Expansão Neopetencostalismo
Expansão Neopetencostalismo
Expansão Neopetencostalismo
O conteúdo das obras é de responsabilidade exclusiva dos seus autores, a quem pertencem os
direitos autorais. Reserva-se ao autor (ou detentor dos direitos), a prerrogativa de solicitar, a
qualquer tempo, a retirada de seu trabalho monográfico do DUCERE: Repositório Institucional da
Universidade Federal de Uberlândia. Para tanto, o autor deverá entrar em contato com o
responsável pelo repositório através do e-mail recursoscontinuos@dirbi.ufu.br.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE HISTÓRIA
INTRODUÇÃO
9
CONSIDERAÇÕES FINAIS
61
FONTES
63
1
8A YA, Silvio Caccia. Quem pode fa:er? ln: Le Monde Diplomatiquc Brasil, nº 13. São Paulo:
Instituto Pólis. Agosto de 2008, p. 3.
9
Um dos possíveis caminhos que as pessoas visualizam para resolver, ou pelo
menos amenizar, seus problemas familiares, espirituais, financeiros, amorosos, entre
outros, encontra-se no campo religioso. A religião parece estabelecer um ordenamento
coerente naquilo marcado pelo caos e pelas incertezas, e as pessoas que a procuram
fazem isso de forma consciente, e não de forma alienada e manipulada, como defendem
muitos dos estudiosos da temática religiosa. Na sociedade brasileira atual, presenciamos
um verdadeiro hoom das igrejas evangélicas, com uma simultânea proli.feração
quantitativa de seus fiéis a níveis extraordinários. Destas igrejas, as que mais vêm se
destacando são as igrejas neopentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus,
Internacional da Graça de Deus e Renascer em Cristo, e que começaram a ser fundadas
no final da década de 1970. Possuem atualmente enorme visibilidade, provocando um
remodelamento do espaço urbano e da esfera religiosa, além de alterar as formas como
se inserem na sociedade de modo geral.
E é exatamente neste ponto que esta monografia é situada. Ela surgiu a partir de
várias indagações minhas diante desse crescimento surpreendente das igrejas
evangélicas nas cidades brasileiras e particularmente em Uberlândia, a cidade onde
nasci~cresci e onde hoje me localizo. Andando pelas ruas, conversando com pessoas
que apresentavam forte fervor religioso, recebendo exemplares do jornal Folha
Universal em minha residência, assistindo a programas televisivos evangélicos,
discutindo com amigos sobre o tema; tudo isso colaborou para que uma infinidade de
questionamentos viesse à minha mente. Por que essas igrejas evangélicas, em especial
as neopentecostais, se expandem tanto assim no tempo atual? O que motiva as pessoas a
ingressarem nestas igrejas? Quais são as visões de mundo e os projetos de sociedade
que estes grupos carregam? De que fonna os diversos sujeitos inseridos nestas igrejas
constroem significados e sentidos para suas vidas com base em suas trajetórias e
práticas religiosas? Como essa expansão neopentecostal remodela e reconfigura as
cidades brasileiras? Como estes sujeitos e grupos se localizam em meio às disputas,
tensões e conflitos inerentes ao espaço urbano?
Diante de tais questionamentos decidi iniciar a pesquisa, a fim de tentar
compreender melhor este assunto e não simplesmente vislumbrar obter respostas
definitivas, algo que em qualquer produção historiográfica verifica-se impossível. Em
busca de fontes e referências teórico-metodógicas para ajudar na pesquisa, fiquei de
certo modo surpreso quando constatei que a temática da religião, em sua acepção geral,
ainda é pouca valorizada pelos historiadores brasileiros. No caso das chamadas igrejas
10
neopentecostais a situação é ainda pior em relação à essa ausência da historiografia,
sendo que, dentre os trabalhos acadêmicos do Instituto de História da UFU nessa área, o
único que realmente tive contato e me auxiliou bastante foi a monografia de Rodrigo
Lopes, que fez uma interessante análise sobre os sujeitos que freqüentam a Igreja
Universal. Porém, o que mais contribuiu para o desenvolvimento desta pesquisa foi,
sem dúvida alguma, a orientação do professor Paulo Roberto de Almeida, que além de
ter muita paciência comigo e com minhas dificuldades analíticas, constantemente me
fazia refletir sobre cada aspecto da pesquisa, no sentido de desconstruir velhos
paradigmas e repensar os referenciais teóricos e metodológicos com os quais eu
assimilava. Com isso, me lancei à pesquisa de fato e me deparei com algumas
dificuldades naturais decorrentes de um tema tão polêmico quanto é a questão religiosa.
Quem nunca assistiu ao programa, transmitido pela TV Bandeirantes, do
saltimbanco pastor Silas Malafaia, marcado por suas pregações recheadas de
brincadeiras. chacotas e malabarismos? Ou ao programa "Show da Fé", apresentado por
R. R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, um homem de voz serena e
profundo conhecedor dos caminhos que levam à graça divina? Ou ainda, quem nunca
assistiu aos incontáveis programas de TV da Igreja Universal, como o "Ponto de Luz" e
o " Fala que eu te escuto", transmitidos por várias emissoras, destacando-se a Rede
Record? Quem nunca assistiu a nenhum destes programas ou outros similares, que atire
a primeira pedra...
O fato é que, como afinna Ricardo Mariano, "só não os vê quem,
decididamente, não quer vê-los". 2 É muito difícil não percebennos a expansão
neopentecosital nas cidades brasileiras, pois a cada dia são fundadas novas igrejas. Em
Uberlândia, por exemplo, temos grandes templos religiosos na área central da cidade,
como os templos da Igreja Universal e da Internacional da Graça de Deus, sem
mencionar aqueles de pequeno e médio porte, em termos de espaço físico, que se
proliferam tanto nos bairros periféricos quanto nos bairros de maior poder aquisitivo.
O termo "neopentecostalismo" é muito empregado por sociólogos,
fundamentalmente para diferenciar as igrejas evangélicas fundadas no Brasil a partir da
década de 1970 daquelas criadas anteriormente. Em linhas gerais, as igrejas evangélicas
costumam ser divididas em protestantes históricas (Luterana, Presbiteriana,
Congregacional, Anglicana, Metodista, Batista, Adventista), em pentecostais
11
(Congregação Cristã no Brasil, Assembléia de Deus, Evangelho Quadrangular, Brasil
Para Cristo, Deus é Amor, Casa da Benção etc.) e neopentecostais (Universal do Reino
de Deus, Internacional da Graça de Deus, Renascer em Cristo, Sara Nossa Terra etc.).
Basicamente, o pentecostalismo (e essencialmente também o neopentecostalismo)
distingue-se do protestantismo histórico por pregar a crença na contemporaneidade dos
dons do Espírito Santo, entre os quais se destacam os dons de línguas (glossolalia), cura
e discernimento de espíritos, e por defender a retomada de crenças e práticas do
cristianismo primitivo, como a cura de enfermos, a expulsão de demônios, a concessão
divina de bênçãos e a realização de milagres. 3
Antes de prosseguir, torna-se necessário discorrer sobre alguns pontos que
norteiam esta monografia. Ao mesmo tempo em que a proposta central cons iste em
problematizar o avanço das chamadas igrejas neopentecostais na sociedade brasile ira,
estabelecendo, para isso, relações com a sociedade de consumo na qual estamos
inseridos, não tenho qualquer pretensão de tentar definir extensivamente ao longo do
texto o que muitos pesquisadores da religião denominam de neopentecostalismo.
Sabemos muito bem que a aplicação de definições conceituais em processos sociais
marcados pela mudança, por contrastes e disputas a todo instante, resultam em uma
série de implicações e discussões teóricas e metodológicas, gerando problemas que
podem ser prejudiciais para o desenvolvimento da pesquisa, já que conceitos fechados
tendem para a homogeneização, encerrando uma idéia de totalidade que apaga,
justamente por isso, outras possibilidades de interpretação da temática em destaque.
O ato de priorizar categorias fixas, abstratas e puramente analíticas, em
detrimento do processo histórico real, é o mesmo que ignorar a constituição deste por
4
sujeitos sociais reais, com interesses, valores e anseios também reais e corncretos.
Como o historiador E. P. Thompson nos indica quando discute o conceito de classe5 , a
pesqui sa não deve ser processada da teoria para a prática, mas sim da prática para a
3
A esse respeito ver: MARIANO, Ricardo. Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal.
Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, 2004. Fonte:
<hllp:/iwwv~.,scielo.br/scielo.php?scri12t=~çLª.rttext&Jl.i,d=SO 103-4014200400030001 O&lng=en&nrm=isQ.
Acesso em: 10/ 05/07.
4
VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo e outros. A pesquisa em História. São Paulo: Ática, Iª ed., 1989, p.
9.
5
Para Thompson, "classe" é um fenômeno histórico "que unifica uma série de acontecimentos díspares
e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como na consciência " . A noção
de classe traz consigo a noção de relação histórica, sempre encarnada em pessoas e contextos reais. A
classe não pode ser vista como "estrutura'' ou como uma "categoria", mas como algo que ocorre
efetivamente nas relações humanas. THOMPSO N, E. P. A formação da classe operária inglesa. Rio de
.Janeiro: Paz e Terra, 1987, pp. 9-12.
12
teoria, ou seja, da pesquisa empírica para a formulação teórica. Se o conceito de
neopentecostalismo é aqui usado, está incorporado ao texto no sentido de representar
uma alteração - não uma ruptura total - no âmbito das igrejas evangélicas brasileiras em
meados da década de 1970 em diante, desconsiderando generalizações e características
cristalizadas que tendem a uniformizar tanto os fiéis quanto as várias denominações em
seu bojo.
Também optei por não desenvolver minuciosamente sobre o histórico das igrejas
evangélicas no Brasil, que necessitaria por si só de uma análise que ocuparia certamente
várias páginas, remetendo aos contextos em que surgiram as primeiras igrejas
protestantes, passando pela fundação das igrejas consideradas pentecostais, para
somente aí discutir o panorama sócio-religioso atual, marcado principalmente pela
emergência das igrejas neopentecostais. Acredito que a bibliografia destacada no texto
pode proporcionar maiores detalhes para aqueles que tiverem interesse em aprofundar
seus estudos sobre a presença histórica das igrejas evangélicas no Brasil e no mundo,
não necessitando, por isso mesmo, de ficar discorrendo (e simplesmente reproduzindo)
nesta obra estes itens bastante vastos e complexos.
Através das atividades de orientação consegui assimilar que, enquanto
historiadores, não carregamos a arte e o poder de "dar vozes" a sujeitos distantes de nós
apenas pelo simples fato de pesquisar temas relacionados de alguma forma com a vida
deles, como muitos pesquisadores e profissionais das ciências humanas ainda acreditam
fazer, com produções destinadas a ''dar voz aos excluídos". O grande problema é que
estes sujeitos já têm "voz", independentemente da vontade e destreza de pesquisadores
acadêmicos ou de repulsivos vanguardistas. Em muitos casos, nós do meio acadêmico é
que não damos a atenção necessária ou não queremos reconhecer este aspecto. Com
isso, esta monografia não tem a pretensão, nem sequer o direito, de falar em nome dos
sujeitos que freqüentam a Jgreja Universal, pois eles já possuem capacidade suficiente
para pensarem e agirem socialmente por conta própria.
Além de outros aspectos, essa pesquisa que desembocou na produção
monográfica serviu para desconstruir antigas concepções minhas em relação à religião,
ao mesmo tempo em que outras iam sendo construídas. Em primeiro lugar, a associação
entre religião e alienação, que para mim parecia tão próxima e simples, foi revisada. As
pessoas não vão à igreja porque facilmente são manipuladas pelos discursos presentes
no aparato midiático da denominação religiosa, mesmo porque se isso fosse de fácil
constatação o número de fiéis aumentaria exponencialmente. Elas vão para a igreja em
13
busca de solucionar distintos problemas enfrentados em seu cotidiano, dificuldades que
encontram afinidade com aquilo que é destacado e divulgado pela igreja, como a
possibilidade de prosperarem materialmente, curar algum tipo de doença, fazer com que
algum familiar que usa drogas fique livre daquele vício, reatar os laços com o cônjuge,
sair de um estado emocional marcado pela depressão, dentre várias outras adversidades.
