Anatomia Da Empatia
Anatomia Da Empatia
Anatomia Da Empatia
DA EMPATIA
Robert Lewis, M. D.
I - Introdução
O tema sobre o qual discorrerei hoje será “A anatomia da empatia”. Usarei o pronome
masculino com o objetivo de simplificar. Peço desculpas por um erro na apostila, onde se
lê “pesquisa neurológica”, na verdade, deveria ler-se “pesquisa neurobiológica”.
Examinaremos nosso modelo tradicional de Bioenergética e os últimos progressos feitos
em relação à empatia. Embora tenha usado um título que sugere que a empatia
desenvolveu-se ao ponto em que eu possa desenhar-lhes um mapa dos músculos e sinapses
envolvidos, concluirei que, mesmo com avanços recentes interessantes, ser empático ainda
é, com certeza, uma arte clínica. Imagens do cérebro feitas por aparelhagem específica
confirmam que o cérebro direito é o mediador da empatia, mas ainda não nos ajuda a
intervir melhor clinicamente. Os dados da anatomia comportamental da expressão facial,
do comportamento do olhar, coordenação do ritmo vocal e postura corporal são mais
imediatamente relevantes ao nosso tema. Assim, a empatia é um assunto complexo. Com
base nos insights de Lyons-Ruth (1998), Stern (1985), Tronick (1989), Beebe e Lachmann
(2002) e muitos outros [Sander (1977), Weiss (1970), Fogel (1993)], farei distinção nessa
apostila entre conhecimento explícito e implícito, para compreender melhor a empatia.
Examinaremos os limites do nosso conhecimento explícito, e até que ponto o implícito
pode ser transformado em explícito. Discutirei também que uma visão não-linear dos
sistemas diádicos captura melhor a qualidade bidirecional instantânea da comunicação
empática. Finalmente, abordarei o paradoxo de que a própria ferida que nos leva a ser
terapeutas, sintoniza-nos aos nossos clientes e ao mesmo tempo interfere com estarmos
verdadeiramente com eles. Tentarei ilustrar as questões acima com casos clínicos.
II - Definições
a) Empatia – A palavra empatia é derivada do grego “empatheia”, que significa afeto ou
paixão. A quarta edição do novo World College Dictionary da Webster define empatia
como: “A projeção de sua própria personalidade na personalidade de outra pessoa, a fim de
entendê-la melhor; habilidade de compartilhar as emoções, pensamentos ou sentimentos
com outrem”. Alguns terapeutas, como por exemplo, Tansey e Burke (1989), abraçam uma
definição mais ampla; dizem que somos empáticos quando respondemos à necessidade do
paciente, quando lhe oferecemos o que ele precisa para melhorar, mesmo que isto
signifique reprová-lo (para que desta maneira ele possa re -experienciar e
dominar seus traumas internos). Respondemos empaticamente quando
recebemos as identificações projetivas do cliente, projeções estas que moldam
nossa experiência enquanto aprofundam nossa compreensão do cliente. Para
outros, por exemplo, Stark (1999), esta definição mais inclusiva ofusca uma
distinção crucial entre, de um lado o terapeuta que faz uso da empatia e que
responde a algo dentro da consciência, algo relacionado de perto à experiência
e, de outro lado, o terapeuta que se confronta com o cliente na relação, o qual
responde a algo fora da consciência do cliente.
Mas não quero desencorajá-los tão cedo, em minha palestra, talvez mais tarde. A
maioria de vocês talvez concorde que, embora a empatia não seja fácil de ser definida,
vocês a reconhecem quando a experienciam, percebem-na quando ela está presente... Faz
sentido para vocês? Pergunto, porque um colega contou-me sobre um estudo recente, o
qual sugeria que a percepção da empatia era tão eficaz quanto ela mesma! Isto talvez os
faça lembrar de um ou outro colega - com quem alguns de vocês estejam familiarizados,
cujo preço era alto porque seus clientes sentiam honestidade e sinceridade em seus
límpidos olhos azuis. Seu preço subiu mais alto ainda à medida que seus cabelos se
tornavam grisalhos e seus clientes enxergavam a sabedoria em suas madeixas acinzentadas.
