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brasiliana
volun1e 383
PERFIL POLlTICO DE SILVA JARDIM
HEITOR FERREIRA LIMA
A figura de Silva Jardim não era devidamente
mencionada na história de nosso pensamento político,
No entanto, na campanha republicana, ele foi das perso-
nalidades mais ativas e desprendidas. Contam-se pelos
dedos os trabalhos a ele dedicados como se verifica na
bibliografia que ocorre neste volume .
As produções de Silva Jardim, além de suas Memó-
rias e Viagens (Lisboa, 1891 ), estavam . dispersas em
numerosos opúsculos raros e desiguais. A primeira
compilação de seus discursos, artigos e folhetos deve-se
à Fundação Casa de Rui Barbosa, por iniciativa de
Francisco de Assis Barbosa, p'recedendo uma série que
compreende algumas dezenas de pensadores. O prefâcio
"denso e erudito", como diz o Autor, de autoria de
Barbosa Lima Sobrinho, é uma das mais sérias contri-
buições para a compreensão do propagandista da Repú-
blica, "injustificada e Inexplicavelmente marginalizado".
O Autor não pretende ter resolvido todos os proble-
mas da complexa biografia de SIiva Jardim. Alguns
episódios políticos ou trâglcos - como seu desa-
parecimento - serão certamente objeto de estudos
posteriores.
Ferreira Lima jâ figura nesta coleção "Braslllana"
com algumas obras de ampla repercussão: a História
polltlco-econõmica e Industrial do Brasil e a História do
pensamento econômico no Brasil, este jâ em 2.ª edição.
Fora desta coleção publicou várias obras notâvels.
Neste volume, após estudar a fase final da monar-
quia, examina as tergiversações do Partido Republicano
até o 15 de Novembro. Só então passa a acompanhar
a vida de Silva Jardim, desde seu nascimento na prc;>vln·
cla fluminense até a sua ado'ção do positivismo e do
ardente abolicionismo. O capitulo 4 é a suma da argu-
mentação que Silva Jardim desenvolveu em lnfatlgâvel
campanha, violenta, crua, enfrentando tribunos do porte
de Joaquim Nabuco e José do Patroclnlo. Várias vezes
correu risco de vida e assistiu a deplorâvels cenas de
vandalismo, Nos últimos capltulos estuda-se o lnespe·
rado epílogo de um lutador Indefeso.
Poucos propagandistas poderiam apresentar uma
folha de serviços à causa republicana: Mas, uma vez
Instaurado o novo regime, não consegue ter voz em
nenhum setor do governo. Nem no ministério, nem na
. Assembléia Constituinte o seu nome merece acolhida.
As cartas de Saldanha Marinho publicadas em apêndice
à coletânea realizada pela Fundação Casa de Rui Bar-
bosa abrem um véu à comoreensão do mistério. O tempe-
ramento do orador efi_clentrsslmo para a propaganda era
temido para o exerclclo do governo e da construção
do país. Retirando-se do cenário dos acontecimentos,
SIiva Jardim empreende uma vla~em pelo velho mundo,
para observar na prâtlca o funcionamento dos sistemas
políticos. '
O final trágico da excursão ao Vesúvio encerra com
uma página tétrica uma existência vulcânica.
A.J.L.
HEITOR FERREIRA LIMA
*
Direção de
AMÉRICO JACOBINA LACOMBE
Editoração
ANA CÂNDIDA COSTA
Revisão .
MARIA APARECIDA AMARAL
MARIA DE LOURDES NETO EIRAS ROMERO RUBIO
Composição
BRASIL ARTES GRÁFICAS
HEITOR FERREIRA LIMA
PERFIL ·POLÍTICO
DE SILVA JARDIM
Bibliografia.
ISBN 85-04-00213-6
1. Brasil - História - II Império - 1840-1889
2. Brasil - Política e governo - 1822-1889
3. Jardim, Silva, 1860-1891 4. Políticos e estadis-
tas - Brasil I. Instituto Nacional do Livro
(Brasil). II. Título.