Em segundo lugar, aprendi a respeitar os fiéis da igreja, algo que não me era tão
fácil de assimilar anteriormente, por causa de meu posicionamento crítico diante da
questão religiosa. Após entrevistar alguns fiéis e conversar com outros, consegui
perceber a multiplicidade de sujeitos ali presente, a grande maioria composta por
trabalhadores, cada qual com suas trajetórias de vida específicas, suas angústias, seus
anseios, enfrentando problemas cotidianos que muitas vezes estão fora do meu
conhecimento, e que, por isso mesmo, não me confere em hipótese alguma o direito de
contestar a fé e os motivos pelos quais cada um freqüenta a igreja, cabendo-me o dever
de respeitar as diferenças, o que também não é uma tarefa simples.
Contudo, as minhas críticas contra a religião institucional não cessaram. Entendo
o termo " instituição" como uma organização, órgão ou entidade regida por um conjunto
de normas e práticas válidas, às vezes de modo rígido, para todo o corpo de pessoas que
a compõe, dentro de um sistema hierárquico pré-definido pelas respectivas lideranças.
Em sua vertente religiosa, recorrendo ao caso do cristianismo, representaria além disso
determinadas igrejas dotadas de um corpo de funcionários encarregados de promover a
difusão da fé cristã, dentro de uma perspectiva dogmática ou a partir de uma leitura
específica da bíblia, que carrega em si uma visão de mundo particular, antenada com os
interesses dos grupos e sujeitos que agem em nome dela. Nesse viés, a denominação,
como "[greja Católica", " Igreja Universal", entre outras, quando obtém notoriedade,
passa a ser encarada enquanto uma força social representativa de interesses, valores e
concepções específicos que são defendidos e reafirmados em espaços sociais marcados
por disputas incessantes. Na religião institucionalizada, ainda de acordo com meu ponto
de vista, a denominação e todos os interesses dos grupos a ela ligados são colocados em
primeiro plano, em detrimento da própria fé. Em outras palavras, a fé não precisa de
estar ligada necessariamente à alguma instituição religiosa para ser praticada.
Destacados estes itens, passemos agora às fontes utilizadas na produção desta
monografia. A metodologia empregada consiste na análise de 94 exemplares do jornal
oficial da IURD, a Folha Universal, coletados entre o final de 2005 e início de 2009. O
pressuposto teórico-metodológico utilizado no referente à análise do jornal Folha
14
Universal parte do princípio de que os jornais modelam formas de pensar e agir, de
acordo com os interesses dos grupos sociais a que pertence. Nessa linha de raciocínio,
muito contribuiu para as reflexões em torno da produção social da imprensa o artigo de
Laura Antunes Maciel, intitulado "Produzindo notícias e histórias: algumas questões
em torno da relação telégrafo e imprensa - 1880/1920'', contido no livro "Muitas
memórias, outras histórias".6
A análise das fontes escritas não seria proveitosa se encerrasse em si mesmas
todo o trabalho de reflexões, indagações e discussões de que uma pesquisa é composta.
Um jornal não é produzido de forma espontânea e despretensiosa, pois há todo um
sentido na sua construção. Diversos sujeitos e grupos sociais estão por trás de sua
concepção, expressando seus valores, visões de mundo e defendendo seus interesses. A
imparcialidade da imprensa é um mito, mesmo porque a "imprensa" propriamente dita
não existe; o que existe são pessoas de carne e osso encarregadas de sua produção,
pessoas imersas num tecido social bastante complexo e dispostas a concretizar seus
anseios.
Nessa perspectiva, a leitura do jornal Folha Universal foi acompanhada de
visitas esporádicas ao Templo Maior da Igreja Universal em Uberlândia, principalmente
nos cultos de domingo e em "Sessões do Descarrego", realizadas às terças-feiras.
Nessas visitas, minha intenção consistia em tentar conhecer melhor o universo de
simbologias, crenças e ritos que os fiéis assimilam e compartilham tanto no espaço da
igreja quanto em suas vidas cotidianas de modo geral. As conversas ocasionais que
ocorriam com os fiéis, somadas às minhas mínimas experiências no que poderíamos
denominar de "espaço iurdiano", não objetivavam fazer com que eu pensasse enquanto
um fiel, o que é praticamente impossível, pois não sou cristão, não freqüento a igreja de
forma assídua, e muito menos compartilho as crenças e valores religiosos que,
presumivelmente, um fiel da Igreja Universal possui. O contato com a igreja e com os
fiéis era delineado no sentido de tentar compreender e problematizar diferentes aspectos
da temática pesquisada.
Além disso, foram feitas algumas entrevistas com fiéis, cujas narrativas me
possibilitaram mergulhar em todo um conjunto de referenciais culturais, vivências,
valores e crenças peculiares, oferecendo novas perspectivas em relação a como estes
sujeitos conferem significados e sentidos especiais às suas vidas, as quais possuem em
6
FENELON, Déa e outros. Muitas Memórias. Outras Histórias. São Paulo, Olho D' Agua, 2005, pp. 14-
40.
15
um de seus mais importantes eixos a fé que praticam na igreja. As entrevistas foram
precedidas de discussões acerca da História Oral e suas possibilidades para o
desenvolvimento de múltiplas temáticas a serem pesquisadas e estudadas, dentre elas a
temática religiosa.
O fato de privilegiar ao longo do texto as discussões em torno de diferentes
aspectos, com possibilidades de interpretações absolutamente amplas, sobre o jornal
Folha Universal, não significa necessariamente que julgo as fontes escritas como mais
importantes que as fontes orais, mesmo porque ambas não podem ser separadas, pois
são produzidas socialmente por sujeitos conscientes de suas ações e intenções. A ênfase
no jornal iurdiano deve-se sobretudo em função de escolhas que fiz a partir da vasta
quantidade de exemplares adquiridos e pelas minhas várias indagações a respeito de
distintos elementos em evidência no jornal.7
Em termos de estruturação, o texto divide-se em dois capítulos. No capítulo 1,
tentei desenvolver, refletir e interpretar o diálogo que se estabelece entre a TURD e a
sociedade brasileira nas páginas da Folha Universal, buscando identificar quais são os
principais temas que estão sendo discutidos e como eles aparecem e são abordados,
problematizando a disputa e construção de uma visão de mundo representativa dos
grupos ligados à Igreja Universal.
Nos subtópicos do primeiro capítulo tento brevemente discutir a liberalização de
alguns costumes pela lURD, que visa atrair cada vez mais pessoas para a igreja, para
depois discutir a disputa iurdiana8 contra o catolicismo nas páginas da Folha Universal,
discorrendo sobre como, através de uma linguagem que ser afirmar como universal e
imparcial, os editores do jornal iurdiano tentam combater a influência católica na
sociedade brasileira, para isso desqualificando-a enquanto doutrina cristã, ao mesmo
tempo em que valorizam e enaltecem o avanço da Igreja Universal e seu "trabalho",
visto como essencialmente benéfico para o Brasil e ao mundo. Logo após esses itens,
destaco o ingresso de membros da Igreja Universal na política partidária, aspecto que
recebe notável espaço na Folha Universal. A seleção da incursão iurdiana na política
partidária como aspecto relevante não significa necessariamente que eu considere o
Sobre o debate dos sujeitos que freqüentam a Igreja Universal no âmbito das discussões teórico-
metodológicas acerca das fontes e narrativas orais, buscando compreender o crescimento da doutrina
neopentecostal e as suas relações com a cultura e com as alterações econômicas da sociedade brasileira
contemporânea, ver: LOPES, Rodrigo Barbosa. Relações. dísputas e valores: um estudo sobre os.fiéis da
Igreja Uníversa! em Uberlândía. Monografia de conclusão de curso, sob orientação do Prof' Dr. Paulo
Roberto de Almeida. Instituto de História: Universidade Federal de Uberlândia, 2008.
8
O termo iurdiano refere-se à IURD (Igreja Universal do Reino de Deus). Alguns autores utilizam o
termo "universal" para designar os membros da IURD.
16
termo "política" como restrita meramente ao plano institucional. Entendo política como
algo vinculado com todas as posições e atitudes praticadas no nosso dia-a-dia. como,
por exemplo, não possuir religião ou votar nulo, ambos os casos em que me enquadro
perfeitamente, diga-se de passagem.
Optei por colocar esses elementos em subtópicos, de modo a indicar algumas das
escolhas que fi z dentre as várias possibilidades de análise no jornal Folha Universal,
sabendo, entretanto, que cada um destes aspectos abordados neste trabalho merecem e
exigem níveis de discussões e reflexões absolutamente amplos, cuja presente
monografia não contempla devido ao recorte do objeto, falta de espaço ou por simples
despreparo e imaturidade analítica de minha parte.
Já no capítulo 2 discuto a chamada "Teologia da Prosperidade", um discurso que
defende que o cristão pode e deve alcançar a prosperidade material através da prática da
fé trabalhada pela Igreja Universal e demais igrejas neopentecostais, cujas lideranças
associam esse sucesso material com a realização de ofertas e a entrega do díz~mo por
parte dos fiéis para que seus anseios sejam absolutamente concretizados. Neste capítulo
são destacados alguns testemunhos, contidos no jornal, de fiéis que supostamente
transformaram suas vidas para melhor, seja no campo financeiro, espiritual, familiar ou
outro tipo, narrativas sempre divididas entre o "antes" e o "depois" do ingresso na
lURD. A ênfase em relação ao dízimo feita pelas lideranças iurdianas em seu jornal
oficial não significa, é bom ressaltar, que todos os sujeitos que freqüentam a igreja
introjetem esse discurso utilitarista, de modo simples e passivo; afinal aceitar isso
pressupõe ignorar a própria capacidade de pensar, agir e refletir que estes múltiplos
sujeitos possuem. Também não quero afirmar que a prática religiosa destes sujeitos
esteja resumida apenas à questão financeira e muito menos que o dízimo seja o principal
elemento norteador desta prática. O que pretendo abordar é o amplo destaque que a
chamada Teologia da Prosperidade detém na Folha Universal e como as lideranças
iurdianas constroem esse tipo de discurso, problematizando a argumentação utilizada e
as relações deste discurso com a sociedade atual, marcadamente individualista e
consumista.
Por fim, volto a agradecer a meu orientador Paulo Roberto de Almeida, que além
de sua notável contribuição, me concedeu grande margem de autonomia para produzir
esta monografia, possibilitando que em vários momentos eu mesmo refletisse sobre os
rumos do trabalho, pensando e errando por conta própria. lsso fez com que eu realmente
me identificasse enquanto autor, algo que infelizmente não é a regra geral no meio
17
acadêmico. Neste sentido, os acertos são conjuntos, ao contrário dos equívocos ,e erros,
que são inteiramente de minha responsabilidade.
18
CAPÍTULO 1
9
A Universal é proprietária de várias empresas: TV Mulher, Rede Record (com 63 emissoras, sendo 21
delas próprias), 62 emissoras de rádio no Brasil, Gráfica Universal, Editora Universal Produçôcs,
Ediminas S/A (que edita o jornal Hoje em Dia, de Belo I lorizonte), Line Records (gravadora), Uni Linc
(empresa de processamento de dados), Construtora Unitec, Uni Corretora (seguradora), Frame (produtora
de vídeos), New Tour (agência de viagens), entre outras. No exterior, a Universal possui emissoras de
rádio e TV e instituições financeiras. Fonte: MARJANO, Ricardo, op. cit., 2004.
19
ocorreram basicamente três mudanças estruturais do jornal, que ocasionaram na
duplicação do número de páginas de 16 para 32 e na diversificação de suas colunas nos
moldes de grandes publicações do gênero, com a divisão em editorial, entrevistas,
economia, política, grito dos aflitos, reportagem de capa, notícias internacionais,
medicina, o lhar feminino, antena e esporte. As reportagens mais facil mente
identificadas com assuntos e opiniões de membros da Igreja Universal estavam
inseridas em colunas específicas, como "Casos incríveis", "Aconteceu na Universal'',
" lURD nacional" e "IURD internacional". Essa tentativa de discriminar os assuntos
relacionados a um viés religioso e à Igreja Universal dos assuntos "gerais", comuns a
toda a sociedade e supostamente dissociados de concepções religiosas inerentes aos
iurdianos responsáveis pelo periódico, ganhou impulso com a criação da "Folha IURD",
que passou a reunir em si todos os temas referentes ao âmbito iurdiano no plano
nacional e internacional.