Até que por fim não havia mais o que pagasse suas sessões quando ele começou a sofrer de
hemorróidas e, ao sentar-se com seus clientes, estes percebiam-no sentindo realmente sua
dor.
Uma última definição de Peter Kramer (1989) e que me parece correta sobre a fama do
Prozac, diz: “Tornei-me aquela parte que era mais próxima a ele (seu cliente)” (pg 138). Se
pensarmos sobre o que Kramer descreve, faz sentido o fato de que ser empático é um
processo um tanto diferente para cada um de nós. Provavelmente há uma neurobiologia
comum em nosso córtex orbitofrontal direito que nos permite a todos amplificar a corda
ressonante que existe dentro de nós, quando é atingida pela experiência do nosso cliente.
Mas somos tão complexos e singulares que, por exemplo, de dez terapeutas diferentes, a
ressonância mais próxima de um dado cliente em particular, seria sentida por alguns
terapeutas em suas vísceras, por outros em seus corações, etc. Alguns estariam
razoavelmente confortáveis com o referido sentimento, outros lutariam para tolerá-lo, e
assim por diante.
c) Visão de Sistemas de Terapia Diádica, Não-Linear – Minha palestra hoje se baseia nesta
visão de terapia e neste processo de empatia. Nele, cada membro da díade é visto como
regulador simultâneo de si mesmo e da interação. Como Jaffe e outros (2001) colocam:
“No nível não-verbal das seqüências de ação, a todo instante, qualquer ação em um
relacionamento diádico é definida em conjunto pelo comportamento dos dois parceiros.”
Finalmente, Fogel (1993) diz que em um modelo de sistemas, “todo comportamento é
desenvolvido simultaneamente no indivíduo, enquanto que, ao mesmo tempo, cada um
modifica e é modificado pelo comportamento mutável do parceiro”. Um exemplo disto
seria uma criança pequena que fica muito estimulada pela aproximação do rosto da mãe e
que, então, desvia o olhar e/ou toca em si mesma para auto-regular seu nível de
estimulação. A criança simultaneamente acalmou-se, e enviou uma mensagem a sua
parceira. As pesquisas mostraram que os pais estão totalmente sintonizados ou empáticos
somente de vinte a trinta por cento do tempo. Porém, crianças que têm um vínculo seguro,
têm pais que, sendo eles mesmos seguros e sintonizados, dentro de dois segundos no
máximo, conseguem conceder espaço e liberdade para que a criança regule ao mesmo
tempo a ambos (criança e pais) e a interação. A interação foi “reparada” (Tronick, ’89). As
pesquisas mostraram que este mesmo sistema regulador diádico não-verbal instantâneo
implícito opera durante todo o ciclo de vida.
III - Lembrem-se de que temos as ferramentas da Bioenergética, mas nunca
se esqueçam de que somos, nós mesmos, os instrumentos.
A Análise Bioenergética sempre diz que temos as ferramentas para enxergar a história
de uma pessoa gravada na forma e no movimento do seu corpo. Esta foi uma das mais
originais e profundas contribuições de Wilhelm Reich (1933, 1945). Pode-se levar anos
discutindo quanto da história de uma pessoa pode ser vista em seu corpo, e quanto a
ordem de sucessão de aminoácidos em seus cromossomos também faz parte de sua
história. Entretanto, limitaremos nossa discussão à relevância do insight de Reich para o
terapeuta empático. Mas antes, deixem-me contar-lhes algumas histórias.
