgadas em museus no exterior, compradas por estrangeiros na China e
reunidas por colecionadores de várias origens (CHEN, 2009). Almeida interessava-se por
fotografia, registro que se tornava também um produto turístico. E muitas das imagens de
Afong eram pensadas para esse público, com uma escolha de temas que incluía vistas
topográficas e cenas da vida social, “dois gêneros tipicamente criados para o mercado
ocidental na China e no exterior” (CHEN, 2009, p. 30, tradução nossa). Isto reitera a ideia
de que a viagem naquele momento – e consequentemente a própria narrativa e sugestões
do viajante durante o percurso – pode ser vista como preâmbulo do turismo em um mundo
não totalmente desconhecido e que despertava muita curiosidade. Além disso,
personagens estrangeiros às grandes potências – como brasileiros e chineses – faziam
parte deste movimento internacional, não apenas como fotografados, estudados, por vezes
objetificados, mas também como protagonistas e narradores.
As imagens do relato de viagem trazem diversas referências e apresentam trocas
possíveis de experiências vividas por fotógrafos, viajantes, comerciantes, numa dinâmica
na qual os contatos eram geralmente feitos de forma verticalizada. Mas tais imagens
também nos permitem encontrar outras estratégias de análise. As fotografias coloniais e
as demais imagens faziam circular estereótipos, mas fugiam da lógica de sujeitos
89

passivos, afinal a cobrança pelo retrato, a negociação na venda de imagens, a seleção


apresentada ao turista, a escolha de quais figuras governamentais eternizar, tudo isso
demonstrava a atuação dos observados.
Mas o viajante brasileiro precisava ainda chegar ao seu destino. E com muitas
expectativas e revéses no percurso, se preparava para aportar no Japão, país ao qual
dedicou onze capítulos dentre os dezoito de seu relato de viagem. Quando chegasse,
Almeida não seria somente um estudante brasileiro vindo da França; naquela altura já
tinha visto a realidade em diversos portos e composto um cenário no qual diferentes
personagens e nações tinham papéis definidos – a partir destas impressões e
conhecimentos é que compreenderia o Japão e os japoneses.
90

3. O JAPÃO DA SEGUNDA METADE DO OITOCENTOS

De todos os paizes da Asia, é, na opinião da maior


parte dos viajantes, o Imperio Japonez que mais
interesse apresenta, assim pelos costumes dos seus
habitantes, como pelo lugar que em breve occupará
entre as nações mais adiantadas.
A sua história se perde nas tradicções antigas de
modo que seria impossível, determinar-se, com
alguma approximação, quaes os costumes d’este
povo nos tempos primitivos, e nem mesmo póde-se
afirmar qual a sua origem. (ALMEIDA, 1879,
p.105)

Francisco Antônio de Almeida abriu seu relato sobre o Japão destacando


especificamente a relação entre as tradições e a modernização. Isso era enfatizado na
medida em que o país se projetava como potência capitalista. Suas referências sobre o
Japão, entretanto, eram majoritariamente quinhentistas e seiscentistas, ainda do período
do expansionismo ibérico:
Antes de falarmos do Japão moderno, será indispensavel para
acompanharmos o seu progresso, lançarmos a vista sobre sua historia a
partir da epocha em que se soube de sua existencia na Europa.
(...)
E, se algum facto pode ser verificado mais facilmente o da descoberta
do Japão pelos portuguezes o será tambem, e este é assumpto de
brilhantes paginas escriptas pelo seu proprio descobridor Fernão
Mendes Pinto e pelo continuador das décadas da Asia de João de
Barros, Diogo do Couto.
Os proprios Annaes da Companhia das Indias Orientaes contão que aos
portuguezes se deve a notícia d’este rico paiz do Oriente, com o qual,
durante dois seculos, ella foi a unica que d’elle auferio lucros
immensos. (ALMEIDA, 1879, p.106)

Não havia, na década de 1870, grande quantidade de publicações sobre o país, por
isso, o astrônomo se baseava nas narrativas de séculos anteriores, nas quais os
missionários cristãos eram personagens centrais. Nesse sentido, para Celina Kuniyoshi
(1998, p.106-7):
O conhecimento de Almeida sobre o Japão resumia-se às fontes
quinhentistas e seiscentistas: Fernão Mendes Pinto, Diogo do Couto,
padre Melchior Nunes Barreto, Kaempfer, “chronicas japonezas”,
“annaes da Companhia das Indias Orientaes”, etc. Essa falta de
informações recentes sobre o Nihon – os primeiros relatos oitocentistas
estavam sendo escritos – levou Almeida a se basear no julgamento feito
há mais de dois séculos. Reconheceu no nipônico exatamente as
características apontadas por aqueles autores
91

quinhentistas/seiscentistas, em especial Fernão Mendes Pinto, cuja


Peregrinação era fartamente utilizada por ele para contar a seus leitores
o encontro dos portugueses com os habitantes do País das Cerejeiras.
Por conseguinte, no primeiro relato de viagem de autoria de um
brasileiro, o japonês ressurgiu com todas as características positivas que
os jesuítas neles tinham visto: polido, curioso, corajoso, constante,
inteligente (fazendo o uso da razão para se converterem), mártir,
obediente, respeitoso das hierarquias.

Fator importante para esta análise, o acesso de Almeida às fontes quinhentistas e


seiscentistas se deu via traduções de obras francesas, portuguesas e inglesas. Tais leituras,
de certa forma, formataram as experiências durante os três meses em que ele viveu no
Japão. Por exemplo, ao visitar os templos xintoístas, afirmou que “vemos agora, que
conhecemos um pouco dos costumes e usos dos japonezes, que o christianismo, por sua
essencia monotheista, não podia encontrar o apoio das grandes e converter todo este povo
pagão” (p.159). Mas além disto havia a própria experiência do autor, assim é provável
que colaborasse em sua análise sobre a religião o fato de que durante o acampamento da
missão francesa em Nagasaki a hospedagem era anexa ao templo e cedida pelos bonzos
locais.
O Japão vivia uma intensa mudança política e social, durante o período Meiji
(1868-1912), em geral visto positivamente, em termos de uma “revolução” que fez o país
“de um salto sahir do estado de barbaria relativo, em que se achava, a um gráo de
civilisação bem apreciável” (ALMEIDA, 1879, p. 106). Mas não significava que os
viajantes concordassem plenamente com as relações exteriores em vigor. Acompanhando
o relato de Almeida, traremos dados sobre o país em relação às mudanças políticas,
econômicas e sociais que chamavam a atenção dos estrangeiros, assim como alguns
aspectos da sua história.34

34
Sobre os relatos dos dois outros viajantes, retornaremos apenas a alguns comentários pontuais, para evitar
a repetição de informações.
92

3.1 DA “DESCOBERTA” AO “ISOLAMENTO”

Ao iniciar sua apresentação sobre o Japão, Almeida dedicou-se à “sua história a


partir da época em que se soube de sua existência na Europa” (p. 106). Em uma
perspectiva eurocêntrica, a “descoberta” por europeus tornava-se o principal marco, a
partir do qual se traçou uma narrativa em defesa do cristianismo e de sua expansão.
O astrônomo viajante fez longas transcrições sobre missionários no Japão, como
as sete páginas com trechos de Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, defendendo que
ele, juntamente com Zeimoto, haviam sido “os primeiros filhos do occidente que forão ao
Japão”, os “descobridores do Japão” (p. 114). Entretanto, esta narrativa de Mendes Pinto,
com os mesmos subtítulos e notas de rodapé, aparecera anteriormente em outra obra, que
se assemelha à publicação de Almeida. Trata-se de Le Japon: Histoire et description:
Mœurs, coutumes et religion, de Edouard Fraissinet, publicado em Paris em 1864.
Portanto, é provável que Almeida tenha tido acesso às fontes de séculos anteriores
novamente intermediado por outros textos, e não diretamente. Como prova da primazia
da chegada dos portugueses, utilizou, além da narrativa de Fernão Pinto, escritos do Padre
Melchior Nunes Barreto e crônicas sobre os primeiros europeus que aportaram no Japão:
“pelo vestuario, acessorios e mais signaes, conhece-se perfeitamente que são portuguezes
do XVI seculo” (p. 114). Almeida demonstrava ter grande simpatia pela figura do
missionário Francisco Xavier, um dos fundadores da Companhia de Jesus, atuante na
expansão do cristianismo na Ásia. Para ele, o contato entre japoneses e portugueses no
século XVI teria sido pacífico.
Fácil foi o estabelecimento dos portuguezes no Japão, e varias causas
concorrerão para atingirem a este fim.
Primeiramente, nenhuma indisposição nutrião os amáveis japonezes
contra os estrangeiros, e superior a tudo, muito contribuirão a santas
doutrinas do martyr do Golgotha. Infelizmente, nem todos os
missionarios comprehenderão a santa missão, a que voluntariamente se
obrigarão, e as queixas repetidas e as difficldades que eles oppunhão á
marcha dos negocios publicos do Japão, decidirão o governo a lançar
mão de todos os meios para banir os estrangeiros do sólo japonez, o que
elle levou a efeito, fechando durante dous seculos, todos os portos do
imperio aos europeus, com exceção dos hollandezes, porém, que
aceitarão certas e determinadas condições bastante humilhantes e
restrictivas. (p.114)

Da narrativa seiscentista, Almeida destacou a facilidade da conversão, o que


contribuía para o estabelecimento de uma imagem positiva dos japoneses. Desta forma
93

“as verdades do christianismo não deixarião de influir sobre um povo intelligente e nobre”
e que diante dos missionários “pedia-lhes em altos brados o baptismo” (p. 115). Ao
mesmo tempo, o viajante delineava uma imagem negativa dos religiosos locais, os
bonzos, em contraposição aos missionários cristãos, solicitados de Roma, afinal “não erão
bastantes tão poucos pastores para tão numerosos rebanhos” (p. 122).
Um dos principais elementos da história dos primeiros missionários cristãos no
Japão era o grupo de vinte e seis mártires, executados em 1597, quando “cortarão-lhe o
nariz, as orelhas, e em seguida, depois de amarrados em grupos de três, forão conduzidos
pelas principaes ruas de Miako” (p.137). Em seguida, foram levados a Nagasaki, onde
foram levantadas cruzes e entoados cantos, como uma narrativa bíblica. 35 Almeida
descreveu outras execuções, como as de famílias japonesas, considerando como a
demonstração de fé era então correspondente ao sacrifício. O partidarismo de Almeida
em relação às empreitadas religiosas fez com que seu relato fosse elogiado pelo periódico
O Apostolo, do Rio de Janeiro: “É um trabalho esmerado e consciencioso. Seu illustre
autor fixa a verdade historica de terem sido os portuguezes os primeiros que penetraram
no Japão e commemora os grandes serviços alli prestados por S. Francisco Xavier” (O
APOSTOLO, 17/01/1879).
A questão cristã no Japão tornara-se tão relevante na aproximação com a Europa,
que o debate ocupou três capítulos de Da França ao Japão, a partir de dois elementos
que, embora inter-relacionados, partiam de pressupostos distintos: o comercial e o
religioso.
Do que temos dito, conclui-se, que existe actualmente no Japão, a
liberdade de cultos, sendo, porém, os christãos mal vistos pelo governo,
não por causa de suas crenças, mas sim por terem sido considerados
auxiliares naturaes dos europeus, e por consequencia perigosos á
segurança do Estado.
Ainda há poucos annos elles erão castigados com prisão simples ou
pagavão uma multa, felizmente, estes prejuizos tendem a desaparecer
sob a influencia benefica do contacto com as nações civilizadas.
É pela influencia da civilisação occidental e pela facilidade com que
este povo della diriva melhoramentos para as suas instituições, que em
breve constituir-se-há uma das nações mais civilizadas pelas suas

35
A perseguição aos cristãos no Japão foi expressiva entre os séculos XVI e XVII, tanto em relação aos
estrangeiros quanto aos próprios japoneses convertidos. Além da questão religiosa, era entendido como
ameaça ao sistema político e social vigente. Os suspeitos de serem cristãos deveriam pisar em uma
referência à religião, caso não o fizessem eram punidos, de acordo com Kenneth Henshall (2008, p.85)
chegavam a “arrancar-lhes os olhos ou torturar os filhos à frente dos pais. As execuções também eram
horríveis, envolvendo crucificações, decapitações com uma serra ou serem atirados para piscinas de água
termal a ferver”.
94

instituições politicas e das mais dignas pelo caracter altivo e cavaleiro


de seus filhos. (p.163)

Assim, Almeida se propõe a comparar as notas dos missionários com suas


observações in loco. Mesmo que permaneça o fato de que os japoneses devessem ser
enaltecidos por terem lutado em prol da religião de Cristo – “a coragem e a constancia
com que os convertidos supportarão os maiores tormentos e ignominias, fallão ainda bem
alto em favor d’este povo que merece, pelas qualidades que o enobrecem, a admiração e
o respeito de todas as Nações” (p. 119) – o autor complexificava os usos da religião em
relação ao expansionismo e os motivos pelos quais os locais receavam o contato, como
outrora havia feito sobre a China.
A conversão no seiscentos foi central para a construção da imagem positiva que
Almeida fazia dos japoneses em relação aos demais asiáticos, pois o monoteísmo também
integrava uma narrativa de progresso. O foco não se dava no período de fechamento do
Japão, mas nas suas relações com o estrangeiro e as razões que conduziram à política de
isolamento.
Desde 1603, o Xogunato Tokugawa governava o Japão, e foi neste governo que
se iniciaram os decretos de isolamento nacional.36 De acordo com Célia Sakurai (2008,
p.122-3), foi um “isolamento racionalmente planejado” para evitar atos de rebeldia contra
a ordem estabelecida e sua autoridade. A relação comercial que tinham com os europeus
fazia com que suas disputas fossem incorporadas pelos japoneses, como em relação aos
protetantes e católicos e entre jesuítas e franciscanos, como apresenta a pesquisadora,
compondo interferências que poderiam desestabilizar a ordem local e que culminaram no
repúdio ao que vinha do exterior. Este cenário resultou nas restrições e consequente
expulsão dos estrangeiros, considerados perigosos. Assim, ocorreram uma série de
proibições, como as de navios japoneses saírem dos limites do país; o cristianismo foi
banido e “nenhum estrangeiro, a partir de 1639, obteve permissão para entrar no país, e
se tentasse seria executado”. Era permitido o comércio somente com holandeses – na Ilha

36
O xogunato (“governo dos generais”) vigorou no Japão de 1185 a 1868, portanto teve mudanças em sua
organização ao longo do tempo, inicialmente “nesse sistema, o chefe militar, o xogum, não substitui o
imperador, mas exerce o poder de fato, premiando os seus seguidores mais leais com propriedades alienadas
dos inimigos e garantindo a eles uma renda”. O título de xogum “significa ‘comandante-chefe’, ou
‘generalíssimo’, que governa a partir de seu bakufu (nome dado ao local de onde se espraia o poder; na
transcrição literal significa ‘posto militar’), dali comanda toda a rede dos seus subordinados”. Além disso,
tratava-se de um título hereditário, governando apoiado em um exército de guerreiros samurais (SAKURAI,
2008, p. 82-5).
95

de Dejima, em Nagasaki –, chineses e coreanos (SAKURAI, 2008, p. 123). Tal política,


favorecida pela geografia do arquipélago, perdurou por dois séculos.
Em Da França ao Japão, há a reprodução de um documento que demonstra a
raridade destes contatos e a produção de conhecimento no Japão fechado ao exterior.
Trata-se do mapa identificado como Carta do Império do Japão org. segundo documentos
officieaes pelo Dr. F. A. de Almeida - Rio de Janeiro 1878 (figura 21), fazendo supor que
fosse de sua autoria. Contudo, encontramos em livros de outros viajantes mapas
semelhantes, com as mesmas proporções, disposições de escrita, título, entre outras
características. Todos aparentemente inspirados no mapa de Phillip Franz von Siebold
(figura 20), sendo possível que o acesso de Almeida tenha sido indireto, via de Victor
Adolph Malte-Brun (figura 22), cuja obra foi publicada em 1864.37

Figura 20 – Mapa do Japão (Phillip Franz von Siebold)

Fonte: SIEBOLD, Phillip Franz von. Karte von Japanischen Reiche nach Originalkarten und
astronomischebn Beobachtungen der Japaner. Die Inseln Kiusiu, Sikok und Nippon. 1840. Disponível
em < https://digitalcollections.universiteitleiden.nl/view/item/876341>. Último acesso em 13/04/2020.

37
Segundo as referências da Biblioteca Nacional da França, consultadas aqui pelo sistema Gallica, o mapa
foi produzido por Victor Adolphe Malte-Brun e publicado em: Le Japon contemporaine par Edouard
Fraissinet, Nouvelle Édition, Paris : A. Bertrand, 1864. 2 vol. Disponível em
<https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b84919518>. Último acesso em 13/04/2020.
96

Figura 21 – Carta do Imperio do Japão

Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.

Figura 22 – Mapa do Japão (Victor Malte-Brun)

Fonte: FRAISSINET, Edouard. Le Japon: histoire et description, mœurs, coutume et religion. 2 ed. Paris:
Arthur Bertrand /Libraire de la Societé de Geographie, 1864. Disponível em
<https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b84919518>. Último acesso em 13/04/2020.
97

Philipp Franz von Siebold (1796-1866) foi um médico alemão designado pela
Dutch East India Company para atuar no posto comercial do Japão, no início do século
XIX38. Os holandeses eram então alguns dos poucos a manter contato com o Japão,
mesmo que restrito. Siebold foi um dos primeiros instrutores de artes e ciências ocidentais
no Japão, chegado em Nagasaki em 1823 (SUKEHIRO, 1989, p. 467). Como se nota, o
fechamento do Japão não era total. De acordo com o pesquisador Hirakawa Sukehiro
(1989, p. 435), a atividade intelectual durante o período de fechamento pode ser dividida
em três categorias: o confucionismo; os estudos japoneses (kokugaku); e os estudos
holandeses (rangaku). Com o processo de reabertura, na década de 1860, os estudos
holandeses, incluindo aqueles sobre o idioma, perderam espaço para o inglês, mas os
estudos japoneses e o confucionismo seriam importantes para reafirmação do
nacionalismo japonês, como veremos no último capítulo.
Durante o isolamento, o Japão vivenciou momentos de prosperidade, com o
desenvolvimento do comércio e de técnicas no campo, aumentando a circulação
monetária e a produção excedente.39 Isso levou ao crescimento demográfico, que, de
acordo com Célia Sakurai (2008, p. 126), foi de 1% ao ano, num país insular, colaborando
também para a expansão das cidades. Na planície de Kanto, Edo (atual Tóquio), “a cidade,
que no século XVI era praticamente uma aldeia de pescadores”, no século XVIII
tornou-se a maior do mundo, com mais de 1 milhão de habitantes,
quando o total dos japoneses estava próximo de atingir 26 milhões.
Osaka e Kyoto, centros comerciais mais antigos, também viram
multiplicar suas lojas, indústrias e bancos, além de armazéns e navios
costeiros (SAKURAI, 2008, p.126).

Com o crescimento da importância do comércio, aumentou também a relevância


do dinheiro em moeda, contrapondo-se às formas tradicionais de distribuição de riqueza.

38
Embora haja o reconhecimento do trabalho cartográfico de Siebold no oitocentos, o conhecimento
geográfico japonês em relação ao exterior era desenvolvido desde antes do seu isolamento. Uma das
referências era Takahashi Kageyasu (1785 - 1829), astrônomo e geógrafo que publicou um mapa do Japão
em 1809. De acordo com a pesquisa de Shintaro Ayusawa (1964), este mapa foi apresentado em 1840,
quando foi incluído na obra Nippon, de Phillip Franz von Siebold.
39
De acordo com a pesquisadora Célia Sakurai (2008, p.125-126) entre o século XVI e o XVII, houve
expansão da manufatura do algodão e seda, passando a ser uma alternativa à agricultura, isto contribuiu
para o desenvolvimento do comércio, aumentando a circulação monetária a ponto de se tornar um “fato de
desequilíbrio” do antigo sistema. No campo, com a adoção da irrigação, fertilização e uso do arado,
contribuíram para aumento da produção.
98

A antiga ordem social já não supria as novas demandas. Ainda segundo Sakurai (2008, p.
127), essa “revolução comercial” ocorreu de forma mais rápida do que na Europa,
em termos de divisão do trabalho, que aproximou cidade e campo, e
aumentou a demanda por dinheiro, produtos e serviços. Contribuíram
para isso a estabilidade política interna, o transporte hidroviário
acessível, a unidade linguística, a abolição das barreiras comerciais e a
cultura mercantil desenvolvida e compartilhada.

Em 1853, o comodoro estadunidense Matthew Calbraith Perry aportou em Edo,


para dar início a relações comerciais entre EUA e Japão. No ano seguinte, retornou à
Ásia, desta vez com sua esquadra e seus canhões, para garantir uma resposta positiva em
relação à abertura dos portos. Com a chegada dos estrangeiros, os japoneses viram-se
induzidos a assinar tratados desiguais; modificavam a política isolacionista sem, no
entanto, estar como igual diante das outras nações. Em 1858, foram assinados tratados
com os Estados Unidos, Holanda, Inglaterra, França e Rússia (SUKEHIRO, 1989, p.
467). De acordo com Yamamura (1996, p. 129), o primeiro tratado, entre Japão e EUA,
continha dois itens polêmicos: “a questão das tarifas de importação, que impediam os
japoneses de intervirem no estabelecimento das tarifas dos produtos americanos que
entrariam dentro de seu próprio território” e “a questão dos privilégios de
extraterritorialidade, que impediam que um cidadão norte-americano que cometesse
crimes em território nipônico fosse julgado pela justiça local”.
A aceitação da abertura do Japão aos estrangeiros não foi unânime, gerando
disputas internas, que foram abordadas em diversos momentos pelos viajantes estudados
nesta análise. De forma resumida, os grupos divergentes podem ser dividos em duas
correntes, entreguistas e nacionalistas (YAMAMURA, 1996, p. 130): uma a favor da
abertura, considerando o poderio militar estrangeiro que já demonstrava sua violência em
outros países asiáticos, como na China durante a Guerra do Ópio (1839-42 e 1856-60); e
outra que negava a abertura, acreditando que seria prejudicial ao sistema social e à
independência japonesa. Francisco Antônio de Almeida, reproduziu em seu relato a
tradução “de um manifesto publicado e mandado espalhar em quase todas as cidades do
Japão, pelo chefe do ‘partido nacional’”, como fez anteriormente com o manifesto dos
chineses contra os estrangeiros:
Tenta o Governo do Taikúno por todos os meios aniquilar o partido dos
patriotas, que vêm sua pátria invadida pelos barbaros, e secundar nos
seus traiçoeiros projectos a funccionarios orgulhosos, á mercadores
interessados e rapaces, á marinheiros grosseiros, estupidos e devassos.
99

As sabias leis que recebemos de To-chio-gou deixarão de ser


executadas; nossos portos são constantemente invadidos por uma
multidão de inimigos, que corromperão o Governo do principe chefe, e
empenharão o Imperio na via ruinosa em que marcha a largos passos;
assignando miseraveis tratados que lesão nossos interesses, e pelos
quaes se autorizou a exportação das producções raras, única riqueza do
nosso paiz.
Se o Governo é impotente, não sabe empregar a força para banir das
nossas plagas os barbaros estrangeiros, cumpre a nós, que não dispomos
da decima millesima parte destes meios de defeza, o encargo de
exterminal-os.
Ha apenas um anno que mandamos matar Ykam-Monokami, porque
elle se fez tributário das potencias estrangeiras, porque se conduzio
como inimigo audacioso de nossa patria e tinha jurado a sua ruina.
Apezar deste energico protesto dos patriotas, apezar da revolução que
eles sustentão, vimos sem podermos impedir os desenvolvimentos de
uma emigração espantosa, e nenhum daimio da sua côrte protestou
contra este facto. Todos estes degenerados japonezes tomarão sobre
seus hombros grande responsabilidade, derrubando as sabias leis de To-
chio-gou; e, esta temeridade, eles pagarão com o seu sangue.
Acusa-se-nos de estupidez, porém a custo de nossas vidas e da nossa
liberdade, resolvemos manter as instituições de To-chio-gou.
Ao principio, dizião-nos que os tratados de commercio serião apenas
um grande favor, concedido depois de pedidos reiterados, e feitos com
a devida humildade pelos estrangeiros; entretanto, tolera-se em
Yokohama estes Yakoninos insolentes, que ousão dizer que estes
tratados constitutem para eles um direito legal, e annuncião-se
representantes das potencias estrangeiras, como se para os barbaros
poderem traficar não fosse bastante suas lojas e balcões.
É mergulhado em profunda tristeza, que os patriotas ouvem falar nos
systemas de governo das nações estrangeiras, e na concentração do
poder na administração do governo.
Vós, os amigos dos barbaros, vos espuzestes á amargas recriminações;
excitastes as desconfianças dos vossos compatriotas.
As nações estrangeiras terão um Mikado como o nosso e que descende
diretamente dos deoses?
Decidistes, dos destinos da pátria sem ouvir ao nosso soberano, o
Mikado, único chefe supremo que reconhecemos.
Não queremos relações com os estrangeiros, a sua presença no Japão
não tem razão de ser, e se hoje eles possuem navios movidos pelo vapor
em lugar dos morosos barcos de vela, tanto melhor, partirão mais
depressa. (ALMEIDA, 1879, p.148-9)

A circulação destes panfletos permite ver as dinâmicas internas de países asiáticos


diante do imperialismo europeu e o receio diante dos tratados desiguais e da violência
empregada. Estes fizeram, posteriormente, com que chineses e japoneses fossem vistos
como resistentes em relação aos estrangeiros e fechados em suas tradições.
Assim como o panfleto chinês havia sido adquirido por Almeida fora da China, e
a narrativa sobre o cristianismo no Japão vinha de fontes ibéricas, o panfleto japonês e
100

parte da apresentação sobre a chegada do comodo Perry presentes em Da França ao


Japão aparecem de maneira muito semelhante no relato Pekin, Jeddo, and San Francisco:
The Conclusion of a Voyage Round the World, de Ludovic de Beauvoir, publicado em
1872. Isso reitera a ideia de que a elaboração do relato ia além da viagem em si.
Considerava-se que, tendo domínio sobre o processo de abertura, o Japão poderia
se adequar aos padrões ocidentais e preservar, pelo menos em parte, sua autonomia.
Naquele momento, o Japão via naquelas potências um modelo a ser seguido; de acordo
com Sakurai (2008, p. 128), “era isso ou sucumbir”40.

3.2 CENAS DE TRANSIÇÃO: ONDE DESEMBARCARAM OS VIAJANTES

A ascensão imperialista de nações europeias e dos Estados Unidos no século XIX


foi determinante na reabertura do Japão ao exterior. De acordo com Francisco Antônio
de Almeida (1879, p.145), estas demonstrações de poder eram perceptíveis:
As primeiras expedições que no nosso século aportarão ao Japão forão
consideradas pelos naturaes, mais como uma demonstração hostil de
que como aliadas que vinhão tratar de interesses reciprocos. E quando
em 1842 os japonezes conhecerão os motivos da guerra feita aos chins
pelos ingleses, o que deo em resultado o tratado de Nankin, eles
dispozerão-se a impedir com as armas nas mãos que o seo solo fosse
pisado pelo estrangeiro.
A noticia da humilhação da China chegou depois de muito comentada
e adulterada aos mais afastados logares do Japão; o terror se apoderou
da maior parte dos membros que compunhão o conselho de Taikúno,
emquanto que este e alguns japonezes illustrados comprehenderão a
impossibilidade do Japão viver isolado, com os seos portos fechados e
sem nenhuma relação com os estrangeiros.

O interesse na Ásia era crescente, parecia inevitável o estabelecimento de contatos


internacionais e, tendo em vista a possibilidade de ameaças estrangeiras, o Japão
precisava se reestruturar após anos de isolamento. Em 1868, a queda do Xogunato
Tokugawa possibilitou o retorno do imperador ao poder, inaugurando uma nova fase da

40
“Regiões até então fora do circuito da chamada ‘civilização ocidental’ passam a fazer parte dos mapas de
domínio político (direto ou não) das grandes potências. A França anexa a Argélia em 1830 e o Taiti em
1880; a Bélgica domina o Congo em 1885. Nesse momento, a Grã-Bretanha apropria-se de parte da África
do Sul, domina Nova Zelândia, Austrália, Malvinas, Nova Guiné. Enfrenta problemas de resistência na
Ásia, especialmente na China e na Índia, que resultam em conflitos como a Guerra do Ópio na China. O
Canadá torna-se domínio inglês em 1867. Nesse meio tempo, a federação norte-americana aumenta
consideravelmente a sua extensão territorial anexando o Texas e a Califórnia (1836 e 1850
respectivamente), após um longo período de atritos com o México. Partes da América Latina continuam
lutando por sua independência da Espanha” (SAKURAI, 2008. p.128).
101

história japonesa: a Era Meiji. De acordo com Hirakawa Sukehiro (1989, p. 480), no
início da Era Meiji, entravam no Japão ideias de pensadores estadunidenses e ingleses,
como Mill, Benthan, Spencer e Buckle, bem como Rousseau e o republicanismo francês.
Elas contribuíram nos questionamentos ao sistema hierárquico vigente no país durante o
período Tokugawa.
Foram diversas as mudanças advindas da ascensão do imperador41, como a
centralização da capital em Edo (Tóquio), a instituição de um sistema bancário atualizado,
estabelecimento de imposto fixo sobre a terra, abolição da rigidez do sistema de classes
anterior. Para isso, foi necessário reforçar a imagem do imperador no imaginário popular,
após anos de domínio dos xoguns:
O Imperador Meiji cuidadosamente preparou viagens para várias partes
de seu reino (...). Numa época em que a mídia de massa ainda não era
capaz de forjar uma consciência nacional, esses encontros diretos entre
imperador e povo criaram um novo sentido do que significava ser
japonês. Ter visto o imperador significava ter participado do despertar
da solidariedade nacional. Na década de 1880, a monarquia japonesa
encontrou um novo lugar: Tóquio foi construída como a metrópole
imperial, o núcleo simbólico e ritual da nação, cujas apresentações não
eram nem um pouco inferiores às das capitais ocidentais.
(OSTERHAMMEL, 2014, p. 589, tradução nossa)

Por conta do restabelecimento do poder do imperador, o período ficou conhecido


como Restauração Meiji. Mas como revolução, trouxe subsídios para o Japão se tornar
uma potência nos moldes capitalistas, a partir de um esforço de urbanização,
industrialização e adaptação a novos hábitos. Para além das questões econômicas, a
sociedade adquava-se à nova ordem, incluindo o fim dos vínculos dos samurais. Para
uma parcela da população este processo de mudança gerou descontentamentos, com isso
ocorreram mobilizações na tentativa de frear a chamada “ocidentalização” (HENSHALL,
2008, p. 112).
Assim, após o longo período de “isolamento”, na última metade do século XIX o
Japão passou a dedicar sua energia ao estabelecimento de um estado-nação moderno. O
esforço em busca deste objetivo foi o primeiro fator a chamar a atenção dos viajantes e

41
Em 1868, o Imperador apresentou algumas de suas diretrizes no Juramento de Cinco Artigos (五箇条の
御誓文), onde constava: “a discussão pública de ‘todos os assuntos’; a participação de todas as classes na
administração do país; liberdade para todos se dedicarem à sua ocupação preferida; abandono dos
‘procedimentos errados do passado’ (não especificados); procurar obter conhecimento em todo o mundo
para fortalecer o país (ou, mais literalmente, ‘para fortalecer as bases do poder imperial’)” (HENSHALL,
2008, p.108-9).
102

posteriormente do governo brasileiro, fazendo com que o Japão fosse visto como modelo
de crescimento progressista. Os viajantes brasileiros da segunda metade do século XIX
registraram em seus relatos as diferentes fases desse processo, destinado a criar um
governo central, treinar burocratas para administrar o estado, instituir um exército e uma
marinha modernos, organizar um sistema legal, fomentar o capitalismo, abolir os
privilégios do sistema anterior, consolidar um sistema educacional e reformar seus
costumes (SUKEHIRO, 1989).
Com o interesse dos japoneses pelo exterior, também houve o receio de que fosse
destruído o passado do país e que se adotassem valores e atributos materiais do exterior.
Ao mesmo tempo, a China era um exemplo de como a ameaça militar era um perigo
iminente, e que possuir poder bélico não seria o suficiente para se apresentar como igual
no cenário mundial. Experiências de japoneses enviados ao exterior demonstravam que
os poderes das grandes potências se baseavam também em instituições políticas e sociais.
Assim, o império japonês enviou missões aos Estados Unidos e Europa, compostas por
estudantes, burocratas e cientistas, para conhecer os modelos estatais, os sistemas
jurídicos, desenvolvimentos da medicina, dinâmicas de fábricas, escolas, bancos e
ferrovias. A busca por adaptar-se ao novo contexto, tentando manter o protagonismo
no processo, contribuiu para que o Japão se aproximasse e fosse bem visto pelas
grandes potências:
a flexibilidade dos japoneses em aceitar e assimilar a cultura e os
valores ocidentais em função de seus interesses, bem como a
sabedoria de seus homens de Estado é que permitiram ao Japão se
tornar um país moderno e competitivo como mais uma das potências
imperialistas nos moldes ocidentais. O Estado teve a capacidade de,
mediante a política externa, subverter as determinações estruturais de
longo prazo. (YAMAMURA, 1996, p.135)

É importante ponderar que a narrativa sobre o êxito do Japão foi, por vezes,
nociva para outros países asiáticos, submetidos ao imperialismo japonês. Mas essa nova
imagem do país se consolidava na política internacional. Como dito, os viajantes
brasileiros que lá aportaram, encontraram o país em diferentes fases deste processo de
inserção. Assim, não se trata de uma mesma “fotografia” da abertura do Japão vista da
mesma forma por todos os brasileiros, mas de experiências datadas, num processo de
contínua mudança.
103

3.2.1 “O MAIS CURIOSO E O MAIS DELICIOSO PAIZ DO MUNDO”

D’esta ultima parte da viagem, feita a bordo do


Tanaïs, só guardaremos lembrança do forte cheiro
de alcatrão de que até a sopa se ressentia, e do bello
aspecto das costas do Japão, illuminadas durante a
noite por numerosos pharóes, o que já nos mostra o
gráo de civilisação d’este povo, que há poucos
annos trucidava os indiscretos viajantes ou
interesseiros mercadores que aportavão e seo
territorio. (ALMEIDA, 1879, p. 152)

No décimo primeiro capítulo de seu relato, Francisco Antônio de Almeida


apresentou o fim da viagem de oito dias, de Hong Kong à Yokohama. O Japão era o país
asiático sobre o qual tinha mais informações e, por isso, maiores expectativas. Ao país foi
dedicado o maior número de ilustrações em Da França ao Japão. Mas o primeiro contato
com o país foi menos “exótico” do que o idealizado pelo viajante e mais próximo do que
era habitual nas burocracias dos portos:
Algum tempo depois, entravão a bordo tres funccionarios japonezes,
cujo vestuário e maneiras aguçou seriamente nossa curiosidade. Vestião
largas calças e uma mal ageitada jaqueta ou sobrecasaca militar, o que
fez-nos perder a esperança de vermos as compridas vestes e os
brilhantes sabres de que fallavão todos os viajantes com quem tínhamos
conversado. Concluida a visita, o que foi mais uma formalidade do que
seria inspecçao das cartas do navio, entramos em uma das pequenas
barcas, que velozmente nos conduzio á terra. (ALMEIDA, 1879, p. 152)

Almeida chegou ao Japão em 3 de outubro de 1874. Como cristão, e tendo a


memória dos mártires, destacou que ao chegar em terra “cumpria-nos procurar a Egreja e
darmos graças ao Altissimo que nos protegeo sobre tantos mares e em tão amargas
circumstancias”. Ele animou-se ao encontrar uma pequena capela com fiéis orando
(ALMEIDA, 1879, p. 152).
Em 1874, a abertura do Japão ao exterior e à circulação de estrangeiros
completava duas décadas, aperfeiçoando condições para a recepção dos viajantes.
Almeida pode visitar Edo (Tóquio), Yokohama, Kobe e Nagasaki. Em todas as cidades
constatou a crescente interferência europeia, descrevendo portos, consulados, escolas,
repartições públicas, alfândegas, casas de comércio, hotéis. Quando a missão francesa
que ele integrava desembarcou em Yokohama, pôde encontrar outro navio francês, com
oficiais de serviço nos mares da China e do Japão (p. 166). Também chamou sua atenção
a estrutura que havia para receber os estrangeiros, com hospedagem e alimentação,
104

passeios planejados e tradutores. Sua comitiva ficou inicialmente hospedada no Grande


Hotel de Yokohama, local “bem gerido por uma empresa americana” (p. 153). Para visitar
a cidade, foram conduzidos por riquixás, que ficavam à porta do Hotel. Almeida
descreveu-os como “pequenos carrinhos, semelhantes aos em que as crianças sahem a
passear”, úteis “para o estrangeiro percorrer a cidade” (p. 153).
Em relação à hospitalidade e recepção ao estrangeiro, registrou que “o japonez é
agradável, cortez, sympathico, e de um amor proprio nacional sem limites; assim, na visita
que fizemos aos bazares, encontramos a maior delicadeza e probidade da parte dos
mercadores japonezes” (p. 154). Em um desses bazares, adquiriu um objeto com elevado
custo; em seguida, viu um de seus companheiros de viagem adquirir o mesmo objeto por
um oitavo do preço que pagara. Almeida classificou o vendedor de “farcista japonês” (p.
188), vendo graça na situação, diferentemente do que ocorrera com o negociante no
Ceilão.
Naquele período investia-se na abertura política e contratava-se estrangeiros para
servirem ao governo, situação que mudaria ao longo do fim do oitocentos conforme os
próprios japoneses se preparavam para assumir as funções (SUKEHIRO, 1989). Em
1873, o Japão tinha nove legações em capitais europeias e em Washington
(OSTERHAMMEL, 2014, p. 500). Sendo parte do projeto de modernização, os custos da
manutenção dos profissionais estrangeiros no Japão eram altos, e deveriam parecer ainda
mais pesados quando tais estrangeiros assumiam ares de superioridade, “mais uma razão,
sem dúvida, para a diligência com a qual os japoneses se esforçaram para dominar os
novos ensinamentos” (SUKEHIRO, 1989, p. 469, tradução nossa).
Na interpretação do viajante, a “revolução” no Japão ainda estava em fase de
formação de um novo cenário de progresso e industrialização. Ele viu como positiva a
permanência de vestimentas, modo de dormir, casas de banho, lutadores de sumô,
cerimônia do chá, educação das crianças e mesmo costumes simples como tirar os sapatos
antes de entrar em um recinto, por lhe causarem estranhamento e por serem aspectos da
cultura japonesa que se diferenciavam, eram tradicionais. O que Almeida vivia no Japão
e o que lhe chamava atenção eram justamente as cenas de transição.
Nas imagens sobre os japoneses presentes em Da França ao Japão, outras cenas
do cotidiano aparecem, como os barbeiros, presentes na narrativa não apenas sobre este
país, mas também pela passagem na África e na China:
105

Figura 23 – Barbeiro Japonez

Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
106

A pesquisadora Shi Chen apresenta fotografias de Lai Afong e John Thomson,


ambas feitas no Japão, com disposição e perspectivas semelhantes42. Eram fotografias de
“curiosidades”, de “comércios e tipos”, que despertavam o interesse de compradores
estrangeiros. A figura do barbeiro foi recorrente nas literaturas de viajantes que estiveram
na China e no Japão no século XIX, como em Japan and the Japanese (1874), de Aima
Humbert (figura 24); e Japan and the Japanese: a narrative of the U.S. Government
Expedition to Japan under Commodore Perry (1859), de Robert Tomes e Matthew Perry
(figura 25).

Figura 24 – Japanese barbers (Aima Humbert)

Fonte: HUMBERT, Aima. Japan and the Japanese. London: R. Bentley & son, 1874. p. 217

42
“O cliente está sentado à esquerda em um banco com quase o mesmo padrão de escultura em madeira e o
barbeiro está de pé raspando sua testa. O cliente está provavelmente segurando um prato para pegar o cabelo
que está caindo. Igualmente semelhante é o kit de ferramentas do barbeiro à direita onde também havia
chapéus de palha de abas largas. Os cenários de ambas as fotos são minimizados e provavelmente isto era
proposital, montada a cena em estúdio para fazer com que o barbeiro, o cliente e seu aparato se
destacassem” (CHEN, 2009. p.35, tradução nossa).
107

Figura 25 – Chinese barber (Robert Tomes e Matthew Perry)

Fonte: TOMES, Robert. PERRY, Matthew. Japan and the Japanese: a narrative of the U.S. Government
Expedition to Japan under Commodore Perry.2ªed, London, Trübner & co, 1859. p.180

A lista de curiosidades e as vivências do viajante reforçavam uma imagem


elogiosa aos japoneses, conclusão à qual o próprio leitor chegaria pelos exemplos
apresentados. Francisco Antônio de Almeida estava entusiasmado com a mudança no
Japão. Dedicou sete páginas de seu relato à justiça, traduziu leis sobre roubo, jogos de
azar, prostituição, homicídios, falsificação, além de “atentados contra os costumes”,
como estupro, incesto, adultério, bigamia e “suicídio mutuo pelo amor”; destacou que as
penas de morte43 se davam por “decapitação pelo sabre, a da cruz, a do fogo, e a
decapitação feita com uma serra feita com bambus, sendo qualquer dellas, na ordem em
que as nomeamos, aggravações afflictivas da que procede” (p. 207), dependendo se o
julgado fosse nobre ou plebeu. Tais penas não eram bem vistas pelos estrangeiros, que as
consideravam resquícios do passado. Almeida frisou, contudo, que as “barbaras usanças”

43
De acordo com o pesquisador Kenneth Henshall (2008, p.82): “Os castigos na Europa desse tempo eram
também severos pelos padrões actuais, mas a severidade dos do Japão era suficientemente grande para
chocar muitos europeus que então o visitavam. O francês François Caron, que permaneceu muitos anos no
Japão, na primeira metade do século XVII, escreveu que os seus castigos são assar, queimar, crucificar das
duas maneiras, esquartejar com quatro bois e ferver em óleo e água”.
108

tenderiam a desaparecer por não estarem de acordo com o “sentimento humanitario” e


não condizerem com o “caracter ameno e insinuante dos japonezes” (p. 208). Ainda sobre
o cotidiano, a casa de chá japonesa foi apresentada com o mesmo entusiasmo que as casas
de banho, comparada com as inglesas e os cafés americanos. Almeida visitou duas, a
primeira em seu passeio em Edo, onde o estranhamento foi maior, por se tratar de uma
experiência inicial:
A casa de chá do Japão não parece-se nem com o café francez nem com
a taverna ingleza, comtudo, se ahi não se encontra a infusão de chicória
nem o classico roast-beef, o viajante póde saborear o excellente chá e
mesmo delicados manjares e outras gulodices, com a vantagem de não
ser servido pelo prestimoso garçon que lhe grita aos ouvidos o infallivel
versez, fazendo saltar o tempo da cafeteria, ou pelo imperturbavel boy
com seus interminaveis yess, e sim por bellas japonezas que sempre
sorrindo, levavão vantagem sobre os occidentaes na arte de agradar.
Os tchaas-jias, ou casas de chá, tem uma apparencia fantastica, quando,
durante as primeiras horas da noite, se illuminão com lanternas de papel
de differentes dimensões e variadas cores, e deixão vêr a meia luz do
interior pela transparencia do papel, que substitue os vidros dos largos
caixilhos de suas portas e janellas.
No interior, estas casas são divididas em muitos compartimentos,
apenas separados por quadros de papel, movendo-se em corrediças, o
que permite se de transformar em alguns instantes, quatro ou seis
divisões em um extenso salão.
O chão é forrado com delicadas e espessas esteiras, no que os japonezes
tem o maior esmero; assim, fomos obrigados com receio de enlameal-
as deixar nossos botins á porta; e isto é uso no Japão.
Os bebedores de chá sentão-se sobre os joelhos e fórmão circulo em
roda de um brazeiro, emquanto jovens japonezas correm pressurosas a
offerecer-lhes fumo e cachimbos, cujas fornalhas são menores que o
vasio de um dedal. Logo, em seguida, vem o precioso chá, que para bem
aprecial-o os japonezes tomão sem assucar e em pequenas taças de fina
porcenala casca de ovo. E na verdade, quanto a esta ultima condição
estamos de accordo; o bom chá deve ser bebido em finas e transparentes
taças. (p.156)

Na visita a uma casa de chá em Kobe, o viajante apresentou um microcosmo da


sociedade em processo de reabertura para o exterior:
Era dia de festa, a sala principal da casa de chá estava completamente
replecta de passeiadores. Com difficuldades podemos nos accommodar
e alli gozamos o curioso espectaculo que apresentava essa reunião de
individuos, alguns vestidos á europea, e outros armados com dous
sabres, cujos punhos brilhavão entre as dobras das ricas bandas de seda
que sustentavão. Lindas e jovens japonezas, pressurosas corrião aos
diferentes grupos a offerecer-lhes cachimbos, fumo e chá. (p.174)
109

Nestes lugares públicos o estrangeiro se sentia apto a tirar suas conclusões sobre
o país distante: “O leitor não se enganará suppondo por esta descripção, que o Japão é o
mais curioso e o mais delicioso paiz do mundo” e “alli não se encontra a indolencia e a
perversidade do chim, tudo é animação, alegria, excelente e encantador; o chá, a
porcellana, os belos objetos de charão, a seda, os japonezes e finalmente, até os deoses
são risonhos e meiguiceiros” (p.157).
Na sequência, registrou suas impressões sobre templos, jardins, comércio local,
crenças xintoístas e budistas e, especialmente, sobre as mulheres.

3.2.2 AS MULHERES DO JAPÃO

A descrição dos japoneses era detalhada, especialmente a das mulheres:


Em geral, os homens vestem calças muito justas nas pernas e que são
occultas por uma larga veste, especie de robe de chambre, munido de
grandes mangas de que se servem com vantagem de preferencia aos
bolsos; seus pés estão verdadeiramente enluvados em brim de linho,
achando-se separado o polegar dos outros dedos, em cujo espaço passa
a corda das sandálias, ou dos altos tamancos; verdadeiros cavaletes de
tres a quatro polegadas de altura, e de que fazem constante uso na
estação da chuva.
As jovens japonezas são lindas e meigas, e salvo os olhos, que são um
pouco alongados, podemos comparal-as ás bellas brasileiras de côr
morena e porte esbelto.
O vestuário das mulheres consiste no clássico robe de chambre oriental,
em geral, de côr viva, porém sem os complicados bordados dos chins.
As pessoas de tratamento usão de vestes ricas e de tons originaes, o que
dá elevada idéa aos estrangeiros sobre o apurado gosto das damas
japonezas. Na cintura, cingem um longo cinto de crepe de seda verde
ou escarlate cujas pontas atão em fórma de laço. É especialmente o
cuidado que dedicão aos cabelos e o modo de penteal-os, que dá
verdadeira graça e distinção ás damas japonezas. Os altos penteados, de
gosto occidental, são ornados com pequenos enfeites de prata ou ouro,
segundo as fortunas, representando um punhal, um sabre, um simples
grampo ou todo outro objeto, os quaes atravessão os cabelos mostrando
apenas suas extremidades. (ALMEIDA, 1879, p.154)

A imagem era diferente da que seria construída sobre a japonesa em meados


século XX, especialmente no pós-guerra, representada como submissa ao marido e oposta
à liberdade da mulher europeia ou estadunidense. Como afirma Célia Sakurai, o artigo da
Constituição do Japão de 1947, que garantia igualdade entre homens e mulheres, surgia
“como se os norte-americanos tivessem libertado as mulheres japonesas de séculos de
110

opressão!” (2008, p. 305). A realidade de 1874 mostrava um cenário diferente, com a


endumentária, a sexualidade feminina representada na arte, a nudez nas casas de banho e
nas aberturas das roupas. A erotização da mulher japonesa foi além das figuras do relato,
passando por descrições de casas de banho e das apresentações das jovens que
entretinham os visitantes:
Alguns momentos depois de nossa chegada no tchaa-jias, soubemos
que teria lugar áquella noite uma dança tradicional no Japão, e em que
tomão parte as jovens japonezas, que chamão a esta especie de jogo de
prendas Shirifuri. É algum tanto difficil narrar todos os pormenores do
Shirifuri, apenas diremos que as japonesas, ornadas com flores, tendo
as costas das mãos coloridas com carmim e vestindo suas mais ricas
vestes, dividem-se em dous grupos, e ao mesmo tempo que danção,
batem palmas. Alternativamente, ora apresentão a mão fechada, ora
voltão a palma para frente, outras vezes ficão com uma das mãos
suspensas no ar, emquanto que a outra descansa sobre o quadril; e
acompanhão cada um destes accionados com phrases correspondentes,
de modo que, se uma dansarina engana-se fazendo um signal com as
mãos, que não corresponde á frase pronunciada, é punida, e como
prensa entrega uma peça do seu vestuario.
Recomeção, assim, tantas vezes, complicando as peripecias de mais a
mais, de modo que no fim de alguns minutos uma unica fica vencedora
entre suas companheiras despojadas de suas vestes. E a que sustenta
toda luta, sem mesmo perder sua cinta, é victoriada pelos assistentes,
emquanto que as outras com a maior simplicidade se vestem
rapidamente e correm a festejar sua companheira.
Nesta festa todos tomão sua parte; os assistentes acompanhão com
gargalhada franca todo este complicado jogo; e só quem comprehende
a lingua japoneza, é que poderá avaliar o espirito destas phrases, ditas
com incrível vivacidade, e acompanhadas com certos gestos
determinados.
Assim reunidas, essas jovens japonezas de 16 a 20 annos de idade,
parecem não comprehender a pouca moralidade deste jogo que as
obriga a despojarem-se de suas vestes. (p.174)

Das dezoito imagens presentes na obra de Almeida, sete têm como personagens
principais as mulheres, sendo que entre as coloridas, são três do total de quatro. Muitas
vezes, o viajante brasileiro se colocou como voyeur nas casas de chá, nas ruas, em espaços
privados.
Na segunda metade do oitocentos havia grande interesse em fotografias do Japão,
destacamos, por exemplo, as de Felice Beato, naturalizado inglês, e do austríaco Raimund
von Stillfried.44 São constantes nestes registros fotográficos mulheres com roupas
tradicionais, roupas do cotidiano que deixavam certa nudez à mostra, impressionando os

44
As fotografias de Felice Beato e Raimund von Stillfried se tornaram conhecidas especialmente por terem
sido coloridas à mão. Elas podem ser acessadas no acervo Gallica, da Biblioteca Nacional da França.
111

viajantes. Elas foram fotografadas deitadas, com seus pequenos suportes para cabeça
(figura 28), tocando instrumentos musicais, como o shamisen, e arrumando-se. Além
disso, algumas das imagens remetiam à arte japonesa denominada ukiyo-e45:
Ukiyo-e abrange uma vasta produção pictórica durante o período Edo,
diga-se, vasta demais em relação ao ukiyo-zôshi: sinônimo ora de meio
técnico, ora de temáticas abordadas, ora de sistema de produção, chega
até a se identificar com classe social. Compreende-se geralmente ukiyo-
e como uma produção visual manifesta através do meio xilográfico –
alguns estudiosos afirmam ser essa a sua característica distintiva -,
principalmente colorida, que possibilita, por seu caráter reprodutivo,
fruição, em grande escala, de livros, catálogos, álbuns, cartazes e
estampas independentes: já se viu nisso o início da editoração. Ukiyo-e
pode ser traduzido por “estampa xilográfica”, independentemente de
seus tratamentos técnicos ou tópicas. As estampas podem ser
classificadas em diversas categorias: bijin (de yûjo e yakusha), cenas de
peças de kabuki, áreas-de-prazeres, vistas famosas, pássaros-e-flores,
ocupações profissionais, viagens, monstros, animais divinos, poetas
famosos, monges chineses. (HASHIMOTO, 2002, p. 129-30)

A circulação dessas imagens era possibilitada pela reprodução como estampa


xilográfica46. Com isso, podiam ser encontradas pelos viajantes, como demonstra o trecho
em que Almeida descreve os bazares:
Os bazares são verdadeiros musêos, onde o estrangeiro admira toda
sorte de produtos indigenas, desde o gigantesco vaso de porcellana, até
a porcellana chamada casca de ôvo, que é a mais estimada e de um typo
todo japonez.
Ahi se encontrão mil objetos de charão, ornamentos de bronze, lindas
pinturas sobre sêda, representando formosas e jovens japonezas, vasos
de porcellana de mil formas e desenhos, emfim, outros muitos objetos
que encantão o estrangeiro, e que muito concorrem para aumentar as
despesas de uma longa viagem. (ALMEIDA, 1879, p.154)

Não entraremos propriamente no mundo visual e artístico do período Edo (1603-


1868), mas nos interessa saber que o ukiyo-e ou “pinturas do mundo flutuante”, no século
XVII começou a significar um mundo de preocupações hedonistas, de aparências e
licencioso (BISWAS, 2009). De acordo com Hashimoto (2002, p. 62-3), nesse período:
o “agora” da moda das cidades, das últimas técnicas das ricas tramas
tecidas ou estampadas de modo manual, detalhado e personalizado, o
“hoje” da vida prazerosa e intensa, deixam para trás o “ontem” dos

45
Ver: HASHIMOTO, Madalena. Pintura e escritura do mundo Flutuante: Hishikawa Moronobu e
ukiyo-e Ilhara Saikaku e ukiyo-zôshi. Ed. Hedra. São Paulo, 2002.
46
“A definição, repetida exaustivamente, de ukiyo-e como ‘arte popular’, revela um ponto de vista
contemporâneo de separação entre níveis de produção (popular, erudito, folclórico); é improcedente, pois,
além da permanência de tópicas e de emulação de usos-e-costumes aristocráticos pelos citadinos, que não
são ‘povo’, vê-se um caleidoscópio de tópicas, meios técnicos e modos de compor e ver muito difundidos”
(HASHIMOTO, 2002. p.130).
112

séculos XII a XV, com seu sentido triste diante do inexorável da


efemeridade e da impermanência, mujôkan, e recriam um outro mundo
flutuante, “portanto a ser vivido plena e alegremente”, ukiyo, em
substituição ao mundo flutuante, “portanto a ser sofrido como
compadecimento”, ukiyo.

Para a pesquisadora Sampa Biswas, na segunda metade do XVIII, os artistas


dedicaram-se à representação do ideal feminino, a partir de mulheres sexualmente
atraentes, como cortesãs, jovens nos banhos, amantes, mulheres vestindo-se, maquiando-
se, arrumando seus cabelos, lendo: “os artistas capturavam a essência das mulheres, seus
movimentos, seus sonhos, seus momentos íntimos, a maciez de sua pele, o mistério de
seu encanto: essa era sua obsessão constante, uma busca apaixonada e febril” (BISWAS,
2009, p. 148, tradução nossa).
Na ilustração intitulada Dama japoneza dormindo a sesta (figura 26), do relato de
Almeida, destaca-se o decote, a leveza da roupa e os dois homens que a observam. Diante
da nudez, os estrangeiros percebiam uma “inocência” dos japoneses, como um povo sem
pecados aos olhos cristãos, mesmo com as diferenças em relação à realidade e o pudor da
“civilização ocidental”:
A limpeza do corpo é um dos cuidados que mais ocupa os japonezes de
ambos os sexos. E em todas as cidades do Japão, encontrão-se casas de
banhos, cujas portas se distinguem das outras pelas bandeirolas que ahi
fluctuão ao vento.
No interior, a agua corre continuadamente em grandes tanques onde,
conjuntamente, homens, mulheres e crianças fazem suas abluções no
estado em que vivião nossos primeiros paes antes do peccado. Este
facto nos dá idéa da simplicidade dos costumes japonezes, e nos
autorisa a pôr em duvida que este povo participe do peccado do
primeiro homem, pois, os banhistas acotovellão-se dentro destes
imensos tanques com mais inocência do que os cysnes nos largos
artificiaes dos nossos jardins. (ALMEIDA, 1879, p.155)

A imagem trazia ainda outra das “excentricidades” mais comentadas pelos


viajantes: a maneira de dormir dos japoneses, motivo de reproduções em outros relatos
de viajantes47. Percebe-se com isso que as escolhas descritivas e iconográficas de Almeida
não estavam distantes das “curiosidades” sobre os japoneses presentes nas narrativas
estadunidenses e europeias e, por vezes, das próprias elaborações artísticas do Japão.

47
É o caso do relato de Sir Rutherford Alcock, The capital of the Tycoon: a narrative of the three years
residence in Japan, publicado por The Bradley Company (1863). Aparece também em The Mikado’s
Empire (1876), de William Griffis, com a legenda The siesta. E também em The boy travellers in the Far
East: Adventures of two youths in a journey to Japan and China (1880), de Thomas W. Knox.
113

Figura 26 – Dama japoneza dormindo a sesta

Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
114

Figura 27 – Arte de Toyohara Kunichika

Fonte: Toyohara Junichika, ca. 1884. Disponível em <https://art.honolulumuseum.org/>. Último acesso em


02/04/2020.
115

Figura 28 – Jeune femme allongée (Felice Beato)

Fonte: BEATO, Felice. 10 photos en couleurs du Japon. 1886. Disponível em <


https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b10524109f> Último acesso em 02/04/2020

Imagens sobre o Japão circulavam fora dos relatos também, e referências


encontradas nas ilustrações de Da França ao Japão eram características da “moda” de
um interesse pelo país. Na França, a famosa Imagerie d’Épinal produziu uma coleção
chamada Le tour du monde en images, cuja sessão sobre o Japão trazia uma litografia
com três mulheres tocando instrumentos musicais, e outra deitada de modo tradicional48.
Nas artes plásticas, vestimentas, arquitetura e literatura notava-se essa aproximação com
o Japão.49
Em 1862, Rutherford Alcock, o primeiro embaixador inglês no Japão, foi o
responsável pela seção sobre o país na Exposição Universal de Londres (KUNIYOSHI,
1998, p.75). E, em 1867, ocorreu a primeira participação oficial do Japão em eventos

48
Disponível em <https://www.imagesdepinal.com/images/1226-image-tour-du-monde-asie-
3760200946481.html>. Último acesso em 02/09/2020.
49
Ver: KUNIYOSHI, Celina. Imagens do Japão: Uma utopia de viajantes. São Paulo: Estação
Liberdade/FAPESP, 1998.
116

internacionais, na Exposição Universal de Paris. Nas ocasiões, foram apresentados


objetos, maquetes e ilustrações, que, uma vez reproduzidas e descritas circularam pelo
mundo. De acordo com Celina Kuniyoshi (1998, p. 76), já em 1867, o Japão levava para
o exterior “uma concepção de vida, na qual a arte era uma presença corriqueira e uma
concepção de arte, da qual a natureza não se separava”. Como a Exposição Universal
servia como uma vitrine na qual diversas nações se apresentavam, ela foi importante para
impulsionar a arte japonesa, que se tornou moda na França. A Exposição era um lugar de
apresentação e também de competição, de mostrar-se “civilizado”, e o Japão não estava
alheio a isto.50 Nas exposições posteriores do século XIX, o Japão já vivia sob o governo
Meiji: em 1873, na Exposição Universal de Viena; em 1878, na Exposição em Paris; e,
em 1893, em Chicago.
No relato de viagem de Almeida, há duas outras figuras que fazem referência aos
temas comuns na arte japonesa, Barca de passeio tripulada por mulheres japonezas
(figura 29) e Jovens japonezas tocando bandolim (figura 31) (na realidade, trata-se de um
instrumento de cordas chamado shamisen), esta última era também uma temática muito
presente nas fotografias de viajantes. Outra imagem, intitulada Jovem dama japoneza e
sua criada (figura 33) aparentemente possui outra origem, pois havia sido publicada, em
preto e branco, no novaiorquino Harper’s Weekly, em 1870 (figura 34). Chama atenção,
entretanto, que assim como nas demais imagens em Da França ao Japão, as fisionomias
têm seus traços europeizados – no caso desta imagem, uma criança é retratada com
cabelos loiros. Tais imagens de mulheres japonesas também colaboravam para a
construção de um imaginário sobre o que seria o cotidiano dos japoneses.

50
Ver: COALDRAKE, Kimi. Fine arts versus decorative arts: the categorization of Japanese arts at the
international expositions in Vienna (1873), Paris (1878) and Chicago (1893). In: Japan Forum, v.25, 2013,
p.174-190.
117

Figura 29 – Barca de passeio tripulada por mulheres japonezas

Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.

