05 - Brasil 2021

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SEGUNDO UM COMUNISTA

Pela Pátria e pelo Povo!


Pela Independência e pela Democracia!

Martins Gutierrez
BRASIL 2021
SEGUNDO UM COMUNISTA

Pela Pátria e pelo Povo!


Pela Independência e pela Democracia!

Martins Gutierrez

1
“A ideologia do proletariado, o marxismo-
leninismo-maoísmo, é toda poderosa porque é
verdadeira e os fatos históricos o estão
demonstrando.

Gostaria de ressaltar nesta altura isso: é ideologia,


mas científica. Dessa forma, deveríamos
compreender muito bem que não podemos fazer
concessão alguma a posições burguesas que querem
reduzir a ideologia do proletariado a um simples
método, pois, dessa maneira, ela se prostitui, se
nega.

Eles jogam com desespero porque a terra lhes


treme sob os pés. Por isso querem usar o
terrorismo para ocultar a guerra popular.

É preciso deixar esse frentismo eleitoreiro rasteiro


e inútil que é como uma rêmora, e assumir posição
de classe, segundo a classe que defendam. Que
façam uma frente verdadeiramente revolucionária,
que a façam e entrem em convergência os gestos e
os fatos.”
-Presidente Gonzalo

2
Índice

APRESENTAÇÃO.......................................................................................5

INTRODUÇÃO -
A FRENTE ANTIFASCISTA:
ELEITOREIRA OU REVOLUCIONÁRIA?............................................11

UMA BLINDAGEM DE
HIPOCRISIA...............................................................................................18

SOBRE A CONFIANÇA NAS FORÇAS DO POVO.............................27

DOENÇA E FOME: DA PANDEMIA À SUBNUTRIÇÃO..................33

SOBRE A ORIGEM E A NATUREZA DA GUERRA...........................41

ANTIFASCISMO E ALIANÇAS ESTRATÉGICAS..............................51

UMA DEMOCRACIA BUROCRÁTICA................................................58

O POVO TOMA AS RUAS!......................................................................66

BRASIL À BEIRA DO COLAPSO...........................................................72

CEMITÉRIO DOS IMPÉRIOS..................................................................77

3
O CREPÚSCULO DE UM “MITO”.........................................................82

O PRESIDENTE GONZALO
VIVE!...........................................................................................................90

DEFENDER O PRESIDENTE GONZALO É DEFENDER O


COMUNISMO!........................................................................................106

VELHOS CONCEITOS, NOVAS PERSPECTIVAS............................155

AS CHAMAS DA FÚRIA POPULAR LATINO-AMERICANA


AINDA QUEIMAM!...............................................................................170

OS POLÍTICOS E O POVO.....................................................................176

CONCLUSÃO – UMA CARTA AOS TRABALHADORES


ANTICOMUNISTAS...............................................................................184

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Apresentação

O ano de 2020 chegou ao fim, mas não a pandemia de


COVID-19, que inicia esse novo ano com mais de 220 mil brasileiros
mortos pelo novo coronavírus e mais de 2,2 milhões de vidas
perdidas ao redor do globo. Uma segunda onda preocupa o mundo,
assim como a capacidade do vírus ter se desenvolvido através de
mutações ainda mais transmissíveis e letais, entretanto isso não
parece preocupar o presidente da república, e tampouco o general
que assumiu a pasta da saúde, afinal “por que essa ansiedade, essa
pressa toda?” este último vociferou contra os jornalistas que
questionavam sobre a vacinação pública.

A “milagrosa” cloroquina foi distribuída pelo Brasil a custos


altíssimos, não só para sua fabricação como também para a sua
propaganda. Cerca de R$70 milhões foram gastos em sua produção,
por meio da Fiocruz, no qual aproximadamente R$23 milhões foram
investidos em marketing da “santa cura de Bolsonaro”. A imagem do
campo de guerra que pareceu ser a capital do Amazonas, que
recebeu a cloroquina como incentivo de propagação do “tratamento
precoce”, parece ter comprovado sua ineficácia. Já a vacina, que
comprovadamente impede a hospitalização e o falecimento pela
COVID-19, parece ser algo que não necessita de pressa ou urgência,
afinal, qual o valor das vidas humanas para um presidente cuja
“especialidade é matar”?

O ano também se inicia com dois possíveis impedimentos


(impeachments). Donald Trump e Jair Bolsonaro, ambos por
escalafobéticas tentativas de manipulação de seus asseclas a romper
não tão somente com a legalidade das instituições estatais (o
incentivo à invasão do capitólio nos EUA e aos fogos de artifício
atirados contra o STF no Brasil), mas também contra o bom senso.
Quebra de decoro é algo simples demais para os mitos da

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imbecilidade absoluta! Até os grandes empresários do capital
financeiro internacional estão a perceber que a farsa eleitoral foi
longe demais na escolha de seus fantoches, pois a barreira da
decência foi vergonhosamente quebrada.

E há exagero nessas palavras? Tão somente as negam os


conspiracionistas, olavistas e pseudointelectuais que vivem numa
bolha de seletos conteúdos de desinformação, mas que raramente
têm contato com um mundo real, com as favelas brasileiras, com a
fome dos trabalhadores e com a morte por inanição de muitas
crianças neste país. Esses teimosos defensores do governo raramente
possuem um mínimo respaldo de ciência em seus discursos, e
pouquíssimos acadêmicos sinceros ainda teimam em corroborar com
suas teses – o mais liberal e anticomunista dos cientistas, sendo sério
e honesto, já abandonou Jair há tempos! Há de se convir que
seriedade e honestidade para com a ciência e o conhecimento em si
nunca foram diretrizes condutoras dos governos de Trump e
Bolsonaro, e isso nunca foi difícil de ser observado.

Todavia é evidente que o Estado, tanto estadunidense como


brasileiro, não irá romper-se tão cedo sem esgotar suas
possibilidades institucionais. Enquanto puderem, impedimentos
serão possíveis, mas todos dentro da legalidade e das normas
constitucionais. Isso obviamente atrairá oportunismo, tanto de
“direita” como de “esquerda”, que, como ratazanas, irão rastejar de
encontro ao caos para tentar abocanhar algum pequeno poder – pois
o grande poderio continuará nas mãos do capital financeiro, da
grande burguesia imperialista internacional, encabeçada pelo alto
empresariado ianque.

Tudo isso comprova o quê? Uma crise, não somente na


economia, que se arrasta desde 2008, mas uma crise política, social e
até cultural. A cultura do “cancelamento” nas redes sociais; a extensa
e intensa pluralidade dos movimentos identitários que abrangem
pautas tanto da direita neoliberal como da esquerda trotskista; o

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advento teratológico dos pronomes neutros etc. são apenas reflexo
de uma gigantesca convulsão que está surgindo em praticamente
todos os âmbitos sociais. O liberalismo clássico está morto há 92
anos, e a socialdemocracia há 82, mas ainda há quem insista em
ressuscitar tais cadáveres. As linhas oportunistas de direita e de
esquerda afogaram suas militâncias no mais puro oportunismo, e
cada vez mais as massas percebem esses engodos e revoltam-se
contra os partidos que representam o cretinismo parlamentar, pois a
farsa eleitoral convence cada vez menos, e a institucionalidade
burguesa está em queda livre, juntamente com seus Estados, que
estão à beira do colapso.

O que fazer? As massas fazem a história – sempre a fizeram e


sempre a farão. Isso é uma certeza científica e uma lei natural. Logo,
“o que fazer?” só pode ser respondido com aquilo que o Presidente
Mao Zedong ensinou: “ligar-se às massas”, pois é simplesmente
impossível aos oportunistas assim o fazerem por muito tempo. Esses
picaretas, por mais que iludam o povo por algum tempo, terão
sempre suas máscaras removidas pelo desenvolver da história e pelo
amadurecer da população.

“Acontece frequentemente, porém, que as ideias se atrasam em


comparação com a realidade. Isso dá-se porque o conhecimento
humano está limitado por várias condições sociais. Nós lutamos
contra os obstinados nas fileiras revolucionárias porque as suas
ideias não seguem o ritmo das modificações da situação
objetiva, o que na História se tem manifestado sob a forma de
oportunismo de direita. Esses indivíduos não veem que a luta
dos contrários já fez avançar o processo objetivo, enquanto que
o seu conhecimento permanece ainda no grau precedente. Essa
particularidade é característica das ideias de todos os
obstinados. As suas ideias estão desligadas da prática social,
não podem colocar-se à frente do carro do progresso social e
servir de guias; eles não sabem mais do que ficar atrás e
queixar-se de que o carro vai muito depressa, tentando puxá-lo

7
para trás ou fazê-lo correr em sentido contrário. Nós lutamos
igualmente contra os fraseadores de "esquerda". As suas ideias
aventuram-se para lá duma etapa determinada do
desenvolvimento do processo objetivo; uns tomam as suas
ilusões por realidades, outros tentam realizar à força, no
presente, ideais que só são realizáveis no futuro; desligadas da
prática corrente da maioria das pessoas, desligadas da realidade
atual, as suas ideias traduzem-se, na prática, em espírito de
aventura.” (MAO, Sobre a Prática, 1937)

Portanto, não resta alternativa senão unir-se firmemente às


massas, ser com elas, estar inserido em meio a elas, ombreando-as e
lutando ao seu lado pela efetiva mudança. Colocar-se à frente das
massas e tentar fazê-las avançar, quando estas não almejam, resulta
em um erro, pois seria mera aventura querer avançar sem o apoio
dos trabalhadores. Colocar-se atrás das massas é igualmente errôneo,
pois atrasa-se em relação as mesmas e delas fica a reboque. Os
verdadeiros patriotas e democratas que anseiam por uma grande
nação brasileira e por um próspero, democrático e justo Brasil
necessitam inserir-se entre as massas, em seu seio, para então ouvi-
las, ajudá-las, apoiá-las, lutar e vencer junto a elas – eis o que fazer, o
que há de ser feito.

“Os nossos camaradas não devem pensar que tudo o que eles
compreendem é também compreendido pelas grandes massas.
Só penetrando no seio das massas, e fazendo investigações, se
pode descobrir se estas compreendem ou não um assunto e estão
ou não prontas a passar à ação. Se procedermos assim,
poderemos evitar o dirigismo.

Seja em que tipo de trabalho for, o seguidismo é igualmente


errôneo, já que se mantém abaixo do nível de consciência
política das massas e viola o princípio de dirigi-las no seu
avanço; é uma manifestação daquele outro mal chamado
lentidão. Os nossos camaradas não devem pensar que as massas
não compreendem aquilo que eles próprios ainda não

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compreenderam. Frequentes vezes acontece que as grandes
massas nos ultrapassam e estão ansiosas por avançar um passo,
enquanto os nossos camaradas são incapazes de atuar como
dirigentes destas, refletem as opiniões de certos elementos
atrasados, tomam-nas erradamente pelas opiniões das grandes
massas, e põem-se assim a reboque desses elementos atrasados.

Numa palavra, é necessário fazer compreender a todos os


camaradas que o critério supremo para julgar as palavras e atos
dum comunista está em saber se se conformam com os mais
altos interesses da esmagadora maioria do povo e se beneficiam
do apoio dessa maioria. Há que ajudar cada um dos camaradas
a compreender que, enquanto estivermos apoiados no povo,
enquanto acreditarmos firmemente no inesgotável poder
criador das massas populares e, por consequência, confiarmos
no povo e nos identificarmos com ele, poderemos vencer
quaisquer dificuldades, nenhum inimigo poderá esmagar-nos,
podendo nós esmagar todo e qualquer inimigo.” (MAO, Sobre
o Governo de Coalizão, 1945)

O singelo papel dessas linhas

Os anos de 2018, 2019 e 2020 serviram não só para análises


conjunturais da situação brasileira e mundial, mas também para a
exposição da teoria marxista-leninista-maoísta, principalmente a
maoísta, que fora sintetizada pelo Presidente Gonzalo. Hora análise
“pura”, hora teoria “pura” – assim foram meus artigos escritos
nesses três últimos anos.

Dito isso, é necessário se dar um passo além. Para tanto, não


se faz mais necessário separar as análises da atualidade, e seu
entendimento, da análise de teorias concretas e, sim, trabalhá-las em
conjunto. Por exemplo: a história já demonstrou cabalmente o quão
revisionista é o trotskismo, então por qual razão abordar essa mesma
temática no seu escopo puramente teórico? Não seria mais válido,

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visto que essa teoria já foi resumida anteriormente, expor exemplos
cotidianos aplicados desse pequeno conhecimento teórico,
comprovando seu fracasso na exposição de dados palpáveis e
contemporâneos? Se já é de prévio saber que o fascismo é a ditadura
da grande burguesia imperialista, não seria mais válido tentar
encontrar exemplos dele na atualidade do que explorar ainda mais
um conceito teórico?

A prática sem teoria é nociva, tal como a teoria sem prática é


nula. Nenhuma deve ser ignorada, evidentemente. Considero, então,
que a partir deste trabalho, devo tratar de ambas em conjunto, não
mais separadamente. Analisar a realidade a partir da realidade –
análise concreta da situação concreta – para então expor a teoria
científica já adquirida aplicada à essa realidade, evitando tanto uma
mera e inócua exposição de fatos, quanto uma reflexão teórica
desprovida de conexão com a situação atual. Esse é o papel dessas
palavras: unir a teoria à prática; analisar; investigar; propor e
instigar; servir ao povo de todo coração; servir à pátria, à nação
brasileira e à revolução.

Martins L. E. Gutierrez,

Brasil, 2021

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Introdução -
Frente Antifascista:
Eleitoreira ou Revolucionária?
Janeiro de 2021,

“Partidos como PT, PDT, PSOL, PCdoB, PSB e outros já


falaram sobre a possibilidade de uma frente ampla. Mas como
acomodar tantas siglas diferentes em um mesmo movimento?
PT e PDT, por exemplo, têm travado embates desde a última
eleição presidencial, especialmente envolvendo dois dos maiores
nomes do campo da esquerda e centro-esquerda atualmente:
Ciro Gomes (PDT) e Lula (PT). Os dois, que já foram
próximos, romperam em 2018 após a articulação do PT para
inviabilizar a aliança do PSB com o PDT nas eleições
presidenciais. No final do ano passado, Lula e Ciro se
encontraram para restabelecer o diálogo, embora não tenham
falado sobre 2022. Além deles, nomes como Guilherme Boulos
(PSOL), e o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB),
aparecem como possíveis lideranças de uma frente ampla. Há
ainda quem defenda nomes de “fora” da política, como o ex-
ministro da Justiça Sérgio Moro e até mesmo o apresentador
Luciano Huck.” (SOUZA, Henrique. Os desafios para a
construção de uma frente ampla de oposição. Diário de
Pernambuco, 09 de janeiro de 2021)

Se faz cada vez mais comum, entre as esquerdas brasileiras, a


articulação para edificar uma frente única antifascista, que erga os
punhos contra o governo de Jair Messias Bolsonaro e sua camarilha

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arquirreacionária dos generais pró-1964. Aglomeram-se cada vez
mais, com menos debates e discussões, os setores mais liberais
(economicamente) e mais à direita, inclusive a múmia do PSDB,
tentando – em uma só definição – restaurar a velha ordem política
que ascendeu em 1985. Argumenta-se para isto que o governo de
Bolsonaro constitui, abertamente, um “regime de exceção”, visto que
o impedimento de Dilma Rousseff, em 2016, é encarado como um
golpe que “descontinuou a democracia no Brasil.” Para atingir esse
objetivo, conversa-se sobre um novo impedimento, domesticado e
dentro dos trâmites da lei, que remova Bolsonaro por hora, dando
forças para a ascensão de um candidato em 2022, que lidere o velho
partido único PT/PSDB/MDB.

As falácias desse discurso são mais-que-evidentes: o que


caracterizaria um regime de exceção? Melhor, exceção a que? O
Brasil excetuou a democracia de seu governo desde que a instituição
“Brasil” foi criada no século XVI. O mais próximo que este país
chegou de um regime democrático, ainda que não tivesse atingido
uma democracia burguesa plena, foi a república do pós-guerra de
1945 a 1964, que acabou sendo em si um reflexo da queda dos
fascismos mundiais, que incluiu o regime fascista do Estado Novo
varguista. Essa protodemocracia, que sequer atingiu os patamares de
uma democracia burguesa, foi eliminada pelos interesses do capital
financeiro internacional, principalmente ianque, em 1964, por um
verdadeiro golpe de Estado.

Não existem quaisquer outras maneiras de se reverter um


golpe senão por um processo revolucionário popular, e a história já
ensinou isso, já deixou isso demasiadamente claro muitas vezes. Não
há qualquer nação registrada na historiografia mundial que tenha de
fato se livrado de uma ditadura sem um legítimo levante popular
que pegasse em armas para fazê-lo. Quais forças democráticas e
populares venceram as forças reacionárias dos militares de 1964?
Nenhuma. Heroicas batalhas foram travadas, organizações
legitimamente populares armaram o povo contra a ditadura, mas por

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mais que seus exemplos e sua heroicidade sejam memoráveis, quais
obtiveram uma legítima vitória armada e militar sobre a ditadura?
Nenhuma. Não resta dúvidas: o regime de 1964 ainda é vigente no
Brasil – arrefeceu-se na etapa final da Guerra Fria, entre EUA e
URSS, em 1985, e voltou a mostrar suas garras em 2016, com o
crescimento das tensões entre o EUA e a China. A acurácia
comparativa dos acontecimentos mundiais refletidos no Estado
brasileiro é inegável, além de comprovar que esta nação ainda está
mergulhada na estrutura governamental da ditadura fascista e
militar de 1964, demonstrando assim o quão este país está distante
de uma independência política plena, sendo uma semicolônia e anão
diplomático, que evidencia em si apenas o reflexo de conjunturas
internacionais.

Em segundo lugar, que golpe é esse que “descontinuou” essa


“democracia”? Que em 2016 aconteceu um legítimo golpe não resta
quaisquer dúvidas, porém, fora esse um atentado à ordem vigente
nacional? Certamente que não. O impedimento de Dilma não contou
com nenhuma demonstração de força extraconstitucional para ser
realizado – tudo foi feito dentro dos trâmites da lei brasileira e de
acordo com as normas legais. Assim também foi a ascensão de
Bolsonaro. Afinal, a eleição de 2018 demonstrou qualquer ruptura
com o Tribunal Superior Eleitoral e com as campanhas do circo das
eleições? Não houve marchas militares, tampouco esses tomaram o
palácio do planalto – da queda do PT à ascensão de Bolsonaro, tudo
foi feito dentro da legalidade do Estado brasileiro.

O golpe de 2016 foi sim preventivo, uma manobra realizada


pelo capital financeiro para intensificar a exploração dos
trabalhadores, e que, para isso, utilizou-se do aparato político que
estava sob seu comando. Nenhum general teve de sujar suas mãos
dessa vez, o que prova, definitivamente e indiscutivelmente, que o
Estado brasileiro está à mercê do capital financeiro e não é,
minimamente, democrático.

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Em terceiro lugar, há a conclusão mais obtusa do discurso dos
ansiosos por essa frente ampla: como derrubaremos Bolsonaro? Com
um impedimento, assim como foi feito com Dilma. Ora, mesmo que
o diagnóstico tenha sido complemente errôneo, o prognóstico
poderia ser um pouco menos risível, não? Se o Estado brasileiro
pertence ao capital financeiro internacional, principalmente ianque, e
articulou o golpe preventivo, como poderia o mesmo Estado
articular um contragolpe? Como haveria, dentro da mesma
legalidade que colocou Bolsonaro no poder, uma brecha legal para
retirá-lo de lá?

O impedimento de Bolsonaro talvez possa vir a acontecer tão


somente por causa da ascensão de Joe Biden nos EUA, como um
reflexo de uma mudança entre as forças do capital imperialista
ianque, sem que se mude meia vírgula o regime de exploração
incorporado na estrutura do Estado brasileiro. Jair não deixará a
cadeira presidencial por pressão de uma frente ampla eleitoreira, e
nem sequer pode-se vislumbrar a ocorrência de uma legítima
mudança estrutural e qualitativa no Brasil.

Portanto, essa frente eleitoreira pode até ser antibolsonarista,


mas não é antifascista em essência, pois não consegue limpar a nação
brasileira das feridas ainda abertas pelo golpe de 1964 – não tem
intenções de modificar estruturalmente ou qualitativamente o país
em prol de seu povo trabalhador. Trata-se de uma frente ampla
oportunista em uma só palavra e definição, que reúne o
oportunismo revisionista do PT, PSOL, PCdoB e o oportunismo
neoliberal do PSDB, MDB, DEM e afins. Linhas tanto de “esquerda”
como de “direita”, unificadas pela esperança de abocanharem
migalhas despejadas da mesa do capital financeiro internacional,
principalmente ianque.

Bolsonaro, com sua eloquente estupidez, afastou de si grande


parte de seu apoio com seus discursos torpes e toscos que não
poderiam nem mesmo almejar uma mediocridade intelectual.

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Aliados a medidas antipovo, principalmente no “combate” ao novo
coronavírus, cujo crescente repúdio cria vínculos com a ascensão do
Partido Democrata dos EUA. A queda desse fascista pró-64 está,
todavia, rodeada de oportunistas pró-85 que almejam poder, e todo
esse processo será dentro da domesticação institucional e da
legalidade que o Estado brasileiro permitir. Mesmo que Bolsonaro
seja impedido de governar, não haverá ganhos substanciais e
permanentes para o povo, que não sejam mudanças paliativas,
sujeitas a serem totalmente aniquiladas se contrariarem os interesses
do grande capital.

Por uma frente única revolucionária!

Os verdadeiros patriotas brasileiros, legítimos democratas e


até mesmo os liberais que anseiam por uma democracia burguesa
(reconhecendo que o Brasil não é uma) necessitam, sim, unificarem-
se em uma frente única antifascista e anti-imperialista. Essa não é
uma simples estratégia, é uma necessidade histórica do povo
brasileiro.

O campesinato e o proletariado, que sofrem as contradições


do capital diariamente em suas vidas, estão cada vez mais perdendo
a fé nas eleições e na farsa eleitoral. É nítido o boicote do povo às
eleições, de forma que as milhões de pessoas que não compareçam às
urnas em 2020 marcaram um recorde histórico de abstenções. Ambas
as classes são os líderes natos de qualquer revolução, desde o início
do século XX, e aqui no Brasil não haverá de ser diferente.

Os intelectuais, todavia, ainda estão muitas vezes presos à


perspectiva pequeno-burguesa e socialdemocrata de uma mudança
verdadeira pelas urnas. A história há de provar a eles, mais uma vez,
a raiz de sua errônea perspectiva. Não bastasse os golpes de Franco,
na Espanha, e de Pinochet, no Chile, a infame tragédia de 1964 e a

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rude farsa de 2016 ainda hão de ensinar aos trabalhadores o caminho
da verdadeira mudança nacional.

A pequena e a média burguesias nacionais, apesar de serem


classes que temem a insurgência e o radicalismo proletariado, hão de
entender, no próprio gerenciar de seus negócios, que o imperialismo
e a grande burguesia impedem seu crescimento diretamente através
dos monopólios e oligopólios. Os burgueses nacionais entendem que
os trustes e dumpings praticados pelas grandes multinacionais
prejudicam seus próprios interesses e, por isso, eles irão se
incorporar na luta antifascista e anti-imperialista.

Mas essa frente, composta pelo povo trabalhador brasileiro de


todas as ideologias antifascistas e anti-imperialistas, não pode
deixar-se levar pelo conforto da legalidade do Estado brasileiro. Ela
necessita entender que depender dessa legalidade é depender do
fascismo e lutar pela continuidade da atual “democracia” brasileira
é lutar pela manutenção dele. Acontece que esta “democracia” não
passa de uma máscara para o regime fascista encrustado na estrutura
do Estado nacional, que nunca em sua história incorporou um
regime de fato democrático.

Entender que a natureza do fascismo brasileiro não deriva tão


somente de um governo, mas sim de uma estrutura, é de extrema e
urgente necessidade. Não é Bolsonaro o precursor do fascismo
brasileiro, quem o fez foi Getúlio Vargas, em 1937. O governo do
atual presidente apenas exerce a continuidade de um fascismo que
está emaranhado nos pilares estruturais do Estado brasileiro a tantas
décadas. Esse fascismo brasileiro arrefeceu-se em 1945, mas voltou
pujante em 1964. Esfriou-se novamente em 1985, mas a partir de 2016
vigora “a todo vapor”. Somente uma revolução pode extingui-lo:
uma revolução popular antifascista e anti-imperialista movida pelo
povo trabalhador brasileiro!

“Os dominadores fascistas da Alemanha desencadearam a 22


de junho o seu ataque à União Soviética. Essa agressão pérfida

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e criminosa é tanto contra a União Soviética como contra a
liberdade e a independência de todas as outras nações. Na
guerra sagrada de resistência à agressão fascista, a União
Soviética defende tanto o seu próprio território como a
totalidade das nações que lutam para salvar-se da subjugação
fascista. Presentemente, a tarefa dos comunistas de todo o
mundo consiste em mobilizar os povos de todos os países a fim
de organizar uma frente única internacional para lutar contra
o fascismo, defender a União Soviética, defender a China e
salvaguardar a liberdade e independência de todas as nações.
Na fase atual, todos os esforços devem ser concentrados no
combate à subjugação fascista.” (MAO, Sobre a Frente
Única Internacional Antifascista, 1941)

17
Uma Blindagem de Hipocrisia
Fevereiro de 2021,

Às pressas, desconsiderando até os processos de tramitação


convencionais, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 3/21,
também conhecida como o a “PEC da Impunidade” ou “PEC do
Super Foro Privilegiado” tramita livremente pelo congresso
brasileiro, a par de qualquer senso de ridículo ou até mesmo de um
anseio pelo cumprimento dos discursos e das promessas de
campanha eleitoral. Arthur Lira, lacaio do presidente Jair Bolsonaro e
novo presidente da Câmara dos Deputados, pautou-a em tempo
recorde, para que ela fosse discutida no dia 24 e votada no dia 26 do
mês de fevereiro.

O que prevê tal proposta? Os privilégios mais estarrecedores


seguem-se:

• Imunidade absoluta para qualquer discurso parlamentar - Os


parlamentares poderão, em seus discursos na câmara, defender o
nazismo, o terraplanismo, o repúdio às vacinas, a negação de
uma pandemia global, as teorias da conspiração e qualquer
discurso racista ou sexista sem o menor medo de retaliação
prevista por lei.

• Impossibilidade de um parlamentar ser preso, mesmo que em


flagrante, ficando sob custódia da câmara - Mesmo preso em
flagrante, o parlamentar não será encaminhado para uma
delegacia, tal como um mortal cidadão brasileiro, mas sim deverá
ser levado à câmara, mesmo que lá não haja sequer estrutura
carceraria básica para este procedimento.

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• Veda o afastamento cautelar de parlamentares pela câmara -
Mesmo tendo cometido crimes, provados e comprovados, o
parlamentar não poderá ser afastado de sua função.

• Amplia o foro privilegiado para crimes sem relação com o


mandato, sendo que crimes cometidos antes do mandato também
terão foro - Qualquer criminoso, independente de seus crimes
pregressos, têm acesso a um “foro privilegiado retroativo”, caso
eleito. Qualquer estuprador, genocida ou torturador não poderá
ser punido por esses crimes assim que ocupar uma cadeira
parlamentar.

• Durante o mandato, a justiça não pode ordenar pedido de busca


e apreensão para o parlamentar em sua residência ou em seu
gabinete - Medida autoexplicativa, escuda ainda mais os
parlamentares contra a mera possibilidade de inconvenientes
causados pela justiça. Ora, pobres deputados que mal podem
exercer seus mandatos sem serem incomodados com essas
petulantes medidas legais contra o crime.

A favor dessa PEC estão o próprio Lira, Carla Zambelli, Aécio


Neves, Flor de Lis, Bia Kicis, Marco Feliciano e, é claro, o filho do
presidente, Eduardo Bolsonaro, do qual esta proposta parece ter sido
feita sob medida para si, visto que o esquema das “rachadinhas”
parece se tornar cada vez mais um importuno para este parlamentar.
Aparenta ser bastante comum entre os defensores do bolsonarismo
clássico o total descumprimento para com as promessas e pautas
defendidas em campanha, pois, assim como o próprio Bolsonaro,
todos se posicionaram contra o foro privilegiado, principalmente
antes de assumir seu mandato, e agora parecem estar a favor de um
aumento dos privilégios para com eles mesmos. Que notável
conveniência não? Não bastava prometer combater o “toma lá dá cá”
das negociações com o “centrão” e hoje participar ativamente dele,
os asseclas bolsonaristas do parlamento também esforçam-se para

19
irem contra tudo que diziam lutar contra – parece que a hipocrisia
entre eles é uma espécie de valor moral.

No dia 26 de fevereiro, a sessão de votação dessa PEC foi


obstruída por neoliberais que, pasmem, abandonaram o barco de Jair
Messias que tanto defenderam em 2018. Todavia, é possível que essa
teratologia constitucional seja novamente trazida à pauta em março,
podendo ser aprovada dentro dos trâmites da constituição federal.

Qual o objetivo dessa PEC para Bolsonaro e seu governo?

Esta proposta tem como objetivo a consolidação da classe


política liderada pelos militares, que tanto Bolsonaro defende. A
própria ascensão de Lira, como presidente da Câmara dos
Deputados, escuda Jair contra possíveis processos de impedimento,
assim como sua aproximação ideológica com as polícias militares dos
Estados têm como pretensão centralizar as armas no poder executivo
federal e diminuir a autonomia estadual. PECs, como a 3/21, são
articuladas nesse mesmo contexto e apenas evidenciam uma
tentativa de blindagem da classe política contra acusações e ataques
da oposição, tanto dos novos (NOVO, MBL) e velhos (PSDB, MDB)
liberais, como dos socialdemocratas (PT, PDT).

Portanto essa proposta de criação de um “super foro


privilegiado” apenas enfatiza o golpe preventivo em curso desde
2016, que estabelece um recrudescimento da exploração nacional e
do povo trabalhador brasileiro, mediante a um fortalecimento do
poder vigente, centralizado. Bolsonaro e sua corja, buscando cumprir
os ditames da grande burguesia imperial, procuram proteger-se
ainda mais contra as tentativas de movimentação contrárias aos seus
interesses dentro do ambiente legal, buscando, dentro dos textos de
1988, as brechas pelas quais seu poder pode ser não só protegido
como legitimado, podendo agir livremente no cumprimento de sua
agenda. Assim como as reformas da previdência, todas as medidas

20
antipovo que demanda o imperialismo são tomadas mais facilmente
e rapidamente com um governo blindado contra a oposição
parlamentar, que já se encontra à mercê da legislação, do Estado e da
farsa eleitoral, completamente domesticada e dócil.

O que o povo trabalhador brasileiro há de compreender nessa


ardilosa manobra governamental?

Essa PEC, até as presentes linhas serem escritas, ainda não foi
aprovada, mas sua própria tentativa carrega em si um importante
aprendizado aos trabalhadores do Brasil. Todo esse processo está a
ocorrer dentro da legalidade estatal, sob o jugo da classe política e
sem a mínima dose de aprovação popular – enfatizando ainda mais
que a classe política não dialoga os interesses do povo e que a
legalidade burguesa do Estado brasileiro não tem aberturas eficazes
contra o combate aos privilégios dessa classe política.

➔ A classe política brasileira não representa o povo trabalhador


brasileiro.

➔ O Estado brasileiro não está estruturado para atender os


interesses do povo trabalhador brasileiro.

O Brasil não é uma democracia, em poucas e definitivas


palavras. A classe política que ocupa as cadeiras do parlamento e do
executivo são uma oligarquia sob o comando direto dos grandes
empresários estrangeiros, da grande burguesia imperial,
principalmente ianque. A estrutura legalizada do Estado brasileiro
apenas facilita a manutenção dessa classe, além de impedir a
ascensão de forças verdadeiramente populares.

Desde o golpe de 2016, a ascensão de Bolsonaro, em 2018, até


as medidas antipovo e PECs monstruosas, como a 3/21 – tudo
ocorreu de acordo com a legislação em vigor, dentro dos parâmetros

21
estabelecidos pela lei brasileira, sem nenhuma ruptura
constitucional.

Isso demonstra, de forma bastante concisa, que tentar reverter


esses quadros utilizando-se dos meios legalizados concebidos pelo
Estado e pela constituição federal é uma manobra totalmente
ineficaz. Procurar o próprio Estado ou a própria classe política para a
resolução definitiva de controvérsias a favor do povo é uma
completa e escancarada perda de tempo, ou melhor, de energia, pois
todas as vitórias populares que ocorrem dentro dessa velha e
carcomida estrutura são paliativas, passivas de serem reduzidas e
eliminadas em pouquíssimo tempo. Nem mesmo o Estado brasileiro
dá margens a uma democracia mais direta, onde a iniciativa popular
pode elaborar leis e vetar projetos absurdos, e isso tudo, juntamente
com um sucateamento da educação pública, faz parte do próprio
projeto “Brasil”, que adota um modelo de democracia burocrática.

O capitalismo no Brasil é burocrático – tem aparência formal


de capitalismo, mas na verdade é uma economia agroexportadora
extremamente atrasada e parcamente industrializada. Isso reflete-se
em sua política, que se faz igualmente burocrática, ao adotar
processos comuns das democracias liberais, como as eleições.
Todavia, esconde atrás delas um sistema oligárquico de poder
igualmente atrasado. Se o capitalismo e a democracia liberal andam
juntos, o Brasil desconhece ambos, nunca tendo passado de uma
semicolônia semifeudal.

Uma PEC que engrandece tanto os privilégios da classe


política, como a 3/12, apenas evidencia essa situação nacional. Ora,
seria possível em uma nação séria, verdadeiramente democrática
(ainda que uma democracia burguesa) uma proposta como essa
chegar tão longe? A própria situação dos políticos enquanto uma
classe abastada, com aposentadorias e salários que fariam inveja à
pelo menos 99,9% dos trabalhadores brasileiros, já é suficiente para
deixar isso esclarecido.

22
Ainda nesse contexto, o senador Flávio Bolsonaro adquiriu
recentemente uma mansão cujo valor é de aproximadamente R$
6.000.000,00. Isso equivaleria a mais de 5.700 salários mínimos ou
ainda 10.000 auxílios-emergenciais pagos durante a pandemia. Não
seria de uma absurda inocência esperar que essa classe política se
preocupasse, de fato, com os camponeses pobres e trabalhadores
desempregados urbanos, que lutam diariamente e incansavelmente
para terem quatro paredes de palafita sob terra batida para chamar
de lar?

Enquanto isso, no Brasil...

O gerenciamento de Bolsonaro bate recordes no seu


“combate” ao COVID-19: em média mais de 1.000 brasileiros
morrem todos os dias e contabilizam mais de 250 mil mortes
causadas pela pandemia no país. A chamada “segunda onda” da
doença se alastra ferozmente pela população, principalmente a mais
pobre, munida de novas variantes do vírus, que o deixam ainda mais
transmissível e letal. O Instituto Lowy da Austrália publicou mês
passado que o Brasil seria o pior país a lidar com a pandemia,
enquanto o Washington Post – o mesmo que publicou em abril do
ano passado que Bolsonaro seria o pior líder mundial a enfrentar o
COVID-19 – coloca a falta de capacidade do governo em conter a
transmissão do vírus como sendo responsável pelo surgimento de
variantes virais cada vez mais perigosas, que podem vir a prejudicar
não só o Brasil, mas como o restante do mundo.

E onde estão Bolsonaro e sua trupe? Brigando por uma PEC


que lhes dê ainda mais privilégios – eis o retrato da classe política
nacional. Enquanto mais de mil brasileiros morrem todos os dias,
faltam leitos nos hospitais e vacinas nos postos de saúde, o
parlamento, que, em tese, é responsável pela defesa dos direitos e
anseios do povo, debate a possibilidade de maiores privilégios para
si.

23
Enquanto um filho compra mansões, outro tem PECs que
parecem ser exclusivamente desenhadas para inocentá-lo: seria esse
o combate à “mamata” que tanto Jair Messias prometeu lutar contra?
Estariam esses mesmos parlamentares lutando por melhores
condições para os trabalhadores da área da saúde, que são os mais
expostos à pandemia e que estão fazendo esforços “de guerra” para
realmente combater o COVID-19?

PS:. (pouco tempo depois, no dia 04 de março, o próprio Jair Messias viria a
jogar sua jocosa e fúnebre cortina de fumaça: “Chega de frescura, de mi mi
mi” – disse o presidente do Brasil a respeito das perdas causadas pelo
COVID-19, que no dia anterior chegou a marca de 1.910 mortes em 24h.)

Que fazer?

A PEC 3/21, principalmente no contexto na qual essa está


inserida – em meio a uma nova onda da pandemia que matou quase
três vezes o número de brasileiros que a Guerra do Paraguai (1864 a
1870), o maior conflito internacional que o Brasil participou –
escancara na face de todo trabalhador sério e honesto o quão a classe
política pouco se importa com qualquer assunto que não seja de seu
próprio interesse. Não só isso, deixa nítido que o Estado brasileiro
está longe de ser um instrumento em prol do povo, ele é somente um
mecanismo que garanta a exploração e a subjugação da população

A sexta república brasileira continuou o trabalho sujo da


quinta república; a ditadura militar autoritária transformou-se em
um “presidencialismo de coalizão”, cujo jogo de poder entre as elites
nacionais e internacionais jamais permitiria uma ascensão popular às
rédeas do Estado. As eleições não são menos que uma grande farsa
para mascarar uma ditadura da grande burguesia sobre o povo
trabalhador, cujo papel é engodar os movimentos legitimamente
populares em uma arapuca que arrefece sua pujança e alimenta o
oportunismo parlamentar.

24
“Crise de representatividade!” emanam os acadêmicos da
pequena burguesia. Não, pois crise pressupõe um período específico
e limitado. A falta de representatividade, de participação e, em suma,
de exercício do poder popular, assim como a própria etimologia da
democracia demanda, estão bloqueados pela própria estrutura do
Estado brasileiro e das oligarquias que ocupam o poder nesse. Uma
crise pode ser resolvida ou contornada por medidas governamentais
eficazes, já a instituição “Brasil” não, pois se faz necessário modificar
as suas raízes e instituições mais básicas e elementares – um processo
de ruptura absoluta se faz urgente.

Portanto, faz-se mais que necessário e em caráter


emergencial, que o povo brasileiro deixe de confiar completamente
na classe política desse país, independentemente de seu discurso e de
suas posições advogadas. Deixe também de confiar completamente
nesse Estado e nessa constituição como garantidores de uma
idealizada e ilusória democracia, pois está cada vez mais evidente
que essa democracia jamais existiu, tampouco esse Estado está a
salvaguardá-la.

Em suma: não há candidatos a serem escolhidos que de fato


possam mudar a situação do Brasil – e esta verdade é imprescindível
de ser compreendida em sua totalidade pelo povo trabalhador dessa
nação. Assim, e tão somente assim, o povo trabalhador brasileiro
poderá confiar em suas próprias forças apenas, que ao se mobilizar,
se organizar e se politizar, se transforma no verdadeiro agente de
mudança nacional, preparado para aniquilar completamente esse
velho e carcomido Estado e construir um novo com suas próprias
mãos, cuja estrutura e objetivo sejam de fato servir ao povo
trabalhador brasileiro.

Eis que o desespero dos atuais governantes há de se traduzir


em ainda mais propostas absurdas, como a 3/21, pois que esses
tremem constantemente na covardia de seus postos. E a cada reluzir
dessa gritante hipocrisia, demonstrada tão nitidamente por essa

25
escusa e mesquinha classe política, seja evidenciada, cada vez mais, a
distância de seus interesses para com a nação brasileira e para com o
povo trabalhador brasileiro. Esse povo que haverá de abandonar e
punir esta oligarquia, levantar-se-á e cumprirá seu papel histórico,
de fazer a Revolução Popular e Democrática no Brasil!

26
Sobre a Confiança nas
Forças do Povo
Março de 2021

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, no


dia 08 de março, anulou as condenações de Luiz Inácio Lula da Silva
relacionadas ao processo da Lava-Jato, julgando que a 13º Vara
Federal de Curitiba não possuía competência para julgar os casos
relacionados ao sítio em Atibaia, ao triplex no Guarujá e ao Instituto
Lula, dos quais o ex-presidente foi acusado e julgado, pelo juiz
Sérgio Moro, ex-ministro da justiça do governo Bolsonaro. Em
poucas linhas, isso se traduz na elegibilidade de fantoche Luiz Inácio
no circo eleitoral de 2022, que ocorrerá no Brasil se até lá o fascismo
vigente não expor ainda mais suas garras e desfazer-se até mesmo
das eleições – sua principal máscara de democracia.

E aos progressistas, patriotas, democratas, comunistas e todo


brasileiro que ama e defende o Brasil, o que há de ser feito? Seria a
defesa de Luiz Inácio uma opção viável para combater a
monstruosidade de governo Bolsonaro? Seria o retorno do PT uma
alternativa à hecatombe bolsonarista?

Primeiramente, que sejam expostas, de forma resumida, a


natureza política e ideológica de cada uma dessas duas vertentes,
aparentemente contraditórias e conflituosas:

• Luiz Inácio é representante do partido único da grande burguesia


(PT/PSDB/MDB), que comandou a sexta república brasileira por
33 anos (1985 a 2018). O PT, por sua vez, é mais atado à parcela
burocrática da grande burguesia, cuja matriz econômica, apesar

27
de neoliberal, ainda necessita mais do gerenciamento estatal da
economia.
• Bolsonaro é representante também da mesma grande burguesia,
porém das alas mais militaristas que comandaram a quinta
república brasileira por 21 anos (1964 a 1985) e estão, hoje,
novamente no poder (2018 a 2021). Esses são mais atados a
parcela compradora da grande burguesia, cuja matriz econômica,
de raiz neoliberal, necessita menos do gerenciamento estatal da
economia.

Tanto a burguesia burocrática como a compradora são parte


da grande prole burguesa, sendo ambas fantoches da grande
burguesia imperialista, principalmente ianque. Lula e Bolsonaro não
passam de lacaios dos grandes empresários internacionais e dos
Estados imperialistas que eles representam. Há, ainda, certa
influência do social-imperialismo chinês entre os apoiadores de Lula,
através, principalmente, do PCdoB – e talvez essa seja a única
diferença ideológica aplicada entre eles.

Evidentemente que essas definições são muito mais didáticas


que específicas – há parcelas do social-imperialismo chinês dentro do
regime bolsonarista, assim como do velho imperialismo inglês entre
os apoiadores petistas. É uma rede extremamente complexa, todavia
são expostas, dessa forma, as principais forças presentes nesse
processo de exploração nacional do qual o Brasil está à mercê.

Tendo essas definições sido devidamente elucidadas, o autor


destas presentes linhas recorre a um texto de sua própria autoria:
“Quatro Pontos Acerca da Situação Política e Ideológica da Esquerda
Brasileira” (2018). Um pequeno e humilde artigo onde uma das
pautas seria a diferença prática entre um legítimo avanço popular e
uma concessão burguesa. Sob este prisma, que seja analisado a
situação política supracitada e a possível disputa entre Luiz Inácio e
Bolsonaro na próxima farsa eleitoral.