Os três professores de Bioenergética com quem primeiramente fiz um vínculo e que,
conseqüentemente, tiveram um impacto profundo em mim foram Alexander Lowen, John
Pierrakos e Bill Walling. Eles eram os gigantes em cujos ombros me apóio hoje. Eles foram
os três fundadores originais do Instituto de Bioenergética. Tendo sido aluno e cliente de
todos estes três homens, e sendo eu mesmo homem, há, no que trago para vocês hoje, uma
falta maciça de perspectiva feminina. Graças a Deus, Helen ficará com a última palavra
amanhã!
Como Bill Walling foi meu primeiro e principal terapeuta, tendo morrido enquanto
ainda estávamos trabalhando juntos, eu provavelmente não tenha uma visão clara sobre ele,
mesmo depois de todos estes anos. Assim, deixem-me compartilhar com vocês um pouco
da minha experiência com Alexander e John. Como muitos de nós dessa época, sentia que
eles se complementavam de um modo profundamente bonito. Lowen era o homem
brilhante e explícito que podia ver muito clara e profundamente a pessoa que estava a sua
frente. Ele nunca disse – nem nunca senti, que ele enfocasse muito seus próprios
sentimentos mais pessoais para apreender a essência de seu cliente. Antes, como uma vez
me contou em uma sessão em que eu era cliente, ouvia o que eu dizia, mas, na realidade,
estava atento ao momento em que, sem me dar conta, meu self não-verbal e mais profundo
se revelasse a ele em um gesto fugaz dos meus olhos, meu tronco, e assim por diante.
Por outro lado, John era o homem profundamente intuitivo que, literalmente, fechava
os olhos quando queria saber o que se passava dentro de você. A seu lado, tinha a
impressão de que ele me procurava em algum lugar no fundo de si mesmo. Todos vocês
sabem que o nome de Alexander Lowen é sinônimo de Bioenergética, mas os mais jovens
dentre vocês talvez não saibam que tanto John quanto Alexander Lowen tiveram um
enorme impacto na Bioenergética, nos seus mais de vinte anos de apaixonado trabalho
conjunto. Minha história reforça-nos duas questões hoje:
A Bioenergética realmente nos fornece ferramentas para ver e sentir a verdade
psicossomática de uma pessoa, e Alexander Lowen e John eram médicos de formação.
Mas, afinal, nós mesmos somos os instrumentos exclusivos que se sintonizam ao
psicossomático de outra pessoa.
Minha segunda questão é que, Lowen e John (pelo menos em minha própria
experiência sobre eles), na maneira em que preferiam me compreender, tendiam a não
responder a aspectos meus aos quais eu estivesse consciente, e, nesse sentido, não estavam
sendo empáticos.
Peter descreve o que a maioria de nós tenta fazer, cada um da sua maneira. Helen
Resneck-Sannes (2002) em seu recente artigo no Jornal do IIBA sintoniza-se e é ressonante
com o corpo de seu cliente. O Programa de Treinamento do Sul da Califórnia estimula seus
alunos, desde os primeiros instantes em que olham e escutam seus parceiros diádicos, para
que assumam a atitude deste parceiro e sintam sua história em seus próprios corpos. Eu
mesmo aprendi a confiar e valorizar o conhecimento implícito e empático contido em
minhas mãos. Elas muitas vezes sabem de que maneira se portar com meu cliente antes de
mim. Também aprendi a observar as mãos do meu paciente, uma vez que elas muitas vezes
me contam naquele momento, o que não posso ver de outro modo, e aquilo que meu
cliente não pode me contar. Não podemos esquecer, entretanto, que confrontar nosso
cliente com informações implícitas que estão além do que eles querem ou são capazes de
suportar, é ser não-empático (mas isto é um outro caso).