CDD:923.281
: 320. 98105
: 981.043
CCF/CBL/SP-87-1444 CDU: 92
-----~1
j .........................- - - -- -- - - - - - - -......
lndlces para catálago 1lstemátlco:
1. Brasil : Políticos : Biografia 923.281
2. Propaganda republicana : Brasil : História política
320. 98105
3. Segundo Império : Brasil : História 981.043
ISBN 85-04-00213-6
Foi feiro o depósito legal
Direitos reservados
1987
Impresso no Brasil
"A Revolução é um dever excepcional,
e uma garantia suprema, impossfvel de ser
de todo banida do organismo social, bem como
a moléstia do organiJmo ffsico. A dência
não a exclui, porque paz não quer dizer
indiferença, ordem não quer dizer apatia,
fraternidade não quer dizer impudor perante
as afrontas: a violênda é digna, a violência
é justa, a violência é também santa:
só os fracos não se indignam, só os nulos
não se revoltam, só os covardes não respondem
à violência, que é um insulto, com a violência,
que é um castigo! A Revolução Brasileira está
destinada à cidade do Rio de Janeiro. Paris
da América, Londres da América do Sul, à Cidade,
composta de tantos elementos que a República
tornará cada vez mais unidos em torno da Pátria,
cabe a grande operação da reconstrução nacional.
(... )E a Revolução Brasileira deve estalar
pujante e vitoriosa em torno dos paços
ministeriais e do Palácio de São Cristóvão no
ano de /889. Nãoalbn!( ••. )Paranós, ( •..)
este ano solene (centenário da Revolução
Francesa) é de bom agouro para a liberdade. "
SILVA JARDIM
DO MESMO AlíFOR
Castro Alves e sua época. São Paulo, Ed. Anchieta, 1942.
Evolução industrial de São Paulo. Martins, 1954.
Formação industrial do Brasil. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1961.
Mauá e Roberto Simonsen. São Paulo, Ed. Egladit, 1963.
Do Imperialismo à libertação colonial, Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1965.
Históría político-econômica e industrial <ÚJ Brasil. São Paulo, Ed. Nacional,
1970.
Castro Alves e sua época. 2.ed. São Paulo, Saraiva, 1971.
/ lisrória político-econômica e industrial do Brasil. 1!! reimp. São Paulo, Ed. Na-
cional, 1973.
História político-econômica e industrial do Brasil. 2. ed. Ed. Nacional, 1976.
História <ÚJ pensamento econômico no Brasil. l. ed. Ed. Nacional, 1976.
História do pensamento econômico no Brasil. 2. ed. Ed. Nacional, 1978.
Caminhos percorridos (Memória de militância). Brasiliense, 1982.
EM COLABORAÇÃO
Problemas de política econômica. São Paulo, Departamento Econômico do
CIESP, 1944.
Homens de São Paulo. São Paulo, Martins, 1955.
Capítulos da história da indústria brasileira. São Paulo, Coleção Fórum Ro-
berto Simonsen, 1959.
Problemas de economia industrial. Centro e Federação das Indústrias do Esta-
do de São Paulo, 1962.
São Paulo, Povo e terra . Porto Alegre, Ed. Globo, 1967.
TRADUÇÕES
Nota prévia, 13
Decadência e fim do Império, 17
Tergiversações do Partido Republicano, 30
Formação de um republicano, 38
Ideário político de um radical, 49
Ação de um propagandista político, 58
A força de uma pregação cívica, 72
Implantação da República, 78
Do sonho à realidade, 89
Bibliografia, 101
NOTA PRÉVIA
5. PAIM, Antônio. História das idéias filosóficas no Brasü. São Paulo, Edito~
rial Grijalbo, 1969. p. 126.
19
que somente deveriam ser cumpridos com a permissão imperial.
