Património Cultural e A Reabilitação Urbana
Património Cultural e A Reabilitação Urbana
Património Cultural e A Reabilitação Urbana
Ficha técnica
À memória de
João de Castro Maria
Uma “divindade” sobre o qual
O clã Ngana Mbambi se estribou!
iii
Agradecimentos
A elaboração de uma tese conta sempre com o apoio de professores, familiares, amigos,
colegas e instituições diversas em todo o processo de investigação. Por isso gostaria de
destacar o contributo daqueles que tiveram uma participação importante, embora para
exercícios de memória como estes há sempre o risco de esquecimento momentâneo que,
no entanto, não diminui em nada a minha eterna gratidão. Assim, quero expressar o meu
especial agradecimento às personalidades e instituições que colaboraram direta e
indiretamente nas diferentes fases da investigação.
Ao meu irmão Pedro de Castro Maria pela vasta bibliografia fornecida que representou
um suporte importante para o aprofundamento das questões teóricas, para além do apoio
financeiro e ajuda na aplicação dos inquéritos na cidade do Dondo. Neste particular, os
agradecimentos são extensos ao irmão Saraiva de Castro Maria, Baltazar de Castro Maria,
ao sobrinho Carísio de Castro Fernandes e aos amigos Pimentel Conceição e Pedro
Soares.
iv
As minhas queridas irmãs Ana de Castro Maria e Marcelina de Castro Maria, pelas
palavras de incentivo e pelo importante contributo no pagamento das propinas.
Ao amigo Filipe Morais pela paciência e formação intensiva em SPSS que possibilitou a
introdução, análise e tratamento dos dados recolhidos através dos inquéritos por
questionário.
A todos os meus alunos que não se cansaram em incentivar com palavras de conforto.
Aos anónimos que gentilmente colaboraram no preenchimento dos questionários, cuja
contribuição foi determinante para a conclusão da tese.
Por fim, em especial, uma vénia pelo sacrifício e apoio da minha família de casa, minha
esposa Cláudia de Castro, meus filhos: Hadi, Isabel, Victória e Cláudia, e meus sobrinhos
Salá e Guilherma. O principal esteio para esta realização.
v
Resumo
Com essa perspetiva foram definidos dois grandes objetivos para sustentar esta
investigação, com adoção de uma abordagem metodológica eclética, própria de um
estudo de caso, através da conciliação dos procedimentos qualitativos e quantitativos. Na
primeira parte da tese desenvolveu-se uma contextualização por meio de um
enquadramento teórico-conceptual para compreender melhor as dimensões do estudo:
património cultural, cidade histórica e turismo, através de uma pesquisa bibliográfica e
documental que remete à abordagem em torno da génese, caraterísticas e processo
evolutivo. A segunda parte é reservada ao estudo do caso, através da análise e tratamento
dos dados e informação recolhidos com o trabalho empírico realizado, onde procedeu-se
a aplicação de inquéritos por questionários aos residentes e aos visitantes, assim como
entrevistas aos responsáveis do setor público, nas diferentes escalas.
vi
pública no sentido da promoção da intersetorialidade e de uma melhor articulação dos
subsetores do turismo para o devido alinhamento entre a estratégia e a operação.
vii
Abstract
With this perspective, two main objectives were defined to support this research, with the
adoption of an eclectic methodological approach, appropriate to a case study, through
the conciliation of qualitative and quantitative procedures. In the first part of the thesis a
contextualization was developed through a theoretical-conceptual framework to better
understand the dimensions of the study: cultural heritage, historical city and tourism,
through bibliographical and documentary research that refers to the approach around
genesis, characteristics and evolutionary process. The second part is reserved for the
study of the case, through the analysis and treatment of data and information collected
with the empirical work carried out, where questionnaires were applied to residents and
visitors, as well as interviews with public sector officials, in the different scales.
The research provided the definition of a tourism development strategy and allowed to
conclude, on the one hand, that cultural heritage is the main element to be considered in
the elaboration and pursuit of urban rehabilitation and tourism development plans in
historic cities and, on the other, that for the safeguarding of the historic city of Dondo
and improvement of the living conditions of its residents, it is fundamental to adopt
cultural forms of tourism that are alternatives to massification. In order to achieve these
objectives, it is important another public approach towards promoting intersectoriality
and a better articulation of tourism sub-sectors for the proper alignment between strategy
and operation.
viii
The aim of this thesis is to contribute to help solve current and future constraints through
the combination of mutual valences of the tourism and culture sectors, with satisfactory
multiform results. Above all, it is hoped that there will be a new understanding in the
country about culture and cultural heritage and its relation to tourism.
Keywords: cultural heritage, historic city, urban rehabilitation, tourism, Dondo, touristic
development.
ix
Índice Geral
x
2.1.4. A produção de cidade em Angola .................................................................... 91
2.2. A reabilitação urbana na cidade histórica .......................................................... 98
2.2.1. O processo de reabilitação ............................................................................... 99
2.2.2. O centro histórico como núcleo urbano ........................................................ 103
2.2.3. Gentrificação ou enobrecimento do centro histórico .................................. 106
2.2.4. A reabilitação e a participação do residente ................................................ 108
2.2.5. Opções estratégicas de política urbana ......................................................... 110
2.3. A dimensão turística da cidade histórica .......................................................... 117
2.3.1. Externalidades positivas do turismo ............................................................. 119
2.3.2. Externalidades negativas do turismo ............................................................ 121
2.3.3. Para uma gestão responsável das externalidades ........................................ 124
III. Capítulo: O turismo cultural e as modalidades alternativas à massificação . 129
3.1. Abordagem conceptual ....................................................................................... 129
3.2. O turismo cultural e o turista ............................................................................. 137
3.3. O turismo cultural e os lugares de destino ........................................................ 141
3.4. Rotas e itinerários turísticos e culturais ............................................................ 151
3.5. Modalidades turísticas de base cultural ............................................................ 164
3.5.1. O turismo de base comunitária ..................................................................... 170
3.5.2. Turismo no espaço rural ................................................................................ 175
3.5.3. O turismo arqueológico ou arqueoturismo .................................................. 181
3.5.4. Turismo criativo.............................................................................................. 186
SEGUNDA PARTE: ESTRATÉGIA DE REABILITAÇÃO URBANA E DE
DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO DA CIDADE HISTÓRICA DO DONDO 197
IV. Capítulo. Turismo em Angola. Abordagem genérica ...................................... 199
4.1. Evolução e breve resenha histórica .................................................................... 200
4.2. Principais indicadores ......................................................................................... 207
4.2.1. Análise da procura turística no país ............................................................. 210
4.2.2. A oferta hoteleira e a situação de outros subsetores .................................... 217
4.3. Fatores de inibição da atividade. Constrangimentos e dificuldades ............... 219
4.4. Planos e projetos. Desafios e perspetivas........................................................... 226
V. Capítulo. A cidade do Dondo. Território, população e desenvolvimento local 235
5.1. História e desenvolvimento do território ........................................................... 236
5.1.1. A Feira do Dondo e o início da urbanização local ....................................... 241
5.1.2. A configuração urbana da cidade do Dondo ................................................ 245
5.2. Caraterização geral da cidade ............................................................................ 249
xi
5.2.1. Localização, contexto regional e organização espacial ................................ 249
5.2.2. Infraestruturas e equipamentos diversos ..................................................... 254
5.2.3. Parque industrial e outras atividades económicas ....................................... 258
5.3. Atividade turística e os seus recursos ................................................................ 261
VI. Capítulo. Processo metodológico da investigação............................................. 267
6.1. As opções metodológicas e técnicas de pesquisa utilizadas na investigação .. 269
6.1.1. Ameaças à validade da investigação ............................................................. 271
6.2. Justificação de utilização da técnica de pesquisa documental ........................ 273
6.3. Seleção e justificação da técnica de amostragem .............................................. 275
6.3.1. Amostragem para os residentes ..................................................................... 275
6.3.2. Amostragem para os visitantes ...................................................................... 276
6.4. Razões da recolha de informação não disponível ............................................. 278
6.4.1. Informação recolhida através do inquérito por questionário ..................... 278
6.4.2. Informação recolhida através do inquérito por entrevista ......................... 280
6.5. Aspetos éticos ....................................................................................................... 284
VII. Capítulo. Caraterização dos inquiridos da cidade histórica do Dondo .......... 287
7.1. Os residentes ........................................................................................................ 288
7.1.1. O residente e a cidade. Sua propensão à viagem ......................................... 296
7.1.2. Perfil social do residente ................................................................................ 301
7.2. Os visitantes ......................................................................................................... 301
7.2.1. Férias e viagens dos visitantes ....................................................................... 310
7.2.2. O visitante e o destino “Dondo” .................................................................... 312
7.2.3. Perfil social do visitante.................................................................................. 318
VIII. Capítulo. As perspetivas do setor público, da comunidade e dos visitantes
para o desenvolvimento turístico local...................................................................... 321
8.1. O setor público e o desenvolvimento turístico local ......................................... 322
8.1.1. Os órgãos centrais do Estado ......................................................................... 322
8.1.2. Os órgãos provinciais do Estado ................................................................... 327
8.1.3. As autoridades públicas locais ....................................................................... 329
8.2. A comunidade local perante o desenvolvimento do turismo ........................... 333
8.2.1. Necessidade de equipamentos e atividades ................................................... 334
8.2.2. Benefícios e malefícios da atividade turística ............................................... 336
8.2.3. Modalidades turísticas adequadas para desenvolver a cidade ................... 342
8.2.4. Aspetos mais importantes da cultura local ................................................... 345
8.2.5. Condições de vida. Medidas fundamentais e melhoria da cidade .............. 354
xii
8.3. Avaliação da cidade do Dondo pelos visitantes enquanto potencial destino .. 363
8.3.1. Melhoria da atratividade da cidade .............................................................. 364
8.3.2. Modalidades a desenvolver e experiência turística ...................................... 371
8.3.3. Medidas para a melhoria da cidade .............................................................. 376
IX. Capítulo. Estratégia de desenvolvimento turístico na cidade histórica do
Dondo 385
9.1. Reabilitação urbana e extensão da cidade ........................................................ 386
9.1.1. Infraestruturas e serviços públicos ............................................................... 387
9.1.2. Património histórico construído e valorização identitária do lugar .......... 390
9.1.3. Equipamentos e serviços diversos ................................................................. 396
9.1.4. Nova(s) centralidade(s) ................................................................................... 402
9.2. Organização da oferta turística e a procura desejável .................................... 408
9.2.1. Produtos turísticos. Redes e rotas turísticas ................................................. 411
9.2.2. A procura desejável e os serviços inerentes .................................................. 422
9.2.3. Organização e gestão do turismo ................................................................... 432
9.3. Turismo “para já” ............................................................................................... 436
CONCLUSÕES........................................................................................................... 447
Nota preambular ........................................................................................................ 449
Notas conclusivas do estado da arte .......................................................................... 450
Avaliação dos pressupostos metodológicos definidos para o estudo do caso ........ 453
Limitações do estudo .................................................................................................. 461
Linhas para investigações futuras ............................................................................. 463
Bibliografia Geral ....................................................................................................... 467
Sítios de Internet ......................................................................................................... 496
Legislação e documentos normativos ........................................................................ 499
ANEXOS ..................................................................................................................... 501
Anexo 1: Roteiro fotográfico da cidade histórica do Dondo e locais adjacentes .. 503
Anexo 2: Formulários de questionários e guião de entrevistas .............................. 513
Anexo 3: Quadros resultantes dos inquéritos .......................................................... 531
Anexo 4: Monumentos e sítios classificados em Angola.......................................... 543
xiii
Indice de Figuras
xiv
Figura 30: Núcleo urbano da cidade do Dondo (zona histórica classificada) .............. 247
Figura 31: Largo do Lazer. Centro urbano da cidade do Dondo .................................. 248
Figura 32: Mapa e malha urbana da cidade do Dondo ................................................. 250
Figura 33: Bairros da cidade do Dondo ........................................................................ 252
Figura 34: Vista parcial do Rio Kwanza em Massangano............................................ 262
Figura 35: Residentes inquiridos segundo o género ..................................................... 288
Figura 36: Residentes inquiridos segundo o grupo etário ............................................ 289
Figura 37: Residentes inquiridos segundo o género e grupo etário .............................. 290
Figura 38: Residentes inquiridos segundo o bairro e género........................................ 291
Figura 39: Residentes inquiridos segundo a naturalidade ............................................ 291
Figura 40: Residentes inquiridos segundo as habilitações académicas e o género ...... 293
Figura 41: Residentes inquiridos segundo o grupo de atividade profissional .............. 294
Figura 42: Residentes inquiridos segundo a situação profissional ............................... 295
Figura 43: Residentes inquiridos segundo o estado civil ............................................. 296
Figura 44: Residentes inquiridos sobre o que mais gostam do Dondo ......................... 297
Figura 45: Residentes inquiridos segundo o tempo residência na cidade .................... 298
Figura 46: Residentes inquiridos segundo o número de viagens realizadas por ano ... 299
Figura 47: Residentes inquiridos segundo os motivos de viagem ................................ 300
Figura 48: Visitantes inquiridos segundo o género ...................................................... 303
Figura 49: Visitantes inquiridos segundo o grupo etário .............................................. 303
Figura 50: Visitantes inquiridos segundo o género e grupo etário ............................... 304
Figura 51: Visitantes inquiridos segundo o local de residência e género ..................... 305
Figura 52: Visitantes inquiridos segundo a nacionalidade e género ............................ 306
Figura 53: Visitantes inquiridos segundo as habilitações académicas ......................... 307
Figura 54: Visitantes inquiridos segundo atividade profissional ................................. 308
Figura 55: Visitantes inquiridos segundo situação profissional ................................... 309
Figura 56: Visitantes inquiridos segundo o estado civil ............................................... 310
Figura 57: Local de férias dos visitantes ...................................................................... 311
Figura 58: Motivo da visita ao Dondo .......................................................................... 313
Figura 59: Tempo de permanência na cidade do Dondo .............................................. 314
Figura 60: Frequência de viagem ao Dondo ................................................................. 315
Figura 61: Meio de alojamento utilizado...................................................................... 316
Figura 62: Acompanhamento na visita ......................................................................... 317
xv
Figura 63: Atividades realizadas na cidade .................................................................. 318
Figura 64: Necessidades do residente do Dondo .......................................................... 336
Figura 65: Benefícios da atividade turística no Dondo ................................................ 337
Figura 66: Malefícios da atividade turística no Dondo ................................................ 340
Figura 67: Práticas turísticas a desenvolver no Dondo ................................................ 343
Figura 68: Aspetos mais importantes da cultura local .................................................. 347
Figura 69: Melhorias no Dondo após 2002 .................................................................. 356
Figura 70: Grau de satisfação do residente com a cidade do Dondo ............................ 357
Figura 71: O que faz falta na cidade segundo o visitante do Dondo ............................ 366
Figura 72: Soluções adequadas para o centro histórico ................................................ 367
Figura 73: Melhoria da atratividade da cidade ............................................................. 369
Figura 74: Práticas turísticas mais adequadas para desenvolver no Dondo ................. 373
Figura 75: Experiência da visita ao Dondo .................................................................. 374
Figura 76: Recomendaria a cidade a terceiros .............................................................. 374
Figura 77: Infraestruturas básicas e serviços para o Dondo ......................................... 388
Figura 78: Eixos estruturantes para a reabilitação urbana do Dondo ........................... 390
Figura 79: Equipamentos e serviços para a atividade turística na cidade do Dondo.... 397
Figura 80: Condição para conceção e manutenção dos equipamentos ......................... 402
Figura 81: Representação da distância entre Dondo e Massangano. Pela estrada e pelo
Rio Kwanza. ................................................................................................................. 404
Figura 82: Elementos a considerar na reabilitação da cidade do Dondo ...................... 407
Figura 83: Organização da oferta turística na cidade do Dondo .................................. 410
Figura 84: Geossítio de Candange ................................................................................ 416
Figura 85: Necessidades da procura desejável do Dondo Turístico ............................. 428
Figura 86: Vista parcial do Largo 4 de Fevereiro (Praça de alimentação) ................... 439
Figura 87: Estratégia de desenvolvimento turístico da cidade histórica do Dondo...... 445
xvi
Índice de Quadros
xvii
Índice de Anexos
xviii
Quadro 16: Visitantes inquiridos segundo a atividade profissional ............................. 537
Quadro 17: Visitantes inquiridos segundo a situação profissional ............................... 538
Quadro 18: Visitantes inquiridos segundo o estado civil ............................................. 538
Quadro 19: Local de férias dos visitantes..................................................................... 538
Quadro 20: Motivo da visita ao Dondo ........................................................................ 539
Quadro 21: Tempo de permanência na cidade do Dondo ............................................ 539
Quadro 22: Frequência de viagem ao Dondo ............................................................... 540
Quadro 23: Meio de alojamento utilizado .................................................................... 540
Quadro 24: Acompanhamento na visita ....................................................................... 540
Quadro 25: Atividades realizadas na cidade................................................................. 541
Quadro 26: Grau de satisfação do residente com a cidade do Dondo .......................... 541
Quadro 27: Experiência da visita à cidade do Dondo .................................................. 542
Quadro 28: Recomendaria a cidade a terceiros ............................................................ 542
Anexo 4: Monumentos e sítios classificados em Angola .......................................... 543
xix
Acrónimos e Siglas
xx
ICOM Conselho Internacional dos Museus
ICOMOS Conselho Internacional de Monumentos e Sítios
INE Instituto Nacional de Estatística
INFOTUR Instituto de Fomento Turístico
INIC Instituto Nacional de Indústrias Culturais
INPC Instituto Nacional do Património Cultural
Lda. Limitada
LSA Idade da Pedra Tardia
MEDINS Espaço Intangível do Mediterrâneo
MINCULT Ministério da Cultura
MINHOTUR Ministério da Hotelaria e Turismo
MPDT Ministério do Plano e Desenvolvimento Territorial
MPLA Movimento Popular de Libertação de Angola
OCDE Organização para a Coordenação e Desenvolvimento Económico
OMT Organização Mundial do Turismo
OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo
PAG Programa de Ação do Governo
PDT Plano Diretor do Turismo
PIB Produto Interno Bruto
PND Plano Nacional de Desenvolvimento
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
POT Plano Operativo do Turismo
RETOSA Região de Turismo da África Austral
S.A. Sociedade Anónima
SADC Comunidade de Desenvolvimento da África Austral
SADCAMM Associação dos Museus e Monumentos da Região da África
Austral
SATEC Sociedade Angolana de Tecidos Estampados
SECT Secretaria de Estado de Comércio e Turismo
SEF Saneamento Económico e Financeiro
SNI Secretaria Nacional de Informação
SPSS Pacote Estatístico para as Ciências Sociais
TD Teixeira Duarte
xxi
TIC Tecnologias de Informação e Comunicação
U.E.E. Unidade Económica Estatal
UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
UNITA União Nacional para a Independência Total de Angola.
xxii
INTRODUÇÃO
Notas introdutórias
A pertinência do tema reside no facto da cidade do Dondo ser uma das localidades mais
antigas do interior de Angola, de grande confluência entre os povos de diferentes origens,
desde o período pré-colonial, sendo das poucas cidades do país que detém ainda uma
estrutura urbana bastante distintiva de uma determinada época. Contudo, essa urbanidade
histórica construída encontra-se em estado avançado de degradação, de modo que a
presente investigação poderá converter-se num instrumento sensibilizador de vontades
para busca de soluções de salvaguarda e valorização desse importante património.
1
É um corredor com um percurso navegável de 258 km do Rio Kwanza e áreas adjacentes, que se estende
desde a sua foz, a sul de Luanda, até ao Dondo. É detentor de um vasto conjunto de riquezas patrimoniais,
naturais e culturais, e foi sempre uma região de ativo comércio na época colonial e pré-colonial. Salienta-
se que o Kwanza é o maior rio de Angola, possui uma extensão aproximada de 960 km e dá o seu nome à
moeda do país.
2
United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura).
3
Essa perspetiva é convergente com o facto do turismo cultural ser definido no plano
estratégico do turismo angolano como um produto âncora, a par da natureza e do sol e
mar.
De igual modo, a cidade do Dondo possui um património natural não negligenciável, com
elevado potencial turístico e uma localização geoestratégica importante para a circulação
de pessoas e bens entre o litoral e o interior do país. A cidade e o município no seu
conjunto continuam a preservar a vocação comercial que sempre os identificou, cada vez
mais fortalecida pelo eminente renascimento do empório industrial, outrora dos mais
importantes do país.
A tese foi projetada para uma abordagem que evidencie o papel centralizador dos centros
históricos na reabilitação urbana das cidades e a importância do desenvolvimento do
turismo como estratégia de conservação e monitorização do património cultural. Para o
efeito, considerou-se necessário fazer um percurso teórico (estado da arte) na primeira
parte da investigação que refletisse em torno das dimensões património cultural e cidade
histórica, como substratos do desenvolvimento do turismo.
4
Apresentar uma proposta de modalidades turísticas na cidade do Dondo através
da utilização responsável do seu património cultural, com vista à sua salvaguarda
e melhoria das condições de vida dos residentes.
Pensando num desenvolvimento teórico profundo que remete para uma abordagem em
torno da génese, caraterísticas e processo evolutivo dos principais conceitos abordados,
considerou-se oportuno definir objetivos específicos de alinhamento com cada um dos
dois grandes objetivos ou objetivos gerais. Nesse contexto, os dois objetivos específicos
iniciais fazem referência ao primeiro grande objetivo, que está relacionado com a parte
teórica do trabalho de investigação.
Os quatro objetivos específicos seguintes estão alinhados com o segundo objetivo geral
da tese, o de apresentar um caminho para o desenvolvimento do turismo cultural na cidade
histórica do Dondo, tendo em conta a compatibilização do referencial teórico consultado
em diferentes autores com as perspetivas e motivações dos diferentes atores com interesse
na localidade. O número de objetivos específicos é maior neste caso devido ao facto de
se pretender dar mais ênfase à parte operacional, tendo em conta a contribuição que os
resultados da investigação deverão emprestar à localidade.
5
f) Contribuir para a definição e operacionalização de ações integradas de
desenvolvimento turístico da cidade do Dondo, com base no seu património
cultural.
O constante incremento dos principais indicadores da atividade turística nos últimos anos,
fundamentalmente no que concerne ao aumento da receita e dos fluxos turísticos
internacionais e domésticos, obrigam os países a considerar esta atividade como um vetor
importante para o crescimento económico, para a diversificação da economia e para a
promoção do desenvolvimento das localidades. Nesse sentido, com vista o alinhamento
com essa tendência, o governo angolano, através do Ministério da Hotelaria e Turismo,
perspetivou na agenda 2011-2020, expressa no seu plano estratégico, o incremento
substancial dos fluxos turísticos para o país, a fim de atingir um protagonismo
consentâneo com os seus variadíssimos recursos patrimoniais e, consequentemente,
melhorar a qualidade de vida dos angolanos.
Para dar respostas e indicar caminhos de pesquisas, definiu-se seis hipóteses como
soluções prematuras às questões de partida colocadas, com o propósito de serem testadas,
aferindo a sua veracidade ou não no final da investigação.
6
Hipótese 1: O património cultural é o principal ativo na elaboração dos planos de
reabilitação urbana e de desenvolvimento turístico das cidades históricas.
Não obstante haver uma ideia generalizada sobre a importância do património cultural
nos planos de desenvolvimento das cidades, pretendeu-se com a definição desta hipótese
verificar, por meio da investigação teórica, a existência de alternativas que possam
desempenhar igualmente essa função centralizadora de reabilitação urbana, visando o
desenvolvimento turístico das cidades históricas. Naturalmente, por estar dependente das
conclusões resultante da pesquisa bibliográfica, a presente hipótese é testada na primeira
parte do trabalho de pesquisa.
Hipótese 2: A reabilitação dos centros históricos deve ter como eixo vertebrador de
desenvolvimento o turismo cultural e a conversão do seu património cultural em
componente da oferta turística.
Se por um lado existe a convicção da malha urbana histórica de uma cidade constituir-se
na base dos planos de desenvolvimento, também é válido o pensamento de que o turismo
cultural é dos principais caminhos indicados para o alcance dos objetivos estabelecidos
nesses planos. Resulta, pois, necessário inferir em que medida é que o turismo deve
constituir-se no “motor” de desenvolvimento das cidades históricas, considerando
igualmente o suporte teórico pesquisado. Nesse sentido, as duas hipóteses iniciais são
formuladas para direcionar a investigação teórica com o objetivo de darem respostas à
primeira pergunta de partida.
A definição desta hipótese justifica-se pelo facto de não serem percetíveis ações concretas
que indiciam um objetivo claro do turismo que é necessário para o país. São visíveis as
iniciativas privadas de criação de negócio e de crescimento da atividade, sobretudo a nível
do subsetor da hotelaria. Contudo, a perceção do cidadão comum é de que essas
iniciativas não obedecem a uma orientação do setor público, tal é o desenquadramento
que se produz, não apenas do ponto de vista urbano e paisagístico mas também em relação
à convergência entre a oferta produzida e as necessidades do mercado.
7
Hipótese 4: O património cultural da cidade histórica do Dondo representa para os
residentes um sentimento de pertença e de identidade.
Com esta hipótese pretende-se obter respostas a nível dos valores que a cidade preserva,
fundamentalmente no que concerne ao património histórico construído, por se tratar de
edifícios antigos da era colonial. Não é de todo improvável que os nativos e residentes da
cidade do Dondo ao olharem para os bens imóveis do centro histórico sintam alguma
indiferença, por simbolizarem um período de dominação e exploração na sua história. Por
outro lado, procura-se inferir sobre a preservação dos hábitos e costumes, assim como a
transferência do legado dos mais velhos para as novas gerações.
Hipótese 6: A maioria dos visitantes da cidade histórica do Dondo tem como motivação
principal de visita a fruição de bens culturais no local.
Âmbito da investigação
3
O período em referência foi caraterizado por conflitos armados com enormes prejuízos humanos e
materiais para o país. De 1961 à 1975 foi o período de luta dos movimentos de libertação nacional contra
9
popular e aos bens materiais, móveis e imóveis, produzidos ao longo da história é um
veículo importante para o regaste dos valores perdidos, recuperação da autoestima das
populações e gestão equilibrada dos recursos dos territórios.
De acordo com Franch (2006), as cidades históricas devem considerar o património como
um instrumento integral, centro de planificação local, pela sua capacidade de integrar,
implicar e entusiasmar a comunidade local na construção do futuro. “Historic cities and
built heritage are (…) important resource in the less developed parts of the world. (…)
Many great and ancient cities have become world-class destinations in Asia, Latin
America, Africa, the Middle East, and Eastern Europe. They are significant international
gate ways and centers of tourism commerce” (Timothy e Nyaupane, 2009: 9). “The
a ocupação do país pelo regime colonial português. Após a independência em 1975, o desentendimento
entre os movimentos de libertação origina uma guerra civil no país que terminou definitivamente em abril
de 2002.
4
Ministério da Hotelaria e Turismo.
10
tourist-historic city is surely the ultimate beneficiary of diversifying both the pasts it can
sell and the workforce collectively motivated to sell them” (Ashworth et al. 2007: 211).
Por conseguinte, o turismo é uma das atividades mais utilizada para cumprir com esse
objetivo. A OMT5 (2001) considera que o turismo é um instrumento de desenvolvimento
pessoal e coletivo para buscar a compreensão e a promoção de novos valores éticos
comuns da humanidade, num espírito de tolerância e respeito da diversidade de crenças,
prestando atenção às tradições e às práticas sociais e culturais de todos os povos.
5
Organização Mundial do Turismo.
11
O turismo pode ser considerado como uma religião – uma viagem espiritual da
contemporaneidade, é o equivalente, estrutural e funcionalmente, à peregrinação dos
tempos modernos, uma experiência espiritual moderna que contrasta com a condição
anatómica das sociedades posmodernas (Sharpley, 2009). Na opinião de Robinson e
Smith (2006), o turismo hoje é um sistema internacional de exibição recíproca de espaços
e experiências que é a essência do conceito de globalização. Neste sentido, o conceito de
turismo associado a cultura é vista de vários ângulos: indústrias obsoletas convertidas em
património para consumo cultural simbólico, festivais e eventos, museus e atrações
culturais diversas.
A ligação cada vez maior entre os produtos turísticos disponíveis nos destinos e o
respetivo território converge para uma transformação do espaço, com evidentes
preocupações na preservação ambiental e na patrimonialização dos recursos existentes
(Santos et al., 2010; Ribeiro e Ferreira, 2011). Os produtos turísticos emergem como
oportunidade para revitalizar territórios, melhorar a qualidade de vida das populações e
valorizar os seus recursos mais relevantes, como o património natural, cultural e
paisagístico (Carvalho, 2012).
12
desejados (Lima et al., 2011). Sendo uma atividade de consumo intenso de espaço
geográfico, este facto exige o planeamento do seu desenvolvimento numa ótica que
evidencie de forma clara os objetivos sociais e económicos que se pretende alcançar, bem
como os espaços que devem ser explorados e os que devem ser protegidos (Marujo e
Carvalho, 2010).
Portanto, o estudo sobre a turistificação da cidade histórica do Dondo por via do seu
património cultural, não sendo um plano estratégico, ambiciona transformar-se num
13
projeto de incidência espacial que, como sustenta Carvalho (2009), pode unificar
diagnósticos, combinar ações públicas e privadas, estabelecer um quadro de mobilização
e de cooperação dos atores sociais, além de lançar desafios para a modernização do
território e melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
A relação de compromisso que o turista tem assumido com os locais visitados deve
implicar que o Dondo tenha necessariamente uma nova visão de turismo, considerando a
urgência da sua revitalização multidimensional (Fortuna e Gomes, 2013). Isto é, uma
visão de turismo sustentada pela cultura local, direcionada para a partilha do passado e
do presente entre os residentes e os visitantes, que promova a aproximação cultural e por
essa via, desencadeie uma experiência de mútuo enriquecimento cultural. A iniciativa
anual da feira nacional do artesanato, um evento pré-colonial que foi retomado em 2010,
tem de ser enquadrado neste espírito de multiculturalidade.
Nesse contexto, a tese foi estruturada em duas partes principais que se desdobram em
nove capítulos, para além da introdução e das conclusões. A primeira parte congrega os
três capítulos da fundamentação teórica. Representa o estado da arte ou o corpus teórico
do trabalho de investigação, uma abordagem construída na base de uma triologia
dimensional identificáveis com a localidade de estudo, nomeadamente: património
cultural, cidade histórica e turismo cultural.
14
Introdução: são apresentados os elementos de orientação metodológica clássica, como
os objetivos, as questões orientadoras da investigação, as hipóteses e as razões pelas quais
foram formuladas, bem como a forma como a tese foi estruturada. Salienta-se também
que a parte introdutória faz uma abordagem sumária da temática e da pertinência do
estudo, sem deixar de apresentar as motivações inerentes à sua realização.
Capítulo um: neste capítulo é feita uma abordagem teórica baseada no estudo de diversos
autores ligados ao património cultural. Enfatiza-se o conceito e sua evolução,
particularmente o percurso percorrido desde a formalização do património histórico até
ao reconhecimento da imaterialidade, mais vincado nas regiões fora do universo
ocidental. A análise percorre também os aspetos ligados à ativação do património cultural
e sua funcionalidade, relevância da cultura imaterial, os instrumentos legais, os consensos
e as recomendações internacionais produzidas ao longo do século XX, destacando para
esse desiderato, o desempenho de organismos como a UNESCO e o ICOMOS6. De igual
modo, destacam-se as particularidades do património cultural em África e a sua inclinação
para a intangibilidade, assim como os obstáculos subjacentes à sua conservação e
salvaguarda. Em relação a Angola, o capítulo evidencia a riqueza e a diversidade cultural
do país e apresenta as principais dimensões do seu património cultural, relevando a
necessidade de alargar as preocupações sobre a patrimonialização de outros bens
culturais, sobretudo os intangíveis, tendo em conta a idiossincrasia dos povos.
6
The International Council on Monuments and Sites (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios).
15
processos cíclicos de reabilitação urbana. Para este propósito, foi desenvolvido o tema a
cidade histórica e a reabilitação urbana, com destaque para o centro histórico como núcleo
urbano. A encerrar o capítulo, é analisada a temática da dimensão turística da cidade
histórica, com ênfase para a transversalidade do turismo e a necessária gestão da atividade
de acordo com a totalidade da realidade urbana.
16
suscetíveis de serem aproveitados pela atividade turística. A terceira parte do capítulo é
uma análise mais detalhada sobre os constrangimentos e dificuldades inibidoras do
turismo do país. O capítulo encerra com uma análise aos planos e projetos atuais, sua
pertinência e utilidade prática, tendo em conta os desafios e perspetivas de longo prazo.
17
recolhida permitiu apresentar os principais dados biográficos dos residentes e visitantes
que interessavam ao estudo e definir um perfil para cada um dos atores de acordo com o
seu comportamento turístico-cultural. No mesmo capítulo é feita igualmente uma análise
sobre a informação recolhida e entrevistas efetuadas a nível dos órgãos centrais,
provinciais e municipais dos setores do turismo e da cultura.
Capítulo oito: apresenta o pensamento turístico dos três atores auscultados no processo
de investigação, nomeadamente os residentes, os visitantes e os três níveis de escala do
setor público. Por essa razão, o capítulo é designado “as perspetivas do setor público, da
comunidade e dos visitantes para o desenvolvimento turístico local”. Procura-se a nível
do Estado compreender a articulação entre os setores do turismo, da cultura e de outros
setores afins, em prol da atividade turística, através de estratégias, planos ou programas
intersetoriais que visam especificamente a cidade do Dondo. De igual modo, é analisada
a inter-relação entre os diferentes níveis de escala de tomada de decisão do setor público
e a sua efetividade na localidade. Em relação aos residentes e aos visitantes, é feita uma
discussão em função dos resultados obtidos na segunda parte dos questionários, em
temáticas que refletem as necessidades locais, externalidades positivas e negativas
potenciadas pela atividade turística, modalidades turísticas mais adequadas a desenvolver
na cidade do Dondo, grau de atratividade e medidas fundamentais para melhorar as
condições de vida na cidade.
18
da criação de produtos em rede que capitalizem as valências turísticas, não apenas do
Dondo, mas de todas as comunas. Por fim, a última abordagem é um imperativo de
medidas operacionais que são necessárias adotar para acomodar uma procura turística que
não “vai esperar” pela transformação da cidade do Dondo em destino turístico de
excelência do país.
Terminada a redação, importa realçar que de acordo com a estrutura bipartida da tese, e
considerando os objetivos e as questões de partida levantadas, achou-se conveniente
consolidar num primeiro momento a abordagem teórico-conceptual-descritiva
desenvolvida na primeira parte da investigação, através de uma nota sintética conclusiva
sobre as dimensões fundamentais da tese: património cultural, cidade histórica e turismo.
Nessa perspetiva, as considerações finais que se apresentam após o nono capítulo, não
obstante reforçarem a síntese da fundamentação teórica, privilegiam as conclusões
obtidas por via da discussão dos resultados obtidos do trabalho de campo e da necessária
confrontação com os objetivos e hipóteses formuladas.
19
PRIMEIRA PARTE: PATRIMÓNIO CULTURAL, CIDADE HISTÓRICA E
TURISMO
I. Capítulo: O património cultural: percurso evolutivo, acepções, ativação,
salvaguarda e valorização
O significado do passado na vida dos humanos permite testemunhar por meio de práticas
e feitos diversos o presente, independentemente se estamos diante de uma situação
próspera ou, pelo contrário, de uma situação de decadência e fraqueza espiritual. Não
sendo possível esquecer as etapas transcorridas e conquistadas no percurso da vida, o ser
humano não pode estruturar a sua existência (hoje) e projetar o seu futuro sem que tenha
a compreensão do que foi o seu “ontem”. Na verdade, o acumulado de experiências e
realizações incutem no homem as necessidades, motivações e aspirações para enfrentar o
amanhã.
23
Alexandre [O Grande] e a cristianização do Império Romano” (Choay, 2015: 33). No
entanto, os registos históricos do mundo ocidental, que conformam o conceito dominante
de património, são relativamente recentes em comparação com a existência do homem na
terra, e privilegiam explicitamente a sua conservação.
Consta-se que o nascimento do monumento histórico acontece por volta de 1420. O Papa
Martinho V procura restituir o poder e o prestígio de Roma desmantelada, restabelecendo
a sede do seu papado na cidade, desenvolvendo desta forma um clima intelectual em torno
das antigas ruínas, da história e do fabuloso passado de Roma (Lopes e Correia, 2014;
Choay, 2015). Outro registo histórico apontado que subscreve a ideia de conservação do
património está relacionado com um outro Papa, a bula do Papa Pio II (Cum almam
mostram vitem) visando a proteção dos restos da antiga Roma, poderia considerar-se
como um marco chave na preocupação por classificar e conservar elementos antigos
(Galindo e Sabaté, 2009; Lopes e Correia, 2014). Nessa conformidade, pode ser
sustentada a ideia de que o pensamento moderno de conservação do património nasceu
no seio da Igreja Católica Romana.
7
A preocupação era, sobretudo, com o património histórico construído, ou seja, com os grandes edifícios e
as igrejas antigas.
24
atitude reflexiva e cognitiva, mas de um processo de apropriação de fragmentos de
arquitetura, bens móveis colecionados e objetos do artesanato grego. Subentende-se que
as preocupações de conservação assentavam em iniciativas isoladas e subordinadas a
gostos individuais dissonantes e matizes subjetivas. As escolhas do gosto não são
orientadas por uma visão do passado para que fosse evocada a noção de monumento.
8
Movimento cultural dos intelectuais europeus do século XVIII, também conhecido como o Século das
Luzes, caracterizada por uma atitude de introspeção livre, mobilização da razão e capacidades humanas em
oposição ao totalitarismo do Estado monárquico de matriz cristã.
25
história, bem como os conhecimentos artísticos e técnicos. Uma pedagogia concebida a
escala nacional” (Choay, 2015: 107).
Com o património imóvel, havia sobretudo a preocupação de evitar a sua destruição com
a radicalização de algumas posições e ações próprias em situações de deposição de
regimes considerados intolerantes. Era, portanto, prioridade encontrar novas
funcionalidades e formas de uso de vários edifícios da monarquia e da igreja que
perderam a sua utilidade. Nesse sentido, volvidos cerca de quatro décadas após o início
da revolução, mais concretamente em 1834, foi criada em Paris a Inspeção Geral dos
Monumentos Históricos, onde se estabelece entre outras medidas, a proteção de
determinados edifícios em função, essencialmente, de sua antiguidade e preferências
estilísticas (Galindo e Sabaté, 2009).
26
Na base da conceção do património enquanto conjunto de edificações históricas,
emergiram vários protagonistas com teorias de intervenção que visavam corrigir ações
destrutivas nos edifícios medievais, com demolições e reconstruções arbitrárias,
provocando um debate alargado à escala europeia. De um lado estavam os defensores da
intervenção de restauro e reconstituição integral (se fosse o caso) das edificações em
ruínas, liderada pelo arquiteto francês Eugène Viollet-le-Duc (1814-1879), do outro lado
figuravam os defensores da não intervenção, independentemente do estado de degradação
do edifício, que tinha como expoente máximo o professor de arte e arquitetura inglês John
Ruskin (1819-1900). Num extremo defendia-se as reconstituições com base em hipóteses
com elementos idênticos aos originais, no outro, a autenticidade. Aqui, a intervenção era
considerado um atentado às edificações, mesmo que comprovada a urgência de
restauração (Grammont, 2006; Choay, 2015).
Para debelar a situação dos extremos surge mais tarde o arquiteto e historiador italiano
Camillo Boito (1836-1914) que defende uma posição intermédia, tentando conciliar as
contradições de abordagem entre os dois primeiros. Nessa base, “Boito recolhe o melhor
de cada teoria e sustenta a prioridade do presente sobre o passado, afirmando a
legitimidade do restauro quando todos os outros meios de salvaguarda falharem, portanto,
considerava que as intervenções deveriam ser mínimas” (Choay, 2015: 168)
27
monumentos como portadores de uma pedagogia geral do civismo, e o valor económico,
associado às indústrias culturais e como forma de atração de visitantes estrangeiros.
9
Georges-Eugènes Haussmann, na altura mais conhecido por Barão Haussmann foi encarregue pelo
Imperador Napoleão III, responsável pela reforma urbana da cidade de Paris entre 1853 e 1870, tornando-
se bastante conhecido na história do urbanismo e das cidades. www.bbc.com/portuguese/noticias/
[17/11/2016].
28
1. Qualquer fragmento urbano antigo deve ser integrado num plano de
ordenamento local, regional e territorial, que simboliza a sua relação com a vida
presente.
29
1.2. Acepções
São cinco os períodos que devem ser distinguidos na história do termo património
(Desvallées, 1995 apud. Vecco, 2010). Considera que o primeiro momento foi da petição
à Assembleia Constituinte, na ressaca da revolução, quando se procurava convencer os
emigrantes da necessidade de reverterem os bens familiares para património da nação a
04 de outubro de 1790. O termo aprofunda-se no período de 1930-1945, no contexto das
instituições internacionais, em que o conceito de património se torna parte da dimensão
cultural, sobretudo a partir da Conferência de Atenas de 1931. A expressão patrimoine
culturel (património cultural) foi adotada em 1959 por André Malraux10, no decreto 59-
889 de 24/07, mas com uma semântica limitada à propriedade nacional, embora já viesse
sendo usado pelas organizações internacionais. Finalmente, é no período de 1978-1980,
que o termo património é consagrado para o consumo público.
10
Foi um escritor francês de assuntos políticos e culturais. Além de um grande escritor, foi um grande
pensador da época e amigo pessoal de Charles De Gaulle. Participou ativamente da resistência francesa
durante a ocupação nazista na Segunda Guerra Mundial. https://www//.publico.pt/culuturaipsilon/jornal/
[17/11/2015].
30
Com a consolidação da noção de monumento nos finais do século XVIII, que estava
associada a qualquer artefacto edificado por uma comunidade de indivíduos para
recordação posterior de outras gerações (Choay 2015), o conceito remetia para um
período distante, de detalhes de vida do passado e de alimentação do sentimento
nostálgico sobre o antigo que interrompia a sua perenidade, criando uma fronteira com o
presente à medida que eliminava qualquer serventia posterior, exceto o da memória. “(…)
Um conceito de “património histórico” que expressava um fundo destinado ao usufruto
de uma comunidade pela acumulação contínua de uma diversidade de objetos que
congregam a sua presença comum ao passado: obras e obras-primas das belas artes e das
artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes e conhecimentos humanos”
(Choay, 2015: 11).
Todavia, o conceito atual de património cultural é relativamente recente, pois que, como
se viu, a preocupação pela conservação dos bens culturais tangíveis limitava-o
inicialmente numa perspetiva de salvaguarda material. É nos anos mais avançados do
século XX, no auge das crises industriais e do crescimento do turismo cultural que a
conceção muito mais ampla do património, seja material ou imaterial, é manifestada como
legado da experiência e esforço de uma comunidade (Galindo e Sabaté, 2009). Pereiro
(2009: 140) situa a emergência da abrangência do conceito em França, no início da década
de 1980 com a redefinição do conceito de folclore, cultura popular e tradicional.
11
Também designada de Convenção do Património Mundial, é o mais popular documento normativo da
UNESCO, não só pela adesão dos Estados à Convenção (190 dos 195 Estados membros da UNESCO)
como pelo número de sítios classificados e pelo impacto junto da opinião pública (Lopes e Correia, 2014).
31
Seria com o objetivo de salvaguardar e assegurar o respeito pelos bens móveis ou imóveis
importantes para o património dos povos, em consequência da destruição sem precedentes
de várias cidades europeias na Segunda Guerra Mundial que é realizada a Convenção de
Haia (Países Baixos) da UNESCO, em maio de 1954,com o propósito de proteger os bens
culturais em caso de conflito armado. Esta Convenção define bens culturais como:
Não obstante a Carta de Atenas de 1931 ser considerada o primeiro grande documento
normativo das preocupações de conservação, dando ênfase principal ao restauro dos
edifícios históricos, constata-se na Convenção de Haia a elaboração de um documento
mais incisivo e detalhado, onde é apresentado uma definição clara de bens culturais,
móveis e imóveis, ao contrário das reuniões anteriores que apresentavam uma posição
difusa, consubstanciada em recomendações pouco efetivas. Deduz-se que foi a partir do
encontro de Haia que se criaram as condições de base para a evolução do conceito atual
de património, assente na identidade e expressividade de um povo, independentemente
da grandiosidade, natureza ou tangibilidade do bem cultural.
O património cultural é definido muitas vezes como herança do passado, mas nem todos
os vestígios herdados do passado podem ser considerados como tal, visto que a distinção
entre a noção do património cultural e o da cultura assenta na forma como a primeira se
manifesta na representação da última, por meio da transformação do valor dos elementos
culturais (Pereiro, 2009).
32
O diploma sobre a política cultural de Angola define cultura da seguinte forma: “o
conjunto de traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que
caraterizam uma sociedade ou um grupo social. Ela é o repositório do capital de criação
social acumulada que, encerrado a memória coletiva, ganha expressão tangível e
intangível em toda a criatividade dos indivíduos e das comunidades determinando, a sua
conduta e o seu agir social” (Decreto Presidencial nº 15/11 de 11 de janeiro).
Como refere Smith (2006: 83-84), “Cultural meanings are fluid and ultimately created
through doing, and through the aspirations and desires of the present, but are validated
and legitimized through the creation and recreation of a sense of linkage to the past.
Heritage provides a mentality and discourse in whichs the linkages are forged and
recast”.
Fazendo uma abordagem sobre a “patrimonialização”, Cruz (2012: 95) sustenta que todo
o património, material ou imaterial, é necessariamente cultural, porque é o âmago da
cultura simbolizada na invenção, na história e no socialmente construído que dá origem
ao património cultural – como uma espécie de dimensão aurática da herança, material e
imaterial, transmitida de geração em geração. Se a cultura é o universo complexificado
de valores, símbolos, crenças e edificações geradas por uma determinada comunidade
para a sua sobrevivência, bem-estar e, em último estágio, felicidade, o património cultural
apresenta-se como a amostra de cada um dos componentes da cultura. Nesse sentido, o
património cultural é a expressão da cultura dos grupos humanos que recupera memórias,
ritualiza sociabilidades, seleciona bens culturais e transmite legados para o futuro
33
(Pereiro, 2009). É, pois, por essa via, um exemplo do processo de avaliação cultural num
contexto em que a significação é criada (Esborg, 2012).
Durante muito tempo o património esteve ancorado apenas na sua dimensão monumental
e edificada, resultando numa interpretação de estreita ligação com os cascos urbanos
(Grammont, 2006; Carvalho e Fernandes, 2012). Tanto é assim que, ao longo do século
XIX, o património era entendido como um conjunto de edificações, monumentos e
objetos antigos que clamavam por intervenções de restauro por força das transformações
sociais da época. A noção de património e de sua preservação surgiu, como vimos, no afã
de restaurar os monumentos afetados pelo vandalismo da revolução francesa. A pressão
34
para o reordenamento e dimensionamento das cidades impulsionado pela revolução
industrial e a necessidade de restaurar os monumentos e edifícios históricos destruídos
pela guerra contribuíram, igualmente, para consolidar as ideias de proteção do
património.
“Para que algum elemento de uma cultura seja considerado património, deve ser
previamente ativado” (Schülter, 2015: 14); dar funcionalidade ao património cultural é
um aspeto essencial para os desígnios de sua conservação e para todo o aporte que é capaz
de emprestar à sociedade. “Enquanto recurso estratégico de (re) construção de memórias
e identidades o património emerge nos processos de requalificação, refuncionalização e
renovação da imagem dos territórios e representa um suporte de iniciativas formais e
informais de educação patrimonial e uma oportunidade de envolver a sociedade na
compreensão da linguagem de estruturação dos seus territórios e nas relações dinâmicas
com outros” (Carvalho e Fernandes, 2012: 19).
35
No entanto, nesta era de intercâmbio global, tem sido o turismo cultural uma das
principais atividades que possibilita a ativação patrimonial, ao permitir dar uso e
introduzir novas funções para os diferentes bens culturais, principalmente os imóveis e as
edificações erguidas no passado para cumprir com determinada função, atualmente sem
utilidade. São exemplos de edifícios refuncionalizados, as fortalezas12 de outrora e as
fábricas e indústrias diversas da era industrial que resulta inapropriada nos dias de hoje a
sua utilização para o mesmo fim. Como se sabe, o melhor aproveitamento de estruturas
antigas para uso turístico tem contribuído para a sua revalorização e representando receita
para os empresários e para o setor público. É neste percurso que os patrimónios e as
identidades emergem como novos recursos turísticos (Cravidão e Santos, 2015). Todavia,
no terceiro capítulo da presente pesquisa retomá-se esta questão com a abordagem do
turismo cultural e suas incidências.
12
A antiga Fortaleza de São Miguel, atual Museu de História Militar (figura 1), é um exemplo paradigmático
de novos usos dado aos edifícios antigos. Este monumento, erguido em 1576 após a chegada dos
portugueses na costa de Angola, teve inicialmente a função de garantir a vigilância e a defesa do território
perante ameaças externas, assim como estrutura de suporte para penetração e domínio das terras adentro.
Além disso, o monumento simboliza o início da construção da cidade de Luanda, fundada a 25 de janeiro
daquele ano pelo capitão Paulo Dias de Novais, primeiro Governador-geral de Angola do regime colonial
português.
36
Do ponto de vista das vantagens não facilmente mensuráveis, o património tem sido
considerado, fundamentalmente a nível local, o eixo vertebrador de planificação para os
diversos setores de atividade (Prats, 2011; Carvalho, 2009), sem descurar a sua
capacidade de criar imagem para a localidade, ao mesmo tempo que vai reforçando a
vertente simbólico-identitária das suas populações. Hitters e Richards (2002) advogam
que, paradoxalmente ao que se podia pressagiar, uma das caraterísticas da globalização
é, inevitavelmente, o reavivamento e o fortalecimento da autonomia local no que se refere
a identidade e etnicidade. Os autores designam de “glocalização” a dualidade do processo
de globalização consubstanciada na “eliminação” de fronteiras e transformação do mundo
em mercado global por um lado e, por outro lado o reforço da identidade e capacidade
locais que a própria globalização demanda.
Pereiro (2009) apresenta os significados das ativações patrimoniais, fora dos processos
ligados ao turismo cultural:
Sendo um processo que exige das autoridades elevados custos de manutenção para a sua
conservação, parte substancial do património cultural, particularmente a material, tem de
ser rentabilizada como um dos principais objetivos do processo de ativação. Essa
reutilização implica, como se observou, a atribuição de novos usos. De acordo com Choay
(2015: 233), “a rentabilização se afigura a tarefa mais audaciosa de valorização
37
patrimonial pelo facto de ser uma tarefa difícil e complexa”, tendo em conta o estado
material dos edifícios que exige ser apreciado e a sua conciliação com o fluxo de
utilizadores potenciais.
Um dos instrumentos de maior alcance para a ativação patrimonial têm sido os museus,
que são estabelecimentos depositários de boa parte dos bens culturais de uma determinada
localidade, para além de serem estruturas importantes na restauração do orgulho e dos
valores culturais que muitos povos perderam no período de colonização (Pwiti e N’doro,
1999). “Os museus de história cultural possuem elementos chaves na estética do
património cultural, visto que são instituições de cultura, expressão perceções e
particularidades que projetam a posteridade, ao mesmo tempo que negoceiam e ajudam a
definir identidades e relações sociais no relato que fazem da história” (Esborg, 2012: 77).
Segundo a autora, o museu não apresenta apenas a história sobre o material, mas permite
também a criação de narrativas acerca do património intangível como ato de
transformação e interpretação do passado no presente.
38
1.4. Salvaguarda e valorização
Não obstante os esforços de conservação dos bens culturais desde a antiguidade tardia, a
institucionalização racional e sistemática deste propósito só foi possível com a
disponibilização de pressupostos legais que garantiram, não apenas a preservação das
obras de arte e edificações antigas, mas também a emergência de instituições
especializadas de gestão do património. Portanto, por meio dos documentos orientadores
e da própria produção legislativa, se assiste a um crescendo de preocupação pelas causas
do património, tornando-se de certo modo inteligível uma análise da sua identidade
conceptual.
Ao longo do século XIX e até ao eclodir da Primeira Guerra Mundial a maioria dos países
europeus, e não só, iria publicar legislação e criar organismos responsáveis pela proteção
do seu património arquitetónico, conforme discriminam Lopes e Correia (2014).
13
Nessa perspetiva, o conceito de salvaguarda é entendido conforme definição da UNESCO na
Recomendação sobre o Património Mundial, que compreende as etapas da identificação, proteção,
conservação, restauro, reabilitação, manutenção e revitalização dos conjuntos históricos e do seu
enquadramento.
39
A Áustria-Hungria estabeleceu uma comissão para a conservação dos edifícios
históricos em 1850.
40
Na Carta de Atenas, é evidente a recomendação a um acompanhamento da instituição
internacional nos trabalhos empreendidos em cada país, e incentiva a colaboração técnica
e moral no espírito do Pacto da Sociedade das Nações, no interesse da conservação do
património artístico e arqueológico da humanidade. Com o documento de Atenas
desenha-se um mecanismo orientador transnacional de restauro e conservação dos
monumentos históricos que desencoraja ações isoladas, ultrapassa os interesses
particulares dos países e apregoa um benefício para toda a humanidade.
Define com clareza o conceito de bens culturais no seu primeiro artigo, situação
não verificável nos postulados anteriores, garantindo dessa forma uma maior
assertividade da atuação.
14
Röerich (1874-1947) foi pintor, escritor e arqueólogo, criou um Tratado Internacional de Paz onde
propunha que uma bandeira (por ele desenhada) flamejasse em todos os monumentos históricos e
instituições educacionais, artísticas e científicas do mundo para indicar proteção especial e respeito em
tempos de guerra ou de paz. A 15 de abril de 1935, Franklin Roosevelt presidiu a uma cerimónia máxima
na Casa Branca, em Washington, na qual, os Estados Unidos da América, juntamente com mais vinte e um
países latino-americanos firmaram definitivamente o seu Tratado Internacional de Paz.
http://www.novaera-alvorecer.net/nicolas_roerich.htm [01/12/2015].
41
conjunto da população, das forças armadas e do pessoal afeto à proteção dos
bens culturais.
A humanidade, cada vez mais consciente do conjunto dos valores criado por cada povo,
considera as edificações e as obras particulares como património comum que devem ser
preservadas para as gerações futuras. Nesse interim, é realizado em Veneza, em maio de
1964, o II Congresso Internacional de arquitetos e técnicos dos monumentos históricos.
Esse encontro ratifica algumas recomendações produzidas no encontro de Atenas sobre a
conservação e a restauração, onde prevalece a manutenção integrar dos monumentos
históricos, admitindo a intervenção excecional nos casos em que é possível evitar a
degradação e a ruína. Portanto, a Carta de Veneza pode ser considerado como um guia
sobre a conservação e restauração de monumentos e sítios históricos. Alinhados com as
teorias de Giovanonni, a noção de monumento é definida em documento conceitual do
conjunto, o sítio urbano ou rural que dá testemunho de uma civilização particular, de uma
evolução significativa ou de um acontecimento histórico que merece, igualmente, uma
ação de preservação para a transmissão de sua autenticidade às gerações futuras. Ao
mesmo tempo, “veio reforçar a abrangência do conceito de património alterando a própria
noção de monumento histórico” (Mendes, 2012: 11).
42
pelos Estados membros subscritores, incluindo disposições legais que enquadrem penas
e sanções administrativas para os menos cuidadosos com o património cultural.
Nesses conjuntos, que são muito variados, podem distinguir-se em especial: os sítios pré-
históricos, as cidades históricas, os bairros antigos, etc., os quais devem ser
cuidadosamente conservados sem alteração. A reunião considerou que os conjuntos
43
históricos têm importância vital para os homens e para a nação porque neles se encontram
simultaneamente a expressão da sua cultura e um dos fundamentos da sua identidade,
sendo, portanto, determinante a sua salvaguarda e integração na vida da sociedade
contemporânea como elemento fundamental para o planeamento urbano e o ordenamento
do território.
44
diferentes formas de expressão cultural, tangível e intangível, com evidentes riscos de
eliminação das culturas minoritárias. Com este pensamento, imbuídos do espírito de
alteridade e do respeito pela diversidade de culturas, as autoridades japonesas
proporcionaram um encontro em Nara (Japão) com as principais instituições
internacionais ligadas ao património cultural, nomeadamente, a UNESCO, o ICCROM15
e o ICOMOS.
15
The International Centre for the Study of Preservation and Restoration of Cultural Proverty (Centro
Internacional para o Estudo da Preservação e Restauro de Bens Culturais).
45
as culturas vivas das comunidades, o ICOMOS elaborou assim, a Carta Internacional
sobre o Turismo Cultural, com seis princípios de atuação, assentes na reciprocidade de
vantagens e na exploração de oportunidades que beneficiem, sobretudo, a conservação do
património e a comunidade de acolhimento.
Finalmente, ao constatar não existir até à data nem um instrumento multilateral com
caráter vinculativo destinado à salvaguarda do património cultural imaterial e
considerando o papel inestimável desse património, a UNESCO adotou a Convenção para
a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial na cidade de Paris, em outubro de 2003.
A figura abaixo, apresenta a cronologia dos principais documentos analisados nesta
temática.
46
espiritualidade e na expressividade dos povos, ao contrário do paradigma da
monumentalidade e dos critérios da sua conservação. Na visão de Vecco (2010: 324), “o
alargamento do conceito de património cultural à imaterialidade é o resultado do processo
cultural pensado e conduzido numa base global, enriquecido com abordagens e vivências
diferentes das convencionalmente reconhecidas na Europa”.
47
Enquanto garante dos direitos fundamentais, a Constituição consagra o respeito,
valorização e preservação de uma identidade cultural, linguística e artística dos cidadãos
e das comunidades angolanos. De igual forma, define os monumentos e imóveis de
interesse nacional como bens de domínio público, ao mesmo tempo que reconhece o
estatuto, o papel das instituições do poder tradicional em Angola.
Por outro lado, a lei de base da cultura do país ou, como é oficialmente denominado, a
Política Cultural da República de Angola, expressa no Decreto Presidencial nº 15/11, com
uma vigência de dez anos, é um instrumento legal que define as balizas para toda a ação
de índole cultural do país, de acordo com o preceituado na Constituição. Por esta razão,
o Decreto reitera que a cultura angolana é africana e exprime-se nos seus valores materiais
e imateriais que constituem o património cultural do povo angolano. Os sistemas de
valores profundamente enraizados na alma das diversas comunidades que constituem o
povo angolano, manifestam-se no dia-a-dia através das tradições, crenças, artes e
sobretudo nas suas línguas, que representam o essencial da sua identidade.
São vários os extratos nos textos neste instrumento legal relacionados com o turismo, bem
como a ênfase que dá na importância da salvaguarda e ativação dos bens culturais. São
assinaladas recorrentes referências de desenvolvimento de projetos de turismo cultural
para contribuir na viabilização económica de projetos de conservação, valorização e
fruição de bens culturais, para além do facto do turismo poder transformar-se num veículo
privilegiado de intercâmbio cultural nacional e internacional, melhorando a compreensão
entre os povos e reduzindo os preconceitos associados às diferenças identitárias.
48
na diversidade, representa um conjunto de memórias partilhadas e transmite um sentido
de identidade coletiva e de continuidade.
49
que pelo seu reconhecido valor devem ser objeto de tutela do direito. Constituem, ainda,
património cultural angolano quaisquer outros bens que, sejam considerados como tais,
pelos usos e costumes e pelas convenções internacionais, que vinculam o estado
angolano” (Decreto-Lei 14/05, de 7 de outubro).
Por sua vez, o artigo 45º apresenta um conceito de património cultural imaterial endógeno
e abrangente, considerando como o conjunto de manifestações culturais tradicionais e
populares que são criações coletivas emanadas de uma comunidade, fundadas na tradição
e transmitidas fundamentalmente por métodos orais ou através de gestos e se vão
modificando com o tempo por um processo de recriação coletivo. O conceito estende-se
a totalidade das expressões que constituem as culturas atuais que não se confinam só ao
passado. Fazem parte desse conjunto; as tradições orais, usos e costumes, as línguas, a
música, a dança, os rituais, as festividades, os conhecimentos da medicina e farmacopeia
tradicional, as artes, as habilidades e sistemas de pensamento.
50
ser considerados obrigatórios no ordenamento do território e na planificação16 a nível das
diversas escalas nacionais. Para o efeito, são considerados componentes de valorização:
b) Pesquisa e investigação;
c) O acesso e fruição;
d) Formação e informação;
f) Programas culturais;
g) Programas de voluntariado;
16
No entanto, os componentes do regime de valorização e revitalização do património são apresentados
apenas em linhas gerais e sem a especificidade, em regulamento próprio, das responsabilidades que cabe a
cada uma das escalas territoriais (nacional, provincial e municipal).
51
A tutela e gestão do património em Angola é atribuída ao Ministério da Cultura
(MINCULT), sendo o órgão do governo a quem compete conceber e dirigir a política
cultural de Angola em ordem ao desenvolvimento, promovendo e garantindo a ação dos
distintos agentes culturais. Para além dos gabinetes de apoio e dos serviços executivos
centrais (com realce para as direções nacionais de Ação Cultural e a dos Museus), existe
um conjunto de órgãos tutelados, com alguma autonomia de funções, que garantem a
execução das políticas culturais traçadas, onde se destaca os institutos nacionais do
património cultural, de línguas nacionais, assuntos religiosos e o arquivo nacional.
A nível da região Austral de África, inserida na organização política regional da SADC 17,
existe a Associação dos Museus e Monumentos da organização, a SADCAMM,
congregando especialistas de gestão do património dos Estados membros que
desenvolvem programas conjuntos de formação, exposição, conservação e restauração do
património cultural. A SADCAMM subordina-se aos objetivos da AFRICOM,
organização não-governamental pan-africana, filial do Conselho Internacional dos
Museus (ICOM). A AFRICOM procura contribuir no desenvolvimento positivo das
sociedades africanas, encorajando o papel dos museus como geradores de cultura e
agentes de coesão cultural, promovendo o desenvolvimento de museus e a relação
institucional entre os museus de África.
17
Southern African Development Community (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral). Foi
criada em 1992, com o objetivo de incentivar as relações comerciais, plataformas políticas e promoção de
esforços para estabelecer a paz e a segurança entre os países da região Austral de África. Os seus membros
têm debatido incessantemente a criação de um mercado comum, conforme o modelo seguido pela União
Europeia. A SADC é composta por 14 países membros: África do Sul, Angola, Botswana, Lesotho, Malawi,
Ilhas Maurícias, Moçambique, Namíbia, República Democrática do Congo, Ilhas Seychelles, Swazilândia,
Tanzânia, Zâmbia e Zimbabwe.
18
African Development Heritage Center (Centro de Desenvolvimento do Património em África).
19
Ecole du Patrimoine Africain (Escola do Património Africano).