Figura 30 – Arte de Torii Kiyonaga

Fonte: Torii Kiyonaga. Women Landing from a Pleasure Boat Drawn Up to the Shore at Mukojima
on Sumida River, Edo, ca. 1785. Disponível em <https://www.metmuseum.org/>. Último acesso em
01/08/2020.
118

Figura 31 – Jovens japonezas tocando bandolim

Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
119

Figura 32 – Arte de Komai Yoshinobu

Fonte: Komai Yoshinobu. Women Playing Koto, Shamisen, and Kokyû. ca 1770. Disponível em
<https://collections.mfa.org/objects/234295>. Último acesso em 01/08/2020.
120

Figura 33 – Jovem dama japoneza e sua criada

Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
121

Figura 34 – Japanese Ladies (Harper’s Weekly)

Fonte: Harper’s Weekly, 5 de março de 1870, p.157. Disponível em


<https://archive.org/details/harpersweeklyv14bonn/page/156/mode/2up> . Último acesso em 03/08/2020.
122

3.2.3 UM PAÍS “DECORADO Á EUROPÊA”

No âmbito político e institucional, Almeida incluiu em seu livro uma imagem do


imperador Meiji, Mutsuhito, marcante do período de transição. Os Imperantes do Japão
(figura 36) é uma litografia a partir de uma fotografia (figura 35), pensada e produzida
pelos próprios japoneses. A imagem teve grande circulação, por retratar o imperador, seus
adereços e uniforme militar ocidentalizados, semelhantes aos franceses, assim como a
mobília europeia. No seu esforço de “modernização”, o Japão buscou promover a imagem
do imperador como descendente divino e líder político da nação. Em 1872, Uchida Kuichi
foi solicitado para fotografar o imperador Meiji e a imperatriz em trajes japoneses; no ano
seguinte, o fotógrafo retornou para registrar a imagem do governante em trajes militares.
A fotografia foi apresentada dentro do país em ocasiões especiais como o aniversário do
imperador. Sua reprodução era restrita, mas foi popularizada pelos meios de reprodução
da época (HIRAYAMA, 2009).
A imagem ganha ainda mais destaque quando comparada a outra de Da França
ao Japão, intitulada Principe Japonez (figura 37), de um jovem com roupas tradicionais
dos nobres – provavelmente representado o imperador Komei, pai de Mutsuhito, em sua
juventude.
Figura 35 – Imperador Meiji (fotografia de Uchida Kuichi)

Fonte: Uchida Kuichi. Mutsuhito, The Meiji Emperor. 1873. Metropolitan Museum of Art.
Disponível em <https://www.metmuseum.org/>. Último acesso em 03/08/2020.
123

Figura 36 – Os Imperantes do Japão

Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
124

Figura 37 – Principe Japonez

Fonte: ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica,
usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia. Rio de Janeiro: Typ. do
Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879. n.p.
125

A fotografia do imperador Meiji em uniforme militar era mais do que uma


tentativa isolada de demonstrar que o Japão buscava tornar-se uma nação moderna. Em
novembro de 1872, as roupas europeias se tornaram obrigatórias para os funcionários do
governo em cerimônias oficiais (SUKEHIRO, 1989, p. 471). Contudo, cabe atentarmos
que, mesmo depois do decreto, as roupas tradicionais permaneceram em uso,
demonstrando que as mudanças institucionais não significaram o apagamento dos
costumes japoneses na vida privada. Mas a transição não se resumia aos costumes e
impressões para o exterior:
As producções japonezas forão, então, procuradas pelos europeus e
pelos americanos, e, necessariamente, a industria desse paiz recebeu
grande impulso e extensão. Fabricas importantes de porcellana forão
creadas em varios pontos do Imperio; a creação dos bichos da seda
apresentou um desenvolvimento espantoso, e, hoje centenares de
quilogramas de óvulos do bombix cynthia são anualmente exportados
para a Italia e Sul da França, fornecendo a matéria prima ás principaes
fabricas de tecido de seda da Europa.
Importantes oficinas de ferro e aço forão estabelecidas em algumas
cidades do litoral, e, sem contestação, a metalurgia do aço, no Japão,
fornece produtos superiores aos das melhores fabricas da Europa.
Muitas minas de carvão de pedra são actualmente exploradas, e ainda
que o systema de exploração não seja dos mais econômicos, comtudo,
em vista o baixo preço do trabalho operario, a venda do mineral, que é
de excelente qualidade, cobre as despesas de extracção e de transporte
aos mercados, e deixa um lucro de 17% sobre o capital empregado.
O Estado é o primeiro consumidor deste producto que é explorado
administrativamente, o que torna independente do estrangeiro a sua
marinha de guerra e de commercio, os arsenais e as demais oficinas
publicas.
Muitas pequenas fabricas de comestiveis, de perfumarias e de outros
objetos, encontrão-se no Japão, e tal tem sido o seu desenvolvimento,
que, em Yokohama, existe uma lithographia munida de cinco prensas
que estão constantemente empregadas em imprimir os rótulos e as
marcas de commercio dos fabricantes europeus. (ALMEIDA, 1879, p.
210)

O estabelecimento da imprensa, da linha férrea e do correio em poucos anos de


abertura política, fez com que o viajante, para quem a ideia positivista de progresso era
cara, visse naquele país um modelo a ser seguido. Faltaria-lhe apenas a república e, de
passagem, Almeida aproveitava para expor suas ideias sobre ela:
Virtuoso paiz que conta elementos moraes de grande valor e que
satisfazem todas as condições, para que a republica democrata não seja
acoimada de utopia, por aquelles que receiando de si, não admitem a
existencia de uma cidade, sendo exclusivamente dominada pelos
elevados principios da liberdade, que nada mais é do que a
126

independencia do cidadão dentro da orbita legal, o que ainda importa o


trabalho.
É verdade que, se estudarmos o antigo regimen politico do Japão,
veremos o feudalismo da idade média em todas as suas provincias e os
imperadores com atribuições muito amplas, disporem tanto da vida e da
propriedade dos nobres como dos plebeos.
E esta mudança rápida do antigo para o moderno regimen, este salto
mortal da barbaria para a civilisação não seria provocado pela revolução
de 1868, donde sahio vencedora a causa dos patriotas?
E esta transformação dos costumes d’este povo não se realisou com os
aplausos da propria Inglaterra, que com suas imposições vexactorias
feitas á China foi involuntaria iniciadora da liberdade deste povo, dando
lugar a que os patriotas receiassem da franqueza do governo de então,
que tudo cedia aos estrangeiros?
Hoje, o Japão caminha a largos passos para o mais perfeito dos
regimens políticos. Em 1868, os patriotas combaterão os famigerados
daimos que ouvião, sem lembrarem-se da pátria, os últimos gemidos da
China independente, entregue as garras da leôa dos mares, que não
contente de sugar-lhe a seiva queria envenenar-lhe os filhos com o
terrivel opio; amanhã, o povo japonez fará desaparecer os ultimos
vestigios do passado regimen e assentará os alicerces de um governo
republicano sobre as suas sublimes virtudes de patriotismo e abnegação.
Se fôssemos japonezes, seriamos decididos republicanos, porque se o
Imperio póde alimentar o vicio, mercadejar com os sentimentos, os
mais nobres, de um povo, sem cahir na incoherencia, nem constituir o
absurdo, a republica deve ser pura e isenta da desconfiança, sob pena
de ser a barregã mais imunda ou a concumbina mais incestuosa de seus
pais titulares, eleitos, não pelo povo, mas pela intriga, ou pela força; - o
mais vil elemento que pôde entrar na composição de um systema todo
moral.
É pela instrucção que o homem afasta-se do bruto e habitua-se a
desprezar a força de seus músculos, que não convence a ente algum, e,
quando muito, impelle o miserável a fazer certo acto momentâneo; pois
bem, queriamos vêr no nosso paiz a propaganda da liberdade se fazer
com a carta do A B C, e que os republicanos, longe de se prestarem aos
caprichos deste ou daquelle partido, constituíssem em suas cidades,
villas, fazendas, escolas populares, que jamais serião em grande numero
para um paiz como o nosso, que conta alguns milhões de habitantes
espalhados na vasta área de milhares de milhas quadradas. (p.195)

Nesse sentido, percebemos que o relato de Almeida foi também um momento para
pensar seu próprio país, não somente como referência prévia evidente para compreender
a realidade desconhecida, mas como uso consciente do espaço de publicação para
reivindicação de suas demandas. Na viagem de retorno, ele conheceu Pedro de Orléans,
sobrinho de D. Pedro II, que elogiosamente qualificou como um oficial exemplar da
Marinha a serviço da República Francesa. “Neste caso, ser descendente de reis, encarece
as virtudes de quem também é bom cidadão e valente servidor da república” (p. 223).
127

Na capital japonesa, a comissão francesa (que Almeida integrava) foi convidada


a um encontro com o ministro da Instrução Pública. Como cenas de trasição, era
significativo que naquele momento de abertura do país fossem servidas “as mais delicadas
iguarias francesas”, preparadas por um cozinheiro japonês que havia aprendido as
técnicas em Paris.51 (p. 167). Na descrição do evento, aparece, em uma das poucas vezes,
a figura do astrônomo Jules Jansen, “nosso chefe” (p. 166). O acontecimento demonstra
a circulação de conhecimentos que ocorreu após a abertura do Japão, e a tentativa deste
de se utilizar da cultura europeia mesmo em áreas que não eram politicamente
estratégicas. Como é o caso da alimentação em que, diante de um processo ainda em
ajuste, o serviço ao estilo francês não se dava por completo, não por falta de
conhecimento, mas por falta de recursos materiais:
Depois de conversarmos com o Director da Instrucção Publica do
Japão, que tambem fora convidado, dirigimo-nos á sala do banquete, no
meio da qual se achava uma extensa mesa coberta com as mais
delicadas iguarias francezas, entre as quaes sobresahião os perús,
gallinhas e outras peças assadas, todas trufadas, e que, segundo nos
disse um jovem japonez, adido á comissão, foram preparadas por um
cozinheiro do paiz que fora mandado á Paris aprender sua arte.
O que nos intrigou a principio, foi não vermos cadeiras em roda na
mesa, porém, ao convite atencioso que nos dirigião os ministros
japonezes de tomarmos os lugares, notamos encostadas ás paredes da
sala commodas poltronas.
Apenas nelas recostados, pensávamos nas dificuldades que se nos
apresentavão, por termos de repousar, necessariamente, os pratos sobre
nossos joelhos, mas a nossa perplexidade durou pouco; numerosos
creados vestidos com todo luxo asiático, collocárão diante de cada
conviva um pequeno banco que assim nos tirava o embaraço.
Durante todo o jantar, fomos obsequiados por S. Ex. e seus colegas, que
com a mais exquisita delicadeza, derramavão excelentes vinhos nos
nossos cálices, e ião e vinhão sem cessar, a oferecer-nos novos pratos,
sem nos deixar mesmo tempo, para saborear as iguarias que acabavão
de nos servir. (p.167)

Em outro momento, ao final da viagem, a comitiva foi convidada em nome do


ministro da Marinha para um banquete em Nagasaki, onde o salão era “decorado á
europêa”, sobre o qual Almeida comentou: “desta vez podemos chegar as nossas cadeiras
á mesa”, além de indicar que todo o serviço era feito por jovens japonesas (p. 213).

51
Tamanho era o trânsito de pessoas para fins políticos e educacionais, que foi solicitado à Almeida por
intermédio de tradutores que levasse uma carta de uma mulher japonesa ao seu irmão em Paris, o que foi
feito pelo viajante.
128

Podemos visualizar um acontecimento similar na arte de Utagawa Sadahide, datada de


1861, representando a sala de estar de um comerciante estrangeiro em Yokohama52.

Figura 38 – Arte de Utagawa Sadahide

Fonte: Utagawa Sadahide. Foreigners in the Drawing Room of Foreign Merchant's House in Yokohama.
1887. Disponível em <https://www.metmuseum.org/art/collection/search/73416>. Último acesso em
03/08/2020.

Havia também instabilidade nestas mudanças, pois eram mundos ainda


profundamente distintos. As armas de fogo entraram no país subjugando as espadas,
vestimentas europeias cobriram os corpos impondo novas condutas, o pecado cristão
estabeleceu suas regras e situações improvisadas no cotidiano se tornaram recorrentes
naquele final de século. A questão dos samurais a partir da Era Meiji foi central,
demonstrando a profundidade da mudança de sistema social e político, afinal, tratava-se
de uma classe que antes tinha função, status e certo monopólio da violência. Tornaram-
se memórias de um passado recente. No jantar descrito por Almeida, percebe-se a
presença deste embate:
Durante a conversação animada que precedeu o jantar, elevava-se sobre
todas as vozes a de um dos ministros, cuja physionomia sizuda, oferecia
contraste com profundas cicatrizes que apresentava o seu rosto,
causadas por alguma arma branca; julgávamos ser este individuo algum
antigo general, então encarregado dos negócios da guerra, mas
enganavamo-nos completamente, porque era o presidente do conselho
e tio do Imperador.

52
Imagem e descrição disponíveis em: Metropolitan Museum of Art:
<https://www.metmuseum.org/toah/works-of-art/2007.49.131a-c/>. Último acesso em 13/04/2020.
129

Á energia deste personagem e a sua dedicação á causa da civilisação,


deve o Japão a paz interior, e a consideração que tem merecido dos
homens honestos e liberaes.
Ainda há pouco tempo foi este personagem atacado nas proximidades
de seu palácio, por alguns samourais que tinhão jurado sua morte.
Depois de o cutilarem, apesar da rude defesa que elle apresentou, com
seu sabre na mão, os samourais deixarão-o por morto na estrada.
Durante a noite, com custo, e arrastando-se, elle poude ganhar o seu
palácio, onde apenas chegado, mandou chamar a autoridade competente
para perseguir e encarcerar os assassinos. De feito, dias depois forão
executadas os principaes cabeças deste attentado. (p.168-9)

Neste encontro, além dos novos arranjos culturais, os participantes dedicaram-se


a assuntos de interesse do Brasil, nos âmbitos político e econômico. O próprio anfitrião
contou que “sentia não ter o Mikado do Brazil representantes no Japão, e que, apesar do
seu paiz sahir de uma guerra civil, era com imenso prazer que aceitava a amizade das
nações civilisadas do Globo”(p. 169), se monstrando atento à dinâmica internacional,
comentando sobre a Guerra do Paraguai. Almeida também não tardaria a ver as vantagens
de uma relação entre o Japão e o Brasil, valorizando o possível contato, assim como o
contato com a China:
Na verdade, quanto as vantagens de termos um encarregado de
negocios, que representasse o nosso paiz na China e no Japão, ninguém
poderá desconhecer. Muito facilitaria uma navegação regular e
directamente, pelo Cabo da Boa Esperança com os paizes do extremo
oriente, de modo que certos generos, como o chá, as especiarias e outros
objectos de luxo não nos fossem remettidos por intermedio da
Inglaterra; o que é em prejuízo dos consumidores.
Porém, o fim principal deveria ser de estudar-se as condições da
industria da seda, do fabrico do chá, da porcelana, e sobre todas a
questão da immigração chineza. (p.169)

Cabe chamar atenção para o fato de que, justamente no encontro em que se


discutia as relações diplomáticas e comerciais com o Japão, Almeida citou a China e a
questão do trabalho:
É esta questão uma das mais serias a resolver para em tempo bem
próximo podermos dispensar os braços escravos que tornão-se cada dia
mais escassos, em detrimento da nossa lavoura e, por consequencia, da
riqueza nacional.
Parece-nos infundadas as opiniões de muitos dos nossos compatriotas
que não confião nas vantagens da introdução dos coolies no Imperio,
entretanto, se eles visitassem a parte septentrional da China,
especialmente Shangai e suas imediações, não encontrarião nenhuma
semelhança nem nos typos, nem nas qualidades, que fazem os homens
aptos para o trabalho, entre os habitantes indígenas destas regiões e os
130

malayos que vagão pelas ruas da capital do Imperio e que, pelos seus
vícios, só servem para activar a vigilância da nossa policia.
Os chins ou malayos que aportarão á nossas plagas como emigrantes,
soubemos terem sido recrutados nas praias de Macau ou nas costas da
China, próximas de Hong-Kong.
Nenhuma vantagem se lhes offerecia; a troco de algumas piastras que
se lhes dava, embarcavão sem saberem para onde ião, erão
mendigantes, muitos, cobertos de lepra e imundos, que a fome e a
miséria os obrigavão irreflectiamente, a dar esse passo. E estes homens
invalidados pelas doenças, eivados dos mais degradantes vícios, não
podião satisfazer aos desejos do governo do Brazil quando autorisou
esta emigração. (p.169-70)

Tanto em 1874 quanto em 1879, quando Da França ao Japão foi publicado, este
debate estava em consonância com aquele que ocorria no Brasil, no qual os trabalhadores
asiáticos eram vistos como possibilidade para trabalhados temporários. Estes comentários
foram elaborados quando Almeida estava, na ordem da narrativa, no Japão, demonstrando
a dificuldade de pensar sobre o japonês no Brasil, pelo menos no século XIX, sem
compreender a dinâmica internacional e que sua imagem e experiências de aproximação
estiveram atreladas aos demais asiáticos. Assim, os “malayos que vagão pelas ruas da
capital do Imperio” (Rio de Janeiro) eram, provavelmente, trazidos de Singapura, como
ocorreu com as expedições de Manoel de Almeida Cardoso. Inclusive, “traficantes de
carne humana”, como denunciava o astrônomo, tiveram passagem pelo Japão durante sua
estadia:
Alguns dias depois da nossa chegada ao Japão alguns jornaes do paiz
noticiárão, que fora retido no porto de Nangasaki um navio brasileiro
que transportava mais de dous mil coolies, contra a vontade destes, que
não tinhão assignado contrato algum diante das autoridades chinesas
antes de embarcarem.
Immediatamente tratámos de verificar a noticia, e com efeito, o governo
japonez mandara desembarcar os coolies, reter o navio até ulterior
deliberação e encarcerar o capitão e a tripolação; porém, a sua bandeira
era a da República do Peru e felizmente neste ponto a notícia era
inexata.
Ao principio, pareceu-nos arbitraria e violenta a deliberação do governo
do Japão, porém, quem testemunhar a pouca humanidade com que os
estrangeiros tratão os chins e os japonezes quando uma vez sujeitos ao
direito da força, não deixará de approvar essas medidas necessárias
para a honra da civilisação e em bem dos nossos semelhantes.
As difficuldades que surgirão de todos os lados para contratarem
coolies que convenhão aos nossos lavradores, só poderão ser obviadas
pela diplomacia, do contrário, estamos convictos, de que o Governo
Imperial da China reclamará auxilio das marinhas de guerra
estrangeiras para impedir, como eles já disseram, o trafico de seus
131

súbditos, que illudidos, e muitas vezes á força, vão povoar os paizes da


America.
É, pois, pelas dificuldades que apresenta a contratação dos coolies e não
por ser esta emigração de nenhuma utilidade para o Imperio, que
julgamos infructuosos quaesquer esforços que se empreguem, sem
sermos autorisados ou, pelo menos, sem contarmos com a indifferença
do Governo da China.
Já dissemos algumas palavras sobre esta questão em um dos capítulos
anteriores, porém, só em um livro, poderá ella ser estudada em todas as
suas faces; este não é o nosso fim e não seria sem duvida do gosto dos
nossos benévolos leitores. (p.170-1)

A suspeita de que o navio fosse brasileiro indica que havia esta possibilidade; além
disso, o trecho mostra que não se tratavam de trabalhadores livres contratados, mas de
pessoas traficadas. O escritor ainda pontuava uma questão que seria central para a
possibilidade de vinda de trabalhadores livres, que era o estabelecimento de acordos
diplomáticos com os países asiáticos.
Francisco Antônio de Almeida vivenciou o Japão nos seus primeiros anos de
mudança, a ele caberia o ineditistimo que o tornaria porta-voz relevante sobre a Ásia no
Brasil. Se por um lado o Japão ia se constituindo como modelo de modernização,
ajustando, ainda que inicialmente, suas instituições e costumes – e aparecendo para o
viajante como uma possível potência futura – por outro, um dos debates mais importantes
no Brasil era a abolição e a imigração de trabalhadores. Assim, além de tratar de
impressões sobre usos e costumes, o relato de Almeida inseria-se na demanda nacional e
seria útil nesse sentido.
Apenas ao final de seu relato é que o astrônomo Francisco Antônio de Almeida
(1879, p. 191) se dedicou à “rara entrevista da caprichosa deusa com o galante Sol”. No
caminho à Nagasaki, a bordo do navio estadunidense Golden Age, notou que havia
“centenas de chins amontoados como fardos, quase adormecidos, ou fumando o opio em
seus imensos cachimbos” (p. 184). Ali, a missão francesa ficou hospedada junto a um
templo, local cedido pelos bonzos. A descrição da passagem de Vênus pelo Sol,
entretanto, nada tinha de cunho científico.
Almeida já se encaminhava para o fim do relato. Ao final de dezembro de 1874,
após três meses de estadia no Japão, despediu-se, deixando registrado em um monumento
japonês que um brasileiro participara da missão científica. Seguiu então para Shangai, de
onde o La Provence partiria para a Europa:
Nos pareceu que tínhamos vivido varios annos durante os nove mezes
que estivemos ausentes da Europa; e se uma longa viagem apresenta
132

muitas vezes inconvenientes, é no mór numero dos casos, a mais


instructiva e salutar distracção, das que o homem póde, sem prejudicar
o próximo, gosar durante o curto tempo que vivemos.
Se podessemos, percorreríamos tantas vezes todos os mares e todos os
paizes, que traçaríamos em nossa marcha, pelas terras e mares, todos os
círculos que vemos nas esferas terrestres.
E, se assim fizéssemos, só o leitor seria prejudicado em seus preciosos
momentos de ócio, pelos numerosos volumes que entregaríamos a
mercê de sua avida curiosidade. (p. 230)

Retornou à França com suas descrições, registros da passagem de Vênus, amostras


de animais, fotografias e outros documentos. Da França ao Japão foi publicado cinco
anos após este trânsito, nesse sentido, o que acessamos é uma narrativa elaborada a
posteriori pelo viajante, na qual integrou sua experiência dos meses em viagem, diálogos
com outras obras, a reapropriação das imagens pelos ilustradores europeus, a inserção de
seus posicionamentos republicanos, sua orientação positivista e, não menos importante,
informações úteis para as demandas nacionais.

3.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Francisco Antônio de Almeida apresentou a curiosidade do viajante


intercontinental, a expansão do imperialismo em meados do século XIX, o
desenvolvimento tecnológico, costumes, cenários e populações dos países por onde
passou. Enquanto isso, no Brasil, debatia-se sobre a possível República, a abolição do
trabalho escravo, as ideias cientificistas – questões que também nortearam a obra do
viajante. Pelo ineditismo, divulgação, contato com representantes japoneses sobre as
possíveis relações entre os dois países, entende-se que este relato foi parte das percepções
iniciais dos brasileiros sobre o Japão.
Susan Sontag (2018, p. 13) afirmou que “colecionar fotos é colecionar o mundo”.
Quando se folheia Da França ao Japão, assim como obras ilustradas de outros viajantes
do século XIX, esta é a sensação que temos como observadores. É preciso levar em conta
que uma coleção não é neutra, pois pressupõe acesso a determinado material, escolhas e,
em certa medida, destacar o que se deseja. Dessa forma, “ao decidir que aspecto deveria
ter uma imagem, ao preferir uma exposição a outra, os fotógrafos sempre impõem padrões
a seus temas” (SONTAG, 2018, p. 17). Isto cria uma continuidade, um padrão, que
contribui para o espraiamento de estereótipos ou seu questionamento. A câmera, assim
como o material do ilustrador, elabora uma interpretação do mundo que não é imparcial.
133

Nesse sentido, concordamos com a análise da pesquisadora Mônica Okamoto


(2010, p.104), de que Almeida “deixa claro seu interesse em colher informações acerca
desses dois povos [chineses e japoneses] que estavam na mira do governo brasileiro como
candidatos a trabalhadores imigrantes para a lavoura cafeeira”. A pesquisadora nota
igualmente a recorrência da comparação entre chineses e japoneses como parte de um
“discurso engajado no propósito de escolher o melhor braço asiático para as lavouras
cafeeiras”(p. 107). Se eram vistos como opostos no relato de Almeida, é porque estavam
sendo colocados em comparação, e veremos isto ocorrendo também no debate público
nacional.
O Japão encontrado pelo viajante em 1874 estava em fase de transição e, mesmo
diante de sua originalidade, Almeida não apresentava um mundo totalmente
desconhecido aos brasileiros. Era o momento em que aquela nação estava se consolidando
no cenário internacional para ser política e economicamente forte, enquanto a China sofria
os reveses do violento imperialismo. No Brasil, tais fatores interfeririam no modo como
seriam pensadas essas populações nos debates sobre a imigração. Acompanharemos, nos
próximos capítulos, como tais ideias se ampliaram, sendo utilizadas pelos interessados na
vinda dos trabalhadores asiáticos ao Brasil, e como outros dois viajantes brasileiros
vivenciaram diferentes momentos do Japão pós-abertura.
134

4. “JÁ NÃO BASTAVA O PRETO, VAES TER O AMARELLO!"

A principal referência que se tem sobre Francisco Antônio de Almeida é seu relato
de viagem ao Japão, o primeiro de um brasileiro sobre o tema. Contudo, pode haver uma
falsa impressão de que tenha sido uma espécie de “inaugurador” deste contato, com um
pioneirismo que talvez não lhe caiba. Pois mesmo que nosso viajante tenha sido o
primeiro brasileiro – de que temos notícia – a relatar sua ida ao Japão, ele não foi o
precursor do debate sobre o país, como veremos neste capítulo.
Na segunda metade do século XIX, um dos debates recorrentes no Brasil se dava
sobre a “substituição” da mão de obra diante dos encaminhamentos para a abolição do
trabalho escravo. A dificuldade da vinda de imigrantes europeus, a falta de estrutura para
recebê-los, a permanência dos maus tratos, tudo isso aliado às distinções raciais e aos
projetos de nação que se vislumbravam contribuíam para colocar em pauta a possibilidade
de vinda de trabalhadores asiáticos. Estes trabalhadores traziam, para além do debate
racial, questões relacionadas à própria forma de trabalho. Geralmente, eles eram pensados
como temporários, vinculados a contratos e supostamente livres, embora muitos fossem
traficados. Isso nos remete às definições de Marcel Van der Linden (2013, p. 32) sobre
as formas intermediárias entre o trabalho assalariado e a escravidão, como a “servidão
por contrato”, na qual “os coolies indianos, indonésios e chineses empregados na África
do Sul, na América Latina e em outras partes da Ásia são um exemplo bem conhecido
dessa situação”. Houve a tentativa de que isto ocorresse também no Brasil com estas
populações, em relações firmadas por contratos assimétricos. Como demonstra o
pesquisador, na sociedade capitalista, as fronteiras entre o trabalho assalariado e outras
modalidades por vezes são vagas, com diversos graus intermediários. Tais pessoas, cuja
forma de trabalho é mercantilizada de formas diversas, com pouca ou nenhuma
autonomia, são consideradas “trabalhadores subalternos”:
Todo portador ou portadora de força de trabalho cuja força de trabalho
é vendida (ou alugada) a outra pessoa em condições de compulsão
econômica ou não econômica pertence à classe dos trabalhadores
subalternos, independentemente de o portador ou portadora da força de
trabalho vender ou alugar ele mesmo sua força de trabalho, e
independentemente de o portador ou portadora possuir meios de
produção. (LINDEN, 2013, p. 41)

No século XIX, o imperialismo e a relação assimétrica entre os países contruibuía


para essa relação de subalternidade. Sendo assim, da viagem de Francisco Antônio de
135

Almeida à Proclamação da República ocorreram importantes iniciativas em relação à


Ásia, como a assinatura do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação com a China,
em 1881. Por isso, nos dedicaremos a alguns acontecimentos no Brasil para perceber o
desenvolvimento dos debates em relação aos asiáticos, ao invés de experiências isoladas
sem vinculação com uma realidade em contínua mudança. Acompanharemos outras
viagens à Ásia e os grupos nacionais envolvidos nas disputas sobre a vinda de
trabalhadores daquele continente, buscando formar um quadro no qual as experiências e
os relatos de viajantes integravam as demandas nacionais, além de mostrar que o interesse
pelo Japão se inseria em debates mais amplos.

4.1 A ÁSIA NO BRASIL NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX

No Brasil, o conhecimento inicial a respeito do Japão não se deu com o contato


direto. Como visto, o processo pode ser comparado a uma viagem de navio por diversas
localidades, até chegar ao seu destino. Assim ocorreu o contato com a China, a Índia e os
países do Sudeste Asiático que, aos poucos, ganhavam especificidades no debate
nacional. Em uma perspectiva de análise concentrada nas relações diplomáticas e oficiais
entre as nações, centrais para o estudo da política internacional, considera-se que “até
quase o final do século XIX pode-se afirmar que não havia qualquer tipo de
relacionamento entre Brasil e Ásia” (OLIVEIRA; MASIERO, 2005, p. 7), com destaque
para a missão até a China, em 1879, e a assinatura do Tratado de Amizade, Comércio e
Navegação com aquele país, em 1881. Com relação ao Japão, considera-se na maioria das
vezes que “o relacionamento bilaterial entre Brasil e Japão iniciou-se com a vinda de
migrantes para o trabalho nas lavouras cafeeiras” (p. 8), a partir do Tratado de Amizade,
Comércio e Navegação, assinado em 1895. Entretanto, no presente trabalho,
acompanharemos também encontros extraoficiais, anteriores ou concomitantes.
Muito do conhecimento sobre a Ásia vinha da história marítima de Portugal, que
ocupara Macau entre 1557 e 1999, e Malaca, de 1511 a 1641. Assim, sob o domínio
português, localidades na Ásia, na América e na África mantinham contato. E “nesta
perspectiva, a comunicação entre a China e o Brasil inicia-se na segunda metade do século
[XVI] através da abertura proporcionada por Macau, elo de ligação entre Portugal e a
China e base para toda a comunicação com o Japão” (CAMARGO-MORO, 1995, p. 42).
136

Evidentemente, nos três séculos que se passaram até a chegada dos nossos viajantes, a
situação política mudou, assim como as relações internacionais.
O contato do Brasil com países asiáticos se dava especialmente no âmbito
comercial. Em 1810, o príncipe regente D. João VI decretou que importações chinesas de
portos portugueses, como Macau, estavam isentas de direitos de entrada no Brasil e outros
portos também sob domínio português. Leonor Seabra (2014, p. 11) aponta que o próprio
Senado enviou um navio, o Ulisses, comandado por Manuel Pereira, para fazer este
trânsito mercantil. Para a autora, “foi a primeira ligação directa oficial entre Macau e o
Brasil”. Na imprensa brasileira, o navio apareceu nas páginas da Gazeta do Rio de Janeiro
(06/09/1815), nas quais informava-se que, “no armazem da rua da Alfandega Nº5, se acha
a venda toda a louça vinda de Macau no navio Ulisses, em cuja porção se achão tambem
serviços completos para meza, e chá, de porcelana dourada, e esmaltada, assim como os
chás novos em caixa”.
A imprensa brasileira começou suas atividades oficialmente com a vinda da Corte
portuguesa, em 1808, ano de fundação da Gazeta do Rio de Janeiro. Nos primeiros anos
encontramos notícias traduzidas que citam o Japão, pela passagem de estrangeiros no
país, por conta de listas botânicas ou mesmo por informações da política europeia. Mas
de forma geral, nos periódicos nacionais da primeira metade do século XIX, a China era
mais presente nas matérias do que o Japão.53 Ainda que inicial, o contato via Portugal, a
circulação de informações por meio de impressos e as experiências in loco fizeram com
que houvesse, no Brasil, conhecimento e pré-conceitos tanto sobre o Japão54 quanto sobre
a Ásia de forma mais abrangente.
O debate sobre a possibilidade de vinda de trabalhadores asiáticos foi feito de
forma mais efetiva e organizada na segunda metade do século XIX, mas ele não era
totalmente novo. Desde o início do século, experiências pontuais já haviam ocorrido,
favorecidas pela navegação e domínios portugueses; a vinda destes trabalhadores,

53
Levantamento feito na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
54
Havia referências sobre o “sistema japonês”, antes mesmo da abertura daquele país, como mostram dois
exemplos. O primeiro foi a denominação Sociedade Japonônica para se referir à Coluna do Trono e do
Altar, no Maranhão, por sua postura conservadora em defesa do imperador português (DIARIO DE
PERNAMBUCO, 09/09/1829). Posteriormente, diante das ações expansionistas dos Estados Unidos, o
deputado Carvalho Reis54 reivindicava a abertura para a navegação do Rio Amazonas, afirmando “é
chegada a época de satisfazer-se a esse desideratum, não só dos Brazileiros, como de todos os povos
civilisados que comnosco mantêm relações commerciaes, quando menos para tirarmos o pretexto a essas
reclamações frequentes de que nós relativamente ao Amazonas fazemos política diversa da que fazemos no
Rio da Prata, que queremos alli conservar o systema japonez” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1864, p.
161). Estes dois breves exemplos mostram que já havia imagens formuladas sobre o Japão.
137

entretanto, mantinha semelhanças com o trabalho escravo55. Em 1814, cerca de 300


trabalhadores chineses de Macau foram trazidos para cultivar chá no Jardim Botânico do
Rio de Janeiro (LEITE, 1992, p. 29)56. A cena foi retratada por diversos viajantes, como
em 1817 em imagem por Thomas Ender57 e, anos mais tarde, pela viajante inglesa Maria
Graham, que publicou em Londres o Journal of a voyage to Brazil and residence there
during part of the years 1821, 1822, 1823 (1824). Graham narrou seu passeio pelo Jardim
Botânico: “Este jardim foi destinado pelo Rei para cultivo das especiarias e frutas
orientais e, acima de tudo, da planta do chá, que ele obteve junto com várias famílias da
China acostumadas com essa cultura” (p. 163, tradução nossa). Ela chegou a denominar
a Fazenda Imperial de Santa Cruz, onde também se plantava chá por iniciativa de D. João
VI, de “China de Santa Cruz” (p. 287).
Com o fracasso da empreitada de D. João VI, os trabalhadores que permaneceram
foram sujeitados a outras atividades, em condições precárias de sobrevivência. Segundo
o príncipe alemão Maximiliano de Wied-Neuwied (1940 [1820], p. 179-80), ao narrar sua
viagem ao Brasil entre 1815 e 1817, os chineses
[...] foram trazidos, pelo govêrno, ao Rio de Janeiro, para que lá
cultivassem chá; depois, mandaram alguns a caravelas e outros para aí,
a serem empregados como jornaleiros; são, porém, muito indolentes, e
só executam trabalho extremamente leve. Vivem conjuntamente numa
casinhola; um deles se fez cristão e casou-se com uma índia.
Conservaram os costumes do seu país natal; celebram-lhe as festas,
apreciam toda espécie de caça plumada, e diz-se não serem muito
exigentes na escolha do alimento. Guardam o maior asseio e ordem em
sua choça de sapé. As camas, por exemplo, são guarnecidas de finas
cortinas brancas, dispostas com bom gôsto, e suspensas, dos lados, a
lindos ganchos de cobre. Essas belas camas contrastam de maneira
estranha com o miserável casebre de colmo em que estão colocadas. Os
chineses dormem em delicadas esteiras de palha e descansam a cabeça
num pequeno travesseiro redondo. Vimo-los comer arroz à típica moda
chinesa, com dois pauzinhos. Alegraram-se muito com a nossa visita;
contaram-nos, em péssimo português, coisas do seu caro país, e como
lá tinham muito mais conforto do que no Brasil. Abriram também as
malas, onde guardavam sofríveis porcelanas chinesas e grande número
de leques de diversas variedades, que trazem para vender.

55
Jeffrey Lesser, em A negociação da identidade nacional: imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade
no Brasil (2001, p. 41) cita a fuga de dois chineses do Jardim Botânico, que foram caçados com cavalos e
cães.
56
De acordo com Cong e Seabra (2017, p.22), a chegada ocorreu em 1812.
57
Ver: LEITE, José Roberto Teixeira. A China no Brasil: Influências, marcas, ecos e sobrevivências
chinesas na arte e na sociedade do Brasil. Tese apresentada ao Instituto de Artes da UNICAMP. São
Paulo/Campinas. 1992.
138

Notícias sobre a situação desses trabalhadores também chegavam à China. De


acordo Leonor Seabra e Liu Cong (2017), em uma “carta enviada, em 1815, para o
ouvidor de Macau, Miguel de Arriaga Brum da Silveira, o ‘cabeça’ dos trabalhadores
chineses no Brasil lamentava-se da vida dura no Brasil, que não estava de acordo com o
que se estipulara no contrato” (p. 22). Houve ainda iniciativas do governo chinês para
regulamentar a emigração e conter o tráfico mesmo em portos dominados por europeus.
Muitos chineses eram transportados clandestinamente para colônias inglesas, portuguesas
e espanholas, incluindo países latino-americanos. Entre 1851 e 1874, mais de 210.054
trabalhadores chineses saíram de Macau:
Entre os mais de 200 mil emigrados, 122.454 foram para Cuba e 81.552
para o Peru, quer dizer, a esmagadora maioria dos emigrantes chineses,
saídos de Macau, foi para Cuba e o Peru. Esses mais de 200 mil
chineses, que emigraram a partir de Macau para a América Latina,
correspondem, aproximadamente, a 75% dos emigrantes chineses para
esta área no período de 1847 a 1874. (SEABRA; CONG, 2017, p. 23)

Após serem arregimentados, eles eram confinados em barracões. “Até então eram
sujeitos aos maus tratos e aos métodos enganosos dos empregados das agências, sendo
que o pior dos métodos consistia na violência” (YANG, 1977, p. 424). Estes barracões
para reunir migrantes eram símbolos do tráfico; em 1851, havia cinco destes em Macau,
chegando, em 1873, a mais de 300 barracões mantidos por portugueses, espanhóis e
peruanos (SEABRA; CONG, 2017, p .23). Considerado como “continuação da
escravidão clássica” (YANG, 1977, p. 427), o “comércio de coolies” não foi um capítulo
apenas da história chinesa, mas de vários países.
De acordo com o pesquisador Alexander Yang (1977, p. 419),
A denominação de coolie aparece como coles nos escritos portugueses
quinhentistas. A palavra origina-se do hindu kuli. Evoluindo a seguir
para coly — koully e finalmente ao francês coulie. Em inglês passou a
ser coolie, massa móvel de trabalhadores assalariados, quer indianos,
quer chineses, que se irradiaram pelo Ocidente servindo a várias
sociedades.

Coolie não é uma população nem uma comunidade, tampouco uma etnia
específica. Trata-se de uma categoria de trabalho, que teve também grande relevância na
América Latina. Trabalhadores sob contrato sujeitos a condições análogas à escravidão,
supostamente temporária, muitas vezes traficados. Não era uma questão circunscrita ao
Brasil, já que
139

tanto os abolicionistas quanto os ativistas pró-escravidão nos Estados


Unidos estudaram de perto o “problema dos coolies” no Caribe e
usaram o espectro dos coolies asiáticos para promover suas agendas
políticas. Assim, os coolies eram representados tanto como uma força
de trabalho diligente que tornaria a escravidão desnecessária ou como
uma (outra) raça inferior que era vulnerável à exploração cruel, assim
como os escravos afro-americanos (LEE, 2007, p. 546, tradução nossa).

Lisa Yun (2008), que se dedicou ao estudo sobre estes trabalhadores em Cuba,
considera que o termo coolie foi publicamente presente como um “estereótipo
sensacionalista de trabalho asiático” (p. xix, tradução nossa). No Brasil, não houve um
programa regular de imigração de trabalhadores asiáticos contratados, como no Peru e
em Cuba, por exemplo. Mesmo assim, permaneceu o termo nos debates oitocentistas, que
invoca uma “história do trabalho racializada”, como afirma Yun, e sobretudo, foram
debatidos aqui como trabalhadores temporários que não eram considerados colonos.
Entretanto, a saída destes trabalhadores do seu país de origem foi objetivo de
disputas entre as potências estrangeiras.58 O fato é que a estrutura econômica que
sustentava este recrutamento de trabalhadores estava vinculada ao imperialismo e ao
trabalho nas colônias. Além disso, a lei de extraterritorialidade que limitava a ação da
justiça chinesa fazia com que os estrangeiros desafiassem as autoridades locais. Ainda,
de acordo com Liu Cong e Leonor Seabra (2017, p. 34), as Guerras do Ópio tiveram papel
importante na manutenção deste poder externo.
Estes dados serviam aos argumentos questionáveis de que os imigrantes chineses
se “submetiam a esse tipo de trabalho com baixa remuneração” (YANG, 1977, p. 419) e
sua opção se dava em colônias onde “o nativo não era eficiente” (p. 422). Escamoteavam-
se as condições sociais e econômicas nos locais de origem, como a violência do tráfico,
a pauperização e as consequências do imperialismo que tornavam aquelas populações
vulneráveis – situações presenciadas e descritas pelos viajantes. Assim como Almeida
observou o navio peruano com trabalhadores chineses, o pesquisador Daniel Botsman
discorreu sobre o incidente com o navio Maria Luz, que saiu de Macau em 1872 em
direção ao Peru e que, por conta de uma tempestade, aportou em Yokohama. Em
determinado momento, um dos 231 chineses que estava a bordo se jogou ao mar e nadou

58
Foi o caso da Convenção de Emigração (1866), assinada pela Inglaterra, França e China, em que foi
decretada a necessidade de inspeção de autoridades chinesas para liberar os emigrantes. Em Macau, ficou
proibido o tráfico atráves daquele porto, o que foi considerado pelos portugueses uma jogada de interesse
dos ingleses para dominar o tráfico (SEABRA; CONG, 2017, p.27).
140

até um navio inglês, sendo encaminhado para as autoridades japonesas e retornado ao


navio de origem. Posteriormente, o governo japonês se interessaria pela entrevista com o
homem que tentou fugir.
Mo Hing afirmou que havia sido sequestrado e forçado a entrar no navio
em Macau, e que logo em seguida o capitão o espancou severamente e
cortou sua trança - um importante marcador da identidade masculina no
Império Qing. Além disso, apesar de ter assinado um contrato a bordo
do navio, ele alegou que o havia feito sem entender o que significava e
só descobriu depois que fora vendido para ser levado ao Peru. Quando
o navio chegou a Yokohama, ele explicou que decidiu pular no mar
simplesmente porque "não queria morrer no navio". (BOTSMAN,
2011, p. 1334, tradução nossa)

Outros ainda haviam dito que foram coagidos a assinar os contratos, denunciaram
espancamentos e escassez de alimentos. O episódio comprova que os japoneses tinham
conhecimento da situação dos trabalhadores chineses nas Américas. Portanto, buscaram
organizar a emigração de seus trabalhadores em outras condições. Cabe destacar que,
diante das acusações de violência e abusos sofridos pelos trabalhadores, o governo chinês
enviou uma missão imperial para Cuba, então colônia espanhola exportadora de açúcar,
para investigar a situação. A documentação e os relatos foram reunidos em The Cuba
Comission Report, publicado em 1876, e demonstram a situação precária dos emigrados,
análoga à escravidão. Sabe-se que o tráfico de africanos escravizados não cessou por
conta dos marcos oficiais, e que o trânsito de trabalhadores asiáticos não foi iniciado com
o fim daquele – foram concomitantes. O problema do trabalho era uma questão
internacional amplamente debatida, gerando grande quantidade de informações e também
de preconceitos, que embasaram a opinião no Brasil. A partir de 1850, quando foi
promulgada a Lei Eusébio de Queiroz, decretando o fim do tráfico, e diante da expansão
da cafeicultura na região sudeste, estabeleceu-se o debate sobre uma mão de obra
alternativa, juntamente com aquele sobre projetos de nação. Sem surpresas, privilegiava-
se o trabalhador branco, católico e europeu como substituto do trabalhador escravizado.
De acordo com Emilia Viotti da Costa (2010, p. 309), entre 1853 e 1856, o
Maranhão recebeu 887 colonos estrangeiros, sendo 847 portugueses e 40 chineses. Em
1854, um navio de Manoel de Almeida Cardoso chegou ao Rio de Janeiro com 303
trabalhadores considerados “fortes, sadios e aptos para o trabalho agricola” vindos de
141

Singapura.59 Cardoso também revendia objetos que trazia da Ásia: em 1854, o Diario do
Rio de Janeiro (23/03/1854) publicava que no escritório do comerciante, vendiam-se
tecidos de Macau e Cantão, bem como charuteiras, obras de marfim, leques, louças,
esteiras, remédios e outros.
Estas experiências foram significativas diante da crise do sistema colonial no
Brasil, cuja estrutura política já não satisfazia as necessidades dos cafeeiros e da elite
urbana. Animados pelas ideias revolucionárias francesa e americana, aumentavam os
questionamentos acerca do status de colônia e da escravidão (COSTA, E. 2010, p. 29).
Nesse contexto, especialmente a partir da década de 1870, o trabalho escravo foi uma das
questões mais intensamente debatidas do Brasil, pois interferia não apenas na economia,
mas na própria estrutura social.
A segunda metade do século XIX foi marcada pela análise racial da sociedade. Os
modelos biológicos buscavam categorizar os seres humanos e foram utilizados também
para conservar a hierarquia social. A questão foi recorrente quando se considerava a
possibilidade de trabalhadores chineses e japoneses no país, reiterando as especificidades
no debate brasileiro sobre raça:
observado com cuidado pelos viajantes estrangeiros, analisado com
ceticismo por cientistas americanos e europeus interessados na questão
racial, temido por boa parte das elites pensantes locais, o cruzamento
de raças era entendido, com efeito, como uma questão central para a
compreensão dos destinos dessa nação. (SCHWARCZ, 2016, p. 18).

Os europeus eram pensados como os imigrantes preferenciais. Outra possibilidade


era o trabalhador brasileiro livre, mas este era logo associado à preguiça, que seria
“natural do povo brasileiro, uma espécie de vocação nacional” (COSTA, E. 2010, p. 312).
Havia a sugestão da imigração asiática, inspirada pela presença desses trabalhadores em
outras colônias, especialmente portuguesas e espanholas. Os asiáticos passaram a ser
percebidos como intermediários entre os africanos e os europeus. A questão foi tratada
por políticos e membros da oligarquia nacional. Para acompanhar este debate,

59
“Cabe aqui dar noticia da entrada em 9 de Fevereiro passado de 303 Chins, procedentes de Singapore a
bordo da barca americana Elisa Ann. O negociante Manoel de Almeida Cardoso, com a louvavel intenção
de fornecer braços proprios a alguns ramos da nossa lavoura, mandou contractar e vir esses trabalhadores
que parecerão-me fortes, sadios e aptos para o trabalho agricola: algumas das condições porém dos
contractos são taes que com difficuldade poderão os Chins ser aceitos pelos nossos lavradores” (BRASIL.
Ministério do Imperio. Documentos anexos ao Relatorio do Ministerio do Imperio apresentado à
Assembléa Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Typographia Nacional. 1855.p.30).
142

apresentaremos alguns dos principais grupos e momentos nos quais esta questão foi
considerada.

4.2 A SOCIEDADE IMPORTADORA DE TRABALHADORES ASIÁTICOS

Em 1877, foi publicado no Rio de Janeiro o livro Demonstração das


conveniencias e vantagens á lavoura no Brasil pela introducção dos trabalhadores
asiaticos (da China), pela Sociedade Importadora de Trabalhadores Asiaticos de
procedência Chineza. A publicação reuniu Tratados de Amizade, discursos, artigos de
periódicos, documentos e legislações vinculadas a contratos e transporte de chineses. A
Sociedade Importadora havia sido formalizada pelo Decreto do Imperador n. 4547, de 9
de julho de 1870, que concedia a Manoel José da Costa Lima Vianna e João Antonio de
Miranda e Silva autorização para importar trabalhadores asiáticos mediante cláusulas pré-
determinadas, com permissão válida para dez anos, sem concorrência.
O livro elaborado pela Sociedade Importadora descreveu as dificuldades nos
portos de Hong Kong e Macau e a importância da assinatura de um acordo com a China
para efetivação da imigração. A empresa tentara negociar estes trabalhadores através de
ajuda de outros estrangeiros, sem sucesso, por isso, frisava a necessidade de um acordo
entre Brasil e China, para que o “engajamento” pudesse ser direto. Embora se tratasse de
um mercado e da busca por lucro no agenciamento destes trabalhadores, a Sociedade
Importadora tentava demonstrar a importância da iniciativa para um país onde havia
“urgente necessidade para sua lavoura de trabalhadores robustos, intelligentes, e
principalmente por commodo salario, vantagens que só alli se podem alcançar”
(SOCIEDADE IMPORTADORA, 1877, p. iv). Sobretudo, este trabalhador era visto
como temporário e não como colono:
Em primeiro lugar, não se trata aqui da colonisação, propriamente tal,
como a que reclamamos de paizes da culta Europa. Trata-se de obter
trabalhadores, jornaleiros, operarios que se possão empregar no árduo
serviço da grande lavoura, que, por fata ou escassez de braços, está
todos os dias desaparecendo (p. vii).

A explicação se tornava necessária diante do receio de que o “elemento amarelo”


fosse incorporado ao brasileiro pela miscigenação. No âmbito econômico, este asiático
surgia como necessário em uma “epocha de transição”, de paulatina abolição, com
143

características das duas formas de trabalho: a escrava e a livre. A publicação apresentava


igualmente experiências similares nos Estados Unidos, Cuba e Peru.
O debate jornalístico sobre o tema na década de 1870 funciona como um
mapeamento das experiências com chineses, indianos e populações do Sudeste Asiático.
Naquele momento, tanto a Sociedade Importadora quanto os demais interessados na vinda
dos trabalhadores reivindicavam que o governo brasileiro assinasse um tratado com a
China, estas observações também eram concernentes a um tratado com o Japão. Inclusive
sugeriam interesse recíproco, indicando que “os Governos da China e do Japão têm por
costume dar hospedagem em palácios seus aos encarregados de Tratados, durante a
permanencia das negociações” (SOCIEDADE IMPORTADORA, 1877, p. 194).
Sobre a formalidade para contratação de trabalhadores asiáticos, chama a atenção
o Regulamento para introducção de trabalhadores chins na Ilha de Cuba (1860), então
colônia espanhola. Entre outros itens, o regulamento dispunha de artigos que versavam
sobre a possibilidade de alugar os trabalhadores para terceiros e de permitir a patrões
“jurisdição disciplinar”, incluindo cárcere de um a dez dias (SOCIEDADE
IMPORTADORA, 1877, p. 173). Um modelo de contrato foi reproduzido na publicação
da Sociedade Importadora, deixando evidentes os benefícios do contratante. 60 O
documento era muito semelhante ao contrato de emigração para Cuba61. Embora
houvesse diferenças, como a diminuição de duas horas na jornada diária, as condições de
trabalho não eram necessariamente melhores.

60
O “contrato” – “livre contrato” – era a manutenção de relações desiguais de trabalho utilizada não apenas
para estes imigrantes, mas também em relação aos libertos no Brasil, como demonstrou o historiador
Henrique Espada Lima (2005).
61
Disponível em: THE CUBA COMMISSION REPORT: A Hidden History of the Chinese in Cuba: The
Original English-language Text of 1876. Introduction by Denise Helly. The Johns Hopkins University
Press, 1993.
144

Figura 39 – Contracto de Engajamento de Trabalhadores Asiaticos para o Imperio do


Brasil

Fonte: SOCIEDADE Importadora de Trabalhadores Asiaticos de Procedencia Chineza. Demonstração das


conveniencias e vantagens á lavoura no Brasil pela introducção dos trabalhadores asiaticos (da
China). Rio de Janeiro: Typ. de P. Braga & Cª, 1877.

O documento brasileiro garantia ao patrão “plenos poderes”, permitindo que o


trabalhador fosse destinado a “casa particulares ou estabelecimentos de qualquer classe
de industria, fazendas agricolas, cafezaes, e sitios, e tudo quanto pertença a labores
urbanos e ruraes de qualquer especie que seja” (SOCIEDADE IMPORTADORA, 1877,
p. 175). Com relação ao trabalhador, o contrato brasileiro se igualava ao modelo cubano
na questão da remuneração:
Declaro que me conformo com o salario estipulado n’este contracto
ainda que me conste que é muito maior o que ganhão os jornaleiros
livres ou escravos no Brasil porque esta differença, a julgo compensada
por outras vantagens que me proporciona o meu patrão e que se achão
estipuladas n’este contracto (SOCIEDADE IMPORTADORA, 1877,
p.XX).

Constam igualmente as obrigações do empregador quanto ao fornecimento de


alimentação e roupas, pagamento mensal e passagem de vinda. Uma vez terminado o
contrato, em caso de não haver novo contrato, o trabalhador deveria retornar às suas
145

próprias custas. No caso dos trabalhadores coolies em Cuba, Lisa Yun (2008) considerou
que os contratos foram usados para angariar “escravos móveis”. O próprio contrato, que
muitas vezes nem mesmo era cumprido, estabelecia situações de precariedade e
desvantagem aos imigrantes, embora juridicamente fizesse valer esta relação como não
escravista. Fosse pelo idioma, pela falta de letramento ou por serem retidos à força, muitos
trabalhadores assinavam sem saber do que tratavam as cláusulas. O sistema de contrato
também foi utilizado no Brasil, de acordo com Henrique Espada Lima (2005, p. 312):
Todos enfrentavam o mesmo inimigo, encarnado pela nova forma de
coerção que era a própria condição da nova organização do trabalho
livre: a miséria, a necessidade e a precariedade. Essas eram as mesmas
causas que levavam os trabalhadores pobres da Europa, da China ou da
Índia a atravessar os oceanos para tentar uma vida melhor, trabalhando
nas fazendas de cana do Caribe, nas estradas de ferro do Oeste
americano ou nas plantações de café no Brasil.

A Sociedade Importadora de Trabalhadores Asiáticos foi emblemática no


interesse em trabalhadores asiáticos temporários. Iniciativas como esta divulgavam os
“benefícios” e as especificidades dentro de um continente tão vasto. De certa forma,
podemos notar que a imagem inicialmente debatida no Brasil não era a do cotidiano
chinês e japonês, suas expressões artísticas e culturais, mas antes, sua capacidade de
fornecer ou não uma mão de obra condizente com os interesses nacionais. No ano seguinte
à publicação de Demonstração das conveniencias e vantagens á lavoura no Brasil pela
introducção dos trabalhadores asiaticos (da China), que apresentava um grupo
organizado em torno desta demanda desde o início da década de 1870, ocorreu o primeiro
grande debate público sobre a vinda de trabalhadores asiáticos: o Congresso Agrícola do
Rio de Janeiro de 1878.
146

4.3 TRABALHADORES ASIÁTICOS NAS PAUTAS DO CONGRESSO AGRÍCOLA


DE 1878

Ora, o chim não duvidará vir trabalhar no Brasil por


um jornal comparativamente muito mais modico do
que o actual. Desde que houver essa succursal, a
lavoura entrará em circumstancias completamente
diversas, porque não terá de cogitar na hora da
emancipação completa dos escravos, não terá mais
necessidade delles para continuar a viver. Essa
consideração não é para desprezar-se.
UMA VOZ: — Poderá dizer como se deve fazer
essa colonisação?
O ORADOR: — Distingamos; não fallei em
colonos chins; fallei em trabalhadores (Apoiados).
UMA VOZ: — Como devem vir?
O ORADOR: — Naturalmente em alguns navios,
visto que não ha caminho de terra; talvez haja, não
sou bom geographo (Riso). (CONGRESSO
AGRÍCOLA, 1988[1878], p. 142)

Um dos principais momentos do debate nacional quanto à vinda de trabalhadores


asiáticos para o Brasil foi o Congresso Agrícola do Rio de Janeiro, em 1878, no qual
favoráveis e contrários vinculados à lavoura expuseram seus argumentos. Sua
importância se deu também pelos desdobramentos que teve, como o relatório de Salvador
de Mendonça, então cônsul-geral do Brasil nos Estados Unidos, a repercussão pública e
o envio de uma missão brasileira à China em 1879.
As opiniões sobre a transição do trabalho escravo para o livre não foram
consensuais, nem sobre a vinda de imigrantes permanentes ou temporários nem sobre
quem custearia o processo. No geral, os favoráveis à vinda dos asiáticos os viam como
elemento de transição entre a escravidão e a inserção do trabalhador europeu, fosse em
termos raciais, fosse em relação à estrutura social e econômica. Já para os contrários, os
asiáticos eram considerados “fracos e indolentes por natureza, alquebrados pela
depravação dos costumes e habitos que desde o berço adquirem, narcotizados physica e
moralmente pelo opio, não poderão nunca no Brazil supportar o arduo e penoso trabalho
da cultura do café” (CONGRESSO AGRÍCOLA, 1988[1878], p. 39). Nota-se que a
justificativa da preguiça e da indolência era relacionada à forma sistemática do
colonialismo de definir sua potencial dominação. A ideia de trabalhadores indolentes traz
147

consigo um debate que ia além do Brasil e mesmo da Europa.62 No Brasil, o julgamento


do comportamento frente ao trabalho também pode ser notado nas críticas sobre os
trabalhadores nativos, os libertos, os índios. Da mesma forma, viajantes, políticos e
intelectuais brasileiros, observadores ou integrantes do debate sobre imigrantes e
trabalhadores, por vezes assumiam o olhar do colonizador.
O Congresso Agrícola do Rio de Janeiro foi convocado pelo visconde João Lins
Vieira Cansansão de Sinimbu, então ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
Os participantes eram originários das províncias do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas
Gerais e Espírito Santo. Para José Murilo de Carvalho, responsável pela apresentação da
edição fac-similar dos anais do Congresso, isto ocorreu pela “maior dificuldade
enfrentada por essas províncias na substituição da mão de obra e o maior peso do café na
economia do País, sem falar no maior desenvolvimento do Partido Republicano no Sul.”
(CONGRESSO AGRÍCOLA, 1988[1878]. p. vi ). No mesmo ano, 1878, outro Congresso
Agrícola foi organizado no Recife, demonstrando que o debate sobre o trabalho não
estava circunscrito às demandas das lavouras cafeeiras. Havia especificidades locais, mas
os asiáticos continuavam a ser debatidos. Organizado pela Sociedade Auxiliadora da
Agricultura de Pernambuco para analisar a “crise da lavoura”, o Congresso do Recife
aparecia como uma “reposta contestatória” ao seu homônimo do Rio de Janeiro; nas
palavras do pesquisador Gadiel Perruci, tratava-se de um “Congresso do Protesto”
(CONGRESSO AGRÍCOLA, 1988, p. xvii). O encontro também demonstra a diversidade
econômica e de demandas que havia no país.63
O período era de instabilidade econômica no Nordeste, caracterizada pelos baixos
preços dos produtos agrícolas locais, agravados pelo “descaso do Governo Imperial frente
aos problemas regionais” (p. xiii) e a seca de 1877-8, que tanto diminuiu as condições de
produção quanto as de sobrevivência da população. Para Perruci, a reunião no Recife
parecia
representar um desaguar de revoltas frustradas, de queixas, de protestos
e de desespero acumulados durante longos anos. Mas igualmente, de

62
O sociólogo malaio Syed Farid Alatas (2014) debateu a perspectiva crítica do filipino José Rizal,
elaborada no século XIX, acerca do mito da indolência dos filipinos, destacando que a indolência não era
a causa do atraso da sociedade, mas uma construção feita a partir da experiência do capitalismo colonial,
sob domínio espanhol.
63
Debatia-se inclusive sobre os modelos predominantes no debate sobre a produção agrícola, questionando
termos como “grande lavoura”, a partir das especificidades da cultura da cana-de-açúcar e do algodão, que
não deveriam ser consideradom sinônimo de “grande propriedade territorial”, afinal sua produção
demandava menor extensão de terras e foi um produto de relevância econômica no século XIX
(CONGRESSO AGRÍCOLA, 1988[1878],p. 129).
148

expectativas, de esperanças, de cerimoniosas solicitações à Corte


Imperial provenientes de uma classe hegemônica, como se fora o
término de um grande bailado à moda romântica (CONGRESSO
AGRÍCOLA, 1988, p. xv).

Diante da falta de trabalhadores escravizados e da dificuldade de obtenção de


“braços livres a tempo e a hora”, o engenheiro francês Henrique Augusto Millet64, uma
das principais vozes do Congresso Agrícola do Recife, reivindicava:
é preciso, portanto, que os poderes públicos tratem de fazer com que o
senhor de engenho obtenha facilmente braços para o trabalho
inteiramente agrícola, isto é na ocasião de plantar e colher, e não
permanentemente, como querem fazel-o por meio da importação de
chins (CONGRESSO, 1978[1878], p. 130).

Millet criticava as posições do Visconde de Sinimbu, quanto à definição da


“grande lavoura” como “grande propriedade”, e sobre a vinda dos chineses para o Brasil
(p. 308-11). Retornando ao Congresso do Rio de Janeiro, organizado por Sinimbu, entre
seus sete principais pontos, três versavam sobre trabalho:
II. É muito sensivel a falta de braços para manter, ou melhorar ou
desenvolver os actuaes estabelecimentos da grande lavoura?
III. Qual o modo mais efficaz e conveniente de suprir essa falta?
IV. Poder-se-ha esperar que os ingenuos, filhos de escravas, constituam
um elemento de trabalho livre e permanente na grande propriedade? No
caso contrário, quaes os meios para reorganizar o trabalho agricola?
(CONGRESSO AGRÍCOLA, 1988[1878]. p. 2)

Nas respostas às perguntas acima, podem ser vistos diferentes posicionamentos.


Como Eduardo Augustto Pereira de Abreu, representante dos lavradores da cidade de
Silveiras, em São Paulo, que considerava “uma calamidade para a actual lavoura a
introducção dos coolies em nosso paiz”, pois nem como “mera transição” serviria a vinda
de homens que seriam “machinas retrogradas e gastas exportadas da China”
(CONGRESSO AGRÍCOLA, 1988[1878], p. 39). Esta ideia de transição estava a todo
momento atrelada ao asiático: “semi-barbaro”, “meia escravidão”, “trabalhadores
jornaleiros”. Os “Representantes de lavradores de Juiz de Fóra e Parahyba do Sul”
entendiam que trazer pessoas “de costumes grosseiros, sem o influxo benefico do trabalho

64
“Henri-Auguste Millet, de prenome abrasileirado para Henrique Augusto, foi o Secretário Geral da
Sociedade Auxiliadora da Agricultura de Pernambuco, bem como Primeiro Secretario do Congresso de
1878. Engenheiro de profissão, torna-se senhor de engenho na província e é como defensor dos interesses
agrários, embora defensor particularmente esclarecido, que desempenha um privilegiado papel no discurso
geral do Congresso” (CONGRESSO, 1878, p. XXIX).
149

intelligente de uma civilização já adiantada – e assemelhando-se em tudo ao barbarismo


africano, é uma idéa triste”. Consideravam que os coolies “sem o freio da escravidão e o
temor do azorrague” poderiam se tornar “um elemento dissolvente da ordem e do bem
estar da familia agricola” (p. 70). O conselheiro Christiano Benedicto Ottoni também
criticou a “immigração dos chins, dos coolies, dos asiaticos em geral”, afirmando que se
os “trabalhadores da raça mongólica” viessem só de forma temporária, devia-se “dar
graças a Deus”, porque “o cruzamento de tal raça contribuiria para abastardar-nos” (p.
211). Por outro lado, havia opiniões como a da “Comissão nomeada pelos lavradores do
Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo”, que ponderavam que diante do
progressivo desaparecimento do trabalho escravo, era “indispensavel importar braços
livres; e, como ensaio e meio de transição para uma colonisação de raças mais
aperfeiçoada, o jornaleiro chim é conveniente” (p. 78). Contrários ou favoráveis, todos
pareciam concordar que não havia lugar para os asiáticos no projeto nacional do século
XIX. De acordo com Ana Lucia Lanna (1985, p. 82)
Não existe um projeto civilizador e nacional que inclua os coolies. Eles
viriam ao Brasil praticamente na condição de trabalhadores temporários
que finda suas atividades no café ou retornariam ao seu país ou seriam
confinados em locais previamente delimitados para não degenerarem
ainda mais a nação brasileira já tão marcada pelo ócio e preguiça
herdada dos africanos.

Muitas vezes os termos chins e coolies foram usados de forma indiscriminada,


como sinônimo de trabalhadores asiáticos de baixo custo, várias vezes traficados. Nesse
sentido, destaca-se a conferência proferida por Scott Blacklaw, representante do The New
London & Brasilian Bank, que comentava sobre sua experiência no Ceilão (Sri Lanka),
onde observou o trabalho dos coolies. Naquele momento, sua participação era importante
para fazer distinções sobre os asiáticos:
Ha no Congresso pessoas que entendem ser conveniente a introducção
de coolies no paiz para os trabalhos da lavoura; ha, porem, outras que
fallam de trabalhadores chins. Começa o orador por dizer que nada
conhece da China; o trabalho que elle conhece é dos coolies
estabelecidos nas Indias Britannicas, os quaes, não ha ainda muito
tempo, fizeram nas colonias inglezas a transição do trabalho escravo
para o trabalho livre. (CONGRESSO AGRÍCOLA, 1988[1878], p. 256)

Blacklaw explicou a experiência naquela colônia. Embora tenham ocorrido


restrições para a contratação dos coolies por reinvindicações de grupos ingleses
conhecidos como “protectores dos aborigenes” e pela “emancipação dos escravos”, o
150

conferencista acreditava que “o coolie é gente inteiramente servil, mas é homem livre”.
Concluía que “gente branca” não serviria para a lavoura tropical, não pela falta de força,
mas porque “não há um branco que possa trabalhar pelo mesmo salário de um preto ou
de um coolie da India” (p. 258). O discurso racial era explícito e útil para o tipo de contrato
que pretendiam utilizar, como se percebe na resposta de um participante da conferência
de Blacklaw, sobre a possibilidade de permanência dos estrangeiros:
Admittido, porém, que elles aqui fiquem, serão uma raça pior que a dos
negros? Não, é uma raça muito superior (apoiados, muito bem), igual á
nossa, com a differença de ter a côr bronzeada. Elles têm o semblante e
o cabello iguaes aos nossos, e estando bem pintados, não se póde
distinguir si são europeus ou asiaticos. Seu corpo, que sempre
conservam untado de azeite, não é grosso como o do negro. Todos os
dias tomam banhos nos ribeirões; são asseiados.
Uma voz: – Não têm catinga. (Hilaridade.) (CONGRESSO
AGRÍCOLA, 1988[1878], p. 259)

O conferencista prosseguiu, falando sobre a ida dos trabalhadores indianos para


as plantações de café no Ceilão, segundo ele, primeiro “urgido pela fome, mas agora vai
por amor do lucro, porque gosta muito de dinheiro”. Tratava-se de uma caminhada de
oito dias a pé, a travessia de um estreito em uma embarcação e mais cerca de seis dias de
caminhada em “um logar muito pestifero, cheio de malarias” (p. 259). Isto configurava,
para Blacklaw, uma imigração espontânea e com conforto. Tratava-se de um sistema com
evidentes semelhanças ao da escravidão, e os elogios se davam em função das
permanências em relação à exploração daquela mão de obra. Elogiosamente, o
conferencista inglês dizia que era feito o possível para garantir o conforto dos imigrantes
durante a viagem, com médicos, hospitais e hospedarias no trajeto. “Os coolies, na viagem
da India até as plantações de café em Ceylão, são tratados tão cuidadosamente como um
menino; o empregado do governo ou qualquer pessoa que faz a mínima cousa contra o
conforto delles durante a viagem, é sujeito a pesadas multas” (p. 260). Outro fator
apresentado como benefício aos fazendeiros era a não necessidade de adiantamento e a
possibilidade de manter os trabalhadores em grupos de 20 a 60 pessoas em casas que “não
precisam ser fechadas” (p. 261). Blacklaw frisava que estes precisavam de pouco
dinheiro, embora gostassem muito dele, o que os tornava facilmente ludibriáveis. E,
argumento final sobre o baixo custo de manutenção dos asiáticos: “sua alimentação é
somente arroz” (p. 261).
151

A respeito dos japoneses, o comendador Angelo Thomaz do Amaral, da província


de Itaborahy, no Rio de Janeiro, procurou corrigir conferencistas precedentes, afirmando
que “começou-se por condemnar todas as raças asiaticas, atacando sua civilização; no
entretanto que a respeito do Japão, pelo menos, temos um testemunho recente e
insuspeito, que contraria um tal juizo”. Baseando-se no relato de Laurence Oliphant –
funcionário da diplomacia inglesa, viajante e escritor, sobre sua experiência na China e
Japão –, Amaral destacava que, diante da mudança deste, “sendo um governo de um paiz
a imagem mais ou menos fiel do povo desse paiz, força é reconhecer que o Japão não está
tão atrazado como se pretende” (p. 222).
É importante destacar que os fazendeiros e outros interessados nas questões da
lavoura que estavam no Congresso eram homens bem informados sobre o tema, citavam
obras como Narrative of the Earl of Elgin’s Mission to China and Japan (1859), de
Laurence Oliphant, O lavrador pratico da canna de assucar (1858), de Leonardo Wray,
além de diversos artigos da imprensa nacional e estrangeira (como Revue des Deux
Mondes e Revista Britannica). Buscavam não apenas dar subsídio aos seus argumentos,
mas compreender as especificidades e as experiências dos trabalhadores asiáticos no
exterior. A partir do Congresso Agrícola do Rio de Janeiro (1878), intensificam-se os
debates em torno desta questão. Não apenas em termos de apresentação de ideias, mas
também em iniciativas financiadas pelo próprio governo e por particulares, para por em
prática o processo migratório. Enquanto isso, outros grupos e indivíduos, abolicionistas
ou não, colocavam-se contrários a estes projetos, por ver nele a manutenção do trabalho
escravo ou por considerarem que a presença dos asiáticos no Brasil poderia acarretar uma
maior degeneração do povo brasileiro.
Além da organização do Congresso, o visconde de Sinimbu solicitou um relatório
sobre o assunto a Salvador de Mendonça, então cônsul-geral do Brasil nos Estados
Unidos. O relatório foi publicado em 1879 (mesmo ano da publicação de Da França ao
Japão), sob o título Trabalhadores Asiaticos. Neste, Mendonça esclareceu que o
“Governo Imperial pediu-lhe o resultado imparcial de seu estudo e não lhe encomendou
a sustentação de um plano”, mas apresentava Sinimbu como “promotor da immigração,
única que actualmente pode salvar a nossa lavoura” (MENDONÇA, 1879, p. vi). O autor
do relatório buscava demonstrar que a experiência partiria de outro processo de
imigração, no qual os imigrantes se diferenciariam dos asiáticos das primeiras
experiências que viviam no Rio de Janeiro, “nos cubículos do Mercado da Gloria, onde
152

se aninham alguns Coolies imundos” (p. 160). Tinha como objetivo dar subsídios para o
debate em torno da “crise do trabalho” (p. vi). No relatório, os chineses não eram
considerados como potenciais colonos; para Mendonça, esta imigração mantinha-se como
instrumento transitório da nossa riqueza, ella operará entre nós a
substituição do trabalho servil pelo trabalho livre, desbravará o terreno
e abrirá os caminhos por onde a emigração da Europa correrá mais tarde
a disputar a posse do sólo de nossa patria como a da terra da promissão
do seculo proximo (p. 19).

