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5.

Os números reais
5.1. Definição. Um conjunto K é chamado de corpo se existem duas
operações
(x, y) ∈ K × K → x + y ∈ K
e
(x, y) ∈ K × K → xy ∈ K,
chamadas de adição e multiplicação, respectivamente, que verificam as seguintes
propriedades:
(a) (x + y) + z = x + (y + z) e (xy)z = x(yz) para todo x, y, z ∈ K (associa-
tividade)
(b) x + y = y + x e xy = yx para todo x, y ∈ K (comutatividade)
(c) Existem elementos distintos 0 e 1 em K tais que x + 0 = x e x1 = x para
todo x ∈ K.
(d) Para cada x em K existe um elemento −x em K tal que x + (−x) = 0.
Para cada x 6= 0 em K existe um elemento x−1 em K tal que xx−1 = 1.
(e) z(x + y) = zx + zy para todo x, y, z ∈ K (distributividade).
Dados x, y ∈ K a diferênça x − y é definida por x − y = x + (−y). Se y 6= 0,
o quociente x/y é definido por x/y = xy −1 .
5.2. Definição. Um corpo K é chamado de corpo ordenado se existir em K
uma relação de ordem total ≤ tal que, se x ≤ y, então x + z ≤ y + z para todo
z ∈ K e xz ≤ yz para todo z ≥ 0. Ou seja:
(f) x ≤ x para todo x ∈ K (reflexividade);
(g) se x ≤ y e y ≤ x, então x = y (antisimetria);
(h) se x ≤ y e y ≤ z, então x ≤ z (transitividade);
(i) dados x, y ∈ K, x ≤ y ou y ≤ x (dicotomia);
(j) se x ≤ y, então x + z ≤ y + z para todo z ∈ K;
(k) se x ≤ y, então xz ≤ yz para todo z ≥ 0.
Escreveremos x < y se x ≤ y e x 6= y.
5.3. Definição. Seja K um corpo ordenado, e seja A ⊂ K.
(a) Diremos que A é limitado superiormente se existir b ∈ K tal que x ≤ b
para todo x ∈ A. Neste caso diremos que b é uma cota superior de A. Se o
conjunto das cotas superiores de A possuir um elemento mı́nimo, esse elemento
mı́nimo é chamado de supremo de A.
(b) Diremos que A é limitado inferiormente se existir a ∈ K tal que a ≤ x
para todo x ∈ A. Neste caso diremos que a é uma cota inferior de A. Se o
conjunto das cotas inferiores de A possuir um elemento máximo, esse elemento
máximo é chamado de ı́nfimo de A.
(c) Diremos que A é limitado se A é limitado superiormente e limitado
inferiormente.
5.4. Definição. O corpo dos números reais é um corpo ordenado R com a
propriedade que, dado qualquer subconjunto não vazio A de R que é limitado
superiormente, existe o supremo de A.

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5.5. Definição. Escrevamos

n = 1 + 1 + ... + 1 (n vezes) para cada n ∈ N.

Como n < n + 1 para cada n ∈ N, podemos identificar N com um subconjunto


de R. Os números inteiros e os números racionais são definidos por

Z = {n : n ∈ N} ∪ {0} ∪ {−n : n ∈ N},

Q = {m/n : m, n ∈ Z, n 6= 0}.
Assim temos que N ⊂ Z ⊂ Q ⊂ R. A seguir veremos que Q 6= R. Usaremos
o fato que um número n ∈ N é par se e só se n2 é par, cuja demonstração
deixamos como exercı́cio.
5.6. Proposição. Não existe x ∈ Q tal que x2 = 2.
Demonstração. Suponhamos que exista x ∈ Q tal que x2 = 2. Escrevamos
x = m/n, com m, n ∈ N, m, n primos entre si, ou seja m e n não tem fatores
comuns. Como  m 2 m2
2 = x2 = = 2,
n n
segue que m2 = 2n2 . Logo m2 é par, e portanto m é par. Escrevamos m = 2p.
Então
4p2 = m2 = 2n2 ,
e portanto n2 = 2p2 . Logo n2 é par, e portanto n é par. Como m e n são pares,
não seriam primos entre si, contradição.
5.7. Teorema (propriedade arquimediana). Dados x > 0 e y > 0,
existe n ∈ N tal que nx > y.
Demonstração. Suponhamos que não exista tal n. Então teriamos que
nx ≤ y para cada n ∈ N, e portanto o conjunto

A = {nx : n ∈ N}

seria limitado superiormente. Seja s o supremo de A. Como s é a menor cota


superior de A, segue que s − x não é cota superior de A. Logo existe n ∈ N tal
que nx > s − x. Segue que

(n + 1)x = nx + x > s,

absurdo, pois s é cota superior de A.


