726-1655-1-PB Indio Do Brasil
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à marginalização
Joselaine Brondani Medeiros
RESUMO
O índio, desde o descobrimento do Brasil, vem sofrendo com discriminações, violência e explo-
ração. O “verdadeiro” dono da terra hoje não tem terra nem meio de sobrevivência, vivendo à margem
da sociedade e não tendo voz nem oportunidades. O que se pretende, com esse artigo, é resgatar, através
da Literatura, a História dos índios, que está na marginalidade. No Brasil, ele é esquecido ou, então,
idolatrado, visto como o “bom selvagem”, o mito fundador, porém não se questiona a sua realidade
atual nem se tenta fazer algo para que sua dignidade e esperança sejam recuperadas.
Palavras-chave: Índio. História. Marginalização.
ABSTRACT
Indians have been suffering from discrimination, violence and exploration since the discovery
of Brazil. The “genuine” owner of the land today does not have land, neither a way of survival. He
lives apart from society and has neither voice, nor opportunity. What is intended with this article is
to recover, through Literature, the Indian History, which is marginalized. In Brazil, he is forgotten or
worshiped; he is seen as “the good savage”, “the myth founder”, but it is not questioned his current
reality, nor one tries to do something in order to recover his dignity and hope.
Key words: Indian. History. Marginalization.
Joselaine Brondani Medeiros é doutoranda (PUCRS). Atividades de pesquisa relacionadas aos temas
autoritarismo, violência, desumanização, crítica social, intersecção entre Literatura, História, Sociologia. Dis-
sertação de Mestrado sobre a obra Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos, e tese em andamento sobre as
obras testemunhais É isto um homem? e A trégua, do autor italiano Primo Levi.
Endereço para correspondência: Dr. Pantaleão, 50, apto. 201. CEP: 97010-180. Santa Maria/RS. Fone (55)
3222.1442. E-mail: jobrmedeiros@hotmail.com
OS “NÓS” DA HISTÓRIA
Na obra História da Província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos de
Brasil, Gândavo escreve a dom Lionis Pereira, que foi governador de Malaca e de
outras partes da Índia, contando como as embarcações chegaram a Província de Santa
Cruz e o que encontraram nela. Semelhante a Caminha, comenta que, ao chegarem, eles
rezaram e pregaram uma cruz no alto de uma árvore e que os índios apareceram e
demonstraram interesse pela doutrina cristã. Desde o início, fica claro o interesse dos
portugueses: catequizar os índios e cristianizá-los.
A Companhia de Jesus, que veio junto com os portugueses, tinha por meta
aumentar o número de fiéis, uma vez que, na Europa, espalhavam-se outras doutrinas,
como a luterana. Todavia, também tinham outros interesses: buscar riquezas. Ou seja,
ao mesmo tempo que propagavam a fé cristã, procuravam ouro e metais preciosos para
aumentar os bens da Igreja e da Coroa portuguesa.
Atrás desse objetivo “tão nobre” de cristianizar os selvagens, os portugueses
exploraram o território brasileiro, como descreve Gândavo, ao dizer que aqui
encontraram terras boas e férteis: “toda está vestida de mui alto e espesso arvoredo,
regada com as águas de muitas e mui preciosas ribeiras de que abundantemente participa
Finalmente que como Deos tenha de muito longe esta terra dedicada á Christandade
e o interesse seja o que mais leva os homens tras si que outra nenhuma cousa que
haja na vida, parece manifesto querer interte-los na terra com esta riqueza do
mar até chegarem a descobrir aquellas grandes minas que a mesma terra promete,
pera que assi desta maneira tragam ainda toda aquella cega e bárbara gente que
habita nestas partes, ao lume e conhecimento da nossa Santa Fé Cathólica, que
será descobrir-lhe outras maiores no céo, o qual nosso senhor permita que assi
seja pera gloria sua e salvação de tantas almas. (GÂNDAVO, 2000, p.23)
A idéia de “terra bela – pátria grande” (CANDIDO, 1987, p.142) está presente
nos romances indianistas de Alencar, que são bastante idealizados e mostram, por
exemplo, um índio bravo, lutador, forte, filho da terra e sem medo de enfrentar os
perigos. Assim como O Guarani (1857) e Iracema (1865), Ubirajara, publicado em
1874, tem como personagem um índio idealizado, exaltado como herói e como
unificador da raça indígena. A única diferença é que a narrativa se desenrola em um
período anterior à chegada do descobridor no Brasil. Há, nessa obra, inúmeras notas
de rodapé, escritas pelo autor, cuja intenção é detalhar o índio e aspectos da sua
cultura, bem como mostrar visões de historiadores, viajantes ou escritores sobre o
próprio processo de colonização.