Com isso, poderiam, sem pudor:


Usal-o durante meio século, sem condições de permanência, sem
deixal-o fixar-se em nosso solo, com renovação periódica de pessoal e
de contracto, affigura-se-nos o passo mais acertado que podemos dar
para vencer difficuldades do presente e preparar auspiciosamente o
futuro nacional. (p. 25).

Reforçava-se a ideia de que os trabalhadores asiáticos “vivem com a quinta parte


do que despende um trabalhador Europeu” (p. 203). Além disso, “ao envez dos negros,
esta raça chega-nos civilizada, embora a seu modo, dextra em muitas artes, pagã, mas
livre” (p. 154). Mendonça procurou dar destaque igualmente às diferenças entre chins e
coolies, não apenas populacionais, mas políticas. Para o autor, chins seriam os chineses
de emigração espontânea e coolies, trabalhadores traficados ou emigrados em situações
de precariedade, geralmente indianos. A má fama generalizada dos asiáticos se daria por
serem considerados todos coolies, e “o coolie chinez, esse realmente é apenas a
continuação do trafico africano” (p. 23). O uso dos termos não deveria ser feito de forma
indiferenciada, pois
assim como seria errado chamar Coolie qualquer homem do ganho
entre nós, assim também não é com propriedade nem justiça que o uso
tem applicado ao Chim uma denominação que importa a condição de
degradação social, peculiar a outro paiz, a outras instituições e a outro
povo totalmente diverso (p. 172).

Em relação à dinâmica internacional, Mendonça trouxe informações sobre as


restrições do tráfico nos portos chineses, destacando a necessidade de acordos formais
entre os países e o estabelecimento de agentes reconhecidos para o trânsito, só assim o
governo chinês permitia a saída dos trabalhadores. Salvador de Mendonça dedicou dois
capítulos a este debate, ambos intitulados Immigração chineza e coolie. Organizou
igualmente uma hierarquização dos asiáticos, na qual os malaios apareciam como
153

inferiores aos chineses. Os europeus eram a medida civilizatória de todos, como vemos
na comparação entre chineses e japoneses:
Os Japonezes já mais próximos do que os Chins dos benefícios da
civilisação Européa, contando actualmente em seu seio professores e
profissionaes Inglezes, Francezes e Norte Americanos, teem nestes
últimos annos ganho maior sympathia: as Exposições internacionaes de
Philadelphia e de Pariz os collocaram em posição invejável; de facto o
consenso geral apregoou-os como nação adeantada e os Francezes
começaram a chamal-os "os Yankees da Ásia." Mas é incontestável que
tudo quanto se admirou no Japão foi o reflexo da China. Os Japonezes
são mais promptos, mais nervosos, mais accessiveis a extranhos, mas
são também mais levianos, mais irritadiços, mais rixosos e mais
licenciosos. A immoralidade da sociedade Japoneza, attestada por
quantos conhecem o paiz, faz com que a população mais culta da China
a olhe com desdém. Dos clássicos Chinezes tiraram os Japonezes a flor
da sua litteratura, ensinam Confucio nas suas escholas, e fallam o
Chinez como língua mais polida que a sua. Apezar de todas as
rivalidades e do afan com que desejam ganhar proeminencia na opinião
do mundo christão, os Japonezes confessam em seus escriptos a
superioridade da China, de que são apenas um satellite. (p. 24)

Considerava ainda que os chineses serviriam nos trabalhos urbanos, como


nivelamento de terras ou canalização de água. Destacou a atividade nas estradas de ferro
nos Estados Unidos, que “chegou a ocupar a um tempo de oito a dez mil Chins. Os
diretores da Estrada de Ferro Central do Pacífico declararam que a não teriam
empreendido sem o auxílio delles” (p. 212). Tendo em vista o relatório encomendado,
vantajoso aos contratantes, o ministério do visconde de Sinimbu não poderia fazer frente
a outra proposta se não continuar apoiando o projeto.
As discussões ultrapassavam as instituições políticas e os círculos dos fazendeiros.
Nas páginas da Revista Illustrada, criada pelo ilustrador Angelo Agostini, foram
publicadas críticas ao Congresso Agrícola do Rio de Janeiro e, de forma mais ampla, ao
projeto de vinda de trabalhadores asiáticos. Considerava-se que “o congresso porém tem
curtos fins, um imperial, outro ministerial: introduzir coolies e chamar os fazendeiros para
o lado liberal, ou, resumindo, uma encooliação eleitoral” (REVISTA ILLUSTRADA,
1878, n. 120). Em charges, o periódico caracterizava os “amarelos” como “ladrões de
galinhas” e traiçoeiros.
154

Figura 40 – Revista Illustrada (n. 120)

Fonte: Revista Illustrada, n. 120, 1878. Disponível em <http://memoria.bn.br/DocReader/332747/847>.


Último acesso em 14/02/2018.

Na “crônica ilustrada”, percebem-se nas folhas de café ornando a cena central


“quatro personagens, que constituem versões de tipos de trabalhadores, distintos pelo
lugar de origem, cultura e raça: o africano, o sul-americano, o asiático e o europeu”
(BALABAN, 2015, p. 425). O trabalhador da América do Sul traz a legenda: “É este o
trabalho do meu coração. A rede, a viola, o tutu de feijão”; o da Europa: “Se querem que
eu lhes vá povoar as mattas. É darem-me riqueza e ... mulatas”; o trabalhador da África:
“Uê! Dixe preto já vai se acabá. Que bom! Amanhã já não vai trabaiá”; e o da Ásia:
“Querem meus braços e habilidades minhas. Vejam dinheiro e apromptem gallinhas”
(REVISTA ILLUSTRADA, 1878, n. 120). Na parte superior da imagem, do perfil de um
homem identificado como “lavoura” saem braços, trens, chineses, europeus e um grande
livro chamado “instrucção agrícola”, acompanhado por uma palmatória identificada
como “instrucção”. Mudavam-se os nomes, permaneciam os hábitos da escravidão. A
charge trazia a seguinte legenda:
E o Governo ficou sabendo pela propria bocca da Lavoura, representada
por 200 e tantas ditas que, o que ella precisa é de dinheiro, de braços,
de chins, de europeus, de instrução, de negros, de estradas de novas leis,
de...etc etc enfim, de uma infinidade de cousas [...]
155

Na mesma edição 120 da Revista Illustrada, outra imagem apresenta um africano,


um chinês e um europeu empunhando ferramentas para o trabalho na lavoura, observados
por um liberto notoriamente descontente e de punhos cerrados. Para Balaban (2015, p.
429), “os ódios raciais definem o sentido da cena”. A legenda da imagem questiona:
“Acerca da idea de mandar vir chins como transição... Será transição de côr entre a preta
e a branca que querem attenuar pela amarella? Neste caso os mulatos estão no direito de
protestar...e com razão”. O próprio Agostini sublinhou o termo transição, dando ênfase à
questão política e social que se colocava nos debates.
A charge reuniu os diferentes trabalhadores que se relacionavam naquele
contexto. Eles exemplificam quem integrava a equação montada pelos fazendeiros e
políticos interessados na questão da mão de obra e sob quais condições estes trabalhadores
atuariam.

Figura 41 – Revista Illustrada (n. 120b)

Fonte: Revista Illustrada, n120, 1878. Disponível em <http://memoria.bn.br/DocReader/332747/850>.


Último acesso em 14/02/2018.
156

Na edição 175 da Revista Illustrada, de 1879, o conteúdo e a capa tratavam da


“colonisação chineza, como perturbadora da paz domestica dos gallinheiros d’esta Côrte
e suburbios”. Em uma charge em que as aves reclamavam pela vinda dos “ladrões de
galinhas”.
Figura 42 – Revista Illustrada (n. 175)

Fonte: Revista Illustrada, n.175, 1879. Disponível em <http://memoria.bn.br/DocReader/332747/1236>.


Último acesso em 14/02/2018.

Ainda, dentre outras, uma edição de 1879 trouxe a lavoura representada por uma
mulher sendo atacada por um trabalhador chinês e um africano, com a legenda: “Pobre
lavoura! Já não bastava o preto, vaes ter o amarello!” (REVISTA ILLUSTRADA, n. 175,
1879). Mas foi em 1881 que a revista publicou uma das imagens mais emblemáticas da
situação: um fazendeiro montado sobre duas grandes cabeças, de um africano e um
chinês, com a legenda: “Preto e amarello. É possível que haja quem entenda que a nossa
lavoura só pode ser sustentada por essas duas raças tão feias! Mau gosto!”.
157

Figura 43 – Revista Illustrada (n. 258)

Fonte: Revista Illustrada, n. 258, 1881. Disponível em <http://memoria.bn.br/DocReader/332747/1830>.


Último acesso em 14/02/2018.

O Congresso Agrícola do Rio de Janeiro foi um dos principais momentos do


debate público sobre a reorganização da mão de obra no Brasil no qual o trabalhador
asiático teve centralidade. O debate se intensificou, mobilizando fazendeiros favoráveis
e contrários, possíveis investidores em empresas de imigração, abolicionistas, políticos e
jornalistas. Ficava evidente que o projeto de colonização dava prioridade à vinda de
europeus, que colaborariam para o branqueamento e progresso almejados no século XIX.
Mas nesse contexto, os interessados tinham urgência na resolução da questão do trabalho
e percebiam que não era mais possível a dependência brasileira de intermediários
europeus e estadunidenses, e mesmo diante das críticas, a efetivação de um tratado com
a China se tornava uma demanda incontornável.
158

4.4 TRATADO DE AMIZADE, COMÉRCIO E NAVEGAÇÃO ENTRE BRASIL E


CHINA

No Congresso Agrícola do Rio de Janeiro, João Baptista Brasiel, representante


dos lavradores de Rezende (RJ) solicitou uma ação do governo para efetivar a vinda dos
trabalhadores ao Brasil:
A cousa unica que os lavradores supplicam á S. Ex. é que o Governo
Imperial, pelos meios que forem mais apropriados, faça um tratado com
o imperio da China, para que os mesmos trabalhadores possam vir a
este paiz. Isto não é pedir subvenção ao Governo, não é pedir
colonisação official, não é pedir cousa impossível ou mesmo difficil;
porque, si o ministério da agricultura no seu ultimo relatorio apresentou
uma despesa de 5.000 e tantos contos com colonisação e obras publicas,
não é possivel que de tão grande quantia possa tirar-se uma parte
minima para se mandar um diplomata á China fazer esse tratado? Não
póde isto onerar os cofres publicos, além de que o Governo ainda póde
estabelecer um imposto qualquer sobre a introducção dos trabalhadores
asiaticos, e assim resarcirá a despesa que fizer mandando á China uma
embaixada para obter essa introducção. (CONGRESSO, 1988[1878], p.
229)

Como aumentasse o interesse por esses trabalhadores, uma missão diplomática foi
enviada à China na circum-navegação da corveta Vital de Oliveira que saiu em 1879. A
missão tinha por fim negociar um tratado que facilitasse a vinda de imigrantes ao Brasil.
Os trâmites foram difíceis, pois o governo chinês se mantinha atento às estratégias
estrangeiras para assinatura de tratados desiguais e contratação de trabalhadores com
acordos desfavoráveis.
O financiamento da missão diplomática fora solicitado à Câmara dos Deputados
pelo então ministro dos Negócios Estrangeiros, Antônio Moreira de Barros (RÉ, 2018, p.
823). Na sessão de 1º de setembro de 1879, Joaquim Nabuco mostrou-se contrário às
intenções da missão, por entendê-la como parte de um projeto que visava promover “uma
verdadeira emigração asiática para o Brasil, e essas relações diplomáticas que se quer
abrir não têm outro fim, não têm outro intuito senão mongolizar o nosso país” (NABUCO,
2010[1879], p. 215). Ele denunciava igualmente as artimanhas para burlar as leis
antiescravistas, advertindo que “o que se chama transição para o trabalho livre não é ainda
o período em que o trabalho escravo acaba e o trabalho livre começa” e, por isso, “não se
pode chamar período de transição, senhores, um tempo em que a escravidão está em toda
a sua força, em que os senhores estão ainda armados de todos os poderes e direitos
excepcionais que possuem sobre os escravos” (p. 223). Considerava ainda o problema
159

racial no Brasil, questionando: “sabe a Câmara por que motivo o chim é mais feito para a
luta da vida do que as raças superiores do Ocidente?” Como resposta, utilizou um
argumento elaborado no Congresso de Berlim (1878): “na luta da vida o chim acha-se
preparado com relação ao europeu tão favoravelmente como o europeu se achava
preparado com relação aos selvagens do novo continente” (p. 233). As razões para isso
eram o fato de serem “mais onívoros”, “mais sóbrios”, e “se contentam com menos”.
Nabuco relacionava essa adaptabilidade às teorias de Thomas Malthus, explicando que
os chineses “hão de multiplicar a nossa produção, podem fazer uma economia de
subsistência, uma economia de alimentação, que nenhuma outra raça pode fazer” (p. 234).
Mas pouco a pouco, “a nossa civilização progressiva e ocidental teria que tornar-se uma
civilização imóvel e asiática” (p. 235).
Como destacou Skidmore (2012, p. 63), “em nenhuma outra área a crença dos
abolicionistas no branqueamento ficou mais clara do que na reação à proposta de
trabalhadores chineses”. O debate fez com que favoráveis e contrários à vinda de
chineses, malaios, indianos e japoneses revelassem seus julgamentos raciais. Nabuco
reforçava seus argumentos:
O dia em que for tentado o primeiro ensaio com a garantia do país; o
dia em que, sob a nossa bandeira, se iniciar a nova imigração será
marcado com uma cruz preta na nossa história, porque ou teremos feito
sacrifícios imensos para acarretar para o país decepções,
desapontamentos, ou desar, no caso de não dar resultado a presente
tentativa – ou, no caso de serem coroados de sucesso os desejos do
governo, teremos promovido um verdadeiro tráfico de asiáticos para
constituir, no meio da escravatura existente, uma escravidão pior que a
dos africanos. (NABUCO, 2010[1879], p. 240)

Apesar de tudo, o tratado com a China era uma demanda de setores da elite
nacional. E logo a missão partiria rumo à Ásia.

4.4.1 A VIAGEM DA VITAL DE OLIVEIRA

Em 1879, o periódico carioca O Mequetrefe (18/03/1879) publicou:


Consta-nos que a fallada viagem ao Japão que vai fazer um dos vasos
da nossa esquadra, foi sugerida ao Sr. ministro da marinha pela leitura
da França ao Japão do Dr. Almeida. A este ultimo portanto, é a quem
devemos responsabilizar pelo que dér e vier com tal viagem (...) ... que
o Dr. Almeida vai ser nomeado para a embaixada do Celeste Imperio,
afim de escrever – Do Brazil ao Japão, livro que hade dar pancas.
160

O relato de Francisco Antônio de Almeida se tornava referência no debate sobre


asiáticos no Brasil, e o autor passava a ser um interlocutor importante. A futura missão à
China era associada à viagem de Almeida ao Japão, pois como veremos há intersecções
neste processo.
Em 1879, a corveta Vital de Oliveira foi enviada pelo governo imperial para uma
circum-navegação da Marinha brasileira, a fim de “proporcionar aos officiaes
embarcados no referido navio a instrucção profissional que se adquire nas viagens de
longo curso” (REVISTA MARITIMA, 1881, p. 406). Partindo do Rio de Janeiro, o trajeto
compreendia portos de Lisboa, Gibraltar, Toulon, Malta, Port-Said, Ismaília, Suez, Aden,
Ponta de Galles, Singapura, Hong Kong, Nagasaki, Yokohama, Califórnia, Acapulco,
Valparaíso, Patagônia, Punta-Arenas, Montevidéu e Rio de Janeiro novamente. A corveta
partiu em 19 de novembro de 1879 e, “à 2 de janeiro de 1881, apoz uma ausencia de 430
dias, dos quaes 268 passados no mar e 162 nos portos, regressou [...] a este porto”
(REVISTA MARITIMA, 1882, p. 16). A Revista Marítima Brazileira publicou em
trechos o Relatório da viagem de circumnavegação da corveta Vital de Oliveira, nas
cinco edições consecutivas entre 1881 e 1883. O relatório era assinado pelo capitão Julio
Cezar de Noronha, caracterizado por linguagem e informações técnicas, dialogando com
outras obras de viagem especializadas, como o relato do engenheiro naval Scott Russel.
Os textos descreveram as dificuldades em trânsito, não apenas mecânicas, mas de
alimentação, higiene, doenças. Ao chegar a São Francisco (EUA), por exemplo, Noronha
contabilizou “23 beri-bericos e 6 mortos. Total de 40 doentes” (REVISTA MARITIMA,
1882, p. 333). O capitão creditou o mau estado sanitário aos climas chuvosos de trechos
como o do Estreito de Malaca ao Japão, somados a má alimentação e falta de vestimentas
apropriadas.
Entre outras questões, o texto tratou dos eventos oficiais de recepção dos
representantes do império brasileiro. Eles vivenciaram encontros em Portugal, onde
foram recebidos pelo rei D. Luiz I, num baile no Palácio da Ajuda, em Lisboa; e no
Uruguai, onde o governo republicano ofereceu-lhes uma recepção, deixando à disposição
oito carruagens. Hong Kong, Nagasaki e Yokohama receberam alguns comentários mais
detalhados no relato, em especial quanto à movimentação estrangeira nestes portos. Da
primeira cidade japonesa foram destacados os templos, as ruas estreitas, o bairro europeu
e a porcelana. Um parágrafo foi dedicado aos mártires cristãos: a “horrível carnificina
161

contra o christianismo”. Em Yokohama, comentou sobre a arquitetura europeia que


tornava o local mais “civilizado”. Sobre o processo de abertura do país, além do
expressivo número de estrangeiros vivendo na cidade, registrava o investimento na defesa
e na marinha, e o desenvolvimento da comunicação pelas vias telegráficas (REVISTA
MARITIMA, 1882).
Para o empreendimento da missão diplomática, em Lisboa subiram a bordo os
ministros Plenipotenciários do Brasil afim de concluir as “negociações de que forão
incumbidos pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros” (REVISTA MARITIMA, 1881,
p.406). Na ida para Hong Kong, o capitão comentou sobre os chineses naquele local e
expôs sua opinião sobre a migração para o Brasil:
Estes homens, comquanto na maior parte fortes e robustos, não gozam
de boa reputação. Um audacioso attentado praticado, há poucos annos,
a bordo do vapor ingles Spark que serve de correio entre Hong-Kong,
Cantão e Macáu, attentado cruento do qual resultára a morte do capitão
e de alguns estrangeiros e o roubo do carregamento, tornou vedada toda
a comunicação entre os passageiros estrangeiros e os Chins que são
encerrados em um compartimento á parte. No caso de ataque
promovido por aquelles piratas, os passageiros encontram no salão
revolwers e espingardas já carregadas, das quaes podem lançar mão.
Assim nos expressando, não nos alistamos no numero dos que
consideram desvantajosa a immigração chineza; ao contrario,
acreditamos firmemente que os Chines sendo vigorosos, intelligente,
sobrios, submissos, com aptidão para trabalhos de toda a sorte, reúnem
em si excellentes predicados para serem uteis ao engrandecimento da
lavoura, primeiro manancial da nossa riqueza. Comquanto o espirito
mercantil seja o traço dominante do seu caracter, o Chim é, sob todos
os pontos de vista, superior ao Africano de cujo serviço nos temos
utilisado com vantagem.
Em nossa opinião, a questão unica está na escolha dos imigrantes, que
devem ter o habito do trabalho para o qual são chamados em um paiz
como o nosso, de um solo uberrimo, mas em luta com a carencia de
braços. (REVISTA MARITIMA, 1882, p.202)

Sobre a chegada da representação brasileira em seu destino, em 1880, ficou


registrado na Revista Maritima Brazileira:
Em Hong-Kong desembarcou todo o pessoal da missão diplomatica,
seguindo immediatamente para Shangai o Exm. Sr. Ministro Dr.
Eduardo Callado e sua digna familia.
Sua Ex. o Sr. Ministro, chefe de divisão Arthur Silveira da Motta,
desembarcado no dia de nossa partida, teve a delicada attenção de
acompanhar-nos em uma lancha a vapor até perto da barra de Leste.
Antes de seu desembarque, o illustrado chefe, nosso antigo mestre,
enviou-nos os dous officios que ora transcrevemos. (REVISTA
MARITIMA, 1882, p.203)
162

A primeira carta do ministro Arthur Silveira da Motta abordava o trajeto e detalhes


sobre a navegação; a segunda era de agradecimentos e elogios à tripulação da corveta. Na
qualidade de oficial da Marinha e brasileiro, “ufano-me de haver testemunhado da boa
impressão deixada em todos os portos do nosso itinerario pelo primeiro vaso de guerra
brasileiro a que foi commettida a gloriosa empresa de uma viagem de circumnavegação”
(p. 205). Assim chegava a missão à China, empenhada em assinar um tratado que
estivesse de acordo com as demandas levantadas no Congresso Agrícola do Rio de Janeiro
(1878).

4.4.2 A MISSÃO ESPECIAL BRASILEIRA À CHINA

A missão brasileira desembarcou em Hong Kong, comandada por Artur Silveira


da Mota e Eduardo Callado. Além deles, Henrique Carlos Ribeiro Lisboa foi nomeado
secretário e Luís Felipe Saldanha da Gama e Alexandrino Faria de Alencar foram
nomeados adidos militares.65 Segundo o dicionário bibliográfico de Argeu Guimarães
(1938), Silveira da Mota, barão de Jaceguay, “passou transitoriamente pela diplomacia,
em missão especial á China, numa época em que o Celeste Imperio começava a despertar
curiosidade entre nós, pela viagem do astronomo Francisco Antonio de Almeida em
1874” e o “objetivo essencial era discutir com o governo chim uma projectada
immigração de coolies para o Brasil”. Isto demonstra a continuidade dos fatos e a
importância que as experiências de diversos sujeitos tiveram na aproximação com países
asiáticosos quais, de quase desconhecidos, permitiriam, em poucos anos, um projeto real
de vinda de trabalhadores ao Brasil.
O objetivo da missão enviada pelo império brasileiro à China era “concluir um
tratado que assegurasse ao Brasil os benefícios da colonização”, como foi reafirmado para
Artur Silveira da Mota e Eduardo Callado em despacho enviado por Antônio Moreira de
Barros, ministro dos Negócios Estrangeiros66. A missão deveria buscar acordos
vantajosos especialmente nos artigos sobre emigração; deveria também compor um
relatório com documentos sobre colonização e tratados reunidos na China, além das
possibilidades de estabelecimento de brasileiros e consulados naquele país. Em ofício
enviado de Paris, a comitiva informava que procuraria “chegar a um acordo com o

65
Despacho de 6 dez. 1879. (BRASIL, 2012, p. 27).
66
Despacho de 6 dez. 1879. (BRASIL, 2012, p.27).
163

governo chinês, acordo que facilite ao Brasil a obtenção de trabalhadores asiaticos”67 e


que havia entrado em contato com o representante da China na Inglaterra, o marquês
Tseng – do qual receberam a oferta de “cartas de recomendação para os principais
funcionários de Pequim”68 – e com o ministro dos Negócios Estrangeiros da França, que
lhes cedeu um intérprete para a missão.69
Os brasileiros chegaram à cidade de Tien Tsin em 8 de julho de 188070, onde se
reuniram com Li Hung Chang (Li Hongzhang), “o estadista de mais prestígio da China”.
Em ofício ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Pedro Luís Pereira de Sousa,
informaram sobre a curiosidade que o governo chinês tinha sobre o Brasil:
Depois de conversarmos algum tempo sobre a nossa longa viagem até
aqui, fez-nos S. Exa. uma série de perguntas a respeito da situação
geográfica do Brasil, sua extensão territorial, população, produtos e
origem da nação brasileira, mostrando-se sobremodo admirado de que
só contássemos 58 anos de existência como nação independente, sendo
que a China, disse-o S. Exa. com visíveis sinais de orgulho, já era um
Estado soberano há quatro mil anos!
A nós, o que causou admiração foi a ignorância completa do vice- -rei
em matéria de geografia; pois, entre muitas questões pueris que propôs,
relativamente aos nossos limites, perguntou se o Brasil era banhado por
algum mar.
Passando a outra ordem de ideias, quis S. Exa. saber por que razão não
havíamos, há mais tempo, procurado abrir relações com a China.
Respondemos que, sendo o Brasil um país novo, só agora o
desenvolvimento gradual do seu comércio e da sua indústria, e da
riqueza pública em geral, haviam indicado a oportunidade e utilidade
de estabelecerem-se relações diretas entre os dois países, sob a garantia
de um tratado solene.
No intuito evidente de provocar-nos a declarar que o nosso principal
objeto era de facilitar a emigração de chins para o Brasil, propôs o vice-
rei uma série de questões especiais sobre os benefícios imediatos que
esperamos da celebração de um tratado com a China. 71

Os brasileiros ficaram surpresos com o suposto desconhecimento sobre o Brasil –


embora tratando-se de um reconhecido estadista chinês não parecia desinteressado seu
questionamento sobre as intenções do tratado naquele momento – sobre o que buscaram
formular seus interesses, escamoteando a questão dos trabalhadores como demanda
primária, chegando mesmo a aludir a ideia, tão negativa no Brasil, de uma possível
colonização. Continuavam:

67
Ofício de 17 jan. 1880. (BRASIL, 2012, p.43).
68
Ofício de 8 dez. 1879. (BRASIL, 2012, p.34).
69
Ofício de 20 fev. 1880. (BRASIL, 2012, p.45).
70
Ofício de 19 jul. 1880. (BRASIL, 2012, p.52).
71
Ofício de 19 jul. 1880. (BRASIL, 2012, p.54).
164

De nossa parte, durante aquela difusa interlocução, mantivemos o


propósito em que havíamos assentado: de demonstrar que as vantagens
que o Governo Imperial esperava obter do comércio direto entre os dois
países tinham sido o móvel principal da nossa missão e, apenas
incidentemente, entre os benéficos resultados que poderão provir do
tratado, observamos que não seria para nós somenos o de induzir os
laboriosos chins a procurarem o nosso país, que tanto carece de
população.
Manifestou-se o vice-rei surpreendido ao dizermos que, no Brasil, já
existia crescido número de chins e quis saber como, e de onde, tinham
ido para ali.
Informamos que, na maior parte, procediam das colônias chinesas de
São Francisco, do Peru, de Demerara e de Cuba, e que para o Brasil
haviam ido por sua própria conta.
Não perdeu S. Exa. a oportunidade de aludir ao mau tratamento que,
disse ele, recebem os chins no Peru e em Cuba, o que tem trazido graves
dificuldades e desgostos ao seu governo. 72

Preocupados com um possível desconhecimento dos chineses sobre o Brasil,


Eduardo Callado solicitou que o redator de um periódico em Shangai publicasse trechos
da obra O Brasil na Exposição de Filadéfia73.
Cabe atentarmos aos fatos apresentados inicialmente neste capítulo, de que o
tráfico de chineses era um problema combatido pelo governo local e, portanto, este
desconhecimento sobre a situação além-mar parecia apenas uma estratégia. É muito
provável que os representantes da China estivessem a par dos interesses brasileiros,
informados por exemplo pela sociedade abolicionista inglesa British and Foreign Anti-
Slavery Society. O Anti-Slavery Reporter, seu órgão oficial, chegou a publicar discursos
de políticos brasileiros, na Câmara e no Senado. Embora não fosse difícil saber das
intenções quanto à imigração a partir de publicações em jornais, dispostas aos
interessados. De acordo com Henrique Ré (2018, p. 826), o comitê da sociedade inglesa
abolicionista enviou uma carta ao marquês Tseng, em agosto de 1879, informando que os
brasileiros estavam a caminho da Inglaterra para negociar a importação de trabalhadores;
lembrava que era um país escravocrata, portanto, havia o perigo de que tais imigrantes
fossem também escravizados. Assim, antes da chegada da missão brasileira, os chineses
conheciam as intenções de substituição da mão de obra, bem como os debates sobre as
formas de exploração. A British and Foreign Anti-Slavery Society não se preocupava
apenas com o caso brasileiro, pois, “desde a década de 1840, a BFASS sempre denunciou
no seu jornal a adoção de trabalho contratado de coolies chineses e indianos pelas colônias

72
Ofício de 19 jul. 1880. (BRASIL, 2012, p.55).
73
Ofício de 30 ago. 1880. (BRASIL, 2012, p.62).
165

europeias do Caribe e de outras partes do mundo” (RÉ, 2018, p. 825). Cabe lembrar,
entretanto, que os britânicos também disputavam portos na China e que os trabalhadores
asiáticos foram utilizados em suas próprias colônias.
Através de uma rede de informações internacionais, os chineses estavam cientes
do debate brasileiro sobre a mão de obra e da precariedade de condições. Ainda em 1879,
o visconde de Sinimbu, ministro da Agricultura e entusiasta da imigração chinesa,
defendia no Senado que:
Esse trabalhador faz temivel concurrencia ao trabalhador europeu, que,
comquanto seja mais intelligente, todavia não tem os mesmos habitos
de sobriedade de que resulta menor dispendio com o trabalho. O
trabalhador chinez, sendo mais sobrio, recebe menor salario, e deixa
maior somma de lucros ao proprietario ou áquelle que o tem a seu
serviço. E’ esta precisamente uma das razões por que devemos desejal-
o para o nosso paiz.
Em situação como a nossa, em que os processos agricolas são ainda tão
imperfeitos, em que, podemos dizel-o, a força muscular deve supprir a
falta de intelligencia e a imperfeição dos methodos empregados,
convem-nos sem duvida trabalhadores cujo salario seja modico, e é o
que se dá com o chim74.

Sinimbu foi questionado sobre as “intrigas” levantadas pela Anti-Slavery “para


desacreditar o Brazil e difficultar esta imigração”, e declarou naquela mesma sessão que
não as receava, lembrando que os ingleses haviam sido incentivadores da introdução de
trabalhadores coolies no Brasil na primeira metade daquele século.
Mesmo diante da defesa desta imigração, por conta de fatores como menores
salários, no artigo publicado em Shangai sobre o Brasil, o país era apresentado como lugar
de “grande equidade”, “nenhuma tirania” e com terras férteis, mas poucos habitantes,
incluindo o convite: “O Imperador está neste momento tratando de atrair os estrangeiros
(imigração). As leis relativas ao tratamento dos imigrantes são-lhes favoráveis e liberais”.
Explicava-se a chegada no Rio de Janeiro na Hospedaria de Imigrantes, a possibilidade
de cultivo de terras no interior, de trabalho assalariado no Estado, julgando inclusive que
“os seus salários são brilhantes”75. Portanto,
Aqueles que sofrem pela acumulação de população devem, portanto,
dirigir-se ao Brasil e ali acharão o melhor tratamento, e se faltar-lhes
dinheiro para o seu transporte, aqui está como podem supri-lo.
Esse país tem cônsules em todos os portos da Europa, funcionários que
fretam navios e encarregam-se interinamente do sustento e da mobília.

74
BRASIL. Senado Imperial. Annaes do Senado do Imperio do Brazil. Anno de 1879. Livro 10.
Transcrição pela Subsecretaria de Anais do Senado Federal. 1879, p.5.
75
Ofício de 30 ago. 1880. (BRASIL, 2012, p.63-4).
166

Se os emigrantes decidiram de antemão ir para o interior do país,


ocupar-se em trabalhos agrícolas, todas as despesas de transporte são
pagas pelas autoridades brasileiras. Tal é o resumo do que se refere ao
Brasil e sua imigração.
Hoje os enviados do Brasil vêm à China pela primeira vez; não sabemos
qual é o seu objeto, supomos, porém, que, na sua mente, o comércio não
tem nada de urgente, enquanto que o incremento da imigração é cousa
que não podem esquecer-se. 76

No dia 5 de setembro de 1880, o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação foi


assinado em Tien Tsin, mas eram citadas dificuldades para negociar e definir as cláusulas
sobre a emigração.
Um projeto de tratado contendo cláusulas relativas à emigração, estava
fora de questão depois das declarações feitas pelo marquês Tseng, em
Londres, e dos avisos que recebemos, ao chegarmos aqui, de várias
pessoas que haviam conversado com o vice-rei Li, a respeito da missão
brasileira.77

Mesmo demonstrando-se dispostos a assumir “quaisquer estipulações” para inibir


abusos contra trabalhadores enviados ao Brasil, as propostas dos brasileiros não surtiam
o efeito desejado, pois os chineses estavam irredutíveis. Nas palavras de Eduardo Callado
e Artur Silveira da Mota:
Replicamos que a nossa insistência sobre este assunto fundava-se
justamente nos precedentes da nossa missão; pois a exclusão, no
tratado, de qualquer claúsula relativa à emigração, indicava que, nas
nossas negociações, haviam prevalecido as prevenções desairosas para
o nosso país, que procurou criar uma sociedade particular inglesa (a
Antislavery Society), na memória dirigida ao marquês Tseng e
publicada na imprensa europeia; memória em que se nos atribuía o
desígnio de querermos perpetuar, com coolies, a escravidão dos negros
que tendia a extinguir-se no Brasil. 78

Os representantes do governo brasileiro na China demonstravam-se incomodados


com o fato de que as denúncias da sociedade inglesa – quanto ao trabalho escravo –
estivessem sendo consideradas nas negociações, mesmo diante de seus esforços em
demonstrar que se tratava de trabalho livre. Seguiu-se a dificultosa negociação, e os
enviados lamentavam que “negociado em circunstâncias tão desvantajosas, o tratado que
assinamos nesta cidade no dia 5 do corrente não pode deixar de ressentir-se – somos os

76
Ofício de 30 ago. 1880. (BRASIL, 2012, p.64).
77
Ofício de 15 set. 1880. (BRASIL, 2012, p.66).
78
Ofício de 15 set. 1880. (BRASIL, 2012, p.70).
167

primeiros a reconhecê-lo – de algumas lacunas e, principalmente, de defeitos de forma”79.


Entenderam que a missão estava concluída e anunciaram a partida da China no dia 30 de
outubro de 1880.80
Eduardo Callado ficou no país, encarregado de reunir dados e organizar a
introdução de trabalhadores chineses no Brasil. Em abril de 1881, ele recebeu um
telegrama remetido pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, a respeito das modificações
a serem introduzidas no tratado negociado no ano anterior. Para isso, encontrou-se com o
“vice-rei” Li Hung Chang (Li Hongzhang) a fim de propor ajustes, após mais seis meses
de negociações, via telegramas, cartas, reuniões, um novo tratado foi assinado, em 3 de
outubro de 1881. Este estabelecia equiparações com os acordos assinados entre a China
e outras nações (França, Inglaterra, Estados Unidos, Japão, Peru, Alemanha), mesmo que
ainda não fosse aquele idealizado pelo governo brasileiro.
Callado continuava a buscar alternativas para a “emigração asiática espontânea”.81
Inclusive estabeleceu contatos com os diretores da companhia chinesa de transportes
China Merchants’ Steam Navigations, interessada em uma linha regular entre os dois
países82. O Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre Brasil e China, foi
promulgado pelo decreto n. 8651, de 24 de agosto de 1882 e publicado no Relatório do
Ministério das Relações Exteriores daquele mesmo ano. Pelo acordo, garantiu-se que os
súditos de ambos os impérios
poderão ir livremente de um para o outro Estado das duas altas partes
contratantes e ahi residir. Em cada um dos dous paizes obterão plena e
inteira proteção para suas pessoas, famílias e bens e gozarão de todos
os direitos, vantagens e franquezas concedidos aos subditos da nação
mais favorecida.83

Porém,
em virtude de instabilidades políticas internas do Brasil, de ingerências
de certas potências ocidentais e de experiências anteriores malogradas
em tentativas de introdução de chineses no Brasil, submetidos a

79
Ofício de 15 set. 1880. (BRASIL, 2012, p.79).
80
Ofício de 29 out. 1880. (BRASIL, 2012, p.101).
81
Ofício de 11 jan. 1882. (BRASIL, 2012, p.140).
82
Com vapores com capacidade para 1000 a 1200 passageiros, em seis viagens anuais. A empresa de
navegação solicitava ao governo, para isso, subvenção anual de 100.000 dólares por três anos e outras
vantagens, variando ainda o valor se as viagens fossem até Cuba, outro lugar interessado nestes
trabalhadores. [Ofício de 11 jan. 1882. (BRASIL, 2012, p.140)]. Assim, o Brasil “terceirizaria” os trâmites
e não se responsabilizaria diretamente pelas condições dos trabalhadores durante a viagem – isso ficaria a
cargo da companhia de transportes. Mas, ao que tudo indica, a negociação não teve resultados.
83
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Relatorio do ano de 1882 apresentado à Assembleia
Geral Legislativa (...) publicado em 1883. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1883. p.43.
168

precárias e desumanadas condições, aliado a denúncias, sobretudo da


Sociedade Positivista, de que os mesmos seriam submetidos a um
regime de escravidão, a imigração chinesa não vingou. Em outras
palavras, por meio do rótulo de “tratado de amizade”, estava sendo
ensejado um novo programa de exploração humana internacional,
atestando a repugnante deslealdade e a imoralidade presente no jogo
das relações internacionais. (YAMAMURA,1996, p. 140)

O esforço para um acordo com a China não ficou restrito às iniciativas


governamentais. No mesmo ano de 1881, paralelamente à missão oficial, fazendeiros
paulistas tentaram outro meio para introdução da mão de obra chinesa, enviando o
engenheiro José Custódio Alves de Lima aos Estados Unidos para contratar três mil
trabalhadores chineses, sem sucesso (RÉ, 2018, p. 837). Ele publicou o relato Estados-
Unidos e Norte-Americanos acompanhado de algumas considerações sobre a
immigração chineza no Imperio do Brazil (1886)84, no qual descreveu chineses com
“olhos parecidos com almondega (sic) e rasgados para dentro, tendo por companheiro o
inseparável rabicho, como symbolo de fidelidade á mãe-pátria” (LIMA, J., 1886, p.151).
Ele também fez considerações sobre a dificuldade para vinda de europeus ao Brasil, por
conta do “clima tórrido”; para Lima, a menos que houvesse vantagens como a
possibilidade de os trabalhadores se tornarem proprietários, o Brasil não estaria “em
condições de preferir uma nacionalidade a outra, muito pelo contrario, deve facilitar a
vinda de todos quantos lhe possam ser uteis, quer pelo lado intellectual, quer pelo lado
material” (p.145).
O Tratado de Amizade não facilitou significativamente a possibilidade de vinda
de trabalhadores. Sendo assim, a missão especial enviada à China e as tentativas de
acordos com o governo chinês a partir de 1879 fracassaram em seu principal objetivo,
embora fossem reavivadas em outros momentos mesmo após a proclamação república.
Este cenário foi resumido por Joaquim Nabuco (2010[1888], p. 529) que criticou aquela
que considerou uma “uma ostentosa comissão à China” na qual “procurou-se obter
daquele governo as suas boas graças, o seu favor, a sua intervenção, para este plano de
reorganização asiática no Brasil”. Para ele, e para os demais que acompanhavam os

84
No relato, José Custódio Alves de Lima (1886) reiterava pontos comuns desse debate: as criticas sobre o
trabalho dos libertos – “que não dão o devido valor á liberdade que os brancos lhes concederam (...). E o
que se há de esperar de uma raça acostumada na escravidão desde longos annos, sem outro estimulo senão
o medo e o latego do senhor?” (p. 9) -, o vício do ópio – “esse veneno com que a Inglaterra mata milhates
de chinezes por anno” (p.181) -, a dificuldade do idioma, as relações familiares, apego à cultura de origem
e o trabalho civilizatório do cristianismo.
169

trâmites, havia sido “um tremendo fiasco o que se deu em 1879, porque, desde então até
hoje, não veio um só asiático para o nosso país”.

4.4.3 “A CHINA E OS CHINS”: A QUESTÃO SOB A ÓTICA DO DIPLOMATA


HENRIQUE CARLOS LISBOA

Henrique Carlos Lisboa atuou como secretário na missão brasileira enviada à


China em 1880 e foi responsável pela legação brasileira no Japão em 1897. A partir da
primeira experiência, escreveu A China e os Chins: Recordações de viagem, publicado
em 1888. No livro, Lisboa apresentou que o objetivo da legação e do Tratado de Amizade
foi a vinda de trabalhadores chineses ao Brasil, e que ele se dedicou também à realização
de uma pesquisa, com informações e relatórios capazes de subsidiar ações do governo e
outros interessados. Esta publicação junto com Os Chins de Tetartos (1894) “cumpriram
o papel de informar os brasileiros sobre diferentes aspectos da China e explorar eventuais
possibilidades de uma mudança de posicionamento do Brasil a respeito do país asiático”
(AZEVEDO, R., 2016, p. 9). Lisboa (2016 [1888], p.19) afirma que a viagem para a China
também vinha “satisfazer a curiosidade, desde a infância alimentada, de conhecer a pátria
dos pacientes fabricantes de mil admiráveis artefatos”. Mas sua ida tinha outro propósito:
Dois são os fins que tenho em vista ao submeter esta obra ao juízo do
público. Um é confiar, simplesmente, as impressões de quem visitou o
curioso Império do Meio e procurou estudar conscienciosamente o
caráter e os costumes dos seus habitantes. O outro é concorrer, na
medida das minhas forças e de conformidade com as minhas
convicções, para a resolução do árduo problema que, há alguns anos,
conserva em crise permanente a sociedade brasileira: “A transformação
do trabalho” (p. 15)

Ele caracterizava as mudanças do trabalho no Brasil como uma “crise


permanente” e buscava adensar o debate sobre os chineses para vários interessados – o
político, no que tangia às questões administrativas da China; o fazendeiro, no melhor
proveito do trabalhador para o cultivo da terra; o proprietário de minas; o construtor de
estradas de ferro; o comerciante e outros brasileiros interessados em formar opinião sobre
o tema. Destacava em sua narrativa os ataques contra os estrangeiros e registrava que
“sangrentos atentados são simultaneamente cometidos em Cantão, Macau, Ning-pó.
Mesmo em Hong Kong produz-se uma tentativa de revolta que leva a consternação à sua
laboriosa população europeia” (LISBOA, 2016[1888], p. 23). Ele considerava que a
170

inserção do liberto no Brasil não era a melhor opção. Acreditava em uma “lenta
desaparição da raça negra” nos países onde havia escravidão e não se eximia de julgar o
que considerava o “pouco valor do que se chama trabalho nacional” (p. 316-7). Para ele,
os trabalhadores nacionais eram pouco assíduos e indolentes, que só trabalhavam o
suficiente para seu sustento, e que “são de uma independência invejável e de uma
suscetibilidade das mais melindrosas; à menor contestação com o patrão lembram-lhe que
não são escravos e raras vezes aceitam que os que os empregam os tratem senão como
iguais” (p. 317). Afirmava que, mesmo nos locais onde viviam com “luxo”, isto não
alterava “os hábitos primitivos dos negros” (p. 317).
Nesse sentido, um dos capítulos de A China e os Chins: Recordações de viagem
foi intitulado como Raça, caráter e costumes, no qual Lisboa debateu a diversidade racial
dentro da China, incluindo ilustrações com as diferenciações; em outro capítulo,
Emigração Chinesa, o autor indicou que “os emigrantes externos avaliam-se em três
milhões, sendo 1.800.000 nos Estados Asiáticos e 1.200.000 nos países dominados pela
raça europeia, na Ásia, Oceania, África e América” (p. 283), e ainda diferenciava
imigração por contrato e imigração livre. Comentava que, na imigração por contrato para
Havana, os recrutadores “iludiam os infelizes coolies” (p. 284) e se colocava contra o
processo violento desse tráfico. Como não havia grande experiência com estes
trabalhadores no Brasil, a ideia dos contratos de trabalhadores asiáticos vinha com falsos
ares de liberdade. Quando o governo chinês, sustentado pelas grandes potências,
pressionou o governo brasileiro em relação à esta espinhosa questão, o que vemos é uma
tentativa de adequação legal para conseguir trazer o trabalhador, fosse nos documentos
da missão ou nos produzidos posteriormente; mas no debate nacional, os interesses e
interessados eram os mesmos.
Lisboa defendia a emigração livre, “que levou o útil trabalho chinês a distintas
regiões do globo”, citou experiências em diversas colônias, especialmente na Ásia, mas
também nas américas. Para ele, “as pessoas que se interessam no Brasil pela questão da
imigração chinesa leram, sem dúvida, o excelente livro publicado em 1879 pelo nosso
digno cônsul em Nova York, sr. Salvador de Mendonça”, afirmando que só poderiam
“desconhecer as vantagens do trabalho chinês os que não leram aquele livro ou os que,
por uma obstinação, infelizmente bastante comum, não querem abrir os olhos à
evidência”. Lisboa trouxe à luz a questão “poderá essa imigração mongolizar-nos, na
expressão dos que classificam os chins entre a raça mongólica? É essa outra fase da
171

questão que desejo estudar” (p. 309). Considerava que o chinês não era um “povo
colonizador” e o trabalho temporário, ao invés da mongolização do Brasil, abriria
precedente para uma “corrente de vai e vem” (p. 310), vantajosa para a economia
nacional. E, caso fosse um insucesso essa vinda dos trabalhadores,
a distância que nos separa da China, as maiores despesas da viagem e a
má sorte dos primeiros que vierem serão suficientes razões para que não
venham mais. Os poucos introduzidos desaparecerão por si só, como já
desapareceram quase todos os importados pelo visconde de Bom Retiro
(p. 310).

Os entusiastas da vinda dos trabalhadores temporários permaneceram buscando


alternativas e, ao fim da década de 1880, ainda era presente no debate nacional o projeto
que havia sido incentivado em 1879. Defendia-se a importância destes asiáticos pelo
trabalho na lavoura, incentivo a empresas de navegação, trocas comerciais. O que havia
ainda era o esforço na manutenção de um sistema de exploração do trabalho, que
articulava o debate racial para satisfazer suas necessidades. Mas o projeto estava longe
de ser de aceitação unânime, como vimos com Joaquim Nabuco, outro caso expressivo
da contraposição aos trabalhadores asiáticos era a Sociedade Central de Immigração.

4.5 OS ASIÁTICOS NA SOCIEDADE CENTRAL DE IMMIGRAÇÃO

Favoráveis e contrários aos trabalhadores asiáticos tendiam a concordar que o


imigrante ideal era o europeu e, mais do que isso, que só a ele caberia o lugar de colono.
Esse terceiro elemento, asiático, no debate sobre mão de obra no Brasil oitocentista,
encontrou diversas oposições, como vimos com Angelo Agostini e vozes dissonantes nos
Congressos Agrícolas do Rio de Janeiro e do Recife. Em termos de grupo, a Sociedade
Central de Immigração estava empenhada em efetivar a imigração de europeus, sendo
reconhecida também pela crítica ao projeto de vinda dos trabalhadores da Ásia.
A Sociedade Central de Immigração iniciou suas atividades em 1883, portanto
após a assinatura do Tratado com a China, e se posicionava contrária aos projetos como
o da Sociedade Importadora de Trabalhadores Asiáticos. Para Michael Hall (1976, p.
153), “a meta principal da Sociedade Central era a criação de uma forte classe média rural
composta de imigrantes europeus que seriam agricultores independentes”, por isso sua
bandeira contra o latifúndio e a favor da imigração espontânea. Havia sido fundada por
172

três imigrantes alemães, “Karl von Koseritz, jornalista e deputado provincial do Rio
Grande do Sul, Hermann Blumenau, o fundador da colônia do mesmo nome em Santa
Catarina, e Hugo Gruber, diretor do jornal Allgemeine Deutsche Zeitung do Rio de
Janeiro” (p. 148). Em seu próprio periódico, A Immigração, publicado no Rio de Janeiro
entre 1883 e 1891, a sociedade expunha seus manifestos, atas e reprodução de notícias de
outros periódicos para fornecer subsídios a seus leitores e apresentar-lhes seus principais
debates acerca dos projetos de imigração.
Como visto, ideias racialistas do exterior circulavam no país. De acordo com
Thomas Skidmore, o francês Louis Couty colaborou com líderes da Sociedade Central,
como o visconde de Taunay. Publicou O Brasil em 1884: Esboços Sociológicos, no qual
afirmava: “tentei provar que foi a colonização pelos africanos escravizados que produziu
todos os males do Brasil, e indiquei a colonização por homens livres da Europa como o
único remédio possível” (COUTY apud SKIDMORE, 2012, p. 72). Sua proposição se
alinhava com o ideal da Sociedade Central, de que a vinda de europeus era a solução para
o sucesso nacional.
Um dos mais atuantes no propósito da Sociedade Central era o visconde de
Taunay85 que havia se ocupado, na Câmara dos Deputados, “da questão da immigração
europea, de preferencia a outra qualquer, pois vê nella o remédio para todos os males e
atrasos em que temos vivido” (A IMMIGRAÇÃO, 12/1883-08/1884). Entre os membros
da Sociedade também constavam André Rebouças e Antônio Ennes de Souza; ambos
professores na Escola Politécnica, e o diretor do periódico Gazeta de Notícias, Ferreira
de Araújo. Como destacou Michael Hall (1976, p. 153):
A Sociedade Central foi, portanto, em geral, dirigida por indivíduos da
nova classe média-alta urbana, sobretudo intelectuais, profissionais
independentes com treinamento científico e técnico, altos funcionários
públicos e negociantes envolvidos no comércio externo. Praticamente
todos os líderes tinham filiação com a Europa, através de nascimento,
família, educação ou negócios. Pela sua eloquência, auto-confiança e
treinamento técnico, eles demonstraram ser uma nova força na vida
brasileira: um grupo de classe média consciente de seus interesses
próprios e donos de uma crítica coerente e cabal da sociedade
tradicional brasileira.
A meta principal da Sociedade Central era a criação de uma forte classe
média rural composta de imigrantes europeus que seriam agricultores
independentes. A Sociedade criticava com veemência o sistema da

85
De acordo com Michael Hall (1976, p.150) “foi, em geral, uma figura excêntrica e de influência limitada
dentro do partido conservador, onde suas opiniões desinibidas sobre a imigração e questões relacionadas,
e um descaso ocasional pelas regras do partido, não eram bem vistos pelos seus chefes. O apoio que deu a
várias reformas liberais contribuiu enormemente para o seu isolamento parlamentar”.
173

grande lavoura que era característico da agricultura brasileira desde o


século XVI.

Assim, faziam sentido as reivindicações da Sociedade contra o latifúndio, que para


seus membros representava o atraso. Suas falas contra os chineses não se dirigiam
somente às permanências da escravidão, mas vinculava-se aos preconceitos raciais contra
os asiáticos, sobre o que os qualificativos negativos não deixavam dúvidas. Sua demanda
inicial não era, necessariamente, um apelo abolicionista. De acordo com Hall (1976,
p.161), apenas em 1885 a Sociedade Central se posicionou a favor da abolição, pois
“mesmo o seu desejo de ver a grande propriedade em colapso foi insuficiente para que
ela tomasse uma posição mais avançada sobre a questão abolicionista. Além disso, a
existência da escravidão não era considerada como um sério obstáculo ao tipo de
imigração que a Sociedade tinha em mente”.
Nas publicações da Sociedade Central de Immigração eram recorrentes
reivindicações por reformas, sob a justificativa da necessidade de um ambiente propício
para a vinda de europeus para as áreas rurais brasileiras. Isso estava exposto em seus
Estatutos da sociedade, que tinham como primeiro objetivo “promover, por todos os
meios directos e indirectos ao seu alcance, o aumento da emigração européa para o
Brazil”. (A IMMIGRAÇÃO, 12/1883-08/1884). Estabeleciam como missão aconselhar
imigrantes, fiscalizar o tratamento a estes dispensados nos navios e nas hospedarias,
influir para reformas necessárias para seu bem estar no país, garantir a atribuição de terras
em extensão suficiente, manter diálogo com as sociedades estrangeiras para que
incentivassem a vinda para o Brasil, criar um órgão de propaganda para “formar opinião
no paiz e exercer conveniente influencia sobre a marcha das cousas publicas em relação
á immigração européa” e, por fim, levar esta propaganda nos países europeus “que
melhores imigrantes forneçam” (A IMMIGRAÇÃO, 12/1883-08/1884).
A contraposição ao latifúndio ou a luta pela “democracia rural” se vinculava à
vinda de imigrantes europeus que almejassem a propriedade de terras. O principal projeto
da Sociedade era garantir condições para a vinda dessas famílias imigrantes, incluindo a
concessão de títulos provisórios de propriedade. Nesse sentido, os esforços voltados à
vinda dos trabalhadores chineses atrasariam o desenvolvimento deste projeto.86 Para o
visconde de Taunay:

86
Ainda nesta sessão, Koseritz “combateu com energia a idéa da introducção de trabalhadores chinezes,
cuja colaboração no trabalho nacional será, se fôr, proveitosa para muito poucos e meramente transitória,
174

Não enxertem nas difficuldades, que nos oneram já, mais esta e de
ordem tão grave. Não acreditem que vão encontrar no chim o
succedaneo do negro. Estão patentes aos inconvenientes do trabalho
escravo, e esses avultarão ainda no trabalho chinez, que precisa ainda
de uma inspecção rigorosa e de todos os instantes. Nem se admita como
aceitavel a idéa da docilidade chineza, a ponto de aturar, sem reagir,
castigos corporaes. Além de ser uma idéa falsa, é isto aviltante para os
sentimentos nacionais. Estejam bem certos que essa pretendida
mansidão dará de si cópia inesperada.
As raças amesquinhadas têm vivo o estimulo de vingança, e não poucos
perigos e incitamentos sanguinarias enxerga o orador, no contacto do
escravo brazileiro, este de uma docilidade enternecedora, com o
elemento chinez, cujo odio a raça branca é innato. Demais procuremos
por todos os modos levantar o espirito nacional. Meias soluções não
servem para os problemas que agitam hoje em dia a nação. A
inquietação que a sobressalta, é, sem comparação, muito mais
conveniente que a estagnação que produziria o fatal engano de que
estava achado o meio de fazer a transição do serviço escravo por meio
do chim, isto na melhor das hypotheses. Falla-se muito na California.
Alli trabalhavam os coolies em massa, ao passo que os fazendeiros os
querem esparços e disseminados. Verificaram então que a sua força de
produção e atividade é minima. O conjunto do esforço commum avulta;
não assim o serviço de pequenos grupos da gente fraca e sua natureza
corrupta e debil. (A IMMIGRAÇÃO, 12/1883-08/1884)

Considerava ainda que, “bastará, com effeito, o simples annuncio de que os chins
vão ser importados para o Brazil, para que a Europa cesse qualquer movimento
emigratorio” (A IMMIGRAÇÃO, 12/1883-08/1884). Havia um forte sentimento
antichinês que transparecia em suas afirmações, como a caracterização de “os decrepitos
filhos do Celeste Imperio”. A Sociedade publicou o manifesto Contra a introdução de
Chins, cúlis e proletários asiáticos, no qual esclarecia:
Não intentamos trocar a escravidão negra pela escravidão amarella e
substituir o misero captivo, sujeito ao chicote e ao tronco, pelo mal
aventurado asiatico, que, tangido da terra natal pela mais profunda
miseria, curva-se resignado ao bambú e às vilanias dos seus feitores, até
ao momento em que o desespero e o odio os levam ao suicidio ou aos
mais atrozes crimes, ao envenenamento em massa e ao incendio de
engenhos, fazendas, colheitas e plantações.
Dizem os sophistas: “Não é humano fechar-se o Brazil a uma raça
infeliz”. Mas elles calam que as suas sympathias pelo Chim não são
para educal-o e instruil-o; não são para eleval-o na escala moral e social;
não são para lhe dar familia e propriedade territorial; mas sim e
unicamente para atiral-o ao soalhento eito do café, ao humido
cannavial, ás pestilentas varzeas do arrozal, ou ás vallas de drenagem,

ao passo que o paiz perderá muito de sua energia e atividade, já de si frouxas, e que têm de ser retemperadas
com o contacto das raças fortes e vigorosas e não abastardadas e viciosas” (A IMMIGRAÇÃO, 12/1883-
08/1884).
175

como rebanho humano destinado ás intemperies, ás enfermidades e á


morte.
Vejamos! Nada de tergiversações e falsidades, nesta conjunctura tão
grave e decisiva, em que estamos todos empenhados na constituilão da
nova patria brazileira. Quereis tratar o chim, o cúli, o asiatico, emfim,
como o immigrante europeu? Ou quereis sempre e tã sómente fazer
delleum instrumento de trabalho, um animal, para as vossas fazendas e
engenhos?
Impõe-se fatalmente o dilemma – No primeiro caso pretendeis – risivel
absurdo – preferir uma raça decrepita e gasta aos povos intelligentes e
progressistas da Europa. No segundo, commeteis um attentado de
reescrevisação e aviltamento da nacionalidade brasileira no proprio
anno em que ella se redimiu tão gloriosa e resolutamente da macula
trisecular.

Na sessão de 11 de abril de 1885, Taunay propôs um protesto contra as ideias do


senador Silveira Martins, propondo um “Brazil divido em zonas, conforme os climas”,
sendo que a cada local caberia diferentes imigrações, incluindo a asiática. Taunay se
opunha a “essa idéa de chins e agora, ha pouco tempo, de japonezes – mascara que serviria
para, na pluralidade dos casos, encobrir os filhos do Celeste Imperio, trazendo de lá os
rebotalhos dos exercitos quando esses se dissolverem”. Citando o exemplo das Ilhas
Sandwich, concluía: “o japonez será o disfarce do simples chim, e nada mais; caso os
fazendeiros não se habilitem a reconhecer as distincções ethnicas e moraes, o idioma, etc.
– É unanimente aprovado” (A IMMIGRAÇÃO, 06/1885). Mesmo o debate racial sendo
dominante no período, aqui a diferença relaciona-se à cultura e à classe, afinal havia uma
desigualdade política e econômica entre os dois países asiáticos, nas quais se baseavam
estas distinções.
No Manifesto aos Immigrantes já estabelecidos no Brazil (A IMMIGRAÇÃO,
01/1886) afirmava-se que “logo ao nascer, a Sociedade Central de Immigração matou a
escravidão amarella, disfarçada na importação de chinezes e de japonezes”. Entretanto, a
imigração europeia não ocorria apenas nos moldes desejados por eles, pois os europeus
tornavam-se trabalhadores nos cafezais paulistas em expansão, e não pequenos
proprietários. Michael Hall acompanhou o embate dos líderes da Sociedade, que
enviaram uma carta ao presidente da província de São Paulo, em 1889, condenando o
projeto de imigração com poucos colonos permanentes; em resposta, Antonio Prado,
fazendeiro paulista, defendia que os próprios imigrantes preferiam o sistema condenado
pela Sociedade e criticava a posição muito teórica e pouco prática, julgando defenderem
uma “imigração doutrinária” (HALL, 1976, p. 169).
176

Diante da busca por trabalhadores, mesmo com iniciativas como a da Sociedade


Central, os últimos anos da década de 1880 foram marcados pela tentativa de favorecer a
imagem do asiático no Brasil, com publicação de artigos em jornais, panfletos e
organização de grupos favoráveis. Contudo, a maior parte foram “tentativas frustradas de
imigração chinesa” (COSTA, E. 2010, p. 313)87.
Se foram “frustradas” as tentativas de imigração chinesa, não teve maior sucesso
os planos destes que se colocaram diretamente no ataque a ela. Embora algumas de suas
reivindicações tenham se efetivado nos anos seguintes, a principal delas não ocorreu
como almejado, pois o Brasil não se tornou um país “embranquecido” e com pequenas
propriedades. Assim, a imigração ocorreu de modo que “ela não veio a criar um novo
Brasil, como tantos ensejavam, porém serviu para escorar a enfraquecida estrutura do
velho” (HALL, 1976, p.169), como receava a Sociedade.

