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RESUMO
Esse texto articula investigações e debates do Grupo de Pesquisa A.T.A. da Universidade Federal de
São João del-Rei (UFSJ) sobre os processos históricos de urbanização no Brasil, com recorte em
Minas Gerais e foco no que se define como espaços públicos, via estudos imagéticos e iconográficos.
Entendendo que a urbanização chega ao Brasil com a colonização, o que se busca enfatizar com
este artigo são alguns levantamentos realizados por diferentes projetos de pesquisa que têm pontos
de convergência e interconexão na relação com os caminhos e as narrativas, ao longo do tempo,
sobre municípios da região centro-sul do estado de Minas Gerais. Têm-se num primeiro momento a
verificação dos trajetos históricos delimitados e mapeados no recorte espaço-temporal da Comarca
Arendt (2019) traduz o passado como tradição, porém o recebemos como “herança sem
testamento”. A importância de analisarmos criticamente a história, a origem das fontes dos
diversos registros e pontos de vista, mais inclusivos, incluindo os povos originários e as
diásporas, nos serve para que possamos ter consciência dos processos e vislumbrarmos
futuros que evitem reproduzir lógicas imperialistas, colonialistas racistas, machistas e
patriarcais.
Ao longo do estudo nos deparamos ainda com desafios impostos pela COVID-19 e pela
conservação de acervos, documentação e memória regional em torno da ocupação do
território, mesmo com avanços significativos na digitalização de materiais disponibilizados
em plataformas e arquivos pelo Brasil.
Em geral, na bibliografia acerca dos processos históricos, as presenças nativas são tratadas
de modo superficial com destaque posto frequentemente nos elementos que marcam o
processo de ocupação europeia: caminhos, capelas, paróquias, vilas, arraiais, registros,
sítios e fazendas e destacamentos de soldados.
São as iconografias e nomenclaturas que marcam posições nas cartografias que, ao narrar
e documentar temporalmente a ocupação do território mineiro, registram processos de
delimitação de caminhos, de urbanização e de colonização sistemática.
Entre o fim do século XVII e início do século XVIII, os paulistas encontram diversos
depósitos auríferos e, mais tarde, de pedras preciosas, motivando grande fluxo migratório
para as Minas, resultando em rápidas concentrações humanas, no surgimento de uma rede
urbana no interior da colônia, deslocando o centro econômico do nordeste para o centro-sul
(FONSECA, 2011).
São as análises históricas que têm nos fornecido dados sobre o processo de urbanização
colonizatória no Brasil e também entendimentos sobre o que se define como espaços
públicos. O que seria espaço público em 1500 ou em 1700? Os caminhos? Todo o território?
Dentre os quatro caminhos denominados “reais” (Velho, Novo, Sabarabuçu, dos Diamantes),
apenas dois atravessam a Comarca do Rio das Mortes: 1. o Velho, implementado no século
XVII, Ouro Preto (OP) - Paraty e 2. o Novo como alternativa mais direta que conecta OP- RJ,
no sentido de evitar saques das pedras e metais preciosos e como uma rota mais rápida
(IER, 2021).
Monte-Mór (2001) comenta que o relevo acidentado fez com que os caminhos seguissem os
cursos de águas das grandes bacias hidrográficas e sempre evitando vales e rios de difícil
passagem, resultando em estradas “nas encostas e topos dos morros, com ampla visão dos
vales, serras e outras referências geográficas”. A ocupação se dava em “locais altos, mais
ensolarados e ventilados” devido ao clima montanhoso mineiro.
Holanda (2018) informa ainda que costumava-se deixar avisos para os próximos viajantes
que ali passassem, como disponibilidade de comida, pouso e alertas de perigos.
Quando não era possível utilizar algumas dessas estratégias comunicativas, os indígenas
orientavam-se pelo sol, estrelas e constelações. Há relatos de viajantes em diários e escritos
afirmando que os nativos eram capazes de desenhar os caminhos com detalhes - relevo,
afluentes de rios, presença de aldeias - para que se pudesse chegar nos locais desejados
ou então indicar a próxima aldeia na qual se poderia adquirir informações de outro trecho do
trajeto, demonstrando grande domínio territorial (HOLANDA, 2018; CINTRA, 2021).
Sobrepor, alargar, modificar e apagar os caminhos e os vestígios pré-coloniais, foi uma das
maneiras violentas empregadas pela Coroa para apropriar do conhecimento geomorfológico
dos povos originários e também daqueles que se consideravam colonos brasileiros, como os
paulistas, que lutaram na Guerra dos Emboabas junto com estrangeiros e indígenas contra a
exploração e opressão portuguesa, em defesa de um território livre.
Cintra (2021) nos lembra que, embora os indígenas possam não estar explicitamente
presentes nas cartografias históricas - salvo nas marcações das aldeias e anotações de
alertas para viajantes sobre a hostilidade ou não das tribos - eles estão presentes de alguma
Raminelli (1996, p.15) afirma que “a mão-de-obra nativa contribuiria com a expansão
marítima portuguesa” e também que, sem a força de trabalho dos povos nativos, os
colonizadores não implementariam “fortificações, vilas, engenhos e plantações”.
A terra, para o indígena, era utilizada como forma de sobrevivência - agricultura, caça e
pesca -, suas fronteiras eram móveis e imprecisas devido ao modo de vida seminômade
aliada às mudanças sazonais, organizadas e, nem sempre, para todos os membros do
grupo, numa relação de simbiose com o meio (PROUS, 2006; RESENDE et al, 2010;
CINTRA, 2021).
Já para o europeu que aqui chegava, seu entendimento era a lógica da divisão geométrica,
influência herdada de povos anteriores aos seus, com limites cada vez mais precisos e com
a urgência de denominar o proprietário de cada área (CINTRA, 2021).
Para que a Coroa pudesse administrar o território e evitar que as riquezas das Minas Gerais
fossem “usurpadas” de suas posses, implantou-se no território da colônia brasileira um
modelo de organização político-administrativa-territorial - presença forte do Estado e das
leis, fazendo com que a legislação antecedesse a fixação da população (CARVALHO, 2015).
No entanto, “a rede urbana da comarca resultou da fusão de três redes: a rede eclesial, a
rede civil e a rede judicial” (CARVALHO, 2015, p.12).
O primeiro movimento dos portugueses a partir de 1693, nesse sentido foi a instalação da
administração colonial na região e a produção cartográfica. Em 1699/1700 a cartografia
produzida por Jacques Coclé assinala os primeiros assentamentos coloniais, aglomerados
urbanos e fazendas de gado que abastecem a região. Nessa carta surge o nome da região
A cartografia nem sempre era produzida para localizar e guiar os viajantes e exploradores
do território. Algumas delas e textos produzidos no século XVII desorientam viajantes
(Holanda, 2018). Evidencia-se que a cartografia elaborada “(...) no período colonial eram
documentos sigilosos, porque correspondiam aos interesses do reino” (GOMES, 2019,
p.55), como ferramentas estratégicas.
Outra estratégia foi a mudança do “Caminho Velho” para o “Caminho Novo”. Em 1700 D.
Pedro II ordena uma expedição aos sertões das Minas de Cataguases - primeira
denominação territorial que faz alusão à nação indígena local - determinando, no mesmo
ano, a abertura do Caminho Novo (PIUZANA et al, 2011, p.130).
Qual a lógica desta mudança? O Caminho Velho partia de Paraty, e passava pelos domínios
paulistas, antes de cruzar a Serra da Mantiqueira e alcançar os domínios portugueses em
terras mineiras. Havia um antagonismo entre paulistas e a Coroa, que culminou na Guerra
dos Emboabas entre 1708 e 1709 (ROMEIRO, 2009).
A Coroa adota outra rota, desconhecida dos paulistas e saqueadores, traçando o Caminho
Novo sobre as “Terras Incógnitas”, indo direto do RJ para OP, passando por lugares que,
atualmente, são conhecidos como Petrópolis (1843), Juiz de Fora (1850 se emancipa de
Barbacena e 1865 muda para o nome atual), Barbacena (1698 arraial, 1791 torna-se vila)
(CARNEIRO; MATOS, 2010).
“No fim do período colonial, a rede urbana mineira compunha-se de centenas de arraiais, 15
vilas e uma só cidade (...)” (FONSECA, 2011, p.33). A única cidade mineira durante o
período colonial, era Mariana, elevada a essa categoria por ser a sede episcopal.
“Os limites mineiros foram se definindo de dentro da capitania para fora, ou do ‘coração
minerador’ para norte, sul, leste e oeste” (CARVALHO, 2015, p.31). As fronteiras entre as
Comarcas, internas à capitania, possuíam limites mais bem definidos, uma vez que
configuram-se como territórios de conflitos e disputas e, também, considerando a
necessidade de controle, fiscalização e taxação das riquezas extraídas e transportadas
pelos caminhos internos, rumo ao litoral do país.
Vasconcellos (1968), outro autor referência nos estudos mineiros, afirma que em Minas
Gerais a urbanização mineira se deu devido à mineração e, muitas vezes, sem que
necessariamente o sítio e a topografia fossem adequados ao processo de ocupação urbana.
A autora destaca que “apesar de Montaigne estar escrevendo no final do século XVI, estas
especulações, acerca da América e seus habitantes, atravessaram todo o século XVII,
permanecendo ainda latentes no Iluminismo” (EL-FAR, 1998, p.253).
Raminelli (1996) sinaliza a relevância dos temas teológicos e filosóficos que atravessaram o
imaginário ocidental sobre os ameríndios. Ele elucida que a desigualdade entre os
Raminelli (1996) ressalta que ao comparar textos e imagens em sua pesquisa reconhece a
questão da misoginia europeia repassada nas narrativas, associando mulheres como
oriundas de satã, consolidando no imaginário sua associação com o diabo e o pecado. A
conquista do território, em detrimento de oposições ou da cultura dos nativos, se justifica.
Se o mapa dá uma visão territorial mais ampla, a fotografia vai trazer a escala do corpo para
os registros.
É nos séculos XVIII e XIX que os impulsos e estímulos artísticos chegam na colônia com
ideais nacionalistas e influenciados pelo estilo Neoclássico europeu, determinando
mudanças na representação pictórica do país (SCHWARCZ, 2008).
Com a transferência da família real para o Brasil em 1808 (NEVES, 2014), e logo depois
com a instauração do Império, significativas mudanças políticas passaram a pautar a
economia e a cultura no Brasil. Esse momento é de grande efervescência e estímulo à
modernização em alguns espaços urbanos já consolidados, apagando cada vez mais os
vestígios pré-coloniais.
Lessa informa que os padrões iconográficos foram “determinados pelas escolas de artes
renascentistas do século XV e as academias de artes surgida no período Neoclássico no
século XIX serviam como base para pinturas de cidades, plantas e grupos nativos no Brasil,
elaboradas por artistas que aqui passavam” (LESSA, 2016, p.8).
Segundo a estudiosa, há relatos fantasiosos sobre o índio brasileiro que reforçam a imagem
de selvagem, os quais foram construídos por pessoas que nem mesmo tinham passado pelo
Brasil, “(...) muitos eram feitos com base em histórias de marinheiros. Outros, por não
conhecerem anteriormente a flora e a fauna brasileira, criavam em contato com ela os mais
vastos relatos” (LESSA, 2016, p.10). Essas representações e caracterizações dos indígenas
se perpetua no imaginário, reforçada, de acordo com Lessa “também por questões
socioculturais”, afinal “a crença ocorria pela necessidade de alimentar fantasias de terras
longínquas'' (LESSA, 2016, p.12).
Neves (2014) e Lessa (2016) destacam a chegada do estilo Neoclássico no Brasil pelas
mãos de artistas da Missão Artística Francesa em 1816, via Debret e Taunay. Logo depois,
Rugendas, que vem ao Brasil pela primeira vez em 1821 (LESSA, 2016, p.16).
É no século XIX que também se inicia a história da fotografia no Brasil. A fotografia surge
em 1839, dois anos depois após a criação do daguerreótipo, por Louis Daguerre, na França.
Dentre os primeiros fotógrafos estão Hercule Florence e Dom Pedro II (KOSSOY, 2002).
Marc Ferrez destaca-se por registrar várias paisagens urbanas e rurais brasileiras, a
modernização e transformação da infraestrutura no Brasil, arquivos que podem ser
consultados nos acervos da Brasiliana e do Instituto Moreira Salles.
Em Minas Gerais no século XIX, segundo Arruda (2015) “a circulação de fotógrafos era
intensa, estando em consonância com o movimento mundial de expansão da fotografia”. O
pesquisador sinaliza que havia crescente circulação de fotógrafos estrangeiros exercendo
esse novo ofício, sendo esse movimento acompanhado na imprensa da época. Arruda
(2015, p.6) menciona as chamadas “itinerâncias fotográficas”, os fotógrafos “volantes” e
“ambulantes” constatando que eles “tiveram no deslocamento intermunicipal a forma de
viabilizar a fotografia como um negócio rentável”.
A historiadora Zita Possamai (2008, p.254) salienta que “a investigação das imagens, sejam
estas obras de arte ou fotografias, pode abrir para o historiador um universo a ser explorado,
principalmente no campo da memória e do imaginário”. Segundo a pesquisadora “Como
representações do real, as imagens visuais constroem hierarquias, visões de mundo,
crenças e utopias e, neste sentido, podem constituir-se em fontes preciosas para a
compreensão do passado”.
Nos dados iconográficos, imagéticos e cartográficos estão sendo observadas camadas que
esclarecem sobre as transformações ambiental-paisagísticas, arquitetônico-urbanísticas,
sócio-culturais e econômicas dos municípios da região estudada.
Dos resultados, estão sendo finalizados projetos de iniciação científica, trabalho final de
graduação e dissertações de mestrado com resultados publicados em artigos, levantamento
iconográfico e a produção de uma base de dados georreferenciados coletiva sobre os
mesmos.
Na cartografia a representação territorial apresenta sempre uma visão ampla que tem como
prática o gesto artístico-científico. Por outro lado, a fotografia é entendida como ferramenta e
técnica mecânica que aborda as questões a partir da escala do corpo humano. Essa
mudança e inversão de escalas nos processos de registro e representação da realidade,
salientam também uma transformação na forma de apreender e assimilar a realidade e o
território.
Indagamos finalmente no sentido dos processos ainda em curso, seriam possíveis naquele
período outros modos e tipos de ocupação territorial? E no presente? Que transformações
socioespaciais poderiam e podem ser possíveis ao se incorporar percepções e modos de
vida das populações nativas e em diáspora?
Agradecimentos
CARVALHO, M. F. D. A. Comarca do Rio das Mortes em Minas Gerais: expansão urbana nos séculos
XVIII e XIX. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Escola de Arquitetura, UFMG, BH, 2015.
Disponível em:
<https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/MMMD-A5ANY2/1/tese_marilia_de_f_tima__2015.pdf>.
Acesso em: mar. 2021.
COELHO, C. (Org). Os Elementos Urbanos Caderno Morfologia Urbana. 1.ed. Lisboa: Argumentum,
2013.
FONSECA, C. D. Arraiais e vilas d’el rei: espaço e poder nas Minas setecentistas. 1.ed. BH: Editora
UFMG, 2011.
HARVEY, D. O Direito à cidade. Revista Piauí, ed.82, jul. 2013. Disponível em:
<https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-direito-a-cidade/>. Acesso em: mai. 2020.
POSSAMAI, Z. R. Fotografia, história e vistas urbanas. Revista História, SP, v.27, n.2, p.253-277,
2008. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0101-90742008000200012>. Acesso em: 28 set.
2021.
PROUS, A. O Brasil antes dos brasileiros: a pré-história do nosso país. 2.ed. RJ: Zahar, 2006.
RESENDE, M. L. C. et al. Mapeamento da arte rupestre na Estrada Real. Revista do Arquivo Público
Mineiro, BH, v.2, p.108-125, 2010. Disponível em:
<https://www.academia.edu/16367020/Mapeamento_da_ate_rupestre_na_Estrada_Real>. Acesso
em: mar. 2021.
ROMEIRO, A. Guerra dos Emboabas: balanço histórico. Revista do Arquivo Público Mineiro, BH, v.45,
n.1, p.106-117, jan./jun. 2009.
SCHWARCZ, L. M. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. 2.ed. SP: Cia das
Letras, 1998.
RESUMO
O objeto de estudo desse artigo trata-se da Residência João Felinto de Araújo, projetada pelo
arquiteto carioca Hugo Marques em 1962, no bairro da Prata, na cidade de Campina Grande, agreste
do estado da Paraíba, Nordeste Brasileiro. Seu objetivo é apresentar os resultados das pesquisas
sobre arquitetura residencial moderna realizadas pelo Grupo de Pesquisa Arquitetura e
Lugar/GRUPAL-UFCG. O trabalho tem como justificativa contribuir com os estudos realizados sobre o
patrimônio moderno no Nordeste, especialmente no estado da Paraíba, a fim de incentivar a sua
preservação, uma vez que o mesmo vem correndo sérios riscos, sendo descaracterizado e demolido
por não estar devidamente protegido. A metodologia utilizada para a pesquisa foi o estudo das
dimensões proposto por Afonso (2019), onde são analisadas as sete dimensões arquitetônicas: 1.
Dimensão normativa; 2. Dimensão histórica; 3. Dimensão espacial (3.1 O espaço externo; 3.2 O
espaço interno); 4. Dimensão Tectônica; 5. Dimensão Funcional; 6. Dimensão formal; 7. Dimensão da
conservação do objeto. O aporte teórico apoia-se em autores como Afonso (2019), Serra (2006),
Frampton (1995), Garcia (2018) e Afonso (2020).
Com isso, este artigo apresenta a análise da residência João Felinto de Araújo, que foi pro-
jetada pelo arquiteto Hugo Marques em 1962. Esta obra está inserida no conjunto de casas
modernas presentes na cidade de Campina Grande – PB, e representa um importante regis-
tro da arquitetura moderna na paisagem urbana da cidade.
Neste trabalho será apresentado o redesenho desta obra utilizando ferramentas digitais e
uma análise do objeto de estudo por meio da metodologia apresentada por Afonso (2019). A
importância deste trabalho se dá na contribuição para o registro e resgate do acervo proje-
tual de obras arquitetônicas mais antigas, as quais estão sujeitas as alterações inerentes ao
tempo, espaço e contexto social em que estão inseridas.
Estes riscos a que as edificações modernas estão susceptíveis estão relacionados ao fato
de a sociedade local ainda não ter internalizado a ideia de que a arquitetura moderna faz
parte de um produto cultural. Que a mesma representa um período da história marcado pelo
desenvolvimento da ciência, produção das massas, novas tecnologias e uma nova demo-
cracia, período de alta industrialização, crescimento massivo das cidades e com isso novos
meios de transportes e diferentes tipologias de edificações. Sendo assim, este patrimônio
deve ser protegido para as futuras gerações (Moreira, 2011).
2 METODOLOGIA
Esse trabalho é baseado na metodologia proposta por Afonso (2019), que apresenta a aná-
lise do objeto arquitetônico dividida em sete dimensões, sendo elas: normativa, histórica,
espacial, tectônica, formal, funcional e conservação. Embora dividida dessa forma, é inte-
Faz-se necessário nessa análise, estudar também, o recorte temporal em que a obra está
inserida, investigando o contexto tanto social, quanto econômico e cultural. Portanto, a di-
mensão histórica também está relacionada com o que diversos autores propõem, destacan-
do os pensamentos de Berman (1954), que classifica essa dimensão em 5 interfaces: social,
política, cultural, histórica e urbana.
Em seguida, a dimensão espacial se divide em dois níveis, onde são analisados os espaços
externo e interno da obra. Como afirma Afonso (2019), essa dimensão parte do principio de
que “o espaço pode ser compreendido como a paisagem do ambiente natural e a paisagem
do ambiente construído”. Logo, serão analisadas tanto as características do lugar e do en-
torno, como topografia, vegetação e acessos, quanto a solução de implantação da obra no
lote, o programa de necessidades, seu zoneamento e as diversas relações que possam
existir dentro da solução espacial adotada pelo arquiteto.
Ainda seguindo o que propõe a autora, analisar o comportamento dos elementos estruturais
da edificação é importante dentro do que propõe a dimensão tectônica. Nesse caso, os es-
tudos sobre tectônica trabalhados por Frampton (1995) fazem parte integrante dessa dimen-
são, tratando a tectônica como “arte da construção” e parte essencial da arquitetura. Basea-
do também em Gaston e Rovira (2007), essa dimensão ainda se divide em cinco aspectos:
estrutura de suporte, peles, cobertura, detalhes construtivos e materialidade (revestimentos,
texturas, plasticidade e cromatismo material).
A dimensão formal se apoia totalmente nos autores Mahfuz e Montaner para analisar a for-
ma da obra, destacando que ela é parte essencial, sendo importante tanto na construção do
espaço quanto da matéria. Logo, segundo Afonso (2019, p. 63):
A funcionalidade da obra será trabalhada na dimensão funcional, como introduzido pelo pró-
prio nome e baseia-se no que é proposto por Colin (2000) ao categorizar a função do edifí-
cio em função sintática, pragmática e semântica. O dialogo entre função e espaço interno é
constante nessa dimensão, levando em conta as soluções do programa em planta e o zone-
amento.
Por fim, a conservação da obra irá concluir a análise, observando “os cuidados que foram
(são e poderão ser) dispensados ao objeto investigado” (AFONSO, 2019, p. 65). Também
podem ser levados em conta dois níveis: a gestão do objeto e a sua conservação física. É
importante destacar que para esse trabalho será feita uma análise mais preliminar e genéri-
ca, tornando necessário estudos mais detalhados para um melhor diagnóstico.
3 CONTEXTUALIZAÇÃO
Campina Grande é uma cidade do agreste paraibano que está localizada no planalto da
Borborema, a aproximadamente 130 km da capital João Pessoa. Conhecida como Rainha
da Borborema, ela influencia diversas cidades que estão no seu entorno, sendo também um
grande polo educacional e tecnológico. Com uma área total equivalente a 620,6 km²,
atualmente a cidade apresenta uma população de aproximadamente 400 mil habitantes.
Com uma economia historicamente muito influenciada pela produção de algodão, Campina
Grande experimenta um desenvolvimento urbano totalmente relacionado com as atividades
comerciais. Influenciada por fatores não só locais como nacionais, a arquitetura moderna
passa a se difundir na cidade, simbolizando entre outras coisas o progresso. Sobre esse
processo de difusão moderna, Queiroz e Melo (2006, p. 3) afirmam o seguinte:
O bairro então, se torna palco de uma classe de médio e alto padrão que em busca do
status de progresso, contrata diversos arquitetos para conceber obras de cunho moderno.
Consequentemente, tem-se a produção de um grande acervo de obras modernas, que
abrange diversas tipologias, como a industrial e principalmente a residencial. Finalmente, de
forma diferenciada, tem-se como parte integrante desse acervo, a residência João Felinto de
Araújo, obra a ser analisada neste trabalho.
4 DIMENSÃO NORMATIVA
4.1 Inserção urbana
A Residência João Felinto de Araújo está localizada na cidade de Campina Grande, agreste
do estado da Paraíba, mais precisamente no bairro da Prata, que é caracterizado atualmen-
te pelo grande número de equipamentos voltados à saúde, como clínicas, laboratórios e
hospitais. Além disso, como citado anteriormente, o bairro também pode ser caraterizado
pela grande quantidade de exemplares da arquitetura moderna, que ao longo dos anos vem
se perdendo pela falta de proteção.
Embora esteja localizada próximo ao Centro, onde se encontra a Zona Especial de Interesse
Cultural demarcada pelo Plano diretor da Cidade e a área referente ao centro histórico da
cidade, delimitada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba –
IPHAEP, a residência objeto de estudo desse trabalho, não se encontra em áreas de pre-
servação patrimonial ou ambiental.
4.2 Legislação
No que se refere a legislação municipal, segundo o Plano Diretor do munícipio (lei comple-
mentar N° 003, de 09 de outubro de 2006) a residência está localizada na área constituída
como Zona de Qualificação Urbana, que é caracterizada por seus usos múltiplos, sendo
possível a intensificação do uso e ocupação do solo, em virtude de as condições físicas se-
rem propícias e da existência de infraestrutura urbana consolidada.
Apesar do Código de Obras ter sido criado anos depois da construção da residência, as in-
formações documentais obtidas dão conta de que a mesma respeita os parâmetros urbanís-
ticos estabelecidos pela lei, sendo o recuo frontal de 6,80m, o lateral esquerdo de 4,00m e o
lateral direito de 4,30m.
Figura 01 – Inserção da residência nas escalas: país, estado, cidade, bairro e quadra.
Fonte: SEPLAN PMCG, 2011 e Google Maps, 2021. Editado e ilustrado pelos autores, 2021.
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
5 DIMENSÃO HISTÓRICA
A construção da residência foi solicitada em abril de 1962, época que Campina Grande pas-
sava por um processo de crescimento em decorrência da industrialização que trouxe inves-
timentos da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE. Também nesse
período ocorreu a expansão do bairro do Centro e a criação de loteamentos no Bairro da
Prata, no qual se adotou os princípios racionalistas do modernismo como referência na
grande maioria das residências do bairro, e onde se encontra o objeto de estudo.
5.1 A obra
A residência foi projetada para o Sr. João Felinto de Araújo, empresário no ramo de açúcar,
álcool, plástico e grande referência na indústria e comércio de Campina Grande, considera-
do grande contribuinte no desenvolvimento econômico do estado da Paraíba. Sua constru-
ção se deu em 1964, porém alguns aspectos do projeto foram modificados, como a constru-
ção da casa em níveis diferentes, a diminuição do terraço para aumentar o quarto do casal,
entre outros. Apesar das modificações, estas não alteraram a estrutura e a volumetria do
projeto original.
“De acordo com o depoimento de dona Doura, viúva de João Felinto e proprietária da resi-
dência, foi dada ao arquiteto total liberdade em relação ao projeto e escolhas de materiais, e
a residência era considerada a ‘menina dos olhos de Hugo’.” (AFONSO, A.; PEREIRA, I,
2020, p.10)
5.2 O autor
Nos anos 50, Hugo, também foi responsável pelo projeto do SESI (1954), do Edifício Rique
(1957) e do prédio da Associação Comercial (1954 – 56). Nos anos 60 projetou o Hotel Ouro
Branco (1961), o Edifício Palomo (1962), o Edifício Lucas (1963) entre outros, marcando o
início da verticalização na cidade.
Apesar de o destaque de Hugo Marques em Campina se dar principalmente por ser o res-
ponsável pela construção dos primeiros edifícios altos da cidade, refletindo o processo de
modernização de Campina Grande, ele também se destacou pela construção de um número
significativo de residências nos anos 60, como a residência objeto de estudo desse trabalho.
6 DIMENSÃO ESPACIAL
A residência João Felinto está situada no bairro da Prata, Campina Grande – PB, na esqui-
na das Av. Barão do Rio Branco e a rua Antenor Navarro n°647, ambas, asfaltadas. A área
tem características e usos mistos, pois além dos incontáveis serviços no seu entorno, tam-
bém é grande o número de residências.
A quadra na qual o projeto está inserido é ocupada boa parte pelo conjunto de edificações
onde funcionava a antiga Casa de Saúde Dr. Francisco Brasileiro. Nas suas proximidades
se encontram o Centro de Educação Profissional Professor Stenio Lopes (SENAI), o Centro
de Atividades Aprígio Veloso da Silveira (SESI) e o Mercado de Produtos Agrícolas conheci-
do como Feira da Prata, importante ponto turístico e centro gastronômico da cidade.
Segundo Garcia (2017), tirou-se partido da insolação e ventilação para dispor os cômodos,
estando a área íntima na nascente e de serviço no poente. Ainda utilizando o desnível do
terreno, o arquiteto distinguiu os acessos, sendo o acesso de pedestres na parte mais alta,
na fachada principal (Av. Barão do Rio Branco) e o de carros na mais baixa, na fachada late-
ral (Rua Antenor Navarro).
Em relação a solução espacial adotada pelo arquiteto, observa-se que o mesmo utilizou o
subsolo para dispor uma zona de serviço, contando com academia, dependências de em-
pregados, áreas de serviços, depósitos e garagem, essa última totalmente confinada. Já o
térreo ele dividiu em três zonas: social, íntima e de serviço.
A planta foi resolvida de modo que a área íntima foi disposta do lado direito, separada das
demais áreas por um corredor de transição que corta a planta no sentido norte-sul. No outro
lado foi resolvido os setores social e de serviço e, nas extremidades foram dispostas duas
varandas, a da fachada principal que dá acesso a sala de estar e a outra no fundo do lote
que possui aberturas para as zonas íntima e de serviço e para a garagem no subsolo.
Segundo Garcia (2017, p. 129), “um pátio interno central funciona como núcleo e elemento
separador entre as zonas, além de permitir maior incidência de iluminação natural”. A sala é
vedada por panos de vidro, integrando-se totalmente ao terraço. Existe ainda uma parede
de cobogó cerâmico responsável por resguardar o ambiente de transição entre o público e o
privado.
Fontes: Redesenhos desenvolvidos por GARCIA, M., 2018 e adaptados pelos autores; fotos por
GARCIA, M., 2018 e Google Street View, 2019.
7 DIMENSÃO TECTÔNICA
Nessa residência foi utilizado o sistema de concreto armado, sem estrutura aparente, traba-
lhando com laje em concreto maciço. O pavimento inferior é estruturado com um muro de
arrimo em pedra natural que também pode ser considerado como elemento estrutural, pois
funciona como contenção para os aterros. A casa em si possui modulação variada, caracte-
rizando-se por ter uma estrutura mais sistemática na área íntima e sintomática nas demais
áreas.
7.2 Coberta
Com relação à cobertura, esta é sustentada pela laje superior que cobre toda a extensão da
casa. A coberta em si, foi dividida em 5 partes distintas, sendo todas elas arrematadas por
platibanda. Esse jogo de componentes comporta 4 pares de duas águas e um de uma água,
onde a queda das águas é captada pelas calhas.
É interessante observar que nesse aspecto, essa residência também se diferencia de diver-
sos exemplares residenciais modernos na cidade, principalmente por não apresentar o uso
da laje inclinada. Essa tipologia de coberta era muito adotada também como recurso volu-
métrico, fugindo das formas retas que a platibanda convencional permitia. Nesse caso, no
entanto, ao invés de inclinar a laje, o arquiteto opta por dar uma leve inclinação a platibanda,
dando uma quebra na linearidade desse elemento.
Esta edificação apresenta uma rica variedade de peles, trazendo personalidade e dinamis-
mo para as fachadas. O fechamento exterior é composto por alvenarias revestidas em sua
maioria na cor branca, fazendo composição com as esquadrias de materiais diferentes: em
vidro e alumínio e em madeira e alumínio.
Além dessas, foram utilizadas no projeto peles com diversas soluções, como brises, co-
bogós, revestimentos em pedra, revestimentos cerâmicos e pinturas. A utilização de algu-
mas dessas peles, como o brise e o cobogó está diretamente relacionada com o conforto
ambiental da residência.
7.3 Detalhes
Nesta obra, a escada externa se apresenta como elemento arquitetônico de destaque, enri-
quecendo a volumetria da edificação. A mesma se caracteriza por estar engastada em uma
viga central que é evidenciada pelo recorte dos degraus em pedra. Não sendo um elemento
meramente estrutural ou apenas com a função de possibilitar acesso a diferentes espaços, a
escada nesse projeto se mostra como ferramenta de composição.
8 DIMENSÃO FUNCIONAL
A edificação continua sendo usada para uso residencial, mantendo a função para qual foi
projetada. Ao longo dos anos, algumas reformas foram feitas, porém sem afetar a estrutura
e a forma da residência. A maioria das modificações foram mudanças de função de alguns
espaços, além disso um terreno vizinho foi adquirido posteriormente onde foi construída
uma piscina.e uma casa para um dos filhos dos proprietários.
Já no pavimento térreo foram alocados todos os espaços íntimos e sociais, sendo estes di-
vididos entre varanda, quarto, banheiro social, suíte, sala de estar, sala de tv e sala de jan-
tar, e alguns equipamentos de serviço como cozinha, copa e banheiro.
Figura 03 – Reconstrução virtual 2D dos cortes e fachadas; fotos de algumas soluções e materiais
utilizados na residência.
Fontes: Redesenhos desenvolvidos por GARCIA, M., 2018 e adaptados pelos autores; fotos por
GARCIA, M., 2018 e PIMENTEL, M., 2018.
Quanto à linguagem formal, foi adotada a linha moderna que é evidente no volume puro e
nas suas linhas ortogonais. A casa pode se enquadrar numa linha moderna tradicional, pois
Hugo Marques utiliza soluções que remetem as adotadas pela Escola Carioca, como a solu-
ção em planta, o uso de pátios internos, a elevação da edificação em relação ao solo, as
esquadrias e a materialidade (Afonso, 2019).
A forma parte de um volume simples retangular estendido, no qual são feitas subtrações de
sua forma original: sendo a primeira na parte do subsolo, afim de manter o solo natural e
garantir permeabilidade a esta área; e a segunda no pavimento térreo para alocar o espaço
que delimita o pátio interno. Por último, foi acrescentado uma forma retangular estendida
fazendo o coroamento da edificação. Com dimensão maior que o volume original, este traz
maior riqueza e profundidade a forma da edificação.
10 DIMENSÃO DA CONSERVAÇÃO
Atualmente, a família de João Felinto ainda é a responsável pela residência. Segundo Gar-
cia (2017), os donos são cuidadosos e, desde a sua construção, fazem reparos sempre que
necessário. O que de fato pode ser comprovado devido ao bom estado de conservação en-
contrado na análise feita durante visita ao local.
Do ponto de vista do pedestre ao passar pela rua, pode-se considerar que a residência está
em ótimo estado de conservação. Porém, esta análise ainda é preliminar, visto que a última
foi realizada em 2017. Algumas das patologias encontradas foram a oxidação das esquadri-
as que é um fenômeno causado pelo contato direto do meio corrosivo com o aço e a flam-
bagem das mesmas.
Fontes: Redesenhos desenvolvidos pelos autores, 2021; fotos por GARCIA, M., 2018, PIMENTEL,
M., 2018 e Google Street View, 2012.
Vindo da Escola do Recife, o arquiteto Hugo Marques deixa sua marca em Campina Grande
através do destaque que seus projetos residenciais apresentam. Porém, as obras projetadas
por ele como um todo são de fato marca do seu legado, sendo ele, o precursor dos grandes
edifícios no município. Desse modo, o arquiteto assinala a paisagem do centro com sua lin-
guagem moderna em meio ao conjunto Art Déco, princípios esses, presentes também na
tipologia residencial projetada por ele em Campina Grande.
Após a análise dessa obra por meio da metodologia proposta, foi possível investigar os atri-
butos do projeto e certificar a importância da residência João Felinto para o acervo do patri-
mónio histórico moderno e para a preservação da história campinense. Além disso, é ne-
cessário destacar também a contribuição para a academia, ao possibilitar e viabilizar o estu-
do sobre a arquitetura moderna.
Esse trabalho se apresenta como uma forma de divulgação do acervo residencial moderno
de Campina Grande e pode vir a contribuir para que esse seja reconhecido como patrimônio
histórico e seja salvaguardado. Além disso, contribui para a disseminação da documentação
e catalogação do acervo patrimonial por meio da utilização de ferramentas digitais – aqui
exemplificada por meio da reconstrução virtual. Por fim, foi possível destacar também as
oportunidades que esse método possibilita, ao viabilizar ao público, maiores chances de
acesso e uso dos materiais produzidos.
AFONSO, Alcília. Hugo Marques: residência João Felinto de Araújo. 1962. In: ______.
(Org.). Campina Grande moderna. Campina Grande, 2020. No prelo
ARAÚJO, Ernani Carlos de. Patologia os edifícios em estruturas metálicas. Ouro Preto,
1999. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação do Departamento de En-
genharia Civil da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto).
GARCIA, M. Prata que vale ouro: a casa moderna da década de 60. Trabalho de Conclu-
são de Graduação. Campina Grande, CAU/UFCG, 2018
GASTALDI, Denis Oshiro; CASTILHO, José Roberto Fernandes. Escadas: arquitetura, se-
gurança e prevenção à acidentes nos espaços de circulação vertical. V. 6, N° 2, p. 90 -
112, 2012.
MAHFUZ, Edson. Reflexões sobre a construção da forma pertinente. Arquitextos, São Pau-
lo, ano 04, n. 045.02, Vitruvius, fev. 2004.
RESUMO
Barbalha, uma das principais cidades do Sertão Caririense, aos pés da Chapada do Araripe,
protagoniza um grande festejo cultural e religioso reconhecido nacionalmente, a Festa do Pau
da Bandeira de Santo Antônio. Este cortejo, celebrado desde 1928, reúne milhares de fiéis e
turistas de diversos locais do país durante os 15 dias de festejo. Entre os principais elementos
e atratividades que formam a beleza do evento, destaca-se a Rua do Vidéo como o percurso
final até a hasteada do pau da bandeira, fazendo ligação entre as duas maiores igrejas
católicas da cidade, acolhendo grande multidão de pessoas que esperam pela chegada dos
carregadores. Essa relação entre patrimônio material e imaterial é fundamental para a
preservação destes, sendo necessários diversos tipos de estudos para seus inventários e
posteriores tombamento e salvaguarda. Portanto, este trabalho apresenta diretrizes e
contribuições para análise cromática das edificações da Rua do Vidéo, cujo principal objetivo é
fazer um levantamento das edificações da referida rua que permita uma posterior investigação
mais aprofundada. Analisar um breve panorama sobre o estudo da cor em centros históricos é
um dos objetivos específicos e soma-se ainda conhecer melhor o centro histórico barbalhense.
A partir dos resultados será possível estudar as cores empregadas nas fachadas e assim
contribuir à noção de entendimento de conjunto e identidade não apenas da rua, mas também
do bairro histórico no qual ela está inserida.
Introdução
A paisagem de bairros antigos pode ser condicionada a diversos fatores, tais como
clima, geografia, cultura, história, entre outros. O entendimento de bairro histórico
1
Arquiteta e Urbanista (UEMA, 2010), Especialista em Docência do Ensino Superior
(Faculdade Dom Alberto, 2021), Mestre em Urbanismo (UFRJ, 2017), Doutoranda em
Arquitetura (ULisboa). Docente no curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário
Paraíso, UniFAP CE.
2
Graduanda em Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Paraíso, UniFAP CE.
7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO
Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
deve-se ainda à compreensão de conjunto que, segundo Walter Benjamin, pode ser
recebida de dois modos: por meio do uso e por meio da percepção. Ou melhor: é
recebida tátil e opticamente (BENJAMIN, 2012, p. 113). A partir de então é possível
entender como fundamental a assimilação de questões cromáticas à unidade visual de
centros históricos e, portanto, seu restauro é uma das condições primárias para a
conservação dos mesmos.
Projetos de intervenção em edificações históricas, seja apenas restauro ou ainda
requalificação, tem como a determinação das cores das superfícies arquitetônicas,
especialmente de suas fachadas, um processo complexo que requer a definição de
uma base teórica fundamentada. Para fins deste trabalho abordar-se-á a cor enquanto
pigmento, ou seja, “a substância material que, conforme sua natureza, absorve, refrata
e reflete os raios luminosos componentes da luz que se difunde sobre ela. É a
qualidade da luz refletida que determina a sua denominação” (PEDROSA, 2009, p.
20).
A cor também será tratada, neste trabalho, como componente de uma estética que
vai além da paleta do projetista. Escolheu-se a manifestação da cor em fachadas de
edifícios históricos, pois, sua pigmentação original deve ser levada em consideração
em propostas de restauro e demais intervenções para agir de acordo com as
determinações relativas à conservação propostas pelo Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional – IPHAN.
É comum que haja intervenções de restauro apenas em fachadas ainda mais
quando apenas esta parte da edificação é protegida. Sendo a pintura uma intervenção
considerada de baixo custo, projetos tidos como revitalização de fachadas tem se
tornado mais frequentes, frutos da parceria de prefeituras com grandes marcas de
tintas. Várias cidades brasileiras já renovaram ruas inteiras em seus centros históricos
como Pará, São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Recife, Olinda, entre outras, todas
sob tutela dos respectivos órgãos de proteção legal.
Se as cores na paisagem urbana são os primeiros componentes a serem
identificados as mesmas devem receber nos processos de restauro tratamento tão
importante quanto os demais elementos que compõe edificações históricas. Este
trabalho apresentará um breve panorama sobre a situação das cores dos
revestimentos das fachadas na Rua do Vidéo3, em Barbalha4, Ceará. Localizada entre
3
A rua tem esse nome em alusão à Montevidéu, cidade uruguaia: durante a Guerra do Paraguai (1864 –
1870) crianças brincavam de guerrear no local com o as mamonas retiradas das árvores que havia em
abundância na região, imitando o que eles chamavam de "a batalha de Montevidéu", considerando o
Uruguai como participante do conflito.
4
Barbalha e mais oito municípios compõe a Região Metropolitana do Cariri (RMC), distando
aproximadamente 600Km das capitais Fortaleza (Ceará) e Recife (Pernambuco). A RMC é a segunda
região urbana mais expressiva do estado, tendo em vista o desenvolvimento das suas cidades principais:
7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO
Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
as Ruas Neroly Filgueira e Sete de Setembro, a Rua do Vidéo é uma das mais
importantes do Centro Histórico da cidade pois abriga de residências porta e janela a
imponentes edificações, heranças de um passado suntuoso que entrou em
decadência no final do século XIX. É também palco de parte do cortejo na festa do
padroeiro de Barbalha, Santo Antônio, e mantém, portanto, intrínseca relação com o
patrimônio imaterial da região.
O espaço que hoje se pode considerar como cozinha era um anexo à casa,
dividido em dois espaços: um para preparo das refeições e outro para abate e limpeza
dos alimentos em seu estado bruto. No quintal, ao fundo, uma edícula adicionava-se à
casa. Por influência do Renascimento, a área destinada à moradia transferiu-se para o
pavimento superior à medida que o comércio, depósitos e espaços destinados aos
animais mantiveram-se no pavimento térreo.
Não havia variações desse esquema de moradia, tanto que Louis Vauthier,
engenheiro francês responsável por obras urbanas e arquitetônicas em Recife no
século XIX, afirmou que quem viu uma casa brasileira viu quase todas. Este
comentário deve-se à setorização uniforme: junto à fachada principal, a área social e
de trabalho; na seção intermediária, o setor íntimo; aos fundos, junto aos pátios ou
quintais, o setor de serviço. As poucas variações aconteciam relacionadas à situação
econômica dos proprietários e da localização do edifício no sítio. As fachadas eram
basicamente compostas por uma porta, sempre dando para a rua e duas janelas. As
casas com mais de um pavimento mantinham a métrica das casas térreas: janelas de
diferentes pavimentos sempre alinhadas. A ventilação, portanto, acontecia somente
em um sentido. No fim do período colonial revestimentos cerâmicos começaram a ser
utilizados nas fachadas.
Somente no final do século XVIII é que são notados elementos classicistas no
Brasil, advindos da atuação de arquitetos orientados pelo Marquês de Pombal. Esses
profissionais, como Mestre Valentim, inspiraram-se em modelos romanos e iluministas
e buscavam trazer equilíbrio e ordem, características típicas do movimento
arquitetônico que se estabeleceu em seguida.
A vinda da corte portuguesa (1808), a Missão Artística Francesa (1816) e a
fundação da Academia de Belas Artes (1820) favoreceram construções mais
refinadas. Timidamente, a casa brasileira se modificava e uma nova tipologia
habitacional surgiu: a casa de porão alto. Ainda de frente para a rua, a casa conseguiu
IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio
Belo Horizonte/MG de 20 a 23/06/2017.
com o porão melhor conforto térmico e mais privacidade por estar mais elevada em
relação à via.
Na segunda metade do século XIX, devido à decadência do trabalho escravo e com o
início da vinda de imigrantes europeus, estabeleceu-se a mão de obra remunerada e
aperfeiçoaram-se as técnicas construtivas. As cidades passam a ter infraestrutura
sanitária e as residências recebem tratamento de água e esgoto. Novos esquemas de
implantação surgem favorecendo a iluminação e ventilação naturais.
n. 8 n. 12 n. 24 s/n n. 38
n. 100 n. 97 s/n n. 79 n. 77
n. 75 n. 67 n. 59 n. 53A s/n
n. 381
4. Resultados e discussões
Considerações finais
CURY, Isabelle. Org. Cartas patrimoniais. 3 ed. rev. aum. Rio de Janeiro: IPHAN,
2004.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: 26 ed. Companhia das
Letras, 1995.
PEDROSA, lsrael. Da cor à cor inexistente. Rio de Janeiro, RJ: Senac Nacional,
IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio
Belo Horizonte/MG de 20 a 23/06/2017.
2009.
PEDROSA, lsrael. O universo da cor. Rio de Janeiro, RJ: Senac Nacional, 2008.
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 13 ed. São Paulo:
Perspectiva, 2012.
A cidade de São Paulo tem hoje mais de três mil imóveis tombados, em um
processo que teve início em 1988. Ao longo desse período, as políticas
públicas em torno da identificação e tombamento de tais imóveis mudaram, de
maneira que atualmente temos processos de tombamento com níveis de
informação e documentação muito diferentes. Os tombamentos iniciais feitos
pelo CONPRESP (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico,
Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) apresentavam apenas uma
relação de imóveis, sem pesquisa histórica sobre tais bens. Já os tombamentos
mais recentes foram feitos em processos com pesquisa histórica detalhada.
Dessa maneira, há uma grande lacuna de informação sobre os primeiros
tombamentos da cidade, realizados entre os anos de 1988 e 1992. Com tal
lacuna, criam-se problemas diversos: desde a ausência de informações para
proprietários e interessados em realizar obras nesses imóveis, até falta de
compreensão sobre a importância de tais bens por parte da sociedade. Além
disso, a diferença de informações disponíveis sobre os tombamentos torna
mais difícil uma sistematização de dados básicos sobre o conjunto total
tombado na cidade, como data de construção ou uso dos edifícios.
RESUMO
O presente artigo aborda de forma sistemática e histórica a criação e consolidação da Lei Robin Hood
em Minas Gerais e do Programa ICMS Patrimônio Cultural, instrumento de normatização para
implementação do critério patrimônio cultural da referida Lei pelas municipalidades. Apresenta e
explicita as diretrizes e normativas elaboradas pelo IEPHA/MG, responsável pela coordenação do
Programa, voltadas para a gestão, proteção, salvaguarda e promoção do patrimônio cultural local,
inclusive as alternativas buscadas para o período da pandemia. Além disso, apresenta alguns
indicadores nestes 25 anos de existência do Programa, avaliando os ganhos obtidos, pari passu aos
desafios enfrentados.
Palavras-chave: Patrimônio Cultural; ICMS Patrimônio Cultural; Lei Robin Hood; IEPHA/MG;
Municipalização; Bens Culturais Protegidos.
É importante destacar que Minas Gerais é o estado brasileiro com maior número de bens
culturais protegidos, através da atuação integrada e não concorrente do poder público nas
três esferas administrativas. Além disso, é o estado que possui mais bens inscritos na Lista
do Patrimônio Mundial, como é o caso do Conjunto Moderno da Pampulha, o Santuário do
Bom Jesus do Matozinhos e os Centros Históricos de Ouro Preto e Diamantina, entre
outros.
Face a tal riqueza cultural e os desafios ligados à sua conservação, desde sua fundação o
IEPHA/MG vem ampliando seu escopo de atuação gradativamente e, dentro de sua missão,
para além da proteção aos bens por ele tombados e registrados, passa a incluir a promoção
e difusão dos conceitos e práticas de proteção do patrimônio, através da criação de
instrumentos e mecanismos para a preservação da memória e das referências culturais em
todo o Estado. Exemplos do que se vem de afirmar são a criação da Política de Atuação
com as Comunidades (PAC), em 1983 – que incentivou a criação e desenvolvimento de
entidades locais de preservação do patrimônio local, de forma descentralizada – além da
implantação de associações e conselhos de defesa do patrimônio.
Marco relevante nesta história, foco do presente artigo, é o Programa ICMS Patrimônio
Cultural, pioneiro no país, criado a partir da Lei Robin Hood (discussão iniciada com o
Decreto-Lei nº 32.771, de julho de 1991, consolidada na Lei 12.040, de 1995 - Robin Hood e
atualmente em funcionamento através da Lei 18.030 de 2009). São vários os critérios a
serem atendidos pelas gestões municipais para recebimento dos recursos, entre os quais
estão ações nas áreas de educação, esportes, patrimônio cultural e turismo. A ideia é
1Ver Vogt, O. P. (2008). Patrimônio cultural: um conceito em construção. MÉTIS: história & cultura.
2008.
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
induzir e apoiar a municipalização de algumas políticas públicas, através de recursos
tributários provenientes do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS).
No caso específico do Patrimônio cultural, está definido através do Inciso VII do art. 1º da
referida lei, e tem como diretrizes os parâmetros dispostos no Anexo II da Lei e definidos
através das deliberações normativas do Conselho Estadual do Patrimônio Cultural
(CONEP), e das orientações técnicas e metodológicas do IEPHA/MG. Este avalia e pontua
cada municipalidade a partir da entrega de documentação que comprove a realização de
ações para implementação de políticas locais de gestão, proteção, salvaguarda e promoção
do patrimônio cultural, bem como de investimento em seus bens protegidos.
Para construção desse artigo utilizou-se o levantamento e análise de dados secundários que
compõem os bancos de dados da Fundação João Pinheiro (FJP) e do IEPHA/MG, além de
análise bibliográfica e apuração de informações junto aos gestores públicos e técnicos
responsáveis pela execução da política no Estado.
Objetivando regulamentar o repase dos 25% aos municípios, o estado de Minas Gerais, por
meio do Decreto-Lei nº 32.771, de julho de 1991, determinou que a distribuição da cota-
Para corrigir esse impacto pouco favorável aos municípios menos ativos economicamente,
foi publicada a Lei nº 12.040, de 28 de dezembro de 1995, conhecida como Lei Robin Hood,
introduzindo novos critérios e variáveis que modificaram a metodologia de cálculo até então
utilizada, tornando a distribuição dos recursos do ICMS mais democrática.
2 A partir da Emenda Constitucional 108/20, que altera a cota-parte do VAF para um mínimo de 65%,
será alterada também a legislação estadual, com seus critérios e pesos.
3 Para mais detalhes da alteração das legislações ao longo do tempo e as mudanças delas
Para atingir seus objetivos, essa lei determinou um modelo de repartição envolvendo dez
variáveis com pesos diferentes na participação do total a ser transferido e com critérios
próprios para apuração da participação do município em cada uma dessas variáveis.
Conforme pode ser visto na Tabela 1, após a implantação desses novos critérios de
repartição detectou-se de imediato uma grande alteração no processo de desconcentração
dos recursos.
Variáveis Anos/Pesos
1996 1997 1998 1999 2000
VAF 13,04712 9,9724 6,80608 6,87072 6,93536
Área Geográfica 0,333000 0,66600 1,00000 1,00000 1,00000
População 0,66600 1,33200 2,00000 2,00000 2,00000
População 50 mais populosos 0,66600 1,33200 2,00000 2,00000 2,00000
Educação 0,66600 1,33200 2,00000 2,00000 2,00000
Área Cultivada 0,33300 0,66600 2,00000 2,00000 2,00000
Patrimônio Cultural 0,33300 0,66600 1,00000 1,00000 1,00000
Meio Ambiente 0,33300 0,66600 1,00000 1,00000 1,00000
Gastos com Saúde 0,66600 1,33200 2,00000 2,00000 2,00000
Receita Própria 0,66600 1,33200 2,00000 2,00000 2,00000
Cota Mínima 5,50000 4,69500 3,89000 3,89000 3,89000
Municípios Mineradores 1,50000 0,75000 0,11000 0,11000 0,11000
Mateus Leme 0,20383 0,18070 0,13555 0,09037 0,04518
Mesquita 0,08755 0,07780 0,05837 0,38910 0,01946
Tabela 1: Pesos para Distribuição da Cota-Parte do ICMS – período 1996 a 2000.
Fonte: Lei 12.040, de 28 de dezembro de 1995 consolidada e Lei 13.803 de 27 de dezembro de 2000.
Ao longo do tempo, essa lei sofreu algumas alterações menos significativas até chegar à
atual Lei n° 18.030, de 12 de janeiro de 2009, ainda em vigor. Esta promove mudanças
consideráveis na distribuição da cota-parte do ICMS pertencente aos municípios mineiros,
tendo em vista a inclusão de seis novos critérios de repartição: turismo, esportes, municípios
com sede de estabelecimentos penitenciários, recursos hídricos, ICMS solidário e mínimo
per capita, além de um subcritério do ICMS Ecológico relacionado à mata seca. A nova Lei
entrou em vigor em janeiro de 2010, mas a distribuição de recursos financeiros realizada
com base nos novos critérios somente se deu a partir de 2011.
A Tabela 2 apresenta a nova composição das variáveis de rateios com seus respectivos
pesos na participação do total da cota-parte do ICMS municipal.
Ainda em vigência, a Lei 18.030/2009, em seu artigo primeiro, inciso sétimo, estabelece que
o critério Patrimônio Cultural se dará pela relação percentual entre o Índice de Patrimônio
Cultural do Município (PPC) e o somatório dos índices de todos os Municípios, fornecido
pelo IEPHA/MG, conforme critérios pré-definidos e normatização posterior.
Como determinações dessa Lei que interferem diretamente no índice PPC, tem-se a
pontuação máxima de cada atributo relacionado ao Patrimônio Cultural e a determinação
dos prazos para publicação dos dados dos índices provisórios e definitivos apurados, sendo
20 de junho e 20 de julho de cada ano, respectivamente. Ao IEPHA/MG destina-se a
normatização das metodologias adequadas para execução das ações relacionadas ao
patrimônio cultural local, definidas por meio de Deliberação Normativa do Conselho Estadual
do Patrimônio Cultural (CONEP) e de Portaria de Orientações Técnicas e Metodológicas,
bem como a análise da documentação enviada pelos municípios.
As Tabelas 4 e 5, a seguir, trazem os atributos definidos pela Lei, sua devida pontuação
máxima e os Conjuntos Documentais determinados pelo IEPHA/MG para efeito de análise e
pontuação no Programa.
É possível perceber que, se, por um lado, há certa flexibilidade para que o IEPHA/MG defina
os procedimentos de pontuação, especialmente dos Quadros I e III, por outro a pontuação
para os tombamentos e registros dos bens culturais, expressos no Quadro II, é previamente
definida pela referida Lei e, no casos da proteção nas esferas federal e estadual, sequer há
possibilidade de atribuição de critério para análise por parte do IEPHA/MG.
Para fazer jus à pontuação de cada um desses atributos, os municípios mineiros necessitam
enviar para análise do IEPHA/MG, anualmente, a comprovação das ações de cada um dos
Conjuntos Documentais determinadas pela DN CONEP e Portaria de Orientações Técnicas
e Metodológicas. Caso o município deixe de enviar as comprovações em um determinado
ano, poderá enviá-las no ano seguinte, sob determinações da DN CONEP em vigência, sem
qualquer prejuízo para ele.
Como já apontado, o início das normativas do IEPHA/MG, ainda na década de 1990, estava
focado no cumprimento de ações relacionadas às políticas de proteção municipal e ao
instrumento de tombamento, evoluindo gradativamente de acordo com as políticas
preservacionistas nacionais. Desde 1996 e até o ano de 2021, o IEPHA/MG já publicou 16
normativas definindo as ações a serem desenvolvidas. Assim, foram sendo intruduzidos
outros instrumentos de proteção, como o inventário cultural e o registro; instrumentos de
monitoramento dos bens culturais protegidos, como os laudos de estado de conservação e a
execução de planos de salvaguarda; ações de educação patrimonial e difusão e criação e
utilização de um fundo municipal específico para o patrimônio cultural.
As alterações legais ao longo dos anos geraram uma gradativa ampliação das atribuições
dos municípios, assim como um aumento da responsabilidade do IEPHA/MG como órgão
gestor. As ações são analisadas e pontuadas conforme a execução apresentada pelos
municípios. Ou seja, a pontuação final será proporcional à quantidade e qualidade das
ações realizadas de acordo com a Portaria IEPHA/MG 06/2021. Por meio dessas analyses,
os procedimentos vão sendo revisados e adaptados, promovendo uma constante dinâmica
na promoção de ações estratégicas para preservação e valorização patrimonial.
Desde 2006, mais de 67% dos municípios mineiros vem sendo habilitados anualmente para
recebimento de recursos do ICMS critério Patrimônio Cultural, em 2019 foram mais de 95%
(gráfico 1).
A título de informação, o site da Fundação João Pinheiro disponibliza a consulta aos valores
de repasse do ICMS aos municípios mineiros. Dessa forma é possível verificar o montate de
repasse por critérios dos ICMS e, também, por município. Esse é um importante instrumento
de informação disponibilizado pela Fundação.
Após 25 anos da existência desse Programa, mais de 95% dos municípios mineiros já foram
contemplados em algum momento com repasse de recursos desse critério. Até 2020, 718
municípios já haviam apresentado em algum momento do Programa a sua legislação
Além disso, Minas Gerais, até 2020, possui cerca de 6.000 bens protegidos8, seja por
tombamento ou por registro, nas esferas municipal, estadual e federal. Destes, mais de 90%
possuem proteção na esfera municipal, ação direta decorrente da execução do Programa
ICMS Patrimônio Cultural.
Outra importante área de atuação do Programa ICMS Patrimônio Cultural é a sua vertente
de promoção à capacitação dos agentes patrimoniais. A normativa do IEPHA/MG para
participação no Programa ICMS Patrimônio Cultural contempla um conjunto de ações
voltadas especificamente para educação e difusão patrimonial. Em 2019, último ano do
Programa com o período de análise já concluído, 560 municípios apresentaram suas ações
realizadas nesse âmbito. Desses, 60% atingiu pelo menos metade do valor da pontuação
total do Quadro IIICD9, demonstrando a boa prática da educação patrimonial e a diversidade
de públicos atingidos nas localidades, como pode ser conferido por meio do gráfico 2.
6 Informações obtidas por meio do site da Fundação João Pinheiro. Disponível em <http://robin-
hood.fjp.mg.gov.br/index.php/transferencias/index.php?option=com_jumi&fileid=15>. Acesso
abr/2021.
7 Levantamentos internos do IEPHA/MG, sobre indicadores do Programa ICMS Patrimônio Cultural,
2020.
8 Informações disponíveis no site do IEPHA/MG.
<http://www.IEPHA.mg.gov.br/images/LISTA_BENS_PROTEGIDOS_atualiza%C3%A7%C3%A3o_at
%C3%A9_exerc%C3%ADcio_2021_SITE.pdf>. Acesso abr/2021.
9 Para o ano 2019/exercício 2021 a normativa em vigência para o Programa ICMS Patrimônio Cultural
era a DN CONEP 20/2018, na qual o quadro QIIICD se referia à Educação e Difusão para o
Patrimônio Cultural, valendo até 2,0 pontos, conforme determina a Lei 18.030/2009.
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
Gráfico 2: Percentual de Pontuação do QIIICD, ano 2019/exercício 2021.
Fonte: GDEPC, DPR, IEPHA/MG, Indicadores de análise do exercício 2021.
Figura 2: Municípios participantes das Rodadas do Patrimonio cultural 2019 e Municípios sede.
Fonte: DPR, IEPHA/MG, 2019.
Também em 2020, além das Rodadas Virtuais, foi ofertado um curso de ensino à distância
(EAD), com a temática “Curso ICMS Patrimônio Cultural: diretrizes de proteção, promoção e
difusão”12. Esse curso foi realizado pelo IEPHA/MG e disponibilizado de forma gratuita por
meio da plataforma de cursos online da Secretaria de Estado da Cultural e do Turismo
(Secult/MG). Esse curso obteve um importante alcance e uma ótima receptividade,
atendendo a 752 pessoas e mais de 600 municípios mineiros, além de pessoas de outros
estados.
Desde 2019 o mundo foi acometido por uma pandemia viral – COVID-19 – que obrigou as
sociedades a evitarem aglomerações e o convívio social. Uma das principais medidas de
precaução para evitar o contágio e a transmissão do vírus é o isolamento social. Em
Esse instrumento possibilitou uma leitura da realidade local frente à pandemia e os impactos
mais diretos nas ações relacionadas ao patrimônio cultural local. Das respostas obtidas,
98% dos municípios informaram que houve suspensão de atividades presenciais e restrição
de circulação de pessoas durante o período da pandemia abrangido pelo formulário (abril a
novembro de 2020). Alem disso, o formulário identificou como os setores municipais
possuem reduzido corpo técnico, dificultando a implementação das ações: 42% dos
municípios possui apenas 02 servidores atuando no setor, como demonstra o gráfico 3.
Foi apontado ainda que, as ações municipais mais impactadas pela pandemia na área do
patrimônio cultural foram as reuniões do Conselho Municipal de Patrimônio; execução das
ações de educação patrimonial; visitações guiadas; visitações técnicas e de fiscalização dos
bens culturais; realização de celebrações e festividades culturais.
Dos grupos culturais e detentores do patrimônio cultural imaterial dos municípios foram
apontados como os mais impactados na impossibilidade de realização de suas ações: folia
de reis e congados; capoeira; coral; violeiros; bandas; pastorinhas; feirantes; festividades
religiosas e associações culturais de modo geral, como biscoiteiros, quitandeiras, rendeiras,
artesões etc.
Em 2020 o IEPHA/MG recebeu documentação para análise de 674 municípios, menos que
os 719 de 2019, o que representa um decréscimo de quase 7%. Esta situação certamente
tem parte de sua explicação ligada ao fato de que 2020 foi ano de eleições municipais,
períodos em que, historicamente, o Programa ICMS Patrimônio Cultural recebe menos
adesões. Por outro lado, a pandemia também afetou o envio dessa documentação, ainda
que não seja possível mensurar em detalhes este impacto
6. Considerações Finais
A evolução dos números, somada aos depoimentos de técnicos e gestores não deixa
dúvidas sobre o significativo impacto positivo do Programa ICMS Patrimônio Cultural sobre
as políticas de preservação patrimonial. A municipalização e descentralização dessa política
em Minas Gerais advém de uma importante estrátégia de indução coordenada pelo governo
estadual, que propiciou a distribuição de recursos financeiros e a estruturação de um
aparato institucional especializado local, promovendo a gestão patrimonial de forma
participativa e efetiva.
Aponta-se ainda a forte adesão das municipalidades frente ao Programa e sua importância
para os municípios com menos de 20mil habitantes, que possuem no ICMS uma parcela
significativa dos recursos totais destinados à cultura.
A forma como o Programa trabalha as ações patrimoniais contribui para uma maior
aproximação entre a esfera pública e a comunidade local, além de atuar efetivamente sobre
a desconstrução de uma noção elitista e restritiva de patrimônio, que teve suas origens
históricas nos anos de 1930. Também permite a aproximação entre o Estado, na figura do
IEPHA/MG, e as administrações municipais, somando esforços federativos e possibilitando
maior comunicação entre seus entes.
Um desses desafios é a entrega online do material comprobatório por parte dos municípios.
Até 2021 somente o Quadro I (Gestão) da normativa do Instituto pode ser entregue de forma
digital, sendo os demais Quadros enviados de forma impressa, pelos Correios. Outro grande
desafio é disponibilizar de forma digitalizada consulta ao material recebido pelo IEPHA/MG
no âmbito, atualmente isso só pode ser feito de forma presencial na biblioteca do Instituto,
que encontra-se fechada durante a pandemia, prejudicando o acesso a este acervo.
Após 25 anos de existência, o Programa do ICMS Patrimônio cultural já atende a 95% dos
municípios mineiros, parceiros na constituição das políticas de proteção, conservação e
promoção do patrimônio cultural em Minas Gerais. Dos cerca de 6.000 bens tombados ou
registrados no Estado, mais de 90% possuem proteção municipal. Por fim, realça-se que em
2020 foram repassados 109 milhões através deste critério para as prefeituras mineiras.
É sabido que o Programa ICMS Patrimônio Cultural gerou um novo mercado profissional no
estado, voltado para empresas de consultoria e assessoria técnica para as prefeituras
mineiras. Entretanto, ao longo de sua existência, em vários casos, percebe-se a atuação
dessas empresas como agentes centrais na implementação do Programa, comprometendo
o objetivo inicial dele, de instrumentalização das equipes dos órgãos públicos locais para
lidar com as questões patrimoniais.
Por fim, apesar dos muitos avanços em relação às normativas do IEPHA/MG para o
Programa ICMS Patrimônio Cultural, ainda percebe-se o tom demandatório desses
instrumentos, além de diretrizes complexas que, em muitas vezes, contribuem mais para
burocratizar as políticas municipais do que para elucidar claramente o desenvolvimento das
ações locais.
7. Referências
Biondini, I. V. F., Starling, M. B. L., & Carsalade, F. L.. (2014). A política do ICMS Patrimônio
Cultural em Minas Gerais como instrumento de indução à descentralização de ações de
política pública no campo do patrimônio: potencialidades e limites. Disponível em
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
https://diamantina.cedeplar.ufmg.br/portal/download/diamantina-2014/a-politica-do-icms-
patrimonio-cultural-em-minas-gerais.pdf. Acesso 30 abr. 2021.
Fundação João Pinheiro. (2021). Cartilha Lei Robin Hood: entendendo a distribuição dos
recursos de ICMS para os municípios mineiros. Disponível em
http://www.iepha.mg.gov.br/images/ICMS/2020_tabela_/DN_CONEP_01-2021_-
_EXERCICIO_2023.pdf. Acesso 30 abr. 2021.
Riani, F., & Albuquerque, C. M. P. (2014). Impactos distributivos regionais da Lei Robin
Hood. Disponível em https://diamantina.cedeplar.ufmg.br/portal/download/diamantina-
2014/impactos-distributivos-regionais-da-lei-robin-hood.pdf. Acesso 30 abr. 2021
Assembleia Legislativa de Minas Gerais. (2007). Lei Delegada 170 de 25 de janeiro de 2007.
Disponível em
https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?tipo=LDL&num=170&c
omp=&ano=2007&aba=js_textoOriginal. Acesso 30 abr. 2021.
RESUMO
O patrimônio cultural material do Brasil frequentemente encontra-se em risco. O registro e
documentação desse acervo são mecanismos que auxiliam no campo da preservação e conservação
do patrimônio. No processo de produção dos novos saberes, destaca-se a etapa de documentação
de bens culturais na realização dos trabalhos acadêmicos nas universidades brasileiras. Nesse
contexto, o Núcleo de Estudos de Arquitetura Brasileira (NEAB) – vinculado à Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas (FAUrb/UFPel) – conta com um acervo
documental sobre a arquitetura e a paisagem da região sul do Rio Grande do Sul, produzido por
alunos, professores e técnicos-administrativos. Essa documentação foi produzida nas últimas
décadas através de atividades de ensino, pesquisa e extensão e contemplam, pelo menos, o registro
do patrimônio cultural de quatorze cidades pertencentes ao distrito geoeducacional da UFPel. Este
trabalho tem por objetivo discutir estratégias de documentação realizadas em Trabalhos Finais de
Graduação de estudantes da FAUrb/UFPel, a partir de um estudo de caso realizado na Vila de Santa
Thereza, localizada na cidade de Bagé, na fronteira sul do Rio Grande do Sul. O trabalho abordou a
temática da preservação patrimonial na Vila de Santa Thereza, que teve sua criação com o apogeu
das charqueadas do final do século XIX e, apesar de ser um importante remanescente da arquitetura
industrial no sul do Rio Grande do Sul, poucos registros sobre o bem foram encontrados na época da
realização do trabalho, em 2019. Este relato busca apresentar as estratégias de documentação do
conjunto arquitetônico estudado, discutindo as potencialidades e as limitações decorrentes das
particularidades da Vila de Santa Thereza. Nesse sentido, além de contribuir para a documentação
em si, propõe a discussão sobre os processos que são vivenciados pelos estudantes que se propõem
a estudar esses bens de valor cultural. Por fim, ressalta-se que os trabalhos finais realizados por
estudantes de graduação são importantes formas de documentação para o processo de
reconhecimento e salvaguarda de bens de valor cultural. Portanto, registrar e discutir as
possibilidades e desafios dessas ações pode contribuir para orientar futuros trabalhos no campo da
preservação do patrimônio cultural material.
Palavras-chave: Patrimônio cultural; Preservação Patrimonial; Vila de Santa Thereza; Bagé/RS.
Sob esta perspectiva, o presente trabalho tem por objetivo apresentar e discutir
estratégias de documentação realizadas no desenvolvimento dos Trabalhos Finais de
Graduação de estudantes da FAUrb/UFPel, que integram o acervo do Núcleo de Estudos de
Arquitetura Brasileira (NEAB). Esse núcleo, vinculado à Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas (FAUrb/UFPel), dispõe de um acervo
documental sobre a arquitetura e a paisagem da região sul do Rio Grande do Sul, resultado
da contribuição de alunos, professores e servidores técnico-administrativos.
O estudo de caso que embasa a discussão proposta neste trabalho consiste na Vila
de Santa Thereza, localizada na cidade de Bagé, na fronteira sul do Rio Grande do Sul. O
Trabalho Final de Graduação intitulado Entre Charqueadas: Um caminho de memórias.
Diretrizes de Preservação para as Vilas Santa Thereza e Industrial - Bagé/RS foi
desenvolvido pela primeira autora deste trabalho, no âmbito da graduação (Alves, 2019).
Atualmente, as discussões e reflexões sobre esse objeto de estudo estão sendo ampliadas,
em função da sua vinculação com a temática da dissertação de mestrado.
A ampliação das ações do NEAB no final dos anos 1990 contemplou a inserção da
documentação do patrimônio cultural de cidades da região do distrito geoeducacional da
UFPel. Esses registros incluem as cidades de Pelotas, Rio Grande, São José do Norte,
Canguçu, Piratini, Jaguarão, Herval, Cerrito, Arroio Grande, Pinheiro Machado, Pedras
Altas, Pedro Osório, São Lourenço do Sul, Candiota e Chuí. A partir dessa inserção regional,
A documentação do conjunto arquitetônico foi feita in loco, por uma equipe de cinco
pessoas. Foram realizadas quatro visitas ao local, nos meses de abril e junho de 2019. A
representação das peças gráficas foi produzida a partir da sistematização do material
coletado em campo. Os levantamentos incluíram os registros fotográficos e as medições do
conjunto urbano e de edificações de interesse.
Devido às diferentes escalas abordadas no projeto, a captura de imagens foi
organizada do geral para o particular. Em relação à grande extensão da área, as imagens de
drone buscaram captar uma dimensão mais ampla e geral do local de estudo. Já as imagens
produzidas a partir de percurso nas ruas, buscaram aproximar-se da ambiência e das
diferentes tipologias arquitetônicas encontradas.
O levantamento aéreo possibilitou a elaboração de mapas do conjunto (Fig. 03), que
foram capazes de auxiliar a compreensão da organização espacial do local, além de
servirem de base para a inserção de outras informações coletadas, como a topografia, o uso
do solo e a hierarquia das vias. Também foi viável a investigação acerca dos conjuntos
residenciais, o que possibilitou o entendimento sobre os usos e acontecimentos nos terrenos
e miolos de quadra. Essa particularidade da implantação do conjunto e da sua
documentação se mostrou essencial durante a etapa de projeto, onde foram definidas
algumas diretrizes para a expansão territorial.
Além do levantamento aéreo realizado com auxílio de veículo aéreo não tripulado
(VANT), foi realizado o levantamento fotográfico das edificações, com auxílio de baliza
topográfica e câmera fotográfica profissional. As medições foram realizadas com o auxílio de
trenas de fibra de 50 metros, possibilitando o levantamento das dimensões das testadas das
edificações e dos conjuntos residenciais. Esses registros serviram de base para a
montagem das imagens panorâmicas e de desenhos em CAD (Fig. 04).
Todo material produzido a partir dos levantamentos foi essencial para a elaboração e
exemplificação das intenções projetuais. O levantamento in loco possibilitou o registro tanto
dos conjuntos como de detalhes arquitetônicos, quando estes se encontravam encobertos
por veículos ou vegetação.
A trajetória da documentação que vem sendo produzida a partir dos Trabalhos Finais
de Graduação também pode ser encontrada no site da UFPel, onde são divulgados
trabalhos realizados a partir do ano de 2016, com os mais diversos temas. Os trabalhos
Referências
ALVES, Isadora Baptista; FORNECK, Vanessa; SILVEIRA, Aline Montagna da. Vila de Santa
Thereza, Bagé/RS: o tempo e a preservação dos remanescentes industriais. In: Seminário
de História das Artes, 2019, Pelotas. Revista Seminário História das Artes. Pelotas: Ed.
UFPel, 2019. v. 1. p. 1-14. Disponível em:
<https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/Arte/issue/view/927>. Acesso em 30 de set.
de 2021.
AMARAL, Manuela Farias; COSTA, Ana Lúcia Costa de. ANÁLISE DA PRODUÇÃO DA
FAURB - UFPEL NAS PROPOSTAS DE AÇÃO PATRIMONIAL: o compartilhamento de
trabalhos através da Rede PHI. In: V Congresso de Extensão e Cultura da Universidade
Federal de Pelotas. Pelotas, 2018.
FAGUNDES, Elisabeth Macedo de. Inventário Cultural de Bagé. Um passeio pela história. 2
ed., Porto Alegre: Praça da matriz/Evangraf, 2012.
GOMIDE, José Hailon; SILVA, Patrícia Reis da; BRAGA, Sylvia Maria Nelo (Orgs.). Manual
de elaboração de projetos de preservação do patrimônio cultural. Brasília: Ministério da
Cultura, Instituto do Programa Monumenta, 2005. Disponível em:
<ttp://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/CadTec1_Manual_de_Elaboracao_de_Projetos
_m.pdf>. Acesso em 13 mar. 2016.
JANTZEN, Sylvio Arnoldo Dick et al. Architectural Patrimony in Urban Areas: Methodology
and case studies of the South of Rio Grande do Sul. Brazil, ISUF, Hamburgo, Alemanha,
2010. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/259757482_Architectural_Patrimony_in_Urban_Are
as_Methodology_and_case_studies_of_the_South_of_Rio_Grande_do_Sul_Brazil. Acesso
em 21 set. 2021.
JANTZEN, Sylvio Arnoldo Dick; OLIVEIRA, Ana Lúcia Costa de; SILVEIRA, Aline Montagna
da. Técnicas Retrospectivas na FAUrb-UFPel: Relato de Experiências de Preservação do
Patrimônio Cultural. In: 3º SIMPÓSIO CIENTÍFICO DO ICOMOS BRASIL, 2019, Belo
Horizonte. Anais, 2019.
KIEFER, Flávio. Pampa Urbano. 2003. Vitruvius. Arquitextos, 10. Disponível em:
<https://vitruvius.com.br/index.php/revistas/read/projetos/10.111/3589>. Acesso em: 21 set.
2021.
MENESES, Ulpiano Bezerra de. Dicotomias no campo do patrimônio cultural. (A. Wehling,
Ed.). In: PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO: ABORDAGENS, DESAFIOS, POLÍTICAS.
Academia Brasileira de Letras, 25 out. 2018. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=pJlYiB9TIXI>. Acesso em 13 set. 2021.
SILVA, POLLYANA MARTINS DA. (1); FERREIRA, ITALO CINTRA. (2); SILVA,
JÔNATAS SOUZA MEDEIROS DA. (3); SILVA, JOELMIR MARQUES DA. (4)
RESUMO
A Praça Dezessete é uma marca na paisagem da Cidade do Recife. Ao longo do tempo, a praça passou
por inúmeras intervenções sendo a mais significativa a realizada por Roberto Burle Marx em 1937.
Atualmente é classificada como jardim histórico pela Prefeitura do Recife em uma ação inédita de
reconhecimento dessa categoria no Brasil. Um jardim histórico é considerado monumento por ser uma
concepção humana moldada a partir de um estilo, fruto da percepção histórica da sociedade. Por ter a
natureza como princípio criativo, converte-se em monumento vivo, tendo o tempo como elemento
estruturador; encontrando-se em uma dinâmica evolução, muda não apenas a sua própria feição, mas
sobretudo configura a paisagem que ele compõe. Isso demonstra a sua fragilidade, pois sem seus
elementos, perde-se todo o significado ali inerente. Isso é perceptível na Praça Dezessete, que resiste
às constantes modificações que ocorrem no processo de modernização do Bairro de Santo Antônio.
Uma resistência que parece mais uma teimosia, pois mesmo com o caráter efêmero que um jardim
apresenta, tem lutado não apenas pela sua permanência diante das diversas mudanças espaciais e
visuais que ocorreram em seu entorno, mas principalmente em manter a sua imponência como marco
da paisagem recifense evidenciada através do seu projeto paisagístico. Diante desse panorama, a
pesquisa bibliográfica e histórica possibilitou refletir sobre a teimosia da Praça Dezessete em se manter
como monumento vivo, resistindo em resguardar para as futuras gerações toda a memória e a
identidade que ela carrega.
Palavras-chave: Jardim Histórico; Historiografia; Paisagem Urbana; Conservação; Burle Marx.
Dentre estes, destaca-se a intervenção realizada por Burle Marx, em 1937, que resgata a
praça Dezessete, então descaracterizada, evidenciando a sua importância como uma marca
da paisagem possuidora de uma rica história. Com seu projeto esse paisagista evidencia o
jardim e reverbera a praça ao longo do cais, no sentido da Praça da República, localizada ao
norte do bairro de Santo Antônio, emoldurando também o antigo Grande Hotel e a Igreja do
Divino Espírito Santo. Tal projeto, juntamente com outros 11 realizados por Burle Marx na
década de 1930 no Recife, foi tão significativo no planejamento urbano da cidade que ganhou
destaque nacionalmente, sendo o começo de uma nova fase do paisagismo no país, que tinha
como base diretrizes ecológicas e estéticas, sendo a fórmula para fincar as raízes do
movimento moderno, o “jardim brasileiro”. Recife, então, passa a ser reconhecida como
símbolo de cidade moderna através dos jardins de Burle Marx.
Ante esse pequeno percurso pela história da praça é possível observar a sua importância na
construção da identidade e história do lugar. Tal importância leva a Prefeitura do Recife
classificar a Praça Dezessete, como jardim histórico, através do Decreto Municipal nº
29537/16, integrado ao Sistema Municipal de Unidades Protegidas do Recife (SMUP), em
uma ação inédita de reconhecimento dessa categoria no Brasil. Tal reconhecimento se dá
com base nos pressupostos da Carta de Florença (1981, art. 1º e 3º), que considera o jardim
histórico como uma “composição arquitetônica e vegetal que, do ponto de vista da história ou
da arte, apresenta um interesse público'', sendo considerado, portanto, como um monumento
vivo, por ser vivo, perecível e renovável, visto que possui como elemento principal a vegetação
e ela está em constante evolução, sendo um processo natural do ciclo da vida.
Isso é perceptível na Praça Dezessete, que resiste às constantes modificações que ocorrem
no processo de modernização do Bairro de Santo Antônio. Uma resistência que parece mais
uma teimosia, pois mesmo com o caráter efêmero que um jardim apresenta, tem lutado não
apenas pela sua permanência diante das diversas mudanças espaciais e visuais que
ocorreram em seu entorno, mas principalmente em manter a sua imponência como marco da
paisagem recifense evidenciada através do seu projeto paisagístico.
Diante desse panorama, busca-se com esse artigo refletir sobre a teimosia da Praça
Dezessete em se manter como monumento vivo, resistindo em resguardar para as futuras
gerações toda a memória e a identidade que ela carrega. Para cumprir tal objetivo, foram
considerados nesta pesquisa dois eixos de análise: a pesquisa bibliográfica e a pesquisa
histórica.
A pesquisa histórica consiste em descobrir fontes que possibilitem formar uma imagem do
passado, a historiografia, e englobam, conforme Best (1972), quatro aspectos: (i)
investigação, (ii) registro, (iii) análise e (iv) interpretação de fatos ocorridos no passado. Assim
sendo, se fez uso da técnica de documentação indireta, em que a coleta de dados está restrita
a documentos escritos ou não, constituindo o que se denomina de fontes primárias e, para
tanto, considerou-se os seguintes documentos literários e visuais: (1) relatórios de chefes de
governo, (2) revistas, (3) álbuns, (4) anuários, (5) mensários, (6) jornais, (7) depoimentos e
(8) iconografias.
Figura 1: (A) Vista da Cidade Maurícia; (B) Passeio Público e Cais do Boyer; (C) Pátio do Colégio, vista
para o Monumento da Liberdade.
Fonte: (A) Veras, 2017, p. 23; (B) Biblioteca Nacional, 1880; (C) Coleção Brasiliana Itaú, 1863-1865.
Com parte desse processo de melhoramento paisagístico que ocorria nesse local, no ano de
1904 a Avenida Martins de Barros, conhecida na época como Avenida Beira Rio, passa por
uma reforma (SAMICO, 2018). Nela são implantados canteiros centrais, ao longo da via, na
tentativa de evidenciar a relação da Praça Dezessete e Cais do Imperador (Figura 2c),
articulando os dois espaços, retirando a prioridade do transporte motorizado e destacando o
aspecto de contemplação e convívio que caracterizava o lugar.
Visto o tempo desde o seu ajardinamento, a praça foi remodelada entre 1930 e 1933, durante
a administração do interventor de Pernambuco Carlos de Lima Cavalcanti. A partir da análise
das fotografias históricas, foi possível identificar dois fatores que indicam essa remodelação:
o primeiro é a escultura da índia, no qual é retirado sua bacia para água e a escultura passa
agora a integrar um pedestal (Figura 2d), perdendo assim sua intenção histórica e o segundo
fator é em relação a Avenida Martins de Barros, que tem sua vegetação enaltecida ao longo
da avenida.
Fonte: (A e B) Fundação Joaquim Nabuco,1905 -1910; (C) Fundação Joaquim Nabuco, 1926; (D) Museu da
Cidade do Recife, 1930-1933.
No entanto, conforme indicam os registros históricos, a segunda parte do projeto original foi
implementada apenas parcialmente. No jornal A Noite Ilustrada, publicado em 13 de agosto
de 1940 é relatado a conclusão da Praça Dezessete junto com outros jardins públicos da
cidade, como também a do jardim da praça do Grande Hotel (A NOITE ILUSTRADA,1940, p.
23). Assim, o projeto se limitou a praça, ao cais, ao antigo Grande Hotel e a Igreja do Divino
Em seu projeto para a Praça Dezessete, Burle Marx retira o coreto de ferro do jardim, mas
mantém outros elementos inseridos nas intervenções anteriores. Das mais significativas,
destaca-se a escultura da índia que é transformada em uma fonte junto à coluna e bacia do
chafariz, resgatando um atributo histórico do monumento, sendo alocada para o jardim em
frente à Igreja do Divino Espírito Santo; como também, o Ícaro que é destacado como ponto
focal da Avenida Martins de Barros (Figura 3c).
Fonte: (A) Arquivo Público Jordão Emerenciano,1937; (B) Fundação Joaquim Nabuco, 1940; (C) Acervo
Antonio Oliveira, 1940; (D) Fundação Joaquim Nabuco, 1940.
Em 1971, o prefeito Augusto Lucena implantou na cidade do Recife o projeto Poder Verde,
coordenado pela agrônoma Janete Freire, diretora do Departamento de Paisagismo da
Secretaria de Viação e Obras. Segundo Silva (2017, p. 155), “o projeto visava ampliar o
número de árvores na capital pernambucana já que a cidade passava por um crescimento
urbano”. Com isso, a Praça Dezessete acaba passando por mais alterações com a tentativa
de “humanizar” a cidade, sendo realizada ações de “recuperação do piso de pedra, criação
de áreas verdes, substituição de iluminação convencional por postes ornamentais com quatro
braços, instalação de bancos venezianos” (DIARIO DE PERNAMBUCO, 1972, p. 9).
Em La restauration des monuments anciens de 1091, Cloquet define duas categorias para se
definir um monumento: o monumento vivo e o monumento morto. Os monumentos vivos
seriam aqueles que fazem parte do cotidiano e vida da cidade, já os monumentos mortos são
os que não possuem função cotidiana. Para Mario Berucci (1964), o monumento vivo mantém
seu propósito original, em pleno funcionamento, como se permanecesse completamente
inalterado. No entanto, para Luigi Crespi (1964), todos os monumentos são vivos,
considerando sua representatividade na história, atribuídos a valores e espiritualidade.
Como dito anteriormente, o jardim histórico é considerado um monumento vivo pela Carta de
Florença (1981) por ser a única obra de arte que tem a natureza como princípio criativo,
apresentando a vegetação como componente fundamental. Battisti (1989) complementa que
os jardins históricos são monumentos locais com características da arquitetura, mas que não
podem ser considerados como meros complementos ou decorações das cidades, pois os
jardins apresentam valor artístico, valor histórico e valor enquanto memória. Mas além disso,
carregam em seus atributos os valores: arquitetônico, ecológico, botânico, espiritual e social,
que também são responsáveis por evocar o reconhecimento do jardim como patrimônio (SÁ
CARNEIRO et al., 2011).
Outra forma de diferenciar o que se entende por monumento e monumento histórico. Choay
(2006) explica que os monumentos têm a clara intenção de evocar a lembrança e a memória
viva, já os monumentos históricos são escolhidos entre um amplo conjunto de monumentos
de acordo com seus valores atribuídos. Para Riegl (2006), essa diferenciação é dada a partir
Diante de tais explicações, podemos concluir que a Praça Dezessete é tanto um monumento
a posteriori como um monumento a priori. Sendo um monumento a posteriori pelo seu
percurso histórico, um espaço estruturante da cidade do Recife desde a ocupação
neerlandesa no século XVII, o sítio ali localizado servia de porta de entrada da cidade, não
sendo apenas um ponto de encontro, mas um espaço livre público de tal importância que
norteia a configuração de todo o bairro. E, é um monumento a priori a partir de dois momentos,
quando se torna um espaço ajardinado e se consolida como praça, sendo criado em
homenagem a Revolução de 1817, e em 1937 com o paisagismo de Burle Marx, tornando-se
uma marca da modernização do Recife, que concebe seu projeto reforçando a identidade e a
memória, resgatando elementos históricos através de seu traçado que interliga a praça com
os demais atributos, como o cais, a igreja, e a avenida.
A terra que margeia o rio, por muito tempo, foi considerada a mais privilegiada e atrativa da
cidade, reforçando o seu papel de espaço de convívio social ribeirinho ao Rio Capibaribe.
Historicamente, o rio, o cais e a praça têm uma forte conexão, e por muito tempo as dinâmicas
urbanas do bairro de Santo Antônio voltaram-se para o rio, aproximando a cidade de suas
margens. Tal reforma realizada em 2015 quebrou esse atrelamento com o desnível do cais,
os gradis inseridos, o novo uso que é voltado para uma classe social diferenciada e,
sobretudo, com a edificação da cafeteria que quebra a visibilidade das águas e que não possui
nenhum diálogo com a praça e seu entorno (Figura 4c).
Figura 4: (A) Imagem aérea da Praça Dezessete e entorno; (B) Cais do Imperador e Delta Café; (C) Praça
Dezessete; (D) Grande Hotel, atual Fórum Thomaz de Aquino.
Há muito tempo está enraizada a ideia de que uma obra de arte deve possuir um grau máximo
de durabilidade e estabilidade. Conforme Fariello (2008) do ponto de vista histórico, o jardim
se apresenta em relação às demais artes com uma fisionomia totalmente particular.
Questiona-se, se esta forma de arte pode se conceber historicamente, dado que os jardins
estão sujeitos a modificações contínuas e que toda sua vitalidade faz com que seja difícil
formular uma valoração crítica definida. Tal questionamento não é algo recente. O teórico de
jardim Christian Cajus Lorenz Hirschfeld (1781, p. 27-28) em Théorie de l’art des jardins já
Conclusão
Mudança - condição inerente aos jardins. Ante tudo que foi visto e analisado, tomando por
base a Praça Dezessete, obras do gênio criador Roberto Burle Marx, pode-se dizer que um
jardim histórico é aquele que propicia um sentimento único que está atrelado ao espírito de
uma época, de um lugar e que foi relevado pelo processo historiográfico aqui apresentado.
Contudo, para que a Praça Dezessete continue desempenhando tal condição, ações de
conservação são primordiais.
Para conservar o jardim histórico existe a necessidade de ter, antes de tudo, um conhecimento
profundo, exigência preliminar de toda intervenção. Assim, o jardim histórico deve ser
analiticamente estudado em todos seus componentes - arquitetônico, vegetacional,
topográfico, ambiental, social, artístico e histórico. Saber que não existem dois jardins iguais,
nem no tempo, nem no espaço, nem em características, faz com que nossa experiência só se
enriqueça.
Agradecimentos
Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de
Pernambuco (FACEPE) pelas bolsas de Bolsas de Fixação de Técnico (BFT-0082-6.04/19) e
de Iniciação Científica (BIC-0097-6.04/19, BIC-0205-6.04/20 e BIC-0272-6.04/21)
fundamentais para o desenvolvimento das pesquisas.
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Urbanismo: Cidade-paisagem. Recife: Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco
(CAU/PE); João Pessoa: Patmos Editora, 2017, 110 p. (v. 2).
PEIXOTO, Priscilla A.. (1); APOLINÁRIO, Luiza. (2); LEVI, Bruna F. (3)
1. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.
Programa de Pós-graduação em Arquitetura.
Av. Pedro Calmon, 550, sl.433. Ilha do Fundão. Rio de Janeiro, RJ.
priscillapeixoto@fau.ufrj.br
RESUMO
Nosso trabalho partiu da localização de três séries fotográficas que compõem um dossiê salvaguardado
no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-Rio). Essas fotografias foram realizadas para cobrir
a participação do museu no Congresso Internacional Extraordinário de Críticos de Arte que ocorreu em
1959. Constatamos que essas fotografias pouco (ou nada) haviam sido abordadas pelos intérpretes do
evento (AMARAL, 1981; ARANTES, 1991; ANDRADE, 2008; LOPES, 2009; FERNANDES, 2009;
ROSSETTI, 2009; CAPPELLO, 2009; SEGRE, 2009; RIBEIRO, 2009; MARI, 2018). Considerando que
o setor de Pesquisa e Documentação museu e seus instrumentos de pesquisa, inclusive o relativo aos
eventos, ainda em 1999, não estavam completamente organizados (VARELA, 2016, p.3), nossa
hipótese é que, possivelmente, apesar de salvaguardados em uma das instituições que sediou o
evento, essa documentação não era facilmente acessível. A partir deste pressuposto aparentemente
simplório, buscamos abordar uma questão mais abrangente, de ordem historiográfica: a relação entre
acessibilidade de fontes e a escrita da história. Utilizando como referenciais teórico-metodológicos as
noções de “operação historiográfica” (CERTEAU, 1974; 1975; RICOEUR, 2000) e “competência de
edificar” (CHOAY, 2009) e considerando o papel ativo das pesquisas para a manutenção e atualização
dos acervos (ALMEIDA, 2021), estruturamos este artigo em seis partes: (1) A escrita da história do
Congresso de 1959 e suas fontes; (2) Arquivos entre a “operação historiográfica” e a “competência de
edificar”; (3) Arquivo documental do MAM-Rio e o Congresso de 1959; (4) Das séries fotográficas; (5)
Nas fotografias de Carlos, mais questões do que respostas... (6) A acessibilidade dos documentos e a
escrita da história.
Logo de início, esses documentos nos chamaram a atenção, pois apesar de alguns deles
estarem disponíveis em outros acervos, uma parte significativa, sobretudo o conjunto de
fotografias, pouco ou nada havia sido explorado em trabalhos até então elaborados sobre o
Congresso de 19592 (AMARAL, 1981; ARANTES, 1991; ANDRADE, 2008; LOPES, 2009;
FERNANDES, 2009; ROSSETTI, 2009; CAPPELLO, 2009; SEGRE, 2009; RIBEIRO, 2009;
MARI, 2018). Localizar estes documentos nos intrigou: como uma instituição que sediou o
evento (e cuja atividade fim é a salvaguarda de acervos) havia ficado à margem das
pesquisas?
Mesmo com o volume crescente de trabalhos que se avolumaram entre 2008 e 2009, devido
a proximidade da comemoração dos 50 anos do Congresso, os documentos salvaguardados
no MAM-Rio, sobretudo sua série fotográfica, continuavam pouco (ou nada) exploradas. Até
então, as fotografias mais utilizadas para ilustrar o cotidiano do evento eram aquelas
realizadas em Brasília, em grande parte fotografadas por Mário Fontelle, e que foram
publicadas em algumas reconhecidas revistas dedicadas à arquitetura (ROSSETTI, 2009;
2019; BRASÍLIA, 1959).
Para começar a enfrentar o problema das fontes que aparentemente permaneceram pouco
exploradas pelos intérpretes do Congresso de 1959, nos aproximamos da teoria da história.
De maneira mais específica, partimos de uma noção enunciada por Michel de Certeau e
atualizada por Paul Ricoeur chamada de “operação historiográfica” (CERTEAU, 1974; 1975;
RICOEUR, 2000). Nela, a atenção às coleções e aos arquivos se inscreve junto a uma
1 O Congresso de 1959 foi organizado pela Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA), uma entidade
ligada diretamente à UNESCO. Sua proposição e execução ficou a cargo da seção brasileira da associação, a
Associação Brasileira de Crítico de Artes (ABCA). “O Congresso ocorreu entre 17 e 25 de setembro de 1959, nas
cidades brasileiras: Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Contou com 65 delegados de diferentes nacionalidades.
Para além dos críticos de arte, também participaram do evento artistas, arquitetos, urbanistas e historiadores”
(PEIXOTO, 2020a).
2 Para facilitar a leitura, doravante, quando escrevermos “Congresso” ou “Congresso de 1959”, estaremos fazendo
Trata-se de três fases que não representam necessariamente estágios sucessivos dessa
operação. De toda forma, o que nos interessa particularmente aqui é a primeira delas, o “lugar
social” para Certeau (1974; 1975) e a “memória arquivada” para Ricoeur ([2000] 2012).
Para Certeau, esse “lugar social” não se trata de um lugar apenas geográfico, mas também
situado historicamente, socialmente, institucionalmente, culturalmente e psicologicamente. É
deste lugar, que aquele que empreende a operação se coloca a observar eventos e vestígios
e se deixa tocar por eles, mas de onde nunca se poderá ter uma visão total sobre o que de
fato aconteceu, pois a vista a partir deste lugar é sempre parcial, mesmo que o próprio
historiador se converta, por vezes, em testemunha.
Para Ricœur, a ênfase desta primeira fase se aprofunda na problematização do lugar social
das fontes. Ela se justifica, sobretudo pelo próprio lugar de enunciação do autor. Escrevendo
sobre este aspecto 25 anos depois de Certeau, diante de uma inflação e banalização dos
lugares de memória na virada do século XX para o XXI, articula-os dentro de um livro que
propõe abordar “A memória, a história e o esquecimento” ([2000] 2012).
Para este segundo autor, sua primeira fase da operação historiográfica, “a memória
arquivada”, é o momento em que a história rompe com a memória, pois aquilo que resiste no
“espaço habitado” e no tempo vivido, aquilo que grupos ou indivíduos desejam legar às
gerações futuras em “testemunhos” ou “arquivos”, ganham estatuto de prova documental,
fontes. Enfatizando especificamente os arquivos e os articulando com a noção de “lugar
social” enunciada por Certeau, Ricœur escreve:
O arquivo apresenta-se assim como um lugar físico que abriga o destino dessa
espécie de rastro que cuidadosamente distinguimos do rastro cerebral e do
rastro afetivo, a saber, o rastro documental. Mas o arquivo não é apenas um
lugar físico, espacial, é também um lugar social. É sob esse ângulo, que Michel
de Certeau trata dele no primeiro dos três painéis sobre o que, antes de mim,
ele denominou operação historiográfica. Relacionar um produto a um lugar, diz
ele, a primeira tarefa de uma epistemologia do conhecimento histórico
(RICOEUR: 2012, p.177).
Assim, se Paul Ricoeur ([2000] 2012, p.177) ao trabalhar a noção de “operação historiográfica”
nos lembra que um dos primeiros gestos ao se empreender a escrita da história é justamente
reconhecer o estatuto do que se arquiva – localizar aquilo que grupos ou indivíduos desejam
legar às gerações futuras em “testemunhos” ou “arquivos” e torná-los prova documental,
fontes –, quais as implicações para a escrita de uma história ao se reconhecer a presença do
desejo de arquivamento contraposta a latência de um acervo durante algum tempo
dificilmente acessível?
Pergunta de resposta imprecisa e difícil, mas que, ao continuarmos a leitura de Paul Ricoeur,
podemos encontrar algumas pistas para uma resposta, mesmo que parcial. Já na conclusão
de “Memória, história e esquecimento” ([2000] 2012, p.505), o autor escreve: “(...) a
representação mnemônica, veículo do vínculo com o passado, torna-se ela mesma objeto de
história”. Com essa passagem, Ricoeur nos instiga a pensar que o próprio modo de
construção dos “lugares de memória” pode, eles também, se tornar matéria de uma
investigação.
É interessante colocar esta reflexão sobreposta a outra, agora de Françoise Choay, na qual
a autora disserta sobre a noção de monumento. Ela que, diferentemente de Ricoeur, não se
dedica aos acervos, mas sim às edificações-monumentos, lembra a seu leitor que o
esquecimento é parte da vida. É impossível tudo lembrar. Assim, em sua interpretação,
estabelece uma relação entre a preservação como ato paliativo e a reconfiguração como
gesto que efetivamente mantém a memória viva. Usando a figura mito de Narciso como
alegoria dos males daquele que cristaliza sua própria imagem, ela escreve:
“A mitologia nos ensinou que Narciso morreu por não poder separar-se nem
esquecer-se de si por um momento. E então aprendemos que o narcisismo é
um estágio necessário, mas passageiro, do desenvolvimento humano e que
voltar a ele só poderia, afinal, abrir caminho para a neurose ou a loucura.
Nessas circunstâncias, embora a figura que contemplamos no espelho do
patrimônio histórico seja o reflexo de objetos reais, nem por isso é menos
ilusória. A forma indiscriminada com que foram reunidos eliminou todas as
diferenças, heterogeneidades e fraturas. Ela nos tranquiliza e exerce sua
função protetora graças, precisamente, à redução e à supressão fictícia dos
conflitos e das questões que não ousamos enfrentar: instrumento de defesa
eficaz numa situação de crise e de angústia, mas instrumento transitório. Na
sua função narcisista, o culto do patrimônio só é justificável por um tempo: o
tempo de interromper simbolicamente o curso da história, tempo de tomar
fôlego na atualidade, tempo de confortar nossa identidade antropológica a fim
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
de poder continuar sua construção, tempo de reassumir um destino e uma
reflexão. Passado esse prazo, o espelho do patrimônio estaria nos
precipitando na falsa consciência, na recusa do real e na repetição”. (CHOAY,
2006 [1992], p.247-248)
Mesmo que pareça que estamos nos afastando do nosso problema inicial, a sequência de
questões que expomos aqui dizem respeito a necessidade de atualizar as configurações
existentes como um elemento da preservação.
Trazendo o problema para o universo dos arquivos, e de maneira ainda mais precisa, aos
arquivos de instituições museais, nos parece que a “competência de edificar” pode ser
traduzida no caráter ativo (e porque não propositivo e provocativo) que as pesquisas podem
estabelecer com os acervos.
3Dentre os autores do campo da arquitetura que desenvolvem pesquisas sobre acervos fotográficos, destacamos
Eduardo Costa (2016) e Junia Mortmier (2014, 2020).
De forma mais específica, com relação à organização dos dossiês sobre eventos –
semelhantes àquele que estudamos e que salvaguarda os documentos do Congresso de 1959
–, outro texto de Varela (2016, p.3) nos informa sobre a existência de um inventário finalizado
em 1999. Os dossiês de eventos possuem tipologia documental variada. Reúnem
documentos, tais como, cartas, relatórios, projetos, recortes de jornais e peças gráficas. Nas
nossas consultas ao dossiê do Congresso de 1959, observamos que essas diferentes
tipologias dão origem a três séries documentais.
4 Trata-se de tais como atas, temário, programa, boletins, descrição das sessões, textos dos relatores, relação de
delegados, observadores e demais participantes do Congresso.
5 local de guarda da documentação da associação que organizou o evento (Associação Internacional de Críticos
de Arte – AICA)
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
documentos semelhantes a primeira série que identificamos no MAM-Rio6. Sua principal
diferença é que se trata de uma versão da documentação, em sua maioria, redigida em
francês e com algumas anotações (rasuras) sobre o documento impresso 7. Conjunto
documental semelhante também está disponível para consulta presencial no Arquivo Histórico
do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP)8. Por sua vez,
a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (Brasil) permite acessar cópias digitais de uma
série de jornais da década de 1950, o que inclui e amplia a segunda série documental do
Congresso de 1959 que identificamos no arquivo do MAM-Rio.
6 Nos Archives de la critique d’art, a documentação relativa ao Congresso de 1959 é composta por um conjunto de
quatro subpastas e três impressos. Segundo o site da instituição (encurtador.com.br/fhX03), trata-se de : “CON013-
1: organização geral (cartas, programas, listas de membros, listas de convidados, listas de viajantes, listas de
agradecimentos, notas, crachás, cartões de convite, cartões de visita), palestras proferidas por André Malraux em
Brasília em 25 de agosto de 1959; CON013-2 / 4: organização do Congresso (comunicações, agenda (23 de
setembro), notas, saudações, boletim / relatório da sessão de abertura (17 de setembro), imprensa + 3 impressos:
Atas do Congresso (AICA.J001) , Boletim "Atividades", n ° 1, 1960 [fre, eng] (FR ACA AICAI IMP PRE001)”
Tradução nossa.
7 Destacamos, por exemplo, as anotações da secretária geral do Congresso de 1959, Simone Gille Delafon, sobre
informada que a pasta relativa ao Congresso no Arquivo Histórico do Museu de Arte Contemporânea da USP
possui documentos como programa, boletim, comunicação e lista de membros.
Se não podemos aprofundar nossas análises a partir do autor das fotografias, por outro lado,
ao consultar esses documentos, temos a oportunidade de acessar outros de seus atributos
enquanto fonte documental. Dentre eles, podemos destacar as propriedades de um conjunto
fotojornalístico seriado. Ou seja, uma seleção de fotografias reunidas pelo próprio autor ou
pela equipe do museu que foram produzidas com a finalidade de escolher quais delas seiram
utilizadas para divulgar o museu na imprensa. Ou seja, trata-se de uma natureza diferente
das fotos que efetivamente foram parar nas páginas dos jornais. As fotos de Carlos
salvaguardadas no MAM-Rio constituem uma série mais ampla que não passou pelo “crivo”
do jornalista ou do editor do veículo de comunicação9.
Trata-se, assim, de fotografias que foram descartadas no processo de seleção e, por isso,
não ganharam circulação. Talvez, não tenham sido aproveitadas por causa dos personagens
registrados, por questões de ordem técnica como qualidade da luz e da composição ou,
mesmo, pelo acaso. Qualquer que seja o motivo, isso não tira o mérito do conjunto, pois ele
pode apresentar grande valor para pesquisas que, como a nossa, estavam interessadas em
identificar a dinâmica do evento e os atores envolvidos10.
De forma mais específica, pudemos constar que esta série documental cobre três situações
distintas sediadas nas dependências do museu. Elas apresentam: (1) uma reunião de
9 Para ampliar ainda o espectro do conjunto documental seria interessante consultar os contatos e negativos. Nas
nossas consultas à documentação, apesar de não termos tido acesso, verificamos pela descrição que algumas
fotos os possuem (informação no envelope, identificação do material, área de notas).
10 Aspecto semelhante é sublinhado pelo trabalho de Eduardo Costa (2016) nos arquivos do IPHAN.
No primeiro grupo, as fotografias da reunião que aconteceu três meses antes do evento,
apresentam uma equipe heterogênea. Nelas, estão identificadas todos os participantes:
Niomar Muniz Sodré, então diretora-executiva do museu; Israel Pinheiro, presidente da
Novacap12 e engenheiro responsável pela construção de Brasília; Wladimir Murtinho, chefe
da Divisão de Comunicação do Itamaraty; Jayme Maurício, crítico de arte e redator do jornal
carioca Correio da Manhã; Carlos Flexa Ribeiro, crítico e historiador da arte e diretor-geral do
museu; Mário Pedrosa, crítico de arte e vice-presidente da AICA; e Oscar Niemeyer, arquiteto
e diretor de arquitetura e urbanismo da Novacap e editor das revistas Módulo e Brasília.
No segundo grupo, os dias que o evento se realizou no Rio de Janeiro ganham forma. Nas
fotografias desse dia são registradas a composição da mesa de algumas das sessões, bem
como, a plateia presente no evento. Essas imagens por vezes eram tomadas de perto,
evidenciando a presença de alguma personalidade durante seu discurso, em geral àquelas
que possuíam cargos políticos. No entanto, em sua grande maioria, o ângulo mais aberto
enquadrou o aspecto geral da sala e da plateia. Nessas fotografias de caráter mais coletivo,
podemos observar com clareza as feições de inúmeros presentes.
Para exemplificar o que pudemos ver nessas séries fotográficas, apresentamos aqui quatro
delas: (1) Reunião para tratar de assuntos relativos ao Congresso de Críticos de Arte em
Brasília. 22 jul. 1959; (2) Congresso Internacional de Críticos de Arte. Aspecto da Assembleia.
23 set. 1959; (3) Jantar em homenagem aos críticos de arte em 25 de setembro de 1959. (4)
Jantar em homenagem ao C. Arte. 25 set 1959.
11 Segundo o programa do evento, inicialmente, o referido jantar ocorreria no Clube Piraquê, situado na Lagoa
Rodrigo de Freitas (Rio de Janeiro), mas as fotografias do evento demonstram que ele foi realizado nas
dependências do MAM-Rio.
12 Novacap é a sigla para “Companhia Urbanizadora da Nova Capital”, empresa criada para a construção de
Brasília.
No entanto, esta fotografia nos mostra outros, tais como, representantes da empresa
construtora estatal, do museu de arte moderna e da imprensa. Esse registro nos permite
pensar, portanto, possibilidades de análises e interpretações que situe o Congresso de 1959
em uma rede mais ampla. Aponta para o desenvolvimento de pesquisas de caráter
transdisciplinar e que pode beneficiar interpretações sobre o processo construção de políticas
culturais na década de 1950, no Brasil.
Figura 2: A presença de Niomar Muniz Sodré. A esquerda, registro da reunião para tratar de
assuntos relativos ao congresso de Críticos de Arte em Brasília, em 22 de julho de 1959. A
direita, Jantar em homenagem aos Críticos de Arte, em 25 de setembro de 1959.
Fonte: CARLOS, 1959b; CARLOS, 1959c.
Reprodução fotográfica realizada por Priscilla Peixoto.
13Paulo Bittencourt, marido de Niomar Muniz Sodré, era um dos diretores do jornal Correio da Manhã. Após a
morte de Bittencourt, em 1963, seria Sodré quem passaria a ocupar da diretoria do referido jornal (LEAL, 2014).
Este mesmo aspecto, pode ser observado no conjunto de fotografias dedicadas ao jantar de
encerramento, após as reuniões do último dia do evento, 25 de setembro de 1959. Nele,
representantes de diferentes instâncias do governo – do presidente Juscelino Kubitschek ao
prefeito do Rio de Janeiro Sá Freire Alvim – e, também, arquitetos, artistas e designers como
Afonso Eduardo Reidy, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Calder e Aloysio Magalhães.
Podemos aventar, portanto, que, na pouca atenção dada ao papel de Niomar Muniz Sodré na
articulação do evento, pese um entendimento estrito da pesquisa em campos – arte e
arquitetura – e, com isso, um rebaixamento dos atores sociais ligados a articulação política e
econômica de redes e de instituições que o promoveram. Contudo, para pesquisas ligadas ao
Congresso, um evento diretamente ligado a projetos de internacionalização tanto da crítica
quanto da produção artística e de arquitetura realizada no Brasil, não seria interessante
ponderar qual a contribuição de uma articuladora como Niomar Muniz Sodré poderia ter tido
na execução do evento? Trata-se de uma pergunta que permanece em aberto.
Abordar o papel de articuladora cultural de Niomar Muniz Sodré também nos leva a outra
camada de questões: a diferença quantitativa de trabalhos dedicados à fortuna crítica entre
personagens femininas e homens na mesma função. Adentrando o debate sobre a
desigualdade de gênero aqui esboçado, outras fotografias de nossa seleção o ampliam.
14 Fayga Ostrower (1920-2001) foi uma gravadora e teórica da arte polonesa. Conhecida por sua atuação no campo
da educação, publicou inúmeros livros sobre questões de arte e criação artística. Em 1957, a artista foi
contemplada com o Grande Prêmio Nacional de Gravura da Bienal de São Paulo e, no ano seguinte, com o Grande
Prêmio Internacional da Bienal de Veneza. Ostrower participou do congresso de 1959 com a comunicação
intitulada “O valor da arte na educação”.
Em outra fotografia [figura 4], registrada no jantar de encerramento, outro caso que nos traz
uma situação semelhante. Reconhecemos a fisionomia da historiadora e crítica de arte Carola
Giedion-Welcker15. No entanto, ao consultarmos a identificação do documento, notamos que
seu nome, também ali, não havia sido identificado. Nos descritores, figuram apenas os
homens que também estão sentados à mesa: Horácio Lafer e Clóvis Salgado.
15 Segundo Trevor Stark (2015), Carola Giedion-Welcker (1893-1979) foi uma historiadora, crítica de arte e de
literatura. É de sua autoria um significativo estudo sobre escultura moderna, “Modern Plastic Art” (1937). Heinrich
Wölfflin foi seu professor e Siegfried Giedion seu companheiro.
Pela informação que consta no envelope, a identificação foi feita em 2019. Certamente, após
tantos anos, já não podemos mais afirmar se é a ausência de fortuna crítica que não permitiu
identificar Carola Giedion-Welcker, ou se justamente por essas fotografias não terem sido
identificadas antes que não se produziu interpretações que problematizassem a sua presença
(ou ausência) nos debates. Círculo vicioso de difícil resolução.
Por meio da análise das fotografias em questão, buscamos reconhecer interpretações que
ficaram à margem dos estudos já realizados sobre o referido Congresso, bem como,
buscamos apontar informações que poderiam contribuir para ampliar o próprio processo de
identificação arquivística. Ou seja, elementos que possam iniciar um processo em que
acervos e pesquisas se beneficiem conjuntamente.
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MARI, Marcelo. A arquitetura brasileira no debate internacional: AICA de 1959 e a crise do
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Lista de figuras
1. CARLOS. [4.6.3]. 1959. 1 fotografia, 18,3 x 24 cm. Rio de Janeiro: Museu de Arte
Moderna, 1959a.
2. CARLOS. [4.5.2.]. 1 fotografia, 18,3 x 24 cm. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna,
1959b.; CARLOS. [4.8.24]. 1 fotografia, 18,3 x 24 cm. Rio de Janeiro: Museu de Arte
Moderna, 1959c.
3. CARLOS. [4.6.3]. 1959. 1 fotografia, 18,3 x 24 cm. Rio de Janeiro: Museu de Arte
Moderna, 1959d.
4. CARLOS. [4.8.23] fotogr, 18,3 x 24 cm. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna,
1959e.
RESUMO
Este artigo expõe parte de pesquisa de mestrado em desenvolvimento voltada à identificação,
documentação e análise do repertório formal de diferentes tipologias de edifícios construídos entre
1930-1950 presentes na Rua Barão do Rio Branco (antiga Rua da Liberdade) - o antigo centro cívico
de Curitiba. O local corresponde a importante eixo da área central da cidade que tangencia, mas não
integra, o perímetro circunscrito pelo “Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba” implantado
nos anos 1970 e notabilizado no país como experiência pioneira e modelar de preservação urbana. A
Rua Barão do Rio Branco, não foi pedestrializada e nem afetada pelos alargamentos de vias
decorrentes dos diversos planos urbanísticos que se sobrepuseram na capital paranaense. Esta rua
ainda mantém suas caraterísticas arquitetônicas distintivas da evolução da cidade do século XIX até
meados do século XX, representadas por edificações ferroviárias, prédios ecléticos historicistas e
também por um conjunto expressivo de construções protomodernistas / art déco, reunindo prédios
comerciais e residenciais. Contudo, apesar deste logradouro conjugar vida cultural dinâmica e
socialmente diversificada, e contar com acervo arquitetônico representativo da afirmação da
modernidade na paisagem curitibana, essa arquitetura “de transição” ainda permanece a margem das
políticas oficiais de preservação. Em algumas quadras, das construções dos anos 30-50, só restam as
paredes frontais, mantidas para compor fachadismo. Visando ao reconhecimento e valorização de
exemplares art déco de menor porte, esta pesquisa objetiva realizar inventário científico de identificação
contemplando aspectos técnicos, formais e construtivos. Face à escassez de informações documentais
especificas a metodologia de estudo adotada prestigia processo de “prospecção urbana” - como ato de
sondagem e identificação preliminar dos objetos de interesse em campo - considerada uma fase de
análise imprescindível para a serialização que estrutura processos sistemáticos de inventariação
arquitetônica.
Como em muitas outras capitais brasileiras, nas duas primeiras décadas do século XX a ideia
de cidade vinculava-se à ideais de progresso, de embelezamento e melhorias da estrutura
urbana com ações regulamentadas por códigos de postura, que em Curitiba se sucediam
articuladas à diversas iniciativas de planejamento urbano da área central, com a historicidade
inerente a cada iniciativa. Entre 1920 e 1950 consolidaram-se legislações específicas para
melhorias da infraestrutura urbana, incentivando o processo de verticalização da região central,
trazendo novos paradigmas estéticos para a arquitetura, a exemplo das edificações
protomodernas e art déco. Neste período houve intensa produção arquitetônica, que para
além dos edifícios públicos altos, significaram uma expressão de modernidade acessível às
diversas classes sociais. Contudo, construções fabris, comerciais e residenciais com
composição volumétrica integrando formas geométricas caracterizadoras do repertorio art
déco, com variadas releituras, apesar de terem deixados marcas por toda a cidade, não vem
sendo adequadamente protegidas. Marcelo Saldanha Sutil, estudioso da arquitetura
curitibana, afirma que “a modernidade que se quer guardar em Curitiba [...] pulou esses anos
e caiu diretamente na década de 1950”, explicitando a enorme lacuna do inventário
documental do patrimônio edificado da cidade realizado na década de 1970 e a parcialidade
da seleção de qual período da história preservar, uma vez que a mesma legislação que
protege “o eclético e o moderno deixa o déco e suas variantes desaparecer”. (SUTIL, 2011,
pág. 45). São bastante conhecidas as discussões sobre a sistemática de patrimonialização da
capital paranaense quanto a efetividade da representação memorial e coerência dos critérios
formais e historiográficos que balizaram a seleção de seu remanentes edificados,
considerados por muitos estudiosos insuficientes para dar conta da estratificação temporal
O conjunto de edifícios comerciais e residenciais da Rua Barão do Rio Branco ainda precisam
ser adequadamente inventariados. Além de carecerem de documentação gráfica e fotográfica
que contribuam efetivamente para avanços da historiografia arquitetônica curitibana,
reclamam análises formais e materiais apuradas, capazes de subsidiar tecnicamente futuras
iniciativas de restauração e conservação arquitetônica que possibilitem reuso diversificado e
dinâmico
1
Provimentos e determinações acessados a partir da página pergamum da prefeitura - Decreto n. 81 de 10 de
julho. Disponível em: https://pergamum.curitiba.pr.gov.br/vinculos/000071/00007195.pdf
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para a constituição de uma comissão de estudo dos bens de valor histórico constam no Código
de Posturas de 19532 mas foi no Plano Diretor de Curitiba de 1965, com a publicação da Lei
Municipal n. 2.828, de 1966, que se colocaram premissas mais amplas sobre a região histórica
da cidade.
Quanto aos critérios de seleção, conforme consta nos documentos oficiais da Coordenação
da Região Metropolitana de Curitiba, o Plano de Preservação de Curitiba teria adotado uma
classificação histórica temporal referenciada naquela organizada pelo IPHAN (Instituto de
escrever nome do órgão por extenso) em seus primórdios. A arquitetura então inventariada
correspondia principalmente a exemplares relacionados aos “ciclos de mineração e
tropeirismo, do mate, da madeira e da imigração” (COMEC, 1977, p.7). Tais ciclos econômicos
e marcos culturais moldaram a arquitetura e o urbanismo local, e integraram a primeira leva
de obras, cujo arrolamento tendeu a valorar, com especial ênfase, edificações construídas do
século XIX. Conforme o Plano de Preservação (1977, p. 30) os bens imóveis foram
organizados em três categorias referenciais, a saber:
2
Na forma de uma determinação para que se constituísse uma comissão para, em conjunto com o órgão estadual,
“preservar e defender as construções de caráter típico, histórico, artístico ou tradicional do município”.
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A análise final dos dados coligidos resultou na definição de uma gradação de prioridade de
preservação a ser considerada nas instruções de tombamento associadas ao Plano que
determinou a circunscrição atual do perímetro do Setor Histórico. Contudo antes deste plano,
existiram ações de proteção de bens arquitetônicos que circunscreveram um “Centro
Histórico” em Curitiba, que consideraram seus edifícios mais antigos com base em legislação
estadual. Assim, considerando as informações do Plano Diretor de 1965 e o Plano de
Preservação de 1977, pode-se classificar em fases os processos de tombamento (proteção
legal) das edificações curitibanas.
Figura 02: Acima, à esquerda: Setor histórico, Bairro Centro e Rua Barão do Rio Branco; à direta, o
Plano Diretor de 1965. Abaixo: Mapas Bairro Centro e marcação da Rua Barão do Rio Branco em
amarelo. Fonte: Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) e Arquivo Municipal,
editados pelos autores, 2021.
A partir de então, no início de 2000 o IPPUC tomou a iniciativa de criar um Grupo de Estudos
da Preservação da Arquitetura Moderna em Curitiba, contanto com representantes das
Universidades, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), da Secretaria
de Estado da Cultura do Paraná (SEEC), da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), da
Comissão de Avaliação do Patrimônio Cultural (CAPCC) e entidades de classe. Composto o
grupo, foi organizado no mesmo ano o “1° Simpósio sobre Arquitetura Moderna de Curitiba”,
visando a revisões conceituais para definição e estabelecimento de critérios para a
preservação física do acervo correspondente a Arquitetura Moderna em Curitiba. Foi proposta
uma periodização referencial para agrupamento primordial das obras, criando-se 150
Unidades de Preservação de Arquitetura Moderna, tomando como referência as Unidades de
Interesse de Preservação (UIPs) tradicionais, a saber: Grupo I: Obras do Centenário e
Edifícios Públicos; Grupo II: Habitações Unifamiliares; Grupo III: Habitações Coletivas
Transitórias; Grupo IV: Edifícios de Uso Administrativo e Comercial; Grupo V: Educação,
Saúde, Cultura, Esporte e Lazer.
No dizer de Marcelo Sutil, nas pesquisas sobre patrimônio moderno predominam o recorte
temporal a partir da década de 1950, como nas escolas Carioca e Paulista. Entretanto, pouco
se fala e pouco se pesquisa sobre a produção art déco, que muitas vezes só são notadas
A insipiência dos estudos acerca do patrimônio protomoderno/ art déco/em Curitiba tem
trazido graves consequências para a preservação na memória urbana da primeira metade do
século XX. Estes edifícios não só não estão sendo restaurados, pelo contrário, ou estão
abandonados, ou estão passando por reformas que mudam suas formas, ou foram destruídos
ou estão em perigo de serem destruídos. Um problema que ocorre com menor frequência com
as preexistências de orientação eclética, mais facilmente percebidas e assimiladas como
patrimônio arquitetônico memorial. Trata-se de uma expressão arquitetônica que segue pouco
contemplada pelas pesquisas acadêmicas e órgãos de preservação, não obstante a
diversidade do vocabulário formal, estético e cultural que encera.
A primeira área estudada por Conde foi o bairro de Copacabana no Rio de Janeiro, uma
pesquisa pioneira que documenta edifícios “anônimos” na versão da historiografia
desenvolvida até aquele momento. Avalia nessas construções cariocas a capacidade da
Figura 03: a - b) Escola de Aprendizes Artífices (1934); c) Colégio Estadual do Paraná (1943); d)
Correios e Telégrafos (1934); e) Instituto de Ciências Agrárias f) Fachada edifício Agrárias (1935). Fonte:
Departamento Histórico da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (DEDHIS-UTFPR), 2021.
A Rua Barão de Rio Branco (antiga Rua da Liberdade), que se inicia na Estação Ferroviária
de Curitiba (1885) e termina no Paço Municipal, até 1903 correspondeu a importante eixo de
desenvolvimento urbano, constituindo o centro cívico e comercial da cidade.
Trecho 1: Final Século XIX e início do ´Século XX: Na extremidade do Largo da Estação, ainda
que alteradas em relação ao seu estado originário, permanecem a praça, as construções
assobradadas que acolhiam residências, comércio geral e hotéis, outrora destinados a
hospedagem de imigrantes. O mais antigo deles, o Hotel Roma (1890), que hoje funciona como
hostel, é protegido com tombamento municipal (1976) e, como outras construções no seu
entorno foi objeto de restauração descaracterizantes; uma casuística comum a diversos
edifícios neste trajeto.
Trecho 4: Mais próximo do Setor Histórico oficialmente demarcado. Constitui-se em área mista
com edificações antigas e recentes, com predomínio de usos culturais. Predominam
modificações nem sempre respeitosas aos edifícios antigos intervencionados (Figura 4 c).
Considerações Finais
Documentar é ato efetivo de preservação. Nesta perspectiva, face à escassez de informações
especificas sobre os exemplares menores da arquitetura protomodernista/ art decó
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curitibana, esta pesquisa prestigia o processo de “prospecção urbana”- como ato de
sondagem e identificação preliminar em campo; uma categoria de análise direta ,
imprescindível para a serialização que estrutura processos sistemáticos de inventariação
arquitetônica.
Com a futura publicização dos registros e levantamentos que resultarão desta pesquisa
tenciona-se contribuir tanto com a valorização de um acervo importante para patrimônio
urbanístico e edilício da capital paranaense, como com o desenvolvimento de futuras
pesquisas no campo da História da Arquitetura.
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mai. 2021.
SANTANA, Julia Carla (1); Reynaldo, Amélia M. de Oliveira (2); SILVA, Paula M.
W. M. do Rêgo (3)
RESUMO
Nascedouro das cidades, e portador da identidade local, os centros históricos percorrem nas últimas
décadas um processo de sobrevivência à desocupação e ao abandono, e apesar de pertencerem a
zonas ou áreas de preservação, em muitos casos, o caminho percorrido por essas áreas nos últimos
anos, se assemelha mais à extinção do que à preservação. A degradação e o esvaziamento dos
centros históricos iniciam, principalmente, na segunda metade do século XX onde a reestruturação
urbana e a descentralização alteraram profundamente a composição e as funções dos centros
históricos das cidades tradicionais, culminando no preocupante destino e eventual morte desses
locais. No Recife, assim como em importantes cidades do Brasil, reformas urbanas foram realizadas
com o intuito de modernizar o centro histórico. Nesse sentido, o bairro de Santo Antônio se tornou
palco para tais modificações: o tradicional bairro, assistiu à demolição de sobrados e alguns
Grande parte dos imóveis vazios ou parcialmente ocupados estão localizados em centros
históricos, áreas de identidade da cidade. O surgimento das novas centralidades, alinhado à
modificação funcional, levou não apenas o compartilhamento do “status” de centralidade,
mas programou a morte de áreas que outrora caracterizaram a dinâmica urbana.
O esvaziamento dos centros históricos, tem como principal agente uma corrente do
urbanismo racionalista, idealizado no começo do século XX, que objetivava, principalmente,
a separação funcional da cidade.
O começo do século XX foi marcado por reformas urbanas, e o Recife teve seu centro
histórico o palco para tais modificações. O bairro de Santo Antônio, local de nascimento da
cidade e objeto do primeiro plano urbanístico do Recife, em 1639, foi um dos cenários para a
remodelação.
Ao mesmo tempo que ocorriam as transformações urbanas, foi criado em 1937 o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e logo se iniciou um processo de
tombamento em algumas cidades brasileiras, inclusive Recife, com significativa repercussão
nos bairros de Santo Antônio e de São José: dos 296 bens tombados entre 1938 e 1939 11
nos dois bairros (Reynaldo, 2017).
A presença do porto fez a cidade crescer rapidamente, de tal modo que em 1637 quando
João Maurício de Nassau, governador das terras holandesas no Brasil, chega ao território
recifense, encontra a ilha portuária bastante ocupada. Em contrapartida a outra ilha, a
Dessa forma, a partir do reconhecimento de Nassau sobre o valor da ilha Antônio Vaz, se
inicia a configuração, em 1639, dos atuais bairros de Santo Antônio e São José, além de
marcá-los como território político-administrativo e o centro urbano da cidade (REYNALDO,
2017).
O cenário do Recife em 1654, quando se deu a retomada lusitana ao território, era de uma
cidade urbanizada, mas não uma grande cidade. Segundo aponta Reynaldo (2017) “Antônio
Vaz, assentada sobre a modesta trama colonial portuguesa da península, constitui o
primeiro conjunto urbano significativo da cidade do Recife”.
No século XIX as reformas urbanísticas na cidade do Recife, tomam ares franceses, com
influências em todo cenário brasileiro, a missão francesa iniciou sua trajetória, no Recife,
com a criação em 1835 da Repartição de Obras Públicas (nome adotado em 1842, durante
governo de Francisco do Rego Barros, o Conde da Boa Vista), com início na década de
1840 contou com o engenheiro francês Louis Vauthier, realizando projetos urbanísticos e
obras como o Teatro de Santa Isabel e a remodelação das fachadas dos sobrados coloniais,
com o principal objetivo de remodelar e expandir a antiga cidade colonial (REYNALDO,
2017).
A cidade nos anos 1920 girou em torno de um debate acerca das transformações urbanas
voltadas para o higienismo, como demolição de áreas insalubres e a abertura de novas
avenidas. Recife naquele momento, não tinha uma produção de modernização urbana que
ameaçasse suas tradições drasticamente. Entretanto, os intelectuais se empenham na
defesa do patrimônio histórico, como medida de salvaguarda e valorização das raízes
regionais (LEMOS, NASLAVSKY, 1998, p. 22).
O projeto aprovado em 1934, foi cancelado, e outro foi realizado em 1935, quando o recém
assumido prefeito João Pereira Borges, convida Attílio Corrêa Lima para realizar.
Aproveitando as áreas demolidas e o tecido urbano existente, com arranjo modesto e
poucos alargamentos, descentralizando o tráfego de bondes e realocando os terminais para
A remodelação do bairro de Santo Antônio, que ocorria naquele mesmo período, foi dada
como prioridade por Novais Filho, novo prefeito, que insatisfeito com a demora da obra criou
uma nova comissão de planejamento em dezembro de 1937. Essa comissão rejeitou o
projeto de Corrêa Lima e retomou o de Figueiredo, apesar das modificações e alterações do
projeto, reduzindo a uma única avenida, tomada como 10 de Novembro em homenagem ao
Estado Novo (PONTUAL, 1999).
Os edifícios ali produzidos, não deveriam ser peças isoladas, mas um conjunto formando
uma composição (fig. 1), e desta forma tomaram corpo, em sua maioria, no estilo Art Déco,
nomes como Heitor Maia Filho e Hugo Marques foram responsáveis pela produção, que
prevista pela legislação de 1936, deveria ser vertical e de tradição da Escola de Belas Artes
(MOREIRA, 2016).
A reforma realizada no bairro de Santo Antônio para a abertura da Avenida Guararapes, foi
apenas o primeiro passo para a continuidade do processo de modernização do bairro e da
cidade do Recife.
Ainda que o campo de discussão sobre o esvaziamento dos centros urbanos se apresenta
de forma abrangente nos diversos discursos e estudos, este cenário não é exclusividade do
país. Relatando as diversas transformações que a Europa passou durante o pós-guerra,
Campos Venuti (1996), aponta que conhecer as transformações urbanas que cidades e
territórios passaram, é o objeto principal para saber qual a necessidade atual que atua de
maneira eficaz sobre a área.
Durante os anos que se deram o crescimento dos bairros periféricos na Europa, Giuseppe
Venuti (1996) aponta que nos bairros antigos também se instalaram problemas, ou seja,
locais considerados patrimônio cultural foram acometidos pela degradação física e social,
além da “terceirização” como um problema presente em outras partes do mesmo tecido
antigo.
Esta expansão periférica e a baixa diversidade de usos apontadas por Venuti na Europa, e
por Jacobs nos Estados Unidos, respectivamente, também se deu no Brasil com a expansão
O paradigma adotado nos planos de remodelação não só do bairro de Santo Antônio, mas
no município do Recife, abrangia questões de funcionalidade como habitar, trabalhar,
circular e descansar . O resultado que se pretendia desse cobiçado plano, era de uma
cidade linda, ordenada e disciplinada, com avenidas parques, parques e jardins, e com
zoneamento onde cada lugar tinha sua única função, como caso do plano para a Av. 10 de
Novembro, atual Av. Guararapes (PONTUAL, 1999).
Não fugindo da regra dos centros históricos brasileiros, a renovação do bairro de Santo
Antônio provocou o deslocamento da população existente para as áreas periféricas da
cidade. Ao passo que o núcleo central começava a se desligar de suas funções de moradia
e outros usos, cedendo espaço para a monofuncionalidade terciária.
Nos anos de 1970, iniciou-se uma série de esforços na tentativa de contornar a precária
situação dos centros históricos. A criação do Programa Integrador de Reconstrução das
Cidades Históricas do Nordeste, em 1973, culminou na criação do Plano de Preservação
dos Sítios Históricos do Recife em 1978, essa, segundo Reynaldo (2017), se deu como uma
resposta ágil a iniciativa federal, e tinha como principal objetivo a intervenção nas zonas
urbanas notáveis.
Uma proposta de reabilitação para o bairro do Recife foi proposta em 1986, com o Plano de
Reabilitação do Bairro do Recife, o qual almejava frear o processo de perda populacional e
de degradação física da área, integrando-a à infraestrutura geral da cidade (REYNALDO,
1998 apud MENEZES, L., 2015).
Outras ações de melhoria do espaço público foram realizadas no âmbito dos bairros de
Santo Antônio e São José. A criação em 2003 do Escritório do Centro Expandido, voltaram
ações de requalificação e pavimentação das principais ruas comerciais desta região
(MENEZES, L., 2015).
Entretanto, se faz um destaque para tais ações iniciadas no final do século XX, nos bairros
de Santo Antônio e São José, que embora tenham sido intituladas como de reabilitação, as
propostas executadas, intervieram apenas na melhoria do espaço público, carecendo de
Tal carência de ação resultou em uma drástica situação da área , a qual vem se tornando
notícias em periódicos de grande circulação, tal qual destacado no editorial do periódico, em
figura destacada abaixo (fig. 2), a intitulação “Sujo, esquecido e vazio”, retrata bem a
situação contemporânea do sítio (MORAES, 2021).
O ambiente construído e todos os aspectos ao redor desse cenário, e que constitui uma
carga de união e valores, tais quais o histórico, o cultural e o natural, fazem parte da
paisagem urbana histórica, e a sua proteção e manutenção salvaguardam a memória da
cidade (MENDES, 2011).
Com o marco estabelecido pela Carta de Atenas, outros documentos e programas com foco
na reafirmação da importância da preservação e conservação surgiram. A Carta de Veneza,
1964, é um dos principais documentos internacionais que se estabeleceram com base nas
diretrizes da Carta de 1933, abordando conceitos sobre monumentos, sítios e de
conservação e restauro (PIRES, 2020, p. 25-26).
O bairro de Santo Antônio, sendo uma área de grande valor histórico, esteve presente na
pauta de classificação de elementos como patrimônio nacional do SPHAN em 1937.
Foi ainda tomando como base a importância dessas áreas, como o bairro de Santo Antônio
pelo SPHAN, e dos estudos apresentados pela FIDEM, é que se tem a criação do Plano de
Preservação dos Sítios Históricos do Recife (PPSH) em 1979, por parte da Prefeitura do
Recife.
Com base nos zoneamentos presentes na Norma de Quito (SANTANA, 2018, p. 89), foram
estabelecidas duas zonas pelo PPSH, a Zona de Preservação Rigorosa e a Zona de
Preservação Ambiental. Esse zoneamento passou por mudanças em suas áreas, bem como
em sua divisão e nomeação. O Plano Diretor do Recife, estabelecido em 23 de abril de
2021, apresenta como classificação as áreas de preservação como Zona Especial de
Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural (ZEPH), a qual apresenta parâmetros
urbanísticos de acordo com área específica da legislação.
O bairro de Santo Antônio pertence a uma área de ZEPH, e possui 19 bens tombados entre
níveis federais, estaduais e municipais, além de 21 monumentos não preservados, mas de
valor histórico e cultural significativos para a composição da paisagem urbana da área.
Deste modo, a escolha da área de estudo, nomeada Guararapes (fig. 3), se dá nesse
contexto de busca pela reinserção da dinâmica da cidade no bairro, uma vez que, a área
proposta está ligada diretamente à atual conjuntura ocupacional da área.
1.1 Intervenções a serem realizadas no âmbito da Guararapes, deve ser voltado para
a melhoria da qualidade de vida dos habitantes e do espaço urbano como um todo:
A. O uso misto deve ser estabelecido ao longo da área, bem como nas áreas
adjacentes do sítio histórico;
6. Considerações Finais
As diretrizes voltadas para o espaço público, apresentam e reitera que pequenas ações
podem reverter o quadro de ociosidade e abandono do bairro. O ordenamento, zoneamento
das atividades e reversibilidade do estoque construído ocioso em novas habitações e novos
equipamentos, permitindo um novo cenário de desenvolvimento social e cultural para a área.
7. Referências
RESUMO
O intuito do artigo é apresentar o método aplicado pelo curso de Estratégias do Patrimônio Urbano,
ofertado pelo Instituto de Construção e Desenvolvimento Urbano (IHS) da Universidade Erasmus
Roterdã, entre os anos de 2020 e 2021. O caso de estudo selecionado foi o Centro Histórico de
Salvador, área intitulada como patrimônio mundial pela Unesco em 1985. O método se divide em
duas etapas. Na primeira são coletadas informações concernentes à situação contemporânea do sítio
acautelado, com dados referentes a aspectos socioeconômicos, normativos e urbanísticos. A partir
dessa coleta, um preciso diagnóstico é realizado para constatar o problema central que impede a
efetiva preservação da centralidade urbana. Esse problema é dissecado em relação a um campo de
forças em atuação na cidade (sejam eles de natureza positiva ou negativa), cuja análise resulta na
instrumentalização da estratégia mais assertiva para aperfeiçoar a proteção do sítio histórico – sendo
então estruturada em um Plano de Ação Estratégico para o Sítio Histórico de Salvador da Bahia.
Apesar de conter esses aspectos de notável valor universal, o centro histórico apresenta
uma série de problemas que resulta em entraves para uma gestão mais eficiente de sua
área acautelada, o que se tornou objeto de estudo do curso ofertado.
No próximo item, é apresentado um breve perfil do centro histórico de Salvador
desenvolvido pelo grupo de pesquisadores brasileiros composto pelo presente autor e os
seguintes coautores: Ariella Kreitlon Carolino (socióloga pela Universidade Estadual de
Campinas), Érica Castilho Diogo (arquiteta e urbanista servidora do IPHAN), Henrique
Rabelo Adriano (arquiteto e urbanista servidor do IPHAN), Marisa Novaes (arquiteta e
urbanista com mestrado profissional pela UFBA) e Naiara Amorim Carvalho (arquiteta e
urbanista com mestrado profissional pela UFBA).
Assim, existe inúmeros decretos, leis e portarias operando no território urbano de Salvador,
comprovando que o problema não é exatamente a ausência de legislação, mas sim a
impossibilidade de implementação de tais instrumentos, a inexistência de coordenação entre
os diversos agentes públicos, e a descontinuidade das políticas. Além disso, esses
PRIMEIRA PARTE
O momento introdutório se desenvolveu nas duas primeiras semanas de agosto de 2020,
com aulas e discussões realizadas na parte da manhã, enquanto à tarde se desenvolviam
os trabalhos e oficinas em grupos. Cada grupo correspondente à cidade de estudo realizou
a maior parte das discussões de forma coletiva, apesar de terem sido demandadas
atividades individuais como forma de questionar dúvidas ou sugerir ações para indivíduos de
outros países.
SEGUNDA PARTE
A segunda e última parte se desenvolveu apenas na primeira semana de agosto de 2021 e
se estruturou em quatro pilares fundamentais de análise para se alcançar o Plano de Ação
Estratégico, tendo como principal referência bibliográfica o “Action Planning Workbook” (IHS,
2021). O primeiro pilar abarcou a aplicação do método SWOT, no qual são avaliadas as
forças positivas e negativas, intrínsecas e extrínsecas em ação na cidade histórica de
Salvador, no tocante à sua preservação e conservação urbana. No âmbito interno, foram
elencadas as forças (“Strengths”) e fraquezas (“Weaknesses”), enquanto no externo as
oportunidades (‘Opportunities”) e ameaças (“Threats”).
Por meio do SWOT, construiu-se uma árvore de problemas com o intuito de se definir pelo
menos um Problema Central (“Core Problem”) nesse contexto. Esse passo foi fundamental,
já que as avaliações de estratégias e mitigações puderam ser feitas com um foco preciso no
problema radical e não em respectivos danos colaterais. Para Salvador, o problema principal
se tratou da inexistência de articulação entre agentes sociais e políticos relacionados
à gestão do centro histórico de Salvador.
Este problema abrangente lançou as bases para muitas lacunas cruciais na eficácia
implementação da conservação e promoção do patrimônio em Salvador, com parcas fontes
de financiamento e pequena equipe técnica dedicada ao patrimônio (não sujeito a políticas
instabilidade). Também não existe um marco regulatório integrado, que permitiria o
compartilhamento de diretrizes e critérios para intervenções, bem como os devidos
mecanismos para monitorar impactos e sancionando violações. No entanto, o desafio da
articulação não é um problema menor. Na verdade, é estruturalmente embutido na
organização constitucional da República do Brasil.
O Estado está formalmente dividido em três níveis independentes de governo (níveis
municipal, estadual e federal), nos quais cada um possui competência e poderes de tomada
de decisão sobre políticas específicas. Em relação ao patrimônio gestão e preservação, a
Figura 4: Tabela de Ghantt, com distribuição de dez tarefas pelo prazo de execução em dois anos e
meio, associadas aos responsáveis e às respectivas fontes. Strategic Plan of Salvador, 2021.
Essas tarefas foram distribuídas em dois anos e meio para ser concluído, com colunas
bimestrais delineadas no Gráfico de Gantt. Dentre elas, destacaram-se seis tarefas
relevantes:
• (1) Mobilização dos três níveis de governo para desenvolver um plano de trabalho;
• (3) Criação do comitê de gestão do patrimônio mundial;
• (4) Elaboração de um plano de manejo para o patrimônio mundial;
• (5) Preparação do marco regulatório para intervenções;
• (7) Criação de um Comitê Técnico de Análise Integrada de Projetos;
• (8) Oficinas Participativas para tomada de decisão.
O primeiro é a mobilização dos três níveis de governo para desenvolver um plano de
trabalho, realizado pelo município (representado pela Fundação Mário Leal Ferreira e o
Secretário de Desenvolvimento Urbano). A rede do governo é o principal recurso associado
à tarefa que será desenvolvida nos primeiros dois meses do plano.
CONTRIBUIÇÕES
A principal contribuição do curso foi sem dúvida propor um método analítico focado num
problema central da gestão de uma centralidade urbana patrimonializada. De forma geral, os
planos urbanos e as propostas de intervenção nos sítios acabam elencando problemas que
até podem ser relevantes conforme o contexto da área, mas que não encerram de fato a
causa mais intrínseca da urbe. Ao se identificar a causa matricial dos problemas existentes,
como apresentado no método, é possível agir de uma forma mais eficaz no sentido de
prever ações e planos que lidam com essa causa – e não mais com os problemas
secundários ou terciários advindos desse “core problem”, consequentemente sem esgotar a
raiz respectiva desses problemas.
Também não se pode omitir a grande contribuição dada pelo intercâmbio de comunicação
realizado entre as cidades de estudo da Indonésia, de Curaçau e do Suriname confrontados
com o Brasil. Por exemplo, foi possível perceber uma tônica comum em questões referentes
a investimentos do poder público e do setor privado em planos urbanos e de revitalização
arquitetônica. Assim como, perante o contexto corrente da Covid 19, a coexistência de
conflitos imanentes à situação, como o esvaziamento de público turístico e a redução de
investimentos redistribuídos para ações da saúde. Por outro lado, alguns distúrbios
estruturais também acabam sendo recorrentes entre as nações, tais como uma certa
ineficácia no aparato legal e normativo vinculado à proteção e gestão do patrimônio urbano.
Todavia, uma situação que gerou contraste entre as nações se tratou justamente do setor
turístico. Enquanto para países como Brasil e Curaçau, a questão do turismo foi tratada de
forma cautelosa, visando garantir estratégias de um atividade sustentável e não predatória,
buscando-se ao máximo respeitar a população existente no bairro histórico, no Suriname
viu-se justamente o interesse contrário: em Paramaribo, o objetivo do setor gestor do
patrimônio local é recorrer ao turismo para atrair um novo público de moradores nas áreas
históricas, como estratégia de dinamização econômica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
O curso de Estratégias do Patrimônio Urbano trouxe um aparato metódico inovador e bem
preciso que pode ser aplicado a cidades com titulação de patrimônio mundial, assim como a
núcleos urbanos acautelados e que demonstram deficiências em seus processos de gestão
urbana. O foco no problema central do qual emergem propostas de objetivos, de estratégias
e de ações faz com o estudo seja pautado realmente nas raízes problemáticas existentes
em um tecido urbano, tendo como consequência a realização de propostas realistas e
apuradas para solucioná-los, sejam quais forem as suas naturezas e o seu respectivo
contexto político, social e econômico. Não obstante, o estudo de caso feito para o centro
histórico de Salvador evidencia problemas relativos à gestão urbana que são comuns e
recorrentes em análogos sítios protegidos ao longo do Brasil, para além dos contextos que
os emolduram.
BIBLIOGRAFIA
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CARVALHO, N. M. A. Relatório Final contendo resultado da inserção de pareceres
referentes aos períodos constantes nas duas etapas do trabalho, ou seja, todos os
pareceres analisados pela Fundação Mário Leal Ferreira, conforme definição dada pelo
IPAC, e indicação de cruzamentos, correlações, indicadores e mapeamentos passíveis de
serem obtidos a partir da base de dados criada e revisão metodológica final, relacionados
aos processos e pareceres do ETELF sobre intervenções nos imóveis de Salvador.
Salvador, 2020.
CASTRIOTA, Leonardo Barci. Patrimônio Cultural: conceitos, políticas, instrumentos. Belo
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SANT’ANNA, Márcia. Da cidade-monumento à cidade-documento: a trajetória da norma de
preservação das áreas urbanas no Brasil (1937-1990). 1995. 277 p. Dissertação (Mestrado
em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal da Bahia, Salvador.
