Okinaw
Okinaw
Okinaw
Tese de Doutorado
apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em
Antropologia Social da
Universidade Federal de São
Carlos, sob orientação do Prof.
Dr. Igor José de Renó
Machado.
a
CDD: 306 (20 )
à minha família
Agradecimentos
Agradeço à Celso Higa e Edna Kohatsu por sua ajuda. Sem seus
conhecimentos sobre a cidade o caminho para esta tese seria muito mais árduo.
Aos familiares que estiveram sempre por perto. Sem sua ajuda,
certamente este trabalho não poderia ser realizado da mesma forma. À Minha mãe,
Teofila Luna, aos meus irmão, Daniel Luna Kubota e Hajime Luna Kubota, à minha
prima Eveny Luna, à minha tia Maria Neide Luna, meu agradecimento profundo por
toda a ajuda e colaboração recebida em toda a minha vida.
O Japão tem sido ao longo das ultimas décadas, permeado pelo mito
da homogeneidade étnica. A ideia dessa homogeneidade está presente mesmo nos
países que receberam imigrantes nipônicos, como é o caso do Brasil. Entretanto, há
algumas décadas tem sido possível notar que a multiplicidade e a diversidade
também fazem parte da realidade japonesa. Essa diversidade faz com que os
grupos pensem-se e pensem os outros como opostos. Assim, Campo Grande torna-
se campo de investigação dessa heterogeneidade, visto que possui dois grupos
distintos – okinawanos e não-okinawanos (japoneses) – em um movimento de
oposição e englobamento ao longo da história. Ao pensar em uma “unidade
japonesa” acaba-se por não dar atenção às particularidades que compõe as
relações estabelecidas entre os grupos envolvidos (okinawanos, não-okinawanos e
ocidentais). A proposta dessa pesquisa é, portanto, a de compreender como noções
de família e pertencimento podem construir as oposições e diferenciações entre
imigrantes japoneses e seus descendentes na cidade de Campo Grande.
Dedicatória…………………………………………………………………………………..04
Agradecimentos.........................................................................................................05
Resumo......................................................................................................................07
Abstract......................................................................................................................08
Lista de Tabelas.........................................................................................................09
Listas de Figuras........................................................................................................10
Introdução..................................................................................................................14
1. Famílias “Japonesas”.............................................................................................24
2. Crochetando o Campo...........................................................................................44
2.1 Das Ilhas à Campo Grande – as Historias dos dois Grupos na Cidade....45
4.1 As Genealogias.......................................................................................121
4.2 Além das Genealogias – Crochetando Laços de Parentesco.................147
5. Movimento decasségui.........................................................................................156
Conclusão................................................................................................................191
Anexos.....................................................................................................................210
14
Introdução
-
Did you learn this in Japan?
- Okinawa.
- Where’s that?
- My country. China here, Japan here, Okinawa here1.
1
The Karate Kid. Direção: John G. Avildsen, Produção: Jerry Wientraub. Los Angeles (USA):
Columbia Pictures, 1984, 126 min. 1 DVD (30’17”)
2
Realizei o mestrado no período de 2004 a 2008.
3
A opção pelo uso das aspas ao tratar sobre a “colônia japonesa”, é tentativa de evitar justamente o
erro de que existiria tal coesão e unidade. Assim, o uso das aspas indica a população nikkei em
Campo Grande independente de sua origem. Opto também por utilizar o termo japonês – sem aspas -
ao me referir à esta população no Japão, independente do grupo ao qual pertencem e que não viven-
ciou a experiência da migração.
4
Nikkeis são todos os indivíduos de origem “japonesa” nascidos fora do Japão. Como forma de sanar
qualquer confusão, utilizo o termo nikkei ao me referir aos dois grupos okinawano e naichi (termo a
ser explicado adiante) genericamente, quando a origem e as particularidades de cada grupo não pre-
cisam ser exteriorizadas.
15
5
Forma de tratamento honorifico utilizado no Japão.
6
O termo será discutido adiante.
16
Segundo ela, esse "sangue okinawano" seria forte, pois mesmo quan-
do há casamentos entre okinawanos e naichi, os filhos sempre se parecem mais
com os okinawanos:
O filho pode até ser alto, mas a gente bate o olho e percebe
que ele é okinawano.
7
KEBBE, V. H. ; MACHADO, I. J. R. . Mito do sucesso da imigração japonesa, dekasseguis e o so-
nho da comunidade Nikkei. In: ZANINI, Maria Catarina Chitolina ; POVOA, Helion ; Santos, Miriam de
Oliveira. (Org.). Migrações Internacionais - valores, capitais e práticas em deslocamento. 1ed.Santa
Maria: Editora da UFSM, 2013, v. , p. 100-141.
8
Essa foi exatamente a expressão por ela utilizada.
17
olhos mais abertos e que os naichi não tem a dobra das pálpebras9. No caso campo-
grandense, pude notar ao longo dos últimos anos que esta fácil identificação dos
indivíduos ocorre mais pelo fato de que, em menor ou maior grau, todos se conhe-
cem, não sendo, realmente, por determinadas características fenotípicas.
Quando falei sobre minha pesquisa, Esther10 logo comentou que seria
uma pesquisa e tanto, pois em sua própria família havia surgido muita confusão
quando um de seus 11 irmãos se casou com uma naichi. Infelizmente, para muitos
dos interlocutores, talvez mais especialmente no caso nikkei, certos assuntos podem
ser extremamente dolorosos, pois fazem com que memórias - muitas vezes desa-
gradáveis - sejam retomadas, ainda mais quando se trata de falar sobre a própria
família.
9
Mônica Schpun (História de uma invenção identitária », Nuevo Mundo Mundos Nuevos [En ligne],
Colloques, mis en ligne le 14 mars 2007, consulté le 16 septembre 2014. URL :
http://nuevomundo.revues.org/3685 ; DOI : 10.4000/nuevomundo.3685) trata sobre a questão da ci-
rurgia de ocidentalização dos olhos, realizada por garotas nikkei no Brasil. Tal cirurgia tem como obje-
tivo transformar a aparência dessas jovens mais próxima de padrões ocidentais de beleza e, conse-
quentemente, menos “japonesas”. O procedimento consiste justamente na criação de uma dobra em
suas pálpebras.
10
Os nomes reais foram trocados por pseudônimos. Entretanto, ao renomear meus informantes, a
escolha por nomes ocidentais ou orientais não se da ao acaso. Utilizo nomes ocidentais para infor-
mantes registrados como tal e nomes orientais para indivíduos registrados dessa forma por seus pais.
19
até a porta. A solução nesses casos era me despedir e tentar um novo contato, qua-
se sempre recusado.
Vale ressaltar que o Japão, a partir da Era Meiji11, passou a ser um pa-
ís permeado pelo mito da homogeneidade étnica, conhecido como nihonjinron, for-
mado por um povo coeso que ressalta conceitos como os de “exclusividade, homo-
geneidade, orientação grupal e harmonia” (SASAKI, 2009, p. 111):
11
Período entre 1868 a 1912
20
Essa ideia teria sido levada até mesmo pelos imigrantes para os países
que receberam essa população, como no caso brasileiro. Entretanto, o caso campo-
grandense torna-se ilustrativo, pois apesar da existência de um discurso que se refe-
re a uma suposta homogeneidade, é possível perceber que a multiplicidade (MA-
CHADO, 2011) também faz parte da realidade “japonesa” mesmo em situação de
imigração.
Pude perceber que existe um interesse enorme por parte dos france-
ses pela cultura japonesa. Em qualquer livraria da cidade há uma sessão específica
para mangás12, obras de literatura de escritores japoneses e livros sobre arte e es-
tampas de artistas japoneses. No metrô de Paris, Haruki Murakami, autor também
conhecido pelo público brasileiro, foi a estrela de 2013 tanto com seu 1Q84 quanto
com outros de seus livros. J.P. Nishi, um jovem japonês desenhista de mangá, esta-
va em todas as livrarias, que destacavam em suas prateleiras seus dois livros, pro-
duzidos após passar um período em Paris e regressar ao Japão, publicando então,
em forma de quadrinhos suas histórias na cidade e sua percepção sobre a popula-
ção francesa. Um verdadeiro estranhamento sobre um país ocidental.
12
Revistas em quadrinhos produzidas no Japão.
23
13
Um pouco do que acontece no Brasil, onde até pouco tempo atrás, dizia-se que os chineses imi-
grados eram japoneses.
24
1. Famílias “Japonesas”
Now and then we go to into the mountains to see if there are any citrus trees which
can be picked up and taken to our gardens. We begin the transplantation by uprooting the
chosen tree; branches are cut off and thrown away. The tree is denuded. In another patch of
soil a new tree grows. The root is the same, but the branches are different. Sweet and
delicious citruses mature on the new branches. One receives a bride from the outside. She
brings fruits to a new branch. But the root remains the same14.
De acordo com Tanaka (1977), que fez seu trabalho de campo na área
de Inoha, Okinawa, os casamentos são endogâmicos e sem regras de preferências
ou prescrições, o que faz com que nesse local todos sejam de alguma maneira
parentes (related). Cada indivíduo pertence a um grupo patrilinear.
15
Uya-faafuji e kwaa-maaga são os termos nativos para as categorias usadas por Masako. Pode-se
tentar a seguinte tradução: uya – pais, faafuji – avós, kwaa – filhos e maaga – netos. Usarei os
termos “velhos” e “novos” para uma tradução nesta pesquisa.
27
16
Parent-Child.
28
Whether they were born in Peru (where the village sent many
migrants), whether they can speak the dialect, whether they personally
know a single Inoha residence, do not matter, so long as their fathers
are “villagers” (MASAKO, 1977, p. 34).
17
Ou seja, a descendência de seu pai.
29
The Japanese word 'iê' denotes both actual houses and the
steam-families 19 that are supposed to inhabit them. This notion of
family is linear and extends to members long dead as well as those
yet to be born. Moreover, iê has been a powerful theorical concept
and is frequently used to explain other forms of relatedness in Japan
such as company life or loyalty to the nation. In recent decades, how-
ever, the 'Japanese family' has been deemed to be in 'crisis'
(Hayashi, 2002), or at least, to be undergoing a significant reorienta-
tion (Ochiai, 1994, 1997; Ueno, 2009). (RONALD, R; ALEXY, A.
