I - Introdução: Portuguesa, Um Estudo de Caso No Concelho de Barcelos - Essa Responsabilidade É Acrescida Atendendo
I - Introdução: Portuguesa, Um Estudo de Caso No Concelho de Barcelos - Essa Responsabilidade É Acrescida Atendendo
I - Introdução: Portuguesa, Um Estudo de Caso No Concelho de Barcelos - Essa Responsabilidade É Acrescida Atendendo
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
I – Introdução
O nosso interesse pelo fenómeno da “imigração” no concelho de Barcelos não se deve apenas
por se tratar de um tema da actualidade, que envolve um conjunto de questões complexas de grande
interesse para os cidadãos em geral e as instituições em particular, mas também por apresentar uma
realidade de vida não desconhecida para a generalidade dos residentes no concelho. De facto, poucas
devem ser as famílias barcelenses que nunca tiveram nenhum membro de sua família a trabalhar noutro
país, e portanto, que não conheçam alguma das facetas da emigração.
No entanto, actualmente, para os barcelenses que já foram emigrantes e que regressaram à sua
terra, os papeis invertem-se: eles já não apontados como emigrantes, mas sim como cidadãos nacionais
que convivem diariamente com imigrantes.
Perante uma das novas faces da sociedade portuguesa em geral, e barcelense, em particular,
questionamo-nos sobre o modo como ocorreu e se tem desenvolvido o fenómeno imigratório em
Portugal e quais os factores e mecanismos que permitem compreender e explicar a emergência da
imigração em particular, no concelho de Barcelos, quer de imigrantes dos Palop, quer da Europa de
Leste.
Assim sendo, seguindo o fio de pensamento acima exposto, a presente dissertação deseja não só
esclarecer as realidades do fenómeno da imigração em Portugal, como também, tendo como base de
Mestrado em Estudos Europeus 2
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
No contexto das migrações, ao longo dos tempos habituamo-nos a encarar Portugal apenas
como um país de emigração, sendo esta sua característica reconhecida a nível mundial. De facto, é do
conhecimento geral que há já longos séculos os portugueses saem do seu país com destino aos mais
diversos lugares, movidos por factores de várias ordens, levando consigo diversas componentes do
nosso património cultural, linguístico, artístico e histórico, de tal forma que hoje em dia sentimo-nos,
enquanto portugueses, representados nos quatro cantos do mundo.
No entanto, o ultimo quartel do séc. XX testemunhou a intensificação galopante de um
fenómeno que uns séculos atrás nada faria prever. O movimento quase despercebido aos olhos do
cidadão comum que inicialmente se manifestou com a vinda dispersa de alguns estrangeiros cedeu
lugar, a partir do anos setenta, à instalação de comunidades de imigrantes, de dimensão significativa,
dispersas um pouco por todo o país, embora mais concentradas nos grandes centros.
Este acréscimo da imigração em Portugal é frequentemente associado ao processo de
descolonização das ex-colónias de África e às alterações políticas ocorridas em Portugal em 1974,
responsáveis pela restauração da democracia. De facto, desde então tem sido visível o significativo
movimento de correntes migratórias, resultado, por um lado, do repatriamento de portugueses
residentes nos antigos territórios coloniais de África, e por outro lado, da vinda de naturais dos Palop,
que perante o clima de instabilidade económica e de insegurança gerada pela existência de conflitos
armados, decidem emigrar para Portugal, país ao qual se sentem unidos por laços linguístico, culturais
e históricos.
Contudo, estas explicações, apesar de válidas, são demasiado escassas para justificar o
acréscimo do fenómeno imigratório em Portugal. Outros imigrantes, inseridos em correntes
imigratórias de outras proveniências, nomeadamente da América, da Europa e da Ásia têm contribuído
de forma relevante para a formação de uma sociedade portuguesa multi-étnica.
Mestrado em Estudos Europeus 3
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
O estudo da evolução dos fenómenos migratórios no contexto temporal e espacial que nos
propomos realizar, exige o recurso a instrumentos de investigação adequados para esse fim.
Reconhecendo a importância que a escolha destes instrumentos reveste no desenvolvimento deste
estudo, procuraremos, na primeira parte do nosso trabalho, ilustrar os diversos métodos e técnicas que
utilizaremos para a recolha de informação e subsequente análise, interpretação e crítica dos resultados
obtidos. Procuraremos, sempre que nos for possível inter relacioná-los de modo a completá-los e, dessa
forma, extrair o máximo de informações dos dados recolhidos.
Ainda no âmbito da primeira parte, procuraremos de uma forma abreviada abordar algumas
teorias das migrações internacionais, por considerarmos tratar-se de um ponto de partida crucial para
um sustentado desenvolvimento teórico. De facto, a temática das migrações tem despertado um
interesse crescente em diversos estudiosos. Se é verdade que durante muito tempo se pensou que os
movimentos migratórios não representavam mais do que fenómenos sociais isolados, a intensificação
das correntes migratórias no período pós II Guerra Mundial alertou os investigadores para a
importância da problemática das migrações internacionais, conferindo-lhe um campo de investigação
cada vez mais autónomo no campo das ciências sociais.
contexto específico em que estiverem inseridas, por forma a determinar as razões internas de natureza
histórica, económica, política e geográfica que justificam a formação das diferentes correntes
migratórias e a sua deslocação para o nosso país.
A terceira parte do presente trabalho será dedicada exclusivamente à questão central do nosso
tema: a imigração no Concelho de Barcelos com base em duas comunidades de imigrantes radicadas no
concelho: uma proveniente dos Palop e a outra, originária da Europa de Leste. A opção por estas duas
comunidades de imigrantes reflecte o nosso interesse em desenvolver diversos aspectos de dois
movimentos migratórios que tem aparentemente em comum o destino escolhido para emigrar, mas cuja
proveniências geográficas e traços culturais são distintos.
Num primeiro momento procuraremos identificar as suas proveniências, segundo o país de
origem , bem como as causas impulsionadoras da emigração, e ainda os seus perfis sócio-educativos.
Num segundo momento tentaremos ilustrar a fase subsequente à chegada ao concelho, dando
particular relevo ao tipo de dificuldades que tiveram de enfrentar (e possivelmente ainda enfrentam), às
condições de habitabilidade e à forma como se tem processado a inserção no mercado do trabalho,
procurando sempre que possível estabelecer comparações entre as duas comunidades em estudo.
Ainda no âmbito desta parte, constituirão pistas de reflexão o conteúdo das entrevistas
realizadas a determinados organismos do concelho de Barcelos, no sentido de averiguação do tipo de
apoio que actualmente está ao dispor dos imigrantes. Procuraremos igualmente analisar de que modo
tem ocorrido o seu processo de adaptação à sociedade e cultura receptora, seguindo orientações
distintas, tais como os diferentes modos de recepção da sociedade de acolhimento e dos organismos
públicos; focando, se for caso disso eventuais situações de discriminação.
Até ao presente momento a nossa abordagem temática incidiu essencialmente sobre os aspectos
de caracter social. Porém, o estudo dos fenómenos migratórios reveste um carácter não apenas social,
senão também jurídico. Todo o fenómeno migratório, com vertente externa, impõem um confronto
entre normas jurídicas de diversas proveniências, no sendo mais, dos países de origem e de
acolhimento, às quais podemos ainda acrescentar as imposições jurídicas decorrentes de organizações
internacionais. Esta diversidade de fontes jurídicas gera, para o imigrante, uma diferenciação de
tratamento, bastante complexa e de difícil entendimento para o cidadão. É nesse sentido que
constituirá matéria de estudo o tema das migrações na perspectiva jurídica, designadamente mediante
Mestrado em Estudos Europeus 5
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
uma recolha exaustiva da legislação vigente sobre aspectos do regime de entrada, permanência e saída
do território português de nacionais de Estados membros da União Europeia e de cidadãos provenientes
de Estados terceiros. Num contexto mais abrangente procuraremos ainda referenciar a acção das
organizações internacionais no quadro das migrações.
As exigências colocadas ao cidadão estrangeiro na transposição das fronteiras do território
português e a descrição dos casos que podem permitir a expulsão de um cidadão não nacional,
constituirão pressupostos de análise e de interpretação no decorrer do nosso estudo. Ainda nesta parte,
analisaremos o conteúdo das Convenções de Schengen e de Dublin respeitante às realidades
abrangidas e ao alcance jurídico das suas disposições.
PARTE I
1
In Tavares, 1998: 25.
Mestrado em Estudos Europeus 8
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
CAPÍTULO 1
2
Fernandes, ob. cit., p. 168.
Mestrado em Estudos Europeus 10
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
de optar por apenas um tipo de estudo não seria fácil na medida em que ambos se inter-cruzam e inter-
relacionam, ajudando o primeiro a compreender melhor o segundo. É precisamente atendendo a estas
duas áreas de estudo diferenciadas que sentimos a necessidade de recorrer a métodos e técnicas
diferentes. Assim sendo, enquanto que para a realização da resenha histórica do fenómeno imigratório
torna-se pertinente o recurso aos métodos tradicionais de análise histórica dos documentos
essencialmente escritos; para a concretização do estudo de duas comunidades de imigrantes no
concelho de Barcelos é necessário o recurso a métodos de investigação assente numa observação
directa dos fenómenos sócio-económicos de maior interesse.
A grande diversidade de estratégias de investigação que actualmente estão ao dispor do
investigador exige, da sua parte, um prévia selecção e definição das mais importantes para a realização
do estudo a fim. Neste sentido optamos por seguir as linhas de orientação de António José Fernandes,
definidas no seu livro sobre os “Métodos e regas para a elaboração de trabalhos académicos e
científicos”, por o considerarmos simultaneamente simplificado e completo. O esquema seguinte tem
essencialmente como base a orientação deste autor.
Fontes documentais
A) Observação documental
Análise dos documentos
Métodos e
técnicas de Extensiva – técnica do questionário
observação e B) Observação directa
análise Intensiva – entrevista
Experiência de vida
C) Técnica complementares
Métodos comparativos (gráficos/quadros)
3
Para um maior aprofundamento dos métodos e técnicas de observação e análise ver FERNANDES, António José,
ob. cit., p. 166-181.
Mestrado em Estudos Europeus 11
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Embora “não se deva descurar outras fontes documentais, tais como filmes, as fotografias, as
gravações de insígnias, os uniformes, os cartazes, etc.” (Fernandes: 1994, 167), recorreremos a
documentos essencialmente escritos. Procuramos ao longo deste estudo estabelecer ligações entre
diversas fontes documentais com domínios de interesse em comum, com a finalidade de inter-
relacioná-los e, assim, obter um aproveitamento mais frutuoso dos conhecimentos adquiridos. Trata-se,
no fundo, de documentos de autores de diferentes ramos do saber, nomeadamente das ciências sociais,
económicas e políticas. No sentido de nos facilitar a elaboração do nosso estudo e, já tendo um índice
pré-definido sujeito apenas a alguns ajustamentos temáticos, procuramos desde início realizar uma
pesquisa bibliográfica das obras científicas que, directa ou indirectamente, pudessem contribuir para
um aprofundamento dos nossos conhecimentos nesta área. No fundo, a análise de documentos que
apenas afloram o nosso tema acabou por dar-nos um contributo imprescindível na compreensão de
diversas variáveis.
Para o nosso trabalho foi ainda importante o recurso a diversas publicações, designadamente
jornais e revistas, que ao longo dos últimos meses tivemos o cuidado de reservar de acordo com o
interesse que lhe atribuímos. O manuseamento destas fontes documentais, contudo, exigiu-nos uma
atenção redobrada quanto ao seu grau de veracidade. Sabemos que são documentos que podem
manifestar correntes de opinião dissimuladas sob uma apresentação aparentemente imparcial dos
factos. Trata-se, portanto, de ao recorrer a estes documentos, analisar o seu conteúdo, mais
precisamente, o significado das palavras-chave do documento e descobrir-lhe o seu verdadeiro
significado.
Desta reflexão notamos que o tema a tratar exige recurso a uma estratégia metodológica
diversificada em consonância com a orientação da temática que demos a cada parte. Assim, grosso
modo, a II Parte deste trabalho, dedicada aos fenómenos de emigração e imigração num sentido lato,
exige o recurso a uma pesquisa histórica, tipicamente assente em fontes documentais; a III Parte,
respeitante ao estudo da imigração dos Palop e da Europa de Leste no concelho, convida-nos ao recurso
às técnicas de observação directa (tratadas no sub-capítulo subsequente), à leitura de documentação
periódica (jornais, revistas e à analise de estatísticas publicadas). Finalmente, a IV Parte do nosso
trabalho, dedicada ao enquadramento jurídico do fenómeno imigratório, torna pertinente o recurso a
obras de carácter jurídico e legislação em vigor.
Desta abordagem metodológica a partir de fontes documentais e por via de pesquisa de terreno,
resulta uma combinação de fontes de estudo que nos acompanharão até à elaboração das conclusões
finais do estudo em questão.
Mestrado em Estudos Europeus 13
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
4
Fernandes, 1994: 170-171.
Mestrado em Estudos Europeus 14
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Tendo como principal objectivo transmitir as opiniões das pessoas inquiridas para melhor
compreendermos as suas atitudes e posturas na sociedade na qual estão inseridos, o recurso a esta
técnica surge como imprescindível no estudo das comunidades de imigrantes. É, neste contexto, que a
escolha das perguntas é um dos passos mais importantes para o êxito final desta técnica de observação
directa. Apesar de termos conhecimento que não é muito conveniente o inquérito ser demasiadamente
extenso, sob pena das últimas perguntas não serem merecedoras de tanta atenção por parte do inquirido
devido ao cansaço do seu preenchimento, optamos por um questionário longo por considerarmos todas
as perguntas de carácter obrigatório para podermos realizar um estudo mais completo e pormenorizado.
Nesse sentido, o nosso questionário é composto por oitenta e quatro perguntas fechadas e abertas5.
Deste conjunto, vinte e sete referem-se a dados relativos à identificação pessoal dos inquiridos (sexo,
idade, estado civil, país de origem, nacionalidade, etc.); dezasseis perguntas dizem respeito à situação
profissional (meios de subsistência, profissão exercida, regime contratual, tipo de descontos, etc.); dez
enquadram-se nas questões das condições de habitação (tipo de alojamento, valor da renda, etc.) e,
finalmente, as restante trinta e uma perguntas dizem respeito à integração social (adaptação ao país,
dificuldades encontradas, ocupação dos tempos livres, etc.).
O nosso questionário destina-se a trinta e cinco imigrantes provenientes dos Palop e a trinta e
cinco imigrantes da Europa de Leste, num total de setenta inquiridos. Os contactos foram estabelecidos
nas suas próprias residências e nos seus locais de trabalho (tendo contado neste último caso com a
colaboração e compreensão imprescindível das respectivas entidades patronais). Foi através desses
conhecimentos que nos conseguimos manter permanentemente em contacto com eles no decorrer da
5
Entende-se por perguntas fechadas aquelas que exigem como resposta apenas um “sim” ou “não”; enquanto que
as perguntas abertas impõe ao inquirido uma manifestação de opinião perante determinado assunto, ou então, a escolha de
uma ou mais respostas num conjunto de respostas múltiplas.
Mestrado em Estudos Europeus 15
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
realização deste estudo, não tendo sido poucas as vezes que a eles recorremos para o esclarecimento de
inúmeras dúvidas que foram surgindo.
Depois de os questionários terem sido todos preenchidos iniciou-se a fase do apuramento dos
dados recolhidos. Todos eles foram submetidos a um tratamento apropriado, embora se tivesse tido o
cuidado de separar os questionários preenchidos pelos imigrantes dos Palop, dos restantes questionários
referentes aos imigrantes da Europa de Leste.
O apuramento dos dados foi realizado através do Programa de Tratamento de Dados (SPFS,
versão 11). A este respeito é importante enfatizar a importância que reveste o apuramento de dados,
bem como a sua posterior análise e apresentação, devendo obedecer a critérios muito rigorosos de
Mestrado em Estudos Europeus 16
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
modo a traduzirem o mais fielmente possível a realidade de vida dos imigrantes que a eles
responderam.
Numa fase inicial das entrevistas, procuramos respeitar a regra da entrevista estruturada. As
perguntas previamente elaboradas de antemão foram colocadas pausadamente pela ordem que nós lhe
tínhamos atribuído. No entanto, todas as entrevistas realizadas afastaram-se totalmente deste guião. As
primeiras duas ou três perguntas (no máximo) foram introduzidas como previamente estabelecido.
Contudo, esse esquema de entrevista foi logo abandonado. A grande receptividade manifestada pelos
interlocutores relativamente às perguntas colocadas, aliada ao nosso interesse por todas as informações
prestadas, transformou a nosso guião num pormenor desnecessário, uma vez que os entrevistados
falaram abertamente, sem reticências, sobre uma imensa variedade de questões, todas pertinentes,
mostrando-se grande interesse e motivação por tudo, directa ou indirectamente, relacionado com o
fenómeno migratório. Destes contactos resultaram conversas longas e amistosas, caracterizadas pela
ausência de formalidades, se bem que procuramos, enquanto entrevistadores, não interromper as suas
explanações sobretudo por reconhecermos a importância das informações fornecidas.
De todas, a entrevista realizada na Câmara Municipal de Barcelos foi aquela que, em termos de
resultados, se registou como a mais limitada. A relativa escassez de resultados pertinentes nada teve a
Mestrado em Estudos Europeus 18
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
ver com o grau de empenho manifestado pela representante da instituição, Doutora Isabel Figueiredo
(assistente social) que tudo fez para que os resultados da entrevista fossem frutuosos. No entanto, esses
resultados foram condicionados pelas limitações do nosso campo de acção. De facto, as nossas
perguntas, basicamente orientadas para as áreas de apoio camarário às comunidades de imigrantes
residentes no concelho, deixaram pura e simplesmente de fazer qualquer sentido quando fomos
informados que de momento nada estava a ser realizado com esse fim, exceptuando a aplicação do
regulamento de apoio à renda, em igualdade de circunstâncias aos imigrantes residentes no concelho e
aos nacionais. Portanto, por mais que quiséssemos, de ambas as partes, aprofundar os nossos
conhecimentos, tal não nos foi possível devido à escassez de bases ligadas ao fenómeno imigratório.
Tentamos ainda desviar os objectivos da nossa entrevista para as causas da inacção da Câmara perante
as reais dificuldades destas populações. Contudo, as únicas respostas que obtivemos resumiram-se ao
carácter muito recente da imigração no concelho, não se tendo ainda justificado uma acção mais activa
da Câmara nesta área.
Embora num cômputo geral as respostas às perguntas apresentadas aos entrevistados tenham
contribuído de forma diferente para o aprofundamento do estudo do fenómeno imigratório, podemos
desde já certificar que todas elas nos permitiram identificar um conjunto de aspectos específicos de
interesse inegável que permitirão, depois de analisadas e interpretadas, elaborar as nossas conclusões.
Mestrado em Estudos Europeus 19
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
O esquema dos métodos e técnicas de observação e análise, apresentado por A.J. Fernandes, que
tem sido o nosso suporte base na especificação das fontes utilizadas no presente estudo, não faz
referência à técnica a qual atribuímos a designação de “técnicas complementares”. Por opção própria
decidimos inscrever neste grupo, para o caso específico deste estudo, os métodos comparativos
(referenciados no esquema de A. J. Fernandes) e a técnica das experiências de vida, surgida
espontaneamente por força das circunstâncias assim o terem permitido. Numa leitura mais atenta de
outras obras científicas verificamos que numa delas era feita referência a uma teoria designada “história
de vida” que simboliza, em traços gerais, o mesmo que nós entendemos por “experiências de vida”.
Dito isto, numa primeira fase propomo-nos analisar brevemente os métodos comparativos, deixando
para uma segunda fase o tratamento da técnica das experiências de vida.
Os métodos comparativos
A.J. Fernandes afirma, e bem, que “um facto em si não quer dizer nada, o essencial está em
precisar a sua significação, o que só pode ser feito por comparação com outros factos” (1994: 178).
No entanto, se é verdade que os métodos comparativos são indispensáveis para conferir aos dados
adquiridos valor científico, não é menos certo que a utilização destes métodos exige o respeito por uma
série de requisitos, sob pena de chegarmos a resultados deturpados. Assim, acima de tudo, devemos ter
sempre o cuidado de comparar factos com uma estrutura idêntica. Dando um exemplo, no âmbito do
nosso trabalho, não é conveniente comparar a capacidade de adaptação à língua portuguesa das duas
comunidades de imigrantes em estudo (provenientes dos Palop e de leste). Será, logo à partida, uma
comparação desleal, porque enquanto os imigrantes dos Palop, mesmo utilizando uma língua
6
Fernandes, ob. cit., p. 170-171.
Mestrado em Estudos Europeus 20
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
característica do seu país de origem (como é o caso dos cabo-verdianos em relação ao crioulo), a sua
adaptação será muito mais facilitada pelo contacto mantido com a língua portuguesa, ainda no país de
origem. É apenas um exemplo de como não sendo bem aplicados, os métodos comparativos podem
perder valor cientifico.
Os métodos matemáticos, outra forma de métodos comparativos, assumem, no nosso estudo,
um papel relevante em fenómenos susceptíveis de serem comparados, como é o caso do tema da
demografia, abordada de forma difusa na II Parte do nosso trabalho; ou ainda na quantificação das
atitudes dos imigrantes inquiridos, cujo resultado são exprimidos em percentagens.
Experiências de vida
Definimos as experiências de vida como a recolha de informações resultante do estabelecimento
de um contacto personalizado e directo com os principais intervenientes do nosso estudo – os
imigrantes de Leste e dos Palop.
Da vivência durante um ano consecutivo com estas pessoas, sem a participação das quais o
nosso estudo não faria qualquer sentido, obtivemos depoimentos cuja pertinência e relevância nos
impossibilitaram de manter o seu conteúdo no anonimato. Não podemos dizer que esses relatos de vida
tenham sido previstos ou que tenham sido escolhidos os seus narradores. Muito pelo contrário. Foram
pura e simplesmente fruto de um relacionamento de amistosidade que esperamos sinceramente que
perdure muito para além da prevista conclusão deste trabalho.
Na terceira fase deste estudo teremos oportunidade de evidenciar uma série de factores
comprovativos da carência emotiva de alguns (causada por circunstâncias menos felizes da vida) e o
sentimento de instabilidade de outros (manifestado em comportamentos adoptados no seu dia-a-dia).
Não é por isso de admirar que, derrubadas as barreiras da desconfiança e da incerteza erguidas logo no
primeiro contacto, e edificada em seu lugar as bases para um relacionamento aberto e transparente, os
imigrantes tenham relatado episódios da sua vida ou simplesmente tenham tido “desabafos” sobre
inquietações, desilusões ou esperanças. O estudo exaustivo destes relatos, com a devida cautela que a
interpretação destas fontes de informação exige, revela-se de grande importância, sobretudo, na análise
do grau de satisfação dos imigrantes no seu percurso de vivência em Portugal e, em particular, em
Barcelos.
Mestrado em Estudos Europeus 21
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Nesse sentido ousamos dizer que as experiências de vida, narradas na primeira pessoa,
constituem uma técnica de pesquisa empírica das mais valiosas, embora reconheçamos que são
informações muito personalizadas que retratam especialmente a experiência pessoal da pessoa que as
transmite, devendo, por esse motivo, ser interpretada sempre tendo em atenção o contexto sócio-
económico em que o seu narrador está inserido.
A questão relativa à interpretação de fontes de informação que tem por base depoimentos, a
partida verídicos e, portanto, embuídos de um alto teor emocional sobretudo quando relatam episódios
de vida que expõe sentimentos como desilusão, desânimo, sofrimento, levanta algumas dificuldades.
Sabemos que a objectividade é uma das virtudes exigida na realização de qualquer estudo, não sendo,
portanto, o estudo dos fenómenos migratórios uma excepção. Todavia, a nosso ver, não podemos
comparar as ciências sociais com as ciências exactas, em que o respeito pelo princípio da objectividade
é garantido. Deve-se lutar por este princípio sem, no entanto, termos a ilusão de obter neutralidade. O
grau de profundidade exigido na análise de fenómenos de natureza essencialmente humana, torna
praticamente impossível a não interferência emotiva entre o investigador e o objecto de estudo. No
nosso caso em concreto, procuramos, dentro da medida do possível, não emitir juízos de valor, nem
sequer deixarmos transparecer o teor das nossas opiniões na interpretação dos resultados obtidos.
Contudo, não obstante esse esforço em mantermos um total afastamento emocional do fenómeno em
estudo, este objectivo não foi alcançado em toda a sua dimensão. De qualquer modo, as poucas
manifestações pessoais ocorridas no percurso da análise interpretativa do nosso estudo, foram
claramente evidenciadas como sendo da nossa exclusiva autoria, eliminando assim o risco de
distorcermos os resultados que adquirimos mediante o recurso aos métodos e técnicas de informação
atrás referidos.
Mestrado em Estudos Europeus 22
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
CAPÍTULO 2
7
In Trindade, 1995: 74-75.
Mestrado em Estudos Europeus 23
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Ao longo dos tempos, diversos autores têm se baseado na teoria económica para elaborar os
seus estudos e abordar as componentes do fenómeno migratório. E.G. Ravenstein (1852-1913),
estudioso de fenómenos migratórios, convida-nos abordarmos as teorias das migrações internacionais
com base na perspectiva dos modelos de atracção-repulsão , segundo os quais todos os indivíduos são
levados a tomar decisões pressionados quer por factores de repulsão, quer por factores de atracção.
Serão estes os principais responsáveis pela movimentação de pessoas do seu país de origem para outros
países. Por esta ordem de ideias, entendemos por repulsão a falta de trabalho, as más condições de vida,
os baixos salários, etc. Em contrapartida, os factores de atracção resumem-se mais ao bem-estar, às
melhorias das condições habitacionais e de vida em geral.
Apesar do contributo inegável deste teórico no estudo dos factores de repulsão e atracção, o seu
trabalho só seria reconhecido, bem mais tarde, pelo demógrafo americano Everett Lee (in Trindade,
1995: 73-75), considerado, por muitos críticos, como sendo um dos teóricos que mais contribuiu para o
aprofundamento do estudo dos causas de natureza económica enquanto principais responsáveis pelas
movimentações populacionais a nível internacional. Defensor dos princípios de Ravenstein, E. Lee
restruturou a sua tese, acrescentando ao modelo acima referido, factores de ordem pessoal e obstáculos
intervenientes.
Segundo este autor, deverão ser considerados factores pessoais todos aqueles que incentivam ou
retraem os movimentos migratórios, nomeadamente a sua capacidade de adaptação ou não a uma nova
sociedade, o seu nível profissional, o seu estado de saúde, etc. Diferentemente, os obstáculos
intervenientes referem-se, como o próprio nome o indica, aos entraves à saída do seu país, tais como, as
leis rigorosas da fiscalização fronteiriça e a falta de recursos financeiros para suportar o custo da
viagem.
Neste contexto, outras teorias foram desenvolvidas tendo como pano de fundo outras causas
para este fenómeno. Tal é o caso das teorias do capital humano, bem representada na obra de Chiswick
(1990). Este estudioso caracteriza os imigrantes como sendo indivíduos maioritariamente desposados
de recursos económicos e com um nível escolar bastante baixo. Sendo assim, a chegada do imigrante
ao país de acolhimento, bem como o processo de adaptação à nova sociedade, vão ser dificultados por
diversos entraves inerentes à sua condição sócio-económica. Dito por outras palavras, a falta de
conhecimento do idioma (se for caso disso), a insegurança perante o emprego e as suas fragilidades
económica e emocional vão dificultar-lhe a sua inserção no novo meio social. Logo, é natural que,
durante o período de adaptação (mais ou menos longo conforme as capacidades do indivíduo em
causa), o imigrante ocupe uma posição no mercado de trabalho inferior ao trabalhador nacional.
Todavia, a partir do momento em que o trabalhador imigrante consiga reabilitar-se vai adquirir
progressivamente mais aptidões, apoiado por cursos de formação financiados pelo Estado de
acolhimento. A aquisição destes conhecimentos vai permitir-lhe sair da sua posição inicial de
trabalhador desqualificado e ocupar cargos de prestígio equiparando-se, assim, ao trabalhador nacional.
só vão ter efeitos positivos se forem investidas na compra de equipamentos ou produtos de outra
natureza susceptíveis de contribuir para a dinamização da economia, caso contrário, isto é, se forem
aplicadas na compra de bens supérfluos, só contribuirão para o enfraquecimento da balança de
pagamentos. Por outro lado, os Estados de origem devem estar preparados para um possível aumento
da taxa de desemprego, na eventualidade do regresso de emigrantes ao seu país. Ao abordar a questão
das consequências da emigração/imigração, Bohning fortalece a sua teoria das desigualdades à escala
internacional. Isto é, o processo migratório serve para, a médio prazo, acentuar as diferenças existentes
entre os países desenvolvidos e menos desenvolvidos.
Mestrado em Estudos Europeus 26
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
8
In Portes, 199: 65.
Mestrado em Estudos Europeus 27
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Ao longo dos tempos, as bases do pensamento marxista foram sustentadas por diversos autores,
cujos estudos se enquadram na perspectiva histórica e materialista. Neste contexto, vamos tentar
esboçar o pensamento de alguns autores do nosso passado recente influenciados pelo pensamento de
Marx. Um deles Nikolinakos (1975), define os movimentos migratórios como o instrumento de
internacionalização do capital. Segundo este estudioso, o capitalismo foi o responsável pela
transferência de força de trabalho dos territórios coloniais para as metrópoles.
Neste contexto surgiram mais evidenciados como países de imigração, países que até então se
tinham mantido de certa foram no anonimato. Tal foi o caso de Portugal, juntamente com os países
ditos mediterrânicos, nomeadamente a Grécia e a Itália. As transformações económicas e demográficas,
decorrentes de um crescimento económico considerável e de uma contracção do nível populacional
Mestrado em Estudos Europeus 28
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
derivada essencialmente de uma baixa da taxa de natalidade e do surto emigratório comum a estes
países, criaram as condições favoráveis para aceitar a vinda de estrangeiros, enquanto força de trabalho.
Neste sentido, Nikolinakos encara os movimentos migratórios como um instrumento de equilíbrio entre
os países “importadores” e “exportadores” de mão-de-obra.
Castells (1975), até há pouco tempo, era considerado um seguidor da teoria Marxista ao ter
como base de estudo sobre os movimentos migratórios, os processos de acumulação de capital e o
desenvolvimento desigual entre as sociedades ditas capitalistas. O pensamento deste autor pode-se
resumir segundo três linhas de pensamento:
- As migrações reflectem uma profunda desigualdade entre os “centros” e as “periferias” do
sistema capitalista;
- Tendo em linha de conta que a dinâmica da importação de força de trabalho depende
directamente da procura de mão-de-obra, as desigualdades na acumulação de capital entre
os sectores económicos assume um caracter cíclico;
- A acumulação de capital e o crescimento económico desigual verificado no período pós
segunda Guerra Mundial dinamizaram o processo de migrações caracterizado
essencialmente pela procura crescente de mão-de-obra com baixo nível profissional,
originando a criação de reservas de mão-de-obra na zona periférica a favor dos grandes
centros. Nesse período (anos cinquenta/sessenta) esses trabalhadores ocuparam lugares
preenchidos anteriormente por trabalhadores nacionais que entretanto os abandonaram para
ir ocupar cargos profissionais de maior relevância em termos profissionais. Como forma de
preencher a falta de mão-de-obra desqualificada, as entidades patronais recorreram, por um
lado, aos trabalhadores rurais, a comprovar pelo êxodo rural verificado nessa altura, e por
outro lado, à mão-de-obra feminina que, até essa altura, se dedicava às tarefas domésticas.
No entanto, perante o decréscimo da população activa pelos factores já anteriormente
referenciados (emigração, fraca taxa de natalidade,...), os angariadores de mão-de-obra
necessitaram de recorrer a trabalhadores estrangeiros, maioritariamente de proveniência das
ex-colónias. Portugal é um excelente exemplo desta ocorrência. Basta analisarmos a
entradas de cidadãos provenientes dos palops nos inícios da segunda metade do século XX.
Mestrado em Estudos Europeus 29
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
É interessante notar que processo idêntico, embora num sentido inverso, aconteceu com os
emigrantes portugueses. Isto é, enquanto os cidadãos dos Palop, dirigiram-se para Portugal para
colmatar as necessidades de mão-de-obra, os portugueses saíram com rumo a outros países, dos quais a
França é um exemplo por excelência, para colmatar mesmo tipo de necessidades.
A dinâmica dos fluxos migratórios esteve activa até a década de setenta, altura em que se
assistiu a um certa retracção destes movimentos populacionais.
No entanto é a partir daí que os objectivos dos Estados “importadores” de mão-de-obra deram
sinais de ficarem comprometidos. Aquilo que inicialmente se pretendia ser uma imigração temporária
transformou-se numa imigração de caracter permanente, consequência do reagrupamento familiar. Ora,
este comportamento garantiu ao estrangeiro uma nova postura na sociedade de acolhimento, e garantiu-
lhe um estatuto social muito mais próximo do cidadão nacional. Ao deixar de ser encarado como uma
força manipuladora (característica do imigrante temporário), passou a poder competir em igualdade de
circunstância com os cidadãos nacionais, e passou a beneficiar das mesmas regalias sociais que estes
últimos.
Segundo o autor acima referido, esta nova postura dos imigrantes fomenta fenómenos de
instabilidade no seio da sociedade de acolhimento porque, para além de pôr em risco os postos de
trabalho dos cidadãos nacionais, gera um aumento dos custos sociais suportados até então pelo país de
origem.
Ainda no âmbito desta perspectiva é relevante fazer referência a Piore (1979), cujo tema de
estudo incide sobre o relacionamento existente entre os países desenvolvidos e os menos
desenvolvidos, no contexto dos movimentos migratórios dando assim um grande contributo no
aprofundamento das teorias do mercado de trabalho. Uma das suas principais preocupações consiste em
comprovar que a intensidade das migrações laborais para determinado ponto do globo variam
consoante o grau de motivação dos trabalhadores imigrantes, comparativamente aos trabalhadores dos
países de acolhimento. Um estudo mais pormenorizado sobre as actividades laborais desempenhadas
por estes dois grupos de trabalhadores, leva Piore a concluir que o país receptor de mão-de-obra
estrangeira evidencia dois segmentos de mercado de trabalho: o segmento primário, afecto
fundamentalmente à mão-de-obra nacional, destacando neste grupo os empregos mais bem
remunerados e com maior estatuto social; e o segmento segundário, preenchido pela maioria da
Mestrado em Estudos Europeus 30
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
9
São inúmeras as empresas têxteis sediadas até relativamente pouco tempo em Barcelos que fecharam as suas
instalações, transferindo o seu capital para países onde a força de trabalho é substancialmente mais barata. Outras empresas,
por sua vez, embora não se tenham transferido para a nova periferia foram obrigadas a encerrar as suas portas pela perda de
clientes de grande poderio económico que por si só garantiam a produção das ditas empresas. Mais uma vez a redução nos
custos da produção está na origem da procura dos serviços das empresas sediadas na periferia.
Mestrado em Estudos Europeus 32
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
10
Cf. In Carvalho, 1995: 91.
Mestrado em Estudos Europeus 33
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
hoje é considerado um dado adquirido, dentro de quinze anos pode não passar de uma utopia. Com isto
queremos dizer que o processo de inserção dos imigrantes nas sociedades de acolhimento,
principalmente no meio laboral tem, ao longo das décadas, sofrido alterações no sentido positivo
(embora mais lentamente do que seria de esperar).
Ainda no que diz respeito à importância das qualificações profissionais, a teoria neoclássica
contrapõe os ideais marxistas ao defender que a situação económica dos imigrantes, depende
essencialmente do seu nível escolar e da sua experiência profissional (temos o exemplo dos
estrangeiros provenientes do Brasil: a fluidez da língua portuguesa aliada à sua formação profissional
tem-lhes permitido uma inserção facilitada no mercado de trabalho e, consequentemente, um
rendimento equiparado aos nacionais com o mesmo nível de habilitações).
Contudo, se substituirmos os brasileiros, enquanto intervenientes no processo migratório, pelos
imigrantes de leste verificamos que os elementos do capital humano como o nível escolar e
profissional, acabam por não serem factores relevantes para o imigrante, a constatar pela posição que
actualmente ocupam no nosso país. As razões desta diferenciação de estatuto encontra resposta nos
modos de incorporação dos imigrantes, analisados por ª Portes (1999). Segundo este autor, o tipo de
recepção de trabalhadores estrangeiros na sociedade de acolhimento depende de três factores.
Em primeiro lugar, da política governamental praticada em relação a determinados grupos de
imigrantes, beneficiando uns em desfavor de outros. Na sequência dos acordos assinados entre Portugal
e o Brasil, os nacionais brasileiros acabam por ter uma assistência privilegiada na inserção no mercado
de trabalho (o que não acontece, por exemplo, com os imigrantes de leste).
Em segundo lugar, a melhor ou pior recepção das comunidades de imigrantes depende muito da
opinião pública formalizada em relação aos diferentes grupos. É notável que enquanto, no cômputo
geral, os brasileiros ou ainda os estrangeiros provenientes dos EUA são geralmente bem recebidos,
outros, pelo contrário, passam de certa forma despercebidos ou são alvo de uma recepção menos
acolhedora por parte da sociedade de acolhimento (como por exemplo os africanos).
Finalmente, em terceiro lugar, faz referência à comunidade étnica. Citando este autor “alguns
imigrantes pertencem a nacionalidades demasiado pequenas para constituírem comunidades distintas,
acabando assim por se dispersarem entre a população nativa. Outros juntam-se a comunidades
compostas sobretudo por trabalhadores manuais” (1999: 30).