Voltando-se para outros dados empíricos, Beebe, Lachmann e Jaffe (1997) trabalhando
com “Os mecanismos do espelhamento facial e os precursores da empatia”, descobriram
que:
A semelhança de comportamento implica congruência de sentimento, uma
relação entre combinação e empatia. Como isso poderia funcionar? Duas áreas de
estudo sugerem mecanismos potenciais para os precursores da empatia e maneiras de
traduzir comportamento de correspondência no compartilhar estados subjetivos. O trabalho de
Ekman (1983) e Zajone (1985) mostra que combinar a própria expressão com a do outro está altamente
correlacionado a combinar o padrão de excitação fisiológica. Ekman mostrou que uma expressão facial
específica está associada a um padrão particular de atividade autônoma. Reproduzir a
expressão de outra pessoa produz um estado fisiológico semelhante no observador.
Este mecanismo de empatia é a combinação facial, que é correlacionada à combinação fisiológica.
Este mecanismo de empatia pode ser igualmente relevante para as interações na terapia frente-a-frente
com adultos. (97, pg 161).
Beebe (2003) é tanto humilde quanto otimista sobre a quantidade de processo implícito
que pode ser conscientemente focado para melhorar a qualidade empática do nosso
trabalho clínico. Beebe nos conta que aconteceu de ela ver-se a si mesma em uma sessão de
uma cliente traumatizada, Dolores, gravada em fita de vídeo. Ela, Beebe, descobriu que faz
muito do que Freedman e outros (’78) chamam de toque auto-regulador. Beebe explica:
Eu sabia que esfregava as mãos uma na outra, particularmente quando doíam um
pouco, mas não tinha consciência do quanto faço isto... é muito improvável que algum
dia viesse a me dar conta desse comportamento, sem a ajuda da fita de vídeo. Estes
comportamentos podem permanecer fora da consciência tanto do cliente quanto do analista, mas,
ainda assim, são percebidos subliminarmente e funcionam como informação para ambos... Durante um
episódio no tratamento de Dolores, quando senti que ela estava inacessível, comecei a esfregar meus pés
um no outro. Reconheci isto como um gesto que usava na infância para conseguir adormecer à noite.
Comentei com Dolores que notei que estivera esfregando meus pés um no outro. Dolores foi então
capaz de se aproximar e observar que isto acontecera exatamente quando ela recusara
uma interpretação consoladora que eu estava fazendo a ela, então eu havia me
consolado assim. Gostei bastante de sua observação. Seguiu-se um momento muito
íntimo no qual nos sentimos próximas e ela expressou arrependimento por ter sido
inacessível”. (133)
Achei que o comportamento não-verbal de Beebe foi trazido à consciência focal de
Dolores pelo comentário explícito de Beebe. Esta disposição de compartilhar
explicitamente o que é normalmente informação íntima parece ter vibrado alguma corda
empática em Dolores – empática ao mal-estar que estava causando em Beebe. Dolores então
devolveu a Beebe um presente empático, de significado implícito e explicitamente expresso. Beebe (’03, no
prelo) continua citando Karlen Lyons-Ruth, outra interessante pesquisadora da relação mãe-bebê que é
membro do Grupo de Estudos do Processo de Mudança, de Boston. Lyons-Ruth criou o termo
“conhecimento relacional implícito” (1998) para descrever melhor o que acontece no
processo de empatia. Beebe conta-nos que:
Devido ao fato de que o conhecimento relacional implícito acontece
predominantemente fora da consciência, e raramente na atenção focada, Lyons-Ruth
argumenta que muito das sutilezas e complexidades daquilo que o analista sabe nunca
é colocado em palavras. É por esta razão que a observação das interações na fita de
vídeo revelou muito sobre meu comportamento que, sem a fita, não poderia
descrever, e também porque foi difícil achar uma linguagem para descrever estas
interações. (pg. 58)
Dolores, a cliente de Beebe, disse a ela que também obteve algo precioso por ter visto
os vídeos:
...Vendo o vídeo, Dolores descobriu que eu estava ven do o que ela
mesma “transmitia” em seu rosto, ou “sentia” a respeito de si mesma,
sem ser capaz de descrever verbalmente. Ver meu rosto vendo o dela, e
escutando os sons que eu emitia respondendo aos dela, fez com que
ficasse alerta à sua própria realidade afetiva interna... Dolores viu -se
“vestindo” minhas expressões faciais enquanto assistia à fita de vídeo.