Home and Family in Japan: Continuity and Transformation. Routled-
ge, 2011, p. 01).
18
O iê aproxima-se da ideia de casa, de “teto” compartilhado.
19
Pode ser traduzida como “família de origem”, na qual a regra rege que apenas um filho permanece
com sua esposa e filhos na residência dos pais, mesmo depois do casamento (AUGÈ, 1975).
32
20
Tais papéis possuem status, carreiras, posses e metas próprias.
35
arca (responsável pela continuidade da família) decide qual homem irá sucedê-lo em
caso de sua morte. Esse sucessor geralmente é o filho mais velho da esposa oficial.
21
Household pode ser traduzido como grupo doméstico ou lar (AUGÈ, 1975).
39
com as entrevistas realizadas, muitos de seus informantes admitiam que não espe-
ravam que seus filhos os sucedessem nessa ocupação familiar. Referente à prática
alimentar, o autor evidencia que o chefe da família tinha posição privilegiada durante
as refeições, sendo sempre servido primeiro, mas que tal prática foi se transforman-
do ao longo dos anos. Assim como outros costumes, ainda é mais comum em famí-
lias proprietárias de terras e pouco realizada entre “office worker“ e “laborers “.
22
Koyano cita o Dr. Spock como uma dessas referencias ocidentais. O personagem seria a metáfora
da ciência influenciando as famílias e os cuidados com as crianças (de acordo com Watsugma, 1977,
p. 189, seria o momento Japan’s Dr. Spock).
23
Essas práticas consideradas mais “científicas” eram comuns entre as famílias das áreas urbanas,
enquanto que nas regiões rurais, ainda prevaleciam os cuidados recebidos pelas avós.
24
O termo uchinanchu refere-se aos indivíduos originários da província de Okinawa. Uma discussão
sobre o termo será realizada no capitulo 2.1.
25
A pesquisa de Tanaka (1977) trata sobre categorias de adoração aos ancestrais okinawanos
através do sistema de parentesco. Seu trabalho de campo foi realizado entre1969 e 1970 em uma
aldeia na província de Okinawa, e que contava com aproximadamente 567 indivíduos vivendo em 96
casas. Infelizmente, não foi encontrada vasta bibliografia sobre parentesco entre okinawanos, o que
não permite contrapor dados documentais sobre a questão.
40
Such a thing could never have been done by a father before the war!
name while the loser would give up theirs. Sayuri won the game and
they currently have their marriage registered under Sayuri's family
name. Her father was has no son was extremely grateful when he
heard about the couple's decision. For Sayuri's partner, however, be-
coming a husband in order that his child would not be illegitimate
meant surrendering his family name. Sayuri believes had the loss of
his surname was a blow to her husband and has tactfully refrained
from discussing the matter with him ever since (TOKUHIRO, 2010, p.
01-02)
Apesar de toda a ênfase dada à família japonesa como “em crise” de-
vido às diversas alterações pelas quais tem passado nas últimas décadas, Ronald &
Alexy (2001, p. 02) destacam que há uma resiliência na formação familiar japonesa,
sendo essa resistência visível ao observar como as casas e os valores familiares
43
2. CROCHETANDO O CAMPO
26
The Boom. Shima Uta. Single, 1993, Sony Music Japan, 05’06”. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=hyg6Z17DTrg Acesso em 09 out 2014.
45
2.1 Das Ilhas a Campo Grande – As Histórias dos Dois Grupos na cidade
27
Mais estudos sobre as primeiras décadas sobre as famílias “japonesas” no Brasil foram
amplamente discutidos na dissertação de mestrado (LUNA KUBOTA, N. F. 2008).
28
Arigatô: Um Olhar Sobre a Imigração Japonesa em Campo Grande. Direção: Maristela Yule.
Roteiro: Rosiney Bigattão. 2005. Campo Grande, 86 min.
48
29
Issei é a categoria utilizada para denominar os imigrantes nascidos no Japão. Nissei são seus
filhos e sansei seus netos. Os nissei e sansei são os descendentes nascidos fora do Japnao.
50
30
As mesmas proibições foram dirigidas também aos alemães e italianos, criando-se um cerco aos
imigrantes originários dos países do eixo.
51
31
Sua existência data de 1946 a 1947. (MORAIS, Fernando. Corações Sujos. São Paulo: Companhia
das Letras, 2000).
53
Aquela não foi a primeira vez que ouvi o termo, mas até aquele mo-
mento ainda não havia de minha parte, a consciência do caráter político ali incutido.
Retomando o processo histórico de anexação da região ao Japão, sabe-se que Oki-
nawa passa a ser assim denominada após sua conquista por aquele país, sendo
esta província anteriormente conhecida como Reino de Ryūkyū ou Reino de Uchina.
32
Data de comemorações do aniversário de Campo Grande.
57
33
Devido ao amplo uso dos dois termos na cidade de Campo Grande, opto por utilizar o termo nativo
de acordo com as falas de cada interlocutor.
34
Uma discussão sobre produção de japonesidades será realizada subcapítulo 2.2
58
também observada por Matthew Allen na obra “Identity and Resistance in Okinawa”
(2002). De acordo com o autor:
Okinawa de Campo Grande, obtive sua autorização para realizar visitas regulares ao
clube e passei então a frequentar as reuniões do Fujinkai, o departamento de senho-
ras. Os encontros acontecem às segundas-feiras no próprio clube, reunindo aproxi-
madamente vinte senhoras para aprender, ensinar e trocar experiências com o cro-
chê. Uma “professora”, de origem okinawana, as acompanha semanalmente, ensi-
nando novas técnicas, encontrando erros nas tramas e as instruindo sobre como
63
corrigi-los, além de oferecer seus produtos para venda. Além do crochê, outras ativi-
dades são realizadas por outras participantes no mesmo espaço da associação,
sendo elas danças okinawanas e as artes do kurumie35 e origami36.
35
Kurumie são quadros feitos com montagens de recortes de papéis específicos formando uma figura
pré-determinada.
36
Dobradura em papéis.
37
Termo usado entre os “japoneses” que pode ser traduzido como avó ou tia, referindo-se sempre às
senhoras mais idosas.
64
dedos, decidi que não faria mal relaxar um pouco e me aproximar para tentar ter
uma conversa tranquila com uma criança.
Ana era uma garota de apenas 10 anos de idade e estava ali acompa-
nhando a avó. Logo que a cumprimentei, Ana mostrou interesse pelo meu cabelo.
Na época ruiva, ela me perguntou se eu fazia mechas. Respondi que não, que eu
costumava tingir todo o cabelo. Ela então, me mostra contente sua mecha vermelha.
Minha resposta imediata diante de uma criança com os cabelos tingidos foi questio-
na-la se sua mãe havia aceitado a mudança de cor sem problemas.
Com um tom de desapego, Ana me responde que sua mãe não morava com
ela, pois vivia no Japão. Seu tom de voz e sua expressão facial evidenciavam que
aquela não era uma situação agradável. Pude constatar durante toda a pesquisa de
campo que, especialmente para crianças, nunca é fácil viver longe dos pais, mesmo
estando sob os cuidados de avós, como no caso de Ana. Diante do seu olhar entris-
tecido, não tive coragem para questioná-la sobre seu pai. Logo em seguida a meni-
na relata a presença de seu avô nos Estados Unidos, que sempre lhe envia presen-
tes. “Sempre coisas que eu preciso” explica Ana, que estuda a quinta série na Esco-
la Visconde de Cairu, recebendo especialmente materiais para a escola, como mo-
chila, estojo e outros itens do gênero. Neste momento nossa conversa foi interrom-
pida pelo chamado de uma das senhoras para que retornássemos às atividades.
Ana retornou para o origami e eu para o crochê. A jovem retornava esporadicamente
à associação e quase sempre acompanhada de outras crianças, o que dificultava
um novo contato.
Ali, logo notei que o idioma mais utilizado é o japonês e até mesmo o
“uchinago” – dialeto (ou, de acordo com o sr. Jorge, idioma) da província de Okina-
wa - e mesmo com minha presença, poucas fizeram questão, num primeiro momen-
to, de tentar se comunicar comigo em português. A pesquisa de campo, por diversos
65
Pude perceber que ali que eu era considerada por aquelas pessoas
como uma estranha em duplo sentido. Primeiramente, eu era uma intrusa naquele
local por não ser conhecida por aquelas mulheres, que tentavam a todo momento
me relacionar com algum conhecido – especialmente através do meu sobrenome –,
mas quase sempre sem sucesso. Eu não possuía, portanto, outros elos que pudes-
sem me conectar em toda a trama de relações construídas por aquelas mulheres
okinawanas. E, justamente por aquele ser um espaço majoritariamente uchinanchu,
eu, de origem naichi, era encarada mais uma vez como alguém de fora.
38
Expressão nativa
39
Retornarei a esta questão no capitulo 2.5.
66
Essa situação demonstrou que, neste contexto, apesar de ser uma nik-
kei, não haveria a possibilidade de uma okinawanização por parte de pessoas de
outros grupos. Gil Vicente Lourenção (2011) discorre sobre a produção de “japone-
ses” através da arte do kendō (esgrima japonesa). O autor, sem origem Nikkei, pas-
sa a ser japonizado através da prática desta arte marcial.
Foi quando uma senhora, que apareceu somente naquele dia e nunca
mais retornou, aceitou me ajudar após ver meu total desconhecimento sobre tudo
aquilo. Conversamos durante aproximadamente uma hora. Enquanto ela me dizia o
que fazer com a agulha e a linha, eu aproveitava para perguntar-lhe sobre sua vida.
40
Avós.
41
Em suas próprias palavras.
42
No Japão o termo gaijin refere-se aos estrangeiros. No Brasil, a populaçãoo nikkei utiliza o termo
ao se referirem aos não-nikkei.