Mestrado em Estudos Europeus 34
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Para terminar, gostaríamos apenas de fazer uma breve abordagem à tese defendida por B.
Chiswick. Ao defender que a plena integração do emigrante na nova sociedade depende da sua
capacidade de aquisição de conhecimentos que o ponham ao mesmo nível profissional do trabalhador
nacional, pensamos que Chiswick assume uma postura demasiada optimista perante o problema. Há
realmente estrangeiros que, sendo possuidores de um nível de qualificação superior, conseguem se
integrar facilmente na sociedade de acolhimento, não só profissionalmente, como também socialmente.
Tal é o que constatamos quando observamos os imigrantes dos EUA, ou, embora não devam ser
considerados estrangeiros, os cidadãos da União Europeia residentes em Portugal. Estes indivíduos,
possuidores de cargos administrativos ou exercendo profissões liberais, são alvos de um tratamento
privilegiado por parte do povo português, comparados com imigrantes de menor nível educacional.
No entanto, no nosso entender, esse estatuto social que os estrangeiros supra referidos gozam
em Portugal, não se deve tanto à sua formação mas à sua condição económica e social quando saíram
do seu território. De facto, aquilo que nos parece é que, diferentemente dos outros imigrantes, a decisão
de emigrar destes não se prende a uma questão de sobrevivência ou más condições de vida, e nem
sequer de desemprego. Pensamos que se trate mais de uma questão de ascensão social e de uma
tentativa de aumentar o seu rendimento ou o seu estatuto profissional. Dito isto, o imigrante com este
perfil chega a Portugal confiante de si, com uma auto estima muito evidenciada e com um projecto
profissional bem definido. O receio de os seus objectivos não serem atingidos não assume uma
dimensão tão catastrófica quanto teria se, do êxito do seu projecto dependesse a sua sobrevivência e a
da sua família.
Contrariamente, e citando dois exemplos, a maioria dos imigrantes provenientes do continente
africano e da Europa de Leste enfrenta, ao chegar a Portugal, uma realidade de vida muito mais dura.
De facto, no caso dos africanos, uma grande parte deles não possue qualificações profissionais, nem
sequer um nível escolar elevado. No entanto, não nos parece que a solução para os seus problemas
passe apenas pela aquisição de conhecimentos, mas talvez mais por uma mudança de mentalidade da
classe empregadora a quem compete agir em conformidade com o princípio da igualdade de
tratamento.
O caso dos imigrantes da Europa de Leste são uma prova bem viva de como a detenção de
qualificações profissionais não é sinónimo por si só de plena adaptação quando falamos num contexto
migratório. Como é do conhecimento geral, poucos são aqueles que exercem em Portugal uma
Mestrado em Estudos Europeus 35
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
profissão dentro dos parâmetros da sua vocação. A maioria, apesar de já dominarem com significativa
fluidez a nossa língua, ainda permanecem no escalão dos mais desqualificados em termos de emprego.
Para finalizar, notamos que estas duas comunidades de imigrantes que acabamos de referenciar
são movidas a emigrar pelos mesmos motivos: dificuldades económicas que se traduzem em más
condições de vida. Somos, por isso, levados a entender que a aquisição de mais conhecimentos, como
defende B. Chiswick, não é suficiente para garantir a total integração do emigrante no país de
acolhimento. Fundamentalmente, a mudança terá de se verificar a nível do comportamento e atitudes da
população autóctone. Os sentimentos de superioridade e os preconceitos deverão ser colocados de lado.
“Conhecimento e riqueza material” não são necessariamente sinónimos de boa conduta, nem podem ser
encarados como juízos de valor. Devemos acima de tudo tratar os imigrantes, independentemente do
seu estatuto sócio-económico, por aquilo que eles são enquanto seres humanos e não por aquilo que
eles representam económica ou profissionalmente.
Mestrado em Estudos Europeus 36
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
PARTE II
Temos presente que, de uma maneira geral, as migrações provêm de uma insatisfação profunda
perante uma condição de vida que, no entender da pessoa, se afasta nitidamente do nível considerado
satisfatório ao qual o indivíduo aspira. No entanto, se é verdade que a procura e obtenção de um melhor
nível de vida consta entre as principais causas das migrações, não é menos certo que os factores que
podem proporcionar essa melhoria variam de importância consoante a proveniência e o contexto sócio-
político no qual o indivíduo estava inserido no país de origem.
No caso particular de Portugal, a emigração tem sido um dos retratos do país espalhado pelo
resto do mundo , há já alguns séculos. Associada à epopeia dos descobrimentos, foi particularmente
com a descoberta do Brasil que a emigração se tornou na principal condicionante das saídas maciças de
população portuguesa registadas até aos nossos dias.
O contacto durante séculos com a realidade emigratória, enquanto interveniente directa, talvez
nos traga algum contributo para uma melhor definição e avaliação das correntes migratórias que têm
escolhido Portugal como destino para a concretização dos seus ideais de vida.
A história da imigração em Portugal é ainda relativamente recente. Talvez por essa razão ainda
não tenhamos uma colectânea de estudos alargada e aprofundada, que nos permita, actualmente,
esboçar um cenário susceptível de nos elucidar sobre diversos aspectos – culturais, históricos,
religiosos, sociais – que caracterizam os 223 602 estrangeiros que residiam em 2001 em situação
regularizada no país, além de um número indeterminado de imigrantes em situação irregular.
A escassez de conhecimentos desta nova faceta da história social do nosso país tem merecido,
contudo, a atenção de alguns estudiosos mais sensíveis a este fenómeno, a comprovar pela crescente
publicação de alguns estudos sobre diversas comunidades de imigrantes. Por sua vez, a sociedade em
geral não se tem mostrado indiferente a este fenómeno, prestando maior atenção a tudo aquilo que a
rodeia, embora nem sempre consiga interpretar adequadamente as situações que gradualmente vão
surgindo.
Mestrado em Estudos Europeus 38
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
CAPÍTULO 3
11
Duverger, 1994:167.
Mestrado em Estudos Europeus 40
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
portuguesa transoceânica12, embora, já desde o século XIX outros destinos tais como os EUA, a
Venezuela, e no século XX, o Canadá, se tornassem pólos atractivos de acentuado relevo.
Num contexto puramente do foro migratório, o séc. XVII representa um marco por testemunhar
um novo tipo de emigração até então inexistente, permitindo clarificar a distinção entre o colono,
“emigrante que emigra para as colónias por iniciativa do Estado, no quadro de um plano nacional”, e
o indivíduo que, “por motivos pessoais, independentemente dos planos estatais e, frequentemente,
mesmo contra eles, deixa a sua terra natal” (Ferreira, 1976: 32-33).
Embora o processo de colonização remonte aos inícios do século XV e o fenómeno emigratório
propriamente dito date do século XVII, C. Almeida e A. Barreto estabelecem entre estes dois
fenómenos um elo de ligação ao encararem a emigração como “a continuação lógica, heróica e
vibrante de uma outra epopeia, a dos Descobrimentos” (1976: 169). De facto, ambas relatam histórias
de dificuldades, sacrifícios e sofrimento, de um povo movido pela determinação de busca de novos
territórios e melhores condições de vida. As semelhanças de trajecto entre estes dois movimentos
cíclicos tornam impossível destrinçar colonizador e emigrantes. Ambos partiram do seu país de origem
rumo a terras estranhas, aventurando-se por caminhos desconhecidos com poucas certezas daquilo que
o futuro lhes reservava.
12
O Brasil atraiu durante mais de três séculos inúmeros portugueses, tendo sido “aqueles que forneceram o maior
contingente, estimando-se em cerca de um milhão o número dos nossos compatriotas idos para o Brasil desde a sua
independência até ao fim do séc. XIX” (Garcia, 2000: 17).
Mestrado em Estudos Europeus 41
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
pequenas porções de terreno, ou se dedicavam ao pequeno comércio” 13. Numa segunda fase, marcada
pela abolição da escravatura, o Brasil, enfrentando uma escassez de mão-de-obra, aceita a vinda de um
contingente crescente de estrangeiros, nomeadamente portugueses para trabalhar em lugares até então
ocupados basicamente por escravos. Essas novas camadas de emigrantes correspondiam às mais pobres
da população portuguesa ligadas, essencialmente, a actividades agrícolas, ou então, simplesmente sem
profissão, alterando-se, assim, a estrutura sócio-profissional da emigração das épocas anteriores.
Só a partir da primeira metade do século XX se assistiu a uma quebra acentuada da emigração,
resultado não só da instabilidade económica vivida a nível mundial como, dos efeitos das duas Guerras
Mundiais.
1866-71 8 584
1872-71 15 129
1876-80 11 565
1881-85 16 882
1886-90 20 990
1891-95 31 676
1896-1900 22 327
1901-05 25 668
1906-10 39 585
1911-15 54 255
1916-20 30 899
1921-25 31 431
1926-30 33 519
1931-35 7 492
1936-40 8 849
1941-45 3 840
1946-50 14 214
Se observarmos o quadro I, constatamos que desde 1915, em plena I Guerra Mundial, até 1945,
no início do período pós II Guerra Mundial, o número de emigrantes sofre um decréscimo contínuo e
13
Cf. O. Martins, in Ferreira, 1976: 34.
Mestrado em Estudos Europeus 42
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
acentuado, apenas interrompido no período entre as duas guerras mundiais (1926-1930) verificando-se,
nessa altura, um ligeiro aumento dos fluxos migratórios. Contudo, logo na primeira metade da década
de trinta assiste-se a uma súbita queda de emigração de uma média anual de 33 519 indivíduos, nos
anos entre 1926-30, para 7 492 indivíduos, no período de 1931-35. Esta quebra é atribuída
fundamentalmente à instabilidade económica mundial dos anos trinta e ao clima generalizado de
insegurança gerado pelo ambiente de guerra.
Portugal não fica imune à conjuntura mundial. De facto, os anos quarenta foram, para o país,
sinónimo de estagnação económica, evidenciando um ritmo de crescimento inferior ao dos restantes
países europeus, cavando-se assim, o fosso que o separa desses países.
Com o fim da guerra, a situação tendeu a alterar-se, embora muito lentamente. A conjuntura
económica pouco favorável, associada à abundância de mão-de-obra característica deste período, teve
efeitos inegáveis no valor dos salários. “Segundo os dados de 1950, o salário médio diário masculino,
na indústria, aproximava-se de 30$00 e o do conjunto de homens e mulheres era inferior a 25$00”
(Almeida e Barreto, 1976: 44). Os salários só voltariam a aumentar com o novo crescimento da
emigração e com a consequente rarefacção da mão-de-obra. À parte a saída de muitos portugueses,
sobretudo para a Europa14, a falta de força de trabalho foi agravada pela diminuição da população
feminina activa, registando-se em termos percentuais um decréscimo de 25, 9% (em 1950) para 18, 9%
(em 1960). E. Ferreira define essa quebra como um efeito imediato da transferência de trabalhadores
dos seus sectores de actividade para outros supostamente mais rentáveis, na medida em que, “deixando
normalmente as mulheres, na cidade, de viver junto da restante família, tinham de ocupar-se dos filhos
o que, noutras circunstâncias, poderia ser assegurado por qualquer membro da família” (1976: 145).
Por altura dos anos sessenta encetam-se grandes transformações no meio sócio-económico
português. Logo no ano de 1960, Portugal torna-se membro da Associação Europeia de Comércio Livre
(EFTA), beneficiando nos primeiros anos de algumas facilidades e benefícios, nomeadamente da
permanência de protecção alfandegária, multiplicando, assim, o volume das suas exportações. No
14
A partir da década de sessenta as migrações transoceânicas deixaram de ocorrer com tanta regularidade,
encetando-se a grande viragem de emigração rumo a países europeus, geograficamente muito mais próximos de Portugal,
tornando-se as viagens mais rápidas e menos dispendiosas.
Mestrado em Estudos Europeus 43
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
entanto, convém frisar que o tímido crescimento económico que daí advém não ocorre em todos os
distritos do país de forma equitativa. Antes pelo contrário, determinadas zonas geográficas,
nomeadamente os grandes centros urbanos de Lisboa e Porto, são beneficiados pela concentração de
grande parte dos sectores económicos dominantes, em detrimento de algumas zonas rurais a caminho
da desertificação. Se bem que não possamos responsabilizar apenas a emigração por esses
desequilíbrios populacionais é certo que a fuga de populações para o estrangeiro não afecta com a
mesma intensidade todas as regiões do país, embora os seus efeitos quer em termos demográficos, quer
em termos sócio-económicos, se façam sentir à escala nacional.
15
Para termos uma noção do grau de analfabetismo da população emigrante no período de 1962-1971, “dos 697
878 portugueses que saíram pelas nossas fronteiras, 97 575 eram analfabetos”. Estes números referem-se à emigração
legal. Todavia, a realidade é mais assustadora atendendo que, segundo os dados do Boletim Anual do Secretariado de
Emigração, mais de 418 821 indivíduos terão emigrado clandestinamente” (Dias, 1986: 18). Apesar de não termos dados
oficiais que nos permitam informar com exactidão a taxa de analfabetismo da emigração clandestina, é muito provável que
seja bastante elevada, atendendo que a maioria destes emigrantes eram provenientes de zonas rurais onde se registavam um
maior número de indivíduos iletrados.
Mestrado em Estudos Europeus 44
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
estrangeira. Contudo, nem todos os emigrantes apresentavam este perfil sócio-profissional. Como
salientam C. Almeida e A. Barreto, “a emigração concerne todos os sectores da actividade e não só,
(…) os agricultores marginais, assalariados rurais e pequenos proprietários. Segundo certas fontes
mais ou menos oficiais (…) o sector secundário – operários de indústria, construção, etc. – tende a ser
maioritário” (1976: 217).
De qualquer modo, independentemente das suas proveniências geográficas ou perfis
profissionais importa reter que no decorrer da década de sessenta, sobretudo a partir de 1963 assistiu-se
a uma ascensão notável da emigração nas suas mais diversas vertentes. Contudo, tendo em atenção a
pouca fiabilidade do número de emigrantes clandestinos16, vamos apenas referenciar a emigração
legalizada.
16
A análise quantitativa da corrente clandestina foi desde sempre bastante dificultada, quer pela ausência de registo
dessas saídas, quer pela discrepância dos elementos fornecidos pelas estatísticas oficiais portuguesas, quando confrontados
com as estatísticas estrangeiras. No cômputo geral, não podemos deixar de responsabilizar o Governo português pelo
incremento desta corrente: a exigência de documentos de difícil acesso, tais como exames médicos obrigatórios (realizáveis
muitas vezes a centenas de quilómetros da residência do interessado); vacinas e cartas de chamada; bem como as
dificuldades e a morosidade impostas à concessão de passaportes, leva-nos a concluir que a legislação não estava adaptada à
realidade, obrigando o indivíduo a tentar o “salto” sem documentos ou então com documentos falsificados. Os resultados
desse “per saltum” desesperado foram nessa altura frequentemente relatados. Como sublinha C. Almeida e A. Barreto
“basta ler atentamente os jornais quotidianos para tomar conhecimento dos dramas por vezes relatados em tom de
“aventura”: mortos ao atravessar as fronteiras; presos em Espanha e recambiados para Portugal; condenados à pena de
prisão”. Este foi pelo menos, o destino de muitos daqueles que se arriscaram a alcançar a terra dos sonhos “a pé, de táxi ou
de comboio; em camionetas de carga e até mesmo em camiões-frigoríficos” (1976: 188). Já lá vão quase quarenta anos
desde este período dramático da emigração portuguesa que C. Almeida e A. Barreto chamam de epopeia de desespero, e,
apesar da consciencialização por parte dos Estados dos erros de governação cometidos no encaminhamento das questões da
clandestinidade conseguimos hoje, na qualidade de países de imigração cometer os mesmos erros do passado ao permitir
que novos emigrantes de outras proveniências incorram nos mesmos perigos e permaneçam indefesos perante a actuação
ilegal de redes de angariadores e falsificadores de documentos preocupados exclusivamente na rentabilização do seu
negócio.
Mestrado em Estudos Europeus 45
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Quadro II: Emigração legal, por destinos, para o estrangeiro e para as colónias de 1938-1988
Ano Brasil EUA Canadá total França Alemanha resto total outros total
América Europa Europa destinos
___________________________________________________________________________________________________
1982 187 1 889 1 484 9 420 17 900 1 900 285 20 085 29 505
1983 197 2 437 823 6 242 6 300 1 500 166 7 966 14 208
1984 121 2 651 764 5 747 4 600 1 400 116 6 116 11 863
1985 136 2 783 791 5 842 4 000 1 600 109 5 709 11 551
1986 91 2 704 983 5 024 1 800 3 100 280 5 180 10 204
1987 28 2 643 3 398 7 757 400 3 100 258 3 758 11 515
1988 21 2 112 5 646 8 934 600 3 600 198 4 398 13 332
17
A situação poderia ter sido ainda mais desastrosa se em vez dos 400 mil portugueses regressassem os mais de
meio milhão que se encontravam nos antigos territórios coloniais. Para todos aqueles que não regressaram à pátria outros
destinos surgiram como alternativa, tais como o Brasil, a África do Sul e a Venezuela.
Mestrado em Estudos Europeus 47
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
É interessante constatar que neste ambiente de certa instabilidade, a inserção dos “retornados”
ocorre melhor do que aquilo que se poderia esperar. Vários factores estão na origem desta boa
adaptação. Sobressai, em primeiro lugar, o facto de estarmos a falar de pessoas que, na sua maioria
nasceram e viveram em Portugal, tendo mais tarde emigrado para as ex-colónias. Existia, portanto, um
elo de ligação muito forte entre elas e a sua pátria, facilitando extremamente a sua readaptação a um
meio muito familiar. Em segundo lugar, é importante que se note que, embora tenha havido uma
quebra das taxas de emigração, o movimento emigratório português não deixou de existir, havendo,
assim, com o regresso dos “retornados”, a possibilidade de restabelecer o decréscimo populacional,
fenómeno característico dos países de emigração. Finalmente, “l’arrivée d’une population jeune et
qualifiée a compensé en partie la main d’œuvre manquante dans les régions de départ et permis un
certain redressement des taux de masculinité” (Enders, 1994 : 148)18.
A partir dos anos oitenta, verifica-se uma retracção pronunciada do fluxo emigratório para a
Europa, como consequência das políticas de restrição à imigração levadas a cabo pelos países europeus,
ganhando maior importância outros destinos, tais como os EUA, o Médio Oriente, a Austrália, o
Canadá, a Venezuela e a África do Sul (Garcia, 2000: 41). Esta transformação das orientações
geográficas é válida sobretudo para os portugueses residentes no Continente, uma vez que,
relativamente aos emigrantes das Regiões Autónomas, os EUA e o Canadá sempre foram destinos de
grande atracção, e continuam a sê-lo, tendo estes países recebido no período de 1980 e 1988, 93.9% do
total dos emigrantes açorianos e madeirenses (Garcia, 2000: 41).
Contudo, convém salientar que esta leve “viragem” transoceânica não anulou as correntes
europeias, que se mantiveram, e ainda se mantém, com alguma intensidade. A verdade é que os
percursos emigratórios dos anos oitenta e seguintes não podem ser dissociados da conjuntura política
18
Neste enfiamento de considerações sobre a viragem sócio-política ocorrida na década de setenta, não podemos
deixar de referir que esses acontecimentos, associados às exigências de um recente processo de industrialização em
crescimento vieram introduzir mudanças importantes na lógica das migrações em Portugal, como podemos constatar pela
vinda, numa primeira fase, de imigrantes directamente dos países africanos, especialmente dos Palop, assim como de países
de outros continentes. Ao longo das últimas décadas as comunidades de imigrantes foram crescendo no país, destacando-se
pela sua importância numérica, as comunidades formadas por indivíduos provenientes de países outrora potenciais destinos
da mão-de-obra portuguesa, tais como o Brasil e alguns países africanos, bem como da Europa.
Mestrado em Estudos Europeus 48
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
internacional dessa altura. Antes de mais convém que tenhamos consciência que a crescente emigração
temporária,19 verificada nesse período, no entendimento de M. I. Baganha, foi a forma encontrada de
camuflar a emigração permanente restringida pelas políticas dos países receptores de mão-de-obra.
Com efeito, “um número cada vez mais significativo de emigrantes temporários permanece
ilegalmente nos países de acolhimento ou renova sistematicamente os seus contratos de trabalho, o
que parece indiciar que uma parte substancial da emigração temporária é potencialmente emigração
permanente que só toma a forma temporária devido às leis em vigor nos países receptores” (in Garcia,
2000: 42).
Ainda no tocante aos movimentos para o espaço europeu, a adesão de Portugal à Comunidade
Europeia, em 1986, trouxe dificuldades acrescidas ao estudo das estatísticas sobre a emigração para os
países membros da União, devido à abolição dos registos de entrada e saída de emigrantes.
Apesar do nítido abrandamento dos actuais fluxos emigratórios, quando comparados com os
movimentos registados durante a década de sessenta e a primeira metade da década de setenta, Portugal
encontra-se actualmente representado nos “quatro cantos” do mundo pelas comunidades portuguesas
que gradualmente foram integrando, nas sociedades de acolhimento, características da cultura
portuguesa.
No cômputo geral, esta fusão de culturas mais não é do que um fenómeno próprio de qualquer
país de imigração. Portugal, na qualidade de recente país receptor de imigrantes, tem tido a
oportunidade de ver a sua sociedade enriquecida pelas culturas dos imigrantes que acolhe, incluindo
num mesmo espaço diferentes modos de ser e de estar.
No entanto, não obstante este cenário aparentemente satisfatório, não podemos ficar
indiferentes às irregularidades e lacunas detectadas quando falamos em “imigrantes”. De facto, tal
como ocorreu no passado com os nossos emigrantes, o elevado número de indivíduos que se encontram
em Portugal em situação irregular, entregues à sua boa ou má sorte, constitui uma prova de que, afinal,
pouco aprendemos com os erros do passado. Quem deveremos responsabilizar pela ineficácia da nossa
política de imigração? É do conhecimento geral a existência de todo um conjunto de leis aplicáveis ao
direito de entrada, permanência e residência de estrangeiros em território nacional. No entanto, ou por
19
“De 1986 a 1988 saíram de Portugal 174 mil emigrantes, dos quais 35 mil permanentes e 139 mil temporários”
(Garcia, 2000: 42).
Mestrado em Estudos Europeus 49
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
escassez dos meios disponibilizados para o controlo das entradas de estrangeiros, ou pela demasiada
permeabilidade das leis de imigração, ou ainda por qualquer outro motivo, são inúmeros os problemas
à espera de soluções eficazes que permitam a Portugal oferecer aos seus novos residentes as condições
de vida que tantas vezes foram negadas pelos países de acolhimento a muitos dos nossos emigrantes.
Mestrado em Estudos Europeus 50
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
O arranque dos sectores industriais verificado em diversos países europeus logo a seguir à II
Guerra Mundial exigiu uma maior disponibilidade de mão-de-obra à qual os países em questão não
conseguiram encontrar resposta no interior das suas fronteiras. Para satisfazer essa necessidade o
recurso à mão-de-obra estrangeira proveniente, essencialmente, de países menos desenvolvidos, surgiu
como solução mais viável. Este fenómeno desencadeou todo um movimento migratório no qual
Portugal participou como emissor de mão-de-obra, tendo sido aos milhares os portugueses que nessa
altura saíram do seu país e se aventuraram por países até então desconhecidos para eles.
A política económica e social levada a cabo pelos governos salazaristas reflectia, perfeitamente,
os receios com que os governantes encaravam todo o processo de industrialização, travando, assim,
qualquer possibilidade de desenvolvimento virado para o exterior.
Só em meados dos anos sessenta com a entrada de Portugal para a EFTA, o país começa a
aceitar investimentos estrangeiros, inicialmente com maior projecção no sul do país, onde começa a ser
visível uma crescente presença de alemães e ingleses. E, portanto, quando Portugal entra numa maior
fase de desenvolvimento sente necessidade de recorrer à mão-de-obra estrangeira para ocupar lugares
vagos em determinados sectores de actividade mais afectados, quer pelo elevado número de militares
enviados para combater nas ex-colónias, quer pela dimensão quantitativa da emigração.
O ténue fluxo migratório que se iniciou nos anos sessenta, assume uma crescente importância
numérica logo a seguir ao processo de descolonização, período que coincidiu com o fim do regime
20
Tavares, 1998: 10.
Mestrado em Estudos Europeus 51
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
ditatorial e, portanto, com o início de uma nova fase socio-económica e política para o país. Como bem
sublinha R. Petrella, no período de revolução os portugueses tinham como grandes prioridades de
futuro os “3 D”: descolonizar, democratizar e desenvolver. Seguindo o raciocínio do mesmo autor “a
fase revolucionária não durou muito tempo. Por um lado, porque alguns objectivos foram atingidos de
maneira exemplar, como foi o caso da descolonização (o 1º D). Por outro lado, porque as bases
elementares necessárias e indispensáveis para os conseguir atingir foram estabelecidas, como é o caso
da democratização das instituições do país (o 2º D). Enfim, porque os ardores dos primeiros anos
tiveram que se esbater face aos constrangimentos e às dificuldades encontradas, de modo particular,
no prosseguimento do objectivo de desenvolvimento (3º D)” (1990: 16).
Todavia, a fase que se seguiu ao período revolucionário não foi destituída de dificuldades, bem
pelo contrário. O país encontrava-se economicamente depauperado e apresentava graves desigualdades
sociais, agravadas por uma taxa de desemprego galopante. A este quadro negativo devemos ainda
acrescentar a perda dos mercados das ex-colónias21 e o retorno de milhares de portugueses na
sequência do processo de descolonização que culminou a 5 de Agosto de 1974 com a publicação do
Acordo entre as Nações Unidas e Portugal, no qual foi reconhecido o direito à independência dos povos
das colónias.
A partir das observações anteriores somos levados a concluir que os factores políticos induzem
às migrações, dependendo da natureza das alterações operadas. No caso particular de Portugal, as
alterações radicais de regime político resultaram no regresso de portugueses que até então residiam em
territórios coloniais e que se sentiram mais seguros com a nova situação política pelos reflexos
positivos que geraram no sistema económico. Note-se contudo, que o retorno de milhares de
portugueses não veio suprir as necessidades de mão-de-obra sentidas por Portugal nessa altura, na
medida em que não se enquadravam no tipo de emprego oferecido com maior abundância. De facto, a
carência de mão-de-obra manifestava-se apenas em alguns sectores de actividade mais ingratos, como a
construção civil. Aliás, a este respeito E.S. Ferreira e H. Rato defendem que “a imigração e o emprego
21
É certo que o processo de descolonização significa o fim do ciclo de um Império. Mas, em contrapartida
representa também o fim do isolamento internacional de Portugal. De facto, novas relações de intercâmbio e cooperação são
estabelecidas com diversos países modificando por completo a posição de Portugal no mundo.
Mestrado em Estudos Europeus 52
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
dos trabalhadores estrangeiros na Europa foram (...) criando um estrutura dualista no mercado de
trabalho: a mão-de-obra nacional a ocupar os melhores empregos e a mão-de-obra estrangeira com
actividade laboral não necessariamente concorrencial com a mão-de-obra nacional” (2000: 7).
Sendo assim, para os estrangeiros profissionalmente menos qualificados, Portugal aparece como
um país potencialmente atractivo, da mesma forma como, de forma inversa ocorreu na década de
sessenta para os nossos emigrantes que se deslocaram para França. As diferenças salariais e a oferta de
emprego, acrescidas às melhorias dos meios de comunicação justificam o progressivo incremento dos
movimentos migratórios provenientes, já durante a década de setenta, dos territórios das ex-colónias e
mais recentemente do Leste da Europa, entre outros movimentos de menor dimensão numérica.
Face a estas pressões migratórias, que tendem a se manter, somos levados a nos indagar sobre as
condicionantes favoráveis na indução dos movimentos migratórios.
Num sentido generalizado, a imigração esta ligada a uma necessidade localizável no tempo e no
espaço, de obter mão-de-obra necessária para levar a cabo um projecto de desenvolvimento
proporcionado pela expansão económica. Todavia, para além de satisfazerem uma carência de mão-de-
obra temporária, a imigração pode funcionar como um factor de regulação em diversos domínios,
nomeadamente no demográfico.
A análise da estrutura da população por idades revela que a intensificação dos fluxos
emigratórios registada a partir dos anos cinquenta provocou a saída de um contingente de pessoas em
idade activa, basicamente constituída por mão-de-obra masculina, gerando um desequilibro de sexos
mais acentuado nos distritos de maior imigração. O quadro III ilustra bem aquilo que acabamos de
referir. De facto, nos anos de 1974 e 1981 todos os distritos do país, sem excepção, apresentavam uma
população feminina superior à masculina sobretudo nos distritos de grande tradição emigratória, tais
como Viana do castelo onde, em 1974, residiam 77 homens para 100 mulheres; e a Guarda, que no
mesmo ano, registava 87 homens contra 100 mulheres. Em 1981, verifica-se uma maior aproximação
das populações feminina e masculina, embora continue a predominar em todos os distritos do país o
sexo feminino.
Mestrado em Estudos Europeus 53
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Quadro III – Sex-Ratio da população portuguesa (nº de homens/100 mulheres), nos anos de 1974 e 1981
Distrito 1974 1981
________________________________________________________________________________________________
Aveiro 89 93
Braga 97 99
Bragança 94 98
Castelo Branco 91 92
Coimbra 87 89
Évora 94 95
Faro 94 97
Guarda 87 92
Leiria 94 95
Lisboa 87 91
Portalegre 92 94
Porto 89 92
Santarém 91 93
Setúbal 96 97
Viana do Castelo 77 82
Vila Real 94 96
Viseu 89 92
Continente 90 93
Ilhas 90 90
O estudo das tendências demográficas revela-nos, ainda, uma outra realidade bem conhecida
dos países de emigração: a redução do crescimento populacional. J.C. Arroteia regista “um incremento
elevado de saídas durante a década de sessenta e na primeira metade de setenta, quase 1,5 milhões de
indivíduos (dos quais 933 213 emigrantes legais e 558 882 clandestinos para França)”. Como
resultado deste elevado número de saídas observamos “uma redução do crescimento efectivo da
população, tendo decaído dos 8,3 milhões em 1960 para menos de 8,1 milhões em 1970 (...), voltando
novamente a aumentar, atingindo em 1981 os 9,8 milhões de habitantes” (Arroteia, 1985: 28-29). Esta
situação é fruto basicamente da quebra das taxas de emigração registada a partir de meados dos anos
setenta e da crise petrolífera que abalou a economia mundial, coincidindo esse período com a vinda de
milhões de portugueses das ex-colónias.
Outra questão importante prende-se com o envelhecimento da população portuguesa. Esta
situação é preocupante atendendo o declínio acentuado que a taxa de natalidade tem sofrido. O recurso
Mestrado em Estudos Europeus 54
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
22
É interessante constatar que nos países emissores de mão-de-obra, os desequilíbrios demográficos podem
funcionar como “variáveis repulsivas”, desde que esses desequilíbrios sejam provocados por um crescimento elevado da
população jovem. Citando J.M. Malheiros, “alguns autores destacam o forte crescimento populacional dos países do
Terceiro mundo, associado às carências sociais e ao desemprego, como um dos factores determinantes na manutenção e
provável impulso da emigração que neles tem origem” (1996: 40).
23
São inegáveis as desvantagens de um desequilíbrio demográfico gerado pelo crescente distanciamento daqueles
que trabalham dos reformados por eles sustentados. De facto, para além de perder grande parte da sua capacidade
competitiva, a médio prazo o país vai enfrentar sérias dificuldades no seu sistema de financiamento de reformas, uma vez
que o número de trabalhadores que para isso descontam é cada vez menor, contrariamente ao número de reformados, cada
vez maior.
Mestrado em Estudos Europeus 55
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
fixé en tenant compte des préocupations polítiques touchant l’évolution future de la population et
l’utilisation éventuelle de la migration comme instrument économique” (OCDE, 1993: 55).
Apesar de sucinta, esta análise revelou que o recurso à emigração pode ser uma solução viável
para os países que, tal como Portugal, enfrentam um desequilíbrio demográfico24, na medida em que
pode ser um eficaz instrumento de regulação demográfica e económica. De facto, a maioria dos
imigrantes que se encontram em Portugal são relativamente jovens. Segundo dados dos INE, em 2001,
dos 17 346 estrangeiros que solicitaram o estatuto de residente, 39% encontravam-se na faixa etária dos
jovens (com menos de 20 anos); cerca de 44% apresentavam idades compreendidas entre os 20 e os 39
anos; 13% pertenciam ao grupo etário dos 40 aos 59 anos e apenas 4% representavam o grupo etário
com 60 ou mais anos (INE, 2002: 40). Ao contribuírem para o crescimento da população activa, os
imigrantes estão a dar um grande contributo para o fortalecimento do sistema de financiamento das
pensões, ajudando a garantir as reformas de todos aqueles que já não fazem parte do mercado de
trabalho.
Em jeito de conclusão, observamos que, numa altura em que a generalidade dos países
desenvolvidos, nomeadamente Portugal, apresentam taxas de fecundidade assustadoramente baixas, e
uma população envelhecida, a imigração pode surgir como uma opção viável, desde que usada com
moderação, tanto mais que como Le Bras afirma “à long terme la migration ne se révêlle pas
suffisamment selective pour modifier de manière spectaculaire la repartition par âge et par sexe d’une
population donnée” (OCDE, 1993: 54).
24
Nem todos os estudiosos reconhecem os efeitos compensatórios da imigração. No entendimento de J. Pestana,
não podemos procurar na imigração a solução para todos os problemas demográficos. Segundo o mesmo pensamento, por
um lado, “ uma geração não constitui, por si só, remédio bastante para o esgotamento demográfico da Europa e, por outro
lado, muito menos corrige – senão uma pequena parte – o excesso populacional do Terceiro Mundo, de tal forma ele se
revela desmedido e persistente” (CES, 1995: 56).
Mestrado em Estudos Europeus 56
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Quadro IV – População estrangeira residente com estatuto legal por continente e sexo em 31/12/2001.
31.12.2001 (dados definitivos)
____________________________________________________________________
Nacionalidade Homens/Mulheres Homens Mulheres
___________________________________________________________________________________________________
Total 223 576 125 941 98 035
___________________________________________________________________________________________________
Europa 67 121 35 722 31 399
___________________________________________________________________________________________________
África 107 273 63 216 44 057
___________________________________________________________________________________________________
América 39 043 21 017 18 026
___________________________________________________________________________________________________
Ásia 9 721 5 536 4 185
___________________________________________________________________________________________________
Oceânia 537 296 241
25
Camus, 1957: 19.
Mestrado em Estudos Europeus 57
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Contudo, antes de procedermos à análise dos resultados propriamente ditos torna-se pertinente
recordar que a imigração é um processo em constante mutação muito sensível às alterações sócio
económicas e políticas que marcaram a nossa História. Já tivemos oportunidade na segunda parte do
nosso trabalho, mais precisamente no capítulo 3.2., de abordarmos genericamente a trajectória de
Portugal no processo migratório e constatamos que muitas das mutações sofridas ao longo de todo o
século XX, no campo político tiveram inevitavelmente repercussões no rumo das movimentações
humanas. Podemos apontar quatro fases importantes responsáveis por essa mutação:
- Processo de descolonização que origina a vinda crescente de imigrantes provenientes
do território das ex-colónias (até 1974 o fluxo proveniente destes territórios eram
considerados fluxos inter-regionais);
- Adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (1986), actual União
Europeia, o que na prática significa que os imigrantes que se encontram cá oriundos de
países da União perdem o estatuto de imigrantes para ganharem o de cidadão
comunitário;
- O desmembramento do bloco de soviético (1989) que provocou mutações na história
das migrações não só no leste europeu, mas em toda a Europa e, particularmente, em
Portugal, ficando evidenciado aos olhos do mundo a sua faceta imigratória;
- Finalmente, a integração de Hong Kong e de Macau na República Popular da China
provocou um fluxo migratório para Portugal mercê do regime especial de que gozam
os considerados residenciais em Macau, reconhecidos, mediante determinadas
condições como residentes em Portugal.
Visto isto, e no sentido de não incorrermos no erro de sermos repetitivos, neste sub-capítulo
vamos só referenciar, em primeiro lugar, dados referentes à população estrangeira e comunitária que
reside actualmente em território nacional com base nos países de origem e, em segundo lugar, vamos
caracterizá-los e analisar a sua distribuição geográfica por sectores de actividade.
De acordo com os dados do INE relativos à população estrangeira residente em Portugal com
estatuto legal de residência em 31/12/2001, o fluxo de maior dimensão é formado por cidadãos
oriundos das ex-colónias com 101 379 indivíduos seguido, no sentido decrescente, pelos cidadãos
Mestrado em Estudos Europeus 58
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
nacionalidade brasileira que solicitaram estatuto de residente em 2002, 160 são especialistas das
profissões intelectuais e científicas (grupo 2); 147 pertencem ao grupo dos técnicos e profissionais de
nível intermédio (grupo 3). Apenas 60 brasileiros são considerados trabalhadores não qualificados
(grupo 9).
Quadro V – População estrangeira que solicitou estatuto de residente, em 2002, por nacionalidade, segundo a
profissão.