20
African World Heritage Fund (Fundo para o Património Mundial Africano). A criação desta organização
não-governamental, foi uma iniciativa dos estados membros africanos da UNESCO e da União Africana,
52
que tem como missão dar suporte financeiro para a efetiva conservação e proteção do
património natural e cultural com valor excecional universal em África.
com o objetivo de desenvolver estratégias para lidar com os desafios de muitos países africanos encontram
na implementação da Convenção do Património Mundial de 1972.
53
Fonte: http://www.nova-acropole.pt/a_arte_africana.html [01/12/2015].
21
Conhecido como a Grande Zimbabwe, é um complexo de amuralhados de pedra em ruínas situado na
região leste do Zimbabwe, perto da fronteira com Moçambique. É considerado um monumento nacional,
foi inscrito pela UNESCO como património mundial em 1986. Pensa-se que este complexo constituiu a
capital de um Estado, conhecido como o primeiro do Zimbabwe, que floresceu no planalto central daquela
região entre 1250 e 1450 https://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_Zimbabwe [23/11/2015].
54
Fonte: http://www.erikastravels.com [23/11/2015]
55
compreensivo, no entanto, os estudos nessa matéria e a forma como é levada a cabo a sua
gestão, devem incluir as manifestações de grupos minoritários e deve abstrair-se das
interpretações folcloristas e tradicionalistas próprias de outras épocas, sem cabimento no
mundo atual.
56
Definindo o património imaterial
O património imaterial se refere:
Como referem Smith e Campbell (2016: 455), “Traditional studies of heritage, museums,
and history tend to privilege a modernist view of the rational subject, and as a
57
consequence have either neglected or viewed issues associated with affect and emotion
with suspicion. A recent focus in the social sciences on emotion presents us with an array
of studies and arguments about the nature, significance, and consequences of emotions.
What we draw from this is that not only is a focused analysis on emotional issues
important, but also that they need integration into the discursive practices we use to
understand and engage with heritage and museums. (…) heritage (…) is a political
resource used in conflicts over the understanding of the past and its relevance for the
present”.
São muitos os autores que sustentam a tese de que todas as manifestações culturais,
denominadas património imaterial, produzem bens materiais e se encontram associadas
aos mesmos (Smith, 2006; Campillo, 2008; Smith e Waterton, 2009). Quer dizer, os bens
imateriais não são expressões abstratas, possuem alguma materialização na medida em
que representam a base pela qual os conhecimentos e expressões simbólicas do tempo são
transmitidos para dar origem aos bens materiais móveis e imóveis, que carregam sempre
uma forte componente imaterial (Campillo, 2008). Para esta autora a classificação do
património cultural, em material e imaterial, não é mais que um instrumento de sua gestão.
Na perspetiva de Rosón (2008: 215), os “sujeitos sociais” se tornam cada vez mais
visíveis, facilitando e reinterpretando, tanto processos de recuperação de memória
histórica, como processos de territorialização e de ocupação de território, avivando e
redefinindo constantemente a identidade do lugar e, consequentemente, a do grupo. Para
o autor, esse aspecto que carateriza as novas sociedades, bairros e centros históricos das
58
distintas cidades, conflui na ideia de mostrar as diversas consciências identitárias. Essa
dinâmica de exercício cultural permanente é uma continuidade que se dilui no tempo mas
a sua constante transformação, todavia impercetível, constitui o alicerce e o sentido da
trajetória dos sujeitos. Assim, as culturas orais não têm um ponto único e preciso de
origem, uma vez que, qualquer que seja o tipo de manifestação cultural, encontrará
sempre similitudes com práticas anteriores que precederam as formas atuais (Santos e
Cabeça, 2010).
No contexto africano, a custódia dos direitos tradicionais foi destruída pela colonização,
um processo que desde então tem excluído a comunidade local, não apenas do não uso
do seu passado, mas da determinação do seu significado, uso e futuro (Chirikure et al.,
2010: 32). A perceção de Costa (2009) é que foi graças à oralidade e suas formas de
cultura, quer nos seus territórios como em espaços alheios, que os povos africanos
conseguiram sobreviver em cenários de subordinação social, como indivíduos e como
coletividade. É preciso, todavia, realçar que o património material, sobretudo o
relacionado com bens imóveis, é de limitada importância nas culturas africanas.
Do mesmo modo, a cultura oriental não sustenta um vínculo profundo com a perenidade
das estruturas físicas. Por exemplo, a cultura japonesa não está interessada no material do
monumento, preferindo a cultura do saber associado a criação (Vecco, 2010; Domingos,
2011). Vecco afirma que o templo japonês da religião Shinto22 (figura 6) é feito de
22
Shinto ou Xinto, são templos japoneses onde se manifestam o Xintoísmo, crença religiosa panteísta
(acredita-se em vários deuses) do Japão formada por uma série de lendas e mitos que explicam a origem do
mundo, da vida e da família imperial japonesa. É uma religião que terá surgido primeiro que o Budismo e
59
madeira e tem completamente preservado todas as suas perpetuidades, graças a um
processo identitário e integral de renovação. “O templo permanece o mesmo, utilizando
o mesmo tipo de madeira mas continuamente renovado sem sofrer uma alteração no seu
material ou uma mudança espiritual. A cada vinte anos, os templos são completamente
restruturados, uma prática que tem origem há mais de doze séculos, geração após
geração” (Vecco, 2010: 324).
Esta abordagem, continua Vecco, depende da visão cíclica da história, das caraterísticas
da civilização oriental, que admite uma espécie de reversibilidade do tempo. Enquanto a
filosofia ocidental aborda como realce o manifesto da conservação em si mesmo, no seio
da preservação histórica do monumento, a oriental procura usar os monumentos para
preservar precisamente o espírito que representa. “O imaterial, que tem dificuldade em
tornar-se parte do conceito de património do ocidente, é contudo, o núcleo da definição
de identidade de algumas sociedades como a japonesa, onde a legislação de proteção
abrange os bens individuais antigos” (Vecco, 2010: 324).
Fonte: http://jornadakamoi.com/um-dia-em-nara/[17/11/2015]
60
O património não é o sítio em si, mas o ato de passagem de conhecimentos culturalmente
corretos ou em tempos e contextos apropriados (Smith, 2006), é algo que é feito em sítios
e lugares, em performances e eventos intangíveis, sendo importante considerar que o
fundamento no processo da conservação e de gestão são os valores e as narrativas
culturais e sociais (Smith e Waterton, 2009). Portanto, nesse ponto de vista, Galindo e
Sabaté (2009: 27) defendem que “quando desaparecem os vestígios de outros tempos, a
memória coletiva, o património compartilhado e as tradições culturais que atesoura uma
determinada comunidade, acabam por ser tão importantes, ou inclusive mais importantes
que os monumentos”. Convém, pois, prestar especial atenção as memórias associadas aos
recursos e evitar que se percam, sendo fundamental recompilar histórias e documentar,
antes que desapareçam os vestígios.
Rosón (2008) no seu estudo sobre a cultura oral e o património imaterial, apresenta um
cenário de distanciamento dos sujeitos sociais aos “museus”, para serem, eles mesmos,
protagonistas indispensáveis no objeto patrimonial, introduzindo suas práticas sociais e
tradições nos contextos reais de suas vidas diárias, distanciando-se da instrumentalização
do legado cultural das velhas regiões e nações europeias. Na verdade, Pwiti e Ndoro
(1999) consideram que o conceito de museu no estilo ocidente, com a disposição de
artefactos do passado num recinto fechado, tem sido questionado em alguns países
africanos. Destacam como exemplo o caso do Botswana, onde foram ensaiados projetos
de museus móveis com serviço em áreas rurais (embora sem os resultados esperados
devido a manutenção dispendiosa da empreitada). Todavia, a aproximação das
61
comunidades aos cenários que melhor os identifica podia ser extensível a parques com
temáticas culturais diferentes, feiras artesanais em recintos abertos, reuniões tradicionais
debaixo de árvores emblemáticas ou nos jangos23 (figura 7), ao estilo clássico da
socialização africana.
23
Espaço de encontro ou reuniões típico das aldeias africanas para discussão de assuntos de interesse à
comunidade, dirimir conflitos, celebração ou realização de algum ato digno de realce, geralmente
conduzidos pelos anciãos. Serve igualmente para conto de histórias e transmissão de saberes ancestrais
identitários, muitas vezes, na base de provérbios e adivinhas.
62
Se o património imaterial é a essência do quotidiano dos grupos, transportadas pelas
transformações lentas da história através das emoções, sentimentos e interação
permanente com os outros e com o meio, resulta complexa e vulnerável a sua preservação
e o processo de conservação. Mais ainda, quando a problemática de manter vivas as
práticas antigas se apresentam num contexto atual de mudanças aceleradas das
sociedades, que afetam de forma brusca o modo de ser e estar dos indivíduos. Observa-
se, por conseguinte, uma destruição das formas sociais de organização e das formas
culturais produzidas nas sociedades, fundamentalmente aldeias e modo de vida agrícola,
pondo em evidência o trágico desajustamento entre a conceção herdadas de gerações
anteriores e as necessidades do presente (Santos e Cabeça, 2010).
Na ótima destes autores, são os mecanismos de regulação que permitem que uma
determinada forma cultural imaterial (a língua por exemplo) seja distintiva, visto que, ao
agir no tempo, mantém as mudanças num ritmo suficientemente lento, recusando a
hibridação. As formas de proteção dos bens culturais assentam na classificação e na
inventariação, a primeira entendida como o ato final do procedimento administrativo
mediante o qual se determina que determinado bem possui um inestimável valor cultural
(Carvalho e Fernandes, 2012), abordagem corroborada por Iniesta (2008a), que é de
opinião que a salvaguarda do património imaterial deve passar em primeiro lugar pela sua
catalogação (elaboração de uma base de dados). De igual modo, defende a importância
da utilização económica, turística e educativa das manifestações dos bens imateriais e a
elaboração de modelos flexíveis de desenvolvimento local baseados nas potencialidades
dos bens integrantes do património imaterial.
63
bottom-up de salvaguarda desse mesmo património (Blake, 2009). De facto, é inteligível
que sejam os portadores do acervo cultural que se pretende salvaguardar os protagonistas
desse desiderato.
24
Mediterranean Intangible Space. Identity is Future. É um projeto que tem como objetivo pôr em prática
ações dirigidas ao conhecimento, valorização e salvaguarda do património cultural imaterial da região do
mediterrâneo e de regiões dos sócios (conta com sócios de Itália, Portugal, Grécia, Espanha, Marrocos,
Egito, Líbano, Tunísia e Argélia), gerando modelos de boas práticas a nível local e transnacional que sirvam
de suporte as iniciativas da UNESCO (Iniesta e Garcia, 2008).
64
na busca de mais subsídios que possam sustentar a origem da sua existência, o mecanismo
da sua trajetória e as vicissitudes do seu percurso.
Entretanto, importa referir que grande parte da população africana foi desterritorializada
no período colonial, resultando automaticamente numa rutura na continuidade da sua
cultura com o seu passado, o que interrompeu práticas culturais importantes como as
cerimónias das chuvas, a reverência aos ancestrais e outras componentes da cultura
tradicional (Pwiti e Ndoro, 1999). Cerimónias normalmente realizadas em sítios sagrados,
carregados de sentidos e significados. Os povos perderam o contacto com os sítios
arqueológicos onde tinham anteriormente estabelecido uma identidade sagrada.
Nesse contexto, Angola, sendo também “herdeira” dessa divisão territorial imperialista,
é composta por áreas ou espaços socioculturais diversos que são caraterizados de acordo
com as similitudes mais relevantes quanto aos costumes, língua e religião. Os principais
espaços socioculturais definidos, segundo estudos de alguns autores, são representados
pelos povos Bantus, os pré-Bantus ou Vátwa e os San26 (Marques, 1964; Altuna, 2005;
Kajibanga, 2011; Maria; 2015), que por sua vez, são responsáveis pela origem de dezenas
25
A Conferência de Berlim, promovida pelo Chanceler alemão Otto von Bismarck, apesar de se debruçar
sobre vários assuntos, teve como objetivo principal organizar a ocupação e mecanismos pacíficos de
partilha do vasto território do continente africano, ignorando completamente a história e as relações étnicas
e tribais dos seus povos. Participaram os principais países europeus de então, incluindo Portugal, com
destaque para a Grã-Bretanha e a França, as principais potências coloniais no território e os principais
beneficiários de sua partilha. Para além dos países europeus, participaram também o Império Otomano e os
Estados Unidos da América (Canal de História, 2013).
26
Considerada a primeira comunidade a habitar no território angolano. A comunidade San é uma minoria
étnica cuja caraterística principal é o nomadismo, encontram-se habitualmente nas províncias da Huíla,
Cunene, Moxico e Cuando-Cubango, assim como na Namíbia, Botswana e África do Sul. Em Angola têm
sido erroneamente designados de Khoisan. Na verdade, a designação Khoisan é junção de dois povos com
cultura e modo de vida diferentes, os Khoikhoi que praticam a pastorícia e os San, habitualmente caçadores
e recolectores (Maria, 2015).
65
de grupos étnicos e tribos existentes no país. Todavia, Angola é preenchida quase na sua
totalidade pela cultura social Bantu, povos originários do centro-oeste de África que,
devido a sua explosão demográfica, organização e técnica no uso do ferro, procederam a
processos migratórios para regiões mais ao sul do continente no final do I milénio a. C.,
subjugando e confinando à terras menos favorecidas, os povos que encontravam, como
foi o caso dos San (Marques, 1964; Alcuna, 2005; Keita, 2009).
A cultura angolana está arraigada na língua portuguesa e nas edificações antigas herdada
do regime colonial português; nas estações de arte rupestres e sítios arqueológicos
espalhados pelo país; na gastronomia – enquanto legado cultural valorizador do “espírito
de lugar” e marca de autenticidade (Santos e Henriques, 2015: 145); e nos diversos
artefactos da cultura popular, simbolizados nos pouquíssimos espaços museológicos
existentes. Naturalmente que a vitalidade dessa cultura sustenta-se sobretudo na oralidade
e na palavra, o instrumento maior do pensamento, da emotividade e da ação na cultura
Bantu (Alcuna; 2014) traduzida nas línguas nacionais, narrativas e memórias coletivas,
religião, músicas, danças, cantos, provérbios, adivinhas, rituais, mitos e outras
performances culturais que representam o fundamento da afirmação e identidade do país.
66
imaterial pouco acessível a muitos angolanos (Castro e Carvalho, 2014). Desta forma,
Mbanza Kongo, Tchitundu-Hulu e Corredor do Kwanza se tornam já, por inerência, os
ex-libris do património cultural de Angola.
As províncias que secundam Luanda no que concerne ao património cultural imóvel são
Benguela, no litoral-centro do país, com 30 edificações classificadas, e Uíge, no norte,
com 12. A província do Cuanza-Norte, no centro norte do país, onde está localizada a
cidade histórica do Dondo (objeto da nossa investigação) possui 10 edificações e zonas
históricas classificadas, sendo a destacar a Fortaleza de Massangano, a Zona Histórica da
cidade do Dondo, as Ruínas da Fábrica de Ferro de Nova Oeiras e a Fortaleza de
Cambambe. A seguir, são observadas edificações antigas e zonas históricas classificadas
como património cultural angolano:
27
Arquiteto português, nascido em 1908. Realizou vários projetos de arquitetura em Angola a partir de
1935, destacando-se a participação no desenho do pavilhão principal da Exposição-Feira de Angola e o
Palácio do Comércio, em 1938. Exerceu vários cargos e dedicou-se ao estudo e divulgação do património
urbanístico de Angola, refletidas em várias obras, sendo última publicada em 2006, com o título Angola.
Arquitetura e História”. Faleceu em 2012 aos 104 anos de idade.
67
Palácio de Ferro (século XIX), em Luanda, classificado em 1975 (figura 8);
68
Fonte: http://www.angolabelazebelo.com [30/09/2016]
Figura 12: Igreja Nª Sra. da Muxima Figura 13: Vista parcial da cidade do Dondo
No que se refere aos museus, assinalar a existência de poucos espaços de âmbito nacional
no país, embora se manifestam alguns equipamentos museológicos municipais. São cerca
de oito os museus nacionais, um número bastante reduzido considerando a dimensão
territorial, a diversidade cultural e os séculos de percurso histórico de Angola. Os museus
mais referenciados são os seguintes:
69
África do Sul, peças de artilharia portuguesas e outros artefactos bélicos do
período colonial e exposição fotográfica da trajetória político-militar do país.
Outra vertente do vasto acervo cultural angolano que tem sensibilizado as autoridades
nacionais para a inventariação e registos são os sítios arqueológicos e os locais de arte
rupestres. O continente africano, enquanto berço da humanidade, representa uma fonte de
pesquisa inesgotável ao encontro do homem. Pwiti e N’doro (1999: 144) consideram que
“o desenvolvimento de sítios arqueológicos como recurso (…) cultural é visto como
solução efetiva para reavivar a cultura e a sua preservação, negligenciada e desprezada
pelos próprios africanos com a criação de novos símbolos e a criação de novos valores”.
Nessa perspetiva, Angola, cuja história atual repousa praticamente nos factos
identificados no segundo milénio da nossa era, tem alargado significativamente a sua
historicidade e redimensionando os achados arqueológicos no seu espaço geográfico com
trabalhos sistemáticos de investigadores nacionais e estrangeiros, cujos resultados são os
numerosos vestígios arqueológicos e locais com material lítico, que se estendem desde o
paleolítico antigo até aos períodos mais recentes, para além das 40 estações de arte
rupestres espalhadas pelo país (Gutierrez, 2009).
É o caso dos achados de artefactos líticos no sudoeste de Angola, “desde jazidas mais a
norte da província do Namibe, grutas da Leba, na região da Huíla e para além do Cunene,
materiais que se distinguem das eras mais recuadas (olduvaiense28) até a LSA29
(mesolítico regional) e passagem para a Idade de Ferro africana (chegada dos bantus e
posteriormente dos europeus)” (Campos, 2013: 37). De igual modo, assinala-se a
existência de peças líticas na região de Benguela (Baía-Farta) descoberta desde os anos
de 1950, no complexo arqueológico do Dungo, cuja presença de restos ósseos em
28
É o termo usado em arqueologia para se referir às primeiras indústrias líticas dos hominídeos durante o
período do paleolítico inferior em África (período mais antigo da pré-história do homem). A denominação
faz referência ao sítio arqueológico mais importante de tais indústrias: a Garganta de Olduvai, na Tanzânia
(Campos, 2013).
29
Later Stone Age: Idade da Pedra Tardia. Época em que as ferramentas de pedra eram elaboradas com mais
complexidade. Os arqueólogos estimam que terá iniciado há 50.000 anos.
71
quantidades importantes de uma baleia encalhada num paleo-lago, assim como fauna
marinha do mesmo nível, permitiu efetuar uma datação mínima de 350.000 anos
(Gutierrez, 2015). Outro exemplo é o estudo etno-arqueológico desenvolvido no
concheiro da zona do Benfica I, Cabo Lombo, a sul de Luanda, onde foram analisados
materiais recolhidos como o carvão e ferro (em processo de datação) para aferir a
cronologia do concheiro (Domingos, 2015).
Em relação à cultura imaterial, não obstante a riqueza das performances dos diferentes
grupos etnolinguístico, há todo um trabalho a realizar de legislação, inventariação e
classificação para a salvaguarda dessa riqueza nacional. Preocupado com essa temática,
Domingos (2011: 155) reflete sobre algumas questões bastante pertinentes: “como salvar
as culturas tradicionais? Como munir seus produtores de mecanismos de proteção contra
a apropriação de seus acervos de “conhecimentos tradicionais” por parte de um mercado
que se globaliza? Num mundo organizado por patentes, como regular direitos sobre a
propriedade intelectual de criações coletivas ou de autoria desconhecida expressa em
músicas, rituais, folguedos e manifestações culturais diversas? Como regular
juridicamente os direitos relativos aos conhecimentos tradicionais, uma vez que não há
legislação sobre direitos coletivos?”
72
que as instâncias da estrutura da justiça provincial ligada ao Governo não conseguem
resolver (…), uma prática que merece ser estudada e preservada” (Domingos, 2011: 157).
Para a conclusão deste capítulo sobre o património cultural interessa passar em revista as
principais ideias discutidas, embora a temática da cidade histórica enquanto lugar de
patrimónios e de desenvolvimento do turismo cultural, no capítulo seguinte, venha
contribuir para aprofundar e direcionar a reflexão para aspectos concretos que servem as
sociedades, as pessoas e as atividades produzidas.
74
Se o turismo pretende utilizar da melhor forma o património cultural, então precisa dar
dimensão ajustada às manifestações culturais dos povos. Neste particular, as cidades e
lugares históricos, pelo conjunto de edificações, vivências e experiências, seriam os
palcos por excelência para estudar, estruturar e sentir o modo de ser dos povos; porque a
partir do património construído que as compõem nascem sonhos, crenças, pensamentos e
um conjunto de valores intangíveis que explicam o seu mundo.
75
II. Capítulo: A cidade histórica, a reabilitação urbana e o turismo
“As cidades, além de ligadas à história, são elas próprias história” (Chueca, 1982: 33)
Essa dinâmica profunda da relação do homem com o território para superação das suas
necessidades, proporcionou a transformação espaço selvagem e de pequena agricultura.
“As cidades, independentemente da sua dimensão, são simultaneamente realidades
territoriais e fenómenos sociais; mais que aglomerações de pessoas e de funções
diferenciadas ou de apropriação e uso do espaço disponível” (Fadigas, 2015: 46). Do
ponto de vista formal, e no seu percurso histórico, a cidade traduz o distanciamento do
meio rural (Neto, 2015), de atitude passiva com a natureza, para uma atitude mais ativa
de transformação deste meio em espaços urbanos, ou seja, com organização espacial,
funções, ritmos e estilo de vida diferente. “A urbanização corresponde a um processo de
concentração populacional em espaços reduzidos, provenientes em grande parte de
territórios rurais, e da sua progressiva adaptação a novas atividades e modos de
organização social e económica” (Fadigas, 2015: 46).
77
conhece de organização habitacional”. São numerosos os restos de grandes construções
religiosas nestas paragens, percursoras das grandes composições urbanas, “verdadeiras
cidades-templos, com avenidas, praças e salas hipostilas imensas, testemunho da vida dos
reis, nobres e sacerdotes”. Henriques (1998) advoga que as cidades africanas são, até ao
final do século XIX, caraterizadas sobretudo pela conjunção estreita entre os interesses
políticos e os religiosos, isto é, são cidades político-religiosas na sua essência.
A composição das cidades ao longo dos tempos até antes da revolução industrial,
independentemente da região ou da civilização protagonista, era geralmente criada de
forma espontânea, fruto da manifestação dos recursos culturais dos povos expressos no
desenvolvimento do território. “A cultura constitui-se em elemento de geração de
identidade” (Noguera et al. 2012: 383) que observamos nos núcleos urbanos históricos.
As concentrações urbanas fechadas em torno das mesquitas nas cidades islâmicas
sagradas; a ágora e a praça pública aberta para a reunião dos cidadãos peculiar nas cidades
ocidentais; as habitações à volta da realeza das sociedades africanas e da época medieval;
têm como caraterística comum a produção de um território partilhado a partir de um
núcleo indutor (o centro histórico) que produz espaços, funções e vitalidade com vista a
melhoria da vida em comunidade.
78
tinham como prioridade a segurança e proteção, tendo em conta a ausência da ordem até
então estabelecida pelo Império. Dessa forma, o crescimento da cidade é originado
principalmente pelo desenvolvimento de grupos específicos, do tipo mercantil e artesão
que encontram guarida nas muralhas e fortificações de defesa erguidas pela realeza,
surgindo assim a sociedade burguesa, como o principal estímulo da cidade medieval. A
cidade atrai, porventura, um número cada vez maior de pessoas do meio rural que
encontram ali um ofício e uma ocupação que, em muitos casos, os liberta da servidão do
campo (Chueca, 1982).
No continente africano, além das cidades do Egito, realce também para as cidades da
antiguidade da vizinha Núbia, com destaque para a Napata e Meroé no atual Sudão,
inscritas como Património Mundial da UNESCO desde 2003. Ao longo da costa oriental
e ocidental existem igualmente concentrações urbanas antigas, construídas
maioritariamente no primeiro milénio da nossa era, com traços caraterísticos da cultura
africana, que foram absorvendo influência externa, sobretudo islâmica, como é o caso da
cidade de Lamu, no Quénia, também património da humanidade. Mais a sul está a Cidade
de Pedras do Zimbabwe (já referida no segundo capítulo), muito semelhante aos recintos
amuralhados da Europa medieval. Na parte ocidental de África, Ghana e Mali são nomes
de impérios prósperos que produziram autênticas metrópoles na idade média. Tombuctu
e a sua famosa universidade, igualmente património mundial, é um exemplo vivo de
prosperidade e do florescimento urbano, à época, nesta região.
Já na era do comércio atlântico, Monroe (2011: 402) sustenta que “os portugueses,
enquanto pioneiros na dinamização do comércio e contacto da Europa com o oeste
africano, depararam-se com reinos com mais de 200.000 habitantes, como a Allada, cuja
capital, Grand Ardra possuía uma população à volta dos 30.000 habitantes”. Silva (2000)
confirma a urbanidade antiga e os aglomerados populacionais ao longo do Corredor do
Kwanza, entre o sul de Luanda e a região do Dondo. Paulo Dias de Novais, procurando
estabelecer bases para a exploração das supostas minas de pratas, em Cambambe, no
interior do Reino do Ndongo (atual Angola), teve o privilégio de conhecer a capital do
reino do soberano Ngola. Pela descrição na obra de Brásio (1960) é percetível a
grandiosidade do conjunto arquitetónico, muito peculiar e de grande cumplicidade com a
natureza.
79
Citada por Coelho (2010a: 89), eis a descrição da antiga capital: “(…) al qual primeiro
que lleguássemos passamos diez o doze porterias; todas tiené sus porteros com llaves; es
esta suibdad toda cercada de arboles y palmeras que le serve de muros y estan muy juntas
unas com otras y texida com paga muy gruessa y com lãs mismas palmas, de manera que
no pueda entrar ninguno dentro de sus muros sino por las puertas; a la primeira portaria
que llegamos está um páte omuy grande y tiene muchas arboles muy grandes y tiene dos
porteros, uno a la entrada de la puerta otro a la salida, por que tiene dos puertas; y
salidos desta porterya fuimos por una calle dentro, la qual uá em bueltas hasta lhegarmos
a outra porteria y assi las passamos todas y fuímos a outro páteo muy grãde adonde El
Rey tênia uma casa a manera de alpendre, era muy grande y toda llena de colunnas de
palos muy gruessos y horrada toda com hesteras pintadas, y por baxo arguamasa da é la
qual casa estava (…)".
Portanto, a forma de “fazer cidade” está intimamente ligada à idiossincrasia dos povos, e
a utilização de matérias-primas locais foi sempre um processo de evolução natural, sem
aceleração do tempo, de diálogo permanente com a natureza. Essa forma de urbanização
paulatina sofre uma profunda transformação com o advento da revolução industrial e com
as transformações económicas que tiveram lugar no mundo ocidental ao longo do século
XX. As formas culturais no traçado e na edificação ocasionou que muitas cidades,
incapazes de assumir as mudanças com êxito no modelo económico que se impôs,
tivessem um declínio funcional e um progressivo vazio demográfico que originou o
desaparecimento de atividades tradicionais e o abandono e deterioração do património
edificado (Brandis e Del Rio, 1998).
80
Como refere Krippendorf (2009: 120), “Antigamente a cidade era um verdadeiro espaço
de vida. Havia um equilíbrio entre o ser humano e a arquitetura. A cidade constituía uma
unidade que conservava uma dimensão humana dentro do quadro escolhido, que permitia
uma expansão contínua, utilizando os materiais de construção tradicionais e respeitando
os usos locais (…). [Atualmente] concentram-se os empregos no coração da cidade. É
onde estão os melhores pontos comerciais. Lá se instalam os bancos, as companhias
seguradoras, as empresas comerciais internacionais, os grandes distribuidores e um bom
número de empresas poderosas”.
Continuando a sua descrição sobre a desestruturação das cidades Krippendorf (2009: 121)
acrescenta: “empreende-se então a luta em torno dos imóveis, em relação ao centro da
cidade. Os preços dos terrenos e os alugueres atingem patamares vertiginosos. Os
habitantes do centro, salvo os ricos, não podem mais ficar, são expulsos, banidos do seu
próprio bairro, desenraizado e transplantados para outro local. São obrigados a procurar
uma nova moradia num subúrbio mais ou menos próximo. Seus antigos domicílios são
transformados em apartamentos de luxo, em escritórios, ou dão origem a novos imóveis
comerciais. O centro da cidade espalha-se. O mesmo processo repete-se perpetuamente
(…). A cidade torna-se um imenso centro comercial onde correm pessoas apressadas que
não reconheceriam a si mesmas. Quando as lojas fecham as portas, o centro esvazia-se
mais e mais, pois os antigos moradores já tomaram as autoestradas ou os comboios
superlotados para voltar às cidades-dormitórios anónimas”.
Na opinião de Chueca (1982) estas cidades estão desprovidas de alma, são apenas grandes
aglomerações com volume e densidade populacional, mas não existe a praça, nem a
catedral, nem o castelo, nem o palácio, nem sequer o mercado, como elementos
significativos e que elevam o papel da cidade a um plano espiritual, a vida de comunidade
que a cidade representa(va). Por sua vez, Kunstler (2006: 309) reforça a ideia de ausência
de espiritualidade ao falar das cidades americanas, que “constituíram sempre um
problema, principalmente para os não ricos: tipos de habitações monótonas, disposição
espacial pesada, ruas mal desenhadas, rendição abjeta às necessidades dos automóveis,
submissão às atividades industriais e à comercialização; escalas de cidades sem
precedentes na história, à semelhança do industrialismo também sem precedentes”.
81
regenerar, renovar, reabilitar ou mesmo destruir para que seja possível absorver o
excedente de capital e de mão-de-obra que as economias baseadas no mercado geram de
forma cíclica. Na sua perspetiva, esse processo possui uma dimensão classista, na medida
em que são habitualmente os pobres, os desfavorecidos e os marginalizados do poder
político que mais sofre com a sua aplicação. Harvey denuncia que para criar uma nova
geografia urbana a partir dos destroços da velha é muitas vezes necessário recorrer à
violência, expropriação e destruição de bairros antigos e velhos, em nome de suposto
benefício público, de melhoramentos cívicos, restauração ambiental e renovação urbana.
A abordagem conceitual sobre a cidade nos remete para um conjunto de definições que
variam entre o critério numérico e da densidade populacional e o da espacialização dos
diferentes componentes urbanos e funcionalidades que alberga. Tendo em conta as
diferentes motivações culturais que deram origem à cidade, na base de necessidades mais
ou menos similares, Chueca (1982) apresenta diferentes perspetivas no percurso histórico
da urbanização em diferentes regiões. A cidade representa um certo número de cidadãos:
lugar encerrado por muralhas (cidade medieval), originada através da fixação de um
30
Development Workshop. É uma Organização Não-Governamental que se fixou em Angola, trabalhando
na melhoria das condições de vida das comunidades desfavorecidas, no fortalecimento das capacidades das
comunidades e de organizações comunitárias para que estas pudessem agir de acordo com as oportunidades
e os problemas de desenvolvimento. O seu trabalho era focalizado nos setores de abrigo, provisão de água
e saneamento, construção de paz, governação, micro-finanças, apoio às micro-empresas e alívio ou
mitigação de catástrofes ou desastres.
82
príncipe ou senhor; concebida por meio da praça pública (cidade clássica mediterrânea
ou a cidade política); as já referenciadas polis e civitas com a praceta ou ágora para
conversa, eloquência e política; assim como a cidade islâmica, com um pátio da mesquita
para a função religiosa, baseada na vida privada e no sentido religioso da existência.
Peter Hall (2003) apud. Gomes (2012: 61), propõe uma classificação da hierarquia urbana
baseada em fluxos de pessoas e de informação, mas também em índices de concentração
de negócios. Essa tipologia compreende cidades globais (com mais de 5 milhões de
habitantes), cidades sub-globais (entre 1 e 5 milhões), cidades regionais (entre 250.000 a
1 milhão) e cidades provinciais (entre 100.000 e 250.000 habitantes). Peter Hall é de
83
opinião que as cidades que estejam abaixo deste patamar não desempenham um papel
significativo enquanto lugares centrais no mundo globalizado.
Convém asseverar, entretanto, que esta visão não deve ser encarada de forma líquida ou
terminante, uma vez que, tal como afirma Gomes (2012: 68-69), o simbolismo do lugar,
sobretudo na hierarquia das cidades culturais, representa igualmente uma grandeza de
afirmação relevante das cidades no mundo globalizado. Cidades pequenas ou médias,
com uma posição marginal nos fluxos económicos globais, dependendo da criatividade
dos seus promotores e das construções discursivas inerentes, podem tornar-se, por
exemplo, no caso de Portugal, o principal centro religioso [Fátima], a sede da
universidade mais antiga do país [Coimbra] (Gomes, 2012) ou, transportando a
abordagem para o universo angolano: a antiga capital pré-colonial do centro-oeste
africano (Mbanza Kongo), ou ainda, o principal empório comercial do antigo Reino do
Ndongo (Dondo).
O discurso saudosista e a falência funcional dos centros urbanos remete o debate para a
crise das cidades atuais que decorre, sobretudo, da extinção dos espaços públicos
congregantes das áreas urbanas e da diversidade de serviços. Retira-se-lhe, precisamente
o seu fundamento, porque, por definição a cidade só faz sentido como espaço de encontro
do outro, de convívio com o diferente, de espaço de aprendizagem (Alves, 2012: 77). Essa
situação encontra paralelo no processo atual de (re) urbanização de Angola,
84
principalmente da sua capital Luanda, convertida em “canteiro de obras”31, depois do fim
da guerra civil em 2002. Desde então, a primazia tem sido dada à concentração de betão
na urbe, em detrimento da construção arejada e da beleza cénica das cidades antigas.
Luanda, uma das cidades mais antigas da costa atlântica africana, conserva os traços de
um projeto colonial português de exploração de terras além-mar, baseada na lógica de
fixação e construção da territorialidade, mas também onde se pode identificar processos
de transição de ocupação comercial para uma integração de desenvolvimento territorial.
Por outro lado, a cidade parece atravessar uma crise existencial, tal é a expansão periférica
de subúrbios e a transformação urbana para edifícios em altura, qual Dubai, com realce
para o revolucionar da sua baía e a ilha contígua, ameaçando inclusive o seu símbolo
maior de identidade, a Fortaleza (atual Museu de História Militar). Porque, encrostado
nas paredes do monte deste importante património, na fachada para baía, está em
31
Mote lançado pelo Presidente da República de Angola, José Eduardo dos Santos, sensibilizando o país
para o início do processo de reconstrução nacional a partir de 2002, após o término da guerra civil de 27
anos, entre as forças armadas do governo angolano e o movimento armado da UNITA (União para a
Independência Total de Angola), atualmente, o principal partido político na oposição.
85
acabamento um futuro centro comercial. Parafraseando Harvey (2011), podemos afirmar
que Luanda tem estado num processo de destruição criativa de absorção do excedente de
capital gerado pelos milhões de barris de petróleo, acumulados pelo país nos últimos anos.
A figura 14 é demonstrativa desta constatação.
Senabre (2012) é perentório ao defender que qualquer cidade que não seja pensada para
reforçar as identidades locais em grau em que estas necessitam, representa no seu ponto
de vista, um fracasso de planificação urbana e territorial e uma postura mais distante do
que se pode considerar de sustentabilidade urbana. “Sem conteúdos, que são as pessoas,
o betão não vale nada. E as cidades sem pessoas morrem. É neste aspeto que os atores e
as políticas continuam a falhar” (Alves, 2012: 81).
Acredita-se que terão sido as posturas e ações puramente economicistas de não vinculação
das necessidades locais, que despoletaram a crise das cidades na década de 1970 (Jacinto,
2012) que induziram mudanças e colocaram os espaços urbanos sobre pressão,
segregando bairros e periferias, esvaziamento dos centros históricos e adoção de medidas
dos Estados para enfrentarem as tensões urbanas. As cidades foram obrigadas a enfrentar
transformações de grande magnitude, motivadas pelos fenómenos de reconversão
industrial de vários setores (principalmente o siderúrgico e o naval) e pela globalização
da economia, provocando o declínio das cidades que não se adaptaram (Jordão et al.,
2008).
86
2.1.3. A cidade atual: dilemas e novo(s) paradigma(s)
87
b) Que tanto as extensões urbanas, como os novos núcleos periféricos deviam ter a
sua própria centralidade e conformar-se com uma identidade morfológica clara;
c) Por fim, que se devia evitar a intensificação dos movimentos centrípetos sobre a
cidade velha e que, por sua vez, esta devia ser protegida do tráfego de
atravessamento.
88
No início do século XXI, com a multiplicidade de culturas urbanas emergentes resulta
fundamental questionar sobre que cidades teremos no futuro (Vale, 2009). “As cidades
pequenas, por exemplo, localizadas entre a grandeza cosmopolita das metrópoles que
controlam os fluxos globais de capital, cultura e pessoas e o rural localista, enfrentam um
problema de definição, presas entre a possibilidade de crescimento e a preservação da sua
pequenez” (Gomes, 2012: 60).
Enquanto sistema, Vaz (2012: 98) sugere o fortalecimento de uma visão integrada dos
componentes da cidade, tangíveis (infraestruturas) e intangíveis (criatividade das pessoas
e organizações), para se obter a inovação e competitividade. Mourão (2008) advoga a
ligação em rede das cidades, tendo em conta a acessibilidade das instituições e das pessoas
à informação e pela divisão e otimização das atividades. Duarte (2012) corrobora,
defendendo o alcance da competitividade das cidades ligadas em rede com a
complementaridade de tarefas e implementação de redes urbanas de banda larga em cada
uma delas, interligando edifícios que prestam serviços públicos.
Por sua vez, Gama (2012: 148) afirma que “a cidade inteligente é encarada como uma
nova estratégia de desenvolvimento em que existe um forte incremento da
competitividade entre os espaços urbanos (…). As novas tecnologias de informação e
comunicação terão de funcionar como plataformas de apoio ao desenvolvimento assente
nas estruturas físicas de educação, ensino, investigação, inovação, governo local, regional
e nacional, cultura e comércio”.
89
computer gaming, or the sharing of photos, videos, experiences, and opinions via social
networks”.
O conceito de inovação vem sendo utilizado nos últimos anos para referir-se ao processo
de adaptação a uma nova sociedade que está surgindo em que estão associados os
conceitos de “cidade”, “empresa”, “desenvolvimento” e “tecnologia avançada” (López,
2012: 291). Segundo Vaz (2012: 100), a viabilidade da cidade vai depender da sua
capacidade para atrair a “nova classe criativa”, possuidora de elevada mobilidade, que
advém da diversidade cultural, afabilidade do local, “tolerância” para as pessoas não
convencionais, entre outros fatores. Para o autor, são elementos essenciais das cidades
criativas os seguintes:
Em certa medida, compreende-se que a cidade hoje, inserida num ambiente de várias
sensibilidades urbanas e dinâmicas intensas proporcionadas pela competitividade baseada
no conhecimento e na inovação, acumula desafios enormes de posicionamento e
afirmação. Em cenários cada vez mais democráticos, mercados desregulados e flexíveis,
capacidade interventiva da sociedade civil e exercício pleno da cidadania dos residentes,
a cidade é um laboratório de debates e de confrontações de vontades. Ela precisa
acompanhar a velocidade proporcionada pelas tecnologias de informação, adequando a
sua malha urbana de épocas anteriores aos processos e técnicas inovadoras atuais, sem
comprometer a articulação das suas múltiplas funções.
Mas a produção e realização da cidade não deve ignorar o vínculo com o cidadão, antes
deve procurar resgatar sempre na sua ação a humanidade que lhe deu origem. A cidade
precisa cultivar a imaterialidade produzida pelas pessoas na composição física do seu
território, criando conteúdos alinhados no tempo e alimentando concomitantemente a sua
alma. O seu sentido existencial não pode estar dissociado da sua trajetória no tempo, do
90
seu património cultural, da sua identidade observada no centro urbano histórico e da vida
que lhe é dada pelos valores etnográficos de sua gente.
A formação urbana das povoações antigas não foi meramente casual, pois a análise
retrospetiva das suas origens detonam a existência de poderosas determinantes de origem
geográfica, económica e política a condicionar a escolha do local ou a criação do
aglomerado urbano (Batalha, 1950; Silva, 2012)
Como advoga Silva (2012:176-177), “Um dos aspetos que caracteriza as ocupações de
origem portuguesa é o fato de se verificarem em quase todas as cidades, caraterísticas
decorrentes da adaptação às condições locais, assim como de necessidades económicas,
militares e de defesa. No caso das ilhas atlânticas, em cidades como o Funchal (na Ilha
da Madeira), Angra do Heroísmo (no arquipélago dos Açores), ou a Cidade Velha (em
Cabo Verde), ou cidades do continente africano, como Luanda (em Angola), Maputo e
Beira (em Moçambique), (...) podemos verificar que as condições físicas do território
32
Alusão ao verso que se encontra na obra “Os Lusíadas” do poeta português Luís Vaz de Camões.
91
originaram escolha cujos objetivos já estavam preestabelecidos: boas condições para a
implantação de um porto, acessibilidade para o interior do território, facilidade de plantar
culturas rentáveis, defesa da cidade e abastecimento de água à população foram, como
para as outras cidades costeiras do continente português, fatores determinantes para a
escolha da localização”.
Com o objetivo de reforçar a ideia de um império sólido e dar aos territórios coloniais
uma imagem global única, impelidas pelas resoluções da Conferência de Berlim, são
33
Batalha faz referência da idealização de um plano da cidade que prevê a solução dos problemas
fundamentais que interessam à vida de uma povoação colonial: a defesa contra a pirataria e o gentio; a
separação em zonas da parte comercial e portuária, da parte administrativa e residencial de europeus e da
parte destinada às habitações dos indígenas; o aprovisionamento de águas e de géneros; o saneamento
urbano e ventilação das construções; a salubridade das edificações; a proteção da restinga e do porto.
Portanto, era a preparação de uma cidade na base de postulados científicos.
92
promovidos eventos nacionais e internacionais importantes. Fontes (2007) destaca
algumas exposições que visaram dar conhecimento das colónias aos portugueses o
trabalho que vinha sendo realizado, como estratégia de consolidação do império com a
inclusão das colónias, designadas entretanto de provinciais ultramarinas: exposição
provincial de Luanda (1922) e Nova Lisboa (1935), exposição colonial no Porto (1934),
exposição feira de Angola (1938), a exposição colonial e internacional de Paris (1931);
onde é realizado o primeiro “congresso de urbanismo colonial e países tropicais” para
tratar de assuntos estritamente coloniais, incluindo debates em torno da salvaguarda do
património das velhas povoações indígenas das colónias.
A cidade, definida na viragem do século XIX para o século XX como sendo a população
residente em aglomerados de 2.000 ou mais habitantes no casco urbano, tem em Angola
no início da década de 1940, apenas oito exemplares: Nova Lisboa, Silva Porto, Lobito,
Moçâmedes, Malanje, Sá da Bandeira, Benguela e Luanda (Amado et al., 1992: 62).
“Tendo mantido praticamente intato o seu império colonial, Portugal precisa repensar a
sua estratégia colonial, tendo em conta o novo quadro político internacional com o fim da
Segunda Guerra Mundial” (Fontes, 2007: 105).
De acordo com Fontes (2005:105), “Em África, a partir da segunda metade da década de
1940, novos modelos de desenvolvimento significam refazer a rede existente de cidades.
O objectivo é chegar às regiões interiores, menos urbanizadas, cuja presença colonial é
mais esbatida. Incentiva-se a migração de colonos europeus e promove-se uma rede
assistencial de saúde e educação às populações locais. Os modelos de desenvolvimento
apoiam-se em planos urbanos, acompanhados por um conjunto de equipamentos básicos.
Dependendo da escala, compreendem escolas, postos sanitários (pequenos hospitais,
eventualmente equipados com maternidade e apoio à primeira infância), estações de
correios, parque infantil, administração, casa do governador e estruturas religiosas
filiadas na fé católica, etc. Num segundo momento, assiste-se à implantação de novos
bairros para funcionários e de instalações desportivas (clubes e piscinas). A maioria
desses projectos depende da produção urbanística e arquitetónica de agências
governamentais ligadas ao Ministério das Colónias (mais tarde Ministério do Ultramar)
sediado em Lisboa ou aos Governos provinciais (...)”.
93
de conduzir e executar a política urbana para as colónias portuguesas (Fontes, 2007;
Ramos e Matos, 2008; Milheiro, 2012). Na produção de cidade nas ex-colónias
portuguesas em territórios de baixa densidade, tem associado os planos urbanos à tradição
anglo-saxónica da “cidade jardim”, que se dissemina por todo o mundo ocidentalizado a
partir da década de 1930 (Matos e Ramos, 2008; Milheiro, 2012). O programa seguido
alicerça-se num forte impulso de urbanização que se reflete na consolidação das estruturas
urbanas herdadas da primeira república (1910-1926) e na padronização dos edifícios
públicos que representam a presença colonial portuguesa desde o continente africano até
a Índia, Timor e Macau (Milheiro, 2012).
A cidade-jardim era a forma mais atraente de disputar a presença de novos colonos e suas
famílias, amenizando o clima tropical, fornecendo sombras, contínuos de verdura e
frescura, numa terra estranha e agrestemente quente (Matos e Ramos, 2008). Observando
as cidades angolanas projetadas e desenvolvidas ao longo do século XX identifica-se a
predominância da arborização em paralelo com as ruas e avenidas (figura 15),
suficientemente largas. Conforme descreve Matos e Ramos abaixo, são por exemplo,
protótipos de cidades-jardins: Saurimo, Luena, Kuito, Gabela, Malanje, Uíge,
Ndalatando, Dondo e tantas outras cidades, projetadas e/ou desenvolvidas ao longo do
século.
Como referem Matos e Ramos (2008: pp.), nas “(...) zonas de baixa densidade onde
predomina a habitação unifamiliar, o traçado é informal e orgânico; os arruamentos são
sinuosos e/ou em impasse e utilizam a rotunda como meio de articulação. É frequente a
combinação da curva regular com o meandro irregular. As ruas são arborizadas e
ajardinadas os interiores dos lotes; é corrente a inclusão na malha de jardins públicos e de
campos desportivos. Os alinhamentos de árvores assumem uma função estruturadora no
94
traçado urbano, tanto ou mais do que o posicionamento dos edifícios notáveis (...). A
arborização era certamente uma das formas mais seguras, imediatas e acessíveis de
promover o controlo climático do meio urbano”.
34
Significa areia na língua nacional Kimbundu, é dessa forma que eram denominados os bairros indígenas,
principalmente na periferia da cidade de Luanda. Bairros geralmente incaraterísticos e desordenados, sem
as condições mínimas de salubridade, saneamento básico, energia elétrica ou fornecimento de água
canalizada. É o mesmo que gueto ou favela.
95
transplantada das áreas rurais para o anonimato das cidades teve de se ajustar às condições
da vida moderna, internalizando valores, normas e modos de comportamento
caraterísticos de padrões de sociedade e de cultura ocidentais” (Amado et al., 1992: 64).
“Por altura da independência, apenas 18% da população vivia em áreas urbanas” (Amado
et al., 1992: 90). Atualmente, 67,7% dos 25,8 milhões de residentes vivem em áreas
urbanas (INE, 2016). Com a guerra civil no pós-independência, a produção de cidade em
Angola é praticamente interrompida até 2002, pelo contrário, quase todas as cidades do
país são afetadas nos seus tecidos urbanos. O êxodo dos campos para as áreas urbanas
incrementa diante da incapacidade de resposta governativa, consolidando e ampliando os
musseques urbanos.
Como refere (Silva, 2012: 184-187), “As cidades desenvolvem-se de forma dual: por um
lado, encontramos o centro urbano consolidado, construído no período colonial; por
outro, temos as zonas periurbanas nas margens do centro urbano com construções
precárias, feitas de materiais naturais, com cobertura de chapa de zinco, (...). As estruturas
urbanas são constituídas por espaços e edifícios com indícios de suburbanidade, com
zonas de ocupação bastante precária. A situação de precariedade resulta, em grande parte,
da ausência de planeamento e controlo do uso do solo, resultando daí grandes extensões
habitacionais sem acesso adequado a infraestruturas básicas e equipamentos sociais (...),
na maioria, constituída por construções precárias e muito deficitária em termos de
salubridade e higiene”.
A cidade atual angolana, em todas as suas latitudes, carateriza-se, pois, por ilhas urbanas
bastante degradadas, resultante da densidade, incúria e do já referido conflito civil. A
requalificação que se impõe, tem sido feita desde 2002, principalmente em Luanda, mais
no sentido da verticalização de edifícios e substituição de vivendas tradicionais da urbe
por edifícios com dezenas de andares, sobretudo para escritórios e serviços, muitas vezes
em desrespeito ao plano de massas estabelecido. Além disso, as vias de acesso, as
estradas, as redes técnicas e toda a estrutura de esgoto são as mesmas do período colonial.
96
pisos, com o propósito de dar alguma dignidade à emergente classe média. Todavia, a
ausência de equipamentos sociais assim como estruturas lúdicas e de serventia urbana
diversa, transformam as centralidades em dormitórios urbanos, muito dependentes dos
centros das cidades tradicionais. Por outro lado, a edificação em andares, opondo-se ao
tipo de vida do nativo e do seu conceito de casa e família (Redinha, 1964), fomenta
constrangimentos de ordem sociocultural, psicológico e ambiental.
97
(Monteiro et al., 2011) dificulta naturalmente, os intentos de requalificação destes bairros
e a promoção de uma malha urbana contígua e sustentável.
De acordo com Steinberg (1996: 465), “até aos anos de 1940 poucos eram os países no
mundo que valorizavam a antiguidade de suas cidades”. A abordagem feita no segundo
capítulo revela que a conservação era o produto de uma ação individual, por vezes isolada,
limitando-se aos edifícios de caraterísticas especiais e de importância histórica, como as
igrejas, os palácios, os castelos, etc. O despertar da sensibilidade pela conservação do
património, particularmente das cidades antigas, foi estimulada pela máquina destruidora
da Segunda Guerra Mundial que ao tornar as cidades em escombros (São Petersburgo,
Kiev, Berlim, Dresden, Hiroshima, Nagasaki, etc.), contribui rapidamente para a
concertação das nações com vista a evitar episódios similares. O Tratado de Haia de 1954,
sobre a proteção dos bens culturais em caso de conflito armado aparece nessa perspetiva.
98
(2012), assistiu-se a uma composição de cidade resultante de processos de junção de
partes a um núcleo original, sem um controlo posterior do traçado da sua morfologia.
Qualquer que seja a resposta a dar aos desafios postulados, o centro histórico tende
“obrigatoriamente” a possuir um posicionamento dual e ambivalente, num contexto
abrangente e intenso de aproximação das culturas que se consubstancia no núcleo indutor
de salvaguarda do património cultural da cidade e no principal recurso para práticas
turísticas culturais urbanas, que se pretendem sustentáveis.
A análise a partir dos contributos de diferentes autores permite inferir que a reabilitação
urbana é uma ação multifacetada numa determinada cidade que envolve um conjunto de
intervenções de índole urbanística, política, cultural, social, económica e ambiental
99
(Steinberg, 1996; Tavares, 2008; Silva e Carvalho: 2011; Monteiro 2012; Santos e
Azevedo, 2013; Mendes, 2014). Trata-se de uma ação integrada de salvaguarda a partir
do centro histórico, enquanto eixo vertebrador de políticas urbanas, no sentido de adaptar
a cidade às pessoas, preservar a identidade e as memórias inscritas na paisagem urbana
como elementos multifuncionais (Santos e Azevedo, 2013). Um dos princípios da Carta
de Washington do ICOMOS (1987) enfatiza, precisamente, a preservação dos valores
históricos da cidade e conjunto de elementos materiais e espirituais que exprimem a sua
imagem, em particular:
100
de componentes como a habitação, a cultura, a coesão social, o espaço público, a
mobilidade e reflete a tendência para a reutilização das infraestruturas e equipamentos
existentes” (Silva e Carvalho, 2011: 259).
101
(2009: 56) é de opinião que a regeneração visa uma maior visibilidade e afirmação da
cidade, a nível nacional e/ou internacional, por via da melhoria dos espaços, vitalização
económica, valorização do setor imobiliário e atração turística. Por sua vez, Ferreira e
Gomes (2012) sustentam que os processos de regeneração urbana promovem
reordenamentos simbólicos que, ao mesmo tempo que renovam imagens das cidades e
seus modos de auto e hetero-identificação, são passíveis de gerar novos efeitos de
segmentação social.
“No caso de ser necessário efectuar transformações nos edifícios ou construir edifícios
novos, qualquer operação deverá respeitar a organização espacial existente,
nomeadamente a sua rede viária e escala, como o impõem a qualidade e o caráter geral
decorrente da qualidade e do valor do conjunto das construções existentes. A introdução
de elementos de caráter contemporâneo, desde que não perturbem a harmonia do
conjunto, pode contribuir para o seu enriquecimento” (Carta sobre as Cidades Históricas
do ICOMOS, Washington 1987).
102
focais importantes: cafés, museus, mercados, igrejas, praças, a valorização das paisagens
e dos percursos” (Monteiro, 2012: 27). O autor acrescenta que intervir nos espaços
construídos ao longo dos séculos permite que a sociedade humana continua ligado ao
meio natural a que pertence, como seres vivos, numa relação com a sua natureza para
uma existência física e espiritual e que a protege da sociedade moderna que evolui, mas
que ao mesmo tempo, perde a raízes da sua verdadeira natureza. Ferreira (2003) destaca
as vantagens da reabilitação urbana na preservação do património arquitetónico urbano;
no controlo da expansão periférica; na inversão do processo de obsolescência física,
funcional, imagética e local; na melhoria do ambiente urbano para os residentes, visitantes
e investidores; em suma, no elo entre o passado e o futuro.
Tradicionalmente, as cidades são produto da cultura dos povos, manifestação dos saberes
acumulados ao longo do percurso histórico materializado na urbanização. O homem, com
sonhos, pensamentos e trabalho foi transformando o meio natural em paisagem de cultura
durante séculos, sendo as cidades históricas o melhor exemplo de paisagem cultural, que
concentra boa parte do património urbanístico e arquitetónico monumental (Troitiño
Vinuesa, 1998). A envolvente de uma cidade faz parte da sua herança histórica e forma
com esta uma unidade indissociável que se põe de manifesto através dos olhares que
mutuamente estabelecem (Brandis e Del Rio, 1998). Foi quase sempre a envolvente,
através das frentes de água, terras ou montanhas que fundamentaram a origem,
localização e o desenvolvimento das cidades.
103
“A cidade histórica representa o conjunto de uma extraordinária singularidade, donde se
imbricam dimensões diversas: arquitetónicas, urbanísticas, culturais, sociais e
simbólicas” (Troitiño Vinuesa, 1998: 209). A riqueza cultural da cidade histórica é
determinada tanto por elementos tangíveis (os grandes monumentos, o tecido residencial,
os espaços públicos, etc.) como por intangíveis (ritmos diários da cidade, os estilos de
vida dos seus habitantes, as manifestações lúdicas e festivas) (La Calle e García, 1998).
Todas as cidades possuem de forma mais ou menos significativa um centro histórico, uma
origem, pois foi essa a sua primeira geração. Em muitos casos a imagem transmitida pelos
“centros históricos representa os princípios, as culturas e as razões da fundação da cidade”
(Monteiro, 2012: 49). “O centro histórico será o núcleo central de um conjunto urbano
formado ao longo de um horizonte temporal alargado, que pode ou não manter vestígios
dessas várias épocas, e que foi isolado pela expansão acelerada da época industrial e pós-
industrial” (Tavares, 2008: 18). “Trata-se de um território com morfologia raramente
homogénea, delimitada em muitos casos pelo circuito da muralha medieval e resultante
de um longo processo de crescimento “espontâneo” de intervenções individuais, mas
também de ações de planeamento que foram adicionando e substituindo elementos
(edifícios, ruas, praças, jardins), na construção de um todo heterogéneo” (Fernandes,
2004: 214).
104
histórico não deve implicar a concentração no seu perímetro do valor histórico da cidade
e considerá-lo à margem do resto em termos urbanísticos” (Gonçalves, 2011: 51). Para o
autor, as cidades são constituídas por sistemas de continuidades: i) históricas, na medida
em que o espaço urbano é, todo ele, contemporâneo; ii) continuidade morfológica, na
medida em que o sistema de espaços públicos de uma cidade não é fragmentável; iii)
continuidade funcional dos sistemas urbanos, na medida em que as redes infraestruturais
constituem uma rede de interdependências; iv) continuidade das relações entre os usos do
solo, na medida em que a economia das cidades não tem vínculos absolutos e definitivos
com os seus tecidos urbanos (Gonçalves, 2013). O principal valor das cidades históricas
não são os elementos considerados de forma isolada, mas sim o caráter de cada cidade
materializado num sentido de lugar, único e irrepetível (La Calle e García, 1998).
No dizer de Aguiar et al. (2011), a própria noção de património histórico está em mudança
como resultado de uma certa crise de identidade de cidades territorialmente extensas,
indiferenciadas e deficitárias de elementos de identidade nos seus ícones arquitetónicos.
Segundo os autores, assiste-se hoje a uma valorização de outras memórias urbanas e de
novos símbolos materiais, tais como: a arquitetura típica da industrialização do século
XIX, as fachadas portuárias e edifícios obsoletos de infraestruturas urbanas, recuperados
e adaptados principalmente ao uso turístico.
105
preocupações de salvaguarda e a reabilitação dos centros históricos têm de ser articuladas
com um conjunto de programas de reabilitação e melhoria dos espaços e áreas
habitacionais, locais de percurso e recreio de quem vive e procura a cidade, onde os
valores patrimoniais, os símbolos e as memórias são mais que edifícios, ruas, largos e
praças”.
106
entrada de fluxos de capital privado e de proprietários e inquilinos da classe média e
média-alta. Para Ferreira e Gomes (2012) o pendor economicista desses processos
privilegia os interesses e as expetativas dos investidores, dos segmentos mais abastados
e mais qualificados das populações urbanas e dos turistas, e incentiva a reorganização do
espaço público urbano que concorrem para a sua privatização, mercantilização e
turistificação.
Segundo Wilson e Tallon (2012: 104), esse fenómeno tem origem na Inglaterra e nos
Estados Unidos, “gentrification was first identified in the 1950s in New York and London,
where the movement of middle-class households into working-class neighbourhoods was
occurring – albeit on a relatively modest scale (…) A first wave of sporadic gentrification
took place prior to the early 1970s when the process was confined to small residential
neighbourhoods in the US and Western Europe”. O conceito de gentrificação deriva do
termo inglês “gentry” que designava a pequena nobreza rural europeia conotadas como
107
pessoas de boa família, de um grupo particular. Por isso, a gentrificação (gentrification)
está associada, não apenas a requalificação dos espaços, mas também a transformação do
tecido social, na medida em que a recuperação, reconversão e criação de espaços públicos
implica ou a expulsão (in)direta dos moradores tradicionais ou o seu enquadramento
social nas novas funções urbanas, no caso de uma abordagem mais social e menos
economicista. É um processo que resulta das mudanças nos comportamentos, nos valores
e nas atitudes, abrindo por isso novas perspetivas para a requalificação de espaços nos
centros das cidades e bairros mais tradicionais (Alves, 2012).
Nesse quadro, socorrendo-se de Fernandes (2004), uma política para o centro histórico
deverá ser abordada necessariamente na base do equilíbrio instável entre a conservação e
modernização, tendo em atenção a resposta à necessidade de transportar para o futuro a
cidade que herdamos, o que apela para as potencialidades da reutilização das formas, com
a potenciação da heterogeneidade dos conteúdos (residências, estabelecimentos
económicos, equipamentos públicos), marcados por vários tempos e as mais diversas
caraterísticas sociais e económicas.
Pelo facto de haver microsociedades nas cidades históricas com estilos de vida diferentes,
resulta muitas vezes conflitual a utilização dos espaços públicos e outros elementos
urbanos de utilização comum. Vale (2009: 41) sugere que “a interação de grupos sociais
e de diferentes culturas urbanas depende muito da forma como cada um se apropria do
espaço, da capacidade do indivíduo de se relacionar com a diferença e do grau de abertura
da própria cultura em relação a outras formas de estar”. Nessa perspetiva, a participação
e a implicação de todos os habitantes são indispensáveis para o sucesso dos instrumentos
de salvaguarda da cidade (ICOMOS, 1987), na medida em que serão os próprios
detentores de habitação em centros e bairros históricos os mais interessados na sua
preservação e gestão.
108
Contudo, não se pode recriar a habitabilidade de outrora nas cidades, do mesmo modo
como uma civilização não pode retroceder”.
Compreende-se, pois, que localidades assim, com massa crítica insuficiente para garantir
um consumo mínimo das prestações económicas e sociais, possam estar associadas em
rede, visando um esforço coordenado de complementaridade das atividades e funções. De
acordo com Carvalho (2011: 13), “as redes pretendem associar territórios e espaços com
afinidades (naturais e/ou culturais), por vezes no contexto de políticas, programas e
iniciativas públicas no sentido de atrair investimentos e fixar ativos, de acordo com
preocupações de desenvolvimento local e regional”. Experiências do género têm sido
implementadas mais a nível da Europa e América do Sul, com algum sucesso, sendo o
turismo, amiúde, utilizado como o principal catalisador desta empreitada sinergética.
109
O turismo ao se transformar numa grande indústria mundial, induz a maioria dos países
a “mergulhar” numa onda turística que explora quase todos os espaços, histórias e
atividades sociais que podem ser material e simbolicamente, “refeitas para o olhar do
turista” (Urry, 2001: 208). A revalorização da história e a mitificação do passado, por via
da requalificação do centro histórico, enquanto memória coletiva da sociedade, converte
a cidade em atrativo turístico que importa controlar com responsabilidade (Troitiño
Vinuesa, 1998). O perigo de converter a cidade histórica em cenário de celebrações,
festivais e demais acontecimentos para atrair um número maior de visitantes, traduz-se
na vulgarização e descaraterização da sua paisagem urbana que, por ser sensível, deve ser
ponderada a sua exposição.
“Os estrangeiros não se incomodam em fotografar onde é proibido, subir nos altares, nos
túmulos e monumentos e escrever nas estátuas” (Krippendorf, 2009: 106). Este
depoimento não sendo tão generalizável atualmente, pela cada vez maior
consciencialização, educação e cultura turística do visitante, denota ainda assim, a
previsível banalização dos espaços históricos e locais sagrados, quando se envereda por
uma política indiferenciada de atração de turistas, excedendo a sobrecarga dos destinos.
110
Fernandes (2004), referindo-se à cidade histórica dual Porto-Gaia, considera que a
dualidade entre o tecido antigo – de velhas casas anónimas e ruas estreitas e pequenas –
e os imóveis notáveis, orientavam muito do urbanismo europeu, em consonância com os
princípios aprovados na reunião dos arquitetos de Atenas, inspirados por Le Corbusier35,
que via o tecido antigo um estorvo à modernidade. Prolongava-se e racionalizava-se
assim, com a Carta de Atenas, um quadro teórico-técnico que modernizava e acrescentava
preocupações sociais ao higienismo oitocentista.