Completava esse acordo a remuneração dos sacerdotes mediante
salários _pagos pelo Governo, como os funcionários públicos. Ba-
seados nesses atos, as decisões de D. Vital e D. Macedo Costa fo-
ram suspensas pelo Conselho de Estado, por não terem obtido an-
tes as devidas permissões imperiais. Os bispos, porém, recusaram
cumprir as determinações governamentais. A Igreja católica viu-se
então envolvida numa luta entre a solidariedade aos bispos e a Ma-
çonaria, apoiada pelo Governo. Armava-se, desse modo, a chama-
da Questão Religiosa
Procurou-se uma solução através da mediação papal, por meios
diplomáticos. Mas, a prisão de D. Vital, condenado a quatro anos
de prisão, com trabalhos forçados, em fevereiro de 1874, provocou
o rompimento das conversações com o Vaticano, sendo igualmente
preso, em junho, o bispo paraense 6 •
No ano seguinte, a princesa Isabel, como regente do trono, es-
tando o pai ausente, em Filadélfia, para a comemoração da Indepen-
dência norte-americana, assinou o ato anistiando os dois prelados,
"fazendo.por satisfazer, com a tolerância tardia do governo, os sen-
timentos católicos da população". Contudo, as relações entre a
Igreja e o Trono continuaram estremecidas7 • Em 1890, os bispos, em
Pastoral Coletiva, aderiram à República, encerrando-se desse modo
a Questão Religiosa.
Deve-se aduzir também que a Maçonaria voltava às atividades
políticas, retomando o impulso liberal da Independência e do Pri-
meiro Império, cindida em 1862, quando se opôs ao seu chefe
conservador e católico, o marquês de Abrantes, uma ala jovem, de
caráter radical, encabeçada por Saldanha Marinho. A abolição da
escravatura e a campanha republicana tomaram-se novamente te-
mas de suas tradições "iluministas", onde os "espíritos fortes" se
iniciavam em suas "lojas" em núcleos de agremiações de intelectuais,
não escondendo mais seus mistérios, como outrora. Ao longo da li-
nha da Mogiana, em São Paulo, depois de 1873, estas "lojas" se
constituíram em campo de propaganda de Francisco Glicério,
Campos Sales e Prudente de Morais. ~ São José do Rio Pardo
abrigava entusiasmos liberais, formando-se duas alas que se desa-
fiavam em confrontos marcadamente políticos, de grande repercus-
são popular, granjeando-lhes enorme prestígio público7•
22
quantos no século XIX constituíram a vida espiritual nacional,
quando um bando de idéias novas esvoaçou sobre nós de todos os
pontos do horizonte, agitando a questâo dos cativos, discutindo o
aparelho sofístico das eleições, o sistema de arrocho das institui-
ções policiais, o da magistratura e outras de caráter econômico .. O
Partido Liberal lança um programa quase socialista. O Partido Re-
publicano se organiza, iniciando sua propaganda, e a filosofia espi-
ritualista católica e eclética sofre o impacto do positivismo13 . Co-
mo resultado da diferenciação crescente da economia e da socieda-
de, particularmente a partir de 1870, uma nova elite intelectual
composta de militares, médicos, engenheiros, abolicionistas e repu-
blicanos, com inabalável çonfiança nas ciências exatas, repudia tu-
do o que fosse anticientífico e irracional, como a religião e a mo-
narquia, criando ambiente propício ao positivismo.
Foi pois a partir de 1850 que professores e estudantes de enge-
nharia começaram a divulgar entre nós as idéias de Auguste Com-
te, levados a elas pelos estudos da matemática, penetrando também
na Escola Militar, por ser então uma escola de engenheiros, fazen-
do com que muitos deles, influenciados por aquela matéria, per-
dessem o espírito belicista, o que concorreu para a sua "paisaniza-
ção", na expressão pejorativa de alguns autores. Em 1847, Benja-
min Constant, através do estudo da matemática, já tomara contato
com a doutrina de Comte, da qual se tornaria um dos maiores pro-
pagadores nas instituições de ensino, principalmente na Escola Mi-
litar, onde lecionava aquela disciplina. 1874 seria, contudo, o gran-
de ano do positivismo no Brasil, por ter sido quando Luís Pereira
Barreto, que estudara na Bélgica, publicou o primeiro volume do
seu livro, As três Filosofias. Era ainda o ano em que Miguel Lemos
e Raimundo Teixeira Mendes, dois jovens estudantes republicanos,
induzidos por Benjamin Constant, se aproximaram das concepções
comteanas na versão de Littré, ou seja, adotando puramente a parte
filosófica, dando-lhe grande difusão, passando-a dos meios mate-
máticos para o meio da rua.