Grupos de Profissões
___________________________________________________________________________________________________
Nacionalidade Total 1 2 3 4 5 6 7 8 9
___________________________________________________________________________________________________
Europa 2052 281 779 296 99 214 29 134 138 92
União Europeia 1748 264 735 271 90 189 26 90 27 56
Outros - - - - - - - - - -
África 7496 8 57 57 47 192 41 507 51 535
Angola 446 - 19 14 23 71 3 180 26 131
Cabo verde 513 3 4 9 8 62 30 184 9 206
Guiné Bissau 211 3 15 13 4 15 1 55 13 60
Moçambique 38 - - 4 4 8 - 7 1 14
S. Tomé e Príncipe 125 - 10 3 4 7 2 30 2 57
Outros 151 2 8 14 4 18 5 41 1 68
América 753 38 202 166 43 136 2 75 19 72
EUA 20 3 11 3 - 1 - - - -
Brasil 647 31 160 147 40 121 2 83 13 60
Venezuela 21 1 5 2 - 4 - 1 1 7
Outros - - - - - - - - - -
Ásia 379 30 19 10 2 114 6 51 9 118
China 106 24 5 3 2 66 - - - 6
Índia 58 4 1 1 - 14 2 17 3 26
Outros - - - - - - - - - -
Oceânia 5 - 1 - - 2 1 1 - -
Fonte: Instituto Nacional de Estatística26
26
O SEF agrupa em nove grandes grupos as profissões de algum modo ligadas pela formação exigida e pelo tipo de
trabalho realizado. Passamos a citar:
Mestrado em Estudos Europeus 60
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Relativamente aos estrangeiros oriundos dos EUA verifica-se uma certa heterogeneidade em
termos de profissões com nível de qualificação elevado, denotando-se uma maior incidência em
profissões intelectuais e científicas. A explicação para este elevado nível de qualificação profissional
reside substancialmente no facto de uma parte desses estrangeiros terem vindo para Portugal trabalhar
por conta própria estabelecendo o seu próprio negócio.
Em situação semelhante, não em termos numéricos mas de ocupação profissional, destacam-se
os cidadãos europeus, nomeadamente os cidadãos comunitários (dos 1 748 cidadãos, 735 ocupam uma
profissão do grupo 2; 271 do grupo 3 e apenas 56 do grupo 9).Desta análise depreendemos que estamos
perante dois grupos populacionais com elevadas qualificações científicas e técnicas, contribuindo
significativamente pela positiva para o desenvolvimento sócio-económico em Portugal.
Mas, por muita importância que estes grupos populacionais tenham na nossa economia, não
devemos esquecer o contributo imprescindível dado pelas populações menos letradas. Nesta categoria o
maior predomínio em termos numéricos pertence aos cidadãos originários de países africanos,
designadamente dos Palop. Segundo a mesma fonte de dados, dos 1 496 africanos que pediram estatuto
de residente, 536 são considerados trabalhadores não qualificados (grupo 9); 507 são operários,
artífices e trabalhadores similares (grupo 7) e 192 definem-se como pessoal de serviços e vendedores
(grupo 5). Por ordem decrescente, segundo a nacionalidade, os cabo-verdianos destacam-se por terem
apresentado um maior número de pedidos (513), seguidos dos angolanos (446), dos guineenses (211),
dos S. Tomenses (125) e com menor representatividade dos moçambicanos (38). Importante será
referenciar que diferentemente dos restantes africanos, os moçambicanos são os únicos, de entre os
cidadãos africanos, que apresentam uma maior representatividade como vendedores, o que é
compreensível se atendermos à sua aptidão para actividades comerciais. Relativamente aos angolanos,
cabo-verdianos e guineenses é notória a prevalência de trabalhadores não qualificados e operários,
artífices e trabalhadores similares.
Apesar de um maior número de africanos do sexo masculino do que do sexo feminino (933
contra 563), é clara a prevalência das mulheres sobretudo nas áreas de pessoal de serviços (homens –
52; mulheres – 14) e de trabalhadores não qualificados (homens – 226; mulheres – 310). A explicação
para esta realidade reside essencialmente na prestação preponderante da classe feminina nos serviços
de limpeza doméstica e industrial, essencialmente nas zonas urbanas. A elevada taxa de actividade
profissional da população nacional feminina aliada à ausência de familiares, nomeadamente dos pais a
quem poderiam eventualmente pedir apoio obriga as famílias de classe média a recorrerem aos serviços
deste tipo de mão-de-obra. Por sua vez, a mão-de-obra masculina de origem africana define-se mais
como operários, artífices e trabalhadores similares (485 homens versus 22 mulheres).
grandes centros urbanos, as pessoas ficam mais disponíveis e atentas às necessidades de terceiros, neste
caso dos imigrantes, transmitindo-lhes de certa forma um sentimento de segurança para quem o medo e
a desconfiança são uma constante.
Quadro VI – População estrangeira residente em Portugal com estatuto legal de residência, nos anos de 1992 e
2002, segundo a distribuição geográfica de residência.
Anos Portugal Aveiro Beja Braga Bragança Castelo Coimbra Évora Faro Guarda Leiria
Branco
___________________________________________________________________________________________________
1992 123612 5922 508 1830 181 119 2801 855 13558 584 1654
2002 238746 5866 1273 3827 457 757 6578 1166 31240 969 3217
Quadro VII – População estrangeira residente em Portugal com estatuto legal de residência, nos anos de 1992 e
2002, segundo a distribuição geográfica de residência.
Anos Lisboa Portalegre Porto Santarém Setúbal Viana do Vila Viseu Regiões Autónomas
Castelo Real Açores Madeira
___________________________________________________________________________________________________
1992 65413 378 6798 921 11134 1012 568 1087 3062 2917
2002 125858 831 13931 1962 26193 1717 760 1530 2585 3139
CAPÍTULO 4
Antes de analisarmos os movimentos migratórios provenientes dos Palop importa fazer uma
breve referência ao fenómeno do colonialismo para, assim, compreender melhor a conjuntura
migratória que se vive actualmente no nosso país.
De entre todas as civilizações com que Portugal manteve relações coloniais, a civilização de
origem africana é certamente aquela que assume uma maior importância no contexto imigratório.
Iniciado há mais de cinco séculos, com a tomada de Ceuta, em 1415, o colonialismo foi o principal
protagonista de uma nova era marcada essencialmente por transformações sócio-económicas. A
abundância de preciosos produtos, nomeadamente ouro, especiarias, marfim, transformaram os
territórios colonizados em pólos de grande interesse a nível internacional. Contudo, nenhuma riqueza
era tão compensadora como o tráfico de escravos, tendo este comércio assumido uma dimensão
assustadora com as transferências sucessivas de mão-de-obra negra para a metrópole e o Brasil. “Só na
segunda metade do séc. XV devem ter sido exportados da Guiné, por mar, 140 a 150 mil cabeças
humanas”, ocorrendo a mesma razia noutros territórios, nomeadamente em Angola onde, no séc. XVI,
terão saído “cerca de um milhão de negros” (Sá, 1977: 64).
27
Citada por Rovisca in Garcia (2000: 71).
Mestrado em Estudos Europeus 64
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Vale a pena citar um curto excerto escrito por Sá, na sua obra “Repensar Portugal”, que
funciona como uma breve amostragem de um dos períodos mais obscuros da história, nomeadamente
de portugueses. “Para a aquisição de escravos no litoral africano, praticava-se uma autêntica guerra
de caça ao homem. Os pretos davam muitas vezes seis a dez escravos por um cavalo. Na Ilha de
Palma, na Costa da Malagueta, os escravos eram trocados por bacias, a princípio duas bacias, depois
quatro e cinco bacias por escravo. Além de cavalos e bacias, outros artigos mais usados para a
compra de escravos eram os tecidos baratos (lençóis e panos vermelhos), objectos de cobre e contas
de cristal” (Sá, 1977: 64).
Este cenário de escravatura viria a perdurar até aos finais do séc. XIX, altura em que as
potências europeias decidiram abolir a escravatura por ser, antes de tudo, um intolerável atentado aos
direitos de todos os seres humanos. Portugal não foi excepção, embora inicialmente tenha sido alvo de
críticas de outros países, nomeadamente da Inglaterra, por não reprimir de forma eficaz o tráfico
negreiro. Como resposta o Governo português proibiu, em 1836, a importação e a exportação de
escravos das colónias portuguesas, culminando, em 1854, com o decreto da libertação de todos os
escravos pertencentes a Portugal.
Não obstante os africanos recuperarem o seu estatuto de “homens livres”, essa liberdade muito
pouco tinha a ver com a verdadeira acepção da palavra. Seguindo a linha de pensamento de Davidson,
os europeus encaravam as suas colónias como fontes de lucro obtido de duas maneiras. “Uma dela era
forçar ou persuadir os Africanos a trabalharem nas minas de propriedade europeia ou no cultivo de
produtos (…) quase sempre por salários ou preços baixos”; a segunda maneira “consistia em vender
mercadorias de fabrico europeu aos africanos” (Davidson, 1981: 213).
Globalmente, todo o sistema colonial desenvolve-se segundo estes parâmetros, deixando pouca
margem de manobra a um povo já tão alvejado por infortúnios. Com um rendimento miserável e sem o
mínimo de conhecimento e condições materiais para desenvolver actividades empresariais rentáveis, os
africanos viram-se impedidos de concretizar os seus projectos.
Mestrado em Estudos Europeus 65
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
A condição de miséria e de trabalho forçado28 a que estes povos estiveram sujeitos nas colónias,
nomeadamente nas portuguesas até 1974, tem levado muitos autores a se interrogarem sobre o
verdadeiro sentido de “liberdade” para um indivíduo que se vê obrigado de migrar bem longe, por um
tempo indefinido, em troca de um magro salário que apenas lhe permite lutar pela sobrevivência da sua
família. “Ao fim de um longo contrato talvez eles pudessem comprar dois cobertores ou um artigo tão
caro como uma bicicleta. Mas tinham de ser muito poupados para conseguirem isso. Os patrões
elaboravam os salários na base das simples necessidades semanais de um homem solteiro, quer ele
tivesse família, quer não” (Davidson, 1981: 215). Apesar destes indivíduos receberem um pagamento
pelos seus serviços prestados (ainda que extremamente reduzido), afastando-os, assim, da condição de
escravatura propriamente dita, somos levados a concluir a nos questionar até que ponto se poderá
considerar “livre” um ser humano que dedica toda a sua vida a trabalhar para garantir apenas a sua
sobrevivência, sem poder retirar do seu trabalho o mínimo que seja que lhe permita beneficiar de
alguma qualidade de vida?
O recurso ao trabalho forçado, prática generalizada nas colónias portuguesas, manteve-se até à
conquista da liberdade política por parte das colónias africanas em relação ao regime colonial, e na
sequência da restauração da democracia em Portugal, fruto da Revolução dos Cravos, em Abril de
1974. Foi precisamente nessa altura que o fenómeno da imigração adquiriu, em Portugal, uma maior
visibilidade, alargando os horizontes a todos aqueles que ainda guardavam no seu íntimo alguma
esperança de conseguir concretizar os seus desejos básicos, que se resumiam a uma vida digna.
Sinónimo de liberdade do povo português do regime de ditadura ao qual esteve submetido
durante meio século, a Revolução do 25 de Abril reveste-se de uma maior importância ao pôr termo a
uma guerra além fronteiras que durou 13 anos, tendo sido responsável pelo sofrimento e pela morte de
milhares de portugueses29 e de colonos. Como sublinha Davidson, o fim da guerra colonial “ficou a
28
A propósito do trabalho forçado, Jouhaux declarou com razão em 1930, que “le travail forcé peut avoir dês
conséquences pires que l’esclavage, parce que les propriétaires d’esclavage avaient intérêt à conserver leur cheptel
humain, alors que les exploitants du travail forcé n’ont cure d’une main-d’œuvre dont ils peuvent combler les vides” (in
Guillaume, 1974: 233).
29
“Huit cent mille métropolitains ont accompli leurs service militaire entre 1961 et 1974 et environ sept mille
d’entre eux ont trouvé la mort en Afrique au cours de la même période” (Enderes, 1994: 147).
Mestrado em Estudos Europeus 66
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
dever-se não só ao poderio militar e capacidade política dos movimentos africanos de libertação
nacional (MPLA em Angola, PAIG na Guiné Bissau e Cabo Verde e FRELIMO em Moçambique),
como ainda à acção regeneradora e judiciosa dos oficiais do Movimento das Forças Armadas e à
reacção patriótica de todos os portugueses que responderam positivamente às ideias de libertação
nacional e mudança esclarecida” (1981, 223).
Uma das consequências deste movimento revolucionário foi a proclamação de cinco novas
nacionalidades: a Guiné-bissau a 26 de Agosto de 1974; Moçambique a 25 de Junho de 1975; Cabo
Verde a 5 de Julho de 1975; S. Tomé e Príncipe a 12 de Julho de 1975 e, finalmente, Angola a 11 de
Novembro de 1975 (Anexo 2). No entanto, a retirada de Portugal dos territórios das novas nações não
representou apenas o afastamento dos dirigentes portugueses dos centros decisórios dos Palop.
Significou, igualmente, o êxodo de mão-de-obra portuguesa, jovem e qualificada, dos mais diversos
sectores da economia dos novos países africanos rumo principalmente à antiga metrópole, deixando as
sociedades africanas à mercê dos desentendimentos gerados pelas lutas internas pelo poder30,
agravados pelo aumento do nível de pobreza.
É no contexto desta difícil conjuntura socio-económica que Portugal aparece como principal
destino dos movimentos populacionais oriundos dos Palop.
Embora não haja dados estatísticos sobre a entrada de estrangeiros provenientes das ex-
colónias, no período anterior à proclamação da sua independência, em virtude de constatarem como
migrações de carácter inter-regionais, podemos avançar que os primeiros imigrantes africanos
chegaram a Portugal durante a década de sessenta, não tendo contudo grande representatividade no
total de estrangeiros residentes em Portugal (1,5% em 1960), contrapondo-se à presença de estrangeiros
provenientes da Europa no mesmo período (67%) e do continente americano, embora em proporções
menores (31% do total) (Esteves, 1991: 21).
30
Na óptica de alguns autores, a delimitação dos territórios africanos pelas potências europeias, sem ter em linha
de conta as suas diversidades étnicas, linguísticas, religiosas e culturais, aparece como uma das principais causas
responsáveis pelos infortúnios da África. Como sublinha Davidson, os europeus “retalharam a África em cinquenta
colónias, ao sabor dos puxões e empurrões dos interesses e rivalidades europeias, e de maneira nenhuma de acordo com os
interesses dos povos cujos países invadiram” (1981: 225).
Mestrado em Estudos Europeus 67
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Foi sobretudo ao longo dos anos oitenta que se verificou um crescimento mais acelerado do
número de estrangeiros com residência em Portugal, estando este fenómeno directamente associado à
adesão de Portugal à Comunidade Europeia em 1986, altura em que Portugal começa a ser beneficiário
de fundos comunitários. Este acréscimo de capitais alargou os horizontes de investidores que
aproveitaram de imediato as novas oportunidades financeiras oferecidas para desenvolver o tecido
empresarial. Perante a abertura da economia portuguesa, o recrutamento de mão-de-obra para os
sectores industrial e da construção civil tornou-se uma necessidade a satisfazer.
Anos
31
Segundo os dados do SEF, a comunidade estudantil de origem africana, residente em Portugal não é de modo
algum insignificante. Tendo como ponto de referência os anos de 1992 e 1996, verificamos que os estudantes angolanos, em
Portugal, deixam de ser 2 684 (em 1992), para serem, quatro anos mais tarde, 4 693. Relativamente aos estudantes dos
restantes Palop, estes manifestam a mesma tendência de crescimento, embora apresentando valores diferenciáveis em
função da importância numérica que cada uma das comunidades detém em Portugal. Neste contexto, a população Cabo
Verdiana assume um lugar de relevo, com 6 753 estudantes, em 1996, contra os seus 5 048, em 1992; enquanto S. Tomé
apresenta, no mesmo período, uma população estudantil que não ultrapassa os 1 330 alunos (em 1996), muito próxima do
número de estudantes de origem moçambicana residente em Portugal no mesmo ano, que não ultrapassa os 1 367 estudantes
(dados do SEF).
32
Mais do que um dever imposto pelo Direito Internacional, o acolhimento e a protecção de pessoas oriundas das
ex-colónias deve ser assumido por Portugal como um dever moral. Num dos seus artigos de opinião, Almeida Ribeiro, ex-
provedor de justiça, alerta para os deveres especiais que Portugal tem para com os países de expressão portuguesa. “Se,
outrora, retirou riquezas e poderio das antigas colónias da África e do Brasil, terá de ter uma concepção humana em
relação a esses povos, dos quais retirou tanto rendimento e sacou riquezas durante séculos. Foram territórios que também
souberam acolher os portugueses em várias ocasiões da nossa História. E é justo agora, como que uma reparação em
relação ao que deles extraímos, mesmo que tenhamos dado algum contributo importante para o seu desenvolvimento. Mas
Mestrado em Estudos Europeus 69
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
ANOS
________________________________________________________________
Nacionalidade 1992 1993 1994 1995 1996
___________________________________________________________________________________
Angola 1897 2281 6590 7990 8213
___________________________________________________________________________________
Cabo Verde 17721 18053 20574 21849 22153
___________________________________________________________________________________
Guiné 3108 3545 6036 7023 7206
___________________________________________________________________________________
Moçambique 1660 1692 1831 1899 1901
___________________________________________________________________________________
S. Tomé 992 1171 1739 1906 1945
O ano de 1994 regista um maior crescimento da população oriunda dos Palop, comparando com
os dados referentes aos restantes anos e, em termos de nacionalidade, a comunidade angolana aparece
como aquela que quantitativamente mais cresceu.
a ideia de que milhões de portugueses, no decorrer das épocas, encontraram fortuna e prosperidade nessas terras, não
pode nem deve ser desprezada” (Ribeiro, 1994: 9).
Mestrado em Estudos Europeus 70
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
a importância desses laços coloniais, no contexto das migrações, atendendo que, em 2001, 47,8% da
população estrangeira residente em Portugal era de origem africana, contra 30% europeia e 17,5%
originária do continente americano. No caso particular dos estrangeiros provenientes do continente
africano nota-se um claro predomínio numérico da comunidade cabo-verdiana com 22,3% do total dos
47,8% de africanos residentes em Portugal, seguidos dos angolanos (10,1%) e dos guineenses
representando 7,9% da população africana.
No presente capítulo pretende-se fornecer elementos necessários para uma melhor compreensão
do contexto em que os países da Europa de Leste se inserem no circuito migratório. Essa elucidação
passa necessariamente por uma caracterização a três dimensões: histórica, política e geográfica.
Antes de mais, convém salientar que a vastíssima região da Europa Central e de Leste, entre os
seus vales, planícies e montanhas, distingue-se do resto da Europa pela diversidade dos elementos
geográficos e históricos que a compõe. Com razão afirma Pires que “a Europa, do ponto de vista
orogénico, não é mais do que um corredor alargado entre maciços e cadeia divergentes (…) que
fragiliza as fronteiras do Centro e Leste da Europa” (1992: 26).
Na realidade, os factores de localização e acessibilidade destes países são, em grande parte,
responsáveis, pelo seu traçado histórico. Entre os recortes naturais irregulares, os povos da Europa
Central e de Leste foram enfrentando as sucessivas invasões de povos que impunham, quase sempre de
forma arbitrária, as delimitações dos territórios ocupados. Pouco sensíveis aos problemas provocados
pelo desmembramento das Comunidades Étnicas lá instaladas, de um momento para o outro, esses
povos viam-se parte de uma nação multi-étnica com muito poucas características próprias de uma
pátria. Detentoras de costumes, idiomas e religiões distintas, estas minorias étnicas alimentavam
antagonismos entre elas, responsáveis pela maioria dos conflitos sangrentos que se exacerbaram, ao
longo dos séculos, por toda a Europa.
Não obstante as diferenças sócio-culturais que os separa, os povos do Leste partilham uma
história em comum que remonta ao final da II Guerra Mundial altura em que o centro decisório do
mundo ficou dividido entre duas grandes potências: A URSS e os EUA. Apesar de serem aliados
durante a grande guerra, em breve se envolveram num confronto latente, por serem possuidoras de
visões do mundo antagónicas. Enquanto a primeira responsabilizava a democracia e o culto do
33
Extraído in ASH, 2001: 393.
Mestrado em Estudos Europeus 73
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
individualismo pela decadência da Europa34, a segunda pretendia uma Europa unida assente nos
princípios democráticos e num capitalismo controlado.
Perante a aceitação, por parte dos países da Europa Ocidental, da ajuda concedida pelos EUA
através do Plano Marshall, a União Soviética sentiu-se ameaçada pelo previsível avanço do liberalismo.
Como solução para ultrapassar as suas fraquezas e fortalecer as suas estruturas industrial e militar, a ex-
URSS, sob o comando de Estaline, dedicou-se à conquista de novos territórios e, consequentemente, ao
controlo das potencialidades económicas dos mesmos formando a URSS35. Krutchev, sucessor de
Estaline, usava frequentemente a expressão de “revolução não violenta” para definir essa conjuntura:
apontam-se as armas para intimidar os menos convincentes, mas não se atira. Esta “paz dos
cemitérios”, expressão da autoria de Delors para caracterizar este período da “guerra-fria”, foi a forma
encontrada pelos defensores da ideologia soviética de transmitir os seus ensinamentos aos Estados
localizados na sua zona de influência, sem serem apontados, pelo resto do mundo não comunista, como
potência hostil. Resta-nos saber como poderemos aceitar com naturalidade este retrato fictício de
relacionamento pacífico, quando na realidade, a história é testemunha das hostilidades praticadas contra
aqueles que defendiam uma ideologia contrária ao comunismo? No fundo, como Aron afirma, a guerra-
fria não é mais do que uma conjuntura “com traços originais, uns ligados à paz do terror, outros à
dupla heterogeneidade, histórica e ideológica” (in Nouschi, 1997: 154).
No contexto migratório, o advento do sistema socialista no Leste da Europa originou uma
paralisia quase total dos movimentos de mão-de-obra para o exterior do bloco soviético. Todos os actos
34
Transformada durante seis anos (1939-1945) num campo de batalha, a Europa encontrava-se brutalmente
destroçada. De facto, às dezenas de milhões de perdas humanas, devemos acrescentar os problemas inerentes à destruição
do sector industrial, ao declínio da produção agrícola e ao consequente declínio económico dos países europeus face ao
resto do mundo.
35
Abrangendo quase um sexto da superfície terrestre, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas era constituída
por quinze repúblicas:
- Repúblicas bálticas (Estónia, Letónia, Lituânia);
- Repúblicas eslavas (Bielo-Rússia, Moldávia e Ucrânia);
- Repúblicas transcancasianas (Geórgia, Arménia e Azerbaijão);
- O Cazaquistão;
- Repúblicas da Ásia Central (Turquomenistão, Usbequistão, Tajiquistão e Quirguizistão).
Mestrado em Estudos Europeus 74
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
que implicassem a saída do território rumo aos países da Europa Ocidental eram encarados com muita
desconfiança por parte das entidades estatais, para quem a saída do território, ainda que por motivos
estritamente económicos, era equivalente a um “atestado” de renúncia à sua pátria (Sinon, 1995: 83).
Enquanto países tradicionalmente de emigração, o impedimento directo que toda a pessoa tem
de “abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu” e do direito de “regressar ao seu país”,
consagrado no nº 2 do artigo 13º da Declaração Universal dos Direitos Humanos36, representa uma das
proibições mais repressivas do regime soviético, na medida em que não só suprimiu brutalmente a
liberdade de emigrar rumo aos países ocidentais, como também condicionou as saídas para
determinados países a decisões meramente políticas37. Tal foi o caso, após 1966, da Alemanha de
Leste, onde “le nombre de personnes autorisées à emigrer à l’Ouest était négocié, marchandé, chaque
année, avec la RFA, qui achatait en marks la liberté d’un certain nombre de citoyens allemands”
(Sinon, 1995: 84).
Apesar de os entraves à saída do território nacional serem garantidos por uma série de medidas
restritivas, na realidade, o controlo total das fronteiras não podia ser garantido, na medida em que,
como sublinha Wenden “aucun pays d’accueil ne peut se targuer de maintenir ses frontières
hermétiquement fermées”, assim como “aucun pays d’origine ne peut prétendre bloquer la pression au
départ (…). Tout favorise l’émergence de réseaux migratoire visant à contourner ces barrières, quelles
qu’elles soient” (1995: 14-15).
36
Aprovada em 10 de Dezembro de 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos proclama a dignidade da pessoa humana, num mundo que se pretende liberto das hostilidades e opressões
que têm vitimado, ao longo dos séculos, milhares de pessoas dispersas pelos “quatro cantos” do mundo.
Ao proclamar a liberdade de circulação e residência dos indivíduos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos
confere às migrações uma valor inquestionável e merecido, uma vez que, como salienta João Labescat “as migrações
podem não ter dado novos mundos ao mundo, mas deram certamente novos rostos, culturas e diferenças a várias zonas do
mundo” (1998: 83).
37
Apenas alguns grupos étnicos restritos, tais como os judeus, os arménios, os gregos, beneficiavam de privilégio
de emigrar desde que tivessem “dês attaches hors de leurs pays et qui étaient soutenus par dês gouvernements étrangers”
(Wenden, 1995: 19).
Mestrado em Estudos Europeus 75
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
O quadro seguinte reflecte bem que, não obstante os esforços empreendidos em sentido
contrário, a saída de indivíduos originários das repúblicas da ex-URSS, do seu país de origem, não é de
modo algum insignificante.
________________________________________________________________________________
Alemanha de Leste 3. 365 19.8
Bulgária 431 5.3
Hungria 332 3.3
Polónia 1. 877 6.0
Roménia 424 2.2
Tehécoslováquia 1. 973 14.0
Perante os resultados disponíveis, podemos concluir que os fluxos migratórios provenientes dos
países da Europa de Leste não são uma realidade posterior ao desmembramento dão bloco soviético,
mas antes um prolongamento de movimentos de mão-de-obra já existentes anteriormente, embora com
uma projecção bem mais modesta.
A intensidade dos fluxos migratórios do Leste manteve-se sem sofrer grandes alterações durante
todo o período de submissão ao regime comunista. Só em Março de 1985, com a chegada ao poder de
Mikhail Gorbachev, como secretário-geral do Partido Comunista, começavam a sentir-se os ventos da
mudança. É nessa altura que se dá o início de um processo de transição política, embora inicialmente
não houvesse pretensões de mudanças partidárias, mas apenas o objectivo de defrontar as dificuldades
internas que abalavam as repúblicas socialistas soviéticas e a Rússia em particular, sem, contudo,
eliminar ou subvalorizar o Partido Comunista. Contudo, o apelo cada vez mais persistente dos
nacionalismos guardados no seio das populações, sob a mira dos governantes autoritários do Partido
Mestrado em Estudos Europeus 76
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Comunista, aliado a alguma liberdade de pensamento permitida durante o regime da Perestroika38, viria
a dar luz ao caminho de renovação aspirado por uns e indesejado por outros39.
Começava, então, uma nova fase da história para a Europa Centro Leste. As economias, até
então totalmente dependentes do regime socialista soviético, encontram-se doravante, desamparadas,
sem condições para resolverem os seus problemas. As fábricas obsoletas com os seus trabalhadores no
desemprego, a escalada dos preços dos bens de consumo básicos, o abaixamento do nível de vida e a
decadência das infra-estruturas, são apenas alguns indicadores das dificuldades sentidas por esses
países.
38
Perestroika – designação atribuída ao programa de reconstrução de Mikhail Gorbachev aplicável a todo o
conjunto da URSS, cujas linhas mestras defendiam essencialmente a introdução de reformas económicas nos diversos
sectores da sociedade e criar um ambiente de maior transparência na tomada de decisões.
39
O historiador Medvedev enquadra os indivíduos desejosos de uma mudança no grupo dos progressistas e define-
os como “pessoas insatisfeitas com uma situação existente e, em particular com a sua própria situação pessoal”. Quanto
aqueles que não estavam interessados na renovação por estarem “perfeitamente satisfeitos com a realidade que os rodeia”,
Medvedev inclui-os no grupo dos conservadores (detentores de cargos políticos) e no grupo da inteligência (constituída por
conservadores mas também operários) (1988: 206-207).
Mestrado em Estudos Europeus 77
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Na expectativa de melhorar as condições de vida, são cada vez em maior número os cidadãos de
Leste que, incentivados pela abertura das fronteiras, se deslocam para fora do seu país de origem, à
procura de um emprego. Os números não deixam margem para dúvidas: “a URSS perde um milhão de
pessoas entre 1987 e 1991; a Bulgária cerca de 300 000 entre 1989-90; a Roménia provavelmente
entre 800 000 e um milhão em 1990” (Wenden, 1995: 19).
Do ponto de vista de Vishnevski existem três razões responsáveis pelas mutações verificadas no
contexto das migrações no seio da Europa. A primeira deve-se, sem sombra de dúvidas, ao
desmoronamento do bloco soviético e à aceitação dos princípios democráticos como único modelo
viável para os países recém-libertos da influência soviética. Esta nova configuração política é um
acontecimento memorável na medida em que se torna em realidade a livre circulação em todo o
Continente Europeu. Como sublinha Vishnevski, esta liberdade é “la condition sine qua non de la
nouvelle integration économique et publique de l’Europe” (in Morokvasic, 1996: 34).
No seio deste novo espaço unificado existem países que, pela sua proximidade geográfica e pela
pertença de uma história em comum com países vizinhos, se tornem inevitavelmente em destinos dos
fluxos migratórios vindos do Leste. Tal é o caso de países como “la Pologne et la Hongrie, étant eux-
mêmes des pays d’émigration, se heurtent d’ores et déjà à une pression crossante d’immigrants,
souvent illégaux, en provenance de l’ex-URSS, de la Bulgarie ou de la Rommanie” (in Morokvasic,
1996: 35).
A constatação desta segunda mudança na situação migratória europeia não aniquila, contudo,
uma terceira mutação relevante, iminente às mutações geográficas ocorridas no final do século XX.
Trata-se de “l’émergence, dans la région est-européenne d’une situation post impériale”40, que pode
gerar, a longo prazo, “un tournant des courants migratoires (…) et la recherche d’un nouvel equilibre
geopolitique” (Morokvasic, 1996 : 35-36).
Embora, como já tivemos oportunidade de referir anteriormente, as Repúblicas da ex-URSS
nunca terem estado completamente ausentes das redes migratórias, a abertura das fronteiras,
consequências das mutações políticas, intensificaram visivelmente a frequência das saídas de pessoas
na maioria das repúblicas da ex-URSS. Não obstante de cariz maioritariamente económico, estes fluxos
40
Na pretensão de uma abordagem sintética sobre os impérios que dominaram, ao logo dos séculos, o conjunto dos
territórios da Europa Central e Oriental, recomendamos o texto de Vishnevski (in Morokvasic, 1996: 36-38.
Mestrado em Estudos Europeus 78
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
migratórios assumem outras formas, entre as quais merece devida atenção, as movimentações dos
refugiados. Inexistentes durante a era soviética, assumem uma dimensão significativa após a queda do
regime soviético. Enquanto, em alguns países como a Polónia, a República Checa e a Eslováquia, estes
movimentos não assumem grande relevância, noutras repúblicas, pelo contrário, desenvolvem-se
consideravelmente como caso da Hungria e da Rússia41.
Outra corrente de imigração ocorre sob a forma de regresso, legal ou ilegal, de milhares de
pessoas aos seus países de origem. Neste contexto migratório, a Rússia merece uma atenção especial
pela dimensão da sua diáspora espalhada pelas antigas repúblicas. De acordo com os dados disponíveis,
em 1990 regressaram à Rússia 205 000 russos, em 1991, 144 000 e em 1992, 377 000”42 (Morokvasic,
1996: 40).
41
A Hungria acolheu, em 1989, a primeira vaga de refugiados, essencialmente romenos de origem húngara; a
segunda vaga constituída por alemães de Leste e a terceira oriundos da ex-Jugoslávia (Wenden, 1995: 23). No que diz
respeito à Rússia, no início de Dezembro de 1992 recenseava 470 000 refugiados (Morokasic, 1996: 39).
42
O regresso de uma parte da diáspora russa ao seu país de origem pode ser encarado como um factor positivo,
atendendo à actual fraca densidade populacional da Rússia. De facto, enquanto no período anterior à Primeira Guerra
Mundial, este país sobressaía de entre os restantes Estados europeus pelo dinamismo demográfico, ultrapassando, nessa
altura, os 100 milhões de habitantes, desde a última década do séc. XX o decréscimo populacional tem sido contínuo e
crescente, perspectivando-se que, em 2015 “la Russie comptera moins d’habitants (…) que le Pakistan, le Bangladesh, le
Mexique ou la Nigéria” (Chesnais, 2000: 73).
Mestrado em Estudos Europeus 79
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
ce ne sont pas les régions où la pression demographique est la plus forte, notamment en zone rurale,
qui envoient des migrants, mais au contraire les villes, tournées vers l’Europe Occidentale, à faible
croissante demographique et dotées d’une population qualifiée”. Para além disso, enquanto para os
emigrantes do Sul da Europa, a emigração é encarada, dada a falta de alternativa melhor, como
definitiva, para os emigrantes de Leste, ela assume uma carácter temporário (Wenden, 1995: 18).
Finalmente, o perfil educativo é, sem dúvida, outro factor de diferenciação relevante, na medida
em que contrariando o geral baixo nível de instrução dos emigrantes do Sul, surge do Leste europeu
uma mão-de-obra altamente qualificada e diversificada, embora inadaptada aos tipos de emprego
disponibilizados pelos países de acolhimento43.
Em jeito de balanço conclusivo de tudo aquilo que foi exposto neste sub-capítulo,
depreendemos que a transição a Leste constitui certamente um dos períodos mais enriquecedores da
História europeia, na medida em que, num curto espaço de dez anos (1989-1999), o mapa geo-político
da Europa foi novamente desenhado, mas desta vez tentando seguir os moldes democráticos, segundo
os quais, o pluralismo de ideias, o respeito pela diversidade cultural e a participação de todos os
sujeitos na construção da sociedade são princípios a respeitar. Como sublinha Edgar Morin, “a
democracia institui princípios e regras que respeitam a individualidade e protegem a diversidade,
inclusive sob formas minoritárias”. Sendo assim, “ela comporta necessariamente o direito de
existência e de expressão das minorias de toda a ordem” (1987: 164).
43
Adiante, em capítulo próprio, analisaremos, com algum pormenor a ocupação dos emigrantes de Leste residentes
em Portugal. Contudo, não podemos deixar, desde já, de realçar a importância conferida à área de educação por parte dos
responsáveis pelo desenvolvimento da sovietização nas repúblicas da ex-URSS durante o período soviético, embora este
empenho na área educacional tivesse sido a forma encontrada para garantir o ensinamento dos princípios socialistas.
Mestrado em Estudos Europeus 80
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Na cidade estrangeira
E olhar é viver
Esta passagem
Na cidade estrangeira
Sentado na hora do poema”.
Amândio Sousa Dantas (1983)
Esta actual configuração da imigração ganhou corpo basicamente a partir da segunda metade do
século XX. No entanto, um olhar atento sobre os séculos anteriores permite-nos registar algumas
movimentações populacionais provenientes de terras longínquas. De entre elas figura a Comunidade
Judaica, cuja presença no território português remonta ao século XI, encontrando-se actualmente
representada em diversas cidades do país, nomeadamente Lisboa, Porto, Lamego, Santarém, Benavente
e Évora (Trindade, 1995: 197).
Outro exemplo de movimentações com destino a Portugal data do séc. XV, com o
desenvolvimento do tráfico de escravos. Nessa altura, a vinda de contingentes de africanos decorre de
forma quase incontrolável. Citando Tinhorão, “o total de escravos berbenes, árabes e negros africanos
introduzidos em Portugal no primeiro meio século de funcionamento da política das navegações e
conquistas, não apenas ultrapassou o milhar, mas quase certamente terá atingido a casa dos dois mil”
(1988: 85). Com isto não se pretende contudo afirmar que esses africanos se encontrassem todos
instalados em Portugal, na medida em que desde que estivesse garantido o abastecimento do mercado
interno, os restantes escravos eram canalizados para o mercado de exportação (Tinhorão, 1988: 100).
Só em meados do séc. XVIII este movimento de mão-de-obra entrou em declínio, altura em que
Marquês do Pombal decretou a abolição da escravatura44.
44
Apesar de encararmos a escravatura como um fenómeno extinto, pertencente à parte mais obscura da História da
Humanidade, não nos devemos iludir com o seu “fim”. Antes de mais, convém frisar a falta de precisão do significado
atribuído à “escravatura”. A Convenção de Genebra relativa à escravatura, adoptada em 25 de Setembro de 1926, define
este fenómeno, no seu artigo 1º, como “o estado ou condição de uma pessoa sobre a qual todos os poderes ligados ao
direito de propriedade são exercidos” (Canotilho, 2000: 161).
Passados quase oitenta anos após a adopção desta Convenção e, não obstante a escravatura ser proibida
universalmente, deparamo-nos, actualmente, com o perigo iminente da sua presença camuflada. Como tão bem sublinha
Riquito “as tentações de empregadores, no que diz respeito às formas contemporâneas de escravatura, são mais agudas
relativamente à mão-de-obra clandestina, oriunda de além fronteiras e que escapa à vigilância dos poderes públicos (in
Canotilho, 2000: 163). Esta autora vai mais longe ao afirmar que “o conceito de escravatura tem hoje um significado tão
amplo que pode mesmo englobar situações de miséria extrema e a chocante exploração da fraqueza e debilidade de certos
grupos sociais, como os imigrantes” (in Canotilho, 2000: 163).
Mestrado em Estudos Europeus 82
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
factor suficientemente forte para tornar o fenómeno imigratório numa temática ignorada por longos
anos pelos historiadores e políticos. Só sensivelmente a partir da década de sessenta, com a crescente
afluência de cidadãos estrangeiros, a emigração em Portugal mereceu a atenção de especialistas de
diversos campos científicos. Nessa altura, (1960) residiam em Portugal 29 428 estrangeiros. Passado
pouco mais de um quarto de século (1991) este número subia para os 113 978 indivíduos, não parando
desde então de crescer.
