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Maria Eduarda Aires Guimarães Figueiredo Borba

Realidade da prostituição no Brasil


Maria Eduarda Aires Guimarães Figueiredo Borba

Além do sexo
Realidade da prostituição no Brasil
© 2021 by Maria Eduarda Aires Guimarães Figueiredo Borba
Direitos Reservados desta Edição: Autora
Todos os Direitos Reservados. Proibida a Reprodução total ou parcial. Sanções
Previstas na Lei nº 9.610/1998, artigos 122 - 130.
A produção exposta neste e-book é de inteira responsabilidade da autora,
incluindo forma e conteúdo.

Projeto Gráfico, Diagramação e Capa


Jannine Dias

Fotógrafa:
Karla Machado

B726a
Borba, Maria Eduarda Aires Guimarães Figueiredo.
Além do sexo: realidade da prostituição no Brasil [livro eletrônico] /
Maria Eduarda Aires Guimarães Figueiredo Borba. – Goiânia : [s.n.], 2021.
(Goiânia : Editora Vieira).
125 p. ; eBook.

1. Prostituição – Brasil. I. Título.

CDU 362.65(81)

Índice para catálogo sistemático

1. Prostituição – Brasil..................................... 362.65(81)

Brasil
2021
Por motivos de proteção de imagem, as histórias a seguir serão contadas
com nomes fictícios.

Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo


nem de chuvas tempestivas nem das grandes venta-
nias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.
-Clarice Lispector
Sumário

Apresentação.......................................................................................05

Parte I (Depoimentos).........................................................................08

Capítulo 1 É um vício...........................................................................09

Capítulo 2 A falta que a falta faz...........................................................21

Capítulo 3 Clientes................................................................................27

Parte II (História e legislação)............................................................31

Capítulo 4 Prostituere...........................................................................32

Capítulo 5 À margem da sociedade moralista.....................................47

Capítulo 6 “Você não faz movimento nenhum se escondendo debaixo

da mesa”...............................................................................................55

Parte III (Casos, pesquisas e desafios).............................................62

Capítulo 7 Quanto vale a vida?.............................................................63

Capítulo 8 Medo de te transpassar.......................................................82

Capítulo 9 Por que se fala?...................................................................93

Parte IV (Nas artes).............................................................................98

Capítulo 10 Sempre estiveram presentes............................................99

Referências........................................................................................112
Apresentação

Além do sexo, escolhi esse nome para falar de prostituição, aquela


verdadeira, longe do julgamento e do título de vida fácil. Desde pequena
costumava escutar que garota de programa era mulher de vida fácil, de di-
nheiro fácil e ainda alertada pelos mais velhos que dinheiro que vem fácil,
vai embora com a mesma rapidez com que chegou. Mas aqui vim mostrar
tudo que está por trás do programa sexual, o que ninguém vê, o sofrimen-
to, o preconceito, a falta de oportunidades, a violência, entre muitos outros
percalços que tornam essa profissão nada fácil.
O livro em questão está dividido em quatro partes, todas conexas e
contando uma única história, sobre a prostituição. Na primeira parte trago
histórias, relatos de pessoas que vivem na prostituição. São três perso-
nagens, um homem, uma mulher cisgênero e uma mulher transexual que
compartilham as lembranças da infância, seus passos que os levaram a
entrar na vida de programas, contam a relação com familiares e amigos
com a profissão, sobre a marginalização, a falta de direitos, conselhos e
terminam com relatos de trabalho, história sobre clientes e como as pes-
soas são diferentes.
Já na segunda parte, o contexto é a história da prostituição, de onde
veio, quando e como começou, em que momento ela chegou em terras
brasileiras, como é tratada no século XXI depois de tantos anos, quais leis
existem quanto a essas profissionais, quais as legislações que ainda fal-
tam, como sua aplicação nem sempre é devidamente observada, além da
falta de preparo do país em relação às pessoas que vivem na prostituição.
Por último, conto a história de Gabriela Leite, a importância que ela teve
no movimento e luta dos direitos das garotas de programa e, porque sua
história inspirou até o nome de uma lei.
Na terceira parte começa a abordagem de questões ligadas à violência,
com pesquisas sobre feminicídio no Brasil. Para falar desses casos em
que mulheres foram mortas por homens, dando visibilidade ao lado das
vítimas desses crimes hediondos, já que quando tais episódios vieram a
público, muitas vezes privilegiou-se o que os assassinos tinham a dizer.
Começo com a discussão sobre feminicídio porque antes de acabar
na prostituição, alguma terminam morrendo pelo fato de serem mulheres.
Mostro casos de violência contra garotas de programa e como o estupro

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na infância acaba, muitas vezes, criando traumas e dificultando vários as-
pectos da vida posterior da vítima, o que, segundo estudos, aumentar a
possibilidade de que essa pessoa ingressar na prostituição.
Além disso, ainda na terceira parte, as pesquisas contemplam a situa-
ção das mulheres trans na prostituição. Não dá para falar sobre o tema
sem lançar um olhar para as transexuais e travestis, pois grande parte
dessas pessoas está na vida incerta de fazer programas sexuais em ra-
zão de serem alvos de transfobia, por falta de estudo, de emprego, de
oportunidades. Esta parte é concluída revelando que governos costumam
ignorar essas pessoas, mas que há quem se importe com elas, como Or-
ganizações Não Governamentais que ajudam esses grupos, prestando
assistência psicológica e até financeira, além de auxiliarem com estudos,
com cursos e alimentação.
A quarta parte do livro tem um perfil mais cultural, mostrando que dentro
da arte a prostituição e a figura da prostituta nunca foi esquecida. São li-
vros, peças de teatros, contos, séries de TV, novelas, músicas de diversas
plataformas e diversos cantores que têm as garotas de programa como
tema. A figura da puta está em embalagens de produtos, em lendas popu-
lares, em marcas e no imaginário das pessoas.
Está mais do que na hora de debater a prostituição de forma equilibrada
e desprovida de preconceitos com as novas gerações. Pessoas que não
conhecem bem que foi Bruna Surfistinha, que não viveram na época de
Gabriela Leite, que não leram Jorge Amado. Pessoas que lutam por tantas
coisas, mas não buscaram ou tiveram chances de conhecer a luta das
prostitutas. Jovens que estão ganhando voz na internet, nas redes sociais,
nas mudanças tecnológicas que o mundo experimenta, mas que muitas
vezes repetem opiniões e imagens que desabonam outras pessoas, como
as prostituas, sem ao menos saber o que passam, como vivem, quem são.
Falar de prostituição neste livro foi falar da falta de educação, falar so-
bre homofobia, transfobia, estupro, machismo, feminicídio, pobreza, desi-
gualdade social, sobre saúde, história e, principalmente, sobre preconcei-
to. A prostituição não é uma só, ela é várias: várias coisas, vários lugares,
vários números, várias pessoas.
A obra é pautada por um sentimento e uma demanda: a liberdade, em
especial a liberdade da mulher. Liberdade de ser o que quiser, de fazer o
que desejar, sem ser julgada, maltratada, excluída ou morta por isso. Um
passo nessa direção é demolir preconceitos arraigados para que, a par-

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tir daí, se possa falar mais abertamente sobre a prostituição, sobre todo
o contexto social que ela carrega, sobre as lutas e os direitos em torno
dessas mulheres e desses homens que, tantas vezes, são excluídos do
debate público.

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Parte I
(Depoimentos)
Capítulo 1
É um vício

Em algum lugar, por volta de 1999, no interior de São Paulo, nascia Lu-
cas, um menino que tem suas primeiras lembranças da infância cobertas
de traumas. Filho de Mario e Ângela, ele veio de uma família com boas
condições, mas desestruturada aos olhos da tradicional família brasileira.
O pai era alcoólatra, sempre estava em tratamentos; já a mãe sofria com
tudo isso, em especial tentando proteger os filhos.
“Eu não consigo te falar um ano da minha vida em que meu pai não es-
tava em reabilitação ou muito transtornado dentro de casa. Tinha agressão
doméstica também, agressão física, não foi uma infância muito normal,
mas tive muita coisa boa, muita coisa que eu tiro de bom, porém não foi
uma infância comum”, conta Lucas.
Por ser uma cidade pequena, todos sabiam o que ele passava, o que
seu pai fazia, principalmente por ele ser dono de um bar. As notícias cor-
riam tão rápido que Lucas se sentia sufocado, ele não tinha o que fazer e
não se sentia bem em nenhum lugar.
“Teve uma vez que meu pai foi preso e no outro dia que eu fui para a es-
cola, tiraram sarro e eu acho que foi a coisa que mais me deixou ruim. Eu
não podia defender porque ele tinha feito coisa errada, mas eu não queria
que falassem também, eu estava na escola né. Eu lembro de umas três
reabilitações. O álcool é uma coisa assim, você não para... Você começa
e todo dia quer aquela sensação.”
Não se pode dizer se por referência, por traumas ou por ausência do
pai, mas anos depois Lucas sofre com o mesmo problema. Ele tenta evitar,
sabe pelo que passou e do fim que tudo teve, porém é uma luta constante.
“Eu tenho, eu sofro de alcoolismo e tem semanas que eu estou bem.
Hoje eu não bebi nada, amanhã eu não vou beber nada, mas quinta-feira
me deu uma bad que eu bebi metade de uma garrafa de whisky em um
dia. Eu só chorava, bebia e chorava. Acordava e queria beber de novo,
então é uma luta constante e difícil”, relata Lucas.
Aos 14 anos já não morava mais com o pai, era apenas ele, a mãe e os
irmãos. Até o dia em que a mãe, dona Ângela, descobriu através de uma

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rede social que Lucas era gay. Ficou tão furiosa que expulsou o filho de
casa, mandou ele ir morar com o pai, que estava na cidade vizinha, já tinha
sido casado outra vez, mas havia se divorciado novamente e estava bem,
estava sóbrio. Porém, a felicidade durou no máximo dois meses. Com um
mês de Lucas na casa do pai, um amigo de Mario faleceu e ele não aguen-
tou. Bebeu tanto que não conseguia falar, contratou uma prostituta e ficou
o fim de semana inteiro com ela no quarto. Lucas tentou intervir, mas no
mês seguinte Mario já tinha voltado para a bebida, chegando a não ter o
que comer em casa. Lucas ligou para uma tia, conseguiu 20 reais, saiu de
casa e duas semanas depois descobriu que o pai havia morrido em casa.
Ele voltou a morar com a mãe. Dos 15 aos 18 anos, cada dia era mais
difícil que o outro. Morou na cozinha da casa da avó, mas foi expulso por
brigar muito com o avô homofóbico. Depois tentou viver de novo com a
nova família da mãe, mas o padrasto tentou matá-lo com uma faca. E
foi assim que aos 18 anos ele decidiu ir morar sozinho na casa que seu
pai havia deixado. Nessa idade, ele já fazia vídeos para o YouTube e era
considerado um pequeno criador de conteúdo. Participava de encontros e
workshops, mas naquela área ele percebeu que teria que trabalhar mais
duro e a carreira, naquele momento, não deu certo, uma vez que ele não
contava com uma boa estrutura para fazer suas gravações, por exemplo.
Por sua vida não ter uma constância, sempre estava em um lugar dife-
rente. Em razão de tudo isso, Lucas não conseguiu tirar sua carteira de
reservista - o alistamento militar obrigatório para meninos com 18 anos - e
sem ela encontrar emprego ficava mais difícil.
Durante um tempo, ele conseguiu se sustentar com certa tranquilidade,
pois vivia com um investimento que o pai havia deixado. Chegou a passar
em uma faculdade, fez matrícula, mas nunca ingressou no curso efetiva-
mente porque era em outra cidade. Não se preocupava com nada, come-
çou a usar drogas, não comia direito e enchia a cara de álcool. Foi quando
se apaixonou. O menino era riquinho, frequentava lugares caros, festas
caras e em um ato de desespero para conseguir acompanhar seu primeiro
amor, Lucas fez seu primeiro programa. Fazia quando precisava viajar,
comprar comidas diferentes, manter seu vício. Durante esse momento da
entrevista, ele tira um palheiro do bolso e começa a falar enquanto fuma.
“Eu parei por conta do meu namorado, e sempre quando a gente briga
eu preciso pensar em um emprego fácil. Então, a prostituição hoje pra mim
é uma carta na manga. Tipo, não deu certo, vai lá e pá, eu volto. Minha fa-

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mília, eu nunca tive essa conversa, sobre eu ser [garoto de programa]. Eu
não sou muito próximo, depois que eu saí da casa da minha mãe, nunca
mais tive que dar prestação de contas, mas eu também nem busquei ter
uma relação familiar. É até uma coisa que eu tenho que tratar na terapia,
mas para ser honesto, faz um mês que eu fiquei bêbado. Eu liguei para
minha mãe e contei.”
Dona Ângela, muito religiosa, assustou-se com a confissão do filho, mas
devido ao afastamento dos dois, nada pôde fazer a não ser aconselhá-lo.
Sem julgamentos, ela alertou Lucas de que ele merecia e podia ser mais
do que aquilo. Segundo Lucas, ela não o criticou em momento nenhum,
até porque não tinha mais o direito de opinar sobre a vida dele.
“Ela não tem mais esse espaço de poder falar isso ou aquilo. A nossa re-
lação não é de mãe e filho, a nossa relação é [a respeito das] casas. Meu
pai deixou casas de aluguel. Então, acaba que a gente se fala mais para
cuidar dessas casas e entre parênteses a gente solta uma coisa ou outra,
mas não é uma grande relação.”
Já com os amigos, o medo de contar era maior. Por conta do preconcei-
to e do estigma em torno do tema, ele sentia que as pessoas se afastariam
dele, que ele perderia essas convivências, que deixariam de segui-lo nas
redes sociais, como Instagram, que não curtiriam ou comentariam suas
fotos por não quererem ter vínculo com um garoto de programa, mas isso
nunca aconteceu. No começo, Lucas não sabia como contar, por isso fi-
cou dois anos escondendo a situação. Falava que estava saindo com um
homem, com outro, inventava desculpas de jantares românticos quando,
na verdade, estava trabalhando. Os amigos chegaram a falar que ele pre-
cisava fazer alguma coisa da vida que não fosse sexo e ele estava, na
verdade, trabalhando.
“Para mim, a gota d’água foi um dia em que eu acordei as 6 horas da
manhã em um frio... Estava muito frio, muito frio. Eu mandei no grupo das
minhas amigas falando que estava muito frio e eu não estava aguentan-
do ter que acordar àquela hora, e aí uma amiga minha que respondeu:
‘imagina se você tivesse que trabalhar’. E eu estava acordando porque
eu tinha que trabalhar, porque o cara marcou as 7 horas no motel e era
longe demais. Eu quase respondi que estava indo trabalhar, mas eu engoli
porque eu não queria falar. Para mim, não tinha como eu contar, falar: ‘oi
gente, eu faço isso e ponto’. É muito vago, ninguém tem ideia como é, de
como acontece, da profundidade. Tem gente que acha que é um dinheiro

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fácil. Para mim, no começo, era porque eu não tinha conseguido emprego
mesmo, estava sem [carteira] de reservista. Eu consegui minha reservista
inclusive na sexta passada. Depois foi uma maneira que eu vi de ganhar
dinheiro mais rápido. Não era fácil, não é um dinheiro nada fácil, inclusive
acho bem difícil”, assegura. “Se você chegar para alguém e falar: ‘você
transa com alguém por dinheiro?’, ninguém quer fazer. As pessoas pen-
sam no quanto vale a dignidade, alguém tocar... Tem muito essas ques-
tões, tem muito o estigma”, relata Lucas.
Com o dinheiro, Lucas decidiu se mudar para a capital, a grande São
Paulo, que era o sonho dele. Lá era uma cidade para todos os gostos. Ele
conseguiria crescer na vida, quem sabe até sair da prostituição, virar um
youtuber conhecido e até mesmo namorar.
“Meu namorado me conheceu me contratando. Não existe tanto tabu
no meio gay, não é tão malvisto, no meio hetero é mais. O [termo] puto é
muito forte, a puta. Um cara assumir uma garota de programa é coisa de
filme, é muito difícil, mas no meio gay alguns homens se vangloriam de
o namorado ser tão gostoso que é desejado por outros, ao ponto de as
pessoas pagarem pra transar com ele. É o machismo. A mulher, se ela foi
puta, é uma vergonha, mas no caso dos gays, não é 100%. Mas existe
esse outro universo, de não ter esse negócio da vergonha”, explica.
Durante suas experiências, Lucas decidiu lançar um livro contando sua
história e principalmente suas aventuras noturnas. Fez o suficiente para
enviar para os amigos próximos, sem explicações, sem alerta, apenas um
livro respondendo várias dúvidas.
“Eu fiz o livro para poder contar da minha forma. Primeiro, eu fiz 30 livros
e enviei para 30 amigas, só que eu não contei sobre o que era, nem nada,
ninguém sabia de nada. Quando elas viram a capa, eu falei que não ia me
explicar, elas iam ter que ler o livro. Assim que elas leram e viram a capa,
ficaram com muitas dúvidas, perguntando como assim? Desde quando?
Por quê? E eu falando que o livro foi feito para cessar as dúvidas. No mo-
mento em que eu tive o apoio delas, decidi publicar e na mesma semana
comecei a pensar em maneiras de publicar, de levar para frente e foi.”
No último capítulo, ele conta de um possível relacionamento que iria ter,
do cliente que se apaixonou, de como eles estavam ficando e se conhe-
cendo. Mal sabia Lucas que quando lançasse o livro, aquela vida não seria
mais a dele.
“Quando fui pedido em namoro, eu decidi parar, viver uma vida mono-

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gâmica. Foi muito rápido, eu lancei o livro e na outra semana eu já estava
com ele. Eu não tive muito tempo para pensar, foi automático. Ele falou
que ficava só comigo e eu falei para ele que seria monogâmico. Só que fa-
lei para ele que eu precisava de uma renda financeira. No começo, ele me
ajudou e agora eu procuro outros empregos. Eu estou me reacostumando.
Minha vida financeira virou de ponta cabeça. Em dezembro, eu estava
ganhando um bom dinheiro e agora eu não tenho um cartão de crédito
ilimitado, meu namoro não é um banco. É uma vida bem normal. Eu fui de
um extremo para o outro, mas também eu estava me drogando muito para
trabalhar. Muitos clientes usam coisas, muito Viagra e eu não aguentava
mais o remédio, tinham muitos pontos que me faziam não querer mais e
quando eu o conheci, dei um ponto.”
Além das drogas, a estética já não agradava mais. Lucas já não tinha
um corpo que vendia tanto. Na cidade pequena, onde ele começou, usava
todo o dinheiro para comida, mas agora ele não podia comer mais tanto
assim, não podia ficar se dando a esse luxo porque seu corpo já não es-
tava tão favorável. Mesmo que antes ele tivesse vários clientes, na capital
a concorrência era maior.
“É muito doido, porque eu comecei por querer comprar comida, depois
eu estava tendo dinheiro e eu não podia comprar comida. Era estranho
porque no começo, na cidade onde eu morava no interior, eu fazia um
trabalho e ficava uma semana me empanturrando e quando acabava a
comida eu fazia mais”, lembra o ex-garoto de programa.
“Quando eu cheguei na capital, fui vendo os corpos dos garotos daqui.
Eu falei que não tinha como ter um corpo gay não padrão. Eu queria gastar
com comida e não podia. Fui me tornando meio refém da coisa, é meio
estranho. Tem gente mais velha que faz e ganha muito dinheiro. Eu fico
pensando agora eu aqui com 22 anos, não estou lá na minha melhor fase”,
admite. Lucas sabe que existem procedimentos como plásticas e lipo, mas
sente que esse tipo de recurso não lhe traria benefícios nem no âmbito es-
tético. “O meio gay é muito tóxico, a gordofobia no meio gay é muito maior,
os padrões são muito diferentes. Agora no meio gay tem um clareamento
anal, para você ficar com as partes íntimas mais claras, e não é uma coisa
fácil, é algo que dói, é um laser, é invasivo e quem faz geralmente é para
se vender. Eu fui atrás para pesquisar, e não consegui. Eu vejo que entre
os meninos héteros, os padrões são diferentes. Ele pode ter cara de larga-
do, mas o gay não. Eu não me vejo passando maquiagem igual os outros.

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Acho que no interior iam atrás de mim porque eu tinha lugar onde atender
e quando cheguei na capital eu tinha onde atender, mas havia outros mil
garotos e todos bonitos e malhados de todas as idades e formas, até pen-
sei que não ia me dar bem aqui. Depois veio outra categoria, que era os
caras que queriam as pessoas ingênuas,” revela Lucas.
Por conta da sua vida de criador de conteúdo e depois de garoto de
programa exposto, Lucas de início não conseguiu lidar com ás duas coisas
juntas. Tinha medo da reação dos fãs e a maioria das vezes fazia coisas
sem pensar, não tinha nenhum acompanhamento e nenhuma ajuda.
“É uma coisa que eu trato muito em terapia, uma coisa real que eu não
soube lidar. Quando eu lancei o livro eu não fazia terapia, cuidava zero da
minha saúde mental e eu estava muito perturbado com essa questão. Eu
fiz no impulso, eu sou uma pessoa muito impulsiva, eu não me arrependo
em nenhum momento, mas eu não sei se eu voltasse eu faria de novo.
Mas eu não me arrependo”, garante. “Eu estava sem ajuda mental, hoje
em dia eu estou medicado e quando eu escrevi, sentia muita coisa à flor
da pele. Eu queria colocar em algum lugar, eu chorava muito, sou muito
chorão, eu choro por tudo. Existe uma lei que você não se apaixona por
cliente, mas para mim isso nunca existiu. Eu estava sempre apaixonado,
estava sempre chorando, eram dois extremos. Uma noite muito boa e de-
pois um dia muito ruim, foi isso”, relata. “Quando eu comecei a escrever o
livro, eu falei que cansei de me esconder, era agora ou nunca. Eu queria
entrar em sites e mostrar meu rosto sem ter medo de alguém mostrar para
algum amigo. Para ser honesto com você, o dia que eu postei para as pes-
soas no meu Instagram, eu estava bem bêbado. Quando minhas amigas
falaram que amaram, me deu uma segurança e quando eu postei a capa,
as pessoas ficavam perguntando se era fictício. Foi uma curiosidade muito
grande, foi uma época que eu tive um engajamento muito grande. Quando
meu público descobriu que eu era profissional do sexo, eles queriam saber
como, por que, desde quando, quem sabia, foi estranho. Eu fiquei feliz,
não cheguei a receber nenhum hater. A única desavença que eu tive, foi na
minha casa. A mulher que estava alugando [o imóvel] perdeu o contrato e
ela tentou uma briga jurídica e usou o livro para me rebaixar muitas vezes.
Só que tirando isso, eu tive sorte porque meu livro teve um alcance gran-
de, mas foi um alcance do meu nicho”, especifica. “Eu sempre fui muito
sozinho. Desde quando saí da casa da minha mãe, eu nunca mais voltei.
Eu não tenho uma tia para cuidar ou uma avó, eu não tenho alguém para

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julgar minha moral ou minha dignidade. Então, eu só pensava assim: ‘se
eu perder seguidores ou amigos, eu só não vou perder meus clientes’. Eu
tinha um pensamento muito firme. Para eu ganhar esse dinheiro, só preci-
sava da minha aprovação e isso era o que bastava naquela época. Mas ter
seguidores foi muito bom. Quando a gente escreve algo, a gente quer que
vejam. Foi muito bom. Eu falo foi no passado porque faz uns 8 meses e no
mês que eu lancei já mudei de vida. Parece que foi uma fase passada. Eu
me senti feliz, achei que ia ser linchado porque o público que me seguia
era um público teen e eu pensei que tinha acabado para mim, só que foi
ao contrário, as pessoas estão crescendo”, relembra Lucas.
Atualmente ele não trabalha mais na prostituição, porém não é algo
para onde Lucas não voltaria. Não é um tabu para ele, mas por outro lado
é algo que lhe prende, tanto no papel de cliente como no de profissional.
“Eu como homem branco, não posso falar que eu não tive essa opção
[de sair]. Eu não posso chegar aqui e falar que não tive oportunidade de
passar uma laje, de entregar folheto na rua, de vender alguma coisa. Eu
tive opção, mas como eu te disse, para mim nunca foi uma coisa muito
ruim. Eu já com 14 anos tive muita atração em caras de 30, 40 e 50 anos.
Já tinha esse problema desde cedo, só entrou a parte que eu comecei a
ser pago. Então, para mim, nunca foi um fardo, de olhar e falar que eu
nunca queria fazer aquilo. Nem todos os momentos eram bons, mas nem
todos os momentos eram ruins. Existiram trabalhos que eram muito ruins,
mas às vezes é bom acordar e pensar: quem eu vou conhecer hoje? Qual
desses homens aqui quer pagar para sair comigo? Qual vai me escolher?
Essa sensação de você ser desejado. Então, eu não vou te falar que eu
não tive opção porque eu tive, só não escolhi mesmo,” admite. “Você pagar
por sexo vira um vício. O sexo te vicia, a pessoa experimenta um, depois
ela quer experimentar outro e nisso muita gente falha. A gente vê notícias
de pessoas que perdem fortunas com prostitutas e noitadas porque é um
dinheiro que vai. Você gasta 200 reais em um, depois vão mais 300 em
outro e quando você vê, já foram 2 mil reais no mês. Ainda tem motel, tem
Uber, é bastante dinheiro”, contabiliza Lucas.

*****

Aos 18 anos, na cidade de Goiânia, Flávia entrava na prostituição. Nas-


cida e criada em uma família de classe média alta, aos 15 anos viu tudo

15
desmoronar, como sua casa repleta de amor e luxo, onde morava com os
pais e a irmã. Nunca imaginou que teria que trabalhar assim um dia, afinal
sempre viu sua mãe em casa tendo do bom e do melhor, dedicando sua
vida para criar as filhas. Mas naquele momento, a família havia perdido
muito.
“Foi uma infância supertranquila. Até então minha família tinha uma
condição ótima, sempre tive uma vida bem tranquila. Um dia meu pai foi
investir em novos negócios, foi tentar montar uma empresa de energético,
vodca e ice, e ele faliu completamente. Todo mundo teve que começar
a trabalhar. Minha mãe começou a trabalhar de doméstica, meu pai deu
depressão porque estava acostumado com uma vida boa. Nisso eu tinha
uns 15 anos”, recorda. “Quando fiz 18, eu tinha uma amiga que, na verda-
de, era uma ex-concunhada. Ela namorava o irmão de um ex-namorado
meu da época. Esses irmãos tinham duas casas de prostituição aqui em
Goiânia, mas até então eu nunca tinha mexido com isso. Na época em
que ela terminou, coincidiu de eu terminar também”, comenta. “Ela já tinha
trabalhado com isso e me chamou para conhecer a Real Privé e eu disse:
vamos. Minha família toda quebrada, eu queria ter minha vida de volta, a
vida que eu tinha. Foi assim que conheci a noite. Fui a primeira vez com 18
anos, mas com 20 anos eu comecei a trabalhar de verdade”, fala Flávia.
Para quem sempre teve uma vida boa, perdeu tudo e começou a ver o
dinheiro entrando mais uma vez, não tinha por que sair. “Pagar por sexo
vicia. Eu vejo que a partir do momento que entra não consegue mais parar.
Tanto o cliente, quanto a mulher”. Mas agora havia outra questão: a famí-
lia. Como lidariam com o fato de que uma menina que sempre teve uma
educação impecável, estudou nas melhores escolas de Goiânia, decidiu
que trabalharia com algo que muitos julgam ser a última opção, a opção
do desespero, da necessidade?
“Minha família toda sabe. No início foi um baque muito grande, até por-
que eu sempre tive uma educação muito boa, sempre estudei em lugar
bom. Então, no início, foi muito difícil principalmente para minha mãe. De-
pois de um tempo, por ser uma opção que eu tive, e aqui em casa a gente
respeita muito a decisão de cada um, o que o outro escolheu é a escolha
dele, ninguém intromete, todo mundo respeita hoje em dia. Meus amigos
e quem anda comigo também sabem”, conta Flávia.