28
É fato concreto e incontestável: o sistema de saúde do Brasil
simplesmente colapsou, e transbordam evidências bastante reais e
nítidas desse grotesco fracasso, sendo a causa disso não somente o
advento da COVID-19, mas de séculos (sic) de descaso com a saúde
pública somadas à pior (sic) gestão de combate ao vírus em todo
mundo. Bem como o sistema de saúde, os pequenos e médios
negócios no Brasil também estão passando por tempestuosos
momentos, sendo a falência uma realidade que acompanha
diretamente o desemprego.

E qual seria uma viável medida a ser tomada pelo governo


para amenizar essa calamitosa situação?

O aumento do valor do auxílio-emergencial para todos os


desempregados, bem como um prolongamento de seu pagamento
até a pandemia estar controlada e grande parcela da população estar
devidamente vacinada. Muitas outras medidas necessitariam serem
tomadas, evidentemente, mas mantenha essa como exemplo
demonstrativo.

No discurso de Luiz Inácio, que ocorreu no dia 10, uma das


pautas levantadas por ele seria sobre o auxílio-emergencial, de forma
que o político defendeu seu pagamento. Digamos que as próximas
eleições fossem neste mesmo mês, seria então viável elegê-lo devido
às suas promessas, pois essas propostas seriam condizentes com uma
viável solução para a problemática situação nacional, correto? É
respondendo de forma afirmativa à essa questão que o brasileiro
vem sendo engodado, iludido e ludibriado a mais de vinte anos
nessa falsa democracia.

Espera-se de um imperador, de um príncipe, de um líder ou


de um político que se sanem os problemas da nação. O brasileiro
perde por aguardar uma personalidade heroica e/ou messiânica que
desempenhe uma grande transformação nacional, e por isso
permanece enquanto uma semicolônia semifeudal. Ora, Bolsonaro
não foi eleito quase que no primeiro turno devido seu forte apelo à

29
novidade, à sua promessa de combate a velha política, a seu discurso
de renovação nacional? Pois bem, o povo brasileiro é plenamente
consciente que se faz mais que necessária uma urgente mudança na
política nacional. A força da campanha de Bolsonaro e a sua eleição
provaram isso, porém a promessa de renovação não passaria de mais
uma grande mentira, já comprovada tantas vezes desde 2018.

O povo anseia por uma grande transformação nacional, por


uma política verdadeiramente popular, tão diferente da elitista
oligarquia de partidos da grande burguesia que hoje comanda o
Estado brasileiro. Não é novidade entre os trabalhadores do campo
ou da cidade, nem mesmo entre os jovens ou idosos, que a
população trabalhadora almeja uma nova política, uma nova
democracia. Todavia, a postura de esperar um novo líder, um novo
político surgir e trazer esse novo Brasil é o que prende o povo às
amarras desse velho Estado.

Para se conseguir uma nova democracia, o povo deve se


levantar e lutar por ela. Para se construir um novo Estado e uma
nova política, verdadeiramente democrática, tão somente os
trabalhadores podem fazê-lo, unidos em sua mobilização,
fortalecidos em sua organização, justos em sua politização. Não se
deve esperar que os votos e as eleições tragam a mudança, pois a
história já provou inúmeras vezes que elas são incapazes disso.
Deve-se, sim, lutar por essa modificação, tanto nas fazendas, como
nas ruas, nas greves e nas universidades em todo Brasil, pois é
somente através das lutas que uma transformação real e duradoura
ocorre – e a história também já provou isso.

Voltando ao exemplo do auxílio-emergencial: a solução não


seria votar em um político devido às suas promessas, às suas falas,
mas, sim, lutar por melhorias independentemente do político que
esteja ocupando a liderança do Estado. Logo, o povo precisa
batalhar, ir às ruas, organizar grandes passeatas, manifestar-se até
conseguir o auxílio-emergencial, e não aguardar que um político o

30
conceda. Não é votando em um político que promete melhorias. A
maneira eficaz de trazer isso de fato para a população, é com a luta e
a manifestação frente aos políticos, e eles, que deveriam ser servos do
povo, executam as melhorias através do aparato estatal.

➔ Quando alguma mudança benéfica ao povo acontece tão somente


por uma decisão política, sem a luta do povo, por mais que essa
mudança traga benefícios à população, ela não deixa de ser
apenas um jogo de interesses desse político para conseguir apoio.

➔ Quando uma mudança benéfica ao povo acontece devido à


manifestação e ao protesto popular, que pressionou a classe
política de uma forma que a deixasse sem escapatória, então essa
foi uma legítima conquista popular.

Enquanto, no primeiro exemplo, tudo ocorre dentro da


agenda da classe política, num escuso jogo de interesses das classes
dominantes para angariar apoio entre as massas, no segundo
exemplo há uma legítima conquista popular, que ensina à população
o poder que ela tem de realmente mudar e transformar a sociedade
em que vive.

Quando uma questão social é movida pelas concessões


burguesas do primeiro exemplo, ela fica à mercê dessa grande
burguesia. Quando a sociedade é movida pelas conquistas
populares, ela se torna, de fato, uma democracia popular. Essa é a
regra geral da qual a história cansou-se de demonstrar, sem nunca
ter uma única vez falhado – é uma regra científica.

Finalmente, respondendo à pergunta que iniciou estas linhas,


deveria ser a defesa de Luiz Inácio uma alternativa tomada pelos
progressistas, patriotas, democratas e comunistas contra a besta
bolsonarista que hoje toma às rédeas do Estado brasileiro? Não, pois
quem necessita tomar violentamente essas rédeas é o povo
trabalhador brasileiro e ninguém mais. Nem a velha política de Lula,

31
FHC, Temer e seus asseclas, nem a grotesca política de Bolsonaro e
seus generais – o Brasil pertence ao seu povo e tão somente a este!

Portanto, à fim de fazer girar para frente a roda da história, se


faz necessário que o povo trabalhador brasileiro confie em suas
próprias forças e não mais em nenhum político. Só o trabalhador
pode mudar o Brasil e construir uma nação justa e democrática de
fato, portanto é necessário que ele saiba disso o quanto antes, a fim
de que se possa erguer essa nação o mais cedo possível, enquanto
uma grande potência aliada aos povos trabalhadores de todo
mundo!

Enganar o povo, fazendo-o pensar que ele é fraco e nada pode


fazer, convencendo-o de que ele deve votar para escolher um líder
“salvador” é a grande mentira que precisa ser aniquilada entre os
trabalhadores não só do Brasil, mas também de todas as nações.
Quando o povo descobrir o poder que de fato possui, a mudança
será iminente e, sim, violenta!

32
Doença e Fome:
Da Pandemia à Subnutrição
Abril de 2021,

“De pé, ó vítimas da fome! De pé, famélicos da terra!”

-A Internacional

Brasil

Os alimentos no Brasil, durante o ano de 2020, tiveram preços


aumentados três vezes mais que o valor médio de aumento causados
pela inflação, essa que já não é tão baixa desde a década passada e da
(até agora não superada) crise de 2008. Segundo a ABRAS
(Associação Brasileira de Supermercados), o “prato feito” constituído
geralmente de salada, arroz, feijão e carne – alimentação basilar do
povo brasileiro – aumentou seu preço cerca de 43% devido à
ascensão do preço de seus principais ingredientes.

O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo)


registrou, em fevereiro de 2021, um aumento de 29,5% do valor da
carne bovina nos últimos 12 meses, ao passo que o relatório de
março, do mesmo ano, da ABRAS, registrou um aumento de 28,2%
nos cortes dianteiros e 12% nos cortes traseiros.

Já o preço do arroz, em 2020, subiu mais que 70%, enquanto o


preço do feijão em torno de 65%, como decorrência direta da
diminuição da produção nacional aliada ao aumento da população e,
consequentemente, da demanda pela alimentação básica. Segundo a
Sociedade Editorial Brasil de Fato, a produção de arroz, em 2010, era
de 13,6 milhões de toneladas e, em 2020, diminuiu para 11 milhões.

33
Já a produção de feijão, em 2010, era de 3,7 milhões de toneladas e,
em 2020, foi de 3,3, milhões. Inversamente em proporção, segundo o
IBGE, em 2010, a população brasileira era de aproximadamente 190
milhões de pessoas e, em 2020, chegou aos aproximados 210 milhões.

A causa primária disso é o foco da produção para


agroexportação, seguindo o modelo econômico colonial e o papel
subserviente que o Brasil desempenha como periferia
subdesenvolvida da economia mundial desde o ano de 1530. Houve
um aumento recordista de produtos como soja e milho para
exportação, cujo principal mercado comprador é a China, ao passo
que o território cultivado de arroz diminuiu 40% nos últimos dez
anos, segundo ao CONAB (Companhia Nacional do Abastecimento).

Ao mesmo tempo em que o preço dos alimentos dispara, o


número de trabalhadores com emprego no Brasil despenca. Segundo
dados do próprio IBGE, o ano de 2020 encerrou-se com mais de 13,4
milhões de desempregados, um aumento de 13,5% durante o ano,
como reflexo de uma crise global, cujo precedente histórico jaz na
famosa quebra da bolsa de 1929, data que falecera (na prática) o
liberalismo e a democracia liberal, cujos cadáveres serviram de
alimento à ascensão do nazifascismo europeu. Há projeções do FMI,
para o Brasil, que indicam que no ano de 2021 o aumento do
desemprego será ainda maior: 14,5%.

O resultado dessa problemática é catastrófico. De acordo com


o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da
Pandemia da COVID-19 no Brasil, realizado pela Rede PSSAN (Rede
Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e
Nutricional), 19 milhões de brasileiros estão à mercê da fome. Em
2018, esse problema abrangia 10 milhões de compatriotas,
concluindo, dessa forma, que durante o governo Bolsonaro esse
número praticamente dobrou. Segundo o mesmo inquérito, mais de
116 milhões de pessoas – mais da metade dos domicílios brasileiros –
estão com algum grau de insegurança alimentar.

34
Não bastassem os mais de 400 mil brasileiros mortos pela
pandemia, no qual o país conseguiu, por alguns instantes,
ultrapassar a marca dos 4 mil mortos por dia - desconsiderando o
quadro de subnotificação, visto que o Brasil ainda é o 115º pior país
em testagens - a recessão econômica aliada a inexistentes
investimentos no combate à subnutrição está também contribuindo
para a hecatombe bolsonarista – projeto abertamente genocida de
aniquilação da classe pobre e intensificação da exploração nacional.

A resposta de Bolsonaro se faz bastante simples. A culpa da


crise é das políticas de contenção promovidas pelos prefeitos e pelos
governadores:

"Lamentavelmente, como efeito colateral da política de


destruição de empregos, fique em casa, lockdowns, toque de
recolher, entre outras coisas, cresceu a massa de pessoas que
nada mais têm ou quase nada mais têm, e precisa do Estado
num momento difícil como esse." (BOLSONARO,
cerimônia de entrega de cestas básicas em Belém do
Pará, 23 de abril de 2021)

Essa fala conduz a uma dicotomia bastante simplória, que


não necessariamente se encontra no campo da realidade:

Opção I: Devemos ignorar o vírus, não realizar nenhuma contenção,


de modo que muitas vidas serão perdidas para a COVID-19, para
salvarmos a economia e não deixar o país quebrar, o que acarretaria
mais mortes no processo.

Opção II: Devemos fazer grandes contenções, fechar o máximo de


estabelecimentos não-essenciais e tomar todas as medidas para a não
proliferação do vírus, salvando assim o máximo de vidas possíveis,
independente do rombo que isso acarretará à economia nacional.

Sacrificar vidas para salvar a economia ou sacrificar a


economia para salvar vidas? Sob esse prisma bastante simplista,
Bolsonaro e sua trupe parecem defender que necessariamente a

35
primeira opção se faz mais viável, visto que o desfalque da economia
brasileira, ao seu ver, geraria muito mais mortes que o novo
coronavírus ao longo do tempo, e ele estaria escolhendo o menor dos
dois males. A antiga e triste mazela da fome, da qual o Brasil está
novamente a presenciar em seu cotidiano seria, assim, culpa dos que
defenderam o “lockdown” como medida de combate à pandemia.

E qual resultado o Brasil está a presenciar? Nem sua


população foi salva, tampouco sua economia. Os governos estaduais
e municipais culpam o governo federal pelas vidas perdidas e o
governo federal culpa os estaduais e municipais pela decadência da
economia brasileira – isso quando não culpabilizam a própria
população por estas problemáticas.

Mas existiria alguma outra maneira? Existiria alguma forma


de proteger a população contra a pandemia sem expô-la às mazelas
tão atrasadas como a miséria e a fome?

Mundo

Na Nova Zelândia, o confinamento durante a pandemia foi


demasiadamente intenso e restritivo, com proibições abrangentes,
aliadas também a grandes campanhas de conscientização e uso de
máscaras. Como resultado, o total de mortes no país foi de 26
pessoas, o que contabilizaria 5 mortes a cada 1 milhão de habitantes
(no Brasil, foram 1.822 mortes para cada um milhão). O auxílio-
emergencial para cada cidadão neozelandês, durante a pandemia,
variava em torno de 240 dólares mensais (aproximadamente R$950).
Hoje, a Nova Zelândia já está voltando às atividades, sendo
considerada um grande exemplo mundial de combate à pandemia.

Mas a geografia e a demografia não podem fazer o exemplo


neozelandês sui generis? Ora, o fato de ser um país insular e com uma
população pequena, não faz este exemplo ser inaplicável ao Brasil?

36
Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel convocou o país ao
confinamento por meio de um pronunciamento em rede nacional,
algo que essa líder de governo não havia feito em 14 anos. Assim, o
país mais populoso da Europa ocidental passou por um rigoroso
“lockdown”, sendo estimulado pelo governo alemão e orientado,
desde o início, ao uso de máscaras e ao distanciamento social. O
Estado de bem-estar social alemão já prevê um aporte de segurança
social em cerda de €400,00 (aproximadamente R$2.600), em
condições normais, com um adicional único variável de €5.000,00 a
€15.000,00 para cada cidadão enfrentar a pandemia, além de auxílio
extra para pais e mães que tiverem de cuidar de seus filhos após o
fechamento das creches e escolas. O total de mortes proporcionais
por habitantes na Alemanha é praticamente metade do que foi no
Brasil, e sua economia está muito distante de perceber algum
trabalhador alemão próximo a situações de fome.

Mas comparar países com um PIB per capta 4 vezes superior


ao Brasil talvez fosse uma comparação simplesmente injusta, não?

No Vietnã, o 15º país mais populoso do mundo, com uma


população que equivale à metade da brasileira e um PIB per capta
aproximadamente 4 vezes menor que do Brasil, o confinamento
social foi bastante rígido, assim como na Alemanha e na Nova
Zelândia, na qual algumas regiões se tornaram completamente
restritas durante a pandemia. Além do auxílio direto, com alimentos,
que em muitos lugares da capital Hanoi chegava a ser diário, o
governo vietnamita forneceu auxílios financeiros de até $300 mensais
(aproximadamente R$1660) aos cidadãos mais vulneráveis. Apesar
das testagens em massa não atingirem grandes índices, o número de
vietnamitas mortos em toda pandemia foi de apenas 39 pessoas
(menos que 0.5 habitante a cada 1 milhão). Mesmo que haja uma
subnotificação de até 100 vezes mais intensa que no Brasil, ainda
assim este país tem enfrentado muito melhor a pandemia de COVID-
19.

37
Mas talvez a cultura oriental, conhecida tradicionalmente por
ser mais disciplinada, não tenha sido um fator bastante definitivo
para uma postura de combate à pandemia?

Cuba, ainda sendo um país bastante pobre, explorado por


décadas pelo social-imperialismo “soviético” e embargado também
pelo imperialismo ianque, foi um dos países que melhor lidou com a
pandemia de COVID-19, e isso pode ser comprovado facilmente
pelos números. Com uma população de aproximadamente 11
milhões de pessoas, apenas 581 cubanos faleceram pelo novo
coronavírus, com um percentualmente de 39 vezes menos que o
Brasil, desde o início da pandemia – isso se deu por medidas
extremas de contenção, onde, por meses, apenas os serviços
essenciais continuaram. E em relação a economia? Quando houvesse
paralisação do trabalho, o governo Cubano garantiu 100% de
vencimento-base no primeiro mês e 60% enquanto durasse a
pandemia. Com uma taxa de desemprego de estimados 2,6%, a
economia cubana, ainda que precária, manteve-se distante da
sombra da fome.

Mas dessa vez volta-se à mesma característica insular de país?

O Uruguai registrou, até o presente momento, um índice de


655 mortes por COVID-19 a cada 1 milhão de habitantes –
aproximadamente três vezes menos que no Brasil. Sua política para
com o confinamento foi igualmente rígida, e sua política econômica
para evitar o total empobrecimento da população trabalhadora foi
inovadora. Nesse país, forçou-se uma espécie de “demissão
temporária”, onde os trabalhadores teriam acesso a seu seguro-
desemprego, de 50% de salário por 4 meses, pago pelo governo
uruguaio, para então serem novamente recontratados pelas suas
empresas de origem, cumprindo para com o confinamento sem
deixar que a população ficasse desamparada economicamente.

Na verdade, muitos outros exemplos poderiam ser usados, e


isso contribui para que grandes veículos da imprensa internacional,

38
especialistas em políticas públicas e muitos médicos infectologistas
concluam que o Brasil é de longe o pior país a lidar com a pandemia
– não só com a proliferação do vírus em si, mas também em medidas
políticas de combate a iminente crise econômica, que tem sido
evidenciada pelo pujante retorno da fome ao país, uma das mazelas
mais atrasadas de toda sociedade mundial, que apenas confirma a
semifeudalidade de sua estrutura e gerenciamento.

Conclusão

Mesmo que os exemplos mundiais comprovem que o


confinamento e a vacinação, aliados à auxílios-emergenciais
substanciais, sejam o melhor caminho a ser trilhado para combater a
pandemia, sem deixar ruir a economia, a simples ideia de uma renda
universal assusta o governo brasileiro. Mesmo que essa tenha sido
oriunda do “imposto de renda negativo” de Milton Friedman - um
convicto liberal - auxiliar as classes mais pobres do Brasil, assoladas
por uma pandemia que já matou mais de três milhões de pessoas no
mundo, parece ser algo muito difícil e oneroso para o Estado
brasileiro. Este que “convive” com quase UM TRILHÃO de reais em
dívidas do agronegócio, sempre preparados a anistiar os grandes
ruralistas, e que perdoou R$62 bilhões de dívidas para com
empresários, em 2018, e R$47,4 bilhões, em 2019. E, nesse ponto, não
apenas o governo de Jair Bolsonaro pode ser culpabilizado, afinal,
em 2016, foram anistiados aproximadamente R$40 bilhões para
grandes empresas de telecomunicações, comprovando que o
argumento de que o Estado brasileiro não tem recursos e está
quebrado é simplesmente uma falácia.

Portanto, esses fatos e dados confirmam uma verdade


bastante evidente: a de que o Estado brasileiro demonstrou
cabalmente a qual propósito esse serve. Em meio à pandemia, sua
preocupação primária consistia em potencializar a agroexportação,
mesmo que esta situação aliada à crise acarretasse fome para a

39
população. O papel central do Estado brasileiro é servir, a todo custo,
a economia global como um fornecedor de matéria-prima, mesmo
que isso ocasione um genocídio, principalmente da população pobre
do país. É o servo que corta partes de seu corpo para servir como
carne ao seu senhor.

Não há interesse, por parte dos governantes, e nem meios


pelos quais o Estado procure pela resolução dos problemas
nacionais, nem busquem propiciar empregos às classes
trabalhadoras, tampouco fornecer saúde e educação de qualidade
para seus cidadãos. Tudo isso são meras ilusões propagadas por
campanhas eleitorais, visto que a função basilar do Estado brasileiro
é assegurar a exploração cada vez mais intensa dos trabalhadores
dessa nação, para abastecer os gigantescos cofres do capital
financeiro internacional através da sua subjugação ao imperialismo,
principalmente ianque.

Portanto, não resta alternativa ao povo brasileiro senão a


aniquilação completa desse Estado burguês-burocrático brasileiro, o
derrubar dessa carcomida e velha instituição que não é, nem nunca
foi, democrática – nem mesmo uma democracia liberal, quiçá uma
democracia popular. O povo brasileiro precisa entender que a
democracia emana de seus próprios punhos – somente o trabalhador
pode e deve conquistá-la mediante a uma franca revolução popular e
a levantes camponeses e operários que insurgirão por toda nação e
derrubarão o atual poder latifundiário-burguês, lacaio do
imperialismo principalmente ianque, para a então construção de um
legítimo e pujante poder popular. A história demonstrou inúmeras
vezes e há de continuar demonstrando: não há caminho para a
independência e para a democracia que não seja a revolução.

40
Sobre a Origem e a
Natureza da Guerra
Maio de 2021,

A Origem da Guerra

O mês de maio, cujo primeiro dia celebra-se o Dia


Internacional dos Trabalhadores, iniciou-se com o sangue deles,
derramado de forma violenta pelas forças da reação e dos seus
Estados reacionários.

Colômbia, Jacarezinho e Palestina são distantes e distintos


palcos de velhas guerras, que por tantos anos põem o povo pobre a
sangrar. O abrir fogo da polícia colombiana contra manifestantes, no
dia 03, e a chacina de Jacarezinho, no dia 06, não passaram de cruéis
demonstrações da força do Estado burguês contra o povo. Já o
conflito israelo-palestino, que também iniciou-se dia 06, não passa de
um capítulo dentro de uma guerra que já dura décadas, cuja raiz
reside também no advento de um Estado burguês extremamente
reacionário e antipovo. São contextos diferentes: combate ao “crime
organizado” e ao "narcotráfico" e assegurar uma “necessária”
reforma, despejando massivamente os pobres de suas moradias –
todos coincidem na mesma lógica, que é a ininterrupta batalha que
os trabalhadores pobres têm de travar para continuarem vivos em
meio ao imperialismo das elites burguesas e seu poderio midiático e
militar.

Já circulam as inverdades midiáticas, que depositam uma


grande carga de culpa e uma malignidade quase visceral sobre as
pessoas que foram baleadas nesses conflitos supracitados, como se as
forças reacionárias estivessem cumprindo o papel de manter a ordem

41
e a paz. Ora, quem são esses grotescos monopólios midiáticos para
falarem de paz? Que vergonhoso heroísmo é abrir fogo contra quem
todos os dias dorme e acorda no chão frio rodeado de palafitas,
drogas e projéteis perdidos!

Tanto o Estado brasileiro como o colombiano aboliram a


escravidão na lei, mas jogaram milhares de “recém-libertos” à
sociedade sem empregos, sem educação, sem saúde, sem habitação e
sem condições básicas para uma vida digna de um ser humano. Os
mesmos Estados reprimiram e reprimem constantemente os
movimentos dos pobres por terra e por moradia, não fornecendo aos
cidadãos boas escolas e bons hospitais, tampouco lhes dando
oportunidades decentes de trabalho. Quando se fala em criar
programas sociais, percebe-se que até mesmo os mais básicos são
combatidos veementemente pelas forças de um doentio e obtuso
neoliberalismo, como se as rendas que subtraem as parcelas mais
miseráveis da fome fossem responsáveis por quebrar a economia
nacional. Ora, séculos isolados como sub-humanos em favelas,
esperar-se-ia o surgimento de algo diferente que não fosse a
criminalidade? Que bela ilusão disfarçada por moralismos banais e
uma pífia ilusão meritocrática! Brasil e Colômbia, assim como todos
os Estados da América Latina, trataram suas populações pobres
como animais e agora esperam algo menos do que a revolta deles?

Já os palestinos tiveram de presenciar a olho nu a crueldade


do imperialismo, ao observarem sua nação – que já sofria de pobreza
há muito tempo – ser dividida e usurpada à bel prazer com a
agressão militar das potências estrangeiras, mascarada por um
conflito “étnico” ou “religioso”, que na verdade é só mais um
exemplo de guerra de rapina imperialista. À elite burguesa pouco
importa etnia ou religião. Ser judeu, árabe ou mulçumano não faz
diferença desde que eles sejam abusados ou utilizados como
instrumento para terceirizar essa exploração. O massacre que
perdura por décadas na Palestina e em todo Oriente Médio incita

42
nada menos que violência, que já escalou para uma contínua e
sangrenta guerra há muito tempo.

E há como esses conflitos, massacres, genocídios e guerras


cessarem? Não enquanto houver imperialismo, pois esse necessita
diretamente dessas atrocidades para sobreviver. Eis o grande motivo
pelo qual o imperialismo é falho e está fadado ao fracasso – ele
precisa explorar, saquear e matar para subsistir, pois se tudo isso
cessasse, ele também terminaria. É uma verdade científica facilmente
verificável: enquanto o imperialismo existir, existirá a guerra, cabe
tão somente ao povo escolher lutar ou ser exterminado, bem como
escolher as formas como lutar.

Onde se planta a pobreza, a miséria e a fome, não há de se


colher nada menos que a guerra. Uma batalha entre nações de povos
oprimidos e Estados burgueses imperialistas e burocráticos. Um
conflito, em suma, do povo pobre e trabalhador contra a opressão
que, por tantos séculos, é sentido na pele, de forma que este povo
precisa encontrar uma maneira de vencer ou perecer – pois que a via
científica para a vitória popular já foi estabelecida, a guerra popular
unificada, sintetizada pelo Presidente Gonzalo.

É beligerância, incitação à violência ou instigação a um


conflito armado pressupor que o povo pobre e trabalhador responda
à violência que este sofre há tanto tempo? Almejar que o cidadão
sem-terra, sem teto, sem emprego e sem comida lute pelos seus
direitos básicos de ser humano é desejar uma guerra? Não, pois a
guerra já começou há muito tempo e se faz necessário escolher um
lado; traçar as estratégias e táticas e lutar pela vitória. Esses escritos e
quem os escreve escolheram um lado, o lado do povo trabalhador, e
as estratégias e táticas para a vitória a ciência militar já foi
descoberta.

Lutar por uma pressuposta paz é ilusão - o imperialismo


morreria de inanição se houvesse paz, portanto ele provoca a guerra
para manter-se vivo. A verdadeira paz só poderá ser conquistada

43
com o fim do imperialismo e esse não cairá sozinho, precisará ser
derrubado pela luta popular. Não resta alternativa senão lutar, então
que se lute corretamente, a caminho da vitória.

A Natureza da Guerra

“Em qualquer discussão sobre insurgência, os trabalhos de


Mao Zedong são inevitáveis. Suas inovações
resultaram na “guerra popular”; uma formulação que levantou
uma mudança assimétrica desde a tática e o militar ao
estratégico e político. Mao foi da guerra irregular, que
Napoleão e Clausewitz fizeram, à guerra regular.(…) Mao
deixou claro uma vez e novamente, a violência é integral para
todas as fases de insurgência. É inteiramente usada no nível
apropriado à situação para eliminar resistência e a presença do
governo, então esta insurgência política pode produzir massa e
resultar em mobilização. (…) O caso das FARC ilustra que,
sendo maoísta ou não, as insurgências devem perseguir a
estratégia maoísta essencial como percebida em arte
operacional.” (MARKS, Thomas A. Professor PhD, chefe
do departamento War and Conflict Studies (WACS) do
College of International Security Affairs (CISA) da
National Defense University (NDU) de Washington D.C.
- grifo do autor)

Na Colômbia, onde a supracitada guerra desenvolve-se,


conflitos mais organizados emergiram no cenário latino desde 1964.
Lutando contra o Estado burocrático e reacionário colombiano, há as
Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo
(FARC), o Exército de Libertação Nacional da Colômbia (ELN) e
Exército Popular de Libertação (EPL). Esses três grupos principais,
secundados por outros grupos menores, têm orientação guevarista,
também chamada foquista, o modelo revolucionário cuja base é a
criação de focos guerrilheiros nas regiões de difícil acesso à reação.

44
Muitos que já perceberam a necessidade de se defender e lutar contra
o imperialismo adotaram e adotam esta estratégia – pois que seja
dito, essa é uma ineficaz estratégica.

Tal modelo funcionou em Cuba (1953 a 1959) e influenciou


algumas revoluções exitosas, como a de Bangladesh (1971) e da
Nicarágua (1979 a 1990), ainda que essas duas últimas tenham
utilizado de estratégias diversas, desde a teologia da libertação até os
elementos da própria guerra popular maoísta, misturados com o
foquismo. Como estratégia central única, o foquismo somente obteve
êxito na própria Cuba, tendo falhado na Argentina, no Uruguai, no
México, na Venezuela, no Congo e na Bolívia, este último onde o
próprio Guevara foi morto.

Os principais erros do foquismo consistem em:

1. Não reconhecer a necessidade da centralidade de um Partido


Comunista militarizado.

2. Não reconhecer a necessidade de uma Frente Única, que


trabalhe sob o comando do Partido em conjunto com o Exército
Popular.

3. Não estabelecer elos com as massas através da Linha de Massas.

De forma resumida e didática, os comunistas (maoístas)


entendem que, para que o povo trabalhador possa vencer a guerra
popular, se faz necessário a liderança de um Partido Comunista
militarizado, que trabalhe em conjunto e harmonia com o Exército
Popular e a Frente Única, ao passo que os foquistas seriam uma
espécie de Exército “sem partido” ou “sem frente”, que trabalhe de
uma forma “independente”. Isso, além de lhes retirar coesão
ideológica, lhes priva de uma ligação legítima com o povo, de forma
que eles acabam por se perderem tanto ideologicamente como

45
politicamente, se tornando um grupo armado isolado, que recorre a
subterfúgios para manter-se, tais como o controle das zonas de
produção de drogas – das quais as FARC são reconhecidas por
exercer.

Tanto as FARC como o ELN e o EPL, por cometerem os três


erros principais do foquismo, não conseguem sair do que, na guerra
popular, é chamado de “defensiva estratégica”, e notavelmente
isolam-se, sem conseguir avançar em sua luta. Na própria Guerra do
Araguaia (1967 a 1974), mesmo que o PCdoB à época tenha
denominado como uma guerra popular de inspiração maoísta,
ocorreram os erros “2” e “3” do foquismo. Não se trabalhou uma
Frente Única em conjunto com o Exército Popular, tampouco
executou-se o processo da Linha de Massas, culminando, portanto,
em uma derrota política e militar. Na verdade, o PCdoB, na época,
apesar de centralizar suas forças em um Partido Comunista durante
o conflito, não se tratava de um partido militarizado, o que faz com
que o erro “1” também seja encontrado parcialmente nesse episódio
histórico.

A história ensinou os resultados do foquismo, mesmo que


esse triunfe em um processo revolucionário: nem Cuba, Nicarágua
ou Bangladesh desenvolveram-se em democracias populares, menos
ainda regimes socialistas, muito provavelmente por não terem
adesão das massas no processo revolucionário. Eis a superioridade
da guerra popular – ela não é apenas uma estratégia militar,
tampouco um modelo tático, ela é uma guerra política que insere o
povo trabalhador dos campos e das cidades no processo
revolucionário e no comando absoluto da revolução através de seu
partido.

Sendo a guerra popular um movimento de massas, ela


desfruta de uma superioridade estratégica e tática peculiar e
insuperável – seu motor são os anseios da população e só se operam
caso haja uma ligação profundamente estabelecida com ela. A
perspectiva central da Linha de Massas maoísta impede,

46
impreterivelmente, que as forças da reação utilizem-se da guerra
popular: é simplesmente impossível elas o fazerem, senão
destruiriam seus próprios pilares de dominação e exploração,
aniquilando a si mesmas.

Não se faz necessário esconder os princípios estratégicos e


táticos da guerra popular com tanto afinco, afinal a própria reação os
conhece e muitos contrarrevolucionários já estudaram as estratégias
e táticas do Presidente Mao Zedong (tais como o reacionário
supracitado, Thomas Marks). Mas a reação e a burguesia, mesmo
reconhecendo a superioridade da estratégia e da tática da guerra
popular, não consegue aplicá-la, pois isso automaticamente
implicaria nas massas obtendo poder sob seus exploradores, fazendo
cessar a exploração e, consequentemente, fazendo secar a fonte da
riqueza da elite burguesa.

Desenvolver a guerra popular impõe a necessidade de


mobilização, organização e politização popular, sendo assim, é
literalmente impossível que ela seja usada para quaisquer outros fins
senão a ascensão das massas trabalhadoras à liderança da nação. Este
tipo de guerra é uma evolução da própria política, visto que ela
funde completamente o exercício político com o exercício militar,
transcendendo-os, só podendo ser desencadeada pelo povo,
colocando os anseios populares na área política/militar, algo que as
democracias burguesas jamais o fizeram de fato.

A guerra popular é exclusivamente uma guerra do povo, que


se bem conduzida não só conquista a vitória para ele, mas unifica-o e
conscientiza-o no próprio processo revolucionário, trazendo a
política ao trabalhador, fazendo do Exército Popular uma força
verdadeiramente do povo.

47
A Vitória do Povo

Portanto, sejam estabelecidas leis facilmente verificáveis e


demasiadamente concretas que tanto a história como o marxismo
têm demonstrado de maneira palpável e evidente:

1. Enquanto houver imperialismo, haverá guerra, e enquanto


houver guerra, o povo sofrerá.

2. A única forma de terminar essa guerra é fazendo com que o


povo vença as forças do imperialismo, encerrando-o via
revoluções populares movidas pelas massas.

3. Para que o povo vença a batalha contra o imperialismo, se faz


necessário desenvolver a guerra popular, transformar as
guerras de rapina imperialista em guerras populares, de modo
que o povo consiga se defender, equilibrar as forças e
finalmente vencer.

4. Para que o povo consiga se defender e desenvolver a guerra


popular, se faz necessário que ele se mobilize, se organize e se
politize sob a bandeira da ideologia do proletariado aos tempos
atuais, o marxismo-leninismo-maoísmo sintetizado pelo
Presidente Gonzalo.

É importante também salientar:

• A guerra popular é eficaz como um método de defesa externa,


contra um inimigo externo que tenha poderio militar superior,
como uma invasão imperialista, como foi o caso da agressão dos
EUA no Vietnã (1955 a 1975).

• A guerra popular é eficaz como método de defesa interna,


contra um inimigo interno, como um Estado reacionário e

48
fantoche do imperialismo externo, que oprima seu povo, como
foi o caso da China (1921 a 1949)

Nesse aspecto, o povo palestino, bem como todos os outros


países do Oriente Médio que sofrem agressões imperialistas externas,
necessita organizar e aplicar a guerra popular assim como fez o povo
no Vietnã, ao passo que o povo brasileiro e colombiano, bem como
quase todo povo da América Latina e África, necessita organizar e
aplicar a guerra popular assim como fez o povo, na China. Essa não é
e jamais foi uma tarefa fácil, ao contrário, é extremamente dura e
árdua. No entanto, é necessária ao próprio povo, se ele almeja
libertar-se da fome, da pobreza e da exploração impostas pelo
imperialismo.

A reação e a grande burguesia não são hábeis ou capazes de


desenvolver a guerra popular em prol de si mesmos, pela sua
própria natureza, por isso eles se esforçam muito em tentar impedir
que essa se inicie, trabalhando pela alienação do povo, tentando
impedir que ele mobilize, se organize e se politize, apenas adiando o
inevitável. Mentiras, tergiversações, mídia manipulativa e todo
aparato de influência que estiver à disposição será usado pelo
imperialismo, para minar e sabotar as organizações populares, as
lutas do povo e os movimentos de massas – assim eles o fizeram, o
fazem e continuarão fazendo.

O oportunismo está à disposição do imperialismo, assim


como a farsa eleitoral e a defesa das pseudodemocracias, que jamais
foram democráticas nem mesmo no sentido burguês da palavra. Para
defender a democracia precisa-se conquistá-la primeiramente. A luta
para manter o sistema atual, em toda América Latina, não é uma luta
para manter uma democracia, mas, sim, um engodo para manter o
imperialismo externo, o fascismo interno e a exploração do povo
trabalhador, uma farsa que tanto os reacionários como os
oportunistas estão a proteger. A chacina de Jacarezinho, operação
policial mais violenta da história do Rio de Janeiro, demonstrou nada
menos que o teor da “democracia” brasileira, que desencadeia

49
revolta popular e acelera ainda mais a eclosão dessa revolta em
revolução – o povo pobre há de cada vez mais pegar em armas para
defender sua própria vida.

O foquismo é o revisionismo armado, cuja estratégia e tática


são ineficazes em fazer o povo vencer a guerra contra o
imperialismo. Ainda pior é a socialdemocracia ou os que creem
numa “acumulação de forças para a revolução”, que jogam o jogo da
grande burguesia e estão cada vez mais dominados pela farsa
eleitoral e domesticados pelo Estado burguês, reacionário e
burocrático.

A guerra já começou. A ilusão de que não estamos


atualmente nela está a cada dia mais insustentável, e isso não vai
cessar a menos que o povo a vença. É inútil lutar pela paz, enquanto
a origem da guerra ainda se mantiver intacta – a paz sendo atingida,
não tardará o recomeço de outro conflito, enquanto sua causa
belicosa ainda existir. É preciso apagar essa origem, ceifá-la pela raiz,
ou seja, extinguir o imperialismo. A única forma de se concretizar
isso é fazer com que as massas, com que o povo trabalhador vença a
guerra travada contra si e faça dela uma guerra popular unificada
em busca da vitória para toda a população trabalhadora do mundo.

50
Antifascismo e
Alianças Estratégicas
Junho de 2021,

"O modelo acadêmico segue o método científico. É um modelo arcaico, cara,


é uma coisa que vem de quando não tinha internet, era tudo no papel, as
pessoas tinham tempo..."

-Arthur Weintraup, para Eduardo Bolsonaro, sobre o uso da


cloroquina para combater a COVID-19.

A negação e o genocídio

Até o final do mês de maio, mais de 460 mil brasileiros


haviam falecido devido ao novo coronavírus. O Brasil foi o 2º país
em número total de mortes; ficou em 10º lugar em número de óbitos
proporcional por habitante e 118º em número de testes por
habitantes. A calamidade e a tragédia são demonstradas por
números tão concretos que o assecla mais ferrenho do bolsonarismo
quase não tem mais de onde retirar mais mentiras para justificar este
horrendo genocídio.

O motivo desses números serem tão desastrosos é bastante


claro também. A atual CPI do COVID-19 está acumulando o número
de vezes que Bolsonaro recusou a compra de vacinas. A farmacêutica
PFIZER tentou contato com o governo 34 vezes, em 2020, para tentar
vendê-las, ao passo que o Exército Brasileiro tem estoque de
cloroquina para 18 anos devido às políticas de Jair Messias e de seus
generais, para lidar com a pandemia – “mais cloroquina e menos
vacina”, reduzindo-se a um chavão simplório.

51
Mediante tais informações, seria possível atribuir o título de
“genocida” ao presidente Jair Messias Bolsonaro? O professor
Arquidones Bites, dirigente estadual do PT, em Goiânia, acreditou
que sim e foi preso no dia 31 do mês passado, pela PM, por
“caluniar” o líder do poder executivo brasileiro. Ora, deveria o povo
brasileiro esperar pela CPI e pelos congressistas e juízes para que seja
esclarecido o óbvio? O povo está morrendo e o presidente sequer
tem coragem de encarar a imprensa. As famílias brasileiras estão em
prantos, cansadas de enterrarem seus familiares, enquanto o
desemprego, a fome e a violência continuam a assombrar a nação
brasileira. Como esperar do Estado burocrático, latifundiário e
burguês a agilidade necessária para julgar e condenar esse genocida
fascista que hoje veste a faixa presidencial?

Durante o pronunciamento público do dia 2 de junho, o


presidente afirmou que desde o início da pandemia suas duas
prioridades seriam o combate ao vírus e ao desemprego – que reles
mentiroso! A primeira prioridade foi totalmente ignorada desde o
início, pois o novo coronavírus foi tido, desde o começo, como uma
“gripezinha” a ser tratada com cloroquina, de forma que presidente
recusou a compra de vacinas e ainda caçoou do povo, dizendo: “e
daí?”, “país de maricas” – de fato, eis um gerenciamento de alguém
cuja especialidade “é matar.” Já a segunda foi menos preocupante,
ainda assim uma grotesca inverdade ou fracasso: 2018 encerrou-se
com 11,6% da população economicamente ativa desempregada,
representando mais de 12 milhões de pessoas. Hoje esse índice chega
a 14,4%, ou seja, mais de 14 milhões.

Entre o levante popular e o retorno do oportunismo

No mesmo dia 2 de junho, durante o pronunciamento


presidencial via televisão, não foi difícil notar o som de mais um
panelaço nas grandes cidades, oriundo das janelas dos cidadãos
brasileiros. Não era de se esperar nada menos – o povo está exausto

52
das mentiras e dos discursos estapafúrdios desse ignóbil e covarde
símbolo do genocídio e do descaso para com o povo brasileiro.

Ainda mais notáveis do que o som das panelas, os massivos


protestos do dia 29 deixaram claro que o povo não pode mais
esperar, tampouco confiar nesse corrupto e carcomido Estado, nem
mesmo dar mais chances à essa gestão negacionista de Bolsonaro e
seus generais. Atos populares, em 213 cidades brasileiras, ergueram
as esperanças do país e demonstraram nada menos que o merecido
repúdio ao defensor da tortura e dos “bons costumes” do
conservadorismo. “Impeachment” e “Vacina” eram duas das
aclamações mais ouvidas, afinal, são ambas demandas de extrema
urgência para a população brasileira.

Todavia, sempre que a pujança popular começa a demonstrar


seu poderio, o oportunismo há de demonstrar suas garras. Ora, em
2015, quando o gerenciamento petista mostrava seu declínio, as
linhas oportunistas da direita, aliadas à grande mídia, aproveitaram-
se e ergueram-se, o que culminou no impedimento de 2016, na prisão
de Luiz Inácio e na eleição de Jair Messias, em 2018. O mesmo está a
acontecer novamente. O declínio do mesmo Jair Messias desperta
agora as linhas oportunistas de esquerda, encabeçadas pelo PT, que
aliadas a mesma grande mídia de outrora, buscam também um
impedimento do atual governante, visando um retorno ao poder.

O jogo virou, mas o oportunismo, tanto de direita como de


esquerda, tem natureza similar. Ele aproveita-se do poder do povo e
da imensurável força de seus protestos e manifestações para
propagar novas agendas dos velhos partidos. O que poderia
culminar em um protesto em prol do povo trabalhador, acaba sendo
uma propaganda política de velhas organizações que anseiam pelas
cadeiras parlamentares, que lutam entre si por posições dentro do
velho e carcomido Estado burocrático, latifundiário e burguês.

53
A posição do povo e as lições históricas

De que lado estavam os bolcheviques durante a Primeira


Grande Guerra? Defenderiam eles o Império Russo ou o Império
Alemão? Pois eles foram contrários à ambos, contrários à própria
guerra que dizimava seu povo trabalhador, do qual eles se
posicionaram única e exclusivamente a favor, e assim realizaram sua
revolução e ergueram o primeiro poder popular da história.
Guardadas as imensas proporções, este acontecimento histórico tem
muito a ensinar ao povo trabalhador brasileiro.