De acordo com este modelo estrutural, a Folha Universal seria compartimentada
em duas: de um lado, a "Folha IURD", compreendida entre as páginas 13 e 20 (1 i-8i),
abordando temas relevantes e específicos da Igreja Universal, como opiniões de seus
membros, testemunhos de fiéis, política partidária, consultas espirituais, orientações
para as mulheres e realizações da igreja no Brasil e no mundo; de outro, nas páginas 1-
12 e 2 1-32 ( ou 1-24), todas as outras notícias que teoricamente extrapolariam o campo
religioso e que, por isso mesmo, deveriam ser tratadas de modo " imparcial" e
desarraigadas das influências que a proposta religiosa concebida por seus editores
poderia englobar. Deste modo, temas cotidianos como a violência, saúde, economia ou
educação seriam abordados sem interferências de crenças e valores religiosos, portanto,
dentro de uma linguagem que se quer afirmar como imparcial ao mesmo tempo em que
tenta obscurecer o lugar social de onde falam os sujeitos encarregados da publicação da
Folha Universal.
Quando trabalhamos com jornais devemos essencialmente buscar desvendar os
sign ificados. interesses e tensões que pontuam a produção dos registros neles contidos,
entendendo os jornais como fontes que organizam narrativas sobre um determinado
tempo histórico, atuando como uma força ativa e em disputa constante no que condiz à
e laboração de construções históricas e na formação da opinião pública. A crítica à
imparcialidade e universalidade reivindicadas pela imprensa se faz necessária,
problematizando seu papel no ordenamento da realidade social e na constituição de
memórias hegemônicas. À esse respeito, a historiadora Laura Antunes Maciel propõe-
20
nos uma abordagem que tenha como foco as relações da imprensa com a produção
social da memória:
Para fazer avançar a problematização em tomo dos processos sociais
de constituição das fontes e linguagens com as quais trabalhamos,
creio ser necessário explicitar e diferenciar abordagens e formas de
trabalhar com a imprensa, refletindo criticamente sobre nossos
procedimentos e as questões que orientam nossa prática de pesquisa.
O ponto central de nossas reflexões passa por uma atenção às disputas
e lutas que marcam a produção social da memória, considerando a
imprensa um dos lugares privilegiados para a construção de sentidos
para o presente e uma das práticas de memorização do acontecer
social. Mas se quisermos intervir nas formas como se constroem
sentidos e interpretações para e no presente, creio ser necessário
refletir sobre a forma como se articulam no presente as diversas forças
capazes de produzir representações históricas, buscando as suas
conexões com instituições dominantes e o papel que jogam para obter
consenso e construir alianças nos processos de políticas formais.'º
A memória não está relegada apenas ao tempo passado e remoto. Ela é antes de
tudo uma força constituidora do processo social e histórico, uma força que é disputada
pelos diversos sujeitos e grupos que compõe a sociedade. Sendo a memória feita de
lembranças e esquecimentos, isto é, apresentando caráter seletivo, ela pode servir a
diferentes fins, seja para justificar a ordem vigente ou para contestá-la, sendo expressa
nas mais variadas linguagens e esferas da sociedade. Dentro dessa lógica, a memória
histórica exerce papel decisivo, constituindo uma força capaz de embasar e naturalizar
privilégios, hierarquias, práticas repressivas e desigualdades sociais, raciais e/ou de
gênero.
Os jornais representam um importante espaço em que seus proprietários, e
grupos de interesses a eles associados, selecionam quais as notícias a serem publicadas e
os elementos que devem merecer ênfase nas páginas da publicação, definindo quais
aspectos da realidade que serão colocados em debate público, sempre a partir de uma
ótica pautada pelo atendimento de seus anseios. Ao eleger determinadas interpretações,
comportamentos, sujeitos e experiências consideradas válidas, prioritárias e
memoráveis, silenciam sobre outras interpretações da realidade vivida, que por diversos
motivos não recebem a aprovação de seus editores.
Assim como outros jornais, na análise da Folha Universal precisamos refletir
sobre como esse meio de comunicação passa a mediar e participar das trocas e relações
10
MACIEL, Laura Antunes. "Produzindo notícias e histórias: algumas questões em torno da relação
telégrafo e imprenrn - 1880/1920". ln: FENELON. Déa e outros. Muitas Memórias, Outras Histórias.
São Paulo, Olho D' Agua, 2005, p. 15.
21
entre os habitantes das cidades brasileiras, lugares onde estão localizados os sujeitos
para os quais o periódico é destinado preferencialmente, ao mesmo tempo em que
refletimos sobre as condições específicas de produção e as linguagens do jornal,
atentando aos modos como seus autores reelaboram demandas e interesses que vêm de
seu público alvo. 11 "Porque os jornais definem papéis sociais, entendemos que o
destinatário está presente o tempo todo, ora fornecendo os parâmetros do discurso
através da idealização que emissor faz dele, ora como tipo padrão de leitor que o
emissor quer formar". 12
A Folha Universal tenta criar uma escrita universal, com um enfoque mediador e
acolhedor das diferenças e dos problemas que múltiplos sqjeitos enfrentam em seu
cotidiano. lsso é explícito na coluna "Grito dos Aflitos", que em toda edição destacava
as dificuldades presentes na sociedade brasileira e especialmente em diversas categorias
profissionais, constituindo-se num espaço aberto para que trabalhadores pudessem
expor seus problemas e as dificuldades enfrentadas por cada um no dia-a-dia. Um
espaço reivindicado por estes trabalhadores freqüentemente ignorados pelo poder
público e por parte da sociedade, que os responsáveis pela publicação da Folha
Universal tentam "agregar" ao seu proveito, numa idéia de que a Igreja Universal acolhe
todas as pessoas, independente de sua origem social, racial ou até mesmo religiosa.
Costureiras, caminhoneiros, bancários, músicos, controladores de vôo, artesãos,
cozinheiros, engenheiros, contadores, professores e outros trabalhadores são convidados
a falar sobre suas dificuldades profissionais e suas perspectivas para a melhoria de suas
condições die trabalho. A coluna também abordava temas mais amplos, trazendo
depoimentos de pessoas vítimas da violência que assola a sociedade, as principais
reivindicações dos deficientes físicos e as limitações do salário mínimo para os
trabalhadores de baixa renda, por exemplo. Enfim, um espaço aberto para que todos
pudessem relatar seus problemas, suas críticas e suas aspirações, evidentemente com
muitas limitações, já que o jornal "assimila interesses e projetos de diferentes forças
sociais que se opõem em uma dada sociedade e conjuntura, mas os articula segundo a
11
Sobre o conceito de mediação e as discussões que envolvem os meios de comunicação de massa
focado~ na incorporação de demandas populares que estes fazem, à luz do conceito de hegemonia, ver:
MARTIN-BARBERO, Jesus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ. 2ª ed. 2003.
12
V IEIRA, Maria·do Pilar de Araújo e outros. Op. cit., 1989, p. 54.
22
ótica e a lógica dos interesses de seus proprietários, .financiadores, leitores e grupos
. .
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Capa da edição nº 782 da Folha Universal, abordando entre outros assuntos o problema
do crescimento da criminalidade entre os j ovens brasileiros.
13
M!\CJEL. op. cit., p. 15.
23
No decorrer de 2008, a coluna "Grito dos Aflitos" e sua proposta foram diluídas
nas páginas do jornal, mantendo inalterado seu intento em trazer problemas sociais
diversos que afligem o país supostamente na visão dos sujeitos afetados por estes
problemas, dentro de uma linguagem que se quer afirmar como imparcial. Nessa
direção, a Folha Universal, na grande maioria de suas edições, traz reportagens
investigativas e críticas sobre determinadas mazelas sociais típicas da sociedade
brasileira, recorrendo geralmente a opiniões de terceiros com a intenção de tornar a
linguagem deste meio de comunicação "neutra" de valores religiosos, mas sempre
abordando cada assunto segundo aquilo que os sujeitos que produzem o periódico
consideram importante recortar, editar e julgar, de acordo com a visão de mundo que se
quer estabelecer, isto é, inerente ao projeto de sociedade que as lideranças iurdianas
buscam concretizar.
Não devemos exagerar o alcance do jornal, já que o número de pessoas não-
escolarizadas ou que não possuem o hábito de ler freqüentemente é muito alto no Brasil.
Mesmo a Folha Universal sendo divulgada em uma tiragem considerada alta, isso não
significa necessariamente que todas as pessoas, tanto os fiéis da igreja quanto aqueles
que estão de fora dela, vão ler o jornal de maneira minuciosa ou; ao menos, de modo
superficial. Além dos fatores acima mencionados, existe o fato de que a maioria dos
fiéis é composta por trabalhadores que geralmente não possuem um tempo razoável para
despender para atividades como uma leitura extensiva, por exemplo, devido
principalmente à carga pesada de trabalho diário. A narrativa da fiel Irene Pereira pode
evidenciar esse argumento, ao afirmar que não lê muito o jornal devido à falta de tempo,
preferindo os programas de rádio e televisão da IURD:
Tarcílio: E aquele jornal Folha Universal... você apenas ... você ajuda na
evangelização, entregando os jornais ou você gosta de pegar e ler o
jornal? O que você acha do jornal Folha Universal?
Irene: o jornal é muito bom. ( ...) eu não leio muito não. O tempo que eu
tô lá eu devo ter lido uns quatro jornais só. ( ... ) É por falta de tempo
24
mesmo, né? Porque eu fico aqui [no local de trabalho] o dia inteiro, e
em casa, quando chego em casa, as ocupações domésticas, né? São
muitas. Às vezes eu vou dormir já meia-noite, uma hora da manhã,
ocupada... É, o rádio é mais... eu coloco ele ali e tô fazendo as minhas
atividades e tô ouvindo, né? É mais fácil , porque pra eu ler o jornal eu
tenho que parar, reservar, né? Ler, pra sentar, procurar um ... Mais aí é
14
meio que complexo, porque as atividades em casa são muitas ...
Mariza: É, assim, uns problemas familiar, né? Foi muita coisa... que
tava acontecendo, eu tava assim muito pra baixo, né? Tava
desempregada... Foi até na época que eu optei a fazer as faxinas ... Foi aí
que eu comecei a entrar na diária.
Mariza: Isso. Foi pela rádio, que a gente ouve todo dia, pela televisão...
a minha irmã também, recebeu o jornal, né? Através do jornal ela foi,
trouxe o jornal também pra gente, a gente foi lendo os testemunhos e foi
vendo que tinha a ver com a gente, né? Que aqueles testemunhos que
estavam acontecendo podiam acontecer com a gente também. Então, aí
a gente dedicou e tá lá até hoje.
14
Irene Teixeira Barbosa Pereira, natural de Unaí/MG. Veio para Uberlândia em 1990. Trabalha como
encarregada de serviços gerais, na empresa Itálica Serviços, no campus Santa Mônica da UFU. Começou
a participar das reuniões da Igreja Universal em abril de 2008. Entrevista realizada em 24/10/2008, no
local de trabalho de Irene.
25
Tarcílio: E o que você acha do jornal Folha Universal?
Mariza: Eu acho muito bom. Eu acho que foi assim ... levando a palavra
assim direta, né? Pra pessoa, que às vezes a pessoa não tem rádio, não
tem televisão, é uma pessoa carente que tá abandonada na rua, às vezes
procurando uma palavra amiga e não encontra, aí o jornal fala tudo. O
jornal, se ela sabe lê, ela vai ler o jornal, ela vai ver que a vida dela tem
sentido, tem como mudar, né? O jornal é muito importante. Eu leio toda
semana que eu pego, eu leio, passo pra frente. O meu irmão, aquele que
tava aqui, ele gosta também, eu já guardo o jornal pra ele ... o jornal é
muito importante.