4.6 ATUAÇÃO DE FRANCISCO ANTÔNIO DE ALMEIDA

Retornaremos aqui ao nosso primeiro viajante, Francisco Antônio de Almeida. Na


década de 1880, após voltar dos estudos na Europa, era reconhecido pela publicação de
Da França ao Japão, voz legitimada no debate sobre a Ásia no Brasil, com uma
participação política crescente. Em 1888, o Jornal do Agricultor publicou o artigo A
immigração chineza, declarando serem contrários a esta e indicando que o conhecimento
sobre o tema era importante para demonstrar seus pontos negativos. O grupo do jornal
partilhava da opinião do deputado provincial do Rio de Janeiro, Oscar Varady, que
defendia o investimento na vinda de colonos europeus. Para fundamentar sua posição
contrária à imigração asiática, Varady explicava ter lido muitas obras que julgava mais
legítimas que sua própria opinião: “V. Ex. podem allegar que nunca tive ocasião de viajar
a China, mas tenho lido trabalhos onde encontro opiniões valiosas a respeito”. Assim, os
chineses trariam seus vícios e não serviriam como colonos. Os que defendiam sua vinda
estariam buscando apenas um sucessor do escravo. Além disso, o deputado considerava
que o país deveria se livrar das “raças inferiores”, como a asiática e a africana. Para
embasar sua fala, frisou as palavras de um brasileiro, que conferia legitimidade dentro do

87
Como a Companhia Comércio e Imigração Chinesa, que encerrou suas atividades em 14 de novembro
de 1883, após a partida de Ti-Kung-Sing, responsável pelas negociações. (COSTA, E. 2010, p. 314)
177

debate, ao contrário de estrangeiros que tratavam do tema, mas não conheciam a realidade
brasileira. Sua “carta na manga” era Francisco Antonio de Almeida:
Vou citar um Brazileiro distincto, o Sr. Francisco Antonio de Almeida
que foi addido do governo imperial á commissão do governo francez,
que verificou a passagem de Venus no Japão e que, fallando da China,
na opinião que expende, não é também favoravel á immigração chineza:
elle descreve os vicios a que os chins se entregam, bem como a paixão
pelo jogo, e mostra a quantidade de opio que consomem e quanto
augmenta diariamente este vicio, e diz que “uma terça parte da
população se entrega desordenadamente a esse infame vicio”; mostra
os diversos modos em que é usado, que por uns é fumado, por outros é
mascado, e para os mais viciosos é ingerido em pilulas. (JORNAL DO
AGRICULTOR, 1888, n.492, p. 403)

Tratava-se de uma leitura seletiva da obra de Almeida, num momento em que os


japoneses eram cada vez mais presentes como possibilidade.
Distinguindo o japonez do chinez, acha que o primeiro é mais sobrio.
Diz que é contristador ver-se nas lojas de venda chinezas o chefe da
casa e todos os seus empregados embriagados, abatidos em busca de
estupidas emoções e lascivos sonhos.
Diz o mesmo escriptor que as cidades chinezas têm ar viciado e putrido.
N’este ponto quase todos os autores estão de accôrdo e mesmo aquelles
que são citados pelo nobre deputado como defensores da immigração
chineza reconhecem a falta de asseio e a immundice que se encontra
nas ruas das cidades.
Fallando das mulheres, confirma o facto conhecido de que deformam
os pés; o que vem em apoio do que disse quando asseverei que não nos
podriam servir para o trabalho agricola, mesmo que viessem em tão
grande numero como o de homens. (JORNAL DO AGRICULTOR,
1888, n.492, p. 403)

O deputado Varady concluía, considerando a validade daquele relato pela


experiência in loco:
O grande odio que tem aos europeus, que se manifesta em constantes
attentados de que são victimas e que para prova basta ler-se as palavras
citadas pelo Sr. Almeida, o que não lerei para não estender por demais
o meu discurso.
A opinião do Sr. Almeida deve valer muito para esta assembléa, e,
sendo assim, deveria bastar para que considerasse a immigração
chineza perigosa. (JORNAL DO AGRICULTOR, 1888, n.492, p.405)

Este foi um dos momentos em que Francisco Antônio de Almeida foi apresentado
como voz autorizada sobre os asiáticos. A apropriação que se fez do seu relato se deu de
acordo com as demadas dos interessados na vinda dos trabalhadores no final do século
178

XIX. Em 1891, o Diario de Noticias do Rio de Janeiro publicou o artigo O Perigo


Amarello:
Aos lavradores inteligentes e a todo o povo do Estado do Rio, agora
ameaçado de uma invasão chineza, oferecemos o bello artigo que se vae
ler e que foi publicado no Diario Official de 6 de setembro ultimo.
O autor d’esse artigo é o ilustrado diretor do Diario Official, dr.
Francisco Antonio de Almeida, laureado autor do livro Da França ao
Japão. O dr. Francisco Antonio de Almeida esteve na China estudando
esse paiz, sua população e seus costumes, e é assim uma autoridade no
assumpto. (DIARIO DE NOTICIAS, 14/10/1891)

O artigo em questão era Coolies, publicado por um Almeida com mais idade,
indicado para cargos públicos no Rio de Janeiro e atuante politicamente. Mais de uma
década após sua viagem, não tinha a mesma crítica de 1874, mas mantinha-se contrário à
vinda dos trabalhadores chineses por entendê-la continuidade da escravidão. Citava
problemas da imigração chinesa nos Estados Unidos, julgando-a malsucedida. O artigo,
publicado em 1891, era influenciado pelo movimento antichinês que vinha daquele país.88
No artigo, Almeida traçava paralelos entre sua atualidade e sua experiência de
viagem em 1874:
Vimos, no litoral da China, em 1874, essas misérias de que fala a
imprensa americana e sorprehende-nos qualquer tentativa no sentido de
estabelecer-se a immigração chineza para o Brazil; seria um grave erro,
de sérias consequências, muito mais graves do que as denunciadas pelos
escriptores americanos. Nem mesmo convém aos interesses do paiz a
economia que pode resultar da concorrência do trabalho chinez.
Partindo do principio moral e econômico de que todo trabalho deve ser
justamente retribuído, sendo a paga proporcional ao valor produzido, é
intuitivo que a concorrência pelo vil preço da mao de obra só serviria
para degradar o operário inteligente que tivesse maior somma de
necessidades do que o chim, e, nas condições actuaes do paiz, uma tal
concorrência afugentaria a immigração europea.
Se não tivéssemos observado nas cidades da China a mais condemnavel
desídia em tudo quanto se refere aos serviços urbanos, se não
tivéssemos sentido profunda repugnância por esses homens imundos,
quase nus, moços e velhos, que aos milhares mendigam pelas ruas
cheias de lama, exhalando o cheiro putrefacto das decomposições

88
Em 1882, os Estados Unidos haviam promulgado a Lei de Exclusão de Chineses, proibindo sua imigração.
Mas de acordo com a historiadora Beth Lew Williams (2014), foi em 1888 que se efetivou uma política
real de exclusão. O artigo de Francisco Antônio de Almeida não apenas usava os Estados Unidos como
exemplo, mas era influenciado por este debate internacional contra os chineses. Exemplar é o caso do
filipino José Rizal que, ao retornar da Europa em 1888, vivenciou esse momento de política antichinesa.
De acordo com Benedict Anderson (2014, p.90), ele “chegou a São Francisco durante o período eleitoral,
quando a demagogia antiasiática esteve em seu ápice” e em decorrência dessa política segregacionista ficou
“mantido a bordo por dias a fio em razão da ‘quarentena’ – o navio transportava cerca de 650 chineses,
muitos úteis para a campanha racista anti-imigração”, portanto o viajante “apressou o passo para atravessar
o continente o mais rápido possível.”.
179

orgânicas, ficaríamos indecisos ante as refutações publicadas em


muitos jornaes contra as acusações aqui reproduzidas; mas ainda assim,
convém notar que os defensores da raça amarella refesrem-se
geralmente a toda a população da China, emquanto que os chins que
emigram são habitantes das cidades do litoral, para onde são repelidos,
pelas autoridades da capital e do interior, os mendigos, os delinquentes
de contravenções e mesmo os criminosos sahidos das prisões.
Verificamos todos estes factos durante a nossa estada na china, com
informações colhidas de pessoas fidedignas, e, principalmente, com as
que nos foram graciosamente ministradas pelo consul geral da França
em Shangai.
A discussão travada durante longos mezes entre os jornaes de S.
Francisco da California e os de Nova York, foi largamente alimentada
pela Companhia de Navegação do Pacífico, ferida seriamente em seus
interesses com a suspensão da immigração chineza.
Seria motivo de luto nacional dirigir-se uma corrente de immigração
chineza para o paiz; de coolies que só poderiam ser recrutados no litoral
da China.
Temos já sérios problemas anthropologicos para cuja solução só
podemos contar com a acção do tempo.
Inocular-se no sangue do brasileiro o vírus dos representantes da
miséria da China, é uma ideia tão infeliz, que consideramol-a anti-
patriótica.Veja a lavoura fluminense, veja todo o Estado do Rio o perigo
que os ameaça.
Guerra ao chim!
Guerra aos escravistas amarellos! (DIARIO DE NOTICIAS,
14/10/1891)

Em Da França ao Japão (1879, p. 96), Almeida afirmou que julgar o estado moral
e intelectual dos chineses a partir da imagem do litoral era um equívoco; valorizando sua
postura de cientista, explicou que tais julgamentos levariam a “faltarmos á verdade, por
fraqueza de espirito ou intolerável egoismo”; mais do que isso, relacionou a situação
precária à violência imperialista estrangeira e ainda teceu alguns elogios aos
trabalhadores, o que pôde ser visto no primeiro capítulo deste trabalho. Mas naquele final
de século XIX, sua pretensão de neutralidade dava lugar a uma subordinação à demanda
política, sob uma postura de oposição a uma nova escravidão, atrelada a uma série de
acusações e preconceitos antes questionados por ele mesmo.

4.7 UM PROJETO SEM SUCESSO

Entre as décadas de 1870 e 1880, o debate político sobre o contrato de


trabalhadores asiáticos estava no auge. Seus defensores afirmavam tratar-se de uma forma
de trabalho livre, apontando a necessidade de um acordo com a China para efetivar a
180

imigração. Não esperavam, entretanto, que os chineses estivessem atentos à exploração


de seus trabalhadores e à dinâmica escravista ainda presente no Brasil, à qual se pretendia
submeter os súditos do império chinês. Na negociação do Tratado de Amizade, Comércio
e Navegação, a mudança discursiva do governo brasileiro e dos fazendeiros e empresários
ficava cada vez mais confusa, pois buscava criar uma ruptura com a imagem do país
escravista, e apontar a vinda dos asiáticos como trabalhadores livres – mas as condições
oferecidas aos imigrantes demonstravam o contrário.
Em 1888, após a assinatura da lei abolindo a escravidão, o deputado Joaquim
Nabuco retomava as falas contrárias à imigração chinesa para contrapor-se a uma emenda
que auxiliaria a introdução de trabalhadores de qualquer origem no país, favorecendo a
subvenção para a vinda de chineses.89 A abolição então não era mais um projeto futuro,
ela já estava assinada.
teria sido muito melhor resolver esse problema do trabalho livre pela
população nacional que se libertou com esforço, para levantá-la pela
moralidade, pela família e pela propriedade, do que importar novos
elementos de população estrangeira, elementos heterogêneos de
moralidade duvidosa (NABUCO, 2010[1888], p. 528).

Ele também citou a pretensão de vinda daqueles trabalhadores como “uma ilusão
daqueles que não se querem conformar com a lei de 13 de maio” (p. 530). Sua fala servia
como protesto contra a permanência da exploração do trabalho escravo e de exclusão dos
libertos. A conclusão de seu discurso apontou que “o principal dever para uma nação não
é acumular sacas de café, mas levantar o nível moral das populações, e é em nome desse
dever que o orador rejeita essa emenda, que faz com que o trabalho dos emancipados pela
lei de 13 de maio seja substituído pelo trabalho de uma raça inferior” (p. 534).
No Brasil, a presença do trabalhador asiático até então era mais uma intenção do
que uma realidade. Uma intenção de permanência da escravidão sob novos acordos
jurídicos, denunciada não necessariamente pela defesa dos trabalhadores, mas pelo medo
de que o “elemento asiático” acabasse fazendo parte da constituição racial de um país que
tinha como projeto o branqueamento da população. Não se viam com bons olhos os

89
“Pela verba de 10.000:000$, destinada a terras publicas, colonisação nacional e estrangeira, o governo
auxiliará aos agricultores na introducção de trabalhadores, qualquer que seja a sua origem e nacionalidade;
não podendo o auxilio exceder o preço das passagens dos colonos e immigrantes europeus.” (BRASIL.
Senado Imperial. Annaes do Senado do Imperio do Brazil. Anno de 1888. Livro 6. Transcrição pela
Subsecretaria de Anais do Senado Federal. 1888. p.452).
181

indianos, malaios, japoneses e, especialmente, os chineses. Além disso, as sucessivas


proibições e fiscalizações contra o tráfico fizeram com que os encaminhamentos
brasileiros para acordos com a China, de forma geral, não obtivessem sucesso. Mas o
debate estava posto e havia consolidado opiniões e estereótipos.
182

5. A REPÚBLICA E A VIAGEM DE CUSTÓDIO DE MELLO

Na década de 1880, tanto Brasil quanto Japão buscavam se consolidar como


nações modernas e se destacar internacionalmente, com o impeditivo de estarem fora da
Europa ou da América do Norte. Mas o movimento ocorria mesmo fora desta
circunscrição, como questionou Hobsbawm: “o que era a Restauração Meiji, senão o
aparecimento de uma nova e orgulhosa ‘nação’ no Japão?” (HOBSBAWM, 1982, p. 98).
Além disso, o final do século XIX também foi de mudanças no Brasil, e os grupos
interessados em debater a vinda de trabalhadores asiáticos demonstraram a necessidade
de rearticulação econômica e social para que o país pudesse se adaptar às novas demandas
sobre o trabalho livre. Nossos três principais viajantes foram atuantes nesse novo contexto
político, inclusive participando dos mesmos eventos, mas nem sempre do mesmo lado.
A partir da década de 1870, quando iniciamos nossa análise, era também o
momento em que as ideias republicanas ganharam maior espaço, fomentadas pelo
Manifesto Republicano, representativo da crise do império. Com D. Pedro II, mudanças
importantes ocorreram, criando um cenário mais dinâmico, decorrente do capitalismo
industrial. No final do império, havia nove mil quilômetros de estrada de ferro,
significativas no escoamento de produção e transporte, e ocorria a substituição dos barcos
à vela pelo vapor (COSTA, E., 2010, p. 465). Além disso, o número de indústrias no país,
que era de 175 em 1874, de onde partimos, foi para mais de seiscentas na década seguinte
(p. 466), quando ocorreu a viagem de Custódio de Mello:
A economia brasileira tornou-se mais diversificada e complexa. A
população passou de pouco mais de três milhões, em 1822, para cerca
de quatorze milhões na década de 1880. Concomitantemente às
transformações econômicas, assistiu-se, em certas regiões, a um
fenômeno de urbanização.
Esboçava-se a formação de um mercado interno. Surgiam perspectivas
de novos empreendimentos. A agricultura não era mais o único
empreendimento possível. Os capitais começavam a ser aplicados em
outros setores: construção de vias férreas, organização de instituições
de crédito, estabelecimentos industriais, principalmente no campo da
fiação e tecelagem. (COSTA, E., 2010, p.466)

De Almeida à Custódio, acompanhamos o cenário dos anos finais do império e as


crescentes demandas econômicas e sociais, com participação de fazendeiros, jornalistas,
políticos; com posicionamentos sobre o abolicionismo, republicanismo, imigração,
progresso industrial. Mas não se tratava de um projeto homogêneo, havia “discordâncias
183

a respeito dos fundamentos da nacionalidade, da amplitude da cidadania, do papel


reservado à educação, entre muitas outras” e elas “revelavam os diferentes projetos a
respeito das novas relações entre o Populus e a plebe, engrossada pelos ex-escravos e
pelos imigrantes, na nova nação republicana” (MATTOS, 1989, p. 171). Foi em meio a
essas mudanças, com os debates já consolidados na sociedade e seus resultados mais
visíveis, que ocorreu a viagem de Custódio de Mello, a bordo do navio Almirante
Barroso, iniciada em 1888.

5.1 CUSTÓDIO DE MELLO EM “VINTE E UM MEZES AO REDOR DO PLANETA”

Custódio José de Mello nasceu na Bahia, em 1840. Seu pai era tenente-coronel, e
ele próprio iniciou a carreira militar aos dezesseis anos, sendo condecorado em diversos
momentos, incluindo pela atuação na guerra contra o Paraguai (BLAKE, 1970, p. 145).
Foi eleito deputado constituinte da República pelo estado da Bahia em 1890, esteve
presente na elaboração e promulgação da Constituição de 1891 e, além disso, ocupou
cargos de ministro da Marinha, das Relações Exteriores e da Guerra. Sua atuação mais
simbólica foi a participação na Revolta da Armada, em 1891, contra Deodoro da Fonseca;
e na de 1893, contra Floriano Peixoto.
Em 1888, comandou a circum-navegação a bordo do cruzador Almirante Barroso,
numa viagem de vinte e um meses, passando pelo Japão e levando a bordo Augusto
Leopoldo de Saxe-Coburgo e Brangança, neto do imperador Pedro II. Como a República
brasileira foi proclamada durante a viagem, este não retornou mais ao Brasil.
A viagem de circum-navegação foi designada pela Marinha Imperial Brasileira,
com o objetivo principal de instrução. De acordo com o almirante e historiador naval
Hélio Leôncio Martins, a viagem do Almirante Barroso fazia parte da retomada das
atividades da Marinha, após o período de operações fluviais na guerra contra o Paraguai
(1864-1870), assim como de seu desenvolvimento técnico – tendo o próprio Custódio de
Mello atualizado-se na Europa quanto às novas adaptações tecnológicas. Nesse cenário:
Simultaneamente, cruzadores mistos realizavam grandes cruzeiros
marítimos de readaptação do nosso pessoal às lides oceânicas. Só
viagens de circunavegação foram duas; nelas também teve Custódio sua
parte, comandando o Almirante Barroso nos 21 meses em que navegou
em torno do planeta (foi promovido ao almirantado em viagem,
transmitindo o comando ao imediato). Ao passar pela Índia, recebeu a
184

informação de que a República havia sido proclamada no Brasil.


(MARTINS, H., 1997, p.119)

Após a viagem, Custódio de Mello escreveu Vinte e um mezes ao redor do


planeta: Descripção da viagem de circumnavegação do cruzador “Almirante Barroso”,
publicado pela editora Cunha & Irmão, no Rio de Janeiro, em 1896. O livro descreve o
percurso, apresentando capítulos sobre as paradas e a travessia, com dados técnicos de
navegação. Esta especificidade justifica-se pelo caráter de teste e estudo da viagem, bem
como pelo interesse do autor e do governo no desenvolvimento tecnológico da Marinha.
Tratando-se de um evento de interesse nacional, a viagem do Almirante Barroso foi
acompanhada pelos periódicos, que publicavam as notas enviadas pelo comandante. A
Gazeta de Noticias, por exemplo, reportou as etapas da viagem desde a preparação, as
sucessivas paradas, detalhes sobre a tripulação e os eventos mais marcantes. Isto não era
incomum, especialmente nas viagens oficiais.
Buscando demarcar sua competência na Marinha e a indispensabilidade de seus
serviços, Custódio de Mello iniciou o relato narrando sua surpresa com a nomeação para
comandar o cruzador Almirante Barroso que soube por meio de uma notícia do Jornal do
Comércio, no dia 07 de outubro de 1888. Reclamava ainda das condições materiais da
embarcação, do pouco espaço para a tripulação e também da “falta de conforto e de
distracções” (MELLO, 1896, p. 7). O comandante foi um personagem político atuante, e
sua obra, incluindo outros escritos como Apontamentos para a História da Revolução de
23 de novembro de 1891 (1895) e O Governo Provisorio e a Revolução de 1893 (1938),
deixam evidente a pretensão de construir sua memória. Entendendo-se como
“representante da nação”, como ele mesmo afirmou, não se via apenas como um viajante
relatando suas impressões, mas como embaixador legítimo do Brasil no exterior.
Em Vinte e um mezes ao redor do planeta transparece seu incômodo no interesse
demonstrado por representantes estrangeiros no neto do imperador, D. Augusto
Leopoldo, que integrava a tripulação como segundo-tenente. Descreveu uma cena
ocorrida no Uruguai: diante de um coronel incumbido de cumprimentar o tripulante real,
Custódio de Mello o fez “sentir que o príncipe agradecia a honra que por tal fórma lhe
dava o Exm. Presidente da República, mas que elle viajava, não como membro da familia
reinante do Brazil, mas como simples 2º tenente, e que só neste caracter devia ser
considerado” (p. 7). Contudo, em visitas oficiais, apresentava-se em sua companhia –
mesmo porque, pelo caráter dos convites, o príncipe era o personagem central e não um
185

coadjuvante, como o comandante Custódio de Mello o caracterizava. Fato semelhante


ocorreu em Valparaíso, no Chile, quando um general local foi posto às ordens do príncipe
Augusto. O comandante Custódio negou a oferta, reiterando a função que o tripulante
cumpria naquela viagem. Mas o general insistiu “em cumprir a ordem que lhe fôra dada,
a ponto de declarar-me graciosamente que, maó grado meu, elle daria desempenho a essa
ordem, entendi que seria requintada grosseria não submetter-me a tão doce, quão gentil,
ameaça” (MELLO, 1896, p. 72). Na Austrália, um convite dirigido ao príncipe foi
recusado pelo próprio Custódio, que acabou cedendo, com a condição de que D. Augusto
fosse na qualidade de seu “ajudante de ordens”.
A publicação de Custódio de Mello traz anexadas as listas de despesas do
cruzador, entre 26 de outubro de 1888 e junho de 1890, com soldos dos oficiais,
gratificação especial à D. Augusto, munições, medicamentos, fretes, enterros,
combustível, bailes, publicações, carruagens, entre outros. Esta prestação de contas
parecia feita como resposta aos questionamentos do ministro da Marinha, o barão de
Ladário, como quando foi cobrado de Custódio na passagem por Valparaíso “os gastos
effectuados com a devida retribuição dos memoráveis obséquios que recebemos do
governo e do povo chileno” (p.74). 90
O periódico carioca O Paiz (27/07/1889) publicou, a respeito da cobrança:
Vimos todos com que severidade S. Ex. procedeu contra o capitão de
mar e guerra Custodio de Mello, a quem castigou com a pena de
restituição dos 4:341$666, despendidos no Chile pela oficialidade do
Almirante Barroso, em honra ao nome brazileiro.
Afivelando ao seu odio velho contra aquelle comandante a mascara da
inteireza, o Sr. barão de Ladario quis em seguida dar-se ares de
escrupuloso econômico dos dinheiros publicos e em 22 de junho
expediu um aviso mandando cessar as gratificações não consignadas no
orçamento.

Outros casos se sucederam. Em Hong Kong, os valores solicitados pelo


comandante para limpeza e pintura do navio foram recusados. Custódio então informou
que o navio ficaria em más condições até retornar ao Rio de Janeiro, não fosse a saída do
barão de Ladário do Ministério, o que ocorreu com a Proclamação da República. Anos
depois, em 1891, o próprio Custódio de Mello assumiria o Ministério da Marinha.

90
Hélio Leôncio Martins (1997, p.123) explicou que os desentendimentos entre Custódio de Mello e José
da Costa Azevedo, o Barão de Ladário, iniciaram por volta de 1885 quando estavam envolvidos na
construção da embarcação Aquidabã.
186

Nos vinte e um meses de viagem, o Almirante Barroso passou por Montevideo,


Buenos Aires, Punta Arena, Valparaiso, Sidney, Yokohama, Nagazaki, Shangai, Hong
Kong, Singapura, Jacarta, Colombo (Sri Lanka), Bombaim (Mumbai), Aden (Iêmen),
Alexandria, Constantinopla (Istambul), Brindizi, Trieste, Veneza, Napoles, Spezzia,
Gênova, Toulon, Barcelona, Gibraltar, Tenerife, Cadiz, Lisboa, Portsmounth, Plymouth,
Brest, Cherbourg, Bahia e Rio de Janeiro. O Jornal do Commercio de 2 de outubro de
1888 noticiou que, pela primeira vez, a bandeira brasileira esteve nas águas da Austrália.
Não eram raros os momentos em que os relatos de viagem dialogavam com outras
produções de viajantes. Por conta da especificidade técnica, Custódio de Mello lançou
mão de obras como a do capitão Saldanha da Gama, anteriormente comandante do
Almirante Barroso em viagem aos Estados Unidos (MELLO, 1896, p. 6). Como os relatos
completos são elaborados posteriormente às viagens, percebe-se que seus autores,
colocavam-se como observadores da própria experiência, ressignificando-a diante do
momento político. Neste caso, a viagem foi iniciada no império e terminou já durante o
início da república.
Como Almeida, Custódio de Mello percebeu que o relato de viagem poderia servir
a outros viajantes, na medida em que trouxesse informações cotidianas sobre os lugares
que conhecia em seu trânsito intercontinental. Ele narrou situações similares às de
Almeida com relação aos comerciantes, principalmente nos portos
Um official comprou algumas duzias de garrafas de agua de Seltz, e
disse ao vendedor que lh’as remetesse para o bordo do Almirante
Barroso. A bordo foi, com effeito, recebido um caixão que dizia contel-
as; mas quando já caminho de Yokohama, o official fêl-o abrir, e
encontrou agua de gönos (purgativa, creio eu) em vez da que havia
comprado e pago! (MELLO, 1896, p.130)

Estas experiências e curiosidades compõem, ao nosso ver, uma das principais


características do relato de viagem. Além disso, seu autor também contava a história de
náufragos, apresentava a diversidade dos portos, projeções sobre as relações diplomáticas
e considerações acerca das populações que encontrava, mesmo que a descrição dos
“tipos” e a análise de “usos e costumes” não fosse a intenção deste militar.
A publicação de Vinte e um mezes ao redor do planeta foi igualmente divulgada
em periódicos no final do século XIX, especialmente do Rio de Janeiro. Um dos debates
mais presentes em torno da obra era sobre sua qualidade literária – ou, mais
especificamente, sobre a falta dela. A recepção do livro não foi positiva como a de Da
187

França ao Japão. Mesmo que as críticas destacassem que o livro tinha importância para
a Marinha, estas também questionavam o estilo da escrita de Custódio de Mello, inferindo
que não despertaria o interesse dos leitores em geral.
Uma das críticas mais severas foi a de Valentim Magalhães, um dos fundadores
da Academia Brasileira de Letras (ABL), publicada na coluna Semana Litteraria do A
Noticia:
Vinte e um mezes ao redor do planeta intitula-se o livro que acaba de
publicar o Sr. contra-almirante Custodio de Mello, aquelle mesmo que
etc. e tal.
É um grosso, um formidavel volume in quarto de 420 paginas.
Julio Verne não teria encontrado titulo mais feliz; mas este livro não é
um romance, nem mesmo um livro de impressões de viagem, mas
apenas – hélas! – a “descripção da viagem de circumnavegação do
cruzador Almirante Barroso”.
Manda minha habitual lealdade declarar que eu não li deste formidando
bouquin mais do que algumas, bem poucas, paginas. Em primeiro logar,
não tive tempo de lel-o todo do dia do recebimento ao de hoje; e depois
não o li porque o Sr. Custodio não quis que eu o lesse. Sim, meus
senhores; positivamente, não quis. É esquisito, é extraordinário, bem
sei, mas é isto mesmo. Ora digam-me, que faz quem quer agradar?
Torna-se agradável, não é assim? Que faz quem quer ser lido? Procura
attrahir e prender o leitor, evitando enfadal-o, buscando todos os meios
de obrigal-o docemente a receber-lhe o recado por extenso que seja; e,
por isso, começa por escrever o livro com alguma grammatica, porque
livros sem ella não agradam nem mesmo aos analphabetos.
(...)
E venhamos ao livro do Sr. Custodio de Mello. Faltam-lhe cinco cousas
indispensaveis a uma obra desta natureza: a) um índice das materias; b)
um mappa-roteiro da viagem; c) divisão dos assumptos por capítulos,
methodo expositivo de qualquer espécie; d) estylo; e) grammatica.
Quiz acompanhar a interessantissima excursão e não pude, porque a
obra está escripta em forma de relatorio, mas de relatorio á nossa moda,
relatorio passóca, sem disposição capitular das materias, sem ordem,
sem feitio, e porque não tem um mappa planisférico – falta inexplicavel.
Servi-me de um atlas, mas a primeira falta apontada impossibilitou-me
o trabalho.
Basta dizer que o livro não tem prefacio, nem introducção, nem signal
de que alli começa a primeira parte do trabalho...nada.
(...)
E n’esse estylo de realejo velho, continua S. Ex. durante quatrocentas
paginas, sem parar, sem tomar folego, sem abrir capitulo, nem divisão
de nenhuma espécie, sempre moendo, moendo sempre.
A esta censura capital pansará talvez S. Ex. responder victoriosamente
alegando que a dua obra não é um livro de touriste, mas sim um simples
relatorio de viagem, o seu diário de bordo.
Mas a alegação não procede. Não é isto um relatorio, pois S. Ex. não o
endereça nem apresenta ao ministro da matinha, nem seria sete annos
depois de feita a viagem que S. Ex. apresentaria o relatorio dela e, ainda
– e esta é a principal razão – nada impede um relatorio de ter methodo
e fôrma, de ser dividido em capitulos, com uma certa ordem e harmonia.
188

E que não é um mero relatorio se vê nas observações múltiplas, e


algumas bem curiosas, com que S. Ex. entresacha a sua narrativa batida
e ininterrupta e que são apenas do touriste.
Folheando o livro, lendo aqui um pagina, duas mais adiante, verifiquei
que há nelle muita cousa interessante e muita cousa util. Eu, porém, só
leio livros bem escriptos, acompanhando assim não sei que illustre
confrade que affirma ser de maior nocividade para a hygiene mental ler
obras mal escriptas, utilissimas embora.
Vou chegando ao extremo de não admittir mesmo que um
escriptor tenha má lettra, que escreva mal materialmente. E transmitto
esta observação – que a maioria dos nossos bons escriptores tem uma
lettra excelente – Olvo Bilac, Raymundo Corrêa, Coelho Netto, Alberto
de Oliveira, Magalhães de Azeredo, Filinto de Almeida, Arthur
Azevedo etc. têm uma caligrafia primorosa.
Por ultimo e, como um dever de lealdade, desclaro que há muito
que aprender nas paginas d’esta gorda brochura e que, quem não for
exigente como eu, n’ella encontrará com que fartamente se entretenha
e distraia. Ora, isto elogio de somenos valor. (A NOTICIA, 15/04/1896)

Na Gazeta da Tarde, também do Rio de Janeiro, foi publicada uma resposta à


crítica de Valentim Magalhães, em uma coluna sem assinatura. Ali, acusou-se o
acadêmico de ter agredido Custódio de Mello sem ao menos ter lido sua publicação, além
de estar “estudando-o por uma face falsa – como obra litteraria”, coisa que a coluna
anônima considerava uma “uma sandice de critica”. Magalhães também foi questionado
quanto a suas definições do que seriam bons escritores nacionais. Por fim, a coluna
terminava citando a avaliação de outro periódico: “é ‘um bom livro porque preenche o
fim para que foi escripto’, segundo a insuspeita opinião d’O Paiz” (GAZETA DA
TARDE, 17/04/1896). Na Revista Brazileira, então dirigida por José Veríssimo,
reiterava-se que o livro de Custódio de Mello não era uma obra literária. Porém, como
um relatorio de viagem, “perece-nos possuir as qualidades de exactidão, precisão e
minuciosidade que em taes peças se deve oficialmente exigir, como obra literaria, o que
me parece não tem pretensão de ser, deixa muito a desejar” (REVISTA BRAZILEIRA,
1896, p. 140).
Trata-se de julgamentos de grupos específicos de membros de ABL e jornalistas,
que demonstram que a qualidade literária não foi necessariamente a principal
preocupação ou chamariz para estes relatos de viagem. Anteriormente, Da França ao
Japão foi considerado um livro de interesse instrutivo, mas que “resinte-se a obra de
descuido de estylo e linguagem” (O PAIZ, 22/03/1879). Nem Almeida nem Custódio de
Mello eram escritores profissionais, seus relatos não eram passíveis de serem analisados
pela qualidade literária, diante dela seriam inevitavelmente postos como inferiores.
189

5.2 O JAPÃO

O nome – Yapão – deriva de duas palavras chinesas,


Yih e Pun, que significam origem do sol, ou lugar
de onde emerge o sol, denotando assim a situação
do império no extremo oriente. (MELLO, 1896,
p.147)

Uma entre as paradas do Almirante Barroso, o Japão foi considerado “bello e


excepcional”, rendendo mais descrições de Custódio de Mello em Vinte e um mezes ao
redor do planeta. O autor conferiu a cada lugar a quantidade e a densidade de detalhes
proporcionais aos seus interesses, e o Japão chava atenção especialmente pela trajetória
que o país traçava para a constituição de um estado-nação moderno.
Há pontos comuns entre os relatos de Almeida e de Custódio, alguns dos quais é
importante destacarmos, como o interesse pela história do Japão. No relato de Custódio
de Mello (1896, p. 152), esta se inicia com a chegada de Marco Polo, “o primeiro que no
occidente deu noticia deste rico paiz”, depois com a passagem do português Fernão
Mendes Pinto, a missão de Francisco Xavier e a disputa entre portugueses e holandeses,
que acabaram por se tornar os únicos europeus com os quais os japoneses mantinham
relações comerciais no período de isolamento. A mitologia japonesa e suas divindades
ganharam algumas linhas, passando-se ao período Meiji, momento que “data o
renascimento do Japão, o qual entrou desde então para o gremio da civilisação moderna”
(p. 155). Destavaca a chegada ao país do comodoro Perry (1854), com sua esquadra “para
intimidar a côrte japoneza, obrigou-a a auctorisar permutas com os Estados Unidos, aos
quaes seguiram-se a Inglaterra, Russia, França, Hollanda e Portugal” (p. 153). Nesta
apresentação permanece a centralidade no cristianismo no Japão e a noção do país como
exemplar pela forma como se adequava aos costumes e conhecimentos das grandes
potências.
Yokohama foi a primeira parada do Almirante Barroso no Japão, vindo de Sidney,
na Austrália. A missão se deparou com recifes, ciclones e monções, a intenção era
registrar tais fenômenos e fornecer indicações para viagens posteriores:
O dever, porém, leva-nos a afrontar a sangue frio todos esses perigos,
passeando por ahi a bandeira brasileira, e ir surprehender o império do
extremo oriente em seu período de renascimento, já se hovendo
apropriado de grande parte da civilisação occidental. (p. 132)
190

Havia grande expectativa de chegar ao Japão, por conta do processo de reabertura


do país, que ganhava mais protagonismo e recebia cada vez mais esquadras estrangeiras;
Custódio reencontrou nos portos de Yokohama e Nagasaki marinheiros ingleses e
estadunidenses que conhecera em missões anteriores. A tripulação do Almirante Barroso
avistou o porto de Yokohama no dia 19 de julho de 1889 (p. 147); ali permaneceram por
quatorze dias (p. 170), partiram para Nagasaki, e de lá para Shangai, em 14 de agosto (p.
185).
Em Yokohama, Custódio de Mello foi recebido, como representante do império
brasileiro, por Ori Morikata91, “governador em Yokohama, o qual veio a bordo com seu
secretario encarregado dos negócios estrangeiros, Mr. Percival Osborn, inglez de
nascimento, e, ao que disseram-me, homem muito intelligente e instruido” (p. 152).
Brasileiros e japoneses se comunicavam por intermédio de intérpretes, em francês ou
inglês; após o desenvolvimento do contato com o exterior, Custódio comentou que o
inglês era “o idioma mais fallado em toda a Asia, ainda mais que a lingua vernacula e
dialectos dos respectivos paizes, de sorte que póde-se dizer que nessa parte do mundo
constitue elle a lingua universal” (p. 167).92
O representante de Portugal no Japão, José Loureiro, recebeu a tripulação e
promoveu o encontro entre os representantes brasileiros e japoneses:
Não nos teria sido facil conseguirmos do governo japonez permissão
para vermos alguma cousa que nos pudesse interessar, não fossem os
bons officios do illustre Encarregado de Negocios de Portugal, o Sr.
José Loureiro, que muito gentil e espontaneamente offereceu-me seu
valioso prestimo, dizendo que, como não houvesse alli um
representante brazileiro acreditado junto ao governo do paiz, punha-se
elle á minha disposição para quanto precisassemos; offerecimento que
acceitei, tendo sido pela benefica intervenção de tão distincto
cavalheiro que obtive uma audiencia do Mikado para mim e oito
officiaes, e que nos foi dado visitarmos o arsenal de Yokosuka. Prestou-
nos, pois, o Exm. Sr. Loureiro os melhores serviços, pelos quaes dei-
lhe, em nome do governo do Brazil, os mais sinceros agradecimentos e,
em meu nome individualmente, a S. Ex. e sua Exma. familia, que para
comnosco demasiaram-se em gentileza e amabilidade, deixando-nos
captivado o coração por eterno reconhecimento. (p. 164)

91
Tratava-se provavelmente do governador de Kanagawa, Oki Morikata.
92
Como foi visto no segundo capítulo, desde a década de 1860, o holandês que era o idioma estrangeiro
mais presente no país foi perdendo espaço para o inglês com a política de abertura (SUKEHIRO, 1989, p.
438).
191

Assim como Francisco Antônio de Almeida anteriormente, Custódio de Mello e


oito oficiais, incluindo D. Augusto, reuniram-se com políticos japoneses, na condição de
missão oficial brasileira. Por conta da presença do neto de D. Pedro II na tripulação, a
viagem marcou o único encontro entre representantes das famílias imperiais japonesa e
brasileira, no qual falaram do interesse em estabelecer relações oficiais:
Communicando-me o digno representante portuguez que o Mikado
accedera ao meu pedido, concedendo-nos uma audiencia, no dia
designado eu e oito officiaes por mim indicados mettemo-nos em um
trem do caminho de ferro, que vae de Yokohama á Tokio, com destino
a esta cidade, levando comnosco nossos uniformes. Á hora marcada
para a audiencia nos achámos em o novo e esplendoroso palacio
imperial, sendo transportados do hotel, onde nos hospedaramos, em
carruagens para tal fim postas á nossa disposição pelo governo japonez.
Após uma espera, que não durou mais de cinco minutos, si tanto, fomos
introduzidos pelo mestre de cerimonias, o ministro da casa imperial,
visconde H. Hijikata, á presença do Mikado, que trajava o uniforme de
general, emquanto aquelle seu ministro trazia casaca. Sua Magestade
saudou-nos muito amavelmente e por intermedio do mestre de
cerimonias, que dirigiu-nos a palavra em francez, perguntou-me qual o
itinerario da nossa viagem, assim como disse-nos que muito desejava
estabelecer com o Brazil relações de commercio e amizade; e como lhe
perguntasse eu, sempre pelo orgão do visconde de Hijikata, porque não
mandava ao nosso paiz um navio de guerra, respondeu-me que era
muito longe, e então redarguindo-lhe que tão longe ficava para os
brasileiros o Japão quanto o Brazil para os japonezes, riu-se Sua
Magestade ao ouvir do mestre de cerimonias a objecção que lhe vinha
de fazer. Ao principe D. Augusto, que era um dos oito officiaes,
perguntou o Mikado pela saude do ex-imperador, depois de o haver Sua
Alteza comprimentado da parte deste.
Finda a audiencia, comprimentámos Sua Magestade e passámos a
percorrer o palacio, acompanhado pelo mesmo personagem, o visconde
H. Hijikata, cavalheiro demasiado amavel e de alta distincção. Ficámos
realmente extaticos e deslumbrados do luxo, esplendor, gosto esthetico
e riqueza desse palacio, que, sem exagero, é uma maravilha,
particularmente a sala do throno, onde á mais aprimorada elegancia
aliam-se uma opulencia e luxo archi-orientaes, formando um conjunto
admirável. Em a sala de espera onde estivemos antes de sermos
introduzidos ao Mikado, a qual é mobiliada á européa e á japoneza,
vimos objectos de arte japonezes de um primor peregrino. (p.164-5)

Chama atenção nesta passagem a permanência das “cenas de transição” descritas


por Almeida, como as roupas e a arquitetura, mesmo que várias mudanças tivessem
ocorrido desde então. O principal evento da missão foi a reunião com o imperador Meiji,
que se estendeu a encontros com ministros da Marinha, da Instrução Pública e dos
Negócios Estrangeiros, além nobres e políticos. Alguns membros da missão brasileira
haviam participado da recepção à tripulação do Vital de Oliveira, anos antes.
192

A atividade marítima havia se intensificado nos anos que separaram as duas


viagens, entre 1874 e 1888. Embora poucos brasileiros tivessem chegado ao Japão até
aquele momento, a partir da década de 1870 criou-se uma rede de contatos, com
facilitadores para as posteriores missões oficiais e comerciais. Segundo Custódio:
Pouco depois de fundearmos, nesse porto, veiu a bordo o Sr. J. A. da
Fonseca, portuguez, natural de Macáo, o qual entregou-me uma carta
do consul brazileiro em Hong-Kong, m’o recommendando para
fornecedor do Almirante Barroso, pedido que eu não fiz duvida em
satisfazer, não só em vista da recommendação, sinão tambem porque
vim no conhecimento de que esse mesmo cavalheiro fora o fornecedor
da Vital de Oliveira, quando naquelas aguas este vaso de guerra
brazileiro. (p.163)

O fato de um membro da família real integrar o grupo brasileiro foi importante


naquele país que também contava com um império, como demonstra a visita recebida a
bordo do Almirante Barroso, em Yokohama:
Vinte e quatro horas após nossa chegada visitei o Exm. Sr. Jiro
Nakamura, o secretario da prefeitura de Nagasaki, o qual o estava
servindo interinamente de governador, por estar licenciado o effectivo.
Um dia depois essa auctoridade retribuiu-nos a visita, mas em o dia em
que deviamos partir veiu de novo a bordo afim de despedir-se do
principe D. Augusto, e isto ás 4 horas e meia da manhã, por lhe haver
eu dito que sahiriamos mal que clareasse o dia; e como estivesse ainda
escuro e não fosse illuminada a cidade, o Sr. Nakamura trazia na mão
uma lanterna de papel accesa, em a qual distinguiam-se duas cores
encarnada e amarella, e assim saltou a bordo, dizendo-me elle, nessa
ocasião, que o encarnado era distinctivo official, e que, quanto mais
larga fosse a faixa dessa côr, tanto mais elevada era a categoria da
auctoridade. (p. 185)

Após os quatorze dias em Yokohama, o Almirante Barroso partiu para Nagasaki.


Mais do que referências ao passado, importava naquele momento a crescente
movimentação comercial, com a qual vinham os bancos e as linhas de paquetes a vapor.
Com a circulação de estrangeiros, consolidava-se igualmente uma estrutura de recepção
e lazer para os viajantes, reforçando a circulação entre os continentes:
As ruas da parte indigena da cidade não têm, em geral, calçamento, e
são estreitas, sendo situado em amphiteatro o lado oriental deste bairro.
Na parte mixta há cinco hoteis, quasi todos ordinarios, sendo os
melhores o Belle Vue e o Cook, em o qual nos hospedámos, eu e os
officiaes. Ahi existem tambem dous clubs, o Nagasaki Club e o
Nagasaki Bowling Club, os quaes mandaram convites a mim e aos
officiaes, para os frequentarmos emquanto estivéssemos no porto. A
directoria da primeira destas sociedades, por proposta do consul
americano, M. John M. Birch, distincto e mui amavel cavalheiro,
193

offereceu-nos um saráo na casa do club, tocando então a banda do


cruzador, a pedido deste consul, a quem offereci a bordo um almoço.
(p. 184)

Ao comentar sobre os riquixás, Custódio de Mello se mostrou espantado pelo fato


de o veículo ser puxado por homens, muito velozes, sem descanso, o que provava o
“evidente do vigor da raça japoneza” (p. 167). Embora considerasse um “ingrato officio”,
sua conclusão contribuía para uma imagem positiva do trabalhador japonês. O meio de
locomoção característico se tornava um negócio lucrativo naquele final de século com a
demanda de transportes nos países asiáticos. De acordo com o historiador Jürgen
Osterhammel (2014, p. 305):
Na Ásia, não eram cavalos, mas homens que forneciam energia para
transportar pessoas para a ferrovia. O riquixá japonês (também
chamado de kuruma), uma espécie de cadeira sobre duas rodas, foi
inventado em 1870 e logo entrou em produção em massa; na década de
1880, estava sendo exportado para China, Coréia e Sudeste Asiático.
Grandes empresas agiram rapidamente para organizar o comércio de
riquixás nas grandes cidades do Japão, travando disputas de preços
entre si. Em 1898, mais de 500 riquixás aguardavam clientes fora da
estação ferroviária de Osaka. Em 1900, Tóquio tinha uma força de
50.000 puxadores. (tradução nossa)

Custódio de Mello notou que a mudança institucional do país não configurava,


necessariamente, um apagamento dos hábitos anteriores à abertura, o que seria uma das
principais características da modernização japonesa. Nesse sentido, o viajante registrou
seu estranhamento em relação a alimentação, vestimentas, o costume de sentar sobre
almofadas no chão, retirar os sapatos, o modo de se beber o chá e as divisórias dos
ambientes internos feitas com seda ou papel:
Os nobres vivem nas cidades príncipaes, em casas, como já foi dito,
construidas e mobiladas á européa; os demais habitantes, porém, ainda
conservam suas casas edificadas no estylo primitivo. Estas são todas de
madeira e cobertas de telhas, e, excepto nas grandes cidades, raro
encontram-se casas de mais de dous andares, si bem os hotéis e
hospedarias tenham geralmente quatro. Ao rez do chão, o soalho é
levantado do solo cerca de 18 pollegadas e esteirado; as paredes
divisorias nessas casas são quadros de madeira forrados a papel e as
portas corredias; em casas de primeira ordem, porém, emprega-se nas
salas principaes, em vez de papel, seda para forrar as paredes. Não há
mobilia nas casas, comem e dormem no chão, e sentam-se em
almofadas; assim, quando entra uma visita, a criada ou criado oferece-
lhe logo a almofada, tendo-se antes collocado na postura, já descripta,
de respeitosa cortesia, e após a almofada vem sem detença o classico
chá verde sem assucar, servido em pequenissima chicara de fina
porcellana. Assim nas casas particulares, como nos hoteis, ninguem
194

entra sem primeiro descalçar-se á porta da rua, sendo os sapatos


entregues a um criado alli postado para recebel-os, supõe-se que como
medida de asseio e economia, para evitar que se suje e estrague a esteira
com que alcatificam o soalho. (p.162-3)

Em sua visita a um clube de oficiais, o autor do relato comentou sobre a música,


“executada por uma banda japoneza, a qual, em todo o correr do lunch, abarrotou-nos os
ouvidos com musicas indigenas, em geral monotonas, mais proprias de um funeral que
de um festim” (p. 169), concordando com Almeida. A arte japonesa era recorrentemente
tratada como meio de diferenciação, fosse na música, na pintura ou no teatro; mas
enquanto estas duas últimas eram elogiadas pelos viajantes, o mesmo não ocorria com a
primeira.93
O Japão em desenvolvimento se tornava um país-modelo por suas rápidas
adequações institucionais e industrialização. Faltava ao país, entretanto, a república.
Custódio de Mello, que se definia como republicano, criticou a hereditariedade nas
atividades políticas, primando sobre as capacidades intelectuais:
Duas cousas causaram-me reparo entre os homens que compunham o
governo: uma, serem titulares, condes e viscondes, todos os ministros,
o que faz crer que os mais altos cargos da governança são alli apanagio
da nobreza, e que a competencia para elles mede-se antes pela
hierarchia genealogica, que pelo valor intellectual, defeito que tem
ainda uns longes do velho feudalismo japonez. (p. 166)

No âmbito militar, Custódio julgava a Marinha japonesa superior à brasileira em


termos materiais. Era frequente a ida de japoneses ao exterior para estudar, mas o que
chamou atenção de Custódio foi a presença dos próprios japoneses instruídos de acordo
com as técnicas “modernas”, em cargos de engenheiros, marinheiros, chefes de trem.
Ao contrário do que ocorria no momento em que Francisco Antônio de Almeida
esteve no Japão, a contratação de estrangeiros pelo governo japonês já havia diminuído,
pois era crescente a capacitação de japoneses. De acordo com a pesquisa de Hirakawa
Sukehiro (1989, p. 468)
o número de funcionários estrangeiros no governo chegou em 1875 a
aproximadamente 520 pessoas, mas em 1894 e depois, o total anual era

93
Neste processo da arte como medida da civilização, os chineses retornavam como elemento de
comparação com os japoneses: “Como eu disse, não agradou-me em geral a musica japoneza; mas, no
entanto, nella, descobri harmonia, de cuja ausencia resente-se absolutamente a musica chineza, que nem
mesmo tal nome merece, e póde-se dizer uma trapalhada de sons, uma verdadeira ataxia musical; sendo
que esta é, de ordinario, estridente e detestavel, emquanto a outra, a japoneza, é plangente, uniforme e
grave, mas não inteiramente falha de melodia”. (p. 169)
195

inferior a 100. Por outro lado, o número de estrangeiros em empregos


privados era inicialmente menor, mas atingiu aproximadamente 760
pessoas em 1897. (tradução nossa).

Assim, o que Almeida presenciara pode ser visto como um plano temporário de
emprego de estrangeiros, cujas funções deveriam ser substituídas, tendo em vista fatores
como a formação de 411 engenheiros, de 1879 a 1885, na Universidade Imperial de
Tóquio (SUKEHIRO, 1989, p. 470). Diante de mudanças como esta, Custódio de Mello
notava maior protagonismo nos japoneses do que Almeida.
Mesmo diante das mudanças, mantinha-se a imagem do japonês como servil e
dócil, ainda em contraposição aos chineses:
O japonez é robusto, bravo sem crueldades, affavel e delicado sem
astucia, curioso, deixando-se apaixonar por toda sorte de
conhecimentos, trabalhador e industrioso; razão por que vê se alli tão
poucos vagabundos e raros mendigos e bebedos, que aliás na China são
encontrados em grande cópia. Quem, como nós, houver viajado os
paizes da Asia e Oceania, ha de convir em que o japonez é o povo mais
amavel, hospitaleiro, sympathico e de melhor indole, e sobretudo
cortez, de todo o oriente, e mesmo mais que certos povos da civilisada
Europa e da America. A urbanidade especialmente é levada ao excesso
e se ha tornado proverbial naquela gente. Quando se entra em um
restaurante ou em uma casa particular, é-se recebido pelos homens e as
mulheres prostrados de joelhos, as mãos no chão, e o rosto quase a
tocal-o; posição de comprimento e respeito aos hospedes. (MELLO,
1896, p. 161)

Este tipo de análise era mais do que uma consideração sobre o que havia visto nos
japoneses, mesmo que seja inevitável levar em consideração que a cosmovisão e os
costumes daquele povo valorizassem condutas de hospitalidade, respeito às hierarquias,
valorização do trabalho; eram também favorecidas as noções de progresso e civilização
nas quais o país buscava moldar suas instituições políticas e militares. A manutenção de
uma leitura positiva fazia com que a exposição da mulher permanecesse como exemplar
daquela sociedade:
As japonezas trazem salientemente estampado na sympathica
physionomia seu carater bondoso, simples e leviano ao mesmo tempo,
sem que sejam indifferentes aos reclamos da natureza; tanto assim que
nada alli é mais commum do que casarem-se mulheres
temporariamente, mesmo por dias, com estrangeiros e nativos, sendo as
condições previamente estipuladas e religiosamente cumpridas; e
terminado o tempo do contracto, fica livre aos ex-conjuges contrahirem
novos enlaces, temporarios ou perpetuos, sendo que alli tambem ha a
instituição da familia. Nem homens nem mulheres, no Japão, sabem o
que seja pudor, e é a cousa mais natural do mundo andarem em plena
196

rua e á luz do dia moças com os seios inteiramente a descoberto e


homens completamente nús, e, o que mais é, nos banheiros publicos
homens e mulheres de todas as idades banham-se nús na mais santa e
primitiva promiscuidade; assim como não é raro ver-se mulheres
banhando-se núas nas ruas, junto ás portas das respectivas casas, sob as
vistas cúpidas de muitos transeuntes! Entretanto, apezar de toda essa
innocencia, que recorda a beatificada convivencia do paraiso antes das
solicitações da serpente, as japonezas casadas á perpetuidade têm o
costume de, ad cautelam, distinguirem-se das demais, tingindo de negro
as respectivas dentaduras. (p.161-2)

As justificativas sobre determinados costumes, que em outras sociedades eram


condenados como perversão, demonstram que se trata de uma narrativa carregada de
significados políticos, pois a partir dela, se elabora uma visão que torna as diferenças mais
ou menos aceitáveis para os leitores. O relato de viagem entrega ao leitor não apenas
descrições, mas julgamentos que conduzem a percepções sobre aquele que é observado e
aqui o caráter positivo dos julgamentos é relacionado à crescente modernização do país.
Se antes, os aspectos positivos da sociedade japonesa se relacionavam à conversão
cristã, o trecho a seguir demonstra que no momento em que Custódio de Mello escrevia,
a compreensão sobre os japoneses não era alheia às disputas políticas e econômicas e
destacava as mudanças específicas de um projeto que se tornaria modelo de progresso:
Muito ha feito, sem duvida, o governo do Japão para arraigar no paiz a
civilisação moderna e impulsal-o na larga estrada do progresso; e,
comquanto não pequenos resultados já hajam brotado de seus esforços,
comtudo ha ainda graves senões a destruir, e, cumpre-lhe extirpar de
vez esses e outros costumes primitivos, o que não será difficil,
porquanto não se conhece povo algum que possa competir com os
japonezes na facilidade de amoldar-se a novos habitos e instituições. E,
na verdade, são disto um exemplo os nobres, que ainda ha dez annos
odiavam cordialmente aos estrangeiros, e, no entanto, foram os
primeiros a trocar pelas vestes européas suas vestimentas tão pittorescas
quão ridiculas, bem como quase todos os costumes indigenas, pelos da
Europa. Assim é que vivem em casa de estylo europeu, e mobiladas à
européa, e suas mulheres e filhas dansam polkas, quadrilhas e valsas, e
vestem se à la mode de Paris. Em seus collegios ensinam-se as
sciencias modernas, e já fallam, em suas reuniões, a lingua universal, o
inglez, e, no entanto, são apenas decorridos trinta annos depois que os
japonezes consentiram na entrada dos estrangeiros no territorio do
imperio, e uns dez somente depois que extinguiram o feudalismo, sob
cujo jugo esteve por seculos o paiz. (p. 162)

Termos como modernização, civilização, urbanização, escolarização e progresso


eram as palavras de ordem para definir o desenvolvimento do Japão, e essas ideias
animavam os viajantes. Se estas questões foram apresentadas por Francisco Antônio de
197

Almeida em 1874, com Custódio de Mello elas ganharam novo fôlego por estarem com
seus resultados mais visíveis diante de mudanças mais consistentes nas instituições
japonesas.

5.2.1 A MODERNIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES JAPONESAS

O mais poderoso legado cultural do


imperialismo foi uma educação em moldes
ocidentais para minorias de vários tipos: para os
pouco favorecidos que se alfabetizaram,
descobrindo, portanto, com ou sem a ajuda da
conversão cristã, o caminho mais direto para a
ambição, que usava o colarinho branco dos
clérigos, professores, burocratas ou funcionários
de escritório. Em algumas regiões também se
incluíam aqueles que haviam adquirido novos
costumes, como soldados e policiais dos novos
governantes, envergando suas roupas, adotando
suas idéias peculiares de tempo, de lugar e de
organização doméstica. (HOBSBAWM, 2006,
p. 117)

Em 1889, o Japão promulgou sua primeira constituição considerada “moderna”.


Esta formalização era importante para que o país pudesse ser visto como nação capaz de
dialogar com as grandes potências e, com isso, rever os tratados desiguais que haviam
sido firmados desde a abertura na década de 1850. A revisão dos tratados era de amplo
conhecimento, pois eram característicos da subjugação das nações periféricas, deixando
evidente a assimetria de poder.
Desde 1887 que o governo japonez tratava da revisão dos tratados, no
intuito de abolir as leis exterioraes e de jurisdicção estrangeira, isto é,
de annullar a clausula, inserida nos tratados com as nações estrangeiras,
em a qual estava estatuido que os estrangeiros residentes no paiz não
reconheceriam outra jurisdicção que não a de seus respectivos
representantes, prometendo, em compensação, abrir todos os portos do
imperio e franqueal-os aos estrangeiros de qualquer procedencia. Após
algumas sessões, havidas em Tokio, a questão ficara no status quo, em
consequencia de difficuldades oppostas pelas pequenas nações, que
faziam maioria naquelas sessões, e que não queriam abrir mão do que
ellas chamavam seus direitos. (MELLO, 1896, p. 154)

Um dos fatores mais emblemáticos então foi a elaboração da constituição.


“Ocidentalizar” a política era importante para revisar os tratados que faziam o Japão
renunciar à sua autonomia tarifária e garantiam extraterritorialidade aos estrangeiros
198

(SUKEHIRO, 1989, p. 473). A iniciativa era parte de um projeto mais amplo, que incluiu
tradução de códigos legais, contratação de advogados estrangeiros, delegações japoneses
enviadas ao exterior para estudar diferentes modelos constitucionais e, ao final, “a
Constituição japonesa de 1889 foi o clímax da formação do estado Meiji como um híbrido
nipo-europeu” (OSTERHAMMEL, 2014, p. 598, tradução nossa).
Na imagem a seguir, vê-se a entrega da Constituição no Palácio Imperial, numa
imagem de Adachi Ginkō, de 1889:

Figura 44 – Arte de Adachi Ginkō

GINKO, Adachi. View of the Issuance of the State Constitution in the State Chamber of the New
Imperial Palace. 1889. In: The Metropolitan Museum of Art.
Disponível em: <https://www.metmuseum.org/art/collection/search/55247>. Último acesso em
13/08/2020.

A imagem permite visualizar que não se tratava apenas de uma questão


burocrática, mas da demonstração pública da capacidade de alcançar as nações
estrangeiras em pouco tempo. Os uniformes europeus se tornaram simbólicos,
obrigatórios a partir de 1872. A roupa ocidental tornava-se “moda entre os progressistas”
(HENSHALL, 2008, p. 114), aparecendo de forma recorrente na arte japonesa, que
também representava mulheres com vestidos característicos da nobreza europeia. Chama
a atenção igualmente na imagem a presença de dois relógios, pois mesmo que o relógio
mecânico já existisse no Japão desde o século XVI, o sistema horário era diferente dos
representados com os números romanos94. O relógio se tornou um símbolo da civilização

94
Ver: HASHIMOTO, Takehiko. Japanese clocks and the History of Ponctuality in Modern Japan. In: East
Asian Science, Technology and Society: an International Journal. Taiwan, 2008. p.123-133.
199

ocidental e, pelo seu valor, o imperador Meiji presentava os melhores estudantes com
relógios de bolso importados dos Estados Unidos (OSTERHAMMEL, 2014, p. 72).
A Constituição japonesa de 1889 é complexa, não apenas uma cópia de modelos
europeus. Foi formulada na tentativa de colocar os princípios japoneses no sistema mais
adequado às suas necessidades (NISH, 2003). A partir de um esforço de análise das leis
europeias, o Japão demonstrava que era capaz de articular e desenvolver seu próprio
projeto de nação moderna.
[...] o Japão no período Meiji tinha um gênio nacional para a
assimilação controlada de ideias do exterior. Eu chamo isso de “gênio
nacional” porque parece ser relativamente difundido em toda a
comunidade e uma característica tanto do século XX quanto do XIX.
Essa foi uma “assimilação” controlada porque os líderes Meiji
formulam suas próprias ideias e exerceram sua escolha de assimilar ou
rejeitar. Este não foi um processo apressado e direto: foi lento, doloroso
e deliberado e frequentemente envolvia uma investigação meticulosa.
Em sua implementação, as reformas geralmente envolviam uma grande
quantidade de tentativas e erros. Foi ainda mais complicada por
elementos partidários, tanto entre os líderes Meiji quanto entre os
burocratas que os guiavam. Todo o processo foi influenciado pelas
pressões e intervenções externas; mas, se este artigo argumentou
corretamente, os japoneses mantiveram um domínio firme sobre seu
destino. (NISH, 2003, p. 46-7, tradução nossa)

Aqui, este argumento é significativo para percebermos a complexidade do Japão


do final do século XIX. Nesse sentido, a disputa e os investimentos em torno da
Constituição são representativos do esforço do país em controlar suas relações exteriores,
bem como as influências que vinham com ela. Trata-se, sobretudo, de compreendermos
que dinâmicas em níveis mundiais ocorriam para consolidar a imagem de um país
modelo. Portanto, o que formava a imagem do Japão no Brasil e o que encontraram nossos
viajantes foi mais do que nos informa a ideia de um país que saía do isolamento para
encontrar, maravilhado, o “Ocidente”.
Custódio de Mello considerava que o país estava
encarrilhando no caminho de um progresso indefinido. Hoje possue o
imperio uma constituição liberal, promulgada no dia 11 de Fevereiro de
1889, anniversario da coroação do primeiro imperador, Jinmu Tenno,
tendo sido um anno depois (11 de Fevereiro de 1890) inaugurado o
parlamento, que compõe-se de duas camaras: uma alta ou dos nobres, e
outra baixa ou dos communs. Demais, abriu seus portos ao estrangeiro,
o que é sem duvida um largo passo para o progresso e civilisação, si
bem que isso muito ocorrerá, a meu aviso, para tirar a esse paiz sua
originalidade, seus encantos e attractivos. (MELLO, 1896, p.156)
200

Para Hirakawa Sukehiro (1989, p. 489), o final da década de 1880 foi marcado
pelo “retorno a ser japonês”, não como xenofobia, mas como resposta à chamada
“ocidentalização” das primeiras décadas de abertura. Marco desse processo foi o Édito
Imperial de Educação, promulgado em 1890, tendo como foco os valores japoneses,
visando defender a unidade nacional e dando centralidade à figura do imperador. Este
objeto de controle social era obrigatório nas escolas e foi parte importante do
espraiamento do nacionalismo japonês.
Nos vinte e quatro anos que separam as experiências dos viajantes brasileiros, o
que temos, mais do que um projeto de abertura, é a consolidação das instituições
modernas no Japão. Sobre as duas viagens, propriamente ditas, as trajetórias foram, em
parte, inversas. Inclusive, a primeira foi da China ao Japão e esta segunda do Japão a
China. Mas na construção dos julgamentos em uma narrativa sobre a Ásia, manteve-se
em ambos os relatos a importância da passagem pelos dois países, reiterando a
comparação. Não se trata destes asiáticos vistos de forma genérica, mas como
indissociáveis para seu conhecimento; assim, se o eu é entendido em contraposição ao
outro, como apresenta Tzvetan Todorov (2006), neste caso, esses outros eram postos em
contraposição entre si, para que suas especificidades fossem compreendidas.

5.3 A VINDA DE WASABURO OTAKE

Embarcado para o Brasil em 1889, expontaneamente e sem


outro motivo senão a curiosidade de conhecer um paiz
distante que falava á sua imaginação, o Sr. Otake foi o
precursor, de facto, da corrente que, vinte annos depois, ia
contribuir para o estabelecimento em nossa terra dos
melhores agentes da amizade creada entre as duas nações.
Refiro-me aos imigrantes japonezes. (VELLOSO, 1973
[1937])

A circum-navegação do Almirante Barroso trouxe ao Brasil um dos principais


personagens da imigração japonesa no país. Considerando que, para tanto, não se
dependia apenas de empresas que faziam o transporte, mas de condições de comunicação
tanto para o estabelecimento dos contatos entre os governos, quanto para adaptação dos
imigrantes. Wasaburo Otake nasceu em 1872, no início da Era Meiji, e faleceu em 1944.
Sua formação seguia os novos rumos do Japão: ele vivia em Yokohama, estudava inglês
e mantinha contato com os estrangeiros que chegavam ao porto, servindo às vezes como
201

intérprete (MACK, 2010). Era conhecido também como Thomas Wasaburo Otake,
embora em suas obras constem apenas nome e sobrenome japoneses.
De acordo com o pesquisador Masato Ninomiya (2015), o jovem de 17 anos foi
um dos intérpretes da tripulação brasileira em sua estadia no Japão, tendo vindo ao Brasil
a convite do príncipe D. Augusto. Ninomiya ainda nos informa que outros jovens haviam
sido convidados, mas apenas Otake aceitara o convite. Segundo Edward Mack (2010, p.
48), “o príncipe, que era contemporâneo de Otake, simpatizou com o intérprete e sugeriu
que retornasse ao Brasil com eles. Otake tomou sua extraordinária decisão de partir e, em
4 de agosto de 1889, deixou o Japão a bordo do navio” (tradução nossa).
Otake não foi o primeiro japonês em terras brasileiras, houve os náufragos do
Wakamiya Maru, por exemplo. Ele tampouco o primeiro intérprete de japonês-português,
pois já havia essa troca linguística entre Portugal e Japão, com a entrada de jesuítas, mas
suas publicações seriam de grande importância no Brasil. Neste país permaneceu por sete
anos e teve acesso a lugares reservados para brasileiros. De acordo com Ninomiya (2015,
p. 54):
Otake obteve a nacionalidade brasileira porque estava a bordo do navio
de guerra brasileiro quando ocorreu essa mudança política. Por conta
disso, ele pôde estudar em escola para formação de oficiais subalternos
e assim obter conhecimento que, posteriormente, seriam a base da
fluência para editar o dicionário Japonês-Português.