5.8. Teorema. Sejam a, b ∈ R, com a < b. Então:
(a) Existe c ∈ Q tal que a < c < b.
(b) Existe d ∈ R \ Q tal que a < d < b.

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Demonstração. (a) Primeiro suponhamos que 0 ≤ a < b. Pela propriedade
arquimediana existe n ∈ N tal que
1 1
n> , ou seja < b − a.
b−a n
Seja k o menor número natural tal que a < k/n. Como

k−1 k
≤ a, segue que a < < b.
n n
Basta tomar c = k/n.
O caso em que a < b ≤ 0 se reduz facilmente ao caso anterior. Finalmente,
se a < 0 < b, basta tomar c = 0.
(b) Primeiro suponhamos que 0 ≤ a < b. Pela propriedade arquimediana
existe n ∈ N tal que
√ √
2 2
n> , ou seja < b − a.
b−a n

Seja k o menor número natural tal que a < k 2/n. Como
√ √
2 2
(k − 1) ≤ a, segue que a < k < b.
n n

Basta tomar d = k 2/n.
O caso em que a < b ≤ 0 se reduz facilmente ao caso anterior. Finalmente,
se a < 0 < b, pelo primeiro caso existe d irracional tal que 0 < d < b.
5.9. Definição. Sejam a, b ∈ R, com a < b. Consideremos os seguintes
subconjuntos de R, que chamaremos de intervalos:

[a, b] = {x ∈ R : a ≤ x ≤ b}, (a, b) = {x ∈ R : a < x < b},

[a, b) = {x ∈ R : a ≤ x < b}, (a, b] = {x ∈ R : a < x ≤ b},


[a, ∞) = {x ∈ R : a ≤ x}, (a, ∞) = {x ∈ R : a < x},
(−∞, b] = {x ∈ R : x ≤ b}, (−∞, b) = {x ∈ R : x < b}.
Diremos que [a, b] é o intervalo fechado com extremos a, b. Diremos que (a, b) é
o intervalo aberto com extremos a, b.
Notemos que os intervalos [a, b], (a, b), [a, b) e (a, b] são limitados, enquanto
que os intervalos [a, ∞), (a, ∞), (−∞, b] e (−∞, b) não são limitados.
5.10. Teorema dos intervalos encaixados. Seja ([an , bn ])∞ n=1 uma
sequência decrescente de intervalos fechados e limitados, ou seja

[a1 , b1 ] ⊃ [a2 , b2 ] ⊃ [a3 , b3 ] ⊃ ...

Então existe pelo menos um c ∈ R que pertence a cada intervalo [an , bn ].

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Demonstração. Como a sequência de intervalos é decrescente, segue que

a1 ≤ a2 ≤ ... ≤ an ≤ ... ≤ bn ≤ ... ≤ b2 ≤ b1 .

O conjunto
A = {an : n ∈ N}
é limitado superiormente. De fato cada bn é uma cota superior de A. Seja c o
supremo de A. Então é claro que

an ≤ c ≤ bn para cada n ∈ N,

ou seja c ∈ [an , bn ] para cada n ∈ N.


5.11. Teorema. R não é enumerável.
Demonstração. Se R fosse enumerável, então pelo Exercı́cio 4.A existiria
uma função sobrejetiva f : N → R. Vamos construir por indução uma sequência
de intervalos In = [an , bn ] tais que:
(a) I1 ⊃ I2 ⊃ I3 ⊃ ...
(b) f (n) ∈ / In para cada n ∈ N.
É fácil achar I1 = [a1 , b1 ] tal que f (1) ∈
/ I1 . Suponhamos que já construı́mos
I1 ⊃ I2 ⊃ ... ⊃ In tais que f (j) ∈ / Ij para j = 1, 2, ..., n. Se f (n + 1) ∈
/ In ,
então basta tomar In+1 = In . Se f (n + 1) ∈ In , então é fácil achar um intervalo
In+1 = [an+1 , bn+1 ] ⊂ In = [an , bn ] tal que f (n + 1) ∈ / In+1 . Isto prova a
existência de intervalos In = [an , bn ] que verificam (a) e (b).
Pelo Teorema 5.10 existe c ∈ R tal que c ∈ In para cada n ∈ N. Segue de (b)
que c 6= f (n) para cada n ∈ N. Logo f : N → R não é sobrejetiva, contradição.
5.12. Definição. O módulo ou valor absoluto |x| de um número real x é
definido por |x| = x se x ≥ 0 e |x| = −x se x < 0.
Notemos que para cada x ∈ R tem-se que:
(a) x ≤ |x| e −x ≤ |x|.
(b) |x|2 = x2 .
5.13. Proposição. Para todo x, y ∈ R tem-se que:
(a) |x + y| ≤ |x| + |y| (desigualdade triangular).
(b) |xy| = |x||y|.
Demonstração. (a) Se x + y ≥ 0, então