Mas a China popular não havia se unido ao Kuomitang para


defender-se contra o Império do Japão na Segunda Guerra Mundial?
Não seria esse um caminho mais justo? Aliar-se a um inimigo menor
para combater um maior inimigo em comum? Novamente,
guardadas as devidas proporções, o Kuomitang era um partido
nacional que havia surgido de uma revolução democrática. Para
além disso, os japoneses estavam a invadir a China sob a política dos
três todos (Sanko Sakusen): “matem todos”, “saqueiem todos” e
“queimem tudo”. Tratava-se de uma guerra sobretudo contra o povo
chinês.

Enquanto na Rússia o povo era obrigado a sacrificar-se para


defender a posição imperial do Czar, no balanço europeu, numa
guerra que pouco lhe interessava, na China a guerra era para
proteger suas próprias casas e famílias, que estavam sendo
saqueadas. Além disso, a Primeira Guerra Mundial se tratou de uma
guerra entre impérios, ao passo que a Segunda Guerra Mundial se
tratou de uma guerra entre o povo e os impérios – tanto que a
própria URSS aliou-se aos “liberais” Reino Unido e EUA para
combater um inimigo maior.

Faz-se necessário reconhecer se um conflito se dá em defesa


do povo ou de uma elite. A invasão do Japão à China, em 1937, e da
Alemanha à URSS, em 1941, foi uma guerra para proteger o povo,
que estava sendo exterminado pelos invasores imperialistas – e nesse

54
caso uma aliança com setores anti-imperialistas (e antifascistas) era
favorável à defesa popular. Já o conflito entre os impérios russo e
alemão, de 1914 a 1918, não se fazia para defender o povo, mas sim
para defender elites aristocráticas de ambos os impérios.

Dessa forma, à luz desses acontecimentos históricos, onde


poderia ser posto Bolsonaro e sua trupe de generais e o velho partido
único PT/PSDB/MDB? A resposta clara e concisa é que ambos
fazem o papel de impérios e nenhum deles representa o povo.
Ambos são partidos que representam a grande burguesia, tanto a
compradora como a burocrática, que estão sob o comando da grande
burguesia imperial estrangeira, principalmente ianque. Eles são
lacaios do imperialismo, cuja política têm sido o extermínio dos
camponeses pobres e dos trabalhadores das favelas, pois têm como
“papel” – missão dada pela grande burguesia internacional – o
arrefecimento da luta do povo, o frear das conquistas populares e a
exaustiva tentativa de impedir os trabalhadores de conquistarem o
poder. Ambos estão mergulhados na farsa eleitoral, vestindo a
máscara de “democracia” para disfarçar a gigantesca exploração
resguardada com todas suas forças.

Não existe, no Brasil, um “Kuomitang” - uma organização


nascida do patriotismo e oriunda de um processo revolucionário
movido pelo povo. Tampouco os conflitos entre as elites nacionais
são ideológicos: tanto Bolsonaro e seus generais como o
PT/PSDB/MDB não são defensores de ideologias opostas, são
gerenciamentos da mesma grande burguesia. Nenhum deles almeja a
construção de um país justo e poderoso; rico e industrializado; livre e
independente; democrático e popular. Todos compreendem forças
em conflito, assim como dois funcionários que brigam entre si para
serem secretários de seus patrões. Assim são os generais pró-64 e o
partido único PT/PSDB/MDB, assim são Bolsonaro e Lula, forças
que digladiam entre si pelo posto de cão mais servil do imperialismo
estrangeiro, principalmente ianque.

55
E o povo continua sua batalha!

Pois que os protestos do dia 29, apesar de bastante


influenciados pelas linhas oportunistas de esquerda, demonstraram
a força do povo trabalhador brasileiro e seu descontentamento com o
governo atual. Entender que a origem desse descontentamento se dá
na estrutura estatal e não no simples gerenciamento é mister para
que a história brasileira dê um próximo passo.

Eis que muitos manifestantes levantaram faixas a favor do


povo e não de gerenciamentos diferentes da mesma grande
burguesia. Enquanto o mês de maio encerrou-se com mais de 60
pichações (documentadas) de “FORA BOLSONARO” e “VIVA A
LCP” em todo Brasil, os protestos do dia 29 também ergueram
dezenas de faixas de apoio aos camponeses pobres e ao
Acampamento Manoel Ribeiro, epicentro atual da guerra civil
brasileira. É na luta dos camponeses pobres por terra que se encontra
a contradição mais atrasada e acirrada do Brasil contemporâneo,
sendo os latifundiários o poder político mais retrógrado dessa nação,
o foco do combate encontra-se nos acampamentos populares e em
todas as lutas campesinas por terra, para quem nela vive e trabalha.

Essa demonstração das pichações e dos protestos urbanos por


uma batalha que hoje está a se desenvolver no campo, sufocada pelo
sangue de muitos heróis do povo, covardemente assassinados pela
reação, é o caminho a ser trilhado para a Revolução Agrária, que
inevitavelmente culminará na Revolução Democrática e Popular no
Brasil, é o caminho da união dos povos do campo e da cidade, é o
caminho da mobilização, da organização e da politização que
historicamente é requerida para que a nação brasileira possa erguer-
se e conquistar, finalmente, sua verdadeira independência e sua
verdadeira democracia. Pelo povo e pela pátria, os manifestantes
demonstram seu apoio aos camponeses pobres, de modo que não
compactuam com nenhum dos gerenciamentos da grande burguesia,

56
mas, sim, com um governo democrático e popular, que tanto este
país necessita.

Eis o caminho da conquista do poder pelo povo trabalhador,


contra oportunismos tanto de direita como de esquerda, contra o
fascismo e o imperialismo e pela total aniquilação desse Estado
burocrático, burguês e latifundiário. Dessa forma, pode-se construir
um poder verdadeiramente popular, erguido, sustentado e gerido
pelos braços do trabalhador brasileiro. Que esse nobre povo deixe de
confiar cada vez mais nas ilusões eleitoreiras, que abandone essas
mitológicas farsas que prometem salvar a nação e confie tão somente
em sua própria força – pois tão somente esse mesmo povo pode o
fazê-lo.

57
Uma Democracia Burocrática
Junho de 2021,

O partido único da burguesia para gerenciar a 6ºRepública

Fernando Henrique Cardoso demonstra, cada vez mais, sinais


de aproximação com Luiz Inácio Lula da Silva, em uma espécie de
“união contra Bolsonaro”. Ambos são símbolos proeminentes de
seus partidos, PSDB e PT, que outrora foram convictos adversários
na disputa política, e hoje ensaiam uma aliança contra o atual
governo. Na verdade, a base dessa união, bem como a base de toda
política, desde 1985, que apoiou todos os governos desde então, é o
MDB, maior partido hoje do Brasil, com mais de 2 milhões de
membros (diferença de mais de meio milhão para com o segundo e o
terceiro maior).

Em poucas palavras, o jogo político da 5º República (1964 a


1985) voltou. O bipartidarismo MDB e Arena, os famosos partidos do
“Sim” e do “Sim, senhor”, hoje configura-se no PT/PSDB/MDB,
representando o que outrora era somente MDB, e Bolsonaro
representando o governo dos generais. A 6º República, de 1985 até
hoje, sofreu um novo “1964”, em 2016, ainda que tivesse mantido
uma máscara de democracia mais sofisticada, sem que o texto
constitucional fosse alterado, conservando assim a fachada de uma
nação soberana e livre – algo que o Brasil nunca foi desde 1500.

Recentemente, o Jornal Nacional, carro chefe de imprensa da


Rede Globo de Televisão, entrevistou FHC, que comemorando seu
aniversário de 90 anos de idade, foi endeusado pelo jornalismo
declaradamente parcial como arauto da democracia e do combate às
ditaduras. A abertura da notícia foi bastante nítida nesse sentido:

58
“O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso completou nesta
sexta-feira (18) 90 anos de idade defendendo a união de forças
políticas que se opõem a riscos autoritários.” (JORNAL
NACIONAL, 18 de junho de 2021)

Mas, com toda certeza, o que instiga a reflexão é a fala do ex-


presidente, que exalta as instituições democráticas e a necessidade da
luta por elas:

“Eu acho que nós vivemos um momento que requer frente


ampla. Requer que haja aqueles que acreditam no jogo
democrático e impeçam que o país, sem querer, vá resvalando,
vá deslizando na direção de uma situação mais fechada, mais
autoritária. Portanto, eu sou favorável a que se forme uma
frente. Esta frente não vai ser permanente. Porque as diferenças
são grandes, entre os grupos, é normal. É preciso que haja
diversidade, a democracia requer pluralismo. Mas em certos
momentos, em defesa das instituições, da liberdade e da
democracia, aí se justifica. Eu acho que é o caso” (CARDOSO,
F.H., em entrevista ao Jornal Nacional, junho de 2021)

A grande questão que põe em xeque esse iluminado discurso


e essa esclarecida retórica é se o “jogo democrático” de FHC seria, de
fato, democrático. O que seria, de fato, essa democracia que um dos
líderes do partido tucano está a defender?

Que pluralismo é esse que a democracia requer? Mais


organizações políticas, cada vez mais distantes dos anseios do povo,
cuja especialidade é agremiar oportunistas que anseiam cadeiras
parlamentares e sua partilha do fundo partidário?

Em primeiro lugar, há como uma democracia ser construída


sem que seja pelo povo? Seria uma democracia uma estrutura estatal
que não fosse pelo povo conquistada, edificada e emanada?

59
Síntese histórica da “democracia” no Brasil

A ideia de um “Brasil” nasceu a partir de uma colônia de


exploração de Portugal nas recém-descobertas américas. A partir de
1530, as feitorias portuguesas, na costa brasileira, representavam o
modelo político e econômico que viria a ser praticado nessas terras,
mediante o extermínio indígena e a posterior escravização africana.

Portugal, em 1807, foi invadido por Napoleão Bonaparte, e o


país que outrora dividia o mundo junto à Espanha, haveria de se
tornar uma potência menor, subjugada à França e, após a queda de
Napoleão em 1815, à Inglaterra.

No Brasil, o reflexo disso se deu no seu processo de


“independência” – que nada mais foi do que um procedimento de
passagem de uma herança de pai para filho, de um rei para um
príncipe, representando uma troca de gerenciamento entre as elites.
A declaração de independência brasileira apenas significou a
transferência do domínio colonial português para a Inglaterra, nova
metrópole do Brasil, que o dominou durante todo seu período
monárquico.

Após a vitória dos ianques, na guerra civil americana em


1865, os EUA ascenderam enquanto grande potência mundial. A
Conferência Pan-Americana de 1888 e 1889, em Washington,
anunciou seu interesse expansionista e imperialista, que fortaleceu-se
pela Doutrina Monroe – “América para os americanos... do norte!”.
Entre 1891 e 1912, os ianques realizaram uma série de intervenções
militares no caribe: Haiti (1891); Nicarágua (1895); Porto Rico (1898);
Cuba (1898); novamente na Nicarágua (1899); Venezuela (1902);
República Dominicana (1903); Colômbia (1903); em seguida
República Dominicana novamente (1904); Guatemala (1906); outra
vez em Cuba (1906); mais uma vez na República Dominicana (1907);
outra vez na Nicarágua (1907); Honduras (1910); mais uma vez em
Cuba (1912); uma quarta vez na Nicarágua (1912) e também uma
quarta vez na República Dominicana (1912).

60
No Brasil, o reflexo disso se deu na transição da monarquia
absolutista gerenciada pela família Bragança, atada aos interesses
ingleses, para uma república militar oligárquica, atada aos interesses
ianques, ou seja, de uma ditadura para outra. O Brasil foi passado de
semicolônia inglesa para semicolônia ianque mediante a um golpe
militar que, em praticamente nada, contou com a presença ou o
apoio popular.

A crise de 1929 eclodiu e espalhou-se pelo mundo. O


liberalismo clássico conheceu sua ruína, e as grandes potências
recorreram a modelos diferenciados para lidar com a crise que
desencadeou-se. Ao passo que os EUA adotaram políticas de cunho
keynesiano na formação do chamado “Estado de bem-estar social”, a
Alemanha recrudesceu e embruteceu seu imperialismo, fazendo
ebulir o nazismo, ascendendo enquanto potência econômica e militar
mediante a exploração legalizada e incentivada de todos os “não
arianos”.

No Brasil, o reflexo disso se deu na Revolução de 1930, que


outrora agremiou democratas e patriotas oriundos do tenentismo e
demonstrou certa eficácia ao lidar com a crise do liberalismo que
havia emanado de 1929. Todavia, na esteira da aproximação
comercial que o Brasil possuía com a Alemanha nazista, o golpe de
1937 e o Estado Novo de Getúlio aniquilou qualquer embrião de
democracia que a Revolução de 30 possa ter feito surgir, sendo
responsável por implantar o fascismo estrutural na máquina estatal
brasileira.

A derrota do nazifascismo ítalo-alemão e do imperialismo


japonês, em 1945, emanou ao mundo ares de libertação popular.
Como tantos soldados que lutaram tão distantes de suas casas, até a
morte, contra grandes impérios, poderiam vir a serem coniventes
com o imperialismo em suas próprias nações? A noção ideológica da
“supremacia branca europeia” havia caído junto com Hitler e

61
processos de independência, como da Indonésia e da China, se
tornariam comuns.

No Brasil, o reflexo disso se deu no fim da ditadura do Estado


Novo de Getúlio Vargas e no início da 4ª República. Essa transição
não foi violenta, tampouco cessaram os laços coloniais que atavam o
Brasil à sua metrópole, os EUA, que no momento voltava sua
atenção à recuperação europeia e à consolidação de si como potência
hegemônica do mundo capitalista. Então, o Brasil, durante este
período, pôde mover-se um pouco mais livremente em suas
políticas, ainda que estivesse longe de romper suas amarras com o
imperialismo ianque.

Então a guerra fria recrudesceu-se. A Revolução Cubana


(1953 a 1959) e a aproximação de Fidel Castro à URSS motivou um
crescimento exponencial do anticomunismo nos EUA, que
reproduziu massivamente, à velocidade industrial, propaganda
contrária à toda e qualquer manifestação “vermelha”. O macartismo
ianque foi vigorosamente propagado por todo continente americano,
na tentativa de evitar novas revoluções, como a cubana, e muitas
intervenções militares foram realizadas para garantir essa soberania
estadunidense.

No Brasil, o reflexo disso se deu no golpe de 1964 e no início


da ditadura militar, que foi a 5ª República, cujo cerne político e
ideológico era o mesmo anticomunismo ianque. Era evidente: os
EUA não queriam perder suas semicolônias latino-americanas para o
social-imperialismo “soviético”, assim como perderam Cuba. Deu-se
cabo a Operação Condor, que resultou em vários golpes de Estado na
América Latina: Equador (1960), Brasil (1964), Bolívia (1964), Peru
(1968), Uruguai (1973) e Argentina (1976) – todos arquitetados e
gerenciados pelo imperialismo ianque e pela CIA, visando proteger
suas semicolônias contra a “grande ameaça comunista”.

Com a morte de Leonid Brejnev, em 1982, a URSS começou a


ruir. Enquanto Krushov havia esvaziado o socialismo

62
verdadeiramente soviético da URSS, Brejnev consolidou nela o
social-imperialismo, que após sua morte trilhou seus passos finais a
caminho de seu iminente colapso.

No Brasil, o reflexo disso se deu na sua “redemocratização”,


no estabelecimento de uma democracia burocrática, de capitalismo
burocrático, ainda atada ao imperialismo ianque, mas que havia
perdido a necessidade de enfatizar tanto uma política antissoviética.
Na América Latina a “redemocratização” seguiu os ditames desse
imperialismo e, conforme suas necessidades, se tornariam
“democracias” Equador (1979), Peru (1980), Bolívia (1982), Argentina
(1983), Uruguai (1985) e, finalmente, Brasil (1985).

Mais próximas da contemporaneidade, a ascensão da China


como nova potência social-imperialista, assim como era a URSS de
Brejnev, se dá em uma nova guerra fria contra os EUA. Desde a crise
de 2008, as potências imperialistas aumentaram sua sanha
exploratória sobre suas colônias e semicolônias. Desde 2011, a China
se tornou a segunda maior economia mundial e, cada vez mais, a
tensão com os EUA passou a ser nítida.

No Brasil, o reflexo disso se deu no golpe de 2016 e na


ascensão de Bolsonaro, em 2018, através do fenômeno do
antipetismo que se proliferou em toda nação, alimentado por
escândalos de corrupção e devastadoras crises econômicas.

O verdadeiro Brasil que vivemos

Sob a luz dessa rápida síntese histórica, respondidas sejam as


questões levantadas sobre as falas, aparentemente justas, de FHC: a
“democracia” que ele defende não passa de uma retórica para
defender um Estado e um regime que nunca foi, em toda sua
história, democrático. O “jogo democrático” que o ex-presidente
advoga é o jogo entre as parcelas burocráticas e compradoras da
grande burguesia, que nada representam o povo trabalhador

63
brasileiro e tampouco emana seus anseios à nível político. O
“pluralismo” que esse representa é completamente falacioso até
mesmo para os padrões de uma democracia liberal e burguesa –
vários partidos, que teoricamente levantam várias posições, porém
sob o gerenciamento da base governamental, que continua
estruturada pelo maior partido do Brasil, o MDB.

A reflexão da metrópole continua: o bipartidarismo ianque


parece estar transposto na semicolônia Brasil – Democratas X
Republicanos, MDB X Arena, PT/PSDB/PMD X Bolsonaro. Que
política brasileira é legitimamente nacional? Que democracia é essa
que sequer foi construída pelo seu povo? Brasileiros, é urgente
perceber que não vivemos uma democracia – não foi esse o Estado
erguido pelo seu povo, mas por uma elite que o explorou e continua
a explorá-lo.

Em toda história mundial, uma independência verdadeira


foi conquistada sem luta? O explorador “abriria mão” de sua
exploração, desinteressadamente, sem que o explorado se
levantasse contra ele e o ameaçasse? É evidente que não. Portanto,
se torna cada vez mais evidente que o Brasil jamais foi
independente ou democrático.

A “independência” do Brasil não foi conquistada por


levantes populares, o que aconteceu foram somente alguns conflitos
entre elites, de 1822 a 1824, que definiram uma nova metrópole. O
advento de uma república tão elitista quanto a monarquia tampouco
foi movida pelas forças do povo. A Revolução de 1930 foi a primeira
manifestação que carregou, em si, potencial para uma verdadeira
emancipação e democratização, mas que se esvaziou em pouco
tempo nas alianças que Vargas fez com os grandes proprietários de
terra e foi completamente perdida, em 1937, com o golpe do Estado
Novo fascista.

A política brasileira apenas é reflexo dos acontecimentos


históricos mundiais. Toda luta legitimamente popular brasileira foi

64
esmagada até então: a Inconfidência Mineira, a Cabanagem, a
Confederação do Equador, a Sabinada, a Farroupilha e as outras
valiosas tentativas de conquista da liberdade pelo povo brasileiro –
todas esmagadas violentamente pelas forças da reação.

E o que fazer? Conformar-nos com a situação colonial de


nossa pátria e viver como servos o restante de nossas vidas? Iludir-
nos com a farsa eleitoral na cega esperança de que possamos eleger
um “salvador” que mudará de fato o Brasil? À completa exaustão
seja repetido: não há caminho para a libertação do povo brasileiro
senão a revolução democrática e popular.

O gerenciamento, tanto dos militares da 5ª República, como


dos partidos burocráticos da 6ª República, provou-se
antidemocráticos e antipovo. Bolsonaro, como um resgaste
desesperado da ditadura, tampouco provou-se algo além de mais um
bandido, corrupto, genocida e facínora, que desastrosamente conduz
uma política tão horrenda, até mesmo para os padrões da burguesia
liberal. É, com total justeza, que seja dito que NENHUMA das
opções eleitorais de 2022 (se houver uma eleição) poderá trazer de
fato uma mudança qualitativa para o Brasil. Só a população pode
mudar este país, e não por meio de eleições de cartas marcadas com
máscaras de democracia, mas, sim, pelo manifestar de suas forças,
tomando legitimamente o poder, destruindo esse velho e carcomido
Estado e construindo uma nação pelas mãos do povo trabalhador
brasileiro.

Independência e democracia nunca foram dadas e, sim,


conquistadas. Essa é a tarefa histórica do trabalhador brasileiro, uma
necessidade que precede a democracia e a revolução popular – assim
têm se provado a história, e no Brasil não há de ser diferente.

65
O Povo Toma as Ruas!
Julho de 2021,

Bolsonaro: para além de um simples fracasso

As chamas das revoltas populares desse imenso país,


ofuscadas pela maldição de uma sangrenta pandemia, voltaram a
reluzir mediante às tão atrasadas vacinações em massa. Antes,
apenas negacionistas, obscurantistas, de ideologia antivacina e pró-
cloroquina tomavam as ruas. Agora, vacinados e com máscaras,
também retomaram às passeatas aqueles que fazem uso do velho
bom senso, também chamados de antibolsonaristas.

Eram comuns, até o início de 2020, as manifestações amarelas


(dos que vestiam a camisa da CBF e manifestavam apoio a
Bolsonaro) e as vermelhas (dos que vestiam camisas, na sua maioria,
de partidos de esquerda) revezarem finais de semana para tomarem
as grandes avenidas, principalmente das grandes capitais estaduais.
A pandemia impediu e ainda impede esse fluxo em sua totalidade,
principalmente nas manifestações “pró-impedimento” e “fora
genocida”, visto que essas são as parcelas que mais se preocuparam
com a prevenção e tomaram mais cuidados para evitar a proliferação
do COVID-19. Até o final de julho de 2021, mais de 100 milhões de
brasileiros – metade da população nacional – haviam tomado ao
menos a primeira dose, e o reflexo da tese, de que as vacinações
reestabeleceriam um pouco do fluxo de movimentos antifascistas,
pôde ser comprovado com as grandes manifestações do dia 24 de
julho.

Antes, defender Bolsonaro em sua campanha eleitoral


poderia ser uma expressão – ainda que ofuscada e deturpada – da
revolta popular contra “tudo que está aí”. Hoje essa postura se faz
simplesmente impossível para qualquer brasileiro cujo espírito

66
crítico fez romper com bolhas de informações sustentadas por uma
estética torpe e messiânica da figura de Bolsonaro. Além do próprio
presidente dizer, em alto e bom tom, que faz parte do “centrão” que
tanto ele dizia combater, a CPI está investigando-o por escândalos de
corrupção, oriundos de desvio de verbas de vacinas e compra de
cloroquina superfaturada. Preparando-se contra essas ameaças, mais
de 2 bilhões de reais dos cofres públicos foram separados para a
compra de parlamentares no estilo “mensalão”, dos quais foram
acusados os lulopetistas, que tanto o “mito” abominou em suas
campanhas.

É cada vez mais notório no presidente, inclusive para a


comunidade internacional e para os jornais de todo mundo, seu
negacionismo anticientífico aliado a milhares de mortes por causa da
fome, do desemprego e da violência, além dos indícios cada vez mais
comprobatórios de sua corrupção – há de se convir que Bolsonaro
conquistou com honra seus títulos de fascista e genocida. Para
defendê-lo até hoje, se faz necessário um vínculo pessoal muito
profundo com as seitas olavo/bolsonarista; uma redoma de
informações que bloqueie qualquer criticidade científica ou qualquer
fonte que se oponha ao duce tupiniquim.

E qual seria a essência dessa redoma, senão o antipetismo já


misturado com o anticomunismo digno da Guerra Fria? As
evidências monstruosas de que o governo bolsonarista é um grotesco
desastre, até mesmo para os liberais, já são tão descaradas quanto a
desnutrição que assombra cada vez mais ferozmente a população
brasileira, com o insano aumento do preço dos alimentos. Enquanto
a pandemia matava, e a gasolina e o gás subiam, Bolsonaro
arrancava o teto de seu próprio salário e de alguns generais
indicados para cargos políticos, muitas vezes dobrando o
rendimento pessoal líquido com valores superiores a R$100.000,00
mensais, e se encontrava com uma deputada de um partido alemão
abertamente xenófobo, ultradireita, conservador, racista e

67
nacionalista – que cheira, age e parece nazista, mas que os adeptos
olavo/bolsonaristas insistem em dizer que não.

As novas empreitadas do fuher verde-amarelo são as


privatizações dos Correio e da Eletrobrás. Sim, a mesma Eletrobrás
que Bolsonaro prometeu não vender por motivos estratégicos para a
nação:

“A questão da energia elétrica no Brasil, isso simplesmente é


estratégico, é vital. País sério nenhum do mundo faz isso.
Entregar isso para outros países. Eu sou favorável a privatizar
muitas coisas no Brasil, mas a questão energética, não. Você
está tirando das mãos de uma estatal brasileira para entregar
nãos mãos de uma estatal chinesa, ou seja, eles vão decidir o
preço da nossa energia e, com certeza, onde chegará essa
energia. Ganhando dinheiro e decidindo uma questão
estratégica como essa. Não podemos aceitar isso daí, espero que
o Brasil dure até o final de 2018 pra que a gente possa mudar
isso em 2019, tá ok?” (BOLSONARO, J. M. em entrevista
gravada em 2018)

E promessa de reduzir os ministérios para 15? De extinguir a


EBC? De não negociar cargos? De combater a corrupção e o centrão?
Foram juras da campanha eleitoral bolsonarista, das quais nenhuma
foi cumprida. Já o fundão eleitoral continua bilionário, os generais
ganham como marechais, sem nenhuma guerra declarada (apenas a
que é travada contra o povo). Até mesmo coronéis torturadores da
ditadura, que já estão à seis palmos abaixo da terra, ganharam cinco
estrelas em seus ombros.

Os dados supracitados são, em sua maioria, recentes. Os


jornalistas e influenciadores antibolsonaristas/democratas não estão
tendo muito trabalho em encontrar dados que comprovem o quão
desastroso tem sido esse gerenciamento, visto que mensalmente
eclodem cada vez mais deslavados escândalos desse patético
desgoverno. As reais dificuldades, todavia, são duas: a primeira é

68
romper a bolha de informações do gado, que se nega a ouvir
qualquer fonte contrária às suas convicções e tem como hábito
desmerecer e difamar qualquer indivíduo que discorde de sua fé, e a
segunda de romper com o oportunismo, tanto de direita como de
esquerda.

As hienas do oportunismo

A direita, que se aglutinou na campanha bolsonarista de 2018,


já “abandonou o barco à deriva” há tempos. Mandetta, Moro, MBL,
Frota e Hasselmann, todos que se embarcaram no transatlântico
antipetista, hoje estão dispersos e muitas vezes ao lado do
oportunismo de esquerda, contra “o mau maior” que eles tanto
defenderam em 2018 - que autocrítica mais forçada!

Já o oportunismo de esquerda, encabeçado pelo heroico


retorno de Luiz Inácio Lula da Silva, usa-se do desastre do
bolsonarismo para inflar a imagem de um país próspero, rico e
poderoso durante o gerenciamento petista - uma ilusão similar ao
que o próprio Bolsonaro usou sobre a ditadura militar de 1964. Entre
ilusões, o Brasil, de fato, encontrava-se numa situação melhor 10
anos atrás, ainda assim sem nunca ter rompido com o imperialismo e
sua condição de semicolônia semifeudal, de matriz econômica
agroexportadora e de industrialização periférica do toyotismo,
totalmente subdesenvolvida.

Ambas, direita e “esquerda” supracitadas, não passam de


oportunistas. São gladiadores do grande circo eleitoral, que tanto
ilude as massas no velho pão e circo – com a diferença que
ultimamente, no Brasil, até mesmo o “pão” está em falta. Não há
divergências práticas entre elas, principalmente no campo das
políticas econômicas: o mesmo neoliberalismo implantado à força,
em 1964, ainda é o mesmo a ser praticado até hoje, nem PT e nem
Bolsonaro puderam (sequer quiseram) romper com ele.

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Assim como a queda de Dilma e Lula fizeram várias hienas
oportunistas surgirem, para devorar a carniça de seu gerenciamento
impedido pelo golpe de 2016, as mesmas hoje parecem cercar
Bolsonaro, que está em queda livre, empurrado pela sua própria
incompetência e estupidez. Hordas de carniceiros, que atualmente
ocupam cadeiras no senado e nas câmaras federais e estaduais,
parecem balbuciar ganância por posições ainda mais influentes e
lucrativas para seus complexos e profundos esquemas de corrupção,
e nenhum momento é melhor que o de queda ou de ascensão de
políticos populistas como Lula e Bolsonaro.

As luzes para o povo trabalhador brasileiro

Como supracitado, o dia 24 de julho foi marcado por enormes


protestos contra a gestão genocida. Evidentemente, o oportunismo
eleitoreiro e os partidos, tanto de direita mais liberal como da
esquerda socialdemocrata, querem assumir a liderança dessas
manifestações, visto que elas ganham mais poder a cada dia que
passa e a cada vacina aplicada.

Felizmente para o Brasil e infelizmente para esses


oportunistas, junto com a pujança das forças populares cresce
também a consciência de classe – o entendimento por parte do povo
de que esses partidos não servem à causa popular e aos anseios dos
trabalhadores. Cada vez mais o povo trabalhador percebe que as
eleições são farsas, que a “democracia” defendida pelos atuais
políticos não é de fato democrática e que tampouco a classe política
trabalha para a nação brasileira – as próprias eleições estão a
demonstrar isso de forma escancarada, com o gigantesco e crescente
número de abstenções e votos nulos.

Por mais que os políticos profissionais do oportunismo


tentem agremiar as massas para a seu apoio pessoal, elas vão
entender, mediante a própria luta, em quem podem ou não confiar,

70
com quem podem ou não contar, para enfim perceber que elas
precisam confiar em suas próprias forças antes de tudo – e nesse
momento as massas perceberão o poder que possuem, o poder de
mover a história e de construir sua própria nação a partir de uma
verdadeira democracia.

As manifestações bolsonaristas murcham cada vez mais, e os


incautos, ainda que bem intencionados, percebem que o “Messias”
nunca pôde, e sequer quis, os “salvar”. Já as manifestações contrárias
ao senhor Jair e sua camarilha de generais traidores da pátria
crescem, ainda que o oportunismo político exista em seu seio, ele
tende a cair conforme a luta avança, afinal, nada melhor para
derrubar as máscaras que a luta popular. Somente dessa forma,
aqueles que tiverem a coragem de se posicionar do lado do povo e
pela sua causa, serão parte dele e assim farão história, “por isso confia
em quem luta, a história não falha, nós vamos ganhar!”

71
Brasil à Beira do Colapso
Agosto de 2021,

Contabilizando mais uma chacota internacional, digna de ser


noticiada pelos veículos de comunicação nacionais e internacionais,
além de servir de alívio tragicômico das redes sociais, blindados com
o maior poderio de produção de dióxido de carbono que o
Esquadrão de Demonstração Aérea (vulgo “Esquadrilha da
Fumaça”) desfilaram na frente da praça dos três poderes nesse dia
10. Além de uma manobra militar terminantemente desnecessária,
nada foi exposto senão a exibição de veículos e presidentes velhos e
carcomidos – ainda que os primeiros podem vir a serem úteis
mediante uma boa manutenção.

Ao que parece, esta tosca demonstração, carente de alma, de


propósito e de significado para uma nação, que ostenta mais de 14
milhões de desempregados (14,7% da força de trabalho), foi apenas
uma tentativa de intimidação contra o STF e o congresso, que estava
“trabalhando” (a valorosas aspas) na PEC do voto impresso para
2022. As boas e velhas teorias da conspiração parecem ser mais
importantes que a falta de terra, de casa e de comida para o povo
trabalhador, afinal, Jair Messias há anos insiste, mesmo ele e seus
filhos tendo sido eleitos por ela, que as urnas eletrônicas são
fraudulentas e reafirma muitas vezes possuir provas cabais que
demonstrem isso – o que já lhe rendeu escândalos, que são ao seu
gerenciamento comuns, visto que lhe foram cobradas pelo TSE tais
evidências, que jamais foram demonstradas - “dicere et non probare est
non dicere?

A votação da PEC referente ao voto impresso foi desfavorável


a Bolsonaro pela falta de 79 votos, mesmo que ele tenha liberado
R$1,03 BILHÃO a emendas individuais para deputados e senadores

72
poucos dias antes da votação de tal proposta. Mesmo com a
“intimidação” vexaminosa dos decrépitos blindados e de mais de um
bilhão de reais serem gastos para forçar uma vitória da PEC, a
derrota dela ainda serviu para o presidente como uma perfeita
desculpa para reunir seus asseclas, sob a bandeira da crítica ao TSE e
às urnas eletrônicas, bem como era previsto. O que mais chamava
atenção nessa proposta bolsonarista, que parece ter sido editada para
ser derrotada como efeito previamente esperado, era o fato de que,
inicialmente, seria excluída a contagem eletrônica das urnas, e tão
somente os votos impressos seriam contados manualmente.
Notavelmente este sistema seria muito mais suscetível à falha e à
adulteração, e a derrota dessa proposta era simplesmente iminente.
Ora, se houvesse uma proposta de impressão dos votos juntamente
com a contagem eletrônica, a fim de melhorar a aferição e tornar o
sistema ainda mais auditável com as duas contagens, talvez essa PEC
fosse até plausível? Mas, não, ser especificamente desnecessária e
onerosa era seu objetivo, pois que Jair jamais quis que ela fosse
votada de forma favorável.

Mas qual seria o motivo então de Bolsonaro reunir tantos


esforços para uma proposta que parece representar, além de
retrocesso puro, uma derrota em sua votação? A trevosa sexta-feira,
13 de agosto, respondeu essa questão de uma maneira bastante
contundente: o músico, agropecuarista e ex-deputado Sergio Reis
reuniu-se com mais de 20 lideranças do agronegócio para convocar
uma massiva manifestação para o emblemático 7 de setembro. Suas
exigências? O impedimento dos ministros do STF e o voto
impresso. Nas palavras do compositor:

“Já está tudo armado e o país vai parar. De norte a sul, leste a
oeste. Os plantadores de soja vão pôr as colheitadeiras na
estrada, ninguém pode andar. Nem carro particular, nem
ônibus. O ônibus que vier com passageiro vai ter que voltar
para trás, não vai trafegar ninguém nas estradas. Só vai ter
ambulância, polícia, bombeiro e cargas perecíveis. Fora isso,

73
ninguém anda no Brasil (...) Não é um pedido. É uma ordem. É
assim que eu vou falar com o presidente do senado, que é uma
ordem. Nós estamos nos preparando para fazer uma coisa séria,
para que o governo tome uma posição e o exército tome uma
posição. (...) Se em 30 dias não tirarem “os caras”, nós vamos
invadir, quebrar tudo, e tirar “os caras” na marra. É assim que
vai ser” (REIS, Sérgio - Em reunião com supostas
lideranças dos caminhoneiros e do agronegócio, 13 de
agosto de 2021 – grifo do autor)

A prisão do presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson,


serviu como catalisadora de todo esse processo. Preso por
determinação do ministro Alexandre de Moraes, na mesma sexta-
feira 13, a pedido da Política Federal, por fortes indícios de crimes de
calúnia; difamação; injúria; incitação ao crime; apologia ao crime ou
criminoso; associação criminosa; denunciação caluniosa e racismo,
Jefferson também serviu de bandeira de coalização das forças
bolsonaristas.

O plano era simples: pleitear uma PEC mal redigida que


carregava, aos olhos bovinos, uma reafirmação da “democracia”,
forçando tanques velhos numa patética demonstração de poder, que
aglutinasse ainda mais os asseclas de camisas da CBF. Naturalmente
que a PEC, pelo seu próprio conteúdo, não seria aprovada, e assim
sendo aumentaria ainda mais a justificativa de impulso de
movimentação bolsonarista. A prisão do presidente do PTB apenas
reúne ainda mais apoio para essa empreitada. É simplesmente
incrível o quão o termo “democracia” tem sido usado para destruir a
si própria ao longo de toda história, afinal, tanto Hitler como
Mussolini usaram da chamada “democracia orgânica” para
estabelecer seu poder. Não que o Brasil seja uma democracia
verdadeira hoje – na verdade esta nação nunca o foi em toda sua
história – mas parece caminhar à largos passos para uma ditadura
oligárquica e burocrática ainda mais distante do povo, através de

74
golpes preventivos que acentuem ainda mais a exploração do
trabalhador.

Com o rabo entre as pernas, Sérgio Reis pediu desculpas


publicamente, após a repercussão negativa de seu discurso
fascistóide. Todavia, sua “missão” fora cumprida: a anunciação para
o vindouro 7 de setembro foi feita e o gado, convocado. Há quem
inclusive almeja invadir a embaixada chinesa em Brasília, para
expulsar o corpo diplomático do maior parceiro comercial do Brasil.
Entre ameaças, dia sim e dia também, o presidente da república
disse, uma semana após o ocorrido, em 20 de agosto de 2021: “podem
ter certeza, vamos ter uma fotografia para o mundo do que vocês querem. Eu
só posso fazer uma coisa se vocês assim o desejarem. Ora, o que ele
poderia fazer? O que tanto seus apoiadores desejam? O golpismo
está cada vez mais claro, o desmoronar das instituições carcomidas
do velho Estado brasileiro está cada dia mais nítido, e as forças da
reação cada vez mais preparadas para consolidar a manobra que está
em curso desde 2016.

E ao povo? O que lhe cabe fazer mediante a esse nítido e claro


desespero das forças da reação?

“O inimigo não morrerá por si mesmo. Nem os reacionários


chineses nem as forças agressivas do imperialismo norte-
americano na China se retirarão por si mesmos da cena da
história. (...) Tudo que é reacionário é sempre igual: se não se
golpeias, não cai. É como quando se varre o chão: como é
normal, ali onde a vassoura não passa, a poeira não desaparece
por si mesma. (...) Chiang Kai-chek procura sempre arrebatar
ao povo cada polegada de poder e cada centímetro de vantagem
por este conquistada. E nós? A nossa política é responder-lhe
taco a taco e lutar por cada palmo de terra. Nós agimos
conforme ele age. A todo o momento ele procura impor a guerra
ao povo, uma espada na mão esquerda e outra na direita. Nós
seguimos o seu exemplo, também empunhamos a espada (...)
Como Chiang Kai-chek está agora afilando as suas espadas, nós

75
devemos também afilar as nossas.” (MAO, Citações do
Presidente Mao Zedong – Edição Comemorativa dos 50
anos da GRCP 1966 - 2016, Seara Vermelha, 2016)

Enquanto os inimigos do povo estão a empunhar as armas


para ofensivas e golpes contra a pátria, contra a nação e contra o
povo brasileiro, cabe a este defender-se à altura. Para isso, é
necessário mobilizar-se, organizar-se e politizar-se mediante o
desenvolvimento da Guerra Popular – o único caminho para se
golpear fatalmente o imperialismo e o fascismo, como a história
demonstrou e têm demonstrado. Como dizia Lênin: “o proletário tem
como única arma, na sua luta pelo poder, a organização”. Pois então que
todo povo trabalhador brasileiro se una e organize-se em grandes
frentes antifascistas e anti-imperialistas; construa e edifique, em seu
seio, um exército verdadeiramente popular e patriota, de modo a
aniquilar toda corja de exploradores e toda classe política, corrupta e
sanguessuga, que há tantos séculos usurpa e explora esse imenso e
amado país.

76
Cemitério dos Impérios
Agosto de 2021,

Estados surgem e caem, governos levantam-se e ruem-se,


novos agentes políticos surgem e velhos agentes políticos extinguem-
se – eis a história política da humanidade, empurrada pela força do
motor da luta de classes. Nesse mês de agosto de 2021, a história
registrou a queda de um Estado para o surgimento de outro; cai a
República Islâmica do Afeganistão e surge o Emirado Islâmico do
Afeganistão, popularmente conhecido como Talibã, uma força
militar e política que tomou o poder do antigo território nacional
afegão e tornou-se outro país, outro Estado. Para se entender o
presente com acurácia, se faz necessário entender o passado.
Portanto, para compreender o que ocorre no Afeganistão hoje, é
preciso estudar a história dessa nação.

O Contexto Histórico do Afeganistão

O final do século XIX foi marcado por uma grande expansão


de territórios colonizados pelas grandes potências - na África, que,
em 1870, tinha apenas 10% de seu território dominado, somente a
Etiópia e a Libéria eram considerados independentes em 1890 (ainda
que a última pudesse ser considerada uma colônia “indireta” dos
EUA). O mesmo aconteceu com o sudeste asiático e também com
oriente médio, e esse fenômeno é entendido na história como
“imperialismo” ou “neocolonialismo”, uma prática decorrente e
subsequente das revoluções industriais.

Nesse contexto, o Afeganistão foi e ainda é sui generis e, não à


toa, essa peculiaridade rendeu-lhe o apelido de “Cemitério dos
Impérios”:

77
• A primeira grande superpotência a invadir o que é hoje o
território afegão foi a Inglaterra, força econômica e militar
hegemônica da época, que após 70 anos e três guerras anglo-
afegãs, de 1849 a 1919, não conseguiu estabelecer-se enquanto
metrópole diretamente dominante. Muito desse fracasso pode ser
creditado ao Império Russo, que disputava com a Inglaterra por
territórios e influência na Ásia Menor, no chamado “Grande
Jogo”, que por vezes também interveio militarmente no
Afeganistão.

• A mesma Rússia, décadas depois, já como URSS, em sua fase


social-imperialista (socialista no discurso e imperialista na
política), tendo sido encabeçada pelo revisionista Leonid Ilitch
Brejnev, tomou a frente de uma grande invasão ao Afeganistão,
sendo a segunda grande superpotência a tentar tomar conta deste
cobiçado território. Conhecido popularmente como “Vietnã
Soviético”, os 10 anos de invasão do social-imperialismo de
Brejnev (1979 a 1989) resultaram em um vexaminoso quadro de
recuo e derrota da superpotência euroasiática. Muito desse
fracasso pode ser creditado aos EUA, no contexto da Guerra Fria,
que armou e municiou diretamente milícias fundamentalistas
antissoviéticas conhecidas como “mujahidins”, num processo
similar ao que o mesmo EUA fizera na Nicarágua, com os
“contras”, na década de 1980.

• Por fim, sucedendo o mesmo quadro de coincidências históricas,


os próprios EUA lançaram sua ofensiva ao Afeganistão em 2001,
justificados pelos atentados de 11 de setembro, no mesmo ano
que foi atribuídas as responsabilidades à Al Qaeda e ao seu líder,
Osama Bin Laden, protegidos pelo Talibã. É curioso, todavia, que
eles, tanto Al Qaeda como o próprio Talibã são grupos
fundamentalistas oriundos dos antigos mujahidins, que
fortaleceram-se após a expulsão dos “soviéticos”, em 1989,

78
havendo sido armados pelos próprios EUA. Após 20 anos de
intervenção, em agosto de 2021, os EUA retiraram-se derrotados
do território afegão, que detém o status de nação independente
após retaliar mais uma invasão de uma superpotência.