Para Senabre (2012: 173), “uma das caraterísticas mais negativas nos planos urbanísticos
das cidades ocidentais hoje é o alheamento entre a planificação urbana e a cidadania”. A
ideia, a imagem e as necessidades da cidade não correspondem aos anseios dos habitantes;
os cálculos sobre a população, sobretudo nas áreas urbanas distantes do centro, são
constantemente desajustados face à estrutura demográfica. Para o autor, uma das
principais razões para o fracasso dos planos é olhar o território a partir da cidade. No seu
entender, olhar a cidade de dentro dificulta o entendimento da função estruturante das
paisagens extraurbanas e torna-se difícil implementar propostas meio ambientais
adequadas à sustentabilidade da cidade. “São os territórios naturais circundantes e suas
paisagens quem explicam a identidade urbana e não o contrário” (Senabre, 2012: 175).
Na conceção de planos e programas urbanos para a gestão territorial das cidades e centros
históricos, deduz-se ser importante uma abordagem circunscrita, conforme referido
anteriormente, no dilema entre a preservação e modernização, assim como na adaptação
35
Pseudónimo profissional de Charles-Edouard Jeanneret-Gris. Nascido na Suíça, foi um proeminente
arquiteto francês e, provavelmente, o maior protagonista da corrente arquitetónica moderna desenvolvida
ao longo do século XX, assente numa nova planificação urbana que correspondesse aos avanços da
industrialização.
111
morfológica do território às dinâmicas económicas e de comunicação. Na opinião de
Santos e Azevedo (2013: 8), a estratégia para a elaboração e aplicação dos planos urbanos
deve compreender critérios associados a quatro caraterísticas principais: o estilo de vida
urbano, a presença de equipamentos urbanos para a satisfação da maior parte das
necessidades da população, os contatos e relações pessoais e as comunidades locais
significativas.
Sendo o residente o principal ator pelo qual o ónus dos constrangimentos de falta de
competitividade das cidades históricas é recaído, nomeadamente a nível da supressão de
atividades económicas tradicionais, dificuldade de emprego e má qualidade de vida, os
planos de intervenção obrigam a que seja considerado nos eixos estruturantes, objetivos
que visam inverter este quadro de precariedade.
112
condições para se viver com mínimo de dignidade humana. Os moradores observam a
beleza e a imponência dos prédios restaurados que contrastam com a visão das
dificuldades diárias de quem vive num ‘lugar periférico’: uma paisagem antagónica.
(Vasconcelos e Araújo, 2014).
Como a cidade deve ser pensada como um todo, numa linguagem de integração entre a
sua envolvente natural e o centro histórico, afigura-se gigantesca a operacionalização
plena dos planos, fundamentalmente com a necessária inclusão dos subúrbios e vazios
urbanos. O crescimento acelerado e desordenado de bairros espontâneos à volta de
cidades históricas é um problema de grande complexidade para as autoridades políticas e
administrativas, uma vez que é bastante difícil estar munido de instrumentos e recursos
suficientes para impedir a expansão periférica. Esta situação é particularmente gravosa
nas cidades angolanas que, como se referiu, observaram um processo de crescimento dual,
com a cidade tradicional colonial envolvida em aglomerados suburbanos densificados,
comprometendo as políticas de ordenamento do território e de extensão harmoniosa das
funcionalidades urbanas.
113
A requalificação urbanística com vista à criação de espaços de lazer e espaços verdes em
cidades é das principais dimensões a considerar. Santos e Azevedo (2013) fornecem o
exemplo do Programa POLIS36 de requalificação de uma área de aproximadamente 80
hectares na cidade de Coimbra, tendo o rio como elemento central. A aproximação efetiva
das duas margens foi a premissa que permitiu criar um parque verde urbano
multifuncional vocacionado para a animação, recreio, educação e desporto com um
enquadramento paisagístico ambiental e patrimonial de qualidade: o Parque Verde do
Mondego. Outro exemplo de relativo sucesso são as Docas de Lisboa, os antigos
armazéns portuários que foram reconvertidos em espaços de restauração ou dedicados a
atividades de recreio e lazer, como bares, discotecas, ginásios, centros de desportos
náuticos, comércio, mas também serviços públicos e atividades ligadas a formação
profissional (Alves, 2012). A esse propósito, mencionar o exemplo de reconversão mais
emblemático dos espaços ociosos e degradados em Portugal, o sobejamente conhecido
Parque das Nações de Lisboa.
36
Programa de intervenção urbana na cidade de Coimbra (2001 – 2009) que visou, entre outros objetivos,
centrar a cidade ao rio Mondego, aproveitamento das suas condições naturais e paisagísticas e aproximação
da baixa da cidade à alta universitária.
114
Fonte: http://www.icex.es [13/06/2017]
115
Lopez (2012) alerta que as novas dinâmicas urbanas ao se situarem entre as políticas de
crescimento urbano e os projetos de eventos, que podem trazer consigo efeitos positivos
como emprego e investimentos, também acarretam riscos e efeitos negativos para a cidade
e sua imagem. Por outro lado, “os processos de intervenção urbana na busca da
transformação dos antigos espaços centrais, exige a readequação destes às suas novas
funcionalidades, entre elas o uso turístico, que gera uma concorrência com os usos já
existentes, havendo assim uma gama de conflitos que se pretende inserir-se no mesmo
espaço” (Pinheiro e Santos, 2012: 280). Privilegiar áreas extensas para uso turístico e
dedicar reduzida atenção aos residentes e utilizadores locais contribui de modo inevitável
para o aparecimento de tensões no território (Cifelli e Peixoto, 2013).
116
Para Vaz (2012), uma estratégia de política de cidade orientada para a afirmação de
competitividade urbana como habitats de inovação, terá que passar necessariamente pela
análise de diversos princípios, como o projeto da cidade, a integração territorial na região,
o princípio de sustentabilidade, marketing territorial, etc. Independentemente dos
princípios orientadores, a revisão bibliográfica que efetuada direciona para uma opção
estratégia que deverá estar sempre subordinada à vontade dos residentes, avaliados os
elementos, históricos, culturais, patrimoniais, arquitetónicos, económicos e ambientais,
sempre na perspetiva da continuidade funcional e da mitigação da exclusão. No entanto,
qualquer que seja a opção terá de acomodar convenientemente nos seus instrumentos de
intervenção a atividade turística, na medida em que a reabilitação e a requalificação
urbana será sempre um chamariz de visitantes.
Neste sentido, uma vez que parte relevante da cultura precisa ser patrimonializada para a
sua melhor salvaguarda e valorização, torna-se fundamental o exercício da diversidade e
valorização inclusiva dos recursos culturais existentes. Nesse contexto, um dos principais
desafios na planificação da cultura para o território, enquanto estratégia fundamental de
desenvolvimento territorial, é identificar e avaliar a relevância dos bens materiais e
117
imateriais inerentes (Noguera et al. 2012), porque “o património é uma construção
contemporânea em constante estado de criação e recriação em que diferentes grupos e
indivíduos interagem” (Pichler e Ashworth, 2011: 116).
A cultura e o património como recursos estratégicos das sociedades são capazes de gerar
riqueza e acumular conhecimentos, prover diferentes manifestações e produtos artísticos
que constituem, objetivamente, recursos turísticos (La Calle e García,1998). Em
consequência, a cultura nas suas diferentes manifestações constitui o recurso turístico por
excelência das cidades históricas. A adequação da cidade histórica a atividade turística se
inscreve num marco de atuações de recuperação integral do casco urbano, cujos objetivos
se centram em aumentar a qualidade de vida dos residentes e visitantes, evitar a
degradação das cidades, recuperar o património edificado e facilitar o desenvolvimento
de um turismo que contribua para revitalizar outros setores de atividade com o mínimo
de efeitos negativos (La Calle e García, 1998).
Enquanto processo geográfico e uma cadeia de serviços, o turismo tem ampliado as suas
fronteiras espaciais, sociais e funcionais. Estendeu-se para lugares remotos, alargou-se a
consumidores mais heterogéneos e diversificou-se em termos de atividades e ocupação
dos tempos livres (Fernandes, 2013). Para lá dos processos de ampliação e alargamento,
a atividade vai se reconfigurando e os diferentes atores produzem, refletem, consomem
ou modificam as suas práticas à medida que são evidenciadas até à exaustão as
externalidades positivas e negativas. Urry (2001: 204) considera que “o turismo
contemporâneo vem assumindo, em parte, as características do Grand Tour porque as
componentes educação e instrução são cada vez mais presentes, para além de uma maior
popularidade pelos museus, fascínio pelo modo de vida do outro ou a popularidade
alcançada pelas recriações históricas”.
118
encorajada para ajudar a preservar a autenticidade e manter a oferta, essencialmente
original. Porque a dimensão turística da cidade histórica é isso mesmo, por definição é
baseada na originalidade e na autenticidade. A sua oferta está alicerçada nos fundamentos
dos estilos de vida e costumes das coletividades e nas construções urbanas, quase sempre
desenvolvidas numa interação cénica com o natural que constituem um todo de plena
cumplicidade.
119
centros históricos, quando mensurados adequadamente as suas externalidades (Troitiño
Vinuesa, 1998). De acordo com o autor, “o desenvolvimento do turismo pode significar
a revitalização económica das cidades históricas, na medida em que requer equipamentos
e infraestruturas que têm que ser construídos, para o qual os promotores ou empresários
privados têm que pagar licenças de obras e abertura de estabelecimentos e impostos de
atividade económica. Também há que ter presente a extensão da sua influência às cidades
ou municípios da envolvente, comportando-se como fator dinamizador da economia
regional. Toda esta efervescência de (re)surgimento económico se traduz no incremento
da demanda de alimentos e bens industriais, gerando dinamismo no setor agrário e na
indústria” (Troitiño Vinuesa, 1998: 218).
Todavia, é oportuno realçar que as cidades históricas africanas de origem portuguesa não
apresentam grandes monumentalidades pelas razões já invocadas, sendo de reiterar o seu
processo tardio de urbanização. Por exemplo, a cidade do Dondo possui uma malha
urbana bastante diminuta, com edifícios de um e dois pisos. Por outro lado, com as
independências, as prioridades dos novos países não se compadecia com uma valorização
dos edifícios, monumentos ou sítios que pudessem recordar uma situação de domínio
recente, pelo contrário, apostava-se no ímpeto desenvolvimentista subsequente às guerras
civis com uma urbanização que não concorresse com os edifícios antigos (Matos e
Ramos, 2008).
120
reabilitação do tecido urbano, mas que tenha forte incidência na valorização do “ser” das
pessoas.
Para Fernandes (2013a), muitos dos fatores de vulnerabilidade das comunidades locais
por efeito direto ou indireto do turismo apresentam uma componente geográfica,
sobretudo porque o turismo será sempre um processo de apropriação de usos e lugares. O
turismo incorre no risco de desterritorialização, em especial pelo efeito (combinado ou
isolado) de quatro fatores:
121
b) A redução das acessibilidades (pela construção de barreiras, pela privatização
dos espaços coletivos, pelo aumento das densidades de uso, pela
patrimonialização e gentrificação de espaços até então centrais na
territorialidade de grupos vulneráveis);
Segundo Troitiño Vinuesa (1998: 218), “a inflação é outro dos impactos associados ao
turismo. Este fenómeno acaba contagiando a todos os setores de atividade económica,
surge quando se crê nas expetativas de enriquecimento ante a situação de forte incremento
da demanda e afeta fundamentalmente os recursos renováveis ou escassos, como o solo e
a mão-de-obra. A expetativa de desenvolvimento turístico pode gerar a aparição de
mentalidades especulativas. A curto prazo, a espiral inflacionista alimentada pela
especulação resulta benéfica para a população residente: sobem os salários, aumentam os
benefícios empresariais, e pequenos proprietários obtêm melhores rendas com a venda de
casas e locais comerciais. Mas ao longo prazo, a subida de preços prejudica o conjunto
da população e em particular os coletivos mais desfavorecidos: sobem os preços das
casas, dos produtos de consumo quotidiano e os serviços que cobrem as necessidades da
população residente”.
122
A oportunidade da pergunta “para quem é o desenvolvimento resultante da atividade
turística”, formulada de forma implícita por diferentes autores consultados (Troitiño
Vinuesa, 1998; Urry, 2001; Ferreira, 2003; Krippendorf, 2009; Aguiar et al., 2011;
Pinheiro e Santos, 2012), é assinalável no momento de projetar o turismo na cidade
histórica, e não só. Sem um controlo e uma gestão local dos recursos é muito difícil
operacionalizar o desenvolvimento sustentável, porque os benefícios que o turismo
proporciona nem sempre redundam a favor das comunidades locais, dado que
frequentemente as empresas mais poderosas da indústria turística, os Tour Operators, têm
sua sede no centro emissor (Troitiño Vinuesa, 1998). “Nos países em desenvolvimento,
muitos investimentos que resultaram do turismo (aeroportos, campo de golfe, hotéis de
luxo, etc.) beneficiarão muito pouco a massa da população nativa, do mesmo modo a
riqueza nativa gerada é distribuída de forma extremamente desigual, com poucos
benefícios para a maior parte da população” (Urry, 2001: 93-94).
Conforme assinala (Krippendorf, 2009: 84-85), “(...) os turistas vêm pessoalmente com o
seu próprio comportamento e o seu poder de influência. Eles exigem produtos que não
existem no local e têm de ser importados. Eles se instalam onde bem entendem. Surgem
por todos os lados novas necessidades que exigem que se prossiga com o
“desenvolvimento”. É preciso mais dinheiro para financiar o aumento da infraestrutura.
Mas só pode pagar quem ganha mais e, para ganhar mais, é preciso que o número de
turistas aumente. É assim que chegam novas empresas, que atraem novos turistas. Logo
o número de turistas ultrapassa o número de autóctones. A mão-de-obra local deixa de
ser suficiente, exigindo reforços. O número de novos residentes e de trabalhadores
sazonais cresce permanentemente. Alguns turistas ou comerciantes estrangeiros ficam,
porque o local os agrada especialmente ou porque se dão conta de que ali é possível
realizar bons negócios (...) Como são pessoas capazes e instruídas, ocupam bons cargos.
Abertos a tudo, interessam-se também pela política (...) Assim, não têm de esperar muito
até que lhes seja confiado um mandato político e que opinem nas principais questões. De
forma lenta, quase impercetível, a direção terá saído das mãos dos autóctones. A invasão
é perfeita: do exterior pelos turistas, e do interior pelos novos residentes e mão-de-obra
estrangeira (...) E quer nos agrade ou não, é assim que o turista moderno denota traços
colonialistas”.
123
Socorrendo-se de alguns autores, Brito-Henriques (2013), manifesta a sua concordância
neocolonizadora, económica e cultural, do turismo moderno ao olhar para a representação
imagética dos destinos dos países em desenvolvimento nas empresas de viagens e
turismo. A cada momento, afirma o autor, o terceiro mundo é retratado como exótico,
primitivo, servil e dependente do discurso do turista, enquanto o ocidente é apresentado
com poder e riqueza, sendo confirmada como um indispensável poder de modernização
e progresso daquelas regiões e sociedades.
124
Urry, 2001; Krippendorf, 2009; Fernandes, 2013). Do contrário, um cenário bem
conhecido se repetirá uma vez mais: um começo aparentemente inofensivo… degenerará
em colonização turística insaciável, que nada mais poderá deter (Krippendorf, 2009). O
autor prossegue, recomendando que os poderes públicos, principalmente nos países em
desenvolvimento, deverão agir com cautelas no arsenal de medidas que elaboram
destinadas a atração do capital estrangeiro: isenções fiscais e alfandegárias, subvenções,
incentivos aos investimentos, reduções dos preços dos terrenos a construir, caução dos
créditos, garantias contra o deficit, construção de infraestruturas sem obrigação de
reembolso, etc.; são instrumentos que, a certa medida, poderiam ser percebidas como uma
subvenção às férias das classes privilegiadas da Europa e América do Norte pelas
camadas sociais mais desfavorecidas que não sentem positivamente estas medidas.
“Quando as cidades são organizadas com o propósito de assegurar que os residentes sejam
beneficiados e não tanto para atrair visitantes, o património e o desenvolvimento
territorial podem reforçar-se mutuamente uma da outra” (Cifelli e Peixoto, 2013: 354). O
enfoque para solucionar os problemas urbanos das cidades históricas deve estar virado
neste sentido. “A cidade se constrói e, ao mesmo tempo, se destrói dia-a-dia; é
precisamente na maneira de articular esta dupla operação de construção-destruição que
reside a possibilidade de as cidades se desenvolverem harmoniosamente, visto que o ideal
é que a construção se faça com o mínimo de destruição possível e, sobretudo, que essa
destruição não seja senão uma readaptação inteligente às novas exigências e uma
conciliação das velhas e as novas estruturas” (Chueca, 1982: 205)
É nesta perspetiva que deve ser entendida a cidade, observando os processos que lesam o
ambiente, intervencionando de modo a tornar os seus impactes compagináveis com o
propósito da qualidade de vida e da sua sustentabilidade (Santos, 2012). A cidade
histórica precisa, pois, encontrar soluções inovadoras e adequadas que levem: em termos
físicos, à eficiência e reutilização das infraestruturas e dos equipamentos em vez de
construção nova; em termos técnicos, à maximização das oportunidades que as novas
tecnologias oferecem; e em termos sociais e organizacionais, à capacitação das
comunidades e ao desenvolvimento de novas dinâmicas associativas e de novas formas
de parceria público-privada (Vaz, 2012).
125
desenvolvimento económico e para a criação de vantagens competitivas dinâmicas
(Gama, 2012). As cidades são terrenos férteis para a aplicação das políticas e mecanismos
para a criatividade e as “indústrias criativas” contribuem para a sua regeneração
económica e social, e para a reconstrução das identidades. A atração de talento tem um
impacte positivo no rejuvenescimento da cidade, na requalificação urbana, na valorização
do património, entre outros, e contribui ainda para uma maior competitividade e atração
das cidades (Vaz, 2012).
Estas capacidades precisam ser exploradas para que o turismo esteja direcionado no
desenvolvimento das populações, equacionando, como sugere Fernandes (2013),
questões essenciais que promovam as mais-valias no território, garantam uma perenidade
da atividade, contribuam para a gestão das externalidades (paisagísticas, ambientais,
sociais, políticas, económicas e sociais) e seja um verdadeiro vetor de coesão social.
Concluído o segundo capítulo, sobressai a ideia de que a cidade histórica é, por si só, um
potencial recurso para o desenvolvimento do turismo cultural, porque representa acima
de tudo o cenário de convergência das manifestações culturais tangíveis e intangíveis.
Como assinalaram La Calle e García (1998), a cidade histórica é uma ilustração de um
ecossistema cultural. Criados de forma espontânea e disforme a partir de um núcleo
indutor, são produtos da cultura dos povos e por esta via detentores por inerência de
patrimónios que servem modalidades turísticas específicas.
Por vezes limitada na morfologia urbana e nas suas funções, tendo em conta a inadaptação
aos modelos dos “novos mundos”, a cidade histórica é também autenticidade,
sociabilidade e um conjunto de símbolos e significados que explicam a história e a vida.
O valor da sua expressão equivale aos ímpetos de renovação ou reabilitação urbana que
a dinâmica das atividades atuais exige, cujos propósitos, também eles legítimos, visam
adaptar o seu tecido urbano, munir de novas funcionalidades e criar um sistema de
continuidades entre os diferentes lugares da cidade que permitam revitalizar o seu tecido
social e económico. Este é, pois, o grande dilema das “cidades património” e a sua
necessária atualização, por via de processos de reabilitação ou regeneração. Por um lado
está a necessidade de preservar a origem e a história que explicam o que existe, mas por
outro há toda a urgência de transformar a sua malha urbana para evitar a ruína e a contínua
desvitalização de suas atividades e das suas gentes.
126
Em Angola praticamente já não existem amostras dessas cidades. À limitação observada
no processo urbano que foi imposto pelo regime colonial, construindo apenas duas
cidades no país em quatro séculos, acresce a destruição intensiva do edificado que
emergiu até ao terceiro quartel do século XX, no pós-independência. Mbanza Kongo e
Dondo, e porventura Moçâmedes e Catumbela são as cidades do país que guardam ainda
alguma relação com o passado (não muito distante) e possibilitam viagens no tempo, que
continuam a cultivar o diferente e buscar alguma confiança para enfrentar um futuro
bastante instável. Foi em nome desse futuro que a baixa de Luanda (zona histórica) vai
sendo descaraterizada, transformando-se cada vez mais num “não lugar”.
127
III. Capítulo: O turismo cultural e as modalidades alternativas à massificação
“All tourism is ‘cultural’ in this sense. As tourists, and as people, in a globalising world we are
increasingly in contact with ‘other’ cultures, able to experience the uniqueness of each and the
commonalities of all” (Robinson e Smith, 2006: 10).
129
culturais como a língua, música, dança, arte, manufatura, filmes, livros e gastronomia.
Visitar a “terra mãe, permite fazer a conexão espiritual, emocional e psicológica como
peregrinos, isto é, experimentar um processo de (re)descoberta e busca pela origem depois
de séculos e gerações passadas37. “African Americans and British, particularly those who
have descended from the slave trade, are especially ardent travelers to Africa. For these
tourists, the journey is particularly profound but complicated, often wreaking havoc on
their emotions and identities as black Americans or British” (Timothy e Nyaupane, 2009:
9).
Richards e Wilson (2006) defendem que a ideia de uma economia da cultura é suportada
a partir de três situações de base: a natureza da mudança do pós-industrial, capitalismo
consumidor, e políticas de desenvolvimento económico e crescimento do regionalismo
como um fenómeno global. Assim, a cultura tornou-se um recurso crucial na economia
pós-industrial, como reflexo do uso do património cultural nas estratégias de
desenvolvimento dos países (Richards e Wilson, 2006; OCDE, 2009). De acordo com
Richards (2010: 9), “Culture and tourism were two of the major growth industries of the
20th century, and towards the end of the century the combination of these two sectors into
‘cultural tourism’ had become one of the most desirable development options for
countries and regions around the world”.
37
Segundo o autor, citando Appiah e Gates (1999), o contato entre África e a Europa, baseado no comércio
transatlântico de escravos, principalmente entre a África Ocidental, as Américas e a Europa, permitiu a
venda entre 11 a 12 milhões de homens, mulheres e crianças africanas, desde a década de 1520 a 1860, para
além dos cerca de 6 milhões de escravos comercializados através do Sahara e do Mar Vermelho. Nesse
período de aproximadamente 350 anos, estima-se que entre 9 a 10 milhões de africanos terão sobrevivido
e gerado os descendentes dispersos pelo mundo, que representam a diáspora que pretende cada vez mais
conhecer o património africano (Teye, 2009).
130
Os países, sobretudo os menos desenvolvidos, encaram muitas vezes o turismo como a
atividade indutora para o desenvolvimento económico (Coriolano, 2009; Muñoz, 2012)
independentemente das suas particularidades culturais, o que resulta em muitos casos,
nos constrangimentos relatados no parágrafo anterior. De facto, o turismo deve estar
suportado em atividades sólidas que permitam gerar o ansiado desenvolvimento, por via
da criação de emprego, geração de receitas ou fomento do investimento público e privado.
Para isso, a atividade turística enquanto instrumento para o desenvolvimento, deve reger-
se por políticas públicas coerentes e ajustadas ao contexto (Muñoz et al., 2012).
A atividade turística, que é cada vez mais consumidora da cultura, é considerada a maior
indústria à escala mundial, com uma dinâmica de crescimento, novas atividades, novos
destinos, novas tecnologias, novos mercados e rápidas mudanças. “O turismo é uma
indústria que se traduz nos processos, atividades e resultados decorrente do
relacionamento e interação entre turistas, fornecedores, governos locais, comunidades
anfitriãs e ambientes circundantes que são envolvidas na atratividade e hospitalidade dos
visitantes” (Goeldner e Ritchie, 2006:5). Para efeitos de estatística e uniformização da
atividade entre os países, a OMT (1991) considera que o turismo compreende as
atividades desenvolvidas por pessoas ao longo de viagens e estadas em locais situados
fora do seu enquadramento habitual por um período consecutivo que não ultrapasse um
ano, para fins recreativos, de negócios e outros.
131
diversidade dos produtos existentes. Pattison, porém, justifica que a falha na
conceptualização do turismo deve-se fundamentalmente à complexidade do espaço
turístico e experiências:“Tourism studies have, however, been critiqued for failing to
conceptualize in any great depth the complexity of tourism spaces and experiences. A lack
of meaningful engagement with the agency of the subaltern 'host' and their position in the
postcolonial global moment has resulted in a simplistic binary of the host-guest relation
that overlooks the paradoxes, parallels and micro-controversies inherent in tourism
encounters” (Pattison, 2012: 216).
Essa atividade, que se tornou na mais relevante à escala global, movimentando acima de
“mil milhões de pessoas e mais de um bilhão de dólares americanos”38, está cada vez mais
alinhada com atividades que satisfaçam as necessidades emotivas dos consumidores de
experiências e de busca de referências, num contexto de hibridação cultural. Ou, como
referia Zaoual (2009: 69), “o turismo cultural deriva da emergência de um turismo de
profundidade baseado em novas relações com a cultura dos sítios e com o meio ambiente
natural”.
Na base deste enunciado, perspetiva-se para este capítulo uma compreensão da prática
turística cultural: sua história, oferta, modalidades e comportamentos, sem deixar de olhar
para a perspetiva angolana sobre o assunto. De igual modo, são analisadas as modalidades
turísticas de matriz cultural que podem ser aplicadas e desenvolvidas em territórios de
baixa densidade populacional.
38
Dados recentes da UNWTO apontam para um total de 1.186 milhões de chegadas internacionais e uma
receita global de 1.260 bilhões de dólares americanos (UNWTO, 2016).
132
os países se apresentam a si mesmo aos visitantes, como o entretenimento, a comida, a
bebida, a hospitalidade, a arquitetura, o artesanato e todas as demais caraterísticas de seu
estilo de vida” (McIntosh et. al. 2002: 213). Por isso, o turismo e o lazer são componentes
da cultura. “Leisure and tourism, are matters of human engagement, mediated and
memory-related contexts; of practices, doing, thinking and feeling; of values, attitudes
and meaning” (Crough, 2013: 22).
133
através de estudos quantitativos, devido à diversidade de definições e a heterogeneidade
de conceitos. Esta posição é corroborada pela UNWTO, ao defender que a dificuldade na
definição do turismo cultural é acrescida devido à complexidade da noção de “cultura”.
Como assinalam a OMT e CET (2005: 3), “Selon les définitions qui en sont données,
cette notion englobe non seulement la culture traditionnelle, comme la visite de musées,
les arts de la scène, les galeries ou le patrimoine culturel, mais aussi le mode de vie de
la population locale, y compris des aspects tels que la langue, les croyances, la cuisine,
l'habillement ou les coutumes, et les produits qui en résultent (comme l'architecture,
l'artisanat et l'atmosphère générale)”.
Museus
Educação (número de museus e Cinematografia
(estudantes estrangeiros, coleções, número de (festivais de cinema)
gastos em educação) visitantes)
134
Para a OMT (2005), o conceito do turismo cultural deve fazer referência não apenas aos
turistas mas também às comunidades anfitriãs. O turismo cultural é definido como um
processo e como um produto. É um processo na medida em que os turistas interagem com
a comunidade recetora com níveis de intensidades diferentes, conforme os serviços
prestados ou os espaços visitados. Tanto os turistas como os anfitriões experimentam um
processo de interação com benefícios mútuos. A comunidade adquire emprego, renda e
autoestima; os turistas enriquecem conhecimentos, compreendem culturas diferentes e
vivem experiências únicas envolvendo-se em atividades na comunidade.
O turismo cultural como produto faz referência à combinação do turismo com elementos
culturais, nomeadamente os bens e os serviços com ingredientes culturais. Portanto, os
produtos referidos são a hospedagem, a comida e a cozinha local, o artesanato e souvenirs,
os serviços de SPA tradicional, o agroturismo, entre outros exemplos (OMT, 2005).
39
Association for Tourism and Leisure Education. Uma associação europeia que promove, essencialmente,
a investigação e o desenvolvimento do turismo cultural.
135
património, manifestações culturais, artes e drama” (Richards: 2005: 24). Richards
defende que a principal diferença entre as duas definições propostas é que a última
considera a motivação dos turistas como o aspeto central.
Ao oferecer um saber através de uma experiência, o turismo cultural tem uma dimensão
criativa, uma vez que as formas mais contemporâneas procuram a interatividade com o
público (Mallor et al., 2013). A fruição lúdica e cultural de antigas áreas industriais e de
equipamentos obsoletos (prisões, quartéis, hospitais, centrais termoelétricas, estações de
caminhos de ferro) resultante da turistificação das cidades (Henriques, 2003); as visitas a
lugares sagrados, cerimónias de iniciação, eventos tradicionais, aprendizagem sobre
crenças de outras culturas, etc. (Anderson, 2015); ou a socialização pelo desporto ou o
intercâmbio educativo (Mallor et al. 2013), representam dimensões para experiência
cultural enquanto se realiza uma viagem.
Diversas são as formas que assume o turismo cultural: turismo histórico-cultural, urbano,
patrimonial, arqueológico, artístico-literário, académico ou científico, musical, festivo,
religioso, idiomático, gastronómico, artesanato popular, genealógico, de rotas, industrial,
entre outros (Ayala, 2010). Todavia, conforme enfatiza o autor, é necessário a existência
das seguintes condições: i) uma procura especificamente cultural; ii) uma oferta que
satisfaça as necessidades manifestadas por essa demanda e, iii) uma intermediação
(agências diversas, pessoas, documentos, suportes eletrónicos e outros) que crie valor,
proporcione, comercialize e vende ao cliente, facilitando a aquisição do produto turístico.
136
3.2. O turismo cultural e o turista
De acordo com Moreira (2012: 78), “a reestruturação económica e produtiva, que marcou
a passagem de uma sociedade industrial valorizadora do trabalho físico para uma
sociedade centrada nos serviços valorizadores do trabalho intelectual, levou a que
emergissem novas tendências de consumo e a sua individualização”. As forças
combinadas do crescimento do individualismo, fortalecidas pelas experiências de férias
e viagens e pela saturação cultural, induziram à procura de experiências de viagem que
fossem simultaneamente personalizadas e percebidas como autênticas (Gonçalves, 2008).
No que respeita à fruição do património cultural por exemplo, Fresneda e Lobo (2014:
188) sustentam que, “tradicionalmente, o papel fundamental que o turista representa nesse
processo foi durante algum tempo ignorado”. “Hoje é, cada vez mais, a procura que
condiciona a oferta turística, que não se circunscreve apenas na hotelaria, restauração ou
animação mas naquilo que o novo turista tende a valorizar como descoberta e usufruto no
destino” (Sardo e Estevão, 2012: 456). Segundo Zaoual (2009: 62), “os visitantes não
parecem mais procurar, exclusivamente, a mudança de hábitos, mas também as diferenças
culturais locais ignoradas, ou ainda redescobrir o que lhes parece ser as suas próprias
raízes (…). [Essas necessidades são sentidas pelas coletividades locais] que reorientam
os seus esforços em direção à proteção da variedade dos patrimónios locais”.
O turista está cada vez mais motivado para consumir diferenças culturais que se
encontram no património tangível e intangível de um país ou região. Este facto tem
impulsionado as entidades locais a aproveitar melhor os recursos culturais existentes para
a atração de visitantes (Marujo, 2015). Os visitantes estão mais informados e exigentes,
e valorizam a sua experiência turística realizando uma análise custo-benefício (Fresneda
137
e Lobo, 2014). “A procura está cada vez mais segmentada, informada, sofisticada,
exigente, independente, experiente e culta, valorizando o conhecimento e a descoberta e
aceitando o perigo controlado, o risco calculado, revelando uma preocupação em ter
contacto próximo com a natureza e pela proteção da mesma” (Moreira, 2012: 80).
Para a OMT (2005:101), “Different type of tourists will need a different kind of product
and will create a different way of cultural interaction with the host community. The
purposeful cultural tourists will need a well-planned product ready to serve the purpose
of the tourists; the serendipitous tourists need an original traditional daily life, both in
selected communities. The sightseeing cultural tourists need famous or popular product”.
138
Combinação do aumento de experiência de viagem com o aumento da idade, o
que implica que o público que hoje viaja tem uma maior consciência dos padrões
de qualidade e desejam em simultâneo ter opções de escolha e/ou combinações
entre “novo” e “velho”, tradicional e moderno, ativo e passivo, produtos e
serviços autênticos, mas também derivados.
Gonçalves (2008) acrescenta, com frequência também acontece que o mesmo visitante
combina experiências mais intensas de viagem com experiências mais repousadas, regra
geral associadas com atividades relacionadas com a saúde (wellness). Em muitos destinos
as relações formais e informais entre os governantes locais e a indústria possuem um
efeito considerável sobre a capacidade de atração e de inovação do destino. Nessa
conformidade, a autora entende que a cultura, o património e o turismo assumiram-se
neste repensar das estruturas sociais e económicas como instrumentos preponderantes da
regeneração e revitalização de centros urbanos mas também do meio rural, e emergem de
forma crescente como fatores de desenvolvimento económico e social.
Por isso, “os programas e as atividades desenvolvidas para os turistas tendem a enfatizar
a aprendizagem da cultura local, gastronomia e outras manifestações como parte integral
da oferta no destino” (Belaj, 2015: 301). O dinamismo do turista, que o converte num ser
cambiante e de tendências diversas segundo diferentes parâmetros de ordem histórico-
social, busca novas alternativas para o desfrute baseado em contacto com a natureza,
aproximação à população local, à história e às tradições de pequenos povos que ainda
conservam a essência suave das pequenas aldeias simples (González, 2012). Assim,
importa olhar para essas necessidades com mais acuidade, observar as pequenas
localidades de atmosfera familiar, de caráter rural ou comunitário, com traços identitários
sólidos que transmitem valores de pertença, redescoberta e maior sentido existencial.
Mas há que atender ao facto que muitos consumidores do património cultural e dos
pacotes culturais em geral não têm as visitas a atrativos culturais como primeira opção,
os chamados clientes indiretos do turismo cultural (fomentadores do turismo de massa
nos destinos culturais), que utilizam o sistema turístico simplesmente para relaxar,
139
desfrutar do clima, descansar ou simplesmente mudar o ritmo de vida imposto pelo
quotidiano (Santana, 2008). Para o autor, esses visitantes, excursionistas na maioria dos
casos, costumam ser os mais numerosos; usufruem do património, muitas vezes de forma
acidental ou por prestígio social, ao visitarem bens de valor sociocultural reconhecidos;
têm na visita uma oferta complementar da viagem, uma oportunidade de contemplação
de monumentos, compra de souvenirs culturais; para além de cumprirem com o ritual da
pose fotográfica como demonstração final das suas visitas.
Por sua vez, os turistas mais desejados, por apresentarem um interesse especial pela
fruição dos bens culturais no destino, “caracterizam-se por pertencer a uma classe média
ou alta; com um capital escolar e cultural elevado; gostam de valorizar na sua viagem os
aspetos educativos em detrimento dos lúdicos; viajam com grande frequência;
permanecem mais tempo; disponibilizam-se a participar em mais atividades, sendo dos
turistas que mais dinheiro despendem nos destinos” (Aguiar et al. 2011, 175).
McKercher e du Cros (2002) consideram que existem cinco tipos diferentes de turistas
culturais, nomeadamente:
Turistas culturais com alta motivação mas com uma experiência superficial;
Turistas casuais com outras experiências turísticas mas com fraca motivação
cultural;
Para a OMT (2005), os turistas relacionados com a prática do turismo cultural podem ser
caraterizados nos seguintes grupos:
140
Turistas interessados apenas nos acessórios da cultura dos países visitados, como
parte dos seus propósitos de diversão e recreação.
Como refere Lourenço (2013: 225) “no turismo cultural, o cliente procura tanto um status
de herdeiro de uma tradição, como o de criador de um futuro, onde o indivíduo e a
criatividade são os motores de uma sociedade de lazer que permitem abordagens atuais,
nas quais se procura tornar o turista feliz e inteligente”. O público-alvo do turismo cultural
foi-se generalizando, comporta hoje grupos e idades, poder aquisitivo e motivações
diversas. Desde indivíduos de maior idade com renda e tempo disponível para viajar em
qualquer época do ano a jovens que procuram a aventura e o inédito; homens e mulheres
de negócios com recursos elevados que procuram um produto turístico de qualidade; uma
clientela familiar que participa da vida cultural da envolvente; ou clientes eruditos que
normalmente viajam só e procuram um elevado nível de qualidade (Spielberg, 1995 apud.
Prats e Cànoves; 2012).
141
integração de novos equipamentos arquitetónicos em articulação com os monumentos e
edifícios históricos, reaproximação do cidadão residente com a sua urbe, promoção por
via de manifestações culturais e desportivas, entre outras estratégias.
Embora possam ser criadas outras atrações turísticas que permitem determinadas
localidades habilitarem-se à atividade turística, a vocação turística de uma localidade
resulta, fundamentalmente, da existência de recursos atrativos de ordem natural e cultural.
Cunha (2013) defende que um destino turístico é um centro de atração turística suscetível
de garantir uma atividade económica consistente, sendo por isso necessário
infraestruturas e todo um conjunto de equipamentos, serviços e organização que atraiam
142
e proporcionam aos visitantes condições de permanência e de satisfação das suas
necessidades. Por isso, a necessidade de encarar o turismo como um sistema, ou seja, um
conjunto de elementos que estabelecem conexões interdependentes entre si de carácter
funcional e espacial, tal como o esquema referencial que Beni (2007) propõe (figura 20).
Ecológico Social
Económico Cultural
Superestrutura
Mercado
Oferta Procura
Produção Consumo
Infraestrutura
Distribuição
143
O fornecimento de uma oferta cultural alinhada com o desenvolvimento da
região;
A disponibilidade abundante de informação sobre a cultura e o turismo através
das novas tecnologias.
A emergência de novos países e regiões com foco na constituição de uma
identidade;
O desejo de projeção da imagem das regiões e dos países ao exterior.
O financiamento das atividades culturais ligados ao aumento da oferta cultural.
144
Nos países em via de desenvolvimento, sobretudo nos países africanos, são bastante
visíveis as controvérsias que acontecem nos lugares de destino. Segundo Pattison (2012),
na reflexão que faz sobre algumas localidades turísticas da Gâmbia, essas controvérsias
se subscrevem na exclusão social, afastamento dos nativos das zonas de produção
turística, assim como políticas e práticas do governo de marginalização e alienação de
setores da população a favor da noção ocidental de progresso e desenvolvimento,
resultando numa negociação de identidades e criação de oportunidades de sustento do
anfitrião na interação com o turista. Numa perspetiva semelhante, Fortanier e Van Wijk
(2010), analisando a sustentabilidade da atividade turística na Etiópia, Moçambique e
Tanzânia concluíram que, por serem países com regimes comunistas até início da década
de 1990, não sendo permitida até então os negócios e o investimento privado, existe nestes
países a ausência de um sistema educacional orientada ao mercado no setor do turismo.
Existe uma visão errada de que o turismo é uma atividade lucrativa orientada
exclusivamente para as empresas e para o setor privado;
Na abordagem que os destinos fazem ao turismo atual está sempre vincada a preocupação
com os erros do passado do turismo massificado, que limita a participação dos atores
locais a favor de cadeias hoteleiras e grandes operadoras internacionais, muitas vezes em
associação com as elites governamentais locais. Os destinos procuram desenhar um
turismo que evite a marginalização económica e social dos atores locais, a destruição
cultural de sua identidade e o esgotamento da qualidade ecológica dos sítios envolvidos
(Zaoual, 2009); ao invés, na simbiose turismo e cultura, procura-se relevar a população
como ator principal na conservação e sustentabilidade dos recursos culturais e atrativos
turísticos(Baños e Matute, 2012).
146
podem ser por via de conselhos municipais do turismo, património cultural, meio
ambiente e outros relacionados com os recursos locais. “As a service industry tourism is
highly dependent on the good will and cooperation of host communities (…). Support and
pride in tourism development are especially the case in cultural tourism where the
community is part of the product” (Cole, 2006:94).
Prats (2011) considera que existem três situações pelas quais os recursos patrimoniais
são, em princípio, viáveis turisticamente numa determinada localidade:
147
Concorrência: os recursos patrimoniais não competem unicamente entre si, mas
também com outros tipos de atrações dentro de uma oferta de lazer num mesmo
destino.
Como refere Prats (2003: 136), “o património mais importante a nível local é o capital
humano (...), portanto, é preferível optar pela conservação estrita e uma museografia
imaginativa e renovável, simples, de baixo custo económico, ao invés da criação ou
modificação de infraestruturas que requerem custos mais elevados e manutenção ativa”.
O turismo cultural, ao acarretar desafios, contradições e dificuldades, é o fator que mais
influencia para o seu aperfeiçoamento e alcance de resultados satisfatórios é a estreita
colaboração entre os setores da cultura e do turismo e no adequado equilíbrio entre a
conservação e proteção dos recursos culturais e seu uso turístico (Ayala, 2010). A esse
propósito, é preciso considerar as caraterísticas específicas da atividade turística, “os
aspetos relacionados com o planeamento dos sistemas de acolhimento e o cálculo da
capacidade de carga dos destinos e dos recursos patrimoniais, para além das estratégias
de promoção e comercialização” (Sardo e Estevão, 2012: 445).
Na opinião de Figueira e Dias (2011), as condições que tornam possível uma contribuição
da atividade turística no desenvolvimento local se traduzem na observância dos fatores
que possibilitem o atendimento das necessidades dos residentes num contexto de um
sistema produtivo local: a formação de uma estrutura produtiva setorial concentrada com
um número significativo de micro, pequenas e médias empresas locais; a elevada
capacidade de inovação do território; o elevado nível de cooperação e organização; a
existência de instituições representativas, capital social e um sistema de governação local.
Por sua vez, numa abordagem específica sobre o turismo cultural, Ayala (2010: 6)
considera benéfica esta modalidade nos destinos em função do seguinte:
“El previsible crecimiento de la demanda y los beneficios que se le pueden atribuir a esta
modalidad son imanes para los destinos receptores: puesta en valor de recursos
existentes que no siempre requieren grandes gastos, mayor rentabilidad que el turismo
convencional, diversificación de la oferta turística, influencia positiva en la
estacionalidad, favorecimiento a una mejor distribución territorial del turismo, uso
menos intensivo de los recursos naturales, mayor posibilidad de repitencia de los que ya
conocen el destino, un elemento trascendente de diferenciación de la imagen,
oportunidades para incorporar atractivos culturales de nuevas localidades, beneficio de
148
su aporte a la conservación y desarrollo de la cultura y de reforzamiento de la identidad
cultural. Un factor adicional se refiere a las mayores oportunidades que tiene el turismo
cultural en comparación con otras modalidades para ofrecer una experiencia única,
distinta, vivencial y participativa, tal y como se considera que es el deseo del turista
actual, además de relacionarse con los elevados conceptos de promoción de actividades
cognoscitivas y de autosuperación”.
Para Fernandes (2005) estas representações ganham relevo porque se associam, quase
sempre, a meios de difusão mais poderosos e com maior capacidade para atingir públicos
alargados. Na verdade, “são os signos e as representações de um lugar que são cada vez
mais consumidas” (Marujo e Cravidão, 2012: 283). Com essa linha de pensamento, Brea
e Cardoso (2011) alertam para a importância da compreensão do branding de um destino
149
turístico e sobretudo da sua imagem, porque é de acordo com essa imagem que os turistas
fazem as suas escolhas. A nosso ver, a reflexão destes autores é sustentada pelo facto do
destino turístico, enquanto uma configuração que compreende atividades económicas,
culturais e sociais, deve ser entendido como um todo, como um produto integral e não
como fragmentos da oferta.
A análise derradeira sobre essa temática dos lugares de destinos ou as cidades históricas,
é reforçada pelos subsídios de Zaoual (2009), ao considerar que os destinos devem
entender que é na diversidade que a nova procura turística esgota suas motivações
profundas, num mundo atormentado pela perda de referências, necessidade de pertença e
de intercâmbio intercultural; um mundo que exprime também o desejo de uma procura de
sentidos da parte dos atores, que tendem a participar de uma renovação económica e social
dos destinos sem renegar as suas tradições, raízes e novas crenças. Os destinos turísticos
de base cultural almejam afirmar-se como lugares com qualidade, relações e sentido, em
oposição ao velho paradigma capitalista de acumulação de capital a qualquer preço,
consumo dos bens materiais e destruição da natureza sem limite.
Neste sentido, o entendimento é que o “caderno de encargo” dos destinos deve estar
alinhado com as deliberações do Fórum Ulisses41 do Algarve e compreender a sua
realidade social, económica e institucional junto com a aplicação de instrumentos
estandardizados para implantação de políticas turísticas. De igual modo, socorrendo-se
da redação de Muñoz et al. (2012) sobre o Fórum, os destinos devem procurar gerar uma
40
O autor apresenta, entre outros exemplos, a versão a saga Harry Porter que aumentou em 120% o número
de visitantes a locais como o Castelo de Alnwick, em Northumberand.
41
O Fórum Ulisses foi realizado sobre a égide da UNWTO em 2011 no Algarve, com a temática Tourism
and science: bridging theory and practices.
150
rede de conhecimentos que permite aos agentes públicos e privados partilhem métodos e
experiências bem-sucedidas, para além da constituição de um sistema estatístico
competente e a necessidade de contemplar nos planos de políticas do turismo programas
de áreas importantes como a gestão do conhecimento, a inovação, a qualidade, a
sustentabilidade e governança, a comunicação e a promoção.
Por sua vez, Baptista (2003) considera esse conjunto de elementos como a oferta turística
básica, primária ou original que, em termos gerais, constituem a razão fundamental para
a identificação da vocação turística de uma localidade. Assim, a oferta turística primária
é constituída por:
151
Infraestruturas e transportes: o conjunto das infraestruturas básicas, como as
redes técnicas, telecomunicações, rede de estradas e caminhos-de-ferro, portos e
aeroportos, etc.; e outros serviços estruturais.
Assim, entende-se por oferta turística não apenas ao conjunto dos elementos mencionados
mas a totalidade dos bens e serviços disponíveis num determinado destino, quer sejam
caraterísticos42 ou não da atividade turística. O conceito apresentado pelos diferentes
autores converge nesse sentido. A oferta turística “é a quantidade de bens e serviços que
os produtores desejam vender por um preço num dado período de tempo” (Lage e Milone,
2000: 27); “é o conjunto de estabelecimentos, bens e serviços locais, alimentícios,
artísticos, culturais, sociais e outros, capazes de captar e assentar uma população com
origem externa numa determinada região por um certo tempo” (Fernandes e Coelho,
2002: 122); “o conjunto da oferta primária, oferta derivada, as infraestruturas e serviços
de natureza económica e social, destinados a servir visitantes e residentes” (Baptista,
2003: 39); “o conjunto de equipamentos bens e serviços de alojamento, de alimentação,
de recreação e lazer (...), a par dos atrativos naturais da região” (Beni, 2007: 177); “o
conjunto dos recursos naturais e artificiais, equipamentos, bens e serviços que provoquem
a deslocação de visitantes, satisfaçam as suas necessidades resultantes da deslocação e de
permanência e sejam exigidos por estas necessidades” (Cunha, 2013: 177).
42
Considera-se bens e serviços caraterísticos ou eminentemente turísticos aqueles que estão relacionados
com a especificidade da atividade que se resume na prestação e comercialização do transporte, alojamento,
alimentos e bebidas, animação e outros bens e serviços conexos e derivados.
152
atrattions (Köhler, 2014), para se transformem em símbolos da cidade (Museu
Guggenheim em Bilbau, Casa da Ópera em Sidney, à semelhança da Torre Eiffel em
Paris). De igual modo, perspetiva-se a realização de eventos internos ou megaeventos
desportivos ou culturais como o mundial de futebol ou os jogos olímpicos. Por outro lado
se reforça a ênfase no património cultural através da revitalização das cidades e regiões;
a ligação à envolvente natural e a sustentabilidade; ou a via do desenvolvimento de uma
temalização cultural específica (Richards e Wilson: 2006).
Em relação à temalização por exemplo, Filipe (2013) apresenta um estudo sobre o festival
internacional de danças populares de “Andanças”, em Portugal, com várias opções de
diversão e convívio, oficinas de danças para aprendizagem, bailes de noite, fogueira de
histórias, aulas de meditação, entre outros. “Produções criativas sustentáveis
caraterizadas pela diversidade de atores que permitem contextualizar as danças e a música
numa lógica de descentralização cultural e aproximação ao meio sociocultural da sua
origem popular, em contato com a natureza, possibilitando um reencontro com o campo,
valorizando o património natural, humano, histórico e arqueológico da região” (Filipe,
2013: 184).
Numa época de uniformização dos produtos, “as atrações culturais devem ser
apresentadas de uma maneira inteligente e criativa” (Goeldner e Ritchie: 2006: 265). Para
estes autores, os fatores culturais no turismo têm a função dominante, sobretudo, em
atividades que visam favorecer a transmissão ou a participação de conhecimentos e ideias,
como: bibliotecas, museus e exibições; espetáculos musicais, dramáticos ou
cinematográficos; programas de rádio e televisão; estudos ou cursos de curta duração e
investigações mais prolongadas; expedições científicas e arqueológicas; conferências,
congressos ou seminários.
Na opinião de Ashworth (1995), citado por Henriques (2003), a relação entre o turismo e
cultura pode materializar-se de três grandes formas:
Compreende-se nessa acepção que a imensidão das práticas turísticas comportadas pelo
destino pode ser segmentada em função da sua natureza e do interesse que suscita a
diferentes públicos. Se pode observar que nas três formas a cultura especializa os destinos
pela maneira como se apresenta ao turismo. É dessa forma que temos cidades muito
propensas para o público erudito, apreciador e frequentador das artes, museus ou teatros,
como uma boa parte das tradicionais cidades e capitais europeias; mas por outro lado,
existem cidades que valem-se, sobretudo, pela monumentalidade que apresentam aos
visitantes em si. O lugar no seu todo como atração turística, se por um lado apresenta
melhores opções para os destinos sem edifícios históricos imponentes e mais virado para
a cultura popular, por outro, nas últimas décadas, essa visão de conjunto tem sido a forma
mais assertiva de salvaguardar o património cultural onde, naturalmente, se inclui a arte
e o património construído.
154
De acordo com Carvalho (2011:28), “A vinculação da dimensão patrimonial às políticas
de desenvolvimento local e de valorização dos territórios está relacionada com a ideia de
que estes são recursos importantes para a criação de imagens renovadas dos territórios,
de estímulo ao investimento e à elevação da autoestima das populações, e elementos
essenciais do bem-estar individual e social e da qualidade de vida das populações”.
Pelo impacte negativo que muitas vezes o turismo provoca aos destinos, com tendências
de banalização e adulteração da cultura e o enfoque exclusivo no lucro comercial, mostrar
a verdadeira identidade que o destino possui e suas localidades é uma forma de consolidar
e preservar a própria cultura e fortalecer a autoestima e o sentimento de orgulho –
especialmente em momentos em que a cultura neoliberal tende a sufocar as culturas
nacionais e locais – essa amostra é um valor em si mesmo, uma oportunidade e um direito
que os povos possuem e que se maneja sobre princípios de sustentabilidade, resultando
em ganhos económicos e apoio ao desenvolvimento local (Ayala, 2010).
Com a indústria cultural cada vez mais próspera, existe a necessidade cada vez mais de
conceber produtos para alimentar um mercado ávido. “O presente deixa de ser um insumo
suficiente e se busca no passado outras inspirações e possibilidades para novos produtos
comerciais” (Gastal, 2006: 280). Desenvolver um projeto de turismo cultural numa
cidade, supõe a realização de vários objetivos, como sejam: transformar os recursos
patrimoniais em produtos e potenciar os atuais integrando as empresas; conectar o
produto com o mercado para estabelecer as bases de uma maior competitividade;
identificar bens patrimoniais turísticos para priorizar atuações singulares e facilitar o
investimento privado e a sua coordenação com o investimento público; adequar o
desenvolvimento turístico à capacidade de acolhimento e à sustentabilidade do
património (Franch, 2006).
Fresneda e Lobo (2014) alertam para a confusão que se observa ao se considerar os bens
culturais como sinónimos de produtos culturais, pois que, o património em si mesmo não
é um equipamento cultural, nem um serviço, nem um agente, nem uma oferta; é antes um
recurso suscetível de ser transformado num produto para o consumo final. Para que o
turismo cultural se desenvolva não basta que exista património, cultura própria e
atividades, ou que se promova o destino (Ayala, 2010). Os atrativos precisam ser
estruturados e convertidos num produto cultural para possibilitar o uso e desfrute, defende
Ayala (2010). É necessário facultar uma acessibilidade real, temporal, espacial e
155
económica para que o público os possa consumir e por eles se constitui numa oferta
cultural. O autor prossegue afirmando que só após essa estruturação é viável a intervenção
do setor turístico, por via da conformação dos produtos turísticos, propostas de viagens e
visitas vinculadas a esses produtos, agregando para isso, os serviços de transporte,
receção, alojamento e outros.
Voltando ao estudo elaborado por Fresneda e Lobo (2014) sobre bens patrimoniais, os
autores consideram para a sua gestão os principais fatores chave de êxito:
4) Natureza pública dos órgãos gestores para poder reduzir os problemas derivados
de visão de curto prazo e conhecer melhor os diferentes mecanismos de
financiamento;
156
parasitária do património à custa do erário público. Por exemplo, manter um museu aberto
de modo permanente, geralmente, não é rentável (Prats, 2003: 130).
Ainda segundo Prats (2003: 135), “Turismo e património necessitam um do outro, para
isso é necessário que se produza uma simbiose frutífera no plano local. O turismo pode
representar para o património receita, vitalidade e relevância política, mas não à custa de
um mercantilismo abusivo e mal-entendido que produza uma trivialização dos discursos.
Por sua vez, o património pode ocupar lugares diversos em relação aos produtos
turísticos: enriquecer a oferta, criar imagem, reorientar o posicionamento, minimizar a
sazonalidade, mas para isto deve entender e aceitar a sua dimensão lúdica e trabalhar
ativamente”.
A oferta cultural disponível num produto para oferecer aos visitantes deve, portanto,
corresponder “às realizações históricas, sociais e culturais da localidade e da população:
uma aldeia típica, uma tradição agrícola peculiar, um conhecimento local (...), ou seja, o
respeito e a adequação entre a escala dos territórios e as capacidades (...), com a
preocupação da sustentabilidade e do diálogo intercultural” (Lourenço, 2013: 225).
Assim, para satisfazer a procura e acrescentar prestígio aos lugares de destino, “a oferta
requer, em primeiro lugar, autenticidade (conservação dos usos e costumes vivos e em
contato com a população real existente) e qualidade (cuidado e beleza das atividades
culturais) sem que se descuidem os serviços complementares” (Ayala, 2010: 7). Para além
disso, acrescenta o autor, é necessário uma acessibilidade adequada de caráter cultural,
adaptada ao perfil do cliente para que a compreenda corretamente; acessibilidade física
para chegar facilmente aos locais, com sinalizações, publicações explicativas, etc.;
acessibilidade temporal, com horários apropriados; e acessibilidade económica, com
preços competitivos em função do público-alvo.
Olhando para a transcendência de escala das cidades, regiões ou países, “as rotas e os
itinerários caraterizam-se por facilitar a vinculação cultural entre os diferentes povos e
contribuir para o tratamento integral dos diversos elementos patrimoniais” (Pardellas,
2013: 161), aproximando as diferentes latitudes, não apenas no ponto de vista cultural
mas, também na necessidade de revitalização e desenvolvimento económico e social.
Neste sentido, os países e as regiões, fundamentalmente na Europa e América do Sul, têm
procurado operacionalizar essa vinculação por via de redes municipais ou regionais,
potenciando a convergência de competências. Para Carvalho (2011: 13), “As redes visam
associar territórios com afinidades (naturais e/ou culturais), no sentido de atrair
investimentos e fixar ativos, de acordo com as preocupações de desenvolvimento local e
regional”. Os programas e os projetos a desabrochar dos planos de intervenção devem
perseguir objetivos que garantam a melhoria da qualidade de vida dos residentes, criar
novas atividades económicas, fomentar a oferta local de emprego e fixar a população
(Carvalho, 2012).
158
De forma mais detalhada, a OCDE (2009), considera os itinerários bastante importantes
para uma região, em virtude de:
Identificar e caraterizar uma região, por via das suas tradições, costumes,
atividades quotidianas e lugares;
Refletir a cultura tradicional e oferecer aos visitantes uma ocasião de fazer parte
da experiência;
43
Um itinerário tem vários percursos. Quando o itinerário possui um percurso único adquire esta
designação. Por exemplo os percursos realizados geralmente em pedestrianismo ou BTT (bicicleta de todo-
o-terreno) são considerados pequenos itinerários (Varela e Ferreira, 2011).
159
por atividades relacionadas com os conteúdos a descobrir, e composto por oferta de bens
e serviços. O autor acrescenta que o itinerário é sinónimo de roteiro44, que é o repositório
que aloja, processa e disponibiliza as informações necessárias para a conceção de rotas,
cujo processo de criação está centrado na lógica de constituição dos percursos turísticos,
de acordo às necessidades de planeamento das atividades, uso técnico e organização de
visitas ao território. “As rotas, dada a sua natureza de, simultaneamente, serem
ferramentas e produtos, transformam os recursos em atrativos” (Ferreira, 2013: 39).
Para Sarmento (2013:210-211), “As rotas são geometrias espaciais, e podem variar desde
pequenos trilhos pedestres ou bicicleta na cidade, para itinerários motorizados mais
longos em espaço rural ou em viagens intercontinentais (...). O que existe de comum entre
elas é o consumo cultural ao longo do percurso, associado com a permanente reprodução
do lugar e cultura, com uma inspiração desenhada por via da nostalgia, memória e
tradição. As rotas conectam diferentes atrações que reforçam as potencialidades de cada
lugar do que se tivessem de apresentar-se de forma independente e reforçam o fascínio
dos visitantes, impelindo-os a gastar mais tempo e dinheiro”.
44
Do ponto de vista turístico, as informações contidas no roteiro abordam o contexto territorial do destino,
incluindo: todos os pontos possíveis de interesse turístico-cultural; localizações, atividades e horários de
instituições públicas e privadas situadas ao longo da rota de interesse para o produto turístico, tais como
alojamento, unidades de saúde, instituições financeiras, de segurança, casas comerciais e outros prestadores
de bens e serviços (Ferreira, 2013).
45
Circuito é uma viagem combinada num determinado percurso que pode, em conjunto com outros
circuitos, originar um itinerário. É desenhada de modo a que o ponto de partida seja coincidente com o
ponto de chegada, com curta ou média duração, podendo ser percorrido a pé ou usando diversos tipos de
transporte (Ferreira, 2013).
160
De acordo com Carvalho (2011), as rotas decorrem de temáticas com capacidade para
construir narrativas sócio-espaciais, induzir organização e fomentar princípios de
articulação, cooperação e parceria entre diferentes entidades, e retratam realidades
materiais e imateriais do património.
161
acessibilidades estratégicas de ligação dos territórios, encontro entre urbano e rural, de
união dos povos, culturas, dimensões sociais de interesse natural, cultural, tradicional,
etnográfico e paisagístico que contribuem para a produção de interação geracionais que
se mantém no futuro (Tapia et al., 2012). “A generalidade da oferta de produtos turísticos
que têm por base o passeio pedestre levam os seus participantes a conhecer áreas de
paisagens de elevada qualidade, costumes e tradições das regiões visitadas, oferecendo
serviços especializados e com alguma exclusividade” (Tovar e Carvalho, 2013: 419).
Outra prática que tem contribuído para resgatar lugares e elementos da paisagem, segundo
Fernandes (2011), é o geocaching47, convidando os visitantes à paragem e a observação
mais atenta, nas cidades e fora delas, nos centros históricos e nas periferias urbanas, áreas
de montanha, margens dos rios e/ou espaços rurais. Esta prática apresenta um “potencial
de marketing territorial não negligenciável, dá-se visibilidade a topónimos e espaços
geográficos até então com escassa visibilidade, é uma prática com potencial pedagógico,
sobretudo em campos científicos de expressão territorial e áreas associadas ao turismo e
ao património” (Fernandes, 2011: 178).
46
É uma atividade que consiste em caminhar pelo puro prazer de caminhar, para explorar, por razões de
saúde e bem-estar físico e espiritual, pelo convívio, para conhecer os próprios limites, para contemplar
paisagens, para observar a natureza, como forma de escapar à vida de todos os dias utilizando caminhos e
trilhos existentes (Tovar e Carvalho, 2013).
47
“O geocaching é um locative game que consiste na busca de um objeto georreferenciado (cache)
dissimulado em diferentes contextos espaciais (...). Essa procura faz-se usando um sistema tecnológico de
localização (GPS), a partir dos dados (georreferenciação) publicados num site (…) e recolhidos pelos
utilizadores-jogadores, os denominados geocachers” (Fernandes, 2011: 172).
162
A sua relevância crescente deriva também do facto de que algumas caches se decalcam
de rotas turísticas já reconhecidas, enquanto outras apontam para trajetos alternativos e à
descoberta de pormenores, conduzindo o geocacher por outros caminhos, microterritórios
e lugares pouco habituais (Fernandes, 2011). O geocaching orienta visitantes a lugares
que já não fazem parte da territorialidade das populações, muitos com valor patrimonial
desconhecido. “É uma prática de socialização, é uma atividade de tempos livres e turismo
que sustenta-se numa rede de contatos que ocorre ao mesmo tempo em ambiente Web e
no terreno” (Fernandes, 2011: 172).
Com essa abordagem se depreende que o objetivo de revitalização das cidades e das
regiões e a associação sinergética de competências e recursos das localidades colide
muitas vezes com a realidade prática do itinerário. Conceber um itinerário cultural como
produto turístico não é uma tarefa fácil, afirmam Santos et al. (2012), uma vez que requer
uma série de medidas funcionais como, (re)ordenamento territorial, trabalho integrado
entre agentes e municípios envolvidos e a cooperação entre os entes públicos e privados,
sem deixar de considerar a necessidade de uma política de estado assertiva como eixo
fundamental para o planeamento e desenvolvimento de ações seguras. A dimensão do
território, o tipo de recursos, a sua possibilidade de fruição, o planeamento da visita, o
interesse para o visitante e a experiência daí resultante são aspetos centrais a ter presentes
na elaboração de itinerários (Varela e Ferreira, 2011).
Trabalhar os itinerários com cuidado e seriedade é fundamental. Se, por um lado, para a
sua conceção é necessário o conhecimento e a escolha dos territórios potenciais, a
averiguação do estado de atração, infraestrutura, acessibilidade, sinalética, segurança e
163
visitabilidade para a inventariação, planificação e organização (Varela e Ferreira, 2011);
por outro, “os itinerários convertem-se num possível ponto de reencontro com uma
história e uma geografia, nalguns casos debilitados nos seus conteúdos, assim como com
uma recuperação do tempo e o espaço próprios de cada cultura (…). Oferecem a
oportunidade de voltar a partilhar um espaço cultural comum e vincular o território com
o património intangível de grande valor para a vida tradicional das comunidades
implicadas no seu trajeto” (Pardellas, 2013: 162).