Quadro XI: População estrangeira residente em Portugal nos anos de 1991 e 2001, por nacionalidade
De facto, se observarmos os dados apresentados no quadro XI, constatamos que num curto
espaço de dez anos (1991-2001) o total da população estrangeira quase duplicou, evidenciando-se, pelo
seu espectacular aumento, os cidadãos oriundos dos Palop (de 45 795 para 101 119 indivíduos); da
Europa (de 33 011 para 66 973 cidadãos) e do continente asiático (de 4 458 para 9 623).
Numa análise por países de origem, os mais representativos no ano de 2001 são, para além dos
Palop, o conjunto dos países da União Europeia45 (61 575) e o Brasil (23 541), seguidos do Reino
Unido (14 952), da Espanha, (13 584), dos EUA (8 058), da França (7 771) e da Venezuela (3 547).
Apesar de estes valores se reportarem ao ano de 2001, podendo os dados actuais se diferenciar
minimamente dos valores referenciados, não restam dúvidas quanto à esmagadora presença da
comunidade africana, muito embora, actualmente, o número de estrangeiros oriundos do leste europeu
cresça de forma abrupta. Respeitante a esta última comunidade de imigrantes, os números seguintes
falam por si: de 22 de Janeiro de 2001 a 17 de Maio de 2002 o SEF concedeu 175 864 autorizações de
permanência a estrangeiros. O maior número de autorizações foi atribuído aos indivíduos de origem
ucraniana (63 553), moldava (12 297), romena (10 729), sendo estes dois últimos ultrapassados pelos
pedidos dos cidadãos brasileiros (32 196)46.
Esta actual realidade, que confere a Portugal um lugar entre os demais países de imigração, é,
no fundo, o resultado mais visível do dinamismo do processo imigratório após a II Guerra Mundial.
Analisando pormenorizadamente a trajectória da imigração contemporânea registamos três períodos
distintos. O primeiro ciclo, correspondente ao período entre os anos cinquenta e setenta, manifesta-se
como um ciclo pouco conturbado, em termos migratórios. O isolamento do país em relação ao exterior,
por um lado, e o atraso no processo de industrialização comparado à Europa transpirenaica, por outro
lado, reflectem bem os princípios do regime ditatorial ao qual o país estava submetido. É neste contexto
que os cidadãos estrangeiros residentes em Portugal, até aos inícios dos anos setenta, são pouco
significativos, mantendo-se praticamente inalteráveis no decorrer de toda a década de sessenta.
45
Ao referirmo-nos ao conjunto dos países da União Europeia, estamos evidentemente a referenciar apenas os
catorze Estados-membros da União (exceptuando Portugal) no ano de 2001. São eles: Alemanha, Áustria, Bélgica,
Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Reino Unido e Suécia.
46
Dados do SEF extraídos da Revista Notícias Magazine, de 9 de Junho de 2002, p. 44-45.
Mestrado em Estudos Europeus 84
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Com base em dados fornecidos pelo INE, verifica-se que, em termos de países de origem, o
continente mais representado em Portugal, em 1960, era o Europeu, representando 67% do total de
estrangeiros contra 1,5% de africanos. Mais pormenorizadamente, os espanhóis sobressaem-se
quantitativamente dos restantes, representando 40% da população europeia, seguida da Grã-Bretanha,
França, e República Federal da Alemanha, com 7% (Esteves, 1991: 21).
No que diz respeito à situação ocupacional dos imigrantes deste primeiro ciclo, “os poucos
estrangeiros residentes eram basicamente ou reformados, ou indivíduos integrados em sectores bem
localizados da actividade económica, como o comércio de vinho do Porto e as minas, em que a sua
presença remontava a períodos recuados da História portuguesa” (Esteves, 1991: 20).
Decorrido este período de calmaria, ocorreram em Portugal uma série de transformações do foro
político que tiveram automaticamente repercussões no âmbito da vida económica portuguesa. Com
efeito, o fim da ditadura e o restabelecimento da democracia abriram novos horizontes aos portugueses,
bem como a todos aqueles que visualizavam Portugal como um possível destino para trabalhar.
Este crescente interesse por Portugal manifestou-se num período em que os países
industrializados levaram a cabo políticas restritivas à imigração, cujo efeito imediato se traduziu na
transferência dos pólos de destino para os países do Sul da Europa, incluindo Portugal.
Finalmente, o retomar dos processos de industrialização no país conjugado com a participação
de Portugal na EFTA e a sua maior proximidade à Comunidade Europeia, da qual veio a ser parte
integrante em 1986, contribuíram profundamente para transformar Portugal num país de atracção,
principalmente para os indivíduos oriundos de países de língua oficial portuguesa. Esta é, aliás, a
grande alteração que marca o segundo ciclo do fenómeno imigratório contemporâneo português. Dos
residuais 1,5% de africanos que se encontravam em Portugal em 1960, observa-se um acréscimo em
1981, para os 44%. Num sentido inverso, a população estrangeira de origem europeia decai dos seus
67% (1960) para os 33% (1981) (Ferreira, 2000: 80).
Este acentuado crescimento da comunidade africana no país evidencia bem a importância que as
relações coloniais assumem no contexto da movimentação dos fluxos imigratórios, fenómeno que se
reflecte, igualmente, na crescente presença de brasileiros. Tendo por referência os dados disponíveis do
INE, em 1986, ano em que Portugal aderiu à Comunidade Europeia, 7 470 brasileiros tinham residência
Mestrado em Estudos Europeus 85
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
legalizada no país47, vindo, desde então, esse número a crescer ininterruptamente atingindo, em 31 de
Dezembro de 2001, os 23 541 brasileiros.
No mesmo período, muito embora em proporções mais modestas, destaca-se a comunidade
venezuelana. Estabelecendo uma análise comparativa entre os dois países da América Latina com
maior representatividade e reportando-nos a 1986, por ser o marco do início das transformações sócio-
económicas em Portugal, os estrangeiros provindos da Venezuela são em menor número (4 756),
representando pouco mais de metade da comunidade brasileira (7 470). Em 2001, o fosso que separa as
duas comunidades em termos numéricos é incontestavelmente maior, registando-se 3 547 venezuelanos
contra 23 541 brasileiros48.
As fontes de motivação para a escolha de Portugal como destino mais apreciado pelos fluxos
populacionais da África e da América Latina assumem uma natureza diferente quando os protagonistas
são cidadãos de origem europeia. Aqui já não são os laços coloniais que marcam os movimentos
populacionais, mas essencialmente “a existência histórica de laços político-económicos de longa
duração como é o caso dos existentes com a Grã-Bretanha” por um lado e, por outro lado “o processo
de inserção de Portugal no contexto económico europeu, inicialmente na EFTA e, mais recentemente,
na Comunidade Económica Europeia” (Esteves, 1991: 35). De facto, observando a origem dos
cidadãos europeus residentes no país, concluímos que, dos 66 973 europeus, 61 575 provêem de
Estados-membros da União Europeia.
Contudo convém sublinhar que, na qualidade de cidadãos da União, estes indivíduos gozam de
um estatuto diferente daquele atribuído aos originários de países situados fora do âmbito comunitário.
De facto, sendo a Europa dos quinze um espaço integrado e unificado no qual os seus cidadãos
circulam livremente, não faz nenhum sentido defini-los como “imigrantes” quando, na realidade, a
designação mais apropriada é aquela que os define como “trabalhadores comunitários”.
47
Do total de 7 470 brasileiros legalizados, 169 residiam nos Arquipélagos dos Açores e da Madeira.
48
A este respeito convirá, contudo, salientar que, no caso particular do Arquipélago da Madeira ocorre
precisamente o inverso, verificando-se uma maior concentração de venezuelanos (509) do que propriamente de brasileiros
(268).
Mestrado em Estudos Europeus 86
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Finalmente, para concluir a análise quantitativa dos estrangeiros residentes no país, por países
de origem, importará referenciar, ainda mais, duas comunidades de imigrantes. Uma delas é composta
por indivíduos provenientes da América do Norte, representando, em Dezembro de 2001, 10 229 do
total dos estrangeiros residentes em Portugal. A segunda comunidade, surgida no séc. XX, é constituída
basicamente por imigrantes de origem indiana que, até ao momento que iniciou o processo de
descolonização, se encontravam instalados, sobretudo em Moçambique, tendo o clima de insegurança e
de instabilidade que lá se vivia incentivado a sua fixação em Portugal.
Este breve percurso pelas raízes geográficas da população estrangeira residente no país permite-
nos concluir que Portugal constitui, há já algumas décadas, um pólo de atracção para cidadãos de
diversas nacionalidades. De facto, verificamos que muito mais do que um país habituado a ver os seus
“filhos” abandonarem a sua pátria na ânsia de melhores dias, Portugal foi gradualmente conquistando o
seu lugar junto de outros países de imigração, não perdendo contudo a sua qualidade de país de
emigração. Esta dupla condição, aparentemente contraditória, faz todo o sentido se tivermos a
percepção das mutações que ocorreram nos domínios sócio-económico e político português. É no
âmbito desta nova conjuntura que o imigrante assume um papel cada vez mais preponderante na
construção de uma nova sociedade portuguesa.
Mestrado em Estudos Europeus 87
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
CAPÍTULO 5
Consequências da imigração
49
Pires, 1992, 140.
Mestrado em Estudos Europeus 88
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
directamente dele. Nesse sentido, logo que lhe seja possível economizar, geralmente a muito custo (o
emigrante tem as suas despesas fixas, como a alimentação, a habitação e o vestuário que não podem ser
ignoradas), procura enviar as suas poupanças para o país de onde é natural. Essas remessas, chegando
ao seu destino, vão permitir melhorar as condições de vida daqueles que não saíram do país, mediante a
compra de bens essenciais e, geralmente, em função da importância e regularidade com que são feitas,
essas transferências poderão permitir a concretização de alguns projectos de vida do emigrante,
nomeadamente a compra de um terreno para construir uma casa.
A médio e longo prazo, o envio das remessas (realizado geralmente com alguma periodicidade),
vai ter repercussões para o país exportador de mão-de-obra, no sentido que lhe vai permitir, se for caso
disso, fazer face a dificuldades económicas que possa ter, nomeadamente contribuir para a redução dos
desequilíbrios que a balança comercial possa sofrer.
Não obstante isso, as “remessas” não podem ser vistas como uma solução viável para a
resolução de problemas de carácter económico, uma vez que se trata de uma fonte demasiado incerta.
Esta é pelo menos a conclusão a que chegamos quando analisamos a situação vivida noutros países de
emigração e mesmo no nosso, embora de forma menos evidenciada. Estabelecendo uma ligação directa
com o estudo realizado neste trabalho, os imigrantes que deixaram os seus familiares mais próximos no
país de origem (responsáveis por uma grande parte de remessas enviadas), a curto ou médio prazo vão
procurar reunir as condições no país de acolhimento (sobretudo as condições habitacionais) para trazê-
los para junto de si, sendo natural que depois disso o envio de remessas seja menos habitual e mais
irregular.
Naqueles casos em que o envio de remessas não é interrompido (o que é muito natural para
aquele emigrante que alimenta o desejo de regressar) é geralmente destinado à compra de casa ou de
terreno e não propriamente à aquisição de equipamentos industriais e tecnológicos que poderiam gerar
mais emprego e, assim, dinamizar a economia do país. Esta é uma das conclusões a que chegamos ao
inquirir os imigrantes dos Palop e de leste residentes no concelho de Barcelos. De facto, enquanto os
imigrantes africanos confessam que o envio das suas remessas tem como principal finalidade melhorar
as condições de vida degradantes dos familiares residentes no país de origem (essencialmente pais,
avós e irmãos), as expectativas dos imigrantes de leste são mais ambiciosas, na medida em que
visualizam a compra de um terreno ou a construção de uma casa, mas não mais que isso. Apenas
aqueles que postulam a hipótese de regressar definitivamente para sua terra natal em plena idade activa
Mestrado em Estudos Europeus 89
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Outro aspecto geralmente evidenciado com a vantagem para o país de origem, decorrente da
emigração consiste na redução dos encargos decorrentes da preparação profissional do indivíduo que
emigra, ficando geralmente esta a cargo do país de acolhimento. A formação profissional e técnica e
mesmo educativa do imigrante é um factor que não deve ser ignorado pelo país que recebe mão-de-
obra estrangeira, na medida em que uma boa formação tem reflexos inegáveis na obtenção de um
melhor rendimento sócio-económico, assim como numa melhor integração do emigrante. Enquanto
país de imigração, Portugal também tem desenvolvido algumas acções dessa natureza. Até à entrada
maciça de imigrantes vindos do leste as nossas preocupações prendiam-se sobretudo com o problema
da formação profissional dos imigrantes, uma vez que a maioria dos que cá residiam eram originários
de países de língua oficial portuguesa, não se manifestando assim problemas com a aprendizagem da
língua. Actualmente, contudo, essa barreira não pode ser ignorada, sob pena de dificultar o processo de
integração destas populações de imigrantes. Foi neste contexto que o então Primeiro-ministro,
Engenheiro António Guterres, e o Ministro do Trabalho e Solidariedade, Doutor Paulo Pedroso,
lançaram o programa “Portugal Acolhe”, cuja principal finalidade consiste em consolidar a integração
sócio-profissional dos imigrantes residentes em Portugal, mediante o ensino da língua portuguesa para
munir o imigrante de uma maior capacidade de expressão e compreensão. Por outro lado, este
programa desenvolve cursos no sentido de informar e sensibilizar os estrangeiros para os seus direitos e
deveres, sendo habitual encontrarmos disciplinas com o desígnio de “igualdade de oportunidade e
tratamento no acesso ao emprego e formação profissional” ou ainda “formas de acesso à informação”.
Estes cursos não trazem qualquer encargo para os imigrantes, beneficiando estes ainda, em caso de ser
necessário, do subsídio de alimentação e de transporte. Sendo assim, os custos inerentes a estes cursos
de formação estão a cargo do Estado (neste caso Portugal). É neste sentido que a emigração é vista pelo
Mestrado em Estudos Europeus 90
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
país de origem de mão-de-obra positivamente, uma vez que se encontra ilibado dos custos inerentes à
formação dos seus nacionais que se ausentaram do país.
No caso de Portugal, enquanto país receptor de mão-de-obra, há quem considere que esta
desvantagem (decorrente dos custos com a formação de estrangeiros) pode ser minimizada se
apostarmos na imigração de leste, sendo, e citando as palavras da socióloga M. I. Baganha “uma janela
de oportunidade para um salto qualitativo no nosso desenvolvimento”. Seguindo o fio de pensamento
desta socióloga “sendo característica da imigração de leste uma elevada qualificação profissional, em
média superior à da população activa portuguesa, a oferta desta mão-de-obra permite, ao mesmo
tempo, aumentar a população activa e a produtividade sem incorrermos nos custos inerentes à sua
formação”50. Mas, mesmo aceitando este argumento, os custos de aprendizagem linguística são
inevitáveis.
Analisando agora alguns pormenores respeitantes à estrutura etária, constamos que sendo a
saída do país motivada por factores económicos, a estrutura e composição deste movimento, apresenta
um elevado grau de pessoas do sexo masculino e o predomínio de uma população em idade activa.
Como consequência da saída da população em idade adulta e jovem, o envelhecimento da população
residente no país de origem vai ser gradualmente progressivo, gerando uma falta de mão-de-obra em
alguns sectores de actividade. É nesse sentido que se acentuam as subidas de salários, embora
geralmente não suficientes ao ponto de provocar o declínio da emigração.
50
Extraído do Jornal Público de 26 de Junho de 2002, do artigo intitulado “Imigração de leste pode ser decisiva
para aumento da produtividade”, p. 27.
Mestrado em Estudos Europeus 91
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Uma das vantagens frequentemente apontadas a favor do país que recebe mão-de-obra
estrangeira tem a ver com a ausência de custos inerentes à primeira fase de instrução. Tivemos
oportunidade de evidenciar no capítulo anterior que o país de acolhimento suporta os custos relativos à
formação da mão-de-obra imigrante, dado que a maioria deles não desempenha funções equiparadas às
suas habilitações, profissionais ou académicas. No entanto, estes custos ficam muito aquém dos custos
que o país de origem suporta até ao momento em que o respectivo imigrante atinge a idade activa.
Assim, podemos dizer que desde a nascença do indivíduo o Estado de origem vai cobrir determinados
serviços, nomeadamente de saúde e de escolarização, fazendo com que o país que recebe o imigrante
não tenha que se preocupar com as despesas escolares e medico-medicamentosas, características da
faixa etária compreendida entre os 0-25 anos.
Outro factor interessante tem a ver com a questão do agregado familiar do imigrante. Temos
conhecimento que, geralmente, o imigrante quando imigra para determinado país fá-lo isoladamente,
sem levar a família. Tal acontece, como teremos oportunidade de verificar na III Parte do nosso
trabalho, com os imigrantes provenientes da Europa de Leste e, numa forma não tão evidenciável com
os imigrantes dos Palop. Este comportamento traz enormes benefícios para o país de acolhimento, na
medida em que se vê isento de despesas com a educação, saúde e segurança dos familiares do
trabalhador. Esse factor é externamente importante se tivermos em linha de conta que os restantes
membros da família mais próxima (filhos e pais do imigrante) se enquadram na faixa etária que mais
exige em termos de apoio, essencialmente à saúde. Assim, com base naquilo que foi até agora exposto,
podemos chegar a uma primeira conclusão: o país importador de mão-de-obra estrangeira obtém o
máximo de rentabilidade com o mínimo de despesas.
51
in Tavares, 1998: 24.
Mestrado em Estudos Europeus 92
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
tendência generalizada para os estrangeiros ocuparem cargos menos prestigiados do que os nacionais,
em troca de um salário também mais baixo, decorrendo daí menos custos para a classe empregadora.
A complementar estas vantagens temos o facto relevante de esta mão-de-obra ser encarada
como fonte de recrutamento suplementar com grandes benefícios para o país que a ela recorre. De
facto, ela tem “a função de amortecedor a que se recorre conforme as necessidades impostas pela
conjuntura: em fase de expansão é aumentar o número de imigrantes, em fase de recessão é diminuí-
los”. O funcionamento deste sistema é garantido por “todo um conjunto de leis que regulam a
ocupação de trabalhadores estrangeiros” (Ferreira, 2000: 8).
Outro aspecto muito importante, mas menos positivo para o país de acolhimento, tem a ver com
a tendência dos trabalhadores imigrantes para a propensão à poupança, remetida habitualmente para o
país de origem do trabalhador estrangeiro. De acordo com os quadros XII e XIII o valor das remessas
enviadas pelos imigrantes é significativo atendendo ao facto dos seus rendimentos serem relativamente
baixos. Os valores mencionados reportam-se ao período entre 1999 e Novembro de 2003 e comprovam,
por um lado a natureza económica dos motivos que os levaram a emigrar e, por outro lado, a sua
eventual intencionalidade de regressar um dia ao seu país de origem.
Tal situação, contudo, não se verifica se o imigrante tiver a residir com ele a sua família. Neste
caso, é natural que grande parte das poupanças seja encaminhada para a compra de equipamentos que
proporcionem o seu bem-estar e o da família.
Apesar de termos analisado as consequências da emigração para os países de origem e de
acolhimento em pontos separados, temos de reconhecer que essas consequências se encontram todas
interligadas e se intercruzam. Vejamos, só a título exemplificativo, que no capítulo anterior dissemos
que uma das vantagens do país importador de mão-de-obra é não suportar os custos com a família do
trabalhador envolvido (pelo menos numa primeira fase), por esta se encontrar no país de origem. No
entanto, logo de seguida reconhecemos que a permanência da família do trabalhador no país de
acolhimento funciona como travão ao envio das poupanças ao país de origem, constituindo, assim, uma
vantagem para o país de acolhimento.
Mestrado em Estudos Europeus 95
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
PARTE III
“Liberdade!
O não inconformado que se diz
A Deus, à tirania, à eternidade.
Não sabemos qual a dimensão numérica que as duas comunidades em estudo assumem no
concelho de Barcelos. A recolha de dados efectuada por nós junto dos presidentes das oitenta nove
juntas de freguesia que compõem o concelho, relativamente ao número de emigrantes que
eventualmente possam residir em cada uma delas está longe de garantir com exactidão o números de
imigrantes radicados no concelho. Com efeito, para além dos casos que passam despercebidos pela sua
presença quase insignificante em determinadas freguesias, a forma como se processa esta imigração
associada a uma excessiva mobilidade pelas diversas freguesias, dificultaram extremamente a pesquisa
e impediram a definição de valores que traduzem a realidade de forma correcta.
A fase referente ao preenchimento dos inquéritos desenrolou-se dentro das nossas perspectivas
iniciais, salvo algumas dificuldades de percurso. De facto, conseguir que um imigrante da Europa de
Leste, com dificuldades de comunicação, causada pela falta de conhecimentos da língua portuguesa,
percebesse o conteúdo das perguntas que lhe eram dirigidas, não foi uma tarefa fácil. Tendo em atenção
que os objectivos do trabalho não poderiam ser postos em causa, com uma possível deturpação da
realidade, tornou-se indispensável a existência de alguém que pudesse servir de intermediário nas
situações em que o contacto verbal era praticamente impossível. No caso em concreto contamos com a
colaboração imprescindível de imigrantes com uma espantosa fluidez da língua portuguesa.
52
Torga, 1958: 52.
Mestrado em Estudos Europeus 97
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
De qualquer modo, no cômputo geral sentimo-nos satisfeitos com a nossa pesquisa no terreno.
A timidez manifestada inicialmente pela maioria dos imigrantes cedeu lugar, num curto espaço tempo,
a uma maior abertura nas conversas, que se manteve em todos os contactos subsequentes, permitindo-
Mestrado em Estudos Europeus 98
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
nos, dessa forma, recolher mais informações do que aquelas que inicialmente eram previstas. Os
testemunhos de experiências de vida servem como exemplos desse contacto amigável.
Finalmente, como forma de complementar o nosso estudo, procuramos, junto de organismos
locais, recolher informações quanto a adopção de eventuais programas de apoio à inserção dos
imigrantes no concelho.
Nos sub-capítulos que se seguem tentaremos apresentar os resultados apurados nas diferentes
fases da nossa investigação, mediante os métodos e técnicas aplicadas, de forma clara, estabelecendo,
sempre que nos for permitido, comparações entre as duas comunidades em estudo, de modo a
caracterizar o mais fielmente possível o fenómeno imigratório em Barcelos, no contexto das
comunidades de imigrantes dos Palop e de Leste.
Mestrado em Estudos Europeus 99
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
CAPÍTULO 6
Não existem estatísticas individualizadas que nos elucidem quanto ao número de imigrantes que
residem actualmente no concelho de Barcelos. As fontes disponíveis, para além de dispersas, referem-
se ao distrito de Braga, no seu conjunto, não sendo possível chegar a uma conclusão exacta.
Relativamente às estatísticas publicadas pelo INE, embora sejam, do ponto científico, fiáveis têm como
base de dados os valores fornecidos pelo SEF, pelo que só fazem referência aos imigrantes com
53
In Viana, ,77.
Mestrado em Estudos Europeus 100
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
residência legalizada. Somos, portanto, levados a concluir que os dados recolhidos nestas intervenções
pecam por deficiência e insuficiência, estando longe de nos permitir calcular o número de imigrantes
residentes no concelho.
Numa tentativa de nos aproximar-mos mais dos valores reais, entramos em contacto com os
Presidentes de Junta das oitenta e nove freguesias que fazem parte da estrutura administrativa do
concelho de Barcelos. Desde logo, todos os autarcas, sem excepção, manifestaram a sua total
disponibilidade em colaborar no sentido de colmatar a falta de dados disponíveis e, dessa forma, nos
aproximar-mos o mais possível da realidade. No entanto, os dados recolhidos nestas intervenções
pecam por defeito, estando longe de nos permitir calcular rigorosamente o número de imigrantes no
concelho (Anexo 3).
No que diz respeito à expressão quantitativa, é óbvio que os imigrantes residentes em Barcelos
não atingem as proporções que têm noutras cidades portuguesas, o que no fundo é compreensível se
atendermos ao facto de estarmos a falar de uma cidade tipo provinciano, onde ainda é possível cruzar-
se frequentemente nas ruas com pessoas conhecidas. Não obstante isso, é inegável a presença, cada vez
mais acentuada, de imigrantes no concelho. De acordo com o quadro XIV, dos trinta e cinco imigrantes
inquiridos, com proveniência da Europa de Leste, 45,7% são russos, 28,6% ucranianos e 20,0% são de
origem moldava.
Quadro XIV: Presença de imigrantes da Europa de Leste no concelho de Barcelos, segundo o país de origem
Ucrânia Rússia Moldávia Roménia Total
___________________________________________________________________________________________________
Número de imigrantes 10 16 7 2 35
___________________________________________________________________________________________________
Relativamente aos imigrantes inquiridos, em igual número, com proveniência dos Palop, 45,7 %
são de origem guinense, 34,3 % de origem angolana, 14,3 % de origem cabo-verdiana, e finalmente,
5,7% são moçambicanos (vide Quadro XV).
Mestrado em Estudos Europeus 101
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Quadro XV: Presença de imigrantes dos Palop no concelho de Barcelos, segundo o país de origem
Angola Guiné Bissau Moçambique Cabo Verde Total
___________________________________________________________________________________________________
Número de imigrantes 12 16 2 5 35
___________________________________________________________________________________________________
A observação do quadro XVI demonstra a existência de três períodos de maior intensidade nas
chegadas da população dos Palop. De facto, o inquérito efectuado revela que 37,1% dos imigrantes
inquiridos declararam ter imigrado para Portugal (Barcelos) entre 1981-1985, enquanto 22,9 %
afirmaram fazê-lo no período entre 1986-1990 e 20% entre 1991-1995.
54
A aquisição da nacionalidade portuguesa é um facto importante no sentido de uma melhor integração. A título de
exemplificativo podemos imputar a responsabilidade pela fraca representatividade de cidadãos dos Palop em cargos
político-partidários portugueses à ausência da nacionalidade portuguesa, requisito indispensável a qualquer pretendente a
cargos políticos.
Mestrado em Estudos Europeus 102
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Número de imigrantes 1 4 13 8 7 2
___________________________________________________________________________________________________
Os principais motivos invocados foram, por ordem decrescente, as más condições de vida
(74,3%), razões de sobrevivência (45,7%), a falta de trabalho no país de origem (34,3%), e razões
motivadas pelo estudo (34,3%). Outras razões, motivadas pelo clima de instabilidade gerado pela
guerra e pelo desenrolar do processo de descolonização foram referenciadas por 20% dos inquiridos.
Em termos de distribuição desta comunidade de imigrantes pelas diversas freguesias do
concelho, concluímos, com base nas informações fornecidas pelos autarcas das respectivas juntas de
freguesia (Anexo 4), que a maioria deles se concentram essencialmente nas freguesias de Barcelos,
Barcelinhos e Arcozelo (principais freguesias circundantes do núcleo do concelho), sendo a sua
presença numérica, entre outras freguesias, menos significativas, chegando mesmo a ser em algumas
praticamente nula ou mesmo inexistente.
Número de imigrantes 12 12 10
___________________________________________________________________________________________________
O inquérito revela que 34,3% dessa imigração é posterior a 1990 (situando-se entre 1991-1998),
embora continua a ter grande relevo entre 2000-2003 (28,6%). Interrogados sobre os motivos da sua
vinda, a maioria deles apontaram, à semelhança dos africanos, as más condições de vida (85,7%) e as
razões de sobrevivência (54,3), como factores de maior relevância. Um dado importante consiste na
percentagem considerável de imigrantes de Leste que saíram de seu país para conseguir pagar dívidas
e hipotecas (40,0%). Contrariamente à comunidade homóloga, os motivos de guerra não são
referenciados por nenhum dos inquiridos.
Mais uma vez, a informação disponível diferencia as duas comunidades em estudo. De facto,
diferentemente da primeira comunidade referenciada, os imigrantes do leste europeu encontram-se
repartidos pela maioria das freguesias concentrando-se, todavia, mais numas do que noutras. As
freguesias onde esta comunidade se encontra mais representada são as freguesias de Vila Frescaínha de
S. Pedro, Vila Frescaínha de S. Martinho, Rio Côvo Sta. Eugénia e Arcozelo. Em nossa opinião a
justificação para essa maior representatividade prende-se directamente com a maior concentração
nessas freguesias de industrias do sector têxtil e de confecção de tipo familiar. Como teremos
oportunidade de analisar pormenorizadamente no sub-capítulo 7.2., é no sector têxtil onde a incidência
da mão-de-obra de leste é mais relevante. A Vila Frescaínha de S. Pedro é o caso típico de freguesia
que reúne as condições próprias para a concentração de trabalhadores estrangeiros. Zona
predominantemente industrial, mas também habitacional, consegue dar simultaneamente resposta às
necessidades de trabalho e de habitação. De facto, perante a vinda dos imigrantes, vários originários e
residentes da freguesia providenciaram obras em casinhas, com só um andar, e “barracas” de pequenas
dimensões, para acolher os imigrantes. Outrora esses espaços encontravam-se desabitados e tinham
como principal finalidade servir de arrecadação para alfaias agrícolas, agasalhos e outros utensílios de
apoio à agricultura dos seus proprietários. Num curto espaço de dez anos (desde a vinda para Barcelos
dos imigrantes de leste) estas arrecadações tornaram-se em casinhas55, que tem a particular vantagem
de se encontrarem muito próximas (muitas delas a menos de 1500 metros) dos locais de trabalho.
Naturalmente que foram os próprios originais das freguesias que, por interesse próprio, criaram essas
condições de alojamento.
55
As condições de habitabilidade serão abordadas no capítulo 7.3.
Mestrado em Estudos Europeus 104
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Ainda relativamente à dispersão territorial dos imigrantes de leste pelo concelho de Barcelos,
constata-se que em algumas freguesias, como é o caso de Vila Frescaínha de S. Pedro e Rio Côvo de
Sta. Eugénia, a proximidade da zona habitacional às industrias favorece a criação de zonas residenciais
de carácter étnico, apreciadas pela maioria dos imigrantes, uma vez que lhes permite criar o seu próprio
meio sócio-cultural no qual se sentem integrados. Assim, se falarmos em imigrantes provenientes da
Ucrânia, sabemos que uma parte significativa deles se encontra na freguesia mencionada em segundo
lugar, enquanto os russos concentram-se mais na primeira das freguesias indicadas. A partir do
momento em que sejam constituídas, estas zonas residenciais tendem a expandir-se, com a vinda de
outros compatriotas56.
Estes pequenos agrupamentos de imigrantes são característicos apenas das freguesias com um
elevado potencial de absorção de mão-de-obra. Na maioria das restantes freguesias do concelho, a
população imigrante está dispersa pelos diversos lugares de cada freguesia, mantendo alguns deles um
contacto muito próximo com os nativos do lugar onde residem, sendo possível encontrar alguns a
residir no rés-do-chão das habitações principais, ou mesmo (dois casos identificados na freguesia de
Pereira) na mesma habitação onde residiam os proprietários.
56
Convém frisar que contrariamente aquilo que essas zonas residenciais étnicas geralmente significam (a repulsa
da sociedade de acolhimento e de tudo aquilo que a caracteriza) esses imigrantes não adoptam uma postura anti-sociável
com a população originária da freguesia na qual residem. Pelo contrário, são considerados “ pessoas pacatas com quem não
falamos muito, não por falta de vontade, mas sim porque correm da casa para o emprego e do emprego para casa, tendo
pouco tempo livre. A língua diferente também não ajuda muito” (Rosa, residente na freguesia de Vila Frescaínha de S.
Pedro).
Mestrado em Estudos Europeus 105
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Quadro XVIII: Principais motivos da vinda para Portugal dos imigrantes dos Palop
Estes argumentos, contudo, não são válidos para comunidade de imigrantes provenientes do
leste europeu. Para já, convém relembrar que as trajectórias geográficas e sócio-profissionais desta
comunidade são diferentes da trajectória da comunidade dos Palop (vide Quadro XIX).
Quadro XIX: Principais motivos da vinda para Portugal dos imigrantes da Europa de Leste
razões de más condições pagar dívidas poupar para falta de poupar para se estabelecer
sobrevivência de vida e hipotecas fazer casa trabalho no país de origem
___________________________________________________________________________________________________
Nº de imigrantes 19 30 14 8 15 8
___________________________________________________________________________________________________
Percentagem (%) 54,3 85,7 40,0 22,9 42,9 22,9
Como podemos verificar no quadro XIX diferentemente daquilo que sucede com a primeira
comunidade em estudo, os imigrantes da Europa de Leste deslocam-se para Portugal essencialmente
para evitar a deterioração das condições de vida (85,7%); por razões de sobrevivência (54,3%); pela
falta de trabalho no país de origem (42,9%) e para pagar dívidas (40%). Na eventualidade da estadia ser
um sucesso, 22,9% dos inquiridos confessaram alimentarem a esperança de conseguir poupar para
fazer uma casa e poupar para se estabelecer no país de origem (22.9%).
É, afinal, a necessidade de se ganhar melhor do que no país de origem, que movimenta estas
comunidades mesmo que isso signifique ter um emprego que, muitas vezes (sobretudo no caso dos
imigrantes de leste) não acompanha as habilitações ou aspirações profissionais do empregado. Temos
de salientar que, em qualquer um dos casos, a saída do país de origem para um país desconhecido não é
de modo algum um processo fácil. O abandono de um habitat que lhes é muito familiar (muitas vezes o
único que conhecem), a conjugar com o desfazer de um conjunto de laços fortes, pressupõe uma força
de atracção muito grande. Esta questão tende a ter maior relevância, a nosso ver, nas migrações de
longa distância, como é o caso dos imigrantes provenientes de África. De facto, enquanto um imigrante
proveniente do leste europeu tem naturalmente mais facilidade em termos de tempo e de custo, de se
deslocar ao seu país de origem, para o imigrante africano essa deslocação pode ocorrer uma vez em
vários anos57, ou, em casos mais extremos, pode nem sequer se concretizar. Dos inquiridos, 71,4%
confessaram não terem voltado ainda ao país de origem, enquanto, aqueles que manifestaram terem
voltado admitiram fazê-lo raramente.
Apesar de todas as necessidades sentidas, a decisão de emigrar nem sempre é bem aceite por
todos os membros da família. No entanto, os fervores nacionalistas ou os traumas gerados pela
separação das famílias não são argumentos significativamente fortes para muitos daqueles que vêem na
emigração a única solução para os seus problemas. No caso dos africanos, a escolha de Portugal como
destino é compreensível se atendermos à importância dos contactos políticos mantidos entre Portugal e
os Palop durante longos anos, aos quais devemos acrescentar a forte proximidade linguística e cultural.
Diferentemente, a maioria dos imigrantes provenientes do leste, perante a escolha do país de destino
57
Dos 35 imigrantes dos Palop inquiridos, 10 afirmaram deslocarem-se raramente ao país de origem. Os imigrantes
de Leste, pelo contrário, são muito mais constantes, apesar de nem sempre regulares. De facto, do conjunto dos 35
inquiridos, 15 admitiram deslocar-se ao país de origem, enquanto 11 imigrantes confessarem deslocarem-se raramente.
Mestrado em Estudos Europeus 107
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
são confrontados com várias possibilidades – essencialmente na Europa Ocidental. Segundo o relato de
um imigrante de origem ucraniana, residente em Portugal desde 2000, de todos os destinos, Portugal
surgiu como o mais promissor, uma vez que, corria notícia no seu país de origem que “era um país
onde para além do aumento da construção civil devido ao Euro 2004, não havia uma grande
fiscalização por parte do Estado português. Muito mais difícil era entrar na Alemanha” (Yuri, 31
anos). Outros imigrantes confessaram ter escolhido Barcelos como destino porque tiveram
conhecimento através de compatriotas, com quem mantinham contacto, (quer por correspondência quer
por telefone), que não era difícil arranjar emprego e que a habitação era mais barata do que em Lisboa.
Desta explanação depreendemos que, apesar da dimensão modesta do nosso concelho e da
distância que nos separa desses países, nota-se um número considerável de pessoas que saiu do seu país
antevendo Barcelos como melhor destino. Teremos nós condições de responder às expectativas desses
imigrantes? Esta figura entre muitas das questões às quais pretendemos dar uma resposta nos capítulos
subsequentes.
Mestrado em Estudos Europeus 108
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Temos a noção que o nível educacional de uma população é naturalmente influenciado pela
situação política e económica do país a que pertence. Já tivemos oportunidade de referir, no capítulo
sobre o movimento imigratório dos Países da Europa de Leste (capítulo 4.2.), que a elevada taxa de
escolarização da população proveniente desses países se deve essencialmente à política levada a cabo,
na altura, pelos dirigentes do ex-Bloco Soviético, então no poder. Não vamos, portanto, voltar a
abordar o tema. De qualquer modo, não restam dúvidas que estamos perante uma população de perfil
educativo acima do exigido, tendo em linha de conta o tipo de actividade profissional que exercem no
concelho e de um modo geral no País.
A análise dos perfis educativos (vide quadro XX e XXI) permite-nos distinguir com clareza as
duas comunidades de imigrantes em estudo no presente trabalho. Dentro da comunidade africana, o
grau de instrução escolar é diverso, mas no cômputo geral é normalmente baixo, enquanto os
imigrantes de leste apresentam um nível escolar mais elevado.
58
In Tavares, 1998: 28.