“Assumindo” minhas expressões, Dolores tornou -se mais ciente
afetivamente de sua própria experiência interna, através do feedback
proprioceptivo de seu rosto,...assim como pelo feedback de sistemas
variados de excitação fisiológica... (pg. 49)
Então, em conclusão, não é fácil para Beebe dizer o que ela aprendeu explicitamente. O vídeo ajudou
confrontando-a com o fato de ela estar bem pouco ciente do que estava fazendo quando estava com sua
cliente. Beebe também disse que “muito do meu comportamento não-verbal com ela (Dolores) era baseado
naquilo que as crianças pequenas haviam me ensinado” (pg 58). Beebe conclui que “Podemos ensinar a nós
mesmos como observar essas interações não-verbais implícitas, simultaneamente em nós mesmos e em
nossos clientes, expandindo nossa própria consciência e, quando for útil, a do cliente.” (pg 58). Como não
sou professor, posso dizer o mesmo de forma mais simples. Nossos selfs explícito e implícito começam a
cooperar um com o outro. Alguns de vocês, possivelmente muitos de vocês nesta conferência já fazem isto.
Na verdade não se trata tanto de fazer algo, mas de aprender a estar de uma maneira diferente conosco
mesmos e com os clientes. Não podemos olhar diretamente para o rosto de Deus, ou mesmo para o sol.
Mas ficamos emocionados e tornamo-nos mais ressonantes quando um vislumbre explícito: “Revela
nossas vidas iluminadas pelo brilho difuso de um segundo sol que nunca se vê”.(Lewis,
Amini e Lannon, 2000b) (pg 111).
b) Mas não tão orgulhosos – Embora pudesse parar aqui, deixe-me arrumar mais
confusão, lançando um desafio para que não nos congratulemos tão depressa. Quanto à
validade ou legitimidade do nosso trabalho, como é sentido pela comunidade mais
abrangente, tenho três pontos sensíveis: primeiro, deixar que aqueles que dentre nós têm
habilidade se esforcem, como enfatiza Christa Ventling (2002) no artigo do Jornal (2002)
para trazer mais pesquisa empírica para nosso trabalho. Segundo, sejamos cuidadosos em
como usamos palavras como “energia”, a qual definimos de uma maneira que contradiz as
leis da Física, e, terceiro, minha opinião é que devemos todos, inclusive eu mesmo, ler a
literatura e citá-la quando usamos o material de outras pessoas.
Voltando à maior questão da empatia... se eu realmente compreender que o processo
explícito, consciente é a ponta do iceberg implícito (o centro da terra talvez seja uma
metáfora mais calorosa do que o iceberg)... e que mensagens de coração a coração viajam
em frações de segundos... então eu nunca sei de algo claramente por mais do que um
minuto ou dois)... Não tenho escolha a não ser ficar pensando na questão (Maley, 1995).