Com a relativa paz política e social no mundo ao longo da segunda metade do século XX,
o turismo cresceu exponencialmente, acompanhando o progresso científico e tecnológico.
O período que medeia o fim da Segunda Grande Guerra e a crise energética é,
provavelmente, a expressão mais significativa do lazer da época de ouro da civilização
industrial, onde se assiste ao incremento substancial da atividade turística, refreada
apenas com o bloqueio do petróleo pelos países da OPEP48 em 1973. Nessa altura, foi
possível maximizar a produção industrial e atingir taxas recordes de crescimento
económico à custa da exploração intensiva dos combustíveis fósseis, um recurso não
48
Organização dos Países Exportadores de Petróleo.
164
renovável que, segundo Kunstler (2006), deu forma ao modelo de sociedade do nosso
tempo.
O ambiente favorável proporcionado na época traduziu-se num êxodo de pessoas das suas
regiões de origem, isto é, dos países mais industrializados e desenvolvidos, para destinos
indiferenciados de várias regiões do mundo, sendo boa parte destes, países frágeis,
população pobre, com debilidades económicas e vulnerabilidades sociais. Dessa forma, o
turismo de massa como produto da civilização industrial, rapidamente foi mobilizando o
crescimento de outros setores económicos ao mesmo tempo que contribuía para que as
atividades económicas tradicionais e locais perdessem importância. O rápido crescimento
do turismo transformou-o numa atividade globalizada de lazer das populações, sem que
tivessem sido acauteladas em muitos países as externalidades negativas resultante da sua
ramificação.
49
Coriolano por exemplo, apresenta relatos, não tão distantes, da decadência e do desaparecimento de
muitas atividades económicas tradicionais nas comunidades do litoral do nordeste do Brasil, como a pesca,
agricultura e artesanato, substituídas por atividades hoteleiras e restauração. A concorrência promovida
pela pesca industrial, e pela perda das terras com a aquisição de terrenos e expulsão dos pescadores e suas
famílias da orla marítima foi realizada por atividades imobiliárias especulativas, ligadas ao lazer e ao
turismo para alocação de empreendimentos hoteleiros, resorts, parques aquáticos, restaurantes, lojas, dentre
outros empreendimentos. Ocorreu assim uma desestruturação de economias locais, aliada ao processo de
mudança no uso e ocupação das orlas marítimas.
165
Além disso, é preciso não negligenciar as transformações ocorridas no tecido social das
comunidades, como a adoção de modos de vida alheios pela população local,
inapropriados para a sua realidade cultural; o despovoamento e alteração da estrutura
familiar, valores e padrões de vida, a perda de identidade e do património imaterial,
muitas vezes, perpetuado apenas na memória dos mais idosos (Pissarra et al., 2012). “O
turismo massificado reproduz em diversos destinos o stress que os turistas procuram
eliminar durante as férias, como a frequência de lugares superlotados com programas pré-
definidos ou o consumo dos mesmos produtos e serviços indiferenciados indicados nos
folhetos publicitários” (Bursztyn et al., 2009: 85).
166
diferentes destinos, vão procurando práticas que realçam a identidade, o capital cultural
e a criatividade como alternativa ao turismo convencional (Richards e Wilson, 2006).
Ao alerta dos prejuízos, visíveis em muitos destinos, infere-se que a atividade turística só
é sustentável se o seu crescimento se alinhar aos desígnios de desenvolvimento dos
núcleos recetores e das suas populações. Da prática pouco sustentável, se tem passado
para a promoção cada vez mais de produtos turísticos que ajudam a conservar o meio, a
fixar os benefícios gerados no destino e a respeitar a história e a cultura dos autóctones
(Timothy, 2002; UNESCO, 2012; Lopez e Arroyo, 2012). Particular ênfase tem sido dada
à cultura que, como sustenta Urry (2001), passou a ocupar uma posição mais destacada
na organização das sociedades atuais da pós-modernidade, envolvendo uma dissolução
das fronteiras entre diferentes formas culturais, tais como o turismo, a arte, a educação, a
fotografia, a televisão, a música, o desporto ou a arquitetura.
Pensar o turismo hoje nos destinos ou potenciais destinos implica olhar para o território
e para as comunidades, implica sobretudo, pensar em modalidades turísticas que sejam
alternativas saudáveis ao turismo convencional, implica olhar para a idiossincrasia dos
povos e para as diferentes modalidades de turismo cultural. São vários os programas e
167
projetos de desenvolvimento local baseados no turismo um pouco pelo mundo que
percorrem estes objetivos. Alguns bem-sucedidos outros nem por isso, o facto é que a
abordagem se cinge cada vez mais no desenvolvimento local em primeira instância para
valer a pena a sua prossecução.
Meyer e Meyer (2015), por exemplo, efetuaram um estudo recente em duas localidades
sul-africanas que foram bem-sucedidas utilizando a atividade turista como indutor do
crescimento e da diversificação da economia. Os autores chegaram à conclusão que
muitas questões sociais em Emfuleni e Metsimaholo, como a pobreza, o desemprego e a
falta de formação, melhoraram com o crescimento do setor do turismo na região, gerando
um efeito multiplicador para as economias locais. Estes exemplos podem inspirar outras
comunidades africanas a projetarem o seu desenvolvimento, utilizando o turismo como
meio de congregar setores, criar sinergias entre as diversas atividades e atrair
consumidores para o consumo da produção local. Não se trata, pois, de replicar os que os
outros vão fazendo, trata-se de olhar para os recursos endógenos, especificidades e
competências humanas locais e encarar o turismo como uma via e uma alternativa, e não
como um fim ou como a salvação de todos os passivos económicos.
Entretanto, mais que retórica, os países que encaram o turismo como um atividade
estratégica para ajudar a desenvolver as comunidades e aliviar a pobreza das populações,
precisam criar inputs necessários para munir as autoridades locais e os stakeholders de
condições que permitam materializar planos e programas afins. Porque como refere Irving
(2009:108), “O fenómeno turístico e o processo de globalização são irreversíveis, e o
desafio para um horizonte desejável não mais se traduz na discussão de
incompatibilidades e riscos, mas na conceção e desenvolvimento de alternativas criativas
e inovadoras de um tipo de turismo que internalize a variável local e as identidades
envolvidas como elemento central de planeamento”.
168
Observação de decisões e práticas que possam aliviar a pobreza das populações
ao invés de agravá-la;
169
Meyer, 2015), evitando, sempre que possível, “a abordagem neoliberal “top-down”
baseada em valores culturais ocidentais que alheiam as comunidades do controlo e
utilização dos seus recursos” (Giampiccoli, 2015: 681).
Por fim, pensamos que a cultura dos povos e sua autenticidade é, por si só, um instrumento
valioso nos países em via de desenvolvimento, particularmente num país como Angola,
com atividade turística residual e com possibilidades de fazer correções evitando os erros
dos outros. O turismo baseado na cultura dos povos apresenta-se em condições de gerar
mais benefícios às comunidades que o pensamento turístico baseado no sol e mar e na
vida selvagem, muito dependentes da exploração dos recursos naturais. As modalidades
turísticas de base cultural encorajam a comunidade a assumir o controlo e a utilização dos
seus recursos em função das necessidades coletivas. É com essa perspetiva que, olhando
para as potencialidades e necessidades dos angolanos, decidimos refletir em torno de
práticas turísticas criativas em ambientes rurais, comunitários e sítios arqueológicos.
170
Diferente da forma do turismo global, que tantas vezes explora a força de trabalho de
homens e mulheres mal remunerados, e com jornadas de trabalho pesadas para atender
turistas que brincam, passeiam, comem e bebem sem se preocupar com a hora, o objetivo
do turismo comunitário é desenvolver projetos que garantam a melhoria das condições de
vida local, além de preparar condições para receber visitantes e turistas de uma forma
mais digna (Coriolano, 2009). Procura estabelecer uma relação interativa entre visitantes
e visitados, em que nem os anfitriões são submissos aos turistas, nem os turistas fazem
dos hospedeiros meros objetos de instrumentalização consumista (Bursztyn et al. 2009).
Tem como foco a melhoria da atividade económica local e a criação de oportunidades
para o lugar, garantindo um envolvimento participativo na base de uma gestão integrada,
que possa ser um contrapeso às pressões de crescimento económico assentes no
consumismo e na exploração imobiliária.
171
Enraizado num processo local de desenvolvimento, o turismo comunitário é uma
modalidade de turismo sustentável cujo foco é o bem-estar e a geração de benefícios para
a comunidade recetora, levando o turista a interagir com o lugar e com as famílias
residentes (Bursztyn et al.; 2009). “Respeita as heranças culturais e tradições locais,
podendo servir de veículo para revigorá-las e mesmo resgatá-las, através de uma forte
componente de afirmação identitária baseada em sítios simbólicos de pertença, que se
efetiva, resistindo a outras formas de desenvolvimento do turismo” (Bursztyn et al., 2009:
112). Neste sentido, uma das primeiras ações que a comunidade realiza é a elaboração de
um pacto interno com os próprios residentes em defesa de suas propriedades e de ações
externas por vezes criminosa50.
Para Bursztyn et al. (2009), o protagonismo das comunidades locais pode se efetivar sob
uma grande variedade de formas, por cooperativas, associações, joint ventures,
empreendimentos comunitários ou micro, pequenos e médios empresários locais, que
materializam localmente estruturas e objetivos, contextos e valores culturais. Tais
empreendimentos não estão isentos de influências externas, divergências internas e
conflitos de interesse. O que se destaca, afirmam os autores, é o seu significado
50
Cruz (2009) ajuda-nos a perceber melhor essa aceção, relatando a pressão sofrida pela comunidade de
Prainha do Canto Verde, Nordeste do Brasil. Embora vivendo por gerações essa comunidade de pescadores
não dispunha de documentação de posse de terras onde residia. Aproveitando-se dessa fragilidade, os
agentes imobiliários, ávidos pela exploração das qualidades ambientais e paisagísticas do lugar, exerceram
uma pressão feroz à comunidade, chegando ao extremo de ações criminosas como o incêndio provocado
na casa de um pescador, enquanto toda a sua família dormia, entretanto, sem perdas humanas. Incidentes
como este, dada a sua gravidade, reforça na comunidade local o sentimento de união em torno de uma causa
comum: a propriedade legal do solo.
172
comunitário para a democracia e a qualidade de vida, quer as comunidades estejam ou
não reunidas em cooperativas, microempresas, sindicatos ou outras formas de livre
associação; e quer existam ou não redes solidárias com organizações não-governamentais
internacionais ou apenas nacionais.
A questão decisiva, prosseguem os autores, não diz respeito às formas de seus eventuais
veículos e meios, mas sim à efetivação de sua finalidade: a ampliação das liberdades
substantivas de comunidades afetadas, como agentes e beneficiários da implementação
de determinadas práticas turísticas. A visão que possuem se sustenta na convicção de que,
dar sentido à coordenação e à atuação dos atores da sociedade civil requer afirmar seus
vínculos com espaços vividos, onde a racionalidade se constrói in situ, tendo por
horizonte a constituição de novos saberes e formas de ação que considerem as
contingências qualitativas de cada meio.
De acordo com Sen (2001: 33), “Seeing development in terms of the substantive freedoms
of the people has far-reaching implications for our understanding of the process of
development and also for the ways and means of promoting it. On the evaluative side, this
involves the needs to assess the requirements of development in terms of remarking the
unfreedoms from which the members of the society may suffer. The process of
development, in this view, is not essentially different from the history of overcoming these
unfreedoms, while this history is not by any means unrelated to the process of economic
growth and accumulation of physical and human capital its reach and coverage go much
beyong these variables”.
173
para que tal ocorra é necessário algum nível de bem-estar económico e social da
comunidade. As boas intenções não são suficientes para garantir a implementação do
turismo local, uma vez que, estando inerente a rendibilidade económica nos projetos
turísticos, torna-se irrealista pensar-se que uma comunidade com um nível de pobreza
acentuado seja capaz de conduzir e desenvolver o turismo localmente sem que sejam
acautelados aspetos básicos fundamentais na vida das pessoas.
174
O segundo exemplo na abordagem de Cruz (2009) é o da comunidade de Prainha do Canto
Verde, que experimentava dificuldades de sobrevivência somente com a pesca artesanal.
O empreendedorismo social de um executivo estrangeiro com afinidades ao território
direcionou a comunidade para o desenvolvimento de um turismo com base comunitária.
As casas dos pescadores foram adaptadas para receber turistas, com a construção de
apartamentos independentes. A comunidade, articulada, tem conseguido impedir a
entrada de especuladores, ao construir uma espécie de “pacto social”, pelo qual todas as
famílias se comprometem a não vender seus imóveis a pessoas estranhas ao lugar. A pesca
continua a ser a principal atividade económica da comunidade e o turismo uma atividade
complementar. A renda gerada pelo turismo dinamiza a economia local e fortalece os
laços sociais entre os membros da comunidade.
175
A intensa industrialização da sociedade moderna retirou protagonismo ao campo, de
maneira que a população rural deixou de ter a agricultura como a sua base ocupacional e
económica, passando a desenvolver atividades não agrícolas em grande escala para o seu
sustento (Simões, 2013), transformando profundamente a paisagem e o mundo rural. Na
opinião de Carvalho (2011: 11) “os fatores de transformação estão associados à
urbanização, acessibilidades, despovoamento, declínio das práticas agrícolas, pastoris e
silvícolas, abandono dos espaços e estruturas produtivas, entre outros, que representam
processos que deixam marcas incontornáveis no mundo rural, a nível do ordenamento do
território e do património”.
176
A aposta no associativismo de agricultores rurais é fundamental para a diminuição ou
inflexão da tendência geral de muitas sociedades atuais, consubstanciada nos fluxos
migratórios do campo para a cidade. Angola, por exemplo, devido ao período de conflito
armado e ao desinvestimento nas zonas rurais, possui a maioria da população concentrada
em cinco principais cidades do país51.
Com a diferença de se reger em áreas rurais, as particularidades do turismo rural nos seus
diferentes aspetos são bastante semelhantes ao turismo de base comunitária, já que é de
caráter tradicional. “Desenvolve-se em pequena escala, proporciona um tratamento
personalizado de modo a que os visitantes tenham oportunidade de participar nas
atividades, vivencia o modo de vida rural, os costumes, o contacto com o rural e com a
51
Mais de 60% da população residente, 15.575.621, concentra-se em apenas cinco províncias de Angola.
Cinco dessas províncias possuem as cidades mais populosas do país, nomeadamente Luanda, Lubango,
Huambo, Benguela e Lobito. Portanto, 67,7% da população vive nos centros urbanos (INE, 2016).
177
natureza” (Silvano e Kastenholz, 2008: 104). Na realidade, é no mundo rural onde se
encontram as comunidades mais sólidas e com traços distintivos mais facilmente
identificáveis, pelo que não seria de todo imprudente considerar o turismo nesse espaço
como uma forma de turismo comunitário praticado no meio rural.
No espaço rural, são variados os recursos que podem ser introduzidos num produto
turístico, incluindo produtos agrícolas, recursos paisagísticos, parques naturais e áreas
protegidas, fauna, flora, rios e lagos, montanhas e vales, rochas e minerais, águas
medicinais, património cultural rural (Rodrigues et al., 2009). O contacto do visitante
com a oferta rural cria uma relação de proximidade com as famílias, importante para a
autoestima e valorização da sua cultura. O turista rural vai à procura de tranquilidade,
paisagem bonita, uma boa gastronomia e uma certa autenticidade com os standards de
conforto que se associam as estadas tranquilas (Prats 2011).
Para este autor, no meio rural podem ser desenvolvidas atividades turísticas diversas,
múltiplos eventos com circuitos e rotas turísticas adequadas as tradições culturais e as
condições naturais das regiões. Várias modalidades do turismo, como o turismo
alternativo, ecológico, agroturismo, com possibilidades de serem desenvolvidas no
ambiente rural, são suscetíveis de atrair os residentes das cidades para o campo. O turismo
no espaço rural engloba todas essas formas de turismo e se associa aos agricultores
familiares de maneira inovadora, valorizando e preservando o património rural. O
produtor rural passa a ser um empreendedor e prestador de serviços turísticos, trabalhando
diretamente na conservação do património ambiental e cultural de sua região.
178
do campo, passa a despertar o interesse não só dos grandes centros urbanos, mas também
dos municípios vizinhos (...). O turista convive e se relaciona diretamente com as rotinas
diárias das famílias rurais, aprendendo, na prática, suas tradições, hábitos e costumes.
Consequentemente, há o resgate da autoestima do homem do campo, pois a valorização
da identidade cultural rural é incentivada pela presença dos turistas urbanos, estimulando
a produção e o desenvolvimento local. Nesse sentido, as atividades não-agrícolas
assumem um papel relevante na composição da renda total das famílias rurais, podendo
ser consideradas atividades altamente estratégicas para o crescimento socioeconómico
local”.
Jiménez e Cavazos (2012) na sua abordagem apresentam outros exemplos de inserção das
comunidades pobres e rurais nas atividades turísticas e nas mais-valias capazes de gerar.
Os autores dão conta que, no Nepal, foram criadas rotas turísticas em zonas remotas e
pobres para excursionistas de aventura, com o propósito de beneficiar os pequenos
comerciantes, produtores de artesanato, agricultores, vendedores de mel, aves e gado. Por
outro lado, na República Checa se projetou a diversificação de produtos e a ampliação
dos benefícios nas zonas rurais, tendo sido necessário incrementar a capacidade
institucional com a criação de associações, desenvolvendo produtos turísticos e rotas em
torno do património.
Por sua vez, o estudo desenvolvido por Anderson (2015) no Quénia, mais concretamente
na zona rural de Kilimanjaro, dá conta que desde a introdução do turismo cultural há 10
anos na localidade, nota-se um assinalável progresso social na população, resultante da
179
obtenção de diferentes formas de rendimento que permitiu o acesso à educação e a
melhores serviços de saúde. O número de turistas domésticos e internacionais continua a
crescer e reforçou a convicção de que, se o turismo for desenvolvido e gerido de forma
sustentável, pode ter uma contribuição significativa no alívio da pobreza em espaço rural,
onde a maioria dos pobres vive, com várias opções de desenvolvimento. O autor defende
que algumas políticas precisam estar alinhadas de forma efetiva com a utilização do
turismo cultural de maneira que os seus benefícios contribuem, de facto, para desenvolver
o meio rural.
Importa, porém, relevar o alerta de muitos autores sobre a sobrevalorização dos efeitos
positivos da inserção do turismo no meio rural. “O mito existente à volta do papel do
turismo enquanto alavanca de desenvolvimento, principalmente quando estão esgotadas
todas as possibilidades de recuperar uma área rural frágil, tem dado lugar à privatização
dos dividendos, onde a atividade torna muitas vezes num negócio para alguns, em que os
principais beneficiados costumam ser os seus promotores” (Silvano e Kastenholz, 2008:
114). Em muitos lugares, os influxos de pessoas e capitais entre a cidade e o campo não
se têm mostrado capazes de gerar dinâmicas locais de desenvolvimento, porque “o rural
é ainda um espaço utilitário para os rurais, o lugar onde vivem e produzem, enquanto se
vem tornando um espaço estético e de consumo para os urbanos como um lugar de lazer
e de reserva natural, cultural e social” (Simões, 2013: 297). Por esta razão, a produção
quantitativa no campo está aquém, na maioria dos casos, do consumismo exacerbado dos
citadinos.
180
Neste sentido, é relevante salvaguardar a realidade distintiva, o ambiente e a produção
familiar, assim como o estilo, os costumes e as tradições do meio rural, para dar lugar a
um turismo mais pessoal e acolhedor, contrariamente ao turismo convencional,
homogeneizante e massificado. “O campo não pode ser o simulacro da cidade, no sentido
de que o turismo rural em áreas de agricultura familiar passe a reproduzir e oferecer ao
turista os requintes industriais dos produtos e as facilidades de serviços da cidade”
(Blanco, 2009: 354). O turismo deve ser visto como uma atividade complementar em
áreas rurais desfavorecidas visando, acima de tudo ajudar os agricultores e as famílias.
Por esta razão, o turismo não deve ser pensado separadamente do setor agrícola (Silvano
e Kastenholz, 2009).
Da análise feita aos trabalhos dos diferentes autores, constatamos que a arqueologia
transmite conhecimentos e saberes convertíveis em património e suscetíveis de ajudar a
romper paradigmas perpetuados no tempo, contribuindo de forma significativa na
redefinição de “verdades” antes estabelecidas e no preenchimento de trajetórias
descontínuas do tempo e do espaço. Por vezes semelhante à solução de um puzzle, é uma
ciência que permite dar sentido ao presente das coisas por um lado, mas por outro, acaba
por apresentar constantes e permanentes desafios para percursos posteriores (Domingos
e Castro, 2016). Enquanto ciência social, a arqueologia toma como objeto de investigação
a cultura material produzida pelos indivíduos num espaço e período de tempo, no sentido
181
de revelar a complexa estrutura das relações sociais e possibilitar a compreensão das
transformações pelas quais passam as sociedades ao longo do tempo (Carvalho, 2010).
Na visão de Jorge (1990), a arqueologia completa a história que é feita através dos
documentos escritos, nomeadamente onde estes costumam ser mais omissos ou
transmitidos oralmente, sobretudo, no que concerne a história local, cujos feitos não
foram dignos de figurar nos anais que o passado legou. Essa situação é particularmente
interessante no contexto africano, onde as fontes orais são veículos determinantes para a
compreensão da sua historiografia. Conforme sugere Lane (2011), o desenvolvimento da
arqueologia, ao longo da interligação do passado através da tradição orais e históricas, é
visto como um importante caminho para desconstruir o discurso colonial de que o
continente africano não tinha história antes da chegada dos europeus.
Os vestígios materializados das práticas quotidianas dos escravos, muitas vezes mantidas
ocultas pelos segmentos dominantes, apresentam um enorme potencial no fornecimento
de informação sobre os padrões de vida material, economia, dinâmica social,
cosmologias, religiosidade, construção e reconstrução de identidades (Symanski e
Gomes, 2012). Como a finalidade da arqueologia é perceber a intenção com que, no
passado, alguém concebeu determinado material, assumindo um mínimo de elementos de
continuidade para que o fio de inteligibilidade se estabeleça entre esse passado e presente,
na leitura desse material se recuperam intenções e se identifica a dinâmica das ações
individuais e coletivas que está para além da estática do material (Jorge, 1990). “The
archaeological heritage and the knowledge produced through its study may be the key
component in the process of sociocultural and economic development for
communities, representing also the starting point for intercultural and inter-religious
peaceful relationships” (Carbone et al., 2013: 286).
182
Sendo o berço da humanidade e, consequentemente, o espaço onde se encontram os traços
mais antigos de ocupação e produções humanas (Domingos, 2012), o continente africano
representa a principal fonte de pesquisa para o encontro do homem com o seu passado
mais recôndito, na busca de mais subsídios que possam sustentar a origem da sua
existência, o mecanismo da sua trajetória de sobrevivência e as vicissitudes do seu
percurso pela procura de habitats seguros.
183
As descobertas arqueológicas realizadas no território angolano representam uma riqueza
cultural importante para o país, que fornece uma possibilidade do homem angolano pensar
à margem dos imperativos estabelecidos, de conferir ao mundo uma lógica e uma
finalidade imanentes (Costa, 2012). Angola deve encarar esse processo de conhecimento
arqueológico como uma luta constante pelo alcance de abrangências mais poderosas,
buscando um nível de abstração maior, totalidades mais amplas (Jorge, 1990), onde a
atividade turística tem, naturalmente, o seu espaço.
Para Domingos (2012), cada sítio arqueológico possui informações essenciais que
permitem completar os conhecimentos sobre a história e as culturas antigas. Algumas
dessas fontes são únicas e o seu desaparecimento representaria uma perda inestimável
para as sociedades. Esses sítios merecem uma melhor proteção, conservação, valorização
e gestão. Por outro lado, Carvalho (2010) afirma que as áreas patrimoniais que abrigam
importantes sítios históricos se traduzem em locais de apreciação e vivência de
importantes traços da cultura, tanto para os membros de uma comunidade em geral quanto
para os visitantes, além de estimular ações de preservação dos bens culturais.
184
Tanto o património cultural em geral, como o património arqueológico em particular, têm
um potencial suficiente para poder atrair um maior fluxo de visitantes através de uma
correta gestão e planificação dos recursos, tendo sempre em conta a capacidade de carga
dos mesmos, a fim de evitar a deterioração dos recursos devido a um número excessivo
de visitantes (Leira et al., 2014). Ao promover a divulgação do património, sua
identificação, valorização e reconhecimento, a atividade turística ajuda a consciencializar
os autóctones e os visitantes para a necessidade de sua preservação (Alfonso, 2012).
Nesse diapasão, o autor realça o facto de o turismo necessitar de testemunhos da cultura
para a formatação de roteiros e produtos, isso é, para a configuração de um produto
competitivo no mercado de consumo, subordinado a um vínculo estreito entre o
património cultural, turismo e arqueologia.
Carvalho (2010: 59) é de opinião que os “museus, centros culturais e demais locais de
salvaguarda e exposição do património cultural podem ampliar o seu potencial de
atratividade ao intensificarem o seu interesse pelos objetos e artefactos resultantes da
investigação arqueológica. Exposições museológicas diversificadas que ressaltam a
plurietnicidade e as diferentes representações da cultura local tendem a ampliar o papel
do turismo e da arqueologia na preservação do património, ao tempo em que reforçam o
direito à memória e a cidadania cultural”.
185
turístico “Rota de Escravos” (MINHOTUR, 2013). A perspetiva de conceber produtos
associados às rotas de comercialização de escravos no passado encontra, necessariamente,
nas pesquisas arqueológicas um fator determinante para a sua efetivação e sucesso. Um
maior envolvimento da população universitária do país em atividades desta natureza,
resultaria benéfica para educação e interpretação patrimonial dos sítios arqueológicos, ao
mesmo tempo que impulsionaria a emergência de um mercado interno virado para um
turismo mais erudito, suscetível de contribuir para o enriquecimento da história do país,
sua apreensão e fruição pelos seus cidadãos.
“Ao contrário do modelo clássico de turismo cultural que envolve grupos de turistas
viajando com um guia expert que interpreta a cultura do destino diante da observação
passiva dos turistas, o turismo criativo implica uma interação reflexiva da parte dos
turistas” (Richards e Wilson, 2006: 1218). Oferece aos visitantes a oportunidade de
desenvolver o seu potencial criativo através da participação ativa em experiências de
aprendizagem de acordo com as especificidades dos destinos visitados. De acordo com
Gonçalves (2008), a viagem emerge como uma oportunidade para desenvolver
experiências pessoais, de autoaprendizagem a partir de uma descoberta do mundo. Assim,
o turismo criativo tem por base a criação de experiências que pressupõem uma
participação ativa e o envolvimento do consumidor na sua produção.
186
Face às mudanças na natureza de produção e de consumo turístico, os destinos que
persistem em oferecer os mesmos produtos culturais massificados indistintamente correm
cada vez mais riscos de perderem parte considerável do mercado (Richards, 2010), ávido
por uma relação de interação profunda com as comunidades e os locais visitados, em que
o valor da experiência e a sua perpetuidade na memória são requisitos fundamentais a
considerar nos produtos. Neste sentido, “na economia [atual] de experiências, o consumo
passivo dos serviços culturais tenderá a modificar-se e a assumir-se de forma crescente
como um tipo de consumo mais participativo, envolvendo interação, aprendizagem e
execução” (Gonçalves, 2008: 12).
Na visão do autor, a definição apresentada deve ter em conta uma série de considerações
importantes:
187
Potencial criativo: o turista está munido de ferramentas para desenvolver por si
mesmo o seu potencial criativo e obter algo mais que uma lembrança para casa;
Por outro lado, o autor defende que é necessário desenvolver qualidades e não
superficialidades. Embora a criatividade depende frequentemente da espontaneidade,
188
risco e surpresa, a sua utilização não deve estar ancorada na artificialidade ou no
seguimento das tendências da moda. Para o turismo criativo é mais importante lidar com
a qualidade e a autenticidade, ou reinterpretando ou inovando a tradição. Por fim,
sentencia o autor, é necessário utilizar os recursos criativos endógenos como catalisadores
para o desenvolvimento da prática turística criativa. O uso de trabalhos manuais locais
como base para a experiência do turismo deve fornecer uma via para inovar a produção
de souvenirs. “Enquanto a estratégica básica do turismo cultural se fixa na reprodução da
cultura em quantidades industriais de produtos estáticos para os turistas, o turismo
criativo deve ser visto como um processo que pode estimular outras alternativas”
(Richards, 2010: 14).
Na sequência dos princípios apresentados por Richards que, no nosso ponto de vista,
reforçam a identidade conceptual do turismo criativo, importa também apresentar o
conjunto de vantagens potenciais que esta modalidade turística apresenta,
comparativamente ao tradicional turismo cultural (Richards e Wilson: 2006):
3. Por ser um processo, os recursos criativos são geralmente mais sustentáveis que
os produtos culturais tangíveis. Enquanto os recursos culturais físicos como os
museus e monumentos podem estar desatualizados e degradados, os recursos
criativos costumam ser infinitamente renováveis;
189
comunidades rurais, como em destinos consolidados ou emergentes. Essa ideia é
reforçada por Gonçalves (2008: 11) ao considerar que “a cultura e as indústrias criativas
têm sido determinantes para a (re)produção e (re)criação dos espaços urbanos”, afirmando
que alguns locais foram reconstruídos ou até concebidos propositadamente para o turismo
e para o lazer. Ao apresentar o exemplo da EXPO 98 realizada em Lisboa, a autora
considera ser uma prática dos países assentar as estratégias de regeneração na construção
de novos espaços temáticos ou no (re)desenvolvimento de antigos locais.
Por conseguinte, a diferenciação já não se consegue apenas pela cultura e pelo património
cultural que se detém, afirma a autora. Quase todas as cidades europeias, por exemplo,
possuem monumentos e museus; reconhecem que o seu património cultural deve ser
conservado e preservado e apostaram em estratégias de regeneração urbana dos bairros
históricos e culturais, muitas vezes, associados ao património turístico, como motores
principais de desenvolvimento local (Gonçalves, 2008). No entanto, a performance de
cada uma dessas cidades e dos destinos associados é bastante variável, fundamentalmente
devido ao potencial criativo que cada uma apresenta aos turistas.
Todavia, os autores alertam que não é tarefa fácil desenvolver o turismo criativo numa
determinada localidade. Em primeiro lugar, a falta de estruturas físicas significa que um
certo número do material tem de ser criado não apenas pelos produtores, mas também
pelos turistas. Em segundo lugar, a utilização de recursos criativos não implica,
naturalmente, o estímulo do processo e da produção criativa no destino, questão-chave
para “travar” os processos de reprodução frequentemente associados com os modelos
190
tradicionais do desenvolvimento do turismo cultural. O envolvimento do turista e a sua
interação reflexiva no lugar é determinante para uma utilização otimizada desses recursos
e consequentemente o estímulo da produção criativa.
“As atrações culturais vão reorientando a sua oferta para novos públicos, ou para novas
motivações e comportamentos, oferecendo oportunidades de lazer associadas à escrita
criativa, à produção de artesanato local, aos workshops de música, aos ateliers
pedagógicos, etc.” (Gonçalves, 2008: 12). Outros exemplos de desenvolvimento do
turismo em diferentes contextos criativos, predominantemente em ambientes rurais ou
periféricos, onde as oportunidades para o turismo cultural tradicional são mais limitadas,
podemos encontrar em Richards e Wilson (2006), a saber:
191
No Alto Minho, Portugal, os itinerários culturais associados aos artefactos e as
rotas de arte e do vinho no Minho promovem a interação entre o destino e os
turistas.
Como refere Wilson (2012: 130), “(…) it should be remembered that ‘endogenous’
creativity requires much more translation and interpretation, because it must be made
readable for external audiences”. Assim, particular atenção deve ser prestada a
programas de sensibilização das comunidades para educar o público acerca dos benefícios
do turismo, da sua participação, e sua responsabilidade como recetores (Gonçalves,
2008), e cocriadores das melhores práticas para o sucesso da atividade e satisfação dos
visitantes. Para que o turismo criativo seja uma realidade no destino, independentemente
da utilização dos recursos comunitários, rurais, arqueológicos, ou outros, é fundamental
a convergência de esforços dos diferentes atores, que deve ser alicerçada num mecanismo
institucional de interação entre a sociedade civil e as autoridades que permita conceber,
organizar e desenvolver a atividade na base de interesses múltiplos com prioridade para
o desenvolvimento do local e de suas populações.
A atividade turística moderna tem o seu fundamento nas deslocações e viagens de índole
cultural. Esta é uma das aceções a retirar da abordagem desenvolvida neste capítulo, que
procura demonstrar a importância do turismo cultural para a salvaguarda e valorização do
património dos lugares ou cidades históricas. Sendo uma atividade de “encontros”, modos
192
de vida e âmbitos diferentes, o turismo está ligado desde sempre à cultura de modo
incontornável, constituindo-se no instrumento privilegiado para a sua ativação e
divulgação. Porque as pessoas procuram, atualmente, mais referências e testemunhos
sólidos sobre a construção de um “novo” mundo, o turismo tem a pretensão de satisfazer
essa procura incorporando nos seus produtos o património cultural.
193
atores. A riqueza patrimonial das cidades e as performances culturais dos povos são
atrativos intensamente procurados pelo novo turista, que levanta de forma recorrente o
espectro da massificação, porventura, o grande desafio que enfrentam as cidades
históricas, considerando os seus objetivos de salvaguarda do edificado e de todo o
conjunto de bens culturais patrimonializados e patrimonializáveis.
194
Terminada a abordagem teórica da tese “Património cultural e a reabilitação urbana. Um
caminho para o desenvolvimento do turismo na cidade histórica do Dondo”, visou nesta
primeira parte analisar o contributo do património cultural nas cidades históricas para o
desenvolvimento do turismo. Foram definidos dois grandes objetivos e seis objetivos
específicos, bem como duas perguntas de partida e seis hipóteses de estudo para sustentar
a investigação.
195
desenvolvimento do trabalho empírico através da participação de diferentes atores. Antes,
porém, é apresentada a comunidade em estudo, onde se destacam o seu percurso histórico,
as suas potencialidades económicas e os principais atrativos turísticos, culturais e
naturais.
196
SEGUNDA PARTE: ESTRATÉGIA DE REABILITAÇÃO URBANA E DE
DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO DA CIDADE HISTÓRICA DO DONDO
IV. Capítulo. Turismo em Angola. Abordagem genérica
52
Referência aos cinco animais comuns e imponentes das florestas africanas: leão, elefante, búfalo,
rinoceronte e leopardo.
199
Contudo, o percurso histórico do país e os acontecimentos turbulentos das últimas
décadas funcionam a desfavor desta atividade que, como sabemos, é bastante transversal
e muito dependente das políticas e estratégias que outros setores definem e implementam.
A escassez de infraestruturas e equipamentos diversos, a montante e a jusante, para o
desenvolvimento da atividade turística, apresentam-se como os principais
constrangimentos no objetivo de transformar os recursos naturais e culturais referidos em
produtos e atrações de visitação organizada e sistémica.
200
Não obstante o vasto movimento turístico que se observava nos restantes países europeus
da orla mediterrânea, com importantes ganhos para as suas economias, “Portugal teve um
interesse tardio nessa atividade devido a conceção política do regime ditatorial, que era
avessa a mudanças, aliada ao atraso dos meios de transporte e das vias de comunicação e
a inexistência de uma iniciativa privada informada e esclarecida” (Cunha, 2013: 58). Terá
sido, pois, a relevância económica adquirida pelo turismo na Europa que convenceu o
regime colonial em promover essa atividade nas suas colónias, no quadro de uma
mudança de gestão desses territórios, forçada pelas movimentações políticas
independentistas de nativos nos países africanos.
201
expansão mediante a elaboração de planos gerais e que coordenava a conjugação dos
esforços das entidades públicas e privadas locais bem como de toda a atividade
diretamente relacionada com o turismo, até no limiar da independência de Angola
(MINHOTUR, 1996).
202
A evolução do setor, fundamentalmente a nível institucional é até certo ponto o reflexo
do histórico apresentado pelo Ministério da Hotelaria e Turismo aquando da sua
constituição, em 1996. Segundo este órgão, na sequência da independência de Angola e
sua constituição em República Popular no ano de 1975, é constituído o primeiro governo
do Estado Angolano, no qual é instituído a Secretaria de Estado do Comércio e Turismo
(SECT), como o órgão de tutela da atividade turística no país. A situação de abandono
por parte dos antigos proprietários de mais de 90% das unidades hoteleiras e similares,
encontrou no Decreto n.º128/75 uma solução de intervenção, tendo-se criado
paralelamente o Centro de Controlo e Gestão dos Estabelecimentos de Hotelaria,
Restaurantes e similares da província de Luanda.
Na verdade, não sendo o turismo um bem de primeira necessidade, a ação da SECT estava
mais virada para a atividade comercial, fundamentalmente na reorganização e
reestruturação do setor do comércio que se encontrava completamente desarticulado,
praticamente inexistente, sem operadores oficiais para atender às carências da população
em bens alimentares e outros bens essenciais. Assiste-se assim, nos dois anos
subsequentes à independência nacional, a uma utilização irracional e a consequente
degradação dos equipamentos hoteleiros e similares.
Na perspetiva de por cobro a tal situação foi criado o Ministério do Comércio Interno, no
qual é criada a Direção Nacional do Turismo (DINATUR). Com esse órgão inicia-se o
processo de criação de empresas hoteleiras de âmbito provincial, denominadas Emprotel.
Pela sua especificidade e por ser o principal parque hoteleiro do país, em Luanda foi
criada a Anghotel-U.E.E que alargou posteriormente o âmbito da sua competência de
empresa local para empresa nacional, tendo-lhe sido atribuída a tutela dos principais
hotéis confiscados. Esse processo, iniciado em 1978 estendeu-se por mais de uma década
e permitiu atenuar alguma das muitas fragilidades apresentadas pelo setor. Praticamente
não houve investimento público ou privado significativo no setor até a abertura do país
ao multipartidarismo em 1992, situação que se estendeu até 2002, com o fim do conflito
armado pós-eleitoral. Basta olhar para o facto de que o primeiro grande hotel inaugurado
203
em Angola independente é o Hotel Alvalade53, precisamente no último trimestre deste
ano.
De acordo com Ferreira (2002), os anos entre 1986 e 1991 irão ser férteis em
acontecimentos e mutações nos planos económico e político em Angola. A ocorrência de
diversos acontecimentos a nível internacional, com a derrocada do sistema socialista; a
nível regional, com os acordos tendentes à independência da Namíbia em 1990; e a nível
interno, com o agravamento da situação militar, consciencializou o governo angolano da
necessidade de elaborar reformas estruturais que pudessem debelar a persistente crise
económica e social e o esgotamento do sistema económico e político prevalecente desde
a independência. A reformulação do sistema económico se impunha, materializados em
programas económicos reformadores, sendo de destacar o programa de Saneamento
Económico e Financeiro (SEF) de 1987 e o Programa de Ação do Governo (PAG) de
1990, entretanto, sem grandes sucessos, uma vez que prevalecia o sistema centralizado e
planificado da economia e controlo da iniciativa privada, apesar da vontade política
expressa em discursos.
53
É um hotel com a categoria de quatro estrelas, com 202 unidades de alojamento, incluindo 14 suites
juniores. Possui serviços diversos de restauração e bebidas, instalações desportivas e de animação para
hóspedes. Pertencente à cadeia hoteleira portuguesa TD Hotels.
204
fase das pequenas unidades comerciais e hoteleiras e concentrar-se nas grandes unidades
económicas. Por outro lado, o órgão de tutela da atividade turística ao necessitar orientar
a sua ação de definição de políticas e planos para uma melhor coordenação do setor,
fomenta a adesão de Angola na OMT em 1989, na sua 8ª Assembleia.
Segundo este órgão, a necessidade de dar cumprimento aos ditames da Política Nacional
do Turismo e da Estratégia Setorial da Hotelaria e Turismo, aprovadas pelas Resoluções
números 7/97 e 9/97, no âmbito da constituição do ministério, e ainda a necessidade de
melhor implementar esses dois instrumentos no domínio do fomento e desenvolvimento
do turismo, foi criado o Instituto de Fomento do Turismo (INFOTUR), que iniciou a sua
atividade em 2002. Portanto, o Ministério da Hotelaria e Turismo coordena a atividade
turística do país e tem como organismo tutelado o INFOTUR, criado com o objetivo de
executar as políticas do setor nos vários domínios e atuar como representante do Estado
em participações empresariais e joint-ventures. Tal como o INFOTUR, o Fundo de
Fomento do Turismo, criado em 2008, seria outro órgão público tutelado pelo Ministério
da Hotelaria e Turismo com autonomia administrativa, financeira e patrimonial mas que
até ao momento não iniciou as suas funções.
54
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
205
(AAVOTA) e a Associação dos Guias e Intérpretes Turísticos de Angola (AGUITA). No
decorrer de 2016, foi criada uma nova comunidade associativa, a Associação dos Hotéis
e Resorts de Angola (AHRA), constituída sobretudo por empresários e proprietários de
empreendimentos hoteleiros que pretende ser um contrapeso, mas também um parceiro e
interlocutor válido do setor público nas questões que constrangem o turismo nacional.
Todavia, não obstante a paz alcançada em 2002, o turismo no país depara-se com
problemas sérios para “explodir” por força da gritante falta de infraestruturas que a guerra
ajudou a escassear ainda mais, mas também pela questionável política de reconstrução
nacional e deficiente aproveitamento dos recursos gerados pelo produto estrela (petróleo)
55
RETOSA – Regional Tourism Organisation of Southern Africa (Organização Regional de Turismo da
África Austral). Composta pelos países da África Austral que constituem a SADC, a Comunidade de
Desenvolvimento da África Austral. Para além dos 14 países da região faz também parte a República da
Tanzânia.
56
ATA – African Travel Association. Associação dos Transportadores Aéreos de África. A representante
da IATA (Associação Internacional das Transportadoras Aéreas) a nível do continente.
206
para diversificar os setores da economia, onde a emergência do turismo acabaria por ser
uma consequência natural. Atualmente, importa olhar com humildade para os indicadores
residuais da atividade, mas também para as potencialidades e sobretudo para as limitações
do país, nomeadamente humanas, e projetar uma atividade assente de facto no
desenvolvimento das localidades e na melhoria das condições de vida das populações.
Para elucidar este facto importa assinalar o seguinte: em 1950 a atividade turística
registou um total de 25,3 milhões de chegadas internacionais, cifra que quase triplicou
em apenas dez anos, para 69,3 milhões em 1960. Dados atuais da UNWTO dão conta de
um total de 1.186 milhões de chegadas internacionais e 6.000 milhões de movimentações
domésticas em 2015, representando para os países uma receita acumulada de 1.260
bilhões de dólares americanos. Ou seja, em seis décadas o turismo se converteu na
atividade socioeconómica mais relevante do mundo, promovendo a movimentação de
pessoas, bens e capitais melhor que qualquer outra atividade. As projeções deste
organismo das Nações Unidas apontam para o alcance de 1.800 milhões de visitantes
internacionais em 2030 (UNWTO, 2016).
207
Apesar da existência de correntes turísticas entre as províncias de Angola, motivadas
sobretudo por razões relacionadas com viagens institucionais e de serviço, visita a
familiares e amigos, assim como as viagens associadas aos negócios particulares e
comércio geral; o certo é que o turismo no país carece fundamentalmente de
infraestruturas, equipamentos hoteleiros e similares, agentes, profissionais competentes,
estudiosos, empresas e organizadores de viagens, oferta complementar e outras atividades
de suporte.
A história recente não ajuda muito, deduz-se que a principal dificuldade da não
potenciação da atividade turística reside no fato de não se encarar o turismo como um
setor económico estratégico e de não ser dada a atenção devida a outros setores da
economia, muito a favor do petróleo, para atender as necessidades do país. Ademais, não
se privilegiou uma abordagem horizontal dos diferentes setores da economia nem se
aproveitou suficientemente as mais-valias geradas pela monocultura do produto estrela.
Só desta forma compreende-se, por exemplo, a diferença com Moçambique que, tendo
vivido os mesmos problemas do passado e com instabilidade política e conflito armado
em pequena escala para resolver, apresentou-se em 2015 como o segundo destino em
termos de chegadas internacionais na África Negra, logo a seguir a África do Sul.
Com uma população acima dos vinte e cinco milhões de habitantes, Angola apresenta um
Índice de Saturação Turística57 inferior a 0,025, bastante insignificante se atendermos a
sua vocação turística e a sua dimensão política e económica em África, particularmente
na região austral. A par desta situação, outro indicador confrangedor da atividade turística
nacional prende-se com a residual Taxa de Função Turística58 que, a julgar pelo número
de camas apresentado pelo órgão de tutela, corresponde a pouco mais de 0,092%.
57
Representa a relação entre o número de turistas que visita um país ou um destino e a respetiva população
(número de turistas/população total) (Cunha, 2013).
58
Também designada por taxa de função hoteleira, é dada pela relação entre o número de camas existentes
nos meios de alojamento de um determinado país ou região e a população deste local (número total de
camas/população total) (Cunha, 2013).
208
uma oportunidade extraordinária de estruturar uma atividade duradoura, aproveitando
falhas alheias para construir virtudes próprias, por outro, com uma base tão baixa para o
exercício da atividade, o país está em clara desvantagem face a concorrência e se
“disponibiliza” para cometer erros com “agendas urgentes” que são próprias do mundo
atual do imediatismo.
209
Porém, alguns dados apresentados sobre o desempenho do turismo de Angola levantam
inquietações, sendo mesmo contrários a lógica dos conceitos que permitem a sua aferição.
O Anuário de Estatística do Ministério de Hotelaria não explica por exemplo como é
possível ter havido um aumento das taxas de ocupação de 2014 para 2015 num contexto
de crise económica, com evidente perda de poder de compra dos cidadãos e diminuição
de afluxos aos estabelecimentos.
Por outro lado, como explicar o aumento de 16.583 empregos no setor se o país criou
apenas 1.858 quartos de um ano para outro? Mesmo considerando que em 2015 não
houvesse despedimentos (o que não corresponde à verdade), pelos números apresentados
cada quarto teria de gerar perto de 9 empregos, situação completamente irrealista. Este
acréscimo de emprego também não pode ser explicado, obviamente, pelo acréscimo de
mais 28 agências de viagens, já que em relação aos similares de hotelaria registou-se
inclusive uma diminuição de 49 estabelecimentos.
210
correntes de negócios estão sobretudo alinhadas com as atividades da indústria petrolífera
e da construção civil, no âmbito dos programas de reconstrução nacional.
15%
85%
Profissionais Férias
Salientar, porém, que não havendo destinos devidamente estruturados no país com
produtos e roteiros turísticos acessíveis e comercializáveis, as férias referidas fazem
alusão às relações socioeconómicas de proximidade, nomeadamente a questão da África
do Sul e da Namíbia, mas fundamentalmente a proximidade cultural que se circunscreve
nas visitas a amigos e familiares que os cidadãos estrangeiros e a diáspora angolana efetua
com a alguma regularidade no país, tendo em conta os aspetos ligados a afetividade,
ancestralidade e experiências passadas.
Considerando as visitas por regiões, 34% das visitas a Angola são efetuados por cidadãos
europeus, tendo em conta as relações de negócios apresentadas, seguido da África com
30% e Ásia com 18%. De realçar que nos anos anteriores a preponderância da Europa nas
viagens de Angola era bastante superior, situação alterada precisamente devido à redução
do crescimento económico e dos negócios.
211
0%
30% África
34%
Américas
Ásia
Austrália
Europa
Médio Oriente
0% 18%
18%
Pelas razões históricas e culturais, Portugal é o principal mercado emissor de turistas para
Angola desde sempre. Em 2015 foram contabilizados 82.629 turistas provenientes deste
país, representando uma quota aproximada de 14% do total de visitantes. Outros
mercados de destaque são a China, com cerca de 13% e o Brasil com aproximadamente
12% de turistas. Em África, os principais mercados emissores em 2015 foram
precisamente a Namíbia com 61.505 e a África do Sul com 49.424 visitantes,
representando quotas de mercado acima de 10% e 8% respetivamente.
212
14%
26%
13%
2%
2%
2% 12%
3%
3% 5%
10%
8%
213
turísticos por via da interligação dos diferentes atores do sistema turístico. Nos últimos
dois anos a situação inverteu-se e se assiste a um decréscimo na entrada de visitantes, não
obstante a estabilidade que se verificava em relação as chegadas de hóspedes aos
estabelecimentos e as dormidas por eles efetuadas (quadro 2 e figura 25).
O registo da permanência média dos hóspedes em torno de três noites é um indicador que
não deve ser negligenciado. Compreende-se que as unidades hoteleiras do país servem
para os visitantes efetuarem um par de dormidas enquanto desenvolvem as suas atividades
profissionais. Portanto, servem para acudir as deslocações rápidas de negócio ou de fins-
de-semana que não obriga a estadas longas. Neste ponto de vista, subtende-se que há uma
maior rotação de ocupação nos estabelecimentos, um maior desgaste da estrutura,
equipamento, roupa e material diverso e alguma incapacidade para reter os hóspedes e
aumentar as receitas.
214
4000000
3500000
3000000
2500000
2000000
1500000
1000000
500000
0
2011 2012 2013 2014 2015
Entrada de turistas Número de hóspedes Dormidas nos estabelecimentos
Outra situação que concorre favoravelmente para esta situação é o facto de um número
crescente de angolanos residentes utilizar os fins de semana para alteração de rotinas,
usufruindo de momentos lúdicos fora do ambiente familiar, incluindo muitas vezes
dormidas em estabelecimentos hoteleiros. De igual modo, os fins de semana prolongados
têm ajudado a consolidar os registos dos hóspedes e as dormidas nas unidades hoteleiras,
tendo em conta o elevado fluxo turístico que se gera entre as diferentes províncias nas
estradas do país. Contudo, não devemos descurar que as viagens a trabalho ao longo do
ano, dos funcionários públicos, instituições não-governamentais e organizações privadas
têm também contribuído significativamente para o crescimento desses indicadores.
215
pós-eleitoral, entre 1992 e 2002. Nos quadros seguintes, observa-se a entrada de visitantes
nesses períodos.
Portando, só a partir do ano de 2002 é que o discurso sobre a atividade turística começa
a ganhar corpo e a fazer parte do quotidiano dos angolanos. Foi a partir desta altura que
se começa a construção de novos empreendimentos hoteleiros de referência após a
independência, a multiplicação de agências de viagens e a entrada em funcionamento do
INFOTUR.
No que concerne aos indicadores da oferta, a ênfase tem sido dada à promoção e
construção de empreendimentos hoteleiros e estabelecimentos de restauração, sem
grandes preocupações para outros componentes da oferta que são fundamentais para
garantir um maior grau de satisfação e ocupação dos tempos do visitante que permita
aumentar a permanência no destino. Fala-se naturalmente de diferentes estruturas de
animação que não existem ou existem sem qualquer significância: parques temáticos,
jardim zoológicos, centros de desportivos e de animação, piscinas municipais, recintos
culturais, entre outros. Acrescido a este facto está precisamente a não existência de
216
atividade turística estruturada, assente na oferta de produtos consolidados e roteiros
turísticos concretos que orientem o turista sem que tenha um familiar ou um amigo como
guia turístico.
6%
0% 13%
Hotéis
2%
Aparthotéis
39% Pensões
Pousadas
39%
Hospedarias
1%
A estrutura hoteleira está concentrada no litoral do país, onde os principais polos são
Luanda e Benguela, que representam, respetivamente, 47% e 17% de todos os
estabelecimentos hoteleiros e meios complementares de alojamento do país. Todavia,
217
como a capacidade hoteleira é melhor percebida em número de quartos ou de camas,
constatamos que quase metade (46,6%) dos 23.973 quartos é disponibilizada em hotéis,
que vão de uma a cinco estrelas. O peso da oferta dos hotéis, com estruturas de custos
mais elevadas inibe, como é óbvio, as correntes turísticas mais humildes economicamente
e condicionando de certo modo o turismo interno. Por outro lado, a assimetria de
capacidade entre Luanda e as demais províncias é abismal. Mais de 52 % dos quartos
estão concentrados na capital do país, como demonstra a figura 27. Outras províncias com
alguma expressividade são Benguela e meia dúzia de províncias do litoral e das zonas
fronteiriças do país, exceção a Huíla, que é uma placa giratória importante do ponto de
vista geográfico e económico do sul de Angola.
14%
2% Luanda
3% Benguela
3% Huíla
3% Kwanza_Sul
4% Zaíre
52%
Uíge
5%
Namibe
Kuando-Kubango
14% Restantes
218
propensas a comercializar bilhetes de passagem aéreas e pacotes turísticos externos em
troca da respetiva contrapartida comissionária. O Anuário Estatístico de 2016 aponta para
um total de 160 agências de viagens no país das quais, 155 estão sedeadas em Luanda.
O subsetor dos similares de hotelaria tem sido o mais afetado pela crise que o país vive,
basta para isso realçar que é o único ramo do setor que viu reduzido o número de
estabelecimentos de 2014 para 2015 em 48 unidades. Se por um lado continua haver a
necessidade de deslocação e de dormidas em estabelecimentos hoteleiros, a afluência aos
restaurantes, bares e outros serviços de animação e lazer tem sido afetada pela contenção
de gastos que as famílias vão aprendendo a observar no contexto atual de recessão.
Portanto, o comer fora de casa sem absoluta necessidade é das despesas que os residentes
mais limitam nos seus orçamentos.
Em 2015 foram contabilizados 4.736 estabelecimentos similares, sendo que 33% deste
número está concentrado em Luanda e 27% em Benguela. Com o agravar da situação, por
via de despedimentos em massa e encerramento de muitos restaurantes e bares por falta
de clientes, presume-se que os números para 2016 venham a ser anda menos satisfatórios.
220
exercendo a atividade de forma ilegal e com prejuízos para o Estado a nível da massa
tributária.
221
ocupar as áreas operacionais na hotelaria e na restauração. A formação de qualidade
nesses ramos é bastante onerosa porque os produtos alimentares, bebidas e
consumíveis são a determinada altura usados como material didático sem a devida
compensação a nível económico. Então como atribuir essa responsabilidade ao setor
privado que tem como objeto primeiro o lucro e o retorno do capital investido? Como
esperar que o custo da formação seja baixo quando o pensamento do Estado é
exonerar-se dessas responsabilidades formativas?
O não residente que, chegado a Angola, pretenda percorrer o país por terra, não
encontra nas empresas de transporte um serviço digno. A clientela é heterogénea, as
carruagens ou os autocarros executivos são escassos e não vão para além do conforto
dos assentos, os terminais de transportes e as estações ao longo da via são lastimáveis
222
do ponto de vista do acolhimento e das condições de higiene. As paragens para aliviar
os passageiros das suas necessidades fisiológicas ou para restaurar energias por via
da alimentação são em mercados informais, com produção de comida a céu aberto e
servida em barracas.
Neste particular, existe uma dupla dificuldade no país que afeta a atividade turística.
Há a questão da insignificância do valor nominal do rendimento do trabalhador e, em
associação, o custo elevadíssimo das mercadorias, matérias-primas e produtos
diversos, que têm sido considerados dos mais altos do mundo. Na verdade, tudo em
Angola e particularmente em Luanda é muito caro, quer seja a nível dos produtos
alimentares, comunicação ou materiais de construção, os preços são sempre três a
quadro vezes mais elevados que a média da região da SADC. Naturalmente, estando
no final da cadeia de valores, o setor do turismo e os serviços conexos absorvem todo
o valor acrescentado nos seus custos de produção, que é transferível ao turista no
processo de venda.
Pouca produção interna: o custo de vida elevado nas principais cidades de Angola
e a carestia dos preços de muitos produtos essenciais está bastante relacionado com
a pouca produção interna. Segundo informação que tem sido veiculada por alguns
governantes do setor produtivo, a produção no país cobre apenas 15% das suas
necessidades. É por esta razão que temos uma situação de crise agudizada porque a
59
Os números do PNUD (2015) apontam para 37 % de pobres em Angola.
60
A situação atual de crise económica depreciou a moeda nacional em quase 70% no mercado formal,
estando a cotação situada em 166 Kwanzas por cada dólar americano. O fato é que o poder do compra do
cidadão é percetível em função das aquisições que faz, cujos preços são afixados tendo como referência o
mercado informal. Cada dólar americano está a ser cambiado aproximadamente com 350 Kwanzas.
223
produção interna não cobre as necessidades de importação que têm sido bastante
dificultadas devido a escassez de divisas.
Todavia, a avaliação negativa do país tem sido potenciada pelas ações menos
conseguidas dos próprios angolanos. O país é visto como tendo um regime fechado,
pouco democrático, com burocracia excessiva nos serviços consulares para conceção
de vistos aos interessados em visitar. Está muito mal cotado em relação a alguns
ratings internacionais que medem a qualidade de vida dos países, boa governação,
desempenho económico, etc. Para citar alguns exemplos, Angola é considerada dos
piores países do mundo em termos de índice de desenvolvimento humano61, é dos
países mais corruptos do mundo e dos piores em termos de transparência e ambiente
favorável para realizar negócios62. Portanto, um currículo muito pouco apelativo para
o turista e o potencial visitante.
61
IDH igual a 0,532. Posição 149 entre 188 países do mundo (PNUD, 2015)
62
Segundo a Transparency International (2015), Angola situa-se na posição 163 entre 167 países no
índice de perceção de corrupção.
224
Inexistência de produtos, roteiros e pacotes internos: não obstante as suas
especificidades, o turismo só se desenvolve na base de oferta concreta, estruturada,
organizada e comercializada como em qualquer mercado. Por outras palavras, é
necessário que o turismo em Angola seja operacionalizado numa perspetiva
integrada, concebendo produtos competitivos com os seus diferentes componentes
(infraestruturas, equipamentos diversos, acessibilidades, entretenimento, serviços
conexos, atrativos naturais e culturais).
Na verdade, o país ainda não possui localidades que se podem considerar destinos
turísticos na aceção da palavra, que garantam fluxos turísticos regulares com viagens
baseada nas férias e no lazer. Ao visitante não lhe é disponibilizado um roteiro
turístico, a não ser que seja feito isoladamente para acudir necessidades específicas.
Nas cidades e locais de atração não existem postos de informação turística,
brochuras, mapas e desdobráveis para orientar o visitante durante a sua estadia. De
igual modo, por não ser viável devido aos custos de produção, praticamente não
existe oferta de pacotes turísticos internos, não obstante a baixa ocupação dos meios
de alojamento.
225
ajustando melhor a oferta e a procura. Esse operador deve conceber pacotes e organizar
viagens económicas para satisfazer as necessidades de um público jovem, aberto a
experiências novas, que precisa conhecer melhor os atrativos naturais e a diversidade
cultural do seu país. Uma operadora que seja de facto o trampolim para o fomento do
turismo interno no país, ajudando a criar produtos e roteiros, segmentando mercados,
potenciando serviços, ao mesmo tempo que vai aliviando as contas dos prestadores de
serviços, bastante críticas no momento por falta de clientes.
Somente nos meados de 2015 é que o turismo de Angola passou a contar com uma lei de
base, como suporte à conceção estratégica, organização e desenvolvimento das atividades
turísticas no país. Para o desenvolvimento do setor, a Lei do Turismo 9/15 de 15 de junho,
define a política nacional do turismo em três eixos fundamentais: plano estratégico de
desenvolvimento do turismo, estratégia intersetorial para a consolidação do turismo e
plano nacional do turismo. Neste sentido, os objetivos definidos para a política nacional
do turismo são os seguintes:
63
O plano definiu quatro programas específicos para o setor: capacitação institucional, formação de
profissionais, divulgação e promoção do potencial turístico e apoio e desenvolvimento da atividade
turística.
226
b) Apostar na valorização turística da identidade cultural e das tradições das
comunidades e populações locais, conservando o património histórico, cultural
e a biodiversidade;
227
minorar a dependência na economia mineral, nomeadamente no petróleo, apostando em
setores com reconhecido potencial estratégico para gerar capacidades e acrescentar valor
à economia nacional. Para a dinamização da atividade a estratégia assenta no
aproveitamento do vasto e riquíssimo património natural e na valorização dos ativos
histórico-culturais.
Foi com base nessas premissas que foram definidos como produtos estratégicos a
desenvolver no país o turismo de sol e mar, cultural e natureza, perspetivando a
dinamização do turismo doméstico nos primeiros dois anos e, posteriormente por via de
um maior investimento e promoção, priorizar o turismo regional com os países de
proximidade, para num estágio mais avançado apostar no aumento da competitividade
global do setor.
228
monumentalidade, a aposta está centrada na expressão imaterial dos povos: festivais de
música, festividades regionais, eventos e locais religiosos, competições desportivas,
gastronomia e rota de escravos. Já para o turismo de natureza, o objetivo é aproveitar a
vasta fauna e flora com passeios de natureza, safaris, observação de vida animal e descida
de rios.
229
2500000
2000000
1500000
1000000
500000
0
2011 2012 2013 2014 2015
Fonte: Elaboração própria com base nos anuários e boletins estatísticos oficiais
Figura 28: Evolução das chegadas internacionais em Angola. Situação real e projeção
apresentada no PDT
Com o fraco desempenho económico do país no final de 2014 e a afetação óbvia das suas
externalidades ao setor do turismo, o governo de Angola instou os diferentes setores a
procurarem alternativas para minimizar os efeitos da crise. Assim, o Ministério da
Hotelaria e Turismo elaborou o Plano Operativo do Turismo (POT) para a diversificação
da economia para o biénio 2016/2017 com um conjunto de ações e programas (sem
qualquer orçamento), para serem executados no período de junho de 2016 a setembro de
2017. No conjunto das 21 ações definidas destacam-se 10, sendo que as demais,
consideram-se irrealizáveis para o período proposto, inconsequentes pela falta de suporte
justificativo, ou redundantes por se tratarem de ações sequenciais, de causa-efeito.
230
Criação do Fundo do Turismo: deverá ser um órgão tutelado para ajudar os
operadores do setor, sobretudo em projetos de investimentos, formação
profissional e outras necessidades objetivas. Não nos parece que seja exequível
esta ação no curto prazo, considerando as dificuldades orçamentais para
sustentar um órgão que necessita ter instalações, património e recursos humanos.
Por outro, o Fundo de Turismo é um órgão que já tinha sido pelo Conselho de
Ministros mas Ministros mas que nunca entrou em funcionamento.
231
Contudo, ao exigir recursos financeiros e humanos, torna-se inviável a sua
prossecução no curto prazo.