68
deram que o matrimônio seria adequado. Esse tipo de casamento, conhecido como
miai, era comum no Japão e foi utilizado nas primeiras décadas da imigração nikkei
no Brasil e, como pude constatar mais tarde, tais acordos para realização de matri-
mônios foram muito usados na cidade de Campo Grande.
43
Categoria nativa.
70
encontro de duas senhoras que se conheciam de vista, mas que nunca haviam con-
versado. Aos poucos, após se apresentarem devidamente informando seu nome e
sobrenome, ambas começaram a falar sobre suas famílias. Quem eram seus filhos e
netos, onde moravam. Uma delas questiona, então, o possível parentesco com um
determinado indivíduo. Com a resposta afirmativa, ela era tia daquele rapaz, ambas
descobriram que o mesmo era casado com alguém da família da outra. Elas se des-
cobriram então, “meio-parentes” e exclamaram: "ah, nós somos meio parentes en-
tão". Em outro diálogo, ouço a discussão sobre um terceiro individuo:
- Você conhece o X?
44
Por serem imigrantes e por se comunicarem normalmente no idioma japonês ou okinawano,
muitas senhoras possuem dificuldade em falar o português.
71
alguns anos antes. Ela também possuía o mesmo sobrenome que aquele grupo de
mulheres. Neste caso, após indagá-las sobre um possível “meio-parentesco” entre
elas, a resposta foi negativa. Apesar de possuírem o mesmo sobrenome, não existia
ninguém que conectasse aquela jovem como parente ou “meio-parente” daquelas
três irmãs. Existiria no caso okinawano de Campo Grande, portanto, uma junção de
elementos - sangue, sobrenome e solo (ver mais à frente) - que constituem os pa-
rentescos possíveis.
Dessa forma, acredito que não seja imprudente afirmar nesse momen-
to, que ali se forma uma família, usando inclusive, termos do parentesco para se
referirem umas às outras. Todas chamando-se de onêchan – irmã mais velha ou
algo como “irmãzona”, sem levar em consideração a idade dessas senhoras - e cri-
ando laços, mesmo que temporários. Ali, elas são todas irmãs umas das outras, com
exceção das professoras (de crochê, de dança e das outras artes), que são sempre
denominadas com respeito hierárquico. Mesmo sendo amigas fora daquele espaço
e, convivendo rotineiramente em outras ocasiões, são ali sempre chamadas de pro-
fessoras e mais raramente pelo próprio nome, como no caso de Maria, que ensina a
técnica do crochê. A grande diferença de idade entre ela e as demais participantes –
de no mínimo vinte anos - talvez produza algum tipo de desconforto por parte das
senhoras, que a chamam costumeiramente pelo nome próprio.
porque nenhum de seus três filhos haviam ainda lhe dado um neto. Ela não era, por-
tanto, uma verdadeira obachan. Seus filhos também fizeram a escolha pela espera,
para que pudessem ter mais estabilidade em suas carreiras (na medicina e na en-
genharia), mas Yoko-san46 era taxativa, afirmando que “depois dos trinta já é velho,
precisa ter filhos”:
46
Para determinados interlocutores, uso o honorifico –san, pois é a maneira comum como são
tratados no dia a dia por outras pessoas. Para outros, utilizo apenas seu nome próprio, seguindo esta
mesma logica de denominação.
47
Termo utilizado para designar o filho primogênito.
75
48
Palavra okinawana que se refere ao altar em homenagem aos ancestrais da família. Entre os
japoneses é conhecido como butsudan.
77
certos rituais em datas especificas após a data da morte, para que o ente familiar
descanse finalmente em paz, ao lado de seus ancestrais.
49
Envelope com uma doação em dinheiro.
78
bos os cônjuges tenham sido criados dentro da cultura okinawana. Citando seu pró-
prio casamento, ele relembra que sua mãe foi criada dentro dos moldes uchinanchu,
mas que é necessário que a esposa também o seja, pois é ela quem vai passar os
costumes e tradições aos filhos e netos.
Assim, observou-se que, além das relações das avós com seus netos,
as relações de sogras e noras também é ativada pelas peças de crochê que são
constantemente utilizadas por estas senhoras para presentear as esposas de seus
filhos. O mesmo não ocorre, entretanto, quando se trata de genros. Em todo o perí-
odo em que participei das reuniões, nunca ouvi sobre presentes para esposos de
suas filhas.
Após várias idas em vão, consegui ser por ela recebida. Como a pro-
posta era consultar os primeiros registros de casamentos entre japone-
ses/okinawanos na cidade, a tabeliã se recusou a permitir minha entrada e, conse-
quentemente, à consulta aos dados, pois segundo ela, esse material é mantido com
extremo cuidado, visto sua delicadeza devido ao seu tempo de existência. Somente
uma pessoa no cartório é autorizada a manipular tais papéis, utilizando de técnica
50
A partir de 1965 outro cartório da cidade, o 9° Cartório de Registros passa também a documentar
matrimônios.
51
Em fevereiro de 2014, retornei ao campo para a coleta de mais dados no referido cartório.
83
adequada para que maiores desgastes ou danos sejam evitados. Como essa pes-
soa também era responsável por outras funções naquele local, não haveria possibi-
lidade de que eu ocupasse seu tempo.
Como não tem essa formação, sendo na verdade economista e engenheiro, sentia-
se desconfortável com tal classificação.
De acordo com ele, dos 322 casamentos coletados nesse primeiro pe-
ríodo, 40 constavam um dos cônjuges com sobrenomes não identificáveis, pois es-
tes seriam utilizados por todo o país. Segui então para a contraposição entre as
classificações listadas por ele e os dados contidos nos próprios registros de casa-
mento. Em grande quantidade de casos (mas não em 100% deles), além do país,
estava listada também a província de origem dessas pessoas. Percebi, então, que
alguns sobrenomes eram por ele classificados como de origem japonesa, ao contrá-
rio do que informavam os registros.
brenomes não é possível, em parte considerável dos casos, saber, afinal, “quem é o
quê”. Essa dificuldade em distinguir os sobrenomes e, consequentemente, os indiví-
duos que os portam, é decorrente de duas questões importantes e que se relacio-
nam entre si. A primeira questão diz respeito à existência de sobrenomes iguais,
registrados por todo o Japão, incluindo a província de Okinawa. Ou seja, há sobre-
nomes encontrados por todo o país, mas que se referem à grupos e famílias distin-
tas entre si. Este fato nos leva à segunda questão e que se refere às semelhanças e
diferenças existentes tanto na grafia, quanto na pronúncia de nomes e sobrenomes
okinawanos e japoneses. Em um caso específico encontrado durante minha pesqui-
sa de campo de mestrado, conheci um senhor, imigrante okinawano, que havia sido
registrado no Japão, de acordo com a grafia okinawana, completamente diferente do
que estamos habituados a encontrar no grupo japonês. A pronúncia, entretanto, re-
metia a uma sonoridade mais japonesa. Ao se fixar em Campo Grande, passou a
escrever seu nome de acordo com a língua japonesa. Pude ouvir diversos comentá-
rios sobre imigrantes okinawanos que propositalmente mudaram seus registros ao
chegarem na cidade, para que seus sobrenomes ficassem mais parecidos aos so-
brenomes naichi.
Não é raro ouvir sobrenomes dúbios, em que não é possível uma iden-
tificação clara e até mesmo sobre suas origens enquanto nikkeis ou não-nikkeis. Du-
rante a coleta dos registros de casamento, em alguns casos me deparei com sobre-
nomes que não pude identificar num primeiro momento. Já tendo conhecimento so-
bre certidões de nascimento realizadas com alterações de grafia, optei por procurar
nestes documentos, elementos que pudessem fornecer mais informações, como a
existência dos nomes dos pais e avós, seus locais de nascimento, utilizando, até
mesmo, da análise dos sobrenomes das testemunhas. Ao analisar tais certidões de
casamento foi possível notar, especialmente até a década de 1980, que o comum
entre os nikkeis da cidade era convidar padrinhos e madrinhas que faziam parte do
mesmo grupo de origem. Vale ressaltar que nos períodos seguintes, a partir de
1990, a situação se altera e, como testemunhas de casamentos nikkeis encontram-
se pessoas das mais diferenças origens, bem como pude verificar que não-nikkeis
convidam frequentemente padrinhos e madrinhas de origem “japonesa” para seus
matrimônios.
88
Além disso, sabe-se que nas primeiras décadas de imigração nikkei pa-
ra Campo Grande (e em todo o Brasil), sobrenomes foram alterados pelo desconhe-
cimento por parte de funcionários de cartórios que não compreendiam os imigrantes
e vice-versa. Através de uma conversa informal, relataram-me o fato de que um se-
nhor, hoje já idoso, foi registrado por seu pai como mulher. De acordo com minha
interlocutora, o pai, que quase não falava português, não soube responder à questão
sobre o sexo do bebê. Após lhe perguntarem se era menino ou menina, ele apenas
balançou a cabeça e o escrivão compreendeu que seria a última opção por ele colo-
cada. Ainda é preciso lembrar que, imigrantes nikkei, assim como outros povos, ao
falarem português, utilizam normalmente o gênero masculino ao se referirem a ou-
tras pessoas.
52
Digo oficiais, pois não se pode, através dos registros de casamentos, ter conhecimento sobre as
uniões matrimoniais realizadas, mas não documentadas.
89
com mulheres sem ascendência oriental, do que com esposas de origem nipônica
diferente das deles.
Seja por preferência dos cônjuges ou pela escolha realizada pelos pais,
estes que realizavam entre si acordos de casamentos para seus filhos, relações
conjugais entre os dois grupos de “japoneses” eram, em certa medida, evitadas para
a construção de novas famílias.
foi acirrada em consequência das diferentes formas encontradas pelos dois grupos
em atuar em relação aos que encontravam-se no Japão. Imigrantes e descendentes
da província de Okinawa, uma das regiões mais afetadas durante a guerra,
decidiram se organizar afim de enviar ajuda e suporte àqueles que haviam
enfrentado de perto todo o conflito, o que culminou com a separação em duas
associações distintas em Campo Grande, como vimos no capítulo 2.