Há um paradoxo profundo neste ponto. Precisamos perguntar o que fazemos e pelo que
lutamos para validar empiricamente sua eficácia. É sensato esperar que nossos alunos de
Bioenergética tenham uma explicação razoável para suas intervenções, uma explicação que
possam especificar explicitamente. Ao mesmo tempo, os alunos precisam aprender que
suas percepções e seus comportamentos estão sendo influenciados por um processo quase
instantâneo que atua, em grande parte, fora do controle consciente, entre eles e seus
clientes. Este é um processo que me torna humilde, depois de trinta e cinco anos de
prática. Não pode ser assim fácil para um principiante que queira respostas para reprimir
suas ansiedades. Helen Resneck-Sannes (2002) novamente consegue um tom de otimismo
aqui: “Porque os terapeutas psicossomáticos são treinados para estarem cientes de seus
processos corporais internos, o que é inconsciente para o analista, existe em um grau maior
na consciência do analista treinado em Bioenergética.” (pg 115)
Estou menos certo que Helen sobre isto, por várias razões:
I) Primeiro, Helen mal havia nascido quando comecei minha carreira na Bioenergética,
e sou um prisioneiro da perspectiva da minha geração. Por muitos anos a Análise
Bioenergética foi ensinada como Psicologia focada em uma pessoa. Por exemplo,
mostrem-me onde, em algum dos livros de Alexander, sua consciência de seu próprio
processo corporal interno o ajuda a sentir a profundidade ou especificidade do
problema corporal de seu cliente. Claro que aquilo que nos ensinaram e que
experienciamos em nossas carreiras na Bioenergética varia de lugar para lugar, e cada
um de nós tem modelos próprios e preferências inatas onde se apóia. É verdade que
uma segunda e terceira geração de terapeutas e professores de Bioenergética
trouxeram para o nosso trabalho uma psicologia mais focada em duas pessoas
(Schindler 2002). Mas também é verdade que, enquanto falamos, nosso Instituto luta
para integrar esta nova perspectiva relacional, sem perder o poder de nossa abordagem
psicossomática.
II) Segundo, há apenas alguns anos, quando eu era membro do corpo docente
(Faculty), na parte final de “supervisão” do programa de treinamento de
Bioenergética, em que os alunos avançados praticavam “sessões” na frente do grupo,
descobri que sob a pressão de ser observado e julgado, raro era o aluno que se sentia
suficientemente seguro para sintonizar-se com o que estava sentindo sobre si mesmo,
seu “cliente” e a interação. Ao invés disso, “subia” para a cabeça e tentava
compreender o que fazer e, previsivelmente, o que “fazia” não era
sintonizado/empático para seu cliente. Aqui, a novidade não é a respeito de que os
alunos não podiam ficar com o processo momento a momento entre eles e seus
“clientes”. A novidade é que a maioria de nós, mesmo depois de trinta anos, fazemos
a mesma coisa que os alunos, todas as vezes que ficamos ameaçados pelo que nossos
clientes trazem à terapia. O tipo de material primitivo, caótico, visceral (de revirar as
entranhas), que não tem palavras e é liberado de maneira senso-motora na sala, tende
a ser ameaçador para a maioria de nós. Para mim, o é.
III) Terceiro, o problema é até mais básico do que isto. Nós somos o problema.
Vocês se esqueceram de que, como Bob Hilton (’88-89) disse uma vez, “todos fomos
divididos”? Esqueceram-se de que, como nos relembra Michael Maley (’95), somos
curadores feridos? Descobri que sempre que me comprometo a tentar ser um bom
terapeuta e a capturar a interação viva em minha mente, tendo a perder o momento
com meu cliente. Fazia isso freqüentemente há anos, muito tempo antes de eu
descrever a síndrome do choque encefálico. Porém, mesmo então, meu conhecimento
implícito tentou me ajudar com o choque em minha cabeça, choque este que não me
deixava ter maior sintonia de corpo inteiro com meus clientes. Momentos após meu
cliente sair do consultório, no mesmo instante, eu batia com a mão na testa e percebia
que tinha perdido aquilo que era óbvio enquanto estava pensando.
