Antoniio Rodrigues Tratado
Antoniio Rodrigues Tratado
Antoniio Rodrigues Tratado
A partir das últimas décadas do século XX, historiadores da arte tem se curvado em prol de
um estudo apurado das fontes artísticas legadas por artistas e arquitetos portugueses, as quais mui-
tas ainda se encontram pronta a serem descobertas nos inúmeros arquivos e bibliotecas públicas
e privadas espalhadas pelo mundo. Desta forma, propõe se nesta comunicação discutir aquele que
é reconhecido como o primeiro tratado de arquitetura português2 : o manuscrito de Antônio Ro-
drigues intitulado “Tratado de Arquitectura” (1576), depositado na Biblioteca Nacional de Portugal
como o códice 36753 e o espaço de sistematização da arquitetura enquanto saber teórico no mo-
mento de produção do documento.
O manuscrito redigido em Portugal durante o governo de D. Sebastião (1554-1578) propor-
ciona uma compreensão sobre o do cenário profissional em que Rodrigues estava inserido como
mestre de obras e fortificações do reino durante o terceiro quartel do século XVI, e quais saberes o
levaram a ser reconhecido enquanto profissional artífice da construção.
Antônio Rodrigues fizera parte das transformações ocorridas na compreensão acerca do
conceito de arquiteto, bem como estivera entre os profissionais da construção que efetivaram as
mudanças nos estilos e nos modos de construir na corte portuguesa do século XVI. A busca pela
arquitetura "ao romano"4 faz parte da conjuntura que constituíra o desígnio do Estado Moderno
português nos primeiros anos dos Quinhentos, aliando os preceitos da arte dita antiga para com
os intentos régios, recorrendo à exteriorização do poder político e expansão do reino por meio da
1 Graduada em História pela Universidade Metodista de Piracicaba. Atualmente é mestranda em História da Arte pela Universidade Estadual
de Campinas, contando com o apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo 2019/11512-9) e membro do grupo
ORNAMENTA (Grupo de Estudos Avançados de Arte Sacra - UNICAMP).
2 Atribuído e datado pelo historiador da arte Rafael Moreira em sua dissertação de mestrado. MOREIRA, Rafael, Um tratado português de
Arquitectura do século XVI (Tese de mestrado, Universidade Nova de Lisboa, 1982), in AAVV, Colectânea de Estudos - Universo Urbanístico Por-
tuguês, 1415-1822, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998.
3 RODRIGUES, António, ca 1525?-1590. [Tratado de arquitectura] [1575-1576]. - [1] f., f. 3-45, f. [46-67], enc. : il. ; 29 cm. Disponível em: http://purl.
pt/27112.
4 Sobre a arquitetura “ao romano”, ver mais em: CRAVEIRO, Maria de Lurdes. A arquitetura ao romano; in; RODRIGUES, Dalila (coord). A arte
portuguesa: da Pré–História ao século XX, 2009.
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arquitetura.5
A necessidade da ampliação de defesas de territórios no século XVI demandara transforma-
ções nas formas de construir do período, abrindo espaço para a introdução do ideal clássico italiano
e sobre suas formas de fortificar. A ciência da construção passa a circular em meio a corte, trans-
passando as paredes dos conventos e monastérios, atendendo às novas demandas que emergiram
como resultado das navegações.6 Ao reinado de D. João III (1521-1557), dá-se o início ao movimento
de reformulação das praças fortificadas do Norte da África conquistadas ao início do século XVI que
resultará numa junta de especialistas na arte militar e da circulação destes entre Portugal e o norte
africano.7 Segundo Rafael Moreira, essa junta teria sido encabeçada por D. João III, seguido de seu
irmão o infante D. Luís. Ao corpo da junta, encontrava-se também o arquiteto Miguel de Arruda
(1500-1563), o qual fora incumbido de acompanhar ao norte africano o arquiteto italiano Benedetto
de Ravena (1485-1556), acompanhados de Diogo de Torralva (1500-1566) e João de Castilho (1470-
1552), reconhecidos como os mais célebres entre os profissionais da arquitetura renascentista por-
tuguesa.
Durante esse período observa-se o desenvolvimento do processo de incentivo à ida de ar-
tistas portugueses em busca do saber da linguagem clássica da arquitetura em território italiano8,
bem como a vinda de profissionais estrangeiros conhecedores de tais artes, e, em uniformidade a
dimensão do movimento de trabalho gerado com a circulação destes profissionais, instaura-se nes-
te momento um órgão central que gerirá, a partir daí, o empreendimento das construções fortifica-
das nessa região e se utilizará da experiência e do saber italiano para o aprimoramento da defesa
de Portugal.9
Os profissionais portugueses que houvessem de obter conhecimento acerca da arte de edifi-
car em território italiano, teriam então, por compromisso, que utilizar deste saber em prol das pro-
jeções modernas realizadas em Portugal. Este é o caso de Antônio Rodrigues, que apresenta, por
meio do códice 3675, um conhecimento alinhado às prerrogativas da arquitetura clássica presente
em Itália.10
5 MOREIRA, Rafael. Arquitectura: Renascimento e classicismo. História da Arte Portuguesa, v. 2, p. 302-375, 1995.
6 TAVARES, Domingos; XAVIER, João Pedro. António Rodrigues: renascimento em Portugal. Dafne, 2007, p.32.
7 CARITA, Rui. A defesa do Atlântico nos séculos XV e XVI. A arquitectura militar na expansão portuguesa. Porto: Maiadouro, 1994, p. 117-118.