Mestrado em Estudos Europeus 109
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
maioria deles, convêm não generalizarmos demais. Há bastantes imigrantes que, da mesma forma que a
maioria dos imigrantes provenientes do leste, possuem habilitações escolares de nível elevado e com
experiência profissional na sua área. Temos um caso no concelho (ao par de outros) de um imigrante
que, antes de vir para cá, era professor em Cabo Verde. Num tom de lamentação, a companheira dele
confessou-nos que “o meu homem era professor, mas o que ganhava não lhe chegava para quase
nada. Por isso decidiu emigrar” (Soraia, 40 anos). Portanto, ao falarmos em imigrantes dos Palop não
devemos associá-los exclusivamente aos indivíduos de baixo nível escolar. Esta é, sem dúvida, a
qualificação da maioria deles, mas não de todos.
A análise dos grupos etários representados em cada uma das comunidades de imigrantes em
estudo, leva-nos a constatar que existem diferenças e traços próprios em cada uma delas, merecedoras
de referência. Podemos desde já adiantar que com base nos dados recolhidos e expostos no quadro
XXII, dos 35 imigrantes dos Palop inquiridos 13 pertencem ao grupo etário dos 31-40 anos, 10 têm
idades compreendidas entre os 41 e os 50 anos, estando os restantes 12 indivíduos repartidos pelos
restantes grupos etários. Há portanto, o predomínio de uma população adulta em que o número de
indivíduos do sexo masculino é inferior ao do sexo feminino.
59
in Canotilho, 2000: 83.
Mestrado em Estudos Europeus 112
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
entre 21-30 anos entre 31-40 anos ente 41-50 anos Total
___________________________________________________________________________________________________
Sexo Masculino 9 10 3 22
Sexo Feminino 5 8 - 13
Total 14 18 3 35
Ao serem questionados sobre os motivos que os levaram a tomar tal decisão, os pais
responderam maioritariamente que a causa principal foram os problemas económicos. O
desconhecimento daquilo que o país de acolhimento lhes reserva, a incerteza de arranjar trabalho ou
uma habitação com as mínimas condições de bem-estar, não deixam margem para dúvidas quanto à
decisão de entregar os filhos à guarda maioritariamente dos avós. Para muitos homens vindos de leste o
cenário de vida é o mesmo que o de Alexandra, ucraniana de 32 anos, que nos disse “o que mais me
custou foi deixar os meus filho com os meus pais. Eu sei que eles não estão mal, sobretudo agora que
lhes posso enviar algum dinheiro, mas mesmo assim a vontade de estar com eles é muito grande. Por
enquanto não os posso trazer para cá, porque eu e o meu marido vivemos com outro casal, mas a casa
foi arranjada por eles e também é pequenina. Mas, se a vida nos correr bem, para o ano que vem
vamos traze-los para cá”.
Assim como este, outros imigrantes optaram por se separar temporariamente dos seus cônjuges,
sendo geralmente o homem o primeiro membro da família a emigrar, enquanto a mulher acompanhada
dos filhos, ficam no país de origem . Só depois de garantida alguma estabilidade, quer em termos de
emprego, quer em termos de habitação é que a família volta a juntar-se, desta vez no país de
acolhimento.
Este retrato de vida é comum a vários imigrantes por nós inquiridos. Com efeito, a maior parte
dos imigrantes de leste do sexo feminino que vieram para Barcelos acompanhados dos seus filhos,
Mestrado em Estudos Europeus 113
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
vieram encontrar-se com o marido60. A presença da família representa umas das grandes conquistas do
imigrante de leste, em território estrangeiro, na medida em que lhe confere um sentimento de segurança
que se manifesta em todas as suas atitudes ajudando-o a enfrentar e ultrapassar todas as frustrações e
desilusões. Mais do que uma simples presença física, o grupo familiar representa a pedra basilar de
qualquer projecto de vida para o imigrante, o seu refúgio fortaleza onde mais do que em qualquer lugar
é ouvido, compreendido, apoiado, contribuindo assim para o seu bem-estar que, naturalmente, vai
contribuir para um maior rendimento laboral.
O reagrupamento familiar é igualmente um elemento característico dos cidadãos oriundos do
continente africano. Analisando a composição e estrutura dos inquiridos constatamos uma elevada
percentagem de imigrantes masculinos que residem no concelho acompanhados dos filhos e mulher
(49,3%). Assim, ambas as comunidades denotam tendência para o agrupamento familiar, embora este
ocorra de forma diferente. Enquanto na imigração de leste, numa primeira fase assiste-se sobretudo à
vinda isolada (sem família) de imigrantes do sexo masculino (37.1%), na imigração africana, apenas
um imigrante afirmou ter vindo para Portugal, acompanhados de familiares (2,9%) e só mais tarde, já
com a sua situação regularizada, mandaram vir os filhos e mulher.
Em jeito de conclusão, de tudo o que foi exposto e de acordo com os dados que temos
disponíveis, apontamos alguns dos traços mais relevantes:
- a população do sexo feminino apresenta uma maior representatividade na comunidade
africana;
- constata-se um predomínio de imigrantes de leste com idade compreendida entre os 31
e 50 anos;
- acentua-se quantitativamente o grau de masculinidade da população imigrante de leste,
significativamente superior à do sexo oposto, enquanto os imigrantes dos Palop
caracterizam-se, a este nível, num sentido inverso;
- tendência progressiva para uma imigração de carácter familiar em ambas as
comunidades.
60
É interessante constatar a predominância de imigrantes de leste casados representando 51,4% da população
inquirida, comparado com os 37,1% de indivíduos solteiros.
Mestrado em Estudos Europeus 114
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Antes de concluirmos este sub-capítulo, não podemos deixar de fazer um comentário sobre o
problema respeitante à separação da família. Esta questão tem merecido alguma atenção por parte das
entidades governamentais, a comprovar pela legislação que tem sido adoptada no sentido de facilitar o
reagrupamento familiar. No entanto, quando comparado com outros problemas, parece-nos que de certa
forma, se encontra subvalorizado.
Em nossa opinião, deveria ser dada mais atenção a estas pessoas que, para além de todos os seus
problemas físicos, derivados das suas condições de trabalho, da excessiva carga horária, comum a
muitos deles, vêem-se confrontados com problemas de natureza psíquica. Por sua vez, estes problemas
são muitas vezes agravados pela separação da família, que gera um sentimento de falta e de saudade
que os acompanha permanente. Esta situação de isolamento e o receio que a ocorrência de uma
fatalidade os impossibilite de rever a sua família, provocam nos imigrantes um sentimento de angústia
que lhes poderá provocar sequelas que levarão muito tempo a passar, mesmo após o reencontro da
família.
Esta angustia é bem visível no relato de um russo residente na freguesia de Vila Frescaínha de
S. Pedro, “estou aqui há dois anos mas estou muito dividido entre Portugal e a Rússia, onde ficou a
minha mulher e os meus dois filhos. Desde que vim para cá pela primeira vez ainda não regressei à
minha terra por falta de dinheiro e porque o patrão precisa de mim (trabalho nas obras). O ano
passado quando vi colegas meus ir à Rússia de férias chorei muito. Longe da minha família, num país
onde não conhecemos muita gente e só viemos para trabalhar, sentimos muito a falta dos filhos e da
mulher, em todos os aspectos” (Vladyslav, 29 anos).
Para o cônjuge (geralmente a mulher), que ficou no país de origem a espera de autorização para
ir ao encontro do seu parceiro, a situação não é mais fácil. Sentimentos como a angústia, a ansiedade, a
insegurança, por estar sozinha, e a desconfiança, por estar longe, acompanham o dia-a-dia de quem
espera no país natal. Se houver filhos é acrescido o sentimento de uma dupla responsabilidade: ser pai e
mãe ao mesmo tempo.
E os filhos? A ausência, geralmente do pai, tem inevitavelmente repercussões no seu
desenvolvimento. Por muito presente que o pai procure estar (nomeadamente por via telefónica), não
será suficiente, uma vez que fisicamente, só conseguirão estar juntos, naturalmente, uma vez por ano,
Mestrado em Estudos Europeus 115
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
correndo assim o risco de se estabelecer, implicitamente, um corte entre pai e filhos, que marcará para
sempre a vivência de todos os membros da família.
Mestrado em Estudos Europeus 116
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
CAPÍTULO 7
61
In Viana, 1985: 174.
Mestrado em Estudos Europeus 117
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
prestar um apoio adequado e a ajudá-los a ultrapassar as primeiras dificuldades com as quais já estão
familiarizados.
Este contacto em “terra estranha” com pessoas com quem compartilham as mesmas crenças,
hábitos alimentares e costumes é, no nosso entender, um dos aspectos mais importantes do processo
migratório, na medida em que permite ao imigrante recém-chegado começar a criar o seu próprio
espaço, o seu “refúgio”, que tanto poderá ser na habitação de um familiar ou amigo, ou, se for caso
disso, em zonas residenciais de imigrantes, cuja existência já tivemos oportunidade de referenciar.
Fora deste seu novo habitat, muitas são as dificuldades que o imigrante enfrenta. Naturalmente,
os problemas podem ser de maior ou menor dimensão conforme a pessoa a quem eles dizem respeito.
O quadro XXIV permite-nos chegar a conclusões elucidativas.
Em primeiro lugar, como já era de prever, a língua é apontada como o principal problema dos
nossos imigrantes de leste tendo sido referenciado pela totalidade deles. De facto, esta é uma das
primeiras dificuldades que deve ser superada, sob pena do processo de inserção na nova sociedade
correr o risco de ficar atrofiado, uma vez que a falta de conhecimento linguístico agrava-lhes o
problema de comunicação, impedindo-lhes não só de exprimirem o que pensam, mas também de se
informarem, zelarem e defenderem os seus direitos62.
62
É neste contexto que o regresso à casa, no final do dia, e o encontro com os compatriotas são momentos muito
apreciados pelos imigrantes, na medida em que é na língua materna que todos os inquiridos de leste, sem excepção, se
exprimem e comunicam quando estão em casa. Mesmo aqueles que residem cá há mais de dez anos e para quem a língua
Mestrado em Estudos Europeus 118
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Para os imigrantes oriundos das ex-colónias, a questão da língua não chega a ser considerado
um problema, tendo sido mencionado como tal apenas por um inquirido (quadro XXV), embora façam
uso nos seus contactos familiares de outros idiomas como é o caso dos cabo-verdianos com o crioulo
(8%). Esta facilidade de comunicação é, no fundo, o reflexo de cinco séculos de História em comum.
No entanto, destes quinhentos anos de diálogo e contacto sócio-cultural entre os povos africanos e
portugueses, supunha-se que o grau de integração e assimilação fosse maior. Este é pelo menos um dos
ressentimentos manifestado por alguns deles com quem mantivemos algumas conversas mais
prolongadas e desde já muito proveitosas. Um deles, angolano de vinte e nove anos, desabafou não
entender porque é que, e passamos a citar, “apesar de todo o passado em comum somos vistos como
imigrantes comuns, quando, em situações mais extremas, não somos alvo de tratamento e comentários
que nos afastam ainda mais da condição de imigrante” (Nelson, 30 anos).
Se é verdade que a língua não representa um problema de grande dimensão para os imigrantes
africanos, já o mesmo não se pode dizer quando falamos em trabalho, o mesmo se aplicando aos
provenientes do leste. De facto, quer os primeiros (57,1%), quer os segundos (74,3%), confessam que
deixou de ser uma barreira, confessam utilizar a língua materna na vida familiar e afectiva, recorrendo apenas à língua de
Camões para outros momentos em que o seu recurso seja mesmo necessário, nomeadamente no espaço laboral. Aí, mesmo
tendo colegas de trabalho que sejam compatriotas, e desde logo, com quem possam comunicar facilmente na sua língua
materna, não é aconselhável que o façam. Pelo menos é essa a conclusão que retiramos de uma conversa que mantivemos
com o director administrativo e financeiro de uma fábrica do sector têxtil (anexo 5). Segundo o seu relato, que passamos a
citar na primeira pessoa, “o que mais me irrita é quando lhes dizemos alguma coisa que lhes desagrada e eles começam a
falar entre eles na sua língua e nós não entendemos nada. Sabemos lá o que eles devem estar a dizer de nós”.
Mestrado em Estudos Europeus 119
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
encontrar trabalho e conseguir ser contratado foi, e continua a ser, para alguns deles, a maior
dificuldade, sendo em casos mais extremos encarada como insuperável.
Perante esta dificuldade de arranjar emprego e, consequentemente, a falta de recursos
financeiros, o regresso ao país de origem é pouco provável, pelo menos a curto e médio prazo,
sobretudo se pensarmos que a maioria deles, antes da partida, contraiu avultadas dívidas sem ter forma
de as pagar. De facto, a vinda para Portugal à procura de melhores condições de vida não é para
qualquer indivíduo, se tivermos em conta que para tal é necessário uma média de € 1 500.00. Este valor
assume proporções gigantescas se consideramos que o salário médio na Ucrânia ronda os € 20.00, não
sendo assim de admirar que grande parte do contingente de leste que se encontra cá seja formado por
pessoas com qualificações profissionais e académicas elevadas, as únicas que, de certa forma, têm mais
possibilidade de suportar os custos inerentes à deslocação.
Esta quantia, entregue aos “businessnam” (nome pelo qual são geralmente conhecidos os
homens que actuam em negócios mais obscuros) incluí a aquisição de visto, a viagem e o contacto em
Portugal com grupos pertencentes à mesma rede, a quem compete distribuir os imigrantes pelas
diversas partes do país. Em alguns casos é facultado o número de telefone de algum angariador de mão-
de-obra barata.
Para os que vivem no leste é fácil verificar que os negócios da emigração têm sido um dos mais
rentáveis para aqueles que organizam essas redes. Os sinais exteriores de riqueza são evidentes: carros
luxuosos, barcos de recreio, vida de excessos, que choca frontalmente com uma sociedade que não tem
recursos, a comprovar pela maioria das lojas das cidades destituídas de mercadorias e de clientes,
ocorrendo grande parte do pouco negócio no lado exterior das lojas, geralmente no decorrer dos
passeios, em barracas improvisadas ou mesmo sem elas, com bens alimentícios (leite, ovos, legumes,
galinhas) armazenados em sacos de nylon. Não é de admirar que a visualização deste cenário, sem
grandes perspectivas de melhorias, pelo menos a curto prazo, faz nascer um desejo ardente de conhecer
a Europa do bem-estar, apesar de todos os riscos que terão de enfrentar até chegar a ela. Citando um
imigrante ucraniano que reside no concelho, engenheiro electrónico “a prioridade do ser humano é
tentar viver o melhor possível, só assim a vida tem sentido. Não interessa os caminhos que são
seguidos para lá chegar, desde que não prejudiquemos ninguém. É verdade que não estudamos para
trabalhar assim, mas se o único caminho para chegarmos ao nosso objectivo for esse, o remédio é não
Mestrado em Estudos Europeus 120
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
olhar para traz e nunca desistirmos. Um dia havemos de chegar lá”. (Ivan, engenheiro electrónico, 36
anos, trabalha actualmente numa fábrica do sector têxtil).
Mestrado em Estudos Europeus 121
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Uma vez no país de acolhimento a principal preocupação do imigrante que não veio com
contrato de trabalho é conseguir um emprego para levar a cabo a missão que ele se impôs – auferir um
salário para garantir o seu sustento e melhorar a sua qualidade de vida e da sua família. É um dado
adquirido que na maioria dos casos o imigrante é aceite para ocupar empregos vagos não preenchidos
pelo cidadão nacional. A falta de interesse por trabalhos mal remunerados e efectuados a maioria das
vezes em más condições e sem as medidas de segurança mínimas, é a explicação mais apontada para a
recusa desses empregos pelos nacionais, mesmo numa altura em que a taxa de desemprego não se
encontra nos seus níveis mais baixos. Mas esta não é a única explicação. O facto destas comunidades
de imigrantes constituir uma mão-de-obra humilde, pouco reivindicativa, e com uma grande
63
In Viana, 1985: 184.
Mestrado em Estudos Europeus 122
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
predisposição para o trabalho, contribuiu para tornar essa mão-de-obra, aos olhos dos empregadores,
muito atractiva.
Como forma de termos alguma orientação sob o modo como são encarados os imigrantes pela
classe empregadora e tentarmos definir o perfil do imigrante na seu local de trabalho, decidimos
entrevistar um dos responsáveis pela administração de um empresa do sector têxtil, sediada no
concelho de Barcelos, mais precisamente, na freguesia de Vila Frescaínha de S. Pedro (Anexo 5), que
emprega actualmente quatro imigrantes oriundos do leste, nomeadamente de origens ucraniana e russa.
O Doutor Rui Filipe Afonso Machado, director administrativo e financeiro, enquanto representante da
firma supra referida confessou que “Fazem o que nós lhe pedimos, e sabemos que podemos contar com
eles sempre que precisarmos.”
Quadro XXVI: Grau de satisfação perante a situação profissional da comunidade dos Palop
Quadro XXVII: Grau de satisfação perante a situação profissional da comunidade da Europa de Leste
Verificamos igualmente que, apesar do grau de qualificação destas duas comunidades não ser o
mesmo, o grau de insatisfação perante as tarefas desempenhadas é muito idêntico. Tudo isto é
compreensível tendo em linha de conta que os empregos ocupados por ambas são semelhantes. É
natural que, para a maioria dos imigrantes de leste que possuem um nível de qualificação académico ou
profissional mais elevado, o grau de frustração seja ainda maior, atendendo que sofrem com a descida
do seu estatuto social. No entanto, o receio de não encontrar emprego e de ter de regressar, em caso
extremo, ao seu país de origem em situação de derrotado, faz com que o imigrante aceite a primeira
oportunidade de trabalho, mesmo que esta fique muito aquém das suas expectativas.
Julgamos que seja, em parte, essa insatisfação perante o trabalho que exercem, que está na
origem de uma série de comportamentos que, ao longo deste presente estudo, tivemos a oportunidade
de verificar. De facto, durante o ano 2002, altura em que iniciamos a nossa recolha de dados,
estabelecemos contacto com cinco empresas, todas tendo a particularidade de pertencerem ao ramo do
sector têxtil, embora especializadas em fases de acabamento diferentes (tecelagem, tingimento,
estamparia, acabamentos e confecção), e terem ao seu serviço, trabalhadores estrangeiros oriundos da
Europa de Leste. Na altura nada fazia supor que, sensivelmente um ano mais tarde, só dois dos
imigrantes com quem tínhamos tido a possibilidade de conversar, mantinham-se nos seus postos de
trabalho. O que teria levado os restantes a abandonar um emprego que tudo indicava ser estável?
No sentido de encontrar algumas justificações válidas para a nossa pergunta, procuramos
recolher junto de alguns empresários diferentes pontos de vista. Tendo em atenção que as entrevistas
realizadas junto deles, apesar de frutuosas foram de certa forma repetitivas, optamos por anexar apenas
uma cujo conteúdo nos parece relevante.
Mestrado em Estudos Europeus 124
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Segundo nos parece, uma parte significativa dos imigrantes de leste enfrentam um problema,
com o qual nem sempre é fácil de lidar – o sentimento de instabilidade. Confrontados com diversos
factores, como a ausência da família, as dificuldades económicas, e o contacto com um meio ambiente
diferente daquele ao qual estavam habituados, este sentimento acaba por ter repercussões no ambiente
de trabalhado, manifestando-se sob diversas formas. A falta de comparência ao posto de trabalho, no
final do período de férias, é um exemplo desse tipo de instabilidade. As saudades da família assumem,
em termos emocionais, um significado tão grande que depois de se reencontrar com ela, o imigrante
tem uma extrema dificuldade em se separar dela, mesmo sabendo que a permanência mais prolongada
poderá lhe custar o emprego64.
Outra forma de manifestação de instabilidade tem a ver com a frequente mudança de emprego.
Evidentemente que esta atitude pode ser interpretada como uma tentativa de conseguir um emprego
mais bem remunerado. Mas, mesmo tratando-se apenas de uma questão monetária, as diferenças
salariais em jogo não devem, na maioria das vezes, compensar o risco de enfrentar uma nova adaptação
a um ambiente de trabalho orientado por novas pessoas e novas regras.
Naturalmente, estas justificações, supra referidas, têm como suporte de base argumentos de
diversos empresários cujo comportamento enquanto empregador, de acordo com as referências que nos
foram concedidas por alguns imigrantes, é francamente positivo, na medida em que respeitam o
imigrante, acima de tudo, enquanto pessoa. No entanto, temos perfeitamente conhecimento que nem
todos os empresários se guiem pelos princípios de respeito mútuo, daí ouvirmos, mais vezes do que
gostaríamos, comentários queixosos por parte de imigrantes, que nem chegam a ser acusações uma vez
que dificilmente uma pessoa necessitada segue a via da contestação verbal, preferindo sofrer em
silêncio ou, em última hipótese, optar pelo abandono do seu posto de trabalho.
64
Este episódio não é um caso isolado, uma vez que tivemos conhecimento da ocorrência de quatro episódios
semelhantes, diferenciados apenas pelas pessoas envolvidas e pelo tempo de permanência. Em todos os casos, os
trabalhadores não foram readmitidos.
Mestrado em Estudos Europeus 125
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
sexo masculino. Relativamente às mulheres, embora também haja algumas que trabalham em fábricas,
a grande maioria da mão-de-obra imigrante feminina insere-se mais facilmente em empresas de
serviços (limpezas urbanas e domésticas) e em confecções do tipo familiar.
Todos estes sectores de actividade onde os trabalhadores imigrantes marcam a sua presença tem
uma particularidade em comum – trabalho duro em troca de salários baixos. Esta é pelo menos a ideia
que todos eles nos transmitiram, a confirmar pelos resultados do nosso inquérito. Com efeito, em
conformidade com os dados dos quadros XXVIII e XXIX, dezanove imigrantes de leste e catorze dos
Palop, auferem um vencimento líquido não superior a € 400.00.
não menos de €250.00 entre €251.00 entre €401.00 mais não total
responde e €400.00 e €600.00 de €700.00 aplicável
___________________________________________________________________________________________________
Sexo Masculino 1 - 2 7 1 4 15
Sexo feminino - 1 12 3 - 4 20
Total 1 1 14 10 1 8 35
noite, e, quando o trabalho o proporciona, trabalham também aos Sábados e Domingos. Essas horas são
geralmente pagas, como elas dizem, “por fora”, a taxas normais, sem qualquer compensação . Esta
forma de exploração humana (prática comum aplicada igualmente aos trabalhadores do sexo
masculino) não provoca qualquer reacção reivindicativa por parte dos “explorados” essencialmente por
duas razões. Por um lado porque a falta de conhecimento fluído da língua portuguesa (no caso dos de
leste) coloca-os na impossibilidade de redigir verbalmente qualquer sentimento de insatisfação. Por
outro lado, a ausência de um contrato efectivo65 alimenta, em muitos imigrantes de ambas as
comunidades, um sentimento de insegurança no emprego agravado pelo receio de, a qualquer
momento, ficar desempregado e consequentemente, (na falta de renovação de visto) ser reenviado para
o seu país de origem. A consciencialização de toda esta vulnerabilidade, por parte de alguns
empregadores com menos escrúpulos, é a principal responsável pelo nível baixo da média dos salários.
Contudo, mesmo recebendo menos do que merecem, confessam a alegria que sentiram ao
receber o primeiro ordenado. Como relata um russo, “só quando recebemos no final do mês é que nos
apercebemos que vale a pena o esforço. O ordenado é baixo, é verdade, mas é muito mais que aquilo
que poderíamos ganhar se estivéssemos na Rússia. Posso ter os dedos calejados e grosseiros, mas
aquilo que ganho dá-me para ajudar o meu filho a estudar” (Vadim, 40 anos). É claro que do salário
que recebem têm despesas obrigatórias, como a renda de casa, a alimentação e o vestuário, mas para
poderem enviar para o seu país algum do dinheiro ganho, têm de procurar subsistir com a menor
despesa possível. Daqui depreendemos que só com muito sacrifício e ao longo de alguns anos
conseguem arrecadar algum beneficio próprio.
65
De acordo com os dados disponíveis apenas 62,9% de imigrantes de leste e 45,7% de africanos detém contrato
de trabalho efectivo. Dos restantes 20% e 2,9%, respectivamente estão contratados a prazo, enquanto que 11,4% e 17,1%
estão sem contrato de trabalho.
Mestrado em Estudos Europeus 127
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
“A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios”.
F. Pessoa66
Um dos problemas colocado pela emigração é o do alojamento. Para alguns imigrantes que se
dirigem para a casa de familiares ou de amigos ou, ainda, como temos alguns exemplos de entre os
imigrantes inquiridos, para aqueles que residem na habitação principal do empregador, essa dificuldade
está superada. Mas, infelizmente, a maioria chegam ao concelho sem habitação garantida. Apesar disso,
segundo depoimentos recolhidos, a habitação não tem sido um dos maiores problemas dos nossos
imigrantes. Como já tivemos oportunidade de referir, a população nacional residente essencialmente
nas freguesias, atentas ao crescimento da imigração aproveitaram todas as arrecadações ou casinhas,
muitas vezes herdadas, e transformam-nas em espaços minimamente habitáveis. Como exemplo
daquilo que acabamos de referir, na freguesia de Vila Frescaínha de S. Pedro, localizada acerca de 3
Km do centro de Barcelos, constatamos a existência de um espaço confinado a cerca de cinco
habitações todas arrendadas a imigrantes de origem russa, formando um bairro de reduzidas dimensões.
Apesar do seu limitado número de casas, em termos de residentes esta comunidade assume uma maior
dimensão, tendo em conta que cada habitação acolhe uma média de cinco a seis imigrantes.
Este tipo de “bairro”, pouco evidenciável no concelho e característico exclusivamente da
comunidade de emigrantes proveniente do leste europeu, é muito apreciado pelos seus residentes, na
medida em que, ao acolher pessoas com um perfil sócio-cultural semelhante, é-lhes permitido recriar o
seu país de origem, uma vez que é nesse espaço que continuam a falar a língua materna, que mantém os
66
In Viana, 1985: 139.
Mestrado em Estudos Europeus 128
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
mesmos hábitos alimentares67 e praticam a mesma religião. Do lado de fora fica a sociedade, ainda
pouco conhecida, para a qual se sai para trabalhar e, gradualmente, conhecer melhor as suas realidades.
No entanto, considerando o conjunto dos imigrantes inquiridos, constata-se que 60% dos
imigrantes de leste residem na área rural, enquanto 51,4 % dos imigrantes africanos residem na área
urbana central. Esta conclusão reflecte-se no tipo de alojamento, uma vez que a maioria dos imigrantes
que afirmaram residir em freguesias vivem em casas individuais, enquanto os imigrantes localizados na
área urbana residem maioritariamente em apartamentos.
Relativamente àqueles que possuem uma habitação cedida, destacam-se do nosso estudo, duas
situações, ambas originárias dos países de leste. Trata-se de dois casos isolados, embora semelhantes,
que se distingue das outras situações porque vivem na habitação do empregador, partilhando a mesma
mesa, os mesmos hábitos e costumes da terra, e tendo ainda direito à roupa lavada. Portanto, neste caso
particular, a questão das más condições de habitabilidade não é relevante, na medida em que se
pressupõe que o empregador e família vivem no mínimo razoavelmente bem e que permitem que o
imigrante acolhido tenha acesso a todas as comodidades, em igualdade de circunstâncias.
No que diz respeito aos imigrantes de leste que residem nas zonas rurais, a informação recolhida
através de relatos é francamente positiva. Embora as habitações, na sua maioria, tenham dimensões
muito reduzidas e de certa forma insuficientes quando confrontadas com o elevado número de
moradores (situação característica entre os imigrantes de leste), no cômputo geral as condições
mínimas de habitabilidade estão garantidas. Surpreendentemente, poucos foram aqueles que se
queixaram de falta de espaço.
Aquando do preenchimento dos inquéritos, logo na fase inicial do nosso estudo, tivemos a
oportunidade de ter acesso ao interior das habitações, visto que um terço deles foram realizados na
zona habitacional dos inquiridos, enquanto os restantes foram preenchidos nos locais de trabalho, dada
67
Dos trinta e cinco imigrantes da comunidade de leste inquiridos, 57,1% confessam fazer em casa comida do país
de origem e apenas 5,7% fazem também comida portuguesa. Relativamente aos imigrantes dos Palop nota-se uma maior
diversidade alimentar, sendo que 91,4% dos trinta e cinco inquiridos admitem fazer comida do país de origem e de Portugal
contra 2,9% que recorrem exclusivamente à comida do país de origem.
Mestrado em Estudos Europeus 129
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
a relativa dificuldade de conseguir encontrá-los nas suas residências68. De certo modo as condições
oferecidas são semelhantes, embora se verifiquem algumas variações quando analisamos o número de
quartos e de janelas ou os objectos que compõem o mobiliário das casas. Na sua maioria, são casas de
um só piso, com apenas uma ou duas janelas e com três divisões, a saber: quarto, cozinha e casa de
banho. O mobiliário, extremamente simples e correspondendo ao indispensável, denota uma aparência
usada, o que nos leva a concluir que já tenha sido usado noutras habitações. A sala, geralmente
agregada à cozinha, costuma também ter a funcionalidade de quarto. Já tivemos oportunidade de referir
que esta comunidade vive habitualmente em grupo, partilhando as mesmas divisões, mas também as
mesmas despesas, reduzindo-lhes assim, substancialmente, as despesas com a habitação.
Relativamente aos imigrantes dos Palop, daquilo que podemos apurar, somos levados a pensar
que esta comunidade assume uma postura diferente quanto à questão da habitação. De acordo com a
informação disponível, não tivemos conhecimento de famílias africanas que partilhassem a mesma
habitação com colegas de trabalho ou compatriotas, de modo geral, nem encontramos agrupamentos de
casas habitadas pela mesma comunidade. Uma angolana, residente na área urbana do concelho de
Barcelos confessa-nos “conheço no concelho de Barcelos imigrantes que, como eu, vieram de Angola.
Mas só tenho um relacionamento aberto com alguns porque muitos deles não são solidários” (Xinó,
38 anos). Este relato comprova um pouco o que referimos quanto à falta de contacto entre os membros
da comunidade africana. Sejam quais forem as causas responsáveis por este isolamento (sobretudo as
quais nos debruçaremos no sub-capítulo 8.2), não restam dúvidas que as famílias de origem africana
residem preferencialmente em apartamentos de dimensões razoáveis, idênticos às habitações dos
residentes nacionais e com um nível de vida equiparado, não se verificando, pelo menos visivelmente,
faltas significativas.
De facto, para além de possuírem o equipamento básico indispensável (água canalizada,
electricidade e saneamento), as habitações estão de um modo geral munidas de equipamentos que
68
Esta frequente ausência dos imigrantes das suas residências é consequência, no nosso entender, do tipo de vida
agitado que eles levam e das suas perspectivas para o futuro. Como teremos oportunidade de constatar mais adiante em
capítulo próprio, a maioria dos imigrantes de leste vêem a emigração como uma realidade ou processo a curto prazo. Por
isso vivem numa agitação constante, trabalhando dez a quinze horas por dia, sempre que o trabalho o proporcione, de modo
a ganhar o máximo de dinheiro em pouco tempo.
Mestrado em Estudos Europeus 130
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
69
Dos imigrantes de leste inquiridos 32% afirmaram que as suas condições de habitação são satisfatórias, enquanto
8,6% confessaram que as suas condições de habitação são insuficientes.
70
No nosso entender a explicação para esta aparente discrepância reside no facto dos imigrantes de leste terem
como finalidade prioritária, angariar o máximo de dinheiro para enviar para o país de origem onde ficaram os parentes mais
próximos; ou, então, reunir condições materiais para regressar a curto ou médio prazo (85,7% manifestarem pretender
regressar). Sob esta óptica, as condições de habitabilidade cá em Portugal são relegadas para segundo plano, na medida em
que se trata de uma morada provisória.
Contrariamente, a maioria dos imigrantes africanos manifestaram a intenção de prolongar a sua estadia em
Barcelos a título definitivo. Por isso, sentem-se mais entusiasmados em adquirir equipamentos que possam melhorar a sua
qualidade de vida.
Mestrado em Estudos Europeus 131
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
dividindo os custos em partes iguais, o que na realidade tem o seu sentido na medida em que todos vão
usufruir desse equipamento.
No que diz respeito ao regime de propriedade constata-se que cabe à comunidade africana o
maior número de habitações próprias. Segundo o quadro XXX, das pessoas inquiridas 22,9% de
imigrantes dos Palop afirmaram possuir uma habitação própria, não aparecendo nenhum caso na
comunidade de leste, sendo, para esta última, muito mais comum o regime de arrendamento (68,6%) ou
a cedência de habitação (28,6%) pelo empregador.
Quadro XXX: Regime de habitação dos imigrantes dos Palop e do Leste Europeu no concelho de Barcelos.
De tudo aquilo que foi exposto constatamos que apesar das duas comunidades em estudo não
usufruírem de rendimentos elevados, conseguem manter um nível habitacional, de certa forma, não
degradante. Reparamos também que o grau de satisfação assume proporções semelhantes quando
analisamos comparativamente os imigrantes dos Palop e de leste. É interessante constatar que, embora
Mestrado em Estudos Europeus 132
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
não usufruem das mesmas condições de habitabilidade (uma mais favorável que a outra), ambas as
comunidades as consideram maioritariamente satisfatórias. Para além disso, daquilo que nos vamos
apercebendo a nível nacional, comunidades da mesma origem, mas concentradas em grandes centros
urbanos, nomeadamente Lisboa, apresentam condições de vida, na sua maioria extremamente
degradadas, que contrastam com o nível de vida dos seus compatriotas residentes no concelho de
Barcelos.
Desta explanação somos levados a concluir que as condições de vida e de adaptação dos
imigrantes numa determinada parte do país não são necessariamente idênticas às de imigrantes
localizados noutra parte do mesmo país. Muitas vezes, as características próprias do concelho em que
esses imigrantes estão inseridos, aliadas ao papel interveniente da sociedade que os acolhe, pode
motivar uma nova postura de todos os intervenientes dessa sociedade.
Mestrado em Estudos Europeus 133
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
CAPÍTULO 8
Socialidades e perspectivas
71
In Viana, 1985: 177.
Mestrado em Estudos Europeus 134
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Acrescentamos que o risco que algumas doenças representam para a saúde pública obriga a uma
atenção redobrada da prestação de cuidados médicos a todas as pessoas, indiscriminadamente, devendo
por essa razão ser disponibilizados todos os meios necessários a todos os que deles precisam.
Este direito vem regulado no Despacho do Ministério da Saúde nº 25360/2001 (2ª série), nos
termos do qual “é facultado aos cidadãos estrangeiros que residam legalmente em Portugal, o acesso,
em igualdade de tratamento ao dos beneficiários do Serviço Nacional de Saúde, adiante SNS, aos
cuidados de saúde e de assistência medicamentosa prestados pelas instituições e serviços que
constituem Serviço Nacional de Saúde” (art. 1º).
O imigrante que necessite ser assistido deve dirigir-se ao Serviço Nacional de Saúde, onde lhe
podem ser prestados serviços de:
1) Cuidados de promoção e vigilância da saúde e de prevenção da doença;
2) cuidados médicos de clínica geral e de especialidades;
3) cuidados de enfermagem;
4) internamento hospitalar;
5) exames auxiliares de diagnóstico;
6) medicamentos e produtos medicamentosos;
7) próteses e outros aparelhos complementares terapêuticos.
Para a sua identificação perante as instituições e serviços integrados no SNS, o imigrante deve
ser possuidor de um cartão de utente, que pode ser adquirido no Centro de Saúde ou na Loja do
Cidadão. Este cartão é obtido mediante a apresentação perante os serviços de saúde da sua área de
residência, do “ documento comprovativo de autorização de permanência ou de residência, ou visto de
trabalho em território nacional, conforme as situações aplicáveis “ (art. 2º). Sempre que o imigrante
necessite que lhe seja prestado algum cuidado de saúde, ou simplesmente precise de auxílio médico, ou
ainda, pretenda adquirir medicamentos, deverá estar sempre munido do respectivo cartão de
identificação.
Se, porventura, o imigrante se encontra numa situação de clandestinidade, não deixa, por esse
motivo de ter acesso à prestação de serviços de saúde. Deve, contudo, apresentar junto dos serviços de
Mestrado em Estudos Europeus 135
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
saúde da sua área de residência, “o documento comprovativo, emitido pelas juntas de freguesia,(...) de
que se encontram a residir em Portugal há mais de 90 dias.” (art. 3º)72.
De acordo com a legislação em vigor, para o cidadão estrangeiro que efectue descontos para a
Segurança Social, e os respectivos familiares, os cuidados de saúde são tendencialmente gratuitos73,
conforme as condições económicas e sociais do utente. No entanto, se o imigrante em causa não
efectue qualquer desconto para a instituição supra referida, ser-lhe-ão cobradas as despesas efectuadas,
exceptuando os casos de prestação de saúde em situações que ponham em risco a saúde pública74. De
acordo com o quadro XXXI, as diferenças entre as tabelas em vigor para cada caso em concreto são
bem visíveis.
72
Para a obtenção do atestado de residência são necessárias duas testemunhas, sejam elas particulares (pessoas
conhecidas) ou donos de estabelecimentos comerciais onde seja cliente.
73
Existem pessoas que estão isentas da taxa moderadora, de entre os quais, passamos a citar:
- Crianças até aos 12 anos de idade;
- jovens em consulta no centro de atendimento a adolescentes;
- mulheres grávidas; mulheres no puerpério (período de seis a oito semanas após o parto);
- desempregados inscritos no centro de emprego e seus dependentes;
- pessoas que, devido a uma situação de carência, são beneficiárias de subsídios atribuídos por uma instituição
oficial;
- pessoas com algumas doenças crónicas legalmente definidas.