15
Mariza Venâncio Ribeiro, 51 anos, natural de Jtumbiara/GO. Trabalha na função de diarista. Veio para
Ubcrlândia há 28 anos, em busca de melhores oportunidades de trabalho. Freqüenta a lgr~ja Universal
desde 2002. Entrevista realizada em 05/01/2009, na residência de Mariza.
26
sociais de origens distintas são recepcionados por "um outro que maneja com
16
dificuldade a sua própria língua e cultura, sem desqualificá-lo no seu fazer ".
Nessa perspectiva, a bem-sucedida presença da Igreja Universal na sociedade
brasileira - e em outros países - pode ser melhor compreendida se levarmos em conta
que a dinâmica do seu "papel evangelizador" não fica restrita à valorização da cultura
letrada, como muitos podem supor se o foco remeter-se ao vasto rol de publicações da
igreja, como a Folha Universal, a revista Plenitude, livros de Edir Macedo e outros
bispos, e mais uma infinidade de publicações a ela vinculadas. Como indicado
anteriormente, a cultura oral recebe especial tratamento pela igreja, estando presente nas
narrativas dos fiéis ou no modo como se desenvolve a fala dos pastores. Neste ponto é
conveniente citar Clara Mafra, quando nos chama a atenção sobre uma particularidade
das novas igrejas evangélicas fundadas a partir da década de 1970, afirmando que:
27
19
cada vez mais dinheiro dos fiéis, inclusive com deboche de histórias bíblicas. No
entanto, a Folha Universal, enquanto órgão divulgador dos interesses iurdianos, tenta
apagar essa trajetória corrupta do fundador da JURO, construindo uma memória que se
constitui hegemônica, caracterizada pela glorificação de Edir Macedo e,
conseqüentemente, da própria Igreja Universal. Isso pode ser percebido no seguinte
fragmento:
Edir Macedo, líder espiritual da Igreja Uni versal do Reino de Deus, abriu
mão de uma vida estável para servir exclusivamente a Deus. ( ...) N estes 28
anos de lutas e conquistas, ele sofreu diversas perseguições, mas sempre
superou seus desafios e se manteve firme no propósito de levar a Palavra aos
desamparados e sofridos. Foi preso e humilhado, mas sobreviveu às
tempestades para a glória e honra de Deus. 20
19
Essa reportagem foi exibida pela Rede Globo em 1995, num contexto marcado por intensas acusações
entre a emissora carioca e a Igreja Universal. Dentre outros pontos, a motivação dos ataques promovidos
pela emissora da fam ília Marinho à Universal origina-se na compra polêmica da Rede Rccord de
Televisão por esta. As acusações mútuas até hoje não cessaram e a Record já ameaça o domínio "global'"
~o Orasil com sua vertiginosa expansão, impulsionada com a entrada de capitais iurdianos na emissora.
-° Folha Universal, edição nº 698, de 21 a 27 de agosto de 2005, pág. 6A .
28
qualquer experiência humana, a memória é também um campo minado pelas lutas
sociais. Um campo de luta política, de verdades que se batem, no qual esfo rços de
ocultação e de clar(ficação estão presentes na disputa entre sujeitos históricos diversos,
21
produtores de diferentes versões, interpretações, valores e práticas culturais ".
As formas com que a linguagem no jornal Folha Universal é elaborada nos
remete ao fato de que tentar falar em nome de todos e apagar as diferenças em prol de
um discurso conciliador é uma prática utilizada constantemente por grupos que
pretendem justificar e legitimar seus projetos, modos de vida e formas de encarar a
sociedade ao seu redor. Isso significa afirmar que esse jornal, enquanto propriedade de
um determinado grupo que busca atender aos seus interesses, constitui formas de olhar e
narrar o acontecido e fixa uma versão entre outras possíveis, sendo, por isso, necessário
investigar os s ign ificados dos silêncios e omissões, juntamente com sua loquacidade
sobre algumas temáticas.
21
FF.NELON, Déa R, op. cit., 2005. p. 6.
22
Esse afastamento de uma visão ascética não é exclusividade da IURD. Em fins da década de 70 e
início dos anos 1980, o pipocar de novas idéias, discussões teológicas e dissidências no interior das
igrejas evangélicas brasileiras tiveram em um de seus pontos centrais a questão da inserção de seus
membros na sociedade. Esse debate desembocou em divergências de posicionamento e tensões entre as
lideranças evangélicas sobre diferentes aspectos, destacando-se a questão da vestimenta, riqueza material
e participação na vida pública.
29
A maneira dos fiéis se vestirem é um destes itens. Enquanto igrejas evangélicas
estabelecidas há mais tempo no Brasil, destacando-se a Assembléia de Deus, tendem a
indicar um padrão de vestimenta aos seus fiéis, como o terno, as saias e vestidos longos
e os cabelos amarrados, as novas igrejas evangélicas, que possuem como expoente
máximo a Igreja Universal, vêm assumindo uma atitude mais liberalizante, delegando
ao converso o encontro da vestimenta mais adequada ao seu gosto e/ou padrão de vida.
Essa ausência de padronização da vestimenta pôde ser comprovada nas visitas aos
cultos da igreja. Lá podemos encontrar homens usando bonés, bermudas, camisas de
grupos de rap ou de rock, mulheres usando maquiagem, perfume e roupas no mínimo
sedutoras. As restrições nesse quesito são mínimas. O que importa de fato é a fé que a
pessoa pratica no interior da igreja e em sua vida cotidiana, entendendo por " fé" tudo
relacionado aos ensinamentos e propósitos iurdianos, como as ofertas, o dízimo,
correntes de oração, evangelização e as várias campanhas promovidas pela igreja.
A Folha Mulher, que alterou o nome para Olhar Feminino, uma coluna fixa da
Folha Universal, demonstra com maior nitidez essa liberalização nos modos de vestir
dos fiéis da IURD, dando dicas para as mulheres sobre roupas, cortes de cabelo,
sandálias e acessórios mais adequados à cada situação e estação do ano, além de
divulgar as principais notícias e tendências do mundo da moda, destacando até mesmo
desfiles famosos como a São Paulo Fashion Week.
olhar feminino
Novidade no
País, cápsula
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inibir rugas
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30
As atividades físicas são vistas a partir de uma ótica renovada. O esporte é um
meio absolutamente eficaz de prevenir doenças e manter o corpo saudável, um dado que
na Folha Universal não passa despercebido. Os cuidados com o corpo vinculados à
prática esportiva, outrora encarada com certo receio por setores evangélicos
tradicionais, recebe um status de item fundamental para que o fiel possa apresentar um
"espírito" mais vigoroso a partir de um corpo saudável promovido pela prática de
esportes. Na coluna "Esporte", são abordadas as principais notícias do meio esportivo
brasileiro e mundial, abrindo um espaço, vez ou outra, para destacar o trabalho dos
esportistas Iigados à Igreja Universal, além de apresentar jogos beneficentes
promovidos por pastores e fiéi s da igreja.
O sexo também não é visto de forma pejorativa, mas como algo prazeroso que
ajuda no bem-estar espiritual do fi el e estimula o bom convívio do casal. As lideranças
neopentecostais adotam uma postura permissiva em relação ao ato sexual , não o
restringindo para fins de procriação, liberando seus fiéis de inibições e
constrangimentos que em denominações evangélicas mais conservadoras representariam
um sinal de adoração do Diabo e da fraqueza às tentações carnais.23 Na Igreja Universal,
o assunto é tratado abertamente com os fiéi s. O bispo Macedo, em suas declarações
públicas, faz questão de ressaltar os benefícios contidos na atividade sexual: "o sexo é
uma dádiva. É pilar do casamento. Não foi criado pelo diabo, mas por Deus. O sexo é
para ter prazer. A cama é a base da aliança no altar. É o momento de aliviar tensões "24
No entanto, esse hedonismo possui limites, explicitados na defesa das potencialidades
do sexo somente dentro da relação conjugal e da virgindade antes do casamento.
Além destes itens, temos o estímulo para que o leitor da Folha Universal, seja
fiel da igreja ou não, fique em sintonia com a grade de programação da Rede Record de
Televisão, cuja proprietária é a própria Igreja Universal. A supervalorização da
emissora de Edir Macedo está presente em todas as edições do jornal, mais
especificamente na coluna "Antena", que além de destacar as principai s novidades da
Record em termos de novelas, telejornais, aquisições esportivas (como a exclusividade
de transmissão dos Jogos Pan-americanos de 2011 em Guadalajara e das Olimpíadas de
2012 em Londres), programas de auditório, entre outros, freqüentemente faz severas
23
Indagada sobre o que pensava a respeito do sexo, Sônia Hemandes, pastora da Renascer em Cristo,
respondeu: '·Pelo amor de Deus! É superpra=eroso! É uma das coisas boas que Deus inventou pra
~ente " .. Citado ~m: MARIANO, 2005, p. 192.
Revista Plemtudc, ano 27. nº 150, novembro de 2007, pp. 1 e 11.
31
críticas à Rede Globo de Televisão, a principal concorrente da emissora iurdiana. Não
devemos perder de vista que a Record contribui de maneira significativa para o projeto
de consolidação do crescimento e influência da HJRD, principalmente em função de seu
vultuoso volume de capital arrecadado pela igreja e que pode ser disponibilizado para a
expansão dos investimentos iurdianos em aquisições midiáticas. A gama de reportagens
com menção à Igreja Universal transmitidas pela emissora é vasta, englobando temas
religiosos25 e outros de interesse geral da igreja, na medida em que exibe reportagens
condizentes com o discurso iurdiano e sempre dispostas a defender a imagem pública de
seus fiéis e lideranças.
Em linhas gerais, essa liberalização dos costumes facilmente visualizada nas
páginas da Folha Universal tenta atrair sujeitos de origens, crenças e valores plurais para
a IURD, transmitindo a idéia de que a igreja está aberta a todos que tenham interesse em
conhecer a fé singular praticada em seu espaço, sem implicar em uma rígida restrição
dos hábitos e modos de vida destas pessoas. Agindo desta maneira, os membros da
Igreja Universal objetivam a desconstrução de um estereótipo evangélico estigmatizador
caracterizado pela reclusão social, fanatismo religioso e costumes rígidos; em seu lugar
proclama um discurso acolhedor, e portanto não inibidor; da multiplicidade de sujeitos
que todos os dias lotam os templos da IURD no Brasil.
32
Aparecida, chutou e socou a imagem da respectiva Santa em um programa transmitido
pela Rede Record, a história entre as lideranças iurdianas e o catolicismo é carregada de
ataques e tensões mútuas. Esse histórico de hostilidades evidentemente não ocorre de
forma gratuita. O Brasil era, em décadas passadas, um reduto católico fundamental para
a permanência da hegemonia do Vaticano na América Latina. Sua base de fiéis no país
era numericamente muito expressiva. No entanto, sobretudo a partir da década de 1970,
o rápido crescimento das igrejas evangélicas, em especial aquelas criadas naquele
momento, como a lURD e a Internacional da Graça de Deus, começou a conquistar um
número cada vez maior de pessoas provenientes do catolicismo, destacadamente aquelas
que se declaravam "não-praticantes", enquanto a Igreja Católica assistia, de maneira
estacionária, às múltiplas expressões religiosas no seu interior. Desde então, as disputas
entre estas novas igrejas evangélicas e a Igreja Católica estão arraigadas nas mais
diversas áreas sociais.
A fim de legitimar a inserção ascendente da Igreja Universal na sociedade
brasileira, é preciso desmoralizar e desqualificar o clero romano atuante no país, tarefa
levada a cabo pelos iurdianos da Folha Universal. Em um artigo intitulado " Países
católicos são os mais atrasados", os responsáveis pela editoração e publicação da Folha
Universal defendem que os países do denominado "Terceiro Mundo", dentre eles o
Brasil, apresentam um quadro social de profunda miséria, desigualdade social e
violência, além de outros problemas "típicos" destes países, como a corrupção e o atraso
tecnológico, devido intrinsecamente à herança católica que carregam em sua formação
histórica. De acordo com este artigo, o Brasil e a América Latina são atrasados do ponto
de vista cultural, material e tecnológico em função da atuação dos jesuítas, que
promoveram uma colonização voltada apenas para o aproveitamento econômico das
potencialidades naturais da região, procurando construir nesse processo igrejas com a
finalidade máxima de alienar o povo, situação diferente, por exemplo, do caso
estadunidense, cuja meta de colonizar, segundo o artigo, era levantar universidades. Eis
um trecho do referido artigo:
33
entre outras necessidades básicas para uma sobrevivência digna.