*****

16
Jessica, desde muito novinha, sentia que existia algo de errado com ela.
Não era feliz com seu corpo, seu cabelo, sua aparência. Suas festas de
aniversário lhe faziam chorar, seus presentes não eram os que ela gos-
tava. Dessa forma, logo percebeu que ela não era aquilo e que precisava
mudar.
“Aos 7 anos, vamos dizer, eu já sentia que eu tinha nascido no corpo er-
rado. Eu não me via, eu não aceitava a ideia de que eu era um menino. Foi
até quando minha mãe fez um aniversário para mim do Homem-Aranha
e eu chorei, falei que queria um aniversário da Hello Kitty e ela conseguiu
me dar esse bolo só aos 24 anos, que foi ano passado. Então, eu já sentia
e não aceitava quando minha mãe fazia um aniversário de menino para
mim. Eu não queria nada azul, eu queria tudo rosa.”
Quando Jessica tinha 9 anos, seu pai morreu de câncer. Sua mãe ficou
totalmente arrasada, a família toda, na verdade. Ela viu sua genitora se
entregando ao álcool e precisou crescer sozinha com aquela dor. Naquele
momento, a última coisa que precisava era dar mais trabalho para a mãe
com seus assuntos particulares de até então ser um menino gay.
“Depois que meu pai morreu, eu escolhi dar uma pausa. Eu tinha medo
de contar para minha mãe, mas não por medo da reação dela. Eu não fa-
lava por medo de machucá-la ainda mais, já que ela estava sofrendo muito
pela questão do meu pai. Depois que meu pai morreu, ela virou alcoólatra,
bebia muito, fumava muito. Foi quando a família se desestruturou e eu não
tinha coragem de chegar nela para falar. Eu pensava na minha cabeça que
isso seria mais um problema na vida dela.”
Assim que as coisas se acalmaram, Jessica conseguiu entender o que
estava sentindo, as coisas que aconteciam com ela e finalmente teve co-
ragem de contar para sua mãe sobre si.
“Meu processo de transição foi com meus 15/16 anos. Ela me levava
no psicólogo, achava que eu tinha problema de cabeça. Minha mãe me
levava no psicólogo porque ela não aceitava a ideia de que eu era, até
então, um menino gay. Os psicólogos nunca falaram para ela, até porque
eles não podem dar uma confirmação de uma coisa que nem eles mesmo
sabem. No fundo sabem, mas como chegam para uma mãe e falam ‘seu
filho é gay’? Não existe isso. Minha mãe me levava para fazer um monte
de exames de cabeça, porque ela achava que eu tinha problema. Até um
dia, eu tinha 15 anos, eu me revoltei e rasguei os papéis dos exames lá no
psiquiatra. Falei que eu não era louca, que eu não tinha problema. Desde

17
então, me assumi gay e é assim que eu queria ser e ela ficou sem acreditar.”
A mãe, que sempre foi uma pessoa bem rígida com Jessica e com sua
irmã, ficou sem acreditar, mas para dar espaço à filha, aceitou que ela era
assim.
“Depois que eu me assumi, eu me senti a dona do meu nariz. Eu come-
cei a deixar o cabelo crescer, comecei a usar umas roupas mais femininas,
não tão femininas, mas já gostava de usar um short curtinho. Depois eu
conheci a maquiagem e foi quando eu comecei a usar e ela aceitava. Até
que um dia, de tanto ela ver que eu já não tinha mais roupa, que eu ficava
pedindo às amigas emprestado ou falava que quando não quisessem usar
mais, podiam me dar que eu usava, ela foi lá e comprou uma roupa de
mulher para mim. Então eu tenho que agradecer muito a Deus porque tive
uma mãe muito boa. Ela nunca pensou na hipótese de me mandar para
fora de casa. No começo eu sei que ela não aceitava, mas depois ela já
foi se adaptando. Ela não se importava com a minha escolha, mas tinha
medo de eu sofrer na rua, de eu apanhar, aquele espírito de mãe protetiva.
Quando eu estava quase chegando aos 18, comecei a fazer uso de hor-
mônios, tive uma complicação e procurei um endocrinologista. Ele me pas-
sou uma tabela certinha de como eu deveria começar a me ‘hormonizar’.”
Passados dois ou três anos da morte do pai, a mãe de Jessica se en-
volveu com um rapaz, que abusou sexualmente dela (Jéssica). Foi um
momento muito difícil. Ela teve que começar a fazer acompanhamento
psicológico para lidar com a situação durante muito tempo.
“Acho que depois do trauma que eu passei na minha infância, eu tinha
medo de me envolver com alguém. Hoje eu consigo falar abertamente
isso, porque eu fiz um acompanhamento psicológico, fiz todo um trata-
mento de terapia. Então, eu consigo falar abertamente sobre isso, sem me
machucar. Hoje em dia, com 25 anos, eu consigo lidar com essa situação
bem, mas durante muitos anos eu não conseguia.”
Depois de perder o pai, quem cuidava e pagava todas as contas da
casa era a mãe. Até uma certa idade está tudo bem, mas quando a pessoa
cresce, começa a querer a própria independência financeira.
“Eu sempre morei com minha mãe, ela que bancou tudo em casa. Gra-
ças a Deus a gente não paga aluguel, porque a casa é própria, mas ela
sempre pagou energia, fazia compras, as despesas. Teve uma época da
minha vida que eu acordei e falei assim: ‘gente, não tem como eu estar
pedindo as minhas coisas para minha mãe, então vou ter que correr atrás

18
de conquistar as minhas coisas’. E foi quando eu comecei a procurar em-
prego.”
Depois de começar o uso de hormônios com 18 anos, Jessica já se
entendia como uma mulher trans. Agora, além das roupas femininas, da
maquiagem e do cabelo, o corpo também seria como o de uma mulher e
foi como mulher que ela foi atrás de um emprego. É muito difícil ser uma
mulher trans no Brasil, o preconceito é tão grande que não importa o que
a pessoa saiba fazer, não costumam dar a oportunidade.
“Infelizmente, nenhuma empresa acredita e nem tem aquela coragem
de colocar uma mulher trans para trabalhar e ver todo o potencial dela.
Não sei se é regra, não sei se é medo, mas nenhuma empresa contrata
uma mulher trans facilmente. Tem que ser indicação para você conseguir
trabalhar. Sendo assim, eu fui atrás e não consegui. Tentei de todas as
formas, sofri preconceito em entrevista de emprego, até que um belo dia
eu percebi que não dava para ficar sem dinheiro.”
Nesse momento, Jessica percebeu que podia ganhar seu sustento com
homens que ficavam dando em cima dela em suas redes sociais.
“Tinha uns caras que me procurava no Instagram e eu falei: ‘ah, quer
saber? É tanto’. Eu comecei a cobrar. Foi uma, duas, três, quatro vezes,
até que eu peguei gosto, porque eu via que o dinheiro realmente estava
vindo. Foi quando eu decidi entrar em site. Nunca trabalhei na rua, não sei
como é trabalhar na rua, mas eu sei o que é lidar com vários tipos de pes-
soas. Então, eu me divulguei em site, comecei a vender conteúdo adulto
e com isso foi indo, foram fluindo as coisas. No começo, eu deslumbrei,
né. A gente ganha muito dinheiro em pouco tempo. Em uma semana eu
conseguia fazer 3, 4 mil reais, coisa que eu nunca conseguiria trabalhan-
do um mês para ganhar um salário-mínimo. Então, a gente realmente se
deslumbra, mas a pessoa tem que ser forte para conseguir lidar com esse
tipo de situação, sabe? Não é fácil, é complicado.”
Quando começou a se prostituir, era um passo a mais na relação com
sua mãe, depois que havia se assumido gay e, posteriormente, trans. Ago-
ra a conversa seria outra, ela estava vendendo seu corpo. Talvez a mãe
não entendesse, mas aceitou bem, no fim.
“Minha mãe e minha irmã não me criticam, elas não opinam, não ficam
jogando isso na minha cara em momento de raiva, porque toda família tem
umas briguinhas, né? Mas ela não joga isso na minha cara, ela aceita bem.
Eu expliquei para ela o motivo pelo qual eu tinha entrado nisso. Minha mãe

19
é daquele povo antigo. Infelizmente ela não teve uma alfabetização muito
boa, porque teve que começar a trabalhar muito cedo. Não é qualquer
coisa que você vai explicar que ela consegue entender. Você tem que ter
toda uma calma para explicar. Ela não entende o porquê uma empresa
não contrata uma trans, não entende o porquê que as portas para a gente
são menores. Inclusive, ela falou para mim que se não tinha outro meio,
eu estava era certa mesmo. Ela falou que se eu quisesse fazer, eu fazia,
mas não queria me ver na rua, não queria me ver exposta, não queria me
ver saindo com qualquer um por causa de dinheiro, que eu tinha uma mãe,
mas se eu visse que o cara era legal, ia e pronto. Ela aceita bem. Eu ainda
tenho mais esse privilégio.”

20
Capítulo 2
A falta que a falta faz

Por ser uma profissão muito marginalizada, existem pontos que tornam
o profissional do sexo um solitário. A sociedade exclui o prostituto, a pros-
tituta, faz uma escala de importância e deixa lá embaixo todas as pessoas
que fogem das normalidades criadas pelo patriarcalismo. Isso faz com que
muitos se sintam invisíveis. Lucas comenta a falta que faz a profissão ser
vista com mais dignidade.
“Eu acho que sempre vai ser (marginalizada). Eu não sou nenhum pro-
fessor de filosofia nem nada, mas eu sei que existem muitos estudos so-
bre moral, dignidade, valores e a prostituição vai contra tudo isso porque
você está pondo um valor em uma coisa que na sociedade é algo que
você guarda. São suas partes íntimas. É raro mostrar demais, imagina
você vender isso”, pondera. “Acho que é uma coisa errada desde o tempo
em que se é escrito, mas parece que nos últimos anos parece ser pior.
Acredito que sempre vai ser assim, pode até mudar, podem ter profissio-
nais do sexo em patamares mais altos. A gente tem a Lays Peace (uma
prostituta notória nas redes sociais), mas eu acho que ela não representa
coisa boa”, comenta. “Eu, na minha opinião, acredito que nesse ponto da
pandemia, ela aglomera muito. Quem sou eu para falar que não vai se
prostituir, mas o jeito que ela romantiza isso. Porque, pra mim, é um fardo
ter que fazer isso. Eu acho que quando as pessoas fazem isso só roman-
tizando, mostrando como é lindo, é problemático.” Lucas explica que por
mais que existam prostitutas com vários seguidores, tendo até 2 milhões
de pessoas que acompanham suas postagens, como Lays, ele não vê
essas mulheres sendo um bom exemplo, sendo as pessoas que vão levar
a profissão para um lugar de mais respeito, para o público entender que
também são pessoas direitas. “Quem sabe um dia as pessoas certas ga-
nham reconhecimento”, explica Lucas.
Nos últimos dois anos tivemos no mundo inteiro a pandemia causada
pelo novo coronavírus. Os profissionais do sexo tiveram muitas dificulda-
des de trabalhar por conta das medidas de distanciamento e pelo medo
de contaminação com a Covid-19. É nesse contexto que Lucas comenta
sobre Lays aglomerar muito. Tendo isso em vista, ele conta sua experiên-

21
cia durante esse período.
“Nos primeiros dois meses, as pessoas não tinham muita informação.
Era aquele pico. A partir de junho (de 2020), eu senti que as pessoas per-
deram um pouco do medo. Eu cheguei a atender pessoas com máscara,
inclusive. Foi bem estranho porque a pessoa já estava pegando no meu
corpo, a gente estava pelado. Caiu bastante a procura, mas aumentou
muito o número de pessoas na prostituição”, fala Lucas.
Infelizmente não existem pesquisas que abrangem o Brasil inteiro e co-
loca uma porcentagem, mas existem muitos relatos que mostram como
Lucas está certo “Mulheres que perderam emprego na pandemia recorrem
à prostituição em SP”, título de uma matéria do Uol onde mostra relato de
mulheres que entraram na prostituição em 2020/21.
Pergunto para ele o que gostaria que as pessoas ouvissem dele, o que
queriam que escrevessem sobre o que ele fala.
“Eu vou começar falando que eu acho muito importante a legalização.
Acho muito importante a gente ter esses direitos, como plano de saúde,
direito à aposentadoria. É muito difícil, com o preconceito que há, de a
gente denunciar alguma coisa, como quando a gente sofre uma agressão
ou se alguém, por exemplo, abusa de você. Como você vai denunciar
isso? Tem gente que acha que você quis estar (naquela situação) ou que
não foi um abuso porque a pessoa pagou e ela pode fazer o que quiser,
só que não pode fazer o que quiser”, salienta. “Deveria ter uma lei especí-
fica, um crime específico (para essas práticas), porque sexo é sexo, dor é
dor, machucar é machucar. Eu acho muito importante legalizar, acho muito
importante cuidar da saúde mental quando você trabalha nesse meio. Eu
desejo dias melhores. Acho lúdico falar que profissionais do sexo daqui 10
anos baterão carteira em uma empresa de prostituição, mas acho que a
gente pode começar com leis, começar com serviços para a saúde mental
dessas pessoas”, conclui Lucas.

*****

Diferente da história anterior, Flávia não assinaria carteira, por não que-
rer a prostituição vinculada ao seu nome.
“Eu nunca trabalhei em lugar ruim, eu sempre trabalhei em casas muito
boas, aqui (Goiânia) e em São Paulo. Por serem lugares mais caros, vai
gente da alta sociedade, uma galera que é melhor de condição. Acaba que

22
até por medo da confusão, nunca tive problema, sempre fui tratada com
muita educação. Por mim, particularmente, eu não assinaria carteira. Não
quero nada desses direitos incluídos, não trabalharia de carteira assina-
da”, justifica Flávia.
Porém, ela enxerga a solidão. “Você anda com quem pode te dar o
melhor benefício. Amizade, esquece.” Flávia vê que as pessoas se iludem
muito com o mito do dinheiro “fácil”, porém nunca foi assim.
“Vejo a galera que vem conversar comigo, achando que sabe como é,
mas não é nada disso. Eu estive ali primeiro pela grana, depois pelo costu-
me do valor x que você ganha. Eu vejo muita menina que gosta, que real-
mente gosta, mas eu não gosto. Gosto da minha condição, do valor que
eu ganho. Já desisti, mas eu sempre volto, não consigo ficar longe”, conta.
Além disso, ela fala como foi trabalhar durante a pandemia. “Durante a
pandemia, eu fiquei um ano em Goiânia, mas voltei a trabalhar no fim do
ano passado. Eu parei por estar fixa com um cliente meu, mas as boates
fecharam”, comenta.
Ela acrescenta o conselho para que as pessoas não entrem nessa vida.
“Não entre, porque se você entrar, não sai. Não vá lá brincando, achan-
do que vai ser legal e em uma semana você sai”, explica.

*****

Durante toda sua vida, Jessica lutou por igualdade, tanto como uma
mulher trans, quanto como uma garota de programa, sem nunca aceitar a
exclusão, refutado ideias como as de definir mesas ou salas específicas
para uso deste público num shopping, por exemplo. “Eu não quero ir ao
shopping e ter uma mesa específica para mim porque eu sou trans. Eu
quero poder sentar-me em uma mesa comum.”
Pela falta de legalização da profissão, as prostitutas não têm direitos
básicos trabalhistas, como, por exemplo, plano de saúde, 13º salário, fé-
rias, auxílio-doença, entre outros benefícios. Mesmo que existam aquelas
que tiram até R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por semana, como Jessica,
existem também as que ganham pouco e se sustentam com o que conse-
guem, pagam aluguel, comida, água, luz, entre outros gastos.
“Falando pelas trans e garotas de programa, há as menos privilegiadas,
que se ficarem doentes, não podem exercer a profissão. Elas moram de
aluguel e se não trabalharem, não têm onde morar. Eu acho que deveria

23
ter um auxílio, um apoio. Tem gente que entra nessa vida porque realmen-
te precisa, mas eu tenho uma amiga que faz faculdade, é filhinha de ma-
mãe, tem tudo que quer e faz programa. Por outro lado, tem amiga minha
que a família abandonou, que a mãe é drogada, fuma pedra, o pai está
preso, ela é sozinha. Tem outros jeitos, mas ela procurou o mais rápido de
resolver a vida.”
A falta de diversos apoios para essas mulheres as deixa em extrema
vulnerabilidade. Como Jessica disse, “se não trabalha, não paga”. Ela se
precaveu e separou um dinheiro para o INSS, fez um plano de saúde,
paga coisas por fora, mas nem todas são assim, porque precisam daquele
dinheiro para arcar com muitas contas. Ela tem uma estrutura familiar para
ajudar, como a mãe e a irmã que trabalham, diferente daquelas pessoas
que são abandonadas pela família, que são sozinhas, que não podem ficar
doentes porque se não levantarem da cama, não têm o que comer.
“Eu sempre falo para amigas minhas, quando fazem programa, para
elas se organizarem financeiramente, juntar um dinheiro para quando der
um problema você ter uma garantia. Eu tenho uma amiga que ela tem uma
avó de 83 anos. A família inteira abandonou a avó e ela é a única que cui-
da. Então, ela faz programa e tira o dinheiro para pagar uma pessoa para
cuidar da avó quando ela não está. Ela não tem coragem de deixar a avó
sozinha, ela tem Alzheimer e minha amiga não tem coragem de colocá-la
em um abrigo. Tem pessoas que realmente fazem porque precisam. Ela
[a amiga] não tem como ser assalariada, manter uma idosa e pagar uma
funcionária o mês inteiro por um valor X.”
A prostituição também é um meio difícil para as transexuais. As pessoas
costumam formar uma imagem errada da prostituta trans, de que ela rou-
ba, que vai fazer algo de ruim.
“Teve um cliente meu, que era fixo, a gente saía sempre e quando a
gente cria vínculo com o cliente, eles acabam tendo a confiança de contar
certos tipos de situações. Ele me falou que teve uma vez que saiu com
uma trans e ela filmou todo o ato e começou a ameaçar, pedindo dinheiro,
falando que ia expor, mandar para a mulher dele, porque ele era casado.
Ele ficou uns 3 meses mandando dinheiro para ela, mas teve uma hora
que ele cansou, procurou a polícia, foi atrás, contou para a esposa o que
tinha acontecido. Então, realmente existe gente dentro da prostituição que
é marginal. Eu mesma não tendo essas atitudes já fui bastante margi-
nalizada, já tiveram medo de sair comigo, por medo de eu roubar, de eu

24
ameaçar. Tem homem que é receoso.”
Além de todas as dificuldades elencadas, trata-se também de uma pro-
fissão muito solitária. Não há muitas pessoas que aceitam e quem se pros-
titui acaba por trocar sua energia com outras que não estarão junto depois
do programa.
“Toda garota de programa é uma pessoa solitária, sabe. Imagina só,
você ficar ali com 3, 4 pessoas e no final da noite você dormir sozinha. Eu
estava internada na semana passada, eu fiquei duas semanas internada,
antes do meu aniversário e, tipo assim, você conhece vários homens, vá-
rios homens te querem, vários te procuram, vários fazem o que você quer,
mas no momento em que você está vulnerável, igual eu estava, não tinha
uma pessoa. Realmente a gente se sente solitária. E também não só as
garotas de programa, a maioria das trans são solitárias.”
Vários homens gostam de mulheres trans, mesmo que neguem isso
para outras pessoas, senão elas não teriam tantos clientes, não ganha-
vam muito, não trabalhariam. Quase nenhum homem assume a relação,
leva para jantar, encara o preconceito. Isso é raro. É nesse momento que a
solidão é maior, momento em que Jessica se pergunta o que está fazendo,
que sentido tem isso, porque se entrega tanto.
“A prostituição é um meio que eu achei de ganhar dinheiro, mas também
foi um meio de dar o troco nos homens. Eu já tive um Tinder, conhecia
um cara, conhecia outro, mas o intuito deles sempre era o mesmo, era só
sexo, sexo, sexo, sexo. Ninguém me chamava para tomar um sorvete, co-
mer uma pizza, para um cinema. Eu comecei a perceber isso nos homens.
Foi quando eu decidi unir o útil ao agradável, fazer do limão uma limonada.
Já que o intuito deles é esse, então eu vou começar a ganhar dinheiro em
cima disso e com esse dinheiro eu posso fazer as coisas que eu quero,
que é ir tomar um sorvete, comer uma pizza. Então, eu tinha que trabalhar
com eles para poder ter esses momentos, mas só que sozinha.”
Jessica trabalha com o corpo há três anos, sendo quase dois deles du-
rante a pandemia, que afetou várias pessoas, inclusive ela e suas amigas,
que já chegaram a não ter o que comer.
“Houve amiga que teve que se humilhar, que passou fome e as ou-
tras se juntaram para ajudar a comprar comida. O meio da prostituição [é
formado] por pessoas que estão lutando por si, mas quando uma passa
dificuldade, todas se comovem, ajudam. Com essa vida, você vai conhe-
cendo pessoas e há aquelas que gostam de você, mas tem as que querem

25
puxar o seu tapete. A minha dificuldade foi em pagar contas, como quando
eu fiquei internada e depois não tinha dinheiro para comprar os remédios.
Então, a questão da pandemia foi complicada para várias pessoas que
pagam um aluguel, pagam uma água. Deu uma caída mesmo.”
Por fim, perguntei o que ela gostaria que ouvissem de sua boca.
“Queria que as pessoas ouvissem de mim que eu sou um ser humano
comum como qualquer outra pessoa, tenho coração, tenho sentimentos,
emoções, que eu não queria ser tratada diferente de outras pessoas. Não
queria que as pessoas me vissem só como objeto, mas sim como uma
pessoa que também pode agregar na vida de um homem, assim como
uma mulher. As pessoas acham que pagando garota de programa pode
fazer o que quiserem, só que elas precisam ver que por trás daquele per-
sonagem que está ali – que no caso quando a gente está em um programa
a gente monta um personagem –, por trás tem uma pessoa que passa
necessidades em casa. Às vezes pode ter uma pessoa que tem dificul-
dades, tem uma pessoa que foi abandonada, uma pessoa que está triste,
deprimida, mas está ali porque precisa. Se você está procurando por um
trabalho, seja legal, seja uma pessoa incrível, não seja a pessoa que acha
que porque está pagando pode fazer o que quer. Então, mais empatia, sa-
ber lidar com a situação, o que é raro de acontecer. Às vezes a gente não
acorda em um dia bom, mas precisa estar ali.”

26
Capítulo 3
Clientes

As pessoas sempre têm curiosidade para saber como é a vida na pros-


tituição. Então, aqui estão algumas dessas histórias. São pessoas muito
diferentes umas das outras, por isso trabalhar com elas é desafiador. Ao
tempo em que existe uma pessoa disposta a abraçar, existe outra que não
agirá assim. Lucas, garoto de programa, abre esse capítulo contando sobre
um cliente dele.
“Um cara basicamente me pagava para dormir com ele. Teve a pandemia
e muita gente ficou sozinha. Existe esse cara que eu vou chamar aqui de
João. Eu conheci o João em um aplicativo e ele não é bonito, ele é um ho-
mem um pouco fora do padrão e veio me chamar. Eu falei ok, mas eu não
faço nada de graça, é o meu trabalho, e ele falou que não tinha problema ne-
nhum. Eu fui saber do histórico dele. Ele ficou casado 10 anos com a mulher,
tem dois filhos e sempre foi gay. Já teve casos, traía a mulher com homens
e agora está num processo de divórcio nos últimos dois anos. Ele tem um
apartamento grande, onde mora sozinho, o que é triste, é deprimente. João
é muito solitário, tomava Diazepam e outros remédios para dormir, queria
alguém para ficar com ele. Então, toda vez que a gente saía ele sempre
queria companhia. Inclusive no Natal, eu comprei um quebra-cabeça para
ele, por exemplo, brincar com os filhos. Foi alguém em quem eu não tinha
tesão. Quando eu não estava a fim, ele só me pagava pra gente dormir junto
e é um olhar muito triste. Ele estava me pagando muito mais do que o sexo,
ele queria alguém para conversar. Mesmo que ele fizesse terapia, queria o
físico, o que é meio difícil quando você não tem uma aparência muito bonita.
Quando você não é loirinho de olhos azuis, é muito difícil alguém querer te
assumir. Então, eu percebi que ele estava comigo porque outras pessoas o
rejeitaram. Mesmo que eu fosse obrigado a ser legal com ele, eu realmente
seria legal. É uma pessoa que marcou bastante. De todas as pessoas que
eu atendi, o João me marcou muito porque com ele eu dormia. É uma coisa
de ir lá, as vezes almoçar, isso durante a pandemia que a gente tinha que
ficar mais isolado. Vários caras que eu conheci eram solitários, eles queriam
companhia. Mas também ninguém é bonzinho, todos eles quiseram sexo,
receberam pelo que pagaram.”

*****

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A história de Flávia é diferente, é de uma amiga, mas não deixa de ser
curiosa.
“Tem um cliente de uma amiga que era fazendeiro, um cara milionário
que se apaixonou por ela, o que é errado, né? Não existe amor nesse
meio. Então, ele começou a cuidar dela, financeiramente falando. Ele era
casado e logo a esposa dele descobriu. Ele terminou o casamento para
ficar com a menina. Ela não parou de fazer programa e na época se en-
volveu com uma mulher. Por essa mulher, ela se apaixonou. O fazendeiro
já tinha comprado carro para ela, um Corola novo. Foi o maior bafafá. Ela
o largou para ficar com a mulher e se casou com a companheira. Optou
por continuar trabalhando. Depois, o homem voltou para a ex-esposa, está
com ela até hoje. Ela perdoou e a moça ainda está casada com a outra.”

*****
Já o relato e Jessica é triste. Ela atualmente não trabalha na prostitui-
ção, mas não é como se ela não fosse voltar mais. Hoje possui inseguran-
ças devido a um cliente.
“Eu sempre tive um corpo, cinturinha, bundão, aquela coisa bem femi-
nina. Só que de um tempo para cá, devido às crises de ansiedade que
eu estava tendo, devido a toda aquela euforia de acordar já respondendo
homem, passando valor, explicando como funciona, adoeci. Então, minha
vida era aquela. Eu perdia o sono, desenvolvi pressão alta, comecei a
fazer tratamento de novo com terapia. Eles me encaminharam para um
psiquiatra, comecei a tomar antidepressivos. Então, com os remédios que
eu estava tomando e com a ansiedade que eu estava tendo, comecei a
engordar compulsivamente. Questão de semanas eu engordei, e quando
a gente está nesse momento vulnerável, não conseguimos perceber que
estamos engordando. Nisso, um cara em um site me achou, salvou meu
número. Ele já tinha me mandado mensagem umas outras vezes, só que
nesse dia ele perguntou se eu estava disponível e eu estava. Ele marcou
de a gente se ver. Eu expliquei direitinho, passei valor, falei que atendia só
em motel e ele me buscou. A gente chegou no motel, ele era um homem
de poucas palavras e mandou eu tirar a roupa. Eu estava lá para isso, fui
e tirei a roupa. Na hora, ele me olhou e mandou eu vestir de volta que ele
não queria mais, falou que se quisesse comer mulher gorda ele comia a
esposa dele”, relata.
“Sabe quando você para e fica tentando raciocinar se aquilo aconteceu?

28
Porque eu vou te falar uma coisa, eu fui por três anos garota de progra-
ma, três anos e nunca na minha vida aconteceu uma situação dessas. Já
aconteceu de eu sair com homem psicopata, louco, que estava se dro-
gando, querendo que eu me drogasse junto, só que eu já explico que não
adianta querer me oferecer dinheiro para eu me drogar ou qualquer outra
coisa assim. Quando eu vou nesses lugares, nem beber eu bebo. Se eles
me oferecerem um copo d´água eu não tomo nem do copo deles, é uma
coisa que eu aprendi, porque a gente nunca sabe o que pode acontecer.
Então, eu fiquei ali tentando raciocinar e ele falou que quando saía na rua
para procurar alguma coisa, procurava um corpo bonitinho. Ainda mandou
eu apagar as fotos do site que eram enganosas, me chamou de obesa.
A minha reação foi ficar calada. Eu vesti minha roupa, não chorei até en-
tão, mas eu levo meu carregador para o motel para eu deixar carregando
o celular enquanto rola o programa. Só que nesse dia como não rolou o
programa, meu celular estava perto de descarregar. O homem foi saindo
e disse que ia me levar em casa. Pelo fato do meu celular não aguentar
chamar o Uber e esperar lá, eu fui com ele”, descreve.
“Dentro do carro, ele veio calado, mas quando chegou na porta da mi-
nha casa, ele falou para eu dar uma abaixada no valor porque eu não
estava valendo tudo isso, que eu não estava mais novinha, não estava
mais bonita, que a beleza da foto eu tinha perdido. Acho que o ‘inimigo’ o
estava colocando na minha vida para me desestabilizar, para me deixar
mal, fora que ele jogou o dinheiro, não entregou na minha mão. Eu falei
que não precisava pagar porque não tínhamos feito nada, mas ele disse
que estava pagando por me tirar de casa. Na hora que eu entrei em casa
e me deitei na minha cama, fiquei 10 minutos raciocinando toda aquela
cena. Na hora que minha ficha caiu, eu desabei, comecei a chorar, falei
que não queria mais essa vida. Não que eu não aceite crítica super bem,
mas foi uma coisa que eu não estava esperando, foi uma coisa muito forte.
Foi quando eu decidi sair dessa vida. Nem que eu trabalhasse ganhando
menos, mas não queria essa vida para mim, foi o fim ali. Eu comecei a fa-
zer terapia, fiquei muito mal, minha autoestima foi lá embaixo, eu tripliquei
o peso que eu estava, porque quando tenho ansiedade eu como muito,
não consigo nem ver o que eu estou comendo”, admite.
“Depois disso, estou usando roupas mais largas, mais calças, porque
tenho medo de mostrar que estou engordando. Foi a história que mais me-
xeu comigo nesses três anos. Já aconteceu de me xingarem, de estarem

29
drogados, mas isso me arrasou de vez. Agora eu não estou bem, fico com
receio de sair com uma pessoa, tirar a roupa. Eu tinha aquela cobrança
de a pessoa estar me pagando, então eu preciso estar impecável para
ela, tenho que estar magra, depilada, tenho que estar bonita, maquiada,
cheirosa, limpa, com a unha feita. Uma coisa que me matava era essa co-
brança, tinha dias que eu queria ficar o dia inteiro de pijama, com o cabelo
para cima, queria ficar no auge da minha preguiça, mas eu não podia. Se
a unha não estava feita, eu tinha que fazer, porque não sabia a que horas
que cliente iria querer e isso me desgastou de um tanto, você ligava para
mim duas horas da tarde eu estava maquiada.”
Além dessa, Jessica também contou uma história engraçada que só
acontece na vida de quem trabalha nesse ramo, porque se está na intimi-
dade de alguém.
“Teve um cara que me ofereceu dinheiro para me pintar de dourada, to-
dinha. Eu fiquei uma semana para tirar a tinta do corpo. Ele me pagou 800
reais e levou uma tinta de tecido dourada. Esse homem me pintou inteira
de dourada. Ele passava a mão em mim com aquela tinta e conseguiu
chegar no ápice do prazer só com essa situação. Já aconteceu de o cara
me pedir para fazer xixi nele. Quando você está ali, precisa estar disposta
a tudo, porque envolve dinheiro. Se fosse para eu fazer por livre e espon-
tânea vontade, eu não faria. Cada dia eu ficava mais assustada. Com o
programa, você aprende muita coisa, porque não lida só com um tipo de
pessoa, você lida com vários tipos. Ao mesmo tempo que você consegue
uma pessoa boa, você conhece uma que te destrata. É uma coisa que te
ensina, te surpreende, é uma lição de vida que eu vou carregar pelo resto
dela. Não é à toa que eu nem consigo namorar, porque já aconteceu de eu
estar no motel, a esposa ligar e o cara falar que estava em reunião. Pensa
se eu namorar e meu namorado falar que eu estava em reunião? Eu vou
falar que ele estava me traindo.”