Facilitação de vistos de turismo: é uma ação óbvia para qualquer país que
pretenda apostar no turismo como um setor estratégico para a economia. As
razões da política restritiva de vistos se compreendem no quadro das fragilidades
e controlo das fronteiras nacionais, acrescidas da instabilidade política da região
e o facto do país estar circunscrito por países vizinhos “indesejáveis”. Assim,
sendo incontornável a redefinição da política de vistos, é igualmente imperioso
ações concomitantes de salvaguarda da soberania nacional;
A par dos planos definidos para o turismo em Angola, importa mencionar também os
projetos de desenvolvimento turísticos, criados sob respaldo de decretos presidenciais em
2011. Refere-se concretamente aos polos de desenvolvimento turístico, nomeadamente:
o Polo de Okavango, situado na província do Cuando-Cubango, no sudeste de Angola,
talhado para desenvolver o ecoturismo e a vida selvagem; o Polo de Cabo Ledo, situado
a sul de Luanda, virado para o turismo de sol e mar; e o Polo de Calandula, situado na
província de Malanje, centro-norte do país, inclinado para desenvolver, entre outras
práticas, o turismo de natureza e o de aventura, tendo como foco a sua contribuição na
preservação da espécie animal única no mundo, a Palanca Negra Gigante.
232
Adicionado a estes, está o Polo Turístico do Futungo de Belas e Mussulo, na cidade de
Luanda, definido já em 2004, comportando na altura apenas a zona do Futungo de Belas.
Posteriormente, decidiu-se incorporar ao polo a Ilha do Mussulo. Este polo estará
inclinado para o turismo de sol e mar e, desportos náuticos, bem como para o turismo de
negócios, tendo em conta a sua localização urbana.
Neste particular, parece pertinente recomendar que os objetivos de longo prazo não
devam ser definidos apenas para aumentar o número de visitantes e arrecadar mais
dinheiro, mas sim, devem ser harmonizados com a sustentabilidade dos destinos. Por isso,
urge incorporar no processo de desenvolvimento as ramificações dos produtos turísticos
eleitos que possam revitalizar as localidades e explorar a capacidade de resiliência das
comunidades para territorializar in situ as mais-valias geradas.
234
V. Capítulo. A cidade do Dondo. Território, população e desenvolvimento local
64
É o maior rio inteiramente angolano (nasce e desagua em Angola), com uma extensão aproximada de
960 km. Dá o seu nome à moeda nacional. O Rio Kwanza foi a mais importante via de comunicação e de
circulação de mercadorias e pessoas do Reino do Ndongo e posteriormente constituiu-se também no mais
importante meio de penetração da conquista portuguesa iniciada por volta de 1579-1580 (Coelho, 2010a).
235
A zona de transição é paralela à costa, e caracteriza-se por apresentar escalas crescentes
em altitude à medida que se prossegue no percurso para o interior do país, atingindo o
nível das zonas montanhosas e planálticas. As escalas ou os patamares crescentes em
altitude para o interior são interrompidos ou cortados com frequência por rios, que correm
diretamente para o oceano Atlântico.
A posição geográfica fortalecida pela frente fluvial navegável e facilidade de ligação entre
o litoral e o interior permitiu ao Dondo experimentar estágios de desenvolvimento que a
transformaram em importante polo industrial e empório comercial do país. Não é,
porventura, surpreendente que a localidade tenha sido privilegiada em termos de
urbanização devido ao movimento comercial que gerava. Inicialmente, estabelecendo o
interface no comércio de escravos transatlântico entre os lugares de captura e de
embarque, posteriormente, representado semelhante papel na circulação de pessoas e
mercadorias entre interior e o litoral até à chegada do transporte ferroviário ao país no
início do século XX.
Para uma informação mais detalhada sobre a cidade, desenvolve-se neste capítulo temas
sobre a sua história, potencial económico, património cultural, recursos e atrações
turísticas e as perspetivas de desenvolvimento da localidade.
A história do Dondo poderia ser escrita com mais profundidade se os arquivos sobre a
cidade deixados pela administração colonial não fossem maltratados e destruídos
inconscientemente. Sem merecer a devida atenção, os arquivos acabaram expostos ao sol
e à chuva, sobretudo ao longo da década de 1990, ficando grande parte dele sem
possibilidade de recuperação (Silvestre, 2014a). No entanto, o autor acredita que, apesar
da história da cidade estar reportada em fontes escritas a partir da chegada dos
portugueses em Angola, o assentamento populacional no Dondo existe há mais de um
milénio. A localidade faz parte dos primeiros aglomerados humanos pertencentes à etnia
Ambundu do espaço sociocultural Bantu que se estabeleceram entre as bacias
hidrográficas do Kwanza e Bengo, cuja língua nacional predominante é o Kimbundu.
237
entre os povos de diversas localidades), eram caçadores, pescadores, artesãos e exímios
marinheiros e comerciantes (AHN, 2009).
“A história do Município de Kambambe data do sec. XIV. Consta que o Município que
hoje é denominado Kambambe é terras pertencentes ao então chamado Reino do Ndongo,
formado a partir do sec. XIV por migrações de povos negros oriundos do Centro de
África, chefiadas pelo Rei Ngola a Nzinga, que avançou para o Kwanza e conquistou
todas as terras até ao mar, e entregou-a ao seu filho Ngola Mbandi ou Ngola Inene. Teve
como sua Capital Mbanza Kabaza, região situada na actual cidade do Dondo, no
perímetro que fica entre o Registo Civil e a casa Bentes” (AMC, 2009: 8).
Após o estabelecimento de relações com o Reino do Kongo nos finais do século XV, a
extensão de relações comerciais ao sul do Congo e o estabelecimento de contatos com as
terras de Ngola pareceu sempre uma prioridade aos portugueses. Data de 1520 a primeira
tentativa de estabelecimento de relações oficiais diretas de Portugal com o Reino do
Ndongo. Quando em 1519 o soberano Ngola solicita padres portugueses por intermédio
65
Kábásà, era a denominação dada a capital do Reino do Ndongo onde residia o soberano Ngola (Heintze,
2007; Coelho, 2010a; Coelho, 2010b; Silvestre, 2014b). A localidade habitual situava-se algures nas
proximidades da região de Ambaca (município de Cuanza-Norte) com o Pungo Andongo (província de
Malanje), principalmente com a chegada dos portugueses. Os historiadores defendem que a capital do reino
era móvel, razão pela qual existe a convicção de que o atual Dondo terá sido em determinados períodos a
capital do reino.
238
de D. Afonso, Rei do Kongo, dá-se lugar a uma missão que D. Manuel, Rei de Portugal,
confia a Manuel Pacheco e Baltasar de Castro, encarregando-os a viajarem até à corte do
Rei Ngola. Foi a partir desta missão que se espalhou a informação da existência de minas
de prata no reino, particularmente em Cambambe, apesar do desmentido de Baltasar de
Castro que, retido no reino durante seis anos, percorreu os seus territórios sem que tivesse
percebido tal vestígio (Felner, 1933: 97). Essa informação, que continuou por mais de um
século, motivou a conquista do reino por Paulo Dias de Novais na esperança do seu
descobrimento, tendo ele sido também prisioneiro de Ngola por cinco anos na sua
primeira viagem efetuada ao Ndongo (1560 – 1565).
Esse ambiente comercial ao longo do Rio Kwanza passa a ser interrompido com alguma
frequência, com a entrada em cena dos portugueses com o intuito de atingirem as supostas
minas de prata de Cambambe. Por isso, após a fundação de Luanda, as primeiras
povoações que se “criam” situam-se na margem do rio, cada vez mais para montante, até
ao limite da sua parte navegável. Vão surgindo, assim, em rápida sucessão: Calumbo,
Muxima, Massangano e Cambambe (Batalha, 1950). Sempre encontrando resistência
nativa, Paulo Dias de Novais avança até à confluência entre o Rio Kwanza e o seu
afluente, Lucala. Após intensos combates com as tropas do Rei Ngola Kiluanji acaba por
vencer temporariamente e fixar-se na povoação de Massangano em 1583, onde, em
função da vitória alcançada orienta a construção da Igreja de Nossa Senhora da Vitória.
239
população europeia e a criação de presídios ao longo do Kwanza, Massangano (1583),
Cambambe (1604), Dondo (1583), Muxima (1589) (Dias, 1944; Batalha, 1950; Silva,
2000; Freudenthal et al., 2010; INPC, 2014). Com a entrada dos parceiros europeus após
a ocupação e a construção da Fortaleza de Cambambe em 1604, as feiras ganham outra
vitalidade, orientando-se no sentido do oceano atlântico, alimentando o tráfico de
escravos.
De acordo com Silva (2000), nas localidades ao longo do Kwanza reúnem-se os requisitos
de uma urbanidade comercial, não apenas em relação aos produtos agrícolas, cujos
excedentes estimularam um intenso movimento comercial, oferecia-se igualmente o
ferro, marfim e outros. Essa organização espacial das povoações nativa é aproveitada pelo
regime colonial português para dar seguimento à rede de comércio indígena, potenciando
as feiras, cujo epicentro era precisamente a localidade do Dondo. Através do canal fluvial
ao longo de quatro séculos exportaram-se pessoas, recursos mineirais e produtos agrícolas
diversos para a metrópole e outras localidades de interesse.
Entretanto, importa referir que a resistência do Ndongo à ocupação do seu território não
terminou com a tomada de Cambambe. Desde o regresso de Novais em 1575 até ao fim
da resistência dos povos ao longo do Corredor do Kwanza durou mais de um século, quer
de forma isolada ou através de coligações com os reinos da Matamba e de Kassanji66.
Somente com a morte de Francisco Guterres Ngola Kanini é que os portugueses
assumiram definitivamente o controlo das terras a norte do Rio Kwanza, submetendo um
66
Matamba e Kassanji foram dois reinos muito próximos do Reino do Ndongo que destacaram-se mais
com o enfraquecimento deste. Situados ao longo do Rio Kwanza a montante, para lá de Malanje e Baixa de
Cassanje, próximo das terras Lundas, formaram com o Ndongo grandes coligações que infringiram pesadas
baixas às tropas coloniais. Na verdade, Matamba era um reino que se confundia com o Ndongo, tanto é
assim que a Rainha Njinga Mbandi a Ngola Kiluanji (Rainha Njinga) inicia o seu mandato de quarenta anos
em 1623 como soberana da Matamba (Parreira, 2003: 54).
240
tratado de vassalagem a irmã de Kanini67. Neste período de resistência emergiram como
líderes destemidos em prol da causa dos povos, Ngola Kiluanji e os seus filhos, Ngola
Mbandi e Njinga Mbande (também conhecida por Dona Ana de Sousa a partir do
momento que foi batizada).
Dondo, enquanto espaço de comércio antigo, tornou-se num verdadeiro porto fluvial do
qual escoavam as mercadorias que, depois de atravessar o Corredor do Kwanza até à foz,
encaminhava-se para o Loango e Mpinda. Com a entrada em cena dos portugueses na
sequência das ações militares desencadeadas para ocupação das terras de Ngola, essa
localidade assume o mesmo papel de placa giratória dos produtos que agora se enviam
para Luanda. No recinto comercial do Dondo, recebia-se produtos das mais variadas
proveniência, mais próximas e mais distantes (Libolo, Muxima, Quiçama, Kassanje,
Bailundo, Bié, Pungo a Ndongo, Lunda) (ANA, 2015). O Dondo era o ponto de
convergência de todo o comércio das terras circunvizinhas e dos sertões distantes
(Batalha, 2006).
67
A “Dinastia” Kanini na Matamba começa com João Guterres Ngola Kanini em 1669, que derrota Jinga
Amona, esposo da Rainha Kambu, que herda o trono após a morte de sua irmã Njinga Mbandi em 1663.
Pouco tempo depois, com a morte do pai, sobe ao trono Francisco Guterres Ngola Kanini que termina morto
pelas autoridades de Luanda. Com a ascensão de sua irmã Verónica Guterres é assinado um acordo de paz
que limita substancialmente a resistência nativa num Ndongo e na Matamba (Parreira, 2003: 103-104).
241
economia pulsava ainda em débil e lenta gestão, no qual o Rio Kwanza constituía o cordão
umbilical a ligar o comércio dos sertões com o mundo civilizado” (Batalha, 2006: 106).
Assim, propõe-se a construção de duas fábricas à beira rios e junto às zonas de floresta
de densa vegetação, a de “ferro de terra” numa localidade designada de Nova Belém e a
de “ferro da pedra” designada de Nova Oeiras, nas terras de Cambambe, a 45 km do
Dondo. Apenas a fábrica de Nova Oeiras foi materializada, tornando-se na primeira
fábrica de fundição de ferro na África ao sul do Sahara. As obras tiveram início em 1765
242
e dois anos depois exportava já ferro para Lisboa, Índia e Brasil, embora tenha sido
concluída em 1772, marcando o início da industrialização na região, não obstante ter tido
uma atividade efémera com o termo do mandato de Sousa Coutinho (ANA, 2015).
Nas primeiras décadas do século XIX (1825) com o desenvolvimento do comércio que
chegava ao Dondo, nesta altura com cerca de 2000 habitantes, entre eles algumas centenas
de europeus. Inicia-se outra dinâmica e ocorrem alterações no domínio da organização do
espaço. Nesse sentido, Cambambe perde relevância e a sua decadência impele a
transferência do Concelho para o Dondo em 1857, e transformação em Vila em 1870.
Intensificam-se a construção de infraestruturas e equipamentos modernos para a sua
urbanização. Num segundo momento, a expansão urbana ocorrida nas décadas de 1870-
1880 exigiu a construção de novas estruturas como os Paços do Concelho, o hospital, o
mercado e o açougue; o passeio público foi arborizado e instalado o coreto para a banda
de música. Ampliou-se os espaços verdes, os largos e arruamentos foram sombreados
com acácias rubras. A vila passou por uma transformação radical no aspeto sanitário e
urbanístico. Foi a primeira em Angola a ver instalada a iluminação pública (Freudenthal
et al., 2010).
243
Navegação do Kwanza com algumas embarcações movidas a vapor (Boletim Oficial nº
52, de 29 de dezembro de 1866)68.
Durante as décadas do século XIX o Dondo esteve embalado pelo seu crescimento
económico e transformação urbana acelerada, onde dominavam as mais de 50 Casas
comercias e filiais, enfileiradas na antiga rua da Kapacala (figura 2), paralela ao rio. O
fluxo de produtos provenientes da feira do Dondo atinge números exponenciais para a
exportação na Alfândega de Luanda, próximos ou superiores ao total de produtos
provenientes de outras localidades. Contudo, o surgimento do transporte ferroviário e as
necessidades crescentes de escoamento de produtos que não podiam ser respondidas
cabalmente pela limitação do transporte fluvial, provoca ao Dondo um período de
desaceleração económica e declínio. Uma situação que, curiosamente, ajudou bastante na
manutenção quase intata do traçado urbano e do seu património construído até à presente
data.
68
Citado por Cruz (2000); ANA (2011); Silvestre (2014a); ANA (2015).
244
do caminho de ferro, agravando a situação depois do grave acidente da empresa de
navegação do Kwanza, com perdas avultadas de bens materiais e humanos. Evidencia-se
assim a necessidade de construção de um ramal de caminho-de-ferro para o Dondo, uma
vez que o Kwanza já não estava capaz de satisfazer as exigências do comércio (ANA,
2015; Freudenthal et al., 2010; Batalha, 2006).
69
Hoje em ruínas, o Hotel Kwanza foi o primeiro estabelecimento hoteleiro a ser construído na cidade do
Dondo, no período áureo do seu crescimento económico. “Edifício de expressão oitocentista, de tipo
vernáculo, com torreão de quatro águas. Um volume de proporção sensivelmente quadrangular com dois
pisos, apresentado o térreo, duas portas de arco redondo, e o superior duas janelas sacada de cada lado”
(Freudenthal et al., 2010).
246
Fonte: www.google.com/maps [15/06/2017]
Como refere Batalha (2006: 106), “As velhas casas térreas e sobrados são desprovidos de
ornatos e têm proporções comedidas, (…) mas possuem um toque de força viril e um
equilíbrio de linhas que lhes dão um encanto singular. Dentro da sua modéstia tem arte,
e através da sua sobriedade há distinção. No seu conjunto, têm um caráter intrínseco,
possuem uma unidade estética e constituem um estilo definido, que lhes são próprios e
exprimem um particularismo regional, já sem exemplo similar em Angola (…) O Dondo
é um caso típico, com particularidade de apresentar uma estrutura urbana ordenada, pouco
vulgar na época em que a vila se formou e se desenvolveu. Possui ainda um notável cunho
247
tradicional, acentuado pela afinidade geral de sua arquitetura, cheia de caráter, robusta e
forte, como a vontade dos homens que a ergueram, afrontando o desconforto de um clima
duro. Pela sua conformação e pelo seu caráter específico é um caso único em Angola, um
modelo vivo da arte urbanística e arquitetural dos séculos passados, com estilo próprio e
feição regional”.
“Quem vai ao Dondo tem a sensação de viajar no tempo. Todo o ambiente local nos faz
retroceder o espírito às eras passadas, como se, por estranho sortilégio da fantasia,
estivéssemos vivendo no século XVIII ou XIX, alheados da época frenética hordienda,
com suas velocidades supersónicas e suas incursões nos espaços siderais (…). Seria
atentatório dos interesses locais e nacionais destruir as típicas construções, o caráter
urbano e o ambiente histórico do Dondo, ou desvirtuá-los com inovações inadequadas,
quebrando a unidade estética e urbanística herdada do passado. A renovação e o progresso
são fatores meritórios e desejáveis para a vida das povoações, os quais devem ser
favorecidos e estimulados, mas quando outros valores estão em jogo, torna-se necessário
orientá-los e condicioná-los num sentido de maior valorização de todo um património
coletivo. «O seu passado interessa ao seu futuro» ” (Batalha, 2006: 106-109).
248
Entretanto, o acervo cultural do Dondo na década de 1990, no reacender do conflito
armado após as primeiras eleições em Angola, deixou de ser preocupação das autoridades,
passando mesmo a ser alvo de desocupados e malfeitores. “Objetos de expressivo valor
como canhões, estatuetas, quadros, brasões, bustos em bronze, etc., foram tomando
descaminhos sem deixar rastos” (Silvestre, 2014a: 59). O largo do centro onde convergem
todas as ruas, atual Largo do Lazer (figura 31), foi totalmente descaraterizado na tentativa
da sua reabilitação após o alcance da paz.
Um desencanto que pode ser aferido nas palavras de Silvestre (2014b): “era um lugar
aprazível, acabou-se com o repuxo iluminado, o piso ladrilhado, bancos públicos de ferro
fundido trabalhado, arbustos, trepadeiras e jardins frondosos; foram substituídos por
quiosques para atividade comercial, totalmente descaraterizado do contexto”. Um
despropósito que rompe com a história num dos largos mais antigos de Angola.
O Dondo cresceu consideravelmente nas duas últimas décadas, ao longo das direções
paralelas à estrada nacional 230, uma vez que os picos montanhosas de um lado e a
corrente fluvial de outro, não permitem grandes extensões para lá dos bairros periféricos
existentes atualmente, mantendo a sua estrutura original retilínea.
249
Lucala, Camabatela, Samba Cajú, Banga, Bolongongo, Quiculungo, Golungo Alto e
Ngonguembo). A área territorial do município é de 5212 Km2 e é composta por cinco
comunas e perto de meia de centena de aldeias.
Alto Dondo
O município de Cambambe, composto por cinco comunas tinha no início desta década
uma população total de 83.996 habitantes, dos quais 68% vivia na comuna sede, isto é,
250
na cidade do Dondo (quadro 5). Nesta altura, em que tinham sido produzidos dados mais
atuais através do estudo do perfil do município para a elaboração do plano diretor, a
esperança de vida da população estava no intervalo entre os 45 e os 60 anos.
A cidade é constituída por cinco grandes bairros que acompanham a estrada nacional
longitudinalmente devido à limitação imposta pela frente fluvial de um lado e conjunto
de montanhas do outro. O percurso entre Luanda e Dondo é plano e quase sempre retilíneo
a um nível próximo do mar, mas à saída da cidade a configuração geomorfológica altera-
se, o relevo torna-se irregular a partir do morro do “S”, marcando o início da altitude em
direção às zonas planálticas do país. Devido ao relevo acidentado, a contiguidade entre
os aglomerados populacionais do Dondo e Alto Dondo tarda a acontecer.
251
Antes de se chegar ao núcleo urbano histórico, conhecido como o bairro da Cidade, o
viajante saído de Luanda passa pela ponte sobre o rio Mucoso e passa pelo interior dos
bairros Cafuma e Quissanga. Entre o Kwanza e a urbe, para lá do caminho de ferro,
localiza-se o bairro da Cerâmica, com edificações precárias escaladas nas encostas até
perto dos seus limites. À saída do núcleo urbano, a estrada nacional conta com uma
segunda ponte, sobre o rio Kapacala, e rompe a meio os bairros Cacesses 1 e 2,
experimentando novas altitudes em direção a outras latitudes.
70
Os estudos em referência foram realizados por uma empresa de consultoria, designada de Central
Projetos, em associação com a GSE (Gestão de Serviços de Engenharia), em dezembro de 2013. Os estudos
resultaram num relatório de caraterização do município de Cambambe e enquadrou-se no âmbito da
elaboração do Plano Diretor Municipal.
252
A Cidade. Possui um traçado colonial, constituída por uma malha regular,
situada entre o Rio Kwanza e o caminho de ferro, paralela a ambos. Corresponde
ao centro da cidade e a sua população ronda os 4600 habitantes. Imediatamente
a sul encontra-se Cahoios. Uma pequena “península” do bairro urbano
constituída pelo encontro da ribeira de Kapacala com o Kwanza. Integrou
inicialmente um bairro social que se pretendia ser a continuidade da cidade. Em
fase mais recente ocorreu uma ocupação mais desordenada com edifícios de
pequeno porte. A sua população ronda os 800 habitantes.
253
Cacesse. É um bairro de ocupação desordenada com a construção tradicional a
dominar todo o seu espaço territorial. A estrada nacional 230 divide o bairro em
norte e sul ou, como os residentes denominam, em zona 1 e zona 2. Na sua parte
nascente ocupa topografias que originam acessibilidades muito difíceis. É
composto por mais de 11500 residentes
Alto Dondo. Tal como o bairro Cacesse, o Alto Dondo também é dividido em
dois pela estrada nacional. A parte norte é marginada pelo percurso rodoviário
que se prolonga para o leste e norte, passando pela capital da província e a parte
sul é “rasgada” ao meio pela estrada que busca às terras do centro e sul do país,
com uma forte dinâmica edificatória. Ambos gravitam à volta da fábrica da
EKA, correspondem a uma ocupação desordenada e de construção tradicional.
Os dois aglomerados compreendem no total 18000 habitantes.
Sobre os transportes, o município de Cambambe está ligado à estrada nacional 330 (EN
330) que se interliga com a estrada nacional 230 (EN 230) com ligações às províncias do
sul: Cuanza-Sul, Huambo, Benguela e Bié; do norte e leste: Uíge, Malanje, Lunda-Norte,
Lunda-Sul, Moxico. O percurso entre a sede municipal e a cidade de Ndalatando, sede da
província, é de 75 Km. Existem carreiras diárias de transporte rodoviário proporcionadas
por empresas privadas, assim como transportes particulares. A linha férrea que liga o
Dondo à capital do país tem uma carreira de duas viagens por semana. No que tange às
comunicações importa assinalar a existência de jornais, sinais de várias rádios e da
televisão pública, serviços de correios, serviços de telefonia móvel e fixa e acesso a
Internet. Embora estes últimos serviços funcionem com muita deficiência, principalmente
no período de chuva quando há trovões e ventos fortes.
255
que fluem para ribeiros ou rios, constituindo num perigo de saúde pública. Apesar de
existir um sistema de recolha e tratamento dos resíduos sólidos, garantido por uma
empresa particular, não existem aterros sanitários, pelo que o lixo é depositado em
lixeiras. Os poucos pontos de recolha de lixo leva a população a constituir lixeiras
públicas, muitas vezes em locais de comércio ou outras atividades humanas.
256
Estação do caminho de ferro. Para além da estação antiga que está inoperante, foi
construída uma nova estação, no âmbito do programa de reconstrução nacional
através do acordo de financiamento com o governo chinês.
Mercado municipal. Reabilitado em 2010 é um equipamento que faz parte do
conjunto histórico da cidade, construído em 1887. Para além deste mercado existem
outros mercados informações nos bairros periféricos, sendo os mais movimentados
o de Cacesse e o da Cidade, à marginal, adjacente ao largo 4 de Fevereiro.
O Rio Kwanza, para além de ter sido uma via de comunicação importante no passado,
transformando-se no elemento vertebrador de florescimento de várias atividades
económicas na historicidade do Dondo, é também ele o principal responsável pela
constituição do parque industrial. Silvestre (2014a: 44-49), faz uma resenha sobre a
constituição de todas as indústrias na cidade, por sinal o maior referencial do município
de Cambambe, viabilizando o crescimento abrupto da cidade do Dondo desde 1960 até
ao 25 de abril de 1974. Tudo começa com o início das obras de construção civil do
Complexo Hidroelétrico de Cambambe em 1958 e a sua entrada em atividade cinco anos
mais tarde. A existência da barragem propiciou a elaboração de um plano de
industrialização do Dondo e de outras localidades do município, sobretudo aquelas
privilegiadas pela presença de rios.
Outras unidades fabris foram constituídas neste período que, infelizmente, tiveram um
tempo de funcionamento efémero face a mudança de regime após independência e a
turbulência que se seguiu. A PREBLOC, fábrica de derivados de cimento, foi vítima das
258
circunstâncias derivadas do conflito pós-eleitoral, servindo inclusive como centro de
recolha de deslocados, atualmente reduzida a escombros.
Nos últimos vinte anos o setor industrial decresceu substancialmente, contudo, de acordo
com os esforços empreendidos no âmbito do plano de reconstrução nacional, o governo
central pretende restabelecer o polo industrial na cidade e no município. Face às boas
condições hidrográficas e a situação geográfica privilegiada do Dondo, a perspetiva
governamental é de construção de mais de quarenta indústrias e polos comerciais no
município de Cambambe. Para além dos esforços de redimensionamento do parque
industrial, foi implementado um projeto piscícola nas lagoas da comuna de Massangano
para a produção de peixe. Pretende-se igualmente a captação de investimentos para o
desenvolvimento agropecuário nas aldeias de São Pedro da Quilemba, e estão
perspetivadas ações a nível do município que visam responder às necessidades de
fornecimento de energia e água, requalificação urbana e processos incipientes de
exploração de recursos minerais. Pois, são fortes os indícios da existência minerais
diversos, tais como diamante, ferro, manganês, cobre, mármore e cal. Atualmente são
explorados apenas alguma madeira e os inertes para construção.
259
Complexo Hidroelétrico de Cambambe. A estas duas juntou-se há meia dúzia de anos a
fábrica de água purificada Santa Isabel, cuja captação da água é feita a partir do Rio
Kwanza.
A atividade agrícola sofreu muito com o conflito armado. Desde o seu término em 2002
se tem registado melhorias substanciais com o regresso das famílias camponesas nas áreas
de origem, embora a falta de equipamentos e fornecimento de serviços elementares
desencoraje a manutenção da população jovem nas zonas rurais. Em muitos casos, a
produção agrícola deixou de ser de subsistência e passou a uma produção de rendimento,
com as famílias a comercializar os excedentes, geralmente à beira da estrada face ao
défice de estruturas intermédias de escoamento dos produtos. Por isso, é preciso
incentivar a organização dos camponeses, constituindo empresas agrícolas familiares,
associações de camponeses e cooperativas agrícolas para os esforços de distribuição dos
produtos. Estes, em quantidades comerciáveis costumam ser a mandioca, batata-doce,
milho, feijão, ginguba (amendoim), banana, hortofrutícolas e citrinos.
260
5.3. Atividade turística e os seus recursos
261
Lagoas e ilhas: na comuna de São Pedro da Quilemba, particularmente na região do
Bungo, o Rio Kwanza (figura 34) se desdobra em braços, obedecendo o relevo
acidentado, para formar ilhas com palmares e outros componentes da flora local, para
além dos rápidos e cataratas que representam um autêntico regalo da natureza. De
igual modo, na comuna de Massangano, o Rio Kwanza e o seu afluente Lucala, têm
uma zona de confluência que deu origem a lagoas com abundante peixe e mamíferos
fluviais (Cazanga e Ngolome), sendo também elementos de atração da fauna local.
262
Atrações turísticas culturais
Pedra de Laúca, Túmulo dos Caçadores e Ponte de Santa Filomena: são atrativos
culturais situados na comuna de São Pedro da Quilemba, na fronteira com a província
de Malanje. A Pedra de Laúca é um achado arqueológico recente, aquando dos
trabalhos de construção da barragem de Laúca. A ponte de Santa Filomena é uma das
primeiras pontes rodoviárias construídas no território angolano. Já o túmulo dos
263
caçadores representa um local sagrado, exclusivo e de grande veneração para os
autóctones, tendo em conta a importância dessas figuras no seio das comunidades.
Naturalmente que a herança cultural do Dondo e comunas não se esgota nos bens
materiais, antes pelo contrário. Do ponto de vista das manifestações intangíveis importa
tecer algumas considerações, cujas particularidades interessarão igualmente ao turismo.
Um dos aspetos marcantes nos hábitos e costumes dos povos é a celebração da união de
duas famílias – o casamento tradicional. É uma das marcas da cultura, que só se considera
consumado com entrega completa do dote acordado previamente entre as famílias
(alembamento: compensação matrimonial em bens, dinheiro e animais, que a família do
noivo oferece a família da noiva). Para esses povos, os casamentos civis e religiosos são
apenas formalidades com pouco valor simbólico, enquanto não for cumprida as
obrigações tradicionais.
Outra dimensão interessante na vida costumeira dos povos Mbundus são os símbolos e
os significados dados enquanto os filhos forem nascendo. Segundo Coelho (2010b) cada
nascimento é colocado um signo de um espírito. O nome dado a uma criança visa a sua
inserção no grupo e representa o processo de personificação. Para afugentar os espíritos,
a criança que é nascida depois de muitas que não sobrevivem tem um nome específico; a
criança que é única no ventre de sua mãe tem um nome específico; a criança que nasce
depois de gémeos tem um nome específico. Os próprios gémeos têm nomes específicos
independentemente do sexo, conforme seja o primeiro a nascer, Kákùlù, ou o segundo,
Kábàsà.
264
Constata-se assim um conjunto de procedimentos que representam modos e estilos de
vida e representam matéria-prima para produtos turísticos. A respeito da pouca
monumentalidade e do significado que representam, os diversos componentes da
idiossincrasia dos povos, associados aos eventos e acontecimentos como as cerimónias,
rituais, etc., são na verdade os principais ingredientes para a prática turística cultural nesta
localidade.
265
VI. Capítulo. Processo metodológico da investigação
Para dar resposta aos objetivos da investigação pensou-se numa metodologia que
implicasse o estudo, a compreensão e explicação da situação atual de uma localidade
concreta, na circunstância, a cidade histórica do Dondo. Embora a proposta de
investigação configurar um estudo de caso, o processo de investigação caraterizou-se por
uma ação descritiva, com observância de diferentes etapas (Carmo e Ferreira, 1998), tais
como a definição dos objetivos de estudo, definição de questões da investigação, a revisão
da literatura, elaboração do estado da arte, trabalho de campo e análise e discussão dos
resultados. Pretendia-se com isso fazer-se uma análise dos dados com espírito crítico e
basear a investigação num sistema de pensamento aberto (Phillips e Pugh, 1998).
267
bibliográfica e análise documental. A segunda parte da tese é estruturada em função do
estudo empírico realizado, tendo em conta os indivíduos inquiridos e as técnicas de
recolha de dados utilizadas. A metodologia utilizada originou a recolha de dados de
natureza quantitativa e qualitativa. Foi definida uma população para os residentes e uma
população para os visitantes da cidade do Dondo, às quais foram administradas inquéritos
por questionário, depois de dimensionada a amostra e selecionadas as técnicas de
amostragem.
268
proposta de Plano Diretor Municipal de Cambambe, Lei do Património Cultural,
Política Cultural, entre outros instrumentos.
269
Embora a investigação em turismo tende a procurar a exatidão e o rigor metodológico
generalizada na quantificação, a complexidade do fenómeno turístico ultrapassa a simples
interação quantificável entre as populações hospedeiras, os turistas e o ambiente, exigindo
por conseguinte o recurso a análises qualitativas que avaliem os impactes do seu
desenvolvimento (Brito, 2012). Segundo a autora, a abordagem mista, assente na
complementaridade entre as abordagens quantitativa e qualitativa surge como uma via
para alcançar uma maior e mais profunda compreensão dos fenómenos em estudo,
motivando estudiosos no campo do turismo a considerarem o recurso a uma ampla
variedade de estratégias de investigação, complementando as ferramentas estatísticas com
as técnicas qualitativas.
270
ser reabilitada para garantir sustentabilidade à sua herança cultural, é um desafio
multidimensional que necessita de conjugar métodos de investigação para atingir a
plenitude dos objetivos preconizados. Por esta razão, procurou-se aproveitar o método
quantitativo no sentido de assegurar a objetividade possível mediante o apuramento de
resultados de inquéritos. Todavia, a necessária interpretação do conteúdo, as lacunas e
limitações próprias dos resultados obtidos por via do questionamento direto e fechado,
obriga a utilização de uma outra abordagem que complemente a objetividade pretendida
ao estudo. Desta forma, a abordagem qualitativa fornece dados que representam a
complexidade dos sistemas urbanos, cultural e turístico no conhecimento existente,
desempenhando um papel de relevo e de complementaridade às informações recolhidas
a partir do método quantitativo.
71
“É o processo cujo objetivo é procurar recolher e analisar dados obtidos de diferentes origens, para os
estudar e comparar entre si” (Sousa, 2005: 173).
271
pretendeu-se regular e controlar as circunstâncias do processo de investigação com o
propósito de aumentar a probabilidade do estudo produzir os resultados esperados.
272
observância das várias técnicas de recolha de dados e das regras de análise, tratamento e
interpretação dos dados para garantir maior valor teórico ao estudo.
No que concerne à validade estatística, a recolha dos dados através de dois questionários
testados e seu tratamento através do software estatístico SPSS (Statistical Package for the
Social Sciences) proporcionou maior rigor de análise e apuramento dos resultados
quantitativos, evitando assim a violação das técnicas utilizadas.
273
avaliar a evolução da procura turística externa no país, assim como o crescimento da
oferta e a própria estruturação do sistema turístico nacional.
274
6.3. Seleção e justificação da técnica de amostragem
Importa, porém, salientar que estratificação não foi rigorosamente realizada para que
todos os residentes pudessem ter probabilidades idênticas de serem inquiridos. O
principal obstáculo a esta situação é a indefinição do número de habitantes na cidade do
Dondo. O censo geral da população realizado em 2014 registou um total de 90.766
residentes no município de Cambambe (INE, 2016), distribuídos nas cinco comunas e
cerca de cinquenta aldeias que compõem o município, incluindo a comuna sede, a cidade
do Dondo. Os dados do censo não fazem referência ao número de habitantes por cada
uma das comunas, bairros ou aldeias.
275
De qualquer forma, socorrendo-se dos dados de 2009 da administração municipal, o
número de residentes na cidade e arredores naquele ano era de 57.344, equivalente a
68,27% dos residentes do município, que era de 83.996 munícipes. Utilizando o mesmo
valor percentual, não obstante o possível enviesamento pela não consideração da taxa de
crescimento população da localidade, estima-se para 2014 perto de 61.966 e para 2017
aproximadamente 64.740 residentes no Dondo. Portanto, um crescimento populacional
de 12,9% em oito anos, à razão de 1,6% ao ano.
276
cidade do Dondo, perceber as reais motivações que os impele a visitar a cidade, grau de
conhecimento que possuem em relação a cultura local, o património construído, a história
e outros atrativos suscetíveis de serem constituídos em produtos turísticos.
Atendendo ao facto de não ser possível identificar toda a população visitante, tornou
inviável de antemão a aplicação de uma técnica de amostragem probabilística para obter
a contribuição desses atores. O desenho inicial pensado para essa população indefinida
foi de utilizar uma amostragem não probabilística em bola de neve. Esta técnica, segundo
vários autores, é útil quando se estudam determinadas populações cuja listagem completa
é impossível de obter, sendo por isso necessário inquerir elementos da população já
conhecidos e, a partir destes, ir identificando outros elementos até que a amostra atinja
um número significativo (Carmo e Ferreira, 1998; Sousa, 2005; Abreu, 2006). Apesar de
haver pouca probabilidade da amostra ser representativa, conforme sustenta Sousa
(2005), acredita-se ser vantajosa a utilização desta técnica devido a rapidez de
procedimento em populações indefinidas e de grandes dimensões.
As caraterísticas básicas para definir a população de visitante foram as mesmas que a dos
residentes, adultos de ambos os sexos, preferencialmente não fazendo parte do mesmo
agregado familiar. Para a amostra procedeu-se também da mesma forma que no processo
anterior. Sendo uma população infinita, o número de visitantes a inquirir foi calculada na
base da tabela de relação da população com a amostra (Abreu, 2006). Seguindo a tabela,
para uma população do género a amostra sugere igualmente a realização de 96 inquéritos,
para um erro de 0,2 e um nível de confiança de 95%. Assim, para o cumprimento dos
277
objetivos, os visitantes foram inquiridos ao longo de quatro semanas até atingir o número
pretendido.
Por mais exaustiva que seja a pesquisa bibliográfica e documental, será sempre
insuficiente o conhecimento necessário a produzir para sustentar os objetivos do estudo,
se não for complementado com a recolha de informação não disponível relacionada com
os principais atores do local objeto de estudo. Como se sabe, dos atores em causa constam
a população residente, os visitantes da cidade e as autoridades públicas do país em
diferentes escalas territoriais. Considera-se que o inquérito por questionário e as
entrevistas são técnicas que se adequam aos objetivos do estudo porque permitem obter
dados e informação sobre o perfil dos atores, suas perceções e motivações, assim como o
entendimento de quem dirige sobre as principais políticas e os planos estratégicos e
operacionais de desenvolvimento para o território. De igual modo, importava ter a
perceção coletiva por via de organizações profissionais locais, intento impossível de
realizar por não haver uma sociedade civil organizada para o efeito.
278
A aplicação do inquérito por questionário à população residente e visitantes da cidade do
Dondo, permitiu obter contribuições para compreender melhor o património do ponto de
vista da oferta e da procura, a avaliação da cidade e opiniões sobre o seu desenvolvimento
turístico. Portanto, de acordo com Sousa (2005), o objetivo foi procurar estudar opiniões,
atitudes e pensamentos destas populações. Os questionários, quer para o residente quer
para o visitante, foram do tipo misto, isto é, apresentam questões com opções de respostas
fechadas e abertas (Sousa e Baptista, 2013). Os questionários foram divididos em duas
partes principais e compostos por 23 perguntas no caso dos residentes e 25 perguntas no
caso dos visitantes, com a inclusão no final em ambos questionários de quatro perguntas
abertas. A primeira parte do questionário visou a recolha de dados biográficos para a
caraterização do perfil dos inquiridos, com opções de repostas simples (excludentes) e
múltiplas, enquanto a segunda parte esteve relacionada com a recolha de dados sobre a
cultura e o turismo na cidade, com opções de respostas excludentes, múltiplas e escalares
(respostas classificadas em escalas), para além das perguntas abertas.
De acordo com a avaliação prévia feita ao local e com o pré-teste realizado, considerou-
se desnecessária a realização de inquéritos em outros idiomas por não se verificar a
frequência de visitantes estrangeiros que tivessem dificuldades em falar o português. Caso
fosse necessário, a situação seria resolvida através da aplicação do questionário por um
dos inquiridores falantes da língua inglesa ou pelo autor (dos quatro inquiridores que
participaram na recolha dos dados, dois falam fluentemente o inglês). De igual, foi
acautelada a possibilidade de encontrar algum inquerido, sobretudo entre os residentes,
que falasse exclusivamente a língua nacional Kimbundu (o idioma predominante no local
para além do português), mediante o recrutamento de dois inquiridores falantes deste
idioma.
279
produzida a informação através da introdução dos dados no software estatístico SPSS. De
recordar que à população residente foi aplicada a amostra probabilística estratificada, não
obstante as dificuldades apresentadas, enquanto à população visitante foi aplicada a
amostra não probabilística, mediante a sua presença acidental no local escolhido para a
recolha dos dados.
A entrevista é uma técnica de recolha de informações que consiste numa conversa com
uma ou mais pessoas devidamente selecionadas de acordo com os propósitos da
investigação, podendo ser dividida em entrevistas não-estruturadas (sem nenhum guião a
partida), semi-estruturada (com um guião ou tópicos) e estruturada (com questões
previamente determinadas) (Fortin, 1999; Sousa, 2005; Sousa e Baptista, 2013). A
entrevista semi-estruturada, a que foi aplicada para este estudo, possui um guião com um
conjunto de tópicos a abordar na entrevista, salvaguardando a necessária liberdade ao
entrevistado, sem que no entanto acarrete o desvio do tema em análise (Sousa e Baptista,
2013).
280
Dondo. Existe sim uma hotelaria rudimentar cuja função exclusiva é a venda de sítios de
dormidas com condições precárias de higiene, cujos proprietários e gestores auscultados
reconheceram ter muitas limitações no contributo a dar à investigação. Os três
restaurantes que a cidade possui, enquanto similares independentes dos estabelecimentos
hoteleiros, funcionam com muitas dificuldades, tal é a escassez de clientes a favor das
barracas de comes e bebes dispostas na margem direita do Kwanza. Sobre agências de
viagens, guias turísticos, rent-a-car e outros serviços turísticos e de intermediação, não
existe quaisquer indícios e muito menos a noção da sua funcionalidade e importância.
281
As entrevistas aos órgãos do Estado perspetivaram também aprofundar questões sobre
orientações estratégicas emanadas pelas direções nacionais aos órgãos de subordinação e
a correspondente operacionalização dessas orientações no terreno. Não existindo ainda
um poder local ancorado em eleições autárquicas e havendo um esvaziamento de
competências dos municípios até para serviços camarários básicos, considerou-se
relevante aferir o grau de articulação dos três níveis de hierarquia no sentido de
compreender a forma como o turismo e a cultura têm sido abordados localmente, nessa
estrutura de total dependência. Importava, no essencial, perceber o grau de intervenção
de cada estrutura na localidade, de acordo com os documentos estratégicos existentes.
282
enviado de um guião de perguntas, respondidas pelo Chefe de Departamento do
Património Histórico-Cultural no dia 07 de outubro de 2016.
Para concluir, apresenta-se abaixo os objetivos que nortearam a realização das entrevistas
no presente estudo.
283
Identificar recursos, atrativos e outras informações não disponíveis em outras
fontes;
Aferir a sensibilidade dos órgãos de decisão sobre a atividade turística e seu grau
de envolvimento com a cultura;
Para garantir a privacidade das pessoas inqueridas foi necessário ocultar o nome dos
entrevistados e não vincular excessivamente os cargos apresentados com as contribuições
fornecidas. Para os respondentes dos questionários, os guiões dispensavam o nome do
inquerido e nos casos em que, inadvertidamente o inquerido tinha escrito o seu nome, a
informação não foi considerada em nenhum momento. Para melhor introdução dos dados
e informação recolhida foi preciso codificar as respostas aos questionários e as
entrevistas.
284
prudente na medida em que poderia causar algum desconforto a esses entrevistados, com
eventuais perigos dos seus interesses enquanto servidores públicos. Também não foram
incluídos relatos a nível dos questionários de determinados inqueridos, detentores de
informação privilegiada sobre algumas questões colocadas, que tomaram a iniciativa de
adicionar informação sobre práticas pouco recomendáveis de determinados órgãos,
fazendo juízo à margem do solicitado.
Na verdade, os fins não justificam os meios, seguindo esta máxima houve o cuidado de
não transgredir os princípios morais das pessoas que prestaram o seu apoio e colaboração
ou de terceiros por elas referenciadas nesta investigação.
285
VII. Capítulo. Caraterização dos inquiridos da cidade histórica do Dondo
Em relação aos questionários efetuados aos residentes, a sua aplicação foi feita em
quantidades iguais pelos seis grandes bairros que compõem a localidade. Cada um dos
inquiridores posicionou-se em locais de maior circulação de munícipes de cada bairro,
ficando com a responsabilidade de inquirir 16 indivíduos adultos de ambos os sexos,
residentes na cidade há pelo menos um ano. Salienta-se que este trabalho de campo foi
confundido muitas vezes com o processo de atualização de registo eleitoral que se
realizava no mesmo período por brigadas de jovens recrutados pela Comissão Nacional
Eleitoral. Inicialmente verificaram-se muitas recusas porque os transeuntes alegavam
pressa, razão pela qual foi permitido que alguns levassem os questionários para casa a
fim de devolverem nos dias seguintes.
Quanto às entrevistas, foram todas realizadas pelo autor, com o auxílio de um gravador
de telemóvel. No total foram realizadas oito entrevistas, seis semi-estruturadas e duas
estruturadas. As duas entrevistas realizadas no Dondo foram semi-estruturadas, isto é,
feitas presencialmente. Em Ndalatando, a capital da província, foi realizada uma
entrevista semi-estruturada e uma estruturada, ao passo que em Luanda foram realizadas
três entrevistas semi-estruturadas.
Não obstante algumas recusas, verificou-se no geral uma predisposição dos visitantes e
dos residentes em colaborarem com a investigação. Grande parte dos visitantes inquiridos
mostrou-se particularmente satisfeito com a iniciativa de realização de um estudo sobre
o turismo na cidade porque considerou urgente o aproveitamento dos seus recursos do
ponto de vista turístico. No essencial, considera-se que o trabalho de campo decorreu sem
sobressaltos, exceção a dificuldade de agendamento das entrevistas programadas com os
órgãos centrais do Ministério da Cultura.
287
7.1. Os residentes
Foram inquiridos 16 residentes por cada um dos seis grandes bairros da cidade e arredores
do Dondo. Os quadros e gráficos (figuras) seguintes apresentam os dados biográficos dos
indivíduos inquiridos ou respondentes, quanto ao sexo, grupo etário, bairro de residência,
naturalidade, habilitações académicas, grupo de atividade profissional em que estão
inseridos, situação profissional e estado civil. Outro conjunto de quadros e gráficos
objetivam a recolha de dados que visaram aferir a afeição do residente para com a cidade
e a sua sensibilidade turística, mediante informação sobre a frequência de viagens
realizadas no ano e as razões subjacente às mesmas.
46%
54%
Homens Mulheres
288
Da estratificação feita em função da idade, conforme espelha a figura 36, verifica-se que
o grupo etário com maior percentagem de respondentes é o mais jovem, dos 18 aos 25
anos, contabilizando 39 inquiridos, equivalente a 40,6%, seguido do grupo etário dos 26
aos 35 anos com 34 inquiridos, equivalente a 35,4%. Noutra perspetiva, se afirma que
76% dos respondentes possuem entre 18 e 35 anos de idade, correspondendo ao facto
sobejamente conhecido de que a população angolana é bastante jovem. É curioso notar
que apenas o grupo etário dos 26 aos 35 anos possui mais respondentes do sexo
masculino, sendo de destacar a participação das mulheres dos 18 aos 25 anos, com 61,5%
do total. Este elevado nível de participação do sexo feminino pode ser entendido como a
crescente consciencialização da mulher no exercício da cidadania, ao contrário da
posição de secundarização dos anos anteriores.
46 - 60 anos
9%
36 - 45 anos
15%
18 - 25 anos
41%
26 - 35 anos
35%
Fazendo uma análise cruzada entre o género e idade, conforme se apresenta na figura 37,
constata-se que existe um ligeiro equilíbrio de participação dos géneros nos grupos
etários mais adultos e de meia-idade, contrariamente aos grupos etários mais jovens.
Veja-se que nos grupos etários que compreendem as idades entre os 36 e os 45 anos se
observa um rigoroso equilíbrio, isto é, 50% de participação para o género feminino e
50% para o género masculino. Outra nota que interessa realçar tem que ver com a não
participação de respondentes acima dos 60 anos de idade em ambos os géneros. Essa
289
constatação pode ser justificada não apenas pela circunstância da maior quota da
população ser representa por jovens e crianças, mas também pelo facto da maioria dos
residentes de terceira idade na cidade do Dondo passarem grande parte do dia em
atividades agrícolas nas suas lavras, que se encontram afastadas das áreas habitacionais.
76,50%
61,50%
55,60%
50% 50%
44,40%
38,50%
23,50%
Mulheres Homens
Fazendo uma caraterização dos inquiridos de acordo com o bairro de residência e o sexo
(figura 38), observa-se um maior equilíbrio do género, com a exceção dos bairros da
Cidade e do Alto Dondo, onde foram registados 6 respondentes do sexo feminino e 10
respondentes do sexo masculino, correspondente a 37,5% e 62,5% respetivamente.
290
62,50% 62,50%
56,30% 56,30% 56,30% 56,30%
Mulheres Homens
83,30%
7,30%
3,10% 4,20% 2,10%
291
Graças ao Complexo Hidroelétrico de Cambambe, que abastece de energia elétrica a
cidade de Luanda, Dondo teve sempre uma proteção reforçada no período de guerra. Com
o eclodir do conflito pós-eleitoral em 1992 a cidade tornou-se a capital da província, pois
foi o único local que permaneceu sob controlo das forças governamentais, albergando no
seu seio cerca de 43.750 deslocados provenientes das cidades de conflito, sobretudo
Ndalatando e Calulo, para além das populações das comunas que compõe o município
(Silvestre, 2014a). Todavia, o inquérito indica (figura 39) que após o alcance da paz, em
2002, grande parte dos deslocados de guerra regressou às suas origens.
Em relação ao grau de instrução, a pesquisa revelou que 54,2% dos residentes inquiridos
tem como habilitações académicas o segundo ciclo do ensino geral 72, entre a 10ª e 12ª
classe. Assinala-se aqui a razoável percentagem dos inquiridos com bacharelato e
licenciatura concluída, 16,7% e 13,5% respetivamente, não obstante a cidade não possuir
nenhuma instituição do ensino superior, nem sequer um polo universitário. A ambição de
aumentar o grau académico tem levado o residente do Dondo a fazer sacrifícios
adicionais, deslocando-se diariamente a Ndalatando ou a Luanda para frequência de um
curso superior. Existem casos de fixação temporária de residência na cidade do Huambo,
que dista perto de 450 quilómetros, para o cumprimento desse objetivo.
72
A reforma recente conduzida pelo Ministério da Educação alterou a estrutura antiga de três níveis de
ensino no secundário. Ou seja, o sistema de ensino geral começava com o ensino primário da iniciação até
à 4ª classe, vinha de seguida I nível, 5ª e 6ª classe; II nível, 7ª e 8ª classe; Ensino Médio 9ª e 12ª. Atualmente
a principal alteração reside no ensino primário, que se estendeu até a 6ª classe, e no último nível de ensino
que passou da 10ª a 12ª classe ou 13ª em alguns casos.
292
acordo com as oportunidades vividas na localidade ao longo da sua história recente. No
primeiro caso, o facto da maioria dos inquiridos ser natural do Dondo e a distribuição por
outras localidades não ser tão díspar tornou essa relação irrelevante. No segundo caso
verificou-se uma situação semelhante, na medida em que a condição de população
maioritariamente jovem é refletida na elevada percentagem de 76% dos inquiridos, entre
os 18 e os 35 anos, não se vislumbrando com isso qualquer relação entre a idade e as
habitações académicas. Por outras palavras, analisando os resultados do inquérito se
constata que a condição de ser mais velho ou de nascer na cidade do Dondo não influencia
o nível académico.
70,0% 65,9%
60,0%
50,0% 44,2%
40,0%
30,0% 25,0%
21,2%
18,2%
20,0%
Mulheres Homens
Nota de realce sobre essa questão das habilitações académicas prende-se com o facto de
não se registar qualquer indivíduo que não soubesse ler nem escrever. Contudo, segundo
se apurou, a recusa de alguns residentes em aceder ao preenchimento dos questionários
durante a realização dos inquéritos prendia-se precisamente com o facto de algumas
pessoas serem iletradas, embora fossem dadas garantias de apoio pelos inquiridores. Com
o grau de iliteracia que graça um pouco por todo país, seria previsível ter nos dados
recolhidos indivíduos analfabetos. Basta constatar, por exemplo, que os dados recentes
do censo geral da população revelaram que 25,3% da população da província do Cuanza-
293
Norte com 18 ou mais anos não tem qualquer nível de escolaridade concluído (INE,
2016).
Outra
Agricultura 2% Turismo/Lazer/
8% Entretenimento 8%
Comércio/indústria 6% Artes/Cultura/
Informação 8%
Marketing/Finanças/
Seguros/Consultoria 6%
Tecnologias de
informação 15%
Ensino/Investigação/
Saúde/Serviços sociais 47%
Uma das ilações a retirar com a variável profissional é a relevância da atividade no local.
A dimensão turística de uma localidade pode ser avaliada em função do número de
empregos que são gerados direta e indiretamente pelo setor. Portanto, observando o grupo
de atividade relacionado com o turismo, lazer e entretenimento, verifica-se que apenas 5
294
residentes afirmaram trabalhar nesta área profissional, correspondendo a pouco mais de
8% do total de respondentes. De facto, é uma realidade facilmente confirmada atendendo
ao número ínfimo de empreendimentos hoteleiros e similares, assim como a quase
inexistente atividade de lazer e entretenimento.
Uma vez que a maior parte dos respondentes pertencem ao setor da educação e da saúde,
resulta natural que o maior empregador dos indivíduos inquiridos na localidade seja o
Estado, que detém o monopólio dos serviços nestes domínios (figura 42). Assim, 38%
dos respondentes é funcionário público, 33% trabalha por conta própria, enquanto 18% é
assalariado por conta de outrem. O número de inquiridos que afirma estar ligado aos
serviços religiosos é assinalável, uma situação que ajuda a confirmar o fenómeno atual
de proliferação de denominações religiosas em todo o país.
Serviços religiosos
11%
Conta própria
33%
Funcionário
público
38%
Conta de outrem
18%
295
Em relação ao estado civil, representado na figura 43, dos residentes inquiridos, constata-
se que 70 dos 95 respondentes são solteiros, correspondendo a 72,9% do total, contra 22
respondentes casados ou vivendo maritalmente, equivalente a 22,9% dos inquiridos. Este
dado não encerra em si nenhuma surpresa uma vez que, como tem sido referido, o facto
da maioria da população não estar acima dos 25 anos justifica o número elevado de
cidadãos sem vida conjugal.
Porém, há que assumir o eventual enviesamento deste dado, na medida em que muitos
respondentes pertencentes aos grupos etários 18-25 e 26-35 anos que se declararam
solteiros, terão já vivido maritalmente, estando numa situação atual de separação.
Também foi possível verificar no controlo das respostas feito pelos inquiridores que
determinados indivíduos, vivendo em união de facto, declararam-se como sendo solteiros,
não por desonestidade mas sobretudo pelo hábito legal de assunção desse estado quando
não se contrai matrimónio de facto (à luz da lei).
Divorciado Viúvo
1% 2%
Casado ou
união de facto
23%
Solteiro
74%
296
contribuir para o enriquecimento da experiência do visitante na sua terra. Por outro lado,
ao se questionar sobre a frequência e os motivos de viagem, procurou-se saber a tendência
do residente em viajar e tornar-se turista, assim como verificar se as suas motivações de
viagem estão em correspondência com as modalidades turísticas de índole cultural, tendo
em consideração o objeto de estudo desta investigação.
De acordo com a figura 44, o Rio Kwanza e a paisagem envolvente é o principal elemento
de afeição dos residentes com a cidade. Cerca de 48% dos inquiridos, correspondente a
uma frequência absoluta de 46 respondentes, considera o rio como o principal recurso de
apreciação, seguidos da cultura e a história da cidade em segundo lugar e a forma de ser
dos residentes em terceiro, com percentagens respetivas de 32,3% e 10,4%, equivalentes
a 31 e 10 respondentes. Na verdade, os resultados apurados sobre essa questão não são
surpreendentes visto que a vida de praticamente todo o residente do Dondo, com exceção
da população do bairro Alto Dondo, está estruturada em função do Rio Kwanza. O rio
representa a fonte de sustento das populações e um recurso basilar de muitas práticas
sociais e atividades de recreio, sendo mesmo o principal responsável pelo surgimento da
própria cidade, iniciado com aglomerados populacionais muito antes da chegada dos
portugueses a Angola.
297
Olhando para a questão sobre o tempo de residência dos inquiridos, refletida na figura 45
verifica-se que a maioria possui uma vivência longa com a localidade, informação
expetável se se atender ao facto da generalidade dos residentes inquiridos serem naturais
da cidade, tal como foi apurado anteriormente. Nesse sentido, 52 respondentes afirmam
viver no Dondo desde a nascença, 16 afirmam viver há mais de 20 anos e 9 vivem há pelo
menos 11 anos na cidade. Valores absolutos que correspondem a 55,3%, 17% e 9,6%
respetivamente. Associando as duas primeiras opções de respostas, verifica-se que mais
de 72% dos inquiridos, isto é 68 respondentes, vive na cidade do Dondo há pelo menos
18 anos, demonstrando aqui um vínculo forte que os residentes possuem com a sua terra.
Menos de 1 - 5 anos
1 ano 2,1% 6%
6 - 10 anos
10%
11 - 20 anos
10%
Desde a
nascença
55%
Mais de 20 anos
17%
O gráfico seguinte apresenta os dados sobre o número de viagens realizadas pelo residente
no ano. Um indicador importante para aferir a sua propensão às viagens e para medir a
taxa de partida73. Nessa conformidade, 33 dos residentes inquiridos afirmam viajar entre
uma a três vezes ao ano, enquanto 21 inquiridos ausentam-se mesmo todos os meses fora
da localidade, valores absolutos que correspondem a 36,7% no primeiro caso e a 23,3%
no segundo, tendo em conta os 90 respondentes da questão.
73
De acordo com Cunha (2013), esse indicador mede a percentagem da população residente que passa
férias fora da sua residência habitual. Representa a relação entre o número de pessoas que passa férias fora
da sua residência habitual e a população total.
298
Uma vez 7,30%
Figura 46: Residentes inquiridos segundo o número de viagens realizadas por ano
Importa sublinhar que essa propensão às viagens não resulta propriamente de uma
necessidade turística ou de lazer, mas sim das viagens regulares que grande parte da
população inquirida necessita para visitar familiares, para além da situação já referida de
fins comerciais de muitos que trabalham por conta própria, por via de fluxos regulares
de produtos entre o Dondo e as várias localidades do país. Tanto é assim que a segunda
categoria de maior prevalência é a dos residentes que raramente saem do Dondo, 30%
dos inquiridos, num total de 27 respondentes, provavelmente porque não têm razões
económicas substantivas para o fazer.
Ainda sobre as vezes que o residente viaja ao ano, chama a atenção o facto de 2 dos
respondentes afirmarem que se ausentam todas as semanas do Dondo. Deduz-se nesse
particular que essas viagens têm como fundamento a necessidade de muitos jovens locais
ingressarem o ensino superior, fundamentalmente em Ndalatando, a 75 km, ou em
Luanda, a 180 km, que os obriga a deslocações semanais e por vezes diárias.
Sobre as razões ou os motivos que obrigam os residentes do Dondo a viajar (quadro 7),
importa esclarecer que o valor de 126 da frequência absoluta, superior ao valor de 96
inquiridos que constitui a amostra, explica-se pela qualidade da pergunta em permitir
múltiplas opções de repostas, sendo por isso bastante aceitável que uma pessoa tenha mais
de um motivo para decidir por uma viagem.
299
Quadro 7: Motivos de viagem dos residentes
Descontrair e
Fazer negócios usufruir da paisagem
6% 4,8%
As respostas resultantes desta questão indicam que a principal motivação de viagem dos
residentes do Dondo é visitar familiares e amigos, com uma percentagem de 41,3% dos
respondentes, seguido da necessidade de fazer compras e de ter contato com outros povos
e culturas, ambas com 17,5%. Apenas 4,8% dos respondentes tem na viagem uma opção
genuinamente turística de descontrair e usufruir da paisagem. É sintomático verificar que
as razões de viagens para compras e negócios representam ao todo mais de 23% do total,
300
pois, são aquelas que obrigam os residentes a deslocações constantes devido às atividades
comerciais informais. Portanto, as viagens dos residentes do Dondo são essencialmente
motivadas por questões económicas, bem como a necessidade de manutenção e
consolidação das relações familiares e de amizade.
O residente adulto do Dondo carateriza-se por ser um indivíduo jovem, nascido na própria
localidade (83,3%), maioritariamente do grupo etário dos 18 aos 25 anos (40,6%). Pela
sua juventude é sobretudo solteiro (72,9%) e com um nível de habilitações que não
ultrapassa a 12ª classe, o que em boa parte decorre da ausência no local de oferta
formativa para o ensino superior. Geralmente é funcionário público e possui um vínculo
de emprego formal com o Estado na saúde ou na educação, havendo de igual modo um
número significativo de indivíduos no setor informal da economia, realizando negócios
particulares.
O cidadão adulto residente do Dondo vive na cidade desde a nascença (55,3%) e está
muito afeiçoado ao rio e sua envolvente, um recurso estruturante da sua vida diária. Tem
propensão às viagens, fundamentalmente para consolidar laços familiares e de amizade
(41%), mas também para fazer negócios, sendo por isso um cidadão com um certo hábito
de deslocação fora do seu enquadramento habitual, ainda que essas deslocações não
resultem de motivações turísticas. No entanto, para finalizar, importa relevar que é um
indivíduo que tem noção da cultura e da história que carrega a sua cidade (32,3%) e por
isso mesmo não se coíbe de viajar em busca de contatos com outros povos e cultura ou
ainda assistir a eventos culturais, valências muito próprias da sua terra.
7.2. Os visitantes
301
outras estruturas móveis e bancadas para venda de artigos diversos. Este local pode ser
considerado como a principal referência para a alimentação do visitante do Dondo, assim
como de paragem obrigatória para os viajantes em trânsito que pretendam descansar por
algumas horas.
302
um total de 36 respondentes, equivalente a 37,5%, seguido dos grupos etários dos 18 aos
25 e dos 46 aos 60 anos, ambos com 20,8%, equivalente a 20 respondentes.
36%
64%
Homens Mulheres
Mais de 60
18 - 25 anos
anos 3%
21%
46 - 60 anos
21%
26 - 35 anos
37%
36 - 45 anos
18%
Fazendo uma associação entre o sexo e o grupo etário (figura 50), observa-se que no caso
das mulheres, 30 das 35 inquiridas, isto é 85,7%, têm no máximo 35 anos de idade, não
se registando mesmo nenhum visitante do sexo feminino com mais de 60 anos. No caso
dos homens há um destaque do grupo etário dos 26 aos 35 anos e uma participação
residual dos indivíduos da terceira idade. Também é curioso verificar que o grupo
303
masculino entre os 18 e os 25 anos representa apenas 8,2% dos homens inquiridos, se
considerarmos a apetência natural dos jovens para a viagem. A explicação que se pode
avançar para este facto está na reduzida capacidade financeira dos homens, ao contrário
das mulheres dessa faixa etária, como se verá adianta, viajam mais na condição de
acompanhante, sem preocupações com as despesas de viagem. Portanto, observando as
cores do gráfico, a esmagadora maioria do visitante masculino do Dondo possui uma
idade compreendida entre os 26 e 60 anos.