8 CORREIA, Jorge. "...determino mandar um destes italianos [...] para melhor poderdes efectuar essa fortificação". In: Arquitectos italianos em
Portugal. MARNOTO, Rita. (Org. Dossiê) Arquitectos italianos em Portugal. Estudos Italianos em Portugal, v. 12, p. 149-164, 2017.
9 CARITA, op.cit, p.118.
10 MOREIRA, Rafael. A escola de arquitectura do Paço da Ribeira e a Academia de Matemáticas de Madrid. Relações Artísticas Entre Portugal e
Espanha na Época dos Descobrimentos, p.67, 1987.
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“Em primeiro lugar, é de salientar uma estrita endogenia na transmissão de saberes: além
do caso de Baltasar e Afonso Álvares, os mais importantes arquitectos da época ou perten-
ciam a famílias já ligadas ao ofício ou fundaram eles próprios a sua própria dinastia. João
de Ruão foi pai do arquitecto Jerónimo de Ruão, do engenheiro Simão de Ruão (c. 1535-
1570), que após uma significativa estadia em Itália era, em 1567, encarregado da concep-
ção de um sistema defensivo para a Foz do Douro, antes de partir para a Índia no séquito do
vice-rei D. Luís de Ataíde (Moreira, 1981, p. 285), e do licenciado João de Ruão, juiz-de-fora
com carta passada pelo Desembargo do Paço e nomeado para a vila de Freixo, mas julgado
capaz, em 1570, de dirigir as obras do Forte da Barra de Viana do Minho (Moreira, 1994,
p.62).” (...)11
Não se pode afirmar que o prestígio como arquiteto adquirido por Rodrigues possa ter ocor-
rências em sua ascendência, pois, até o momento, de nada se sabe sobre sua genealogia, somente
sua participação profissional e trechos de seu percurso enquanto mestre de obras e de fortificações
do reino português na segunda metade do XVI.12 Segundo Rafael Moreira, há notícias de sua passa-
gem por terras italianas entre os anos de 1560 e 1564, ponto esse que se torna culminante na com-
preensão a respeito de sua formação e das inspirações teóricas de grandes tratadistas da época que
se encontram entre as linhas de seu “Tratado de Arquitectura”.13
É de grande importância, juntamente com as viagens desses profissionais a Itália, destacar
a circulação de tratados de arte e arquitetura que se dissiparam em inúmeras edições na Península
Ibérica durante todo o século XVI. A sistematização da arquitetura enquanto ciência acarretara na
introdução, divulgação e circulação da produção literária artística entre Espanha e Portugal, fazen-
do com que os arquitetos régios da Península Ibérica tivessem contato com os cânones pressupos-
tos da linguagem clássica da arquitetura.14 É o caso do pioneiro espanhol Diego de Sagredo, onde,
por meio de “Medidas del Romano” (1526) produz o primeiro tratado de arquitetura da Península
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O rigor necessário para a projeção dessas novas formas de defesa coloca em evidência o pa-
pel desses profissionais, que, apoiados no saber científico, desenvolveram métodos e teorias que
revelam os intentos do Império em meio a uma nova conjuntura política, econômica e social ocor-
rente em Portugal ao longo do século XVI. O “Tratado de Arquitectura” de Antônio Rodrigues pode
ser compreendido neste contexto como um reflexo das necessidades do processo de defesa territo-
rial recorrentes em Portugal no século XVI, propiciando ao estudo da teoria artística meios de com-
preensão das consequências dos processos urbanizatórios e defensivos dos territórios portugueses,
sendo o único a demonstrar os métodos de representação científicos da arquitetura, como também
teorias e modelos circulantes na Portugal quinhentista sobre a arte do desenho de edificações.
Os artistas e suas obras permitiam que a sociedade portuguesa do século XVI entrasse em
contato com realidades dadas como pressupostos para um fazer artístico, bem como, utilizar-se
desses pressupostos em prol da expansão de seu território. Enfim, tais escritos artísticos são legados
dos artistas ao longo do tempo e que nos proporcionam uma maneira de compreender de que for-
ma a arte servira de instrumento para diferentes propósitos ao longo da história, cumprindo papéis
nas mais diversificadas camadas sociais as quais fora produzida e tivera circulação.
atriz P. Siqueira. Desenho e desígnio: o Brasil dos engenheiros militares. São Paulo: Edusp, 2000.
20 BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira. Com as mãos sujas de cal e de tinta, homens de múltiplas habilidades: os engenheiros militares e a
cartografia na América portuguesa (séc. XVI-XIX). Navigator: subsídios para a História Marítima do Brasil, Rio de Janeiro, v. 7, n. 14, p. 10, 2011.
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Referências Bibliográficas
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