Ao analisar materiais doados pela família de Otake ao Museu Histórico da


Imigração Japonesa no Brasil, Ninomiya percebeu no Diploma de Maquinista de Quarta
Classe, de 1893, que ele não fora aluno da Academia da Marinha do Brasil, mas que
integrara um curso de formação específico. Acrescentamos que, antes disso, em 1891,
encontramos seu nome numa lista de aprovados no exame de “arithmetica especial” do
Liceu Literário Português, no Rio de Janeiro (JORNAL DO COMMERCIO, 26/12/1891),
onde provavelmente aperfeiçoou seus conhecimentos da língua portuguesa.
A vida de Otake no Brasil, contudo, não foi apenas em contato com altos escalões:
Os anos restantes de Otake no Brasil foram gastos em atividades mais
mundanas em companhias menos ilustres. Ele atuou como engenheiro
mecânico em uma fábrica têxtil no Rio de Janeiro, mas logo mudou-se
para uma empresa agrícola americana em São Paulo. Depois de atuar
nesta empresa, Otake soube da Guerra Sino-Japonesa e decidiu voltar
ao Japão. Chegou em 1896, sete anos depois de deixar o porto de
Yokohama. Aqui seu destino foi mais uma vez influenciado por um
poderoso patrono. Graças a recomendação do estadista Okuma
Shigenobu, que tinha conhecido, Otake foi empregado pela Legação
202

Brasileira, que abriu em Tóquio em 1897. Ele trabalhou como intérprete


oficial na Legação até 1942, quando as relações políticas entre Brasil e
Japão foram cortadas em decorrência da guerra. (MACK, 2010, p. 49,
tradução nossa)

Pouco antes da Segunda Guerra Mundial, Otake constava na lista de funcionários


contratados pelo serviço diplomático brasileiro, elaborada pelo Ministério das Relações
Exteriores do Brasil em 1938. Ele aparece no grupo de “Archivistas, dactylographos e
intérpretes das missões diplomáticas”, provavelmente atuando na última função, a partir
de janeiro de 1937, em Tóquio.95
Otake publicou três dicionários,96 especialmente úteis para as relações entre Brasil
e Japão, os primeiros organizados para o uso entre estes países e largamente utilizados
por imigrantes japoneses. São o Dicionário Português-Japonês, de 1918, o Dicionário
Japonês-Português, de 1925, e o Novo Dicionário Português-Japonês, de 1937. O jornal
carioca Correio da Manhã (30/07/1937) noticiou a publicação deste último no artigo
Trabalho paciente do intérprete da embaixada brasileira, destacando a importancia da
iniciativa:
Trabalhando incessantemente durante nove anos, Wasaburo Otake, de
sessenta e quatro annos de edade, interprete official da embaixada
brasileira em Tokio, acabou finalmente a compilação de um volumoso
dicionário portuguez-japonez contendo 100.000 palavras portuguezas.
Esse dicionário será brevemente publicado em um volume de mil
paginas, “in-octavo”. Ao contrario do que succede com os diccionarios
portuguez-inglez e portuguez-allemão já publicados, o sr. Otake
introduz uma classificação das palavras portuguezas antiguadas e
modernas. Além disso contém algumas sentenças simples, utilisadas
frequentemente na conversa diaria.
O autor publicou diccionarios portuguez-japonez e japonez-portuguez
no período entre 1918 e 1935. Para comemorar o seu 55º anniversario
natalício, em julho de 1928, elle deu inicio á compilação de seu novo
diccionario.
Representa, pois um longo trabalho, no qual o seu autor não consultou
nenhuma das suas anteriores publicações.
O sr. Otake é o primeiro japonez que emigrou para o Brasil. Visitando
a terra do café em 1891, elle permaneceu alli durante sete annos,
lançando as bases em que assentou a colonização japoneza ulterior.

95
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Almanaque do pessoal. Rio de Janeiro: Villas Boas & C.,
1938.
96
Wasaburo Otake é considerado responsável pelo primeiro dicionário para o público brasileiro e japonês
no Brasil. Entretanto, já havia dicionários desde o período do expansionismo português, como o
Vocabulario da Lingoa de Iapan. Eliza Atsuko Tashiro Perez e Jun Shirai, da USP, encontraram no Brasil
um exemplar deste dicionário bilíngue, publicado em 1603 pela Companhia de Jesus em Nagasaki; foi o
primeiro encontrado no continente americano. A descoberta foi apresentada em 2018. Disponível em
<https://www.fflch.usp.br/971>. Último acesso em 06/04/2019.
203

Logo em seguida ao seu regresso, foi estabelecida em Tokio uma


Legação do Brasil. Otake foi feito interprete official e desde então está
em relações com as representações diplomaticas do Brasil.
Seu sentimento de solidariedade para com os duzentos mil japonezes
que se acham estabelecidos presentemente em terras brasileiras, e que
soffrem os inconvenientes de não possuir um diccionario portuguez-
japonez, levou o sr. Otake a compilar um volumoso diccionario.
(CORREIO DA MANHÃ, 30/07/1937)

Em 1938, a trajetória de Otake foi lembrada na Gazeta de Noticias do Rio de


Janeiro, sob o título Uma aventura deveras sensacional, no qual foi considerado figura
importante nas relações entre Brasil e Japão, com atuação inigualável para o
estabelecimento dos imigrantes japoneses no Brasil até a Segunda Guerra Mundial.
Officialmente o inicio das relações teve logar em 1895, quando ao Rio
chegou acompanhado do pessoal da Legação, o primeiro ministro
japonez acreditado junto ao Governo do Brasil.
Antes porém, o cruzador “Almirante Barroso” em 1889, em passando
pelo Japão, no seu cruzeiro de instrucção emprehendida à volta do
planeta, trouxe para a Guanabara um menino japonez que aqui viveu
muitos annos chegando mesmo a fazer o curso da nossa Escola Naval.
Em tornando o Japão, já então homem feito, o pequeno protegido da
tripulação do “Barroso”, em breve conquistou grande renome,
publicando o primeiro diccionario japonez-portuguez, obra que ainda
hoje preenche perfeitamente a sua finalidade e da qual vem de ser
publicada uma nova edição com um honroso prefacio do Embaixador
Leão Velloso.
Os sobreviventes da viagem da belonave brasileira ainda se recordam
perfeitamente de Wasaburo Otake e delle falam frequentemente com
saudades. Otake vive em Tokio e durante mais de trinta annos foi na
Embaixada do Brasil no Japão um auxiliar insubstituivel. (GAZETA
DE NOTICIAS, 25/5/1938)

Na apresentação do Novo Dicionário Português-Japonês, o embaixador do Brasil


no Japão, Pedro Leão Velloso, definiu Otake como um dos principais articuladores da
aproximação entre os países, com uma “vida inteira consagrada ao serviço do Brasil, no
interesse de suas relações com o Japão. (...) Não existe seguramente quem, com mais
modestia e maior espirito de sacrifício, se tenha dedicado á mesma de uma maneira mais
util” (VELLOSO, 1973 [1937]). A trajetória de Wasaburo Otake como intérprete de
estrangeiros é significativa do momento vivido pelo Japão no final do século XIX, de
suas novas relações, do crescimento dos estudos da língua inglesa e do interesse pelo
exterior e, também importante, da relevância destes trânsitos anteriores ao século XX.
204

5.4 A CHINA

De Nagasaki, o Almirante Barroso partiu para Shangai, onde chegou após três
dias de viagem, enfrentando ciclones e tufões. Custódio de Mello relatou ter ficado
impressionado com o intenso comércio naquele porto (seda, chá, arroz, algodão, palha e
açúcar). Sua descrição da China incluía estereótipos moldados e espraiados pelo
imperialismo inglês. A questão do ópio foi também um dos principais comentários de
Custódio, levando em conta a violência comercial estrangeira neste processo:
No commercio de importação entra em larga escala o opio, cuja
introducção no imperio chinez constitue uma das paginas mais negras
da historia comercial da Inglaterra; porquanto os inglezes, que
pretendem passar por altruistas, e chegam mesmo a mostrar-se
protectores extremos dos animaes, muito embora seja a caça um
passatempo de sua predilecção, não trepidam, no entanto, em rainar a
existencia de um povo inteiro, atrofiando-lhe o physico, entorpecendo-
lhe a intelligencia e produzindo-lhe a degradação moral!
A quantidade de opio importado do estrangeiro pela China em 1888,
quase todo procedente da India, foi de 82.700,11 piculs. Além do opio
importado, consome-se alli o produzido no paiz, que, ao que dizem os
competentes, os fumantes, é inferior áquelle. (MELLO, 1896, p.207)

Sua descrição do depósito de ópio concentrou-se na violência daqueles lugares de


passagem, dando pistas sobre o habitante do litoral corrompido pela exploração
capitalista. Nota-se que a presença dos estrangeiros em Shangai foi descrita de maneira
diversa daquela no Japão, e isso contribui para entendermos a diferença entre as imagens
construídas sobre esses países e seus povos. Em outras questões, o relato de Custódio é
menos detalhado que o de Almeida, mas o consumo do ópio é descrito em seus
pormenores, demonstrando como era relevante na imagem associada aos chineses:
Fundeado no porto de Shangai estava, em frente mesmo á Concessão
ingleza, um portão pintado de amarello, o qual serve alli de deposito de
opio. Esta côr que, como se sabe, é a da bandeira de quarentena, parece-
me a mais apropriada para aquella morada da morte, receptaculo de uma
substancia toxica destinada ao uso de seres humanos! Eu não olhava
para esse navio, em cujo bojo encerrava-se o anniquilamento de um
povo, que não se me afigurasse ver uma dessas victimas do narcotismo
chronico, um chin anguloso, esqualido, idiotico, de magreza
esqueletico, e côr de óca, verdadeira mumia semovente, como tantos
exemplares que vi nas casas de fumar opio, ou antes, lugubres
dormitorios, que visitei em Shanghai, onde os ha em grande numero,
alguns bastante grandes.
Estas casas possuem grandes salões para o narcotismo em commum, e
quartos particulares para os viciosos mais recatados, onde sorve-se a
205

largos haustos os vapores desprendidos do inebriante succo do papaver


somniferum e lentamente com elles a morte moral e depois a physica.
Salões e quartos offerecem aos habitués leitos convidativos, os quaes
consistem, nos salões, em um grande estrado elevado um metro a um
metro e meio do chão e dividido em compartimentos separados uns dos
outros por anteparos de madeira de 70 a 80 cm de altura. Os
compartimentos são outras tantas camas, para uma pessoa cada um, e
têm por toda mobilia, cada um deles, um travesseiro de páo e uma
lampada de vidro, onde de continuo arde uma torcida embebida em
alcool que se contém no reservatorio da lampada. Nos quartos ha camas
semelhantes às dos salões, mas sómente uma ou duas em cada um.
Quem quer fumar dirige-se ao dono do estabelecimento, ou ao caixeiro,
que está assentado por detraz de um balcão em um logar reservado,
aluga um cachimbo appropriado, por tempo determinado, por uma ou
mais horas, compra uma certa quantidade de opio e, recolhendo-se ao
compartimento que lhe é destinado, prepara o cachimbo pondo-lhe opio
e deita-se; após o que, encosta o cachimbo á chamma da lampada e vae
fumando até queimar-se todo o opio alli contido. Repete-se a operação
uma ou mais vezes, segundo a tolerancia do fumante, o qual fica, afinal,
preso nos braços do somno por um tempo mais ou menos longo.
(MELLO, 1896, p. 207-9)

Há na narrativa uma crítica: a de que os ingleses, além de lucrarem com o ópio,


eram responsáveis pelas considerações negativas a respeito dos chineses. Além disso, o
viajante buscava demonstrar que o vício em opióides não era um problema
exclusivamente chinês:
Disse-me o proprietario de uma dessas casas que alli costumavam
tambem fumar marinheiros de navios de guerra inglezes e norte-
americanos, o que não deve causar admiração a quem tem noticia do
abuso que, na Inglaterra e alguns outros paizes, fazem da morfina
muitos representantes do high-life, de um e outro sexo; não fumam opio,
mas injectam-se a morphina pela via subcutanea até produzirem-se o
morphinismo, cujas consequencias não differem das do abuso do opio.
Li em um jornal que raro não se encontra uma seringa de Pravaz no
toucador das damas da aristocracia ingleza. Si a noticia exprime a
verdade, é caso de dizer-se, a proposito do lento envenenamento dos
infelizes chins pelos inglezes: - “quem com ferro fere......” Além de que,
na Inglaterra, o consumo de bebidas alcoolicas, sem embargo das
sociedades de temperança alli existentes, é maior que em qualquer outra
parte do mundo, e até conta-se que o presidente de uma dessas
sociedades compareceu a uma sessão debaixo de chuva torrencial. É
sabido igualmente que, em a velha Albion, a gotta é o triste apanágio
dos lordes e argentarios.
Pode-se, pois, proclamar: A China está vingada! (MELLO, 1896, p.
209)

Com isso, desarticulava uma das principais críticas aos chineses e a denunciava
como parte de uma estratégia do imperialismo inglês:
206

Por vezes tem o governo chinez tomado medidas severas no sentido de


cohibir o habito do opio; mas todas ellas têm sido infructiferas, mesmo
porque os inglezes as hão contrariado, mantendo o commercio do
soporífero e, dest’arte, alimentando o funesto vicio, do qual não
pequenas sommas lhes advêm. Assim também são certos costumes que
na China estão adoptados, alguns dos quaes, si não trazem a morte, com
certeza martyrisam, causam verdadeiras deformidades, crêam uma
situação intoleravel, impossivel mesmo. (p. 209)

Entre os costumes chineses, um dos mais presentes nas narrativas estrangeiras é o


dos pés das chinesas da aristocracia, condicionados a ficarem pequenos, observado por
Custódio como “processo inorthopedico dos mais simples, mas tambem dos mais
inquisitorios” (MELLO, 1896, p. 210), levando-o a um paralelo com a situação política
da China frente os demais países:
Si tal uso na China fosse geral, poder se-ia chamar o Imperio da
Immobilidade; assim como tal denominação se dá agora com relação ao
progresso, que alli é nenhum sob todos os pontos de vista. Os chins,
effectivamente, adiantaram-se muito nas artes e industrias, e ainda hoje
são inimitaveis a certos respeitos; attribue-se-lhes mesmo a descoberta
da polvora antes de nossa éra, e ha tambem quem affirme que elles,
antes de qualquer outro povo, já conheciam a bussola e a imprensa. Mas
certo é que ha seculos chegaram a essa gráo de adiantamento e ahi
pararam, até hoje não mais deram um só passo ávante.
(...)
Finalmente, sob o ponto de vista intellectual e moral, é a China um dos
paizes mais atrazados do mundo.
É caso de se dizer que Confucio e Fó perderam o tempo e o latim; suas
doutrinas acabaram-se por misturar-se com um sem conto de
superstições, como estão hoje alli, e, apezar dos esforços do imperador
Lien-Long, a litteratura e a sciencia estacaram no Imperio do Meio ou
no meio do imperio. Assim é que, naquelle vastissimo e populoso paiz,
os instrumentos de astronomia, a polvora, o bussola, a imprensa etc.,
são ainda hoje o que foram na primitiva. (MELLO, 1896, p. 210-1)

Custódio descreveu Shangai dividida em quatro partes: a cidade chinesa e as três


concessões, inglesa, americana e francesa. Considerava as áreas e propriedades
estrangeiras melhores, destacando a inglesa, onde ele julgava que havia melhores
habitações, clubes e jardins. Em cada uma das concessões havia uma parte reservada aos
chineses, geralmente para comércio. Sobre estas áreas, Custódio de Mello (p. 213) fez a
seguinte descrição:
A parte propriamente chineza de Shangai é o que ha de mais imumndo
em todo o globo, e na America não existe um só logar que possa
comparar-se; nem mesmo nossa Bahia, que, no tocante á hygiene, eu
até então supunha ser o monturo do mundo. Uma feita ensejei visitar
esse bairro, chamado a cidade chineza; mas, mal dera alguns passos,
207

tive logo de retroceder, tal a fedentina que d’alli se exhalava e que para
logo senti. No pequeno espaço que percorri pude ver nas ruas toda a
sorte de immundicies: tripas de peixe, pennas de gallinha, cascas de
fructas, materias fecaes, etc., e tudo isto em estado de decomposição; e
não sei por que os estrangeiros residentes em Shangai não procuram, ao
menos por amor a si proprios, educar aquella gente nos habitos de
asseio, fazendo-lhes sentir as grandes vantagens que d’ahi advêm para
a saude, e pedindo a intervenção da policia chineza nesse sentido.
Accresce que naquelle bairro as ruas são tão estreitas e irregulares e o
trafego tão consideravel, que a cada instante o transeunte corre o risco
de ser lançado por terra ou, pelo menos, de levar algum encontrão;
sendo preciso muito cuidado para por alli andar-se sem perigo.

O viajante brasileiro reforçava a ideia de uma predisposição chinesa ao vício, em


ambientes insalubres, colocando aquela população num nível baixo do padrão
hierarquizador de civilização. Para ele, permanecia necessária a presença de agentes
externos, como os missionários jesuítas, “apostolos da caridade e da civilisação”
(MELLO, 1896, p. 217).
Custódio também tratou da questão do tráfico de chineses. Como citado, desde
meados do século XIX, o tráfico de trabalhadores era um mercado rentável. Na viagem
de Custódio de Mello no final da déada de 1880, o tráfico de Macau já não era mais
frequente como era na viagem de Almeida, na década anterior. Esta diminuição teve a
contribuição dos ingleses, e no final do século XIX havia a desconfiança de se tratar de
uma estratégia para terem domínio da atividade no porto de Hong Kong:
Foi incontestavelmente o florescimento de Hong-Kong que trouxe a
decadencia e a morte de Macáo, que presentemente é para Portugal
antes um grande onus que uma fonte de rendas; e tal estado é tambem
devido á cessação da exportação de coolis, que d’alli se fazia para as
Republicas do Perú e da Bolivia e ilhas do Pacifico septentrional, em
virtude de um tratado celebrado entre os governos inglez e portuguez
Entretanto ouvi em Macáo muitas queixas e protestos contra este ultimo
governo, pela celebração de semelhante pacto, que não tem sido
cumprido pelos inglezes, pois que, dizia-se naquella colonia
portugueza, de Macáo não sahem coolis, mas sahem de Hong-Kong
com sciencia das respectivas auctoridades, que fecham os olhos a tal
abuso. (MELLO, 1896, p. 232)

Os trabalhadores traficados eram geralmente pobres. Custódio de Mello notava


que artesãos e comerciantes viviam em boas condições no entorno dos estrangeiros,
alguns adotavam referências europeias como forma de distinção: “trajavam á chineza,
excepto o chapéo, que era europeu e de feltro, e em cuja copa escondiam o enrolado o
indefectivel rabicho” (MELLO, 1896, p. 249). Diferenciavam-se dos de “classe mais
208

baixa”, como os que puxavam os riquixás, vistos “com o mais soberano desprezo pelos
inglezes, que tratam esses chins ilotas como cães leprosos, ao mesmo tempo que a polícia
trata-os de continuo amassados a cacete” (p. 236).
Na década de 1880, por conta do debate sobre o trabalho, muito já tinha sido
apresentado no Brasil a respeito dos chineses, além disso, a circulação de informações
permitia com que Custódio de Mello tivesse maior acesso ao contexto recente daquele
país. É compreensível que sua perspectiva viesse a acirrar a crítica à ação dos estrangeiros
na China, incluindo o conhecimento sobre o uso do ópio e o tráfico nos diferentes portos,
e era ainda mais assertiva nas referências contemporâneas. Se, por um lado, tinha maior
percepção sobre os mecanismos de dominação e violência, por outro, suas caracterizações
dos chineses não eram mais amenas, aumentando a diferença em relação ao que descrevia
dos japoneses.

5.5 A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

Ao final do século XIX, o Brasil via na transformação do Japão um exemplo a ser


seguido. Para nossos viajantes, que puderam ver as mudanças in loco, as comparações
pareciam inevitáveis.
Emquanto que no extremo Oriente da Asia a monarchia absoluta do
Japão cedia ao influxo civilizador do Occidente, realisava reformas
liberaes e reconhecia os direitos politicos do cidadão; na livre America,
um decreto trazendo a assinatura do Snr. D. Pedro 2ª era promulgada
condemnando o povo brazileiro a sorte dos parias, confiscando-lhe o
sagrado e inviolavel direito do voto, que a constituição reconhecia,
direito que elle conquistara pelo seu patriotismo, a custa do seu sangue
tantas vezes derramado. (ALMEIDA, 1889, p. 46)

Nos últimos momentos do império, Custódio de Mello comandava a missão de


circum-navegação, enquanto Francisco Antônio de Almeida publicava A Federação e a
Monarchia (1889), livro no qual afirmou sua crença na soberania nacional; considerava
a federação como o início do separatismo – era crítico do federalismo estadunidense97 –,
defendia o voto e a abolição assim como se preocupava com os direitos dos senhores de
escravos. Mas sua crítica mais intensa se dirigia-se à monarquia:

97
Defendido posteriormente pelos republicanos de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul
(CARVALHO, 2014, p.25b).
209

Regimen politico que só admitte as instituições que lhe são proprias, a


monarchia constitucional não é susceptivel de serias modificações que
tenham por fim garantir as liberdades politicas. Olygarchia odiosa que
não tem a coragem de mostrar-se tal qual ella é, fingindo amar a
democracia, que a tem tantas vezes derrubado, a monarchia é de facto
o governo da falsidade e da hypocrisia. (ALMEIDA, 1889, p. 11)

Julgava os monarcas como “execráveis parasitas” que abusavam do dinheiro


público, sem preocupações com o país, sendo que “para livral-a de todas essas
immundices só existe um remedio: é a revolução da democracia precedendo a
proclamação da grande República Brasileira” (ALMEIDA, 1889, p. 38).
Havia vários projetos republicanos e disputas acerca deles. Mas de maneira geral,
para seus defensores
a proclamação da República fora a correção necessária dos vícios do
regime monárquico: os abusos do Poder Pessoal, vitaliciedade do
Senado, centralização excessiva, fraude eleitoral que possibilitava ao
governo vencer sempre as eleições etc. Correspondendo a uma
aspiração nacional, o movimento republicano teria uma força
irresistível. Ao proclamar a República, os militares seriam intérpretes
do povo. Ao partido republicano e ao Exército cabiam as glórias do
movimento. (COSTA, E., 2010, p. 451)

Para positivistas como Almeida, a república era parte de um processo progressista


do desenvolvimento político. Também era para Custódio de Mello, crítico da
centralização no imperador, do poder hereditário e dos favorecimentos políticos na
monarquia. Veterano da guerra contra o Paraguai, ele ressaltava o caráter militar da
proclamação. Seus livros foram publicados nos primeiros tempos da República, momento
em que os militares contavam com mais prestígio político (MATTOS, 1989, p. 166).
Como visto, o relato de viagem não foi a única obra de Custódio. Publicação
póstuma, O Governo Provisorio e a Revolução de 1893: de 29 de novembro de 1889 a 5
de setembro de 1893, organizada pela Companhia Editora Nacional em 1938, reuniu
“artigos revistos e ampliados, que saíram á luz na Imprensa sob o titulo: O Contra-
Almirante Custodio de Mello ao Publico” (MELLO, 1938, p. 7). Os textos desta
publicação dialogam com o relato de viagem, e falam da proclamação e dos primeiros
anos da república.
Custódio afirmou que não havia sido surpresa a notícia da proclamação que
recebeu durante a circum-navegação: “Estavamos em viagem de circumnavegação,
commandando o cruzador ‘Almirante Barroso’ quando, ao chegarmos a Acheem, na parte
210

noroeste da ilha de Sumatra, no dia 29 de Novembro de 1889, isto é, quatorze dias após
o advento da Republica, fomos informados pelo Commandante da Divisão Naval
Holandeza, ali estacionada, da transformação politica que se operara na nossa Patria”
(MELLO, 1938, p. 17-8). Como tratava-se de uma representação oficial do Brasil, em
Colombo (Sri-Lanka), receberam um telegrama do Brasil com ordens para retirar a coroa
da bandeira nacional e instruções para receber a nova, da república, em Nápoles. Havia
ordens para que D. Augusto deixasse a missão (MELLO, 1938, p. 20). A partir deste
telegrama as duas primeiras mudanças foram efetivadas: a troca da bandeira e o
afastamento do príncipe. A primeira mais fácil que a segunda, pois incidia nas relações
entre a tripulação. Mais fácil, mas não menos simbólica, pois demonstrava que o Brasil
não estava mais sob as ordens da família imperial:
Em virtude dos ultimos e do primeiro telegramma acima transcriptos,
duas ordens tinhamos de fazer executar em Colombo: a relativa á
modificação da Bandeira e a referente ao pedido de demissão do
serviço, a ser feito por D. Augusto. Quanto à primeira, nada mais
simples. Mandámos chamar o official Immediato e lhe dissemos que a
fizesse cumprir fazendo executar a indicada alteração em certo numero
de bandeiras nacionais, quer de navio quer de escaler, existentes a
bordo, devendo-se desde logo modificar uma para ser içada no mais
curto lapso possivel. No tocante, porém, á outra ordem, a coisa mudava
de figura: limitámo-nos a mostrar a D. Augusto o telegramma em que
ella estava exarada, visto que, em face da lei, outro procedimento não
nos era licito observar. Este official, depois de haver lido o despacho
telegraphico, disse nos que ia consultar seu avô, o ex-Imeprador, sobre
o que deveria fazer; ao que, lhe respondemos: “Vossa Alteza faça o que
entender”. Nem diversa poderia ser nossa linguagem, pois o
telegramma ministerial não nos autorizava a fazer mais do que fizemos;
além do que, no exercicio de nossas funções, não nos sabemos haver
senão de conformidade com a justiça e a lei. (MELLO, 1938, p. 21)

D. Augusto solicitou, por orientações da princesa Isabel, do conde d’Eu e de D.


Pedro II, uma licença de seis meses. A resposta do Ministro da Marinha do Governo
Provisório, Eduardo Wandekolk, veio por telegrama: “Principe peça demissão serviço,
concedo licença”. A determinação era para que o representante da família real não ficasse
a bordo do navio que representava o país, a partir de então, uma república. Custódio de
Mello esclareceu que “o Principe permaneceu sob a Bandeira da República até a vespera
de nossa sahida do porto de Colombo, pois só então desembarcou”. Organizou-se um
banquete de despedida, sobre o qual o comandante esclareceu não ter tido iniciativa, mas
sim a tripulação, diante da despedida de um “simples camarada, um companheiro de
trabalho e fadigas, que, sob o peso da desgraça, não cessava de chorar sua separação da
211

Patria e dos amigos” (p. 23). D. Augusto desembarcou em Colombo, e a tripulação do


Almirante Barroso, com Wasaburo Otake a bordo, seguiu viagem.
Satisfeito com a proclamação, o comandante concluía, “É aquella Bandeira,
symbolo sagrado das liberdades patrias, que de hoje em diante nos cumpre defender á
custa do proprio sangue, si tanto fôr mister”. (p. 22). Custódio de Mello acreditava que a
república, com sua base constitucional, era um avanço em relação à monarquia. Mas
contrapunha-se ao Governo Provisório, a respeito do qual soube, ainda na viagem, que
havia aumentado os vencimentos do Exército e da Armada, julgando a medida como uma
recompensa “pouco digna”. Elogiava Deodoro da Fonseca enquanto militar, mas
considerava-o alheio aos movimentos políticos, “não dispunha, siquer, de rudimentos da
sciencia de governar” (p.28), motivos que adensavam sua oposição ao governo do
marechal.

5.6 10 DE ABRIL DE 1892: OS VIAJANTES E A REPÚBLICA

A proclamação da república ocorreu em um momento de grande especulação


financeira provocada pelo aumento da emissão de dinheiro, com subsequente cenário de
autoritarismo e instabilidade política. Rapidamente, a tão esperada república se tornava
uma desilusão, e a dificuldade de sua implantação efetiva preocupava os republicanos.
Em 1891, foi promulgada a primeira Constituição da república brasileira, na qual o
federalismo e o direito ao voto, ainda excludente, eram algumas das novidades. De
qualquer forma, a república que nascera de um golpe não traria estabilidade ao país.
Um dos exemplos dessa instabilidade política foi o pedido de demissão feito pela
equipe do ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, em janeiro de 1891, por
oposição ao autoritarismo do presidente Deodoro da Fonseca.98 Henrique Pereira de
Lucena assumiu o cargo de ministro e se tornou um dos principais nomes do governo,
assumindo também outras pastas. Um dos momentos mais emblemáticos do período foi
o fechamento do Congresso Nacional, em 3 de novembro de 1891. Enquanto isso,

98
O pedido de demissão ocorreu em 1891, pelo fato de Deodoro dar garantias para obras públicas sem
aceitar o processo democrático de decisão. Neste caso, propôs a garantia de juros para construção de um
porto no Rio Grande do Sul, a pedido de seu amigo Trajano Viriato. O evento era significativo dos atritos
do governo provisório (MARTINS, H., 1997, p. 52).
212

Francisco Antonio de Almeida, definindo-se como republicano, abolicionista e


deodorista, esclarecia na Gazeta de Noticias sua participação no governo:
A minha república não era a do Sr. Lucena; servi ao governo do
venerado patriota o Sr. marechal Deodoro como serviram os mais puros
extremados republicanos e se tive a tibieza de não demitir-me no dia 3
de novembro do cargo de diretor do Diario Official, confesso
publicamente, que este acto de fraqueza me serve hoje de lição para me
afastar resolutamente, sem atender a quaisquer considerações dos
homens que foram a vergonha do paiz, que provocaram a indignação da
humanidade inteira, que foram os corruptores da monarchia, os auctores
e comparsas das cenas revoltantes da escravidão e que são, quer eles
queiram quer não queiram, os representantes tradicicionaes da
inquisição negra. (GAZETA DE NOTÍCIAS, 13/02/1892)

De acordo com a pesquisadora Maria de Lourdes Janotti, um grupo de


monarquistas percebeu o momento como favorável para reunir os descontentes com a
república em torno de um membro da família real. O príncipe D. Augusto representava a
esperança para alguns, tendo retornado até o Rio da Prata em 1891. O que se planejava
era um encontro – ou reencontro – com Custódio de Mello, que se organizava contra o
governo. Mas o monarquista, sem sucesso, retornou à Europa, “desiludido e desiludindo
a todos que esperavam algum resultado dessa viagem malograda” (JANOTTI, 1986, p.
48). Custódio de Mello, que havia se declarado como opositor do governo e caracterizara
o marechal como ditador (MELLO, 1938), liderou uma ação que ameaçou bombardear o
Rio de Janeiro e tornou-se um dos principais nomes da Revolta da Armada de 1891.
Deodoro renunciou em 23 de novembro de 1891. Como não houvesse novas
eleições, o vice Floriano Peixoto assumiu a presidência. De acordo com Janotti (1986, p.
52), “os meses iniciais do governo florianista caracterizaram-se pela insegurança e
enfrentamento das facções. (...) Deodoristas perdiam cargos e, pelos jornais,
desenvolviam campanhas contra Floriano Peixoto e Custódio de Mello.” A república
brasileira se iniciava marcada pelo autoritarismo, e então, foi a vez de Floriano Peixoto
negar-se a convocar novas eleições:
A esta fase golpista segue-se a parlamentar: a oposição levanta a
questão da constitucionalidade do governo. Campos Sales tenta
convencer o Contra-Almirante Wandenkolk a aceitar o mandato de
Floriano até o fim do período (1894), o que ele recusa embora não
deseje participar da conspiração armada (fevereiro e março/1892). A
pressão a favor de eleições presidenciais aumenta paralelamente ao de
preparo da revolução por civis e alguns elementos do exército. A crise
avoluma-se e certos atos precipitados anunciam o golpe: no dia 6 de
abril, 13 generais lançam um ultimato a Floriano, e já no dia 10 estala
213

e a rebelião nas ruas. O Congresso imediatamente decreta o estado de


sítio e abafa a tentativa de retorno de Deodoro. (CARONE, 1976, p. 25)

Dentre os marcos do descontentamento com os atos desse segundo governo,


destaca-se o Manifesto dos Treze Generais99, reivindicando novas eleições. Houve “novo
período de instabilidade e de perseguições políticas” (JANOTTI, 1986, p. 55), da qual
destacamos a manifestação deodorista de 10 de abril de 1892. No mesmo dia, foi assinado
o Decreto n. 791, determinando estado de sítio no Rio de Janeiro e suspendendo as
garantias constitucionais por 72 horas.
Naquela manifestação estavam os três personagens que acompanhamos, Custódio
de Mello atuava no governo de Floriano Peixoto, Francisco Antonio de Almeida foi preso
como manifestante e o futuro viajante analisado neste trabalho, Aluísio Azevedo, “devia
estar então menos envolvido que seus companheiros, pois não foi molestado durante a
violenta repressão que se abateu sobre os antiflorianistas” (MÉRIAN, 2013, p. 353). Mas
seu envolvimento com o movimento de oposição era evidente, uma das paradas da
manifestação em favor de Deodoro foi a sede de O Combate, periódico no qual ele atuava
ao lado dos jornalistas Pardal Mallet e Olavo Bilac. Nas colunas da publicação, “eles não
tinham palavras que fossem duras o bastante para se opor aos florianistas” (p. 351).
Sobre a manifestação, ocorrida no dia 10 de abril de 1892, a Gazeta de Notícias
do dia seguinte descreveu na primeira página que panfletos haviam sido espalhados pela
cidade durante a noite, convocando os deodoristas para uma manifestação em apoio ao
marechal. O grupo foi acompanhado por uma banda de música e, após passarem pela casa
do ex-presidente, dirigiram-se até a redação de O Combate e seguiram de bonde para o
largo de São Francisco de Paula, onde foram surpreendidos por militares armados, que
receberam reforço da cavalaria e do corpo de lanceiros. A matéria da Gazeta de Notícias
encerrava explicando que “a noite de hontem foi de verdadeiro panico n’esta cidade. Pelo

99
“Os abaixo assignados, officiaes generaes do exercito e da armada, não querendo, pelo silencio, co-
participar da responsabilidade moral da actual desorganisação em que se acham os Estados, devido a
indébita intervenção da força armada nas deposições dos respectivos governadores, dando em resultado a
morte de inúmeros cidadãos, implantando o terror, a duvida e o luto no seio das famílias, appellam para
vós, marechal, para que façais cessar tão lamentavel situação. A continuar por mais tempo semelhante
estado de desorganisação geral do paiz, será convertida a obra de 15 de novembro de 1889 na mais completa
anarchia. E os abaixo assignados, crentes, como estão, que só com a eleição do presidente da Republica,
feita quanto antes como determina a constituição federal e eleitoral, feita, porém, livremente sem a pressão
da força armada, se poderá restabelecer prontamente a confiança, o socego e a tranquilidade da familia
brazileira, e bem assim o conceito da Republica no exterior, hoje tão abalados, esperam e contam que neste
sentido dareis as vosas acertadas ordens, e que não vacilareis em reunir este importante serviço cívico aos
muitos que nos campos de batalha já prestates á Patria”(DIARIO DE NOTICIAS, 23/04/1892).
214

bulicio, correrias, gritos e movimentação de tropas e de populares, poder-se-ia affirmar


que a revolução estava na rua” (GAZETA DE NOTICIAS, 11/04/1892).
Os manifestantes foram acusados de crime de sedição e conspiração contra o
presidente Floriano Peixoto. Nos jornais, um comunicado do governo justificava que,
dada a situação de instabilidade e reorganização política no país, a “rigorosa repressão”
era necessária para a manutenção da “paz pública” (A ORDEM, 20/04/1892). O
comunicado foi assinado por Floriano Peixoto e seis de seus ministros, incluindo
Custódio de Mello.
Os manifestantes foram presos ou desterrados. Francisco Antônio de Almeida foi
enviado para Fortaleza de Villegagnon100, segundo consta no Diario Official de 14 de
abril de 1892101. Posteriormente, seu nome esteve na lista de anistiados naquele mesmo
ano, juntamente com o escritor Olavo Bilac. Foi Rui Barbosa quem entrou com pedido
de habeas corpus para os presos, considerando que o estado de sítio e a prisão eram
ilegais, que a manifestação fora pacífica, “não houve uma agressão, uma gotta de sangue
derramado, nem uma arma dirigida contra ninguem. O enthusiasmo dos manifestantes
expande-se em aclamações” (BARBOSA, 1892, p. 50). Concluía que sem haver “perigo
geral para a patria, e perigo imminente, é constitucionalmente illegitima a suspensão de
garantias” e que a violação da constituição pelo governo era mais escandalosa e
perturbadora do que a ação dos acusados102 (p. 51). O pedido foi negado pelo Supremo
Tribunal Federal. Entre os réus listados estavam o vice-almirante Eduardo Wandenkolk,
Olavo Bilac, Pardal Mallet e José do Patrocínio. Os envolvidos na manifestação de 10 de

100
De acordo com Blake, como apresentado inicialmente, Almeida teria sido levado à fortaleza de São José
(1970, p.390).
101
Cabe aqui explicar que a trajetória de Francisco Antonio de Almeida contou ainda com nomeações para
cargos públicos e ativa participação nos debates sobre a república. O cientista que inicialmente foi
apresentado como engenheiro e astrônomo, dedicado à pesquisa, teve homônimos contemporâneos que
também foram politicamente atuantes, permitindo confusões mais recorrentemente por muitas vezes não
usar o nome “Junior”. Entretanto, sua assinatura manuscrita nos documentos da década de 1870, referentes
à viagem ao Japão, e em cartas ao marechal Deodoro reclamando de sua exoneração mantém a mesma
grafia; além da publicação de A Federação e a Monarchia, comprovam a atuação de Almeida nessas
diversas esferas.
102
Considerava que “se incidentes ridículos e nullos, como o da tarde de 10, assumem as proporções
juridicas de perigo imminente da patria e commoção intestina da republica; se o estado de sitio, declarado
sob pretextos insignificantes, como esse, vinga fóros de constitucional, ou se não se admite á justiça federal
o direito de não lhe reconhecer esse caracter, e proteger contra as consequencias dessa adulteração do nosso
regimen o individuo e a liberdade, então, senhores juízes, a vossa abdicação estará firmada, como a
abdicação do Congresso, que terá na dictadura permanente do executivo o filtro depurador das suas
deliberações, como vós tereis nella o fiscal soberano da vossa independencia.” (BARBOSA, 1892, p.55).
215

abril só seriam anistiados pelo decreto de 5 de agosto de 1892.103 A anistia trouxe calma
momentânea, mas logo seguida por uma revolta antiflorianista encabeçada pela Marinha.
Em 1893, o momento da Segunda Revolta da Armada, também teve Custódio de
Mello à frente.104 Dele dizia-se que pretendia a presidência da república, especulação
desmentida num manifesto de 6 de setembro de 1893: “nenhuma sugestão de poder,
nenhum desejo de governo, nenhuma aspiração de exercer mandatos por esforço violento
da própria individualidade, me levam à Revolução” (MELLO apud CARONE, 1976, p.
28). Seja como for, mais organizada, a revolta de 1893 chegou a bombardear fortes do
Rio de Janeiro e a se aproximar dos federalistas do sul do país.
Nesse evento, os três viajantes que movem esta análise se encontraram,
demonstrando que os republicanos não eram um grupo homogêneo e principalmente que
o Brasil também vivenciava um importante momento de transformação política. O Brasil
não era mais um império, tentava se organizar como república. Daquele momento em
diante, as viagens para o Japão teriam outras configurações diplomáticas, pois se tratavam
de dois países buscando seu lugar como nações modernas no cenário internacional.

5.7 A LEGAÇÃO BRASILEIRA NA CHINA E A CHEGADA DO TETARTOS

Os processos nacionais e internacionais que estamos acompanhando eram


simultâneos e se imbricavam. A questão do trabalho permanecia e continuava
mobilizando as demandas da iniciante república. A entrada de asiáticos, proibida no
Brasil pelo Decreto n. 528, de 28 de junho de 1890, passou a ser autorizada pela Lei n.
97 de 5 de outubro de 1892. Em 1893, uma legação brasileira foi enviada à China, ainda
a fim de negociar a imigração, e contava com a indicação de Francisco Antônio de
Almeida para integrá-la. Em 5 de abril daquele ano, sob o pseudônimo Fantasio, Olavo
Bilac publicou uma crônica sobre a missão. O texto foi publicado no periódico Cidade do
Rio, de José do Patrocínio:
Noticiando hontem a nomeação de mais um auxiliar para a patriotica e
povoadora embaixada, - um moço que já conhece que farte a China e o
Japão, - acrescentam os jornaes:

103
BRASIL. Decreto nº 72-b, de 5 de agosto de 1892. Concede amnistia aos cidadãos implicados nos
acontecimentos políticos de 10 de abril do mesmo anno, bem como nas revoltas das fortalezas da Lage e
Santa Cruz, ocorridas em janeiro de 1892. Rio de Janeiro: Presidência da República, 1892.
104
De acordo com Hélio Leoncio Martins (1997), Custódio inicialmente recusou dirigir a revolta, mas
posteriormente foi convencido pelo Almirante Jaceguai.
216

“O sr. Fulano foi principalmente encarregado de estudar as industrias


chinezas e de indicar os meios práticos de introduzir no Brazil aquellas
que se adaptarem ás nossas condições.”
(...)
Louvado seja Confucio, já que, emfim, vamos ter acclimadas, na estufa
da nossa abominavel civilisação, as artes e as industrias chinezas.
Quando, de volta da sua embaixada á China, o Dr. Francisco Antonio
de Almeida (escapou-me o nome do eleito!) desembarcar no caes
Pharouxm vel-o-emos tirar do bolso, como um magico inexgotavel,
todos os milhares e milhares de especimes das quinquilherias e
japonezerias... E concordaremos em que sempre vale a pena passar
quatro mezes n’uma fortaleza, para poder depois injectar na sornice da
industria patria o sangue amarello da industria opiada. (CIDADE DO
RIO, 05/04/1893, p. 1)

Bilac criticava o projeto da “povoadora embaixada” de trazer os asiáticos –


especialmente chineses – baseado em argumentos como “sangue amarello” e “rabichos
mandarinescos”. Continuava:
As industras da China não se limitam a explorar o fabrico dos leques, a
construcção dos chalets, o preparo do chá e a pintura das porcellanas.
Não! ha outras industrias em que a China excelle... Por exemplo, duas:
a indústria de esvasiar os galinheiros alheios e a de...
Como é pobre a lingua pontugueza que creaste, Luiz de Camões! Como
dizer a outra industria generosa em que os chinezes excelem? Como
explicar ao publico o que é essa desinteressada industria, para cuja
exploração dão os chinezes alguma cousa que não deu para dar-se a
natureza?
Digamos: uma industria destinada a fazer de um supplicio um vicio...
Comprehende-se agora que os capitaes tenham medo. Porque o
capitalista está sempre disposto a gastar dinheiro em seu favor, e nunca
contrasi. Supponhamos que eu, capitalista, de o meu dinheiro para que
com elle, em fórma de bonus, se protejam as industrias chinezas. Si com
o meu dinheiro se proteger as industrias dos leques ou das porcellanas,
tudo irá bem, e dentro em pouco auferirei lucros consoladores. Mas, si
os bonus em que se dissolver o meu dinheiro forem dados para proteger
as duas singulares industrias que citei, ver-me-hei na dolorosa
contingencia de subsidiar o trabalho dos que me roubaram as gallinhas,
e longe de receber juros, - no caso de ter curso forçado a segunda das
industrias occultas, - terei de ser empalado á custa do meu proprio
dinheiro.
Si digo eu, é por hypothese. Não tenho capitaes, não tenho gallinhas...e
não tenho medo do reste. Fallo pelos capitaes dos outros. Tenho medo
das industrias novas.
Sejamos prudentes, embaixadores e auxiliares! Se as industrias que tem
de vir são apenas as de porcellana, dos chalets, dos leques, e da
exploração do chá, - bem hajas, Confucio! Mas, si têm de vir as outras
duas industrias, amigos, - ponhamos de molho as barbas, as gallinhas e
o resto! (CIDADE DO RIO, 05/04/1893)
217

Mais uma vez associados a ladrões de galinha e ao vício do ópio, os chineses eram
apresentados aos leitores como passivos diante da escolha que poderia se fazer em relação
à imigração. Ou seja, mesmo com as dificuldades de negociação de um tratado com a
China, mantinha-se um discurso que invizibilizava a agência dos chineses e seu governo
diante da escolha brasileira e que, por fim, os reduzia às características que os colocavam
como inferiores às outras opções.
Em 24 de março de 1893, o decreto n. 1331 concedia verbas para a efetivação do
tratado já firmado com a China, a elaboração de um tratado com o Japão, além “do
estabelecimento de agentes diplomaticos e consulares nesses paizes, para manutenção de
suas boas relações, e especialmente encarregados esses e outros agentes de fiscalisar a
emigração que daquelles paizes se dirigir para o Brazil.”105 A legação brasileira na China
foi criada pelo decreto n. 1429, de 10 de junho de 1893. No quadro do corpo diplomático,
José da Costa Azevedo, o barão de Ladário, e Joaquim Francisco de Assis Brazil, estavam
como enviados extraordinários e ministros plenipotenciários. Havia também três
secretários106 e Francisco Antônio de Almeida, nomeado “auxiliar da embaixada
brasileira que tem de ir à China (...) e encarregado de estudar todas as industrias do Japão
applicaveis ao Brazil” (JORNAL DO BRAZIL, 04/04/1893).
No quadro despesas da missão, consta que Almeida “regressou de Pariz, deixando
de seguir para o seu posto”107. Mesmo no Brasil, continuava vinculado à missão, e em 3
de setembro de 1893, enviou ao presidente Floriano Peixoto o relatório intitulado
Memória apresentada à V. Exª o Sr. Marechal Vice-Presidente da República sobre a
Immigração chineza, seguida de um projecto de fiscalização pelo Dr. Francisco Antonio
de Almeida108. O documento reiterava a presença e a legitimidade de Almeida no debate
sobre a Ásia e os asiáticos, bem como justificava o pagamento recebido para participar
da missão. Em sua análise sobre a imigração, indicou modalidades de fiscalização nos

105
BRASIL. Decreto nº 1.331, de 24 de março de 1893. Abre ao Ministerio dos Negocios da Industria,
Viação e Obras Publicas um crédito extraordinario de 150:000$000 ao cambio de 27 ds. por 1$000 para dar
cumprimento ao disposto no art. 2º da lei n. 97 de 5 de outubro de 1892. Rio de Janeiro: Presidência da
República, 1893.
106
José Cordeiro do Rego Barros, Dario Galvão e Luiz de Moraes.
107
“Quadro demonstrativo das despesas com o pessoal da missão especial à China”. Disponível em: Missão
especial do Celeste Imperio, confiada a direção do Barão de Ladário. 1893-1894. Correspondências e
textos impressos do acervo da Biblioteca Nacional.
108
Ofícios referentes ao serviço de terras e colonização do governo do estado do Rio Grande do Sul;
memorial sobre a hospedaria de Pinheiro; memória e projeto de fiscalização sobre a imigração chinesa;
relatório da comissão de propaganda de imigração e colonização do norte do Brasil. 28/08/1893-
21/06/1894. Referência: BR AN, RIO Q6.LEG.ADM,MIV.1059. Disponível no Arquivo Nacional.
218

locais de partida e no estabelecimento no Brasil. Ele manteve o discurso sobre as


diferenças raciais e a opinião de que os habitantes do litoral eram física e moralmente
degradados, mas mais facilmente arregimentados; os do interior continuavam a ser
considerados “chins de pura raça” e “homens trabalhadores”. Para evitar o embarque da
população que caracterizaria a “completa desmoralização da immigração asiática”,
sugeria a presença de representantes do governo nos postos de embarque. Baseava-se em
relatos de outros viajantes e em seu próprio.109 Almeida ponderava que “sendo bem
succedida a immigração chinesa no Brasil” seria possível trazer trabalhadores de regiões
de difícil acesso, porém com populações que considerava mais aptas. Nessa diferença
mantida de seu discurso de Da França ao Japão, considerava que sem a devida seleção
dos imigrantes “seria um verdadeiro desastre se as primeiras levas de colonos fossem
compostas de typos rachiticos, malaios ou mestiços, como succedeu em outras epochas,
tendo occasionado o descredito do chim como trabalhador agricola”.
Em 1893, o ministério das Relações Exteriores publicou seu relatório com um
ítem dedicado à China, Immigração. Missão Especial. Ali foram destacados o envio da
missão brasileira àquele país e a chegada dos imigrantes chineses no vapor Tetartos.
Assim como havia ficado evidente nas negociações do Tratado de Amizade assinado em
1881, os chineses estavam atentos à exploração internacional de trabalhadores.
O caso do navio Tertatos foi simbólico da relação entre Brasil e China. Em Macau,
Júlio Benavides (da Companhia Metropolitana do Rio de Janeiro) organizou o embarque
de 475 trabalhadores. Segundo Henrique Lisboa (2018, p. 48), em contraposição ao
“preconceito tão frequentemente invocado pelos adversários da imigração chinesa”, os
trabalhadores eram gente “robusta, sadia e bem disposta para os trabalhos agrícolas”.
Contudo, a vinda deste navio com os trabalhadores parece ter acirrado as dificuldades nas
relações entre os dois países. De acordo com a tradução da nota do “Encarregado de
Negócios da China” apresentada no Relatório do Ministério das Relações Exteriores, a
impressão que o governo chinês tivera da iniciativa de recrutar emigrantes sem sua
permissão poderia criar dificuldades com a negociação dos acordos para vinda regular
dos mesmos, como era o objetivo da legação brasileira. Diante disto, o representante da
China pediu que fosse vedado o desembarque dos chineses que vinham no Tetartos ou,

109
“Pelas informações que me foi possivel fazer nas publicações de viagem de diversos exploradores e pelos
conhecimentos que adquiri durante a minha viagem a China em 1874-1875, posso affirmar que o
trabalhador manchú é melhor, sob todos os pontos de vista, aos demais que habitam a China”. (ALMEIDA,
1893).
219

se caso já tivessem desembarcado, que fossem repatriados110. O governo brasileiro frisou


que os imigrantes haviam embarcado livremente, após contratos regulares, sob
fiscalização de autoridades portuguesas em Macau. Afirmando, por fim, que não
impediriam o desembarque no Brasil nem os mandaria retornar “depois de tão longa
viagem”111 por já estarem estes trabalhadores designados para diferentes fazendas do Rio
de Janeiro.
O representante chinês replicou duramente, como foi anexado no mesmo
Relatório, demonstrando a contrariedade do seu país diante do tratamento dado pelo
governo brasileiro ao caso dos trabalhadores traficados:
os 475 passageiros do Tetartos são subditos Chinezes; para assegurar a
sua inteira liberdade de acção e resguardar os seus direitos era
necessario que antes da sua partida fossem as competentes autoridades
Chinezas habilitadas a entender-se com o representante do Brazil na
China e para estabelecerem os regulamentos destinados a dar aos seus
contractos as garantias indispensaveis. Eu tinha comprehendido que o
Governo dos Estados Unidos do Brazil tambem assim pensava quando,
por meio de V.E., nos pediu a abertura de negociações para o
recrutamento de trabalhadores chinezes. Tal é pelo menos o sentido do
memorandum mandado de Londres em 27 de julho de 1893 pelo Sr.
Barão de Ladario, na vespera de sua partida para a China e que está
archivado nesta Legação. Ora, o incidente do Tetartos não foi precedido
de communicação regular entre o representante do Governo Brazileiro
e os do Governo Imperial. Bem que responsaveis perante o Governo
Central, as Altas autoridades da Provincia do Cantão não intervieram
validamente na questão e nenhuma autorização deram. Estas
circunstancias bastam para explicar a impressão desfavoravel que se
sentiu na China (MINISTÉRIO DA RELAÇÕES EXTERIORES,
1894, p. 32).112

Houve um movimento de bloqueio dos chineses em relação aos interesses


brasileiros, um afastamento em nível governamental, mais do que apenas um desinteresse
pessoal dos representantes de ambos os países. Além disso, havia a positivação da
imagem do Japão construída desde sua abertura, fazendo com que o país se destacasse
como possibilidade de acordos comerciais.

110
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Relatório do ano de 1893 apresentado ao Vice-
Presidente da República dos Estados Unidos do Brazil (...) em maio de 1894. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1894, p.28.
111
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Relatório do ano de 1893 apresentado ao Vice-
Presidente da República dos Estados Unidos do Brazil (...) em maio de 1894. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1894, p.30.
112
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Relatório do ano de 1893 apresentado ao Vice-
Presidente da República dos Estados Unidos do Brazil (...) em maio de 1894. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1894, p. 32.
220

No dia 23 de maio de 1894, Costa Azevedo, barão de Ladário, redigiu em Hong


Kong uma carta ao marechal Floriano Peixoto, insistindo na importância de assinar um
tratado com o Japão baseado em termos de reciprocidade. Mencionou a dificuldade nos
contatos com a China e as possibilidades que se anunciavam com relação ao Japão, sendo
a vinda dos trabalhadores o ponto central para o estabelecimento de acordos oficiais:
Desde logo, vendo que da China não conseguiremos cedo essa
immigração, e reconhecendo sob todos os pontos por que se encare a
questão a superioridade dos japonezes sobre os chinezes, no proposito
que tem-se em vista, tratei por modo oficioso de saber das disposições
do governo do Japão em vir ao encontro de nossas necessidades
alludidas, que felizmente não se oppõe, antes estão acordes, com as
desse imperio, de tirar de seu solo essa superabundancia de população,
que já traz serias dificuldades ao paiz.
Áquella secretaria expuz a conveniencia de sem demora, endentermos-
nos com o mesmo governo, antes de ir a Missão a Pekim, para tambem
achar-se ella ali em melhores condições quando tiver de funccionar:
mas isto, só concedendo-se no tratado a se fazer a justa exigência de
perfeita reciprocidade; o que parece a mesma secretaria uma
inconveniência, resultando não haver sido aceito o meu juizo a respeito.
(...)
Temer a reciprocidade num tratado com o Japão, por poder alcançar a
algumas dezenas de brazileiros a legislação local quando ali, cerrando
as vistas para não descobrir as vantagens do supprimento imediato de
trabalhadores, em larga escala e a preços menores de quantos
poderemos obter qualquer que seja o paiz, é tão singular ideia que
escapa á minha comprehensão.
De mais, Senhor Presidente o Japão de hoje não é aquelle paiz de uns
40 annos atraz, quando por violencias de paizes varios, impozerão-lhe
tratados que, são uma injuria á soberania desse imperio. O Japão está
no caminho de um progresso febril tem leis tribunaes e juizes até certos
pontos iguaes aos dos paizes dos mais adiantados.113

Respondendo o conselho sobre o tratado com base na reciprocidade, Alexandre


Cassiano do Nascimento, ministro das Relações Exteriores, contestou-o: “Respeito a
vossa opinião, mas não posso ter a satisfação de dizer-vos que o vosso conselho é acceito.
Este assumpto foi examinado cuidadosamente e resolvido como sabeis”114.
A opinião do barão de Ladário se dava diante de fatos concretos em relação à
emigração de trabalhadores japoneses que também ocorria para as Américas no fim do

113
Cartas comunicando que foi nomeado ministro da Marinha e convidando o destinatário a permanecer no
gabinete; solicitando nomeações de terceiros; informando a saída do primeiro secretário da missão especial
do Brasil na China, da qual o autor é encarregado; e expondo idéias sobre emigração de trabalhadores. Data:
08/06/1889-23/05/1894. Referência: BR AN, RIO Q6.LEG.COR,CAR.217. Disponível no Arquivo
Nacional.
114
Carta do ministro Alexandre Cassiano do Nascimento enviada ao Almirante José da Costa Azevedo em
28 de maio de 1894. Disponível em: Missão especial do Celeste Imperio, confiada a direção do Barão
de Ladário. 1893-1894. Correspondências e textos impressos do acervo da Biblioteca Nacional.
221

século XIX. De acordo com o pesquisador Hiroshi Saito (1961, p.21), os primeiros
trabalhadores japoneses no Havaí chegaram em 1868 e “como se tratasse de imigração
ilegal, não precedida de entendimentos oficiais, deu origem a um conflito entre os dois
países em questão”, solucionado em 1871 com a assinatura de um Tratado de Amizade
possibilitando a imigração regular, iniciada em 1875. Para além do tratado, os ofícios da
missão brasileira atendiam à questão da imigração japonesa. Como demonstra a carta do
arquivo da missão em Hong Kong, direcionada ao barão de Ladário, de 7 de junho de
1894115:
Agradeço a V. E. sua carta de 23 de abril ultimo e folgo em saber que
V.E. tem na máxima importancia a conclusão de um Tratado entre o
Brasil e o Japão. Tratado que nos abrira as portas para a imigração
japonesa.
(...)
Contamos com o esforço patriotico de V.E. e com o apoio do Ex. Vice
Presidente da República cuja solicitude por esse assumpto é notória,
deixo em Paris as cousas preparadas para que possa a introdução de
imigrantes japoneses ter lugar logo após a celebração do Tratado entre
os dous paises. 116

De acordo com Jeffrey Lesser (2001, p. 156), ao voltar-se para o Japão, o enviado
brasileiro “sabotou sua própria missão de tratado na China” e, naquele momento, “o
governo Qing tinha tão pouco interesse no Brasil quanto Costa Azevedo tinha na China”
(p. 66). Contudo, o que se nota na documentação é mais um desdobramento das relações
com a China, como as negociações do tratado de 1881 e o descontentamento com a saída
dos trabalhadores a bordo do Tetartos, do que propriamente desinteresse.
O decreto n. 1896, de 23 de novembro de 1894, que determinava o retorno da
missão enviada à China, comunicava a exoneração do astrônomo Francisco Antônio de
Almeida. A missão foi cancelada em função da guerra sino-japonesa: “A guerra com o
Japão, apezar das victorias que este tem alcançado, póde durar ainda algum tempo e as

115
Ao que nossas pesquisas indicam, o remetente trata-se do Conde de Figueiredo, fundador do Banco
Nacional Brasileiro. No papel da carta estava timbrado a marca da sede de Paris do Banco Nacional
Brazileiro e, dois meses após a escrita da mesma, onde dizia que em breve retornaria ao seu país, foi
noticiado no periódico O Pharol que “vindo da Europa, acha-se no Rio de Janeiro o sr. Conde de Figueiredo,
presidente do Banco Nacional Brazileiro” (01/08/1894).
116
Carta do Almirante José da Costa Azevedo enviada em 7 de junho de 1894. Disponível em: Missão
especial do Celeste Imperio, confiada a direção do Barão de Ladário. 1893-1894. Correspondências e
textos impressos do acervo da Biblioteca Nacional.
222

suas desastrosas consequencias hão de ocupar depois da paz toda a atenção do Governo
chinez. Tem portanto de ser adiada a projectada negociação”117.

5.7.1 CHINESES E JAPONESES EM CHINS DO TETARTOS

Esforço-me, nesse estudo, por emitir um juízo


correto e imparcial sem deixar-me influir pela
justificada preferência que poderia merecer-me a
imigração chinesa, há tantos anos estudada e
aproveitada, posta em paralelo com a japonesa, só
recentemente experimentada. (LISBOA,
2018[1894], p. 16)

No mesmo ano do fim da missão à China, 1894, o diplomata Henrique Lisboa,


que já havia escrito A China e os Chins (1888), publicou Os chins do Tetartos. Este livro
inicia com uma “resenha histórica”, voltada para os acontecimentos desde a assinatura do
Tratado de Amizade entre Brasil e China, em 1881, até a década de 1890; a partir daí, há
considerações e projetos para introdução dos trabalhadores chineses, desde o
engajamento na China, transporte, colocação no Brasil, os sistemas de imigração,
terminando com uma análise sobre a imigração japonesa, que ia “encontrando aceitação
entre os fazendeiros” (LISBOA, 2018[1894], p. 16). Os japoneses não apareciam apenas
ao final da obra, pois o debate sobre a imigração era feito em consonância com a lei de
1892, que permitia a imigração chinesa e japonesa, e com a previsão de tratado com o
Japão.
Se o Congresso Agrícola (1878) fora o momento para se pensar sobre a vinda e o
trabalho dos chineses no Brasil, a obra de Lisboa trazia respostas dos primeiros
fazendeiros a receberem estes trabalhadores com certa fiscalização, como um teste e fase
de ajuste destes planos. Chama a atenção que um destes relatos é de uma proprietária de
fazenda, Amelia Gomes de Azevedo, que administrava com sua mãe a fazenda Monte
Himalaia (LISBOA, 2018[1894], p. 62). Amelia Azevedo dizia-se observadora da
transição e das diferenças entre os trabalhadores nacional, europeu e chinês, fazendo
duras críticas ao primeiro e, na tentativa de dispensá-los, o último surgia como opção.
Eram “motor reacionário e pacificador” pois “o pessoal tornou-se mais submisso, ao
compreender que havia um competidor”, situação antes anunciada nas páginas da Revista

117
BRASIL. Decreto nº 1.896, de 23 de novembro de 1894. Adia os serviços autorisados pela lei n. 97 de 5
de outubro de 1892 e manda retirar a Missão á China. Rio de Janeiro: Presidência da República, 1894.
223

Illustrada, por Angelo Agostini. Defensora da vinda dos chineses, Amelia Azevedo os
considerava fortes, asseados, honestos, dóceis, obedientes, inteligentes, esforçados,
silenciosos e, grande vantagem, de baixo custo. Ela trazia para o debate a importância da
paciência com as dificuldades de idioma, alimentação e outros costumes que dificultavam
a adaptação no início. Destacava como importante para o bom convívio ganhar-lhes a
confiança, pois “com a brandura e o jeito consegue-se tudo deles, o que já não acontece
com a aspereza ou a violência” (p. 67). Por fim, a proprietária rural buscava diferenciá-
los dos demais imigrantes e do trabalho escravo:
Além de ser mais barato o trabalho do chim, devemos levar em
conta a paz do espírito que sua brandura nos proporciona.
Dizer-se que o chim vem substituir o elemento servil e
representar um segundo período de escravidão em um país livre
é uma ideia sem fundamento. O chim não se sujeitará a ser
tratado como escravo; usará sempre das prerrogativas de sua
liberdade, porque é livre e ele o sabe. Sua inteligência não é
inculta. Todos os nossos sabem ler, inclusivamente o menino
de 11 anos. Não é isto um belo exemplo, vermos como está a
instrução introduzida na China entre o proletariado que precisa
emigrar para ganhar a vida? Não há, pois, escravidão possível
para quem tem as luzes da instrução e o poderio da inteligência.
(LISBOA, 2018[1894], p. 70)

Henrique Lisboa, como provocação e defesa, dizia que nos relatos “não são, pois,
os mesmos chins com que nos ameaçavam a Sociedade Central de Imigração e o sr. José
do Patrocínio. Ninguém os achou raquíticos, viciados, imorais, facinorosos, ou
bestializados pelo ópio. Já devemos dar graças a Deus!” (p. 78). A análise de Lisboa sobre
um período experimental antes da abertura da imigração espontânea depositava
esperanças em relação aos primeiros resultados e destacava a necessidade de mecanismos
de acompanhamento, proteção e fiscalização do processo. Lisboa (p. 81) considerava
cinco sistemas de imigração possíveis:
1º. Imigração contratada por conta direta dos fazendeiros;
2º. Imigração contratada ou livre por conta de empresas comerciais;
3º. Imigração contratada ou livre por conta dos governos estaduais;
4º. Imigração livre por conta da União;
5º. Imigração espontânea e livre.

