Performances de Gênero e Raça No Ativismo Digital
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Performances de Gênero e Raça No Ativismo Digital
1590/1984-6398202014801
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Segundo a pesquisa Mulheres e Trabalho, desenvolvida pelo Ministério do Trabalho, em
parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgada em 2016,
39,1% das mulheres negras estão inseridas em relações precárias de trabalho, seguidas
pelos homens negros (31,6%), pelas mulheres brancas (27%) e pelos homens brancos
(20,6%) (IPEA, 2016). Tais indicadores, se assomados àqueles relativos aos índices de
violências sofridas, de encarceramento, de acesso à saúde e à educação, bem como de
renda per capita, facilmente sinalizam que é destinado à mulher negra o pior lugar na
pirâmide social brasileira.
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Faço essa ressalva com vistas a não invisibilizar uma miríade de processos de resistência
e de lutas políticas encampadas por mulheres negras, em diferentes contextos e territórios,
na experiência da diáspora africana, de modo mais ou menos institucionalizado.
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O fato é que as redes digitais têm se tornado espaço de intensa presença dos feminismos,
em suas mais variadas vertentes, ao ponto de algumas autoras se referirem a uma “quarta
onda” do feminismo (de caráter eminentemente digital) ou ao feminismo enquanto um
campo político-discursivo de ampla presença nas redes, ao invés de ser tomado nos termos
descritivos clássicos de um movimento social (MARTINEZ, 2019). O que aqui estou
referindo como novos feminismos são aqueles impulsionados pelas problematizações
raciais e de sexualidade impostas a um sujeito universal do feminismo, “a mulher”:
branca, cisgênera, burguesa, heterossexual, capacitista. Exemplos dessas novas expressões
contestatórias dos feminismos são os feminismos negros, os transfeminismos, os
feminismos queer e afins.
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O portal da instituição (Disponível em: www.geledes.org.br. Acesso em: 16 set. 2020),
além de servir para a divulgação de suas ações também no espaço off-line (a exemplo de
cursos, palestras, lançamento de livros, manifestações de rua etc.), funciona como uma
espécie de matriz de conteúdos de diferentes naturezas e linguagens para a militância
que são, em geral, replicados em diferentes plataformas e nas suas redes sociais. A
exemplo disso, o Geledés está inserido no Youtube, com um canal homônimo que conta
atualmente com 2,9 mil inscritas(os). No Twitter, a página, ativa desde 2009, conta com
36,1 mil seguidores; já no Instagram, o número chega a 36,8 mil. No Facebook, a fanpage
que contava, quando da realização desta pesquisa, com 661.593 curtidoras(es) e 652.610
seguidoras(es), confirmando-se como a rede social da organização com maior impacto.
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Conforme disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=u-XfJfdePtc&t=219s.
Acesso em: 11 jan. 2019.
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Aqui me refiro à “conivência formal”, pois estou de acordo com autoras como Ângela
Davis e Lélia Gonzalez, quando, em suas perspectivas abolicionistas, encaram o fator racial
implicado em fenômenos sociais, como o encarceramento em massa de pessoas negras,
o extermínio da juventude negra, os entraves no acesso à educação formal, a produção
da pobreza e de condições de desemprego e trabalho precários, além do trabalho escravo
contemporâneo, sendo essas formas de continuação histórica da escravidão, dentro de
marcos tidos, por vezes, legal e moralmente como legítimos, mesmo em Estados que se
reconhecem, do ponto de vista formal, como estados democráticos de direito, nos quais
há, em tese, pleno gozo de igualdade perante a lei entre seus cidadãos e em face do alegado
cumprimento de prerrogativas nacionais e internacionais de direitos humanos.
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Aqui, gostaria de chamar atenção para o fato de que, longe de produzir um posicionamento
binarista entre experiências de racialização, de branquitude e de negritude, por exemplo,
busco afirmar que tal processo opera mediante o efeito performativo de semioses várias, as
quais produzem o corpo como um efeito mediado por uma miríade de gradientes políticos
de leitura, os quais são históricos, sociais, culturais. Desse modo, diferentes processos de
racialização, para além do espectro aqui discutido, podem ser tomados sob esse prisma, a
exemplo dos significados raciais nos quais corporalidades indígenas podem ser produzidas.
A ênfase na questão racial concernente à branquitude e à negritude, neste trabalho, justifica-
se naquilo que os dados gerados a partir do material de análise me permitem discutir.
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Além do princípio do posicionamento, as autoras também apontam o princípio da
emergência, o princípio da indexicalidade, o princípio da relacionalidade e o
princípio da parcialidade. Para uma leitura mais detida sobre o assunto, ver Bucholtz
e Hall (2005).
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Dentre as cinco pistas indexicais propostas por Wortham (2001), ficaram de fora do
quadro elaborado, pelos motivos já apresentados, os descritores metapragmáticos e os
modalizadores epistêmicos.
Rui
Ana
Liz
Paula
Joyce
Paula
Paula
7 Considerações finais
Grosso modo, as incursões teóricas e as práticas analíticas
empreendidas neste artigo permitem argumentar em favor de algumas
constatações que, embora sejam, em alguns casos, já correntes em
outros trabalhos desenvolvidos no campo, carecem ainda de maior
aprofundamento, dada a necessidade de desconstruir a longa tradição
essencialista e representacionalista na interpretação dos fenômenos de
linguagem e suas consequências políticas, a saber:
(1) o intenso potencial de reflexividade social de práticas de ativismo
digital, especialmente no que tange à contestação de valores que direcionam
as práticas sociais segundo uma tradição modernista, a exemplo de ideologias
coloniais, racistas e sexistas, produzindo, assim, narrativas sociais alternativas,