Em àbril de 1876, uma ala ortodoxa do positivismo existente,
sob a orientação de Carlos de Oliveira Guimarães, professor de
matemática do Colégio Pedro II, juntou-se aos companheiros de
21. P AIM, Antônio. História das idéias filosóficas no Brasü. São Paulo, Edito-
rial Grijalbo, 1967, pp. 22 ct seqs.
CRUZ COSTA, João. Contribuição à história das idéias no Brasü. Rio de
Janeiro, J. Olympio, 1980. pp. 16-17. .
22. LIMA, Hermes. Tobias Barreto: a época e o homem. São Paulo, Ed. Na-
cional, 1939. pp. 202-203. (Brasiliana, dir. Fernando de Azevedo, 140.)
27
Kant, procurou reabilitar o papel da filosofia como investigadora
das condições das demais ciências. Assimilou, igualmente, os prin-
cípios do naturalista inglês Charles Darwin e do biólogo alemão
Ernst Haeckel, adotando sobretudo o monismo evolucionista do
mundo, segundo o qual a realidade é constituída de uma única
substância, podendo todas as leis serem reduzidas a uma só, a lei do
movimento, como motor da evolução, o que derrota a influência de
Gary Friedrich Hegel, interessando-se ainda por Noiré, Edward
von Hartmann, mas, desprezando Nietzsche, ignorando a renova-
ção neokantiana de Liebermann, Richert e outros, segundo Vami-
reh Chacon23 , tendo conhecido a obra de Karl Marx, sendo talvez
o primeiro a citá-lo no Brasil. Com a contribuição da sua crítica e a
tentativa de restauração da metafísica atingiu seu apogeu nos três
lustros a partir da segunda metade da década de 80. A receptivida-
de de suas idéias atingiu as Faculdades recém-formadas do Ceará e
da Bahia24 . Contudo, Cruz Costa não o considera filósofo original,
mas simples comentador do pensamento europeu, particularmente
do alemão. Sua originalidade consistiu em haver pressentido a ne-
cessidade em contrapor o humanismo ao positivismo2 5 •
Algumas de suas posições ante os nossos principais problemas
de então ajuda-nos a compreendê-lo melhor. Assim, ao fundar, em
1877, o Clube Popular de Escada, disse que nossa população se
achava não somente dividida em classes, mas também em castas,
tratando-se de povó triste, sofrido, tendo na fronte o estigma da
infelicidade por acúmulo de miséria; não se julgando entre aqueles
que achavam o povo não estar ainda maduro para a liberdade, co-
mo se fosse possível o tirocínio da liberdade seni exercê-la. Não se
considerava socialista ·por não considerar a pobreza castigo eco-
nômico, riem achar que- as medidas de socorro e alívio a ela importa
em premiar os inertes e os preguiçosos. Atribuiu ao Clube de Es-
cada o intuito de despertar a indignação contra os opressores e
entusiasmo pelos oprimidos. Não se classificando de republicano
nem amigo do rei, por não amá-lo nem odiá-lo, tolerando-o ape-
nas26. Entre suas falhas creio que se devem indicar sua indiferença
33
go dos meios mais diretos e eficientes, para chegarmos ao advento
da República", atirando, todavia, a oportunjdade do seu emp~go
aos adversários, ou seja, os monarquistas. E que as circunstâncias
se transformaram em decorrência de importantes acontecimentos
poüticos, que evidenciavam a possibilidade da ascensão do Ter-
ceiro Rêmado. Pela mesma linha já se haviam manifestado igual-
mente os republicanos gaúchos em sua célebre reunião de Reserva,
de março de 1889, conforme apontou seu biógrafo6 •
Contrária à orientação pacifista de Quintino, no entanto, já se ia
criando no Partido uma ala radical, encabeçada por Lopes Trovão,
Aníbal Falcão, Silva Jardim. Este, conquanto positivista, definia
a revolução como levantamento de massas para derrubada da ins-
tituição, com ou sem apoio da nação inteira, por meio das armas no
campo de batalha ou por meio de pronunciamentos nos parlamen-
tos, nas reuniões públicas, pelos panfletos, pelos discursos, con-
cluindo por aceitar essa revolução com todas as forças de que seria
capaz7 •
Aristides Lobo afirmava, em março de 1889, que a maioria do
Partido no Rio de Janeiro acreditava na revolução e Silva Jardim
dizia ter encontrado nesse mesmo Rio de Janeiro, pelo menos, cin-
qüenta pessoas partilhando de suas idéias. No entanto, provavel-
mente representava esse contingente considerável percentagem do
Partido Republicano, composta especialmente pelos elementos
mais jovens e mais recentes. A maioria dos líderes, contudo, não
participava desse entusiasmo. .