As coincidências históricas que delineiam a história do


Afeganistão chegam a ser surpreendentes: 70 anos de intervenção
inglesa; 10 anos de intervenção “soviética” e 20 anos de intervenção
ianque – todas derrotadas em jogos interimperialistas, até que o
próprio imperialismo, no caso ianque, cavou sua própria cova.

As Posições Políticas do Talibã

Mas esta vitória do Talibã seria benéfica ao povo afegão?


Seria essa derrota do imperialismo um avanço para os trabalhadores
do Afeganistão? Respondendo negativamente a essas questões é que
nos deparamos com uma questão tão sui generis como a própria
história desse país. O Talibã, longe de ser uma organização
minimamente progressista, é de cunho fundamentalista religioso que
não pode garantir reais avanços ao povo trabalhador, seu objetivo é
somente governar pelo terror e potencializar ao extremo a horrenda
mazela do machismo estrutural em sua sociedade. É de uma
inocência tremenda grupos de “esquerda” enaltecerem a vitória do
Talibã enquanto uma “vitória sobre o imperialismo”, sem
reconhecerem o próprio atraso que carrega o chamado
“fundamentalismo islâmico” dessa organização.

O islã, em si, também não pode ser considerado a raiz da


problemática que hoje assombra o Afeganistão e o Talibã, pois a
religião é uma expressão cultural de povo, que exprime nos seus
valores um reflexo das contradições materiais dessa sociedade. Já a
organização em si, o Talibã, é uma atrasada oligarquia regional que
detém força militar e política e que fortalece sua estrutura e sua
disciplina mediante ao uso da religião, que é compartilhada por

79
praticamente todo oriente médio e, hoje, é a segunda maior do
mundo. Essa é uma questão necessita ser terminantemente
esclarecida.

Lições Históricas sobre o Imperialismo e o seu Iminente Fim

Qual lição há de ser retirada desse episódio histórico? Não


seria outra senão a fraqueza cada vez mais exposta do imperialismo.
As contradições, cuja centralidade hoje está entre o imperialismo
ianque e o social-imperialismo chinês, secundado pelo imperialismo
russo, estão cada vez mais desesperadas e enfraquecidas,
propagando, através da grande mídia burguesa, uma imagem de
força e de potencialidade, mas não são mais do que o Presidente Mao
Zedong corretamente nomeou de “tigres de papel”. São forças
velhas, controlando Estados decrépitos e decadentes, movendo
guerras sanguinárias para manterem-se. Entretanto, elas despertam
cada vez mais a ira dos povos de todo mundo, edificando
diariamente sua própria sepultura.

“Isto reforça uma vez mais que não há paz e tranquilidade,


senão uma possibilidade real de guerra interimperialista e de
uma terceira guerra mundial a que se ter em conta. Não
devemos temê-la, mas sim estar preparados para isto.
Destacamos: ou a revolução previne a guerra mundial ou a
guerra mundial conduz à revolução. Isto é, preparar e
desenvolver a guerra popular para fazer a revolução e chegado o
caso, opor à guerra popular mundial à guerra imperialista
mundial.” (Revista Internacional Comunista, agosto de
2021)

O Talibã, ainda que esteja totalmente distante de ser


considerado um farol ideológico para os trabalhadores de todo o
mundo, acabou por mostrar que uma organização disciplinada e
militarizada pode, sim, vencer o imperialismo. Essa é uma lição
valiosíssima para todas as organizações populares e combativas de

80
todos os países. O imperialismo está fadado ao fracasso. O Vietnã
ensinou, em seus 20 anos de guerra popular, em defesa do povo
vietnamita contra a invasão ianque (1955 a 1975), que além de ser
possível derrotar o imperialismo também é um compromisso
histórico do povo. Para todos que consideraram a história do Vietnã
como anacrônica e inaplicável aos tempos atuais, o Talibã (ainda que
movido por princípios ideológicos extremamente retrógrados e
atrasados) demonstrou o contrário dessa tese: uma organização
militarizada e disciplinada pode – e deve – derrotar o imperialismo.

Ao povo trabalhador afegão resta organizar-se no Partido


Comunista (Maoísta) do Afeganistão para derrubar e aniquilar o
Talibã, bem como todas as milícias fundamentalistas, e rechaçar
também as forças invasoras que não tardarão a tentarem novamente
impor sua sanha imperialista. A população desse país não deve
esperar que novas intervenções militares externas ponham fim às
suas mazelas sociais, tampouco confiar na oligarquia que hoje
comanda sua nação, mas sim derrotar ambas e fazer do Afeganistão
uma verdadeira e nova democracia.

Que uma grande verdade seja exposta: os partidos


verdadeiramente comunistas ao redor do mundo necessitam serem
tão disciplinados e militarizados quanto o próprio Talibã ou ainda
mais que esse. Porém, ao invés de usar-se da religião e do
fundamentalismo religioso, eles devem ligar-se ao povo pela ciência
da linha de massas, pelas lutas populares e pelos anseios do povo
trabalhador em cada país – isso é mais que uma estratégia fadada a
uma gloriosa vitória, é um compromisso histórico de todos os
comunistas ao redor do globo!

81
O Crepúsculo de um “Mito”
Setembro de 2021,

O evento que mostraria ao mundo o grande poderio político


de Bolsonaro se deu em um fiasco: o 7 de setembro, que prometeu
manifestações monstruosas (em ambos os sentidos), não contou nem
com 5% do público esperado na cidade de Brasília, forçando o
presidente a soltar um tragicômico: “cadê o pessoal?”, a seu assessor,
além de assinar atestados de fraqueza redigidos pelo golpista Temer.
Segundo o IPEC, o índice de reprovação de Bolsonaro esse mês
atingiu 53%, e esta informação foi refletida nas manifestações.

Enquanto isso, o oportunismo não perde tempo e continua a


debater impedimentos, confiando numa CPI que levanta tantos
dados, mas parece não ameaçar, além de discutir frentes unidas que
hão de desmancharem-se com tremenda facilidade. Claramente não
há firmeza ideológica que unifique a velha política brasileira, senão
um fisiologismo barato movido a interesses particulares.

Ainda assim, Bolsonaro continua sua gloriosa cruzada rumo


ao vexame, seja comendo pizza na rua – pois o restaurante em Nova
Iorque não permite que não vacinados contra o COVID-19 adentrem
– seja em uma conversa com primeiro-ministro britânico Boris
Johnson, cujo fato de o presidente brasileiro não ter se vacinado
também ergueu ainda mais a pujante vergonha nacional e patriótica
da qual o Brasil tem advogado. A chave de ouro dessa vexatória
odisseia – motivo pelo qual Bolsonaro foi para os EUA em primeiro
lugar – seria uma conferência da ONU, onde não poupou um
verdadeiro show: abriu a assembleia dizendo que o Brasil estava à
beira do socialismo, mas foi “salvo” por seu governo, que não só foi
uma excelente gestão em relação ao combate à COVID-19, como
também foi um gerenciamento sem corrupção, que melhorou a

82
economia nacional, a infraestrutura estatal e ainda protegeu o meio-
ambiente.

Talvez o livro dos recordes queira registar esse episódio em


suas linhas, afinal a extrema quantidade e a horrenda qualidade das
mentiras, ditas em tão pouco tempo, com toda certeza superou
marcos históricos. Ora, a quem o senhor presidente tenta enganar,
senão os seus escassos apoiadores presos em bolhas informacionais?

Pandemia? Mais de 592 mil brasileiros mortos que foram


devidamente testados e registrados, haja em vista que o Brasil ocupa
a 126ª posição em número de testes a cada habitante, que resulta
numa mais-que-óbvia subnotificação (até mesmo a Índia, país pobre
e com população que é 6 vezes maior que a brasileira, realizou mais
testes por habitante). Corrupção? Foram os R$200.000,00 mais mal
explicados da história, que Bolsonaro recebeu da JBS e lavou pelo
PSL, antes mesmo de vestir a faixa presidencial; os cheques de
R$80.000,00 de sua esposa; as famosas “rachadinhas” de seus filhos;
todo teatro de Queiroz e as compras superfaturadas da Covaxin,
além de outros exemplos que demonstram que a honestidade nunca
foi uma virtude do capitão. Economia? Um país que já ultrapassou o
PIB do Reino Unido, como 6ª economia mundial, hoje ocupa a 13ª
posição, com fortes estimativas de chegar à 15ª até o final do ano,
enquanto o PIB per capta está na 104ª posição, atrás de Botswana e
Gabão, e o desemprego, com 14,7%, está longe de ter indícios de
melhoras. Meio Ambiente? Setembro registrou o pior desmatamento
da Amazônia, desde 2012, além da aprovação de 945 novos venenos
em dois anos.

O próprio 7 de setembro foi “supervalorizado” (para não


dizer que foram proferidas grotescas mentiras sobre) no discurso,
pois que o senhor Messias afirmou que foi um evento que marcou a
época – seriam os líderes mundiais presentes no evento desprovidos
de televisão, internet e outras meios de informação? Nessa esteira de
acontecimentos, o presidente do Brasil desmarcou em cima da hora

83
uma entrevista que daria a ONU News, site de notícias da entidade,
após seu pronunciamento. É notório que ele esteja demasiadamente
acostumado em discursar e responder perguntas apenas para seu
“cercadinho particular”, onde só se fazem permitidos apoiadores,
pois, todas as vezes onde ele deparou-se com argumentação
contrária a si e a seu governo, a paciência, a educação e a postura de
um líder nacional não demonstraram-se enquanto virtudes cardeais
de Jair.

E é exatamente aí que está a força do discurso bolsonarista:


covardia, pura e simples, em defrontar-se contra qualquer oposição
minimamente descente, assim como qualquer fonte razoavelmente
científica, sendo qualquer vírgula proferida pelo Messias aplaudida e
louvada pelos influenciadores que estão inseridos nas bolhas de
informação. Adrilles Jorge, apoiador convicto do bolsonarismo, não
tardou em dizer que “Bolsonaro fez história na ONU” seguido de “ele
atravessou uma diplomacia que se confunde com hipocrisia e leniência” e
depois “ele preservou uma verdade histórica; contra o coronavírus a gente
tem bons números”. História de fato foi feita, afinal, como
anteriormente afirmado, nunca um chefe de Estado e de governo
proferiu tantas mentiras em tão curto espaço de tempo, em uma
assembleia de tamanha importância – isso de fato requer registro
historiográfico. A diplomacia que ele atravessou está aquém do
realismo político das teorias das relações internacionais, onde parece
ser restaurado um clima de guerra fria, ao ser combatido o
socialismo como mal absoluto da humanidade – seria reflexo da
ascensão do poderio chinês e do pavor ianque em relação a isso? E
contra o novo coronavírus, não há muito mais o que ser dito, além da
reafirmação com base em dados científicos, de que o Brasil foi um
dos piores países do mundo (se não o pior) a lidar com a pandemia,
num reboliço de anticiência, placebos e doentio negacionismo.

É interessante perceber quanto o gado bolsonarista nega a


grande mídia, principalmente a Globo, como alvo magno de rejeição,
ao passo que foi a própria campanha antipetista, movida pela Globo,

84
que fortaleceu Bolsonaro, desde 2016. E é ainda mais intrigante
perceber que se nega a Globo para buscar informação onde? Em
redes sociais e grupos de conversação online, cuja credibilidade é
infinitamente menor. Ora, que a Globo e a grande mídia que a
acompanha (Estadão, Veja, Istoé, etc.) são financiadas pela elite e
desdenham da força popular há décadas, em campanhas pró-
imperialistas, não há dúvidas: eles são parte da mídia da grande
burguesia, defendem seus interesses, além de terem construído seu
poderio midiático com muitas mentiras, tergiversações e
manipulações. Todavia, a mídia que apoia o Bolsonarismo é ainda
mais mentirosa e manipuladora, de forma que a aparente sapiência
dos adeptos da seita bolsonarista está baseada na rejeição de
informações ruins para a total aceitação, sem questionamento, de
informações ainda piores.

O resultado é impressionante. Bolsonaro mentiu


descaradamente na ONU, e as pesquisas promovidas pelos órgãos
governamentais podem confirmar isso. Contudo, o gado bolsonarista
não verá isso ou se vir negará – esperará um ou dois dias para que
sua bolha de informações, grupos de WhatsApp, canais do YouTube,
blogs e vlogs específicos, divulgue a “verdade” a ser seguida e
defendida. Assim, até hoje, é que Bolsonaro sustenta o núcleo duro
de seus apoiadores, numa espécie de seita misturada à torcida de
futebol. Todas as fontes adversas se tornam naturalmente falsas ou
no mínimo duvidosas, ao passo que as informações compartilhadas
em massa por um robô, em celulares, passam a ter validade quase
que científica.

E mesmo aqueles que aceitam que o governo bolsonarista


possa estar cometendo algumas falhas – todas essas são justificáveis
por um “propósito superior”, um “plano maior” advindo da
genialidade mitológica do Messias, que é combater o comunismo e
lutar pela família, pela pátria e por Deus:

85
• Lutar pela família, segundo o bolsonarismo, significa lutar
contra os homossexuais, transsexuais, bem como contra o
feminismo e todo aquele que se levanta contra o machismo e
contra o sexismo de maneira geral. Buscar igualdade de
direitos entre os homens e as mulheres soa como uma ofensa à
família tradicional, que pressupõe uma nata liderança
masculina.

• Lutar pela pátria, segundo o bolsonarismo, significa lutar pelo


Estado burocrático e não pelo povo trabalhador brasileiro,
tampouco pelas forças produtivas nacionais. Buscar um Estado
verdadeiramente democrático, onde os pobres tenham voz é
buscar o comunismo – uma abominável blasfêmia.

• Lutar por Deus, segundo o bolsonarismo, significa lutar pelos


grandes líderes religiosos que demonstraram e ainda
demonstram seu apoio ao governo, como Edir Macedo,
Valdomiro Santiago e Silas Malafaia e não pelo Deus Cristão.
Buscar a prática do amor ao próximo, a caridade cristã, a
bondade e a simplicidade à exemplo de Jesus Cristo é também
uma espécie de socialismo que deve ser ferrenhamente
combatido.

Nessa conjuntura de entendimento, Bolsonaro torna-se um


grande herói, a carregar a bandeira do Brasil, montado em um cavalo
branco. Na verdade, ele é somente um péssimo militar, péssimo
parlamentar e péssimo presidente, totalmente desprovido de
intelecto razoável, de postura, de capacidade de liderança, de humor
e também de coragem, cujo hobbie é levantar a voz e ameaçar
mulheres, negar a ciência e a história e demonizar quaisquer pautas
populares. Bolsonaro não tem planos para o Brasil, senão o exercício
de agenda imperialista totalmente subserviente aos EUA,
sustentando seu governo com uma seita/torcida movida às

86
inverdades escandalosas e à uma aceitação cega de irrealidade
moral, completamente incompatível com seu legado, tanto como
militar como político. O seu combustível ainda é o ódio ao PT, ao
Lula, à Dilma e ao comunismo – do qual os asseclas acreditam estar
instalado no Brasil mediante o “marxismo cultural gramscista”,
mesmo sem terem lido e/ou compreendido Marx ou Gramsci em
toda sua vida.
E como arrancar inocentes desse infeliz jogo de manipulação?
Como demonstrar aos incautos o quão dominados e manipulados
eles estão sendo? Doença, fome e abandono -uma resposta
horrivelmente triste e verdadeira. Quantos negros hão de ser
metralhados pelas forças da reação antes que nosso país perceba
isso? Quantas mulheres hão de serem espancadas e estupradas antes
que nossa nação compreenda isso? Quantos desempregados, de
barriga vazia, terão de se sujeitar à semiescravidão para alimentar
seus filhos, antes que o Brasil entenda isso? Quantas verdadeiros
genocídios os camponeses pobres têm de sofrer antes que o povo
brasileiro liberte-se dessa realidade? A cruel verdade é de que foi
necessário um péssimo gerenciamento bolsonarista, nutrido até as
entranhas de fome, violência e desigualdade, para que o apoio que
quase o elegeu no primeiro turno fosse reduzido aos poucos que
ainda o defendem hoje.

O 7 de Setembro mostrou um reflexo do caos que é o Brasil


governado por Bolsonaro. Sentir, na pele, a morte de entes queridos
e ter de lidar com o descaso do próprio presidente de fato fez
estourar muitas bolhas informacionais. Bolsonaro está em queda
livre, já organizando maneiras de demonizar ainda mais Lula e o PT,
na esperança de seus opositores unirem-se por sua vantagem, em
2022. Para isso, ele conta com núcleo duro de seus apoiadores, cujos
condomínios fechados impediram-lhes de sentir o desemprego e a
fome a ponto de revoltarem-se.

87
Os oportunistas, tanto de esquerda como de direita, ganham e
perdem forças de maneira cíclica: enquanto estão no poder, o povo
brasileiro vê quão ineficaz é sua política, pois ele sente na pele o
resultado dessa. Quando do poder são alijados, nem que seja por
uma trupe de generais golpistas liderados por um deputado capitão
da reserva, completamente desprovido de capacidade cognitiva,
esses fazem frentes de oposição ou aliam-se temporariamente aos
setores do governo, em prol de atender seus interesses escusos. Esse
é o jogo “democrático” do Brasil. Esperanças legitimamente
populares construídas em cima de ilusões parlamentares e pífios
discursos de ódio, principalmente contra o comunismo, que fazem
eleger oportunistas carentes de qualquer capacidade de liderança ou
qualquer anseio em melhorar a situação do Brasil e do povo
trabalhador brasileiro.

E é na lógica cíclica da ascensão e queda dos oportunistas que


o povo trabalhador brasileiro há de reconhecer sua falaciosa
democracia. O capitalismo pariu seu próprio coveiro, abrindo um
colossal abismo histórico, que em algumas décadas há de receber
mais um modo de produção. O Brasil percebe que seus partidos não
o representam, que sua classe política é galgada em oportunismo e
que não há de ocorrerem reais mudanças qualitativas antes que seja
realizada uma legítima revolução popular, antifascista e anti-
imperialista, que conquiste a verdadeira democracia e a verdadeira
independência ao povo trabalhador dessa amada e grandiosa nação.

Jair Messias Bolsonaro caminha a passos largos para seu


iminente fim. Oportunistas da velha política têm suas bocas
espumando por abocanhar velhos cargos estratégicos dentro da
máquina governamental, digladiando-se entre si por espaços que
serão deixados pelo gerenciamento atual. A cada jogo de poder, a
cada farsa eleitoral, onde expõe-se a real face da classe política desse
país, há de nascer cada vez mais revolta entre o povo – o combustível
de todo processo histórico, que alimenta o motor da luta de classes.
As elites não estão só temerosas como desesperadas, tentando

88
esconder a fúria dos povos debaixo do tapete da grande mídia, e
estão a falhar miseravelmente. As guerras populares desenvolvem-se
em progressão geométrica e não aritmética, e não há erro em dizer
que a luta do povo está em sua ofensiva estratégica em todo mundo.
Pois que o Brasil tome seu devido protagonismo ao lado da Índia,
das Filipinas, da Turquia e do Peru, no que concerne a desenvolver
sua guerra popular unificada, movendo com toda força e com toda
pujança do povo trabalhador a segunda onda revolucionária da
história mundial, aniquilando o imperialismo e conquistando sua
verdadeira democracia e sua verdadeira independência – papel
histórico que somente a revolução popular, e nada além dela, pode
executar.

89
O Presidente Gonzalo Vive!
Setembro de 2021,

O Presidente Gonzalo, o Dr. Ruben Manuel Abimael Guzmán


Reinoso, faleceu no dia 11 de setembro de 2021. Fazem 29 anos desde
seu encarceramento, em 1992. Mesmo após inúmeras campanhas
difamatórias movidas tanto pelo velho e carcomido Estado peruano
como pelos oportunistas, tanto de esquerda como de direita, não foi
possível calar essa tão importante chefatura do proletariado
internacional.

90
Nesse mesmo setembro, no 24º ano de sua captura, pelas
forças da reação, foi emitido ao mundo o famoso “Discurso da Jaula”
de Guzmán, que calou muitas bocas revisionistas, estremeceu muitos
medos burgueses e inflamou muitos corações revolucionários – esse
discurso até hoje jamais foi silenciado e entoa na direção das guerras
populares ao redor do mundo, conduzindo os povos trabalhadores
de todas as terras à conquista do poder, à sua emancipação e ao
comunismo.

Poderia sua captura tê-lo dobrado, de fato. Assim como


qualquer indivíduo ou organização, Guzmán poderia ter se tornado
revisionista, até mesmo tendido para posições mais abrandas. Não
foi o seu caso. Este indivíduo que carregou a alcunha de Presidente
Gonzalo viveu e morreu como um verdadeiro comunista, como um
legítimo e franco revolucionário do povo peruano e heroico baluarte
para todos os povos do mundo.

Guzmán faleceu, mas deixou seu grande legado e trabalho ao


mundo: a sistematização e sintetização do maoísmo enquanto
terceira etapa do desenvolvimento da ciência e da ideologia do
proletariado. Foi o Presidente Gonzalo, durante o desenvolver da
guerra popular no Peru, na década de 1980, por meio do
entendimento e da compreensão da TEORIA do marxismo-
leninismo, aplicando-o de forma PRÁTICA à realidade peruana, que
consolidou pontos de aplicabilidade universal do então “marxismo-
leninismo-Pensamento Mao Zedong”, que então galgaria a dar mais
um passo em sua trajetória evolutiva e alcançaria o seu atual e
terceiro estágio, o marxismo-leninismo-maoísmo. Essa foi a sua
grande contribuição para o mundo.

Defendê-lo é resguardar o verdadeiro marxismo que


manifestou-se em 1848 e que construiu a Comuna de Paris, em 1871.
É defender o leninismo que conduziu a Revolução Bolchevique de
1917 e derrotou a besta nazifascista em 1945. É defender o maoísmo,
que eclodiu na Revolução Chinesa de 1949 e fez ebulir a Grande

91
Revolução Cultural Proletária, em 1966. É defender as gloriosas
guerras populares que hoje desenrolam-se na Índia, nas Filipinas, na
Turquia e no próprio Peru, que nos tempos atuais são as grandes
forças que fazem emergir a segunda grande onda revolucionária
mundial, bem como todas as lutas de todos os partidos e
organizações verdadeiramente comunistas em todos os países.

Também foi Guzmán que, ao aplicar o marxismo-leninismo-


maoísmo, principalmente o maoísmo, em seu país, desenvolveu o
Pensamento Gonzalo: pensamento-guia da revolução peruana, fruto
da ciência e da ideologia do proletariado aplicados à realidade do
Peru. Essa teoria não é de validade universal – é restrita ao Peru e à
sociedade peruana – mas suas bases residem no maoísmo, que foi
sintetizado pelo próprio Presidente Gonzalo. Na Índia, nas Filipinas
e na Turquia, novos pensamentos-guia surgirão mediante ao
desenvolvimento da guerra popular que o marxismo-leninismo-
maoísmo, principalmente o maoísmo, corretamente aplica à cada
realidade concreta, objetiva e subjetiva de cada nação, e assim será
também com todos as outras guerras populares que ainda hão de
surgir em outras nações na história.

Defender o Presidente Gonzalo e sua obra é também


reconhecer e aplastar todo revisionismo e todo oportunismo. É
denunciar todas as empreitadas de agentes da grande burguesia
imperial, infiltrados no movimento dos trabalhadores, bem como de
oportunistas que usurpam da pujança dos movimentos populares
para obtenção de privilégios escusos. É, além disso, reconhecer e
reeducar os incautos que, ainda que movidos por interesses
legitimamente populares, foram cooptados pelas forças revisionistas
e estão a servir a reação, ainda que inconscientemente.

Por isso, que o trabalho do homem que foi Guzmán seja


eternizado na figura do Presidente Gonzalo. Que o marxismo-
leninismo-maoísmo, principalmente o maoísmo por ele
sistematizado e sintetizado, seja o farol dos comunistas, dos

92
revolucionários e de todos os povos trabalhadores do mundo. Eis o
único caminho para a vitória popular, para o fim do imperialismo e
para a grande ascensão do povo ao poder!

Se foi dito que fora do maoísmo não há marxismo, fora da


luta que encabeçou o Presidente Gonzalo tampouco há! Muitos
oportunistas, como Avakian, Prachanda, Xi Jiping hão de tergiversar
o termo “maoísmo” a seu bel-prazer. Pois que seja reconhecido que o
único e verdadeiro maoísmo, bem como a única e verdadeira ciência
e ideologia do proletariado é a que imortalizou Guzmán na história,
com a sua heroica vida de lutas em prol dos povos trabalhadores!

Então, que a luta popular conduzida com o legado luminoso


do Presidente Gonzalo esmague todas as teratológicas manifestações
bestiais do fascismo e varra para sempre o imperialismo da face da
terra, deixando-o apenas no passado da história humana, que ei de
conhecer novos tempos: vermelhos e revolucionários!

VIVA O MARXISMO-LENINISMO-MAOÍSMO,
PRINCIPALMENTE O MAOÍSMO!

93
(desconsiderando a partir de agora uma formalidade típica dos artigos até então...)

No mês de junho desse ano, um estimado camarada enviou-


me uma obra que versava sobre Abimael Guzmán: “A Quarta
Espada” de Santiago Roncagliolo, solicitando meu parecer sobre a
mesma. Ao invés de tratá-la integralmente, retirei dela um trecho
que resumia muito bem o modus operandi dos revisionistas
contemporâneos – como eles costumam encarar mentiras, que há
muito tempo foram esclarecidas, como verdades.

Tendo considerado o comentário que fiz um tanto


“aglutinador” de questões e personalidades atuais, resolvi formalizá-
lo no que seria um texto adendo ao final desse compilado. Todavia,
com o falecimento recente de Guzmán, creio ser justo inclui-lo aqui,
ao invés de repetir o que já foi dito no artigo “Por que defender o
Presidente Gonzalo e sua Ideologia?”, de junho de 2019 do compilado
daquele ano.

O camarada que recebeu esse comentário tem em mãos os 3


compilados que escrevi em 2018, 2019 e 2020, que utilizei para
referências. Necessário faz-se que o leitor também os possua para
uma compreensão completa do que quis expor nessa resposta.

Estimado Camarada,

Para que você possa entender minha posição sobre esta obra
com bastante clareza, retirei uma passagem específica da qual
pretendo trabalhar detalhadamente. Esta citação reside na página 72
do escrito que me enviaste, e após destrinchá-lo esboçarei meu
humilde parecer.

“Esse tipo de marxista (Abimael Guzmán) realiza o mesmo


processo racional que um teólogo. Dispõe de argumentos
racionais, mas, no fundamental, sua postura é um ato de fé. A

94
crítica de Popper ao marxismo é precisamente a de que ele não
pode ser científico, porque em nenhum caso se revela falso, isto
é, refutável. A física de Aristóteles, por exemplo, se mostra falsa
quando se trata de explicar o movimento dos planetas. Então
aparece a teoria da gravidade de Newton, que, no entanto, é
falsa num universo com buracos negros e energia negativa, da
qual dá conta a relatividade de Einstein. Assim, a ciência
avança criando novas teorias para superar a insuficiência das
antigas. Em contraposição, um marxista nunca admitirá a
evidência de que sua teoria não explica a ordem social. De fato,
descartará como “burguês” todo argumento que questione suas
diretrizes. Assim como um católico vê Deus em cada forma de
vida, um marxista encontra em cada fato histórico – inclusive
na crítica alheia – a confirmação de suas crenças. Assim,
epistemologicamente, o marxismo não funciona como uma
ciência, mas como uma religião, com sua própria moral, suas
sagradas escrituras e seu paraíso prometido. E, sobretudo, com
seu código de ação, um código que leva diretamente ao
martírio.” (RONCAGLIOLO, Santiago. A Quarta Espada
– A História de Abimael Guzmán e do Sendero
Luminoso, Editora Objetiva, 2007)

Esta colocação está grotescamente enganada, seja por uma


postura ideológica revisionista ou oportunista (e na prática isso se
torna indiferente), o marxismo é uma ciência. Nova, ainda não
estabelecida, ainda não posta de forma justa nas academias ao redor
do mundo, mas cujos fatos e evidências estão a concretizá-la cada
vez mais como tal. Tentei demonstrar isso no artigo “A Ciência que é o
Marxismo”, de dezembro de 2020.

1) “Esse tipo de marxista (Abimael Guzmán) realiza o mesmo processo


racional que um teólogo. Dispõe de argumentos racionais, mas, no
fundamental, sua postura é um ato de fé.

95
A introdução do meu compilado de 2019, mais
especificamente a partir da página 11, demonstra um pouco sobre a
questão da fé. Em poucas palavras, a fé é um combustível que
motiva a ação humana, independente do direcionamento dessa ação.
Acreditar dá forças para o trabalho. Independente se esse trabalho é
realizado para libertar ou para escravizar outrem, a decisão é tomada
por via racional. Nesse ponto, pode-se dizer que a ciência ilumina os
caminhos, e a fé dá forças para esses percorrer.

Tentar colocar o marxismo como uma “religião” não é uma


estratégia nova para tentar denegri-lo. Raymond Aron o fez de forma
similar em “O Ópio dos Intelectuais” (1955). O marxismo não é uma
religião e, sim, uma ciência, e as provas concretas desse fato estão
expostas na história.

2) A crítica de Popper ao marxismo é precisamente a de que ele não pode


ser científico, porque em nenhum caso se revela falso, isto é, refutável. A
física de Aristóteles, por exemplo, se mostra falsa quando se trata de
explicar o movimento dos planetas. Então aparece a teoria da gravidade
de Newton, que, no entanto, é falsa num universo com buracos negros e
energia negativa, da qual dá conta a relatividade de Einstein. Assim, a
ciência avança criando novas teorias para superar a insuficiência das
antigas.

Vários foram os artigos escritos, por mim, que demonstram o


quão equivocado é pensar no marxismo enquanto um conhecimento
estacionário e temporal. Assim como a física de Aristóteles é
superada pela de Newton e posteriormente pela de Einstein, o
marxismo que começou com seu fundador, Karl Marx, foi superado
pelo marxismo-leninismo de V.I. Lênin, que foi posteriormente
superador pelo marxismo-leninismo-maoísmo do Presidente Mao
Zedong. O último parágrafo da página 161 do meu compilado de
2020 mostra esse exemplo, inclusive com os mesmos nomes
supracitados.

96
A própria teoria da falseabilidade de Popper é uma premissa
um tanto quanto direcionada para remover o status de “ciência” do
marxismo, ainda na sua fase inicial, mas o desenrolar da história e da
evolução do pensamento aplicado do marxismo à realidade concreta
acabaram por comprovar exatamente o contrário. Em poucas
palavras, a própria teoria da falseabilidade popperiana pode ser
aplicada ao marxismo que desenvolveu-se nos anais históricos.

Ora, os escritos de Aristóteles se demonstram falsos ao


explicar a movimentação dos planetas? Pois seriam os escritos de
Marx suficientes para explicar a situação e a Revolução Russa de
1917? É evidente que em ambos os casos não. Então a teoria
gravitacional de Newton se deu incapaz de explicar os buracos
negros e a energia negativa? Seriam os escritos de Lênin suficientes
para explicar e a Revolução Chinesa de 1949? Novamente, o próprio
anacronismo expõe a negativa para essa questão.

Assim como Aristóteles não pôde explicar o fenômeno dos


buracos negros, Marx foi incapaz de argumentar sobre o surgimento
do fascismo – em ambos os casos a história separou-os, sendo
necessário que novos cientistas, tanto da física como do marxismo,
entendendo desses precursores, das premissas básicas e dos
instrumentos necessários para fazer ciência, tiveram de analisar essa
nova realidade. Hoje pode-se dizer que Neil de Grasse Tyson
compreende fisicamente o fenômeno dos buracos negros de uma
forma muito mais apurada cientificamente, mas não teria esse
chegado às suas conclusões sem debruçar-se no estudo de
Aristóteles, Newton e Einstein, além de muitos outros. Da mesma
forma, seguindo o mesmo raciocínio, pode-se dizer que Abimael
Guzmán hoje compreende o fascismo de uma forma muito mais
apurada cientificamente, mas que não teria chegado às suas
conclusões sem debruçar-se no estudo de Marx, Lênin e Mao, além
de muitos outros.

97
3) Em contraposição, um marxista nunca admitirá a evidência de que sua
teoria não explica a ordem social. De fato, descartará como “burguês”
todo argumento que questione suas diretrizes.

A “humildade” não é só uma virtude resultante da aplicação


do materialismo histórico-dialético à condição humana (artigo de
novembro de 2019, segundo e terceiro parágrafos da página 114),
como também a crítica e a autocrítica se fazem extremamente
naturais a qualquer marxista. O processo de reconhecer os próprios
erros e acertos é algo tão comum às reuniões comunistas que se os
liberais e conservadores as conhecessem jamais os julgariam
novamente por prepotência ou algo similar.

Se a teoria marxista atual não explica um fenômeno, cabe aos


cientistas marxista, que são, terminantemente, militantes práticos
além de teóricos, estudar este fenômeno munido com os
instrumentos que a ciência e a ideologia do proletariado lhe
fornecem – em suma, aplicar o método do materialismo histórico-
dialético para desvendar a natureza desse fenômeno.

Ora, se Lênin tivesse se contentado com os escritos de Marx,


ele teria descoberto conhecimentos concretos sobre a natureza da
Rússia czarista? Não, pois usou do conhecimento sobre Marx, seu
método e aplicou-o, de forma prática e inserida no contexto histórico
que lhe coube. Sendo assim, foi possível não só conhecer a Rússia de
sua época, mas também fazê-la desenvolver uma revolução. De
forma similar, Mao o fizera na China, numa etapa ainda mais
avançada – ele admitiu, assim como Lênin antes dele, que os
conhecimentos, mesmo que científicos, do marxismo, eram
insuficientes para explicar a realidade da qual estava inserido. Então,
ele aplicou o marxismo-leninismo (a etapa que o marxismo estava
em sua época) para não só descobrir novos conhecimentos
científicos, mas para, principalmente, desenvolver a revolução em
seu país.

98
Portanto, reconhecer erros e acertos, criticar e autocriticar,
aprender, estudar, elaborar e aplicar – tudo isso é bastante comum
tanto no meio científico como no meio comunista. Mais que comum,
é necessário para a própria essência de ambos. Chamar de
“burguês”? Se o indivíduo realmente for burguês ou assumir para si
a ideologia burguesa mesmo que não o fosse, assim será chamado,
ainda que as pequenas e médias burguesias nacionais tenham um
importante papel de luta no desenvolvimento da democracia
popular. Afinal, ser “burguês” não chega a ser pejorativo, é apenas
uma condição socioeconômica e/ou ideológica.

4) Assim como um católico vê Deus em cada forma de vida, um marxista


encontra em cada fato histórico – inclusive na crítica alheia – a
confirmação de suas crenças.

Um físico não consegue entender no cair de uma maçã a


existência da lei gravitacional? Um biólogo não vê em cada planta,
inseto ou animal uma forma de vida? Um economista não vê em
cada transação monetária uma confirmação de seu conhecimento
teórico aplicado? Se em um fato histórico o marxista enxerga a luta
de classes – mais que isso, prova sua existência demonstrando-a com
evidências concretas – isso deixá-lo-ia menos científico?

Novamente, há uma tentativa pueril de aproximar o


marxismo de uma religião e nada mais que isso. Todo cientista vê a
realidade que o cerca pelo prisma de seus conhecimentos – o que é,
além de inevitável, natural, mas não retira dessas análises seu caráter
científico em nenhum momento.

Sobre a confirmação de suas “crenças”: a maçã cair da árvore


confirma a gravidade, não? Até o presente estágio da física atual,
essa seria uma simples demonstração aplicada da lei gravitacional
newtoniana. Pois é com a mesma concretude que foi dado esse
exemplo que os marxistas atuais demonstram suas teses, através de

99
fatos históricos e eventos contemporâneos que exibem de forma
incontestável o fenômeno humano da luta de classes – objeto
estudado pelo marxismo.

5) Assim, epistemologicamente, o marxismo não funciona como uma


ciência, mas como uma religião, com sua própria moral, suas sagradas
escrituras e seu paraíso prometido. E, sobretudo, com seu código de
ação, um código que leva diretamente ao martírio.”

Assim, dialeticamente, a passagem de Roncagliolo não passa


de uma utilização da premissa de Popper, fundida a uma perspectiva
de Aron, para tentar retirar do marxismo seu “status” de científico e
colocá-lo no patamar religioso. Popper não o fez, tampouco Aron, e
menos ainda quem se utiliza de ambos para isso.

Então as escrituras comunistas são sagradas? Não, são


simplesmente ciência. Completamente passives de serem refutáveis
mediante qualquer ciência mais apurada, afinal a ciência só pode ser
superada por uma ciência melhor. E quais escritos científicos
superam o marxismo? O ponto “3” do nono texto, de agosto de 2018,
mais especificamente da página 142 a 151, expõe um pequeno e
simples resumo de algumas tentativas gritantemente fracassadas.

Paraíso prometido? Os comunistas ensinam ao povo que ele


deve conquistar o poder por seus próprios punhos para levantarem a
sua nação e construírem seu próprio país pelos seus próprios
esforços. Não há promessa de uma espécie de “paraíso”, existe
somente uma constatação que, para fazer cessar a exploração do
trabalho do povo trabalhador, se faz necessário que se derrube o
Estado burocrático/capitalista e a grande burguesia imperialista que
o oprime. E esse processo seria porventura fácil? Mesmo após a
revolução, seria tranquilo e calmo o processo de edificação de uma
nação popular? Certamente que não. A luta é encarniçada, árdua e
dolorosa – todavia é o único caminho para a verdadeira emancipação
do povo trabalhador, sendo esse um compromisso histórico.

100
E qual seria seu código de ação? Unir-se com as massas,
trabalhar ao lado delas e ombrear o povo trabalhador na sua luta
pela emancipação. Estar ao lado do povo, com o povo, junto ao povo,
unindo o povo, mobilizando-o, organizando-o e politizando-o,
trabalhando para que ele trilhe seu caminho à vitória contra as forças
que o exploram e o oprimem – eis a tarefa de um comunista, seu
“código de ação”.

“O critério decisivo para determinar se um intelectual é


revolucionário, não revolucionário ou contrarrevolucionário,
consiste em saber se ele quer ligar-se, e se liga de fato, as
massas operárias e camponesas. (...) O verdadeiro
revolucionário é aquele que quer ligar-se e se liga de fato as
massas operárias e camponesas.” (MAO, O Movimento 4 de
Maio, 1939)

Esta passagem foi citada duas vezes nos meus escritos de 2020,
pois se trata de uma das passagens mais importantes para
determinar se um indivíduo é de fato um comunista ou um
revisionista e oportunista. A ciência que é o marxismo não se
desenvolve sem um elo forte, rígido e verdadeiro com as massas
trabalhadoras.

Sobre areia...

É interessante perceber como os novos anticomunistas


baseiam-se em premissas antigas que, há tempos, foram provadas
serem falácias. Foi citado por mim, pelo menos três vezes desde 2018,
o quão falacioso é “O Livro Negro do Comunismo” (1997), de Stéphane
Courtois. E qual a base argumentativa dos anticomunistas de hoje,
senão repetir esta falaciosa obra à exaustão, considerando-a uma
verdade incontestável e absoluta?

Roncagliolo utiliza-se de Popper e, conscientemente, também


de Aron, ambos cujas premissas jamais arranharam as premissas

101
marxistas mais elementares. Mesmo assim, é irritantemente comum
ver anticomunistas contemporâneos que usam esses mesmos
autores, como se seus trabalhos tivessem sequer relevância para
oporem-se às obras marxianas.

Finalmente, estimado camarada, vamos ao Brasil de hoje para


evidenciar alguns exemplos.

A mesma argumentação de Popper, que Roncagliolo usou, é


compartilhada pelo “liberal/democrata”, filósofo, escritor e
influenciador bastante conhecido no YouTube, Henry Bugalho. Por
mais que ele tenha escrito o trabalho antifascista “Minha Especialidade
é Matar” (2020), ele ainda nega o marxismo enquanto uma ciência,
como muitos outros defensores de uma linha política similar.

Saindo dos antifascistas aos liberais mais “à direita”, ainda


que contrários a Bolsonaro (hoje): o MBL de Kim Kataguiri e Arthur
Do Val considerariam que Holodomor não foi um “genocídio
comunista”, mas, sim, uma propaganda oriunda do partido nazista
para difamar os comunistas? – mesmo porque os constantes
episódios de fome na Ucrânia são muito anteriores ao advento da
URSS.

E os que ainda protegem Bolsonaro até o presente dia: os


produtores do “Brasil Paralelo”, assim como os YouTubers Olavo de
Carvalho, Bernardo Kuster, Rodrigo Constantino, Caio Coppola,
Allan dos Santos – algum deles consegue entender que as 100
milhões de mortes supostamente causadas pelo comunismo são uma
grotesca e deslavada falácia?

E o que diriam os neofeudais Raphael Lima e Paulo Kogos?


Entenderiam eles que as mortes atribuídas ao Grande Salto Adiante
foram, em maior parte, decorrentes de grotescos desastres naturais
como a inundação do Rio Amarelo, em 1959, e a grande seca de 1960,
que comprometeram mais de 55% da área cultivável chinesa?

102
Com provável exceção apenas de Bugalho, todos eles jamais
aceitaram que seu precioso “livro negro” não se passa de uma
grande mentira, totalmente refutada um ano após de sua publicação,
do qual um dos próprios autores, Mark Kramer, reconheceu ter
mentido sobre o número de mortes.

E sobre o infame e famoso “Decálogo de Lênin”? Não bastava


ter sido comprovado como uma grande falácia macartista pela obra
“Eles nunca disseram isso: um livro de citações falsas, referências errôneas e
atribuições enganosas” (1990) dos professores doutores John H.
George e Paul Boller? Todos esses influenciadores digitais
supracitados (com exceção novamente de Bugalho) professam sua
“veracidade”, comparando-se até com o gerenciamento petista no
Brasil.

Teratologias totalitárias de Hanna Arendt, especulações


mirabolantes que de o comunismo é incompatível com a natureza
humana, utopias liberais de ordens espontâneas surgidas do
idealismo mais sonhador... Como estamos acostumados com as
parvoíces não? E sobre a obra de Mises? É quase que como um
aforismo pronunciar “Mises refutou Marx”. É tão natural, para eles,
quanto dizer que Cabral chegou ao Brasil em 1500 - e é capaz de
considerarem o segundo aforisma ainda é mais questionável que o
primeiro. É uma premissa tão sólida que os exime de estudar tanto
Marx como Mises (a grande maioria dos seguidores desses não leram
nenhum dos dois). Creio não ser necessário aprofundar-me mais
ainda nas trevas do “nazismo de esquerda” ou da “Globo
comunista”. Já o fiz similarmente no segundo texto de agosto do
compilado de 2018, e no texto de janeiro do compilado de 2020.