Sobram violência, corrupção e miséria. 26
É prudente lembrar que o contexto em que foi publicado este artigo coincidia
com um momento político-partidário bastante conturbado no Brasi 1, quando em 2005
emergiram sucessivos escândalos de corrupção, sendo o mais divulgado o "escândalo do
mensalão". As notícias envolvendo o descrédito das instituições políticas estavam em
voga, daí certo oportunismo por parte dos responsáveis pela Folha Universal no tocante
à publicação de reportagens denunciando e combatendo a corrupção, cuja
incompatibilidade com os valores cristãos é a todo instante afirmada, ao mesmo tempo
em que a influê ncia católica na sociedade é combatida, já que ela estaria vinculada,
essencialmente, à prática da corrupção.
Nesse sentido, a comparação entre os países de maioria católica com os de
maioria evangélica é enfatizada, no intento de "esclarecer" os motivos pelos quais
muitos países, como os Estados Unidos e a Suécia, são desenvolvidos e prósperos, uma
riqueza que é associada, dentre outros itens, com a presença ampla de igrejas
evangélicas:
A herança maior que a Igreja Católica legou, na opinião de alguns
especialistas, foi o atraso cultural e tecnológico, além dos altos índices
de corrupção e miséria. Basta ver, no mapa do mundo, para confirmar
a vitória do povo evangélico em países como Estados Unidos,
Alemanha, Jnglaterra, Suécia - só para citar os mais conhecidos. Com
este legado de abandono, exploração e corrupção que a Igreja Católica
espalhou, fica a esperança e o exemplo destes países vitoriosos, de
maioria evangélica, que souberam dizer não às radicais imposições do
Vaticano. 27
2
ó Folha Universal, edição nº 698, de 21 a 27 de agosto de 2005, pág. 6A.
27
Idem.
28
Folha Universal, nº 756, 1/ 10/2006, p. 18.
29
Folha Universal, nº 791 , 3/06/2007, p. 19.
3
° Folha Universal, nº 701, 11/09/2005, p. 6A.
34
a vir à tona de modo incessante desde meados da década de 1990, e essa série de
denúncias somente iria de encontro a uma "constatação", reafirmada pela Igreja
Universal a todo instante, do comprovado desvirtuamento dos preceitos cristãos por
parte da Igreja Católica, cuja "impureza" representada pelas condutas de suas lideranças
demonstraria a necessidade de combater o poder e a influência católica em escala
mundial.
Outro ponto que é sinônimo de discordâncias entre os iurdianos e o Vaticano
gira em tomo do uso (ou não) de preservativos sexuais, em especial a camisinha, como
forma de prevenir problemas graves como uma gravidez indes~jada ou evitar a
contaminação pelo vírus HIV. A posição conservadora da alta cúpula da Igreja Católica
em proibir o uso da camisinha pelos seus fiéis, determinação nem sempre seguida pelos
mesmos, é fundamentada no receio de que a permissão do preservativo incitaria um
comportamento sexual desregrado, ameaçando o sustentáculo conjugal baseado na
fidelidade, que seria o meio mais eficaz para combater doenças sexuais como a Aids, de
acordo com o viés católico. No entanto, essa posição gera críticas de especialistas
médicos, de setores sociais organizados, entre boa parte dos fiéis católicos e por aqueles
que desejam uma melhor definição das políticas públicas que envolvam a tentativa de
diminuir a proliferação do vírus HIV.
Nesse ponto de vista, a Folha Universal se apropria deste debate, que extrapola
os campos da saúde e da religião, e tenta, dentro de uma linguagem com pretensões de
imparcialidade e universalidade, falar em nome de todos aqueles que condenam o
retrocesso católico no tocante ao uso de preservativos, defendendo sua difusão para os
chamados "grupos de risco" - jovens, pobres, usuários de drogas e prostitutas. O
discurso "acolhedor", que busca agregar para si forças que lutam pelo atendimento de
determinadas reivindicações, se faz mais uma vez presente, em caráter de denúncia
contra a conduta inadequada das lideranças católicas. Os editores do jornal recorrem a
opiniões de especialistas conceituados com a finalidade de conferir maior embasamento
para a crítica. divulgada: "A campanha contra o uso de preservativos, feita pela Igreja
Católica, é uma maneira de estimular a proliferação da Aids, segundo denunciam
especialistas, entre eles o médico Dráuzio Varella. Por isso, a sociedade brasileira
trava uma grande luta contra essa posição do papado, considerada 'criminosa '". 31
31
Fol ha Universal, nº 782, J/04/2007, p. 13.
35
As posições retrógradas defendidas pelo Vaticano abrem um campo cada vez
maior de ação para os grupos que d isputam com a Igreja Católica detenn inados espaços
na sociedade, destacadamente no que diz respeito aos grupos neopentecostais atuantes
no Brasil. Fatos como a condenação do uso da camisinha pelo papa Bento XVI, em sua
visita à África em março de 2009, um continente que possui milhões de pessoas
contaminadas pelo vírus HIV, são um prato che io para essa desqualificação do
catolicismo enquanto doutrina rel igiosa com forte presença no social.
O BRASIL
QUER DECIDIR
Pesquisa revela: três em cada quatro católicas apóiam o direito de interromper
a gravidez de fetos anencéfalos. Levantamento coloca em xeque religiosos
conservadores, que ainda resistem ao assunto que tem mexido com o País
- ·"
36
Mas o eixo central desse combate à influência católica na sociedade brasileira
promovido pela JURO, nas páginas da Folha Universal, gira em tomo de uma questão
muito discutida entre religiosos, médicos e diversos setores sociais: a legalização do
aborto. Segundo o Ministério da Saúde, no Brasil são praticados anualmente cerca de 1
milhão de abortos32 , parte significativa deles levando à morte dezenas de mulheres,
devido às condições precárias em que são realizados, muitas vezes feitos em clínicas
clandestinas e com o uso de materiais inadequados e não-higienizados. A alta taxa de
mortalidade e infecções resultantes da tentativa de aborto ocorre porque no país a
prática é proibida com força de lei, exceto quando a gravidez decorre de estupro ou
quando ela oferece riscos para a gestante, sendo deste modo permitida. De acordo com
os responsáveis pela publicação da Folha Universal, a interrupção da gravidez, que
poderia salvar a vida de várias mulheres, não é legalizada no Brasil em função da
atuação de forças altamente conservadoras da sociedade, as quais encontram no clero
católico a sua máxima expressão.
O Vaticano se manifesta contra o aborto com a justificativa de "defender a
vida", isto é, a gestação não pode ser interrompida porque o feto já é detentor de vida e
alma, por isso abortar, nessa concepção, significaria o mesmo que matar. A posição
católica é vista, no discurso construído no periódico iurdiano, como uma prática similar
ao terrorismo:
Inquieto com a perda de fiéis, o clero romano afirma que vai batalhar
por suas posições na sociedade. ( ...) O fato do aborto ser crime no
Brasil gera muita polêmica. De um lado, estão os chamados "pró-
vida" - geralmente católicos fervorosos que preferem manter o aborto
na lista de crimes do Código Penal Brasileiro. De outro, estão
organizações feministas, que defendem o direito de escolha das
mulheres( ...). 33
~~ Isso de acordo com dados publicados pela Folha Universal, nº 792, 10/06/2007, p. 13.
· Folha Universal, nº 793, de 17 a 23 de junho de 2007, p. 15.
37
Igreja Católica, gerando reações de diferentes setores, como os próprios médicos e até
mesmo do presidente Lula que, apesar de católico, criticou duramente a postura dos
dirigentes da Igreja Católica no caso. Na reportagem "Médicos contra o Vaticano"
podemos destacar o seguinte trecho:
Para [Dráuzio) Varella, a decisão do arcebispo, que criticou duramente
os médicos e os excomungou, é absolutamente coerente com os
princípios que regem a Igreja Católica "desde os tempos da
Inquisição". "O arcebispo de Olinda e Recife não cometeu nenhum
disparate, agiu em obediência estrita ao Código Penal do Direito
Canônico: o cânone 1398 prescreve a excomunhão automática em
caso de abortamento. Por que cobrar a excomunhão do padrasto
estuprador, quando os católicos sempre silenciaram diante dos abusos
sexuais contra meninos, perpetrados nos cantos das sacristias e dos
colégios religiosos?" ( ...) Para Varella, enquanto a medicina busca a
cura, o Clero Romano prega o sofrimento. ( ... ) "A esperança de que a
instituição um dia adote posturas condizentes com os apelos sociais é
34
vã; a modernização não virá. É genuidade esperar por ela".
Podemos notar que, mais uma vez, os editores da Folha Universal colocam-se
em meio ao debate de forma a denunciar o posicionamento do Clero Romano, ao
mesmo tempo em que recorre a argumentos críticos de "terceiros", como o médico
Dráuzio Varella; tentando articular as forças conflitantes em torno do caso referido com
"neutralidade", que se quer afirmar como inerente ao texto jornalístico, mas que serve
para camuflar os múltiplos interesses que os líderes da Igreja Universal tentam
satisfazer com a abordagem do caso nas páginas de seu jornal oficial.
34
folha Universal, edição nº 885, de 22 a 28 de março de 2009, pp. 14-15.
38
virtude da moralidade e comprometimento com os melhores valores cristãos, que se
afastariam, em última instância, das práticas de corrupção e da predominância dos
interesses privados em detrimento do público, marcas registradas do cenário político-
institucional brasileiro.
A Igreja Universal do Reino de Deus começou sua incursão efetiva na política
institucional brasileira em l 986, quando elegeu seu primeiro deputado federal. Em
1990, foram três federais e seis estaduais. Em 1994, a igreja duplicou sua bancada na
Câmara e elegeu oito estaduais. A grande arrancada ocorreu em 1998, quando foram
eleitos 17 federais e 26 estaduais. Em 2002, elegeu 16 federais e 19 estaduais. 35 36
A influência iurdiana no processo eleitoral pôde ser logo comprovada nas
eleições de 1989, quando a cúpula da Universal se posicionou abertamente a favor de
Collor. As palavras de Edir Macedo ilustram isso: "Após orar e pedir a Deus que
indicasse uma pessoa, o Espírito Santo nos convenceu de que Fernando Collor de
Me/lo era o escolhido "37 • Tal conduta ocorreu principalmente pelo medo compartilhado
pelos evangélicos de modo geral que, caso Lula vencesse, o "comunismo ateu" acabaria
com a liberdade religiosa no Brasil.38
A IURD é pluripartidária, estando os políticos iurdianos espalhados por vários
partidos. Recentemente o PRB (Partido Republicano Brasileiro) vêm se tornando o
partido que mais atrai os iurdianos, ainda mais depois que lançou a candidatura do
Senador Marcelo Crivella, bispo da Universal, para governador do Rio de Janeiro, em
2006, e posteriormente para prefeito da mesma cidade, em 2008, ambas fracassadas.
Contudo, continua prevalecendo o pluripartidarismo. Possui uma rígida e vertical
hierarquia. No topo está o intocável Edir Macedo, que estabelece as diretrizes principais
e a quem todos devem obedecer. Sobre a força que essa hierarquia possui no interior da
Igreja Universal, Valdemar Figueiredo Filho comenta:
35
ORO, Ari Pedro. A Política da Igreja Universal e seus reflexos nos campos religioso e político
brasileiros. Artigo apresentado no XXVI Encontro Anual da Anpocs, realizado em Caxambu, MG, entre
os dias 22 e 26 de outubro de 2002, no GT Religião e Sociedade. Fonte:
http://'w·w\Y_.Scielo. br/seie Io. ph p?pi d=SO 102-69092003 000 300004&s_çJ!Pt: sci arttcxt&tl ng=ptpt. Acesso
em: 20/10/06.
36
Por falta de dados concretos e das divergências entre as fontes, os números referentes à eleições de
2006 ficaram omitidos.
