85 - O Espírito de Cornélio Pires
85 - O Espírito de Cornélio Pires
85 - O Espírito de Cornélio Pires
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locais/Temp/Rar$EX03.044/O NA MESMA MOEDA ........................... 16
ESPIRITO DE CORNELIO NHÁ BELA ....................................... 29
PIRES/NOTA.htmNOTA DE LIMIAR – NHÔ MANDUCO ............................... 24
NO RIO DAS LÁGRIMAS .................. 20
PREFÁCIO .. 2
NOTÍCIA DA AVAREZA .................... 25
A ENXADA ................................ 17
NOVENTA CRUZEIROS .................... 31
A MENSAGEM E A RESPOSTA .... 14
O FAZEDOR DE CAIXÕES ................ 30
A MORTE DE NHA MINA ........... 15
PAIXÃO DE SÁ BILUVA ................... 22
A TAGARELA ............................ 26
PARTIDA DE NHA COTA .................. 19
BOTA FORA DE NHÔ CHICO ..... 33
TERRAS DE NHÔ QUINCA ................ 21
CÉU, INFERNO E PURGATÓRIO.. 28
CONFORTINHO ......................... 18
DESPEDIDA DE VITAL .............. 13
E FOI-SE EMBORA ....................... 23
ESCONJURO ............................. 32
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NOTA DE LIMIAR
Falar sobre a vida de Cornélio Pires, se não é em presa das mais arrojadas,
é, contudo, das mais dif íceis à f ace da riqueza de f atos que lhe pontilharam o
jornadear de autêntico homem do povo, poeta, f olclorista, conf erencista,
cinegraf ista, radialista, jornalista, contista – um mestre do humorismo sadio e bem
nacional, com características inconf undíveis.
Filho de Raimundo Pires de Campos Camargo e de D. Ana Joaquina Campos
Pinto, nasceu Cornélio em Tietê, Estado de São Paulo, no dia 13 de julho de 1884,
e desencarnou na capital paulista, a 17 de f evereiro de 1958, guardando -se-lhe o
veículo f ísico na terra natal.
De inf ância movimentada entre f olguedos mil às margens do Tietê, não se
entregou quanto seria de desejar à disciplina estudantil. Mais tarde, em S. Paulo,
reconheceu a necessidade de convivência com os livros e, após a tentativa
inf rutíf era de partilhar um concurso para a Faculdade de Farmácia, instado pelo
mineiro Lúcio Brandão passou Cornélio Pires a desempenhar modestas atividades
na redação de “O Comércio de São Paulo”, sof rendo, inicialmente, dif iculdades
próprias dos iniciantes. Mas o distinto jornalista, que lhe granjeara a colocação, não
se cansava de auxiliar o f uturo autor de “Musa Caipira”, em tudo o que lhe f osse
possível.
Desse emprego, passou Cornélio para o jornal “O Estado de São Paulo”, onde
trabalhava seu primo Amadeu Amaral. Segundo Jof f re Martins Veiga, quando
deixava a sala dos redatores daquele órgão, Amadeu Amaral recomendou a ele: -
“Seja bom, Cornélio...”.
E o distinto autor de “A Vida Pitoresca de Cornélio Pires” acrescenta:
“Conselho que o grande humorista sempre seguiu em sua exuberante existência.
Ninguém amou tanto sua gente como Cornélio Pires; ninguém se preocupou tanto
com seus semelhantes como esse homem, que f oi, antes de tudo, um bom. A
bondade f oi o traço característico de sua individualidade, sublinhada com o
desprendimento material. Alma simples, coração maior do que o corpo, ele vivia
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Tendo o médium me dito que julgava que esse Espírito estivesse em melhor
situação, f iquei af lito e penalizado, sem saber, então, a maneira de auxiliá-lo, mas
o Espírito logo me conf ortou, dizendo-me:
- Sempre o mesmo velho coração amigo... Não te preocupes comigo, pois,
estando mal aqui, estou um milhão de vezes melhor que vocês aí...