·,·Outro componente da ideologia política de Quintino Bocaiúva
residia em sua afeição pelo caudilhismo imperante na América his-
pânica dos Bolívar, San Martín, O'Higgins, Miranda, que abatera a
hidra da dominação espanhola no início do século, banindo á escra-
vidão, observa José Maria dos,.Santos. Era preciso resistir ao poder
pessoal do Imperador, revisando a amputação histórica ·por nós
sofrida em relação aos nossos irmãos americanos, entre o encerra-
mento colonial e o advento da República, e esse programa só po-
deria ter caráter militar. Daí a guarida que dava nos jornais em que ·
colaborava aos episódios que iam constituindo a Questão Militar,
37
3
FORMAÇÃO DE UM REPUBLICANO
48
4
18. Id.,ibid.,pp.177-178.
19. ld., ibid., pp. 221-228.
56
de Marselha, em favor da tese que defendia, lembrando que Casi-
miro de Abreu e Felinto de Almeida foram comerciários20 .
Esta breve súmulà do pensamento político e social de Silva Jar-
dim revela claramente suas principais preocupações com as ques-
tões então vigentes, cujas soluções desafiavam as lideranças políti-
cas em seus conjuntos, expressando-as, no entanto, de forma mais
avançada ou extremada, de maneira radical. Englobadamente ex-
primiam a opinião do Partido Republicano, porém, com colorido
mais acentuado em certos aspectos, onde predominavam as in-
fluências positivistas na constituição do novo regime, o desejo de
participação das massas populares, tanto na propaganda quanto na
implantação do governo por que lutava, não aceitando conspira-
ções limitadas, desconfiando da atuação dos militares em tais as-
suntos. Estes ideais, como era de se esperar, representavam os in-
teresses da burguesia em ascensão, único possível dentro da época,
correspondendo, igualmente, à formação ideológica de Silva Jar-
dim e que constituíam, sem dúvida, um progresso no tempo. Por
isso eram bem aceitos e desejados, o que explica seu sucesso e a
sua realização com a República. As divergências que provocaram
não se devem unicamente às questões táticas, mas também às di-
ferenças de concepções nas formas de governos concebidos: repu-
blicanismo liberal e ditatorial comteano. Possivelmente, se devem
ainda à diversidade de geração entre os subscritores do Manifesto
de 1870 e os atuantes na década posterior, quando a expansão eco-
nômico-social e a consciência popular eram desiguais, mais ama-
durecidas. É claro que não se pode descartar nisso tudo possíveis
rivalidades pessoais, decorrentes de ambições de cargos, embora
estes fatores representem fatores secundários. O essencial, contudo,
é a vitória da idéia republicana pela qual se bateu, apesar de toda a
insuficiência que teve, manifestada para alguns, desde o início, vi-
. sível, mais amplamente, para os demais ao longo dos anos que per-
duraram, até 1930, sua primeira fase. Silva Jardim não viveu tanto
para ver o que aconteceu. Logo no primeiro embate eleitoral foi
posto de. lado, propositadamente, desaparecendo pouco depois, de
forma ocasional e trágica. Os seus adversários ·venceram. Seus
ideais, no entanto, resplandecem em nossa história, sob vários as-
pectos, como os de um pioneiro, um lutador que amou e desejou o
bem de sua Pátria. Este o seu penhor histórico.
71
6
IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA
85
vamente, prometendo agir. Às três da madrugada, Ouro Preto te-
legrafa ao Imperador, em Petrópolis. No quartel-general estavam
reunidos dois mil homens. Os conspiradores, mais adiantados, des-
pertam Benjamin Constant e mandam avisar Deodoro. Benjamin
segue para São Cristóvão, tomando a frente da Segunda Brigada,
comandada por Silva Tel~s. Em pequeno discurso recomenda "que
nos preparemos para vencer ou morrer, guardando sempre o últi-
mo cartucho para estourarmos os miolos, em caso de derrota".