42,90% 42,80%
34,40%
29,50%
23%
8,20% 9%
5,70% 4,90%
Mulheres Homens
304
propósito de acudir a necessidade de recursos humanos, a tempo inteiro, para a construção
de uma barragem hidroelétrica de maior dimensão, na verdade a maior do país, cuja
entrada em funcionamento está prevista para julho de 2017.
50,00%
45,90%
45,00% 42,90%
40,00%
35,00% 31,40%
30,00%
25,00%
20,00%
14,30%
15,00% 11,50%
9,80%
10,00% 8,20%
6,60% 5,70% 6,60% 6,40%
4,90% 5,70%
5,00%
0,00%
Luanda Ndalatando Malanje Laúca Huambo Wakukungo Cambambe Outra
localidade
Mulheres Homens
Outra análise que resulta interessante fazer é o posicionamento geográfico das localidades
de proveniência, o que possibilita inferir sobre a intenção da visita. Se no caso de
Ndalatando, Laúca e Cambambe existe uma relativa proximidade, onde a deslocação mais
distante é feita em menos de uma hora; para os visitantes do Waku-kungo e do Huambo
que distam para além dos 200 e 400 quilómetros respetivamente, o Dondo representa um
local de trânsito, tendo em vista o destino final. Já com os visitantes de Malanje e Luanda,
percebe-se uma clara intenção de visitar o Dondo, principalmente os primeiros, que não
precisam passar pelo Dondo para visitarem outras localidades importantes do país.
No que respeita à variável nacionalidade (figura 52) a maioria dos visitantes inquiridos
são angolanos, num total de 80 respondentes, equivalente a 86%. A segunda
nacionalidade com maior frequência é a portuguesa com um total de 8 respondentes,
equivalente a 8,6%, seguida da brasileira e da colombiana, ambas com dois respondentes,
e por fim a espanhola com 1 apenas. Salienta-se que não foi inquirido nenhum visitante
estrangeiro do sexo feminino.
305
A esse propósito, a precariedade das estradas, as condições humildes de alojamento e
restauração possam ser justificativas para a ausência de mulheres de outras
nacionalidades a visitarem o Dondo, tendo em conta a sensibilidade feminina em
determinadas situações relacionadas com viagens sem grande conforto. Por outro lado,
conforme se apurou, os estrangeiros visitantes, com exceção dos que saem
propositadamente de Luanda, são colaboradores nos projetos diversos no interior do país,
em atividades “tipicamente” masculinas, como os já mencionados complexos
hidroelétricos de Cambambe e Laúca, que aproveitam as folgas para visitarem o Dondo.
Angolana 45
35
Portuguesa 8
0
Brasileira 2
0
Colombiana 2
0
Espanhola 1
0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
Homens Mulheres
Analisando os dados refletidos na figura 53, constata-se que o extrato mais representativo
relacionado com a variável habilitações académicas, à semelhança dos dados obtidos com
os residentes, é do intervalo 10ª-12ª classe, com 39,1% do total de visitantes inquiridos,
equivalente a 36 respondentes. Em segundo e terceiro lugares aparecem os graus de
licenciatura e de bacharelato com 25% e 20,7% respetivamente, correspondendo a 23 e
19 respondentes. É de assinalar que 48% dos inquiridos frequenta, frequentou ou concluiu
o ensino superior, havendo mesmo dois visitantes com mestrados concluídos.
Outra nota de realce tem que ver com as habilitações académicas dos visitantes
estrangeiros. Os dados recolhidos indicam que o grau máximo dos cidadãos estrangeiros
é o bacharelato, declarado por um português e um colombiano. Os restantes nunca
frequentaram o ensino superior. Isto significa que todos os licenciados, mestres e grande
306
parte dos bacharéis apurados são de nacionalidade angolana. Essas ilações suscitam
naturalmente outros estudos e abordagens para consolidar opiniões que têm sido
levantadas no país relacionadas com a questão. Ou seja, é recorrente questionar-se por
um lado a contratação de estrangeiros para trabalhos operativos ao alcance dos nacionais,
mas por outro lado, também é frequentemente questionada a qualidade da formação e
especialização do cidadão nacional para assumir determinadas responsabilidades
profissionais.
39,1%
25,0%
20,7%
6,5% 6,5%
2,2%
Turismo/Lazer/
Outra profissão 8% Entretenimento 8%
Artes/Cultura/
Engenharia/mecânica/ Informação 8%
serviços técnicos/
construção 24%
Marketing/Finanças/
Seguros/Consultoria
6%
Comércio e Tecnologias de
indústria 15% informação 7%
Ensino/Investigação/
Agricultura 5% Saúde/Serviços sociais
47%
Em relação aos angolanos, verifica-se que a maior parte tem a atividade profissional
vinculada ao ensino, educação, saúde e serviços sociais, com uma percentagem de 19,8%
do total de inqueridos, seguido do grupo composto por engenharia, mecânica, serviços
técnicos e construção, com 13,5% e do grupo de turismo, lazer e entretenimento com
9,4%. À semelhança dos residentes, os angolanos visitantes estão sobretudo vinculados
aos setores da saúde e da educação.
308
constatação, não obstante o número reduzido de inquiridos e a técnica de amostragem
aplicada aos visitantes, afigura-se até certo ponto surpreende tendo em consideração o
número de empresários estrangeiros no país.
Serviços religiosos 1%
Conta própria
16%
Funcionário
público 47%
Conta de outrem
36%
Em relação ao estado civil, na figura seguinte, cerca de 58% dos visitantes inquiridos são
solteiros, representando um total de 55 respondentes, enquanto 41% são casados ou a
viver maritalmente, equivalente a 39 respondentes. Apenas 1 visitante afirmou ser
divorciado e outro tanto declarou-se viúvo, ambos de nacionalidade angolana. Ainda
sobre os nacionais, importa referir que dos restantes 78 respondentes, 50 afirmaram ser
solteiros e 28 afirmaram ser casados, correspondendo respetivamente a 52,6% e 29,5%
do total de visitantes inquiridos.
309
Divorciado Viúvo
1% 1%
Casado ou em
união de facto
41%
Solteiro
57%
Tal como a análise sobre o estado civil dos residentes, é provável que um ou outro
visitante, vivendo em união de facto, se tenha declarado solteiro, por força do hábito. Na
verdade os casais em Angola que viviam em união de facto até a meia dúzia de anos não
eram reconhecidos como tal e, portanto, eram considerados solteiros perante a lei. A
situação foi alterada com a entrada em vigor de um instrumento jurídico específico que
veio salvaguardar os direitos dos cônjuges e filhos resultantes dessas uniões.
A figura 57 tem como propósito aferir a disponibilidade para viagens e férias fora da
localidade de residência. Considerou-se importante questionar sobre o local ou região
habitual de férias dos visitantes, assim como perceber se a cidade do Dondo era vista
como um destino para passar férias. Dessa forma, verificou-se que 45,6% dos visitantes
inquiridos, equivalente a 41 respondentes, passam férias em Angola, ou seja, fazem
habitualmente turismo interno, ao passo que 33,3%, equivalente a 30 respondentes,
incluindo 4 portugueses, não se ausenta da localidade onde vive quando está de férias.
310
Local de residência 33,30%
Em África 4,40%
Pouco mais de 20% dos inquiridos passa habitualmente férias no exterior do país,
preferencialmente em outras regiões que não o continente africano. Apenas 4 angolanos
afirmaram passar regularmente as férias em países da África, nomeadamente a Namíbia
e a África do Sul. Realçar que todos os visitantes que afirmaram passar férias em Angola
são angolanos, com a exceção de um inquirido de nacionalidade portuguesa.
Acredita-se que a situação atual de crise económica no país tenha um efeito dissuasor
para o turismo emissor, principalmente entre os angolanos, visto que a aquisição de
divisas para a efetivação da viagem tornou-se bastante restritiva. Por outro lado, a grande
prevalência de inquiridos que passam férias no país ou no seu local de residência pode
ser justificável pela limitação de circulação aquando do conflito armado, impedidos de
circular livremente pelo país durante três décadas. O cidadão angolano com rendimentos
suficientes habituou-se a passar férias fora do seu país, situação reforçada até há dois
anos por uma política cambial de valorização da moeda nacional, reforçando o poder de
compra e estimulando os residentes a viajarem mais para o estrangeiro, sem deixar de
considerar o elevado preço do turismo interno. Numa outra perspetiva, pelas
caraterísticas profissionais dos visitantes inquiridos, maioritariamente funcionários
públicos ligados ao setor da educação e da saúde, é de supor que sejam cidadãos com
rendimentos moderados ou mesmo modestos.
311
A depreciação atual da moeda nacional obriga a um maior volume de massa monetária
para a aquisição de divisas, desencorajando dessa forma as viagens para o exterior do
país. Por isso, em condições normais, extrapolando esses dados para uma realidade
nacional, ter cerca de 79% dos residentes em férias no país seria bastante positivo para o
setor do turismo. No entanto, o que se asiste é uma redução brusca e substancial do poder
de compra do residente devido a essa depreciação e a consequente subida dos preços dos
bens e serviços, onde os turísticos são considerados não essenciais.
312
Relaxe/ descanso/ Viajante em trânsito 13,6%
mudança de meio 30,0%
Férias 1,8%
Atividade
profissional/ Visita a familiares e
Negócios 15,5% amigos 23,6%
Analisando o tempo de permanência dos visitantes por via da figura seguinte, verifica-
se que a maioria dos inquiridos passa apenas algumas horas na cidade, sendo por isso
excursionistas que visitam propositadamente o local ou viajantes para outros destinos
que se detêm por algumas horas no Dondo para restabelecerem as suas energias. Assim,
44,7% dos visitantes inquiridos não pernoitou no Dondo, traduzindo-se num total de 42
respondentes, enquanto 20,2% afirmou que permaneceu pelo menos uma noite,
equivalente a 19 respondentes. Entretanto, a segunda maior frequência é a dos inquiridos
que afirmaram permanecer na cidade entre 3 a 7 dias, num total de 26 respondentes,
correspondente a 27,7% do universo em análise. Este número significativo de visitantes
com uma permanência média superior a 3 noites entra em concordância com a principal
motivação de viagem dos respondentes. Ou seja, se depreende que são os visitantes que
viajaram ao encontro de familiares e amigos que permaneceram mais tempo na cidade.
313
Mais de uma semana
Uma semana 4,2%
3,2%
Algumas horas
Entre 3 e 7 dias 44,7%
27,7%
Um dia 20,2%
Em relação ao número de vezes que os visitantes viajam para o Dondo no ano, a figura
60 apresenta um maior equilíbrio entre as opções de respostas, apesar de se destacarem
aqueles que viajam todos os meses e os que o fazem pelo menos três vezes ao ano. No
primeiro caso, foram apurados 23 respondentes para um total de 25,2% de inquiridos e
no segundo, 20 respondentes para 22,0% de inquiridos. A terceira opção com maior
frequência de respondentes são os que raramente se deslocam ao Dondo e os que estão
sempre em trânsito, ambas com 13 inquiridos, correspondente a 14,3%. Os visitantes
semanais ou mensais da cidade estão sobretudo ligados às localidades de proximidade,
inseridos nos grandes projetos já referenciados, que aproveitam as folgas e os finais de
semana. Sobre os visitantes semanais há também os que se deslocam para fins comerciais,
sobretudo para compra de produtos. De igual modo, é relevante os 13% de visitantes de
primeira vez, metade dos quais com pelo menos uma dormida, o que poderá demonstrar
o interesse e a curiosidade dos angolanos pela cidade.
314
Primeira vez 13,2%
74
De acordo com a legislação angolana, é alojamento local todo o estabelecimento que presta serviço de
alojamento de forma temporária ou sazonal, mediante remuneração que não reúne os requisitos de
estabelecimento hoteleiro, e podem ser: moradia turística, apartamento turístico e hospedaria (Decreto
Presidencial nº 36/16 de 1 de fevereiro).
315
8%
3%
39%
26%
24%
No que respeita ao acompanhamento na visita (figura 62, a larga maioria dos visitantes
prefere viajar com amigos, mais de 51%, percentagem resultante de 48 respondentes. Em
alternativa, 18,1% dos visitantes, 17 respondentes no total, prefere a companhia da família
e parentes próximos. Outra grandeza de valor relevante na variável acompanhamento na
visita é a companhia do namorado ou da namorada, ao registar uma quota aproximada de
15%, resultante de 14 respondentes. As viagens em solitário ou com o cônjuge são as
menos apelativas pelos visitantes inquiridos, representando apenas uma prevalência de 8
e 7 respondentes, resultando num valor percentual de 8,5% e 7,4% respetivamente.
316
Sózinho Cônjuge
9% 7%
Família
18%
Amigos
51%
Namorada
15%
Sobre as atividades realizadas na cidade, de acordo com a figura seguinte, há duas opções
de respostas que os visitantes destacam, nomeadamente a descontração e o usufruto da
paisagem, com uma percentagem de 38,2% resultante de 50 respondentes, e apreciação
da gastronomia local com 34,4% (o que equivale a 45 respondentes). Muito mais discreta,
aparece em terceiro lugar a opção de fazer compras e em quarto lugar, a utilização do rio,
com percentagens aproximadas de 11% e 7% respetivamente. É sintomático verificar que
as opções ligadas à fruição cultural, com exceção da apreciação da comida local, são
apresentadas como as menos atrativas pelos visitantes, representando pouco mais de 6%
de preferência a contemplação do património construído e menos de 4% a assistência a
eventos culturais. Neste último caso, a baixa prevalência é justificável pela quase
inexistente oferta local, já na questão da fruição do património edificado, a reduzida quota
justificasse pelo desconhecimento e falta de comunicação do valor histórico do centro da
cidade, conforme a observação anterior feita a respeito dos motivos de viagem.
Todavia, considerando as opções de fruição dos bens turísticos da cidade, é preciso não
negligenciar que a maior apetência pela fruição da paisagem e da comida local não estão,
necessariamente, dissociadas da opção de utilização do rio. O procedimento comum do
visitante do Dondo é apreciar a comida local nas barracas perfiladas no largo 4 de
Fevereiro, ao mesmo tempo que vai contemplando a beleza cénica do Kwanza, sendo
que os visitantes mais afoitos arriscam mesmo um banho ou um passeio fluvial pelas
317
águas do rio. Portanto, o comer descontraído, contemplando a paisagem pode ser vista
como a utilização do rio no sentido lato.
38,20%
34,40%
10,70%
6,10% 6,90%
3,80%
Por fim, importa também inferir sobre a terceira opção dos inquiridos, que é a das
compras. É compreensível que os visitantes se desloquem propositadamente ou
aproveitem a estada no Dondo para adquirir produtos locais diversos: hortofrutícolas,
tubérculos, carne de caça, peixe fresco e seco, peças de artesanato, etc. Pois, recorde-se
que o Dondo é atualmente a capital do artesanato de Angola, possui uma localização
geográfica privilegiada que facilita a ligação com várias localidades, possui um elevado
potencial hídrico favorável à exploração florestal, agricultura e pesca, razão pela qual foi
desde a precolonialidade uma região de ativo comércio.
318
O visitante do Dondo é, em esmagadora maioria, cidadão nacional (80%) do sexo
masculino, solteiro (58%), maioritariamente entre os 26 e 35 anos de idade, proveniente
das cidades de Luanda e Ndalatando e também de localidades próximas do interior, onde
existem projetos estruturantes de desenvolvimento económico. Por conseguinte, o
visitante estrangeiro que a cidade recebe é sobretudo de meia-idade, proveniente de vilas
circunvizinhas onde o trabalho é sobretudo braçal, mais ajustado ao género masculino.
A sua fidelidade para com a cidade é assinalável, na medida em que tende a visitá-la todos
os meses (25%), geralmente na companhia de amigos e raramente com o cônjuge. Quando
se hospeda num empreendimento hoteleiro, o sítio predileto são as hospedarias mas, na
verdade, prefere ficar em casa de parentes, provavelmente porque um dos principais
motivos que o leva a viajar é precisamente visitar família e amigos, apesar de privilegiar
o relaxe, descanso e a mudança de meio (30%).
Lamentavelmente, é um indivíduo que não tem muita apetência para a fruição cultural e
interesse pela história da cidade, talvez porque não foram criadas localmente condições
para atraí-lo a visitar o centro histórico e, desta forma, dispersar os visitantes que, numa
espécie de monocultura de lazer turístico, se concentra totalmente no largo 4 de Fevereiro.
Portanto, é sobretudo um visitante de final de semana cujo interesse primeiro é a
descontração e o usufruto da paisagem fluvial (38%) na margem direita do Rio Kwanza,
enquanto saboreia um prato típico.
A certa medida, compreende-se o pouco interesse pela cultura e história da cidade, entre
outras causas estão as limitações endógenas de conformação da cultura em produto
consumível pelo cidadão. Por outro lado, existe o rio e a sua envolvente como o principal
atrativo da cidade, muito mais a preceito do turismo convencional virado para o lazer e o
entretenimento. No entanto, a dimensão cultural do Dondo, robustecida com a zona
histórica classificada como património nacional (apenas mais uma cidade do país se pode
319
orgulhar deste facto), tem de encontrar um visitante que esteja à altura da sua história e
valorize esta dimensão cultural.
O capítulo sete visou essencialmente analisar os dados biográficos recolhidos juntos dos
residentes e aos visitantes da cidade do Dondo, conforme foi referido anteriormente.
Constatou-se que a maioria dos inquiridos são jovens, com menos de 26 anos no primeiro
caso, e com menos de 36 anos no segundo. Verificou-se igualmente uma prevalência do
género masculino na resposta aos questionários, não obstante considerar-se satisfatória a
participação feminina no inquérito.
Outras informações de realce obtidas na primeira parte dos questionários sustentam que
a maioria dos inquiridos são funcionários públicos, pertencentes ao setor da educação e
saúde, com habilitações académicas entre o bacharelato e a licenciatura. Os visitantes são
na sua maioria viajantes de final de semana que aproveita o descanso para deslocar-se à
cidade, normalmente casados, mas preferem viajar na companhia de amigos. Os
residentes, maioritariamente nativo da cidade, têm alguma propensão a viagem mas são
acima de tudo por motivações económicas e sociais e não para a fruição turística.
Para o capítulo oito, o objetivo é trabalhar os dados da segunda parte dos questionários
para aferir a perspetiva dos residentes e dos visitantes de desenvolvimento turístico da
localidade, assim como a análise feita sobre o pensamento turístico do setor público para
o Dondo, tendo em conta as entrevistas efetuadas aos responsáveis da Administração
Municipal de Cambambe, do Governo da Província do Cuanza-Norte e do Ministério da
Hotelaria e Turismo.
320
VIII. Capítulo. As perspetivas do setor público, da comunidade e dos visitantes
para o desenvolvimento turístico local
321
8.1. O setor público e o desenvolvimento turístico local
De acordo com a Lei de Base do Turismo, artigo 3º, alíneas k e l, os valores culturais são
considerados recursos suscetíveis de serem transformados em produtos turísticos. Nessa
base, foi firmado no último semestre de 2016 um protocolo de cooperação entre o
Ministério da Hotelaria e Turismo e o Ministério da Cultura, que define os fundamentos
para a implementação conjunta de ações relativas à promoção das atividades artístico-
322
culturais voltadas para a dinamização do turismo cultural. Este protocolo com ações a
desenvolver no biénio 2016 – 2017, assenta em programas com incidências em vários
domínios da cultura material móvel e imaterial, como a gastronomia, folclore, carnaval,
espetáculos musicais, dança, teatro, recital de poesia, museus, artesanato, moda, pintura
e escultura, contemplando igualmente a formação de guias turísticos especializados em
cultura nacional.
De que forma estes objetivos serão alcançados, com que estruturas, recursos e
orçamentos, e qual o grau de prioridade em termos de localidade? O protocolo é omisso.
De qualquer modo, à luz dessa cooperação e de outras diretrizes traçadas a nível central,
espera-se o devido detalhe em planos operacionais e ações concretas a nível das
localidades para a sua materialização, a fim de serem criados produtos turísticos culturais
de facto, baseados em referências históricas e culturais das cidades, lugares históricos,
religião, artesanato, gastronomia e tradições do povo angolano, conforme estabelece o
Plano Diretor do Turismo. O programa número 20 deste plano por exemplo, defende a
definição e promoção da imagem das províncias com o propósito de tratar das ações de
organização do turismo e da estruturação de produtos e consolidação de roteiros e
destinos, a partir dos elementos de identidade de cada região.
O facto é que na prática não é visível o despoletar de correntes turísticas entre as regiões
do país decorrente dessa cooperação ou de outras iniciativas conjuntas dos dois pelouros,
apesar de existirem pequenos fragmentos de performances culturais capazes de associar
melhor os setores da cultura e do turismo. É o caso da cidade de Mbanza Kongo, acabada
de ser confirmada como património mundial, na reunião de Cracóvia da UNESCO
(Julho/2017). O labor atual, quase isolado, do Ministério da Cultura para o
reconhecimento internacional desta cidade histórica, não tem sido acompanhada da sua
vertente turística, que poderia ser através da comunicação da cidade, pelo menos a nível
323
doméstico, com vista a gerar maior interesse e visitas. Sobre o Corredor do Kwanza e as
pinturas rupestres de Tchitundu-Hulu, não obstante serem projetos de candidatura a
património mundial de longo prazo, deveriam já merecer uma intervenção mais atuante
do Estado, não apenas na proteção e conservação dos bens mas também no conhecimento
e sensibilização dos cidadãos com vista a despertar interesse, criar movimento, abrir
negócios e consumos.
Em função da diversidade que o país apresenta, uma série de variantes do turismo cultural
é considerada no Plano Diretor do Turismo:
Artesanato;
Roteiros culturais;
75
Muxima é uma palavra da língua Kimbundu que significa Coração em português. É uma comuna do
município da Quiçama, província de Luanda, que faz parte do Corredor do Kwanza, situada na margem
direita do rio. A Igreja Nossa Senhora da Muxima é o símbolo máximo da localidade construída em 1599
pelo regime colonial português. Inicialmente designada de Nossa Senhora da Conceição, esta igreja era um
dos lugares onde eram batizados os angolanos antes de embarcarem como escravos. Atualmente é um
importante espaço de devoção da população católica do país, pois, é atribuída à Nossa Senhora da Muxima
a realização de diversos milagres.
324
outros elementos do processo como os planos diretores das províncias e dos municípios,
ouvindo todos os atores envolvidos, essencialmente as comunidades recetoras.
Portanto, o que se constata ao nível das estruturas centrais é a existência de quadros legais
e instrumentos de planificação que permitem orientar as ações dos setores em escalas
inferiores de decisão. Se em relação ao setor da cultura existe um pensamento claro de
valorizar a cidade do Dondo de acordo com a sua dimensão histórica – materializado na
reabertura da feira do artesanato e na patrimonialização do seu centro – este pensamento
não existe em relação ao setor do turismo, isto é, a cultura caminha sozinha, definindo
diretrizes e metodologias de atuação para a localidade. A intersetorialidade é visível
pontualmente nos eventos e efemérides quando é previsível o aumento considerável de
visitantes. Para além do protocolo bienal referido, era desejável uma cooperação
permanente que pudesse evoluir para observatórios e órgãos de gestão dos potenciais
destinos turísticos culturais com forte intervenção na localidade.
325
processo realista de transformação das ferramentas de planificação a nível da escala
central em ações concretas e conjuntas a nível da escala local.
A dimensão geográfica e histórica deste corredor e a riqueza cultural das localidades que
o acompanham obriga a que qualquer estratégia de desenvolvimento turístico-cultural
seja pensada em rede e não de forma isolada como o plano sugere. Distante também nesse
pensamento e da necessária discussão pública e concertação entre os setores, é o projeto
de requalificação da marginal do Dondo, sob a égide do Ministério do Urbanismo,
apresentado à Administração Municipal de Cambambe em 2013, para que fosse dada a
sua contribuição. Sem mais informação sobre este assunto, o projeto perspetivava a
criação de uma praia artificial, serviços de restauração, lojas e quiosques, construção de
uma ponte cais, com barcos de recreio e navegação até ao Musseque Kariapuco, no limite
da fronteira de Massangano. Menos mal, é o projeto prever a reabilitação do património
construído da cidade, preservando a autenticidade daqueles edifícios recuperáveis do
ponto de vista arquitetónico e mantendo as caraterísticas originais dos restantes, como
por exemplo, o edifício da antiga câmara municipal.
A conclusão a retirar dessa abordagem é que não existe a nível central uma estratégia
clara de desenvolvimento turístico da cidade do Dondo, a não ser ideias híbridas sem a
intersetorialidade que se recomenda, existindo até projetos “silenciosos” sem que tenha
havido a contribuição ativa dos residentes e a discussão pública necessária para a sua
elaboração e eventual implementação. Porém, existem ações a nível do setor da cultura
que devem ter outra rotina e merecer mais intensidade, devendo para isso, serem
concertadas e acompanhadas em permanência pelo setor do turismo. Porque, a menos que
exista outro setor em situação mais privilegiada, a salvaguarda e valorização do
património histórico e de outros bens culturais da cidade precisam indubitavelmente do
setor do turismo.
326
8.1.2. Os órgãos provinciais do Estado
Na visão da Direção Provincial do Turismo, o Dondo pode adquirir no curto prazo outra
dimensão turística se existir da parte dos órgãos centrais uma intervenção na cidade com
vista à melhoria da sua imagem. O turismo local seria bastante beneficiado se fossem
implementadas três medidas fundamentais:
327
Requalificação da marginal da cidade;
Embora com outro horizonte temporal e sob alçada dos órgãos centrais do Ministério da
Cultura, os órgãos provinciais da cultura e do turismo consideram a reabilitação e
ampliação do centro histórico do Dondo a solução mais acertada a implementar para
servir da melhor forma, tanto a atividade cultural como a atividade turística. É necessário
que o centro se converta verdadeiramente num atrativo turístico com componentes
diversificadas: novas infraestruturas e equipamentos hoteleiros e sociais, restaurantes,
lojas diversas, postos de informação, etc. Para o Dondo, o órgão provincial do turismo
entende que deve ser privilegiada a visitação de estudantes em grupos organizados para
estudo e investigação dos acontecimentos que marcaram a história daquela cidade, que
transcendem para a região e para todo o país.
Seja como for, entre os setores do turismo e da cultura da província é desejável que haja
um trabalho conjunto concertado e em permanência para a cidade do Dondo, com a
finalidade de encontrar ganhos recíprocos, onde todos sairiam beneficiados: a cidade, os
residentes, os visitantes e o país no geral.
Uma das questões a levantar com a requalificação da marginal para fins turísticos é o que
fazer com as senhoras que vendem comida no largo 4 de Fevereiro, e como garantir que
os habitantes não percam o acesso normal ao rio para as atividades quotidianas de
lavagem de roupa, pesca, banhos – na maioria dos casos atentatórias à saúde pública, é
certo. A praça de alimentação e os lugares de banho deverão ser deslocalizados
independentemente do incremento da vulnerabilidade social com reterritorializações
precárias? Ou interessará gizar planos turísticos inclusivos que permitam, por exemplo,
que as senhoras continuem a exercer a sua atividade de restauração com melhores
condições higienosanitárias? Se o objetivo primeiro de turistificar a cidade é melhorar as
condições de vida dos seus residentes então as questões levantadas devem ser analisadas
329
com profundidade para que o turismo não tenha efeitos contraproducentes, trazendo
consigo mais pobreza.
Ainda sobre esse hipotético projeto, a administração municipal entende que a sua
sustentação não deve estar dissociada da reabilitação prévia das vias entre as comunas do
município para facilitar a circulação dos turistas, de maneira que tenham contato com os
diferentes atrativos culturais e naturais das localidades. Por exemplo, a reabilitação da
ponte histórica de Santa Filomena (das primeiras pontes rodoviárias construídas no país)
deveria ser uma prioridade, assim como o acesso ao morro Kassala Kitungo, um local
interessante para a prática de alpinismo. Nestes locais haveria sempre a preocupação de
se associar a oferta de lazer e, se possível, criar estruturas apropriadas de acomodação e
garantir a segurança necessária nas vias de circulação para o conforto dos visitantes.
Em relação às ações culturais para estimular o turismo, o órgão local considera essencial
a dinamização da feira do artesanato, criando incentivos para desenvolver o espírito
criador dos artesãos, músicos e outros agentes culturais locais, que se apresentam
atualmente com bastantes dificuldades por falta de apoios. Em relação ao centro histórico,
a prioridade seria a abertura de um museu municipal ou regional e uma casa de cultura,
equipamentos inexistentes na cidade. A antiga câmara municipal, já mencionada, serviria
para essa finalidade. Importa referir que quase todos os edifícios do centro pertencem ao
Estado. Entretanto, algumas casas antigas, distribuídas em dois ou três quarteirões e uma
área aproximada de três hectares, pertencem aos herdeiros (filhos, netos e bisnetos) de
antigos funcionários da câmara municipal do início da urbanização da cidade, com realce
para Luís Kikamuanga, o grande impulsionador da sua edificação. Grande parte dessas
330
casas são habitadas por inquilinos cuja gestão é feita diretamente pelos herdeiros. No
entanto, a administração tem agido conforme o preceituado na Lei do Património Cultural
Imóvel (Decreto Presidencial nº 53/13), exigindo que qualquer reparação seja informada
para que não seja alterada a estrutura original.
De qualquer modo, não existe por enquanto nenhum projeto de aproveitamento para fins
turísticos dos edifícios que constituem o património histórico-cultural. A recuperação
levada a cabo até aqui pelo próprio Estado foi a da antiga Casa Bentes, um edifício
projetado para museu regional no passado, reconstruído para servir atualmente de
Tribunal Municipal. O Estado abre a possibilidade de venda de alguns edifícios públicos
ou o estabelecimento de parcerias com privados que queiram ativar os imóveis no quadro
da lei. As ruínas da Casa Leão, uma das primeiras residências a marcar a urbanização do
Dondo, é um exemplo dessa abertura. Existe já um acordo com um munícipe que
apresentou um projeto de recuperação do imóvel respeitando os seus traços
arquitetónicos, contemplando no seu interior uma sala de conferência, biblioteca e
serviços de restauração e alojamento. O que se prevê existir na cidade a curto prazo é uma
sala de leitura, através de um projeto público da Biblioteca Nacional em colaboração com
o setor da cultura local, com cerca de dois mil livros já catalogados.
331
estudiosos nacionais e estrangeiros para observarem os monumentos classificados,
nomeadamente, o centro histórico, as ruínas de Massangano, a fortaleza e igreja de
Cambambe e a antiga fábrica de ferro de Nova Oeiras. As seções da cultura e do turismo
do município não têm quantificado o número de visitantes, mas recebem em média,
sobretudo para fins académicos, três a quatro pessoas por semana no edifício da
administração municipal. Até há dois anos eram regulares os comboios culturais com 200
a 300 pessoas, realizados duas vezes ao ano sob a iniciativa do Ministério da Cultura e de
agentes de turismo de Luanda.
332
históricas é o turismo de massas, se os responsáveis e gestores equacionarem o turismo
como um mero “produto turístico”, sem acautelar os graves riscos em relação a
sobrecarga do local, a vida urbana equilibrada, a deterioração das condições do meio e,
inclusive, a destruição do património arquitetónico e cultural. Portanto, pensar num
projeto como o idealizado pelas autoridades locais, com concentração de imóveis e
equipamentos turísticos e de lazer, transformando acima de tudo as margens do Corredor
do Kwanza em centros balneares de lazer, é bastante perigoso para a sobrecarga dos locais
e para a sustentabilidade do próprio projeto, para além de poder relegar a componente
cultural para um plano secundário.
É neste quadro que foram administrados na segunda parte dos questionários um conjunto
de perguntas fechadas aos residentes, para a perceção e compreensão das suas
necessidades, em questões relacionadas com os empreendimentos, equipamentos e
atividades em falta na cidade, os benefícios e os malefícios que podem advir com o
333
desenvolvimento da atividade turística, as modalidades turísticas mais consentâneas com
o desenvolvimento local e o percurso seguido pela localidade desde o fim do conflito
armado.
Em boa verdade, o resultado obtido sobre essa questão não é de todo surpreendente, a
julgar pelo cenário que foi apresentado sobre a localidade no quinto capítulo. As
necessidades objetivas da cidade são muito mais profundas e estão para além dos
empreendimentos turísticos e de lazer. Como foi explicado, há todo um conjunto de
334
infraestruturas, empreendimentos e serviços de suporte suscetíveis de viabilizar a
existência de equipamentos e atividades ansiados pelos habitantes que, até à data, não
existem ou têm uma existência pouco substantiva. É de difícil compreensão a não
existência de determinados equipamentos culturais numa localidade histórica, como são
os casos dos museus ou centros culturais. A história e todos os traços distintivos da
cultura local não se conserva, estuda, transmite ou compreende totalmente sem a
existência de estruturas que possam organizar o processo histórico e a dimensão da vida
local, numa perspetiva inteligível e de cientificidade.
335
80,00%
70,00%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
Mais atividade Mais animação e Eventos culturais Museus Estabelecimentos Centro comercial
económica e atividades de hoteleiros, ou lojas diversas
emprego lazer restaurantes e
bares
A maioria dos residentes inquiridos concorda com os benefícios que podem advir do
turismo no caso de haver mais visitantes na cidade, pois acreditam que dessa forma haverá
condições para criar mais negócios e mais empregos, valorização da cultura local e
possibilidade de reabilitação da cidade e do centro. Quanto ao possível aumento da
produção agrícola e fomento da indústria, os residentes parecem ter dúvidas que o turismo
possa proporcionar tal benefício, havendo mesmo uma percentagem significativa de
inquiridos, mais de 31%, que discorda ou discorda totalmente, para além dos 22% que
não tem opinião formada sobre o assunto, ao escolher a opção intermédia de não
concordância nem discordância.
336
Quadro 10: Possíveis benefícios da atividade turística no Dondo
Pode trazer muito mais visitantes para a 88 1,1% 6,8% 2,3% 47,7% 42,0%
cidade
Cria muitos negócios e empregos para os 82 1,2% 7,3% 9,8% 39,0% 42,7%
residentes
Valoriza a cultura 72 1,4% 8,3% 12,5% 43,1% 34,7%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
Pode trazer muito Cria negócios e Valoriza a cultura Aumenta a Contribui para a
mais visitantes para empregos para os produção agrícola e reabilitação da
a cidade residentes fomenta a indústria cidade
Discorda totalmente Discorda Não concorda nem discorda Concorda Concorda totalmente
Outras opções de respostas que mereceram também discordância digna de registo são os
benefícios relacionados com a valorização da cultura local, onde mais de 8% discorda
que esta situação possa ocorrer, assim como a contribuição do turismo na reabilitação da
cidade e do centro histórico, que mereceu o desacordo de mais de 14% dos inquiridos.
Também não é despicienda a percentagem de resposta dos indecisos, que não concordam
nem discordam. Aproximadamente 16% dos inqueridos tem dúvidas que o turismo possa
337
ajudar a reabilitar a cidade, enquanto 13% tem dúvidas sobre a contribuição que o setor
do turismo possa fornecer na valorização dos sítios, monumentos, dança, música e
artesanato local.
De acordo com a opinião dos residentes em relação aos possíveis benefícios da atividade
turística no Dondo, a primeira ilação a considerar é da existência de um amplo consenso
de que o turismo é bem-vindo pelo simples facto de trazer consigo mais visitantes para a
cidade. Praticamente não há margem para dúvidas sobre esse benefício, apenas 2,3%
mostraram-se indecisos, apesar de aproximadamente 7% não concordar com a afirmação.
A segunda ilação a fazer tem que ver com as reticências dos residentes em relação aos
outros benefícios que possam ser proporcionados através do turismo. Se existe a perceção
que o aumento de visitante traz consigo mais negócios e mais emprego, não parece claro
em relação ao impulso que o turismo poderá dar à agricultura, ao setor industrial e
principalmente à cultura local.
338
Dondo estão desejosos de desenvolver a atividade turística na cidade ou, pelo contrário,
à semelhança das ilações feitas sobre os benefícios, possuem um limitado conhecimento
dos impactes negativos causados pelo turismo. A maioria discorda que a atividade
turística possa provocar como consequência uma cidade suja e congestionada ou
aumentar a delinquência. Em relação à primeira afirmação, 43% dos inquiridos discorda
totalmente e 23% discorda, para além dos mais de 16% que tem dúvidas que tal possa
ocorrer. Apenas 18% considera essa possibilidade. Na segunda afirmação, não obstante
haver um número maior de indecisos e outros tantos discordantes, ambos com 21% de
inquiridos, o certo é que 77 respondentes que correspondem a 59% do total discorda que
o turismo possa contribuir no aumento da delinquência, sendo que mais de metade (34%)
está em total discordância com essa possibilidade.
Pode tornar a cidade suja e congestionada 74 43,2% 23,0% 16,2% 16,2% 1,4%
Os habitantes do Dondo também não acreditam que o turismo possa degradar o centro
histórico ou possibilitar a expropriação das suas propriedades. Nestas opções, registaram-
se resultados totalmente discordantes de 27% e 37% respetivamente, acrescidos dos
discordantes com 35% e 33%. O nível de concordância destas afirmações é dos mais
baixos, em torno dos 11% para ambos os casos. No entanto, não deixa de ser assinalável
o número considerável de indecisos, principalmente no que respeita à possibilidade de
degradação do centro histórico, com um total aproximado de 27% de inquiridos.
339
50,00%
45,00%
40,00%
35,00%
30,00%
25,00%
20,00%
15,00%
10,00%
5,00%
0,00%
Pode tornar a Pode contribuir O centro Os residentes Os preços dos Existe o risco de
cidade suja e para aumentar a histórico pode podem ficar sem bens e serviços poluição do rio e
congestionada delinquência degradar-se as suas vão aumentar do meio
ainda mais propriedades
Discorda totalmente Discorda Não concorda nem discorda Concorda Concorda totalemente
Sobre o risco de contaminação do rio e do meio, observa-se uma inflexão dos resultados
em relação às afirmações anteriores, com a maioria a concordar com esta possibilidade,
mais de 51%, incluindo os 9,5% que concordam totalmente. No entanto, o nível de
discordância e de indecisos é também assinalável. Cerca de 19% dos inquiridos discorda
totalmente que o turismo possa trazer consigo poluição e contaminação do meio, 15%
discorda, ao passo que outros tantos não tem opinião formada sobre o assunto. Outra
afirmação que mereceu uma maior concordância, embora em dimensão inferior quando
comparada com a anterior, é a possibilidade do desenvolvimento do turismo acarretar
consigo inflação, contribuindo para o aumento generalizado dos preços dos bens e
serviços. Menos de 38% concorda que tal situação venha a acontecer contra os 43% dos
inquiridos que não concorda. Realce também para os 20% que parecem ter dúvidas sobre
essa possibilidade.
340
externalidades apresentadas no questionário representa uma probabilidade maior de
ocorrência, na medida em que os mecanismos endógenos de proteção e salvaguarda dos
ativos locais apresentam-se fragilizados, e muitas vezes reforçados pelo entusiamo inicial
e ânsia de crescimento económico impulsionado pela própria atividade turística.
Pelos resultados obtidos, é percetível que o Dondista possui uma maior consciência
ambiental, tendo noção dos danos que o turismo pode provocar ao meio. Aqui, parece
evidente que essa consciencialização é inerente ao fator rio, o elemento pela qual a cidade
gravita. Todavia, em relação aos problemas sociais e económicos sugeridos, se infere uma
posição dúbia e de alguns equívocos na maioria das situações. Se nos dias de hoje não é
totalmente percetível verificar no local situações como o incremento da delinquência ou
o acelerar da degradação do centro histórico, já em relação à sujidade da cidade, à
poluição visual e sonora costuma ser frequente nos dias de maior afluência de visitantes,
fins de semana e feriados.
341
limitada? São questões que devem constituir objeto de aprendizagem e esclarecimento
dos residentes.
342
Verifica-se inclusive que esta proposta de prática turística não mereceu nenhuma
discordância dos residentes, a não ser os 7,5% dos inquiridos que se mostrou indeciso.
70,00%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
Atividades Práticas que Atividades de Atividades com Turismo de Descoberta de
baseadas no rio e valorizem a lazer, animação o envolvimento natureza e caça sítios históricos
na paisagem história e a e entretenimento da comunidade e vivências
cultura local local antigas
Discorda totalmente Discorda Não concorda nem discorda Concorda Concorda totalemente
344
pedestrianismo. Outra atividade muito comum ligada à natureza e de sustento familiar é
a produção de carvão, que implica muitas vezes a desflorestação da cintura verde da
cidade.
O Dondo é das poucas cidades de Angola que do ponto de vista da sua malha urbana,
conserva ainda uma estrutura arquitetónica com um perfil muito próprio e caraterístico
de uma época. No entanto, ao se tratar de uma das urbanizações mais antigas do interior
do país e representar um importante empório comercial desde a era do soberano Ngola,
os seus traços culturais não se esgotam na particularidade construída do seu património,
mas em todo um conjunto de bens culturais móveis e imóveis que representam atualmente
uma das localidades mais expressivas da cultura Ambundu, desenvolvida há pelo menos
seis séculos, a partir do antigo Reino do N’dongo.
Para se perceber a dimensão que é dada a cada uma das componentes desse conjunto de
bens culturais, os residentes foram questionados sobre os aspetos mais importantes da
cultura local, em questões fechadas e abertas, conforme se apresenta nos quadros 13 e 14.
Pretendeu-se por um lado aferir como os residentes valorizam os diferentes bens culturais
que possuem, por meio de uma análise quantitiva, e por outro fazer um levantamento
desses bens culturais, convidando-os a elencar os aspetos conhecidos da cultura local, ao
nível dos sítios e dos monumentos históricos, música e dança, gastronomia, artesanato,
festas populares, cerimónias e rituais. Para uma melhor identificação os bens culturais
mais referenciados nos quadros 14, 15 e 16, nas diferentes categorias, estão destacados
com a cor cinza.
345
Os resultados demonstram que os residentes inquiridos valorizam, não apenas os edifícios
e as casas antigas da cidade, mas o centro histórico no seu conjunto. Mais de 78%
considera o centro o elemento mais importante da cidade. Mas é de sublinhar que o
número de respondentes para essa afirmação é substancialmente reduzida, apenas 60 dos
96 indivíduos que constitui a amostra. O quadro 14, que faz o apuramento das respostas
livres sobre as questões abertas, indica inclusive uma participação menor do residente na
avaliação a fazer do centro.
O juízo a fazer dessa constatação é de que alguns residentes não estarão suficientemente
informados sobre a noção de conjunto histórico do centro, ou que a malha urbana da sua
cidade esteja classificada como património nacional, argumento que pode ser reforçado
com os cerca de 22% de inquiridos que mostraram dúvidas ou desacordo. Pelo número
de respondentes, parece mais claro para os residentes, supõe-se, a avaliação dos edifícios
e das casas antigas da cidade de forma isolada, embora haja igualmente um número
considerável de residentes discordantes e duvidosos.
346
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
Os edifícios e as O centro histórico As cerimónias, As músicas Artesanato e outros
casas antigas no seu conjunto rituais e tradições populares e as trabalhos manuais
antigas danças
Discorda totalmente Discorda Não concorda nem discorda Concorda Concorda totalemente
No apuramento dos resultados, constatou-se que existe no seio dos residentes uma ideia
de que o centro histórico remete as pessoas para a vida dos antepassados, ajudando a
reviver as suas vidas e a conhecer a sua história. O quadro 14 é, pois, uma ilustração das
várias definições que os residentes têm em si mesmo em relação ao centro. Um pequeno
número tem interiorizado o seu valor de conjunto e o que ele representa, não apenas para
os residentes mas para todos os angolanos e visitantes. Por isso, afirmam que o centro
ajuda a refletir sobre a história de Angola, representando uma memória coletiva sobre a
origem dos angolanos, isto é, é um acervo histórico e cultural.
347
Quadro 14: Importância do centro histórico para o residente
Frequência Frequência
Importância do centro histórico para o residente
absoluta relativa
Total 58 100%
O artesanato e outros trabalhos manuais são vistos como o segundo elemento mais
importante da cultura local, com um nível de concordância praticamente igual ao centro
histórico. Deduz-se que para o residente torna-se mais fácil fazer avaliação dos bens
culturais materiais, imóveis no primeiro caso, e móveis em relação ao artesanato. São
muito poucos os que discordam do seu valor, entretanto, há uma quota considerável de
residentes que tem dúvidas (18%) sobre a sua condição de ser o elemento mais
importante da cultura local. É preciso recordar que o Dondo acolhe anualmente a Feira
Nacional do Artesanato, evento que tem permitido revitalizar a atividade quer através da
comercialização das peças produzidas como no surgimento de novos artesãos, facilitando
a passagem de algum testemunho para as novas gerações que, no entanto, continua cética
devido aos escassos apoios.
76
Casamento tradicional na cultura Bantu.
77
Cerimónia de encerramento final do óbito que acontece normalmente um ano após a morte do
entequerido. Também é conhecida em português comum como o “Finalismo do Óbito”.
348
são consideradas como os bens imateriais mais importantes por 61% dos inquiridos,
apontando como os mais expressivos, a Marimba, o Semba e a Katutula78. No quadro 13
e figura 68, é verificável uma percentagem elevada de cidadãos discordantes e indecisos
sobre a maior importância dos bens imateriais. Perto de 29% tem dúvidas que as músicas
e as danças populares sejam assim tão importantes, ao passo que esta frequência é
reduzida para 21% no caso das cerimónias, rituais e tradições antigas. Supõe-se que a
estrutura etária dos inquiridos, o período de turbulência social durante o conflito armado
e a consequente migração e miscigenação de povos e culturas tenham contribuído para
essa reserva.
Frequência Frequência
Conhecimento da cultura material absoluta relativa
Balaio 22 29,7%
Missangas 7 9,5%
CATEGORIAS
Canoas 6 8,1%
Esteiras 9 12,2%
Artesanato e artefactos Cestos 12 16,2%
Pilau 2 2,7%
Pentes 3 4,1%
Chinelos 2 2,7%
Vassouras 7 9,5%
78
Dança rítmica exibida num óbito, no período entre a morte e o enterro do entequerido. Também pode ser
exibida no Komba ou Finalismo.
349
Quadro 16: Cultura imaterial local
Frequência Frequência
Conhecimento da cultura imaterial absoluta relativa
Marimba 8 23,5%
Semba 23 67,6%
Mburi79 6 6,3%
CATEGORIAS
Kizaca80 14 14,6%
Mengueleca81 7 7,3%
Circuncisão 2 5,1%
Carnaval 38 64,4%
79
Uma variedade de feijão, tal como o Cabulo e Macunde (da família do feijão frade). Geralmente cozido
em óleo de palma e servido acompanhado de batata-doce.
80
Folhas de mandioqueiras pisadas e refogadas normalmente com óleo de palma. Pode ser iguaria principal,
servida com mandioca ou então como guarnição para vários pratos.
81
Folhas de aboboreiras. Tal como as couves, são cozidas como ingredientes em outros pratos, ou
separadamente para servir de guarnição.
350
pode incluir todo o universo das etnias Bantu82, o que resultaria na transmissão de uma
ideia errada de exclusividade.
Embora o Dondo tenha vários edifícios históricos que no seu conjunto constituem o
centro histórico, os residentes da cidade consideram como a amostra mais
representativa do património construído, as Ruínas de Massangano, um conjunto de
edificações do século XVI localizado na comuna com o mesmo nome, a 30 km da
cidade do Dondo. Estas ruínas são constituídas por estruturas de edifícios públicos
antigos do regime colonial português (fortaleza, câmara municipal, tribunal de
reclusão), túmulo de Paulo Dias de Novais, praça de escravos e a Igreja de Nossa
Senhora de Vitória. Do mesmo modo, a Fortaleza de Cambambe e as ruínas da antiga
Igreja do Rosário no seu interior, situadas a 16 km, também é muito mencionada. Os
residentes não entendem o património construído reduzido à escala da comuna sede
mas a todo o município. Uma visão de conjunto que, provavelmente, é estimulada
pela fraca monumentalidade dos edifícios da cidade, que valem mais pelo conjunto.
Tal como a maioria das peças de artesanato enumeradas pelos residentes, o Semba e
a Marimba são ritmos musicais com danças próprias que se difundem um pouco por
toda a região do antigo Reino do Ndongo. Em relação ao Semba, atualmente o
universo geográfico é praticamente de todo o território nacional. A Katutula afigura-
82
Cf. Kajibanga (2010); Alcuna (2014); Maria (2015).
351
se mais restrita à localidade, devendo por isso ser melhor explorada apesar do seu
cariz fúnebre e melancólico.
Gastronomia: Cacusso.
É a cerimónia tradicional de casamento que une, mais do que duas pessoas, duas
famílias. Consiste na reunião das famílias dos futuros cônjuges, no sentido alargado
do termo, onde os protagonistas ou interlocutores são geralmente os tios. Na reunião
decisiva, à família da futura mulher é entregue um dote constituído em bebidas,
vestuário e outros produtos simbólicos, conforme relação previamente enviada à
família do futuro marido. O encontro culmina com uma celebração, após o qual, a
mulher está autorizada a deixar o seu lar e se juntar ao esposo.
O Carnaval é a festa popular mais referenciada pelos inquiridos, com uma quota de
64%, equivalendo a quase o triplo da segunda preferência, na circunstância a
mencionada feira do artesanato. Na verdade, o Carnaval tem tradição na cidade do
Dondo, junta os povos das demais comunas do município e representa uma
verdadeira festa popular e inclusiva. Já a feira e as festas da cidade não são vividas
por todos porque muitos estratos e grupos etários da cidade não se revêm ou estão à
margem do evento. Nota de realce, o facto de 2 dos inquiridos indicarem os eventos
83
Uma das guarnições mais frequentes nas refeições do universo Bantu de Angola. O funje de bombó é
uma pasta resultante da mandioca, que é descascada, posta em água até amolecer e exposta ao solo até secar
(transformação da mandioca em bombó), posteriormente o bombó é moído e se transforma em fuba, pronta
para ser cozida com água fervente para se transformar no funje.
352
do “Partido” no conjunto das festas populares elencadas. Esses eventos não são mais
do que atos políticos de massa associados ao partido político no poder em Angola, o
MPLA84 vezes com a presença de músicos nacionais, e bebida abundante com preço
económico.
Verificar que nenhum residente inquirido indicou o centro histórico como o elemento
cultural mais distintivo é alarmante. Deduz-se que o habitante do Dondo não tem a noção
do valor de conjunto dos edifícios da sua cidade, de igual modo, desconhece que o seu
centro foi classificado como património histórico-cultural nacional. Conhece o valor
histórico de alguns edifícios, como a antiga câmara municipal e a Casa Leão, mas numa
perspetiva isolada e sem a dimensão real da sua função do passado e do que pode
representar atualmente. Mais preocupante ainda é constatar que muitos residentes não dão
qualquer importância ao centro histórico e não têm o mínimo interesse no seu conteúdo.
Entende-se que um maior interesse de recuperação dos edifícios do centro deve partir dos
84
Movimento Popular de Libertação de Angola. O MPLA é o partido político que governa Angola desde a
independência nacional, inicialmente, em regime de partido único até 1992. Tal como a UNITA e a FNLA,
foi um movimento de libertação nacional que lutou contra o regime colonial português a partir de 1961.
353
seus residentes, tendo em conta a conservação do seu próprio passado. Se não existir essa
sensibilidade, não há qualquer pressão sobre as instituições de direito no sentido de se
incrementarem esforços de reabilitação.
O Dondo é uma localidade que foi bastante pressionada no período do conflito armado
(1992 – 2002) devido à presença de dezenas de milhares de refugiados de guerra das
regiões vizinhas, inclusive os da capital de província, Ndalatando. Essa situação afetou
de modo significativo o seu tecido económico e social, as infraestruturas e os serviços
públicos de um modo geral. A partir de 2002, com fim do conflito armado em todo país,
algumas ações de recuperação da cidade foram implementadas, pelo que interessava
perceber nesta investigação a eficácia das mesmas junto dos residentes. Portanto, a
questão sobre as melhorias verificadas na cidade até ao presente, apresentada no quadro
17 e figura 69, é acompanhada de seis afirmações ou opções de resposta que se
354
consideram importantes para o projeto integrado de desenvolvimento turístico que se
propõe neste estudo.
Como se constata, a maioria dos residentes inquiridos assume ter havido melhorias nos
diversos domínios da vida da cidade, não obstante haver percentagens significativas de
com dificuldades em assumir tais melhorias e inclusive, outros tantos têm opinião
contrária. De qualquer forma, num ambiente pós-guerra e com o crescimento económico
verificado no país nos dez anos seguintes, era expectável no mínimo que houvesse
intervenção e recuperação das infraestruturas, relançamento de atividades económicas,
reparação e redimensionamento da rede escolar entre outras ações.
355
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
Dos hábitos e Do ordenamento Grau académico Da autoestima, Das condições Do aumento de
costumes e urbanização dos residentes atitude, de vida das infraestruturas,
comportamento populações indústria e
dos residentes comércio
Discorda totalmente Discorda Não concorda nem discorda Concorda Concorda totalemente
Na verdade, o habitante local tem noção que a cidade de há quinze anos não é a mesma,
porque houveram, obviamente, ações a nível das atividades económicas com o
surgimento de algumas pequenas indústrias. A própria liberdade de circulação das
pessoas subsequentes a abertura das estradas ativou consideravelmente o comércio local
e regional. Se reconhece também intervenções a nível das infraestruturas e do
ordenamento com a reabilitação da estrada nacional EN 230 no interior da cidade,
sobretudo na área que circunscreve a marginal, com pavimentação e iluminação pública.
Já em relação ao tecido urbano, não parece haver melhorias, apesar da reabilitação de
alguns edifícios públicos, aparecimento de pequenos equipamentos hoteleiros (em
completa desarmonia com o traço arquitetónico da cidade) e pouco mais. No essencial,
as casas e edifícios antigos que constituem a estrutura urbana continuam o seu processo
acelerado de degradação.
Em relação aos aspetos mais ligados ao tecido sociocultural, à educação e aos bons
costumes, são assinaladas maiores reservas por parte dos residentes, embora a
percentagem de inquiridos que consideram haver melhorias ser superior aos que pensam
o contrário. Mais de 42% é de opinião que os hábitos e costumes da cidade do Dondo
melhoraram, para além dos 6% que não tem qualquer dúvida sobre essa questão. Por
oposição, 33% considera que o Dondo está pior em termos de hábitos e costumes,
356
enquanto 18% não teve opinião formada sobre o assunto. Em relação a opção melhoria
da autoestima, atitude e comportamento, aproximadamente 53% dos inquiridos é de
opinião que o Dondo progrediu nesse aspeto, contra os 22% que pensa o contrário e os
25% que não concorda nem discorda desta afirmação.
No que diz respeito às condições de vida das populações, a maioria dos inquiridos
considerou haver melhorias; 43% concorda e 10% concorda totalmente com esta
afirmação, ao passo que 22% é de opinião contrária e 25% está confusa. As respostas a
esta última questão são reveladoras de algum desencanto por parte dos residentes, não
obstante a maioria considerar ter havido melhorias nas condições de vida das populações.
Analisando objetivamente os factos conclui-se com facilidade que as populações sentiram
um impacte positivo com o advento da paz, sobretudo no comércio e intervenções a nível
das infraestruturas. Todavia, depreende-se que grande parte dos inquiridos, pelo
desencanto apresentado, sente que as realizações estão aquém das expectativas criadas.
Satisfeito
47,30%
Indiferente 14,00%
Insatisfeito 14,00%
A este propósito, observando a figura 70 sobre o grau de satisfação do residente para com
a cidade, regista-se uma percentagem considerável de inquiridos muito insatisfeitos,
insatisfeitos e indiferentes. Ou seja, cerca de 39% dos inquiridos não se sente satisfeito a
viver no Dondo, desejando outras condições de vida. São os jovens, mais uma vez, que
se sentem pouco confortáveis com a vida que levam na cidade porque as oportunidades
357
de emprego e o acesso ao ensino superior continuam escassos. Numa fase em que
começam a constituir família, os jovens acabam por não ter alternativas e a única solução
que vislumbram é mergulhar no mercado informal para satisfazer as necessidades do lar,
isto quando não enveredam por ações menos dignas.
358
Quadro 18: Descrição feita pelos residentes da cidade do Dondo numa palavra
Em desenvolvimento 6 9,1%
Cerveja 1 1,5%
Cultura 1 1,5%
Identidade 1 1,5%
Turismo 1 1,5%
Acolhedora 1 1,5%
Linda 6 9,1%
Harmonia 2 3,0%
Orgulho 1 1,5%
Nada 1 1,5%
Quente 16 24,2%
Desordem 2 3,0%
Desprezada 2 3,0%
Esquecida 2 3,0%
Subaproveitada 1 1,5%
Total 66 100%
O Dondo é visto pelos seus habitantes como sendo uma cidade linda e em
desenvolvimento, com história, diversão e onde se saboreia um bom Cacusso. Mas
359
também é adjetivada como desordenada, desprezada, esquecida e, sobretudo, quente. O
Dondo regista temperaturas muito altas ao longo do ano, produzindo um clima
“abrasador” que é, porventura, uma das suas principais caraterísticas, incomodando para
além das pessoas que o visitam, os próprios residentes. Por esta razão é muitas vezes
apelidada de “cidade do inferno”. Mas acredita-se que esta situação pode ser amenizada
com um plano de arborização da cidade de acordo com práticas antigas do começo da sua
urbanização, uma fórmula encontrada na altura para acolher da melhor forma os colonos
portugueses.
Frequência Frequência
Medidas para a melhoria da cidade
absoluta relativa
360
O índice de insatisfação não está dissociado das medidas que os residentes apresentam
como fundamentais para melhoria da cidade. Mais do que a preocupação de receber
visitantes e desenvolver a atividade turística, os locais estão acima de tudo preocupados
com o seu desenvolvimento humano, que não passa necessariamente pelo turismo. Tanto
é assim que, observando o quadro 20, percebe-se que a maioria dos residentes apontou o
investimento na educação e ensino como a principal prioridade, quando questionados
sobre as três medidas que consideram fundamentais para a melhoria da cidade. A segunda
prioridade apontada foi a criação de espaços verdes, lazer e desporto, e a terceira é a
medida relacionada com a necessidade de requalificação urbana e extensão da cidade.
361
A valorização do Dondo enquanto cidade de cultura é um aspeto importante apontado
pelos habitantes como medida a empreender. Se o turismo não é encarado em
profundidade como uma medida de melhoria fundamental, já em relação à cultura se
verifica uma maior preocupação dos Dondistas. Constata-se mais uma vez que os
residentes têm consciência do valor cultural da sua cidade e apelam de certa forma à
implementação de ações que proporcionem melhores garantias da sua salvaguarda. Aliás,
quando questionados sobre as modalidades turísticas ajustadas à cidade, as opções de
turismo associadas à descoberta de sítios históricos e as práticas que valorizem a história
e a cultura local foram as mais referenciadas. Aqui se subentende que o Dondo está
interessado numa maior valorização da sua cultura mas não compreende como o turismo
pode ser um dos instrumentos para esse objetivo.
Em primeiro lugar, se constata que a comunidade local entende a atividade turística não
como um fim em si mesmo para a resolução de todos os seus problemas. Reconhece a sua
importância e a contribuição que pode emprestar à cidade, principalmente devido ao
aumento do número de visitantes, incremento dos negócios e por via de regra, o fomento
do emprego para os residentes. Considera indispensável o aumento da atividade
económica e a diversidade de lojas para o fornecimento de produtos variados. Mas a
comunidade pretende acima de tudo que a cidade esteja munida de um conjunto de
infraestruturas e equipamentos sociais para melhoria da sua condição de vida sem, no
entanto, deixar de considerar importante o provimento de empreendimentos turísticos e
de lazer.
362
além de outros empreendimentos e serviços cuja falta está na base do índice significativo
de insatisfação.
Em terceiro lugar, para a comunidade local, o alinhamento que pode ser feito entre o
turismo e os vários setores de atividade, incluindo a cultura, parece difuso. Da mesma
maneira, não tem clarificada como o turismo pode influenciar a comunidade. Os
resultados do inquérito permitiram concluir que o Dondista não vê como a agricultura ou
a indústria podem ser fortalecidas com o advento do turismo. Ou ainda, de que forma
essa atividade pode prejudicar o património histórico construído da cidade ou
diretamente os residentes, com possíveis processos de desterritorialização e
gentrificação. Em oposição, a comunidade está mais avisada para os problemas
ambientais que o turismo possa provocar, quer através da poluição do rio e da paisagem
ou de práticas turísticas de agressão à natureza.
Se no passado as cidades eram produtos resultantes das necessidades dos seus residentes,
hoje elas são reavaliadas e requalificadas também conforme os anseios de quem as visita.
Os visitantes são a razão maior para turistificar uma cidade porque são os sujeitos no
sistema e os protagonistas das ações projetadas para que as atividades turísticas, lúdicas
e culturais aconteçam com frequência. Nessa conformidade, a transformação de uma
localidade em destino turístico e a definição dos produtos âncoras para comercializar não
deve ser realizada sem a importante contribuição daqueles para os quais os produtos são
dirigidos. Na verdade as motivações e as necessidades do cliente de turismo são
determinantes para a otimização dos recursos e para sua conversão em produto.
Se a cidade do Dondo deve estar conforme a vontade dos seus residentes, ao considerarem
o turismo como uma atividade de eleição na sua urbe, isto obriga-os a ter em conta a
opinião de quem esperam receber no âmbito desta atividade. Nessa perspetiva, foram
administrados questionários aos visitantes, com perguntas abertas e fechadas, para obter
a opinião do não residente mediante opções de respostas que pudessem aferir as suas
363
motivações, permanência e necessidades ao visitar a cidade do Dondo. O inquérito
culmina com o pedido de contribuição ao visitante sobre o centro histórico, os atrativos e
as práticas turísticas mais adequadas para a localidade. De igual modo, é dada a
oportunidade do visitante expressar livremente, atrás de perguntas abertas, a sua
apreciação sobre os elementos distintivos da cidade e as medidas adequadas para a
melhoria dos aspetos desagradáveis.
Apesar dos resultados não serem suscetíveis de generalização pelas razões já invocadas
da técnica de amostragem não probabilística aplicada, os quadros e figuras seguintes
ilustram a valiosa contribuição dos visitantes sobre a proposta de desenvolvimento
turístico que se pretende para o Dondo.
Pelo facto da maioria dos visitantes ter como foco principal da visita a marginal da cidade
e o largo 4 de Fevereiro, conforme já referido, o interior da pequena cidade passa ao lado
das suas necessidades. Percebe-se, pois, que o número de respondentes sobre as várias
questões colocadas seja reduzido, uma vez que conhecem mal a cidade.