Regressamos a Curitiba. Ali me esperava outro f ato para melhor me chamar
a atenção. Fui apresentado ao Hugo Marçal e subimos ao meu quaro no Brás -Hotel,
onde hoje f unciona o Majestoso. Logo que entramos, Hugo f icou tomado do
Espírito, de surpresa, e, empunhando um lápis, abriu meu bloco e escreveu de
diante para trás, assinando.
Fui ao espelho e, oh maravilha! Dizia o bilhete: “Amigo Cornélio. Abraços e
não beijos; eu não te beijaria nem por um conto. – Emílio”.
Ora, eu nem tempo tivera para contar o caso de Ponta Grossa. Lembrei-me
logo de conf erir as assinaturas: perf eitamente iguais!
Recebi também, nessa mesma ocasião, uma mensagem assinada por O.B.
recomendando-me: “Leia, estude, medite e ore”. E então, pela primeira vez,
comprei livros espíritas. “No invisível” f oi a primeira escolha, mas um dia ao ver “O
Livro dos Espíritos”, de Kardec, eu, que temia até tocar num livro que trouxesse na
capa esse nome, abri-lhe a esmo uma página e li: “É pref erível recusar noventa e
nove verdades a aceitar uma só mistif icação”. Que me dizem!!! Pois os espíritas
concordam eu podem ser mistif icados!? E eu, que tanto combatia o Espiritismo,
perdi o medo e comprei “O Evangelho segundo o Espiritismo”, “O Livro dos
Espíritos” e o “O Livro dos Médiuns”. Depois, não houve mãos a medir. Li as obras
de Léon Denis, de Bozzano, de Moses, de De Rochas, do Padre Marchal, de
Fernando de Lacerda, de Francisco Xavier, de Osvaldo Melo, de Inácio Ferreira,
Romeu A. Camargo, Vinícius, Fuzeira, Owen, D’Argonel, Vives, Findlay, Quintão,
Imbassahy, Sayão e de tantos mais que nem é possível enumerar, além dos artigos
de Leopoldo Machado, não perdendo as irradiações de Odilon Negrão e outros. Era
a sede de Verdade que eu queria saciar de uma vez, mas...
Tive então a f elicidade de, em Uberlândia, entrar em contacto com Bezerra
de Menezes que, logo de início, me aconselhou:
- Calma, meu amigo... Calma... Chegaste à Fonte da Água Viva, mas toma-a
aos poucos... Cuidado, muito e muito cuidado com o f anatismo; ele é mil vezes pior
que a descrença.
Porém, lá muito dentro de mim, continuava, como um espinho doloroso, o
caso das contradições dos Evangelhos, mas, antes que eu o interpelasse, disse -me
Bezerra:
- Onde estão as contradições nos Evangelhos?
Fiquei chocado pelo inesperado da pergunta e citei os casos.
- E Jesus não alterou um til da Lei de Deus – disse-me.
- Como assim?
E ele me respondeu com outra pergunta e todo o meu espírito se iluminou na
justa compreensão:
- Qual é a Lei de Deus, meu amigo?
- Os Dez Mandamentos...
- E Jesus alterou um só deles?
- Não...
- Então não conf undas a Lei de Deus com as leis que estão na Bíblia e que
eram leis dos homens para os homens de grande atraso e prof unda ignorância.
Seus autores aparentes eram médiuns a ditar leis de acordo com a época, o local e
as necessidades de cada povo.
Continuando nossa conversa, tão f ranca e elucidativa, disse -lhe:
- O que me apavora no Espiritismo é aquela passagem: “Pode o Espírito do
mal transf ormar-se num anjo de luz para nos seduzir...”
- Mas vê também a passagem que diz: “Pelo f ruto conhecerás a árvore; se o
f ruto é bom, boa será a árvore, pois árvores más não podem produzir bom f ruto”, e
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Com relação às trovas, por exemplo, Waldo Vieira, entre outras, psicograf ou
esta jóia de versos setissílabos:
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E assim por diante, Cornélio nos leva ao sublime reino da Poesia (a que
poucos poetas chegam), enternecendo-nos, sobretudo...