|x + y| = x + y ≤ |x| + |y|.

Se x + y < 0, então

|x + y| = −(x + y) = −x − y ≤ |x| + |y|.

(b) Notemos que

(|xy|)2 = (xy)2 = x2 y 2 = |x|2 |y|2 = (|x||y|)2 .

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Como |xy| ≥ 0 e |x||y| ≥ 0, concluimos que |xy| = |x||y|.
5.14. Proposição. Dados a, x, δ ∈ R, com δ > 0, tem-se que

|x − a| < δ se e só se a − δ < x < a + δ.

Demonstração. Temos que

|x − a| < δ ⇔ |x − a|2 < δ 2 ⇔ (x − a)2 < δ 2

⇔ (x − a)2 − δ 2 < 0 ⇔ (x − a − δ)(x − a + δ) < 0


⇔ a − δ < x < a + δ.
Exercı́cios
5.A. Seja K um corpo. Prove que:
(a) Se x + z = y + z, então x = y.
(b) Se x + y = x, então y = 0.
(c) Se x + y = 0, então y = −x.
(d) −(−x) = x para todo x ∈ K.
5.B. Seja K um corpo. Prove que:
(a) Se xz = yz, com z 6= 0, então x = y.
(b) Se xy = x, com x 6= 0, então y = 1.
(c) Se xy = 1, com x 6= 0, então y = x−1 .
(d) x0 = 0 para todo x ∈ K.
(e) Se xy = 0, então x = 0 ou y = 0.
(f) Se x 6= 0, então x−1 6= 0.
(g) (x−1 )−1 = x para todo x 6= 0.
(h) x(−y) = (−x)y = −(xy) para todo x, y ∈ K.
(i) (x + y)(x − y) = x2 − y 2 para todo x, y ∈ K.
(j) Se y 2 = x2 , então y = x ou y = −x.
5.C. Seja K um corpo ordenado. Prove que:
(a) x ≥ y se e só se x − y ≥ 0.
(b) x ≥ 0 se e só se −x ≤ 0.
(c) Se x ≥ 0 e y ≥ 0, então x + y ≥ 0.
(d) Se x ≥ 0 e y ≥ 0, então xy ≥ 0.
(e) Se x ≥ 0 e y ≤ 0, então xy ≤ 0.
(f) Se x ≤ 0 e y ≤ 0, então xy ≥ 0.
5.D. Prove que, dado qualquer subconjunto não vazio B de R que é limitado
inferiormente, existe o ı́nfimo de B.
5.E. Seja
A = {x ∈ R : x > 0, x2 < 2}.
(a) Prove que A é limitado superiormente.

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(b) Se s = sup A, prove que

2 −  < s2 < 2 +  para cada  > 0.



(c) Prove que s2 = 2, ou seja s = 2.
5.F. Seja a ∈ R, a > 0, seja n ∈ N, n ≥ 2, e seja

A = {x ∈ R : x > 0, xn < a}.

(a) Prove que A é limitado superiormente.


(b) Se s = sup A, prove que

a −  < sn < a +  para cada  > 0.



(c) Prove que sn = a, ou seja s = n a.
5.G. Prove que, se a < b, então os intervalos (a, b) e [a, b] não são enu-
meráveis.
5.H. Prove que para todo x, y ∈ R tem-se que

|x − y| ≥ ||x| − |y||.

5.I. Resolva as seguintes inequações, e expresse o conjunto das soluções em


notação de intervalos:
(a) |x − 3| < 2x + 1.
(b) |x + 4| ≥ x − 1.
(b) |x + 1| < |2x − 6|.

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