Os nomes dos influenciadores digitais supracitados não são,


em grande parte, intelectuais acadêmicos – mesmo porque a
academia no Brasil sempre esteve e continua bem distante do povo.
Esse é o grande casamento do trotskismo com a socialdemocracia,
que dá completo e pleno aval ao imperialismo e seu funcionamento:

103
a delegação e o papel de manter a juventude e os intelectuais atrás
dos muros universitários, regados à muitas drogas e orgias, para que
os conhecimentos científicos jamais pulem tais paredes e cheguem à
população. À população chegavam tão somente notícias deturpadas
por uma mídia corrupta, degenerada e completamente
manipuladora, financiada diretamente pela grande burguesia aos
seus interesses. Hoje, esta situação é ainda pior, pois um conteúdo
ainda menos criterioso e gritantemente nocivo circula nas redes
sociais e nos aplicativos de conversa online dos celulares. É bastante
claro que, se não fossem pelos grupos de propagação de ódio do
WhatsApp e pelas páginas perfis falsos do Facebook, do Twitter e do
Instagram, Bolsonaro jamais teria chegado ao poder, tampouco teria
até o presente dia uma base apoiadora tão fiel, o famoso “gado”
bolsonarista. Há a criação de “bolhas de informação”, que
encarceram compreensões de mundo, fazendo-os incapazes de
entender de maneira apurada fatos relativamente próximos,
mediante a forçosa aceitação de mentiras, muitas das quais são
antigas irrealidades, mas que jazem no imaginário das teorias da
conspiração até hoje.

Isso para não falar da apelação religiosa, com Ana


Campagnolo produzindo conteúdo online para tentar convencer que
Marx era um satanista, uma retórica que já era usada por Olavo de
Carvalho há muitos anos. Apelo à religião sempre foi uma estratégia
dos governantes – desde o Leviatã hobbesiano, passando pelo
Tratado de Latrão de Mussolini, até o “batismo” de Bolsonaro pelo
Pastor Everaldo e seu aconselhamento particular com o Pastor Silas
Malafaia.

Mas camarada, temo estar dispersando-me do ponto que


quero chegar. Voltemos:

De Santiago Roncagliolo, no Peru, à Olavo de Carvalho nos


EUA, sobre Brasil uma coisa se faz comum: ambos se baseiam em
mentiras que já foram refutadas a décadas. E nisso entra a

104
grandiosíssima falta de honestidade intelectual misturada à velha
estratégia de Goebbels de repetir mentiras até elas se tornarem
verdades.

Por esse motivo, os fascistas atuais tanto atacam a história. O


povo conhecê-la a fundo resultaria num desmoronamento total de
toda argumentação que os fascistas construíram ao longo do tempo:
seus castelos foram edificados sobre areia, suas argumentações
desenvolvem-se apenas sob mentirosas premissas que só se
sustentam pela repetição – a areia está cedendo, sempre, e a rocha da
verdade, como dizia Lênin, é sempre revolucionária.

Esse, meu camarada, é meu parecer sob a obra que me enviaste.

Martins L. E. Gutierrez, junho de 2021

105
Defender o Presidente Gonzalo
é Defender o Comunismo
Setembro de 2021,

Ainda no que concerne à morte do maior comunista até


então, Dr. Ruben Manuel Abimael Guzmán Reinoso deixou um
ferrenho legado de antirrevisionismo que frequentemente é atacado
pelas forças da reação e do oportunismo, tanto de direita como de
esquerda. Na ocasião de seu falecer, os verdadeiros comunistas do
mundo todo lançaram uma grande campanha em defesa do
Presidente Gonzalo, para reafirmar sua ideologia e suas posições
políticas, defendendo assim o marxismo-leninismo-maoísmo,
principalmente o maoísmo, como o marxismo dos tempos atuais, a
ciência e a ideologia do proletariado da contemporaneidade.

Durante essa campanha, os maoístas foram frequentemente


interrogados sobre as ideias e o legado de Gonzalo, de forma que
esses questionamentos foram muito bons para que fosse possível
serem expostas e explicadas suas concepções e seu pensamento.
Abriu-se também espaço para confrontos de natureza ideológica com
argumentação contrária, inclusive com a apresentação de textos e
críticas. Um dos textos recordados pelos críticos foi escrito sete anos
atrás pelo “Coletivo Lênin”, uma organização assumidamente
trotskista em essência, teoria e prática, que teceu uma crítica às
organizações brasileiras que consideram Abimael Guzmán como
sintetizador e sistematizador do maoísmo enquanto terceira e mais
avançada etapa do marxismo, chamada “Senderismo: Doença Senil do
Maoísmo” (2014). Na verdade, por mais que tais premissas tenham
sido devidamente explicadas há tempos, ainda há grande confusão
por parte dos trotskistas e outros revisionistas/oportunistas, em

106
entender as diferenças entre o maoísmo e o Pensamento Gonzalo,
que serão visualizadas adiante.

O que de fato chamou a atenção no ressuscitar desse texto é


que foi também recordada uma outra versão dele, escrito no ano
seguinte, redigido pelo historiador Estevam Vieira, que utiliza-se do
texto trotskista para elaborar sua “própria” crítica:

“Aqui tomei emprestado um artigo feito por um grupo


chamado Coletivo Lênin, feito anos atrás, onde transcrevi boa
parte de sua redação original, porém, alterando e acrescentando
alguns pontos no texto que me pareceram essenciais.”
(VIEIRA, Senderismo: Doença Senil do Maoísmo
(revisitado), 2015)

Todavia, Estevam advoga (ou aparenta advogar no final de


seu texto) pelo marxismo-leninismo ou “marxismo-revolucionário”,
em suas próprias palavras, mostrando uma cisão com as linhas de
raciocínio e com a ideologia trotskista. Esse rompimento
aparentemente mostra um avanço ideológico e um progresso
revolucionário, tendo em vista que o trotskismo não se faz mais do
que o mais vil câncer dos revisionismos, que infelizmente influencia
a esmagadora maioria da esquerda festiva brasileira – motivo pelo
qual ela é tão fraca, insossa e desconexa da realidade do povo
trabalhador, residindo principalmente entre universitários pequeno-
burgueses, mas sem ligar-se efetivamente aos anseios dos
camponeses pobres e dos proletariados urbanos.

A trajetória da vida de Leon Trotsky demonstrou inúmeros


ziguezagues ideológicos e práticos. Todos falharam miseravelmente,
e o triunfo da URSS, que abandonou a “teoria da revolução
permanente” e venceu a Grande Guerra Patriótica (1941 a 1945),
apenas demonstrou quão ineficaz e sabotadora era a teoria e a
prática trotskista. O sucesso histórico do PCUS de Stálin e as obras
deixadas pelo verdadeiro marxista, que foi o Generalíssimo da URSS,
foram e ainda são suficientes para comprovar a falácia trotskista,

107
ainda que obras como as de Harpal Brar “Trotskismo X Leninismo”
(2009) ou de Grover Furr “A Colaboração de Leon Trotsky com a
Alemanha e com o Japão” (2017), até o presente, continuam a
demonstrar a ideologia essencialmente antimarxista que é o
trotskismo. O próprio autor dessas linhas escreveu “Sobre o
Trotskismo” (2018), em junho daquele ano, onde apenas algumas das
inúmeras falcatruas trotskistas foram devidamente expostas.

Então a crítica de 2015, oriunda de alguém que defende o


marxismo-leninismo não-trotskista, pode parecer um pouco mais
plausível? De fato, romper com um revisionismo do mais baixo grau
como o trotskismo é um avanço, mas ainda assim não impede que se
mergulhe em outros tipos de revisionismo. Os conselhistas,
foquistas, hoxhaístas e seguidores do Juche também romperam com
o trotskismo, mas ainda são revisionistas. Avakian e Prachanda, por
exemplo, declaram-se enquanto “maoístas”, e ainda assim não
passam também de revisionistas. Estevam enquadra-se dessa forma:
mais avançado que o vulgar trotskismo, mas ainda sem compreender
o estágio atual da ciência que é o marxismo.

Portanto, segue-se o texto de Estevam Vieira na íntegra (em


itálico) e, cada parágrafo levando apontamentos de seus erros
durante o discurso, sendo cada um deles devidamente comentado:

“Senderismo: Doença senil do Maoísmo”

por Estevam Vieira (2015)

Hoje, 26/12, se comemora o aniversário de 122 anos do nascimento de Mao-


Zedong, líder da grande revolução feita na China. É preciso respeitar esta
grande figura e seus feitos. Porém, na data de sua homenagem, é
necessário falar de uma outra coisa: daqueles que hoje, reivindicam o seu
legado, ou seja, os maoístas; falar principalmente dos maoístas brasileiros,
onde, são conhecidos por nutrir em suas posturas, uma política pra lá de
sectária, ultra-esquerdista e hostil para com outras organizações militantes e

108
partidos comunistas, resultando em práticas políticas e críticas teóricas para
com esses, completamente (e completamente mesmo!), fora da realidade.”

O legado do Presidente Mao Zedong realmente se faz


inegável – desde lutar como um soldado na Revolução Xinhai (1911 a
1912) até ser o símbolo de liderança da Grande Revolução Cultural
Proletária (1966 a 1976), sua biografia é praticamente uma introdução
à história da China republicana. Não à toa se faz uma das
personalidades mais atacadas pela reação burguesa, que entoa tanto
a alcunha de “tirânico ditador genocida”, para tentar desmerecer
quem liderou o país mais populoso do mundo contra o imperialismo
e por décadas venceu tal árdua luta para unificar seu povo.

Porém, o cerne desse parágrafo é apontar os erros dos


chamados maoístas, hoje no Brasil, que são acusados de sectários,
ultra esquerdistas e hostis à outras organizações de esquerda. Pois
bem, seja na teoria pura ou nos anais da história, onde pode haver
cooperação e alianças entre grupos sem que haja discussões e debates
de princípios? Lênin condenou veementemente a associação do
Partido (POSDR/PCUS) com outras organizações sem que houvesse
tais debates entre eles, a fim de esclarecerem-se princípios políticos e
estratégicos. Uma colaboração acrítica, mesmo que visando ganhos
para a organização, é tipicamente uma aliança burguesa regada à
excesso de oportunismo, como, muitas vezes, o Premier soviético
denunciou em vários de seus trabalhos.

Consideremos o Pacto Molotov-Ribbentrop (1939) e a união


dos comunistas chineses com o Kuomitang na Segunda Guerra Sino-
Japonesa (1937 a 1945): ambos foram estabelecidos mediante a
intensos debates dentro do Comitê Central, tanto do PCUS como do
PCCh, onde foi exercido intenso trabalho diplomático visando
vantagens necessárias não só para o desenvolver, mas para o
sobreviver da luta popular. Mesmo em face à guerra imperialista,
muitos debates e discussões foram necessárias.

109
O que as organizações da esquerda brasileira geralmente
realizam são alianças desprovidas de processo crítico,
majoritariamente visando cadeiras no velho parlamento burguês. A
maioria não defende um projeto revolucionário e, quando o fazem, é
de maneira etérea e subjetiva, sem tática e sem estratégia, delegando-
o a um futuro imaginário tão utópico quanto o socialismo de Saint-
Simon e Fourier. A velha teoria do “acúmulo de forças” para a
revolução nada mais é do que a premissa fracassada que Trotsky
proclamou, antes de 1917, de que se faz necessário “desenvolver as
forças produtivas” antes do processo revolucionário. Esta premissa a
história encarregou-se de demonstrar falsa:

“A origem dessa tergiversação inicia-se com a tese trotskista do


desenvolvimento das forças produtivas, a mesma que o
menchevique colocou em pauta para tentar frear o avanço das
revoluções de 1917: Trotsky colocou que a Rússia deveria se
desenvolver dentro da perspectiva capitalista inicialmente, à
direção da burguesia, para então poder pautar a possibilidade
da revolução socialista num futuro ainda impalpável. Através
da chamada “teoria da dependência”, nada mais que um
trotskismo adaptado ao Brasil, vários partidos, organizações e
intelectuais hoje parecem apoiar o PT/PDT - mesmo sabendo
que esses são partidos burgueses - para que então se construa
uma melhor plataforma de luta para uma futura insurreição,
ainda também longínqua. Qualquer semelhança não é mera
coincidência.” (GUTIERREZ, Brasil, 2018, Segundo um
Comunista, 2018)

E é exatamente à direção da burguesia que esta esquerda


brasileira age, prostituindo-se com partidos abertamente burgueses,
na esperança de cargos de confiança ou cadeiras parlamentares. Não
se afirma uma posição de classe, tampouco desenvolve-se uma ideia
revolucionária, apenas contenta-se com posições dentro do velho
Estado, em alianças cada vez mais oportunistas e menos populares,

110
esvaziando-se todo conteúdo legitimamente marxista de suas
organizações, cujos membros sequer estudam devidamente Marx.

Portanto, se existe essa tão temida hostilidade dos maoístas


para com outras organizações da esquerda brasileira, ela origina-se
do necessário combate dos comunistas ao revisionismo e ao
oportunismo. Se não há alianças entre os maoístas e essas
organizações, isso se dá pela premissa básica de que nenhuma união
deve ser realizada sem que os princípios sejam devidamente
debatidos por ambas as organizações, para assim trabalhar em
consenso – algo que previu e definiu o próprio Lênin. O motivo
desse distanciamento é simples: a grande maioria das organizações
não visam uma revolução, mas, sim, uma conciliação com o velho
Estado. Como há de ser trabalhada uma ideia revolucionária com
aqueles que a negam em primeiro lugar ou a postergam como uma
espécie de paraíso prometido?

Mas não seria uma frente única necessária para combater-se


um inimigo em comum? As frentes unificadas dos comunistas junto
aos anarquistas, na Guerra Civil Russa (1918 a 1922), demonstraram
que sim, assim como a supracitada frente antijaponesa formada pelo
PCCh e Kuomitang. Mas como elas combatiam esse inimigo maior,
que era o imperialismo nu? Com armas, com guerrilhas, com o povo
trabalhador armado para defender sua própria família, suas terras e
sua nação. Eram frentes, sobretudo, revolucionárias. Seria possível
imaginar os Bolcheviques de Lênin apoiando partidos trotskistas e
socialdemocratas como a esquerda brasileira insiste em fazer? O
mesmo Lênin, que tanto criticou a socialdemocracia de Kautsky e
Bernstein, haveria de prestar apoio acrítico aos partidos abertamente
burgueses para conquistar espaços no parlamento? Nunca!

Em sua obra “Esquerdismo, doença infantil do comunismo” (1920),


que parece inspirar tanto os antimaoístas, o próprio Lênin esclarece
que as condições e as conjunturas objetivas são delimitadoras das
estratégias mais eficazes e que, dependendo de como está a situação

111
material e concreta de uma sociedade, hão de serem traçadas as
estratégias e táticas revolucionárias. Seria dessa maneira que a
esquerda brasileira, mesmo a que diz defender Lênin, age? De
maneira alguma! Apenas escudam-se em trechos específicos da obra
do premier soviético, para desconsiderar a anacronia e a conjuntura
socioeconômica e comparar o parlamento da década de 1920, da
Inglaterra, Holanda e Alemanha, que Lênin criticou em sua obra com
o atual parlamento brasileiro pós-Guerra Fria, sem qualquer critério.
Pior, jogam incautos a defenderem partidos burgueses, quando, na
verdade, o próprio Lênin estabeleceu que os comunistas deveriam
estar inseridos em processos eleitorais – mediante a análise de
conjuntura – para denúncia da farsa eleitoral. Seriam os partidos da
esquerda brasileira atual, ao ocuparem cargos eletivos, legítimos
denunciadores do Estado burguês e da farsa eleitoral, como Lênin
preconizou? Quão longe esses estão dos bolcheviques! Apenas usam
a desculpa trotskista, de “acumular forças”, para usufruírem de
privilégios escusos do velho Estado.

Lênin, ao escrever esta obra, em 1920, apenas três anos após a


primeira revolução socialista que a história humana conheceria,
criticou os partidos que diziam que as eleições burguesas haviam
caducado, pois não haveria tempo histórico para que as massas
compreendessem isso. De fato, essa análise se mostrou correta. Hoje,
fazem 101 anos que o mesmo Lênin traçou essa análise, tempo não só
suficiente para que as eleições burguesas tenham finalmente
caducado, mas também para que os parlamentos capitalistas tenham
perdido completamente seus resquícios democrático-burgueses e
adentrado integralmente na lógica imperialista e fascista – o que
refletiu nas colônias e semicolônias dos Estados de capitalismo
burocrático, onde a estratégia de inserção dos comunistas no
parlamento, visando a sua denúncia, é ainda menos frutífera.

Uma verdade histórica até então incontestável é de que, antes


que haja um verdadeiro e disciplinado Exército Popular dirigido

112
pelo Partido Comunista, ele pouco ou nada pode negociar, afinal “o
poder nasce do fuzil” e “fora do poder, tudo é ilusão”.

Ainda é colocado, com certa ênfase, que tais organizações


residem sua análise fora da realidade. Bom, a realidade na qual os
maoístas estão inseridos é a de que o Brasil é uma semicolônia
semifeudal, que não conquistou sua independência política,
tampouco desenvolveu-se economicamente, sendo assim um país de
capitalismo burocrático em sua matriz política e agroexportador em
sua matriz econômica. Já a maioria da esquerda brasileira considera
o Brasil uma legítima democracia capitalista, galgado em um
“Estado Democrático de Direito”. Pois bem, segundo o FMI (2019) e
o Banco Mundial (2019), o Brasil tem pouco mais de 11 mil dólares
de PIB per capta, entre a 62ª e a 63ª posição mundial, atrás de países
como Malásia ou Panamá; com IDH de 0,765, na 84ª posição
mundial, atrás de países como Tailândia e Armênia, além de ser o 9º
país mais desigual do mundo, segundo o IBGE. Tem o petróleo
bruto, soja e minério de ferro como principais produtos de
exportação, que somados representam sozinhos mais de um terço de
toda exportação nacional. Um pouco mais sobre os parâmetros do
que define um país como verdadeiramente “capitalista” será tratado
adiante.

“Porém, tudo isso se esclarece quando conhecemos a corrente política em que


os maoístas brasileiros (AND, MEPR, FER, FIP, LCP, MFP, LO, etc), se
inspiram: o Sendero Luminoso. A melhor definição que poderíamos dar à tal
ideologia conhecida por senderismo, é a de uma forma degenerada de
maoísmo, que eles chamam de “marxismo-leninismo-maoísmo-Pensamento
Gonzalo”. Para entender o que é essa degeneração, temos primeiro que
relembrar o que é o maoísmo.”

O Partido Comunista do Peru, apelidado de “Sendero


Luminoso” (PCP-SL), devido a famosa frase de Mariátegui, foi a
organização que, sob a liderança do Presidente Gonzalo, organizou,

113
sintetizou, sistematizou e edificou o “maoísmo” como terceira etapa
do marxismo, aplicado à contemporaneidade mediante à assimilação
da teoria e a aplicação prática de suas premissas e de seus
conhecimentos anteriores, como é previsto na práxis científica. Assim
ele o fez, desenvolvendo a guerra popular no Peru, guiando-se pelo
caminho preconizado pelo Presidente Mao Zedong, por sua
ideologia e por sua metodologia revolucionária. Os resultados estão,
como é critério de toda ciência, expostos na história: o processo
revolucionário, hoje, no Peru, juntamente com o da Índia, das
Filipinas e da Turquia, são os quatro mais avançados da segunda
onda revolucionária mundial atual.

Como poderia o caminho traçado pelo PCP-SL ser uma


degeneração do maoísmo se o próprio conceito de “maoísmo” foi por
ele traçado e edificado? Como poderia esse “senderismo” ser
degenerado se está, na atualidade, na liderança dos movimentos
revolucionários mais avançados da contemporaneidade?

Se as organizações brasileiras advogam pelo verdadeiro


maoísmo (ou como denominado pelo autor “senderismo”), então
elas estão na verdadeira vanguarda intelectual e prática do
marxismo. Se estão ligando-se às massas trabalhadoras dos
camponeses pobres e dos proletariados urbanos do Brasil, então
estariam realizando um trabalho minimamente urgente para essa
nação. Se as organizações ainda estão educando as massas sobre a
farsa eleitoral e sobre a necessidade de defender-se da agressão
imperialista, então estão fazendo um legítimo trabalho democrático e
popular. Reconhecei a árvore pelos seus frutos: o que as
organizações supracitadas estão a desenvolver no Brasil? Alianças
com a reação? Com a burguesia? Com a velha classe política? Ou
estão atuando no desenvolvimento legítimo de um Exército Popular,
que desencadeie um processo revolucionário movido pelas massas
trabalhadoras do Brasil rumo a um governo verdadeiramente
democrático e popular?

114
Ainda esclarecendo: marxismo-leninismo-maoísmo é o
marxismo dos tempos atuais, a ciência e a ideologia do proletariado
da contemporaneidade, que foi sistematizada e sintetizada pelo
Presidente Gonzalo mediante à aplicação da guerra popular. O
Pensamento Gonzalo é resultado do marxismo-leninismo-maoísmo
aplicado, exclusivamente, ao Peru e à sociedade peruana. O
marxismo-leninismo-maoísmo é universal, ao passo que o marxismo-
leninismo-maoísmo-Pensamento Gonzalo é aplicável tão somente no
Peru e na sociedade peruana. Não poderia haver explicação mais
sucinta, ainda que haja muita confusão sobre este tema.

Maoísmo

Apesar de muitas “tradições marxistas”, ora mais ortodoxas, ora mais


heterodoxas, mas que, no entanto, se acham a única tradição revolucionária
do mundo, é preciso termos senso de história. A direção do PCCh, com Mao
Zedong à frente, dirigiu o processo revolucionário mais longo e mais amplo
da história, mesmo que não tenha sido “o mais radical”. Ao mesmo tempo
em que se deseja lançar críticas ao maoísmo, temos que entender o que ele
conseguiu avançar.

Poderiam existir mais que um resultado oriundo da soma


“1+1”? Sabemos que não. Os resultados “2,1” ou “1,9” aproximam-
se, mas não são totalmente corretos. Dessa maneira “2,3” está mais
próximo do resultado que “2,5”, assim como “1,7” está mais
“correto” que “1,5”. Independente da “tradição” que zela uma ou
outra organização, o resultado dessa soma será sempre 2. Assim é o
marxismo, uma ciência precisa, ainda que não “exata” nos moldes
que preconizam a matemática e a física, mas com toda certeza uma
ciência puramente materialista.

Definir a “heterodoxia” ou “ortodoxia” de alguma “tradição”


talvez seja útil ou até necessário para entendê-la, mas não faz com
que possam existir duas “tradições” verdadeiramente marxistas ao
mesmo tempo:

115
“É com essa visão que os “anti-sectários” veem o problema da
luta ideológica: um problema de “intolerância ideológica” entre
“vários tipos diferentes de comunistas”. Estes negam e buscam
sufocar a luta ideológica sob pretexto de “anti-sectarismo”
quando, em contrapartida, a história provou, desde Marx até
Mao, que o marxismo enquanto ideologia do proletariado só se
desenvolve em luta contra as concepções erradas no seio do
movimento, contra as concepções oportunistas e revisionistas,
de onde sobressaiu sempre vitoriosa a ideologia do proletariado
sobre novas bases, o seu desenvolvimento. (NEWTON, Servir
ao Povo de Todo Coração (blog)
https://serviraopovo.wordpress.com/2016/02/08/por-
que-maoismo/ publicado em fevereiro de 2016, acessado
em setembro de 2021)

Ainda:

“Lênin já explicou diversas vezes como não podem haver


diversos partidos verdadeiramente comunistas, afinal o partido
comunista é a vanguarda do proletariado, e logo, a não ser que
eu esteja pressupondo que o proletariado é uma classe
fracionada assim como a burguesia, não podem existir diversas
vanguardas em um só país. Exatamente da mesma forma, a
ideologia comunista não é fracionada, ela é necessariamente a
ideologia da classe proletária, e sendo assim, não podem haver
diversas expressões ideológicas proletárias, e sim somente uma
– e como não existe vácuo ou espaço vazio na luta de
classes, toda ideologia ou é proletária ou não é, sendo
expressão ou do proletariado ou das outras classes.”
(NEWTON, Servir ao Povo de Todo Coração (blog)
https://serviraopovo.wordpress.com/2016/02/08/por-
que-maoismo/ publicado em fevereiro de 2016, acessado
em setembro de 2021, grifo do autor)

Não há como existirem dois partidos legitimamente


comunistas em um só país, visto que a ideologia do proletariado é

116
única, assim como a classe proletária nesse país. Ainda que haja
diferenças entre os povos trabalhadores, no que concerne aos
diferentes países, enquanto classe – econômica – eles são
homogêneos. Mesmo que os costumes, a cultura, assim como a
paridade de poder de compra difira-se, sua essência é a mesma,
assim como sua ideologia, que pode se revestir em diferentes
“pensamentos”. Essas “acepções” podem resultar ou não em um
registro científico universal, mas sua essência continua tal como sua
ideologia: precisa e única.

Já o termo “radical” pode ser interpretado de diversas


maneiras. Nas palavras de Marx: “ser radical é agarrar as coisas pela
raiz”. Ora, a experiência socialista chinesa foi mais radical que a
experiência soviética? Incansáveis debates poderiam ser propostos
sobre o tema, mas no que tange à profundidade da compreensão do
socialismo, esse foi atingido mediante ao desenrolar da Grande
Revolução Cultural Proletária (1966 a 1976), no entendimento de sua
necessidade para se continuar a luta de classes durante o socialismo,
algo que a URSS e que Stálin não chegaram a desenvolver.

Segunda coisa: o maoísmo parte da realidade da revolução chinesa, entre


1927-1949, mas se internacionaliza com a ruptura do movimento comunista
entre os partidos pró-URSS e pró-China, no começo dos anos 1960, e se
completa com a divisão entre os que apoiavam o “Bando dos Quatro”, no
PCCh, e os que apoiaram a nova direção, a partir de 1976, e que não são
mais maoístas. Será abordado tudo isso no seu tempo.

Esse parágrafo possui uma premissa correta. Novamente: “...a


história provou, desde Marx até Mao, que o marxismo enquanto ideologia
do proletariado só se desenvolve em luta contra as concepções erradas no
seio do movimento, contra as concepções oportunistas e revisionistas, de
onde sobressaiu sempre vitoriosa a ideologia do proletariado sobre novas
bases, o seu desenvolvimento.” (NEWTON, 2016)

117
Se faz fato reconhecido que o início do que pode hoje ser
chamado de “maoísmo” tomou seus primeiros passos rumo a sua
consolidação, enquanto terceira etapa, no desenrolar de sua luta
contra o revisionismo de Krushov na URSS e de Tito na Iugoslávia,
tendo como documento que marcou esta época “A Carta Chinesa – o
Debate Ideológico que o Brasil não viu” (2003), elaborado pelo PCCh, na
década de 1960, e publicado no Brasil mais de 40 anos depois.

Todavia, o que viria a ser chamado “maoísmo” foi


desenvolvido não na década de 1960, quando era apenas uma
vertente de ruptura com o “comunismo soviético”, mas sim na
década de 1980, especificamente pelo PCP-SL, sob a liderança do
Presidente Gonzalo. Foi ele que elevou a ruptura de Krushov e Tito
com o Presidente Mao Zedong à um novo patamar, mediante à
aplicação de sua teoria e prática em um país tão distante
geograficamente e culturalmente da China, provando assim sua
universalidade, que até hoje está a desencadear guerras populares
em quatro cantos diferentes do mundo, além de impulsionar muitas
outras que estão sendo desenvolvidas.

Aqui não cabe explicar o processo da Revolução Chinesa que, por si só, é o
tema de livros incontáveis. O importante para o tema é que algumas
características específicas da revolução chinesa foram
consideradas universais pelo maoísmo.

Há uma notável inversão aqui: não foi o maoísmo, como


ideologia surgida das ideias contemporâneas, que considerou
questões da Revolução Chinesa (1927 a 1949) como universais, foi a
aplicabilidade dessas questões surgidas nessa revolução, a
possibilidade de sua aplicação universal e o seu desenvolvimento
que elevou o marxismo-leninismo-Pensamento Mao Zedong ao
marxismo-leninismo-maoísmo.

118
Até então, o marxismo-leninismo aplicado à China, pelo
PCCh, liderado por Mao Zedong, havia desenvolvido tão somente o
pensamento-guia dessa revolução, o Pensamento Mao Zedong, que
era a adaptação do marxismo-leninismo à sua nação nessa época. Foi
o sucesso da aplicação desses princípios, anteriormente sobrepostos
somente à China, a outros países e outras revoluções – o Vietnã, o
Laos, o Kampuchea, a Índia, as Filipinas, a Turquia e finalmente o
Peru – que lhe conferiu um salto qualitativo. Foi analisando os
desenvolvimentos dessas guerras populares e com base na própria
experiência peruana, liderada pelo PCP-SL, do Presidente Gonzalo,
que foi constatado a universalidade das características da Revolução
Chinesa, sintetizando e sistematizando, pela prática e pela aplicação
concreta, o maoísmo como terceira etapa evolutiva do marxismo.

A primeira delas, claro, é a forma da revolução, através da “Guerra Popular


Prolongada”. A principal tese do maoísmo é a de que a revolução, em todos
os países do mundo, tem a forma de uma guerra popular prolongada,
que começa no campo, a partir do armamento do movimento camponês e da
formação de um Exército Popular. Diferente da concepção guevarista, a
guerra popular é subordinada ao partido e ao crescimento da sua influência
política. Durante a guerra popular, são formadas áreas liberadas, onde o
partido começa a aplicar o seu programa, e que se tornam a base social da
revolução.

Errado. O modelo de guerra popular marxista-leninista-


maoísta consiste em entender onde encontra-se a principal
contradição de uma sociedade para que, a partir dessa, sejam
trabalhadas as perspectivas revolucionárias e a criação de um
Exército Popular. Como haveria de se começar uma guerra popular
de natureza campesina em um país majoritariamente industrial? A
guerra popular geralmente adquire seu caráter prolongado mediante
sua aplicação em sociedades majoritariamente agrárias, como a
China pré-revolucionária. Já em países economicamente agrários,
porém que apresentem certo grau de urbanização e industrialização,

119
como é o caso de quase toda América Latina, faz-se necessário
unificar as guerras populares campesinas com os confrontos das
periferias urbanas contra as forças da reação – nisso consiste a
chamada “Guerra Popular Unificada”.

Sobre a diferenciação da guerra popular para com o modelo


foquista/guevarista, os dizeres estão corretos, apenas se omite sobre
a vital necessidade de uma frente única também a comando do
partido, que opere junto ao exército popular no desenvolvimento
revolucionário.

A segunda é a “teoria das contradições”. Segundo Mao, na obra Sobre a


Contradição, a sociedade é atravessada por inúmeras contradições, mas
sempre existe uma contradição principal que subordina todas as outras. A
consequência disso é que, em várias situações, a contradição nação x
imperialismo é considerada pelos maoístas, como superior à
contradição burguesia x proletariado, levando a uma política de colaboração
com a burguesia nacional.

Errado. A própria noção das contradições advém da dialética


de Marx e Engels, trabalhada principalmente na obra Anti-Dühring
(1878), do segundo. Esse conceito foi também trabalhado por Lênin e
Stálin, estando suas contribuições expostas na obra Materialismo
Histórico e Materialismo Dialético (1938), deste último. A contribuição
original de Mao Zedong para a filosofia marxista reside no foco da
contradição, como central, em relação aos outros princípios do
materialismo dialético de Stálin, assim sendo, principal entre eles.

No que tange à sua aplicabilidade, a descoberta de Marx e


Engels, como contradição principal de um sistema capitalista, é a
contradição entre o proletariado e a burguesia. Assim, eles
encontraram-na ao analisar a Prússia/Alemanha de sua época, bem
como países como a França, que passavam por acelerado processo de

120
industrialização, ou como o Reino Unido, que já era
majoritariamente industrializado.

Todavia, os marxistas ao depararem-se com sociedades


agrárias não-industrializadas, perceberam que as contradições
compreendiam-se de forma diferente. Lênin, ao analisar
concretamente a situação da Rússia czarista, militarizada e
imperialista, porém ainda agrária, ignorou e combateu
completamente as teses trotskistas de que “o campesinato deveria
formar seu próprio partido” e de que “a Rússia precisa desenvolver-se no
capitalismo, à comando da burguesia, antes de conjurar uma revolução”,
percebendo que seria necessário não só um levante proletariado, cujo
foco seria o operário urbano, como foi a Comuna de Paris (1871),
mas, sim, que esse fosse aliado intimamente ao campesinato para
triunfar no processo revolucionário. Assim Lênin o fez, com a aliança
operário-camponesa, a maior revolução que a história havia
presenciado até então e, não à toa, o símbolo do comunismo é a foice
e o martelo – símbolo dos trabalhadores do campo e da cidade
unidos.

Quando Mao Zedong analisou concretamente a situação da


China de sua época, percebeu que se tratava de uma sociedade ainda
mais atrasada e ainda mais agrária – o que o próprio Stálin havia
apontado em sua própria análise, em 1920. Para além disso,
diferentemente da Rússia czarista, que possuía um grande exército e
exercia um imperialismo, a China de Mao era vítima do
imperialismo externo das grandes potências, estando dividida
politicamente, sem autonomia enquanto nação. Portanto, ao observar
as falhas dos que tentaram reproduzir um modelo idêntico ao
soviético na China, como Bo Gu e Wang Ming, bem como o fracasso
nato de trotskismos, como o de Li Lisan, o Presidente Mao Zedong
conseguiu desenvolver um processo revolucionário a partir do
campo e dos camponeses, que cercaram as cidades e tomaram o
poder em 1949.

121
A síntese dessas conhecidas passagens históricas é de valioso
aprendizado para os comunistas contemporâneos. A Rússia czarista,
apesar de agrária, possuía um proletariado mais preparado e mais
forjado nas lutas populares, o que permitiu um processo
insurrecional urbano que necessariamente foi apoiado pelos
camponeses. Então, pela aliança deles, a vitória foi obtida na Guerra
Civil, em 1922. Já os comunistas chineses foram expulsos das zonas
urbanas, pelo Kuomitang de Chiang Kai-shek, que forçou-lhes à
Longa Marcha e angariamento do campesinato como força principal
motriz do processo revolucionário chinês. Em ambos os casos a força
diretriz do processo revolucionário foi o proletariado e a sua
ideologia, ao passo que o campesinato teve um papel motriz mais
intenso e predominante na revolução chinesa, devido às suas
condições e peculiaridades específicas.

Portanto, encontrar e entender a principal contradição de


uma sociedade é mister para o correto desenvolvimento do seu
processo revolucionário – tal postura não foi demonstrada
historicamente apenas por Mao, mas também pelo próprio Lênin e
pelas duas maiores revoluções socialistas da história.

A teoria das contradições afeta até a análise sobre o Estado, porque os


maoístas defendem que o resultado da destruição do Estado burguês num
país semicolonial não é um Estado Socialista ou Operário, mas, sim
uma Nova Democracia, onde haveria o governo conjunto dos operários,
camponeses, pequena burguesia urbana e burguesia nacional. No mundo
real, a Nova Democracia nunca chegou a existir, porque o governo de
coalização formado em 1945 pelo PCCh junto com os nacionalistas do
Kuomitang (Partido nacionalista), foi o cenário desde o começo da guerra
civil entre eles.

No mundo real os próprios Marx e Engels pressuporiam a


existência de etapas no desenvolvimento de países/sociedades,
visando que tão somente países industrializados e de capitalismo

122
avançado poderia adentrar no socialismo. Ao mesmo tempo,
aguardar por um desenvolvimento capitalista antes de proceder com
o processo revolucionário popular seria um absurdo, visto que as
burguesias nacionais não conseguem mais fazer sua revolução por
estarem atadas às grandes burguesias internacionais, de maneira que
o imperialismo naturalmente impede e bloqueia o desenvolvimento
industrial de países agrários, principalmente das colônias e
semicolônias. Se fez necessário desenvolver-se a revolução ao
comando do proletário, como numa revolução socialista, porém que
cumpra suas etapas históricas até atingir esse socialismo.

A veracidade dessa última tese está exposta na história: a


própria Rússia czarista era uma nação moderna ou pré-capitalista,
cuja política era absolutista e a economia agrária. Fora necessária a
Revolução de 1905 para que o absolutismo czarista fosse um pouco
abrandado em uma monarquia parlamentar, para que a então
Revolução de Fevereiro (1917) fizesse alijar o absolutismo, e somente
a Revolução de Outubro (1917) construir uma nação socialista, ainda
que o capitalismo, dentro da URSS, perdurasse até 1928, quando a
NEP foi fechada por Stálin. Esse período pode ser compreendido
como o cumprimento da etapa da democracia liberal capitalista,
porém já sob comando do proletariado.

Mesmo um país imperialista, por não ter uma economia


industrializada, necessitou de três revoluções e mais seis anos de
uma “Nova Política Econômica” (NEP), de 1922 até 1928, que
permitiu à pequena-burguesia, à burguesia nacional e até algumas
burguesias estrangeiras investirem na URSS de forma capitalista,
ainda que sob a tutela do Estado soviético. O que o Presidente Mao
Zedong fez não foi distante do mesmo que fizera Lênin e Stálin,
nesse sentido: a China era ainda mais atrasada e seria necessário um
regime similar à NEP por mais tempo, onde as etapas históricas
chinesas fossem devidamente cumpridas e seriam combatidos o
fascismo e o imperialismo estrangeiro prioritariamente – eis a origem
da Nova Democracia maoísta.

123
Portanto, discordar da existência das etapas e da necessidade
histórica do cumprimento delas não é só discordar das premissas
básicas do marxismo mais elementar, como é também discernir de
fatos históricos que demonstraram essas teses de maneira
demasiadamente concreta. Dizer que a Nova Democracia nunca
existiu na China é simplesmente negar a história de maneira bastante
grosseira, inclusive.

Por sua vez, a grande novidade do maoísmo é a ideia de que a luta de classes
continua no “socialismo” (ou seja, no Estado Socialista, Operário), sendo
travada numa “luta de duas linhas”, ou seja, entre os revolucionários e os
revisionistas; tal luta, terminando com a derrota dos revolucionários, o
capitalismo será restaurado. A solução para derrotar o revisionismo e
avançar até o comunismo, segundo Mao, é a Revolução Cultural, ou seja,
várias revoluções na superestrutura da sociedade (partido, artes, costumes,
valores etc), para eliminar os resquícios da “ideologia burguesa”.

Caso a luta de duas linhas não existisse no seio dos partidos


comunistas, por quais motivos a URSS cessou sua existência? Como
a China hoje é um país capitalista? Estariam então os liberais certos
ao afirmarem que o socialismo não funciona devido sua própria
natureza? Tamanha teratologia! A “grande novidade do maoísmo”
(uma delas) foi a constatação histórica de que um partido comunista,
mesmo o PCUS do grande Lênin e de Stálin, pode vir a cair em
revisionismo/oportunismo e retroceder ao capitalismo. Na verdade,
o próprio Stálin havia orientado sobre essa possibilidade desde 1925,
porém isso de fato apenas aconteceu após sua morte e o golpe de
Krushov.

Com o falecimento de Stálin e a ascensão do social-


imperialismo de Krushov (socialista em palavras, imperialismo em
ações), além do revisionismo tomar uma força nunca vista na própria
China, as catástrofes climáticas somadas à falta de experiência dos
líderes chineses, durante o Grande Salto Adiante (1958 a 1960),

124
custaram a cadeira presidencial de Mao Zedong, agora presidente do
PCCh, mas não mais da China, que agora estava sob a liderança do
revisionista Liu Shaoqui. Mao, tendo com aliado os Guardas
Vermelhas e o Bando dos Quatro, necessitou fazer a “revolução
dentro da revolução” para evitar que, antes mesmo do fim da década
de 1960, a China tivesse o mesmo destino que a URSS. Os dez anos
de sobrevida do socialismo na China, antes da morte de Mao e do
golpe de Estado de Deng Xiaoping, comprovaram a eficácia da
Grande Revolução Cultural Proletária.

Como já foi dito, não cabe aqui analisar como foi a Revolução Cultural na
China (1966-1976), só identificamos que, ao não querer identificar as raízes
materiais da burocratização, Mao teve que combatê-la somente no plano das
ideias e das instituições culturais, o que levou ao voluntarismo, muitas
vezes violento e, por fim, ao fracasso da luta contra a burocracia.

Inicialmente, se faz interessante constatar que o termo


“burocratização” é constantemente usado pelos trotskistas ao
tecerem ataques deliberados a Stálin e a Mao, pois, sob o prisma
trotskista, a burocracia é um dos principais frutos da degeneração
burguesa. Essa perspectiva muitas vezes acaba empurrando
subjetivamente a “solução” para uma descentralização dos poderes,
endossando teses trotskistas, como o multipartidarismo e o
fracionismo partidário, ambos combatidos ferrenhamente por Lênin.

Entretanto, no que concerne a essa fala, é simplesmente


demasiada inocência oriunda do desconhecimento ou pura
desonestidade intelectual pressupor que o presidente Mao não
tivesse buscado combater essas “raízes materiais da burocratização”.
Entender a Grande Revolução Cultural Proletária (1966 a 1976) como
um episódio arbitrário e subjetivo, que somente atuou em questões
ideológicas e instituições culturais, é negar sua importância e os fatos
concretos que desenrolaram-se a partir dela. Este episódio foi, em
essência e âmago, uma revolução, um levantar das classes

125
trabalhadoras chinesas contra a ascensão das forças reacionárias, que
trabalhou não só questões no “plano das ideias”, mas também
questões práticas no plano material. O próprio Pedro Pomar, maior
comunista da história do Brasil até então, constatou em sua obra
Grandes Êxitos da Revolução Cultural Proletária (1968) a importância
dela para o desenvolvimento e para sobrevivência do socialismo na
China, que veio a cair tão somente após a morte de Mao.

Em suma, a Grande Revolução Cultural Proletária passou


longe de ser exclusivamente “cultural”, no sentido de trabalhar
apenas nos campos subjetivos da sociedade chinesa, e tampouco foi
um fracasso na luta contra a burocracia. Ela foi uma luta orgânica,
objetiva e concreta do proletariado contra a burguesia chinesa, que,
por dez anos, conquistou vitórias sólidas e significativas, conhecendo
sua derrota tão somente com o falecer do presidente Mao e mediante
a um golpe militar.

Marxismo-leninismo-maoísmo

Isso é o maoísmo, ou melhor, o marxismo-leninismo-Pensamento Mao


Zedong, como era chamado na época da Revolução Cultural.

O maoísmo surgiu como movimento internacional a partir de 1962,


seguindo a ruptura da China com a URSS. Essa ruptura, que foi motivada
pela luta da China, pela autonomia em relação à URSS, se misturou com
um amplo debate sobre o caráter do socialismo e das formas de transição.
Essa luta não começou no terreno ideológico e, sim, em torno do “auxílio”
soviético para a industrialização chinesa. Como aconteceu no Leste Europeu,
os soviéticos queriam que a economia chinesa se tornasse uma fornecedora
de matérias-primas para a URSS. Diante da negativa da China, a URSS
retirou seus técnicos em 1960, e aconteceram conflitos nas fronteiras,
inclusive com ameaças por parte da URSS de uso de armas nucleares.