A escolha por realizar a pesquisa nesta segunda fase por cada ano
(1980, 1990, 2000 e 2010) e não pelas décadas completas foi resultado da
observação do grande aumento no número de casamentos realizados por nikkeis
em Campo Grande. Delimitando a quantidade de cem uniões para cada um destes
quatro períodos, foi possível abranger os últimos 34 anos que, contrapostos aos
primeiros casamentos nikkeis de Campo Grande, abarcam assim, as transformações
ocorridas em quase toda a história do grupo nikkei da cidade.
Como esta segunda fase de coleta dos dados foi realizada diretamente
no cartório da cidade, os livros me eram entregues, um a um, por um dos
funcionários do estabelecimento. Para segurança do próprio cartório, apesar de eu
ter entregue um documento oficial da universidade informando sobre o intuito da
pesquisa, a tabeliã estipulou os horários em que eu poderia ler os livros de registros,
horários estes em que aquele funcionário estaria presente para acompanhar minha
pesquisa. Foi me fornecida uma mesa, de frente para ele, onde eu me posicionava
todos os dias e de onde ele (assim como todos os outros funcionários) poderia me
observar. A fim de tentar tornar o trabalho mais rápido, solicitei o uso de fotografias
dos livros, pois dessa forma eu poderia, além de coletar um maior número de
certidões (caso sentisse essa necessidade) e, consequentemente, ficar menos
tempo no local, possuir um registro completo de todas as uniões matrimoniais
realizadas pelos nikkeis na cidade, visto que eu já havia observado que os dados
nos registros mudavam de tempos em tempos.
TOTAL DE CASAMENTOS 80
TOTAL DE CASAMENTOS 61
Com a crise econômica sofrida pelo Japão (e por outros países) no ano
de 2008, estes podem ser os jovens que haviam migrado para o Japão em anos
anteriores e que teriam voltado ao Brasil recentemente. Estes jovens, porém,
mantém a tendência dos dois períodos anteriores ao compor novas famílias.
Vivendo no Japão ou no Brasil, essa população nikkei tem, cada vez mais,
construído novas famílias a partir das escolhas matrimoniais com indivíduos não-
nikkeis.
Mais uma vez, para explicitar graficamente como se deu essa mudança
ao longo dos anos, apresento quatro gráficos abaixo que referem-se aos dados de
todos os casamentos nikkei (okinawanos e naichi) com cônjuges não-nikkeis. Os
dois primeiros (Gráficos 14 e 15) primeiro apresenta os dados gerais, sem uma
110
separação de gênero, desde 1920 até o último registro colhido e que refere-se ao
ano de 2012. O gráfico 16 mostra as diferenças existentes estatisticamente entre
homens de origens okinawana e naichi e seus casamentos com mulheres não-
nikkeis. Já o gráfico seguinte (gráfico 17), apresenta tais dados a partir de um
recorte de gênero, em que podemos comparar como essas transformações atingem
especialmente as mulheres nikkeis em Campo Grande.
ainda são – os okinawanos que mais se casaram com mulheres sem qualquer
ascendência nikkei.
53
Trato aqui por casamentos endogâmicos, aqueles realizados dentro do grupo nikkei em oposição
aos casamentos realizados com cônjuges sem ascendência nipônica, e não exclusivamente sobre
casamentos entre naichi ou okinawano/okinawana.
118
4.1. As Genealogias
Esse receio talvez possa ser considerado como real, afinal, muitas
informações foram por mim obtidas em momentos totalmente informais quando
meus conhecidos me contavam “fofocas” sobre “fulano ou ciclano”.
123
54
Para muitos, a descoberta do koseki se dá no momento em que decidem ir ao Japão trabalhar
como decasséguis. Essa questão é discutida no capítulo seguinte.
124
mulher não-nikkei e outro com mulher okinawana. De seus oito netos, apenas um é
casado, e neste caso, também com uma não-nikkei.
Emiko-san chegou ao Brasil com seu marido e seu filho mais velho,
que na época tinha apenas cinco anos. Nosso contato se deu através de uma
conhecida em comum, Fernanda, naichi, mas casada com um okinawano. Fernanda
que nasceu no interior do Estado de São Paulo afirma que só descobriu as
diferenças entre os dois grupos de nikkeis quando se mudou para Campo Grande.
Morando ao lado de Emiko-san, Fernanda conta que sempre ouvia da vizinha que
“os okinawanos não são japoneses”.
Minha surpresa foi descobrir, através de sua genealogia, que seu filho
primogênito, o chonan, havia se casado com uma mulher de origem okinawana.
Mesmo após décadas de casamento, Emiko-san baixa os olhos e o tom de sua voz
ao citar a nora. Nota-se que há um certo descontentamento com a escolha do filho.
Ao pedir para que ela continuasse a falar de sua família, Emiko-san responde que
vai buscar seu koseki-tohon, pois isso facilitaria o trabalho. Ela então, apenas traduz
o documento que tem em mãos para a construção de sua genealogia. Após nomear
seus avós55, pais, filhos e netos, Emiko-san se mostra cansada e, em seguida, me
pede para finalizar a conversa.
55
Apesar de seus pais e avós serem listados em sua genealogia, como Emiko-san é imigrante, tendo
chegado na vida adulta ao Brasil, optei por não inclui-los no gráfico por não trazerem as questões
pertinentes à tese. Em sua família, nenhum casamento anterior ao seu foi realizado, por exemplo,
com estrangeiros ou indivíduos originários de Okinawa.
125
56
Como não pude obter respostas sobre como seriam classificados os filhos deste tio naichi casado
com esposa okinawana, optei por incluí-los na cor preta, porém, neste caso, faço a ressalva e que
seria necessário investiga-los a fim de conhecer mais a fundo como estes indivíduos são vistos pela
família e por si próprios.
126
57
Cezar fala de sua prima sempre no feminino, não parecendo existir dúvidas sobre sua condição de
mulher.
128
poderia me dar mais informações. Seguimos para sua casa, distante apenas alguns
metros e marcamos um dia para conversarmos.
No dia agendado segui para a casa de Dona Sara, que não pareceu
muito confortável em me receber, mas aceita falar um pouco sobre sua família. Logo
no início ela questiona quem deveria entrar em sua genealogia, visto que é ela a
mãe da prima adotiva de Cezar. A jovem, que estava presente, veio imediatamente
ao meu encontro, pois também queria explicações sobre sua condição de filha
adotiva. Explico a ambas que Sara deveria incluir ou excluir quem preferisse, mas
que eu gostaria de mais detalhes sobre o porquê de suas escolhas.
59
Optei por separar a genealogia de seu marido, que encontra-se nos anexos, devido à falta de
espaço.
60
A genealogia de Priscila foi construída somente com os dados referentes a seus parentes pelo lado
materno, mas não intencionalmente. Apesar de termos nos encontrado mais de uma vez, o espaço
de tempo nunca era suficiente para completarmos os dados como ela gostaria, pois sempre nos
víamos em horários entre seus compromissos. Além de passar boa parte do dia na universidade,
Priscila trabalha com os pais no restaurante da família. Apesar de não ser possível visualizar sua
genealogia por completo, sabe-se que do lado paterno, existem uniões com não-nikkeis e que não há
casamentos com indivíduos de origem okinawana.
131
61
Termo utilizado por Raquel.
62
O primeiro casamento de sua avó teria sido desfeito pouco tempo após a união ser realizada. Com
a separação, entretanto, outro casamento precisou ser diluído. Sua prima havia se casado com um
primo deste primeiro cônjuge, o que acarretou problemas. Ao se separar, sua prima foi obrigada a
também desfazer o casamento.
133
salientar que entre eles, também há alguns problemas. Um de seus tios maternos é,
segundo ela, o “estragado da família”. Casado com uma mulher não-nikkei, com
quem teve dois filhos, decidiu trabalhar no Japão como decasségui. Chegando lá,
abandonou definitivamente a família e nunca mais retornou ao Brasil. Além dele,
outros primos são citados por terem, de certa maneira, fugido dos padrões:
63
A população nikkei utiliza o termo “de verdade” para se referirem aos japoneses do e no Japão.
137
um dos genitores e não por ambos. Nestes dois últimos casos apresentados, um
outro detalhe que chama a atenção é o sobrenome. João, marido de Raquel, apesar
de utilizar o sobrenome de seu pai, de origem naichi, é visto como um indivíduo
okinawano, membro de uma família uchinanchu, morando todos um ao lado dos
outros (são todos vizinhos), ao redor de sua avó materna.
.
138
Ela, enquanto naichi, insere seus netos dentro do grupo nikkei não-
okinawano. Provavelmente, se a pergunta fosse direcionada para seus cônjuges ou
outros membros das famílias, pertencentes ao grupo nikkei oposto, as respostas
seriam outras. No caso do filho de Raquel, seu marido possivelmente diria que o
recém-nascido é um pequeno okinawano, bem como Aiko, se falasse português, me
diria que seus filhos são jovens japoneses.
64
Categoria nativa.
141
Vemos que esses parentescos não são estáticos e nem podem ser
enquadrados em modelos. A categoria “meio-parente”, por exemplo, amplamente
utilizada por esta população, nos demonstra que, talvez, o intuito seja mesmo o de
65
Ou não-parentesco? Schneider era grande critico dos estudos de parentesco. De acordo com
Machado (2012, p. 76), Schneider considerava as pesquisas realizadas até então como “
etnocêntricas e baseadas em noções ocidentais de consanguinidade, talvez impossíveis de serem
transpostas para outras sociedades”.
144
buscar, não uma solidez nas relações, mas a possibilidade de serem criadas – e ao
mesmo tempo des(criadas) – ligações entre os indivíduos de acordo com o contexto
em que se encontram – ou se (des)encontram.
66
Ao contrário do que ocorre com os nomes, em que optei por usar pseudônimos, no caso de
sobrenomes, prefiro a utilização de letras ou siglas.
67
Palavras da própria informante.
68
Palavras de Raquel.
145
69
Aquela foi a primeira visita de José ao Brasil desde que seus filhos nasceram. Sua mãe via os
netos apenas por Skype, mas José confessa que quando seu filho mais velho percebe que é sua avó
no vídeo, desaparece, evitando qualquer contato, já que não a entende.