RESUMO
Este trabalho apresenta as reflexões e o processo desenvolvidos para a construção de um website
voltado para a documentação do patrimônio arquitetônico industrial. O website baseia-se,
principalmente, na elaboração de um inventário em duas linhas: a primeira voltada aos edifícios e
conjuntos industriais, a partir, inicialmente, da compilação dos exemplares já levantados por diversos
pesquisadores; e a segunda, às intervenções realizadas sobre o patrimônio arquitetônico industrial,
abarcando, em ambas, exemplares nacionais e internacionais.
Os inventários são ferramentas fundamentais ao conhecimento e à documentação inicial do
patrimônio arquitetônico. Um inventário caracteriza-se por ser um instrumento de identificação das
mais distintas manifestações e bens culturais no intuito de promover o reconhecimento e a
valorização que favoreçam a sua preservação, mas é ainda um poderoso recurso de produção de
conhecimento. A coleta e a sistematização de informações a respeito de um determinado bem, a
partir de um conjunto de dados previamente estabelecido, proporcionam não apenas a criação de um
importante banco de dados como, também, viabiliza potencialmente o planejamento, a pesquisa e a
disseminação do valor cultural de uma sociedade.
A intensa difusão do uso da internet, principalmente no contexto da pandemia da COVID-19, fez com
que muitas instituições disponibilizassem seus acervos para que todos tivessem amplo acesso,
mesmo que isolados em suas casas, nas mais distintas localizações. Mesmo antes deste cenário,
muitas instituições já se dedicavam a difundir o patrimônio arquitetônico em websites, como o
Sistema de Informação para o Património Arquitetónico (SIPA), de Portugal, o Património de Origem
Portuguesa (HPIP), o Heritage New Zealand Pouhere Taonga, entre outros.
Neste contexto, o website, objeto desta comunicação, visa concentrar uma grande quantidade de
informações sobre o patrimônio arquitetônico industrial, contribuindo com a difusão do conhecimento
dos exemplares desta arquitetura e despertando o interesse dos órgãos de preservação,
pesquisadores, iniciativa privada, arquitetos e a sociedade em geral para a preservação e a
reutilização deste patrimônio.
O que se constata nos dias atuais é a existência de uma grande quantidade de edifícios
industriais que encerraram as suas atividades e se encontram abandonados ou
subutilizados em áreas que estão se tornando cada vez mais valorizadas devido ao
crescimento das cidades. Este fenômeno é responsável pela perda de diversos exemplares
da arquitetura industrial, como observa Kühl (2008, p.38) quando diz que “Esses edifícios,
ou inteiros complexos, estavam (e estão) sob constante ameaça pela sua obsolescência
funcional, pelo crescimento das cidades e pela pressão especulativa imobiliária”.
Sendo considerado um patrimônio recente, muitos edifícios carecem de estudos para sua
documentação enquanto parte da história da industrialização, e análise de seus valores
enquanto patrimônio arquitetônico, tendo em vista que estes serão alvo de demolições ou
alterações para adaptação de sua antiga estrutura para um novo uso. A falta de uma
documentação impede uma análise mais aprofundada, gerando a perda de importante
material histórico como maquinarias e outros elementos que contam a história do local, que
muitas vezes poderiam ter sido apropriados ao projeto de reutilização.
Apesar da difusão dos inventários ocorrer principalmente após o final do século XVIII,
existiram iniciativas anteriores de documentação do patrimônio. No Renascimento a
arquitetura greco-romana foi vastamente estudada, servindo de exemplo para as
construções daquele momento. Antonio Averlino (1400–69/70), chamado “Il Filarete” fez
extensas pesquisas de monumentos antigos em Roma, reconhecendo as grandes
qualidades construtivas e arquitetônicas (Jokilehto, 1999). Em 1521 o editor romano
Iacopus Mazochius publicou a Epigrammata antiquae urbis, contendo estudos epigráficos de
inscrições ou monumentos, tornando-se esta a primeira lista de monumentos protegidos de
Roma. Segundo Jokilehto (1999, p. 44, tradução nossa) “Os primeiros estudos de
antiquários sobre documentos, objetos, tesouros e ‘pedras rúnicas’ antigos começaram na
Suécia no século XVI. Gustavus Adolphus 2 (1594-1632) apoiou esses estudos, incluindo
tours de inventário e, na década de 1630, Antiquários do Estado foram nomeados para o
país.” 3
O período iluminista marcou o interesse pelo estudo arqueológico sistemático e o início das
viagens de estudo, inicialmente na Itália e no Mediterrâneo, passando a outras regiões do
mundo; uma grande quantidade de edifícios foi documentada neste período, porém ainda
não foram desenvolvidas listagens com bens de interesse para a conservação. Parte desta
documentação foi disponibilizada nas enciclopédias, muito difundidas naquele período. A
Revolução Francesa foi, porém, o momento chave para o desenvolvimento de políticas de
conservação, incluindo propostas de inventário e classificação de todo o patrimônio do país.
Em 1793 foi criada a Commission des arts (que substituiu a Commission des monuments),
com a função de “[...] pesquisar e preparar um inventário de todos os objetos ‘úteis para a
educação pública, pertencentes à Nação’.” 4 (Jokilehto, 1999, p.70, tradução nossa).
Diversos inventários foram desenvolvidos na Europa em seguida, principalmente durante o
século XIX.
1 “[...] no es posible concebir ninguna acción de conservación del patrimonio cultural si no es partiendo del
conocimiento previo, y lo más exhaustivo posible, de la realidad de bienes que integran este patrimonio.”
2 N.T. Gustavus Adolphus (1594-1632) foi o rei da Suécia de 1611 a 1632.
3 “The first antiquarian studies on old documents, objects, treasures, and ‘rune stones’ started in Sweden in the
sixteenth century. Gustavus Adolphus (1594–1632) supported these studies, including inventory tours, and, in the
1630s, State Antiquaries were nominated for the country.”
4 “[...] survey and prepare an inventory of all objects ‘useful for public education, belonging to the Nation’.”
No Brasil, em 1975 foi lançado o primeiro volume do IPAC/SIC, coordenado pelo arquiteto
Paulo Ormindo de Azevedo, através da Secretaria da Indústria e Comércio/Coordenação de
Fomento ao Turismo, do Governo do Estado da Bahia. Foram realizados, a partir de então,
O uso das ferramentas digitais para a realização dos inventários já vem desde a segunda
metade do século XX. Segundo Cameron (1986) o primeiro inventário arquitetônico
computadorizado foi desenvolvido pelo Canadian Inventory of Historic Building em 1970,
com o objetivo de ser uma ferramenta de pesquisa e planejamento do patrimônio
canadense. Em 1972, Hiroshi Daifuku já apontava para a possibilidade de realização de
inventários computadorizados, defendendo que “[... ] eles facilitariam o armazenamento de
registros, a previsão de orçamento e necessidades de pessoal e permitiriam uma resposta
mais rápida quando a salvaguarda, a manutenção ou a reconstrução fossem necessárias.” 5
(Daifuku, 1972, p. 40, tradução nossa). Pouco mais de 10 anos depois, em 1984, dos 11
inventários analisados por Sykes, cinco já utilizavam ferramentas digitais, quatro estavam
em desenvolvimento e apenas dois não usavam ou planejavam utilizá-las. No período que
se seguiu até os dias atuais, grande parte dos inventários foi digitalizada.
A internet é uma ferramenta que surgiu na década de 1980, tendo sua maior divulgação a
partir da década de 1990. Devido à facilidade de acesso, principalmente nos últimos anos,
tornou-se importante na democratização da informação. Principalmente desde a década de
1990, observa-se um crescimento dos conteúdos disponibilizados online e o uso cada vez
mais acentuado da internet, seja para trabalho ou lazer. Atualmente é cada vez mais
necessária para a realização de atividades laborais e educacionais, principalmente após o
5 “[...] they would facilitate the keeping of records, the forecasting of budget and staff requirements, and allow a
more prompt response when safeguarding, maintenance or reconstruction is needed.”
6
“[...] has been a gradual process that began with the direct digitisation of existing texts, progressed to the
conversion of written collections to queriable tables based on the structure of the original inventory, and evolved
to include systems that were from their inception conceived as web-based resources.”
A Nova Zelândia fornece informações sobre todos os seus monumentos tombados no site
Heritage New Zealand Pouhere Taonga (heritage.org.nz). A pesquisa pode ser feita pelo
nome do monumento, endereço, numeração do registro de tombamento ou ainda através de
um mapa disponível que localiza todos os monumentos dentro do país. Todos os caminhos
podem levar às fichas, onde pode-se encontrar informações e imagens dos locais. No site é
possível encontrar por volta de 6000 exemplares. O site é organizado pela Agência Nacional
do patrimônio Histórico, ligada ao governo e vem sendo constantemente atualizado.
Os bens tombados pelo IPHAN podem ser encontrados na página do Arquivo Noronha
Santos (http://portal.iphan.gov.br/ans/). É possível encontrar os monumentos procurando
nas listas separadas por livro (Livro Arqueológico, Etonográfico e Paisagístico, Livro
No contexto atual, observa-se cada vez mais um maior uso da internet na difusão de
conteúdo. De acordo com dados disponibilizados pela CETIC (cetic.br) na 2ª edição do
Painel TIC COVID-19 na Tabela C8W, referente a usuários de internet, por atividades
realizadas na internet - educação e trabalho, considerando o público com idade a partir de
16 anos, 55% da população realizou atividades ou pesquisas escolares, 56% estudou na
Internet por conta própria e 51% realizou atividades de trabalho A disponibilização de
informações relativas à salvaguarda do patrimônio cultural, a exemplo dos inventários, na
rede mundial de computadores, é uma prática necessária tendo em vista não só uma
difusão da informação a nível internacional, como também, segue a tendência do aumento
do trabalho em home-office, que vem sendo ampliada após a experiência vivida durante a
pandemia da COVID-19 quando empresas foram forçadas a se adaptar para o trabalho
remoto.
Para a composição das fichas de inventário, foi elencada uma série de itens que pudessem
registrar informações relevantes acerca do patrimônio levantado, destacando aspectos
ligados à sua caracterização histórica e arquitetônica, além de seu estado físico atual.
Nesse sentido, dados sobre áreas, usos, descrição de elementos componentes da
construção, informações históricas e identificação de proteção legal do edifício, entre outros,
possibilitam um conhecimento e registro do patrimônio industrial para sua difusão (Figura 2).
As fichas de intervenção apresentam quase todas as informações constantes nas fichas de
inventário, porém o foco, nestes casos, é na intervenção, como arquitetos que realizaram o
projeto e descrição da intervenção (Figura 3).
Num primeiro momento foi dada uma ênfase maior aos edifícios situados na cidade de
Salvador, em especial na região da Península de Itapagipe, e na região do Recôncavo
Baiano, baseando-se em informações contidas na dissertação de mestrado em arquitetura
de Aline de Carvalho intitulada Patrimônio Arquitetônico Industrial na Península de
Itapagipe: um estudo para preservação (2012) e na tese de doutorado em arquitetura de
Luciana Mota com o título Manufaturas de Fumo do Recôncavo Baiano: vestígios de
Patrimônio Industrial (2014).
Considerações Finais
Pretende-se que, até o final deste ano, o site tenha em torno de 100 fichas disponíveis para
consulta e que este seja constantemente alimentado com novas informações e
atualizações. Assim, espera-se contribuir com inúmeros pesquisadores que vêm atuando na
área de patrimônio industrial, buscando a conscientização da sociedade para a sua
preservação.
AZEVEDO, Esterzilda Bereinstein de. Arquitetura do açúcar. São Paulo: Nobel, 1990.
CAMERON, Christina. Canadian Inventory of Historic Building. Bulletin of the Association for
Preservation Technology, Association for Preservation Technology International (APT), v. 18,
n. 1/2, pp. 49–53, 1986. Disponível em: <https://doi.org/10.2307/1494080>. Acesso em: 18
set. 2021.
CARTA de Nizhny Tagil sobre o patrimônio industrial, TICCIH, 2003. Disponível em:
<https://ticcih.org/wp-content/uploads/2013/04/NTagilPortuguese.pdf>. Acesso em: 15 out.
2021.
CARVALHO, Taisa Soares de; AMARAL, Luís Cesar Peruti. Os inventários como
instrumentos de preservação: da identificação ao reconhecimento. In: DOCOMOMO
BRASIL, 9., 2011, Brasília. Anais do 9° Seminário Docomomo Brasil, Brasília, 2011.
FERNANDES, Etelvina Rebouças. Duas ferrovias para ligar o mar da Bahia ao rio do sertão:
Bahia and San Francisco Railway e a estrada de ferro São Francisco. Cadernos PPG-AU,
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<http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/1275>. Acesso em: 23 set. 2021.
KÜHL, Beatriz Mugayar. Notas sobre a Carta de Veneza. Anais do Museu Paulista, Dez.
2010, vol. 18, no. 2, p. 287-320. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/anaismp/a/ShdGtFbB4jbpfQXMtd8Y4Pf/?format=pdf&lang=pt:>.
Acesso em: 23 set. 2021.
NEW ZEALAND GOVERNMENT. Heritage New Zealand Pouhere Taonga, 2021. Disponível
em: <heritage.org.nz/>. Acesso em: 27 set. 2021.
Por meio dos caminhos que as fontes visuais trazem, procura-se aqui
debater a importância cultural de bens que não se inserem como patrimônio
dentro de perspectivas institucionais e que eventualmente são ignorados em
contextos acadêmicos. Ao propor a catalogação de fachadas de platibandas
contemporâneas, procura-se dar sequência a uma historiografia da tipologia,
de modo que esferas políticas, econômicas e sociais possam integrar olhares
sobre estas manifestações construtivas.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.
Com o estudo desse caso, estima-se que o estudo da Vila Itororó, bem como a
discussão das recentes ações de documentação que a envolveram, possam
oferecer contributos consistentes para a percepção do relevado papel que o
levantamento arquitetônico pode assumir em um projeto de restauração,
podendo conduzir até mesmo a mudanças de partido projetual. É nesse sentido
que se propõe a compreensão da Vila Itororó como um caso-limite para a
documentação arquitetônica.
RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.
RESUMO
Assim como na prática profissional, no âmbito acadêmico o ensino de projeto em áreas de interesse
histórico e valor patrimonial tem como ponto de partida o levantamento físico e a compreensão do
lugar a ser trabalhado. Trazendo um enfoque sobre esta etapa inicial, neste artigo buscamos
apresentar a metodologia empregada para o diagnóstico de objetos de estudo selecionados para a
unidade curricular Projeto de Intervenções em Áreas Históricas, ministrada na Faculdade Santa
Maria, instituição localizada em Cajazeiras, no sertão da Paraíba. A metodologia consiste nos
seguintes procedimentos: levantamento histórico, legal e físico; elaboração de mapa de danos, de
maquetes digitais, tanto da obra a ser trabalhada, quanto de seu entorno; e organização de mapas
temáticos que visam o entendimento urbano e social das proximidades. Mais do que uma simples
descrição sequencial destas táticas, procuramos apontar dois diferenciais percebidos nestas
experiências. Primeiro, a dinâmica colaborativa dos discentes na construção destes dados. E
segundo, a rica contribuição destes levantamentos para o registro e visibilidade de bens de caráter
histórico pouco (re)conhecidos em seus contextos. Com efeito, é importante considerar que muitos
dos objetos de estudo abordados se situam em cidades do interior do semiárido, as quais, além do
pequeno porte, raras vezes contam com um sistema de preservação e de documentação dos seus
patrimônios funcionando de modo efetivo e sistemático. Assim, através deste relato de experiência,
almejamos elucidar alguns desafios no ensino de projeto nestas regiões e, principalmente, o papel da
documentação como etapa basilar do processo projetual em áreas históricas.
Palavras-chave: Intervenções em áreas históricas; ensino de projeto; metodologia de diagnóstico;
documentação; semiárido.
INTRODUÇÃO
Trazendo um enfoque sobre esta etapa inicial de leitura e compreensão das áreas
históricas, neste artigo buscamos apresentar a metodologia empregada para o diagnóstico
de objetos de estudos selecionados para a unidade curricular Projeto de Intervenções em
Áreas Históricas (PIAH), ministrada na Faculdade Santa Maria, instituição localizada em
Cajazeiras, no sertão da Paraíba. Mais especificamente, trazemos como recorte, a
experiência desta disciplina com 5 turmas, ao longo dos anos de 2020 e 2021, que
corresponde a um período de ensino remoto, em razão da pandemia de COVID-19, a qual
inviabilizou as aulas presenciais.
Para enfatizar tal aspecto, segundo dados do IPHAEP apenas 5 cidades do sertão
paraibano apresentam seus Centros Históricos protegidos1, sendo uma delas Cajazeiras, e
outras duas, São João do Rio do Peixe e Sousa, as quais são próximas à primeira. Não à
toa, edificações históricas em tais localidades são selecionadas por diversas vezes como
objetos de estudos: são cidades com bens patrimoniais, muitas vezes pouco explorados ou
(re)conhecidos, e correspondem às moradias de diversos estudantes ou membros de suas
famílias, carregando, portanto, algum valor afetivo às memórias destes.
Diante destas reflexões iniciais, que visam explicar e contextualizar as motivações para a
construção deste texto, cabe esclarecer a forma como o conteúdo será estruturado.
Inicialmente traremos uma discussão mais teórica e conceitual sobre o sertão, a cidade
sertaneja e o patrimônio existente neste contexto, a fim de melhor embasar a relevância da
metodologia de diagnóstico adotada e a importância da documentação deste acervo
arquitetônico. Em seguida abordaremos os procedimentos para o estudo da área histórica a
ser trabalhada: o levantamento histórico e legal; o levantamento físico, a elaboração de
mapa de danos e de maquetes digitais, tanto da obra a ser trabalhada, quanto de seu
entorno; a organização de mapas temáticos que visam o entendimento urbano e social das
proximidades.
Para entender o contexto em que a prática que será elucidada acontece, é preciso apontar
algumas características e dinâmicas presentes nas cidades sertanejas, especialmente
aquelas localizadas no interior dos estados da Paraíba e do Ceará. Segundo Buriti e Aguiar
(2008), o sertão nordestino é uma região caracterizada pelo bioma da caatinga e que dentre
as cinco macrorregiões geográficas do Brasil, é a que possui mais contrastes nos âmbitos
1
Conforme consta no site oficial do IPHAEP, no estado da Paraíba tem-se 15 municípios com centros históricos
tombados, sendo 5 deles no sertão: Cajazeiras (Dec. 25.140 de 29 de Jun 2004), Pombal (Dec. 22.913 de 04
Abr 2002), Princesa Isabel ( Dec. 26.099 de 05 Ago 2005), São João do Rio do Peixe ( Dec. 22.917 de 04 Abr
2002) e Sousa ( Dec. 258.030 de 14 Mai 2004).
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
social, econômico, cultural e ecológico. Devido aos fatores climáticos e econômicos da
região, há uma preocupação evidente em se pensar políticas públicas voltadas para a
exploração das zonas agrícolas, almejando o desenvolvimento do setor econômico e o
combate à seca nessa área.
Seguindo por esse viés, notamos que há uma recorrência na literatura e na mídia em
representar o sertão como lugar de seca e pobreza, onde os habitantes das zonas rurais, e
até mesmo das cidades, abandonam a região em busca de outras áreas para viver. De
acordo com Buriti e Aguiar (2008, p. 12), nas representações midiáticas e literárias “[...] a
seca é situada como a causa de todos os “pavores” na vida dos sertanejos [...]”, essa
característica peculiar do clima do semiárido nordestino é difundida como algo que
inviabiliza a permanência das pessoas e marca a paisagem sertaneja.
Existem no sertão vários exemplares de arquitetura que estão entrelaçados aos processos
de fundações das cidades, representando especificidades do processo de ocupação deste
território e da apropriação dos sertanejos sobre os estilos de época. Essa arquitetura, tida
como popular, marca a paisagem das cidades do semiárido e está intimamente ligada aos
seus habitantes.
Brandão e Cevada (2017) afirmam que as cidades são configuradas em função das
demandas sociais vigentes, sendo adaptadas à medida que as demandas se alteram. Nesse
caso, as edificações absorvem esse processo, passando por reformas para se adequar ao
novo contexto social. Esse cenário é mais visível no sertão, onde é recorrente a falta de
conhecimento sobre o tombamento e importância do patrimônio edificado para a memória
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
coletiva da cidade, fato que resulta nas transformações ou perdas das características
históricas de parte das edificações mais antigas.
Isso acontece pois, na maioria dos casos, não há um reconhecimento coletivo da paisagem
dos centros históricos, estando as edificações sujeitas aos valores subjetivos. Sobre isso,
Magnavita (2003) esclarece que as características do lugar e o contexto social, contribuem
para o desenvolvimento de vínculos subjetivos, apoiados nas relações dos usos familiares,
leis, costumes locais, entre outros. Transpondo essa definição para a discussão patrimonial
no sertão, pode-se dizer que a valoração dos bens patrimoniais acontece, boa parte das
vezes, de forma individual e está atrelada a uma rede de afetos e não a uma consciência
coletiva sobre preservação patrimonial.
Esse reconhecimento do que é patrimônio fica mais perceptível no que tange a arquitetura
religiosa, pois é mais comum haver algum tombamento estadual ou federal desta tipologia.
Além disso, as pessoas reconhecem nessas edificações seus valores patrimoniais com mais
frequência, devido ao marco histórico e territorial que representam para as cidades. Tal
fenômeno advém da origem das discussões sobre preservação, quando em 1837, na
França, foi criada a primeira Comissão dos Monumentos Históricos, onde os edifícios
religiosos eram os focos principais das ações (CHOAY, 1925). Desse modo, as demais
tipologias arquitetônicas, principalmente as residenciais, são pouco valoradas
comunitariamente. Uma das razões para isso acontecer é, como já dito, a ausência de
políticas que difundam a educação patrimonial, bem como de instrumentos de proteção.
Sobre essa temática Brandão e Cevada (2017, p.6) afirmam ainda que: “A
descaracterização dos centros históricos das cidades brasileiras é uma realidade vigente e a
preservação cultural é uma prática antiga que visa manter vivo o diálogo entre o passado e
o presente a fim de conservá-lo para o futuro.”. Diferentemente dos grandes centros
urbanos, a descaracterização do centro histórico no sertão não acontece pelo esvaziamento,
pois as cidades do semiárido mantém seu centro histórico como centro principal de suas
atividades; e ainda promovem a diversidade de usos, fato que proporciona uma apropriação
social mais significativa. A prática comum é o abandono, ou venda, de edificações
residenciais antigas, que são reformadas para dar lugar a comércios e serviços,
apresentando uma nova configuração que não condiz com o contexto em que se insere.
(BRANDÃO E CEVADA, 2017)2
2
O artigo de Brandão e Cevada refere-se à cidade de Juazeiro do Norte, no estado do Ceará. Todavia, esta
cidade apresenta características urbanas e socioeconômicas semelhantes ao contexto trabalhado neste artigo,
por isso fizemos generalizações, expandindo a reflexão para as cidades do semiárido nordestino paraibano.
Então, é comum que as intervenções aconteçam livremente, contando apenas com o bom
senso do arquiteto, quando este se faz presente. Na maioria dos casos, as reformas são
executadas pelos proprietários e resultam na descaracterização do patrimônio edificado. O
mesmo se aplica às edificações localizadas fora da área de tombamento. Além disso, como
já frisamos, não há incentivos à produção de documentos que busquem registrar esse
patrimônio arquitetônico; seja pela escassez de profissionais, ou pela falta de políticas
públicas.
Residência Alcino Bernardo São João do Rio do Peixe / PB Sim (entorno - estadual) 1
Nesse sentido, foram produzidos materiais acerca de seis cidades diferentes, reunindo
informações sobre os contextos históricos dos municípios e suas relações com os objetos
estudados. Além disso, foram realizados os levantamentos arquitetônicos, incluindo a
elaboração de mapas de danos, de todas as edificações mencionadas na tabela acima. A
dinâmica e as etapas de produção documental serão explicadas, detalhadamente, adiante.
O que fica evidente, nessa explanação, é que o trabalho de diagnóstico assume um caráter
colaborativo e basilar, pois os resultados obtidos em cada etapa do diagnóstico vão
contribuir para os processos particulares de elaboração do projeto posteriormente. Além
disso, diante das proximidades entre os discentes e das suas famílias distribuídas pelas
cidades do interior, é comum uma espécie de “troca de figurinhas”, em que os alunos
repassam entre si informações úteis aos colegas, revigorando a noção de um coletivo,
mesmo que cada um esteja em sua casa, presente apenas pela tela do computador.
No mais, a metodologia de diagnóstico segue por três etapas: a primeira configura-se numa
investigação documental, envolve uma pesquisa bibliográfica sobre a história do objeto de
estudo e a cidade em que se localiza, bem como, em normativas urbanísticas e leis ligadas
à preservação e intervenção em patrimônios edificados tombados. A segunda etapa é de
produção gráfica, isto é, envolve a elaboração de materiais concretos como redesenhos e
maquetes digitais, os quais vão auxiliar ações de conservação e servir de base para a
elaboração do projeto posteriormente na disciplina. Por fim, a terceira etapa refere-se a uma
síntese diagnóstica – os alunos realizam uma leitura do entorno do objeto de estudo
buscando entender as dinâmicas sociais, econômicas e culturais das proximidades, o que
culmina em mapas temáticos e em sugestões de possíveis novos usos que o bem histórico
pode vir a receber para se manter pertinente no cotidiano urbano local.
Uma das soluções que encontramos foi abrir mão de um estudo específico sobre as obras e
procurar entender a história da cidade de forma mais ampla. Conforme os alunos vão
compreendendo o processo de evolução urbana, os ciclos econômicos e políticos do
município e as transformações das linguagens de arquitetura no decorrer do tempo, vão
sendo capazes de conjecturar informações sobre o imóvel trabalhado. Por exemplo, ao
estudar a expansão da malha urbana e o estilo arquitetônico da edificação, é possível
entender um momento histórico em que foi construída, bem como lançar hipóteses sobre o
perfil socioeconômico de seu proprietário e seu papel naquela sociedade (figura 1).
Figura 1: História de uma residência antiga, com poucos dados registrados, em São João do Rio do Peixe.
Além disso, comumente encontramos dados relevantes em fontes informais, tais como blogs
sobre o município, usualmente feitos por entusiastas da sua terra natal, os quais, mesmo
sem o crédito de especialista no tema, reúnem informações raras ou de acervos familiares;
ou conversas com moradores idosos, que através de sua memória possibilitam conhecer
fatos e pessoas que passaram pela edificação que está sendo investigada. Importante
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salientar que a nível de pesquisa para esta disciplina as informações históricas mais
necessárias são as datas de construção aproximadas, funções que abrigou ao longo do
tempo e a existência de reformas ou outras modificações prévias.
Com relação aos levantamentos das condicionantes legais, os estudos contemplaram as leis
municipais, estaduais e, em alguns casos, federais. Uma das buscas centrais nesses
documentos é entender o perímetro urbano de tombamento dos centros históricos, as áreas
de entorno e os níveis de proteção das edificações tratadas. Nesse sentido um importante
parâmetro foi o Decreto nº 33.816, de 05 de abril de 2013, do IPHAEP (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba) que estabelece “orientações técnicas
para intervenções, permanentes ou temporárias, nas edificações, lotes e espaços livres,
com valores cultural”. Tal documento possibilita entender até que ponto e de que forma os
projetos dos alunos poderão se inserir nos contextos preexistentes.
Não existem normativas específicas e oficiais para guiar a produção do mapa de danos,
ficando a cargo do responsável pelo projeto desenvolvê-lo, com base em seus
conhecimentos em representação, história da arquitetura e manifestações patológicas
construtivas. No caso da disciplina optamos por um referencial bem estabelecido para
Figura 2: Exemplo de mapa de danos realizado para o objeto de estudo Danda Hotel, em Cajazeiras.
Como pode ser visto, o desenvolvimento de mapas de danos configura-se como uma
atividade interdisciplinar na medida em que resgata conhecimentos de outras áreas do curso
de Arquitetura e Urbanismo. Além da representação técnica, é necessário um entendimento
acerca das manifestações patológicas nas edificações, tanto no sentido de identificá-las in
loco quanto de solucioná-las. Também desenvolve um senso e sensibilidade crítica sobre
danos ao patrimônio, na medida em que os alunos passam a identificar elementos exógenos
como caixas de ar-condicionado, publicidades e fiações aparentes como tipos de
interferências na volumetria e no aspecto visual dos imóveis históricos, trazendo discussões
sobre sua imagem, em acordo com o que regulamenta o Decreto-lei nº 25 de 1937, acerca
de “mutilações” na obra tombada.
Como podemos observar, a produção de desenhos e maquetes têm uma função essencial
para o desenvolvimento do projeto, atuando como imersão e aproximação na edificação
preexistente. Com o material em mãos, os discentes passam a entender as características
arquitetônicas, as dimensões e as proporções do bem a ser trabalhado, o que traz duas
contribuições à intervenção que irão desenvolver: primeiro, promove uma melhor
compreensão dos seus interiores existentes e do modo podem se adaptar para novos usos,
no caso de uma readequação; e segundo, serve como ponto de partida para propor edifícios
anexos volumetricamente harmônicos com o entorno preexistente.
Os temas explorados são livres, pois variam em função de cada contexto urbano. Assim,
demandam dos discentes sensibilidade e análises mais criteriosas para perceber aspectos
físicos e imateriais da área estudada. Nesse sentido alguns dos temas trabalhados em
forma de mapas são: uso e ocupação, público x privado, interfaces (se as fachadas são
ativas, cegas, etc.), morfologia da arquitetura, estado de conservação, pontos nodais e
marcos visuais. Sugerimos esses temas em aula expositiva, mas deixamos claro que eles
podem abordar outras questões que não foram mencionadas.
De modo geral há resistência por parte dos discentes em produzir esse material de forma
mais completa, a maioria dos grupos escolhe dois temas, entre os citados, e traçam as
considerações finais com base neles. Os temas mais recorrentes são: uso e ocupação,
público x privado e marcos visuais. A forma de diagramação também fica à critério dos
discentes, eles são livres para representar graficamente de acordo com suas habilidades e
características evidenciadas (figura 4).
Figura 4: Exemplo de mapas temáticos referentes ao entorno da Antiga Estação de Cajazeiras (PB).
Com esse panorama de informações os discentes formulam uma matriz analítica do tipo
“FOFA” (indicando as forças, oportunidades, fraquezas e ameaças da área) ou
simplesmente elaboram um quadro indicando as potencialidades e problemas desse objeto
de estudo, destacando aspectos, como por exemplo: se é uma área com entorno bem
Entendendo esses pontos, podemos compreender a vocação da área. Tendo por base tais
conhecimentos, de forma coletiva e aberta com toda a turma, debatemos sobre possíveis
usos que o imóvel pode receber e os benefícios que as novas funções trariam ao entorno.
Não há uma tipologia arquitetônica, ou programática, pré-estabelecida por nós, docentes -
são os próprios alunos, a partir das pesquisas, os quais vão paulatinamente construindo
suas ideias para uma intervenção pertinente e respeitosa para com o sítio histórico.
Etapa 2 Produção de desenhos técnicos, mapa de Resulta na base pela qual o projeto será
Produção danos e maquete digital tridimensional do desenvolvido.
gráfica objeto de estudo.
Etapa 3 Produção de mapas temáticos que Possibilita enxergar vocações para definir
Síntese ilustrem as dinâmicas sociais, novos usos para edificação.
diagnóstica do econômicas e culturais da área.
entorno Elaboração de quadro síntese dos
problemas e potencialidades do entorno.
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Intervir em áreas históricas, além dos conhecimentos técnicos, demanda dos arquitetos e
urbanistas a sensibilidade para perceber o contexto histórico, e identificar aspectos materiais
e imateriais que constituem a memória coletiva e a paisagem de uma cidade. Quando
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amparadas pela legislação, as ações projetuais atendem às diretrizes preestabelecidas, em
função do nível de proteção. No entanto, quando não há instrumentos legais que guiem as
eventuais transformações das áreas centrais, os projetos de reformas, restauro e novas
edificações ficam a cargo das subjetividades dos proprietários e profissionais.
Essa metodologia vem sendo praticada desde início de 2020 e a cada semestre notamos
aprimoramentos nos resultados. Os materiais produzidos além de ajudar no processo de
documentação patrimonial, fornecem bases para o desenvolvimento de novas pesquisas,
pois reúnem informações que não estão disponíveis nas fontes comuns de consulta. Isso é
importante, pois parte das edificações trabalhadas não são tombadas individualmente, logo
não há registros, além de eventuais fotografias antigas, ou relatos, sobre sua história. Cabe
destacar que a produção destes materiais acontece de forma colaborativa entre a turma.
Cada grupo de trabalho se responsabiliza pelo estudo mais aprofundado de uma das três
etapas mencionadas. Isso possibilita que ao final do processo, tenhamos um “dossiê” mais
completo e aprofundado sobre os contextos históricos e edificações. Esse material fornece a
base para o desenvolvimento do projeto de intervenção, que obrigatoriamente deverá
considerar todos os dados coletados no diagnóstico inicial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SAVIANE, Benjamim M.
Instituto Pedra
Av. Brigadeiro Faria Lima, 1931, Cj. 121
benjamim@institutopedra.org.br / bmsaviane@gmail.com
RESUMO
Conjunto arquitetônico localizado na região da Bela Vista (centro de São Paulo), a Vila Itororó foi
construída como um empreendimento privado no início do séc. XX e, em grande parte de sua história,
abrigou processos de construção e ocupação muito peculiares. Sua arquitetura, que se manifesta
como exemplar de um ecletismo tardio e composição diletante, passou a despertar a atenção
especializada dos arquitetos a partir dos anos 1970, quando teve início a elaboração de projetos de
intervenção e requalificação de uso, ocasionando discussões sobre o tombamento, já nos anos 1980.
Após uma polêmica desocupação dos moradores que lá viveram, ocorrida em 2013, o conjunto foi
alvo de ações de restauração. Por um lado, essas ações se depararam com um tecido social
tensionado em virtude dos litígios sociais, surtindo influência na percepção do conjunto arquitetônico;
por outro lado, o processo de apropriação em relação à materialidade existente revelou consideráveis
lacunas de conhecimento sobre o objeto, conduzindo a ações sistemáticas de levantamento métrico-
arquitetônico em meio à implantação de um canteiro de obras.
O recente percurso de alguns anos (2015-2017) promoveu um intenso ciclo de investigações,
trazendo à luz tanto indícios de elaboração projetual na origem da concepção do conjunto, quanto um
processo de autoconstrução que conviveu com aqueles primeiros intentos de projeto, inicialmente
experimentando técnicas construtivas ainda pouco exploradas, como a laje deployé e o concreto
ciclópico, e mesclando sistemas estruturais cimentícios e metálicos devido, em muitos casos, à
necessidade de reutilização de material proveniente de demolições, por exemplo. Nota-se, entretanto,
que o fenômeno da autoconstrução vai além de um período inicial (1910-1920) e permeia toda a
história da Vila Itororó, sendo ativamente responsável pela atual configuração do conjunto, em
relevância paritária com os primeiros projetos.
A constatação desse fenômeno construtivo “orgânico” permitiu questionar as noções de "autoria" e
"projeto original" que, de certa forma, nortearam as visões de projeto desenvolvidas desde os anos
1970, alterando a relação de valores culturais levada em conta nas recentes intervenções. Desta
feita, ressalta-se que o estudo direto do objeto (por meio do levantamento métrico-arquitetônico)
aliado a fontes documentais, conduziram a uma nova compreensão histórico-crítica e, portanto, a
significativas revisões de projeto.
Com o estudo desse caso, estima-se que o estudo da Vila Itororó, bem como a discussão das
recentes ações de documentação que a envolveram, possam oferecer contributos consistentes para
a percepção do relevado papel que o levantamento arquitetônico pode assumir em um projeto de
restauração, podendo conduzir até mesmo a mudanças de partido projetual. É nesse sentido que se
propõe a compreensão da Vila Itororó como um caso-limite para a documentação arquitetônica.
Após a construção das primeiras edificações (o que incluía uma casa principal ainda
modesta, com ares suburbanos, composta por um porão alto e um pavimento nobre, situada
em uma parte baixa do terreno), o empreendimento passa por algumas transformações com
vistas a ser exibido para a sociedade paulistana com nova configuração, em 1922, ano em
que se comemoraria o centenário da Independência do Brasil. Desta feita, é idealizado por
Castro como uma espécie de “monumento privado” à sua própria ascensão social, mas
também como um tributo ao país que acolhera sua família e lhe abrira oportunidades de
trabalho e enriquecimento pessoal, alegorizada em sua própria residência, que sofre uma
ampliação entre 1919 e 1922 (Idem, pp. 45-78). A reforma previa a inserção de uma
colunata colossal periférica e o acréscimo de mais dois pavimentos, além da inserção de
ornatos em ferrocimento e variados elementos alusivos a temas nacionalistas e historicistas.
1O presente artigo é fruto de nossa recente pesquisa de mestrado intitulada Levantamento arquitetônico: prática
antiga, disciplina contemporânea (Saviane, 2021) e compartilha dos argumentos contidos em seu capítulo 1,
procurando esclarecer alguns pontos ali desenvolvidos.
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Figura 1. Montagem (elaboração do autor) registrando quatro momentos da reforma de ampliação do
Palacete (1919-1922), com a cronologia em sentido horário. Fonte: Arquivo Pessoal Milu Leite/
Instituto Pedra, s/d
A conclusão do Palacete como uma residência-monumento é seguida por outros
empreendimentos, dos quais se destaca um projeto de represamento de algumas das
nascentes presentes no terreno para a construção de uma piscina, que seria a âncora de
uma espécie de “spa” urbano; a tentativa fracassou, ainda que tenha sido possível construir
uma piscina abastecida com água das nascentes locais, bem como dependências para a
prática esportiva - estruturas essas que foram aproveitadas, futuramente, para o lazer local,
com a instalação de uma associação desportiva de bairro, que estabeleceu certa relação
com os demais inquilinos das casas, já entre as décadas de 1960 e 1970.
Porque o exemplo do Sr. Francisco de Castro deve ser imitado e porque ele merece
sinceros aplausos, Selecta ilustra suas páginas com estas notas e com as
reproduções fotográficas que as acompanham. (Morales de los Ríos, apud Toledo,
2015, p. 30)
Fosse qual fosse a efetiva proximidade de Castro com a elite de então, é inegável que se
fizesse notar por meio de seu projeto, o que talvez tenha propiciado a formação de um
verdadeiro imaginário popular. Não obstante, com as mudanças ocorridas a partir dos anos
1940, o local se torna, como tantos outros, mais um conjunto inteiramente dedicado à
moradia de aluguel, gerido por uma corporação que paulatinamente se distancia dos
imóveis, refletindo, por sua vez, a precarização das condições de moradia vivenciada pela
região central de São Paulo, especialmente na segunda metade do século. O excepcional e
o convencional, portanto, passam a coexistir.
Como se nota, é possível evidenciar um esforço, por parte das vozes ativas nas primeiras
iniciativas de reconhecimento patrimonial da Vila, em destacar uma suposta intencionalidade
projetual na concepção do conjunto. Intencionalidade essa que é organizada desde os anos
1970 (São Paulo, 1975) mas também reiterada em publicações recentes. Cabe,
brevemente, ponderar se essa insistência não poderia estar vinculada aos primeiros
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momentos em que se buscou o reconhecimento formal do tombamento, ainda dentro de
uma lógica de excepcionalidade artística e exemplaridade histórica como pontos centrais
das políticas preservacionistas. Em todo caso, essa visão calcada em um aspecto regulador
por parte do empreendimento parece se refletir nos exercícios projetuais desenvolvidos
desde os anos 1970, ademais, tendo por base uma certa hierarquização entre os edifícios,
na qual o Palacete é visto como o monumento histórico por excelência, e o casario, como
ambientação coadjuvante. Outra consequência perceptível dessa visão é a priorização das
camadas históricas relativas ao período inicial em detrimento de outros momentos
históricos.
Não é objetivo deste artigo adentrar nos pormenores que envolveram as discussões a
respeito do tombamento, tanto por limitações de espaço, quanto pelo fato de outros autores
já o terem feito com brio (Cf. Barbour, 2017); contudo, cabe evidenciar, sucintamente, a
existência de dois momentos em que o tombamento do conjunto foi discutido oficialmente, e
quais desdobramentos essas discussões impuseram aos desígnios do local. Como já
dissemos, os primeiros pedidos de tombamento tramitaram no órgão estadual de
preservação na década de 1980; curiosamente, o processo é arquivado naquele momento,
motivado por uma discussão que, em certa medida, identificou um descompasso entre as
iniciativas de preservação então propostas e a não observância da função de moradia como
um dos eixos centrais para a existência daquele conjunto 2, em um contexto muito discutido
por Barbour (op. cit.).
Posteriormente, no início dos anos 2000, novos processos de tombamento são abertos, e a
proteção legal ocorre nas esferas municipal (Conpresp - 2002) e estadual (Condephaat -
2005) sem entraves aparentes. Em contrapartida, as discussões sobre o caráter público de
eventuais ações preservacionistas vieram à tona uma vez que o tombamento foi seguido de
uma declaração de interesse público e consequente pedido de desapropriação, por parte do
governo do Estado; isto, por sua vez, suscitou uma discussão a respeito da relação entre
cultura e moradia, mobilizada pelos moradores e agentes próximos 3, que questionava a
suposta incompatibilidade entre os caráteres públicos da preservação e da moradia. Por fim,
2 A questão fora levantada por Ulpiano B. de Menezes, então conselheiro, e acatada pelo então presidente, Aziz
Ab’Saber, após ampla discussão que contou, inclusive, com oitivas de Flávio Império, que era vizinho da Vila
Itororó (Cf. Barbour, 2017, pp. 106-107).
3Nomeadamente, a Associação de Moradores e Amigos da Vila Itororó (AMAVila), e a assessoria do Serviço de
Assessoria Jurídica Universitária (SAJU) da Faculdade de Direito da USP - além de contribuições de ativistas e
artistas autônomos.
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a desapropriação foi levada a cabo, não obstante relevantes vitórias para o movimento que
havia se formado, organicamente, entre os envolvidos (como o atendimento por programas
de habitação social em locais próximos à Vila Itororó, e um processo de usucapião). Com a
desapropriação, a tutela do espaço é passada para o Município.
Esses precedentes, portanto, abriram caminho para uma revisão projetual, que teve início
com uma reelaboração da metodologia geral de diagnóstico, ao mesmo tempo em que se
apoiou num amplo processo de diálogo com os históricos interlocutores e usuários do local.
Para a implementação dos diagnósticos, foram financiados novos estudos históricos, desta
vez, procurando lançar olhares também para os períodos sucessivos de ocupação da Vila
Itororó (pós-1930) e para a história social de sua ocupação, como um todo 4. Paralelamente
a isso, teve início uma ampla campanha de levantamento métrico-arquitetônico levada a
cabo entre 2014 e 2016 e conduzida, em muitos momentos, em parceria com diversas
instituições e grupos de pesquisa 5.
Processos de documentação
4Esse processo veio ao encontro de ações para a publicização dos trabalhos, permitindo a publicação dos novos
estudos, e também dos estudos seminais de Toledo, constituindo assim o embrião de um corpus de produção
escrita, de acesso público e gratuito.
5 Grupo de Conservação e Restauro da Arquitetura e Sítios Históricos - GCOR - Arquitetura/ Unicamp
(2015): parceria prevendo qualificação interna da equipe para o domínio de instrumentos de levantamento quais
a fotogrametria. Development of Integrated Automatic Procedures for Restoration of Monuments -
DIAPReM/ Universidade de Ferrara, Itália (2015): projeto piloto de documentação do Palacete através de
escaneamento laser 3D. Mestrado Profissional em Conservação e Restauração de Monumentos e Núcleos
Históricos - MP-Cecre/ UFBA (2017): convênio para estágio supervisionado no canteiro de obras. Escola da
Cidade (2018): parceria para o oferecimento de uma disciplina eletiva sobre levantamento arquitetônico, no
canteiro de obras. Além de inúmeras atividades de acolhimento de grupos, visitas guiadas e cessão do espaço
para oferecimento de atividades de formação (acadêmica ou não) com diversas outras instituições.
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uma edificação voltada para o interior do terreno, com dois pavimentos – cada qual com
duas unidades divididas por um pátio central – totalizando quatro unidades habitacionais.
Cada unidade dispunha de sala, cozinha, instalações sanitárias e dois dormitórios, além de
eventuais rótulas de circulação interna e acesso.
O projeto então elaborado previa: ampliação das aberturas internas, de maneira a integrar
os ambientes; inserção de plataformas de elevação, para acessibilidade; inserção de uma
escadaria no pátio, ligando os dois pavimentos; inserção de instalações sanitárias e cozinha
de médio porte nas porções posteriores da edificação. Os memoriais descritivos a que
tivemos acesso foram elaborados apenas sob o ponto de vista técnico, não aportando
informações sobre programa arquitetônico ou a conceituação das intervenções. Sem
indicações explícitas de programa, é possível entrever alguns acenos apenas nas pranchas
de projeto, como a indicação “piano bar” em um dos ambientes. Contudo, tanto a geometria
quanto a tipologia figuradas não correspondiam ao que havia de fato. Nos pavimentos
superiores, as unidades dispunham de uma rótula que articulava a circulação entre os
ambientes internos, que não havia sido representada no projeto. Em contrapartida, o
levantamento arquitetônico realizado por nossa equipe apontou um grande desalinhamento
entre as paredes internas, sobretudo no térreo, assim como a presença de estruturas de
apoio com dimensionamento muito robusto.
Por conseguinte, a questão dos acessos passa a ser melhor esclarecida: atualmente se
acessa as unidades do térreo pelo pátio central, que é dividido ao meio por um muro baixo;
contudo, as unidades superiores eram acessadas pelas extremidades em sua porção
posterior – uma delas a partir da rua, através de uma espécie de “varanda” para área
molhada (com laje e ladrilhos hidráulicos), e a outra, pelo interior do lote e acesso direto pela
sala de estar. O projeto apresentado (2010) contraria essa organização de eixos e propõe
um único acesso com distribuição pelo átrio, inserindo ali uma nova escada; nos antigos
acessos superiores a proposta parece reinterpretar as áreas de recepção e ali propõe
instalações sanitárias.
Descobertas recentes
Para além do Edifício 3 do conjunto, cabe mencionar, ainda que brevemente, algumas
outras descobertas que podem lançar luz sobre o estado da arte da construção civil no início
do século passado. Primeiramente, a convivência entre sistemas construtivos compostos
por distintos materiais, como a alvenaria portante (tijolos), estruturas horizontais lígneas
(assoalho sobre barrotes), cerâmicas (laje de abobadilhas) e cimentícias (laje com
armaduras e laje deployé), e estruturas cimentícias convencionais (laje, viga e pilar em
concreto armado), além de experimentais, como é o caso do concreto ciclópico. Além disso,
a variedade de procedências para os mesmos tipos de materiais se mostra um traço
marcante no conjunto, como é o caso dos materiais cerâmicos, com mais de trinta
procedências do Estado de São Paulo verificadas através de um inventário que vinculou
amostras de tijolos e telhas dispersos no canteiro, aos monogramas de olarias identificáveis
naqueles materiais 6.
Cabe ainda mencionar outra descoberta curiosa que se destaca: o sistema construtivo que,
no caso da Vila Itororó, é composto por uma espécie de “contrapiso” assentado sobre tela
alambrada, à guisa de “armadura” metálica, repousando sobre telha metálica ondulada e
barrotes. Ao que tudo indica, trata-se de alguma assimilação do sistema conhecido como
laje deployé, utilizado pelos primeiros experimentos de arquitetura residencial modernista. O
sistema é descrito por Lucio Costa (in: Pessoa; Araújo, 1989, p. 54) como tendo sido usado
nas residências operárias da Gamboa, aparentemente, por iniciativa de Gregori
Warchavchik, para lajes de forro e terraços, usando “o sistema que [Warchavchik] aplicava
em São Paulo” (Ibidem). Trata-se, portanto, de um indício da assimilação de um sistema
construtivo protomoderno no início do século, oferecendo uma ideia da abrangência dos
sistemas construtivos presentes no repertório da construção civil em um momento de
grandes novidades para aquele setor. Essa coexistência entre sistemas tradicionais e
industrializados, juntamente com a abrangente reutilização de material de construção, por
sua vez, permitem desenhar um quadro da construção civil para além do círculo da
produção arquitetônica formal, em um momento de intenso experimentalismo construtivo,
crescimento econômico, populacional e industrial na cidade de São Paulo.
Se, por um lado, a formação de um corpus documental dos materiais e técnicas construtivas
empregadas na Vila Itororó oferece um contributo à história da construção em São Paulo,
uma leitura dos diferentes períodos perceptíveis na configuração espacial das edificações,
pode oferecer um quadro das condições de moradia na região central ao longo do século
XX. Isto se evidencia, sobretudo, nos improvisos e adaptações de espaços que não foram
originalmente concebidos para a existência de unidades habitacionais. Os casos mais
corriqueiros são aqueles de adaptações de porões altos, previstos por conta da umidade
excessiva do terreno em região alagadiça, presentes em quase todas as edificações, a
exemplo do que relatamos no Ed. 3. É curioso notar que a presença de determinados
elementos construtivos, sobretudo revestimentos e esquadrias, denota uma possível
reconversão de espaços residuais já na primeira metade do século, assinalando que o
fenômeno de precarização das condições de habitação é uma presença abrangente no
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histórico de ocupação do conjunto. Além desses casos, outros mais dramáticos são
verificados em momentos mais recentes, onde notadamente alguns edifícios (mas nunca a
maioria do conjunto) foram compartimentados ao ponto de se tornarem cortiços com
condições de moradia muito precárias. Esse quadro faz parte, efetivamente, das últimas três
décadas, quando a instituição responsável pela administração da Vila se afastou da gestão
do conjunto, propiciando um cenário de descontrole em alguns imóveis. A presença dessas
intervenções mostra que acabaram por se converter em elementos significativos para a
constituição do conjunto, tornando-se dignos de reflexão e de preservação.
Embora não tenha sido a primeira edificação da Vila Itororó estudada por nós, o “edifício 3”
põe em evidência de forma muito didática algumas percepções que vinham tomando corpo
nos estudos anteriores, reforçando-as devido às suas peculiaridades em relação aos demais
edifícios da Vila. Estas percepções podem ser sintetizadas da seguinte forma:
Contudo, uma série de vestígios aludem a ocupações posteriores, com maior ou menor grau
de precariedade nas soluções e regularidade do construído, como é o caso das ocupações
nos térreos concebidos como porões-altos. Estes dois aspectos (materiais e tipologias)
acabaram por abrir espaço para uma nova percepção acerca do conjunto arquitetônico,
desta vez como um processo construtivo orgânico, à margem da visão reguladora típica do
olhar arquitetônico. Com efeito, a Vila se constituiu em várias etapas, contando com
momentos de uma visão timidamente reguladora, e outros de explícita autoconstrução, para
os quais é difícil precisar o momento de início e quase impossível precisar o momento de
término. Seu aspecto sui generis, que marca o imaginário social, contraria certos costumes
estéticos e partidos construtivos tais como simetria, comensurabilidade e proporção, o que
dificulta uma leitura desprendida e isenta dos valores reguladores mencionados.
7 Segundo Castro e Feldman (2017), havia muitos construtores não diplomados atuando em São Paulo no início
do séc. XX – como é o caso de Francisco Martins Pompêo para a Vila Itororó. Com a regulamentação das
profissões de engenheiro e arquiteto em 1933 esses profissionais passam a ser conhecidos como “práticos
licenciados” (p. 40).
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regulador que julga os períodos subsequentes. Em alguns ensaios sobre o conjunto chega-
se a ensejar, em alguns casos, uma relação entre o estudo da arquitetura grega antiga e as
obras do período em questão, ao se comentar da êntase 8 nas colunas jônicas do Palacete
como se houvesse regola d’arte no “pitoresco” da Vila Itororó. Em contrapartida, se exime de
mencionar que o intercolúnio do mesmo edifício é, por exemplo, fora de qualquer ritmo e
proporção consagrado pelos cânones clássicos, pois apenas segue os eixos da estrutura
em alvenaria do núcleo edificado.
O tipo de arquitetura que o Benedito Lima de Toledo define como sendo um casarão,
que é de utilização de restos de demolição (reaproveitamento), é praticamente a
maneira de construir de todas as casas [do bairro]. As lajes da cozinha e banheiro da
minha casa são feitas de alvenaria de tijolos, se apoiam sobre pedaços de cano,
sobre pedaços de trilho reaproveitados, sobre pedaços de madeira (IMPÉRIO apud
Barbour, 2017, pp. 106-107).
8 “Buscar na arquitetura grega antiga interpretação para obras do período do ecletismo, ou mesmo do
surrealismo, é exercício temerário mas coerente com tais obras” (Toledo, 2015, p. 79).
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e gradualmente ocupadas pelas classes trabalhadoras ligadas sobretudo ao setor de
serviços. Essas mudanças espelham as condições de moradia na região central de São
Paulo como um todo e deixam as marcas desse processo na arquitetura da Vila Itororó.
Estes novos valores passaram a ser levados em conta nos projetos realizados por nossa
equipe, a partir de 2015, por meio de diretrizes de preservação mais restritivas do que o
ratificado pelo tombamento, ou seja: os projetos recentes se pautaram pela preservação e
valorização das tipologias e técnicas construtivas de todas as casas, bem como na
evidenciação da estratigrafia em detrimento da escolha de um único período. A atitude em
relação às tipologias, por sua vez, se fez repercutir sobre o programa arquitetônico,
invertendo-se as prioridades da intervenção, uma vez que o programa estava sendo
questionado e algumas definições estavam em aberto. Em outras palavras, a decisão de se
preservar a compartimentação interna de todas as casas condicionou o projeto a novas
diretrizes de preservação e, por conseguinte, a mudanças na lógica do programa de usos, já
que as novas propostas é que passariam a se adequar aos edifícios existentes, e não o
contrário.
Figura 4. Montagem (elaboração do autor) registrando dois aspectos da intervenção feita (Ed. 6).
Consolidação das pinturas parietais de vários extratos (esq.) e consolidação de uma unidade
improvisada, em antigo porão-alto, déc. 1940 (dir.). Fonte: Instituto Pedra. Autor: Nelson Kon, 2019
O contexto dessas ações, entretanto, foi atravessado pela disputa de narrativas entre duas
visões de cultura em muitos momentos divergentes, o que mostra o quão em aberto está a
caracterização daquele objeto. De um lado se tem uma visão historicista, que se apoia nos
períodos iniciais da constituição daquele conjunto a fim de mobilizar os atributos de
“excepcionalidade” como construção da preservação; de outro, uma visão social atenta aos
“usos culturais da cultura” (Menezes, 1996), que reivindica múltiplos valores sociais (como a
moradia) enquanto vetores para a construção da preservação e dos próprios valores
culturais emanados pelo bem. Essa última assimilação, por sua vez, denuncia o
apagamento da memória coletiva e da vida comum, que fizeram parte da Vila Itororó tanto
quanto a “excepcionalidade” de sua arquitetura, levado a cabo pela desapropriação com
vistas à implantação de um centro cultural. Diante disso, as intervenções levadas a cabo por
nossa equipe podem ser compreendidas como a tentativa de uma síntese, na qual muitos
atributos de excepcionalidade merecem ser reconhecidos e valorizados, porém, em
paridade com a história social da ocupação daquele conjunto arquitetônico, o que justifica a
preservação das tipologias residenciais juntamente com camadas estratigráficas de
diferentes períodos, a fim de se construir uma narrativa sobre o uso e a ocupação que
constituem aquele lugar.
Bibliografia
CASTRO, Ana; FELDMAN, Sarah. Vila Itororó: uma história em três atos. São Paulo:
Instituto Pedra, 2017.
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Os usos culturais da cultura. Contribuição para
uma abordagem crítica das práticas e políticas culturais. In: Turismo : espaço, paisagem
e cultura[S.l: s.n.], 1996.
PESSOA, José S. de B.; ARAÚJO, Maria Silvia M. de. Vila Operária da Gamboa, Rio de
Janeiro, 1933/83. Instituto Antônio Carlos Jobim, 1980-1989. Disponível em:
<https://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/1453>. Acesso em 20 de setembro de 2021.
SÃO PAULO, (município); COGEP, PR-067. Vila Itororó: proposta de recuperação
urbana. São Paulo: [s. n.], 1975.
TOLEDO, Benedito Lima de. Vila Itororó. São Paulo: Instituto Pedra, 2015.
RESUMO
Neste trabalho visa-se examinar a preservação da paisagem cultural considerando a instalação de
equipamentos de publicidade no Centro de Tubarão na Contemporaneidade. Este bairro coincide com
o berço citadino e o sítio comercial tradicional e concentra o legado edificado mais antigo da cidade.
Nele vigoram leis urbanísticas gerais, que incluem regramentos de comunicação visual urbana e
mídia exterior, desprezando as especificidades da identidade histórica e paisagística junto ao rio
Tubarão. No município voltado ao futuro, exibido como o de maior progresso no sul catarinense, os
bens do passado não são oficializados patrimônio pela municipalidade no presente. Como estudo de
caso, delimita-se o objeto às edificações art déco na rua Lauro Muller, margem direita do rio entre as
pontes Nereu Ramos e Dilney Chaves Cabral: é o trecho com o conjunto mais antigo e notável. A
partir disso, objetiva-se em específico: analisar a legislação urbanística tubaronense acerca da
proteção da paisagem cultural e da instalação de equipamentos de publicidade; diagnosticar as
sobrevivências art déco no citado trecho viário; investigar a obediência ou não do existente às
normas; identificar as consequências da publicidade à preservação da paisagem cultural, ponderando
especialmente a conservação do Art Déco. Para isso, procede-se metodologicamente a: dissecação
da legislação urbanística municipal, abarcando dispositivos preservacionistas; revisão bibliográfica,
histórica e iconográfica abrangendo a cidade de Tubarão, o Art Déco e a paisagem cultural; análise
dos projetos aprovados pela Prefeitura Municipal; levantamento in loco, registro fotográfico e
A fundação de Tubarão, no sul de Santa Catarina, atrela-se ao novo caminho utilizado pelos
tropeiros, ligando Lages na serra catarinense e o porto lagunense, aproveitando o rio
Tubarão para transporte de mercadorias. O sítio sede da urbe compõe um entreposto
comercial nas margens do rio: a cidade surge relacionada ao comércio - a principal atividade
econômica municipal até o presente (VETTORETTI, 1992).
Além disso, em 1880, inicia-se em Tubarão a execução da Estrada de Ferro Dona Tereza
Cristina (EFDTC), visando conduzir o carvão aos portos marítimos no sul catarinense. A
EFDTC assume grande protagonismo no desenvolvimento econômico da região e no
progresso da urbe tubaronense. Aliás, influencia na estruturação do espaço urbano e na
composição da paisagem cultural: a cidade estende-se paralelamente entre o rio e a linha
férrea. A propósito, em 1906, a transferência da sede da Estrada de Ferro para Tubarão e a
instalação de suas oficinas na área meridional do berço citadino gera novas atividades
econômicas e muitos empregos. Inclusive, provoca a construção de casas para os operários
e a formação do bairro denominado Oficinas. Aí se compõe uma relevante diretriz de
evolução urbana na direção sudoeste (BENÍCIO et al., 2020; MEDEIROS, 2006;
VETTORETTI, 1992).
O Art Decó é incorporado nos mais destacados monumentos concebidos na época - nos
marcos visuais que visibilizam a urbe modernizada. Entre eles, notabiliza-se a nova Igreja
Matriz São José Operário no bairro Oficinas, comemorada em 1963 (MESQUITA, 2015).
Outrossim, a linguagem art déco é amplamente difundida pela função comercial e mista
(pavimento térreo comercial e o pavimento superior residencial), seja na construção de
novos estabelecimentos, seja na reforma de antigos prédios (BENÍCIO et al., 2020).
A propósito, no primitivo berço citadino, no hodierno miolo central da cidade, a ponte Nereu
Ramos articulada à praça Orlando Francalacci e ao edificado comercial na antiga "rua do
Comércio", atual rua Lauro Muller, manifestam conjuntamente o Art Déco. Ratifica-se que na
urbe tubaronense, a função comercial está intimamente vinculada à linguagem art déco.
Constata-se a concentração de sobrevivências art déco principalmente no Centro e em
Oficinas, ambos bairros na margem direita do rio Tubarão (BENÍCIO et al., 2020).
Tal conjunto de sobrevivências art déco é anterior à grande enchente ocorrida em 1974 (a
qual impacta negativamente sobre a evolução do município no restante da mesma década)1
e ao acelerado processo de verticalização (com uso predominante de habitação, comércio e
serviços), em curso desde o trágico evento.
1 Os imóveis destruídos pela enchente são posteriormente reconstruídos, com novos formato e feição,
assumindo distintas linguagens estéticas, do Moderno ao Pós-moderno (BENÍCIO et al., 2020).
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A arquitetura art déco tubaronense origina-se predominantemente de projetos aprovados
pela Prefeitura Municipal entre as décadas de 1940 e 1960, período descrito por Medeiros
(2006) por afirmação e ampliação da estrutura existente2. Recorda-se que, neste período,
Tubarão experimenta a prosperidade advinda da CSN, como também da instalação de
indústrias e do Complexo Termoelétrico Jorge Lacerda (junto à linha férrea e próximo à CSN
no Capivari) e do progresso do comércio: empreendem-se grandes obras, multiplicam-se os
estabelecimentos comerciais - efetivam-se as edificações art déco (BENÍCIO et al., 2020).
Destarte, como estudo de caso, delimita-se o objeto às edificações art déco na rua Lauro
Muller, entre as pontes Nereu Ramos e Dilney Chaves Cabral: é o trecho com o conjunto
mais antigo e notável. A partir disso, objetiva-se em específico: analisar a legislação
urbanística tubaronense acerca da proteção da paisagem cultural e da instalação de
equipamentos de publicidade; diagnosticar as sobrevivências art déco no citado trecho
viário; investigar a obediência ou não do existente às normas; identificar as consequências
da publicidade à preservação da paisagem cultural, ponderando especialmente a
conservação do Art Déco (Figuras 1-2).
2 Em 1966 é planejado um novo percurso para a Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina em zona rural, pouco
habitada, mas não muito afastada; em 1969, é realizada a última viagem na via férrea passando no Centro de
Tubarão. Depois disso, são retirados os trilhos do sítio mais valorizado da urbe: o leito é transformado na atual
avenida Marcolino Martins Cabral (incluindo a praça 7 de Setembro): esta configuração viária consiste na maior
influência da EFDTC que se mantém no presente citadino. A edificação art déco da Estação Nossa Senhora da
Piedade passa a funcionar como terminal rodoviário. Com isso, conforme Medeiros (2006), finaliza-se o período
urbano tubaronense manifesto entre 1940 a 1969.
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Figura 1: Tubarão e seu contexto geográfico no Estado de Santa Catarina;
e seu contexto municipal, com destaque à rua Lauro Muller no Centro.
Fonte: Adaptada de Google (2021b) e Arquivo Público e Histórico Amadio Vettoretti (2020).
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Para isso, procede-se metodologicamente a: dissecação da legislação urbanística municipal,
abarcando dispositivos preservacionistas; revisão bibliográfica, histórica e iconográfica
abrangendo a cidade de Tubarão, o Art Déco e a paisagem cultural; análise dos projetos
aprovados pela Prefeitura Municipal; levantamento in loco, registro fotográfico e diagnóstico
do remanescente art déco no universo delimitado; e cotejamento e reflexão crítica dos
dados coletados. A abordagem qualitativa articula no método morfológico as configurações
visíveis entre passado e presente, a favor do futuro que contemple os distintos tempos.
Além disso, as documentações internacional e nacional dispõem sobre o que produz avaria,
destruição e transformação prejudiciais à paisagem:
Decerto, na era da ostentação visual, cresce a concorrência pelos sítios de maior circulação
de pessoas, sobretudo centros tradicionais. Supondo-se "ser visto para ser lembrado",
difunde-se a crença no quanto maior o espaço visibilizado, mais o anunciado é visível -
colocando em relação direta a grandeza e a eficácia da visibilidade, naturalizando-se a
poluição visual como paisagem urbana. A proliferação dos objetos de comunicação visual
urbana e de mídia exterior causa impactos negativos em meios públicos: em áreas de
paisagem cultural os prejuízos são agigantados e piorados - são caóticos.
[...] a difusão do Art Déco é acelerada, por esta linguagem ter atrelado seus
conceitos basilares e arregimentado suas referências principais justamente
nos símbolos do progresso da época, nos fetiches e nos sonhos de consumo
de então, resultantes da produção industrial, amplamente publicizados nos
filmes Hollywoodianos projetados nas telas de cinema e anunciados em
periódicos locais. Aliás, neste contexto, endeusa-se o próprio maquinário,
inclusive, a rapidez crescente atingida pela máquina. A propósito, idolatram-se os
meios de transporte - aviões e navios inspiram as criações, de vestimentas a
mobiliário, até edificações. Daí a vertiginosa atualização do edificado e, destarte,
da cidade. Ora, outrossim, a urbe almeja incessantemente o consumo do novo.
(BENÍCIO, 2018, p. 145, grifo nosso).
a b
d
Fonte: Adaptada de (a) Arquivo Público e Histórico Amadio Vettoretti (2020);
(b) Vettoretti (1992, p. 190); (c) Vettoretti (1997, p. 39);
(d) Mesquita (acervo da Igreja Matriz, 2015, p. 47).
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No Brasil, sobressaem as vertentes Art Déco: Streamline Modern - alude à máquina (navios,
aviões) e à velocidade (linhas aerodinâmicas), emprega volumes curvos (esquinas
arredondadas), referencia janelas escotilhas, balcões com guarda-corpo (lembrando convés)
e mastros; Zigzag Modern - caracteriza-se por racionalização e geometrização,
escalonamento de volumes e platibandas; movimentação de planos; altos e baixos-relevos;
frisos e ornatos; e ênfase em acessos e circulações verticais (CONDE; ALMADA, 1997).
Sobrevive o patrimônio art déco no Centro, berço citadino e sítio comercial. Neste
concentra-se o legado edificado mais antigo e vigoram leis urbanísticas gerais, que incluem
regramentos de comunicação visual urbana e mídia exterior, desprezando as
especificidades da identidade histórica e paisagística junto ao rio Tubarão. Tal legislação
urbanística, a despeito da pouca especificidade, não parece ser efetivamente cumprida.
Referências
RESUMO
O presente trabalho teve como objetivo estudar a paisagem patrimonial urbana por meio de sua cultura
cromática, analisando as superfícies pintadas do conjunto edificado do Calçadão Getúlio Vargas, na
cidade de Laranjeiras no interior do Estado de Sergipe do Nordeste brasileiro. Para tanto, foram
exploradas através do levantamento teórico-histórico, fontes bibliográficas primárias, a história oral da
comunidade laranjeirense e a analise iconográfica de fotografias antigas. Complementarmente, com o
auxílio do Colorímetro Digital e Catálogo de Cores NCS aplicados in situ na análise das fachadas, foram
identificados e catalogados em mapas os cromatismos nas superfícies arquiteturais das 23 edificações
presentes atualmente na Rua. Permitindo, dessa forma, entender e apreender a cultura cromática
presente na área histórica urbana da cidade de Laranjeiras, demonstrar uma metodologia científica que
pode ser muito válida para a conservação, prevenção e restauro do patrimônio cultural material e
imaterial, e testemunhar como a paisagem urbana apresenta transformações pictóricas no decorrer do
tempo; possibilitando o registro e, consequentemente, a preservação da memória e identidade da
história de uma sociedade.
A imagem urbana é determinada pela relação existente entre diversos fatores, entre eles: sua
materialidade, sua linguagem formal-compositiva, sua disposição no tecido urbano, a
volumetria, pelos cheios e vazios, o meio natural em que se insere, e por fim, pela cor
(AGUIAR, 2002, p.316). A cor desempenhou, em especial, importante papel nos espaços
urbanos históricos, segundo Bezerra e Nappi (2012, p.70), ela foi nas cidades antigas tanto
elemento principal de identificação do homem com o meio, quanto ferramenta de
diferenciação espaço-temporal, se diversificando pelos mais distintos territórios, climas e
sociedades.
Ao contrário da imagem que as antigas cidades romanas hoje apresentam, essas foram em
seu ápice um meio extremamente rico em cromatismos. Essas manifestações, além de seu
valor estético, eram fruto do processo de adaptação da urbe as condições luminosas de seu
clima (BEZERRA, 2010, p.20). Já na África é possível observar que, destoando das
comunidades na região sul, conhecidas pelos matizes exuberantes em contraste com o
espaço de inserção, o Norte, em seus limitados insumos pétreos, mimetizava as cores do
meio, resultando em uma homogeneidade cromática entre construção e natureza (BEZERRA,
2010, p.22; NAOUMOVA, 2009, p.59).
Para tanto, é de extremo interesse, como parte dos mecanismos de salvaguarda, sua devida
documentação. Ao registrar essa memória única patrimonial urbana, tais produções técnicas,
se tornam elos afetivos com o passado, meios para rememoração e preservação daquilo que
se perdeu, ou que um dia poderá deixar de existir (OLIVEIRA, 2008, p.13). Nesse sentido, o
presente trabalho teve como objetivo estudar a paisagem patrimonial urbana por meio de sua
cultura cromática, analisando e documentando as superfícies pintadas do conjunto edificado
Para alcançar esse respectivo conhecimento, foram realizadas pesquisas em fontes primárias
e secundárias, como textos, fotos e documentos que preservassem tais informações, onde
extrema importância se fez a oralidade da população laranjeirense. Por meio da troca entre
informações originadas em fontes materiais e imateriais, foi possível traçar linhas de
concordância e dissonância entre a cultura cromática de Laranjeiras e a de outros territórios,
mostrando sua singularidade cultural e patrimonial. Complementarmente, com o auxílio do
Colorímetro Digital e Catálogo de Cores NCS aplicados in situ na análise das fachadas, foram
identificados e catalogados os atuais cromatismos nas superfícies arquiteturais das 23
edificações do conjunto. Conectando, assim, a memória passada e a cultura presente da cor
urbana desse importante espaço histórico.
Buscando compreender a cor no espaço urbano por meio do caso particular da Rua Direita
da cidade de Laranjeiras, foram trabalhados primeiramente os aspectos históricos e técnicos
de sua manifestação. Para tal, foi desenvolvido o levantamento teórico-histórico centrado em
fontes bibliográficas primárias, secundárias, a história oral da comunidade laranjeirense e a
analise iconográfica de fotografias antigas. Nele, foi explorado o método de produção das
tintas empregues, o seu tipo (históricas ou sintéticas), e a sua origem (animal, vegetal, mineral,
industrial). Para a coleta da oralidade, o método escolhido foi a entrevista de caráter aberto,
caracterizada pela exposição geral de um tema no qual o entrevistado recebe a oportunidade
a livre abordagem do assunto, permitindo a rememoração natural dos eventos. Entre as
grandes vantagens desse método está a possibilidade de uma maior coleta de informação,
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facilidade de engajamento do entrevistado, devido a postura mais informal do processo (BONI
e QUARESMA, 2005).
Laranjeiras, cidade sergipana situada entre oito colinas e ao longo das águas do Rio
Cotinguiba, surgiu no final do século XVI por meio de uma Carta de Sesmaria endereçada a
Thomé Fernandes em 23 de julho de 1594 (OLIVEIRA, 1981, p.23), como o primeiro dos
novos donatários, lentamente promoveu a ocupação desse novo território. Centrado em seu
porto, a região passou a tomar forma, totalizando em 1606 vinte e uma doações de terras, um
começo próspero que foi forçadamente interrompido pela ocupação holandesa que subjugou
a região por trinta e nove anos, e quando finalmente foi obrigada a abandoná-la, já em 1645,
deixou o novo núcleo em completo estado de destruição, e uma árdua missão de se
reestabelecer.
Começando sua segunda fase de crescimento entre a segunda metade do século XVII e o
XIX, Laranjeiras encontrou por meio da fé e do comércio sua força para expansão. Seguindo
as margens do Rio Cotinguiba, trapiches, armazéns e casas de comércio se proliferaram,
permitindo que em 1731 recebesse sua primeira ocupação religiosa efetiva com os jesuítas,
que instauraram um novo polo urbanizador: a Igreja da Comandaroba. Tais condições
econômicas e religiosa ascendentes, permitiram que em 1799 essa jovem ocupação fosse
reconhecida como Povoado de Laranjeiras.
Progressivamente expandindo suas fronteiras, foi elevada à categoria de cidade apenas doze
anos depois, em 1848. Laranjeiras, então, finalmente desfrutou no século XIX de seus anos
dourados, onde seus engenhos atingiram sua máxima produtividade, seu porto era
amplamente reconhecido, e sua feira despontava como a principal no território sergipano.
Contudo, não muito depois, ela logo encontrou sua decadência: em reflexo a abolição da
escravatura no final do século XIX, seu sistema econômico, que em muito dela dependia,
colapsou. A outrora potência sofreu um intenso esvaziamento de sua urbe, que apenas se
agravou com as crises epidémicas que assolaram a cidade.
Com um quadro geral no início do século XX nada promissor, era visível pelos artigos do
Jornal a Vida Laranjeirense que, apesar deste estado urbano decadente, haviam iniciativas
públicas e políticas na cidade dedicadas a melhorias na higiene, iluminação, vias e pontes,
além de uma forte movimentação no cenário sociocultural, com constantes visitas de artistas
e artífices. Entretanto, o definitivo novo sopro de vida só ocorreu em 1980 com a ocupação
industrial, que promoveu novo adensamento no centro histórico outrora abandonado,
consolidando uma última vez uma das mais importantes áreas comerciais de Laranjeiras: o
conjunto hoje conhecido como Calçadão Getúlio Vargas.
A Rua Getúlio Vargas, fragmento da Rua Direita, era a região mais bem localizada, situando-
se entre o Porto, a Feira Municipal e a Matriz do Sagrado Coração de Jesus, conectando,
assim, o polo religioso ao comercial (Figura 01). Apresentando em sua estrutura diverso
espaço de comércio e serviço, destacou-se arquitetonicamente do restante da cidade pelos
famosos sobrados que configuravam sua paisagem urbana. Azevedo (1975, apud Leão, 2011,
p.88-90), quando aborda a região, indica a transformação arquitetônica como um processo
natural da evolução econômica citadina, onde à medida que as condições de vida dos
moradores melhoravam, suas edificações simples eram substituídas pelos imponentes
sobrados.
Apresentando uma estabilidade tanto estética quanto de uso, muito provavelmente atribuída
ao esvaziamento da urbe no início do século XX, as edificações restantes hoje no calçadão
são remanescentes dos séculos XVIII, e principalmente XIX, intervalo correspondente aos
anos dourados da cidade. Como uma manifestação naturalmente urbana, o sobrado é uma
tipologia arquitetônica de uso misto, que apresentava no térreo suas atividades comerciais,
se aproveitando do fluxo provido pelo contato direto com a rua, enquanto o pavimento superior
era dedicado a vida familiar. Caracterizados pela falta de afastamento entre lotes, criavam
uma sucessão de superfícies com diferentes motivos estilísticos e decorativos (GOMES,
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2002, apud LEÃO, 2011, p.88), e que no caso de Laranjeiras, é identificável elementos entre
o neoclássico, neogótico e eclético.
Além da posterior pintura com o leite da cal, a própria argamassa poderia ter suas
características cromáticas alteradas em função de: seus agregados; da adição de palha
ardida/ carvão moído/ pó de tijolo ou pedras a sua massa; ou pela presença de terras com
capacidades colorantes específicas (AGUIAR, 2002, p.256). Frente a uma expressiva
limitação imposta a fabricação dos pigmentos, esses por muitas vezes correspondiam as
fontes minerais, animais ou vegetais disponíveis na região, sendo assim, historicamente fruto
da manipulação do meio.
Abordando o passado técnico e cromático das cores da Rua Direita de Laranjeiras, Valdete
Rocha, 93 anos, narrou suas memórias de infância sobre a região, permitindo identificar em
sua fala importantes fatos. Buscando, primeiramente, situar o momento histórico ao qual ela
está rememorando, é possível interpretar por sua fala que morou no calçadão enquanto
menina, pois ainda estava na escola, perceptível pelo trecho: “Era sobrado, muitos deles. Eu
morei em um, que hoje está caindo. E o do outro lado, era de uma professora minha,
municipal. Ela me ensinava tudo! Tudo o que eu aprendi, agradeço a ela e a Dona Zizinha”
(informação verbal). Fazendo uma pesquisa nos artigos do Jornal Vida Laranjeirense, em um
Outra informação de apoio é quando mais tarde ela menciona a passagem de Lampião por
Laranjeiras, contando: “E tinha o do Doutor. [...] Lampião veio, e se tratou com ele, de um
olho. [...] Ele lhe disse que enquanto fosse vivo, não entraria em Laranjeiras” (informação
verbal). Lampião, que faleceu em território sergipano na Gruta de Angicos em 1938, foi
noticiado no Jornal Vida Laranjeirense de 1931, onde o 18º Batalhão de Caçadores de Aracaju
teria saído no encalço do conhecido bandoleiro. A narrativa sobre as cores da senhora Valdete
Rocha, assim, muito provável se insere no intervalo do início de 1940 para a metade de 1950,
quando atingiria idade entre 13 e 18 anos, onde discorre:
As cores eram amarelas, e mais branco. Naquela época pintava mais de cal,
não? Não eram essas tintas boas que temos agora. A pessoa não tinha
condições muito boas, então pintava de cal. [...] Tinha rosa, verde claro, mas
não vermelho. E marrom claro. [...] Perto da Zizinha, tinha outro sobrado
vizinho, que era uma pensão. Era pintado de amarelo. E vizinho ao de
Zizinha, tinha uma casa, e outro sobrado pequeno, com apenas dois andares,
[...] que era pintado de rosa claro. (Informação verbal)
No que se diz respeito aos pigmentos produzidos em território nacional, é perceptível uma
certa miscigenação das tradições portuguesas com o novo território, fruto tanto da nova flora
e fauna, quanto pela influência negra e indígena (PEDROSA, 2014, p.150; SILVA e SANJAD,
2013, p.3). Quando os pigmentos não eram retirados das próprias penas das aves, fazia-se
uso de insumos vegetais, onde o vermelho poderia ser extraído do urucum, da árvore sangue
de dragão, e do pau-brasil, e o amarelo do açafrão (CIANCIARULO, 2014, p.70; PEDROSA,
2014, p.151).
Ultrapassando a esfera dos pigmentos mais comuns, tem-se ainda os azuis, verdes e
tonalidades de índigo. Os azuis, devido a sua baixa reação com a cal, eram de difícil aplicação
nas fachadas das edificações históricas (AGUIAR, 2002, p.453). Seu uso era quase que
exclusivo as pinturas encomendadas por famílias de extremo poder econômico ou da Igreja.
Sua produção foi registrada pelo processamento do óxido de cobre com quartzo no Egito; da
pedra lápis-lazúli na Europa a partir de 1200 d.C.; ou sílica/ óxidos de cobre e sais de bário
na China (BANKS e FRASER, 2007, p.50; CRUZ, 2007, p.13; MELLO e SUAREZ, 2012, p.5).
Em As Casas Pintadas de Évora (2014, p.60), faz-se menção de uma azul-índigo, encontrado
em Portugal, que era proveniente do processamento da planta Ingiósfera tictória.
Sobre a cultura cromática da região, a Sra. Valdete Rocha, ainda comenta sobre estilismos
na pintura das fachadas, descrevendo que “O marrom colocava em baixo, para distinguir.
Tinha o rodapé de uma cor, e a parte de cima de outra” (informação verbal), costume que
pode ser identificado em fotografias antigas da região. Gil (2009, p.141), comenta que na
região do Alentejo, no século XX, era comum a decoração policromada dos rodapés, cunhais,
platibandas, molduras de portas e janelas. Demostrando uma certa herança portuguesa de
tais práticas ainda aplicadas em Laranjeiras na época.
Em outra entrevista, dessa vez com uma moradora laranjeirense que comentou suas
memórias em uma época distinta a de Valdete Rocha, foi possível conhecer uma similar, mais
ao mesmo tempo distinta narrativa cromática. Sônia Borges Melo, moradora de Laranjeiras
desde seu nascimento, ao comentar as cores aplicadas no Calçadão, discorre:
Considerando que hoje apresenta 64 anos, sua narrativa avança, muito provavelmente, para
o final de 1970, quando já teria alcançado idade próxima dos quatorze. Mesma época em que
o processo de industrialização chegou na cidade. Tal momento permitiria a introdução de
novos meios para a pigmentação das edificações, comprovado por sua memória de misturar
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
o “hidracor” com a cal. Pode-se perceber, também, que devido a sua aplicação continuar
ligada a cal, as cores predominantemente ainda eram as pasteis. Com exceção do azul, ainda
permaneciam os matizes (amarelo, rosa e o verde claro) e as tradições pictóricas das
fachadas (distinção de cores por pavimento e ornamentos), anteriormente comentadas por
Valdete Rocha (Figura 02).
Fonte: Acervo pessoal de Evanílson Andrade Calazans e organizado pelos autores, 2021.
O Calçadão Getúlio Vargas, dessa forma, apresentou em sua história uma certa constância
de suas técnicas e cores, ao mesmo passo em que, à medida que entrou em contato com
novas tecnologias e informações, se transformou, demostrando uma interessante evolução
de sua comunidade e cultura cromática. Tais mudanças apontadas pelas fontes, reforçam a
importância de documentar essas diferentes narrativas, formando registros e ferramentas de
preservação da memória laranjeirense.
Além dessas medidas técnicas, é importante que a superfície ao qual se deseja obter a
informação não se apresente com umidade excessiva (como aquela proveniente da chuva),
ou aquecidas (por exposição prolongada ao sol). A falta dessas condições pode causar danos
de precisão a aferição, que irá variar em uma escala crescente de três níveis, onde um ponto
corresponderá a menor precisão. Assim, a atividade em campo ocorreu no final da tarde,
momento que as superfícies apresentaram condições ideais para medição.
Durante o processo, outras situações foram observadas, tanto sobre as condições dos
pigmentos, quanto a sua aplicação. Primeiramente, algumas superfícies identificadas
apresentavam texturas que trouxeram complicação a medição, acusando média precisão. Em
outros casos, em consequência ao destacamento da camada pictórica, foi possível observar
extratos mais antigos de cor, nessas situações, a aferição se destinou apenas a camada mais
externa e integra.
Ao final foram realizadas um total de 77 aferições, com 57 variações cromáticas. Desses foram
encontrados 33 amarelos, 16 verdes, 13 azuis, 7 vermelhos e 8 negros, dos quais, eliminando
A exemplo, a leitura do código medido S 4040-Y80R é: 40% de negro, com 40% de força de
cor; de um amarelo com adição de 80% de vermelho. Indicando que, apesar de visualmente
a cor possa ser percebida como um vermelho, ainda está categorizada no grupo cromático do
amarelo. O que aponta uma importante questão: a diferença entre a caracterização cromática
científica, e a avaliação perceptiva visual humana. Como outro exemplo das aferições
Esse fato pode ser compreendido por meio da interpretação total de sua configuração, onde
é registrado uma baixa quantidade de negro (3%), e nenhuma força cromática (0%). E no
caso do vermelho, de código S 7010-R90B, pela alta taxa de azul (90%), conjuntamente a
pequena intensidade cromática (10%), se apresenta na paleta dos azuis. Reforçando a
necessidade de avaliar a cores frente a todos os seus parâmetros: matiz primária, secundária,
força de cor, e quantitativo de negro. Dessa forma, para melhor leitura, as aferições foram
organizadas de acordo ao seu percentual de branco, valor determinado a partir da subtração
do total (100%) pela quantidade de negro indicado no código, e por sua intensidade cromática,
respectivamente organizados na Gráfico 01 e 02.
0 - 10% 11- 20% 21 - 30% 31 - 40% 41 - 50% 51 - 60% 61 - 70% 71 - 80% 81 - 90% 91 - 100%
0 - 10% 11- 20% 21 - 30% 31 - 40% 41 - 50% 51 - 60% 61 - 70% 71 - 80% 81 - 90% 91 - 100%
Dos dados levantados, foi possível concluir que as cores registradas possuem uma maior
presença de branco em sua composição que o negro. Nelas, mais da metade dos cromas se
encontram na faixa de 51% a 100% de branco (42 códigos), sem apresentar nenhum com
valor entre 0% a 20%. Conjuntamente, foi igualmente identificado predominantemente baixos
índices de força cromática, com 43 códigos inseridos entre 0 a 20%. Ainda nesse mesmo
parâmetro, nenhuma aferição superou a marca de 50%, permitindo que, atualmente, a paleta
do conjunto seja de cromatismos mais claros. Mantendo, dessa forma, a qualidade estética
geral dos tons pasteis registrados nos estudos teóricos-históricos e oralidade.
Pelas imagens, é possível notar uma leve variação entre amostra e superfície, que são tanto
consequência da relação conservação-superfície em que se situa o pigmento, como pela
incidência da luz. Essas inúmeras diferenças entre as interpretações visuais frente a
caracterização científica da cor, é parte da grande importância do emprego metodológico-
científico da caracterização desse aspecto patrimonial. Além de permitir uma definição clara
e universal dentro de um sistema, no caso o NCS, é possível realizar sua replicação exata em
caso de ações de restauro ou estudos em laboratório.
Considerações finais
Por fim, ao final desse trabalho centrado no Calçadão Getúlio Vargas da cidade de
Laranjeiras, Sergipe, foi possível identificar a importância que as cores empregam no espaço
patrimonial urbano, complementando a ligação existente entre as práticas arquitetônicas e os
diferentes momentos econômicos, culturais, sociais e técnicos de uma época. Estavelmente
preservando sua configuração remanescente do final do século XVIII, e principalmente do
XIX, a imponente arquitetura de sobrados que majoritariamente configura o conjunto,
Marcando a história cromática urbana laranjeirense até 1970, foi possível constatar pela
oralidade de Valdete Rocha, a constância do emprego da cor a base de cal para as pinturas,
em uma paleta que variava entre o branco e tons pastéis dos ocres, rosas e verdes. No caso
desses últimos dois matizes, reconhecidos pigmentos por sua origem de difícil obtenção,
assim como de execuções dispendiosas, é possível indicar tanto uma condição geológica
especial do solo laranjeirense, que permitiu sua facilidade de acesso, quanto explicitar o
poderio econômico das famílias que os adquiriram por meio de relações comerciais com
outros centros urbanos.
Dessa forma, por meio da identificação e mapeamento das cores das superfícies
arquitetônicas pintadas, foi possível entender e apreender a cultura cromática presente na
área histórica urbana da cidade de Laranjeiras, demonstrar uma metodologia científica que
pode ser muito válida para a conservação, prevenção e restauro do patrimônio cultural
material e imaterial, e testemunhar como a paisagem urbana apresenta transformações
Bibliografia
AGUIAR, José. Cor e a cidade histórica: Estudos cromáticos e conservação do patrimônio.
Porto: FAUP - Faculdade de Arquitectura da Universidade Porto, dez. 2002.
BANKS, Adam; FRASER, Tom. O guia completo da cor. São Paulo, 2007.
BEZERRA, Ana Luísa Furquim; NAPPI, Sérgio Castelo Branco. Identificação das cores de
fachadas de edificações históricas. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em
Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS. Rio de Janeiro, 2012.
BEZERRA, Ana Luísa F. As cores das fachadas de edificação históricas pintadas a cal. 2010.
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis.
BONI, Valdete; QUARESMA, Sílvia Jurema. Aprendendo a entrevistar: como fazer entrevistas
em Ciências Sociais. Revista Eletrônica dos Pós-Graduandos em Sociologia Política da
UFSC, vol. 2, n. 1. jan./ jul. 2005.
CIANCIARULO, Adriana Quilici Barreto. Materiais usados como pigmento no período colonial
brasileiro. 2014. Dissertação (Mestrado em História da Ciência). Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo.
GIL, Milene. A Conservação e Restauro da pintura mural nas fachadas alentejanas: estudo
científico dos materiais e tecnologias da cor. 2009. Tese (Doutorado em Conservação e
Restauro). Universidade Nova de Lisboa, Monte de Caparica.
LAMPEÃO hoje em Bocca da Matta. Jornal Vida Laranjeirense. Laranjeiras, p. 4, 08 jun. 1931.
LEÃO, Lícia Cotrim Carneiro. O espaço livre público e a visão cotidiana da paisagem: o caso
do centro histórico de Laranjeiras-SE. 2011. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e
Urbanismo). Universidade de São Paulo, São Paulo.
MELO, Sônia Borges. Sônia Borges Melo. Entrevista. [ago. 2019]. Entrevistador: Karoline
Padilha de Paulo. Laranjeiras, 2019. 1 arquivo .mp3 (10min).
Plano Urbanístico de Laranjeiras. 1975. A Região e sua Ocupação. UFBA, v.1, datilografado,
Salvador.
Plano Urbanístico de Laranjeiras. 1975. A Região e sua Ocupação. UFBA, v.3, datilografado,
Salvador.
ROCHA, Valdete. Valdete Rocha. Entrevista [ago. 2019]. Entrevistador: Karoline Padilha de
Paulo. Laranjeiras, 2019. 1 arquivo .mp3 (10min).
VIEGAS, Cíntia Camila Liberalino. As cores das fachadas da Rua Chile – Natal/RN – Brasil:
problemas e possíveis soluções. Porto, 2013.
RESUMO
O presente ensaio é o produto da disciplina Arte Contemporânea, ministrada pela Professora Marta
Neves no programa de Pós-graduação em História da Arte da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (PUC Minas). A disciplina ementou compreender a Arte Contemporânea quando ela
perde a sua ligação com o sagrado ganhando um novo papel ao ocupar as ruas e dialogando sobre
as suas novas funções no mundo contemporâneo. O objetivo é analisar como a apropriação do
Viaduto Santa Tereza pelo Duelo de MC’s contribui para a manutenção e para a identificação da
população com um monumento arquitetônico que apesar de ter sido tombado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG) e fazer parte do imaginário da cidade de
Belo Horizonte, mas se encontrava em estado de abandono e degradação. A ideia é também
apresentar como experiências que integrem atividades culturais espontâneas potencializam a
rememoração e o vínculo afetivo da população com o edifício, possibilitando uma nova narrativa aos
territórios urbanos. Em 2007, o coletivo Família de Rua organizou pela primeira vez o Duelo de MC's
com o intuito de promover a cultura do Hip-Hop e ocupar o centro da cidade de Belo Horizonte. As
batalhas de rimas que aconteciam inicialmente na Praça da Estação, com uma caixa de som ligada
em cima de um skate e alguns rimadores de forma improvisada, já mostravam sua potência pela
vontade de fazer acontecer. Ao seguir para debaixo do Viaduto Santa Tereza, se consolidou como
um espaço/evento de interação cultural e ressignificou uma área urbana tradicional que estava
esquecida e abandonada pelo poder público. O seguinte trabalho apresenta então o Duelo de MC’s e
reflete como a sua manifestação na cidade rompe com as estruturas de poder vigentes e sensibiliza
espaço, experiências e identidades: coletivas e individuais. Para isso foi necessário apresentar o
contexto histórico do Viaduto Santa Tereza, através da documentação referente a construção do
Viaduto, marco do avanço industrial na capital mineira e um panorama do movimento Hip-Hop,
ambos catalizadores do Duelo de MC’s e o coletivo Família de Rua, idealizador do projeto. A
importância da ocupação do espaço público pelas batalhas refletiu no panorama do Duelo que hoje
atingiu uma escala nacional dentro do cenário do rap brasileiro e principalmente na dinâmica cultural
e social da cidade de Belo Horizonte.
Em 2007, o coletivo Família de Rua organizou pela primeira vez o Duelo de MC's
com o intuito de promover a cultura do Hip-Hop e ocupar o centro da cidade de Belo
Horizonte. As batalhas de rimas que aconteciam inicialmente na Praça da Estação, com
uma caixa de som ligada em cima de um skate e alguns rimadores de forma improvisada, já
mostravam sua potência pela vontade de fazer acontecer. Ao seguir para debaixo do
Viaduto Santa Tereza, se consolidou como um espaço/evento de interação cultural e
ressignificou uma área urbana tradicional que estava esquecida e abandonada pelo poder
público.
A falta de estrutura era (e para grande parte dessa população sempre foi) uma
realidade e foi somente no seu segundo ano de realização que a Prefeitura concedeu o
alvará de funcionamento contemplando-os com iluminação, banheiros públicos e energia. A
apropriação desse espaço se manifestou através do Duelo como um exercício de
democracia social, espacial e cultural. As tantas barreiras impostas pelo poder público não
desanimaram ou impediram a conquista do Viaduto, uma área que estava desprezada pela
A Cartilha do Movimento
O Duelo Nacional
No mesmo ano, foi apresentado pela prefeitura de Belo Horizonte, um projeto que
objetivava promover a revitalização da área a partir da criação de um Corredor Cultural da
Praça da Estação. O projeto apresentava práticas urbanas higienistas que visavam “limpar”
a cidade e possuíam em sua agenda um plano de gentrificação que excluía os atores
sociais e seus movimentos de uma participação ativa na construção e ocupação da vida
pública urbana. Segundo Rena:
Referências Bibliográficas
OLIVEIRA, Bruno; RENA, Natacha; CUNHA, Maria Helena. Arte e Espaço: uma situação
política do século XXI. Belo Horizonte, MG. Duo Editorial. 2015. Disponível em:
<https://issuu.com/anac.bahia/docs/arte_e_espaco_> Acesso em: 28 mai. 2021.
PABLO BERNARDO BH. Duelo de MCs 11 anos. Belo Horizonte. 06 set. 2018. Instagram:
@pablobernardobh. Disponível em:
<https://www.instagram.com/p/BnZvNk_lzOv/?utm_medium=copy_link>. Acesso em: 12 out.
2021.
PBH; LIMA, Stênio. In: Viaduto Santa Tereza e trecho da avenida dos Andradas serão
interditados. 2018. Disponível em: <https://prefeitura.pbh.gov.br/noticias/viaduto-santa-
tereza-e-trecho-da-avenida-dos-andradas-serao-interditados>. Acesso em: 13 set. 2021
MAIA, GUILHERME R. (1); FARIAS, HUGO L. (2); BASTOS MALHEIRO, JOANA (3);
RESUMO
Nascido em 1922, Francisco da Conceição Silva foi um arquiteto português muito prolífico, com uma
produção extremamente inovadora, qualificada e comercialmente bem-sucedida. Figura de proa da
consolidação do turismo como força económica em Portugal, na década de 1960, com realizações
como o Hotel do Mar (Sesimbra) e o Hotel da Balaia (Albufeira), onde o arquiteto persegue e concretiza
a ideia de Projeto Total, coordenando o seu escritório desde o projeto urbano à Arquitetura, passando
pela construção do equipamento, pelo mobiliário e têxteis, pela seleção e incorporação de obras de
arte, acabando apenas após a definição da imagem e dos pormenores gráficos do projeto. Com estas
duas obras, o escritório transformou-se numa grande empresa, dotada de estofo financeiro e
capacidade técnica, obtida através da adoção de uma abordagem multidisciplinar (incluindo mesmo
uma atuação no campo da publicidade, construção e incorporação) o que demandou o trabalho
permanente de artistas, designers, engenheiros, economistas, geógrafos, paisagistas e, é claro,
arquitetos.
É o período mais fértil de sua produção, do qual se destaca o projeto da cidade litorânea de Troia,
baseada num modelo de capitalização popular inovador que deu arranque ao turismo de massa em
Portugal. O atelier mantém uma grande dinâmica a projetar desde grandes complexos urbanos até
pequenas peças de design até ao ano de 1974. Após a Revolução o arquitecto Francisco Conceição
Silva vê-se forçado a refugiar-se no Brasil, onde reinicia a sua carreira.
Figura 1- Espólio Arq. Francisco Conceição Silva, sob tutela do PORARQ. Fonte: PORARQ, 2021.
Com uma carreira única, Francisco Conceição Silva (FCS) foi um dos mais importantes
arquitetos portugueses da segunda metade do século XX. De forma pioneira, procurou o
envolvimento interdisciplinar e o mais elevado pormenor arquitetônico para alcançar, em cada
uma das suas obras, a máxima eficiência ao longo do processo de concepção e construção
e, acima de tudo, o estrito cumprimento da qualidade espacial e material.
Os seus projetos apresentam a Arquitetura como uma obra de síntese, onde todas as
escalas são pensadas: desde a inserção urbana, às características tipológicas e morfológicas,
às características espaciais, à definição estrutural, construtiva e material, à concepção de
mobiliário e equipamento, e à integração de obras de arte - para criar o seu próprio ambiente
unitário: a realização de uma obra integral de Arquitetura.
Estes documentos requerem uma preservação cuidadosa e atempada que, se não for
realizada, conduzirá à sua perda, com a consequente obliteração do património cultural e dos
conhecimentos, que devem ser acessíveis a todos. Os arquitetos e as suas coleções, como
protagonistas da Arquitetura Portuguesa do século XX, período em que a profissionalização
da Arquitetura se enraizou e a prática arquitetônica se intensificou gradualmente, tanto em
Portugal como nos territórios que então eram colônias, são fundamentais para compreender
a evolução social e cultural de um país que tanto mudou ao longo deste século. Não
contemplar a produção arquitetônica deste século é esquecer etapas, cenários e espaços que
acolheram eventos históricos e os seus protagonistas.
Nos últimos anos, notou-se que vários arquitetos ou herdeiros, procurando deixar o
testemunho da sua carreira profissional numa instituição que lhes oferece a garantia de que
os seus bens serão bem-recebidos, tratados e estudados, se voltaram para a Faculdade de
Arquitetura da Universidade de Lisboa (FAUL). Pertencendo ao panorama arquitetônico
lisboeta, são protagonistas da arquitetura portuguesa do século XX, o que representa um
período de grande produtividade em quase todo o espaço lusófono, incluindo, até 1974, o
Brasil e as antigas colónias africanas de Portugal.
Este projeto está estruturado em 5 fases, cada uma delas integrando uma tarefa.
TASK 1 - Esta tarefa centra-se na organização da coleção FCS. O trabalho prático começará
com o reconhecimento e listagem exploratória de todos os projetos, bem como, a recolha de
um conjunto de informações básicas relevantes (designação do projeto, datas, localização,
cliente etc.).
TASK 5 - O principal objetivo desta tarefa é desenvolver descrições para cada projeto e
desenho. Esta tarefa irá proporcionar uma nova compreensão profunda dos projetos que
compõem cada coleção, nas suas diferentes escalas arquitetônicas: escala urbana, escala de
construção, integração do desenho e as características técnicas e tectônicas de cada projeto.
Desde o período da sua formação que a relação de Francisco da Conceição Silva com as
artes plásticas e o design sempre se manifestou, tendo trabalhado em estreita colaboração
com diversos artistas e designers. E, a partir do momento em que o seu ateliê se estabelece,
passa a integrar na sua estrutura interdisciplinar pintores, escultores, ceramistas, fotógrafos e
designers.
É esta obra que marca o ponto de virada entre o ateliê Francisco Conceição Silva e o
ateliê -empresa Atelier Conceição Silva. O sucesso e a visibilidade do Hotel do Mar garantem-
lhe uma série de encomendas de maior escala e complexidade – planejamento urbano,
conjuntos turísticos, conjuntos habitacionais e equipamentos -, que possibilitam a criação do
ateliê multidisciplinar, mais tarde alargado a um grupo empresarial (englobando a engenharia,
a construção, a promoção imobiliária e a publicidade), que viria a ser responsável por todos
os projetos até 1974.
Durante as três décadas em que o seu atelier esteve ativo, trabalhou como escola para
muitos profissionais, das mais diversas áreas - arquitetos, designers, artistas, paisagistas,
engenheiros, outros - que trabalharam no seu estúdio ou colaboraram com ele,
personalidades hoje reconhecidas como importantes no nosso panorama cultural - para além
do seu sócio (a curto prazo) Maurício de Vasconcellos, os arquitextos Tomás Taveira, José
Forjaz, Manuel Vicente, Santa Rita e Bartolomeu Costa Cabral; o paisagista Gonçalo Ribeiro
Telles; os designers Gonçalo Afonso Dias e Carmo Valente; os artistas Sá Nogueira, Almada
Negreiros, Querubim Lapa, Júlio Pomar e Manuel Cargaleiro; o geógrafo Jorge Gaspar; e o
escritor Herberto Hélder; entre muitos outros.
O acesso direto que o PORARQ tem ao espólio do arquiteto Francisco Conceição Silva
permite-nos delinear uma taxonomia através do grupamento e, posterior, estabelecimento de
inter-relações entre os projetos e a data do seu desenvolvimento. Esta abordagem procura
trazer à luz proximidades e semelhanças dentro da obra, as quais podem abrir novas frentes
de investigação, e não apenas o tratamento arquivístico destes projetos. Assim, a sequência
Projetos experimentais
Conceição Silva inicia sua carreira com pequenos projetos residenciais e comerciais,
nos quais prevalece a fluidez do espaço, ainda que geometrizado. São nesses primeiros
trabalhos experimentais que o arquiteto domina a criação de espaços interiores, o tratamento
das superfícies e o uso da madeira como material polivalente. Estas obras sugerem uma
aproximação com o trabalho de Frank Lloyd Wright (ALOFSIN; REED; RILEY, 1994) e Louis
Kahn (BROWNLEE; DE LONG, 1991), e representam a sua linha conceitual base –
curiosamente reavivada com a ida para o Brasil em 1975.
Edifícios celulares
Megaestruturas
Figura 2- Urbanização Dafundo (1971), uma das megaestruturas de FCS. Fonte: Espólio Arq. Francisco
Conceição Silva, 2021
Yellow Submarine
Atento à expressão artística do final dos anos 1960, o ateliê absorve serenamente a
contracultura do período (RUBIN; MORGAN; PINCHBECK, 2010)– são tempos de liberação
de costumes e psicodelia, retratados no filme/disco Yellow Submarine, dos Beatles. Esse
momento também é marcado por viagens de estudo de colaboradores do escritório para a
efervescente Inglaterra, pondo-se em contato com as mais manifestações artísticas. São os
projetos para o grupo fonográfico português Valentim de Carvalho que melhor exemplificam
essa vertente. O ateliê desenvolve lojas para o grupo com uma liberdade formal e fundamento
artístico expressos desde a geometria do mobiliário, passando pelos padrões cromáticos até
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
à gravação de textos desenvolvidos por Herberto Hélder, poeta a tempo integral no escritório.
Outros projetos mais ambiciosos, embora não construídos, são dotados da mesma liberdade
formal, como é o caso do edifício multiuso no quarteirão da Portugália (1969) ou do complexo
turístico da Ponta do Sal (1967), um programa recorrente do escritório, aqui explorado com
uma linguagem mais livre.
Projetos Públicos
O escritório cresceu tanto para os padrões da época que se tornou capaz de absorver
trabalhos de maior folego – projetos públicos - como planos diretores e projetos urbanos
completos. Destacam-se o plano diretor para Évora (1967-1973), um trabalho extenso e
minucioso no levantamento das condições existentes, e a proposta vencedora do Concurso
para a Marina de Cascais (1973), com estudos completos em relação a temas tão dispares
quanto volumetrias arquitetônicas e infraestruturas de navegação: mesmo com tantos
aspectos técnicos a serem resolvidos, ainda assim põe a arte em destaque ao envolver o
escultor Fernando Conduto no desenvolvimento do plano, deixando a seu cargo a concepção
do farol, elemento escultórico e identitário do equipamento.
2.3. Acervo
O espólio também abarca uma série de brochuras, de edição limitada, que ora
Figura 3- Maquetes de projetos para Sesimbra (1971) e Portimão (1966). Fonte: Espólio Arq. Francisco
Conceição Silva, 2021
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Figura 4 - Apartamentos da Balaia (1966) - Estudo para espaço interior. Fonte: Espólio Arq.
Francisco Conceição Silva, 2021.
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
Através do tratamento e digitalização da colecção FCS; pretendemos promover
disseminar o conhecimento a um público mais vasto, tanto entre a comunidade académica,
arquitetônica e o público em geral. Entre os resultados esperados estão a preparação de um
livro monográfico sobre o trabalho da FCS, cobrindo as diferentes escalas e aspectos da
Arquitetura do seu escritório; a divulgação do portfólio em uma plataforma aberta no website
da PORARQ, proporcionando acesso público e aberto aos principais resultados do projeto de
investigação a nível internacional; a divulgação em conferências, constituindo uma
oportunidade para apresentar os resultados da investigação e para discutir a produção
arquitetônica de FCS; publicação de trabalhos em periódicos indexados; e, finalmente, a
organização de uma exposição por ocasião do centenário e dos quarenta anos de
desaparecimento de FCS.
Por fim, o reconhecimento e a divulgação das obras de Conceição Silva, ainda que tardias,
fazem parte de um esforço de nosso grupo de investigação em delinear uma identidade da
Escola de Arquitetura de Lisboa, a partir dos arquitetos e das obras desenvolvidas por eles,
nomeadamente a partir desta cidade. Queremos contribuir significativamente para a
preservação da Memória, Conhecimento e Divulgação da Arquitetura Portuguesa do século
XX para além dos trabalhos de arquitetos fora da cidade, os quais são devidamente
reconhecidos e divulgados por bons motivos, mas que não são os únicos relevantes dentro
da produção nacional.
ALOFSIN, A.; REED, P.; RILEY, T. Frank Lloyd Wright: Architect. New York, NY: Museum of Modern
Art, 1994.
BANHAM, R. Megastructure: urban futures of the recent past. New York, NY: HarperCollins
Publishers, 1976.
BROWNLEE, D. B.; DE LONG, D. G. Louis I. Kahn. Los Angeles: Museum of Contemporary Art, 1991.
FRAMPTON, K. et al. História crítica da arquitetura moderna. 4. ed. rev. ampl. e atual. ed. Sao Paulo:
Martins Fontes, 2015.
MOMA. Yona Friedman. Spatial City, project, Aerial perspective. 1958 | MoMA. Disponível em:
<https://www.moma.org/collection/works/800>. Acesso em: 27 set. 2021.
RUBIN, D. S.; MORGAN, R. C.; PINCHBECK, D. Psychedelic: Optical and visionary art since the
1960s. Cambridge, MA: Mit Press, 2010.
Era próximo do meio dia quando a terra tremeu pela primeira vez, várias
pessoas estavam nas ruas e muitas mais dentro de casa. Antes que pudessem
se recuperar do susto, um novo tremor e depois outro. As construções que não
ruíram total ou parcialmente no primeiro evento, vieram ao chão, no segundo e
no terceiro. Poucas edificações se mantiveram de pé. Nas ruas, as pessoas
que sobreviveram ao cismo, correram em direção aos espaços abertos, em
especial ao largo em frente ao Tejo. Lá, a esperança de sobreviver foi solapada
por grandes ondas que invadiram e lavaram o que sobrou da cidade. Por
alguns minutos, tsunamis de até trinta metros de altura, invadiram e inundaram
o que restava da já destruída Lisboa. Como se não fosse suficiente, um
incêndio causado pelas velas e outras chamas derrubadas no cismo,
queimaram por cerca de cinco dias. Este foi o cenário que mudou a história da
gestão de desastres para a humanidade. Até este momento a intepretação
destes eventos era de que a ira de Deus estava voltada para os homens. A
mudança ocorre quando Marquês de Pombal, afasta de Deus a
responsabilidade da tragédia e assume para si a gestão do desastre. Este
artigo pretende discutir os passos adotados na gestão do terremoto e como
estes influenciaram na alteração do urbanismo de Lisboa e por consequência
das colônias portuguesas.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.
1. UFMG. MACPS
Helena.rosmaninho@gmail.com
2. UFMG. MACPS
paulovonkruger@gmail.com
3. UFMG. MACPS
rafaelgmoreira1@gmail.com
4. R2 ASSESSORIA
carloscguedes@gmail.com
RESUMO
Era a próximo do meio-dia quando a terra tremeu pela primeira vez, várias pessoas estavam
nas ruas e muitas mais dentro de casa. Antes que pudessem se recuperar do susto, um
novo tremor e depois outro. As construções que não ruíram total ou parcialmente no
primeiro evento, vieram ao chão, no segundo e no terceiro. Poucas edificações se
mantiveram de pé. Nas ruas, as pessoas que sobreviveram ao cismo, correram em direção
aos espaços abertos, em especial ao largo em frente ao Tejo. Lá, a esperança de sobreviver
foi solapada por grandes ondas que invadiram e lavaram o que sobrou da cidade. Por
alguns minutos, tsunamis de até trinta metros de altura, invadiram e inundaram o que
restava da já destruída Lisboa. Como se não fosse suficiente, um incêndio causado pelas
velas e outras chamas derrubadas no cismo, queimaram por cerca de cinco dias. Este foi o
cenário que mudou a história da gestão de desastres para a humanidade. Até este momento
a intepretação destes eventos era de que a ira de Deus estava voltada para os homens. A
mudança ocorre quando Marquês de Pombal, afasta de Deus a responsabilidade da
tragédia e assume para si a gestão do desastre. Este artigo pretende discutir os passos
adotados na gestão do terremoto e como estes influenciaram na alteração do urbanismo de
Lisboa e por consequência das colônias portuguesas.
Na tradição católica, o “dia de todos os santos” é comemorado com grande fervor, sendo o
momento em que são honrados os santos da Igreja dos mais aos menos conhecidos.
Em Portugal, no século XVIII, era um grande momento festivo. As cidades eram enfeitadas,
missas preparadas para receber os fiéis durante todo o dia, velas acessas por toda a
cidade. E seria um momento absolutamente comum, se não fosse aquele, o dia do grande
Sismo de Lisboa. (ASSUNÇÃO 2010)
O dia havia amanhecido calmo. Não havia sinais de um desastre pairando no ar. As
festividades estavam ocorrendo desde a primeira hora da manhã: missas e homenagens
aos santos da Igreja, eram vistos em todas as partes. Nas casas, refeições eram
preparadas. Nas ruas, pessoas deslocavam-se calmamente. Por se tratar de um feriado,
não havia muita gente trabalhando, exceto em serviços essenciais.
Com o terremoto, paredes caíram, telhados desmoronaram, pessoas ficaram presas nas
casas, as vezes completamente ruídas, outras, em escombros, tentando sair. Aquelas que
saiam as ruas, corriam risco de serem atingidas por partes de outras casas que também
desmoronaram. Velas tombadas e fornos acessos completavam o cenário de horror,
ateando fogo no que sobrava das já fragilizadas construções. (PAICE, 2010)
Há relatos que afirmam que os incêndios não foram causados somente pela ação das velas.
De acordo com Sousa (1990), uma carta anônima relataria que
Os incêndios duraram cerca de seis dias, mas por meses ainda foram sentidos pequenos
tremores de terra, alguns seguidos de pequenas tsunamis. nenhum destes eventos,
entretanto, foram tão intensos quando os do dia 1º de novembro. (PAICE, 2010)
Lisboa estava arrasada. As pessoas assustadas. Por todos os lados religiosos vociferavam
sobre a ira divina e o mal que acometia a sociedade, culpa dos pecados da ganância,
luxuria e claro, pela presença dos judeus. Sem saber o que fazer e para onde ir, várias
pessoas buscaram meios de sair da cidade e segundo Paice (2010), as estradas estavam
repletas de andarilhos sujos e machucados, caminhando sem direção.
Naquele dia, por sorte ou destino, as filhas do Rei Dom José I, haviam solicitado que após a
missa fossem passar o feriado em Belém, numa das muitas casas de campo da coroa.
Graças a isso, quando o tremor se abateu sobre a cidade, o Rei, não foi atingido. Os
reflexos puderam ser sentidos em Belém, é fato, mas com muito menos intensidade e risco.
O rei, apesar de ter vivido um abalo mais leve que o de Lisboa, se recusou a voltar para o
interior do palácio de campo, ordenando que tendas fossem armadas nos jardins. Entre sua
comitiva, os padres que acompanhavam a família real, incentivavam que todos rezassem
por seus pecados, os grandes causadores do desastre, pedindo perdão e misericórdia a
Deus.
Dom José I, era um homem de 40 anos, que havia se tornado rei, há cinco anos. Possuía
pouca experiência em liderar seu reino e não sabia por onde começar ou o que fazer diante
de um cenário apocalíptico como aquele. (SHRADY, 2011)
Antes do terremoto, Lisboa era, apesar de ter aproximadamente seis séculos, uma cidade
medieval, cuja estrutura urbana mantinha-se desorganizada e sem planejamento. As ruas
eram estreitas, sujas e tortuosas. Poucas eram as que já possuíam proporções adequadas e
visavam um ambiente mais urbanizado, na maioria das vezes, localizadas nos bairros mais
novos.
As edificações religiosas, eram o centro dos novos bairros, em torno delas, eram
construídas as ruas, vielas, becos e nestes, casas de até três pavimentos, sem afastamento
uma das outras, com estrutura precária e pouca manutenção. Apesar do crescimento
constante da cidade, muitas casas tinham sido demolidas e reconstruídas, porém seguiam o
mesmo modelo irregular de ocupação do território.
Apesar de toda energia cosmopolita que enebriava Lisboa, com pessoas de todos os cantos
do mundo, a mentalidade do português ainda era muito fechada, presa em valores
conservadores, norteados pela Igreja Católica. Quanto à arquitetura e o urbanismo, apesar
de monumentos grandiosos comporem o cenário lisboeta, as ruas eram cheias de lixo e a
zona baixa da cidade, frequentemente sofria com as inundações e os lamaçais (SRHADY,
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2011). A cidade era mal organizada, sem planejamento urbano e com poucas ou nenhuma
regra construtiva que determinasse ou padronizassem normas para as edificações.
Naturalmente que os bairros mais ricos, não viviam esse ambiente insalubre. Casas
enormes, suntuosas construções ornadas com azulejos, grandes jardins e espaços de
convivência, eram ladeadas por casebres miseráveis. A cidade era o espelho da sociedade,
e a sociedade portuguesa naquele momento era estratificada, complexa e desigual.
Quando retornava para Lisboa, da conversa com rei em Belém, Carvalho se deparou com
um cenário de total desolação:
O cenário pós apocalíptico do terremoto era composto por uma cidade arrasada. Fumaça,
poeira, cheiro de morte e putrefação por todos os cantos. As pessoas, se retiravam da
cidade, não somente por medo do que pudesse acontecer de pior com elas: havia uma
ameaça real de que o castelo de São Jorge pudesse pegar fogo, caso isso ocorresse seria o
fim, já que o deposito de pólvora da nação estava localizado naquele local – mas porque
não havia pra onde retornar. Não existia casa ou abrigo e a maior parte dos pontos de
referência, haviam ruído. Junto a isso, das cadeias saíram vários condenados que
saquearam e cometeram inúmeros crimes antes de, também, encontrarem um modo de sair
da cidade.
Imbuído dos poderes reais, Carvalho precisava começar de algum lugar. Seu trabalho
estava longe de ser tão “simples” quanto enterrar mortos e dar de comer aos vivos. Era
Um dos problemas iniciais era conseguir controlar o fogo. A cidade não possuía uma
brigada de incêndio e as pessoas que comumente trabalhavam no combate às chamas, ou
estavam mortas ou em fuga. Além disso, as ruas estavam tomadas de entulho, e transitar
sobre eles era praticamente impossível. (SHRADY, 2011)
Antes de poder fazer alguma coisa para organizar estoques de comida para
os sobreviventes ou providenciar os enterros das incontáveis milhares de
vítimas, Carvalho precisava estabelecer a ordem. (SHRADY, 2011 p.49)
As tropas que se dirigiam de outras regiões para Lisboa, receberam a ordem de trazerem de
volta os homens que fugiam da cidade, para que estes trabalhassem no resgate e na
reconstrução. Também mandou que se erguessem barracas por toda Lisboa, para que
ninguém ficasse desamparado e todos pudessem ter um lugar para repousar. Ordenou que
fossem estabelecidos pontos de alimentação pela cidade, e que todos os mantimentos que
tivessem escapados ilesos do desastre, fossem recolhidos pela guarda e distribuído para a
população de forma igualitária. “por toda cidade foram instaladas às pressas cozinhas de
campanha e fornos de pão” (SHRADY, 2011 p.55)
Carvalho teve que tomar uma decisão quanto ao que fazer com os corpos recolhidos. A
Igreja dizia que cada pessoa deveria ser enterrada através dos rituais religiosos, porém, não
havia tempo ou espaço para que isso pudesse acontecer. Carvalho então solicitou que a
Igreja abrisse mão desta prática e permitisse que as pessoas fossem sepultadas no mar. A
solicitação foi aceita e várias embarcações foram direcionadas ao mar aberto.
A igreja, apesar de aceitar algumas condições, continuava pregando sobre a ira divina e o
apocalipse, exortando aos fiéis que buscassem de Deus a misericórdia para com seus
pecados. Muitas pessoas acreditavam neste discurso, o que gerava uma rixa interna em
relação aos sobreviventes: quem tem mais pecados? Quem é o pior? Morte aos judeus!
Uma onda de violência acompanhava o discurso da igreja, já que Portugal era uma das
nações mais religiosas do mundo e onde ainda vigorava a inquisição.
Entretanto, Carvalho proibiu qualquer nova construção de pedra até que todos os entulhos
tivessem sido retirados e fossem redigidos um novo código de normas construtivas e um
plano urbano. Era preciso reconstruir a cidade das cinzas, (ASSUNÇÃO, 2010) porém, com
segurança.
Optaram por demolir por completo a cidade e reconstruir sobre os escombros, alargando as
ruas mais estreitas, abrindo becos sem saída, respeitando quando possível as propriedades,
mas garantindo a mobilidade e a segurança. Já em março de 1756, foram apresentadas
plantas para reconstrução da cidade, com medidas preventivas e soluções para problemas
burocráticos.
Em maio de 1758, foi autorizado o início dos trabalhos de reconstrução. A cidade, numa
nova fase da gestão do desastre, foi idealizada, buscando um planejamento urbano
integrado e inovações, tais como como técnicas de construção contra terremotos, incêndios,
buscando a salubridade e a higiene.
Segundo França (1978) o uso das gaiolas pombalinas, as fundações com estacas de
madeiras e a realização de ensaios para simular os efeitos de novos tremores, estavam
entre as medidas tomadas. Ainda segundo o autor citado, teria sido realizado no Terreiro do
Paço, por Carlos Mardel, um ensaio para averiguar a segurança contra novos tremores: foi
colocado uma estrutura nos moldes da gaiola pombalina sobre um estrado e ao redor deste
um destacamento militar marchava desordenadamente, simulando os efeitos do terremoto.
A proposta era demonstrar que a gaiola aguentava mais de vinte minutos nesta situação
extrema. (FRANÇA, 1978)
Buscando resolver as questões ligadas a prevenção de novos incêndios, foi adotado o uso
de paredes “quebra-fogo”, ou seja, subindo as empenas de alvenaria entre edifícios de um a
dois metros, a propagação do fogo de um prédio a outro seria dificultada. Além disso, a
“gaiola pombalina” inserida no interior das paredes, oferecia reforço estrutural aos
elementos de madeira, protegidos pela alvenaria. (FRANÇA, 1978)
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Atendendo as necessidades de renovação na salubridade e segurança, medidas também
foram implementadas. Destaca-se aqui a criação de alfurges e esgotos. Também criaram
limitações quanto a altura dos imóveis em relação à largura das ruas, além de determinar o
modo seguro de instalar as chaminés, sempre do lado dos logradouros.
Sousa (1928) apresenta uma série de instruções que foram adotadas após o terremoto, para
realização de novas construções em Lisboa:
- As vigas dos pisos terão que ser de casquinha (0,13 x 0,18 m), em
quadrado, assentes em freixais de carvalho ou asinho de secção 0,15 x
0,10 m, pregados com pregos forjados de 0,20 a 0,30 m de comprimento e
ligados às paredes por ferrolhos. O seu comprimento será de 2,0 m nos
cunhais e 0,80 a 1,0 m nos membros;
- O pinho deverá ser empregado verde e toda a madeira não exposta ao ar,
deverá apresentar-se bem conservada. (SOUSA, 1928 p.32)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desastre de Lisboa é certamente um dos mais complexos dos últimos séculos. Não só por
se tratar de três eventos adversos num mesmo curto espaço de tempo e lugar. Mas,
também pela própria gestão: enfrentando a mentalidade da época, discutindo com a igreja,
recriando uma cidade mais moderna, tentando respeitar a propriedade alheia. Foi,
certamente, um momento impressionante.
As ações de Carvalho, podem parecer cruéis em alguns aspectos e talvez, até exageradas.
Mas seria anacronismo tentarmos pensar com a mentalidade de hoje e julgarmos as
medidas tomadas.
Carvalho, ainda que de maneira insipiente e intuitiva realizou os mesmos passos da gestão
de desastres, que são aplicados hoje, no século XXI: Planejamento, mitigação, preparação,
resposta e recuperação. Todas essas etapas são percebidas na gestão do terremoto.
É fato que a reconstrução total de Lisboa demorou cerca de cem anos. E isso é
compreensível, tanto pelas tecnologias construtivas da época, quanto pelo fato de que a
cidade estava sem mão de obra, sem recursos e principalmente, no que tange aos primeiros
anos, vivendo um processo de luto.
Se a população total de Lisboa era cerca de duzentas mil pessoas, há relatos de que
morreram cerca de noventa mil pessoas (PAICE, 2010) ou seja, todas as famílias perderam
alguém, seja um membro próximo ou um conhecido. O processo de luto, tornou todas as
coisas mais lentas. Entretanto, mesmo com todas as adversidades, meses após o desastre
já tinha sido desenvolvido um plano de ação que começou a ser implementado em menos
de dois anos.
É possível que novos desastres como o terremoto ocorram em Lisboa, já aconteceram antes
de 1755 e continuaram acontecendo após. Mas, se Portugal aprendeu algo com o grande
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desastre é que é necessário estar preparado para eventos adversos. Planejar ações de
resposta rápida, criar mecanismos de segurança para mitigar danos e estabelecer
protocolos para recuperação e reconstrução.
REFERÊNCIAS
PAICE, Edward. A ira de Deus: A incrível história do terremoto que devastou Lisboa
em 1755. Trad. Márcio Ferrari. Rio de Janeiro: Record, 2010.
SHRADY, Nicholas. O último dia do mundo: Fúria, ruína e razão no grande terremoto
de Lisboa de 1755. Trad. Paula Berinson. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011
ANTOCHEVIS, ELIZA F.
RESUMO
O tempo era o início do século XX e o lugar era um espaço público delimitado, de um lado, por um
estuário e, de outro, por casas comerciais que viviam o seu auge. Os estabelecimentos interagiam
com o espaço portuário a sua frente, e as atividades neles desenvolvidas fazem parte da história do
lugar, assim como as edificações que as abrigavam. Mais de cem anos depois, busca-se desvendar
as características desse lugar: a Rua Riachuelo, na cidade do Rio Grande, no Rio Grande do Sul.
Intenciona-se analisar os estabelecimentos nela existentes na primeira década do século passado,
com base principalmente em uma obra de consulta comercial de 1908. Trata-se do Guia Bemporat -
do Estado do Rio Grande do Sul. Não só a lista de empresas, mas também os seus anúncios com
fotografias dos edifícios são considerados dados importantes para estudar esse espaço público, antes
que um novo porto fosse implantado na cidade, na década seguinte, gerando transformações. Para
complementar a análise, são estudadas fontes bibliográficas e fontes documentais, como fotografias,
almanaques anuais de comércios e serviços e jornais locais. Da mesma forma, é realizado
levantamento fotográfico do cenário atual da rua. Inicialmente, é abordada a relação entre a história
da arquitetura e do urbanismo e a preservação do patrimônio cultural edificado. Busca-se relatar a
importância da historiografia, apresentando os edifícios como documentos que revelam formas de
habitar e tipologias regionais ao longo do tempo. Em um segundo momento, é apresentado um breve
histórico da Rua Riachuelo, evidenciando a construção da sua identidade comercial e portuária no
século XIX, assim como o seu enfraquecimento no século XX, por fatos como o surgimento do novo
embarcadouro. Em um terceiro momento, é analisado o Guia Bemporat, sendo apresentada a sua
subdivisão, desde o breve histórico do município. Posteriormente, disserta-se sobre os
estabelecimentos da rua no período proposto, sobretudo, a partir do guia. Os dados dos anúncios dos
estabelecimentos são cruzados com informações das outras fontes documentais. Os trechos da rua
em frente ao antigo porto são, então, caracterizados como um lugar de negociações, desde comércio
de “seccos e molhados” até serviços de reparação de embarcações, passando por uma fábrica de
fumos. É possível inferir que essas negociações influenciaram as edificações, a grande maioria
originalmente com características luso-brasileiras, sendo que algumas já apresentavam acréscimos
de ornamentos do ecletismo. A tipologia original sem recuos, tanto de sobrados quanto de casas
térreas, permitia um maior uso dos espaços para depósitos de produtos. Assim, o Guia Bemporat
mostrou-se uma ferramenta importante para caracterizar uma rua que vivia o seu apogeu, com
intenso fluxo de vidas e acontecimentos, constituindo a entrada da cidade a partir da água.
Cada lugar deve ser contemplado enquanto uma soma de todas as suas temporalidades, de
todas as marcas das gerações que nele viveram. Além da datação dos diversos elementos,
a análise das mudanças ocorridas em um lugar ao longo do tempo permite a sua
valorização, pois cada trajeto percorrido é único. Na tentativa de parecerem atrativos, os
lugares podem realçar símbolos recentemente elaborados e símbolos herdados (Santos,
2006).
É com relação a esses símbolos herdados, transmitidos por gerações anteriores, que este
trabalho pretende dialogar, analisando um lugar (um espaço público urbano) e os elementos
que o caracterizaram ao longo de um determinado tempo. A história do lugar mostra a
criação e o desenrolar de sua identidade perante os indivíduos que por ele circularam e,
também, se for o caso, os fenômenos que fizeram com que essa identidade fosse
enfraquecida.
Essa obra é o Guia Bemporat - do Estado do Rio Grande do Sul, em sua edição bianual
para 1908-1909. Considera-se extremamente relevante a lista de empresas nele exposta,
assim como os anúncios com fotografias das edificações que as abrigavam e demais
informações que os comerciantes avaliavam como necessárias. Esses dados auxiliaram na
caracterização mais minuciosa do espaço público em um período em que já se compreendia
ser de ampla movimentação portuária.
A cidade do Rio Grande foi fundada em 1737 como Presídio e Povoação do Rio Grande de
São Pedro e constituiu o primeiro núcleo urbano do seu estado. No mesmo ano, foi
construído o Forte Jesus-Maria-José, próximo ao Estuário da Laguna dos Patos, dando
origem ao Núcleo do Porto, pequeno e simples, onde estava localizada a fiscalização da
atividade comercial (Queiroz, 1987). Apesar da existência de outro núcleo no interior, a
região do porto obteve maior desenvolvimento, dando origem à cidade do Rio Grande.
Para tanto, são analisadas fontes bibliográficas e fontes documentais. Nessas últimas, além
do Guia Bemporat, estão incluídos jornais da cidade, almanaques anuais de comércios e
serviços, fotografias antigas e atuais da rua, mostrando o passado e o presente. A análise
dos estabelecimentos em frente ao antigo embarcadouro também pode ser considerada um
estudo de caso.
Buscando uma melhor compreensão pelo leitor, o texto foi estruturado em quatro partes. A
primeira trata da relação entre a história da arquitetura e do urbanismo e a preservação do
patrimônio cultural edificado. A segunda apresenta um histórico conciso da Rua Riachuelo,
passando pelos seus principais acontecimentos. A próxima parte analisa o Guia Bemporat -
do Estado do Rio Grande do Sul (1908) enquanto fonte de informação. Por último, são
abordados os estabelecimentos da Rua Riachuelo na primeira década do século XX,
principalmente a partir do guia comercial.
Em seu livro Introdução à História da Arquitetura – das origens ao século XXI, José Ramón
Alonso Pereira (arquiteto, professor e escritor) afirma que sua obra “se volta ao processo de
projeto de arquitetura, formulando o saber histórico como meio fundamental para o
conhecimento da composição e da construção das edificações, atendendo aos problemas
que cada sociedade e seus arquitetos tentaram resolver” (Pereira, 2010, p. 13). A intenção
de Alonso Pereira é mostrar a relevância das disciplinas de história para os estudantes do
referido curso, através da análise das permanências e rupturas que ocorreram nos modos
de viver e construir ao longo dos anos.
A inserção das disciplinas de história junto às de projeto (sempre muito valorizadas) mostra
que não são apenas os trabalhos envolvendo criação que formam a essência do
profissional. Situar-se corretamente no tempo é complementar à situar-se adequadamente
no espaço, escolhendo o terreno, o quarteirão ou o bairro.Além de sua justificativa para a
formação generalista dos profissionais arquitetos e urbanistas, a história mostra-se
essencial para a área de atuação referente à preservação do patrimônio cultural edificado.
Um importante exemplo é o trabalho de identificação e conhecimento dos bens imóveis, ou
de seus conjuntos, presentes em diversas cidades brasileiras.
Buscando uma uniformização dos projetos e uma maior qualidade das obras de restauro no
país, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) lançou a obra Manual
de Elaboração de Projetos de Preservação do Patrimônio Cultural. A publicação integra a
coleção de Cadernos Técnicos do Programa Monumenta, referente ao patrimônio edificado
e aos espaços públicos urbanos.
Observando o aspecto técnico, a pesquisa histórica auxilia as decisões de projeto, uma vez
que identifica quais são os materiais e os elementos originais do edifício e quais foram
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acrescentados ou modificados posteriormente. Com essas informações, a equipe técnica é
capaz de estudar os materiais contemporâneos mais adequados a serem empregados junto
aos antigos. Da mesma forma, a pesquisa histórica embasa as intervenções nos elementos
do edifício, em conjunto com a linha de restauro escolhida pela equipe.
Imagens da segunda metade do século XIX mostraram edificações térreas e sobrados que
podem ser considerados simplificados em relação àqueles de áreas centrais de outras
cidades, durante o mesmo período. As edificações não contavam com decisões projetais
mais complexas, como recuos frontais ou laterais para ajardinamento, nem com porões. Em
fotografias da década de 1860, do acervo da Biblioteca Rio-Grandense, em Rio Grande,
alguns exemplares mostravam platibandas e aberturas com vergas em arco pleno. Essas
eram novas concepções do ecletismo (Mendes; Veríssimo; Bittar, 2011), embora a maioria
ainda mostrasse telhado com beiral e portas e janelas com vergas retas ou em arco abatido.
Apesar das melhorias, o primeiro porto da cidade ainda apresentava dificuldades pela pouca
profundidade do seu canal e pelo acanhado espaço para as atividades portuárias, já que a
cidade havia se desenvolvido muito próxima a ele. Em 1915, foi então inaugurado o Porto
Novo, à leste da cidade, em um espaço mais amplo e mais próximo à entrada das
embarcações a partir do Oceano Atlântico.
Na década de 1960, começaram a ser realizados alguns eventos culturais que tiveram
atividades localizadas junto ao antigo porto. Esse foi um momento em que a cidade buscou
utilizar o turismo para movimentar o setor econômico, prejudicado após o fechamento de
algumas indústrias na década anterior (Witter, 2011). Posteriormente, em 1987, a Coleção
Histórica do Museu da Cidade do Rio Grande foi transferida para as instalações do edifício
da antiga Alfândega, em frente ao porto.
Nesse sentido, apresenta-se o Guia Bemporat - do Estado do Rio Grande do Sul, que
contou com algumas edições publicadas no início do século XX. A empresa responsável
Os guias apresentam inicialmente uma descrição geral sobre o Estado, com nomes dos
principais representantes do Governo, leis e decretos mais importantes e tabelas de câmbio.
Posteriormente, nas duas edições, são exibidos sessenta e sete municípios, cada um com
seu breve histórico, sua descrição física e listas de funcionários públicos, comércios,
indústrias e profissões. Além dos endereços físicos, eram exibidos endereços de caixas de
correios e telégrafos.
A edição para 1908-09 expõe uma informação sobre os “algarismos eloquentes” dos últimos
guias. A publicação para 1904-05 havia contado com 1.500 exemplares, 1.100 assinantes e
48.000 endereços. Para o biênio seguinte, 1906-07, os números haviam aumentado para
3.000 exemplares, 1.350 assinantes e 64.000 endereços. Finalmente, para a edição de
1908-09 havia 8.000 exemplares, 4.500 assinantes e um considerável aumento de
endereços para 82.000 (Bemporat, 1908).
Até o presente momento, não foram encontradas em instituições outras edições do guia ou
menções sobre as elas em trabalhos referentes a cidades do estado, no início do século XX.
Dados pesquisados informaram que o diretor geral Achylles Bemporat era um empresário
que administrava algumas empresas no estado do Rio Grande do Sul. Coincidentemente,
uma de suas atividades estava localizada na Praia do Cassino, na cidade do Rio Grande.
Em 1911, o jornal O Paíz, do Rio de Janeiro, publicou uma notícia informando que Achylles
Bemporat havia deixado o estado em direção ao Uruguai, sem comunicação prévia, levando
uma alta quantia em dinheiro (O Paíz, 13/03/1911). A publicação informava ainda que
Bemporat havia tido um de seus contratos rescindido e era arrendatário de um cassino, na
então chamada “praia de banhos da cidade do Rio Grande”. Posteriormente, a praia
recebeu o nome de Cassino.
Com a entrada do século XX, a região portuária da cidade do Rio Grande dava seguimento
ao seu momento de apogeu, no que diz respeito à ligação entre as atividades comerciais e
portuárias, com intensa circulação de pessoas. Embora as condições do percurso das
embarcações fossem ainda preocupantes, a Rua Riachuelo apresentava os seus seis
quarteirões em frente ao porto já delimitados, e a grande maioria dos lotes com edificações.
No dia 1º de janeiro de 1901, o jornal O Diário do Rio Grande apresentou na seção Avisos
Marítimos informações sobre viagens que seriam realizadas. O vapor Itanema, da
Companhia Nacional de Navegação Costeira, seguiria para os portos de Santos e do Rio de
Janeiro em dois dias, recebendo carga, encomendas e valores. A agência estava localizada
na Rua Riachuelo, nº 57. A empresa Carreira Sul do Brasil anunciava navegação direta para
a Europa, e sua agência estava situada na mesma rua, no nº 70 (O Diário do Rio Grande,
01/01/1901).
O ano de 1908 chegou com diversos endereços em frente ao embarcadouro ocupados por
agências de transportes marítimos, como nos anos anteriores. Na edição de 11 de janeiro,
era anunciada na seção Vida Social do jornal O Diário do Rio Grande, a chegada de outra
atividade, com a firma comercial exportadora de carvão, R. W. J. Sutherland & Comp., do
País de Gales. O seu representante na cidade, Sr. Sinclair Robinson, acabara de
estabelecer seu escritório em um sobrado à Rua Riachuelo, nº 69 (O Diário do Rio Grande,
11/01/1908).
Em meio à análise da Rua Riachuelo nesse período, o Guia Bemporat - do Estado do Rio
Grande do Sul, para 1908-09, trouxe uma relação importante de estabelecimentos e usos,
permitindo o aprofundamento do estudo. Foram listados vinte e dois armazéns que vendiam
gêneros alimentícios (os antigos “seccos e molhados”) a atacado, sete agências marítimas
(com os antigos “vapores”), quatro agências de seguros, quatro armazéns de gêneros
Entre os seis quarteirões da Rua Riachuelo, em seu trecho em frente ao porto, um estava
inteiramente ocupado pelo edifício da Alfândega desde o final da década de 1870 (Torres,
2009). Os outros cinco já apresentavam, na chegada do século XX, os comprimentos atuais
entre 70 e 132 metros em seus lados voltados para a mesma rua. Considerando que alguns
endereços podem não ter sido listados pelo guia, é possível constatar que havia pelo menos
quarenta e dois estabelecimentos que negociavam produtos e serviços, espalhados em
cinco quarteirões não muito extensos de uma mesma rua. Os números confirmam o perfil de
intensa movimentação que os jornais e as fotografias sugeriam sobre esse lugar.
Os vinte e dois armazéns que vendiam “seccos e molhados” eram bastante característicos
do período. Comercializavam por atacado gêneros alimentícios nacionais e importados para
as “vendas”, que funcionavam como pequenos mercados, distribuídas em vários pontos da
cidade. Cada armazém trabalhava com pouca variedade de produtos e alguns eram
representantes exclusivos de uma marca. Esse era o caso da empresa Braga & Leite, que
informava em anúncio de página inteira no guia ser a única representante do Xerez Quina
Ruiz no estado, “aperitivo que obteve Medalha de Ouro e Diploma de Honra em Paris”
(Bemporat, 1908).
A empresa Campos Assumpção era um exemplo de armazém que também trabalhava com
materiais diversos, além dos gêneros alimentícios por atacado. Conforme anúncio em
página do guia, vendia também madeiras para construção (Figura 2). Estava instalada em
um sobrado de dois pavimentos, situado na movimentada esquina da Rua Riachuelo com a
Rua Benjamin Constant. Além de permitir a localização, as fotografias apresentadas nos
anúncios também facilitaram o entendimento da antiga numeração, que continha pares e
ímpares no mesmo lado da rua.
A presença dos armazéns que vendiam gêneros alimentícios e bebidas a varejo indica a
existência do uso residencial na Rua Riachuelo, sendo exemplos das antigas vendas
citadas. Enquanto no térreo estavam localizados os estabelecimentos comerciais e de
serviços, os demais pavimentos dos sobrados recebiam residências, muitas vezes dos
proprietários.
Com relação à tipologia das arquiteturas do lugar, as fotografias que constam no guia e em
outros acervos permitem inferir que os sobrados de dois pavimentos e as construções
térreas eram os mais comuns. Os térreos formavam um conjunto maior próximo à Rua
Almirante Barroso. Os sobrados de dois pavimentos constituíam conjuntos de dois ou três
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exemplares em vários quarteirões. Havia três exemplares de sobrados de três pavimentos e
um exemplar de quatro pavimentos.
Figura 3: Rua Riachuelo nas proximidades de sua esquina com a Rua Benjamin Constant,
na primeira década do século XX.
Fonte: Biblioteca Rio-Grandense.
O quarteirão localizado na esquina da Rua Riachuelo com a Rua Almirante Barroso, junto às
edificações térreas, era o mais afastado em relação ao centro comercial, administrativo e
financeiro, que tinha início em alguns pontos da primeira rua paralela à Rua Riachuelo. É
possível que essa seja a razão desse quarteirão ter recebido a Fábrica de Fumos e Cigarros
CONCLUSÕES
Após a análise dos dados do Guia Bemporat, foi possível estabelecer uma grande
quantidade de usos para a Rua Riachuelo, no trecho escolhido, caracterizando-a como um
lugar de negociações, com intenso trânsito entre os seus dois lados: o Estuário da Laguna
dos Patos e os sobrados e edificações térreas utilizados pelas empresas. Em meio às listas
com caráter técnico, estão também disponíveis os anúncios e as imagens exibindo as
fachadas dos estabelecimentos. Era importante mostrar a localização próxima ao antigo
porto, relatar a variedade de seus produtos.
Fontes bibliográficas:
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MENDES, C.; VERÍSSIMO, C.; BITTAR, W. Arquitetura no Brasil: de Cabral a Dom João VI.
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PIMENTEL, F. Aspectos gerais do Município do Rio Grande. Porto Alegre: Oficina Gráfica
Imprensa Oficial, 1944.
QUEIROZ, M. L. B. A Vila do Rio Grande de São Pedro (1737-1822). Rio Grande: Editora da
FURG, 1987.
SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 2006.
TORRES, L. H. Memórias do cais : o porto velho do Rio Grande. Rio Grande: Editora da
FURG, 2009.
Fontes documentais:
BIBLIOTECA RIO-GRANDENSE:
BEMPORAT, Achylles [diretor geral]. Guia Bemporat – do Estado do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: 1906.
BEMPORAT, Achylles [diretor geral]. Guia Bemporat – do Estado do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: 1908.
Endereços da Internet:
WITTER, R. Resgate histórico: as duas primeiras Festa do Mar. Click RBS, 2011. Disponível
em:<http://wp.clicrbs.com.br/riogrande/2011/04/18/resgate-historico-as-duas-primeiras-
edicoes-da-festa-do-mar/>. Acesso em: 30 de jun. 2021.
O presente artigo tem por objetivo refletir sobre a relação do projeto da Praça
das Artes com as preexistências, bens tombados ou não, e com o espaço
urbano consolidado, tendo em vista o valor histórico do sítio no qual está
inserido.
Este trabalho tem como objetivo identificar o Cemitério de Santa Izabel como
documento de aferição e representação da História Urbana de Belém, além
disso visa explicar as dinâmicas que ocorreram na implantação do Cemitério de
Santa Izabel, desde sua inauguração para a compreensão das motivações,
transformações sociais e, principalmente, as transformações espaciais que
determinaram a cidade oitocentista de Belém. Compreendendo o cemitério de
Santa Izabel, como território comunicante e utilizando a cartografia como
ferramenta de análise, os espaços cemiteriais possuem características que
transcendem o aspecto objetivo, visto que as abordagens subjetivas e culturais
serão principais modeladoras físicas e comportamentais do uso desses
espaços. Para desenvolvimento deste trabalho, os procedimentos
metodológicos utilizados foram a pesquisa histórica e bibliográfica, através de
análises comparativas sobre os autores. Como conclusão preliminar, verifica-se
que o cemitério de Santa Izabel possui interferência nos seus frequentadores e
redondeza, por se tratar de um território comunicante, assim como os
moradores do bairro e viventes do cemitério tem influência nos processos sócio
espaciais que o mesmo vivenciou e vivencia, através do sincretismo e crenças
que homem aplica nos espaços da morte. Ou seja, por se tratar de um território
comunicante, o cemitério de Santa Izabel foi um marco delimitador no
desenvolvimento territorial da cidade Belém, se tornando assim um documento
ativo na história urbana da cidade.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo identificar o Cemitério de Santa Izabel como documento de aferição e
representação da História Urbana de Belém, visando explicar as dinâmicas que ocorreram na
implantação do Cemitério de Santa Izabel, desde sua inauguração para a compreensão das
motivações, transformações sociais e, principalmente, as transformações espaciais que determinaram
a cidade oitocentista de Belém. Compreendendo o cemitério de Santa Izabel, como território
comunicante e utilizando a cartografia como ferramenta de análise, os espaços cemiteriais possuem
características que transcendem o aspecto objetivo, visto que as abordagens subjetivas e culturais
serão principais modeladoras físicas e comportamentais do uso desses espaços. Para
desenvolvimento deste trabalho, os procedimentos metodológicos utilizados foram a pesquisa histórica
e bibliográfica, através de análises comparativas sobre os autores. Como conclusão preliminar, verifica-
se que o cemitério de Santa Izabel possui interferência nos seus frequentadores e redondeza, por se
tratar de um território comunicante, assim como os moradores do bairro e viventes do cemitério tem
influência nos processos sócio espaciais que o mesmo vivenciou e vivencia, através do sincretismo e
crenças que homem aplica nos espaços da morte. Ou seja, por se tratar de um território comunicante,
o cemitério de Santa Izabel foi um marco delimitador no desenvolvimento territorial da cidade Belém,
tornando- se assim um documento ativo na história urbana da cidade.