30
Parte II
(História e legislação)
Capítulo 4
Prostituere

Prostituta, palavra que vem do Latim “Prostituere”, com o significado de


“ficar à frente de”. Pro- significa “à frente”, e Stituere, “Instalar”. Inicialmen-
te “Prostituere” tinha a conotação de “exposição”, “expor publicamente”.
Já a palavra “Prostituir” carrega o significado de “divulgar”, “publicar”, por
isso o termo prostituta foi designado para aquelas mulheres que expõem
seu corpo, que divulgam uma mercadoria que são elas próprias. Mas isso
é coisa da modernidade, nem sempre foi assim.
No começo dos tempos, entre os anos 40.000 e 12.000 a.C., nas so-
ciedades primitivas, não existia propriedade privada ou a ideia de família,
muito menos o conceito de monogamia. Não existiam serviços pessoais
pagos, nem a noção de mercado. Homens quando queriam ter algum tipo
de relação com alguma mulher, ofereciam objetos que fossem apreciados
por elas, principalmente em tribos muito pequenas.
Com a evolução, o trabalho humano passou a ser aprimorado, facilitan-
do-o e, assim, o homem descobriu a agricultura, começando civilizações
perto de rios, como o Tigres e Eufrates, em meados do século VIII a.C., na
região chamada de Mesopotâmia, atual Iraque. Essa região foi berço das
primeiras civilizações devido à sua terra fértil. Em essência, os rios traziam
muitos sedimentos que serviam de fertilizantes para a agricultura.
Com as primeiras civilizações vieram as primeiras crenças e os primei-
ros templos. Na Mesopotâmia e em outros lugares, como no Egito, a po-
pulação acreditava em deuses. Eles tinham forma humana, eram homens
ou mulheres, e reagiam a estímulos com razões e emoções. Eram consi-
derados imprevisíveis, mas, ao contrário do ser humano, eram imortais e,
como reis em seus templos sagrados, tinham um esplendor, uma aura.
A antropóloga Lucia de Fátima Lobo Cortez Amado, professora na PUC
Goiás, explica sobre como eram as deusas para que possamos com-
preender melhor o lugar da prostituição na sociedade. “Naquele momento
histórico, naquele período do Egito Antigo, nas sociedades mesopotâmias,
não tem uma distinção entre cultura, religião e a mitologia. As explicações
de mundo, as relações humanas e a relação do homem com a natureza,

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eram explicadas ao nível do imaginário do que a gente chama de mitos, de
mitologias. Tanto é que quando a gente estuda esses povos, vemos que o
papel da mulher na sociedade egípcia é distinto de outros povos do mes-
mo período, porque ela vai ter um poder político. Você vai ter as rainhas
egípcias, algo que é diferente de outras sociedades onde esse poder está
sendo canalizado na mão do homem”, contextualiza. “Essas deusas no
mundo egípcio têm uma significância muito grande porque nos primórdios
você vai ver que a mulher, a figura feminina vai ser idolatrada, vai ser en-
deusada pelo fato de ela dar vida, de ela ter essa possibilidade de gerar.
Mitologicamente, além da vida, ela também tem poder, ela é guerreira,
exerce poder de controle sobre a natureza, ela protege os homens. Elas
vão ser muito importantes”, comenta.
Lucia fala também sobre uma autora, Patrícia Pereira, escritora do livro
“As prostitutas da História”, de 2009, onde existe essa relação da deusa
com a prostituta. “Não estou falando que todas as deusas foram criadas
com essa mentalidade de serem prostitutas não, mas como ela traz as
prostitutas da história, Patrícia faz uma relação muito interessante com as
deusas. Ela coloca que as prostitutas iam de deusas à escória da socieda-
de. Assim é a história das prostitutas. As prostitutas, na história, já foram
associadas a poderes sagrados, a grandes deusas, a criadoras da vida.
Nesse período, muitas deusas de toda essa mitologia de deusas femini-
nas, era associada a esse papel também de liberdade sexual. Não havia
ainda essa instituição do casamento e muito menos o casamento voltado
para a procriação”, retrata. “Nesse período, está tudo misturado. A religião
tem um poder maior de ordenação na sociedade, seja ordenação de valo-
res culturais, seja ordenação de valores políticos. A política está atrelada
à religião e também a comportamentos relacionados à sexualidade”, res-
salta.
“As deusas vão ser consideradas as primeiras prostitutas da história.
Hoje, nós as chamamos de prostitutas por conta dessa liberdade sexual.
Não havia parceiro fixo. Ela ganhava um novo status a partir da fertilidade,
porque o que é um filho? Um filho vai dar poder ao homem, e perpetuar
esse poder. O homem se perpetua geneticamente nos filhos. Os homens
procriavam para obter poder e respeito sobre a virilidade. Então, as deu-
sas são todas muito poderosas e prestigiadas. Você não tem a questão
do casamento, você não tem parceiros fixos. Você tem a figura dessas
mulheres que têm uma liberdade sexual, porém não com a atribuição com

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o nome de prostitutas, porque não havia essa concepção na época de que
estamos falando. Essas mulheres não sofriam toda essa potência mascu-
lina, elas não eram submissas aos homens”, acrescenta a antropóloga.
“Eu até trago especificamente a deusa da Grécia, que é Deméter. Ela
é uma figura poderosa, que não deve ser vista só como símbolo da fertili-
dade, mas também como uma criadora do céu, protetora da natureza, dos
animais, é uma guerreira. Então, mesmo as deusas ligadas à fertilidade,
elas vão ter outros papéis. É atribuído a essas mulheres todas um poder.
Por isso que mitologicamente existe aquela ideia do matriarcado, que é
uma sociedade em que o poder econômico e político está nas mãos das
mulheres. Arqueologicamente, nós não encontramos esse vestígio, por
isso que há aquela lenda das Amazonas, nome dado às mulheres guerreiras
da Antiguidade que habitavam a Ásia Menor. Mas mitologicamente você tem
um momento na história da humanidade em que há toda essa ascensão
da mulher como uma figura poderosa”, conclui Lucia.
Uma das principais deusas era Ishtar, deusa do amor, e do sexo. A so-
ciedade acreditava que ela encarnava em mulheres. E assim nasceram as
sacerdotisas do amor. Na Mesopotâmia aconteciam rituais de fertilidade,
a mulher fazia amor com um homem encarnada como a deusa. A mulher
entrava em contato com a deusa interior, com seu Eros, termo usado para
amor ou paixão, com sua psique e revivia parte do poder perdido na noite
dos tempos. Durante os rituais, a mulher se reconectava com seu animus,
e o homem com sua anima. A sacerdotisa do amor (chamada de prostituta
sagrada em outros livros e textos como os do historiador grego Heródoto,
o pai da História) se reconectava com sua essência num êxtase onde se
misturavam essências físicas, espirituais, emocionais e místicas. Os ri-
tuais onde a mulher se “prostituía” em nome da deusa também eram sazo-
nais e de passagem de ano. Os excessos de Ishtar estão documentados
em textos mitológicos examinados pela profª Drª Kátia Pozzer, Doutora
em História pela Université de Paris I, pós-doutora na Université de Paris
X – Nanterre.
A função sexual feminina desde sempre se fez central para o entendi-
mento do corpo das pessoas projetado no espaço social da história. Antes
de o corpo da mulher virar mecanismo, sua capacidade de gerar vida foi
tida como atividade sagrada, atributo então considerado exclusivo do sexo
feminino. Em diferentes variações espaciais, elevadas à condição de
deusas, essas entidades se mostravam poderosas porque, sobretudo,

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detinham a capacidade gerar filhos. E não era apenas a capacidade de
procriar, era a de dar sentido à vida humana que as fazia divinas, pois em
decorrência disso se tornaram também mimeticamente protetoras das
águas, da cultura, da fama, do dinheiro, da agricultura, da caça e, por
fim, e acima de tudo, elas foram identificadas com a própria terra, com a
natureza.
Várias outras culturas carregaram consigo a imagem da deusa feminina
que tinha como virtude o sexo e, consequentemente, a fertilidade e o amor.
Um exemplo foi Afrodite, na Grécia, uma das figuras mais importantes da
mitologia grega. Ao certo não se sabe como ela nasceu, mas existem duas
versões. A primeira vem de Hesíodo, poeta grego de 750 a.C., que diz que
Afrodite foi fruto do encontro do pênis de Urano, que era o céu, com o mar,
e da espuma ela teria nascido, sendo a primeira deusa. A segunda vem de
Homero, poeta da Grécia antiga por volta de 850a.C., que diz que a deusa
foi fruto de um relacionamento de Zeus, deus do céu, com Dione, deusa
das ninfas, que são espíritos femininos.
De acordo com a mitologia grega, quem causou a Guerra de Troia, um
conflito entre aqueus das cidades-estados da Grécia e Troia, foi Afrodite.
Em algum momento da história, Zeus recebe uma maçã de outro (também
chamada de Pomo de Ouro). Tal objeto deveria ser entregue para a mais
bela e justa e, conforme diz a lenda, concorriam a esse posto a deusa
Hera, símbolo do casamento e da proteção, Afrodite e Atena, deusa da
sabedoria.
Zeus não quis tomar partido e deu essa função para o rei Páris. O prín-
cipe de Troia entregou a maçã para Afrodite e em troca, fez com que a
mulher mais bonita do mundo se apaixonasse por ele. Esta mulher era
Helena, esposa de Menelau, rei dos gregos. Páris rapta Helena e a leva
para Troia. Menelau reúne os soldados gregos e faz um cerco de 10 anos
à cidade, sem conseguir, porém, invadi-la. Isso só será feito com um sor-
tilégio. Os gregos fingem desistir da guerra e em sinal de paz, deixam um
“presente” para os troianos, um grande cavalo de madeira. Acreditando
que, enfim, o conflito acabou, os troianos levam a estátua de madeira para
dentro de seus muros. Mas dentro dela, que, na verdade, era oca, esta-
vam tropas gregas, que, dessa forma, conseguem, por meio do Cavalo de
Troia, não só entrar na cidade até então inexpugnável, como derrotar seus
inimigos. Essa história é narrada por Homero na epopeia Ilíada e daí vem
a expressão “presente de grego”, quando recebemos algo que, na verda-

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de, causa mais danos do que benefícios.
A própria figura da Helena de Tróia passa ser vista como a de uma mu-
lher adúltera, já que ela fugiu com Páris, deixando Menelau. Isso reforça o
estereótipo em torno de belas mulheres, que na Grécia (as mulheres em
geral) não tinham direitos, mas que ainda se cria a imagem de que não são
confiáveis. Uso da infidelidade feminina como algo generalizado e depre-
ciativo, o que não acontece com os homens.
Outro ponto importante é falar sobre a adoração dos gregos sobre ela.
Nos cultos para Afrodite sempre existiam sacrifícios de animais, flores be-
las e também frutas, como maçã e romã. Esses cultos eram dos mais
variados, sendo desde os mais inocentes, até os mais depravados. Os
objetivos das pessoas que participavam desses cultos eram também di-
versificados, podendo ser ligados ao sucesso no casamento, saúde em
uma gravidez e até mesmo ligado a paquera.
Dos templos fechados, estruturas sagradas onde abrigavam as mulhe-
res em sua forma de divindades, para o espaço público, a história da pros-
tituição foi se construindo na troca do sagrado pelo profano, promovendo
a transferência de pessoas de um espaço para outro, transformando a
prostituição em comércio
A Grécia foi o primeiro país a cafetinar mulheres durante o século IV
a.C.. Na capital, Atenas, ocorreram os primeiros relatos de bordéis por
volta de 594 a.C.. A prostituição era uma componente da vida cotidiana
dos gregos antigos. As cidades gregas mais importantes, e em particular
as que tinham portos, empregava uma parte não negligenciável da popu-
lação, representando uma atividade econômica de relevo. A prostituição
não era clandestina: as cidades não a puniam e os bordéis trabalhavam à
vista da população. A prostituição era controlada pelo estado, que cobrava
altos impostos.
A evidência mais antiga da sexualidade grega vem com os minoicos
(3650 – 1400 a.C.). As mulheres nessa época estavam apenas parcial-
mente vestidas – os principais itens de vestuário eram mantos de man-
gas curtas, saias em camadas e folgadas: estas estavam abertas para
o umbigo, deixando os seios expostos. Elas eram representadas como
cintura fina, seios cheios, cabelos longos e quadris amplos: para nós,
isso é sexualmente atraente e provocador, mais para um minoico prova-
velmente não.
Esse modelo grego permitiu o acesso sem impedimento à lei por pro-

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fissionais do sexo sem medo de incriminação, e isso certamente foi um
grande negócio para manter todo o mercado dentro de padrões legais.
Como resultado, o crime concomitante estava ausente: ninguém precisava
estabelecer organizações clandestinas, ligar prostitutas às drogas para ter
um controle mais fácil sobre elas, subornar funcionários corruptos.
Tudo o que era necessário era montar uma atividade, legal, aberta, le-
gítima, em um local onde os clientes frequentassem o mercado ou o porto
e seguissem em frente. Pessoas livres não precisavam ser obrigadas a
prostituir-se: eles/elas foram motivados pela esperança de melhores pa-
drões de vida.
Os mercados sexuais de antiguidade incluíam trabalhadores sexuais
masculinos, femininas e transgêneros para satisfazer todos os gostos. Os
gregos dividiam essas mulheres em três categorias: a primeira era as Por-
nai, que eram escravos, podendo ser tanto do sexo masculino como do
feminino; a segunda categoria era a das prostitutas nascidas na rua, tanto
homens quanto mulheres; e a terceira eram as Hateara, apenas mulheres
de alto nível, instruídas.
Prostitutas, as famosas “Hetaerae” aceitaram quem eram e muitas delas
tornaram-se iconoclastas e pioneiras no lugar das mulheres na sociedade,
empurraram limites rígidos e conquistaram para si privilégios que seriam
impensáveis para a mulher comum naquela época. Muitas ou muitos eram
ricos por si mesmos e totalmente independentes do controle masculino. Al-
gumas optaram por estudar filosofia, outras tornaram-se poetas, modelos
para artistas famosos e algumas ou alguns tiveram suas estátuas e san-
tuários montados entre heróis e reis, como Aspásia, amante de Péricles,
influente estadista, orador e estratego da Grécia, um dos principais líderes
democráticos de Atenas e a maior personalidade política do século V a.C.
Os estados das cidades antigas lucraram com a tributação dos ganhos da
prostituição sem preocupação moral.
A experiência histórica da Grécia Antiga sugere que os modelos proibi-
cionistas serão sempre ineficazes, inexequíveis e cruéis. ‘
No passado, essas mulheres eram vistas como um “mal necessário”,
com as quais os homens poderiam se “aliviar”. Muitos escritores, já do
século XXI, trazem essa visão, como Mary Del Priore retrata em seu livro
“Sobreviventes e Guerreiras”, que o adultério masculino era necessário ao
bom funcionamento do sistema.
Com o tempo, essa visão da mulher livre foi sendo mudada por outras

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religiões e culturas que cresceram bastante. Como, por exemplo, o Ju-
daísmo, que foi a primeira religião monoteísta da história da humanidade,
com mais de três mil anos de existência.
A antropóloga Lucia Lobo fala sobre a mudança da mulher na sociedade
com a chegada das religiões. “Santo Agostinho dizia que as prostitutas eram
um lixo contagioso, que elas deveriam permanecer sempre na clandestinida-
de, sem proteção da lei. Então você vê a importância de valores religiosos
fundamentando papéis sociais. Quando Jesus fala: ‘quem não tiver pecado
que atire a primeira pedra’, no sentido de falar que ninguém tem direito de
julgar o outro, ele revela uma posição divergente dos ensinamentos que a
própria Igreja Católica vai perpetuar posteriormente e vão ser estruturados
na época de Santo Agostinho, na época de São Tomás de Aquino.”
Segundo a professora, esses pais fundadores da filosofia católica defen-
dem que por trazerem estímulos à libido dos fiéis, as “meretrizes” deveriam
ser excluídas da sociedade. “O filósofo Michel Foucault, no livro chamado
´História da sexualidade`, de 1988, defende que no século XVII a sexualida-
de deixa de ser livre e passa a ser praticada para a procriação. Aí você vai
na antropologia e se pergunta: quando é que a mulher começa a perder essa
figura poderosa, esse endeusamento? É na revolução agrícola, que você
tem o sedentarismo. E é a partir do sedentarismo, porque você consegue
produzir o alimento, que se estabelece a propriedade privada. Ao estabele-
cer a propriedade privada, você cria também a divisão sexual do trabalho e a
mulher fica no papel secundário, porque o provedor é o homem. Ele que vai
em busca da caça, do alimento que é mais difícil de ser obtido, e a mulher se
volta para a procriação, para o cuidar das crianças, o cuidar da coletividade.
Quem é que vai à guerra? Quem é que vai defender território? Quem é que
vai defender a comunidade? O homem. Mas, a mulher pode fazer isso. O
que entrava a mulher de ser uma ótima guerreira na prática? A maternidade”,
responde.
“Como você vai para guerra com a criança? Na proteção do território, de
alimentos, a mulher ela passa a perder. Como não pode competir com o
homem em função da maternidade, ela não vai para guerra com o menino
no seio, não tem como. Se você está em um caça com a criança, ela chora,
resmunga”, salienta a pesquisadora, indicando que esses comportamentos
do bebê acabam atrapalhando o ato da caça por parte de sua mãe. “Você
tem muito dentro da linha dos marxistas essa ideia de que a maternidade
contribui para esse papel secundário. Consequentemente, há a perda de

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poder político das mulheres”, explica a antropóloga.
Apesar de ser a menor em número de fiéis (cerca de 15 milhões, maior
parte desses na América do Norte e Israel), o Judaísmo é uma das grandes
religiões abraâmicas. Segundo a tradição judaica, Deus teria realizado um
pacto com os hebreus, tornando-os o povo eleito que desfrutará da terra
prometida.
Esse pacto se deu com Abraão e sua descendência e se fortaleceu com
a revelação das Leis divinas à Moisés, no Monte Sinai. Os Dez Mandamen-
tos formam, portanto, a totalidade das leis que, de acordo com os escritos
bíblicos, constituem os textos escritos diretamente pelo Criador em tábuas
de pedra:
1-Não terás outro Deus além de mim;
2- Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no
céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles
nem lhes prestarás culto, porque eu, o Senhor, o teu Deus, sou Deus zeloso,
que castiga os filhos pelos pecados de seus pais até a terceira e quarta gera-
ção daqueles que me desprezam, mas trato com bondade até mil gerações
aos que amam e obedecem aos meus mandamentos;
3- Não tomaras em vão o nome do Senhor, teu Deus, pois o senhor não
deixará impune quem tomar o seu nome em vão;
4- Lembra-te do dia de sábado, para santifica-lo. Trabalhar às seis dias
e neles faz todos os teus trabalhos, mas o sétimo dia é o sábado dedicado
ao Senhor, o teu Deus. Nesse dia não faz trabalho algum, nem to, nem teus
filhos ou filhas, nem teu servo dos servas, nem teus animais, nem os es-
trangeiros que morarem em tuas cidades. Pois, em seis dias o senhor fez o
céus e a terra, o mar e tudo que nele existe, mas no sétimo dia descansou.
Portanto, o senhor abençoou o sétimo dia e o santificou;
5- Honrar teu pai tua mãe, a fim de que tenhas vida longa na terra que o
Senhor, o teu Deus, te dá;
6- Não matarás;
7- Não adulterarás;
8- Não furtará;
9- Não darás falso testemunho contra teu próximo;
10- Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu
próximo, nem seus servos ou servas, nem se o boi o jumento, nem coisa
alguma que ele pertence.
Os Dez Mandamentos eram de extrema importância para a organização

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do povo israelita em uma nação, pois Israel era uma teocracia, ou seja, Deus
era seu rei. Assim, o Decálogo pode ser comparado a uma legislação crimi-
nal em um país contemporâneo. As leis divinas conduziam cada cidadão na
sua vida político-social e puniam os que as violavam. E as penas eram rígi-
das, correspondiam à rigidez deste povo, de suas crenças, de sua visão de
mundo, ainda bem rudimentar.
Várias outras religiões vieram e também usavam os 10 mandamentos,
como, por exemplo, o Cristianismo, que surgiu por volta do século I, e tem
como base um livro sagrado, a Bíblia. É dividida na criação do mundo, leis e
tradições, e a segunda parte conta a história de um menino, Jesus, que veio
na terra para salvas as pessoas e ensina sobre amor. E nessa religião que
foi apoiado o preconceito contra a mulher.
Mulheres que eram adúlteras e prostitutas eram apedrejadas em praças
públicas. Por outro lado, Cristo nunca demonstrou ter preconceito:
“Mulher, onde estão eles? Ninguém a condenou?” “Ninguém, Senhor”, dis-
se ela. Declarou Jesus: “Eu também não a condeno. Agora vá e abandone
sua vida de pecado”. João 8: 10-11.
Na Bíblia sagrada, sexo antes do casamento é pecado, e a imagem da
mulher é de submissão ao marido, pai, aos irmãos, enfim ao homem.
Durante a Idade Média europeia, século V ao século XV, a igreja cristã
tentou, sem sucesso, eliminar a prostituição, mas a sociedade, orientada por
casamentos arranjados com finalidades políticas ou econômicas, favorecia
o florescimento da atividade. Mas no século XVI, uma epidemia de doenças
sexualmente transmissíveis como, por exemplo, a sífilis, fez com que a Igreja
usasse o puritanismo para lançar ataques contra a prostituição.
A Idade Média foi um período histórico marcado pelo domínio religioso
da Igreja Católica na Europa Ocidental, criando rígidas formas de condutas
para as mulheres. Isso buscava garantir a manutenção de suas virtudes fe-
mininas, como a virgindade, ao mesmo tempo em que liberava em grande
medida as práticas sexuais dos homens. Dessa forma, apesar da rigidez
religiosa, a prostituição era tolerada dentro de alguns parâmetros, para evitar
que casos de estupros se tornassem mais frequentes do que já eram. O sexo
pago se tornava assim uma válvula de escape da libido masculina.
No fim do Império Romano, os adeptos do Cristianismo enfrentavam a
prostituição através da conversão das mulheres.
No passado, as doenças eram vistas como um castigo de Deus pelos
pecados cometidos pela sociedade. Assim, o primeiro passo para lidar com

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a enfermidade era se arrepender e rezar por proteção divina. Como o cristia-
nismo é a maior religião do mundo até hoje, com cerca de 2.106.962.000 de
seguidores, naquela época a influência que ela exercia sobre a sociedade
era ainda maior, por isso muitos acreditavam nessa possibilidade.
Com todo esse poder, se tornou a religião oficial de muitos continentes,
entre eles o europeu, que sempre buscou a catequização, ou seja, expandir
seus ensinamentos por todas as partes do planeta. Logo, exerceu seu papel
fundamental acompanhando as Grandes Navegações Marítimas Europeias,
termo usado para se referir às várias expedições marítimas organizadas nos
séculos XV e XVI, principalmente por Portugal e Espanha.
Elas ajudaram a marcar a passagem da Idade Média para a Idade Moder-
na, resultaram na descoberta de um novo continente a ser explorado pelos
europeus, a América, onde está localizado o Brasil. Aliás, a difusão do cristia-
nismo foi um dos motivos para o empreendimento marítimo europeu a partir
do século XV.
No Brasil, os indígenas que aqui viviam não tinham essa concepção de
poligamia ou de monogamia. As mulheres ficavam com os homens, os ho-
mens ficavam com as mulheres e quando queriam casar apenas se junta-
vam, da mesma forma quando queriam se separar. Esse conceito de religião,
casamento, união chegou com a colonização portuguesa.
A chegada dos primeiros jesuítas ao Brasil data de 1549, quando, lide-
rados por Manoel da Nóbrega, acompanharam Tomé de Sousa, o primeiro
governador-geral. Desde a sua chegada ao Brasil, os jesuítas estiveram en-
volvidos com a pacificação dos índios, o que os colocou, muitas vezes, em
confronto direto com os colonos, que viam o índio como mão-de-obra abun-
dante. Voltados para a educação e a catequese, os inacianos fundaram os
primeiros colégios do Brasil: em Salvador – Colégio dos Meninos de Jesus
-; em São Vicente, litoral paulista; e, em 1554, no planalto de Piratininga, ao
redor do qual se desenvolveu a cidade de São Paulo.
O catolicismo era a religião oficial de Portugal e de suas colônias e todos
os habitantes do Brasil tinham que obrigatoriamente adotá-lo como credo: os
índios foram evangelizados por meio da catequese e os colonos nascidos no
Brasil aceitavam-no como pressuposto de cidadania.
Na colonização brasileira, a Igreja Católica ficou preocupada com a quan-
tidade de portugueses que tinham relações sexuais com índias, que estavam
aqui pelo lucrativo mercado de pau-brasil. Então foram trazidas prostitutas de
Portugal para ficar com portugueses e povoar o Brasil. “Havia quem disses-

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se que os bordéis eram construídos com tijolos da igreja”, afirma a escritora
Mary Del Piore.
A igreja ficou atormentada moralmente com a rapidez em que os colonos
portugueses engravidaram as indígenas e com a miscigenação que ocorria.
Padre Manoel Nóbrega, responsável pelos jesuítas no Brasil, pediu ao rei,
em 1549, que mandasse mulheres brancas portuguesas para que pudessem
casar e se reproduzir com os colonizadores, com a finalidade de tornar a
raça branca prevalente. Foi assim que foram enviadas pelo rei, meninas ór-
fãs, ladrões, prostitutas e assassinas, para que se casassem com os colonos
e povoassem o Brasil.
A antropóloga Lucia Lobo comenta sobre como a prostituta é vista no Bra-
sil. “Acredito que o sexo frágil é pura criação cultural, de valores de submissão
da questão de gênero, levando o homem a ter a supremacia sobre a mulher.
E quando você tem essa propriedade territorial, esta propriedade privada, vai
estabelecer regras para manter esse poder masculino, e aí começam a sur-
gir as sociedades patriarcais”, indica. “Essas sociedades acabam adotando
modelos referentes aos gêneros, o que é o papel masculino, o que é o papel
feminino. Se você traz isso para o Brasil, vai ver que aqui nós temos uma
sociedade patriarcal conservadora. Buscando o Roberto DaMatta, ele fala
que no Brasil a mulher tem uma posição ambígua, com duas figuras paradig-
máticas lhe servindo de modelo. A mulher que é imaginada, pensada como o
modelo da Virgem Maria, o modelo da virgem mãe. No mundo católico, você
tem esse endeusamento da Virgem Maria, há as santas, que são aquelas
mulheres que têm sua sexualidade controlada pelo homem, a mulher santa,
a mulher da casa. Do outro lado, há a figura da mulher da rua, que é a mu-
lher puta, prostituta e a essa mulher da rua, prostituta, a sociedade vai negar
o direito de ser mãe. É como se ela não tivesse esse instinto maternal, mas
vamos lembrar que instinto é algo criado. Ninguém nasce com esse instinto,
ela é criada para desenvolver essa vontade de ser mãe”, pondera Lucia.
“Uma sociedade patriarcal conservadora, que tem no imaginário essas
duas figuras, da mulher santa, da virgem, que chega no casamento e o pai
passa o controle para mão do marido, e do outro lado você tem a mulher
promíscua, a mulher da rua, a mulher que tem liberdade, a mulher que ma-
nifesta sua sexualidade. Como fica a figura da prostituta? Claro que vai ser
uma figura extremamente rotulada, estigmatizada, que é o lixo da socieda-
de”, enuncia. “A partir do momento que a prostituta tem esse sexo tarifado,
ela teria que ter direitos como qualquer outra profissão. A Classificação Bra-

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sileira de Ocupações (CBO) reconhece as prostitutas como profissionais do
sexo e há a normativa, através da Lei 5.198, de quais são as funções das
profissionais do sexo e quais são as garantias. Mas isso pouquíssima gente
sabe e era uma forma de coibir o tráfico de mulheres. A Gabriela [Leite] fala
que quando chegam na velhice, essas mulheres não têm amparo nenhum.
As prostitutas, desde o início da história até século XXI, sempre foram vis-
tas como as mulheres de posturas desviantes, porque a sociedade traz os
padrões de normalidade. Se você não está dentro dessa normalidade é um
desvio de conduta. Tendo desvio de conduta, qual é a nossa atitude? Pre-
conceito”, responde Lucia.
No Brasil, as primeiras casas de prostituição em São Paulo surgiram em
meados do século XVIII. Já no Rio de Janeiro, na segunda metade do século
XIX, a população era numerosa, porque logo no início do período aconteceu
a chegada inédita do monarca Dom João VI, Príncipe-regente de Portugal,
e tal contexto reduziu bastante a oportunidade de emprego, principalmente
para o público feminino, já que existia um preconceito. Então, a prostituição
era a maior profissão com ganhos.
Em muitos lugares, as profissionais do sexo tinham um bairro onde po-
deriam morar - e apenas lá. Nesse local, havia regras de convivência e os
bordéis eram vistos como uma fuga da rotina de trabalho e limitações morais
do ato sexual, como o bairro de Itatinga, hoje localizado no Rio de Janeiro,
foi planejado para isolar profissionais do sexo em um determinado lugar. O
confinamento das prostitutas num lugar determinado da cidade, também sig-
nificou que pela primeira vez o Estado regulamentou um espaço de controle,
vigilância sanitária e policial sobre a vida e o corpo destas mulheres.
O Brasil cresceu e em 1889 Marechal Deodoro da Fonseca liderou uma
ofensiva que derrubou a Monarquia, na época sob o comando do Imperador
Dom Pedro II, transformando-o em um país republicano, forma de governo
em que o Estado se constitui de modo a atender o interesse geral dos cida-
dãos. Na República, o Estado é laico, havendo uma separação entre gover-
no e Igreja, o que retirou de religiões a prerrogativa de estabelecer políticas
públicas, ainda que sua influência se mantivesse forte.
A antropóloga Lucia Lobo comenta sobre o preconceito seletivo da igreja
em relação à prostituição. “Você vai ter, por exemplo, no período do Brasil
Colônia e parte do Império, quando ainda tem a escravidão, as senhoras
prostituíam as suas escravas. Quer dizer que não era pecado cristão você
prostituir a escrava, porque a escrava não era gente. Aí você vê as conve-