37
PlERUCCl , Antônio Flávio & PRANDI, Reginaldo. A realidade social das religiões no Brasil:
fse!igião, sociedade e política. Editora Hucitec, São Paulo, 1996. pág. 193.
· Ibidem, pág. 201.
39
todos, bem como comandos setoriais. Os que não se alinham à política
3
hierárquica da IURD são retirados dos seus quadros - religioso e político. Q
39
FIGUEIREDO FILHO, Valdemar. Entre o palanque e o púlpito: mídia, religião e política. São Paulo:
J\nnablume, 2005. p. 89.
40
Na edição Nº 741 da Folha Universal (de 18 a 24 de junho de 2006), a reportagem de capa falava
sobre a injustiça que os grandes veículos de comunicação do país cometeram contra bispos da igreja
acusados de crimes como lavagem de dinheiro e transações financeiras ilícitas. Além de contestar essas
denúncias baseadas em "provas mentirosas", a reportagem protestava que a grande mídia critica a IURD
pelo fato dos jornalistas terem em sua formação básica os ensinamentos católicos do Opus Dei.
41
Fonte:http://wwwl.folha.uol.com.br/folha!brasil/ult96u497996.shtml. Acesso em: 15/02/09.
40
principais meios de comunicação iurdianos, em especial a Folha Universal, onde outrora
exercia papel de destaque e possuía uma coluna permanente sobre política.
Atualmente Marcelo Crivella tomou-se o mais influente político da IURD em
âmbito nacional, mesmo que Edir Macedo seja ainda o líder máximo. Apesar de terem
sido feitas denúncias de corrupção contra Crivella, e mesmo com as últimas derrotas nas
42
umas, ele mantém-se como personagem em ascensão. Em Uberlândia, um dos
principais líderes políticos da IURD era até pouco tempo atrás o vereador Pastor
Leandro. 43
A empreitada de membros da Igreja Universal rumo ao campo político-
44
partidário recebe amplo destaque nas páginas da Folha Universal. Seus editores tentam
estimular a "consciência política cristã", como podemos perceber no seguinte
fragmento, publicado na Folha Universal em fevereiro de 2006:
( ...) O povo de Deus tem que ficar atento nas próximas eleições, escolhendo
os melhores candidatos. Se ficarmos indiferentes à política e não lutarmos
pelos nossos direitos, os corruptos entrarão novamente ( ...). Sabemos das
perseguições que a Igreja do Senhor Jesus enfrenta, por isso, temos que votar
em homens e mulheres de Deus para deputado federal , estadual e governador.
( ...) Quando tomamos atitudes com sabedoria e votamos cm candidatos
ungidos com o Espírito Santo, com certeza, a história da política brasileira
46
será outra.
42
Rm 25/05/2005 a revista "Isto É" publicou uma reportagem de capa que acusava membros da IURO de
desviarem o dinheiro do dí zimo para paraísos fiscais, sendo o principal responsável, segundo a revista, o
senador Marcelo Crivella. O título da reportagem era: "As conras secre1as da Igreja Universal:
Documentos inéditos mostram como é desviado o dinheiro do dizímo e aponram o senador Marcelo
Crivei/a (PL-RJ) como o operador de empresas qff'shore nas Ilhas Cayman ". Em 2006, o Supremo
Tribunal Federal (STF) mandou arquivar o inquérito por falta de provas suficientes contra os acusados.
43
O \ereador Pastor Leandro, do Partido Progressista (PP), pastor da IURD há 23 anos, foi eleito em
2002 . E coordenador político da Universal cm Uberlândia.
44
Até meados de 2008, a coluna destinada a desenvolver as relações entre fé e política era dirigida por
Vitor Paulo dos Santos, assinalado no jornal como jornalista e radialista, encarregado de produz ir artigos
na maioria das edições sobre este assunto. Estranhamente, no jornal ficava omitido que Vitor Paulo era o
presidente do PRB (Partido Republicano Brasileiro), controlado pela lgr~ja Universal.
45
Folha Universal, edição nº 724, de 19 a 25 de fevere.iro de 2006, p. l B.
46
Folha Universal, edição n" 746, de 23 a 29 de julho de 2006, p. 3.
41
Às vésperas das eleições municipais de outubro de 2008, Edir Macedo lançou o
livro "Plano de poder - Deus, os cristãos e a política", cuja proposta principal consistia
em promover reflexões sobre a importância do voto evangélico e a necessidade dos
cristãos participarem "efetivamente" da vida pública brasileira. Recorrendo a passagens
bíblicas, Macedo enaltece na obra a potencialidade numérica dos evangélicos enquanto
eleitores que podem decidir qualquer pleito, indo de encontro ao suposto projeto de
Deus, que desde a criação ''atua como um estadista para a formação de uma grande
nação ".47 Para embasar sua argumentação, o dono da Igreja Universal faz alusões à
situação enfrentada pelos hebreus quando, em função do desconhecimento do tamanho
de sua própria força e pela ausência de organização política, foram subjugados durante
cerca de 400 anos pelos faraós do Antigo Egito, de acordo com o narrado em Gênesis,
no Antigo Testamento.
Capa da edição nº 860, que traz uma matéria especial sobre o livro de Edir Macedo "Ptiano de
Poder: Deus, os cristãos e a política".
47
Macedo, Edir. ln: Folha Universal, Nº 860, de 28 de setembro a 4 de outubro de 2008, p. 9.
42
Segundo o bispo, nunca foi tão oportuno na história do evangelho no Brasil
conclamar os evangélicos a discutir e participar dos assuntos públicos e da política
nacional. Para Edir Macedo, essa "politização" dos cristãos não-católicos deve servir a
distintos objetivos, como lutar pelo fim dos preconceitos e perseguições a que os fiéis
evangélicos são submetidos no Brasil, apesar da liberdade de culto religioso garantida
constitucionalmente. Para ele, os evangélicos deveriam seguir o exemplo de grupos e
classes com representatividade numérica reduzida, que vêm organizando movimentos
sociais há algwnas décadas e conquistando espaços e direitos que os protegem no meio
social. "Tudo é uma questão de engajamento, consenso e mobilização dos
evangélicos "48 , destaca o bispo.
49
Defendendo-se de críticas proferidas por parte da imprensa brasileira , Macedo
afirma que o livro não se propõe a incitar a constituição de um regime teocrático,
reconhecendo o caráter laico do Estado brasileiro, mas sugere a similaridade das
relações entre política partidária e religião em casos como o estadunidense, onde o voto
evangélico seria tratado sem preconceitos e os candidatos à presidência devem proferir
crenças religiosas. Como exemplo, a Folha Universal traz as eleições para a presidência
dos Estados Unidos de 2008, quando os dois candidatos, Barack Obama e John McCain,
se mostraram receptivos à fé cristã e valorizaram o peso do eleitorado evangélico do
país. Esse seria um exemplo a ser seguido, de acordo com as lideranças iurdianas.
O "projeto de Deus" iurdiano de nação somente seria consolidado com a
mobilização ampla e organizada dos evangélicos brasileiros, que passariam a disputar
espaços cada vez maiores na sociedade até conquistarem efetivamente o poder político.
Desse modo, para a Igreja Universal o ingresso na política partidária não é somente
benéfico e necessário, mas também um dever dos cristãos (leia-se: iurdianos), pois são
cidadãos como qualquer outro, estando integrados no espaço público e agindo dentro
dele, o que os capacitam a lutar pelo poder político, no qual podem fazer valer os seus
valores e interesses.
48
Idem, p. 10.
4
<> Veículos de informação, como o jornal "O Globo", criticaram o livro de Edir Macedo pelo fato de seu
lançamento coincidir com as eleições municipais de 2008, fazendo uso de uma leitura fundamentalista da
Bíblia para beneficiar os candidatos a cargos políticos da Igreja Universal a partir do apelo ao voto
evangélico.
43
CAPÍTUL02
A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE E
O PODER TRANSFORMADOR DO DÍZIMO
''Aos olhos da.fé, não é admissível, e sequer tem sentido, crer em um Deus-Pai
infiniJamente rico e viver nos limites da miséria".
Bispo Edir Macedo. Folha Universal nº 820, p. 2.
° FENELON, Déa R. Trabalho, Cultura e História Social: perspectivas de investigação. ln: Projeto
5
44
veemência, pois nele é possível obter as bênçãos divinas praticando uma ardorosa fé e
seguindo os mandamentos bíblicos pregados pelos homens de Deus componentes destas
igrejas. Essa proposta de resolução dos problemas cotidianos dos fiéis contida na
Teologia da Prosperidade rompe com aquela escatologia milenar baseada na espera do
retomo de Jesus Cristo para salvar "novamente" a humanidade e que pregava a auto-
exclusão da vida social e a assimilação de uma conduta ascética pelos fiéis.
Para atingir essa prosperidade, os fiéis devem praticar uma fé ardorosa,
pragmática e " inteligente", como os pastores a todo instante afirmam. O processo de
enfrentamento e superação de situações adversas pelos fiéis iurdianos está diretamente
relacionado com a noção de batalha espiritual. Essa batalha deve ser travada
constantemente contra as forças que impedem o progresso material e espiritual do fiel ,
representadas basicamente pelas obras oriundas do " Diabo"; "amarrações" promovidas
por pessoas mergulhadas na inveja e traições, cuja meta resume-se a "travar" a vida do
fiel; e o modo de pensar e enxergar o mundo que muitos ainda carregam, apesar de
procurarem a igreja. Para ser bem-sucedido nessa empreitada, é necessário que o fiel
exercite atitudes como a revolta e a perseverança.
A revolta diante da situação enfrentada é imprescindível para a pessoa sair da
"inércia" para a ação efetiva, vislumbrando na prática da fé o caminho para a fuga das
adversidades.. O estado de revolta relaciona-se ao plano individual e não ao coletivo,
isto é, cada um deve buscar da melhor forma, dentro dos propósitos de fé, superar suas
próprias dificuldades, sem contar com a solidariedade coletiva ou revoltar-se em
primeira instância com o problema alheio. Isso não significa afirmar que a lógica do
"cada um por si" prevaleça entre os fiéis iurdianos, mesmo porque o sentimento de
pertencimento a um espaço comum e o compartilhamento de crenças, valores,
trajetórias de vida e experiências sociais entre os distintos sujeitos que freqüentam a
igreja está presente e não podem ser negados. Porém, a retórica iurdiana confere grande
peso à individualidade, transferindo a iniciativa e a responsabilidade para cada fiel no
tocante à concretização de seus propósitos. Mas sem perseverança, essa atitude de
revolta frente às dificuldades não será eficaz. Mesmo que o fiel não consiga de imediato
concretizar seus anseios no âmbito da igreja, as lideranças iurdianas aconselham que ele
deve persistir e não interromper sua batalha até que o resultado não seja outro senão a
conquista daquilo que está sendo proposto e negociado com Deus.
45
Contudo, a revolta e a perseverança só serão eficazes se acompanhas pela
realização freqüente de ofertas e pela entrega do dízimo. 51 Como o fiel deve se dedicar
ao máximo para satisfazer suas aspirações, ele tem que entregar a Deus o seu melhor,
pois Ele retribuirá proporcionalmente àquilo que o fiel ofertar. E ofertar aqui pressupõe
tanto o lado financeiro como interiorizar determinados tipos de conduta e valores
defendidos pela igreja. Quanto maior o sacrificio e a dedicação, mais rapidamente Deus
atenderá ao pedido, por isso as ofertas nas campanhas da igreja e a entrega do dízimo
são fundamentais para a vitória.
Como forma eficaz de comprovar que o dízimo traz ótimos resultados aos fiéis,
nas páginas da Folha Universal são mostrados diversos testemunhos de pessoas que
tiveram suas vidas mudadas após se comprometerem com as ofertas à Deus e seus
propósitos de fé. Esses testemunhos geralmente eram mostrados na coluna "Aconteceu
na Universal", cujo subtítulo "Ó Deus, não esqueça que eu sou dizimista fiel"
explicitava o assunto central abordado. Com a refonnulação gráfica do jornal
estabelecida no começo de 2008, essa coluna mudou seu nome para "Superação:
aconteceu comigo", mas o sentido pennaneceu o mesmo da anterior. Essas narrativas
seguem um modelo verificado em praticamente todas as edições da Folha Universal: são
sempre divididas entre o antes e o depois do ingresso do fiel na igreja, sendo o "'antes"
marcado por uma vida de misérias e sofrimento, e o "depois" marcado por uma vida
próspera, feliz e estável. E é nesta parte que a Teologia da Prosperidade vem à tona com
todo o seu ar de infalibilidade.