Palavras-chave: História Urbana; Desenvolvimento Territorial;Território Comunicante; Cemitério de
Santa Izabel; Belém-PA.
Este artigo, que faz parte de um recorte da pesquisa de Doutorado relacionado ao Cemitério
de Santa Izabel na cidade de Belém no século XIX, aborda uma perspectiva da cidade e os
processos que a mesma experimenta, ocasionando mudanças na relação com o espaço
fúnebre, tornando-o território visível e comunicante, por meio da História Urbana, ferramenta
que diante do debate de diversos paradigmas, nos permite compreender as motivações das
transformações sociais e principalmente espaciais da cidade oitocentista, além de servir como
documento da história da cidade de Belém.
Todas essas indagações e contextos sociais, possibilitaram a análise do objeto com a História
Urbana, que, pode ser resumida, de forma clara como “aquela que se centra na cidade e no
1 Termo utilizado por Monteiro para tratar as trocas sociais existentes na cidade com a sociedade vivente nela.
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processo de urbanização” (Almandoz, 2004). As primeiras investigações referentes a este
campo, são uma realidade surgida em meados do século XX, cujo anteriormente abordar o
urbano restringia-se a trabalhos de biografias urbanas, que eram narrativas cronológicas,
como laudos sobre os acontecimentos e personagens relevantes para a sociedade local2, e
de história do urbanismo, que procurava estabelecer as formas e os modelos urbanos. Esse
novo campo que se volta para o estudo das cidades de maneira mais ampla, surge com o
objetivo de aprimorar o entendimento da relação entre mudança social, industrialização e
urbanização, já que “a história urbana é, em certos termos, a história da construção da cidade,
cujo elemento mais específico é dado por sua ênfase na forma física. ” (STAVE; STEIN3, 1981,
apud ALMANDOZ, 2004).
Outra questão de relevância sobre o tema, é referente as duas vertentes da História Urbana
relacionadas aos dois grupos vanguardistas, a “Cidade como Processo” e “Urban as a site”4.
A primeira, trabalhada pelo grupo da Universidade de Leicester, acredita que a cidade era um
lugar central onde convergiam todos os interesses, sendo a mesma analisada sobre as
particularidades da formação urbana e social, quanto que a segunda, vertente de New Urban
History, onde a cidade é o lugar “onde os debates e transformações sociais acontecem. ”
(SILVA, 2004).
A História Urbana não é apenas o estudo que tematiza os processos econômicos, sociais e
culturais que ocorrem no espaço da cidade, mas também os processos inversos, cuja a
organização da sociedade, diante de sua formação no espaço urbano ao longo do tempo, se
impõe. É importante que a História Urbana sempre esteja aberta, em progressivo crescimento,
buscando novos alcances, métodos e fontes. “A história urbana tem um papel importante a
2 Problema encontrado nas pesquisas referentes à História Local de Belém, onde os dados são passados de
maneira descritiva.
3 STAVE, Stanley J.; STEIN, Barbara H. The Colonial Heritage of Latin America: Essays on Economic Dependence
Diante de todo o panorama que a história urbana permite na análise da história da cidade, há
outras análises que mostram as diversas formas de ver e viver a cidade, partindo da premissa
dos processos históricos e ideológicos que as cidades vivenciam. Na obra de Ferrara (2007),
por meio da análise da visualidade e da comunicabilidade na cidade, é possível criar um
conceito subjetivo de espacialidade, cuja a percepção do indivíduo se revela importante, visto
que esta percepção irá definir as trocas sociais entre o próprio indivíduo, a cidade e os
cemitérios. As ocupações e relações passadas e atuais entre os espaços cemiteriais e a
população que vivencia este espaço, estabelecem formas de ocupação interna e de entorno,
que caracterizam o quão comunicante este espaço é na paisagem da cidade e para os seus
frequentadores. A partir desta visão, a relação entre cidade e cemitérios, e sua ocupação
territorial, teve sua relação moldada em formato cíclico, onde as percepções individuais
influenciaram na dinâmica fúnebre da cidade, assim como as determinações físicas e
organizacionais da cidade irão ter a mesma influência nos espaços fúnebres, como é possível
verificar na relação de Cemitério de Santa Izabel, seu processo histórico de ocupação do
entorno e sua implantação na cidade.
5 A primeira nova percepção desse novo espaço, ocorre na Renascença, quando se inicia a tentativa de
representação do espaço e a geometria começa a permitir que o espaço seja conhecido e percebido como
experiência.
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de inscrição se manifestam que a espacialidade é “demarcada”, porque todas elas constituem
princípios construtivos do espaço, instituindo-lhe de materialidade.
Além dos termos citados acima, Ferrara (2007) nos apresenta os termos visualidade e
comunicabilidade, que nos permite entender que através das competências técnicas da
humanidade, é possível “perceber que a espacialidade cria uma teoria do espaço enquanto
comunicação ideológica da cultura e exige o resgate das manifestações presentes nas suas
constituições históricas”. Ou seja, as relações sociais estão suprimidas de códigos e de
registros visuais que estabelecem relações e alterações entre o homem e a sociedade e com
isso modificam a forma de viver e ver o espaço.
A perspectiva trazida por Ferrara (2007), nos explana uma nova dinâmica do entender o
espaço e consequentemente o conceito de espacialidade, através de novos conceitos que
utilizados em conjunto e individualmente, nos permite estudar todos os fenômenos sociais que
os espaços sofrem, como também é evidenciado nos Cemitérios. Em virtude da estrutura
material sensível e dos estímulos visuais que um espaço pode gerar propositalmente em um
indivíduo, o espaço “fala” mais simbolicamente do que geometricamente, ou seja, a
visualidade do espaço se comunica, tem uma linguagem singular. Questões como
reconhecer, viver e descobrir o espaço, são etapas para se entender melhor como este
influencia no dia a dia da sociedade, uma pessoa pode ter uma visão espacial diferente de
outra e vice-versa.
Partindo da premissa que as cidades se relacionam com a civilização que nela habita,
Bonjardim, Bezerra e Vargas (2010), abordam conceito de “desterritorialização” (Retirada do
espaço fúnebre do território central da cidade) e “re-territorialização”, (Remanejamento dos
espaços fúnebres para zonas periféricas da cidade), que afirma a locomoção dos cemitérios
em virtude dos processos históricos e sociais de afirmação desses espaços nas cidades
brasileiras.
Considerando o cemitério como um espaço que faz parte da vida cotidiana e que reflete nossa
cultura, como aborda Carvalho (2012), os modos de vida da população, incluindo as práticas
fúnebres, através das mudanças na cultura e identidade do povo, interferem na organização
do espaço urbano, sendo essas modificações lentas ou rápidas, ocasionadas juntamente com
mudanças do modo de produção. O extermínio de um modo de vida implica na dissolução de
antigas condições de existência, onde essas alterações na sociedade acabam influenciando
em outras tradições e consequentemente o modo de encarar a morte e os espaços destinados
a ela, os cemitérios.
O estudo elaborado por Bonjardim, Bezerra e Vargas (2010), demonstra que a morte é um
acontecimento em constante mudança, e ela muda o modo de vida das pessoas, o que
consequentemente muda o espaço de enterrar, já que a organização dos espaços é fruto da
cultura da época. Essa modificação do modo de vida pode alterar a paisagem visível, a
estrutura e os processos existentes das cidades.
Quando estes parâmetros estão voltados para a relação da cidade de Belém com os
cemitérios do século XIX, sendo expressa na relação de entorno urbano do Cemitério de
Santa Isabel com o bairro do Guamá, os processos históricos vivido pelo cemitério em estudo,
relata os mesmos processos que outras cidades brasileiras sofreram, passando a ser espaços
6Termo utilizado por Bonjardim, Bezerra e Vargas (2010), para retratar os cemitérios como espaços visíveis ao
cotidiano da cidade.
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invisíveis e periféricos da cidade, situando estes espaços no limite urbano da cidade, sendo
eles rejeitados pela população geral da cidade na sua dinâmica social.
O espaço inicial do cemitério de Santa Izabel possuía quadras frontais, na Av. José Bonifácio,
onde estavam situados os túmulos e mausoléus das pessoas mais importantes e ricas da
sociedade belenense, assim como, a circulação principal na direção da capela, onde era de
15 metros de comprimento e ladeada por canteiros arborizados. Havia um quadrante
exclusivo destinado à irmandade que administrava o cemitério, a Santa Casa de Misericórdia,
com a presença de mausoléus cheios de simbologias.
Em 14 de agosto de 1880, após o novo presidente da província José Coelho da Gama Abreu
encarregar uma comissão composta por engenheiros e médicos, para avaliar as condições
sanitárias do primeiro cemitério público da cidade, decidiu-se pelo fechamento do mesmo,
proibindo assim qualquer enterramento. Após esse ano, foram transferidos todos os enterros
para o cemitério de Santa Izabel, que está em pleno funcionamento até os dias atuais.
O estudo da história do entorno tem como meta, descobrir as relações que ocorrem no meio
social e todos os elementos que conduzem a construção do entorno, além de aprofundar em
seus significados o objeto de descobrir as condições do saber e a prática arquitetônica em
relação à prática social e a configuração do habitat. Ou seja, de maneira mais clara, o entorno
urbano visa determinar o grau de identidade atribuído pelo espaço circundante à edificação.
Esta análise tem como objetivo demonstrar como o cemitério, sendo um espaço construído,
interfere na identidade do espaço circundante do mesmo, que no caso desta pesquisa, se
restringe às modificações formais dos lotes adjacentes do mesmo e como ele é um
equipamento fundamental, quanto a sua localização na cidade, para a consolidação do
entorno, por meio da malha urbana. Nestes mapas buscou-se tratar de dois subitens de
análise, que são: a alteração das vias urbanas ligadas ao entorno dos cemitérios, causadas
pelo crescimento urbano, cujo as mesmas são traçadas ou alinhadas dependendo da posição
em que estes lotes estavam situados em relação à cidade; e a modificação dos lotes dos
cemitérios ou adjacentes a eles, que com a expansão urbana são delimitados em função de
uma malha urbana determinada em cada período de planta estudada.
Nas alterações do entorno do lote cemiterial do Santa Izabel, há a ampliação do lote cemiterial
de 1880 a 1908. Estas ampliações ocorrem simultaneamente com a expansão e ocupação de
Belém. O Cemitério de Santa Izabel foi ampliado, comprovadamente, a partir do ano de 1902,
no sentido do Norte, através das propostas de intervenção na cidade de Antônio Lemos. O
primeiro acréscimo da área, que em 1880 possuía 292,20m de frente e 339,10m de fundo,
como é expresso neste trecho do seu relatório de 1902: “… expropriei um terreno contíguo
áquelle e de propriedade de Manoel Severo de Souza e sua mulher…” (sic), “… Esse terreno
mede 6 braças* de frente, com os fundos até ao igarapé Tucunduba… “. (Lemos, 1902). A
posterior ampliação, recorrente ao Relatório de 1905, adquire um avanço total de 48,84 m, já
somados os acréscimos anteriores, da quadrícula existente em 1880, como expresso neste
trecho: ” reverteram ao usufruto do Município o terreno de 6 braças de frente e 150 de fundos,
aforado a Cesario Naziazeno Gregorio; e o de 10 braças de frente, com egual fundo ao do
primeiro, aforado a Margarida Maria do Carmo; ambos contiguos ao referido cemiterio (sic). ”
(LEMOS, 1905).
O último acréscimo datado, através do Relatório de 1908, Lemos delimita o novo lote do
cemitério até a Rua dos Pariquis, confirmando a hipótese de a mesma estar materializada na
malha urbana, e não ser identificada apenas como um número. Além disso é relatado no
Relatório de 1902, os serviços de calçamento da referida rua, assim como no Relatório de
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1903 de Antônio Lemos é retratado a realização de cortejos fúnebres pela mesma via. As
ampliações posteriores, possíveis processos de extensão do período pós-Lemos ocorridas
até a Escola Estadual Paulo Maranhão, ainda não possui dados suficientes, e não se sabe
como e quando ocorreram as ocupações dessa nova área ampliada, onde atualmente se
encontra mais um cemitério Israelita.
A análise dos mapas do entorno do cemitério de Santa Izabel, se inicia com o mapa de 1881,
já que o cemitério tem sua inauguração no ano de 1878. Neste mapa, fica evidente que o
Cemitério recém-inaugurado, ainda se localiza no subúrbio de Belém, ficando isolado das
restantes quadras. Em virtude disso, não há alterações nas quadras adjacentes, mas este
mapa contribui para deixar claro as implantações dos ideais modernos e higienistas neste
espaço recém-inaugurado, que tinham como objetivo isolá-lo do cotidiano da cidade (Figura
1).
Figura 4: Imagem interna do Cemitério de Santa Izabel, onde expõe o pouco entorno volumétrico que
há nas quadras adjacentes do mesmo. Fonte: Autora (2015).
Considerações finais
A História Urbana possibilita várias perspectivas da cidade, dentre elas, a ideia difundida pelo
grupo de Leicester, da “Cidade como processo”, o qual utilizo para conclusão deste debate.
Partindo deste princípio, a cidade se reproduz sobre seus habitantes, assim como sofre
interferências deles. Neste aspecto, as cidades do século XIX, sofrem com novos modelos, e
transpassam para os cemitérios, um novo ideal de modernidade, os transformando em
espaços invisíveis da cidade, ideia que progride desde os grandes planos urbanísticos
modernos, com a ausência do planejamento da cidade com este equipamento incluso, até os
períodos atuais sendo considerados espaços urbanos marginalizados e afastados dos centros
urbanos.
Diante do processo de ocupação que o cemitério de Santa Izabel passou, assim como outros
cemitérios em Belém e no mundo, este espaço vivenciou processos de desterritorialização e
territorialização para a paisagem da cidade desde sua inauguração. Durante a ocupação
territorial da cidade de Belém, o cemitério esteve durante muito tempo às margens do centro
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urbano da cidade, e com isso esteve como território invisível para a população geral da cidade.
Entretanto para os frequentadores do bairro, que sempre foi considerado como um lugar dos
excluídos por possuir hospitais, incluindo o “leprosário”, este espaço sempre esteve incluído
na rotina daqueles que a cidade queria excluir. Nesse aspecto, paradoxalmente, o cemitério
de Santa Izabel sempre esteve nessa dicotomia entre o visível para os “guamaenses”, mas
invisível para a população mais rica da cidade.
Em uma perspectiva do bairro, este espaço se potencializa como comunicante. Partindo que
cada indivíduo cria percepções individuais sobre os espaços, o cemitério de Santa Izabel
também possui essa interferência nos seus frequentadores e redondezas. Esta conclusão fica
mais evidente, quando notamos que hoje essa região adquiriu uma personalidade fúnebre,
com serviços destinados à essa prática.
Referências Bibliográficas
ALMANDOZ, A. Revisão historiográfica urbana na América hispânica, 1960-2000. In:
[PINHEIRO, Eloísa Petti; GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras]. A cidade como História:
Os arquitetos e a historiografia da cidade e do urbanismo. Salvador: EDUFBA, 2004. pp. [117-
150].
BONJARDIM, S. G. M.; BEZERRA, D.de C.; VARGAS, M. A. M. “A morte do cristão em
transformação: as cidades e o espaço da morte”. Fênix-Revista de História e Estudos
Sociais. Uberlândia: [s.n.], Vol. 7, N. 2, ago. 2010, p.1-21.
BOTELHO, Amanda Roberta de Castro. Santa Izabel e Soledade: O eterno e o mutável nas
alterações dos espaços cemiteriais na Belém do século XIX através de uma análise
cartográfica da morte. 208. 129 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Programa de Pós-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Instituto de Tecnologia, Universidade Federal do
Pará, Belém, 2018.
RESUMO
O projeto do complexo cultural Praça das Artes, localizado na cidade de São Paulo, foi concebido, a
partir de 2006, em razão da necessidade de ampliação dos espaços de ensaio vinculados ao Teatro
Municipal. O projeto é de autoria do escritório Brasil Arquitetura, liderado pelos arquitetos Marcelo
Ferraz e Francisco Fanucci, em parceria com Marcos Cartum, da Secretaria Municipal de Cultura. Em
razão de um programa funcional amplo e complexo, o projeto adota várias estratégias frente às
preexistências, que vão da preservação de edifícios históricos à demolição de construções existentes,
passando ainda por reformas com variados graus de modificação. O presente artigo tem por objetivo
refletir sobre a relação do projeto da Praça das Artes com as preexistências, sejam bens tombados ou
não, e com o sítio urbano em que está inserido. Além da questão dos edifícios preexistentes que
foram incorporados ao projeto, o artigo abordará também o descarte (demolição) de várias
edificações na região, eliminadas para a implantação da praça que constitui o acesso principal ao
complexo, entre elas um edifício de aproximadamente 10 pavimentos. Por fim, pretende-se abordar
como o conjunto se relaciona com o tecido urbano das quadras da região, mantendo uma
variabilidade tipológica e abrindo novas perspectivas de observação do entorno.
A Praça das Artes é um espaço cultural localizado no centro da cidade de São Paulo,
construído para funcionar como um anexo do Teatro Municipal, que se localiza nas
proximidades. Foi projetado a partir de 2006 pelo escritório Brasil Arquitetura, liderado pelos
arquitetos Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci, em parceria com Marcos Cartum, da
Secretaria Municipal de Cultura. O projeto foi analisado entre os anos de 2020 e 2021, no
bojo da pesquisa “Projeto e Patrimônio”, realizada pelo Grupo de Pesquisa “Projeto, Cidade
e Memória”, do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de
Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (PPG-AU/FAUFBA), sob a coordenação do
Prof. Nivaldo Vieira de Andrade Júnior. A pesquisa tem como objetivo analisar intervenções
projetuais contemporâneas sobre monumentos e sítios históricos tombados, a partir da obra
dos arquitetos Lina Bo Bardi e Paulo Ormindo de Azevedo e do escritório Brasil Arquitetura.
No ano em que o projeto da Praça das Artes teve início, o escritório Brasil Arquitetura já
contava com diversos projetos executados de intervenção no patrimônio, alguns, inclusive,
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premiados no Brasil e no exterior. Dentre as obras analisadas, destacam-se algumas. O
projeto elaborado pela Brasil Arquitetura em 1995 para a edificação eclética do Teatro
Polytheama, em Jundiaí, retoma um projeto elaborado em 1986 sob a coordenação de Lina
Bo Bardi, contando então com a colaboração de Ferraz e de André Vainer. O Conjunto
KKKK, na cidade de Registro, tombado pelo Governo do Estado de São Paulo em 1987,
cujo projeto data de 1996. A intervenção no conjunto de engenho e galpões remanescentes
da imigração japonesa no Vale do Ribeira, do início do século XX, visava viabilizar a
instalação de um Centro de Cultura e um Memorial da Imigração Japonesa. Para
viabilização do projeto foi preciso incorporar ao espaço um centro de formação de
professores que, por conta da extensão do programa, exigiu uma compartimentação do
espaço interno muito maior do que a previamente proposta. De forma geral, o projeto liberou
o conjunto de anexos que reduziam sua visibilidade e interferiam na sua legibilidade;
reforçou a relação do conjunto com a paisagem, em especial com o Rio Ribeira de Iguape;
modernizou suas instalações e recuperou alguns elementos perdidos que eram
fundamentais à compreensão do conjunto, como a marquise de conexão entre os galpões.
Reflexões sobre este projeto, realizadas a partir desta pesquisa, foram recentemente
publicadas por Andrade Junior, Pereira e Amaral (2021).
Por fim, cabe também destacar o projeto do Museu do Pão, de 2005, localizado na cidade
de Ilópolis, no Rio Grande do Sul. A intervenção contempla um museu sobre a história do
pão e uma escola de panificação. Para tanto, foi feita a restauração do Moinho Colognese,
construído em 1917, e foram propostos dois anexos em linguagem contemporânea, nos
quais foram utilizados concreto aparente, vidro e madeira. As edificações novas abrigam as
funções de museu, auditório e oficina de panificação, enquanto o moinho inclui uma bodega
para degustação e demonstração da atividade de moagem para produção de farinha.
FIGURA 01 – Planta de localização do projeto da Praça das Artes, destacando as edificações históricos
tombadas do entorno. Identificação das edificações numeradas: 1) Teatro Municipal; 2) CBI Esplanada; 3)
Palácio dos Correios; 4) Edifício Alexandre Mackenzie. Fonte: Acervo dos autores
O Centro da cidade de São Paulo é conhecido por sua pluralidade de usos e diversidade
tipológica. A região onde se insere o complexo é repleta de edificações relevantes que
refletem a história desta importante cidade brasileira, dentre as quais destacam-se alguns
bens tombados nas esferas municipal e estadual, como o Teatro Municipal, o edifício CBI
Esplanada, o Edifício Alexandre Mackenzie, o Edifício do antigo Banco de São Paulo, o
Palácio dos Correios e o Cine Marrocos.
Neste complexo contexto urbano, o programa funcional da Praça das Artes abriga espaços
de ensaio, apresentações e apoio de duas orquestras; duas escolas; dois corais; companhia
estável de balé e quarteto de cordas; além do centro de documentação artística. O projeto
tem uma área construída total de 28.500m² e ocupa uma parte considerável da quadra. A
intervenção, realizada em grande medida no miolo da quadra, se abre para a cidade em três
fachadas diferentes, em um conjunto densamente ocupado que foi parcialmente demolido
para o atendimento do programa. Algumas edificações foram mantidas, recebendo
intervenções de maior ou menor potencial transformador, incluindo edificações de valor
histórico cultural:
Ao fazer um corte no terreno, criando uma passarela aberta entre seus prédios, a
Praça quer ser continuação da cidade. Deixa o quarteirão respirar. Ela revela o
pulmão dessa área e permite uma proximidade íntima com os prédios. Algo raro na
São Paulo de hoje, mas com exemplos históricos e muito bem sucedidos, como o
Conjunto Nacional e o MASP, as duas praças efetivas da Avenida Paulista,
vibrantes, mesmo com décadas após sua construção. Sem falar das inúmeras
galerias que circundam a Praça das Artes, entre as quais, a mais popular,
movimentada e viva delas, conhecida como Galeria do Rock, dos arquitetos italianos
Hermano Siffredi e Maria Bardelli, responsáveis por outras galerias vizinhas na Rua
24 de Maio. (LORES, 2013, p. 29)
Além dessas edificações que compõem as três fachadas da Praça das Artes, existem mais
duas edificações que estão localizadas no miolo da quadra. A primeira é o anexo aos fundos
do Conservatório, uma edificação existente de 11 pavimentos que foi reformada e
incorporada ao projeto e exerce função de apoio à sala de concertos como camarim e
vestiários, e função administrativa. Pode ser acessada pelo Conservatório, pelo edifício da
Escola de Dança através de um corredor externo suspenso ou pela escada de planta
triangular que parte do miolo da Praça. A segunda é o edifício da Escola de Dança, que
conta com seis pavimentos e se conecta no primeiro pavimento com a edificação que dá
acesso à Praça pela Avenida São João. O edifício da Escola de Dança se conecta ao
Edifício Corpos Artísticos através de um corredor externo suspenso e ao edifício de Salas de
Ensaio Escola de Música.
É possível notar que, apesar do programa funcional ser extenso e haver uma setorização
das funções, o projeto estabelece relações espaciais fluidas. Isso se dá tanto pela presença
de conexões entre as edificações quanto pelo fato de os pavimentos térreos serem livres,
criando uma grande circulação longitudinal para os transeuntes e usuários. A tipologia do
Nosso projeto nasce de dentro para fora, das entranhas, e se conforma a partir
delas; se apresenta à cidade como uma denúncia da falência de um modelo urbano
que já não serve, já não funciona na escala da metrópole. [...]. Buscamos entender o
que estava obsoleto, sem uso ou função, o que tinha caducado desse velho
desenho urbano, e fazer disso nossa matéria-prima de projeto [...].
Por isso mesmo, como denúncia, os vazios no rés do chão não foram ocupados,
nem mesmo com colunas, criando uma grande passagem pública a céu aberto – um
espaço de encontros, a praça que dá nome ao conjunto. [...]
O que nos leva a uma escolha e decisão conceitual é, precisamente, a natureza do
lugar e sua compreensão enquanto espaço resultante de fatores sociopolíticos ao
longo de décadas – ou séculos – de formação da cidade. Compreender o lugar não
somente como objeto físico, mas como espaço de tensão, de conflitos de interesses,
de subutilização ou mesmo abandono, tudo importa. (BRASIL ARQUITETURA,
2021)
Outro aspecto fundamental para compreensão da relação do projeto com o conjunto urbano
se dá a partir das fachadas, que se articulam com o espaço de formas completamente
distintas. Há uma adequação à escala do conjunto e das vias, o que proporciona uma
interessante diversidade volumétrica, conectando quadras, abrindo o espaço para os
passantes, qualificando a região. A tomada de decisão sobre as intervenções e as relações
espaciais por elas estabelecidas passou também pelas decisões técnicas da equipe do
DPH. No processo de discussão do projeto, a arquiteta Lia Mayumi, da Seção Técnica de
Pelas informações repassadas aos pesquisadores por Lia Mayumi, foram vários os estudos
feitos para o projeto. Inicialmente, a área de intervenção era mais acanhada, principalmente
a fachada voltada ao Vale do Anhangabaú. O acesso mais generoso se dava pela Rua
Conselheiro Crispiniano, por meio de uma esplanada por onde também ocorria o acesso à
garagem subterrânea. Na Avenida São João, as dimensões do projeto eram similares à
executada, já incluindo o Conservatório. Na fachada voltada para a Rua Formosa (Vale do
Anhangabaú), apenas o antigo Cine Cairo e o Balé da Cidade eram contemplados.
FIGURA 02 - Croqui de estudo e fotomontagem do projeto da Praça das Artes. Fonte: DPH/ SMC, Prefeitura de
São Paulo.
O projeto foi aos poucos se ampliando e novas áreas, que iam sendo desapropriadas, eram
incorporadas a ele. Embora a proposta tenha se alterado radicalmente entre os primeiros
estudos e o projeto final, o rompimento do tecido urbano na Rua Conselheiro Crispiniano se
manteve. Neste sentido o projeto não recuperou a silhueta urbana, na qual Mayumi (2007)
identificava um “vazio” a ser preenchido. Na Avenida São João, a proposta final manteve a
ideia inicial de promover um acesso generoso na lateral do Conservatório, encimado por um
volume monolítico, que mantém a altura e o alinhamento do conservatório. No nível do
A maior ruptura com o conjunto é, sem dúvidas, aquela observada na fachada do Vale do
Anhangabaú. Da primeira proposta que incorporava apenas duas edificações de pequeno
porte, o projeto se amplia, avançando na direção norte até a esquina com a Avenida São
João. Essa fachada conta com uma edificação em altura localizada imediatamente ao lado
do edifício CBI Esplanada, que incorpora o espaço antes ocupado pelo Cine Cairo, além de
uma imensa praça que dá acesso ao miolo da quadra.
O que surpreende é descobrir que este amplo espaço, tão celebrado enquanto área pública,
deve-se à demolição de uma área densamente ocupada, não por pequenos edifícios que
poderiam ser considerados “obsoletos, sem uso ou função”, mas por um edifício de 10
pavimentos, que pertencia ao Sindicato dos Comerciários.
FIGURA 03 - Fachada original da Rua Formosa com as preexistências, estudos para a ocupação da frente da
quadra e feição final do projeto. Fonte: Lia Mayumi, 2021, DPH/ SMC, Prefeitura de São Paulo (1 e 2); acervo
dos autores (3).
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06 a 08 de outubro de 2021
As demolições
Pelas informações levantadas pelos autores deste artigo, foram demolidas pelo menos dez
edificações mais baixas, a maioria com dois pavimentos, e pelo menos um edifício em
altura, antiga sede do Sindicato dos Comerciários, com dez pavimentos organizados em três
blocos. A conservação do acervo arquitetônico do conjunto urbano não se justificaria,
unicamente, sob o ponto de vista da preservação patrimonial, já que a região não conta com
um acautelamento enquanto conjunto urbano e os valores oficialmente reconhecidos se dão,
especialmente, sobre bens isolados. Contudo, há na Resolução 37/92 do Conselho
Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São
Paulo (CONPRESP), cujas considerações iniciais merecem nota, pois remetem ao “valor
histórico, social e urbanístico representado pelos vários modos de organização do espaço
urbano que compõem a área central da cidade, destacando-se o Vale do Anhangabaú”
(SÃO PAULO, 1992), mencionando ainda o “significado paisagístico e ambiental” da região
do Vale do Anhangabaú e o “valor histórico-arquitetônico, ambiental e afetivo de diversos
imóveis na região e vizinhas.” (SÃO PAULO, 1992). Há que se considerar, então, que os
tombamentos isolados efetivados pela Resolução são relevantes não apenas por seus
atributos "histórico-arquitetônicos'', mas também porque se inserem naquele determinado
contexto urbano e por comporem uma paisagem específica.
É fato que, inicialmente, o projeto não contemplava um programa tão extenso e uma área
tão ampla, os lotes foram sendo incorporados ao longo do processo e as demolições foram
dando mais espaço à intervenção, surgindo a proposta da grande praça, que não aparece
nos croquis iniciais. A amplitude da praça e a criação do acesso ao conjunto por esta face
parece ter invertido a relação frente-fundo da intervenção. O acesso pela Praça Conselheiro
Crispiniano, mais próximo ao Teatro Municipal, que nos primeiros croquis era o mais
Segundo comunicado da Prefeitura de São Paulo, publicado em abril de 2011 na sua página
na internet, o edifício do Sindicato dos Comerciários foi desapropriado para ser demolido e
dar lugar a “uma área de convivência totalmente ajardinada, que funcionará como acesso ao
conjunto da praça” (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2011). Outra motivação para a
demolição do edifício de dez pavimentos e três blocos teria sido, inacreditavelmente, facilitar
a restauração da fachada do Cine Cairo: “além de facilitar o acesso à Praça das Artes, a
demolição da antiga sede do Sindicato dos Comerciários beneficiará as obras de
restauração da fachada do local onde funcionava o Cine Cairo - edifício vizinho cuja
construção é colada ao prédio.” (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2011)
FIGURA 04 - Foto do conjunto urbano preexistente, do início da demolição do Sindicato dos Comerciários e do
projeto executado, vista do Vale do Anhangabaú. Fonte: (1) MAYUMI, 2021; (2) Divulgação da Prefeitura de SP -
foto de Fábio Arantes e (3) site Brasil Arquitetura.
O edifício localizado na Rua Formosa, 401, funcionava originalmente como Frontão Nacional
e abrigava uma quadra de pelota basca (NOSEK, 2013, p. 25). Depois, abrigou várias
funções até ser inaugurado o Cine Cairo, em 1952, cujo funcionamento se estendeu até
2009, quando foi fechado para dar lugar à Praça das Artes. A presença do Cine Cairo e Cine
Marrocos, na quadra 27, juntamente com o Cine Art Palácio, Cine Dom José, Cine Ritz e
Cine Olido, na quadra vizinha, demonstram a importância do cinema de rua a partir da
década de 1950 em São Paulo. Durante muitos anos, os cinemas de rua representavam
uma das principais formas de entretenimento da população. Estes equipamentos
começaram a perder espaço nas últimas décadas do século XX, com a popularização dos
cinemas construídos no interior de shoppings centers. Neste processo, a maioria dos
cinemas de rua entraram em decadência e não foi diferente com o Cine Cairo.
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Ao ser incorporado ao projeto, o Cine Cairo passou a compor o conjunto do Edifício Corpos
Artísticos, e, devido ao seu estado precário de conservação, era evidente a necessidade de
uma grande intervenção para a sua requalificação. Dentro da proposta de um espaço
cultural como a Praça das Artes, um cinema não seria de modo algum um uso exógeno,
pelo contrário, poderia ser uma atividade interessante e agregadora. No entanto, o edifício
do Cine Cairo foi integralmente demolido, sendo preservada apenas sua fachada, agora
acoplada a uma nova edificação que faceia, internamente, a fachada remanescente,
seguida de outro volume de altura superior à original, rompendo com a escala da
preexistência. O desaparecimento da edificação do Cine Cairo e da sua função reforça o
apagamento da cultura do cinema de rua, como também destrói valores espaciais daquela
tipologia arquitetônica. Os autores, ao se referirem ao projeto, destacam que o Cine Cairo
sempre como apenas uma fachada: “do extinto Cine Cairo, na Rua Formosa, permanece a
fachada, agora amalgamada ao novo edifício destinado aos corpos artísticos.” (FANUCCI,
FERRAZ E CARTUM, 2013 p. 36). Um leitor pouco atento poderia supor que o Cine Cairo
correspondia, quando do início do projeto da Praça das Artes, a tão somente uma ruína, de
uma fachada solta, quando, de fato, a sua demolição foi uma decisão tomada no
desenvolvimento do projeto.
E mesmo que se tratasse apenas de uma fachada remanescente, uma ruína por exemplo, a
questão da sua integração a novos projetos de arquitetura poderia ser tratada de forma a
recuperar a silhueta urbana e qualificar a paisagem. Um exemplo em que este tema foi
tratado de forma bastante sensível é o projeto desenvolvido pelo arquiteto Paulo Ormindo de
Azevedo para o Centro Cultural Dannemann, na cidade de São Félix, Recôncavo Baiano, no
final dos anos 1980: mesmo dispondo apenas da fachada frontal de um conjunto edificado,
Azevedo desenvolveu um projeto contemporâneo que qualificou de forma impactante a
realidade local:
Essa incoerência se torna mais evidente no caso do Cine Cairo por se tratar de programa
funcional compatível. A restauração da edificação, se feita preservando seus valores de
forma mais integral, contribuiria para a valorização do cinema de rua e da pluralidade
tipológica do Centro de São Paulo, agregando ainda mais diversidade ao complexo.
O atual Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, localizado na Avenida São João,
269, foi construído em 1896 para ser a loja do comerciante de pianos Friedrich Joachim.
Além do espaço para vendas, o edifício possuía um salão de concertos, o Salão Steinway, e
depois de uma reforma realizada em 1899, passou a funcionar como Hotel Joachim's. O
edifício foi transformado em Conservatório a partir de 1909, aproveitando o salão de
concertos e adaptando os quartos do hotel em salas de aula (NOSEK, 2013, p. 14). O
Conservatório foi a primeira escola superior de música e artes dramáticas de São Paulo,
representando um espaço muito importante para os artistas da época durante décadas. Por
questões políticas, uma parte considerável do corpo docente foi expulsa entre 1942 e 1943,
Ao ser incorporado à Praça das Artes, o Conservatório passou por reforma dos anexos e
restauração do prédio principal. Tanto as paredes internas e o forro, internamente, quanto a
fachada foram pintados de branco, postura costumeiramente adotada pelo escritório em
relação a edificações ecléticas: o mesmo tratamento, por exemplo, foi dado ao Teatro
Polytheama, em Jundiaí, em 1995, e à antiga residência do Comendador Bernardo Martins
Catharino, atual Museu Rodin, em Salvador, em 2002, aparentemente ignorando o valor do
bem, que, segundo Nahas (2008, p. 266), era “[...] um dos últimos exemplares da arquitetura
eclética baiana, sendo o primeiro edifício no estilo tombado pelo IPAC, órgão de
preservação do patrimônio do Estado, na década de 1980.”
A partir da fala do arquiteto sobre o Conservatório percebe-se que há, realmente, uma total
falta de reconhecimento dos valores estéticos ligados à arquitetura eclética incorporada ao
projeto.
Considerações Finais
O projeto da Brasil Arquitetura para a Praça das Artes possui inúmeras qualidades, da
capacidade de reinterpretar criticamente a paisagem urbana heterogênea do centro de São
Paulo de forma criativa, criando novos marcos arquitetônicos, à generosidade na criação de
amplos espaços públicos no miolo da quadra e em sua articulação com os logradouros que
a limitam. A solução adotada para o acesso ao conjunto pela Avenida São João é
particularmente bem-sucedida, ao adotar a mesma linguagem do restante do complexo, em
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concreto aparente pigmentado, porém em um volume que respeita a escala dos imóveis
vizinhos.
ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de. A Questão da Ocupação dos Vazios em Conjuntos
Históricos: da reconstrução literal ao contraste radical. In: Anais do IX Seminário de História
da Cidade e do Urbanismo. São Paulo: FAU-USP/ FAU-Mackenzie, 2006.
FANUCCI, Francisco; FERRAZ, Marcelo; CARTUM, Marcos. A Praça das Artes. In: NOSEK,
Victor (org.). Praça das Artes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2013.
LORES, Raul Juste. A Praça das Artes e os quarteirões doentes. In: NOSEK, Victor (org.).
Praça das Artes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2013.
NOSEK, Victor. A quadra da Praça das Artes e a cidade. In: NOSEK, Victor (org.). Praça das
Artes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2013.
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Teatro Municipal de São Paulo. Disponível em:
<https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/obras/sp_obras/noticias/?p=22764>.
acesso em 15 de setembro de 2021.
WAINWRIGHT, Oliver. ‘Sometimes the answer is to do nothing’: unflashy French duo take
architecture’s top prize. The Guardian, 16 March 2021. Disponível em:
<https://www.theguardian.com/artanddesign/2021/mar/16/lacaton-vassal-unflashy-french-
architectures-pritzker-prize>. Acesso em 16 out. 2021.
2. UFMT. Multimundos
Avenida Marechal Deodoro da Fonseca, 546, apto. 93, Centro - Guarujá-SP
dielcio.moreira@gmail.com
RESUMO
O espaço escolar nunca foi tão discutido como nos últimos anos. Com o advento da COVID-19, a
metamorfose da tipologia do edifício escolar surge de acordo com as novas necessidades da
sociedade e objetiva atender demandas relacionadas tanto a contextos do distanciamento social
quanto a cultura digital. Os edifícios escolares, aqueles nos quais estão inseridas as atividades
educativas, possuem papel importante no debate sobre a convivência. Os projetos com tipologia
inovadora estão centrados na preocupação estética, integração com o meio ambiente, continuidade
espacial entre salas, circulação e processos de ensino/aprendizagem: o espaço arquitetônico
protagoniza na estrutura de construção de conhecimento, atendendo a espacialização de programas
educativos. Arquitetonicamente, os espaços escolares libertam. A nova geração, para Paula Sibilia
(2012), assume uma experimentação mais ousada, permite que a cultura digital já presente nas
práticas de alunos e professores e em diferentes métodos em ensino/aprendizagem questione os
espaços escolares tradicionais e avance de forma a gerar novos atributos para a concepção de
espacialidades nas escolas. Apesar do avanço digital, projetos arquitetônicos ainda são em sua
maioria desenvolvidos com propostas conservadoras, segundo Doris Kowaltowski (2011). No entanto,
projetos escolares inovadores encontrados em várias partes do mundo, como no Vietnam, Japão,
Alemanha, Finlândia e Brasil mostram que é preciso refletir sobre esse novo mundo digital também na
concepção de novas escolas. Antonio Martire (2017) debate a necessidade da renovação dos
espaços para torná-los mais atrativos, com diferentes dinâmicas de uso: espaços criados e
destinados para diferentes atividades. Aberturas generosas e ventilação natural possibilitam que a luz
e os ventos penetrem no interior dos edifícios; tratamento acústico garante privacidade no espaço de
aprendizagem; áreas internas e externas dialogam com a natureza e o meio ambiente, entre outas
soluções que possibilitam a inclusão de alunos e professores na cultura digital. A relação que a
arquitetura tem com o ambiente escolar participa ativamente na “poética do espaço”, enquadramento
de Gaston Barchelard (1974), exerce influência, reflete nos modos de ocupação, desloca significados
e possibilita uma interpretação ampliada da leitura arquitetônica. Os espaços inovadores atendem
diferentes atividades, são flexíveis e contemplam a integração dos públicos, com tecnologia,
praticidade e estética capazes de atender estudantes e professores conectados. Percebe-se a
relevância da diferenciação tipológica do edifício escolar tradicional e o inovador, principalmente para
um debate em torno de demandas contemporâneas da cultura digital em que o jovem estudante do
século XXI está inserido e é, reconhecidamente, um dos protagonistas. Reflexões em torno desse
tema abordam a poética espacial e a indispensabilidade de tornar esses espaços interativos, em
diálogo com o público escolar e o mundo digital.
A arquitetura é produzida por arquitetos que desenvolvem uma visão ampla e geral
do contexto e das técnicas de edificação. O escopo vai da grande escala, como projetar
uma cidade, à uma pequena escala, como projetar uma cadeira, mas, independentemente
da finalidade fim dos objetos e dos edifícios projetados, o importante é que estejam
adequados a sociedade contemporânea.
Conforme Sibilia (2012), a indagação se a escola está em crise é atual e precisa ser
debatida. Que juízos e subjetividades o ambiente escolar tem produzido hoje em dia,
pensando no presente e no futuro da sociedade. É necessário indagar o compromisso da
escola e seus espaços concebidos a partir de velhas convicções e certezas que já não
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funcionam mais? A tecnologia está avançando e os espaços arquitetônicos escolares
conservadores não estão mais alinhados com os novos diálogos transmidiáticos, deixando
de exercer influência nas relações acadêmicas e não dialogando com o jovem do século
XXI. A relação espaço/estudante/cultura da convergência1 faz emergir a necessidade de
análise de espaços inovadores, singulares, de espacialidade atrativa e dinâmica.
ARQUITETURA ESCOLAR
1 Conceito desenvolvido por Henry Jenkins (2009) para explicar o fenômeno de produção midiática
para contar uma história em diferentes meios e formatos.
Segundo (LEÃO, 1999), a escola “surgiu a partir do advento dos sistemas nacionais
de ensino, que datam do século passado, mas que só atingiram maior força e abrangência
nas últimas décadas do século XX” (LEÃO, 1999, p. 188). Inspirada na emergente
sociedade burguesa e no princípio de que a educação é direito de todos e dever do estado,
a sua incumbência estava na construção e consolidação de uma sociedade democrática:
2 Trecho original em espanhol: “Uma de las ideas recorrentes es la brecha que existiria entre las
nuevas competências requeridas por la sociedade digital y la configuración de las aulas que
conducuría a modalidades de impartir clases conectadas aún com formas tradicionales”. (MARTIRE,
217, P. 44)
A rede de escolas sueca Vittra Telefonplan (figura 01) mantém instituições com
arquitetura fora dos padrões, sem tantas paredes. Nas salas de aula, no lugar das
tradicionais mesas e carteiras, a variedade de espaços, e o design é utilizado para
potencializar o aprendizado. A rede conta com mais de 30 instituições e todas tem um
desenho diferente, adaptado às características do lugar onde está. A preocupação é
proporcionar espaços atraentes, pois “nós aprendemos de diversas maneiras. Precisamos
ser inspirados e comunicar uns com os outros e com o mundo ao nosso redor”, diz a Vittra
em seu site. É certo que o conceito inovador dos espaços tem impacto na aprendizagem,
não só no contexto pedagógico, mas também na socialização, na preparação do jovem para
a vida do século XXI.
Os blocos de concreto criam rendas de luz e sombra. Percebe-se que mesmo com
poucos recursos e com o uso de tradicionais materiais da construção civil, como os blocos
de concreto, cimento queimado utilizados repetidamente de diferentes maneiras
possibilitaram o enquadramento fragmentado da paisagem na escala das crianças,
caracterizando-se não como limite, mas como abrigo. Uma torre, pequena e alta, é um local
estratégico de vigia das brincadeiras para desbravar a vista, como em um baluarte de um
forte português que lança diferentes olhares sobre a paisagem (ARCHDAILY, 2015). Uma
pequena arquibancada ajustada ao terreno é o espaço flexível para o imaginário. O espaço
é utilizado de múltiplas maneiras, desde brincadeiras de roda às contações de estórias,
sempre beneficiado pela vista privilegiada.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
PLONSKI, G. A. Inovação em transformação. Estud. av. [online], São Paulo, v. 31, p. 7-21,
Maio 2017. Disponivel em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142017000200007>. Acesso em: 16 fev. 2021.
O espaço escolar nunca foi tão discutido como nos últimos anos. Com o
advento da COVID-19, a metamorfose da tipologia do edifício escolar surge de
acordo com as novas necessidades da sociedade e objetiva atender demandas
relacionadas tanto ao contexto do distanciamento social quanto a cultura
digital. Os edifícios escolares, aqueles nos quais estão inseridas as atividades
educativas, possuem papel importante no debate sobre a convivência. Os
projetos com tipologia inovadora estão centrados na preocupação estética,
integração com o meio ambiente, continuidade espacial entre salas, circulação
e processos de ensino/aprendizagem: o espaço arquitetônico protagoniza na
estrutura de construção de conhecimento, atendendo a espacialização de
programas educativos.
Arquitetonicamente, os espaços escolares libertam, a nova geração abordada
por Paula Sibilia assumem uma experimentação mais ousada, permitem que a
cultura digital já presente nas práticas de alunos e professores e em diferentes
métodos em ensino/aprendizagem questione os espaços escolares tradicionais
e avance de forma a gerar novos atributos para a concepção de espacialidades
nas escolas. Apesar do avanço digital, projetos arquitetônicos ainda são em
sua maioria desenvolvidos com propostas conservadoras para Doris
Kowaltowski. No entanto, projetos escolares inovadores encontrados em várias
partes do mundo, como no Vietnam, Japão, Alemanha, Finlândia e Brasil
mostram que é preciso refletir sobre esse novo mundo digital também na
concepção de novas escolas. Antonio Martire debate a necessidade da
renovação dos espaços, atrativos, com diferentes dinâmicas de uso: espaços
criados e destinados a diferentes atividades. Aberturas generosas e ventilação
natural possibilitam que a luz e os ventos penetrem no interior dos edifícios;
tratamento acústico garante privacidade no espaço de aprendizagem; áreas
internas e externas dialogam com a natureza e o meio ambiente, entre outas
soluções que possibilitam a inclusão de alunos e professores na cultura digital.
ABREU FILHO, SILVIO B. (1); FAGUNDES, ANGELA C. (2) OLIVEIRA, MAITÊ T.(3)
1. UFRGS. PROPAR
R. Sarmento Leite, 320 - Centro Histórico, Porto Alegre - RS, 90050-170
silvio.abreu.arq@gmail.com
2. UFRGS. PROPAR
R. Sarmento Leite, 320 - Centro Histórico, Porto Alegre - RS, 90050-170
angelacristianefagundes@hotmail.com
2. UFRGS. PROPAR
R. Sarmento Leite, 320 - Centro Histórico, Porto Alegre - RS, 90050-170
maite_trojahn@hotmail.com
RESUMO
O tema deste artigo é a arquitetura moderna gaúcha com enfoque na produção arquitetônica do arquiteto
Emil Bered. A trajetória profissional de Emil Bered cobre quase toda a segunda metade do século XX, em
contribuição fundamental para a introdução, difusão e consolidação da arquitetura moderna no sul. Mesmo
tendo a qualidade e relevância da sua produção arquitetônica reconhecida em todos os estudos da
arquitetura moderna gaúcha, as publicações disponíveis não abordam o conjunto da obra; encontramos
apenas estudos parciais que documentam alguns edifícios mais conhecidos da sua produção. O artigo é
parte de uma pesquisa para documentar sua obra completa, e tem como base dois trabalhos de mestrado
em desenvolvimento. Os objetivos gerais da pesquisa são contribuir para o conhecimento da arquitetura
moderna no contexto brasileiro e local do pós guerra aos anos 1980, através do estudo da obra de um de
seus mais destacados arquitetos; coletar, documentar e organizar a obra de um arquiteto exemplar da
modernidade, contribuindo para a constituição de seu inventário e acervo; e empreender a análise crítico-
comparativa dos projetos, contribuindo para o aprofundamento de um quadro de referência teórico e suas
dimensões críticas e historiográficas. Neste artigo optou-se por recortes tipológico e temporal específicos,
envolvendo uma amostra da produção de edifícios de habitação coletiva de autoria de Bered na cidade de
Porto Alegre, nos anos 50 a 70. O recorte compreende os edifícios Linck, Redenção, Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, Nogarô e Nilza Esther, dos anos 50, e os edifícios Christoffel, Faial, Novo Parque, Sinuelo,
Condado de Luzerne e Florença, dos anos 60/70. O objetivo específico do trabalho é o registro sistemático
da documentação e análise crítica comparativa de estudos de casos, anteriores e posteriores ao Plano
Diretor de 1959, permitindo situar a produção de Bered no contexto da arquitetura residencial moderna do
período. A análise destaca o processo de geração de projeto, os elementos compositivos e de arquitetura
utilizados, as circunstâncias de contexto, legislação e encargo, e as relações com o desenvolvimento dos
paradigmas disciplinares. Além de expandir a documentação da obra do arquiteto, o registro contribui pela
qualidade e exemplaridade da amostra para o avanço do conhecimento referente ao projeto da habitação
coletiva na arquitetura moderna gaúcha e brasileira no período em estudo.
O tema deste artigo é a arquitetura moderna gaúcha com enfoque na produção arquitetônica do
arquiteto Emil Bered, através da análise crítico-comparativa de seus edifícios. A investigação
procura relacionar, documentar e analisar uma amostra da obra de habitação coletiva,
produzindo um registro sistemático do seu trabalho antes e depois do Plano Diretor de 1959/61 e
identificar influências e contribuições para a construção de uma identidade moderna na
arquitetura gaúcha. Nascido em Santa Maria (RS) em 1926, Emil Achutti Bered ingressou na
primeira turma do Curso de Arquitetura do Instituto de Belas Artes em 1946, formou-se em 1949
e iniciou imediatamente sua vida profissional em Porto Alegre. Projetou muito intensamente
desde então, em parceria com seus colegas Salomão Kruchin, que foi seu sócio durante os anos
50, e Roberto Félix Veronese, e depois com outros parceiros ou individualmente.
A trajetória profissional de Emil Bered cobre quase toda a segunda metade do século XX, em
contribuição fundamental para a introdução, difusão e consolidação da arquitetura moderna no
sul. Mesmo tendo a qualidade e relevância da sua produção arquitetônica reconhecida em todos
os estudos da arquitetura moderna gaúcha, as publicações disponíveis não abordam o conjunto
da obra; encontramos apenas estudos parciais que documentam alguns edifícios mais
conhecidos da sua produção.
O artigo é parte de uma pesquisa para documentar sua obra completa, e tem como base dois
trabalhos de mestrado em desenvolvimento. Os objetivos gerais da pesquisa são contribuir para
o conhecimento da arquitetura moderna no contexto brasileiro e local do pós guerra aos anos
1980, através do estudo da obra de um de seus mais destacados arquitetos; coletar, documentar
e organizar a obra de um arquiteto exemplar da modernidade, contribuindo para a constituição
de seu inventário e acervo; reunir a fortuna crítica e empreender a análise crítico-comparativa
dos projetos, contribuindo para o aprofundamento de um quadro de referência teórico e suas
dimensões críticas e historiográficas.
Neste artigo optou-se por um recorte tipológico específico, estudos de casos de habitação
coletiva (edifícios de apartamentos, principalmente em altura) de autoria de Emil Bered em Porto
Alegre. Em função da relevância de sua produção em período extenso que vai de 1950 aos anos
1980, adotou-se um duplo recorte temporal: o período inicial de expansão metropolitana e
verticalização das áreas mais centrais e principais radiais da cidade, com a introdução e difusão
da arquitetura moderna (1940-1960), e o período sob hegemonia do Plano Diretor de 1959-61
(1960-1980). Os recortes se justificam pela produção do arquiteto no período se orientar por
duas visões quase opostas de cidade, uma baseada na inserção de exemplares de arquitetura
moderna na cidade tradicional, com a construção baseada no regime de alinhamento e gabarito
com alturas proporcionais à largura da via, rua-corredor e quarteirão periférico, e outra baseada
em uma nova espacialidade, de caráter fundamentalmente moderno, do edifício isolado no lote
com recuos proporcionais à altura, e do quarteirão aberto.
Do ponto de vista analítico o artigo tem foco nas estratégias de projeto e no repertório de
elementos de arquitetura e de composição utilizados pelo arquiteto em seus projetos, antes e
depois do Plano Diretor de 1959-61. Os edifícios foram selecionados levando em consideração a
qualidade e representatividade dentro do recorte, as situações de implantação (esquina e meio
de quadra), a utilização diferenciada de elementos de arquitetura e de composição, e a
oportunidade de apresentar material documental inédito. O recorte compreende 6 exemplares do
Primeiro Período, os edifícios Linck, Redenção, Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Nogarô e Nilza
Esther, todos dos anos 50, e 6 exemplares do Segundo Período, os edifícios Christoffel, Faial,
Novo Parque, Sinuelo, Condado de Luzerne, e Florença, dos anos 60-70.
Primeiro período
Edifício Linck
Localizado num “cul-de-sac”, o Edifício Linck, de 1952, foi o primeiro encargo de porte da equipe
de Bered, Kruchin e Veronese. O terreno com frente norte e declive em relação à via propiciou
um edifício composto de subsolo, térreo e oito pavimentos tipo com dois apartamentos de 220
m² por pavimento e um apartamento térreo aproveitando o declive.
A composição formal do edifício define um corpo de volume opaco perfurado por aberturas
apoiado sobre uma base em pilotis frontal em primeiro plano com os acessos, e um fundo com
dependências condominiais e o apartamento térreo. A fachada frontal principal é tratada em
grelha horizontal com plano ressaltado em relação às paredes laterais da divisa, formando uma
caixa saliente de fatias definidas pelas linhas das lajes e balcões. A estratégia atende à
necessidade de proteção solar da orientação norte com um plano virtual de diferentes
profundidades que permite localizar balcões junto a salas e dormitório principal e peitoris simples
alocando mais superfície aos outros dois dormitórios. Luccas nota que a solução, “de linhas
horizontais predominantes, foi resolvida de forma atípica, afastando-se do precedente da grelha
ortogonal presente na Arquitetura Moderna brasileira de vertente corbusiana”, associando o
arranjo com predomínio de linhas horizontais a antecedentes como a composição frontal do
Banco Boa Vista (1946) de Niemeyer (LUCCAS, 2004). Ströher aponta certa ambiguidade na
expressão formal das funções, com o balcão frontal das salas e dormitório principal com
acabamento em gradil metálico, e os outros dois dormitórios em peitoril de volume avançado
marcado por revestimento em cor marrom (STRÖHER, 1997). No bloco dos fundos, são
eliminados os balcões.
Edifício Redenção
Os elementos de arquitetura estão claramente definidos no térreo, com uma mureta de pedra
que contorna parte do edifício, os pilotis altos, as esquadrias de fechamento do hall, um painel
de cerâmica que marca a transição da área social para a entrada de serviço, e a esquadria da
loja justapondo-se até a divisa lateral. Seu maior valor está na bela solução do pilotis no térreo
elevado.
Edifício Nogarô
O Edifício Nogarô, de autoria dos arquitetos Bered e Kruchin, está situado na esquina das ruas
Castro Alves e Doutor Florêncio Ygartua. O edifício de 1957 possui três pavimentos, com quatro
apartamentos por pavimento que conta com uma implantação peculiar, para melhor aproveitar a
área da esquina: optou-se por ocupar os limites de frente do terreno, exceto um pequeno espaço
não ocupado junto a divisa esquerda e o vazio central, necessário para ventilar e trazer
iluminação natural para os espaços de serviço. Outra solução foi de fazer dois acessos
independentes, formando dois blocos autônomos, embora unidos, inclusive, formando,
visualmente um volume único.
Um dos blocos, acessado pela rua Castro Alves, dispões, no térreo, de um apartamento de um
dormitório e um de dois dormitórios. Nos pavimentos tipos segue a mesma configuração com um
pequeno acréscimo de área no apartamento maior.
É possível verificar no edifício a composição formal dos planos verticais obedecendo uma
regularidade nos pavimentos tipo, decorrentes da distribuição da planta baixa, distinta da que
ocorre no pavimento térreo, que também corresponde a organização dos ambientes em planta.
O Edifício Rio Grande do Sul, de 1957, está sobre terreno retangular de meio de quadra na Rua
24 de Outubro. Local, contexto e programa levaram Bered e Kruchin à proposta de um partido
com lançamento do volume edificado afastado das divisas e um apartamento por pavimento. O
volume vertical é caracterizado pela justaposição de dois prismas de base retangular, um corpo
maior opaco ao fundo, onde a massa edificada é predominante em relação às aberturas e uma
“caixa de vidro” à frente, marcada horizontalmente por vigas/floreiras que definem os pavimentos
(STRÖHER, 1997). A viga floreira e os panos de esquadrias contínuas tripartidas
horizontalmente que compõem a fachada encobrem a estrutura vertical do edifício. As colunas
recuadas da fachada nas salas de estar transmitem o conceito de independência estrutural,
apresentando os quatro pilares circulares contra o envidraçamento, e aparecem no térreo,
insinuando pilotis frontal. A composição é coroada pelo bloco posterior da edificação, um pouco
mais alto que o frontal.
O térreo adota a tipologia de base extensa, com cinco módulos de divisa a divisa. O
aproveitamento do térreo dá-se com lojas em dois módulos junto à divisa oeste; dois módulos
recebem o acesso social com hall de elevador e portaria, tendo ao fundo escada, hall de serviço
e apartamento de zelador; o último módulo é recuado da divisa leste com passagem que permite
acesso lateral à entrada de serviço e para a garagem com 18 vagas em corpo isolado aos
fundos, ventilado por poço inglês. Sobre a área de garagem um terraço evidencia o cuidado do
arquiteto no tratamento do espaço aberto.
O pavimento tipo de 360m² tem planta de base quadrada (um “T” tendendo ao cruciforme), com
o núcleo de circulação vertical como outro quadrado inscrito ao centro. Essa localização permite
setorização e adequada distribuição espacial às áreas social, íntima e de serviços do amplo
apartamento de 330m². Os três dormitórios estão a fundos, à norte, com um balcão contínuo em
balanço. Os serviços são voltados para oeste. A área social desenvolve-se na frente, a sul, com
a sala de estar ocupando todo o volume frontal, sala de jantar no volume de fundos a oeste e
lavabo e gabinete a leste.
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06 a 08 de outubro de 2021
Para Luccas o edifício abordava de forma inaugural o tema do apartamento moderno de luxo,
afastado das divisas (LUCCAS, 2016). Mesmo ainda não obrigatórios pela legislação e no caso
limitadas aos 1,5m regulamentares do Código Civil, a solução já tinha sido adotada em outros
prédios similares de arquitetura tradicional da década, como o Edifício Querência na mesma rua,
e o Edifício Arachane na Praça Maurício Cardoso.
O Edifício Nilza Esther foi projetado por Bered e Kruchin em 1957, está situado na Rua 24 de
Outubro com frente sul. O projeto original do edifício agrega programa comercial no térreo e
desenvolve-se em duas barras unidas por um volume que abriga a circulação vertical,
configurando um partido em forma de “H”, ocupando-o até os seus limites de divisas. Entretanto,
apenas a ala frontal foi executada.
O projeto original dispõe em dois corpos transversais ocupando toda a largura do terreno quatro
apartamentos de três dormitórios por andar (dois apartamentos no caso do Edifício Linck) em
placas paralelas unidas por um elemento de circulação vertical que incorpora algumas peças de
serviço, numa planta baixa em forma de “H”. Os dois corpos seriam praticamente simétricos ao
longo de um eixo transversal, mas não seriam simétricos entre si, diferenciando-se em função da
posição (frente e fundos) e orientação (sul e norte), com dependências principais – duas salas e
um ou dois dormitórios – para frente e fundos e dependências de serviço e dormitórios para duas
áreas internas de iluminação. A ala executada refere-se aos apartamentos de frente sul, dois
dormitórios, inclusive o principal tipo suíte, são voltados para a área de iluminação a norte; na
ala não executada seriam os apartamentos de fundos, com a disposição inversa, com dois
dormitórios (inclusive o principal) para o norte e um para a área de iluminação a sul.
No projeto implantado são onze pavimentos tipo, com dois apartamentos de 140 m² por
pavimento, servidos por circulação única dotada de escada e três elevadores.
O pilotis frontal neste caso assemelha-se a uma colunata de dupla altura, com os pilares frontais
arredondados e revestidos por pastilhas, com o pé direito um pouco maior, configurando uma
espécie de galeria que forma um espaço protegido na frente do acesso e das lojas.
A fachada principal é organizada por uma grelha quadrangular, definida pela divisão interna das
peças principais e pelas lajes dos entrepisos, a mesma solução adotada anteriormente no
Edifício Redenção em arranjo com maior complexidade. A grelha ocupa o pequeno balanço
frontal, demarcando e proporcionando mais espaço para as peças principais dos dois
No corpo de fundos o tratamento seria mais simplificado, sem a grelha em balanço, apenas
marcado pela sequência de janelas das peças principais.
Situado em um lote de esquina, o Edifício Porto Alegre, projeto de Bered e Kruchin em 1958
ocupa uma posição triangular do terreno de esquina entre as ruas Jerônimo Coelho e Duque de
Caxias, propiciando um “edifício que se desenvolve ocupando as divisas, voltado para as duas
ruas, condicionado por um eixo que passa pelo vértice do ângulo agudo do terreno e distribui,
simetricamente, os quatro apartamentos por andar tipo. No térreo, o mesmo eixo condiciona a
disposição dos elementos de composição.” (STRÖHER, 1997). O edifício possui 12 pavimentos
elevados por pilotis.
As plantas baixas do pavimento tipo são compostas por quatro apartamentos espelhados pelo
eixo que passa no vértice do triângulo. Os dois apartamentos situados na divisa do lote são
recuados e possuem um dormitório, os outros dois apartamentos que conformam a esquina são
salientes e possuem dois dormitórios. A área de circulação vertical possui localização central. As
plantas baixas do pavimento-tipo são resolvidas a partir do eixo divisório, como se os retângulos
formados por apartamentos dois a dois sofressem uma compressão para se acomodarem ao
ângulo. (STRÖHER, 1997). A planta baixa do térreo é definida por uma faixa de lojas na divisa
do lote, um volume que abriga transformadores, elevadores e o hall, contornado por duas
escadas e floreiras que arrematam a esquina.
Edifício Faial
A planta tipo é composta por um apartamento por pavimento, de três dormitórios, todos voltados
para a Rua Jerônimo Coelho, enquanto a sala de estar e jantar ocupa a esquina, e a cozinha e
serviços são voltados para o Largo. O térreo é composto por uma galeria sob pilotis, exigência
do código de obras, um abrigo para o playground e zelador, e na divisa do lote, na Rua Jerônimo
Coelho, acesso às garagens no subsolo.
Edifício Christoffel
O Edifício Novo Parque foi projetado e executado por Bered para atender uma demanda familiar,
e está situado em frente ao Parque Moinhos de Vento, então em implantação. O edifício
desprende-se das divisas, configurando um pequeno volume prismático, isolado no lote, sobre
pilotis com o térreo parcialmente ocupado pelo hall de acesso, serviços e um pequeno
apartamento a fundos. Sobre o pilotis configuram-se três pavimentos tipo com três unidades
habitacionais de 170 m², uma por pavimento.
A composição formal utiliza a mesma marcação horizontal das lajes de entrepiso presente no
Edifício Christoffel, mas os balcões são visualmente mais leves, com peitoris de vidro sobre um
simples balanço de laje.
Todos os apartamentos desfrutam da vista para o parque a partir da área social, voltada para
nascente. O acesso ao apartamento é por meio de um generoso vestíbulo, em referência aos
vestíbulos dos antigos casarões da Avenida Independência, que setoriza a zona social e a zona
intima do apartamento, constituída de 3 dormitórios, todos a norte, sendo um deles suíte com
balcão, além de uma sala de estar/jantar íntimo, com as zonas de serviços a sul com acesso
independente (LIMA, 2005).
Edifício Florença
Situado na Rua Riachuelo esquina com Rua General Câmara, o Edifício Florença desenvolve-se
em 12 pavimentos, térreo e subsolo. Possui duas fachadas voltadas para a via pública, a
fachada da Rua Riachuelo, de orientação solar sul e a da Rua General Câmara, de orientação
solar leste.
O edifício desenvolve-se em bloco compacto em forma de F, uma barra com duas adições de
volumes, notadas apenas em planta. A primeira abriga a circulação vertical e dependências de
serviço e a outra é uma extensão de um dormitório voltado para a Rua General Câmara, para
dar fechamento ao lote. Visualmente, o edifício é percebido como uma barra alinhada com a Rua
Riachuelo.
Os elementos de arquitetura são definidos no térreo por uma galeria pública coberta prevista
pela legislação, composta por pilotis, hall social, serviços e playground. No corpo do edifício, os
elementos de arquitetura são condicionados por faixas horizontais definidas pelas lajes de
entrepiso e vigas de vergas/peitoris em cor amarela nas amplas aberturas envidraçadas das
salas, com uma diferenciação na fachada entre estas e os panos dos dormitórios, perfurados por
aberturas discretas protegidas por persianas.
Edifício Sinuelo
O Edifício Sinuelo, elaborado por Bered em 1967, situa-se na mesma quadra do Edifício
Christoffel, seu vizinho de fundos. Num período em que as diretrizes do Plano Diretor de 1959 já
estavam plenamente incorporadas, o edifício desenvolve-se afastado das divisas em um terreno
frente sudeste, elevado em relação ao passeio da Rua 24 de Outubro.
O volume prismático configurado pela forma e proporção 1x3 do lote abriga 7 pavimentos com
um apartamento de cerca de 220 m² cada, sobre o pavimento térreo com pilotis elevado,
apartamento de zelador, serviços e hall de acesso com circulações verticais. Os recuos laterais
do terreno configuram os acessos aos estacionamentos, com rampas dos dois lados. O terço
médio frontal do edifício é ocupado pela área social, com ampla sala de estar com 40 m² em
toda a extensão da fachada; os dormitórios estão na face lateral leste e fundos, com o dormitório
principal dotado de balcão a norte, e as dependências de serviço e circulações na lateral oeste.
O acesso ao apartamento ocorre pelo vestíbulo, próximo à sala de jantar e sala de estar, e o
espaço da copa determina os limites da setorização dos ambientes íntimo, social e de serviço,
ao centro do apartamento.
A composição da fachada principal utiliza uma grelha horizontal de duas faixas em toda a
extensão, a faixa da esquadria contínua da sala e faixa de peitoris de alvenaria revestida de
pastilhas, apoiada lateralmente em panos verticais de alvenaria revestidas de pastilhas, como
grandes painéis estruturais de apoio de tradição brutalista. As laterais do prédio recebem faixas
A área social, com ampla sala de estar de 30 m², ocupa dois terços da fachada frontal norte, com
os três dormitórios voltados para a face lateral leste, onde o dormitório principal a fundos é
dotado de banheiro privativo, e as dependências de serviço e circulações estão concentradas no
volume lateral oeste. O acesso ao apartamento ocorre pelo vestíbulo, localizado junto à sala de
jantar e sala de estar. O espaço destinado à cozinha determina os limites da setorização dos
ambientes íntimo, social e de serviço, mais ou menos ao centro do apartamento. A unidade do
segundo pavimento dispõe de um terraço individual, resultante do recuo lateral acima da loja
térrea e os dormitórios desfrutam desse benefício.
O Linck apresenta planta canônica de meio de quadra em H, com duas barras de apartamentos
a frente e fundos unidas de forma assimétrica pela circulação vertical/horizontal que incorpora
alguns compartimentos de serviço. O Christoffel apresenta um volume prismático regular isento
quando visto de frente e laterais, mas a solução de planta rompe com a ideia do volume puro
com uma reentrância a fundos que responde a contingências de programa.
Os dois edifícios apresentam pavimento térreo com pilotis, denunciando a mesma extração
moderna do autor, mas o Linck aproveita o desnível do terreno para acrescentar um
apartamento extra a fundos, constituindo um semi-pilotis, enquanto o Christoffel apresenta
apenas áreas comuns, limitadas a 50% da área do pavimento conforme o regime de alturas da
nova legislação. O aproveitamento criativo do Pilotis no térreo para uma espécie de “solo
construído” ocorre também nos edifícios Redenção e Porto Alegre no período; no primeiro
permite um semi-subsolo de estacionamentos em terreno de várzea, e no segundo acomoda a
diferença de nível entre as ruas Duque de Caxias e Jerônimo Coelho. Nas avenidas, o Pilotis se
transforma em arcada com uso comercial nos edifícios Rio Grande do Sul e Nilza Esther, ambos
na Rua 24 de Outubro. Curiosamente, os edifícios do segundo período localizados no Centro
utilizam a arcada por indução da legislação, como o Faial e Florença, mas sem uso comercial.
O Edifício Sinuelo usa o Pilotis da mesma forma que o Christoffel, mas acomoda um bloco térreo
de estacionamentos ao fundo, e o Novo Parque um apartamento especial. O Edifício Condado
de Luzerne, em frente ao Sinuelo na Rua 24 de Outubro, apresenta uso comercial no térreo para
acompanhar a vizinhança.
A composição formal se encontra em geral regulada por grelhas de fachada no primeiro período,
com forte tendência à horizontalidade, e pela visibilidade lateral no segundo período, o que leva
a outras estratégias compositivas e ao uso de novos elementos de arquitetura, como janelas
verticais seriadas e montantes verticais aplicados, com o progressivo abandono da grelha. No
Linck, a horizontalidade da composição faz uso de balcões e faixas de janelas horizontais,
gerando profundidade à fachada, enquanto no Rio Grande do Sul é o ritmo horizontal marcado
das floreiras em balanço que predomina. As grelhas podem ser elaboradas em composição
abstrata, como no Redenção, ou mais simplificadas no Nilza Esther e no Porto Alegre.
No segundo período, a composição usa panos opacos de fachada perfurados por aberturas
combinados com sequências de faixas horizontais intercaladas de peitoris, vigas, vergas e
aberturas. No Christoffel o uso de sacadas em balanço e panos de elementos vazados à frente
de aberturas verticais traz porosidade e permeabilidade a uma fachada de panos discretos
encaixados entre as faixas horizontais que marcam os pavimentos. No Faial as grelhas estão
presentes, marcando os diferentes usos internos com panos de esquadrias e painéis
diferenciados para cada tipo. Nos demais edifícios a composição se simplifica, intercalando a
grelha horizontal no Novo Parque, faixas horizontais simples de peitoris e esquadrias no Sinuelo,
faixas horizontais dissimuladas com montantes metálicos aplicados no Condado de Luzerne, e
faixas horizontais com painéis no Florença. Em todos os casos aparecem trechos de panos
opacos perfurados com esquadrias. Os panos de cobogós ou elementos vazados são comuns
nos dois períodos, dos cobogós na esquina chanfrada e nas laterais sobre os serviços do Porto
Alegre aos panos de cobogós unificando as aberturas de serviço do Faial e os elementos
vazados em cerâmica vitrificada do Christoffel.
Referências/Bibliografia
ABREU FILHO, Silvio Belmonte de. Porto Alegre como cidade ideal. Planos e Projetos urbanos
para Porto Alegre. Tese de Doutorado. Porto Alegre: PROPAR/UFRGS, 2006.
ALMEIDA, Guilherme Essevein de; ALMEIDA, João Gallo de; BUENO, Marcos. Guia de
arquitetura moderna em Porto Alegre. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010.
COMAS, Carlos Eduardo; PIÑON, Helio. Inventário da Arquitetura Moderna em Porto Alegre
1945/65. Porto Alegre: Marcavisual, 2013.
FIORE, Renato Holmer (Org.). Modernização e verticalização da área central de Porto Alegre.
Porto Alegre: Marcavisual, 2016.
LUCCAS, Luís H. Haas. Arquitetura Moderna em Porto Alegre sob o mito do “gênio artístico
nacional”. Tese de Doutorado. Porto Alegre: PROPAR/UFRGS, 2004.
PORTO ALEGRE. Plano Diretor 1954 - 1964. Porto Alegre: Prefeitura Municipal, 1964.
STRÖHER, Eneida Ripoll. A habitação coletiva na obra do Arquiteto Emil Bered, na década de
50, em Porto Alegre. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Propar/UFRGS, 1997.
XAVIER, Alberto; MIZOGUCHI, Ivan. Arquitetura moderna em Porto Alegre. São Paulo:
Pini/FAUFRGS, 1987.
Este estudo tem como objetivo registrar os elementos, padrões e cores dos
azulejos remanescentes das fachadas urbanas presentes no centro histórico da
cidade de Barbalha, no Ceará. O uso do azulejo no Brasil, que remete a
colonização portuguesa, estabeleceu um gosto nacional e foi amplamente
usado como revestimento das fachadas urbanas, promovendo sua decoração,
higiene e sobretudo sua impermeabilização. Em Barbalha, cidade fundada no
século XVIII, no interior do Ceará, os azulejos também se fizeram presentes
como revestimentos das fachadas urbanas. Nesse contexto, para alcançar o
objetivo proposto, realizou-se primeiramente uma pesquisa bibliográfica, a
partir da leitura e sistematização das informações referentes ao uso do azulejo
no Brasil, bem como sua tecnologia e aplicação, e o método de pesquisa de
campo, que constitui um modelo de investigação a partir da observação direta,
in loco, no qual foi realizado o registro e a análise dos azulejos e seus padrões,
através de fotografias e desenhos, e a medição dos parâmetros cromáticos
com o uso do colorímetro portátil e o sistema de referência NCS (Natural Color
System). Com esse breve estudo pôde-se constatar a existência de um
pequeno número de elementos e padrões azulejares que estão aplicados nas
fachadas principais, nos planos lisos, deixando em destaque a ornamentação
das modenaturas – cornijas e cercaduras. Importante destacar que todos os
padrões são formados pela repetição de um único elemento, tendo o seu
processo de aplicação do desenho decorativo por estampilha. Outra
observação realizada durante este estudo foi o péssimo estado de conservação
dos azulejos, provenientes da falta de manutenção e a constante exposição as
intempéries que conduz à sua degradação física e sobretudo do valor artístico
do conjunto na descaracterização das fachadas. Dessa maneira, a partir da
noção dos azulejos, como testemunhos de uma técnica e imbuídos de valores
histórico e artístico, busca-se com o seu registro contribuir para o
conhecimento e valorização da arte decorativa em azulejos, na cidade de
Barbalha.
RESUMO - EIXO 2 – DOCUMENTAÇÃO E OS DESAFIOS DAS NOVAS
TECNOLOGIAS – ICOMOS.DOC - BUILDING INFORMATION MODELING
(BIM) E DOCUMENTAÇÃO DIGITAL DA ARQUITETURA; SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO; SMART BUILDING - SMART CITIES; FERRAMENTAS
DIGITAIS E NOVAS MÍDIAS PARA DOCUMENTAÇÃO DA ARQUITETURA,
CIDADE E PAISAGEM; INVENTÁRIOS.
AFONSO, ALCILIA.
RESUMO
O artigo possui como tema, o resgate documental do patrimônio moderno através do uso de
ferramentas digitais, tomando como estudo de caso, um projeto não construído do arquiteto Acácio
Gil Borsói, que seria implantado no bairro de Santo Antônio, em Recife, em 1955: o Museu de Arte
moderna de Recife. O projeto foi publicado no jornal “A Folha da Manhã”, em uma coluna dominical
produzida pelo IAB.PE/ Instituto de Arquitetos do Brasil/ Seção Pernambuco- , e nela continha um
pequeno texto explicativo sobre o projeto, com os esquemas de desenhos das plantas baixas dos três
níveis, uma maquete física, uma perspectiva feita à mão de autoria do arquiteto e a fachada principal
com acesso à paisagem do rio Capibaribe. O objetivo do artigo é analisar arquitetonicamente a obra,
simulando virtualmente a sua construção através do uso da plataforma BIM, gerando um novo
material documental, baseado naqueles desenhos publicados no jornal dos anos 50. Justifica-se
apresentar os resultados dessa pesquisa em andamento nesse evento, pois traz à tona, o diálogo
contemporâneo sobre a relação das investigações arquitetônicas com as novas tecnologias, que
podem e devem apoiar proposições na área do chamado” patrimônio inteligente”, tema que também
será abordado no artigo. A metodologia da pesquisa realizada adotou duas linhas: 1) A de
reconstrução do objeto arquitetônico (Piñón, 2005), que através da coleta em fontes primárias e
secundárias redesenha todo o projeto arquitetônico através das ferramentas digitais, produzindo um
novo e rico material documental para possibilitar a análise do objeto; 2) A de análise das dimensões
arquitetônicas da obra (Afonso, 2019), abordando as questões normativas, históricas, espaciais (do
lugar e da solução do programa em planta), tectônica (estrutura, cobertura, peles, detalhes e
materialidade), funcional (sintática, pragmática e semântica) formal e de conservação. Através do
texto serão apresentados os resultados da pesquisa em andamento que vem sendo desenvolvida
pelo grupo de pesquisa arquitetura e lugar/ GRUPAL da UFCG/ Universidade Federal de Campina
Grande.
O projeto foi publicado no jornal “A Folha da Manhã”, em uma coluna dominical produzida
pelo IAB.PE/ Instituto de Arquitetos do Brasil, seção Pernambuco, e nela continha um
pequeno texto explicativo sobre o projeto, com os esquemas das plantas baixas dos três
níveis, uma maquete física, uma perspectiva feita à mão, de autoria do arquiteto, e a
fachada principal com acesso à paisagem do rio Capibaribe.
O uso das ferramentas digitais interagindo programas como Autocad, Revit e Adobe
Photoshop proporcionam uma realidade virtual que possibilitam uma compreensão e
apreensão do objeto arquitetônico, de forma crítica e construtiva, trabalhando com desenhos
bidimensionais e tridimensionais mais precisos, que fornecem as condições para a
reconstrução virtual do projeto, adotando materialidades presentes nas soluções
construtivas e tectônicas do arquiteto na década de 50, em Recife.
Justifica-se apresentar os resultados dessa pesquisa em andamento nesse evento, pois traz
à tona, o diálogo contemporâneo sobre a relação das investigações arquitetônicas com as
novas tecnologias, que podem e devem apoiar proposições na área do resgate documental
através da utilização de ferramentas digitais.
A produção do arquiteto carioca radicado em Recife foi objeto de estudo de várias teses
doutorais (Afonso, 2006), mas de forma inédita, vem sendo enfocado em estudos realizados
pelo grupo de pesquisa Arquitetura e Lugar da UFCG, que desenvolve atualmente, entre
outras investigações- um trabalho de reconstrução virtual da obra do arquiteto, que tanto
influenciou profissionais no nordeste brasileiro.
Quanto ao aporte teórico, sabe-se que documentar é um ato essencial para a preservação
(ICOMOS, 1996), uma vez que permite fazer com que se desenvolvam o crescimento e a
compreensão do patrimônio cultural, de seus valores e de sua evolução.
O autor da obra
Como informação inicial, faz-se necessário tecer algumas observações referentes ao autor
da obra: o arquiteto Acácio Gil Borsói.
Borsói nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 1924, no bairro do Engenho Velho, sendo o
caçula de uma família de três irmãos. Desde a adolescência, trabalhou com o pai, Antônio
Borsói, designer de móveis e autor de projetos de reforma e interiores, como a "Confeitaria
Colombo", o "Palácio da Guanabara", o "Cinema Iris", que despertou no adolescente, o
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interesse pelo ofício de projetar, experimentar e detalhar em madeira: “fazer, fazendo,
associado ao conhecimento foi apurando o domínio sobre a obra e a construção, a
aplicação de novos materiais e sistemas construtivos tão presentes na obra do arquiteto ”.
(BORSOI E WOLF, 1999, p. 36).
Depois de graduado em 1949, trabalhou por dois anos no Serviço do Patrimônio Histórico
Nacional/ SPHAN, tendo como superiores Rodrigo de Melo Franco e Lúcio Costa,
experiência que lhe permitiu receber de forma direta a influência do pensamento de Costa
em temas como a preservação cultural e produção de uma arquitetura brasileira moderna,
que Borsói anos depois, aplicaria na sua prática projetual, realizando a união conceitual por
meio da adoção de uma linha racional voltada para o regional.
No final de 1951, após dois anos que se formara, e estava realizando alguns projetos
pequenos na cidade do Rio de Janeiro, resolveu aceitar o convite de seu ex-professor Lucas
Mayerhofer para ir trabalhar como professor na cidade de Recife, na disciplina de Pequenas
Composições do curso de Arquitetura da Escola de Belas Artes.
Apaixonado pela arquitetura e pelo ofício, não se limitava às atividades de ensino, que
considerava circunstanciais, mas que duraram vinte e oito anos. Borsói dizia “Não sou
professor, sou um arquiteto brasileiro, do terceiro mundo, que vive o dia a dia, e, portanto,
para sobreviver, dependo do meu trabalho".(BORSOI. 2005. s/p)
Borsói sempre esteve atento à questão tecnológica relacionada ao trabalho dos arquitetos,
afirmando que os seus instrumentos de trabalho em relação ao desenvolvimento de
tecnologia eram a racionalização, a coordenação modular e o conhecimento dos processos
de construção, de maneira geral.
Sua arquitetura foi mais influenciada pela de Reidy e Niemeyer do que pela
de Lúcio Costa, mas ela se destaca pelo cuidado particular na escolha dos
materiais, onde um papel importante é atribuído ao uso de tijolos e madeira,
como complementos de estruturas de concreto armado e painéis de vidro.
(BRUAND.1981, p. 146)
Nos anos 50, ao atuar em Recife, projetou dezenas de residências unifamiliares que foram
os seus primeiros projetos na cidade, com destaque para as casas Lisanel de Melo Mota
(1953), Luciano Costa (1953), Casa do arquiteto (1954), complexo residencial do Banco
Hipotecário Lar Brasileiro (1954), conhecido por conjunto da Praça Fleming; Casas José
Almeida (1955), Francisco Claudino (1956), Dulce Mota (1958) e Anelise Poluzzi (1958),
entre outras (AFONSO, 2006).
Na década de 1950, o arquiteto foi um dos pioneiros na cidade em projetos não somente de
edificações residenciais, mas também de edifícios multifamiliares (Edifício União, 1953), e
de uso misto, como os Califórnia (1953), Caetés (1955). Além de obras privadas, projetou
algumas edificações públicas no período em estudo, como o Hospital das Urgências (1951),
e o projeto para o Museu de Arte Moderna (1955) que não chegou a ser construído, e que
será aqui analisado.
Segundo Dantas (2006, p.7), “o mestre Acácio Gil Borsoi desenvolveu um repertorio único
próprio, cujos conceitos centrais baseiam-se na excelência técnica e na experimentação
forma l”. Em seus diversos trabalhos no nordeste e em demais regiões brasileiras, “levou ao
limite as possibilidades construtivas dos materiais locais, transformando o programa mais
simples da arquitetura em emocionantes realizações”, conforme escreveu o arquiteto e
professor Ney Dantas (2006, p.7).
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A documentação projetual
O acesso à documentação do projeto se deu de uma maneira espontânea, ao estar
coletando em 2003, o material para a minha tese doutoral (Afonso, 2006) que tratava sobre
a consolidação da arquitetura moderna me Recife durante os anos 50. Pesquisando nos
jornais da época, encontrei uma coluna dominical no jornal “A Folha da Manhã”, escrita por
Edison Lima, então presidente do IAB/PE, intitulada “Arquitetura” (figura 1) que divulgava
semanalmente e aos domingos, notícias sobre o cenário arquitetônico nacional e local.
Nessa matéria de dezembro de 1955 foram publicados alguns esboços feitos pelo arquiteto
como uma perspectiva, as plantas baixas dos três níveis, a fachada principal, e uma
fotografia da maquete acompanhada de um pequeno texto que explicava o projeto:
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O trabalho que publicamos hoje é de autoria do arquiteto Acacio Borsói, e
destina-se ao museu de Arte Moderna do Recife. Trata-se de um amplo e
moderno edifício, dotado de três pavimentos, a ser construído às margens
do rio Capibaribe, em frente ao Grande Hotel. Neste edifício haverá, no
pavimento térreo, onde se encontram os pilotis, apenas um depósito,
recuperando-se a área, coberta para jardins e abrigo, de um modo em geral.
No primeiro pavimento, haverá uma ampla sala de exposições, um auditório
para 110 espectadores e dois sanitários. No segundo pavimento, uma sala
de exposições, outra de trabalhos, uma pequena sala de reuniões, uma
para reproduções, a secretaria, um gabinete sanitário e um depósito. Além
disso, um grande balcão, voltado para o rio Capibaribe” (Folha da Manhã,
1955).
O texto forneceu pistas sobre onde seria implantado o projeto, “ às margens do rio
Capibaribe” em frente ao Grande Hotel: atualizando a informação para os dias atuais, seria
no conhecido “Cais do Imperador”, defronte a um antigo e importante hotel da cidade, o
Grande Hotel- localizado no bairro de Santo Antônio. A partir dessa informação foi possível
se analisar o lugar da obra projetada, tratando da análise espacial externa ao objeto, e seu
entorno.
Além dessa pequena matéria jornalística, alguns autores pernambucanos fizeram referência
ao projeto, como Amorim (2003, p.68) que escreveu que “ muitos projetos institucionais
nunca deixaram o papel e alguns, provavelmente, configurariam objetos importantes na
paisagem da capital”. Logo em seguida, Amorim coloca que “o polêmico Museu de Arte
Moderna do Recife (1955), projetado por Borsói em aterro sobre o Rio Capibaribe, próximo à
Praça Dezessete, seria importante palco para realizações culturais”.
Nesse mesmo texto, Amorim explica que usar a área de terreno sobre o leito do rio
Capibaribe motivou seu questionamento e arquivamento, complementando que o desejo de
se projetar e construir um espaço apropriado para abrigar exposições artísticas recifenses
só foi possível através de outro projeto - o da Galeria de Arte do Recife – que foi construído
no mesmo bairro de Santo Antônio, contudo em outra região, na Rua do Sol.
Através da pouca documentação coletada sobre o projeto nas fontes citadas anteriormente,
a pesquisa arquitetônica sobre a obra teve seu desenvolvimento com o desafio de
reconstrui-la virtualmente. Para tanto, utilizou-se um material já trabalhado por Afonso
(2006, pp. 642-647) que inseriu a obra em sua tese doutoral, analisando-a como produção
importante do arquiteto nos anos 50, redesenhando o material projetual em Autocad, e
construindo imagens tridimensionais do mesmo através do programa Skecthup, que
proporcionou uma melhor compreensão do edifício.
Em 2021, quinze anos após a pesquisa doutoral, tal estudo foi revisitado devido a um
projeto de um livro a ser produzido pelo grupo IFORM da ETSAB /Escola Técnica Superior
de Barcelona, que terá como título “ Arquitecturas no construídas” que está em fase de
elaboração, e que a autora desse artigo participará apresentando os resultados da
reconstrução virtual dessa obra.
Assim, para a análise arquitetônica da obra foi adotada a metodologia usada por Afonso
(2019), conforme foi visto na introdução desse artigo- que trata sobre a análise das
dimensões, mas que devido à mesma não haver sido construída, serão consideradas
apenas àquelas voltadas para a discussão histórica, espacial, formal, funcional e tectônica.
Como trata-se de uma “arquitetura não construída”, a dimensão tectônica que se refere à
construção, simulará uma materialidade baseada em outras obras construídas pelo arquiteto
nos anos 50, usando seu vocabulário arquitetônico para compreender o que teria sido esse
projeto se houvera sido executado.
1. Dimensão histórica
Algumas questões foram levantadas sobre o projeto do Museu de Arte Moderna de Recife,
arquitetura não construída- após ter acesso às fontes documentais primárias. Quem havia
encomendado o projeto ao Borsoi? Por que tal projeto não foi construído? São as primeiras
indagações da pesquisa, que direcionou a leitura sobre as artes plásticas em Recife nos
anos 50.
Importante colocar que a Sociedade de Arte Moderna do Recife, fundada em 1948, nasceu
de um encontro entre um jovem escultor, Abelardo da Hora, e um já renomado Hélio Feijó,
ambos artistas plásticos (o último também arquiteto).
Silva (2017,p. 82) explica que “os anos de 1950 são significativos para pensar os caminhos
traçados por artistas - que em sua maioria eram jovens naqueles anos – para propor uma
representação de uma arte produzida em Pernambuco”.
A SAMR era composta por intelectuais e artistas plásticos renomados, tanto na cidade de
Recife, quanto no país e no exterior, como por exemplo, Augusto Reinaldo, o qual
desenhara o emblema da sociedade; Lula Cardoso Ayres; Francisco Brennand; Reynaldo
Fonseca, o grande sociólogo Gilberto Freyre, entre tantos nomes de peso no cenário
regional e brasileiro.
Sem adentrar na discussão do cenário artístico local, mas consciente do papel sociocultural
da classe frente aos políticos locais, sem dúvida, pode-se afirmar que pode ter havido uma
“pressão” da classe por um espaço digno para expor as artes plásticas recifense que se
sobressaía no cenário brasileiro por sua qualidade, seus representantes e sua produção
potente.
Dessa forma, trabalha-se com a hipótese que atendendo a uma demanda da classe artística
em busca de apoio político municipal, Acacio Gil Borsói, projetou o edifício para sediar o
Museu de Arte Moderna de Recife.
Outro ponto importante nessa discussão, é observar que a construção dos espaços museais
pode ser entendido como “resultante dos desdobramentos do que teria representado a
Semana de Arte Moderna de São Paulo em 1922, enquanto acontecimento”, conforme
colocou Sousa (2014) em sua dissertação de mestrado sobre o ateliê coletivo em espaços e
trajetórias.
O MASP/ Museu de Arte de São Paulo (1947), que anos depois de sua fundação foi
implantado na nova sede em projetada por Lina Bo Bardi (1958-68), e do MAM-SP/ Museu
de Arte Moderna de São Paulo, de autoria de Oscar Niemeyer(1954), dá-se no período em
que as relações entre o Brasil e os Estados Unidos estreitam-se, conforme esclareceu
Lourenço (1999, p. 21): “Os museus e suas edificações são projetados enquanto espaço
para que o público brasileiro tivesse uma maior aproximação com os trabalhos dos artistas
do país, como também de obras até antes não vindas ao Brasil, por falta de espaços
museais adequados”.
Tal cenário incentivou a criação pelo Brasil de novos espaços para as obras artísticas
modernas, havendo um maior apoio em relação às atividades culturais, fazendo surgir uma
nova realidade, a qual será o despontar de galerias em grande parte dos estados brasileiros.
Após essa breve explanação histórica sobre o que causou a elaboração do projeto do MAM
do Recife, será visto a seguir, a análise do lugar no qual seria implantado o projeto.
O bairro de Santo Antônio está implantado uma das ilhas que configuram a cidade de
Recife, ao lado do bairro de São José, e interligado via pontes com a Ilha do Recife.
Naquela época era uma área de efervescência sociocultural, de acordo com o projeto
“Obscuro Fichário” – composto por vários cinemas, como o Glória, Ideal, Trianon, Art
Palácio, Royal; Dois teatros (Santa Isabel e o Marrocos); um cineteatro (Moderno); uma
distribuidora de filmes nacionais (Urano); a sede da Rádio Tamandaré.
No setor hoteleiro era uma referência urbana, pois estavam ali implantados, sete hotéis de
grande e médio porte (Grande Hotel, e os hotéis Modelo, Universo, Avenida, Recife Hotel,
Universal, Glória, Nabuco), além de pensões.
No local de sua implantação já existia a Praça Dezessete, uma das mais tradicionais da
cidade e que homenageia a Revolução de 1817, possuindo desde 1927, uma bela escultura
que se trata do “Monumento português à aviação”, em homenagem aos aviadores Gago
Coutinho e Sacadura Cabral, comemorativo à sua primeira travessia aérea do Atlântico Sul,
em 1922.
A Praça Dezessete está relacionada em seu entorno imediato- tanto à Igreja do Divino
Espírito Santo quanto ao Cais do Imperador e ao antigo Grande Hotel de 1938, hoje Fórum
Tomaz de Aquino. Em 1936, o paisagista Roberto Burle Marx desenvolveu um projeto para
ela e seu entorno, que foi reconhecido por Decreto Municipal nº 29.537, de 23 de março de
2016, como um dos 15 “Jardins Históricos de Burle Marx” da cidade do Recife.
Nesse trecho do rio havia também o conhecido Bar Flutuante que fez história na cidade, e
foi construído nos anos 1950, entre as pontes Maurício de Nassau e Buarque de Macedo
que interligam o bairro de Santo Antônio com a Ilha do Bairro do Recife. O local que se
assemelhava a uma balsa, foi fechado no final de 1959, pois seu uso começou a entrar num
processo de degradação.
Entretanto, a escolha de Borsói para implantar o projeto do Museu neste lugar foi bastante
criticada na época, conforme colocou Amorim (2003, p.68), pois a área estava sujeira às
enchentes constantes do rio, além de “ocupar” indevidamente a paisagem natural do
mangue. Inclusive, alega-se que esse foi um dos motivos do projeto não haver sido
construído.
Mas, particularmente, observou-se que a questão financeira também deve ter pesado nessa
decisão por parte da Prefeitura, pois em documentos sobre a SAMR (Sousa, 2014, p. 96),
sempre estava presente a falta de apoio financeiro da instituição para dar andamento aos
seus projetos e programas.
Prova disso, é que nos dias atuais, nessa mesma área, existe o conhecido Cais do
Imperador, que recebeu um tratamento paisagístico e arquitetônico para servir de apoio
turístico, dotado de um café e uma praça com mirante para contemplação da paisagem
ribeirinha. Um local com uma paisagem deslumbrante, de onde pode-se observar a
paisagem do rio, as pontes, com seu mangue, e o Bairro histórico do Recife com seu
conjunto arquitetônico.
Atualmente, no entorno do local, o edifício do Grande Hotel, em estilo Art Déco, que teve
grande importância no cenário local durante décadas, sedia o Fórum de justiça Thomaz de
Aquino, e a Praça Dezessete está semiabandonada, servindo de abrigo para moradores de
rua, apesar ter recebido constantemente intervenções para seu uso adequado.
Não há como, não imaginar, como seria bonito, se houvera sido construído, o Museu ali
implantado. E por isso, a reconstrução virtual está trabalhando com tal simulação para
idealizar o projeto nesse lugar, que possuiria uma excelente qualidade arquitetônica,
urbanística e paisagística.
Figura 2: Redesenho do material projetual. Fonte: Thayane Duarte/ Grupal. UFCG. 2021.
No segundo e último pavimento, que foi projetado como um mezanino, estaria outro espaço
destinado às exposições, ao setor administrativo com sala para diretoria, secretaria,
reuniões, depósito, reproduções, além de um balcão corrido que serviria de mirador com
vista para o rio. Observa-se ainda, que Borsoi criou uma circulação interna paralela à
fachada desse último pavimento, como maneira de proteger climaticamente o espaço da
incidência solar da fachada poente.
Outro detalhe espacial foi o recorte dado pelo arquiteto às lâminas desses dois níveis em
relação aos pilotis, pois criou ali, um vazado, com pé-direito triplo, trabalhando
esculturalmente o interior do edifício que, infelizmente, não foi construído. Dessa maneira,
observa-se que o espaço interior seria totalmente transparente, integrado, além da relação
intensa entre interior/ exterior , devido à proposta das esquadrias das fachadas Norte e Sul
que seriam em painéis envidraçados, permitindo a integração com a vista do Río e da
paisagem local.
Figura 3: Reconstrução virtual do projeto explicando a sua dimensão tectônica. Fonte: Montagem da
autora através das imagens geradas por Thayane Duarte/ Grupal. UFCG. 2021.
Como elemento especial teria um balcão corrido com vista para o rio Capibaribe que seria
protegido por um peitoril em uma peça única em madeira, possuindo como proteção
climática, brises horizontais, também projetados em madeira.
Apesar de não ter sido construída, observa-se a clara intenção de relação com recursos
plásticos adotados pelos seguidores da escola carioca, principalmente, uma forte influência
do arquiteto Affonso Reidy em sua obra para o Colégio Brasil Paraguai (1952) presente no
texto sobre esse edifício construído na cidade universitária (Affonso Reidy, 2000, pp. 156-
161).
Como Borsoi trabalhou com Reidy no Rio de Janeiro antes de sua ida para o Recife
observa-se uma influência forte de elementos empregados por Reidy na sua produção,
como pontos convergentes, tais como: o pavimento térreo tratado com pilotis e praça
coberta, com permeabilidade visual espacial entre interior /exterior, com vistas para o rio e
proporcionando uma ampla coberta para convivência dos usuários.(Affonso Reidy, 2000,
p.156). Além, da forma trapezoidal do volume com empenas cegas e uma modulação
estrutural sistemática que também demonstra tais influências.
Conclusão
Através desse processo, pode-se constatar o quanto foi interessante e rica a simples
documentação jornalística dos anos 50, que proporcionou o desenvolvimento do projeto
que daria forma ao Museu de Arte Moderna do Recife e os seus valores arquitetônicos que
muito podem contribuir para o aprendizado de produção de uma boa arquitetura, através
dessa obra não construída do mestre Acacio Gil Borsoi.
Figura 4: Reconstrução virtual da obra. Fonte: Montagem da autora através das imagens geradas por
Thayane Duarte/ Grupal. UFCG. 2021.
Affonso Eduardo Reidy. Lisboa: Editora Blau. Instituto Lina Bo Bardi. 2000.
BORSOI, Marco Antônio e WOLF, José. Documento: Acácio Gil Borsoi. Revista
Arquitetura e Urbanismo, Nº84,pp. 35-41.1999.
LOURENÇO, Maria Cecília. Museus acolhem o Moderno. São Paulo: EDUSP, 1999.
PIÑÓN, Helio. El proyecto como (re) construcción. Barcelona: Edicions UPC. 2005
RECHES, Magdalena; DIARTE, Julio Cesar. Helio Piñon. Entrevista, São Paulo, año 11, n.
043.03, Vitruvius, sep. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/11.043/3494>.
RESUMO
Consciente da importância da cafeicultura na conformação do território paulista, o presente artigo
objetiva apresentar o procedimento de mapeamento das propriedades cafeeiras realizado no âmbito
da Retomada do Inventário de Conhecimento das Fazendas de Café Paulistas. Elaborado entre 2017
e 2018 na Superintendência do Iphan de São Paulo, esse trabalho não contou com visitas de campo
e teve como finalidade agrupar e sintetizar o material já produzido sobre fazendas cafeeiras em São
Paulo por meio de inventários, ações de proteção ao patrimônio e publicações acadêmicas, tomando
como foco estudos pertinentes ao campo disciplinar arquitetônico. Ao final, foi possível produzir uma
base de dados com mais de 700 fazendas de café em São Paulo e o mapeamento georreferenciado
e preciso de 374 dessas propriedades. Desse modo, o inventário foi capaz de esboçar uma
perspectiva inédita, clara e abrangente acerca de todo o material e conhecimento já produzido sobre
a arquitetura das fazendas de café, bem como mostrar graficamente sua vasta presença no território
paulista. Ao apresentar um panorama dessa ação, espera-se poder divulgar um modo exitoso de
realização de inventários de empreendimentos rurais que, além de possibilitar o mapeamento da
maioria das fazendas cafeicultoras conhecidos no território paulista, foi realizado apenas a distância e
com recursos acessíveis à maioria dos órgãos de preservação do patrimônio cultural.
Uma breve análise da historiografia paulista permite observar o século XIX como um ponto
de inflexão no processo de transformação espacial do estado de São Paulo. Em um cenário
constituído por atividades voltadas às necessidades dos pequenos núcleos locais, o café
surgiu como um divisor de águas no território no qual “todas as coisas e fatos podem
simplesmente ser classificadas como sendo anteriores ou posteriores à chegada do
chamado ouro verde” (Lemos, 1999, p.134). Por meio da implantação, do cultivo e da
comercialização do café, São Paulo tornou-se palco de um intenso e gradual processo de
povoamento e de desenvolvimento social, político, econômico, rural e urbano, que o
condicionou a uma posição de notoriedade e relevância econômica tanto no cenário
nacional, quanto mundial.
Consciente do marco historiográfico que foi a cafeicultura paulista, produzir estudos e ações
que se debrucem sobre o tema mostra-se como importante uma vez que essa atividade, em
grande medida, possibilitou o “processo de estruturação e urbanização da região, de
constituição das paisagens urbanas e rurais e de consolidação de tradições” (Soares, 2011,
s/p). Se o estudo do café paulista se apresenta como pertinente para pensar em múltiplos
aspectos o desenvolvimento, a ocupação e a transformação do estado de São Paulo,
reorientar o olhar para os bens rurais relativos a tal universo revela-se como urgente. Frente
ao quadro de sucessivas transformações do território paulista ao longo do século XX, onde a
fragilidade de construções seculares e o avanço dos canaviais ameaçam a materialidade
das edificações rurais, mostra-se como impreterível e imediata a necessidade de conhecer e
tutelar o que ainda existe do universo do café paulista na área rural (Marins, 2008, p.151;
2010, p.03).
Nas primeiras décadas de atuação do Iphan, as disputas por quais elementos seriam
assinalados como constituintes da identidade nacional privilegiaram os vetores materiais
associados ao colonial e ao moderno (Marins, 2008, p.144). Ainda que o alargamento da
noção de patrimônio cultural, nas décadas finais do século XX, tenha contribuído à
introdução de uma nova pluralidade de bens no radar de atuação dos órgãos de
preservação (Chuva, 2012, p.157), o olhar das práticas federais de identificação do
patrimônio brasileiro não foi capaz de revisitar todos os bens anteriormente negligenciados.
De tal modo, embora tenham ocorridos reconhecimentos pontuais, o patrimônio rural
paulista nunca foi encarado como prioridade, estando sempre às margens das políticas do
Iphan ao longo de sua trajetória.
Se o interesse pelos bens rurais do café de São Paulo não foi prioritário na agenda federal,
a criação do órgão paulista de proteção ao patrimônio trouxe um novo fôlego para tal
universo. Criado em 1968, o Condephaat pretendeu já em seu início definir uma conduta de
atuação (Marins 2008, p.154; Mosaner, 2012, p.35). Assim, buscando incluir no rol do
patrimônio paulista a arquitetura relativa aos ciclos econômicos do café e da indústria, em
seus primeiros anos de atividade, intelectuais e profissionais ligados ao Condephaat
planejaram e efetivaram o levantamento de bens rurais espalhados pelo estado de São
Paulo, o qual ficou conhecido como “Inventário de 500 fazendas”. Com recursos do órgão
paulista, sob orientação do arquiteto Luís Saia – então funcionário do Iphan – e organizado
em um sistema de contrato por empreita de trabalho, os levantamentos foram graduais
(Mosaner 2012, p.36), mas deram conta de produzir uma vasta documentação gráfica que
ainda hoje é analisada como fonte primária nos estudos sobre a cafeicultura paulista.
Até o fim do século XX, o desenvolvimento das ações tanto de reconhecimento, quanto de
preservação, dos bens rurais do café paulista apresentaram certa inércia, a qual começa a
ser quebrada apenas nos anos 1990 com a finalização de trabalhos acadêmicos que se
debruçaram sobre a arquitetura rural do café. Desse grupo pioneiro, convém ressaltar as
dissertações de Marcos Carrilho (1994), “As fazendas de Café do Caminho Novo da
Piedade”, e de Marialice Pedroso (1998), “Arquitetura das Fazendas de Café de Amparo,
Monte Alegre do Sul e Serra Negra de 1850 a 1930”, bem como o trabalho de Carlos Lemos
(1999), “Casa Paulista: história das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café”.
A partir dos anos 2000, o interesse pela temática do café rural ganha novo impulso de modo
que as investigações se tornam não só mais numerosas, como também seus objetos de
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interesse se mostram mais plurais. Desse modo, se a primeira leva de trabalho se debruça
sobre os vetores materiais, investigações mais recentes contam com novas perspectivas
sobre os bens rurais do café, as quais transcendem a materialidade e projetam outro olhar
sobre tal patrimônio. Assim, a noção de tais espaços rurais como uma paisagem, constituída
a partir da relação homem-natureza e que só pode ser bem compreendida a partir do
diálogo com os grupos sociais que com ela se relacionam, apresenta-se como algo
indissociável do estudo do universo cafeicultor.
Nesse sentido, é válido pontuar que, apesar de não resultarem em ações de proteção ou
terem sido amplamente divulgados e estudados, nas últimas duas décadas o Iphan realizou
alguns inventários relacionados aos bens rurais do café. Em 2007, mobilizando o próprio
corpo técnico e frente ao desejo de realizar Inventários de Conhecimento em todo o país, as
Superintendências mineira e paulista do Iphan elaboraram um levantamento preliminar de
bens rurais relativos ao café em municípios do Vale do Paraíba paulista e do Sul de Minas.
Em 2009, tal estudo foi aprofundado com a contratação do escritório Pindorama Arquitetura,
que produziu investigações mais extensa de determinadas propriedades cafeeiras.
O presente artigo pretende apresentar como foi elaborado este inventário síntese,
destacando sua metodologia empírica que se constitui em três etapas bem definidas:
pesquisa e coleta de informações, tabulação das informações e produção de banco de
dados, mapeamento. Ao final, além de divulgar um modo exitoso de realização de
inventários de empreendimentos rurais, espera-se tecer uma breve análise sobre os
resultados obtidos, bem como sua importância para o conhecimento dos bens rurais do café
paulista.
Desde os primórdios de sua implantação até o século XX, o café valeu-se da presença de
elementos singulares do meio natural – como cursos d’água e morros para o plantio – para
fixar toda organização e estruturas necessárias à sua produção. Tal condicionante fomentou
a existência de uma paisagem particular da lavoura cafeeira, que reflete e expressa as
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formas de cultivo e de preparo desse grão. Tal modo de apropriação do território, peculiar e
usufruindo-se de elementos naturais específicos, constituiu-se como uma marcha de
interiorização do café atrelada a um povoamento, o que gerou uma paisagem relativamente
análoga em todo o território. Ou seja, o avanço da cafeicultura gerou uma paisagem do café.
De acordo com Carrilho (1994), muitos estudos e investigações sobre o café já foram
realizados nos campos da história e da economia, bem como na literatura em seu universo
ficcional. Contudo, a estrutura necessária para a produção do café aparece como um
elemento físico ainda pouco pesquisado, apesar da suma importância para a memória do
país, e que sede lugar ao casarão como elemento representativo de toda a fazenda nas
investigações e levantamentos realizados. Entende-se aqui como tais estrutura toda sua
arquitetura, isto é, as construções e edificações essenciais à existência da cafeicultura:
terreiro, tulha, casa de máquinas, casarão-sede, senzala e casas de colônia.
1 Realizado entre 2007 e 2010, sob coordenação técnica do Inepac (Instituto Estadual do Patrimônio
Cultural) e em parceria com o Instituto Light e o Instituto Cidade Viva, esse projeto mapeou e
inventariou 238 fazendas históricas da região do Ciclo do Café, em trinta e seis municípios do Estado
do Rio de Janeiro. Um destaque desse estudo foi a segmentação da região onde ocorreu a
cafeicultura fluminense, concebendo uma importante metodologia de análise de grandes extensões
do território.
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processos econômicos, sociais e culturais do café no Estado” (Mello, Nascimento, 2010,
p.05).
A última iniciativa institucional relacionada aos bens rurais do café paulista ocorreu em 2010,
na ocasião do “Primeiro Encontro Técnico sobre o Patrimônio Rural do Café em São Paulo”,
bem como na consequente criação do “Grupo Interinstitucional sobre o Patrimônio Rural do
Café da região”. O objetivo do grupo era estabelecer o diálogo e a troca de informações
sobre o tema entre órgão patrimoniais, universidades e instituições interessadas na
cafeicultura paulista (Iphan, Condephaat, Iepha, Inepac, USP, UFSCar, Unicamp, Instituto
Preservale e Associação de Fazendas Históricas Paulista). Contudo a interlocução
pretendida não se materializou em ações de proteção ou reconhecimento de tais bens.
Todas essas ações, brevemente relatadas, constituem parte significativa das informações e
dos dados conhecidos sobre a cafeicultura de São Paulo dos séculos XVIII ao início do XX.
Nas bibliografias analisadas é perceptível o esforço dos autores em mapear seus objetos de
estudo, identificando a localização das fazendas e o avanço da cafeicultura, o que contribui
para identificar seu posicionamento no território. Muitos trabalhos citam a presença das
ferrovias paulistas e as localidades por onde se desenhavam seus trajetos. No entanto,
poucos expõe mapas com o traçado ferroviário e nenhum ousou sobrepor a localização das
fazendas estudadas com as linhas férreas ou mesmo com as estações de trem.
Além do nome de cada fazenda, em tais tabelas também foram copiladas outras
informações que pudessem auxiliar no reconhecimento posterior da localização dessas
propriedades como município, dada de construção e diversos fragmentos de dados sobre
As consultas aos dados presentes nos inventários do Iphan, no inventário de Ribeirão Preto
(realizado entre 2011 e 2012 dentro do projeto “Rede de Cooperação de Identidades
Culturais”), no site “Fazenda Paulista” e em sites de busca (como o “google.com”) foram as
principais fontes utilizadas no processo de localização das fazendas. Os dados obtidos na
etapa de pesquisa – como endereço ou coordenada geográfica – foram lançados no Google
Maps a fim de observar nas imagens de satélite se no local indicado havia uma organização
espacial condizente com as implantações de fazendas de café. Ou seja, se haviam
resquícios de uma estrutura retangular análoga aos terreiros, e se a partir desse espaço
irradiavam construções de tamanhos variados que pudessem corresponder às demais
arquiteturas dos empreendimentos cafeeiros.
O processo de mapeamento seguiu com o uso de sites de busca, de modo que para cada
fazenda ainda sem endereço foi feita a procura por alguma informação sobre ela inserindo
no “Google” seu nome junto do município. Nas buscas mais afortunadas, os
empreendimentos dispunham de site ou páginas no “Facebook” que continham mapas
indicando sua localização ou seu logradouro. Cada endereço foi verificado no Google Maps
a partir da análise do que estava construído no local, ou seja, se era possível identificar o
terreiro e construções adjacentes. Se as bibliografias ou inventários apresentassem algum
desenho da implantação ou mesmo a planta do casarão, esses eram comparados às
imagens de satélite como uma forma de comprovar se as edificações da localização
apresentada condiziam com a fazenda procurada. A escolha pelo uso do desenho do
casarão decorre do fato de esse ser um elemento constante nos inventários e materiais
consultados. Além disso, como é uma construção de grande volume, sua percepção em
imagens de satélite é mais evidente.
Em muitos casos, os endereços fornecidos nas buscas não foram completos sendo
necessária uma procura mais apurada da localização. Para os empreendimentos que
dispunham de apenas alguma indicação do endereço – como nome da rua, rodovia ou
estrada – pesquisou-se no Google Maps tal denominação e sua coordenada geográfica.
Com o auxílio do software Google Earth, a partir da inserção da localização
georreferenciada do logradouro disponível, foi feita uma busca visual por empreendimentos
que dispunham de uma área retangular com limites bem definidos e preenchida com
vegetação baixa, ou ainda com tons marrons ou alaranjados, sendo tais elementos
indicativos da presença do terreiro.
Figura 02: Aspectos dos terreiros das fazendas Três Pedras (Campinas), São Sebastião (Catanduva)
e Figueira Branca (São Carlos). Notar que apesar das colorações diferentes, o formato retangular é
constante.
Ainda assim, houve casos de propriedades que possuíam registro fotográfico nas
bibliografias e/ou inventários analisados, mas, no local onde ela poderia estar inserida, não
havia nenhuma foto anexada ao “Panoramio”. Em tais situações, as coordenadas
geográficas não foram anotadas e as fazendas de café ficaram sem dados referentes as
suas localizações georreferenciadas na planilha do Excel.
No processo de procura visual pelas fazendas que dispunham de alguma referência – como
imagens, bairro ou região em que se situam, ou ainda nome de leitos fluviais próximos –, foi
possível encontrar em determinadas regiões (Amparo, Chavantes, Franca, Garça, Jaú,
Sales Oliveira, São João da Boa Vista e São Manuel) concentrações de terreiros cujas
características eram análogas aquelas anteriormente citadas. Apesar de identificados os
terreiros, não foi possível determinar o nome das fazendas ou se eles correspondem a
propriedades presentes na planilha proveniente da etapa de pesquisa. Contudo, como foi
apontado, a prática da cafeicultura cunhou no solo paulista certa “paisagem do café”, à qual
não é possível desassociar a presença do terreiro. Desse modo, a percepção visual de tais
estruturas a partir das imagens de satélite foi registrada no Google Earth, configurando uma
nova tipologia dos empreendimentos localizados a qual foi denominada “terreiros”.
O último caso que gerou a necessidade de uma nova classificação referente à confiabilidade
das localizações encontradas pertence às fazendas que dispunham de vários indícios
quanto aos seus endereços, mas nenhuma fonte de dados gráficos que permitisse sua
classificação como no grupo “comparada”. Ao todo, essa situação ocorreu com quarenta e
uma fazendas, sendo suas localizações classificadas então como “possível”.
A seguir, serão apresentadas alguns dos mapas elaborados a partir dos dados obtidos no
processo acima descrito e que proporcionam uma leitura visual sobre a distribuição da
cafeicultura pelo estado de São Paulo. Além das camadas de localização das fazendas e
dos terreiros mapeados, também foram inseridas shapefiles referentes às linhas férreas
construídas entre os séculos XIX e XX – trabalho desenvolvido anteriormente dentro da
Superintendência do Iphan de São Paulo, sob coordenação da arquiteta Elisa Vaz Ribeiro –,
pois apresentam-se como elementos intrínsecos à história do cultivo do café em solo
paulista.
Figura 03: Localização das fazendas e dos terreiros mapeados em sobreposição com as linhas
ferroviárias paulistas.
Nesse sentido, estudos mais aprofundados em regiões específicas mostram-se como uma
ferramenta importante, pois, além de serem uma fonte documental, subsidiaram fortemente
a elaboração do inventário síntese. Faz-se ainda necessário ressaltar que as regiões do
Vale do Paraíba e de Campinas possuem muitas fazendas cujos endereços foram obtidos
por meio de comparação entre as imagens de satélite e os desenhos elaborados pelo
“Inventário de 500 fazendas” do Condephaat. Ou seja, a importância desse levantamento
documental, ainda que antigo, foi basilar à determinação da localização de tais
propriedades.
Se o significativo volume de fazendas tabuladas revelou que tais bens rurais ainda são
plurais no território paulista, a necessidade de conhecê-los mais profundamente se coloca
como um dos próximos desafios a serem enfrentados. Isso porque o avanço das ocupações
e transformações espaciais em todo o estado de São Paulo – que atravessa o século XX e
ainda é uma realidade presente – ameaça não só à existência física desses locais, como
também às diversas práticas culturais da sociedade paulista que remetem às fazendas de
café. Tal como o inventário feito pelo Condephaat nos anos 1970, neste último levantamento
realizado pelo Iphan, mais do que evidenciar quão diversa ainda é a presença da
cafeicultura pelo território paulista, espera-se que ele possa estimular e subsidiar ações
futuras de preservação desses espaços ou mesmo investigações acadêmicas2.
Referências Bibliográficas
CHUVA, Márcia. “Por uma história da noção de patrimônio cultural no Brasil”. In: IPHAN.
Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n.34 (História e Patrimônio), 2012.
P.147-165.
LEMOS, Carlos. Casa Paulista: história das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo
café. 1ª ed. São Paulo: Edusp, 1999.
MARINS, Paulo Garcez. “Trajetórias de preservação do patrimônio rural paulista: entre ação
governamental e práticas sociais”. 2º Seminário de Patrimônio Agroindustrial: Lugares de
Memória. São Carlos. 2010. Disponível em <http://www.iau.usp.br/sspa/palestras.html>.
[último acesso em setembro de 2021].
MOSANER, Fábio. O desenho como método de estudo: Antônio Luiz Dias de Andrade e a
arquitetura do Vale do Paraíba. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo. USP, 2012.
PEDROSO, Marialice. Arquitetura das Fazendas de Café de Amparo, Monte Alegre do Sul e
Serra Negra de 1850 a 1930. Dissertação de Mestrado. Campinas, SP: Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas, Unicamp, 1998.
RESUMO
Ao sul do Rio Grande do Sul está situada a cidade de Pelotas - RS, com grande atrativo
histórico expressado de diversas formas, tanto no patrimônio histórico material, através de
sua arquitetura histórica, como no patrimônio imaterial, através de suas tradições doceiras.
As ações de preservação do seu patrimônio iniciaram entre as décadas de 1970 e 1980, e
hoje a cidade possui um dos maiores acervos da arquitetura eclética do país. Mesmo assim,
a cidade ainda carece de proteção de seu patrimônio, principalmente daquelas edificações
que não foram inventariadas até a data em que este artigo foi desenvolvido. Algumas destas
preexistências vivem no imaginário da população, e a falta de proteção abre espaço para a
destruição do espaço físico e o apagamento destes lugares, levando à perda da referência,
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de parte da história e do valor que trazem para a evolução da cidade, abrindo espaço para
novas edificações, que não preconizam a valorização e harmonização do entorno, não
possuem a mesma qualidade arquitetônica e não acrescentam qualidade visual à paisagem
urbana por não demonstrar nenhuma relação com o lugar ou com a identidade local. Dentre
os inúmeros casos que podem ser citados, iremos destacar o mais relevante para este estudo,
que é o da Casa Kraft, localizada na Zona Norte da cidade de Pelotas. A edificação esteve
em vias de ser demolida para a construção, em seu lugar, de uma drogaria em setembro de
2020 e o conhecimento deste fato causou grande comoção pública. Além disso, a
preexistência possui grande importância para memória afetiva dos pelotenses, que devido a
interesses mobiliários deveria ser destruída para dar lugar à construção de uma edificação
comercial, que inicialmente abrigaria uma drogaria, com um projeto totalmente destoante do
entorno existente, descaracterizando assim a esquina. O presente estudo pretende fomentar
o debate e reflexão de como a proposta de troca de uso do prédio poderia auxiliar na
salvaguarda do bem, assim como na conservação da memória afetiva e simbólica desta
preexistência, de importância histórica e testemunha de acontecimentos marcantes para a
cidade. Além de uma reflexão a partir de questionamentos pertinentes para a evolução do
estudo, como por exemplo: Se a Casa Kraft é referência cultural, está na memória afetiva
coletiva da comunidade e é tão importante para a população, porque não estava inserida no
inventário de bens protegidos da cidade? Qual a participação da população na construção do
processo de conservação e preservação do patrimônio? O que determina se um bem é
patrimônio cultural? Como os valores e significados atribuídos pela população podem
influenciar de forma efetiva nas decisões sobre o que é protegido? Sem a intenção de buscar
respostas absolutas, pretende-se enriquecer a discussão sobre a importância da salvaguarda
desses bens e possíveis revisões, tanto no processo de proteção, e de mudança de uso, como
ferramentas de valorização do patrimônio cultural, tombados e não tombados.
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Introdução
A cidade de Pelotas, localizada ao sul do Rio Grande do Sul, foi fundada há mais de 200 anos.
Em sua história, passou por um apogeu cultural e econômico que deixou inúmeras heranças
arquitetônicas e culturais para a sociedade. Atualmente conta com um dos maiores acervos
de arquitetura eclética do país, possui oito imóveis tombados em nível estadual (IPHAE) e 14
bens tombados individualmente em nível nacional, pelo IPHAN. Além do patrimônio edificado,
em 2018 o IPHAN realizou o registro das Tradições Doceiras de Pelotas/RS no Livro dos
Saberes, tornando-as Patrimônio Imaterial nacional e o tombamento do Conjunto Histórico de
Pelotas, formado por quatro praças, um parque, a Chácara da Baronesa e a Charqueada São
João (IPHAN, 2018; IPHAN, 2018).
Neste contexto encontra-se o caso da Casa Kraft. Residência unifamiliar construída entre
1951 e 1953 no chamado III Loteamento de Pelotas (atualmente denominado AEIAC – Área
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Especial de Interesse do Ambiente Cultural – Zona Norte). Após o falecimento do proprietário,
os herdeiros desocuparam a casa, que permaneceu neste estado por anos. No ano de 2020
a edificação foi vendida para um grupo de investidores que planejou demolir a construção
para dar lugar a uma drogaria com edifício padrão. O conhecimento deste plano alertou a
comunidade pelotense, que iniciou uma petição contra a demolição, e um grupo de arquitetos
e engenheiros de várias instituições públicas e privadas, no qual uma das autoras deste artigo
faz parte, elaborou documentos técnicos atribuindo valores à Casa Kraft para justificar a
solicitação de preservação do imóvel. O Ministério Público interveio e impediu a demolição da
casa, mas não sem antes acontecer a destruição de partes importantes da mesma (Figura
01).
Figura 01: Casa Kraft antes e depois do princípio de demolição. Fontes: Google Earth, 2020 e da
autora.
Considerando que a análise dos valores associados ao monumento é o ponto de partida para
a discussão de diferentes modalidades de conservação, que abarcam usos diferenciados e
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variáveis, sem prejuízo de sua primordial função cultural (Fabris in Riegl 2014), este artigo
traz a experiência da Casa Kraft para fomentar o debate sobre como a troca de uso de uma
edificação de valor cultural pode auxiliar na salvaguarda do bem e colaborar para a
conservação da memória afetiva do contexto em que o bem está inserido. As análises sobre
os valores da edificação foram realizadas com embasamento técnico dos documentos
entregues ao Ministério Público do Rio Grande do Sul em setembro de 2020 pelo corpo técnico
aqui já citado e comparadas com os valores classificados por Riegl (2014) e Meneses (2012).
Riegl (2014) foi um dos principais autores a classificar os valores que podem ser atribuídos a
um bem cultural. Em sua obra, publicada pela primeira vez em 1903, Alois divide os valores
em duas grandes categorias: valores de rememoração, em que se encontram os valores de
antiguidade, histórico e de rememoração intencional; e valores da contemporaneidade, que
são os de uso e de arte, sendo este último dividido entre de arte relativo e valor de novidade.
O valor de uso é o valor que o monumento apresenta ao estar apto para seu uso, seja esta
sua função original ou a adquirida com o passar do tempo, atendendo às necessidades
materiais da humanidade. O valor de novidade, por sua vez, é atribuído a aquilo que não
passou pela degradação do tempo. “Apenas o novo é íntegro e belo, segundo a visão da
multidão; aquilo que está velho, desfragmentado, descolorido, é feio” (RIEGL, 2014 p.71). Por
fim, o valor de arte relativo é o valor que o homem moderno dá aos monumentos antigos em
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predominância aos novos, independente do valor artístico que lhe era atribuído à época de
criação.
Mais de cem anos depois, Meneses (2012) trouxe os principais componentes do valor cultural,
segundo sua visão, elencando cinco categorias de valores: cognitivos, que são aqueles que
apresentam capacidade de produzir conhecimento, quando o bem é tratado como um
documento; formais, em que os objetos têm o efeito de aguçar a percepção e ampliar os
sentidos do usuário, nos fazendo mais humanos; valores afetivos, que são os relacionados à
memória, trazem reforço de identidade, representações sociais e imaginário social;
pragmáticos, que além dos valores de uso, são capazes de qualificar a sua prática; e valores
éticos, que são aqueles associados às interações sociais, tendo como ponto de partida o lugar
do outro, produzindo diálogos e transformações mútuas.
Cabe aqui lembrar também o conceito de espírito do lugar. Em 2008, na cidade de Foz do
Iguaçu houve uma reunião dos presidentes e membros dos comitês do ICOMOS – Conselho
Internacional de Monumentos e Sítios - Argentina, Brasil, Chile, México e Paraguai. A intenção
era refletir sobre a noção de “Espírito do Lugar”. Dessa reflexão surgiu a Declaração de Foz
do Iguaçu. Segundo o referido documento, citado por PAVAN (2013, 98), o conceito de
“Espírito do Lugar” traz em seu cerne, elementos que extrapolam o material. Este “espírito” é
constituído por elementos tanto do ambiente natural quanto pelos construídos pelo homem
Tem estes elementos, que são tangíveis (edifícios, objetos, paisagens) e também intangíveis
(odores, memórias, narrativas, valores, cores, texturas) como formadores de uma identidade
única, expressada pela relação entre uma determinada cultura e o sítio em que se desenvolve.
No caso da casa Kraft, pelas narrativas dos assinantes da petição e dos comentários em redes
sociais, a edificação traz a memória coletiva de momentos sonhados, mas não vividos. Estes
depoimentos, sintetizados no próximo item deste artigo, descrevem cheiros, cores, flores,
árvores, jardins,… e o sonho de conhecer ou morar em uma das casas de esquina, ou na
própria casa Kraft.
O objeto de estudo deste trabalho, assim como muitos outros monumentos, não foi construído
com o intuito memorial, mas se tornou assim através dos anos. Deste modo, pode-se
classificá-la como monumento não intencional, aqueles em que o valor de memória é “a
representação do tempo transcorrido desde a sua origem e que revela os traços de
antiguidade” (RIEGL, 2014 p.37). De acordo com a classificação dos valores de Riegl, pode-
se atribuir aqui o valor de antiguidade, pois a sensação é evocada unicamente por uma
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percepção física que pode ser compartilhada também pelas massas, por todas as pessoas
sem distinção de formação intelectual (RIEGL, 2014 p.38).
O valor afetivo (de referência cultural) é expressado através da manifestação popular coletiva
que aconteceu nas redes sociais e por meio da petição online, que obteve aproximadamente
quatro mil assinaturas nas primeiras 24h. Com o intuito de demonstrar que não eram apenas
assinaturas em vão, Oliveira et. al (2020) anexaram ao Parecer Técnico uma série de
manifestações publicadas e enviadas aos autores. Segundo eles, “A partir de um olhar
antropológico, apenas esta manifestação pública já é motivo para entrada no Ministério
Público alegando ressonância da população. A ressonância de grupos é o que faz de um bem,
patrimônio.” (p. 3).
A cidade de Pelotas, sendo bicentenária, possui uma diversidade de ambiências urbanas que
retratam a passagem do tempo. Ao transitar pela cidade, parte-se do primeiro loteamento, o
centro histórico onde as vias são estreitas com grandes casarões ornamentados, altos e
imponentes alinhados ao passeio público. À medida que se avança para as áreas de
expansão urbana, é notável a modificação na paisagem, com a miscelânea de estilos
arquitetônicos alusivos ao século XX. As ruas vão se tornando mais largas, os casarões
colados às vias dão lugar a residências igualmente imponentes, mas com implantação solta
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no lote, com grandes jardins ocupando o recuo frontal e de esquina, onde é possível enxergar
a beleza das casas através da diversidade de árvores, arbustos e flores, que aguçam todos
os sentidos com sua variedade de odores e cores, aumentando a sensação de amplitude e
liberdade. É nesta área de expansão urbana e modificação da paisagem que a Casa Kraft
está inserida.
Conforme acima citado, o casarão localiza-se na AEIAC Zona Norte. Esta região é
essencialmente residencial, com a existência de poucos imóveis comerciais e de prestação
de serviço (instalados em edifícios que originalmente tinham função residencial).
Caracterizada por lotes de dimensionamento generoso e implantação das edificações
predominantemente isoladas nos lotes, tem na Casa Kraft o exemplo perfeito. A localização
da casa, esquina de duas ruas bastante movimentadas, (inclusive uma delas é trajeto de
diversas linhas de ônibus que fazem a ligação entre o centro e os bairros) facilitou a
construção do reconhecimento da casa pela população geral. Este reconhecimento foi além
dos moradores do entorno e bairros vizinhos, mas também para uma parte da população que
mora em bairros bastante afastados do centro e passava por aquela esquina todos os dias
para ir trabalhar ou estudar, criando um imaginário de como seria a casa por dentro, quem
viveria nela, qual seria o cotidiano do casarão, etc.
Entende-se, a partir dos laudos apresentados ao Ministério Público e das análises aqui
realizadas, que os principais valores atribuídos à Casa Kraft são baseados em seu contexto
urbanístico e de referência cultural. Ambos tem como premissa principal o estado de
conservação e contexto externos da edificação, sendo plenamente contemplados desde que
seja conservada a volumetria e características externas, bem como sua configuração no lote.
É importante ressaltar, contudo, que para a plena conservação da memória arquitetônica e
social, é fundamental que a integralidade da edificação seja preservada.
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referência cultural”, que equivale aos valores afetivos de Meneses e conversa com o valor de
antiguidade de Riegl, são fundamentados a partir da consciência coletiva gerada através das
características físicas da edificação, sua relação com o lote e da região em que está inserida.
Podemos resgatar as informações sobre o espírito do lugar e a importância de compreender
a relação entre os elementos materiais e imateriais.
Ainda pensando no espírito do lugar e trazendo esta discussão para os valores atribuídos à
Casa Kraft, conseguimos entender que a vocação do monumento gira em torno de sua relação
com o contexto em que está inserida. Portanto, para sua preservação é de crucial importância
que a Casa Kraft continue tendo uma função que contemple e valorize estes fundamentos.
A edificação aqui estudada era originalmente de uso residencial. E assim foi por quase seis
décadas. No entanto, quando o patriarca da família faleceu, a casa ficou desocupada. Seja
por opção ou por necessidade (afinal um casarão daquele tamanho e magnitude exige
constante manutenção, de custo alto), o uso residencial não era mais viável para a edificação.
A única maneira de conservar o edifício seria modificar seu uso. A Casa Kraft foi vendida e a
decisão dos novos proprietários foi, além da troca de função, pela demolição do bem. Como
já narrado anteriormente, foi possível barrar esta destruição com um processo do Ministério
Público. Aqui questionamos se a única solução para a Casa Kraft seria a demolição.
Certamente que não. Seria possível, através da mudança de utilização do edifício, preservá-
lo.
Sabe-se que, a depender da função escolhida, modificações serão necessárias. Poucas são
as utilizações comerciais ou de serviço que se adequam perfeitamente à estrutura de uma
residência. Provavelmente seriam realizadas alterações internas para melhor aproveitamento
do espaço, como retirada de paredes divisórias ou troca de piso. Como disse Lyra (2005), ao
pensar em mudança de uso de um bem cultural, deve-se verificar se a nova função é
condizente com a vocação daquele monumento.
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Kühl (2010) apud Pavan (2013 p.92) salientam que a Carta de Veneza observa que o uso do
monumento deve ser um meio de preservação e não sua finalidade. Pavan (2013 p.93). A
autora comenta sobre a Recomendação de Nairóbi (ICOMOS BRASIL, 1976):
O texto disserta sobre a escolha da função apropriada para as edificações, levando em conta os
aspectos sociais e do conjunto urbano onde está inserido, e afirma a necessidade de analisar o valor
cultural, mas também o econômico, como forma de adaptar o uso às necessidades sociais, culturais e
econômicas: A proteção e a restauração deveriam ser acompanhadas de atividades de revitalização.
Seria, portanto, essencial manter as funções apropriadas existentes e, em particular, o comércio e o
artesanato e criar novas que para serem viáveis a longo prazo, deveriam ser compatíveis com o
contexto econômico e social, urbano, regional ou nacional em que se inserem. (Pavan, 2013 p. 99)
Nos parece que o que falta para uma boa coexistência entre patrimônio e mercado, é a
conscientização e a visão empresarial de que o patrimônio cultural não é um empecilho para
o crescimento econômico. Pelo contrário, é um atrativo. Em nosso objeto de estudo, vemos
que o empresário pode se utilizar do fato de parte da população pelotense cultivar o desejo
antigo de conhecer a residência dos Kraft para chamar este público a visitar seu
empreendimento e consumir o serviço oferecido. Soluções existem e são muitas. É necessário
derrubar o pensamento de que valor econômico e valor cultural são antagônicos. Meneses
(2012) mostra que há uma dimensão econômica no bem cultural, assim como uma dimensão
cultural no bem econômico. Acreditamos que esta ligação pode ser melhor explorada no
mercado brasileiro.
Considerações finais
Um dos segredos para a longevidade de edificações históricas é sua constante utilização.
Muitas vezes, para manter um edifício em uso é necessário modificar sua função, pois a
original não é mais necessária ou simplesmente não corresponde mais às demandas da
sociedade ou até mesmo dos proprietários. Como vimos nos pensamentos de Lyra (2005), é
primordial que a função escolhida para o monumento seja coerente com a vocação do mesmo,
para que não se percam os valores e significados que fazem dele, patrimônio. Neste ponto,
existem opiniões divergentes sobre o tema. Enquanto alguns defendem que sejam feitas,
quando necessário, alterações nas características ou no interior dos edifícios para que estes
recebam sua nova função e sigam “sua vida”, há quem seja contra a transformação desses
lugares de memória em “não lugares”.
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Sabe-se que a maior premissa quando se pensa em conservação, restauração e intervenção
em patrimônio cultural é a de que “cada caso é um caso”, pois todo bem cultural tem suas
próprias características e particularidades. Portanto, ao analisar as possíveis ferramentas de
salvaguarda e avaliar as novas funções que podem ser atribuídas ao patrimônio em questão,
deve-se levar em consideração quais os valores e significados mais relevantes do mesmo e
que devem ser mantidos. Em muitos casos, o chamado “fachadismo” parece ser a única
maneira de preservar alguma parte do patrimônio. Estas autoras questionam se há casos em
que esta prática é aceitável. Quando os maiores valores do bem estão ligados ao contexto
urbano, à volumetria e características externas, aos aspectos imateriais gerados pela
presença daquele edifício naquela localidade, vale a pena perder a conexão com os valores
imateriais e documentais internos para a manutenção do geral, da ambiência urbana e do
contexto? Seria mais favorável que se lutasse pela manutenção de todas as características
externas e o máximo possível da integridade interna, correndo o risco de acontecer a
demolição completa do bem para dar lugar a um edifício novo com a mesma função? Estes e
outros questionamentos serão levados para futuros estudos das autoras.
Sabemos que em muitos casos, com o intuito de preservar o máximo, acaba se perdendo o
todo. Este é, infelizmente, o caso da Casa Kraft, que está há mais de um ano sem telhado e
esquadrias, sem o mínimo de cuidado com a conservação do que ainda existe.
Referências Bibliográficas
IPHAN. História e tradição: Patrimônio Cultural de Pelotas (RS) é reconhecido pelo
IPHAN. 2018. Disponível em < http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/4640/historia-e-
tradicao-patrimonio-cultural-de-pelotas-e-reconhecido-pelo-iphan> Acesso em 02/11/2018.
LYRA, Cyro Corrêa. Casa vazia, ruína anuncia: a questão do uso na preservação de
monumentos. 2005. Tese (Doutorado História e Teoria da Arte), Escola de Belas Artes,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
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Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; coordenação, Weber Sutti. -- Brasília, DF: Iphan,
2012.
RIEGL, Alois. O Culto Moderno dos Monumentos: a sua essência e a sua origem / Alois
Riegl ; tradução Werner Rothschild Davidsohn, Anat Falbel. - I. ed - São Paulo : Perspectiva,
2014.
PAVAN, Juliana Silva. A adaptação de uso dos Lugares de Memória arquitetônicos como
fator de preservação cultural: Rua do Ouvidor e adjacências / Juliana Silva Pavan. Rio de
Janeiro: UFRJ / FAU, 2013. Orientadora: Rosina Trevisan Martins Ribeiro Dissertação
(mestrado) – UFRJ/ PROARQ/ Programa de Pós-graduação em Arquitetura, 2013.
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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.
Ao sul do Rio Grande do Sul está situada a cidade de Pelotas - RS, com
grande atrativo histórico expressado de diversas formas, tanto no patrimônio
histórico material, através de sua arquitetura histórica, como no patrimônio
imaterial, através de suas tradições doceiras. As ações de preservação do seu
patrimônio iniciaram entre as décadas de 1970 e 1980, e hoje a cidade possui
um dos maiores acervos da arquitetura eclética do país. Mesmo assim, a
cidade ainda carece de proteção de seu patrimônio, principalmente daquelas
edificações que não foram inventariados até a data em que este artigo foi
desenvolvido.
Algumas destas preexistências vivem no imaginário da população, e a falta de
proteção abre espaço para a destruição do espaço físico e o apagamento
destes lugares, levando à perda da referência, de parte da história e do valor
que trazem para a evolução da cidade, abrindo espaço para novas edificações,
que não preconizam a valorização e harmonização do entorno, não possuem a
mesma qualidade arquitetônica e não acrescentam qualidade visual à
paisagem urbana por não demonstrar nenhuma relação com o lugar ou com a
identidade local.
Dentre os inúmeros casos que podem ser citados, iremos destacar o mais
relevante para este estudo, que é o da Casa Kraft. A edificação esteve em vias
de ser demolida para a construção de uma drogaria em setembro de 2020, em
seu lugar, e o conhecimento deste fato causou grande comoção pública. Além
disso, a preexistência possui grande importância para memória afetiva dos
pelotenses, que devido a interesses mobiliários deveria ser destruída para dar
lugar à construção de uma edificação comercial, que inicialmente abrigaria uma
drogaria, com um projeto totalmente destoante do entorno existente,
descaracterizando assim a esquina.
RESUMO
Este estudo tem como objetivo registrar os elementos, padrões e cores dos azulejos
remanescentes das fachadas urbanas presentes no centro histórico da cidade de Barbalha,
no Ceará. O uso do azulejo no Brasil, que remete a colonização portuguesa, estabeleceu
um gosto nacional e foi amplamente usado como revestimento das fachadas urbanas,
promovendo sua decoração, higiene e sobretudo sua impermeabilização. Em Barbalha,
cidade fundada no século XVIII, no interior do Ceará, os azulejos também se fizeram
presentes como revestimentos das fachadas urbanas. Nesse contexto, para alcançar o
objetivo proposto, realizou-se primeiramente uma pesquisa bibliográfica, a partir da leitura e
sistematização das informações referentes ao uso do azulejo no Brasil, bem como sua
tecnologia e aplicação, e o método de pesquisa de campo, que constitui um modelo de
investigação a partir da observação direta, in loco, no qual foi realizado o registro e a análise
dos azulejos e seus padrões, através de fotografias, e a medição dos parâmetros cromáticos
com o uso do colorímetro portátil e o sistema de referência NCS (Natural Color System).
Com esse breve estudo pôde-se constatar a existência de um pequeno número de
elementos e padrões azulejares que estão aplicados nas fachadas principais, nos planos
lisos, deixando em destaque a ornamentação das modenaturas – cornijas e cercaduras.
Importante destacar que todos os padrões são formados pela repetição de um único
elemento, tendo o seu processo de aplicação do desenho decorativo por estampilha. As
cores registradas foram o branco, azul, amarelo, púrpura, verde e marrom, em que o azul e
branco se fazem presente em todos os dez elementos analisados. Outra observação
realizada durante este estudo foi o péssimo estado de conservação dos azulejos,
provenientes da falta de manutenção e a constante exposição as intempéries que conduz à
sua degradação física e sobretudo do valor artístico do conjunto na descaracterização das
fachadas. Dessa maneira, a partir da noção dos azulejos, como testemunhos de uma
técnica e imbuídos de valores histórico e artístico, busca-se com o seu registro contribuir
para o conhecimento e valorização da arte decorativa em azulejos, na cidade de Barbalha.
Palavras-chave: Azulejos históricos; arte decorativa; colorimetria; Barbalha-CE.
O uso do azulejo remota de civilizações antigas, onde era empregado como revestimento
decorativo de paredes e principalmente na impermeabilização de alvenarias. O azulejo
chega ao Brasil, através de Portugal, ainda no início da colonização, como um material
importado que dependia dos tipos e padrões fornecidos pelas olarias portuguesas. Esse
material passou a ser indispensável nas fachadas das edificações, promovendo a sua
decoração, mas sobretudo a sua proteção contra as intempéries, em um país tropical, com
abundância de chuva e ação do sol.
A partir da noção dos azulejos, como testemunhos de uma técnica e imbuídos de valores
histórico e artístico, busca-se registrar e conhecer tais objetos, contribuindo
consequentemente para a sua conservação.
Alcântara (2016) faz uma breve descrição da gênese do azulejo, a sua introdução em
Portugal e finalmente sua transferência para o Brasil. Inicia relatando a importância da
contribuição chinesa nos processos de “fusão dos esmaltes a temperaturas elevadas”, no
qual posteriormente o islã, a partir desse conhecimento, incorpora a cerâmica esmaltada à
sua cultura como revestimento arquitetônico sob a forma do alicatado – técnica que a partir
das peças cerâmicas, recortadas em formas variadas, permitia a composição de desenhos e
palavras.
Tal tradição foi difundida e seguiu novo rumo, em Sevilha, a partir da criação de desenhos
executados em placas quadradas – os azulejos – que se caracterizavam ela separação das
diferentes cores dos esmaltes, por meio de elevações ou sulcos que delimitavam e
determinavam os desenhos. Outra técnica inovadora, irá para a Península Ibérica, e ficará
conhecida como “faiança ou majólica, baseada na reação dos agentes químicos das tintas
aplicadas” (ALCANTARA, 2016, pg. 15), que permitia uma decoração direta sobre a
cerâmica.
Em Portugal, a autora afirma que os primeiros revestimentos com azulejos foram realizados
durante o reinado de D. Manuel I. No Renascimento, mas sobretudo no Maneirismo, as
paredes revestidas de azulejos se tornaram frequentes nas decorações das Igrejas, dando
origem ao estilo Brutesco, que teve sua maior representação em obras do período entre
meados do século XVII e início do século XVIII.
No Brasil, este gênero foi usado em altares, sendo mais comum, inicialmente, os azulejos de
caixilho, de composição enxaquetada e posteriormente azulejos de padrão e de tapete.
Nesse sentido, Alcantara (2016, pg. 16) afirma que as primeiras peças eram “quadradas,
maiores ou bem pequenas e retangulares, mais largas ou mais estreitas, brancas, azuis,
verdes ou cor de mel” que se organizavam em composições diagonais. Tais elementos,
apesar da simplicidade dinamizavam os espaços atraves das paredes revestidas por eles.
Posteriormente as peças centrais da composição passaram a ser decoradas formando
“caixilhos compósitos”, que depois desapareceram através dos azulejos de padrão ou de
tapete.
Os azulejos em tapete constituem o primeiro tipo que se tem uma quantidade significativa no
Brasil, no período colonial, principalmente na região Nordeste, onde se concentrava os
maiores investimentos da Coroa Portuguesa.
Nas igrejas e conventos, no século XVII, o azulejo decorativo torna-se peça importante na
representação de passagens religiosas através dos tapetes. Tais azulejos possuíam cores
tricrômicas sendo as mais comuns o amarelo, azul e branco, com ornamentações
geométricas, laçarias, arabescos e motivos florais com o uso da técnica majólica. Mesmo
com todas as dificuldades de transporte e dos elevados preços dos azulejos, este tipo de
material de revestimento foi muito empregado na decoração arquitetônica por todo o período
colonial do Brasil, tendo Portugal como principal exportador.
No século XVIII os padrões tricrômicos ou policrômicos dos azulejos são substituídos pelos
azulejos azuis sobre um fundo branco, sob influência dos ceramistas holandeses. Os painéis
de azulejos decorativos representavam os estilos dominantes, como no Barroco em que os
desenhos assumiram a perspectiva ilusionista na representação de cenas religiosas e da
natureza e posteriormente, no século XIX, o estilo Neoclássico da arquitetura imperial.