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niências, os valores. Eles estão atrelados às conveniências do poder, sejam
valores políticos ou valores religiosos. Por isso eu acho que nós vamos levar
um bom tempo para romper com esses estereótipos dos grupos vulneráveis,
e em particular com a prostituição”, fala Lucia.
Anos depois, continuamos a não ter no País uma posição exata sobre a
prostituição e a mulher que se prostitui, visão não muito comum de países
que têm economias emergentes. Diferente de países de Primeiro Mundo,
que têm economias fortalecidas, altos índices de industrialização, elevado
nível tecnológico e outros, como Alemanha, França, Áustria, que debatem e
se posicionam, sobre o tema desde muito tempo.
Na Holanda, por exemplo, existe um bairro, “O Bairro Vermelho”, que
está situado na parte antiga de Amsterdam e é o mais visitado pelos turistas
que, curiosos, se aproximam atraídos pelo prazer do proibido. Já na Idade
Média, os bordéis de Amsterdam eram administrados pelo Xerife e seus ho-
mens de confiança. No século XVII apareceram as primeiras vitrines nessa
zona. Nessas vitrines, as prostitutas oferecem seus serviços e também ge-
ram uma grande expectativa entre os visitantes. 
Esse posicionamento, de primeiro e segundo mundo, foi desenvolvido du-
rante a revolução industrial, um período de grande avanço tecnológico, que
ocorreu na segunda metade do século XVIII e que permitiu o desenvolvimen-
to da indústria moderna. Esse desenvolvimento ocasionou severas transfor-
mações no processo produtivo (a maquinofatura substituiu a manufatura) e
nas relações de trabalho, alteradas com a proletarização do trabalhador.
Na pós-revolução industrial, os baixos salários e a desvalorização da mu-
lher no mercado empurraram muitas delas que pertenciam à classe média
trabalhadora para a prostituição. Já no Brasil, no século XIX, a prostituição
veio junto com a escravidão e se misturava ao trabalho doméstico feito por
mulheres pretas. Lassance Cunha, médico que escreveu a obra “A prosti-
tuição, em especial no Rio de Janeiro”, dizia que a capital do Império tinha
três classes de meretrizes: aristocráticas, instaladas em casas confortáveis
e mantidas por serem ricos políticos e fazendeiros; de “Sobradinho”, que
trabalhavam em hotéis ou em casas de costureiras, ou as de rótula; e as de
escória, que ocupavam casebres ou mocambos, as de “casas de passe” ou
os zungus.
Então veio a Primeira Guerra Mundial, a qual foi impulsionada pela Revo-
lução Industrial, que tem seu início na Inglaterra a partir da segunda metade
do século XVIII, quando existiu um grande desenvolvimento tecnológico, ga-

44
rantindo o surgimento das indústrias e grandes transformações econômicas.
Isso criou rivalidades econômicas, que foram as principais causas da guerra.
Ao longo da Primeira Guerra Mundial, que foi o primeiro conflito em estado
de guerra total, envolvendo Alemanha, Áustria, Hungria, Império Otomano,
Itália, Rússia, Grã-Bretanha e França, além dos países que participaram in-
diretamente, como por exemplo, Estados Unidos, Canadá, Japão, Brasil e
Bulgária, praticamente todos estavam cobertos por militares. Tentando “sa-
tisfazer” as tropas dos exércitos, alguns países, como França e Alemanha,
liberaram bordéis. Outros, como a Inglaterra, criaram toque de recolher para
mulheres, e nos Estado Unidos a profissão tornou-se ilegal (coincidência ou
não, o país não foi palco do conflito).
As mulheres dos povos derrotados em guerras tornavam-se escravas, e
muitas delas seriam prostituídas por suas senhoras gerando riqueza para a
nobreza. Elas não podiam usar as mesmas roupas nem frequentar os mes-
mos lugares que outras pessoas. Mulheres jovens de elite eram vendidas,
como qualquer animal, em mercados matrimoniais.
A classe trabalhadora crescia, sindicalizava-se, aderia a ideais políticos
mais revolucionários e a uma cultura sexual mais liberal, fazendo com que
a burguesia se sentisse ameaçada. Como resposta, a classe média/burgue-
sia buscou expandir para a classe trabalhadora seus ideais de moralidade:
adoração ética do trabalho e controle da sexualidade, sustentados na família
nuclear patriarcal. Neste contexto, entre o final do século XIX e o início do
século XX, não havia lugar para a prostituta, e a repressão a ela, em âmbito
internacional, intensificou-se. Nas capitais, preguiça, luxo e prazer se opuse-
ram a valores familiares de trabalho, poupança e felicidade.
Foi durante o século XX que a ciência descobriu os antibióticos, diminuin-
do as epidemias já citadas neste capítulo, juntamente com as medidas pro-
filáticas e de higiene. Então, houve uma esperança para o controle dessas
doenças, um dos males correlatos a prostituição, mas algumas décadas de-
pois surgiu a AIDS. Essa epidemia pegou o mundo de surpresa, bem quando
a sociedade industrializada no final do século XX alardeava ser capaz de
controlar todas as doenças infecciosas por meio de imunização e tratamento.
O surgimento dessa doença, que é grave e mortal, envolvendo diversos
aspectos das relações humanas, como o ato sexual, fez o conceito a possibi-
lidade controlar as doenças cair por terra, principalmente pela dificuldade de
efetivar os meios preventivos comprovados, de desenvolver medicamentos
realmente eficazes e de custo acessível e, ainda, de criar uma vacina eficaz.

45
Doenças sexualmente transmissíveis eram associadas a prostitutas e ho-
mossexuais, pois eram doenças de pessoas sujas, ou seja, que não se en-
caixava no padrão moral da sociedade, criado pelo sistema patriarcal que
distorceu a visão da mulher, e transformando-a em um ideal de submissão.
Aquela que não preenchesse os requisitos estipulados pela “natureza”, era
identificada como “normal”, pecadora e criminosa. Não ser mãe, não ama-
mentar, significava desobedecer a ordem natural das coisas. E, não bastas-
se, punha em risco o futuro da nação, por não formar bons cidadãos.
A antropóloga Lucia Lobo fala um pouco sobre a escritora Simone de
Beauvoir, que tratou de tais temáticas em suas obras. “Até pouco tempo
atrás, a maioria das mulheres, aqui nos referimos às mulheres ocidentais,
eram invisibilizadas nos moldes do patriarcalismo e no conservadorismo dos
homens. No Brasil a cultura patriarcal, ou seja, o modelo da mulher submis-
sa, abnegada aos afazeres domésticos, à criação dos filhos é muito presente
nessa sociedade conservadora e machista. Penso que o livro de Simone de
Beauvoir ‘O segundo sexo’, onde ela cita a seguinte frase: ‘não se nasce
mulher, torna-se mulher’, ilustra bem a nossa explicação sobre o que é se
tornar mulher nos moldes da cultura patriarcal. É ser submissa, é ser violen-
tada e tornar invisível enquanto sujeito de direito. Por outro lado, podemos
interpretar essa frase, e é nesse sentido que a filosofia faz, na defesa da li-
berdade feminina, afirmando que as mulheres deveriam escapar das prisões
do casamento e da maternidade, entre outros papéis estabelecidos pelas
convenções sociais ao universo feminino”, aponta.
“Desde os fins do século XIX, as ondas feministas se sucedem na defesa
da liberdade feminina, que concretiza não só nos discursos, mas em ações.
Escreve Simone de Beauvoir: ‘Sem culpa ou desculpa te desafio a respon-
der, depois de décadas de luta pela liberação feminina, o que nós mulheres
fazemos com o que a vida faz de nós?’ Aí eu jogo para o mundo das prostitu-
tas. Hoje nós já temos nesse mundo da prostituição um seguimento que não
é tão vulnerável, porque você tem as prostitutas que estão extremamente em
vulnerabilidade, sofrem todo tipo de preconceito, estereótipo de exclusão,
que são sujeitos invisíveis, mas você também tem a categoria das prostitutas
filhas da classe média, filhas da elite, que acabam circulando em todos os
espaços da sociedade, que têm autonomia econômica, têm autonomia inte-
lectual, trazendo mais respeito pra esse grupo”, conclui Lucia.

46
Capítulo 5
À margem da sociedade moralista

O falso moralismo implantado na sociedade desde que Maria Madalena


decidiu se arrepender de ser prostituta assombra essa profissão até hoje.
“E eis que uma mulher da cidade, que era uma pecadora, quando soube
que ele estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um vaso de alabastro
com bálsamo e colocou-se a seus pés por trás dele, chorando, e começou
a lavar seus pés com lágrimas, e os enxugava com os cabelos de sua ca-
beça, e beijou seus pés, e os ungiu com o unguento... E ele disse a ela:
‘Os teus pecados estão perdoados’”. Lucas 7:37-48
Interpretam como prostituta, interpretam como santa, interpretam como
esposa de Jesus, mas qual é a verdade sobre Maria Madalena? O filme
Maria Madalena, lançado em 2018, direciona os olhares para uma das
versões. Na obra dirigida por Garth Davis, ela aparece como uma fiel se-
guidora de Cristos e mais do que isso, uma mulher à frente do seu tempo.
Citada nominalmente 17 vezes na Bíblia, Maria Madalena, ao que tudo
indica, era uma entre tantas pessoas que encantaram com as pregações
de Jesus e passaram a segui-lo. A principal pista sobre sua origem está
no nome: originalmente, Maria de Magdala, ou seja, nascida em Magdala,
uma vila de pescadores próxima ao mar da Galileia, localizada a 10 km de
Cafarnaum, cidade que foi a base de Jesus na vida Adulta.
Existem versões que dizem que Maria Madalena, a mulher que era pros-
tituta e fui resgatada por Jesus, acabou virando sua amante. Na literatura
“O Santo Graal e a Linhagem Sagrada”, de Michael Baigent, Richard Leigh
e Henry Licoln, lançado em 1982, fica muito explícito esse pensamento,
inclusive diz que os dois teriam se casado e, quando ele foi crucificado
Madalena esperava um filho de Jesus. Então, ela foge para França onde
da luz. Os descendentes dessa linhagem seriam os membros da dinastia
Merovíngia, que governou os francos de 478 a 751.
Um relacionamento amoroso entre Cristo e Madalena também é nar-
rado tanto no livro O Segredo dos Templários, escrito por Lynn Picknett e
Clive Prince e lançado em 1997, quanto no best-seller o código da Vinci,
de Dan Brown. Nestes, a conspiração envolve o gênio renascentista Leo-
nardo Da Vinci (1452-1519), que teria retratado Maria Madalena, de forma

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cifrada, ao lado direito de Jesus em sua representação da Última Ceia.
Por fim, ao certo ninguém sabe mesmo quem foi Madalena, são apenas
interpretações que cada pessoa faz, conforme sua crença, o ponto é que
muitas pessoas usam essa história para “salvar” prostitutas, como, por
exemplo no século XII existia um movimento na igreja onde criaram co-
munidades monásticas de ex-prostitutas intituladas “Lares de Madalena“.
Ignorando toda desigualdade social, a falta de estrutura, o abandono do
governo, a desvalorização de diversos outros trabalhos e, principalmente
o preconceito enraizado.
E esse preconceito vem sendo alimentado desde muitos séculos.
Cerca de 1100 anos a.C já existiam leis que diminuíam e diferenciavam
as prostitutas em uma determinada comunidade. Elas não podiam usar
véu, por exemplo, que na cultura dos assírios, povos semitas que viviam
ao norte da Mesopotâmia na região dos rios Tigre e Eufrates, porque signi-
ficava submissão ao marido. Com tempo qualquer mulher que não entrava
nos padrões de vida doméstico, mulher que trabalhava, que não fazia os
desejos do homem, era taxado com a mulher da rua, fazendo crescer o
moro muito distante entre mulheres.
Muitos filósofos já relataram sobre a visão de inferioridade da mulher.
Para Platão e Aristóteles, por exemplo, a inferioridade do sexo feminino
era tido como normal. Se alguns sentiam embaraço em justificar a escra-
vidão do homem pelo homem, a sujeição da mulher, contudo, lhe parecia
natural.
Em outras culturas, como, por exemplo no protestantismo, mesmo que
a mulher fosse importante para o casamento, a visão de função apenas
para a reprodução era superior. Para Lutero, as mulheres haviam sido
criadas somente com propósito de servir aos homens e ser sua ajudante.
Isso estava de acordo com São Tomás de Aquino, “Príncipe da Escolásti-
ca”, um importante filósofo e padre italiano da Idade Média, intitulado Dou-
tor da Igreja Católica, em 1567, que considerava elas seres defeituosos
aos quais faltavam algumas coisas.
Tanta coisa mudou de até chegarmos a 2021 Em 1934, as mulheres
tiveram direito ao voto, em 1962 teve a pílula anticoncepcional, em 1977 o
divórcio foi instituído oficialmente, em 1999 a pílula do dia seguinte, hoje
as mulheres trabalham. Uma sociedade que se diz tão menos conserva-
dora, em um mundo que apresenta ter tão menos preconceitos. Por que
ainda existe tanta marginalização com profissionais do sexo?

48
A legislação penal brasileira, não considera prostituição como crime,
mas sim as atividades que se desenvolvem em torno, como cafetões. Os
padrões morais predominantes, colocam uma série de restrições na ati-
vidade, em principal ao exercício público. Esta condição faz com que a
prostituição seja constantemente ligada à desordem pública, o que implica
na frequente intervenção policial, que é o órgão responsável pela manu-
tenção da ordem.
O decreto 1.034A, de 01/09/1892, atribuiu ao Chefe de Polícia “ter sob
sua vigilância as mulheres de má vida”. Em 05/02/1902, o decreto 4.763
dispôs que cabia aos delegados urbanos e suburbanos essa vigilância,
“da forma que julgar mais conveniente ao bem-estar da população e à mo-
ral pública”. Em 1907, os decretos legislativos 1.631 e 6.440 destinaram
essa função aos Delegados de Polícia. Uma vez que a prostituição não era
matéria do Código Penal, a atuação do poder do Estado sobre ela estava
a cargo da própria polícia, que a criminalizava por sua prática cotidiana.
Segundo Guido Fonseca, Delegado de Polícia em São Paulo na década
de 1980 do século XX e autor de um livro “História da Prostituição em São
Paulo” que abrange diversas das questões aqui trabalhadas, “o desenvol-
vimento urbano foi, paulatinamente, expulsando as decaídas das partes
mais centrais da cidade”. Em 1911, com o alargamento da Praça da Sé,
acabavam várias ruas e becos do meretrício e as prostitutas foram deslo-
cadas pela polícia. O alargamento da Av. Líbero Badaró também expulsou
as “mariposas”. Elas se deslocaram para o Vale do Anhangabaú, os Lar-
gos dos Piques e São Francisco, a Av. Ipiranga e as Ruas Amador Bueno,
Benjamim Constant, Timbiras e Senador Feijó. No final do século XIX, a
Rua Cruz Branca, no Brás, já era de meretrício, sendo que ali a polícia
sempre prendia ladrões e jogadores. As prostitutas presas recebiam uma
ducha de água fria ou uma surra e tinham a cabeça raspada.
Ainda de acordo com Fonseca, no início do século, vários eram os bares
frequentados por prostitutas e seus fregueses. Na “Confeitaria Castelões”,
na Praça Antônio Prado, encontravam-se os ricaços, os boêmios e, depois
das 17 horas, as” marafonas”. Na avenida São João, encravavam-se os
cafés-concertos com as” horizontais”. O bar do Municipal transformava-se
em “feira de amores caros”. As “pensões alegres” foram as principais res-
ponsáveis pelo desenvolvimento do meretrício em São Paulo no final do
século XIX e início do século XX. “Nelas reuniam-se os mais abastados
(...) que em companhia das mulheres realizavam passeatas”. Segundo

49
estimativas da Câmara Municipal, em 1917, elas eram em número de 50
a 60. No início deste século, na Avenida São João até à altura da Avenida
Duque de Caxias, funcionavam 16 dessas “pensões”.
No caso da prostituição denominada “prostituição pública”, o que se
constata no Brasil é que a intervenção policial é demandada devido à ati-
vidade ir de encontro aos padrões de comportamentos morais, ainda que
ela não se inclua entre os eventos considerados crimes.
Em outros países a prostituição é tratada de outras formas, que se di-
ferencia em cada local. Nos Estados Unidos é adepto ao proibicionismo,
exceto Nevada, onde estado permite oficialmente algumas formas de
prostituição em alguns condados, todos afastados de Las Vegas, a cidade
de hotéis esplendorosos, onde muito dinheiro é movimentado nos salões
de jogos e também entre quatro paredes, extraoficialmente. Cidadãos de-
savisados frequentemente abordam agentes policiais femininas nas ruas,
caracterizadas de prostitutas, e terminam presos. Ironicamente sendo um
mercado bastante lucrativo nos Estados Unidos. Assim como em Albânia,
Sérvia, Lituânia, Romênia, Camboja são adeptos do proibicionismo, onde
a prostituição é crime.
Na Alemanha, o sistema é de regulamentação. Foi durante o governo
de coalizão de verdes e socialistas, que em 2002 a Alemanha aprovou a
LProst (Lei de Prostituição), uma legislação que legalizou o trabalho sexual.
Antes de 2002, esse trabalho não era ilegal nem proibido: as pessoas que
o exerciam tinham que pagar impostos, mas ao mesmo tempo, a atividade
era considerada imoral e sem valor jurídico numa disputa entre clientes e
profissionais do sexo. Apesar do seu reconhecimento como profissão desde
2002, trabalhadores do sexo na Alemanha ainda estão sujeitos à discrimina-
ção, moralismos, incertezas e mal-entendidos. Mesmo assim, o reconheci-
mento formal significou um avanço em termos de direitos humanos.
Da mesma forma que na Holanda, Austrália e Grécia, o sistema é de
regulamentação, onde o trabalho é regulamentado por lei, buscando maio-
res direitos e oportunidades para essas mulheres, além de tentar comba-
ter a exploração sexual.
Dinamarca, Brasil e Argentina se encaixam no sistema misto, onde a
prostituição não é crime, mas a manutenção de bordéis sim, no entanto
na Dinamarca existe o direito de registro de trabalho. Na Suécia, Norue-
ga, França e Reino Unido a prostituição é criticada e a profissional é vista
como vítima do sistema, onde as pessoas ao seu redor são culpadas.

50
Leis

No Brasil, mesmo que a profissão seja inserida na Classificação Brasi-


leira de Ocupação, não há nenhuma regulamentação oficial que garanta a
segurança para a vida de mulheres que vivem nessa situação. A falta de re-
gulamentação e/ou de políticas públicas direcionadas a este público acaba,
justamente, deixando prostitutas em situação vulnerável, tendo seus direitos
frequentemente violados,
Em 1997, comissão do trabalho, na Câmara dos deputados, analisou o
projeto de Lei N.3436 do deputado Wigberto Tarture (PSDB-DF) que propu-
nha a definição de regras para o exercício da atividade a garantia do direito
à aposentadoria pelo Instituto Nacional de seguridade social, as profissionais
do sexo brasileira. Como resultado inequívoco das transformações sociais
anunciadas, prostituição passou a constar na classificação Brasileira de ocu-
pações de 2012 (CBO) Como um ofício legal e assim permanecendo.
“O Código Brasileiro de ocupação de 2012, regulamentado pela portaria
do Ministério do Trabalho nº 397, de 9 de outubro de 2012, para uso em todo
território nacional. Regulamento da seguinte forma, os profissionais do sexo.
“A classificação cita ainda os incisos abaixo: I – Condições gerais de exer-
cício trabalham por conta própria, na rua, em bares, boates, hotéis, rodovias
e em garimpos, atuam em ambientes a céus abertos, fechados e em veícu-
los, horários irregulares. No exercício de algumas das atividades podem es-
tar expostas à inalação de gases de veículos, a poluição sonora e a discrimi-
nação social. Há ainda riscos de contágios de DST e maus – tratos, violência
de rua e morte.
II – Formação e experiência, para o exercício o profissional requer-se que
os trabalhadores participem de oficinas sobre o sexo seguro, oferecidas pe-
las associações da categoria. Outros cursos complementares de formação
profissional, como, por exemplo, curso de beleza, de cuidados pessoais, de
planejamento de orçamento, bem como cursos profissionalizantes para ren-
dimentos alternativos também são oferecidos pelas associações, em diver-
sos Estados. O acesso à profissão é livre aos maiores de dezoitos anos; a
escolaridade média está na figura de quarta a sétima série do ensino funda-
mental. O pleno desenvolvimento das atividades ocorre após dois anos de
experiência.
III – ÁREAS DE ATIVIDADES: A - Batalhar programa; B - Minimizar as vul-
nerabilidades; C - Atender Clientes; D - Acompanhar Clientes; E - Administrar

51
orçamentos; F - Promover a organização da categoria; G - Realizar ações
educativas no campo da sexualidade.
Outro projeto que tramitou entre 1998-2003, que dispunha sobre a exigi-
bilidade de pagamento por serviço de natureza sexual e suprimia do Código
Penal os Artigos 228, 229 e 231, defendido pelo movimento organizado de
prostitutas e encaminhado pelo Deputado Federal Fernando Gabeira (Parti-
do Verde), recebeu parecer contrário da Câmara, em 2007, curiosamente, no
mesmo ano em que o Ministério da Cultura liberou aproximadamente quatro
milhões de reais para a produção cinematográfica da biografia de uma “ga-
rota de programa”. Um tanto contraditório
Atualmente existem projetos para a criminalização ou a regulamentação
da prostituição, visando mudar o olhar jurídico brasileiro.
A primeira veio em 2011, com o deputado João Campos, com o projeto de
lei 377 que prevê a criminalização de serviços sexuais aos moldes suecos.
Para isso ele utilizou outros decretos, como o implantado em dezembro de
1940 onde diz que “promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de
alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração
sexual, ou a saída de alguém que vá exercerá no estrangeiro. “Tendo como
pena a reclusão de três a oito anos. João Campos utilizou especificamente
o art. 231 a do Decreto 2848, onde se dizia “Incorre na mesma pena aquele
que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo co-
nhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la”
“Art. 1º - O Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código
Penal – passa a vigorar acrescido do seguinte art. 231-A: “Contratação de
serviço sexual”
Art. 231-A. Pagar ou oferecer pagamento a alguém pela prestação de ser-
viço de natureza sexual:” “Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem aceita a oferta de pres-
tação de serviço de natureza sexual, sabendo que o serviço está sujeito a
remuneração.”
Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Depois veio a proposta do Deputado Jean Willys, em 2012 com a Lei “Ga-
briela Leite”, pretendendo regularizar a profissão e garantir direitos sociais,
tendo como base a legislação alemã.
“Mas esse projeto tem um objetivo maior, que é garantir dignidade às pro-
fissionais do sexo, reconhecer seus direitos trabalhistas. Atualmente, elas
não contam com dignidade, são exploradas por redes de tráfico humano, por

52
cafetões e por proxenetas. Por que isso acontece? Porque a prostituição não
é crime no Brasil, mas as casas de prostituição são. E são poucas as prosti-
tutas que trabalham de maneira absolutamente autônoma, sem precisar de
um entorno e de relações. Então, a maioria delas acaba caindo em casas
que operam no vácuo da legalidade. O projeto quer acabar com isso. Garan-
tir, portanto, direitos trabalhistas e uma prestação de serviço em um ambien-
te absolutamente seguro. Outro objetivo do projeto é o combate à exploração
sexual de crianças e adolescentes. Um erro muito cometido pela imprensa,
um erro comum, é falar em prostituição infantil. Não existe prostituição infan-
til. A prostituição é uma atividade exercida por uma pessoa adulta e capaz.
Se uma criança faz sexo em troca de dinheiro, em troca de objetos, seja lá o
que for, esta criança está sendo abusada sexualmente, e exploração sexual
é crime. Atualmente, muitas crianças são exploradas em casas de prostitui-
ção, justamente porque essas casas são ilegais, elas não têm fiscalização.
Quando a polícia consegue investigar uma casa, o policial acaba recebendo
propina. E as prostitutas adultas não podem sequer denunciar. Se denuncia-
rem, o proxeneta mata. É uma situação que não pode continuar. O que pode
resolver este estado de coisas é um projeto que regulamente a atividade das
prostitutas e torne legais as casas de prostituição”, Jean Willys
“Art. 4º - O Capítulo V da Parte Especial do Decreto-Lei no 2.848, de 7
de dezembro de 1940, Código Penal, passa a vigorar com as seguintes
alterações:
Favorecimento da prostituição ou da exploração sexual.
Art. 228. Induzir ou atrair alguém à exploração sexual, ou impedir ou difi-
cultar que alguém abandone a exploração sexual ou a prostituição: “Casa de
exploração sexual”
Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiros, estabelecimento em
que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação
direta do proprietário ou gerente:

Rufianismo

Art. 230. Tirar proveito de exploração sexual, participando diretamente


de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a
exerça.
Art. 231. Promover a entrada, no território nacional, de alguém que nele
venha a ser submetido à exploração sexual, ou a saída de alguém que vá

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exercê-la no estrangeiro.
Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do ter-
ritório nacional para ser submetido à exploração sexual”
Muito embora seja uma lei não aplicada. O advogado Alexandre Nasci-
mento Pinheiro comenta sobre a não efetividade dessa legislação. “Então,
quando a gente fala em direitos trabalhistas das prostitutas, quando a gente
comenta a respeito de uma legislação que tem uma função, mas ela não
realiza sua função, nós estamos falando de uma luta sobre o patriarcado.
Além disso tudo, é preciso saber que dentro do nosso Congresso Nacional
nós temos uma formação de deputados e senadores em que a maioria é de
homens e a maioria de religião hegemônica, que é ou o catolicismo ou então
a religião protestante. Isso acaba com [a chance] de legalização” aponta.
Segundo ele, a falta de vontade política é a grande dificuldade para que uma
legislação que proteja os direitos trabalhistas das prostitutas seja aplicada.
“Essas mulheres têm movimentos organizadíssimos, de convenções esta-
duais, de convenções nacionais e internacionais. O problema não está nos
movimentos sociais, o problema está na Constituição e na ausência de von-
tade por parte dos nossos representantes. Nós vivemos em um país que é
totalmente patriarcal e extremamente religioso e isso gera um conflito entre a
regularização e a efetivação dos direitos. Partindo desse pressuposto, é um
desafio muito grande” comenta. “As legislações atuais, de fato, não efetuam
o direito da aposentadoria, não efetivam o direito de a pessoa ficar doente e
precisar se afastar [para as profissionais do sexo]. Nós que somos trabalha-
dores normais, temos direito a auxílio-doença e ao mesmo tempo a gente vê
que o aparelho do Estado não se prepara por falta de vontade e negligência.
Por mais que exista a legislação, a gente vê que falta uma palavrinha mági-
ca, que a gente discute bastante, que é efetividade. Não temos efetividade
para várias leis e essa é uma delas”, explica Alexandre.
Por outro lado, em 2016 o STF decidiu pela extinção da punibilidade da
prostituta pelo crime de roubo nos casos em que o cliente se recusa a pagar
pelo serviço prestado e ela se vê obrigada a pegar algo como ressarcimento.
Com isso, ela deixa de ser enquadrada no crime do Art. 345 do Código Pe-
nal – exercício arbitrário das próprias razões, devido ao descumprimento do
acordo verbal de pagamento feito entre as partes.
Sendo assim mais um avanço para o respeito do trabalho.

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Capítulo 6
“Você não faz movimento nenhum se
escondendo debaixo da mesa”

Em 22 de abril de 1951, na cidade de São Paulo, nascia Gabriela Silva


Leite. Vinda de uma família de classe média, em 1969 começou a cursar
Sociologia na Universidade de São Paulo. Um ano depois, Gabriela traba-
lhava em um escritório de advocacia. Filha de pais conservadores, nunca
se encaixou na família, e por prezar sua liberdade, decidiu que seguiria
sozinha a partir dali.
Em uma noite qualquer, Gabriela se sentou na mesa de um bar e ficou
assistindo as prostitutas do outro lado da calçada. Observando a cena,
decidiu que era isso que ela queria fazer, trabalhar na noite, se sentir livre,
entre outras coisas.
Começou a trabalhar como prostituta nos anos 1970 e 1980 na boca do
lixo em São Paulo, passando pela zona boêmia em Belo Horizonte, até
se estabelecer na vila mimosa no Rio de Janeiro, onde decidiu começar a
colocar em prática, de modo mais sistemático, a defesa dos direitos das
prostitutas. Gabriela iniciou trabalho nacional de organização da categoria,
a partir da desconstrução de representações socialmente aceitas sobre a
prostituição, dando-lhe novos sentidos e buscando o seu reconhecimento
como profissão.
Nessa mesma época acontecia a revolução sexual, marcada por uma
geração ávida por liberdade de expressão nas áreas sociais, culturais e
sexuais. Surge então o movimento de contracultura, marcado pela quebra
de paradigmas e questionamentos sobre os valores sociais vigentes até
então. Fatos históricos, como o surgimento da pílula anticoncepcional e
os movimentos feministas, propiciaram terreno fértil para uma revolução
sexual, que foi de 1960-1975.
Logo que Gabriela chegou ao Rio de Janeiro, Benedita da Silva, primei-
ra vereadora negra da cidade, estava fazendo um evento que se chamou
1º Encontro de Mulheres de Favelas e Periferias. E a líder comunitária foi
à Vila Mimosa, bairro do Rio de Janeiro, onde Gabriela e outras prostitutas
moravam, saber se aquelas mulheres queriam participar desse encontro.
Durante a ida de Benedita à vila, comentaram com ela que ali havia uma

55
mulher que lutava pelos direitos das prostitutas. Essa mulher era Gabriela.
As prostitutas, em geral, não costumam se mostrar principalmente falan-
do em público. Então, quando Gabriela começou, não parou mais. Eram
entrevistas atrás de entrevistas. “As mais antigas falam, as mais jovens
não falam, eu entendo. Mas eu também acho que as pessoas devem apa-
recer”, disse Gabriela em uma entrevista para revista Trip, do site UOL,
em 2012.
Assim que Gabriela ficou conhecida, foi convidada para uma reunião,
em que conheceu uma pessoa de extrema importância para o movimen-
to das prostitutas que é Maria de Lourdes Barreto, uma mulher pobre do
interior da Paraíba. Ela havia trabalhado em garimpo, já havia trabalhado
em madeireira, havia trabalhado eu vários tipos de prostituição e sempre
pensou na atividade como uma profissão.
Gabriela e Maria de Lourdes viraram amigas, começaram a conversar.
Juntas, criaram o seu próprio movimento. Maria achou que as duas não
conseguiriam, mas Gabriela sempre acreditou e assim aconteceu o 1 En-
contro Nacional das Prostitutas, em 1987. Criaram também a Rede Brasi-
leira de Prostituição, que tinha como reivindicação reconhecimento legal
da prostituição como profissão. Foi o encontro que juntou 16 estados e a
imprensa falou tanto que acabou com mais de 2.000 pessoas compare-
cendo.
“Nós, as mais antigas, que viemos da década de 1970, uma sociedade
ironicamente mais moderna, queríamos que o nome fosse de prostitutas
ou deputas”, afirmou Gabriela na mesma entrevista à revista Trip.
Naquele ano de 1987, o Brasil estava em uma grande reforma. Em 1979,
o regime militar dava sinais de enfraquecimento e a população buscava a
democracia. Esse processo ocorreu no governo do general João Batista
Figueiredo, sendo as primeiras medidas tomadas a decretação da Lei da
Anistia, que anulava os crimes políticos cometidos tanto por revolucioná-
rios de esquerda quanto por militares, nos anos anteriores, e permitia que
os exilados políticos voltassem para o Brasil. Também há a permissão da
volta da livre agremiação de partidos políticos, que passaram a se formar
a partir de 1980.
Depois de tais medidas, ocorreram as eleições indiretas para a presi-
dência da República, cargo que passou, finalmente, a ser ocupado nova-
mente por um civil, apesar da frustração com a derrota da Emenda Dante
de Oliveira, que previa eleições diretas para a Presidência já naquele ano.