70
Nosso primeiro encontro ocorreu em dezembro de 2011. Há alguns meses nos falamos
rapidamente por telefone e José me contou que estava falando em português com os filhos.
150
José: Minha avó morreu quando meu pai tinha três anos, em
1967. Depois ele casou com essa atual esposa dele e teve mais três
filhos. Meu avô. Aí, tipo, nesse pedaço aqui vai ficar meio complicado
pra você.
Nádia: Seu pai e o pai da Marli têm o mesmo pai e mãe?
Marli comenta que seus primos sabem mais do que ela sobre quem
são os membros da família. Ele ressalta diversas vezes que não se lembra de todos,
porque eles não tiveram muito contato. José também contou com a ajuda da mãe,
que mesmo não sendo nikkei, teve contato com a maioria das pessoas da família do
marido quando eram casados71.
71
Os pais de José também são separados.
151
sua mãe relembra a existência de um outro filho de Mario, mas José não o inclui em
suas relações de parentesco:
“Se não assumiu não pode contar, não tem o nome. Se o pai
registrou, querendo ou não é parente. Leva o sobrenome, certo? É a
mesma coisa se você faz um testamento e na hora de dividir os
bens... Se o tio me falar, esse é seu primo, seu parente, aí vou ter
que falar que é, porque eu não vou mudar a história”.
Por vezes senti que José estava um pouco incomodado com essa
questão. Acredito que ele não queria que eu tivesse uma impressão errada sobre
sua família, ou que pensasse que era uma das tais famílias “destrambelhadas”. Mas
sua fala mostra muito sobre o que é importante para ele: a junção de sangue e
sobrenome. No caso deste jovem, sangue e sobrenome sozinhos não acionam
parentesco, mas ao unir esses dois elementos criam-se parentes.
Em dado momento José decide ligar para seu pai, para tentar saber se
existiam outros parentes que ele havia esquecido. Tal fato nos remete à questão da
consanguinidade, pois apesar de não se recordar de todos, ele ainda procurava por
pessoas para incluir em sua genealogia. Seu pai, porém, também não se recorda de
outras pessoas.
Sua fala refere-se ao fato de que, tanto sua avó, quanto sua prima,
viveram sob os cuidados de sua mãe por vários anos, sendo ela quem assumia toda
a responsabilidade por tudo o que acontecia na família. Ao continuar sua
genealogia, Priscila informa que, apesar do pouco contato com a família materna,
existe uma forte relação entre eles, que a jovem chama de “consideração”, por
existirem entre estes familiares, o elo criado por sua avó. Ela seria a linha que une
cada indivíduo nesta trama familiar. É através de sua avó que são criados os laços
efetivos entre Priscila e seus parentes citados, já que no caso da jovem naichi, ao
construirmos sua genealogia, divórcios e filhos fora de casamentos também foram
relembrados e alguns, não incluídos como parentes.
Há, por exemplo, um tio que possui uma filha que Priscila não conhece.
Apesar de mencionar a existência do interesse de sua parte por encontra-la um dia.
Há também o filho de sua prima Catarina, que engravidou sendo solteira. Neste
caso, entretanto, o menino faz parte de sua genealogia, visto que a proximidade
entre ambos é grande. Sendo criado pelos avós, a quem chama de pai e mãe,
Priscila relata seu interesse por trazer o garoto para viver com ela em Campo
Grande, pois Catarina seria muito namoradeira e, apesar de estar em um
relacionamento há cerca de cinco anos, não vê expectativas de que ela se case.
Entretanto, apesar das críticas ao comportamento da prima, Priscila ressalta a
importância de ter sido criada ao seu lado, tendo “aprendido com seus erros” e a
define como sendo mais sua irmã, do que sua irmã direta.
5. Movimento Decasségui
membro de uma família. Vale ressaltar que nos dias atuais, ao contrário do que
ocorria no início do processo migratório do Brasil para o Japão, os avanços
tecnológicos vêm servindo como aliados das famílias transnacionais,
proporcionando o contato e a comunicação frequentes entre esses indivíduos, ao
utilizarem recursos como Skype, Facebook, entre outros.
com aqueles que estão ou estiveram distantes. Antes de entrar propriamente nesta
retomar como se deu esse processo de migração para aquele país. Para tanto, o
próximo subcapítulo tratara sobre a história desse movimento.
Segundo Sasaki (2000, p. 04), a ida ao país de seus ancestrais não foi
bem vista pelos imigrantes japoneses que aqui se encontravam, pois apesar das
facilidades em entrar no Japão, eram considerados “clandestinos morais”73. Mesmo
nos dias atuais, apesar de terem se passado algumas décadas do início desse
movimento migratório, em Campo Grande ainda são feitas certas críticas por parte
daqueles que permanecem na cidade (veremos adiante).
72
Sasaki (In: REIS & SALES, 1999, p. 244) informa que ao contrário do que imagina-se, nem todos
os brasileiros no Japão caracterizam-se como decasséguis, exercendo diversas outras funções.
73
Segundo Elisa Sasaki (2000, p. 05) emigrar ao Japão como trabalhadores era vergonhoso para
muitos nikkeis, por isso muitos foram escondidos, sem que amigos ou familiares soubessem, evitando
assim reprovações.
159
74
Nesse momento, segundo a autora, o termo decasségui carregava maior sentido pejorativo,
justamente por trabalharem em locais caracterizados pelos três Ks já descritos.
75
Os isseis e nisseis com dupla-naturalidade possuíam facilidade em conseguir o visto: “os
decasséguis brasileiros têm acesso facilitado no Japão, dada a sua consanguinidade, a possibilidade
de exercer atividades no Japão sem restrições, de renovar o visto quantas vezes quiser e de vir a ser
um residente permanente” (SASAKI, 1999, p. 252).
160
76
Fonte: ipcdigital.com/br. Acesso em 11 mai. 2009. Disponível em <
http://ipcdigital.com/br/Noticias/Crise-no-Japao/Pelo-menos-50-mil-brasileiros-estao-desempregados-
no-Japao >
77
De acordo com informações pessoais de Kebbe, a populaçãoo de brasileiros em Hamamatsu é de
aproximadamente 8.000 pessoas atualmente. Tal informaçãoo foi colhida por ele em sua ultima
pesquisa de campo, realizada no Japão no final de 2014.
161
2008 a 2010, já haviam novamente feito suas malas e se dirigido mais uma vez ao
Japão, apesar da crise econômica enfrentada pelo país. Outros, que ainda perma-
necem na cidade, falam sobre a possibilidade de retornar ao Japão caso “as coisas
não andem bem por aqui”.
Observa-se que muitos acabam, portanto, por viver entre Brasil e
Japão, não se fixando definitivamente em lugar algum, enquanto outros
estabelecem-se terminantemente no Japão. A presença definitiva naquele país se
dá mesmo com a existência de parentes em suas cidades natais, proporcionando
assim, um reordenamento das relações familiares. Esse reordenamento leva em
conta não somente a distância dos parentes que permaneceram no Brasil, mas a
possível proximidade de parentes (muitas vezes desconhecidos) que encontram-se
no Japão.
78
Japoneses não migrantes.
165
alguém que fica, como avós, tios, sobrinhos, e os almoços de domingo na casa das
avós, desse modo, nunca estão completos.
Outra família que migrou unida para o Japão foi a de Priscila e sua ida
e permanência naquele país é fruto das redes (familiares) que lá já possuíam.
Pessoas nunca antes vistas ou conhecidas por Priscila quando ainda vivia no Brasil
passaram a ser apresentadas e uma nova família foi aos poucos se formando.
Foi assim que ela acabou conhecendo Clara, que esteve conosco em
nosso segundo encontro. Priscila e Clara relembram que estavam na fábrica quando
um outro parente as chamou e as apresentou.
Priscila: eu sabia que tinha uma prima lá, mas não sabia, por
causa do Augusto. Porque o Augusto levou a Clara pra lá. A Clara
ficou na casa do primo Augusto. E esse primo Augusto foi quem
recebeu a gente quando teve os problemas no Japão. Ele acolheu a
gente na casa dele. Dai que eu conheci o primo do meu pai. Eles são
primos de infância. Só que eu não conhecia. Eu não conhecia a
Roberta, que são uns amores. Receberam a gente lá. A casa era
pequena, ficou uma família em um quarto e a nossa família no outro.
Até conseguir emprego, tudo, e a gente foi pra lá. Depois a gente foi
pra Nagoya. Nessa época eu não estava trabalhando, eu era de
menor, tinha 14. Eu fui pra Hiroshima, daí não deu certo, daí o
Augusto acolheu a gente. Arrumou emprego pra todo mundo,
168
mas ela teve uma celebração budista. Diz que foi bonita pra caramba,
ela tem o álbum. Mas ela não teve casamento religioso. Só essa
cerimonia. Porque a família do meu pai era budista. (...) minha mãe
não queria mais confusão, se não tem relação familiar, só econômica,
pra ela não serve. Até hoje é assim.
cidade, os contatos variam entre uma a duas vezes por mês, especialmente por
Skype, programa que realiza vídeo chamadas entre os usuários cadastrados. A
duração destas mensagens, entretanto, parece ser sempre curta, sendo as
conversas restritas a dizer que tudo está bem, até porque há o problema do fuso
horário de doze horas de diferença. Sendo assim, as ligações são realizadas ou no
período da manhã, antes de saírem para trabalhar, ou à noite, quando regressam
para suas casas e estão cansados para bater longos papos.
Opto desse modo, por tratar especialmente sobre estas duas primeiras
fases, citadas por meus interlocutores como as responsáveis pela destruição de
famílias, caracterizadas pelo abandono e pela traição. Seriam estes dois primeiros
momentos da imigração para o Japão, os causadores de um reordenamento familiar
realizado, especialmente, pelos filhos que ficaram na cidade.
que ficam aqui neste país. Para muitos, trabalhar no Japão seria mais fácil do que
assumir o fracasso de um casamento e oficializar um pedido de divórcio.
ele nega, dizendo que ela deveria ficar para cuidar dos filhos. Algum tempo depois,
seus pais se divorciam e seu pai se casa novamente.