Novamente, insiste-se num engano teórico: a dissidência do


comunismo soviético, denominada marxismo-leninismo-Pensamento

126
Mao Zedong, que não passava de uma aplicação e adaptação do
marxismo-leninismo à realidade chinesa, surgindo na década de
1960, durante a ruptura sino-soviética. O maoísmo foi algo
desenvolvido pelo Presidente Gonzalo, na década de 1980, tendo
encontrado no marxismo-leninismo-Pensamento Mao Zedong
características de aplicabilidade universais e sintetizando-as,
mediante a luta e o desenvolvimento da guerra popular, numa etapa
superior, no marxismo-leninismo-maoísmo.

Já as questões do auxílio “soviético” estão, até certo ponto,


corretas. O socialismo de Lênin e de Stálin advogava pela
autodeterminação dos povos, pela sua independência política e
econômica, auxiliando as nações que aproximavam-se deles. De
forma contrária, o “socialismo” de Krushov baseava-se no exercício
de uma política imperialista para com outros países “socialistas”:
assim foi com Cuba, Coréia Popular, Laos e Vietnã, enquanto
semicolônias produtoras de matéria prima e compradoras de
produtos industrializados, majoritariamente da Rússia e da Ucrânia,
fazendo da URSS um império com roupagem “socialista”, com
máscara “soviética”, o social-imperialismo.

O social-imperialismo “soviético” foi o motivo das revoltas da


Polônia, Hungria e Alemanha Oriental, que ocorreram em meados
da década de 1950 – nunca foram revoltas antissoviéticas ou
antissocialistas como preconizam alguns liberais burgueses, mas sim
decorrentes da tentativa de Krushov e seu gerenciamento golpista,
de utilizar-se dos países aliados como semicolônias na construção de
um império, com o mesmo modus operandi que o Reino Unido e os
EUA manusearam seus próprios imperialismos. Porém, quando
Nikita tentou realizar uma política similar à China de Mao Zedong,
ele impediu-a, visando rumar sua pátria à independência e ao
socialismo, evitando que, novamente, ela tornar-se uma colônia ou
semicolônia de outro imperialismo.

127
Para ganhar apoio internacional, a China levou o conflito para o plano
ideológico. Nesse debate, o PCCh defendeu abertamente a necessidade da
revolução contra a linha de “transição pacífica” da URSS. Por isso, o
maoísmo, no começo, foi uma ruptura progressiva com a linha pacifista do
krushevismo. Entretanto, quando se trata de URSS, podemos falar que foi
uma “ruptura parcial”, pelo fato do PCCh ter defendido o legado de Stálin,
à contraponto do revisionismo de Kruschev na época.

Ignorando novamente o errôneo uso do termo “maoísmo”, o


combate aos três pacíficos de Krushov – “transição pacífica”,
“coexistência pacífica” e “emulação pacífica” –, assim como aos dois
todos – “partido de todo povo” e “Estado de todo povo” – fez parte do
grande trabalho do Presidente Mao Zedong e do PCCh, na luta pelo
comunismo e pelo desenvolvimento correto da ideologia e da ciência
do proletariado. Aliada à ela, a defesa pelo legado de Stálin, como
grande farol comunista e grande generalíssimo responsável por
derrotar a besta nazifascista, se faz primordial contra as campanhas
difamadoras propagadas por Krushov. Menosprezar o Grande
Debate que se desenvolveu durante a ruptura sino-soviética é
desprezar um avanço do marxismo contra o revisionismo, um erro
cometido pelos grandes líderes da Coreia e do Vietnã, os heróis
populares Kim Il-Sung e Ho Chi Mihn, que dessa forma condenaram
suas respectivas nações à condição de semicolônia do social-
imperialismo “soviético”.

O que é dito ser uma “ruptura parcial”, que é romper com


Krushov e com o social-imperialismo, mas não romper com legado
da URSS de Stálin, foi uma postura correta e até os revisionistas
albaneses (hoxhaístas) reconheceram isso. Negar o avanço da
experiência soviética dirigida por Stálin é uma das marcas mais
comuns (senão a mais) de trotskismo.

Porém, nessa ruptura parcial, não houve ruptura com a ideia de que a
política da “Pátria” chinesa estivesse subordinada às necessidades

128
diplomáticas. Durante toda a década de 1970, os maoístas tiveram que
seguir verdadeiros ziguezagues da política externa chinesa, o que
significava, na prática, apoiar qualquer merda que fosse contra a URSS,
inclusive governos com De Gaulle, na França, as guerrilhas da UNITA, em
Angola, e também apoiadas pela África do Sul na época do apartheid, o
regime militar de Pinochet no Chile.

Haveria qualquer forma de um país não estar subordinado às


necessidades diplomáticas? Stálin pode ser usado como exemplo
claro de uma postura realista, de acordo com as teorias das relações
internacionais, assim como qualquer Estado, independente da sua
ideologia de classe (socialista, imperialista ou capitalista), que
procure sobreviver inserido no xadrez das relações globais.

Há estampado o uso desnecessário de um termo de baixo


calão que nada enriquece o texto, tampouco valida-o ou algo similar.
Somente empobrece a linguagem, tendo em vista que poderia
facilmente ser trocado por uma expressão mais polida e condizente
para com o restante da escrita.

A partir da década de 1970, a China apoiou De Gaulle? Um


pouco estranha a informação, tendo em vista que ele faleceu
exatamente no ano de 1970. O que aconteceu foi o reconhecimento de
De Gaulle à China Popular, em 1964, juntamente com o
estabelecimento de relações diplomáticas – o que, na prática, não
significa, em hipótese nenhuma, apoio. Os EUA reconheceram a
URSS, em 1933, e estabeleceram ali relações diplomáticas – o que
reafirma apenas as teses realistas das relações internacionais e não
confere nada similar a qualquer tipo de apoio.

O verdadeiro apoio que a China Popular prestou à União


Nacional, para Independência Total de Angola (UNITA), ocorreu
enquanto ela se demonstrava uma organização legitimamente
popular, cujo objetivo era, de fato, promover a independência
angolana. O apoio chinês foi mediante à visualização de que o
Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) se tratava

129
apenas de uma célula do social-imperialismo soviético, que queria
estender seu poderio para a África – o que foi provado ser verdade
décadas depois. Para que o país africano conseguisse conquistar uma
verdadeira independência, seria necessário combater o imperialismo,
tanto dos EUA como da URSS de Krushov/Brejnev e, por essa razão,
a China apoiou esse movimento. Contudo, com o declínio do
socialismo na China, ela não conseguiu continuar ajudando a
organização de Angola, que se degenerou rapidamente e começou a
ser diretamente financiada pelos EUA e pela África do Sul, dando
início a sangrenta Guerra Civil Angolana (1975 a 2002).

É interessante verificar que o apoio à UNITA, da África do


Sul, regida pelo apartheid, bem como do próprio EUA, iniciou-se
exatamente quando o apoio chinês se encerrou, o que, para o analista
mais inexperiente, já demonstraria um evidente rompimento, seja
ideológico ou político. Pois que assim foi, em 1975, um ano antes da
morte do Presidente Mao Zedong. Pressupor que a China de Mao
estava do mesmo lado do apartheid sul-africano ou do imperialismo
dos EUA, nesse caso, é descarada desonestidade intelectual.

Já o suposto apoio ao fascista Pinochet, no Chile, trata-se de


uma falácia completa. Quando houve o descarado golpe de Estado
da grande burguesia ianque, que condenou a sociedade chilena ao
fascismo, as relações internacionais com a China não foram rompidas
– isso foi o suficiente tanto para os trotskistas como os hoxhaístas
acusarem Mao de apoiar Pinochet, em mais uma dose grotesca de
desonestidade intelectual.

É também uma característica marcante do trotskismo


desconsiderar as posições realistas das relações internacionais – isso
não passa de um pseudo-extremismo, que disfarça uma inabilidade e
uma inépcia de um péssimo diplomata (ou excelente sabotador) que
firmou o vexatório Tratado de Brest-Litovsky (1918).

130
Em 1976, tudo ficou muito pior, porque a ala maoísta do PCCh (chamada de
“Bando dos Quatro”) foi derrotada e expulsa do partido. A maioria dos
partidos maoístas continuou ligada ao governo chinês, que deu um giro à
direita. Outros partidos entraram em crise, e uma minoria encontrou outra
“Pátria” socialista, a Albânia, que não ia durar dez anos – caso do PCdoB.
As poucas organizações maoístas, que sobreviveram, sofreram uma
tendência muito forte ao sectarismo e ao ultra esquerdismo.

O que aconteceu, em 1976, com o falecer do Presidente Mao


Zedong, do grande diplomata Zhou Enlai e do grande Marechal Zhu
De, foi um legítimo golpe militar executado pelo Marechal Ye
Jianying, orquestrado por Deng Xiaoping, que expurgou todos os
quadros verdadeiramente comunistas do PCCh e ascendeu ao poder
em 1978. Não foi algo pacífico, tampouco dócil, foi um verdadeiro
golpe de Estado que alterou completamente as forças dominantes na
China.

No Brasil, no mesmo fatídico 1976, faleceu Pedro Pomar e


parte da Fração Vermelha do Partido Comunista do Brasil no
episódio da Chacina da Lapa. A eliminação “conveniente” dos seus
opositores ideológicos fez com que João Amazonas ascendesse ao
poder e promovesse a total prostituição ideológica do partido, que
ziguezagueou do hoxhaísmo a um estranho “estalinismo” e, hoje,
nada mais é que célula do social-imperialismo chinês, totalmente
atada à domesticação do Estado burocrático brasileiro e à farsa
eleitoral.

Já as forças maoístas que sobreviveram ao redor do mundo,


continuaram a luta de classes de acordo com os ensinamentos
deixados pelo Presidente Mao Zedong, desenvolvendo guerras
populares e protagonizando processos revolucionários – algo que
jamais fizeram quaisquer trotskistas, que posicionam-se em uma
espécie de, nas palavras de Stálin, casta aristocrática a julgar, criticar,
apontar como “esquerdista” e “sectário”, sem resolver questões
basilares como a colaboração de Leon Trotsky, com a Alemanha
nazista e com o Japão imperialista.

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“Persistir en lo Sendero Luminoso de Mariátegui”

Uma dessas organizações foi o PCPeru. Ele foi formado, em 1964, sob a
direção de Abimael Guzmán (o Presidente Gonzalo), na época professor da
Universidade de Ayacucho. O apelido de Sendero Luminoso veio do nome da
tese com que eles se lançaram no movimento estudantil, que é esse subtítulo.
Mariátegui foi talvez o maior marxista latino-americano, mas as suas
posições classistas e de defesa da democracia operária não iriam servir de
exemplo para o PCPeru.

De fato, o Partido Comunista do Peru – Sendero Luminoso,


foi fundado na década de 1960, sob a direção de Abimael Guzmán,
professor doutor em filosofia pela Universidade de Ayacucho, que
assumiu a alcunha de Presidente Gonzalo. O nome “Sendero
Luminoso” advém da frase do grande comunista José Carlos
Mariátegui: “El Marxismo-Leninismo abrirá el sendero luminoso hacia la
revolución" ("O Marxismo-Leninismo abrirá o caminho iluminado para a
revolução" – tradução livre do autor).

Os próprios trotskistas do Coletivo Lênin que elaboraram o


texto original, como o próprio Estavam Vieira, reconhecem a
importância de Mariátegui como um dos maiores comunistas latino-
americanos da história, e esta posição é reconhecidamente justa.

Salta os olhos, todavia, a acusação de que as posições


classistas de Mariátegui não serviriam de exemplo para o PCP-SL.
Que acusação gritantemente ridícula! Desde o início da trajetória
partidária do Presidente Gonzalo, ele advogou pelas posições
corretas e justas de Mariátegui, tendo-o como símbolo da luta
peruana e da sua revolução popular. Ainda que haja tentativas por
parte de acadêmicos não-militantes, de raiz trotskista e pequeno-
burguesa, como a do sociólogo brasileiro Michael Lowy, em separar
Mariátegui da chamada “ortodoxia stalinista”, elas não passam de
questões resolvidas pelo próprio Presidente Gonzalo, que sintetizou
não só a obra de ambos, unindo-os em teoria pelo maoísmo, como
sistematizou suas questões práticas, no qual seu cerne se deu na

132
necessidade de ligar-se às massas – praticada avant le lettre do
maoísmo por Mariátegui.

Em última hipótese, algumas posições de Mariátegui podem


vir a ser anacrônicas, dado seu falecimento prematuro aos 35 anos de
idade, em 1930, mas jamais descartadas. Seu magno opus, “Sete
Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana” (1928), até hoje é
compartilhado por organizações de orientação maoísta que
defendem a ideologia do Presidente Gonzalo, reduzindo as
acusações trotskista cada vez mais ao ridículo.

Depois de um longo período de preparação, o PCPeru começou a guerra


popular no Peru, em 1980, com a ação de queimar urnas eleitorais. Desde o
começo, houve conflitos e violência contra a população camponesa das bases
de apoio, sendo que o ponto alto foi o massacre de Lucanamarca, em que o
PCPeru matou 69 pessoas, incluindo mulheres, crianças e idosos, como
resposta à morte de um de seus dirigentes na região.

Houveram excessos em Lucanamarca, e o próprio Presidente


Gonzalo os reconheceu e realizou devida autocrítica. Todavia, é com
a dramaturgia dos liberais e dos fascistas, que acusam os comunistas
de “terroristas” e “sanguinários”, que se fazem comuns as críticas a
esse episódio. Que seja entendido, Lucanamarca foi um combate
aberto, parte de uma guerra onde infelizmente a reação cooptou
frações do povo para lutar contra o povo – o que é bastante comum
(e cruel) para as práticas imperialistas.

“Então, entendamos as coisas tal como foram: a ação de


Lucanamarca foi uma resposta clara e contundente à nefasta
política de massas contra massas que as forças armadas
reacionárias têm utilizado, o fazer guerrear nativos contra
nativos. Sempre os opressores, através da história, têm
empregado uma parte das massas para, amparando-se nela,
sustentar seu velho aparato. Comprova-se: durante a invasão
espanhola ao Tahuantinsuyo, milhares de índios auxiliares:

133
Guatemalas, Nicaraguas, Huancas, Chachas, Cañaris e uma
parte dos próprios Cuzcos, a mando de Paullo, lutaram ao lado
dos espanhóis para exterminar Tahuantinsuyo. Durante a
rebelião de Túpac Amaru, os batalhões realistas estavam
conformados, majoritariamente, por índios. Um batalhão
realista era, praticamente, um batalhão de índios em marcha.”
(CAMARADA LAURA, Conversas com a Camarada
Laura nas Montanhas de Vizcátan, 2012)

Eis a natureza do imperialismo: fazer guerras de rapina,


deixar à mercê da fome milhões e acusar e culpar os comunistas de
assim o fazerem. Enquanto houver imperialismo, haverá guerras e
haverá fome. Homens como Josef Stálin, Mao Zedong, e Abimael
Guzmán se levantam para derrubar o imperialismo, são prontamente
acusados de terroristas, genocidas, apontados como causadores do
caos, tudo para cooptar parcelas do povo para operar contra o
próprio povo, na velha estratégia de dividir para conquistar.

Entendamos:

Desde o início do imperialismo europeu nas américas, a


morte e o extermínio acompanham-no de forma sistemática. Da
chegada de Colombo, em 1492 até 1600, mais de 60 milhões de
ameríndios foram exterminados. O imperialismo europeu, na África,
também apresenta números assombrosos, pois somente com o
tráfego negreiro estima-se mais de 20 milhões de africanos mortos.
Somente no Congo, Leopoldo II foi responsável por exterminar
quase 15 milhões de congoleses nativos, de 1809 a 1908. Na Ásia, a
supressão da China pelas potências imperialistas, principalmente
pelo Reino Unido, nas infames Guerras do Ópio e nos levantes de
Taiping e dos Boxers, que ocorreram no século XIX, estima-se que
tenham assassinado pelo menos 100 milhões de chineses, mas essas
estimativas são bastante imprecisas. Já no século XX, o
recrudescimento do imperialismo e o consequente surgimento do
fascismo causou mais de 25 milhões de soviéticos mortos, pelos
nazistas alemães, e mais de 20 milhões de chineses mortos pelos

134
imperialistas japoneses. A potência hegemônica contemporânea, os
EUA, ao longo de um século de dezenas de intervenções militares
fora de seu território, numa demonstração de seu imperialismo
doentio, causaram a morte de aproximadamente 110 milhões de
pessoas. Isso tudo sem incluir a pobreza, a desigualdade, a violência
e a falta de acesso à saúde em que os impérios deixaram às colônias e
semicolônias, que indiretamente mataram e continuam a matar
outras centenas de milhões – segundo a Oxfam, 12 mil pessoas hão
de morrer, por dia, de fome, no mundo, até o final de 2021.

E qual a estratégia do imperialismo para continuar existindo e


praticando sua exploração sanguinária com suas intermináveis
guerras de rapina para sobreviver? Acusando os seus adversários de
todos os seus próprios crimes – ora, como os comunistas estão
acostumados a serem chamados de genocidas! Poucos trabalhos não-
científicos e anti-históricos, vertiginosamente mentirosos e
escandalosamente malfeitos, a exemplo do famigerado “Livro
Negro” (1997), de Courtois, são responsáveis por encabeçar
movimentos antipopulares que angariam forças do próprio povo,
por meio de teses tergiversadas ao extremo – o coloquialmente
conhecido “pobre de direita”, que é explorado e defende
inconscientemente seu explorador. O extremo desse exemplo se dá
nos trabalhadores que lutam até a morte contra a revolução dos
trabalhadores – e casos parecidos com o de Lucanamarca
infelizmente ocorreram de forma similar, tanto nas revoluções de
bolchevique como na chinesa.

Com toda certeza essa é uma triste e cruel verdade. Ainda


assim, a revolução popular há de salvar mais vidas do que retirar e,
isso, não é uma figura de linguagem. Somente a guerra justa pode
por fim à guerra injusta, ou seja, só a guerra popular pode extinguir
a guerra imperialista. Nas palavras do presidente Mao: “Somos a favor
da abolição da guerra, não queremos a guerra. Mas a guerra só pode ser
abolida com a guerra. Para que não existam mais fuzis, é preciso empunhar
o fuzil.”

135
Se faz fardo para todo comunista entender que a omissão e a
apatia em relação à revolução ocasionam em mais mortes que a
defesa de uma posição revolucionária, afinal, ao não se fazer nada, o
imperialismo continua por agir da mesma maneira e seu único
resultado possível, já visualizado em toda história, é o genocídio dos
povos mais pobres.

Por fim, acusar o triste episódio de Lucanamarca, vestindo as


forças comunistas de terroristas genocidas, sem compreender toda
conjuntura da luta que elas estão a desempenhar em prol do povo
trabalhador, ainda que este esteja inconsciente disso, é fazer o
trabalho da reação e da grande burguesia imperial, ou seja, é
trabalhar contra o povo.

A estratégia econômica do PCPeru era transformar as bases de apoio em


economias de subsistência, impedindo a venda da produção dos camponeses
no mercado. A ideia era ir sufocando as cidades progressivamente.
Logicamente, isso afetava economicamente os camponeses, e a reação do
PCPeru era recorrer à violência, inclusive contra outras organizações de
esquerda que também estavam na luta armada, como era o caso do MRTA
(Movimento Revolucionário Tupac Amaru).

Não se faz necessário entrar nos méritos se a estratégia do


PCP-SL relatada aqui foi a que, de fato, foi implantada no
desenvolvimento da guerra popular, pois algo que não cabe
definitivamente é o retorno das acusações no modelo burguês. Seria
uma organização, cujo cerne político se dava através da linha de
massas, de sua união e luta pelos seus anseios enquanto classes
trabalhadoras, responsável por desempenhar violência para com
camponeses pobres? Então, isso não é nada além da continuação de
uma campanha difamatória ao estilo reacionário burguês. Se a
pretensão é encontrar violência contra o povo camponês pobre, basta
observar o que os Estados operados pelo Plano Condor, na América
Latina, fizeram com os trabalhadores, através de suas forças

136
reacionárias. Nem se faz preciso recorrer à história recente, visto que,
observando os mesmos Estados, hoje, e sua relação com os
camponeses pobres, ainda é encontrada a mesma truculência que era
diariamente praticada nos tempos das ditaduras anticomunistas
implantadas na Guerra Fria pela CIA e pelos EUA.

Como uma estratégia de cerco da cidade pelo campo é impossível num país
capitalista, como o Peru, o PCPeru não conseguiu avançar, e os seus
métodos fizeram eles perderem o pouco apoio que tinham tido. Eles viraram
alvo fácil para a repressão, tanto que o Presidente Gonzalo foi preso em
1992. Mesmo a derrota tendo sido motivada por uma estratégia errada, não
podemos subestimar a repressão brutal, principalmente do governo golpista
de Fujimori, através de esquadrões da morte, tortura generalizada e estupros
das mulheres das Bases de apoio. As mortes da guerra suja no Peru chegam
a quase 70 mil pessoas.

Após tantos parágrafos recheados de erros teóricos e


concepções errôneas, o ápice da inverdade eclode de forma
estrondosa nas palavras que iniciam esse parágrafo. Então a
estratégia de cercar a cidade pelo campo é a estratégia maoísta para
países capitalistas? O Peru é um país capitalista? O PCP-SL não
conseguiu avançar? O PCP-SL tinha pouco apoio? O Presidente
Gonzalo era um alvo fácil da repressão? Que patético amontoado de
parvoíces!

Primeiramente, é reconhecido que, em países com certo grau


de industrialização e urbanização – ainda que sua majoritária matriz
econômica seja agrária –, o processo de Guerra Popular funciona de
uma maneira diferente, como apontou o Presidente Gonzalo e
reafirmam os comunistas maoísta noruegueses:

“É de uma clareza cristalina para todos os maoístas que aderem


ao Marxismo-Leninismo-Maoísmo, principalmente maoísmo,
que o caminho de cercar as cidades não é uma lei universal da
Guerra Popular. Este é o caminho na maioria das nações

137
oprimidas do mundo. O Partido Comunista do Peru definiu a
Guerra Popular no Peru como uma Guerra Popular Unificada,
onde as áreas urbanas cumprem um grande papel desde o início
da Guerra Popular, mais do que na China. E outros têm sido
claros ao dizer que a Guerra Popular não será uma guerra rural
camponesa nos países imperialistas.” (ARD KINERA, Tjen
Folket – Servir ao Povo – Liga Comunista da Noruega,
2019 – grifo do autor)

Como orientou Lênin, o cerne do marxismo é a análise


concreta da situação concreta, que orienta os comunistas
revolucionários a adquirirem o conhecimento científico e material da
situação socioeconômica da nação, somados também com um
entendimento de sua conjuntura histórica e uma compreensão
profunda da cultura popular desse país. Tão somente assim pode-se
encontrar a contradição central e principal que rege determinado
país ou sociedade, para então poderem ser trabalhadas as
especificidades do desenvolvimento revolucionário dentro da
amplitude da guerra popular.

Se pudesse ser definido o conceito de “guerra popular” em


poucas palavras, ela consiste no correto uso do conceito de “linha de
massas” maoísta, centrada na contradição principal de uma
sociedade, para então ser trabalhada integralmente a violência
revolucionária, desde seu princípio, na relação assimétrica de forças
(estratégia de 1 contra 10 e tática de 10 contra 1), assim aos poucos
libertando zonas revolucionárias e percorrendo as três fases de
defensiva estratégica, equilíbrio estratégico e ofensiva estratégica, até
a conquista popular do poder. Sem a correta aplicação da linha de
massas, não se pode conceber a guerra popular, e, por isso, as forças
reacionárias da elite burguesa imperialista jamais poderão aplicar
esta estratégia em prol de si mesmas. Sem compreender a
contradição central e principal de uma sociedade, é também
impossível desenvolver a guerra popular. Se essa guerra será
trabalhada quase que exclusivamente no campo, cercando as cidades

138
a partir dele, ou nas cidades com o apoio do campo, depende da
contradição principal dessa sociedade.

O segundo ponto é a afirmação de que o Peru é um país


capitalista – segunda grotesca inverdade. O Peru, como todos os
países da América Latina, incluindo o Brasil, é um país de
capitalismo burocrático, onde sua industrialização não foi fruto de
revoluções burguesas/industriais, como as exemplificadas na obra
de Hobsbawn, e, sim, indústrias de tecnologia sucateada dos países
imperialistas, que conservam sua capacidade decisória em seus
próprios territórios e mantém suas fábricas em suas colônias e
semicolônias, explorando sua mão-de-obra e escoando seus lucros
para fora, muitas vezes isentando-se até do pagamento de impostos.
O modelo toyotista, ao substituir o fordismo clássico e o taylorismo,
geralmente prevê um Estado de bem-estar social nos países
desenvolvidos (imperialistas), que são a centralidade do capital
mundial, e um Estado neoliberal nos países “em desenvolvimento”
(colônias e semicolônias), que são a periferia do capital mundial.

O terceiro e o quarto pontos afirmam, respectivamente, que o


PCP-SL não conseguiu avançar e que o PCP-SL possuía pouco apoio
popular – ambas gritantes mentiras expostas até mesmo pelo Estado
reacionário peruano, que não mais conseguiu esconder seu
desespero. Em termos exclusivamente territoriais, as zonas libertadas
e as áreas de influência do PCP-SL, conquistadas até 1991, foram
mais extensas que de todos os processos guerrilheiros foquistas de
toda história. Nem mesmo as FARC, em seu auge, detiveram mais
território sob sua influência. Evidentemente que esta área de atuação
diminuiu drasticamente após a prisão de Abimael Guzmán e de
outros membros do Comitê Central do PCP-SL, mas pressupor que
não houve avanços revolucionários estrondosos no Peru é uma
negação quase que doentia da história.

“A Guerra Popular no Peru, segundo os documentos do PCP,


percorreu onze anos na defensiva estratégica (de 1980 a 1991),

139
quando no ano de 1991 entrou na etapa de equilíbrio
estratégico. Neste período o PCP vinha construindo uma nova
política, nova economia e nova cultura em mais da metade do
território peruano através da edificação do Estado de Nova
Democracia, sustentado nos comitês populares nas bases de
apoio.” (ANTONIO FONSECA, J. Como Compreender a
Revolução Peruana e a Guerra Popular, 2010)

O equilíbrio estratégico citado por essa passagem é o estágio


intermediário da guerra popular, onde há uma correlação
equiparada de forças entre os revolucionários e os reacionários. Seria
possível que o Exército Popular que conquistou quase metade do
território nacional e equilibrou forças com a do Estado reacionário
peruano não avançou? Seria ainda possível que fizessem algum
avanço nesse nível sem apoio popular?

140
O quinto e último ponto coloca que o Presidente Gonzalo foi
um alvo fácil para a repressão. Tão “fácil” que o presidente
arquirreacionário peruano, Fujimori, teve de promover um Estado de
emergência, para então fechar o congresso e aplicar um descarado
golpe de Estado em 1992, fechando também o Poder Judiciário, o
Ministério Público, o Tribunal Constitucional e o Conselho da
Magistratura, em colaboração direta com as Forças Armadas. Esse
“autogolpe”, como ficou conhecido, permitiu que o exército
reacionário cometesse inúmeros crimes, como a perseguição, a prisão
e a morte de muitos democratas que não possuíam sequer ligação
com o PCP-SL. Jornais e universidades foram fechados, como de
costume nas ditaduras abertamente fascistas, e alguns parlamentares
de esquerda, até mesmo socialdemocratas e trotskistas, foram
caçados e torturados.

Somente mediante a uma ditadura sanguinária e fascista, em


âmago e essência, que Fujimori conseguiu trazer agentes da própria
CIA e grupos militares de elite dos EUA, treinados especialmente no
combate contraguerrilha e contra insurgências, lhes dando liberdade
de ação em todo território peruano, sob o pretexto de “combater
narcotraficantes”. Ora, um presidente que precisa promover um
golpe de Estado, instaurar uma hedionda ditadura às custas de
muitas mortes e sangue popular e ainda trazer militares reacionários
da elite dos EUA para realizar a tarefa de captura de um pouco mais
de uma dezena de homens – seriam esses homens alvos fáceis da
reação?

O nível de segurança extrema da prisão da qual se encontrava


e faleceu Abimael Guzmán talvez ajude a responder pela
periculosidade desse indivíduo ao Estado reacionário burguês-
burocrático peruano, bem como a história desse país registre uma
sombria ditadura exclusiva para prender alguns homens – longe de
serem fáceis à reação, mas extremamente perigosos à ela – isso tudo
ainda sem destruir a guerra popular que prossegue até os dias

141
atuais nas terras peruanas, que apesar do revés em 1992, continua até
então comprovando a cada dia sua vitória.

Apenas como adendo às informações supracitadas: Alberto


Fujimori teve de renunciar, no ano 2000, devido à descoberta
comprovada de sua participação em vultuosos escândalos de
corrupção. Exilado no Japão e posteriormente no Chile, em 2009 foi
condenado a 25 anos de prisão, sendo o primeiro líder eleito na
América do Sul a ser extraditado para seu país e preso por abuso dos
direitos humanos. Ainda em 2009, Fujimori foi condenado a mais 7
anos e meio de prisão, mediante a apropriação indébita de mais de
15 milhões de dólares para o chefe de seu serviço de inteligência,
Vladimiro Montesinos.

Isso levou a uma crise generalizada no partido, que hoje se dividiu em três.
A ala direita, que hoje se tornou o MOVADEF (Movimento por Anistia e
Direitos Fundamentais), abandonou a luta armada e está disputando as
eleições. O setor da Base Mantaro Rojo mantém as posições antigas do
PCPeru, enquanto o grupo em torno dos irmãos Quispe Palomino se tornou
guerrilheirista, e hoje tenta fazer uma síntese entre maoísmo e guevarismo.

O grande revés de 1992, que sofrera o PCP-SL, de fato


desestruturou-o, e foram necessárias décadas para que pudessem
reorganizar-se novamente. Muitos grupos dissidiaram-se, tanto para
a domesticação da farsa eleitoral, usando-se dos antigos discursos de
se ligar às massas para o velho oportunismo eleitoreiro. Outros
tenderam para o revisionismo armado, o foquismo, visando muitas
vezes utilizarem-se das armas para controlar zonas de produção de
cocaína. Como é natural de todo revés de uma organização, hão de
haver dissidentes, mas o núcleo revolucionário e a linha vermelha do
PCP-SL não foram apagados pelo golpe de 1992 e continuam até os
dias atuais, desenvolvendo a guerra popular e a revolução do povo
peruano contra o imperialismo e contra o fascismo.

142
O ponto crucial que parece custar ser compreendido pelos
derrotistas e oportunistas, que sequer a reação deixou de entender, é
que o PCP-SL não foi eliminado em 1992. Um grande recuo da
guerra popular de fato aconteceu, o que pode se chamar de “curva
no caminho”, mas nunca um cessar-fogo, um acordo com a reação ou
algo similar, senão a dissidência de grupelhos da linha reacionária. O
PCP-SL ainda existe, ainda é orientado pelo marxismo-leninismo-
maoísmo-Pensamento Gonzalo, principalmente pelo Pensamento
Gonzalo, e desenvolve até os dias atuais a guerra popular unificada
no Peru, rumo a vitória da aliança operário-camponesa nesse país. A
revolução peruana está em andamento, em pleno desenvolvimento, e
o guia dela ainda é o PCP-SL, que apesar de enfraquecido, em 1992,
não prostituiu sua ideologia, como fez João Amazonas, no Brasil, em
1976, tampouco fez acordos com o Estado reacionário, como fez
Prachanda, em 2006.

A principal polêmica entre os três setores é sobre a suposta mudança de


posição do Presidente Gonzalo sobre a guerra popular. Em 1993, apareceram
cartas de paz, assinadas por ele, defendendo o fim da guerra popular e um
giro eleitoral. Como ele está incomunicável desde que foi preso, as
especulações levaram a três posições. A ala direita aceitou a veracidade das
cartas, a ala guerrilheirista também aceitou, mas viu isso como uma
capitulação do Presidente Gonzalo, e os Mantaro Rojo negam que elas sejam
verdadeiras. O que está por trás dessa polêmica é a suposta infalibilidade do
Pensamento Gonzalo, ou seja, a aplicação do maoísmo no Peru feita por ele.

As últimas palavras públicas do Presidente Gonzalo foram


proferidas no “Discurso da Jaula”, onde uma vigorosa aula popular
sobre a revolução foi ministrada, silenciando os que tentaram
humilhá-lo e difamá-lo. As ditas “cartas de paz”, de 1993, não
passam de tentativas fracassadas de atacar a moral dos guerrilheiros
maoístas, e isso até muitos opositores reconheceram, pois seria
praticamente impossível Guzmán ter as escrito.

143
Usar dessas “cartas de paz” para justificar uma posição
política é apenas demonstração de um vexatório oportunismo, tendo
encontrado nelas uma desculpa para se entregar à farsa eleitoral ou
para trabalhar um foquismo desconexo das massas, mas conexo com
o narcotráfico.

A suposta “polêmica” da infalibilidade do Pensamento


Gonzalo é algo que ainda está em xeque, pois ainda segue triunfante
e crescente, rumo a um segundo equilíbrio estratégico e à vindoura
ofensiva estratégica. Não se trata de um “culto à personalidade” do
qual os trotskistas tanto acusam os marxista-leninistas, há mais de
um século, mas fazem à figura de Leon Trotsky, apenas uma
constatação histórica que as teses do Presidente Gonzalo e o
pensamento-guia da revolução peruana, por ele estabelecido, ainda
seguem pujantes e triunfantes.

Marxismo-leninismo-maoísmo-Pensamento Gonzalo, principalmente


Pensamento Gonzalo

Como resultado das pressões sectárias de que foi falado antes, todas as
correntes maoístas avançaram para um grau maior ou menor de
dogmatismo. Dentro do MRI (Movimento Revolucionário Internacional),
que foi fundado em 1984 para reunir os maoístas do mundo inteiro, o
PCPeru foi a ala que defendeu e conseguiu convencer os outros partidos, de
que o maoísmo não era mais simplesmente “Pensamento Mao Zedong”, ou
seja, as contribuições de Mao para o marxismo-leninismo, e, sim, uma nova
etapa, a “etapa superior” do marxismo-leninismo. Por isso, foi em 1993 que
o MRI declarou que o mundo vive numa “terceira etapa”, a etapa superior
do marxismo-leninismo que é o marxismo-leninismo-maoísmo.

Dogmatismo? Que dogmatismo revolucionário é esse que


conduz tantas revoluções triunfantes? A guerra popular maoísta
defendeu o Vietnã e o Laos, fez a revolução na China e no
Kampuchea e, hoje, desencadeia as revoluções na Índia, nas
Filipinas, na Turquia e no Peru. Que outro modelo revolucionário

144
consegue conduzir revoluções populares desde o século XX, sem
depender de auxílios e ajudas externas? Não há como existir dogma
em apoiar-se em questões que a própria história demonstrou e
continua a demonstrar estarem justas e corretas.

Sobre o salto qualitativo do marxismo-leninismo ao


marxismo-leninismo-maoísmo, do qual o PCP-SL “convenceu” o
restante do MRI, parece haver um descaso para com a seriedade dos
partidos ali presentes. Ora, por acaso esse convencimento foi oriundo
de pura retórica? Partidos comunistas de todas as partes do mundo
seriam convencidos sem que houvesse provas contundentes desse
salto qualitativo ou estariam sujeitos ao “marketing” feito pelo
Presidente Gonzalo e pelo PCP-SL? Se esses partidos aderiram ao
entendimento da terceira etapa do desenvolvimento do marxismo,
com toda certeza assim o fizeram mediante exaustivo debate e
estudo sobre o tema.

Resumindo de forma bastante simplista, existem três fontes


que se tornaram partes constitutivas do marxismo: a filosofia alemã
(Hegel e Feuerbach), a teoria econômica inglesa (David Ricardo e
Adam Smith) e o socialismo francês (Fourier e Saint-Simon). Foi
criticando cada um desses e aproveitando cada ponto considerado
justo que Karl Marx elaborou suas teses, das quais amadureceram
com a análise da experiência histórica da Comuna de Paris (1871) e
foram sintetizadas por Engels, após sua morte.

Lênin, por sua vez, colheu da filosofia marxista, da economia


marxista e do socialismo científico marxista os aprendizados que
necessitou para desenvolver a Revolução Russa (1917) e, a partir da
aplicação prática dos ensinamentos de Marx, elaborar suas próprias
teses sob essas três partes constituintes. Lênin, ao contribuir,
mediante à prática revolucionária, com essas três partes constitutivas
do marxismo, elevou-o à um novo estágio, um novo patamar,
resultado do salto qualitativo de suas teses obtidas via experiência
direta, oriunda da aplicação de dessas premissas em um processo

145
revolucionário triunfante na URSS. Stálin, seguindo à risca as ideias
de Lênin, sintetizou suas teses e sistematizou o marxismo-leninismo
enquanto segunda etapa do marxismo, da ciência e da ideologia do
proletariado.

Mao Zedong, a seu turno, reconhecendo e aprendendo sobre


as três fontes e partes constitutivas do marxismo, agora marxismo-
leninismo, conseguiu aplicar as teses de Lênin e Stálin à China de seu
tempo, contribuindo, em teoria e prática, com essas três fontes,
somando-as aos conhecimentos oriundos da Revolução Chinesa
(1949). Assim como Lênin somou à cada uma das três partes
constitutivas do marxismo as teses oriundas de sua aplicação prática,
Mao o fizera de maneira similar. Foi somente em 1980, com o início
da guerra popular dirigida pelo PCP-SL e pelo Presidente Gonzalo,
que ele sistematizou e sintetizou as contribuições do Presidente Mao
Zedong às três partes constitutivas do marxismo, entendendo que
houvera mais um salto qualitativo, agora a uma terceira etapa da
ciência e da ideologia do proletário, o marxismo-leninismo-maoísmo.

Especificar quais foram as contribuições de Lênin às três


partes constitutivas do marxismo, bem como as contribuições de
Mao, resultaria num estudo mais aprofundado, que divergiria um
pouco da proposta, que é responder o revisionismo desse artigo.
Cabe apenas colocar que a obra do presidente Mao não é só extensa e
valiosa, como a do Grande Lênin, mas contribuiu diretamente no
salto qualitativo da teoria e prática marxista a um novo patamar.
Acreditar que os partidos e organizações do MRI, na década de 1990,
seriam convencidos à essa assunção ideológica tão drástica, sem um
gigantesco estudo, seria de uma inocência muito grande ou
novamente de uma desonestidade intelectual.

No Peru, segundo o PCPeru, o “Pensamento Gonzalo” tem o mesmo papel


que o “Pensamento Mao Zedong” teve na revolução chinesa. Além disso,

146
consideram o Presidente Gonzalo como jefe (chefe) infalível do PCPeru
(http://www.solrojo.org/pcp_doc/pcp_gd88.htm).

Novamente, o pensamento Gonzalo falhou? A revolução


peruana cessou suas atividades? A reação venceu no Peru? É incrível
como os oportunistas gostam de apreciar um revés revolucionário,
como o de 1992, e tratá-lo como uma contundente e decisiva derrota,
exatamente como fez e ainda faz a mídia burguesa que apoia o
imperialismo.

Claramente, é bastante comum aos trotskistas acusarem os


marxista-leninistas e marxista-leninista-maoístas de “culto à
personalidade”, como se eles não endeusassem as teses de um eterno
menchevique, que passou grande parte de sua carreira política se
opondo a Lênin e a Stálin, vendo todas suas teorias serem
destroçadas pela história. O materialismo histórico-dialético, que
iniciou-se em Marx, está galgado na análise concreta da situação
concreta, e a situação concreta é que o Pensamento Gonzalo cresce
triunfante no Peru, que as guerras populares, orientadas pelo
marxismo-leninismo-maoísmo, seguem rumo a vitória na Índia, nas
Filipinas e na Turquia e que, até hoje, o trotskismo jamais promoveu
algo próximo à uma revolução, se não um trabalho sistemático de
criticá-las e também de miná-las.

E justamente a “contribuição original” do Presidente Gonzalo é a ideia


da militarização do partido. Essa ideia não era estranha ao PCCh. Mao
Zedong só foi se tornar líder do PCCh em 1943, até então, ele só acumulava
funções militares, então houve uma militarização das próprias funções
partidárias, motivo pelo qual o maoísmo tem tendências tão bélicas, do Peru
ao Camboja. Durante todo o resto de sua vida, Mao Zedong acumulou
funções militares com funções políticas, inclusive no governo da China. Isso
não é pouca coisa: o maoísmo é uma vertente militarizada do PCCh, que se
forjou na Guerra Civil e assumiu posições de comando por conta das
especificidades do combate, e que nunca mais abriu mão desde então.

147
A ideia de militarização do partido de fato não é estranha ao
PCCh, pois que o Presidente Gonzalo sistematizou o que é chamado
de “maoísmo” a partir da análise da Revolução Chinesa (1949). Em
verdade, tal concepção de militarização organizacional tem origens
no próprio Lênin e em sua concepção estrutural do Partido
Comunista, tal como aponta o artigo “Lênin e o Partido Comunista
Militarizado”, elaborado pelo Partido Comunista do Brasil (Fração
Vermelha) em 2018.

Mas o que salta aos olhos é perceber uma certa aversão ao


que é belicoso ou à belicosidade. Ora, haveria outra maneira eficaz

148
de ser derrubado o imperialismo sem que seja por meio de uma
revolução violenta? Conduzir essa revolução, com estratégia e táticas
militares, é mister para assegurar sua própria sobrevivência e triunfo
– esperar que um partido pacífico vença um Estado beligerante é
uma utopia simplesmente incabível.

Saibamos: nada, de fato, é mais belicoso que o imperialismo,


pois ele necessita diretamente da guerra para sobreviver. Por
consequência, nada mata mais o povo trabalhador ao redor do
mundo do que ele. Não seria possível derrubá-lo de forma pacífica
ou dentro das instituições legais do velho Estado, visto que o
imperialismo é quem concebeu a própria estrutura do velho Estado.
Exaustivamente há de ser repetidas essas premissas, para quem
exaustivamente recusa a deparar-se com velhas verdades. Repetindo
a mesma frase do presidente Mao, que foi mencionada há pouco:
“Somos a favor da abolição da guerra, não queremos a guerra. Mas a guerra
só pode ser abolida com a guerra. Para que não existam mais fuzis, é preciso
empunhar o fuzil.”

Mas, no Pensamento Gonzalo, acontece um salto, em vez de o partido


comandar o exército, ele se torna uma organização militar. E vai lidar com
as outras forças políticas de forma militar, também em grande contradição
com a experiência do PCCh, que fazia acordos políticos, dava uma certa
autonomia ao movimento camponês etc. Esse é o motivo da hostilidade dos
senderistas contra todas as outras organizações – e essa hostilidade se torna
violência aberta, quando tem oportunidade.