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Mesmo como o Movimento Diretas Já derrotado no Congresso, seu prin-
cipal líder acabou eleito: Tancredo Neves. Mas ele que faleceu antes de
assumir o cargo, em 1985. Seu vice, José Sarney, foi então empossado
como o primeiro presidente do novo período democrático.
No ano seguinte, 1986, foram feitas as primeiras eleições diretas para
as cadeiras do Poder Legislativo após o fim do regime militar. Também
houve a segunda eleição para governadores naquela década. Essas elei-
ções escolheram os representantes que ficariam responsáveis pela reda-
ção da nova Constituição Brasileira. Assim, esse Congresso configurou-se
também como uma Assembleia Constituinte, isto é, nós tivemos não uma
Constituinte Exclusiva, que ocorre quando os membros da sociedade são
eleitos apenas para fazer a Constituição, tendo o seu mandato expirado
depois que o texto fica pronto, mas um “Congresso Constituinte”. Os polí-
ticos do Legislativo que participaram da feitura da Constituição permane-
ceram em seus cargos após o término desta.
A Constituinte começou a se reunir em fevereiro de 1987 e só teve suas
atividades encerradas em setembro de 1988.
Nessa mesma época começou a epidemia da AIDS, que se tornou um
marco na história da humanidade. A epidemia da infecção pelo vírus da
imunodeficiência humana (HIV) e da AIDS representa fenômeno global,
dinâmico e instável, cuja forma de ocorrência nas diferentes regiões do
mundo depende, entre outros determinantes, do comportamento humano
individual e coletivo. Foi tida por muito tempo como doença de prostitu-
tas e homossexuais, aumentando ainda mais o preconceito, assim como
todas as doenças sexualmente transmissíveis - sífilis, herpes, gonorreia.
Mas no caso da AIDS, ela chegou a ser chamada de “peste gay”, como se
fosse uma espécie de punição os homossexuais por seus supostos com-
portamento promíscuos.
Ali Gabriela traçava o seu futuro, colocando em pauta na Rede Brasi-
leira de Prostituição a retirada do apoio financeiro do Ministério da Saú-
de para AIDS. O único financiamento que o Ministério da Saúde oferecia
para as prostitutas era voltado para o tratamento de AIDS, ignorando que
eram mulheres e precisavam de muito mais do que aquilo. Não existem só
doenças da cintura para baixo. Saúde da mulher é muito mais ampla e ela
buscou esse reconhecimento. Enquanto a questão ficasse restrita à AIDS,
Gabriela e outras tantas mulheres não aceitariam mais isso. No dia que
se pensasse na mulher como mulher em toda a sua complexidade, elas

57
poderiam voltar a pensar em aceitar apoios.
Mesmo com as mudanças da Constituição de 1988, as prostitutas ainda
não tinham direitos e essa continuou a ser uma das principais lutas que
precisavam ser enfrentadas. “Tirar do Código Penal os artigos que crimi-
nalizam a prostituição, para que o empresário da prostituição possa ficar
na legalidade, pagar impostos e tratar a prostituta com os direitos que ela
tem”, disse Gabriela para revista Trip em 2012. Até hoje, essa sonhada
legalização da atividade ainda não aconteceu.
Em 1991, fundou a organização não governamental “Davida”, que pre-
tende promover a cidadania das mulheres com ações nas áreas de edu-
cação, saúde, comunicação e cultura, fomentando políticas públicas para
o fortalecimento da cidadania das prostitutas, mobilização e organizações
da categoria para a promoção dos seus direitos.
Então, em 2005, foi criada a famosa “Daspu”, redução de “das putas” e
o jogo com o nome “Daslu”, marca internacionalmente conhecida para mu-
lheres de luxo. A grife feminina concebida por Gabriela foi pensada para
gerar visibilidade e recursos para os projetos da ONG Davida, realizar os
desfiles em várias cidades do País em busca de projetos nacionais, con-
seguindo que a iniciativa obtivesse, inclusive, repercussão internacional.
“Daspu é uma puta parada, Daspu é uma parada de puta”, dizia o jingle
da marca.
No ano de 2009 veio o lançamento do livro de Gabriela, intitulado Filha,
Mãe, Avó e Puta: A História da Mulher que Decidiu Ser Prostituta.
Gabriela teve duas filhas, uma neta, e ajudou a criar o filho do marido, o
jornalista Flávio Lens, mantendo-se ativa na militância intelectual através
de palestras, eventos, recebendo, inclusive, convites do Ministério da Saú-
de e do Exército Brasileiro para falar sobre sua vida e seu trabalho.
Quando Gabriela engravidou, muito nova, sua mãe achou que assim ela
sairia da boêmia, pois ela teve que voltar para a casa materna e, assim,
aceitar os termos e condições que lhe eram impostas. Mas não foi bem
isso o que aconteceu. Um dia, Gabriela saiu e voltou de madrugada. Che-
gando em casa, sua mãe falou que se ela não seguisse as regras, poderia
ir embora. Gabriela arrumou suas coisas e ficou sentada na porta de casa,
na calçada, até o dia amanhecer. Assim que amanheceu, ela se levantou
e foi embora, sem olhar para trás. Ficou 20 anos sem ver a filha e a mãe
novamente.
O Dia Internacional da Prostituta é lembrado em 2 de junho, data criada

58
porque neste dia, em 1975, 150 prostitutas ocuparam uma igreja em Lyon,
na França. Essas mulheres queriam chamar a atenção para a violência da
polícia e o preconceito contra ela e seus familiares. Em 2009, nesta data,
Gabriela Leite foi entrevistada no programa Roda viva, apresentado todas
as segundas de forma on-line pela TV Cultura.
“A prostituição no Brasil não é crime. Crime é manter casa de prostitui-
ção. E como tudo que é proibido cria máfias, existe uma máfia muito gran-
de no meio dos chamados exploradores da prostituição, que não pagam
direito nenhum para as prostitutas. Então, a gente (sic) está lutando para
tirar do Código Penal esses senhores e senhoras, para que eles assumam
os seus deveres com as prostitutas. E nada impedindo também que a
prostituta consiga, como autônoma, pagar todos os seus impostos e tam-
bém receber os seus direitos”, afirmou ela na entrevista.
“Eu acho que a princípio é muito boba essa história de querer salvar as
pessoas da prostituição. É de uma pretensão imensa. E salvar o quê? As
pessoas fazem suas opções, às vezes as opções são menores, às vezes
um ‘pouquinho’ maiores, mas as pessoas fazem.
A questão da prostituição deve estar inserida dentro das questões da
sexualidade, das políticas da sexualidade, dos direitos sexuais... E a pros-
tituição, na minha opinião, é um direito sexual.
E, de mais a mais, as pessoas esquecem que as prostitutas estão lá no
seu trabalho, trabalhando, porque tem alguém que vai lá procurar elas. En-
tão existe demanda, existe na sociedade. E para mim a grande história é
sair debaixo do tapete, se mostrar e dizer: olha, eu sou uma delas e estou
aqui, sou uma mulher inteirona, como qualquer outra mulher.”
Em 2010 veio a candidatura a deputada federal pelo Rio de Janeiro,
que deu origem ao documentário Um beijo para Gabriela, criado e dirigido
por Laura Rebecca Murray, professora Ajunta no Núcleo de Políticas Pú-
blicas e Direitos Humanos (NEPP-DH) da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). Ela fez pós-doutorado no Instituto de Medicina Social da
UERJ, onde desenvolveu pesquisas na área da Antropologia do Estado, da
Sexualidade e da Saúde com foco nos temas de políticas públicas, buro-
cracia, ativismo, HIV/AIDS e prostituição. O trabalho mostrou os bastidores
da campanha política, o que foi um novo desafio na trajetória de Gabriela.
De início, ela nem pensava a possibilidade de se tornar política, por
sempre achar que não serviria para a função, por seu jeito ser sempre
muito falante, estourada, mas naquele ano ela entendeu que aquela sua

59
personalidade iria ajudá-la muito.
Junto com 823 candidatos, Gabriela Leite concorreu às 46 cadeiras do
Rio de Janeiro no Congresso Brasileiro.
Foi candidata pelo Partido Verde, cuja maior liderança na época era
Marina Silva.
“Depois de 30 anos de militância, eu estar aqui hoje como candidata é
uma vitória muito grande para nós que vivemos em estigma”, disse ela no
documentário.
Os votos foram pensados em votos de opinião, criando muitas ações
voluntárias em cima, e trabalhos na internet. E seu número foi lançado:
4301.
“Antes de ser puta eu sou mulher, E como mulher que sou eu estou aqui
como candidata. O número de mulheres no Congresso Nacional hoje, são
apenas 6%”
Durante a campanha, Gabriela foi intimidada a comprar votos de uma
igreja evangélica. Ela foi chamada como se estivesse indo para uma entre-
vista, mas ao chegar no local percebeu o que estava acontecendo.
“Ele disse o seguinte, eu tenho condição de te dar muitos votos, muitos
votos, aí o pastor falou assim, você sabe que essa negociação pressupõe
um dinheiro, quanto você tem de dinheiro por esses votos? Eu olhei pra
cara dele e falei eu não tenho dinheiro, a minha campanha não tem dinhei-
ro”, relata.
Gabriela se emocionou quando voltou nela, mas ao final das eleições
ela teve apenas 1216 votos.
“Eu não ganhei, mas o que eu quero é começar uma baita reforma polí-
tica, é isso vai ser no Brasil todo”, disse, na época.
Em uma entrevista para o UOL em 2012, Gabriela contou quando come-
çou a defender os direitos das prostitutas.
“Tinha um delegado, na 3ª Delegacia ali do Centro, que torturava as
prostitutas. Duas colegas desapareceram, e uma estava grávida. Era a
época do delegado Fleury, que era o chefe de polícia. E aí falei com umas
colegas do apartamento onde eu trabalhava: “Por que a gente não faz
alguma coisa?”. E as meninas respondiam “Que é isso, a gente é puta,
não pode fazer nada”. Daí disse: “Se a gente juntar todo mundo, dos vá-
rios prédios de prostituição” – e tinha muitos – “a gente consegue alguma
coisa”. Então, convenci algumas colegas e a gente foi de prédio em prédio
chamando as outras pra fazer uma manifestação na Praça da Sé, porque

60
ninguém sabia disso que estava acontecendo. E fizemos uma manifesta-
ção que foi um rebu”, acrescentou na entrevista.
Pouco depois da sua candidatura no Rio de Janeiro, ela descobriu um
câncer no pulmão, quando parou de fumar e beber. Sua luta começou a
ser virtual e ela não tinha condições de ir mais às ruas. Depois de um ano
lutando contra a doença, Gabriela Leite morreu em 2013, aos 62 anos.
Para Aparecida Fonseca Moraes, professora associada do departamen-
to de sociologia da UFRJ e do programa de Pós-graduação em Sociologia
e Antropologia, a trajetória pessoal de Gabriela Leite é um componente
relacional importante para compreendermos as condições sob as quais
ocorreram mudanças nas práticas discursivas em torno do fenômeno da
prostituição no Brasil contemporâneo. No fim da década de 1980, novas
ideias sobre a mulher prostituta alcançaram os meios de comunicação,
grupos de intelectuais e acadêmicos, artistas, representantes de círculos
políticos e religiosos, de organizações governamentais, não-governamen-
tais e diferentes movimentos sociais. Iniciou-se aí um longo e tenso cami-
nho para um reconhecimento público e político que questionava atributos
negativos que associavam a mulher prostituta às ideias de passividade,
isolamento, degradação, ameaça, contaminação e outros. Gabriela Leite
mudou a forma de luta pelos direitos das prostitutas.

61
Parte III
(Casos, pesquisas e desafios)
Capítulo 7
Quanto vale a vida?

Quanto deve valer uma vida? O valor muda conforme a profissão? Con-
forme o caráter? Conforme o dinheiro? Conforme o poder? O que torna
uma pessoa tão mais importante que outra? São perguntas que deveriam
ser feitas em uma sociedade que mata, abusa e violenta tantas mulheres
por dia.
Nascida em 1985, na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, Eliza cresceu
longe da mãe, Sônia Fátima Silva Moura, foi criada pelo pai, Luiz Carlos
Samudio, que hoje está condenado por estupro e foragido da Justiça. Ele
teria cometido o crime, em 6 de dezembro de 2003, contra uma menina de
apenas 10 anos.
Na infância, ela era fã de futebol. Por dez anos, jogou como goleira em
um time de futebol de salão na cidade natal. Na adolescência, Eliza era
assediada e oferecida para favores sexuais pelo próprio pai a amigos dele.
Ao completar a maioridade, a jovem de corpo esguio, pele clara e cabelos
negros, deixou o lar e foi para São Paulo atrás do sonho que tinha desde
os 13 anos: ser modelo.
Na cidade grande, Eliza viveu em função de uma ideia fixa: encontrar
um príncipe encantado no mundo do futebol. Ela frequentava concentra-
ções, campos de treinamento e festas, porque queria se aproximar e gos-
tava de jogadores de futebol. O contato com atletas, entre eles jogadores
de seleço, era mantido através de telefonemas, internet e até teria rendido
passeios internacionais para países como Portugal e Alemanha.
Eliza Samudio, entre 2005 e 2009, trabalhou como atriz em produções
pornôs com os nomes artísticos “Fernanda Faria” ou “Victória Sanders”,
nas quais há cenas de sexo explícito.
Com alguns trabalhos no Rio de Janeiro, a jovem conheceu um golei-
ro. Em outro vídeo postado na internet, Eliza relata que uma amiga dela
a apresentou ao atleta durante uma festa na casa de outro jogador de
futebol.
Três meses depois, a ex-modelo estava grávida do atleta. A gravidez
foi anunciada publicamente e atribuída a Bruno. No mês de outubro da-
quele ano, Eliza registrou uma ocorrência contra o jogador. Ela foi se-
questrada pelo amante do goleiro e levada até uma casa no Recreio dos
Bandeirantes, no Rio de Janeiro, onde foi mantida em cárcere privado.
Lá, ela foi obrigada a ingerir um líquido, tomar comprimidos, possivel-

63
mente abortivos.
Foi durante a gestação que a modelo decidiu dar um rumo diferente na
vida, dizendo que voltaria a estudar e trabalhar assim que seu filho ficasse
maior.
Eliza era mãe, era filha, era jovem, era forte. Estava feliz e começava a
conquistar aos poucos suas coisas.
Em junho de 2010, Eliza Samudio e filho foram levados por pessoas co-
nhecidas para o sítio do jogador, no interior de Minas Gerais, onde ficaram
em cativeiro. A criança foi retirada dela, ela foi morta e seu corpo foi dado
como comida para cachorros. O jogador? Foi solto, casou-se e voltou a
jogar

*****
Naquela manhã, Mariana acordou animada, queria fazer exercícios,
manter o corpo saudável. Afinal, estava cursando fisioterapia, era nova, ti-
nha apenas 19 anos, a vida esperava por Mariana e ela queria muito viver.
Era um dia frio em Barari, interior de São Paulo, mas isso não desanimou
uma jovem determinada. Colocou sua roupa de malhar, pegou o carro, e
foi para sua academia de costume. Conversou com amigas, malhou per-
na, malhou braço, malhou abdômen e se sentiu preparada para começar
o dia.
Já satisfeita com sua sequência de treinos, olhou para o relógio e perce-
beu que eram quase 8 horas da manhã, ótimo momento para se despedir
daquele lugar. Por coincidência, uma amiga também havia terminado e
ambas foram andando até a porta. Chegando no estacionamento, Mariana
e sua amiga se despediram e cada uma foi para um lado.
Quando avistou seu carro, Mariana se entristeceu. Um pneu estava fu-
rado e agora ela estava sozinha ali. Não demorou muito, um homem se
aproximou, ofereceu ajuda e Mariana aceitou. Ele trabalhava como pintor
logo ali na frente, então Mariana entrou no carro e dirigiu até o trabalho do
homem que lhe ofereceu ajuda.
O corpo de Mariana Forti Bazza foi encontrado 24 horas depois em um
município a 60 km de distância da sua cidade, com marcas de estupro e
asfixia.

*****

Era uma quinta-feira quando Eloá e mais três amigos decidiram fazer
um trabalho escolar na sua casa. Eloá tinha apenas 15 anos, mas já traça-

64
va seu futuro. Tinha metas e era dedicada nos estudos. Ela tinha acabado
de terminar seu relacionamento e queria focar em si mesma.
No final da tarde, no apartamento em Santo André, no ABC paulista,
onde morava, Eloá e seus amigos foram surpreendidos pela chegada do
seu ex-namorado. Todos ficaram bastante assustados. O homem, que ti-
nha 22 anos, encontrava-se armado. Ele expulsou todos, menos Nayara,
melhor amiga de Eloá. Com muito medo, as meninas se apoiavam, não
sabiam o que poderia acontecer, mas esperavam o melhor.
Eloá ficou 100 horas em sequestro, Nayara teve a oportunidade de sair,
mas a polícia colocou-a novamente no apartamento. A televisão transfor-
mou sua vida em um espetáculo, e a justiça transformou sua morte em
mais uma história. Eloá Cristina Pimentel morreu baleada e Nayara Rodri-
gues da Silva foi operada com um tiro na cabeça.

*****

Essas são história de algumas mulheres, que são totalmente diferentes,


com profissões diferentes, em lugares diferentes, roupas diferentes, mas
com o mesmo destino, a morte. A mulher morre de graça no Brasil, ela é
julgada pela sociedade muito mais que qualquer homem. Mulher é amea-
çada, mulher apanha, mulher é agredida verbalmente, psicologicamente
e fisicamente sem motivo algum. Independente de profissão ou classe so-
cial, mulher sofre todos os dias, e tentar justificar a morte é não enxergar
o óbvio.
O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de Feminicídio, segundo
o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (AC-
NUDH). O país só perde para El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia
em número de casos de assassinato de mulheres. Em comparação com
países desenvolvidos, aqui se mata 48 vezes mais mulheres que o Reino
Unido, 24 vezes mais que a Dinamarca e 16 vezes mais que o Japão ou
Escócia. O Mapa da Violência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
mostra que o número de mulheres assassinadas aumentou no Brasil. En-
tre 2003 e 2013, passou de 3.937 casos para 4.762 mortes. Em 2016, uma
mulher foi assassinada a cada duas horas no país.
Em 2019 o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos divulgou o
balanço anual da Central de Atendimento à Mulher. Os dados apresenta-
dos pelo Ministério mostram que as denúncias de tentativas de feminicídio
aumentaram 74% entre 2018 e 2019.

65
De acordo com o site UOL, em 2018 o Brasil registrou 66.041 casos de
violência sexual. Desse total, 81,8% das vítimas foram mulheres e 53,8%
tinham até 13 anos. Ou seja: quatro meninas de até 13 anos foram es-
tupradas por hora no país. O principal grupo de vítimas de estupro são
meninas muito jovens: 26,8% tinham no máximo nove anos. As pessoas
negras correspondem a 50,9% das vítimas e as brancas a 48,5%. Do total
de casos de estupro de vulnerável, 75,9% das vítimas possuem algum tipo
de vínculo com o agressor, entre parentes e amigos da família. Segundo o
Fórum Brasileiro de Segurança Pública, esses dados não são novos: pelo
menos desde os anos 1990, diferentes estudos têm indicado que o abuso
sexual, em geral, é praticado por membros da família ou que seriam de
confiança das crianças.

*****

Ela tinha 6 anos quando o tio começou os abusos sexuais. Aos 10 ela
engravidou. Teve seu direito de retirar a criança, mas na porta do hospital
ela sofreu outros tantos abusos. Chamaram ela de assassina, divulgaram
seu nome, sua identidade, sua vida, e ela só queria voltar a ser criança.
Uma pesquisa feita pelo Centro de Referência da Mulher (CRAM) na
região do semiárido do Estado de Pernambuco, em 2014, mostra a con-
sequência do abuso familiar infantil, na vida adulta de mulheres. A pesqui-
sa foi dividida em categorias. Na primeira categoria, convivência familiar
após a revelação do abuso sexual, são apresentadas as repercussões da
vivência abusiva para o convívio familiar, sobretudo entre a mãe e a filha
abusada. Na segunda, a vida cotidiana de meninas em vivência de abuso
sexual, mostrou, entre as alterações funcionais, a gravidez. Na terceira,
repercussões do abuso sexual na vida cotidiana de mulheres abusadas
sexualmente na infância, mostrou que a vivência de abuso sexual desen-
cadeou diversas alterações emocionais, que se prolongaram até a vida
adulta, culminando em situações extremas, por exemplo, tentativas de sui-
cídio e comportamentos autodestrutivos. E na quarta, problemas na esfera
sexual: além de problemas emocionais, a experiência abusiva predispõe
meninas e mulheres a problemas na esfera sexual e a dificuldades nos
relacionamentos afetivos, sendo que uma alteração frequentemente iden-
tificada em meninas menores, abusadas sexualmente, é o comportamento
sexual inadequado para a idade, situação que pode levá-las à prostituição.

66
Arte: Maria Eduarda Aires

67
A prostituição é muito vasta, toda história de chegada no mercado é dife-
rente, algumas por abusos, com mostrado na pesquisa, outras por condição,
dinheiro, gosto, entre outros, mas o que se ouve muito de “vida fácil” não che-
ga nem perto de ser assim.
Na prostituição, a mercadoria é o corpo, mas a resposta é um olho roxo,
um tapa na cara, um nariz quebrado, uma ameaça de morte, um insulto, um
abuso sexual, um estupro, um mil e outras coisas que não conseguiria colocar
em palavras.
*****
Ângela estava trabalhando, parada perto a um ponto de ônibus. Era junho e
no Rio de Janeiro já começava o frio. O dia era sábado e estava tudo tranquilo
por ali. Mas durante a madrugada as coisas mudaram. 5 homens em um
carro, não tinham intenções boas quando pararam na frente de Ângela. Mas
o que cinco jovens tão bem sucedidos, moradores de condômino de luxo
poderiam fazer ali, em um ponto de ônibus durante a madrugada de sábado.
Quatro dos cinco saíram do carro, puxaram a bolsa de Ângela e agrediram
ela até não conseguirem mais. Ângela sobreviveu.
*****
“ A única vez que eu fui trabalhar na rua, sai correndo quando vi uma viatura
policial se aproximando” Gabriela Leite, 2007, para o G1.
*****
Ela teve queimaduras de 1º e 2º grau nas pernas por estar trabalhando
com algo que para um homem de 24 anos em São José do Campos, era mo-
tivo para tentar matá-la.
*****
Vieram com folhas de cana e desconfiguraram o rosto dela. Ela corria ten-
tando escapar. Sentiasse culpada por ser prostituta e mulher.
*****
“Já passei por muita coisa que não desejo a ninguém. Fui assediada e
abusada, física e verbalmente. Um cliente me estuprou, fez sexo comigo sem
meu consentimento, e não denunciei por medo, porque ele era perigoso.”
Lays Peace, para o Jornal O Globo 2021

*****
Um dia de trabalho normal na casa de show perto de Campo Grande, uma
jovem se arrumou e esperou algum cliente chegar. Pouco tempo depois, um
chega. Ela já conhecia e já teriam saído antes. O homem chama essa mulher
para a casa dele, e ela aceita, era um cliente e mais que isso, um que já teria
saído antes.

68
“Ela foi amarrada, agredida a chutes, socos e estuprada, foi ameaçada de
morte quando começou a gritar e pedir ajuda. Só conseguiu escapar pulando
a janela quando o suspeito foi para outro cômodo.
Com medo, ela se escondeu em um quintal. Na sequência, conseguiu ca-
rona com um estranho e foi levada de volta para o estabelecimento onde tra-
balha. Machucada, a vítima foi levada ao hospital para receber atendimento
médico”.
Relato feito pelo jornal de Campo Grande. Mas, por outro lado, são poucos
relatos que existem feito por mulheres profissionais do sexo, a grande maio-
ria delas não denunciam, e pior, acreditam que essa agressão faz parte do
trabalho.

Arte: Maria Eduarda Aires

69
Arte: Paula Reis

70
De acordo com a pesquisa “Caracterização da violência física sofrida
por prostitutas do interior piauiense”, realizada por profissionais da área de
enfermagem em 2012, há um grande número de registros de agressões a
prostitutas. Os dados dizem respeito a apenas uma região, mas refletem
a realidade de todo o país.
As recorrentes práticas violentas contra prostitutas motivaram as profis-
sionais a alterar o seu horário de trabalho para o período diurno. Além das
novas jornadas, as mulheres passaram a ficar mais atentas às placas dos
veículos, como forma de identificar os agressores.
A antropóloga Lucia de Fátima Lobo fala sobre essa violência relacio-
nada ao machismo. “Para nós entendermos a violência, temos que buscar
o capitalismo, a questão do produto e o consumidor, porque a partir do
momento em que você tem um sexo tarifado, que é o sexo pago, está
comprando um produto. E aí, quando você compra um produto, o que
você está comprando não é uma bala que você abre o papel experimenta,
não gosta e joga fora; você está comprando momentos de prazer, muitas
vezes um prazer que está represado. Por quê que tem na mentalidade do
homem brasileiro aquela ideia da mulher ‘virgem’? O sexo com essa mu-
lher é dentro dos padrões da sociedade, da normalidade da sociedade”,
enfatiza.
“Muitas vezes, o próprio homem é treinado para não romper esses pa-
drões, porque se ele quer algo além daquilo, há um mercado das prosti-
tutas. Na cabeça dele, a partir do momento que pagou pelo sexo, ele tem
direito a qualquer comportamento, a qualquer atitude. E como ele também
tem a cabeça machista de que ela tem que se submeter, quando existe a
contrapartida de não querer, que é algo não combinado, ele vai se impor,
porque isso fere a vitalidade. Ele está no comando e ela tem que se sub-
meter”, explica. “Ele usa dessa violência porque nossos rapazes, nossos
filhos ainda são criados nos valores machistas, nos valores da supremacia
masculina e que a mulher tem que se submeter. Mesmo que o homem te-
nha um comportamento de igualdade com a mulher em casa, quando ele
vai para a rua, onde ele vai pegar uma prostituta, ali ele está vendo um ob-
jeto que vai propiciar prazer. E se não corresponder [ao esperado], ele não
terá ética. Ali ele perde a humanidade. Eu acho que entra só a questão do
sexo pelo sexo, ele perde os valores éticos, morais, de respeito e eu acho
que aí tem esse desrespeito à figura humana”, acrescenta Lucia Lobo.
Da profissão mais antiga conseguimos tirar a maior desigualdade. Mu-

71
lheres em todos os aspectos são cidadãs de direito, e a violência contra-
vém essa garantia. Em profissionais do sexo, a violência contra mulher
precisa ser colocada em pauta, pois antes de serem profissionais, são
mulheres.
O advogado Alexandre Pinheiro comenta o quanto existe de despreparo
para receber essa mulher que foi agredida. “Falta acolhimento e a gente
não precisa nem falar do público em si que trabalha na prostituição. Por
exemplo, quando veio inicialmente a Lei Maria da Penha e uma mulher
sofria agressão, quando ela chegava numa delegacia que não era espe-
cializada nesse tipo de atendimento, o que acontecia? Muitas das vezes
o escrivão, o delegado ou até mesmo o policial olhavam e falavam: ‘Não,
você é que causou isso’ Inicialmente são [posturas e visões] machistas
sobre a questão da agressão. Primeiro, faltam profissionais no sentido de
acolher. Eu preciso ter, obviamente, delegacias especializadas, pessoas
especializadas para esse atendimento, e não temos. O primeiro aspecto
é esse. O segundo aspecto [já ligado à atividade da prostituição] é que no
âmbito legal, não há a legalidade dessa profissão. É uma profissão margi-
nalizada”, enumera.
“Acaba que dentro de uma relação trabalhista, a gente observa que
como não tem regulamentação, eu não tenho como exigir algumas condi-
ções mínimas para exercer esse trabalho. Há muito esse pensamento de
compra - ‘Eu te comprei você está subordinada a fazer o que eu quero’
- não funciona assim. Todos nós temos os nossos corpos e os nossos cor-
pos precisam ser respeitados. As pessoas possuem limites, a prostituta,
o prostituto possui limites”, salienta o advogado. “A gente observa que a
legislação, por exemplo, penal, vai tratar no sentido da agressão. Ela não
vai retratar a relação de trabalho. Chega um prostituto, uma prostituta e
fala: ‘Eu estava atendendo um cliente e eu apanhei, eu rejeitei fazer de-
terminada coisa porque eu não queria fazer e ele me bateu’. O delegado
ri, o escrivão ri, e acaba que a pessoa mesmo desiste de levar à frente
aquilo, porque desde a denúncia é discriminado, quiçá investigar a pessoa
que cometeu o delito. Entra a legalização em si, haver uma proteção legal
aos indivíduos, o que não tem. É onde a gente verifica justamente esse
impasse. Às instituições, você chega lá para falar: ‘Olha, aconteceu isso e
aquilo’. A pessoa já vem com um julgamento de valor e esse julgamento de
valor é superior à agressão que a pessoa sofreu”, complementa.
Alexandre relata sobre como a presença de um advogado na hora da