Deodoro esquece os padecimentos, veste-se às pressas, indo, de
carruagem, encontrar, no canal do Mangue, as tropas que desciam,
assumindo o comando, sob entusiasmo geral. Frente ao quartel-ge-
neral, Deodoro manda Silva Teles intimar à renúncia o gabinete
Ouro Preto, que repele com energia, ordenando a Floriano a reti-
rada de Deodoro. Trava-se então uma discussão áspera entre o
primeiro-ministro e os militares, inclusive Floriano, que se nega
a repelir Deodoro. Fora, as tropas, nesse ínterim, passavam para os
revoltosos. Deodoro entra no quartel-general a cavalo, ordenando
às tropas que prestassem continência e afastassem o trambolho de
um canhão que encontrou na frente. Ouve-se nesse momento a
banda tocar o hino nacional e a salva de 21 tiros de canhão. Des-
monta e dirige-se a Ouro Preto, rodeado pelo seu estado-maior,
profligando sua atitude contra o Exército, deixando extravasar
suas mágoas, ordenando a prisão de Ouro Preto e Cândido de Oli-
veira, o ministro interino da Guerra. De volta, novamente monta-
do, ao ressurgir na praça, o povo, já rodeando· as forças armadas,
aclama-o com vivos aplausos. Quintino Bocaiúva e Aristides Lobo,
ponderam a Sólon que, estando o Imperador ausente e o governo
acéfalo, não se devia perder tempo, proclamando-se a República.
Sólon fala com Deodoro que, em seguida, levantando o quepe da
cabeça, grita: Viva a República.
A tropa, tendo à frente Deodoro e Benjamin Constant, encami-
nha-se ao arsenal da Marinha, conseguindo sua adesão, desfilando,
depois, pelas ruas centrais da cidade, sob aclamação geral do povo,
vitoriando a República e Deodoro. Mais tarde, frente à Câmara
Municipal, continuamente sob vibrante aclamação, a República é
proclamada oficialmente, lavrando-se a respectiva ata, substituin-
do-se o velho estandarte do Império pela bandeira da República,
retirada da casa de Lopes Trovão, que a mantinha hasteada na sua
porta.
86
Estava inaugurado um novo regime no Brasil.
Foi isto, naturalmente, que levou Aristides Lobo, em sua coluna
diária do Diário Popular, de São Paulo, a escrever a frase, tantas
vezes repetida, de que o povo assisti "bestificado" à instauração da
República, sendo obra exclusiva dos militares. Mesmo um jornal do
Rio, A Gazeta da Tarde, publicada às seis horas da tarde, exprimia
idêntica impressão: "A partir de hoje, 15 de novembro de 1889, o
Brasil entra em uma nova fase, pois pode-se considerar finda a
Monarquia, passando a regime francamente democrático, com to-
'das as conseqüências da liberdade. Foi o Exército que operou essa
magna transformação; assim como em 7 de abril de 1831, ele fir-
m<?u a monarquia constitucional, acabando com o despotismo do
primeiro Imperador, no meio da maior tranqüilidade e com soleni-
dade verdadeiramente importante que queria outra forma _de go-
verno. Assim desaparece a única Monarquia que existia na Améri-
ca..."