74
Entende-se por “situações que ponham em perigo a saúde pública” àquelas relacionadas com doenças
transmissíveis, nomeadamente a tuberculose, a VIH/SIDA e as doenças sexualmente transmissíveis.
Mestrado em Estudos Europeus 136
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Assim, enquanto um estrangeiro que efectue descontos para a Segurança Social paga
por, uma consulta normal, dois euros, um estrangeiro que não efectue os referidos descontos, terá de
pagar pela mesma consulta catorze euros. Portanto, estamos a falar de um acréscimo, do primeiro caso
em relação ao segundo de doze euros. Para um estrangeiro em situação sócio-económica precária, este
acréscimo coloca os cuidados de saúde num patamar inatingível, apesar da nossa Constituição
estabelecer que todos os cidadãos, incluindo os estrangeiros, têm direito aos cuidados de saúde.
alimentares. A adesão a este projecto por parte dos cidadãos comuns é comprovada pela abundância de
alguns bens, especialmente peças de vestuário e calçado, armazenados nas instalações do GASC e à
disposição de quem deles necessite.
A maior dificuldade centra-se na arrecadação de fundos monetários. De facto, as necessidades a
suprir ultrapassam de longe os recursos financeiros existentes. Talvez a solução para esta carência
passasse por uma maior divulgação da instituição, bem como dos seus propósitos, de forma a
sensibilizar todos os grupos da sociedade barcelense, designadamente, os empresários, os comerciantes,
os políticos e o cidadão em geral, para a natureza deste problema, tornando-o numa preocupação
comum, perante o qual todos teriam responsabilidade de contribuir com vista à sua solução.
75
Para a determinação do rendimento mensal bruto divide-se por doze meses a soma total do rendimento ilíquido,
do subsídio de férias e décimo terceiro mês (nº 2.2.). A este valor serão deduzidas as despesas com a saúde, devidamente
comprovadas (nº 2.3.).
Mestrado em Estudos Europeus 138
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
“per capita” inferior a € 249.40 (nº 2.7.). O valor da comparticipação atribuída pela Câmara varia
consoante o grau de necessidade do candidato, não podendo, contudo, ultrapassar os 75% da renda (nº
3)76.
76
Os documentos necessários para formalizar a candidatura vêm referenciados no nº 5 do referido Regulamento.
77
É interessante constatar que esta freguesia se localiza na zona periférica do concelho de Barcelos e apresenta
uma actividade industrial pouco activa, assente, essencialmente, num número muito restrito de pequenas confecções de tipo
familiar. Esta será, aliás, a explicação pelo isolamento destes dois casais de nacionalidades diferentes (ucranianos/russos)
comparados com restantes compatriotas concentrados com maior afluência noutras freguesias do concelho. Interrogados
sobre o motivo que os levou a viverem nessa freguesia, ambos responderam que já tinham residido em Barcelos (no centro),
mas que após alguns contactos tinham conseguido esse emprego na dita freguesia. É de notar, também, que ficamos muito
surpreendidos pela positiva, com a facilidade em que se expressam na nossa língua. Concluímos que este facto seja devido,
por um lado, ao contacto permanente e exclusivo mantido com os nacionais residentes na freguesia e, por outro lado, à
Mestrado em Estudos Europeus 139
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Os imigrantes dos Palop também acabam por não beneficiar deste apoio à renda, dado que,
geralmente, residem na mesma habitação mais do que uma pessoa com rendimentos declarados (é
frequente residirem juntos parentes próximos, como por exemplo, sobrinhos e tios), ultrapassando
quase sempre o plafond permitido.
Respeitante ao seu conteúdo este Regulamento introduziu algumas alterações ao documento
anterior, tendo uma delas a ver com o limite máximo do valor das rendas conforme as habitações. De
facto, o valor máximo permitido por apartamento era francamente inferior ao preço real dos
apartamentos disponíveis em Barcelos. A vinda de fundos comunitários e o bom funcionamento do
sector industrial em Barcelos durante a década de noventa, reflectiu-se de certa forma na baixa taxa de
desemprego, no aumento do poder de compra dos residentes e também no valor elevado das rendas. A
título meramente comparativo, enquanto em Braga um apartamento tipo T1 para arrendar rondava os €
200.00/mês, em Barcelos, no mesmo período, não se conseguia arrendar um apartamento com idênticas
características por menos de € 225.00-250.00/mês, o que significa um acréscimo que podia ir até aos
25%.
Poucas pessoas, contudo, se preocupavam com esta situação, porque até 2002 as pessoas
optavam mais por contrair um empréstimo bancário para aquisição de habitação própria, o que era
perfeitamente compreensível tendo em atenção que a maioria dos compradores pertencia a uma faixa
etária jovem, beneficiando, assim, do crédito bonificado. O recurso ao arrendamento era pouco usual.
Talvez devido a essa fraca procura, o número de habitações disponíveis para arrendar fosse
relativamente baixo.
Contudo, com o agravamento da economia, aliado ao fim do crédito bonificado, reduziu
drasticamente o sector de vendas imobiliárias e acelerou o mercado dos arrendamentos. Ao aumento da
procura de habitação com fins de arrendamento, os investidores responderam com maior oferta e,
devido à crescente concorrência, com um descida do valor das rendas. Esta é pelo menos a situação que
neste momento atravessamos. Já é possível ver em diversos prédios da cidade anúncios de imobiliárias
a oferecer apartamentos para arrendamento. Este aumento de oferta tem tido receptividade, não só por
ausência na zona de residência de cidadãos da sua nacionalidade, obrigando-os, assim, a recorrer com mais intensidade à
língua portuguesa.
Mestrado em Estudos Europeus 140
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
parte dos nacionais, como também de imigrantes de origem africana, da Europa de Leste e também da
comunidade brasileira que, actualmente, goza no concelho de uma representatividade considerável.
Mestrado em Estudos Europeus 141
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
A integração do imigrante na nova sociedade costuma ser um processo que exige uma
participação activa de duas comunidades (a de acolhimento e a comunidade do imigrante) de modo a
superar todas as barreiras culturais evidenciadas pelo contacto de duas culturas diferentes. Para o
imigrante, o processo de inserção nem sempre ocorre sem dificuldades. A saída do seu ambiente sócio-
económico, agravada pela separação familiar e o contacto abrupto com uma nova sociedade
desconhecida para ele, obriga-o a passar por um longo período de adaptação que, dependendo das
dificuldades de integração de cada imigrante, poderá ser só alcançado com êxito na segunda geração.
Convém notar que quando falamos em processo de adaptação temos a infeliz tendência de
atribuir toda a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso deste processo aos imigrantes. No entanto,
enquanto membros originários da sociedade de acolhimento temos o dever de facilitar-lhes a sua
integração sob diversas formas, entre as quais, adoptando alguns dos seus hábitos e costumes. Dito por
outras palavras, o processo de adaptação exige a cedência exige a aceitação de novos costumes e
hábitos por parte de ambas as comunidades (de origem e de acolhimento). Este intercâmbio de
costumes e hábitos servirá para enriquecer o nosso património cultural.
78
In Tavares, 1998: 114-115.
Mestrado em Estudos Europeus 142
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
No caso específico do nosso estudo, constatamos que para os imigrantes, habituados a viver
geralmente numa sociedade tradicional subdesenvolvida, a passagem para uma sociedade de tipo
urbano desenvolvida, pode não ocorrer de forma imediata. O contacto com hábitos alimentares
diferentes do país donde são originários, as dificuldades de aprendizagem de uma língua
completamente incompreensível, agravada pelo sentimento de nostalgia que os invade pela falta dos
seus familiares mais próximos, contribui para uma maior aproximação dos seus compatriotas ou
familiares, que melhor do que ninguém os entendem por partilharem o mesmo tipo de problemas.
Ao longo do nosso trabalho apercebemo-nos que a faixa etária do imigrante interfere no seu
processo de integração na nova sociedade. Isso ficou claro sobretudo com o estudo da comunidade de
imigrantes dos Palop. De facto, constatamos que a totalidade dos inquiridos com idade compreendida
entre os 11-30 anos afirmaram não sentir dificuldades de adaptação à sociedade de acolhimento, nem
em termos de aprendizagem dos hábitos culturais, nem sequer no convívio com outras pessoas. Em
contrapartida, os imigrantes de faixa etária superior, sobretudo compreendida entre os 41-50 anos
confessaram sentir mais dificuldades, muitas delas ocorrentes no local de trabalho, onde o contacto
entre os membros da comunidade de acolhimento e os imigrantes nem sempre se processa da melhor
maneira, derivado essencialmente de situações que podem ser definidas como discriminatórias e que
anulam qualquer possibilidade de bom relacionamento.
A questão do racismo é sempre complexa podendo ser vista sob vários ângulos, embora no
fundo se traduza numa discriminação do direito, neste caso do imigrante, devido a uma característica
racial.
Quadro XXXII : Locais onde é exercida a discriminação.
Analisando o quadro XXXII concluímos que, quer os imigrantes dos Palop (45,7%) quer os de
leste (48,6%), consideram que a discriminação é exercida por todo o lado. No caso particular dos
imigrantes africanos 42,9% dos inquiridos apontaram o local de trabalho como um espaço susceptível
de ocorrerem comportamentos discriminatórios. A este propósito citamos o relato de Iola, uma
angolana de 38 anos, que nos confessa que “trabalho há mais de seis anos numa confecção. O meu
trabalho é passar roupa a ferro, mas aquilo que eu gostaria mesmo de estar a fazer era confeccionar
roupa. Falei com o patão, porque sei de outros casos de colegas minhas que foram para a confecção
preencher vagas. A resposta foi simples: não tem experiência para ocupar esse cargo. Não concordei
com a opinião do meu patrão (porque as minhas outras colegas também não tinham experiência), mas
não disse nada – podia ficar com raiva de mim. Então, resolvi tirar um “cursinho” de corte e cose. Só
Deus sabe o quanto me custou, mas lá consegui. E agora eu pergunto: para que me serviu? Vai
aparecendo uma vaga por outra na confecção, preenchida por qualquer uma... menos por mim. Como
é que você se sentia? Tudo isto só por causa da cor ou haverá algo mais? Será que não somos todos
filhos de Deus?”.
Relativamente aos imigrantes de leste, apenas 20%, consideram o local de trabalho um espaço
onde é exercida discriminação. Esta é pelo menos a opinião manifestada por um imigrante ucraniano
“há algum tempo, estávamos a conversar com os nossos colegas de trabalho portugueses e soubemos
que o nosso patrão pagava-lhes €5.00/hora, enquanto nós recebíamos apenas €3.00”. Apesar da
maioria das vezes terem consciência de estarem a ser prejudicados, são raras as vezes que os imigrantes
manifestam o seu descontentamento. Como podemos confirmar pela continuação do testemunho, o o
inquirido confessa-nos que “ficamos revoltados, mas não dissemos nada. Esse dinheiro que ganhamos
por fora faz-nos muito jeito para, junto com mais algum, mandar para Ucrânia, onde ficaram os
nossos filhos com os avós” (Vatin, 40 anos).
É interessante verificar em consonância com os dados do quadro supra referido, que ambas as
comunidades de imigrantes em estudo afirmam raramente ocorrer discriminação no local de residência
(2,9% dos Palop). Em contrapartida, para os imigrantes de leste nem o local de residência, nem os
locais de entretenimento foram considerados espaços de discriminação.
Segundo os relatos dos nossos inquiridos, essa discriminação assume, contudo (Anexos 8 e 9),
facetas diferentes conforme os sujeitos envolvidos. Com efeito, os imigrantes dos Palop são
maioritariamente alvo de atitudes discriminatórias por parte dos colegas de trabalho portugueses, com
Mestrado em Estudos Europeus 144
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
quem os conflitos são frequentes, “não aceitam que nós ocupemos o mesmo posto de trabalho do que o
deles” (Sandra, 35 anos). Este sentimento de repressão manifesta-se sobretudo por comportamentos de
indiferença, e de afastamento, nomeadamente dos convívios de grupo entre colegas. Em casos mais
extremos pode manifestar-se um corte definitivo nas relações, deixando pura e simplesmente de existir
qualquer contacto verbal.
Este tipo de discriminação, contudo, tem mais como alvo imigrantes do sexo feminino
pertencentes a um grupo profissional de baixa qualificação. De facto, temos vários casos de imigrantes
dos Palop cuja inserção profissional é francamente positiva, quer em termos de actividade profissional,
como no relacionamento entre colegas de trabalho portugueses e de outras nacionalidades. Geralmente,
este grupo específico enquadra-se mais numa faixa etária mais jovem ou, então, corresponde a
indivíduos com um perfil educativo médio/elevado.
Seja como for, mesmo nas situações menos positivas, não se verificam no concelho casos de
confrontos violentos ou desentendimentos envolvendo imigrantes, como é habitual acontecer nos
grandes centros urbanos. Os sentimentos de descontentamento e “não aceitação” são quase sempre
expressos sob a forma de comportamentos camuflados ou, nas classes mais jovens, através de temas
musicais improvisados e pinturas murais.
Esta atitude de acomodação mútua é característica de ambas as comunidades de imigrantes em
estudo. Convém, no entanto especificar que, relativamente aos imigrantes de leste, apesar de uma parte
considerável de episódios de discriminação terem uma ligação directa com o meio laboral, assumem
uma faceta diferente. Neste contexto, é importante referenciar dois factores de distinção entre as duas
comunidades. Em primeiro lugar, os imigrantes de leste são alvo genericamente de discriminação, não
por parte dos colegas de trabalho portugueses, mas sobretudo pelos empregadores. Em segundo lugar,
estes comportamentos não assentam em características físicas, mas em comportamentos abusivos da
classe empregadora. Uma parte deles demonstram ser destituídos de quaisquer escrúpulos,
aproveitando-se de toda a vulnerabilidade destes indivíduos para explorá-los impondo-lhes uma carga
excessiva de trabalho em troca de um salário irrisório, correndo estes últimos o risco, em situações
mais extremas, de não receberem qualquer remuneração.
Embora o racismo seja um dos problemas que mais dificulta o processo de integração dos
imigrantes na sociedade (devido ao seu carácter marginalizador) existem outros problemas menos
Mestrado em Estudos Europeus 145
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
evidentes, mas não de menor importância. Um deles é o desconhecimento da língua, implicando até à
aprendizagem de algum vocabulário um distanciamento em relação à sociedade de acolhimento, até
porque as suas saídas vão limitar-se inicialmente ao local de trabalho e à mercearia. Apesar de mais
visível no seio da comunidade de leste, pelo desconhecimento total da língua portuguesa, tivemos
conhecimento no seio da comunidade africana, de alguns casos de difícil adaptação, vindos sobretudo
de imigrantes cabo-verdianos. Por exemplo, baseando-nos no testemunho de uma cabo-verdiana, o
recurso ao crioulo como forma de comunicação familiar79 causa, no entender de um docente do ensino
primário algumas dificuldades, sobretudo aos imigrantes de faixa etária mais jovem e em idade escolar,
tendo sido apontada como causa principal do insucesso escolar de algumas crianças de origem cabo-
verdiana. Segundo o relato desta nossa inquirida que passamos a citar “o ano passado fiquei
surpreendida quando a directora de turma do meu filho me disse que ele tinha algumas dificuldades na
aprendizagem do português, porque misturava o português com o crioulo.. eu não lhe disse nada mas
não concordo” (Iola, 40 anos).
A este respeito não podemos deixar de fazer um comentário. É conveniente que entendamos que
a dificuldade de aprendizagem não pode ser atribuída exclusivamente à criança, mas sobretudo ao
nosso sistema de ensino que, na nossa perspectiva, não tem demonstrado grande sensibilidade pela
promoção da igualdade de oportunidades em termos de aprendizagem. A criança imigrante,
confrontada com o programa de ensino do país de acolhimento tem, por si só, dificuldades acrescidas
por ter de apreender uma matéria que não tem, no seu entender, grande interesse para ela por ser
totalmente diferente daquela que teria de apreender se estivesse no seu país de origem.
Outro problema tem a ver com a dificuldade de comunicação entre o professor e o aluno,
levando muitas vezes este último a fazer de conta que entendeu o que lhe foi ministrado quando tal não
corresponde à realidade. Esta dificuldade, contudo, não pode ser imputada apenas à falta de
conhecimento da língua portuguesa. Não querendo subestimar o trabalho desenvolvido pelos
professores, enquanto transmissores de conhecimentos, entendemos que deveria haver um maior
empenho do educador no sentido de tentar descobrir possíveis causas externas à escola como principais
responsáveis pelo insucesso escolar. As más condições de habitabilidade, a condição de pobreza, o mau
ambiente familiar ou simplesmente a rejeição da sociedade à sua pessoa, enquanto imigrante, poderão
79
Dos trinta e cinco imigrantes dos Palop inquiridos sobre a língua utilizada em casa oito afirmaram recorrer ao
crioulo.
Mestrado em Estudos Europeus 146
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
ser apontadas, no nosso entender, como alguma dessas causas. Esta descoberta poderá ocorrer mediante
um diálogo mais aberto entre o professor e o aluno, tentando o primeiro, dessa forma, conquistar a
confiança do segundo e, consequentemente, quebrar as barreiras que ergueu à sua volta.
O educador poderá ainda tentar quebrar o desencanto escolar procurando evidenciar no decorrer
das aulas aspectos positivos da cultura à qual o imigrante pertence80. Esta forma de enaltecer a cultura
ou a história do aluno do país estrangeiro fortalecerá a sua auto-estima e transmitir-lhe-á um sentimento
de importância perante os seus colegas de escola.
Sem mais delongas, queríamos contudo apenas dizer que no nosso entender, o sucesso escolar
dos imigrantes exige uma maior sensibilidade por parte de alguns educadores perante o drama de vida
da criança que se encontra longe do seu habitat e que diariamente é confrontado com ensinamentos que
não lhe trazem muita motivação.
80
Ousando fazer uma breve abordagem muito pessoal, enquanto filha de pais que já foram emigrantes em França,
recordo um episódio ocorrido durante uma aula, quando eu frequentava o CE2 (equivalente ao 3º ano de escolaridade).
Nessa altura a minha professora exaltou os feitos dos portugueses ao falar da epopeia dos descobrimentos. Não me esqueço
jamais a alegria, e se permitem, o orgulho que eu senti naquele momento por ser portuguesa.
81
Ambas as comunidades de imigrantes em estudo afirmaram maioritariamente conservar a própria cultura e ao
mesmo tempo adaptar-se à portuguesa (imigrantes de leste 100%; imigrantes dos Palop 82,9%). Isto vai ao encontro do
comportamento pacifista destes imigrantes que já tivemos oportunidade de evidenciar. Ao não entrar em confronto com a
cultura do país de acolhimento, mostrando mesmo interesse na assimilação dos seus valores, demonstram a sua
intencionalidade em se integrar por completo na nova sociedade.
Mestrado em Estudos Europeus 147
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
estarem ao corrente dos acontecimentos locais. Na comunidade africana estes contactos também
existem embora segundo os relatos nos tenha parecido serem mais esporádicos (por exemplo mensais).
Finalmente, é importante referir que o processo de inserção está de certa forma ligado à
ocupação dos tempos livres.
saúde, a ausência de familiares próximos são alguns dos problemas que empurram alguns imigrantes
num túnel donde poucos conseguem sair. Outros imigrantes vêem-se ainda confrontados com
problemas no país de origem. Recordamos um imigrante moldavo, que se encontrava desempregado,
quando recebeu a notícia de que a sua mulher, residente na Moldávia, sofrera um acidente e se
encontrava hospitalizada. Sem dinheiro nem perspectivas de o ganhar só lhe restava esperar pela
complacência dos compatriotas. No entanto, com o tempo, estes últimos acabam por se afastar pela má
vivência que alguns deles dão, devido ao efeito do álcool. Perante esta situação que eles caracterizam
de “fracasso”, a maioria ainda consegue reunir forças para regressar, mas precisam ainda da
solidariedade de todos para poder comprar o bilhete de volta. Outros, em menor número, não
conseguem sair do seu estado de inacção e também não conseguem regressar, impedidos por um misto
de vergonha (em assumir o fracasso) e de esperança (de encontrar algum dia um emprego), tal como
outros já demonstraram noutros estudos (Silva, 1998).
De tudo aquilo que foi exposto podemos concluir que, apesar das dificuldades que enfrentam
inerentes à sua condição de imigrante, ambas as comunidades em estudo residentes no concelho, têm
demonstrado possuir capacidade de se integrar harmoniosamente na nossa sociedade. É claro que o
facto de a comunidade africana ser de expressão portuguesa e ter um passado em comum com os
portugueses, traz-lhes benefício no sentido de uma mais rápida integração. Mas, mesmo relativamente
aos imigrantes de leste o processo de integração tem sido maioritariamente positivo, exceptuando casos
pontuais e isolados de fracasso que terminam geralmente com o regresso do imigrante ao país de
origem. Não podemos também deixar de evidenciar a importância para os portugueses, deste contacto
inter-cultural. A presença de comunidades com hábitos, conhecimentos e tradições diferentes dos
nossos, vão, na realidade, servir para fortalecer a nossa cultura e enriquecê-la a todos os níveis,
tornando o nosso país, embora de pequenas dimensões, grande na diversidade cultural.
Mestrado em Estudos Europeus 149
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Em cada uma das comunidades de imigrantes em estudo, as perspectivas de futuro são difíceis.
Para os imigrantes africanos, que tiveram de atravessar o oceano, a emigração assume tendencialmente
um carácter de duração a longo termo, em que muitas vezes o desejo inicial de regresso nunca se chega
a concretizar. Frequentemente, sobretudo no caso destes imigrantes, a passagem de um meio rural para
um meio urbano, com as alterações de vida que esta passagem impõe, nomeadamente o contacto com
um novo estilo de vida mais atractivo associado geralmente a obtenção de maiores recursos
económicos, faz com que no decorrer dos anos o projecto inicial de regresso definitivo seja adiado até
atingir a idade de reforma (regressando quase sempre para lá morrer), ou seja mesmo anulado. A
simples deslocação ao país de origem ocorre com dificuldade. O custo elevado das viagens faz com
que, mesmo para aqueles que manifestam um grande interesse em regressar, ainda que
temporariamente em período de férias, adiam a viagem chegando, por vezes, a nunca se proporcionar a
deslocação.
A situação dos imigrantes provenientes do Leste Europeu tem contornos bem diferentes. Trata-
se de uma imigração com um carácter mais transitório. É natural que, na maioria dos casos, o contacto
com a nova sociedade do bem-estar os leve a ponderar a hipótese de continuarem no país de
acolhimento, mais do que não seja, o tempo suficiente para juntar dinheiro para construir uma casa,
82
Cf. J. Leitão, in Ribeiro, 1998: 30.
Mestrado em Estudos Europeus 150
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
comprar um carro ou, no caso de pretenderem regressar ainda em idade activa, preocupar-se em
amealhar o suficiente para se estabelecer no seu país, de forma a garantir a continuidade da sua
subsistência e qualidade de vida.
O quadro XXXV evidencia-nos os projectos de vida daqueles que tencionam a curto ou médio
prazo regressar definitivamente ao seu país de origem.
Quadro XXXV: Projectos de vida dos imigrantes de leste que tencionam regressar ao país de origem
Neste contexto, o regresso é, assim, encarado como o resultado de um percurso de vida, ditado
essencialmente pelo desejo de concretização de um projecto que, apesar de inicialmente visar apenas a
melhoria económica, se vai transformando num projecto de ascensão social. O imigrante que manifesta
interesse em regressar ainda em idade activa, quer fazê-lo quando ainda “vale a pena”. Apesar desta
expressão poder ser muito subjectiva, no entender do imigrante enquanto tal, resume-se em poucas
palavra: quando reunir as condições económicas para realizar o seu sonho profissional. A maioria dos
inquiridos manifestaram interesse em investir em pequeno comércio, preferencialmente na vila que os
viu sair do país apenas com a roupa que levavam vestida e com algum dinheiro que, na maioria das
vezes, já tinha destino certo. É no fundo esse desejo enorme de vencer e de poder evidenciar um dia
mais tarde o seu êxito em terras estrangeiras que os fortalece e os leva a poupar o mais que puderem.
Todavia, não nos é possível analisar os casos de sucesso uma vez que se trata de uma corrente
imigratória relativamente recente, cujos resultados só poderão ser recolhidos e analisados a médio e
longo prazo. Porém, devemos estar atentos a determinados elementos que podem anular o projecto de
regresso alimentado durante uma vida de trabalho. Estamos evidentemente a referirmo-nos aos filhos
Mestrado em Estudos Europeus 151
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
dos imigrantes. Embora muitos deles actualmente ainda não se encontrem a residir cá, a maioria dos
pais imigrantes inquiridos já manifestaram a intenção de traze-los para perto deles logo que tenham
garantido alguma estabilidade económica. Nessa altura, supõe-se que seja a curto prazo, os filhos,
maioritariamente com idades até aos quinze anos, irão continuar o seu percurso escolar e adaptar-se-ão
à nossa cultura, concerteza com mais facilidade que os pais, pertencentes a uma geração anterior. Face
a isto, é muito provável que em idade mais avançada, correspondente ao final do percurso escolar, os
filhos da maioria desses imigrantes não manifestem grande interesse em regressar ao país de origem. É
aqui que os imigrantes (pais) poderão se ver confrontados perante a decisão de regressarem (sozinhos)
e levar a cabo os seus projectos, ou abrir simplesmente “mão deles”, optando por ficar cá com os filhos.
Obviamente que se trata apenas de uma previsão. Não pretendemos com isto ser futurologistas, mas
esta é concerteza uma realidade que até lá não poderá ser posta de lado.
Quanto à imigração dos Palop, apesar desta previsão também lhes ser aplicável, a maior parte
deles não pondera um regresso em idade activa, mas antes numa fase final da sua vida. Exceptuam-se
aqui o caso dos moçambicanos cujas razões que motivaram a saída do seu território foram,
essencialmente, o desejo de se estabelecerem como comerciantes no seu país de origem, decisão esse
que naturalmente será tomada em idade activa.
Por vezes, no entanto, essa força interior do imigrante não é suficiente para levar a cabo a sua
missão. Ao longo desta parte referimos várias vezes o estado de vulnerabilidade em que a maioria deles
se encontram, motivados, como também já dissemos, pelo sentimento de “saudade”, palavra cujo
significado também conhecem. O problema é que quando eles não conseguem lidar com a força do
sentimento e o deixam interferir na sua vida a ponto de anular os projectos iniciais. Podem-se
enquadrar neste cenário, por exemplo, aqueles imigrantes que vão passar um mês de férias ao seu país
de origem e acabam por lá ficar mais dois ou três meses, pondo em grande risco o seu posto de
trabalho. A partir desse momento vêem-se envoltos num clima de instabilidade: sem emprego, com
pouco dinheiro e sem perspectivas de ganha-lo, ficam dependentes da solidariedade dos compatriotas.
Perante o problema as soluções escasseiam: ou conseguem um emprego sujeitando-se ao que aparece
(para muitos a única alternativa é trabalhar ilegalmente na construção civil para pequenos empresários,
porque os grandes já confessam mais medo de serem penalizados) ou, então, enfrentam a dura
realidade do regresso forçado.
Mestrado em Estudos Europeus 152
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
A tomada dessa decisão ocorre na maioria das vezes no limiar da subsistência. Exceptuando um
caso por outro que encara o regresso antecipado com naturalidade, a grande maioria dos imigrantes
aceita com muita dificuldade a decisão de regressar ao país de origem como veio – sem nada83. A não
concretização de pelo menos alguns dos seus desejos materiais gera no imigrante um profundo
sentimento de angustia, pelo seu insucesso; de fracasso, perante a família que depositou nele toda a sua
esperança; e um complexo de inferioridade, em relação a todos aqueles que conseguiram levar a cabo
os objectivos que se propuseram.
83
Neste contexto, e segundo informação prestada pelo Presidente do GASC, Professor Doutor Constantino José da
Silva Lopes, existe um número significativo de imigrantes nesta situação. Depois de aceite a decisão de regressar, o
imigrante vê-se confrontado com o problema dos custos da viagem, uma vez que, como já tivemos oportunidade de referir,
essa decisão é tomada quando a situação começa a ficar, para ele, insustentável, quer emocionalmente, quer
financeiramente. A este respeito é de louvar o trabalho desenvolvido pelo GASC que, apesar de não ter recursos
significativos, tudo tem feito para conseguir angariar dinheiro para, pelo menos, minimizar os efeitos de uma imigração mal
sucedida.
Mestrado em Estudos Europeus 153
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
PARTE IV
No contexto das migrações internacionais, os cidadãos que pretendam deslocar-se para outros
países terão direito a um tratamento jurídico de acordo com a sua nacionalidade, com as causas
impulsionadores do seu acto de emigrar, e com o tempo de duração da migração. De facto, todo o
indivíduo que seja cidadão de um dos Estados-membros da União Europeia goza de direitos
reguladores da entrada, permanência e saída do território do país de destino diferentes daqueles que são
aplicados a um cidadão provenientes de um Estado terceiro. A Constituição da República Portuguesa
dispõe no seu artigo 44º que “a todos os cidadãos é garantido o direito de se deslocarem e fixaram
livremente em qualquer parte do território nacional” (nº 1). O nº 2 do mesmo preceito estabelece que
“a todos é garantido o direito de emigrar ou de sair do território nacional e o direito de regressar”.
A crescente pressão migratória dos últimos anos, fruto, por um lado, dos compromissos
anteriormente assumidos por alguns países europeus com os seus antigos territórios coloniais e da
intensificação de correntes de imigrantes que se deslocam para a União Europeia e, por outro lado, a
abertura das fronteiras decorrente da aplicação do Acordo de Schengen têm suscitado a preocupação
dos Estados-membros e das instituições da União Europeia. O reforço da segurança das fronteiras
externas do espaço Schengen é concerteza uma das prioridades dos Estados Partes. É nesse sentido que
as questões relacionadas com a imigração e o direito de asilo têm sido merecedoras de atenção por
parte dos Estados, a comprovar pela adopção de medidas comuns nestes domínios.
A este respeito J. Pestana afirma, e bem, que “o esbatimento das fronteiras internas encontra
natural compensação numa acrescida consistência da fronteira externa, do mesmo modo que o
derrube das divisórias interiores de um edifício recomendaria, para prevenir o seu desabamento, a
construção de pilares ou contrafortes de apoio às paredes exteriores” (CES, 1995: 67).
Mestrado em Estudos Europeus 155
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
CAPÍTULO 9
No último quarto do séc. XX, Portugal sofreu um aumento crescente de estrangeiros, que
transformou a imigração no país num fenómeno complexo ao qual ninguém pode ficar indiferente.
Para esse aumento muito contribuiu a entrada de Portugal no espaço Shengen em 1995 e o
afluxo maciço de imigrantes oriundos da Europa de Leste. Esta nova realidade, muito semelhante
àquilo que ocorre nos restantes Estados signatários dos acordos de Shengen, levou a que os países da
União Europeia optassem por harmonizar os seus esforços na luta por um maior controlo fronteiriço, de
modo a regular a entrada e a permanência de imigrantes no território. Na verdade, a adopção de uma
política de imigração regulamentada e atenta às reais possibilidades do país, parece ser a solução mais
viável para garantir o sucesso das acções promovidas e das medidas implementadas com o intuito de
facilitar a integração dos imigrantes na sociedade portuguesa84. A entrada descontrolada e ilimitada de
84
No nosso entender, embora reconheçamos a necessidade de estabelecer aos estrangeiros limites de entrada, em
Portugal não deve, contudo, ser edificada uma fortaleza demasiado rígida, sob pena de entrarmos em contradição com a
nossa História. É bom que não esqueçamos que actualmente Portugal faz parte do grupo de novos países de imigração, ao
par da Grécia e da Espanha, tendo todos a particularidade de, num passado ainda recente, e ainda hoje serem países de
emigração. Daí concluirmos que todos eles têm a obrigação de enfrentar esta nova realidade com a sensibilidade que a
Mestrado em Estudos Europeus 156
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
estrangeiros, para além de trazer em termos económicos e sociais consequências nefastas para o país de
acolhimento, levaria à exclusão social da comunidade estrangeira85.
Importa mencionar que, no intuito de evitar este cenário indesejável, vários mecanismos foram
ao longo dos últimos anos introduzidos no combate à imigração ilegal, reforçados pela adopção de uma
série de diplomas legais destinados a garantir o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos
imigrantes.
Desde logo, a Constituição da República Portuguesa consagra no seu art. 13º o Princípio da
Igualdade que confere a todos os cidadãos a mesma dignidade social e igualdade perante a lei. O nº 2
do referido artigo é bem explícito ao estabelecer que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado,
prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo,
raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação
económica ou condição social”.
Ao encontro do exposto no art. 13º, o art. 15º reforça o princípio da igualdade entre os
estrangeiros e os nacionais ao reconhecer-lhes os mesmos direitos e deveres, embora exceptuando, logo
no nº 2 do mencionado artigo “os direitos políticos, o exercício de funções públicas que não tenham
carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei
exclusivamente aos cidadãos portugueses”. Estamos aqui perante uma clara diferenciação de
tratamento, considerada por alguns como uma discriminação legítima. No caso específico dos direitos
de participação política, durante muito tempo (e ainda hoje no entendimento de alguns especialistas)
situação exige. Portanto, é neste sentido que consideramos extremamente importante que as medidas restritivas de
imigração sejam acompanhadas de medidas implementadoras de acções de apoio à inserção da comunidade migrante no
país de acolhimento.
85
A este respeito, o preâmbulo do Decreto-lei nº 34/2003, de 25 de Fevereiro, estabelece que “com o intuito de
promover a imigração legal adopta-se a fixação de um limite máximo anual imperativo de entradas em território nacional
de cidadãos de países terceiros. Elaborado plurialnualmente pelo Governo, mediante parecer do Instituto de Emprego e
Formação Profissional, e após audição das Regiões Autónomas, da Inspecção-Geral do Trabalho, da Associação Nacional
de Municípios, das confederações patronais e sindicais e do Alto-Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas, no
qual serão definidos critérios económicos e sociais na determinação das necessidades de mão-de-obra e da capacidade de
acolhimento de cada região, assegurando a participação das autarquias locais em todo o processo”.
Mestrado em Estudos Europeus 157
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
esses direitos foram definidos como “direitos de cidadãos, fundados, legítimos e determinados pela
sua função de garantia, de protecção ou de construção directa do processo democrático” (in
Canotilho, 2000: 121). Era neste domínio que residia uma das maiores diferenciações entre o “cidadão”
e o “estrangeiro ou apátrida”. Actualmente, apesar de já ser perceptível uma participação cada vez mais
activa dos estrangeiros na tomada de decisões do foro político, como já sucede no âmbito da União
Europeia86, e no caso de Portugal em situações específicas87, existem estrangeiros para quem os direitos
de participação política ainda figuram entre as derrogações ao “critério do tratamento nacional”. No
entanto, aquilo que, numa primeira visão pode parecer uma situação discriminatória, depois de bem
analisada pode ser interpretada como sendo uma discriminação legítima. É, pelo menos, esse o
entendimento de diversos autores, designadamente A. L. Riquito que justifica a exclusão da atribuição
de direitos políticos a estrangeiros quer no critério do tratamento nacional, quer no critério mínimo
internacional. Com efeito, transcrevendo as palavras do autor “seguindo-se a regra do tratamento
nacional, os Estados dirão estamos aqui perante uma situação que se compagina com o conceito de
«fonte admissível de desigualdade». Escolhendo o critério do standard mínimo internacional, seria
demasiado ambicioso incluir no seu conteúdo os direitos de participação política, pois se trata ainda
aqui essencialmente de um «padrão moral para os Estados civilizados», destinados apenas a condenar
o desrespeito pelos direitos humanos fundamentais, reconhecidos e definidos nos instrumentos
internacionais contemporâneos” (in Canotilho, 2000: 122).
Dito isto sobre o princípio da igualdade entre os estrangeiros e cidadãos nacionais, consagrado
na Lei Fundamental, parece-nos fulcral dedicarmo-nos a um dos propósitos mais importantes do nosso
86
O nº 4 do art. 15º da CRP estabelece que “a lei pode atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, em
condições de reciprocidade, capacidade eleitoral activa e passiva para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias
locais”.
87
Enquanto membro da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), Portugal deve conferir aos cidadãos
nacionais dos Estados-membros da referida Comunidade alguns direitos excepcionais. Assim, o reconhece o nº 3 do art. 15º
da CRP, ao estabelecer que “aos cidadãos dos países de língua portuguesa podem ser atribuídas, mediante convenção
internacional e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo o acesso à titularidade dos
órgãos de soberania e dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas, o serviço nas forças armadas e a carreira
diplomática”.
Mestrado em Estudos Europeus 158
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
trabalho que consiste na análise dos direitos, deveres e garantias que os estrangeiros tem em Portugal.
São milhares os indivíduos oriundos de outros países que têm chegado nas últimas décadas a Portugal
em busca de trabalho, abandonados à sua sorte, sem terem conhecimento daquilo que precisam para
deixarem de ser apontados como estrangeiros clandestinos. Conjuntamente, juristas e políticos, têm
procurado no decurso dos últimos vinte e cinco anos adoptar medidas reguladoras da imigração, de
modo que este fenómeno se possa processar em bases legais. Contudo, a grande diversidade de
legislação adoptada nas últimas décadas alerta-nos para a complexidade da gestão dos fluxos
migratórios e para a dificuldade de harmonizar a ordem jurídica interna com os padrões impostos a
nível internacional.