Nesse mesmo século, a abertura dos portos integra o país ao mercado internacional,
possibilitando a importação de novos produtos e equipamentos, contribuindo com a
mudança na aparência da arquitetura brasileira. Aqui os azulejos foram sendo utilizados no
embelezamento e na proteção das fachadas dos casarios urbanos, que estavam
constantemente sujeitas as ações das intensas chuvas e do sol. Nesse contexto, Barata
(1955) afirma:
A parte cerâmica do azulejo é obtida a partir da mistura denominada “pasta cerâmica”, cujo
principal material é a argila, que não deve ser seca, mas apresentar uma umidade de 45% a
50%. Desse procedimento tem-se uma multiplicidade de produtos cerâmicos que variam de
“um material geralmente heterogêneo e poroso até um material denso e aparentemente
homogêneo quanto à sua coloração” (ALCANTARA, 2016, pg. 33). Essa diferença pode ser
observada na parte cerâmica do azulejo, o biscoito, que pode variar em sua espessura,
coloração, densidade e peso, devido a tecnologia empregada no seu preparo, moldagem e
queima.
A parte vitrificada do azulejo corresponde a sua camada decorativa, com brilho, cor, texturas
e relevos. Trata-se de uma substância morfa, que cobre uma das faces do corpo cerâmico
sob forma de camadas vítreas. Além de ser a parte decorativa da peça, promove uma
superfície mais impermeável e dura.
Para este trabalho, interessa saber o significado da técnica de estampilha, que foi um
processo muito comum no século XIX, no qual o desenho decorativo era aplicado na própria
chacota ou no vidrado, utilizando uma ou mais máscaras, recortadas em papel encerado ou
em finas chapas metálicas, onde a tinta era aplicada com pincéis ou rolo. Quando se
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
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retirava a estampilha ficavam pintados no azulejo os traçados relativos aos recortes. A
quantidade de máscaras utilizadas para a decoração de um elemento tinha relação direta
com a quantidade de cores utilizada. A pintura nesta técnica era feita através de pincéis -
trinchas – por isso é frequente a marca dos pelos, assim como o vazamento da tinta junto
aos limites dos desenhos. Todos esses fatos atuam na forma determinante de se conseguir
distinguir este processo decorativo de outros, como a estampagem mecânica ou
decalcomania.
A cidade de Barbalha-CE
A cidade de Barbalha tem sua história relacionada com a ocupação e povoamento do sertão
nordestino, promovido pelo Governo Português, nos séculos XVII e XVIII, a partir da
economia da pecuária. A região do cariri, onde a cidade está localizada, era habitada pelos
índios Cariris da nação Tapuia, que foram inicialmente catequizados e posteriormente
expulsos de suas terras que foram doadas a colonos para a instalação de fazendas de
gado.
Na cidade de Barbalha, assim como nas outras áreas urbanas do país, a aplicação dos
azulejos nas fachadas das edificações agregou à função ornamental a intenção higienista.
Através da pesquisa de campo foi constatado que os azulejos estão aplicados nas fachadas
principais, nos planos lisos, deixando em destaque a ornamentação das modenaturas –
cornijas e cercaduras – de estuque. A azulejaria nas fachadas urbanas vão se basear na
repetição regular de um ou mais elementos – azulejos - para formar padrões, que pode ser
formado por um único elemento que contêm em si o padrão completo, ou por módulos de
quatro elementos.
A identificação da origem dos azulejos relacionando-o com a devida fábrica produtora é uma
tarefa difícil, uma vez que o melhor meio de identificação ocorre com a visualização da face
posterior do azulejo, o tardoz, aonde pode vir o nome da fábrica ou uma característica
especifica de fabricação. Além desse procedimento é possível buscar a origem dos azulejos
através dos catálogos de padrões que algumas fábricas produziram, no entanto, a tarefa
permanece difícil tendo em vista que muitos exemplares não estão mais disponíveis ou são
inacessíveis. Para esta breve pesquisa, não foi possível saber a procedência dos azulejos,
pois a conduta da autora foi a de mínima intervenção, ou seja, não foi retirado nenhuma
peça, nem encontrado nenhuma peça solta, para observar o tardoz e descobrir o nome do
fabricante, ou lugar de origem.
Nesse contexto, é importante saber que a cor se expressa tridimensionalmente por meio de
três atribuições básicas: matiz, luminosidade e saturação. O primeiro refere-se a cor
percebida, como o azul, amarelo, vermelho e as demais cores resultantes de suas
combinações, sendo a matiz relacionada ao “tom” da cor; a luminosidade ao valor ou brilho,
ou seja, define o grau de claro e escuro da cor e a saturação ou croma é o atributo de
percepção do grau de pureza da cor, ou seja, é onde se percebe a vivacidade da cor,
quanto maior o grau, mais saturada, mais viva é a cor.
Como resultado desta pesquisa foram registrados dez azulejos (elementos), sendo oito
deles, quadrados com dimensões de 15x15 cm, 14x14 cm e 11x11 cm e dois retangulares
com dimensões de 11x8 cm. Os azulejos quadrados formam padrões com quatro peças e os
retangulares, são frisos com padrões lineares. Importante destacar que todos os padrões
são formados pela repetição de um único elemento.
Figura 01: Exemplos de módulos formados por quatro elementos, encontrado no centro de Barbalha.
O código do sistema NCS é constituído por três elementos que correspondem as três
dimensões da cor: luminosidade, cromaticidade e posição no círculo cromático. Dessa
maneira, a cor encontrada S 2060-R80B será uma cor com 20% de luminosidade, 60% de
cromaticidade e corresponde ao plano de cor no círculo cromático de um vermelho com 80%
de azul.
Através desse estudo pôde-se constatar que todos os dez azulejos tiveram o seu processo
de aplicação do desenho decorativo por estampilha, em que as cores azul e branca se
fazem presentes em todos os elementos registrados.
A cor azul era a mais usada por ser mais resistente ao fogo e por ter boa comercialização.
Aqui, os azuis encontrados foram: 1040-R90B, 1560-R90B, 1580-R90B, 1550-R80B, 2060-
R80B, 1040-R70B, 1550-R70B e 2040-R70B. Ou seja, os azuis encontram-se com 10 a 20%
de luminosidade – baixa porcentagem de preto, ou seja, são tons claros - e 40 a 80% de
cromaticidade – muito saturadas -, sendo utilizadas tanto para o preenchimento dos motivos
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decorativos como também dos contornos. Quando há sobreposições de cores o azul parece
ser sempre a primeira cor a ser pintada, ficando geralmente por baixo dos amarelos. Em
alguns azulejos pode-se observar no entorno dos motivos pintados de azul um alastramento
da cor causado pela difusão horizontal do pigmento usado.
Figura 02: Nos detalhes observa-se a cor azul por baixo da cor amarela (1), o azul mais escuro nos
locais onde as pinceladas se sobrepõem (2) e onde o azul difundiu horizontalmente alastrando em
torno dos motivos decorativos (3).
Dessa maneira, tem-se uma predominância das cores azul e amarela, claras – entre 15 e
45% de preto – e com saturação entre 30 e 80% de cromatismo. As cores mais escuras –
com 50 a 55% de preto, são o verde e os marrons, conforme o diagrama síntese das cores
abaixo.
Outra observação realizada durante a visita foi o estado de conservação desses elementos
e das fachadas, que em sua maioria apresentam os seus azulejos mal-conservados, com
lacunas no vidrado e na chacota, a presença de craquelês, sujeiras, manchas e fraturas,
além de peças faltantes. A perda da decoração, conduz a degradação não só física do
azulejo, mas sobretudo do valor artístico do conjunto. Aqui percebe-se que a falta de
manutenção e a constante exposição as intempéries conduziu a problemas patológicos que
resultam na descaracterização das fachadas.
Conclusão
Com esse trabalho, atraves do registro e análise dos padrões e cores dos azulejos
remanescentes das fachadas históricas da cidade de Barbalha – CE, reforça-se a
importância do azulejo enquanto representante de uma técnica e material construtivo, de
uma determinada época, que apresenta um valor histórico, mas sobretudo estético e
artístico. Espera-se que esse breve trabalho sirva de incentivo a futuros estudos, sobre a
arte decorativa em azulejos na cidade de Barbalha, o conhecimento dos elementos e
padrões remanescentes existentes, que estão sob ameaça da ação do tempo, das
intempéries e pelo relativo abandono, bem como orientação para os profissionais atuantes
na área de conservação e restauro.
Referências
BARATA, Mário. Azulejos no Brasil. Séculos XVII, XVIII e XIX. Tese (Concurso de Professor
Catedrático de História da Arte) – Escola Nacional de Belas Artes, Universidade do Brasil.
Rio de Janeiro, 1955.
SILVA FILHO, O. P. da. Varandas de São Luís - gradis e azulejos. Brasília, Distrito Federal,
IPHAN, 2010.
RESUMO
Dentre as operações voltadas para a preservação do patrimônio cultural edificado, neste artigo
evidencia-se a documentação. Esta compreende o conjunto de informações técnicas, históricas,
iconográficas, entre outras, sobre determinado bem cultural, constituindo-se também como
testemunho do que foi produzido no passado. A documentação é aqui compreendida como um
suporte de memória e ao mesmo tempo ferramenta de pesquisa.
As dificuldades e a qualidade das informações disponibilizadas sobre o acervo edificado de feição
eclética de Teresina, capital do estado do Piauí, estimulou a elaboração do Projeto de Iniciação
Científica da Faculdade Uninassau Teresina, a ser desenvolvido entre 2021 e 2022 com os
estudantes do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo, autores do presente artigo, com o
objetivo de investigar as edificações de feição eclética de interesse de preservação do bairro Centro
da cidade e a documentação técnica produzida sobre as mesmas, analisando-as criticamente e
disponibilizando-as à sociedade acadêmica e ao público em geral.
A arquitetura eclética compõe a maior parte do acervo edificado mais antigo da capital piauiense,
sendo importante para o reconhecimento e valorização deste como patrimônio urbano, entretanto,
quando da pesquisa sobre a mesma depara-se com dificuldades na obtenção de dados ou com
dados incorretos. Por outro lado, tem-se em instituições de preservação, acervos e bibliotecas
documentos e informações, que não chegam ao conhecimento geral, o que, aliado ao processo de
transformação e destruição do patrimônio edificado de Teresina, acaba por reforçar a crença de que a
cidade não possui patrimônio a ser preservado. Espera-se com o projeto contribuir para uma
aproximação entre as pessoas e a arquitetura eclética através da sua documentação.
Introdução
Seja para fins de proteção ou para subsidiar intervenções de caráter conservativo, a fase
inicial da investigação sobre um patrimônio cultural compreende o levantamento de dados
sobre suas características essenciais, historicidade, condições em que chegou à atualidade
e, fundamentalmente, os valores culturais associados. Compõe esse processo a
identificação de informações, através de levantamentos diretamente no bem, entrevistas e
consultas a fontes e acervos diversos.
Etapas que exigem tempo e método, o que, em geral, não se constitui em uma tarefa fácil,
seja pelas condições de acesso ao objeto em estudo ou às informações sobre ele, ou ainda
pela qualidade das informações disponibilizadas. Foram essas as dificuldades que
despertaram o interesse em estudar e conhecer melhor o patrimônio edificado de feição
eclética de Teresina, capital do estado do Piauí, Nordeste do Brasil, e sobre a
documentação técnica produzida sobre ele.
Neste artigo pretende-se apresentar um panorama geral sobre o ecletismo de Teresina, sua
identificação e documentação enquanto bem cultural digno de ser preservado, e, ainda, os
primeiros percursos dos estudantes de arquitetura na pesquisa ora iniciada.
A cidade de Teresina foi planejada inicialmente pelo viés político-administrativo para abrigar
a nova sede do governo provincial, transferida de Oeiras, localizada no sertão da então
Capitania de São José do Piauhy, sendo oficializada a fundação da nova capital em 16 de
agosto de 1852. Teve seu traçado e estruturação urbana definidos a partir de ruas paralelas,
num rígido traçado geométrico, como um tabuleiro de xadrez.
Concebido pelo mestre de obras João Isidoro França, posteriormente alterado por José
Antônio Saraiva, então presidente da Província do Piauhy, o plano urbano da nova capital
consistia em uma grande praça, de onde seguiam três largas ruas, e em volta da praça, os
prédios públicos e a igreja matriz como edilícia limitante. (SILVA FILHO, 2007b, p.104).
A cidade, no início do século XX, a exemplo do que ocorria nos outros centros urbanos,
sentiu o impacto da modernização, adquirindo novos hábitos sociais, enquanto avançava no
processo de urbanização com a criação de novos espaços urbanos e a ampliação de outros
para atender sua população, a exemplo das praças e equipamentos públicos.
De acordo com Silva Filho (2007), as técnicas industriais aos poucos foram substituindo as
artesanais na produção da arquitetura piauiense, mudanças impulsionadas pelo fim do
período escravagista e pelo acesso facilitado a produtos industrializados através da
navegação pluvial, com impactos significativos na capital que buscava romper com a
tradição arquitetônica rural e consolidar-se como cidade, embora os hábitos escravagistas
que sustentavam a vida burguesa ainda resistissem.
1O termo estilo enquadra tudo que uma edificação nos mostra, seja através de métodos construtivos,
a forma, e até mesmo o seu caráter regional. Dessa forma o conceito modifica-se cronologicamente
com passar dos tempos, “O estudo dos traços característico de um conjunto de dados, que visa
determinar tipos, modelos. Essa prática vem sendo aplicada desde os tempos de Vitrúvio, e consiste
em uma forma de tentar enquadrar os diversos edifícios em épocas e características específicas”.
(MELO, 2012, p.67-68).
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As mudanças sofridas nas edificações, na primeira metade do século XX, vão
desde a relação das casas com o lote urbano, que se altera em relação ao
modelo urbanístico tradicional – de herança portuguesa e vigente por todo o
período colonial - até a preocupação com a ornamentação das fachadas e
interiores, crescendo o número de aposentos da área social e também atenção
quanto ao mobiliário. (FREITAS, 2011, p.12)
O referido Código de Posturas de 1912, juntamente com Código de Posturas de 1939, que o
substituiu, podem ser considerados os instrumentos legais definidores das características
residenciais adotadas em Teresina até a metade do século XX, por explicitar o tratamento
que deveria ser dado às edificações novas e existentes nesse período. Neles são
apresentados os parâmetros técnicos e formais para as construções no perímetro urbano da
cidade, trazendo novidades em relação aos padrões oitocentistas.
Com a ascensão do ecletismo, o uso dos jardins ganha espaço na arquitetura residencial,
sua exigência, conforme quarto parágrafo do Código de Posturas, ao tempo que promovia o
embelezamento da cidade, também possibilitava a ventilação e iluminação da construção,
aspecto fundamental para assegurar as condições de higiene então defendidas. Além
destas exigências relativas à forma de implantação das edificações, o Código de Posturas
também trouxe mudanças na própria arquitetura, que, baseadas em influências externas,
transformaram as edificações no período de 1900 a 1938. O Código determinava que:
No sexto parágrafo observa-se uma determinação que teve como consequência a difusão
de um elemento até então raro nas edificações da cidade, o porão, solução importante para
a higiene e salubridade que se buscava em Teresina.
Imagem 1. Vistas edificações residenciais ecléticas, bairro Centro de Teresina. Fonte: google.
Todavia, esse programa de modernização era para poucos, notadamente as famílias mais
abastadas e que podiam pagar por essa modernização, por sua vez, representada pelos
grandes lotes urbanos, fachadas imponentes e interiores ornamentados com mobiliários
estrangeiros, a exemplo das residências localizadas em espaços privilegiados da área
central da cidade, como o entorno das Praças Marechal Deodoro da Fonseca e Pedro II.
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Imagem 2. Vistas Praça Pedro II, bairro Centro de Teresina. Fonte: Site Teresina Meu Amor (2012).
Mas, ao tempo que os ideias higienistas davam feição ao ecletismo de Teresina, impingiam
grande sofrimento à grande parte da população da capital, constantemente expulsando-as
para as áreas mais afastadas da cidade. Logo, integra esse contexto de esforço político,
social e legal em prol de melhorias urbanas e arquitetônicas, um dos eventos mais
marcantes e aterrorizantes daquela época, o incêndio das casas de palha da década de 40.
Entretanto, de acordo com Nascimento (2015), grande parte das edificações existentes em
Teresina até a década de 40 possuíam cobertura em palha, o que demonstrava que para
além das ruas do entorno do núcleo fundador na capital, proliferava a desigualdade social e
econômica. O caráter excludente do código de posturas municipal se mostra, então, mais
evidente ao se verificar que à imposição das novas regras não havia outra ação ou política
pública eficiente que fizesse frente a essa demanda social, deixando a população
Tabela 1. Fonte: Tabela produzida por Amanda Moreira (2016, p.258) a partir de dados obtidos em
Alvarenga (2011) referentes ao Cadastro Predial e Condições Sanitárias das Habitações de Teresina
do ano de 1941.
A partir das edificações ecléticas que chegaram à contemporaneidade faz-se uma questão
importante, será que agora não é o momento de conservação e manutenção e não só de
transformação? As posturas preservacionistas adotadas até o momento em Teresina
parecem ser incapazes de responder positivamente a esse questionamento. Nesse
contexto, a documentação torna-se ainda mais relevante como um caminho possível para o
conhecimento e valorização das camadas de passado e dos significados impregnados na
arquitetura eclética de Teresina.
Decorrido 23 anos de sua realização, pode-se considerar que o mesmo cumpriu em grande
medida seus objetivos, pois constituiu-se como documento referencial para o conhecimento
da arquitetura e urbanismo piauiense, e em Teresina, além de identificar e registrar um
acervo significativo da arquitetura civil, religiosa e oficial da cidade, subsidiou a proteção de
alguns bens edificados e espaços urbanos através da Lei de Uso e Ocupação do Solo, que
criou Zonas de Proteção Ambiental, dentre as quais a ZP3 composta por uma listagem de
edificações, cujas “fachadas deveriam ser preservadas”. (TERESINA, 2006)
Esse dispositivo legal passou por várias alterações ao longo do tempo, a última ocorrida no
em dezembro de 2019 com a aprovação do Plano Diretor de Ordenamento Territorial, Lei
Complementar nº 5.481, que criou as Zonas Especiais de Interesse Cultural – ZEIC,
identificadas como “parcelas do território que apresentam uma paisagem cultural peculiar”,
dentre as quais as Centrais 1 e 2.
De uma análise dessa Lei, o que se observa é que não houve alteração significativa dos
bens e espaços urbanos em relação aos identificados no Inventário de 1998 e os
selecionados em 2006, exceto a supressão dos imóveis destruídos nesse decurso de
tempo, e nem aprofundamento dos critérios para intervenção, mantendo-se uma visão
individualizada das edificações e pouca ênfase na área central de Teresina enquanto
O inventário de 1998 mantém-se como uma fonte única e de grande relevância, mas que
diante das dinâmicas de transformação urbana carece de atualização, uma vez que a
iniciada em 2010 não foi levada a termo, e o município não conta com outro trabalho de
identificação de tal envergadura, mostrando-se, assim, insuficiente para informar sobre o
que hoje constitui o acervo arquitetônico do bairro Centro na atualidade. Situação que
evidencia a importância da continuidade dessa documentação, mas também da realização
de pesquisas sobre a arquitetura eclética e o contexto urbano em que se insere.
2De modo geral, o critério de preservação atém-se à manutenção das “características arquitetônicas,
artísticas e decorativas e também a sua volumetria” (TERESINA, 2019), podendo ser ampliada a
ocupação do lote por sua localização na Macrozona Consolidada.
Esses estudos tem gravitado no universo acadêmico promovendo reflexões sobre processos
econômicos, sociais e culturais da cidade, sendo fundamental incorporar as discussões
sobre a preservação cultural, contexto em que se destaca a produção do arquiteto Olavo
Pereira da Silva Filho, já referenciado neste artigo, por apresentar de forma detalhada a
arquitetura piauiense, estimular as sensibilidades e o senso crítico na defesa dos atributos
que justificam sua preservação, no qual Teresina tem papel importante por ser a capital, e,
portanto, deveria ser espelho e não sombra.
A partir desse panorama geral observa-se que passos importantes foram dados, mas que há
ainda um caminho longo a percorrer. Faz-se fundamental dar continuidade ao Inventário do
Acervo Cultural de Teresina, conhecer sua diversidade e valores, adotar instrumentos legais
compatíveis e promover sua conservação, proteção e preservação. Como nos ensina
Beatriz Kühl (2008, p. 36), quando diz que
Conclusões parciais
No bojo da pesquisa acadêmica, o que se espera ao final do projeto ora iniciado é integrar
ao processo de aprendizagem em sala de aula, a experiência da pesquisa, do trabalho de
campo e da vivência com o campo da preservação do patrimônio cultural. Por fim, espera-se
também estimular nos discentes senso crítico, para que se coloquem diante das
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informações disponibilizadas de forma atenta, problematizando-as e contextualizando-as. O
presente artigo constitui-se num primeiro exercício de escrita e reflexão.
Referências bibliográficas
CARVALHO, Silva Luan. Resenha., de. A Cidade Sob O Fogo: Modernização e violência
policial e teresina(1937-1945). 2018.
MELO FILHO, Antônio. Década de vinte: Teresina na era do saneamento. In: FONSECA
NETO et al. Teresina 150 anos: 1852-2002. Teresina: O Dia, 2002. p. 125- 126.
SILVA FILHO, Olavo Pereira da. Carnaúba, pedra e barro na Capitania de São José do
Piauhy. Belo Horizonte: Nova Fronteira, 2007. V.II e III.
RESUMO
O contexto de transf ormações que se apresenta em âmbito nacional ao longo da década de 1930,
pela instauração do regime político de Getúlio Vargas, repercutiu substancialmente sobre a capital
paraense. Na cidade de Belém f oi empreendido por meio de gestões de intervenção pública, um
projeto de modernização, suscitando importantes alterações na identidade e constituição de seu
espaço construído. No desdobramento da década de 1940, o quadro de conf litos da 2ª Guerra
Mundial (1939-1945) propiciou a conf ormação de inúmeras alianças diplomáticas entre as principais
nações envolvidas, f ator que estimulou as políticas de aproximação entre o Brasil e os Estados
Unidos mediadas, sobretudo, pela comercialização da borracha. Diante disso, marcadas pelos
“Acordos de Washington” assinados em 1942, inúmeras iniciativas materializaram, sobre o espaço da
cidade, intervenções simbólicas de distintas expressões da modernidade local. Em meio às suas
variadas f ormas de manif estação, as ref eridas transf ormações f oram, também, implementadas por
meio dos equipamentos públicos como os clippers, um tipo de abrigo de passageiros de ô nib us , q ue
apresentava distintas características de composição estética e construtiva. Esses equipamentos,
além alterarem a tradicional maneira de se deslocar na cidade antes realizada por bondes, também
contribuíram para o distanciamento da arquitetura do ecletismo. As suas curvas e linhas inspiradas na
envergadura do avião americano “Fair Child 91” que se popularizou na capital paraense na década de
1930, instigou o imaginário da população local e contribuiu para o desenvolvimento de novas
conf igurações arquitetônicas de linhas modernas. O presente artigo busca interpretar os signif icados
dos clippers para a consolidação de um novo signo de modernidade em Belém entre as décadas de
1940 e 1960, período f ortemente marcado pelas suas comunicações com os EUA. A partir dos
levantamentos bibliográf ico, documental e iconográf ico, as inf ormações f oram sistematizadas em
mapas temáticos elaborados por meio do sof tware de georref erenciamento QGIS, propiciando a
espacialização das dinâmicas de sua distribuição, e entendimento de sua desaparição nos anos
posteriores. Percebem-se os desdobramentos que a construção dos clippers ocasionaram na capital
paraense, desde o seu surgimento, até seu desaparecimento, ambos impulsionados pelo poder
público, em um movimento de construção e destruição de momentos distintos da modernidade na
cidade de Belém.
Palavras-chave: Belém, Modernidade, Estados Unidos, Equipamentos Públicos
No período entre o final do século XIX até a metade do século XX, uma importante
mercadoria mediadora das trocas comerciais entre Brasil e Estados Unidos foi a borracha,
gênero cuja matéria-prima pode ser identificada em maior abundância na região amazônica.
Produto extraído da seringueira, ou Hevea brasiliensis, o látex intermediou as aproximações
comerciais brasileiras com o vizinho norte-americano principalmente ao longo dos períodos
de guerra, enquadrados, mais notadamente, no intervalo entre as décadas de 1930 e 1940
(OLIVEIRA, 2003). Diante disso, é reconhecida, no decurso da 2ª Guerra Mundial (1939-
1945), a coexistência entre a comercialização dessa mercadoria com a constituição de
acordos diplomáticos e econômicos entre os países. Em virtude do domínio japonês sobre
uma ampla extensão das ilhas do Pacífico e do continente asiático, o fornecimento da
borracha às nações componentes do bloco militar oposto - os Aliados - foi interrompido
(SECRETO, 2003). À procura de mercados alternativos, os Estados Unidos encontram no
Brasil não somente uma vantajosa possibilidade de ampliar seus suprimentos de borracha,
favorecendo a “inserção da Amazônia brasileira na rota do capital mundial” (CHAVES, 2019,
p. 22); mas também um interesse pela vasta linha costeira brasileira, contígua ao continente
africano e considerada um “extenso território desabitado” (LIERNUR, 1999, p. 170),
portanto, passível de recepcionar projetos de implantação de bases aéreas estadunidenses.
Em torno dessa questão, apesar da crise financeira, as novas gestões a partir dos
anos 1930, continuavam a defender aquela Belém de outrora, persistindo o ideal de
modernidade, agora sobre uma base econômica encolhida e frágil. Entretanto, foi a partir
desse “ethos cultural” (GORELIK, 1999), no qual as imagens e expressões da modernidade,
como esses equipamentos da infraestrutura, puderam ser efetivamente realizadas.
No estado do Pará e, especificamente, na sua capital, não foi diferente, uma vez que
houve a implementação de diversas medidas visando à reestruturação das áreas centrais da
cidade com o intuito de mascarar a debilidade econômica ocasionada após o primeiro ciclo
da borracha, verificado no início do século XX (OLIVEIRA, 2003). Este compromisso com a
efetivação de medidas modernizadoras no território paraense foi orientado a partir da gestão
do interventor estadual Magalhães Barata, responsável por alterar a linguagem arquitetônica
do período, ação que repercutiu durante as seguintes décadas de 1940, 1950 e 1960 com a
conivência dos gestores subsequentes, alinhados às políticas desenvolvimentistas de
Vargas. (CHAVES, 2008).
De tal forma, houve o abandono das linhas de bonde que transitavam pelo centro da
cidade, circulando entre os bairros periféricos como Jurunas, Cremação e Guamá.
Consequentemente, com o declínio dos bondes, houve uma necessidade de reestruturar o
transporte público local, apesar das dificuldades econômicas enfrentadas no período
(CHAVES, 2016), esse fenômeno acarretou na popularização dos ônibus zeppelins,
modelos novos fabricados em carroceria de madeira revestida em zinco.
Figura 02 - Sobreposição das linhas construtivas do clipper pioneiro com a carcaça do hidroavião
Fairchild 91
CAVALCANTI, Lauro. Moderno e Brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. 142 p.
O Clipper nº1 foi calcado no hidroplano Fairchild 91 - Baby Clipper. FAU - Laboratório
Virtual - ITEC/UFPA, 2017. Disponível em: <https://fauufpa.org/2017/09/14/o-clipper-no1-
foi-calcado-no-hidroplano-fairchild-91-baby-clipper/>. Acesso em: 18 de fev. de 2020.
O Super Clipper Brasil; por José Maria Coelho Bassalo. FAU - Laboratório Virtual -
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PETIT, Pere. Políticas Públicas do Governo Federal no Estado do Pará da SPVEA à Nova
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RIBEIRO, Gustavo. Why (post)colonialism and (de)coloniality are not enough: a post-
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SECRETO, María. A ocupação dos "espaços vazios" no governo Vargas: do "discurso do rio
Amazonas" à saga dos soldados da borracha. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 40, p.
115-135, jul-dez. 2007.
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RESUMO
A preservação de bens culturais é de grande importância para a documentação e salvaguarda da
memória. Em 2018 ocorreu uma grande perda cultural e histórica para o Brasil e para o mundo com o
incêndio que atingiu o Paço de São Cristóvão e o acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro, sendo
essa a mais antiga instituição científica do país e um dos maiores museus de história natural e de
antropologia das américas. Essa tragédia motivou o estudo sobre a utilização das ferramentas de
fabricação digital na documentação e preservação de bens culturais, especialmente os arquitetônicos,
artísticos e históricos. Este estudo conta com a inserção de pesquisador doutor na “LAFF Digitalizações
3D”, empresa especializada no escaneamento de objetos 3D, através de recursos da FAPERJ. O
presente trabalho apresenta a pesquisa sobre a digitalização 3D como ferramenta de auxílio à
documentação, conservação e divulgação de bens culturais, em especial os relacionados à arquitetura,
possibilitando ainda a ampliação do conhecimento sobre as técnicas de escaneamento e reprodução
física e virtual desses bens culturais. Através da digitalização 3D, alguns artefatos foram digitalizados,
sendo editados e manipulados para utilização em ambiente virtual, com usos possíveis em modelos
HBIM para projetos de restauro e em "tours virtuais" com realidade aumentada/virtual (RA/RV), como
ainda reproduzidos fisicamente através de técnicas de fabricação digital. A pesquisa teve como
objetivos: o estudo de métodos e técnicas, a partir de investigação e experimentação, da digitalização
3D de elementos arquitetônicos, artísticos e históricos; as formas de registro e representação utilizando
as ferramentas de fabricação digital para reprodução, tanto física como virtual, facilitando a consulta e
visualização por terceiros. Para a digitalização 3D foi empregado o escâner Peel 2 (Creaform), que
pode chegar a meio milímetro (0,5 mm) de resolução e acurácia. Como Estudos de Casos foram
analisados os processos de digitalização 3D de elementos arquitetônicos, escultóricos e utilitários que
compõem os conjuntos arquitetônicos e paisagísticos do Palácio de São Cristóvão (Museu Nacional) e
do Palacete Linneo de Paula Machado (Casa Firjan da Indústria Criativa).
O incêndio que acometeu o Paço de São Cristóvão e o acervo do Museu Nacional do Rio de
Janeiro, localizado na Quita da Boa Vista, em 2018, foi uma grande perda cultural e histórica
para o Brasil e para o mundo. O fogo atingiu o palácio que foi a residência da Família Real
Portuguesa e da Família Imperial Brasileira, e que abriga a mais antiga instituição científica
do país – um dos maiores museus de história natural e de antropologia das américas.
O Museu Nacional possui o quinto maior acervo em museu do mundo, que contava com 20
milhões de peças e documentos que reuniam uma parte importante das histórias
antropológica e científica da humanidade: desde o crânio fóssil de Luzia (a mulher mais antiga
das américas), passando por coleções egípcias de múmias e sarcófagos, coleções de vasos
gregos e etruscos, importantes fosseis de dinossauros achados no país, como ainda o maior
conjunto de meteoritos da América Latina. Apesar disso, menos de 1% do seu acervo estava
exposto ao público (SOARES, 2018).
O ocorrido com o Museu Nacional, notadamente, foi o incêndio de maior destaque no país,
entretanto outras tragédias também impactam a preservação de bens culturais no Brasil:
a queima do Laboratório de Répteis do Instituto Butantan, em 2010; o incêndio em grande
parte do Museu da Língua Portuguesa, em 2015; da reserva técnica do Museu de História
Natural e Jardim Botânico da UFMG, em 2020; mais recentemente, em julho de 2021, o
incêndio do galpão com acervo da Cinemateca Brasileira, em São Paulo.
Essas tragédias motivaram o estudo sobre a utilização das ferramentas de fabricação digital
na documentação e preservação de bens culturais, principalmente dos arquitetônicos,
artísticos e históricos.
Para a digitalização 3D foi empregado o escâner portátil Peel 2 (Creaform), podendo chegar
a meio milímetro (0,5 mm) de resolução e acurácia. Este equipamento funciona pelo princípio
da luz estruturada, em que as formas são obtidas a partir de projeções de padrões de QR-
Code1 sobre os objetos físicos, que são capturados digitalmente pelo digitalizador. Desse
modo, o artefato digitalizado tridimensionalmente é capturado a partir de vários ângulos, de
maneira a gerar sobreposições que facilitem o alinhamento, feito no próprio software do
equipamento. As coordenadas capturadas são representadas por pontos, que formam uma
nuvem de pontos que é convertida, posteriormente, em uma malha (mesh) composta por
triângulos ou polígonos, que podem ser convertidos para representar as superfícies do
artefato (PATZLAFF, 2018).
Nesse sentido, a digitalização 3D é uma ferramenta de fabricação digital, que aliada à outras
técnicas tradicionais de preservação e registro, vem sendo empregada com diferentes
ferramentas computacionais complexas de fabricação digital 2: impressoras 3D de diversas
configurações, materiais e tamanhos (manufatura aditiva)3; usinagem em routers CNC
(Controle Numérico por Computador), para peças de tamanhos maiores (manufatura
subtrativa)4; registros fotográficos digitais em 3D; e toda sorte de tecnologias disponíveis.
3Nesse processo de fabricação as peças são formadas pela adição de camadas de polímeros diversos (plásticos)
ou de resinas próprias.
4No processo de fabricação por usinagem em router CNC de blocos de nylon, madeira ou alumínios (principais
materiais utilizados com essa tecnologia) são subtraídos com uso de fresas e brocas, “esculpindo” a peça.
No Rio de Janeiro, o monumento do Cristo Redentor foi inicialmente digitalizado com drones
em 2015. Mais recentemente foi realizada uma nova digitalização 3D, com o escaneamento
externo e da estrutura interna do monumento, com o uso de mapeamento por nuvens de
pontos à laser (CPE TECNOLOGIA, 2021).
Estudos de Casos
A partir dos trabalhos já realizados pela LAFF 3D no setor cultural, especialmente nas áreas
de design, arquitetura e museologia, buscamos investigar o emprego da tecnologia de
digitalização 3D na preservação do patrimônio arquitetônico, quanto a sua utilização,
funcionalidades e técnicas, visando a salvaguarda, conservação, documentação e ainda a
exposição desse patrimônio.
A instituição do Museu Nacional foi criada por D. João VI em 1818, sobre a denominação de
Museu Real, situado inicialmente na edificação que abrigou a Casa da Moeda, no Campo de
Santana. Este museu foi incorporado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em
1946.
Ao longo de sua existência, o paço sofreu sucessivas reformas e ampliações, a primeira delas
entre 1816 e 1821, pelo arquiteto inglês John Johnston. Após a Independência do Brasil, as
obras seguiram com o arquiteto português Manuel da Costa, entre 1822 e 1826, que foi
subsistido pelo arquiteto francês Pedro José Pézerát, entre 1826 e 1831, ao qual é atribuído
o estilo neoclássico da edificação. As obras foram continuadas em 1847 pelo arquiteto
brasileiro Manuel Araújo de Porto-Alegre, harmonizando as fachadas, seguido ainda pelo
alemão Theodore Marx, entre 1857 e 1868, com a decoração de diversos aposentos pelo
pintor italiano Mario Bragaldi, entre 1857 e 1861. Com a Proclamação da República, o palácio
for descaracterizado em seu interior, com muitas das suas peças vendidas ou destruídas. Já
seus jardins – a Quinta da Boa Vista – permaneceram abandonados até 1909, quando foram
cercados e restaurados mantendo-se as características definidas pelo paisagista Auguste
Glaziou (CZAJKOWSKI, 2000).
A comoção gerada pelo incêndio sofrido pelo museu em 2018 fez com que instituições
públicas e privadas brasileiras e internacionais5 reunissem forças para a reconstrução do
museu com o “Projeto Museu Nacional Vive”, que conta com financiamento nacional e
internacional, inclusive da UNESCO.
5 Entre as instituições participantes, destacam-se: UFRJ, UNESCO, MEC, Instituto Cultural Vale, BNDES,
Bradesco, Associação de Amigos do Museu Nacional (SAMN), contando ainda com a participação Consulado
Geral da Alemanha, Instituto Goethe, ICOM Brasil, IBRAM, SBPC, entre outras (PROJETO MUSEU NACIONAL
VIVE, 2021).
6Posteriormente escolhido por licitação vencida pelo consórcio formado pelos escritórios de arquitetura H+F
Arquitetos / Atelier de Arquitetura.
7Os formatos mais comuns de arquivos são: STL - de STereoLithography, também conhecido como “Standard
Triangle Language”; OBJ - Object File Wavefront 3D, que foi desenvolvido pela Wavefront Technologies.
A edificação teve uso residencial até 2005, quando faleceu seu último morador, Francisco
Eduardo de Paula Machado. Em 2010 o imóvel foi adquirido pela Federação das Indústrias
do Rio de Janeiro (Firjan). O palacete e o jardim receberam em 2011 a edição da mostra de
decoração Casa Cor, que acabou encobrindo as patologias existentes na edificação.
O projeto de restauro e requalificação foi realizado entre 2015 e 2018, após concurso de
arquitetura realizado em 2012 para a construção de uma nova edificação e a restauração e
requalificação do conjunto arquitetônico e paisagístico existente. Esse projeto foi elaborado
pelo escritório Velatura Restaurações e executado por MViana Arquitetura e Construção. As
ações de restauração tiveram como objetivos manter e recuperar os valores estéticos e a
prevalência histórica, de modo a conservar a autenticidade e a unidade potencial do bem
tombado, ao mesmo tempo que possibilitou novos usos. Já as ações de requalificação
ocorreram com a implantação de novas instalações prediais (elétricas, hidráulicas e elevador),
além de tornar a edificação acessível.
A Casa Firjan foi inaugurada em meados 2018, com intensa utilização para eventos, palestras
e cursos, que têm como temáticas a indústria, a criação e a tecnologia. Os jardins são
intensamente utilizados pela população local, com grande frequência nos finais de semana 8.
8Com a pandemia de Covid-19, o conjunto da Casa Firjan foi fechado em março de 2020, com o jardim reaberto
em setembro de 2021, com agendamento. Atualmente o 1º andar do palacete é utilizado como posto de vacinação.
9Agradecemos aos técnicos do IRPH por nos franquear acesso a toda documentação do restauro e requalificação
do palacete, apesar das restrições impostas pela pandemia.
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
A partir dos cadernos que compõem o projeto, tendo como base os critérios de preservação
adotados no projeto de restauro e os diferentes estilos artísticos existentes no conjunto, foram
escolhidos dez artefatos arquitetônicos e decorativos do interior do palacete e do jardim para
escaneamento 3D.
O trabalho foi dividido em duas partes, na primeira, uma etapa piloto, foram digitalizados três
elementos, em que foram capturadas as texturas e cores originais dos mesmos: um aparador
de jantar em mármore; um gradil com guarda-corpo em ferro fundido e latão, no salão principal
(Figura 3) e parte de um ornamento em formato de coluna, do salão de jantar.
Figura 3 – Elementos digitalizados com a textura superficial, representativa dos materiais constituintes
dos artefatos, gerando uma aparência realista: A - aparador de jantar, com representação do mármore
Verona Grise; B - gradil com guarda-corpo no salão principal, com representação colorida dos materiais
em ferro fundido pintado de preto e em latão dourado.
10 Agradecemos o importante apoio da equipe do FabLab da Casa Firjan nos dias da digitalização.
Esses modelos 3D também podem estar inseridos dentro de um projeto de exposição virtual
pela internet de uma instituição cultural ou edificação, através de ferramentas de realidade
virtual ou aumentada (RV/RA) integradas a um conjunto de fotografias 360 graus. Há ainda a
possibilidade de jogos educativos e lúdicos, que colaborem na difusão do conhecimento e na
formação do público para os museus e instituições culturais. Essas formas de exposição digital
do acervo possibilitam a maior difusão cultural e a ampliação do público, como também a
exibição de peças que estão em restauração, emprestadas ou armazenadas na reserva
técnica da instituição, preservando as peças originais.
Considerações Finais
Os usos aqui preconizados permitem, para além dos próprios artefatos em si, que a história,
os estilos artísticos e as técnicas construtivas de terminados períodos e civilizações sejam
documentados e preservados. Isso pode ajudar a evitar interpretações grosseiras ou visões
parciais da história da arquitetura e da arte, assim como a dos próprios artefatos. Do mesmo
Desse modo, infere-se que o principal resultado da utilização das tecnologias digitais na
documentação, preservação e divulgação é a ampliação do conhecimento, tornando os bens
culturais, em especial os arquitetônicos, artísticos e históricos, acessíveis a todos –
pesquisadores, profissionais e o público em geral.
Referências Bibliográficas
CAMPIOTTO, Renata Cima. Escaneamento laser das fachadas da FAU. Blog Conserva FAU,
3 ago. 2016. Disponível em: https://conservafau.wordpress.com/2016/08/03/escaneamento-
laser-das-fachadas-da-fau/ Acesso em: 01/10/2021.
JORNAL DA USP. Digitalização do Museu do Ipiranga vai levar acervo a mais pessoas. Jornal
da USP, 10 jun. 2021. Disponível em: https://jornal.usp.br/universidade/digitalizacao-do-
museu-do-ipiranga-vai-levar-acervo-a-mais-pessoas/ Acesso em: 15/09/2021.
MOTTA, Débora. Um patrimônio que ressurge literalmente das cinzas. Revista Rio Pesquisa,
Rio de Janeiro, n. 46, ano XII, p. 9-11, ago. 2019. Disponível em:
http://www.faperj.br/downloads/revista/rio_pesquisa_46_2019.pdf Acesso em: 15/09/2021.
PATZLAFF, Cassiane. Avaliação do uso de digitalizador 3D por luz estruturada para o setor
joalheiro-pedrista. 2018. 116f. Dissertação (Mestrado em Design) – Escola Superior de
Desenho Industrial, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
SOARES, João. Museu Nacional no Rio de Janeiro tinha o 5º maior acervo do mundo. Site
UOL Entretenimento, 3 set. 2018. Disponível em:
https://entretenimento.uol.com.br/noticias/deutsche-welle/2018/09/03/museu-nacional-no-rio-
de-janeiro-tinha-o-5-maior-acervo-do-mundo.htm Acesso em: 01/10/2021.
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar as proposições apresentadas no “Plano de Expansão da
Cidade de São Luís” (1958) de Ruy Ribeiro de Mesquita para a capital ludovicense. Partindo de um
pressuposto de que ocorria uma circulação de ideias no campo do urbanismo no século XX (LEME,
1999), São Luís é palco de uma série de ideários urbanos que lhe são transferidos e traduzidos à sua
realidade pelas mãos e mentes de planejadores urbanos migrantes e peregrinos. O olhar dessa reflexão
se descortina a partir da apresentação e análise crítica do desenho urbano proposto e suas implicações,
descritas em texto, para um novo modelo de cidade em São Luís no âmbito das modernidades
brasileiras. No entanto, para que a análise sobre os planos proposta seja realizada, requer-se uma
contextualização política, econômica e social, tanto em âmbito nacional, como em âmbito local, no
sentido das transferências de ideias, que permitiram e contribuíram para que tais se tornassem
possíveis em sua época. Baseados em ideais do urbanismo modernista, os planos urbanos são a
materialização de ideários urbanos propostos para São Luís e, quando postos sob um véu translúcido
entre si e a cidade contemporânea construída, demonstram uma urbe composta de camadas de ideias
e a força da perspectiva daqueles que experienciam São Luís através do “olhar sensível”.
Palavras-chave: Planejamento Urbano; Ideários Urbanos; São Luís.
Limitada pelas margens dos rios Anil e Bacanga, durante a primeira metade do
século XX, desenvolvera-se a cidade de São Luís a partir de uma Ponta D’Areia rumo as
terras interioranas da ilha. Com a chegada do engenheiro Ruy Ribeiro de Mesquita, a ideia de
ocupação do território é repensada. Em meio a um ideal de industrialização e modernização
das capitais brasileiras, com o advento das pontes, o engenheiro, no seu “Plano de Expansão
da Cidade de São Luís” (1958), passa a definir novos eixos de expansão do território. É a São
Luís Radiante (LOPES, 2016), que transpõe os rios e ocupa as terras ao norte e oeste, que
se adota como espacialidade de estudo neste texto.
Como a maioria das cidades brasileiras, São Luís apresenta assim dois tipos
de urbanização, que dividem o território da cidade: a urbanização tradicional,
originada da conquista portuguesa do século XVII, e a urbanização
modernista, implantada no último quartel do século XX, com a conquista do
litoral da Ilha. Eles representam dois modelos urbanos contrastantes nos seus
modos de apropriação espacial do território, distribuição de funções,
localização da população e tratamento do meio ambiente e seus recursos
naturais. (BURNETT, 2008, p. 16).
A São Luís do século XIX, cuja administração pública atendia a desejos da elite
comercial local, foi substituída por uma capital com ideais desenvolvimentistas, iniciados por
Saboya Ribeiro (LOPES, 2013), baseada em uma política nacional e internacional de
financiamentos públicos. O êxodo rural, consequência da intensificação das atividades
industriais no país, traz à capital do Maranhão a problemática de lidar com o aumento
populacional urbano, ao passo que tenta adaptar-se, também, ao novo cenário de retomada
do crescimento econômico. Com edifícios modernistas instalando-se na agora área central da
cidade, tais como os edifícios João Goulart, na Praça Dom Pedro II, e do Banco do Estado do
Maranhão (BEM), na Rua do Egito, o adensamento de atividades causa congestionamentos
no traçado urbano tradicional limitado, trazendo à luz a necessidade de planejar a ocupação
dos territórios para além do centro.
O documento
O PECSL inicia-se com uma breve introdução como diagnóstico da cidade. Nela
são abordados temas como as pequenas ocupações fragmentadas na ilha, chamadas de
“lugarejos” que “surgiram no perímetro da ilha, ou um pouco mais para o interior, devido aos
diversos igarapés que permitem fácil acesso” (MESQUITA, 1958, p. 1), e as dificuldades
enfrentadas com a localização do antigo porto no centro da cidade, que permitia que uma
pouca quantidade de navegações o utilizasse ao mesmo tempo, além da dificuldade que elas
tinham para acessá-lo (MESQUITA, 1958). Outros aspectos foram pontuados na análise
inicial apresentada no plano urbano como topografia, salubridade e, especialmente,
habitação, uma vez que Mesquita notava que a cidade crescia cada vez mais em um sentido
único, afastando a população do centro comercial, ou criando mazelas sociais, já que
começaram a surgir diversas ocupações espontâneas ao longo das margens dos rios Anil e
Bacanga, as palafitas.
Nas partes baixas das margens dos rios Anil e Bacanga, e nas depressões
situadas entre os espigões, desenvolvem-se inúmeros mangais. Nessas
áreas insalubres, especialmente nas mais próximas dos centros de trabalho,
desenvolvem-se os mocambos, abrigando homens, geralmente
depauperados, vencidos pelo trabalho e sem a educação necessária para
melhorar as suas condições de vida. Esse fenômeno tem como principal
causa o crescimento da cidade em um só sentido, através de uma faixa
estreita, devido à limitação da área pelos rios Anil e Bacanga. (MESQUITA,
1958, p. 2).
Para alcançar o objetivo de uma ocupação, de certa forma, mais centrifuga, são
retomadas pelo PECSL as propostas do engenheiro dissertadas no seu “Plano Rodoviário da
Ilha de São Luís” (1950), tais como as construções de pontes, para superar as barreiras físicas
impostas pela natureza, e a de grandes estradas “ora formando uma linha na periferia, ora
cortando o interior e ligando pontos opostos da ilha” (MESQUITA, 1958, p. 2), para integrar
todo território fragmentado.
O imenso mangal [...] até a ponta do Sítio Novo [...] e a ponta do Angelim,
deverá ser totalmente saneada para localização do “GRANDE PARQUE DA
CIDADE”, com avenida perimetral para veículos automotores, pista para
bicicletas, excelente arborização, um grande lago artificial de diversões para
ambos os sexos e todas as idades, incluindo-se campos de futebol, de golf,
de tênis, de basquetebol, de voleibol, área para patinação, esqui, hipódromo,
área para exposições, circos etc. (MESQUITA, 1958, p. 3).
Mais uma vez é indicada a construção de uma ponte, porém, dessa vez, sobre o
Rio Anil. A “referida obra darte especial, com extensão axial de 800 metros”, seria “construída
no prolongamento da rua do Egito, devendo, entretanto, situar-se perpendicularmente à
Avenida Beira-mar” (MESQUITA, 1958, p. 2) e continuaria atravessando a Ponta de São
Francisco até dividir-se, à altura do Igarapé da Jansen, em dois caminhos. Numa lógica um
tanto quanto especuladora, são planejadas cinco vias a partir da Ponta D’Areia e da avenida
projetada após a ponte sobre o rio Anil. Três delas são: uma “avenida, com duas pistas de 12
metros cada uma e mais refúgio central de 6 metros, passará por São Marcos e irá alcançar
Avenida litorânea, com duas pistas de 12 metros cada uma e mais refugio
central de 6 metros, no trecho compreendido entre a Ponta da Areia, a partir
do Forte, e a praia de Jaguarema, no limite com o Município de Ribamar,
paralela ao mar e em concordância com as enseadas, executando-se em
frente à área reservada no Farol de São Marcos e outras adjacentes até a
casa de praia do Governo do Estado, em cujo trecho a Avenida passará atrás
das referidas instalações. (MESQUITA, 1958, p. 3).
O plano por si revela apenas partes das reais intenções de Mesquita; como diz
Zein (2018) “é preciso respeitar os documentos. Mas os documentos não falam por si
mesmos: aguardam serem interpretados” (ZEIN, 2018, p. 105), e devem ser interpretados
dentro de um contexto, amparado por parâmetros e critérios.
O plano não foi implementado em cinco anos como desejava o seu idealizador,
mas certamente definiu moldes e os vetores de expansão da cidade. A primeira iniciativa de
pôr em prática a ideia de ocupação para a região das praias surgiu logo no ano de 1958, antes
Outra ponte que esteve no ideário do engenheiro Ruy Mesquita para a cidade de
São Luís foi, durante seu período de construção, executada pela Construtora Itapoã LTDA, a
nomeada de “Governador Pedro Neiva de Santana”, em homenagem ao governador que deu
início à sua obra, em 15 de agosto de 1973. “A ponte medirá em toda a sua extensão, 900
metros e é dotada de 29 pilares, [...] e está prevista para janeiro de 75, caso não venha faltar
matéria prima indispensável para o andamento dos serviços” (O IMPARCIAL, 1974). No ano
de 1980, a obra d’arte foi inaugurada como ponte “Bandeira Tribuzzi” e ligava “o Bairro da
Camboa (região do antigo Matadouro da cidade descrita no PECSL) a Vinhais facilitando,
assim, o acesso á praia do Calhau e desafogará o trânsito, encurtando a distância entre os
bairros situados na região e circunvizinhanças e o centro da cidade” (O IMPARCIAL, 1974,
grifo nosso).
A construção da ponte sobre o rio Anil ligando o centro à Ponta de São Francisco
só veio a ser, finalmente, iniciada no final da década de 1960, sendo inaugurada em 14 de
fevereiro de 1970. Assim como a ponte do Caratatiua e a “Governador Pedro Neiva de
Santana”, a responsável pela execução desse projeto, a Construtora Itapoã LTDA, e o
governador do Estado foram incansavelmente admirados em matérias de jornais, que falavam
com orgulho dos materiais e métodos construtivos da obra (O IMPARCIAL, 1970). Conhecida
como ponte do São Francisco, foi intitulada com o nome de ponte Governador José Sarney e
reuniu uma enorme massa de espectadores no seu evento de inauguração (O IMPARCIAL,
1970).
Embora o seu plano não busque definir usos e zoneamentos para o eixo
interiorano de expansão, timidamente incorpora a Avenida Getúlio Vargas e suas demais
continuações ao esquema de longínquas avenidas, que, cortando o território ludovicense,
interligariam as novas zonas de funcionalidade também propostas. Algumas são: zona
portuária/industrial, comercial e residenciais separadamente para cada classe social,
integrando as terras de uma ilha de assentamentos fragmentados, mesmo que ignore
aspectos ambientais ao intervir em diversas áreas de manguezais, praias e falésias.
No Brasil, apesar dos “problemas” sociais e urbanos não tínhamos ainda uma
questão social e não tínhamos mais uma questão urbana. Conhecíamos o
urbanismo, mas sua tradução entre nós limitou-se a produzir uma “civilidade
higienizada” sem preciar aventurar-se pelas questões dos direitos sociais que
a vida urbana suscitava, questionava. (PECHMAN; RIBEIRO, 1996, p. 335).
Referências Bibliográficas
BARROS, Valdenira. Imagens do moderno em São Luís. São Luís, s. ed., 2001.
BURNETT, Frederico Lago. São Luís por um triz: escritos urbanos e regionais. São Luís:
EdUEMA, 2012.
LOPES, José Antonio Viana. São Luís, Capital Moderna e Cidade Colonial: Antonio Lopes
da Cunha e a preservação do patrimônio cultural ludovicense. São Luís: Fundação Municipal
de Cultura, 2013.
Loteamento em São Francisco. O Imparcial, São Luís, 19, jul. 1974, Cidade e Outras, p. 5.
MESQUITA, Ruy Ribeiro de. Aspectos Jurídicos das Terras Compreendidas entre o Rio
Anil e o Mar. O Imparcial, São Luís, 19, mar. 1975.
PECHMAN, Robert; RIBEIRO, Luis Cezar de Queiroz (Org). Cidade, Povo e Nação: gênese
do urbanismo moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
PRADO, Barbara Irene Wasinski. Paisagem Urbana de São Luís: transformação das formas
e arranjos naturais na Ponta D’Areia. São Luís: Editora BIWP, 2016.
Resenha dos Bairros. O Imparcial, São Luís, 17, jul. 1974, Caderno C, Mesa da Cidade, p. 1.
São Luiz sob a administração do dr. Tancredo Segundo de Matos: A fundação da cidade
balnearia do Olho D’Agua assinalará de maneira imperecivel a passagem daquele nosso
conterraneo pela direção dos negocios publicos da Municipalidade. O Imparcial, São Luís,
24, out. 1945.
Será construido o cais do porto de São Luiz: 40 milhões de cruzeiros é a verba que está
determinada. O Imparcial, São Luís, 26, mar. 1948.
SILVA, Gabriela Melo. O Plano de Expansão da Cidade de São Luís: as ideias de Ruy
Mesquita para o crescimento da capital maranhense. In: Anais da VII Jornada Internacional
de Políticas Públicas – UFMA. São Luís: UFMA, 2013.
Uma Vida a Serviço do Progresso: dados biográficos do engenheiro Ruy Mesquita. A Tarde,
São Luís, 14, abr. 1957.
ZEIN, Ruth Verde. Quando documentar não é o suficiente: obras, datas, reflexões e
construções teóricas. In: ZEIN, Ruth Verde. Leituras Críticas. São Paulo: Romano Guerra
Editora, 2018. Cap. 5. p. 104-113. (Pensamento na América Latina; 5).
BENÍCIO, DANIELLE (1); GAVA, MARCO ANTÔNIO (2); PUJOL, TACIANE (3);
WELTER, ANA CAROLINE (4)
1. Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).
Programa de Pós-graduação em Artes Visuais (PPGAV).
Laboratório de Arquitetura - Teorias, Memórias e Histórias (Laboratório Artemis).
Rua Coronel Fernandes Martins, 270, Progresso, Laguna/SC, 88790-000.
daniellebenicio@gmail.com.
RESUMO
Este artigo almeja reconhecer os espaços sagrados da Igreja Católica sob a circunscrição da
Paróquia de Laguna, considerando os aspectos arquitetônicos e urbanos desses documentos da
Cristandade. Daí decorrem os objetivos específicos: identificar esses espaços sagrados,
cartografando-os; inventariar os templos identificados; e, por fim, construir uma narrativa histórica
sobre a implantação e a expansão do Catolicismo em Laguna focada na obra arquitetural como fonte
documental. Em prol da consecução de tais metas, adotam-se os métodos histórico e estudo de caso,
incluindo os procedimentos metodológicos de: coleta de dados, através da documentação indireta,
abrangendo a revisão de referencial primário e bibliográfico, e da documentação direta, abarcando o
levantamento in loco e entrevistas. Ademais, recorre-se ao método hipotético-dedutivo e, assim,
defende-se a hipótese de que a instância material da Igreja Católica em Laguna, da ereção da Matriz
à multiplicação dos templos, está intimamente atrelada à história urbana lagunense. Decerto, desde a
feitura da primitiva capela no berço citadino em 1696, em mais de três séculos, a trajetória
evangelizadora da Igreja Católica funde-se ao decurso da Cidade Juliana, ou seja, a consolidação da
urbe foi acompanhada da arquitetura da evangelização. Entre os 15 templos da Paróquia de Laguna
objeto de identificação, 11 foram inventariados - a maioria deles foi erguida depois de 1950, quando
se acelera a ampliação do perímetro urbano. Ressalta-se que, as ermidas mais antigas e mais
recentes são edificadas acompanhando as principais diretrizes de formação citadina; atualmente,
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06 a 08 de outubro de 2021
localizam-se nos mais importantes eixos viários, que orientam o progresso municipal. Em
concomitância, os conglomerados religiosos oferecem, através dos seus adros, os locais de lazer
públicos - estes são frequentemente os únicos "vazios" para a convivência das comunidades, seja
para a criançada brincar, seja para a vizinhança confraternizar. Destarte, remete-se às conclusões,
ratificando que os leigos constituem sujeitos e agentes protagonistas das ações de concepção,
execução, reforma, manutenção e decoração nos santuários. Além disso, instrui-se que cada templo
não possui um acervo organizado referente a sua própria existência e riqueza patrimonial; de modo
geral, cada batizado é um acervo ambulante que guarda o arquivo que entende ser relevante, não
raro, ponderado pelo valor afetivo. Nesse sentido, os empreendimentos eclesiásticos são
testemunhos das dinâmicas sociais e culturais peculiares à lagunidade e às vivências pastorais.
Palavras-chave: Igreja Católica; Espaços Sagrados; Desenvolvimento Urbano; Laguna; Paróquia de
Laguna.
Considerações iniciais
Laguna é considerada a terceira cidade mais antiga de Santa Catarina, fundada no século
XVII. Atribui-se a fundação ao bandeirante Domingos de Brito Peixoto, descendente de
família portuguesa e católica, que toma posse das terras em nome da Coroa e da Igreja e se
estabelece com sua família, seus escravizados e um frade franciscano na planície entre os
morros e a laguna. Entre seus primeiros feitos estão a consagração do lugar com a Cruz do
Catolicismo, a Capela devotada a Santo Antônio dos Anjos em 1696 o adro defronte do
templo e o cemitério nos fundos do mesmo. Assim explicita-se o marco da vitória lusa e
cristã (BENÍCIO, 2018).
A Capela Santo Antônio dos Anjos ergue-se na extremidade leste da planície, junto ao
morro, voltada à baía, distante das águas da laguna e do macabro porto. A partir do templo,
implanta-se predominantemente à frente e à direita o modesto casario, suscitando a
povoação, elevada à vila homônima ao padroeiro em 1714, ratificando o santo escolhido
pelo colonizador. Em 1725 a Capela torna-se Igreja Matriz e institui-se a Paróquia. Em 1847
a vila ascende à cidade denominada Laguna (BENÍCIO, 2018).
Esse berço citadino consolida-se como sede paroquial e Centro municipal; também constitui
o núcleo urbano mais fortemente historicizado. Desde 1985, esse sítio natural e cultural é
tombado como patrimônio nacional. Defende-se que Laguna surge como cidade portuguesa
e católica: assim deve ser preservada. Outrossim defende-se que o desenvolvimento da
urbe atrela-se à propagação e ao fortalecimento do Catolicismo, fato visível através da
multiplicação das Capelas católicas acompanhando a formação, o adensamento e a
expansão de novos bairros.
À medida que a cidade se adensa e se expande para além do Centro, novos bairros e novas
Capelas católicas são executadas, subordinadas à Paróquia Santo Antônio dos Anjos de
Laguna. Na segunda metade do século XX, multiplicam-se os templos católicos e notabiliza-
se a arquitetura da evangelização a acompanhar o município em desenvolvimento. Deveras,
realizada sua fundação, no decorrer de sua existência, a urbe possui ampla população
declarada católica. Atualmente, mantém-se esta preponderância: dos 51.562 mil habitantes
de Laguna, 40.000 assumem-se fiéis ao Catolicismo (IBGE, 2020).
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Diante disso, almeja-se reconhecer os espaços sagrados da Igreja Católica sob a
circunscrição da Paróquia de Laguna, considerando os aspectos arquitetônicos e urbanos
desses documentos da Cristandade. Objetiva-se especificamente: identificar esses espaços
sagrados, cartografando-os; inventariar os templos identificados; e, por fim, construir uma
narrativa histórica sobre a implantação e a expansão do Catolicismo em Laguna focada na
obra arquitetural como fonte documental.
Para isso adotam-se os métodos histórico e estudo de caso, incluindo: coleta de dados,
através da documentação indireta, com revisão de referencial primário e bibliográfico, e da
documentação direta, com levantamento in loco e entrevistas. Ademais, recorre-se ao
método hipotético-dedutivo, pois defende-se a hipótese de que a instância material da Igreja
Católica em Laguna, da ereção da Matriz à multiplicação dos templos, está intimamente
relacionada à história urbana lagunense. Desde a feitura da primitiva Capela no berço
citadino, em mais de três séculos, a trajetória evangelizadora da Igreja Católica funde-se ao
decurso da Cidade Juliana, ou seja, a consolidação da urbanização foi acompanhada da
arquitetura da evangelização.
A princípio, os fundamentos
[...] tal relação domina sem paridade o espaço urbano; de fato, há a predominância
do religioso sobre o estatal, o civil e o doméstico. Portanto, remete-se ao
caráter do espaço urbano como locus e símbolo privilegiados do sagrado - da
soberania cristã: logo, ao poder da fé, ainda que vinculado ao orgulho da
nacionalidade, na estruturação do chão laico. É justamente sobre este, e a partir
deste, que recaem as pretensões de expandir a ação pastoral e os campos de
jurisdição. (BENÍCIO, 2018, p. 85, grifo nosso).
O crescimento da povoação suscita a elevação à vila Santo Antônio dos Anjos da Laguna
em 1714; porém, somente em fins de 1719, instaura-se administrativamente a vila e institui-
se o Código de Posturas (DALL'ALBA, 1976). Através deste, objetiva-se o desenvolvimento
da vila, disciplinado por ordenação, condizente com a rede de urbanização lusa. Essas
primeiras normas revelam uma construção de cidade desejada, valorizando segurança,
ordem, limpeza, retidão, regularidade, homogeneidade e uniformidade do conjunto urbano:
logo, a identidade nitidamente portuguesa e católica - atrelam-se as antigas tradições
urbanísticas de Portugal, as exigências oficiais e o gosto espontâneo dos proprietários
(BENÍCIO, 2018). Então, passa-se a exigir
[...] que ninguém faça casa sem obtenção de licença da Câmara, esta medirá o
terreno, indicará o local, sendo que as casas que de aí em diante se fizessem
fossem arruadas, de modo que uma rua se visse doutra banda. Devem todas ser
na mesma carreira. A primeira que se fizesse fosse perto da Igreja, de cuja
porta principal fique direita ao mar. Depois desta se iam formando as demais
em quadra. Que nenhuma tivesse menos de 40 palmos [8,80 metros] de largura.
Que na beira do mar ficasse uma rua, cujas portas e janelas olhassem para o
mar. Em caso algum dar-se-ia licença para que ficasse alguma com quintal para o
mar. Porque além de ficar desforme a povoação, destrói a fortificação da vila. [...]
Nesta rua ficarão os Paços do Conselho, cadeia, uma praça larga no meio da
qual estará o pelourinho. Deverão ser demolidas as casas de palha e pau-a-pique
que existam com costas para o mar. (COSTA, 1881 apud DALL'ALBA, 1976, p. 92,
grifo nosso).
De fato, a Igreja Matriz Santo Antônio dos Anjos e a Casa de Câmara e Cadeia situam-se
em praças diferentes, respectivamente, nas atuais Vidal Ramos e República Juliana.
Ressalta-se que a praça do poder estatal não se sobrepõe à praça do poder religioso;
mantém-se a primazia do Catolicismo, em dimensão e apelo: do adro e do templo - a Igreja
segue protagonista.
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Ademais, perpetua-se a grande influência exercida na estrutura fundiária pelo patrimônio
católico: este segue instigando a valorização econômica dos lotes lindeiros e a excelência
do edificado em seu contexto, persistindo vigorosamente a preponderância do sagrado
sobre o civil, e do civil sobre o doméstico. (BENÍCIO, 2018). Validando Marx (1988; 1991), a
Igreja Católica é proeminente na formação e na constituição da paisagem lagunense.
Somente nas últimas décadas do século XIX deflagra-se o progresso, decorrente dos
acontecimentos que "assinalam a evolução social da Laguna nos primeiros lustros da sua
existência de cidade." (ULYSSÉA, 2004, p. 42). Nas primeiras décadas do século XX
intensifica-se tal progresso, notabilizado pelas ações de aformoseamento e higienização
empreendidas pela municipalidade e pelos munícipes (BENÍCIO, 2018).
A expansão urbana prosseguiu, talvez tenha até se acelerado com o novo status
alcançado, e o fez não à revelia, porém em função do tecido viário preexistente.
O patrimônio religioso terá sido respeitado [...]. (MARX, 1991, p. 80, grifo nosso).
Aliado da Capela, o adro revela-se elemento prioritário na trama urbana. Em posição central
no assentamento, exibindo o cruzeiro, consiste no centro religioso, social e cultural. Além do
posicionamento geográfico, importa a sua condição de centralidade direcional e valorização
de seu contexto urbano (BENÍCIO, 2018; LUCENA, 1998).
A elevação à vila exige melhor condição do seu monumento principal. Aliás, do século XVIII
a meados do século XIX, graças às irmandades, a Capela ascensionada à Igreja Matriz
ganha distintas benfeitorias. Sucessivamente, amplia-se o erigido e engrandece-se seu
destaque: inclusive alarga-se a frontaria voltada ao adro - as duas torres laterais configuram
saliências em relação à largura da nave, aumentando a fachada da Capela. A fronte alarga-
se para melhor relacionar-se com o imenso adro fronteiriço. Consequentemente, corrobora-
se a fundamental relação da Igreja com a baía: o templo avulta-se na mirada desde o porto,
no foco perspéctico da rua Conselheiro Jerônimo Coelho (antiga rua da Igreja), anunciando
a proteção divina do lugar. Portanto, dilata-se a monumentalidade do patrimônio religioso,
ratificando o Catolicismo a dominar o frontispício lagunense. Enfim, na vila a evolução mais
evidente manifesta-se na Igreja. Ainda que o templo figure singelo, não há edifício estatal ou
civil rival (BENÍCIO, 2018; ULYSSÉA, 1976).
Em surgentes bairros vizinhos ao Centro no início do século XX, são erguidas as Capelas
Nossa Senhora dos Navegantes (no Magalhães, inaugurada em 1913, tornada Paróquia em
1966 e reedificada em 1979) e Nossa Senhora Auxiliadora (no Progresso, inaugurada em
1938, reformada nos anos 1940, reedificada e reinaugurada em 1969, ampliada e decorada
entre 1990-2000). Elas voltam-se às respectivas praças frontais e passam a instigar em
seus contextos a valorização econômica dos lotes e a excelência do edificado.
Essas Capelas somadas à execução do porto carvoeiro na barra em 1943 e das instalações
ferroviárias na rua Almirante Lamego aceleram a urbanização do Magalhães, do Progresso
e do Campo de Fora, em direção ao Mar Grosso e ao Portinho. Em 1938, o primeiro
levantamento aerofotogramétrico de Laguna revela a expansão desses bairros (LUCENA,
1998; SIMON, 2000). Ademais, tais Capelas levam a evangelização à periferia, aproximam
os fiéis da Igreja e evitam a vinda dos marginalizados à sede paroquial. Assim, a sociedade
abastada restringe seu convívio social a semelhantes de mesmo nível econômico.
Ainda no início do século XX, concomitantemente com as novas Capelas, são feitas bem-
feitorias na sede paroquial e em seu adro, este transformado no Jardim Calheiros da Graça.
1 Ulysséa (1943, p. 11) descreve a Laguna de 1880, nomeando os residentes do Centro como "moradores da
cidade", excluindo os pobres habitantes dos bairros Magalhães, Campo de Fora e Progresso (antigos Areal e
Roseta). Inclusive, menciona que "havia certa aversão entre os moradores da cidade e os do Magalhães, isto é,
entre as pessoas de menos destaque social."
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A praça da Igreja Matriz torna-se o principal palco dos melhoramentos urbanos: aí exibe-se
a urbe modernizada, aformoseada e higienizada, implantam-se palacetes ecléticos
ricamente ornamentados e compõe-se o cenário da sociabilidade da sociedade abastada.
Por conseguinte, como meio de distinção de status socioeconômico, aprofunda-se a
diferenciação na qualidade dos espaços públicos e privados e exacerba-se a riqueza na
aparência do casario (BENÍCIO, 2018). Permanecem valorados mormente monumentos e
elementos primários relacionados à Cristandade (Igreja, adro, rua onde passa a procissão).
Decerto, a maioria das realizações da Igreja lagunense, desde a primitiva Capela, resultam
dos esforços dos leigos, principalmente das irmandades, que assumem as despesas para
promover e sustentar o culto católico (ações pastorais, construção e reforma de templos,
aquisição de imagens, etc.). Tais esforços, não raro, explicitam rivalidades por maior
festividade, mais vistoso padroeiro, melhor decoração de presbitério, maior
monumentalidade edificada, etc.; também revelam que o prestígio é inversamente
proporcional ao distanciamento da sede paroquial no Centro (ARNS, 1975; ULYSSÉA,
1976).
A partir da II Guerra Mundial, sobretudo após a inauguração dos monumentos art déco
(Capitania dos Portos, Correios e Telégrafos, Rodoviária, Cine Teatro Mussi e Mercado
Público) junto ao cais, modernizando o frontispício de Laguna e marcando o apogeu da
prosperidade local, instala-se um profundo retrocesso econômico, seguido de estagnação
da economia, que persiste até a década de 1970. O maior agravante dessa realidade de
precariedade é a diminuição das atividades do porto de embarque do carvão no Magalhães
e de cargas e passageiros no Centro, refletida no sucessivo enfraquecimento da condição
de polo comercial e de serviços da região sul catarinense (LUCENA, 1998).
Nesse período, a Igreja edifica poucas novas Capelas, importantes por acompanhar a
urbanização da cidade em progresso, consolidando as ocupações a oeste, em bairros
próximos à BR 101: Santa Bárbara (Caputera, década de 1940); São Judas Tadeu
(Barbacena, 1945); e Sagrado Coração de Jesus (Portinho, 1963).
Edificam-se várias novas Capelas, acompanhando tal urbanização: Santa Terezinha (Mar
Grosso, 1979); São José e Santa Rita (Bentos, 1981); São Sebastião (Barranceira, 1984);
Nossa Senhora dos Navegantes (Nova Fazenda, 1996); São Francisco (Cohab, 1999); e
Mãe Peregrina (Loteamento Juliana, 2002)2. Também se realizam reformas em templos
existentes, caso das Capelas Nossa Senhora Auxiliadora (Progresso, 2000), Mãe Peregrina
(Loteamento Juliana, 2018) e Santa Terezinha (2021). Apesar da maioria das Capelas ser
implantada após 1950, mantém-se a relação com os espaços públicos de maior visibilidade,
nas vias de maior fluxo. Excetuam-se Santa Terezinha no Mar Grosso (edificação recente
em bairro consolidado e extremamente valorizado pela especulação imobiliária) e São Fran-
cisco na Cohab (também edificação recente em bairro consolidado). Além disso, destacam-
se as ações em prol de seu monumento mais importante: a Igreja Matriz (Figura 4).
2São efetuadas a norte, sem datas ainda identificadas, as novas Capelas: Nossa Senhora Aparecida (Perrixil),
Sagrada Família (Praia do Sol), Santa Bárbara (Caputera) e São Brás (Estreito).
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Figura 4 - O município em desenvolvimento.
Considerações finais
Os leigos, motivados pelos próprios valores afetivos e gostos pessoais, constituem sujeitos
e agentes protagonistas das ações de concepção, execução, reforma, manutenção e
decoração nos santuários.
Além disso, instrui-se que cada templo não possui um acervo organizado referente a sua
própria existência e riqueza patrimonial; de modo geral, cada batizado é um acervo
ambulante que guarda o arquivo que entende ser relevante, não raro, ponderado pelo valor
afetivo. Nesse sentido, os empreendimentos eclesiásticos são testemunhos das dinâmicas
sociais e culturais peculiares à lagunidade e às vivências pastorais. Enfim, notabiliza-se a
"Igreja monumento", outrossim a "Igreja documento", e sua articulação à história urbana
lagunense, à história do próprio lagunense.
BENÍCIO, Danielle et al. De que tempo és? In: CONGRESSO SANTUÁRIOS, 5., 2020,
Portugal; Brasil. Cadernos de Artigos... Portugal; Brasil: ULisboa; UFF, 2020.
MARX, Murilo. Cidade no Brasil terra de quem? São Paulo: Nobel, 1991.
SOUZA, Nelson. Histórico da Capela Nossa Senhora Auxiliadora. Laguna: [s.n.; s.d.].
ULYSSÉA, Nail. Três séculos na Matriz de Santo Antônio dos Anjos da Laguna. In: Cabral,
Oswaldo (Coord.). Santo Antônio dos Anjos da Laguna. Florianópolis: IOESC, 1976.
p.159-200.
ALBUQUERQUE, Alexandre.
1. Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo (PPGAU)
João Pessoa - Paraíba
Alexandre_carlos_@hotmail.com
RESUMO
Esse trabalho busca analisar o papel do cinema como documento e fonte histórica, além de sua
relação com a arquitetura e urbanismo na compreensão da sociedade e do tempo em que uma obra
cinematográfica se insere, por meio do entendimento acerca das ideias de documento por Jacques Le
Goff, Marc Ferro, dentre outros autores. Isso pode ser feito, em específico, analisando-se aqui o
cinema de ficção, através do estudo de algumas obras do século XX, relacionando os mundos
ficcionais criados com o contexto social no qual as obras estão inseridas na história, como através da
construção de cidade da "Metropolis" de Fritz Lang (1927) e da "Alphaville" de Jean Luc Godard
(1968), até chegar em uma obra contemporânea, o filme espanhol do ano de 2019, denominado “O
Poço”, para a demonstração prática dos pontos teóricos levantados em pesquisa, e sua relação com
a história da sociedade do início do século XXI. Além disso, pode-se analisar como os filmes em
questão utilizam dos espaços cenográficos, das edificações em si e das cidades, como um dos
principais meios para aludir ao mundo tangível de forma imaginativa. A partir disso, pôde-se perceber
que o audiovisual pode ser considerado de suma importância para a história, já que se configura
como uma produção humana que retrata os ideais sociais de uma época, não apenas vindos de
autoridades ou pessoas que detém o poder em uma cidade, mas da própria população, podendo se
levantar de forma crítica e descritiva, mesmo que sendo trabalhada de forma imaginativa e ficcional.
A análise ou a crítica de um filme, segundo o historiador Marc Ferro (1992), pode não
se limitar somente à obra em sua totalidade, mas se apoiar sobre extratos, além de se
integrar ao mundo que a rodeia e se comunica, necessariamente. Segundo ele
Por outro lado, a percepção contrária da ideologia totalitária também teve importante
espaço nas produções do cinema em meados do século XX,
Segundo Eduardo Victorino Morettin (2003), muitas vezes a obra de ficção pode ser
desconsiderada pelo fato dela integrar o imaginário, não tendo, então, valor enquanto
conhecimento, exprimindo a representação do real. Mas essa forma de produção fílmica
leva uma vantagem em relação à notícia e ao documentário, devido ao seu alcance e
Qualquer cidade produzida por uma criação fílmica que, dotada de forte
singularidade, desempenhe um papel essencial ou estruturante para a
trama, não importando se a cidade-cinema em questão é uma cidade
totalmente imaginada pelo autor-cineasta, se é uma cidade criada com base
em uma referência que exista na realidade atual ou que, em algum
momento, já tenha existido na realidade histórica (BARROS, 2012, p. 02)
Como dito, essa cidade-cinema pode vir a ser percebida de algumas diferentes
formas: a primeira delas são as representações, aquelas que querem trazer a sensação de
ser um espaço que realmente existe, ou existiu, como pode ser observado em filmes como
Lost In Translation (2003) e Never, Rarely, Sometimes, Always (2020), nos quais a
representação realista e cotidiana das cidades de Tóquio e Nova York, respectivamente,
dão uma ideia ao expectador do tempo e espaço nos quais as personagens estão envoltas,
sendo as próprias cidades elementos estruturantes da história, guiando o ritmo e os
acontecimentos das tramas.
Por fim, a terceira forma de percepção são as cidades inventadas, nas quais não há
uma base em uma cidade real, mas que são criadas especificamente para uma obra, de
forma imaginativa, podendo estar situadas em qualquer tempo, seja no presente ou no
Apesar dessa classificação, todas essas formas de percepção da cidade numa obra
fílmica estão ligadas tanto à realidade, quanto à ficção, pois uma cidade-cinema é um
produto da realidade em que se está inserida, trazendo para si ideias do tempo e espaço
que se situa. Até os filmes ficcionais que retratam cidades passadas, segundo Morettin
(2003) “são importantes também pelo que dizem a respeito do seu presente, do momento
em que foram feitas e não propriamente pela representação do passado em si” (MORETTIN,
2003, p. 31).
Essa ideia também é assegurada por Assunção (2012), o qual diz que
Esse impacto psicológico, como discorrido também pelo teórico Christian Metz
(METZ, 1980 apud OLVEIRA; COLOMBO, 2014) se dá através da aproximação do que é
mostrado em tela com a realidade vivida pelo expectador, da identificação do mesmo com o
que é transmitido através da linguagem cinematográfica. Marcel Martin (2003) fala que essa
linguagem cinematográfica possui uma originalidade absoluta, a qual decorre de fatores
como a sua capacidade de visualizar o pensamento, ao mesmo tempo do vivido, de
ressuscitar o passado e atualizar o futuro, o que dá ao expectador uma maior carga
persuasiva em relação à realidade do seu cotidiano.
Fonte: Disponível em: < https://manualdousuario.net/metropolis-fritz-lang/ >. Acesso em: 03 Jul. 2021.
Segundo José D’Assunção Barros (2011) o modelo futurista trazido por Metropolis
ressalta os medos da sociedade da época, no contexto do fordismo e da urbanização
desmedida, tais como o aumento do uso da tecnologia e a consequência disso nos modos
de trabalho, vistos na substituição do homem pela máquina ou a mecanização da rotina.
Como dito pelo autor,
Um exemplo recente que pode ser utilizado para a caracterização dos pontos
teóricos levantados é a obra de terror e ficção científica El Hoyo (2019), traduzida no Brasil
para “O Poço”. O filme conta a história de uma espécie de prisão vertical, que é uma
construção dividida em níveis, nos quais, em cada um deles, vivem apenas dois prisioneiros.
A característica mais marcante do filme é o fato de cada cela ser apenas um espaço de
concreto, retangular e sóbrio, com a presença de um grande buraco, também retangular, ao
centro, pelo qual é transportada uma plataforma com comida, uma vez ao dia, que se
desloca de maneira descendente, de nível em nível.
No decorrer do filme podem ser percebidas várias tentativas de mudança, nas quais
pessoas se levantam para conscientizar as outras acerca da quantidade de comida que
cada um deve comer para que assim a plataforma possa suprir a necessidade de todos,
algumas dessas vezes são utilizados de discursos e outras, de métodos mais brutos,
incitando a obediência através do medo, mas cada um dos métodos se mostra incapaz de
realizar uma verdadeira mudança no sistema já instaurado.
Por não ser apenas uma história realista e documental, mas fazendo uma
representação fictícia de uma realidade conhecida, “O Poço” levantou as mais variadas
discussões e questionamentos acerca da sociedade vivida na época de seu lançamento,
assim comprovando o já citado texto, o qual fala que um filme “sempre vai além de seu
próprio conteúdo, além da realidade representada, mostrando zonas da história até então
ocultadas, inapreensíveis, não-visíveis” (OLIVEIRA, 2002, p. 134).
Como dito por Jacques Le Goff (1990), a história pode também ser feita, além do
documento escrito em si, a partir de tudo o que, “pertencendo ao homem, depende do
homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e
as maneiras de ser do homem” (LE GOFF, 1990, p. 466), a partir daquilo que foi feito pelo
ser humano e que auxilie o entendimento do tempo em questão.
O cinema, apesar de por um tempo não ter sido credibilizado como uma fonte
histórica, desde o seu surgimento teve teóricos adeptos da ideia da sua importância para a
sociedade, como, além do teórico Marc Ferro (1992) em seu livro Cinema e História, o
teórico Siegfried Kracauer (1947) que fala, em seu livro “De Caligari a Hitler – uma história
psicológica do cinema alemão”, sobre as relações entre o filme e a sociedade que o
produziu, em especial na Alemanha até o nazismo.
05. Referências
LEZO, Denise. O Lugar das Ideias no cinema: arquiteturas e cidades nos filmes
expressionistas alemães. XI Seminário de História da Cidade e do Urbanismo –
SHCU. Vitória- ES. 2010.
MORETTIN, Eduardo Victorio. O Cinema como Fonte Histórica na obra de Marc Ferro.
História: Questões & Debates, Curitiba, n. 38, p. 11-42, 2003.
Por fim, destes dois pontos de partida traçaremos alguns aspectos de uma
noção de documento enquanto instrumento mnemotécnico do ensino histórico
ante a desordem moderna, o qual seria estruturado segundo uma lógica de
lugares figurados arquitetonicamente, e, portanto, conforme ao objeto da
própria documentação da arquitetura.
EIXO TEMÁTICO 4
RESUMO
Apesar da discussão sobre os métodos de preservação patrimonial remontarem ao menos do período
do Renascimento, ela começou a ser discutida com mais seriedade apenas no século XX. Ainda
assim, existem muitas dificuldades para preservação patrimonial, principalmente no Brasil, e quando
se trata de cidades de pequeno porte, este assunto é ainda mais delicado. Os testemunhos
remanescentes dessas realidades locais, diversas, são igualmente dignas de reconhecimento, pelas
mais diversas razões. A preservação de bens edificados ou sítios urbanos não deve ser associada
exclusivamente a sua concepção formal, mas sim a importância que aquele determinado bem tem no
contexto em que foi inserido. A partir de bibliografias acerca do assunto, e buscando dar maior ênfase
a questão do patrimônio nas cidades interioranas, percebeu-se o potencial de preservação
patrimonial da cidade de São Gabriel, localizada na região da fronteira oeste do Rio Grande do Sul. A
cidade, de cerca de 60.425 habitantes, foi palco de inúmeras batalhas entre espanhóis e
portugueses, devido às disputas territoriais do século XIX, e por sua baixa taxa de crescimento,
mantém boa parte de seu patrimônio edificado no centro da cidade, onde é possível reconhecer os
extratos de sua história. O centro histórico de São Gabriel foi então escolhido como objeto de estudo
durante o Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Franciscana,
pois apesar de observar-se o potencial do centro histórico enquanto agrupamento de testemunhos
com valor, percebe-se a também a não-valorização da mesma pela população local, e ainda como
potencial desenvolvimento turístico na região. O objetivo principal deste trabalho, então, é o resgate
da importância do patrimônio cultural edificado da cidade, e a partir daí a propagação e perpetuação
da identidade local, servindo como referência para a valorização patrimonial da região e do estado. A
metodologia da pesquisa, de caráter exploratório e qualitativo, iniciou-se a partir da retomada de
bibliografias locais a respeito da cidade e da temática do patrimônio como um todo, com a finalidade
de criar embasamento teórico para as etapas subsequentes, além dos estudos de referência. Paralelo
a isso, realizou-se também um levantamento histórico e fotográfico da área, além de uma revisão do
atual inventário do patrimônio municipal. As análises comparativas realizadas demonstraram as suas
transformações ao longo do tempo. A partir dos resultados e conclusões acerca dos estudos
exploratórios, chegou-se ao projeto interpretativo com rotas diversas como produto final, que terá
função primordial na educação patrimonial na cidade, tanto para a população quanto para os
visitantes, além de contribuir para a difusão e fortalecimento da identidade e história local, dando
assim, visibilidade e força para a questão patrimonial na região e estado.
São Gabriel nos encantou pelo fato de ser, entre todas as cidades que
visitamos na viagem da Rota Farroupilha, a que possui as casas históricas
mais bem preservadas [...]. O centro merece um olhar do visitante e serve
de exemplo a todas as outras cidades que não preservam como deveriam o
seu patrimônio, a sua história. (ARANOVIICH, 2016).
Por ser uma cidade pequena, possuir uma baixa taxa de crescimento e este se dar
de forma horizontal, a cidade tem grande potencial para manter sua história edificada viva
por muito mais tempo. Apesar de estar localizada no interior, São Gabriel se mostra
merecedora de reconhecimento histórico e cultural por sua notável presença ao longo da
história do estado e do país. A Declaração de Tlaxcala (1982) reforça a importância de
conservar as pequenas aglomerações como testemunho das culturas existentes, com o
envolvimento dos poderes Estadual e Municipal, e principalmente, da comunidade. Valorizar
a história, patrimônio e legado de um lugar significa valorizar o seu povo, que ao apropriar-
se de suas origens, perpetua sua história.
O sítio escolhido para ser objeto de pesquisa e intervenção foi o Centro Histórico da
cidade de São Gabriel, área definida pelo PDDTUA no ano de 2008. Foi neste local que a
terceira povoação de São Gabriel se fixou em 1817 e a partir de então, começou a se
estruturar e se desenvolver (figura 1). Observa-se que na área em destaque na cidade, a
malha urbana é bem mais rígida em relação a outras regiões da cidade, herança da
colonização espanhola no século XIX. Além da malha urbana, outros elementos
característicos dos assentamentos urbanos do século XIX aparecem nesta área, como a
praça central com edifícios importantes no seu entorno, localizada mais a leste, próxima às
margens do rio Vacacaí, que abastece a cidade. Outro elemento importante é a antiga
Estação Ferroviária, localizada a oeste, um pouco afastada do centro e próxima aos antigos
engenhos da cidade, hoje desativados, limitantes da zona do centro histórico.
Figura 1: Mosaico com mapas indicando a localização da cidade de São Gabriel e área de
intervenção em escala estadual e municipal. Fonte: PDDTUA São Gabriel, 2008; Google Earth, 2019;
modificado pela autora.
Atentar-se a mudança de uso dos bens edificados se faz relevante para que neste
processo não se perca a história da edificação e nem suas características arquitetônicas,
principalmente no que diz respeito a fachada, que sem orientação ou conhecimento prévio
do proprietário, pode sofrer intervenções indevidas (seja pela descaracterização da
arquitetura, seja pela sinalética comercial) ou até mesmo apresentarem risco de demolição.
A arquitetura dos prédios da cidade também se destaca, com edifícios datados entre o final
do século XIX e início do século XX, com ornamentações principalmente do estilo eclético. A
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maioria majoritária dessas edificações são casas térreas com porão elevado, platibanda,
alinhamento do lote junto a calçada, e a simetria nos elementos e na construção da fachada
chamam a atenção (figura 2). As instituições mais antigas da cidade também se apresentam
dignas de tal reconhecimento, onde sua arquitetura reflete a sua importância para a cidade
na época.
Figura 2: Mosaico com exemplares da arquitetura do centro histórico de São Gabriel. Fonte:
acervo da autora, 2021.
Quanto aos condicionantes legais que interferem diretamente no projeto para a área
em questão, pode-se considerar o PDDTUA de São Gabriel como principal norteador das
ações para a cidade, visto que suas diretrizes foram elaboradas em escala local, visando a
preservação de seus próprios bens. O IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional) e IPHAE, como órgãos que trabalham diretamente com a questão patrimonial no
país, também apresentam grande relevância para a elaboração do projeto. Observa-se na
legislação municipal a existência de diretrizes para a conservação dos bens edificados da
cidade, centro histórico e sítios rurais, porém, percebe-se que, na prática, deixa a desejar
quanto a aplicação. Por muitas vezes o desenvolvimento e progresso estar associado a uma
ideia contrária a preservação patrimonial, alguns exemplares centenários foram demolidos
sem apresentar risco de desabamento à sociedade. Outro ponto a ser considerado é quanto
ao turismo na cidade, que limita-se apenas a pontos turísticos, não considerando o centro
histórico enquanto área urbana como tal. Quanto a aspectos positivos, é importante
destacar certa rigidez quanto ao potencial construtivo no sítio em questão: na área de
ambiência das edificações que compõem o sítio, a legislação mantém um baixo limite para
índice de aproveitamento, mas com a possibilidade de transferência de potencial construtivo
para outros bairros da cidade, protegendo assim o perímetro de descaracterização
volumétrica em escala urbana, afastando das áreas centrais a possibilidade de edifícios
altos que possam barrar a insolação em edificações de interesse patrimonial de baixa altura.
A história de São Gabriel tem início no ano de 1800, quando a mando da Coroa
Espanhola, o engenheiro Dom Felix de Azara é enviado ao sul do território hispano-
americano, com o objetivo de fortalecer a fronteira contra os portugueses. Em 2 de
novembro de 1800, foi fundada oficialmente a primeira povoação, intitulada Vila de Batovi,
data em que foi realizada a primeira missa na capela dedicada ao arcanjo Gabriel, santo de
devoção do Vice-Rei espanhol Avilés. Porém, em 29 de julho de 1801, o povoado, sabendo
que as tropas portuguesas aproximavam-se, evacuou a área, que logo foi incendiada pelos
portugueses (FIGUEIREDO, 1993).
Em 1859, São Gabriel foi elevada à categoria de cidade. Com a paz estabelecida na
fronteira nos anos que se seguiram, São Gabriel pôde prosperar e consolidar-se enquanto
tecido urbano (figura 3). Em 1862 foi inaugurada a Santa Casa de Caridade, seguida do
Cemitério Municipal em 1898. As unidades militares das três armas também se
desenvolveram, assim como o Hospital Militar e o Quartel General. A presença de oficiais na
cidade contribuiu para o desenvolvimento cultural e intelectual da população, e também das
casas comerciais, que buscavam oferecer os melhores produtos às famílias militares
(Figueiredo, 1977). Não à toa São Gabriel carrega consigo o título de Terra dos Marechais:
a cidade foi berço de muitos nomes ilustres, cujas residências encontram-se em pé até hoje.
Também neste período era chamada de Atenas Riograndense, por conta da efervescência
cultural do final do século XIX (Rieth, 2007).
Figura 3: Mapas
com evolução
urbana de São
Gabriel. Fonte:
PDDTUA São
Gabriel, 2008.
A partir do material coletado durante a etapa de pesquisa e após a análise dos bens
edificados na cidade definiu-se cinco temáticas para os roteiros do projeto interpretativo:
Rota Histórica, Rota Militar, Rota Cultural, Rota dos Casarões e Rota da Memória. Cada rota
conta a história da cidade por diferentes pontos de vista, e o turista pode escolher qual lhe
interessa mais. A praça Dr. Fernando Abbott, local de implantação e início do
desenvolvimento da cidade, foi escolhida para ser o ponto em comum entre as rotas, sendo
ponto de partida, chegada e também de informações turísticas.
A Rota Histórica pretende abordar de forma geral a história do município, desde sua
implantação em 1817 até a desativação da ferrovia em 1976, destacando através do centro
os elementos históricos e culturais que caracterizam a cidade de São Gabriel. Por sua
história estar intrínseca ao militarismo, a Rota Militar apresenta através dos quartéis e
residências dos antigos militares e marechais, os vultos ilustres que outrora levaram o nome
da cidade para outros cantos do país.
Durante o final do século XIX e início do século XX, São Gabriel era chamada de
Atenas Riograndense por conta da efervescência cultural que estava acontecendo na
época, sendo os clubes, teatros e escolas construídos neste período provas de tal
preocupação. Por possuir vários desses espaços edificados atualmente, percebeu-se a
importância que a Rota Cultural teria em demonstrar os espaços de convívio da época. Além
das edificações, os museus e edificações abertas ao público podem complementar a
experiência através dos acervos iconográficos mantidos por esses espaços.
A Rota dos Casarões visa destacar a arquitetura presente na cidade, datada entre os
séculos XIX e XX. Os exemplares apresentam majoritariamente estilo eclético, com casas
térreas com porão elevado, telhado escondido com platibanda, alinhamento do lote junto a
calçada, simetria nos ornamentos e elementos de construção, entre outros. Pretende -se
através das edificações apresentar o contexto histórico em que foram construídas e seus
proprietários, figuras importantes para a formação de São Gabriel.
Rota Histórica
Rota Cultural
Rota dos Casarões
Figura 4: Percurso das rotas Histórica, Cultural e dos Casarões para o Projeto Interpretativo do
Centro Histórico de São Gabriel. Etapa em andamento. Fonte: Google Earth, 2019; modificado pela
autora.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Celso Soares. Leitura das Potencialidades Patrimoniais do Município de São
Gabriel – RS. 2017. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Gestão Ambiental)
– Universidade Federal do Pampa, São Gabriel, 2017. Acesso em: 29 mar. 2021.
FIGUEIREDO, Osório Santana. História de São Gabriel. 1. Ed. S.E., São Gabriel, 1993.
FIGUEIREDO, Osório Santana. História dos Apelidos Urbanos de São Gabriel. 1. Ed.
Editora Pallotti; Santa Maria, 1991.
FIGUEIREDO, Osório Santana. São Gabriel desde o Princípio. 1. Ed. S.E., São Gabriel,
1977.
MURTA, Stela M.; ALBANO, Celina. Interpretar o patrimônio: em exercício do olhar. Belo
Horizonte: Ed. UFMG,Território Brasilis, 2002.
PMSG. Conheça São Gabriel: Economia. Prefeitura Municipal de São Gabriel. Disponível
em: https://www.saogabriel.rs.gov.br/Portal/conheca/economia.html. Acesso em: 5 abr.
2021.
PMSG. Inventário de Patrimônio Cultural de São Gabriel – RS. Material não publicado.
S.E., São Gabriel, 2018.
RIETH, Myrta Luiza Garcia Dias. Casaróes: História e Arquitetura de São Gabriel. 1. Ed.
São Gabriel, 2007.
RESUMO
No século XVI e na Villa de Victoria no Espírito Santo – Brasil, ergueu-se representativo casario que,
até princípios do século XX, permanecia dando a cidade feição colonial portuguesa na sua arquitetura
e arruamento. No contexto de uma pesquisa que registra a evolução da habitação na vila no período
colonial e imperial, cuja região de estudo é prioritariamente, nos dias atuais, o Centro Histórico da
cidade, debruça-se no presente trabalho a um olhar específico à questão da permanência de antigas
estruturas arquitetônicas habitacionais. Na justificativa se destaca o fato da possibilidade da produção
de material analítico das habitações haja vista que, até o presente momento, foram mapeadas quatro
unidades que guardam características construtivas e fachadas originais, duas tombadas pelo estado
e duas pela união. Destas, optou-se pela modelagem em BIM da unidade que atualmente abriga a
sede do Iphan-ES (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A metodologia está baseada
em pesquisa às fontes secundárias, material já publicado (livros e artigos) dos quais destaca-se os
autores: Novaes, Oliveira, Pessotti e Ribeiro e Souza e Ribeiro e em complementação estão sendo
examinados todos os processos da Câmara Municipal. No arquivo do município e do Estado foram
realizadas pesquisas iconográficas e cartográficas que contribuíram para o levantamento histórico. A
investigação também foi elaborada a partir de fontes primárias (idas a campo) nas quais foi possível
levantar, através de imagens externas e internas, detalhes dos materiais de construção e do sistema
construtivo. O uso da tecnologia BIM como ferramenta para auxílio na reprodução dos projetos gerou
vantagens e desafios. Diferentemente de um modelador 3D convencional que possui como principal
objetivo a representação de uma maquete virtual, a plataforma BIM abriga um banco de dados
gerando um modelo computacional que, de forma colaborativa, integra diversos profissionais para a
elaboração de um projeto que contenha todas as informações necessárias. Através do uso do
Building Iformation Modelling concluiu-se que foi possível economizar tempo, recursos e otimizar
processos, questões essenciais para um projeto de habitação. A representação do projeto em 3D, de
forma que todos os elementos a serem construídos são computados no modelo, e a facilidade de
criação de representações 2D de cortes e fachadas precisos automaticamente, favorecem o
entendimento do projeto e permitem a redução de retrabalhos. De maneira geral o trabalho traz uma
reflexão profunda sobre o tema a partir da utilização de documentação dos arquivos públicos e
análises gráficas que interpretaram os fatores determinantes da arquitetura.
Derenzi afirma que o desembarque se fez no continente, pelo lado sul da baía, no trecho
entre o Moreno e Piratininga, onde ordenou o donatário que cada um construísse uma
morada. Desses casebres se originaria a vila do Espírito Santo, que a tradição se habituou a
apelidar de Vila Velha (DERENZI, 1995, p. 15). De acordo com Souza apud Novaes, a vila
chamou-se Vila de Nossa Senhora da Vitória (NOVAES, 1968, p. 15).
Conforme Klug a vila antiga ficava na entrada da baía em uma área plana, sendo mais
vulnerável a ataques por embarcações piratas e índios, ao passo que, na Ilha de Santo
Antônio, o terreno com muitos cortes e afloramentos rochosos podia funcionar como pontos
estratégicos de defesa (KLUG, 2009, p. 17). Relata Novaes que Vasco Coutinho havia, ao
passar pela Bahia de Todos os Santos, convidado Duarte Lemos para acompanhá-lo no
desbravamento da capitania, este, em 1537 recebeu a recompensa pelo auxílio prestado, a
Ilha de Santo Antônio, mediante um alvará (NOVAES, 1968, p. 18). A transferência da
cabeça da capitania para Ilha de Santo Antônio, na margem oposta da baía, ocorreu em
função dos constantes ataques de indígenas, franceses e holandeses à cidade. Edinger
reafirma o fato informando que a ilha passou a ser conhecida como Ilha de Duarte Lemos e
este inicia logo as plantações e edificações na parte alta e mais abrigada da mesma.
(EDINGER, 2001, p. 118).
Cita Pena apud Derenzi que a povoação foi fundada em 1550 (DERENZI, 1995, p. 31), no
entanto Daemon relata que a mudança se fez em 1551, a 08 de setembro, quando após
derrota dos indígenas, foi dado o nome de Vila de Nossa Senhora da Vitória ao povoado
(DAEMON, 1879). Segundo Novaes esta data se refere não a fundação e sim a
consagração da Vila Nova a Nossa Senhora da Vitória (NOVAES, 1968, p. 25).
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Durante a pesquisa em desenvolvimento foram elaborados mapas de Vitória do período
Colonial e Imperial utilizando o software CAD (Computer Aided Design) e verificou-se a
utilidade de recursos digitais para a interpretação de dados cartográficos. Na verdade, os
instrumentos de concepção projetual vêm sofrendo grandes transformações nas últimas
décadas, principalmente na atual ‘Era digital’ - também conhecida por ‘Era da informação’,
definida por Riegle (2007) apud Gómez (2015, p. 14) como o período atual. Com as
inovações tecnológicas o arquiteto vivenciou uma transição entre o uso de ferramentas
analógicas de desenho, como a prancheta com papel e caneta, para as pranchetas digitais –
as ferramentas CAD. Posteriormente, o modo de projetar no computador deixou de ser
meramente representativo e passou a incluir conceitos de construção virtual, através do BIM
(Building Information Modelling) e outras tecnologias de geração de formas e banco de
dados. Atualmente os conceitos BIM e a arquitetura paramétrica parecem ser imperativos
para a concepção de projetos em diversos países.
No contexto do uso de tecnologias em edificações históricas, o BIM tem sido avaliado como
ferramenta com potencial para previsão de futuras manutenções do edifício na gestão da
conservação do patrimônio histórico, assim como para suporte da documentação das
informações construtivas. A centralização dos dados em um único modelo digital facilitaria a
gestão das diversas informações técnicas presentes e ampliaria o acesso a esse tipo de
documentação. Para a conservação preventiva, a realização de um inventário é o começo
do processo de documentação. Além disso, é necessária uma abordagem de gestão
constante das informações e alimentação da base de dados para a manutenção do imóvel e
sua preservação (CUPERSCHMID et al., 2018, p. 184). O BIM então se configura como um
processo que, além de permitir o registro do estado atual do bem histórico, é uma
O termo Historical Building Information Modelling (HBIM) é utilizado quando o foco é o uso
de BIM em edificações de patrimônio histórico (GROETELAARS, 2015). Nesse contexto,
como aponta CUPERSCHMID et al. (2018, p. 186) o HBIM pode ser útil para comunicar e
explicar o valor técnico e histórico de um edifício, assim como para gerenciar, manter e
realizar intervenções no edifício, prevenir riscos e, também, para permitir simulações sobre o
sistema estrutural, sobre as instalações e sua compatibilização e também sobre
propriedades de materiais. Para tal, a utilização de BIM em edifícios históricos é “reversa”
(WU et al., 2013), já que o modelo virtual é construído quando o edifício já é existente. Esse
processo de levantamento das informações para elaboração de modelos BIM é
frequentemente baseado na medição direta, analise de desenhos já existentes e fotografias
(WU et al., 2013).
Para o desenvolvimento deste trabalho fez-se uso do software Revit da Autodesk durante o
processo de modelagem do edifício sede do Iphan, localizado na Rua José Marcelino, bairro
Cidade Alta - Vitória. A proposta é alimentar esse banco de dados com mais informações à
medida em que esse levantamento de informações se amplie, para que se tenha
centralizadas as informações pertinentes que permitam a gestão dos bens históricos e sua
manutenção. Esta pesquisa tem caráter exploratório e se desenvolve como um estudo de
caso de uso das tecnologias BIM como suporte de documentação para bens históricos.
2. Revisão bibliográfica
A Villa de Victoria, através de sua ocupação e crescimento urbano, remete para a
importância da habitação, tema arquitetônico ligado essencialmente à vivência humana.
Sendo uma das primeiras necessidades, o abrigo descreve modos de vida sendo um
exemplo material e, portanto, palpável dos hábitos de uma sociedade.
Para além de estilos, a arquitetura das habitações em diversos períodos, no caso desta
pesquisa colonial, apresenta aspectos funcionais como a compartimentação, o número de
cômodos que determinam a distribuição e o porte da construção. Cabe ressaltar que as
técnicas construtivas e os materiais disponíveis influenciaram de sobremaneira no processo.
O livro de Bittencourt (1987) descreve o Espírito Santo no século XIX com destaque aos
benefícios proporcionados pelo café para a cidade. O autor Campos Júnior escreveu livros
sobre a história de Vitória e em especial da construção nessa cidade e as transformações
ocorridas. A criação do Novo Arrabalde (1996) relata os antecedentes, do período colonial
ao republicano passando pelo imperial.
Biografia de uma ilha de Derenzi (1965) é obra de referência para pesquisadores que
necessitam estudar a capital capixaba. Elton (1999), autor de várias obras sobre Vitória, em
muito contribui para a esta investigação em seu livro: Logradouros Antigos de Vitória, ao
relatar fatores econômicos, políticos e sócias de diversos períodos históricos. Já Freire
(2006) abordará especificamente o período colonial realizando uma pesquisa histórica que
em muito auxilia na análise da produção da arquitetura relacionando-a aos fatores
históricos.
Klug (2009) ao descrever Vitória através do sítio físico e da paisagem remete ao leitor ao
período colonial, a formação e a transformação da paisagem da cidade, em especial do que
se conhece hoje como Centro Histórico. O livro de Novaes (1968) relata os fatos históricos
de forma detalhada descrevendo lugares e personagens da história capixaba desde o tempo
dos donatários, detalhando a chegada dos jesuítas ao Espírito Santo e a importância da
igreja na formação da cidade. Aborda também o período do governador Rubim, que
antecede a proclamação da independência.
Os autores Cuperschmid et al. (2018) em seu artigo Casa de Vidro: BIM e Gestão do
Patrimônio Histórico Arquitetônico trazem questionamentos importantes sobre as principais
problemáticas durante o processo de adequação do BIM no registro de bens históricos,
através de um estudo de caso que utiliza a Casa de Vidro, um dos ícones da arquitetura da
década de 50 de Lina Bo Bardi, como objeto de estudo. Os métodos tradicionais de
documentação são insuficientes para integrar e gerir informações relacionadas à edificação
e com o objetivo de tornar mais eficiente esse processo, o modelo virtual foi desenvolvido
para ser utilizado como base de dados e de referências para a gestão da operação e da
manutenção do imóvel.
Ao fim do século XVI a ilha de Vitória já possuía seis engenhos e produzia açúcar suficiente
para atrair até quatro navios por ano. A capitania que também plantava algodão e tinha
gado, no início do XVII passa a produzir arroz, tabaco e aguardente e para viabilizar o
crescimento da produção inicia, em 1621, o tráfico direto de escravos de Angola para a Villa
de Victoria (FREITAS, 2010, p. 43).
Para Elton, o Espírito Santo viveu em estado de quase total penúria, minguadíssimos eram
os recursos de sua população (ELTON, 1999, p. 9). De fato, afirma Novaes, tudo concorria
para a decadência da Vila da Vitória ao citar as epidemias ocorridas em 1558 e em 1594
(NOVAES, 1968, p. 32 – 51).
Ainda assim, durante o século XVI foram construídos: o cenóbio no morro de São Francisco,
uma capela na Ladeira da Tapera, um fortim de taipa junto ao Morro do Vigia e o seminário.
Este, na localidade conhecida como sítio do Egito, cujo caminho para a Igreja de Santa
Luzia formou a Rua do Egito que pela inclinação chegava ao Mangal e passou a ser
nomeada Ladeira do Egito hoje substituída pela Escadaria Cleto Nunes (NOVAES, 1968, p.
48 – 50).
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“A Vila de Vitória foi implantada no dorso de uma colina pouco elevada, apoiada de forma
variada e cercada de vegetação. No início da ocupação era como um adorno da baía com
suas matas e rochas que avançavam raízes no mar, uma espécie de anfiteatro de belas
montanhas. ” (KLUG, 2009, p. 17).
Na descrição de Reis Filho “... os núcleos urbanos estabelecidos nos primeiros séculos da
colonização brasileira situavam-se, de modo predominante, no litoral, por razões
econômicas, administrativas e militares. ” (REIS FILHO, 1968, p.122).
Derenzi afirma que no limiar do Século XVII a vila é ainda uma aldeia construída de taipa,
cujas casas são cobertas de sapé ou palhas de pindoba (DERENZI, 1995, p. 61). A técnica
de alvenaria de taipa é empregada pelos jesuítas no século XVI, no entanto, foi substituída
nos séculos posteriores pela pedra e pela cal, material que conferia maior resistência. Para
Ribeiro a cal foi um material que o Espírito Santo parece não ter sentindo jamais falta,
sempre fabricada por processos rústicos e artesanais que não comprometiam a sua
qualidade, e a partir de fontes biogênicas tal como foi predominantemente na tradição
portuguesa na América (RIBEIRO in PESSOTTI e RIBEIRO, 2011, p. 118). As pedras
utilizadas eram calcário, arenitos ou pedra de rio e granitos assentados em tamanhos
variados com auxílio de formas de madeira.
Afirma Rocha Pombo apud Freire que Vitória, por 1600, teria cerca de 700 habitantes, boas
casas de negócio, Misericórdia, o colégio e conventos (FREIRE, 2006, p. 103). Embora
Campos Júnior afirme que no governo de Jerônimo Monteiro grande parte dos prédios
públicos, igrejas e casarios em estilo colonial foram demolidos (CAMPOS JÚNIOR, 1996, p.
123) existem remanescentes (igrejas e casas) do período colonial tombados pelo IPHAN
(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e pela SECULT (Secretaria de Estado
da Cultura do Espírito Santo).
Como afirma Klug a cidade possuía uma escala muito singela e delicada, onde a
continuidade de altura das edificações e a relação de proximidade do parcelamento das
quadras, adicionados à semelhança das casas ajudava a destacar com mais força a
presença dominante do relevo (KLUG, 2009, P. 21).
Para Elton a cidade até princípios do século XX tinha feição colonial portuguesa na sua
arquitetura e arruamento. As construções medíocres, não se diferenciavam e as ruas
tortuosas e estreitas, algumas com menos de cinco metros de largura seguiam a topografia
do terreno (ELTON, 1987, p. 9).
Com a abertura dos portos em 1808, Vitória passou a comercializar com Bahia,
Pernambuco, Rio de Janeiro e o exterior. Segundo Miranda os cais e trapiches da borda do
canal eram movimentados por uma economia de subsistência, mas, havia a exportação de
açúcar, madeira e tecido de algodão. O meio de mobilidade principal era aquaviário
(MIRANDA in SOUZA e RIBEIRO, 2009, p. 55).
“A condição sanitária da capital propiciava surtos e moléstias, por muitas vezes, atingindo
cifras impressionantes e exterminando quase que populações inteiras” (DERENZI, 1965, p.
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203). O custo para a realização das obras de saneamento, abastecimento d’água e
instalação de redes de esgoto implicava em vencer acidentes geográficos ou contornar
grandes áreas o que as tornava incompatíveis com os recursos disponíveis. A geografia da
ilha ainda era fator agravante, a ligação com o continente era somente realizada por via
marítima ou pela ponte da Passagem (1801), que ficava localizada na direção oposta à área
central, no entanto, no ponto mais estreito para transposição para o continente.
De acordo com Ribeiro “cerca de um ano após, Coutinho fez coro com os demais
escrevendo que a Vila mostrava muitas casas nobres de dois e três andares, igrejas, torres,
e, sobretudo um magnífico colégio dos jesuítas. ” (RIBEIRO in PESSOTTI e RIBEIRO, 2011,
p. 130).
Os dois sobrados geminados da Rua José Marcelino, nº 197 e nº 203/205 foram tombados
segundo IPHAN por sua historicidade e por serem os "últimos vestígios das antigas
edificações de Vitória” (IPHAN, 2016). As casas que abrigam a sede do IPHAN no Estado e
a mitra possuem registros históricos que datam do período colonial e foram tombadas em
1967.
Figura 1: Sobrado da Rua José Marcelino que abriga a sede do IPHAN-ES. Fonte: IPHAN, 2019.
Os sobrados localizam-se na região mais antiga de Vitória (século XVI), no local onde antes
havia a Igreja Matriz. Há indícios de que Muniz Freire tenha residido na edificação durante
seu primeiro mandato como Presidente do Espírito Santo (entre 1892 e 1896) (IPHAN,
2016).
Próximas a estes, seis casas na Rua Muniz Freire fazem parte de processo de tombamento
protocolado na década de 80 do século XX por interesse do IAB (Instituto de Arquitetos do
Brasil) junto a SECULT. Tal processo procurou reverter a desapropriação das mesmas por
parte do Governo Estadual com o objetivo de ampliar o Fórum Civil Muniz Freire. No
processo do tombamento, estão inventariadas as seis unidades, no entanto, quatro
residências foram demolidas. As duas remanescentes são do período colonial possuindo um
e dois pavimentos e técnica construtiva em alvenaria de pedra e taipa (SECULT, 1981, p. 2-
18).
Figura 2: Planta térrea do sobrado em arquivo .rvt. Fonte: das autoras, 2021.
Dentro do arquivo do modelo do edifício é possível montar uma planilha com as imagens
provenientes do levantamento fotográfico do imóvel e data-las. Esse acompanhamento do
estado de conservação através da linha do tempo auxilia a tomada de decisão sobre as
intervenções necessárias para uma manutenção apropriada das instalações, e está previsto
para uma próxima etapa do estudo. A exportação desses dados para outras extensões de
arquivos permite o acesso facilitado quando há a demanda por essas informações.
5 Conclusões
O levantamento dos exemplares arquitetônicos remanescentes se mostra como caminho
para registrar a evolução da habitação na Villa de Victoria. Pela pesquisa preliminar é
possível concluir que nos primeiros três séculos da colonização, o aspecto das residências
na Villa de Victoria se apresentou bastante simples, uma vez que foi povoada também por
pessoas com poucos recursos e visitadas ocasionalmente pelos fazendeiros que nelas se
hospedavam, resultando numa casa colonial construída, de certo modo uniforme.
A pesquisa aponta para um caminho promissor com relação ao uso do BIM em edificações
de interesse histórico. Algumas adaptações da ferramenta ainda parecem ser necessárias
para um uso mais eficiente, como o acesso facilitado às informações em BIM por parte de
pessoas não treinadas no uso dos softwares. É possível prospectar um futuro onde a
documentação histórica dos bens patrimoniais esteja atrelada à um modelo virtual da
edificação, que facilitará o acesso à informação e gestão das edificações de interesse
histórico.
6 Bibliografia
BITTENCOURT, Gabriel Augusto de Mello. Café e modernização: o Espírito Santo no
século XIX. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Cátedra, 1987.
CAMPOS JÚNIOR, Carlos Teixeira de. O Novo Arrabalde. Vitória: PMV, Secretaria
Municipal de Cultura e Turismo, 1996.
DERENZI, Luiz Serafim. Biografia de uma Ilha. Rio de Janeiro: Pangetii, 1965.
EDINGER, Cláudio. Cidade de Vitória – 450 anos de história e cultura. São Paulo: A
Books Editora, 2001.
GÓMEZ, A. I. Pérez. Educação na era digital: A escola educativa. Trad.: Marisa Guedes.
São Paulo: Penso, 2015.
HOLLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1983.
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Sobrado histórico de Vitória –
ES é inaugurado como sede do IPHAN. Disponível em: <<http://portal.iphan.gov.br/es
>> Acesso em: 15 jan 2019.
NOVAES, Maria Stella de. História do Espírito Santo. Vitória: Fundo Editorial do Espírito
Santo, 1968.
OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Estado do Espírito Santo. Vitória: Arquivo
Público do Estado do Espírito Santo: Secretaria de Estado da Cultura, 2008.
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce. São Paulo: Itatiaia,
1974. 7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação 06 a 08 de outubro de
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SOUZA, Luciene. “Vila de Nossa Senhora da Vitória: por uma perspectiva Urbana no
Brasil Colonial” in SOUZA, Luciene e RIBEIRO, Nelson Pôrto. (org.) Urbanismo Colonial:
Vilas e Cidades de Matriz Portuguesa. Rio de Janeiro: PoD, 2009, p. 163 – 199.
WU, T. C. et al. Improving traditional building repair construction quality using historic
building information modeling concept. In: International Archives of the Photogrammetry,
Remote Sensing and Spatial Information Sciences - ISPRS Archives. Proceedings. 2013.
que, até princípios do século XX, permanecia dando a cidade feição colonial
portuguesa na sua
retrabalhos.
EIXO TEMÁTICO 4
PATRIMONIO ARQUITETONICO, LEGISLAÇÃO URBANA E
INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO:
PAZ, SARAH
RESUMO
Este artigo investiga a situação do patrimônio arquitetônico no bairro Carmo, situado na região Sul de
Belo Horizonte. Partindo de um levantamento sobre o patrimônio arquitetônico (seja esse tombado ou
não) da cidade foi possível perceber uma concentração de estudos e políticas de preservação do
patrimônio em edificações dentro do limite da Avenida do Contorno, e uma escassez de estudos e
levantamentos sobre o patrimônio em bairros pericentrais (bairros que estão ao redor da Avenida do
Contorno). Diante disso, foi eleito um bairro pericentral para se aprofundar. A escolha do Carmo se
dá pelo fato de ser um bairro antigo (a ocupação dele data do inicio do século XX) e por ter uma
demanda de estudos sobre sua arquitetura. Dessa forma, foi realizado um diagnóstico sobre o bairro,
por meio de um levantamento bibliográfico sobre a história, de visitas a campo, de mapeamentos
diversos e da analise da legislação urbana e dos instrumentos de proteção ao patrimônio. A partir
desse diagnóstico notou-se que algumas edificações de importância histórica e arquitetônica, e que
são patrimônio do bairro, como a Igreja Nossa Senhora do Carmo e um conjunto de casas na Rua
Outono datadas de 1940 até 1960, não possuem proteção prevista pela lei. Foi feita então uma
analise sobre os efeitos da aplicação dos parâmetros urbanos propostos pelo zoneamento da lei de
uso e ocupação de solo atual sobre esses bens para verificar o nível do risco dessas edificações
serem demolidos ou descaracterizados. A partir disso, foi elaborada uma proposta para preservar a
homogeneidade e a ambiência do conjunto de residências, bem como a conservação da igreja e a
manutenção da visibilidade da torre sineira de alguns pontos do bairro, por meio da aplicação de
instrumentos previstos pela legislação municipal, como o tombamento, a transferência de direito de
construção, o limite de altimetria, entre outros.
Em sua concepção, uma cidade não poderia ser descrita meramente a partir
dos seus grandes edifícios. Há todo um contexto urbano, uma “arquitetura
doméstica” que forma um tecido contínuo, uma textura que se exprime na
malha urbana e que é a essência da cidade (CHOAY, 2006, apud.
MOREIRA et al. 2018, p. 420)
Nessa mesma perspectiva, Sitte (1992) afirma que “há uma beleza observável nos
conjuntos antigos que deriva do arranjo de seus elementos no espaço” (SITTE, 1992 apud.
MOREIRA et al. 2018, p. 420). Essas abordagens ampliam a perspectiva acerca do
patrimônio, deixando de tratar apenas da arquitetura, das edificações isoladas com valor de
excepcionalidade, e passam a tratar a questão da relação desses bens com o seu entorno e
do valor histórico de edificações mais simples que fazem é parte fundamental da cidade.
Nota-se que nos últimos anos houve vários estudos sobre o patrimônio dos bairros
da região Leste de Belo Horizonte, principalmente do bairro Lagoinha, construindo-se assim
1
Devido à pandemia do Covid-19 não foi possível ter acesso a documentos dos órgãos de patrimônio, a
bibliotecas e acervos públicos durante as fases inicias do trabalho, sendo as fontes disponíveis apenas as online.
O fato de Belo Horizonte ser uma cidade planejada fez com que seu traçado
e algumas de suas construções guardassem fortemente a marca de suas
origens. Essa é uma das razões que explicam o fato de a política municipal
do patrimônio ter privilegiado o traçado do plano e as primeiras construções
situadas no interior da zona urbana (ANDRADE; ARROYO, 2012, p. 21).
2
Entende-se como Zona Urbana “a área regulamentar desse plano, onde esse projeto foi implantado e
demarcado pelos limites da Avenida do Contorno” (LEMOS, et al., 2019,p 23).
3
Entende-se como Zona Suburbana “a área reservada para a expansão urbana, que não recebeu um projeto
urbano regulamentar” (LEMOS, et al., 2019, p 23).
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06 a 08 de outubro de 2021
como patrimônio também foi um fator que corroborou para a aplicação de instrumentos
legais para proteção da região. Dessa forma,
Não apenas isso, a zona urbana é vista como área referencial no projeto da cidade
e por isso tem seu valor cultural reconhecido. O Plano Diretor de 1996 (Lei Municipal
7165/1996) caracteriza a Avenida do Contorno como centro histórico da cidade. Esse
reconhecimento da importância cultural e histórica, no entanto não é observado na zona
suburbana,
2. História
O bairro Carmo está localizado na região sul de Belo Horizonte, e tem como
vizinhos os bairros Sion, Savassi, São Pedro e Anchieta. No plano original de Belo
Horizonte, o bairro estava na 2ª Seção Suburbana e na Colônia Agrícola Adalberto Ferraz.
Essa colônia agrícola foi criada para abastecimento da capital; no entanto, a maioria dos
sítios que deveriam ser implantados na região não foram implementados por falta de apoio
do governo. Na década de 1910, a região era pouco habitada, “os bairros São Pedro e
Carmo, que faziam parte da 2ª Seção Suburbana, que, em 1911, não possuía mais do que
90 casas” (APCBH, 2008).
Apesar das mudanças, o bairro mantinha seu caráter residencial, tendo poucos comércios.
A tipologia predominante era residências uni familiares de um pavimento com o espaço
interno semelhante ao descrito acima.
No entanto, foi no final da década de 1970 que houve uma grande mudança no
bairro. Isso se deve por causa de dois fatores, o primeiro são as obras nas vias públicas,
que melhoraram a infraestrutura do bairro, e o segundo foi o surgimento da considerada
primeira Lei de Uso e Ocupação do Solo, a lei 2662/76. Essa lei determinou o zoneamento e
parâmetros urbanos da cidade e impactou diretamente na ocupação do bairro.
3. Diagnóstico
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Apesar das diversas mudanças sofridas ao longo dos anos, o Carmo manteve a
característica de ser um bairro residencial. No entanto, há mais edificações verticais
multifamiliares do que residências unifamiliares. O bairro concentra residenciais nas vias
coletoras, como as ruas Caldas, Campanha. Já nas duas vias arteriais, que são as
principais do bairro, as ruas Grão Mogol e Pium-í, concentram-se o uso comercial, de
serviço e misto (comercial e residencial).
4. LEGISLAÇÃO
De acordo com o Plano Diretor de Belo Horizonte (2019), o TDC é aplicável, além dos casos
de imóveis tombados e áreas de: interesse ambiental, de Equipamentos Urbanos e
Comunitários e de implantação de Projetos Viários Prioritários. O TDC é importante, pois
permite, além da preservação do bem cultural, a preservação da paisagem urbana local e o
equilíbrio construtivo entre diferentes áreas da cidade que têm necessidade ou possibilidade
de crescimento (ARROYO, 2009, p.73).
Zoneamento CA máximo
OP1 2
CR Não se aplica
OM 3 1
Com isso, é possível ver que houve uma diferença no CA nas quadras próximas as
avenidas Nossa Senhora do Carmo e Contorno (diminuição do CA) e nas quadras das ruas
Outono, Caldas e Campanha (em que o CA aumentou, considerando o CA máximo).
Essa mudança na legislação faz com que a região destacada em marrom (nas
quadras das ruas Campanha, Caldas e Outono) esteja mais suscetível ao adensamento e
verticalização, uma vez que nas outras áreas do bairro houve uma diminuição ou
manutenção do CA. Isso pode gerar um impacto negativo sobre o patrimônio edificado do
bairro, uma vez que nessa região encontra-se o conjunto de residências do início da
ocupação do bairro, na Rua Outono, conforme mostrado anteriormente. Com essa mudança
na legislação, essas casas correm risco de serem demolidas e substituídas por prédios de
grande porte (mais de 7 pavimentos), como já ocorreu em outras residências do bairro.
Com o tombamento das casas será possível aplicar alguns instrumentos como a
isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), isso possibilitaria que os
proprietários utilizassem os recursos que iriam para o pagamento desse imposto para obras
de restauro. Outro instrumento que pode ser aplicado é a Transferência de Direito de
Construir. O TDC, além de proporcionar um reequilíbrio das restrições econômicas que o
tombamento pode gerar ao proprietário do imóvel, ajuda a garantir a conservação das
edificações, uma vez que para o imóvel ser passível de geração de TDC é preciso que seu
bom estado de conservação atestado por meio de laudo técnico emitido pelo Conselho
Deliberativo do Patrimônio Cultural (de acordo com o artigo 52º da lei 1181/19).
Por fim, é importante que sejam aplicadas algumas restrições de altimetria de novas
edificações nos lotes vagos e nas duas edificações não tombadas, sendo proposto o limite
de 6 metros (que é a altimetria máxima existente no conjunto). Além disso, é importante que
as novas edificações não impactem na visibilidade dos bens tombados ao redor e que os
projetos sejam analisados pelo DPCA.
Além disso, foi pensado o tombamento da Igreja Nossa Senhora do Carmo, que se
justifica pelo seu valor cultural e histórico. Junto ao tombamento, é preciso que sejam
elaboradas diretrizes especiais para a quadra em que a igreja se localiza. Uma das
diretrizes deve ser o limite da altura de novas edificações nesses lotes, não ultrapassando a
altimetria das edificações existentes atualmente, sendo a altura máxima para novas
edificações de 6 metros. Os novos projetos devem ter restrições quanto ao material usado
no revestimento externo, de forma que esse não atrapalhe a visibilidade da igreja.
Esse potencial construtivo pode ser utilizado em outras áreas do bairro conforme
apontado no mapa da Figura 4. Dessa forma, seria possível conservar a igreja e a altimetria
do entorno, sem que os proprietários desses lotes se sintam prejudicados. É importante
ressaltar ainda que o TDC é uma boa medida compensatória, mas é preciso que a aplicação
dele seja expandida para além da edificação tombada, fazendo-se necessária em alguns
casos, à aplicação em seu entorno.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, esse estudo feito sobre o Carmo demonstra a importância da ação de
documentação e registro das histórias e do patrimônio dos bairros pericentrais. Esses
bairros muitas vezes negligenciados devem ser estudados para impedir que o patrimônio
arquitetônico deles seja destruído e a história apagada.
7. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICA
ANDRADE, Luciana Teixeira de; ARROYO, Michele Abreu (org.). Bairros Pericentrais de
Belo Horizonte: Patrimônio, território e modos de vida. 1. ed. Belo Horizonte: Editora PUC
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ARROYO, Michael Abreu. Para além do tombamento: possibilidades de instrumentos de
proteção do patrimônio cultural nas políticas públicas municipais. In: ASKAR, Jorge Abdo;
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Manual de atuação dos agentes do patrimônio cultural. Belo Horizonte: IEDS, 2009. cap. 6,
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BELO HORIZONTE (MG) Prefeitura. Decreto nº 15.254. 04 Jul. 2013. Dispõe sobre a
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BELO HORIZONTE (MG) Prefeitura. Lei nº 2662. 29 Nov. 1976. Institui normas de uso e
ocupação do município de Belo Horizonte. Belo Horizonte: PMBH, 1976.
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Horizonte: PMBH, 1996.
BELO HORIZONTE (MG) Prefeitura. Lei nº 7166. 27 Ago. 1996. Estabelece normas e
condições para parcelamento, ocupação e uso do solo no município de Belo Horizonte. Belo
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BELO HORIZONTE (MG) Prefeitura. Lei nº 11181. 08 Ago. 2019. Aprova o Plano Diretor do
Município de Belo Horizonte e dá outras providências. Belo Horizonte: PMBH, 2019.
BELO HORIZONTE (MG) Prefeitura. Lei nº 3802. 6 Jul. 1984. Organiza a proteção do
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victormoreiraf@hotmail.com
icavalcantifilho@yahoo.com.br
RESUMO
A presença do ornamento sob forma de texturas e relevos decorativos são protagonistas de peso na
arquitetura eclética desde sua gênese na Europa a partir de meados do século XIX, tendo reflexos em
todo o mundo ocidental. No Brasil, essa linguagem arquitetônica profusa em termos de ornamento nas
suas fachadas aportou nas grandes cidades – Rio de Janeiro e São Paulo – já no final da aludida
centúria através de edificações requintadas, principalmente inspiradas no gosto francês. A cidade da
Parahyba, atual João Pessoa, foi igualmente contemplada com a aludida linguagem formal em
edificações tanto institucionais quanto residenciais produzidas na primeira metade do século XX,
quando importantes eixos viários foram abertos na urbe em franca expansão. Este trabalho apresenta
resultados de uma pesquisa de Iniciação Científica (PIBIC), em curso no Laboratório de Pesquisa
Projeto e Memória do Departamento de Arquitetura da UFPB, com o objetivo de registrar e fazer uma
análise crítica de edificações ecléticas do Centro Histórico da capital paraibana com ênfase nas texturas
e relevos nelas apresentados, procurando justificar seu significado na cultura arquitetônica da época.
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06 a 08 de outubro de 2021
A justificativa para a investigação reside na escassez de estudos sobre o tema e, portanto, na
necessidade de identificação e classificação dos citados elementos ornamentais que dão visibilidade e
destaque às edificações onde foram aplicados, garantindo-lhes um toque de novidade não obstante
sua essência eminentemente historicista. Os procedimentos metodológicos adotados para o
desenvolvimento do trabalho compreenderam inicialmente uma revisão minuciosa da literatura acerca
do ecletismo, seus pressupostos teóricos e suas diferentes interpretações no mundo e no Brasil, para
dar suporte à análise a ser empreendida no trabalho. A identificação dos edifícios e o levantamento
fotográfico dos mesmos com seus relevos e texturas no recorte espacial adotado consistiram a etapa
seguinte, antecedendo o processamento dos dados obtidos, quando foram eleitas dez edificações para
análise, culminando com a produção de um quadro resumo indicativo da presença de texturas e relevos
nas mesmas, sua classificação quanto à forma, e seu significado no patrimônio estudado. Os resultados
da pesquisa traduzem o protagonismo formal do ornamento nas fachadas das edificações ecléticas,
emprestando às mesmas a ‘suposta’ modernidade e o cobiçado ‘ineditismo’ preconizados à época no
âmbito da produção arquitetônica.
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1. INTRODUÇÃO
Os relevos e texturas empregados em fachadas de edificações são elementos decorativos
presentes na arquitetura desde a Antiguidade Clássica, quando, além de compor os capitéis
das colunas gregas e romanas, são pontualmente expressos nos acrotérios e tímpanos dos
templos. A partir da segunda metade do século XVIII, no entanto, num contexto de Revolução
Industrial, tais ornamentos vão aos poucos ganhando maior importância até se tornarem
elementos essenciais nas frontarias das edificações. Nesse contexto de novas tecnologias, a
arquitetura passa a conformar, em meados do século seguinte, uma nova linguagem plástica
– o ecletismo – que busca, através da diversidade de suas formas, gerar edifícios
profusamente ornamentados, usando elementos arquitetônicos de vários estilos do passado,
sempre primando por uma composição harmônica, onde os relevos e texturas se constituem
protagonistas em termos de qualidade e de quantidade.
“Os valores do ornato e do décor atravessam repetidas reavaliações e negações a cada ruptura com as
convenções precedentes. Com a emergência das ideais modernas, é buscada uma superação das teorias
do século 19, colocando em crise a própria definição de ornamento, agora rodeada por um discurso técnico
estreitamente ligado às evoluções no campo tecnológico” (ANTONIOLI, 2010).
O ecletismo chega nas principais capitais brasileiras no final do século XIX, num momento
de mudanças por que passava o país. Como não contava com indústrias, o Brasil importava
não só os materiais e tecnologias necessários para suas construções, mas também os
arquitetos e, grosso modo, os próprios modelos dos edifícios ecléticos, já que pouco se
inovava em termos de arquitetura no país, como afirma Reis Filho (1970, p. 159): “Os
arquitetos e engenheiros dessa época orgulhavam-se de imitar com perfeição, até nos
detalhes, os estilos de todas as épocas”.
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A arquitetura eclética aporta na cidade da Parahyba, atual João Pessoa, favorecida pelo
momento econômico alvissareiro pelo qual passava a economia do Estado. Conforme afirma
Mariz (1978), nessa época, a riqueza gerada pela cultura do algodão proporcionava as
condições econômicas para a introdução de novidades em todos as áreas de uma sociedade
em busca de modernização. Tal contexto concorria para a evolução do nível da arquitetura
local, que podia contar tanto com edifícios institucionais quanto residenciais com maior
requinte e qualidade estética.
Nesses termos, para registrar tais resultados e atender ao objetivo da pesquisa, este
ensaio faz uma incursão no contexto geral da linguagem eclética, alude à sua difusão no
Brasil, e destaca sua introdução na capital paraibana, quando conforma superfícies parietais
dos principais eixos viários da cidade em expansão. No estudo das edificações, são
destacados os principais tipos de texturas e relevos que ornamentam suas fachadas, com
uma breve análise pautada no discurso arquitetônico da época. O trabalho culmina com a
apresentação de um quadro resumo onde o ornamento, uma vez registrado e classificado, é
quantificado para efeito de comprovação de sua importância como patrimônio de valor.
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2. ARQUITETURA ECLÉTICA: EXPRESSÃO DE MODERNIDADE
O surgimento do ecletismo na segunda metade do século XIX está relacionado com a
Revolução Industrial catapultada em meados da centúria anterior. Isso porque, a partir desse
momento histórico o continente europeu passa por expressivas mudanças, quando surge uma
grande variedade de novos produtos e tecnologias obtidos a partir da mecanização do
trabalho. Esses novos produtos eram confeccionados de forma mais rápida e tinham seus
custos reduzidos, favorecendo uma nova ordem onde o espírito de consumo motivava a
população, ansiosa por acompanhar a modernização imposta pelos avanços tecnológicos e
pelo mercado em expansão. Essa avidez pela modernização é turbinada ainda mais pelas
Exposições Universais, em especial aquelas ocorridas em Paris até 1900, quando as
inovações tecnológicas eram apresentadas em setores específicos da cidade, que serviam
de palcos para tais eventos de repercussão mundial (BENEVOLO, 1978).
Apesar da total liberdade para criar e compor com diferentes linguagens arquitetônicas,
os arquitetos adotavam pontos em comum ao conceber tais edifícios. Suas características
provinham da linha Beaux-Arts, o modelo mais seguido por escolas superiores na época, o
qual divergia da Escola Politécnica de Paris, que lidava de uma forma diferente com o projeto
de edifícios. A última adotava um modo mais pragmático e matemático, procurando resolver
as questões da maneira mais funcional e economicamente viável (CZAJKOWSKI, 2000). De
acordo com o citado autor, a linha Beaux-Arts enxergava a arquitetura como arte, fazendo
com que fossem aplicados conceitos de outras artes plásticas no projeto do edifício, como a
simetria, a composição e a ornamentação.
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2.1. Simetria
A simetria era considerada pela Beaux-Arts como um requisito básico do edifício eclético,
o qual deveria apresentar um reflexo exato quando rebatido em relação a um eixo. Isso se
aplicava tanto nas plantas baixas, quanto nas elevações e nos ornamentos que decoravam
as obras. Essa busca pela simetria em todos os elementos pode ser percebida no Le Petit
Palais, em Paris, na França, edifício cuja fachada é perfeitamente simétrica.
2.2 Composição
2.3 Ornamentação
O ornamento dos edifícios ecléticos era basilar para a sua composição, já que lhes
conferia o tom de ineditismo e destaque que a linguagem deveria ensejar. Conforme Sullivan
(2016), o uso e a aplicação da forma e de elementos plásticos dependiam de um contexto, de
uma história, de uma cultura, de um espírito do tempo. Nesse sentido, por vezes o ornamento
escondia detalhes mecânicos da construção, fazendo com que o edifício pudesse ser
contemplado como uma obra visualmente perfeita, por não conter imperfeições à vista, como
afirma Reis Filho (1970). A platibanda ornada com texturas e relevos, por exemplo, acolhia tal
função ao esconder os telhados.
Considerando o exposto, a linguagem eclética tinha sua importância não apenas por
adotar e fazer uma composição de elementos formais de arquiteturas anteriores, mas também
por consolidar a euforia por uma modernidade vivida na Europa pós-Revolução Industrial. Os
novos edifícios, além de fazerem uso de inovações tecnológicas nos materiais e métodos
construtivos, resgatavam a relação entre arte e arquitetura através da utilização recorrente do
ornamento sob forma de relevos e texturas, e também de materiais utilizados segundo práticas
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06 a 08 de outubro de 2021
inovadoras, como o ferro e o vidro, que eram amplamente empregados em suas fachadas.
De acordo com Paim (2000), os citados ornamentos não eram apenas complementos para a
beleza dos edifícios, mas sim os definidores de arquitetura como arte.
3. O ECLETISMO NO BRASIL
O ecletismo chega ao Brasil no final do século XIX com o mesmo ideário de modernidade
e progresso difundido na Europa, ocasionando uma verdadeira revolução na arquitetura
brasileira. Com o fim da escravidão, ocorre uma forte imigração europeia, que vai impactar de
forma decisiva na qualidade da mão-de-obra no país. Conforme Reis Filho (1970), os
imigrantes detinham técnicas que os escravos não dominavam. O trem também teria sua
parcela de contribuição nesse processo de modernização. O investimento na ampliação da
malha ferroviária foi essencial para a difusão do ecletismo, sobretudo nas cidades que não
possuíam portos. É importante ressaltar que, através destes últimos, foi possível o acesso a
materiais inéditos no país, os quais vinham diretamente da Europa para serem empregados
nas construções, desde vigas e pilares de ferro, até peças de mobiliário, e outros ornamentos
congêneres (REIS FILHO, 1970).
Introduzida no Brasil, a linguagem eclética tem como primeiro palco a cidade do Rio de
Janeiro, através do academicismo vigente na Escola Nacional de Belas Artes, que defendia a
ideia da arquitetura ser tratada como arte. A nova vertente se consolidaria no país como
expressão de peso a partir da realização, na capital federal, da Exposição Comemorativa do
Centenário da Abertura dos Portos em 1908, grande empreendimento que demonstrou a
euforia plástica com que era apresentada a arquitetura de então, através de construções
arrojadas e profusamente ornamentadas (LEMOS, 1987).
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Tal euforia já se fazia sentir no início do século XX, no governo de Rodrigues Alves,
quando reformas urbanísticas são implementadas no Rio de Janeiro. Largas avenidas são
criadas, edifícios são demolidos e construídas edificações de gosto eclético, conferindo à
cidade uma imagem belle époque (DEL BRENNA, 1987). Os prédios institucionais eram
verdadeiros monumentos, a exemplo da Escola Nacional de Belas Artes, inspirada no Palácio
do Louvre, em Paris. O Teatro Municipal do Rio de Janeiro, inspirado na Ópera de Paris, é
outro edifício que traz ao Brasil a verdadeira essência do ecletismo: composição com
diferentes linguagens formais, inspiração em estilos do passado e uso abundante do
ornamento.
Além do Rio de Janeiro, a cidade de São Paulo seria também contemplada com
expressivos exemplares de arquitetura eclética. A partir da construção de ferrovias na década
de 1860, e do investimento na cultura cafeeira no lugar do açúcar, São Paulo deslancha
economicamente, passando a lidar com grande riqueza a ponto de se tornar expoente
nacional no cenário econômico e político.
Nessa época de pujança econômica, São Paulo é contemplada com investimentos tanto
na modernização das técnicas construtivas e dos materiais, quanto na organização
urbanística da cidade. Lemos (1987) destaca que entre 1900 e 1910, o número de edificações
construídas na urbe cresce de vinte e um mil para trinta e um mil. Em meio a tantas
edificações, aquelas de uso institucional e cultural se destacam por serem mais arrojadas no
tocante ao ornamento, como o Teatro Municipal de São Paulo, também inspirado na Ópera
de Paris. A Catedral de São Paulo, obra marcante no tocante aos elementos formais
neogóticos, segundo Lemos (1987), exigiu mão-de-obra especializada em corte de pedras
para que fosse executada com perfeição. Afinal, houve grandes avanços nas técnicas
voltadas à aplicação do citado material vislumbrando seu bom acabamento (BENEVOLO,
1978).
Considerando o exposto, o ecletismo produzido no Brasil era mais europeu do que local.
Além dos produtos e técnicas importadas do Velho Mundo, notadamente da Inglaterra e
França, a carência de profissionais da construção capacitados provocaria o apelo à mão-de-
obra estrangeira, já que os técnicos locais não tinham knowhow para produzir segundo os
‘ditames’ da nova vertente (REIS FILHO, 1970). Tal contexto fez com que um expressivo
número de arquitetos e engenheiros europeus aportassem no Brasil para contribuir como
projetistas da linguagem arquitetônica em voga, e, através da mesma, conferir ares de
modernidade às cidades onde ela era produzida.
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Nesses termos, o ecletismo provoca uma verdadeira revolução na arquitetura brasileira,
contribuindo para que a mesma se tornasse um incontestável indicador de progresso, como
alega Reis Filho (1970, p. 186), ao afirmar: “O ecletismo foi, pois, em arquitetura, conciliação
e progresso, tradicionalismo e progresso ou, como se diria depois, ordem – com uma
conotação determinada – e progresso”. Afinal a República recém proclamada (1899)
ensejava, através da bandeira nacional, o referido binômio de teor nitidamente progressista.
Com tais condições economicamente favoráveis, a cidade da Parahyba vai, aos poucos
se modernizando, primeiro com a chegada de luz elétrica, depois com reformas urbanísticas
que visam melhorar os fluxos na cidade e a higiene das ruas (MARIZ, 1939). A arquitetura da
urbe é contemplada com a construção dos primeiros edifícios ecléticos, guarnecidos de
ornamentos obtidos a partir do emprego de novos materiais e técnicas construtivas. O requinte
da linguagem é contemplado em edifícios residenciais, comerciais, e institucionais, sendo
estes últimos simbólicos enquanto indicadores do poder constituído na cidade.
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alguns de uso recreativo grandes expoentes em termos de requinte e de diversidade de
ornamentos. Assim, dez edifícios vão ter a primazia de registro no presente trabalho a partir
de um total de quarenta e cinco edificações identificadas no recorte espacial adotado na
investigação. Os prédios ecléticos de uso comercial e residencial, por questões de logística
operacional, não vão ser analisados neste trabalho.
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Figura 1. Mapa de localização da cidade de João Pessoa e seu recorte adotado no trabalho.
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4.1 Palácio da Redenção
O Palácio da Justiça, localizado na Praça João Pessoa, integra o repertório dos edifícios
institucionais mais expressivos da cidade, face à sua imponência e pujança ornamental
(Figura 2.2). O edifício apresenta variados tipos de ornamento, mas aqueles de maior
destaque são de caráter geométrico e fitomórfico: os primeiros perfazendo o entablamento
das fachadas, e os últimos animando os frontões central e laterais que arrematam a fachada
norte. As fachadas leste e oeste são recheadas nos dois pavimentos por textura definida por
sulcos horizontais. Nas janelas do pavimento inferior os sulcos convergem para a parte
superior das aberturas em arco pleno, apontando para seus fechos. Na parte central da
fachada, colunas demarcam o terraço do seu pavimento superior, guarnecido de guarda-corpo
ornamentado com coroas fitomórficas, e arrematado por frontão triangular rompido e recheado
com elementos geométricos (Figura 2.2a). As extremidades da platibanda da fachada norte
exibem frontões semicirculares rompidos recheados por relevos fitomórficos (Figura 2.2b).
Situada na Rua das Trincheiras n° 45, esquina com a Rua Almeida Barreto, a Academia
de Comércio Epitácio Pessoa é um expressivo exemplar de arquitetura eclética, o único que
apresenta arremate cupuliforme no Centro Histórico da cidade (Figura 2.3). No que diz
respeito ao ornamento, a edificação é contemplada com duas faixas texturizadas com
desenhos geométricos em todo o perímetro visível de sua fachada: uma acima das janelas do
pavimento superior, e outra – em forma de grega – à meia altura do pavimento térreo,
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interrompida pelas dezessete aberturas em arco pleno nas frontarias norte e oeste (Figuras
2.3a e 2.3b)
A parte inferior das fachadas apresenta outro tipo de textura, conformando a marcação do
embasamento em blocos de pedra granítica com juntas em relevo. Molduras das janelas em
relevo com fechos ressaltados, todos na cor branca, destacam as aberturas em arco pleno do
pavimento térreo. A marcação da entrada principal do edifício, curva, recuada e disposta no
vértice noroeste do imóvel, apresenta marquise que intercepta o volume meio cilíndrico sobre
a qual repousa o arremate cupuliforme (Figura 2.3).
Localizado na extremidade norte da Rua Maciel Pinheiro, à borda sul da Praça Antenor
Navarro, no Varadouro, o edifício da Associação Comercial apresenta relevos de cunho
geométrico em praticamente toda a fachada (Figura 2.5). Projetado pelo arquiteto
Hermenegildo Di Lascio, o prédio com predominância de traço clássicos, exibe um marcante
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jogo de volumes na sua fachada leste, onde os dois extremos avançados são sobrepostos
com frontão triangular definido por molduras salientes, também presentes no ádito superposto
em cada um (Figura 2.5a).