O Imperador, após receber dois telegramas do primeiro-núnis-
tro, o último terminando com o imperativo "Venha", embarcou de
trem às onze horas da manhã, chegando à estação ternúnal de São
Franciscô Xavier à uma hora da tarde, rumando, por caminho di-
verso do habitual, para o Paço Imperial, encontrando-o com a
guarda dobrada, o que lhe pareceu estranho. Pede para falar com
Deodoro. O comandante do navio chileno Almirante Cochrane,
presente, insinua-lhe que a bordo de sua embarcação talvez esti-
vesse mais seguro, o que recusa, respondendo tratar-se de "fogo
de palha". A herdeira do Trono e seu marido, deixando o Palácio
Isabel (hoje Guanabara), vêm à cidade de lancha, costeando Bota-
fogo, Flamengo, Calabouço, parando no cais do Pharoux, de onde
avistou a carruagem imperial, indício de que Pedro II já havia che-
gado, reunin'd o-se então toda a farru1ia imperial. O paço regurgita-
va de cortesãos. q Imperador pairava nas nuvens, folheand_o uma
revista científica. As quatro horas da tarde, Ouro Preto vem fa-
lar-lhe, contando a destituição do gabinete, fazendo-lhe uma ex-
posição do ocorrido pela manhã. O Imperador não aceita, entre-
tanto, a demissão, não obstante sua insistência, designando Silveira
Martins, que estava viajando para o Rio, resolvendo, nessa emer-
gência, convidar José Antônio Saraiva para organizar novo gabi-
nete. Recebe também intimação de Deodoro para deixar o país no
prazo máximo de 24 horas, respondendo ceder ao império das cir_-
cunstâncias, devendo partir para_ a Europa com toda a família. A
87
noite, o coronel Mallet vai ao Paço a fim de apressar o embarque
da família imperial para antes do amanhecer. O ambiente é de ver-
dadeira desolação. Abatido, Pedro II veste sua casaca, coloca na
cabeça seu chapéu alto, ensaiando um leve protesto contra o em-
barque na calada da noite, declarando não ser negro fugido. Mas,
diante dos fatos consumados, a fanu1ia imperial segue pelos corre-
dores do velho casarão, desce as escadas, atingindo finalmente a
porta, por onde sai a fim de tomar o navio de embarque para o exí-
lio. Eram três horas da madrugada, registra Raul Pompéia, repub1i-
cano convicto, na "Gazeta de Notícias", numa reportagem antoló-
gica. com o título de "Uma Noite Histórica".
Terminava a Monarquia no Brasil.
A nossa História virava uma página e abria o capítulo da Repú-
blica1.
DO SONHO À REALIDADE
2. MENDES JÚNIOR, Antônio et alii. República Velha. São Paulo, Ed. Bra-
siliense, 2. ed. s. d.
3. LEÃO, José. Op. cit., pp. 89 e 237.
90
sembléia Legislativa, onde foi esbulhado, narrando o fato em três
artigos da mesma Gazeta de Notícias, em 24, 25 e 27 de novembro
seguintes. No mesmo jornal publica uma série de dez artigos sobre
os mais variados temas, de 7 de outubro a 12 de novembro. Em um
deles, "A Revolução" qualifica o evolucionismo pacífico de para-
lisia, retrogradação, falso sonho de utopista; em outro, afirma que
o povo está à espera da revolução para a República; em outro, ain-
da fala que se tomou saliente no partido paulista a feição conser-
vadora, elogiando as atividades dos jovens republicanos sul-rio-
grandenses, seus antigos condiscípulos de São Paulo, como Assis
Brasil e Júlio de Castilhos, com seu jornal A Federação. Isto, em
12 de novembro, três dias antes da instalação da nova ordem cons-
titucional no Brasil.
Com o Governo Provisório, começam as adesões dos "fundi-
bulários" de todas as classes, sem virtudes cívicas, marcando desse
modo os primeiros meses da República pelas dilapidações do Esta-
do, resultando daí a candidatura do marechal Deodoro da Fonseca,
assinala José Leão, impressionado pela coluna de adesistas divul-
gada pelo Diário Oficial. Se em São Paulo os fazendeiros se apo-
deraram dos núcleos mais importantes do Partido Republicano, no
Rio de Janeiro e em outras Províncias os representantes das cama-
das urbanas constituem-se em canais de pregação das novas idéias,
fortalecendo o republicanismo em geral4 , como a tentativa ·de in-
dustrialização preconizada por Rui Barbosa e a primeira experiên-
cia brasileira democrática com o término do arbitrário Poder Mo-
derador do Império5 •
Silva Jardim não se incluía, naturalmente, entre os áulicos do
novo sistema estabelecido, por pertencer aos chamados históricos,
pelos serviços prestados anteriormente, sendo ainda a figura mais
popular pelo seu visual fisionômico gravado entre os milhares de
ouvintes das suas conferências. Conquanto não indicado para mi-
nistro, como esperava, foi nomeado para presidir uma Comissão
encarregada de elaborar o Estatuto Eleitoral pelo qual se deveriam
eleger os representantes da Nação para a Assembléia Constituinte,
a instalar-se a 15 de novembro de 1890. Não obstante tratar-se de
'
11. SILVA JARDIM, Antônio da. Propaganda Republicana. Rio de Janeiro,
Ed. Aurora, 1947. p. 457 (íntegra).