O PCCh fez acordos políticos, sendo o mais notável com o


próprio Kuomitang, para vencer uma das guerras mais sangrentas
da história, contra a invasão do Japão imperialista. A “autonomia
dos camponeses” comentada não foi “dada” pelo PCCh, mas, sim,
conquistada pelos próprios camponeses, ao apoiar e também compor
o próprio Exército Popular de Libertação do PCCh, nas quais sua
libertação e autonomia foram apenas desfrutadas após o término da

149
revolução e da vitória popular. Tentar tirar o teor de belicosidade do
PCCh, um partido que nasceu em meio à guerra e precisou, desde o
início, pegar em armas para defender o povo trabalhador chinês, é
um absurdo! Assim o fazem, pois não podem negar o prestígio de
Mao e do PCCh, mas atacam Gonzalo e o PCP-SL, mesmo que o
segundo esteja a seguir à risca os ensinamentos do primeiro. Muito
similarmente faziam os que louvavam Lênin e atacavam Stálin,
numa pura demonstração de oportunismo.

O motivo da hostilidade dos senderistas para com as outras


organizações é o desserviço que essas fazem à revolução proletária
mundial, com seu discurso socialisteiro e suas práticas de
domesticação de todas as forças populares ao velho Estado e ao
imperialismo. Como dizia Lênin: “nada pode parar o avanço do
comunismo, senão os comunistas”. Assim, hoje, os ditos “comunistas”
impedem o avanço das forças populares com seu revisionismo e
oportunismo. Novamente em Lênin: “pretender combater o
imperialismo” sem combater todas as formas de oportunismo “não passa de
fraseologia oca.” Mais do que isso, o próprio imperialismo ganha
forças quando a esquerda se apresenta ao povo de maneira festiva e
desregrada, atraindo incautos da juventude sem a disciplina
necessária para estudarem ou militarem em prol do povo
trabalhador.

Enfim, a política senderista, que foi a responsável pela morte de vários


comunistas, não é exclusividade do Peru. Aconteceram revoluções
semelhantes nos partidos maoístas da Índia e da Filipinas, na mesma época,
e, o mais famoso de todos, no Camboja, durante o regime de Pol-Pot. É
condição de sobrevivência para o movimento comunista derrotar
politicamente os senderistas.

Sem dúvidas, a política que mais mata, como dito


anteriormente, é o imperialismo. Trabalhar em acordo com ele, à sua

150
mercê, à sua tutela, é contribuir para que mais e mais mortes
ocorram no seio do povo trabalhador, sustentando a reação.

Aconteceram? Não, ó meu amigo historiador! Acontecem


essas revoluções, no tempo presente, em pleno 2021, inclusive do
próprio Peru. Considerando também a guerra popular desencadeada
pelo TKP/ML e pelo TIKKO, na Turquia, que sabe-se lá por quais
razões foi omitida de menção na passagem acima. Essas quatro
revoluções fazem parte da história presente, do aqui e do agora, dos
heróis do povo trabalhador que estão a pegar em armas, enquanto
essas palavras estão sendo redigidas e lidas.

Sobre o Kampuchea de Pol-Pot, este deixou de existir


mediante ao ataque do Vietnã, a mando do social-imperialismo de
Brejnev. Muito se fala sobre a sanguinária ditadura do Khmer
Vermelho, porém a esmagadora maioria das atrocidades que esta
nação testemunhou foram oriundas da invasão vietnamita e da
gestão do país pelo social-imperialismo “soviético”. Muito também
se comenta sobre o Kampuchea a respeito de um suposto foco de
Pol-Pot no desenvolvimento agrário, ignorando-se a industrialização,
caracterizando-o como não-marxista. Ora, Pol-Pot o fez devido às
mais de 100 mil toneladas de bombas, equivalentes a 5 bombas de
Hiroshima, em capacidade de destruição, que os EUA jogaram no
Kampuchea, durante a Guerra do Vietnã (1955 a 1975). A agricultura
nacional estava devastada e seria necessário reconstruí-la antes de
iniciarem os planos de industrialização e urbanização – esses últimos
impedidos pelo Vietnã e por Brejnev, que queria manter o
Kampuchea agrário.

A condição de sobrevivência e de vitória para o Comunismo


internacional é, sim, derrotar politicamente os revisionistas e
oportunistas, unificando os revolucionários ao redor do mundo em
uma sólida, materialista e eficaz ideologia, a ideologia do
proletariado que começou com o marxismo. Todos que se dizem
“marxistas” hão de concordar com essa frase. Mas a problemática

151
está em reconhecer, quem são os verdadeiros marxistas? Quem são
os verdadeiros revisionistas e oportunistas? Em suma, quem está ao
lado do povo e quem está contra ele? Isso não é algo que essas
palavras podem demonstrar e, sim, as atitudes e a política dos
indivíduos e das organizações que advogam pelo marxismo. Ser
marxista não é uma opção ideológica a ser tomada no conforto de
uma cadeira, na leitura dos textos de Marx, é uma posição política e
prática, não oriunda só do árduo e profundo estudo, mas também do
campo da ação, da prática viva da promoção da revolução.

Tanto a teoria como a história já comprovaram o quão


revisionista é o trotskismo e como sua prática é vil e prejudicial ao
desenvolvimento revolucionário do povo trabalhador. Pois que
sejam, além disso, devidamente analisadas as organizações
trotskistas e seu trabalho a ser desenvolvido no momento presente:
um trabalho contrário à revolução e às organizações
verdadeiramente revolucionárias, de aliança nítida com forças da
reação, para combater o “stalinismo” como um mal maior que o
próprio imperialismo. Francamente, requer estômago! Esse presente
texto que está sendo aqui destrinchado é um reflexo disso:
argumentações mentirosas, imprecisas, tudo a condenar aqueles que
estão hoje “com a mão na massa”, trabalhando efetivamente para
que seja desencadeada uma grande revolução.

Para essa tarefa árdua, será fundamental o desenvolvimento da prática da


democracia operária, dos postulados do marxismo-leninismo e, resgatando
para os tempos atuais os legados de Marx, Engels e Lênin, as contribuições e
atualizações dos marxistas que fundaram a Internacional Socialista e,
posteriormente, Internacional Comunista (e morreram contribuindo para
isso, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht). Sempre fazendo o balanço das
contribuições, dos erros e dos acertos históricos nos séculos XIX e XX. Só
assim levaremos adiante o marxismo dialético, materialista e revolucionário,
derrotando as correntes degeneradas de certas tradições como o senderismo,
sem cair nas mesmas armadilhas que progressivamente levaram cada uma

152
delas para o que hoje elas são: a “nova e superior etapa” da degeneração, do
oportunismo e do ultra esquerdismo, que nada tem em comum com os
princípios do marxismo-leninismo, do marxismo-revolucionário.

Como já demonstrado, o próprio texto entra em contradição


com esses postulados de Marx, Engels e Lênin. Mais do que isso,
invoca sobre si mesmo a aura de detentor do verdadeiro marxismo-
revolucionário, o que é um tanto pleonástico, visto que o verdadeiro
marxismo é sempre revolucionário.

Mas novamente, ei de reconhecer a árvore pelos seus frutos.


Onde estão os grupos ditos “marxista-leninistas” que ainda rejeitam
o maoísmo enquanto terceira etapa do marxismo? Exatamente, na
mesma posição política que os trotskistas. Fazem e defendem as
mesmas políticas e organizações, criticam os mesmos adversários,
pouco ou nada debatem, entre si, sobre seus princípios, quando se
aliam em prol de garantir algumas cadeiras no parlamento burguês.

É um costume antigo entre as organizações partidárias de


esquerda, colocar “S” de “socialista” ou “C” de “comunista” no
nome de suas organizações, para delimitarem se são orientadas pelo
trotskismo ou pelo marxismo-leninismo (geralmente os “PSs” são de
orientação trotskista, tais como PSOL ou PSTU, e o s “PCs” são de
orientação marxista-leninista, tais como o PCBrasileiro e o PCdoB).
Porém, qual a diferença prática deles atualmente? Eventualmente
unem-se em prol de alguma causa a ser resolvida, sob a tutela do
velho Estado, em lutas economicistas, cuja pretensão é muito mais
angariar votos do que trabalhar perspectivas revolucionárias, de
modo que, no Brasil atual, a diferença entre os “S” e “C” são mais
históricas que políticas.

Ora, observar um autoproclamado defensor do marxismo-


leninismo emprestar um texto elaborado por trotskistas, para tecer
uma crítica aos maoístas, apenas modificando um ou outro ponto –
por si só, a existência deste esquartejado texto acima apenas reflete a
situação atual, onde o trotskismo tomou do marxismo-leninismo

153
seus antigos partidos. Na verdade, esses partidos “comunistas”
caíram em revisionismo por não reconhecerem sua terceira etapa e
não darem o salto qualitativo em teoria e prática, o que acabou por
juntar-lhes aos trotskistas no plano das ideias e das ações.

Portanto, a crítica ao “senderismo” é por si só um ataque


desprovido até mesmo de verdades em vários pontos, que se somam
a compreensões pífias da história do PCP-SL e negam processos
revolucionários por pura insistência. Não houve condições de buscar
uma crítica a Mao, buscou-se à Gonzalo, como é frequentemente feito
com Lênin e Stálin, denotando nada menos que oportunismo em
discurso, revisionismo de ideologia e reacionarismo em prática.

E, de acordo com o que foi dito sobre esses trotskistas, tanto


os declarados como os “marxista-leninistas” que praticam o
trotskismo, nada mais condizente e revigorante do que as palavras
do Presidente Mao Zedong:

“Eu considero que é ruim, no que nos diz respeito, se uma


pessoa, um partido político, um exército ou uma escola não é
atacado pelo inimigo, pois nesse caso isso definitivamente
significaria que nos afundamos ao nível do inimigo. É bom se
nós somos atacados pelo inimigo, uma vez que prova que
traçamos uma linha de demarcação entre o inimigo e nós. É
ainda melhor se o inimigo nos atacar selvagemente e nos pintar
como os maus e sem nenhuma virtude; isto demonstra que não
só traçamos uma linha de demarcação bem clara entre o
inimigo e nós, mas também alcançamos muito em nosso
trabalho.” (MAO, Sobre o Terceiro Aniversário da
Fundação da Universidade Política e Militar
Antijaponesa do Povo Chinês, 1939)

154
Velhos Conceitos,
Novas Perspectivas
Outubro de 2021,

Entre Discursos Voláteis


“Marx dizia que ninguém deve ser julgado pelo que diz de si
mesmo, senão que pela sua prática. A redação dos “belos
programas”, como diziam Marx e Engels, dos prenúncios
ribombantes de surgimento de novas “organizações” a cada dia,
as discussões filosóficas idealistas infindáveis à moda dos
Jovens Hegelianos, são bem conhecidas do movimento
comunista. Bem como, não é novidade nenhuma o culto aos
livros, as enormes quantidades de tinta e papel (hoje, bytes e
mais bytes de informação), gastos para se afirmar coisas sem
qualquer correspondência com uma prática revolucionária
concreta na luta de classes e de ligação com as massas”.
(Comando Nacional da Unidade Vermelha – Liga da
Juventude Revolucionária, O problema do
“propagandismo” e da ilusão do ativismo
exclusivamente virtual, 2021)

O critério da verdade sempre foi um desafio humano. Como


determinar se um conhecimento é “correto” ou não? Como pode-se
aferir a veracidade de um discurso? Quem está, de fato, mentindo
em meio a tantas palavras contidas em tantas obras, livros, discursos
e panfletos?

É provável que este questionamento possa ser aplicado em


inúmeros contextos, mas quando se trata da política – do poder, em
um só conceito – as questões se tornam mais densas e
sobrecarregadas de mentiras movidas a interesses. Mente-se muito

155
em nome de motivações particulares, mas se parece mentir muito
mais em nome de ideologias, mas por qual razão? A inverdade
ideológica condensa interesses coletivos, que, na esmagadora
maioria das vezes, mascara ser da maioria, quando são adereçados à
minoria. Ora, que poderoso oligarca em sã consciência, em pleno
2021, diria com todas as palavras que uma minoria (da qual ele
pertence) deveria ser privilegiada em troca do pesar da maioria? Pois
que para conservar essa oligarquia, este membro da elite há de
disfarçar seus interesses próprios como “da maioria”, “do povo”,
para então iludir e ludibriar esse mesmo povo, tergiversar a verdade
e, em suma, manipular a sociedade com o aval e auxílio de seu
Estado.

Aquele que não entende isso jaz no cemitério da inocência,


em um caixão trancafiado à cimento e ferro. As oligarquias existiram
desde as primeiras guerras da antiguidade até o presente dia, sendo
que, em cada época, elas eram justificadas e sustentadas por
mecanismos ideológicos. Era “correto”, segundo o modelo
econômico escravista, o povo derrotado na guerra ser saqueado e
escravizado, da mesma forma em que muitas religiões pagãs
refletiam esses valores antigos. Era “correto”, segundo o modelo
econômico mercantilista, o rei ou imperador ser soberano absoluto,
pois gozava do “direito divino dos reis”. É, até hoje, “correto”,
segundo a meritocracia capitalista, bilhões de seres humanos
simplesmente nascerem na extrema pobreza, na miséria mais
paupérrima e na fome mais intensa, ao mesmo tempo que
pouquíssimos bilionários nascem herdando fortunas incalculáveis,
conservando a aristocracia de suas famílias.

E quais discursos são da elite e estão disfarçados para


enganar o povo? E quais discursos são verdadeiramente em prol do
povo trabalhador, que ameaçam as grandes elites? Eis o magno
desafio a todos os que se predispõem a lutar pelo país e pelo seu
povo. Quem está lutando por verdadeiras melhorias, e quem está
mentindo em querer lutar por elas, mas esconde atrás de seu

156
discurso populista uma agenda elitista? Muitas variáveis entram
nesse jogo: muitos que, embora bem-intencionados, agarram-se a
discursos da elite, que se mascaram para serem populares, e
cumprem com os planos da oligarquia plutocrática do grande
capital, outros muitos que começam sua luta bem-intencionados,
mas acabam se rendendo aos privilégios que a grande oligarquia
imperialista pode conceber.

O resultado disso é bastante nítido no Brasil: um pouco mais


de três dezenas de partidos políticos, cuja maioria é fisiológica e anti-
ideológica, além de milhares de indivíduos políticos com
direcionamentos obtusos, ora convergentes, ora divergentes e
conflitantes, formando alianças frágeis e blocos com siglas que
outrora digladiam entre si. Quais entre esses defendem pautas
populares? Quais entre esses jogam o jogo da elite? Há de fato
alguém com intenções e forças para realizar mudanças qualitativas e
a longo prazo no Brasil?

A Velha Dicotomia

A “esquerda” brasileira condena o liberalismo, ao afirmar que


a liberdade de mercado apenas ajuda as elites econômicas,
conduzindo às privatizações e reduções dos direitos dos
trabalhadores, o que apenas prejudica as classes menos abastadas e
aumenta as desigualdades socioeconômicas.

A direita brasileira condena a socialdemocracia, ao afirmar


que a tutela do Estado, sob a economia, apenas ajuda as elites
econômicas e condena os pequenos empreendedores, pois há um
conluio entre o Estado e a elite imperialista que impõe monopólios
forçados à economia nacional.

Qual das duas está correta? Qual das duas têm o discurso que
mais auxilia o povo? Qual das duas defende a elite econômica e
disfarça-se de popular? Eis um estranho paradoxo: na prática,

157
nenhuma está correta, mas na raiz desse supracitado discurso,
exclusivamente, ambas estão.

A “esquerda” está correta ao afirmar que o liberalismo e a


liberdade de mercado, por ele proporcionado, apenas ajuda as elites
econômicas, principalmente a grande burguesia compradora, cuja
origem é anterior ao imperialismo, e a formação de monopólios se
dá através de seu próprio poderio econômico, por meio de trustes,
dumpings e outros mecanismos de dominação econômica.

A direita está correta ao afirmar que há um conluio entre o


Estado e as elites econômicas, principalmente a grande burguesia
burocrática, cuja origem é posterior ao imperialismo, e que sua
ligação íntima com o Estado burocrático prejudica os pequeno
empreendedores e força monopólios com a ajuda estatal.

A partir desses dois pontos, exclusivamente, o discurso de


ambas se torna torpe: a “esquerda” propõe um inchamento do
Estado burocrático, e a direita um esvaziamento dele. Uma cumpre a
agenda da grande burguesia burocrática outra da grande burguesia
compradora, ambas são partes da grande burguesia em si, da elite
oligárquica e plutocrática do grande capital – a oligarquia do sistema
atual– que tergiversa ambos os discursos em prol de sua
autoconservação.

Se o diagnóstico começa a se poluir, o prognóstico edifica-se


ainda mais podre. Aumentar os poderes do Estado burocrático atual,
viciado em sua estrutura, velho e carcomido desde sua raiz, apenas
acompanharia um aumentar das forças da reação, antipopulares em
essência e âmago, prontas a combater quaisquer levantes populares
em nome da “democracia”. Diminuir este Estado, por outro lado,
acompanha reformas como a da previdência, que apenas ceifam os
direitos populares conquistados perante muita luta e sangue do
povo. Nenhuma se faz uma solução válida.

158
Uma Verdadeira Esquerda

As aspas usadas acima, para delimitar a “esquerda”


brasileira, não foram em vão, apesar de terem sido omitidas algumas
vezes somente por motivos didáticos. Ora, como podemos comparar
os políticos e seus partidos com os jacobinos franceses, que à
mobilização dos sans culottes, conquistaram à bruta força popular
tantos avanços sociais que espalharam-se pela Europa inteira? A
“esquerda” brasileira e os partidos que à compõe não são, de fato,
uma verdadeira esquerda – e isso precisa estar esclarecido
definitivamente. A verdadeira esquerda é, naturalmente, ligada ao
povo e aos anseios das classes trabalhadoras, ao contrário da direita
girondina, que apenas buscava, na revolução, uma diminuição
gradual do poder do rei e maior liberdade para seus próprios
negócios. A verdadeira esquerda é, intrinsicamente, radical, pois
entende e agarra as coisas pela raiz, parafraseando o próprio Marx.

Os políticos brasileiros que iniciaram sua luta nas fileiras do


povo e venderam-se em troca de privilégios e vantagens, hoje lutam
(às vezes até inconscientemente) pela elite burocrática, não mais pelo
povo. A retórica de estarem trabalhando por um “mal menor” ou
lutando por algo mais avançado ainda dentro do velho Estado, não
passa de mais um entre os discursos tergiversados, em prol da
dominância das elites sob o povo. Até os autoproclamados
“revolucionários”, que dizem acumular forças através do processo
eleitoral para uma vindoura e distante revolução, estão presos no
mesmo jogo, na mesma mentira, que os incapacita de galgar
mudanças reais, que não sejam por lutas por reformas paliativas, sob
o jugo da grande burguesia, que tendem a desaparecer à sombra do
primeiro golpe de Estado. Enquanto uns são utópicos, outros são
anacrônicos – ambos atados à domesticação da oligarquia através
das coleiras da farsa eleitoral.

A direita continua seu mesmo propósito desde as reuniões na


Gironda: conservadorismo sistemático e mudanças paliativas, sem

159
alterações substanciais do poder vigente, usurpando-se de poucas
doses da verdade, de um discurso, para elaborar teses esdrúxulas,
como a velha ideia de meritocracia capitalista. A “esquerda”, por sua
vez, propõe-se contrária, mas apenas constitui uma ilusão de
dualidade na política brasileira, que está corrupta desde seu alicerce,
moldada a servir as elites desde seu esqueleto, pois, na práxis, esta
“esquerda” apenas cumpre os mesmos comandos políticos da
direita, numa falsa sensação democrática composta de uma ilusória
dualidade.

O resultado da equação se faz bastante óbvio: não há uma


verdadeira esquerda no Brasil, logo não há (e nem nunca houve)
uma verdadeira democracia, que, por sua vez, seria resultante de
uma verdadeira independência, que também jamais aconteceu nesse
país. Iludir a população de que o Brasil é independente, democrático
e que há uma esquerda verdadeira na política nacional (quando não
dizer que a maioria ou todos os partidos são de esquerda), não passa
de uma mirabolante mentira elaborada pelas elites, para enganar o
povo trabalhador e faze-lo pensar na “esquerda” como antagonista à
si mesmo e a sua própria condição econômica e classe social.

E essa constatação nem mesmo é difícil de ser feita: se a


verdadeira esquerda é aquela que se liga ao povo trabalhador de
fato, é oriunda dele e por ele luta, quais partidos hoje poderiam
apresentar tais características? O povo trabalhador cada vez mais
entende e compreende a evidente resposta para essa pergunta:
nenhum.

Ditado do Filho Feio

O velho dizer de que “filho feio ninguém quer assumir” é


bastante válido para ilustrar a falsa dicotomia da política brasileira.
Os apoiadores de Bolsonaro acusam o MDB e o PSDB de serem
partidos de esquerda, concluindo que todos os governos brasileiros

160
foram de esquerda desde 1985, sendo o governo bolsonarista a
primeira chance de a direita governar. Os apoiadores do PT, de Lula
e Dilma, por sua vez, acusam o mesmo MDB e PSDB de serem
partidos de direita, assim dizendo que todos os governos brasileiros
foram de direita desde 1985, de forma que o governo petista
determinaria os períodos áureos da nova república.

Na verdade, ambos coincidem num ponto em comum: o eixo


MDB e PSDB não demonstrou nada além de uma política corrupta,
fisiológica e antipovo. A dualidade Lula X Bolsonaro, que está a
ganhar forças para o circo eleitoral de 2022, não expõe nada além de
dois políticos intimamente comprometidos com os interesses do
imperialismo, embora um represente a faceta burocrática e o outro a
compradora, ambos digladiam-se numa contradição intraburguesa,
ou seja, nenhum está ao lado do povo, estão representando somente
parcelas diferentes da mesma elite.

A Verdadeira Esquerda e o Critério da Verdade

O critério da verdade reside na prática e não no discurso.


Reconhecei a árvore pelos seus frutos. Os resultados são, em última
instância, os que tangenciam a veracidade de uma ideia – somente se
posta à prática há de se obter um conhecimento científico que valide-
a ou não.

Por consequência, a esquerda política é aquela que nasceu,


em um só resumo e definição, dos pobres. Não há quem seja
verdadeiramente de esquerda que não tenha uma ligação rígida com
as classes mais pobres e lute pelos anseios delas.

Portanto, o critério para determinar se algum indivíduo,


grupo, organização e/ou partido é de esquerda, é se ele se liga aos
pobres e luta ao seu lado pelos seus anseios de classe. Como haveria
de um partido de esquerda ser financiado por conglomerados
industriais multimilionários? Nesse ponto, pode-se facilmente

161
excluir partidos como PT, PDT, PSB, MDB e PSDB de mera
possibilidade de serem de esquerda. E partidos como PSOL, PCO,
PSTU, PCdoB e PCBrasileiro? Novamente, podem ser considerados
partidos de esquerda por pura didática, mas, sob uma análise mais
profunda, todos parecem estar mais ansiosos por abocanhar cadeiras
parlamentares do que ombrear os trabalhadores pobres do campo e
da cidade em suas árduas e ferrenhas lutas. Quando lutam ao lado
do povo, muitas vezes o fazem superficialmente, visando angariar
votos para uma eleição futura. Quando não, suas “lutas” são dentro
do parlamento burocrático brasileiro, sob jugo do imperialismo.
Todos esses juntos não contabilizam nem 700 mil membros e não são
nem 5% do número de brasileiros afiliados à partidos políticos (um
pouco mais de 15 milhões), sendo anões parlamentares que
facilmente vendem-se aos grandes partidos/empresas em troca de
interesses.

Esses partidos postos à esquerda, apenas para fins didáticos,


hão de cumprir seu papel histórico. Seus militantes de base,
juntamente com o povo que eles defendem, hão de perceber sua
ineficácia com o tempo. Como essas organizações não dispõem de
cadeiras parlamentares ou privilégios o suficiente para cooptar todas
suas lideranças oportunistas, estes hão de migrar à direita com
relativa facilidade.

A Iminência do Conflito

Hoje, tais organizações de esquerda ainda possuem o


costume de lutar por pautas populares, porém sempre visando os
votos e o parlamento burguês. Tanto o povo como seus militantes
honestos, cada vez mais, hão de perceber de que uma vitória popular
duradoura se faz cada vez mais impossível, deixando os velhos
partidos apenas aos oportunistas. O próprio povo e aqueles que
honestamente lutam por ele abandonam a farsa eleitoral e os
partidos que nesta estão inseridos, e o crescente números de

162
abstenções e votos nulos das últimas eleições estão a demonstrar isso
cabalmente.

Nada separa melhor os oportunistas dos honestos do que o


conflito – e quanto mais violento se dá, é mais facilmente notável
quem defende seus próprios interesses e quem defende os interesses
do povo. Não há meio termo na guerra, e a neutralidade é uma das
primeiras a morrer em sua eclosão. Tendo em vista que a guerra
popular é uma realidade iminente no Brasil, bem como já se
desenvolve nos quatro cantos do mundo, cada vez mais se torna
nítido em qual lado cada indivíduo ou organização se posiciona.

A fúria popular, alimentada durante séculos de


esquecimento, exploração, subnutrição, violência, preconceito,
doença e mentiras está cada vez mais aquecida pelo (neo)fascismo,
que consegue enganar e cooptar, por pouco tempo, as pequenas e
médias burguesias, cujo golpe aos pobres está escancarado no preço
dos alimentos e na insegurança alimentar que hoje crescem
desenfreadamente no Brasil. A história não falha - nada mais
alimentou o ódio de classe do que as barrigas vazias de seus filhos.

A crescente revolucionária, no Brasil, assim como em todas as


experiências históricas, ascende em progressão geométrica e não
aritmética, e as organizações populares preparam-se para se
defenderem dos ataques do Estado reacionário. A verdadeira
esquerda não luta por inchar esse Estado arcaico, tampouco diminui-
lo, em prol de um fantasioso liberalismo, mas, sim, para eliminá-lo
completamente em prol da construção de um novo Estado, de uma
Nova Democracia, verdadeiramente popular. Novamente, a história
não falha: tão somente uma revolução popular, movida pelo povo
trabalhador, pode essa tarefa histórica realizar.

A aberta direita está perdida – não tem ligação com o povo,


não dialoga com os pobres, não combateu o desemprego ou a fome e,
pior, só os aumentou grotescamente. Os bolsonaristas arrependidos
crescem diariamente. Eles que foram iludidos por um discurso

163
messiânico de combate ao satânico e tirânico comunismo – como lhes
é difícil perceber que o verdadeiro comunismo luta em prol deles
mesmos enquanto trabalhadores! Como lhes é oneroso perceber que
a busca pelo fim da fome e do desemprego, aliados a pesados
investimentos para uma educação e saúde públicas de extrema
qualidade, é uma luta que hoje os verdadeiros comunistas – a
extrema-esquerda – está a travar com seu próprio sangue!

Portanto, se faz luta da verdadeira esquerda a luta pelo povo


trabalhador brasileiro. Patriotismo e Nacionalismo – não no sentido
torpe e burguês dessas definições – são valores intrínsecos à essa
esquerda, que está atada, da alma aos ossos, com o povo pobre e
trabalhador dos campos e das cidades. Todos os sem-terra e os sem-
teto, explorados por seus subempregos e desempregados, têm sua
voz garantida através de organizações disciplinadas e sérias da
verdadeira esquerda brasileira, que denúncia a farsa eleitoral e com
ela não compactua, pois reconhece que ela está podre em sua própria
estrutura, edificada para beneficiar a elite por meio da exploração
dos trabalhadores.

Em uma só definição: a verdadeira esquerda é comunista,


radical e revolucionária por excelência. A esquerda que assim não o
for, está fadada ao esquecimento, à fraqueza e aos jogos de interesses
e negociatas com as organizações de direita, as grandes empresas e
seus gigantescos conglomerados monopolistas e oligopolistas. O
Estado brasileiro, hoje, nada mais é que um brinquedo dessa elite,
um instrumento e um mecanismo usado a seu bel-prazer e movido a
seus interesses escusos.

Terceira Via?

E qual é a importância conceitual desses termos para a prática


política do Brasil atual? Se desprovida desta, tais dizeres seriam tão

164
idealistas quanto os debates entre os jovens hegelianos que Marx
tanto criticou.

O fato é que se debate sobre uma possível “terceira-via” no


Brasil, que desconsidera os “extremos” representados por Lula e
Bolsonaro. Historicamente, a chamada terceira via se deu no
nazifascismo – era o caminho contrário ao liberalismo, que havia
falecido, em 1929, com a quebra da bolsa de Nova Iorque, e contra o
socialismo que entrava nos planos quinquenais na URSS, após o
fechamento da NEP em 1928. Nessa época, o liberalismo era a
representação da direita e o socialismo da esquerda, sendo o
nazifascismo ítalo-alemão um caminho que, em tese, seria para além
dessa dicotomia. A história provou o contrário, evidentemente: o
nazifascismo foi um movimento que substituiu o fracassado
liberalismo, na direita política, e extremou-o com um Estado policial
e ultra militarizado. Na verdade, foi um movimento de extrema-
direita que criticou o liberalismo clássico, que demonstrou sua
falência na crise de 1929, mas que conservava o capitalismo e a
defesa da propriedade privada como cernes práticos e ideológicos do
regime, bem como um voraz anticomunismo. Que o nazifascismo foi
um movimento de extrema-direita é um consenso histórico,
reconhecido pela comunidade acadêmica e a maioria dos cientistas
de renome, seriedade e honestidade concordam com tal afirmativa.

E a terceira via brasileira? Seria um prelúdio ao surgimento


de um novo nazifascismo? O contexto é complemente diferente e,
nesse ponto, se faz válido entender as questões teóricas sobre a
“esquerda” e a “direita” brasileiras, expostas acima.

Lula é posto como um defensor da extrema-esquerda. Ora,


nem mesmo no espectro da esquerda ele pode ser considerado! Já a
extrema-direita é ocupada por Bolsonaro, o mesmo que citou frases
de Mussolini publicamente, cujo secretário da cultura parafraseou
Goebbels, e que defende a unhas e dentes a ditadura militar de 1964.
E a terceira via? Nada além do mesmo: políticos novos e velhos

165
compartilhando as mesmas mornas perspectivas que estão no poder
desde 1985, ou melhor, de 1964. Longe de ser uma alternativa válida,
a terceira via apenas joga novos nomes para o exercício da velha
política – nenhum dos nomes dos que representam essa
aparentemente equilibrada posição irá conseguir ascender ao poder
sem ligar-se não ao povo, mas ao “centrão” encabeçado pelo MDB,
maior partido do Brasil, com mais de 2 milhões de membros, que de
fato está atrás de todos os governos brasileiros da 6ª república.

Enquanto Lula é arauto, não da esquerda, mas da grande


burguesia burocrática, Bolsonaro é o guardião da grande burguesia
compradora. Já a “terceira via” divide-se entre elas, sem jamais
romper com seus ditames. Ciro Gomes, por exemplo, representa uma
“esquerda” similar à de Lula, atada a grande burguesia burocrática,
ao passo que Moro e Mandetta representam grande parte da direita
que elegeu Bolsonaro, atada à grande burguesia compradora – não
há um nome sequer que posso esboçar a mera possibilidade de
rompimento com elas, menos ainda ligar-se ao povo trabalhador
brasileiro e representar uma perspectiva verdadeiramente de
esquerda.

Nomes como Kim Kataguiri e Artur do Val, que dizem


salvaguardar o liberalismo clássico e estão atualmente a criticar
Bolsonaro com todas suas forças, apesar de terem-no apoiado
anteriormente, também criticam ferrenhamente Lula e o PT, e
representam novos nomes dessa terceira via. E que liberalismo
clássico seria esse, senão a luta pela privatização e pela redução dos
direitos trabalhistas? Nada fariam a não ser continuar a política
econômica de Paulo Guedes, que, por sua vez, não foi tão diferente
da política econômica dos governos petistas que lhe antecederam. Já
Eduardo Leite e João Dória representam nomes da arcaica múmia
PSDB e, no que se refere à política econômica, não faz nada muito
distante do que propõe Kim e Artur, representando a direita política
brasileira que veste a máscara de terceira via apenas para aproveitar

166
o ascendente antibolsonarismo, sem nem mesmo estar desse tão
distante, principalmente em seus planos econômicos.

Desespero Direitista

Numa manobra escancarada e aberta para angariar apoio


para 2022, Bolsonaro redefine o Bolsa-Família, que serviu como carro
chefe da propaganda lulopetista, no Auxílio Brasil – um programa
que leva mais a roupagem de seu gerenciamento, carregando sua
própria imagem numa evidente esmola fornecida às classes mais
pobres.

Ora, a extrema-esquerda comunista sabe e defende que o


Brasil necessite de fato de programas assistencialistas, inclusive
muito mais robustos que esse, e ao mesmo tempo sabe que tais
auxílios não têm a função de retirar o Brasil de sua miséria, mas
somente angariar apoio. Se fosse interesse real da presidência da
república elaborar programas assistencialistas, por quais motivos
eles não foram realizados desde o início de seu governo? Somente a
exemplo: por quais motivos o auxílio emergencial da pandemia teve
de ser tão combatido pelo ministério da economia e pela própria
presidência, ao ponto que foi necessário o congresso interferir para
que ele fosse pago e no valor que foi pago? – Está obvio e evidente
até para o analista mais inocente: se trata de uma mera manobra
política para angariar votos e nada além disso.

Sim, o Brasil precisa de programas assistencialistas e esses


não devem nunca serem retirados ou combatidos. Mas, em conjunto
a isso, se faz preciso uma educação e saúde públicas de qualidade a
todos, bem como terra, teto, emprego, infraestrutura e transporte
para seus cidadãos – e isso só pode ser realizado mediante a
verdadeiras iniciativas populares que esse arcaico e carcomido
Estado não pode fornecer. A extrema-esquerda comunista jamais foi
contra qualquer tipo de auxílio aos pobres, mas não se pode deixar

167
de reconhecer que essa iniciativa não é nada além de uma manobra
política, e não um programa assistencial que visa uma qualitativa e
duradoura transformação nacional. Nunca os comunistas se
posicionaram ou posicionarão contra programas assistenciais como o
Auxílio Brasil, visto que qualquer ajuda aos pobres é necessária,
todavia isso não exclui o entendimento que de que esse programa é
paliativo, não resolve os problemas do Brasil a longo prazo e, em
essência, não passa de uma demonstração de desespero de Bolsonaro
por sua reeleição.

A Luta Continua

Como dizia V.I. Lênin; “A teoria sem a prática de nada vale, a


prática sem a teoria é cega.” Aplicar velhos conceitos, como a tão
discutida dicotomia “esquerda X direita” à realidade brasileira
contemporânea, se faz útil para desmascarar tantas mentiras e tantas
tergiversações promovidas pela elite compradora e burocrática.

A verdadeira esquerda, como foram os jacobinos, os sans


culottes e revolucionários, como o grande Graco Babeuf, tiveram de
lutar não só contra o rei, contra a velha ordem absolutista, mas
também contra os girondinos de Brissot e os moderados de Danton.
Logicamente, tais nomes e as propostas defendidas por eles são
atualmente anacrônicas, mas ilustram algo que a verdadeira
esquerda deve confrontar constantemente: uma luta de várias
frentes, com inimigos ora declarados, ora mascarados, ora infiltrados
– não há de ser uma luta fácil, mas terminantemente necessária.
Tanto a elite, como a corja oportunista e a inocência revisionista
devem ser combatidas pelas massas populares e suas lideranças.
Cada uma precisa ser combatida de maneiras diferentes, pois não há
como tratar militantes bem-intencionados que estão a ser enganados
da mesma forma que a velha oligarquia latifundiária-burguesa que
domina o Brasil. A grande maioria dos que procuram defender o
povo, mas são ludibriados por discursos mascarados, só haverá de

168
constatar isso no decorrer da prática, no desenrolar da história, e
somente a exposição da teoria, ainda que necessária, não será
suficiente.

Portanto, cabe à verdadeira esquerda continuar seu trabalho,


enfrentar os revezes com um revolucionário otimismo, e estar
disposta a discutir, debater e ensinar ao mesmo tempo que combater,
lutar e aniquilar – o que comprova a real necessidade de um
desenvolvido discernimento, construído sob a teoria científica
oriunda da prática. Nas palavras do Presidente Mao Zedong: “Quem
são os nossos inimigos? Quem são os nossos amigos? Essa é uma pergunta
importantíssima para a revolução.”

169
As Chamas da Fúria
Popular Latino-Americana
Ainda Queimam!
Novembro de 2021,

Dois anos se passaram desde que foram tecidas as linhas do


artigo “VIVA A PRIMAVERA LATINA-AMERICANA”, e as chamas
da fúria popular longe estão de serem extinguidas, pois o
imperialismo e as crises que gerenciam os Estados burocráticos do
continente latino-americano somente jogam cada vez mais querosene
nesse grande incêndio.

O Equador está sob um “Estado de Exceção” decretado pelo


gerenciamento reacionário de Guilhermo Lasso, sob o pretexto de
combate à criminalidade, demonstrando as árduas contradições já
expostas em conflitos abertos, onde a elite burocrática encrudesce
suas forças para combater os enormes levantes populares. A nação
equatoriana prossegue na luta e organizou uma grande greve geral,
que aglomerou milhares de trabalhadores dos campos e das cidades,
além de professores e estudantes de todo país. As reformas
trabalhistas totalmente exploratórias, acompanhadas de gritantes
ascensões no preço dos combustíveis, desencadearam a fúria
popular: estradas foram bloqueadas, militares foram sequestrados
por populares e greves foram realizadas nas províncias Azuay,
Carchi, Cotopaxi, Guayas, Imbabura, Los Ríos e Tulcán, que estão a
mobilizar grandes massas trabalhadoras contra o Estado burocrático
equatoriano.

170
Semelhante chama revolucionária acende também no Chile,
consequente de uma similar intervenção militar e um análogo
“Estado de Exceção” decretado pelos reacionários que gerenciam o
correlato Estado burocrático chileno. Como resposta ao
gerenciamento reacionário e antipovo de Sebástian Piñera,
principalmente nas províncias de Arauco e Malleco, camponeses
realizam sabotagens e incendeiam trens, ônibus, latifúndios e
conglomerados bilionários, em protestos contra as intervenções
militares e a opressão armada exercida, principalmente, sob os índios
mapuche, remontando relações extremamente racistas que, há
séculos, dominam as regiões ao sul do país. Grupos guerrilheiros
mapuche levantam-se e pegam em armas para defenderem-se contra
os militares chilenos representantes da reação, ao mesmo tempo que
denunciam o conluio da extrema-direita golpista e uma centro-
esquerda oportunista para governar a subdesenvolvida e explorada
nação chilena.

O contexto do conflito armado mapuche também é


compartilhado pela Argentina, cujas províncias de Chubut, Neuquén
e Rio Negro foram alvo de ações realizadas pelos camponeses.
Incêndios também marcam protestos populares contra o velho e
carcomido Estado burocrático argentino, além de protestos
populares. Recentemente, sob o gerenciamento oportunista de
Alberto Fernandéz, a nação argentina registrou uma inflação anual
superior a 51%, um desemprego que supera os 11%, um aumento na
pobreza, à taxa de 42%, e a economia com uma queda de quase 10%;
consequências últimais do imperialismo e suas crises, que servem
como combustível revolucionário não só para os mapuches que,
assim como na nação chilena, estão a pegar em armas, mas também
para todo povo trabalhador argentino, dos campos e das cidades,
contra o Estado burguês-latifundiário comandado pelo imperialismo
internacional.

No Peru foi decretado no mês de novembro uma aberta


intervenção militar, na tentativa desesperada – além de previsível –

171
de conter o grande levante popular que ascende em sua nação.
Populares das províncias de Ancash, Ayacucho, Loreto e Piura
ergueram as chamas revolucionárias, cada vez mais intensas do povo
trabalhador peruano, que cerrou seus punhos na luta contra os
grandes oligopólios internacionais. Uma grande luta se deu por meio
de gigantescos protestos, incêndios, bloqueios e tomadas populares
que nada demonstram senão o despertar do povo contra as elites do
capital financeiro e a classe política oportunista, tanto de esquerda
como de direita, que essa elite representa.

Grandes conglomerados internacionais de mineradoras


estabelecem, junto ao Estado burocrático gerenciado pela esquerda
oportunista de Pedro Castillo, um conluio elitista e antipopular cuja
exploração dos mineradores locais e a extração de metais, como prata
e ouro, remontam as lógicas coloniais espanholas de tantos séculos.
Pouco mudou na estrutura da economia peruana desde os
conquistadores espanhóis, senão o advento de uma industrialização
periférica, toyotista, que acompanhou uma urbanização artificial,
colocando o Peru enquanto um Estado de capitalismo burocrático,
subdesenvolvido e pertencente à periferia do capital internacional –
essa é a imagem de praticamente todos os outros países da América
Latina.

O Brasil não escapa dessa mesma lógica estrutural em seu


Estado burocrático, burguês-latifundiário, construído sob a
necessidade imperialista da superexploração. Seu gerenciamento
encontra-se igualmente perdido: estando o IBGE prestes a constatar
que o país adentrará em uma recessão técnica, após segundo
trimestre de queda consecutiva no PIB nacional, o presidente
Bolsonaro parece preocupar-se mais uma vez com as manobras de
gerenciamento dentro da Polícia Federal, para blindar-se. Enquanto
isso, protestos, pichações e manifestações também tomam conta da
nação brasileira, que muitos críticos e acadêmicos dizem estar
vivendo um “Estado de Exceção”, desde 2016 ou 2018, dependendo
da interpretação. Enquanto as manifestações urbanas podem ser

172
exemplificadas como a grande mobilização de trabalhadores e
estudantes, no dia 10 de novembro, contra a reforma da previdência
municipal em São Paulo, maior cidade do país, o epicentro da luta
camponesa está na heroica resistência da Área Tiago dos Santos,
onde, após serem expulsas dia 27 de outubro, as famílias campesinas
voltaram e ocuparam novamente esse território.

A grande mídia, guardiã dos interesses do grande capital,


esconde importantíssimas, profundas e violentas mudanças
estruturais e qualitativas, que estão a tomar forma revolucionária no
continente latino-americano. No Brasil, se parece antecipar a
publicidade doentia do circo eleitoral, a acontecer em 2022, não só
para mascarar tais levantes populares, mas também para conservar a
ilusão mentirosa e simplesmente estúpida de que mudanças reais
possam vir a ocorrer pela via eleitoral.

O que compartilha toda América-Latina? Estados de


capitalismo burocrático sob o comando do imperialismo,
principalmente ianque. Nações que foram exploradas pelas potências
ibéricas, durante o antigo colonialismo, que mantiveram-se sob a
mesma estrutura de dominação, pelo imperialismo britânico, após a
queda de Napoleão e suas “independências”, e que passaram, ao
longo do século XX e das grandes guerras, ao gerenciamento ianque,
do qual estão hoje subjugadas. Todos os Estados latifundiários-
burgueses, cuja matriz econômica é agroexportadora, exploradora de
matéria-prima e de bens de baixa tecnologia, baixa industrialização e
baixo valor agregado, servem ao capital financeiro internacional
como periferia, sob os ditames das elites oligopolistas e
monopolistas.