Outros relevos dignos de menção são aqueles dos tímpanos, apresentando elementos
zoomórficos – asas de águia – que conferem um tom místico quando atreladas ao restante do
ornamento. As acróteras que arrematam as extremidades dos volumes salientes representam
conchas do mar, denotando outro exemplar zoomórfico de ornamento.
Figura 2 – Palácio da Redenção, Palácio da Justiça, Academia de Comércio, Palácio dos Correios e
Associação Comercial
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Figura 2.3: Academia de Comércio Figura 2.3a Figura 2.3b
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4.6 Edifício sede da FUNJOPE
Localizado na Rua Duque de Caxias nº 346, esquina com a Rua Peregrino de Carvalho,
o edifício onde funciona a Fundação Cultural de João Pessoa (FUNJOPE), foi inaugurado em
1925 sob moldes da arquitetura eclética para abrigar o Esporte Clube Cabo Branco, que ali
se manteve até o decênio passado (2011). Disposto em dois pavimentos, o prédio é profuso
na ornamentação, sobretudo na platibanda e na porção diagonal da frontaria, onde está
localizada sua entrada principal flanqueada por colunas de ordem toscana (Figura 3.1).
Situado à rua General Osório, o imóvel nº 128 apresenta grande diversidade de relevos
de caráter geométrico, antropomórfico e zoomórfico em sua fachada (Figura 3.2). A superfície
da fachada, expressa através de textura com sulcos horizontais, é marcada por colunas
lotiformes caneladas, ratificando o caráter hegemônico de símbolos egípcios no edifício.
Nessa mesma linha, a parte superior das janelas é guarnecida de relevos em forma de asas
de águia, remetendo à cultura egípcia, que tinha a águia como símbolo de poder e eternidade
(Figura 3.2a). Sua entrada é flanqueada por duas esculturas de esfinges, criaturas da
mitologia egípcia caracterizadas por ter corpo de leão e cabeça de mulher, peças que
emprestam ao edifício um caráter místico (Figura 3.2.b). O frontão central que arremata a
fachada possui tímpano com ornamento antropomorfo – olho humano – e é encimado por
águia como ornamento zoomorfo. A parte inferior desse arremate central acolhe outro frontão
desprovido de base cujo tímpano apresenta esquadro e compasso – elementos igualmente
simbólicos da instituição maçônica.
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4.8 Grupo Escolar Thomás Mindello
O imóvel n° 343 situado à Rua General Osório, esquina com a Av. Guedes Pereira,
apresenta uma variedade de ornamentos na sua fachada, sendo as texturas geométricas e
os relevos fitomórficos os mais recorrentes. O maior destaque da edificação está na porção
sul de sua fachada, onde está localizado pórtico saliente provido de balaustrada e escadórios
de acesso (Figura 3.3). Suas colunas de ordem compósita apoiam entablamento simples
encimado por frontão semi-curvo coroado por ádito provido de abertura circular.
(Figura 3.3a). Uma cornija saliente percorre toda a porção superior do edifício, sendo
superposta por platibanda marcada por pequenos pedestais com pinhas ornamentais na sua
parte superior. O ornamento fitomórfico é também apresentado nos guarda corpos das
aberturas de suas fachadas sul e oeste, com desenhos vazados em formato de folhas e flores
(Figura 3.3b), e nos relevos de sua porção superior. Quanto às texturas, o prédio apresenta
frisos horizontais que percorrem toda a parte inferior das fachadas sul e oeste,
correspondendo ao seu embasamento.
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apresenta friso com métopas e tríglifos, e cornija sobre a qual se assenta a platibanda
recheada de relevos sob forma de rostos femininos. Acima dos citados ornamentos
antropomórficos estão frisos salientes superpostos por relevos barrocos fitomórficos (Figura
3.5b).
Figura 3 – Edifício da Funjope, Loja Maçônica, Grupo Thomás Mindello, Grupo Antônio Pessoa, e
Coreto Venâncio Neiva
Figura 3.2: Loja Maçônica Branca Dias Figura 3.2a Figura 3.2b
Figura 3.3: Grupo Escolar Thomás Mindello Figura 3.3a Figura 3.3b
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Figura 3.4: Grupo Escolar Antônio Pessoa Figura 3.4a Figura 3.4b
Figura 3.5: Coreto da Praça Venâncio Neiva Figura 3.5a Figura 3.5b
Para efeito de uma análise pertinente sobre o ornamento no patrimônio aqui destacado,
sua presença é registrada num quadro-resumo onde as dez edificações analisadas são
elencadas, e levantados seus principais relevos e texturas (Figura 4).
Figura 4. Quadro-resumo das texturas e relevos encontrados nas dez edificações analisadas.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Para finalizar este trabalho, cumpre ressaltar a importância da pesquisa sobre os
relevos e texturas na arquitetura eclética do Centro Histórico da antiga cidade da Parahyba,
já que ela provê os meios para seu conhecimento e reconhecimento como patrimônio histórico
e cultural por parte da Academia e da sociedade em geral, carecendo de um maior apoio
institucional no tocante à sua conservação e preservação.
REFERÊNCIAS
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A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO: TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS
RESUMO
Regência Augusta é um distrito da cidade de Linhares, interior do Espírito Santo. Localiza-se na foz do
rio Doce e, consequentemente, foi drasticamente atingida pelo rompimento da barragem de Fundão,
no município de Mariana, Minas Gerais, em novembro 2015. A lama tóxica corrompeu o rio e se
espalhou pelo mar criando uma nuvem de rejeitos que impactaram a fauna e flora marítima num raio
de até 250 quilômetros. O crime ambiental fragilizou dinâmicas culturais locais conectadas às águas
(salgadas, do oceano e doces, do rio Doce). Com a incapacidade de os nativos exercerem suas práticas
econômicas e culturais milenares, causada pela poluição dos biomas, os quais eram substancialmente
interligados, houve um apagamento assistido da vila. A compensação monetária pelo crime ambiental
garante a subsistência, mas retira identidade e cultura. O presente trabalho busca resgatar a história
da vila de Regência Augusta: da oca (suas raízes ancestrais) à lama (o mais recente atentado contra
a cultura local) como forma de impedir o apagamento histórico local, entendendo que quando a história
é contada, ela (sobre)vive.
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1. A VILA REGÊNCIA AUGUSTA
A vila de Regência Augusta está situada na região costeira do município de Linhares, no
estado do Espírito Santo, precisamente na margem sul da foz do rio Doce. A vila é a sede do
distrito também chamado de Regência, que tem aproximadamente 40 hectares de área total
(BICALHO, 2011). A porção urbanizada da vila é reduzida, segundo levantamentos
censitários, no ano de 2010 habitavam a região cerca de 818 pessoas (IBGE, 2010). A
ocupação da vila está (como grande parte dos agrupamentos humanos brasileiros) ligada às
águas. Regência têm contato com duas: as salgadas do oceano atlântico e as imponentes do
curso do rio Doce. Sendo assim, a navegação, a pesca e o surfe são atividades de grande
importância cultural e que, com passar dos anos, foi se tornando base da economia local.
Muito da dinâmica cultural local se mistura com a exploração turística, isso se mostra na forma
de campeonatos de surfe, restaurantes, campings, trilhas e outras atividades.
A vila tem aspecto pacato. A maior parte do comércio é de pequeno porte, voltado em sua
maioria para serviços básicos e apoio ao turista. As ruas são de terra batida e o urbano se
dissolve em meio ao natural e rural. O meio construído é de baixa densidade, não há edifícios
com mais do que quatro pavimentos e grande parte das residências são de tipologia térrea (a
maioria com muros baixos e afastadas das divisas). Regência se desenvolve
morfologicamente a partir de uma rua principal onde estão concentrados os serviços. Há
também uma praça onde ocorrem as festas locais, um campo de futebol, uma escola primária
e um posto de saúde. A ambiência da vila pode ser observada na Figura 1.
Figura 1 – A ambiência da vila: rua principal
Tanto no espectro cultural quanto econômico, percebe-se a dependência da vila das águas.
Porém, essa ligação se dá também em forma de herança de um passado portuário e indígena
e por isso ultrapassa o sentido contemporâneo e adquire um aspecto ancestral. Assim, em
2015, quando 50 milhões de toneladas de lama tóxica de mineração atingiram o rio e o mar,
a vila ruiu. O que antes era base para a subsistência e cultura se tornou veneno. Regência
sem as águas se viu órfã e às margens de subsídios externos. A dependência das águas foi
transferida para antagonistas que buscavam, por meios monetários, corrigir os danos e com
isso qualquer independência local foi retirada. Com passar dos anos, diante de uma falta de
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
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sentido cultural e econômico, iniciou-se um processo de apagamento local. O rompimento da
barragem de Fundão (parte do complexo de gestão da Samarco Mineração S/A) não foi o
primeiro evento que atentou contra o pequeno vilarejo. Historicamente diversos
acontecimentos privaram a vila de ser protagonista de sua própria história.
É nesse contexto turbulento, a história da vila de Regência Augusta, que se insere o presente
estudo. Os capítulos que seguem narram essa trajetória percorrida e por meio de uma
elucidação da história da vila, buscam obstaculizar o apagamento histórico local causado por
atores externos catastróficos.
2. DA OCA À LAMA
Para fazer a documentação histórica, foram divididos dois recortes temporais definidos por
eventos importantes principais. O primeiro, ao qual foi dado nome de “a oca”, inicia-se no
primeiro momento possível documentado: a chegada portuguesa e as relações conflituosas
com os nativos indígenas. O período se estende até os anos 80 onde foi observado um
aumento massivo da população de Linhares (município sede). O segundo período (“a lama”)
inicia-se pelo descobrimento de petróleo no campo da Lagoa Parda (próximo à vila), em 1987.
Este período segue até os dias atuais. Os recortes temporais não só guiaram o estudo como
também demonstram estágios de esquecimento e agressão à vila, como será mostrado.
2.1 A oca
Para iniciar essa viagem histórica, é inerente que se discorra sobre o indígena. A região de
planície costeira, a qual Regência está inserte, possui registros humanos pré-coloniais.
Estudos dos sítios arqueológicos de sambaquis das proximidades indicam a presença
humana de até 6.800 anos atrás (VILLAGRAN et. al, 2018). Posteriormente, durante a invasão
portuguesa, relata-se que os colonizadores fizeram contato com diversos povos indígenas.
Os Aimorés (Aymorés, Guaimurés, Ambarés, Embarés) e os Guerens (Gherens, Grens,
Krens), alcunhas referentes aos “Botocudos” (Figura 2), ocupavam o território do rio Pardo,
na Bahia, até o rio Doce, em Minas Gerais e no Espírito Santo, e também no litoral baiano e
espírito-santense (SEKI, 2008).
Figura 2 – Índios Botocudos
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Os povos indígenas residentes do delta do rio Doce sustentavam seus hábitos de vida
baseados na coleta, na caça e na pesca, já a agricultura ainda estava em seu início. Sabendo
que a agricultura é determinante para afirmar a condição de um povo ser sedentário, pode-se
afirmar uma característica nômade (tardia) dos nativos. A comunidade indígena local estava
dividida em diversos grupos, ocupando o território de forma esparsa. Para os indígenas, o
bioma da Mata Atlântica era habitat, condição alterada pouco a pouco a partir da invasão e
dominação portuguesa no século XVI (GONÇALVES, 2014).
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na região do Baixo rio Doce. Esse notável desenvolvimento acabou por fomentar
investimentos da coroa portuguesa. Alguns dos diversos pontos pertencentes ao contexto
foram postos por Nascimento (2016).
Para estruturar a ocupação nesse período foi necessária a construção do quartel Coutins, na
atual Linhares (Espírito Santo), em 1800. A função do quartel era barrar a subida pelo rio de
embarcações não autorizadas, que acabariam chegando nas Minas Gerais, onde estavam os
minerais preciosos (uma nova forma, menos agressiva do que a anterior “Área Proibida”). A
preocupação da coroa em proteger tais riquezas era notável. No mesmo período, também se
criou condições para a cultura do trigo, linho, mandioca e cana-de-açúcar nas terras de
aluviões nas margens do rio Doce, chegando até a processar e exportar farinha e açúcar
(INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES, 1980). Todo esse desenvolvimento foi
ligeiramente assíncrono com o restante das capitanias.
A guerra contra os invasores durou décadas. O primeiro quartel, Courtins, e o povoado anexo
foram alvos de um ataque massivo dos Botocudos e ambos acabaram sendo destruídos
completamente, o que demonstra a força dos tais índios. Contudo, foram reconstruídos em
1809, recebendo agora o nome de Linhares, em homenagem ao Rodrigo de Souza Coutinho,
o Conde de Linhares. Já o quartel de Regência Augusta recebeu esse nome para homenagear
Dom João VI, príncipe regente na época. A reconstrução fez parte do período documentado
de 1808 a 1818, marcado por um forte aumento na construção de fortificações às margens do
rio Doce (BICALHO, 2012; PEREIRA, 2013). Tal investimento militar sinaliza claramente o
interesse no extermínio dos Botocudos para assegurar interesses econômicos colonialistas.
O implemento dessas estruturas militares acabou resultando em melhor defesa contra aos
ataques dos Botocudos. Com isso, a antiga Barra do rio Doce tornou-se Regência Augusta,
que manteve (e mantém) a identidade pesqueira e cabocla; resultado da miscigenação entre
índios (Botocudos e Tupiniquins), brancos colonizadores, baianos e mineiros que vieram a
trabalhar nas roças.
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O evento é de importância estrutural para este estudo. O salvamento do Cruzador Imperial,
realizado por Caboclo Bernardo, marcou a história, a cultura e, por fim, a estrutura urbana da
vila que recebe um farol de ferro (de 47 metros de altura) a ser instalado na ponta norte em
1895. Após 12 anos de atuação o farol foi deslocado para a barra sul em Regência, para
atender melhor a navegação. Atualmente um novo farol está em operação. O farol de ferro
agora ocupa uma das praças da vila, como ícone local (Figura 3).
Figura 3 – Farol original de 1895, Regência.
Avançamos agora para períodos pós independência, uma possível divisão metodológica
poderia ser posta neste momento, porém buscamos dividir a história da vila por eventos
influenciadores de seu apagamento e não políticos ou de outras naturezas.
A nova era política, pós proclamação da república, é marcada por grandes mudanças locais
influenciadas por projetos políticos e econômicos nacionais. Para este estudo e para
Regência, os investimentos em transportes foram determinantes. Foram iniciadas
intervenções desenvolvimentistas na região do Baixo rio Doce, conforme Quintão (2008, p.
130):
Podemos identificar, ao longo desse período, três meios diferentes idealizados
para realizar a tão almejada ligação com Minas Gerais: o primeiro, com Silva
Pontes [Antônio Pires da Silva Pontes Leme, governador], ainda no início do
século XIX, através da navegação pelo rio Doce; o segundo, uma década
depois, com Francisco Rubim [Francisco Alberto Rubim, administrador
português], optando pelas estradas de rodagem, idéia que permeou esse
século, pois foi seguida por outros administradores provinciais; e o terceiro,
com Moniz Freire [José de Melo Carvalho Muniz Freire, também governador],
que encontrou nas vias férreas a melhor forma para concretizar tais anseios.
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Regência ganhava importância como porto; o farol permitia uma navegação mais segura
permitindo um transporte de mercadorias pelo canal do rio Doce até a capital, entretanto um
novo modal de transporte altera a configuração local.
Nos últimos anos do século XIX, uma nova forma de escoamento da produção foi
implementada: a Estrada de Ferro Diamantina. Seu traçado incluía diversas regiões locais,
mas não chegava a Linhares. O escoamento de produtos, antes realizado pela navegação, é
substituído pela nova ferrovia. Produtos e mercadorias provindos de Minas Gerais e interior
do Espírito Santo agora chegam à capital (Vitória) pela ferrovia após passarem pelo porto de
Colatina (Espírito Santo). Dessa forma, no período, observa-se que Linhares sofre
intensamente os efeitos, assim como a vila de Regência, por agora estarem fora da rota
econômica. O caráter portuário de Regência se esvai. Atualmente a Estrada de Ferro
Diamantina faz parte da Estrada de Ferro Vitória-Minas, administrada pela Vale S.A
(BICALHO, 2012; INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES, 1980).
A história de Regência chega no século XX. Já primeiras décadas de 1900 os ciclos da
madeira e do café tiveram grande importância econômica, a introdução da cultura do cacau
foi incentivada a partir do ano de 1917 com distribuição de glebas pelos governos estaduais
para esse fim. Já a década de 40 é marcada por uma reestruturação do município de Linhares,
sinalizada principalmente por um aumento populacional: ordem de crescimento de 280%. O
resultado foi a emancipação dos distritos de Linhares e Regência formando o município de
Linhares tal qual é conhecido hoje. Linhares se torna independente em 31 de dezembro de
1943 (INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES, 1980; PREFEITURA MUNICIPAL DE
LINHARES, 2015).
Outro fator pontual a se observar é a capacidade pesqueira da vila, como cita o Plano de
Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Entorno da Reserva Biológica de Comboios
(2002, p. 27):
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Chegando à década de 1960, tem-se que a tendência nacional é a industrialização. A grande
expansão industrial demanda um contingente de trabalhadores que inicialmente não existia
na zona urbana. No Espírito Santo, o pilar econômico era a produção cafeeira. Em 1962, com
o decreto de erradicação dos cafezais antieconômicos, houve grande desemprego no campo.
A junção de vagas nas indústrias (nas cidades) e o recente desemprego no campo resultaram
em um evento conhecido como “êxodo rural”. Para a região e para Regência Augusta, o
resultado foi a migração da população campesina para a região da Grande Vitória. Muitos
desses trabalhadores foram empregados na indústria siderúrgica (SOUSA, 2015)
2.2 A lama
O segundo recorte temporal deste estudo inicia-se pelo marco da descoberta de petróleo no
campo de Lagoa Parda (6 km da vila), em 1987. Embora a extração não tenha se desenvolvido
inicialmente (estagnando no início em 1989), a notícia de que há o “ouro negro” nas terras
locais sinaliza para uma nova dinâmica regional. O desenvolvimento da prática se desenvolve
lentamente até que, em 1997, a abertura de mercado propicia novas perfurações por
empresas estrangeiras (SHIGNORELLI, 2013).
As terras costeiras, em que o vilarejo de Regência está situado, passam então por uma
intensa alteração impulsionada pela perfuração de dezenas de poços terrestres de petróleo e
outras intervenções da indústria petrolífera. O fluxo de caminhões, a instalação de gasodutos,
tanques e cavalos de extração modificaram o contexto natural local. Embora tenha acontecido
um grande aporte financeiro, isso não significou uma mudança estrutural do local, mesmo
com o emprego de alguns moradores, a maior fonte financeira da população manteve-se aos
ofícios já existentes
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S/A (controlada pela Vale S.A e BHP Billinton) localizado no município de Mariana (Minas
Gerais) e despejou mais de 50 milhões de metros cúbicos de resíduos de atividade
mineradora no ambiente. A avalanche se deslocou por 55 km no rio Gualaxo do Norte até
alcançar o rio do Carmo, percorrendo 22 km até desaguar no rio Doce. Por fim, chegou à vila
de Regência, na foz do rio com o Oceano Atlântico (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2017).
Por onde a lama passou ficaram marcas e um caminho de destruição. Ao todo, 19 vidas
humanas foram levadas, centenas de casas em Bento Ribeiro (Minas Gerais) foram
soterradas, 14 milhões de toneladas de peixes mortos foram retiradas. O lastro mortal passou
por 41 cidades de Minas Gerais e Espírito Santo e 3 reservas indígenas. Em área, o impacto
gerado foi de 240,88 hectares da Mata Atlântica e propriedades rurais as margens dos rios
(MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2017).
A pluma de rejeitos impossibilitou a captação de água do rio, cidades que dependem do corpo
hídrico tiveram abastecimento comprometido por 8 dias em Governador Valadares (Minas
Gerais), e 6 dias em Colatina (Espírito Santo). Ao se aproximar da foz a Samarco tentou criar
uma barreira instalando boias nas margens do rio, mas sem sucesso (SAMARCO, 2016).
Os impactos com a lama não se restringiram às águas doces. Quando no encontro com o
oceano houve dispersão mar a dentro, criando uma nuvem de rejeitos que impactaram a fauna
e flora marítima. Estudos identificaram a presença de rejeitos da Samarco a 250 km da foz do
rio Doce, no arquipélago de Abrolhos (Bahia), onde corais foram danificados pela presença
de zinco e cobre (UERJ, 2019).
Não só o cenário mórbido afetou a vila. A poluição de rio e mar deixou as instituições federais
e estaduais sem escolha senão:
O rio e o mar, como foi mostrado até o momento, são elementos não só de subsistência, mas
culturais e econômicos. Com a impossibilidade de exercer atividades comuns como a pesca
ou qualquer contato com às águas (mesmo que religioso) Regência ruiu.
A busca por remediação foi realizada com dinheiro. Indenizações e projetos de recuperação
ambiental foram feitos a partir de um acordo feito entre a Samarco, Vale e BHP, Governos
estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
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Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e ICMBio. Representantes do comitê de bacias
estabeleceram a formação da chama “Fundação Renova”, entidade sem fins lucrativos que
coordena um fundo de 20 bilhões de reais. As indenizações e programas sociais são pagos
com esse fundo (BRASIL, 2018).
Contudo, o dinheiro injetado na vila pela Renova acaba por acirrar disputas locais, o
cadastramento dos atingidos dentro da comunidade nem sempre atinge a todos, fornecendo
o auxílio a uns e não para outros. Movimentos como o Movimento dos Atingidos por Barragem
(MAB), e outras entidades, atuam nesses locais de disputa, lutando por direitos de atingidos.
Queiroz et. al (2021), em estudo, coletou amostras da lama toxica no curso do rio Doce em
2015 para análises laboratoriais. Dois anos depois (2017), em uma nova coleta, observou-se
uma concentração de manganês nove vezes maior que a anterior. Embora o aspecto da água
esteja menos turvo, e que visualmente a lama tenha “passado”, seus efeitos são ainda piores.
O aspecto limpo e salubre torna a água um veneno ainda mais eficaz. O impacto imediato da
pluma foi a perca de cerca de 30% da biodiversidade local. Já os efeitos futuros são incertos,
visto que os rejeitos estão interagindo com o meio, tornando-se biodisponíveis, e acumulando
na cadeia alimentar ciclicamente. Ainda que a pesca esteja proibida, ela ocorre. Contudo,
análises ainda relatam uma alta concentração de metais como o manganês nos peixes. O
consumo desses metais pode desenvolver nas pessoas doenças no fígado, cardiovasculares,
e neurológicas como mal de Parkinson e Alzheimer, consequências eternas e invisíveis para
as futuras gerações.
A reparação dos danos ambientais vem sido promovida por meio de investimentos na região.
Alguns (de grande porte) estão previstos, um deles é o asfaltamento da estrada de Linhares
Sede à Regência que será financiado pela Fundação Renova. Serão 90 quilômetros de
pavimentação, custando R$ 367 milhões ao todo. O prefeito do município e os presidentes
das associações de moradores entendem que a melhoria da logística facilitará a conexão com
os serviços de saúde, educação e outros na sede municipal, além de incrementar a
distribuição da produção rural, cacau e café em particular, e fortalecer o turismo. A Secretaria
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de Educação Estadual (SEDU) receberá R$ 30 milhões, esses serão utilizados na área
educacional dos municípios atingidos (PREFEITURA MUNICIPAL DE LINHARES, 2020).
Contudo, o aumento do fluxo para Regência é visto com certa desconfiança por alguns
moradores, eles entendem que esse aporte de novos investimentos e edificações na vila
podem descaracterizar a tradição local e possivelmente gerar um novo risco ao meio
ambiente. A pavimentação da estrada de acesso facilitará o fluxo, tanto de saída e como o de
entrada, o que acaba favorecendo fenômenos já existentes, como a êxodo da juventude e a
especulação imobiliária local. A presente estrutura agrária local exige um certo nível de
proteção ambiental, e muitas vezes a procura por novas glebas não respeita as delimitações
das reservas. Outro ponto é a configuração dos equipamentos urbanos na vila. A
incapacidade de atender as demandas locais favorecem justificativas para o êxodo e
dependência.
Com a análise histórica de Regência identificou-se uma questão evidente: os grandes projetos
nacionais ditaram o desenvolvimento local, não de maneira a integrar a região em um plano,
mas sim colocando a comunidade a margem dos grandes investimentos. A vila, em nenhum
momento documentado, foi protagonista de sua história.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Regência vive uma realidade e futuro paradoxais: ao passo que se vê em direção à
independência econômica e desenvolvimento, precisa, para isso, entregar sua identidade em
uma espécie de troca imposta por condicionantes que vão para além do controle dos locais.
Essa imposta condição gera por si só um grave desequilíbrio social local: há aqueles que
acreditam no desenvolvimento econômico -a icônica chegada do asfalto e outros símbolos
do progresso- e há aqueles que acreditam que a preservação é a única forma da vila
sobreviver. As discordâncias em geral acabam enfraquecendo o sentido de comunidade, visto
que mesmo aqueles que defendem a preservação, acabam perdendo o fator “coletividade”,
tendo que lutar contra os próprios conterrâneos.
Fica claro que o desastre ambiental impacta diretamente a dinâmica social, mas, ao analisar
com proximidade, percebe-se que as tentativas de reparação acabam por impor um projeto
que, assim como a lama, é despejado na vila. Mesmo que o fundo monetário gerenciado pela
Fundação Renova seja de extrema importância, os recursos devem ser aplicados em
consonância com planos de reestruturação que tenham em suas diretrizes ações, programas
e projetos que resgatem (e não modifiquem) as dinâmicas pré-existentes. Quando as multas
são direcionadas para novas estruturas, o que se tem é uma espécie de “compra”, diferente
do real motivador por detrás: a reestruturação do que antes já existia.
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Como atuar em Regência? Empiricamente, cada um terá uma resposta, contudo, para longe
das discussões entre os próprios moradores, que divergem sobre o destino da vila, há uma
resposta direta: objetiva-se a restauração; reestruturar é tanto o pressuposto como o motivo
pelo qual há a discussão. Dito isso, esclarece-se boa parte dos erros e direciona a vila para
um dos possíveis caminhos que definiriam seu destino. Mesmo que outros caminhos
pudessem ser escolhidos, este se dá como o de maior embasamento.
O que faz Regência? Regência Augusta é uma vila de caráter portuário, desde sempre o
contato com as águas é marcante. É também residência de povos indígenas e caboclos.
Permeia o urbano e o rural e sempre se situou aí, sem que a contemporânea ideia de
zoneamento fosse necessária. É casa do surfe, do turismo, das praias. Todos esses atores
fazem da vila o que ela é, de tal sorte que a valorização, restauração ou reestruturação destes
não terá outro resultado senão seu resgate.
O desenvolvimento local, quando alinhado com a busca pela valorização da cultura, se mostra
como a solução mais coerente em diversos aspectos. A implementação de ações de
manutenção da economia e identidade locais deve levar em consideração a presença de
elementos que reafirmem princípios como pertencimento afim de, em um plano multifacetado,
auxiliar Regência para o futuro, longe do esquecimento e perto do que sempre foi.
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A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO: TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS
O IPHAN E A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO NORMATIVO PARA
CONJUNTOS URBANOS
RESUMO
Em 1938, as primeiras ações deflagradas pelo Iphan, foi o tombamento de diversos bens individuais
dispersos pelo país. Paralelamente se deu a proteção dos primeiros conjuntos urbanos em Minas
Gerais. Diamantina, Serro, Tiradentes, São João del Rey, Ouro Preto e Mariana tiveram seus
perímetros urbanos tombados na intenção de conter o curso da degradação. De 1938 a 2018, os
levantamentos de identificação e proteção resultaram no tombamento de 1196 bens imóveis
individuais e 93 conjuntos urbanos. Contudo, atualmente, somente 16 desses conjuntos possuem
legislação patrimonial específica. Os outros 77 permanecem sem critérios e parâmetros a orientar
suas intervenções. A complexidade gerada a partir dessa situação induziu essa investigação. A
pesquisa procurou entender a motivação inicial que levou à construção normativa, visualizando quais
as referências conceituais que a animaram. Percebeu-se que a partir da motivação inicial associam-
se detalhamentos de ordem teórico-metodológicos na construção desses processos, permitindo
separá-los em categorias. Ali reside o pensamento preservacionista duramente construído no século
20, difundido pelas Cartas Patrimoniais, a orientar as políticas das instituições. Registra-se a
normatização informal – fruto do modus operandi utilizado nos primeiros 40 anos de funcionamento
do Iphan – pautada na interpretação individualizada dos artigos do Decreto-Lei 25/1937. Em 1979,
Olinda dá início à complexa regulamentação das cidades históricas. Somente nos anos 1980, passa a
existir entre os profissionais do Iphan as primeiras preocupações em estabelecer parâmetros e
critérios para a preservação. Uma sequência de experiências constitui esse universo – João Pessoa
(1986), Tiradentes (1996), além de mais dez conjuntos entre 2010 e 2018 – cada qual com sua
conceituação, especificidade, metodologia de trabalho e resultado. Além das peculiaridades na
condução de cada processo, a aproximá-las e distanciá-las, importa estudar cada normativa, pois
refletem a construção do pensamento normativo conduzido pelo Iphan e com fortes desdobramentos
para o atual processo de degradação dos conjuntos urbanos. Observa-se que essa discussão
envolve a preservação do patrimônio construído e ambiental, compreendida como um amplo sistema
– fruto da interação entre as fases iniciais da patrimonialização como identificação, reconhecimento e
proteção, a construir conhecimento para gerar a normatização. A reflexão proposta se faz importante,
visto que apesar de uma série de experiências ricas e diversificadas; apesar de estudos detalhados
criando metodologias inventariais unidas à normatização, torna-se necessário traçar as bases para a
criação de uma política nacional de normatização.
1Esta pesquisa é fruto da tese de doutorado “Tijolo por tijolo. O Iphan e a construção do pensamento normativo
para conjuntos urbanos”, da linha Conservação Integrada do PPGMDU/UFPE – orientada pelas Professoras
Norma Lacerda e Amélia Reynaldo. Investiga a construção de legislações específicas destinadas aos conjuntos
urbanos vivenciada pelo Iphan, na perspectiva de visualizar seus conteúdos, referenciais e esforços para
definição de política nacional de normatização.
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1.Conjunto urbano tombado sem normatização
Estudos realizados em Ouro Preto, por Motta (1987), e Diamantina, por Gonçalves (2010),
mostram o estabelecimento dessa prática voltada a não perturbar a paisagem histórica.
Nesse sentido, repristinações promovidas pelo Instituto, concretizaram uma política de
combate ao ecletismo (MOTTA, 1987, p.111), bem como, recomendações da utilização de
elementos arquitetônicos coloniais tornaram-se exigências para aprovação (GONÇALVES,
2010, p.116-117). Pessoa (2004), em “Lucio Costa: documentos de trabalho”, apresenta
diversos pareceres do Diretor da Divisão de Estudos e Tombamentos, demonstrando a
difusão dessa prática pelo Brasil.
Somente nos anos 1960, é que gradativamente, o Diretor Rodrigo M.F. de Andrade
aproximou a Instituição do debate internacional. Esse movimento levou o Brasil às
discussões que referendaram a Carta de Veneza em 1964, à construção das Normas de
Quito em 1967. Com a entrega do relatório do consultor da UNESCO, Michel Parent, em
1968 – resultado de visitas pelos sítios históricos brasileiros – o Instituto passou a conviver
com um documento estruturado, introduzindo um olhar científico; visualizando não só o
patrimônio construído, mas também o ambiental, trazendo rudimentos de metodologia de
trabalho, prevendo o conhecimento dos sítios para definição da forma de atuação,
planejamento e conservação. Esses movimentos de aproximação com a comunidade
internacional, ao passo que buscava um olhar externo sobre o nosso patrimônio, começou a
constituir um paradoxo frente ao modus operandi instalado e seus frutos.
Quinze de março de 1979 marcou o início do último governo da ditadura militar no Brasil. A
brisa democrática, produziu as primeiras mudanças no Ministério da Educação, ocupado
pelo Professor Eduardo Portella. No Iphan foi nomeado Aloísio Magalhães, coordenador do
Centro Nacional de Referências Culturais, CNRC. Seguindo reforma administrativa
desenvolvida pelo antecessor, Renato Soeiro – a criação de fundação associada à estrutura
do Iphan – Magalhães agilizou sua concretização. Em novembro de 1979, o Iphan
transformou-se em Secretaria Nacional do Patrimônio Histórico Nacional, Sphan, ato
contínuo, foi criada a Fundação Nacional Pró-Memória, FNpM. Por fim, o Programa Cidades
Históricas, PCH e o CNRC, foram incorporados à nova estrutura, conformando o Sistema
Sphan/Pró-Memória. Essa reviravolta foi decisiva para a Instituição, mantendo seu poder de
polícia – determinante à fiscalização dos bens culturais – ao passo que ganhava agilidade
administrativa; ampliando orçamento e corpo técnico em número e diversidade. Essa
renovação dirigiu-se à população das áreas históricas, convidadas a participar de
seminários e discutir seus principais problemas ao lado das autoridades públicas.
O tombamento federal de Olinda teve início em 1962. Durante esse processo o Iphan
recebeu o relatório solicitado ao inspetor da UNESCO, Michel Parent, também dedicado à
proteção da cidade histórica (Parent, 2008, p.102). Reforçava o tombamento da Colina
Histórica e arredores, bem como o estabelecimento de planejamento urbanístico definindo
áreas non aedificandi e demais restrições para a preservação, aproveitando suas
características paisagísticas e edilícias assentadas sob topografia movimentada e com forte
potencial cultural e turístico. A esse olhar mais detido, juntaram-se Augusto Silva Telles, da
Diretoria de Conservação e Tombamento, DCT, e a regional pernambucana na instrução do
processo de tombamento. Contudo, minimizando os condicionantes naturais e históricos da
ocupação apontados por Parent, o tombamento de 1968 definiu perímetro restrito e bastante
rígido, contando com 1,2 km2.
2 O Sistema de Preservação dos Sítios Históricos de Olinda era formado pelo Conselho de Preservação –
instância deliberativa – pela Fundação Centro de Preservação Sistema de Preservação dos Sítios Históricos de
Olinda, FCPSHO – órgão executor da política instituída pelo Conselho – e pelo Fundo de Preservação, definido a
partir da utilização de 5% da cota do Fundo de Participação dos Municípios, FPM.
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significativas nas porções sul e oeste da Colina Histórica. Representantes da Prefeitura,
Iphan e FUNDARPE, acreditavam que a visualização entre as cidades deveria ser
preservada com a adoção de regras diferenciadas de ocupação. Na figura 01 é possível
visualizar a Colina Histórica de Olinda(1), o Bairro de Bonsucesso(2), os manguezais do Rio
Beberibe(3), as regiões limítrofes entre as duas cidades(4, 5 e 6) – tratadas como áreas non
aedificandi – e a região do delta do Capibaribe(7).
Legenda
Poligonal de tombamento-Iphan/1968 (PDLI/1972)
Avenida Agamenon Magalhães – início da PE-015
Fonte: Base Google Earth/2019. Elaboração própria.
Entre a primeira edição da norma e sua Rerratificação aprovada pelo Conselho Consultivo
do Iphan em 1985, a Prefeitura promoveu um inventário em 1981, reunindo uma gama de
informações que levou à delimitação de onze setores distintos – distribuídos dentro das
poligonais de tombamento e de entorno. O conhecimento individualizado do sítio –
compreendendo suas peculiaridades – definiu critérios e parâmetros específicos para a
preservação dos valores culturais encontrados nas partições.
Na Área Tombada, com regras mais rígidas, procurou-se garantir a preservação das
principais características da paisagem – a forte topografia enladeirada com ampla cobertura
vegetal permeada por construções erguidas nas sinuosas ruas. A volumetria do conjunto,
entre um e dois pavimentos, coroava-se por telhados cerâmicos. A intenção principal era a
preservação das edificações existentes através de restaurações – processos de
conservação das características principais e a retirada dos elementos “sem mérito
arquitetônico”. Os critérios utilizados para esse zoneamento pautavam-se no controle do
Importa sublinhar algumas questões aqui colocadas, mas que persistirão ao longo do tempo
no debate das intervenções das áreas históricas. Caso das recomendações para novas
edificações. Nas poligonais de Tombamento e Entorno, repetem-se praticamente as
mesmas restrições das restaurações: taxa de ocupação, gabarito, materiais e técnicas
construtivas semelhantes à média da vizinhança próxima; cobertura em telha cerâmica
artesanal, com inclinação de 30%, porém, caracterizando-se como construções
contemporâneas. Na apresentação dessas restrições, há espaço para que as novas
edificações não sejam entendidas como meras cópias do acervo colonial existente. Há um
chamamento para a incorporação do genius loci.
Até hoje, a experiência do Centro Histórico de João Pessoa, a partir de 1986, tem pouco
destaque nos textos sobre preservação do patrimônio cultural, permanecendo desconhecida
em muitos aspectos, especialmente no que diz respeito à metodologia adotada em seu
Plano de Revitalização, importante para esta investigação. Esse projeto pontual trouxe em
seu bojo uma sequência ainda inédita de ações para aqueles anos: a construção de
inventário originando legislação específica de proteção, finalizada por plano de intervenção.
Trata-se de convênio internacional proposto pela Espanha ao Brasil objetivando comemorar
os 500 anos da chegada dos ibéricos no continente americano. O projeto da Agência
Espanhola de Cooperação Internacional, AECI, englobava centros históricos fundados
durante seu processo de colonização pelo mundo. A escolha da Paraíba aconteceu devido à
capital ser a primeira cidade no Brasil fundada – por édito do rei Felipe II, em 1585 – durante
a união das coroas ibéricas. Apesar de possuir diversos bens tombados pelo Iphan desde
1938, João Pessoa não havia passado por qualquer processo de patrimonialização em seu
conjunto.
Legenda
Área de preservação Comissão Centro Área de preservação rigorosa Iphan
Histórico/ Área de preservação de entorno Área de preservação de entorno
Iphan Iphaep
Fonte: IPHAEP, 2004, elaboração própria.
De toda sorte, o Projeto de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa trouxe para o
país uma experiência completa de patrimonialização, partindo do inventário cadastral
associado às pesquisas históricas e socioeconômicas, subsidiou-se a construção normativa
– ainda vigente – e o plano de intervenção – uma lista de mais de 25 bens individuais e
praças – tendo a Oficina Escola de Restauração como instituição de formação em auxílio às
execuções das obras. A Comissão do Centro Histórico ainda incentivou à criação de duas
associações de moradores locais – Associação Centro Histórico Vivo e a Comunidade do
Porto do Capim. Ao cabo de 20 anos, em 2006, a participação espanhola deu-se por
concluída. Como sempre, em nosso país, deu-se a redução do apoio dos poderes públicos,
fragilizando-se o arranjo institucional inicialmente criado.
Em 1987, no cinquentenário do Iphan, o Boletim Sphan n0.39, divulgou 1988 como o Ano
Nacional do Inventário. Naquele momento, a Coordenação de Registro e Documentação,
CRD, e sua Diretoria de Inventário e Documentação, DID – dirigidas pelo cientista-social
Sydney Solis e a arquiteta Lia Motta, respectivamente – informavam a riqueza do acervo
institucional, mas a inexistência de metodologia científica para organização. Como resposta,
estabeleceu-se nova abordagem para os sítios centrada em três ações complementares
necessárias à compreensão do valor cultural: pesquisa histórica, formação e
desenvolvimento do sítio; levantamento das características físicas; estado de conservação
de cada lote – aqui o inventário promovia aproximação com moradores, dialogando sobre o
processo de patrimonialização em curso, estabelecendo parceria através de entrevistas,
abordando dados socioeconômicos, registrando histórias, anseios, opiniões sobre o sítio e a
Instituição (IPHAN, 2001, p.157).
Legenda
1 Santuário Santíssima Trindade Setor-3
2 Igreja Matriz Santo Antônio Setor-4
3 Igreja do Rosário Setor-5
4 Largo das Forras Setor-6
5 Chafariz São José Setor-7
Setor-1 Setor-8
Setor-2
Fonte: Base Google Earth, maio/2019, elaboração própria.
O Iphan optou por não reutilizar o INBI-SU como construção normativa. Provavelmente o
tempo de levantamentos, sistematizações e análises – três anos em Tiradentes, pela
escassez de recursos inviabilizou sua difusão. A norma de Tiradentes, apesar de aprovada
pelo Conselho Consultivo, nunca foi publicada pela presidência do Iphan, permanecendo
como Notificação Técnica. Sua permanência e utilização dá-se até hoje – bem como as
legislações de Olinda e João Pessoa – reforçam as bases do processo que a gerou,
relacionando a objetividade da letra da lei às peculiaridades dos sítios – sua estrutura física
e ambiental perpassada pelo modo de vida de suas populações.
Entre 1996 e 2000 o Iphan constrói sua política de inventariação. Em 2000, finalizam-se o
INBI-SU, o Inventário Nacional de Configurações de Espaços Urbanos, INCEU, e o
Inventário Nacional de Referências Culturais, INRC – para o patrimônio imaterial. O
Inventário de Bens Arquitetônicos, IBA – bens individuais – foi o último, em 2002. Após
décadas de trabalhos descontínuos e isolados, o Iphan criara uma metodologia inventarial
complementar, de fluxo contínuo, pronta para digitalizar-se, restando vontade política para
colocar todo o projeto em ação.
A partir de 2003, o Ministério da Cultura com Gilberto Gil inicia mudanças significativas no
setor. O Iphan se organiza em departamentos, concentrando-se nos temas principais –
patrimônio material, DEPAM, e imaterial, DPI. O planejamento estratégico adotado
reestrutura a Instituição através de concursos públicos – 2005 e 2006 – 27
superintendências regionais, ampliação de escritórios técnicos e orçamento – absorvendo o
Programa Monumenta. Esse movimento da União, dirigia-se também às tecnologias da
informação e transparência pública, ampliando acesso e direitos dos cidadãos. Nessa época
a sede do Iphan migra para Brasília.
3Além da base inventarial existente, essa revisão contava com leitura do Inventário Geral da França,
o Inventário do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia, IPAC/BA, o Inventário dos Roteiros da
Imigração em Santa Catarina do Iphan/SC e o Inventário do Vale do Ribeira.
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O novo produto centrou-se no olhar do especialista – geralmente arquiteto-urbanista –
dialogando com associações de moradores/comerciantes somente durante a apresentação
da norma em audiências públicas previstas por lei. Perdeu-se a oportunidade de contato
mais profundo com os envolvidos, retirando das fichas informações pessoais: condição de
vida, fatores de fixação, grau de satisfação – com a edificação, serviços urbanos e a própria
Instituição – referências culturais, histórias da edificação, enfim, dados pessoais que
influenciam na vida do sítio. Reduziu-se a possibilidade de registro de um quadro real,
proporcionando detalhamento à construção normativa, ao processo de preservação no todo,
e ao planejamento da gestão (COUTINHO,2021, p.185-195).
Legenda
Limite poligonal de tombamento do Iphan AP 02 – Área de preservação 2
Limite município de Ouro Preto AP 03 – Área de preservação 3
APE – Área de preservação especial AP 04 – Área de preservação 4
AP 01 – Área de preservação 1 APARQ – Área de preservação
paisagística, arqueológica e ambiental
Fonte: Base Google Earth/ 2019, Anexo I Portaria 312/2010. Elaboração própria.
Apesar das APs corresponderem “às áreas com menor incidência de bens arquitetônicos de
interesse cultural”, a norma praticamente repete as restrições da APE alterando a inclinação
das cobertas e o gabarito máximo: os planos de cobertura em telha cerâmica voltado para a
via pública com inclinação entre 25% e 40%; alvenarias externas rebocadas pintadas em
cores claras; aberturas frontais e posteriores deverão privilegiar vãos predominantemente
verticais, mantendo proporções e ritmos de cheios e vazios; altura máxima até 12m com três
pavimentos; muro divisório de 2.10m; a arquitetura de grande porte é desestimulada,
possibilitando aprovação somente segundo análise do Iphan.
Apenas na AP03 permite-se parcelamento do solo, bem como a diversificação das formas
de ocupação e características arquitetônicas; altura máxima de 14m com quatro pavimentos,
desde que não afetem visualmente a APE. Na APARQ – maior setor, com baixa densidade
– é possível garantir mais facilmente a preservação. A norma prevê ações pré-definidas de
Ouro Preto – assim como outras cidades de estrutura colonial tombadas pelo Iphan –
recebeu, a partir de 1938, ações homogeneizadoras em sua paisagem. A falta de estudos
detalhados que orientassem normas específicas, levou à normatização informal buscando a
recomposição da paisagem colonial. Essa prática, descrita por Motta (1987), mostra o
surgimento do Estilo Patrimônio – cunhado pelos ouro-pretanos – produzindo a falsa
impressão da hegemonia da matriz colonial. Como não houve um inventário de identificação
– mas uma simplificação – a utilização do princípio da Face de Quadra tende a reproduzir
essa solução e favorece à perda das características originais da paisagem histórica, agora
normatizada.
Conclusões -
Referências
RESUMO
A pesquisa tem como objetivo realizar o levantamento de patrimônio com vistas ao inventário da zona
rural de Veranópolis, focada na comunidade de Lajeadinho. O estudo parte da contextualização sobre
o tema, com o intuito de desenvolver a cultura de preservação de patrimônio, a fim de cultivar a
memória e o sentimento de pertencimento dos moradores. Em paralelo, busca-se agregar e incentivar
o desenvolvimento da atividade turística da comunidade, fortalecendo a “Rota Segredos da Maçã”,
lançada pela Secretaria de Turismo do município. Ainda em parceria com as secretarias municipais,
existe o “Projeto Pulando Janelas” que visa a educação patrimonial ainda na escola. O objetivo está
fortemente ligado à preservação desses exemplares históricos, uma vez que o setor turístico é
apontado como um dos meios que contribuem para a preservação dos bens edificados. Para
compreensão do universo de pesquisa, foram abordados os aspectos de desenvolvimento e evolução
do município, assim como da área de estudo. O levantamento de campo iniciou-se pelos primórdios
da formação do núcleo central da comunidade, partindo para as edificações de interesse vinculadas à
história e à cultura, principalmente italiana. De forma complementar, foram recolhidos relatos orais de
moradores, principalmente familiares dos quais constituíram ou viveram nas residências de objeto de
estudo desta pesquisa. Tendo em vista a carência de material gráfico referente as edificações,
realizou-se levantamento in loco através de medições, registros fotográficos, bem como
considerações gerais que abrangem o âmbito material e construtivo da edificação, além de pesquisa
sobre a importância histórica, cultural e social da comunidade. Para fechamento do trabalho, foram
elaboradas fichas individuais dos exemplares estudados, de modo a aprofundar a história e o
processo construtivo através de materiais gráficos, além de uma lista de outras edificações com
interesse em inventariação, abrindo margem para um possível novo estudo.
Se a medida for aprovada, cerca de oitenta (80) prédios da cidade passarão a ser
patrimônio histórico. A pauta partiu do Ministério Público, que encaminhou a proposta à
secretaria, comprovando a necessidade de promulgação de lei que examine o patrimônio
histórico do município.
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RESUMO
Este artigo busca o relato das viagens acadêmicas realizadas a cidade histórica de Penedo
(Rochedo) as margens do Rio São Francisco, na divisa entre os Estados de Sergipe e Alagoas, que
teve como prerrogativa principal atividade extensionista que proporcionou aos alunos do curso de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe do Campus de Laranjeiras (de vários
períodos), aos alunos da Oficina Escola da Cidade de Laranjeiras (Oficina de ensino de conservação
e restauro mantida pela Prefeitura desta Cidade) e da comunidade em geral, a oportunidade de
conhecer in situ a história da arquitetura brasileira, uma vez que os monumentos e edificações
visitados guardam a identidade e memória de vários períodos históricos. A investigação propiciou
experiências de extremo valor prático, produzindo conhecimentos complementares, como a da
técnica ilusionista renascentista presente na pintura no forro da Igreja de Santa Maria dos Anjos (um
dos últimos exemplares ainda existentes na arquitetura brasileira), a relação da construção da Igreja
de Nossa Senhora da Corrente com as lendas e folclores do “Velho Chico”, os azulejos históricos,
elementos de cantaria feitas pelos escravos como os da portada da Igreja de São Gonçalo
representando o Deus Grego Zéfiro e, muitos outros, além de contato com as rotinas necessárias às
ações de intervenção (conservação e restauro) de edifícios portadores de juízo de valor patrimonial.
O registro e documentação fotográfica das condições do patrimônio material da cidade de Penedo e
suas possíveis transformações, ao longo dos últimos dez anos, pontuaram a metodologia empregada
nas viagens acadêmicas realizadas em abril de 2012, julho e setembro de 2016, março de 2017 e
agosto de 2019. Partindo de um conceito exploratório da observação simples que é o contato direto e
participação do indivíduo ao universo pesquisado, as viagens acadêmicas ocasionaram mais do que
vivenciar as principais teorias da arquitetura, urbanismo, conservação e restauro, pois ativaram uma
relação de identidade e memória do indivíduo e o meio, predispondo a formação mais completa de
arquitetos e técnicos e especialmente de agentes difusores multiplicadores da preservação,
prevenção, conservação e restauro do patrimônio cultural.
Pontuando que as lições de arquitetura partem das leituras históricas e teóricas e de sua
influência sobre o criar edificações e espaços urbanos e que a pretensa “descoberta” do
Brasil ocorreu na transição do Renascimento para o Maneirismo, apesar de os Portugueses
não terem inicialmente a intenção de se fixar, deixaram marcadas técnicas e estéticas ao
longo de 300 anos (BURY, 1991, p.162). Devemos admitir, além dos portugueses, a
influência indígena nos cem primeiros anos da Colônia (WEIMER, 2018, p.202), dos negros
nos séculos vindouros (WEIMER, 2014, p.156), dos franceses, holandeses (HUE, 1999,
p.20) e depois nos revivais historicistas (FABRIS, 1987, p.122), da arquitetura Moderna
Alemã e Francesa no século XX (SEGAWA, 1997, p.41); nesta trajetória, exemplos de
edificações e espaços urbanos variados pontuaram, mesmo que a distância, a forma do
fazer e foram usados como modelos e tipologias a serem seguidos no Brasil.
Na arquitetura civil brasileira, alguns dos modelos históricos e teóricos estudados são a
Nobre Morada de Garcia D’Ávila (RODRIGUES, 1945, p.164), a Morada Seiscentista
Paulista (SMITH, 1969, p. 27). A estreita relação dessas construções com as economias que
monopolizaram o período colonial, como o açúcar, ensejam outras peculiaridades de
implantação como a Casa Grande, a Capela, Engenho e a Senzala (GOMES, 2006, p.20).
Na Casa Bandeirista predominam os cheios sobre os vazios (REIS FILHO, 1987, p.21), já os
Sobrados de vergas curvadas na sua grande maioria são portugueses, enquanto os de
verga reta são holandeses, destacam-se também os Solares e as Casas de Câmara e
Cadeia nos sítios urbanos dos três primeiros séculos (REIS FILHO, Op.cit, p.28).
Entre todas as arquiteturas produzidas no período colonial a que era para ser vista era a
religiosa, por este motivo as representações construtivas das igrejas demonstram maior
requinte e acentuação das transposições europeias (BAZIN, 2010, p.205). A arquitetura
religiosa está estreitamente ligada a vinda das Ordens religiosas para o Brasil (TELLES,
2008, p.19). Estas ordens seguem os padrões originais, mas vagarosamente vão tomando
rumos próprios até atingir sua maioridade nas Minas Gerais, com Antônio Francisco Lisboa,
no século XVIII (BAZIN, 1963, p.139); os materiais e as técnicas construtivas misturam
técnicas Vitruvianas e Renascentistas com a atmosfera misteriosa da teatralidade Barroca
(TIRAPELI, 1999, p.19).
Quanto ao aprender ver o Urbanismo, um dos autores mais importantes nos primeiros
trezentos anos foi o Professor Nestor Goulart Reis Filho, seu livro Contribuição ao Estudo da
Evolução Urbana do Brasil (1500/1720) publicado em 1968, registrou questões históricas
das capitanias e tabelas cronológicas de fundação das cidades no período colonial,
documentando a diversidade e complexidade da vida colonial, a política centralizadora que
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forçava e garantia o controle, os serviços existentes nas cidades e a relação entre as
produções exploratórias comerciais e ciclos econômicos.
A arquitetura brasileira, a partir dos finais do século XVIII e início do XX, recebe a influência
de outros “ingredientes”, tanto da Europa quanto dos Estados Unidos, o Neoclassicismo e
os outros revivais são sentimentos nostálgicos e emocionais da Antiguidade. Os modelos
utilizados se baseiam nas publicações de obras clássicas, a revalorização das harmonias
antigas faz revisitar as lições Palladianas e suas fortunas (KRUFT, 2016, p.445). Essas
lições vieram para o Brasil com a Missão Artística Francesa de 1816, com Grandjean de
Montigny, Lebreton, os irmãos Taunay, Jean Baptista Debret e muitos outros (BARDI, 1975,
p.46); na versão de alguns historiadores e estudiosos da arquitetura, eles romperam com
uma possibilidade que vinha se firmando de uma arquitetura genuinamente nacional
vislumbrada pelo Barroco das Minas Gerais.
Para alguns autores, a arquitetura Moderna teria sido desencadeada a partir do Art
Nouveau. São vários os arquitetos importantes neste momento, como Henry van de Velde,
Victor Horta e Hector Guimard, além de Otto Wagner; também deve ser citado Antoni Gaudí;
mas os que antecedem o racionalismo são August Perret, Adolf Loos e muitos outros. Na
maturidade da arquitetura Moderna, os quatro grandes pilares do fazer que devem ser
sempre lembrados são: Walter Gropius, Mies van Der Rohe, Frank Lloyd Wright e Le
Corbusier (BRUAND, Op.cit., p.35). No Brasil de JK, surgiu Oscar Niemeyer, mas Gregori
Warchavchik deve ser sempre lembrado. A grande obra modernista de 1937 é o Ministério
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da Educação e Saúde (Lucio Costa, Niemeyer, Reidy, Carlos Leão, Ernani Vasconcelos);
outros nomes importantes são Vilanova Artigas, Lina Bo Bardi, irmãos Roberto e João
Filgueiras Lima, ensejando o denominado “Triunfo da Plástica” (BRUAND, Op.cit., p.151).
Um último ponto sobre o aprendizado básico de saber ver o urbanismo e a arquitetura indica
o uso do concreto no Brasil. De acordo com o Livro “O Concreto no Brasil”
(VASCONCELOS, 2002, p.13) não se pode precisar quando ele foi usado pela primeira vez,
mas a utilização de pré-fabricados refere-se à execução do Hipódromo da Gávea no Rio de
Janeiro, na verdade, o século XX envolveu, na sua primeira metade até o seu terceiro
quarto, uma harmonia entre a arquitetura e a engenharia marcadas pela ousadia e
engenhosidade culminando no projeto urbano e arquitetônico da cidade de Brasília
(URBANISMO NO BRASIL, 1999, p.230).
A cidade de Penedo, indiferente à precisão da data de sua implantação, que para alguns se
deu em 1560 (SOUTO, 2010, p.141), teve como fator determinante a sua localização, ou
seja, adentrando alguns quilômetros do delta do São Francisco, sua posição geográfica se
deveu, inquestionavelmente, ao controle militar e econômico da região. A fortaleza, que
então se assentou num rochedo (Penedo), proporcionava uma ampla e estratégica
fiscalização na rota fluvial entre os interiores do Brasil e o mar. Elevada à Vila de São
Francisco em 1636, denominada de Penedo do rio São Francisco, atingiu o fórum de cidade
em 1842, consolidando-se a época como uma das cidades comerciais mais importantes do
Segundo Império (SOUTO, Op.cit., p.142).
Figura 1: acima – Travessia de balsa do lado de Sergipe (jul. 2016, ago. 2019). Abaixo – Vista da
cidade (set. 2016). Fonte: autores.
À margem esquerda do rio São Francisco, os pescadores ergueram, por volta de 1720, uma
Capela pedindo proteção contra as traiçoeiras correntezas do “Velho Chico” (BENS MÓVEIS
E IMÓVEIS, Op.cit., p.2). Esta primeira construção desmoronou e a placa informativa na
fachada indica que foi refeita em 1729; a grande altura frontal da igreja em relação a sua
largura provoca uma distorção visual, fazendo com que o observador fruidor tenha que se
afastar para que a visão do frontispício e frontão não sejam distorcidos. A riqueza artística
da Igreja é demonstrada internamente pela azulejaria nas paredes da nave central, dos
ladrilhos hidráulicos com motivos florais em seu piso, da imagem de Nossa Senhora pintada
no forro abobadado e, altar mor com concheados em sinuosidades exuberantes folheadas
em ouro; todo este conjunto levou o célebre estudioso da arquitetura brasileira Germain
Bazin declarar: “um conjunto admirável”...”quase desconhecido”...”um dos mais bonitos do
Brasil” (1983, p.316).
A Igreja de São Gonçalo Garcia foi edificada sobre a antiga capela entre 1758 e 1759
(BENS MÓVEIS E IMÓVEIS, Op.cit., p.2). Quando observada em sua implantação percebe-
se o mesmo problema de equilíbrio da fachada notado na Igreja de Nossa Senhora da
Corrente, apesar de haver uma possível simetria entre a largura e altura, a falta de domínio
das lições de Brunelleschi em relação à perspectiva produz a impressão de um desequilíbrio
visual que se torna acentuado pelo formato das torres em bastiões (baluartes), acentuado
pelos grandes coruchéus que ornamentam as duas torres sineiras, as quais, provavelmente,
feitas em época diferente da construção da Igreja. Na parte interna, apesar do forro em
gamela não apresentar mais a sua pintura, os púlpitos bem trabalhados, os altares laterais
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em estilo Neoclássico, a capela mor estreita e profunda marcada no seu início pelo arco
cruzeiro, definem uma forte influência da escola Bahiana Colonial, semelhante à Igreja de
São Domingos Gusmão e à Igreja de São Pedro dos Clérigos na cidade de Salvador.
A Casa de Câmara e Cadeia na cidade alta é uma construção assente sobre as antigas
ruínas da fortaleza, paredes largas, caiadas e janelas com gradis na parte térrea expressam
as características construtivas portuguesas da metade do século XVIII. Na frente da Casa
de Câmara e Cadeia fica uma pequena construção, datada em sua cartela acima da portada
principal de 1769, este local servia as últimas orações dos condenados que seriam
enforcados no Terreiro do Paço. Nas ruas próximas, apesar de existirem edificações
residenciais com aspectos tipológicos coloniais, a arquitetura recebe contributos de outras
épocas, como o Hotel São Francisco em que o uso do concreto denota uma arquitetura
totalmente diferente do espaço histórico urbano colonial; assim como, ao lado do Hotel, as
superfícies das paredes da Associação Comercial, com reboco em área quartzosa (mica e
feldspato), fazem as linhas de força brilharem sob o sol e expressam uma das principais
características da arquitetura Art Déco.
Na avenida Floriano Peixoto, logradouro atrás da avenida que compreende o Paço Imperial
e o Porto, destacam-se duas arquiteturas, a do Teatro Sete de Setembro e o Mercado
Público. O Teatro, em estilo Neoclássico, projeto realizado pelo arquiteto Italiano Luiz
Lucarine (o mesmo que projetou o Teatro de Maceió), sua construção começou em 1878 e
terminou em 1884 (Placa informativa na fachada da edificação). O Mercado Municipal
possui a parte externa em estilo Eclético predominando o Neorrenascentista adaptado a um
interior colonial representativo de antigos trapiches de açúcar (depósitos de açúcar).
a b c
d e f
g h i
j k l
Figura 2: a- Convento de Santa Maria dos Anjos (jul. 2016); b- Igreja de Nossa Senhora da Corrente
(jul. 2016); c- Igreja de São Gonçalo (set. 2016); d- Matriz de Nossa Senhora do Rosário (set. 2016);
e- Oratório dos Condenados (abr. 2012); f- Casa de Câmara e Cadeia (mar. 2017); g- Teatro Sete de
No Conjunto do Convento de Santa Maria dos Anjos, a fachada principal com ornamentos
esculpidos em pedra calcária em adornos antropomórficos apresenta no frontão volutas
salientes com desenhos de figuras humanas a segurar, como atlantes, a curvatura da
espiral, esta composição representada por soldados portugueses com túnicas e saiotes
indígenas retratam a etnologia que se repete em tema escultórico no interior da Igreja; no
centro do frontão a composição da figura humana, especialmente nos anjos talhados acima
do óculo em estilo floral seguram a cartela que traz o nome da Virgem Protetora, retratam a
técnica da proporção humana da arte Maneirista (JANSON, 1993, p.670).
Na Sacristia, ao lado da Igreja, por onde também se adentra ao Convento, tem-se um altar
cujo tema esculpido, de Atlantes segurando a base da mesa central representam em suas
faces os povos portugueses, índios e negros, notados pela composição dos cabelos, dos
narizes, da forma do rosto e especialmente dos olhos; as cores predominam os vermelhos e
azuis. O tema dos anjos voantes segurando o Brasão da Ordem Franciscana se repete no
arco cruzeiro, agora esculpido em madeira policromada, possuem traços Maneiristas e
Barrocos muito mais elaborados, demonstrando uma qualidade técnica de escultura em
madeira muito mais desenvolvida do que a escultura em pedra.
O forro da Igreja de Santa Maria dos Anjos apresenta uma das poucas pinturas ilusionistas
ainda remanescentes (OTT, 1982, p.12), assinada em 1784 por Libório Lazdro Lial Afes,
retrata a Virgem Protetora, o observador fruidor, que adentra a Igreja pelo avarandamento e
passa abaixo do coro, ao se posicionar na entrada da nave principal e olhar para Santa
Maria pintada no forro, verá que ela abre os braços para recebê-lo, ao caminhar em direção
à capela mor e altar mor para receber as bençãos da eucarístia, na cancela abaixo do arco
cruzeiro, ao se virar e contemplar novamente a pintura do forro perceberá que a Virgem se
voltou para ele e mantém seu braços abertos como a declarar sua eterna proteção
misericordiosa.
A Igreja de Nossa Senhora da Corrente tem sua história relacionada a duas questões: a
Mãe de Deus para a proteção dos pescadores e a um fugitivo de Portugal que chega a
Penedo algemado alcançando a graça de se libertar e, em devoção a este livramento,
edificou a Igreja enterrando em seu alicerce um pedaço da corrente; entretanto, importante é
sua relação com o movimento abolicionista, pois em um dos altares laterais, esquerdo de
quem adentra na Igreja, existe uma passagem secreta para esconder os escravos que
fugiam das fazendas e posteriormente se abrigariam no Quilombo de Palmares. Igrejas
como a de Comandaroba (1734) na cidade de Laranjeiras e da Matriz do Senhor dos
Passos (1848) na cidade de Maruim, ambas em Sergipe, são representações marcantes
desta estratégia arquitetural abolicionista.
a b c d
e f g
h i j k
l m n
Figura 3 : a- Frontão Santa Maria (ago. 2019); b- Altar Sacristia Santa Maria (set. 2016) ; c- Arco
Cruzeiro Santa Maria (abr. 2012); d- Coluna Salomônica Altar Santa Maria (abr. 2012); e- Forro Santa
Maria (jul. 2016); f- Piso Santa Maria (set. 2016); g- Pìso Igreja da Corrente (abr. 2012); h- Jael Igreja
da Corrente (set. 2016); i- Judith Igreja da Corrente (set. 2016); j- Aberturta falsa no altar
colateral Igreja da Corrente (set. 2016); k- Forro Igreja da Corrente (set. 2016); l- Azulejos Casamento
a b c
d e
h i j
Figura 4: a- Vista do rio São Francisco da Casa de Câmara e Cadeia (mar. 2017); b- Máquina de
acetileno na Igreja do Rosário (jul 2016); c- Parede de Taipa de Sebe sede do IPHAN (jul. 2016); d-
Igreja do Rosário (mar. 2017); e- Art Déco/racionalismo perto da Igreja do Rosário (set. 2016); f-
Interior do Teatro Sete de Setembro em restauração (set. 2016); g- Deusas da Arte no Sete de
Propositalmente, deixamos para falar da arquitetura negra em Penedo no final deste artigo,
pois é neste momento que podemos exercitar o conceito de perceber o que não havia sido
percebido. Se analisarmos o espaço urbano de Penedo, temos uma área histórica colonial
com acréscimos de edificações do final do XIX e início do XX, e uma área mais afastada
com edificações Ecléticas, Art Nouveau e Art Déco, então onde estariam as construções
representativas dos negros? Há alguns anos temos analisado a cidade colonial de São
Cristóvão e a cidade Imperial de Laranjeiras no estado de Sergipe, onde as Igrejas da
Ordem dos Pretos como do Rosário e São Benedito ficam mais na periferia da área
histórica.
Penedo segue este modelo, ou seja, a Catedral de Nossa Senhora do Rosário e a Igreja
Matriz de Nosssa Senhora do Rosário dos Pretos, ficam em separado dessas áreas
históricas, apesar da Matriz estar no Largo do Pelourinho, praticamente ao lado da Casa dos
Aposentados (Câmara e Cadeia), esta construção de grandes proporções é voltada para a
Rocheira, apesar de ser fruto de assentamentos sobre capelas anteriores, apenas terá sua
construção entre 1808 e 1899, o que a coloca, devido as suas sucessivas reformas, em
separado dos demais conjuntos analisados e, apesar de elementos arquitetônicos de muito
interesse patrimonial, como a torre sineira e seu frontão.
A Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, mais afastada, entre área colonial e a
área Eclética, também possui arquitetura simples, concluida no século XIX, destacando no
seu interior uma máquina de gás acetileno que provia a iluminação elétrica urbana da
cidade; possui uma torre inconclusa e interior simples e singelo, quanto a sua espacialidade
chama a atenção sua proximidade com uma edificação Art Déco/racionalista que servia ao
antigo Cine Penedo. Estas observações fruidas in situ provocam a hipótese que, apesar dos
escravos terem sido os principais construtores da cidade de Penedo, esta comunidade vivia
praticamente em uma espacialidade em separado do restante do conjunto patrimonial da
cidade.
Conclusão
Referências Bibliográficas
BARDI, Pietro Maria. História da Arte Brasileira: Pintura, Escultura, Arquitetura e outras
artes. São Paulo: Melhoramentos, 1975.
BAZIN, Germain. A arquitetura religiosa barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1983. v.2.
BAZIN, Germain. Barroco e Rococó. Tradução Álvaro Cabral; revisão Hildgard Feist – 2 ed.
São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.
BIBLIA SAGRADA. 104 ed. São Paulo: Editora AVE-MARIA, 1996. [Cap. 1 e 2 Livro de
Judite, p.539 - Cap. 4 e 5 do Livro dos Juízes, p. 280].
BURY, John. Arquitetura e arte no Brasil Colonial. Org. Myriam Ribeiro de Oliveira: tradução
[Isa Mara Lando]. São Paulo: Nobel, 1991.
ECLETISMO na Arquitetura Brasileira. (org.) Annateresa Fabris. São Paulo: Nobel, 1987.
HUE, Jorge de Souza. Uma visão da arquitetura colonial no Brasil. Rio de Janeiro: AGIR,
1999.
JANSON, Horst Waldemar. História Geral da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
OTT, Carlos. A escola Bahia de Pintura 1764-1850. São Paulo: Raizes Artes Gráficas, 1982.
REIS FILHO, Nestor Goulart. Evolução Urbana do Brasil (1500/1720). São Paulo: Pioneira,
1968.
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo: Editora
perspectiva, 1987.
TELLES, Augusto Carlos da Silva. Atlas dos monumentos históricos e artísticos do Brasil. 3
ed. Brasília, DF: IPHAN/Programa Monumenta, 2008.
VASCONCELOS, Augusto Carlos de. O Concreto no Brasil. São Paulo: Nobel, 2002.
WEIMER, Günter. Arquitetura indígena: sua evolução desde sua origem asiática. Porto
Alegre: Edigal, 2018.
ZEVI, Bruno. Saber ver a arquitetura. 5 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
LOUZICH, Kellen M. D. (1); FIORIN, Evandro (2); CÔRTES, Mara L. (3); CANOVA,
Loiva (4).
RESUMO
Arquitetura fantasiosas e extravagantes produzidas pela sociedade do espetáculo. Essas arquiteturas
não são reais, elas seduzem e alienam o espectador com a sua hiper-realidade. São arquiteturas
hiper-reais. O objetivo deste trabalho é analisar as transformações urbanas ocorridas no Porto de
Cuiabá, que criam cenários hiper-reais para a construção de espetáculos urbanos. O Porto apresenta
em seus espaços vários tempos, os tempos das monções, das navegações, da modernização do fim
do século passado. Tempos inscritos na arquitetura ainda presente no Porto. Porem as últimas
transformações, que estavam vinculadas a um ideal de ‘cidade moderna’, transforma o Porto em
vitrine para o mercado, de uma forma esvaziada e resfriada, desvalorizando os espaços e silenciando
a tradição local.
Todas essas arquiteturas “[...] não é o real, pois já não está envolto em nenhum imaginário.
É um hiper-real, produto de síntese irradiando modelos combinatórios num hiperespaço sem
atmosfera” (BAUDRILLARD, 1981, p. 8). Uma arquitetura que tem a intenção de seduzir e
alienar o espectador com a hiper-realidade. Um lugar que pudéssemos experienciar outras
realidades e construir novos imaginários, ou seja, a termos novas experiências fantasiosas e
irreais, construído (a partir destas experiências) imaginários hiper-reais. “É antes de mais
nada um jogo de ilusões e de fantasmas” (BAUDRILLARD, 1981, p. 20).
Não se trará de dissimular, simular ou uma imitação. O primeiro, finge não ter o que se tem;
o segundo, finge ter o que não tem; o terceiro, é “uma substituição no real dos signos do
real” (BAUDRILLARD, 1981, p. 9). Todos são simulação, em que
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[...] parte da negação radical do signo como valor, parte do signo como
reversão e aniquilamento de tora a referência. Enquanto que a
representação tenta absorver a simulação interpretando-a como falsa
representação, a simulação envolve todo o próprio edifício da representação
como simulacro. Seria estas as fases sucessivas da imagem: ela é o reflexo
de uma realidade profunda; ela mascara e deforma uma realidade profunda;
ela mascara a ausência de realidade profunda; e ela não tem relação com
qualquer realidade: ela é o seu próprio simulacro puro. (BAUDRILLARD,
1981, p. 13)
Monções que embarcavam no Rio Tietê (SP) com destino as minas do Cuiabá enfrentaram
um longo percurso: ora subindo o rio, ora por terra, tendo que carregar as canoas, escalar
morros, desviar das cachoeiras e correntezas, quando “chegavam ao Cuiabá2 tinham no
porto [...] ponto final da longa viagem” (SIQUEIRA et.al., 2006, p.155) e um sentimento de
“alívio de ter sobrevivido ao rigor da larga e difícil viagem” (COSTA; DIENER, 2000, p.13).
Este trajeto até Cuiabá e região, perdurou cerca de 134 anos.
Foi no Porto Geral “que se fixaram as residências de antigos monçoeiros3. Ali surgiram as
primeiras pensões e hotéis, acolhida aos exaustos viajantes” (SIQUEIRA et.al., 2006,
p.155), que não tinham forças para percorrer cerca de dois quilômetros até o centro da Vila
do Cuiabá. Os viajantes descreviam este local como “um lugar simpático e pitoresco”
(COSTA; DIENER, 2000, p.14).
1 Em 1719, foi descoberto ouro nas proximidades do Coxipó-Mirim (próximo ao rio Coxipó em Cuiabá), que foi
denominado de Arraial da Forquilha. In.: SIQUEIRA et.al., 2006, p.155
2 O Rio Cuiabá é um dos muitos rios pertencentes à Bacia do Alto Paraguai e do Pantanal Mato-grossense, que
deságua no Rio Paraguai e que este porventura irá desaguar no Oceano Atlântico.
3 Quem viajava nas monções eram chamados de monçoeiros. As monções (ou expedições bandeiristas) eram as
expedições que desciam ou subiam rios da Capitania de São Paulo e Mato Grosso nos séculos XVIII e XIX.
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Figura 1: Planta de Cuiabá: (1) região do Porto Geral, (2) região do Centro e das minas.
Em 1856, com o Tratado Especial de Navegação, firmado entre Brasil e Paraguai, que as
viagens até Cuiabá passaram a se dar pelas águas da Bacia do Prata. O que facilitou não
só as viagens até Mato Grosso, mas também, “as relações entre a Província de Mato
Grosso e os grandes centros do Prata” (GOMES, 2005, p.16). A viagem dava-se com
pequenos navios (chalanas) tendo no máximo capacidade para quinze a vinte pessoas.
Com este novo meio (de transporte e de comunicação), Cuiabá e toda a região do Mato
Grosso4 passa a receber muitas mercadorias e forasteiros de diferentes nacionalidades,
como “italianos, franceses, em menor número, uruguaio e argentinos, que em geral de
Buenos Aires se decidem a navegar rio acima, até Corumbá, Cáceres, ou Cuiabá, onde se
4A região do Mato Grosso era composta pelos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia. A
separação destes estados se deu nos anos de 1979 e 1981, respectivamente.
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fixam” (GOMES, 2005, p.16). Uma atividade que movimentava a economia Mato-grossense
e que era vista pelos forasteiros como uma boa oportunidade de enriquecer.
Os viajantes, que aqui chegaram, se depararam com uma recepção calorosa com muita
alegria. “[...] um tiro de canhão e a corneta do quartel anunciava a presença do vapor,
ancorado no porto. Mas a demora era pouca, o vapor permanecia menos de 24 horas”
(COSTA; DIENER, 2000, p.19).
No porto, ancoravam canoas vindas de fazendas próximas a Cuiabá que traziam “[...]
farinha, verduras, frutas, galinhas e tudo o mais para abastecer um lugar em crescimento”
(COSTA; DIENER, 2000, p.20), mas, também, “diversos tipos de navios, todos a vapor e
movidos a lenha” (COSTA; DIENER, 2000, p.18). Com isso, a cidade passa por novas
transformações, para atender às novas necessidades. “[...] antigos prédios são demolidos, e
se constroem um novo cais em pedra canga5 e uma praça ajardinada para receber os que
ali desembarcavam” (COSTA; DIENER, 2000, p.20). Luiz D´Alincourt, que foi sargento-mor,
descreve o Porto Geral:
Outro viajante, Castelnau que estava à espera de sua partida observa “alguns homens em
pequenas canoas tangiam a uma boiada, fazendo-a atravessar o rio a nado. [...] uma cena
comum para os moradores da cidade, porém inusitada para um estrangeiro” (COSTA;
DIENER, 2000, p.18).
5 Pedra Canga é uma rocha muito resistente, que era encontrada na região e utilizada para barragens e
fundações das residências na Vila do Cuiabá.
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Além das trocas das embarcações que eram feitas e das dificuldades da viagem até
Corumbá e, posteriormente, à Corte, as viagens eram descritas pelos viajantes, como
pitorescas e divertidas.
Porém todo esta atividade e comunicação com a Coroa foi interrompida, por causa da
Guerra do Paraguai, ou também chamada de Guerra da Tríplice Aliança, que durou seis
anos e durante este tempo um sentimento de medo e desespero tomou conta dos
cuiabanos, seja pelo motivo de não terem informações da Corte e do desenrolar da guerra
ou por imaginarem a possibilidade do inimigo subir o rio e tomar Cuiabá, assim como fez
com o Forte de Coimbra, ou pior, pois a maior parte dos soldados cuiabanos haviam ido
para a guerra e próximo da cidade não havia forte6, desta forma a cidade estava indefesa.
Após o fim da guerra, em 1870, a navegação retoma o transporte entre as cidades e Cuiabá
volta às atividades e o abastecimento normalmente.
Mas a navegação pela Bacia do Prata só dura até 1915 (somando-se 53 anos de viagens,
aproximadamente), quando é inaugurada a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que ligava
Corumbá a São Paulo. Devido a este novo trajeto até o litoral ou a corte diminui o tempo de
viagem em oito a dez dias.
[...] indo-se pela via fluvial até Corumbá; dali em outro barco, em mais uma
noite de viagem, até Porto Esperança, ponto terminal da E. F. Noroeste, à
margem esquerda do rio Paraguai; deste ponto seguia-se pela via férrea,
com várias baldeações, até o Rio de Janeiro, com paradas em Campo
Grande, Três Lagoas, Araçatuba, Bauru e São Paulo. Com a conclusão de
todas as obras da ferrovia, principalmente da imponente ponte sobre o Rio
Paraná, a viagem passou a ser feita sem baldeações desde o Porto
Esperança até Bauru. (PÓVOAS, 1980, p.25 e 26)
Com os trabalhos de Cândido Rondon e o Telégrafo Nacional, a partir de 1930, “as notícias
do país e exterior passaram a ser ouvidas através dos rádios” (PÓVOAS, 1980, p.26). Neste
mesmo ano foram instaladas linhas aéreas, com frequência de duas vezes por semana, mas
o transporte era feito por um hidroavião, tendo assim capacidade apenas para 6
passageiros, o que inviabiliza financeiramente o transporte. Somente após a abertura das
6
O próximo forte, subindo o rio até chegar no Vale do Guaporé, é o Forte Real Príncipe da Beira, localizado no
estado de Rondônia, próximo a cidade de Costa Marques.
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rodovias, em 1950, que foi possível, com mais frequência e sem percalços, o transporte da
população de forma mais acessível.
Nesta mesma época, foi construída a ponte Júlio Muller que liga a duas cidades vizinhas
(Cuiabá e Várzea Grande), separadas pelo rio Cuiabá. A ponte foi construída sob um dos
portos (rampas que descarregavam os navios), que ficava em frente à rua 15 de Novembro
(primeira rua do Porto). Antes da construção desta ponte o acesso à cidade vizinha se dava
pela barca pêndulo, “que a partir do ano de 1870, passou também a compor a paisagem do
Porto Geral, fazendo a travessia para o já terceiro distrito, Várzea Grande” (COSTA;
DIENER, 2000, p.20) facilitando as viagens para as cidades vizinhas, como Cáceres e
Poconé, ambas no estado do Mato Grosso. No final do século passado, antes da construção
da Ponte, a barca pendulo apresentava uma estrutura mais robusta que transportava até
automóveis.
O final do século XX, foi marcado por muitos percalços no Porto, principalmente no ano de
1974, que ocorreu a maior cheia do Rio Cuiabá, causando uma inundação de boa parte da
cidade, inclusive no porto (figura 2). “O poder público considerou a área como de risco e
promoveu a retirada da população, levando-a para conjuntos habitacionais financiados pelo
Banco Nacional de Habitações (BNH), como o Novo Terceiro e o Grande Terceiro”
(ROMANCINI, 2005. p.113). Essas realocações dos desalojados ocorreu em três etapas,
porem os moradores relatam que tiveram que abandonar suas casas, alguns sem terem
para onde ir (os que não tinham como pagar o financiamento) e que acabaram ocupando as
proximidades do rio, tentando manter o seu trabalho (a pesca) e suas ‘raízes’ no bairro. Mas
“[...] os moradores que foram retirados, contra a sua vontade, até hoje lamentam o fato de
terrem sido forçados a abandonar seu espaço de vivencia” (ROMANCINI, 2005. p.113).
Usando como desculpa o fim da navegação no rio Cuiabá, que extinguiu por volta de 1970,
devido a implementação das rodovias no Brasil. Cuiabá passa “a se integrar com os
importantes centros do país através de rodovias” (ROMANCINI, 2005, p.112). Com essa
mudança no transporte e, consequentemente, no deslocamento de toda a população pela
cidade, a mesma acaba mudando toda a sua paisagem e a forma da população ver o
espaço e utiliza-los.
Algumas ruas que não eram pavimentadas ou que eram de paralelepípedo, foram
asfaltadas. O mercado do peixe é transformado em Museu do Rio. A beira do rio é aterrada,
dificultando o acesso e a visão ao mesmo. O esgoto é canalizado e despejado no rio
(apenas 30% do esgoto da cidade é tratado até hoje), inviabilizando o lazer e os banhos nas
praias do mesmo. As transformações não foram realizadas somente nos espaços físicos,
mas, também, nos hábitos, fazeres e viveres, tudo para se adequar a uma cidade moderna.
Em 1996 foi solicitado o tombamento de Cuiabá e neste documento estava incluso a região
do centro e a região do Porto. “Após vinte e quatro anos contados a partir da solicitação,
finalmente, foi homologado o tombamento de todo o conjunto, integrando os aspectos
Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico, proibindo, assim, a demolição das edificações”
(LOUZICH; FIORIN, 2020, p.110). Porém, o Porto foi retirado do processo de tombo sem
nenhuma explicação nos autos, mesmo sendo “[...] possível identificar que as configurações
acerca da importância da região do Porto se diluem e os mapas que a princípio indicavam
esta região passam a enfocar apenas no centro da cidade” (LACERDA, 2018, p.86).
Somente em 2007 que o porto foi tombado pelo Estado de Mato Grosso, mas este
tombamento se restringiu a uma pequena poligonal: a região do mercado do peixe,
ruas com residências coloniais, excluído (da poligonal) algumas edificações
importantes como a Igreja São Gonçalo e a casa de pólvora (1° Batalhão da PM),
que foram tombados isoladamente, além de algumas edificações importantes que
mantinham a história do comércio portuário, não foram incluídas nem na poligonal
de entorno.
O antigo Mercado do Peixe, hoje transformado em Museu do Rio [...] foi, por
mais de dois séculos, local onde se comprava peixe fresco e também
temperos como pimenta, coentro, salsa e também verduras e legumes.
Deixemos Dunga Rodrigues nos contar o segredo da palavra verdura:
verdura é alface, abóbora, moranga, maxixe, quiabo. Não se chamavam
legumes, tudo era verdura. (SIQUEIRA et.al., 2006, p.166)
[...] o espetáculo (que se) faz ver é o mundo da mercadoria dominando tudo
o que é vivido. E o mundo da mercadoria é assim mostrado como ele é, pois
seu movimento é idêntico ao afastamento dos homens entre si e em relação
a tudo o que produzem. (DEBORD, 1997, p.28)
Tudo é visto como mercadoria, tudo tem um preço, para lógica de mercado. Mas tudo pode
ser descartado quando não atende os padrões do mercado. Com isso, nada está fora do
alcance do consumo, de se tornar uma mercadoria, ou seja, nada está fora do alcance do
capital, “muito menos a cultura e seu prestígio, mas agora o próprio ato de consumir se
apresenta sob a aparência de um gesto cultural legitimador, na forma de bens simbólicos”
(ARANTES, 2014, p.143). Tudo é consumido, o tempo; um estilo de vida; o fazer; os
hábitos; o dialeto; ditados pelo mundo capitalista. Tudo se tornou uma vitrine.
A vitrine é uma janela. Nela construímos um espaço para que os outros nos
olhem, mas também para olharmos através dela. Mais ainda, pela maneira
como nos olham podemos compreender como nós projetamos e, pela forma
como a vitrine é projetada, podemos entender como ela quer ser vista.
Assim, a vitrine constitui-se num jogo de olhares (SILVA, 2001, p. 27).
A vitrine é o espetáculo, que seduz e nos aliena. A vitrine, das cidades, são as construções
de um cenário, que envolvem o material (espaço físico) e o imaterial (um imaginário), ou
seja, as transformações urbanas e o desejo do novo, respectivamente. Os espetáculos
fazem com que o espectador se aliene em favor do objeto contemplado, uma atividade
inconsciente, motivada pelo desejo de consumo. Porém, quanto mais ele contempla, menos
ele vive: quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade;
menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo” (DEBORD, 1997, p.24).
Mas existe, também, um outro lado da vitrine, que é baseada na necessidade do 'novo', que
A devoção e o amor dos brasileiros a Jesus Cristo, criou-se o cenário do Cristo Redentor no
Rio de Janeiro. A perda da Redução jesuítica de São Miguel Arcanjo e toda a história da
disputa de território, criou-se a Catedral de Santo Angelo e o espetáculo da Ruína de São
Miguel. A promoção de uma cidade tradicional em prol do turismo, criou-se a cidade de
Gramado. Todos são um simulacro de algum imaginário, seja a devoção e o amor; a perda e
a incessante reprodução da dor; e a propagação de uma arquitetura e de uma cultura. Os
imaginários foram transformados em vitrines para serem uma imagem-mercadoria a ser
vendida e propagada. Um status de sociedade perfeita, de cidade perfeita, uma hiper-
realidade.
O espetáculo urbano que deveria ser permanente, não durou nem quatro anos (figura 18). A
estrutura construída em madeira foi destruída pelas chuvas. A representação das fachadas
é uma transformação dos “monumentos da memória numas tantas figuras de retorica
esvaziada e resfriada” (ARANTES, 1995, p.33), uma arquitetura que simula, pois algumas
fachadas foram inventadas; outras imitam o patrimônio arquitetônico cuiabano (que ainda
A Orla do Rio Cuiabá é uma área da cidade que está encurralada pelas vias de fluxo intenso
e rápido, jogada para cima do Rio Cuiabá. Uma área utilizada pelos pescadores, que
nenhum momento, foram levados em consideração. Área com uma cultura tradicional
popular que não valoriza a cultura local, da pesca, da Festa de São Gonçalo (padroeiro do
bairro), apenas valorizam e exaltam personalidades que não tem raízes no Porto.
O porto era a porta de entrada da cidade na época das navegações, mas ainda continua
sendo, porque um dos meios de chegar a Cuiabá é pelo transporte aéreo e o aeroporto fica
na cidade vizinha, Várzea Grande. Assim, é preciso atravessar a Ponte Júlio Muller para
chegar a Cuiabá. Ou seja, a Orla do Rio Cuiabá ainda continua sendo a porta de chegada.
Dito isso, a frase “Cuiabá virou de costas para o rio” é uma falácia, utilizada como
argumento para transformar o Porto numa vitrine. Esta falácia surgiu quando Cuiabá
reflorestou a sua orla, no fim do século passado, com o intuito de salvaguardar o Rio Cuiabá
e proteger sua população de novas enchentes. O que nos últimos anos foi desfeito, devido a
construção deste espetáculo.
Os espaços transformados ficam vazios a maior parte do tempo, pois não elaboram projetos
para e com a comunidade local, mas para serem vitrines. O que beneficia poucas pessoas
em um curto espaço de tempo, pois a novidade está sujeita a obsolescência, tendo um
prazo de validade. Mas prejudica a cultura a longo prazo, de uma forma que um dia não
saberemos mais qual é a nossa tradição, porque tudo foi transformado em mercadoria. O
que era tradicional, o que tinham valores reais foram transformados. Assim, temos (hoje)
Cristo Redentor no Rio Grande do Sul, a Torre Eiffel por todo o mundo, a Estátua da
Liberdade por todo o Brasil.
Referências
ARANTES, Otília Beatriz Fiori. O lugar da Arquitetura depois dos modernos. 2ed. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 1995.
ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Urbanismo em fim de linha e outros estudos sobre o
colapso da modernização arquitetônica. 2 ed. rev., 1. reimp. São Paulo: editora da
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Municipal de Cultura. 2000.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de
Janeiro: Contraponto, 1997. 238p.
FOLHA MAX. Cuiabá investe R$ 1,5 milhão com cenário da Orla do Porto. Jornal Baixada
Cuiabana. 6 jan. 2017. Disponível em: https://baixadacuiabana.com.br/cuiaba-investe-r-15-
milhao-com-cenario-da-orla-do-porto/
SANTOS, José Antônio Lemos dos. Cuiabá e a copa: a preparação. Cuiabá, MT:
Entrelinhas, 2013. 206 p.
Relatar duas dessas iniciativas é o objetivo deste artigo, ações estas que
ajudam na extroversão do acervo e que estão sendo ampliadas pelo uso de
tecnologias da informação e da comunicação que permitem a reprodução dos
documentos originais e o tratamento das imagens para a produção de jogos
pedagógicos e de material de divulgação.
Relacionada à difusão cultural, a exposição “A casa mais que morada –
projetar para construir, preservar para conhecer” apresenta ao público em geral
os documentos de arquitetura como uma das fontes mais consultadas do
acervo, com potencial informativo para além das razões que levaram à sua
criação. A mostra objetivou apresentar a série documental “Processos de
Construção de Obras Particulares”, produzida para controlar a atividade
edificativa na cidade, valendo-se da reprodução de documentos textuais e
iconográficos que registram a prática projetual em diferentes meios de
expressão gráfica. A padronização dos documentos textuais e a qualidade
visual dos documentos iconográficos ofereceram diversas possibilidades de
exploração e permitiram a divulgação dos agentes envolvidos na construção
civil, da cultura arquitetônica e da evolução do modo de vida urbano.
Porém, mais do que buscar respostas que fortaleçam nossas hipóteses, ou que
sanem a maioria das nossas dúvidas sobre o assunto em questão, queremos
fomentar o debate e a reflexão sobre possíveis abordagens metodológicas e
propositivas para intervenções em patrimônio industrial. Que abarquem a
importância da ambiência, da apropriação e significância cultural, além da
associação entre o antigo sítio industrial, as edificações do entorno imediato e
a sua inclusão em um contexto contemporâneo.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.
Conhecida como Paris dos trópicos, a Manaus do final do século XIX e início
do século XX representou valores éticos e estéticos em voga na Europa, em
razão de seu protagonismo na próspera economia de extração e exportação da
borracha na região Amazônica e de suas relações com países como a França
e o Reino Unido. Esse período, denominado em grande parte da literatura
como a Belle Époque Amazônica, acarretou grandes transformações na
paisagem da então bicentenária cidade de Manaus e seria determinante para a
constituição de grande parte daquilo que se entende hoje como seu patrimônio
cultural edificado. Todavia, deve-se destacar que, enquanto as décadas de
1880 e 1890 consistiram no período em que a maior parte dessas
transformações foi produzida, é a partir da década de 1900 que Manaus se
consolidaria, no imaginário nacional e internacional, justa ou injustamente,
como um vicejante espaço urbano de matriz cultural europeia incrustado em
meio à maior floresta equatorial do planeta – em uma relação algo mitológica,
na qual cultura e natureza tanto se opõem quanto se confundem. O artigo
proposto tem como principal lastro uma pesquisa que desenvolvemos no
Programa de Pós-Graduação ao qual estamos vinculados e cujo objetivo é
contribuir para um melhor entendimento de tal imaginário acerca de Manaus,
por meio de levantamento e interpretação de fontes iconográficas históricas
que retratam essa cidade e, em específico, fotografias veiculadas como cartões
postais na Belle Époque Amazônica, retratando o que seriam os bens
edificados constituintes do Centro Histórico de Manaus, tombado pelo Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 2012. Nesse sentido,
adota-se como premissa o fato de que a fotografia em geral e, especialmente,
os cartões postais do período, mais do que meros registros de espaços,
objetos e manifestações, evidenciam os valores de quem produziu essas
imagens e/ou para quem elas se destinam e, como lhes é próprio, contribuem
para a produção e reprodução de imaginários – sejam eles mais ou menos
mitológicos, sejam eles mais ou menos factuais. Em outras palavras, entende-
se que por meio da iconografia sobre um dado espaço urbano em um dado
tempo é possível identificar elementos compositivos do respectivo imaginário
urbano. Por conseguinte, é possível aferir esses componentes do imaginário
sobre o espaço urbano em um outro tempo – e, caso ele tenha sido tombado
como patrimônio cultural, é possível cotejá-los com elementos do imaginário
que fundamentaram seu tombamento.
EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO.
RESUMO
O artigo apresenta o exercício de cartografia retrospectiva da urbanização do território cearense na
metade do século XIX. Entende-se por cartografia retrospectiva, mapas resultantes da espacialização
de fontes primárias escritas ou a partir da vetorização da cartografia histórica. Os dados
cartografados compõem o Ensaio Estatístico da Província do Ceará (1863) elaborado por Thomaz
Pompeu de Souza Brasil. O Ensaio sistematiza amplo conjunto de informações e dados sobre a
província. A ausência de pesquisa sistemática sobre o processo de urbanização do Ceará durante os
oitocentos justifica a análise. Muito já foi escrito sobre a urbanização setecentista, mas são quase
inexistentes escritos sobre o século XIX. Como referencial teórico sobre o processo de urbanização
brasileiro nos apoiamos em Nestor Goulart Reis e Beatriz Bueno. Com Reis entendemos a
urbanização como processo social, materializado em rede de núcleos hierarquicamente conectados
no território. Nesta perspectiva, cada núcleo terá sua função na rede urbana. Em diálogo com Reis,
pensamos Beatriz Bueno e sua proposição sobre uma arqueologia da paisagem. Ainda com Bueno,
ampliamos a noção de rede urbana. A cartografia proposta apresenta complexa rede urbana com
povoações, arraiais, vilas, cidades, sedes de freguesias (Igrejas matrizes) e sedes de comarcas. A
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cartografia evidencia uma Província amplamente interligada na escala do território - tanto
internamente como com as demais Províncias do Norte. A importância da espacialização de fontes
primárias e secundárias encontra suporte teórico nas reflexões da Geografia Histórica em Pedro de
Almeida Vasconcelos e Mauricio de Almeida Abreu. Metodologicamente, a elaboração da cartografia
retrospectiva parte do cruzamento das informações presentes no Ensaio Estatístico e da vetorização
da cartografia histórica. Trabalhamos a Carta Chorographica da Província do Ceará (1861) de Pedro
Theberge, o mapa atual do Ceará com informações de satélites, o Diccionario Geographico Histórico
e Descriptivo do Estado do Ceará de Gurgel de Alencar (1903/1939) e a base cartográfica do IBGE.
Após a identificação dos pontos de fixação no território, georreferenciamos por meio do software
QGIS as informações coletadas. Com esse conjunto de dados realizamos a investigação mirando a
localização real dos lugares descritos no Ensaio e suas conexões territoriais, partindo da
sobreposição dos dados espacializados. O Software QGIS permite a organização das informações
em camadas diferenciadas, o que possibilita a elaboração de diversas combinações dos dados,
resultando em cartografias diversas. Foram espacializados 155 lugares da província, entre eles 38
povoações, 31 arraiais, 18 vilas, 9 cidades e 36 sedes de freguesias, compondo substancial base de
análise para o processo de urbanização do Ceará no século XIX.
Outro dado teórico basilar para este estudo é o conceito de urbanização. Nestor
Goulart Reis Filho define a “urbanização como processo social”, asseverando que ela
provoca o “aparecimento e a transformação de núcleos, como consequências das
interações humanas em que implica”. O autor também acrescenta que “a urbanização se dá
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com o aparecimento de uma ‘economia urbana’” e que “cada sistema econômico, pelo
volume e natureza de trocas urbano-rurais, que estabelece, corresponde a um determinado
índice de urbanização”. Para Reis, “o índice ou grau de urbanização pode ser entendido
economicamente como a relação entre a produção agrícola transferida para o meio urbano e
a total”, que, em perspectiva demográfica, trata-se da relação entre “a população urbana e a
total”. Portanto, neste processo, a “concentração de indivíduos, as atividades religiosas,
educacionais, militares e etc.” favorecem “o aparecimento de um mercado urbano” e, por
sua vez, a “instauração [...] de um processo de urbanização, ou a inclusão da área num
processo já existente”. (REIS FILHO, 1968, p. 20 – 21).
Portanto, a urbanização pode ser reconhecida “como sendo objeto de dois diferentes
níveis organizatórios: a rede e o núcleo”. Tal apreensão conduz a “vantagens de ordem
metodológica”. Primeiro, compreender as formações urbanas como componentes nucleares
do sistema social global, inter-relacionadas por “meio de conexões típicas, que são as
funções urbanas; ou seja, em escala macro. Por isso, afirmar que “o processo de
urbanização é relativo ao sistema social global”, onde os “núcleos urbanos” são
“componentes nucleares” e que o “conhecimento das funções urbanas implica no
conhecimento do contexto em que se inserem”. (REIS FILHO, 1968, p. 22).
Em diálogo com Nestor Goulart Reis Filho, Beatriz Bueno avança na compreensão
do sentido de rede urbana. Bueno propõe seu entendimento em “conotação mais ampla nela
incluindo-se pousos, bairros rurais, fazendas, feiras, passagens, barreiras, registros e
demais pontos nodais relacionados às cidades, vilas, capelas, freguesias, julgados e
aldeamentos missioneiros”. Para a autora, essas observações possibilitam ampliar o
“conceito de urbano para todo e qualquer vestígio de localidade indicativa de presença
humana irradiada de demandas urbanas, via homens urbanos, a despeito da sua fragilidade
demográfica, formal e estatuto político”(BUENO, 2016, p. 826, grifos da autora).
A noção ampliada de rede urbana proposta por Bueno (2016) alcança a importância
de sua espacialização, a partir da elaboração da cartografia retrospectiva, identificação e
representação de rotas de circulação e de lugares de fixação (como estradas, fazendas,
barreiras físicas, povoados e feiras). A sobreposição dos fluxos e fixos evidenciam diferentes
relações e arranjos espaciais diversos, revelando interconexões e diferentes significados.
Sendo assim, este estudo propõe a aplicação do conceito largo de rede urbana pensado por
Beatriz Bueno no entendimento da urbanização do território cearense na metade do século
XIX.
Jucá Neto acrescenta que, por todo os setecentos, “os desbravadores construíram
suas casas de fazenda e levaram suas famílias” e que em “pontos estratégicos do território
– no cruzamento dos caminhos, na foz do Rio Jaguaribe, no sopé ou no alto de alguma
serra e nas proximidades do Forte de Nossa Senhora da Assumpção –, o Estado português
fundou vilas”. Também em “lugares estrategicamente situados, a Igreja estabeleceu
aldeamentos, missões e freguesias com suas igrejas matrizes e capelas. (JUCÁ NETO;
BEZERRA, 2021, p. 5).
Produção nossa.
Produção nossa.
ALENCAR, Alvaro Gurgel de. Diccionario Geographico Histórico e Descriptivo do Estado do Ceará de
Gurgel de Alencar (1903/1939). Obra publicada pela primeira vez no tricentenário da grande exploração
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PUTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão nordestino do
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Localização: http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart67925/
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RESUMO
O Centro Histórico da cidade de Manaus, no estado do Amazonas – recentemente inscrito pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) no Livro do Tombo Histórico e no Livro
do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico – tem seu processo de formação e composição
caracterizados pela pluralidade de referências culturais. Nesse sentido, o presente artigo consiste em
um breve discussão sobre o imaginário urbano associado a esse espaço, conforme evidenciamos por
meio de levantamento e interpretação de fontes iconográficas que retratam a cidade de Manaus na
última década do século XIX e primeira do século XX – a chamada Belle Époque Amazônica – e, em
específico, de fotografias veiculadas como cartões-postais que registram o que viriam a ser, um
século depois, os bens edificados constituintes do Centro Histórico dessa cidade. A análise desse
acervo iconográfico evidencia a disseminação de um discurso no qual Manaus é referida
crescentemente como a Paris dos trópicos, o que, no entanto, não contempla a totalidade de imagens
que constituem o imaginário local.
Os estudos com vistas ao tombamento do Centro Histórico tiveram início no ano de 2010, a
partir de determinação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), por
meio do Processo nº. 01450.012718/2010-93. Tais estudos indicaram sua inscrição tanto no
Livro do Tombo Histórico quanto no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e
Paisagístico, o que ocorreu provisoriamente em 2012 e definitivamente em 2021, por meio
da Portaria nº. 55, de 22 de julho, do Ministério do Turismo. Como explica o IPHAN (2021), o
Centro Histórico de Manaus
Esses imaginários sociais, por sua vez, dependem de referências individuais e coletivas,
como ideias, memórias ou saberes socialmente fabricados. Conforme Cristina Freire (1997),
as imagens, raízes do imaginário, surgem no intervalo entre o objeto e sua representação.
“O imaginário constitui-se, portanto, em parte, por essa reconstrução singular do mundo,
realizada através dos processos de representação” (FREIRE, 1997, p.117). Logo, dentro do
campo das representações, os signos – e os documentos – seriam passíveis de
reconstrução e interpretação.
Sobre o imaginário urbano e sua relação com a iconografia, tem-se que representações
visuais de cidades remontam ao princípio da distinção entre assentamentos humanos.
Porém, tudo indica que é no Renascimento que as cidades passam a ser, de fato, temas
centrais de ilustrações. A cartografia teve um importante papel nesse contexto, evidenciando
a função e interesse político por trás do uso de tais imagens que, para além de uma
natureza meramente descritiva, serviam a um exercício de domínio (MENESES, 1996).
Segundo Meneses (1996), a partir do século XIX, com a profusão das modalidades de
representações e com o desenvolvimento dos contextos urbanos e sociais, as relações
entre cidade e imagem se tornaram mais complexas. Perante isso, fica cada vez mais
evidente o fato de que “a imagem é uma construção discursiva, que depende das formas
Para que se entenda essa ideia, é preciso, sobretudo, afastar-se da falsa dicotomia entre
real e imaginário, que predominou durante séculos, sobretudo no Ocidente. Isso se deve,
principalmente, a uma concepção proveniente da Antiguidade Clássica que colocava a
imaginação em uma posição à margem do real, como menos importante ou associada às
ilusões. Esse cenário mudou, finalmente, com as noções proporcionadas pelo advento da
psicanálise e pelo desenvolvimento de disciplinas que estudam o comportamento humano e
a sociedade (MENESES, 1996).
Portanto, não há por que separar a noção de imagem do real, como oposições, já que a
primeira é também integrante do segundo. Afinal, as esferas tangível e intangível do que se
entende como realidade são indissociáveis. Gilbert Durant (1964) contribui para esse
entendimento ao afirmar que a consciência representa o mundo de duas formas: uma direta
e outra indireta. Na direta, “a própria coisa parece estar presente no espírito, como na
percepção ou na simples sensação” (DURANT, 1964, p.7), enquanto na indireta o objeto
não se apresenta na dimensão sensível, mas em recordação ou imaginação. Nesse caso,
pode-se dizer que o objeto é representado na consciência através de uma imagem.
Além disso, é necessário apontar que tais representações visuais evidenciam os valores de
quem as produziu, além de para quem ou para que se destinam. Elas não são e nem devem
ser lidas como uma reprodução fiel da realidade, uma vez que carregam visões próprias de
seu tempo, conforme seus autores. Ou como explica Eduardo França Paiva (2002), “A
imagem, bela, simulacro da realidade, não é a realidade histórica em si, mas traz porções
dela, traços, aspectos, símbolos, representações” (PAIVA, 2002, p.19). Dessa forma, é
possível afirmar que as imagens contribuem decisivamente para a produção e reprodução
de imaginários – sendo este entendimento a principal premissa de nossa pesquisa.
Uma das principais expressões desse momento da história amazônica foi a arquitetura
produzida sob seus auspícios, através da qual é possível apreender as dimensões do que
foi a Belle Époque para os diferentes extratos da sociedade de então. Do abrigo do
seringueiro, chamado de “tapiri” (DERENJI, 2012, p.96), não restam evidências materiais
além das que podem ser apreendidas de registros fotográficos, por conta do evidente
caráter perene dessas construções feitas de palha e esteiras trançadas.
Pelas condições de sua origem, a cidade desde muito cedo manifestou forte
tendência ao Ecletismo: a convivência de diferentes culturas no mesmo
espaço propiciava este tipo de manifestação. Na segunda metade do século
19, o viajante alemão Avé-Lallemant fez uma das primeiras observações
neste sentido. Ao descrever a aparência do lugar destacou, principalmente,
os contrastes entre uma cultura índia e outra europeia. (MESQUITA, 2006,
p.321)
Entretanto, para além do que está representado nesses cartões-postais, é preciso refletir
também sobre o que não foi representado, como sugere Georges Didi-Huberman (1998) ao
nos convidar a também experimentar o que não vemos, o que nos alcança pela ausência.
Nessa perspectiva, destaca-se a obra de Edinea Mascarenhas (1999) dedicada à Manaus
que não se vê nos relatos da Belle Époque, o que a autora chama de “Ilusão do Fausto”,
nome que dá a seu livro.
Ainda a respeito do que não vemos, Mesquita (2020) evidencia o caráter contraditório da
capital Manaus ter seu nome originário da etnia Manaó, com grande relevância na história
da região, inclusive quando de sua colonização por europeus. Porém, como aponta o autor,
a despeito das contribuições capitais desse e de outros grupos ameríndios na formação
cultural e étnica das sociedades amazônicas, no passado e no presente, eles pouco ou
nada aparecem nas representações da Belle Époque.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A propósito, talvez seja possível afirmar, também, que a imagem de Manaus enquanto uma
Paris em meio à Floresta Amazônica, ensejada pela prosperidade advinda da extração e
exportação de um valioso elemento natural que a compunha, foi fundamental não apenas na
estruturação do imaginário nacional e internacional sobre Manaus, mas também no
processo de patrimonialização de seu Centro Histórico. Em conformidade com essa imagem
longeva e resiliente, outras referências culturais ficaram em segundo plano ou foram
excluídas, tanto pelos cartões-postais do início do século XX quanto pela motivação à
patrimonialização no início do século XXI.
Portanto, em continuidade à pesquisa, entendemos que será vantajosa ampliar a busca por
fontes iconográficas que retratem Manaus antes, durante e depois da Belle Époque
Amazônica, de modo a incluirmos fontes produzidas por outros autores e com diferentes
finalidades e, assim, darmos margem a maiores possibilidades de interpretação e
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. Trad. Paulo Neves. São Paulo:
Editora 34, 1998.
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estudo histórico da iconografia urbana. Revista USP: Brasil dos viajantes, São Paulo, n. 30,
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7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Os “usos culturais” da cultura: Contribuição para
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MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. et al. A cidade como bem cultural: áreas envoltórias
e outros dilemas, equívocos e alcance da preservação do patrimônio ambiental urbano.
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MESQUITA, Otoni. Manaus: História e Arquitetura (1852-1910). 3. ed. rev. Manaus: Valer,
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PEDROSA, Tatiana, et. al. (Org.) Amazônia: História, Conflitos e Memória. Rio de Janeiro:
Letra Capital, 2020.
PAIVA, Eduardo França. História & Imagens. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
SILVA, Geraldo Gomes da. Arquitetura de ferro no Brasil. São Paulo: Nobel, 1986.
JF PATRMÔNIO
Guia Virtual do Patrimônio Cultural de Juiz de Fora
RESUMO
O artigo apresenta a proposta de desenvolvimento do aplicativo JF Patrimônio - Guia Virtual do
Patrimônio Cultural de Juiz de Fora, tendo como premissa a ideia de design universal e inclusivo,
conforme Barbosa (2019), com projeto centrado no utilizador do produto/aplicação. A utilização de
metodologia adotada na criação de aplicativos para dispositivos móveis busca estruturar as soluções
aqui sugeridas, através das quais se pretende potencializar a divulgação do patrimônio cultural por
meio das mídias digitais e possibilitar, através de recursos tecnológicos, a interação dos utilizadores
da aplicação com dinâmicas associadas à educação patrimonial, supostamente capazes de despertar
o interesse dos indivíduos pela diversidade cultural e suas representações patrimoniais. Objetiva-se,
com a publicação do aplicativo, oferecer amplo acesso a informações relativas ao patrimônio cultural
juiz-forano. Para tanto, são consideradas a sistematização e a publicação, em meio digital, de
conteúdo relativo à lista de bens patrimoniais do órgão de preservação local.
O aplicativo proposto tem como premissa a ideia de design universal e inclusivo, conforme
Barbosa (2019), com projeto centrado no utilizador do produto/aplicação. Partimos de
metodologia adotada na criação de aplicativos para dispositivos móveis, visando estruturar
as soluções sugeridas, através das quais buscamos potencializar a divulgação do
patrimônio cultural por meio das mídias digitais e possibilitar a interação dos utilizadores da
aplicação com dinâmicas associadas à educação patrimonial, supostamente capazes de
despertar o interesse dos indivíduos pela diversidade cultural e suas representações
patrimoniais.
. incentivar a visita física, quando permitida, aos bens patrimoniais divulgados pelo
aplicativo;
. Notificações remotas: conhecidas do inglês como push, cuja tradução direta seria
“empurrão”, são mensagens de textos com links de acesso a outras informações disponíveis
na web, ou aos recursos do próprio aparelho. Enviadas pelo aplicativo para o dispositivo
móvel de uma pessoa que forneceu permissão para receber esse tipo de alerta, com a
intenção de estabelecer novas interações e comunicação entre o app e seu utilizador;
Barbosa (2019) aponta para as vantagens proporcionadas por um tipo de protótipo de baixa
fidelidade, representado por desenhos simples, denominado wireframe, cujo objetivo é
auxiliar o designer na definição do conjunto de elementos interativos presentes em cada
uma das telas, servindo como um primeiro esboço para a visualização do projeto gráfico e
facilitando a criação, a modificação e a iteração, com a identificação de eventuais problemas
Com base nas observações de Barbosa (2019) relativamente aos elementos definidores da
“superfície” de uma aplicação para dispositivos móveis, bem como nas estratégias e
objetivos apontados para a criação do JF Patrimônio, partimos para a definição do leiaute a
ser empregado no aplicativo, com a descrição das funções dos elementos que o constituem.
Serão relacionadas, por fim, as estratégias previstas para a utilização dos recursos
adicionais, voltados para o marketing de proximidade, além de possíveis usos do QR Code
e da gamificação como estímulos à visitação dos bens culturais e à educação patrimonial.
As telas com as descrições individuais dos bens também contam com ícones, na parte
superior do aparelho, para adicionar o bem cultural à lista de favoritos do utilizador, o
compartilhamento do conteúdo nas redes sociais e o envio de comentários. Por fim, a tela
relativa ao que chamamos de “Jogo do patrimônio” apresentará as dinâmicas a serem
desenvolvidas com base em desafios que serão propostos como estímulo ao engajamento
das pessoas com o tema do patrimônio cultural juiz-forano. Nesse sentido, possíveis
soluções a serem adotadas, bem como a utilização do marketing de proximidade e do leitor
de QR Code do aplicativo, são descritas a seguir.
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3.2 Estratégias de marketing de proximidade, gamificação e “realidade
aumentada”
O beacon deve ser afixado em um determinado local de um ambiente fechado (indoor) para
identificar a presença de smartphones cadastrados no aplicativo e enviar mensagem
instantânea como gatilho para uma determinada ação a ser executada (link para
informações externas ou do próprio aplicativo). No caso do uso relacionado aos bens
culturais materiais, poderão servir para o envio de links associados a estratégias de
gamificação, tais como, a realização de check-in em um local pré-determinado ou a leitura
de QR Code pelo app situado no interior do bem patrimonial, servindo para a aquisição de
pontos pelo utilizador, que poderão ser trocados por recompensas ou informações que
permitam a realização de uma ação no espaço físico. Destaca-se, ainda, a associação
dessa tecnologia ao GSM (geofences), que se caracteriza pela utilização do mesmo tipo de
recurso em ambientes abertos – auxiliado pelo uso do Sistema de Posicionamento Global
(GPS) –, com uma faixa de atuação bem maior. Nesse sentido, as estratégias de
engajamento do utilizador de um aplicativo, como as que são utilizadas pelo chamado
geocaching, são capazes de gerar efeitos positivos para a revelação de locais de
importância patrimonial, valendo-se de dinâmicas próximas das que são conhecidas por
experiência de “caça ao tesouro”, como destacado por Cruz e Marques (2015).
CARVALHO, Ana Amélia A. (Org.). Apps para dispositivos móveis: manual para
professores, formadores e bibliotecários. República Portuguesa: Ministério da Educação
- Direção-Geral da Educação, 2015. Disponível em: https://erte.dge.mec.pt/noticias/apps-
para-dispositivos-moveis-manual-para-professores-formadores-e-bibliotecarios. Acesso em:
14 jun. 2021.
CRUZ, Sónia; MARQUES, Célio Gonçalo. Aurasma Studio: para realidade aumentada. In:
CARVALHO, Ana Amélia A. (Org.). Apps para dispositivos móveis: manual para
professores, formadores e bibliotecários. República Portuguesa: Ministério da Educação -
Direção-Geral da Educação, 2015, p. 55-68. Disponível em:
https://erte.dge.mec.pt/noticias/apps-para-dispositivos-moveis-manual-para-professores-
formadores-e-bibliotecarios. Acesso em: 14 jun. 2021.
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DIVISÃO DE PATRIMÔNIO CULTURAL DA PREFEITURA DE JUIZ DE FORA. Guia dos
Bens Tombados de Juiz de Fora. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 2002.
GOMES, José; GOMES, Cristina. C: Geo - aplicação para geocaching. In: CARVALHO, Ana
Amélia A. (Org.). Apps para dispositivos móveis: manual para professores, formadores e
bibliotecários. República Portuguesa: Ministério da Educação - Direção-Geral da Educação,
2015, p. 29-54. Disponível em: https://erte.dge.mec.pt/noticias/apps-para-dispositivos-
moveis-manual-para-professores-formadores-e-bibliotecarios. Acesso em: 14 jun. 2021.
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo buscar as representações da cidade de Natal na literatura das
crônicas de Augusto Severo Neto (1921-1991), publicadas no livro Ontem Vestido de Menino (1985).
As representações, segundo a abordagem da história cultural, são as apreensões e reflexões que os
indivíduos têm sobre algo, como por exemplo a cidade, seus acontecimentos e sociedade, que é o
objeto de estudo deste trabalho. A busca por representações da cidade é uma forma de estudar o
passado do lugar, sem o foco tradicional na história política de grande acontecimentos, e assim se
aproximar da história das pessoas comuns que viveram na cidade real. Além disso, utilizar crônicas
para estudar a história da cidade, apesar de não ser uma fonte tradicional, é um material muito rico já
que trata de um gênero textual em que a história se desenvolve a partir de observações do cotidiano,
então a cidade, suas singularidades e habitantes estão geralmente presentes nas narrativas. As
crônicas trabalhadas neste artigo, referem-se à Natal dos anos 1920, 1930 e 1940 décadas da
juventude do autor, e através delas, Augusto Severo Neto ao descrever suas memórias, conta quais
eram os costumes natalenses, o cotidiano na cidade e suas observações sobre o que vivia, e de certa
forma colabora para o resgate de uma parte do passado da cidade que não é encontrado nos livros
de história, em museus e nem edificado na paisagem urbana
Além das crônicas, a cidade por ser um espaço de troca, de lazer, de encontros, de cultura
acaba por ser explorada nas mais diversas artes e gêneros literários, entre eles o romance
que surgiu no século XIX, e apesar de ser ficcional, representava a vida social dos
personagens nas grandes cidades, como por exemplo Brás Cubas de Machado de Assis no
Rio de Janeiro e David Copperfield de Charles Dickens em Londres. Por essa razão as
obras literárias podem se configurar como uma fonte de pesquisa sobre a história das
cidades e nos colocar em contato com representações simbólicas sobre a realidade social
de diferentes lugares e épocas.
Dessa forma a história cultural urbana permite uma investigação sobre o passado das
cidades que vai além das legislações, governos e morfologia urbana e se aproxima do
cotidiano, da vida social e das vivências de quem vive e viveu a cidade. A historiadora
Sandra Pesavento (2007) explica que isso acontece através da busca pelas representações
pelas quais o homem expressa a si mesmo e o mundo.
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Entendendo isso, através desse artigo pretende-se discutir a literatura como fonte para
apreensão da história da cidade do Natal a partir das representações da cidade e da
sociedade natalense encontradas em crônicas do livro “Ontem Vestido de Menino” de
Augusto Severo Neto. Mais especificamente busca-se entender quais eram os costumes
sociais, o cotidiano natalense e as apropriações dos espaços na época que se passam as
histórias narradas nas crônicas.
As crônicas presentes na obra que será estudado foram inicialmente publicadas como
colunas em um dos jornais locais, e o autor relata a sua juventude na cidade,
aproximadamente correspondente aos anos 20, 30 e 40 e assim a memória individual do
cronista serve como uma ferramenta historiográfica para estudar a história de Natal, e
contribuir para a preservação da história da cidade.
Definir cidade não é tarefa simples, definição essa que foi sendo alterada e adaptada com o
decorrer das décadas. O significado mais utilizado para o termo é aglomeração urbana, a
arquiteta e urbanista Raquel Rolnik explica que a cidade é um imã por funcionar como um
“campo magnético que atrai, reúne e concentra homens” (ROLNIK, 1988, P. 12). Além
dessa capacidade de atração, a arquiteta complementa falando que a cidade é como uma
escrita por contar sua própria história através das construções, ruas, e pela forma que o
homem interage com a natureza, e a cidade é política pela vida coletiva que acontece nesse
espaço.
Por essa razão quando se opta por estudar a história das cidades, também deve-se atentar
a essa característica tão importante que é o que define cidade, isto é, o agrupamento das
pessoas naquele território. Assim, é importante investigar o fator que atraiu as pessoas para
aquele lugar, e como elas se relacionavam com ele, isso é reforçado por Rolnik (1992)
quando ela fala que:
A história cultural nos apresenta uma nova forma de estudar o passado, através da
valorização das manifestações culturais, por essa razão se abre a novas fontes de pesquisa
não tradicionais. Segundo Pesavento (2004) a história cultural busca a produção de sentidos
sobre o mundo construídos pelo homem do passado que se manifestam através das
representações em palavras, discursos e imagens.
A partir daí fica mais fácil entender a história cultural urbana, que é conceituada por Roger
Chartier, um dos estudiosos da História Cultural, como “Utilização dos gêneros literários e os
discursos não especializados - ensaio, narrativa, poesia, dramaturgia, crônica de viagens,
representação pictórica e cinematográfica, entre outros – como fontes documentais da
história urbana” (CHARTIER,2012).
Pesavento (2007) explica que a importância da história cultural urbana é que por muito
tempo o estudo das histórias das cidades esteve relacionado à história política, criando uma
história cronológica diretamente ligada aos governos e à gestão da cidade. Porém com a
história cultural urbana abre-se a possibilidade de explorar o que está por trás da
materialidade da cidade, e buscar as relações sociais, os comportamentos, hábitos, festas
influenciam também nas transformações do espaço urbano.
Ainda sobre a memória está ligada ao tempo e ao espaço, o sociólogo francês Maurice
Halbwachs (1990) explica que esse fator é o que faz com que as memórias sejam uma
construção coletiva, pois a formação dessa memória tem influência dos grupos que
frequentavam os mesmos espaços nos mesmos momentos. O autor ressalta que as
memórias coletivas também estão vinculadas à um grupo social, aqueles que vivenciaram o
momento, e dessa forma essa lembrança cria naqueles os quais ela pertence um
sentimento de identidade social, que é uma característica das representações, e explicada
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por Pesavento (2012) como “uma construção imaginária que produz a coesão social,
permitindo a identificação como parte de um todo” (PESAVENTO, 2012, P.89).
E por pertencerem a um grupo específico, as memórias são seletivas e por esse motivo
tendem a desaparecer quando o grupo social vai se dispersando. Por isso que Halbwachs
(1990) fala que a única forma de preservar as memórias coletivas é registrando e assim
transformando elas em memórias históricas que a qualquer momento podem ser
consultadas e revividas.
O autor fala que esses registros são feitos por meio de narrativas, e assim pode-se reforçar
o papel da literatura, como as crônicas de Augusto Severo Neto por exemplo, como um
documento para onde pode-se recorrer para estudar o passado, e como uma forma de
preservar a memória de um grupo social que vivenciou os mesmos espaços na mesma
época.
No livro Ontem Vestido de Menino, fonte de pesquisa para o desenvolvimento deste artigo, o
autor relata histórias da sua juventude nas décadas de 1920, 1930 e 1940 aproximadamente
(as datas não são explícitas na obra), no bairro da Ribeira e Cidade Alta: “já vestido de
menino, começo a caminhar pelos outrora desta cidade que é minha e pelos antigamente
das gentes que, de pedra, cal e amor, construíram a história desta cidade” (SEVERO NETO,
1985, P.6). Inicialmente as crônicas publicadas neste livro, foram escritas para a coluna do
jornal do autor, e em 1985 foram reunidas para publicação da coletânea.
No período de quando se passam as narrativas contadas nas crônicas, Natal passava pelo
processo de modernização urbana que atingiu principalmente os principais centros urbanos
como Rio de Janeiro e Recife. Essas transformações voltadas para a modernização das
cidades, começaram no Brasil na passagem do século XIX para o XX, eram influenciadas
pelos grandes centros internacionais como Paris e Nova York, e estavam diretamente
relacionadas com o ideal de civilidade, como explica o historiador Raimundo Arrais (2008)
em seu livro sobre o tema.
Passei pelo portão da tia Ineizinha e olhei lá para dentro. Ela estava como
sempre, sentada na cadeira de balanço, no patamar da escadaria de
entrada, com seu chale branco e seu terço. Marinete, a cadela, deitada bem
ali junto e rindo como sempre. Sim, porque Marinete era uma cadela que ria.
Entre a sebe de pitangueiras e a aléia de palmeiras reais, Luciano, Geraldo,
Zé de Vasconcelos (O José Mauro do Meu Pé de Laranja Lima), Chico
Lamas e não sei mais quem andavam de bicicleta e jogavam futebol. Mas
eu não entrei, estava afim de andar. (SEVERO NETO, 1985, P. 17)
Porém a influência europeia nos costumes sociais aparece na maior parte das crônicas dos
livros, principalmente quando se trata do vocabulário do natalense da época. O café
frequentado na Rua Tavares de Lyra tinha “moldes dos antigos e populares cafés lisboetas”
(SEVERO NETO, 1985, P.103), em uma crônica o autor comenta que a cidade era “cheia
dos mots, allures, maximes e moeur, segundo ele era chic falar francês, fazer citações de
poetas e escritores franceses e portar sobre si qualquer coisa que sugerisse a eterna
Lutécia ou qualquer outra região da velha França” (SEVERO NETTO, 1985, P.105).
Fonte: nataldasantigas.com.br
A influência europeia também aparecia nas atividades culturais e nas vestimentas como por
exemplo o cinema Polytheama (Figura 01) que dividia as sessões entre matinées e soirées,
onde as mulheres se “vestiam de melindrosas, usavam fitas de veludo no cabelo e pendentif
no pescoço. Os rapazes e senhores usavam calças de flanela, palitó listrado, com lenço no
bolso e sapatos de duas cores [...] havia uma dona que não perdia aqueles intervalos e
usava luvas mitanines e fumava cigarros Ghesira e Pour la Noblesse.” (SEVERO NETTO,
1985, P.105)
Outra atividade social era o footing na Ribeira (Figura 02) que segundo o autor acontecia
nos sábados do mês de maio quando
Fonte: nataldasantigas.com.br
O autor cita também que nessa época a loja que tinha o nome de “Paris em Natal” (Figura
01) ficava com as vitrines iluminadas, que à noite o teatro Carlos Gomes teria um show com
uma cantora lírica e no Aeroclube um baile a rigor. Este teatro também foi o cenário de
inúmeras apresentações e atividades para a elite da época, enquanto o clube chamado
Aeroclube além de sediar os bailes também simbolizava a adesão dessa classe social aos
esportes “modernos” que precisavam de um espaço e equipamentos específicos como era
escola de pilotos de aviação, que tinha como sede o referido clube.
Fonte: tokdehistoria.com.br
Sobre os tempos modernos, os bondes (Figura 03) eram um dos protagonistas. Augusto
Severo Netto conta que quando chegou “os bondes tirados a burro já haviam dobrado a
esquina no tempo” (SEVERO NETO, 1985, P.137). Segundo ele os bondes elétricos
chegaram junto com a iluminação e os telefones após o governo conseguir um empréstimo
financeiro da França, e assim as linhas que quando eram de tração animal, eram bem
restritas aos bairros da cidade Alta, Ribeira e Cidade Nova, conseguiram se expandir para o
bairro popular Alecrim, e para orla para o bairro de Areia Preta.
Isso foi encontrado de forma muito clara nas crônicas do livro Ontem Vestido de Menino do
jornalista Augusto Severo Neto. Neto, através da sua narrativa, demonstra que Natal era
uma cidade pequena, com características provincianas ainda, quando começou a ser
influenciada pelos “ares da modernidade”. Pelos relatos do autor a modernidade chegou
primeiro nos hábitos da população, principalmente no vocabulário, na forma de vestir
(inclusive incompatível com o clima da cidade), na alimentação e nas atividades sociais.
Porém por trás dos restaurantes, “footings”, bailes de gala e orquestras no teatro ainda
existia uma cidade com o ritmo de vida calmo, onde todos os vizinhos se conhecem, tem
acesso a casa de um aos outros, características típicas de uma cidade pequena. A tão
aspirada modernização tecnológica ainda era tímida, e percebemos isso com o exemplo que
só existia um cinema que funcionava em poucos horários durante a semana, e do bonde
tinha problemas de manutenção, e que quase foi retirado por problema de administração da
empresa responsável.
Deve-se ressaltar que essa cidade, encontrada nas crônicas, era a vivida por uma classe
social, a pertencente ao autor, e que se sabe que dentro de uma cidade existiam vários
outros costumes, lugares e hábitos correspondentes a outros grupos de pessoas. Uma
cidade é vivida de várias formas, e a busca pelas representações é exatamente a busca por
esse contato entre as pessoas comuns e a cidade.
GORELIK, Adrian, Cultura urbana sob novas perspectivas – entrevista de Ana Castro e
Joana Mello, Novos Estudos, Cebrap, São Paulo, n. 84, 2009, pp.235-49.
JEUDY, Henry-Pierre. Espelho das cidades. S.l: Casa da Palavra, s.d. pp. 81-157
LE GOFF, Jacques. A História Nova. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 3. ed. - Belo Horizonte:
Autêntica, 2012
RODRIGUES, Maria Isabel Gomes. A Crônica entre o Jornal e a Cidade: Uma Mediação
do Espaço Urbano. V Congresso Nacional de História da Mídia, São Paulo, 2007
ROLNIK, Raquel, História urbana: história na cidade? In Cidade & História (org.) Ana
Fernandes e Marco Aurélio A. de F. Gomes. Salvador: UFBA/Faculdade de Arquitetura.
Mestrado em Arquitetura e Urbanismo, ANPUR, 1992 ___. O que é a cidade. São Paulo:
Brasiliense, 1995. (Coleção Primeiros Passos; 203)
RESUMEN
A partir de 22 grandes desastres sísmicos y tsunamis verificados en los siglos XX y XXI, este trabajo
aborda 8 eventos que han marcado el devenir del patrimonio ambiental, urbano y arquitectónico
nacional. Ellos son los terremotos de Illapel (1971), San Antonio (1985), Punitaqui (1997), Tarapacá
(2005), Tocopilla (2007), Cobquecura (2010), Iquique (2014) y Coquimbo (2015). Los desastres
abarcan los territorios del extremo norte, centro-norte, zona central y sur del país.
Los terremotos y tsunamis constituyen elementos arraigados en la cultura chilena, y conforman parte
sustancial de un sistema de identidades ancladas en la diversidad territorial y patrimonial del país.
Parte importante de esta memoria se encuentra contenida en variados soportes documentales:
discursos, escritos, fotografías y audiovisuales. El registro devela un conocimiento que sitúa al sismo
como factor identitario y lo resignifica como un momento de revalorización social y de reconstrucción
del patrimonio afectado.
1
Comunicación derivada del Proyecto de investigación “Relato audiovisual de los terremotos y las políticas
públicas del patrimonio arquitectónico y urbano de Chile (1971-2015)”. FAU 2.0 Research by Design, 2019.
Dirección de Investigación y Creación de la Facultad de Arquitectura y Urbanismo de la Universidad de Chile.
1
1. Introducción
Chile se ubica en pleno cinturón o anillo de fuego, en una zona de subducción, entre la
Placa de Nazca -o Placa del Pacífico- y la Placa Sudamericana, lo que explica su extrema
exposición y vulnerabilidad sísmica. Con frecuencia la tierra se encarga de recordar que
Chile es un país sísmico. Nos recuerda también que los terremotos y tsunamis avanzan más
rápido que las políticas públicas que el Estado y la sociedad deben construir para preservar
y desarrollar el patrimonio cultural.
El comportamiento del habitante enfrentado a las fuerzas telúricas constituye algo más
profundo que la simple destrucción de la materialidad que producimos, o de la entropía que
inunda nuestro movido entorno. En Chile, los terremotos establecen una ruptura del
equilibrio del ser humano con la naturaleza y sus medios. Derivado de la cosmogonía
mapuche los terremotos (Nuyun) y los maremotos son expresiones reales de un conflicto
que reedita la lucha eterna entre las fuerzas maléficas y benéficas que desembocan en el
caos.
La memoria sísmica del patrimonio chileno ha formado una imagen de los sujetos sociales y
de los lugares y arquitecturas habitadas. Las identidades colectivas se han configurado en el
contexto de la incertidumbre a partir de una negociación con la realidad del desastre,
permitiendo una forma específica de supervivencia con la ciudad y la arquitectura. Este tipo
de identidades representarían el «principal recurso para contar con una sensación de
seguridad y orientación que hace posible actuar eficazmente en el mundo en que vivimos»
(Hernando, 2002, p. 50).
Los terremotos y tsunamis ponen de relieve una condición de nuestra arquitectura tan
ineludible como la fuerza de gravedad y definen la historia de nuestra arquitectura de un
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modo muy similar a como lo han hecho las guerras con la arquitectura europea. Como ha
señalado Eliash reconocer «el desarrollo histórico de los terremotos en relación con la
arquitectura, así como sus consecuencias, no sólo es una cuestión académica sino un tema
fundamental para el desarrollo de la disciplina y sus implicancias en el ejercicio profesional»
(Eliash, 2010, p. 21).
La orientación que ha tomado la política pública del Estado para enfrentar la preservación
del patrimonio frente a los sismos ha dependido, en cada caso, del tipo de organización
ideológico-política del Estado y de los proyectos de desarrollo que él ha estimado necesario
encauzar. Durante el siglo XX y primeras décadas del XXI algunos los fenómenos sísmicos
chilenos han facilitado la implementación y/o mejoramiento de un conjunto de acciones de
política pública que ya estaban establecidas previamente en la estructura del Estado. En
otros casos, los sismos llegan a promover la generación de instrumentos organizativos,
legales, normativos, así como programas, planes y proyectos, que a partir de ese momento
y en conjunto se constituyen en parte de las políticas públicas.
En esta perspectiva, entre 1971 y 2015, es posible observar tres tipos de comportamientos
estatales muy distintos en sus alcances: desde el Estado de Bienestar con planificación
central de las décadas de 1960-1970, pasando por el Estado Neoliberal en dictadura de la
década de 1980, hasta llegar al actual Estado Neoliberal en democracia, desarrollado desde
1990 hasta la actualidad.
3
patrimonial. No obstante el valor de estos trabajos, aún es poca la producción de relatos
históricos, sustentados en documentación de época, que abarquen de manera integrada y
comprensiva los riesgos sísmicos en relación al comportamiento que ha tenido el Estado
respecto de las propuestas para la conservación y gestión del patrimonio destruido,
rehabilitado y reconstruido.
Las huellas que los desastres dejan en la ciudad y la arquitectura chilena quedan archivadas
en tres niveles de registros documentales: a) en la documentación pública, generada por los
organismos públicos del Estado a cargo de inducir procesos de reconstrucción planeados y
gestionados; b) en el relato ejercido por las personas a nivel individual y colectivo, dimensión
en la que se gestan las representaciones sociales e imaginarios de la incertidumbre; y c) en
paisaje que genera la reconstrucción luego del desastre, dejando sus huellas en los
territorios, espacios, lugares y arquitecturas.
El paisaje telúrico subsiste no solo en sus aspectos materiales afectados, sino sobre todo,
en la subjetividad de sus actores, conformando una interpretación de la realidad factual que
se apoya en la morfología de los elementos físicos (Maderuelo, 2010, p. 576). En las
prácticas socioculturales de estos paisajes, la memoria actúa como un dispositivo
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fundamental que hace posible la emergencia de un entramado de lugares interiorizados en
las imágenes de nuestro cuerpo y entorno, las que constantemente buscamos como materia
de nuestros recuerdos (Belting, 2007, p. 83).
Generalmente, nos parece fuera de toda razón aprendida que el sismo no solo destruya la
materialidad del patrimonio construido, sino también la inteligibilidad que de él tenemos
(Rojo, 1969, p. 129). Más allá del evidente movimiento físico que ocasiona un terremoto,
también podemos observar un movimiento constante en las formas de construirse el
territorio y el paisaje sísmico, y los modos de emerger la arquitectura y la ciudad. Se
sacuden las formas de valorar el patrimonio, se remecen las memorias y sus
representaciones sociales, y también se producen cambios en políticas públicas destinadas
a su conservación. Hasta que no ocurre la aceleración sísmica o hasta que el maremoto no
golpea la ciudad, seguimos creyendo en nuestro inconsciente, que la obra perdurará en el
mundo de lo estático, tan inamovible y exacta como la proyectamos y construimos.
Siguiendo a Jelin (2002, p. 25) las identidades resultantes del fenómeno sísmico nacional,
cargadas de memorias, no constituyen aspectos sobre las que pensamos, sino que actúan
como soportes con las que pensamos y actuamos estratégicamente en nuestra realidad
cotidiana. La memoria sísmica se actualiza en una contante tensión con los efectos de
olvido y recuerdo. Es por este motivo que la lectura documental de las formas que suceden
a un sismo, permiten identificar los modos cómo la sociedad, la arquitectura y la ciudad
enfrentan las amenazas, así como la manera específica en que en ellos se reflejan niveles
de vulnerabilidad física e inmaterial del sistema socio-espacial señalado.
5
Figura 2. Portada del Plan de Reconstrucción
elaborado e implementado por el Gobierno
con ocasión del terremoto de Illapel, en 1971.
Fuente: Gobierno de Chile (1971). Oficina de
Planificación Nacional ODEPLAN. Plan de
Reconstrucción 1971-1973.
Durante el siglo XX y los inicios del XXI, los sismos chilenos han establecido 2 formas
particulares de relación con el patrimonio:
Un primer comportamiento está dado cuando, sin existir previamente una intencionalidad
patrimonial explícita, los sismos actúan como factores activadores de un patrimonio
moderno que hoy podemos valorar. Es el caso de los terremotos de Valparaíso (1906),
Talca (1928), Chillán (1939), Valdivia (1960) e Illapel (1971), los que fueron aprovechados
como una oportunidad para materializar la planificación urbana y la concreción de tipologías
habitacionales, educacionales y hospitalarias de la arquitectura moderna nacional.
El 8 de julio de 1971 en la ciudad de Illapel un terremoto 7,5 Richter azotó las provincias de
Coquimbo, Aconcagua, Valparaíso, Santiago y de O´higgins. Los daños se focalizaron
principalmente en viviendas, equipamiento comunitario, servicios públicos, escuelas,
hospitales e infraestructura. Los efectos se hicieron notorios en inmuebles a base de adobe
y albañilería de ladrillo sin armar.
Los efectos del terremoto fueron gestionados desde un Estado Planificador y como parte de
una visión de desarrollo de largo plazo, estrechamente vinculados con los radicales cambios
estructurales, sociales, económicos y políticos que intentó llevar adelante el Gobierno
Socialista de la Unidad Popular. La característica racionalizadora de la planificación estatal
buscó que el ‘Plan de Reconstrucción’ fuera una respuesta que abarcara las necesidades de
desarrollo del país y acordes a los ‘Planes Integrales de Desarrollo´ y el Sistema de Centros
Urbanos que había elaborado el gobierno popular (Gobierno de Chile, 1971, p. 19).
7
Figura 3. Detalle del Plan de Reconstrucción,
implementado luego del terremoto de 1971 en
las localidades de Ovalle e Illapel, Región de
Coquimbo. Fuente: Gobierno de Chile (1971).
Oficina de Planificación Nacional ODEPLAN.
Plan de Reconstrucción 1971-1973.
Por su parte, el 3 de marzo de 1985 la zona central es sacudida por un sismo de 8,0 grados
de magnitud Richter, con epicentro en la ciudad de San Antonio, Región de Valparaíso. El
impacto se hizo sentir entre las regiones de Coquimbo en el norte, de Valparaíso y de
Santiago en el centro y del Maule por el sur, representando el 50 % de la población nacional
de la época. Las localidades que experimentaron los mayores daños fueron Illapel, San
Antonio, Valparaíso, Santiago, Alhué y Melipilla. Junto con el terremoto de 1906 en
Valparaíso, el de San Antonio es considerado el terremoto más destructivo que hasta esta
fecha ha azotado la zona central. Se registraron 177 muertos, 2.575 heridos y 979.792
damnificados. Los daños físicos se observaron en edificaciones con sistemas constructivos
a base de adobe o conformadas por muros con albañilerías sin refuerzo (vivienda social
SERVIU) y, en algunos casos, estructuras de hormigón armado.
En este periodo la destrucción fue percibida no solo en la dimensión física de los poblados
rurales y urbanos, sino, fundamentalmente como un duro golpe a las prácticas ancestrales
de producción social del espacio habitado. Los sismos desnudaron la vulnerabilidad de los
valores de las expresiones inmateriales del patrimonio, sustentadas en el fervor religioso, las
festividades asociadas y el arraigo a la tradición de la tierra por parte de las comunidades de
origen Aymara. En general, los terremotos fomentaron iniciativas de reconstrucción que
priorizaron la recuperación material y simbólica del patrimonio doméstico y vernáculo
destruido, incorporando –en la medida de lo posible- la participación de las comunidades
locales en los procesos de formulación de los planes a cargo de los organismos públicos.
9
El 14 de octubre de 1997 se produce el sismo de Punitaqui, en la Región de Coquimbo, con
una magnitud de 7,1 grados Richter. El evento hizo patente la necesidad de recuperación de
las costumbres locales vinculadas con el medio natural que habían sido seriamente
afectadas. La restitución de la calidad de vida material, simbólica y espiritual configuró un
eje fundamental en la estrategia de reconstrucción que debía aplicarse en el territorio urbano
y rural marcado por un ambiente desértico. El proceso de reconstrucción se concentró en
rehabilitar el sentido simbólico y material de la comunidad afectada, dando prioridad a
restablecer la funcionalidad económica, productiva y de servicios (PNUD-Chile, 2012, p.2).
Con objeto de rearticular estos sistemas, el Plan de Reconstrucción se planteó la idea de
que las obras de restauración permitieran un equilibrio entre las características vernáculas
del lugar y las necesidades arquitectónicas contemporáneas (Gobierno de Chile, 2009, p. 4).
Por su parte, el sismo de Tarapacá ocurrido el 13 de junio de 2005 tuvo una magnitud de 7,8
grados Richter, extendiéndose entre las regiones de Tarapacá y de Atacama. El total de
personas afectadas ascendió a 68.530, de las cuales 12 resultaron fallecidas y 12.910
damnificadas. El terremoto tuvo un fuerte impacto en un conjunto de expresiones del
patrimonio local de dichas regiones, levantado por generaciones, característicos de la
apropiación cultural, vernácula y simbólica de los poblados, en sus territorios y su
arquitectura. La respuesta estatal respondió a los compromisos internacionales suscritos por
Chile en el Encuentro “Década Internacional de Reducción de Desastres Naturales”.
La acción estatal ante el terremoto de Tocopilla reiteró las debilidades que se habían
observado con el evento de Tarapacá en 2005. Se constató que la gestión integral del riesgo
sísmico aún no se encontraba implementada en las políticas públicas con los
correspondientes los instrumentos de planificación en el mediano y largo plazo, abarcando
integralmente las tareas preventivas y las proyectivas. Se hizo patente la necesidad de
11
sistematizar periódicamente las condiciones de habitabilidad de los territorios y poblados
para conocer de antemano los niveles del riesgo sísmico.
Como nunca antes, el desastre de mar y tierra promovió el protagonismo de la sociedad civil
y no solo de las organizaciones de ayuda benéfica, canalizando el reclamo de las
condiciones de vida que habían perdido. Este fenómeno hizo visible el abandono, la
marginación y la precaria situación social y económica de numerosos poblados costeros,
rurales y urbanos. El Gobierno, a través del Ministerio de Vivienda y Urbanismo (MINVU)
formuló el “Plan de Reconstrucción MINVU. Chile unido reconstruye mejor”.
Como una medida preventiva, ante nuevos embates sísmicos y tsunamis, en los poblados
costeros el proceso de reconstrucción consideró la actualización de los Planes Reguladores
Intercomunales y Comunales, orientados a dar sustento normativo a las intervenciones. En
paralelo se confeccionaron Planes Maestros, destinados a orientar física y económicamente
las tareas de reconstrucción de la vivienda, el patrimonio, los servicios y la infraestructura
dañada. Ambos tipos de instrumentos tenían por objeto visualizar una planificación de largo
plazo, con la participación de los afectados y así elevar el estándar urbano del país y, fueron
implementados en localidades como Talcahuano, Dichato, Constitución, San Juan Bautista
(Isla Juan Fernández), borde costero de Licantén, Pelluhue-Curanipe y Cobquecura
(Gobierno de Chile, 2010, p. 36).
Es así que, las gestiones derivadas de los planes maestros comentados, tuvieron un claro
sesgo urbano, relegando a un segundo plano a los sectores rurales (Micheletti y Letelier,
2016, p.17-18). La política pública aplicada dejó huellas profundas en el largo plazo: la
visibilización de los niveles de inequidad socio-espacial en extensas zonas urbanas y
comunidades costeras, planteando preguntas sobre cómo el patrimonio puede integrarse a
un modelo de desarrollo sostenible en términos sociales, económicos, ambientales y
culturales.
13
d. El discurso del desarrollo participativo e inclusivo: Los terremotos de
Iquique (2014) y Coquimbo (2015)
Con los eventos de 2014 y 2015 el formato de acción estatal no varió mucho en relación a la
experiencia de reconstrucción aplicada con el desastre de 2010. Al menos, a nivel del
discurso público instalado fue notoria la postura de que los sismos podrían viabilizar un
desarrollo descentralizado y con ostensible participación de las comunidades directamente
afectadas.
El terremoto y tsunami de Iquique, del 1 de abril de 2014 alcanzó una magnitud de 8,2
grados Richter, afectando las regiones de Arica-Parinacota y de Tarapacá, siendo incluso
percibido en Tacna, Perú. Los principales daños se focalizaron en viviendas emplazadas en
Iquique y sector dunar del cerro Dragón, Alto Hospicio, Huara, Pozo Almonte, Camiña,
Colchane y Pica. Muchas de las viviendas levantadas por autogestión, a base de material
ligero y sin los permisos de edificación, resultaron completamente destruidas. Las tareas de
reconstrucción habitacional requirieron consideraciones a sus valores y atributos
patrimoniales.
El Plan de Reconstrucción fue pensado para que se coordinara con las prioridades “Plan
Especial de Desarrollo de Zonas Extremas”, planteado por el Gobierno para el periodo 2015-
2022, destinado para las regiones de Arica-Parinacota y de Aysén, Magallanes, la Provincia
de Palena y la comuna de Cochamó en la región de Los Lagos. Según esto, el Gobierno
contaba con la necesaria legitimidad social y política para asumir la reconstrucción dentro de
un proceso ciudadano participativo e inclusivo. La reconstrucción debía fomentar un proceso
descentralizado, con el cual se mejoraran las capacidades regionales, locales y municipales,
tomando como base las características geográficas, sociales, culturales y económicas de las
zonas afectadas por el desastre.