72
denúncia pode ser a diferença entre a vítima ter sua queixa ouvida ou não
em uma delegacia, por exemplo. “Na presença de um advogado, as pes-
soas parecem que respeitam um pouco mais”, constata. “Acredito que as
pessoas deveriam ser recebidas e acolhidas pela instituição”, opina. Ele
se recorda de uma história ilustrativa nesse sentido. “Uma vez, eu estava
na cidade em que eu nasci, que é uma cidade de interior com 10.000 ha-
bitantes. Lá havia uma mulher, que é prostituta, uma pessoa incrível. Na
época, havia festas e ela ia no dia em que não estava trabalhando, mas
ninguém tirava ela para dançar. Todo mundo já sabia basicamente o que
ela fazia, então havia esse preconceito. Se ela sofresse uma agressão ali
e chegasse na delegacia, em uma cidade do interior, a pessoa já falaria
impondo um julgamento de valor. O delegado não acolhe, principalmente
no interior”, reconhece. “Essa mulher relatou várias agressões no local
onde ela trabalhava ou de clientes.”
Alexandre lembra que esta mulher, ao dizer aos seus clientes, que não
gostaria de satisfazer determinado desejo de algum deles, acabava sendo
agredida. “Ela contava para o pessoal e o pessoal, às vezes, a direcionava
para a delegacia e não dava andamento em nada. Muitas vezes, a pes-
soa que agrediu é vista socialmente como um pai de família, respeitado”,
relata. Isso deixava a denúncia ainda mais enfraquecida, uma vez que a
mulher marginalizada tinha sua palavra confrontada com indivíduos com
certo status social. “Eu acredito que, independentemente de alguém ser
uma coisa e o outro ser outra, o direito é o mesmo, ninguém deve ter os
seus copos agredidos. Falta bastante acolhimento nas delegacias, a lei,
nos andamentos de processos, porque as pessoas acabam vulgarizando
a profissão e não percebendo que ela deve ter toda a proteção”, defende.
“Por mais que a gente pense que precisa haver um olhar de proteção, eu
estou falando de algo que tem que ser de forma geral, de atendimento
legal, na área trabalhista e também sobre o ser humano, respeitar as indi-
vidualidades. Não é porque você está pagando que você manda. Eu tenho
meu trabalho, você tem outro trabalho e aqui a gente entra num senso de
respeito do que é praticado. Quando chegar no meu limite, eu não vou
mais continuar fazendo aquilo”, acrescenta.
Estupro também acontece na prostituição. Isso acontece quando um
cliente sai sem pagar ou quando tira a camisinha sem autorização durante
o ato sexual. Esses comportamentos são configurados como violências
sexuais, mas pouca atenção se dá para isso. Para o advogado Alexandre,

73
as pessoas criam um olhar de muita vulgaridade sobre a prostituta. “Quan-
do você trouxe a ideia de o prostituto ou a prostituta estar lá e o cliente tirar
a camisinha no meio do ato, isso é uma agressão ao corpo, porque você
não conhece a outra pessoa. Por exemplo, você não sabe se ela tem uma
doença sexualmente transmissível.” Doenças que podem afastar a pessoa
do trabalho ou fazê-las sofrer com uma enfermidade grave pelo resto da
vida. “O delegado ou uma delegada, às vezes, fala que a vítima se propôs
a isso, que é um risco dessa profissão, mas não funciona assim. Obvia-
mente, a gente tem que ter uma tutela do Estado nesse sentido e a gente
não tem”, critica.
“Então, para proteger nesse sentido, só a lei. Além disso, haver o pre-
paro das pessoas em delegacias, quer sejam especializadas ou não, a re-
tirada desse juízo de valor, na submissão sobre os corpos para que então
a gente tenha uma proteção integral, porque não adianta também eu ter
lei e essa lei não ser efetiva, se na hora que eu chego na delegacia para
fazer a denúncia eu não tenho acolhimento; na hora que realmente se
descobre alguma coisa e se encaminha para o Ministério Público, mas não
vai adiante. Muito embora o Ministério Público seja atuante nesse sentido,
ainda falta, digamos, um olhar a esse sujeito de uma forma totalmente
distinta da que a gente tem hoje. Isso tem muito a ver com essa pressão,
divisão sexual do trabalho, com a demonizações religiosas, do patriarcado
e que a gente fica num looping. Parece que melhora e depois volta e a so-
ciedade não muda. Eu hoje tenho muito contato com pessoas, eu vejo que
a conscientização já fez com que mudasse bastante o preconceito, mas
só em pessoas que conseguem ter esse diálogo”, descreve o advogado.

“Lei nº 12.845/2013
A lei de agosto de 2013 trata do atendimento obriga-
tório e integral que deve ser oferecido às vítimas de
violência sexual, com o objetivo de evitar o agravo de
danos físicos e psíquicos.
Decreto nº 7.958/2013
O decreto do ano de 2013 estabelece quais são as
diretrizes para um atendimento humanizado de víti-
mas de violência sexual, realizado pelos profissionais
da segurança pública e pelo Sistema Único de Saúde
(SUS).

74
Decreto nº 2.848/1940
Inserido no Código Penal Brasileiro, o decreto visa
à punição para diversos crimes de violência contra a
mulher. Algumas dessas punições estão hoje previstas
na Lei Maria da Penha.

Em 2018, a Lei da Importunação Sexual (13.718/2018) entrou em vigor


e define como crime a realização de ato libidinoso na presença de alguém
e sem seu consentimento, como toques inapropriados ou beijos “rouba-
dos”, por exemplo.”
A violência está apoiada nas relações machistas que ainda existem no
mundo, onde o homem se vê apto para ter poder inexistente sobre uma
mulher. Uma vez que ele paga, então ele exercita mais poder ainda, co-
locando assim a mulher em uma situação de subalternidade ao homem e
fazendo com que as prostitutas acreditem que essa agressão faça parte
do trabalho delas.
A agressão configura uma das causas primordiais de mortandade, par-
ticularmente no público jovem. Associado à esfera de episódios, homens
são mais feridos no meio público; já as mulheres são mais agredidas no
espaço privado, e o agressor é habitualmente alguém com quem mantém
algum tipo de relação, cujo vínculo é de submissão e de poder. Nesse
sentido, incide sobre elas a violência de gênero. Entre 1890 e 1930, pági-
nas de jornais como O Paiz, Jornal do Commercio e A Noite, dos 275 cri-
mes mencionados, 69 vítimas fatais foram mulheres; outras 98, vítimas de
tentativa de homicídios com ferimentos graves; 10, vítimas de ferimentos
leves; e 103 não tiveram danos especificados. Desses casos, 89,09% dos
agressores eram homens. As armas mais empregadas; facas, navalhas,
canivetes, punhais, seguidas por armas de fogo. Quase 20% das vítimas
foram espancadas antes de ser gravemente feridas ou mortas.
É considerado um problema de saúde pública pela Organização Mundial
da Saúde. Essa relação estabelecida entre homens e mulheres, tendo
como mecanismo a desigualdade de poder, constitui violação dos direitos
humanos e gera problemas de ordem social, de saúde pública e de saúde
da mulher
O peso que essa profissão carrega pelo descrédito e banalização cons-
truídos historicamente, perpetuam as várias expressões de violência viven-
ciadas por essas mulheres em seu cotidiano. Nesse cenário é constante,

75
tanto física como abusos sexuais, tráfico de mulheres, estupros, roubos,
insultos, xingamentos e outros, manifestados por humilhações, ofensas
verbais e morais, chegando até a assassinatos.
Em uma pesquisa feita por Universidades de Enfermagem do Nordeste
e publicada na Revista Brasileira de Enfermagem sobre “Caracterização
da violência física sofrida por prostitutas do interior piauiense”, mostra que
a prevalência do agravo violência na história de vida das prostitutas foi
considerada elevada, 40,8%, fato que pode repercutir na saúde mental,
física e sexual das mesmas. As prostitutas estão mais sujeitas a sofrer vio-
lência por estarem expostas em lugares determinantes de atos violentos,
onde podem ser vítimas de agressões verbais e físicas, tanto por parte de
cidadãos comuns como de agentes policiais.
Com relação à caracterização da violência física sofrida pelas prostitu-
tas, dados como local, agressor e atendimento especializado são relevan-
tes de serem identificados a fim de facilitar a elaboração de estratégias de
prevenção de agravos a essa população.
Na trajetória de vida das prostitutas observa-se que, quando crianças,
geralmente, são abusadas pelos pais ou parentes mais próximos.
Quando adultas esses desrespeitos não são praticados apenas por
clientes, mas também por policiais, familiares e conhecidos. Em uma pes-
quisa feitas em 2016 pela Faculdade de Ciência da Saúde da Universi-
dade de Brasília juntamente com Instituto de Comunicação e Informação
Científica e Tecnológica em Saúde, Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Ja-
neiro, mostra que a maioria das mulheres (66,4%) se sentiu discriminada
nos 12 meses anteriores ao estudo e os principais motivos referidos foram:
discriminação pela profissão e falta de dinheiro ou condição social; 59,5%
referiram violência verbal; 38,1% relataram violência física por qualquer
agressor. Violência física por parceiro íntimo foi referida por 25,2%; por
familiar/conhecido 16,6%; por cliente 11,7%; e por policial 7,9%. Violência
sexual alguma vez na vida foi relatada por 37,8% das mulheres profissio-
nais do sexo.
Todo o cenário construído no ambiente de trabalho proporciona a vul-
nerabilidade dos profissionais. O consumo de álcool e outras drogas é
frequente por diversos motivos, como, por exemplo se sentir mais solta/o
está notadamente ligado à baixa autoestima e formas de vida e de traba-
lho. Isso sem falar da precariedade dos locais, quando não estão traba-
lhando na rua, que no caso deixa totalmente exposta e sem nenhum tipo

76
de segurança.
São casas sem apoio, sem estruturas, com questões se saneamento
inadequada e localizada em lugares afastados.
Nesse contexto de extrema brutalidade espera-se que essas mulheres
tenham para onde recorrer. Em um artigo publicado em 2016 pela Revista
de Enfermagem da UFPE, onde foram feitas pesquisas com 28 funcioná-
rios da Atenção Básica de Saúde (ABS), foi observado como esse sistema
trata prostitutas com julgamento e discursos moralistas, acreditando que
entram nesse mercado de trabalho porque querem. Consideram um tra-
balho indigno e não vêm a violência contra profissionais do sexo com a
mesma importância de violências vivida por outras mulheres. Além disso,
fica claro que não há discussões nem ações especifica para acolher essas
mulheres.
O que não deveria ser assim, visto que essas mulheres vivem em con-
dições de mais vulnerabilidade. Infelizmente, não existe uma pesquisa no
País sobre o tema, mas em 2011, a Faculdade de Medicina da Universida-
de Estadual Paulista (Unesp), com apoio da Fapesp (Fundação de Ampa-
ro à Pesquisa do Estado de São Paulo) fez um levantamento que analisou
exames clínicos e laboratoriais de 102 mulheres, com idade média de 26
anos, onde mais de 70% das profissionais do sexo de Botucatu, cidade no
interior paulista, tinham algum tipo de infecção sexualmente transmissível
(IST). Dessas, 67,7% estavam infectadas com o papiloma vírus humano
(HPV, sigla em inglês). Mesmo sabendo que são resultados específicos de
um lugar, é possível perceber com esses números a necessidade de que
essas mulheres tenham mais acesso à saúde.
Pensando nisso, conversei com a professora de Enfermagem, Bruna
Paulino Almeida, que também trabalha no CEAP-SOL – Centro Estadual
de Atenção Prolongada e Casa de Apoio Condomínio Solidariedade, que
se constituiu como uma Instituição de Casa de Apoio ao portador de infec-
ção pelo HIV/AIDS, em Goiânia. Ela conta como acontece esse processo
de atendimento, revelando um quadro diferente da pesquisa de Pernam-
buco. “Pessoas que vivem com AIDS geralmente trabalham com prosti-
tuição. Na verdade, quase que 80%, 90% do meu público é esse. Nós
fazemos atendimento desde o acolhimento do paciente, ao processo de
adesão ao tratamento, de adesão ao medicamento. É uma equipe multi-
disciplinar. Eu sou a coordenadora de enfermagem e trabalho com outros
setores, como serviço social, psicologia, odontologia, nutrição. Nós todos

77
trabalhamos nessa vertente de trazer uma qualidade de vida para esse
paciente com doenças crônicas e incuráveis, mostrando que essa doença
tem um tratamento adequado.”
Comentei com ela sobre as questões de preconceito dentro da área da
saúde e a professora contou como é sua realidade. “Eu acho que o precon-
ceito é real, existe e a gente não pode falar que não existe. Inclusive, é até
uma das falas de seleção atualmente para profissionais de saúde. A coisa
que mais batemos na tecla é: ‘você conhece o nosso público?’, ‘sabe como
funciona?’. Geralmente fazíamos seleção até com a psicologia, já para tra-
çar um perfil profissional, porque sabemos que existe preconceito. A gente
sabe que é muito complicado trabalhar com algo que não aceitamos, algo
de que já temos uma visão errônea daquilo que a pessoa está fazendo,
vivenciando”, admite. “A gente tenta, ao máximo, manter profissionais que
tenham o perfil mais correlacionado com o da assistência que buscamos
para o nosso público. No geral, costumamos ter pessoas que já traba-
lharam anteriormente [com a área], já tenham vivência, ou costumamos
pegar aquelas pessoas que tenham uma vivência maior com estudos
voltados para esse público-alvo”, explica. “Temos muitos profissionais que
já trabalharam em grupo de estudos da UFG, por exemplo, para evitar
[problemas], e mesmo assim a gente pega pessoas que acabam saindo
porque falam que não têm o perfil, que não gostam. A própria pessoa já
sente que não é para ela [estar] aqui. Observamos que existe mesmo essa
dificuldade”, comenta Bruna.
Acredito que todo profissional deve se portar como tal. Já que todos,
na teoria, são iguais perante a lei, deveriam ser iguais perante o direito à
saúde, educação e outros. Mas o que forma um profissional, seja ele qual
for, é o aprendizado, o estudo, o preparo para estar em suas funções. Foi
nesse pensamento que perguntei para alunos de enfermagem o que de-
veria ser feito para as pessoas da área chegarem no mercado de trabalho
com menos preconceitos. Para a aluna Helyab Nurya Gomes da Silva,
deveria haver mais atenção dentro da sala de aula para esses assuntos.
“A gente vive em uma sociedade bem heteronormativa.” Ela exemplifica o
cuidado que se deve manter em não perguntar sobre parceiros a mulheres
que chegam para atendimento, uma vez que podem ser mães solteiras ou
terem optado por terem seus filhos sozinhas. Isso os alunos do curso de
saúde aprendem em sala de aula, mas outras abordagens, nem sempre.
“Quando a gente fala de um grupo específico, eu acho que ainda fica um

78
pouco ali à margem do ensino, porque não é tão falado assim. Mesmo
dentro da faculdade os cuidados têm que ser os mesmos, a mesma pre-
caução, você só vai adaptar [no mercado de trabalho]. Eu acho que isso
deveria ser um pouco mais falado. A gente trata de uma forma muito su-
perficial, e é um grupo que merece muita atenção também”, opina.
Para o aluno Gabriel Francisco da Silva Filho falta vivência com diver-
sos públicos que hoje estão em marginalização. “Eu vejo que durante a
graduação, a gente tem muito pouco contato com qualquer tipo de popula-
ção vulnerável. Não temos matérias que tratam especificamente da saúde
dessa população vulnerável, porque eles têm necessidades completamen-
te diferentes de uma pessoa que tem um mínimo de um privilégio, como
uma casa, uma comida, ir para escola. Eles não têm essa base”, aponta.
“Muitas vezes, você chega para atender uma pessoa e ela nem tomou
banho, porque não tem condições de tomar um banho. Ela está com falta
de higiene, não tem lugar onde tomar banho, não tem um banheiro, não
tem local de apoio para ir se limpar, escovar os dentes”, enumera. “Muitas
das vezes, a maioria das doenças que podem infectá-la já vêm juntas com
essa falta de autocuidado. Às vezes, ela está passando mal porque comeu
alguma coisa estragada, que era o único alimento que tinha naquele mo-
mento”, explica.
“A gente tem que ter mais contato com essa parte da população. Eu vou
para o oitavo período agora e durante a graduação, se eu tirasse a minha
participação nesse núcleo de pesquisa [NECAIH], eu não teria contato
com nenhum tipo [de disciplina que lide com essa realidade]. O que temos
é nada além do que ir ao postinho e aplicar as vacinas, fazer os curativos,
mas são pessoas que têm uma família, uma estrutura, mesmo que seja
pouca, mas ainda têm. Não têm essa vulnerabilidade muito afetada”, com-
para. “Falta incluir na grade matérias que estudem sobre essa população
com grave [vulnerabilidade], em como lidar, como acessar, porque eles
precisam muito dessa ajuda da gente. Quando a gente vai nos locais fazer
as coletas, eles ficam muito felizes que estamos indo lá, levando informa-
ção, levando saúde, porque quando vão buscar, sofrem todo esse tipo de
preconceito. Eles falam para a gente: ‘por que eu iria, sendo que eu serei
maltratado e às vezes não vou conseguir o que eu estou precisando? En-
tão é melhor eu ficar aqui e não vou precisar sair da minha casa pra ser
humilhado’. Muitas vezes, é isso o que acontece”, comenta Gabriel.
Para Anna Luiza Cunha, as aulas de Ética em Enfermagem deveriam

79
ser mais para o final do curso, porque as pessoas parecem se esquecer
de seus conteúdos e ensinamentos quando são ministradas muito no iní-
cio da faculdade. “Eu, como aluna, tive aula de ética da saúde Lembro
direitinho, bem no início da faculdade. Acho um erro porque acredito que
deveria ser mais para o final do curso essa matéria. A professora mandou
a gente desenhar e começamos. Depois ela falou assim: ‘agora, passe
para o lado esquerdo essa folha com nome’. E essa folha rodou na sala
toda”, descreve. Na mesma folha, os participantes da atividade desenha-
vam algo, formando uma espécie de mosaico sobre um mesmo desenho,
composto por todos, a partir das instruções que eram passadas pela pro-
fessora em sala. “Quando chegou na minha mão o desenho, tínhamos
que comparar se era a mesma coisa que a gente esperava. Depois a pro-
fessora relatou que a gente tinha que ter essa visão em relação à nossa
equipe, que cada um tem uma visão e a gente tem que saber lidar com
as pessoas e explicar o que a gente quer ali”, relata. “Saber respeitar e
entender. A pessoa sempre desenha daquela forma, então você tem que
respeitar o que ela fez naquele desenho ali. É como viver em sociedade, e
a professora explicava como a gente lidava com aquilo”, comenta. “Meus
professores sempre foram bem pulso forte sobre isso. Quando estávamos
estagiando, se a gente fizesse um comentário, olhasse torto e desse uma
risada com o paciente, por exemplo, ela olhava e falava que não era para
fazer isso”, recorda a aluna.
De acordo com a professora de enfermagem Bruna Cardoso Miranda
Nascimento, da UNIGoiás, deveriam ser realizados eventos com temas
voltados para temas dessa natureza. “Realmente frisar isso durante a for-
mação, colocando isso em pauta. Poderia, por exemplo, ser um tema de
uma semana pedagógica. Nas universidades, por exemplo, a gente sem-
pre tem uma semana pedagógica antes do início das aulas e nessa se-
mana temos palestras todos os dias, somente para os professores, com
diversas temáticas”, informa. “O principal tema trabalhado é a metodolo-
gia de ensino, mas poderia ser introduzido uma metodologia de ensino
um pouco mais inclusiva para que os professores trabalhassem um pou-
co mais essa inclusão, não apenas com a questão do gênero”, sugere.
“Realmente frisar com os alunos a importância de se atender pacientes e
respeitar suas escolhas, independente da concepção cultural ou da con-
cepção religiosa do profissional de saúde. A própria Cartilha de Direitos do
Paciente, do Ministério da Saúde, traz que independente do contexto reli-

80
gioso do profissional de saúde, o direito de escolha de opção do paciente
tem que ser respeitado. [Temos que] realmente frisar isso com os nossos
alunos, trazendo para a importância de um atendimento digno, respeitoso
independente do gênero do paciente, da escolha de orientação sexual ou
da patologia que esse paciente tenha”, salienta a professora.
Já a professora Bruna Almeida, também da UNIGoiás, falta incentivo
aos alunos. “O problema está muito na base. Falando como profissional,
como educadora, se a gente pegar numa instituição de ensino e falar para
as pessoas: ‘Vamos fazer uma ação educativa voltada para infecções se-
xualmente transmissíveis’, que aborda muito esse público também, a gen-
te vai ter uma barreira muito grande, porque a falta de conhecimento é
imensa dessa área de saúde em relação ao tratamento em geral. É ques-
tão da abordagem, de empatia, de conhecimento”, avalia. “É muito bonito
a linguagem que o professor usa em relação, por exemplo, às crianças,
à obstetrícia. Eu sinto que é até superdifícil, porque a minha área é total-
mente relacionada com esse público-alvo [da prostituição] e eu vejo que é
onde eu menos tenho adesão do aluno. O aluno não que participar desse
tipo de estudo, o aluno corre, foge. É um pouco diferente do perfil de al-
gumas instituições que eu já ministrei aula”, relata. “Então, eu acho que
inicialmente seria mesmo o próprio acadêmico ser preparado para que ele
possa ter uma visão diferenciada em relação a esse público. Eu acho que
quando começar a trabalhar mais, ter melhor embasamento teórico [essa
situação pode melhorar]. Eu acho um absurdo instituições terem a psico-
logia voltada à saúde [como] EAD. Eu acho que isso é uma falha imensa,
porque o psicólogo vai trabalhar com essas questões [mais delicadas]. Eu
vejo que existe essa falta de uma base”, conclui a professora.
Durante a criação desse livro não existia um atendimento e acolhimento
característico para mulheres profissionais do sexo na Secretaria Municipal
de Políticas para Mulheres (SMPM) de Goiás.

81
Capítulo 8
Medo de te transpassar

Medo de te transpassar é uma frase da música Zero da cantora Liniker,


a qual aprendi no ensino médio que significava o medo que as pessoas
têm de uma pessoa transsexual passar, conseguir direitos, conseguir luga-
res. Esse é um capítulo pessoal e deveria se chamar Dani, nome da minha
amiga trans que é uma das poucas mulheres que conheço que não preci-
sou se prostituir quando se assumiu uma mulher trans, que não foi expulsa
de casa, sem apoio da família, sem apoio da sociedade. Mas, infelizmente,
essa não é a realidade de todas as pessoas transsexuais.
Não é a vivência de uma aluna de enfermagem, residente em Goiânia,
por exemplo, que por motivo de proteção de imagem chamaremos aqui de
Maria. É muito difícil uma pessoa transsexual terminar a escola, porque
como eu havia dito, não tem apoio da família nem da sociedade, que dirá
fazer uma faculdade e conseguir um emprego na área. Mas conheci a
história de uma mulher que conseguiu, ingressou no curso, estudou muito,
pagou a faculdade com o dinheiro que adquiriu na prostituição, mas o pre-
conceito a impediu de atuar na área.
Em uma entrevista com a professora de Enfermagem Bruna Cardoso
Miranda Nascimento, eu conheci a vida dessa sua aluna, a Maria. A re-
lação de professora e aluna entre as duas sempre foi muito boa. Bruna,
por saber como o mercado de trabalho era difícil e intolerante, sempre a
incentivou a passar em concursos públicos. “Eu sempre passava materiais
para ela poder ter uma base melhor para estudar para concurso, porque
desde o começo, quando ela me perguntou sobre o mercado de trabalho
eu falei para ela assim: ‘Infelizmente o mercado de trabalho vai ser um
pouco duro com você, se precisar da minha indicação você tem a minha
indicação, mas infelizmente o mercado de trabalho vai ser duro com você,
principalmente nas clínicas privadas. Então você tem que buscar locais de
atendimento, hospitais públicos e de preferência passe em um concurso,
porque passando em um concurso, você vai ter a garantia de atendimento
a todos os seus direitos, você vai ter estabilidade no seu trabalho’”, conta
a professora.
Maria conseguiu o que poucas conseguem: formar-se num curso uni-

82
versitário. Bruna sentia que ela queria sair dessa vida, mas a pergunta é:
quem consegue? “Um dia, conversando com ela, Maria me falou: ‘Professo-
ra, eu nunca consegui emprego’, e eu falei assim, ‘nossa, que pena’. E ela
falou: ‘É muito difícil, pessoal vê meu currículo, marca uma entrevista, mas
quando eu chego, não me dão oportunidade, inventam desculpas e nunca
me chamam para trabalhar’”, relata a professora Bruna. As pessoas dizem
que quem se prostitui está nessa vida porque quer, mas muitas vezes, em
especial entre as transexuais, é por falta de oportunidade mesmo, falta de
humanidade, por preconceitos que impedem que muitas delas consigam
oportunidades melhores.
Vejo que existem profissões onde a transexualidade é aceita, como, por
exemplo, as ligadas ao campo da estética. O advogado Alexandre Nasci-
mento Pinheiro comenta sobre como vê as divisões do mercado de trabalho
nesse sentido. “Bom, quando você fala da questão da estética, do cabele-
reiro, eu tenho duas visões. A primeira visão é como algumas profissões
são ‘destinadas’ a alguns sujeitos. Por exemplo, a limpeza é o preto, pobre,
marginalizado. A recepcionista normalmente é alguém que também é preto,
pobre e marginalizado.” Ele aponta, como ilustração, aquela pergunta clás-
sica que é feita às crianças e que as respostas costumam ser sempre: “Ah,
eu quero ser médico, dentista, engenheiro, advogado”. “Mas o que aconte-
ce? A sociedade vai segregar em três eixos: cor, classe e gênero”, comenta.
“Quando a gente fala primeiramente sobre isso, tem que verificar que a luta
é a respeito de cor, classe e gênero. A partir desse momento vem o capital,
que é um outro mecanismo de opressão em si, quando a gente vai categori-
zar o sujeito pela profissão que ele exerce. E aí há realmente as atividades
marginais, como a gente chama de atividades operacionais. Elas não serão
feitas por algumas pessoas dentro dessa linha de pensamento”, acrescenta.
“Nós falamos da divisão sexual do trabalho. Eu trabalho para um homem,
eu trabalho para mulher, eu trabalho para o rico, eu trabalho para o pobre
e hoje a gente vê a parte mais operacional, o serviço que ninguém costu-
ma fazer, a maioria das vezes feitos por pessoas marginalizadas” fala Ale-
xandre. “Na estética, eu ainda falo que é algo bacana, porque realmente
alcançou, digamos assim, uma atenção muito grande porque nós temos
inúmeras cabelereiras, profissionais da estética em si que são transsexuais,
travestis. Mas fora disso, a gente não encontra recepcionista, a gente não
encontra uma secretária executiva, que seria, inclusive, até trabalhos que a
gente também considera um pouco marginalizado, esse sentido das deno-

83
minações de poder, mas que poderiam ser diretoras financeiras, juízas. É
muito raro nós vermos professoras, uma professora universitária que é mais
rara ainda, porque aí nós estamos mexendo em uma situação da escola-
rização”, complementa. “Eu conheço duas professoras que são travestis,
doutoras e atuam em universidades federais e a gente começa pensar que
são questões que a própria sociedade segrega. Ela passa a definir basica-
mente o que a pessoa deve ser, algo que ela não tem escolha. Eu gosto
bastante de ver a dignidade das pessoas quando elas vão para essas áreas
em si”, conclui o advogado.

Cerca de 90% das travestis e


transexuais do país sobrevivem da
prostituição
Esse é o título de uma reportagem do G1 de 2018. Falar de prostituição
é falar de transsexuais e travestis, por isso esse capítulo é tão importante.
Por esse motivo, é necessário exercitar a humanidade. Foi pensando nesse
assunto também que volto à expressão “medo de te transpassar” para con-
tar que já estão passando, apesar de todas as dificuldades. Duda Salabert
é uma professora de literatura, ambientalista e ativista filiada ao Partido De-
mocrático Trabalhista (PDT). Em 2018, ela se notabilizou ao ter se tornado
a primeira pessoa transgênero a se candidatar ao cargo de Senadora da
República. Em 2020, Duda Salabert foi eleita vereadora em Belo Horizonte
com mais de 37 mil votos. Mas além de tudo isso ela, junto com uma ami-
ga, fundou a ONG TransVest, um projeto artístico-pedagógico que objetiva
combater a transfobia e incluir travestis, transexuais e transgêneros na so-
ciedade.
A ONG oferece aulas de segunda a sexta-feira sempre no período da tar-
de. Para além das aulas, tem algumas oficinas que são de entretenimento
e profissionalização, aulas de lutas para defesa pessoal e também o atendi-
mento psicológico gratuito. Isso acontece durante todo o período de existên-
cia da ONG. Toda pessoa travesti e transexual que faz parte do projeto tem
direito ao atendimento gratuito com o psicólogo semanal. Em tempos não
pandêmicos, esses atendimentos acontecem no consultório, mas por conta
da pandemia, esses atendimentos precisaram migrar para internet. Então,
hoje eles são feitos on-line.