O autor incentivava a segunda modalidade. Ele considerava que a imigração


espontânea e livre necessitava de maior preparo. Acreditava serem necessárias limitações,
para que o processo não alcançasse proporções que “nos obrigassem a tomar mais tarde
desagradáveis medidas de repressão” (p. 96). Via nos chineses bons trabalhadores
224

temporários, apesar de serem uma presença indesejada na composição nacional. O fato é


que mudava o discurso em função da nova demanda da opinião pública pós–abolição,
incluindo as demandas internacionais (mesmo as chinesas), sobre regulamentação do
trabalho livre; mas o projeto em muito se assemelhava ao que era proposto na década de
1870.
A vinda do vapor Tetartos para o Brasil e a missão à China, ambos em 1893, foram
centrais para o desencadeamento do debate sobre a mudança de foco dos chineses para os
japoneses como imigrantes. Foi fazendo referência ao romance do autor francês Pierre
Loti, Madame Chrysantème118 (1887), que Henrique Lisboa iniciou seu capítulo sobre o
Japão:
Quando penso na deliciosa pátria de mme. Chrysantème, a minha
imaginação só pode vê-la coberta de coloridas e mimosas flores e
inundada de alegres raios solares, por meio de cujos reflexos cruzam
com voo ligeiro e incerto, essas elegantes mariposas pintadas nos seus
biombos e kakimonos (p.101).

A construção das imagens sobre os estrangeiros mantinha como subsídio as


narrativas de viajantes, especialmente os “viajantes contemporâneos” do fim do
oitocentos, como o francês Albert Tissandier e o inglês Henry Norman. Quase duas
décadas depois da primeira publicação que acompanhamos, o Japão estava cada vez mais
conhecido, entretanto, mantinha-se a imagem romantizada de sua população: vivendo
para suas alegrias, delicados, caprichosos. Para Lisboa, “comparando essas disposições
do caráter japonês com as do chinês, está-se tentado de condensar os termos do paralelo
em duas simples palavras: poesia e espírito prático”. Contribuía para a diferenciação o
idioma, “a língua (falada) japonesa é polissilábica, de vozes doces e demoradas; a chinesa
é monossilábica, gutural, estridente” (p. 101).
Aqui o debate racial e de gênero que vinha sendo formulado como impressões de
viajantes ganhava utilidades práticas, lembrando que, nos debates sobre imigração, a
questão familiar era importante para a manutenção dos trabalhadores nas fazendas. Isto
servia para a defesa da vinda de famílias, mantendo os imigrantes mais satisfeitos e
dificultando tentativas de desertar ou encontrar outros serviços. Além disso, as mulheres

118
O livro de Pierre Loti, publicado em 1887, teve sucesso e foi traduzido para trinta e seis línguas
(OKAMOTO, 2002, p.85). Para Celina Kuniyoshi (1998, p.86), ele foi o inaugurador da literatura japonista.
A história foi inspirada em seus três meses no Japão, em 1885, “mais especificamente na cidade portuária
de Nagasaki, onde casou-se, na vida real, com uma japonesa de dezoito anos chamada Okane”
(OKAMOTO, 2002, p.86).
225

poderiam ser úteis para o trabalho, levando em conta “a conveniência econômica que
talvez encontrássemos no concurso da mulher japonesa para mil rendosos lavores em que
excelam os seus mimosos, porém hábeis dedos” (p. 115).
Lisboa julgava que “o trabalho japonês está em condições de prestar valioso
auxílio à lavoura do Brasil”, embora “o recurso ao trabalho chinês merece, sem dúvida,
alguma preferência pela maior perseverança, submissão e espírito prático da raça chinesa”
(p. 103). Um dos argumentos centrais nos elogios aos japoneses era também motivo para
fazê-los serem preteridos em relação aos chineses, afinal não havia de fato uma ruptura
em relação aos projetos a respeito dos trabalhadores asiáticos; o que muitos almejavam
era trabalhadores que se assemelhassem aos do sistema abolido e não ao assalariado livre:
Por último a ocidentalização das instituições japonesas veio a dar ali ao
proletário maiores liberdades e facilidades para conseguir um bem-estar
que a opressão dos mandarins não permite ao proletário chinês. Por
todos esses motivos, creio que nos seria de maior benefício receber da
China o considerável número de braços de que precisamos e que o
Japão dificilmente nos poderá fornecer (p. 103)

A diferença de processos e possibilidades de abertura e resistência da China e do


Japão ao imperialismo ocidental no século XIX conferia a cada um deles características
que os tornavam mais ou menos atrativos. Desta forma, a exploração sofrida pela China
era vista como positiva para determinados projetos brasileiros que, na prática,
procuravam os trabalhadores com menos condições de reivindicar melhores condições.
Na balança, este fator pesava e demonstrava que o debate racial muitas vezes serviu como
estratégia de discurso.
Entretanto, visto a urgência que considerava haver da lavoura, Henrique Lisboa
defendia que com o Japão não ocorria a morosidade burocrática que havia na China, e,
portanto, colocava-se favorável à vinda dos japoneses:
Em todo o caso, com ou sem tratado, a imigração japonesa apresenta-
se à lavoura como um recurso mais pronto do que a chinesa e é nesse
sentido que advogo a sua preferência. Tanto mais quanto a sua iniciação
constituirá um poderoso incentivo para que sejam apressadas pelo
governo chinês as diligências necessárias, a fim de impedir que o seu
tradicional rival roube à China um tão vasto campo para o escoamento
de uma população superabundante. Reconhecida, pois, a utilidade do
trabalhador japonês e a facilidade que temos de consegui-lo em prazo
muito mais breve do que o chinês, estudemos a forma de encaminhá-lo
para o Brasil, valendo-nos para isso da experiência dessa imigração para
outros países. ( p. 106)
226

Faltava, então, assinar o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação com o


Japão. O governo brasileiro consultara o governo japonês em 1892, e este demonstrou
interesse em um acordo com base na reciprocidade – situação que não era a idealizada no
Brasil. Mas, ainda naquele fim de século, conseguiria assinar o Tratado e enviar uma
legação diplomática, estabelecendo, oficialmente, o contato com o Japão.
227

6. ALUÍSIO AZEVEDO E A LEGAÇÃO BRASILEIRA AO JAPÃO

Este último capítulo trata da experiência de Aluísio Azevedo após a assinatura do


Tratado de Amizade, Comércio e Navegação com o Japão (1895). O debate sobre os
asiáticos no Brasil já havia então caminhado muito, em relação àquele do período da
viagem de Francisco Antônio de Almeida. As tentativas frustradas de imigração chinesa
haviam, em parte, desestimulado os interessados, e cada vez mais, as relações com o
Japão se consolidavam. Aluísio Azevedo viajou como funcionário do governo brasileiro
na primeira legação oficial enviada em 1897, estabelecendo-se em Yokohama como vice-
cônsul. Como ele não era principiante, mas um autor reconhecido, havia uma expectativa
acerca do livro sobre o Japão que estava escrevendo. Encontrado como esboços do que
seria uma obra tardia, o texto foi editado e impresso apenas em 1984.
Azevedo vivenciou o início da expansão japonesa nos anos 1890, portanto, para
entender suas considerações e sua estadia no país, é necessário entender o crescimento do
Japão no plano internacional e a continuidade das iniciativas brasileiras em direção aos
trabalhadores asiáticos, a partir de então com uma nova configuração. Se no Brasil,
“substituir um governo e construir uma nação (...) era a tarefa que os republicanos tinham
de enfrentar” (CARVALHO, 2014b, p. 24), em linhas gerais a frase servia também para
o Japão sob o governo Meiji.

6.1 O MOMENTO É JAPONÊS

A novidade no século XIX era que os não-europeus e suas sociedades


eram crescente e geralmente tratados como inferiores, indesejáveis,
fracos e atrasados, ou mesmo infantis. Eles eram objetos perfeitos de
conquista, ou ao menos de conversão aos valores da única verdadeira
civilização, aquela representada por comerciantes, missionários e
grupos de homens equipados com armas de fogo e aguardente. E, em
um certo sentido, os valores das sociedades tradicionais não-ocidentais
tornaram-se cada vez mais irrelevantes para sua sobrevivência, numa
era em que apenas contavam a força e a tecnologia militar. A
sofisticação da Pequim imperial por acaso evitou que os bárbaros
ocidentais queimassem e saqueassem o Palácio de Verão mais de uma
vez? A elegância da cultura de elite em Mughal, a capital em declínio,
retratada com tanta beleza por Saty ajit Ray em Os Enxadristas,
impediu o avanço dos britânicos? Para o europeu médio, essas pessoas
se tornaram objeto de desprezo. Os únicos não-europeus que mereciam
sua estima eram os guerreiros, de preferência os que podiam ser
recrutados para seus próprios exércitos coloniais (sikhs, gurkas,
montanheses bérberes, afegãos, beduínos). O Império Otomano
228

conquistou o respeito, concedido a contragosto, porque mesmo em seu


declínio tinha uma infantaria capaz de resistir aos exércitos europeus.
O Japão começou a ser tratado como um igual quando começou a
ganhar guerras. (HOBSBAWM, 2006, p. 118-9)

Na última década do século XIX, o Brasil havia se tornado república. O Japão não
era mais o país recém-aberto ao exterior; a euforia com as novidades e os acordos
desiguais davam lugar à reafirmação de uma identidade e à busca pelo protagonismo em
suas relações internacionais. Quando os dois países assinaram o Tratado de Amizade,
Comércio e Navegação em 1895, a imprensa brasileira tornava mais evidente a construção
da diferença entre a China e o Japão, situação favorecida pela primeira Guerra Sino–
Japonesa (1894-5). A disputa entre os países interessados na Coreia contribuiu para a
consolidação da imagem forte do Japão no exterior e foi um marco da expansão do
império. Em 1895, Japão e China assinaram o armistício pelo Tratado de Shimonoseki,
findando a guerra. Entre outros acordos, garantiu-se a independência da Coreia, que a
China pagasse uma indenização ao Japão e que este teria domínio sobre a Manchúria,
Taiwan e Ilhas Pescadores, antes sob posse chinesa (SAKURAI, 2008, p. 164). Para o
historiador Jürgen Osterhammel (2014, p. 483), o país ganhou respeito como um poder
regional depois da vitória sobre a China, mas só a vitória sobre o império czarista, em
1905, o fez entrar no círculo das Grandes Potências. Para Kyu Hyun Kim (2012, p. 20-
1), uma “comunidade imaginada” foi consolidada no Japão a partir da experiência da
guerra, da luta contra o inimigo estrangeiro, das informações partilhadas, da união física
ou mesmo figurativa.
O glamour imperialista alimentou o entusiasmo nacionalista, a “febre
da guerra”. Melhoras nas tecnologias de comunicação, o
desenvolvimento dos meios de informação e a incorporação de diversas
localidades em uma matriz nacional, todos tiveram seus papéis críticos
nessa confluência explosiva de expansão imperialista e integração
nacional (tradução nossa).

No exterior, a vitória coroava a imagem do Japão forte, capaz de vencer a grande


China. No Brasil, a imagem de um continuava sendo contruída em paralelo ao outro.
Para além dos documentos oficiais e relatos de viajantes, autores como Machado
de Assis também escreveram sobre a China e o Japão. Naquele momento, o escritor
229

atuava como funcionário público e assinava a coluna de crônicas A Semana (1892-1897),


no jornal Gazeta de Notícias119.
Tratar destes temas nas crônicas correspondia à agenda de interesses
internacionais em diálogo com as demandas nacionais, especialmente em relação à
imigração, ao debate racial e à política externa.120 Um dos textos de Machado de Assis
no qual podemos compreender esta dinâmica foi publicado em 28 de outubro de 1894:
O momento é japonês. Vêde o contraste d’aquelle povo que, emquanto
acorda o mundo com o annuncio de uma nova potencia militar e
politica, manda um commissario ver as terras de São Paulo, para cá
estabelecer alguns dos seus braços de paz. Esse commisario, que se
chama Sho Nemotre, escreveu uma carta ao Correio Paulistano
dizendo as impressões que leva d’aquella parte do Brasil. “Levo, da
minha visita ao Estado de S. Paulo, as impressões mais favoraveis, e
não vacillo em affirmar que acho esta região uma das mais bellas e ricas
do mundo. Pela minha visita posso afiançar que o Brasil e o Japão farão
feliz amisade, a emigração será em breve encerada e o commercio será
reciprocamente grande. (MACHADO DE ASSIS, 28/10/1894, p. 1)

O “momento é japonês” fazia referência ao poder militar e político que o Japão


demonstrava na guerra, em seu primeiro ano, apresentando-se ao mundo como nova
potência. Para Eric Hobsbawm (1982, p. 160), o país se tornou o modelo de sucesso e
também a maior surpresa em um momento no qual europeus e estadunidenses dominavam
a política internacional:
De todos os países não-europeus, apenas um foi bem-sucedido em
encontrar e derrotar o Ocidente no terreno inimigo. Este país foi o
Japão, para uma certa surpresa dos observadores da época. Para eles,
era talvez o menos conhecido de todos os países desenvolvidos, já que
havia sido virtualmente fechado ao contato direto com o Oeste no
século XVII, mantendo apenas um único ponto de mútua observação,
por onde os holandeses tinham recebido permissão para manter um
comercio em escala restrita. Em meados do século XIX, o país não
parecia ao Oeste diferente de qualquer outro país oriental, ou em outras
palavras, estava igualmente destinado ao atraso econômico e à
inferioridade militar para tornar-se vítima do capitalismo.

119
Foi utilizada a versão disponível pelo projeto de digitalização das obras de Machado de Assis realizado
na Universidade Federal de Santa Catarina, referentes à Obra Completa de Machado de Assis. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, Vol. III, 1994. Disponível em: <http://www.machadodeassis.ufsc.br> Acessado em
24 de junho de 2017.
120
Sobre a imigração chinesa nas crônicas de Machado de Assis ver também: HASHIMOTO, Shirlei Lica.
As representações dos japoneses nos textos modernistas brasileiros: Mario de Andrade, Oswald de
Andrade e Juó Bananére. 2012. 362 f. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) – Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012; RAMOS, Ana Flávia Cernic.
Das batalhas literárias e sociais surge o “método”: escravidão, trabalho livre e imigração nas crônicas de
Machado de Assis (1878-1883). In: Machado de Assis em Linha, v.11, n.23. Universidade de São Paulo:
Jan/Abr, 2018.
230

Em poucos anos, na segunda metade do século XIX o Japão não só criou uma
estrutura interna condizente com o padrão das grandes potências, como demonstraria que
era um agente dominante nas disputas internacionais. Machado de Assis afirmou que
trocaria um Tratado de Tien Tsin, referindo-se aos chineses121, por um de Yokohama,
com o Japão. O escritor dialogava com o que era publicado nos periódicos sobre a
chegada de um representante japonês. Como, por exemplo, no Correio Paulistano de 20
de outubro de 1894 onde estava a matéria Sho Nemoto em S. Paulo: visita do enviado
especial do governo do Japão ao Estado de S. Paulo. A vinda de Sho Nemoto visava o
estabelecimento de relações diplomáticas, das quais decorreriam a imigração japonesa.
Para Lesser (2001, p. 154), “a busca por mão-de-obra submissa casava-se bem com a
afirmação nada sutil de Sho Nemoto, de que os japoneses eram os ‘brancos’ da Ásia”. O
diplomata teria apresentado uma imagem dos japoneses como “quietos, trabalhadores e
ansiosos por se tornarem brasileiros”.
Ainda no texto de 28 de outubro de 1894, Machado de Assis apresentou um
posicionamento favorável a esta imigração na Gazeta de Notícias:
Ao mesmo tempo, o Sr. Dr. Lacerda Werneck, um dos nossos
lavradores esclarecidos e competentes, acaba de publicar um artigo
commemorando os esforços empregados para a próxima vinda de
trabalhadores japonezes. “É do Japão (diz elle) que nos ha de vir a
restauração da nossa lavoura.” S. Ex. falla com enthusiasmo d’aquella
nação civilisada e prospera, e das suas recentes victorias sobre a China
(p. 1).

Manoel Peixoto de Lacerda Werneck122 apoiava a vinda dos japoneses de forma


interessada. Como pode ser visto nos jornais, ele era um dos diretores da Companhia
Oriental de Immigração e Commercio, cuja finalidade era promover a imigração da China
e do Japão; ou seja, era diretamente beneficiado por estes acordos internacionais. Sobre
os trabalhadores chineses, Machado de Assis observou:
A tristeza é natural que a tenham agora, se acaso o intérprete lhes lê os
jornaes; mas é provável que não os leia. Melhor é que ignorem e
trabalhem. Antes plantar café no Brasil que “plantar figueira” na

121
Havia diversos tratados com o mesmo nome, todos assinados com a China. Um deles era o Tratado de
Tien Tsin que havia sido assinado durante a Segunda Guerra do Ópio devido aos interesses comerciais
estrangeiros, em especial ingleses, em 1858. Em relação ao Brasil, o Tratado de Amizade assinado em 1880
entre Eduardo Callado e Arthur Silveira da Mota e o Governo chinês foi popularmente chamado pelo
mesmo nome.
122
Manoel Peixoto de Lacerda Werneck, é considerado um “ardoroso pró-chinês” (LESSER, 2001, p.73).
De acordo com Jeffrey Lesser, Luiz Peixoto de Lacerda Werneck, por outro lado, foi um dos agentes no
ataque à imigração chinesa para o Brasil (p.44).
231

Coréia, perseguidos pelo marechal Yamagata. Já este nome é célebre!


Já o almirante Ito é famoso! Do primeiro disse a Gazeta que é o Moltke
do Japão. Um e outro vão dando galhardamente o recado que a
consciencia nacional lhes encommendou para fins historicos.
(28/10/1894, p. 1)

A dificuldade com a língua acarretava a impossibilidade de reação que,


possivelmente, os chineses teriam acerca do que era debatido nacionalmente sobre eles.
“Melhor é que ignorem e trabalhem”, ponderou o autor. Ciente do debate sobre as más
condições nas quais viviam os chineses que migravam para outros países, o escritor
brasileiro as questionava por meio da ironia de seus textos 123. Continuando a crônica,
o escritor afirmava:
Não sou nenhuma alma ingrata que negue ao chim os seus poucos
meritos; confesso-os, e chego a applaudir alguns. O maior d’eles é o
chá, merecimento grande, que vale ainda mais que a philosophia e a
porcellana. E o maior valor da porcellana, para mim, é justamente servir
de vehiculo ao chá. O chá é o unico parceiro digno do café. Temos
tentado fazer com que o primeiro venha plantar o segundo, e ainda me
lembra a primeira entrada de chins, vestidos de azul, que deram para
vender pescado, com uma vara ao hombro e dous cestos pendentes, —
o mesmo apparelho dos actuaes peixeiros italianos. Agora mesmo ha
fazendas que adoptaram o chim, e, não há muitas semanas, vi aqui uns
tres que pareciam alegres, — por bocca do interprete, é verdade, e das
traduções falladas se pode dizer o mesmo que das escriptas, que as ha
lindas e perfidas. De resto, que nos importa a alegria ou a tristeza dos
chins? (28/10/1894, p. 1)

Machado de Assis dava visibilidade para a situação precária do trabalhador chinês,


muitas vezes análoga à escravidão. Nesse sentido, a dificuldade de comunicação aparece
nas crônicas como estratégia de manipulação não só dos imigrantes, mas daqueles que
sabiam de suas opiniões por meio da tradução, que poderia ser “pérfida”, escamoteando
a realidade. Comentando sobre a vinda de japoneses, o narrador conclui:
O momento é japonez. Que esses braços venham lavrar a terra, e
plantar, não só o café, mas também o chá, se quizerem. Se forem muitos
e trouxerem os seus jornaes, livros e revistas de clubs, e até as suas

123
Exemplar desta ironia é a crônica publicada em 23 de outubro de 1883, na série Balas de Estalo. Nela
Machado de Assis criou um ofício do “vice-rei da Índia ao Conde Granville”, que teria sido “impresso na
Gazeta de Londres”. Comparando o termo chim a chimpanzé, o “vice-rei”, afirmava: “A primeira vantagem
do chim-panzé é que é muito mais sobrio que o chim commum. (...) O chim-panzé não usa roupa, calçado
ou chapéo. Não vive com os olhos na patria; ao contrário, Sir John Sterling e seus parentes affirmam que
têm conseguido fazer com que os chim-panzés mortos sejam comidos pelos sobreviventes, e a economia
resultante d’este meio de sepultura póde subir, n’uma plantação de dois mil trabalhadores, a duzentas libras
por anno. Não tendo os chim-panzés nenhuma especie de sociedade, nem instituições, não ha em parte
alguma embaixadas nem consulados; o que quer dizer que não ha nenhuma especie de reclamação
diplomatica, e póde V. Ex. calcular o socego que este facto traz ao trabalho e aos trabalhadores”.
232

moças, alguma necessidade haverá de aprender a língua delles. O padre


Lucena escreveu, ha tres seculos, que é língua superior á latina, e tal
opinião, em bocca de padre, vale por vinte academias. Tenho pena de
não estar em idade de a aprender também. Estudaria com o próprio
comissário Sho Nemotre, que esteve agora em S. Paulo; ensinar-lhe-hia
a nossa lingua, e chegariamos á convicção de que o almirante Ito é
descendente de uma família de Itú, e que os japonezes foram os
primeiros povoadores do Brasil, tanto que aqui deixaram a japona.
Ruim trocadilho; mas o melhor escripto deve parecer-se com a vida, e
a vida é, muitas vezes um trocadilho ordinário. (28/10/1894, p. 1)

Meses depois, Machado de Assis (21/04/1895) voltou a citar o Japão e sua língua
por intermédio do Padre Lucena: “Segundo um velho frade que narrou as viagens de S.
Francisco Xavier por aquellas terras, ha alli diversos vocabularios para uso das pessoas
que fallam, a quem fallam, de que fallam, que idade tem quando fallam e quantos anos
tem aquellas a quem fallam”. A História da vida do padre Francisco de Xavier, e do que
fizerão na India os mais religiosos da Companhia de Jesus, do Padre Lucena foi
publicada em 1600 na cidade de Lisboa. Um de seus exemplares foi comercializado, no
Brasil, em 1895, entre “obras de grandes escriptores classicos”, anunciado a partir da
venda em quatro volumes (GAZETA DE NOTICIAS, 19/01/1885). Em A Semana,
Machado de Assis citou a publicação em outros momentos, sublinhando aspectos como
o trabalhador chinês, a língua japonesa e as religiões asiáticas.
De modo geral, construía-se uma imagem favorável em relação aos japoneses,
especialmente no fim do século XIX. Machado comentava sobre a produção dos irmãos
Goncourt e o japonismo na França; escreveu que o Japão “inventava-se a si mesmo”. Para
Machado, o Japão “forjava a espada que um dia viria pôr na balança dos destinos da
Ásia” (28/10/1894).
Eram constantes as notícias sobre os países asiáticos nos principais periódicos
brasileiros. Na Gazeta de Notícias foi criada a coluna China e Japão, para informar sobre
o andamento da guerra. Eram, majoritariamente, notícias do Japão vindas “das folhas
europeas recém-chegadas” (GAZETA DE NOTICIAS, 25/10/1894) ou de telegramas
traduzidos para o público brasileiro. Assim, quando a crônica de Machado de Assis
apontava que “o momento é japonês”, ela se alinhava aos debates e notícias sobre a guerra
e o expansionismo japonês, não se abstendo de críticas às formas de trabalho nem de
comentários sobre a possibilidade de imigração.
233

6.2 O TRATADO DE AMIZADE, COMÉRCIO E NAVEGAÇÃO ENTRE BRASIL E


JAPÃO

O Japão na década de 1890 era personagem consolidado na política internacional.


Suas relações exteriores eram parte importante da reestruturação iniciada na década de
1850, afinal era justamente a abertura ao exterior o fator central da mudança. Nos anos
iniciais, a balança pendia mais fortemente para as grandes potências, que negociaram
tratados desiguais incluindo direitos de extraterritorialidade, e por anos, o Japão buscou
remodelar suas instituições e a própria imagem no exterior, a fim de se colocar como igual
em tais acordos. Além disso, era importante para o país criar uma política externa como
instrumento para consecução dos interesses nacionais de modernização
e competitividade do país, perante um cenário internacional cada vez
mais agressivo, do qual o Japão não poderia mais se eximir sem correr
o risco de ser mais um quintal da competição imperialista
(YAMAMURA, 1996, p. 134).

Foi neste momento de revisão que o país negociou seu tratado com o Brasil. A
entrada de asiáticos no Brasil havia sido proibida pelo decreto n. 528, de 28 de junho de
1890. O primeiro artigo do capítulo sobre introdução de imigrantes determinava:
É inteiramente livre a entrada, nos portos da Republica, dos individuos
válidos e aptos para o trabalho, que não se acharem sujeitos á acção
criminal do seu paiz, exceptuados os indigenas da Asia, ou da Africa
que sómente mediante autorização do Congresso Nacional poderão ser
admittidos de accordo com as condições que forem então estipuladas.124

Dois anos depois, a Lei n. 97, de 5 de outubro de 1892, autorizou o governo a


executar o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação com a China, permitir a entrada
de imigrantes chineses e japoneses e a firmar um tratado com o Japão. O primeiro artigo
desta lei determinava que
é permittida a livre entrada, no territorio da República, a immigrantes
de nacionalidade chineza e japoneza, comtanto que, não sendo
indigentes, mendigos, piratas, nem sujeitos à acção criminal em seus
paizes, sejam válidos e aptos para trabalhos de qualquer industria125.

124
BRASIL. Decreto nº 528, de 28 de junho de 1890. Regularisa o serviço da introducção e localisação de
immigrantes na Republica dos Estados Unidos do Brazil. Rio de Janeiro: Presidência da República, 1890.
125
BRASIL. Lei nº 97, de 5 de outubro de 1892. Permitte livre entrada no territorio da Republica de
immigrantes de nacionalidade chineza e japoneza; autorisa o Governo a promover a execução do tratado
de 5 de setembro de 1890 com a China; a celebrar tratado de commercio, paz e amizade com o Japão, e dá
outras providencias attinentes á immigração daquellas procedencias. Rio de Janeiro: Presidência da
República, 1892.
234

Nesta mesma lei, o governo brasileiro autorizava o estabelecimento de agentes


diplomáticos e consulares na China e no Japão, para manutenção das relações e para
fiscalizar a emigração para o Brasil, correspondendo às reivindicações feitas na China
durante as negociações do Tratado de Amizade finalizado em 1881.
Grupos se organizavam no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais para tirar
proveito da lei (LISBOA, 2018, p. 25). Em 1892, o jornal O Paiz (29/12/1892)
comunicava que um grupo sob o nome “Sindicato Paulista” planejava introduzir
trabalhadores chineses e japoneses no sudeste, avisando que, para garantir a segurança na
escolha e engajamento dos trabalhadores, seria enviado um de seus membros a estes
países. No mesmo ano, um ato do poder legislativo do Rio de Janeiro decretou a
contratação de “cem mil a cento e vinte mil imigrantes procedentes da China e do Japão”
(JORNAL DO COMMERCIO, 15/11/1892).
Em 1893, a Associação Promotora de Immigração Asiática buscava
incorporadores para financiar a contratação de companhias para transporte, hospedaria e
fiscalização para vinda de chineses e japoneses ao Brasil. Também os direcionaria aos
interessados, fossem particulares ou companhias, podendo trabalhar em construção de
estradas, dessecamento de pântanos, desobstrução de rios, construções hidráulicas; em
contratos de no máximo cinco anos (O PAIZ, 27/02/1893). No ano seguinte, a Companhia
Oriental de Immigração e Commercio também buscava incorporadores para comprar
ações negócios semelhantes, visando “promover a immigração e o commercio da China
e do Japão com o Brasil e outros paizes da America do Sul”, mas destacando a
possibilidade de introdução de trabalhadores japoneses também por contratos. Destacava
os “lucros prováveis” dos investimentos, levando em conta que o engajamento de
japoneses seria feito independente da celebração de um tratado com o país (GAZETA DE
NOTICIAS, 20/10/1894).
Mesmo com a permissão para a assinatura do tratado com o Japão em 1892, este
só foi assinado três anos depois. No Relatório do Ministério de Relações Exteriores de
1895, havia uma sessão intitulada China e Japão, uma vez que o debate sobre estes países
estava interconectado, com o subtítulo Immigração, procedimento do governo. No texto
sobre a China, foram destacados o insucesso da missão de José da Costa Azevedo, barão
de Ladário, de 1893, incluindo motivos como a Guerra Sino-Japonesa, a peste bubônica
235

e “por vos parecer preferivel o serviço japonez, resolvestes que a missão não tivesse
seguimento” (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1895, p. 43).
A respeito do Japão, o relatório, reiterava a necessidade de o governo brasileiro
aceitar a assinatura de um tratado com base na reciprocidade, lembrando que:
Aqui mesmo vai-se formando a convicção de que esse paiz offerece aos
estrangeiros garantias sufficientes. O Almirante Costa Azevedo, que
por alli passou em caminho para a China, assim pensa e na sua
correspondencia com este Ministerio declarou-se firmemente pela
immigração Japoneza.
Ocorre ainda, que o Governo daquelle Imperio resolveu ultimamente
não permittir a emigração para os paizes que não queiram sujeitar os
seus subditos á jurisdicção local.
Da conformidade com o vosso pensamento, recommendei ao Ministro
em Pariz, que por meio do seu collega do Japão procurasse saber si este
ainda está disposto a tratar comnosco, e si concorda em fazer a
negociação naquella capital.
O Ministro Japonez ainda não recebeu resposta, e eu não estranho a
demora, porque a guerra com a China, que felizmente está terminada,
absorvia naturalmente toda a atenção do seu Governo (MINISTÉRIO
DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1895, p. 43).

Antes, em sua missão à China, Costa Azevedo havia recebido um ofício


demonstrando a contrariedade do governo brasileiro em assinar um tratado baseado na
reciprocidade com o Japão126. Diferentemente do que ocorrera com a China, para o Japão
não foi enviada missão especial para a assinatura do tratado, afinal o contato fora
realizado nas últimas missões que sondaram igualmente as possíveis relações com o
Japão. O governo brasileiro solicitou que seu representante em Paris consultasse o
representante japonês para saber se seu governo estaria disposto em firmar o acordo na
capital francesa. O pedido demorou alguns meses para ser aceito, e a demora foi atribuída
à guerra contra a China (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1896, p. 186).
O Relatório do Ministério das Relações Exteriores (1896, p. 187) também informava que
não era necessário artigo específico em relação à imigração, uma vez que “o Governo
Japonez resolveu, como sabeis, não permittil-a para os Paizes que não tivessem com elle
Tratados de reciprocidade” e “temos Tratado, e pois elle, que é interessado em diminuir
o excesso de sua população, não nos creará dificuldades”.

126
Carta do ministro Alexandre Cassiano do Nascimento enviada ao Almirante José da Costa Azevedo em
28 de maio de 1894. Disponível em: Missão especial do Celeste Imperio, confiada a direção do Barão
de Ladário. 1893-1894. Correspondências e textos impressos do acervo da Biblioteca Nacional.
236

Em 5 de novembro de 1895, foi assinado em Paris o Tratado de Amizade,


Comércio e Navegação entre Brasil e Japão, por Gabriel de Toledo Piza e Almeida,
representando o Brasil, e Sone Arasuke, representando o Japão; ambos ministros
plenipotenciários de seus países em Paris127. O tratado contava 15 artigos, com
permissões para o estabelecimento de consulados e a liberdade de trânsito e comércio,
com a garantia de que, em ambos os países, os estrangeiros teriam que se sujeitar às leis
e jurisdição locais. Nesse sentido, o Brasil seguia uma medida já adotada pelas grandes
potências, que, diante do crescimento do Japão, abriam mão de seus privilégios
colonialistas.
O tratado com o Japão oficializou as relações diplomáticas entre os países, mas
sua aprovação foi sancionada com a Lei n. 419, de 27 de novembro de 1896. Incluía-se
que, para execução da Lei n. 97 de 1892, “na parte que se refere ao Imperio do Japão, é
autorisado o Presidente da Republica a mandar um enviado extraordinario com o
respectivo pessoal da Legação, abrindo para isto os creditos necessarios, bem como para
o estabelecimento dos Consulados”. No ano seguinte, pelo Decreto n. 2489, de 31 de
março de 1897, determinou-se a execução do tratado com o Japão128.
A missão diplomática, agora pronta para se estabelecer, foi enviada em 1897, ano
em que a delegação japonesa representada por Sutemi Chinda se instalou no Brasil. O
diplomata japonês foi apresentado ao público brasileiro pelo Jornal do Commercio
(18/08/1897):
O Ministro do Japão acreditado junto ao nosso governo, o Sr. Sutemi
Chinda, tem cerca de 43 annos de idade e já é considerado um dos
diplomatas mais hábeis do seu país. Foi educado nos Estados-Unidos e,
depois de viajar por toda a Europa, encetou a sua carreira como
funcionário público nas repartições governamentais de seu paiz,
ocupando depois os cargos de consul em S. Francisco da California e
Shangai. Espirito educado à moderna, tem muita cultura litteraria e fala
fluentemente as línguas inglesa, franceza, allemã e chineza, além da
própria. É bem provável que a viaje no interior do nosso paiz. S. ex.
vem acompanhado por cinco secretários. Traz o seu cozinheiro japonez,
apezar de usar de cozinha europeia.

127
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Relatorio do ano de 1895 apresentado ao Presidente da
República dos Estados Unidos do Brazil (...) em 30 de abril de 1896. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1896, p.193.
128
BRASIL. Decreto nº 2.489, de 31 de março de 1897. Manda executar o Tratado de Amizade,
Commercio e Navegação celebrado entre o Brazil e o Japão em 5 de novembro de 1895. Rio de Janeiro:
Presidência da República, 1897.
237

Cabe perceber neste excerto que o ministro japonês foi apresentado em função da
imagem de modernização construída pelo seu país, em direção à ordem das grandes
potências. Nesse sentido, Sutemi Chinda foi um representante do processo de abertura do
Japão apresentado pelos viajantes: educado no exterior, conhecedor das instituições
estrangeiras, fluente em outros idiomas; mesmo seu cozinheiro era especializado na
culinária europeia.
A legação brasileira teve como ministro plenipotenciário Henrique Carlos Ribeiro
Lisboa, que já havia participado da missão brasileira à China e publicado livros sobre os
trabalhadores dos países asiáticos. Desta vez, Aluísio Azevedo integraria o grupo,
inserido diretamente na questão dos trabalhadores, atuando provavelmente como “agente
de imigração”, função cujo objetivo era “incentivar e organizar a imigração para o Brasil,
fornecendo mão de obra barata” (VEJMELKA, 2013, p. 404).

6.3 ALUÍSIO AZEVEDO E A CARREIRA DIPLOMÁTICA

O escritor Aluísio Azevedo, nome importante da literatura nacional é, entre os


sujeitos desta análise, o mais conhecido e pesquisado129. Nasceu no Maranhão em 1857,
filho dos portugueses Emília Amália Pinto de Magalhães e David Gonçalves de Azevedo.
Ele e seu irmão, Artur Azevedo, tiveram acesso ao teatro e à literatura desde jovens, por
conta da circulação cultural no Maranhão, do convívio com intelectuais e pela influência
de seus pais. De acordo com seu biógrafo,
não teve o privilégio de ter uma família rica, o que mais tarde
dificultaria seus estudos na época em que poderia ter frequentado a
universidade de Recife ou do Rio de Janeiro, mas teve a sorte de viver
numa das famílias mais cultas de São Luís. Seu pai e sua mãe foram
seus primeiros mestres. (MÉRIAN, 2013, p.46)

Seu pai, viúvo de um primeiro casamento, era comerciante, havia sido vice-
presidente da Sociedade Dramática Maranhense, foi criador do gabinete Português de
Leitura130(1852) e tornou-se vice-cônsul de Portugal em 1859. A mãe havia recebido

129
Portanto, focaremos não na sua trajetória literária, mas em alguns elementos importantes para
compreender sua ida para carreira diplomática e atuação no Japão. Entre as biografias do escritor, utilizamos
aqui a de Jean-Yves Mérian, intitulada Aluizio Azevedo: vida e obra (1857-1913).
130
“O Gabinete Português de Leitura possuía, em 1867, 4.892 volumes. Eram essencialmente romances,
folhetins, contos, poesias em português ou traduzidas do francês. Algumas dessas obras haviam sido
traduzidas e publicadas em São Luís mesmo. Rapidamente adquiriam-se as obras mais recentes: em alguns
238

educação formal; teve de se submeter a um casamento arranjado com o primeiro marido,


de quem fugiu, levando sua filha. Quando ela e David Azevedo se casaram, tiveram que
resistir “a todas as manifestações de hostilidade” (MÉRIAN, 2013, p. 39).
No início, Aluísio Azevedo havia tentado a vida de caixeiro, depois realizou
trabalhos temporários, foi guarda-livros, professor de gramática e de desenho (p. 87). Em
1876, aos 19 anos, foi para o Rio de Janeiro, onde seu irmão Artur se estabelecera;
inscreveu-se na Academia de Belas Artes e logo passou a trabalhar como caricaturista e
cenarista de teatro (p. 96). Retornou a São Luís em 1878, quando seu pai faleceu.
No Maranhão, passou aos textos jornalísticos e literários, tendo publicado seu
primeiro livro, Uma lágrima de mulher, em 1879. Retornou ao Rio de Janeiro em 1881,
estabelecido como escritor; ali, se envolveu em causas políticas, como a manifestação
antiflorianista de 1892 que acompanhamos. De acordo com seu biógrafo, o sucesso entre
as décadas de 1880 a 1890 com seus romances-folhetim fez com que se tornasse, naquele
período, “o único escritor brasileiro a viver, embora com dificuldades, de sua pena”
(MÉRIAN, 2013, p. 14) e mesmo que sua elegância sustentasse uma imagem de
prosperidade, chegou a viver em casas de cômodos131, como em seu texto homônimo.
Em 25 de novembro de 1884, escreveu a Afonso Celso132, pedindo que lhe
ajudasse a assumir um cargo público:
É para evitar semelhante catástrofe que venho pedir a tua proteção. Há
certos lugares, certos cargos, certos empregos, dos quais só os próprios
políticos têm notícia quando eles ainda se acham vagos, e que, ao
transpirarem cá fora, ao caírem no conhecimento do público, vêm logo,
como uma mulher bonita, escoltado por um enxame de cobiçosos e
guardados à vista pelo feliz mortal que mereceu a preferência e já traz
a nomeação no bôlso.
Ora, dessa forma, só fazendo como neste momento faço: vindo a ti e
pedindo-te que, logo que te passe pelos olhos um desses cargos, lhe
ponhas a mão em cima e me atires com êle, que eu o receberei com
melhor vontade do que a de um náufrago ao receber uma tábua de
salvação. Repito: seja lá o que fôr – tudo serve; contanto que eu não
tenha de fabricar Mistérios da Tijuca e possa escrever Casa de Pensão.
(AZEVEDO, 1961[1884], p.192)

casos a diferença cronológica com a Europa era de algumas semanas apenas, o tempo da travessia”
(MÉRIAN, 2013, p.46-7).
131
As casas de cômodo “eram, em geral, casas antigas, divididas numa multitude de quartos alugados, com
mobília ou não, aos que, operários, artistas ou jornalistas, não dispunham de recursos suficientes para alugar
um apartamento” (MÉRIAN, 2013, p. 413).
132
Afonso Celso de Assis Figueiredo Júnior (1860-1938), filho do visconde de Ouro Preto, eleito deputado
por Minas Gerais, foi jornalista, escritor e um dos membros fundadores da Academia Brasileira de Letras.
239

Esse final comunica sobre a pretensão de Azevedo em relação ao trabalho de


escritor. Desejava “escrever” literatura, considerando a recepção positiva de Casa de
Pensão, ao invés de “fabricar” romances-folhetim, que eram tidos como textos menores
inclusive pela sua vinculação com o jornal. Na mesma carta, ele insistiu numa colocação
“seja onde fôr, ainda que na China ou em Mato Grosso, contanto que me sirva de pretexto
para continuar a existir e continuar a sarroliscar os meus pobres romances, sem ser preciso
fazê-los au jour le jour” (AZEVEDO, 1961[1884], p. 192). Ao contrário da romantização
da vida boêmia, Azevedo concluiu a carta a Afonso Celso, dizendo:
Talvez te pareça feio e até ridículo o que acabo de fazer; não sei, mas,
desnorteado como estou, sôfrego por acentuar esta maldida existência
de boêmio que já se me vai tornando insuportável, agarro-me a ti, por
julgar-te mais perto de mim e mais apto do que outro qualquer, para
compreender a sinceridade e o desespêro do que estou dizendo. Se com
isso desmereço a teus olhos e me faço ainda menor do que era,
paciência! Lançarei mais esse desastre na minha grande adição de
prejuízos dêste ano. (p.192)

Embora sua condição fosse facilitada pelo mecenato que amenizava suas
dificuldades financeiras, não era a situação que julgava ideal. Azevedo contava com “um
aristocrata abastado que o ajudava nos momentos difíceis”, João Gomes de Carvalho,
visconde de Barra Mansa (MÉRIAN, 2013, p. 415). As tentativas para conseguir uma
vaga no funcionalismo público demonstravam que “não foi um escritor ‘profissional’,
nem um boêmio por livre escolha. Ele foi forçado a isso tanto pela falta de qualificação
profissional, como por causas políticas” (p. 374).
Em seu livro sobre o Japão este tema retornava como crítica. Azevedo era um
admirador do Japão antes da abertura ao exterior; entre outras questões, elogiava a
valorização da arte. Ao escrever sobre o país durante seu isolamento, o escritor expunha
seu incômodo em relação à produção artística pós-abertura, voltada para o comércio:
É, com efeito, durante aquela extensão pacífica que atingiram a sua
mais linda plenitude as artes e as indústrias japonesas, caindo depois
vertiginosamente com a revolução e ameaçando hoje em dia
desaparecer para sempre, estioladas de todo pela macaqueação da arte
europeia e do industrialismo cosmopolita e banal. Os artistas japoneses,
então diretamente protegidos pelos daimos senhoriais não faziam obra
de afogadilho destinada ao comércio, que só em muito pequena escala
existia no Japão. Como tinham vida garantida pelo príncipe a que
serviam, e absolutamente despreocupada de necessidades materiais ou
de ambições burguesas, trabalhavam sem impaciência, sem pressa de
acabar, e só cuidosos da perfeição e requintado esmero. Daí essas
inverossímeis maravilhas de laca, de bronze, de esmalte, de mosaico,
de porcelana, e todas as outras mil inapreciáveis coisas, das quais neste
240

sincero livro muito tenho que vos referir; coisas que nunca mais se
repetiram depois daquele tempo áureo e que, - infelizes dos olhos
futuros! – Nunca mais se farão em parte alguma do mundo.
(AZEVEDO, 2010[189?], p. 90-1)

A arte aqui é favorecida pelo autor pois não teria vinculação econômica. Essa
questão era importante na própria trajetória de Azevedo.
Sobre os anos iniciais da república no Brasil, Olavo Bilac publicou uma crônica
em A Cigarra, demonstrando-se desiludido diante do novo contexto, perguntando-se “que
remédio descobriríamos hoje, bastante forte, que nos premunisse a alta contra a infecção
da política? E como não há de a gente perturbar-se com o que vê e com o que ouve, se
não há mais garantia nenhuma, nem para o Sonho, nem para a Vida?”. O sonho incluía a
possibilidade da juventude boêmia e a previsão de uma outra política; o autor questionava,
um a um, os intelectuais de seu grupo, incluindo o futuro cônsul:
Lembras-te tu, Aluizio Azevedo, dos tempos em que atravessavas a
vida, de olhos e ouvidos cerrados ao barulho e ao espectaculo do
mundo, porque a tua alma, carregada de sonhos, vivia fechada consigo
mesma, concentrada no grande trabalho da gestação da tua obra?
(BILAC, 18/07/1895, p. 2).

De acordo com José Murilo de Carvalho (2014b, p. 33), diante da expectativa em


relação à República “os propagandistas e os principais participantes do movimento
republicano rapidamente perceberam que não se tratava da república de seus sonhos”.
Azevedo era um “republicano de primeira hora” (MÉRIAN, 2013, p. 372) e, com a
proclamação, esperava um cenário mais promissor.
A busca de estabilidade financeira no serviço público foi auxiliada por seu amigo
Graça Aranha que, além de interceder por ele durante sua trajetória no exterior, “lhe
ensinou os elementos de direito necessários para os concursos administrativos [quando]
ele se preparou para o concurso aberto, pelo Ministério das Relações Exteriores, para o
cargo de cônsul de carreira” em que “foi aprovado com distinção e louvor” (MÉRIAN,
2013, p. 373-4). Azevedo seguiu uma carreira semelhante a de seu pai, que havia sido
vice-cônsul de Portugal no Maranhão (p. 546).
Em outra crônica d’A Cigarra, em 1895, Olavo Bilac escreveu sobre a nomeação
de Azevedo, desencantado pela carreira burocrática que o amigo seguiria, em vez de uma
valorização literária:
Em outro qualquer paiz, quem se chamasse Aluizio Azevedo, e tivessse
escripto a Casa de Pensão, O Mulato, O Homem, O Cortiço, O livro de
241

uma Sogra (oh! Magalhães! Vem esse livro ou não vem?), Os mysterios
da Tijuca, A Philomena Borges, Os Demonios, e outros tantos livros em
que o illustre moço tem gasto a mocidade e a saude para honrar o Brasil,
- quem tivesse na sua fé de officio tantos títulos de recommendação á
gratidão e ao amor de seus compatriotas, não careceria de fazer
concurso para mostrar que sabe...
Mas, enfim, foi preciso fazer concurso, e elle o fez, brilhantissimo.
Resta agora que a sua nomeação venha. O illustre ministro das Relações
Exteriores, que é um homem de lettras, e que acaba agora mesmo de
firmar a reputação do seu talento e do seu patriotismo com a
luminosissima discussão do caso da Trindade, lembrar-se-á de que
ninguem com mais honra para todos nós é capaz de representar em
qualquer parte o nome brasileiro, - do que este trabalhador infatigavel,
cujo talento tem o esplendor do nosso céo e a fecundidade sagrada e
perpetua do nosso sólo. (BILAC, 01/08/1895, p. 2)

A primeira atuação de Aluísio Azevedo na carreira diplomática foi como vice-


cônsul do Brasil em Vigo, na Espanha, em 1895. Fazia questão de ir à Europa, “porque é
minha intenção desenvolver os meus magros cabedais literários e fazer em boas condições
a reimpressão de todos os meus livros”, escrevia à Eduardo Ribeiro (AZEVEDO,
1961[1896], p.119). A carreira diplomática parece ter marcado o fim, mesmo que não
intencional, da carreira literária133, mesmo que houvesse a expectativa de mais
publicações, tanto do escritor quanto de seus amigos. Para Jean-Yves Mérian (2013, p.
550),
o exame de sua correspondência durante os dezesseis anos em que
exerceu o cargo do cônsul mostrará que ele não deixou de publicar por
falta de inspiração, nem por desencanto com as letras, em razão de seu
afastamento do Brasil, mas, pelo contrário, por causa das novas
condições de vida da carreira de diplomata.

Azevedo frisava seu esforço para ir à Europa, “poderia ter obtido um mau
consulado em algumas das bibocas republicanas da América do Sul, mas fiz questão de
ir para a Europa” (AZEVEDO, 1961[1896], p. 119), mesmo que tivesse sido mais fácil
permanecer no seu continente de origem, por causa da crescente aproximação do Brasil
com os países vizinhos e os Estados Unidos (CERVO; BUENO, 2012, p. 177).134

133
Henrique Coelho Neto (apud MÉRIAN, 2013, p.547) descreveu que Aluísio Azevedo, desiludido, havia
comentado que desejava viver somente da diplomacia, dizia “Que romances, contos?...estás doido! Vou ser
cônsul e nada mais. De literatura estou farto”.
134
No processo de reorientação da política externa dos primeiros anos da república, de acordo com
Clodoaldo Bueno (2012, p.175), tentaram suprimir várias legações brasileiras. Nas palavras do pesquisador
“os deputados eivados de jacobinismo tinham preconceito contra formas de governo não republicanas e
contra países europeus em geral”. Eles pediam, inclusive, que fossem extintas as da Rússia e do Japão, “sob
a alegação de que faltavam ao Brasil interesses nesses países”.
242

Azevedo partiu para Europa em 1896. Chegou a Lisboa135 e de lá seguiu para


Vigo. Julgou a cidade espanhola atrasada e sentia falta da vida cultural que tinha no Brasil,
chegando a comentar que “bestializava-se” e sentia “brotarem ferraduras por todo o corpo
e até na alma já me repontaram orelhas de burro” (AZEVEDO, 1961[1896], p. 127). Num
momento de expansão da extração e comercialização de borracha, Azevedo escreveu a
Eduardo Ribeiro, governador do Amazonas, solicitando um cargo como agente de
imigração, a fim de melhorar seus vencimentos (p. 118); ele tornou-se então “auxiliar de
imigração” (DANTAS, 1984, p.10). Após tentativas para sair de Vigo, Azevedo foi
nomeado vice-cônsul em Yokohama em 1897136. Partiria para a Ásia com expectativas
positivas em relação ao Japão, publicadas no jornal O Paiz:
Diz o nosso correspondente em Paris:
“Estivemos aqui ha dias com o nosso distincto collega Aluizio de
Azevedo, ex-consul do Brazil em Vigo e hoje consul no Japão, e ao
mesmo tempo um dos mais ilustres escriptores brazileiros.
Aluizio de Azevedo está encantado de Paris, onde tem sido muito bem
recebido e vai muito satisfeito de sua transferência para o Japão, para a
patria das musumés, dos obis, das rosas negras aveludadas...
Boa viagem... e aventuras românticas” (O PAIZ, 09/09/1897)

A trajetória de Azevedo na vida diplomática apresenta as dificuldades brasileiras


na organização das relações exteriores. O escritor chegara ao Japão no final de 1897 e
contou em carta ao seu irmão que, pouco tempo depois, recebeu um telegrama do governo
para retornar ao Brasil (O PAIZ, 02/05/1898). Azevedo então embarcou no navio inglês
Coptic e, em sua passagem pela Califórnia, recebeu um novo telegrama do governo
dizendo que voltasse ao Japão. No início de 1898, o periódico maranhense Pacotilha
(01/02/1898, p. 3) publicou a nota Filhotismo, acusando: “Ao passo que Aluizio Azevedo
é demittido de consul do Japão, nomea-se vice-consul em Marselha o Sr. Marcolino
Moraes Borros, conhecido apenas pelo appellido da familia que o denuncia como um
filhote do Sr. Presidente da república”.
Em 1898, Henrique Lisboa sugeria que um novo consulado fosse localizado em
Kobe e indicava que seria positiva a nomeação de Azevedo para atuar nele:
Acrescentei esta observação por estar convencido da vantagem de ser
conservado no Japão o sr. Aluísio Azevedo, o qual, com a inteligência
e o amor ao trabalho que se lhe conhece, tem-se aplicado ao estudo deste

135
Aluízio Azevedo esteve em Lisboa e nessa breve passagem encontrou, entre outros, o ilustrador
português que esteve no Brasil e trabalhou em Da França ao Japão, Bordalo Pinheiro, sobre o qual afirmou:
“Como o Bordalo é doido!” (AZEVEDO apud MÉRIAN, 2013, p.551).
136
Ofício de 10 set. 1897. (BRASIL, 2012, p.169).
243

país e dos costumes dos seus habitantes, com a intenção de habilitar-se


a prestar úteis serviços logo que se inicie a emigração.
Pelas conversas que sobre esse assunto tenho tido com o sr. Azevedo,
capacitei-me de que as suas vistas são idênticas às minhas, isto é, que
liga ele a maior importância aos primeiros passos que derem na
iniciação da emigração.
Apreciando devidamente o caráter circunspecto do sr. Azevedo e
reconhecendo a sinceridade das suas disposições de não poupar
sacrifício no desempenho das suas funções para evitar os grandes
abusos a que costuma dar lugar o serviço de emigração, pareceu-me
lástima perder um auxiliar tão útil e por isso ainda tentei um esforço
para que fosse ele conservado.137

No Brasil, o senador Bernardo Antonio de Mendonça Sobrinho sugeria a divisão


do consulado no Japão em dois consulados, possivelmente atendendo a um pedido
(CONGRESSO NACIONAL, 1898, p. 321). Contudo, foi Manoel Jacinto Ferreira da Cunha
o nomeado ao cargo de cônsul em Kobe138.
Azevedo narrou sua trajetória em carta ao seu amigo, Lúcio de Mendonça139,
escrita em 1900:
Em 1895 fiz exame para cônsul de carreira na Secretaria do Exterior
por sinal que me saí bem a ponto de me darem DISTINÇÃO – upa! O
Carlos de Carvalho, então ministro, não tendo um consulado vago para
me dar, nomeou-me vice-cônsul em Vigo, com ordenado e gratificação
fixos e lugar no quadro consular, prometendo promover-me na primeira
ocasião. – Depois de ano e meio de curtir a convivência dos (com
perdão da palavra) galegos, o general Dionísio, sucessor do Carvalho,
resolveu, sem dúvida por lástima de me ver crivado de ferraduras e
orelhas de burro, nomear-me Cônsul no Japão, desde que o Congresso
criasse esse lugar. Criou-se o lugar, e o Dionísio, por falta de verba ou
por economia, decidiu fazer-me seguir para o Japão ainda na qualidade
de vice-cônsul, percebendo eu apenas as ajudas de custas a essa
categoria correspondentes, mas com a promessa formal de que, desde
que eu lá estivesse, seria promovido a Cônsul. Fui, e só ao fim de um
ano, graças a meu irmão Artur e ao meu bom amigo Graça Aranha, o
Senado, de acôrdo com o Dionísio, resolveu, em minha intenção e só
para me valer, transformar o Consulado Geral em Yokohama em dois
consulados simples, suprimindo um chanceler e um vice-cônsul, de
modo a não haver nenhuma alteração na verba orçamentária votada para
despesas consulares naquele Império. E só faltava a sanção da Grande
Bêsta que, aliás, tinha sido previamente ouvido sobre o caso pelo
respectivo ministro. – O Aranha e o Artur davam a cousa por feita e
escreveram-me nesse sentido; mas o Salafrário, em vez de me nomear,
nomeou o Jacinto Ferreira da Cunha, sobrecarregando dêsse modo o
tesouro com uma ajuda de custas de cônsul para o Extremo Oriente, que
é a mais cara do Corpo Consular, e ainda com os gastos da minha
137
Ofício de 2 jan. 1898. (BRASIL, 2012, p.195).
138
Ofício de 30 mar. 1898. (BRASIL, 2012, p.211).
139
Lúcio de Mendonça (1854-1909) era formado em Direito, foi jornalista, escritor e um dos fundadores
da Academia Brasileira de Letras.
244

repatriação, equivalente a metade da outra despesa; despesas que se


evitariam se as cousas seguissem o rumo ajustado. (AZEVEDO,
1961[1900], p. 134-6)

Azevedo considerava que sua carreira havia sido prejudicada por uma publicação
satírica de seu irmão. Assim como a literatura servia como justificativa para a não
nomeação, sua obra em processo sobre o Japão servia como motivo para mantê-lo no
país:
E quando o general Dionísio, depois de ceder à pressão presidencial,
perguntou ao Salafrário porque lhe fizera faltar ao prometido, arredando
um candidato que lhe parecia digno, o Salafrário lhe respondeu que “A
pedra da bexiga passara para o sapato...” referindo-se a uma quadrinha
de Gavroche no Pais a respeito da enfermidade vesical daquela bêsta,
quando o Manuel Vitorino acabava de receber o formidável coice que
o pôs fora do Govêrno. – De sorte que, porque meu irmão publicou uma
quadrinha, satirizando aquêle tipo, o tipo, nem só não me deu o lugar
que se criou para mim, como ainda me prejudicou sériamente no meu
futuro, como agora se vê da carta do Olinto. – E a cousa chegou a este
extremo pelo seguinte processo: A nomeação do tal Cunha era ipso-
facto a minha exoneração por extinção de lugar. O Henrique Lisboa,
então ministro no Japão, telegrafou ao Dionísio sobre as desvantagens
da minha retirada daquele país (conhecia êle de leitura o livro que eu
estava engendrando sobre Dai Nippon) e o Dionísio que me julgava
lesado, resolveu conservar-me como vice-cônsul honorário, pago, com
os mesmos vencimentos anteriores, pela verba de Extraordinários do
Exterior. Consultou-me sobre o caso por telegrama, e eu resolvi ficar
para poder continuar a fazer o meu livro. Note-se que o telegrama me
surpreendeu já em S. Francisco da Califórnia, perdendo eu três meses
nesse passeio forçado, e quase naufragando à volta, a bordo do vapor
inglês Coptic (AZEVEDO, 1961[1900], p.136-7)

Por “grande besta” e “salafrário” Azevedo se referia ao presidente Prudente de


Moraes (MÉRIAN, 2013, p. 556); o escritor demonstrava sua indignação com a escolha
de outro nome para ocupar o cargo consular. Mas não se tratava somente de uma questão
pessoal, pois a própria manutenção da legação brasileira no Japão estava ameaçada pelos
cortes do governo e, portanto, ela permaneceria apenas até 1899. Até lá, o vice-cônsul
guardaria grande interesse pelo país e, sobre este, planejava a publicação de um livro.
245

6.4 UMA OBRA SOBRE O JAPÃO DAS LETRAS DE ALUÍSIO AZEVEDO

Mais que um projeto literário malogrado, foi o


instantâneo que se perdeu. (DANTAS, 1984, p. 23)

Aluísio Azevedo foi eleito para ocupar a cadeira número quatro da Academia
Brasileira de Letras em 1897, mesmo ano em que foi para Yokohama. Um livro sobre o
Japão estava nos planos do escritor – se não antes, logo nos primeiros momentos da
estadia naquele país. Como ele era conhecido nos meios literário e jornalístico, sua
chegada ao Japão foi anunciada na imprensa, que também criava uma expectativa pela
obra:
Por cartas recebidas de Port-Said, sabemos que já se deve achar no
Japão o Sr. Aluizio Azevedo, nosso vice-consul em Yokohama. O Sr.
Aluizio Azevedo mostra-se muito satisfeito com a sua recente
transferencia para o Japão, cuja curiosa e sorprendente civilisação
pretende estudar em um livro, em que analysará detidamente os seus
aspectos mais interessantes. Estamos certos que a presença do Sr.
Aluizio Azevedo em Yokohama, com as facilidades a que lhe dá juz a
natureza do cargo que ora desempenha, em muito contribuirá para o
bom commercio das nossas relações, ora encetadas com tanta satisfação
reciproca com a grande nação do Extremo Oriente. (JORNAL DO
COMMERCIO, 29/10/1897)

Sob o pseudônimo Emilio Lettrado, o escritor Leopoldo Brigido escreveu sobre


Aluísio Azevedo na coluna Apontamentos para um diccionario de celebridades (1900).
Incluíu na descrição o interesse de Azevedo pelo Japão, mesmo que este já tivesse
experiências em outros países, decorrente de sua carreira diplomática:
Azevedo (Aluisio), irmão do precedente, homem de lettras, filiou-se á
escola naturalista do romance, produzindo diversas obras em que os
santos principios da moral catholica são esquecidos, sob pretexto de
estudo psychologico e natural.
Este pretenso progresso do romance deve ter quanto antes um paradeiro
no Brasil, senão ai! Nós não precisamos mais que das novellas de Julio
Diniz e de Macedo e dos romances do genial Escrich, para casto
entretenimento das donzelas nacionais. O sr. Aluisio Azevedo não é
doutor. É da Academia, e pertence á diplomacia, que permettiu fizesse
ao aos paizes amarellos uma bella viagem, voltando um furioso amador
de japonnices. Parabens ao Japão. (REVISTA DO BRAZIL, 1900,
p.382)

Azevedo não era apenas amador, como também dedicado a ser intérprete da
história e da cultura japonesa na obra que pretendia lançar no Brasil – O Japão. Ele,
porém, não pretendia escrever um relato de viagem. Para Renato Ortiz (1997, p. 93), trata-
246

se de um “romance”, incluindo as aspas. Embora o qualifique também de “relato”, é


enfático em sua delimitação: “O Japão não é um livro de viagens. Nele o autor não se
preocupa em relatar suas experiências cotidianas”. Para Fábio Lima (2010, p. 14), “seria
seu primeiro trabalho de não-ficção.”. Contudo, há em O Japão características
semelhantes às que apontamos sobre os relatos, como a dedicação a uma experiência
circunscrita fora de seu local de origem e comentários sobre essa vivência. Artur Azevedo
escreveu para O Paiz, em janeiro de 1898, comentando que seu irmão
seduzido com a promessa de um consulado no Japão (..) atirou-se ao
estudo pratico da lingua ingleza (...). Entrementes, consummiam-se-lhe
as magras economias na compra de livros que o instruíam sobre a
história, a geografia, os usos e costumes do Japão, afim de lá não ir tão
despercebido de conhecimento como qualquer commis-voyageur (O
PAIZ, 08/01/1898).

Certamente as obras lidas por Azevedo neste momento foram importantes para a
elaboração de seu texto. Por exemplo, o livro de Georges Bousquet, Le Japon de nos jours
et les échelles de l’Extrême Orient (1877); o autor esteve no Japão em 1872, como
conselheiro do governo japonês no processo de adequação das instituições políticas.
Vinte e três anos depois da viagem de Francisco Antônio de Almeida, o país aonde
Azevedo foi enviado era, sem dúvidas, muito mais conhecido e explorado. Luiz Dantas
(1984, p.21) resume em uma questão as experiências e adesões naturalistas de Azevedo:
“Como compreender que a Itália das ilhas Lípari e de Nápoles, sonhada em Uma lágrima
de mulher, o primeiro romance, e as raízes do Extremo Oriente, desvendadas em O Japão,
possam se harmonizar no interior da obra do discípulo brasileiro de Emile Zola?”. Ele
esclarece que era comum aos escritores do oitocentos o interesse pelo exotismo e o
“desejo de descobrir o novo e o estranho, e de representá-lo” (p. 21).
No final do século XIX, o japonismo havia se tornado “moda” nas artes e na
literatura. Na pintura há referências que possivelmente chegaram ao escritor, como as
obras dos impressionistas, com evidente inspiração nas estampas japonesas. No retrato do
escritor Émile Zola, o pintor impressionista Édouard Manet chegou a inserir na tela uma
estampa de Utagawa Kuniaki II (que aparece ao lado de seu outro quadro Olympia e o
Baco de Velasquez), além de um biombo japonês:
247

Figura 45 - Émile Zola (Édouard Manet, 1868)

Fonte: MANET, Edouard. Emile Zola. 1868. Disponível em <https://www.musee-


orsay.fr/en/collections/index-of-works/notice.html?no_cache=1&nnumid=713>. Último acesso em
13/08/2020.