Actualmente, o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do
território nacional, encontra-se consagrado no Decreto-lei nº 34/2003, de 25 de Fevereiro. Esta lei veio
revogar o Decreto-lei nº 4/2001, de 10 de Janeiro, justificando a sua entrada em vigor com a
necessidade de levar a cabo “uma política de imigração assente em três eixos fundamentais: promoção
da imigração legal em conformidade com as possibilidades reais do país, integração efectiva dos
imigrantes e combate à imigração ilegal” (Preâmbulo do Decreto-lei nº 34/2003).
De acordo com este novo regime jurídico, os estrangeiros88 que pretendam entrar em Portugal,
deverão ser portadores de:
i) “um documento de viagem válido reconhecido” (art. 12º, nº 1), com “validade
superior à duração da estada” (art. 12º, nº 2).
A exigência do período de validade do documento deixa de ser um requisito se se tratar de
reentrada de um estrangeiro que já seja residente no país.
O âmbito de aplicação do disposto nos nos. 1 e 2 do art. 12º não abrange, contudo, os cidadãos
nacionais de países membros da União Europeia89 ou de países com os quais Portugal tenha celebrado
acordos bilaterais nesse sentido. Nestes casos, a apresentação do bilhete de identidade ou documento
equivalente é considerado suficiente para permitir a entrada no país (art. 12º, nº 3 al.a).
88
Segundo o disposto no art. 2º do referido decreto-lei “considera-se estrangeiro todo aquele que não prove
possuir a nacionalidade portuguesa”.
89
Adiante, em capítulo próprio, havemos de analisar, com algum pormenor, o estatuto especial conferido aos
nacionais de um Estado-membro da União Europeia enquanto cidadão da União.
Mestrado em Estudos Europeus 159
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Após esta breve reflexão sobre os principais requisitos impostos aos cidadãos estrangeiros não-
comunitários que pretendam entrar em território português, interessa fornecer elementos mais
pormenorizados sobre os tipos de vistos existentes, previstos pela nossa lei e a sua real aplicabilidade
em função da sua validade e dos interesses de cada interessado.
A análise conjunta dos vários tipos de vistos referidos no quadro XXXVI permite-nos concluir
que o estrangeiro que pretende um visto adequado ao exercício de uma actividade profissional não
poderá recorrer aos vistos de escala, de trânsito e de curta duração, por serem demasiados limitativos
em termos de tempo e de espaço. Quanto ao visto de estada temporária não permite que o titular exerça
uma actividade laboral.
90
Os vistos podem ser concedidos sob a forma individual ou colectiva. Enquanto o primeiro é aposto em
passaporte individual ou familiar (art. 29º, nº 1), o visto colectivo é aposto em passaporte colectivo emitido a favor de um
conjunto de pessoas, constituído por um mínimo de cinco e um máximo de cinquenta indivíduos (art. 29º, nº 2), por um
período máximo de trinta dias (art. 29º, nº 4), devendo a entrada, permanência e saída do território português ser realizada
conjuntamente por todos os membros do grupo (art. 29º, nº 3).
Mestrado em Estudos Europeus 160
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Assim sendo, aqueles que se revelam mais adequados são os de residência, de trabalho e, em
determinados casos, o visto de estudo, na medida em que relativamente a este último o nº 2 do art. 35º
Mestrado em Estudos Europeus 161
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
prevê que “o titular do visto de estudo pode exercer uma actividade profissional a título complementar
enquanto prosseguir com o aproveitamento a actividade a que o visto se destina”.
Em casos específicos pode ocorrer que o cidadão estrangeiro não tenha solicitado por algum
motivo o visto necessário para a sua estada em Portugal. Perante uma situação destas a nossa lei, ao
abrigo do art. 48º do Decreto-lei nº 34/2003, permite obter no posto fronteiriço um dos três tipos de
vistos seguintes:
- Visto de trânsito – válido por cinco dias, é concedido ao cidadão estrangeiro que
possuir um documento de viagem válido que permita a sua entrada no país de destino;
auferir de meios de subsistência; não constar na lista de pessoas não admissíveis e não
constituir uma ameaça para a ordem pública e segurança nacional. Finalmente, o
cidadão deve ter ainda garantida a sua viagem para o país de destino, bem como a sua
admissão. Pode ser válido para um ou mais Estados do Espaço Schengen.
- Visto de curta duração – é concedido por um período máximo de quinze dias ao
cidadão estrangeiro, que comprove não ter podido solicitar um visto antecipadamente,
e preencha as mesmas formalidades exigidas para a concessão do visto de trânsito. De
igual modo é válido para um ou mais Estados do Espaço Schengen.
- Visto especial – pode ser concedido ao cidadão estrangeiro, por razões humanitárias ou
de interesse nacional, um visto para entrada e permanência temporária no país, mesmo
que não reuna os requisitos legais para o efeito. Este visto é válido apenas para o
território português.
Após esta reflexão sobre os diversos tipos de vistos, torna-se imperioso, tendo em atenção o
tema do nosso trabalho, debruçarmo-nos mais atentamente sobre os vistos de trabalho existentes. O art.
37º do Decreto-lei nº 34/2003, faz referência a quatro tipos de vistos:
a) “visto de trabalho I, para o exercício de uma actividade profissional no âmbito do
desporto ou no âmbito dos espectáculos;
b) visto de trabalho II, para o exercício de uma actividade que pressuponha um
conhecimento técnico altamente qualificado, em ambos os casos devidamente
comprovadas por entidade pública competente;
Mestrado em Estudos Europeus 162
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
91
Note-se que o art. 41º, nº 1 do citado diploma legal confere aos cidadãos comunitários ou aos cidadãos não
comunitários, mas que se encontrem já legalizados, preferência no acesso ao emprego.
92
Nos casos da actividade ser exercida nas Regiões Autónomas o parecer favorável deverá ser solicitado à
respectiva Secretaria Regional (art. 43º, nº 1).
93
A interpretação do nº 3 do art. 43º, sobre as situações que podem originar um parecer desfavorável, leva-nos a
concluir que a entidade competente para o efeito dará parecer negativo:
- se a entidade empregadora não estiver licenciada para o exercício da sua actividade;
- se a entidade empregadora possuir indícios de incumprimento reiterado do pagamento pontual das retribuições;
- se existirem casos de práticas de infracções graves, nomeadamente não pagamento de salários, não declaração
de rendimentos sujeitos a descontos para a segurança social, ou ainda em matéria de regularização das
condições de segurança, higiene e saúde no trabalho;
- se a empresa não apresentar um documento em como prescinde do período experimental;
- casos em que se detecta o incumprimento dos requisitos impostos pela lei geral do trabalho e pelos
instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.
Mestrado em Estudos Europeus 163
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
identificação completa e de uma fotografia tipo passe actualizada e a cores, o tipo de documento de
viagem, com menção do respectivo número, validade, data e local de emissão, assim como a
identificação da entidade que o emitiu e, finalmente, deve constar o real objectivo da estada, bem como
o tempo de permanência em território português.
Ao pedido de visto deverão ser anexados os seguintes documentos:
- certificado do registo criminal emitido pelo país da sua nacionalidade ou onde reside
há mais de um ano;
- atestado médico ou seguro de saúde;
- documento comprovativo do local e condições de alojamento em Portugal;
- proposta de contrato de trabalho como prova de meios de subsistência (Anexo 10).
Após a entrega por parte do futuro trabalhador do requerimento ao Consulado português, cabe a
esta entidade o envio do respectivo processo ao SEF, a quem compete, após consulta, emitir o seu
parecer, que na eventualidade de ser favorável, permitirá ao Consulado português conceder o visto de
trabalho, que possibilitará ao futuro trabalhador entrar em Portugal onde, após celebrar contrato de
trabalho, com a respectiva empresa, poderá exercer legalmente a sua actividade profissional.
À semelhança do que sucede ao indivíduo que requer um visto de trabalho IV, o cidadão
estrangeiro que pretende exercer uma actividade profissional independente deverá requerer um visto de
trabalho III no Consulado português, do qual deverão constar os mesmos elementos exigidos para o
visto de trabalho IV.
Relativamente aos documentos a anexar ao requerimento, para além dos exigidos para a
concessão de visto de trabalho III (exceptuando a proposta de contrato de trabalho), são exigidos:
- um contrato de prestação de serviços (Anexo 11), ou declaração da entidade
beneficiária dos mesmos;
- certificado de habilitações ou diploma comprovativo das habilitações exigidas para o
exercício da actividade profissional a que se destina o visto requerido;
- comprovativo da inscrição na respectiva ordem profissional, quando exigível.
Mestrado em Estudos Europeus 164
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Uma vez instalados em Portugal, a maioria dos cidadãos estrangeiros procuram adquirir uma
autorização de residência. O pedido deve ser apresentado pelo próprio interessado junto do SEF. Para o
efeito, o interessado necessita de “estar na posse de um visto de residência válido”; estar presente em
território português, e não registar qualquer facto que “se fosse conhecido pelas autoridades
competentes, teria obstado à concessão do visto” (art. 81º).
A autorização de residência pode ter um carácter temporário, sendo válida pelo período de dois
anos e renovável por períodos sucessivos de três anos (art. 83º, nº 1), ou apresentar um carácter
permanente, não estando sujeita a nenhum prazo de validade, devendo apenas ser renovada de cinco
em cinco anos (art. 84º, nº 1)94.
No caso concreto da autorização de residência temporária, “deve ser solicitada pelos
interessados até trinta dias antes de expirar a sua validade” (art. 91º, nº 1), sendo o pedido apreciado
com base nos meios de subsistência e condições de alojamento auferidas pelo interessado, bem como
pela verificação do cumprimento por parte do mesmo, das leis portuguesas (art. 91º, nº 2).
De tudo aquilo que foi exposto neste sub-capitulo podemos retirar como conclusão que ao longo
dos últimos anos Portugal tem mudado a sua postura face às fortes pressões migratórias e à relevância
social que elas assumem. De facto, de uma postura não intervencionista mantida durante muitos anos,
Portugal foi criando uma base de legislação sobre a qual assenta todo um conjunto de novas regras que
procuram anular as múltiplas carências sentidas pelas comunidades de imigrantes instaladas em
território português, ao mesmo tempo que tentam esgotar as situações de clandestinidade. É, no fundo,
a necessidade de controlar estes fluxos que tem levado à realização de sucessivas revisões do regime de
entrada, permanência e saída de estrangeiros do território português, ao mesmo tempo que, não
ignorando a grande vertente social que envolve directamente o fenómeno migratório, várias instituições
de solidariedade social em colaboração com associações representativas de imigrantes, tem vindo a
desenvolver acções no sentido de uma melhor integração das comunidades de imigrantes na sociedade
de acolhimento, respeitando as diversidades cultural e religiosa que as caracteriza e diferencia uma das
outras. Desde 2002, esta tarefa tem contado com o apoio do Alto-Comissariado para a Imigração e
Minorias Étnicas cuja principal missão consiste em “promover a integração dos imigrantes e minoria
94
Em ambos os tipos de autorização de residência referidos, é exigida a renovação das mesmas sempre que se
verifique a alteração dos elementos de identificação delas constantes (artos. 83º, al a) e 84º, nº 2).
Mestrado em Estudos Europeus 165
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Desde 12 de Junho de 1985, altura em que Portugal assinou o Tratado de adesão à Comunidade
Económica Europeia (CEE), os cidadãos portugueses que trabalhavam nos países das Comunidade
Europeia (e vice-versa) passaram a beneficiar dos mesmos direitos que os nacionais desse país, no que
diz respeito ao emprego, à remuneração e a outras condições de trabalho – tal é a regra que resulta do
princípio da livre circulação de pessoas na Comunidade Europeia. Este princípio consta entre as quatro
liberdades fundamentais defendidas pela Comunidade Europeia. Esta liberdade, que concede aos
cidadãos comunitários o direito de entrar e permanecer no Estado-membro onde pretende exercer uma
actividade profissional (seja ela assalariada ou independente), está consagrada no Regulamento (CEE)
nº 1612/68, do Conselho, de 15 de Outubro de 1968. De acordo com o preâmbulo deste regulamento “a
mobilidade de mão-de-obra na Comunidade deve ser para os trabalhadores um dos meios de garantir
a possibilidade de melhorar as suas condições de vida e de trabalho e de facilitar a sua promoção
social, contribuindo para a satisfação das necessidades decorrentes da economia dos Estados-
membros”.
O Tratado de Roma não oferece um conceito de “trabalhador comunitário”. Por isso, na falta de
uma definição, a Jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias procurou
ultrapassar esta lacuna, assumindo particular importância o acórdão de 3 de Julho de 1986, proc. nº
66/85, Lawrie-Blun. Neste acórdão, o Tribunal avança com três critérios que nos permitem identificar o
trabalhador comunitário. São eles: a realização de uma prestação laboral, sob a vigilância ou sob as
ordens de outra pessoa e mediante a contrapartida de uma remuneração. Ainda segundo o Tribunal de
Justiça, a actividade assalariada, mesmo que exercida a tempo parcial, deve facultar ao trabalhador a
95
In Pestana, 1995: 107.
Mestrado em Estudos Europeus 167
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
fruição da liberdade de circulação. No entanto, é necessário que tal actividade seja real e efectiva.
Assim sendo, de acordo com o exposto, podemos dizer que “trabalhador”, para efeitos de regime
comunitário da livre circulação de trabalhadores é todo o nacional de um Estado-membro que
executa ou pretenda executar noutro Estado-membro um trabalho assalariado real ou efectivo,
ainda que a tempo parcial, qualquer que seja o valor da remuneração, ou ainda que o desígnio ou
motivação principal seja diverso do exercício da actividade em causa96. Obviamente, a definição,
interpretação e modificação deste conceito cabem exclusivamente às instâncias comunitárias, não
podendo os Estados-membros fazê-lo unilateralmente, nem aplicar conceitos similares a que tenham
chegado na sua ordem jurídica interna.
96
Relativamente a esta definição de trabalhador comunitário convém esclarecer dois aspectos importantes. Em
primeiro lugar, ao dizer-se “qualquer que seja o valor da remuneração” aquilo que se pretende é não excluir do âmbito da
livre circulação de trabalhadores as situações em que a remuneração é inferior àquilo que o Estado-membro de acolhimento
considera necessário para garantir a subsistência do trabalhador. Na prática, o que se pretende garantir é que, a mera
constatação de que o rendimento a auferir pelo trabalhador é insusceptível de prover a sua subsistência não justifica que o
Estado de acolhimento possa impedir a sua entrada ou permanência. Se, através de rendimentos dos seus familiares ou de
qualquer outra circunstância, o trabalhador não se colocar numa situação de dependência da assistência social, nada poderá
impedir a sua permanência.
Em segundo lugar, é importante frisar que, “o desígnio ou motivação principal” pode ser diverso da exercício da
actividade em causa. Trata-se aqui de uma especificação decorrente de uma decisão do Tribunal de Justiça das
Comunidades Europeias. No caso Levin (Acórdão de 28 de Março de 1982, proc. 53/81, Levin) ... uma senhora britânica
solicitava autorização de residência na Holanda a fim de aí exercer a profissão doméstica. Para além de outras
circunstâncias, era possível perceber que o pedido tinha em vista permitir ao cônjuge – cidadão sul-africano – o exercício de
uma actividade profissional naquele país. O TJCE decidiu, porém que a interpretação do artigo 48º do TCEE, bem como o
direito derivado, deveria ser feita de forma estrita, não permitindo distinguir, como pretendia o Estado holandês, os casos
em que a motivação principal era ou não o exercício de uma actividade assalariada.
97
No âmbito deste princípio, o Tratado de Roma dedica os seus artigos 48º, 49º, 50º, 51º 52 e 58.
Mestrado em Estudos Europeus 168
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Em qualquer um destes casos, a actividade profissional deverá ser exercida, em cada Estado-
membro, nas mesmas condições em que é exercida pelos nacionais desse Estado.
Para efectivar o seu direito de deslocação previsto na alinha b do artigo 48 nº 3, o cidadão
estrangeiro comunitário necessita, apenas, de apresentar um bilhete de identidade ou um passaporte
válidos. Nenhum visto ou obrigação equivalente lhe poderá ser exigido.
A entrada de um cidadão comunitário em território de qualquer um dos Estados-membros
poderá, todavia, por força do artigo 48 nº 3 e 56 nº 1, ser recusada, se os argumentos apresentados pelo
Estado-membro de acolhimento disserem respeito à salvaguarda da ordem pública, da segurança
pública e da saúde pública. De acordo com o Decreto-lei nº 250/98, de 11 de Agosto98, pode ser
recusada a entrada no território nacional de todos os indivíduos portadores de doenças que podem fazer
perigar a saúde pública. Estamos a falar de doenças de obriguem à quarentena; a tuberculose do
aparelho respiratório; a sífilis e outras doenças infecciosas ou parasitárias (artigo 12 nº 2, al. a).
Relativamente às doenças que podem validar uma recusa de entrada assente em razões de saúde
pública, o diploma faz referência à toxicodependência, a alterações psíquicas, estados manifestos de
psicose de agitação, de psicose delirante ou alucinatória e de psicose confusional (artigo 12, nº 2, al. b).
Sublinha-se, porém, que a invocação das doenças referenciadas no citado diploma não podem servir de
fundamento à expulsão de indivíduos a quem haja sido concedida uma primeira autorização de
residência, e nem sequer à recusa da renovação dessa mesma autorização (artigo 12º nº 3); assim como
a mera existência de condenações penais não pode determinar a aplicação de tais medidas (artigo 13 nº
2). Portanto, de tudo isto, depreende-se que o afastamento de um cidadão comunitário de um
presumível país de acolhimento só terá fundamento se se comprovar tratar-se de uma real ameaça para
a sociedade acolhedora.
98
Ver no anexo 12 o DL nº 250/98, de 11 de Agosto que veio introduzir alterações ao DL nº 60/93, de 3 de Março,
que regula a entrada, permanência e saída do território português de nacionais de Estados-membros da Comunidade
Europeia.
Mestrado em Estudos Europeus 169
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Uma vez em território do país de acolhimento, o cidadão comunitário só necessita ser titular do
título de residência se pretender ficar no país por um período superior a três meses99. Se tal for o caso,
deverá obter um dos três títulos de residência previstos no artigo 15º nº 1:
a) cartão de residência temporária;
b) cartão de residência nacional de um Estado-membro da União Europeia;
c) cartão de residência.
A fim de contribuir para uma melhor compreensão do significado e finalidade destes três tipos
de cartões de residência, torna-se pertinente uma análise individual.
100
A liberdade de circulação de trabalhadores por conta de outrem vem prevista nos artigos 48º a 51º do TCEE.
Para além destes artigos existe legislação do Direito Comunitário Derivado: Regulamento (CEE) nº 1612/98, de 12 de
Outubro; Directiva 68/360/CEE, de 15 de Outubro; Directiva 64/221/CEE, de 25 de Fevereiro; Regulamento (CEE) nº
1251/70, de 29 de Junho.
Mestrado em Estudos Europeus 170
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
duração indeterminada (artigo 16º al. a). No caso de ter um emprego de duração inferior a um ano, o
trabalhador poderá obter cartão de residência se o contrato for renovado, desde que a duração total do
emprego seja igual ou superior a um ano (artigo 16º al. b).
Em qualquer uma destas situações, o trabalhador receberá um cartão de residência101, por um
período de cinco anos, renovável automaticamente, a pedido do interessado, por períodos de dez anos
(artigo 17º, nº 1, al. a). Porém, aquando da primeira renovação, a duração do cartão poderá ser limitada
ao período de um ano se o trabalhador se encontrar desempregado involuntariamente há mais de doze
meses consecutivos.
b) Trabalhador por conta própria. Todo o cidadão que deseje estabelecer-se ou prestar serviços
noutro Estado-membro, por um período superior a três meses, terá direito a um cartão de residência de
nacional de uma Estado-membro da Comunidade Europeia válido por um período de cinco anos,
renovável automaticamente, a pedido do interessado, por períodos de dez anos (artigo 17º nº 1, al. a). A
atribuição do cartão fica sujeita à apresentação do bilhete de identidade ou passaportes válidos e de
uma carta profissional (prova da qualidade de independente).
101
O mesmo acontece com os estrangeiros provenientes de países terceiros, para quem a “autorização de
permanência” está dependente das autoridades nacionais com poder de apreciação.
102
Os meios de subsistência são considerados suficientes desde que os recursos do candidato ao título de residência
sejam superiores ao nível dos recursos exigidos em Portugal para conceder amparo social aos cidadãos nacionais (artigo
10º).
Mestrado em Estudos Europeus 171
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
d) Cidadão estudante. Todo e qualquer estudante tem direito a um cartão de residência por um
período equivalente à duração da formação ou, na eventualidade desta ultrapassar a duração de um ano,
tem direito a um período de um ano renovável anualmente (artigo 17º, nº 1, al. c). Para esse efeito, é
exigido aos interessados, para além do bilhete de identidade ou passaporte e duas fotografias, a prova
em como dispõe de meios para a sua subsistência, a inscrição no estabelecimento de ensino que
frequenta e a prova em como é titular de um seguro de doença que cubra a totalidade dos riscos.
e) Indivíduo que, por disposições comunitárias, não pode ser titular do direito de residência.
Este indivíduo tem direito a um título de residência válido por dois anos, renovável por períodos de
cinco anos. Para o efeito, ser-lhe-á exigida a apresentação do bilhete de identidade ou passaporte
válidos; uma prova dos meios de subsistência; um seguro de doença que cubra a totalidade dos riscos e
duas fotografias.
Cartão de residência
O cartão de residência é atribuído ao indivíduo e aos seus familiares que já tenham adquirido o
direito de permanecer definitivamente em território do país de acolhimento (artigo 21º). Tal é o caso de
todos aqueles que se enquadram nas seguintes situações:
- no momento em que cessarem a sua actividade, tenham atingido a idade prevista na lei
portuguesa para beneficiar de uma pensão de velhice e que, tendo residido
ininterruptamente103 em Portugal há mais de três anos, aí tenham exercício a sua
actividade durante os últimos doze meses (artigo 5º, nº 1, al. a);
- cessarem o exercício da sua actividade por motivo de incapacidade permanente para o
trabalho, desde que tenham residido em território nacional sem interrupção há mais de
dois anos (artigo 5º, nº 1, al. b). O requisito de tempo de residência não é exigido se a
incapacidade resultar de acidente de trabalho ou de doença profissional, que dê direito
a uma pensão total ou parcialmente, a cargo de uma instituição nacional (artigo 5º, nº
2);
103
Para efeitos da concessão do direito de permanência a título definitivo, considera-se que a residência é
ininterrupta se não for interrompida por períodos de ausência superiores a três meses por ano, ou se a ausência
(independentemente do seu tempo) for motivada pelo cumprimento do serviço militar.
Mestrado em Estudos Europeus 172
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
- embora exerçam a sua actividade noutro Estado-membro tenham durante três anos
exercido uma actividade e mantido uma residência ininterruptas, em Portugal, aonde
regressam, pelo menos, uma vez por semana (artigo 5º, nº 1, al. c).
No que diz respeito à emissão e renovação dos títulos de residência deve ser requerida pelo
interessado e dirigida ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (artigo 24º, nº1), a quem compete
proceder às averiguações necessárias para determinar a situação dos requerentes (artigo 24º, nº 2).
A decisão relativa à concessão ou recusa da primeira autorização de residência deve ser
proferida antes de decorrerem seis meses sobre o pedido (artigo 25º, nº 2), podendo o interessado
permanecer provisoriamente em território nacional até ser tomada a decisão (artigo 25º, nº3).
No que diz respeito à emissão e renovação dos títulos de residência, deve ser requerido pelo
interessado e dirigido ao SEF (artigo 24º, nº1). Em anexo ao requerimento de cartão de residência
temporária ou do cartão de residência de nacional de um Estado-membro da União Europeia, devem
constar os documentos já devidamente mencionados supra.
O requerimento de qualquer um destes dois títulos de residência deverá ser apresentado no
respectivo serviço no prazo de três meses a contar da data de entrada do interessado em Portugal.
O pedido de emissão ou prorrogação do prazo de validade dos títulos de residência , quando
resultado da renovação de um contrato de trabalho, deverá ser solicitada no prazo de quinze dias a
contar da data de renovação do contrato.
104
Nos termos do artigo 3º do Decreto-lei nº 250/98, de 11 de Agosto, podem entrar e permanecer em território
nacional, observadas as condições previstas no referido diploma:
- Os trabalhadores assalariados nacionais de um Estado-membro (alínea a) ou nacionais de um Estado-
membro que sejam titulares do direito de estabelecimento ou da livre prestação de serviços (alínea b),
bem como o respectivo cônjuge e descendentes menores de vinte e anos ou a cargo (alínea f) e ainda os
Mestrado em Estudos Europeus 173
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
ao carácter liberal deste diploma ao facilitar a mobilidade familiar no espaço comunitário, com os
respectivos direitos assegurados pelo diploma. Mais do que nunca é dada a devida importância ao
reagrupamento familiar para tornar menos penosa a estadia daqueles que procuram noutro país, que não
o da sua nacionalidade, obter melhores condições de vida.
ascendentes seus ou do seu cônjuge que estejam a cargo (alínea i), assim como qualquer outro familiar
seu ou do seu cônjuge que esteja a seu cargo ou que com eles viva em comunhão de habitação no seu
país de origem (alínea j);
- Os nacionais de um Estado-membro que, tendo exercido na Comunidade uma actividade como
trabalhadores assalariados ou não assalariados, sejam titulares do direito de residência (alínea c) e e),
acompanhados do respectivo cônjuge e descendentes seus e do seu cônjuge que estejam a cargo (alínea
i);
- Os estudantes nacionais de um Estado-membro que sejam titulares do direito de residência (alínea d),
acompanhados do cônjuge e filhos a cargo (alínea h).
Mestrado em Estudos Europeus 174
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
No âmbito das migrações, Portugal tem ratificado várias convenções com o principal propósito
de promover condições equitativas e humanas aos trabalhadores migrantes e suas famílias e garantir
igualdade de tratamento com os nacionais no que diz respeito a áreas tão diversas como o trabalho, a
saúde, a educação e o acesso a áreas culturais.
No que se refere à celebração de convenções multilaterais, Portugal ratificou as Convenções nº
97 e 143 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada em 1919, portanto, logo após a I
Guerra Mundial. Esta organização desempenhou, até 1939, um trabalho de enorme importância na
protecção dos direitos dos trabalhadores ao conduzir à celebração de um grande número de acordos
internacionais no domínio do trabalho e segurança social. A Convenção nº 97105, relativa aos
trabalhadores migrantes106 foi adoptada em 1939 e, posteriormente, revista pelos Estados Partes a
aplicação “sem discriminação de nacionalidade, de raça, de religião ou de sexo, aos imigrantes que se
encontrem legalmente nos limites do seu território um tratamento que não seja menos favorável que
aquele que é aplicado aos seus próprios nacionais...” em matérias em que “as questões sejam
reguladas pela legislação ou dependam das autoridades administrativas” (artigo 6º, nº1).
A importância das disposições contidas nesta Convenção, mas também as suas limitações em
diversos campos tornou desejável a adopção de novas normas que tornasse mais efectiva a equiparação
105
Lei nº 50/78, de 25 de Julho, in Diário da República I Série, nº 169.
106
No seu artigo 11º, a Convenção nº 97 da OIT define o trabalhador migrante como “uma pessoa que emigra de
um país para outro com vista a ocupar um emprego que não seja por sua conta própria; inclui todas as pessoas admitidas
regularmente na qualidade de trabalhador migrante”.
Mestrado em Estudos Europeus 175
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
dos direitos entre trabalhadores migrantes e nacionais. É neste contexto que surge a Convenção nº
143107, de 1975, relativa às Migrações em Condições Abusivas e à Promoção da Igualdade de
Oportunidades e de Tratamento dos Trabalhadores Migrantes.
Apesar de o seu texto não ser muito extenso, os seus vinte e quatro artigos, divididos por três
partes, expressam bem o âmbito mais alargado das medidas sociais adoptadas. Na primeira parte,
dedicada às “migrações em condições abusivas”, os Estados signatários comprometem-se a tomarem as
medidas que forem consideradas necessárias, individualmente ou com a colaboração de outros Estados
partes da mesma Convenção, mediante a troca sistemática de informações “se existem migrantes
ilegalmente empregados no seu território, e se existem, do ou para o seu território, ou ainda em
trânsito migrações com fim de emprego, nas quais os migrantes sejam submetidos (...), a condições
contrárias aos instrumentos ou acordos internacionais aplicáveis, multilaterais ou bilaterais, ou ainda
às legislações nacionais” (artigo 2º, nº 1).
A parte II diz respeito à “igualdade de oportunidades e de tratamento”, comprometendo-se os
Estados signatários a adoptar “todas as medidas ao seu alcance no sentido de ajudar e encorajar os
esforços dos trabalhadores migrantes e suas famílias tendentes a preservar as suas identidades
nacionais e étnicas, assim como os laços culturais com os países de origem (...)” (artigo 12º, f).
A parte III referente às “disposições finais” da Convenção estabelece que “todo o Estado-
membro que ratifique a presente Convenção poderá excluir da sua aplicação a Parte I ou a Parte II da
Convenção por meio de uma declaração anexa à sua ratificação” (artigo 16º, nº 1).
A partir do momento em que uma Convenção aprovada no seio da OIT seja ratificada é
introduzida no direito interno, podendo originar eventuais alterações de legislação. A violação de
algumas das disposições da Convenção da OIT, pode originar a apresentação de queixas contra os
Estados-membros infractores, podendo essa queixa, superada a fase de inquérito, findar com a
conciliação das partes envolvidas108, ou então, poderá ser exigida a intervenção das instâncias judiciais.
107
Lei nº 50/78, de 25 de Julho, in Diário da República I Série, nº 169.
108
A título informativo refere-se que, em 1961 foi apresentada uma queixa contra Portugal pelo Gana. Suspeitava-
se, então, uma aplicação incorrecta, nos territórios ultramarinos, da Convenção da OIT sobre “trabalho forçado”. Após uma
análise detalhada da situação real, foram apresentadas sugestões que, tendo sido bem aceites pelo Governo português,
evitaram a abertura da fase contenciosa.
Mestrado em Estudos Europeus 176
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Ainda dentro desta área das migrações, outro documento de suprema importância é a
Convenção Europeia sobre o Estatuto Jurídico do Trabalhador Migrante adoptada, em 1977, pelo
Conselho da Europa. Ao manifestarem, logo no seu preâmbulo, como principal objectivo a realização
de “uma união mais estreita entre os seus membros, a fim de salvaguardar e de promover, no respeito
pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais, os ideais e os princípios que constituem o
seu património comum”, os Estados signatários da Convenção assumem como necessidade prioritária
109
Deste conjunto de sete princípios obrigatórios figuram: o direito ao trabalho (art. 1º); o direito sindical; o direito
à negociação colectiva, incluindo o direito à greve (art. 6º); o direito à segurança social (art. 12º); o direito à assistência
social e médica (art. 13º); o direito à protecção económica e social da família (art. 16º) e, finalmente, o direito dos
trabalhadores migrantes e suas famílias à protecção e à assistência (art. 19º).
Mestrado em Estudos Europeus 177
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
explicitamente que os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser
interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem” (nº 2 do
art. 16º) e que “as normas e os preceitos do Direito Internacional geral ou comum fazem parte
integrante do direito português” (art. 8º nº 1), sendo que tal estatuto – direito internacional geral ou
comum – nenhum autor actualmente lho nega” (in Canotilho, 2000: 201-202).
Adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 10 de Dezembro de 1948, a Declaração
Universal dos Direitos do Homem é constituída por um preâmbulo de trinta artigos que tem servido de
fonte de inspiração e modelo no respeito e promoção dos direitos humanos e liberdades fundamentais.
Logo no seu art. 1º a Declaração afirma que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. Dotadas de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espirito
de paternidade”. Sendo assim, é proibida qualquer “distinção, nomeadamente de raça, de cor, de sexo,
de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de
nascimento ou de qualquer outra situação” (art. 2º), devendo prevalecer acima de tudo o princípio da
igualdade entre todos os seres humanos. O respeito por este principio passa necessariamente pelo
reconhecimento e aplicação universal de todos os direitos contemplados na Declaração e se podem
dividir em dois sub-grupos: o primeiro referente a todos os direitos civis e políticos referenciados nos
artos. 4º a 21º, o segundo aos direitos económicos, sociais e culturais reconhecidos nos artos. 22º a 27º.
Perante a impossibilidade de contemplar com exaustão todos estes princípios fundamentais,
vamos dedicar maior atenção àqueles que julgamos serem de maior interesse para o estudo dos direitos
dos estrangeiros. Assim sendo, o art. 23º determina que todo o ser humano tem direito “ao trabalho, à
livre escolha de trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à protecção contra o
desemprego” (nº 1); “a salário igual por trabalho igual” (nº 2) “a uma remuneração equitativa e
satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme a dignidade humana...” (nº 3). O
repouso e o lazer são também reconhecidos como um direito, acompanhado de “uma limitação
razoável da duração de trabalho e a férias periódicas pagas” (art. 24º).
No que diz respeito ao direito do trabalho e à forma como ele tem sido desenvolvido em
Portugal, são evidentes os avanços ocorridos, sobretudo após o 25 de Abril de 1974, resultado
essencialmente, por um lado, da adopção de medidas de prevenção e da resolução de problemas de
emprego e, por outro lado, ao maior poder competitivo de Portugal face ao exterior, consequência do
próprio progresso económico e tecnológico que se tem assistido nas últimas décadas. Todavia, não
Mestrado em Estudos Europeus 179
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
obstante esses progressos consideráveis, e à semelhança daquilo que sucede na maioria dos países
industrializados, as taxas de desemprego aumentam, agravando os fenómenos de pobreza já existentes
que, por sua vez, arrastam atrás de si problemas de marginalidade e de exclusão social. Era natural que
com o aumento da produtividade, e com as sucessivas lutas dos trabalhadores pela defesa dos seus
direitos, não fôssemos confrontados no início deste novo milénio com milhares de pessoas sem
nenhuma protecção laboral, com trabalhos precários, sem horários laborais pré-definidos, arrastando o
trabalhador a conceder à entidade patronal uma disponibilidade quase total da sua força de trabalho.
Não pretendemos com isto subestimar as conquistas alcançadas no decurso da História com a
ratificação de diversas Convenções, por um número cada vez maior de Estados empenhados numa
Nova Ordem Internacional, mais respeitadora da dignidade humana. Contudo, somos forçados a
reconhecer que os estrangeiros que procuram se inserir no mercado de trabalho, continuam a debater-se
com problemas que tendem a agravar-se quando vigoram, nos países envolvidos, sistemas legais muito
diferentes. A adaptação a um país completamente desconhecido, com uma língua, costumes e hábitos
diferentes daqueles que lhes eram habituais, por si só, representa um entrave difícil de ultrapassar, ao
mesmo tempo que torna o imigrante num ser fragilizado e, consequentemente, um alvo sensível a todo
o tipo de discriminação por parte de entidades patronais destituídas de escrúpulos.
Mas, não podemos imputar apenas a estes últimos o infortúnio ao qual muitos imigrantes estão
sujeitos ao saírem do seu país. Na maior parte dos casos são os próprios países de acolhimento que
estão dotados de leis de imigração ineficazes para dar soluções eficientes ao elevado número de
estrangeiros que recebem anualmente. Perante esta realidade, um dos grandes desafios que se coloca no
séc. XXI aos decisores políticos é o de adoptar medidas que permitam uma maior valorização dos
recursos humanos, pondo em relevo questões como a remuneração, a empregabilidade e a segurança
social, de modo a facilitar a integração das pessoas (nacionais e emigrantes) no mercado de trabalho de
forma mais equitativa e justa.
Mestrado em Estudos Europeus 180
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
CAPÍTULO 10
O art. 8º-A aditado ao TCEE pelo Acto Único Europeu (AUE) estabelece como objectivo
primordial a eliminação dos controlos das pessoas nas fronteiras internas da Comunidade Europeia,
aceitando por unanimidade essa regra no espaço Schengen.
No início da década de oitenta, o processo de Integração Europeia passava uma fase de certo
desencanto. Relativamente à livre circulação de pessoas, consagrada pelo Tratado de Roma que
instituiu as Comunidades Europeias como uma das quatro liberdades fundamentais da Comunidade
Europeia, permaneciam diversos obstáculos difíceis de superar. É neste ambiente de certa monotonia
110
Cf. J. Pestana, in CES, 1995, 66.
Mestrado em Estudos Europeus 181
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
que surge a ideia da criação de um grande mercado interno, onde pessoas, mercadorias, serviços e
capitais pudessem circular livremente tornou-se a força motora do processo de integração europeia111.
Um dos passos mais importantes nesse sentido foi dado em 13 de Julho de 1984, com a
assinatura do Acordo de Sarrebruck, celebrado entre a França e a Alemanha, cujo principal objectivo
consistia em abolir os controlos nas fronteiras comuns a estes dois países. Quase um ano mais tarde, a
14 de Junho de 1985, a estes dois países vieram juntar-se a Bélgica, o Luxemburgo e a Holanda,
ficando a vigorar, a partir de então, o “Acordo de Schengen”, por ter sido assinado na pequena cidade
de Schengen, no Luxemburgo112.
Apesar de ter como principal objectivo a supressão dos controlos nas fronteiras comuns entre as
partes, o Acordo de Schengen contribui simultaneamente para uma maior e melhor cooperação entre
os Estados-membros em áreas tão diversas quanto a segurança, as trocas de informações e ainda
questões relacionadas com drogas e armas.