364
O quadro 20 e a figura 71 são elucidativas quanto a esta situação. Das dez opções de
respostas para a questão “o que faz falta na cidade”, metade teve uma frequência de
resposta inferior a 50%, recorde-se que 96 é o número total de inquiridos. Analisando em
detalhe o quadro referido, verifica-se que os visitantes inquiridos clamam por quase tudo
que é empreendimento, equipamento e serviços de interesse turístico e cultural,
considerando muitos deles indispensáveis. É o caso do provimento de guias, brochuras e
mapas sobre a cidade. Cerca de 47% considera indispensável que a cidade tenha
disponível esse tipo de material informativo e igual número considera necessário, apenas
7% acha dispensável. Na mesma senda está a necessidade de postos de informação,
painéis explicativos sobre a história da cidade e a sinalização dos pontos de interesse. No
primeiro caso, há a registar uma percentagem de 95%, entre os que consideram
indispensável e necessário, sendo que apenas 9% acha desnecessário. O mesmo acontece
com o segundo e o terceiro casos com percentagens acima dos 90% e 93%
respetivamente.
As respostas dos visitantes demonstram também algum interesse por bens e serviços de
índole cultural. Mesmo não considerando a primeira escala (indispensável), cerca de 82%
dos inquiridos entende ser necessário os eventos culturais na cidade, ao passo que em
relação aos museus a percentagem atinge os 75,5%. Estas duas opções de resposta
mereceram as percentagens mais altas na segunda escala classificativa, um indicador que
pode revelar uma vontade dos visitantes por fruição de bens culturais. Outro indicador
365
interessante a salientar são os 74,5% de respondentes que considera necessário haver
circuitos de barcos pelo Rio Kwanza, havendo apenas 8,5% que desaprova essa
possibilidade. Por fim, uma nota para a opção associada à animação e ao movimento na
cidade. Embora 66% dos inquiridos acha necessária e 13,6% entende mesmo ser
indispensável, o facto é que mais de 20% considera desnecessária haver animação na
cidade, pressupondo provavelmente que seja suficiente o movimento que encontram.
Em relação a novos usos das casas e edifícios antigos, mormente os usos turísticos, os
resultados não diferem muito. Com percentagens similares entre os que concordam e os
que concordam totalmente, o certo é que quase 84% aprova essa solução, estando em
outro extremo apenas 16% dos inqueridos, repartidos entre os que discordam e os que
366
discordam totalmente com a solução. É curioso verificar que para a solução de
aproveitamento das casas e edifícios antigos, nenhum visitante mostrou-se indeciso, o que
parece haver nessa questão opiniões bastante claras que, acredita-se, poderiam ser
sustentadas com vários argumentos caso se envereda-se por uma auscultação mais
aprofundada.
As casas e edifícios antigos devem ser 43 23,3% 11,6% 16,3% 37,2% 11,6%
demolidos e construídos novos edifícios
As casas e edifícios antigos abandonados 68 8,8% 7,4% 0,0% 42,6% 41,2%
devem ser aproveitados para o turismo e
outros serviços
O centro deve manter-se como está 39 28,2% 28,2% 20,5% 15,4% 7,7%
50,00%
45,00%
40,00%
35,00%
30,00%
25,00%
20,00%
15,00%
10,00%
5,00%
0,00%
Deve ser reabilitado sem Deve ser demolido e Deve ser aproveitado O centro deve manter-se
alterações construídos novos para o turismo e outros como está
edifícios serviços
Discorda totalmente Discorda Não concorda nem discorda Concorda Concorda totalmente
367
Não degligenciável são os resultados da opção de demolição do centro para a construção
de novos edifícios. Apesar de não ser a maioria, uma percentagem de inquiridos muito
próxima dos 50% é de opinião que as casas e os edifícios antigos do centro devem ser
demolidos para dar lugar a novos edifícios, como aconteceu recentemente com a
substituição da antiga Casa Bentes pelo atual Tribunal Municipal de Cambambe. Para
essa solução, realce também para os mais de 16% que não tem opinião formada. Porém,
fica claro para a maioria dos visitantes que o centro histórico não deve permanecer como
está, não obstante o número de respondentes a esta opção ter sido apenas de 39 individuos,
nove inquiridos abaixo da metade da amostra. Assim, para essa solução, 28,2% dos
visitantes discorda e outros tantos discorda totalmente, resultando num valor global de
discordância de 56,2%. As reservas para aplicação da solução de demolição se traduzem
também nos mais de 20% que está indecisa ou não tem opinião sobre o assunto.
368
facto dos visitantes quererem ter garantido esse serviço, bastante valorizado pelos turistas
quando elegem um destino.
Centro histórico com serviços e produtos 56 7,1% 0,0% 1,8% 50,0% 41,1%
culturais
Espetáculos variados (música, dança, 56 5,4% 0,0% 5,4% 53,6% 35,7%
teatro, cinema)
Pessoas acolhedoras e simpáticas 44 4,5% 4,5% 2,3% 45,5% 43,2%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
Limpeza Segurança Serviços e Espetáculos Pessoas Parques e Vida noturna
produtos variados acolhedoras e zonas de
culturais no simpáticas diversão
centro
Discorda totalmente Discorda Não concorda nem discorda Concorda Concorda totalmente
369
Os atributos naturais e culturais do Dondo e da sua envolvente foram já analisados ao
longo desta investigação e representam, obviamente, elementos de atração de turistas e
excursionistas. Contudo, a turistificação de uma cidade não pode contar exclusivamente
com os bens que a natureza disponibilizou ou com o património que foi acumulado no
devir dos tempos. Qualquer cidade que se queira tornar num destino turístico deve
privilegiar a sua competitividade na inovação de produtos e serviços, ancorados nos
recursos primários, com vista à satisfação das necessidades dos visitantes. A história e a
cultura, o Kwanza e Cacusso, não são vendáveis por si só ou nas condições que garantam
sustentabilidade da localidade, se não forem acompanhados de atributos que
complementem o produto.
Cacusso 5 4,5%
Marginal 7 6,3%
Gastronomia 2 1,8%
Comércio 1 0,9%
Acolhimento 19 17,1%
Tranquilidade 4 3,6%
Clima 4 3,6%
370
Observando o quadro 23, verifica-se um conjunto de atrativos que os próprios visitantes
consideram diferenciadores do Dondo em relação às demais localidades do país. O
destaque dado à paisagem natural, ao Rio Kwanza, a história e cultura e ao acolhimento
proporcionado pelos habitantes, representam elementos da oferta primária bastante
valiosos que devem ser promovidos para que sejam concebidos produtos turísticos
sustentáveis, isto é, alinhados com as dimensões económicas, socioculturais e ambientais.
Mais uma vez, percebe-se que a dimensão do potencial turístico do Dondo é valorizada
sobretudo em função da paisagem natural que o rio proporciona, complementada com os
elementos Marginal e Cacusso, em detrimento da dimensão histórica e cultural.
Portanto, para os visitantes a cidade não é considerada diferente pelos serviços turísticos
e de lazer que presta mas pelos recursos naturais e culturais que possui. Quer dizer que a
visitação resulta da necessidade de descontração e mudança de rotina e não propriamente
decorrente da atividade turística em si. Em boa análise, conclui-se que o turismo, tal como
se conhece – um sistema integrado de serviços com intermediários para atender uma
demanda sequiosa por satisfazer as suas necessidades e desejos – ainda não existe na
cidade do Dondo. Porventura, existe um grande potencial que garante uma produção
turística policêntrica, onde a história e a cultura da cidade devem merecer especial atenção
para que o próprio turismo possa aparecer como um instrumento de salvaguarda e
valorização e não como um vilão e atividade predadora.
371
entre as demais propostas, embora sejam percentagens reduzidas. Assim, perto de 11%
dos inquiridos não está de acordo que o turismo de natureza e caça sejam práticas válidas
para o Dondo, sendo que 4,3% discorda totalmente desta possibilidade. Realce
igualmente para os 8,5% que não tem opinião formada sobre o assunto.
372
70,00%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
Atividades práticas que Lazer Conferências Práticas Turismo de Descoberta de
baseada no rio aproveitem a animação e e feiras para o conjuntas com natureza e sítios e
e na paisagem história e a convívio turismo de a população caça vivências
cultura local negócio local antigas
Discorda totalmente Discorda Não concorda nem discorda Concorda Concorda totalmente
De qualquer modo, a satisfação dos visitantes, ainda que relativa, pode ser reforçada pelos
resultados da questão refletida na figura 76. Questionados sobre a possibilidade de
recomendar a terceiros uma visita à cidade do Dondo, 94% dos inquiridos não teve
dúvidas em afirmar que sim, embora haja uma ausência de respostas de 14 indivíduos,
que pode indiciar dúvidas quanto a essa recomendação. Presume-se que o pensamento
dos visitantes é de não relevar tanto as carências e as dificuldades, muitas delas alheias à
vontade local. Inclinam-se mais para os elementos positivos que são proporcionados no
local com vista o enriquecimento da experiência. Esse pensamento se confirma na análise
373
dos respondentes que visitaram a cidade pela primeira vez. Os 12 inquiridos nesta
condição consideraram boa ou excelente a experiência que viviam no momento,
afirmando que não hesitariam a recomendação da visita a outras pessoas.
Excelente 19,3%
Boa 30,7%
Razoável 50,0%
Má 0,0%
Péssima 0,0%
Não
6%
Sim
94%
374
Quadro 25: Descrição da cidade do Dondo numa palavra
Frequência Frequência
Descrição da cidade do Dondo pelo visitante absoluta relativa
Cerveja 5 5,8%
Descanso 2 2,3%
Natureza 2 2,3%
Cultura 1 1,2%
Calma 1 1,2%
Linda 5 5,8%
Regresso 2 2,3%
Saudade 5 5,8%
Felicidade 1 1,2%
Carência 1 1,2%
Saneamento 1 1,2%
Subaproveitamento 3 3,5%
Guerra 1 1,2%
Total 86 100%
375
A experiência turística vivida consubstanciada nos serviços prestados, observação do
meio, apreciação da paisagem ou o convívio com outros visitantes, é fundamental para a
formatação de um pensamento sobre as melhores práticas a adotar em termos turísticos.
Porque o visitante projeta o que quer em função do que vê e lhe é oferecido, ou não. Nessa
perspetiva, considerou-se importante fazer a associação entre as modalidades turísticas a
desenvolver e a experiência turística no local, concluída com o convite ao visitante para
a realização de um exercício de abstração dedutiva que culminasse com a descrição da
cidade do Dondo numa só palavra. O quadro 26 é o reflexo dessa abstração, onde,
definitivamente, se infere mais uma vez a satisfação do visitante com o local, não obstante
os epítetos negativos nas últimas linhas.
O visitante é compensado pelo prazer de contemplar o Rio Kwanza ao mesmo tempo que
vai saboreando um Cacusso, por sinal, o elemento mais valorizado neste processo de
abstração. Ele sente o potencial turístico e as condições naturais que a localidade possui
para produzir lazer, mas acha que a cidade é subaproveitada, e nem o facto de ser antiga
posicionando-a nos “altares” da cultura nacional, é condição bastante para ser uma
prioridade nos projetos de reabilitação urbana. Ainda assim, o visitante considera o
Dondo lindo. Identifica nele sinais de desenvolvimento, num misto de sonho e realidade
que ajudam a construir um desejo por dias melhores.
As cidades possuem as suas “virtudes e pecados”, dimensionados nos tempos atuais pelo
olhar do turista, porque é o ator da viagem que mais sente o destino. Assim, é de todo
376
oportuno percecionar os elementos da cidade que não são agradáveis aos olhos dos
visitantes, e por via disso receber inputs para identificar e promover ações de melhoria.
O conformismo que muitas vezes envolve o residente pela não resolução dos problemas
que constrangem as suas vidas costumam merecer das autoridades outra abordagem
quando vistas de fora, principalmente quando têm no turismo um “produto estrela”, na
medida em que a diminuição do número de visitantes motivadas por constrangimentos
provocados no destino pode representar um menor crescimento económico, redução
significativa de impostos e dificuldades no investimento público e privado.
377
Neste sentido, a degradação das estradas e a falta de infraestruturas básicas, como a
energia, água e saneamento, apontadas pelos visitantes inquiridos como problemas da
cidade do Dondo constituem grandes entraves para o desenvolvimento turístico da cidade.
Porque, a par dos recursos naturais e culturais que garantem a atratividade básica da
localidade, as infraestruturas são o suporte do turismo (Baptista, 2003) e de qualquer
atividade económica, ao permitir a circulação, comunicação e prestação de vários
serviços demandados. Para além do défice nas infraestruturas, os visitantes identificam
um conjunto de constrangimentos (quadro 26) constituídos por 19 itens, que traduzem as
dificuldades de quem vive e de quem visita a cidade do Dondo.
Também com grande relevo, são apontados constrangimentos a nível do clima, falta de
limpeza, animação, rede hoteleira, educação, iluminação pública, lojas comerciais, casas
degradadas, entre outros. A maioria dos constrangimentos apresentados, já identificados
pelos residentes, refletem o estado atual da cidade. Os visitantes inquiridos lamentam
particularmente o estado das vias, a gestão dos resíduos sólidos e o não aproveitamento
turístico do potencial da cidade, que se traduz na deficiente rede hoteleira e serviços
conexos a nível do comércio, indústrias e ações culturais.
Embora com uma frequência despicienda, parece sintomático verificar o desagrado dos
visitantes em relação ao consumo excessivo de álcool pela população local e a
imoralidade sexual que terão identificado durante a visita. O alerta é preocupante na
medida em que transporta as eventuais ações para um estado de precariedade ou
vulnerabilidade social que possa estar associada ao índice de desemprego,
particularmente na juventude. Por terem sido os inquiridos do sexo masculino a
manifestarem esse desagrado, particularmente na questão da imoralidade sexual,
378
especula-se que os visitantes poderão ter sido abordados pelas jovens locais para a
satisfação de determinada necessidade material, a troco de favores sexuais, ou por
extensão de hipóteses, haver aliciamento em sentido contrário, reprovado em ambos os
casos por visitantes mais conservadores. Seja como for, essa situação é indiciadora de um
problema social que o turismo poderá potenciar, infelizmente, se se enveredar por
modalidades turísticas que não salvaguardem a melhoria das condições de vida dos
residentes.
Frequência Frequência
Medidas para a melhoria da cidade absoluta relativa
Portanto, é natural que as principais medidas que foram apontadas pelos visitantes para
melhorar as condições de vida local sejam o investimento nas infraestruturas e serviços
públicos, requalificação da cidade e reabilitação das estradas. Uma clara mensagem de
melhoria dos serviços, mudança da imagem da cidade e da circulação das pessoas.
Os resultados apurados na auscultação efetuada aos três atores considerados para esta
investigação configuram ideias consensuais em relação ao potencial turístico da cidade
380
do Dondo, pela sua cultura, recursos naturais e potencial económico. Identificam-se
afinidades nas aspirações dos atores de ver a localidade desenvolvida turisticamente de
modo a trazer consigo outras valências económicas e sociais para a comunidade local.
381
compreensão das externalidades negativas que o turismo pode provocar na comunidade
é difusa. Transformar a marginal da cidade num conjunto de empreendimentos turísticos
e abrir um corredor até Massangano com atividades de diversão centradas no Rio
Kwanza, não parece adequado. Portanto, é necessário haver uma relação de
retroalimentação entre os níveis de decisão central, provincial e municipal que permita
esfriar ímpetos de desenvolvimento turístico massificados, produzindo uma linguagem
comum estruturada na cultura local.
A falta de performance cultural numa terra de cultura é uma debilidade que precisa ser
corrigida com urgência para evitar que o visitante direcione as suas motivações de visita
predominantemente na diversão e no entretenimento, conforme se apurou nos resultados
do inquérito. Apesar de ser um pensamento que merece acolhimento das autoridades
locais, mas afigura-se contraproducente para a projeção de um turismo que sirva de
instrumento de salvaguarda e valorização do património cultural local. Ações de
educação patrimonial devem ser desenvolvidas conjuntamente pelos setores do turismo
e da cultura com vista a um melhor entendimento da dimensão cultural do município,
tanto para o residente como para o visitante.
382
desenvolvimento turístico para o município, envolvendo especialmente o corredor
Dondo – Massangano – Cambambe, a fim de desencorajar propostas exclusivamente
lúdicas e massificadas, perigosas para a sustentabilidade das localidades.
383
IX. Capítulo. Estratégia de desenvolvimento turístico na cidade histórica do Dondo
385
Assim, o turismo para o Dondo proposto neste capítulo requer um conjunto de
intervenções que devem estar inseridas num plano estratégico concreto. Por outro lado, a
pressão dos visitantes e as valências da cidade não permitem que a sua turistificação seja
projetada inteiramente nos timings dos planos, pelo que o capítulo aponta também alguns
subsídios para um turismo “imediato”.
A cidade do Dondo possui uma malha urbana bastante pequena comparada com a
dimensão da sua população. Ademais, o lugar urbano compreende praticamente todo o
perímetro classificado como património nacional, onde estão concentrados os edifícios e
serviços públicos. O território habitado, conforme descrito no capítulo V, possui um
núcleo urbano histórico, estruturado a partir da margem direita do rio, intermediado por
uma extensão de terra de aproximadamente cinquenta metros, para além da estrada
asfaltada (marginal) com duas faixas de rodagem em cada sentido e dividida por um
separador pavimentado e relvado. À volta deste núcleo se foram estabelecendo vários
bairros periféricos desordenados com habitações precárias, maiores em extensão e
população que o centro, rasgando matagais e montanhas. Um alargamento do raio do
núcleo que densificou o território, trazendo consigo problemas de desenvolvimento
urbano.
O bairro da Cerâmica por exemplo, limitado com o núcleo urbano em grande parte pela
linha férrea, irrompeu em construções por montanhas onde foram palcos de
acontecimentos históricos do início da era colonial, que poucos angolanos conhecem,
inclusive os residentes locais. Restos de material bélico das lutas coloniais pela ocupação
do território podem ainda ser encontrados no chamado “Morro da Cerâmica”. Segundo
fontes do Instituto do Património Cultural, neste local tiveram lugar intensas batalhas
entre os soldados de Paulo Dias de Novais e os guerreiros nativos comandos por Ngola
Kiluange na segunda metade do século XVI. Hoje, o lugar está desprovido de significado
e transformou-se num território das comunidades, completamente alheios ao simbolismo
que o lugar e os obsoletos materiais representam.
386
porque a configuração atual do Dondo, a par das demais cidades do país, conforme
apelidou Giovannoni (citado por Choay em 2015) é de intenso movimento centrípeto
sobre o núcleo urbano, sem qualquer proteção do tráfico de atravessamento e distribuição
dos usos urbanos. O alargamento das infraestruturas, serviços públicos, provimento de
equipamentos e serviços diversos para os bairros periféricos, ou mesmo o
equacionamento de outro(s) centro(s) urbanos administrativos a nível da comuna sede e
do município de Cambambe, são opções urbanas válidas e imperiosas para salvaguardar
a cidade velha e o seu património edificado, embora o seu traçado retilíneo apresente
obstáculos adicionais.
O turismo ao ser catalogado como uma atividade essencialmente privada, tem gerado
alguns equívocos de interpretação das autoridades públicas sobre as responsabilidades
que cabem ao Estado neste importante setor. Não sendo já o detentor mais importante dos
meios de produção numa economia de mercado, o setor público tem no entanto a
responsabilidade de fazer acontecer a produção nos mais diversos setores de atividade. É
de um cinismo atroz observar uma entidade pública realçar a letargia do setor privado
pelo não investimento em sítios com potencial turístico, como que transferindo toda a
responsabilidade aos empresários, quando faltam no local acessibilidades, energia
elétrica, água canalizada e outras estruturas que devem ser acautelados pelo Estado.
Os predicados turísticos culturais e naturais do Dondo têm pouca relevância se não forem
garantidas condições de acessibilidade seguras e confortáveis para o consumo dos bens e
serviços turísticos; têm pouca relevância se os esgotos e as águas residuais não forem
tratadas convenientemente evitando que os dejetos desaguem pelas margens do rio,
387
ferindo a visão dos visitantes ao mesmo tempo que o odor nauseabundo os invade. Do
mesmo modo, não é sério pensar-se numa atividade turística que traga benefícios sociais,
ambientais e económicos para a localidade sem o abastecimento permanente de água
potável, energia elétrica, rede de comunicações e todo um conjunto de serviços requeridos
não apenas pelos turistas; como o tratamento dos resíduos sólidos, serviços médicos
adequados, segurança pública, sistemas de transportes ajustados às necessidades, entre
outros.
388
Fadigas (2015), têm sido os que mais influenciam e determinam a organização e
estruturação territorial e as linhas de força da expansão urbana.
389
tenham a devida correspondência entre os planos estratégicos e os planos operacionais,
com organismos capazes de reproduzir localmente as políticas definidas.
Extensão da
cidade
Reabilitação
urbana do
Dondo
Para além das casas e edifícios antigos, o centro histórico do Dondo conserva lugares de
memória de grande significado histórico que podem ser valorizados por um movimento
turístico crescente. O turismo ao propiciar a utilização frequente do património cultural,
deverá promover a cidade não apenas como uma importante atração turística, mas como
lugar de produção e promoção de bens culturais das comunidades. Porém, a dimensão
diminuta do centro obriga a uma planificação de reabilitação que salvaguarde os
necessários equilíbrios, evitando os efeitos negativos provocados pelo fluxo excessivo de
visitantes e investidores imobiliários, atraídos pela perspetiva de recuperação urbana.
Resulta, pois, inconsequente perspetivar a reabilitação da cidade olhando apenas para o
núcleo urbano, porque as consequências de saturação dos espaços públicos,
congestionamento do trânsito e banalização sociocultural são imanentes.
391
planos de ordenamento e de urbanização, a todos os níveis. Neste documento, se
recomenda a preservação do caráter histórico da cidade, o conjunto de elementos
materiais e espirituais que exprimem a sua imagem, assim como a indispensável
implicação e participação dos seus habitantes, com a necessária tomada de consciência
de todas as gerações, na medida em que a salvaguarda das cidades e bairros históricos
respeita, em primeiro lugar, aos seus habitantes.
392
primeiros beneficiados do processo, que estão estabelecidos permanentemente no lugar,
para quem deve ser dada a primazia desse benefício? Deve ser evitada a prática autoritária
de interrupção do estilo de vida de séculos por novos paradigmas sem qualquer alternativa
às populações. Portanto, não parece de todo sensato, promover o desenvolvimento da
cidade sem a territorialização do grosso das mais-valias a favor da comunidade local.
393
não possuem recursos financeiros para atender a eventuais projetos comparticipados de
recuperação dos imóveis. A necessidade de conservação e valorização após reparação dos
imóveis precipitará a transferência dos residentes para outros lugares. Uma
desterritorialização quase que anunciada que levará a uma reterritorialização afastada do
núcleo urbano. Nessas condições, estar-se-á a reduzir a função residencial do centro e a
transformar a sua composição social. Embora se entendam as lógicas económicas para
sustentar a própria reabilitação, uma rotura no tecido social urbano ou a sua transformação
total em “centro comercial” não favorece a manutenção identitária do lugar.
A Lei de Terras, Lei 9/04 de 9 de novembro, que consagra como um dos princípios
fundamentais para o exercício de direitos fundiários o respeito pela consulta às
comunidades locais, infelizmente tem servido para legitimar a constituição de fazendas
dos novos ricos com largos hectares de terra, na maioria dos casos sem atividade
produtiva relevante, confinando os locais a microterritórios. Terras potencialmente
agrícolas, são convertidas em retiros edílicos de fins de semana para um pequeno número
de “turistas” ocasionais. Apesar da lei consagrar igualmente o princípio do
aproveitamento útil e efetivo, não tem havido quaisquer fiscalização ou medidas para
garantir tal aproveitamento. Na verdade, o primeiro grande princípio da lei, da
propriedade da terra ser originariamente do Estado, tem servido para legitimar a
394
transferência da posse para os mais ricos, representantes do próprio Estado ou próximos
destes.
Fora os campos agrícolas, a cidade do Dondo é rodeada de montanhas vistosas que podem
proporcionar geossítios bastante atrativos para servir o turismo. Os lugares montanhosos
têm servido para que os nativos desenvolvam a sua atividade de produção de carvão,
lenha e caça “miúda”, que poderão ser interrompidas ou dificultadas, caso estejam em
zonas privilegiadas para estender a cidade e servir o turismo. De igual modo, a pesca entre
as duas margens do Kwanza e a concentração de populares em zonas ribeirinhas para
lavagem de roupa, banhos diários e atividades de recreio, serão necessariamente
redefinidas, uma vez que a condição navegável do rio é ingrediente bastante para
dinamização de práticas turísticas fluviais e desportivas ao longo do Corredor do Kwanza.
Sendo a marginal o lugar de maior visitação da cidade, é evidente a primazia que terá
numa eventual ação planeada da atividade turística. Assim, o que fazer com as dezenas
de senhoras que têm na confeção dos alimentos o sustento de suas famílias? Deverão
forçosamente abandonar o lugar e incorrer num processo de reterritorialização pouco
favorável, ou interessará gizar planos inclusivos que permitam a continuação de sua
atividade de restauração? Uma possível política de inclusão servirá o turismo e os anseios
dos visitantes ou, pelo contrário, será um fator de inibição de segmentos significativos da
procura? Estas e outras questões precisam ser analisadas com profundidade no sentido de
procurar soluções que reduzam ao mínimo os processos de desterritorialização que
propiciem precariedade e vulnerabilidade social extrema.
Como se vê, a dinâmica da atividade turística incorre em riscos sociais difíceis de gerir e
mitigar. Alguns exemplos citados por Fernandes (2013) são evidências do confronto entre
os valores tradicionais dos autóctones e a cultura cosmopolita do mundo sem fronteiras,
suscetíveis de acontecer nos territórios periféricos da cidade do Dondo. A conservação da
395
natureza, enquanto projeto simultâneo de desenvolvimento das comunidades locais e de
promoção de valores ecológicos condiciona o acesso das populações a recursos como a
terra e a água, afastando-as dos seus lugares simbólicos (ritos e cultos aos ancestrais, por
exemplo). A própria construção de acessibilidades para atender à procura nos locais de
interesse turístico é também, por si só, um fator de quebra de mobilidade dos autóctones,
confinando-os a lugares mais restritos e, muitas vezes, fragmentados por barreiras difícil
de transpor.
396
constituir-se num reforço da componente residencial dos centros urbanos. Em muitas
cidades do mundo sem grande atratividade do ponto de vista da oferta primária, costuma
ser a construção de certos equipamentos emblemáticos (flagship attractions) a solução
para posicionar a localidade, conforme referência feita sobre as cidades de Bilbau e
Sidney no segundo capítulo.
Socioculturais
Equipamentos e serviços para o turismo
Equipamentos e serviços de vária ordem são precisos no Dondo, não apenas na sua parte
urbanizada, mas numa perspetiva de utilização dos mesmos para o processo de
desconcentração e extensão da cidade. Com a exceção de equipamentos sociais,
fundamentalmente escolas do ensino primário, quase todos os equipamentos e serviços
(que não são muitos) para satisfazer as necessidades coletivas dos cidadãos encontram-se
situados no núcleo urbano. Os principais locais de concentração de pessoas é o largo 4 de
Fevereiro e alguns mercados informais que se espalham pelos bairros periféricos. O
mercado municipal oitocentista que faz parte da zona histórica classificada é dos menos
competitivos, com pouca diversidade de produtos e afluência de compradores. No centro
397
existe ainda o “Largo do Lazer”, sem qualquer vitalidade, que congrega o centro
administrativo (palácio, polícia, tribunal, igreja católica). Acrescenta-se a isso o hospital
municipal, escolas, uma quadra desportiva polivalente degradada, mas em uso, meia
dúzia de hospedarias e pensões em atividade, pequenas lojas e cantinas para as
necessidades de proximidade, e pouco mais.
Observando a realidade local, são vários os equipamentos e serviços que podem ser
projetados para os desígnios de reabilitação urbana, desenvolvimento local e criação de
destino turístico. A relação seguinte são propostas que devem ser equacionadas de acordo
com as necessidades de dispersão geográfica, multifuncionalidades e equilíbrios
socioambientais.
Casa do artesanato: ao ser designada como a cidade do artesanato do país por via
da realização da feira anual, Dondo precisa capitalizar melhor este evento para colher
398
os benefícios daí decorrentes. Um equipamento cultural com essa designação, ou
outra qualquer, mas que reflita a cultura local e nacional com secções internas
variadas: museu, sala de teatro e espetáculos, galeria de arte, biblioteca, sala
multimédia, etc., se constituirá certamente num grande atrativo para a cidade, com
condições para captar visitantes e dinamizar a vida da cidade, através de um
calendário anual de eventos e exposições devidamente estudado.
Miradouro da cidade: o Dondo é das cidades com menor altitude do país, situando-
se quase ao nível do mar, mas está rodeada de montanhas que observam em
permanência o “frenesim” dos seus habitantes e dos viajantes. Sítios privilegiados
que dão uma perspetiva da malha urbana da cidade e da expansão das periferias que
podem ser aproveitados para a projeção de uma vista panorâmica para o centro e para
o Kwanza. O “Morro da Cerâmica”, pela narrativa histórica que lhe está associada, é
um candidato privilegiado para a construção dessa flagship. Naturalmente que um
equipamento do género terá de ser acompanhado de serviços acessórios de
restauração e entretenimento, com os necessários equilíbrios de sobrecarga e
saturação dos espaços.
Piscina Municipal: tendo o rio no seu contacto direto, dirão alguns concidadãos que
do ponto de vista das necessidades de investimento público seria pouco parcimonioso
enveredar por uma proposta do género. Salvaguardando as prioridades, os limites
orçamentais ou os custos de oportunidades, as piscinas são dos equipamentos com
enorme capacidade de socialização porque congregam atividades educativas,
desportivas, recreativas e de entretenimento diverso. Por outro lado, um ou mais
equipamentos do género, além de criar emprego e rentabilizar os serviços prestados
para o município, serviriam para resolver o problema atual de utilização errática do
Rio Kwanza, proporcionando alternativas às crianças e jovens para os seus banhos
diários em recreação. Numa perspetiva semelhante, podia se equacionar a construção
de lavandarias públicas no interior dos bairros, conforme proposta de um residente
inquirido, como forma de limitar a afluência ao rio das populações para a lavagem
de roupa.
399
desconcentração e ao mesmo tempo de escoamento de produtos do campo e do rio.
Uma estrutura onde são depositados a maioria dos produtos agrícolas provenientes
do campo para a comercialização, sobretudo dos transeuntes para Luanda, poderá
constituir-se num elemento dinamizador da economia local por via da facilitação do
contato entre a oferta e a procura. O mesmo podia ser em relação ao peixe fresco
(Cacusso, Bagre e outros), saídos das lagoas próximas de Massangano e vendido a
céu aberto sem as mínimas condições de conservação. Um mercado do peixe com
condições frigoríficas adequadas ajudará certamente a retirar os pequenos pontos de
comercialização à beira rio, onde são devolvidos parte das escamas e entranhas dos
peixes.
Espaços verdes e largos públicos: o mínimo que se pode considerar é que cada
bairro periférico do Dondo possua um equipamento social do género que possa servir
de lobby público para a distribuição de outros equipamentos e acessibilidades.
Espaços multifuncionais que possam congregar recintos desportivos multiusos e um
conjunto de atividades recreativas e culturais. Sem grandes investimentos, é possível
replicar numa primeira fase os espaços lúdicos de Luanda concebidos há cerca de
seis anos. São espaços de lazer público, não tão centralizantes, mas que têm servido
para desporto, fitness e ocupação dos tempos livres, em detrimento das práticas
menos recomendáveis de perturbação social. Os espaços são abertos, localizados em
praças, largos e rotundas com pequenos instrumentos em madeira e ferro para
atividade física, bancos para repouso e trabalhos artesanais vistosos, criando uma
paisagem humana interessante dos subúrbios. Também têm servido para
representações simbólicas através do culto do músculo e da perfeição do corpo,
proporciona uma relação social saudável e melhoria da qualidade de vida dos
frequentadores, do ponto de vista da saúde física, social e psico-emocional.
400
biblioteca, um museu, uma galeria ou uma sala para exibição diversa (filmes, teatro,
dança, espetáculos musicais). É exigível, de acordo com a sua dimensão, que não
tenha somente os equipamentos referenciados mas que os mesmos possam servir de
amostras para representar a cultura popular de toda uma região da etnia Ambundu
que se consolidou do oceano atlântico para o interior do país entre as bacias
hidrográficas dos rios Kwanza e Dande, tendo o Dondo como um dos principais eixos
da sua geografia.
Para que não sejam constantemente replicados exemplos de investimentos sem quaisquer
retornos económicos e sociais em períodos de tempo razoáveis, é necessário olhar para
401
as premissas de sua conservação e utilização ótima. Estruturar projetos integrados,
auscultar vontades, sensibilizar e educar a população, envolver a comunidade e partilhar
responsabilidades, são ações prévias a considerar antes do lançamento da primeira pedra
e das pomposas cerimónias de inaugurações e “reinaugurações” (que podiam ser
evitadas). A casa é construída em poucos meses, mas serve gerações durante décadas e
séculos. Mais importante que a edificação de uma casa, é criar condições para se cuidar
dela. A construção representa um tempo insignificante da casa, porém, a sua história é
dominada pelo tempo que permanece em utilização.
Sensibilização e Envolvimento e
Projetos Auscultação de partilha de
educação da
integrados vontades responsabilidade
população
402
município de Luanda (provavelmente o mais pequeno do país em termos de extensão
geográfica) possui a densidade populacional mais alta, a atingir os 24.435 habitantes por
km2. A densidade populacional da província de Luanda, que acolhe 27% da população de
Angola, é de 398 habitantes por km2, ao passo que a média do país é de 20,6 habitantes
por km2. Por sua vez, a cidade do Dondo, concentra no seu território perto de 70% dos
90.766 habitantes que compõem o município de Cambambe. Possui uma densidade
populacional invulgar face às demais comunas, acima dos 1.200 habitantes por km2,
contra os 17,4 habitantes por km2 que representa a média do município.
Com este quadro, parece óbvio que a solução estrutural de profundidade para resolver os
problemas de infraestruturas e equipamentos da cidade é o investimento em outras
localidades. Desse modo, procurava-se evitar que as populações recorram
sistematicamente à sede do município para satisfazer as suas necessidades elementares de
saúde, educação e atividade económica. Enquanto as comunas vão ficando desabitadas,
sem jovens e sem vida, a cidade recebe cada vez mais migrantes, aumentando o perímetro
das periferias, a desordem urbana, o comércio informal e outras atividades marginais. Por
isso que, tal como no caso dos equipamentos e serviços propostos para o Dondo, no
âmbito do necessário alargamento da cidade e tendo em vista a salvaguarda do seu núcleo
urbano histórico, para as comunas do município devem ser pensados investimentos que
facilitem a fixação da população jovem nas localidades, promovendo inclusive por essa
via oportunidades para inverter o sentido do fluxo migratório.
403
detentora das amostras mais representativas do património histórico construído do
município. A sua localização geográfica, na confluência entre o Rio Kwanza e o seu
principal afluente, o Lucala, assim como toda a envolvente de lagoas e braços fluviais,
proporcionam a Massangano paisagens naturais propícias de serem aproveitadas pelo
turismo. Outro exemplo a considerar numa ação de descentralização urbana é a comuna
de São Pedro da Quilemba, localidade composta por meia dúzia de povoações ou aldeias
de baixa densidade mas com grandes potencialidades agrícolas e minerais, cuja sede está
situada cerca de 45 quilómetros do Dondo.
Figura 81: Representação da distância entre Dondo e Massangano. Pela estrada e pelo
Rio Kwanza.
404
vários objetos de valor etnográfico e arqueológico com indícios de serem muito antigos.
Sendo já privilegiada pela construção da barragem de Laúca na sua envolvente, São Pedro
da Quilemba poderá reforçar a sua visibilidade e interesse económico com a construção
da Barragem de Caculo Cabaça, já adjudicada para ser construída nos próximos anos.
Convém realçar que o pensamento para estas localidades não deve passar exclusivamente
pela sua transformação em cidades. Uma centralidade, ao ser projetada em ambiente rural,
não tem de ser necessariamente um local com um número assinalável de edifícios e
equipamentos urbanos. O desejável é que as autoridades sejam capazes de produzir
centralidades no espaço rural, ou seja, localidades com um conjunto de funções úteis e
indispensáveis às comunidades rurais sem que sejam transformados radicalmente os
espaços e o estilo de vida. A interpretação da centralidade deve estar enquadrada na
necessidade de preservação da vocação do território e na criação de condições para que a
sua população o valorize continuamente. As cidades devem crescer em harmonia com as
áreas rurais circunvizinhas e mais remotas das quais elas dependem (para alimentação,
trabalho, recursos naturais) e às quais elas apoiam, com fornecimento de serviços (Lopes,
2008). Para isso é fundamental a criação de localidades rurais com centralidade
geográfica entre os aglomerados urbanos no sentido de evitar a fuga de camponeses para
as cidades.
405
precárias, comércio informal, saneamento, entre outros. De acordo com Miguel (2008:
90), “as cidades devem poder oferecer à sua população um quadro de vida e recursos
administrativos mais estruturados do que um simples loteamento pegado a uma aldeia ou
a uma pequena cidade já existente”. O foco deve estar direcionado para a desconcentração
e reduzir a dependência económica e social dos principais aglomerados. Situações como
a deslocação de cem quilómetros ou mais para tratar um bilhete de identidade, fazer uma
simples consulta ou comprar um simples caderno escolar, não podem existir eternamente,
a menos que se queira promover continuamente a exclusão social de massas.
406
A discussão apresentada sobre a temática da reabilitação urbana (figura 82) e extensão da
cidade do Dondo, permite concluir que a sua materialização não se circunscreve a meros
desejos ou cadernos de intenções, porque a dimensão dos custos de investimento e a
grande complexidade para articular o conjunto de variáveis para a sua conceção e
execução, condiciona bastante as ações das autoridades, limitadas de recursos técnicos,
humanos e financeiros. Todavia, a limitação de recursos não deve tornar inerte a ação
governativa, ou continuar a multiplicar os erros de planeamento e execução, sobretudo
devido à elevação dos interesses pessoais em detrimento da gestão da coisa pública.
Infraestruturas e serviços
públicos
Reabilitação urbana e extensão da
Recuperação do património
construído e valorização
identitária do lugar
Equipamentos e serviços
Socioculturais, lúdico-desportivos,
turístico-hoteleiros
Nova(s) centralidade(s)
407
vitalidade do património histórico construído da cidade do Dondo, reduzindo a pressão
sobre o centro histórico. Por outro lado, importa olhar a implementação desse processo
no âmbito de uma relativa autonomia das autoridades locais, (administrativa, orçamental
e de gestão territorial), com vista a uma maior e melhor articulação entre as diretrizes
estratégicas centrais e a monotorização técnica e operacional, incluindo o necessário
espaço de contribuição da municipalidade para as decisões estratégicas sobre o local.
Para que um destino seja bem-sucedido é imperioso proceder à organização da sua oferta
turística com vista à sua acessibilidade, comercialização e fruição. Por natureza, todas as
localidades, independentemente da sua vocação, possuem bens e serviços suscetíveis de
408
serem aproveitados ou utilizados pelos visitantes. No entanto, para que esses bens e
serviços satisfaçam necessidades objetivas e latentes implica a adoção de um conjunto de
ações que acarretam a transformação da oferta base ou primária, genuinamente disponível
ou construída ao longo do tempo (quer pelos recursos naturais existentes, pelo património
histórico ou arquitetónico ou pela forma de vida peculiar de uma determinada
comunidade), em produto acessível para uma experiência turística. Os processos de
reabilitação urbana e extensão da cidade ou a promoção de novas centralidades para o
ordenamento do território enquadram-se nesse imperativo de organização.
Os elementos de transformação urbana abordados no primeiro tema deste capítulo são por
isso parte integrante da oferta primária. Se o turismo implica a deslocação para um local
diferente do contexto habitual, requerendo necessariamente a utilização de um meio de
transporte para o efeito, então a reabilitação das redes viárias e as comunicações são parte
integrante dessa oferta, especificamente na categoria de infraestruturas e transportes. O
mesmo acontece com os equipamentos e serviços conexos que, não sendo concebidos e
implementados preferencialmente para servir as necessidades turísticas, constituem-se,
no entanto, num elemento fundamental para a multiplicidade das práticas turísticas.
409
agregar várias prestações para a composição de uma experiência, os produtos turísticos
orientam os visitantes para um efetivo aproveitamento dos recursos, das atrações e dos
serviços existentes na localidade.
Gestão multidisciplinar
e património
Formação
ç
Património profissional
construído
Rio Kwanza e
paisagem
Promoção turística
Equipamentos
q p e
serviços
Eventos e
Assessoria técnica manifestações
Nova(s)
()
centralidade(s)
410
atividade e a predisposição do setor público em turistificar a cidade do Dondo. Com base
nessas vontades, interessa refletir também sobre o tipo de turista que procura os produtos
que enaltecem a cultura local. Interessa ainda olhar para a divulgação da cidade como
ação derivada da organização prévia da oferta, associando-a a um mote, por via de uma
construção discursiva que venha reforçar o simbolismo do lugar, tendo em conta a sua
posição hierárquica na cultura nacional.
Com base nos inquéritos realizados, a oferta na cidade do Dondo pode ser estruturada em
três produtos turísticos estratégicos, todos eles ancorados na cultura local e
dimensionados em rotas que absorvam recursos e atrações turísticas de todo o município,
estabelecendo redes potenciadoras dos lugares inseridos.
411
caso, predominam os monumentos do século XVI e XVII na comuna de Massangano
e vila de Cambambe e as edificações oitocentistas da cidade do Dondo.
412
autêntica. Assim destacamos as ruínas do antigo Hotel Kwanza e a Casa Leão no
Dondo, ruínas de Massangano (câmara municipal, paços do concelho, casa de
reclusão) e ruínas de Cambambe.
Produto sítios e lugares históricos: são enquadrados nesta categoria as áreas com
testemunho cultural do homem ao longo da sua história que despertam o interesse e
visitas públicas. De acordo com Smith e Campbell (2016: 445), “people use sites in
many ways, from places where people go to experience, express, or experiment with
emotions, as places where families pass on familial memories and social and/or
political values, places were individuals go to remember and find affirmation of
personal or collective social and political values, as places where some visitors seek
reinforcement of what they already know, believe, and feel about the past and its
relationship with the present, or to offer recognition and respect for groups other
than themselves”. No caso do Dondo e sobretudo nas localidades circundantes,
existem vários lugares com histórias, estórias e lendas que precisam ainda ser
descobertos, que podem oferecer diferentes formas de fruição e possibilidade de
estudos e pesquisas.
85
Localidades situadas nas províncias de Malanje e Cuanza-Norte respetivamente que faziam parte do
território do reino do Ndongo onde, segundo Coelho (2010), situava-se com regularidade a capital Kábásà.
413
batalhas com o regime colonial. Entre esses abrigos existem redes de percursos
utilizadas até hoje pelas comunidades que permitia a movimentação dos nativos
distantes da vigilância do regime opressor. Algures por exemplo, nos arredores
da povoação de Candange86, se localiza uma mesa ancestral de pedra com
assentos que, segundo relatos do povo, era um lugar frequentado pela Rainha
Njinga Mbande.
d) A Pedra de Laúca: como já referido, este local é uma recente descoberta feita no
âmbito dos trabalhos de construção da barragem de Laúca que deverá entrar em
funcionamento ainda este ano. Situada na comuna de São Pedro da Quilemba,
foram encontrados neste local um conjunto de objetos de valor etnográfico e
arqueológico que indiciam a existência de assentamentos humanos naquela
localidade em períodos ainda por determinar. Como a Pedra de Laúca, serão
muitos os locais de assentamento nas margens do Kwanza dos povos Mbundu
que estão por descobrir.
c) Gastronomia: com o privilégio para o peixe do rio, o Cacusso (um dos principais
argumentos de visita) e o bagre, bem como a carne de caça de pacaça (da espécie
86
É a designação da povoação localizada na margem esquerda do Rio Kwanza, oposta à cidade do Dondo.
Apesar de pertencer geograficamente ao município da Quiçama, província de Luanda, na recente divisão
administrativa de Luanda, os habitantes de Candange estão quotidianamente ligados ao Dondo, onde
encontram a satisfação das suas necessidades básicas em matéria de saúde, educação, emprego e outras
prestações de serviço. Portanto, com total ligação económica e sociocultural ao Dondo.
414
do búfalo), javali ou veado. De igual modo, para o enriquecimento desta
categoria, será necessário rebuscar as bebidas tradicionais da região feitas à base
de frutas e plantas, praticamente desaparecidas.
Fora esses predicados, importa realçar o seu incomensurável valor económico. O Rio
Kwanza é o principal recurso natural da cidade do Dondo. Fornece matéria-prima para a
agricultura, a indústria e a pecuária, é fonte de alimento para as populações, suas águas
ajudam a produzir energia elétrica, é um meio de comunicação e circulação de pessoas e
bens, ao longo do seu corredor perfilam bens culturais do processo histórico e, finalmente,
a sua beleza cénica e paisagem convertem-no no principal atrativo turístico natural da
cidade. Por todas as razões apresentadas, importa em primeiro lugar fazer uma análise
mais exaustiva sobre as paisagens do Kwanza num raio próximo da cidade do Dondo.
87
Entende-se por geossítio, “a ocorrência de um ou mais elementos da geodiversidade (aflorantes quer em
resultado da ação de processos naturais quer devido à intervenção humana), bem delimitado
geograficamente e que apresente valor singular do ponto de vista científico, pedagógico, cultural, turístico,
ou outro” (Brilha, 2005: 52).
415
essas expressões singulares de relevo sejam cada vez mais humanas. As formas de relevo,
imediatamente antes à marginal da cidade do Dondo e do outro lado do rio devem,
porventura, constituir-se numa âncora de atratividade da cidade e recriar a sua imagem.
88
Zona verde e de produção agrícola, próxima da barragem hidroelétrica de Cambambe, onde o Rio
Kwanza se torna navegável até a sua foz.
416
O quadro apresentado deve indiciar um pensamento prospetivo de criação de um
geoparque, uma vez que, para além dos elementos abióticos suscetíveis de serem melhor
identificados e descritos cientificamente, é marcante a presença da flora e da fauna
selvagem que amiúde, na margem de Candange, se socorre dos verdes pastos e da água
do rio. Um equipamento que seja pensado com vista a ter uma posição de vanguarda e se
apresente como um instrumento de gestão territorial, com escala de atuação bem definida
e uma imagem que vá para além da região (Santos et al., 2010). Segundo Figueira e Dias
(2011), estruturas dessa dimensão, ao se agregar valor, tais como: condições de acesso,
sinalização, recursos humanos capazes, equipamentos e serviços de apoio, devem
constituir-se num produto turístico que consiga competir em condições de igualdade no
mercado a que se destina.
417
de outros mineiros, tais como o quartzo, ferro, diamantes, manganês e cobre (AMC,
2009).
Para além do interesse a despertar pelos espaços geomorfológicos com acentuada beleza
cénica, consideram-se a seguir outras atrações turísticas em condições de se
transformarem em produtos turísticos específicos, na vertente “Rio Kwanza e a sua
paisagem cultural”.
418
municípios e cidades próximas. Se forem agregados a este bem natural serviços de
apoio mínimos poderá converter-se num importante componente dos roteiros
turísticos a desenvolver para a cidade.
Áreas de caça: a corrente fluvial obriga a que os animais da selva não estejam muito
distantes das suas margens. Nas comunas à volta do Dondo existem matagais com
variedade de espécies que são abatidas indiscriminadamente para comercialização na
419
via pública, sendo que muitas dessas peças fazem parte da ementa oferecida aos
visitantes na praça de alimentação da cidade. Um estudo ambiental exaustivo que
salvaguarde acima de tudo os equilíbrios da biodiversidade poderá determinar
eventuais reservas, quotas e temporadas de caça.
Áreas de pesca: para além do próprio Rio Kwanza, as abundantes lagoas e lagos,
sobretudo na confluência com o Lucala, fornecem abundante peixe ao Dondo,
capturados ainda com instrumentos e métodos tradicionais. Associar os pescadores
rurais em cooperativas e desenvolver práticas turísticas comunitárias no local que
permitam melhorar as suas atividades e o seu modo de vida são caminhos que devem
ser equacionados com alta consideração, tendo em conta os desígnios de utilização
do turismo para aliviar a pobreza e melhorar as condições de vida das populações.
420
alcançar. Essa participação pressupõe não apenas a expectativa de obtenção de
investimento e empregos que garantam rendimentos económicos, mas ser ator na
definição do tipo de investimento e emprego associados ao bem-estar, que propiciem e
estimulem a produção de riqueza.
Feiras: a feira do artesanato é um evento nacional anual que deve envolver outros
pressupostos de realização, tanto a nível de organização, envolvimento setorial,
patrocínios, participantes e divulgação. Tem de se converter numa verdadeira festa
da cultura nacional com representatividade de todos espaços socioculturais e etnias
do país. Outras feiras ou eventos podem ser igualmente projetadas para atrair
visitantes e dinamizar a economia local. São os casos dos eventos gastronómicos
regionais, feiras e exposições agropecuárias, com inputs diversos para amostra:
equipamentos, máquinas, sementes, etc.
421
Quadro 28: Produtos turísticos estratégicos para a cidade do Dondo
Sendo a procura a determinante das ações da oferta, importa que essa necessidade de
redescoberta, latente ainda em muitas franjas da sociedade, deva ser correspondida com
uma oferta que proporcione experiências, memória e educação aos angolanos. Se a
procura condiciona a oferta, esta não deve cair no enredo de um público predador que
consome acidentalmente a cultura ou que tenha poucas preocupações com o ambiente e
com as populações anfitriãs, sob pena de ver comprometida a sustentabilidade dos seus
422
recursos turísticos. A estratégia de criação de produtos turísticos de qualidade assenta em
pressupostos orientadores que compreendem não apenas a vontade do mercado, mas a
articulação dessa vontade com os fundamentos do desenvolvimento local, ou seja89:
Quer-se com isso dizer que a procura para a cidade do Dondo deve dar prioridade ao
mercado interno, circunscrita nos anseios atrás referidos de descoberta e reforço da
identidade cultural, outrora ignoradas, a favor de excentricidades nos serviços de
alojamento, restauração e entretenimento. A oferta tem de estar preparada para uma
procura exigente, não necessariamente com o luxo, mas com higiene e qualidade, não
com a sofisticação dos equipamentos mas respondendo de forma humilde e satisfatória
às suas necessidades, não com atendimentos robotizados mas com interação humano. A
oferta tem de ajustar-se a um turista informado, experiente e culto que, ao invés de
réplicas e dos simulacros, quer o diferente e o autêntico.
Captar a procura desejável de acordo com as motivações que são apresentadas não é uma
tarefa fácil, visto que a heterogeneidade de públicos com motivações associadas à cultura
é bastante grande, na medida em que a viagem tem sempre inerente o consumo de cultura,
independentemente dos propósitos que obrigam à deslocação. A oferta deve prestar
especial atenção aos turistas interessados na fruição responsável dos bens culturais, que
privilegiem os valores educativos nas viagens em detrimento dos meramente lúdicos, que
observam o meio e participam em atividades, interagindo permanentemente com os
residentes. Portanto, não se recomenda uma procura que não esteja comprometida com o
89
Extrato citado por Cunha (2013: 231) sobre a Declaração Euro-Mediterrânea do turismo no
desenvolvimento durável.
423
Dondo. A procura desejável para os produtos turísticos eleitos não deve ser a de
excursionistas ou turistas acidentais que aproveitam a ocasião para participar numa
atividade cultural (McKercher e du Cros, 2002), onde a prioridade são as selfies e as
poses. O Dondo precisa de turistas, cujo propósito e experiência se traduzem no respeito
e no enriquecimento da sua cultura.
Contudo, partindo da premissa que a sustentabilidade turística não pode ignorar a vertente
da rendibilidade económica e remuneração dos capitais investidos, seria suficiente olhar
apenas para um mercado culturalmente ativo para alavancar a atividade turística,
negligenciando nichos mais convencionais? A demanda desejável para um Dondo
turistificado culturalmente terá uma massa crítica que permitirá gerar mais-valias
económicas e reproduzir investimentos? A força de outros públicos, mais numerosos ou
mais propensos a atividades exclusivas de lazer e entretenimento sem grandes conteúdos
culturais, não pressionaria o destino a dar resposta às suas necessidades turísticas,
atendendo aos predicados locais? Pois que, as atrações turísticas inventariadas são, por si
só, elementos justificativos de presença constante no território.
424
A quota expressiva do mercado turístico está naturalmente na classe média, os principais
impulsionadores do turismo de massa. O grosso dos visitantes inqueridos na cidade do
Dondo, pelas suas categorias e ocupações profissionais encaixa-se no perfil dessa classe
de consumidores turísticos. Nesse sentido, será preciso adotar um exercício de gestão do
destino focado numa demanda de classe média e média alta, inclinada para a fruição
cultural e conservação do meio.
425
condições de vida. A vertente de investigação para estudos sociais e
antropológicos enquadram-se também nesse produto. O público universitário,
atuando no campo da pesquisa e desenvolvimento, terá certamente interesse em
usufruir de facilidades que o produto poderá proporcionar.
426
d) Produto festivais e eventos culturais: as performances culturais específicas do
local, as cerimónias e rituais diagnosticados no inquérito assim como os eventos
religiosos, são objeto de análise para figurarem num produto turístico de eventos
culturais. Os eventos, além de atraírem fluxos turísticos importantes, podem
contribuir para dar outra notoriedade à cidade do Dondo, sendo por isso
importantes instrumentos de promoção turística. Para além da já citada feira do
artesanato, a cidade está em condições de transformar as particularidades do seu
povo e todo o acervo histórico em feiras e exposições, congressos e convenções,
festas etno-culturais e todo um conjunto de manifestações devidamente
concebidas, calendarizadas e promovidas para mercados específicos.
Para Piñole (2006), o turista que viaja por motivos culturais tem como expetativa
conhecer cada vez mais (viver) a manifestação cultural que lhe interessa, exigindo a
explicação e a interpretação do que vê para além da simples observação. É exigente no
sentido da busca do autêntico e rigoroso em relação à organização (horários, informação
correta, acessibilidades, etc.). Geralmente são turistas com poder aquisitivo que, mesmo
que privilegiem instalações requintadas, esperam encontrar sempre traços distintivos da
cultura local. Os inconvenientes de determinadas culturas pelas diferenças de
desenvolvimento ou por diferenças de costumes, quando informados antecipadamente,
são bem acolhidos por esses turistas, assim como limitações de acesso ou desconforto que
possam existir no destino. Portanto, dão primazia à honestidade e repugnam
energicamente a encenação e o simulacro, são viajantes que procuram acima de tudo o
autêntico e o diferente, mesmo que outros componentes acessórios do produto não sejam
suficientemente satisfatória.
Estes detalhes do segmento de cultura nas viagens turísticas devem ser objeto de atenção
plena do destino e dos produtores e organizadores de viagens porque o turista é o
427
fundamento de toda a ação feita no setor do turismo pelo governo e pelas mais diversas
organizações empresariais e associações. Desse modo, a procura desejável (figura 85)
para o Dondo deve desencorajar os segmentos que não têm apetência para a fruição
cultural e interesse pela história da cidade, deve “desencorajar” a intensidade da visita do
excursionista cujo interesse primeiro é a descontração e o usufruto desregrado da
paisagem fluvial na margem do Kwanza. A dimensão cultural do Dondo, conforme
referido, tem de encontrar um visitante que esteja à altura da sua história e valorize as
caraterísticas peculiares do seu meio, da geografia e da sua gente.
Memória
Necessidades da
procura desejável
Educação Experiência
Assim, o Dondo deve preparar-se para responder às necessidades dos turistas culturais,
tanto os que procuram os produtos no centro urbano como os que irão à procura de cultura
nas diferentes comunidades do município e em espaços rurais.
Produtos e viagens que poderão ser organizadas para as comunas de Massangano e São
Pedro da Quilemba, com vias de comunicação mais favoráveis ao Dondo. No entanto,
não é desprezível o contributo que poderão emprestar ao turismo as outras duas comunas,
Nzenza do Itombe e Dange-ya-Menha. Contributos ao nível da fruição de diferentes bens
428
culturais e práticas turísticas assentes na pesquisa e investigação através do
arqueoturismo, no próprio turismo no espaço rural onde sobressai o agroturismo, ou
mesmo no turismo de base comunitária em meio rural com atividades de agricultura,
pesca e artesanato. Com outras exigências a nível de organização, de interação ativa e
cultura turística, talvez fosse precipitado pensar-se no turismo criativo num horizonte
temporal semelhante às demais modalidades turísticas propostas.
429
(pequenos jangos), promoção de festas e folclore locais para a celebração de
efemérides diversas90, de acordo com o ritmo da comunidade. As atividades a
desenvolver nas aldeias do município de Cambambe poderão estar circunscritas
no pedestrianismo, cicloturismo, agricultura, pesca, caça, equitação, natação,
entre outras.
Por outro lado, em função das atividades tradicionais de agricultura, pesca e artesanato,
o turismo comunitário no Dondo e zonas adjacentes é um imperativo, obviamente dentro
dos desígnios de valorização das populações e de suas localidades, tal como se sugeriu
em relação aos ambientes mais rurais das comunas do município. Portanto, a procura
desejável para as diferentes práticas culturais que se projetam na localidade pode assentar
nos pressupostos que se seguem:
90
Por exemplo a dança tradicional Kakoxe geralmente exibida no desfile de carnaval, ou a veneração feita
aos caçadores em determinadas aldeias que é acompanhada de manifestações a nível da música e dança
denominada de Mutualongo, prática dos nativos da comuna de Massangano.
430
b) Necessidades: os turistas para esses produtos privilegiam o contacto com outras
formas de vida de acordo com as diferentes escalas de valores e costumes, como
necessidade básica da visita. Existe neles o desejo intrínseco de entender outros
modelos de vida, o que reforça o sentimento de alteridade e a primado do
relativismo cultural. Serão viagens motivadas pelo reforço do conhecimento e
compreensão da cultura, pelas visitas de estudo e investigação científica,
especialmente em ciências sociais e humanas.
431
clima abrasador. A nível do entretenimento e ocupação do tempo livre, são muitas
as atividades turísticas a desenvolver, artesanato com cerâmica e argila, peças de
cestaria, festas populares temáticas, exposições diversas, teatro, recriações
históricas e eventos académicos relacionados com a história e a memória da
cidade.
432
linkage que estabelecem entre o público e privado, entre a produção e consumo resultam
mais importantes que as estruturas físicas. Por outras palavras, para que as infraestruturas
e equipamentos não sejam subaproveitados, o investimento no capital humano é
determinante para a gestão dos territórios.
O turismo precisa de organizações que facilitem o diálogo entre os municípios para que
haja sintonia na gestão dos produtos turísticos, fluidez nas rotas e redes turísticas, e acima
de tudo, para que o pensamento turístico seja convergente e haja complementaridade nas
potencialidades de cada local. Os gabinetes ou agências com essas caraterísticas, para
além da captação e apoio ao investidor, devem dar respostas às necessidades do turismo
de forma técnica, fazendo o interface entre as empresas produtoras, autoridades públicas
e intermediários do sistema. Essas organizações costumam estar divididas em função dos
eixos estratégicos de atuação ou, por imperativos de recursos financeiros, costumam
congregar algumas funções operativas no destino, ao nível do apoio ao empresariado
local, assessoria técnica, formação profissional, promoção turística e ações público-
privadas que facilitam o encadeamento institucional e a geração de sinergias.
433
Benguela, de modo a desenvolver ações efetivas de criação e gestão de produtos para
novos mercados, interligação entre o público e o privado e estimulo dos fluxos turísticos
existentes. Essa gestão, deve implicar a reunião, sistematização e elaboração de
informação estatística e a projeção da atividade turística de forma fiável e em tempo útil
para o apoio nas políticas públicas e na gestão empresarial. Ou seja, urge pensar-se
também na imprescindibilidade da medição e avaliação técnica da atividade turística,
funções que devem ser conduzidas por um observatório do turismo.
434
um conhecimento detalhado do mercado sobre a oferta do destino, as condições de
comercialização não são satisfatórias. A aposta no conjunto de particularidades da cidade
para a constituição de produtos turísticos específicos, como o património edificado, a
paisagem fluvial e os eventos culturais, tem na promoção o caminho para a sua
comercialização efetiva, desde que orientada para o potencial cliente.
A organização e gestão do destino Dondo deverá por isso ancorar-se numa marca e num
lema para a cidade, caso pretenda criar uma narrativa estruturada e uma comunicação
mais profícua com o mercado. Tratar-se-á de dar uma identidade própria à cidade através
da palavra que salvaguarde os seus interesses culturais e ambientais. Com base nas
atrações inventariadas, a promoção da imagem do Dondo deve estar associada a uma
marca que reflita de facto a sua identidade. Pelo conjunto histórico, pelo artesanato ou
pelo Cacusso, o certo é que não faltarão particularidades locais para “temalizar” a cidade
e facilitar a construção de uma imagem baseada na sua cultura e no seu percurso histórico.
435
para o alcance da qualidade. Formar os ativos do setor com os valores históricos da cidade
e cultura da cidadania, onde estejam refletidos valores cívicos de igualdade e intervenção
social, poderá representar numa verdadeira ferramenta de competências e gestão para as
organizações.
436
equilibrado em que o património natural esteja articulado com o património cultural e
com todo o processo de acolhimento, sem deixar de integrar neste processo o conjunto de
facilidades da oferta assinalados no tema anterior (infraestruturas, acessibilidades,
equipamentos, serviços) que permitam a satisfação dos anseios dos residentes e dos
visitantes. Os fluxos turísticos que se observam atualmente entre o Dondo e outras cidades
precisam ser melhor organizados para que a localidade obtenha melhores proveitos e, ao
mesmo tempo, iniciar-se um processo de gestão do turismo mais ativa ou, se quisermos,
mais profissional.
Naturalmente que a ocupação desses espaços produziriam receitas para a sua manutenção
e remuneração de um número ajustado de colaboradores, sobretudo para serviços de
437
limpeza e segurança. Ao invés da prática corrente do Estado chamar a si toda a
responsabilidade de organização e gestão, com os habituais vícios de associação a feitos
políticos e partidarização, uma parceria entre as autoridades locais e uma organização da
sociedade civil local para a gestão do espaço seria fundamental para a êxito do projeto.
Com alguma expertise e consultoria pontual das estruturas centrais ou associando o órgão
de gestão local com agências de viagens para criação de produtos, divulgação e captação
da demanda desejável, o Dondo poderá criar habituação e sensibilidade turística, criando
correntes sistemáticas e cada vez mais consistentes que hão-de forçar o reaparecimento e
fortalecimento de pequenas atividades tradicionais. A utilização, por exemplo, de
material e utensílios de fabrico local em madeira e argila, como mesas, cadeiras, cestos,
balaios, utensílios de mesa, etc., para além dos adornos e souvenirs, poderão potenciar as
industriais culturais, particularmente o artesanato.