Em um destes testemunhos, intitulado "Empregado vira patrão", o empresário
Juliano de Jesus Fernandes, 32 anos, residente em Belo Horizonte, narra que antes de
conhecer a Igreja Universal tinha uma vida financeira conturbada, chegando a ficar
desempregado, devendo aluguel e R$ 40 mil, o que forçou ele e sua família a morarem
na casa de seu sogro por cerca de dois anos para tentar equilibrar a dura situação.
Quando tudo parecia perdido, tomou conhecimento da Universal através de programas
de televisão, o que lhe conferiu uma nova visão de mundo e novas perspectivas de vida,
a partir do momento em que aceitou os propósitos de fé divulgados pela igreja. Sobre
esta reviravolta em sua vida, Juliano narra o seguinte:
51
A argumentação utilizada pela Igreja Universal para defender a prática do dízimo fundamenta-se na
afirmativa de que o fiel não cede dinheiro na forma de dízimo para a igreja. O que acontece é que ele
apenas "devolve" à Deus esse mesmo dízimo.
46
Não consegui atingir os meus objetivos porque não tinha a direção de
Deus. No entanto, ao chegar à Igreja Universal do Reino de Deus,
depois de assistir à programação evangelística na TV, obedecer aos
ensinamentos bíblicos ministrados pelo homem de Deus, colocar em
prática a minha fé e me tornar um dizimista fiel, houve uma
transformação na minha vida. 52
52
Folha Uníversal, edíção nº 821, de 30 de dezembro de 2007 a 5 de janeiro de 2008, pág. 9.
47
desempregado. Além da busca pela independência financeira, Francisca batalhava pela
cura de seu filho Reinaldo, que sofria bronquite desde os 15 anos de idade, e conta que
o sonho de seu marido era de que o filho se tomasse um jogador de futebol. Muito
humilhada, Francisca relata que entrou na Igreja Universal há cerca de 20 anos, quando
soube, através da Rádio Copacabana, que um templo da igreja seria inaugurado em
ltaguaí, município fluminense onde residia. A partir deste momento, e acreditando que
na IURD surgiria uma oportunidade para contornar todas as dificuldades enfrentadas,
Francisca começou a participar das campanhas da Fogueira Santa de Israel e perseverar
em seus propósitos de fé. De acordo com o editado no jornal, Francisca narra que
Ainda nessa linha, a coluna " Casos Incríveis" de outra edição do jornal apresenta
o testemunho impressionante da fiel Maria da Conceição Figueira Alves, de 4 7 anos,
que vivia em lixões à procura de comida e atualmente é uma empresária saudável dona
48
de uma escola. Maria da Conceição narra que era proveniente de família pobre e que,
por causa de uma crise financeira que atingiu sua família quando era jovem, ela e os
irmãos tiveram que sair de casa cedo para levar sustento ao lar. Com a situação piorando
cada vez mais, ela buscou refúgio no lixão, onde catava papelão, cobre e alumínio para
vender, além de procurar comida. Em um dos momentos mais delicados, quando teve
seu filho, foi obrigada a se prostituir para sustentá-lo. Segundo Maria da Conceição,
55
Folha Universal, nº 733, de 23 a 29 de abril de 2006, p. 8.
56
Ibidem.
49
Eu até dava ofertas, mas era totalmente contra os dízimos, mas através
dos ensinamentos, Deus foi me transformando e compreendi que o
dízimo é a essência da verdadeira prosperidade e da estabilidade
financeira. ( ...) Hoje tenho paz, saúde, um supermercado próspero, em
expansão. Não moro mais de aluguel, tenho três casas, um
apartamento e três carros. Tudo isso só foi realmente possível quando
passei. a ser fi,eI nos d'1z1mos.
. 57
Sem querer estender muito para não cair em uma repetição excessiva, vejamos
mais um testemunho, intitulado "Quitou dívidas após se tornar dizimista", na edição nº
778 da Folha Universal. Nele, a empresária Emília Ronco narra como
"inexplicavelmente" se viu mergulhada em dívidas quando sua "conceituada clínica de
estética" situada nos jardins, bairro nobre de São Paulo, começou a naufragar. Depois de
muito "sofrimento" ela conheceu a Igreja Universal através de testemunhos que assistia
na TV. Logo após converter-se e tornar-se dizimista, saldou suas dívidas, recuperou os
bens e a credibilidade. Eis um trecho:
50
sujeitos e a Igreja Universal seja cada vez mais estreita. Essa é uma marca registrada da
IURD desde a sua fundação, quando Edir Macedo e as demais lideranças a ele
subordinadas procuravam atrair para os cultos um público que admitia uma adesão
religiosa por resultados.
Quando trabalhamos com esse tipo de narrativas, escritas ou orais, não podemos
perder de vista a subjetividade do entrevistado, enfatizando a questão do tempo em seu
processo de construção. Analisando as funções do tempo na História Oral, Alessando
Portelli considera o tempo como fator condicionador nos relatos baseados nas memórias
das pessoas, já que esses re latos "acompanham o tempo, crescem com o tempo e se
decompõem com o tempo". 59 Em outras palavras, as histórias de vida e os relatos
pessoais dependem do tempo pelo simples fato de sofrerem acréscimos e subtrações em
cada d ia da vida do narrador, pois uma história de vida é algo vivo e dinâmico:
59
PORTELLI , Alessandro. O momento da minha vida: funções do tempo na História Oral. ln:
í-EN ELON, op. cit., 2005, p. 298.
60
Ibidem, p. 298.
61
Ibidem, p. 299.
51
finalidade máxima de demonstrar para um número cada vez maior de pessoas, de
composições sociais, raciais e religiosas diferenciadas, que é possível sim receber as
glórias de Deus neste mundo, sem a necessidade de esperar por uma vida pós-terrena
para usufruir dos frutos divinos. Neste caso, a memória seletiva é primeiramente
estabelecida pelo narrador e posteriormente pelos editores do jornal.
Apesar deste processo de recorte e editoração, não podemos perder de vista que
as narrativas destacadas trazem significados das vivências dos depoentes. Os enredos
tecidos por estes sujeitos nos levam às suas interpretações sobre o vivido, enredos nos
quais "o individual e o social se mesclam na tessitura das derrotas e vilórias, dos
desejos e das frustrações "62, nos possibilitando empreender melhor a localização dos
diversos sujeitos sociais em meio ao espaço urbano, e como se efetuam as múltiplas
estratégias, resistências e conflitos destes sujeitos, visando à defesa e afirmação de seus
modos de vida, juntamente com suas práticas sociais, religiosas, políticas e culturais,
demonstrando o papel da memória para a constituição das identidades e vivências das
pessoas.
Acompanhando o jornal e os programas de TV da Igreja Universal, é fácil notar
nos depoimentos de fiéis que alcançaram o sucesso que muitos deles são empresários.
Isso tem uma explicação razoável quando verificamos que a JURO, assim como a
Internacional da Graça de Deus e a Renascer em Cristo, só pra citar as mais renomadas,
direciona o seu discurso simultaneamente para distintas classes sociais. Por isso,
devemos desconstruir a mística que associa o público que freqüenta as igrejas
neopentecostais como composto unicamente por pobres, ignorando aí a volumosa
inserção das classes médias e ricas nesse espaço. Logicamente, a maior parte dos fiéis é
de origem humilde ou, no mínimo, enfrenta duras condições de vida em seu cotidiano.
Como dito, são trabalhadores que pretendem suprir suas necessidades básicas e ordenar
suas vidas, conferindo sentidos e significados especiais às suas experiências e trajetórias
de vida, permeando suas vivências para além dos campos do trabalho e da religião. Mas
também há aqueles que são (ou eram) portadores de um padrão de vida privilegiado,
que enfrentam problemas semelhantes, guardadas as devidas proporções, aos seus
"pares" da igreja, tentando por meio da fé uma resolução para suas dificuldades de
ordem financeira, espiritual e familiar ou para curar uma doença crônica que ameaça a
própria existência do fiel.
62
CAROOSO, Hcloísa Helena Pacheco. Memórias de um trauma: o massacre da GEB (Brasília - 1959).
ln: FENELON , 2005, op. cit., p. 175.
52
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Como empresária aprendeu a superar adversidades e realizar bons negócios
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f'h ffll)l\l;OII '1.lrll IIWC.tlW'g iu, P3tt• .ll . a ~ p,n
63
MARIANO, 2005, op. c iL, p. 148.
53
encontro, num sentido aglutinador, destes anseios distintos dos sujeitos que compõe a
igreja, atendendo a busca pela resolução de problemas financeiros e de saúde, assim
como a satisfação de desejos de consumo de fiéis à margem do quadro social, ao mesmo
tempo em que a demanda específica de outra parcela de fiéis, ansiosos por legitimar seu
modo de vida, sua riqueza e status, seria efetivada. Além desses fatores, esse discurso
responderia perfeitamente à continuidade da estratégia de marketing da IURD para
aumentar o corpo de fiéis dizimistas, que ajudaria no financiamento de novos programas
e projetos evangelísticos, especialmente a partir de aquisições de emissoras de rádio e
TV, cuja premissa é inerente à lógica do quanto mais alto a exposição midiática, maior
o crescimento da denominação.
Em uma igreja estrutura nos moldes de um grande empreendimento econômico,
os pastores são investidos de um papel chave para a continuidade desta dinâmica. Para
tornar cada vez maior o número de fiéi s e multiplicar a arrecadação financeira com as
ofertas, a formação teológica aprofundada não é requerida para os pastores, mas sim um
know-how requintado com uma excelente retórica, marcada pela simplicidade, íluidez,
clareza e motivação, além de ser dotada de forte poder de persuasão.
Para comprovar a Teologia da Prosperidade propagada pela Igreja Universal, os
próprios pastores, não raros os casos, assumem um estilo de vida similar à de uma
classe média alta, ou seja, são proprietários de imóveis e automóveis sofisticados, e
seguem um padrão de vida material até certo ponto ostensivo. A equação é simples e
direta: se o pastor afirma a todo instante nos cultos que o caminho da prosperidade
material e espiritual passa necessariamente pela entrega a Deus, destinando a Ele ofertas
para a concretização dos propósitos, tornando-se nesse processo um dizimista fiel , o
próprio pastor tem a necessidade de apresentar um nível de vida material compatível
com a sua condição de homem ungido por Deus, abençoado por adquirir meios que o
capacite a dlesfrutar das benesses do consumo neste mundo. Porém, nem todos os
pastores conquistam esse status de riqueza, que está reservado fundamentalmente às
lideranças dos maiores templos, ou como quiser, dos maiores empreendimentos.
A ênfase no dízimo praticada nos cultos da Igreja Universal fez com que muitos
estudiosos e críticos do modus operandi iurdiano associassem a igreja pejorativamente
com o slogan "templo é dinheiro". A questão financeira recebe tanto destaque na IURD
que até mesmo têm-se cultos específicos voltados para aquelas pessoas que buscam a
prosperidade material, além, é claro, de o assunto percorrer a todo instante o espaço
iurdiano. Para as pessoas que possuem a vida financeira "amarrada", "travada", ou
54
tiveram seus negócios frustrados, elas podem buscam uma saída através do congresso
64
empresarial, realizado nas segundas-feiras na igreja.
Não quero aqui defender a tese de que a prática religiosa estabelecida tanto pelos
líderes iurdianos quanto pelos diversos sujeitos que freqüentam a Igreja Universal
resume-se única e exclusivamente ao aspecto econômico. Se fosse. assim, como
explicar, por exemplo, que incontáveis pessoas buscam nesta mesma igreja uma solução
para seus problemas de saúde, de ordem familiar ou demais dificuldades? O que quero
mostrar é que a "materialização da fé" em torno do dízimo e dos variados
empreendimentos financeiros da JURO norteia parte significativa dessa prática religiosa
propagada por sua alta cúpula, especialmente em seus meios de comunicação, como a
Folha Universal, buscando redimensionar e legitimar esses " novos" usos de uma fé
cristã em uma sociedade marcadamente consumista e individualista.