De acordo com os princípios do Acordo, na sua primeira parte, as partes comprometem-se, a
curto prazo, limitar os seus controlos à simples fiscalização visual dos veículos de passageiros que
atravessarem as fronteiras comuns, a velocidade reduzida, evitando a sua paragem mediante a aposição
de um disco verde (art. 2º e 3º) e a efectuar os controlos apenas por sondagem, sempre que se trate de
circulação de pessoas (art. 2º). Comprometem-se, ainda , a adoptar todas as medidas que considerarem
necessárias, para facilitar a circulação dos nacionais dos Estados-membros da Comunidade Europeia
111
A abolição dos obstáculos à livre circulação de pessoas não é um fenómeno recente nem exclusivo da
Comunidade Europeia. Já outros Estados se tinham apercebido de benefícios inerentes a um maior integração com os países
vizinhos. Foi o que aconteceu, pelo menos, com a Dinamarca, a Noruega, a Suécia, a Finlândia e a Islândia, que formaram a
chamada União Nórdica – espaço comum isento de controlos internos. O mesmo aconteceu com os países que compõem o
Benelux (Bélgica, Luxemburgo e Holanda), Unidos, formando desde 3 de Fevereiro de 1958, com a assinatura do Tratado
da União Económica dos Benelux, uma zona liberta de controlos alfandegários, onde pessoas e mercadorias circulam
livremente. Finalmente, uma breve referência ao Reino Unido e à Irlanda que restringir os controlos nas suas fronteiras
comuns relativamente à livre circulação de pessoas.
112
Aos cinco Estados Iniciais juntaram-se, em Novembro de 1990, a Itália; em Junho de 1991, Portugal e Espanha;
em 1992, a Grécia; em 1995, a Áustria e em 1996, a Finlândia, a Dinamarca e a Suécia.
Mestrado em Estudos Europeus 182
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
113
O Sistema de Informações Schengen consiste num ficheiro informatizado, no qual estão inscritos os dados
pessoais, veículos e objectos, e ao qual todas as partes contratantes tem livre acesso, no sentido de permitir uma maior
coordenação do conjunto das acções policiais. Contudo a consulta directa desses dados só é permitida às entidades
competentes para o exercício dos controlos fronteiriços, bem como para outras verificações de polícia e aduaneiras,
realizadas no interior do país.
Está ainda previsto o acesso e a consulta directa desses dados às entidades competentes para a emissão de vistos e
de títulos de residência, assim como, às entidades centrais competentes para a análise desses mesmos pedidos e encarregues
da administração de estrangeiros (art. 101º). Com o uso deste sistema pretende-se por um lado, preservar a ordem e
segurança públicas, bem como a segurança do estado, e, por outro lado, garantir a aplicação das disposições da Convenção
sobre circulação das pessoas nos territórios das Partes Contratantes (art. 93º).
Mestrado em Estudos Europeus 183
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
concretização deste objectivo, contudo, exige uma cooperação e participação activa das forças
policiais114, com vista a evitar situações de irregularidade, nomeadamente relacionadas com o tráfico de
drogas, a imigração ilegal.
Essa actuação deverá ser realizada seguindo duas principais orientações :
i) O controlo deverá ocorrer nos postos de passagem autorizados, tendo como base de
apoio, para além dos meios adequados, um manual comum e o Serviço de Informações
Schengen;
ii) Deverá haver uma vigilância da zona localizada entre os postos fronteiriços, através dos
meios móveis adequados.
114
O controlo das fronteiras externas deve ser efectuado pelas autoridades nacionais a cuja as respectivas
fronteiras pertencem, devendo, contudo, esse controlo ser feito tendo como base os princípios que são exigidos, em
igualdade de circunstâncias, aos restantes Estados Partes, respeitando sempre os interesses de todos.
No âmbito dessa cooperação policial, os serviços de polícia deverão prestar-se assistência reciprocamente, quer a
nível da prevenção, como a nível da investigação de factos puníveis, podendo as informações escritas ser utilizadas pela
parte requerente para efeitos de obtenção de prova dos factos incriminados, desde que as autoridades judiciais da parte
requerida assim o autorizem (art. 39º).
Mestrado em Estudos Europeus 184
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Todos os estrangeiros que possuem um visto uniforme ou, até a sua instituição, possuem um
visto emitido por uma das partes contratantes e que tenham entrado regularmente, poderão circular em
todo o território do espaço Schengen, enquanto esse visto estiver válido (art. 9º). Este regime aplica-se,
de igual forma, aos estrangeiros a quem não foi exigido a apresentação de visto, embora neste caso
concreto, deverão informar as autoridades competentes, da sua entrada no prazo máximo de três dias a
contar do momento da entrada no território. Todavia, a partir do momento em que o estrangeiro já não
preenche as condições da estada, deverá automaticamente abandonar o território, correndo o risco de,
se não o fizer, ser expulsos (art. 23º).
Antes de terminarmos esta análise torna-se pertinente referir que o direito comunitário em
vigor, bem como as disposições que forem aprovadas futuramente prevalecem sobre a Convenção de
Aplicação não podendo ser violadas por esta. Para além disso, de acordo com o art. 136º, sempre que
um Estado Parte pretende encetar negociações respeitante aos controlos fronteiriços com um Estado
terceiro, tem o dever de informar as restantes partes desse facto. Finalmente, sempre que sejam
concluídos entre os Estados-membros da Comunidade Europeia acordos com vista à realização de um
espaço sem fronteiras internas, deverá se proceder a alteração ou substituição das disposições da
Convenção Schengen, sempre em harmonia com a legislação comunitária (art. 142º).
A eliminação do controlo nas fronteiras internas implica, sem sombra de dúvidas, um reforço
eficaz do controlo nas fronteiras externas da União Europeia, que passa, inevitavelmente, pela
cooperação entre os Estados-membros em domínios tão complexos como a criminalidade, o tráfico de
estupefacientes e de pessoas e as redes de imigração ilegal. Tratam-se, na realidade de problemas com
Mestrado em Estudos Europeus 185
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
projecção internacional, perante os quais a acção isolada de um Estado, ainda que extremamente
eficiente, seria insignificante e não surtiria qualquer efeito. Estamos a falar de redes extremamente bem
organizadas que encaram o espaço Schengen como um paraíso na Terra para o prosseguimento das
suas acções ilícitas, promotoras de atentados à segurança e ordem públicas. Enquanto estas redes
poderem funcionar livremente, ninguém terá a sua segurança garantida. Sabemos perfeitamente que o
êxito do Espaço Schengen passa obrigatoriamente por uma vigilância extremamente rigorosa de todas
as suas fronteiras externas, terrestres e marítimas. No entanto, o aumento crescente do clima de
insegurança em geral leva-nos a questionar quanto à eficácia das medidas e dos meios postos em
prática para a concretização das mesmas.
Portugal, com cerca de 800 Kms de costa, é um exemplo de como o empenho técnico e
financeiro exigido com vista a segurança de todo o espaço Scchengen varia consoante as suas
condicionalidades geográficas. Longe de duvidar das competências humanas dos responsáveis pelos
organismos competentes nesta área, somos levados a nos questionar se Portugal está efectivamente
preparado para suportar tão grande responsabilidade.
No decorrer de quase cinquenta anos de integração europeia, o direito comunitário foi evoluindo
com o intuito de conceder aos cidadãos europeus novas oportunidades e novos direitos em igualdade de
circunstâncias, numa Europa que se pretendia ser a “Europa dos Cidadãos”. Para a realização deste
projecto ambicioso a eliminação total dos controlos à circulação de pessoas sempre foi um facto
adquirido. No entanto, as exigências impostas aos Estados-membros da Comunidade Europeia
relativamente à aproximação das legislações internas, nomeadamente sobre o estatuto dos nacionais de
países terceiros, sobre o direito de asilo e o estatuto de refugiado, e a harmonização da políticas
nacionais em matérias de vistos e extradição, nem sempre foram aceites sem reticências, devido ao
carácter delicado destas questões e ao receio da perda das suas prerrogativas soberanas. Já tivemos
oportunidade de referenciar que a livre circulação de nacionais de Estados-membros no espaço
comunitário já se encontrava regulamentada há muito, no entanto a necessidade de convergir os
esforços nacionais num mesmo sentido conduziu a novas reformulações na redacção do artigo 8º-A
aditado ao TCEE, pelo AUE. Este artigo tinha como objectivo primordial a eliminação dos controlos
das pessoas nas fronteiras internas da Comunidade Europeia. Com efeito, segundo este artigo “a
Comunidade adoptará as medidas destinadas a estabelecer progressivamente o mercado interno
Mestrado em Estudos Europeus 186
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
- “um novo título relativo à livre circulação de pessoas, ao asilo e imigração, o qual
reúne todas as disposições referentes à livre circulação de pessoas no âmbito
comunitário;
- a integração de Shengen, constituindo uma segunda fatia e governado por um «regime
específico» constante de um protocolo que, em casos de bloqueio, prevê o
«funcionamento a treze»;
- por último, uma série de medidas visando reforçar o que resta do terceiro pilar, isto é,
no domínio da cooperação policial e judiciária em matéria penal” (Pires, 1998: 129).
De acordo com o conteúdo deste novo texto, são visíveis alguns avanços no sentido de um
maior envolvimento das instituições comunitárias, designadamente do Parlamento Europeu, da
Comissão e do Tribunal de Justiça. Relativamente à Instituição referida em último, as mudanças
passam essencialmente por um maior poder de controlo e responsabilização em questões de imigração
e de asilo. No entanto, esperava-se muito mais de umas negociações que fossem definidas mudanças
radicais. A contrariar esta expectativa, está a prevalência da exigência do voto por unanimidade em
matérias de política de asilo e de imigração. Isto só prova que, mais uma vez os ideais soberanos dos
Estados-membros prevalecem sobre os valores de cidadania e segurança europeias. Foi necessário
esperar pela redacção do novo texto – Tratado de Nice – para que esta questão fosse merecedora da
atenção das partes intervenientes. De facto, o Tratado de Nice alarga o âmbito do processo de decisão
por maioria qualificada das disposições do Título IV do TCEE, relativo à política de asilo e
imigração. Em consonância com o exposto, passamos a citar:
- nº 2, alínea a), do artigo 62º do Tratado CE: (controlo nas fronteiras externas): após
acordo sobre o âmbito de aplicação destas medidas (declaração da Conferência) (co-
decisão);
- nº 3 do artigo 62º do Tratado CE: (circulação dos nacionais dos Estados terceiros
sujeitos à apresentação de visto): em 2004 (declaração da Conferência) (co-decisão);
- nº 1 do artigo 63º do Tratado CE: (política de asilo): após adopção de um quadro
comunitário (co-decisão);
- nº 2 do artigo 63º do Tratado CE: (pessoas sob protecção temporária): após adopção de
um quadro comunitário (co-decisão);
Mestrado em Estudos Europeus 188
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Do acima exposto concluímos que, apesar das alterações introduzidas pelo Tratado de Nice
serem evidentes, não são significativas na medida em que a conferência intergovernamental acordou
um período de transição para a passagem para a maioria qualificada (previsto para 1 de Maio de 2004).
Por outro lado, este processo de decisão não incide sobre elementos essenciais destas políticas, como a
“repartição equilibrada do esforço” (nº 2, alínea b), do artigo 63º) ou às condições de entrada e de
residência dos nacionais de países terceiros (nº 3, alínea a), do artigo 63º).
O Tratado de Nice é, assim, sinónimo de algum progresso, embora não tão significativo quanto
o desejado e esperado pelos defensores de uma Europa, acima de tudo, segura. É de lamentar, desde
logo, a permanência das exigências do processo de unanimidade em questões tão importantes como as
condições de entrada e de residência dos estrangeiros no espaço “protegido”, se assim pode ser
chamado. Já percebemos que, a passagem para a maioria qualificada será feita progressivamente. Só
nos resta esperar este período de transição não seja demasiado longo a ponto de atrasar o processo de
criação de uma União cada vez mais estreita entre os povos europeus.
Mestrado em Estudos Europeus 189
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Portugal não é tradicionalmente um país de refúgio daqueles estrangeiros que carecem de ajuda
e protecção. No entanto, enquanto membro da União Europeia tem obrigações especiais, não só para
com os cidadãos comunitários, mas também para os estrangeiros provenientes de países de língua
oficial portuguesa, com quem Portugal mantém, desde séculos, uma profunda ligação em diversos
níveis, mas sobretudo humanístico. É nesse sentido que qualquer sentimento de rejeição de natureza
racista em relação a pessoas que não pertencem às nossas origens deve ser totalmente banida, sob pena
de pormos em causa o princípio da dignidade da pessoa humana a que todos temos direito.
O regime jurídico de Asilo e Refugiados vem previsto na Lei nº 15/98, de 26 de Março (Anexo
13). Nos termos do seu artigo 1º, nº 1, “é garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas
perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição em consequência de actividade exercida no
Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação
social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana”.
O direito de asilo é ainda concedido a todos aqueles que “receando com fundamento ser
perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo
grupo social, não possam ou, em virtude desse receio, não queiram voltar ao Estado da sua
nacionalidade ou da sua residência habitual” (artigo 1º, nº2).
Esta Convenção é o resultado de longas negociações realizadas no âmbito intergovernamental, e
demonstra bem o desejo das partes contratantes em garantir a existência de um espaço onde seja
assegurada uma livre circulação das pessoas de acordo como disposto no Tratado Comunitário.
115
Pires, 1998: 131.
Mestrado em Estudos Europeus 190
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Pode-se afirmar que as deslocações de pessoas pelos motivos supra referidos não constituem um
problema recente. Todos os conflitos armados ocorridos ao longo da história universal testemunharam
perseguições e maus tratos a milhares de pessoas por razões infundadas. Num passado mais recente, e
mais próximo da Europa Comunitária, temos desde logo o exemplo trágico da II Guerra Mundial. Foi
neste contexto que começaram a surgir organizações destinadas, essencialmente, a proporcionar uma
protecção legal aos refugiados. Tal foi o caso da Organização Internacional para os refugiados, criada a
seguir à II Guerra Mundial, e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, instituído
em 1 de Janeiro de 1951, sendo também conhecido por ACNUR. Na sequência desta preocupação
crescente pelos problemas inerentes à condição de refugiado os Estados-membros reuniram os seus
esforços no sentido da criação de um projecto ambicioso que tomasse em linha de conta as questões da
segurança num espaço em que a liberdade de circulação seria a palavra chave. Deste esforço resultou o
mercado interno.
Este mercado representa um dos fundamentos essenciais da União Europeia e a grande
esperança do relançamento da dinâmica europeia, após um período de grande pessimismo em toda a
Europa. O AUE, em vigor desde 1 de Julho de 1987, previa no seu artigo 100º-A as medidas com vista
ao estabelecimento desse mercado, cuja data de entrada em vigor estava prevista até 31 de Dezembro
de 1992. Com a implementação do mercado interno pretendia-se basicamente um espaço sem fronteiras
internas, no qual mercadorias, pessoas, serviços e capitais pudessem circular livremente.
Partindo deste pressuposto, foi assinado em 15 de Junho de 1990, a Convenção sobre a
Determinação do Estado Responsável pela Análise de um Pedido de Asilo Apresentado num Estado-
membro das Comunidades Europeias, conhecida também por Convenção de Dublin116.
Tendo como objectivo garantir a análise de qualquer pedido de asilo apresentado por um
cidadão não- comunitário num Estado-membro da União Europeia, a Convenção de Dublin prevê que o
referido pedido seja analisado por um único Estado-membro, a determinar de harmonia com os
critérios previstos na Convenção (artigo 3º, nº 1 e 2).
Há portanto, aqui a preocupação de incumbir a responsabilidade da análise de um pedido de
asilo a um país desencorajando assim os pedidos de asilo múltiplo. A determinação do Estado
responsável pela análise do pedido de asilo deve respeitar os critérios previstos nos artigos 4º a 8º da
116
De acordo com o artigo 142º da convenção Shengen até à entrada em vigor da Convenção de Dublin, as
matérias relacionadas com o asilo seriam reguladas nos artigos 28º a 38º da Convenção.
Mestrado em Estudos Europeus 191
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Convenção, devendo ser aplicado segundo a ordem em que se apresentam (artigo 3º, nº 2). Sendo
assim, de acordo com as disposições da Convenção, tem responsabilidade pela análise do pedido, o
Estado-membro:
- em cujo território residir um membro da família do requerente de asilo, desde que
beneficie, no referido Estado, da qualidade de refugiado (artigo 4º);
- que tiver emitido um título de residência ou um visto a favor do requerente de asilo
(artigo 5º);
- por cuja fronteira o requerente de asilo tenha entrado irregularmente no território da
Comunidade (artigo 6º);
- responsável pelo controlo da entrada do requerente de asilo no território da
Comunidade (artigo 7º).
Na eventualidade do Estado-membro, responsável pela análise do pedido de asilo, não puder ser
designado com base nos critérios enumerados pela Convenção, será responsável pela análise o primeiro
Estado-membro ao qual o pedido de asilo tiver sido apresentado (artigo 8º).
Do acima exposto, somos levados a concluir que, em princípio, o Estado que terá a obrigação de
examinar o pedido será aquele que tiver mais responsabilidade pela presença do respectivo requerente,
no espaço de Shengen. De facto, exceptuando os artigos 4º e 8º, todos os outros critérios assentam na
responsabilidade do Estado que permitiu a entrada e permanência no território Shengen.
Uma vez determinado o responsável pelo exame do pedido de asilo, é reconhecido ao respectivo
Estado-membro o direito de analisá-lo “em conformidade com a sua legislação nacional as suas
obrigações internacionais” (artigo 3º, nº 3). Por outro lado, os Estados tem obrigação de trocar entre si
informações respeitantes às disposições ou práticas nacionais em matéria de asilo (artigo 14º, nº 1),
bem como informações de carácter geral sobre novas tendências nesta matéria e, ainda, respeitante à
situação nos países de origem ou de proveniência dos requerentes de asilo (artigo 14º, nº 2)117.
Outro princípio a ter em conta vem previsto no artigo 2º, nº 2, segundo o qual “os Estados-
membros reiteram as obrigações assumidas nos termos da Convenção de Genebra, com a redacção
117
Na análise de qualquer pedido de asilo é imprescindível que o Estado responsável pela análise do pedido tenha
informações quanto às condições que se verificam no país de origem ou de proveniência do requerente, de modo a facilitar a
compreensão e avaliação do pedido.
Mestrado em Estudos Europeus 192
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
que lhe foi dada pelo Protocolo de Nova Iorque, sem qualquer restrição geográfica do âmbito de
aplicação desses instrumentos e o seu empenho em cooperar com os serviços do Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados no que se refere à aplicação desses instrumentos” (artigo 2º).
A importância dada ao cumprimento pelos Estados-membros das disposições internacionais está bem
patente no preâmbulo da Convenção de Dublin onde as altas partes contratantes afirmam estar
decididos “por fidelidade à sua tradição humanitária comum, a assegurar aos refugiados uma
protecção adequada, em conformidade com as disposições da Convenção de Genebra, de 28 de Julho
de 1951, com a redacção que lhe foi dada pelo protocolo de Nova Iorque, de 31 de Janeiro de 1967”.
Apesar do empenho das partes contratantes em proceder a uma harmonização das políticas de
asilo dos respectivos Estados-membros das Convenções de Shengen e Dublin, na realidade as questões
de asilo continuam a estar sob a alçada dos Estados, sendo as decisões, nessa matéria, tomadas
individualmente, ou no âmbito da cooperação intergovernamental. Este procedimento reduz
substancialmente a capacidade do conjunto das disposições da Convenção na resolução de
determinadas questões, designadamente do crescente número de pedidos de asilo manifestamente
infundados. De facto, começou a verificar-se, na maioria dos Estados-membros, um maior número de
requerentes de asilo à procura de melhores condições de vida. Apesar de estar previsto a atribuição do
direito de asilo por motivos económicos, houve quem considerasse tratar-se de uma utilização indevida
do direito na medida em que se tratava de uma forma de contornar as leis de imigração.
Como forma de superar este problema, os Estados-membros procuraram harmonizar as suas
posições respeitantes aos pedidos de asilo manifestamente infundados. Um dos procedimentos
adoptados consiste em sujeitar estes pedidos a um processo acelerado (regulado pela legislação
nacional), evitando, desse modo, que o requerente (no caso de pedido infundado) se aproveite do tempo
prolongado de análise do seu processo para evitar de ser expulso.
Enquanto guardiã dos tratados e observadora, a Comissão tem procurado, no âmbito das suas
competências, contribuir para a harmonização das políticas nestes domínios. “Na sua comunicação de
1994 ao Parlamento Europeu e ao Conselho, a mesma Comissão fazia uma clara distinção entre a
política de imigração, no âmbito da qual seria necessário actuar de uma maneira restritiva e
preventiva, e a política em relação aos refugiados, a propósito da qual se destaca, no essencial, ser
Mestrado em Estudos Europeus 193
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
impossível reduzir o número de refugiados que os Estados-membros devem acolher” (Pires, 1998:
109).
O Tratado de Amesterdão, assinado a 2 de Outubro de 1997, é sinónimo de alguns desses
esforços levados a cabo quer pelas instâncias comunitárias, quer pelos Estados-membros, na medida
em que se verifica a comunitarização de algumas matérias de conteúdo importante, tais como as da
determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, a concessão do estatuto de
refugiado a nacionais de países terceiros e os procedimentos a adoptar pelos Estados-membros para
conceder ou retirar o estatuto de refugiado. Ainda relativamente a esta matéria, foi inserido pelo
Tratado de Amesterdão um “Protocolo sobre Asilo a Nacionais dos Estados-membros da União
Europeia”. De acordo com o seu conteúdo, os pedidos de asilo de cidadãos da União Europeia não têm,
em princípio, qualquer fundamento, uma vez que, sendo nacionais de um Estado-membro, não recaem
sobre o seu país sentimentos de desconfiança.
Dito isto, somos levados a reconhecer que as alterações introduzidas pelo Tratado de
Amesterdão não são de modo algum insignificantes. No entanto, a passagem do processo de votação
por unanimidade para a maioria qualificada em matérias de asilo só viria a ter algum reflexo com a
assinatura do Tratado de Nice, como já tivemos oportunidade de referir no capítulo anterior, ao
referenciar o tratamento dado à política de imigração. No cômputo geral, analisando a evolução da
política de asilo e de imigração somos levados a reconhecer que houve realmente um progresso
importante, embora de certo modo demasiado moroso. É naturalmente fácil compreender por que é que
para o cidadão comum a liberdade de circulação é uma das características mais visíveis e aquela que
mais o preocupa, enquanto cidadão. Liberdade sem segurança, não pode ser considerada como tal, nem
é isso que nós esperamos do mercado interno. De acordo com a própria definição adiantada no AUE, o
mercado interno é um espaço onde deve ser garantida a livre circulação em condições de segurança.
Sem o respeito integral por estes valores não poderemos falar em livre circulação, uma vez que, a nosso
ver, este princípio pressupõe liberdade, não só em termos físicos, mas também pela ausência de
obstáculos alfandegários. Só nos resta não perder a esperança e confiar em todos aqueles que acreditam
e se esforçam para que a União Europeia, e quiçá a médio prazo a Europa no seu todo, se transforme
numa uma grande casa, na qual todos possam viver harmoniosamente e se respeitar mutuamente.
Mestrado em Estudos Europeus 194
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
II – Conclusão
A existência no concelho de imigrantes oriundos dos Palop já não representa novidade para
nenhum residente barcelense. Embora alguns tenham chegado ao concelho há relativamente poucos
anos, a maioria deles deslocaram-se para cá ainda antes de ter sido concluído o processo de
descolonização, ou então durante a década de oitenta. Trata-se de uma comunidade de imigrantes com
alguma representatividade, embora possa não parecer, devido à sua distribuição dispersa em termos
habitacionais. Por outro lado, não é muito frequente ver os africanos movimentarem-se em grupo
(exceptuando as classes mais jovens, embora mesmo neste caso os agrupamentos não ultrapassem os
três indivíduos), contrariamente àquilo que acontece com os de Leste. A explicação para esta
diferenciação de comportamentos é compreensível. Enquanto os africanos, residentes no concelho há
bastante tempo, não sentem grandes dificuldades de comunicação e estão familiarizados com o estilo
de vida português, os imigrantes de Leste sentem-se de certa forma deslocados numa sociedade da qual
ainda pouco sabem. Esta estranheza perante tudo aquilo que os rodeia, associada ao desconhecimento
da língua, gera um sentimento de insegurança que só conseguem superar em grupo. Este sentimento
manifesta-se nos mais diversos lugares (no emprego, no supermercado, no centro de saúde) e sob
diversas formas (receio de não saber o que fazer confrontado com um determinado problema, o medo
Mestrado em Estudos Europeus 195
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
de perder o emprego, a dúvida permanente de não ser bem compreendido ou, ainda, o receio de
rejeição). Esta insegurança, minimizada por uns e omitida por outros, só deixará de existir
definitivamente quando o imigrante se sentir familiarizado com tudo aquilo que o rodeia. Até lá, só no
espaço confinado ao seu alojamento, na companhia de amigos e familiares, conseguirá libertar-se dela,
ainda que temporariamente.
Assim sendo, é fácil compreender o significado do grupo para o imigrante de Leste: para aquele
que está separado de sua família por quilómetros de distância, o grupo representa a bóia de salvação
para ajudá-lo a ultrapassar os obstáculos (que por sinal não são poucos). Para o imigrante que está
acompanhado de sua família, a situação é menos dura, mas nem por isso a presença do grupo é
dispensada. Quanto maior for o número de compatriotas, maior será também a transmissão de bem-
estar e de proximidade às origens.
Não obstante a importância que estes agrupamentos revestem para o imigrante de leste, é
imprescindível que o indivíduo invista numa gradual inserção na sociedade de acolhimento de modo a
conhecer os seus membros e, ao mesmo tempo, permitir que o conheçam. No nosso entender é aqui que
reside um dos factores responsáveis pelo sucesso ou fracasso do processo de inserção: na manifestação
de interesse, por parte do imigrante, em participar na eterna formação cultural a que qualquer
sociedade, em contacto com outras culturas, está sujeita. Da nossa parte, enquanto cidadãos do país de
acolhimento devemos manifestarmo-nos receptíveis à assimilação de elementos característicos de
outras culturas, sob pena de, se tal não acontecer, estarmos a contribuir para a sobre-valorização de
uma cultura em detrimento de outra. Dito por outras palavras, devemos procurar aceitar as diferenças
culturais e harmonizar as relações sociais de forma a facilitar a estadia dos imigrantes, seja ela breve ou
longa.
A este respeito convém lembrar que a maioria dos imigrantes de Leste confessarem alimentar o
sonho de um dia regressar ao seu país de origem, numa situação económica privilegiada e ainda em
plena idade activa para se estabelecer profissionalmente. Apesar desta ser a opinião que actualmente
manifestam, na nossa opinião não serão muitos os imigrantes que levarão adiante este seu objectivo de
vida. O que nos leva a tirar essa ilação tem, essencialmente, a ver com o interesse que quase todos eles
(os que têm filhos) nos manifestaram de, a curto prazo, juntar a família em Portugal. Ora, se tal se
verificar é muito provável que, depois de estar inserida na sociedade portuguesa, a geração mais jovem
Mestrado em Estudos Europeus 196
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
não manifeste grande interesse em abandonar tudo aquilo que adquiriu no nosso país. Estamos a referir-
nos, sobretudo, aos laços de amizade estabelecidos, quer entre compatriotas, quer com a população
nacional, eventualmente não existentes no país de origem (pelo menos com a mesma dimensão que
assumem no país de acolhimento), o que nos parece compreensível tendo em linha de conta que,
supostamente, o único contacto pessoal mantido com os residentes do país de origem ocorrerá
esporadicamente uma vez por ano e, certamente, durante o período de férias.
Esta nossa opinião não se aplica, contudo, a todos os imigrantes. Haverá concerteza aqueles que
conseguirão levar a bom porto os seus ideais iniciais. No entanto, pensamos que estes façam parte do
grupo de imigrantes que optaram, voluntariamente ou por força das circunstâncias, em não trazer os
membros da sua família mais próxima para junto de si durante o período de estadia em Portugal.
Regressando brevemente aos imigrantes que possivelmente optarão por residir definitivamente
em Portugal, consideramos que a escola, enquanto transmissora de conhecimentos poderá ter um papel
fulcral no processo de inserção das comunidades de imigrantes. Tivemos oportunidade em capítulo
próprio de manifestar a nossa opinião quanto à necessidade de uma maior sensibilização por parte de
alguns educadores (felizmente não todos) para as dificuldades de aprendizagem de alguns filhos de
imigrantes. No nosso entender, um melhor acompanhamento das reais dificuldades da criança
imigrante poderá ser uma das soluções viáveis para evitar que esses jovens se sintam deslocados entre
dois universos culturais, não sabendo ao certo, ao qual pertencem. Mais uma vez, em consonância com
o acima exposto, o diálogo entre comunidades aparece como uma das soluções aos problemas de
inserção, podendo, através do recurso a ele, evitar situações de confronto.
Por aquilo que nos fomos apercebendo, os conflitos no concelho, entre a população nacional e
estrangeira, não são frequentes. No entanto, notamos em alguns imigrantes um sentimento de
descontentamento perante atitudes discriminatórias de que já foram alvo, nomeadamente no local de
trabalho. Retiramos essa conclusão quer de alguns relatos de imigrantes de ambas as comunidades,
quer das respostas dadas a determinadas perguntas do inquérito. Neste sentido, somos levados a
considerar que, embora haja uma ausência de conflitos raciais no concelho em termos de confrontos
físicos, a existência de atitudes discriminatórias camufladas sob outros tipos de comportamentos é uma
realidade. Neste contexto, não podemos deixar de nos questionar sobre as causas que poderão levar
algumas pessoas a não aceitarem a presença de imigrantes. A ocupação de postos de trabalho pela mão-
Mestrado em Estudos Europeus 197
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
de-obra estrangeira, anteriormente ocupados por trabalhadores nacionais não serve de justificação para
esta atitude, na medida em que os imigrantes em estudo não concorrem a empregos qualificados (os
mais apetecidos pelos cidadãos nacionais), ocupando, a grande maioria deles, os empregos mais
desqualificados e pior remunerados e, portanto, os menos procurados pelos portugueses. Mesmo em
relação aos imigrantes de leste, cujo nível profissional é considerável, este receio não se justifica. Aliás,
a este respeito, temos dificuldade em entender porque será que os empregadores, designadamente do
sector têxtil, onde se encontram bastantes imigrantes empregados, não aproveitam melhor os
conhecimentos destas pessoas e a sua facilidade de aprendizagem em proveito da sua empresa,
atribuindo-lhes por exemplo, cargos de chefia em determinados sectores de produção. Ficariam, assim,
os trabalhos de menor responsabilidade para aqueles que não tivessem tantos conhecimentos, ou ainda,
para aqueles que não tivessem pretensão de ascender profissionalmente.
Infelizmente, temos conhecimento de poucos imigrantes que se sintam realizados
profissionalmente. Exceptuando um ou outro caso que ocupam cargos de relevo, a maioria dos
imigrantes destas comunidades, do sexo masculino, está distribuída pelo sector da construção civil e
pelo sector têxtil, enquanto as mulheres concentram-se mais em pequenas confecções e em empresas
prestadoras de serviços de limpeza. Respeitante aos imigrantes de leste importa relembrar que durante
o decurso da nossa investigação no terreno, período em que contactamos permanentemente com a
população imigrante, verificamos que num curto espaço de tempo uma parte significativa dos
imigrantes do sexo masculino mudaram de emprego com alguma frequência, embora permanecendo
sempre no concelho de Barcelos. Essa relativa instabilidade traduz, um sentimento de insatisfação
perante o emprego e o baixa salário, agravado pelo seu estado emocional conturbado pela ausência da
família.
Numa última reflexão gostaríamos de frisar mais uma vez a importância que reveste a
problemática da inserção dos imigrantes na nova sociedade. No caso concreto de Barcelos, e de acordo
com tudo aquilo que foi dito, julgamos estar perante uma atitude de acomodação manifestada por
ambas as comunidades (imigrantes/nacionais). Este comportamento é tangível no relacionamento
pouco comunicativo estabelecido entre empregador e empregado (enquanto imigrante); na fraca
convivência entre imigrantes e nacionais; na opinião partilhada pela maioria dos imigrantes africanos e
de leste inquiridos, em como a discriminação é exercida por todo o lado.
Mestrado em Estudos Europeus 198
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
Obviamente sabemos que o processo de inserção, quer para os imigrantes quer para os
nacionais, exige um grande empenho de ambas as partes, sobretudo quando falamos em pessoas cujos
contrastes culturais são visíveis. No entanto, consideramos que em relação aos imigrantes as
dificuldades são acrescidas. O facto de muitas vezes sofrerem de carências sócio-económicas
posiciona-os à partida num lugar desfavorecido. É nesse sentido que, enquanto membros da sociedade
receptora, temos o dever de tentar identificar e compreender as situações de injustiça e desigualdade
relativamente ao contacto entre as diversas comunidades, e adoptar medidas apropriadas que possam
eliminar tais comportamentos. Tal esforço permitir-nos-á promover as relações inter-comunitárias e
proporcionar aos imigrantes uma vida digna em conformidade com o cumprimento dos Direitos
Humanos, sejam eles sociais ou culturais.
Mestrado em Estudos Europeus 199
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
II – Anexos
IV - Bibliografia
• GUERRA, Henrique, (1988), Angola: estrutura económica e classes sociais, (6ª edição),
União de Escritores Angolanos.
• GUILLAUME, Pierre, (1974), Le monde colonial – XIX et XX siècle, Paris: Armand Colin
Éditeur.
• GUILLAUME, Pierre, (1974), Le monde colonial - XIX-XX siècle, Paris: Armand Colin.
• GURVITCH, Georges, (1958), Tratado de Sociologia, Press Universitaires de France, Paris.
• KAHN, René, (1989), Migrants et travail en Europe, Presses Interuniversitaires
Européennes.
• LEANDRO, Maria-Engracia, (1995), Au-delà des apparences – les portugais face à
l’insertion sociale, Ciemi l’harmattan.
• MARTINS, Gonçalves Manuel, (1986), A descolonização portuguesa (as
responsabilidades), Braga: Livraria Cruz.
• MEDVEDEV, Roy, Chiesa Giulietto, (1988), A URSS em mudança, Lisboa: Publicações D.
Quixote.
• MIRANDA, de Sacuntala, (1999), A emigração portuguesa e o Atlântico, Lisboa: Edições
Salamandra.
• MORIN, Edgar, (1987), Pensar a Europa, Publicações Europa-América.
• MOROKVASIC, Mirjana, et al, (1996), Migrants – les nouvelles mobilités en Europe, Paris:
Éditions l’Harmanhan.
• NOUSCHI, Marc, (1997), Breve Atlas Histórico do século XX, Atlas e Dicionários –
Instituto Piaget, Armand Colin.
• NOUSCHI, Marc, (1994), Em busca da Europa, Lisboa: Instituto Piaget.
• PIRES, Francisco Lucas (1998), Amsterdão: do Mercado à Sociedade Europeia?, Principia,
Publicações Universitárias e Cientificas.
• BASTOS, José Gabriel Pereira et al, (1999), Portugal multicultural, Lisboa: Editora Fim de
Século.
• PETRELA, Ricardo, (1990), Portugal – os próximos vinte anos, Volume VII, Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian.
Mestrado em Estudos Europeus 203
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
• TRINDADE, Maria Beatriz Rocha et al, (1995), Sociologia das migrações, Lisboa:
Universidade Aberta.
• VIANA, António Manuel Couto, (1985), Fernando Pessoa – Traduções de poesia e prosa,
Lisboa: Editorial Verbo.
• WENDEN, Catherine Wihtol de, et al, (1995), L’Europe et toutes ses migrations, Editions
Complexe.
II – Legislação:
• Acto Único Europeu, (1991), Coimbra: Livraria Almedina.
• Constituição da República Portuguesa, (1999), Lisboa: Quid Juris?
• Decreto-lei nº 244/98, de 8 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei nº 97/99, de
26 de Julho, pelo Decreto-lei nº 4/01, de 10 de Janeiro, e pelo Decreto-lei nº 34/03, de 25 de
Fevereiro (condições de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do
território português).
• Decreto-lei nº251/02, de 22 de Novembro (cria o Alto-Comissariado para a Imigração e
Minorias Étnicas).
• Decreto Regulamentar Regional nº 30/2002/A, de 22 de Novembro (institui o Conselho
Consultivo Regional para os Assuntos da Imigração).
• Decreto Regulamentar nº 9/01, de 31 de Maio (regula a entrada, permanência, saída e
afastamento de cidadãos estrangeiros do território nacional).
• Direitos Humanos, Carta Internacional dos Direitos do Homem, Edição em português
publicada em Lisboa pelo Centro de Informação das Nações Unidas.
• Lei nº 20/98, de 12 de Maio (estabelece a regulamentação do trabalho estrangeiro em
território português).
• Portaria nº 480/03, de 16 de Junho (modelo uniforme de título de residência para os
nacionais de países terceiros).
• Textos Comunitários, (2003), Lisboa: Instituto Superior de Línguas e Administração.
• Tratado de Amesterdão, (2000), Coimbra: Almedina.
Mestrado em Estudos Europeus 205
___________________________________________________________________________________________________
Imigrantes: uma nova face da sociedade portuguesa. Um estudo de caso no concelho de Barcelos
• Tratado de Nice, (2001), Revisão dos Tratados Europeus – Revisão Comparada, Lisboa:
Assembleia da República.
• Tratado da União Europeia, (1993), Lisboa: Assembleia da República.
PÚBLICO (diário):
• 2001 - 10 de Junho – O estranho caso dos imigrantes que morreram no Porto.
– A poderosa diáspora Húngara
– As pequenas minorias da República Checa
- 17 de Junho – Data vaga e sem compromisso para o alargamento da União Europeia.