Seus pais haviam migrado para o Japão quando André era ainda
criança, deixando-o com os dois irmãos mais velhos e a avó materna, que não tem
ascendência nikkei. O relacionamento de André com seus irmãos não ia bem,
ambos não se entendiam e se mantinham afastados, pouco interagindo entre si
(alguns anos mais tarde, seus irmãos também decidem se mudar para o Japão e
André fica só com a avó). O jovem começa então a passar mais tempo nas ruas do
176
que em sua casa. Estava sempre com um ou outro amigo em jogos de fliperama
durante o dia e em bares durante a noite. Era o típico garoto problema. Nessa
época, ele conhece Rita e ambos começam a se aproximar.
Assim como aconteceu com Bruno e Joaquim, Rita passa a levar André
para sua casa e, pouco tempo depois, o garoto ganha novos irmãos e uma nova
mãe, que era chamada exatamente desta forma pelo adolescente: mãe.
2010 seu pai biológico descobre um câncer e decide então, retornar ao Brasil. Em
nosso encontro a questionei se, a partir desse momento, os avós teriam se
aproximado de suas netas, mas Lizandra afirma que não.
que, mantendo-se de certo modo, mais próximos daqueles que possuem o mesmo
pertencimento nikkei.
Acho que a primeira vez que meu pai foi pro Japão, eu não
lembro direito, mas minha mãe fala que eu tive depressão. Tive que
ter acompanhamento psicopedagógico, eu estudava na época. Era
terceira ou quarta serie. Eu era bem pequenininha. Eu não lembro,
pra mim eu estava de boa. Mas ela falou que eu não conseguia
concentrar na aula, eu não fazia tarefa, eu não prestava atenção na
professora, a professora começou a perceber e pediu, conversou
com minha mãe. Ela falou, realmente, porque o pai dela viajou e tal e
não tem previsão de volta. Então diz que mexeu muito comigo. Mas
eu não lembro direito. Tanto é que eu não lembro direito da fase de
infância. Acho que foi por causa disso também. Mas hoje eu estou
bem. Quando minha mãe contou eu fiquei surpresa. Falei, nossa, eu
tive depressão. Nem lembro. Mas quando minha mãe foi que eu senti
mais sabe. Eu acordava, ficava chamando ela (Depoimento de
Jeniffer).
Em sua fala podemos notar que, quando fala sobre sua experiência
como filha de decasséguis, Jeniffer utiliza de sua própria memória combinada à
memória de sua mãe e outros adultos. Tal questão remonta as pesquisas orientadas
por Igor Reno Machado (2014) que discorrem sobre a diferença de percepção sobre
a distância produzidas por adultos em contraposição a percepção das crianças.
era difícil pra conversar no telefone e contar tudo que passava, né.
Minha mãe que fala: ah, eu perdi sua menstruação. Risos. Eu não li-
go sabe, minha mãe que ficava mais... ah, eu perdi não sei o que.
Mas a gente é bem amiga, sabe. Acho que pelo fato de eu ter ido pro
Japão pra morar, aproximou muito a gente. A gente tem uma intimi-
dade que você fala, nossa, nem parece mãe e filha. Parece irmã ou
amiga.
Jeniffer foi aos Estados Unidos através de sua Igreja, quando ainda
morava no Brasil com os avós. Nesse momento, conta o quão difícil foi quando seu
avô, que a criara pelos anos em que seus pais estavam fora, veio a falecer.
185
Ele praticamente me criou. Então a perda pra mim, lá, foi bem
tensa. Bem triste.
Entre aqueles que ficam em Campo Grande, irmãos mais velhos, por
exemplo, passam constantemente a se ocupar da educação e bem-estar dos mais
novos, assumindo responsabilidades até então, impensadas e para as quais não
estavam preparados. Em casos mais extremos, jovens são ou sentem-se realmente
abandonados e, quando acolhidos, produzem parentesco a partir de suas relações
com outras famílias, com as quais não possuíam nenhum tipo de vínculo anterior,
seja pelo sangue ou pelo sobrenome.
Joana conta que a saudade era muito grande e que, quando recebeu o
telefonema de seus irmãos para que escolhesse um presente, não teve dúvidas ao
pedir para vê-los. Os irmãos, que não estavam preparados para tal solicitação,
188
79
As historias na integra de Margarida e Amanda podem ser lidas nos anexos.
189
CONCLUSÃO
Como vimos ao longo dos capítulos dois, três e quatro que compõem
esta tese, uniões matrimoniais entre membros dos dois grupos nikkei pouco foram
realizadas nas primeiras décadas de imigração em Campo Grande e assim
permaneceram até a época atual.
Neste caso, pouco importa a qual grupo nikkei um dos pais pertença,
mas sim, a presença não-nikkei de um dos pais. Em contraposição a este dado,
situam-se os filhos de pais com origens okinawana e naichi. Estes, nunca são
classificados como mestiços, sendo o seu pertencimento naichi ou okinawano
constantemente explicitado. Assim, verificou-se através das entrevistas que
dificilmente filhos de pais com origens nikkeis diferentes são vistos ou classificados
por outros nikkei como pertencentes as duas origens mas, pertencentes à apenas
uma destas.
Essa relação entre netos e avós também está presente com muita
força e ênfase ao tratarmos sobre o movimento decasségui, descrito no quinto
capítulo desta tese. Quando pais partem ao Japão para trabalharem como
decasséguis, normalmente como mão de obra nas fábricas daquele país, seus filhos
196
são deixados geralmente aos cuidados dos avós que permanecem na cidade de
Campo Grande.
80
Casa difere-se aqui de casa, por seu conteúdo analítico, não referindo-se à estruturas arquitetôni-
cas ou prédios. De acordo com Lévi-Strauss, “Casa, diferente de família, não coincide com a linha-
gem agnática, que às vezes é até destituída de base biológica e consiste numa herança material e
197
Nota-se que não é qualquer indivíduo que está apto a adentrar em uma
casa e compartilhar da intimidade da família. A presença dessas pessoas neste
espaço depende das relações existentes (ou, neste caso, das relações desejadas)
entre os indivíduos. Novos parentescos, citados anteriormente, baseados na
amizade, compõem-se primordialmente da inserção destes novos membros neste
espaço, que passa a ser compartilhado por quem o frequenta, produzindo irmãos,
primos ou tias e tios.
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_______________. The Ryūkyūans in Peru, 1906-1952. The Americas, Vol. 35, No.
1 (Jul., 1978), pp. 20-44
WEINER, M. (Org.). Japan’s Minorities: The Ilusiono f Homogeneity. London & New
York: Routledge, 1997.
ANEXOS
210
Outras historias
Margarida
Ela falava que não queria morar na casa de ninguém, por que
se mora na casa de um filho, difícil o outro filho ir. Tem sempre
alguém que não vai. Por exemplo, eu tendo a minha casa, todo
mundo vai. Eu falei, o dia que a mamãe fechar os olhos a gente não
vai mais se encontrar. Tanto, com frequência. Dito e feito. Afastou
assim, por exemplo, teve o aniversario dessa minha irmã mais velha
que mora lá, é uma desculpa que eu invento, vamos la no aniversario
dela, por que assim eu tenho certeza que todo mundo vai. Se eu faço
meu aniversario aqui, já tem alguém que não vem. E a gente fazendo
lá, você vê como é né. Aí depois que ela faleceu em 2006 a gente vê
assim, tem a missa de morte. Ou uma comemoração no final do ano.
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Aí a gente vai tudo pra lá. A casa está do jeitinho de quando ela
faleceu. Tem que ser lá por que senão os irmãos não se reúnem
Joana: Tinha que comprar cartão, comia tudo os minutos. Era com-
plicado né mãe?
Joana: Então, eu fui em 2002, mas só fui pra passear. Fiquei quatro
meses.
Joana: Como eu era menor, o meu pai autorizou. Naquela época era
só um ou outro que autorizava. Porque eles eram separados. Aí ele
autorizou. Eram só três meses, então se alguém me pagasse la, por
mais que estivesse com meus irmãos, querendo ou não, eles não
eram meus representantes legais. Daí eu tive que vir.
Margarida: Ela não aprendeu (japonês) e diz que não saia do 1,99.
Trouxe tanta coisa que até hoje tem. Ela era tão cabeça. Ela trouxe
as coisinhas de cozinha. Que eu tenho ate hoje.
Joana: uhum.
Margarida: Olha só, foram inventar de ligar pra ela pra dar os para-
béns e perguntar o que ela queria ganhar de presente. Ai ela res-
pondeu: ver vocês.
Joana: Eles ligaram era fevereiro. Ai eles falaram, esse ano você faz
quinze anos. O que você quer? A minha irmã queria me dar uma fes-
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Margarida: Já. Esse meu irmão, Teodoro, ele já foi, tem um filho ain-
da lá. A Pamela já foi e o Douglas ainda está la. O Douglas conhe-
ceu uma menina lá. Já tem dois filhos, nascidos lá.
Margarida: Mora com ela, mas ela mora sozinha em Tokyo, porque
ela já ta fazendo faculdade. miguel deve ter uns três anos. Ela casou
com um nissei. Ai teve esse segundo filho.
que você percebe. Ela é muito bonita. Pro meu pai precisava ter cara
de japonês. Não importava se era Okinawa. Mas ele queria. Mas a
gente falava: mas fulano casou com brasileira. Ai ele ficava sem ar-
gumentos. Ele não queria que casasse com brasileiro. Porque ele ti-
nha medo de fazer sofrer. De judiar. Como não aconteceu, depois
que casava ele ficava. Era só antes mesmo. Minha mãe sempre foi a
favor de quem gostasse. Da felicidade. Porque ela já era brasileira.