Desse modo, com o advento do neopentecostalismo e sua teologia da
prosperidade, verificamos que ocorreu a reapropriação e ressignificação da doutrina
cristã, visando se ajustar à época atual. O forte caráter subjetivo e interpretativo da
Bíblia, somado à sua condição de texto sagrado e inviolável encarado pela grande
maioria dos cristãos, constituem-se em fatores impulsionadores para leituras plurais que
variam de acordo com os usos e finalidades de grupos interessados na legitimação de
seus modos de ver e pensar o social no presente. No caso da "Teologia da
Prosperidade", ela não poderia ser concebida e eficaz sem um alicerce bem articulado
com preceitos da fé cristã. Em uma edição da Folha Universal, o bispo Edir Macedo faz
uma defesa desse discurso da prosperidade com base em pressupostos bíblicos,
estabelecendo uma oposição entre a "Teologia da Pobreza", que prega que "o caminho
para Deus exige abnegação e desapego às riquezas materiais ,,6S e que é defendida pela
Igreja Católica; e a "Teologia da Prosperidade", que vê na riqueza e aquisição de bens
materiais o sinal da graça divina, espelhando a «verdadeira" vontade de Deus. Macedo
argumenta que na própria Bíblia, representante direta da " palavra de Deus", encontra-se
a defesa da prosperidade material que o fiel pode possuir:
64
Os cultos na Igreja Uni versal são organizados em função das correntes de milagres segundo os dias da
semana: na segunda-feira, a prosperidade; na terça-feira, o descarrego; na quarta-feira, o estudo bíblico:
na quinta, a sagrada família e a terapia do amor; na sexla, a libertação, no sábado, a vida regalada; e
finalmente no domingo, o Espírito Santo.
65
MACEDO, Edir. A Teologia da Prosperidade. ln: Folha Universal, edição nº 780, de 18 a 24 de março
de 2007, p. 2.
55
Confonne a "Teologia da Pobreza", ter ou desejar gastar dinheiro não
é uma ambição bem-vinda; é uma espécie de pecado. Mas a Palavra de
Deus diz: "O senhor te abrirá o seu bom tesouro, o céu, para dar
chuva à rua terra no seu tempo e para abençoar toda obra das tuas
mãos; emprestarás a muitas gentes, porém tu não tomarás
emprestado" (Deuteronômio 28.12). Nosso senhor pregava a doutrina
da vida com abundância. Portanto, quem é do lado de Deus prega a
doutrina da prosperidade ( ...).66
Logo após essa explicação o bispo ressalta que há um meio de repreender esse
"espírito devorador", e toma como base o exemplo de Jacó (descrito em Génesis 31 ),
que apesar de ter trabalhado durante 20 anos sem ver os resultados, "encontrou um meio
que o fez prosperar e ser muito feliz":
Jacó fez um pacto com Deus. Ele fez um voto, segundo o qual, de
tudo o que viesse às suas mãos, daria o dízimo. Por isso, Deus o
abençoou de forma extraordinária. Você tem que fazer o mesmo.
Honestamente, você pode até conquistar algo. Porém, para prosperar
em todas as áreas, é preciso voltar-se para Deus; tomar-se um
dizimista fiel, a fim de que o devorador seja repreendido e, de maneira
alguma, tenha acesso à sua vida ( ...).68
66
Ibidem.
67
folha Universal, edição nº 788, de 13 a 19 de maio de 2007, pág. 20.
68
Ibidem.
56
As pessoas podem enganar umas às outras, mas não podem enganar a
Deus. ( ...) Muitos estão na Igreja há anos sem que tenha havido
qualquer mudança em suas vidas; são fracassados, figueiras sem
frutos. Enquanto isso, há outros recém-chegados que conquistam tudo
o que buscam. Isso acontece porque a oferta desses últimos tem sido
. . 69
aceita por 0 eus.
A meu ver, essa retórica busca ressaltar a culpa única e exclusiva do fiel no que
se refere às suas condições de vida. Se ele é próspero do ponto de vista financeiro, é
porque ele buscou integralmente a Deus. Se ele vive na miséria é por causa de suas
(depreciáveis) atitudes, somente por isso, nada mais. É uma variação do discurso liberal,
que direciona todas as responsabilidades ao plano individual e não social, buscando
justificar os motivos de muitos fiéis não conseguirem bons frutos em suas vidas mesmo
ofertando adequadamente, transferindo o sentimento de culpa dos pastores em direção a
cada fiel. Desse ponto de vista, a prosperidade somente está aberta àqueles que seguem
os propósitos de fé e estão em total sintonia com as normas da igreja, a qual se diz a
legítima representante das vontades do "Senhor Jesus Cristo" e propagadora dos
melhores valores cristãos.
A importância do dízimo e das ofertas é a todo o momento ressaltada nas
narrativas de fiéis nas páginas da Folha Universal. Mas isso realmente se confirma entre
os fiéis com os quais tive a oportunidade de pessoalmente conversar e entrevistar? Qual
a percepção que fazem sobre essa questão? Para começar, essas já são perguntas que
não tem uma resposta única e satisfatória justamente pelo modo como aí são concebidos
os sujeitos que freqüentam a igreja. Apesar de apresentar vários pontos em comum, é
oportuno frisar que não queremos a partir da análise de algumas narrativas constituir
regras gerais para estas, pois cada narrativa é singular. A história oral e as memórrias das
narrativas contidas no jornal nos oferecem um campo de possibilidades compartilhadas,
reais ou imaginárias.70 Isso faz com essas particularidades inerentes aos modos de
pensar, crenças, valores, trajetórias de vida e às experiências do viver a cidade que estes
múltiplos sujeitos carregam e vivenciam cotidianamente, resultem na impossibilidade de
tentarmos estabelecer generalizações vagas e imprecisas que não dão conta de uma
dinâmica social baseada na diversidade. Além do mais, uma abordagem
homogeneizadora tende a anular a potencialidade de agir e pensar socialmente que os
57
sujeitos possuem, transformando estes em meros números desprovidos de qualquer
senso crítico e reflexivo.
De acordo com minhas impressões na pesquisa, pode ser pertinente mencionar
aqui rapidamente o próprio comportamento de vários sujeitos que freqüentaram os
c ultos da Igreja Universal nos quais estive presente. Desenvolvendo-se de forma
rotineira, os cultos geralmente mesclavam louvores, sermões, rituais simbólicos e
demais elementos típicos desse espaço. Em muitos momentos, a fala dos pastores era
direcionada para o apelo ao dízimo e à importância dos fiéis ofertarem para
concretizarem suas aspirações. Diferentemente ao que acreditava antes da realização
desta pesquisa, fiquei surpreso ao perceber que na maior ia dos cultos apenas uma parte
dos fiéis atendiam positivamente ao chamado do pastor para se deslocarem até ele e
pegar os envelopes nos quais seriam entregues o díz imo, ou seja, não foram poucos os
suje itos que ficavam estáticos e esperavam o prosseguimento do culto após o ped ido do
dízimo, evidenciando que e les não são meras marionetes que agem conforme os
mandamentos dos pastores e demais lideranças da igreja.
Os fiéi s constroem significados para a fé que praticam com base em suas
próprias experiências sociais. Nas conversas e entrevistas com alguns fiéi s da Igreja
U niversal, pude perceber a forma especial como estes sujeitos se posicio nam em relação
ao tempo histórico no qual estão inseridos, atribuindo a ele sentidos explicitados nas
lembranças de seus viveres, de suas trajetórias e de suas experiências sociais, nas quais
dive rsos elementos convergem para as mudanças representadas pela prática religiosa
exercida no seio da Universal. Nesse caso, o dízimo seria apenas mais um componente e
não o elemento crucial que agrega em si todos os significados e sentidos dessa prática
religiosa empreendida por estes sujeitos.
A Teologia da Prosperidade contida no discurso iurdiano não pode ser
compreendida se a retirarmos do contexto histórico no qual foi (e está sendo) produz ida
e inserida. Vivemos uma época marcada pela alarmada crise das ideologias, por
desigualdades sociais gritantes, pelo individualismo exacerbado, modelada pe los
prece itos de uma cultura essencialmente consumista, pela falta de perspectivas para
muitas pessoas, dentre elas os mais jovens, que em decorrência desta s ituação
desesperançosa inflamam o problema da criminalidade . Uma época marcada pela
hegemonia do Estado neoliberal que, apesar de seu comprovado fracasso em termos de
bem-estar social, prega a privatização de setores fundamentai s para o desenvolvimento
da sociedade e que eram historicamente atribuídos ao aparato estatal, como a saúde,
58
educação, seguridade social e habitação, além de enfatizar a suposta necessidade de
desregulamentar o "mercado de trabalho", no sentido de combater direitos trabalhistas
conquistados no decorrer de décadas e décadas, promovendo e impulsionando deste
modo a mercantilização das relações sociais. Uma época na qual o espaço público vem
sendo despolitizado em beneficio dos interesses dos grandes conglomerados
econômicos e de elites políticas há muito estabelecidas, reformulando o próprio
conceito de cidadania, que na ótica (neo)liberal define o "cidadão" como aquele que
vota, que paga impostos, que possui documento, que estuda, que trabalha, que consome
etc. Nesse sentido, ser "cidadão" é ser consumidor, desvinculando o conceito de
cidadania do sentimento de pertencimento, das relações sociais e dos valores culturais
compartilhados entre os sujeitos que habitam o espaço fisico e simbólico das cidades.
Esse modelo de cidadania constituída na consagração do todo poderoso
mercado, tentando estabele.cer a homogeneização cultural, na qual "a pluralidade de
ofertas não compensa a pobreza de ideais coletivos, e cujo traço básico é, ao mesmo
tempo, o extremo individualismo"71, recebe uma nova carapaça quando incorporado e
ressignificado em moldes religiosos por igrejas como a Universal. Se uma vida de
trabalho árduo e dedicação são insuficientes para promover a mobilidade social~ a
alternativa pode ser encontrada na religião, que pode proporcionar aquilo que um
Estado deficitário e uma sociedade profundamente desigual não oferecem. A "fé" passa
a ser considerada moeda de troca para que o acesso a bens, outrora tão distantes, seja
uma realidade abençoada, bastando para isso estabelecer uma espécie de "contrato
divino", no qual "quanto mais se dá para Deus, mais se recebe ".72 Com isso, a religião
caminha em direção a usos e finalidades pragmáticas, similar a um objeto a ser
consumido, conferindo, neste caso em particular, uma satisfação, simbolizada pela graça
divina, proporcional ao valor da entrega espiritual e, sobretudo, financeira, representada
pela oferta do dízimo.
Se sonho em adquirir um apartamento amplo e confortável, o carro que todos
querem e que aparece constantemente na publicidade televisiva, roupas refinadas, o
tênis da moda, ou conseguir no mínimo garantir o sustento de meus filhos, posso tentar
conquistar tudo isso me revoltando com a situação que enfrento em meu cotidiano,
mudando a minha postura e meu modo de pensar o mundo ao meu redor, para somente
71
SARLO, Beatriz. Cenas da vida Pós-moderna: Intelectuais, Arte e Vídeo-Cultura na Argentina. T rad.
Sérgio Alcides. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,1997, p. 9.
72
PIERUCCI & PRANOI, op. cit., 1996, p. 270.
59
aí começar a praticar a "fé inteligente" que pode proporcionar a concretização de meu
sucesso. Pronto, aqui pode estar resumido o discurso da prosperidade.
60
CONSIDERAÇÕES FINAIS
61
o ofício do historiador, sem deixar de lado a crítica própria de cada um nós quando
lidamos com temas tão polêmicos como a religião, ajudando na nossa reflexão para
além do rótulo de intelectuais, mas primordialmente enquanto sujeitos participantes da
constituição do espaço urbano e de toda a sua dinâmica complexa e conflituosa.
62
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