15
Figura 6. En la localidad de Illapel, Región de
Coquimbo, el terremoto dejó al descubierto los
esqueletos de antiguas edificaciones de la
primera mitad del siglo XX, construidas a base
de entramados de madera y rellenos de adobillo.
Fuente:https://ovallehoy.cl/una-persona-fallecida-
y-10-mil-afectados-deja-terremoto-en-illapel
(consultado 14/04/2021).
4. Conclusiones
En este trabajo se ha podido demostrar la relevancia documental existente entre los ciclos
sísmicos estudiados (1971-2015) y el comportamiento adoptado por el Estado, tendiente al
perfeccionamiento de las acciones de conservación y gestión del patrimonio ambiental,
urbano y arquitectónico de Chile. Al interior de esta dialéctica, cruzada por incertidumbres,
han surgido interesantes memorias que dan cuenta de un relato histórico, mediante el cual
se fortalece la dimensión identitaria del patrimonio cultural chileno, grabada en el espacio, la
sociedad y el territorio en movimiento.
Hemos observado que en los procesos de reconstrucción tanto los actores del Estado, los
sociales como los de la comunidad científica han empujado la emergencia de diferentes
políticas públicas. La orientación que ellas tomen, dependen en alto grado del proyecto de
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desarrollo y del esquema ideológico que se sustenta en la tensión Estado-sociedad,
pudiendo desplazarse entre el Estado de Bienestar y el Estado Subsidiario. No obstante,
hasta la actualidad los instrumentos legales, normativos y técnicos de la política pública aún
evidencian una falta de integración entre la necesidad de conservación patrimonial y los
recientes desafíos que impone la gestión integral ante desastres naturales. Solamente a
partir de los eventos de 1990 y especialmente desde el terremoto y tsunami de 2010, se
aprecia una incipiente voluntad en armonizar ambos aspectos.
Para concluir, la documentación del fenómeno telúrico y sus memorias actúa como una
fuente de conocimiento teórico y práctico, capaz de incentivar el surgimiento de modelos de
planificación de la ciudad destruida y de conservación y rehabilitación del patrimonio
edificado e inmaterial. En la medida en que el riesgo sísmico sea reconocido en la acción
pública, en la sociedad y en los organismos especializados –universidades y comunidades
de expertos-, los conceptos y metodologías para el tratamiento del patrimonio ambiental,
urbano y arquitectónico podrá abordarse no como una excepcionalidad, sino como una
condición histórica y cultural propia de Chile.
Bibliografía
JELIN, Elizabeth. Los Trabajos de la Memoria. Madrid: Ediciones Siglo XXI, 2002.
RESUMO
La arquitectura vernácula y la conservación de edificios son temas que están vinculados y se
retroalimentan mutuamente. Casi siempre en las obras patrimoniales se ponen en evidencia
materiales y sistemas constructivos tradicionales, de muchos de los cuales ya ni se tiene memoria y
prácticamente suele desconocerse el origen de los materiales y los pasos para su fabricación y
puesta en obra.
La historia de esas manifestaciones vernáculas es débil ya que por lo general no recibió la misma
atención que las “grandes obras”, a pesar de que algunos tratadistas antiguos pudieran dedicar
algunos aspectos que unían a los monumentos con el quehacer popular. Si bien el estudio que
pudiera hacerse de edificios antiguos podrá ofrecer algunos datos de sus calidades físicas, será difícil
entender espacios, usos y valores que estuvieron presentes en el momento de su construcción.
Los datos que poseemos al presente no cubren las expectativas de quienes trabajamos estos temas.
De todos modos, se han acumulado bastantes datos interesantes, aunque no podemos decir lo
mismo de su clasificación ni, mucho menos, de que hubiera lineamientos comunes entre zonas,
países o, simplemente, entre centros de estudio. Pareciera que cada uno va avanzando por su
cuenta. Aunque debemos admitir que algunas redes de trabajo, hoy facilitadas por las
comunicaciones, están dando frutos muy interesantes.
Pero estos avances van siendo muy dispares en los países y en la contemplación de ciertos
materiales o de los sistemas constructivos que utilizan un mismo material. También se ve que hay
materiales tradicionales -como el ladrillo y la madera- que suelen ser más estudiados en su relación
con la construcción académica y con indudable presencia en la formación de los arquitectos y
técnicos constructores, mientras que otros materiales ni aparecen siquiera en los estudios superiores.
El conocimiento de la construcción en sí es importante, pero también la consideración de los oficios,
las herramientas y el léxico. Asimismo, habría que tener en cuenta el paisaje, el ambiente y los
rituales. De todos estos aspectos es menos aun lo que se documenta. Por ello debe ahondarse en la
sistematización de conocimientos, la valoración, las transferencias, la atención en las investigaciones
y los planes de estudio y la consolidación de redes de trabajo. Sólo teniendo la documentación
clasificada y a buen resguardo podrá encararse un trabajo de investigación que conjugue los
aspectos de las diferentes regiones y que permita sacar conclusiones.
De todos modos, quisiéramos definir claramente a qué nos referimos cuando hablamos de
arquitectura vernácula, ya que podría existir una confusión entre tres términos que a veces
se usan indistintamente, pero que se refieren a situaciones diversas: tradicional, popular y
vernácula. Para ello hemos tomado las definiciones que nos han parecido más claras: la
arquitectura tradicional “es aquella que se niega a la sofisticación industrial y a los
materiales asociados a ella... y su proceso formal es más elaborado al integrar actores
especializados”, mientras que la popular no utiliza técnicas ni materiales propios del sitio
sino que puede usar “materiales industrializados, muchas veces erróneamente dentro del
diseño”. La arquitectura vernácula, por el contrario, “al utilizar materiales y técnicas locales
con ayuda de mano de obra calificada y de los mismos habitantes, genera arquetipos
económicos y de fácil armado con la finalidad de que sean replicados por los habitantes”
(Corrales, Salazar, Pineda, 2021). Es entonces éste el punto desde donde trabajaremos.
Ya hace tiempo que viene estudiándose el asunto de los materiales y las técnicas
vernáculas, pero esos trabajos suelen encerrarse en sí mismos y, muchas veces, sólo
centrándose en casos puntuales. Tomando en cuenta nuestra región del Mercosur,
podemos encontrar documentos escritos y dibujos realizados en siglos anteriores que nos
ayudan a comprender cómo se construía. Ejemplo de ello es lo anotado por el jesuita Florián
Paucke (Paucke, 1942-44: t.1, 169-170; t.2, 43, 271ss) ya que tiene la virtud de transcribir
detalladamente su propia experiencia y ser él mismo el que hace los dibujos. Porque otros
autores agregan ilustraciones ajenas que por lo general muestran situaciones idealizadas.
Hubo que esperar a la fotografía para tener la confianza que ofrecían los pocos autores que
iban tomando imágenes in situ.
Los dibujos a mano alzada levantados in situ siguen siendo una buenísima fuente de
expresión de detalles, sobre todo porque por lo general tienen indicaciones y referencias
textuales y métricas que amplían lo que en una foto o en un dibujo lineal no quedan tan
explícitos. Hoy, los sistemas computados presentan facilidades de trabajo, de registro y de
multiplicación, pero quienes se mueven sólo en este nivel suelen dejar de lado aquellos
detalles en los que se detenían quienes dibujaban en papel, especialmente los que lo hacían
en campo.
En tal sentido vemos que lo que hasta hoy está documentado suele omitir estos datos que,
en lo popular, son la clave para entender su arquitectura. Si bien, al querer tomar nota con
alguna urgencia, lo que el investigador observa en sus viajes y visitas deja de lado la
descripción de detalles, es importante mirar con más detenimiento y preguntar los cómo y
los por qué a las comunidades involucradas. Igualmente es indispensable propiciar la
organización de redes de trabajo, así como su desarrollo y vigencia posterior. Hoy ya hay
ciertas redes de carácter nacional y regional que en algunos casos se proyectan con más
amplitud, aunque ellas suelen centrarse en un tipo particular de material, como caña,
madera, cerámicos y, sobre todo, tierra.
También sabemos de otros tipos de redes basadas en alguna zona específica, en algún
tema, como el de vivienda o como el de carácter religioso, así como las que se extienden a
lo vernáculo en general. De todos modos, la experiencia nos muestra que las redes con
temas tan amplios pueden caer en dispersiones o en inoperancias. Por eso hay necesidad
de que las redes se constituyan proponiendo metas claras de funcionamiento y, en nuestro
quehacer, que propongan sistemas precisos de almacenamiento de los datos que se
recojan.
Sería deseable arribar a bases de datos sencillas, pero que fueran ser fácilmente llenadas y
usadas por todos los integrantes de la red. Porque uno de los grandes problemas en
muchos grupos de trabajo ha sido la insistencia de algunos miembros en colocar
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innumerables casilleros de detalle que terminan quedando en blanco y que no permiten una
ágil combinación de datos. Pero antes de eso, porque no entusiasman a los demás
investigadores que se ven frente a tal cantidad de asuntos solicitados y así, abandonan la
tarea.
Por eso, las bases deben comenzar por lo sencillo y lo eficaz a fin de que los datos permitan
un intercambio productivo entre los equipos. Una primera propuesta sería hacer un
relevamiento de centros de estudio que trabajan sobre arquitectura vernácula y de sus
respectivos proyectos. De allí podrían derivar otras bases sobre técnicas, herramientas,
glosarios, materiales, organización laboral y demás. Los sistemas actuales permiten ir
ampliando y cruzando datos que terminan formando un corpus integral de documentación
que pueda seguir actualizándose en línea. Por esa facilidad que nos dan los sistemas
actuales, se debe partir de bases sencillas con programas que tengan acceso general sin
mayores complicaciones. Lo ideal es conseguirlos en nuestras lenguas -castellano o
portugués- ya que con ello nos manejaremos bien en los más de 20 países que constituyen
nuestro ámbito iberoamericano.
La fotografía da cuenta del uso de técnicas alfareras en una construcción. Los Graneros de La Poma,
Salta, Argentina. Fotografía de la autora. Colección CEDODAL
Es indispensable que se avance en los temas propios de nuestra región ya que las
organizaciones internacionales están presentándonos dos problemas: por un lado, han
soslayado el uso de nuestros dos idiomas íberos y por otro, suelen tener una visión de
América Latina como un subcontinente exótico y unitario sin contemplar nuestra variedad
cultural y natural. Inclusive, algunas de esas organizaciones que antes usaban nuestros
idiomas hoy los han borrado de sus comunicaciones oficiales.
Basta a veces con leer un libro europeo para ver que se nos menciona como “América” sin
definir si está hablándose de una arquitectura nicaragüense o chilena, una manera de
construir de la Tierra del Fuego o de Puerto Rico. Pareciera que toda la rica variedad de
nuestro continente naufragara en una simplificación. Lo mismo sucede cuando
investigadores extraños a nuestras tierras visitan uno o dos países y creen haber “conocido
América”. Y de esa manera confunden también formas de construir, materiales, climas,
léxico y, con más razón, costumbres propias de cada rincón del continente.
De allí la necesidad de formar grupos fuertes en América Latina que se organicen en función
de nuestra propia realidad, ya sea en los temas de trabajo, ya lo fuera teniendo en cuenta
las posibilidades técnicas y hasta legales de nuestros países, en los que hay bastante
escasez de normativas que acompañen a la arquitectura vernácula, como lo hay en la
Comunidad Europea. Sin embargo, no podemos apoyarnos ni imitar lo que se hace por allá
sino definir mejor lo que hace tiempo ya estamos haciendo.
Veamos también que no es sólo una cuestión universitaria, ya que la arquitectura vernácula
siempre ha sido objeto de interés de muchas personas que la toman en cuenta desde
perspectivas diversas y por motivos muy disímiles. Por ello, la documentación que se genera
es muy variada y difícil de clasificar, más aún si consideramos que es muy probable que
haya sido producida sin un motivo específico sobre el tema, sino que apenas lo bordee. Se
hace necesario compulsar bibliografía antigua a la vez que la del último medio siglo, que
posiblemente esté mejor orientada a nuestro trabajo documental. En esa bibliografía antigua
podemos encontrar rastros arquitectónicos interesantes, como los que en el siglo XIX y en la
primera parte del XX aparecía en libros que no eran tratados arquitectónicos, sino manuales
diversos en los que había partes dedicadas a la orientación popular de quien quisiera
construir en el campo o en zonas alejadas. No olvidemos que por entonces nuestros países
recibieron fuertes oleadas inmigratorias y esos manuales les servían de guía para variados
asuntos al instalarse (Daireaux, 1904). Los datos que allí aparecen, así como los que
pueden encontrarse en antiguos contratos de construcción de provincias, suelen mostrarnos
Fuera de las imágenes, es muy importante el valor de las entrevistas. Si bien durante mucho
tiempo se dejó de lado la entrevista personal ya que se la consideraba de poco valor
histórico o bien mero periodismo, la documentación oral ha ido tomando mayor importancia
en los últimos años. Justamente en el caso de la arquitectura vernácula es de fundamental
importancia ya que el trabajador es el depositario del conocimiento y el garante de un
trabajo bien hecho, trabajo que generalmente no se registra en sus detalles en libros, ni
fotografías y, menos aún, en planos.
El trabajador local es el que sabe cómo cortar las tacuaras. Manizales, Colombia. Foto Colección
CEDODAL
Finalmente, sabemos que lo de audio puede pasar a papel y tener larga vida, pero las
imágenes en movimiento necesitarán rescates adecuados que deberemos considerar a
largo plazo. De todos modos, este tipo de documentación recogida de los artesanos que aun
saben cómo construir con materiales y técnicas tradicionales, necesita de toda nuestra
atención. En el caso de las entrevistas, a veces se nos hacen dificultosas ya que los viejos
maestros han sufrido a menudo el desprecio de los jóvenes y hasta de las autoridades que
buscan rapidez y eficacia económica a corto plazo. Por eso, esos artesanos a veces son
reticentes por esos malos ratos que han debido pasar. A ello se les suman dos situaciones:
por un lado, temen no saber expresarse -ya que puede costarles poner en palabras lo que
saben hacer con las manos- y por otro, la edad puede hacer dificultosa la conversación por
la vacilación o la falta de memoria.
Pero en general, el viejo albañil estará feliz de que lo tengan, por fin, en cuenta y pueda
transmitir a otros su despreciada sabiduría. Todos los detales de por qué se hacían las
cosas así o por qué no hay que hacer tal otra cosa, es fundamental para encontrar los
pequeños detalles de la arquitectura vernácula y entender los cuidados que hay que tener
en la conservación de viejas estructuras y para ayudar a no abandonar esos detalles en las
nuevas construcciones. Ello serviría también para que autoridades y normativas vieran con
otros ojos a la arquitectura vernácula, ya que esos viejos constructores darían su
experiencia práctica para definir decisiones y reglas.
No debemos olvidar lo que desde hace un tiempo viene reclamándose: que se tenga en
cuenta al obrero y al artesano, más allá del profesional que firma los proyectos o dirige las
obras. ¡Cuánto más habrá que tener en cuenta a los albañiles de las comunidades, ésos que
saben cómo se construye! Por eso, documentar lo que ellos explican es doblemente
Otra necesidad que se nos presenta es la de documentar in situ, de ver las obras en sí, ya
que éstas son un documento fundamental. Allí debe observarse lo que ya está hecho, saber
en qué época fue construido, a fin de compararlo con lo que en ese mismo sitio se construye
en la actualidad. La posibilidad de ver las variaciones que han ido haciéndose es importante
y debería indagarse por qué se han hecho los cambios, si fueron verdaderas necesidades, si
hubo variaciones porque cambiaron las costumbres o el ambiente, o porque se encontraron
formas nuevas que daban mejores resultados o, como desgraciadamente pasa, porque llegó
una moda que todos quisieron imitar. Esta documentación de etapas en una misma región
permitiría una amplitud de reflexiones.
Pero muchas veces nos encontramos con que lo vernáculo se ve como algo pintoresco, que
llena propagandas de turismo o de falsas expectativas de “ambiente natural” que hoy se
relacionan con la vida al aire libre, lo llamado “ecológico” y otras denominaciones atractivas.
Pero no se cae en la cuenta de la sabiduría que contiene y que va más allá de algo visual.
Toda la sabiduría acumulada parece entonces quedar relegada a un sitio de entretenimiento
y comercialización.
El traslado de las casas entre las islas de Chiloé, Chile, no es un tema turístico, sino una costumbre
vernácula. Foto Colección CEDODAL
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Tampoco parece verse que hay grupos humanos distantes que, aun sin conocerse, terminan
encontrando soluciones parecidas ya que su entorno físico y social tienen similitudes. Hay
ejemplos interesantes con el uso de zapatas de madera, aunque ello podría ser fruto de
antiguos intercambios. Pero hay otros en los que parece más difícil esta conexión, como los
puentes de criznejas que hoy se conservan en el Perú y son parte del Camino Principal
Andino -Patrimonio Mundial-, que tienen “hermanos” en ciertas partes de Pakistán. Ni qué
hablar de soluciones similares en muchos lugares con adobes, tapiales o techos de paja. Lo
importante es saber que esas coincidencias o parecidos han llegado a lo que hoy vemos
después de que las comunidades fueran mejorando paso a paso evaluando sus aciertos y
errores y fueran tomando decisiones de corrección.
Pero esos pequeños cambios que se hacen para perfeccionar las técnicas a veces se ve
golpeado por cambios ambientales, ya fuera los de origen natural como un cambio climático
o un sismo, ya fuera los generados por intrusiones humanas en su entorno. En tal sentido, la
deforestación que en muchos lugares se va produciendo, deja sin elementos vegetales
indispensables para partes de la construcción. A ello se une el hecho de que en los
alrededores no se encuentra otro elemento que pueda substituirlo. Entonces, se produce un
quiebre en una línea vernacular que venía siendo ajustada lentamente y la comunidad se
encuentra frente a decisiones que deben tomarse con rapidez. Documentar estas
alteraciones es también importante para entender por qué se han producido los cambios, sin
atribuirlos a innovaciones internas sino a necesidades generadas por el contexto.
Si bien en casos como los comentados la comunidad recibe influencias externas, también
hay que ver el caso contrario: cuando la arquitectura vernácula ofrece soluciones
inteligentes que son tomadas por la arquitectura académica -o “seria”, como también se la
llama-. Hay muchos ejemplos y los tratados de arquitectura lo reflejan tanto en sus
materiales y en sus disposiciones, como en las herramientas cuyo diseño proviene de lo
vernáculo. A veces uno se sorprende cuando conoce cómo se construía en la Mesopotamia
asiática formando grupos de adobes atados con una soga y constata que fue ése el origen
de la columna salomónica. Y lo mismo podría decirse de tantas soluciones que llegaron a
consagrarse entre los profesionales posteriores.
Pero a lo largo del tiempo mucha documentación va perdiéndose y toca a los arqueólogos o
a los historiadores encontrar esas viejas raíces. En vista de ello deberíamos examinar lo que
ha ocurrido en las últimas décadas, cuando se produce poca documentación, se anota en
Asimismo, hay puntos que quedan bastante de lado, como el de las herramientas, los
sistemas de organización laboral, el entorno físico, las amenazas y las oportunidades del
momento, así como los ritos constructivos y las simbologías asociadas. Aunque es bueno
contemplar que en cuanto a léxico y glosarios hay un interés especial y es un punto en el
que se han dado pasos importantes.
Preparación comunitaria del embarrado para la quincha en Panamá. Foto Colección CEDODAL
Conclusiones
Pero hay que correr contra el tiempo pues mucha documentación física existente está en
peligro y mucha documentación oral se pierde al no ser tomada en cuenta en el momento
preciso y por no dársele un resguardo suficiente.
Pero la acumulación de datos puede tornarse inoperante -y casi diríamos inútil- si ella no
alcanza una cierta clasificación que lleve a concretarse en ediciones, o si tales ediciones
sólo llegan a un público reducido.
Corrales Blanco, Juan C.; Pineda Iriarte, Ana P.; Salazar Rodríguez, Cecilia C.,
“Revalorización de la arquitectura vernácula. Módulo de vivienda para una comunidad
asháninka de Alto Kamonashiarii”, Limaq 7, Lima, Universidad de Lima, junio 2021, pp.175-
200.
Paucke, Florián, Hacia allá y para acá (Una estada entre los indios mocobíes, 1749-1767). 4
vol. Tucumán - Buenos Aires, Universidad Nacional de Tucumán, 1942-1944.
Viñuales, Graciela María (ed.), Arquitectura vernácula iberoamericana, Sevilla: Red AVI,
2013.
RESUMO
Considerando a inestimável contribuição do imigrante na constituição e configuração do território do
estado do Espírito Santo, e, identificando o restrito conhecimento histórico e documental acerca da
temática, o artigo apresenta conhecimento acerca do patrimônio edificado pelos imigrantes, no
período entre 1850 e 1950, a fim de revelar valores ambientais, territorial-paisagísticos e
socioeconômicos, e auxiliar no processo de valoração patrimonial. A metodologia adotada é
qualitativa e se realiza por meio de revisão bibliográfica, iconográfica e cartográfica, seguida da
elaboração de banco de dados, subsídio para a elaboração de inventário do patrimônio territorial, em
escala estadual, em dois suportes: fichas cadastrais individuais e mapas georreferenciados
produzidos com o software QGIS. O resultado inclui reconhecer as particularidades do patrimônio do
imigrante no Espírito Santo e fixar fundamentos para um ordenamento territorial integrador de
sedimentos materiais de longa duração. No referente ao banco de dados, os resultados revelam (i) o
projeto de colonização do território, realizado por meio de assentamentos de imigrantes europeus em
pequenas propriedades, destinadas à cultura cafeeira operada por agricultura de tipo familiar, (ii) o
desinteresse atual relativamente ao patrimônio do imigrante, (iii) a predominância da arquitetura
residencial em relação à comercial, e à rural em relação à urbana e associado isolamento entre
indivíduos e comunidades. No que se refere ao território, o mapeamento subsidia e amplia o
conhecimento acerca da imigração e do processo de povoamento do estado: no primeiro momento
(1859-1900), na direção Leste-Oeste, do litoral para o interior, com uma comunicação muito precária
no sentido norte-sul; no segundo momento (1901-1950), na direção Sul-Norte, viabilizada pela
abertura de estradas e expressa em assentamentos situados acima da margem esquerda do rio
Doce. Além do bando de dados, a metodologia representacional adotada para o mapeamento com
tecnologia digital demonstra passo importante para a documentação e representação do tema da
pesquisa. Trata-se de um passo adiante, em vista dos registros encontrarem-se majoritariamente em
suporte físico. Somado a isso, o QGIS se apresenta como ferramenta relevante para a manipulação
de dados para a produção de mapas georreferenciados em diversas escalas do território. O propósito
é atingido, no que se refere à contextualização temporal e espacial do território, à documentação do
patrimônio territorial através do banco de dados, e ao reconhecimento de particularidades do
patrimônio do imigrante no Espírito Santo.
Ainda que o povoamento do Espírito Santo tenha começado com a fundação de Vila Velha,
a exploração do território da capitania do Espírito Santo até meados no século XIX se limita
praticamente ao litoral. É por isso que Roche (1963, p.17) qualifica a penetração portuguesa
como "lenta e limitada" no Espírito Santo. A então província, até meados do século XIX, não
passa de mera divisão administrativa e não pesa na balança econômica nacional, como
afirma Derenzi (1974, p. 33). O desprezo luso-brasileiro dessas áreas em formar povoações
decorre do difícil acesso da região montanhosa do centro. Roche (1963) e Rölke (2016)
relatam a dificuldade de acesso a essa região e de instalação dos imigrantes, sendo essa
determinada pela geografia e não pela fertilidade do solo ou distribuição da vegetação.1
Frente a esse contexto, o Governo Imperial promove política de imigração, a fim de mudar
esse quadro. De acordo com Rölke (2016, p. 141), os principais motivos são o
preenchimento de extensas áreas desabitadas; a substituição de mão de obra de sujeitos
escravizados, em razão de forte pressão internacional para a abolição; e o favorecimento do
“branqueamento” da nação. Somado a isso, Posenato (1997, p.15) destaca as difíceis
condições sociais e econômicas enfrentadas na Europa pós revolução industrial, como
superpopulação, doenças endêmicas, fome, guerras e desemprego, como fatores
impulsionadores da imigração europeia para províncias brasileiras.
No Espírito Santo, os primeiros colonos que chegam em Vitória, de origem germânica, são
estabelecidos em instalações provisórias até serem transferidos para as terras destinadas à
colonização, onde cada família de imigrantes recebe prasos do Governo Brasileiro, para que
construírem suas casas e trabalharem em lavouras. Roche (1963) chama de "terras altas" o
território cedido aos primeiros imigrantes, devido às particularidades geomorfológicas dos
locais de assentamento. À medida que as famílias se fixam em lotes definitivos, vão
construindo suas residências definitivas. Até o final do século XIX, o Espírito Santo recebe
levas de imigrantes de origem germânica, italiana, tirolesa, suíça, holandesa,
luxemburguesa, polonesa, entre outros.
1
Este artigo é produto da pesquisa elaborada na iniciação científica 2018-2019 (bolsista CNPq) junto ao
Patri_Lab, inserido na pesquisa intitulada "Documentação e representação do Patrimônio: Aproximação teórico
metodológica", orientado pela professora Renata Hermanny de Almeida.
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documentação dedicados aos sedimentos materiais e cognitivos2 herdados desse período.
Segundo Lima (2017, p. 72), a arquitetura é um testemunho histórico-cultural capaz de
construir identidades coletivas e fortalecer elos de uma comunidade com sua cultura
originária. Nesse sentido, alcançar a expansão do conhecimento acerca do patrimônio
edificado se torna relevante para a compreensão de sua importância social, econômica e
cultural na formação do Espírito Santo, assim como contribuir na valoração de seus
sedimentos materiais e cognitivos em prol de processos futuros de preservação.
2 Os sedimentos materiais e cognitivos são termos fundamentados pela Escola Territorialista Italiana fundada na
Itália, por Alberto Magnaghi, cujos estudos se voltam para a análise e projeto com vistas ao desenvolvimento
local sustentável. Os sedimentos são:
Cognitivos: a) De sabedoria ambiental (uso adequado de recursos; conhecimento e técnicas de cultivo, técnicas
de salvaguarda hidrogeológica; relação sinérgica entre sistemas de produção e construção e condições
ambientais); b) Sedimentos identitários (respeito aos modelos socioculturais de longa duração, como
permanências linguísticas, étnicas, culturais e sociais, conhecimentos produtivos, artísticos e construtivos,
subculturas, etc); Materiais: a) Elementos de memória retificada na paisagem que são subsumidos na cultura e
na vida cotidiana, conotados como permanências ou persistências. Constituem historicamente um acúmulo
inteligente de informações para identificação de tipos territoriais e as regras para seu desenvolvimento.
Fornecem restrições e recursos para os próximos ciclos de territorialização. (GLOSSÁRIO, 2018, p. 21).
3 Segundo Alberto Magnaghi (2005, p. 59) o patrimônio territorial é resultado do processo histórico de
territorialização - o qual surge por meio da integração dos componentes ambientais com os elementos
construídos e os componentes antrópicos.
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inventário do patrimônio territorial do imigrante europeu no Espírito Santo4. Esse processo
elucida o entendimento da imigração, no que diz respeito à ocupação do território do Espírito
Santo e ao patrimônio constituído pelo imigrante, materializado na forma de aglomerações
espaciais e permite avaliar o estado da arte acerca de tais temáticas.
4
As principais fontes acerca da temática resultam de pesquisa em acervos físicos e digitais, como Secretaria de
Estado da Cultura (SECULT), Arquivo Público do Espírito Santo (APEES), trabalhos acadêmicos produzidos por
estudantes de graduação e pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, principalmente da Universidade Federal
do Espírito Santo (UFES), Instituto Jones dos Santos Neves, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
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territorial, abordando o território em âmbitos ambientais e socioeconômicos, principalmente.
Além disso, as publicações do APEES se revelam relativamente numerosas acerca da
história da imigração.
Nos cursos de Arquitetura e Urbanismo, a temática começa a ser explorada em 1988, com
um trabalho de conclusão de curso, na Universidade Federal do Espírito Santo. A partir dos
anos 2000, trabalhos de conclusão de curso acerca da temática são elaborados em
faculdades particulares. Mesmo assim, a soma desses trabalhos é baixa. Contudo, destaca-
se pesquisas a nível de pós-graduação, nas quais destaca-se as produzidas por
pesquisadores do Patri_Lab (Laboratório Patrimônio & Desenvolvimento), do Centro de
Artes, UFES, cuja temática é recorrente nas dissertações.
Banco de Dados
Para isso, dentro da listagem da bibliografia referente à primeira etapa, é feita seleção de
referências bibliográficas que documentam a arquitetura da imigração no Espírito Santo, em
forma de fotografias e cadastro arquitetônico. Nesse sentido, pode-se destacar as
publicações de Muniz (1989) e Posenato (1997). Ainda sobre trabalhos que documentam a
arquitetura em forma de fotografias e cadastro arquitetônico, destacam-se trabalhos
acadêmicos nos quais destacam-se os produzidos pelos alunos da Universidade Federal do
Espírito Santo (Müller, 1991; Marchiori, 1994; Spavier, 1994). É valioso, também, o Catálogo
Patrimônio Cultural do Espírito Santo - Arquitetura (ESPÍRITO SANTO, 2009), publicação
esta que reúne todos os bens imóveis tombados pelo Estado e pela União existentes no
Espírito Santo, sendo pertinente a este estudo apenas a arquitetura de origem de
imigrantes. Também é consultada a resolução de tombamento de Itapina, uma vez que o
sítio histórico possui arquitetura de origem italiana e seus exemplares não se encontram no
catálogo por ter sido tombado depois da publicação. Há, ainda, publicações que não tratam
particularmente da arquitetura, mas que a documentam por meio de fotografias - sem o
cadastro arquitetônico - junto da descrição do local onde estão inseridas. Esse tipo de
registro é também significativo para a construção do banco de dados. Nesse sentido,
destacam-se os livros publicados pelo APEES, que tratam sobre o processo de imigração
(Grosselli, 2008; Franceschetto, 2014; Lopes, 2003; Tschudi, 2004). A contribuição de Lopes
(2003) e Tschudi (2004) é valiosa pelos registros fotográficos de Victor Frond e Albert
Richard Dietze, dois fotógrafos que, na segunda metade do século XIX, registram diversas
localidades das primeiras colônias no Espírito Santo, elucidando o início do processo de
imigração. Este acervo também pode ser encontrado na Biblioteca Nacional Digital.
Os estudos que elaboram o cadastro arquitetônico não existem em meio digital - a mais
recente delas é de 1994. Sendo assim, é necessário escanear todo este material para poder
armazená-lo e organizá-lo digitalmente. O mesmo ocorre com as fotografias das publicações
que não existem em meio digital: todo o material selecionado é escaneado. Cataloga-se as
edificações do tipo residencial, comercial, religioso, misto (residencial e comercial) e público
(escola, museu, por exemplo); não constando edificações complementares como moinho,
paiol, campanário, etc e nem edificações ocupadas por imigrantes sem terem sido
construídas por eles (é o caso de fazenda de café). Este processo, além de contribuir para a
organização do acervo, contribui para a execução do mapeamento georreferenciado e
permite a visualização em tabelas e gráficos com os dados organizados. A figura 1
apresenta o quadro síntese do banco de dados da arquitetura com o respectivo quantitativo.
As edificações levantadas somam 383 e dividem-se em 31 municípios do estado. O
município que mais possui edificações levantadas é Santa Teresa, município com imigrantes
predominantemente italianos, seguido de Santa Leopoldina que possui sítio histórico
tombado. A seguir, está o município de Domingos Martins, originado da colônia de Santa
Isabel. Tais quantitativos são esperados, de acordo com a pesquisa bibliográfica, uma vez
que tais municípios são território das colônias mais antigas.
Para o mapeamento do Espírito Santo, são produzidos dois mapas: o primeiro representa o
recorte de 1850-1900 e o segundo, o recorte de 1901-1950. Como base para a execução
destes mapas são utilizadas as bases do limite municipal, disponibilizado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de acordo com o recorte temporal de cada
mapa. São identificadas as sedes municipais e também a capital. Para a visualização do
relevo, é gerado o hillshade a partir de operação interna, utilizando o shapefile de pontos
cotados e curva de nível. Finalmente, compondo ainda a base, são representados os rios
principais do Espírito Santo, a partir da filtragem do shapefile referente ao trecho de
drenagem do estado, disponibilizado pelo GEOBASES. Com as bases prontas, ambos os
mapas são construídos separadamente.
Os núcleos coloniais pioneiros são os primeiros territórios coloniais do estado, são eles
Santa Isabel (1847), Santa Leopoldina (1857), Rio Novo (1855), e os núcleos coloniais de
Santa Teresa e Santa Cruz, pertencentes à Santa Leopoldina. Tais territórios são chamados
de pioneiros pois representam apenas as primeiras colônias, uma vez que, até 1900,
grandes levas de imigrantes chegam no estado e ocupam diversas outras áreas. A
identificação dessas áreas foi feita a partir da Planta da parte da Provincia do Espirito Santo
em que estão comprehendidas as colônias - organizada na Inspectoria Geral de Terras e
Colonisação pelos engenheiros C. Cintra e C. Rivierre, datada de 1878, utilizando como
referência os leitos dos rios para a delimitação das colônias indicadas, uma vez que este
mapa, por ser antigo, não representa a realidade pois os limites geográficos não estão
totalmente corretos.
Identifica-se, também, os trechos navegáveis por canoas, de acordo com o Mappa geral da
Provincia do Espirito Santo relativo as Colonias e Vias de Comunicação por C. Krauss,
datado de 1866. Tais trechos são importantes para os colonos pois as estradas ainda são
muito precárias. Neste mapa, são identificados tais trechos na legenda e, são eles, o rio
Santa Maria - da ilha das caieiras até o Porto de Cachoeiro; o rio Marinho - canal construído
O banco de dados por meio do Quadro Síntese permite reflexões reveladoras do contexto
histórico e econômico da imigração e também sobre o desinteresse atual acerca do
patrimônio do imigrante. No que se refere aos gráficos, a Data de Construção revela um
número desconhecido muito superior revelando uma escassez considerável de dados. No
que se tem conhecimento, o recorte de 1901-1950 é mais numeroso, podendo revelar uma
persistência no território advinda de um deslocamento numeroso de levas de imigrantes dos
anos anteriores. A localidade revela a maioria localizada em área rural, reiterando o contexto
da política de imigração promovida pelo Governo Imperial, que deu início a diversas colônias
e núcleos coloniais no interior do Espírito Santo. Esse resultado se relaciona diretamente
com o gráfico da Tipologia/Classificação onde a quantidade de arquitetura residencial se
mostra muito superior em relação à comercial, corroborando o fato de famílias dos colonos
viverem de agricultura de subsistência. No que se refere ao Cadastro Arquitetônico, a
quantidade de imóveis sem registro é, assim como a data de construção, representa grande
maioria. A porção do gráfico representante do “SIM” é essencialmente vinda de produções
acadêmicas reunidas na pesquisa bibliográfica e documental. O nível de proteção da
arquitetura produzida pelo imigrante se revela com porcentagem baixa, acompanhando o
padrão de resultados verificados. Por fim, o nível de georreferenciamento das edificações
cadastradas também é muito baixo.
Essa síntese revela um acervo bibliográfico e documental restrito e disperso com materiais
muitas vezes encontrados em somente suporte físico e de acesso limitado, dificultando a
própria pesquisa. É o caso de trabalhos acadêmicos antigos não digitalizados e publicações
não facilmente disponíveis em bibliotecas ou similares. Uma outra consideração é o estado
de conservação dessa arquitetura pois, uma vez que diversas publicações possuem
diferença de 20 anos em média com a atualidade, não é possível afirmar a permanência e o
respectivo estado de conservação de todas as edificações desse quadro síntese. Além
disso, os gráficos revelam quantidade de informações históricas e gráficas das edificações
muito restrita de informações. É possível relacionar essa condição a certo desinteresse
acerca da temática. De uma abundância de 31 municípios com arquitetura levantada,
apenas quatro possuem edificações com arquitetura produzida pelo imigrante tuteladas por
legislação. São eles Domingos Martins, Itapina, Santa Leopoldina e Santa Teresa. Por outro
lado, ainda que o número seja pequeno, o Quadro Síntese revelou uma quantidade
significativa de municípios contemplados. Sendo 78 o total de municípios no Espírito Santo,
no quadro estão presentes 40% deles, indicando, de fato, a relevância do imigrante na
ocupação do estado.
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No que se refere ao território, a espacialização da arquitetura no mapeamento demonstra
dois processos: a história da imigração e o povoamento do Espírito Santo. Desse modo,
revela-se um povoamento no primeiro momento na direção Leste-Oeste, do litoral para o
interior, com uma comunicação muito precária no sentido Norte-Sul entre as colônias. As
estradas e caminhos transversais são muito precários devido ao relevo e só se multiplicam a
partir do século XX. A localização das comunidades com arquitetura registrada no mapa
mostra que a maioria das comunidades está inserida nas manchas coloniais representadas
nos mapas históricos de 1866 e 1878, e, as que não estão, se localizam ao longo de
estradas. Identifica-se, também, que o início da povoação está restrito à porção central do
Espírito Santo, entre os rios Doce e Itapemirim. No mapa do recorte de 1901-1950, fica clara
uma maior exploração do norte do rio Doce, seja por estradas ou por comunidades com
arquitetura cadastrada. Além disso, as estradas já cortam a região acidentada do estado,
permitindo ligação mais efetiva no sentido norte-sul. Neste período, a expansão dos
imigrantes decorre tanto devido à chegada de levas de imigrantes, quanto devido à
migração interna de colonos já estabelecidos.
Referências Bibliográficas
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1974.
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RÖLKE, Helmar. Raízes da Imigração Alemã: História e Cultura Alemã no Estado do Espírito
Santo. Vitória (ES): Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2016. 624 p. :il.
SARTÓRIO, Élvio Antônio. A trilha sagrada: anatomia histórica das estradas: compêndio,
história e monografia. [S.l.: s.n.], 2007. (Vitória, ES: Sodré). 2 v.
SERRA, Geraldo G.. Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, EDUSP & Mandarim
Editora, 2006.
RESUMO
Este artigo tem como objeto de estudo, a reconstrução virtual da Residência Aderson Gomes,
projetada em 1964 pelo engenheiro e arquiteto autodidata Geraldino Duda, na cidade de Campina
Grande, a qual faz parte do acervo moderno local. Logo, esse trabalho possui como objetivo,
apresentar os resultados de pesquisas acerca das residências modernas, desenvolvidas pelo Grupo
de Pesquisa Arquitetura e Lugar (GRUPAL.UFCG). O grupo já vem atuando nas áreas de pesquisa e
documentação sobre a modernidade arquitetônica campinense há anos, utilizando ferramentas
digitais para a realização dos estudos. O trabalho justifica-se por apresentar resultados inéditos e
mais aprofundados sobre esse estudo de caso, contribuindo assim para a documentação e para a
afirmação e resgate do patrimônio histórico campinense. Além disso, apresenta grande relevância
dentro do cenário regional e nacional, por utilizar ferramentas digitais para redesenho e análise da
obra estudada. Como aporte teórico para o estudo da obra de Geraldino Duda e da arquitetura
moderna local, destaca-se os trabalhos realizados por Meneses (2017), Afonso (2018) e Queiroz e
Melo (2006), além de autores que contribuem para o estudo da arquitetura, como Frampton (1995),
Mahfuz (2002) e Colin (2000). Para o desenvolvimento da análise projetual foi utilizada como
metodologia a proposta por Afonso (2019), que faz uma análise detalhada sobre o objeto
arquitetônico, e é dividida em sete dimensões: normativa; histórica; espacial; tectônica; formal;
funcional; e conservação. Dessa forma, acredita-se que os resultados obtidos irão colaborar com o
estudo da arquitetura moderna local, destacando também a atuação de Geraldino Duda e reforçando
ainda mais a pesquisa arquitetônica e a documentação do patrimônio no nordeste brasileiro.
Tem como objetivo principal, a apresentação dos resultados de uma pesquisa realizada no
curso de Arquitetura e urbanismo da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG,
com o apoio do Grupo de Pesquisa Arquitetura e Lugar – GRUPAL, bem como gerar toda a
documentação da obra, que faz parte da ascensão e consolidação da arquitetura moderna
na cidade. Essa produção apresentou ainda uma identidade regional própria que se revelou
a partir de um conjunto de decisões projetuais baseadas nos princípios modernos difundidos
durante aquele período.
Justifica-se por se aprofundar ainda mais nesse estudo de caso, apresentando alguns
resultados inéditos. Além disso, a documentação e o resgate do patrimônio moderno
contribuem diretamente para a salvaguarda da memória da residência, bem como para a
obra de Geraldino Duda, dialogando com a preservação e conservação do acervo
arquitetônico de toda a cidade.
Finalmente, espera-se com esse estudo contribuir diretamente para a salvaguarda da obra
aqui apresentada e das demais obras modernas existentes na cidade, além de reforçar
ainda mais o papel das ferramentas digitais na documentação da arquitetura e do patrimônio
como um todo. Acredita-se também que essa é mais uma oportunidade de fortalecer ainda
mais a discussão sobre a atuação de Geraldino Duda em Campina Grande, bem como sua
influência para a contemporaneidade e para a arquitetura local.
2 METODOLOGIA
Como método de análise do objeto arquitetônico foram utilizados os parâmetros
estabelecidos por Afonso (2019), que se baseiam em sete dimensões para análise do objeto
A dimensão histórica está associada ao tempo, corte cronológico, ou até mesmo fatores
sociais, políticos, culturais, econômicos e urbanos que eram vigentes no momento em que o
objeto de análise foi projetado e construído. Conforme as conclusões da autora, os fatores
que deram origem ao projeto como a obra, o cliente, custos e outras variantes, devem ser
levados em consideração.
No segundo nível deve ser feita a análise espacial interna da edificação, observando fatores
relacionados a: soluções de implantação no terreno, programa de necessidades, solução de
planta baixa, zoneamento, fluxos e dimensionamento de espaços, entre outros. Nessa etapa
do estudo todo o material de redesenho (como a representação 2D do projeto original,
imagens tridimensionais, material gráfico, esquemas, etc) é produzido.
2 DIMENSÃO NORMATIVA
Do ponto de vista patrimonial, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da
Paraíba – IPHAEP é o responsável em nível estadual pela preservação do patrimônio local,
incluindo nesse caso a residência Aderson Gomes. O IPHAEP delimitou em 28 de junho de
2004 (Decreto Estadual nº 25.139/2004) a área referente ao centro histórico da cidade de
Campina Grande, no qual estão inclusas diversas ruas do bairro do Centro. Embora muito
próxima a esse perímetro, a residência não está incluída nele e também não se encontra
sob a proteção de nenhuma outra legislação patrimonial, estando assim desprotegida. É im-
portante citar ainda, que essa área é fortemente influenciada pelo uso comercial, oferecendo
um certo risco a sua preservação.
2 DIMENSÃO HISTÓRICA
2.1 Contextualização
A residência Aderson Gomes foi construída no ano de 1964. Nessa época, Campina Grande
passava por um período de crescimento e recebia investimentos da Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, o que proporcionou a implantação de várias in-
dústrias, a consolidação do comércio local e ampliação e criação de bairros como Centro e
Prata que adotaram nesse período a arquitetura moderna como linguagem plástica formal
das residências.
2.2 A obra
A residência foi projetada para o Sr. Aderson Costa Gomes, pai de nove filhos e proprietário
(juntamente com sua esposa) das Casas Guri – loja de roupas e variedades que funcionava
na rua Maciel Pinheiro no bairro Centro de Campina Grande. Ele também foi presidente da
Câmara dos Dirigentes Lojistas de Campina Grande/CDL – C.G nos anos de 1973 à 1977,
período no qual foi reconhecido pelo seu trabalho em prol do desenvolvimento do comércio
local.
Como consta no carimbo das pranchas originais do projeto, a residência apresenta uma
área total equivalente a 362,30 m², sendo dividida em porão (122,20 m²) e térreo (240,10
m²). Possui um amplo programa para suprir a necessidade de uma família grande que foi
descrito nas plantas originais como: abrigo (garagem), jardins, 05 quartos, 03 sanitários, 02
vestiários (Closet), depósito, quarto de empregada, área de serviço, 03 alpendres, sala de
estar, sala de jantar, copa, cozinha e sala íntima, sendo considerada para a época uma re-
sidência moderna de alto padrão.
2.1 O autor
Mais tarde, de volta a Campina Grande, ele se destaca pela sua habilidade com o desenho
e um dos seus principais contatos com a arquitetura se dá aos 15 anos quando é convidado
para trabalhar no escritório do arquiteto Josué Barbosa. Em 1960, ainda estudante de enge-
nharia civil, é convidado a trabalhar como projetista e assistente em Arquitetura e Urbanismo
para a prefeitura de Campina Grande, no departamento de Arquitetura e Urbanismo.
No período que ficou na prefeitura teve a oportunidade de ir a Brasília, no ano de 1961, on-
de conheceu Oscar Niemeyer (sua grande referência profissional) e suas obras que quando
criança admirava em revistas e jornais. Retornando a Campina Grande com referências do
seu mestre, foi convidado a projetar o que é considerada a sua obra mais icônica, bastante
importante na trajetória profissional do arquiteto: o Teatro Municipal Severino Cabral, proje-
tado em 1962 e parcialmente inaugurado em 1963.
Na década 1970, Geraldino tirou licença do seu cargo na prefeitura para concluir o curso de
Engenharia Civil, em Campina Grande, ofertado na Escola Politécnica da Paraíba – trans-
formada na UFPB, onde ele ingressou como estudante de engenharia civil. Logo após, vol-
tou a trabalhar na prefeitura onde contribuiu com o urbanismo da cidade. Seu conjunto de
obras é vasto, incluindo projetos institucionais, residenciais, comerciais, de serviços e obras
urbanas. “Sua contribuição com o urbanismo da cidade é vasta” (MENESES, 2017).
Figura 01 – Prancha de inserção da residência nas escalas: país, estado, cidade, bairro e quadra.
Fonte: SEPLAN PMCG, 2011 e Google Maps, 2021. Editado e ilustrado pelos autores, 2021.
A residência Aderson Gomes está localizada no bairro do Centro, na rua Professor José
Coelho, n° 128, em um terreno de esquina com a rua Jerônimo Gueiros. Sua locação se ca-
racteriza por uma topografia um pouco acidentada, onde as ruas atualmente são calçadas
por paralelepípedos e as quadras vizinhas abrigam em sua grande parte um uso mais resi-
dencial. Sua localização tem como pontos de referência o centro comercial da cidade, o
Parque Evaldo Cruz e o Teatro Severino Cabral.
Como consta nas pranchas originais do projeto, o terreno destinado a construção da resi-
dência possui dimensões de 21,50mx25,00m e uma área de 536,30 m². A área total constru-
ída por sua vez, equivale a 352,30 m², sendo distribuída entre o porão (com 122,20 m²) e
térreo (com 240,10 m²). A implantação da residência se dá de forma centralizada no terreno,
apresentando os quatro recuos. Os recuos principais criam uma área de jardim em “L” e pa-
ra lidar com a topografia, o andar térreo foi nivelado com o nível mais baixo do terreno atra-
vés de corte. O pavimento superior, por sua vez, foi alinhado ao nível mais alto através de
um aterro.
Essa forma de trabalhar o espaço externo foi bem comum na cidade, como afirma Almeida
(2007, p. 44) no seu estudo sobre a arquitetura moderna campinense:
No que diz respeito a solução espacial do projeto, observa-se que o pavimento térreo conta
com uma suíte e com um abrigo para carros, sendo as demais dependências destinadas a
serviço. Meneses (2017, p. 170) aponta que existe uma permeabilidade nos espaços abri-
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gados no térreo, característica essa que permite um contato entre esses espaços e as duas
ruas da esquina, bem como com o jardim da própria residência.
Um elemento importante é o jardim interno, que funciona como núcleo e conecta de forma
visual os dois pavimentos. A partir dele, o arquiteto dispõe uma escada que se destaca no
vazio e dá acesso ao pavimento superior conectando ainda, a suíte presente no térreo. O
núcleo de serviço também se abre para esse vazio através de janelas e por meio desse es-
paço, a planta da residência se desenvolve, assumindo um formato de “O”.
Figura 02 – Reconstrução virtual 2D das plantas; fotos do espaço externo da residência e das pran-
chas originais do projeto.
Fontes: Redesenhos desenvolvidos pelos autores, 2021; fotos por MENESES, Camila, 2017 e SILVA,
Wilson, V., 2021.
A cozinha e a copa possuem aberturas voltadas para nordeste, compondo o pequeno setor
de serviço presente nesse pavimento. Existe uma rampa na fachada lateral que se torna
elemento de destaque além de servir também como acesso ao esse pavimento, criando
uma conexão entre o abrigo no térreo e a varanda superior.
Observa-se então que são criados 3 acessos distintos: a escada, disposta no jardim interno;
a rampa, presente na lateral; e o acesso de serviço no recuo da fachada sudoeste. É impor-
tante destacar a presença de uma segunda escada que tem a função de conectar os nú-
cleos de serviço presente em cada pavimento.
4 DIMENSÃO TECTÔNICA
A análise da dimensão tectônica leva em conta diversos aspectos que não estão relaciona-
dos apenas a estrutura da edificação. Baseado nas discussões propostas por Frampton,
Amaral (2009, p. 161) assinala que “a tectônica se refere não unicamente à estrutura, mas à
pele da construção (o envelope), e assim, ao seu aspecto representacional, demonstrando
que a construção é uma complexa montagem de elementos diversos.”. Logo, serão levados
em consideração nessa análise 5 elementos: a estrutura, a coberta, as peles, os detalhes e
os materiais.
4.2 Coberta
A coberta apresenta duas águas, sendo precedida por uma laje que segue a inclinação da
telha utilizada. Segundo Almeida (2007, p. 46) era visível nos projetos residenciais da época
o uso dessas lajes planas ou inclinadas “falsas”, que utilizavam uma nova versão de plati-
banda para esconder o telhado que as recobria. Assim, de forma conjunta, o uso da viga
invertida na estrutura (como citado anteriormente) também influencia na coberta, fazendo
com que as telhas e calhas fiquem escondidas nas fachadas.
Ainda como assinala Meneses (2017, p. 168), a coberta também saca, criando pequenos
beirais que dão a sensação de que as paredes estão recuadas. É possível observar também
que existe uma inclinação no encontro entre a coberta e a marquise que divide térreo e pa-
vimento superior, criando na fachada, um traço diagonal comum ao prisma.
4.3 Peles
O diálogo entre o interior e o exterior foi pensado e salvaguardado por meio das aberturas
possibilitadas pelas esquadrias e pelas peles vazadas, criando também permeabilidade vi-
sual. As janelas em madeira com venezianas vazadas, permitem a renovação da ventilação
interna, enquanto as esquadrias – que possuem vãos generosos – têm um importante papel
na promoção do conforto ambiental no interior da edificação, proporcionando ventilação cru-
zada.
Na parede lateral da varanda encontram-se quatro aberturas verticais, que agregam mais
permeabilidade ao interior, uma vez que além do uso da madeira e das venezianas, nas es-
quadrias também foi utilizado vidro, possibilitando iluminação natural aos ambientes inter-
nos.
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Um outro elemento extremamente importante para a integração entre os espaços são os
cobogós. Nesta residência eles são utilizados com o intuito de integrar os ambientes inter-
nos, mais especificamente o jardim e a sala íntima, garantindo permeabilidade visual e venti-
lação natural.
4.4 Detalhes
As escadas e a rampa são apresentadas como elementos especiais de destaque nesta ar-
quitetura. A escada localizada no jardim interno possui dois sistemas estruturais, no primeiro
lanço os degraus são engastados em uma viga central, enquanto no segundo, quando a di-
reção é alterada, os degraus são engastados em uma viga lateral. Como apontado anteri-
ormente, essa escada se destaca no vazio do jardim não só pelo seu formato, mas também
pelo uso do mármore branco como materialidade.
A rampa por sua vez chama atenção principalmente pela sua extensão. Embora não tenha
sido executada conforme o projeto, a mesma ocupa toda a lateral esquerda da residência
sendo uma das principais ligações entre o pavimento térreo e o pavimento superior. Sua im-
portância volumétrica também é claramente perceptível, pois traz um diferencial muito forte
para a fachada lateral na qual foi projetada.
4.5 Materiais
Assim, neste projeto foram empregados uma diversidade de materiais, agregando persona-
lidade e autenticidade a obra. A residência segue uma paleta de cores neutra que varia de
acordo com as cores e texturas naturais da materialidade, caracterizada nesse caso, pelo
uso de madeira, vidro, pedras naturais, louça e revestimentos cerâmicos.
O piso de toda a casa recebeu um revestimento cerâmico em tom bege, enquanto a maior
parte das paredes externas recebeu pastilhas em tom avermelhado. De forma geral, essa
materialidade garante variedade e uma riqueza material, dosados de forma harmônica, ga-
rantindo um visual limpo e aconchegante.
5 DIMENSÃO FUNCIONAL
Seguindo o que é proposto por Colin (2000, p. 41), a análise dessa dimensão se divide em
três categorias: a função sintática, que diz respeito a relação da obra com a cidade; a se-
mântica, que investiga a relação com a sociedade; e a pragmática, que analisa a forma co-
mo a obra abriga seus diversos usos e atividades.
Como afirma Afonso e Meneses (2016, p. 5) nos anos 60, Campina Grande passava por um
progresso notório, onde a modernidade arquitetônica era imperativa na cidade, destacando-
se a obra do próprio Geraldino Duda, por exemplo. Assim, sintaticamente falando, essa re-
sidência é extremamente representativa e possui um certo destaque, por fazer parte desse
momento histórico que é marcado pela emergência e difusão da arquitetura moderna na ci-
dade.
Quanto a função pragmática, o projeto original da residência apresenta uma ótima adequa-
ção com as atividades características de uma habitação. Assim, seu zoneamento é apresen-
tado de forma bem definida: o pavimento térreo é destinado sobretudo às zonas de convi-
vência semi-internas e de serviços (contando ainda com uma suíte); enquanto os espaços
sociais e de convivência estão localizados no pavimento superior.
A partir de visitas in loco foi constatado que atualmente, além da função residencial, essa
obra também recebe uma clínica médica que funciona no térreo. Para abrigar esse novo
uso, foram feitas mudanças no projeto original, de forma que um acesso para a clínica foi
criado na fachada frontal. Devido a impossibilidade de realizar novas visitas in loco, porém
com base no levantamento fotográfico, acredita-se que o quarto de empregada do projeto
original, bem como alguns ambientes de serviço localizados no térreo foram adaptados para
receber as novas atividades.
Figura 03 – Reconstrução virtual 2D dos cortes e fachadas; fotos de algumas soluções e materiais
utilizados na residência.
Fontes: Redesenhos desenvolvidos pelos autores, 2021; fotos por MENESES, Camila, 2017 e SILVA,
Wilson, V., 2021.
Esta edificação foi concebida com um único volume puro, no qual foram feitos subtrações e
recortes, moldando uma forma limpa e moderna. Esse volume foi dividido em duas partes,
onde o pavimento inferior apresenta maiores recortes, compreendidos principalmente na
área da garagem e do pátio interno que cria um vazio vertical ao longo de toda a edificação.
No pavimento superior, há uma massa mais sólida, com aberturas solucionadas a partir das
esquadrias, e como exceção, a partir das duas varandas superiores (uma na fachada princi-
pal e outra na fachada posterior). Da laje intermediária surge um elemento em concreto em
formato de pérgola que cruza toda a fachada principal e agrega leveza a obra. Além desta
característica, destacam-se os traços inclinados da forma, que criam ângulos marcantes na
volumetria e na paisagem.
Como mencionado anteriormente, embora não tenha sido executada conforme o projeto ori-
ginal, a rampa na fachada lateral é um elemento de destaque na edificação, claramente utili-
zada pelo arquiteto para nortear a volumetria geral da obra.
7 DIMENSÃO DA CONSERVAÇÃO
Existe também a presença de algumas patologias na construção. Ao passar pela rua, por
exemplo, observa-se a existência de algumas manchas na pintura da fachada. No entanto, é
necessário salientar que essa é uma análise mais geral da conservação, necessitando de
Fontes: Redesenhos desenvolvidos pelos autores, 2021; fotos por SILVA, Wilson, V., 2021.
A documentação na arquitetura se constitui como um tema muito relevante no que diz res-
peito ao estudo e conservação do patrimônio, bem como resgate e valorização da obra de
diversos arquitetos independente da localidade. É perceptível como a produção arquitetôni-
ca (seja ela dos mais diversos estilos e períodos) sofre com a precariedade e muitas vezes
com o descaso que lhe é direcionado. A sistematização dos documentos existente ainda se
mostra travada, além de oferecer os mais variados riscos de perda.
Além disso, é importante destacar o uso de ferramentas que permitem a reconstrução das
obras em perspectiva 3D, como o Sketchup, 3DS Max, Revit, entre outras. Com elas é pos-
sível representar a obra em 3 dimensões, criando um modelo simplificado da realidade ou
do que foi originalmente projetado. Sendo assim, elas oferecem diversas oportunidades e
aplicações nesse campo:
Finalmente, o estudo aqui apresentado é resultado integral do uso das ferramentas digitais
para reconstrução virtual. Esse método de documentação permitiu não só a recuperação do
projeto original da residência Aderson Gomes, como o aperfeiçoamento dos estudos e mate-
riais que já haviam sido produzidos. Além disso, possibilitou gerar – de forma inédita – a re-
presentação da obra em três dimensões. Logo, devido as visitas in loco terem sido limitadas
ou mesmo impossibilitadas, foi possível fazer uso dessa modelagem 3D para compreender
as diversas soluções adotadas no projeto.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a realização de todo esse estudo, foi possível constatar o valor que a residência Ader-
son Gomes representa para a cidade e para a academia, reforçando também a contribuição
e os atributos da obra de Geraldino Duda. Acredita-se ainda que esse trabalho trouxe con-
tribuição direta para a conservação do patrimônio, apresentando o uso de ferramentas digi-
tais para reconstrução virtual e trazendo para a discussão a importância desse método para
a documentação da arquitetura e como sua aplicabilidade pode oferecer oportunidades.
Por fim, faz-se necessário ressaltar a urgência de proteger não só a residência Aderson
Gomes, mas o vasto acervo de valor histórico presente na cidade, buscando implementar
meios efetivos de garantir a salvaguarda dessas obras, tendo em vista que sua conservação
está a todo momento ameaçada.
AMARAL, I. (2009). Quase tudo que você queria saber sobre tectônica, mas tinha ver-
gonha de perguntar. Pós. Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urba-
nismo da FAUUSP, (26), 148-167. https://doi.org/10.11606/issn.2317-2762.v0i26p148-167
COLIN, Silvio. Uma introdução a arquitetura. 5. Ed. Rio de Janeiro: UAPE, 2000.
MAHFUZ, Edson. Reflexões sobre a construção da forma pertinente. Arquitextos, São Pau-
lo, ano 04, n. 045.02, Vitruvius, fev. 2004.
RESUMO
Barra de Santo Antônio é um dos mais novos municípios do estado de Alagoas. Tendo sido
emancipado de São Luiz do Quitunde em 1960, o Rio Santo Antônio Grande se tornou o principal
demarcador do limite territorial entre as duas cidades, as quais também compartilham a mesma
história de origem. Segundo Diégues Júnior (1980) a ocupação daquela região se deu ainda no início
do século XVII, através da doação da sesmaria a Rodrigo de Barros Pimentel que erigiu engenhos de
açúcar com o propósito de povoar e desenvolver a região. O trabalho em tela surgiu como fruto dos
resultados obtidos durante um projeto de iniciação científica de alunos do curso de Arquitetura e
Urbanismo do Centro Universitário Tiradentes voltado para localizar, realizar levantamentos e
catalogar os engenhos banguê remanescentes dentro do atual limite municipal da Barra de Santo
Antônio. Através da análise cartográfica para localização de engenhos, seguida de visitas de campo,
levantamentos fotográficos e pesquisa bibliográfica, a pesquisa buscou reunir e documentar os
principais registros dos engenhos no território da Barra de Santo Antônio, a fim de compor um banco
de dados que possa garantir ao menos a memória documental destas construções. Foi possível,
através das pesquisas, observar as limitações documentais acerca destes engenhos, onde muitas
vezes, os principais registros existentes são os próprios remanescentes arquitetônicos. Mesmo assim,
vários engenhos foram localizados, sendo alguns inclusive visitados, gerando registros fotográficos
de seus remanescentes. Acervos documentais, físicos e virtuais foram consultados, e as informações
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encontradas, mesmo que escassas, geraram uma ficha documental do engenho, contendo
localização, imagens, levantamento histórico e antologia bibliográfica. Essas fichas deverão contribuir
para alimentar um banco de dados, a ser disponibilizado virtualmente, de forma a tornar mais
acessível o conhecimento e preservação da memória destes lugares que tanto contribuíram para a
formação do estado de Alagoas.
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1. INTRODUÇÃO
O açúcar no Brasil colônia foi um dos principais elementos de exportação e
enriquecimento da coroa portuguesa. O solo e o clima dos trópicos favorecem o plantio de
cana-de-açúcar no nordeste, assim como descreve Vera Ferlini (2017):
Com o propósito de melhor desenvolver o novo território português, foi que surgiram
as capitanias hereditárias, sendo doadas a donatários a que se responsabilizaram pelo
progresso – principalmente econômico – do novo Brasil (FERLINI, 2017). A capitania de
Pernambuco, que até 1817 abarcava o território do atual estado de Alagoas, foi uma das
que mais teve investimento no comércio de açúcar, e foi palco de muitos episódio relevantes
para a história do nordeste brasileiro, como a invasão holandesa no século XVII ou a
Revolução Pernambucana no século XIX.
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e cultural da região, além da visita de campo de um dos engenhos encontrados ao decorrer
da pesquisa.
A região que abrange hoje ambas as cidades foi uma doação de Cristóvão Lins,
fidalgo responsável por povoar e erigir engenhos na região de Porto Calvo, a Rodrigo de
Barros Pimentel em 1608, o que impulsionou o povoamento e a construção de engenhos
banguês desde o vale do rio Santo Antônio Grande até do Camaragibe, região que teve
destaque devido às suas atividades açucareiras. (SILVA, 2015).
Segundo Costa (1983) a região do Santo Antônio dos Quatro Rios era de
propriedade de Antônio de Barros Pimentel, pai de Rodrigo, indicando o mesmo como o
segundo donatário da região que se estendia da foz do Manguaba a Santo Antônio do
Meirim: “Era grande a sesmaria conhecida por Santo Antônio dos Quatro Rios, por serem
quatro os cursos fluviais que a banhavam - Manguaba, Tatuamunha, Camaragibe e Santo
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
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Antônio.” (COSTA,1983, p.18). Porquanto Diégues Júnior escreve que, em 1608 as terras
da parte sul foram doadas a Rodrigo de Barros Pimentel, sendo o mesmo proprietário do
engenho Morro e Santo Antônio no período holandês. (DIÉGUES JÚNIOR, 2006, p. 56,57).
Mesmo sendo doada à família Barros Pimentel no início do século XVII, a exploração
efetiva deste território se deu durante o período da invasão holandesa, especificamente com
Alberth Sourth, que fazia parte das tropas de Van Dorth, desembarcou onde hoje é a Barra
de Santo Antônio em 1624 (SILVA, 2015). O rio Santo Antônio Grande, que servia como
transporte fluvial entre a região de Porto Calvo e a zona sul da comarca de Alagoas, foi um
dos elementos que facilitaria o desbravamento da região. E embora seja creditado aos
portugueses o povoamento da região, na Ilha da Croa já existia uma comunidade indígena
conhecida como Poço dos Veados. (MENDONÇA; SIMÕES, 2012).
Foi nas margens do rio Santo Antônio Grande que se desenvolveu os primeiros
assentamentos de engenhos banguês locais, como o Engenho Guindaste, O Engenho
Santo Antônio Grande, o Engenho Quitunde, o Engenho Castanha, entre outros. A
economia da região era fundamentada principalmente na atividade canavieira, mas foi
substituída pela atividade agropecuária na metade do século passado, devido à fundação de
usinas, como a Santo Antônio Grande, fundada em 1952, que assumiu responsabilidade
pela produção de açúcar não só local como de outras regiões próximas. (MENDONÇA;
SIMÕES, 2012).
Alguns engenhos têm mais destaque na literatura do que outros, como o próprio
Engenho Santo Antônio, o qual, segundo Diégues Júnior (1980), foi propriedade de Rodrigo
de Barros Pimentel, erigido nas margens do rio Santo Antônio Grande, sendo o primeiro da
região (DIÉGUES JÚNIOR, 1980, p. 55) e perdurando durante o domínio holandês.
Acredita-se que este mesmo engenho tenha originado a usina Santo Antônio, por ser
encontrado em mapas antigos a localização do engenho próxima à da atual usina
(DIÉGUES JÚNIOR, 1980, p. 48). A usina está localizada no território de São Luiz do
Quitunde, e não no da Barra de Santo Antônio, embora leve o nome do município,
provavelmente por ambos homenagearem o rio. Também é possível encontrar citação do
engenho e seu proprietário no livro Breve Discurso, do holandês Van der Dussen em 1638
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(DIÉGUES JÚNIOR, 1638 p. 90). E, segundo o autor, seu segundo proprietário foi outro
Rodrigo de Barros Pimentel, filho do primeiro.
É possível também encontrar um registro feito por Silva (2015, p. 22) datado em
1859 que aponta o engenho Santo Antônio Grande como propriedade dos “Herdeiros do
Cel. José Paulino”, e que esta propriedade chegava a produzir 1.100 a 1.200 pães de
açúcar.
Segundo Silva (2015), o primeiro templo católico da região foi edificado no Engenho
Santo Antônio Grande, mas durante a invasão holandesa foi incendiado e destruído. A
imagem de Santo Antônio acabou sendo perdida e levada pelo rio Santo Antônio Grande, e
encontrada deteriorada e sem cabeça na Ilha da Croa na própria Barra de Santo Antônio, e
hoje está na igreja Nossa Senhora da Conceição (SILVA, 2015, p. 70).
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2.4 O Engenho Gameleira
Outro engenho da Barra de Santo Antônio encontrado na obra de Silva (2015) foi o
Engenho Gameleira. Não se tem muita informação sobre ele, apenas sua aparição em uma
lista de engenhos que existiam no ano de 1859 que margeavam o rio Santo Antônio Grande
assim como outras propriedades: “Castanha Grande, Roncador, Cachoeira, Quitunde,
Guindaste, Cabeça de Porco, Pacas, Lagoa Vermelha, Santa Rosa do Flamenguinha e
Forquilha.” (SILVA, 2015, p. 39) Nesta época, Gameleira era propriedade de Antônio
Bandeira de Melo; Santo Antônio Grande era dos herdeiros do Cel. José Paulino; e o São
Francisco era de Paulo Caetano de Melo Albuquerque.
O Engenho São Francisco é citado por Diégues Junior (1980, p. 47) como objeto
encontrado no relatório de Van Der Dussen de 1638 sendo propriedade de Manuel Camelo
Quiroga, todavia Diégues Júnior supõe que este seja o mesmo engenho Escurial, que
também era propriedade de Quiroga (DIÉGUES JÚNIOR, 1980, p. 90).
O Engenho Guindaste foi localizado pelo mapa do IBGE (2015), todavia não foi
encontrado nenhuma menção ou registro documental a seu respeito. Todavia, a esta
propriedade em questão foi realizada visita de campo no ano de 2019 pelo mesmo grupo de
pesquisa. Os seguintes parágrafos descrevem como o engenho se encontrava até o dito
ano.
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fazenda há algumas edificações: estábulos, capela, depósitos e casas. A parte central do
terreno, onde estão localizadas a capela, casas e depósitos é a mais elevada.
A fazenda Engenho Guindaste não apresenta entre suas instalações alguma que
remeta à Casa Grande. Porém é possível perceber no espaço central uma certa elevação, o
que faz alusão aos espaços mais altos onde estas edificações costumavam estar
localizadas. As habitações ali existentes não diferem muito entre si, caracterizando-se de
forma semelhante às vilas dos moradores da época do engenho.
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O engenho conta com 2 estábulos, um de pequeno porte logo na entrada, e um
segundo, maior e mais distante, na lateral direita do terreno. Nenhum destes estábulos
aparenta ser tão antigo quanto a capela.
Existem algumas edificações na fazenda que são utilizadas como depósitos para
guardar materiais e máquinas agrícolas. Segue-se o mesmo padrão de materiais e cores:
parede caiada branca, portas e janelas de madeira azul. Aqui a varanda é dividida ao meio
por uma parede. Não foi possível identificar no Engenho Guindaste alguma edificação que
remetesse às senzalas ou à fábrica.
O primeiro mapa verificado foi o de José da Silva Pinto (1820) que foi cartografado a
pedido do Senhor Coronel Francisco Manuel Martins Ramos, comandante dos distritos das
vilas do Penedo e do Poxim em 1820. Neste mapa, próximo à orla marítima e ao rio Santo
Antônio Grande, foi encontrada a propriedade de Santo Antônio Grande com a demarcação
de uma cruz, provavelmente seja a demarcação da primeira capela da região como alega
Silva (2015, p. 19-20). Na outra margem do rio, também é possível ver a localização do
Engenho Flamenguinha.
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Imagem 2 – Recorte do mapa de Silva Pinto, 1820, apresentando elementos encontrados
anteriormente nas pesquisas bibliográficas e análise cartográfica.
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3.2 Mapa Limite Municipal Atual fornecido pelo IBGE
O Engenho Santa Rosa do Flamenguinha, que segundo Silva (2015) era apenas
Santa Rosa mas recebeu um acréscimo à sua nomeação em referência à família
proprietária, que eram os flamengos, foi encontrado nos mapas do século XIX como
Flamengo e Flamenguinha, praticamente na mesma posição em ambos os mapas;
porquanto no mapa de 2015 existem duas propriedades chamadas Santa Rosa (F e G
Imagem 5), ambas próximas à rodovia 413 e a um curso d’água.
Devido à ambiguidade do nome deste antigo engenho dos flamengos, não se tem
como comprovar qual dessas propriedades em localizações distintas seriam a propriedade
do século XVII, ou quais relações teriam com aquele engenho, ou entre si.
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Imagem 4 – Recortes do mapa do limite municipal da Barra de Santo Antônio, 2015, com
marcação nas seguintes propriedades que possivelmente tem relação com os engenhos
mencionados em literatura.
B E
A
H
F G
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Para além disso, foi também nos engenhos de açúcar que surgiram os primeiros
moldes e fundamentos para a sociedade brasileira atual, dividindo-a em diferentes classes
sociais e autoridades, devido aos meios de produção (FERLINI, 2017). Isto também é
apontado por Diégues Júnior (1980) que discorre por toda sua obra sobre certas famílias
ilustres e poderosas que eram proprietárias dos antigos engenhos ainda exercem influência
na sociedade atual.
É desta forma que os resultados da pesquisa em tela contribuem, não somente para
potencializar a capacidade de investigação e senso de pertencimento à identidade local,
como também para respaldar a valorização do patrimônio histórico, cultural e edificado de
Alagoas, especificamente na região norte do estado onde abarca o município da Barra de
Santo Antônio.
Espera-se que através deste estudo possa surgir ainda mais investigação referente
aos engenhos, de forma a contribuir para o desvendar da história alagoana, além de servir
como método de salvaguardar o patrimônio histórico edificado local que demonstra registros
de atividades e relações humanas dos séculos passados.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
______, Craveiro. Maceió. 2. ed. Maceió: Serviços Gráficos de Alagoas S/A - SERGASA,
1981.
DIÉGUES JUNIOR, Manuel. O Banguê das Alagoas. 2 Ed. Maceió: Edufal, 1980.
FERLINI, Vera Lucia Amaral. A Civilização do Açúcar. São Paulo: Alameda, 2017.
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IBGE. Barra de Santo Antônio-AL. 2015. Disponível em:
<http://geoftp.ibge.gov.br/cartas_e_mapas/mapas_municipais/estimativas_populacionais/201
5/AL/barra_de_santo_antonio_2015_v1.pdf> Acessado em 14 de fev. 2021.
______. Enciclopédia dos Municípios de Alagoas. São Luiz do Quitunde. 3 Ed. p. 92-100.
Maceió: Instituto Arnon de Mello, 2012.
SILVA, Pe. Alex Sandro da. São Luiz do Quitunde: sua história e sua gente. 1 Ed.
Maceió: Q-Gráfica, 2015.
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RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.
RESUMO
A partir de meados do séc. 19, com o crescimento das cidades e seu adensamento populacional
provocados pela Revolução Industrial, surgem as primeiras preocupações com a higiene pública, em
Londres e Paris. No início do séc. 20, o Brasil inicia também o processo de reestruturação de suas
cidades de acordo com as novas normas higienistas. Goiânia, cidade fundada em 1933, incorpora
essas normas, em detrimento da tradição construtiva regional. Essas normas estão no cerne do
nascimento do Urbanismo como disciplina e foram trazidas ao projeto de Goiânia pelo primeiro
urbanista formado (em Paris) a trabalhar no País, Atílio Correia Lima. Neste artigo, partimos do
estudo de uma das primeiras residências privadas da cidade, a Casa de Altamiro de Moura Pacheco,
construída de acordo com as novas normas edilícias, para verificar o impacto dessas normas no
programa residencial no sertão do centro-sul brasileiro. Analisam-se em especial as diferenças na
locação do edifício, seus alinhamentos e os ambientes molhados.
Em Paris, a população que vinha se mantendo estável desde o séc. 17, passa em apenas
um século de 540 mil habitantes (em 1800) para 2,7 milhões (em 1900), em grande parte
por conta da migração a partir do campo. A densidade habitacional chegou a 26 mil/km2 em
1900, em comparação com 64/km2 para o restante da França (Insee). Cronistas da época
descreviam Paris como “oficina de putrefação, em que miséria pestilência e doenças
trabalham em concerto, e a luz do sol e o ar fresco raramente penetram” (Victor
Considerant, apud De Moncan, 2012, p.18).
No Brasil, essas novas normas tiveram sua primeira aplicação no Rio de Janeiro, com as
reformas urbanas de Pereira Passos (prefeito entre 1902 e 1906) e Oswaldo Cruz (diretor
geral de Saúde Pública a partir de 1903), especialmente por meio do Decreto Municipal n°
391 (do Rio de Janeiro), de 1903, e de lá se tornariam norma em todo o País.
O primeiro profissional a ostentar o título de urbanista a trabalhar no Brasil foi Atílio Correia
Lima, diplomado em Paris em 1930 no Instituto de Urbanismo da Universidade de Paris,
após sua graduação como engenheiro-arquiteto na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio
de Janeiro, em 1925. Atílio é autor do projeto da cidade de Goiânia.
Antecedentes
A decisão de construir uma nova cidade para ser a capital do Estado de Goiás, em 1933, foi
um evento que mudaria para sempre a região. Para além de implicações políticas e
Os edifícios eram cobertos em geral com telhas cerâmicas do tipo canal e bica, apoiadas em
caibros de madeira. Forros eram eventuais, os mais sofisticados de madeira, mas também
de palha ou simplesmente um tecido estendido. Portas, pisos e janelas eram
invariavelmente construídos de madeira, ao passo que os revestimentos variavam apenas
entre pedra e cal, vez ou outra com alguma pigmentação. Os pisos de madeira geralmente
eram formados por grandes tábuas, apoiadas sobre engastes nos pilares. Nas áreas de
serviço, eventualmente havia tijolos planos de barro no piso, mezanelas, lajes de pedras ou
simplesmente o solo apiloado (Imagem 1). Materiais como vidro, louças ou metais eram
raros, reservados apenas para as casas mais ricas, já que vinham sempre de fora da região.
Imagem 1. Processos construtivos tradicionais do Brasil Central. Da esquerda para a direita: muro
com tijolos de adobe (Pirenópolis, GO, séc. 20); casa com estrutura de aroeira, paredes de tijolos
de adobe, reboco de saibro, caiação branca, janelas de madeira e telhas de barro (Crixás, GO,
séc. 18); forro de tecido (Pirenópolis, GO, séc. 18)
Fonte: Fotografias dos autores
Imagem 2. Quatro momentos da inserção do sanitário na residência do Brasil Central: 1. Edícula aos
fundos, separada do corpo da residência, chamada “casinha”; 2. Sanitário edificado anexo à
residência; 3. O banheiro migra para o corpo da residência, mas sempre aos fundos; 4. Banheiros no
corredor e incorporados aos quartos, chega a “suíte”.
Fonte: Levantamento arquitetônico de Pirenópolis, Inventário Nacional de Sítios Urbanos, 2005
No Brasil Central, não havia redes públicas de abastecimento até o início do século 20, e a
água era coletada de cisternas ou fontes públicas. Águas servidas eram descarregadas em
fossas, dentro do próprio terreno, quando não canalizadas até o próximo córrego.
Tomada a decisão de construir a nova capital, portanto, o governo estadual assina contrato
com a empresa P. Antunes Ribeiro e Cia., da qual fazia parte o arquiteto Atílio Correia Lima,
instalado na capital federal. O planejamento da cidade se inicia com a publicação do
Decreto 3.547, de 6 de julho de 1933, que previa, além da elaboração do projeto da cidade,
a necessidade de elaboração de projeto para “20 tipos de casas para funcionários” (art. 8º,
VIII). Correia Lima, que havia tido parte de sua formação no Instituto de Urbanismo da
Essas normas eram fruto dos recentes entendimentos sanitários da época. Nas
especificações para Goiânia, o recuo frontal poderia ser ocupado por jardim e cercado com
muro baixo: “Nas zonas residenciais não será permitida, nas divisas dos lotes, construção
de muros de altura superior a 1,00 m. Será permitida cerca de arame, até a execução
posterior de cerca viva, nas divisas dos fundos, e laterais do terreno” (Portaria 67, art. 22).
Essas medidas de isolamento do corpo do edifício seriam mantidas nos Códigos de Obras
de Goiânia subsequentes, desde o primeiro deles, de 1947 (Decreto-lei 574), e vige até
hoje.
Seria esse projeto piloto, imbuído da prática construtiva moderna, que capitanearia a
aniquilação das técnicas tradicionais e sua substituição pelas inovações: a troca da caiação
pela pintura à base d´água ou óleo; dos forros de tecido, palha ou madeira pelas lajes de
concreto; das estruturas de madeira pela de concreto armado; além da introdução dos pisos
de ladrilhos e tacos.
Uma das primeiras edificações residenciais privadas da nova capital é a casa mandada
construir pelo então médico Altamiro de Moura Pacheco. Formado no Rio de Janeiro no
exato ano de fundação de Goiânia, em 1933, o médico muda-se para a nascente cidade em
1936 e em 1938 inaugura sua clínica, o Instituto Médico-Cirúrgico de Goiânia, na Rua 3,
esquina com Av. Araguaia, uma das primeiras instituições médicas da cidade. Dentro da
tradição local, imediatamente passa a dedicar-se também à atividade pecuária, com a
aquisição de uma grande fazenda a nordeste da nova capital. Em 1942 adquire de Eurico
Teixeira um terreno próximo à sua clínica, na Avenida Araguaia, onde edificaria sua casa.
Em vista da falta de documentação precisa, em análise de fotografias cidade na época, a
data da construção da casa na Avenida Araguaia, esquina com Rua 15, n° 240 pode ser
situada entre 1947 e 1950, cerca de 15 anos portanto depois das primeiras ações para a
construção da nova cidade. Cópia do projeto arquitetônico seria registrada na prefeitura da
cidade apenas em 1954.
A casa
Quando Altamiro, já médico, encomenda sua residência em meados dos anos 1940, toda a
tecnologia e as inovações chegadas a Goiânia nas primeiras edificações construídas a partir
do contrato de 1937 foram ali também aplicadas. Ali podem-se ver pilares de concreto
armado esbelta e orgulhosamente exibidos já na entrada do alpendre, beirais revestidos e
adornados com molduras, vidros fantasia, esquadrias e gradis de ferro.
Ao passar pelo vão da porta principal, surge a grande sala, com seus incríveis 54 m2 em 10
m por 6 m de laje em vão livre, sem vigas ou quaisquer apoios para a laje, arrojo de que as
casas-tipo de 1937 nem sequer se aproximavam. Novamente aqui a nova técnica do
concreto armado é que possibilitou o vão. A vista do salão deixa-se emoldurar aos fundos
pela escada monolítica sólida em sua estrutura de concreto, que permite o aproveitamento
de parte de seu vão inferior como lavabo – um dos cinco banheiros da residência.
Com relação ao volume do edifício, sem dúvida houve influência das casas-tipo elaboradas
ainda por Atílio, nas Ruas 20 e 24. O próprio terreno adquirido por Altamiro para edificar sua
casa ficava próximo ao núcleo pioneiro, a apenas duas quadras da Rua 20, onde haviam
sido edificadas as primeiras residências de alvenaria, destinadas a funcionários transferidos
da antiga capital (as casas do contrato de 1937).
Programa
Entre as modificações introduzidas na arquitetura residencial vernácula em Goiás estava a
separação de usos por cômodo, o que definia todo o programa de necessidades da
residência. A tradição regional muitas vezes produziu residências que misturavam várias
atividades num mesmo cômodo. Na Casa de Altamiro, há clara separação entre área íntima
e espaço de convivência, bem como inovações na distribuição dos cômodos e na circulação
(Imagem 3).
Imagem 3. Planta baixa original do térreo da Casa de Altamiro, datada de 1954, com carimbo do
Departamento de Obras Públicas e assinatura do autor, eng. Geraldo Duarte Passos.
Fonte: Arquivo Centro de Estudos Brasileiros UFG
No piso superior, a solução se repete: a escada termina numa nova sala-praça, que permite
acesso aos dormitórios aos fundos e aos salões da biblioteca e ao escritório. Nos fundos da
casa, distante do movimento e burburinho da Avenida Araguaia, é que se concentra a área
íntima, em dois quartos de dormir, um dos quais com banheiro próprio – uma suíte, outra
grande inovação para a época.
Outra área que se incorporava ao corpo do edifício foram os ambientes molhados. Com a
obrigação de sua incorporação ao corpo da residência, no sobrado essas peças foram
agrupadas em baterias com superposição das instalações hidráulicas, de modo a tirar
partido das prumadas de água. Na Casa de Altamiro há duas baterias: o banheiro da suíte
do andar superior sobrepõe-se ao banheiro do dormitório térreo e ao de serviço, ao passo
que o banheiro do piso superior se sobrepõe ao lavabo térreo sob a escada. No total, são,
portanto, duas prumadas, para uma cozinha e cinco banheiros – nada mal para uma peça
que apenas poucos anos antes havia encontrado seu caminho para dentro do corpo da
casa!
Na época de sua construção, a migração dos banheiros para o interior das casas era
fenômeno ainda recente. Esse movimento iniciou-se por volta de 1850, mas se disseminaria
entre residências da classe média apenas a partir dos anos 1870, em cidades como Londres
e Paris. Em outras partes, essa tendência se consolidaria apenas a partir de fins do século
19, e com velocidade de disseminação variada em cada cidade. O programa residencial
passou a prever inicialmente apenas um banheiro e, a partir de 1900, surge o conceito de
suíte em residências mais nobres, com a necessidade portanto de dois banheiros, um na
suíte e outro no corredor.
Talvez ainda mais importante que a especificação das peças seja um item das “Normas
Gerais para a Regulamentação de Construções em Goiânia” (Portaria nº 67, 1937), código
provisório de obras para Goiânia, que tinha como principal função facilitar a elaboração de
projetos por particulares (Portaria n° 67: Normas Gerais para Regulamentação das
Construções em Goiânia): “Art. 20 – Todo compartimento, seja qual for o seu destino,
deverá ter um vão de iluminação e ventilação (portas ou janelas) aberta diretamente para o
exterior.”
O banheiro
Tubulação
Convém ressaltar que a existência de banheiros plenamente funcionais no interior das
residências é algo que só se tornou possível com o advento das instalações hidráulicas
públicas. É preciso não só levar água até o banheiro, mas também de lá retirá-la.
Concebida a partir de 1932, Goiânia foi projetada já com a inovação de um sistema para
levar água limpa e retirar águas servidas de maneira individual de cada residência. O
sistema público entregava a água tratada diante de cada um dos vários terrenos da cidade e
entregava, a partir desse ponto de entrada de água, a responsabilidade ao proprietário.
Por essa mesma época, porém, inaugurou-se em 1723, no Rio de Janeiro o Aqueduto da
Carioca (RJ), primeiro sistema de captação e distribuição pública de água em toda a
América. Ao passo que o sistema carioca optou por canalização aérea, os pequenos
sistemas das cidades mineiras o faziam por via subterrânea, todos sempre por gravidade.
Não foi senão com o desenvolvimento da siderurgia, a partir de fins do século 19, que
tubulações de ferro galvanizado se tornaram a norma, material igualmente maleável, mas
sem os inconvenientes do chumbo. No início da construção de Goiânia, tubulações de ferro
eram o padrão, o que ocorreria até sua substituição por matéria plástica (em especial o
PVC, descoberto acidentalmente na Alemanha em 1835) a partir dos anos de 1960 (Olin,
1995, p. 257).
Nesse cenário, as especificações para as primeiras casas de Goiânia previam para ligações
e canos, respectivamente, chumbo e ferro: “As canalizações serão de ferro, sendo o tubo da
entrada de 3/4” e o da queda de 1” (...) As ligações serão em chumbo de 1/2”” (Contrato
com Coimbra Bueno & Cia. Ltda, 1935).
Águas servidas
Com o crescimento das cidades, na esteira da Revolução Industrial, no início do século 19,
inicia-se um longo debate entre sanitaristas, políticos, engenheiros e arquitetos, sobre a
higiene e saúde pública das cidades.
Novamente aqui, a velocidade de implantação desses sistemas foi variada, com fossas
subsistindo ainda na Paris do início do século 20. Em Londres, maior e mais rica cidade do
mundo dessa época, o código de obras municipal só passou a exigir banheiros no interior de
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residências ligados à rede pública de água e esgotos depois da Primeira Guerra, com o
Relatório Tudor-Walters, de 1918. Interessante notar que um dos relatores da comissão foi o
engenheiro inglês Raymond Unwin, justamente o idealizador da cidade-jardim, que inspiraria
o Setor Sul de Goiânia.
Essas primeiras peças sanitárias para os banheiros internos eram fabricadas tanto de metal
como de porcelana. No caso de peças de metal, a prática era recobrir o ferro de uma
camada de sílica, formando ferro esmaltado. O produto final tem grande resistência química
bem como impermeabilidade, além da facilidade de limpeza e resistência mecânica.
Por outro lado, o menor custo da porcelana, com características como durabilidade,
impermeabilidade e resistência à ferrugem, aos poucos suplantou o uso de peças de ferro
esmaltado. Na Casa de Altamiro, há nos banheiros peças de porcelana, como vasos
sanitários, colunas de sustentação de lavatórios e saboneteiras.
Uma grande inovação com o advento dos vasos sanitários foi o sistema de descarga de
dejetos sólidos. Na Casa de Altamiro, foram utilizadas válvulas “para descargas automáticas
de água em aparelhos sanitários”, conforme descrição de um fabricante de válvulas da
época.
Na Casa de Altamiro, foram utilizadas Válvulas Itu, patenteadas e fabricadas em São Paulo
por Dino Ferraresi & Cia Ltda. (Imagem 4). O fabricante alterou seu nome a partir de 1948,
para Indústrias Ferraresi S. A., e seria mais tarde incorporado por uma empresa maior, que
continua ainda hoje a fabricar o mesmo tipo de válvula, agora com a marca “Hydra”.
Outra inovação na Casa de Altamiro é o uso de torneiras com misturadores nos banheiros.
Ao passo que torneiras são comuns em casas há vários séculos, os misturadores de água
quente e fria surgiram comercialmente apenas em fins do séc. 19. O equipamento propicia
conforto adicional ao usuário, uma vez que permite a seleção da temperatura adequada da
água. O uso de misturadores disseminou-se inicialmente pela Europa, mas, na Inglaterra,
por força de normas do código de obras local (British standard CP 310, 1965), lavatórios
exibem ainda hoje duas torneiras separadas. Ao passo que o sistema evita a contaminação
entre os dois sistemas de água e um eventual desbalanceamento de pressão, há a
desvantagem de não oferecer a possibilidade de temperatura média. Na Casa de Altamiro,
os dois modelos são utilizados, o modelo inglês com duas torneiras e o modelo com
misturador.
Com o uso de duas torneiras, a identificação da temperatura da água de cada torneira pode
não ser imediata, razão pela qual surge a necessidade de identificá-las. Essa identificação
pode ser feita com marcações em cada torneira, como letras ou cores, e há códigos de
obras que determinam ainda água quente à esquerda (como o já citado CP 310 inglês). Na
Casa de Altamiro, essa norma é seguida, além de cada torneira contar com identificadores
coloridos (Imagem 4).
Na Casa de Altamiro todos os banheiros utilizam uma mesma linha de metais, a Atlântica,
fabricada pela Indústria de Metais Vulcânia, estabelecida em São Paulo no início do séc. 20.
As torneiras desse modelo são de aço, com válvula de esfera, terminadas por uma manopla
plástica com cores vermelha e azul, identificando a temperatura da água. Com um sistema
simples e eficiente, a linha Atlântica apresentava-se como “mecânica revolucionária no
sentido técnico e moderno da palavra”.
No curso das obras de restauração em 2020, apesar das instalações de água quente e fria,
não foi identificado nenhum sistema de aquecimento de água. Como não há registros, pode-
se especular que o sistema tenha sido removido anteriormente ou mesmo que nunca tenha
sido instalado.
Imagem 4. Aparelhos e metais sanitários na Casa de Altamiro. À esq.: bidê Souza Noschese; acima à
direita: válvula sanitária Itu; abaixo: torneiras de água quente e fria Atlântica.
Fonte: Fotografias dos autores
Conclusão
A construção de uma nova capital trouxe a oportunidade de planejar e implantar conceitos
inovadores no interior do Brasil. O arquiteto-urbanista Atílio Correia Lima, graduado no Rio
de Janeiro e com experiência no exterior, foi o responsável por introduzir na nova cidade os
conceitos sanitaristas e de planejamento urbano.
Gardner, G. (1942). Travels in the Interior of Brazil, principally through the Northern
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TABELA 1
Relação de APEE – Área Estadual de Proteção Especial – RMBH (MG)
Nome de Criação Lei/De Data de Área Área da UC dentro do Mun. (Ha)
UC -creto Criação (Ha)
2. Área de estudo
3. Metodologia
Para Matos e Dias (2012, p. 21) transcrito na íntegra “este estudo tem como
objetivo apresentar uma reflexão, a partir de uma revisão bibliográfica, sobre a
gestão dos recursos hídricos no Estado de Minas Gerais e sua política estadual de
recursos hídricos. Também apresenta uma análise dos questionários direcionados
aos gestores dos 48 municípios pertencentes à bacia. Nesta parte da pesquisa,
evidencia-se que 52% dos representantes entrevistados informaram que há
conflitos ou problemas entre os usuários de água na região da bacia, além da
frequência elevada de diversos processos ambientais que contribuem para a má
qualidade da água em vários pontos da extensão territorial sob foco”.
4. Resultados e discussões
TABELA 2
Dados populacionais de Rio Manso
Distritos Povoados e População População População População %
localidades Urbana Rural Total
Sede 1.565 1.669 3.234 61.30
Bernardas
Souza 1.245 797 2.042 38.70
Total 2.810 2.466 5.276 100.00
% 53.26 46.74 100.00 XXXXXX
Fonte: http://www.rmbh.org.br:8081/plano/municipio.php?mun=rio_manso
Mas conceitualmente o que é meio ambiente? Por que ele sempre foi
referência e base para o progresso e a evolução das técnicas humanas?
Inicialmente dentro de uma perspectiva sustentável, pode-se afirmar que o conceito
de meio ambiente é indispensável à conscientização e educação de visitantes por
ser o veículo através do qual o homem interage com os aspectos ambientais sem
depredá-los. Segundo Coimbra (2002, p. 153) meio ambiente, proveniente da fusão
dos termos em latim medium (que significa meio e se refere ao lugar onde qualquer
espécie de ser vivo possa ser encontrada) e ambire (que significa ambiente,
relacionado a tudo que envolve esse lugar), o conceito repassa e reforça a ideia de
manutenção da vida e de sua diversidade. Para Silva (2015, p. 40):
Nesse sentido, as propostas de percursos ou roteiros de
interpretação dos eventos de maior representatividade da paisagem em
determinadas zonas ou áreas, com fins de entretenimento ou turismo,
devem valorizar a experiência com as particularidades do local visitado. O
turista deve ser estimulado a experimentar e interpretar o cenário de
riquezas dos aspectos físicos da natureza e das manifestações humanas
associadas, que aparece, sobretudo nos testemunhos deixados pelos
aspectos geológicos, evolução geomorfológica e manifestações humanas
no contexto espacial, incentivado pelas suas peculiaridades estéticas,
científicas, econômicas e pedagógicas, representando uma grande
atração da paisagem de muitos lugares, como a região do Quadrilátero
Ferrífero. Desta forma, torna-se imprescindível pensar em percursos em
zonas ou áreas que ofereçam aspectos importantes da natureza e da
história humana no ambiente visitado, estimulando o ganho de
conhecimento através da leitura da paisagem e das experiências
adquiridas ao longo de todo o caminho.
TABELA 3
Coleta de dados
Patrimônio Cultural Patrimônio Natural
Bernardas Não consta Prainha de Bernardas
Cachoeira dos Antunes Elementos extintos Elementos extintos
Pequi Festa do Rosário Pequi Centenário
Rio Manso Matriz de Santa Luzia Cachoeira das Setes Quedas
Cachoeira do Zé Velho
Cachoeiras do Morro da Onça
Lajinha de Grotas
Mirante do Viamão
Sousa Represa da COPASA Serra da Conquista
Fonte: https://circuitoveredasdoparaopeba.org.br/rio-manso
5. Considerações finais
Referências
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ruinas-de-distrito-inundado-para-a-formacao-do-reserv.shtml> Acesso em 26. Jan. 2020
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RIBEIRO, Wagner Costa. Geografia Política da Água. São Paulo: Annablume, 2008.
7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO
Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
SALIS, Hugo Henrique Cardoso de et. al. DIAGNÓSTICO DA DISPONIBILIDADE HÍDRICA NA
BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO MANSO-MG. In: Caminhos de Geografia, v. 18 n. 64 (2017):
Edição Especial - Gestão de Bacias Hidrográficas: da teoria à praxis
O uso da fotografia como fonte histórica vem ganhando espaço desde que o
conceito de documento se ampliou, na esteira das influências dos historiadores
da École des Annales. Como materiais da memória coletiva, os registros
fotográficos podem ser pensados a partir de suas condições de produção e
perpetuação – levantando novas problemáticas e traduzindo valores e ideias de
diferentes períodos. Os documentos fotográficos são fragmentos ‘cristalizados’
do passado, escolhidos por fotógrafos e fotógrafas, que chegam até os dias
atuais na forma de mediadores entre diferentes pessoas e mentalidades. Essa
mediação só é possível a partir da conservação dos aspectos físicos dos
documentos. Contudo, a fotografia não se limita aos aspectos visíveis ou
tangíveis, uma vez que coexistem ‘camadas ocultas’, intangíveis e
interpretáveis, que passam a ser notadas a partir das indagações feitas aos
objetos. Portanto, a conservação das fotografias possibilita não somente sua
perpetuação no tempo, mas também diversas interpretações e pesquisas. O
Museu da Estrada de Ferro Sorocabana, localizado em Sorocaba – SP,
salvaguarda cerca de 3 mil fotografias relacionadas às ferrovias no Estado de
São Paulo, principalmente à Estrada de Ferro Sorocabana. Em seu acervo,
recentemente inventariado, encontram-se documentos fotográficos que datam
desde o início do século XX até os dias atuais – um patrimônio imagético que
ainda pouco se conhece. O presente texto resulta de pesquisas em condução
sobre a preservação deste acervo e suas potencialidades como fonte de
pesquisa e comunicação. Toma-se como objeto de estudos os registros
fotográficos que tratam dos construtores de ferrovias, os quais, embora sejam
os principais responsáveis por caminhos de ferro e edificações, estão
retratados como objetos na paisagem que se modificava com as obras - como
anônimos ou utilitários. Busca-se refletir sobre o uso da fotografia como fonte
histórica, especialmente no que tange à relevância de sua preservação e às
potencialidades interpretativas desses documentos para o entendimento da
cultura do trabalho nas obras ferroviárias. A metodologia de estudo contempla
pesquisa bibliográfica e iconográfica. Espera-se contribuir com os debates
acerca do uso da fotografia como fonte histórica, especialmente no âmbito da
valorização dos trabalhadores e operários responsáveis por erguer complexos
ferroviários. Ressaltando, também, a importância da preservação desses
documentos, ação que oportuniza este estudo e os subsequentes.
IDIOSSINCRASIAS DO CONTEXTO ARQUITETÔNICO DE NOVA
IGUAÇU
RESUMO
1 – Introdução
A diversidade da paisagem urbana das “áreas críticas” centrais da cidade de Nova Iguaçu é
marcada, entre outros aspectos, pela presença de edificações protegidas (em uma escala
menor) e com potencial de proteção do Período Eclético, das Arquiteturas Art Déco,
Neocolonial, Moderna e por prédios contemporâneos portadores de programas arquitetônicos
variados (unidades residenciais, comerciais, de usos mistos etc.). O grupamento dessas
principais manifestações arquitetônicas históricas da cidade é composto por edificações de
notáveis méritos arquitetônicos do cenário cultural local e outras contextuais. O primeiro grupo
destaca-se na paisagem urbana das áreas onde se localiza e compõe a maioria do conjunto
de bens culturais protegidos da cidade.
Os dados produzidos pelo inventário arquitetônico dos alunos da UFRRJ foram organizados
e analisados a partir de uma pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro (Faperj), no período de 2018 a 2020. Os resultados desses
procedimentos e dos seus desdobramentos serão abordados a seguir.
O plano de ensino em evidência, praticado na UFRRJ desde 2012, também se articula com
as discussões particulares do ensino de Conservação nos cursos de graduação em
Arquitetura e Urbanismo. Leva em consideração importantes debates que ocorrem nos
âmbitos institucionais, no Comitê Científico de Formação Profissional do Conselho
Internacional de Monumentos e Sítio – CIF/Icomos (Ahoniemi, 1995), na Rede PHI –
Patrimônio Histórico Cultural Iberoamericano – e nos domínios acadêmicos referenciando
importantes contribuições como Derek Linstrum (1996), Bernard Feilden e Jukka Jokilheto
(1993).
A conservação dos casos selecionados vincula-se aos valores culturais, históricos, artísticos,
científicos e/ou afetivos do patrimônio edificado de Nova Iguaçu. Podem ser de grande, médio
Do primeiro semestre de 2012 até o fim de 2019 foram realizados 64 PBCs pelos alunos(as)
do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRRJ, em Nova Iguaçu, nos moldes dos PBCs de
Juiz de Fora (UFJF). Trata-se de uma amostragem significativa do universo arquitetônico
dessa cidade, permitindo a compreensão da trajetória histórica e das condições atuais de tais
edificações. Esse material foi organizado, sistematizado e analisado em uma pesquisa com
apoio da Faperj, cujos resultados serão apresentados a seguir.
1
- Edificações que se destacam na paisagem urbana em função da complexidade das escalas,
volumetrias, requintes das composições arquitetônicas, de acabamentos e integridade do grau de
caracterização.
2
- Edificações contextuais portadoras de aspectos arquitetônicos não tão depurados como as
edificações de notável mérito, integrantes de um conjunto com composições arquitetônicas
homogêneas, íntegras, articuladas e singulares, do ponto de vista artístico e histórico, que caracterizam
um ambiente urbano, o qual pode compor a paisagem urbana de uma rua, quadra, praça etc.
Em seguida, os conteúdos dos PBCs foram editados e sintetizados em fichas sumárias, cuja
formatação e composição foram definidas por uma análise de exemplos de inventários
arquitetônicos disponíveis na literatura especializada de patrimônio edificado, sobretudo de
edificações. As informações básicas são compostas pelos dados de identificação,
informações históricas, características arquitetônicas remanescentes e condições atuais
(Figura 2).
Figura 2. Ficha sumária 019. Hospital Iguassú. Rua Getúlio Vargas, 222, Centro. Síntese dos
PBCs UFRRJ, Faperj IC 2018-2019.
3
- Com referenciamento frequente de Marcus Monteiro (2008) e Gênesis Tôrres (2008).
O núcleo histórico de Nova Iguaçu, entretanto, não se situava na parte central atual e tinha
outra denominação: Iguassú, localizado às margens do Rio Iguassú, que vai se transformar
em vila, no século XVIII; e em cidade, no século seguinte. São dessa ocasião as construções
de várias igrejas ainda existentes (Igreja Nossa Senhora da Conceição de Marapicu, Capela
Nossa Senhora de Guadalupe, Capela da Posse, entre outras), sobretudo do século XVIII. Do
núcleo original de Iguassú, restam apenas as ruínas da Matriz de Nossa Senhora da Piedade,
do muro do cemitério e vestígios do antigo porto local.
Nas proximidades de Iguassú, na segunda metade do século XIX, foi construída a Fazenda
São Bernardino, que se tornou a principal da região com plantações diversas (açúcar,
mandioca e, especialmente, café). A sua relevância histórica e artística levou o Iphan a
convertê-la em patrimônio cultural nacional (o único de Nova Iguaçu), em 1951. Trinta e dois
anos depois, a casa-sede sofreu um incêndio criminoso que a transformou em ruínas.
4
- Convém destacar que toda região da Baixada Fluminense possui um vasto e importante acervo
arqueológico do Período Pré-Cabralino com vestígios que remontam à Pré-História. Na construção do
Arco Metropolitano (Rodovia BR 493), de 2007 a 2014, que liga a Cidade de Itaguaí a Itaboraí, de
acordo com o Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB, 2014), foram identificados 22 sítios arqueológicos
do início da ocupação da região até o século XVIII. A Prefeitura de Nova Iguaçu realizou, em 2020, a
exposição “A Cultura Tupy nas terras do Guaguassú: fragmentos da História Iguaçuana da Pré-História
ao Século XVI”, apresentando diversos artefatos desse período, dentre eles, uma lâmina de machado
de mão, considerada o mais antigo artefato encontrado na Baixada Fluminense, com datação de 6000
a 9000 anos.
Além da ferrovia da Central do Brasil, a Baixada Fluminense passou a ser interligada com o
Rio de Janeiro e São Paulo, a partir de 1952, pela Rodovia Presidente Dutra. Esses acessos
facilitaram o deslocamento da cidade do Rio de Janeiro para toda a Baixada, especialmente
para Nova Iguaçu, transformando-a na segunda maior população de toda a Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, estruturando-a em um dos centros comerciais e de serviços
mais importante do estado.
5
- Esta edição consiste na reprodução parcial do manuscrito "Livro das visitas pastorais", escrito por
Monsenhor Pizarro entre 1794 e 1795, disponível no Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro.
6
- Com o historiador Antônio Lacerda, responsável por este arquivo na ocasião.
A pesquisa de IC da Faperj também processou os dados das condições atuais dos estudos
de casos que compõem o conjunto arquitetônico dos PBCs. As 64 edificações abordadas
encontram-se com programas arquitetônicos parcialmente mantidos. A maioria teve
transformações de usos que se correlacionam com a conversão da cidade em centro
comercial e de prestação de serviços regionais. O programa mais alterado foi das residências
unifamiliares, modificadas para instalações de clínicas, escritórios, lanchonetes, entre outras
novas funções.
7
- Sintetizados no trabalho de Feilden (1996).
4 - Os desdobramentos
8
- Este plano de ensino foi premiado em 2010 no “Concurso de ações pedagógicas inovadoras na
graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora – Aula em Vitrine”.
9
- Conforme recomendação do documento Perfis da Área & Padrões de Qualidade Expansão,
Reconhecimento e Verificação Periódica dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo, da Secretaria de
Educação Superior/Sesu (MEC, 2021), para as disciplinas de projeto.
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RESUMO
O presente trabalho investiga o Museu Casa Eduardo Ribeiro, em Manaus, com vistas a compreender
a patrimonialização do imóvel que o abriga e, em paralelo, o processo com que se deu sua
musealização pelo Governo do Estado, a partir de 2010. Situado no entorno do Teatro Amazonas,
primeiro bem cultural tombado pelo IPHAN na capital amazonense, e inscrito na poligonal de
tombamento do sítio histórico de Manaus (Processo: n° 1.614 - T -10 de 2012), a edificação eclética
expõe a história do ex-governador Eduardo Ribeiro, cuja notoriedade tem sido associada às
iniciativas que adotou para a modernização da cidade. Dentre estas, a implantação de planos
urbanos no período de apogeu do ciclo econômico da Borracha, entre finais do séc. XIX e a primeira
década do séc. XX, promoveram profundas reformas urbanas e sociais neste contexto. A partir de
referencial bibliográfico, da investigação dos registros de tombamento e de proteção do bem imóvel
em pauta, da análise da proposta de musealização, suas justificativas e meios materiais, é pretendido
investigar o trânsito do imóvel urbano patrimonializado a Museu Casa, consequentemente, a condição
de documento histórico do referido imóvel. Considerado o nexo do personagem com a história oficial
da cidade, a habitação musealizada reafirma a história urbana que o consagra junto à memória local
e ao construir em síntese, um habitar típico em exposição permanente, o Museu Casa Eduardo
Ribeiro se utiliza dos recursos do tema da habitação para idealizar sobre o universo privado do
personagem exposto. Deste modo, é na construção do ambiente simulado da casa, onde mobiliário e
objetos do cotidiano fornecem uma imagem do que teria sido o ambiente da vida privada do
personagem, que dá-se, desde o referido objeto de estudo, a reafirmação de uma memória oficial da
cidade de Manaus.
Palavras-chave: Documento; Museu-casa; Habitação
Observa-se a crescente aproximação dos temas da habitação e o Patrimônio Cultural, com destaque
para eventos e seminários recentes e publicações sobre cultura material, domesticidade e estudos de
gênero. Percebe-se que as discussões que perpassam a temática de habitações como espaço
museal são variadas, também, abrangendo os campos da museologia, cultura material,
documentação, patrimônio cultural e uso habitacional. Tendo estas questões em vista, pretende-se
apresentar uma discussão crítica em relação a este espaço e suas repercussões na construção da
memória.
Entende-se a moradia aqui em três faces: artefato, campo de disputas e representação do imaginário
(MENESES, 2006, p. 18). Sendo o artefato a composição física e a materialidade arquitetônica. Um
documento das relações histórico-sociais de um tempo, formatando assim um campo de disputas. E,
por fim, a representação de um imaginário, onde surgem os questionamentos e a tensão em relação
à produção do patrimônio cultural. E por este motivo percebe-se que a habitação tem um potencial
documental grande como campo material, de disputas e do imaginário, em especial quando o seu uso
é um espaço cultural e educacional como um museu.
Posto isto e para um melhor entendimento destas questões inseridas na Museu Casa Eduardo
Ribeiro é necessário contextualizá-la quando a época e o personagem que este espaço representa.
Para isto se faz uma pequena exposição da evolução urbana da cidade até o século XXI, época de
sua instalação, com destaque para os eventos sócio históricos do final do século XXI e início do XX,
época de atuação de Eduardo Ribeiro na cidade de Manaus.
Em sua publicação Manaus: história e arquitetura (2019) o historiador Otoni Mesquita destaca,
através de pesquisa sobre relatos de pesquisadores, ilustradores e cronistas viajantes, que a primeiro
relato sobre a cidade de Manaus é datado de 1669, onde é relatada a existência de uma pequena
fortaleza ás margens do Rio Negro. A construção era modesta e feita em palha. Ainda sobre o relatos
destes pesquisadores em 1786 foi descrita uma pequena povoação com habitações em palha e uma
Igreja. Ao longo dos anos diversos relatos foram feitos por pesquisadores e cientistas destacando a
forma de habitar, a construção de edifícios públicos e a população.
O momento importante para a história retratada na Museu Casa Eduardo Ribeiro é compreendido
entre os anos de 1890 e 1900, marcado por mudanças profundas, motivadas pelo projeto de
modernidade que advém do Ciclo da Borracha na Amazônia. é caracterizado pelo acúmulo de capital,
a partir da exportação do látex, e um processo de reordenação urbana. A construção de edifícios
públicos, obras de infraestrutura urbana e adensamento populacional foram iniciativas tomadas para
construir esta “cidade vitrine” (MESQUITA,2005) do apogeu econômico e da civilização moderna.
Edinéia Mascarenhas (1999) cita em sua publicação A ilusão do Fausto que este movimento de
modernização e embelezamento era o maior objetivo da administração pública da época, pois era
necessário que Manaus se apresentasse “moderna, limpa e atraente para imigração”
(MASCARENHAS, 1999, p.18).
O processo de urbanização trouxe muito luxo e opulência para compor esta vitrine para o mundo,
mas apagou e segregou presenças históricas, com destaque para a população indígena. Neste
período a cidade era composta por duas facetas, uma que desfrutava deste fervor econômico e outra
que foi removida deste centro e relocada nas periferias (BRAGA,2016).
Estas mudanças foram concretizadas, de fato, com o Plano de embelezamento da cidade de Manaus
proposto por Eduardo Ribeiro, personagem cuja história está representada no Museu Casa Eduardo
Ribeiro, então governador da província de Manaus. Este plano era uma oficialização de uma política
pública de embelezamento da cidade de Manaus. De acordo com Otoni Mesquita (2005) a cidade a
partir deste momento passa por um “refundação”.
É importante destacar o caráter higienistas das propostas urbanas da época. Como já citado Manaus
era um pequena cidade com poucas edificações e habitada por etnias indígenas que foram afastadas
deste porção central da cidade. Em sua dissertação de mestrado, o historiador Bruno Braga (2016)
destaca a atuação desta população originária no território trabalhando na construção destas grandes
obras. Monumentos como o Teatro Amazonas, finalizado em 1896, foi construído com a mão de obra
indigena.
Outro fato de destaque deste período é o momento em que ele ocorre e os contextos históricos e
sociais, nacionais e internacionais. A instituição da República e o processo de modernização do
século XIX foram as bases desta “refundação” descrita por Mesquita (2005). Os moldes urbanos,
habitacionais e culturais implementados em Manaus neste momento tinham bases da civilização
Como já explicado anteriormente, este projeto urbanístico da cidade tem como principal articulador o
governador Eduardo Gonçalves Ribeiro, um político e militar maranhense. Ribeiro foi transferido para
a província de Manaus após concluir seus estudos em engenharia e comunicação. Assumiu o cargo
de Secretário de Estado do então governador da província. Por motivos de saúde e falta de
suplentes, substituiu este governador no ano de 1891. Logo após terminado o mandato viajou para o
Rio de Janeiro para lecionar na Escola Superior de Guerra. (MESQUITA,2005)
Apesar disto logo retorna ao Amazonas e assume a administração do estado e inicia seu governo de
obras e reformulação da cidade. Em sua publicação La belle vitrine, Otoni Mesquita (2005) destaca as
diversas formas como Eduardo Ribeiro foi narrado na historiografia amazonense. Ora aparece como
um grande administrador, ora como um vilão do progresso. Os jornais da época pressionavam o
governador com acusações e críticas continuamente.
Sobre a vida pessoal do personagem pouco se sabe. Em sua biografia não é citado o nome de seu
pai, o que leva a acreditar que ele só tinha ligação com sua mãe. Eduardo Ribeiro também foi escritor
em um jornal chamado O Pensador, o que lhe rendeu este apelido. Sobre suas posses e vida
financeira pouco se conhece. De acordo com Mesquita (2005) após acusações, por parte de inimigos
políticos, Ribeiro emitiu um documento relatando suas posses, onde estão descritos os lotes próximos
ao Igarapé da Cachoeirinha onde ficava sua residência, alguns imóveis do entorno e uma moradia no
centro da cidade de São Luís. Este fato se mostrará importante na construção do argumento para o
Museu Casa Eduardo Ribeiro, já que este não aparenta constar em suas listagens de bens
imobiliários.
Em 1896. Eduardo Ribeiro deixa o cargo. Alguns anos depois volta como Senador Federal, mas não
possui mais a mesma aclamação popular e sofre duras críticas de políticos rivais. Em 1900 falece de
causas desconhecidas e não divulgadas, alguns historiadores indicam que causa foi suicídio
(MONTEIRO, 1990, p. 56) outros indicam que pode ter sido algum tipo de rivalidade política.
Após este período a cidade de Manaus passou por um processo de estagnação econômica e urbana.
O êxodo foi intenso e as obras públicas foram escassas. Esta fase de estagnação perdurou até os
anos 70 com a instalação da Zona de Livre Comércio e do Polo Industrial de Manaus (COSTA,2006).
Este momento foi marcado pela expansão da malha urbana da cidade e um êxodo habitacional do
centro.
Este êxodo e uma legislação fraca em relação a manutenção do patrimônio cultural acarretaram em
um degradação desta malha urbana antiga e o abandono de áreas de promoção de cultura e
habitacionais dando lugar ao comércio informal. Em resposta a isto, o governo estadual iniciou um
Para completar a análise proposta aqui foi necessário pesquisar este processo de reestruturação
cultural proposto pelo estado do Amazonas e as escolhas feitas em relação à memória e preservação
do patrimônio cultural. Tendo isto em vista foram realizadas entrevistas com a diretora do Museu
Casa Eduardo Ribeiro, na época de sua implantação, uma pesquisa no acervo de desenhos técnicos
e inventários no Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria Estadual de Cultura (DPH-
SECAM) e, por fim, uma visita à casa museu.
O Museu Casa Eduardo Ribeiro passou por obras de restauro em 2002 até ser aberto no ano de
2010. De acordo com Nararene Maia (2021), diretora do museu desde sua criação até 2016, o
objetivo deste é espaço é contar a história de um personagem ícone da história da cidade e também
abrigar outros espaços expositivos relacionados à história da casa. Nazarene também explica que a
montagem foi baseada em diversas pesquisas feitas sobre Eduardo Ribeiro e época em que ele
viveu, procurando ser fidedigno com os fatos de sua vida pública e privada.
O museu está instalado em um palacete eclético localizado próximo ao “eixo monumental” da cidade,
onde estão situados o Teatro Amazonas, Palácio da Justiça e o antigo Palácio do Governo. De
acordo com as informações no encarte de apresentação do museu (SEC-AM,2010) o palacete após
ter pertencido ao ex-governador Eduardo Ribeiro foi habitado pela família do engenheiro Bretislau de
Castro, pelo período de 1907 a 1961. O acervo do museu apresenta objetos da família Castro, como
seu álbum de fotos. Após a saída de Bretislau de Castro o local foi vendido à União e abrigou
diversas secretarias públicas relacionadas à saúde.
O levantamento de usos realizado na época do restauro das casas foi baseado em inventários e
jornais da época de sua construção. Quanto ao pertencimento do local à figura do governador esta
informação é confirmada por Mario Ypiranga. De acordo com os documentos recolhidos junto às
fontes pesquisadas não é possível confirmar esta afirmação, pois se faz a mesma referência ao
historiador Mário Ypiranga no Levantamento Cadastral de Identificação e Especificação de Elementos
Arquitetônicos: Museu Casa Eduardo Ribeiro (SEC-AM,2020) e há uma dúvida já que o imóvel não
estava listado no documento emitido por Eduardo Ribeiro, já citado neste artigo.
Quanto à estrutura arquitetônica da casa é possível descrevê-la como um palacete com referência ao
estilo eclético., com dois pavimentos. Sua tipologia possui uma entrada lateral, acessada por uma
escadaria, porão alto e platibanda de um metro. De acordo com as informações obtidas no
Levantamento Cadastral (SEC-AM,2020) acredita-se que sua estrutura de sustentação é feita em
pedra. Possui uma fachada com aberturas ritmadas e esquadrias similares com duas folhas em
madeira.
Os espaços internos são amplos contando, antigamente, com sala de visitas feminina e masculina,
sala de jantar, dois quartos e uma cozinha no pavimento superior. O acesso entre os pavimentos é
feito por uma escada em madeira e o piso segue o mesmo material. Ainda conta com um alpendre no
pavimento superior, que acredita-se ser um anexo, posterior à data de sua construção. As paredes
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são pintadas com argamassa colorida e ornamentada. E os forros são feitos em gesso com sancas
decoras apresentando motivos florais. Percebe-se que as esquadrias possuem uma diversidade de
formatos e número de folhas, mas são todas em madeira.
O acesso se dá pelo pavimento térreo ( antigo porão alto) onde está o Museu da História da Medicina,
a área administrativa e um pequeno auditório. O Museu da História da Medicina está aí situado, pois
o edifício abrigou alguns órgãos governamentais relacionados à secretaria de saúde do estado. O
acervo ali contido corresponde a painéis com informações sobre a história da disciplina da saúde e
um acervo fotográfico relacionado a personagens ícones do Conselho de Medicina do Estado.
Através da escada se tem acesso ao primeiro pavimento. A escada tem sua estrutura em madeira e
foi reconstruída na época do restauro do edifício em 2002. A primeira sala é a Sala de Visitas ou Sala
da Educação, este ambiente apresenta um mobiliário em madeira, característico do período
republicano, com motivos florais e objetos decorativos espalhados pela sala.
Um fato importante a ser destacado sobre o acervo do mobiliário é que eles não são os móveis
originalmente pertencentes ao ex-governador Eduardo Ribeiro. Este acervo foi construído a partir da
pesquisa sobre o arrolamento de bens de Ribeiro. O mobiliário e as peças decorativas são originadas
de antiquários e que possuem motivos e estrutura parecida com a da época de atuação de Ribeiro na
cidade. (SEC-AM,2010)
Ainda no primeiro pavimento encontra-se o escritório de Eduardo Ribeiro. A sala é denominada Sala
do governador ou Sala Teatro Amazonas.O mobiliário é composto por uma mesa em madeira e
cadeiras com acabamentos em palha. Ainda nesta sala existe um desenho técnico do projeto do
Teatro Amazonas, umas das obras mais caras ao ex-governador.
Em seguida temos a Sala Bretislau de Castro que pode ser considerada a sala de recepção da
família, antigamente. A sala possui o mesmo mobiliário com referências ao período republicano e
uma coleção de fotos da família que ali habitou.
No lote da casa se encontra também um espaço de jardim e paisagismo, que homenageia a esposa
de Bretislau de Castro. Este espaço abriga também um painel informativo com fotos da época do
restauro, um pequeno coreto para abrigar uma charrete da época e um busto de Eduardo Ribeiro.
Posto isto é possível compreender como foi o processo de “museificação” do objeto de uso
residencial que abriga a Museu Casa Eduardo Ribeiro. A partir da organização dos cômodos e do
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processo de aquisição e montagem do acervo é possível levantar questões acerca deste espaço
cultural que podem contribuir para outras experiências deste tipo.
Como citado acima, analisa-se o uso habitacional em três esferas: artefato, campo de disputas e
representação do imaginário (MENESES,2006,p.18). Olhando para esta questão observa-se que a
categoria museu tem como objetivo, desde a antiguidade, armazenar e expor coleções, sejam elas
privadas ou públicas. Ou seja, um museu armazena artefatos, e artefatos são vetores e locais de
disputa, assim como, uma representação de um imaginário. O que, muitas vezes, não ocorre é este
entendimento de que é necessário um olhar problematizador sobre estas coleções.
O "seguimento" de museu-casa se inicia, no Brasil, com o Museu Mariano Procópio em Minas Gerais
e vai ganhando destaque como categoria museal. A característica deste tipo de exposição é a relação
“personagem-acervo-edifício" (ALMEIDA,2019) e conflito entre o público e o privado. O que se mostra
importante neste conceito, ao relacioná-lo com o Museu Casa Eduardo Ribeiro é que é estes vínculos
se mostram, de certa forma, fragilizados. E isto mostra a partir do reconhecimento de que estas
estruturas foram manipuladas de forma a apresentar uma narrativa. Isto não quer dizer que a história
apresentada não seja válida, mas que ela apresenta uma espécie de teatralização, o que não deve
ser o objetivo do espaço museal.
A teatralização dos espaços domésticos e a sua apresentação de forma contar uma história
pasteurizada do personagem Eduardo Ribeiro aparece no museu casa de forma sutil. A versão que
se conta a partir dos cômodos e mobiliários acaba por retratar o personagem e seus feitos de forma a
enfatizá-los, sem questioná-los. O que se deve ser questionado, neste caso, é a narrativa
apresentada nos espaços e de que forma ela reforça este ideal civilizador da modernidade do século
XIX.
Olhar para o Plano de embelezamento da cidade de Manaus e para seu catalisador só como uma
ação ação de estado e embelezamento é ser parcial em relação às violências e práticas de
apagamento ali existentes. O museu como um espaço de cultura e educação deve procurar
questionar estas narrativas isoladas e que não promovem e não levantam questões.
Portanto, entende-se que o papel de um espaço de museu deve ser de questionamento e educação.
A Museu Casa Eduardo Ribeiro se mostra como objeto potencial de questionamentos e
documentação de um época sobre a qual se conhece pouco na cidade de Manaus.
Para citações no corpo de texto, deverá ser utilizado o seguinte modelo: (autor, data, p.XX).
Ex: (Santos, 1996, p.58).
RESUMO
O presente artigo trata do trabalho realizado no ano de 2020 pelo Grupo de Estudos de
Arquitetura e Concepção Estrutural (GEACE) da Escola de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal Fluminense (EAU-UFF) no âmbito da pesquisa Diálogos no Acervo
Baumgart. O Acervo abriga plantas e documentos relativos aos projetos de estrutura realizados
pelo Escriptório Technico Emílio H. Baumgart e pela empresa que o sucedeu – a Serviços de
Engenharia Emilio Baumgart Ltda. (SEEBLA) e está depositado no Núcleo de Pesquisa e
Documentação (NPD) da FAU-UFRJ. Devido a pandemia ocorrida no ano de 2020, tornou-se
imperioso buscar caminhos para dar seguimento à pesquisa de forma remota. Com a valorosa
colaboração de quatro discentes da EAU-UFF foram estudadas oito edificações icônicas do
Acervo através de consulta à plataformas e arquivos virtuais, sites e fontes primárias e
secundárias. Categorias de análise orientaram o preenchimento de uma ficha por edifício e seus
conteúdos foram discutidos em seminários internos. Por fim, apresenta-se os resultados
preliminares obtidos e a rica experiência vivenciada pelos professores e alunos envolvidos.
Palavras-chave: Acervo Baumgart; pesquisa remota; GEACE;
Verifica-se no Acervo, além dos projetos de arquitetura e estrutura, uma rica documentação
relacionada ao dia a dia do desenvolvimento dos projetos, traduzida por meio de
correspondências entre os profissionais envolvidos, contratante e contratados, e documentos
de caráter técnico, tais como orçamentos, memoriais descritivos e de cálculos, croquis de
estudos de sistemas estruturais, levantamentos planialtimétricos, cadernetas de obras,
fotografias e fitas magnéticas de registros de obras.
No ano de 2019 foram catalogados cerca de 300 do total de 3.142 documentos listados e
armazenados em caixas box relativos a cerca de 1000 obras, enviadas pela SEEBLA para o
NPD. O Acervo é composto ainda por projetos originais em papel vegetal, acondicionados em
forma de rolos e em mapotecas, que não foram até o momento examinados.
As fontes primárias utilizadas foram jornais de época de construção dos edifícios no intuito de
se obter a sua data de inauguração ou mais informações sobre a obra (imagens, tipo de uso,
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composição dos pavimentos, entre outras) e projetos originais que já haviam sido fotografados
no Acervo e no AGCRJ antes da pandemia. Fontes secundárias como artigos, dissertações e
teses foram importantes para complementar não apenas as informações, mas também para
contribuir com a análise crítica das edificações.
A iconografia dos edifícios encontrada durante as buscas virtuais em 2020 foi outra fonte
importante de análise e leitura das obras, já que havia a impossibilidade de se consultar
desenhos e plantas estruturais no Acervo e de se visitar as edificações in loco. Assim, pode-
se realizar através das imagens um trabalho de investigação, buscando a relação entre
Estrutura e Arquitetura. Além disso, também foram coletadas informações sobre os estados
de conservação e estilos arquitetônicos, sendo possível uma melhor contextualização do
edifício com o período histórico em que foi projetado.
Como o Acervo é constituído por muitos edifícios de importância histórica para a cidade do
Rio de Janeiro e para o país, considerou-se relevante buscar informações sobre tombamentos
e preservação. A plataforma Patrimônio Cultural Carioca foi de grande auxílio para a coleta
desses dados, através dos quais foram descobertas particularidades importantes. Como
exemplo, pode-se citar o caso do Cinema Roxy (1938) em Copacabana, que possui
tombamento provisório desde 2003; da Obra do Berço (1936-1940) que ainda não possui
regularização apesar de ser um bem tombado nos níveis municipal e estadual. O caso do
Hotel Glória (1922) é outro caso interessante, pois, apesar de seu valor histórico e cultural, só
passou a ter suas fachadas e volumetria protegidas a partir do ano de 2005, depois da criação
da área de entorno do bem protegido do edifício Milton (1929), situado na Praia do Russel,
próximo ao Hotel.
O edifício misto Paschoal Segreto, situado em frente à praça Tiradentes (Centro), foi erguido
sobre os escombros do antigo Teatro Carlos Gomes, arruinado por um incêndio. O novo
edifício gerou muitas expectativas na população carioca que costumava frequentar a região
por suas casas de espetáculos e aguardava a reconstrução do teatro. A pesquisa remota foi
baseada principalmente em buscas na Hemeroteca da Biblioteca Nacional, através de
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periódicos da época. Projetado pelo arquiteto Nazareth de Castro e inaugurado em 1932,
prometia trazer ares de modernidade à área central. Em estilo Art Déco e constituído por sete
pavimentos em estrutura em concreto armado, o edifício foi considerado um arranha-céu à
época em que foi inaugurado. Os quatro pavimentos superiores são ocupados por
apartamentos e o térreo é destinado a estabelecimentos comerciais e ao Teatro Carlos Gomes,
em funcionamento até hoje. Possui tombamento em nível municipal, datado de 1984.
Com gabarito de onze pavimentos o edifício misto Roxy (Copacabana) possui com um grande
cinema e algumas lojas no térreo e no mezanino. Seu projeto foi encomendado por Abel de
Rezende Costa ao escritório B. Dutra & Cia. Ltda, sendo desenvolvido por Ruderico Pimentel,
Firmino Saldanha e Anibal de Mello Pinto. Sua construção iniciada por volta do ano de 1934
foi realizada em dois momentos, sendo o primeiro realizado pela Kemnitz & Cia Ltda e o
segundo pelo proprietário do empreendimento. Nessa segunda etapa, Abel contou com a
participação de outros profissionais, sendo eles Sávio Penna, Jorge Furquim Werneck e
Ruderico Pimentel. O cinema foi projetado exclusivamente pelo arquiteto Raphael Galvão,
destacando-se a solução estrutural da cúpula elaborada por Emílio Baumgart: em concreto
armado, com 36 metros de diâmetro e alcançando em seu topo uma espessura de apenas 7
centímetros.
Inaugurada em 1934 e localizada no bairro de Santo Cristo a antiga fábrica de chocolates tem
hoje diversos espaços alugados individualmente para ateliês de artistas. Seu espaço recebe
diversos eventos e já serviu como cenário de filmagens para campanhas publicitárias,
especiais de televisão e outros. Foi tombada a nível municipal no ano de 2018, sendo também
protegida a área de entorno do bem tombado. O processo de pesquisa sobre esse edifício foi
realizado principalmente através do estudo da iconografia e no histórico da fábrica em si,
assim extraindo-se informações sobre a edificação. A estrutura é mista, tendo pilares em
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concreto armado e algumas peças em estrutura metálica, sobretudo vigas. As peças em aço
foram trazidas da Alemanha, a partir do desmonte de outra fábrica. O uso fabril demandou os
grandes vãos da estrutura, aberturas generosas, espaços amplos e pé direito alto, visando
melhores iluminação natural e ventilação.
Primeira obra de autoria do arquiteto Oscar Niemeyer a Obra do Berço, situada no bairro da
Lagoa, é um exemplar das transformações arquitetônicas do seu período, assim como um
reflexo das importantes experiências profissionais do arquiteto no final da década de 1930. O
edifício é a sede da instituição, uma das mais importantes entidades de assistência social na
cidade do Rio de Janeiro desde sua fundação em 1928. A sua construção foi iniciada no ano
de 1936 e durou cinco anos; foi realizada em quatro fases: a primeira, em 1936, consistia no
projeto inicial, um volume térreo em “L”; a segunda, em 1938, realizou o acréscimo de um
segundo pavimento sobre o pavimento térreo, além da construção de um volume cúbico de
três pavimentos com pilotis externos, térreo envidraçado e solução de fachada oeste com
brise-soleils fixos em concreto; a terceira, em 1939, promoveu a instalação de um sistema de
brise-soleil flexível no lugar dos brises fixos iniciais; e a quarta, em 1940, consistiu na adição
do quarto pavimento no corpo principal cúbico da sede.
Localizado no bairro da Glória, o edifício residencial Milton (projeto estimado de 1929) foi
inaugurado em 1930. Sua fachada possui composição eclética com elementos Art Déco. A
cobertura remete às mansardas francesas do século XVII, tendo o entrecruzamento ao estilo
Luís XVI como seu acabamento. Pelos registros iconográficos encontrados ao longo da
pesquisa é possível identificar o sistema estrutural em concreto armado, com vigas robustas
e lajes em grelha, característica do escritório Baumgart. Pelos anúncios encontrados na
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, identificou-se que a edificação é composta por dois
apartamentos por pavimento tipo e nos dois últimos pavimentos por um apartamento duplex.
Possui tombamento em nível municipal, realizado em 2005.
O Edifício Tamandaré
Alinhado com as divisas frontais e laterais do terreno o edifício tem implantação em forma de
“H” e sua volumetria consiste em dois volumes retangulares idênticos paralelos à via,
conectados por um volume menor em forma de cruz centralizado, onde se localizam as
circulações horizontais e verticais da edificação (fig.2). Na parte posterior do lote o conjunto
possui um quarto volume (uma edícula) de apenas dois pavimentos, que abriga no térreo
garagem para doze automóveis e no pavimento superior quatorze quartos com dois banheiros
para funcionários dos apartamentos. Essa organização resultou em um grande
aproveitamento do terreno.
No nível dos pavimentos tipo (fig.4), os dois elevadores sociais se abrem para um amplo hall
de recepção e distribuição com 55m2, que permitem acessar dois vestíbulos simétricos com
cerca de 16m2 cada; estes funcionam como um segundo hall social destinados, cada um, a
dois apartamentos com cerca de 190m2 cada, com espaços internos bastante amplos e
compartimentados: há um primeiro ambiente de distribuição que recebia nos apartamentos
de luxo da época algumas variações de denominação (vestíbulo, galeria, saleta, entrada,
antessala e hall), aqui chamado de entrada (cerca de 10m2). Este espaço faz a conexão com
os setores social e de serviços. A partir deste espaço, chega-se aos salões de visita - salão e
living-room – o primeiro voltado para a fachada principal e sala de jantar (21m2). Os espaços
de recepção, tais como nos apartamentos hausmanianos franceses, são aqueles onde
circulam os convidados e recebem fino acabamento: sancas, portas altas, piso em parquet
decorado etc.
Tratando ainda do setor de serviços, verifica-se a presença da copa. Este ambiente de apoio
à cozinha e à sala de jantar, onde se guardavam utensílios afins, se finalizavam os pratos nos
banquetes e a família fazia refeições ligeiras, agregava conforto às tarefas domésticas e
aconchego à família, mas foi na atualidade abolido nos novos apartamentos por economia de
espaço na moradia; No ed. Tamandaré, a copa está conjugada à cozinha e ambas são
ventiladas e iluminadas através de uma varanda aberta, que se liga a um pequeno corredor,
onde se encontra a porta de entrada de serviço do apartamento, que se conecta ao elevador
e à escada de serviço.
Considerações finais
O trabalho desenvolvido pelos discentes no ambiente virtual resultou em uma rica experiência
com ferramentas de busca, através do contato com acervos virtuais e suas instituições
mantenedoras. Deste modo puderam adquirir competências de pesquisadores como
independência na pesquisa, discernimento na identificação e catalogação do que deve ser
considerado para o desenvolvimento e crescimento da atual e de futuras pesquisas. Além
disso, os alunos envolvidos puderam treinar o olhar e melhorar sua capacidade de análise
1
Pequena sala íntima anexa ao quarto da dona da casa, onde as damas recebiam as amigas, com
entrada independente, um espaço para toilette e uma garde-robes (armário).
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sobre Arquitetura, Estrutura e a íntima relação entre as disciplinas. Houve também um
importante aprendizado sobre a importância das fontes e sobre patrimônio. Os debates e
conversas realizados de maneira virtual, principalmente a partir dos seminários apresentados,
possibilitaram esclarecer dúvidas, adquirir novos conhecimentos, enriquecer o repertório e
uma maior valorização do papel da Engenharia na concepção do espaço arquitetônico.
Sabe-se que o Acervo Baumgart é muito rico e extenso. Apesar do fato de que o trabalho até
aqui realizado se constitui em uma pequena parte do que há por ser feito, o trabalho
desenvolvido virtualmente no ano de 2020 trouxe contribuições significativas de conteúdo
para a Pesquisa e permitiu que os membros do Grupo de Estudos passassem por este período
de forma mais ativa, produtiva e pró-ativa. Para todos foi uma vivência fundamental, que
aproximou os membros do Grupo de Estudos e tornou a jornada desse período mais leve.
Referências
CABRAL, Maria Cristina N., CURY PARAÍZO, Rodrigo. Presença Estrangeira. Arquitetura
no Rio de Janeiro. 1905-1942/Foreign Presence. Rio de Janeiro: RioBooks/FAPERJ, 2018.
CZAJKOWSKI, Jorge (org.) Guia da Arquitetura Art Déco no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
CAU, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2000.
DIAS, José S. Teatros do Rio: do Século XVIII ao Século XX. Rio de Janeiro: FUNARTE,
2012.
RYBCZYNSKI, Witold. Casa – pequena história de uma idéia. Rio de Janeiro: Ed. Record,
1999 [1986].
SALOMON, Maria H. R. et al. Guia de arquitetura do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed.
Bazar do tempo, 2016.
Arquivos consultados
Acervo Baumgart/NPD/FAU/UFRJ
Arquivo Nacional
Biblioteca da ALERJ
RESUMO
Este trabalho se estrutura sobre três pontos principais: a importância da dimensão do custo
para a tomada de decisões em um projeto arquitetônico, o uso do Building Information
Modeling (BIM) para antecipar o levantamento de valores de uma obra e o processo de
projeto de equipamentos públicos para fins habitacionais. Tendo esses pontos como base,
identificou-se uma demanda existente de reassentamento de uma comunidade em área de
risco, localizada na cidade em que o trabalho está sendo desenvolvido – e, a partir disso, a
pesquisa debruçou-se sobre a Modelagem 5D (SAKAMORI, 2015) como tema, tendo como
objeto de estudo a modelagem da Informação da construção como apoio para o processo
de orçamentação e levantamento de custos no desenvolvimento do projeto de
equipamentos públicos para fins habitacionais.
De acordo com Sakamori (2015), a eficácia em custos se tornou um fator essencial para a
sobrevivência das organizações, como foco de estratégia competitiva. Trazendo essa
perspectiva mercadológica para o cenário econômico brasileiro dos últimos anos, no qual a
inflação sobre o preço do material de construção tem disparado, percebe-se que é
necessário conectar cada vez mais o processo de projeto arquitetônico ao levantamento dos
custos da respectiva obra.
Nesse contexto, os objetivos do presente trabalho incluem investigar a contribuição da
aplicação do BIM para o levantamento de custos de uma obra pública em habitação de
interesse social, ainda na etapa de projeto, demonstrando como poderiam ser feitas as
etapas de estimativa de custo, utilizando o índice do CUB (Custo Unitário Básico), e a
composição de custos de seus sistemas construtivos - exemplificado a partir do sistema de
alvenaria estrutural.
A metodologia incluiu a pesquisa de autores relacionados ao impacto do custo das decisões
arquitetônicas, como Mascaró (1998), e à contribuição do BIM para o processo de
Também de acordo com Eastman et al. (2008) “as estimativas prévias [de valores]
auxiliam a tomada de decisão do projetista e do proprietário do empreendimento, além de
antecipar os problemas e permitir alterações projetuais para permanecer dentro das
limitações impostas pelo orçamento”.
Busca-se também investigar a influência das estimativas prévias em BIM sob quatro
pontos de vista: para o arquiteto na hora de projetar, oferecendo maior respaldo para
orientar suas decisões projetuais; para o cliente, que pode alterar seus requisitos para a
construção ainda em fase de projeto, ao ser informado dos valores; para o orçamentista,
facilitando a extração de quantitativos; e, finalmente, para a qualidade do produto final: a
construção em si, a partir de uma maior clareza e confiabilidade do processo.
Além disso, o uso do BIM atrelado à orçamentação do edifício foi um tema pouco
explorado até o momento, e este trabalho poderá contribuir para suprir lacunas de
conhecimento relacionadas ao assunto.
2 METODOLOGIA
3. DESENVOLVIMENTO
Utilizando dados apresentados por Mascaró (1998), em sua obra O Custo das
Decisões Arquitetônicas, na qual ele traz diversos estudos de casos acerca do peso de cada
sistema construtivo no custo final de uma edificação, busca-se aplicar uma metodologia
semelhante para entender qual o peso no custo final de cada ambiente da residência
projetada neste trabalho. Os métodos de avaliação utilizados pelo autor foram, segundo ele,
“desenvolvidos através da compilação e adequação de uma série de tabelas preparadas por
diversos autores, alguns deles anônimos que circulam entre os práticos da edificação”.
Elevador 4,45 - - -
Tabela 01: Tabela da participação de cada sistema construtivo (em %) no custo total de uma
edificação residencial,com destaque em verde para a tipologia a ser utilizada no presente trabalho.
Fonte: Adaptado de Mascaró, 1998 - pg 139.
Figura 03: Modelagem 3D do bloco habitacional utilizando biblioteca IFC de tijolos cerâmicos cedida
por fornecedor (PAULUZZI, 2017).
Fonte: Desenvolvido pela autora no software ArchiCAD, 2021.
A partir desses dados, foi feita uma análise, considerando-se quais dos sistemas
listados na tabela são previstos para cada ambiente da residência proposta. Em seguida,
foram atribuídos diferentes pesos para cada sistema, de acordo com a proporção em que se
espera que ele seja aplicado (ou não) em cada ambiente. Nesse contexto têm-se que a
habitação sugerida apresenta 4 zonas principais: 1. Dormitórios; 2. Sala/hall; 3.
Banheiro/cozinha (áreas molhadas internas) e 4. Área de serviço/tanque (áreas molhadas
externas).
Para que seja atribuído apenas valores inteiros aos ambientes, a porcentagem total
do item (19,95%) será dividida por 7, de modo que os dormitórios terão peso 2, a sala e o
hall da mesma forma, e por fim o banheiro e a cozinha. A área de serviço, por sua vez, terá
peso 1 por contar com menos paredes. Na tabela 02, o sistema de cores utilizado indica
quais ambientes possuem peso 2, por meio da cor verde, peso 1, por meio da cor amarela,
e peso 0, por meio da cor vermelha.
%
21,39 21,39 33,38 23,85 AMBIENTES
Tabela 02: Tabela de índices por ambiente relativos ao custo total de uma edificação residencial.
Fonte: Desenvolvido pela autora com base em dados de Mascaró (1998), 2021.
Com o estabelecimento desses pesos, buscou-se refletir qual seria o impacto relativo
do custo de cada ambiente da residência proposta, com base nas decisões projetuais que
se pretende tomar. É importante reforçar, portanto, que esses coeficientes são específicos
da proposta em questão.
Como é possível perceber, as zonas possuem reentrâncias entre si, pois as paredes
estão sendo incluídas na medição. Na figura 04, elas estão indicadas pela linha cinza
pontilhada. Desse modo, caso um ambiente possua uma parede em comum com outro, será
considerada uma linha central na parede em que metade fará parte da zona de um ambiente
e a outra metade, do outro.
A segunda propriedade a ser criada é a de índice CUB por ambiente, cujos valores
foram calculados anteriormente para atribuir um peso ao custo de cada ambiente da
edificação (Tabela 02). Quanto à configuração da propriedade, seguirá o mesmo
procedimento do Custo Unitário Básico. Vale lembrar que o valor também deve ser igual a 0,
visto que para cada tipo de zona o índice será diferente e, caso fosse alterado diretamente
no gestor de propriedades iria afetar todas as zonas do modelo por igual.
A propriedade de Custo Final é a última a ser criada pois depende das duas
anteriores para ser colocada em prática. Diferentemente das outras, ela não será apenas
um valor fixo, mas sim uma expressão matemática estruturada da seguinte maneira: Custo
Unitário CUB multiplicado pelo Índice CUB por Ambiente multiplicado pela Área Medida do
Ambiente dividido por 1 m². Essa multiplicação se refere ao custo final da casa, composta
por 4 tipos de zonas, tendo como base o valor do CUB. A divisão que acontece no final é
apenas para que o resultado obtido seja adimensional (valor monetário, não geométrico), ao
invés de metro quadrado, devido à presença de valores em área na expressão matemática.
Por fim, é possível organizar todos esses dados em uma tabela dentro do próprio
ArchiCAD selecionando quais propriedades deverão integrá-la. Como exemplo, será
apresentada a tabela gerada para 1 unidade habitacional (Tabela 03).
Nome Zona Área Medida Índice CUB Custo Unitário CUB Custo Final CUB
(m²) Ambiente (R$) (R$)
49,24 m² R$ 43.243,95
Tabela 03: Mapa de Zonas gerado para custo final CUB de 1 habitação.
Parede-001
Tabela 05: Trecho do mapa de paredes, com o exemplo dos dados levantados e calculados para a
composição de custo das alvenarias do projeto.
Os resultados encontrados ao fim desta tabela são a área útil de alvenaria para 1
bloco habitacional, com 4 habitações, do projeto proposto, e o valor do material e serviço
para esse item. Considerando apenas os serviços de alvenaria, o custo obtido então foi de
R$29.413,45, para 485,58m² de alvenaria. Vale ressaltar que esse valor não inclui materiais
de grauteamento e armadura, que deverão ser calculados separadamente.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse contexto, diante de tudo que foi exposto, pode-se concluir que a presente
pesquisa se insere em um cenário de mudanças em andamento: até 2024, segundo a
legislação brasileira, o BIM deverá ser obrigatoriamente utilizado para a produção de
projetos arquitetônicos por órgãos públicos em todo o país, incluindo a fase de
orçamentação. Até lá, a Lei Nº 14.133, de 1º de abril de 2021, sobre licitações e contratos,
dará preferência ao recebimento de projetos em BIM nas licitações de obras e serviços de
engenharia e arquitetura, com o intuito de “promover a adoção gradativa de tecnologias e
processos integrados que permitam a criação, a utilização e a atualização de modelos
digitais de obras e serviços de engenharia”.
Além disso, hoje 5% do PIB da Construção Civil adota o BIM e a meta do governo é
atingir 50% em 10 anos (INBEC, 2020), demonstrando a necessidade da compreensão
desse método e o reconhecimento da sua contribuição para projetistas e construtoras.