Apesar de ser a última obra indianista de Alencar, ele continua comprometido
com o indianismo ao relatar a história de Jaguarê, que era filho de Camacã, chefe dos
araguaias, e queria, assim como seu pai, ser um grande guerreiro. Para isso, precisava
achar um outro guerreiro a sua altura, partindo ao encontro dele. Na floresta, conhece
uma caçadora, Araci, que era “filha da valente nação dos tocantins” (ALENCAR, 1974,
p.15) e se encanta pela sua beleza. Esta foge para sua aldeia e avisa Pojucã, que vem ao
encontro de Jaguarê. Na floresta, é travada uma luta entre os dois guerreiros. A luta é
intensa, pois ambos são muito fortes e bravos; porém, a valentia de Jaguarê é maior, e
Pojucã se torna seu prisioneiro.
Quando o corpo robusto de Pojucã tombava, cravado pelo dardo, Jaguarê d’um
salto calcou a mão direita sobre o ombro esquerdo do vencido, e brandindo a
arma sangrenta, soltou o grito do triunfo:
- Eu sou Ubirajara, o senhor da lança, o guerreiro invencível que tem por arma a
serpente. Reconhece o teu vencedor, Pojucã, e proclama o primeiro dos
guerreiros, pois te venceu a ti, o maior guerreiro que existiu antes dele.
(ALENCAR, 1974, p.26-7)
AMARRANDO OS FIOS
A História do Brasil é marcada por contradições, conservadorismo e ranços
autoritários. Na verdade, “o descobridor, antes de ver a terra, antes de estudar a gente,
antes de sentir a presença da religião, queria saber de ouro e prata” (FAORO, 2001,
p.117). O interesse era, portanto, de explorar as riquezas existentes na colônia. O
português, o inglês, os reis, os governantes brasileiros, em vários períodos da História,
sempre tiveram como meta explorar e não colonizar. Ou seja, visavam somente os seus
interesses pessoais e não o crescimento do país como nação independente, forte e
possuidora de riquezas naturais e de uma cultura já constituída.
Desde a colonização, o europeu impôs o seu modelo de pensamento e ação,
reprimindo e castrando o jeito de ser do índio que aqui encontraram. Os índios e, sobretudo,
as índias andavam nuas, o que despertava o desejo dos portugueses e até dos padres.
“O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia
de Jesus precisavam descer com cuidado, senão atolavam o pé em carne” (FREIRE, 1946,
p.209). A solução era a conversão dos índios ao Cristianismo e o aculturamento. Foi isso
que aconteceu: o índio acabou perdendo suas origens, sendo “burro de carga” do
branco, porém, no trabalho, era visto como preguiçoso, desordeiro e arredio aos mandos
dos senhores, sendo, depois, substituído pelo escravo negro.
O índio acabou na miséria, sem terra, sem vida: bêbado, doente, iludido pela
cultura do branco, pela cidade, que lhe proporcionaria prazer e condições melhor de
vida, como o índio Ipavu, representado por Antônio Callado em A Expedição
Montaigne. A mata já é pobre, a cidade, industrializada; e o índio não vive na mata nem
na cidade, vive na periferia de tudo.
Antônio Callado representa o índio hoje; porém, este índio de hoje é fruto de um
passado. O escritor tenta descortinar a História oficial e mostrar que o passado colonial
destruiu o índio, sua cultura, sua raiz e sua terra. O índio do presente é marginalizado,
pobre, sem voz nem vez, porque passou por esse processo de aculturamento, de perda
Dar voz aos outros brasis é o desejo de Alencar e, assim, recuperar e/ou fixar o
status de nação brasileira. Para isso vale-se do índio, primeiro habitante da terra,
presente antes mesmo da colonização, como conta na obra Ubirajara. Com Alencar, a
identidade do Brasil foi resgatada através do índio: o herói brasileiro. Contudo esse
herói, muitas vezes, apresentava traços europeus, porque, no século XIX, a sociedade
brasileira já assimilara a cultura européia, tanto que Peri, o índio de O Guarani, converte-
se ao Cristianismo por amor a Ceci. Este é um exemplo claro de que a cultura européia
foi dominante. Mesmo querendo mostrar a cor local, Alencar interpõe elementos da
cultura européia. A representação do índio alencariano, apesar da recuperação da sua
linguagem oral, do resgate da cultura indígena, sobretudo com a presença das notas
de rodapé que servem para dar veracidade ao relato, é a de um “mestiço”, interpretando
“mestiço” no sentido de ser meio índio, meio português. Ou seja, o índio é nativo, tem
sua língua, mas incorpora traços do colonizador. Moacir, filho da índia Iracema e do
português Martin, é o filho do Brasil.
A idealização do indígena no período do Romantismo brasileiro estava ligada ao
momento histórico da independência do Brasil e da afirmação do país como nação. O
índio representava o que o Brasil tinha de bom: as paisagens exóticas, as matas, os
rios, a natureza. Enfim, os poetas e escritores cantavam o nosso solo e,
conseqüentemente, o seu representante máximo: o nosso índio.
Esse índio idealizado no Romantismo não retrata a realidade do seu povo, que
sempre foi esquecido. Não basta dizer que o índio foi o primeiro habitante e o dono
da Terra, deve-se tentar discutir e refletir sobre o porquê do índio ter sofrido tanta
discriminação e estar a margem da sociedade e da História. A História e os que
governaram o país o enterraram, porque ele representava o inferior, o dominado.
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