Conto UBIRATAN TEIXEIRA VELA AO CRUCIFICADO
Conto UBIRATAN TEIXEIRA VELA AO CRUCIFICADO
Conto UBIRATAN TEIXEIRA VELA AO CRUCIFICADO
SELEÇÃO DE
CONTOS
Vela ao crucificado
SELEÇÃO GELMA
Ubiratan
Teixeira
(São Luís ,MA, 14.10.1931 - São Luís, MA, 15.06.2014)
"Ubiratan Teixeira foi um dos intelectuais maranhense mais ativo nos movimentos culturais e
artísticos de São Luís. Nas décadas de 1950/60 participou da SCAM – Sociedade de Cultura Artística
do Maranhão, do Centro Cultural Graça Aranha, fundou grupos de teatro e ministrou cursos de
corpo, voz e história do teatro. Trabalhou em diversos jornais da cidade como a Pacotilha/Globo,
Diário do Norte, Jornal do Dia de Bolso, e atualmente é cronista do jornal O Estado do Maranhão.
Foi dramaturgo, diretor de teatro, além de contista, cronista, novelista, romancista, pesquisador,
crítico de arte, professor , jornalista e Membro da Academia Maranhense de Letras, ocupou a
cadeira nº 36.
Ele não sentia falta dos colegas nem dava importância à indiferença
dos parentes ao fato. A bem dizer, a ausência de todos o deixava com
mais conforto e paz de espírito. Também não lhe faziam falta as
alcoviteiras da vizinhança, que frequentavam os velórios, tecendo
orações e cerzindo intrigas. O dinheiro regrado e a falta de um caixão
para o morto não o afligiam tampouco. Sofreria era se o pacote de
valas não durasse até à hora do enterro. Guardara de criança notícia
sobre a danação das almas sem luz, errantes ao léu, sem direito a
pouso e sem destino e isso o angustiava, acentuando-lhe a ruga entre
os olhos. E se chegasse a acontecer ficaria profundamente
amargurado para o resto de sua vida.
– E o que posso fazer, Clar, diz só! Que é que eu posso fazer?
Admitia já ter feito tudo o que estava a seu alcance; lutado
bravamente pelo tal do enterro decente, mal tendo para o de comer
dos que gravitavam à sua volta. Onde iria encontrar esse bendito
dinheiro? O diretor da repartição, onde servia de vigia, o tesoureiro e
a própria repartição alegavam dificuldades para lhe adiantar alguns
trocados. Foi o chefe de seu setor, homem experiente e sábio nesses
assuntos, que lhe deu a informação precisa:
– Um funeral, seu Luciano, é coisa cara. E não será com essa listinha
corrida de carteira em carteira ou de casa em casa, na rua de sua casa,
que o senhor vai conseguir enterrar esse menino.
– Ah! Não?
– É muito descaramento. Ora, ora, ora! Quer dizer então que o senhor
acha que vai encontrar alguém para lhe meter tanto dinheiro assim
de repente e de graça em suas mãos?
– Elas são é nojentas, isso sim! Você já reparou de onde vêm? Xô,
barata.
– Quem pode saber? Todos vamos um dia; mais cedo ou mais tarde,
vamos; apenas ninguém sabe quando, nem como.
– Xô, desgraçadas... Xô... Não comam ele, que o coitado não tem culpa
de nada. Sumam daqui, suas pestes... Desgraçadas... Infelizes...
Larguem meu filhinho...
– Clarice...
– Trouxe uma flor para enfiar na cova. Irei rezando o tempo todo. Tu
ficas.
– Papai não vai ter força para me carregar. Já tou mais grande, não é
mesmo? E deve ser longe o lugar para onde a gente vai.
– Taí.
– Sei que é triste; também sinto. Mas não podemos fazer mais do que
isso. Hoje em dia ninguém tem amor por ninguém: é só no cartaz da
propaganda. Pois é: ninguém se compadece de ninguém. É mais uma
desgraça mas não se pode ficar com ele o tempo todo. Vai acabar
apodrecendo então vai ser muito pior.
– Fica fria que eu mesmo o levarei com o maior carinho até a cova.
Não vou deixar que fique parecendo lixo que a gente joga no monturo.
O final vai ser decente, te prometo.
– Farei.
Começou então a enrolar a criança.
Primeiro com o pano,
meticulosamente, depois com os
jornais. Fez um pacote prefeito e
passou os cordões. “Assim está bem”, –
pensou. E para a mulher escutar:
– Pronto: não ficou decente?
– E pode almoçar que não vou voltar logo. Ainda tem arroz e feijão no
pitisqueiro. Depois do cemitério vou até a repartição e talvez não volte
muito cedo.
– Agora.
– Agora. Neste instante; não está vendo? Já vou levando ele aqui.
– Quer dizer, então, que essa trouxa aí, que o senhor vai levando
debaixo do sovaco, não é roupa suja? É mesmo um cristãozinho? É a
criança? O senhor é um desgraçado; Clarice é uma cadela danada. Seu
demônio, seu excomungado, seu miserável peçonhento, seu porco
imundo!...
– Infeliz! Vai meter essa criança no caixão senão tua alma vai danar
sem sossego pela eternidade.
– Deixa ele passar. – Gritou alguém, voz rouca e fanha. – Deixa passar
senão é capaz mesmo de matar...