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Resumo
As políticas públicas de proteção do patrimônio cultural executadas nas instâncias locais ainda são
recentes na maior parte dos municípios brasileiros. Em Uberaba-MG, as ações de proteção se
tornaram uma prática somente ao final dos anos 1990, para se adequar as estratégias estaduais de
preservação, visando, sobretudo, os incentivos da Lei “Robin Hood” (Lei Estadual n. 12.040 de 1995).
Hoje, a gestão de preservação do patrimônio cultural do município está centralizada no Conselho do
Patrimônio Histórico e Artístico de Uberaba (CONPHAU), órgão colegiado paritário, - composto por
representantes do poder público e da sociedade civil organizada, e na equipe técnica que o
assessora e executa suas deliberações, formada por historiadores, arquitetos, engenheiros e
estagiários. Contudo, embora a cidade possua um número consideravelmente expressivo de imóveis
reconhecidos por meio do Inventário de Proteção do Acervo Cultural (IPAC), há uma contínua e
severa degradação de seu patrimônio construído. Ao observar que as ações realizadas pela gestão
do patrimônio estão mais diretamente relacionadas à documentação, - por meio da elaboração de
inventários, tombamentos e registros -, do que na aplicação de estratégias para a preservação
material dos imóveis já tutelados, e, tendo em vista a importância de não se perder a memória visual
e tátil, garantidas pela preservação integral do bem, questiona-se, a partir das análises apresentadas
neste trabalho, a efetividade das ações de preservação aplicadas pelo município. Foram analisadas
as atividades da gestão de preservação, e diagnosticadas as particularidades das demolições e
descaracterizações em patrimônios edificados da cidade, com o objetivo de compreender os desafios
da preservação em Uberaba para uma possível tomada de ações mais precisas e eficientes, as quais
poderão contribuir para outras cidades em situação semelhante.
Todavia, o tombamento da Igreja Santa Rita permaneceu como uma ação de proteção
isolada em Uberaba até os anos 1980, um intervalo que pode ser justificado pela
prevalecente centralização da gestão de preservação em instância federal. Como observa
Lia Motta (2000), as discussões acerca do papel dos estados e municípios nas práticas de
proteção do patrimônio só foram fortalecidas a partir da década de 1960, mais precisamente
com o I e II Encontro de Governadores. O primeiro deles, realizado em 1970, resultou no
“Compromisso de Brasília”, o qual reforçava a necessidade de uma ação supletiva dos
estados e municípios às ações desempenhadas em âmbito federal. Com “Compromisso de
Salvador”, fruto do II Encontro, realizado no ano seguinte, os prefeitos e governadores
apresentaram várias recomendações ao governo federal objetivando, sobretudo, a
constituição de recursos financeiros e humanos para implementar as tratativas do
Compromisso de Brasília. É nesse contexto que o governo de Minas criou, sob forma de
fundação em setembro de 1971, através da Lei n. 5.775, o Instituto Estadual do Patrimônio
Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG).
Dos primeiros oito tombamentos municipais, realizados entre os anos de 1990 e 1996,
apenas três tinham sido listados no parecer do IEPHA/MG de 1989, sendo eles o Paço
Municipal, o Palácio Episcopal (Lei n. 5723/1996; Decreto n. 1907/2003) e o Palacete Castro
Cunha (Lei n. 5557/1995; Decreto n. 1906/1999). À exceção do Paço, todos os outros
tombamentos, - um conjunto arquitetônico e paisagístico, cinco bens imóveis, e um bem
móvel -, foram homologados pelo Poder Legislativo em um período de vacância das
atividades Conselho. As reuniões do Órgão ficariam suspensas por mais de seis anos,
retornando apenas no ano de 1997.
No entanto, ao analisar as atas do Conselho nessa primeira gestão, observa-se que foram
autorizados pelo Órgão um número de tombamentos muito superior ao instituído pelo Poder
Executivo. O Conselho aprovou a instauração do processo de tombamento de 53 bens, dos
quais 44 eram estruturas arquitetônicas ou urbanísticas. Outro dado relevante é o pequeno
número de solicitações de tombamento encaminhadas por agentes externos ao Conselho,
apenas três propostas, sendo que uma delas, referente ao edifício do 4º Batalhão da Polícia
Militar, partiu de quatro vereadores e não foi bem recebida pelos conselheiros. Ainda sobre
a autoria das propostas de tombamento, observa-se que 24 delas partiram da equipe
técnica, portanto o maior número se comparadas as 17 solicitações dos conselheiros.
Verifica-se, como a principal razão para que a maior parte das decisões do Conselho não
fossem efetivadas por meio da publicação dos decretos de tombamento, a falta de pessoal
para elaboração dos processos de tombamento. Conforme registrado em ata, eram
recorrentes os relatos de sobrecarga de trabalho pela coordenadora da equipe técnica ao
Conselho, sobretudo por não haver recursos disponíveis para a contratação de profissionais
especializados. Mesmo que a cidade ainda não tivesse uma arrecadação expressiva via Lei
“Robin Hood”, a autonomia do Conselho para a execução de ações era bastante reduzida,
por não ter recursos próprios e nem acesso direto aos repasses do ICMS-Patrimônio
Cultural, cuja administração era feita pela Secretaria de Fazenda do Município, e seu uso
atendia a outros interesses.
Observa-se ainda que havia um distanciamento considerável entre as ações propostas pelo
Conselho, e as atividades desenvolvidas por outros setores da Prefeitura, tais como a
Secretaria de Planejamento Urbano e o Departamento de Posturas, este último responsável
por fiscalizar as intervenções e demolições de imóveis na cidade. Não existia, como
procedimento interno do Poder Executivo, a prática de encaminhar as solicitações de
demolição de bens de interesse de preservação ao Conselho, havendo, paralelamente,
autorizações de demolição de imóveis pela Secretaria de Planejamento que, mesmo sem a
publicação do decreto, já possuíam tombamento provisório aprovado pelo Conselho.
Foi o caso de dois imóveis, um situado à Rua São Sebastião, nº31, e o outro o Palacete
Pedro Naves, localizado na esquina da Rua Major Eustáquio com a Rua Cel. Manoel
Borges, ambos protegidos por tombamento provisório e, considerados pelo Conselho como
relevantes para a memória da cidade. Esses imóveis foram demolidos em um intervalo de
uma semana ao final do ano de 2002, o que resultou em uma grande comoção da
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sociedade e, sobretudo, dos conselheiros, que constatavam a inoperância e indiferença do
Poder Executivo frente às deliberações do Órgão. Após um pedido de desligamento de
cinco dos membros mais atuantes do Conselho, o Município decretou uma medida de
suspensão de todas as solicitações de demolição encaminhadas à Prefeitura (Decreto
n.2540 de 31/01/2003). Esse decreto determinava ainda o encaminhamento ao Conselho de
todos os pedidos de demolição e de intervenção em imóveis do centro histórico da cidade, o
que contribuiu para o início de umas das práticas mais comuns do Órgão nos anos
seguintes, a de avaliar os processos de demolição e incluir nas discussões os
procedimentos de conciliação entre a preservação e os interesses dos proprietários.
Figura 01: Palacete Pedro Naves, demolido em 2002, após ter seu tombamento provisório aprovado.
Fonte: Acervo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG), 1988.
Foi por meio da Lei do Plano Diretor de 2006 que as estratégias de preservação foram de
fato incorporadas ao planejamento urbano, sobretudo por criar as Unidades e Áreas
Especiais de Interesse Cultural, que possuem a finalidade de estabelecer conjuntos de
preservação na malha urbana sob a égide do Conselho do Patrimônio. Para cada uma
delas, foram definidas normas específicas para o uso e ocupação do solo, como número
máximo de pavimentos, afastamentos, taxa de ocupação, e coeficiente de aproveitamento.
Embora ainda não tenham sido constatadas ocorrências de utilização para fins de
preservação, o Plano Diretor também proporcionou a essas áreas a possibilidade de
aplicação dos instrumentos da política urbana, como outorga onerosa e a transferência do
direito de construir.
Em 2008, foi aprovada uma nova Lei de Proteção (Lei n. 10717), com o objetivo de
apresentar, pormenorizadamente, as competências do Conselho e as normas para a
preservação dos bens de interesse cultural. No ano seguinte, a Lei n.10870/2009 instituiu o
Fundo Municipal do Patrimônio Histórico e Artístico de Uberaba (FUMPHAU) - uma
reivindicação antiga do Conselho - para que ele pudesse financiar as ações de salvaguarda
a partir dos recursos do Programa ICMS-Patrimônio Cultural. No entanto, por não haver a
obrigatoriedade do Poder Executivo em repassar integralmente esses recursos ao
FUMPHAU, o Conselho possui acesso direto apenas a um valor muito abaixo do montante
Para cumprir com um dos critérios de pontuação do ICMS-Patrimônio Cultural foi elaborado,
em 2015, um plano de inventário do município, com o objetivo de orientar as ações de
salvaguarda para os quinze anos seguintes. Com ele, a gestão de patrimônio, composta
pelo Conselho e pela equipe técnica, se propôs a identificar e reconhecer os bens de
natureza material e imaterial, através de uma setorização da área urbana e rural, atrelada a
um cronograma de ações. O distrito sede de Uberaba foi dividido em nove áreas, tendo
como base os estágios de ocupação do território, e os distritos rurais, em treze, definidas
pelas principais fazendas históricas e suas áreas de influência. No entanto, grande parte das
atividades executas pela gestão não seguiram o cronograma e a setorização propostos pelo
plano de inventário.
O município de Uberaba possui, hoje, 399 bens de natureza material inventariados, sendo
que destes, 322 são bens imóveis e 18 são bens integrados. Após o início das ações de
preservação pela administração pública municipal, foram executados ao todo 30
tombamentos na sede do município e mais quatro na área rural, além de quinze registros de
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bens imateriais. Considerando o elevado número de bens imóveis e integrados
inventariados e o estado de conservação em que se encontram, e ao observar a ausência
de ações de atualização das fichas de inventário dos bens, percebe-se uma atenção
preferencial do Município em documentar e identificar novos bens, sem se preocupar com o
patrimônio já reconhecido.
Ainda nas primeiras décadas do século 20, a elite rural de Uberaba, ao expandir a sua
fortuna com a importação e comercialização do gado zebu, mandou construir na cidade um
certo número de casarões e palacetes como um símbolo de prosperidade econômica
(REZENDE, 1991). Destaca-se ainda, a arquitetura realizada entre as décadas de 1930 e
1950, também relacionada à prosperidade trazida pelo Zebu, com o estabelecimento de
notáveis residências em estilo neocolonial e o aparecimento dos edifícios verticalizados,
geralmente em estilo Art’Decó. Em 1955, foi inaugurado o primeiro edifício com
características da arquitetura moderna na cidade, a nova sede dos Correios, localizada na
Praça Henrique Krugger, nº33. A popularização dessa arquitetura seria difundida na década
seguinte, sobretudo com a construção das torres de edifícios residenciais.
Por possuir uma localização estratégica para o escoamento de insumos, Uberaba seria
beneficiada pela construção de Brasília, e, em seguida, pelos Planos Nacionais de
Desenvolvimento, que, associados ao crescimento vertiginoso das cidades, e à valorização
do solo urbano, observados na época por todo país, proporcionariam uma considerável
transformação de sua paisagem construída. Esse processo se intensificou, essencialmente,
na década de 1970, havendo inúmeras ocorrências de demolição de construções do início
do século, quando ainda não havia uma articulação local voltada para a preservação do seu
patrimônio.
Por haver em Uberaba uma grande demanda pela abertura de estacionamentos no centro
da cidade, - cujos quarteirões são extensos e as vias estreitas, não permitindo a disposição
de duas faixas estacionáveis, além da maioria das construções não possuírem garagem -, o
número de demolições integrais que deram lugar a esse tipo de uso também é outro dado
relevante a ser analisado. Ao todo, vinte imóveis inventariados foram demolidos para abrigar
estacionamentos em seus lotes, certamente por possuírem uma dimensão atraente para
esse tipo de uso. Observa-se que as demolições por esse motivo alteraram,
significativamente, o contexto construído de algumas ruas, como Rua Alaor Prata e
Governador Valadares. Foram contabilizados, também, seis casos de lotes que
permanecem sem uso anos após a demolição; alguns deles até preservam a fachada
frontal, mesmo que em ruínas, mas por uma simples função de fechamento frontal do lote.
Fonte: Elaboração dos autores com base em imagem do Google Earth. 2021.
Considerações Finais
Considera-se que, no país, as discussões e o desenvolvimento de políticas públicas de
patrimônio cultural nas instâncias municipais são bastante recentes. Embora Uberaba tenha
inaugurado esse processo com a sua primeira lei de proteção um pouco mais de uma
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década após a criação, em 1971, do IEPHA/MG, as ações municipais em defesa do
patrimônio ganharam maior vulto apenas ao final dos 1990, em grande parte por influência
dos incentivos da Lei “Robin Hood”.
Referências Bibliográficas
RESUMO
A dimensão dos projetos arquitetônicos não construídos amplia, significativamente, a reflexão em
torno de uma determinada produção, sendo importante considera-los como partes integrantes do
conjunto da obra do arquiteto para, assim, auxiliar na compreensão da sua atuação como um todo.
Neste artigo, toma-se como objeto de estudo a produção da arquiteta Maria do Carmo Schwab para o
campus da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), compreendendo os projetos construídos
e propostos. Não obstante seu pioneirismo enquanto arquiteta mulher e capixaba e sua ampla
atuação entre as décadas de 1950 e 1980, registrando-se mais de 240 projetos realizados, ainda é
restrita a discussão científica acerca da sua obra, especialmente aquela de tipologia institucional.
Além disso, apesar de ter participado desde as discussões iniciais envolvendo a instalação do
campus universitário na cidade de Vitória, pouco se debate sobre sua ampla atuação na instituição,
focando-se, recorrentemente, em apenas uma de suas propostas. Assim, o presente artigo objetiva
expandir a discussão acerca da produção institucional de Maria do Carmo Schwab, bem como a
divulgação de material documental de pouca notoriedade no contexto local e nacional. Pretende-se,
ainda, através de uma análise comparativa entre obra executada e projetos não construídos,
reconhecer as diferentes abordagens projetuais da arquiteta, tomando como referenciais de análise o
lugar, o programa, a técnica construtiva e as soluções formais. Para tanto, realiza-se revisão
bibliográfica acerca do tema, tentando compreender a participação de Schwab no processo de
consolidação do campus, seguida por uma análise comparativa entre três projetos desenvolvidos pela
arquiteta – o Escritório de Campo ‘Catetinho’ (1967), o centro de Convivência e Restaurante
Universitário (1976) e a Capela Ecumênica (1980), os dois últimos não executados. A pesquisa
bibliográfica em conjunto com a realização de entrevistas e levantamento documental junto a acervos
públicos e privados constituem o suporte metodológico deste trabalho. Inclusive, a iconografia
levantada, especialmente no arquivo da Prefeitura Universitária e naquele organizado pela Professora
Clara Miranda, assume protagonismo na discussão, revelando uma série de estudos propostos pela
arquiteta, alguns até então desconhecidos, e, assim, ressaltando a relevância do arquivo documental
para investigação, reconhecimento e preservação do patrimônio arquitetônico. Ao contrapor obra
construída e projetada, observa-se a versatilidade de Maria do Carmo Schwab, cujas diferentes
abordagens, reveladas nas diversas escalas de projeto, respeitam as especificidade ao mesmo tempo
que garantem a qualidade técnica-construtiva característica de sua obra. Além disso, permite o
reconhecimento de sua atenção à completude do projeto universitário, transitando entre as escalas
Palavras-chave: Maria do Carmo Schwab; Universidade Federal do Espírito Santo; Projetos não
construídos; Arquitetura moderna.
A dimensão dos projetos arquitetônicos não construídos, seja por razões histórico-políticas
ou por suas características utópicas, amplia significativamente a reflexão em torno de uma
determinada produção, podendo ser entendida tanto como lugar de livre experimentação do
arquiteto-propositor, como espaço de atuação crítica-reflexiva. Considerando as múltiplas
ideias e intenções que estas propostas carregam, ainda que preservadas somente no papel,
seja através de desenhos ou escritos, é importante pensa-las como partes integrantes do
conjunto da obra do arquiteto, revelando possíveis ensaios de projetos futuros,
experimentações técnicas e estéticas ou, inclusive, auxiliando na compreensão da sua
atuação projetual como um todo.
Os motivos por quais tais projetos não se realizam são variados, contando desde razões de
cunho prático, derivadas das circunstâncias históricas, políticas e econômicas do contexto,
como propostas não vencedoras desenvolvidas para concursos públicos; o desinteresse do
cliente em levar o projeto adiante; revisões ao projeto original, mudando o partido projetual;
a falta de recursos, sejam técnicos, materiais ou financeiros, entre outros. Destaca-se
também aqueles projetos considerados utópicos e/ou visionários, portanto, inovadores,
idealizadores de uma nova arquitetura, por vezes, compreendidos como inexequíveis,
citando, por exemplo, as propostas de Étienne-Louis Boullée e Claude-Nicolas Ledoux no
século XVIII, a atuação do grupo Archigram, intercalando o campo da realidade e da ficção,
e, até mesmo, a ideia do “edifício-autopista” apresentada nos esboços de Le Corbusier para
o Rio de Janeiro. Tais exemplos elucidam a capacidade que os projetos não construídos
mantêm de influenciar gerações futuras, de transmitir ideias, de reverberar, seja na prática
ou conceitualmente.
Ao justificar a inserção de obras não construídas em seu livro, Kenneth Frampton (1997,
p.X) aponta seu entendimento de que “a história da arquitetura moderna refere-se tanto à
consciência e a intentos polêmicos quanto às próprias construções”. Como o autor, defende-
se, aqui, a relevância de uma análise conjunta entre obra projetada e obra construída,
considerando a possível elucidação dos processos de transformação e amadurecimento da
atuação projetual do arquiteto. Parte-se do princípio de que a produção arquitetônica
compreende todos os processos ligados ao ato de projetar, as reflexões, ideias,
experimentações, expressas em desenho ou escrita, independente de sua execução.
No presente artigo, tomando como objeto concreto de análise os projetos para o Campus de
Goiabeiras, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) propostos pela arquiteta
capixaba Maria do Carmo Schwab, pretende-se refletir sobre quais outras perspectivas as
obras não concretizadas, muitas vezes “esquecidas” pelos estudos científicos, apresentam
sobre a sua atuação na cidade universitária. Apesar da arquiteta ter participado desde as
discussões iniciais envolvendo a instalação do campus na cidade de Vitória, pouco se
debate sobre seu papel dentro da instituição, lembrando-se, recorrentemente, apenas de
sua única proposta edificada, o Escritório de Campo. Busca-se, portanto, por meio da
Nascida em 1930 na cidade de Vitória, Espírito Santo, integrante de uma família tradicional
capixaba, e graduada, em 1953, pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do
Brasil, no Rio de Janeiro, Maria do Carmo de Novaes Schwab integra o seleto grupo de
arquitetos, juntamente a Élio de Almeida Vianna e Marcelo Vivácqua, responsável pela
consolidação da arquitetura moderna no Espírito Santo. Vale ressaltar, é somente na
década de 1950, impulsionada pela política de desenvolvimento adotada pelo governador
Jones dos Santos Neves, correspondente às medidas assumidas por Getúlio Vargas a nível
federal, que a nova arquitetura se instala no estado (MURTA, 2000, p.37). Como aponta o
próprio arquiteto Élio Vianna (apud. MIRANDA, 2011, p.6-7)
“No serviço público [...], na Divisão de Obras Públicas, com uma equipe de engenheiros
novos e de consumado valor, demos início à renovação da arquitetura por uma organização
de espaços, refletidas no seu exterior por uma expressão autêntica de formas despojadas e
de caráter eminentemente funcional. Eu, Marcello Vivácqua e, logo a seguir, Maria do
Carmo Novaes Schwab semeamos em todo Estado, obras isoladas que refletiam por sua
simplicidade das formas e rara beleza, uma amostra da perfeita integração edifício/entorno,
conteúdo/continente [...]”
Com uma atuação ativa entre as décadas de 1950 e 1980, a arquiteta trabalha como
autônoma, em seu escritório particular, e também em uma variedade de instituições
públicas, como a Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado do Espírito Santo
(SVOPES) e a Universidade Federal do Espírito Santo, exercendo também um importante
papel na fundação do núcleo estadual do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-ES). Destaca-
se por seu pioneirismo enquanto arquiteta mulher e capixaba e por sua ampla e versátil
produção arquitetônica, totalizando mais de 240 projetos1 desenvolvidos, com uma
interessante variedade tipológica e de escalas.
Outras propostas a seguiram, traçando alterações ao plano geral de Vivácqua, como aquele
desenvolvido pelo arquiteto baiano Diógenes Rebouças, com participação de Maria do
Carmo Schwab, “onde já é possível perceber a substituição do modelo dos Cemunis por
uma organização de edifícios laminares” (INHAN, MIRANDA, ALBERTO, 2016, p.244). Tal
estudo abarca as edificações já construídas até então, como os módulos dos CEMUNIs e o
edifício do Escritório de Campo, e propõe uma expansão através de blocos longitudinais
dispostos em pares e articulados a grandes eixos de circulação. Apesar de não efetivado,
auxilia as revisões futuras, considerando que as modificações ao plano inicial resultam
“basicamente de ideias e sugestões dos arquitetos Diógenes Rebouças e José Magdalena”
(BORGO, 1995, p.77).
Embora com registros de projeto para a instituição até o final da década de 1980, a arquiteta
comenta, em entrevistas, por motivos de saúde e assim impossibilitada de acompanhar as
obras, ter se afastado das atividades profissionais em 1981. Atualmente, aos 91 anos segue
entusiasta da profissão e armazena, em sua própria residência, um rico acervo pessoal de
extrema importância para preservação de sua obra.
Para a discussão projetual são selecionadas três propostas para o Campus de Goiabeiras
(Figura 1): o Escritório de Campo (1967), o centro de Convivência e Restaurante
Universitários (1976) e a Capela Ecumênica (1980), os dois últimos não construidos. Não se
sabe ao certo o motivo para a não execução destes projetos, porém, imagina-se tratar de
razões práticas envolvendo questões políticos-econômicos para a execução, considerando
as soluções inovadoras de grandes dimensões adotadas em ambos volumes. A escolha
destes projetos deriva da ideia de refletir sobre a escala do edifício unitário de tipologia
institucional, sendo três programas diversos representativos da versatilidade da arquitetura
de Schwab. Pretende-se, através de uma análise combinada, reconhecer as diferentes
soluções projetuais adotadas, tomando como referenciais de análise o lugar, o programa, a
técnica construtiva e as soluções formais.
Escritório de Campo
O edifício do Escritório de Campo, do ano de 1967, pode ser incluído no contexto inicial de
construção do campus universitário, sendo um dos primeiros projetos elaborados. Também
conhecido como “Catetinho”, apelido que remete à primeira sede oficial utilizada pelo
presidente Juscelino Kubitschek durante a construção de Brasília, recebe função
administrativa, possivelmente vinculada ao monitoramento e funcionamento da obra do
Campus de Goiabeiras.
De geometria regular simples, a edificação é implantada sobre uma rocha natural do terreno,
próxima ao acesso sul do campus. Em meio à vegetação abundante, o edifício, explorando
o uso dos materiais em seu estado bruto, aparenta se isolar no meio natural, criando uma
relação direta entre edifício e sítio. Todavia, a edificação não se submete à natureza
circundante, relaciona-se harmoniosamente com o entorno mantendo sua racionalidade
construtiva. Inclusive, ao elevar o volume do solo e aloca-lo sob uma plataforma revestida
em pedra, a arquiteta parece propor uma livre transição entre natural e construído.
Com um pavimento principal, a arquiteta tira partido do desnível existente para propor um
andar inferior, indicado como área para garagem, aberto à fachada lateral. De dimensões
pequenas, o projeto é solucionado em uma planimetria quase quadrada (Figura 2-A),
internamente bastante compartimentada, cujo acesso se dá a partir da varanda frontal, que
se torna ambiente de transição e de organização dos fluxos. Grande parte da área principal
recebe os ambientes administrativos, destinados ao gabinete do reitor, à sala de reuniões e
à assessoria, por exemplo, contando também com cômodos generosos para a portaria e
sala de espera, fora os espaços de serviços. Estes se organizam, internamente, em torno do
jardim de formato retangular, concentrando os cômodos de apoio na parcela posterior e
aproximando aqueles destinados às atividades institucionais à fachada frontal. A
organização do programa segue a modulação estrutural do edifício, dividido igualmente, em
relação a sua largura, em quatro módulos longitudinais.
Figura 3: Planta de implantação (3-A); Diagrama dos blocos, destacando a malha estrutural (3-B);
Elevações do conjunto de Convivência e Restaurante Universitários (3-C); Fonte: arquivo Prefeitura
Universitária, digitalização Patri_Lab (3-A, 3-B, 3-C).
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De forma geral, a arquiteta parece se atentar às orientações das fachadas para a
distribuição do programa. O vazio sombreado circundante aos blocos, a setorização dos
ambientes articulados com amplos eixos de circulação e a ventilação cruzada auxiliam no
conforto térmico da edificação. Também são pensados pequenos jardins internos,
normalmente associados aos ambientes de serviço, mas também a espaços de circulação,
que contribuem para a ventilação e iluminação naturais do todo.
Com programa amplo e bastante diverso, a arquiteta organiza o projeto em dois blocos
retangulares conectados: o menor, de 40mx112m, é ocupado pelo centro de convivência da
universidade, agrupando funções variadas; e o maior, de 40mx192m, recebe o restaurante
universitário e os serviços relacionados. O primeiro compreende salas de entretenimento,
seja para jogos, leitura ou música, por exemplo, comércio e serviços diversos, além dos
sanitários e setor administrativo. Em planta, a variedade dos serviços é organizada em
alguns setores, respeitando rigorosamente a modulação estrutural, intercalados com áreas
de circulação horizontal generosas.
No que diz respeito aos materiais propostos, fica clara a predominância do concreto em
fachada, sendo mantido em seu estado natural nos elementos estruturais, dando destaque
especial para as vigas. Sobre as esquadrias, não constam informações sobre os materiais
utilizados, apesar de se supor o vidro. Em relação aos tipos propostos, reconhece-se, no
desenho das fachadas, uma modulação das soluções, respeitando os módulos estruturais,
estendendo-as de pilar a pilar, sem interrupções. Pode-se identificar duas soluções
elementares para as esquadrias: uma que se estende de piso a teto e por toda a extensão
do módulo, compondo um plano único; e a segunda, prolonga-se por todo o módulo com
altura reduzida, assemelhando-se a uma janela em fita.
Aqui, mais uma vez, reconhece-se a importância do nível do detalhe arquitetônico para a
solução estética-formal da obra, quase como um processo de finalização compositiva, ainda
que de características bastante racionais, como quando a arquiteta opta por elevar o edifício
em relação ao terreno e atribuir um acabamento chanfrado as vigas e lajes no perímetro do
mesmo. Sem estes cuidados, provavelmente, o edifício aparentaria estar preso ao solo, ao
invés de pousar sobre ele, apesar da solidez do volume.
Capela Ecumênica
Vale destacar que não se reconhece uma relação direta entre as características do terreno e
as soluções planimétricas e volumétricas adotadas, assim como o edifício não parece
buscar estabelecer relações com o entorno imediato, voltando-se ao seu interior.
Com uma área total construída superior a 2000m², a capela é solucionada em uma planta de
formato circular, com raio da circunferência externa igual a 20m (Figura 4-A). Além da nave,
altar central e o coro, a edificação recebe outros ambientes de caráter funcional, como
escola bíblica, sacristia e sala de oração, por exemplo. As circulações externas ganham
destaque, conformando, no nível de acesso, uma varanda circular contínua, que percorre
todo o perímetro externo da edificação junto ao espelho d’água. No nível superior, a mesma
circulação se repete, no entanto é compartimentada em trechos internos e externos,
separados por vitrais e portas pivotantes. Assim, conformam três varandas voltadas a
fachada frontal e outra mais alongada na fachada posterior, funcionando tanto para acesso
dos sanitários, como espaço de ventilação e iluminação naturais dos cômodos internos.
A respeito das esquadrias, neste projeto, intercala-se o uso de janelas e vitrais considerando
o uso correspondente de cada cômodo. De forma geral, apresentam larguras semelhantes,
sendo intercaladas com pilares ou elementos de mesma dimensão. Os vitrais, no entanto,
alcançam altura de 2,50m, enquanto as janelas possuem apenas 50cm de altura. Como
maiores exceções, tem-se o amplo vitral alinhado ao eixo central de acesso, no pavimento
principal, e a pequena faixa linear do térreo, permitindo a entrada de luz rente a laje do piso
acima. Outra solução interessante são as portas pivotantes, de 2,50mx2,50m, propostas nas
varandas do andar principal que, quando abertas, rotacionadas sobre seu eixo, criam uma
circulação livre percorrendo todo o perímetro da edificação, além das aberturas zenitais
dispostas na “cúpula” do edifício.
Considerações finais
Por fim, ressalta-se, uma vez mais, a potencialidade da dimensão dos projetos não
construídos para reflexão em torno de uma determinada produção. Retomando a trajetória
da arquiteta junto à instituição e combinando a análise da obra construída e projetada,
reconhece-se uma ampla e versátil atuação, que ficaria esquecida se não fossem os
registros documentais, em imagens e escritos, que preservam parte dessa história,
reforçando a importância dos arquivos para as pesquisas de arquitetura.
Referências bibliográficas
FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. 1. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1997.
MURTA, Luciana Mello. Guia da Arquitetura Moderna Capixaba. 2000. 68f. Monografia
(Graduação em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.
RESUMO
O artigo visa investigar a construção da Memória Nacional a partir dos tombamentos de bens
culturais de natureza material. A partir da coleta da base de dados, a Lista dos Bens tombados e
processos em andamento (1938-2018), tabela disponível no portal do Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (IPHAN), que contém cerca de 2270 processos de tombamento, incluindo a
totalidade dos bens tombados (aprox. 1200), como também processos em andamento ou indeferidos,
faz-se uma análise quantitativa, espaço-temporal dos tombamentos realizados nos oitenta anos de
atuação do IPHAN. Mais do que um balanço da política de tombamento, a pesquisa lança um olhar
sistêmico sobre a herança cultural brasileira para analisar esses dados a partir da ferramenta de
análise da Visualização de Dados (InfoVis), ramo da Ciência de Dados. Desde a estruturação da
informação, do processamento da tabela e da utilização de softwares como Google Data Studio, é
possível construir gráficos, mapas e linhas do tempo que tornam possível a visualização da
informação de maneira mais elucidativa, tornando possível a análise espaço-temporal e sua relação
com a narrativa da Memória Nacional.
Palavras-chave: Memória Nacional; Tombamento; Patrimônio Cultural; Visualização de Dados.
O Patrimônio e a Memória
Os bens culturais de natureza material são, portanto, esses pontos de referência que
estruturam a Memória Nacional, assim como representam o pertencimento comum a uma
coletividade que, ainda que abstrata, nos alcança na formação de nossa cidadania,
sobretudo através da educação formal.
Compreender o universo de bens culturais tombados, sua distribuição territorial, por estado
e região, o número de tombamentos realizados ano a ano, sua classificação tipológica, tudo
isso nos leva, então, a um entendimento mais holístico da relação entre o Patrimônio e a
Memória.
Metodologias e Fontes
Para compreender esse recorte temporal de oito décadas, o passo inicial foi utilização da
Lista de Bens Tombados e Processos de Tombamento do IPHAN como fonte primária e
base de dados. A Lista foi publicizada através do Portal do IPHAN e está disponível para
download.
A Lista de Bens tombados e processos em andamento do IPHAN, tomada aqui como fonte
primária e base de dados, traz uma classificação para os bens culturais que é chamada
“classificação quanto a forma de proteção”, que significa que é uma classificação que o
IPHAN estabelece para melhor compreender o objeto patrimonializado e que forma de
tratamento ele terá na preservação, manutenção e proteção legal que o tombamento lhe
confere. A Lista traz informações sobre os processos em andamento como também
processos indeferidos, mas ao filtrar apenas os bens culturais tombados e já registrados nos
Livros do Tombo, considerando o recorte temporal 1938-2018, tem-se o universo de 1.195
bens culturais tombados. Tomando essa classificação como base para esta pesquisa, temos
a distribuição percentual ilustrada no gráfico abaixo:
É interessante olhar para a totalidade dos bens tombados e enxergar quais categorias são
consideradas mais expressivas no conjunto do Patrimônio Cultural brasileiro. A
materialidade das igrejas, das casas, também tem a ver com a visão que se tem do
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Patrimônio Cultural respectiva a cada época. Obviamente, esse gráfico não traz a dimensão
temporal para a análise, e é essencial entender que a perspectiva do que é considerado
Patrimônio nacional pela Instituição varia de acordo com o desenrolar dessa história, de
acordo com os diferentes momentos políticos e ideológicos vividos pelo próprio Instituto.
Sobre esse alargamento paulatino do que o Instituto entende como Patrimônio Cultural e
que é essencial para entendermos a disparidade entre as categorias de bens culturais
tombados, Fonseca (1997) analisa dois principais momentos na política de tombamento do
Brasil, sendo os anos 1970 o ponto de inflexão para essa mudança, devido a nova
perspectiva no entendimento de cultura, “nas mudanças institucionais que ocorreram a partir
dos anos 70, com a entrada em cena de novos atores, a adoção de uma concepção ampla e
abrangente de cultura, o ensaio de novas formas de proteção e, sobretudo, uma proposta de
democratização da política de patrimônio em nível federal.” (Fonseca, 1997, p. 79.)
Quando escreve “O mapa do Brasil passado”, Rubino (1996) analisa os bens culturais
tombados entre 1937 e 1967 e investiga as seguintes categorias organizadas numa tabela:
Bens móveis; Conjuntos; Arquitetura urbana; Arquitetura rural; Arquitetura ligada ao Estado;
Arquitetura religiosa; Arquitetura militar; Parques/áreas naturais; Ruínas/remanescentes;
Fontes/chafarizes; Detalhes; Pontes/arcos e Outros. (Rubino, 1996, p.98)
Notemos que as categorias trabalhadas na presente pesquisa são diferentes das utilizadas
por Rubino, embora as análises sejam similares. É importante notar como a forma de
classificação também traduz um novo entendimento da Instituição em relação aos bens
tombados. As categorias das Arquiteturas (religiosa, militar, rural etc.) caberiam toadas em
Edificação e Edificação e Acervo, sendo a diferença que a classificação mais atual nos
ajuda a entender que quando uma edificação é tombada com seu acervo, como no caso de
igrejas, nada pode ser alterado, inclusive em seu interior. Ao contrário, quando é tombada
como Edificação, pode ser apresentado projeto de reforma interna ao Instituto, para análise
e possível aprovação. Assim, as duas classificações se diferenciam porque a primeira
considera a natureza da arquitetura e o que ela representa, a mais atual está relacionada a
forma de proteção.
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É necessário ir a fundo dentro dessas categorias para entender de que forma o conceito de
Memória se aplica a cada uma desses conjuntos de bens culturais. Por exemplo, a categoria
de Edificação e acervo é composta sobretudo por igrejas, mosteiros e conventos das mais
diversas ordens religiosas, além de casas de pessoas que foram importantes para a História
do país, a exemplo da casa de Chico Mendes ou a casa onde viveu Prudente de Moraes.
Um olhar mais profundo sobre essa categoria deve escrutinar o que cada bem cultural
significa para a História e Memória nacionais, o que ele representa, e por que foi
considerado digno do tombamento. No caso de um conjunto de bens culturais da mesma
ordem religiosa ser tombado, podemos levantar a hipótese de que a História daquela ordem
religiosa e sua participação na colonização e desenvolvimento urbano são considerados
expressivos para a História pátria.
Outro terço dos bens tombados é subdividido entre as demais categorias, sendo conjuntos
urbanos, conjuntos arquitetônicos, jardins históricos, patrimônio natural, quilombos, terreiros,
sítios arqueológicos, bens paleontológicos, ruínas, infraestrutura urbana, bens móveis ou
integrados e coleções e acervos.
Este gráfico mostra os tombamentos realizados no ano de 1938 pelo então SPHAN (Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), trazendo a distribuição dos tombamentos pelos
estados para a análise, mostrando as categorias e a quantidade de bens tombados em cada
categoria. Cientes de que estamos utilizando categorias contemporâneas para analisar os
tombamentos realizados quando essa classificação não existia, podemos ver que as
categorias quilombo, terreiro, sítio arqueológico e bem paleontológico não aparecem nesse
primeiro momento. Três dessas categorias só vão aparecer depois de 1986, como veremos
a seguir na visualização da linha do tempo.
Por enquanto, podemos inferir por este gráfico que os estados tidos como prioritários nos
primórdios da política de tombamento são dois estados que foram capitais brasileiras, Bahia
e Rio de Janeiro (que no momento do tombamento era a capital federal), e dois estados
representantes de importantes ciclos econômicos na História Nacional, como Pernambuco,
representante do ciclo de açúcar e Minas Gerais, representante do ciclo do ouro.
A figura 3 nos informa o número de bens tombados por estado da federação e sua
distribuição nas respectivas categorias quanto a forma de proteção. O Rio de Janeiro, em
tendo sido a capital federal durante quase dois séculos, sendo sede do governo em suas
várias diferentes formas ao longo da História do Brasil, da Colônia à República, palco de
importantes reformas urbanas e testemunha do nascimento do Brasil moderno, a cidade foi
também capital do país durante a atuação do IPHAN entre 1937 e 1960, o que explicaria
tamanha atenção dada à herança que a cidade tem. No gráfico, é possível ver a distribuição
dos tombamentos nas categorias quanto a forma de proteção, e o Rio é a cidade com mais
Edificações tombadas no país.
O Rio de Janeiro é também o estado que tem mais Jardins Históricos, Patrimônios Naturais
e Conjuntos Rurais tombados.
Em seguida, conforme mostra o gráfico, Minas Gerais é o estado com mais bens na
categoria Edificação e Acervo tombados do país, muito devido à sua representatividade no
Barroco brasileiro, visto que as edificações tombadas com seu acervo são, em geral, igrejas,
mosteiros e conventos. A importância do Barroco mineiro é destacada pelo trabalho de
Robert Smith desde os anos 1930, a ver:
The essentially native Portuguese tradition, on the other hand, neglected but
never forgotten in the coastal cities, flourished in the interior capitania of
Minas Gerais. [...] Discovered at the end of the seventeenth century by
pioneer adventurers whose bandeiras swept up the river valleys form São
Paulo e Bahia, these mines poured out the wealth that was supporting the
extravagant court at Lisbon while financing at home a campaign of building
that constitutes the major architectural development of colonial Brazil.
A civilização de Minas Gerais foi uma conquista do século XVIII. [...] Nossos
estudos, portanto, vão se concentrar no período do século XVIII, quando em
todo o mundo português o estilo Barroco foi definindo as suas formas
últimas e mais expressivas. (Smith, 1939, p.114) (tradução livre)
Além de ter sido a primeira capital da então Colônia portuguesa nas Américas, o que em si
demonstra o porquê do desenvolvimento urbano e arquitetônico que resultam na
acumulação de patrimônio edificado, Salvador da Bahia também registra número
significativo de edificações católicas, como igrejas, mosteiros e conventos, além de casas de
câmara e cadeira e conjuntos arquitetônicos importantes dos primórdios da colonização até
o desenvolvimento da cidade moderna.
Figura 4 – Linha do tempo cumulativa mostrando os tombamentos dos bens culturais ao longo dos
oitenta anos de atuação do IPHAN (1938-2018). Fonte: Elaborado pela autora a partir da metodologia
de Infovis.
Isso nos faz refletir sobre a natureza desses bens culturais e o que eles representam para a
história e a memória nacionais. O que faz com que seu reconhecimento seja tão tardio em
relação às outras naturezas de bem cultural? Por que tamanha discrepância na quantidade
de bens tombados nessas categorias em relação às outras? São nove terreiros, um
quilombo e um bem paleontológico, num universo de 1.195 bens tombados.
Em agosto de 1986, o ―Terreiro da Casa Branca‖ (Ilê Axé Iyá Nassô Oká)
foi o primeiro centro de culto afro-brasileiro inscrito no Livro do Tombo
Histórico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Segundo o processo de tombamento do terreiro, a documentação existente
e a tradição oral permitem identificar o templo afro-brasileiro como o mais
antigo de Salvador e talvez do Brasil, com fundação datada de
aproximadamente final do século XVII. Identificado como local de prática de
candomblé originário da ―Nação Ketu, em referência ao lugar de origem
de seus principais fundadores, o terreiro instalou-se inicialmente em terreno
anexo à Igreja da Barroquinha, no Centro Histórico de Salvador, tornando-
se uma matriz de culto da qual outros terreiros brasileiros descendem.
(Silva, 2017, p.14)
1 Para uma leitura mais aprofundada nas atuações das diretorias do Instituto, ver: BAUER, Letícia Brandt: O
homem e o monumento : criações e recriações de Rodrigo Melo Franco de Andrade, 2015; SAPORETTI,
Carolina Martins: A gestão de Renato Soeiro na direção da DPHAN (Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional) (1967-1979), 2017; LAVINAS, Laís Villela: Um animal político na cultura brasileira: Aloísio Magalhães e
o campo do patrimônio cultural no Brasil (anos 1966-1982), 2014.
Na tentativa de identificar o “ser nacional”, o Instituto na verdade cria uma narrativa que
elege a memória branca de herança portuguesa como o Patrimônio nacional, apagando e
silenciando ou subrepresentando outras heranças. “O SPHAN elegeu um Brasil
antepassado que exclui alguns atores contemporâneos ao delimitar claramente de quem
“descendemos”. Não é um discurso da superioridade branca, lusitana e cristã conferido pela
detração do outro e sim ela sua exclusão [...]” (Rubino, 1996, p.103) Está mais do que na
hora de revisitarmos essa construção de Nação e trazer à luz aquilo que está na sombra do
esquecimento da história do Patrimônio nacional.
Desde a Introdução, este artigo busca relacionar bem as noções de Patrimônio e Memória
porque acredita-se que o patrimônio tombado representa uma Memória Nacional que,
enquanto narrativa, se torna oficial.
Também foi possível lançar um olhar sobre o ano de 1938 e os tombamentos realizados
então, compreendendo que estados e categorias foram priorizados pelo Instituto.
Vimos a distribuição por estados da totalidade dos bens tombados e como cada estado
distribui os bens tombados nas categorias, levando-nos a compreender os estados com
maior número de bens tombados e o que isso representa na atuação do IPHAN ao
reconhecer esses bens culturais. Foi possível estabelecer relações como Minas Gerais e o
Barroco implícito na categoria de Edificação e Acervo, Bahia e a categoria de Terreiros,
dentre outras.
A narrativa construída pelo Instituto ao selecionar, valorar e proteger esses bens culturais é
uma construção de identidade e memória nacionais, e essa narrativa tem mostrado a
perspectiva dos vencedores, dos colonizadores, do patrimônio edificado que representa o
Portugal que se adaptou aos trópicos, a civilização cristã e civilizada que herda da
Metrópole seu DNA europeu.
Essa construção narrativa nos leva a considerar que é urgente buscar uma perspectiva
decolonial para repensar Patrimônio e Memória Nacional, buscando representar as diversas
memórias que compõem a Memória Nacional, sobretudo as memórias dos povos
escravizados e subalternizados no processo de construção da Nação.
RESUMO
A década de 1930, marca a modernização dos edifícios escolares do estado de São Paulo,
alavancada por uma comissão formada por profissionais de diferentes áreas: da construção civil, da
educação e da saúde, que defendiam a inserção de princípios da arquitetura moderna nos novos
projetos escolares. Estes novos edifícios escolares constaram em diversas publicações da Revista
Acrópole, importante periódico nacional na área de arquitetura, o que pode demonstrar o interesse
que tais edifícios tinham na época. O objetivo geral deste trabalho é investigar como Revista
Acrópole retratou as inovações da arquitetura escolar paulista nos anos de 1930. Para isso, foi
realizada uma pesquisa documental no acervo on-line da Revista Acrópole, seguida de seleção e
sistematização das notícias encontradas sobre a modernização dos edifícios educacionais paulistas
no recorte temporal estudado. A análise qualitativa das notícias encontradas pôde indicar que houve
diferentes motivos para a modernização da arquitetura escolar, tal como: a atualização aos novos
métodos pedagógicos, a implementação de novos ambientes como biblioteca, sala de leituras, salas
odontológicas, salas de exames, ginásio e campo de futebol, estes dois últimos devido a
obrigatoriedade da educação física. Além do mais, as notícias destacaram as novas técnicas e
materiais construtivos, como o concreto armado, elementos pré-fabricados, materiais de
revestimento, novas louças sanitárias, entre outros. Espera-se contribuir para preencher lacunas na
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historiografia da arquitetura escolar, ressaltando a pesquisa em periódicos como uma importante
fonte documental para o tema.
Introdução
Metodologia
Para maior controle sobre os dados da pesquisa, realizada toda através da internet
(a pesquisa foi iniciada e desenvolvida de modo remoto no segundo semestre de 2020,
devido ao isolamento social imposto pela pandemia do novo Coronavírus) houve a criação
de uma pasta compartilhada no Google drive para inserir as imagens salvas de notícias
relevantes que forem sendo encontradas, além de uma planilha colaborativa, para registro
das notícias. Por fim, foram analisadas as matérias selecionadas, agrupando-as segundo os
temas mais frequentes que envolviam a modernização das edificações descritos nas
notícias, e com isso, chegamos aos resultados descritos aqui.
Para São Paulo, local onde a Revista era editada, e onde foram construídos grande
parte de seus projetos publicados, ela foi responsável pela “disseminação mais ampla de
alguns valores da arquitetura paulista” (SEGAWA, 2010, p. 152). Assim, acreditamos que
também constitui fonte importante para pesquisa na área da arquitetura escolar paulista.
No estado de São Paulo, foi através da reforma da instrução pública proposta por
Fernando de Azevedo, quando ocupou o cargo de Diretor Geral do Departamento de
Educação do Estado de São Paulo, em 1933, que uma nova linguagem arquitetônica com
influência do vocabulário moderno foi inserida na arquitetura escolar.
Para atingir tais propósitos foi criada a Comissão Permanente de Prédios Escolares,
composta por um grupo de profissionais com formações variadas – arquitetos, engenheiros,
médicos, higienistas e educadores. Tal comissão desenvolveu um plano para adaptação e
construção de novas escolas, além de uma série de estudos para identificar como deveriam
ser os novos edifícios escolares, que foram publicados em 1936, pela Secretaria dos
A publicação "Novos Prédios para Grupo Escolar" (SÃO PAULO, 1936), era uma
espécie de manual para a construção dos novos grupos escolares. Representa a
necessidade da arquitetura escolar se especializar e se diferenciar de outros edifícios, já
que deveria ter características próprias para o desenvolvimento do aprendizado por meio da
pedagogia da Escola Nova. E o novo tipo de edifício deveria ser pensado de modo racional,
resultado de estudos (GOLDFARB, TINEM, 2017). Tais estudos foram organizados em um
volume composto por uma apresentação e mais dezesseis artigos:
O responsável pelo projeto das novas escolas foi José Maria da Silva Neves, Chefe
da Seção Técnica de Projetos de grupos escolares, e professor adjunto da Escola
Politécnica e professor da Escola de Belas Artes (OLIVEIRA, 2007). Ao todo, foram
construídos onze grupos escolares pela Comissão, na capital, entre 1936 e 1938. Desses,
nove edifícios de autoria deste arquiteto, além do Grupo Escolar Frontino Guimarães (de
autoria de Jorge Mancebo), e do Grupo Escolar Prudente de Moraes, de autoria
desconhecida. Vários desses novos grupos escolares tiveram seus projetos publicados nas
páginas da Revista Acrópole, ao longo do final da década de 1930 e início da 1940.
Além das fotos externas, as matérias contêm fotos de detalhes, como dos portões e
guarda corpo em ferro, pilotis e marquises de concreto armado, sala de aula, hall de entrada
e escadarias, os largos corredores, e ginásio com suas instalações sanitárias com
chuveiros. As inovações construtivas e programáticas eram exibidas nas imagens. Em
relação aos desenhos arquitetônicos, as matérias só trouxeram plantas baixas, e em um
caso, sobre a Grupo Escolar Visconde de Congonhas do Campo, mostra também a planta
de implantação no lote, para ressaltar sua implantação no centro do lote em Z, na diagonal,
moderna e pouco usual na época, adotada para melhor insolação das salas de aula.
O texto, em geral, reforçava que havia uma certa urgência em atender aos novos
protocolos e em repassar as atualidades efetuadas à população, como se as novas
construções fossem favorecer a educação, os demais profissionais envolvidos e
propagandear o governo. Realizou-se uma ressignificação quanto ao que se entendia por
qualidade educacional, resultando em metodologias ainda aplicadas na atualidade.
Figura 01- Grupo escolar Visconde de Congonhas do Campo. Fonte: Revista Acrópole, n.° 3,
1938, p.62.
Ainda que o concreto armado tenha sido bastante útil em vários elementos
estruturais e sendo o material construtivo de maior destaque para época, sua eficiência
passou a ser limitada por ser uma técnica construtiva economicamente alta, além da
necessidade de mão de obra especializada pouca encontrada na época. Sendo assim,
alguns dos edifícios apresentados foram executados com cobertura em telhas francesa e
madeiramento convencional.
Figura 02- Pilotis e marquises em concreto armado do pátio do G. E. Antonio Queiroz Teles e
do G. E. João Vieira D’Almeida. Fonte: Revista Acrópole, n.° 35, 1941, p.384 e 385.
Alguns destes espaços, que hoje já são comuns entre as construções escolares,
como o ginásio e o campo de jogos, passavam a ser parte do programa padrão das escolas
públicas nesse momento, com a obrigatoriedade da Educação Física em 1937
(SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000). Estes ambientes se voltavam à prática de
exercícios e outras atividades física, a fim de estimularem a saúde dos alunos. Os referidos
espaços não eram considerados enclausurados, uma vez que possuíam aberturas amplas
como forma de permitir a permeabilidade da ventilação e iluminação natural.
Todas as salas de aula são amplas, arejadas, muito claras, com iluminação
adequada; as dependências abrangem salas para porteiro, Diretor,
Educadora Sanitária, Arquivo, Biblioteca, Sala de Leitura, sem falar em um
amplo Ginásio onde as crianças fazem seus exercícios ginásticos e realizam
suas festas escolares. (ACRÓPOLE, 1940, p. 381).
Todos os patêos de recreio são cercados por muros com gradís e portões
de ferro que completam o belo efeito da fachada e do jardim fronteiriço. Um
detalhe interessante é o que apresentam as fotografias que seguem dos
galpões e passadiços, feitos completamente de concreto armado com linhas
sóbrias e muito elegantes. (ACRÓPOLE, 1940, p.381).
Além disso, em alguns casos as paredes das escolas recebiam painéis de azulejos,
cuja representação era de assuntos pedagógicos, tendo assim uma justificação funcional
para sua adoção.
Considerações finais
Por fim, espera-se contribuir com este arigo para preencher lacunas na historiografia
da arquitetura escolar, ressaltando a pesquisa em periódicos como uma importante fonte
documental para o tema, e da importância dos acervos documentais disponíveis na internet
para a produção de conhecimento.
Referências Bibliográficas
ACRÓPOLE. São Paulo: Edições Técnicas Brasileiras Ltds, v. 29, set. 1940. Mensal.
ALMEIDA, Maísa Fonseca de. Revista Acrópole publica residências modernas: análise
da revista Acrópole e sua publicação de residências unifamiliares modernas entre os
anos de 1952 a 1971. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Departamento
de Arquitetura e Urbanismo, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São
Paulo, São Carlos (SP), 2008.
GOLDFARB, Marina; TINEM, Nelci. Escolas modernas para uma nova pedagogia? O
movimento Escola Nova e a modernização da arquitetura escolar paraibana (década de
1930). In: XI Seminário DOCOMOMO Brasil: O campo ampliado do movimento moderno.,
2016, Recife- PE. Anais do XI Seminário DOCOMOMO Brasil, 2016.
IDOETA, Paula Adamo. As escolas ao ar livre de 100 anos atrás que podiam inspirar volta
às aulas na pandemia. BBC News, 2020. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/geral-54017009. Acesso em: 24/05/2021.
OLIVEIRA, Fabiana Valeck de. Arquitetura escolar paulista nos anos 30. Dissertação
(Mestrado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – FAU, São Paulo,
2007. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-20052010-
152808/>. Acesso em: 08/2021.
SÃO PAULO. Novos prédios para grupos escolares. Secretaria dos Negócios da
Educação e Saúde Pública. Diretoria do Ensino, 1936.
No final da década de 2010, dois atos legais do IPHAN vão delinear novas
perspectivas no contexto da elaboração de normativas para bens tombados no
país. Primeiramente, em dezembro de 2017, o Decreto 9238/2017 institui nova
estrutura organizacional do IPHAN, criando a Coordenação Geral de
Normatização e Gestão do Território, reposicionando o trabalho de
normatização, até então parte da Coordenação Geral de Autorização e
Fiscalização. Em 2018 é instituída a Política de Patrimônio Cultural Material
(Portaria 375/2018), um instrumento interno que consolida entendimentos e
estabelece marcos relevantes relacionados à ação e às competências do
IPHAN, já estabelecidas no âmbito constitucional. Para tanto, estabelece
premissas, princípios e relaciona os vários processos institucionais como ações
de preservação, entre eles, a normatização, que é então incorporada como um
processo interno que observa o dever constitucional de vigilância, estabelecido
pelo art. 216 da Constituição Federal. O presente artigo pretende, então, trazer
colaborações para o debate sobre os instrumentos de gestão dos sítios
históricos urbanos no final do séc. XX e início do séc. XXI, decorrentes de
novas paradigmas institucionais, estabelecidos a partir da década de 1980.
RESUMO
O período do ecletismo na arquitetura vem passando por uma revisão conceitual na historiografia
nacional e internacional. Busca-se desfazer preconceitos e o julgamento (pejorativo) que sempre
recaiu sobre ele. Uma das maneiras de avançar nesse sentido é explorar interpretações que levem
em conta outras noções para além da estética e da forma, que, recorrentemente mobilizadas, no caso
do ecletismo, quase sempre contribuiram para reforçar ideias generalizantes. É comum na
historiografia da arquitetura explorar trajetórias e obras de personagens do campo das construções,
sobretudo arquitetos. Mas no que tange ao ecletismo, apesar de trabalhos pioneiros que revelaram a
produção de nomes como Ramos de Azevedo, Victor Dubugras e vários outros autônomos, ainda são
poucos aqueles que atuaram profissionalmente em São Paulo de fins do século XIX ao início do
século XX que tiveram seu papel reconhecido. O arquiteto sueco Carlos Ekman costuma ser
lembrado pelo projeto e construção da Vila Penteado. O pioneirismo no uso do estilo art nouveau em
residencias no Brasil, somado ao entendimento e à valorização deste como uma suposta transição
para o modernismo, ao mesmo tempo em que marcou o nome de Ekman na história da arquitetura,
também restringiu os estudos sobre sua obra a um único exemplar. Investigando mais a fundo,
porém, sua biografia (a partir da análise de sua formação, trajetória, inserção social e profissional,
além das proprias obras) percebe-se que a maior riqueza de sua extensa e variada produção
arquitetônica está justamente na forma como ele se apropria de abordagens da arquitetura do
ecletismo em suas relações com as demandas e imposições locais e com a sua experiência de vida.
Os preceitos ecléticos circularam internacionalmente, bem como materiais de construção e
publicaçoes especializadas, e estavam disponíveis e abertos a variadas formas de apropriação e
interpretação, conforme as circunstâncias e os agentes. Boa parte desses profissionais da
construção, como as pesquisas mostram, estavam interessados sobretudo na experimentação,
frequentemente inventando e ousando nas soluções propostas. Cada obra resultava, assim, sempre
única e, ao mesmo tempo, híbrida. Este artigo propõe que um dos caminhos profícuos e interessantes
de, pouco a pouco, expor e problematizar a riqueza das experiências que envolveram o ecletismo em
São Paulo, é considerá-lo a partir de sua dimensão coletiva e heterogênea, da qual participaram
diversos personagens, com origens, inserções e atuações distintas – ao contrário de tentar enquadrá-
lo em uma noção fechada de “estilo”. Essa heterogeneidade demanda uma consideração por meio do
caso a caso, do que há de particular e específico na atividade cotidiana de cada profissional em suas
relações com outros agentes envolvidos na produção da cidade e, principalmente, de sua arquitetura.
Examinar, então, sua “biografias” permite interpretar tal arquitetura a partir de suas próprias questões
e embates, fundamentais para nossa cultura arquitetônica até hoje.
Palavras-chave: História da arquitetura; Ecletismo; Biografia; Carlos Ekman (1866-1940); São Paulo.
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O conceito de ecletismo na arquitetura1
O termo “ecletismo” foi cunhado por Victor Cousin em 1830 na França para se referir
a um método de pensamento que se dá a partir da composição de elementos diferentes
entre si selecionados de outros métodos. Transposto para a arquitetura e o exercício do
projeto, tal raciocínio se reflete em uma escolha de elementos arquitetônicos do passado
para compor edifícios que respondam às demandas do presente (Liernur; Aliata, 2004, p.
10). Tendo recebido já vários significados na historiografia da arte e da arquitetura, tanto
internacional quanto nacional, é até hoje um termo ambíguo e de difícil definição.
1Este trabalho é resultado de nossa pesquisa de doutorado em andamento, que conta com apoio da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 2018/01725-2. As opiniões, hipóteses e
conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade da autora e não
necessariamente refletem a visão da FAPESP.
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catálogo de 1977 que, com ampla difusão internacional, foi reeditado em 1984 (ver Drexler,
1977). Soma-se a isso o contexto favorável de revisão crítica da historiografia moderna. No
Brasil, Carvalho (2000, p. 21) destaca o II Congresso Brasileiro de História da Arte, em
1984, cujo tema foi o ecletismo e o neoclassicismo e que deu origem ao livro “Ecletismo na
arquitetura brasileira”, publicado em 1987, ambos por iniciativa de Annateresa Fabris,
marcando o início do efetivo aumento do número de trabalhos sobre o assunto.
Talvez o primeiro aspecto que convém ressaltar seja o fato de que não há consenso
quanto à definição de “ecletismo” como um estilo, já que é evidente sua tendência à
heterogeneidade. Ele é fruto de uma condição de incertezas, de confronto com realidades
móveis; é debate, é discussão, é tensão. À época de seu surgimento, não houve a
pretensão de definir uma unidade, nem uma solução universal a ser adotada; pelo contrário,
aceitou-se a variedade, e isso se tornou seu principal trunfo. Não é possível, assim, falar em
apenas um “ecletismo”, definível dentro de um conjunto fechado de regras e características
pré-estabelecidas. Ainda assim, também não há dúvidas de que há muitos aspectos em
comum entre as manifestações ecléticas, o que demonstra sua abrangência internacional e
adaptabilidade a diferentes contextos.
2 Escola que, como aponta o historiador da arquitetura francês Jean-Louis Cohen (2004), foi a principal
responsável por difundir o “ecletismo” em âmbito internacional e de forma muito eficiente.
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história3 – a tais debates, é claro, devem-se reconhecer nuances específicas conforme a
localidade.
3 O debate técnico envolve tudo que diz respeito à representação do projeto e à construção, como a estrutura e
os materiais; o debate sobre a história envolve questões relativas à forma e à estética do edifício, como o corpus
de referência e os princípios de composição; e o contexto político refere-se à esfera político-social. Tais
discussões se dão no nível do “fazer” da arquitetura; sobre a maneira de pensar sobre o projeto e a atividade de
projetar (EPRON, 1997).
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Uma maior aceitação e apropriação da biografia pela história se intensificou em fins
da década de 1970, início de 1980, com a crise dos modelos de interpretação estruturalista,
quando começa a ser colocado em xeque o uso de “categorias interpretativas
predeterminadas”, que desconsideravam as ações individuais (Schmidt, 2012, p. 193). Os
historiadores começaram a se interessar mais em “refletir sobre os destinos individuais”
(Loriga, 1998, p. 226), o que se evidenciou em diversos contextos historiográficos, como foi
o caso de alguns membros da terceira geração dos Annales, ou da “Nova História”, como
Georges Duby e Jacques Le Goff, que encontraram “no estudo biográfico outra forma de
compreender os contextos sociais nos quais viveram os personagens” (Schmidt, 2012, p.
193).
A história da arquitetura também terá seu campo ampliado a partir deste momento
entre fins de 1970 e início de 80, não apenas com a inclusão do ecletismo como assunto de
interesse, como já mencionado, mas também passando a abranger agendas teóricas e
metodológicas externas (multidisciplinares), se aproximando das ciências humanas, que lhe
conferiram caráter crítico, se desvinculando de forma mais evidente da prática e da ideia de
autonomia da forma.
Nas últimas décadas, de acordo com José Lira (2010, p. 9), também as trajetórias de
arquitetos e urbanistas vêm recebendo mais atenção, mesmo daqueles não enquadrados
pelas narrativas hegemônicas, que vêm merecendo reflexões mais abrangentes. Refletindo
sobre a biografia no campo da história urbana, Josiane Cerasoli (2014), alerta para o perigo
de se incorrer em certas ilusões5, como a busca de “coerências” na trajetória do sujeito
4 Expressão cunhada por Paul Planat em meados do século XIX na França para definir a arquitetura eclética que
parte de uma analogia entre esta e a peça do figurino do palhaço, emprestada por Angotti-Salgueiro para título
da tese e de seu livro homônimo (2020).
5 Em referência ao célebre texto do sociólogo Pierre Bourdieu no qual, atento à proliferação de biografias na
década de 1980, alertava para uma série de “ilusões” que considerava armadilhas nas quais biógrafos
frequentemente caiam e que colocavam em xeque a credibilidade científica de suas narrativas.
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biografado, tentativas de simplificação de processos e acontecimentos complexos, e,
sobretudo, a busca da “linearidade” nas narrativas. Rodrigo Faria (2014, p. 66) alerta ainda
para a “ilusão do todo” em uma biografia, ou seja, a ideia de que seria possível abranger
tudo; os documentos não dão conta disso, pois são vestígios fragmentados que carecem ser
interpretados. A biografia, assim, é uma escrita interpretativa.
Para Angotti-Salgueiro (2020, pp. 29-37), explorando as biografias dos atores sociais
envolvidos na produção da arquitetura naquele período, é possível contribuir para a revisão
de terminologias e conceitos que ajudam a melhor compreender o ecletismo dentro de um
quadro mais amplo. Isso porque por meio da trajetória, das várias questões que a
atravessam e dos diversos personagens envolvidos nas tramas das vidas, é possível
identificar ideias e/ ou temas que estiveram em debate naquele momento, bem como os
agentes e as forças que as(os) disputaram e nelas(es) interferiram de forma particular.
Ainda que não sejam muitos, há uma coincidência importante nos trabalhos acima
mencionados e que, acreditamos, é uma potencialidade a ser explorada no sentido de
enriquecer a complexidade da arquitetura do período: o entendimento de que a atividade
daqueles arquitetos era movida por uma vontade de experimentar soluções e que se
manifestava em diversos aspectos de suas atividades: da escolha dos estilos/ estilemas do
passado na composição das fachadas, à introdução de elementos inventados, ao uso de
técnicas e materiais novos ou em combinações criativas e / ou tradicionais e à organização
dos programas. É claro e o que caracteriza tais experimentações é próprio de cada
profissional em sua rede de relações na cidade, daí a importância de explorar suas
trajetórias e obras considerando nexos biográficos na análise de suas atividades.
Dentro dos limites acima delineados, pode-se dizer que a trajetória de Carlos Ekman
é representativa dos debates político, sobre a técnica e sobre a história de que fala Jean
Pierre Epron (1997) no âmbito do ecletismo paulistano, da mesma forma que sua atividade
contribuiu para moldar e enriquecer esses debates. Vamos aqui reunir algumas perspectivas
de análise a partir do conjunto de sua obra.
Ecletismo e experimentação
6Em 1898, Carlos Ekman casou-se com Flora Jaguaribe, filha de Domingos Jaguaribe e herdeira dos barões de
Porto Feliz. A partir daí adquire condição financeira favorável e passa a inserir-se nos círculos mais restritos de
sociabilidade da elite paulistana, como pudemos verificar em registros em periódicos e nos arquivos da família.
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edifício” (expressão decorativa ou simbólica do programa); comunicabilidade / “arquitetura
falante” (Rocha-Peixoto, 2001, pp. 6-7); respeito aos princípios de simetria e proporção.
7Como já observara Heliana Angotti-Salgueiro (2020, p. 221) com relação às obras de José de Magalhães em
Belo Horizonte, característica que ela considera comum à arquitetura do ecletismo em suas diferentes
manifestações.
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havia demanda para todos8. Ao passo que nas ex-colônias na América podiam encontrar um
campo aberto para experimentações, além de uma sociedade receptiva para novidades.
Foi o que aconteceu com Carlos Ekman na cidade de São Paulo. Mesmo que sua
média anual de projetos por ano fosse relativamente baixa9, oportunidades não lhe faltaram
para exercer sua atividade profissional e experimentar, ainda que tenha passado toda a sua
carreira na cidade à margem da atuação em grandes escritórios, como o de Ramos de
Azevedo, e sem se envolver também em outras atividades, como a docência ou cargos
públicos. Além dos projetos que lhe foram contratados, propôs, por iniciativa própria, alguns
projetos de infraestrutura urbana que também teriam sido investimentos lucrativos– como
fez com o Viaduto Santa Ifigênia, para o qual desenhou um edifício-ponte em sociedade
com Augusto Fried em 1898, com o teatro no Arouche, de 1900, e com um viaduto para as
fronteiras do Brás, porém nenhuma dessas propostas saiu do papel.
Sob esse ponto de vista, a obra de Ekman evidencia uma experimentação que
combina, na composição das fachadas e dos agenciamentos internos, elementos obtidos de
diferentes fontes de repertório (passando pelo classicismo, gótico, pitoresco etc), modelos
de circulação internacional, elementos de manifestações mais recentes como o Art Nouveau
e outros inventados ou escolhidos de seu universo pessoal, o que resulta em uma grande
personalização dos projetos; composições que, apesar de vinculadas às regras acadêmicas
mais comuns, nem sempre as respeitam, por vezes subvertendo-as.
8 No caso de Ekman, vale lembrar que a Suécia de meados do século XIX era um país ainda relativamente
isolado e essencialmente rural.
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Academia de Belas Artes de Estocolmo antes de iniciar a educação formal na Escola
Técnica de Copenhague. Em seguida transferiu-se para o curso de Arquitetura e
Ornamentação da Escola Politécnica de Estocolmo (atual Escola de Arquitetura do Instituto
Real de Tecnologia, KTH), deixando a Suécia ao se formar em 1886.
Figura 1: aquarela do projeto de Teatro Municipal para São Paulo apresentado por Carlos Ekman em
concorrência de 1898. Não construído. Fonte: Coleção Carlos Ekman do Acervo da Seção Técnica de
Materiais Iconográficos da Biblioteca da FAUUSP.
9Conforme a catalogação de obras do arquiteto em São Paulo, a maior média anual de projetos simultâneos em
um ano foi de 6 quando de sua sociedade com Augusto Fried (1894-1899). Quando possuía escritório próprio,
essa média caiu para 3 projetos por ano (ver Amado, 2020).
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Figura 2: fachada do projeto de teatro no largo do Arouche, 1900. Não construído. Fonte: Coleção
Obras Particulares do Acervo do Arquiteto Histórico Municipal de São Paulo.
Figura 3: fachada do Teatro São José. Fotografia sem data. Fonte: Coleção Carlos Ekman do Acervo
da Seção Técnica de Materiais Iconográficos da Biblioteca da FAUUSP.
Já em 1909, Ekman foi o responsável por projetar e construir o Teatro São José, nas
cabeceiras do viaduto do Chá, defronte ao terreno onde dois anos depois estaria finalizado o
Teatro Municipal de São Paulo. O partido, novamente, é bastante distinto dos demais, nesse
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caso inserindo elementos vinculados ao art nouveau nas composições das fachadas,
combinados com elementos clássicos, de modo que cada uma das três fachadas do edifício
é explorada, do ponto de vista da composição, de forma específica, mas com alguns
elementos que se repetem, conferindo maior dramaticidade ao conjunto, condizente com o
uso de teatro. Teatros na República Tcheca, como o East Bohemia e o Vinohrady são
algumas referências estilísticas possíveis nesse caso (Amado, 2016, pp. 204-205). Na
disposição interna, muito derivada da declividade e posição de esquina do lote, foi criada
uma rua interna, espécie de galeria que ligava a rua Xavier de Toledo ao Viaduto do Chá. O
imponente volume monolítico tinha assim sua rigidez quebrada internamente ao mesmo
tempo em que convidava o pedestre a transitar em seu interior.
Angotti-Salgueiro (2020) chama a atenção para o fato de que o uso do ferro não era
uma unanimidade à época, mas uma escolha. No caso de Ekman, devemos lembrar de sua
experiência de dois anos em Nova York, trabalhando no escritório dos alemães De Lemos e
Cordes, que dedicaram-se à construção de edifícios de ferro e vidro em linguagem
historicista na cidade (Saldanha, 2017, pp. 96-97). Um dos vestígios de sua passagem pela
cidade presente nos acervos consultados é justamente um livro de bolso sobre estruturas de
ferro. No conjunto de sua obra vemos que lançou mão do material em projetos do período
de 1900 até 1914, como o teatro do Arouche, 1900, a Casa Alemã, 1909, o Teatro São
José, 1909 e a Casa Bamberg, 1909, que trazem uma experimentação com uso mais
extensivo desse material na estrutura, que ficava aparente em alguns pontos, funcionando
associadamente à alvenaria de tijolos.
Bibliografia
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TOLEDO, Benedito Lima de. Victor Dubugras e as atitudes de inovação em seu tempo. Tese
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RESUMO
Examina-se neste artigo, mecanismos para facilitar o gerenciamento de instalações (Facility
Management – FM) especificamente, serviços de manutenção em edificações históricas. Estuda-se o
processo de gerenciamento e integração de informações geométricas e semânticas com o uso de
Modelagem da Informação da Construção (Building Information Modeling – BIM) associada a
aplicações FM. Em particular, pretende-se identificar o Estado da Arte nessa integração tecnológica,
explorando-se potencialidades ressaltadas na literatura (como rapidez e confiabilidade aos fluxos de
trabalho), bem como identificar possíveis lacunas na área de manutenção do patrimônio arquitetônico.
Nesse sentido, apresenta-se um panorama de tecnologias BIM-FM aplicadas nessa área. As
principais técnicas e ferramentas identificadas envolvem a integração do modelo BIM a informações
não geométricas por diversas vias: integração com estrutura ontólogica e compartilhamento web;
conexão a banco de dados em linguagem SQL; compartilhamento web com banco de dados próprio
(como os projetos Inception, HeritageCare e BIMLegacy); uso de programação visual para integração
semântico-geométrica e ainda, integração BIM por meio de tecnologias de realidade virtual e
aumentada. A metodologia incluiu uma Revisão Sistemática de Literatura, que permitiu levantar
dados e realizar reflexões acerca de várias questões, como: possibilidades de integração de
diferentes tecnologias; tipo de informações coletadas e registradas; diferentes formas de classificação
das informações geométricas e semânticas; métodos e técnicas para levantamento, armazenamento,
extração e compartilhamento das informações. Os resultados apontam que o processo de integração
das ferramentas BIM-FM para o gerenciamento de edificações históricas representa um grande
movimento disruptivo, impulsionando pesquisas em áreas diversas. Desse modo, tão importante
quanto à efetivação no uso dessas ferramentas, é o seu aperfeiçoamento e a sua continuidade,
considerando-se recursos disponíveis e conhecimentos técnicos, bem como outras diretrizes, como
prazo estipulado, questões legais/contratuais, estratégia de integração etc. Nesse sentido, o paper
contribui apresentando uma perspectiva importante para o debate e compreensão mais ampla das
peculiaridades do processo de integração BIM-FM para manutenção de edificações históricas.
É nesse contexto em que essa pesquisa se enquadra, uma vez que busca identificar,
através de uma Revisão Sistemática de Literatura, exemplos de integração de aplicações
FM com sistemas BIM voltados a edificações históricas, também conhecidos como Historic
Building Information Modeling – HBIM.
2 METODOLOGIA
A Revisão Sistemática de Literatura (RSL) foi utilizada para o mapeamento bibliográfico e
ampla documentação da pesquisa, com etapas verificáveis pelos pares, favorecendo o rigor
investigativo (DRESCH, 2013), e possibilitando a determinação do estado da arte e a
identificação das potencialidades e lacunas relacionadas a uma temática.
Foi elaborado um protocolo com uso do aplicativo StArt, versão 2.3.4.2. As bases de dados
utilizadas foram: Scopus, Web of Science e Science Direct, com um recorte temporal de
cinco anos (2015-2020), tendo o inglês como idioma de pesquisa. A string de busca
utilizada foi: ("Building Information Modeling" OR "Building Information Modelling") AND
("Architectural Documentation" OR Historic OR Heritage) AND (Conservation OR
Maintenance OR Facility OR Utility OR Asset) AND (Management Administration).
• Aceitar trabalhos científicos cujos títulos, • Descartar publicações cujo tema não trate
palavras-chaves ou resumos atendam à string de manutenção de edifícios históricos com
de busca e ao objetivo da pesquisa; a abordagem de integração BIM-FM;
• Avaliar papers que correspondam • Desconsiderar artigos duplicados;
indiretamente ao objetivo da pesquisa;
• Excluir trabalhos que não apresentem o
• Incluir trabalhos que abordem métodos método utilizado para integração e
testados de captura, integração, extração ou extração de dados interoperáveis;
compartilhamento de dados de edificações
• Não incluir artigos curtos ou pôsteres;
históricas com uso de BIM em apoio à
manutenção. • Arquivo não disponível para download.
Após a etapa de extração, foi salvo um relatório através do software StArt, o qual gerou uma
planilha em formato XLS com os dados sistematizados. Esta foi formatada e reorganizada
no software Microsoft Excel, possibilitando buscas direcionadas através de filtros de
palavras-chave e outras ferramentas, como formatação condicional, por exemplo.
Finalmente, foi realizada uma discussão entre os artigos lidos, possibilitando um panorama
atualizado sobre a integração BIM-FM, apresentado nesta publicação.
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3 REFERENCIAL TEÓRICO
No ciclo de vida das edificações, a etapa de manutenção é de maior duração e impacto
econômico, o que torna a organização adequada das informações da construção
(agrupamento, armazenamento e disponibilização) essencial para a melhor gestão do objeto
construído (PINTI et al., 2018; GUILLEN et al., 2016; ILTER; ERGEN, 2015; CHEN et al.,
2018; ABNT, 2015). Os reflexos das dificuldades causadas por falhas de manutenção são
conhecidos: atrasos, sobrecustos, absenteísmo, baixa produtividade, desvalorização de
imóveis, perdas de garantias perante construtoras etc. (DEL MAR, 2015; ABNT, 2012;
LAFRAIA, 2014).
Nesse contexto, a integração das tecnologias BIM-FM, pode contribuir para minimização
desses efeitos negativos e apontar novos horizontes (PÄRN et al., 2016; SPENCE, 2018).
Os modos típicos para troca de dados envolvem: ligações diretas entre softwares BIM
específicos; formatos proprietários de arquivos; formatos abertos para compartilhamento de
modelos de dados e formatos baseados em XML1 (EASTMAN et al., 2014). Nessa linha,
Farghaly e colaboradores (2018) pontuam como padrões de arquivos mais utilizados para
interoperabilidade2: o formato aberto IFC3, o padrão público de dados COBie4 e formatos de
softwares proprietários, como Revit, Archicad, Bentley e outros. Borrelli e Scheer (2019)
identificam como prática recorrente para integração BIM-FM, o uso do software Revit
(modelagem geométrica) e COBie (informações semânticas). No entanto, Suzuki (2020)
realiza a integração BIM-FM através de softwares proprietários, em que opta pelo Revit para
a modelagem BIM e o software Archibus para gerenciamento de instalações, desenvolvendo
um roteiro para o processo (Figura 1). Nessa lógica, com a definição prévia de regras e
padrões para fluxo de dados estruturados, viabiliza-se a criação de uma base de dados
enriquecida semanticamente, possibilitando consultas ao sistema com visualizações de
resultados no modelo BIM.
1
Extensible Markup Language: códigos legíveis por máquinas que organizam e possibilitam o compartilhamento
de dados via internet (PEREIRA, 2009).
2 Interoperabilidade está relacionada ao desempenho de diferentes aplicações ou sistemas para trocas de
informações sem retrabalho e perda de dados relevantes. Facilita a comunicação entre profissionais,
possibilitando um fluxo produtivo no intercâmbio de dados geométricos e semânticos durante o ciclo de vida das
edificações (EASTMAN et al., 2014; FARGHALY et al., 2018; RODRIGUES et al., 2019).
3 Industry Foundation Classes (IFC): formato de arquivo BIM interoperável para integridade de informações
incluindo geometria, materiais, processos, desempenho etc. A neutralidade e bidirecionalidade dos arquivos
permite importação ou exportação de dados em todo o ciclo de vida das edificações, desvinculados de softhouse
proprietárias (EASTMAN et al., 2014; BIM DICTIONARY, 2018; BIBLUS, 2017).
4 Construction Operations Building Information Exchange (COBie): padrão ou especificação para intercâmbio
de informações entre aplicações BIM e sistemas FM. Possibilita o armazenamento de dados de maneira
estruturada, ou seja, por meio de planilhas ou solução de software compatível (CHEN et al., 2018; BIM
DICTIONARY, 2021).
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Figura 1 - Roteiro para integração BIM-IWMS5
5 Integrated Workplace Management System (IWMS): Plataforma de dados que agrupa os principais processos
envolvidos na gestão de edificações (uma das aplicações de FM). Visa gerenciar e otimizar os recursos do local
de trabalho das instalações, portfólios imobiliários e seus ativos componentes, servindo de apoio ao
planejamento, projeto, gestão, utilização e alienação dos ativos de uma organização baseada na sua localização
(RODAS, 2015; BIM DICTIONARY, 2021; SOARES, 2013).
6OpenBIM é um processo colaborativo neutro que facilita a integração de projetos em o todo o seu ciclo de vida
da construção. Possibilita fluxos de trabalho digitais baseados em formatos abertos e não comerciais como IFC,
COBie, BCF, CityGML, gbXML e outros. Reconhece a interoperabilidade como fator-chave para transformação
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de informações da construção, uma vez que o custo de implantação de sistemas de grande
porte pode ser fator impeditivo no uso dessas tecnologias (NBS, 2020). O avanço nas
técnicas de gerenciamento instalações, contudo, passa por alguns desafios a serem
enfrentados nesse processo de integração (BIM-FM), como apontado no Quadro 2.
digital, visando intercâmbios de dados confiáveis, melhoras em fluxos de trabalho colaborativos, flexibilização na
escolha de tecnologias de apoio e a sustentabilidade para formatos interoperáveis (BUILDINGSMART, 2021).
7Apoiado em autores diversos (WONG et al., 2018; FARGHALY et al., 2018; PÄRN et al., 2017; DIAS; ERGAN,
2016).
Nesse sentido, informações e parâmetros podem ser conectados ao modelo através de links
via web, ou de imagens e texturas para criação de mapas de danos (GALANTUCCI;
FATIGUSO, 2019). Há ainda outras possibilidades de aplicações, como a exportaçao e
visualização dos modelos em dispositivos para Realidade Virtual (RV), Realidade
Aumentada (RA) e outras mídias, como smartphones e tablets (MASCIOTTA et al., 2019;
RODRÍGUEZ-GONZÁLVEZ et al., 2017; OSELLO; LUCIBELLO; MORGAGNI, 2018;
MAIETTI et al., 2018, 2019).
Os métodos citados de integração das tecnologias BIM-FM (Quadro 3) podem ser resumidos
conforme se segue:
• BIM associados a plataformas web: nesse caso, são desenvolvidos bancos de dados
para consulta via internet, os quais possibilitam buscas parametrizadas com resultados
representados espacialmente nos modelos 3D, facilitando a visualização das informações;
Das leituras realizadas durante a RSL, observa-se que o processo de integração de dados
geométricos e semânticos no contexto de BIM-FM, pode ser resumido em sete grandes
etapas, conforme ilustrado na Figura 2 e descrito em seguida.
BIM + Plataforma
Catedral de Parma (Séc. XI -XII e
web (AutoDesk 3D (BRUNO; RONCELLA, 2019)
Palácio Duccal de Mântua (século XIII)
Forge)
Monastério Cartuxo, Espanha (século (CASTELLANO-ROMÁN;
BIM + BD
XV) PINTO-PUERTO, 2019)
(CHIABRANDO;
BIM + RV/RA Sítio histórico e Castelo, Itália (1543)
SAMMARTANO; SPANÒ,
2016)
BIM+ BD Igreja Galvagnina, Itália (século XVI) (FREGONESE et al., 2015)
Sistema HBIM + BD
Antigo campo militar. China (séculos
+ interface RV + (JONGWOOK et al., 2019)
XVII -XX)
servidor
BIM + RV/RA +
Museu (Instituto dos Inocentes), Itália
Plataforma web (MAIETTI et al., 2018, 2019)
(séc. XVII)
(Inception)
BIM + RM e
Palácio, Guimarães, Portugal (Século
Plataforma web (MASCIOTTA et al., 2019)
XV)
(HeritageCare)
BIM e Web
Igreja, Itália (Século XI) (QUATTRINI et al., 2017)
semântica
BIM + SIG + (RODRÍGUEZ-GONZÁLVEZ
Diversos
RV/RA/RM et al., 2017)
BIM e Web (SIMEONE; CURSI;
Oratório de San Saba, Itália (Século IV)
semântica ACIERNO, 2019)
BIM + Programação
Igreja St-Pierre Jeune, Strasbourg,
Visual + App (YANG et al., 2019)
França (1889-1893)
Ontologia
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos estudos apresentados sobre a integração BIM-FM para construções históricas,
ressalta-se a importância de metodologias avançadas para captura, modelagem e
integração de dados geométricos e semânticos com o intuito de criar bancos de dados
enriquecidos como ferramentas de apoio a múltiplas atividades, como serviços de
manutenção, análises de eficiência energética, estudos de viabilidade etc.
Construções históricas são geralmente mais complexas do que as mais modernas, o que
gera grande volume de dados, impactando no custo computacional e em tempo de
processamento. Em função de elementos arquitetônicos mais detalhados e complexos,
muitas vezes é necessária a simplificação de modelos para viabilizar os fluxos de dados
computacionais (CHIABRANDO; SAMMARTANO; SPANÒ, 2016).
Diante dos desafios e potencialidades mapeados, a modelagem BIM deve ser dimensionada
conforme as realidades organizacionais. A integração de bancos de dados diversos deve
sempre ser adequada em função das reais necessidades e contextos funcionais. Os ganhos
no uso das tecnologias mostram-se evidentes através de maior riqueza das informações
(modelos paramétricos conectadas a bancos de dados), com comunicações mais claras,
permitindo maior economia, rapidez no acesso às informações etc.
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RESUMO
O Pórtico do Instituto Federal de Goiás, em Goiânia, surgiu no contexto do Batismo Cultural da
cidade, em 1942, e foi inovador em sua forma construtiva e materialidade. O engenheiro-arquiteto
Jorge Félix de Sousa utilizou a então nova técnica do concreto armado como principal elemento
construtivo, associado à alvenaria de tijolo rebocada e pintada. O autor utilizou-se também da técnica
de laje cogumelo, buscando associar esbelteza arquitetônica aos fundamentos físicos para sua
estrutura.
O presente trabalho analisa as possíveis origens do conceito de pórtico, assim como suas funções
representativas para a sociedade e seus principais elementos construtivos. Além disso, é observado o
contexto do surgimento do Pórtico do IFG, assim como as marcas de degradação ao longo dos seus
80 anos de existência, para propor seu restauro. No curso da análise do pórtico, observou-se a falta
de informações e documentos acerca da construção e de seu construtor. Procedeu-se, então, à
verificação das fontes de seu desenho arquitetônico bem como das premissas estruturais, tanto de
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cálculo como de materiais, para produção de plantas, cortes, fachadas e memoriais. Sobre o
engenheiro-arquiteto Jorge Félix de Sousa foi realizada vasta pesquisa com base em livros,
documentos, antigos colegas de trabalho e alunos, assim como a junção de materiais de outras obras
que ele projetou e executou.
O resultado da pesquisa foi reunido em um livro para registrar a trajetória profissional de Jorge Félix
de Sousa e suas obras, que possuem grande significado para a história da construção no Brasil
central.
Palavras-chave: Goiânia; concreto armado; Jorge Féliz de Sousa; art déco; pórtico
Materiais e método
Técnica e Arte
A história é conhecida: d. João VI, rei de Portugal, ao chegar ao Rio de Janeiro fugindo das
tropas napoleônicas em 1808, decepciona-se com o ambiente da cidade. De modo a aplacar
o descontentamento real em seu exílio, a partir de 1816 passa a chegar à cidade uma
comitiva de artistas franceses, com o objetivo de cultivar e disseminar a prática artística
europeia na colônia, e assim criar o ambiente de que o rei tanto se ressentia.
A chegada desse grupo culminou, entre outras iniciativas, na criação de uma instituição de
ensino, a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. Ali, o grupo de franceses, com o apoio
da corte, delineou um centro de formação artística, com cursos como arquitetura, pintura,
desenho e música. Após muitas idas e vindas, em 1826, renomeada Academia Imperial de
Belas Artes, a instituição instalou-se em sua sede própria, em edifício projetado por um dos
integrantes do grupo, o arquiteto Grandjean de Montigny. Entre os primeiros professores
estavam os pintores Nicolas-Antoine Taunay, seu filho Félix-Émile Taunay, Jean-Baptiste
Debret e o próprio Montigny, entre outros. Passaram por ali estudantes que se tornariam
nomes relevantes nas artes brasileiras, como Vítor Meireles, Pedro Américo, e ou Rodolfo
Amoedo, criadores de algumas das imagens mais icônicas da nação. Ao longo do séc. 19, a
instituição foi referência na formação de artistas no País e serviu de modelo para várias
iniciativas semelhantes em outras partes do Império, como o Liceu de Artes e Ofícios de
São Paulo (1873).
Com o advento da República, a escola muda seu programa de ensino e seu nome,
tornando-se a Escola Nacional de Belas Artes. Em 1908, a escola abandona o antigo
edifício de Montigny (que seria demolido em 1938) e passa a ocupar o imponente edifício na
Av. Rio Branco, atual sede do Museu Nacional de Belas Artes. Finalmente, a partir de 1931,
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a escola incorpora-se à recém-fundada Universidade do Rio de Janeiro, mais tarde
Universidade do Brasil (1937) e atual Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi nessa
época que Jorge Félix de Sousa freqüentou seu curso, entre 1928 e 1933, já no novo prédio
da Av. Rio Branco, no Centro do Rio de Janeiro.
Jorge Félix de Sousa formou-se numa época conturbada da escola, marcada pelo embate
entre grupos que intentavam abandonar práticas correntes, consideradas antiquadas, e
modernizar o ensino. Nomes como Lúcio Costa, diretor da escola em 1933, buscavam
incentivar o Modernismo, abandonando o que consideravam academicismos. É nessa época
que surge, por exemplo, a cadeira de Urbanismo, uma inovação na época.
De modo geral, a técnica começava a se impor cada vez mais na formação da arquitetura, e
já na legislação de criação da Universidade do Brasil, em 1937 (Lei nº 452, de 1937), estava
prevista a criação da Escola Nacional de Arquitetura separada das belas-artes. Mas apenas
em 1945 é que ocorreria a consolidação dessa separação entre as belas-artes e a
arquitetura, que passam a ser ensinadas em escolas específicas: a Escola de Belas Artes e
a então Faculdade Nacional de Arquitetura (organizada pelo Decreto 7.918, de 1945),
ambas atualmente integrantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O que esteve
aqui em jogo nessa transição é um dilema ainda hoje presente na formação em arquitetura:
ora segue-se um viés artístico, ora é técnica, ora entende-se como ciências sociais
aplicadas.
E esses cuidados se iniciam diante de um horizonte amplo. Talvez o aspecto mais evidente
da carreira seja o fato de que o engenheiro-arquiteto é antes de tudo um pioneiro. Quase
nunca engenheiros e arquitetos trabalham em ambientes ou situações urbanas,
consolidadas, confortáveis. Muitas vezes, esses profissionais vão trabalhar em lugares onde
a civilização ainda não chegou, onde o Homo faber ainda não esteve.
Quando Jorge Félix de Sousa abandona o Rio de Janeiro e vem para Goiânia, a partir de
sua diplomação, em 31 de dezembro de 1932, o que ali havia era apenas um grande
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canteiro de obras. O engenheiro-arquiteto passa então a elaborar o levantamento
topográfico de quadras e lotes na futura cidade, em seguida passa a dedicar-se às vias da
nova capital, no Departamento de Produção e Trânsito de Goiânia. Mais tarde passa a
cuidar de estradas em todo o Estado, como inspetor de Estradas de Rodagem do Estado,
para finalmente assumir o cargo de secretário de Estado da Economia Pública.
Ao lado de tudo isso, Jorge não deixou de lado sua atividade de educador, dando aulas em
várias instituições da cidade, colégios e faculdades, além de cursos livres. Deu aulas até em
praça pública. Jorge não abandona, ainda, a sua atividade de criador, escrevendo, pintando,
fotografando e desenhando.
Mas há ainda outra faceta do pioneirismo, haverá vezes ainda em que o engenheiro-
arquiteto será o primeiro a vislumbrar um problema: cumpre a ele todo o trabalho de
convencimento acerca da existência do próprio problema, de que é preciso buscar soluções.
Com isso, o engenheiro arquitetônico precisa saber identificar problemas, apontar caminhos
e propor soluções, estando sempre um passo à frente.
O cerne do drama da posição do arquiteto está aqui, situando-se ora nas belas-artes, ora na
técnica. Na formação do técnico, engenheiro ou arquiteto ou artista, cumpre não abandonar
a formação humanista. É essa formação que lhe dará sensibilidade para reconhecer que
não basta modificar, reconfigurar a natureza, abrir espaço para as realizações humanas. O
engenheiro e o arquiteto devem saber conciliar o espaço humano com o espaço natural,
aparentemente tão díspares.
Jorge Félix de Sousa teve participação em muitos projetos e edificações nos primeiros anos
de Goiânia. Já não se sabe a abrangência dessa participação, se restrita a cálculos
estruturais ou se abrangeria também o desenho. Mas em menções de diversas fontes a
vários edifícios, seu nome aparece isoladamente, com o que pode-se especular que teria
sido autor tanto do projeto de arquitetura como dos cálculos complementares.
Um desses edifícios é a Igreja Imaculado Coração de Maria, com obras iniciadas em 1940,
uma das primeiras igrejas edificadas na cidade. Nomeada patrimônio histórico do Estado em
1982, a igreja mantém ainda hoje todas as suas características originais. Jorge Félix de
Sousa elaborou os projetos sem custo para a Congregação Claretiana e acompanhou
diariamente a execução da obra. Morou por muito tempo quase em frente à igreja, na
mesma Avenida Paranaíba, numa pequena residência ainda hoje existente, também projeto
seu. A igreja exibe característica do estilo art déco, simétrica, com linhas geométricas e
decoração parcimoniosa. A Casa Paroquial, aos fundos, mantém-se indecisa entre o
colonial e o contemporâneo, com janelões em arco e grande beiral.
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A mesma indecisão estilística se manifesta no projeto do Coreto da Praça Cívica, edificado
por ocasião da inauguração da capital, em 1942. Há ali elementos claramente oriundos do
Ecletismo da virada para o século 20, bem como uma ou outra composição geométrica do
art déco. O bordo da laje de cobertura exibe decoração rebuscada, ao passo que a laje, ao
contrário das soluções adotadas no Pórtico da Exposição de Goiânia, é estruturada com
vigas invertidas nos balanços.
O Relógio da Avenida Goiás, ao contrário, é obra, por assim dizer, fiel aos cânones do art
déco: ali abusa-se de decoração geométrica, jogo de volumes e revestimento em pó de
pedra com quartzito micáceo. Frisos verticais, vidros e uma intrincada grade sobre o
mostrador completam o panorama do relógio.
A grande obra do período é o Teatro Goiânia, edifício elaborado em parceria com José
Amaral Neddermeyer. Trata-se de obra-prima do art déco, edifício de enormes proporções
para a nascente capital, com mais de 12 m de cota de coroamento, recorde absoluto na
época para o Brasil Central. Pelo seu valor estético e testemunho da vontade de inserir a
nova cidade no âmbito cultural do País, o teatro foi nomeado patrimônio nacional pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2003.
Este conjunto de obras foi edificado por ocasião das festividades de inauguração da cidade.
O Pórtico de Goiânia foi pensado como estrutura provavelmente provisória, para marcar a
entrada da Exposição de Goiânia. Nessa exposição, apresentavam-se a cidade e o Estado
ao País, com exibição e amostra de traços culturais da região, culinária, belezas naturais,
danças folclóricas ou peças étnicas. Terminada a exposição, ficou o pórtico, a marcar a
entrada do pátio da então Escola Técnica de Goiás. O pórtico, bem como o edifício principal
do hoje Instituto Federal de Goiás, também faz parte do patrimônio nacional art déco desde
2003.
Jorge Félix de Sousa foi um dos grandes responsáveis pelas solenidades do Batismo
Cultural de Goiânia. Apesar de a história oficial não o ter registrado como um dos
protagonistas, esteve nos bastidores da maioria das atividades.
As solenidades iniciaram-se no dia 4 de julho de 1942, um dia frio. Após a recepção e baile
daquela noite, o dia 5 começou com grande alvorada, já a partir das 5 horas da manhã.
Todos se dirigiram então para a Praça Cívica, para a missa campal defronte o Palácio das
Esmeraldas, onde foi montado grande cenário. À tarde, dirigiram-se os convidados ao
Teatro Goiânia, para a inauguração formal da cidade.
Depois desse acúmulo de obras, Jorge participaria ainda da edificação da primeira sede da
Escola Goiana de Belas Artes, na Praça Universitária, na década de 1950, edifício já
modernista, demolido em fins dos anos 1990. Foi ainda o responsável pelo cálculo estrutural
da nova catedral de Goiânia, edificada numa quadra inteira (inicialmente planejada como
área residencial) da Avenida Universitária e inaugurada em 1956.
A partir daí, suas atividades inclinam-se cada vez mais para a docência. Deixou ainda
alguns poemas, publicados postumamente, e várias gravuras e telas a óleo.
O Pórtico
A ideia da torana, portanto, se materializa por meio de dois pilares encimados por uma viga,
destacado de qualquer outra edificação. Aos poucos a viga superior evoluiria para uma
arquitrave, com arcada, frisos e outros elementos decorativos, o que daria origem aos
grandes arcos comemorativos.
De volta à Grécia, há ali exemplos de pórticos desde os anos 1500 a.E.C. Em casos mais
elaborados, a estrutura evolui para um propileu (literalmente “algo antes da porta”), como no
caso da Acrópole (séc. 5 a.E.C.). Diferentemente da evolução oriental, os propileus gregos
são estruturas em geral ligadas a um edifício.
Essa tradição foi mantida até a época moderna, com arcos em Paris, Berlim, Madri e outras
cidades ocidentais. No século 20, o período do art déco retomou o conceito e propôs
monumentos desse tipo. Um dos primeiros exemplos conhecidos é a Praça da Entrada do
Brasil, projeto proposto pelo arquiteto francês Alfred Agache (1930), para a região entre a
Glória e o Centro do Rio de Janeiro, nunca edificado. Ali sobressaem-se os dois grandes
pilares por entre os quais o visitante passaria ao adentrar o País. Outros exemplos
encontram-se país afora em pontes e outras locações marcantes (UNES, 2001, p.47).
Entretanto, nesses casos, a inspiração parece mais baseada nos chamados pilones dos
templos egípcios, cultura que fascinava o Ocidente na esteira da descoberta da tumba de
Tutancâmon. Os mais antigos pilones datam de 1500 a.E.C. e eram edificados para
demarcar a entrada de um templo ou solo sagrado. Os pilones eram formados por dois
pilares ou torres laterais, unidas por uma viga. Característica marcante a diferenciar os
pilones dos arcos gregos e romanos, bem como das toranas, são os pilares a extrapolar a
altura da viga. É esse o caso do pórtico do IFG, com suas duas altas torres de 11 m,
prolongadas para além da viga de cobertura a 3,80 m do piso.
A referência egípcia é ainda reforçada pela edificação de vários obeliscos em pontos focais
da cidade. Os grandes templos quase sempre exibiam um par de obeliscos em frente ao
pilone. Se não há obeliscos em frente ao pórtico de Jorge Félix de Sousa, há (ou havia)
exemplares tanto na Praça Cívica, no ponto do prolongamento das Avenidas Tocantins e
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Araguaia e no cruzamento dessas mesmas avenidas com a Anhanguera. Não seria demais
especular que o engenheiro-arquiteto tenha se baseado nessas referências, homem culto,
de múltiplos interesses, com longos anos de estudos no Rio de Janeiro.
A estrutura completa dos pilones egípcios está ligada à ideia de recriação e renascimento, é
a representação espacial do hieróglifo “horizonte”, com o sol a nascer entre duas colinas.
Nada mais apropriado portanto que edificar um pilone na nova cidade que recriava Goiás e
se abria para o País e para o mundo.
Entre as várias inovações chegadas com a construção de Goiânia, das mais importantes
talvez tenha sido o cimento, com sua aplicação em peças de concreto armado de
vergalhões de aço. Essa técnica passou a substituir a antiga estrutura de madeira,
possibilitando maiores vãos e altura, bem como múltiplos pavimentos e lajes em balanço.
Iniciado na França a partir de fins do século 19, o uso de armadura de aço no concreto foi
uma inovação recente. Após várias experimentações com a técnica, a primeira estrutura
registrada é um edifício de quatro pavimentos construído num subúrbio de Paris, em 1853
(AVENIER, 2010, p. 33).
O concreto armado consiste em uma estrutura de ferro, uma espécie de esqueleto, em volta
da qual é aplicada uma mistura de cimento, areia e brita. O cimento é um material altamente
resistente à compressão, mas não resiste bem à tração. Combinado o cimento com o aço, o
composto ganha resistência tanto à tração como à compressão, uma união que possibilita
peças esbeltas e ao mesmo tempo resistentes, o que não seria possível nem com peças de
madeira nem com esses materiais usados isoladamente. Em que pese ter sido introduzido
apenas no século 19, tanto o ferro como o cimento eram já antigos conhecidos.
Foi nesse cenário que o jovem Jorge Félix de Sousa tomou contato com essa técnica,
tornando-se responsável por vários dos primeiros edifícios com estrutura de concreto
armado em Goiânia e por conseguinte em Goiás. Os depoimentos de construtores da época
o dão como autor dos projetos estruturais do Teatro Goiânia (1942), com grande plateia
superior em balanço, do Coreto da Praça Cívica e do Relógio da Avenida Goiás (1942). É de
sua autoria ainda o cálculo estrutural da Igreja Imaculado Coração de Maria (iniciada em
1940), além de participação no cálculo da Catedral Metropolitana de Goiânia (1956).
Resultados
Dois pilares robustos formam a base do pórtico. O volume e a geometria dos pilares são
moldados por alvenaria rebocada, ocos na base e sólidos a partir de determinada altura.
Unindo os dois pilares, há a laje em concreto armado, extremamente delgada, com
espessura de 10 cm no bordo, contrapondo-se à elevada robustez dos pilares. Entretanto a
esbeltez da laje é efeito visual provocado por sua forma: no ponto de engaste com os
pilares, a espessura chega a 15 cm. O resultado atende duplo objetivo, um técnico, outro
poético: diminuição do peso próprio no bordo, região de maior carga, e grande esbeltez da
peça (Fig. 2).
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Figura 2. Projeção e corte do Pórtico; diagrama de cargas
Com relação ao revestimento final, foi realizada prospecção de cores, com a identificação de
três camadas (Fig. 3). A mais antiga delas exibia um rosa-escuro, tonalidade também
encontrada em outros edifícios art déco da mesma época em Goiânia. Entrementes, optou-
se por manter a coloração palha anterior, combinando com a tonalidade do edifício principal
do IFG.
Em termos estruturais, a edificação é tão magnífica quanto simples: laje que se apoia em
um pilar. Entretanto, para conhecedores de sistemas estruturais, a simplicidade das peças
combinadas é já um fator instigador. Os sistemas estruturais mais simples são compostos
por três elementos: lajes, vigas e pilares. No caso de nosso pórtico, as vigas foram
suprimidas.
Este tipo de sistema estrutural – com apenas os elementos placa e barra, com apoio direto
da placa na barra – denomina-se laje cogumelo. Uma placa, ao apoiar-se em uma barra, faz
com que a barra tenda a perfurar a placa. A maneira de evitar esse problema é ampliar a
seção transversal do pilar e aumentar a espessura da laje na região de contato entre os dois
elementos.
No caso do pórtico, a laje tem a função de cobrir uma determinada área, protegendo, por
exemplo, da chuva; e os pilares devem compor a elevação do conjunto, conferindo a
pujança necessária ao destaque do acesso. Os pilares devem ter elevação vertical tal que
confiram o marco necessário à composição da fachada.
Sob o ponto de vista da resistência a elementos externos, a laje deve fazer com que a água
(decorrente da chuva) que incidir sobre a superfície superior da laje escoe para as
extremidades, sem acumular-se em poças nem sobrecarregar o elemento laje. A inclinação
da laje do centro para a borda é que permitirá o adequado escoamento da água.
Referências Bibliográficas
UNES, Wolney. Identidade Art Déco de Goiânia. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
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UNES, Wolney; SÁFADI, Marcelo. Goiás 2010. Goiânia: Casa Brasil, 2009.
1. Arquiteto e Urbanista.
mateusfelprocha@gmail.com
1 RESUMO
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XIX, dentre elas, a fazenda da Parada 511; percorrendo uma série de distritos, alguns deles
extintos, como o de Santa Cruz do Salto.
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INTRODUÇÃO
Em meio a isto, este estudo buscou a contextualização de um caminho que exibe resquícios
de escravidão, por meio de ruínas e histórias associadas à cultura popular. Portanto, o
estudo se estrutura sob uma fundamentação histórica e teórica, debruçando-se sobre
uma rota e suas edificações que foram aqui defendidas como relevantes para o comércio
do século XIX em uma região compreendida entre Belo Vale e Entre Rios de Minas. A
partir deste recorte, foi possível assinalar as características destes assentamentos e
definir características tipológicas da arquitetura estabelecida neste período, baseando-se
em pesquisadores como Vladimir Benincasa (2007) e Cícero Ferraz Cruz (2010).
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Constatado o aumento da produção por meio da industrialização na transição para o século
XX (CAMPOS, A. 1896), a migração da população em direção às cidades acentua as
relações de dependência do meio produtivo entre o rural e o urbano, onde, eventualmente, o
rural passa a atender, em maior escala, às demandas geradas pelas cidades. Devido à
complexidade relacionada aos termos, optou-se pelo emprego do termo “periurbano”. Esta
atribuição é aqui mais apropriada, ilustrando uma relação mais estreita cultural e
economicamente em relação às cidades locais, pois compromete-se com a lógica de
produção da cidade que também está inserida no meio rural (Figura 1).
Figura 1: Área de Influência do Quadrilátero Ferrífero em Minas Gerais com destaque aos territórios
do trabalho, em vermelho. Mapa cedido por Tiago A. G. Mello, autor do trabalho Parametrização do
Clima Urbano: Propostas de planejamento em uma abordagem multiescalar. Laboratório de
Geoprocessamento da Escola de Arquitetura da UFMG (2021/2022). Mateus Maia (Adaptado de
MELLO, T. 2021).
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grandes empresas tornam-se atrativo para que ocorra a potencialização na saída do homem
do campo (JECEABA. 2014. p.13).
No Município, a agricultura familiar, embora seja uma das principais atividades econômicas,
“é exercida de forma muito empírica” (JECEABA, 2014. p.13), sendo uma tratativa
imperativa das atuais administrações. Por meio de uma pesquisa realizada pela Secretaria
de Agricultura do Município (idem, p.13), registrou-se um total de 285 produtores distribuídos
no território (Figura 2).
Figura 2: Mapa da distribuição geográfica dos produtores rurais (agricultura familiar) no Município de
Jeceaba- MG. Em amarelo, o perímetro do limite municipal; branco, o do Monumento Natural
Estadual Serra do Gambá e pontos em azul (balõezinhos) propriedades rurais. Com o pino amarelo, a
localização da cidade-sede de Jeceaba (adaptado de JECEABA, 2014).
A área rural do município é composta por 2 distritos, Bituri e Caetano Lopes e outros 20
povoamentos, o de Água Limpa, Hangá, Aroeiras, Bananal (localidade de origem
quilombola), Campo Alegre, Dinizes, Gungumbeira, Lava Pés, Machados, Jacarandá, Lobo-
Lobô, Mato Dentro, Mato Felix, Pequeri, Pinheiros, Santa Cruz, Santa Maria, Sapé,
Sesmaria e Tartária. Estas somam 2.417 habitantes que representam 44,79% de toda a
população (IBGE, 2010; JECEABA, 2014. p.8).
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do gênero, que definiram a sua vocação utilitária para a época, estabelecendo um
paralelo da rede urbana das habitações rurais à tese acerca do desenvolvimento
agropecuário aqui defendida como relevante para o desenvolvimento de regiões
imediatas.
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Após chegar na paragem onde seria fundada a vila de São João del Rei, durante o século
XVII, é reconhecida a paragem chamada de Camapuã, que posteriormente veio a se
chamar Brumado, resultando em Entre Rios. Dessa forma, ainda no século XVII, segue-se
pelo leito do rio Paraopeba e funda-se, próximo a Santana do Paraopeba, o pouso que se
chamava São Pedro do Paraopeba.
Dessa forma, os colonos, em sua maioria, se tornaram “agregados” dos grandes sesmeiros,
muitos deles formaram uma classe pobre, destituída de bens de raiz; “foi essa classe de
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sesmeiros que esteve na origem da formação de novos povoados” (JUNIOR & SALGADO,
2016. p. 230), e de, possivelmente, de algumas das edificações que constituem o objeto de
estudo.
Nos anos compreendidos entre 1850 e 1889, houve a concentração de 94% do número total
de documentos associados à construção de vias e estradas na província mineira durante o
século XIX (CRAVO, 2018. p. 61), sendo a grande maioria delas -59,2%-, na região
Mineradora Central Oeste, região correspondente ao objeto de estudo (idem). Isto equivale
a dizer que, neste período, realizou-se um massivo empenho do Governo em prol da
urbanização do interior do estado (CRAVO, 2018. p. 39-85).
Deste modo,
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estabeleceram entre às economias rural e urbana no que diz respeito
às interações e complementaridades, e mais precisamente, como o
elemento estruturante da organização produtiva baseada nos grandes
cultivos tropicais de exportação foi, em parte, o sustentáculo do processo
de urbanização e ao mesmo tempo um empecilho para sua
dinamização (PEREIRA, 2020, p.266).
Ademais, boa parte das cidades do interior de Minas Gerais têm, em seu processo histórico
de formação, participação em um processo de ocupação orientado mormente pela
exploração de um diverso sistema econômico associado às “redes” entre áreas rurais e
mineradoras interligadas por meio de vias (PEREIRA, 2020, p.265-266). Deste modo, a
“expansão da produção agropastoril pôde impulsionar e sustentar a economia nesta
transição política, requerendo infraestruturas” de escoamento à criação de novas rotas que
se direcionam para os pontos de interesse econômico durante o século XIX (SALES, 2012,
p.63).
A escolha do termo “redes de fazendas” é aqui direcionada à rede física das rotas entre
pontos de interesses comerciais no século XIX, os mesmos que caracterizam os territórios
municipais de Jeceaba, Entre Rios e Belo Vale nos dias atuais, como o componente exposto
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anteriormente. Assim, ressalta-se uma diferente dinâmica ocupacional compreendida entre
os séculos XVIII e XIX que refletiu diretamente sobre a distribuição e tipo dos
assentamentos como as fazendas, determinando também o surgimento e o
desaparecimento de alguns povoamentos além dos de origem nativa.
Deste modo, o item que foi considerado para esta categorização como “fazenda” foi a
presença de viveiros para animais e/ou os paióis, ou seja: de edificações que dão suporte à
atividade agropecuária, podendo assim, diferenciar os objetos entre si.
Ao longo do XIX, a partir das “novas tecnologias”, passou-se a exigir maior rigor na
demarcação territorial, passando da atribuição de freguesia, unidade de divisão comum ao
período colonial, que era definido pelas famílias e paróquias; para o conceito de lugar (vide
glossário), demarcado por aspectos visíveis e mensuráveis; como os elementos naturais
(CARRARA & MACHADO, 2020. p.10). Assim, durante as primeiras décadas do século XIX,
formaram-se os pré-requisitos para a concepção político cultural e do ordenamento territorial
do Estado de Minas (CALAES, Gilberto & FERREIRA, Gilson. 2009. p. 21).
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Discorrer e problematizar a reinterpretação do conhecimento territorial neste período, é falar
sobre atribuições e áreas de influência para um momento histórico, ou seja, é uma
interpretação contextual sobre a ocupação, possuindo influência direta sobre os topônimos
locais e, por conseguinte: à ocupação dos colonizadores sobre a localidade no século XVII e
XVIII. Assim, atribui-se que a produção de subsistência direcionada ao mercado interno foi
impulsionada pelo crescimento demográfico, dinamização do comércio e dos novos
enquadramentos profissionais (PEREIRA, 2020. p. 274).
Deste modo, a produção em Entre Rios, na segunda metade do século XIX, já era retratada
em destaque regional (CAMPOS, A. 1896). Ao longo do século XIX, nas proximidades de
São Mateus, o povoamento de Lagoinha, sob influência da emancipação política da sede,
na década de 1880, surge como uma nova centralidade econômica e política local,
possuindo vias que conectavam-se às rotas de interesse econômico de cunho exportador e
regional nos anos finais dos oitocentos (CAMPOS, A. 1896).
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Figura 03: Diagrama com a localização de quatro pontos - Santa Cruz do Salto, São Matheus,
Gambá e Brumado - em fragmento da Carta Chorographica da Província de Minas Geraes,
WAGNER, F., 1855. Figura com finalidade ilustrativa, mapa sem escala.
Neste período, com a especulação ocasionada pela ferrovia, à medida que a demanda por
mão de obra se tornava eminente, atraiu, por consequência, os imigrantes estrangeiros já
mencionados pela historiografia corrente, dos quais foram indispensáveis para a formação
cultural solidificada nos povoamentos e das novas centralidades por meio do comércio de
excedentes alimentícios (RESENDE, 2017). Em relação aos costumes, certamente
obedeciam a uma ordem similar aos distritos de Camapuão e Brumado, em Entre Rios:
“One thing however, I must mention, which is continually striking me, not
only here, but in all the villages, namely, that there is so little cultivation to be
seen, and everybody appears to have nothing to do but to lounge about and
smoke, while most of the necessaries of life –even food- such as butter,
wine, and beer, etc. are imported (HASTINGS, 1886. p.42).
Como o setor de serviços era direcionado às centralidades locais, esta descrição é coerente.
Portanto, é provável dizer que no distrito de Lagoinha, sob influência das redes de produção
locais, houve a manifestação de um povoamento que obteve uma população
numericamente relevante durante o Século XIX no atual território de Jeceaba. Lagoinha,
neste período, estava compreendida entre Belo Vale (ex São Gonçalo da Ponte) e Entre
Rios (ex Brumado) e já possuía uma via para carruagens (CAMPOS, A. 1896).
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Na capela encontram-se diversos itens que, segundo relatos dos moradores, foram movidos
do Cemitério da Parada 511 e de uma “antiga capela”. A edificação passou por uma grande
reforma durante o século XX, havendo a remoção da torre sineira, que ficava externa à
edificação. O campanário do altar-mor guarda o sino do cemitério referido (RESENDE, R.
2017, p. 64).
Deste modo, sob influência da Paróquia de Brumado de Entre Rios, Lagoinha passou a
desenvolver peculiaridades culturais e econômicas (RESENDE, 2017. p.64-67; CAMPOS,
Arthur, 1896), para que pudesse, através das estradas, exportar seus produtos, como os
das Facas Tamanduá, indústria manufatureira no território de Entre Rios.
A partir destes fatores, a localidade pôde atingir, no ano de 1911, o status de distrito de paz,
com cerca de 2378 habitantes (SENNA, N., 1907, p.440), passando, em 1950, para a marca
de 3534 habitantes (SENNA, N. 1952 p.622).
“a primeira estrada que ligava Entre Rios a Lagoinha era muito mais longa,
pois tinha que dar volta pelo Rio Abaixo (passando pela estrada do
Camapuã). (...) E assim, em pouco tempo foi feita uma nova estrada ligando
Bituri a São José das Mercês (...)”.
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Entre Rios existia uma via carroçável de 18 quilômetros para Lagoinha, portanto, a
informação pode estar relatando uma outra via que não a mencionada.
Este apontamento, por fim, estrutura o trecho final da rota proposta neste estudo, tendo
Lagoinha assumido um papel importante entre a região de vocação agropecuária
(RESENDE; CAMPOS, A. 1896). A partir do cruzamento destas informações, pode-se definir
um trajeto que interliga estes povoamentos a partir dos edifícios encontrados pelos
caminhos destas localidades. Assim, estruturou-se a rota abordada por esta pesquisa.
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baixo trânsito de veículos, onde nota-se também o cruzamento de porteiras com tranqueiras
na própria via principal.
O estudo de campo foi realizado mediante o levantamento de duas hipotéticas rotas que, de
modo experimental, foram percorridas utilizando-se como guia principal o mapa do
Município de João Ribeiro, encomendado pelo Estado de Minas Gerais em 2 março de
1939. A rota, após apresentação de justificativa no desenvolvimento do texto, foi percorrida
ao longo de três visitas, uma em junho e duas em agosto de 2021. O mapa referenciado
apresenta uma iconografia bastante completa, situando fazendas e as habitações rurais
nesta localidade, podendo-se transferir seu conteúdo para o software Google Earth para
conferi-las por meio das visitas in loco. A representação dos bens imóveis foi realizada por
meio de desenhos manuais. Assim o percurso foi sendo construído. A rota conta com 25,6
Km de extensão, iniciando na casa de Pedra do Gambá, localizada na divisa de Entre Rios
com Jeceaba, terminando na Fazenda da Parada 511, em Belo Vale, próximo à divisa com
Jeceaba. O diagrama abaixo (figura 04), é um produto deste raciocínio de forma simplificada
e apresenta as localidades no século XIX enquanto áreas conectadas por vias, além de
destacar duas vias relevantes: a via da “rede” estudada (em verde) e a “Estrada do
Camapuã” (em amarelo).
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Figura 04: Diagrama da “rede de caminhos, cidades e comunidades” em meados do XIX: o trecho
em pontilhado exibe uma possível extensão da área de influência rumo às ruínas de uma construção
que foram localizadas neste estudo. Mateus Maia (2021).
De um modo geral, as edificações consideradas são compostas por até dois pavimentos
(térreo e 1º pavimento ou porão e térreo). A maior parte das residências mapeadas neste
estudo são atribuídas ao século XIX, conforme a observação do mapa de 1939.
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atribuição da rota da “rede periurbana” um aspecto de “rota secundária” a partir deste
momento. Portanto, a exemplo de outras cidades paulistas (D’AMBRÓSIO, 2002), a cidade
atual de Jeceaba surge a partir das políticas que viabilizaram as rotas comerciais
interestaduais e, a partir dela, as primeiras manifestações autônomas em vias econômicas,
sociais e políticas.
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também transportarem passageiros, as estradas eram, ainda antes, o maior motivo de
empolgação (CRAVO, 2018. p. 79).
Segundo Darcy Ribeiro, as estradas de ferro não atendiam as aspirações do seu povo,
“porque só se tinha atenção ao zelo no atendimento dos requisitos de prosperidade da
feitoria exportadora” (2006, p. 404. Apud. CRAVO, 2018). Embora intitulado eixos
ferroviários de integração e desenvolvimento, a maioria deles, era sem integração e
“voltados para a ligação de regiões produtoras aos portos”, possuindo “um viés
excessivamente exportador” (CAMPOLINA, 2000, p. 345 apud. FONSECA. p.78), fazendo
novamente menção ao caráter explorador/ exportador do período colonial (PEREIRA, 2020,
p. 268).
Desta forma, cria-se uma oposição econômica ao observado no período Imperial, as cidades
que se constituíram como entrepostos comerciais, passaram a fazer a ligação mais direta da
“produção rural aqui instalada com o mercado urbano europeu” (SOARES p.27). Embora a
prevalência do abastecimento interno, sua participação no mercado internacional não pode
ser descartada, devido à existência de fábricas de subprodutos do leite, “grande parte da
produção de manteiga era vendida para o Rio de Janeiro, sendo transportada pela ferrovia”
(JECEABA, 2014, p.7), assim como Entre Rios, que exportava insumos para regiões
comerciais (CAMPOS, A. 1896). Comparativamente, após a instalação da ferrovia, passou a
possuir uma relação mais próxima com São Paulo e Rio de Janeiro (CRAVO, 2018. p.87;
PEREIRA, 2020, p.278).
Para retomar a pergunta feita no início deste tópico, reitera-se que já no início dos
novecentos, havia uma concentração populacional na cidade de Entre Rios na faixa de
6.800 habitantes, totalizando 20.000 em todo seu território, um número relativamente
próximo ao dos dias atuais (BARBOSA, 1923). Portanto, tratar a ferrovia como a fundadora
destas localidades é de uma análise relativamente incompleta, sendo mais adequado tratá-
la como agente centralizador (e colonizador) para a formação de outros povoamentos, como
o que originou a cidade de Jeceaba, ponto focal nas décadas iniciais do século XX.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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quais as fazendas foram protagonistas, trazendo um estudo de caso sobre o atual município
de Jeceaba, que era o antigo território de Entre Rios. O local foi parte de um importante eixo
de produção agropecuária com ênfase ao período Imperial, com diversas construções
edificadas no mesmo período e que repercutiu para sua concepção cultural.
Considera-se que as cidades mencionadas têm redes de apoio e conflitos que se instalaram
a partir da melhora dos meios de comunicação, a dizer: das vias gerais de transporte e
acesso à energia elétrica. Tais ações influenciaram no desenvolvimento de atividades
comerciais sendo marcadas pela tipificação dos elementos arquitetônicos, que nas áreas
rurais geralmente eram desprovidas de ornamentos pois eram orientadas ao uso
agropecuário, relevantes também em regiões imediatas como na Fazenda Boa Vista e Boa
Esperança, ambas do século XVIII.
Conclui-se que a descaracterização dos bens imóveis possui forte tônica na rota entre os
distritos com raras exceções, um fato que continua progredindo com a influência do tempo e
das novas técnicas construtivas.
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5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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EIXO TEMÁTICO 4
A PESQUISA ARQUEOLÓGICA NAS INTERVENÇÕES DE
RESTAURO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO: trajetória e
perspectivas no contexto brasileiro.
COSTA, TATIANA C.
RESUMO
A arqueologia, desde a consolidação da restauração como disciplina autônoma no final do século XIX,
é considerada como parte integrante da prática restaurativa. Seu progresso e o da história da arte,
juntamente com as descobertas das ciências físicas e químicas marcam inclusive o desenvolvimento
deste campo do conhecimento. O aparelhamento teórico e metodológico da arqueologia aproximou
ainda mais estas duas áreas, resultando no desdobramento da arqueologia em segmentos particulares
de interface com a restauração arquitetônica. É o caso da arqueologia da arquitetura que surgiu na
década de 1980 na Itália e atualmente é aplicada em diversos projetos de reabilitação de edifícios na
Europa.
No Brasil, a integração das pesquisas arqueológicas às intervenções do patrimônio arquitetônico teve
início durante a consolidação dos estudos em arqueologia histórica no país, por volta de 1960. Nesse
período, a legislação de proteção ao patrimônio arqueológico nacional começava a ser implementada
e eram conduzidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, obras de
restauração nas regiões Nordeste e Sul.
Mais tarde, com o Programa Monumenta, diversas intervenções de recuperação do patrimônio urbano
tiveram como condição indispensável a pesquisa arqueológica prévia e foram criados alguns
instrumentos técnicos para auxiliar os profissionais a gerir e executar os projetos de restauração e
estabelecer a prática arqueológica, como é o caso do Manual de Arqueologia Histórica do Iphan.
Apesar deste esforço, ainda se identifica no Brasil a ausência de uma abordagem arqueológica
adequada para a compreensão da preexistência arquitetônica durante o processo de restauro. O
descompasso na interação entre os dois campos não só pode diminuir o papel da arqueologia nas
intervenções, como provocar resultados que se distanciam dos objetivos da preservação patrimonial.
Com este trabalho buscamos, portanto, analisar a trajetória da interface entre pesquisas arqueológicas
e intervenções de restauro no patrimônio arquitetônico brasileiro, bem como vislumbrar perspectivas
futuras.
Por outro lado, ainda no início do século XX, o trabalho do arqueólogo nas intervenções
restaurativas estava limitado às pesquisas em ruínas e vestígios soterrados. A colaboração
entre arquitetos e arqueólogos se baseava no desenvolvimento da anastilose, técnica que
consistia no recolhimento de fragmentos dispersos do edifício e na sua recolocação no local
de origem, recuperando parcialmente a imagem do monumento. Esta técnica de conservação
foi referendada na Carta de Atenas de 1931: “Quando se trata de ruínas, uma conservação
escrupulosa se impõe, com a recolocação em seus lugares dos elementos originais
encontrados (anastilose), cada vez que o caso o permita”. (ICOMOS, 1931).
1 O calco in gesso foi desenvolvido por Giuseppe Fiorelli em Pompéia na segunda metade do século XIX e consistia
no preenchimento das formas deixadas pelos corpos nas cinzas vulcânicas da erupção do Vesúvio com gesso
líquido.
O marxismo, por outro lado, chamou a atenção sobre a importância dos conflitos e da
ideologia, afirmando o caráter político do trabalho do arqueólogo. Ou seja, ao mesmo tempo
em que reconhece o indivíduo no processo ativo de construção do discurso arqueológico, no
pós-processualismo toma-se consciência da dimensão social e política da arqueologia.
Esta nova forma de compreender a arquitetura, entretanto, ainda não foi plenamente
apropriada nas pesquisas arqueológicas que se integram à prática restaurativa. Apesar de na
década de 1980 ter surgido um novo campo de estudos voltado exclusivamente à
compreensão dos edifícios - a arqueologia da arquitetura - percebe-se que o potencial destas
investigações é aplicado de maneira supérflua, muitas vezes restrito às inferências
cronológicas e tipológicas a partir das construções.
Segundo Azkarate (2020b, p. 3), um dos motivos destas atitudes reducionistas do campo é
justamente a atribuição do estudo de edifícios históricos apenas a historiadores de arte ou da
arquitetura, bem como a crença de que a arqueologia da arquitetura se limita a leituras
estratigráficas de paredes.
2. Arqueologia da arquitetura
2Uma abordagem nesse sentido é feita em: FERREIRA, Ton. Arqueologia da arquitetura e sistemas
construtivos afrodiaspóricos no Brasil. Publicações AMA-patrimônio em Rede. No prelo.
3 O arqueólogo Richard Blanton, com base no modelo ‘Gamma’, construiu uma série de índices que possibilitam
aprofundar a análise da estrutura arquitetônica. Estes índices são denominados ‘Escala’, que consiste no número
de ‘nós’ (equivalente aos ambientes); ‘Integração’, que é igual à quantidade de ligações ou conexões entre os ‘nós’
dividida pela quantidade de ‘nós’ de cada gráfico. Já o ‘Índice de Complexidade’ está relacionado à quantidade de
ligações entre os ‘nós’ e a acessibilidade de cada ‘nó’ com o exterior. (ZARANKIN, 2002; ZARANKIN e NIRO,
2010). Ver: BLANTON, R. Houses and households. New York: Plenum Press, 1994.
Na Igreja Nossa Senhora da Divina Graça, em Olinda-PE, por exemplo, os estudos iniciais
para a obra de restauro motivaram uma extensa pesquisa arqueológica com a execução de
escavações sistemáticas em todo o interior da igreja. As pesquisas foram conduzidas pelo
arqueólogo Marcos de Albuquerque e segundo o próprio, os resultados contribuíram de forma
efetiva para o projeto de restauração, representando, no Brasil, o início de uma experiência
em que uma intervenção desta natureza foi antecedida por uma ampla pesquisa arqueológica
(ALBUQUERQUE, 1992, p. 134).
O estudo foi objeto de publicação pelo Programa e apesar de fazer menção à realização das
pesquisas arqueológicas de modo integrado aos projetos de restauro, bem como de haver um
capítulo dedicado exclusivamente ao diálogo da arqueologia com a arquitetura no livro, não
há informações claras sobre o resultado dessa relação, ou seja, como o conhecimento gerado
pela arqueologia contribuiu na restauração. É relatado apenas que através da observação,
descrição e avaliação dos elementos e técnicas construtivas utilizadas nas edificações foram
obtidas informações morfológicas e tipológicas da arquitetura que auxiliaram no
estabelecimento das fachadas como elemento de datação no estudo geral de ocupação da
área (NAJJAR, 2010, p. 20).
Pelo que pode se depreender, apesar de citar um modelo de pesquisa mais abrangente, a
perspectiva de interface prevista no manual está focada nos resultados obtidos a partir da
materialidade dos artefatos e estruturas revelados durante as prospecções e/ou escavações.
Entretanto, como já foi abordado neste artigo, demais inferências colhidas a partir da análise
da preexistência arquitetônica em conjunto com outras fontes podem se constituir num rico
arcabouço para a tomada de decisões projetuais durante a intervenção restaurativa.
Segundo Ferreira e Freitas (2020, p. 3), o Programa Monumenta – cujo encerramento se deu
por volta de 2010 - ignorou a arquitetura como resultante de processos sociais e durante sua
execução ficou evidente a falta de metodologias sistemáticas para o estudo das construções
no âmbito da prática arqueológica brasileira.
4 – Conclusões
HILLIER, B.; J. HANSON. The Social Logic of Space. Cambridge: Cambridge University
Press, 1984.
LIMA, Tânia Andrade. Arqueologia Histórica no Brasil: balanço bibliográfico (1960-1991). In:
Anais do Museu Paulista. Nova Série n. 1, 1993. p. 225-262.
ORSER JR., Charles E. Introducción a la Arqueología Histórica. Buenos Aires: Ediciones Del
Tridente, 2000.
RENFREW, Colin; BAHN, Paul. Arqueología: Teorias, Métodos y Prática. Madrid: Ed. Akal,
1998.
OCUPAÇÃO E MEMÓRIA
VUCOVIX, MAÍRA
RESUMO
As cidades brasileiras, em meados da década de 1960, viveram um acelerado processo de
industrialização e urbanização, característico da América Latina. Isto, aliado à precariedade da vida
no campo, resultou na inédita progressão populacional urbana com relação à rural.
As localidades que receberam tais migrantes, desprovidas de infraestrutura, expulsaram seus novos
moradores para as bordas das cidades e os impuseram os assentamentos irregulares como única
alternativa habitacional.
Mirando mais detidamente a cidade de São Paulo como centro do estudo, constatou-se que, com a
construção de Brasília, houve o enfraquecimento político-econômico da cidade do Rio de Janeiro
(antigo Distrito Federal) e a ascensão econômica da capital paulista.
O despontamento de São Paulo, em meio ao capitalismo dependente, movido principalmente pelo
subemprego e pela precariedade da qualidade de vida, escancarou ainda mais as diferenças
socioeconômicas dos habitantes da cidade. Como consequência, em finais da década de 1990 e
início dos anos 2000, surgiam as primeiras ocupações no centro de São Paulo - encabeçadas pela
ULC (União para a Luta de Cortiços), visando edifícios patrimoniais que não cumpriam a função social
da propriedade.
O debate acerca da função social da propriedade foi muito anterior às primeiras ocupações. A Lei nº
4.132, de 1962, tinha como objetivo promover justa distribuição da propriedade e condicionar o seu
uso ao bem-estar social. Foi incorporada ao artigo nº 147 da Constituição Federal de 1946 e também
previa a construção de casas populares. Posteriormente, com a redemocratização do País, em 1988,
foi incorporada à nova Constituição Federal nos artigos nº 182 e 183, no Capítulo II – da política
urbana.
A partir do explanado acima, o artigo aqui proposto pretende, portanto, analisar a Ocupação 9 de
Julho, liderada pelo Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) e por Carmen Silva, dentro do recorte de
políticas públicas habitacionais e processos participativos populares.
Para tanto, a pesquisa contou com método de visitas de campo e revisão bibliográfica. Resultados
previamente levantados evidenciam o sentido atribuído à edificação ocupada como símbolo de uma
luta social de décadas.
Palavras-chave: história da cidade; edifício como documento; ocupações urbanas; habitação social;
política pública
O interesse pelo tema desta pesquisa surgiu em meados do curso de Pós-Graduação stricto
sensu de mestrado da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC), da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com área de concentração em
Arquitetura, Tecnologia e Cidade, com a linha de pesquisa em Arquitetura: Fundamentos,
Metodologia e Projeto. O trabalho final foi uma dissertação sobre o papel do Instituto de
Arquitetos do Brasil (IAB) na formulação do Plano Nacional de Habitação (PNH) de 1964.
O governo progressista de João Goulart, iniciado em 1961, conviveu com uma crescente
polarização ideológica. Eram tempos de instabilidade político-institucional, mas, a despeito
disso, em sua administração aprovou-se a Lei nº 4.132/62. Esta previa desapropriação
territorial em caso de interesse social e tinha como objetivo promover justa distribuição da
propriedade e condicionar o seu uso ao bem-estar social. Também previa a construção de
casas populares, e a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e
de reservas florestais. Tais itens faziam parte das Reformas de base do governo Jango que
pretendiam discutir, entre outras coisas, regulamentações urbanas e agrárias.
Tal Lei foi responsável pela previsão da função social da propriedade, no intuito de prover
bem-estar de seus habitantes, na Constituição Federal de 1988, nos artigos nº 182 e 183, no
Capítulo II – da política urbana. No Art. 182, subdividido em quatro parágrafos, ficou
determinada as desapropriações em caso de exigências fundamentais de ordenação da
cidade expressas no plano diretor (instrumento obrigatório para cidades com mais de vinte
mil habitantes). E no Art. 183, subdividido em três parágrafos, definiu-se direito adquirido por
usucapião àquele que possuir como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros
Seu principal objetivo era estabelecer uma política de habitação efetiva para combater os
altos índices de déficits habitacionais no país. Em meio ao caos, pediu-se urgência em sua
tramitação. No preâmbulo previa-se a iniciação de um Plano Nacional de Habitação (PNH),
a criação de um Conselho Nacional de Habitação e a instauração de um Fundo Nacional da
Habitação. Para o funcionamento das três instâncias, acreditava-se que as questões
econômicas estariam subordinadas às questões sociais, e não o contrário. Para isso, previa-
se que esses órgãos funcionassem exatamente nesta ordem de autonomia.
Previa-se que os custos das unidades habitacionais não deveriam exceder o valor de 150
vezes o salário mínimo estabelecido em cada região ou sub-região. A proposta do baixo
custo reforça a ideia da possibilidade da habitação para todos. A ideia central era favorecer
o acesso à moradia para trabalhadores que ganhavam até 15 salários mínimos, por meio de
recursos financiados pela Caixa Econômica Federal.
Outros pontos importantes que devem ser valorizados nesse PL são: a proposição de que o
próprio Estado deveria ser responsável pela urbanização das áreas de intervenção, antes
mesmo da comercialização dos terrenos; que fosse estimulada a instalação de novas
indústrias de materiais da construção civil para aumentar a concorrência e a competitividade
e, consequentemente, baratear os preços; que os municípios, com população igual ou
superior a 10 mil habitantes, tivessem direito a assistência técnica e financeira para a
elaboração de planos diretores; que fornecedores de materiais, máquinas e/ou prestadores
de serviços para as construções de interesse social tivessem isenção de tributos; e que
coubesse ao Conselho Nacional de Habitação a coordenação da execução dos planos, com
autonomia técnica, administrativa e financeira.
Por último, importante pontuar que, juntamente com o PNH, pretendia-se elaborar um Plano
Nacional Territorial (PNT) capaz de delimitar questões mais abrangentes antes de instaurar
os planos de habitação social de acordo com demandas regionais.
A questão da moradia social voltada para a população de baixa renda vinha sendo discutida
desde a década de 1930. No entanto, ao incluir o planejamento urbano e regional como
itens associados à habitação, o debate tornou-se mais amplo, com propostas que
abordavam problemas como tributação e renda da terra urbana, uso e ocupação do solo,
direito seletivo às cidades, e condições mínimas de moradia e infraestrutura urbana.
Um tema essencial colocado pelo Seminário foi a necessidade imediata de medidas práticas
quanto às políticas públicas. Nesse momento, imaginava-se atuar imediatamente em áreas
emergenciais. Em anos anteriores, muito se discutia no plano teórico sobre habitação social
e alguns programas, inclusive, estavam em vigor. No entanto, o questionamento dos
arquitetos era sobre a demagogia política envolvida e a pouca concretização desses
programas perto à real dimensão do problema.
Durante muito tempo apresentou-se a questão nacional da moradia como sendo de ordem
meramente assistencial e quantitativa, isto é, um evento apenas de construção de mais
casas ditas populares. Isso atribuía ao Governo a responsabilidade exclusiva para essa
questão, ao mesmo tempo em que se escondia toda sua verdadeira problemática (Cf.
Revista Arquitetura, número 14, edição agosto, Rio de Janeiro, 1963, p.2).
O Seminário também discutiu o passo a passo para a implantação dos planos: Plano
Nacional Territorial (PNT) e PNH. A primeira medida seria a criação de um órgão central e
federal, de autonomia financeira e de competência de jurisdição sobre o território brasileiro.
Imaginava-se incorporar a essa organização a Fundação da Casa Popular (FCP) e o
Conselho Federal de Habitação (CFH). Esse novo Conselho seria responsável por fixar
diretrizes da política habitacional e do planejamento territorial por meio da elaboração de
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planos, de organização descentralizada. Para a execução deles, imaginava-se o
estabelecimento de parcerias público-privadas.
No relatório final do SHRU, foram estabelecidas condições de atendimento dos PNT e PNH,
segundo critérios de crescimento da população; intensidade de urbanização; disponibilidade
de recursos e fatores produtivos ociosos; densidade relativa em sub-habitação; e integração
com os planos locais e regionais de habitação e de desenvolvimento econômico-social.
Importante dizer que esses planos locais e regionais só seriam executados nas condições
previstas pelo plano central de desenvolvimento nacional. Esse plano nacional de habitação
visava lidar diretamente com o déficit habitacional e com os equipamentos urbanos
pertinentes.
Este artigo pretende ser, portanto, um recorte da continuação dos estudos iniciados no
mestrado, no contexto mais atual brasileiro – momento dúbio entre a tentativa de
desmantelamento dos movimentos e direitos populares; e a recente retomada de visibilidade
de movimentos sociais e alguns ensaios progressistas.
Materiais e Métodos
De acordo com Scarlato (apud Ross, 2019), por muito tempo a geografia ficou indiferente
aos aspectos subjetivos no estudo urbano. Hoje a ciência geográfica consegue perceber as
relações de identidade entre os indivíduos e seus lugares, tendo em vista as influências
exercidas por outras correntes teóricas, como a fenomenologia, que valoriza a compreensão
ou a maneira como o indivíduo vê a realidade, e não somente a explicação ou as relações
de causa e efeito entre as coisas. Desta forma, ampliou-se o horizonte dessa ciência no
estudo das cidades. Isso veio permitir ao geógrafo oferecer sua contribuição para um
planejamento urbano mais humanístico, no qual qualquer proposta de política de renovação
urbana deve levar em consideração o significado afetivo e visual de cada componente dos
lugares para as pessoas (Cf. SCARLATO apud ROSS, 2019, p.408).
A autora afirma, ainda, que há uma estreita relação entre a cidade e os modos de vida e os
modos de pensar. O espaço construído, portanto, é resultado direto das relações sociais, do
conjunto de atitudes, de ideias e de comportamentos de um determinado grupo social. Em
sua forma mais atual, a cidade dificulta a criação de laços sociais e o estabelecimento de
relações simbólicas com os outros. Isso porque as crescentes migrações e os conflitos
ligados à coexistência entre comunidades distintas resultaram em fenômenos urbanos cada
vez mais complexos, o que exige um novo modo de pensar a cidade (Cf. JODELET apud
DEL RIO, 2002, p. 40).
E por fim, Jodelet (apud Del Rio, 2002) diz que a cidade tem três formas de memória. A
memória eventual, relacionada a lugares emblemáticos de acontecimentos dos quais foram
palco. A memória coletiva, definida pelas atividades e pelos traços sociais, culturais e
étnicos de seus habitantes. E a memória monumental, representada pelas construções que
guardam vestígios e estabelecem ligação com o passado. As três formas de memória
deveriam ser valorizadas de modo a garantir a defesa das identidades dos habitantes de
uma cidade, favorecendo o desenvolvimento duradouro, reforçando e estabilizando a
evolução social e material (Cf. JODELET apud DEL RIO, 2002, p. 43).
Visto isso, agora será analisado mais especificamente o MSTC. Em novembro de 1997,
algumas pessoas ocuparam o prédio na Rua Álvaro de Carvalho, hoje conhecido como
Ocupação 9 de Julho. Em 2000, mulheres líderes desta e de outras ocupações se unem e
fundam o MSTC, para mobilizar e organizar famílias sem moradia. Atualmente o Movimento
coordena cinco ocupações e um empreendimento. O empreendimento é o Residencial
Cambridge, que foi uma ocupação e é, agora, um empreendimento financiado pelo
Programa Minha Casa Minha Vida Entidades (PMCMV-Entidades). O projeto de assessoria
técnica é da Peabiru e tem previsão de entrega das unidades aos moradores ainda neste
ano de 2021.
Quando um projeto é viabilizado, cada grupo de base indica suas famílias com maior
expressividade participativa para compor a lista de famílias que será enviada à Caixa
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Econômica Federal para aprovação. A lista é feita pelo movimento de moradia seguindo
critérios de classificação internos e, após aprovação segundo critérios da Caixa, passa a ser
a lista dos moradores do edifício (Cf. FIÚZA e LIMA, 2021, p. 364).
Carmen é ativista, mãe de 8 filhos, baiana, retirante, que dormiu nas ruas de São Paulo no
início dos anos 1990 e, nos anos 2000, tornou-se líder do MSTC. Na esfera da
administração pública, foi coordenadora do Conselho Participativo da Região da Sé por dois
biênios e, em 2018, foi Conselheira Municipal e Estadual de Habitação e das Políticas
Públicas para Mulheres. Em 2019, coordenou o Conselho de Gestão da Cracolândia. Além
de coordenar o MSTC, fez carreira por 20 anos na mesma empresa de corretagem de
seguros, seu primeiro emprego na cidade de São Paulo, onde segue como prestadora de
serviços do empresário (Cf. MTSC, biografia Carmen Silva). Atualmente é professora do
Núcleo de Mulheres e Territórios do Instituto de Ensino e Pesquisa (INSPER).
A Ocupação 9 de Julho
Histórico
O edifício da Ocupação 9 de Julho foi construído em 1943. O projeto é de autoria do
arquiteto Jayme Fonseca Rodrigues, contemporâneo de Oswaldo Bratke e Eduardo Kneese
de Mello, responsável, também, pelo conhecido Edifício Sobre as Ondas, no Guarujá, litoral
paulista. O projeto da Rua Álvaro de Carvalho foi encomendado pelo Instituto de
Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas (IAPETC) e chegou a
ser ocupado pelo Instituto.
No térreo e no 1º pavimento concentravam-se as atividades administrativas; no 2º e 3º
pavimento estavam os serviços médicos; e os demais pavimentos, destinavam-se a salas de
escritório para aluguel, sendo a planta totalmente livre estruturalmente. Na década de 1960,
os IAPs foram unificados e substituídos pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS),
em 1966. Posteriormente, na década de 1990, tornou-se o atual Instituto Nacional do
Mais recentemente, houve uma segunda ocupação, realizada em 2016 e mantida até hoje.
Em um segundo momento, o Movimento recebeu assessoria técnica da Peabiru TCA –
atuante desde 1993, com um grupo de profissionais diversificado, no desenvolvimento de
projetos e acompanhamento de obras habitacionais de interesse social no contexto do
programa de mutirão com autogestão.
Estrutura
Simbologia e significação
Antes de tratar da Ocupação 9 de Julho, será relatada uma breve história do Jardim Ângela,
periferia da zona sul da cidade de São Paulo. O caso está descrito no livro Cidade de
Chegada, a migração final e o futuro do mundo, de Doug Saunders. Frente ao avanço da
violência urbana, líderes comunitários se reuniram para discutir a questão ignorada pelas
autoridades municipais, estaduais e nacionais. ‘Os encontros foram ganhando força e
ficaram conhecidas como Fórum em Defesa da Vida. Logo, centenas de residentes estavam
frequentando essas reuniões, e os cidadãos do Jardim Ângela se mostraram unânimes a
respeito das necessidades do bairro: em primeiro lugar, segurança; depois, educação; e,
por último, conexão física e econômica adequada entre o bairro e a cidade. “Aquela
escola se tornou o primeiro território realmente neutro da favela; o primeiro espaço público”,
afirma Jucileide Mauger1 (Cf. SAUNDERS, 2010, p. 283).
Não seria exagero comparar a Ocupação 9 de Julho a este território neutro, um espaço
público que atende internamente às demandas das ocupações (com programações
artísticas, culturais, educacionais e outras), mas também, ao bairro. É com muita frequência
que são realizados eventos abertos ao público externo. Com as questões sanitárias
impostas pela pandemia, esse fluxo não é o mesmo, mas a Ocupação ainda é um ponto de
encontro e uma razão de significância para a comunidade local. Um exemplo disto é o
funcionamento da Cozinha Ocupação 9 de Julho que, apesar da pandemia, teve movimento
significativo com o projeto Lute Como Quem Cuida. Por vezes preparadas por chefs
renomados da cidade, a produção semanal é de cerca de 500 marmitas (CONSIGLIO,
Marina. Quentinhas de projeto são preparadas por nomes como Helena Rizzo, do Maní.
Folha de S. Paulo, São Paulo, 06 maio 2021. Disponível em:
<https://guia.folha.uol.com.br/restaurantes/2021/05/chefs-badalados-fazem-marmitas-na-
ocupacao-9-de-julho-e-vendem-por-delivery-a-r-30.shtml>. Acesso em: 30 set. 2021).
Mais duas aproximações podem ser feitas entre esse caso de estudo do Jardim Ângela e a
Ocupação 9 de Julho. A primeira delas é sobre a questão financeira. De acordo com
Saunders (2010), o economista Amartya Sen foi o primeiro a reconhecer que,
fundamentalmente, a pobreza não é a escassez de dinheiro ou de recursos, tampouco a
1Jucileide, pedagoga e professora, foi diretora da Escola Municipal Oliveira Viana, no Jardim Ângela, por 16
anos. Pressionando governo e organizações por fundos de apoio, a escola conseguiu orçamento para abrir
novos cursos noturnos para adultos e adolescentes.