Azevedo também quis ser um intérprete do Japão, inserindo sua narrativa entre as
demais, mas buscando uma originalidade.
Escrever sobre o Japão no final do século XIX implicava aderir a uma
tendência artística, a um gosto, cuja primeira característica era a de ser
cosmopolita. Europeus, americanos do norte e do sul, homens de letras
ou artistas plásticos, o público cultivado em geral, achavam-se
sensibilizados, fascinados, pela última grande descoberta do Ocidente,
por sua última grande viagem – o Japão. E a reação a esse encontro, que
vai da Madame Butterfly de Puccini aos escritos de Lafcadio Hearn, da
decoração dos interiores fin de siècle à grande revolução da pintura, que
é o impressionismo, é o que se poderia chamar de japonismo.
(DANTAS, 1984, p.20)

Dantas ainda apresentou que as obras literárias de inspiração japonesa apareceram


cerca de trinta anos após os primeiros tratados do Japão com países do exterior, colocando
248

como pontos-chave as obras dos escritores ocidentais Edmond Goncourt, Lafcadio Hearn,
Pierre Loti e Wenceslau de Moraes (com publicações entre 1887 e 1928). A facilidade de
comunicação e acesso aos países estrangeiros intensificou o contato, para Hobsbawm
(2006, p.119) o período imperialista aumentou o número de escritores que escolheram ser
“intermediários” entre o “mundo ocidental” e o “exótico”.
Além de Loti, Lafcadio Hearn140 foi um dos mais conhecidos estrangeiros que
buscou interpretar o Japão, iniciando em 1894, com Glimpses of unfamiliar Japan.
Chegou no país em 1890, como correspondente do Harper’s Magazine, de Nova Iorque;
casou-se e fixou residência no Japão, tendo publicado vários livros sobre o país: Glimpses
of unifamiliar Japan (1894), Kokoro: Hints and echoes of Japanese inner life (1896), In
ghostly Japan (1899), Kotto (1902), Kwaidan (1904) e Japan: an attempt of
interpretation (1904) (KUNIYOSHI, 1998, p. 88). Na análise de Glimpses of unifamiliar
Japan, a pesquisadora Rie Askew (2009) considerou que naquele momento a demanda
por livros sobre o Japão tinha se enraizado no mundo Ocidental, interesse desencadeado
pelo japonismo.
Para Luiz Dantas (1984, p. 24), se concretizasse sua publicação, Azevedo “se
colocaria entre os pioneiros”, considerando que Madame Chrysantéme (1887) e
Japoneries d’automne (1889) de Pierre Loti “pertencem a um gênero mais romanesco
que ‘científico’.”. O livro O Japão se encaixaria, desta forma, em um “continuum” (p.
20) de aproximação e vulgarização do conhecimento sobre o local. Era justamente esse o
problema, na medida em que a cada nova publicação sobre o assunto, menor era o
ineditismo. Nessa perspectiva, a demora na publicação teria sido central para que
Azevedo desistisse de seu projeto de publicar o livro no início do século XX. Em 1900,
em La Plata, na Argentina, Azevedo enviou uma carta para Lúcio de Mendonça, a quem
contou sobre sua tentativa para ser nomeado a um cargo em Portugal “porque isso,
segundo a otimista opinião do solicitador, traria a vantagem de poder eu imprimir lá o
meu livro já pronto sobre o Japão” (AZEVEDO, 1961[1900], p.132). Onze anos depois,
ainda se mantinha a expectativa, como era demonstrado no Jornal do Recife:
Sómente então soube que o nosso grande Aluizio para seu bem e nosso
mal deixára definitivamente de escrever, ideando em todo caso ainda
uma obra impressionista e forte, sobre o Japão passado, a terra curiosa
e singular das gueishas, quimonos e jiu-jitsu.

140
“Lafcadio Hearn, grego de nascimento, filho de pai irlandês, mas de origem romena, e de mãe grega,
cidadão americano tendo vivido muito tempo nas Antilhas antes de ir ao Japão, onde se casou e se converteu
ao budismo.” (DANTAS, 1984, p.22).
249

Apesar de já se terem passado hoje uns largos dois annos destes régios
projectos de trabalho, continuamos anciosamente a esperal-o ainda.
Esse livro, ao par da obra magistral e profundamente sociologica de
Oliveira Lima, seria, certo, o que de melhor se disse já daquella
civilização original. Iriamos ter o lado curioso e esthetico daquella raça
exquisita, para o completo desmoronamento das torpezas de Pierre Loti
na sua “Chrisanthème” hedionda e da literatura ainda bem mais
lamentavel de Tokutomi.
Emquanto, porém, estas cousas anciadas e dignas se não realisam o
nosso caro amigo se distrahe da nostalgia da arte em torpesas generosas.
(JORNAL DO RECIFE, 20/03/1911)

De acordo com Jean-Yves Mérian, “se concluído, o livro poderia ter sido a
primeira obra de um escritor brasileiro sobre o Japão moderno” (2013, p. 17). Ao que
parece, era esse ineditismo que Azevedo buscava, mas é pouco provável que não tivesse
conhecimento de Da França ao Japão, por exemplo. Como a obra de Francisco Antônio
de Almeida não era exclusivamente sobre o Japão, nem literária, o livro de Azevedo seria
mais acessível e reconhecido, mesmo que não o primeiro sobre o tema.
O fato é que o livro de Azevedo não foi publicado no início do século XX. Logo
se sucederam outras obras sobre o tema, de acordo com Afrânio Peixoto, amigo do
escritor,
dia a dia o livro ia sendo conhecido e sabido por todo o mundo sem que
fosse impresso e lido. Um livro esgotado e inédito. Agora já parecia
feito de lugares comuns e as deduções e profecias seriam cousas
passadas: a novidade e a perspicácia de observação seriam até pela
malicia havidas como arranjo e embuste, pela crítica como
desinteressantes e ociosas. Aluísio, desgostoso, não quis mais escrever.
(PEIXOTO apud DANTAS, 1984, p. 14-5).

O próprio Jacinto Ferreira da Cunha, que esteve no consulado brasileiro no Japão


naquele fim de século, publicou Memórias de um cônsul no Japão em 1902, e Oliveira
Lima, também do corpo diplomático, publicou No Japão, em 1903.
Com o tempo, Azevedo estava com o manuscrito de uma obra que acreditava já
não trazer grandes novidades e, embora isto parece ter pesado no fato de seu livro não ter
sido publicado, problemas de ordem material também foram relevantes. De acordo com
Afrânio Peixoto, Aluísio Azevedo pretendia imprimir o livro no Japão com o dinheiro da
venda dos direitos de toda sua obra ao editor Garnier. Graça Aranha foi seu procurador
nas negociações e, ao final, investiu o valor recebido pela venda na compra de
propriedades em Copacabana. Assim, desiludido, “estava Aluísio proprietário, e o livro
250

sobre o Japão, já que não podia mais ser publicado, como o desejara, não o seria
mediocremente” (PEIXOTO apud DANTAS, 1984, p. 14).
O livro O Japão ao qual temos acesso atualmente, é uma publicação póstuma dos
escritos de Aluísio Azevedo. A transcrição do manuscrito foi feita e analisada por Luiz
Dantas como parte de seu doutorado, concluído em 1980, na Universidade de Aix-en-
Provence. A publicação saiu em 1984, pela editora Roswitha Kempf, com apoio da Japan
Foundation. O manuscrito foi preparado por Fernando Nery, secretário da biblioteca da
Academia Brasileira de Letras entre 1923 e 1948 (DANTAS, 1984, p. 37). A segunda
edição de O Japão foi impressa na coleção Cadernos da Biblioteca Nacional, em 2010,
com organização de Fábio Lima. O título do livro já suscita questões de uma obra não
finalizada, pois não se sabe ao certo se esta era a escolha do autor. De acordo com Luiz
Dantas, optou-se por conservar o título citado por um dos biógrafos do escritor, Raimundo
de Menezes. Contudo, isto não era unanimidade:
Já outro crítico, e amigo do romancista, Afrânio Peixoto, refere-se ao
inédito japonês como Agonia de uma raça. E para encerrar a lista, a
biografia mais recente de Aluísio Azevedo, a de Jean-Yves Mérian,
designa os cadernos que os herdeiros do escritor conservam em Buenos
Aires, contendo apontamentos e esboços, pelo nome de O Japão tal
como ele é. Essa multiplicidade de títulos faz supor, evidentemente, que
Aluísio Azevedo, enquanto vivo, não fixara sua escolha sobre nenhum
deles, para um livro que nunca pôde publicar, nem concluir
completamente. (DANTAS, 1984, p. 36-7)

O livro tem cinco capítulos, os dois primeiros dedicados ao período anterior à


abertura do país, desde o mito de origem do Japão; o terceiro capítulo se inicia a partir da
chegada do Comodoro Perry e os dois últimos, que foram divididos por conta das
anotações do autor, tratam do contexto de abertura ao exterior. Como obra inacabada, é
possível que os demais capítulos fossem dedicados ao Japão contemporâneo do escritor.
Quando Antonio Candido (1993, p. 125) analisou O Cortiço (1890), afirmou que
a obra de Azevedo é um “texto primeiro na medida em que filtra o meio; texto segundo
na medida em que vê o meio com lentes tomadas de empréstimo”, neste caso pela
inspiração na escrita de Émile Zola. Podemos pegar de empréstimo, guardadas as devidas
proporções, esta percepção de Candido para a relação que as obras que analisamos
mantêm com a realidade na qual foram elaboradas. Isso porque são “textos primeiros”,
pela pretensão de descrever uma realidade específica, de registrar; mas são “textos
segundos”, pela filiação que mantêm com outras obras sobre o Japão, tanto integrando
251

uma continuidade sobre o tema quanto revisitando e muitas vezes repetindo perspectivas
já consolidadas nas visões europeia e estadunidense.
Mesmo que dando espaço privilegiado ao meio e à raça, desnudando os problemas
sociais e econômicos, o naturalismo brasileiro tinha suas especificidades. Azevedo
articulou estes elementos como condicionantes das ações em sua narrativa ambientada no
Cortiço. Para Candido, “em nenhum outro romance do Brasil tinha aparecido semelhante
coexistência de todos os nossos tipos raciais” (p. 138). Nesse sentido,
esta Bertoleza, aliás, que era cafuza, serve para surpreendermos o
narrador em pleno racismo, corrente no seu tempo com apoio numa
pseudo-ciência antropológica que angustiava os intelectuais brasileiros
quando pensavam na mestiçagem local. João Romão propõe a Bertoleza
morarem juntos, e ela aceita, feliz, “porque, como toda a cafuza (...) não
queria sujeitar-se a negros e procurava instintivamente o homem numa
raça superior à sua”.
Nada falta, como se vê: o instinto racial, a raça inferior, o desejo de
melhorá-la, o contacto redentor com a raça superior. (CANDIDO,
1993, p. 143-4)

Quando Azevedo foi ao Japão, já tinha experiência de escrita e observação de


brasileiros e sobre o país, isto conferia a ele uma noção detalhada do projeto ao qual se
vinculava e no qual se inseririam os imigrantes no Brasil. De acordo com Marília
Rodrigues (2009, p. 48), em O Mulato (1881) a narrativa de Azevedo já era “repleta das
teorias sobre o determinismo do meio e dos instintos sobre a ação dos homens,
degradantes muitas vezes”. Sua perspectiva literária, prévia à da viagem, conferia ao autor
um prisma privilegiado de percepção social e política. Nesse sentido, em O Mulato
estavam presente “os ideais republicanos, abolicionistas e de necessidade de construção
de uma nacionalidade verdadeira” (p. 49). Quase duas décadas depois, mesmo com a
república estabelecida, esta última questão subsistia nas preocupações de Azevedo.

6.4.1 O JAPÃO OU AGONIA DE UMA RAÇA, DE ALUÍSIO AZEVEDO

Em 14 de agosto de 1898, já instalado em Yokohama, Azevedo escreveu ao seu


irmão sobre sua experiência e pretensões sobre a narrativa que elaborava141:

141
Para Dantas (1984), esta é a única carta conhecida enviada por Aluísio Azevedo durante o período em
que esteve em Yokohama; contudo, encontramos outras publicadas pelo seu irmão Artur Azevedo,
inclusive apresentadas anteriormente nesta análise.
252

Querido Artur,
Deixei Mito anteontem e com ele ficou a estrada de ferro; agora viajo
em congo e cá estou em Oda, província de Mitachi, onde a pobre
população me olha como se fosse um bicho raro. Deixei a minha mala
em Mito e só trouxe uma maleta de mão; lá se me ficou também o
tinteiro e o papel, obrigando-me a escrever-te a pincel e nanquim. Este
papel em que te escrevo é feito em rolo donde vai se gastando à
proporção que se precisa (estava bom para Rui Barbosa) e o tinteiro
correspondente é muito curioso, é uma caixinha de tinta.
Desta mania de ficar conhecendo o verdadeiro Japão e a legítima vida
japonesa tenho experimentado das boas. Do que eu trazia de provisão
da comida europeia, nada mais me resta e começo a familiarizar-me
com a pitança japonesa. O grande caso é que meu livro há de ser
verdadeiro, porque hei de entrar no coração do japonês como estou
penetrando no íntimo do seu país e dos seus costumes. Imagina que meu
quarto é do tamanho de uma cama e que me não deixam dormir às
escuras, para não ser perseguido pelos maus espíritos. (AZEVEDO
apud DANTAS, 1984, p. 16)

A primeira frase da carta era significativa, pela ideia de voltar-se ao interior do


país, que o próprio autor viajante considera como verdadeiro. Azevedo procurava o que
era anterior à abertura. Quando ele foi ao Japão, a imagem de um país intocado era
presente, e seria “nos cantos do país poupados pelas transformações” que os viajantes
buscariam encontrar um Japão pretensamente sem influências exteriores. Nessa busca, o
militar Wenceslau de Moraes mudou-se para a cidade de Tokushima, o escritor Lafcadio
Hearn viveu no interior do país e Aluísio Azevedo empreendeu viagens a fim de procurar
o “verdadeiro Japão” (DANTAS, 1984, p. 29). No trecho: “Deixei Mito anteontem e com
ele ficou a estrada de ferro”, está o símbolo do contato e, consequentemente, da mudança
pela industrialização142.
Entretanto, mesmo contrapondo-se aos estereótipos de Pierre Loti, a narrativa de
Azevedo reproduz uma visão romantizada dos japoneses, afinal são as referências mais
recorrentes no momento de sua estadia. Mesmo dando maior protagonismo e visibilidade
à história do Japão antes dos europeus, o escritor seguiu a lógica eurocêntrica, afirmando
que o Japão fora “descoberto acidentalmente” (DANTAS, 1984, p. 62) pelos portugueses;
e utiliza termos da história europeia, como feudalismo, suserano, vassalo e Idade Média
para caracterizar diferentes momentos do Japão. Em sua imersão no interior, estranhava
a reação da população pouco acostumada com a curiosidade dos estrangeiros que

142
Nas palavras de Eric Hobsbawm: “A chegada da estrada de ferro era em si mesmo um símbolo, já que a
construção do planeta como uma economia única era, de várias formas, o aspecto mais espetacular e de
maior alcance da industrialização” (HOBSBAWM, 1982, p.56).
253

fotografavam e anotavam, como se vissem “um bicho raro”. Assim como Susan Sontag
(2018, p. 17) afirmou que há uma agressão implícita no uso da câmera fotográfica, pode-
se dizer que também era agressivo o modo como o viajante observador analisava os povos
que descrevia. O desconforto de Azevedo, portanto, não deveria ser maior do que aqueles
que tinham suas ruas invadidas por estrangeiros em busca de curiosidades.
Tamanha a estranheza dos hábitos, que o viajante carregava sua “comida
europeia”; mas, mesmo mantendo estas distâncias, seu objetivo era “entrar no coração
japonês” (AZEVEDO apud DANTAS, 1984, p. 16), e aqui se diferencia dos viajantes
anteriores que tratamos. Enquanto Francisco Antônio de Almeida buscava uma análise
baseada na “verdade” com conotação científica, de descrição objetiva da história e do que
via, e Custódio de Mello elaborava uma espécie de diário de bordo, com sequência de
datas e fatos, Azevedo tentava compreender os valores e sentimentos japoneses; nesse
sentido, o escritor tratava a história do Japão buscando explicar as motivações dos
personagens.
Já instalado em Yokohama e atuando no consulado, Azevedo enviou, em setembro
de 1898, uma carta ao seu irmão que foi publicada no jornal O Paiz:
Aluizio Azevedo escreveu-me do Japão, dizendo que trabalha
activamente n’uma obra sobre os usos e costumes daquelle paiz.
“Oh! livro difficil de fazer! diz elle. Imagina que a maior parte das
coisas que se lêem sobre o Japão são verdadeiras patranhas, e eu quero
dizer a verdade... Com certeza quem passará por mentiroso hei de ser
eu, porque todos acreditam em Pierre Loti et reliqua”
E mais adiante:
“O meu livro está muito adiantado, quero ver se imprimo aqui mesmo,
com estampas japonezas. Por elle verás a impressão que me tem
produzido este original paiz e os seus habitantes, em geral meigos e
bons.”
Não me furto o prazer de copiar as seguintes linhas:
“Faz agora (8 de julho) um calor mais intenso que o do Rio de Janeiro.
E pensar que ha cinco mezes a neve embranquecia tudo! É o que tem
de mais impressionador o Japão – é assim uma especie de indice do
mundo.
Aqui se encontram todas as fructas dos trópicos e todas as fructas da
Europa. Hoje tens a manga, o ananaz, o cambucá, - amanhã a ginja, o
alperce, o damasco, - apenas deixam de ser tão saborosas como na
Europa, na América e na África.
Mas não são só as fructas: aqui ha todas as aves: o faisão é tão commum
como a gallinha e o peru; ha todos os peixes, e o salmão anda ao alcance
de todas as bolsas; ha todas as flores e, posto que menos odorantes, são
mais bellas e decorativas que em parte nenhuma do mundo.
A paisagem em geral é encantadora, as cidades é que são feias,
monótonas, pouco divertidas.
254

No meu livro dou conta de tudo com uma sinceridade que talvez não
seja bem comprehendida pelos leitores. Mas ora adeus! para fazer
Madame Chrysanthème não vale a pena vir ao Japão.
O que me desconsola é esta falta de lingua que se entenda. Não sei o
que me parece estar a gente a escrever os seus livros em portuguez,
quando nem mesmo os portuguezes tomam a serio o que na lingua
delles se escreve no Brazil. Ao fazer-se um livro já se tem certeza de
que elle, por melhor que seja, nunca será um livro illustro.”
As linhas que ahi ficam são destinadas aos numerosos amigos que
constantemente me pedem notícias de Aluizio Azevedo.
A.A. (O PAIZ, 12/09/1898, p. 1)

A obra à qual Azevedo se contrapunha, Madame Chrysanthème, foi uma das


principais sobre o Japão no fim do século XIX, com 222 edições, desde sua publicação
em 1887 até a morte de Pierre Loti, seu autor, em 1924 (DANTAS, 1984, p. 24). Há uma
série de adjetivos utilizados por Loti que determinam sua descrição sobre o Japão: “todo
ele em torno dos campos semânticos de ‘pequeno’, ‘artificial’, ‘polido’, ‘animal’,
‘monótono’, ‘frágil’, ‘velho’, ‘cerimonioso’, ‘numeroso’, ‘servil’, ‘simples’, ‘limpo’,
‘amarelo’, etc” (ONO apud DANTAS, 1984, p. 24), termos que formavam um estereótipo
e que influenciaram nas escolhas dos próximos escritores. O livro aparecia nos
comentários de brasileiros como Rui Barbosa, que falava sobre o país “pintado com
esmero”, a fazer o leitor enxergar pouco mais do que “um semi-conto de fadas”, não era
inteiramente verídico, pois “a guerra actual, porém como um clangor forte de trombetas
da alvorada no meio de um sonho retardado, veio descobrir de súbito á Europa a grande
realidade oriental” (REVISTA MARITIMA, 04/1895). Isto demonstra não só a circulação
das imagens sobre o Japão criado por Loti, mas que aquela imagem não chegaria sem
modificações no final do século, após a guerra contra a China.
Sobre o momento de elaboração e publicação de sua obra, o próprio Azevedo
explicou:
Graças à recente vulgarização das crônicas japonesas, dantes
inacessíveis a todo e qualquer estranho, poucos segredos haverá de
virgindade inteira sobre o Japão remoto, e nenhum absolutamente a
respeito dos fatos políticos que no moderno determinaram a restauração
micadoal, podendo-se num punhado de capítulos despretensiosos dar
exata notícia do que foi aquele passado, outrora tão misterioso e sem
fundo, e do que vem a ser ao justo essa famosa revolução que num
momento de frenesi histórico derrocou, em nossos dias, um mundo
insondável de tradições acumuladas durante vinte e dois séculos de
sigilo nacional. (AZEVEDO, 1984[189?], p. 41)
255

As “crônicas japonesas” e “crônicas indígenas” estavam presentes na obra de


George Bousquet, a quem Azevedo se refere em O Japão e, segundo Dantas, isso era
possível pelas traduções para o inglês de Kojiki (narrativa das coisas antigas) e Nihongi
(Crônicas do Japão)143. Estas obras, concluídas nos anos de 712 e 720, respectivamente,
são “textos mitológicos e históricos contando a origem do universo, a aparição dos seres
e dos deuses, a instituição da nação japonesa e o reinado dos primeiros imperadores”
(DANTAS, 1984, p. 143). Esta apresentação resume o tema dos primeiros capítulos de O
Japão, em que Azevedo inicia com o mito de origem, com suas divindades e
acontecimentos fantásticos, as disputas pelo trono até chegar ao Xogunato Tokugawa.
Luiz Dantas (1984, p. 145) compara com os escritos de Bousquet notando a semelhança:
“as imprecisões se mantêm, e os dois períodos, quase idênticos, só se diferenciam pelo
partido literário que toma o nosso autor”. De acordo com a pesquisadora Monica
Okamoto (2010, p. 45), Bousquet também “acreditava que esse Japão feudal que ainda
resistia no interior seria a fonte de explicações para o Japão moderno”. Para Azevedo, o
retorno ao passado longínquo do Japão era necessário e “indispensável para clareza do
resto desta singela obra de impressões pessoais”, além de ser um caso
de si bonito e novo, pois começa poeticamente por uma lenda
maravilhosa e risonha, palpitante de quimeras e ficções divinas e acaba
na mais engravatada e burocrática monarquia constitucional, com os
seus ministérios de casaca bordada, com as suas secretarias de Estado e
os seus competentes amanuenses de calças puídas, e até, acreditai se
quiseres! com o pálido bacharel apenas desabrochado da academia sem
outro ideal na vida além de apanhar por empenho qualquer emprego
público. (AZEVEDO, 1984[189?], p. 41)

Na continuação desta elaboração, o período antes da abertura também foi descrito


positivamente, uma crítica ao processo de modernização europeia, cuja reflexão também
servia ao Brasil. Tal perspectiva crítica era facilitada pelo processo que o próprio Japão
passava naquela fase de abertura, em que buscava retomar a valorização de sua
identidade. Desta forma, nota-se que, escrevendo sobre o Japão, Azevedo articulava
questões da nacionalidade brasileira:
Na verdade, O Japão situa-se deliberadamente no passado. O livro
termina alguns anos antes da Revolução Meiji com a incorporação dos
japoneses à esfera ocidental. O embate entre Oriente/Ocidente é
portanto permeado por um outro dilema: a questão nacional. Esta é uma
preocupação que Aluísio de Azevedo traz de sua reflexão sobre o

143
De acordo com Luiz Dantas, as traduções de Kojiki e Nihongi foram feitas respectivamente por Basil
Hall Chamberlain e William George Aston, publicadas em 1833 e 1896.
256

Brasil. O problema é análogo. Evitar a imitação (“macaqueação”) dos


costumes estrangeiros e afirmar a especificidade de um “povo”. Com
uma diferença, porém: o Brasil contava apenas com um futuro incerto.
Povo “sem tradição”, ou melhor, com um passado que desencanta as
elites brasileiras, ele somente ultrapassaria suas limitações no momento
em que uma nova amálgama das raças produzisse um tipo mestiço
capaz de suplantar os atavismos anteriores. Em relação à incerteza
brasileira o Japão surge assim como um contraponto promissor.
(ORTIZ, 1997, p. 91)

O Japão como nação se consolidava, no texto de Azevedo, como modelo a ser


seguido – primeiro como capaz de modificar suas instituições, e depois, na forma como
se tornava capaz de criar uma identidade nacional coesa, para um sentido à nação, no qual
o passado tinha papel fundamental. Nessa narrativa há anacronismos, como na descrição
morte de Tokugawa Iesada, em 1858, que Azevedo incluiu ao narrar o retorno dos
americanos ao Japão em 1854 (DANTAS, 1984, p. 210). Para Renato Ortiz (1997, p. 80),
“pode-se considerar essas imprecisões como pecados veniais”, “comprometedoras”. Mais
interessante, entretanto, é o que Ortiz aponta não sobre erro, mas sobre versão; o que
implica em uma escolha do autor para colaborar com determinado objetivo da narrativa.
Nossos viajantes anteriores também cometeram erros de informação,
anacronismos e reducionismos da história do Japão, especialmente ao tratar do período
anterior à abertura. Sobre este, havia uma concepção muitas vezes simplista, certamente
recolhida de terceiros ou de informações transmitidas oralmente. Como vimos com
Francisco Antônio de Almeida, era recorrente a consulta a traduções de obras
estrangeiras, incorrendo em imprecisões não propositais144. Além disso, no caso de
Aluísio Azevedo, o escritor “não estava propondo ao público brasileiro um resumo de
uma obra de vulgarização francesa” (DANTAS, 1984, p. 33), pois mantinha seu interesse
literário de romancista. Para Dantas (1984, p. 33), em relação às consultas de Azevedo ao
texto de Bousquet, “a contribuição do autor francês é sempre de caráter informativo, e
nunca estilístico” excetuando algumas passagens, mas que no geral foram reelaboradas
“para resultar num efeito, que poderíamos chamar de romanesco”. Azevedo prezava mais
pela qualidade literária do que pelos fatos históricos propriamente ditos.

144
Uma questão importante é que muitas das informações das experiências não podem ser confirmadas,
considerando ainda que alguns relatos foram escritos por ghost writers ou editados, como os da primeira
expedição de James Cook por John Hawkesworth. E, mesmo que elaborados pelas mãos do viajante, quão
fidedigna seria a descrição? Mesmo que as respostas sejam negativas, ela ainda nos propõe a pensar sobre
o que se buscava informar e que era uma elaboração possível em sua época sobre a realidade visitada e
sobre o próprio autor.
257

Mais do que datas e nomes, a construção da narrativa sobre o passado japonês é


apresentada como uma saga heroica, inicialmente com os deuses, em seguida com
guerreiros e sacrifícios pela honra. Azevedo apresentou a origem divina da família
imperial até o imperador Mutsuhito, que, “apesar do seu prosaico uniforme de general de
divisão, é nada menos do que descendente direto da formosa Deusa do Sol”, que lhe daria
o direito de ser “cegamente respeitado” como “divindade que é e como foram todos os
seus consubstanciais antepassados” (AZEVEDO, 2010[189?], p. 34). Mutsuhito é o
Imperador Meiji, cuja fotografia aparece reproduzida em Da França ao Japão, com
uniforme militar europeu. Trata-se de uma das imagens que tomavam a atenção do
escritor brasileiro, sobre um Japão tradicional com novas roupagens e em intenso
processo de disputa.
Em O Japão, é dado espaço às primeiras imigrações chinesas para o país,
estendendo “pelos séculos novos a lenta e surda elaboração homogênea da raça, até
conseguir fixar o seu tipo, depois da eterna luta etnológica, em que os elementos
contrários se repelem entre si e os de afinidade eletiva se combinam e se fundem para
sempre” (AZEVEDO, 2010[189?], p. 42). Daí se constituiria o “verdadeiro” japonês, a
quem buscava compreender. A homogeneização racial e a formação de uma nação
consideravelmente coesa faziam parte da explicação do sucesso japonês em seu projeto
de reformulação política, elementos também reivindicados pelos brasileiros que viam na
diversidade racial e na falta de unidade entre as regiões um problema a ser resolvido.
Azevedo também apontou uma série de interferências estrangeiras na longa
história do Japão, como o budismo, que tomava lugar da religião local, o xintoísmo. Para
o escritor, era uma estratégia política dos imperadores para manter seu caráter divino, ao
mesmo tempo em que o povo cultuava Buda (AZEVEDO, 2010[189?], p. 35). Ele citou
a influência da Coreia e da China em tecnologias como a escrita, bussola, papel e
nanquim, moinho de pilar arroz, rodas hidráulicas, metalurgia e impressos, até chegarem
por fim os estadunidenses. Sobre a religião, Azevedo condenou a “negativa preferência
do Japonês pela religião alheia” (p. 35). Assim, mesmo que se propusesse a fazer uma
obra diferente das demais, ele reiterava preconceitos comuns, como a de que os japoneses
eram habituados à imitação.145

145
Esta perspectiva, inclusive, estava em Bousquet que afirmava que a rápida difusão do budismo era
possível pela “inclinação própria do temperamento japonês pela imitação” (DANTAS, 1984, p.156).
258

A liberdade religiosa havia sido permitida em 1873, e a religião fazia parte da


estratégia social japonesa. De acordo com Célia Sakurai (2008, p. 146), o xintoísmo
contribuiu para a ideia de disciplina, moderação e a valorização das origens familiares
com os cultos aos antepassados; aliado a isto, o confucionismo reafirmava a nova ordem
social, o poder do governo e a lealdade.146 Estas concepções eram cotejadas com modelos
ocidentais, buscando reforçar a identidade japonesa, a coesão nacional e fortalecer a
figura do imperador.
Azevedo (2010[189?], p. 75) explicava que no início do período anterior ao Meiji
(Xogunato Tokugawa [1603-1868]) foi imposto uma política restritiva que “penetra com
a lei pelo íntimo da vida privada e regula como se deve comer, beber e até sentir”, dando
uma “direção inteiramente nova (...) ao espírito de sua raça” (p. 80). Considerou um dos
pontos positivos do período o que chamou de “renascença japonesa”, com plena
alfabetização, desenvolvimento da arquitetura, das artes e da literatura:
Fechando ele ciosamente a sedutora pátria à curiosidade importuna e à
grosseira cobiça dos ocidentais, foi que conseguiu fazer, nem só a
unidade nacional, mas a glória artística do Japão. É a esse largo feriado
de reclusão e de paz, durante o governo dos Tokugawas, que o mundo
culto deve o século XVIII do Extremo Oriente, o século de Hokusai e
Utamaro, para citar apenas dois nomes já vulgarizados por Edmond
Goncourt; século em que o japonês se constituiu em primeiro e mais
poderoso artista decorador de todos os tempos. (AZEVEDO,
2010[189?], p. 81)

Esses elementos teriam criado a coesão capaz de fazer emergir um país forte na
Era Meiji. Para Azevedo, isto era o que faltava para que a república brasileira se tornasse
uma nação forte. O escritor era um saudosista do período anterior à abertura, crítico da
expansão capitalista e considerava que
o dinheiro ainda servia só para ser gasto e não para ser multiplicado pela
tabuada dos filhos de Israel; o capital ainda não era capital, era coisa
secundária, não se tinha transformado em força viva e roda dentada que
engrena, arrasta, mastiga e babuja a moral, o talento, o amor e o caráter
da melhor porção do mundo moderno (2010[189?], p. 93-4).

146
De acordo com Célia Sakurai (2008, p.147), a ideia de governo havia sido adicionada à original, nesta
acreditava-se na importância da harmonia entre sistema terrestre e leis celestes, “defenderam, assim, a
crença de uma relação profunda entre a harmonia e a existência dos governos, que são a forma de regular a
convivência entre os homens.”, além disso naquele momento a ideia de lealdade foi destacada a fim de
fortalecer a figura do imperador.
259

Ao mesmo tempo, Azevedo colocava-se contrário à narrativa em prol da chegada


do Comodo Perry, em 1853:
Bem sei que os europeus e norte-americanos, naturalmente por decoro,
não contam deste modo nos seus livros sobre o Japão os fatos que aqui
vou narrando; dizem todos os autores, pelo menos os meus conhecidos,
que a revolução existia em estado latente no império japonês e que a
chegada do comodoro Perry nada mais fizera do que precipitar-lhe os
efeitos.
É preciso muito má fé, ou não ter sequer cheirado as crônicas japonesas,
para sustentar semelhante falsidade histórica! nem sei como não
afirmam logo que o pobre Japão se achava em viva guerra de extermínio
e que eles, americanos, lá foram, impelidos pelos próprios sentimentos
de humanidade. Seria desse modo a burla mais engenhosa e mais
completa. (p. 97-8)

O escritor era enfático na crítica aos estrangeiros, a quem responsabilizava pela


abertura do Japão e pelo fim de um período de estabilidade. Para ele,
a terrível guerra civil que se ia abrir, isto é, a luta de parte dos príncipes
e parte do povo contra a dinastia dos Tokugawas (...) não tinham raízes
em nenhum fator político precedente à chegada do Comodoro Perry,
como pretendem os ocidentais nos seus livros sobre o Japão
(AZEVEDO, 2010[189?], p. 121).

O embate entre o Xogunato e o imperador, e entre favoráveis e contrários à


abertura, contribuiu para a hostilidade aos estrangeiros, com o lema “Honra ao micado!
Fora os bárbaros!” (p. 120), do movimento sonnō jōi (“reverência ao imperador, expulsão
aos bárbaros”), que se unia em torno de reivindicações contra os estrangeiros (KODET,
2016, p. 44). Ao conturbado período do início da abertura, Azevedo se deteve com maior
afinco. Incorria em imprecisões, mas entregaria ao leitor uma narrativa com os detalhes
de um romance com personagens heroicos, ação, drama, romance. Isso pode ser visto em
trechos como: “O xogum, coitado! Esse arfava cabisbaixo e tíbio, escondendo o rosto
entre as duas mãos. Não sei se chorava” (AZEVEDO, 2010[189?], p. 108). O escritor
preocupava-se mais com os valores e sentimentos do que com acontecimentos.
Um dos principais elementos do nacionalismo japonês era a centralização da
figura do imperador, forte ao ponto de ser apropriada por Azevedo como um dos
diferenciais de sua obra frente às anteriores. Mesmo após a Restauração de 1868, o
imperador não tinha poder executivo, contudo, se tornara um símbolo divino, em torno
do qual “passa a girar a vida da nação japonesa” (SAKURAI, 2008, p. 148). Chama
atenção ainda o fato de, na própria Constituição de 1889, ele ser considerado “sagrado e
260

inviolável”, em uma concepção que remete à crença judaico-cristã de “deus todo


poderoso” (p.150).
Algo que impressionava Azevedo era a presença de estrangeiros em espaços que,
por cerca de duzentos anos, foram restritos aos japoneses. Isso gerava descontentamento
popular. Para o escritor
esse contínuo gemido sem socorro pode transformar-se em uivo de
tempestade feroz; aquele surdo e recalcado desespero pode de súbito
fazer-se aspiração nacional e rebentar com fúria, devorando todos os
poderes constituídos para só deixar firme e de pé as duas expressões
sinceras da nação – o micado e o povo (AZEVEDO, 2010[189?], p.
128).

Como consequência dos conflitos internos pós-abertura, com as modificações


instituicionais e também de hábitos, houve ataques aos estrangeiros no Japão, como foi o
caso do assassinato do negociante inglês Charles Richardson, em 1862. Segundo o
pesquisador Roman Kodet (2016, p. 46):
Embora a ira dos proponentes da expulsão dos ocidentais tenha se
voltado contra os oficiais do bakufu, eles também dirigiram sua fúria
aos membros da comunidade estrangeira no Japão. Um jovem oficial e
um marinheiro de navio de guerra russo foram pegos em uma
emboscada e mortos nas ruas de Yokohama em 25 de agosto de 1859.
Este foi o começo de uma série de ataques a estrangeiros ou seus
empregados no Japão: em novembro de 1859 um funcionário chinês do
vice-cônsul francês em Yokohama foi morto; em 1860, o intérprete
japonês do ministro britânico no Japão, sir Rutherford Alcock, foi
assassinado perto do portão da legação britânica em Edo; apenas um
mês depois, dois capitães holandeses da frota mercante foram mortos
em Yokohama; em outubro de 1860, um servo do ministro francês no
Japão, Gustave Duchesne de Bellecourt, foi morto em Edo e, no início
de 1861, o secretário da legação dos Estados Unidos da América foi
assassinado quando retornava de um jantar na Embaixada da Prússia.
(tradução nossa)

No caso de Richardson, relatos dão conta de que ele estava com outros três
estrangeiros e que “foi assassinado à luz do dia sem – do ponto de vista ocidental – ter
provocado qualquer incidente” (KODET, 2016, p. 50, tradução nossa). Já para os
japoneses, teria sido ofensiva a atitude do europeu, ao “tentar passar direto por uma
comitiva de samurais (algo que seria normal na China, onde os ocidentais olhavam para
a população local como racialmente inferiores) sem prestar o respeito habitual de
desmontar do cavalo” (p. 51, tradução nossa); tratava-se de uma comitiva importante,
vinda do domínio de Satsuma. Conhecido como Incidente de Namamugi, o caso
261

demonstra a animosidade contra os estrangeiros, tendo gerado uma crise diplomática


entre a Inglaterra e o Japão. Azevedo (2010[189?], p. 138) registrou suas impressões
sobre os desdobramentos diplomáticos:
Em 15 de abril de 1863, o ministro plenipotenciário da Inglaterra, em
termos arrogantes, reclama uma indenização de cem mil libras
esterlinas pelo assassínio de Richardson, desculpas formais pedidas
pelo governo japonês ao governo daquela potência, e a execução dos
criminosos diante de uma força naval da Marinha britânica que iria à
terra só para esse fim; e mais 25 mil libras pelos feridos em diversas
ocasiões, e mais dez mil pelas duas sentinelas mortas no ataque à
legação provisória, limitando em vinte dias o prazo para uma resposta
categórica e declarando que, no caso de recusa ou negligência por parte
do governo japonês, passaria a questão às mãos do comandante em
chefe das forças navais de Sua Majestade britânica nas águas do
Extremo Oriente, o almirante Kuper, para que tomasse este as medidas
coercivas que lhe parecessem acertadas.

Mesmo diante de imprecisões do escritor, é fato que a Inglaterra pressionou o


governo japonês. Permanecia a ameaça da política canhoneira. Mais do que habilidades
diplomáticas, a solução viria da demonstração da superioridade bélica dos estrangeiros
através da presença de frota armada (KODET, 2016, p. 58). Ao final, os ingleses
bombardearam o Japão em agosto de 1863. Para Azevedo (2010[189?], p. 138), os
estrangeiros, especialmente os ingleses, eram os maiores responsáveis pelos problemas
sociais e políticos nos países asiáticos. Concordava com os japoneses que os
denominavam de bárbaros: “com razão, porque bárbaro não é só o que comete barbarias,
é também todo aquele que comete barbaridades”. E comparou a situação japonesa com a
da China:
O leonino arreganho não produziu porém o efeito que esperava o leão,
e as ovelhas acabaram por lhe fazer amargar um bem mau quarto de
hora. Contavam sem dúvida os britânicos que as coisas se passariam
como pouco antes na sua brutal e desumana expedição de Xangai. —
Quia nominor leo! –, mas os japoneses não eram chineses, não
tremeram de medo com as ameaças da Soberana dos Mares, ao
contrário. (p.139)

A relação entre os dois continuava:


os chins durante muitos séculos tinham ensinado ao japonês o segredo
da inalterável compostura do gesto, a fria ciência búdica de governar
com a vontade a expressão do rosto no meio das mais fortes comoções
morais, anestesiando os nervos condutores e impedindo-lhes levarem
ao semblante nem a menos lúcida centelha do oculto incêndio, tapando
a tempestade interior com uma indecifrável máscara de cadáver; triste
e amarela ciência que é bem da Ásia, e que só poderia ter sido refinada
262

a tal extremo por uma raça velha, impassível e hipócrita como a raça
chinesa. (p. 144)

O autor seleciona elementos do plano de expulsão de estrangeiros do Japão para


elaborar uma narrativa que correspondesse a sua experiência e suas opiniões. Aqui, o mais
importante não é se Azevedo pontuou corretamente as datas ou se as grafias dos nomes
são precisas, mas seu interesse em escrever um livro a partir de sua compreensão sobre o
Japão. Nesse sentido, chama a atenção sua crítica à intervenção das grandes potências no
país, a ponto de tornar-se partidário do fechamento às demais nações e de atacar posturas
e relatos de europeus e estadunidenses, e também a narrativa elogiosa em torno da
exaltação dos elementos japoneses naquele final de século.

6.4.2 O JAPÃO COMO MODELO

Se em um primeiro momento o Japão se tornava modelo por conta da rápida


modernização, a manutenção da identidade nacional, em consonância com as mudanças,
também passou a chamar a atenção. Isto integrava o projeto de abertura, assim como o
esforço para se apropriar de conhecimentos estrangeiros, inclusive investindo em missões
ao exterior, na busca de garantir sua autonomia.
Cabe lembrar que a abertura não tinha aceitação unânime, nem mesmo grande
participação popular.147 Portanto, longe de uma perspectiva romantizada sobre a
constituição do Japão pós abertura, é importante destacar que o regime foi considerado
autoritário, tendo opositores políticos que demandavam sufrágio universal, sindicatos,
direitos trabalhistas, reforma agrária (SAKURAI, 2008, p. 156-8). Entretanto, formar e
manter uma identidade nacional e consolidar-se como nação moderna fazia o Japão
tornar-se modelo quando se pensava no Brasil, também em processo de reorganização do
Estado e em criação de uma identidade republicana.
A narrativa de Aluísio Azevedo mostra como a reafirmação da identidade a partir
de elementos como xintoísmo, crença na natureza divina do imperador e nos mitos de
origem eram importantes no Japão no final do século XIX. Essa convivência entre a

147
Sobre o descontentamento popular, Célia Sakurai (2008, p.154-57) apresentou 177 revoltas camponesas
entre 1868 e 1873, em protesto contra o pagamento de impostos em dinheiro; havia também o problema da
obrigatoriedade do serviço militar que afastava os jovens dos trabalhos no campo, as revoltas dos samurais
contra o corte dos privilégios e, entre outros, a divergência dos que perderam poder político com a
reestruturação da Restauração.
263

cosmovisão japonesa e a que vinha das grandes potências precisou ser remodelada para a
manutenção da coesão nacional, assim, “com o tempo, os japoneses aceitaram os
princípios ocidentais de igualdade e de liberdade, reforçando, concomitantemente e sem
se acreditarem contraditórios, a hierarquia e a lealdade para com os superiores no modelo
confuciano da harmonia” (SAKURAI, 2008, p. 152-3). Esse cenário animava o vice-
cônsul Azevedo, que tinha defendido a república quando de sua proclamação, mas que se
via descontente com seus rumos. Além disso, o desenvolvimento industrial e científico,
caros à concepção positivista, tornava o Japão ainda mais interessante. No Brasil, o
processo de construção nacional também ocorria, porém, mais do que manter o território,
buscava-se a identificação dos cidadãos com a república. De acordo com José Murilo de
Carvalho (2014b, p. 32), no início desta, não existia uma comunidade política, mesmo
que a Guerra do Paraguai tivesse dado margem a um sentimento nacional e mesmo que o
Brasil tivesse elementos fundamentais para a construção da uma identidade nacional,
como língua, religião e unidade política.
Entretanto, uma das características do nacionalismo japonês era a xenofobia, que
“se acentuou com a propaganda da nação japonesa como uma única e grande familia,
abrangendo todo o território e se distinguindo das outras por sua ligação com a linhagem
imperial e, consequentemente, com Amaterasu, a deusa do sol” (SAKURAI, 2008,
p.146). Para o nacionalismo, era importante um povo com uma cultura e um passado em
comum. A ideia estava presente nos relatos dos viajantes anteriores, mas no texto de
Azevedo, ganhava contornos de defesa do nacionalismo japonês, já que ele vivenciou o
momento em que aquele projeto estava em curso, tendo sido igualmente influenciado por
ele.
Assim como o Japão se esforçava para a formação de vínculos que mantivessem
a coesão nacional na Era Meiji, no Brasil, buscava-se criar um imaginário republicano
capaz de legitimar o novo governo ou “atingir não só a cabeça mas, de modo especial, o
coração, isto é, as aspirações, os medos e as esperanças de um povo”. Além disso tanto
em uma quanto em outra realidade, essa elaboração do imaginário e identificações era
central pois “é nele que as sociedades definem suas identidades e objetivos, definem seus
inimigos, organizam seu passado, presente e futuro” (CARVALHO, 2014b, p.10).
Entre a primeira e a última viagem que acompanhamos, os dois países viveram
mudanças sociais e políticas que acarretaram a busca pela formação de nações modernas.
O Japão foi capaz de formar tanto uma coesão social quanto desenvolver-se econômica e
264

institucionalmente com certa estabilidade. No Brasil, a instituição de um novo regime


também aconteceu de forma autoritária, mas diante de uma realidade distinta e sem o
mesmo sucesso em termos de criação de uma identificação nacional.
Apesar da admirável dedicação dos ortodoxos, suas propostas tiveram
efeito reduzido e passageiro. O apelo à integração aos valores
comunitários, feito nas circunstâncias de desigualdade social extrema,
de luta insana pelo poder, de especulação financeira desregrada, caía no
vazio. Algumas propostas, como as que se referiam à exaltação do papel
da mulher e da família, estavam sem dúvida dentro de uma tradição
cultural enraizada. Mas seus efeitos eram antes de natureza
conservadora, na medida em que reforçavam o patriarcalismo vigente.
Quanto à proposta de fazer do Estado, por intermédio da ditadura
republicana, um agente de bem comum, um promotor de políticas
sociais, um preparador da sociedade positivista baseada na harmonia
das relações sociais, ela reforçava, na melhor das hipóteses, o
paternalismo governamental. Na pior, acabava levando água para o
moinho do autoritarismo tecnocrático, com ou sem os militares.
Comunidade, afeto e amor tornavam-se meras palavras, se não
mistificações. (CARVALHO, 2014b, p.31-2)

Azevedo se desiludiu com os primeiros anos da república brasileira e entendia o


Japão como um modelo de sucesso. Como estivesse inserido naquele meio de valorização
nacionalista, passou a incorporar alguns de seus elementos e a articular sua obra de forma
a defendê-lo. Assim, a consolidação de um passado comum, a homogeneidade racial, a
luta contra os estrangeiros em defesa da autodeterminação, o projeto de rápida mudança,
a industrialização e a importância da educação formal passaram a ser elementos
valorizados pelo escritor, por serem também algumas demandas e desejos do projeto
republicano positivista que se buscava para o Brasil.

6.4.3 AS JAPONESAS

Na carta de 14 de agosto de 1898 ao irmão, Azevedo assumiu o papel de viajante


e descreveu as mulheres que o acompanhavam:
Nunca estou só; tenho sempre ao meu lado duas ou três musmês
encarregadas de afastarem o tédio que imaginam que eu tenha; já tomei
banho com toda a família e tive a ocasião de rir amarelo na rua; apesar
de já não sair senão de quimono, os garotos acompanham-me e alguns
me dão surriada. Vim encontrar aqui a única japonesa verdadeiramente
bonita de corpo que até agora tenho visto; é escultural apesar de
pequenita; uma Vênus cor de âmbar, é risonha, com duas covinhas na
face. O congo de que falei tem este feitio: (há um desenho como
descrição, Aluísio Azevedo foi também caricaturista profissional) eis a
265

minha lanterna: (novo desenho). Trouxeram-me almoço (desenho).


Pintei de preto (desenho) para fazer saber qual é a parte do corpo que
fica nua. Até breve. Não posso continuar senão o papel não cabe no
envelope. Teu Aluísio. (AZEVEDO apud DANTAS, 1984[1898], p.
16)

Quando esteve em Mito, Azevedo apontou que estava sempre acompanhado por
japonesas. Além disso, Afrânio Peixoto viu em seu gabinete de trabalho, em Nápoles,
uma tela de seda com a imagem de “Satô, uma criatura formosa, quase ocidental na sua
miúda face morena, mas com a graça tênue e sutil, de recato e de simplicidade, das
musumês, já lendárias”, sugeria ainda que se tratava de um romance vivido por Azevedo
que não pôde acompanhá-lo e que por “mais de dez anos, e outro mundo de permeio, não
lhe privaram de uma saudade” (PEIXOTO apud DANTAS, 1984, p.15).
Em diversas passagens dos relatos de viajantes brasileiros, as mulheres foram
entendidas como medida da civilização. Tratava-se do seu asseio pessoal, comportamento
conjugal, danças, sexualidade, vestimentas. Dentre os que acompanhamos, o viajante que
dedicou mais páginas às japonesas diante da chamada “ocidentalização” foi Aluísio
Azevedo. Diferentemente dos outros viajantes, Azevedo inseriu em sua narrativa a figura
da musume, termo usado na literatura francesa para as descrições sobre o Japão148. O
escritor descreveu que, antes da abertura, os holandeses importavam ovelhas e cabras para
abate. Mas havia também outras negociações:
Assim, quando mais tarde, depois de muita lamúria, permitiu o xogum
que as “musmês” da mais baixa extração fossem ter à ilha Dechima e
isso somente na ausência do sol, o povo começou de alcunhálas de
“ovelhas” e “cabras”, qualificativo com que ainda agora grande parte
dele estigmatiza a japonesa que partilha com qualquer ocidental o fruto
do paraíso. (AZEVEDO, 2010 [189?], p.88)

Luiz Dantas (1984, p.199-200) explica que


a heroína do romance de Pierre Loti, Madame Chrysantème, assim
como Cio Cio San, personagem central da adaptação musical do
romance, a ópera Madame Butterfly de Puccini, eram também
rashamen (“carneiros”, ao pé da letra), mulheres galantes de condição
humilde, destinadas especialmente aos estrangeiros .

148
A tradução do termo musume para o português brasileiro que temos mais próxima à viagem é a de
Wasaburo Otake (1957, p.344): “filha, moça, donzela, rapariga, menina”.
266

As jovens japonesas, chamadas de musumes/mousmés, foram descritas por Pierre


Loti, pintadas por Van Gogh149, e também estavam na imaginação dos nossos viajantes.
Quando Aluísio Azevedo embarcou para o Japão, o estereótipo sobre as japonesas vindo
da literatura já era difundido. Em 1904, ele publicou o texto Japonezas e norte-
americanas (fragmento inédito) no Almanaque Brasileiro Garnier. Cabe incluir que outro
texto sobre a mulher japonesa foi publicado, sem indicação de autor, no mesmo
almanaque, em 1906, sob o título A mulher no Japão. O texto já foi atribuído a Azevedo
(LESSER, 2001, p.290), mas difere-se da perspectiva do primeiro assinado pelo autor e,
ao que nos parece, é inspirado no livro Le Japon d’aujourd’hui (1904), de Georges
Weulersse. Seu conteúdo era mais crítico em relação ao que se julgava da condição da
mulher japonesa. Nele, afirma-se que elas “nada possuem que recorde o typo de belleza
da Venus de Praxiteles”, que “os japonezes não são delicados, no seu paiz pelo menos,
para com as mulheres”, que o “desprezo pela mulher é tradicional no Japão” e que sua
vida se exprime em “gravidez e escravidão”.
Já o artigo Japonezas e norte-americanas, de Azevedo, possui outro tom. Para
Luiz Dantas (1984, p. 17), o texto era “um tanto desconcertante, espantoso, por suas ideias
arqui-conservadoras sobre a mulher”. Para Ortiz (1997, p. 85), há argumentos que
demonstram uma “posição misógina e conservadora”. O texto de Azevedo reúne, de
forma mais enfática, a percepção de desigualdade entre gêneros, no qual os elogios às
japonesas eram acompanhados da valorização de sua submissão e da vida da mulher
voltada ao ambiente doméstico. Para o escritor, “nada mais injusto do que essa caricatura
que por ahi se faz da moral japoneza!”, e entende a mulher como medida dessa moral, em
contraposição às francesas, inglesas, espanholas e, especialmente, estadunidenses. Ele
cita exemplos a partir da literatura, da imprensa e das suas próprias experiências, julgando
que europeias e estadunidenses eram “levianas e traiçoeiras”, tendo “macaqueado” atos
masculinos como consumo de álcool, cigarros, a prática do flerte e do adultério:
Em quanto o ávido e activissimo marido corre esbaforidamente pelos
bairros commerciaes de Nova-York ou de São Francisco atraz do
milhão d’esse dia, a mulher vae matar tempo nos clubs politicos ou
esportivos, ou simplesmente nas luxuosas tavernas subterraneas, entre
o almoço e o jantar, bebendo, jogando, fumando e palestrando, como
fazem os vadios da raça latina. (AZEVEDO, 1904[1902], p. 218)

149
O quadro de Vicent Van Gogh, La Mousmé, de 1888, está acessível no acervo digital da National Gallery
of Art de Nova Yorque. Disponível em <https://www.nga.gov/collection/art-object-page.46626.html>.
Último acesso em 13/08/2020.
267

Ciente da imagem de falta de liberdade das japonesas vivendo fechadas “no annel
de ferro da restricta moral”, Azevedo questionava: “É odiosa a sua moral domestica,
porque faz da mulher um objeto sem vontade?”; ele mesmo respondia que sim, mas
ponderava que era positivo na medida em que promovia estabilidade familiar e evitava
práticas como a da roda dos expostos, “enquanto a vontade de toda e qualquer mulher
japoneza nada mais fôr do que o fiel reflexo da vontade do respectivo marido”
(AZEVEDO, 1904[1902], p. 217).
A leitura de Azevedo parecia ir na direção de Bousquet, para quem “a mulher
japonesa ocupa uma posição de escrava, enclausurada e muda na sociedade japonesa, sem
direito a uma vida social” (OKAMOTO, 2010, p.81). Para o brasileiro, a ideia construída
sobre a passividade da mulher foi considerada positiva. Esse texto reiterava seu discurso
em relação aos males da entrada de estrangeiros, seus valores e modos de vida, no Japão.
A mulher, assim como o país, corria o perigo de se degenerar e perder suas virtudes.
Cada qualificativo dado às mulheres correspondia a uma realidade social mais
ampla. Nota-se que na narrativa de Aluísio Azevedo há menos espaço para o Japão
exótico e inocente, os corpos aparentes, a casa de banho, as risadas, que vinham nas
palavras e imagens de Da França ao Japão (1879). Já em meados do século XX não
apenas a realidade no Japão era diferente, especialmente nos espaços acessados pelos
estrangeiros, mas também outra perspectiva estava consolidada e influenciava as novas
narrativas. Entretanto, permanecia o interesse dos viajantes pelo “erótico transracial”
(PRATT, 1999, p. 148), pelas mulheres que lhes causavam estranhamento e de quem
julgavam o comportamento como observadores brasileiros intelectualizados à europeia e
conservadores.

6.5 A PRIMEIRA LEGAÇÃO BRASILEIRA NO JAPÃO

Em 22 de maio de 1897, o ministro das Relações Exteriores, Dionísio Cerqueira,


enviou um despacho à Henrique Lisboa, comunicando que este havia sido creditado pelo
presidente da República, Prudente de Moraes, como ministro plenipotenciário no Japão.
O documento esclarece que o envio se dava pelo tratado entre os países, que permitia a
permanência de uma legação brasileira no Japão.
268

Na comunicação entre o ministério das Relações Exteriores e a representação no


Japão, os assuntos de interesse eram a imigração e o comércio direto. Os documentos
indicam que o próprio Aluísio Azevedo tinha interesse no debate sobre a imigração de
trabalhadores japoneses e, embora Luiz Dantas (1984) considere que seja impossível
afirmar que o escritor tenha continuado atuando como agente de imigração, é importante
considerar que Azevedo já tinha experiência nesta função durante a estadia em Vigo. Nas
cartas da legação, Henrique Lisboa afirmava que os estudos de Azevedo sobre o Japão
tinham intenção de “habilitar-se a prestar úteis serviços logo que se inicie a emigração” e
que o escritor considerava de grande importância os “primeiros passos que derem na
iniciação da emigração”150. O fato é que a experiência de Azevedo no Japão não seria
possível sem o longo debate e incentivo à vinda de trabalhadores asiáticos para o Brasil.
Se o objetivo da missão brasileira, da qual ele participava, era a vinda de trabalhadores,
isto estava presente em sua elaboração sobre os japoneses. Além disso, em termos
práticos, foi esse objetivo que criou a oportunidade para a abertura da legação no Japão,
daí a possibilidade de ir e escrever sobre o país e seus habitantes.
Os brasileiros da legação enviada em 1897 se viram diante das instituições
japonesas em processo de consolidação das mudanças. O ministro das Relações
Exteriores, Dionísio Cerqueira, enviou um comunicado à Henrique Lisboa avisando que
mesmo que o Tratado de 1895 não tivesse estipulado nada a respeito da emigração “é
certo que o governo japonês a permitirá”. A esta altura, o debate sobre as formas de
imigração e quem custearia o processo já havia sido amplamente realizado quando se
discutiu a possível vinda dos chineses, portanto, os encaminhamentos com relação ao
Japão já estavam mais definidos. Nessas condições, o ministro dizia ao enviado brasileiro
que “a emigração não há de ser promovida por conta do governo federal, que, por
consequência, nenhuma responsabilidade toma. Há de ser de empresa particular; mas a
legação e o consulado-geral farão o que estiver ao seu alcance para facilitá-la”151. Dentre
as atividades que estavam ao alcance da legação, uma era a promoção de uma imagem
positiva do Brasil. No final do século XIX esta divulgação era feita em países europeus,
minimizando doenças, apresentando baixas taxas de mortalidade, apresentando um país
pacífico, feliz, próspero e civilizado. Foi com essa intenção que, no Japão, Henrique
Lisboa solicitou a redatores japoneses que publicassem textos buscando atrair “as

150
Ofício de 2 jan. 1898. (BRASIL, 2012, p.195).
151
Despacho de 22 maio 1897. (BRASIL, 2012, p.163).
269

simpatias da sociedade japonesa, a fim de que se mantenha e robusteça a favorável


opinião que já existe aqui quanto aos benefícios que poderão resultar para o Japão do
cultivo de relações com o Brasil”152.
Tratava-se não apenas de conhecer o Japão, mas de tornar o Brasil conhecido aos
japoneses. Segundo documentos da legação brasileira, a revista Taigo153 publicou:
O Brasil é maior que a China, apenas tem uma população de dezesseis
milhões, possui terrenos fertilíssimos, onde um homem trabalhador
poderá obter fortuna facilmente; e ao Japão convém, pelo seu
extraordinário aumento de população, mandar emigração para o
estrangeiro.154

Naquele momento, porém, o Brasil não tinha condições de trazer imigrantes


japoneses. O próprio Henrique Lisboa lembrava que a situação financeira do país nos
anos iniciais da república não favorecia esta imigração, mas o esforço seria importante
para que pudesse ser realizada posteriormente. Cabe lembrar que os problemas
financeiros do início da república atingiam as representações no exterior, incluindo os
projetos relacionados à Ásia. De acordo com Boris Fausto (2010), a dívida externa havia
sido herdada do império e agravou-se na década de 1890, com o aumento do déficit
público.
De acordo com o pesquisador Hiroshi Saito (1961, p. 27), em 1897, um
representante da empresa japonesa de imigração Kichisa Imin Kaisha foi enviado à São
Paulo para negociar com a empresa Prado Jordão a vinda de trabalhadores japoneses.
Acordaram então a vinda de “camponeses de 20 a 35 anos de idade, e que a primeira leva
seria composta de 1500 a 2000 pessoas”. Naquele fim de século, 1500 japoneses foram
recrutados pela empresa Toyo Imin Kaisha, o contrato estabelecia:
a) o prazo de contrato de trabalho será de cinco anos, contando da
data de chegada do imigrante ao local de trabaho;
b) o salário mensal será de 30 shilling (cerca de 15 yen), cujo
pagamento será feito metade no Brasil e outra metade no Japão; da parte
a ser paga no Japão metade será depositada na Toyo Imin Kaisha e a
restante remetida à família do imigrante;
c) o horário de trabalho é dez horas diárias, excetuando o tempo de
descanso; serão fornecidas duas mudas de roupa de trabalho por ano
além da habitação com banheiro japonês; da passagem marítima, de ida

152
Ofício de 4 out. 1897. (BRASIL, 2012, p.173).
153
Não há nestes registros da data de publicação, informa-se apenas que se trata de uma revista japonesa
quinzenal e redigida por homens importantes do país e que, portanto, era um veículo de informação
considerado relevante naquele momento.
154
Ofício de 4 out. 1897. (BRASIL, 2012, p.176).
270

e volta bem como a alimentação a bordo correrá por conta da firma


Prado Jordão.
Além dessas cláusulas, exigia-se do imigrante o pagamento a título de
comissão à Toyo Imin na importância de 18 yen e mais cautela de 40
yen, como garantia da passagem de volta. (SAITO, 1961, p. 27)

A queda do preço do café e problemas econômicos fizeram com que os


trabalhadores não pudessem emigrar, e a Prado Jordão teve que desfazer esta que foi
considerada a “primeira tentativa” de vinda de imigantes japoneses. Nota-se que, mesmo
sem ser posto em prática, este acordo visava também contratos temporários com
trabalhadores japoneses, com características semelhantes ao que vimos anteriormente.
A incapacidade de efetivação da imigração naquele momento não anulou os
serviços da legação brasileira no Japão. Esta se dedicou a estudos sobre as técnicas de
agricultura, o cultivo de arroz e a criação do bicho-da-seda, a contratos comerciais (para
a venda de fósforo, seda, leques, chá e porcelana a negociantes brasileiros) e à
apresentação do Brasil na imprensa japonesa. Acreditava-se, sobretudo, que os japoneses
contribuiriam para o desenvolvimento de várias culturas e que eram bons trabalhadores
tanto na agricultura quanto na indústria. Já nos primeiros ofícios da legação em 1897, os
japoneses apareciam em comparação com o trabalhador chinês. Em comunicação sobre
emigração e comércio, Lisboa escreveu ao ministro das Relações Exteriores:
Bem que a sua perseverança não alcance à que tanto distingue o
trabalhador chinês, possui o japonês um espírito de iniciativa, invenção
e adaptação, que lhe permite realizar, com rapidez, economia e
perfeição, certos trabalhos que o trabalhador chinês só efetua com
grande dispêndio de tempo e paciência.155

Em 1898, Teikichi Tanaka, representante de uma companhia japonesa de


emigração, expôs num artigo para o periódico Japan Times o alto preço da viagem como
uma das dificuldades para a ida dos japoneses aos Brasil. Fez referência igualmente a
outros “fatores não desejáveis, que vão pesar muito mais do que todas as conveniências”,
citando como exemplo os imigrantes italianos estabelecidos no Brasil, que “tem-se dado
a toda a sorte de hábitos vergonhosos, enquanto os proprietários de plantações não são,
muitas vezes, pontuais no pagamento dos seus salários”156. Contudo, havia interesse do
governo japonês na emigração: em 1898, o cônsul brasileiro Henrique Lisboa comunicava
à Olinto de Magalhães, agora ministro das Relações Exteriores, que “no intuito de dar

155
Ofício de 1 nov. 1897. (BRASIL, 2012, p.179).
156
O artigo aparece citado no Ofício de 18 fev. 1898. (BRASIL, 2012, p.208).
271

expansão a sempre crescente população deste arquipélago, não descansam os japoneses


nos seus esforços para fundar colônias, mesmo em longínguas regiões”157, em referência
às negociações com o Peru, Guatemala, Malásia.
No Brasil, um dos grupos interessados nos trabalhadores japoneses era a
Sociedade Nacional de Agricultura, que pretendia apresentar ao governo do Rio de
Janeiro uma proposta de colonização com famílias japonesas. Lisboa enviara à Sociedade
a Lei para Proteger o ‘Imin’ assinada pelo governo japonês em 1896, determinando a
necessidade de autorização do governo para emigração de japoneses. Em linhas gerais, a
Lei de Proteção aos Emigrantes “incentiva a emigração oficial, passando os emigrantes a
ter uma legislação que os ampara e os defende” (SAKURAI, 2000, p. 45). Havia também
a delimitação quanto à natureza do trabalho dos imigrantes:
a) Os que prestam serviço físico na agricultura, horticultura, pastoreio,
pesca, mineração, manufaturas, trabalhos de engenharia, transporte
construção etc.
b) Os que se empregam em serviços domésticos, como cozinheiros,
lavandeiros, alfaiates, camareiros, amas etc.158

Determinava-se que os trabalhadores deveriam comunicar às autoridades


japonesas o lugar para onde iriam e a duração da residência, contando ou não com os
agenciadores. Nos contratos deveriam constar informações sobre as despesas, o trabalho,
provimentos no destino, os meios de socorro e repatriação. O governo japonês deveria ser
informado sobre todos os detalhes, mesmo sobre retornos e falecimentos.
A experiência da primeira legação brasileira no Japão não teve uma continuidade
de projetos e ações sobre a imigração, e em poucos anos de funcionamento, ela foi
desarticulada. Aluísio Azevedo informou em carta à Lúcio de Mendonça:
Instalo-me de novo em Yokohama, mas ao fim dum ano, o Congresso
passa esponja na verba destinada à representação do Brasil no Japão, e
eu rodo de lá com os demais, perdendo, segundo agora a opinião do
Olinto, todos os direitos até então adquiridos nesta brilhante carreira. –
Será tudo isso muito legal, mas acho injusto, e até odioso. (AZEVEDO,
1961[1900], p. 137)

Um ofício de 1º de janeiro de 1899, informou sobre o fechamento e determinou


que os brasileiros deveriam retornar ao país, então no governo de Campos Salles.
Henrique Lisboa escreveu, no dia 20 daquele mês, para ministro Olinto de Magalhães:

157
Ofício de 30 nov. 1898. (BRASIL, 2012, p.240).
158
Ofício de 20 dez. 1898. (BRASIL, 2012, p.247).
272

Senhor Ministro,
Desde o estabelecimento desta legação e do consulado em Yokohama,
tanto eu como o sr. Ferraz Rego recebemos frequentes consultas com
relação à emigração japonesa para o Brasil e ao comércio direto entre
os dois países. Por outro lado, do Brasil tenho tido de satisfazer também
a vários pedidos de informações sobre assuntos japoneses. A supressão
desta legação e dos consulados no Japão, torna d’ora em diante
impossível a satisfação de semelhantes requisições, que mais necessária
se fará sentir agora que parecem encaminhar-se a uma solução prática
os propósitos de iniciar a emigração e de estabelecer uma corrente de
transações diretas entre este país e o nosso. 159

Com o fechamento da legação brasileira no Japão, Lisboa informava sobre a


impossibilidade de continuar auxiliando a Sociedade Nacional de Agricultura, bem como
os tratados comerciais que pareciam promissores entre os países. Para não romper as
relações diplomáticas e para que as negociações que necessitassem de visto consular,
inclusive de exportações, pudessem continuar sendo encaminhadas, propunha a
nomeação de Hubert Victor Guielen, do consulado dinamarquês em Yokohama, como
cônsul sem vencimento. 160 A proposta parece ter sido acatada, visto que Guielen aparece
como “nosso cônsul em Yokohama” em ofício enviado de Tóquio, por Oliveira Lima, em
1901.161
Lisboa, demonstrando o descontentamento com a situação, apresentava a reação
negativa com este desfecho quando “com a recepção de despachos do encarregado de
negócios japonês nessa capital, informando que o sacrifício da nossa representação no
Japão tinha sido especialmente determinado pelo desejo de obter recursos para o
restabelecimento de outras legações, ainda mais magoados mostraram-se os japoneses”.
Henrique Lisboa, refererindo-se ao governo japonês, dizia ter buscado “suavizar o golpe
que aquele ato desfechava no amor-próprio deste governo, justamente na ocasião em que
ele trata de alargar as suas relações com os países civilizados”; para tanto:
Fiz sentir que o compromisso de honra tomado pelo governo brasileiro
com os credores europeus exigia a eliminação de despesas que não eram
de urgente necessidade; que esta legação e os consulados no Japão
tinham sido fundados especialmente para o serviço da imigração, cuja
realização estava e ficará paralisada enquanto perdurarem as nossas
atuais condições financeiras, e que, portanto, nesse ato não podia haver
desconsideração ao Japão, que sempre merecia grande estima do
governo e povo brasileiros. O visconde Aoki, aceitando essas
explicações, manifestou-me, entretanto, a sua hesitação em nomear

159
Ofício de 20 jan. 1899. (BRASIL, 2012, p.260).
160
Ofício de 20 jan. 1899. (BRASIL, 2012, p.260).
161
Ofício de 28 jun. 1901. (BRASIL, 2012, p.275).
273

outro ministro japonês no Brasil em lugar no sr. Chinda, que vai ser
removido para a Holanda.Animei-o a realizar essa nomeação fazendo-
lhe sentir que a conservação da legação japonês no Brasil muito
contribuiria para o restabelecimento da nossa representação
diplomática aqui, desde que as circunstâncias o permitissem. Citei-lhes
os exemplos da Rússia e da Áustria que tinham mantido os seus
ministros no Brasil, apesar de suprimidas as nossas legações naqueles
países. Os meus argumentos, felizmente confirmados por iguais
seguranças que destes aí ao sr. Miura e que ele transmitiu a este governo
em extenso telegrama, conseguiram modificar o ânimo do sr. Aoki, o
qual prometeu-me trabalhar junto ao imperador e ao presidente do
Conselho para que fosse feita a nomeação de um novo ministro no
Brasil. Anteontem anunciou-me o visconde já estar isso decidido, tendo
recaído a escolha no sr. Narinori Okoshi, o qual, além de outros cargos
importantes na administração interna, exerceu funções consulares em
Londres e Xangai.162

O cônsul Henrique Lisboa defendeu a manutenção da legação brasileira,


especialmente em relação aos planos estabelecidos para a ida de emigrantes japoneses ao
Brasil, lembrando que os acordos de exportação seriam prejudicados com a mudança.
Naquele momento, o cônsul japonês no Brasil, Sutemi Chinda, foi transferido para a
Holanda. Com os novos encaminhamentos do governo brasileiro, o governo japonês
hesitava em nomear outro representante no Brasil. Mas para manter as relações
diplomáticas entre os países, o governo japonês optou por enviar o cônsul Narinori
Okoshi.
O Brasil retirou do Japão, em 1899, os consulados que “tinham sido fundados
especialmente para o serviço da imigração”, mesmo ano em que o primeiro grupo de
imigrantes japoneses partiu para o Peru.163 Aluísio Azevedo seguiu para La Plata, na
Argentina, passando depois pelo Uruguai, Reino Unido e Itália, falecendo em 1913 na
capital argentina.
Após a saída, as representações brasileiras no Japão retornariam em 1901, com
Oliveira Lima, tendo Wasaburo Otake como intérprete da legação. Wasaburo Otake
permaneceu atuante nas relações entre os dois países e sua contribuição foi considerada
pelo diplomata Leão Velloso (1973 [1937]) como “fundamental para o entedimento entre
os dois povos”.