O cenário atual de barracas de chapas de zinco expostas ao longo do largo (figura 86)
pode ser substituído com estruturas mais rústicas de material de construção local,
provavelmente jangos com cobertura de capim a serem custeadas a prazo pelos
produtores, onde devem incluir obrigatoriamente sanitários públicos. A gestão dos
438
resíduos deve merecer igualmente uma intervenção urgente com depósitos individuais
por unidade de produção, recolhidos posteriormente pelos serviços camarários. É
importante que se faça uma avaliação justa da tributação a imputar aos produtores dessa
zona turística para que a receita arrecadada sirva para resolver os problemas provocados
pela própria atividade e, por outro lado, possa por via de formação, melhorar o
desempenho dos serviços e potenciar a atividade.
Incentivar que haja uma maior união entre os produtores alimentares, os vendedores e os
poucos artesãos que diariamente acorrem ao espaço, através de associações que sejam
interlocutores válidos e a administração local, é um caminho a seguir para a criação de
uma verdadeira sociedade civil que possa buscar por ela mesma, alternativas de sustento
e força de diálogo junto de outros parceiros em benefício dos seus associados. Com esse
tipo de união os produtores estariam mais protegidos, estariam em condições de promover
ações em benefício coletivo, teriam melhores possibilidades de aceder a financiamentos,
inclusive de instituições internacionais, ao mesmo tempo que consolidariam e ampliariam
os seus negócios, promovendo assim mais postos de trabalho na comunidade.
439
Aldeias turísticas
Tal como os parques de campismo, com muito poucos recursos é possível projetar aldeias
turísticas rurais estrategicamente localizadas para pequenos grupos de visitantes, famílias
e amigos. O desequilíbrio acentuado de distribuição espacial no país é visível pela
concentração urbana das populações. O município de Luanda por exemplo, tem
praticamente o mesmo número de habitantes que a segunda e a terceira província mais
populosa de Angola, com aproximadamente 2.200.000 habitantes, representando 32% de
toda a população da província de Luanda e uma densidade populacional de 18.654
habitantes por quilómetro quadrado. A taxa de urbanização deste município e outros de
Luanda representam para o Dondo um mercado potencial de milhões de turistas que têm
necessidade de mudar de meio.
440
processo de construção dos espaços e de abastecimento alimentar da comunidade
turística, entregue a uma estrutura de gestão profissional com base no município.
Parece óbvio que esse acontecimento anual deve merecer outra abordagem. Mais
visibilidade nacional, maior antecedência na sua preparação, reforço do leque de
atividades programadas, melhor distribuição no calendário e maior intervenção local na
planificação e elaboração dos programas anuais. A cidade precisa aproveitar a dinâmica
dos primeiros anos proporcionada pela feira para proporcionar uma oferta cultural mais
consentânea com o seu acervo e não apenas com três dias de performances culturais
improvisadas. No âmbito das celebrações do carnaval ou das festas da cidade, eventos
que acontecem em trimestres diferentes do período da feira, podem ser projetadas
atividades similares. Projetar eventos culturais no Dondo, para além da promoção e
valorização do território como espaço de cultural, vai contribuir seguramente para
resgatar parte da memória nacional e consciencializar os angolanos sobre o valor da sua
riqueza cultural. Nessa perspetiva, a integração de iniciativas locais já existentes de
produção cultural para garantir a autenticidade e afirmação da comunidade é bastante
importante.
Outro evento cultural que deve merecer uma abordagem diferente são as celebrações do
carnaval, também ele concentrado, no plano da organização, nas autoridades públicas. O
modelo atual de realização do carnaval limita a criatividade e a liberdade de expressão
artística das comunidades. Essa atividade pode transformar-se num elemento catalisador
importante de desenvolvimento das indústrias culturais e incentivo à criação e competição
441
entre as comunas do município. Naturalmente, é imprescindível a intervenção do Estado,
mais concretamente ao nível de apoios financeiros, mas é recomendável que a sua
planificação e organização seja entregue a agentes culturais especializados na matéria que
possam encontrar formas de rentabilizar o desempenho das comunidades ou grupos
carnavalescos, expressa em música, dança, artesanato, etc., em ganhos que possam
reverter para as próprias comunidades.
Nas montanhas à volta do Dondo e entre os matagais nas duas margens do rio existem
cenários de beleza singular suscetíveis de se constituírem em geossítios, como forma
inclusive de desenvolver uma estratégia posterior de geoconservação e de manutenção de
integridade física, atualmente sujeitas a perigos de vária ordem. Talvez não para
implementação imediata e fora do âmbito das competências locais, mas a elaboração de
cartografia detalhada de alguns lugares, criando condições de acessibilidade e eventual
marcação de itinerários que permitam apresentar percursos alternativos de exploração e
usufruto das paisagens seria fundamental. Com base nas caraterísticas dos lugares e do
solo, é necessário que a relação do consumidor de natureza com os geossítios seja definida
em planos de desenvolvimento turístico, doseando a dimensão e intensidade de
intervenção na natureza essencialmente com atividades de passeios, excursões, percursos
pedestres e estudos a nível da botânica e outros ramos da biologia.
442
O Rio Kwanza representa, obviamente, uma das opções mais imediatas de fruição
turística e um importante meio de articulação dos produtos culturais com a natureza.
Seria, pois, recomendável a criação de facilidades para um melhor aproveitamento das
suas águas e envolvente pelos turistas, como por exemplo caminhos pedestres e
posteriormente pensar-se na criação de infraestruturas mínimas de apoio a algumas
práticas turísticas de aventura, natureza ou de desportos radicais, tais como as escaladas,
camping, rappel, etc. A condição navegável do rio, deve permitir o surgimento de
produtos turísticos assente em circuitos fluviais e touring cultural que incluam a
exploração de lugares esquecidos, existentes algures entre as margens, associando deste
modo, as potencialidades turísticas naturais com o legado histórico e patrimonial do
município.
443
epistemológico indígena implicado num conjunto de conhecimentos contextualizados,
em contraste com os saberes generalizados do Ocidente (Lane, 2011), representa um
atrativo potencial para captar segmentos de mercado diferenciados, que vê nas viagens
uma forma agradável de aprendizagem.
Portanto, o turismo na cidade do Dondo e nas outras comunas tem todas condições para
ser alimentado por testemunhos do passado sem esperar por sua transformação em destino
turístico de excelência. Por via de uma organização e gestão dos recursos locais através
de um órgão com espaço e autonomia para trabalhar, é possível transformar para já, os
movimentos atuais de viajantes em visitas estruturadas com a fruição de bens nos meios
rurais, em práticas com o envolvimento da comunidade, em eventos culturais que
potenciam a produção local, em práticas turísticas ancoradas no Kwanza ou ainda em
geossítios e sítios arqueológicos de incentivo a pesquisa e estudos científicos. A cidade
pode começar a partir de agora a se transformar num importante centro de pesquisa e
fruição cultural do país.
444
estruturantes e fraturantes que permitam romper com os paradigmas atuais e propor novos
modelos de intervenção nos territórios potencialmente turísticos.
Reabilitação
urbana
Estratégia de Definição do
Organização
desenvolvimento perfil da
da oferta
turístico procura
turística
desejável
Turismo
"para já"
446
CONCLUSÕES
Nota preambular
Esta derradeira parte da tese pretende constituir uma síntese e análise crítica do processo
de investigação, com as principais conclusões e contributos do trabalho (que dominaram
a abordagem teórica, a metodologia e a parte prática), as limitações da investigação e as
sugestões ou recomendações para investigações futuras.
Limitações do estudo.
A estrutura definida para trabalho induziu o autor a elaborar uma conclusão parcial sobre
a fundamentação teórica intitulada “Património cultural, cidade histórica e turismo”,
sustentada por três capítulos que comportam as dimensões principais da investigação
refletidas no título.
Avaliação dos pressupostos definidos para a investigação, enquanto segunda secção das
conclusões, traduz-se na verificação da conformidade dos objetivos e das hipóteses
definidas que foram objeto de tratamento no estudo de caso intitulada “Estratégia de
reabilitação urbana e de desenvolvimento turístico da cidade histórica do Dondo”. São
analisados a correspondência dos resultados obtidos do estudo com o segundo objetivo
geral e os objetivos específicos correspondentes, assim como as quatro últimas hipóteses
que procuram responder à segunda pergunta de partida. O facto do foco da investigação
assentar na apresentação de uma proposta de desenvolvimento turístico baseado nos
recursos culturais endógenos do Dondo obriga à que esta secção das conclusões tenha um
volume de abordagem maior.
449
Finalmente, para a quarta secção é reservada a indicação de linhas de investigação futuras
que se apresentam oportunas, interessantes e inéditas para o local de estudo e para o país.
De igual forma, ao se constatar no processo de investigação a abrangência que o tema
encerra para o local de estudo, associada à especificidade intersetorial e interdisciplinar
do turismo, são recomendados pesquisas e estudos em outras áreas de saber, no sentido
de dar resposta à necessidade urgente de produção científica em Angola, um país que se
depara com um ingente desafio de diversificar os setores produtivos da sua economia para
seguir na senda do desenvolvimento.
A conclusão da primeira parte da tese visa fazer uma apreciação síntese de toda a
abordagem teórica desenvolvida nos três capítulos iniciais e analisar a correspondência
dos instrumentos de investigação introdutórios suportados por esta abordagem. A tese,
que tem como título “Património cultural e a reabilitação urbana. Um caminho para o
desenvolvimento do turismo na cidade histórica do Dondo”, possui o propósito de
analisar o contributo do património cultural numa cidade histórica degradada para o
desenvolvimento do turismo. Com essa perspetiva foram definidos dois grandes objetivos
e duas perguntas de partida para sustentar a investigação.
Para a primeira parte da tese, a pesquisa e a elaboração teórica foi desenvolvida em torno
do seguinte objetivo geral: analisar a a importância do património cultural como elemento
vertebrador para a consecução dos planos de reabilitação urbana e de desenvolvimento
turístico em cidades históricas.
Nessa perspetiva, a reabilitação urbana deve ser pensada no sentido do reforço das
identidades locais porque representam o seu conteúdo e o fundamento de sua existência.
A competitividade dos centros urbanos baseados no conhecimento e na inovação num
mundo global, não pode ignorar a histórica e o vínculo com as pessoas, antes deve
procurar fortalecer ou resgatar sempre na sua ação que lhe deu origem, cultivando a
materialidade produzida na composição física do seu território. Se a reabilitação,
enquanto processo estratégico, implica não só intervir no edificado urbano e nos espaços
públicos mas também em ações mais abrangentes de revitalização do tecido
socioeconómico e cultural para o upgrading das cidades sem perda de identidade,
significa que os planos de reabilitação urbana nas cidades históricas devem estar sempre
ancorados no património cultural local.
Para a prossecução desses planos, que se inscreve num marco de atualização para a
recuperação integral do casco urbano e melhoria da qualidade de vida dos cidadãos
(residentes e visitantes), existe o contributo inquestionável do turismo, tendo em conta a
sua capacidade de indução de outros setores de atividade. Como se constatou, o turismo
é dos principais instrumentos catalisadores de desenvolvimento das localidades, desde
que as suas externalidades sejam devidamente equacionadas. A sua natureza
multifacetada e transversal da realidade urbana nas cidades históricas e lugares de destino,
permite-lhe uma intervenção de desenvolvimento integrada que facilita o intercâmbio
cultural e recuperação ou reforço de referências e sentimentos de pertença.
Contudo, essa pretensão não é alcançável com um turismo convencional que não respeita
a capacidade de carga dos destinos e negligencia a versão “situada” da atividade em
ambientes naturais e na cultura de cada lugar. Por esta razão, as propostas de turismo
alternativo para desenvolver em cidades históricas, observando a realidade turística
angolana, é um caminho que se afigura mais ajustado para o desenvolvimento turístico
das localidades como o Dondo, com vista à melhoria das condições de vida das
populações.
451
Com estas notas conclusivas, considera-se que a investigação desenvolvida na
fundamentação teórica permite satisfazer os propósitos do primeiro grande objetivo
proposto para a tese.
Para esta parte inicial da investigação foi possível elaborar um marco teórico-conceptual
que aporta, supõe-se, um melhor conhecimento das principais dimensões que sustentam
a investigação. Do mesmo modo, acredita-se que o discurso teórico elaborado através da
abordagem dos diferentes autores em torno de conceitos, processos evolutivos e
instrumentos legais e documentos orientadores das principais dimensões de estudo vão
contribuir para sensibilizar os diversos atores envolvidos em processos de reabilitação
urbana e de desenvolvimento turístico das cidades, particularmente em Angola.
452
Avaliação dos pressupostos metodológicos definidos para o estudo do caso
Para garantir o seu cumprimento foi necessária a sua divisão em quatro objetivos
específicos a fim de alcançar os resultados consentâneos com o desenvolvimento da
localidade. No sentido de uma melhor compreensão das conclusões produzidas, são
analisados separadamente cada um dos objetivos específicos correspondente ao estudo de
caso que, na ordem cronológica apresentada na introdução da tese vão do terceiro ao
sexto.
453
Identificar os bens culturais e patrimoniais da cidade do Dondo suscetíveis de
servirem ativamente a atividade turística, através de formas de utilização que vão de
encontro às expetativas dos visitantes e dos residentes.
Como uma cidade histórica, o Dondo tem no acervo cultural e patrimonial dos seus
principais atributos e constitui-se num dos principais fundamentos para a concepção da
presente investigação. Por isso, identificar o acervo com utilidade que fosse ao encontro
dos desígnios dos turistas era uma ação incontornável. No que concerne à cultura material
e ao património edificado, o trabalho foi facilitado pelo facto do núcleo urbano da cidade
estar classificado como património histórico-cultural nacional desde 2013, situação que
contribui para uma maior preocupação das autoridades na catalogação e acompanhamento
dos exemplares que constituem o seu conjunto. Em relação à cultura móvel e imaterial, o
trabalho de identificação foi mais aturado devido a certos condicionalismos. Desde já
porque não existe ainda um regulamento legal específico que define os mecanismos de
classificação e salvaguarda, à semelhança do património histórico construído, situação
que limita o labor de preservação dos bens identificados com valor local ou nacional
excecional.
O estudo visou analisar de que forma a cidade podia ser aproveitada turisticamente
utilizando como principal recurso o seu património. Não foi possível apresentar em
detalhe a necessária capacidade de carga, tendo em conta a necessidade de estender no
454
tempo a proposta, mas os dados e as informações trabalhadas permitiram conceber uma
via de desenvolvimento turístico não massificado. Através do produto estratégico “centro
histórico e património cultural”, o estudo produziu como proposta para a cidade e
localidades adjacentes do município os produtos: i) património edificado “monumental”,
que considera as edificações o século XVI e XVII de Massangano e de Cambambe e os
imóveis oitocentistas do núcleo urbano do Dondo; ii) sítios e lugares históricos, que
considera o próprio conjunto histórico da cidade, abrigos e esconderijos da era colonial e
pré-colonial e os sítios arqueológicos como a Pedra de Laúca, recentemente descoberta,
e iii) as atrações culturais complementares, assentes no provimento de equipamentos
culturais, produção artesanal e gastronomia local.
Com base no Rio Kwanza e sua paisagem cultural, o segundo produto estratégico, o
estudo propõe: i) o aproveitamento dos geossítios sobre as margens do rio, com vista a
uma posterior ação de geoconservação, ii) a agregação de serviços mínimos
complementares à praia fluvial de Kiamafulo, a exploração de grutas, cavernas e
caminhos tradicionais nas encostas do rio e a definição de áreas de caça e de pesca. Para
os eventos e manifestações culturais, enquanto terceiro produto estratégico, o estudo
considera imperioso a revitalização da feira nacional do artesanato, realizado anualmente
na cidade, associando-a a outros eventos, como a celebração do dia da cidade, e a criação
de novos eventos: pedestrianismo, eventos gastronómicos ou exposições agropecuárias.
Ao considerar-se que o património cultural deve ser sempre o elemento principal a ter em
conta na prossecução dos processos de reabilitação urbana e de desenvolvimento turístico
das cidades históricas, conforme resposta para a primeira pergunta de partida, urge fazer
a avaliação da segunda pergunta de partida e das hipotéticas respostas que foram
avançadas, correspondentes as hipóteses 3, 4, 5 e 6 que ajudaram a direcionar o estudo de
caso. Para o efeito, foi formulada na parte introdutória desta investigação a segunda
pergunta:
456
Embora o processo teórico da investigação tenha fornecido contribuições importantes
para aferir o modo adequado de utilização do património em cidades históricas, a
satisfação da segunda pergunta, por ter um caráter localizante, só é plena com a avaliação
das hipóteses que foram formuladas para ajudar a direcionar a investigação e encontrar
a(s) resposta(s), através do tratamento dos dados recolhidos. Desse modo, são analisadas
em seguida a conformidade das hipóteses com os resultados alcançados no trabalho
empírico.
Por outro lado, lamenta-se o défice de colaboração institucional entre os diferentes setores
que intervêm no turismo e a ausência de associações profissionais que possam representar
os interesses dos seus subsetores. As ações que têm sido desenvolvidas pelo Ministério
da Cultura (sobretudo ao nível da estrutura central do Estado), no sentido de restituir ao
Dondo a sua dimensão cultural, carece da contribuição do setor do turismo para que esse
objetivo de valorização seja efetivamente alcançado. Com efeito, não há um projeto
coerente e sustentado que seja percebido pelos diferentes atores do setor do turismo,
definidor de um caminho que desencoraje falhas do mercado e conduza a atividade para
os necessários ajustes entre os subsetores e entre a oferta e a procura. O Plano Diretor do
Turismo, a três anos do fim da sua vigência, é um documento importante, indica balizas
para estruturar o turismo nacional mas está longe de constituir-se num documento que
457
indique o caminho, razão pela qual não teve qualquer efeito prático desde que foi
publicado há sensivelmente cinco anos.
Quanto à hipótese 4 (“O património cultural da cidade histórica do Dondo representa para
os residentes um sentimento de pertença e de identidade”), a comunidade reconhece a
dimensão cultural da cidade e considera fundamental a sua valorização.
458
No que diz respeito à hipótese 5 (“O turismo cultural é a modalidade mais indicada pelos
residentes e pelos visitantes para desenvolver na cidade”), tendo noção de eventuais
dificuldades na perceção de algumas questões técnicas do turismo por parte dos
inquiridos, o autor preocupou-se em elaborar questionários cuja linguagem mais se
adequasse ao corrente.
Desse modo, foi possível constatar que os residentes não encaram a atividade turística
como um caminho para resolver todos os seus problemas socioeconómicos, não obstante
reconhecerem a sua importância para ajudar a solucioná-los. As preocupações maiores
têm que ver com o aumento da atividade económica no geral e a facilitação de um
conjunto de serviços públicos, infraestruturas e equipamentos diversos. Nesta ordem de
prioridades, o alinhamento entre o turismo e a cultura afigura-se pouco claro para a
comunidade local. Existe um acolhimento favorável de utilização da cultura e da história
da cidade para dinamizar a atividade turística, desde que o propósito seja de contribuir
para a sua salvaguarda e valorização. Assim, confirma-se que os residentes privilegiam o
turismo cultural em detrimento de outras tipologias, ao indicarem modalidades turísticas
produzidas na base da cultura local e na descoberta de sítios históricos e vivências antigas.
Em relação aos visitantes, existe uma inclinação maior para a diversão e o entretenimento.
As motivações subjacentes à visita ao Dondo cingem-se na busca de descontração e
usufruto da paisagem natural proporcionada pelo Rio Kwanza e sua envolvente. Verifica-
se por parte dos visitantes uma preocupação pela fruição cultural e falta de interesse pela
história da cidade, situação que pode ser compreendida devido ausência de facilidades de
atração, comunicação ou qualquer outdoor que possa incentivar à visita do pequeno
núcleo urbano que representa o centro histórico.
Com este enquadramento, considera-se a hipótese confirmada parcialmente, uma vez que
os residentes apostam no turismo cultural para a cidade com o objetivo de valorizar os
recursos endógenos locais, ao passo que os visitantes contrariam o postulado inicialmente
formulado, preferindo as atividades essencialmente lúdicas de diversão e entretenimento.
459
embora a segunda opção de escolha de fruição no local tenha recaído para a apreciação
da comida local. Estes resultados demonstram que a maioria dos visitantes ignora os
atrativos culturais da localidade.
Nas análises anteriores foi possível verificar o principal interesse dos visitantes à cidade
prende-se com a descontração e o usufruto da paisagem, muito associado ao rio. Por esta
razão, a comida local, não obstante ser um aspeto de reconhecido valor dos bens
intangíveis locais, a sua avaliação não deve estar dissociada da envolvente. A paisagem
entre as margens do rio e as encostas verdejantes que acolhem o extenso leito fluvial é o
cenário perfeito que o visitante encontra para descontrair e aliviar o stress acumulado dos
dias de trabalho. Portanto, no contexto atual, os sabores da terra devem ser vistos como
agregados de um produto que tem no centro o Rio Kwanza. Aliás, na questão sobre as
modalidades turísticas mais adequadas para o Dondo, os visitantes apontaram
precisamente o lazer e a diversão, o que indicia as suas principais necessidades turísticas.
Com a avaliação das hipóteses propostas para o estudo de caso, é possível verificar as
respostas que satisfazem a segunda pergunta de partida. O património cultural enquanto
eixo vertebrador de reabilitação urbana e de desenvolvimento do turismo, deve ser
utilizado tendo em conta a concepção de produtos turísticos que ajudem a preservar os
seus componentes e a valorizar a cultura e a história da cidade. Independentemente das
aspirações dos visitantes por um aproveitamento mais lúdico do lugar, trabalhar os
recursos culturais endógenos, como o artesanato, a gastronomia, a pesca e a agricultura
para a produção turística, tornando o residente um ator determinante em todas as fases do
seu processo, pois, a não ser assim, a melhoria da sua condição de vida (que deve ser o
fim último para o desenvolvimento do turismo no local) fica comprometido. Por
conseguinte, importa que haja outra abordagem pública no sentido da promoção da
intersetorialidade e da relação vertical intrassetorial, nos dois sentidos, com o devido
encadeamento entre o estratégico e o operativo, ou entre a teoria e a prática.
460
Limitações do estudo
461
trabalhados e os resultados daí decorrentes, acredita-se que com conhecimentos
estatísticos mais sólidos a investigação seria reforçada com outras análises.
462
Embora pudessem condicionar os objetivos definidos, a convicção que fica é que as
dificuldades de acesso à bibliografia e as questões burocráticas e logísticas apresentadas
eram expectáveis para este tipo de estudo em Angola. Partindo do pressuposto de que não
é possível fazer um trabalho de investigação sem quaisquer constrangimentos, considera-
se que as limitações apresentadas não comprometeram os objetivos e os resultados da
tese.
463
procura desejável, promover estudos sobre os lugares e sítios históricos que possam
sensibilizar os cidadãos a conhecer e valorizar os seus recursos. Portanto, importa
continuar a acompanhar a evolução da cidade do Dondo e de outras localidades do país,
consolidando as abordagens desenvolvidas, ao mesmo tempo que forem definidas novas
investigações em torno do património cultural, desenvolvimento turístico, transformação
urbana e outras dimensões.
De forma mais objetiva, as linhas de pesquisa futuras poderão basear-se em torno dos
seguintes estudos:
464
Que o estudo sirva para congregar vontades e recursos para que a proposta seja
equacionada na prática, não obstante as limitações. Numa altura em que o país acaba de
ser agraciado com a indicação da cidade de Mbanza Congo como património mundial, o
estudo poderá despertar um maior interesse, esperando que o mesmo venha a
corresponder às possíveis expectativas. Em suma, espera-se que a tese contribua para um
novo entendimento sobre a cultura e o património cultural e a sua relação com o turismo
no país.
465
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Luanda.
UNESCO (1954) “Convenção de Haia para a Proteção dos Bens Culturais em caso de
Conflito Armado” Conferência Geral da Unesco, de 14 de maio, Haia.
500
ANEXOS
Anexo 1: Roteiro fotográfico da cidade histórica do Dondo e locais adjacentes
É um edifício antigo, dos poucos construídos com mais de um piso à época, foi totalmente
reabilitado para cumprir com os propósitos a que foi consignado. O edifício tem
relevância para esta investigação por ser dos poucos reabilitados na sua íntegra, podendo
servir de protótipo para uma estratégia de recuperação do património arquitetónico da
cidade.
503
2. Mercado Municipal
É um local com aproximadamente 130 anos de história, por onde passava a vida de grande
parte dos habitantes da cidade e dos seus bairros suburbanos, quer como vendedores quer
como compradores. O mercado continua operacional, apesar de ter perdido influência
face aos mercados informais da periferia que são mais extensos e adaptados ao modo de
estar das populações. Portanto, é também um lugar de história que deve contribuir para o
enriquecimento de futuras investigações.
504
3: Largo do Lazer
505
4: Outdoor publicitário
506
5: Novo hotel
507
6: Hotel Kwanza
Situado na marginal do Dondo, com vista para o rio, o hotel encontra-se em ruínas há
quase três décadas e com poucas possibilidades de reabilitação. É uma estrutura que
possui uma carga histórica e simbólica importante, representa a iniciação da cidade à
hotelaria moderna. Foi o primeiro hotel a ser construído na cidade e acolhia visitantes em
trânsito para todos os destinos do norte, leste, centro e sul do país.
508
7: Fortaleza de Massangano e de Cambambe
509
8: Marginal do Dondo
É a zona mais turística do Dondo, não fosse o local onde foram construídos os três hotéis
da cidade, incluindo o Hotel Kwanza, infelizmente inoperantes. Na marginal os visitantes
são “forçados” a interromper a viagem para contemplarem o majestoso rio Kwanza, as
montanhas da margem oposta e toda a paisagem circundante. Grande parte da atividade
turística e de lazer da cidade é desenvolvida nesta zona. Destacam-se os banhos diários
dos nativos e a concentração de barracas para proporcionar ao visitante um cacusso
grelhado acabado de pescar e, claro está, acompanhado de uma garrafa de EKA gelada.
Portanto, esta área personifica a atividade turística da cidade.
510
9: Rua da Kapacala
511
10: Rio Kwanza
A imagem pode ser traduzida como um lugar puro e de liberdade; logo, suscetível de
servir melhor os humanos com a atividade turística. A imagem transmite uma mensagem
de paz e de beleza que nos obriga a observar de forma positiva o que está à nossa volta.
512
Anexo 2: Formulários de questionários e guião de entrevistas
I. DADOS BIOGRÁFICOS:
513
7. Situação profissional 8. Estado civil
Trabalhador por conta própria Solteiro (a)
Trabalhador por conta de outrem Casado ou união de facto
(Setor privado) Divorciado (a)
Funcionário público Viúvo (a)
Trabalhador em ONGs Outro: Qual?
Serviços religiosos Não sei/Não respondo
Outra: Qual?
Não sei/Não respondo
9. O que mais gosta da cidade do Dondo? 10. Vive há quanto tempo na cidade?
A cultura e história da cidade Menos de um ano
O rio e a paisagem Entre 1 a 5 anos
O clima Entre 6 a 10 anos
A forma de ser dos residentes Entre 11 a 20 anos
Nenhuma razão especial Mais de 20 anos
As oportunidades que oferece Desde a nascença
Outra: Qual? Não sei/Não respondo
Não sei/Não respondo
11. Quantas vezes viaja no ano? 12. Que razões o levam a viajar?
Uma vez Visitar familiares e amigos
Todas as semanas Ter contacto com outros povos e cultura
Todos os meses Assistir a eventos culturais/desportivos
Uma a três vezes por ano Fazer compras
Raramente saio do Dondo Fazer negócios
Nunca viajo Descontrair e usufruir da paisagem
Outra: Qual? Nenhuma em especial
Não sei/Não respondo Não sei/Não respondo
514
14. A atividade turística pode ser boa para a cidade do Dondo porque:
1 2 3 4 5
Discordo Discordo Não concordo Concordo Concordo
totalmente Nem discordo totalmente
1 2 3 4 5
Pode trazer muito mais visitantes para a cidade
Cria muitos negócios e empregos para os residentes
Valoriza: sítios, monumentos, dança, música, artesanato
Aumenta a produção agrícola e o fomento da indústria
Contribui para a reabilitação da cidade e do centro
Outro: Qual?
Não sei/Não respondo
515
17. Que aspetos da cultura local considera mais importante?
1 2 3 4 5
Discordo Discordo Não concordo Concordo Concordo
totalmente Nem discordo totalmente
1 2 3 4 5
Os edifícios e as casas antigas
O centro histórico no seu conjunto
As cerimónias, rituais e tradições antigas
As músicas populares e as danças
Artesanato e outros trabalhos manuais
Outra: Qual?
Não sei/Não respondo
516
21. Indique três medidas que considera fundamentais para a melhoria da cidade
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
22. Quando pensa na cidade do Dondo, qual é a palavra que lhe vem à cabeça?
______________________________________________________________
517
2: Questionário ao visitante do Dondo
I. DADOS BIOGRÁFICOS:
518
7. Situação profissional 8. Estado civil
Trabalhador por conta própria Solteiro (a)
Trabalhador por conta de outrem Casado ou união de facto
(Setor privado) Divorciado (a)
Funcionário público Viúvo (a)
Trabalhador em ONGs Outro: Qual?
Serviços religiosos Não sei/Não respondo
Outra: Qual?
Não sei/Não respondo
12. Quantas vezes vem ao Dondo? 13. O que vai aproveitar da cidade?
É a primeira vez Contemplar o património construído
Todas as semanas Apreciar a comida local
Todos os meses Assistir a eventos culturais
Uma a três vezes por ano Fazer compras
Raramente venho ao Dondo Descontrair e usufruir da paisagem
Estou sempre de passagem Utilizar o rio
Outra: Qual? Outra: Qual?
Não sei/Não respondo Não sei/Não respondo
519
14. Onde está hospedado? 15. Visita a cidade acompanhado:
Hotel Da esposa (o)
Pensão Da família
Hospedaria Da namorada (o)
Aldeamento turístico Dos amigos (as)
Casa de familiar /amigo Sozinho
Outra: Qual? Outra: Qual?
Não sei/Não respondo Não sei/Não respondo
16. O que faz falta ao visitante desta cidade? Classifique na escala seguinte:
1 = Indispensável; 2 = Necessário; 3 = Desnecessário
1 2 3
Sinalização dos pontos de interesse
Painéis explicativos sobre a história da cidade
Museus
Eventos culturais
Animação e movimento na cidade
Circuitos de barco pelo rio
Estabelecimentos hoteleiros e restaurantes
Postos de informação
Guias, brochuras e mapas sobre a cidade
Centro comercial ou lojas diversas
Outro: Qual?
Não sei/Não respondo
17. Quais das soluções abaixo considera adequadas para o centro histórico do Dondo?
1 2 3 4 5
Discordo Discordo Não concordo Concordo Concordo
totalmente Nem discordo totalmente
1 2 3 4 5
Deve ser reabilitado sem alterações
As casas e edifícios antigos devem ser demolidos e
construídos novos edifícios
As casas e edifícios antigos abandonados devem ser
aproveitados para o turismo e outros serviços
O centro deve manter-se como está
Outro: Qual?
Não sei/Não respondo
520
18. Para ser mais atrativa a cidade precisa de:
1 2 3 4 5
Discordo Discordo Não concordo Concordo Concordo
totalmente Nem discordo totalmente
1 2 3 4 5
Limpeza
Segurança
Centro histórico com serviços e produtos culturais
Espetáculos variados (música, dança, teatro, cinema)
Pessoas acolhedoras e simpáticas
Parques e zonas de diversão
Vida noturna (bares, discotecas)
Outro: Qual?
Não sei/Não respondo
19. Que prática turística considera mais adequada para desenvolver na cidade no Dondo?
1 2 3 4 5
Discordo Discordo Não concordo Concordo Concordo
totalmente Nem discordo totalmente
1 2 3 4 5
Atividades baseada no rio e na paisagem
Práticas que aproveitem a história e a cultura local: música,
dança, artesanato, rituais, cerimónias
Lazer, animação e convívio
Criação de centros de conferências e feiras para o turismo de
negócio
Práticas turísticas conjuntas com a população local: na
agricultura, pesca e outras actividades
Práticas de turismo de natureza e caça
Descoberta de sítios históricos e vivências antigas
Outra: Qual?
Não sei/Não respondo
20. Quais os elementos da cidade do Dondo que considera diferente das outras cidades
de Angola?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
521
22. Indique três medidas que considera fundamentais para a melhoria da cidade
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
23. Quando pensa na cidade do Dondo qual é a palavra que lhe vem à cabeça?
___________________________________________________________________
522
3: Guiões de inquérito por entrevista
Prezado Diretor,
Cordialmente,
Bumba Manuel de Castro
523
Prezado Diretor,
Cordialmente,
Bumba Manuel de Castro
524
Prezado Diretor,
Cordialmente,
Bumba Manuel de Castro
525
Excelência Senhor Administrador,
3. Idade________ 2. Naturalidade_______________________________________
527
Questões
Data _______/_______/________
528
Prezado Diretor,
4. Idade________ 2. Naturalidade_______________________________________
529
Questões
Data _______/_______/________
530
Anexo 3: Quadros resultantes dos inquéritos
Sexo
Bairro Total
Mulheres Homens
Cacesse 7 43,7% 9 56,3% 16
Cerâmica 9 56,3% 7 43,7% 16
Cidade 6 37,5% 10 62,5% 16
Quissanga 7 43,7% 9 56,3% 16
Cafuma 9 56,3% 7 43,7% 16
Alto Dondo 6 37,5% 10 62,5% 16
Total 44 45,8% 52 54,2% 96
Luanda 3 3,1%
Ndalatando 4 4,2%
Calulo 2 2,1%
Total 96 100,0
531
Quadro 3: Residentes inquiridos segundo as habilitações académicas e género
Sexo
Turismo/lazer/entretenimento 5 8,1%
Artes/cultura/informação 5 8,1%
Marketing/finanças/seguros/consultoria 4 6,5%
Comércio/indústria 4 6,5%
Agricultura 5 8,1%
Outra 1 1,6%
Total 62 100,0%
532
Quadro 5: Residentes inquiridos segundo a situação profissional
Total 73 100,0%
Solteiro 70 72,9%
Divorciado 1 1%
Viúvo 2 2,1%
Total 95 100%
Total 96 100%
533
Quadro 8: Residentes inquiridos segundo o tempo de residência no Dondo
Total 94 100%
Total 90 100%
534
Quadro 10: Motivos de viagem dos residentes
Insatisfeito 13 14,0%
Indiferente 13 14,0%
Satisfeito 44 47,3%
Total 93 100%
535
Quadro 13: Visitantes inquiridos segundo o local de residência e género
Sexo
Local de residência Total
Mulheres Homens
Sexo
Nacionalidade Mulheres Homens Total
536
Quadro 15: Visitantes inquiridos segundo as habilitações académicas
7ª a 9ª classe 6 6,5%
Bacharelato 19 20,7%%
Licenciatura 23 25,0%
Mestrado 2 2,2%
Total 92 100%
537
Quadro 11: Visitantes inquiridos segundo a situação profissional
Total 83 100%
Solteiro 55 57,8%
Divorciado 1 1,0%
Viúvo 1 1,1%
Total 95 100%
Em Angola 41 45,6%
Em África 4 4,4%
Total 90 100%
538
Quadro 20: Motivo da visita ao Dondo
Respostas
Motivo de visita
Número Percentagem
Férias 2 1,8%
Visita a familiares e amigos 26 23,6%
Cultura e história da cidade 5 4,5%
O rio e a paisagem 12 10,9%
Um dia 19 20,2%
Total 94 100,0%
539
Quadro 22: Frequência de viagem ao Dondo
Hotel 7 7,7%
Pensão 3 3,3%
Hospedaria 24 26,4%
Total 91 100%
Cônjuge 7 7,4%
Família 17 18,1%
Namorada/o 14 14,9%
Amigos 48 51,1%
Sózinho 8 8,5%
Total 94 100%
540
Quadro 25: Atividades realizadas na cidade
Respostas
Atividades realizadas na cidade
Frequência Percentagem
Insatisfeito 13 14,0%
Indiferente 13 14,0%
Satisfeito 44 47,3%
Total 93 100%
541
Quadro 12: Experiência da visita à cidade do Dondo
Má 0 0,0%
Razoável 44 50,0%
Boa 27 30,7%
Excelente 17 19,3%
Total 88 100,0%
Sim 77 93,9%
Não 5 6,1%
Total 82 100,0%
542
Anexo 4: Monumentos e sítios classificados em Angola
BENGO
Nº Monumento ou Sítio Localidade Data Ref. Documento
1 Fortaleza do Ambriz Ambriz 08/07/1992 Despacho nº 43
(Séc. XVIII)
2 Casa dos Escravos Ambriz 10/11/1993 Despacho nº 46
(Sec. XVIII)
3 Edifício da antiga Ambriz 18/04/1993 Despacho nº 26
Câmara Municipal do
Ambriz
(Sec. XIX-XX)
4 Igreja N. Sra. da Santana Caxito 18/04/1997 Despacho nº 8
(Sec. XIX)
5 Challet (Sec. XIX-XX) Caxito 18/04/1997 Despacho nº 9
6 Igreja São José (Sec. Ambriz 18/04/1997 Despacho nº 10
XIX)
7 Zona Histórica do Ambriz 18/04/1997 Despacho nº 14
Ambriz
BENGUELA
Nº Monumento ou Sítio Localidade Data Ref. Documento
1 Igreja de N. Sra. do Benguela 02/02/1949 Portaria nº 6634
Pópulo (Sec. XVIII) – Boletim
Oficial nº 5
2 Fortaleza de S. Sebastião Egipto 31/12/1949 Portaria nº 6987
do Egipto (Sec. XIX) (Lobito) – Boletim
Oficial nº 51
3 Palácio Velho de Benguela 09/02/1950 Portaria nº 7083
Benguela (Sec. XVIII- – Boletim
XIX) Oficial nº
4 Reduto de S. Pedro de Catumbela 17/07/1954 Portaria nº 8579
Catumbela (Sec. XIX) – Boletim
Oficial nº 24
5 Zona Histórica de Benguela 1952 Plano de
Benguela Urbanização da
Cidade
6 Edifício do Antigo Cabo Benguela 28/08/1981 Diário da
Submarino (Sec. XIX) República nº
203
7 Edifício da Antiga Benguela 28/08/1981 Diário da
Estação dos Caminhos de República nº
Ferro (Sec. XIX) 203
8 Edifício Sede da Benguela 28/08/1981 Diário da
Companhia do Açúcar de República nº
Angola (Sec. XIX) 203
543
9 Zona Histórica da Catumbela 11/11/1995 Despacho nº 61
Catumbela
10 Edifício da Antiga Benguela 11/11/1995 Despacho nº 64
Alfândega de Benguela
(Sec. XIX)
11 Complexo Arqueológico Val do Rio 06/09/1996 Despacho nº
de Mormolo Uche 115 – DR nº 38
12 Complexo Arqueológico Baía Farta 06/09/1996 Despacho nº
de Benguela 115 – DR nº 38
13 Estação Arqueológica da Baía Farta 06/09/1996 Despacho nº
Ponta das Vacas 115 – DR nº 38
14 Complexo Arqueológico Baía Farta 06/09/1996 Despacho nº
da Cachama 115 – DR nº 38
15 Complexo Arqueológico Baía Farta 06/09/1996 Despacho nº
do Dungo 115 – DR nº 38
16 Complexo Arqueológico Baía Farta 06/09/1996 Despacho nº
do Pima 115 – DR nº 38
17 Complexo Arqueológico Baía Farta 06/09/1996 Despacho nº
da Tchimalavera 115 – DR nº 38
18 Complexo Arqueológico Baía Farta 06/09/1996 Despacho nº
da Chipupa 115 – DR nº 38
19 Estação Arqueológica da Catumbela 06/09/1996 Despacho nº
Pumbala 115 – DR nº 38
20 Pinturas Rupestres de Dombe 06/09/1996 Despacho nº
Tchitandalucua Grande 117 – DR nº 38
21 Pinturas Rupestres Serra do 06/09/1996 117 – Diário da
Hôndio Hôndio República nº 38
22 Estação Arqueológica do Benguela 06/09/1996 Despacho nº
Sombreiro 115 – DR nº8
23 Estação Arqueológica do Dombe 06/09/1996 Despacho nº
Chitondo Grande 115 – DR nº 30
24 Estação Arqueológica do Rio Cimo 06/09/1996 Despacho nº
Cimo 115 – DR nº 38
25 Estação Arqueológica do Ganda 06/09/1996 Despacho nº
Abrigo 1 da Ganda 115 – DR nº 38
26 Estação Arqueológica do Ganda 06/09/1996 Despacho nº
Lue 115 – DR nº 38
27 Estação Arqueológica De Catumbela 06/09/1996 Despacho nº
Tchitovava 115 – DR nº 38
28 Edifício da Catumbela 06/09/1996 Despacho nº
Administração Comunal 122 – DR nº 38
da Catumbela (Sec. XIX)
29 Hospital Central de Benguela 18/04/1997 Despacho nº 13
Benguela
(Sec. XIX)
30 Chalett Chiquito (Sec. Benguela 18/04/1999 Despacho nº 93
XIX)
BIÉ
544
Nº Monumento ou Sítio Localidade Data Ref. Documento
Edifício da Antiga Antiga Vila 10/11/1994 Despacho nº 47-
Estação Telegráfica General A
e Postal (Séculos XIX- Machado
XX)
CABINDA
Nº Monumento ou Sítio Localidade Data Ref. Documento
Igreja de S. Tiago de Lândana 11/03/1959 Portaria nº
Lândana (Século XX) 10679 – Boletim
Oficial nº 11
Local de Concentração Melembo 07/11/1996 Despacho nº 45
De Escravos –A
Sítio Histórico de Malembo 07/11/1996 Despacho nº 45-
Embarcação de Escravos A
CUANDO-CUBANGO
1 Forte de Menongue (Sec. Menongue 18/04/1994 Despacho nº 21-
XIX) A
CUANZA-NORTE
1 Fortaleza de Masangano Massangano 28/04/1923 Portaria nº 81
(Sec. XVI) Boletim Oficial
nº 20
2 Igreja de Nª Sra. da Massangano 28/04/1923 Portaria nº 81
Victoria de Masangano Boletim Oficial
(Sec. XVI) nº 20
3 Ruínas de Antigas Massangano 28/04/1923 Portaria nº 81
Construções (Sec. XVI) Boletim Oficial
nº 20
4 Ruínas da Fortaleza de Cambambe 30/05/1925 Portaria nº 67
Cambambe (Sec. XVII)) Boletim Oficial
nº 20
5 Ruínas da Igreja de Nª Cambambe 30/05/1925 Portaria nº 67
Sra. do Rosário de Boletim Oficial
Cambambe (Sec. XVII) nº 20
6 Ruínas de Antigas Cambambe 30/05/1925 Portaria nº 67
Construções (Sec. XVI- Boletim Oficial
XIX) nº 20
7 Ruínas da Real Fábrica Kahangu 28/05/1925 Portaria nº 67
de Ferro de Nova Oeiras Massangano Boletim Oficial
(Sec. XVIII) nº 20
8 Zona Histórica da Cidade Dondo 29/05/2013 Plano de
do Dondo Urbanização
9 Igreja de S. João Baptista Ndalatando 17/07/1992 Despacho nº
(Sec. XX) 37U, DR nº 28
545
10 Ruínas da Missão de Sto. Samba-Cajú 06/09/1996 Despacho º 18
António de Kahenda
(Sec. XVII)
CUANZA-SUL
1 Fortim do Kikombo (Sec Sumbe 12/01/1924 Portaria nº 2
XVII) Boletim Oficial
nº 1
2 Pinturas Rupestres de Ndalambiri 04/11/1974 Decreto nº 110 –
Ndalambiri Boletim Oficial
nº 256
3 Fortaleza do Sumbe Sumbe 11/11/1995 Despacho nº 63
(Século XVIII)
4 Zona Histórica do Sumbe Sumbe 18/04/1997 Despacho nº 15
5 Challet Araújo (Sec. Sumbe 26/05/2000 Despacho nº 94
XIX) DR nº 21
CUNENE
Túmulo do Rei R. Kwanyama 18/04/1994 Despacho nº 17
1
Mandume
2 Ombala Grande do Reino Humbe 18/04/1994 Despacho nº 18
do Humbe
3 Sítio Histórico do Vau do Batalha do 18/04/1994 Despacho nº 19
Pembe Kuamato
4 Sítio Histórico do Mufilo Batalha do 18/04/1994 Despacho nº 20
Mufilo
5 Ombala Grande do Rei Kuamato 18/04/1994 Despacho nº 21
Shetekele
6 Sítio Histórico do Môngua 18/04/1994 Despacho nº 22
Môngua
7 Ombala Grande do Rei Centro político 11/11/1994 Despacho nº
Mandume R. Kwanyama 102
HUAMBO
1 Fortaleza General Cabral Kissala 25/09/1994 Despacho nº 25-
Moncada (Sec. XIX) A
HUÍLA
1 Edifício do Antigo Lubango 08/07/1992 Despacho nº 46
Palácio do Governo (Sec.
XIX))
2 Igreja Da Missão Da Lubango 18/04/1995 Despacho nº 20
Huila (Sec. XIX))
3 Edifício da Antiga Lubango 18/04/1995 Despacho nº 23
Câmara Municipal (Sec.
XIX)
4 Barracões Lubango 11/11/1995 Despacho nº 62
5 Edifício da 1ª Estação Lubango 18/04/1995 Despacho nº 11
dos Caminhos de Ferro
do Lubango (Sec. XIX)
546
6 Edifício “Hamilton Lubango 18/04/1997 Despacho nº 12
Lopes” (Sec. XIX)
7 Zona Histórica Do Lubango 18/04/1999 Despacho nº 94
Lubango
8 Cemitério Boers (Sec. Humpata 26/05/2000 Despacho nº 92
XIX) DR nº 21
LUANDA
1 (Monumento Pátio da 02/03/1854 Decreto Régio
Comemorativo) Estátua a Fortaleza de
Pedro Alexandre da São Miguel
Cunha
2 Ermida de Nª Sra. da Parte baixa de 08/06/1922 Portaria nº 135 –
Nazaré (Século XVII) Luanda Boletim Oficial
nº 26
3 Fortaleza de S. Pedro da (Morro de 09/09/1932 Portaria nº 1057
Barra (Sec. XVI-XVII) Kasandana, – Boletim
Sambizanga) Oficial nº 37
4 Fortaleza de S. Miguel Morro de S. 02/12/1938 Portaria nº 2837
(Sec. XVI-XVII) Paulo à – Boletim
entrada da Ilha Oficial nº 48
5 Igreja de Nª Srª do Rua 18/07/1945 Portaria nº 5217
Carmo (Sec. XVII) Tipografia – Boletim
Mamã Titã Oficial nº 29
6 Igreja Dos Jesuítas (Sec. Cidade Alta 25/05/1949 Portaria nº 6515
XVII) – Boletim
Oficial nº 21
7 Igreja de Nª Srª do Cabo Ilha de Luanda 25/05/1945 Portaria nº 6717
(Sec. XVII) Boletim Oficial
nº 21
8 Igreja de Nª Srª dos Parte baixa da 25/05/1945 Portaria nº 6718
Remédios (Sec. XVII) cidade Boletim Oficial
9 Igreja de Nª Srª da Parte alta da 11/07/1949 Portaria nº 6766
Misericórdia (Sec. XVII) cidade – Boletim
Oficial nº 26
10 Poço da Maianga do Rei Rua da Samba 28/12/1949 Portaria nº 6981
(Sec. XVI) – Boletim
Oficial nº 51
11 Poço da Maianga do Maianga 28/12/1949 Portaria nº 6981
Povo (Sec. XVIII) – Boletim
Oficial nº 51
12 Edifício da Antiga Parte baixa da 01/08/1951 Portaria nº 7531
Alfândega de Luanda cidade Boletim Oficial
(Sec. XVIII-XIX) nº 30
13 Rua dos Mercadores Parte baixa da 13/02/1957 Portaria nº 9689
cidade Boletim Oficial
14 Igreja de S. José do Calumbo 11/03/1959 Portaria nº
Calumbo (Sec. XVIII) 10678 Boletim
Oficial nº 11
547
15 Edifício Seiscentista Largo do 23/09/1974 Decreto nº 86
(Sobrado) Baleizão Boletim Oficial
nº 222
16 Edifício de Sobrado (Sec. Largo Lumeji 25/01/1975 Decreto nº 42
XIX) nºs 10/13, Boletim Oficial
nº21
17 Palácio de Ferro (Sec Rua Major 25/01/1975 Despacho nº 42
XIX) Kanhangulu Boletim Oficial
45/53 nº21
18 Edifício Setecentista - Higino Aires 06/08/1977 DR nº 185
Casa do Mpla 8/12 e Pedro
F. Machado
nºs 29/31
19 Edifício “Mendes Largo ex-D. 06/08/1977 DR nº 185
Valladas” (Sec. XVIII) João IV, 26/33
20 Edifício do Museu Parte baixa da 31/08/1981 DR nº 205
Nacional da cidade
Antropologia “Casa
Nobre” (Sec. XVIII)
21 Edifício do Hospital Situado no 31/08/1981 DR nº 205
Josina Machel (Sec. Largo Josina
XIX), Machel
22 Edifício do Instituto Parte alta da 31/08/1981 DR nº 205
Meteorologia (Sec XIX) cidade
23 Palácio do Governo Largo Irene 31/08/1981 DR nº 205
Provincial (Séc. XIX) Cohen
24 Edifício de Sobrado Rua Frederich 31/08/1981 DR nº 205
(SEC. XVIII) Engels nºs
106/108
25 Edifício da antiga Maianga, Rua 31/08/1981 DR nº 205
Estação dos Caminhos de João
Ferro da Cidade Alta Rodrigues
(Sec. XIX).
26 Edifício do Jornal de Rua Rainha 31/08/1981 DR nº 205
Angola (Sec. XIX) Njinga
27 Edifício dos Antigos Calçada 31/08/1981 DR nº 205
Serviços de Estatísticas Domingos T.
(Sec. XIX) Hanga nº 1
28 Residência Típica Largo Lumeji 31/08/1981 DR nº 205
Colonial (Século XIX) nºs 6/7
29 Casa Nobre (Sec. XVIII) Rua Fernando 31/08/1981 DR nº 205
Brique 44/52
30 Edifício de Sobrado (Sec. Rua Major 31/08/1981 DR nº 205
XVII) Kanhangulu nº
196/210
31 Edifício de Sobrado (Sec. Rua 17 de 31/08/1981 DR nº 205
XVIII-XIX)) Setembro, 25
32 Edifício de Sobrado (Sec. Rua Frederich 31/08/1981 DR nº 205
XVIII) Engels 98/104
548
33 Casa Típica (Século Rua Frederich 31/08/1981 DR nº 205
XIX) Engels 39/41
34 Edifício de Sobrado (Sec. Rua Major 31/08/1981 DR nº 205
XIX) Kanhangulu
nºs 86/90
35 Casa Típica (Sec. XIX) Rua Frederich 31/08/1981 DR nº 205
Engels 16/18
36 Edifício (Sec. XVIII- Rua Amílcar 31/08/1981 DR nº 205
XIX) Cabral 26/38
37 Edifício de Sobrado (Sec. Av. 4 Fev. 31/08/1981 DR nº 205
XVIII) Baleizão
38 Palácio das Rua da 31/08/1981 DR nº 205
Comunicações (Sec. Alfândega nºs
XIX-XX) 6/14
39 Casa Nobre (Sec. XVIII) Lg. Brassane 31/08/1981 DR nº 205
Leite nº 10/13
40 Casa Típica (Sec. XIX) Largo Matadi 31/08/1981 DR nº 205
nºs 6/9
41 Challet (Sec. XIX) Largo Matadi 31/08/1981 DR nº 205
nºs 10/12
42 Edifício (Sec. XIX) Rua Rainha 31/08/1981 DR nº 205
Njnga 34/40
43 Edifício de Sobrado (Sec. Rua Rainha 31/08/1981 DR nº 205
XIX)) Njnga 42/50
44 Conjunto Arquitectónico Rua Dr. 31/08/1981 DR nº 205
(Sec. XIX) Alfredo Trony
45 Edifício (Sec. XIX) Rua Serqueira 31/08/1981 DR nº 205
Lukoki 90/108
46 Conjunto Arquitectónico Rua Dr. 31/08/1981 DR nº 205
Alfredo Trony
47 Edifício de Sobrado (Sec. Rua Alberto 31/08/1981 DR nº 205
XVIII-XIX) Lemos nºs 1/3
48 Edifício de Sobrado (Sec. Rua Rainha 31/08/1981 DR nº 205
XIX) Njnga 49/51
49 Edifício de “Mabilio de Rua Major 31/08/1981 DR nº 205
Albuquerque” (Sec. XIX) Kanhangulu
nºs 23/27-A
50 Edifício de Sobrado (Sec. Travessa da Sé 31/08/1981 DR nº 205
XVIII_XIX) nº 18/28
51 Edifício de Sobrado (Sec. Rua Major 31/08/1981 DR nº 205
XIX) Kanhangulu
1/1-A
52 Edifício (Sec. XIX) Rainha Njinga 31/08/1981 DR nº 205
nº 54/56
53 Edifício (Sec. XIX) Rua Neves 31/08/1981 DR nº 205
Ferreira 21/37
54 Conjunto Arquitectónico Largo David 31/08/1981 DR nº 205
Cervant
549
55 Fortaleza de S. Francisco Bungo 08/07/1992 Despacho nº 46
do Penedo (Sec. XVII- (Boavista)
XVIII)
56 Antigo Liceu Salvador Rua Lenine nº 08/07/1992 Despacho nº 47
Correia (Sec. XX)) 79
57 Antigo Atlantic Palace Rua Major 08/07/1992 Despacho nº 47
Hotel (Século XIX-XX) Kanhangulu
58 Antigo Grande Hotel Rua Manuel 08/07/1992 Despacho nº 47
Luanda (Sec. XX) Cerveira
Pereira nº 19
59 Edifício de Sobrado (Sec. Cal Domingos 08/07/1992 Despacho nº 47
XIX) Teaka Hanga
nºs 3/5
60 Edifício do Instituto Rua Major 08/07/1992 Despacho nº 47
Nacional do Património Kanhangulu
Cultural (Sec. XIX) nºs 77/79
61 Edifício Clube Rua Pedro 08/07/1992 Despacho nº 47
Transmontano (Sec. Félix Machado
XIX) e a Cal. Paiva
de Andrade, 2
62 Casa Típica (Sec. XIX) Rua Frederich 08/07/1992 Despacho nº 47
Engels nº 86
63 Edifício da Companhia Largo do 08/07/1992 Despacho nº 47
Geral de Angola (Sec. Baleizão nºs
XIX) 2/4-A
64 Edifício (Sec. XX) Rua Amílcar 08/07/1992 Despacho nº 47
Cabral n 79/85
65 Antiga Boite Dom Rua Major 08/07/1992 Despacho nº 47
Quixote (Sec. XX) Kanhangulu
nºs 63/65
66 Casa Típica (Sec. XX) Rua Major 08/07/1992 Despacho nº 47
Kanhangulu nº
172/174
67 Edifício da Lello (Sec. Rua Major 08/07/1992 Despacho nº 47
XIX) Kamhangulu
nºs 4/10
68 Antigo Edifício dos Av. 4 de Fev. 08/07/1992 Despacho nº 47
Bombeiros (Sec. XIX) Ingombota
69 Conjunto Arquitectónico Baleizão 08/07/1992 Despacho nº 47
(Sec. XVIII) (Ingombota)
70 Edifício (Sec. XVIII- Rainha Njinga 08/07/1992 Despacho nº 47
XIX) (Ingombota)
71 Zona Histórica de Cidade Alta e 02/09/1992 Despacho nº 51
Luanda Baixa
72 Ruínas de Cabo Lombo Benfica, Belas 10/11/1993 Despacho nº 47
(Sec. XVII-XVIII)
73 Edifício do Museu da Morro da Luz 10/11/1993 Despacho nº 48
Escravatura (Sec. XVIII) Belas
550
74 Edifício do Cine Teatro Ingombota 27/09/1994 Despacho nº 95
Nacional (Sec. XX)
75 Edifício Igreja Metodista Ingombota 18/04/1995 Despacho nº 22
Unida (Sec. XX)
76 Palácio do Governo (Sec. Ingombota 18/04/1995 Despacho nº 24
XVII-XIX)
77 Edifício Sede do Banco Av. Fev. 08/04/1995 Despacho nº 27
Nacional de Angola (Sec. Ingombota
XX)
78 Edifício da Antiga Av. 4 Fev. 06/09/1996 Despacho 119
Fábrica de Acetileno Ingombota
(Sec. XVII-XVIII)
79 Mulemba Waxa Ngola – Sambizanga 18/04/1997 Despacho nº 7
Marco Histórico
80 Casa do Dr. António Bº Operário 17/09/1997 Despacho nº 46
Agostinho Neto (Sec. Sambizanga
XX)
81 Marco Histórico do 4 de Cazenga 13/02/1998 Despacho nº 92
Fevereiro
82 Edifício (Sec. XVIII-XX) R. Pedro Félix 26/05/2000 Despacho nº 93
Machado19/27 DR nº 21
83 Cemitério do Alto das P. Lumumba 26/05/2000 Despacho nº 97
Cruzes (Sec. XIX) Ingombota DR nº 21
84 Estátua do Presidente Largo da 11/11/2001 Despacho nº
António Agostinho Neto Independência 175
85 Antigo Porto Cais de Av. 4 de Fev. 04/11/2002 Despacho nº 97
Luanda Ingombota
86 Local da Batalha de Cacuaco 09/11/2004 Despacho 157
Kifangondo
87 Fortaleza da Muxima Muxima - 12/01/1924 Portaria nº 2
(Sec. XVI-XVII) Luanda Boletim Oficial
nº 1
88 Igreja de N. Sra. Muxima - 12/01/1924 Portaria nº 2
Conceição da Muxima Luanda Boletim Oficial
(Séc. XVII) nº 1
89 Zona Histórica da Muxima - 08/02/1956 Portaria nº 9354
Muxima Luanda Boletim Oficial
nº 9
90 Local de Nascimento do Catete - 17/09/1997 Despacho nº 45
Dr. António Agostinho Luanda
Neto
91 Morro do Twenze Muxima - 26/05/2000 Despacho nº 95
(Santa-Dya-Mongwa) Luanda DR nº 21/00
LUNDA-SUL
1 Antiga Sede do Governo Saurimo 08/04/1992 Despacho nº 41
(Sec. XX)
551
2 Edifício da Residência Saurimo 08/04/1992 Despacho nº 41
Actual do Governador
(Sec. XX)
3 Edifício da Residência Saurimo 08/04/1992 Despacho nº 41
dos Antigos Funcionário
da Administração
Pública (Sec. XX)
4 Edifícios dos C.T.T (Sec. Saurimo 08/04/1992 Despacho nº 41
XX)
5 Residência do Chefe dos Saurimo 08/04/1992 Despacho nº 41
Correios (Sec. XX)
6 Residência do Chefe da Saurimo 08/04/1992 Despacho nº 41
Delegação da Companhia
de Diamantes (Sec. XX)
7 Edifício Companhia de Saurimo 08/04/1992 Despacho nº 41
Diamantes de Angola
(Sec. XX)
8 Igreja de N. Sra. de Saurimo 18/04/1999 Despacho nº 89
Lourdes (Sec. XIX-XX)
MALANJE
1 Ruínas do Fortim de Baixa de 19/04/1994 Despacho nº 22-
Kabatukila (Sec. XIX- Kassanje A
XX)
2 Igreja da Missão Malanje 18/04/1994 Despacho nº 22-
Evangélica do Késsua A
(Sec. XIX-XX)
3 Ruínas Presidio Duque Malanje 18/04/1994 Despacho nº 22-
de Bragança (Sec. XIX) B
MOXICO
1 Ruínas do Forte de Cameia 18/04/1998 Despacho nº 22-
Kameya (Sec. XIX-XX) B
NAMIBE
1 Fortaleza de Kapagombe Kapangombe 25/05/1945 Portaria nº 6713
(Sec. XIX) – Boletim
Oficial nº 21
2 Zona Histórica Do Namibe 1974 Plano de
Namibe urbanização da
cidade
3 Palácio do Governo (Sec. Namibe 08/07/1992 Despacho nº 39
XIX)
4 Fortaleza de S. Fernando Namibe 08/07/1992 Despacho nº 44
(Sec. XIX)
5 Igreja de Santo Adrião Namibe 08/07/1992 Despacho nº 21
(Sec. XIX)
6 Inscrições da Torre do Namibe 18/04/1996 Despacho nº 21
Tombo
552
7 Edifício da Alfândega do Namibe 18/04/1996 Despacho nº 14
Namibe (Sec. XIX)
8 Pinturas e Gravuras Virei 06/09/1996 Despacho nº
Rupestres de Tchitundo- 116 DR nº 38
Hulo
9 Pinturas Rupestres de Giraulo 18/04/1996 Despacho nº 22
Macahama
UÍGE
1 Ruínas da Fortaleza de Nkoji 30/05/1925 Portaria nº 67 –
D. S. José do Nkoji (Sec. Boletim Oficial
XVIII) nº 20
2 Ruínas da Igreja de S. Nkoji 30/05/1925 Portaria nº 67 –
José do Nkoji, Edifício Boletim Oficial
(Sec. XVIII) nº 20
3 Fortaleza do Mbembe Mbembe 13/09/1980 Despacho nº 14
Edifício (Sec. XX) DR nº 218
4 Ruínas do Fortim de Kiseke 13/09/1980 Despacho nº 14
Kiseke. Edifício (Sec. DR nº 218
XX)
5 Edifício do Hotel do Rua Presidente 13/09/1980 Despacho nº 14
Uíge (Sec. XX) A. Neto, Uíge DR nº 218
6 Edifício (Sec. XX) Rua Presidente 13/09/1980 Despacho nº 14
A. Neto, Uíge DR nº 218
7 Edifício (Sec. XX) Rua Presidente 13/09/1980 Despacho nº 14
A. Neto, Uíge DR nº 218
8 Edifício (Sec. XX) Rua Comércio 13/09/1980 Despacho nº 14
Uíge DR nº 218
9 Edifício (Sec. XX) Rua Comércio 13/09/1980 Despacho nº 14
Uíge DR nº 218
10 Edifício (Sec. XX) Rua Comércio 13/09/1980 Despacho nº 14
Uíge DR nº 218
11 Edifício (Sec. XX) Rua Comércio 13/09/1980 Despacho nº 14
Uíge DR nº 218
12 Pinturas Rupestres de Kisadi 13/09/1980 Despacho nº 14
Kisadi DR nº 218
ZAIRE
1 Ruínas da Antiga Sé Mbanza 30/10/1957 Portaria nº 9938,
Episcopal (Sec. XVI) Congo Boletim Oficial
Kulumbimbi nº 44
2* Zona Histórica de Mbanza 2013 Plano de
Mbanza-Congo Congo urbanização da
cidade
3 Antiga Residência dos Mbanza 12/04/1995 Despacho nº 95
Reis do Kongo (Sec. XIX Congo
– XX)
553
4 Antigo Porto de Pinda Soyo 18/04/1998 Despacho nº 23
(embarque de escravos)
(Sec. XVI-XVIII)
Fonte: http://www.mincultura.gv.ao/monumentos_reg_angola_luanda.htm 17/11/2015
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