Claro que precisamos também pensar e falar com nossos clientes. Às vezes temos que
parar a ação instantânea e perceber o que houve entre nós e o cliente. Mas falo da ferida
básica em nós, a qual limita nosso contato empático com nossos clientes. Com muitas
variáveis, esta ferida tem a ver com não sermos seres humanos de valor, suficientemente
bons. Assim, muitas vezes sem perceber, tentamos redimir este self partido sendo bons
terapeutas. Podemos tentar nos tornar aqueles terapeutas implicitamente mais sintonizados
com pistas sensório-motoras em nós mesmos, e em nossos clientes. Mas, se também
lembrarmos que fomos divididos e que ainda estamos profundamente feridos,
descobriremos, como na colocação tão bonita de Bob Hilton (2000), “...aquele pedaço de
mim que havia se escondido atrás do meu método terapêutico de interação, qual seja, o
valor do meu self real para o outro.” (pg 10)
Assim, apresentei anteriormente o caso em que senti seguro o suficiente no meu self
carente para permitir que ele viesse para a sala com Paul, meu cliente inadequado, parecido comigo nesse
ponto. De fato, geralmente sou visto como um terapeuta bastante bom nos meus casos. Mas não seria
animador se eu fosse sincero e apresentasse uma série de acontecimentos em que a empatia falhou, ou pelo
menos em que houve algumas rupturas e reparos? A mais recente pesquisa demonstra que, mesmo as mães
e crianças que serão testadas depois como seguramente vinculadas, passam apenas aproximadamente um
terço de seu tempo em estados combinados. No entanto, em dois segundos, 70% das condições não
combinadas voltam a combinar, e tanto mães quanto crianças influenciam nesse ajuste! A neurobiologia
implícita da criança organiza a expectativa de que ela possa participar na reparação das
rupturas afetivamente dolorosas (Tronick e Cohn, ’89). Algo semelhante
acontece também numa situação terapêutica com adultos quando as coisas
funcionam bem.
Neste próximo caso, as coisas não funcionaram bem. O cliente apresentou-se com
sintomas orais, peito magro e colapsado, respiração superficial. Você sugere que ele respire
profundamente para dar-lhe carga maior na parte superior do corpo. Ele lhe diz que
detestou a sugestão, que todas as vezes que tentou isto no passado, sentiu a cabeça muito
leve, mas nada aconteceu... parece-lhe mecânico e manipulativo. Além disso, ele elabora:
“minha respiração”, diz, “tem que vir de algo que esteja fazendo, algo que seja cheio de
vida e genuíno. Vou respirar quando me sentir pronto a respirar, saco!” Sendo um terapeuta empático,
você pára com as sugestões e pergunta ao cliente o que, para ele, pode ser “cheio de vida e genuíno”. Ele
parece muito surpreso, a seguir cada vez mais tocado com o fato de que você está interessado nele o
suficiente para suspender a questão da respiração no momento. Então, enquanto ele está deitado no stool e
alguns minutos se passam em silêncio, você sente que a imobilidade dele é mortal... mal se percebe sua
respiração... você sente seu próprio peito morto e, embora se sinta bastante assustado... você não se
sente confortável com a morte.... você tolera a sensação de vazio e seu medo e nota que sua
respiração tornou-se muito lenta e superficial... vagarosamente, para seu espanto, seu pavor
começa a diminuir e você sente até uma espécie de paz envolvendo-o... depois de algum
tempo, seu cliente se volta para você e mal pode encontrar as palavras para lhe agradecer,
ele diz, por sentir este grande prazer em sua apnéia (ausência de respiração).
Por acaso, posso lhes dizer o nome do cliente: Bob Lewis. O nome é real, mas a sessão
é fictícia. É a sessão que Bob nunca teve. Ao deitar no stool de Bioenergética, Bob nunca
teve coragem nem palavras para contar ao seu terapeuta de Bioenergética quão
envergonhado ficava da imobilidade mortal de seu peito.... dizer-lhe que ele o odiava por
não perceber suas necessidades, mas não podia dizer que sua chama interior era muito
fraca. Que ele, Bob, não respiraria ou não conseguia respirar do lugar morto em seu peito, a
não ser que seu terapeuta pudesse estar com ele no vale das sombras da morte. As palavras que
ele jamais encontrou eram: “Aproxime-se de mim com sua emoção... meu espírito
despertará se você nutrir sua chama... e minha respiração virá de dentro.”)