84
Em entrevista com a psicóloga Patrícia de Souza Oliveira, que atende a
ONG, ela relata que 90% do público que atendem estão na prostituição,
por isso as aulas são no período da tarde. “A Duda criou a ONG com ob-
jetivo de oferecer a alfabetização, oferecer estudo e educação. A ONG
tem um propósito, que é educacional, mas na convivência com as alunas,
a gente foi identificando várias outras demandas que elas têm. Deman-
das básicas, como Saúde, demanda de alimentação, de moradia. Nisso a
gente foi tentando em algum momento ir preenchendo essas demandas e
atendendo a demanda delas. Então, tudo isso veio, tudo isso se deu com a
identificação da demanda das meninas dentro do nosso próprio dia a dia.”
Trabalho muito importante, visto o relato anterior da enfermeira Maria,
que nunca conseguiu exercer a profissão por ser trans. Bruna também
foi professora da irmã de Maria e conseguiu perceber, vivendo, como era
carente de apoio “Eu comecei a lecionar para irmã dela, mais ou menos
um ano e meio depois que ela já tinha formado eu comecei a lecionar para
irmã dela e um dia, eu tinha uma aula que eu ministro para os meus alunos
que é introdutória e nessa aula eu sempre coloco os direitos do paciente e
as obrigações do profissional de saúde, e dentre essas obrigações que eu
coloco e friso muito a gestão de gênero e do nome social, que nós, como
profissionais de saúde, temos a obrigação de respeitar a escolha do pa-
ciente. Quando o paciente tem um nome social, a gente tem que atender
essa necessidade dele. Nós vamos colocar sim o nome de registro desse
paciente nos prontuários, mas nós vamos colocar o nome social sempre
em destaque entre parênteses para que a gente venha sempre chamar
esse paciente com o nome social dele, porque é direito do paciente, inde-
pendente se é mulher trans ou homem trans. E surgiram algumas pergun-
tas nesse processo, porque é um assunto polêmico, sempre tem. Então, a
irmã dela me disse assim:
- Professora, eu vivi isso de perto. O meu irmão sempre teve muitas
brigas com o meu pai, saiu de casa muito cedo, mas ele gosta muito da
senhora. Ele fala que a senhora é uma ótima professora.
- Nosso seu irmão já foi meu aluno?
- Já
- Nossa qual o nome dele?
“Quando ela falou o nome dele, eu não me recordei. Eu peguei e falei
assim:
- Não lembro de nenhum aluno com esse nome

85
- Mas ele foi seu aluno, não tem tanto tempo não, e ele gosta muito da
senhora. Diz que a senhora é uma professora tão boa, que já ajudou ele
demais
- Nossa que estranho um aluno tão próximo que eu não me recorde o
nome.
Depois de uns três meses que eu estava lecionando para a irmã dela
que eu fui descobrir que o irmão que ela tanto falava, que ela referia como
alguém do gênero masculino, era, na verdade ela. Então, quando eu me
recordei, eu lembrei, eu não a vejo como ele, é ela, é uma mulher trans e
então eu percebi que ela não tinha nenhum tipo de apoio da família, que
a família não a aceitava como é, não aceitava as mudanças. Não tinha o
apoio, provavelmente, pelos relatos da irmã há muito tempo ela não tinha
o apoio do pai, não tinha a presença do pai”. Por isso vejo a psicologia da
ONG muito importante, para essas mulheres se sintam bem, acolhidas, se
sintam capazes novamente.
A mudança de comportamento dessas mulheres após o trabalho com
a psicóloga é notória. Elas se mostram capazes de se aceitarem mais,
tanto elas quanto os familiares que por anos não conseguiam entender a
situação. “Desde a melhora de autoestima, desde a melhora de relação in-
terpessoal, até, inclusive, tratamento de depressão e transtornos mentais.
Com as aulas, por exemplo, a gente percebe o interesse delas novamente
por coisas práticas, A gente percebe aos poucos elas retornando, a gente
percebe tudo isso de mudança. Com os atendimentos psicológicos, por
exemplo, a gente, inclusive, percebe o acolhimento das angústias. Acho
que é o principal que a gente tem. A ideia é as pessoas travestis não são
vistas como pessoas, então por esse motivo a gente apaga tudo o que é
subjetivo desse sujeito e o atendimento psicológico traz essa subjetividade
de volta. A gente conta para a pessoa travesti que está tudo bem ela ser
travesti, que ela, na verdade ela está exercendo nada mais nada menos
do que o direito dela e que a gente está aqui para saber acolher as de-
mandas. Todas as pessoas são diferentes, independentemente do tipo de
pessoa que é”, diz Patrícia.
A questão que a psicóloga cita sobre essas pessoas não serem vistas
como pessoas de verdade está em todos os lugares. Um preconceito que
pode ser visto no mercado de trabalho e nas oportunidades de emprego,
na educação, mas também na saúde. As profissionais do sexo, principal-
mente transsexuais e travestis, são muito estigmatizadas. As pessoas já

86
olham para elas carregando o preconceito, acreditando que são portado-
ras de alguma IST, que vão ao hospital pegar algum preservativo como se
isso fosse errado, como se obter preservativos já significasse a realização
de programas sexuais. O Núcleo de Estudos Epidemiológicos em Cuida-
dos com Agravos Infecciosos com ênfase em Hepatites Virais (NECAIH),
criado em 2010 pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de
Goiás, tem como principal objetivo desenvolver estudos sobre a epide-
miologia, prevenção, controle e cuidados de enfermagem em doenças in-
fecciosas em diferentes grupos e populações vulneráveis. O estudante
de enfermagem Gabriel Francisco da Silva Filho integra esses estudos e
conta sobre como é o atendimento dessas mulheres na saúde.
“Elas se sentem muito reprimidas de ter que ir à unidade de saúde. Elas
contam muito para gente que quando vão ao sistema de saúde, o povo já
pensa que estão com AIDS, que vão ter que tomar remédio, que vão ter
que encaminhar. Já ficam com esse estigma desde que chegam à unidade.
Então, elas tentam ao máximo evitar esses lugares, porque não se sen-
tem acolhidas. As pessoas da comunidade em geral começam olhar torto,
começam a pensar que estão lá porque fazem sexo e estão com doença,
chegam estigmatizadas com isso. A gente tenta combater, mas aconte-
ce bastante essa discriminação por elas serem travestis e transexuais.
Às vezes elas nem são prostitutas, mas só por carregarem esse estigma
de serem pessoas transgêneros, elas já chegam com tudo isso, como se
estivessem doentes, infectadas, precisando de remédios, que vão pegar
camisinha para fazer programa”, descreve. “Elas não têm essa rotina de
consultar, de buscar saúde e ainda mais o que atrapalha bastante são os
modos como os próprios profissionais de saúde tratam elas. Apesar de a
gente ter Código de Ética, esses maus tratos ainda acontecem bastante.
Você vê médico que não quer atender, enfermeira que não quer atender e
quando atende é de mau gosto. Não perguntam o que tem que perguntar
direito, porque mesmo quando você vai realizar uma consulta, há pergun-
tas que instigam a pessoa. Às vezes ela pode até não te contar a verdade,
mas tem como chegar no que quer saber com essas perguntas. Então sim,
é importante fazer isso e muitas das vezes não fazem. Geralmente essas
pessoas vão ao postinho para tomar vacina. Quando elas têm coragem de
perguntar sobre o teste [das ISTs], não fazem porque têm medo de serem
julgadas dessa forma”, acrescenta o estudante de enfermagem.
Para além da saúde e educação, a falta de legalização da profissão tor-

87
na tudo mais difícil para essas mulheres. O advogado Alexandre Pinheiro
mostra o quanto a legislação é falha com a pessoa que está na prosti-
tuição. “Eu penso muito na negligência sobre as pessoas que estão em
vulnerabilidade. Nós vamos verificar que existe a mulher prostituta, que
existe a travesti prostituta e nós vamos verificar que não há proteção para
elas’, comenta. “A nossa legislação é extremamente patriarcal, o interesse
ali dentro é o interesse religioso e para que isso se modifique eu tenho
que mudar a cultura, que é uma coisa mais complexa, ou então modificar
os nossos representantes que estão no Congresso para que possam le-
vantar um pouco mais uma bandeira humanista e não somente defender
o capital e, dessa forma, fazer uma mudança. E uma mudança geral. Nós
vemos uma ausência do legislador, uma falta de percepção da realidade,
porque muitos destes não sabem a realidade do que é a prostituição. O
pessoal tem um olhar de que é uma vida fácil, de que a pessoa procurou
de uma certa forma vivenciar aquilo, esquece que isso é falta de escola,
falta de saúde, falta de um lar familiar, que tem uma pessoa ali para cuidar.
Muitas vezes são pessoas que foram jogadas nas ruas e que a sua única
condição é a prostituição”, descreve. “Eu costumo falar bastante, principal-
mente quando eu me reporto à questão da prostituição, das travestis. As
pessoas, quando vão realizar o ato heroico de se ‘assumir para a família’,
muitas vezes são rejeitadas. E quando é rejeitada, a pessoa se vê desam-
parada e vai para rua. Nem sempre ela vai encontrar o amigo, nem sempre
vai encontrar um abrigo e aí ela passa a se prostituir. Eu uso muito esse
simbolismo da travesti, porque é sobretudo uma forma de sobrevivência e
de noite a gente observa como se fosse tão somente um querer e não é
por aí”, fala Alexandre.
Essas mulheres precisam de educação, de saúde, de dignidade, de hu-
manidade. Para a psicóloga Patrícia Oliveira, deveriam ser criadas políti-
cas públicas para assegurar esses direitos. “Eu acho que a primeira coisa
que a gente precisa fazer é pensar em criar políticas públicas. A gente
precisa de políticas públicas que atendam e que alcance o público travesti
e transexual. Por exemplo, uma política pública eficaz para empregar es-
sas pessoas, uma política pública eficaz para manter essas pessoas no
ambiente escolar, uma política pública eficaz para combater a LGBTfobia
de todas as maneiras. Falar sobre gênero na escola. A gente precisa falar
sobre as questões humanas, sobre a diversidade humana, as pessoas
precisam saber essa diferença. Então, enquanto nós não pensarmos de

88
maneira coletiva como sociedade em combater a transfobia, a gente vai ficar
apagando incêndio. A gente fica nessa, colhendo melhoras a conta-gotas. A
ideia é que a gente precisa da participação do Estado. O Estado precisa
se empenhar para parar de matar, o Estado precisa se empenhar para dar
dignidade para essas pessoas. Enquanto o Estado não se empenhar nis-
so, a gente não vai conseguir. Ficamos tentando fazer uma pressão sobre
o Estado”.
Para a professora Bruna, a mudança deveria ser na legislação, “Eu acho
que poderiam ser criadas formas governamentais de empreendedorismo,
de colocá-las no mercado de trabalho, porque eu não vejo necessidade
de se criar um ambiente de saúde só pra atender esses pacientes”, opi-
na. “Isso é totalmente desnecessário, porque independente de ser uma
mulher doente ou transgênero doente, o médico vai tratar a doença, o
enfermeiro vai cuidar do doente, independente se é transgênero ou não.
Não existe essa necessidade porque elas têm os mesmos direitos, a mes-
ma necessidade de tratamento. Não muda em questão de atendimento à
saúde”, argumenta. “Agora, o que essas pessoas precisam para reduzir a
taxa de prostituição? Apoio no mercado de trabalho. Então, poderiam ser
criados benefícios de redução de imposto ou algum outro tipo [de estímu-
lo], para o empregador que colocasse essas pessoas dentro do seu local
de trabalho. Falar para o empregador: ‘olha, você vai entrar nesse progra-
ma de inclusão e vai ter acesso ao financiamento, você vai ter acesso ao
curso, você vai ter acesso a uma filial de uma empresa para que possa
montar o seu negócio ir para frente, para que não tenha tantas barreiras
do transgênero’”, sugere.
“Dessa forma, eu acho que a gente ia conseguir uma melhor inclusão
social. A maioria deles vai para essa vida de prostituição pela falta de op-
ção, porque às vezes procuram estudos, formam o negócio, mas não vão
para frente e então procuram uma vida de prostituição: ‘olha o seu negócio
não foi para frente por quê?’ Vai ter auxílio do governo para sua empresa,
para sua empresa conseguir andar no início, até a sua empresa crescer e
seguir com suas próprias pernas’. Eu acho que é isso que deveria ser fei-
to, deveria ser criada essa política de empreendedorismo específica para
essa população, com empresas cadastradas que demonstrem esse acei-
te, que demonstrem esse apoio, um apoio social, um apoio psicológico e
que criem também um ambiente aceitável. Porque não adianta de nada
uma empresa dizer assim: ‘Olha pode vir eu vou te contratar’, e dentro

89
daquele local de trabalho haja outros 20 funcionários e desses 20, 18 e
fiquei tentando rebaixar essa pessoa, destruí-la, tornando o dia dela difícil
até ela não aguentar, não suportar esse estresse e pedir demissão. Aí não
adianta”, alerta.
“[Precisa] ser uma empresa que vai ter um ambiente acolhedor, trabalhar
isso. ‘Olha, nós vamos aceitar trabalhadores transgêneros que devem ser
tratados com o mesmo respeito dos demais funcionários, devem ser aten-
didos os seus direitos humanos’. Não é criar o direito para eles não, direitos
humanos são aplicados para qualquer indivíduo. Então, eu acho que se
houvesse políticas nesse sentido, nós teríamos uma boa taxa da redução
de prostituição desses indivíduos e, consequentemente, também redução
de gastos públicos”, alega. “Pacientes que vivem em prostituição são geral-
mente acometidos por várias doenças e quando eles são acometidos por
alguma IST, a gente tem um gasto muito grande para tratamento com eles,
principalmente quando é HIV. Quando têm comorbidades, quando têm com-
plicações em decorrência do HIV, o custo de tratamento desses pacientes
é altíssimo. O investimento que iria para um lado, seria economia para o
outro.”
Para Gabriel, a chave da questão está no início, na criação em casa e na
escola. “Primeiro de tudo, eu acho que tem que reformular. Não tem como
tentar incrementar coisas, porque não vai dar certo. Tem que informar na
base mesmo. Primeiro que se elas são prostitutas, às vezes é escolha delas
realmente. Há mulheres que optam pela prostituição, mas muitas delas não
optam por isso. Elas vão para prostituição porque é isso ou passar fome.
A pessoa chegou nessa parte, da prostituição, para comprar comida, para
poder viver e ter um mínimo de dignidade. A gente tem que parar de pensar
assim: ‘ela está lá porque escolheu’. A gente tem que ver por que que ela
chegou lá, se ela se revelou transexual, por exemplo, e aí foi expulsa de
casa. Como ela vai ter um tipo de apoio, como vai voltar pra escola se ela
não tem apoio de ninguém? É algo que tem que revisar desde o começo,
não é só chegar e falar: ‘vamos tentar melhorar e criar algum projeto de lei
ou alguma coisa’. Não é assim que vai funcionar, tem que dar suporte do
Estado, criar um local que possa estudar, ter o mínimo de dignidade, ter uma
casa ou receber algum auxílio do governo com o qual possa, no mínimo,
conseguir viver em uma casa, tomar um banho, se alimentar e ter a sua for-
mação, para não precisar buscar esses outros meios”, avalia.
“Porque mesmo que ganhe bem sendo prostituta ou não, a pessoa ainda

90
está correndo muito risco. Muitas das vezes elas contam para gente que
clientes oferecem mais para realizarem a atividade sexual sem camisinha.
O quanto de risco isso pode ter por ela receber um pouco mais de dinheiro,
e muitas delas aceitam porque está precisando do dinheiro. Vai e faz. Ge-
ralmente aí que começa a disseminação das IST e elas já não procuram
o serviço de saúde por conta dessa discriminação, que muitas das vezes
tem a relação sexual e vai pedir pra tomar o Pep, que é a profilaxia pós
exposição, que ela serve para barrar o HIV. Muitas vezes, o médico já
fala assim: ‘por que você quer tomar isso, você fez isso, você conhecia a
pessoa?’. Eles já indagam: ‘por que você está querendo tomar isso, você
não usou preservativo porque você não quis, o que aconteceu?’, e elas já
ficam tímidas e às vezes abandonam o consultório sem ter o medicamen-
to”, testemunha. “É algo que tem que mudar desde o começo. Não é só
pensar em algo do futuro: ‘ah vamos criar alguma coisa’. Tem que revisar
o que está atrás, o problema está lá atrás, não está no agora.”
Para o advogado Alexandre Pinheiro, essas pessoas precisam de opor-
tunidades. “Na nossa sociedade poderíamos ter mais políticas públicas
sim.” Em sua opinião, as pessoas deveriam ter uma boa escolarização em
primeiro lugar e, posteriormente, terem as devidas oportunidades no mun-
do do trabalho. “A prostituta, quer seja ela cis ou transexual, precisa traba-
lhar para viver, e ela vai trabalhar a noite inteira normalmente. Os horários
de manhã ela precisa descansar porque vai trabalhar novamente. Ela não
tem como estudar e a gente começa por aí. São os índices de analfabe-
tismo que são grandes. Então, eu tenho que ter uma política pública para
educação e também tenho que ter políticas públicas para ingresso em uni-
versidades, que a gente não vê. Este ano, eu fiquei muito feliz porque eu vi
muita coisa acontecendo no meio acadêmico em prol disso. Muitas univer-
sidades de São Paulo oferecendo bolsa ou deixando vagas para pessoas
transexuais e isso me alegra bastante porque faz com que tenham esse
acesso à educação. Se a pessoa tem educação, se a pessoa tem uma
condição de fazer um curso superior, ela acaba conseguindo as vagas e aí
sim eu tenho que ter essa política pública que vai colocar incentivo entre
as empresas”.
Deixo aqui essa reflexão do que deveria ser feito, poderíamos fazer
tudo, mas não podemos deixar de fazer, porque o Brasil é o país que mais
mata Travestis e Transsexuais do mundo.

91
Brasil é o país que mais mata
pessoas trans; 175 foram
assassinadas em 2020

Esse é o título tá reportagem do Universo UOL, de janeiro de 2021. Em


2020, foram 175 travestis e mulheres transexuais assassinadas. A alta é de
41% em relação ao ano anterior, quando foram registrados 124 homicídios.
O número de assassinatos também torna 2020 o ano mais sangrento em
quatro anos, desde o início desse tipo de levantamento de dados no país.
Os dados são baseados em notícias veiculadas na mídia e fazem parte de
um dossiê elaborado pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Tran-
sexuais) e divulgado dia 29 de janeiro, Dia Nacional da Visibilidade Trans.
México e Estados Unidos vêm em seguida, com 528 e 271 assassinatos
reportados, respectivamente.
Em uma entrevista para a rádio “Brasil de Fato”, Bruna Benevides, Se-
cretária de Articulação Política da Antra e autora do dossiê, ressalta a im-
portância do levantamento, que está em sua terceira edição. “A LGBTfobia,
especialmente a transfobia, é estrutural e estruturante de nossa sociedade.
Por conta disso, esse trabalho vem dizer à população em geral que a po-
pulação trans é extremamente vulnerabilizada e marginalizada. E que são
necessárias ações focais e emergenciais para frear essa violência e garantir
que possamos nos desenvolver. [Que possamos] ser inseridas na sociedade
de forma plena, com respeito à nossa autonomia e à nossa identidade de
gênero em sua integralidade”, afirma Benevides. 
A psicóloga Patrícia, também comenta sobre as mortes quando pergun-
tada sobre porque falar de temas assim. “Nós somos o país que mais mata
pessoas travestis e transexuais do mundo. E que num país onde a expecta-
tiva de vida de uma pessoa é de 74 anos, já de uma pessoa travesti é de 35.
Então, acho que isso justifica por si. A gente não tem o que falar. Por que se
fala? Por que nós somos o país que mais mata, porque nós matamos duas
vezes mais do que o segundo colocado, porque nós matamos com requintes
de crueldade, porque 90% das pessoas travestis estão na prostituição por-
que é único lugar que sobrou para elas, porque a maioria delas são aleijadas
do espaço escolar, porque elas são aleijadas do convívio familiar, porque
elas são rechaçadas, estereotipadas”, afirma Patrícia de Souza Oliveira.

92
Capítulo 9
Por que se fala?

A prostituição já foi um tema pautado frequentemente para o debate na


época da Revolução Sexual, nos anos de 1960, mas nos dias atuais as
lutas pelos direitos das prostitutas ficaram um pouco de lado com tantas
outras questões em discussão. Essas pessoas, homens e mulheres que
vivem na prostituição são marginalizados pela sociedade, pelo Estado,
pela saúde pública, pela educação, pelas leis. Durante todo este livro, quis
mostrar a importância do acesso ao direito para essas pessoas, da neces-
sidade de elas serem acolhidas em todas as instâncias, principalmente go-
vernamentais, para que possam ter uma existência digna, uma boa saúde,
uma boa qualidade de vida. Diante dessa falta de estrutura, resta às Or-
ganizações Não Governamentais dedicadas a tais problemas, às pessoas
que aplicam seu tempo, seu trabalho para cuidar de outras, geralmente
invisibilizadas e vulneráveis.
As ONGs existem para enfrentar questões em todos os nichos, aten-
dendo todos os públicos: crianças, adultos, pobres, analfabetos, LGBT-
QIA+, moradores de rua, órfãs e muitos outros. No capítulo anterior foi
citada uma delas, a TransVest, que atua na alfabetização de travestis e
transexuais. Existem muitas outras, como, por exemplo, a Associação das
Prostitutas, com representações em vários Estados. Há a CasaNem, um
espaço de acolhimento para pessoas LGBTIs em situação de vulnerabi-
lidade social. É um projeto autossustentável, anticapitalista e festas são
realizadas para ajudar na manutenção do local, que também recebe diver-
sos tipos de doações. Na CasaNem, opressões são proibidas e o espaço
abriga diversos projetos, tais como o pré-vestibular PreparaNem, as ofici-
nas profissionalizantes CosturaNem, FotografaNem, os cursos YogaNem,
CapoeiraNem, libras e o KuzinhaNem, que é a parte de empreendedo-
rismo social de economia solidária voltado para todos LGBTQIA+, que
têm o espaço como um local para sociabilizar a diversidade e formar uma
sociedade paralela inclusiva e livre de opressões, principalmente aquelas
do capitalismo. Como já foi dito, a maioria das pessoas trans e travestis
estão na prostituição. É o que revela uma reportagem do G1 de Minas
Gerais: “Cerca de 90% das travestis e transexuais do país sobrevivem da

93
prostituição” e a do Edição do Brasil “90% da população trans no Brasil
tem prostituição como fonte de renda”.
Além dessas organizações, em Goiás existe a ASTRAL, uma ONG que
atua no desenvolvimento de políticas de inclusão para populações histori-
camente discriminadas. Ela tem como público-alvo a população LGBTQIA+
(Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros, Transexuais e Travestis,
Queer, Intersexuais e Assexuais), pessoas em situação de vulnerabilidade
em decorrência da violência de gênero e/ou sexuais e aquelas envolvidas
em circunstâncias relativas ao tráfico de pessoas. Realizando trabalhos
de prevenção de DST/HIV/AIDS e de atendimento e de suporte em casos
de violências de gênero e/ou sexuais, a ASTRAL conta com mais de duas
décadas de experiência e ativismo no estado de Goiás.
Beth Fernandes, Presidente do Conselho Municipal do Direito da Mu-
lher e Coordenadora da ASTRAL, conta um pouco da história da ONG.
“A história da Astral começa há 21 anos [em 2000]. Ela foi montada dia
17 de maio pela luta da LGBTfobia, montada junto ao projeto Somos, um
grupo que foi articulada em projetos contra a violência. Em 2002, eu as-
sumi no sentido de pensar a Astral como defensora de direitos humanos,
combatendo a violência e opressão de gênero. A partir daí, os projetos
foram tomando caminho diferenciado, que era o caminho contra a AIDS. E
assim apareceram outras lutas, como o enfrentamento ao tráfico de pes-
soas. Em 2004, a Astral entrou para o Conselho Municipal da Mulher, por-
que até então era Conselho Estadual da Mulher. Agora vai fazer 5 anos
que a ONG entrou para a vice-presidência na discussão de violência de
gênero, porque nós temos muitos projetos ligados a essa questão e desde
sempre trabalhamos com as mulheres prostitutas, cis e trans. São ques-
tões diferenciadas, na violência, na saúde, no atendimento, no [uso de]
preservativos. Na questão de reprodução humana, a gente trabalha com a
mulher cis, mas com a trans não”, informa.
A ONG começou oferecendo trabalho de prevenção à AIDS e conforme
o tempo foi passando, viram a necessidade de outras demandas como,
por exemplo, o trabalho de reprodução dentro da prostituição. Muitas pros-
titutas são mães. Além disso, começaram a oferecer também atendimen-
tos psicológicos e de saúde de acordo com a necessidade das mulheres,
trabalhando informações sobre câncer no colo do útero, palestras sobre
o uso do preservativo. Há também a conscientização dessas mulheres
sobre como falarem não aos clientes, visto que muitos deles oferecem

94
dinheiro a mais para fazerem sexo sem camisinha. A ONG realiza, ainda,
encaminhamentos para o uso do Pep (Profilaxia pós - exposição), além
de abordar questões relacionadas às necessidades básicas, oferecendo
cestas básicas, algo que ficou ainda mais necessário durante a pandemia
de Covid-19.
“O caminho que nós fazemos não é especificamente uma luta ou uma
questão só. Hoje na pandemia, nós temos outras questões que envolvem
as mulheres, como a questão da fome, porque são mulheres que susten-
tam a família”, alerta Beth Fernandes.
Cuidar das pessoas é um ato político. Trabalhar com sexo não é ver-
gonha. Existe uma culpa sobre essas mulheres que não é delas. O abuso
sexual não é culpa delas, o abuso no trabalho não é culpa delas, assim
como o tráfico não é culpa delas. Há a necessidade de trabalhar essa não
culpa com esse público. Beth ainda comenta sobre como é um desafio
essa questão do tráfico de pessoas em Goiás. “Em Goiás, nós ficamos por
muito tempo sendo as maiores vítimas do tráfico de pessoas”, alega ela,
fazendo uma comparação com outras unidades da federação.
“Quando você pensa em ajuda, você fala em política de atendimento a
essas mulheres, nesse atendimento já pensando o eixo de acolhimento
humanitário. A ideia não é tirá-las da prostituição, isso é uma coisa sua não
é minha”, pondera Beth.
“Vou usar até frases de outras pessoas que dizem que existe a prosti-
tuta do público e a do privado. A do público é a da rua chamada de puta,
mas a do privado é aquela mulher que às vezes tem que fazer sexo com
companheiro sem desejar, com dor de cabeça, depois de trabalhar, ter
que lavar, passar, cozinhar e fazer sexo obrigatório. Isso é uma forma de
prostituição para manter um filho, uma casa, um relacionamento com um
companheiro, isso é a prostituição no privado. A pública é a que fica lá na
esquina e diz: ‘É isso que eu cobro, você quer?’. Ela será tratada com uma
puta, a outra não”.
Haver ONGs para trabalhar com essas mulheres é muito importante,
principalmente quando se fala de independência financeira e econômica.
Trabalhar política com mulheres que estão sofrendo com a marginalização
é muito importante. “Há também a questão da saúde mental das pessoas,
principalmente agora na pandemia. A gente fala ‘vacina para todos’, mas
a gente tem um monte de saúde mental afetada, principalmente das mu-
lheres, que estão trabalhando 5 vezes mais na pandemia que os homens”,

95
aponta Beth. Uma pesquisa recente, chamada “Sem parar: o trabalho e a
vida das mulheres na pandemia”, realizada pela ONG “Gênero e Número”
e pela Organização Feminista “Sempreviva”, concluiu que entre as 2.641
mulheres entrevistadas, 47% afirmaram ser responsáveis pelo cuidado de
outra pessoa: 57% são responsáveis por filhos de até 12 anos, 6,4% afir-
maram ser responsáveis por outras crianças, 27% afirmaram ser respon-
sáveis por idosos e 3,5% por pessoas com alguma deficiência. Conforme
a reportagem: Pandemia impacta mais a vida das mulheres “Essa pesqui-
sa fornece elementos importantes para olharmos as dinâmicas sexistas
do cotidiano dos domicílios, e compreendermos que a pandemia pôs em
foco a intensificação e o aprofundamento de dinâmicas de desigualdade
que estruturam a sociedade brasileira e são sentidas no dia a dia das mu-
lheres”.
A pesquisa separou as mulheres de acordo sua raça, conforme mostra
quadro abaixo.

Arte: Maria Eduarda Aires

Tipos de violência doméstica sofrida por mulheres brasileiras

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durante a pandemia. Fonte: Relatório Pesquisa Sem Parar: o trabalho e a
vida das mulheres na pandemia
“Imagina você dentro de casa, com a família toda lá, o homem, os filhos.
Você tem que arrumar, cozinhar para todo mundo, cuidar da sua vida e
ainda tem que ser bonita. A pandemia trouxe isso exclusivamente para as
mulheres. A gente teve um aumento da violência contra a mulher porque
não tinha mais bar para o homem beber cachaça. Ele tinha que participar
da vida cotidiana, ver os filhos, e a violência sobrou para ela. A Astral faz
isso. Ela discute a prostituição, discute a dona de casa, as políticas para
as mulheres”, conclui Beth Fernandes.
Um indicador interessante está nos serviços de disque-denúncia (como
o 180), para combater a violência doméstica. A Itália, que iniciou o isola-
mento social mais cedo, registrou um aumento de 161,71% nas denúncias
entre os dias 1º e 18 de abril, de acordo com órgãos oficiais. O serviço ar-
gentino teve um aumento de 39% na segunda quinzena de março. No Bra-
sil, o aumento foi de 14% no primeiro quadrimestre, com o ápice em abril,
registrando aumento de 37,6% em relação ao ano anterior. Isso equivale
a 37,5 mil denúncias desse tipo de violência apenas nos quatro primeiros
meses.