Para um estudioso dos costumes do povo que vive no “hinter land” brasileiro,
esta obra lhe of erece recursos preciosos, como, “verbi gratia”, o caso de Vital. Ainda
hoje, a situação de alguns dos nossos irmãos portadores do mal de Hansen é
aquela mesma de Vital em relação aos demais; o que se deu com “Sá” Biluva e
Tonho Fazendeiro é exatamente o que encontramos nas pequenas cidades, nos
lugarejos e mesmo entre pessoas que habitam as grandes metrópoles; o caso de
Dona Cissa; a atitude de Nhô Quinca é característica de muita gente que se
encontra entre nós; o mesmo se diga de Adão Passoca; e aqueles que passam a
vida inteira qual Zé da Hora; os harpagões do tipo de Tutuca Sapecado, Nhô Chico,
João Cazeca, Calatrava, Maria Gaza, Ormindo, Nhá Cota e Tonho Macambira; a
obsessão de Nico Raimundo é comum a muita gente, da r oça e da cidade; as
recomendações ao Zé do Zote e a Nico do Norato servem para inúmeras pessoas;
os que vivem à maneira do devoto Zé Pilão; a recompensa a que f izeram jus um
Nhô Manduco ou uma Nhá Mina.
Com respeito ao soneto que descreve a morte de Nhá Mina, que situamos
entre os melhores de quantos o poeta desencarnado escreveu através das vias
mediúnicas, reconhecemos que ele nos “bouleversa”, como diria Manuel Bandeira,
citado por Mário de Andrade (15), transportando-nos àquele “estado absolutamente
especial”, de que nos f ala o autor de Paulicéia Desvairada, com a dif erença de que
aqui tudo compreendemos, “enquanto arte” e “enquanto poesia”.
Atentemos, f inalmente, para a tônica principal do livro: o combate à avareza,
descrevendo Cornélio, para tanto, autênticas personagens que poderiam competir
com um Harpagon de Molière, ou um Pai Grandet de Balzac.
Em “Antologia dos Imortais” (16), tivemos oportunidade de chamar a
atenção para alguns aspectos f ormais da poesia corneliana, especialmente no que
tange ao prisma rimático e à f reqüência com que o poeta lança mão de palavras
quais “Nhá”, “Nhô”, etc.
Na presente obra, o distinto rapsodo continua naquela mesma linha de
manif estação, sendo de notar-se que a disposição rímica pref erida tem sido a do
tipo abba, abba, ccd, eed, para os sonetos, com variações imensas nas trovas,
inclusive algumas nas quais rimam apenas o segundo e o quarto versos, muito do
gosto popular.
Digno de nota, sem dúvida, observar-se à característica de linguagem. Fosse
dado ao distinto f ilólogo Prof . Souza da Silveira a leitura de “O Espírito de Cornélio
Pires”, o autor de “lições de Português” haveria de proclamar que se encontrava
diante de um poeta cuja manif estação se f az em língua portuguesa em tudo dentro
da modalidade brasileira. Com ef eito, expressões quais “af undava na rede”,
“emborcava na quina do f ogão”, “Lalau liquidou Quinquim”, “dar a sapituca”, “suar
em bica”, “dar um vintém de mel coado”, “ao f im da janta”, “papar tatu ervado”,
“engastalhar o cuspe na garganta”, “saber tanto ensino”, “deitar no ronco e
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CAPÍTULO I
DESPEDIDA DE VITAL
Cornélio Pires
1
Lua cheia... Na choça a que se apega,
Morre Vital, velhinho, olhando o morro...
Por prece, escuta a arenga do cachorro,
Ganindo nas touceiras da macega.
CAPÍTULO II
A MENSAGEM E A RESPOSTA
Cornélio Pires
6
8
15
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CAPÍTULO III
A MORTE DE NHÁ MINA
Cornélio Pires
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Na cova de jasmineiro
Do avarento Calatrava:
- Morreu como carcereiro
Da f ortuna que guardava.
13
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Li no túmulo de Ormindo:
- Foi cristão dos mais f iéis,
Ganhou duzentos mil contos
Deu mil e quinhentos réis.