12. Depoimento de Joaquim Carneiro de Mendonça, seu companheiro nessa
excursão. Apud BARBOSA LIMA SOBRINHO, Alexandre José. Op. cit.
p .• ~8.
13. LEAO, José. Op. cit., p. 286.
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caminha sempre, até que uma garganta, subitamente aberta, vomi-
tando fogo, engole-o. Ainda neste momento supremo o herói não
se trai por um grito; limita-se a levar as mãos à cabeça, como única
testemunha de sua agonia silenciosa. Bela sepultura, o vulcão; es-
tranho destino o do grande brasileiro: até para morrer conver-
teu-se em lava." Magnífica imagem, o da lava incandescente que o
consumiu, com o ardente patriotismo que o animou em sua breve
existência!
Maurício Vinhas de Queirós aponta o "erro" de Silva Jardim (e
assim, a causa do seu insucesso) numa espécie de oportunismo ante
os proprietários rurais, irritados com a Abolição, mais visíveis no
Estado do Rio de Janeiro. No entanto, Silva Jardim não pensava
em mudança estrutural do regime, porém, somente em sua trans-
fonna.ção política. Criticou mesmo a Abolição pela sua falta de
complementariedade, aliás, com razão, como a da distribuição de
terras aos libertos, entrega de moradias e meios para sua instrução.
Por conseguinte, seus "erros" devem ser procurados em outros as-
pectos de sua atuação. Antes de tudo em sua concepção ortodoxa
positivista da República almejada, afastando-o de Quintino e ou-
tros republicanos liberais. Seus princípios "revolucionários" di-
versos dos "evolucionistas" que o afastaram dos conciliábulos da
conspiração republicana. Além disso, seu imenso prestígio pela
difusão da idéia republicana entre a grande massa popular urbana,
tirando-a das elites militares e acadêmicas, formou-lhe um orgulho
pessoal característico, dando-lhe certo autoritarismo em sua ação
partidária, antipático aos adesistas de última hora. Estes, a nosso
ver, constituíram os tropeços decisivos que teve de enfrentar, co-
locando-o abruptamente na dicotomia perversa entre o "sonho e a
realidade", antípodas difíceis de serem conciliados. Quando aca-
lentamos uma idéia a que decidimos dedicar toda nossa vida e es-
forços, não levamos em conta seu impacto com a realidade, cheia
de ambições humanas estreitas e interesses mesquinhos, julgando-a
. sacrossanta para nós e igualmente para todos os demais. Assim,
para Silva Jardim a idéia da República constituía sonho de liberta-
ção geral, onde desapareceriam a miséria, a opressão e exploração
do fraco pelos poderosos, em verdadeira fraternidade universal.
Essa defasagem entre o ideal e o real faltou a Silva Jardim, não lhe
permitindo a flexibilidade para seu bom desempenho dentro dos
meandros político-partidário dos primeiros tempos da República.
Mas, essa conduta ereta, que constituiu sua insuficiência políti-
ca, conduzindo-o à grande derrota no primeiro grande embate
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eleitoral, se transformou, dialeticamente, por o~tro lado, em sua
glória, pela pureza das suas intenções e dos seus atos, dada na in-
teireza moral um tanto altiva, rara nos homens, até hoje.
O bom político, na acepção vulgar do termo, para atingir os
objetivos não deve temer de, por vezes, se respingar de pequenas
máculas aparentes em sua ação, que desaparecem ou são compre-
endidas mais tarde, ao alvo ser alcançado. É o que faltou a Silva
Jardim, mas, transformando igualmente seus insucessos em galar-
dões. Será isso uma continiência humana ou determinação da pró-
pria dialética da História! E um campo filosófico-histórico no qual
não nos cabe envolver-nos aqui, apesar do seu fascínio.
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