162
Ofício de 1 mar. 1899. (BRASIL, 2012, p.264-5).
163
Ofício de 28 fev. 1899. (BRASIL, 2012, p.263).
274

Diferente de muitos dos seus antecessores, Oliveira Lima não era um entusiasta
da vinda de japoneses ao Brasil164, “tanto pelo perigo que oferece de uma maior mistura
de raças inferiores na nossa população, como pela carência de experiência agrícola com
modernos processos e utensílios”, mas sobretudo, pela “natureza psicológica e objetivo
social que separa a raça ariana da mongólica”165. Inclusive, em determinado momento
ponderou que “o chinês é um trabalhador infinitamente mais acomodado e bem mais
laborioso do que o japonês, e não existe, no seu caso, o perigo das reclamações
diplomáticas que seria para temer por parte do governo japonês”166.
Se a assinatura do Tratado de Amizade com o Japão havia sido postergada por
conta da Guerra Sino-Japonesa, a vinda dos imigrantes teve interferência da Guerra
Russo-Japonesa, em 1905. Ambos os eventos deixavam evidente que o Japão se construía
como uma nova potência no cenário internacional. No Brasil, os contatos e as diferentes
visões elaboradas sobre os japoneses e o Japão fizeram parte da dinâmica de aproximação
entre os países e foram importantes para a construção do destaque dado ao Japão. Quando
os primeiros imigrantes chegaram ao Brasil em 1908, sua imagem já não era nem aquela
homogeneizadora do trabalhador asiático de meados do século XIX, tampouco a
romantizada, do exotismo caro aos viajantes, mesmo que resquícios dessas duas visões
tivessem permanecido.

6.6 OS JAPONESES NO BRASIL

O Japão assinou o Tratado de Amizade com o Brasil prevendo o envio de


trabalhadores. Mas,
se, em grande medida, a introdução dos chineses fracassou em virtude
das denúncias de que o asiático seria introduzido como um trabalhador
semi-escravo, por que o governo japonês, obviamente ciente de tais
denúncias, teria aceitado a assinatura do Tratado de 1895?
(YAMAMURA, 1996, p. 142).

164
Ver: TAKEUCHI, Marcia Yumi. A diplomacia brasileira diante da imigração japonesa (1897-1942).
Estudos Japoneses. n. 28, 2008. p. 99-112.
165
Ofício de 15 set. 1901. (BRASIL, 2012, p.309).
166
Ofício de 12 abr. 1902. (BRASIL, 2012, p.359).
275

Na década de 1890, como acompanhamos, o Japão elaborou sua Lei de Proteção


aos Imigrantes. Posteriormente, haveria também a “tutela” (analisada pela pesquisadora
Célia Sakurai) do governo japonês, com amparo aos emigrantes. Nesse sentido,
a imigração japonesa se diferencia das outras que escolhem o Brasil,
por se estruturar sobre uma cadeia de relações montada a partir do topo
da estrutura estatal japonesa até chegar aos imigrantes no Brasil. O
governo japonês, através de seus diferentes ramos e agentes, participa
explicitamente no processo de fixação desses imigrantes, para que ele
ocorresse com sucesso (SAKURAI, 1998, p. 3).

A emigração para o Brasil se efetivou durante o período Meiji, durante o início da


inserção de um Japão industrializado e urbanizado no mundo capitalista. Um fator que
contribuiu para o estímulo da emigração foi o adensamento demográfico em algumas
regiões e problemas de acesso à terra, mas a saída também foi favorecida pelo projeto de
expansão ao exterior, como mostra Sakurai (2000, p. 44-7) em relação ao caráter político
e simbólico da emigração. Dessa forma, a construção de um Japão diferente dos demais
países asiáticos não era feito apenas por uma leitura do exterior, mas correspondia a um
esforço nacional. Esse esforço ia além da política externa e abrangia a vida cotidiana, a
formação intelectual dos japoneses e a remodelação das instituições políticas, como
narraram os viajantes. A construção do nacionalismo japonês reforçava a ideia de uma
nação forte com um passado comum, unida na figura do imperador e na noção de
comunidade, com amparo no confucionismo e no xintoísmo.
Quando o Brasil atentou para o recém-aberto Japão na segunda metade do século
XIX, este aparecia como um novo fornecedor de mão de obra, da mesma forma que
supunham que fosse a China. A semelhança dos interesses das representações brasileiras
nos dois países, dos contratos temporários, das atividades das empresas de imigração, das
perspectivas dos fazendeiros e das noções comuns acerca dos “asiáticos” ou “amarelos”
(incluindo o receio de sua miscigenação no Brasil) demonstram que, quando a vinda de
trabalhadores japoneses passou a ser considerada, o debate a respeito inseriu-se na
continuidade e em paralelo ao debate sobre os trabalhadores chineses.
Isto correspondia ao que ocorria em outros locais. De acordo com Saito (1961, p.
24), a entrada de japoneses no Peru, Estados Unidos, Havaí e Canadá teve como intuito
suceder os trabalhadores chineses. Além do preconceito que sofriam como asiáticos,
tinham em comum a intenção de retornar aos países de origem. O momento em que os
trabalhadores japoneses começaram a vir ao Brasil foi tardio em relação aos demais
276

locais, e já havia questionamentos quanto aos contratos temporários – pela semelhança


com as condições da escravidão, pela responsabilidade de garantir o retorno, pelos altos
custos decorrentes da distância, pela necessidade de garantir que o trabalhador se
estabelecesse num país cujas dimensões continentais não tornariam a ocupação um
grande obstáculo.
A efetivação da vinda dos japoneses só ocorreria no século XX, com a recuperação
após a crise do café em São Paulo e a suspensão da corrente migratória de italianos a
partir de 1902 (SAITO, 1961, p. 28, 44). Além disso, em 1908 foi assinado o Gentleman’s
Agreement, pelo qual o Japão se comprometia a limitar a saída de emigrantes para o
Estados Unidos, onde havia mais de cem mil residentes na colônia japonesa (p. 22). E,
entre 1906 e 1907, “mais de 20 japoneses viajaram para o Brasil via Europa com objetivos
variados. Entre eles estava o conhecido Ryu Mizuno, fundador da Kokoku Shokumin
Kaisha, empresa que conseguiu introduzir a primeira leva de imigrantes” (p. 29). Em
1908, chegaram em Santos os primeiros 781 imigrantes contratados e 12 livres, a bordo
do Kasato Maru (p. 29). Os japoneses interessados conseguiram negociar condições
favoráveis, como subsídio de parte da passagem marítima pelo governo de São Paulo, que
durou até 1914.167
Para Saito (1961, p.114), a vinda dos japoneses ao Brasil foi favorecida
especialmente pela pouca experiência com outras formas de emigração além da
temporária; desta forma o trabalhador “nem sequer refletia sobre a eventualidade de
abandonar sua terra natal de maneira definitiva”. Assim, no início, a vinda dos
trabalhadores foi pensada a partir da mesma lógica dos países do norte, sob contratos
temporários; o retorno mantinha-se nos planos, fazendo com que trabalhassem a fim de
guardar finanças para isto. Mas havia fatores no Brasil que faziam com que a imigração
temporária não tivesse sucesso, e as primeiras experiências demonstraram que a realidade
econômica não permitia facilidades no trânsito, portanto, “aqui não era exequível o

167
Diante do fim do subsídio e do grande interesse das empresas de imigração, três empresas conseguiram
junto ao governo nova concessão de 4 a 5 anos a partir de 1917, unidas sob o nome Brasil Imin Kumiai.
Posteriormente, a empresa mais famosa de emigração seria a Kaigai Kokumin Kaisha (K.K.K.). De acordo
com Saito (1961, p. 32), “este foi o primeiro passo que o governo nipônico dava no sentido de imprimir
cunho nacional e estatal à política emigratória para o Brasil. A própria criação da empresa monopolizadora
K.K.K. foi uma iniciativa tomada pelo gabinete chefiado pelo então Premier Terauchi”. O sistema de
subsídio foi assumido em 1925 pelo próprio governo japonês e mantido até 1941. É de 1908 a 1925,
portanto, que Saito recorta o primeiro período, experimental, da vinda de japoneses para o Brasil a fim de
suprir a necessidade de trabalhadores nas lavouras de café. Seguiram-se outros momentos, de 1926 a 1941,
com o subsídio japonês em uma política ativa de emigração até o rompimento por conta da Segunda Guerra
Mundial. E, por fim, com a retomada a partir de 1953.
277

objetivo de migração temporária através do trabalho assalariado, por isso os que vieram
mais tarde já substituíram seu objetivo por um de prazo mais ou menos longo” (SAITO,
1961, p. 115).
Na década de 1870, entraram 219.128 imigrantes europeus no Brasil; na década
seguinte, foram 525.086, chegando a 1.129.315 na década de 1890 (SAITO, 1961, p. 41).
De acordo com os dados do Departamento de Imigração e Colonização da Secretaria de
Agricultura do Estado de São Paulo, estado que mais recebeu imigrantes japoneses no
Brasil, na primeira metade do século XX foi contabilizada a entrada de mais de 190 mil
deles.168 Após um longo debate, contatos, iniciativas governamentais e privadas (muitas
frustradas em relação aos trabalhadores asiáticos); mesmo tendo sido iniciada após os
Estados Unidos ou outros países latino-americanos, a imigração japonesa para o Brasil
correspondeu a mais de um terço do total para o continente e, ao invés de temporários,
eles se estabeleceriam como colonos no país169.

168
Para termos dimensão desta quantidade em comparação com as demais populações estrangeiras, nota-
se que, entre os anos de 1870 e 1952, foram registradas em São Paulo a entrada de 894.037 italianos,
406.448 espanhóis, 481.572 portugueses, 190.063 japoneses, 70.837 alemães e 39.693 austríacos. (SAITO,
1961, p. 43).
169
De acordo com os Dados Estatísticos do Ministério de Relações Exteriores do Japão sobre a emigração
japonesa entre 1885 e 1955, foram 241.709 imigrantes que vieram para países latino americanos, excluindo
o Brasil; e 196.737 para este país (SAITO, 1961, p.23).
278

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreender a integridade de uma obra, considerando fundamentamente a


relação entre texto e contexto é algo capaz de abrir diversos questionamentos. Esse modo
de pensar a relação entre literatura e história pressupõe que há um processo dinâmico, no
qual a obra não é mera narradora, mas parte e produto deste processo. Esse entendimento
leva a refazer caminhos, buscar diferentes ângulos e fontes para preencher lacunas e
responder questões abertas pela literatura.
Nos relatos que analisamos, por vezes precisamos atentar aos documentos
paralelos com uma lupa; em outras, foi necessário expandir o panorama a fim de
acompanhar determinada realidade e dar sentido a uma obra. Afinal, qual era o mundo
visto e vivido pelos viajantes? Qual a especificidade do olhar de um brasileiro? Em que
lugar se inseriam os japoneses nas demandas nacionais? E, como é próprio desta
perspectiva, a realidade se mostra muito menos romântica do que se esperava.
Tratamos especialmente de um astrônomo, um militar da Marinha e um diplomata.
Mas o que haveria em comum? No primeiro momento fomos em busca do japonismo e
do interesse pelas artes e pela cultura, e isto estava sim nas obras. Entretanto, chamou
atenção o vínculo com a questão do trabalho articulada com o debate racial e de
constituição nacional, especificamente em relação ao asiático como uma possibilidade
para “substituição” da mão de obra escrava projetada sobre alguém que não estava
fisicamente no país.
Mesmo com motivações diferentes, as experiências dos viajantes em diálogo com
as transformações que Brasil e Japão vivenciavam naquele período são relevadoras do
estabelecimento das aproximações diplomáticas posteriores. Elas permitem perceber que
os contatos se constituíram também pelas agências de sujeitos em situações diversas –
além dos acordos formais. Assim, as três viagens se completam no mapeamento do
processo inicial de aproximação entre os países na segunda metade do século XIX.
Os relatos fizeram perceber que o próprio debate sobre os japoneses no Brasil
ocorreu de maneira semelhante ao de uma viagem, com diversas paragens e
interferências. Ou seja, não foi num momento pontual que o Japão se tornou parte da
nossa história, fosse esse momento o Tratado de Amizade, a viagem de Francisco Antônio
de Almeida ou a chegada do Kasato Maru. As considerações se formaram em diálogo
279

com as experiências e interesses sobre os demais asiáticos, bem como sobre os imigrantes
europeus, em vez de inaugurar um quadro de discussões sem precedentes.
Num certo sentido, é possível afirmar que nenhuma história é apenas local, pois
entre o local e o global há sempre uma relação, um diálogo, com encontros e
desencontros. Do século XVII até a metade do século XIX, o Japão viveu uma política de
isolamento; quando iniciou o contato com o Brasil, já eram correntes discussões e
experiências com outros países do mesmo continente. Por isso, esta pesquisa sobre
viajantes brasileiros no Japão trata, por tantas vezes, de chineses, malaios, indianos, e
utiliza frequentemente o termo genérico “trabalhadores asiáticos”.
Os brasileiros, comumente vistos e descritos pelos viajantes europeus como os
outros, naquele momento eram observadores e narradores. Mas isto não os tornava
originários de uma grande potência, mas antes, demonstrava ambiguidades brasileiras. Os
viajantes testemunharam o movimento do século XIX que trouxe a “moda” da “literatura
de inspiração exótica”, e estar então no Japão era vivenciar este mundo diferente e em
rápida mudança. Por mais que as obras às quais nos dedicamos tenham se baseado em
leituras de textos estrangeiros, consideramos a experiência in loco como um grande
diferencial, pois
Esses homens de letras, desejosos de empreender obras fieis à
complexidade da civilização que tinham escolhido como assunto,
encontravam-se na obrigação de recorrer a uma ciência mais
aprofundada que a própria, nessa matéria. Não seria justo concluir
afirmando que a viagem ao Japão se fazia no interior de suas
bibliotecas, porque a experiência vivida e o conhecimento livresco se
alternavam. (DANTAS, 1984, p. 26)

Além das leituras de outras obras, quando um viajante se propunha a participar de


uma jornada intercontinental antes do século XX, era recorrente em seu relato o longo
período em navios, a relação com a tripulação e os diversos encontros nos locais em que
aportavam, tornando não apenas a chegada, mas a própria viagem uma aventura. Neste
percurso, o viajante escritor alimentava sua curiosidade e elaborava suas considerações
sobre aqueles que via como diferentes de si.
Esses relatos de viagem apresentam mais do que experiências pessoais e
considerações sobre o “novo”, podem também contribuir para a construção de vínculos
entre regiões separadas fisicamente e em nossas memórias. Ao acompanhar os debates
paralelos à imigração japonesa e investimentos na vinda de diferentes grupos étnicos da
China ou do Sudeste Asiático, percebemos que a história do contato entre Brasil e Japão
280

no século XIX nos possibilita acessar um cenário mais diverso e global, atentando para
as diferentes conexões que foram estabelecidas nessas experiências.
No Manifesto Comunista (1848), Marx e Engels trataram do crescente mercado
mundial, da expansão industrial e do desenvolvimento da burguesia. Seu texto,
explicitamente político, demonstrava a dinâmica da qual tomaram parte os viajantes.
Como documento histórico, a obra e a luta política são reveladoras das relações
estabelecidas em prol da liberdade e do mercado, que foram mesmo denunciadas pelos
três viajantes brasileiros, que pouco ou nada tinham de revolucionários, mas que se viram
diante da situação, por vezes degradante, nos diversos portos que passaram. Expoentes na
emergência da consciência crítica sobre esse processo, Marx e Engels denunciaram a
exploração tanto de um indivíduo por outro, quanto de uma nação por outra. Nesse
sentido, criticaram o que percebemos ao expandirmos o panorama: a necessidade de
integração, por parte do mercado, até os lugares mais remotos, para obtenção de matérias-
primas, para suprir as demandas criadas por produtos de países distantes, sustentar seus
sistemas financeiros, tornando “a estreiteza e o isolamento nacionais (...) cada vez mais
impossíveis” (p. 17). Como estratégia de dominação, também pudemos acompanhar a
ação, pelo discurso, de levar a civilização como projeto de benfeitoria.
A necessidade de mercados sempre crescentes para seus produtos
impele a burguesia a conquistar todo o globo terrestre. Ela precisa
estabelecer-se, explorar e criar vínculos em todos os lugares.
(...)
Com a rápida melhora dos instrumentos de produção e das
comunicações, a burguesia logra integrar na civilização até os povos
mais bárbaros. Os preços baratos de suas mercadorias são a artilharia
pesada com a qual ela derruba todas as muralhas da China e faz
capitular até os povos bárbaros mais hostis aos estrangeiros. Sob a
ameaça da ruína, ela obriga todas as nações a adotarem o modo burguês
de produção; força-as a introduzir a assim chamada civilização, quer
dizer, se tornarem burguesas. Em suma, ela cria um mundo à sua
imagem e semelhança (p.16-7).

Criava-se um cenário hierarquizador e assimétrico, no qual o interesse das grandes


potências integrava um contexto de dominação. E neste jogo, ganhava quem se
aproximasse dos que tinham poder político e bélico, pondo-se à “imagem e semelhança”
dos dominantes. Mais do que um processo pacífico e de interesse pelo outro, a expansão
imperialista no século XIX teve consequências profundamente desiguais e violentas. A
exploração do trabalhador era parte – fundamental – desta dinâmica.
281

Como havia mais do que visões românticas sobre os países distantes, os viajantes
testemunharam realidades concretas com suas dificuldades materiais e estranhamentos,
trazendo também em seus relatos a expansão imperialista e sua desigualdade. Essa
assimetria produzia cenários de pobreza e violência nas relações de trabalho, na
alimentação, no acesso às condições de saúde, na arquitetura, nas vestimentas, na
educação. Nesse sentido, os brasileiros compreendiam aquela realidade a partir de
“ferramentas europeias”, de uma perspectiva eurocentrada, mas não como colonizadores,
já que vinham de um país que ainda convivia com os resquícios de uma colônia e tinham
suas próprias demandas nacionais a responder. As discussões sobre nação e a negociação
da identidade nacional eram temas importantes para a elite republicana; portanto, essa
relação de alteridade é também uma forma de perceber como o Brasil era pensado. Ou
seja, em certa medida, era sintomática da construção nacional frente aos demais países,
fossem os imperialistas ou aqueles que estavam na periferia do capitalismo.
Mesmo diante do pouco acesso aos documentos asiáticos, buscamos construir uma
perspectiva que questionasse a passividade dos “observados”. Por exemplo, diante das
fotografias coloniais e demais imagens, percebemos que estas faziam circular
estereótipos, mas quando compreendemos as etapas de sua elaboração, percebemos que
havia escolhas e delimitações desses outros, afinal, a cobrança pelo retrato, a atuação na
venda de imagens, a opção do que apresentar ao turista, a determinação da figura
governamental a ser eternizada, todos esses movimentos demonstravam capacidade de
ação. Além disso, quando vimos as inspirações e transcrições nos relatos dos viajantes
(por vezes plágios), percebemos que ocorreram de forma seletiva e não sem critérios, a
fim de reforçar determinada visão sobre o que era exposto, indo além da simples cópia.
Se as leituras vindas da Europa e dos Estados Unidos eram parte das influências
dos viajantes, é importante salientar que, dispostas sobre outra experiência, tais leituras
foram reelaboradas pelos brasileiros. Interessava a eles pensar sobre as demandas locais,
como os projetos de colonização e, neste caso, havia o receio da miscigenação asiática
com uma população considerada “totalmente mulata, viciada no sangue e no espírito e
assustadoramente feia” (GOBINEAU apud SCHWARCZ, 2016, p. 17). Os três viajantes
brasileiros não eram nem locais escrevendo diretamente sobre suas realidades de
colonizados, nem colonizadores. A referência recorrente ao início da história dos países
sobre os quais escreviam a partir da chegada dos europeus, por exemplo, configura uma
narrativa “enquadrada pela colonialidade” (ANDERSON, 2014, p. 34) de obras anteriores
282

e das quais foram muitas vezes reprodutores, chegando a sentir-se parte da civilização
europeia. Mas houve também a tentativa de romper com este processo, como na
recorrente defesa dos povos locais contra os ataques das grandes potências. Por
conseguinte, eu e eles não aparecem como algo estanque em seus relatos. O eu brasileiro
não é sempre o colonizador, nem mesmo o “ocidental”; por vezes ele é o colonizado, o
oposto das potências imperialistas, como demonstram as críticas à dominação inglesa.
Eles, de forma semelhante, pode se referir aos asiáticos, mas também aos europeus ou
estadunidenses. E nós, às vezes, compartilha dos hábitos civilizados, outras vezes se vê
como vítima do imperialismo. Mas com relação ao trabalho, os asiáticos eram
irremediavelmente os outros, logo, passíveis de servir ao nosso projeto naquele fim de
século. Mesmo após a abolição da escravidão no Brasil, essa distinção permaneceu no
debate, denotando como as medidas de coerção e disciplina eram apresentadas como
necessárias para garantir a obediência do trabalhador, agora supostamente livre.
Naquele momento, no Brasil via-se os asiáticos como possibilidade intermediária
entre africanos e europeus; e o discurso sobre eles era, em grande medida, racial. Nestas
elaborações, foi perceptível que diversas categorias, a princípio científicas, foram
mobilizadas com fins políticos, econômicos e adequadas às demandas dos seus emissores.
Para além do campo de conhecimento biológico, a questão racial era articulada de forma
a encaixar-se em diferentes discursos. Eram premissas abrangentes, que visavam ordenar
o mundo natural e passaram a hierarquizar os seres humanos. Assim, a sistematização de
raças das análises biológicas passou a ser um recurso utilizado para fins de divisão de
classes. Como afirmou Anne McClintock (2010, p. 20), “o imperialismo e a invenção da
raça foram aspectos fundamentais da modernidade industrial ocidental”, pois forjava-se
uma justificativa de superioridade de alguns, enquanto mantinham-se as “classes
perigosas” sob policiamento. O elemento histórico e as diferenças culturais, por sua vez,
passaram a ser utilizados para construção da “diferença japonesa”; posteriormente, ficaria
mais evidente as distinções étnicas entre chineses e japoneses, após a vinda dos imigrantes
e a construção de suas identidades no século XX.
Com relação aos chineses no Brasil, o debate foi elaborado sobre a vinda de
poucos trabalhadores, no início do século XIX, em consonância com as experiências nos
Estados Unidos, Cuba e Peru, que eram favorecidas pelas ações imperialistas no país de
origem. As análises sobre coolies, chins, malaios, indianos e depois sobre imigrantes
283

chineses e japoneses trouxeram para o debate nacional a figura do “asiático”, ora


homogênea, ora buscando marcar diferenças.
Percebe-se que considerar estes trabalhadores temporários como livres foi uma
contradição que necessitou de um amplo esforço retórico para ser construída, e foi
perceptível na diferença de como eram compreendidos os trabalhadores asiáticos no
Brasil e o que era apresentado sobre essa demanda na China e no Japão. A sociedade pós
revolução industrial do século XIX foi ordenada a partir de uma racionalidade de
mercado, guiada por uma noção de liberdade que embasaria as relações sociais. Contudo,
mesmo internacionalmente, compensava manter o modelo desigual, afinal, lucros
formavam-se às custas da exploração e da pobreza, visível nos portos, nas condições
precárias dos trabalhadores e justificada pela relação entre raça e assimetria bélica e
econômica. Se essa relação é mais recorrente entre as grandes potências e suas colônias,
vimos que em determinados momentos o Brasil também buscou garantir privilégios deste
processo nas construções de suas relações.
Ao final do século XIX, após a proclamação da república e a abolição da
escravidão, pouco se comentava publicamente sobre o tráfico como forma de angariar
trabalhadores asiáticos. Em um país onde prevalecia a economia agrária, estruturada
sobre a escravidão, a vinda de outro trabalhador como “transição” para o trabalho livre
mantinha mais proximidade com o sistema antigo do que com o novo. Assim, a questão
racial foi igualmente mobilizada para assegurar a hierarquia social. Seu uso foi conivente
com a manutenção da divisão socioeconômica e julgamentos sobre a cultura de pessoas
de diversas origens.
Na década de 1880, quando o debate sobre o tráfico se transferiu para os acordos
diplomáticos, os brasileiros tinham um conhecimento sobre a Ásia vindo de meios não
oficiais e por investimentos do governo associado aos fazendeiros interessados na vinda
de um trabalhador de baixo custo e com poucos direitos. Muitos acreditavam nas
vantagens daquele que seria um elemento transitório entre a escravidão e o trabalho livre,
entre o africano e o europeu – este último verdadeiramente desejado e o único passível de
ser considerados colono no oitocentos.
Os imigrantes japoneses chegaram no Brasil no início do século XX, e as relações
diplomáticas que antecederam ocorreram em paralelo com a que se buscava ter com a
China. A propósito, este país manteve a defesa de seus trabalhadores contra os tratados
desiguais e o tráfico, dos quais o governo brasileiro e os interessados particulares se
284

esforçaram para tirar vantagem. Diante do cenário internacional, o Japão já tinha se


prevenido em relação à segurança de seus imigrantes, situação favorecida pelo modo
como ocorria sua abertura política.
Se, por um lado, japoneses e chineses eram postos em paralelo como elementos
não desejáveis ou apenas temporários, por outro, o Japão era modelo de desenvolvimento
para o Brasil. No século XIX, o que havia era uma situação desigual entre a imagem do
japonês como possível trabalhador e elemento de perigo racial, enquanto se formava uma
imagem positiva do país, entre elogios do japonismo e o brilho da modernização
crescente. O Japão se tornou uma potência aos olhos das grandes potências, especialmente
após as guerra Sino-Japonesa (1894-1895) e Russo-Japonesa (1904-1905).
Paulatinamente, o pequeno país insular se tornava central na Ásia. A construção de sua
diferença demonstra que não são características inatas que hierarquizam as populações,
mas as trajetórias de seus países e os interesses políticos e econômicos investidos na força
física e na formação dos imaginários.
Quando os viajantes brasileiros descreveram o Japão em seus relatos, descreviam
também o Brasil, permitindo reflexões ainda atuais sobre a imagem dos asiáticos no país.
Pode parecer lugar comum afirmar que experiências históricas e culturais são mais
preponderantes naquilo que somos e vivemos socialmente do que aspectos da nossa
natureza biológica. Para além do que apresentamos, durante a história do Brasil, estas
presunções supostamente científicas legitimaram outras formas de dominação, com
consequências muito mais nocivas. Isso é especialmente importante para nos lembrar que
os usos de tais elaborações carregam interesses, e que para subvertê-los é necessário
questionar, independente do lugar que ocupamos nos julgamentos raciais ou étnicos,
afinal, qualquer posicionamento não crítico nesta ótica significa a manutenção da própria
hierarquia.
285

FONTES
ALMEIDA, Francisco Antonio de. Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição
histórica, usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia.
Rio de Janeiro: Typ. Do Apostolo e Imperial Lithographia de A. Speltz, 1879.

______. A Federação e a Monarchia. Recife: Typographia F. P. Boulitreau, 1889.

______. Memória apresentada à V. Exª o Sr. Marechal Vice-Presidente da República


sobre a Immigração chineza, seguida de um projecto de fiscalização pelo Dr.
Francisco Antonio de Almeida. 1893. In: Ofícios referentes ao serviço de terras e
colonização do governo do estado do Rio Grande do Sul; memorial sobre a hospedaria de
Pinheiro; memória e projeto de fiscalização sobre a imigração chinesa; relatório da
comissão de propaganda de imigração e colonização do norte do Brasil. 28/08/1893-
21/06/1894. Arquivo Nacional. Referência: BR AN, RIO Q6.LEG.ADM,MIV.1059.

AZEVEDO, Aluísio. Japonezas e Norte-Americanas (fragmento inédito). Almanaque


Brasileiro Garnier. Rio de Janeiro, p.217-220. 1904 [1902]. Disponível em
<http://memoria.bn.br/DocReader/348449/877> Último acesso em 13/08/2019.

______. O touro negro. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1961.

______. O Japão: Apresentação e comentários por Luiz Dantas. São Paulo: Roswitha
Kempf Editores. 1984[189?].

______. O Japão. Cadernos da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 2010[189?].

BARBOSA, Ruy. Habeas-Corpus. Bahia: Typographia do Diario da Bahia, 1892.

BENDYSHE, Thomas (ed.). The Anthropological Treatises of Blumenbach and


Hunter. London: Longman, Green, Longman, Roberts & Green, 1865.

BILAC, Olavo. Chronica. Cidade do Rio. Rio de Janeiro, p. 1. 05/04/1893 Disponível


em <http://memoria.bn.br/DocReader/085669/3436> Último acesso em 11/08/2019

______. Chronica. A Cigarra. Rio de Janeiro, p. 2. 18/07/1895. Disponível em


<http://memoria.bn.br/DocReader/749591/83> Último acesso em 12/08/2019.

______. Chronica. A Cigarra. Rio de Janeiro, p. 2 01/08/1895. Disponível em


<http://memoria.bn.br/DocReader/749591/99> Último acesso em 12/08/2019.
286

BRASIL. Ministério do Imperio. Documentos anexos ao Relatorio do Ministerio do


Imperio apresentado à Assembléa Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional. 1855.

______. Câmara dos Deputados. Annaes do Parlamento Brazileiro. Sessão de 1864.


Tomo 2. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Constitucional de J. C. Villeneuve, 1864.

______. Ministério da Guerra. Relatorio da Repartição dos Negocios da Guerra. Rio


de Janeiro: Typographia Universal da Laemmert, 1872.

______. Ministério da Guerra. Relatorio da Repartição dos Negocios da Guerra. Rio


de Janeiro: Typographia Carioca, 1875.

______. Senado Imperial. Annaes do Senado do Imperio do Brazil. Anno de 1879.


Livro 10. Transcrição pela Subsecretaria de Anais do Senado Federal. 1879

______. Senado Imperial. Annaes do Senado do Imperio do Brazil. Anno de 1888.


Livro 6. Transcrição pela Subsecretaria de Anais do Senado Federal. 1888.

______. Ministério das Relações Exteriores. Relatorio do ano de 1882 apresentado à


Assembleia Geral Legislativa (...) publicado em 1883. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1883.

______. Ministério das Relações Exteriores. Relatorio do ano de 1893 apresentado ao


Vice-Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil (...) em maio de 1894.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1894.

______. Ministério das Relações Exteriores. Relatorio do ano de 1894 apresentado ao


Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil (...) em maio de 1895. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1895.

______. Ministério das Relações Exteriores. Relatorio do ano de 1895 apresentado ao


Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil (...) em 30 de abril de 1896.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1896.

______. Ministério das Relações Exteriores. Relatorio do ano de 1897 apresentado ao


Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil (...) em 12 de julho de 1898.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1898.

______. Congresso Nacional. Annaes do Senado Federal. Sessões de 1 de setembro a


30 de outubro de 1897. Vol. III. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1898.
287

______. Ministério das Relações Exteriores. Almanaque do pessoal. Rio de Janeiro:


Villas Boas & C., 1938.

______. Diário Oficial, Brasília, 2 de março de 1984.

______. Ministério das Relações Exteriores. Cadernos do Centro de História e


Documentação Diplomática. Ano 11, n. 20. Rio de Janeiro/Brasília: Centro de
Documentação Diplomática/Fundação Alexandre de Gusmão, 2012.

CARTAS comunicando que foi nomeado ministro da Marinha e convidando o


destinatário a permanecer no gabinete; solicitando nomeações de terceiros; informando a
saída do primeiro secretário da missão especial do Brasil na China, da qual o autor é
encarregado; e expondo idéias sobre emigração de trabalhadores. Data: 08/06/1889-
23/05/1894. Referência: BRAN,RIO Q6.LEG.COR,CAR.217. Disponível no Arquivo
Nacional.

CONGRESSO Agrícola do Recife, 1878. (Edição fac-similar dos Anais publicado em


1879 pela Sociedade Auxiliadora da Agricultura de Pernambuco). Anais Introd. de Gadiel
Perruci. Recife, CEPA-PE, 1978.

CONGRESSO Agrícola do Rio de Janeiro, 1878. (Edição fac-similar dos Anais publicado
pela Typographia Nacional em 1878) Anais Introd. e notas de José Murilo de Carvalho.
Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1988.

GRAHAM, Maria. Journal of a Voyage to Brazil and residence there, during part of
the years 1821, 1822, 1823. Londres, 1824.

HUTCHINSON, H. N.; GREGORY, J. W.; LYDEKKER, R. The living Races of


Mankind. Vol. I. London: Hutchinson & CO., Paternoster Row., 1902. Disponível em
<https://archive.org/details/livingracesofman01hutcrich> Último acesso em 23/09/2019.

LIMA, José Custodio Alves de. Estados-Unidos e Norte-Americanos acompanhado


de algumas considerações sobre a immigração chineza no Imperio do Brazil. São
Paulo: Typographia a Vapor de Jorge Seckler & C., 1886.

LISBOA, Henrique Carlos Ribeiro. A China e os Chins: Recordações de viagem. Rio de


Janeiro: Fundação Alexandre de Gusmão/CHDD, 2016 [1888].

______. Os chins do Tetartos. Rio de Janeiro: Fundação Alexandre de Gusmão/CHDD,


2018 [1894].

LES MISSIONS CATHOLIQUES. Bulletin hebdomadaire illustré de L’œuvre. Œuvre


pontificale missionnaire de la Propagation de la foi. Paris : Challamel, 1875. Disponível
288

em <https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k105615n/f520.item>. Último acesso em


13/07/2020.

MACHADO DE ASSIS. Balas de Estalo. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, p. 2,


23/10/1883. Disponível em <http://memoria.bn.br/DocReader/103730_02/6031> Último
acesso em 14/03/2018.

______. A Semana. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, p. 1, 28/10/1894. Disponível em


< http://memoria.bn.br/DocReader/103730_03/10723> Último acesso em 14/03/2018.

______. A Semana. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, p. 1, 21/04/1895. Disponível em


<http://memoria.bn.br/docreader/103730_03/11735> Último acesso em 14/03/2018.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo:


Expressão Popular, 2008[1848].

MAXIMILIANO, Principe de Wied Neuwied. Viagem ao Brasil. Tradução de Edgar


Süssekind de Mendonça e Flavio Poppe de Figueiredo. São Paulo – Rio de Janeiro –
Recife – Porto Alegre: Companhia Editora Nacional, 1940[1820].

MELLO, José Custódio de. Apontamentos para a História da Revolução de 23 de


Novembro de 1891. Rio de Janeiro: Cunha & Irmão editores. 1895.

______. Vinte e um mezes ao redor do planeta: Descripção da viagem de circum-


navegação do Cruzador “Almirante Barroso”. Rio de Janeiro: Cunha & Irmão editores.
1896.

______. O Governo Provisorio e a Revolução de 1893. 1 Tomo. Companhia Editora


Nacional, 1938.

MENDONÇA, Salvador de. Trabalhadores asiaticos. New York: Typographia do


“Novo Mundo”, 1879.

MISSÃO ESPECIAL DO CELESTE IMPERIO, CONFIADA A DIREÇÃO DO


BARÃO DE LADÁRIO. 1893-1894. Correspondências e textos impressos do acervo da
Biblioteca Nacional. Disponível em:
<http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_manuscritos/mss1452516/mss145
2516.pdf> Último acesso em 01/05/2019.

NABUCO, Joaquim. Joaquim Nabuco. Textos de Munhoz da Rocha Netto e Gilberto


Freire e seleção de discursos de Gilberto Freire. 2. ed. Brasília : Câmara dos Deputados,
Edições Câmara, 2010 [1879-1888].
289

OTAKE, Wasaburo. Dicionário Japonez-Portuguez. Tokyo: Dainippon Insatsu


Kabushiki Kaisha, 1957.

SOCIEDADE Importadora de trabalhadores asiaticos de procedencia chineza.


Demonstração das conveniencias e vantagens á lavoura no Brasil pela introducção
dos trabalhadores asiaticos (da China). Rio de Janeiro: Typ. de P. Braga & Cª, 1877.

SOUZA FILHO, Tarquínio de. O Ensino Technico no Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1887

THE CUBA COMMISSION REPORT. A Hidden History of the Chinese in Cuba: The
Original English-language Text of 1876. Introduction by Denise Helly. The Johns
Hopkins University Press, 1993.

VELLOSO, Paulo Leão. Prefácio. In: OTAKE, Wasaburo. Novo Diccionario


Portuguez-Japonez. Tokyo: Dai nippon Insatsu Kabushiki Kaisha, 1973 [1937].
290

PERIÓDICOS

A Cigarra, 1895.
A Immigração, 1883-1885.
A Ordem, 1892.
A Noticia, 1896.
Correio da Manhã, 1937.
Diario de Noticias, 1891-1892.
Diario de Pernambuco, 1829.
Die Gartenlaube, 1876.
Gazeta da Tarde, 1896.
Gazeta de Notícias, 1879-1895; 1938.
Jornal do Agricultor, 1888.
Jornal do Brazil, 1893.
Jornal do Commercio, 1888-1897.
Jornal do Recife, 1911.
O Apostolo, 1879.
O Liberal do Pará, 1875.
O Paiz, 1879-1898.
O Pharol, 1894.
Pacotilha, 1898.
Revista Brazileira, 1896.
Revista do Brazil, 1900.
Revista Maritima, 1881-1882; 1895.
291

REFERÊNCIAS

ABREU, Alzira Alves. Dicionário histórico-biográfico da Primeira República (1889-


1930). São Paulo: Editora FGV, 2015.

AHMAD, Aijaz. Orientalismo e depois: ambivalências e posição metropolitana na obra


de Edward Said. In: ______. Linhagens do Presente. São Paulo: Boitempo Editorial,
2002.

ALATAS, Syed Farid. The problem of academic dependency: Latin America and the
Malay world. Post-Regionalism in the Global Age: Multiculturalism and Cultural
Circulation in Asia and Latin America. Rio de Janeiro: Academia da Latinidade. 2014.

ALBURQUERQUE, Luis. Los “libros de viajes” como género literário. In: GIRALDO,
Manuel Lucena; PIMENTEL, Juan (orgs.). Diez estúdios sobre literatura de viajes.
Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2006.

ALONSO, Ângela. Idéias em movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil-Império.


São Paulo: Paz e Terra, 2002.

ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e difusão


do nacionalismo. 1º reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

______. Sob três bandeiras: Anarquismo e imaginação anticolonial. Campinas: Editora


da Unicamp/Fortaleza: Editora da Universidade Estadual do Ceará, 2014.

AUGUSTO, Pedro; SOBRINHO, José L. O transito de Venus e a Unidade


Astronomica. Grupo de Astronomia. Universidade da Madeira: nov, 2007.

ASKEW, Rie. The critical reception of Lafcadio Hearn outside Japan. New Zealand
Journal of Asian Studies, n. 11, 2009. p. 44-71.

AZEVEDO, Ricardo Pereira de. Apresentação. In: LISBOA, Henrique Carlos Ribeiro. A
China e os Chins: Recordações de viagem. Rio de Janeiro: Fundação Alexandre de
Gusmão/CHDD, 2016. p. 7-11

AYUSAWA, Shintaro. Geography and Japanese Knowledge of World Geography.


Monumenta Niponica. Vol.19, n. 3/4. Tóquio: Sophia University, 1964. p. 275-9.

BALABAN, Marcelo. “Transição de cor”: Raça e abolição nas estampas de negros de


Angelo Agostini na Revista Illustrada. Topoi. Rio de Janeiro. 2015, vol. 16, n. 31.
292

BISWAS, Sampa. Women of Ukiyo-e. Changing Perceptions of Japan in South Asia


in the New Asian Era. International Symposium. International Research Center for
Japanese Studies. November, 2009.

BLAKE, Sacramento, Diccionario Bibliographiico Brasileiro. Reimpressão de Off-set,


da edição de 1883-1902 - 2 Volume. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1970.

BORM, Jan. Defining travel: on the travel book, travel writing and terminology. In:
HOOPER, Glenn; YOUNGS, Tim (Ed.) Perspectives on travel writing. Aldershot:
Ashgate, 2004.

BOTSMAN, Daniel V. Freedom without Slavery? “Coolies”, Prostitutes and Outcastes


in Meiji Japan’s “Emanciparion Moment”. American Historical Review. Dezembro,
2011. p.1323-1347.

BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. 1. ed. São Paulo: Edusp;
Porto Alegre: Zouk, 2007.

CAMARGO-MORO, Fernanda. Macau e o Brasil um diálogo antigo a ser aprofundado.


Revista de Cultura. Edição em Português. n. 22. Macau: Instituto Cultural de Macau,
Jan/mar, 1995. p. 51-8.

CAMPOS, José Adolfo Snajdauf de. Engenheiros e Astrônomos: O Ensino de


Astronomia aplicada e a prática de Astronomia observacional na Escola Politécnica/
Escola Nacional de Engenharia do Rio de Janeiro (1874 – 1965). 2012. Tese (Doutorado
em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia), Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Rio de Janeiro, 2012.

CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 5. ed.


São Paulo: Edusp, 1975. v. 1.

______. De Cortiço a Cortiço. In: ______. O discurso e a cidade. São Paulo: Livraria
Duas Cidades. 1993.

______. O personagem do romance. In: ______A personagem de ficção. São Paulo.


Perspectiva, 2005.

______. Literatura e sociedade. Estudos de Teoria e História Literária. 11ed. Rio de


Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010.

CARONE, Edgard. A Primeira República (1889-1930). 3 ed. Rio de Janeiro/São Paulo:


DIFEL, 1976.
293

CARVALHO, José Murilo. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro


de Sombras: a política imperial. 9ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014a.

______. A formação das Almas: o imaginário da República no Brasil. 23ª reimpressão.


São Paulo: Companhia das Letras, 2014b.

______. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a república que não foi. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002.

CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. 4


edição revista e ampliada. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2012.

CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da


escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

CHEN, Shi. Early chinese photographers from 1840 to 1870: innovation and
adaptation in the development of chinese photography. University of Florida, 2009.

COALDRAKE, Kimi. Fine arts versus decorative arts: the categorization of Japanese arts
at the international expositions in Vienna (1873), Paris (1878) and Chicago (1893). Japan
Forum, v.25, 2013, p.174-190.

COSTA, Carlos Roberto da. A Revista no Brasil do Século XIX. 2007, 292f. Tese
(Doutorado em Ciências da Comunicação) – Escola de Comunicação e Artes da
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 9ª edição.


4ª reimpressão. São Paulo: UNESP, 2010.

COSTA, Milton Carlos. Joaquim Nabuco entre a política e a história. São Paulo:
Annablume, 2003.

DANTAS, Luiz. Apresentação/Chaves para compreender O Japão de Aluísio Azevedo.


in: AZEVEDO, Aluísio. O Japão. São Paulo: Roswitha Kempf Editores. 1984[189?].
p.7-40 e p.139-229.

______. Apresentação à primeira edição. In: AZEVEDO, Aluísio. O Japão. Cadernos da


Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 2010[189?]. p.163-220.

DEZEM, Rogério. Matizes do Amarelo: a gênese dos discursos sobre os orientais no


Brasil (1878-1908). São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2005.
294

DUARTE, Adriano Luiz. A criação do estranhamento e a construção do espaço público:


os japoneses no estado novo. Acervo - Revista do Arquivo Nacional, v. 10, n. 2, p. 129-
146, 1997.

______. De "Dentro do bosque" a Rashomon: história, literatura e cinema. Artcultura.


v.14, n. 24. Uberlândia, 2012. p.168-183.

EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução. 6 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2006.

ELIAS, Maria José. Os debates sobre o trabalho dos chins e o problema da mão-de-obra
no Brasil durante o século XIX. In: Trabalho livre e trabalho escravo: Anais do
VI Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História. São Paulo: ANPUH,
1973, p. 697-715.

FRANCO, Stella Maris Scatena. Relatos de viagem: reflexões sobre seu uso como fonte
documental. In: JUNQUEIRA, Many Anne; FRANCO, Stella M. Scatena. (Orgs.).
Cadernos de Seminários de Pesquisa. vol II. São Paulo: Humanitas, 2011.

GREGORIO, Vitor Marcos. Uma face de Jano: a navegação do Rio Amazonas e a


formação do Estado brasileiro (1838-1867). Dissertação (Mestrado em História) -
Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo, 2008.

GRUZINSKI, Serge. Os mundos misturados da monarquia católica e outras histórias


conectadas. Topoi, 2001.

______. A águia e o dragão: ambições europeias e mundialização no século XVI. São


Paulo: Companhia das Letras, 2015.

GUIMARÃES, Argeu. Diccionario bio-bibliographico brasileiro de diplomacia,


política externa e direito internacional. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 1938.

GUIMARÃES, Valéria. Revistas francesas no Brasil caminhos da modernidade:


catálogos e mediadores (Rio de Janeiro e São Paulo, século XIX e XX). Revista
Territórios & Fronteiras, Cuiabá, vol. 9, n. 2, jul. – dez., 2016.

HALL, Michael M. Reformadores de classe média no império brasileiro: A Sociedade


Central de Imigração. Revista de História. n. 105. São Paulo, 1976. p.147-71.

HASHIMOTO, Madalena. Pintura e escritura do mundo Flutuante: Hishikawa


Moronobu e ukiyo-e Ilhara Saikaku e ukiyo-zôshi. São Paulo: Hedra, 2002.
295

HASHIMOTO, Shirlei Lica. As representações dos japoneses nos textos modernistas


brasileiros: Mario de Andrade, Oswald de Andrade e Juó Bananére. 2012. 362 f. Tese
(Doutorado em Literatura Brasileira) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

HASHIMOTO, Takehiko. Japanese clocks and the History of Ponctuality in Modern


Japan. East Asian Science, Technology and Society: an International Journal.
Taiwan, 2008. p.123-33.

HENSHALL, Kenneth. História do Japão. 2 ed. Lisboa: Edições 70, 2008.

HIRAYAMA, Mikiko. The Emperor's New Clothes: Japanese Visuality and Imperial
Portrait Photography. History of Photography, v. 33, n. 2, 2009, p. 165-84.

HOBSBAWM, Eric. A Era do Capital (1848-1975), 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1982

______. A Era dos Impérios (1875-1914). 10 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.

______. A Era das Revoluções: Europa (1789-1848). 21 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2007.

______. Nações e nacionalismo desde 1780. São Paulo: Saraiva de Bolso, 2011.

JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. Os subversivos da República. São Paulo: Editora


Brasiliense, 1986.

JONES, Michael J. 23rd september 1874 Typhoon. In: JONES, Michael J., A History of
Hong Kong Typhoons – From 1874. Hong Kong: Regal Printing Limited, 2017.

JUNQUEIRA, Mary Anne. Elementos para uma discussão metodológica dos relatos de
viagem como fonte para o historiador. In: JUNQUEIRA, Mary Anne; FRANCO, Stella
M. Scatena. (Orgs.). Cadernos de Seminários de Pesquisa. vol II. São Paulo:
Humanitas, 2011.

_________. Velas ao Mar: U.S. Exploring Expedition (1838-1842). A viagem


científica de circum-navegação dos nortes americanos. São Paulo: Intermeios; Fapesp,
2015.

KIM, Kyu Hyun. The Sino-Japanese War (1894-1895): Japanese National Integration and
Construction of the Korean “Other”. International Journal of Korean History. vol.17,
n. 1. 2012. p. 1-27.
296

KODET, Roman. Richardson Affaire: Great Britain and the Tokugawa Bakufu 1862–
1863. Prague Papers on the History of International Relations. Prague: Charles
University, 2016. p. 42-59.

KUNIYOSHI, Celina. Imagens do Japão: Uma utopia de viajantes. São Paulo: Estação
Liberdade/FAPESP, 1998.

LANNA, Ana Lúcia Duarte. A Transformação do trabalho: a passagem para o


trabalho livre na Zona da Mata Mineira: 1870-1920. Dissertação (Mestrado em
História). Universidade de Campinas. Campinas, 1985.

LEE, Erika. The “Yellow Peril” and Asian Exclusion in the Americas. Pacific Historical
Review. vol. 76. n. 4. University of California, 2007, p. 537-62.

LEITE, José Roberto Teixeira. A China no Brasil: Influências, marcas, ecos e


sobrevivências chinesas na arte e na sociedade do Brasil. 1992. 698f. Tese (Doutorado) -
Instituto de Artes da Unicamp. Campinas, 1992.

LESSER, Jeffrey. Tornando-se japonês: literatura de viagem em busca de identidade


nacional. Estudos Ibero-americanos. v. xxv, n.2. PUCRS, 1999. p.175-184.

______. A negociação da identidade nacional: imigrantes, minorias e a luta pela


etnicidade no Brasil. Trad. Patrícia de Queiroz C. Zimbres. São Paulo: Editora da
UNESP, 2001.

LIMA, Fábio. Um Japão que se perdeu. In: AZEVEDO, Aluísio. O Japão. Cadernos da
Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 2010. p. 7-22.

LIMA, Henrique Espada. Sob o domínio da precariedade: escravidão e os significados da


liberdade de trabalho no século XIX. Revista Topoi, Rio de Janeiro: Programa de Pós-
Graduação em História Social da UFRJ, n. 11, vol. 6, julho-dezembro de 2005.

LINS, Ivan. História do Positivismo no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1964.

LINDEN, Marcel Van der. História do trabalho: o Velho, o Novo e o Global. Revista
Mundos do Trabalho, v.1, n. 1, janeiro-junho, 2009. p. 11-26.

______. Trabalhadores do mundo. Ensaios para uma história global do trabalho. São
Paulo: Editora da Unicamp, 2013.
297

MACHADO NETO, Antônio Luiz. Estrutura social da República das Letras. São
Paulo: Editora da USP/ Editorial Grijalbo, 1973.

MACK, Edward. Otake Wasaburo's Dictionaries and the Japanese “Colonization” of


Brazil. Dictionaries: Journal of the Dictionary Society of North America. 2010. p. 46-
68.

MARTINS, Estevão de Rezende (org.). A História Pensada: Teoria e Método na.


Historiografia Europeia de Século XIX. São Paulo: Contexto, 2015.

MARTINS, Hélio Leôncio. A Revolta da Armada. Rio de Janeiro: Biblioteca do


Exército, 1997.

MATTOS, Ilmar Rohrloff de. Do Império à República. Estudos históricos. Rio de.
Janeiro: FGV, 1989. p. 163-71.

MCCLINTOCK, Anne. Couro Imperial: Raça, gênero e sexualidade no embate colonial.


Campinas: Editora da Unicamp, 2010.

MÉRIAN, Jean-Yves. Aluísio Azevedo: vida e obra (1857-1913). 2a ed. Rio de Janeiro:
Fundação Biblioteca Nacional: Garamond, 2013.

MOSCATO, Daniela Casoni. O viajante não está só: a cultura científica em memórias
sobre o Brasil e as ligações entre os naturalistas luso-brasileiros do século XVIII e os
viajantes cientistas do século XIX. 2017. 241f. Tese (Doutorado em História). Programa
de Pós-Graduação em História. Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2017.

MOTA, Alvaro Samuel Guimarães da. Gravuras de chinoiserie de Jean-Baptiste


Pillemet. Dissertação (Mestrado em História da Arte) - Faculdade de Letras da
Universidade do Porto. 1997.

MOURA, Carlos Francisco. Relações entre Macau e o Brasil no Século XIX. Revista de
Cultura. Edição internacional. Instituto Cultural do Governo de Macau, 2001.

MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Dicionário Enciclopédico de Astronomia e


Astronáutica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.

______. The Brazilian contribution to the observations of the transit of Venus. In:
KURTZ, D. W. (ed.). Transit of Venus: New views of the solar system and galaxy.
Proceedings IAU Colloquim. N. 196, Cambridge University Press: Reino Unido, 2004.

______. A influência da ciência do Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico


Brasileiro, ano 170, n. 444, 2009.
298

MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça e etnia,


racismo, identidade e etnia. Cadernos PENESB. Niterói: UFF, 2004.

NINOMIYA, Masato. O centenário do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre


Brasil e Japão. In: Revista USP, São Paulo, n. 28, p. 245-50, mar. 1996.

______. Na história dos 120 anos do Tratado de Amizade Brasil-Japão, a presença de


Thomas Wasaburo Otake, autor do dicionário Japonês-Português. “Brasil e Japão:
Convivência Multicultural Emergente Através de 120 Anos de Relações
Diplomáticas e 30 Anos de Fenômeno Decasségui”: Relatório do Encontro de
Colaboradores Regionais do CIATE, 2015. p. 52-71.

NISH, Ian. Some thoughts on the origins of the Meiji Constitution, 1889. In: BOSCARO,
Adriana; GATTI, Franco; RAVERI, Massimo (eds.). Rethinking Japan: Social sciences,
ideology and thought. vol. II. London: Japan Library Limited, 2003, p. 42-7.

OKAMOTO, Monica Setuyo. O discurso brasileiro sobre Japão via França.


Imigração, identidade e preconceito racial (1860-1945). 2010, 243f. Tese (Doutorado em
Letras). Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Literários e
Tradutológicos em Francês. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2010.

______. Madame Chrysanthème, de Pierre Loti – Uma leitura francesa do Japão. Estudos
Japoneses. n. 22, 2002. p. 85-90.

OLIVEIRA, Henrique Altemani de; MASIERO, Gilmar. Estudos Asiáticos no Brasil:


contextos e desafios. Revista Brasileira de Política Internacional. 2005. Instituto
Brasileiro de Relações Internacionais. Ano 48. nº2. 2005. p.5-28.

ORTIZ, Renato. Aluísio de Azevedo e o Japão. Uma apreciação crítica. Tempo social.
São Paulo, v.9, n.2 1997, p. 79-95.

OSTERHAMMEL, Jürgen. The Transformation of the World: a Global History of the


Nineteenth Century. Princeton: Princeton University Press, 2014.

PINTO, Jacques Ferreira. A paralaxe do outro: medidas de alteridade entre África e Ásia
no primeiro relato de viagem de um brasileiro no Japão no século XIX. 2018, 140f.
Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2018

POUTIGNAT, Philippe; STREIF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade: seguido


de grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth. 2 ed. São Paulo: UNESP, 2011.
299

PRATT, Mary Louise. Os olhos do império: relatos de viagem e transculturação. São


Paulo: Edusc, 1999.

RÉ, Henrique Antonio. Os esforços dos abolicionistas britânicos contra a imigração de


chineses para o Brasil no final do século XIX. Varia Historia. vol. 34, n. 66, Belo
Horizonte: set/dez 2018. p. 817-48.

RIBEIRO, Roberto Carlos. Literatura de viagem e historiografia literária brasileira.


Revista Letras & Letras, n. 23, jan/jun. 2007. p. 145-59.

RODRIGUES, Marília Mezzomo. Filho de tigre sai pintado: Medicina, hereditariedade


e identidade nacional em textos de Erico Verissimo. 2009. Tese (Doutorado em História)
– Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2009.

SAKURAI, Célia. Imigração Japonesa para o Brasil. Um exemplo de imigração tutelada


1908-1941. XXII Encontro Nacional da ANPOCS. Caxambu, Minas Gerais, 1998.

______. Imigração tutelada. Os japoneses no Brasil. 2000, 204f. Tese (Doutorado em


Antropologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, 2000.

______. Os japoneses. São Paulo: Editora Contexto, 2008.

SAID, Edward Wadie. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. 5ª


reimpressão. São Paulo: Companhia Das Letras, 2015.

______. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

SAITO, Hiroshi. O Japonês no Brasil: Estudo de mobilidade e fixação. São Paulo:


Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, 1961.

SEABRA, Leonor Diaz de. Intercâmbio cultural entre Macau e Brasil. Revista de
Cultura. Edição internacional. Instituto Cultural do Governo de Macau, n. 46, 2014. p.
6-19.

SEABRA, Leonor Diaz de; CONG, Liu. O Tráfico de Cules através do porto de Macau.
Revista de Cultura. Edição internacional. Instituto Cultural do Governo de Macau, n.
55, 2017. p. 20-41.

SCHEMES, Elisa Freitas. Oswaldo Cabral na “Terra da liberdade”: relato de uma


viagem na vigência da política de boa vizinhança. 2013, 134f. Dissertação (Mestrado em
História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Santa
Catarina. Florianópolis, 2013.
300

SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos


trópicos. 2ªed. 14ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

______. O Espetáculo das Raças: Cientistas, Instituições e Questão racial no Brasil


(1870-1930). 14 reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

SCHWARZ, Roberto. Que horas são? Ensaios. São Paulo, 3 reim. Companhia das
Letras. 2002.

SCOTT, Rebecca J; HÉBRARD, Jean M. Joscelyne, Vera. Provas de liberdade: uma


odisseia atlântica na era da emancipação. Campinas: Editora da Unicamp, 2014.

SOCIEDADE Brasileira de Cultura Japonesa. Uma epopeia moderna: 80 anos da


imigração japonesa no Brasil. São Paulo: HUCITEC, Sociedade Brasileira de Cultura
Japonesa, 1992.

SKIDMORE, Thomas E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento


brasileiro (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

SONTAG, Susan. Sobre fotografia. 10 reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

STRAUSS, André e WAIBORT, Ricardo. Sob o signo de Darwin? Sobre o mau uso de
uma quimera. Revista Brasileira de Ciências Sociais. vol. 23, n. 68, outubro/2008. p.
125-34.

SUKEHIRO, Hirakawa. Japan’s turn to the West. In: JANSEN, Marius B. (ed). The
Cambridge History of Japan. vol. 5: The Nineteenth Century. Cambridge University
Press, 1989, p. 432-98.

TAKEUCHI, Marcia Yumi. Entre Gueixas e Samurais: a imigração japonesa nas


revistas ilustradas (1897-1945). 2009, 415f. Tese (Doutorado em História Social),
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, 2009.

______. A diplomacia brasileira diante da imigração japonesa (1897-1942). Estudos


Japoneses. n. 28, 2008. p. 99-112.

TINHORAO, Jose Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo:
Editora 34, 1998.

TODOROV, Tzvetan. Nós e os outros: a reflexão francesa sobre a diversidade


humana. Vol. 1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993.
301

______. A viagem e seu relato. Revista de Letras, São Paulo, v. 46, n.1, jan/jun. 2006.

VEJMELKA, Marcel. O Brasil no espelho de Amaterasu: O Japão de Aluísio Azevedo.


Brasiliana – Journal for Brazilian Studies. vol. 2, n. 2, nov 2013.

WILLIAMS, Beth Lew. Before Restriction Became Exclusion: America’s Experiment in


Diplomatic Immigration Control. Pacific Historical Review. vol. 83. n. 1. University of
California, 2014. p.24-56.

WILLIAMS, Raymond. Culture is ordinary. In: Gable, Robin (ed.). Resources of hope.
London. Verso, 1989.

______. Palavras-chave: um vocabulário de cultura e sociedade. São Paulo: Boitempo,


2007.

______. Cultura e Sociedade de Coleridge a Orwell. Rio de Janeiro: Editora Vozes,


2011.

______. A política e as letras. Entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp,
2013.

YAMAMURA, Roberto Jimmy Hideki. O estabelecimento das relações Brasil-Japão no


século XIX. Textos de História. v.4, n.1. 1996. p.125-148.

YANG, Alexander Chung Yuan. O comércio dos “coolie” (1819-1920). Revista de


História. São Paulo, v. 56, n. 112, 1977. p.419-28.

YUN, Lisa. The Coolie Speaks: Chinese Indentured Labourers and African Slaves in
Cuba. Philadephia: Temple University Press, 2008.

Você também pode gostar