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Maricotinha enjeitou
Dez f ilhos de porta em porta;
Hoje, ela quer reencarnar,
Quando nasce, nasce morta.
CAPÍTULO IV
NA MESMA MOEDA
Cornélio Pires
16
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18
17
Na sepultura comum
Da devota Florisbela:
- Morreu f azendo jejum,
Comendo numa panela.
19
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CAPÍTULO V
A ENXADA
Cornélio Pires
21
22
23
18
24
Independência real
Tem muito que obedecer.
Quem deseje liberdade
Que se escravize ao dever.
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CAPÍTULO VI
CONFORTINHO
Cornélio Pires
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27
28
19
29.
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CAPÍTULO VII
PARTIDA DE NHÁ COTA
Cornélio Pires
31
32
33
20
Legenda na sepultura
Do devoto Zé Pilão:
- Morreu f azendo uma prece
Com dois porretes na mão.
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35
CAPÍTULO VIII
NO RIO DAS LÁGRIMAS
Cornélio Pires
36
37
38
21
39
40
CAPÍTULO IX
TERRAS DE NHÔ QUINCA
Cornélio Pires
41
42
43
22
44
Caridade indiscutível
Evitar a tentação;
Se a gente guardasse a porta,
Não haveria ladrão.
45
CAPÍTULO X
PAIXÃO DE "SÁ" BILUVA
Cornélio Pires
46
47
- “Felicidade é a soma” -
Disse Marinho Irajá –
“ Não daquilo que se toma,
Mas daquilo que se dá.”
48
23
49
50
CAPÍTULO XI
E FOI-SE EMBORA ...
Cornélio Pires
51
52
53
24
54
55
CAPÍTULO XII
NHÔ MANDUCO
Cornélio Pires
“Recorda sempre: o anônimo da rua é nosso
irmão.”
56
CAPÍTULO XIII
NOTÍCIA DA AVAREZA
Cornélio Pires
61
62
63
26
64
Há casamento de prova
Lembrando a canga de bois,
Bendito quem se renova
Nesse resgate de dois.
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CAPÍTULO XIV
A TAGARELA
Cornélio Pires
66
67
68
27
69
70
CAPÍTULO XV
MATAVA POR PRAZER
Cornélio Pires
71
72
73
28
Explica a reencarnação:
Teu f ilho não é teu eco.
Galinha por af eição.
Choca ovo de marreco.
74
75
CAPÍTULO XVI
CÉU, INFERNO E PURGATÓRIO
Cornélio Pires
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Riquezas de sepultura?
O mármore que há nas lousas
Mostra apenas como dura
A pedra em cima das cousas.
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29
79
80
CAPÍTULO XVII
NHÁ BELA
Cornélio Pires
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Compaixão inoportuna
Onde o crime se concentre,
Lindo cavalo de Tróia
Com novos crimes no ventre.
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30
As pessoas preguiçosas,
Conf orme o senso comum,
Querem sempre algum trabalho
E estão sem tempo para nenhum.
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Discernimento e bondade
São em si diversos dons.
Caridade sem justiça
É um mel que suf oca os bons.
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Invejoso inteligente?
Ninguém aceite esse engano.
Inveja esmaga o talento
Como traça roí o pano.
CAPÍTULO XVIII
O FAZEDOR DE CAIXÕES
Cornélio Pires
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87
Obrigações pequeninas...
Nenhuma deixes sem trato.
Picada de maribondo
Castiga onça do mato.
88
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89
Humanidade – um só povo
Diante da vida imensa.
Esf orço de cada um –
Medida de dif erença.
CAPÍTULO XIX
NOVENTA CRUZEIROS
Cornélio Pires
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91
92
32
93
Felicidade reclama
Que o homem f aça direito
Não aquilo que se quer
Mas o que deve ser f eito.
CAPÍTULO XX
ESCONJURO
Cornélio Pires
94
95
96
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CAPÍTULO XXI
BOTA FORA DE NHÔ CHICO
Cornélio Pires
98
99
100
34
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