Em meu último caso clínico sou o terapeuta, e parece que aprendi, depois de muitas
rupturas que não foram reparadas, como estar com minha cliente Florence, de uma
maneira que teria ajudado Bob Lewis e seu stool de Bioenergética. Florence não foi fácil
para mim. Comumente, pareceria estarmos conversando em uma linguagem adulta,
explícita, vinda do hemisfério esquerdo, mas eu me tornava confuso, perturbado e ansioso
à medida que a sala ia sendo preenchida com uma fúria intensa, primal e visceral, dor e
futilidade. Minha tentativa típica de me defender foi tentar recuperar meu equilíbrio via um
rápido recuo ao meu hemisfério esquerdo, de onde apontaria, com uma voz ao mesmo
tempo melancólica e irritada, que algo estava inconsistente, algo que não fazia sentido para
mim nas palavras e sentimentos de Florence. Ela ficaria atônita com meu abandono da
empatia, e as coisas piorariam além de qualquer reparação possível.
Entretanto, tanto eu como Florence padecemos de uma incansável esperança, por isso
ainda estamos trabalhando juntos. Recentemente tivemos uma sessão que me sugeriu que
pode haver uma base real para a esperança. Florence estava no meio de uma experiência
profunda de luto em que nem eu, nem seu pai fomos capazes de lhe dar mais daquilo de
que precisava. Talvez, mais importante ainda, ela precisasse ser capaz de gritar os imensos
sentimentos de fúria e desapontamento e deixar seu corpo contorcer-se em “agonia”, como
ela colocou mais tarde, sem ter de preocupar-se comigo. Assim, preciso ser capaz de sentir
meu rosto tornar-se contorcido e tolerar o calor e o peso em minha cabeça e em meu peito.
À medida que os sentimentos “agonizantes” de Florence por ter sido reprovada por mim e
por seu pai ocupavam a sala, posso sentir o vazio, a tristeza e dor em meu peito (bastante
oral) reconstruído, essencialmente o mesmo peito de Bob Lewis que estava no stool de
Bioenergética há trinta e cinco anos. Uma ou duas vezes Florence disse “não fui tocada”.
Ao escutar um grito particularmente primal de Florence e notar um leve som ressonante e
dolorido provindo de mim, disse-lhe que não sei se tocá-la fisicamente seria uma
necessidade minha ou dela. Não estou certo se meu toque interferiria na plenitude da
experiência que ela teve de ter falhado. Florence me diz como é precioso para ela que eu
compartilhe com ela meu não-saber. Depois de alguns minutos, decidi colocar minha mão
em seu ombro esquerdo, perto do seu coração. Logo depois Florence afastou minha mão,
indicando que isto não ajudava. Quando ela recomeçou o doloroso sofrimento, notei que
meus dedos estavam entrelaçados em um gesto que me surpreendeu e, ao mesmo tempo,
me confortou. O gesto parece muito forte. Minhas mãos juntas, em um ato de
solidariedade, parecem estar me trazendo conforto e senso de unidade. Elas me contam
como traz uma sensação de fragmentação ficar com a incapacidade de Florence de ser
ajudada, e minha impotência em ajudar. Elas me asseguram que estou inteiro e digno,
mesmo como um curador fracassado.
A sessão com Florence que acabei de partilhar com vocês, demonstra o uso implícito
das minhas mãos para me auto-regular melhor (senti-me sintonizado através de minhas
mãos), de modo a que eu possa manter um contato empático com minha cliente. Mas não
entrelacei meus dedos das mãos intencionalmente. Essa pode ser a melhor maneira em que
posso explicar empatia: de algum modo, mergulhando neste assunto nebuloso, minha
consciência focal expandiu-se para incluir mais do meu comportamento implícito. Minha
ressonância empática torna-se mais profunda e mais sábia quando me rendo à vergonha de
não saber e de não enxergar claramente. Somente então eu - e todos nós, podemos sentir
“o brilho intenso e difuso de um sol que nunca vemos”. (Lewis, Amini, Lannon, 2000b) (P.
111).
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