Era filha de japonês, mas era bem brasileira. Por mais que ele veio
com 14 anos, mas a cabeça era de japonês mesmo. Ele não falava
japonês em casa, porque minha mãe não sabia falar nada. Então
quando a gente foi pro Japão, minha filha quando foi, a Teresa, o
Leonardo, ai eu coloquei no Cruzeiro (Clube Nipo) porque tinha aula
de conversação em japonês. Pra não ir cru pra lá. Se bem que hoje
em dia, ate escrita, alguma coisa eles sabem. Mas eles não sabiam
nada. Eu mesma fui crua pra lá. Ai eu fui pra lá. Ai eu fiz um trata-
mento aqui e fui pro Japão. A Joana tinha seis anos. Ai quando eu fi-
quei gravida, eu não defecava. Passei mal, mas era sintoma da gra-
videz, do Marcelo. Mas até descobrir, eu tive infecção urinaria pra
descobrir que eu estava gravida do Marcelo. Ai, o que aconteceu. O
remédio do Japão é tudo assim meio homeopático, não é igual ao do
Brasil. Que tem tarja vermelha, tarja preta e faz mal. Então lá é um
remedinho fraco. Só que o remédio não fazia efeito, porque eu não
estava com problema de intestino preso. Era sintoma da gravidez.
Porque não aconteceu nada com o Marcelo? Porque eu com quatro
meses, emagreci muito então não aparecia barriga. E vinha sinal da
menstruação. Então eu não achava que estava gravida. Ai quando
eu tive infecção urinaria, eu fui pro hospital fazer ultrassonografia, aí
viram o feto. Ai aparecia só a cabecinha, o tronquinho, e ainda ia
nascer os bracinhos. Ai eu pensei, pronto aleijei ele! Menina, me deu
um ataque de choro! Eu pensei que era o remédio que eu tomei. Mas
não era. Era daquele jeito mesmo. Eu não falava em japonês. Eu ia
com dicionário, com a secretaria, o medico mais ou menos sabia por-
tuguês porque tinha muito brasileiro na cidade, chegando. Ai, o me-
dico se interessou também. Ai eu sempre convidava alguém, colega.
A menina que morava comigo, era um casal, ela sabia japonês, ai eu
levava. Eu cheguei lá, eu deveria estar com 15 dias (de gestação).
Eu estava em Hiroshima quando eu tive. Ai fui pra Mie-ken. Em outro
estado. Porque onde eu estava era muito mais frio, ai meu sobrinho,
que faleceu com 27 anos, veio pra cá pra casar, casou e quando fez
seis meses de casado, aqui no Brasil, que ele estava retornando pro
Japão, ele foi despedir do Brasil, foi pra Camboriú, morreu la na
praia. Afogado. Triste né. Eles estavam com amigos de Dourados
que iam voltar todos pro Japão. Foi em 1994. Ai ele me trouxe pra
Mie-ken, porque eu não tinha serviço, o Marcelo estava com dois
meses e não podia ir pra creche da prefeitura. Ai esse meu sobrinho
arrumou uma brasileira pra cuidar pra mim. Ai eu podia ir trabalhar.
Eu não queria ficar parada. E lá em Hiroshima ele só podia ir pra
creche da prefeitura aos quatro meses. Ai me mudei. Era uma babá
brasileira que cuidava dele. Ai com quatro meses ele ficou na creche
da prefeitura e eu fui trabalhar na fabrica, mas a creche ficava cem
metros da minha casa e do meu serviço. Eu ia pro serviço, deixava
ele na creche. Ai, era tão pertinho que eu ia almoçar em casa. Eu
não podia fazer isso, mas fazia. Eu ia de bicicleta. Ai eu ia e olhava
pela janela, porque eu morria de saudades dele. Era muito triste,
mas eu tinha que trabalhar, eu tinha que ajudar meu marido, eu tinha
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Margarida: Com a Teresa a gente fala pela internet. É difícil ele (gen-
ro) ir sozinho. Quando o Gilberto estava lá e até mesmo o Leonardo,
eles trabalhavam juntos no hotel. Agora que o Gilberto veio, meu
genro ia chegar la sozinho. Ia ser muito triste. Minha filha ficou pen-
sando que o Arnaldo ia se sentir sozinho la. Em uma semana resol-
veu ir. Ele tinha um lava jato e passou pra outra pessoa. O Edson
(neto), nasceu lá.
Amanda
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Amanda: Foi tudo meio junto, ela foi e logo depois meu irmão foi
também.
Amanda: Foi, por causa daquela crise que deu. Crise financeira.
Porque muitas fábricas, a gente morava na cidade de Toyota, a mai-
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Flávia: Não, porque ela nem trabalhava direito, ela fazia mais era bi-
co.
Amanda: Fala, porque, tipo assim, antes ele estudava em escola ja-
ponesa, depois que mudou pra escola brasileira. Três anos na escola
japonesa e mudou pra escola brasileira.
Flavia: Porque meu irmão não queria que ele fosse alfabetizado pri-
meiro na escola japonesa, queria primeiro a brasileira. Porque as cri-
anças que estudam na escola japonesa tem muita dificuldade de
aprender o português.
Nádia: Ele (sobrinho) foi o único que nasceu la? Seu filho nasceu
aqui?
porque se for pra ficar aqui pagando conta, vamos voltar”. Ai a gente
decidiu voltar.
Amanda: Nunca ouvi falar, nunca vim pra esses lados. Era só estado
de São Paulo mesmo.
Amanda: Não, porque hoje não compensa mais, o dólar esta baixo
lá. Esta ruim de emprego. Melhorou, depois da crise, deu uma me-
lhorada, mas não melhorou 100%. e com filho, ai fica mais complica-
do, porque o forte do Japão é hora extra, quanto mais você trabalha,
mais você ganha, e com filho já não da pra você trabalhar tanto. Ai
no caso, se a gente voltasse, seria mais ele. A sogra brinca, diz, dei-
xa ele (bebê) ai que eu cuido. Muitos casais fizeram isso, muitos fa-
zem, foram e deixaram os filhos com os avos e vão.
Nádia: Que bom que você tocou nesse assunto. Ele (sobrinho) mora
com quem, com você?
Flávia: Ele morava comigo, ele veio comigo. Ficava comigo e com
minha mãe, a gente trabalhava e cuidava dele depois da escola. Ai
ele ficou comigo até o ano passado. Ai a mãe dele veio e ele decidiu
morar com ela.
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Flávia: É que no Japão ele tinha dois ou três amiguinhos, aqui ele
não socializa com ninguém. Ele diz que os meninos não tem assun-
to, eles não conversam o mesmo assunto que ele, então ele prefere
os games.
Nádia: E ela disse que se vocês quiserem voltar pro Japão ela cui-
da?
Amanda: É que ela fica com meu filho. Mas eu não tenho coragem.
Igual meu marido fala, se for pra ficar, fica todo mundo junto, se for
pra ir vai todo mundo junto. Porque ele também foi muito novo pro
Japão (ele tem 30 anos), a primeira vez que ele foi ele tinha 9 anos,
foi com os pais, foi, voltava, foi, voltava, ficava um tempo aqui, de-
pois resolveram voltar. Tanto que ele parou na sétima serie. Ele ta
terminando os estudos agora, mas ele tinha parado na sétima serie.
Amanda: Ele diz que prejudicou nos estudos, porque ele nem ficava
lá, nem ficava aqui. Ele começava a se adaptar lá os pais dele resol-
viam voltar. Por isso que ele fala, se for pra gente ficar aqui, que nem
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Luís manteve quase todo o tempo diante do computador e pouco interagiu durante nossa
conversa.
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agora a gente tem filho, se for pra ficar vamos ficar todo mundo aqui,
se for pra voltar, vamos ficar todo mundo lá. Agora, fica um lá, o ou-
tro aqui, deixa o menino ai e vamos nós, ele fala que não, acho que
por causa da experiência que ele passou.
Mãe de Amanda: A primeira vez fiquei dois meses e depois que mi-
nha mãe faleceu eu fiquei seis meses.
Flávia: Mas ele morou mais com a gente, porque depois que meu ir-
mão separou ele foi morar com a mãe e depois ele passou a morar
com a gente. Porque a mãe dele teve uns problemas lá. E depois ele
já não quis mais voltar com ela. Faz seis meses agora que ele esta
com a mãe dele. A família fica desestruturada né.
Amanda: Por mais que ele veio morar com a gente, meu irmão ainda
morava com a gente, ele não tinha casado ainda. Então, querendo
ou não, ele estava ali com a gente, mas tinha o pai dele. Dormia com
o pai dele. Depois que ele casou, ai ele foi morar com meu irmão,
mas ele não se adaptou muito com a atual esposa do meu irmão. Aí
ele falou que queria ficar morando com a avó. E como a gente deci-
diu voltar, aí ele veio.
Amanda: Então, acho que talvez a esperança dele era que meu ir-
mão voltasse, porque talvez ele queria morar com o pai dele.
Flávia: É que a mãe dele já casou várias vezes. E ele tem mais ir-
mãos. Ela tem mais quatro e a situação financeira dela também não
era muito boa, então ele ficou com a gente também por causa disso.
Amanda: Então meu irmão falou, vai que ano que vem eu volto. Já
se passaram três anos. É que assim, a esposa atual dele ficou gravi-
da, teve bebê, fica complicado, tem que sustentar ele, o outro pe-
queno, então ele esta lá, acho que ele tem medo de vir e não dar
conta de sustentar.
Flávia: A gente tem um primo que veio ficou seis meses aqui, mas
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como ele tem três filhos pequenos, não conseguiu sustentar e voltou.
Ele arrumou um emprego, mas tinha a família pra sustentar, pagar
aluguel, a ele voltou, sozinho. A mulher dele estava grávida e voltou
pra ganhar o neném aqui, ai ele voltou depois de um ano, mas ficou
seis meses só. É ruim porque tem muitos casamentos que se aca-
bam nesse meio. Um fica lá o outro fica aqui.
Amanda: Por isso que meu marido fala, se for pra ficar aqui, fica todo
mundo junto, se for pra ficar lá, porque lá no Japão você vê muitos
casos, a mulher ficou grávida, volta pra ter o neném pra depois dei-
xar o neném, o que tem de casamentos desestruturados, família, é
complicado.
Flávia: Muitos deixam os filhos pra ser criados por parentes, pelos
avós, aí as crianças não ficam muito assim com os pais. Destrói mui-
to. Ele (sobrinho) sente bastante. Ele sempre foi muito apegado ao
meu irmão, eles (os pais) separaram cedo, mas mesmo assim ele
sempre foi muito apegado com o meu irmão. E agora ele quis ficar
um pouco com a mãe dele.