Compartilha também toda América-Latina um contexto de


genocídio dos povos indígenas e a escravização dos povos africanos
trazidos forçosamente ao continente americano. Povos esses que
mantiveram-se, desde a escravidão, sob intensa exploração
econômica, extrema opressão social e violento racismo – não há

173
como compreender o contexto latino-americano e a luta de classes,
dos aproximados 570 milhões de latino-americanos, sem entender as
questões raciais que envolvem os índios e negros.

Assim, também compartilha a América Latina vários golpes


militares movidos pelas elites e gerenciados pela CIA. Não bastasse a
Operação Condor e suas conspirações anticomunistas, que
devastaram a política, a sociedade e a economia latino-americana nas
décadas de 1960 à 1990, hoje, as mesmas nações que sofreram
ditaduras militares abertamente fascistas passam por novos estados
de “exceção”, novas intervenções militares e, em suma, novos golpes
contra o povo. As máscaras das democracias latino-americanas estão
cada vez mais frágeis, pois que o imperialismo mais brutal não se faz
capaz de conter a fúria popular e as grandes revoltas que tomam
toda América Latina.

A América-Latina torna-se cada vez mais o palco principal da


luta popular pela libertação, da incandescente luta contra o
imperialismo e o fascismo, pela construção de novas democracias,
populares e revolucionárias, movidas pelo povo trabalhador latino-
americano. E essa é mais uma característica que compartilha toda
América-Latina: o desenvolver da luta do povo trabalhador a
culminar na guerra popular unificada. Enquanto, no Peru, desde a
década de 1980, o Partido Comunista do Peru, apelidado Sendero
Luminoso, conduz um dos mais avançados processos
revolucionários da segunda grande onda revolucionária mundial,
grandes partidos, como o Partido Comunista do Brasil (Fração
Vermelha); Partido Comunista da Colômbia (Fração Vermelha);
Fração Vermelha do Partido Comunista do Chile; o Partido
Comunista do Equador – Sol Vermelho e muitas outras organizações
espalhadas por todo continente, preparam-se para desencadear toda
fúria do povo trabalhador em mais guerras populares unificadas,
rumo à verdadeira libertação, independência e democracia de toda
América Latina.

174
As forças da reação já conhecem todos esses partidos e
organizações. Não só os conhecem como os temem profundamente,
pois eles estão travando uma luta até a morte pela libertação do povo
trabalhador, contra essa elite plutocrática que o explora. A mídia da
grande burguesia, por vezes, esconde o desenvolver revolucionário
que essas organizações constroem. Outrora, condena tais lutas como
criminosas, quando não mais as consegue esconder, apontando com
o trémulo dedo para os comunistas revolucionários latino-
americanos com todas as ofensas, calúnias e difamações possíveis –
assim o fazem pois está cada vez mais claro que as revoluções, nesse
grande continente, são iminentes e inevitáveis, como é imparável a
pujança do poder popular quando coalizado e unificado.

Por isso, a grande burguesia imperialista investe tanto em


partidos de pseudo-esquerda, oportunistas em seu cerne e âmago,
para iludir o povo à uma irrisória possibilidade de mudança, via
eleições domesticadas pelo seu próprio jugo, com bodes-expiatórios
que levam constantemente a culpa pelos problemas nacionais e
acabam por engrandecer e fortalecer os movimentos da direita
abertamente fascista. Aos poucos, o povo trabalhador latino-
americano está a entender o oportunismo dessa falsa esquerda,
compreender o inimigo do povo, que é essa direita, boicotar as
eleições e lutar ainda mais ferrenhamente pela única via possível
para libertar a América Latina das amarras do imperialismo – a via
revolucionária!

Por mais que burguesia tente dividir as forças do povo, jogar


trabalhador contra trabalhador, a classe operária compreende cada
vez mais uma verdade incontestável – ele não vive em uma
verdadeira nação independente, tampouco em uma verdadeira
democracia, mas precisa por elas lutar com sua própria vida, para
que seus filhos possam delas desfrutar!

175
Os Políticos e o Povo
Dezembro de 2021,

Os lamentáveis mascarados do circo de horrores

Dois anos se passaram e a pandemia ainda persiste, para o


desespero da humanidade. O COVID-19 está a desenvolver novas
variantes, no caso agora, a variante ômicron, que parece trazer
novamente o medo de ainda mais mortes. Até o final de novembro, o
país onde mais morreram pessoas foram os EUA, sendo constatadas
801 mil mortes, acompanhado pelo Brasil, com 614 mil falecimentos,
e, em terceiro lugar, a Índia, com 468 mil óbitos registrados
decorrentes do novo coronavírus. A diferença, grotesca e lastimável,
que tanto ignora o gerenciamento bolsonarista, é que nos EUA foram
executados 2,254 milhões de testes à cada 1 milhão de habitantes,
mais de 2 testes por cada estadunidense, ao passo que, no Brasil,
foram feitos somente 297 mil testes à cada milhão de brasileiros,
menos de um terço para cada cidadão. Até mesmo a Índia, com um
PIB per capta menor que um quinto do brasileiro, realizou 458 mil
testes a cada 1 milhão de cidadãos, mesmo com sua enorme
população de 1,3 bilhão de habitantes.

Não se faz difícil ser evidenciado que até agora ocorre, na


contagem de mortes por COVID-19, no Brasil, uma notável
subnotificação, que comprova não só que morreram muito mais
brasileiros do que se registra, mas também endossa uma estratégia
extremamente desumana do governo Bolsonaro: não testar para não
aumentar os números. O chefe de Estado e de governo, que tanto se
gaba de “não ter errado uma vez sequer” e “ter bons números no
combate à COVID-19”, como alegam seus asseclas, apenas evita
testagem em massa para esconder as evidências do genocídio de sua
campanha anticientífica. Para além de uma propaganda contra os

176
fechamentos de estabelecimentos, contrária às medidas preventivas
mais básicas tomadas na maioria dos países europeus, o presidente e
sua equipe, desde o início, ignoraram e desdenharam do novo
coronavírus, assim como das vacinas, endeusando placebos, como a
cloroquina, adquirindo-as às toneladas em compras superfaturadas,
e ainda faz poucos testes para registrar menos mortes do que de fato
aconteceram.

O resultado dessa campanha pela inverdade supostamente


seria o salvar da economia às custas das vidas de brasileiros. Esse
resultado foi atingido? Juntamente com escândalos de corrupção dos
quais tanto o “Messias” dizia lutar contra, se faz notável a recessão
econômica, o desemprego, a fome e os preços abusivos dos
alimentos, da gasolina, entre outros. Uma das evidências do
gigantesco fracasso de Bolsonaro se dá na sua popularidade a
despencar: em setembro desse ano, quando o autor dessas presentes
linhas escreveu “O Crepúsculo de um “Mito””, o índice de rejeição ao
governo era de 54%. Hoje, o índice está em 65,3%, na qual 59,3%
dizem ser sua gestão ruim ou péssima. Seu índice de aprovação
também atinge o menor número desde o início do governo: 29,3%

Evidentemente que o oportunismo não estacionaria em uma


situação tão proveitosa como essa. Ciro Gomes, desde 2018, ataca
Lula e o PT com a mesma veemência que Bolsonaro, aproveitando-se
de ex-bolsonaristas arrependidos e seu ódio pelo PT, implantado
pela grande mídia desde 2016. Já Moro e Mandetta inspiram-se no
que alguns jornalistas chamariam de “Bolsonarismo sem Bolsonaro”, ou
seja, uma continuação do atual governo, porém com a pandemia já
controlada e sem um líder que representasse tão bem a falta de
capacidade cognitiva, retórica, intelectual e dissertativa. O
desgastado e desacreditado PSDB está entre a candidatura de João
Dória e Eduardo Leite – novos nomes da velha política, exauridos
pelas políticas neoliberais antipovo desde FHC.

177
Liderança do oportunismo, Lula acumula grande rejeição por
parte das hostes mais fanáticas que ascenderam em 2016, mas parece
se tornar uma opção viável até mesmo para alguns ex-bolsonaristas
arrependidos, para o desespero de Ciro. Até o final de novembro,
Luiz Inácio lidera todas as pesquisas presidenciáveis, com
aproximadamente 50% das intenções de votos.

A grande mídia, encabeçada pela Rede Globo de Televisão,


encontra-se numa situação de exaustão e descrédito. Atores
principais do antipetismo de 2016 se tornaram também protagonistas
no antibolsonarismo, principalmente após 2019, sendo repudiados,
ainda que utilizados, por defensores de Lula e Bolsonaro - a aparente
dualidade rígida que domina as intenções eleitorais de 2022. Já as
televisões secundárias, SBT e Record, assim como a mídia impressa
da Veja e Estadão, parecem apostar na possibilidade de uma terceira
via: uma ilusão criada para posicionar-se entre os “extremismos” de
Lula e Bolsonaro. Francamente, o uso do termo “extremismo” nesse
caso, denota não só desconhecimento, mas também abuso de
terminologia em prol da manutenção de uma política morna aos
moldes dos anseios do “centrão”.

Todos os políticos e organizações supracitadas possuem um


determinador comum: a fé na “democracia” brasileira, nas
instituições “democráticas”, no Estado “democrático” de direito e
nas eleições. O “extremista” Lula talvez tenha namorado outrora, há
décadas, uma possível e etérea revolução, mas hoje é guardião
convicto do Estado brasileiro, considerando toda luta contra ele
como “antidemocrática”. Já o “extremista” Bolsonaro, que há poucos
anos dizia que somente uma guerra civil mudaria esse país,
comportou-se como um cão adestrado do ex-presidente Michel
Temer, que tendo ameaçado o STF e o parlamento, logo visualizou
que não possuía mais forças para aprofundar ainda mais o golpe de
2016 – missão essa a ser continuada pelas alianças da velha política
da qual Bolsonaro se rendeu, centralizadas pelo maior partido
brasileiro, o anti-ideológico e, aparentemente despercebido, MDB.

178
Nesse ponto tanto a grande burguesia compradora como a
grande burguesia burocrática aliam-se sob a mesma tutela da grande
burguesia imperial, principalmente ianque. Não há nem mesmo,
entre o ultraliberal Amoedo ou no “socialista” Boulos, uma
perspectiva de rompimento com a ordem vigente, com o Estado e
com as instituições que o compõe.

O ano de 2022 promete então a ascensão do “pão”, por


Bolsonaro: o próprio presidente lamentou de um helicóptero ao ver
com seus próprios olhos seu “apoio popular” na manifestação do 7
de setembro e, para quem almeja uma reeleição ou um
aprofundamento golpista, algumas medidas agregadoras deverão ser
tomadas ou continuadas, como o Auxílio Brasil. Seja para tentar
vencer novamente o PT nas urnas ou continuar seu golpe, mais
desmascarada e crua, a “noivinha do Aristídes” fará o possível para
recuperar forças e resgatar uma popularidade praticamente
irrecuperável, depois de tantos irrevogáveis fiascos em seu
desastroso gerenciamento.

Os que tem de trabalhar e produzir para sobreviver

As pesquisas apontaram que os votos brancos e nulos nas


eleições presidenciais do segundo turno de 2018 foram de 2,3% e
7,4%, respectivamente. Um índice pequeno, talvez, porém que a
grande mídia evidência, negligenciando o enorme número dos que
simplesmente abateram-se de votar, que foi de 21,3% dos possíveis
eleitores. Ao total, mais 31% dos eleitores não escolheram Bolsonaro
(PSL) e tampouco Haddad (PT), o que denota não só um desinteresse
social pelo processo eleitoral, mas uma grande desconfiança e
descrença nesse.

Os oportunistas, tanto de “esquerda” como de direita, unem-


se ao conclamar que esses índices são altos devido à falta de
politização do cidadão médio brasileiro. Que dantesca falácia! A

179
politização de uma sociedade pode ser medida pela capacidade de
seus cidadãos se organizarem politicamente. Pífia estupidez pensar
que a participação em um processo tragicômico e circense, como as
eleições brasileiras, denotaria uma politização popular (com todo
respeito aos verdadeiros artistas de circo, muito mais úteis à
sociedade que a classe política atual). Ora, que o Brasil não é
politizado já não é novidade, pois se o fosse já haveria feito sua
revolução democrática e popular, como fizeram as atuais potências
mundiais décadas atrás. O inverso também pode ser aplicado: se o
Brasil houvesse concluído sua revolução popular e democrática, que
iniciou-se em 1930, mas perdeu-se logo após, ele com toda certeza
seria mais politizado atualmente. De qualquer forma, culpar o
descrédito da farsa eleitoral à falta de politização do brasileiro é uma
desculpa patética, cuja intenção é conservar a ilusão democrática
onde nunca houve de fato uma democracia.

Tais índices demonstram um mais que evidente anseio


popular por uma ruptura para com o pão e o circo brasileiro. A
verdadeira politização do povo trabalhador advém de sua
capacidade de mobilizar-se e organizar-se, para então lutar para que
os anseios coletivos sejam implantados mediante ao conflito
originário do choque de interesses. Se o povo vai às ruas batalhar
pelas causas da maioria da população, esse sim seria um indício
muito mais sólido de que ele está mais politizado do que se
simplesmente participasse mais de eleições, afinal, independente de
quem seja o governante e os parlamentares que o cercam, as lutas
pelo povo dependem da pujança das massas trabalhadoras e não de
representantes cada vez mais desacreditados.

Mesmo tendo havido tempos em que as eleições eram uma


pauta popular a ser conquistada, ocorrido que aconteceu
majoritariamente antes do século XX, hoje elas servem às forças
dominantes da elite e não do povo. O motivo não é difícil de ser
verificado: não mais há políticos que, de fato, estão ao lado do povo e
podem por ele trabalhar, tampouco há possibilidade dos que estão

180
ao lado do povo ascenderem à política. A grande burguesia
imperialista, principalmente a partir da década de 1930, por meio do
fascismo, dominou as eleições e os aparelhos eleitorais, de forma que
as pautas do liberalismo clássico – como as eleições da democracia
burguesa – se tornaram arapucas a cooptar forças populares, assim
como a própria ideologia liberal clássica, hoje instrumento retórico a
serviço dos fascistas. Ora, quantos apoiaram e apoiam Bolsonaro
devido à retórica liberal de Guedes? É mister entender tal ponto. Se
durante o começo do imperialismo, no início do século XX, as
eleições da democracia burguesa já, nas palavras de Lênin, em 1920,
caducaram no sentido histórico-universal, sendo a participação nelas
uma estratégia para denunciá-las e fazer os trabalhadores perderem
o preconceito democrático-burguês, com o avento do fascismo como
produto da intensificação do imperialismo, as eleições se tornaram
ainda mais instrumento das elites para dominação popular – um
instrumento que precisa ser com urgência rompido.

Portanto, a demonstração da politização do povo trabalhador


brasileiro há de vir em conjunto com sua mobilização e organização.
Seu descrédito no aparelho governamental advém da decadência
dele, da sua usurpação pelas elites e da percepção popular de que
esse Estado e todas as instituições que o cercam não funcionam e
nem de longe servem ao povo brasileiro. As eleições sendo
percebidas como as grandes farsas que são, e o boicote popular acaba
por indicar muito mais um progresso na conscientização de classe do
povo brasileiro do que um retrocesso.

Um Abismo Separa-os

Enquanto a classe política e a grande mídia que a cerca


promovem a grotesca ilusão democrática e o horrendo circo eleitoral,
o povo trabalhador percebe, cada vez mais, o gigantesco abismo que
está entre eles e os políticos que tanto dizem representar o Brasil.
Não bastassem as condições econômicas – baixos salários, fome,

181
desemprego e violência, comparados com mansões em condomínios
de luxo regados a caros champanhes – os privilégios parlamentares
os colocam enquanto semideuses perante à própria lei. Recordemos a
velha imagem do ladrão de galinhas, que é espancado gratuitamente
para depois ser preso, comparada ao parlamentar que desviou
milhões da verba da saúde pública e até hoje está em liberdade – eis
uma real imagem do Brasil e da “justiça” proporcionada pelo Estado
burguês-latifundiário brasileiro. Quantos empresários bilionários
estão envolvidos em esquemas de corrupção política, em alianças
com senadores, deputados, governadores, ministros e presidentes?
Como a merecida cadeia parece distante deles, apesar de estar tão
próxima das favelas, isso quando a morte não está ainda mais.

Como os oportunistas hão de convencer a população a votar


em bandidos através de “votos críticos”, que significam, em síntese,
escolher o “menos pior”. Muitos usam da revolução em sua retórica
apenas para angariar votos, mas jamais teriam a coragem necessária
para liderar as massas num processo revolucionário, talvez nem
mesmo para participar disso. Eles querem garantir suas cadeiras
parlamentares, seus foros privilegiados e todo dinheiro sujo que
acompanha esse fardo – uma verdade que o povo trabalhador
brasileiro há muito já descobriu e serve até hoje de combustível para
sua revolta.

Uma corja ocupa as entranhas do corroído e putrefato Estado


brasileiro, um Estado burguês-latifundiário que mantém a nação
brasileira semicolonial e semifeudal, por meio de um capitalismo
burocrático, à serviço do imperialismo, principalmente ianque. Tais
ratos alimentam-se das ilusões populares e da fé que o povo ainda
deposita nas urnas. No instante em que a população perceber o
quanto sua fé foi abusada, o quão as ilusões democráticas
manipularam-no, a tendência será jogar querosene no motor da luta
de classes, que moverá o Brasil e a nação brasileira a enfrentar seu
compromisso histórico abandonado desde a Guerra do Araguaia

182
(1966 a 1974), que é desenvolver a revolução popular e democrática
através da guerra popular unificada.

Esse é o abismo que separa os políticos e sua grande mídia do


povo trabalhador: o povo já não confia neles e nem no seu decrépito
Estado. O povo quer a revolução, mesmo que ainda inconsciente
disso, e a prova é que entre os populares se almeja fervorosamente o
melhor para a nação, ao mesmo tempo que se prolifera cada vez mais
a consciência de que essa melhoria não será entregue por esse
Estado, tampouco pelas ratazanas que ocupam suas posições dentro
dele. Cada vez mais o povo entende que a ruptura se faz necessária.
Cada vez mais o povo compreende que as eleições são uma farsa e
somente seus punhos cerrados podem trazer verdadeiras mudanças.
Cada vez mais os cidadãos brasileiros, cansados de serem engodados
pela classe política e enganados pela grande mídia, hão de perceber
que somente sua mobilização, organização e politização podem de
fato desencadear verdadeiras mudanças no tecido social nacional – e
quando isso for percebido por considerável parte da população, a
revolução será inevitável! De tanto a grande burguesia e sua grande
mídia esforçarem-se para evitar essa percepção tão justa da
realidade, elas acabam por garantir sua veracidade e cavar sua
própria cova num futuro que já é inevitável.

183
Conclusão – Uma Carta Aos
Trabalhadores Anticomunistas
Dezembro de 2021,

Muitos dos trabalhos, desde 2018, foram dedicados aos


trabalhadores hostis ao comunismo. Por qual razão? Em si, eles são
uma contradição: o comunismo é o triunfo dos trabalhadores à nível
mundial, e os indivíduos e organizações verdadeiramente
comunistas são as que doam suas vidas a lutar por essa vitória. Mas
como fazer os trabalhadores anticomunistas enxergarem essa
verdade? Por que lhes parece tão fácil entender as ideias comunistas
de formas tão diabólicas ao passo que lhes parece tão simples
comprarem as ideias da grande burguesia que lhes explora e oprime
diariamente? Como dizia Marx: “as ideias da classe dominante são, em
cada época, as ideias dominantes” e hoje a grande burguesia imperialista
assegura-se de impor seus ditames não só à economia, à política e à
sociedade, mas também impor sua ideologia às massas, esforçando-
se ao máximo para tentar sabotar, minar e arrefecer a ideologia
legitimamente popular, que é essencialmente revolucionária.

O povo, mesmo que em seu escondido âmago, anseia por


uma revolução, pois deseja profundamente mudanças estruturais em
seu país, que só um legítimo processo revolucionário pode trazer. Os
trabalhadores já perderam a confiança no Estado burocrático e nos
políticos que o gerenciam, mas ainda querem ter fé em sua nação e,
no fundo, sabem que isso só acontecerá mediante à uma revolução
popular e democrática. O que os impede jaz na ideologia dominante
da grande burguesia, refletida através de propaganda e retórica, que
manipula grande parte das massas a pensar nessa revolução como
impossível, distante e inatingível. Para além disso, a ideologia da
grande burguesia tergiversa as ideias revolucionárias, bem como as

184
comunistas, e as transforma à bel-prazer em um espantalho para
iludir o povo de que uma revolução que seria danosa e traria
prejuízos tão somente.

Quantos não são diariamente ludibriados, mantidos sob


bolhas informacionais e não estão cientes do seu próprio potencial e
força para causar ativamente as mudanças em sua nação, pois foram
convencidos que são livres devido ao circo que ocorre a cada quatro
anos, onde escolhem o bandido que lhes irá governar? Não
acreditam no comunismo, na ideologia do proletariado. Acusam-no,
maldizem-no, raramente criticam-no aos moldes de uma verdadeira
análise e ainda assim não o conhecem. Compram ilusões simplórias
de uma tirania totalitária que domina a mentalidade dos jovens
incautos e inocentes e acabam por jogar trabalhadores contra
trabalhadores, povo contra povo – ora, como as elites bilionárias
regozijam-se disso! Mal sabem o vigor que o povo possui quando
organizado e ombreado contra o verdadeiro inimigo: a oligarquia
plutocrática do grande capital financeiro, comandante do
imperialismo, hoje encabeçado pela hegemonia ianque. Como tais
trabalhadores “anticomunistas” hão de se convencer a se organizar
junto aos comunistas? Ora, se a palavra convence, o exemplo arrasta!
Esses só entenderão que os comunistas lutam pelos trabalhadores
quando os comunistas lutarem, de fato, pelos trabalhadores. Só a
prática justa pode convencê-los disso, além de fazê-los entender a
importância histórica dessa luta.

Religião? Quantos condenam os comunistas enquanto


satanistas, bruxos ou outros adjetivos feudais! Quão difícil é fazê-los
compreender que não é papel, nem mesmo objetivo, destruir a
religião ou fé popular! Marx e Engels levantaram-se contra as
grandes igrejas da Europa, pois elas se posicionaram politicamente a
favor das elites burguesas. Lênin e Stálin levantaram-se contra Igreja
Ortodoxa Russa, pois ela estava posicionada politicamente ao lado
do czar. Comunistas defendem o Estado laico, onde as igrejas não

185
interferem na política, nem vice-versa. Comunistas podem ser
religiosos inclusive, e muitos de fato o são.

Milhões de mortes? O velho, arcaico e batido argumento de


que o comunismo matou mais do que todas as guerras mundiais
juntas! A velha estratégia do ministro da propaganda nazista de
repetir uma mentira até ela virar verdade! Não só as principais
fontes desses dados já foram provadas serem falaciosas, há décadas,
como genocídios dessa magnitude também abalariam a economia
soviética e chinesa, que, ao contrário do que se prega, cresceu
durante o período assim como as taxas de natalidade, que evidencia
ainda mais a grande inverdade das “milhões de mortes causadas
pelo comunismo”.

Fracasso do comunismo? Como cansam de dizer que o


comunismo deixou de existir na URSS, pois fracassou. Como está
exaurido o argumento de que o comunismo deixou de existir na
China, pois simplesmente não funcionava. A URSS e a China
abandonaram o socialismo devido às gigantescas guerras travadas
pela influência e poder das elites capitalistas, que até o presente dia
não se recuperaram dos grandes avanços que as nações socialistas
trouxeram ao povo trabalhador. O comunismo foi combatido com
todas as forças e com toda ferocidade, pelas elites bilionárias do
capital financeiro e pelo imperialismo, e sofreu um grande revés em
1953, na URSS, e, em 1976, na China, mas hoje concentra uma grande
força como experiência em partidos maoístas ao redor do mundo,
que aquecem os ânimos da segunda onda revolucionária mundial.

Fracasso na economia? É a falácia preferida dos liberais, ao


afirmar que a tutela do Estado apenas arruína a economia, sendo
usada de forma bastante cansativa para tentar também derrubar o
keynesianismo – e nem mesmo em isso eles conseguiram!
Transformar nações agrárias, analfabetas, atrasadas e desoladas em
superpotências, em poucas décadas, é um mérito notável do
socialismo, que industrializou a URSS e a China, limpou-as das

186
drogas e fez dessas nações extremamente prósperas à altura das
potências europeias. A saúde e educação soviética superou os níveis
até mesmo dos EUA, na época, assim como os grandes investimentos
em tecnologia foram responsáveis pela exploração espacial em uma
nação que, até antes do socialismo, era majoritariamente
agroexportadora. Para além disso, o socialismo não só unificou a
nação dividida que era a China, também eliminou o imperialismo
ianque, japonês e europeu e ainda fez a URSS e China defenderem-se
das maiores invasões militares da história humana – a invasão
japonesa à China, que iniciou-se em 1937 e a alemã à URSS, em 1941.

Levantemos rapidamente alguns dados sobre a URSS e a


China e seu progresso durante a liderança de Stálin:

Produção, na URSS, (carvão, aço e petróleo, por milhões de toneladas;


eletricidade, por milhares de KW e tratores, por milhares de unidades)
durante a liderança de Josef Stálin

Tratores na
\ Carvão Aço Petróleo Eletricidade
Agricultura
1928 35,5 4,5 11,6 5 27
1932 64,4 5,9 28,6 13,5 148
1940 165,9 18,3 31,1 48,3 531,8
1950 261,1 25,4 37,9 91,2 595
1953 320,4 38,1 52,8 134,8 703,6

Urbanização, na URSS, durante a liderança de Josef Stálin

\ População (milhões) Cidades (%) Campos (%)


1912 159,2 18 82
1940 194,4 33 67
1953 188 43 57

187
Empregados da Indústria Fabril, na URSS, durante a liderança de Josef
Stálin

1922 1.118.000
1950 40.400.000
1953 45.000.000

Escolaridade, na URSS, durante a liderança de V.I. Lênin e de Josef Stálin

População Analfabeta 1917 1939


(maior de 30 anos) 70% 0%
Alunos nas Escolas 1914 1939
Fundamentais 9.656.000 31.517.000
Alunos nas 1914 1940 1953
Universidade 112.000 811.700 1.562.000

Mesmo o mais ferrenho trotskista, como o antistalinista José


Paulo Netto, ex-membro do Comitê Central do PCBrasileiro,
reconhece o indiscutível avanço que houve nesta época, na URSS:

“Esses números dispensam comentários mais detalhados. Basta


dizer que evidenciam a modernização agrícola, a urbanização e
a industrialização, com o surgimento de uma classe operária
nova e forte – e tudo isto com a destruição econômica e
demográfica causada pela Segunda Guerra Mundial. Mais
exatamente: se o período que vai da Revolução de Outubro à
morte de Stálin (36 anos) subtraímos os anos de guerras (civil,
contra o Japão, a Finlândia e a Alemanha: 9 anos), constatamos
que a Rússia soviética viveu sua revolução industrial em 25
anos! E se levarmos em conta os períodos de atividade
requeridos exclusivamente para a recuperação dos estragos
ocasionados pelas guerras, este lapso temporal cai para 20 anos!
Nenhum, absolutamente nenhum país do mundo realizou
uma proeza dessa envergadura. Como o reconheceu
Deutscher: “A essência da tarefa histórica de Stálin consistiu

188
em que encontrou a Rússia trabalhando com arado de madeira e
deixou-a equipada com centrais atômicas. Nenhuma grande
nação ocidental efetuou a sua revolução industrial em
lapso de tempo tão curto e com tão numerosos
obstáculos”.” (NETTO, J.P. O que é Stalinismo, 1981 –
grifo do autor)

Já, na China, sob a liderança do Presidente Mao Zedong, os


avanços na industrialização e qualidade de vida do povo foram
igualmente nítidos:

Evolução produtiva, durante o 1º Plano Quinquenal, na China (carvão, aço,


petróleo e cimento por milhões de toneladas; eletricidade por milhares de
KW)

\ Carvão Aço Petróleo Cimento Eletricidade


1952 69 1 436 3 7
1957 130 5 1.458 7 19

Evolução no maquinário, durante o 1º Plano Quinquenal


(todos por unidades)

Motores de
\ Turbinas Motores
Combustão Locomotivas
Hidroelétricas Elétricos
Interna
1952 6.664 639 28 20
1957 74.900 1.455 609 167

População, analfabetismo, expectativa de vida e mortalidade infantil,


na China, durante a liderança do Presidente Mao Zedong

População Expectativa de Mortalidade


\ Analfabetismo
(aproximada) Vida Infantil
1949 500 milhões 80% 35 anos 25%
1976 900 milhões 6% 70 anos 4%

189
Os dados supracitados são completamente ignorados pelos
que construíram a imagem diabólica do comunismo desde a guerra
fria. Eles também esquecem-se completamente das
aproximadamente 45 milhões de pessoas que morreram na URSS e
na China, em decorrência da invasão nazista alemã e imperialista
japonesa. Para além disso, atribuem-se um número fantasioso e
completamente arbitrário de milhões de mortes à responsabilidade
de Stálin e Mao, contribuindo para a construção da nêmese
comunista, o “Império do Mal”, segundo o ator conservador e
presidente ianque de 1983. Hoje, ao observar a segunda onda
revolucionária mundial crescer exponencialmente, em progressão
geométrica e não aritmética, as elites plutocráticas do capital
financeiro continuam as mesmas campanhas de Thatcher e Reagan –
um ressurgimento macartista – agora aplicado à internet, às redes
sociais e aos robôs que compartilham informações com uma
velocidade nunca antes vista.

Falsos partidos de esquerda cumprem seu papel de bode


expiatório. Os pseudocomunistas – tanto por uma inocência
revisionista ou por um descarado oportunismo – nada são senão
agentes da elite que minam os movimentos sociais. Infiltram-se em
movimentos populares para destruí-los por dentro, assim como
fizeram Krushov e Xiaoping, historicamente. Essas organizações
mancham o nome do comunismo, do socialismo e da esquerda de
maneira geral, sendo esse um de seus objetivos inclusive, à serviço
da mesma elite fascista e imperialista. Elas atacam Stálin e Mao como
a direita o faz com veemência, geralmente endeusando figuras como
Trotsky, colocando-o como símbolo do comunismo, quando a
história já demonstrou tantas vezes que ele não passa de um traidor.
Isso ainda conduz muitos trabalhadores a pensar na “esquerda”
política enquanto meros arruaceiros e drogados, afastando-os das
pautas que uma verdadeira esquerda há de defender: empregos,
salários dignos, acesso a terras para cultivar e casa para morar, etc.

190
Gerenciando informações na internet e controlando os
principais partidos do país, o imperialismo mantém o controle das
nações subdesenvolvidas da periferia do capital mundial. Surge,
nesse contexto, a teratologia do famigerado “pobre de direita”, o
trabalhador que se posiciona enquanto anticomunista. Ele vê a
esquerda festiva a defender mais a maconha e o gênero neutro do
que os trabalhadores que necessitam de melhorias salariais –
obviamente que não confiará nesse patético “esquerdismo”. Basta
algumas ilusões a respeito da economia liberal, o bom e velho
“privatiza que melhora”, misturado com uma interpretação pífia e
anticientífica da história e voilà! Temos um trabalhador hostil ao
comunismo e aos comunistas.

Mal sabem eles que os comunistas – os verdadeiros


revolucionários marxistas-leninistas-maoístas, principalmente
maoístas, orientados pelos aportes universais do Presidente Gonzalo
– estão a dar suas próprias vidas pelos trabalhadores ao redor do
mundo. Estão a lutar até a morte pela libertação dos povos, pelo fim
do imperialismo e do fascismo e pelo progresso da humanidade.
Estão a batalhar para que todo e qualquer ser humano nasça
possuindo o direito à habitação, saúde, educação, vestimentas,
trabalho e uma vida digna. Estão combatendo diariamente e
arduamente pelo fim da fome, da mendicância, do crime e das
extremas desigualdades socioeconômicas que tanto assolam a raça
humana até hoje. Se não se luta por isso, jamais poderá um indivíduo
ser chamado de comunista, devendo este ser reconhecido por estar
ao lado dos camponeses sem-terra; dos cidadãos sem-teto; dos
desempregados e de todo aquele que precisa trabalhar para
sobreviver, lutando em prol desta causa, visando que esses
conquistem o poder em suas nações.

Com frequência, os liberais acusam o comunismo de uma


igualdade contrária à própria natureza humana, que levaria a um
consequente sucateamento da economia. Quantos não ouviram a
velha história do “experimento socialista”? A teoria era de que o

191
professor daria a nota para todos de acordo com a média da sala, que
no começo seria alta, mas que ao logo do tempo cairia, pois não
incentivaria os bons alunos a estudarem e os maus alunos a preguiça.
O velho conto para sustentar a ideia da meritocracia individualista,
mas que em absolutamente nada reflete uma experiência socialista
ou comunista. As legítimas consequências de um regime assim são
bastante contrárias na história: uma monarquia absolutista atrasada e
agrária transformada numa superpotência e um território dominado
por “senhores da guerra” em uma potência – esse sim é o resultado
de um verdadeiro experimento socialista, comprovado pela história,
cujos dados supracitados, nas tabelas acima, apenas demonstram um
pouco dessa escancarada verdade.

A negação doentia de que combater a desigualdade


socioeconômica é uma das principais chaves do desenvolvimento
das nações é rechaçar a própria história, não só comprovada pelas
experiências socialistas, mas até pelos Estados de Bem-Estar Social
capitalistas. Visivelmente, em países de altíssimo IDH do capitalismo
atual, foi notado historicamente que a redução das desigualdades
socioeconômicas foi responsável pela redução da criminalidade e um
aumento coletivo da prosperidade nacional. Basta observar os 10
países com maior IDH do mundo: Noruega, Irlanda, Suíça, Islândia,
Alemanha, Suécia, Austrália, Países Baixos, Dinamarca e Finlândia.
Todos, sem exceção, promoveram políticas econômicas que visavam
a diminuição da desigualdade ao longo da sua história, bem como a
notável intervenção do Estado, na economia, e o desenvolvimento de
alterosos programas assistencialistas, tudo ainda dentro da lógica
capitalista. O verdadeiro socialismo aprofunda ainda mais essas
questões, não buscando uma igualdade idealista, tampouco
desviando-se da natureza humana, mas, sim, agindo ainda mais
alinhado aos interesses da grande maioria dos povos trabalhadores.

Enganam-se os que pensam que os comunistas estão a


entender que todos os seres humanos são idênticos e devem ser
tratados com se possuíssem os mesmos gostos e anseios. O contrário

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da igualdade é a desigualdade, e o contrário da diferença é a
indiferença – pois tão somente quando não houver desigualdade
poderão ser vistas as verdadeiras diferenças entre nós, humanos.

Esta afirmação não chega a ser um paradoxo: enquanto


muitas crianças nascem em barracas sujeitas à fome, poucas outras
nascem com acesso à saúde e educação de qualidade, então como
seria possível medir as aptidões entre eles? Como seria possível
aferir quem corre melhor, em uma corrida, quando muitos nascem a
poucos metros do ponto de chegada e outros nascem quilômetros?
Somente quando todos nascerem com direitos iguais, com o mesmo
acesso à educação e saúde de qualidade, poderão ser aferidas as suas
aptidões, seus anseios, recompensando-os de acordo. Apenas
quando a humanidade atingir a plena igualdade de tratamento para
com os cidadãos a partir de seu nascimento, é que as diferenças
poderão ser visualizadas, entre cada ser humano, com precisão,
profundidade e plenitude. É um simplório mito que durante o
socialismo todos os trabalhadores hão de ganhar o mesmo salário!
Haverão, sim, de receberem condições dignas de vida: uma casa
segura a se habitar, um trabalho estável e acesso à boas escolas e
hospitais, para que então, mediante à escolarização e esforço, possam
obter suas rendas particulares de acordo. Não se faz o mínimo
exagero afirmar que o socialismo é muito mais meritocrático que o
capitalismo, pois não há os extremos da miséria nem da riqueza.
Todos têm direitos iguais e destacam-se única e exclusivamente
mediante suas capacidades – “De cada qual, segundo sua capacidade; a
cada qual, segundo suas necessidades” – como a mensagem que foi má
interpretada pelos críticos do socialismo, apesar de Marx ter
explicado sucintamente seu real significado e aplicação, em 1875, na
sua crítica ao Programa de Gotha.

Contos como esse “experimento socialista”, compartilhado


incansavelmente junto a outras mitologias, como o velho e
carcomido “decálogo de Lênin” (comprovado não ter sido escrito por
ele desde 1990), são essenciais entre os manuais da direita

193
contemporânea. E o decrépito “Livro Negro do Comunismo”, fonte
inquestionável e preferida dos anticomunistas, que já foi desmentida
e desmascarada um ano depois de seu lançamento, cujo próprio
organizador tendo publicamente admitido erros grotescos em sua
elaboração? Ainda são largamente usados como base intelectual para
iludir os trabalhadores de que o comunismo é a nêmese de sua
nação, classe, raça e tudo mais que puderem convencer.

Mas, novamente: se a palavra convence o exemplo arrasta! Os


verdadeiros comunistas revolucionários podem prostrar-se a
resolverem as dúvidas teóricas e as explicações acerca da teoria
marxista-leninista-maoísta aos trabalhadores, mas nunca o farão
isoladamente, sem a ação prática e a aplicação dela. Não há de ser
maoísta sendo apenas teórico, assim como não há como o
trabalhador reconhecer seus grilhões sem movimentar-se. Apenas,
no calor da luta, seja por terra, seja por casa, seja por comida, serão
observados os que estão ao lado do povo e os que não estão. Nada
melhor separa os comunistas e os oportunistas do que a necessidade
de posicionar-se às fileiras da população para o combate, e quanto
mais intenso se tornar esse combate – como girar à frente a roda da
história – mais os comunistas “mornos” hão de dar um passo à
diante para o marxismo-leninismo-maoísmo, ou irão se omitir e até
mesmo lutar ao lado da grande burguesia. O passado não volta, e o
futuro será de intensas lutas – isso é uma certeza histórica e científica
– e serão nessas batalhas que emergirão verdadeiros heróis da causa
popular, que haverão de serem comunistas se almejam, de fato, uma
vitória verdadeira, duradoura e profunda aos povos trabalhadores
do mundo.

Portanto, aos comunistas não resta nada a não ser continuar


seu trabalho, ligando-se cada vez mais às massas e, sendo a favor
delas, lutando pela sua libertação. As massas fazem a história e o partido
apenas as dirige – sendo essa direção fruto de experiências históricas;
de séculos de lutas; de muitos e muitos erros, críticas e autocríticas
que aperfeiçoaram a ciência que é o marxismo e, hoje, concentram-se

194
no marxismo-leninismo-maoísmo, principalmente no maoísmo, que
foi sintetizado pelo Presidente Gonzalo. Tão somente esse arcabouço
teórico e prático pode trazer as verdadeiras mudanças que os povos
trabalhadores do mundo tanto anseiam, pois é ideologia, mas é
científica.

Aos trabalhadores anticomunistas resta apenas a decepção de


governos antipovo que a direita vem a oferecer, numa luta
quixotesca contra os governos oportunistas, que a falsa esquerda
vem a apresentar, até perceberem enfim as verdades elementares
sobre países de capitalismo burocrático, como o Brasil e toda
América Latina: não são e nunca foram democracias nem mesmo
independentes. Tão somente notando isso e também percebendo que
os verdadeiros comunistas estão a trabalhar com seu próprio sangue
para conquistar ambas, democracia popular e independência
político-militar, eles entenderão por quantas décadas foram
enganados e sua fúria será sem precedentes, pois o proletário mundial
não tem nada a perder, se não seus grilhões!

Um otimismo revolucionário urge entre os comunistas, pois


entendem e percebem que sua luta realmente muda a sociedade.
Paciência é requerida, todavia, pois a maioria dos comunistas de hoje
não colherão os frutos de suas batalhas, mas eles serão deixados a
seus filhos e ao futuro da humanidade. A história não falha:
venceremos!

“Qual poderia ser o máximo temor? Morrer? Como


materialista, creio que a vida termina algum dia, o que prima
em mim é ser otimista, com a convicção de que o trabalho ao
qual sirvo outros hão de prosseguir e levarão até o
cumprimento de nossas tarefas definitivas, o comunismo. (...)
Creio que tenho otimismo quase orgânico e me movo mais em
problemas de compreensão e vontade do que em problemas de
sentimentos e depressão. Ao contrário, creio que sou bastante
otimista, é o marxismo, o Presidente Mao que nos fez entender
que os homens, nós comunistas em especial, somos otimistas.

195
Sempre que me encontro em momentos difíceis, me esforço por
encontrar o que há de positivo, ainda que pouquíssimo,
inclusive, que pode ter um momento para desenvolver-se;
porque nunca tudo pode ser obscuro, nem tudo pode ser
vermelho. Inclusive se houvera, ainda que não tenhamos tido
até hoje, uma grande derrota, sempre haveria uma parte boa. O
problema está em tirar a lição e sobre isso, bom, seguir
trabalhando; sempre encontrarás quem apoie, quem dê calor
intenso, ajudando no combate porque o comunismo une.
(PRESIDENTE GONZALO, A Entrevista do Século,
1988)

196
TODO APOIO À IMPRENSA
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É com extremo orgulho que o realizador deste presente


trabalho se coloca enquanto assinante e apoiador do jornal A Nova
Democracia, que representa a imprensa democrática, popular,
nacional, antifascista e anti-imperialista do Brasil.

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Apoie a imprensa à serviço do povo trabalhador brasileiro!

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197
“A nossa cultura é uma cultura do povo. Os nossos trabalhadores
da cultura (da Frente Antifascista) devem servir o povo com a
maior devoção; devem ligar-se às massas, não desligar-se delas.
Para ligar-se às massas importa agir de acordo com as
necessidades e aspirações das massas. Todo o trabalho para as
massas deve partir das necessidades destas, e não do desejo deste
ou daquele indivíduo, ainda que bem-intencionado.
Acontece frequentes vezes que, objetivamente, as massas
necessitam de certa mudança, mas, subjetivamente, não estão
ainda conscientes dessa necessidade, não a desejam ou ainda não
estão determinadas a realizá-la. Nesse caso, devemos esperar
pacientemente. Não devemos realizar tal mudança senão quando,
em virtude do nosso trabalho, a maioria das massas se tenha
tomado consciente dessa necessidade e esteja desejosa e
determinada a realizá-la. Doutro modo, isolamo-nos das massas.
Enquanto elas não estão conscientes e desejosas, toda a espécie de
trabalho que requer a sua participação resulta em mera
formalidade e termina num fracasso.
O ‘devagar se vai ao longe’ não traduz uma oposição à rapidez,
mas sim ao putschismo. O putschismo é que conduz
inevitavelmente ao fracasso. Isso é justo para todos os trabalhos,
sobretudo para o trabalho cultural e educativo, transformador da
ideologia das massas. Há dois princípios aqui: um é o das
necessidades reais das massas, e não aquilo que imaginamos serem
as suas necessidades; o outro é o do desejo livremente expresso
pelas massas, as decisões que estas tomam por si próprias, e não
as decisões que nós tomamos em seu lugar.”
-Presidente Mao Zedong

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