97
Parte IV
(Nas artes)
Capítulo 10
Sempre estiveram presentes

A prostituta, mesmo sendo tão julgada, sempre está lá. A imagem nun-
ca passa em branco na literatura, nas novelas, séries e minisséries. Elas
estão na TV, no rádio, no cinema. A figura da messalina está presente até
nas histórias de cidades, como, por exemplo Dona Beija.
Ana Jacinta de São José nasceu em 1800 na cidade de Formiga, mas
Dona Beija surgiu no Arraial de São Domingos do Araxá, na região do
Desemboque, quando ainda sob jurisdição goiana. Filha de uma indígena,
a mulher foi considerada a mais bonita do Brasil Império. A fama de suas
graças tornou Desemboque um obrigatório ponto de parada das cavalga-
das senhorias.
Dona Beija chegou a Araxá no ano de 1805, com os avós. Ana Jacinta,
ao crescer, tornou-se uma das mais bonitas da região, fato que extrapola-
va, inclusive, os limites da cidade. Era apaixonada por um fazendeiro da
região, Manuel Fernando Sampaio. Entretanto, seu amor não pode ser
consolado, já que foi sequestrada pelo ouvidor do Imperador, Joaquim Ig-
nácio Silveira da Motta. Por ter cometido crime de sequestro, o governador
teve que enfrentar a corte e a região do Desemboque, que antes pertencia
a Goiás, passou para região de Minas Gerais. Assim, todo o Triângulo Mi-
neiro, antiga faixa territorial goiana, passou a integrar-se a Minas. Depois
de dois anos vivendo como amante do ouvidor, ele retornou a Portugal e
Ana Jacinta a Araxá. Logo ao chegar na cidade, descobriu que seu antigo
amor havia casado com outra.
A sociedade de Araxá, bastante conservadora na época, via Ana Jacinta
como uma mulher fácil, perigosa e ardilosa. Colocada às margens da so-
ciedade e sem ter o seu amor correspondido, resolveu então prostituir-se
e vingar-se da cidade relacionando com todos os homens casados que
viessem procurá-la.
Beija sempre teve o sonho de abandonar a profissão e construir uma
família, então se casou com Padre Francisco José da Silva por 18 anos
e tiveram uma única filha, Teresa Tomásia de Jesus, que se casou com
o primo Joaquim Ribeiro da Silva Botelho e tiveram muitos filhos. Nesse
momento, Araxá retoma o crescimento e atrai muitas pessoas.

99
Com ajuda do seu marido, o padre, Beija conseguiu construir um casa-
rão, e se mudou para o sobrado com 32 anos de idade. Morando sozinha,
começou a sofrer muitos assédios e acabou cedendo, voltando à vida de
prostituição com uma clientela seleta. Assim, Beija engravidou da segunda
filha em 1838, Joana, mas ninguém quis assumir a criança.
Em 1915, Sebastião de Affonseca escreve a primeira vez sobre Dona
Beija, contanto a história do seu sequestro. Mas a história ficou famosa, o
turismo medicinal deu um impulso (por causa das águas termais da cida-
de). Depois, o feminismo deu outro estímulo à lenda em torno dela. Apare-
ceram artigos, romances, novela produzida pela Rede Manchete, na qual
Maitê Proença interpretou a protagonista. Toda essa notoriedade levou o
nome de Araxá mundo afora. Hoje muitas empresas ainda usam o nome
de Beija.
Essa história contribuiu para que Dona Beija crescesse na tradição mi-
neira. Sua casa, que ainda existe em Araxá, tornou-se monumento históri-
co. Araxá é a maior instância hidromineral do continente e Dona Beija é o
nome de uma de suas mais famosas fontes. Reza a lenda que é fonte da
juventude por Beija sempre ter se conservado bela e jovem.
Incrível como uma cortesã é capaz de angariar tamanha fama ao ponto
de virar lenda, história. E foi exatamente isso que também aconteceu com
a Dama das Camélias, que em meados do século XIX encantou Paris com
a sua beleza, tornando-se até um romance de Alexandre Dumas Filho.
O romance A Dama das Camélias é considerado um clássico da drama-
turgia mundial. A história caiu nas graças do público e logo migrou para o
teatro, para a ópera e pra o cinema, com filmagens e refilmagens.
A tradicional Dama das camélias conta a história de uma elegante cor-
tesã francesa, em meados do século XIX, que encanta Paris com sua be-
leza, suas artimanhas no amor e no sexo, sua vida luxuosa e perdulária,
mantida por ricos progenitores da emergente burguesia urbana. A Dama
das camélias e Armand, que era a autobiografia de Dumas Filho, vivem
uma grande paixão impossível pela segregação social da sociedade bur-
guesa classista. O pai de Armand trama a separação e convence a Dama
das camélias que aquela relação é uma ruína para a família e para o futuro
do filho. A Dama comove-se. Num ato de nobreza incomum, renuncia a
Armand e, resignada com seu infortúnio, fica reconhecida, pela sociedade
como a cortesã mais honesta, humana e guardiã da falsa moral burguesa.
Na peça de Dumas, em cinco atos divididos em episódios, a pressão é

100
social: ela não pode ficar com um homem de família nobre. Essa cortesã
é inspirada em uma mulher real, exercendo até hoje um fascínio em todo
o mundo. No fundo, é um livro moral, apesar da temática ousada ainda
hoje. A personagem não tem máscaras. Vive à custa de homens. Mas é
transformada pelo amor. 
Com um sentimento verdadeiro, encontra forças interiores para se re-
dimir como pessoa. A discussão moral e ética do livro é, enfim, resumida
pelo sentimento do autor, que norteia todo o romance: se Jesus perdoou
Maria Madalena, por que não podemos perdoar as mulheres como elas?
O mito central de A Dama das camélias não é o amor e sim o reconhe-
cimento: a Dama, Marguerite, ama para ser reconhecida e a esse título a
paixão provém inteiramente de outrem. As encenações, os conflitos, os
equívocos e as vilanias que popularizaram a Dama não são de ordem psi-
cológica. São, sim, sintomas do corpo social, são duas paixões de zonas
diferentes da sociedade. O amor de Armand é o tipo de amor burguês,
segregativo. O amor da Dama é o postulado de ser reconhecida, que cul-
mina quando renuncia a ele, ou assassina a paixão de Armand, para eter-
namente ter o reconhecimento do mundo dos senhores.
O papel da prostituta nunca foi tão exaltado e memorável como nas
artes. Trazer essas histórias como pauta é tão importante e de extrema
necessidade para que as pessoas parem de ter preconceitos, de apontar
dedo, de julgar, porque como eu disse em todo esse livro, são pessoas
antes de qualquer profissão que possam desempenhar.
Mulheres mexem tanto com o homem, que existem filas deles, com pre-
sentes e declarações de amor. São histórias que se repetem na vida da
prostituta, e uma dela é Hilda, a mulher que virou livro e minissérie na
Rede Globo de televisão.
Hilda Maia Valentim nasceu em 30 de dezembro de 1930, no Recife,
mas ainda criança se mudou com sua família para Belo Horizonte. Seus
pais tinham um grande poder aquisitivo e davam tudo o que a garotinha
queria.
No entanto, Hilda tinha uma alma livre e desde muito jovem queria des-
bravar os bairros boêmios da capital mineira. Foi nesse momento que des-
cobriu uma profissão pouco convencional. Lá, iniciou seus primeiros traba-
lhos como garota de programa.
O apelido de Furacão surgiu pouco tempo depois, devido ao seu tempe-
ramento. A prostituta não levava desaforo para casa e era constantemente

101
vista brigando e até mesmo saindo no tapa com seus clientes e colegas
da profissão.
Apesar de seu temperamento selvagem, os homens faziam filas, leva-
vam presentes e declaravam seu amor para ter algumas horas de amor
com Hilda, que adorava ser desejada por tantos pretendentes.
O amor nunca passou pela cabeça da jovem, apaixonar-se estava fora
de cogitação. Até que meados de 1950, durante uma noitada no Hotel
Maravilhoso, na zona boêmia de Belo Horizonte, seu coração foi tomado
quando conheceu o jogador Paulo Valentim, que na época jogava no Atlé-
tico Mineiro.
Hilda e Paulo se apaixonaram. A mulher largou a prostituição e os dois
decidiram oficializar a união. Com o amado, a ex-Furacão mudou-se para
Buenos Aires para acompanhar a carreira de sucesso do marido no Boca
Juniors, Valentim se tornou um ídolo no país pelo seu desempenho no
time.
A felicidade do casal só aumentou com o nascimento do filho Ulisses
e Hilda queria deixar o passado para trás e focar em sua felicidade com
sua família. Mas, em 1972, Valentim, após anos de jogatina e alcoolismo,
levou a família à decadência.
O casal se mudou para o México, mas não tinham mais a vida luxuosa
de antes. Hilda tinha que trabalhar como faxineira e costureira para susten-
tar a casa. Mas a mulher não se importava pois faria de tudo pelo amado.
Paulo morreu em 1984. Desolada, Hilda voltou a morar em Buenos Ai-
res com o filho. Todavia, o que a mulher não imaginava é que mais uma
tragédia assombraria a sua vida: a mãe também teve que lidar com o óbito
do próprio filho.
Sozinha, Hilda foi morar em um asilo no bairro de Barracas, na capital
Argentina. Ninguém sabia se ela estava viva, até que uma equipe de re-
portagem do Fantástico fez uma matéria a seu respeito, em 2014.
O programa revelou que pouco antes de viver na Instituição, ela sofreu
uma trágica queda e acabou sendo internada num hospital público durante
seis meses.
Hilda era uma mulher fragilizada e muitas vezes não se lembrava de
seu passado boêmio. Só se recordava de seu amor por Paulo Valentim,
que dizia sentir saudades todos os dias. Pouco tempo depois de a reporta-
gem ir ao ar, Hilda faleceu, aos 84 anos, de causas naturais.
Em 1998, Glória Pérez escreveu uma minissérie sobre a história de Hil-

102
da, dirigida por Wolf Maya, Maurício Farias e Luciano Sabino. A minissé-
rie foi uma adaptação do romance homônimo de Roberto Drummond que
conta a vida de Hilda Gualtieri Müller, uma bela moça da alta sociedade
que desiste do casamento no dia da cerimônia, rompe com a família e vai
morar na zona boêmia e de prostituição de Belo Horizonte, tornando-se a
mais disputada meretriz da capital mineira.
A trama é narrada a partir do ponto de vista de Roberto Drummond, um
jovem idealista ligado à esquerda, que vai viver em Belo Horizonte com
seus amigos de infância, passada em Santana dos Ferros. O grupo é for-
mado pelo seminarista Malthus, conhecido como “O Santo”, que vai para
capital à procura de um convento de dominicanos, e Aramel, um rapaz
muito bonito que pretende aprender inglês, sonhando em um dia ser ator
em Hollywood.
Os três amigos passam juntos pela experiência de chegar a uma cidade
grande, plenos de expectativas, vivenciando as descobertas proporciona-
das pela vida na metrópole. Em época de efervescência política, Drum-
mond conhece Hilda durante uma missa dançante do Minas Tênis Clube,
onde ela ganha o concurso de Miss Verão, a garota do maiô dourado.
Além da beleza, Hilda parece possuir algo diferente, que mobiliza o ta-
lento do rapaz para escrever. Drummond logo se torna repórter iniciante
do jornal Folha de Minas, responsável por traçar um perfil com a história
surpreendente de Hilda.
Escreviam sobre elas, mas agora elas contam a própria história.
Em 28 de outubro de 1984 nascia o fenômeno Raquel Pacheco, cujo
nome de prostituta era Bruna Surfistinha e mudou todo o sistema do mer-
cado de prostituição. Ela, com 17 anos, saiu da casa dos pais adotivos e
foi virar garota de programa em São Paulo, criou um blog na internet que
contava suas aventuras e dava dicas para mulheres, chamando atenção
de várias pessoas.
Depois de ficar conhecida e até aparecer na TV, Bruna decidiu publicar
sua biografia. Em 2005 lançou “O Doce Veneno do Escorpião”. Trazia em
seu bojo o diário de uma prostituta, onde o leitor encontra descrições de
relações amorosas enlouquecidas e de orgias com muitos homens e mu-
lheres diferentes, noite após noite. Bruna Surfistinha declara em seus re-
latos que sua história pode excitar muitos jovens da sua idade, mais para
ela, então com 20 anos, era um fato corriqueiro em sua vida. Esse diário
rendeu a venda de mais de 250.000 exemplares e muitas sessões de au-

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tógrafos em lançamentos em Portugal e na Espanha.
Logo lançou mais dois livros, “O que aprendi com Bruna” e “Na cama
com a Bruna Surfistinha”. A ideia do livro nasceu da necessidade que ela
sentia de se comunicar com o mundo da prostituição. E foi assim que a
trajetória de Bruna Surfistinha, em 2010, virou um filme.
O filme conta história de Raquel Pacheco que com 17 anos e fugiu de
casa em busca da liberdade. Vai parar em uma casa de programas de bai-
xa categoria e lá adota o apelido de Bruna. Nas mãos do diretor de filmes
publicitário e Marcus Baldini, Bruna Surfistinha consegue ser muito mais
do que uma narração sexual. Ele humaniza sua protagonista, mas não a
torna vítima. Mostra que a sequência de personagens são frutos de suas
próprias escolhas e não faz um julgamento sobre ela.
As várias cenas de sexo variam entre os diversos sentimentos da per-
sonagem. O elenco foi composto de boas coadjuvantes, como Fabíola
Nascimento, Juliano Cazarré e Drica Moraes, interpretando a cafetina. De-
borah Secco, não é surpresa, se entrega ao papel com veemência para
encarnar a protagonista. É uma atuação complicada, mas a atriz consegue
sustentar com bastante personalidade.
O filme torna-se um dos grandes sucessos da década tendo somado
mais de 12 milhões de reais nas bilheterias nacionais. Em 2011, Bruna
participou de um reality show da TV Record, “A Fazenda”.
Não parando por aí, em 2016 o canal Fox lançou uma série sobre a
vida de Bruna, chamada “Me chama de Bruna“, exibida também pelas pla-
taformas de streaming Amazon Prime Vídeo e Globo Play. A série relata
a história de uma adolescente de classe média paulista que, atraída pelo
dinheiro e a busca pela sua independência, vira garota de programa. A
direção da série é assinada por diversos diretores, incluindo Calvito Leal,
Duda Vaisman, Pedro Amorim, Octaviano Scopelliti, Márcia Faria e Rober-
to Berliner.
Hoje, aos 36 anos, Raquel é escritora, roteirista e empresária, e deixou
prostituição há 15 anos. O fenômeno Bruna Surfistinha foi muito além de
filmes, séries e livros. Raquel, no momento em que decidiu abrir um blog
e escrever sobre sua vida, abriu espaço para outras garotas de programa
pararem de ter vergonha do que faz, pararem de se esconder e percebe-
rem que é possível ser mais do que uma prostituta. E do outro lado, trouxe
o público para a realidade nada fácil de uma garota de programa.
Essas histórias são versões diferentes da prostituição. Primeiro temos

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uma mulher de muita influência e de beleza exorbitante. Depois, uma
moça que largou a profissão pelo amor, seguida por uma jovem que virou
escritora, empresária e largou a profissão. Só que existem tantos lados do
trabalho sexual que a linha tênue que separa o querer e o precisar estar
ali se prostituindo não costuma ser considerada. Lado que também este-
ve estampado nas telas e virou tema principal de uma novela levada ao
ar em 2012 pela Rede Globo, Salve Jorge, também de autoria de Glória
Pérez e dirigida por Luciano Sabino, Alexandre Klemperee, Adriano Melo,
João Boltshauser e João Paulo Jabur. Na trama, é mostrado o tráfico de
pessoas para a exploração sexual fora do País.
Tráfico internacional de pessoas é o principal tema da novela, que traz
como heroína a jovem Morena, moradora do complexo do Alemão, no Rio
de Janeiro, um dos núcleos da trama. Ela recebe uma proposta para traba-
lhar na Turquia e, ao chegar ao país, percebe que foi traficada, passando
a lutar para livrar-se da máfia e ver presa a chefe da gangue no Brasil. Ao
longo da trama, Morena vive um romance de idas e vindas com Theo, ca-
pitão da cavalaria do Exército, devoto de São Jorge, que deseja assumir a
relação e criar como seu o filho da jovem.
A novela retrata bem a forma como acontece o aliciamento de meni-
nas, iludidas com a esperança de dar uma vida melhor para a família e as
formas como a máfia engana e toma posse dos documentos das vítimas.
Retendo seus passaportes, cobram por passagem, hospedagem, comida,
pelas roupas que elas usam no programa, pela maquiagem, o que vai
aumentando a dívida que elas contraem com os traficantes. Além disso,
mostra as ameaças que fazem às famílias caso as meninas fujam, façam
alguma coisa contra a máfia ou a denunciem.
Em 2013, a revista Veja colocou a novela como inesquecível mesmo
que digam que ela foi a pior do horário da das nove da Globo nos últimos
anos.
Tráfico de pessoas também foi tema de uma série recente, lançada em
2021 pela Netflix. Dos mesmos criadores de “La casa de papel “, Alex
Pina, tornou-se um dos mais influentes produtores da indústria. Sky Rojo,
conta história de três meninas, traficadas e transformadas em profissio-
nais do sexo controladas por um cafetão. São recrutadas em seus países,
normalmente em comunidades pobres, com a promessa de enriquecer na
Espanha. Chegando lá, há uma dívida com o cafetão e passam a trabalhar
praticamente para pagar essa impagável dívida.

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Colocar essa questão em pauta é interessante, uma vez que a Espa-
nha é o terceiro país do mundo em consumo de prostituição, o primeiro
da Europa, e boa parte dos profissionais do sexo de lá vem de países da
América Latina.
A série mostra os vícios que as mulheres desenvolvem, como álcool e
drogas. Mostra a forma como elas são tratadas, obrigadas ao lema “nunca
diga não “, como são abordadas e como nunca conseguem sair daquele
lugar. A mãe de uma das meninas da série tinha conhecimento de que a
filha seria prostituta, e ao saber que a filha fugiu, pede para ela voltar.
Além disso, a série retrata a fuga e a história individual de cada uma
delas. “Se ninguém pagasse por sexo, meninas como nós não seríamos
traficadas”, diz uma das personagens da série.
Outra forma de forçar o trabalho com sexo são as intimidações que exis-
tem em outros meios, como, por exemplo, entre as modelos. No mundo
da moda, principalmente para iniciantes sem uma boa condição financei-
ra, são oferecidos os Book Rosa. É uma expressão utilizada por algu-
mas agências de modelos para designar um catálogo de profissionais que
prestam serviços sexuais em troca de bonificações.
O Book Rosa pode ser considerado um tipo de prostituição, pois as mo-
delos passam a estar disponíveis para ter relações sexuais com os seus
clientes em troca de dinheiro ou prêmios especiais, como viagens interna-
cionais de luxo, joias, roupas de grife etc. Esse é o tema de uma novela de
temporadas estrelada pela Rede Globo em 2015 e que ganhou o Emmy
Internacional de Melhor Novela, Verdades Secretas.
A novela, de Walcyr Carrasco, escrita em colaboração com de Maria Eli-
sa Berredo e Bruno Lima Penido, direção de Allan Fiterman, André Barros
e Mariana Richard e direção geral de André Felipe Binder, Natália Grim-
berg e Mauro Mendonça Filho, conta a história de Arlete, uma jovem do
interior de São Paulo, que chega à capital com o sonho de ser modelo. Ela
conhece um booker de uma agência que a contrata.
Arlete, sua mãe Carolina, e sua avó Hilda estão passando por dificulda-
des financeiras. Por ser muito bonita e uma nova face no mercado, Arlete,
que adotou o nome de Angel para a profissão de modelo, ganha vários
olhares, e vários homens querendo contratá-la para serviços sexuais. A
agência onde ela é empregada oferece esse trabalho e por conta da sua
condição financeira, ela aceita.
A série também mostra os vícios em drogas e álcool, que são os desen-

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volvidos por mulheres que trabalham com sexo e mostra o lado do machis-
mo enraizado de um pai que paga a prostituta para tirar a virgindade do
seu filho. Aborda também sobre exploração sexual de meninas menores
de idade, como Arlete e Giovanna.
Não só mulheres, como homens também fazem esses programas. Nes-
se mundo, são muitos empresários ricos que, inclusive, acabam financian-
do a carreira das meninas, que no final é a maior trama da novela. Um
empresário muito rico se apaixona por Angel e começa a comprar joias,
roupas, sapatos, mas eles se separam porque ela acredita que o homem
estuprou sua amiga. Ele não desiste e acaba se casando com a mãe de
Arlete, Carolina, para ficar próximo da menina. Ela o ama e acaba não re-
sistindo ao ficar tão perto dele, começando um romance novamente com o
empresário. Essa relação resulta no suicídio de sua mãe e no assassinato
do homem que amava.
Outra história bem marcante na novela, e muito aclamada pelos teles-
pectadores, é a de uma modelo, Larissa, que conseguiu comprar casa,
carro e dar uma boa vida para seus pais através do trabalho de modelo e
do Book Rosa. Porém, por trás disso, há uma menina vendida pela mãe,
que está louca por dinheiro, e para conseguir ir em tantos encontros ela
sempre está usando algo para “animar”, drogas que deixam a pessoa mais
acordada e solta, além da imensa quantidade de álcool consumida. Como
ela é uma modelo antiga da agência, as pessoas já a conhecem, o que
deixa Larissa muito requisitada. Ela não aguenta mais essa vida e come-
ça a usar craque. Com o tempo, a modelo já perdeu tudo, carreira, casa,
celular, roupa, vende tudo para comprar as drogas e até vai morar na cra-
colândia. A jovem começa a se vender por drogas e acaba bem perto da
morte, quando é salva por uma pessoa da igreja.
A novela foi um sucesso tão grande que ganhou uma segunda tempora-
da, programada para estrear em 2021.
Além dessas e várias outras personagens, não poderíamos deixar de
citar as prostitutas de Jorge Amado, escritor que ficou conhecido por seus
romances populares, muitos deles adaptados para a TV em forma de no-
velas e minisséries. Em vária dessas histórias, a figura da prostituta ganha
destaque, seja protagonizando as narrativas, seja habitando bordéis famo-
sos nos enredos. Tieta do Agreste, que dá nome a um de seus trabalhos
mais conhecidos, é um exemplo de personagens com este perfil criados
por Jorge Amado.

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Tieta é uma moça pobre, mas cheia de vida e de natureza. No início da
história, ela tem um bode chamado Inácio que incendeia o seu imaginário
e, mirando-se nele e nas cabras, muito cedo ela se inicia nas atividades
sexuais, numa cidade muito conservadora. Isto lhe vale uma boa surra e
a expulsão de casa pelo seu pai, Zé Esteves. Muitos anos depois, Tieta
começa a ajudar a família financeiramente, sempre mandando cartas e
perfumes. Certo dia, com a demora da carta de Tieta, sua irmã mais velha,
Perpétua, entende que ela havia morrido e já começa a brigar por uma
suposta herança. Acontece que a personagem havia se transformado em
dona de uma casa para damas da noite, em São Paulo. O romance ter-
mina com uma disputa pelo amor de um homem, ninguém menos que o
sobrinho da protagonista, o ex-seminarista Ricardo, primogênito da beata
moralista Perpétua. O romance virou novela de sucesso na TV Globo, com
a atriz Beth Faria vivendo a personagem-título.
Outra personagem famosíssima foi Gabriela, Cravo e Canela. Trata-se
de uma história de amor entre Gabriela, a morena brejeira da cor do cravo
e com o cheiro de canela, que conquista o amor do árabe Nacib, dono do
Vesúvio, o principal ponto de encontro da burguesia da então próspera
Ilhéus e seus coronéis do cacau. Nesta história, há o famoso bordel Bata-
clan, comandado pela irreverente Maria Machadão. A obra foi a primeira
obra de Jorge Amado adaptada para a TV, em meados dos anos 1970,
com Sônia Braga vivendo Gabriela e Eloísa Mafalda vivendo a cafetina
Maria Machadão, com suas muitas “meninas” a atender os coronéis da
cidade. Entre as atrizes que interpretaram as prostitutas naquela primeira
adaptação estavam Dina Sfat e Natália do Vale. Mais recentemente, a
Rede Globo volou a adaptar Gabriela, agora em formato de série da Glo-
bo, protagonizada por Juliana Paes. Coube à cantora Ivete Sangalo viver
Maria Machadão nesta nova versão.
Por fim, Jorge Amado também criou Tereza Batista, Cansada de Guer-
ra, uma mulher cuja personalidade indomável e muitas vezes imprevisível
vai contra as convenções e se rebela em relação ao destino que lhe ten-
tam impor. Tereza Batista viveu desde a infância na pobreza, privada de
liberdade, lidando com a crueldade por não ter controle sobre a sua pró-
pria vida. Fortalecida pela consciência do seu valor como mulher, ela usa
o seu poder de sedução e a sua sensualidade como forma de marcar sua
presença na sociedade, de afirmar sua força, de dar resposta ao mundo
que a oprime. Tereza vive num ambiente quase sempre áspero e hostil.

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Um mundo de sofrimento, miséria e violência que conhece desde muito
cedo, primeiro, com a orfandade, depois, quando é vendida pelo tio, ainda
menina. Sob o açoite do seu dono, ela vai experimentar, na própria carne,
o sentido da palavra “servidão”.
Um dia ela mata o seu algoz, vai presa, passa por um convento e acaba
caindo num bordel. Em Aracaju, apaixona-se por Gereba, um marinheiro
baiano, mas ele é casado e volta para a sua mulher e para a sua terra.
Desiludida, Tereza recolhe-se para o interior de Sergipe, onde vê os ser-
vidores do posto médico desertar diante do avanço da varíola. Ela decide
reunir todas as rameiras da vila e dá assistência aos doentes. Missão cum-
prida, ruma para a Cidade da Bahia (Salvador), nas pegadas de Gereba.
Este, já viúvo, embarcara num navio de carga estrangeiro. Tereza torna-se
dançarina num cabaré na capital baiana. Daí até ao reencontro, Tereza
luta e sofre. Uma série foi produzida a partir do livro de Jorge Amado, ten-
do a atriz Patrícia França como protagonista da história.
Não só nos livros, teatros, cinemas, novelas, séries e marcas está a fi-
gura da prostituta. Odair José estourou nos anos 1970, mais precisamente
em 1972, quando o compacto Eu Vou Tirar Você Deste Lugar vendeu um
milhão de cópias, um número altíssimo para os padrões da época. A mú-
sica, que descrevia o amor romântico de um homem por uma prostituta,
evidenciou o estilo autêntico e corajoso das letras de suas composições e
que marcou sua extensa e popular obra.
“Olha, a primeira vez que eu estive aqui
Foi só pra me distrair
Eu vim em busca do amor
Olha, foi então que eu lhe conheci
Naquela noite fria, em seus braços
Meus problemas esqueci
Olha, a segunda vez que eu estive aqui
Já não foi pra distrair
Eu senti saudades de você
Olha, eu precisei do seu carinho
Pois eu me sentia tão sozinho
E já não podia mais lhe esquecer
Eu vou tirar você desse lugar
Eu vou levar você pra ficar comigo
E não me interessa o que os outros vão pensar

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Eu sei que você tem medo de não dar certo
Pensa que o passado vai estar sempre perto
E que um dia eu posso me arrepender
Eu quero que você não pense em nada triste
Pois quando o amor existe
Não existe tempo pra sofrer”
Em janeiro de 2021, a cantora sertaneja Marília Mendonça lançou a mú-
sica “Troca de Calçada”, onde a letra representa uma mulher que foi leva-
da a se prostituir e, com isso, sofre todo o tipo de julgamento. Em 2018, a
artista postou um trecho da música na rede social Twitter e o apelo dos fãs
pela música foi gigantesco, teve mutirão pedindo para que ela gravasse
a música. Em uma entrevista para o News Sertanejo, Marília diz que ela
acredita ser uma das músicas mais fortes que ela tem, e foi convencida a
gravar por conta da rede social.
“Se alguém passar por ela
Fique em silêncio, não aponte o dedo
Não julgue tão cedo
Ela tem motivos pra estar desse jeito
Isso é preconceito
Viveu tanto desprezo
Que até Deus duvida e chora lá de cima
Era só uma menina
Que dedicou a vida a amores de quinta
É claro que ela já sonhou em se casar um dia
Não estava nos planos ser vergonha pra família
Cada um que passou levou um pouco da sua vida
E o resto que sobrou ela vende na esquina
Pra ter o corpo quente
Eu congelei meu coração
Pra esconder a tristeza
Maquiagem a prova da d’água
Hoje você me vê assim e troca de calçada
Só que amar dói muito mais
Do que um nojo na sua cara
Pra ter o corpo quente
Eu congelei meu coração
Pra esconder a tristeza

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Salto 15 e minissaia
Hoje você me vê assim e troca de calçada
Mas se soubesse um terço da história
Me abraçava e não me apedrejava
É claro que ela já sonhou em se casar um dia
Não estava nos planos ser vergonha pra família
Cada um que passou levou um pouco da sua vida
E o resto que sobrou ela vende na esquina
Pra ter o corpo quente
Eu congelei meu coração
Pra esconder a tristeza
Maquiagem a prova da d’água
Hoje você me vê assim e troca de calçada
Só que amar dói muito mais
Do que um nojo na sua cara
Pra ter o corpo quente
Eu congelei meu coração
Pra esconder a tristeza
Salto 15 e minissaia
Hoje você me vê assim e troca de calçada
Mas se soubesse um terço da história
Me abraçava e não me apedrejava”

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Referências

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brasil-e-o-pais-que-mais-mata-pessoas-trans-175-foram-assassinadas-
-em-2020.htm. Acessado em: 10 de junho de 2021

2 Em 2019, 124 pessoas trans foram assassinadas no Brasil. Disponível em:


https://www.brasildefato.com.br/2020/01/29/em-2019-124-pessoas-trans-foram-
-assassinadas-no-brasil/. Acesso em: 10 de junho de 2021

90% da população trans no Brasil tem prostituição como fonte de renda. Dispo-
nível em:
90% das vítimas foram mortas pelo companheiro ou pelo ex, aponta anúncio.
Disponível em: https://jovempan.com.br/noticias/brasil/casos-de-feminicidio-
-crescem-19-no-1o-semestre-de-2020.html. Acesso em, 19 de abril de 2021.

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A PROSTITUIÇÃO NO BRASIL – percursos sobre a regulamentação do métier


–. Disponível em: https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/5394/1/LBDias.pdf.
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A sociedade brasileira vive a democracia (1985/1987). Disponível em: http://www.


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Bruna Surfistinha estreia; relembre a história da prostituta mais famosa do Bra-


sil. Disponível em: https://cineclick.uol.com.br/noticias/bruna-surfistinha-estreia-
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