Flávia comenta sobre uma amiga que conheceu no Japão e que acabaram por
se tornar irmãs:
Amanda: Cria, mesmo porque muitos que vão lá, não tem a família,
que nem essa amiga nossa, depois que o irmão dela foi, mas eles
nem eram muito assim, ela preferia ficar com a gente. Ela é da famí-
lia mesmo. Se vamos fazer um churrasco, uma janta lá em casa, ou
226
Francisco
Francisco: Sim.
Francisco: Isso, aí esse amigo meu, que é amigo mesmo, bem che-
gado, ele voltou pro Brasil, ficou um tempo aqui e conversando com
ele, ele falou que ia voltar pro Japão. E como eu também já estava
de saco cheio resolvi chutar o pau da barraca. Vou trancar a faculda-
de e vou pra lá.
Francisco: Do bubble né. Ela pegou bem o início. Ela trancou a fa-
culdade também, com 19 anos ela foi pra la.
Francisco: Ela não volta mais. Ela está lá ainda. Ela volta, fica uns
seis meses e volta pro Japão. Só que da ultima vez, faz já uns seis
anos que ela não volta pra cá. Mas ela foi bem no início da bolha,
em torno de 1990, 1991, deve ter ficado uns sete, oito anos lá. Dire-
to, sem voltar. Depois ela voltou, ficou um ano, voltou pro Japão. De-
pois voltou, ficou seis meses e voltou pro Japão de novo.
Francisco: Não. Foi solteira e até hoje eu sei que está solteira.
Nádia: E como foi nessa primeira vez que ela foi, porque você era
pequeno.
Francisco: É, eu deveria ter uns 10, 12 anos. A gente tem sete anos
de diferença. Eu deveria ter uns 11, 12 anos.
Nádia: Não, não tinha internet, ligação era cara, mas mesmo assim
minha irmã fazia questão de ligar pelo menos uma vez a cada dois
ou três meses pra saber como estava a situação aqui em casa. Só
que meus pais, também, como eles sabiam que a ligação era cara,
tentavam diminuir ao máximo a conversa, só falavam como é que es-
tava tudo e tal, e queriam desligar.
Francisco: Meu pai veio pro Brasil com 18 anos e minha mãe deve
ter vindo menor, lá pelos 15 anos. Meu pai é de trinta e cinco. Quase
na década de 50. Foi no pós guerra. O país estava naquela crise,
não se tinha emprego, não se tinha comida, aí o Governo Japonês
230
disse quem quiser ir pro Brasil a gente dá a passagem. Meus avós fi-
caram de vir pro Brasil, meu pai estava fazendo uma faculdade no
Japão, aí falaram, você não pode deixar seus pais irem sozinhos pra
outro país. Aí no dia ele saiu da faculdade, o pessoal já tinha embar-
cado no navio. Ele saiu correndo, só com a roupa do corpo e embar-
cou no navio. Não trouxe roupa nem nada. Só com a roupa do corpo.
Francisco: Nem sabia o que era o Brasil. Meus avós sabiam mais ou
menos pela informação que o Governo deu pra eles, tal. Mas meu
pai não tinha essa ideia de vir. Meio que foi de ultima hora. Vou ter
que ir. Pegou e foi.
Nádia: Então, você pequeno aqui, a sua irmã lá e seus pais aqui
também.
Francisco: Sim.
Francisco: Eu, na primeira vez fui pra Nagoya. Depois voltei pro Bra-
sil, na segunda vez eu fui pra Mie-ken, aí eu fui pra Fukuchama, vol-
tei pra Mie-ken ai voltei pra Fukuchama de novo.
Nádia: Você nunca foi pra Hamamatsu que tem muito brasileiro?
231
Nádia: Então nesse período que você ficou lá, você se relacionava
mais com nihon-jin mesmo?
Francisco: Sim. Só que com a gente foi pouco, por que a gente en-
tendia o japonês. Então muitas vezes, se evitava falar perto da gen-
te, porque eles sabiam que a gente entendia. Agora o pessoal que
não entendia, eles falavam mesmo. Eu mesmo, assim, foram poucas
vezes. Eu sei que existem muitos casos de preconceito, mas comigo
e com minha esposa acho que não foi tanto. Foram casos bem pon-
tuais.
Nádia: E na primeira vez seu amigo foi mas voltou depois de seis
meses. Você não ficou preocupado em ficar sozinho?
Francisco: Não, tanto que a gente sempre procurava ficar meio dis-
tante. A gente tentou ficar meio distante, só pra visitar.
Francisco: Olha, na primeira vez que eu fui pro Japão, nesse um ano
e meio que eu fiquei lá, eu encontrei com ela uma vez, talvez, e con-
versamos por telefone algumas vezes. Mas não era aquele negócio
de toda semana estar ligando, não. Não era assim.
Francisco: Sim. A cada dois ou três meses eu ligava pra ela. Ela me
ligava, pra saber se estava tudo bem. Normal.
Nádia: A ultima vez que você voltou foi em 2008. Não pensou em
voltar pra lá de novo? Foi bem quando começou a crise né?
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Francisco: Não, porque pra você usar essa passagem não poderia
voltar durante três ou cinco anos. A gente só ficou sabendo disso
depois que a gente chegou. Que mais gente foi cortada, que não ti-
nha mais ninguém da empreiteira.
Francisco: Sim.
Nádia: Porque muitos querem ter filhos lá, criar lá, gostam da educa-
ção japonesa...
234
Francisco: Sim. É que ele fica assistindo muito canal japonês, e ele
vê como é que está indo o Japão. e na cabeça dele, não entra que o
Japão está daquele jeito. Que nem, tem muita facilidade, o pessoal
fica vagabundo. Não gosta de pensar, então, meu pai fica p# da vida
com isso.
Francisco: Por isso que ele fala que se voltasse não se acostumaria.
Apartamento que passa na TV ele olha e fala, que cubículo. Aqui ele
tem uma casa confortável, que minha irmã deu pra ele. Tem muito
espaço. Ele fala, não vou trocar isso aqui por um apartamento mi-
núsculo.
de razoável. O meu pai até que se vira, minha mãe não consegue se
virar.
Nádia: Porque teve essa coisa na sua família, já que seus pais são
japoneses, do chonan, das tradições?
Nádia: E o butsudan...
Francisco: Sim, nós tínhamos. A minha avó e meu avô eram fieis
mesmo, aquela coisa de rezar três vezes ao dia. De manhã, a tarde
e a noite. Uma hora cada sessão. Então a gente tinha o butsudan em
casa, e permaneceu até a morte da minha avó. Depois que ela fale-
ceu, teoricamente meu pai teria que assumir, mas meu pai não tinha
tempo, por causa do comércio, tudo, aí meio que se afastou da reli-
gião. Ai a gente devolveu o pergaminho pra sokagakai. Aí o butsudan
mesmo eu não sei o que aconteceu. Deve ter jogado fora, alguma
coisa assim. Mas o pergaminho foi devolvido pra igreja.
236
Francisco: O meu pai eu não sei o que ele pensa. Mas o que ele
sempre disse pra gente é o seguinte, que ele criou os filhos pro
mundo. E nunca vai chegar e dizer, não, eu quero que você fique do
meu lado. Claro que quer, mas nunca vai pegar e falar, não, você
tem que seguir seu caminho. Então quando a gente estava no Japão,
eu ligava pra ele a cada três meses. Já cheguei a ficar quatro, cinco
meses sem ligar pra ele, pra casa. A minha irmã já liga, antes ela li-
gava quase todo mês. Agora a cada dois, três meses ela liga. Mas
ela sempre esta mandando coisinhas. De vez em quando eu encon-
tro com minha irmã na internet, a gente conversa. Mas é raro porque
não batem os horários.
Francisco: Assim, que nem eu tinha falado com minha esposa, até
ele vir pra casa, eu sei, eu vi ele nascer, tudo, mas ainda não tinha
caído a ficha de que ia ser pai. A gente nunca esta preparado pra is-
so, por mais que você ache que esteja preparado, não vai estar. Hoje
eu vejo assim, que a coisa mais importante pra mim é ele. Hoje mi-
nha família seria meus pais e ele. Mas eu não sei te definir exata-
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mente, se mudei minha ideia de família. Acho que não. Creio que
não.
Francisco: Sentir falta eu até sinto, mas é que hoje eles têm a vida
deles, eu tenho a minha vida. Mas são meus pais, eu não vou deixar
de ir lá nunca. Mas acho que nosso contato sempre foi assim mes-
mo, nunca demos muito afeto assim, sempre uma relação de pai e fi-
lho, só que mais respeitoso, nada de contato direto, tanto que fui pro
Japão e não tive problema nenhum em ficar por lá. Falar que entrei
em depressão, não tive nada disso. Pra mim foi uma alegria, diga-
mos assim. Você sai de casa, consegue sua independência. Mas
nunca esquecia deles né. Só que a gente não tem aquele contato,
muito contato. Não que a gente não se goste.
Francisco: Foi meio complicado porque você volta pra casa dos seus
pais, tem as regras deles. Quando você tem a sua casa, é a sua re-
gra, mas na casa deles tem que seguir.
Francisco: Não, a gente voltou, cada um foi pra sua casa. Eu fui pra
minha casa, ela pra dela e a gente se encontrava final de semana.
Mas a gente tinha que seguir as regras da casa. Meus pais gostam
que na refeição você fique à mesa, toda a refeição, não pode ser,
vou almoçar agora, ou vou almoçar depois.
Francisco: Sim, sempre foi. Pelo menos a refeição era uma hora sa-
grada. Tinha que estar todo mundo à mesa. Sábado eu voltava de
madrugada, ia pra balada, ia dormir oito horas da manhã, e o almoço
era 10:30. Almoço eu tinha que estar à mesa.
Nádia: De ressaca.
Francisco: O japonês vai ficar a cargo do meu pai, ele já falou. Já fa-
lei com ele. Ele disse, japonês deixa que eu ensino quando ele esti-
ver aqui em casa.