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falta de talento ou de ambição. Trata-se da ausência de capacidades – a inexistência das
ferramentas e oportunidades necessárias para garantir a plena cidadania. Segundo o autor,
são nas cidades de chegada (aquelas com grande número de migrantes), onde prevalece a
maior vontade de melhorar; são os locais que as pessoas têm menos capacidades e
enfretam mais obstáculos econômicos. Os elementos mais necessários são as capacidades
de dar início a um negócio e de estudar (Cf. SAUNDERS, 2010, pp. 293 e 294).
O autor segue dizendo que, tais realizações são possíveis a partir da autogestão eficiente,
da segurança e do acesso ao crédito e aos benefícios urbanos. Para isso é necessária a
participação efetiva do governo, especialmente o municipal. Neste sentido, não apenas para
a Ocupação 9 de Julho, mas o MSTC é um mediador no sentido de engajar os moradores
em cursos livres, profissionalizantes e afins. É articulado no diz respeito à sua participação
junto à sociedade civil.
E o terceiro e último ponto é o anseio dos moradores das cidades de chegada em alcançar a
capacidade da posse completa das terras sobre as quais se vive (Cf. SAUNDERS, 2010, p.
294). Segundo Frutoso e Kato (2019), é sobre o desejo de fixação no território. De acordo
com as autoras, os elementos de fixação no território, de maneira consequente, podem
também ser entendidos como mecanismos de resistência de uma população que luta pelo
direito à cidade e pelo acesso à moradia digna e, em determinados espaços da cidade que,
por suas estruturas urbanas e condensação de pessoas permitem viabilizar sua
sobrevivência mesmo precária, vulnerável e em permanente instabilidade (Cf. FRUTOSO e
KATO, 2019, p. 10).
Considerações finais
É a partir de todo material exposto anteriormente e por meio das metodologias aplicadas
que se entende a Ocupação 9 de Julho como uma potência na luta por moradia na cidade
de São Paulo, na ampliação do direito à cidade e à democracia e na representatividade e
respeito à memória de um povo. A Ocupação é, portanto, responsável por ampliar o debate
e o engajamento dos moradores e dos frequentadores de seu espaço e por dar seguimento
às cobranças por políticas públicas para habitação de interesse social de modo que atenda,
de fato, a população mais vulnerável.
Referências Bibliográficas
CONSIGLIO, Marina. Quentinhas de projeto são preparadas por nomes como Helena Rizzo,
do Maní. Folha de S. Paulo, São Paulo, 06 maio 2021. Disponível em:
<https://guia.folha.uol.com.br/restaurantes/2021/05/chefs-badalados-fazem-marmitas-na-
ocupacao-9-de-julho-e-vendem-por-delivery-a-r-30.shtml>. Acesso em: 30 set. 2021
FIÚZA, Cecília Andrade e LIMA, Juliana do Amaral Costa. “Formas de moradia e a
unificação das lutas de cortiço e moradia (ULCM) na cidade de São Paulo”. In:
D’OTTAVIANO, Camila. Habitação, Autogestão & Cidade (organização). 1ª ed. – Rio
de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles, 2021.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=20A344
30C28439F7E55C82123AD71680.node1?codteor=1201760&filename=Avulso+-
PL+87/1963 Acesso em: 27 mai. 2019.
https://www.movimentosemtetodocentro.com.br/carmen Acesso em: 24 abr. 2021
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4132.htm Acesso em: 6 mar. 2019
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4380.htm Acesso em: 6 mar. 2019
JODELET, Denise. “A cidade e a memória”. In: DEL RIO Vicente. DUARTE,
Cristiane Rose. RHEINGANTZ, Paulo Afonso (Orgs.). Projeto do Lugar –
colaboração entre psicologia, arquitetura e urbanismo. Rio de Janeiro: Contra
Capa/PROARQ, 2002, p. 31-43.
PATERNIANI, Stella Zagatto. Morar e viver na luta: movimentos de moradia,
fabulação e política em São Paulo. – São Paulo: Annablume, 2016.
Revista Arquitetura, número 14, edição agosto, Rio de Janeiro, 1963, p.2
SAUNDERS, Doug. Cidade de chegada, a migração final e o futuro do mundo. São
Paulo: DVS Editora, 2013.
OCUPAÇÃO E MEMÓRIA
BRANDÃO, NATÁLIA C.
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo mapear os pontos de contato entre o suporte fotográfico e o
amadurecimento do campo do restauro, buscando identificar o mútuo beneficiamento entre eles.
Nessa perspectiva, fazendo alusão à organização das primeiras fotografias em folhas de contato, a
estrutura do artigo se organiza em contatos sucessivos na sequência cronológica do desenvolvimento
de ambas as práticas. No primeiro deles, partindo da compreensão de que a fotografia é apenas mais
uma forma de representação visual, faz-se necessário entender como se deram as primeiras
aproximações entre a gravura e as ações interventivas sobre os monumentos nos períodos que
precedem a restauração como se entende atualmente. O segundo contato é referente à tomada de
consciência, no final do século XVIII, em torno do distanciamento histórico que configura monumento
histórico em paralelo ao surgimento da fotografia na primeira metade do XIX; busca-se indicar como a
fotografia estava presente nas elaborações de Viollet-le-Duc, Ruskin e Boito. O terceiro aborda a
virada do século XIX para o XX no sentido de trazer à luz, a partir da conceituação proposta por Riegl,
a abordagem acerca dos valores atribuídos aos monumentos enquanto baliza para as ações sobre
eles. O quarto contato pretende rebater o uso do suporte fotográfico no campo do restauro no âmbito
brasileiro, confrontando-o com a corrente do “restauro crítico” internacionalmente em processo de
consolidação. Por fim, busca-se provocar a reflexão acerca das novas tecnologias de representação
visual e sua aplicabilidade no campo do restauro.
Palavras-chave: fotografia; restauro; valores.
Um pouco mais tarde, entre os séculos XVII e XVIII, a pesquisa que anteriormente tinha
como base os bens construídos e os textos literários dá lugar ao testemunho fornecido pelas
gravuras. As figuras centrais nesse novo processo investigativo foram os antiquários
eruditos, os quais passaram a buscar pelas antiguidades nacionais dos territórios para além
das fronteiras romanas. Naquele cenário, de melhoria nas condições de mobilidade
europeias, as viagens e a comunicação entre esses personagens foram facilitadas, o que se
desdobrou na investigação e inventariação dos testemunhos por eles apreendidos. Esses
arquivos podem ser entendidos como os embriões de uma configuração que viria a ser
consolidada, no contexto pós Revolução Francesa de 1789, nas primeiras galerias e
museus. As gravuras, portanto, começaram a fazer parte do corpus de objetos que
compunham tais pesquisas, cumprindo a função de inventário e de revisita ao passado1.
1 Sobre esses primeiros inventários, não se pode deixar de pontuar a importância do processo desenvolvido,
ainda no século XV, por Johannes Gutenberg de gravar sobre papel. O surgimento da imprensa, aqui
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A importância atribuída pelos antiquários aos testemunhos da cultura material e das belas-artes não é
senão um caso particular do triunfo geral da observação concreta sobre a tradição oral e escrita, do
testemunho visual sobre a autoridade dos textos. Entre o século XVI e o fim do Iluminismo, o estudo das
antiguidades evolui segundo uma abordagem comparável à das ciências naturais: ele busca uma
mesma descrição, controlável e, portanto, confiável, de seus objetos (Choay, 2001, p. 76).
considerado como a primeira revolução da imagem, permitiu que esse corpus de informações fosse não apenas
fixado sobre o papel e inventariado nos arquivos dos antiquários, mas também facilitou as trocas que fizeram
parte da consolidação do campo da restauração.
2 As gravuras de Piranesi evidenciam o fato de que uma mensagem que se deseja comunicar se altera de acordo
com a carga ideológica do contexto em que o artista está inserido. Nesse caso específico, enquanto arquiteto e
gravurista, Piranesi representa em desenho técnico e também de observação, uma cultura romana que é
superior à grega. Suas imagens tridimensionais parecem potencializadas em termos de uma representação de
algo que o olho humano não é capaz de captar – uma espécie de gênese de uma objetiva grande angular.
3 Sobre essas investigações, tem-se o exemplo do estudos capitaneadas por Aby Warburg (1866-1929) e Erwin
Panofsky (1892-1968), em torno de algumas representações icônicas em imagem. Eles “formularam a hipótese
da existência de um conselho humanista, que formulava o programa iconográfico de imagens complexas a ser
executado pelos artistas” (Burke, 2017, p.63). Indicando, portanto, que a leitura dessas representações deve-se
ater ao fato de uma verdade relativizada por determinada mentalidade.
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Ilustração de Giovanni Battista Piranesi da parte interna do Panteão.
Esse desenho ilustra uma visão que o olho humano não é capaz de captar, indicando uma relação entre
essa forma de representação à de uma fotografia capturada a partir de uma objetiva grande angular.
Imagem em domínio público
Fonte: commos.wikimedia.org
4 O surgimento da fotografia se deu em diferentes locais e com a contribuição de diversos personagens. Os mais
conhecidos, e responsáveis pelo seu processo de institucionalização, foram o inglês Talbot (1800 - 1877) e os
franceses Niépce (1765 - 1833) e Daguerre (1787 - 1851); no entanto, já é sabido que o artista francês Hercule
Florence, radicado no Brasil no primeiro quartel do século XIX, desenvolveu o processo fotográfico
simultaneamente aos personagens europeus amplamente conhecidos. Segundo o historiador brasileiro Boris
Kossoy “houve, concretamente, uma descoberta isolada da fotografia na Vila de São Carlos, interior da província
de São Paulo, a partir de 1833. Uma descoberta independente, no Brasil e nas Américas, mantida praticamente
no anonimato por cerca de 140 anos” (Kossoy, 2006, p. 330).
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Diferente da gravura, esse suporte opera segundo a representação do mundo visível de
maneira a citá-lo como referência, o que lhe confere, em certa medida, uma autenticidade e
confiabilidade que carece o desenho. A imagem resultante é constituída pela emanação de
luz do próprio referente, a qual é capturada e gravada no suporte já sensibilizado (Barthes,
2018).
Tais imagens são de fato capazes de usurpar a realidade porque, antes de tudo, uma foto não é apenas
uma imagem (como uma pintura é uma imagem), uma interpretação do real; é também um vestígio,
algo diretamente decalcado do real, como uma pegada ou uma máscara mortuária. Enquanto uma
pintura, mesmo quando se equiparada aos padrões fotográficos de semelhança, nunca é mais do que a
manifestação de uma interpretação, uma foto nunca é menos do que o registro de uma emanação
(Sontag, 2019, 170).
Algumas posturas no campo do restauro ecoaram no século XIX, seja pela valorização em
torno da materialidade do bem físico ou relacionadas ao conceito imbuído em determinado
estilo. Na Inglaterra romântica - do culto ao pitoresco e da noção de ruína que seduz,
presente nas artes e na literatura - o crítico de arte John Ruskin (1819-1900) defendia a não
intervenção sobre os bens. Para o inglês, era preciso manter sua materialidade,
privilegiando o ciclo natural de vida e a relação entre o homem e a força que a natureza
exerce sobre a edificação. Ou seja, a manutenção do bem passava pela conservação total,
inclusive de todas as marcas do tempo, como uma forma de registro da memória dos
antepassados através da arquitetura, para que fosse possível sua contemplação e a
posterior manutenção de uma memória coletiva.
Enquanto crítico de arte, o inglês legitimava a utilização de fotografias como evidência visual
desde que houvesse, essencialmente, a interrogação das fontes no sentido de entender a
veracidade ou o arranjo intencional em torno do que está representado (Burke, 2017, p. 40).
Segundo Arrhenius,
[...] a cada dia assume um papel mais sério nos estudos científicos, parece vir a propósito para ajudar
nesse grande trabalho de restauração dos edifícios antigos, com os quais a Europa inteira hoje se
preocupa. [...] a fotografia apresenta essa vantagem de fornecer relatórios irrefutáveis e documentos
que podem ser consultados sem cessar, mesmo quando as restaurações mascaram os traços deixados
pela ruína. A fotografia levou, naturalmente, os arquitetos a serem ainda mais escrupulosos no respeito
pelos mínimos remanescentes de uma disposição antiga, a melhor se conscientizar da estrutura, e
fornece-lhes um meio permanente de justificar suas operações. Nas restaurações não poderíamos
jamais usar demasiadamente a fotografia, pois muitas vezes se descobre em uma prova aquilo que não
se tinha percebido no próprio monumento (Viollet-le-Duc, 2006, p. 68-69).
5Riegl discorre sobre o fato dos valores serem relativos pois partem justamente de determinado contexto cultural
e época. A atribuição do valor determina, portanto, o tratamento que se deve dar ao bem. Nessa compreensão,
ele entende que o objeto é capaz de transmitir algo independentemente de seu valor histórico; o que denomina
de Kunstwollen ou, traduzindo de maneira literal, de querer da arte.
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portanto, é resultado de um olhar – histórico e artístico – que acontece em um momento
posterior. Choay, partindo das elaborações de Riegl, acrescenta ainda que “o monumento
tem por finalidade fazer reviver um passado mergulhado no tempo. O monumento histórico
relaciona-se de forma diferente com a memória vivida e com a duração” (Choay, 2001, p.
26).
Brasília6
Fotografia de Marcel Gautherot, 1962 circa
Fonte: Marcel Gautherot / Acervo Instituto Moreira Salles
6 Seguindo a lógica proposta por Riegl, pode-se atribuir à Brasília, partindo de um ponto de vista brasileiro, o
valor de monumento intencionado pois a cidade evoca o sentido de nacionalidade; por outro lado, não há a
negação do valor artístico de suas formas.
As fotografias de Marcel Gautherot serviram - através da disseminação em veículos de comunicação nacional e
internacional no século XX - de auxílio para a elaboração coletiva em torno do valor artístico dessa cidade
monumental.
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O pensamento em torno da recepção do monumento, a partir de Riegl, influenciou
diretamente no desdobramento do restauro crítico que viria, após a II Guerra Mundial, a
priorizar o valor figurativo dos bens arquitetônicos. Essa corrente entende que a restauração
se dá apenas na instância estética e figurativa do monumento conforme seu estado no
momento da intervenção, que passou a ser definido como o “terceiro tempo”. A partir da
contribuição do italiano Cesare Brandi (1906-1988), o restauro crítico surgiu da demanda por
trabalhar sobre os remanescentes das destruições causadas pela guerra, os quais, apesar
das relativas perdas, ainda permitiam uma leitura de sua inteireza. Quando essa
compreensão, alcançada por meio de um método, era possível de identificação e leitura, a
unidade sobre a qual o restauro incidiria passou a ser chamada de “unidade potencial”. Essa
teoria, que derivou da experiência empírica e prática, preserva princípios documentais do
restauro filológico com a nova perspectiva de que o restauro acontece metodologicamente a
partir do reconhecimento da unidade potencial da obra; que tem por objetivo - com uma
intervenção que acontece no terceiro tempo - tirar o protagonismo da lacuna e recuperar,
com cautela, a leitura da inteireza do bem. Assim sendo, o restauro passa a ser entendido
como um ato histórico-crítico, que privilegia o aspecto formal, bem como promove a
manutenção dos diferentes tempos transmutados em sua materialidade.
No caso do Brasil, onde o campo da restauração parece seguir uma trajetória mais voltada
ao repristino10 do que ao restauro efetivamente, a fotografia assume um local privilegiado
nas ações promovidas pelo órgão oficial responsável pela proteção dos bens nacionais.
Para o IPHAN, desde as suas primeiras décadas de atuação, essas imagens, além de
documentar as obras de intervenção, serviam de prova documental de uma feição “primitiva”
que se desejava recuperar; legitimando, portanto, essa suposta volta no tempo. É
interessante notar que essa ancestralidade material poderia, ao máximo, datar de meados
do século XIX, período em que a prática fotográfica começou a ser exercida no Brasil. Há
portanto, um afastamento teórico-metodológico das correntes vigentes internacionalmente.
Sobre a metodologia aplicada nas ações do IPHAN, o uso da fotografia, ainda que não
oficializada desta maneira, parece ter seguido a lógica de segmentação em três categorias.
Na “Documentação Oficial” constavam as imagens acabadas do bem “restaurado”. São
imagens que até o presente momento circulam nas produções editoriais do IPHAN e que
indicam o estado material que o instituto pretendia cristalizar e estabilizar, tanto em termos
materiais do próprio bem, quanto em imagem. A “Documentação de Pesquisas” teria sido
composta no sentido da investigação dos bens no território nacional e que, para além das
fotografias elaboradas pelo corpo técnico do IPHAN, contava também com imagens
enviadas pela população como resultado das solicitações públicas de seus servidores. Na
“Documentação de Obras” constavam as fotografias que comunicavam visualmente a rotina
e o andamento das obras nas diversas localidades do território nacional. Nessa última
categoria, elas serviam de relatos entre o canteiro de obras11 e a Superintendência
responsável, bem como entre esta e a Diretoria (Costa, 2018).
10 O “repristino” diz respeito às ações interventivas que buscam a volta a um estado anterior, primitivo; ou seja,
há um apagamento intencional das marcas do tempo sobre determinada edificação. Muitas obras de repristino
são entendidas como de restauro, o que é um equívoco do ponto de vista conceitual.
11 Renata Cabral discorre, por exemplo sobre a obra de intervenção na Catedral da Sé de Olinda. Essa obra,
assim como outras, serve de exemplo para o uso da fotografia como exercício dedutivo no momento da obra e
em seu canteiro. Ainda que as decisões finais não tenham sido relacionadas à feição que se tinha na fotografia
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Dos valores relacionados à recepção, como abordado por Riegl, o valor de novidade parece
se aplicar às práticas do IPHAN, tanto relacionadas às tentativas de apagamento das
marcas do tempo e manutenção de uma determinada materialidade física dos bens, quanto
na transposição desse estado em imagem fotográfica e sua posterior disseminação por meio
das publicações do instituto. A Revista do Patrimônio contribuiu, e ainda o faz, enquanto
meio de comunicação no sentido de veicular essas imagens, intencionalmente formuladas,
para que pudessem se desdobrar na construção de uma memória visual coletiva e oficial. O
que se percebe, portanto, é que a fotografia ocupa funções privilegiadas no contexto na
formação do campo da restauração no Brasil, possivelmente por conta da fragilidade de seu
embasamento teórico durante o século XX. Essas práticas indicam uma busca por suprir
essa lacuna, utilizando-se da fotografia como prova e justificativa de uma feição “antiga” que
se desejava “recuperar”, configurando uma prática que se aproxima mais do repristino do
que da restauração.
Considerações finais
“antiga”, esse suporte fez parte do processo metodológico adotado pela superintendência do IPHAN (Cabral,
2016).
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imagens produzidas, bem como a velocidade e facilidade de sua disseminação. No entanto,
ainda que haja pontos de conflito entre as novas formas de circulação e a posterior
interação do público com o monumento, negligenciar o poder desse suporte cada vez mais
facilitado na sociedade contemporânea, poderia significar um rompimento no curso natural
da continuada relação entre o campo do restauro e o da representação visual. O desafio
talvez esteja em calibrar o quanto cada um deles pode continuar beneficiando e
potencializando o outro, mutuamente.
12
Maria Vitória Novaes discorre, por exemplo, sobre o restauro do Palacete Tereza Lara em São Paulo. A
intervenção ocorreu no período do seu tombamento pelo CONPRESP/DPH em 2009, e foi realizado por uma
equipe multidisciplinar que contava com arquitetos, engenheiro, biólogo, restaurador e designers. Relatórios
fotográficos mensais foram desenvolvidos para acompanhar e documentar a obra, bem como um levantamento
realizado por 3D Laser Scanning, abarcando os pormenores da fachada eclética (NOVAES, 2018)
EDUSP, 2006.
KÜHL, Beatriz. A preservação como ato de cultura. In: Preservação do patrimônio arquitetônico da
industrialização: problemas teóricos de restauro. Cotia: Ateliê Editorial, 2008, pp. 59-100.
MONNIER, Gérard. O edifício, instrumento do evento: uma problemática. In: Revista CPC, São Paulo,
n.7, pp. 7-19, nov.2008/abr.2009.
O presente artigo tem por objetivo mapear os pontos de contato entre o suporte
fotográfico e o amadurecimento do campo do restauro, buscando identificar o
mútuo beneficiamento entre eles. Nessa perspectiva, fazendo alusão à
organização das primeiras fotografias em folhas de contato, a estrutura do
artigo se organiza em contatos sucessivos na sequência cronológica do
desenvolvimento de ambas as práticas. No primeiro deles, partindo da
compreensão de que a fotografia é apenas mais uma forma de representação
visual, faz-se necessário entender como se deram as primeiras aproximações
entre a gravura e as ações interventivas sobre os monumentos nos períodos
que precedem a restauração como se entende atualmente. O segundo contato
é referente à tomada de consciência, no final do século XVIII, em torno do
distanciamento histórico que configura monumento histórico em paralelo ao
surgimento da fotografia na primeira metade do XIX; busca-se indicar como a
fotografia estava presente nas elaborações de Viollet-le-Duc, Ruskin e Boito. O
terceiro aborda a virada do século XIX para o XX no sentido de trazer à luz, a
partir da conceituação proposta por Riegl, a abordagem acerca dos valores
atribuídos aos monumentos enquanto baliza para as ações sobre eles. O
quarto contato pretende rebater o uso do suporte fotográfico no campo do
restauro no âmbito brasileiro, confrontando-o com a corrente do “restauro
crítico” internacionalmente em processo de consolidação. Por fim, busca-se
provocar a reflexão acerca das novas tecnologias de representação visual e
sua aplicabilidade no campo do restauro.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.
RESUMO
Este trabalho trata da escrita da história da arquitetura ao abordar o processo de modernização da
cidade de Teresina, Piauí, com foco nas primeiras décadas do século XX. Tem como objetivo
examinar a relação entre o contexto histórico-social, econômico e político no qual a cidade estava
inserida nesse período e a arquitetura de caráter elitista que emergia na época, buscando contribuir
para o enriquecimento da historiografia arquitetônica teresinense. Nesse viés, é importante destacar
que, desde sua fundação, em 1852, Teresina se articulava em busca do progresso, uma vez que, ao
se tornar sede do governo, assumiu o encargo de alavancar o desenvolvimento econômico do
Estado, e alcançar o estágio de evolução urbana suposto para uma capital. A busca por esse
crescimento imediato, e pelo fim da atmosfera rural que ainda predominava em Teresina, algumas
medidas foram idealizadas a partir da elaboração dos códigos de postura. Entretanto, apenas na
década de 1930 a cidade atinge um razoável estágio de desenvolvimento urbano, e, dentre os fatores
que contribuíram para a construção desse cenário, estavam o estímulo econômico proporcionado
pela prosperidade das atividades extrativistas, a influência modernizadora trazida pelo governo de
Getúlio Vargas, e as iniciativas da prefeitura municipal, liderada pelo engenheiro Luís Pires. O
propósito de modernizar teve seu ápice, de fato, na instituição do Código de Posturas de 1939, que
trazia a arquitetura e a infraestrutura como dois de seus principais pilares, o que fez dessa época um
momento de obras decisivas para a remodelação de importantes trechos da cidade. No entanto,
assim como as demais iniciativas modernizadoras já desenvolvidas em Teresina, não contemplava
toda a população, reproduzindo a segregação socioespacial. O desenvolvimento desta análise se
fundamenta em pesquisas bibliográficas direcionadas à historiografia local existente referente à
dinâmica que se desenrolou na cidade durante o período em estudo, assim como sua relação com as
manifestações arquitetônicas emergentes nesse contexto. Além disso, os procedimentos
metodológicos também envolvem a coleta e análise de dados específicos, documentos e fontes de
natureza iconográfica em acervos públicos e em repositórios virtuais como o Arquivo Público do Piauí
e o banco de teses da Universidade de São Paulo, respectivamente. Dessa forma, o artigo se
estrutura em uma análise que discute desde as modestas tentativas de modernização dos primeiros
anos do século em estudo, até as medidas vinculadas ao Código de Posturas de 1939, realizando
uma comparação entre os dois momentos, além de discorrer acerca da produção arquitetônica que
resultou deste contexto modernizador, ressaltando, também, os entraves sociais decorrentes do
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processo. Essa articulação entre a história da cidade e sua produção arquitetônica contribui, portanto,
para a construção de conhecimento sobre um período pouco documentado, mas extremamente
relevante para a história da arquitetura teresinense.
Nesse viés, é importante destacar que, desde sua fundação, em 1852, Teresina almejava o
progresso, uma vez que, logo que se tornou sede do governo, a cidade assumiu o encargo
de alavancar o desenvolvimento econômico do Estado e alcançar o estágio de evolução
urbana suposto para uma capital (CHAVES, 1998). Dentre as diversas medidas que fizeram
parte desse incessante empenho pela modernização, estão os códigos de posturas que
foram instituídos nos anos de 1905, 1912 e 1939. Eles, além de focar na infraestrutura
urbana, priorizavam questões relacionadas à salubridade, controle social, e arquitetura
(FONTENELES FILHO, 2008). Dentre os três, apenas os dois últimos promoveram
mudanças significativas na arquitetura, especialmente naquela de caráter residencial, com
destaque para código de 1939, considerado o indutor das maiores transformações
modernizadoras vivenciadas por Teresina durante a primeira metade do século XX
(NASCIMENTO, 2002).
Partindo disso, o artigo “lança luz” sobre recortes relevantes, mas pouco explorados pela
historiografia da arquitetura local, que privilegia continuamente os grandes feitos e as obras
de maior impacto. Acabam, portanto, ignorando as nuances e particularidades de
residências que apresentam relevância ímpar para a compreensão de toda a dinâmica
histórica que se desenvolveu na capital. Essa visão mais abrangente do que realmente
contribui para a construção das narrativas, prontamente associada aos ideais da chamada
“Nova História”, se direciona de forma mais incisiva à análise das estruturas, enquanto “(...)
destrói a tradicional distinção entre o que é central e o que é periférico na história” (BURKE,
1992, p. 12).
Dessa forma, é perceptível a densidade das medidas empreendidas nas primeiras décadas
do século XX em Teresina, uma vez que as mesmas acabaram atingindo todas as camadas
da sociedade da época. A maior parte dessas determinações estava inscrita nos códigos de
posturas, e a instituição de tantos exemplares em tão pouco tempo é um forte indício do
quanto a cidade clamava por um urgente desenvolvimento.
O primeiro deles, o Código de Posturas de 1905, tinha um caráter de contenção social muito
forte, buscando coibir e disciplinar o comportamento da população. Restringia qualquer tipo
de manifestação considerada inapropriada ou ultrapassada em relação aos novos
parâmetros de modernidade, como é possível constatar pela leitura do Artigo 101. Este, em
especial, discorre sobre palavras, trajes e atos obscenos proferidos pelas ruas da cidade,
além de condenar costumes tidos como exemplos de falta de civilidade:
Além disso, a questão da salubridade também foi um dos principais tópicos abordados no
escopo desse código. A cidade ainda se via assolada por uma extrema pobreza, agravada
pelos contínuos incêndios nas residências de palha. As poucas intervenções nesse quesito
se direcionavam a melhorias em edifícios públicos, mais como uma forma de mostrar que
algo estava sendo feito, do que por uma necessidade prioritária daquele momento
(FONTENELES FILHO, 2008).
É perceptível que o primeiro código de Posturas do século XX não teve grande influência
sobre os aspectos arquitetônicos e construtivos da cidade, interferindo pouco na concepção
das edificações, enquanto outros pontos foram priorizados. Essa questão tem relação direta
com a forte herança do passado que ainda predominava em Teresina, tornando as pautas
sociais e sanitárias mais urgentes a serem superadas, o que foi importante para que,
posteriormente, o aspecto físico da cidade pudesse se desenvolver. Esse desenvolvimento,
portanto, só veio ser efetivamente fomentado pelos códigos seguintes, que interferiram
diretamente na composição formal da arquitetura teresinense.
Portanto, se destacou por regulamentar a construção das residências mais abastadas, com
o intuito de que elas se disseminassem pela cidade. Por isso, assim como as demais
iniciativas modernizadoras já desenvolvidas em Teresina, o código de 1939 também não
contemplava toda a população. Apesar de corresponder a um plano municipal e de dedicar
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certo espaço para a produção residencial, nem sempre privilegiada na escrita da história
local, o código tinha suas medidas executadas apenas em áreas de maior visibilidade, e
habitadas pelas classes mais abastadas, criando uma Teresina de contrastes (MOREIRA,
2016).
Fonte: REFESA
Compreendendo os códigos de posturas dos anos de 1912 e 1939 como mais decisivos
para a construção do acervo arquitetônico do início de século XX, foram escolhidos alguns
importantes exemplares, dentre tantos também edificados nesse recorte temporal, a partir
dos quais serão analisadas algumas características que permitam captar a influência de tais
códigos e dessa gama de determinações. É importante compreender, também, que seus
efeitos sobre as produções não foram apenas imediatos, se perpetuando por algumas
décadas. Essa tentativa de interligar a produção arquitetônica com o contexto no qual ela se
insere, pode ser compreendida a partir de Marina Waisman, quando ela introduz o conceito
de unidades históricas, ao afirmar que:
Partindo disso, um dos mais destacáveis pontos a se analisar, quando se trata das práticas
modernizadoras na arquitetura, é a forma como a construção está inserida no lote. Os
códigos de posturas de Teresina não tratavam da obrigatoriedade de determinado tipo de
implantação, trazendo apenas algumas informações pontuais que sugeriam uma certa
mudança na forma de pensar a edificação no terreno (PIAUHY, 1912). Partindo disso, o
primeiro exemplar selecionado para análise é a Casa da Dona Carlotinha (Figura 02), uma
residência de aproximadamente 300 m², situada no centro da cidade de Teresina, e cuja
construção data da década de 1920 (FUNDAC, 2018). Foi edificada no período de grande
influência do código de posturas de 1912, manifestando uma forte inspiração eclética. Tem
como principais características uma nova forma de implantação, com a introdução de recuos
laterais, e alinhada frontalmente com a rua (Figura 03). A presença de tais recuos, mesmo
que não estivesse explicitamente exigida nas determinações desse código, começou a ser
constantemente observada nas residências da região central nesse período (MOREIRA,
2016).
Apesar de também ter sido construída em meados do século XX, trouxe uma relação entre
arquitetura e lote que, no século anterior, já se difundia maciçamente pelas cidades
brasileiras. Esse modo de inserir a arquitetura no terreno foi explicado por Reis Filho (1970,
p. 46), ao discorrer sobre essa tendência da segunda metade do século XIX, onde o
Enquanto isso, a legislação determinava que a escolha por essa configuração da casa no
lote exigiria a introdução de belos gradis nos muros e de interessantes áreas ajardinadas
nesses corredores laterais, o que pode ser claramente observado nesse exemplar. Também
representa uma explícita influência desse código a existência de platibanda com calhas para
evitar o lançamento de águas pluviais na fachada alinhada à rua, assim como a presença de
uma terceira face exigida em casas de esquina, ou seja, a chamada esquina chanfrada.
Internamente, a existência de aberturas para o exterior em todos os cômodos também
representa uma adesão às preocupações de salubridade explicitadas no código de 1912
(PIAUHY, 1912). Por fim, é possível perceber como outra singularidade dessa residência a
existência de entradas laterais, como uma forma de valorização dos jardins propostos, bem
como a reminiscência do porão alto, traço da arquitetura do século anterior, mas que exigiu
dessa produção uma bela escadaria de feição eclética, para acessar o primeiro pavimento.
Já o código de 1939 não traz determinações tão claras, mas o total desprendimento em
relação aos limites do lote era um modelo incontestavelmente difundido na capital, muito
pela inspiração dos grandes centros. Quanto a isso, Moreira (2016) ainda acrescenta a
consequente difusão de gradis metálicos na arquitetura da época, com os mais variados
desenhos, como consequência da existência desses recuos, tomados por belos jardins,
assumindo um papel decorativo e indicativo de riqueza das classes mais abastadas.
Por volta dos últimos anos do século XIX e no início do XX, antes de 1914,
podia-se considerar como completa a primeira etapa da libertação da
arquitetura em relação aos limites dos lotes. Fundiam-se, desse modo, duas
tradições: a das chácaras e a dos palacetes. (...). Em algumas dessas
residências maiores, iriam sendo aperfeiçoadas muitas das características
que marcariam quase toda a arquitetura residencial que medeia entre as
duas guerras mundiais: a preocupação de isolar a casa em meio a um
jardim, a tendência a conservar um paralelismo rígido, em relação aos
limites do lote (...).
Ainda sobre o bangalô de Leônidas Melo, é importante ressaltar a predominância dos traços
neocoloniais, típicos das residências de alto padrão, como o uso abundante de arcos plenos
nas aberturas e interessantes beirais, mas sem muitos detalhes e adornos, como ficou claro
em muitas outras edificações dessa avenida, reforçando a primazia desse estilo em relação
aos demais nesse período.
Considerações finais
Diante disso, é possível inferir que a modernização em Teresina foi, e continua sendo, um
processo contínuo, que busca se adequar aos anseios da sociedade da época, envolvendo
suas diferentes camadas de maneiras diversas, sendo que uma parcela muito pequena
desse processo é realmente considerada nas produções historiográficas da capital.
Portanto, o estudo desse cenário como um todo estimula reflexões e justifica a inclusão
desses aspectos na construção da historiografia local, reforçando a necessidade de se
aprofundar sobre os desdobramentos arquitetônicos e sociais dessa modernização.
Referências Bibliográficas
BURKE, Peter. A Escrita da História: Novas Perspectivas. São Paulo: Editora Unesp,1992.
MATOS, Matias Augusto de Oliveira. Avenida Frei Serafim: Lembranças de um tempo que
não acaba. Teresina: W LAGE - Alínea Publicações Editora, 2011.
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva,
1970.
TERESINA. Diário oficial de Teresina: Código de Posturas. Lei n. 69, 02 set. de 1905.
RESUMO
Fonte: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/08/20/interna_gerais,680133/marcado-
por-tragedias-viaduto-das-almas-agora-e-usado-para-treinar-so.shtml
Fonte: https://www.mg.gov.br/conheca-minas/rodovias
IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio
Belo Horizonte/MG de 20 a 23/06/2017.
Dois trechos da BR-040 têm grande valor na história das rodovias
brasileiras, o primeiro entre Petrópolis e Juiz de Fora envolvia a Estrada União
e Indústria, a primeira rodovia brasileira, inaugurada em 23 de junho de 1861
por Dom Pedro II. Este trecho foi trocado pela atual Rio-Juiz de Fora em 1980.
O trecho Rio-Petrópolis, denominado como Rodovia Washington Luiz, foi
inaugurado em 25 de agosto de 1928, pelo Presidente da República,
Washington Luís, e tornou-se o primeiro asfaltado do Brasil em 1931. A ANTT
(2008, p. 04) registra que:
O primeiro segmento da BR 040 compreendido entre o Rio de Janeiro
e Juiz de Fora, no estado de Minas Gerais, foi concedido ao setor
privado desde os anos 90 e oferece um bom padrão de serviço aos
usuários. É operado pela concessionária (CONCER) desde 1996. O
trecho restante de Juiz de Fora a Brasília, com extensão de 936,8 km
apresenta problemas de infra-estrutura e deficiências das condições
operacionais, necessitando de um amplo e intensivo programa de
investimentos, de forma a recuperar e ampliar sua capacidade, dentro
de um cenário novo e adequado padrão de serviço ao fluxo de
tráfego, onde as reduções dos custos de transporte, logística e as
melhores condições para o desenvolvimento econômico regional e
nacional, sejam atendidas.
Fonte:
http://ftp.antt.gov.br/acpublicas/apublica2008_94/EstudosTecnicos/BR040/EstudosdeEngenhari
aII_Parte1.pdf
Fonte: https://blogs.oglobo.globo.com/ancelmo/post/boulevard-olimpico-o-novo-xodo-do-
carioca.html
Fonte: http://www.xeremdigital.com.br/noticias.php?id=150
O trecho Juiz de Fora - Belo Horizonte, que tem 260 km, corresponde
quase ao traçado do Caminho Novo aberto no século XVIII. Na década de
1930, a rodovia foi retificada e alcançou Belo Horizonte. Em 1 de fevereiro de
1957 foi inaugurada a pavimentação da rodovia BR-3 pelo presidente Juscelino
Kubitschek. Em 1982, a estrada foi duplicada de Belo Horizonte até o trevo da
BR-356 (para Ouro Preto), de Alfredo Vasconcelos até Serra da Mantiqueira,
próximo a Santos Dumont, incidindo por todo por território de Barbacena e
alargada até Juiz de Fora, menos os segmentos em pontes e viadutos. A
rodovia, entre Juiz de Fora e Belo Horizonte, apresenta diversos pontos
perigosos, tais como a Curva do Ribeirão do Eixo (km 588), o Viaduto do Túnel
(km 756), entre outros. A parte da estrada considerada mais perigosa são os
90 km que ligam Conselheiro Lafaiete à capital mineira (Figura 06).
Fonte: https://1.bp.blogspot.com/-
l6R6SdDeAeA/YHRJisfy5ZI/AAAAAAAA6DQ/oQ5d9sBKfdY59X8k0et82h0ZIDU6Nj1NwCLcBG
AsYHQ/s1192/IMG-20210412-WA0131.jpg
Fonte: http://carlosferreirajf.blogspot.com/2010/02/viaduto-das-almas.html
Fonte: https://tainacan.webmuseu.org/bem-cultural/viaduto-vila-
rica/?view_mode=masonry&perpage=12&paged=1&order=DESC&orderby=date&fetch_only=th
umbnail%2Ccreation_date%2Ctitle%2Cdescription&fetch_only_meta=&taxquery%5B0%5D%5B
7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO
Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
taxonomy%5D=tnc_tax_625&taxquery%5B0%5D%5Bterms%5D%5B0%5D=137&taxquery%5B
0%5D%5Bcompare%5D=IN
A estrutura, em curva acentuada, possui 262 metros de extensão, por
8,5 de largura, sendo em mão dupla. A BR-040, que possui duas faixas por
sentido no trecho (sistema multifaixas), estreita-se para entrar no viaduto. No
local ocorreram vários acidentes desde sua inauguração, com destaque para
os ocorridos em 02 de agosto de 1969 (Figura 12), com trinta mortos em 13 de
setembro de 1967 (Figura 11), com 14, incluindo a apresentadora Zélia
Marinho (Figura 10), da extinta TV Itacolomi. O Site Elenco Brasileiro (2021)
pontua que:
Nome real: Zélia Marques
Atividades: Atriz, radioatriz, garota-propaganda, radialista, repórter,
locutora e apresentadora
Áreas: Rádio, cinema e TV
Nascimento: c.1943, Belo Horizonte/MG
Óbito: 13/09/1967, Ouro Preto/MG
Causa óbito: Acidente automobilístico
Nota: Destacou-se como astro infantil. Em 13/09/1967, foi vítima fatal
do acidente envolvendo o Ônibus Leito Scania 1510 da Viação
Cometa, em que viajava da cidade do Rio de Janeiro/RJ para Belo
Horizonte/MG. As 6h e 20min o veículo despencou do Viaduto das
Almas (oficialmente Viaduto Vila Rica, sobre o córrego das Almas), de
30 m de altura, localizado no limite dos municípios de Ouro Preto/MG
e Itabirito/MG.
Carreira: 1957-1967
Alguns trabalhos:
1957/1959 - Rádio Mineira de Belo Horizonte (Rádio) -
Radioatriz mirim
1960 - Repórter Real TV Itacolomi (Televisão) - Garota-Real,
Repórter e Apresentadora
1960/1967 - Intervalos Comerciais TV Itacolomi (Televisão) -
Garota-Propaganda
1964 - Uma Consciência de Mulher TV Itacolomi (Televisão)
1965 - Rosa Maria TV Itacolomi (Televisão) - Rosa Maria
Fonte: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/08/20/interna_gerais,680133/marcado-
por-tragedias-viaduto-das-almas-agora-e-usado-para-treinar-so.shtml
Rebatizado como Viaduto Vila Rica em 1970, desde o início dos anos
1980 já se cogitava a substituição do viaduto por outro mais moderno, cuja
obra foi iniciada em 2006. Em 26 de outubro de 2010 foi inaugurado o Viaduto
Novo, denominado Márcio Rocha Martins (Figura 13) construído a dois
quilômetros da antiga e perigosa passagem (Viaduto Velho), no km 592 da BR-
040, em Itabirito, a 50 quilômetros de Belo Horizonte. O novo viaduto possui
460 metros de extensão por 21 metros de largura, com duas pistas em cada
sentido. A inauguração desse novo viaduto aposentou o Vila-Rica após 54
anos de uso e pelo menos 200 mortes. Para a AMIVE (2021):
O patrimônio cultural de cada comunidade pode ser considerado a
sua cédula de identidade. Por isso, cada vez mais os municípios
necessitam transformar-se em agentes da preservação de sua própria
identidade, garantindo assim o respeito à memória e a manutenção
de qualidade de vida, sobretudo em seus centros urbanos. No
desenvolvimento de nossos núcleos históricos, vão se perdendo
peças importantíssimas da memória urbana. Se não existirem
mecanismos legais de controle e direcionamento deste crescimento,
estes centros estarão fadados a desaparecer. Assim como é
imprescindível haver leis como o Plano Diretor e o Código de
Posturas e Obras, que organizam e regulam o desenvolvimento de
um centro urbano, é necessário proteger legalmente as edificações e
centros históricos da especulação imobiliária, através de leis
municipais de preservação. Além disso, o município pode criar e
oferecer mecanismos de compensação ao proprietário do bem imóvel
tombado ou preservado, como por exemplo, a isenção do pagamento
de impostos e taxas que incidem sobre a propriedade ou sobre a
atividade que nela é desenvolvida. A isenção de impostos e taxas
deve ser concedida proporcionalmente ao estado de conservação do
imóvel, podendo ser parcial ou total.
Fonte:https://cargapesada.com.br/2009/05/13/viaduto-das-almas-e-adiado/
Fonte: http://geomapas.blogspot.com/2017/01/
7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO
Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
Apenas pequenos trechos prosseguem em obras, mas boa parte das
pistas foi liberada para o tráfego. Foram previstas construções de novas pontes
e viadutos de acesso. Na confluência da BR 040 com a BR 356, no município
de Nova Lima, a urbanização se amplia sobre áreas ambientais (Figura 15). No
caso da cidade de Paraopeba, a nova 040 recebeu traçado externo à cidade,
pois, antes o trânsito rasgava o município. O trecho tem um fluxo diário de
cerca de 15 mil veículos, segundo o DNIT (Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes) e seu valor se dá pela ligação entre o norte de
Minas com a capital e parques siderúrgicos com os principais plantios de
eucaliptos do estado - matéria-prima para o carvão. Entre o Viaduto das Almas
e Jardim Canadá, nas próximas décadas há perspectivas de urbanização entre
os núcleos populacionais ainda isolados, conectando as manhas urbanas de
Ribeirão do Eixo, Água Limpa, Alphaville Lagoa dos Ingleses, Morro do
Chapéu, Retiro das Pedras e Vale do Sol. Nesta área é emergencial a criação
do Parque Estadual da Serra da Calçada, bem como ampliação da Estação
Ecológica dos Fechos. A ampliação do Parque Estadual Serra do Rola Moça,
também é uma medida compensatória a ser exigida como contrapartida ao
inúmeros impactos e conflitos. Sobre o grande empreendimento urbano em
Nova Lima, uma espécie de “pequena cidade”, encontra-se pautado nos
seguintes pilares:
Cada detalhe no CSul Lagoa dos Ingleses está diretamente
relacionado aos seus pilares, que norteiam os rumos para o futuro.
Sustentabilidade: Princípio inegociável, presente a todo momento,
vivo e forte em cada detalhe. Diz respeito à preocupação com o
presente e ao compromisso com o futuro, que se manifestam no
cuidado com aspectos ambientais, ecológicos, econômicos e sociais.
Pessoas: Uma nova centralidade voltada paras as pessoas, com o
indivíduo cercado de vida por todos os lados. É trabalho, moradia,
natureza, lazer e comodidade. Muito mais que um lugar para morar, é
um espaço para viver com a melhor qualidade de vida.
Planejamento & Desenvolvimento: O CSul Lagoa dos Ingleses é
dinâmico, superando o conceito de Masterplan. O desenvolvimento
ordenado, com conceitos modernos e visão clara dos objetivos, se
materializa em torno das pessoas.
É crescer pensando no amanhã.
Inovação e Tecnologia (Inovação e tecnologia sempre presentes): O
melhor lugar para projetos transformadores, propostas únicas e
mentes criativas. Um ponto de encontro para empresas inovadoras,
preparadas para o futuro.
Fonte: https://www.csullagoadosingleses.com.br/masterplan/
Fonte: https://www.conhecaminas.com/2018/01/viaduto-das-almas-inauguracao.html
Fonte: https://www.conhecaminas.com/2018/01/viaduto-das-almas-inauguracao.html
7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO
Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
COMPLEXO CULTURAL E ECOLÓGICO VIADUTO DAS ALMAS
Fonte: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/09/03/interna_gerais,315382/viaduto-
das-almas-esta-entregue-ao-esquecimento-e-ao-silencio-de-sua-tragica-historia.shtml
Fonte: http://aquarius.ime.eb.br/~webde2/prof/ethomaz/baumgart/baumgart01.pdf
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Em 1763, a capital do Brasil foi transferida de Salvador para
o Rio de Janeiro. Disponível em <https://www.camara.leg.br/radio/programas/394447-em-
1763-a-capital-do-brasil-foi-transferida-de-salvador-para-o-rio-de-janeiro/> Acesso 29. Jun.
2021
GAZETA DO POVO. Curitiba já foi a capital do Brasil por três dias. Disponível em
<https://www.gazetadopovo.com.br/politica/parana/curitiba-ja-foi-a-capital-do-brasil-por-tres-
dias-48zj4cby49uxdh9f6ycemrfle/> Acesso 29. Jun. 2021
RESUMO
As intervenções dos 3 Arquitetos – Éolo Maia, Jô Vasconcellos e Sylvio de Podestá – em sítios de
valor patrimonial foram relevantes para o pós-modernismo mineiro. Dentre elas, a discussão sobre
dois conjuntos na década de 1980: o Centro de Apoio Turístico Tancredo Neves – Rainha da Sucata
(1984/1991) – em Belo Horizonte e a Casa do Arcebispo (1982/87) em Mariana. Estas áreas
salvaguardadas, de diferentes temporalidades e concepções, sofreram intervenções por parte da
equipe pós-moderna e são objeto de análise neste trabalho. O debate das ideias arquitetônicas de
liberdades formais de Maia, Jô e Podestá tornam-se, a partir desta inserção em diferentes paisagens
mineiras, uma questão importante para a compreensão das transformações do Brasil no final do
século XX. O objetivo é identificar as decisões de projeto adotadas pelo grupo de arquitetos, quanto à
linguagem, organização espacial, inserção urbana e quanto às diretrizes de intervenção em pré-
existências: a condição original do entorno construído dos referidos espaços e as apropriações
arquitetônicas derivadas da releitura do mesmo. A metodologia abrangerá os estudos de casos, com
abordagem documental e historiográfica, com destaque para formação do pós-modernismo nacional e
internacional, bem como do escritório 3 Arquitetos (1981-1988) como forma de entender o processo
tardio do pós-modernismo no Brasil. Assim, a pesquisa discute critérios de intervenções em pré-
existência a partir de autores de referência, conta com análises gráficas das peças arquitetônicas e
fontes primárias (periódicos, entrevistas, jornais, boletins e revistas). Como contribuição, pretende-se
dar visibilidade à discussão da arquitetura pós-moderna e sua contribuição em intervenções em pré-
existências na historiografia brasileira.
O debate das ideias arquitetônicas dos 3 Arquitetos, a partir de sua inserção em diferentes
paisagens mineiras, é relevante para compreender as transformações do Brasil, e das
relações conflituosas entre o passado e o futuro representadas pelas manifestações
arquitetônicas. Essa fase foi marcada por intensa divulgação e publicações, porém, ainda é
pouco explorada pela historiografia da arquitetura nacional.
Para investigar este contexto foi necessário revisitar as publicações, as bases teóricas e
análises que tratam da crise do modernismo e da produção das últimas décadas do século
XX e analisar a vertente da arquitetura historicista nacional. Intervenções tendo como pré-
existências o patrimônio e sua interação com o espaço arquitetônico fomentam debates,
principalmente quando contrastam linguagens e valores, como o moderno e o colonial. Esta
matéria edificada é uma descrição densa das respectivas épocas, servindo de referências
históricas das arquiteturas de seus tempos, demonstrando a importância que tiveram e têm
para a memória, história, tradições e inovações da sociedade mineira. A complexidade é o
debate em questão, e os 3 Arquitetos discutem, à sua maneira, a atuação nesses espaços,
apropriando-se de elementos dos quais resultam uma obra pioneira na trajetória do trio.
Ao revisitar este arco temporal, os críticos de arquitetura que vierem a tratar sobre a
historiografia nacional do período em questão, encontrarão na obra dos 3 Arquitetos um rico
acervo, um material farto para análises. Deste modo, a temática é necessária para entender
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
a obra de Éolo, Jô e Sylvio, aplicada espacial e arquitetonicamente nas cidades mineiras e
nos inúmeros concursos, nos quais eles participaram, e como o seu discurso impactou a
arquitetura brasileira.
PÓS-MODERNISMO INTERNACIONAL
Venturi (apud NESBITT, 2013) afirmava que o principal problema da arquitetura modernista
era ser excessivamente reducionista, oferecendo soluções enfadonhas. Assim, em uma
época em que a crítica ao modernismo era rara, a mensagem de Venturi, segundo Moneo
(2008), era uma alternativa esperançosa aos jovens arquitetos.
Contudo, Nesbitt (2013) destaca que essa renovação da consciência da história promovida
por Venturi, estimulava uma “apropriação eclética da história”, podendo ser comparada à
abertura de uma “caixa de Pandora dos estilos”, visto que arquitetos pós-modernos de
menor expressão poderiam exagerar na apropriação destes elementos. Moneo (2008, p. 52-
53), observa a obra de Venturi como “um discurso contra a tirania ideológica da arquitetura
moderna” e, somente a escreveu “após ter se colocado à prova como arquiteto em seus
primeiros trabalhos”. A complexidade deve ser uma constante na arquitetura, segundo
Nesbitt (2013), e complementa que os arquitetos modernos ortodoxos a reconheceram, mas
geralmente o fizeram de modo insuficiente ou inconsistente.
Venturi (apud Nesbitt, 2013) afirma ainda que a melhor arquitetura muitas vezes rejeitou a
simplicidade através da redução de modo a promover a complexidade no todo,
exemplificando esta afirmação com obras de Alvar Aalto, de Le Corbusier e algumas obras
de Frank Lloyd Wright. Moneo (2008) observa a aproximação de Venturi com Kahn e sua
oposição a Mies. Para Ficher (1985, [online]), o lema de Venturi, “less is a bore, ainda que
seja um argumento ferino contra o reducionismo plástico do modernismo, não deixa de ser
uma palavra de ordem formalista”.
Moneo (2008, p. 73-74) sintetizou Aprendendo com Las Vegas como uma “análise
provocadora da Strip da cidade das imagens ‘onde reina a ficção’”. Segundo Frampton
(apud NESBITT, 2013, p.339) Venturi e Scott Brown “exploram essa ideologia [de
Aprendendo com Las Vegas] como forma de nos fazer perdoar o inexorável kitsch de Las
Vegas”. Frampton publicou esta crítica sobre o desgaste pós-moderno em 1985. Naquele
momento, Éolo Maia e Podestá projetavam o Centro de Apoio ao Turista Tancredo Neves,
conhecido popularmente como Rainha da Sucata em Belo Horizonte – Minas Gerais,
demonstrando o processo tardio no Brasil. Este foi o momento em que o Brasil assumiu uma
posição e dialogou com a crítica, em favor de uma renovação mediada pela complexidade.
Segundo Santa Cecília (2004), Éolo Maia é mineiro de Ouro Preto e, como tal, traz em si
forte sentimento da arte barroca e das igrejas e vielas da sua cidade natal (SABBAG, 2002) .
Seu ingresso na EAU/UFMG deu-se durante o entusiasmo da construção de Brasília, mas
em 1967 – ano de sua graduação – este clima tinha sido substituído pelo clima de
pessimismo da Ditadura militar (SANTA CECÍLIA, 2004). Logo após sua graduação,
segundo Rocha (2002) e Caldeira (2002), Éolo se ofereceu para trabalhar com Villanova
Artigas, este aceitou, mas posteriormente recusou pelo fato de não conhecer a obra do
mineiro Guimarães Rosa dizendo:
O ponto de inflexão foi o ano de 1985, além dos eventos políticos, o XII Congresso Brasileiro
de Arquitetos em Belo Horizonte consagrou a crítica pós-moderna. Segundo Segawa (2008),
este congresso foi marcado pelas homenagens póstumas à Artigas, bem como, deu
reconhecimento nacional para arquitetos pós-modernos como os 3 Arquitetos e Luiz Paulo
Conde. O retrato de época mais importante sobre os mineiros foi produzido pela revista
Projeto, na edição de novembro de 1985, dedicada ao Congresso dos Arquitetos (SEGAWA,
2008).
A obra dos 3 Arquitetos mesmo não estando na historiografia oficial, está na “boca do povo”.
Um dos princípios pós-modernos era o diálogo com o usuário, segundo Santa Cecília (2009,
[online]), e este afirma que “a obra de Éolo adquire um novo significado uma vez que seus
edifícios não passam desapercebidos”.
Os gambás não gostavam de ser rotulados, em maio de 2002, Éolo realiza uma de suas
últimas entrevistas à ROCHA (2002, [online]) esclarecendo que “a vida é muito dinâmica, eu
mudo todo dia, e a arquitetura é uma expressão cultural que se reflete em meu trabalho. (...)
Não se pode ser fechado, dogmático. É preciso ter liberdade total”.
Assim, o grupo interviu com sensibilidade em sítios distintos, desde o cenário colonial-
barroco das cidades históricas mineiras até o cenário moderno de Aarão Reis em Belo
Horizonte. Segundo a arquiteta, deve haver uma harmonia entre sensibilidade e
conhecimento técnico-teórico para se realizar uma boa intervenção, e destaca que “havia
abertura para discussões e colocações [na década de 1980], aceitação de propostas e
experimentações, que claro, tinham que acontecer, já que, até então, havia poucos
profissionais atuando”. (VASCONCELLOS apud PEREZ, 2009, p.182).
Figura 2 - EXTERIOR E INTERIOR DA CASA DO BISPO. FONTE: METZ, 2008 E PODESTÁ, 2000.
Figura 3- SUBSOLO, 1º PAV E º PAV. DA CASA DO BISPO S/ ESCALA FONTE: PODESTÁ, 2000.
MODIFICADO PELO AUTOR
Esta composição arquitetônica, típicas dos conventos, faz-se presente nos quatro ambientes
de estar emoldurados pelos cilindros, demarcando o pátio quadrilátero. Este átrio, nas suas
extremidades, é coberto por um terraço plano apoiado por pilares metálicos (que aludem a
ordem dórica). Por sua vez, essa séria de colunatas, no perímetro interno, compõe o ritmo
da porção mais central do claustro engastando uma pirâmide de vidro que irradia iluminação
para o interior atingindo os vitrais da capela semienterrada. Essa complexidade compositiva
e tectônica, provocada pela utilização inusitada de formas e materiais, proporciona uma
surpresa similar à primeira visita ao conjunto barroca das igrejas de Mariana.
Duas mudanças realizadas posteriormente pela Cúria, segundo Nery e Baeta (2015),
prejudicam muito o entendimento da obra, os pilares metálicos que enquadram o sobrado
nas esquinas foram cobertos por alvenaria até 1,5 metro e pintados de branco e a cobertura
de terraço plano com iluminação zenital foi substituída por telhado com telhas portuguesas.
Essas modificações escondem parte da complexidade propostas pelos arquitetos para a
cobertura, possivelmente, buscando soluções simplistas para a manutenção da mesma.
Maia e Vanconcellos (in Pereira, 1995, p.92) finaliza suas discussões sobre a Casa do
Arcebispo destacando as suas intenções “escultóricas e pictóricas”, que segundo os
arquitetos reflete o “espírito das construções antigas de Minas”.
Para Santa Cecília (2004, p.78), “o projeto mais emblemático do período de crítica pós-
moderna na obra de Éolo é o Centro de Apoio Turístico Tancredo Neves”. Esta obra se
encontra na Praça da Liberdade, no coração político de Belo Horizonte. O projeto, segundo
Perez (2009), interage com este conjunto histórico moderno projetado por Aarão Reis,
fazendo uma releitura da arquitetura eclética na Praça. “Os arquitetos partiram da leitura
tipológica dos edifícios que compunham o conjunto e do respeito à altimetria do conjunto da
praça” (DANGELO e BRASILEIRO, 2008, p. 19).
Figura LEGENDA
Galeria (turístico)
Anfiteatro
Exposição
Sanitários Públicos
Acessos
Circulação
As questões subjetivas, como o bom humor dos feirantes, a tradição dos profetas do barroco
mineiro e a jovialidade dos novos artistas não ficaram ausentes. Elas foram empregadas na
epiderme da edificação ou nas obras de arte espalhadas pela mesma, sendo tratadas como
expressividade plástica. Assim, foram empregando-se cores primárias, materiais locais,
significativos e instigantes de modo inesperado e com bom humor (SANTA CECÍLIA, 2009).
Tais atitudes adotadas pelos arquitetos possibilitaram uma autonomia formal atípica na
arquitetura brasileira. “Nesse sentido, a forma passa a expressar conteúdos distintos e
autônomos em relação ao conjunto das soluções arquitetônicas”. (SANTA CECÍLIA, 2004,
p.168). Assim, a complexidade compositiva e a contradição do binômio internacional x
regional tornam-se parte da obra. A edificação, assim, é enxergada como uma matéria
híbrida, uma obra de arte e arquitetura pós-moderna, fruto da mineiridade sem desconectar-
se das discussões mais atuais do seu momento histórico. Novamente o erudito e o popular
estão lado a lado, coexistindo em uma única forma arquitetônica, que se referencia no
passado e na tradição, mas também na tecnologia e na visão de futuro dos anos de 1980.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A obra dos 3 Arquitetos e de todo grupo “pós-mineiro” contribui muito para o debate acerca
da intervenção em conjuntos edificados com valor patrimonial e despertou uma geração de
arquitetos para posturas críticas em relação à arquitetura praticada durante o regime militar,
marcado pela crise do Modernismo internacionalmente e pelas circunstâncias nacionais
político-ideológicas e econômicas. O trio mineiro soube reagir ao cenário e criar uma
linguagem de arquitetura “patropi”, com irreverência e apelo popular, fugindo do óbvio e do
pastiche. As questões de preservação do patrimônio, do passado edificado e da intervenção
até então eram questões secundárias. Maia, Vasconcellos e Podestá, com seus trabalhos,
auxiliaram na construção dos valores patrimoniais tanto edificados como culturais,
contribuindo para o entendimento do Restauro mais livre, compreensivo, imaginativo, sem
as amarras da teoria rígida. Desse modo, adotam o contraste de linguagens e estabelecem
um diálogo que respeita o protagonismo da pré-existência.
BASTOS, Maria Alice Junqueira; ZEIN, Ruth Verde. Brasil: arquiteturas após 1950. São
Paulo: Editora Perspectiva, 2015.
CALDEIRA, Altino Barbosa. Algumas verdades e mentiras sobre Éolo Maia. Arquitextos.
São Paulo, 03.029, Vitruvius, outubro de 2002. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.
br/revistas/read/arquitextos/03.029/737>. Acesso em: 14 set. 2016.
COMAS, Carlos Eduardo Dias. Casa do Arcebispo em Mariana, projeto de Éolo Maia, Jô
Vasconcellos e Sylvio de Podestá. Arquitextos. São Paulo, Vitruvius, outubro de 2002.
Disponível em: <http://www.vitruvius.com. br/revistas/read/arquitextos/03.029/741>. Acesso
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FICHER, Sylvia. Anotações sobre o pós-modernismo. Revista Projeto, São Paulo, nº 74, p.
35-42, Abril de 1985. Reedição em < https://revistamdc.files.wordpress
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NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-
1995). Tradução: Vera Pereira. São Paulo: Cosac Naify, 2ªed.rev., 2008
PEREIRA, Marcos da Veiga (ed.). Éolo Maia & Jô Vasconcellos - Arquitetos. Belo
Horizonte: Salamandra, 1995.
PODESTÁ, Sylvio Emrich de. CASAS. Belo Horizonte: AP CULTURAL. 2000. Sylvio E. de.
Podestá Arquitetura. Página oficial. Disponível em: <http://www.podesta.arq.br>. Acesso em:
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ROCHA, Silvério. Entrevista: Éolo Maia. Projeto Design, São Paulo, nº267, maio de 2002.
Revista Projeto, 2002. Disponível em: < https://revistaprojeto.com.br/acervo/entrevista-eolo
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SABBAG, Haifa Yázigi. Éolo Maia: uma trajetória com o espírito de Minas, e muita festa.
Revista Projeto, 2002. Disponível em: <https://revistaprojeto.com.br/acervo/artigo-eolo-
maia-uma-trajetoria-com-o-espirito-de-minas-e-muita-festa-01-11-2002/>, Acesso em: 05
set. 2021.
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
SANTA CECÍLIA, Bruno Luiz Coutinho. Complexidade e contradição na arquitetura
brasileira: a obra de Éolo Maia. 2004. 298 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e
Urbanismo) - Escola de Arquitetura, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
2004.
SANTA CECÍLIA, Bruno Luiz Coutinho. Éolo Maia e a construção da paisagem. Revista
MDC. Brasília, Fevereiro de 2009. Disponível em: <http://
revistamdc.files.wordpress.com/2008/12/mdc04-txt-01.pdf>. Acesso em: 14 set. 2016.
SEGRE, Roberto. Éolo Maia (1942-2002). A perda do “gambá” maior. Arquitextos. São
Paulo, 03.029, Vitruvius, outubro de 2002. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.
br/revistas/read/arquitextos/03.029/736>. Acesso em: 14 set. 2016.
RESUMO
INTRODUÇÃO
ÁREA DE ESTUDO
Figura 02 - Localização da Serra da Moeda (trecho entre a Serra das Almas e a Serra do Mascate)
Fonte: http://redesocioambientalserradamoeda.blogspot.com/2010/03/serra-da-moeda-ganha-
projeto.html
METODOLOGIA
Figura 04 - Paisagens da Serra da Moeda (trecho entre a Serra das Almas e a Serra do Mascate)
Fonte:
https://secure.avaaz.org/po/community_petitions/Abrace_a_Serra_da_Moeda_Nao_a_exploracao_
da_Serra_da_Moeda_pela_Gerdau/
TABELA 1
Patrimônio histórico-cultural
Belo Vale Estação Ferroviária Arrojado Lisboa
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O trecho entre a Serra das Almas e a Serra do Mascate (Figura 05), constitui-
se significativo patrimônio cultural e natural. O estudo centrou-se na área da MONA
- Monumento Natural Estadual da Serra da Moeda criado pelo governo estadual
para proteger paisagens e patrimônios da serra, através do decreto estadual nº
45.472, de 21 de setembro de 2010:
Cria o Monumento Natural Estadual da Serra da Moeda, nos
Municípios de Moeda e Itabirito, e dá outra providências.
O GOVERNADOR DO ESTADO DE MINAS GERAIS, no uso de
atribuição que lhe confere o inciso VII do art. 90, da Constituição do
Estado, e tendo em vista o disposto na Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho
de 2000, no Decreto-Lei Federal nº 3.365, de 21 de junho de 1941, e na
Lei nº 14.309, de 19 de junho de 2002, DECRETA:
Art. 1º Fica criado o Monumento Natural Estadual da Serra da
Moeda, integrante do Sistema de Áreas Protegidas do Vetor Sul da Região
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É viável a discussão junto à sociedade civil para ampliação de sua área, bem
como para sua transformação em outra tipologia de Unidades de Conservação
(UC): Parque Estadual da Serra das Almas. Esse tipo de UC não permitirá impactos
ambientais, nem dentro do seu perímetro, nem nas adjacências. Por outro lado, a
Serra da Moeda também se caracteriza como um espaço de educação ambiental,
constituído e consolidado com várias possibilidades didático-pedagógicas como
geoturismo, trilhas interpretativas, mirantes com percepção da paisagem.
Formata-se como espaço onde os estudos são interdisciplinares e envolvem
conceitos relacionados a geodiversidade, a sociodiversidade e a biodiversidade,
numa área pressionada por grandes empreendimentos urbano-industriais
capitalistas como a Coca-Cola, a ampliação do Alphaville Lagoa dos Ingleses e
outros condomínios em ampliação, assim como as mineradoras que podem colocar
em risco a sustentabilidade econômica, ambiental e social, promovida pelo
respectivo monumento natural. Sua riqueza geológica e geomorfológica para o
Quadrilátero Ferrífero equipara-se para todo o estado, país e mundo e é preciso
reconhecer o valor da unidade de conservação da Serra da Moeda, principalmente
entendendo-a como geoparque com suas múltiplas possibilidades.
Outro aspecto importante é viabilizar parcerias junto as comunidades
adjacentes ao futuro parque para intercâmbios e propostas conservacionistas, uma
vez que essa unidade de conservação encontra-se em fase de instalação de
infraestrutura e por isso é importante dizer que o recorte da Serra da Moeda é uma
referência para todo o Quadrilátero Ferrífero. Um exemplo de recortes que versam
sobre sustentabilidade e insustentabilidade, convocando a sociedade mineira a
7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO
Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
conclamar novas ações e novos empreendimentos em novas mobilizações, em prol
da preservação desse importante recorte espacial, cultural e histórico do Estado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAETA, Alenice et al. Serra da Moeda: patrimônio e história. Belo Horizonte: Ed. Orange/
Ferrous, 2015. 258 p.
BLOG LEIA. Serra da Moeda e suas nascentes no caminho da mineração. Disponível em
<http://blog.leia.org.br/serra-da-moeda-e-suas-nascentes-no-caminho-da-mineracao/>Acesso em
26. Jan. 2020
CAMPOS, Luana Carla Martins. Patrimônio arqueológico da Serra da Moeda, Minas Gerais:
uma “unidade histórico-cultural” Disponível em
<http://www.usp.br/cpc/v1/imagem/conteudo_revista_arti_arquivo_pdf/195.pdf>Acesso em 26. Jan.
2020
JORNAL O TEMPO. MINAS S/A: Leto faz o primeiro loteamento do Vale da Serra da Moeda.
Disponível em <https://www.otempo.com.br/opiniao/minas-s-a/leto-faz-o-primeiro-loteamento-do-
vale-da-serra-da-moeda-1.2282448>Acesso em 26. Jan. 2020
JORNAL O TEMPO. SERRA DA MOEDA: MP pede anulação do decreto que reduz área de
Monumento Mãe D'água. Disponível em <https://www.otempo.com.br/cidades/mp-pede-anulacao-
do-decreto-que-reduz-area-de-monumento-mae-d-agua-1.984794>Acesso em 26. Jan. 2020
LEMOS, Celina Borges; PAIVA, José Eustáquio Machado de. Patrimônio, Cultura e Meio
Ambiente na Serra da Moeda – Resíduos e Reminiscências do Espaço–Tempo Colonial. In:
Anais do XIV Seminário sobre a Economia Mineira. CEDEPLAR, Universidade Federal de Minas
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<http://www.cedeplar.ufmg.br/seminarios/seminario_diamantina/2010/D10A083.pdf>Acesso em 26.
Jan. 2020
LIMA JÚNIOR, Augusto de. As primeiras vilas do ouro. Belo Horizonte: Gráfica Santa Maria,
1962.
PORTAL G1. ONG inclui Serra da Moeda de Minas Gerais em lista de monumentos ameaçados
Disponível em <http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2013/10/ong-inclui-serra-da-moeda-de-minas-
gerais-em-lista-de-monumentos-ameacados.html>Acesso em 26. Jan. 2020
1. Universidade Federal de São João Del Rei-UFSJ. Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Artes
Aplicadas- DAUP
www.ufsj.edu.br/arquitetura/
E-mail: adrianan@ufsj.edu.br
2. Universidade Federal de São João Del Rei- UFSJ. Programa Interdepartamental de Pós-graduação
em Artes, Urbanidades e Sustentabilidade - PIPAUS
www.ufsj.edu.br/pipaus/index.php
E-mail: anakelly@ufsj.edu.br
RESUMO
Este artigo apresenta um registro dos processos de estudos e pesquisas que vêm sendo
desenvolvidos para resgatar e registrar as origens históricas da cidade de Ritápolis. O município de
Ritápolis, localizado na região dos Campos das Vertentes no estado de Minas Gerais, que até sua
emancipação em 1962 foi distrito de São João Del Rei, era denominado originalmente como Santa
Rita do Rio Abaixo, no Brasil colônia. Inserido em região de extração do ouro, hoje configura-se nos
arredores da denominada “Estrada Real”. Consta em documentação histórica disponível em acervos
e arquivos públicos que a localidade de Santa Rita do Rio Abaixo, como arraial, já existia no século
XVIII, e que a Fazenda denominada Pombal, onde Tiradentes, nos Autos da Devassa, declara ter
nascido, pertencia ao território de Santa Rita. Dentro da historiografia urbana ou dos processos de
formação da rede urbana setecentista pouco se encontra ou se sabe quanto às origens de Santa Rita
do Rio Abaixo, uma vez que não existe publicação editorial e nem acadêmico-científica específica
sobre o tema, ou mesmo sobre a localidade. Nas pesquisas documentais sobre informações a
respeito das origens e memória de Ritápolis há também inquietações que buscam comprovar
histórias narradas pela população. Umas das narrativas orais remete a uma capela antiga que existiu
no arraial e que seria dedicada a São Sebastião. Em documento, consta no registro de batizado do
Tiradentes que este fato teria ocorrido em uma capela dedicada ao santo. No entanto, não se sabe ou
se tem registro sobre sua localização exata. Foram iniciadas em 2013 pesquisas documentais e de
campo, com práticas investigativas e experimentais a fim de comprovar a existência de uma capela
na localidade apontada pela população. Ainda que haja Conselho Municipal de Preservação de
Patrimônio no município, é em 2013 que nasce o grupo fundador do Instituto Histórico e Geográfico
(IHGR) de Ritápolis. É do IHGR a descoberta de vestígios da suposta capela de S. Sebastião, sendo
confirmada e respaldada com suporte e vistoria técnica realizada por equipe interdisciplinar formada
por historiadora e procurador integrantes do Ministério Público Estadual, técnico e arqueólogo do
Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e arqueólogo especialista em
arqueologia do Brasil colônia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Além deste
resultado, há outras investigações e aprofundamentos, algumas finalizadas e outras sendo realizadas
e em andamento sobre a formação urbana de Ritápolis, como trabalhos finais de graduação e
pesquisas de mestrado junto à Universidade Federal de S. João del-Rei (UFSJ).
A cidade de Ritápolis, localizada no Estado de Minas Gerais, está hoje circunscrita segundo
Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) na mesorregião dos Campos das
Vertentes e Microrregião de São João Del Rei. O município tem sua independência
administrativa recente na história. Sendo emancipado pela Lei Ordinária nº 2764, de 30 de
dezembro de 1962, quando recebeu seu atual topônimo. Anteriormente o distrito era
conhecido como Santa Rita do Rio Abaixo, e por breves 15 anos fora chamado de Ibitutinga,
que por força da Lei nº 843, de 07/09/1923 substituiu o nome Santa Rita do Rio Abaixo, mas
o decreto Lei nº 148, de 17/12/1938 retorna o nome em homenagem a santa. Nossas
pesquisas apontam pelas narrativas orais da população indícios de que o arraial também foi
chamado de São Sebastião do Rio Abaixo. E é a partir desta oralidade e pelo fato conhecido
de que Joaquim José da Silva Xavier foi batizado na Capela de São Sebastião do Rio
Abaixo, Capela esta extinta e sem informações documentais sobre sua localização exata,
que iniciamos pesquisas para saber mais sobre as origens de Ritápolis e sua historiografia.
A primeira publicação que faz menção especificamente a Santa Rita do Rio Abaixo é
encontrada no livro de Eduardo Canabrava Barreiros (1976), intitulado “As vilas Del-rei e a
cidadania de Tiradentes”, no qual o autor dedica o capítulo “O Povoado de Santa Rita do Rio
Abaixo - 1738” à localidade. Nas palavras de Barreiros (1976, p.88-89):
Esse, além da declaração de Tiradentes nos Autos da Devassa, dizendo que é natural do
Pombal no termo da Vila de São João Del Rei, é mais um dos indícios que vinculam a
estreita relação do alferes e de sua família com Santa Rita do Rio Abaixo e sua importância
na historiografia de Minas Gerais. Transcrição dos Autos da Devassa (Vol.5, folha 2):
1 O documento encontra-se na Arquidiocese de Mariana e sua transcrição pode ser consultado em:
http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/rapm/brtacervo.php?cid=249&op=1.
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E sendo perguntado como se chamava, de quem era filho, donde era natural,
se tinha alguâs ordens, se era Cazado, ou Solteiro, e que ocupação tinha //
Respondeo que se chamava Joaquim José da Silva Xavier, filho de Domingos
da Silva Santos e da sua mulher Antonia da Encarnação Xavier, natural do
Pombal termo da Villa de S. João de El Rey Capitania de Minas Gerais, que
tinha quarenta e hum annos de idade que era Solteiro, q~ não tinha Ordens
Alguâs, e com effeito, vendo-lhe eu o alto da Cabeça, vi que não tinha
tonsura alguâ, e que era Alferes do regimento da Cavalaria paga de Minas
Gerais //2
Ritápolis não foi somente a localidade de vida da família do Tiradentes e de seu nascimento,
foi também importante entreposto do Caminho Velho e da Picada de Goiás, local de grande
extração de aurífera e grande celeiro da produção agropecuária da região. Conforme afirma
Martins (MARTINS, 1998, p.20):
O livro de Helena Teixeira Martins (1998), “Sedes de Fazendas Mineiras - Campos das
Vertentes - Séculos XVIII e XIX”, é outra publicação com referência à Ritápolis, nele há 03
sedes de Fazendas localizadas no município e mais um indício de que foi imediata e
crescente a ocupação da região hoje demarcada como município de Ritápolis, no final do
século XVII e início do século XVIII. Conforme Martins (1998) afirma a localização de maior
intensidade da exploração aurífera na região, é a Ponta do Morro no antigo Arraial Velho,
hoje a cidade Tiradentes, e o leito do Rio das Mortes, que com a crescente exploração neste
local levando a escassez do metal precioso, os exploradores buscam alternativas no entorno
principalmente em direção à atual Ritápolis, que está a Noroeste: “A busca de outras minas
tornou-se uma das saídas, levando muitos a rumar para Noroeste.” (MARTINS, 1998, p.22).
2 Fac-simile dos Auto da Devassa podem ser acesso no acervo da Biblioteca Nacional Digital no link:
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/mss1289278/mss1289278.pdf
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ritapolitana. Pois somente outras duas publicações citam brevemente Santa Rita do Rio
Abaixo. Na publicação da Fundação João Pinheiro “Visitas Pastorais de Dom Frei José da
Santíssima Trindade (1821-1825), Dom José registra sua passagem pela Capela Santa Rita
do Rio Abaixo em outubro de 1824 (TRINDADE, 1998, p.238):
Poucos anos depois Sant-Adolphe (1845) descreve a povoação de Santa Rita do Rio
Abaixo, conforme transcrito abaixo (SANT-ADOLPHE, 1845, p.631):
Os dados encontrados sobre a Capela de Santa Rita nos dão conta de que a atual Matriz de
Ritápolis é formada pela Capela original com os acréscimos recebidos no século passado e
esses são os primeiros indícios sobre as origens do Arraial. Porém ainda não é possível
afirmar a data exata de construção da capela original, e nem mesmo se foi ela a primeira
capela a ser construída ali na região, que hoje conta também com a Igreja do Rosário em
outro largo a norte do largo da Matriz de Santa Rita por via única de ligação, que assim
como a Matriz sofreu imúmeras modificações e acrécimos, mas que preserva a estrutura da
capela original com caracteristicas semelhes a mesma época da capela de Santa Rita. E as
narrativas da população contam que em um pequeno largo entre as duas igrejas
3
A transcrição deste documento pode ser consultada no endereço:
http://www.projetocompartilhar.org/DocsMgMZ/salvadorpaesgodoydospassos1762E1814.htm
Porém quanto a Capela e a localidade de São Sebastião do Rio Abaixo são se pode ainda
hoje afirmar ao certo suas localizações, uma vez que não foram encontrados ainda registros
documentais da Capela além do batismo do menino Joaquim (O Tiradentes), que consta no
livro manuscrito de Assentos de Batizados da Freguezia de Nossa Senhora do Pilar [1742-
1749] e a menção de Millet de Saint-Adolphe em seu dicionário de 1845.
A dita Capela de São Sebastião do Rio Abaixo, onde ocorreu o batizado do Tiradentes, não
tem um remanescente nos dias de hoje, nem mesmo ruínas ou vestígios visíveis. Não há
registro de Capelas dedicada ao Santo hoje, e nem à época, nas proximidades do local de
nascimento do Alferes, a Fazenda do Pombal. Não foi possível observar em nenhum dos
mapas históricos da Comarca do rio das Mortes e das Vilas de São João e São José Del
Rei, que tivemos acessos pelos acervos digitais do Arquivo Público Mineiro-APM e da
Biblioteca Nacional Digital-BND (A pandemia Covid-19 nos impediu de realizar pesquisas
locais), algum Arraial, Capela ou Fazenda com o nome do santo na dita região.
4 A digitalização do Manuscrito encontra na Biblioteca Nacional Digital e pode ser acessado pelo link:
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/mss83/mss83.pdf
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Em alguns mapas de data mais recente que a última referência encontrada em documentos
paroquiais da Capela de Santa Rita, nem mesmo a Capela de Santa Rita ou o Arraial de
Santa Rita do Rio Abaixo aparecem marcados no caminho entre a Vila de São João Del Rei
e a Capela De São Tiago. Sendo assim, não podemos precisar se as duas localidades
coexistiram conforme afirma Saint-Adolphe (1845) em seu dicionário, ou se uma foi
substituída pela outra. Pois tanto as descrições feitas pelos viajantes, quanto os mapas da
época, não tinham como ser precisos com todas as localidades, uma vez que ao percorrem
as inospitas região da época, podiam escolher caminhos diversos, por diferentes motivos,
como intempéries climáticas, tempo, cansaço, deixando alguns de passar ou visitar algum
lugarejo que outro em mesmo época visitou e realtou.
Alguns mapas também trazem duas outras localidades que são interessantes para as
conjecturas feitas por muitos historiadores no passado e para as narrativas locais, como
veremos adiante. Uma delas é a localidade de Santa Rita apontada em alguns mapas na
margem direita do Rio das Mortes, onde hoje fica a antiga Estação Ibitutinga da Estrada
Ferro Oeste de Minas - EFOM, próxima a brusca mudança de direção do rio que sofre de
Noroeste para Sudeste, daí essa região ser conhecida como Rio Abaixo, tanto à margem
direita como à margem esquerda. Tais expressões “Rio Abaixo” ou “Rio Acima” são comuns
quando os rios sofrem mudanças de direção e muitas localidades à época ganharam esse
sufixo em seus nomes, algumas trazendo esse topônimo até os dias de hoje. Outra é a
Fazenda Rio Abaixo, localizada na mesma região, um pouco mais a sudeste de Santa Rita,
na mesma margem, e ainda hoje existente. Mas não há registros de que existiu Capela
nesta localidade. Quanto a Estação, há uma oralidade contada pelo senhor Nelson, morador
da Estação e antigo trabalhador da EFOM bem interessante onde ele relata:
(...)aqui era chamado da Santa Rita, antes da chegada da Estação. E tinha algumas
poucas casas por ali, antes da construção da Estrada (referindo-se a rodovia BR-
292), aqui perto da Estação, ali atrás (apontado para a lateral onde hoje fica a BR)
tinha um galpão da Estação. Era um pequeno povoado. 5
Barreiros (1976, p.77), afirma com esquema desenhado sobre o rio das Mortes na prancha
nº17, que a região junto a brusca mudança de direção do rio, tanto à margem direita quanto
à margem esquerda, seria conhecida como Paragem do Rio Abaixo e que a Capela seria ali
à margem direita. Porém são conjecturas feita pelo autor a fim de afirmar que a naturalidade
do Tiradentes é a então Vila de São João Del Rei.
5 Relato anotado por Anakelly Santos em seu caderno de desenhos enquanto caminhava pela região e
encontrou fortuitamente com o senhor Nelson em frente ao edifício da Estação de Ibitutinga, em 2011.
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Assim como no mapa da Comarca do Rio das Mortes feito por José Joaquim da Rocha em
1777, as capelas apontadas na dita região do Rio Abaixo, as margens do rio das Mortes,
não há Capela dedicada a São Sebastião, e sim a outras santas e santos: São Gonçalo,
Conceição e Socorro.6 O mesmo mapa também não aponta as Fazendas do Pombal e Rio
Abaixo e nem o Arraial de Santa Rita do Rio Abaixo, que conforme citado anteriormente já
existia a essa época. As Fazendas do Rio Abaixo e do Pombal constam em outros mapas
da mesma época, e a última é possível ter a certeza de sua existência antes de 1724
segundo afirma Barreiros (1976) citando Guimarães (apud BARREIROS, 1976, p.80):
Da Capela de São Sebastião do Rio Abaixo, o único registro até então encontrado é o já
citado batizado do Tiradentes e do topônimo “São Sebastião” pouco se sabe além de
menções de documentos citados por Velloso (1919, p.36) em seu livro:
Conjecturas de que a localização da Capela de São Sebastião do Rio Abaixo seria nas
proximidades da Fazenda Rio Abaixo, à margem esquerda do rio das Mortes são feitas não
somente por Barreiros (1976), mas também pelo historiador sanjoanense Fábio Nelson
6O Mapa se encontra no acervo da Biblioteca Nacional eseu fac-simile pode ser acessado através do link:
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/cart530294/cart530294.html
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Guimarães em resposta a consulta de Barreiros (1976), conforme o mesmo descreve em
livro (Barreios, 1976, p.84):
É sem dúvida que o local Rio Abaixo criou-se, à margem esquerda do rio
das Mortes, muito antes da atual Santa Rita do Rio Abaixo ou Ritápolis. No
primeiro local teria existido a capela de São Sebastião do Rio Abaixo e
registrada em ruínas há mais de 150 anos (não encontramos comprovação
deste fato). Na cidade de Ritápolis existem a matriz de Santa Rita e a
capela do Rosário. E o povo, dificilmente, consentia na mudança dos
padroeiros dos templos. No entanto algumas pessoas daquela localidade
afirmam que a capela de São Sebastião teria se erguido ao lado de um
bambual, naquela sede, onde se encontraram ossos ou vestígios de
cemitério. Autores outros julgam que a capela de N. Sra. da Ajuda teve sua
invocação trocada para São Sebastião, o que nunca se verificou.
Neste trecho o historiador faz uma afirmação que é confirmada pelas documentações dos
arquivos paroquiais da época, onde raramente (nós não encontramos nenhuma em nossas
pesquisas) se encontra o registro de mudança de padroeiro em uma Capela. O que é
também confirmado pelos párocos atuais. E também relata uma narrativa oral que até os
dias de hoje é contada pelos moradores mais idosos de Ritápolis: que havia no Arraial uma
pequena e antiga Capela, demolida há muitos anos, e dedicada a São Sebastião.
Tal narrativa que remete a dita Capela também foi registrado por Frei Gotardo Boom no
“Livro de Tombo da Paróquia de Santa Rita - 1969-1990”, em 1970, quando o Frei reza
missa no suposto local apontado pela oralidade como sendo o local da antiga Capela de
São Sebastião e onde haviam sido encontrados ossos humanos àquela época ao
escavarem o terreno para abertura de rua em uma de suas extremidades, e também anos
antes pelo proprietário do local, indicando ali ter existido um cemitério. No verso da página
53 do livro supracitado, consta colada uma foto de um crucifíxo colocado num muro de
pedra em parte desabado na quina do terreno onde aponta as narrativas, outras duas fotos
ali já estiveram coladas, porém foram arrancadas, ficando o espaço vazio e a marca da cola,
e no fim da página 54 o Frei escreve:
A oralidade do achado fortuito de ossos humanos supracitado é ainda hoje contado por
Dona Maria Justina, filha do responsável pela primeira descoberta, o Sr. José Graciano da
Rocha, então proprietário do terreno conforme escreve Frei Gotardo em 1970. Quando
perguntada por nós sobre o fato, Maria Justina relata e escreve em um pedaço de papel o
que fala:
Um vez, o barranco, do fundo do quintal da nossa casa caiu. Meu pai, José
Graciano da Rocha, foi consertar o estrago e para surpresa, do meu pai,
minha mãe, tias, eu, meus irmãos e outras pessoas que no local estavam.
Dentro do local desabado tinha uma espécie de vácuo, tipo sepultura. Meu
pai puxando a terra, encontrou ossos algemados, ossos avulsos, cabelos. Ele
aterrou tudo dizendo: “É preciso guardar tudo isso, porque tem que respeitar,
não sei de que que é.” Tampou tudo com a mesma terra e construiu um muro
de pedra para proteger o terreno.
É importante ressaltar que a observação do fato relato pela senhora Maria Justina ocorreu
bem antes do registro feito pelo Frei Gotardo em 1970 quando a mesma já deveria ter
passado da adolescência (não sabemos a idade exata da senhora Justina, mas sabemos
que ela hoje tem mais de 65 anos), uma vez que Justina afirma que era, em suas palavras,
“criança bem pequena” quando presenciou o ocorrido, e que apesar de não saber precisar
sua idade à época, a lembrança nunca se apagou de sua memória.
Outro ritapolitano, Sebastião Higino de Souza (1927-2017), afirma ser no mesmo terreno
onde foram encontrados os ossos humanos, a localização da antiga Capela de São
Sebastião, conforme podemos ler em seu livro: “(..) diz que ele (o Tiradentes) foi batizado na
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capela de São Sebastião, que era localizada na Rua 21 de Abril, nº 254, em Ritápolis.”
(SOUZA & HARTUNG, 2012, p.14)
Uma outra narrativa contata pela população também é trazida por Souza & Hartung (2012),
com a hipótese de que o arraial antes de ser conhecido como Santa Rita do Rio Abaixo,
seria conhecido como São Sebastião do Rio Abaixo, e escrevem (SOUZA & HARTUNG,
2012, p.18):
O nome inicial de Ritápolis era São Sebastião do Rio Abaixo, por ser esse o
Santo Protetor do povoado. Um fazendeiro da família Ribeiro tinha hábito de
extrair areia no Rio das Mortes para suas construções. (...) Um dia (...)
encontrou no meio dessa areia um volume não identificado. (...) constatou ser
uma estátua de uma Santa. De início, pensou que fosse a imagem, de Nossa
Senhora, como o ocorrido em Aparecida, no estado de São Paulo. (...) Em
uma oportunidade o fazendeiro mostrou essa imagem ao padre local. Ao vê-
la, logo se certificou de que era a imagem de Santa Rita de Cássia. A mulher
desse fazendeiro sofria de uma doença grave incurável e, na presença da
imagem de Santa Rita de Cássia, fez pedidos para conseguir sua cura. (...) a
senhora ficou curada. (...) A imagem passou a ser venerada como milagrosa
e começaram as romarias. O fazendeiro ergueu uma pequena capela, onde
hoje funciona o santuário de Santa Rita de Cássia. Então, o padre,
democraticamente, promoveu uma votação para ver quem o povo queria, um
padroeiro ou uma padroeira. Venceu Santa Rita. As romarias iam
aumentando a cada ano que passava e a pequena capela sofreu algumas
expansões.
Essa hipótese hoje foi praticamente refutada pelo fato de termos referências da Capela de
Santa Rita, anteriores à única referência à capela de São Sebastião. E até os dias de hoje
nenhum outro indício, além oralidade da população, foi encontrado para comprovar essa
narrativa. Porém, a hipótese das duas capelas terem coexistido em algum momento da
história é aceitável, uma vez que a referência que temos da Capela de São Sebastião do
Rio Abaixo, é da mesma época de outras referências da Capela de Santa Rita.
Afinal existiu na atual rua 21 de Abril uma Capela? É possível que a atual Matriz de Santa
Rita tenha sido antes dedicada a São Sebastião? Em busca de respostas para essas duas
questões que tanto instigaram o imaginário da população intensificaram a cerca deste tema,
porém somente um documento foi encontra em um acervo particular de moradores vizinhos
da região apontada como local da antiga capela. Um contrato de compra e venda de um
terreno localizado no quarteirão imediatamente a oeste da localidade aponta onde se lê:
“terreno (...) sito no lugar denominado “Capela Velha”, desta vila”.
Com isso não restou outra alternativa senão escavar o terreno. Cuidadosamente a arquiteta
e seus colegas demarcaram a área dividindo-a em quadrículas limitas por linhas com
dimensões de 2x2 metros, as numerou em uma planta da área, e iniciaram a escavação por
uma delas, escavando camadas de aproximadamente 10 a 20cm por vez, sucessivamente,
e nesta primeira quadricula escavada chegaram a profundidade de aproximadamente 45 a
50cm, encontrando apenas o que foi considerado entulhos e lixos, como cacos de vidro,
telhas, cerâmicas, pedaços de madeiras, tecidos e ossos, aparentemente bovinos. Na
continuidade, escavaram outras quadriculas, encontrando mais artefatos diversos, porém
mais significativos como um Cravo de ferro (objeto característico do século XVII e XVIII);
cacos de louça aparentemente portuguesas, pedaço de imagem sacra, crucifixo de metal, e
muitos pedaços de ossos, alguns claramente de animais, outros que podíamos fazer
conjecturas de serem de humanos. Mas como não havia no grupo nenhum arqueólogo, mais
uma vez nada foi possível afirmar.
Acreditamos poder afirmar, com o que foi pesquisado até o momento que a tradição oral
quanto a narrativa da existência do cemitério no local hoje identificado como rua 21 de abril
nº254 é verídica e comprovada com descoberta do crânio e dentes humanos pelo IHGR e
confirmada pelos órgãos federais IPHAN, MPMG e Fafich-UFMG, e que a existência de uma
Capela no local se faz obvia pela historiografia da tradição católica e organização espacial e
social setecentista das povoações coloniais onde os sepultamentos eram realizados nos
adros das capelas e dentro das mesmas.
Mas não satisfeitas com a falta de mais documentos que comprovem esses e outros fatos
contados pela tradição oral, e que nos deem mais detalhes quanto as origens e a
historiografia de Ritápolis, nossas pesquisam continuam com dissertação de Mestrado que
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encontra-se em andamento e novas buscas através de pesquisas dentro do IHGR,
aprofundando nas pesquisas em fontes primárias nos arquivos públicos e particulares.
Referências Bibliográficas
BIBLIOTECA NACIONAL DIGITAL. Assentos de batizados: Freg. de N. S. do Pilar]. São João del Rei,
MG: [s.n.], [1742-1749].
FONSCECA, Cláudia Damasceno. Arraias e Vilas del Rei: Espaço e Poder nas Minas Setecentistas. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2011.
MARTINS, Helena Teixeira. Sede de fazendas mineiras. Belo Horizonte: BDMG Cultural, 1998.
ROCHA, José Joaquim da. Geografia Histórica da Capitania de Minas Gerais. Belo Horizonte:
Fundação João Pinheiro, 1995
SAINT-ADOLPHE, J.C.R. Millet de. Dicionário Geográfico, Histórico e Descritivo do Império do Brasil.
Tomo Segundo. Paris: Casa de J.P. Aillaud, editor 11, quai voltaire ,1845
SOUZA, Sebastião Higino; HARTUNG, Guilherme. Santa Rita do Rio Abaixo (Ritápolis):
Memórias, histórias, e causos. São João Del Rei: Imprimax Gráfica Del Rei Ltda.
TRINDADE, Dom Frei José da Santíssima. Visitas pastorais de Dom Frei José da Santíssima
Trindade (1821-1825). Belo Horizonte: Centro de Estudos Históricos e Culturais. Fundação João
Pinheiro; Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, 1998
VELOSO, Herculano. Ligeiras Memórias sobre a Vila de São José nos tempos coloniais.
Câmara Municipal de Tiradentes: São João Del Rei, 1919.
YANO, BRUNA B.R. (1); SILVA, RICARDO D. (2); HIRAO, HELIO. (3)
RESUMO
O presente artigo faz parte da disciplina de doutorado cidade de madeira: tecnologia e estética do
programa associado de pós-graduação em arquitetura e urbanismo (PPU) da UEM/UEL, que registra
e analisa a ocupação da Vila Marcondes pelas habitações de madeira, relacionando as com a
formação e a paisagem histórica do município de presidente prudente. Pretende, assim, através de
um mapeamento e da produção de imagens, destacar a distribuição espacial dessas habitações a fim
de analisar sua permanência, modificações e estado atual. O estudo na Vila Marcondes, em especial
o olhar para as habitações de madeira, permitiu uma leitura mais sistemática e analítica sobre a
ocupação dessa área da cidade. A ideia é destacar a importância dessas habitações, pois estão
estritamente interligadas com a história da formação da cidade e de seu desenvolvimento, a fim de
identificar e classificar as habitações de madeira na paisagem urbana, que, mesmo com o passar do
tempo, têm resistido até os dias de hoje, cada uma delas com suas peculiaridades, sobretudo nos
primeiros 40 anos de ocupação urbana, obedecendo às condições favoráveis da farta disponibilidade
do material, e da simples e fácil apreensão e execução da sua técnica construtiva.
Palavras-chave: Arquitetura popular; Construções de madeira; Infraestrutura
O mapa da cidade atual foi destacado pela área em estudo, identificado pela linha
férrea que divide a cidade. Essa linha foi o principal meio de transporte, tendo permitido a
composição do conjunto urbano, edificado a partir do eixo dos trilhos, como estações,
praças, edificações públicas e privadas, indústrias, que formaram um conjunto arquitetônico
e urbanístico significativo para as gerações (BARON, 2015). Ao lado tem-se o recorte
ampliado com as habitações de madeira em destaque, abrangendo as seguintes ruas: Rua
Marechal Floriano Peixoto, Rua Quintino Bocaiúva, Rua Benjamin Constant, Rua Baia, Rua
Sergipe, Rua Madalena Bacarini, Rua Pará, Rua Santa Catarina, Rua Paraná, Rua Dib
Buchalla, Rua Rio Grande do Sul e Rua Sargento Firmino Leão.
5 DISCUSSÕES
4) habitação depreciada.
6 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo na Vila Marcondes, em especial com o olhar para as habitações de
madeira, permitiu uma leitura aprofundada sobre sua ocupação e configuração. Cabe
observar com atenção a importância que elas possuem, pois estão estritamente interligadas
com a formação da cidade e seu desenvolvimento, porém não se verifica o seu
reconhecimento pela comunidade local. É preciso um olhar mais sensível para essa
realidade que está em constante transformação e que são registros materiais que
pertencem à memória de muitos prudentinos, podendo em um curto período de tempo ser
apagada.
A resistência dessas habitações em permanecer no bairro estimula a memória dos
moradores, valoriza a história da cidade e contribui para qualificar o conteúdo da paisagem
urbana devido, também, pelas suas características singulares de sistema construtivo de
suas construções, que muitas vezes é despercebido pelas pessoas em contraponto às de
alvenaria, as quais se repetem no cenário.
A pesquisa buscou identificar e classificar as habitações de madeira na paisagem
urbana, que, mesmo com o passar do tempo, têm resistido até os dias de hoje, cada uma
delas com suas peculiaridades.
No entanto, para compreender melhor o objeto de pesquisa, cabe avançar na
produção de informações sobre essa particularidade que consiste na arquitetura popular,
composta de habitações na referida região. A melhor organização dos dados se daria a
partir dos seguintes aspectos:
a) construções originais;
b) casas mistas (madeira e alvenaria);
c) classificação das tipologias construtivas;
d) detalhes construtivos; e
e) entrevistas com moradores.
REFERÊNCIAS
COSTA, B. E. da. Os trilhos entre vilas: a gênese urbana de Presidente Prudente. 2019.
208 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Curso de Arquitetura e
Urbanismo, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2019.
Este artigo tem como objetivo apresentar os resultados obtidos pelo grupo de
pesquisa e extensão “Mapeando Memórias”, que foi constituído a partir das
discussões geradas como consequência da aprovação da nova legislação de
uso e ocupação do solo urbano de Santa Maria, Rio Grande do Sul, ocorrida
em meados de 2018. Na ocasião a proteção do patrimônio arquitetônico,
garantida anteriormente pela configuração da Zona 2 - Centro Histórico, foi
substituída pela pressão da especulação imobiliária, ocasionando a sua
desproteção. A avaliação prévia do Conselho Municipal de Patrimônio Histórico
e Cultural de Santa Maria (COMPHIC-SM) para a permissão de demolição dos
edifícios não tombados da área foi retirada e tal alteração acabou por
desprotegê-la, colocando em risco diversos remanescentes arquitetônicos.
Como reação, o COMPHIC-SM acionou o Ministério Público Estadual, sensível
ao problema, e que mediou a relação com o poder executivo municipal. Em
consequência, foi emitido o Decreto provisório com as cento e trinta e cinco
edificações a serem mantidas e se fez necessária a união de forças, entre as
universidades e o Instituto de Planejamento de Santa Maria (IPLAN), para
garantir o reconhecimento e a preservação do patrimônio arquitetônico por
meio da documentação necessária para a efetivação dos tombamentos. A
partir deste momento, além das medidas de ordem técnica, foi necessária a
organização de ações de conscientização e de educação patrimonial como
alternativa para a salvaguarda do patrimônio, gerando aproximação não
apenas com os proprietários dos edifícios tombados, como com a sociedade
que desconhece este conjunto. Uma destas primeiras ações foi a estruturação
dos roteiros que serviram, inicialmente, de base a para elaboração do “Giro
Histórico”, passeio realizado com acadêmicos, do curso de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Franciscana, e comunidade pelo Centro Histórico,
em dezembro de 2019. A partir destes roteiros o grupo de extensão
“Mapeando Memórias” potencializou e organizou seus resultados na
elaboração de um Projeto Interpretativo que possibilitará autonomia aos
visitantes para percorrerem os caminhos históricos, além de criar uma cultura
de preservação, tão necessária na cidade. Contudo, entende-se que o objeto
deste projeto tem a vocação de estreitar essa história, proporcionando a
valorização da sua memória, efetiva e afetiva, a partir dos remanescentes
arquitetônicos e será capaz de impactar futuras gerações. Afinal, para
compreender a história precisamos percorrer os caminhos de vários tempos,
uma cronologia heterogênea que não almeja a síntese e sim compreender a
complexidade do espaço, por meio dela, conseguiremos manter os símbolos
que representam Santa Maria e ajudaram a construir seu espaço urbano, ao
invés de apoiar a salvaguarda apenas na elaboração de decretos e leis.
RESUMO - EIXO 1 – A PRESERVAÇÃO DOS ACERVOS - ARQUIVOS E
ACERVOS: OS DESAFIOS DE SUA PRESERVAÇÃO; CONSERVAÇÃO
FÍSICA, REPRESENTAÇÃO E RECUPERAÇÃO DE DOCUMENTOS;
ARQUIVOS PÚBLICOS E PRIVADOS DE ARQUITETURA E URBANISMO;
ACESSO À INFORMAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL; PRESERVAÇÃO DIGITAL,
DIGITALIZAÇÃO DE ACERVOS DOCUMENTAIS E SUA GESTÃO.
RESUMO
Este artigo tem como objetivo apresentar os resultados obtidos pelo grupo de pesquisa e extensão
“Mapeando Memórias”, que foi constituído como consequência da aprovação da nova legislação de
uso e ocupação do solo urbano de Santa Maria, Rio Grande do Sul, ocorrida em meados de 2018. Na
ocasião, a proteção do patrimônio arquitetônico, garantida anteriormente pela configuração da Zona 2
- Centro Histórico, foi substituída pela pressão da especulação imobiliária, ocasionando a sua
desproteção. A avaliação prévia do Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural de Santa
Maria (COMPHIC-SM) para a permissão de demolição dos edifícios não tombados da área foi retirada
e tal alteração acabou por desprotegê-la, colocando em risco diversos remanescentes. Como reação,
o COMPHIC-SM acionou o Ministério Público Estadual, sensível ao problema, e que mediou a relação
com o poder executivo municipal. Em consequência, foi emitido o Decreto provisório com as 135
edificações a serem mantidas e se fez necessária a união de forças, entre as universidades e o Instituto
de Planejamento de Santa Maria (IPLAN), para garantir o reconhecimento e a preservação do
patrimônio arquitetônico por meio da documentação necessária para os tombamentos. A partir deste
momento, além das medidas de ordem técnica, foi necessária a organização de ações de educação
patrimonial, como alternativas para a salvaguarda do patrimônio, gerando aproximação não apenas
com os proprietários dos edifícios tombados, como com a sociedade que desconhece este conjunto.
Uma destas primeiras ações foi a estruturação dos roteiros que serviram de base para elaboração do
“Giro Histórico”, passeio realizado com acadêmicos da Universidade Franciscana e comunidade, pelo
Centro Histórico, em dezembro de 2019. A partir destes roteiros, o “Mapeando Memórias” potencializou
e organizou seus resultados na elaboração de um Projeto Interpretativo que possibilitará autonomia
aos visitantes, sejam eles moradores ou turistas. Contudo, entende-se que o objeto deste projeto tem
a vocação de estreitar essa história, proporcionando a valorização da sua memória, a partir das
edificações, e será capaz de impactar futuras gerações. Afinal, para compreender a história precisamos
percorrer as sobrevivências, uma cronologia heterogênea que não almeja a síntese e sim a
complexidade do espaço. Por meio dela, conseguiremos manter os símbolos ajudaram a construir seu
espaço urbano, ao invés de apoiar a salvaguarda apenas na elaboração de decretos e leis.
Diante desse cenário, este trabalho tem por finalidade apresentar o Projeto Interpretativo,
assim como a análise dos conceitos e metodologias utilizados na sua elaboração pelo grupo
de extensão “Mapeando Memórias”, do curso de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade
Franciscana.
O município de Santa Maria formou-se a partir do final do século XVIII, ainda no momento de
discussão e consolidação de limites entre as então colonizadoras europeias. A região em que
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o sítio urbano está localizado tangencia a linha limitadora idealizada pelo Tratado de Santo
Ildefonso, então em vigor. Desde aquele momento, em que ocorreu a instalação de um
acampamento militar, o que se reconhece até hoje como a área central da cidade permanece
a mesma. Assim, para este estudo, convencionou-se chamar esta área de Centro Histórico,
mesmo que ela tenha nuances um pouco distintas ao longo do tempo, e é nela em que se
concentra o trabalho exposto a seguir.
A conformação inicial da área central, portanto, começa a ser construída ainda no momento
da chegada da comissão demarcatória, a partir de 1797, quando é construída a capela e
conformada a praça, além das próprias instalações dos militares, na rua do Acampamento.
Nos anos seguintes, haveria a desmobilização da comissão, mas com a consolidação da
comunidade que havia surgido ao seu redor, composta por moradores de vilarejos próximos,
como Rio Pardo, parentescos dos militares, índios provindos das missões jesuíticas já
desconstituídas e imigrantes. Esse foi o cenário que caracterizou Santa Maria no século XIX,
uma Vila que recebe populações de várias origens, mas de crescimento tímido. No ano de
1861, o agrimensor Otto Brinckmann elaborou um mapa da estrutura de vias a partir da praça,
com o crescimento para oeste, no caminho do antigo posto da guarda portuguesa, que
basicamente demarca o núcleo inicial da cidade.
Na segunda metade do século XIX, contudo, haveria uma mudança no ritmo da cidade: a
criação de uma rede de ferrovias, já presentes no centro do país, chegaria à Província de São
Pedro do Rio Grande, unindo leste a oeste, e, também, depois ao norte e mais ao sul, e teria
como centro Santa Maria. A partir de então, a inauguração do chamado ciclo ferroviário da
cidade traria serviços, conexões e população, gerando o maior crescimento que a cidade
conheceu. Ainda, a partir desses fluxos, haveria um alongamento do chamado centro, através
de um boulevard, antiga Avenida Progresso, atual Avenida Rio Branco, até a estação férrea.
O século XX mostrou momentos bem distintos para a cidade. Se até os anos 1960 a ferrovia
era tida como um transporte relevante para o país, a partir de então inicia o seu ciclo
descendente, com redução de investimentos e incentivos. Em contraponto, ainda na primeira
metade do século, houve um incremento bastante significativo de aporte dos setores militares
em Santa Maria, inicialmente com o exército, mas depois também através da aeronáutica.
Coaduna com essas iniciativas o surgimento de um núcleo voltado à educação, especialmente
voltado ao ensino superior. Assim, poderia-se dizer que houve uma mudança de protagonistas
econômicos, do ferroviário para as forças armadas e a educação. Na virada para o século XXI,
o cenário que pode ser percebido na área do chamado Centro Histórico é de uma
consolidação de serviços e circulação de público, porém com grande crescimento no sentido
leste - oeste nos extremos urbanos, devido a instalação do campus da Universidade Federal
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de Santa Maria (UFSM) e da base aérea (leste) e, ainda, pela presença de bairros
habitacionais e industrial (a oeste). Também é percebido crescimento a Sul, em razão da
conexão com Pelotas e Porto Alegre, com uso residencial, especialmente.
Figura 1: Mapa de Santa Maria em 2009, com indicação do polígono do mapa de 1861, em que se pode
perceber a expansão da cidade nos sentidos leste e oeste, além do crescimento a sul.
Compreendido como a área central da cidade se portou ao longo dos séculos XVIII a XX, e
que pouquíssimos bens haviam sido reconhecidos em leis/decretos pela comunidade até
então, cabe indicar que em 2005, por meio das leis complementares 32, 33 e 34/2005, foi
atualizado o plano diretor do município e criada a chamada Zona 2, ou Zona do Centro
Histórico, que definiu uma poligonal na região central e que contempla parte do tecido mais
antigo da cidade, algumas ruas, como as atuais Dr. Bozzano, Venâncio Aires e Coronel
Niederauer não foram contempladas na sua totalidade (figura 1). Segundo essa parte da
legislação, as interferências em edificações preexistentes deveriam ser avaliadas pela
autarquia municipal, a fim de avaliar se interferências (alterações ou demolições) poderiam
ou não ser feitas. Durante a vigência deste plano, até o ano de 2018, muitos bens com valor
patrimonial para a cidade tiveram sua permanência garantida. Por outro lado, os setores
ligados à especulação imobiliária da cidade, preocupados com as incertezas que as análises
sobre esses bens produziam, pressionaram os poderes executivo e legislativo do município,
o que fez com que o novo plano diretor retirasse a necessidade de análises específicas para
aquela zona.
Assim, no mesmo momento em que o novo plano diretor municipal entrou em vigência (2018),
um decreto municipal gerou proteção emergencial sobre esses bens, permitindo que um
grande e longo processo de intimações e justificativas específicas fosse iniciado. O conselho
municipal de patrimônio, assim, acionou diversas entidades que pudessem auxiliar nas
análises específicas das edificações, e que todos os responsáveis pelos mesmos fossem
informados e tivessem um trâmite adequado de seus processos de tombamento.
2- Mapeando Memórias
Figura 2: Logomarca elaborada pelo curso de Design para o Centro Histórico e o seu slogan "Onde a
cidade vive, a história renasce", 2019.
O "Giro histórico" surgiu como uma atividade extensionista dentro da disciplina de Ateliê de
Projetos Integrados III, no segundo semestre de 2019. Logo na organização do roteiro, da
programação e material de apoio, já podíamos perceber o impacto que o percorrer estes
caminhos da área central teria sobre a formação dos acadêmicos e dos demais convidados.
Para tanto, foi elaborado um folder que foi distribuído no primeiro “Giro Histórico” (figura 3).
Na ocasião, devido às atividades propostas e o tempo disponível, o roteiro final não incluiu
todas as edificações, concentrando suas ações na Avenida Rio Branco.
Figura 3: Verso do Folder com os roteiros do 1º Giro Histórico elaborado em conjunto com os cursos
da Universidade Franciscana de Design, Jornalismo e Publicidade e Propaganda, 2019.
Na ocasião da visita, também foram registrados os detalhes das edificações, assim permitindo
a construção de um quadro de referência-collage que serviu de base para a elaboração de
um "atlas” de memórias arquitetônicas, um pequeno registro de elementos decorativos das
fachadas que circulam na formação da imagem deste conjunto.
Este material faz parte das fases que antecederam a elaboração do Projeto Interpretativo, das
suas peças físicas e da sua finalização gráfica, e certamente será retomado em outras etapas
do projeto especificadas no seu detalhamento.
O projeto interpretativo, segundo Murta (2002), deve buscar o equilíbrio entre a preservação
e a hospitalidade para proporcionar ao máximo a experiência da visita, pois não há
preservação sem público, iniciamos as reflexões sobre a estrutura básica do projeto que foi
desenvolvido. Ele configura-se muito mais que um projeto de sinalização, composto por
placas, totens e materiais auxiliares, pois com base nele conseguimos efetuar passeios
culturais acrescidos de informações aliadas à educação patrimonial. Os roteiros do
interpretativo são realizados pelo visitante sem a presença de um guia e sua elaboração
consiste em seguir os seis princípios, conforme Albano e Murta (2002):
No projeto interpretativo, a integridade do lugar e seus valores deverão ser mantidos dentro
de uma estrutura comercial, para tanto ela precisará ser sustentável economicamente e
socialmente, assim como deverá ser capaz de compartilhar as opções já existentes de
entretenimento e lazer do local.
Ao final da pesquisa foi possível definir as diretrizes do projeto e a validação dos roteiros
escolhidos.
Baseado nos seis princípios propostos por Albano e Murta (2002), o projeto Mapeando
Memórias visa focalizar a experiência do visitante nos três percursos, bem como valorar e
potencializar o patrimônio arquitetônico local, por meio de estratégias interpretativas, que
buscam o envolvimento da comunidade e da política municipal, iniciando um movimento de
educação patrimonial direto com a população. Desta forma, de maneira ampla e instigando a
curiosidade os roteiros serão compostos por um totem, sinalização no piso e QRcode,
permitindo a exploração da área de forma autônoma. Portanto, o projeto interpretativo
elaborado possibilitará, no momento da sua implantação, autonomia aos visitantes, sejam eles
moradores ou turistas, além de criar uma cultura de preservação, tão necessária na cidade.
Afinal, entende-se que o objeto deste projeto tem a vocação de estreitar essa história,
Por fim, o roteiro Modernista é identificado pelo uso de formas geométricas definidas, falta de
ornamentação, uso do vidro, do paisagismo, de azulejos decorados, de murais e esculturas
nas fachadas. 6 edificações pertencem a este percurso, são elas: Edifício Taperinha (1959);
Residência Dátero Maciel (1936); Prédio Central dos Correios e Telégrafos (1953); Galeria do
Comércio (década de 1950); Cacism (década de 1970) e Antiga Reitoria da UFSM (1960).
Para o piso, optou-se pelo uso de ladrilhos hidráulicos compostos por seis módulos nas cores
cinza e preto. Instalados nas calçadas das edificações, os ladrilhos servirão como um “tapete”
de boas-vindas ao visitante que irá apreciar a fachada e conhecer um pouco mais da história
daquela edificação, além de indicar o estilo arquitetônico no qual a edificação pertence.
Portanto, entende-se que o objeto deste projeto tem a vocação de estreitar essa história,
proporcionando a valorização da sua memória, efetiva e afetiva, a partir dos remanescentes
arquitetônicos e será capaz de impactar futuras gerações.
Figura 4: Perspectivas das peças do Projeto Interpretativo composto por Totem (à esquerda) e
"tapetes" formados pelos ladrilhos hidráulicos (à direita), 2021.
Neste contexto, o projeto interpretativo utilizou os “Giros Históricos” como base para a
consolidação dos seus roteiros, assim como a análise da metodologia dos seis princípios
(MURTA; ALBANO, 2002) e os estudos de caso que permitiram seu delineamento final. A
proposta concluída consiste em um conjunto formado pelo totem e por suas placas de
identificação de piso que permitem uma solução econômica sem agredir as edificações e suas
visuais.
BELEM, João. História do Município de Santa Maria – 1797/1933. 3 ed. Santa Maria: Ed.
Da UFM, 2000.
CANEZ, Ana Paula; CAIXETA, Eline Maria; Margot Ines, CARUCCIO; LIMA, Raquel
Rodrigues; MAGLIA, Viviane Villas Boas. Acervos Azevedo Moura & Gertum e João
Alberto: imagem e construção da modernidade em Porto Alegre. Porto Alegre: UniRitter, 2004.
MARCHIORI, J.N., NOAL FILHO, V.A. (orgs). Santa Maria: relatos e impressões de viagem.
2 ed. Santa Maria: Ed.; da UFSM, 2008.
MURTA, Stela M.; ALBANO, Celina. Interpretar o patrimônio: em exercício do olhar. Belo
Horizonte: Ed. UFMG, Território Brasilis, 2002.
Baseado numa velha retórica que afirma que o Anel Rodoviário Celso Mello
Azevedo, em Belo Horizonte, encontra-se saturado e sobrecarregado, o governo
estadual de Minas Gerais celebrou um convênio com a Vale para receber valores
elevados inerentes à compensação ambiental pela tragédia de Brumadinho
ocorrida em 25 de janeiro de 2019. Após discussões polêmicas envolvendo o
Legislativo Mineiro e com ampla mobilização popular, os acordos milionários foram
firmados e vertem para várias ações, dentre elas a construção de um Rodoanel.
Esse Rodoanel, já renomeado de Rodominério, por sua vez trará grandes impactos
sociais e ambientais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte e tem sido
motivo de discussão e resistência por parte das comunidades direta e indiretamente
afetadas, como Piedade (Figura 01). O termo Paraopeba além de nomear
preteritamente a serra, também emprestava seu topônimo à vila de Piedade. A
AMDA - Associação de Defesa do Meio Ambiente (2021), organização não
governamental criada em 18 de agosto de 1978, argumenta que:
A construção do Rodoanel Metropolitano de BH volta à tona, com o
governo de Minas anunciando que será custeado com recursos da
indenização pleiteada à Vale em função do desastre da mina do Córrego
do Feijão. A empresa patrocinou os estudos preliminares do mesmo. O
traçado da Alça Sul disponibilizado no site da Secretaria de Infraestrutura,
se mantido, causará impactos ambientais inaceitáveis.
Pela proposta apresentada, o segmento sul da nova rodovia inicia-se na
BR-381, em Betim, e tangencia os limites do Parque Estadual da Serra do
Rola Moça, cortando importantes áreas naturais da Vale e de terceiros,
algumas já declaradas como Reservas Particulares de Patrimônio Natural.
Estas áreas, situadas ao longo do alinhamento das serras do Rola Moça
e dos Três Irmãos, além de funcionarem como significativo corredor de
ambientes naturais, protegem o manancial de água do Rio Paraopeba,
considerado o segundo mais importante de toda a RMBH.
Figura 3 - Rodoanel
Fonte:
https://www2.bdmg.mg.gov.br/CessaoOnerosa/Consulta%20P%C3%BAblica%20Rodoanel%20Metropolitano
%20-
%202021/Cadernos%20de%20Engenharia/Geotecnia/estudo%20geotecnico/SUL/ESTUDOS%20GEOTECNI
COS%20AL%C3%87A%20SUL%20COM%20SONDAGENS.pdf
E acerca do forte (Figura 4), Tofani e Tofani (2019, p. 08-09) descrevem que:
Figura 4
Fonte: https://www.chicotrekking.com.br/2013/03/forte-de-piedade-em-brumadinho-beleza-e.html
4. Resultados e discussões
A área total do distrito é de 98,89 km² e sua população total (2010) era de
3.468 habitantes, o que resulta numa densidade de 35,07 hab./km². Pela época da
chegada dos bandeirantes, pelos idos de 1674, que a Vila de Piedade do
Paraopeba é mais remota que Mariana, Ouro Preto, Sabará e outras cidades de
Minas Gerais. Fora a terceira erguida pela bandeira de Fernão Dias, após este
fundar Ibituruna e Santana do Paraopeba (Belo Vale).
A bandeira de Fernão Dias fundou vários povoados: Ibituruna,
Paraopeba, Sumidouro do Rio das Velhas, Roça Grande, Itacambira,
Itamarandiba, Esmeraldas, Mato das Pedrarias e Serro Frio . Há
divergências quanto à fundação de povoados pela bandeira de Fernão
Dias Pais. O povoado de Paraopeba, segundo alguns autores, seria o
atual Sant’Ana do Paraopeba, hoje um povoado do município de Belo
Vale. Piedade do Paraopeba (atual distrito de Brumadinho), outro povoado
fundando pela bandeira, teve por objetivo ser ponto de abastecimento da
mais importante bandeira da História de Minas Gerais.
(...)
Além de Piedade do Paraopeba, São José do Paraopeba e
Brumado do Paraopeba foram inicialmente núcleos de abastecimento da
bandeira, pousos de repouso de tropa e lugar de levantamento dos
mantimentos.
5. Considerações Finais
Referências
ARAGÃO, Félix; FRANCO, Lizandro Melo. Centro interpretativo de sítio na serra da Calçada,
Belo Horizonte, MG. In: Centro Universitário Izabela Hendrix. Disponível em
<http://izabelahendrix.edu.br/arquitetura-e-urbanismo/tfg/centro-interpretativo-de-sitio-serra-da-
calcada-belo-horizonte-mg-felix-aragao-orientador-lizandro-melo-franco/> Acesso em 25. Jan. 2020
JORNAL ESTADO DE MINAS. Centenas de pessoas se reúnem em ato para recuperar a serra
da Calçada. Disponível em
<https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2018/09/01/interna_gerais,985319/centenas-de-
pessoas-se-reunem-em-ato-para-recuperar-a-serra-da-calcada.shtml> Acesso em 25. Jan. 2020
MARTENS, Leda Afonso. Flores da Serra da Calçada. Editora UFMG, Belo Horizonte, 2008. 478
p.
JORNAL HOJE EM DIA. Trilhas com veículos automotores são-proibidas na serra da Calçada.
Disponível em <https://www.hojeemdia.com.br/horizontes/trilhas-com-ve%C3%ADculos-
automotores-s%C3%A3o-proibidas-na-serra-da-cal%C3%A7ada-1.298529> Acesso em 25. Jan.
2020
JORNAL O TEMPO. Plano de manejo do Rola Moça inclui serra da Calçada. Disponível em
<https://www.otempo.com.br/cidades/plano-de-manejo-do-rola-moca-inclui-serra-da-calcada-
1.308108> Acesso em 25. Jan. 2020
MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS. Trilhas com veículos automotores são vedadas na
serra da Calçada. Disponível em <https://www.mpmg.mp.br/comunicacao/noticias/trilhas-com-
veiculos-automotores-sao-vedadas-na-serra-da-calcada.htm> Acesso em 25. Jan. 2020
PROJETO MANUELZÃO. Trajeto do Rodoanel proposto pelo governo de Minas passa por cima
de patrimônio ambiental e histórico-cultural. Disponível em <https://manuelzao.ufmg.br/trajeto-
do-rodoanel-proposto-pelo-governo-de-minas-passa-por-cima-de-patrimonio-ambiental-e-historico-
cultural/ Acesso em 25. Jan. 2020
SENA, Ítalo Sousa de. LOBO, Carlos Fernando Ferreira. RUCHKYS, Úrsula. POTENCIAL
GEOTURÍSTICO DO PATRIMÔNIO GEOCULTURAL DA SERRA DA CALÇADA,
QUADRILÁTERO FERRÍFERO, MINAS GERAIS, BRASIL. Disponível em
<http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal15/Geografiasocioeconomica/Geografiaturi
stica/67.pdf> Acesso em 25. Jan. 2020
VIANA, Pedro Lage. LOMBARDI, Júlio Antônio. Florística e caracterização dos campos
rupestres sobre canga na Serra da Calçada, Minas Gerais, Brasil. In: Rodriguésia, vol. 58 no.1
Rio de Janeiro Jan./Mar. 2007. Disponível em <http://dx.doi.org/10.1590/2175-7860200758112>
Acesso em 25. Jan. 2020
https://www.amda.org.b r/in dex.php /co municacao/not icias/6137-o-rodoan el-d e-bh-e-n ecessar io-mas-h a-alt ern ativas-de-m enor- imp acto- e-cu sto-do-que- a-propo sta-do-govern o https://www.amd a.org .br/ind ex.php/comun icacao /noticias/6137-o-rodo anel-d e-bh-e-n ecessario- mas-ha- alternativ as-d e-m enor-impacto-e- custo-do-qu e-a-pro post a-do-governo https: //www.amda.org.br/in dex.php /co municacao/not icias/6137-o-rodoanel-d e-bh-e-n ecessar io-m as-h a-alt ern ativas-de-m enor- imp acto- e-cu sto-do-que- a-propost a-do-governo
RESUMO
As cidades vivem se refazendo, renovando e, quando competentes, cuidando dos testemunhos
representativos da cultura que seus antepassados produziram, garantindo um espelho do passado e
o rumo para um futuro mais consciente. As estruturas que devem reconhecer os testemunhos do
passado, contudo, são diversas, e muitas vezes estão difusas e desorganizadas. Dessa forma, até
que a opinião pública tenha consciência, os bens se perdem, as histórias são apagadas, e o presente
se transforma em algo homogêneo, pasteurizado. Pensar que a estrutura de governo, na escala que
for, mas neste caso focalizada na esfera municipal, será capaz de reconhecer e garantir a
preservação é um equívoco de partida. São necessárias outras estruturas, oriundas da sociedade,
que consigam reconhecer valores e dar voz a esses segmentos menos organizados. Partindo dessa
premissa, o objetivo deste trabalho é fazer o relato da ação do curso de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Franciscana, especificamente por meio da disciplina extensionista de Ateliê de Projetos
Integrados III: intervenções em preexistências, em catalogar bens de valor para a sociedade, mas que
se encontram em estado de desvalorização ou ruína. De forma mais específica, a proposta aqui é
exibir o trabalho desenvolvido na edição de 2020 da disciplina, que atuou para levantar um conjunto
de edifícios, conhecidos como Armazéns do Km 2, oriundos do ciclo ferroviário pelo qual a cidade de
Santa Maria, no centro do Rio Grande do Sul, passou e que ajudaram a consolidar o maior ciclo de
crescimento urbano local. Para tanto, a disciplina de prática de projeto em arquitetura, urbanismo e
paisagismo que trata de preexistências optou por trabalhar em armazéns que antigamente eram
utilizados como depósitos pela Rede Ferroviária Federal S.A., e que se encontram, hoje, dentro da
malha urbana do município. A metodologia abordada foi de uma pesquisa qualitativa e levantamento
cadastral do edifício e do seu entorno, em escalas micro, meso e macro, para então desenvolvimento
da prática projetiva, por parte dos acadêmicos. Ao final do processo, os resultados obtidos permitiram
agrupar os dados históricos, iconográficos e gráficos da edificação e entorno, levantar a história oral
do bem através de moradores do entorno que haviam vivenciado o período de uso pleno do edifício,
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06 a 08 de outubro de 2021
além é claro do objetivo acadêmico de pôr os alunos em contato com essa realidade, percebendo as
nuances específicas deste tipo de prática projetiva. Ainda, e ao final da cadeira, foi possível
encaminhar o material de levantamento desenvolvido para o poder municipal, como forma de
catalogação do bem, além da realização de uma conferência por vídeo com pessoas de relevância no
cenário nacional, mas que possuem relação com a cidade. Pretendeu-se, assim, mostrar a
capacidade das instituições de ensino de atuar ativamente como agentes de apoio à preservação
patrimonial.
Partindo dessa premissa, o objetivo deste trabalho é fazer o relato da ação do curso de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Franciscana, especificamente por meio da
disciplina extensionista de Ateliê de Projetos Integrados III: intervenções em preexistências,
em catalogar bens de valor para a sociedade, mas que se encontram em estado de
desvalorização ou ruína. De forma mais específica, a proposta aqui é exibir o trabalho
desenvolvido na edição de 2020 da disciplina, que atuou para levantar um conjunto de
edifícios, conhecidos como Armazéns do Km 2, oriundos do ciclo ferroviário pelo qual a
cidade de Santa Maria, no centro do Rio Grande do Sul, passou e que ajudaram a
consolidar o maior ciclo de crescimento urbano local.
Assim, para compreensão do material exposto a seguir, optou -se por fazer uma abordagem
inicial sobre como os processos de preservação chegaram a atualidade, em Santa Maria,
para depois então mostrar o papel da instituição e do curso de arquitetura e urbanismo da
UFN nesse contexto, para finalmente analisar o que foi produzido na edição de 2020 da
disciplina e a sua relevância para o apoio a preservação municipal.
O povoado que deu origem a Santa Maria teve a sua origem no final do século XVIII, quando
o grupo português da comissão demarcatória de terras, atrelada ao Tratado de Santo
Ildefonso, se instalou no espaço que hoje é a praça central do núcleo urbano. De
crescimento inicial tímido, o núcleo passou a dar espaço para grupos de imigrantes
europeus, no século XIX, que fomentaram o desenvolvimento da malha urbana, e também a
passagem dos caminhos de ferro, que como um facilitador de tráfego e um atrator de público
e recursos, consolidou a cidade no início do século XX. Sucederam-se ainda duas outras
ondas de crescimento da malha urbana: a gerada pelas instalações militares na cidade e a
produzida pela expansão da rede de ensino, em especial superior, que até hoje moldam as
características de desenvolvimento local.
Apesar de mais de dois séculos de construção e evolução urbana, não é possível mais
encontrar exemplares que remontem a todos esses períodos. Situação comum em muitos
municípios brasileiros, o desenvolvimento econômico que ocorre às custas de perdas de
referenciais representativos à comunidade local também faz parte da realidade de Santa
Maria. Os centros urbanos são palco de lutas constantes de atores que visam o lucro, e a
renovação de setores auxiliam e revigoram a “vida”, contudo devem garantir também
respeito pelas camadas pregressas, pela vida já vivida nesses espaços.
A legislação brasileira de preservação patrimonial, como se sabe, tem seu ato inicial com a
publicação do Decreto Lei nº 25/1937, na mesma década em que foi publicada uma das
principais recomendações do século XX sobre essa mesma temática, a Carta de Atenas, em
1931. Internacionalmente, percebe-se, a partir de então, um grande esforço e evolução na
discussão sobre o tema. Todavia, o serviço de proteção a bens na esfera municipal irá criar
dispositivos de aporte ao tema apenas em 1982, com a criação de legislação específica para
permitir o tombamento e proteção de bens, com a Lei Municipal 2.255/1982. Posteriormente,
foram feitas novas legislações em 1996 (lei municipal 3.999) e em 2021 (lei municipal
As estruturas municipais, como pode-se compreender pelo indicado acima, são frágeis em
atender demandas relacionadas à preservação patrimonial. O próprio COMPHIC-SM, orgão
responsável por viabilizar essas demandas, não possui quadro fixo de funcionários, possui
caráter consultivo e depende da cedência de tempo dos seus componentes. Essa falta de
aporte ao atendimento de demandas da preservação municipal torna relevante o papel de
entidades parceiras, em especial instituições de ensino e de representações de classes. A
proposta neste momento é tratar do papel da Universidade Franciscana -UFN - em especial
do seu curso de Arquitetura e Urbanismo, como entidade parceira no reconhecimento de
testemunhos da cultura local.
1
Em 1972, pela Lei Municipal 1578, o prédio da então sub prefeitura de Itaara é reconhecido como patrimônio
histórico do município, o que voltará a acontecer em 1977, com o antigo Banco do Comércio (Lei Municipal
1578/1977), em 1984, com o Monumento ao Imigrante, no então Distrito de Silveira Martins (Lei Municipal
2638/1984) e em 1988, com a Vila Belga (Lei Municipal 2983/1988).
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cursos de Turismo, História e Arquitetura e Urbanismo. A partir do ano de 2005, projetos
liderados pela prefeitura municipal, embasados na época na recente constituição da Zona 2
- Centro Histórico, obtiveram apoio dos cursos, tanto com a elaboração de comissões
interdisciplinares, como ainda com a atuação de professores nas secretarias municipais.
Destaca-se, neste período, a criação do Escritório da Cidade, atual IPLAN - Instituto de
Planejamento de Santa Maria, ao qual estavam atreladas as aprovações dos projetos
arquitetônicos da área central, conseguindo gerir o centro histórico nas pautas relativas à
preservação das edificações históricas remanescentes.
Ainda, neste período, o curso de Turismo auxiliou a elaboração do projeto do Trem Turístico
no âmbito municipal que veio impactar as ações federais com a criação, em 2010, de um
programa de incentivo para Projetos Turísticos e Culturais de Cunho Ferroviário no Brasil2.
Dentro deste contexto, em 2006, o curso de Arquitetura e Urbanismo iniciou o trabalho mais
efetivo com essas edificações de interesse patrimonial na elaboração da disciplina de Ateliê
de Projetos Integrados III: Intervenções em pré-existências. Integrando as escalas
arquitetônica, paisagística e urbanística, conseguiu elaborar o mapeamento de diversas
edificações relacionadas ao ciclo ferroviário.
2
Projeto desenvolvido em 2010 pelo Ministério do Turimos baseado nas discussões iniciadas em
Santa Maria, "resultado das discussões do Grupo de Trabalho de Turismo Ferroviário, instituído pela
Portaria no 18 do Ministério do Turismo, de 25 de fevereiro de 2010, publicada no DOU em 1o de
março de 2010, integrado pelo Ministério do Turismo, Ministério dos Transportes, Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, Agência Nacional de Transportes Terrestres –
ANTT, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT, Inventariança da Extinta
Rede Ferroviária Federal S.A. – RFFSA, Secretaria do Patrimônio da União – SPU, entre outros"
(BRASIL, 2010, p.7).
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Na primeira edição da disciplina de Ateliê III, a edificação escolhida foi o Açougue, Fábrica
de Gelo e Sabão e Torrefação de Café, imóvel que pertenceu à Viação Férrea e tinha como
finalidade proporcionar apoio à comunidade ferroviária. Porém, foi em 2012 que as estações
de trem passaram a protagonizar os estudos do Ateliê III, e desde então onze estações de
diferentes tipologias e graus de importância foram estudadas e seu material analisado,
compilado, para assim propor novos usos em projetos nas três escalas. Foram elas: Estação
Colônia - Bairro Camobi em Santa Maria (2012), Estação Val de Serra (2013), Estação
Pinhal - Itaara (2013), Estação Arroio do Só (2014), Estação São Pedro (2015), Estação
Dilermando de Aguiar (2016), Estação Estiva - Restinga Seca (2017), Estação Jacuí -
Restinga Seca (2017), Estação de Mata (2018), Estação de Santa Maria (2019) e Estação e
Armazéns do Km2, em Santa Maria (2020).
Convém ressaltar, que desde o momento da sua proposição, a disciplina teve como foco a
educação patrimonial e seu impacto na sociedade, porém adquiriu, em 2019, o caráter
extensionista de forma mais sistemática, por meio da curricularização da extensão3.
Na edição de 2020, a disciplina de Ateliê de Projetos Integrados III optou por trabalhar com
os Armazéns do Km 2, na cidade de Santa Maria. A cidade, de extrema importância na
história ferroviária do estado, foi escolhida para ser o ponto central entre o traçado Porto
Alegre-Uruguaiana, e por sua localização estratégica no Rio Grande do Sul, logo tornou-se o
epicentro ferroviário no estado, sendo ponto de partida e parada de outros percursos que, ao
3
Embora a extensão universitária estivesse prevista desde o Decreto nº 19.851, de 11/4/1931, que
estabeleceu as bases do sistema universitário brasileiro, é a partir da Resolução do MEC - CNE/CES
7/2018 que ela se torna obrigatória nos currículos dos cursos de graduação por meio das disciplinas
extensionistas. Tal exigência trouxe novos questionamentos e novas possibilidades ao ensino
superior, fomentando a discussão sobre como essa prática seria inserida teórica e
metodologicamente nos cursos de graduação.
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longo dos anos, foram se desenhando no estado. A mancha ferroviária, composta pelos
armazéns do Km 2, Estação Ferroviária (Km 0) e Oficinas do Km 3, são testemunhos da
importância de Santa Maria na implantação e desenvolvimento das estradas de ferro no
estado, durante meados do século XIX e início do século XX, este último sendo o apogeu
das estradas de ferro na região. A chegada da ferrovia em Santa Maria contribuiu não só
para o desenvolvimento do estado, como também o da própria cidade: se antes a cidade se
resumia a rua do Acampamento e a praça Saldanha Marinho, a presença da estação
ferroviária fez com que a cidade crescesse de forma exponencial, tornando-se não só o
epicentro ferroviário no interior, como também uma referência em cultura, modernização e
urbanização.
A temática ferroviária, já comum a disciplina, tem por objetivo o resgate histórico, oral e
iconográfico da arquitetura ferroviária, assim como o levantamento da própria edificação
existente. Os armazéns do Km 2 encontram-se desativados desde a década de 50, e só em
1999 a edificação recebeu um novo uso: foi cedida para projetos de cunho social, abrigando
hoje a Arsele (Associação de Reciclagem Seletivo Esperança). A última reforma feita nos
antigos armazéns data de 2005, em parceria com a Universidade Franciscana, quando
modificou-se o layout interno para melhor acomodação da associação no local, bem como
para o desenvolvimento de atividades relacionadas à informática e recreação infantil.
4 Resultados
Relatos como este, revelam as contribuições do âmbito acadêmico para a preservação e
desenvolvimento de contextos históricos consolidados por meio da pesquisa e extensão. As
discussões dentro da sala de aula são fundamentais para a formação do senso crítico
quando o assunto é a intervenção em bens culturais.
O uso das ferramentas digitais, tiveram maior protagonismo tanto nos levantamentos como
nos processos compositivos. As discussões de grupos, tão necessárias nas distintas escalas
de projetos, foram mantidas de forma remota e por meio de ferramentas de comunicação
interativas.
Além das adaptações mencionadas, a organização desta edição buscou alguns benefícios
do modelo remoto com o propósito de compensar as fragilidades da não presencialidade.
Sem dúvida, o modo remoto facilitou a conexão com escritórios e coletivos de arquitetura,
além de profissionais de áreas distintas, de renome regional, nacional e internacional. Por
meio de um evento organizado pelos laboratórios da Arquitetura e Urbanismo UFN (ADP,
APP e Laboratório de Conforto), foi possível aproximar outros contextos a este Ateliê de
Projetos em que a presença e o lugar tanto significam.
O encerramento desta edição, concluiu com diálogos sobre o Patrimônio Ferroviário com o
professor Dr. Andrey Rosenthal Schlee da FAU-UnB e o jornalista e repórter da TV Globo,
Marcelo Canellas, que abordaram reflexões gerais sobre os valores históricos, econômicos,
ambientais que envolvem a memória através da arquitetura desde pontos de vistas
complementares. O debate teve o formato de Live, para ter um maior alcance além do
âmbito acadêmico.
Referências Bibliográficas
FORTES, Ariosto Borges. Viação Férrea no RS – Suas estações e paradas. Porto Alegre:
1962.
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06 a 08 de outubro de 2021
MELLO, Luiz Fernando da Silva. O pensamento utópico e a produção do espaço social:
a cooperativa de consumo dos empregados da viação férrea do Rio Grande do Sul. 2010.
Tese (Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional) -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Porto Alegre, 2010.
SANTA MARIA. Lei Municipal 2.255, de 25 de maio de 1982. Dispõe sobre a proteção do
patrimônio histórico e cultural do município de Santa Maria. Santa Maria, 1982. Disponível
em: https://www.camara-sm.rs.gov.br/proposicoes/pesquisa/0/1/0/3712. Acesso em: 12 set.
2021.
RESUMO
O artigo traz elementos que contribuem para reforçar a importância da conservação e
divulgação de acervos e coleções de Instituições Federais de Ensino Superior. São descritas
as iniciativas até agora empreendidas pelo Núcleo de Articulação de Acervos e Coleções
(NAAC), criado no âmbito administrativo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ), em 2020, voltado à divulgação extensionista dos espaços de acervos e coleções
institucionais relacionados as suas diversas áreas do conhecimento. São destacadas as
últimas ações do Laboratório de Conservação de Documentos (LabDOC), integrante do NAAC,
responsável pela conservação, restauração e catalogação do acervo de desenhos
arquitetônicos relacionados à construção do Campus Seropédica (1938-1948) que comprova a
participação de diversos arquitetos e empresas de relevo nacional no período, como por
exemplo, a empresa de Mário Whately, o engenheiro-arquiteto João Moreia Maciel, o arquiteto
e artista plástico Eugênio de Proença Sigaud, o arquiteto Ângelo Murgel etc. Tem-se como um
dos objetivos principais, após a catalogação e conservação preventiva do acervo de centenas
de originais desenhados à grafite sobre papel manteiga e vegetal, inseri-los como bens móveis
no tombamento estadual do campus, efetivado em 2001. Parte dos acervos digitalizados se
encontram em processo de disponibilização em rede, por meio da plataforma Omeka.
O presente artigo tem por objetivo principal trazer elementos que possam contribuir
para a percepção da importância da conservação e divulgação de acervos e coleções
de Instituições Federais de Ensino Superior (IES). Utilizam-se como estudo de caso, o
processo de criação e as ações do Núcleo de Articulação de Acervos e Coleções
(NAAC), no âmbito administrativo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ), em 2020, e do Laboratório de Conservação e Restauração de Documentos
(LabDOC/UFRRJ), criado em 2013.
1-https://portal.ufrrj.br/nucleo-de-articulacao-de-acervos-e-colecoes-da-ufrrj-ajuda-na-preservacao-do-
patrimonio-institucional/
7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO
Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
O NAAC vinculou-se à Pró-reitoria de Extensão (Proext), tendo por finalidade,
conforme já dito, contribuir para a divulgação extensionista dos espaços de acervos e
coleções institucionais da UFRRJ, classificados em quatro categorias: coleções de
acervos históricos; coleções vivas e científicas; centros de documentação e áreas
protegidas tombadas da UFRRJ, abertas à visitação pública (1998-2001).
2 Deliberação Nº 158/2020, Art. 5°. São espaços integrantes do NAAC: I – Coleções Vivas Jardim
Botânico - II - Museu de Zoologia - III - Acervos de Memória da UFRRJ - VI- Museu de Solos - V - Museu
Tokarnia VI – Herbário - VII -Coleção Geológica - VII - Coleção de Equipamentos Científicos da Química
VIII – Xiloteca
3 Ver http://www.ufrrj.br/institutos/ib/ento/entocol.htm .
Sendo assim, a análise dos projetos arquitetônicos originais de uma edificação nos
fornece uma concreta possibilidade de percepção do que foi idealizado no passado,
em termos ideológicos e estéticos e, por comparação, identificar o que realmente foi
realizado, executado, de que forma ocorreu e ocorrem as apropriações dos seus
espaços. Essa percepção pode fornecer dados e referências importantes que
conduzem à identificação de mudanças de contextos socioeconômicos, bem como
dados necessários às avaliações críticas inerentes às necessárias intervenções de
conservação, restauração e atualização. Por outro lado, o tratamento formal
originalmente proposto pelo(s) autor(es) do projeto, que foi traduzido numa
determinada linguagem estilística (escala, ritmo, relação entre cheios e vazios,
modinatura, articulação dos espaços etc.), torna-se mais um importante elemento que
possibilita essa reconstrução e análise. O estilo é capaz de, por intermédio do modo
de representação, exprimir o modo de percepção, de pensamento e valores de uma
determinada classe social ligada a uma determinada época. (BOURDIEU, 2007,
p.283)
O plano para construir aquela que seria “a primeira cidade universitária brasileira fora
da concentração urbana das grandes cidades”, tomou forma em 1938, quando Getúlio
Dorneles Vargas era Presidente do Brasil. A iniciativa partiu do Ministro da Agricultura
Fernando de Souza Costa que, através de uma exposição de motivos, solicitou, em
agosto de 1938, autorização do Presidente para iniciar construções de um novo
campus para a Escola Nacional de Agronomia, nas terras do que era então a Fazenda
Nacional de Santa Cruz. O projeto dos edifícios teria sido aprovado por Vargas ainda
em outubro de 1938, tendo a construção do campus se iniciado no ano seguinte. Em
1941, várias edificações já estavam concluídas, mas foi somente em 1948 que o
campus, como um todo, teve sua ocupação efetivada. (RUMBELAPAGER, 2005)
Sob esse contexto cultural, a arquitetura do campus foi pensada com uma grande
escala e imponentes pavilhões principais articulados em um partido em cruz latina que
opõe o Pavilhão Central ao prédio da Pesagro; e os pavilhões dos Institutos de
Química e de Biologia. Sua arquitetura reproduz elementos arquitetônicos e
ornamentais, de exemplares construídos no período colonial brasileiro, oriundos das
arquiteturas religiosa barroca (frontões caprichosos, escadarias de múltiplos lances),
civil urbana (sobrevergas em arco abatido) e rural (varandas sustentadas por colunas
toscanas). A arquitetura dos Institutos e do Pavilhão Central apresentam seus espaços
articulados a partir de um pátio central, elemento que remete aos claustros dos
conventos jesuíticos brasileiros.
Por outro lado, cabe destacar que, em 1938, o neocolonial já sofria severas críticas e
questionamentos de muitos dos seus antigos seguidores que, influenciados pela
arquitetura moderna, já o consideravam ultrapassado e esteticamente equivalente ao
estilo beaux-arts, considerado o principal oponente da nova estética modernista
baseada nas questões sociais, nas possibilidades da industrialização que viabilizava a
exposição dos novos componentes técnicos e funcionais. Se por um lado, o estilo
neocolonial havia surgido como de vanguarda, por se opor ao excesso de influências
da arquitetura europeia, por outro, foi gradativamente se transformando em uma
espécie de resistência conservadora, em face das radicais transformações propostas
pelo modernismo. (KESSEL, 1999, p.67) Observa-se que a construção de um centro
de excelência relacionado ao ensino das ciências agrárias e da terra em estilo
neocolonial, no final da década de 1930, materializou a “resistência” destacada por
Kessel (1999), indo ao encontro do ideário estético de uma elite agrária brasileira
conservadora.
Figura 1 - Projeto vencedor do concurso para a Escola Normal do Rio de Janeiro, no bairro da Tijuca – Rio de
Janeiro, de autoria de José Cortez e Ângelo Bruhns. Fonte: PINHEIRO, 2014, p. 269; e Fachada do P1, campus
Seropédica da UFRRJ. Fonte: http://r1.ufrrj.br/opaa/pt/, acessado em 22/08/2016. Fonte: http://r1.ufrrj.br/opaa/pt/,
acessado em 22/08/2016.
Com relação a Eugênio de Proença Sigaud (E. P. Sigaud), verifica-se a sua efetiva
participação na projetação do Pavilhão Central, por intermédio de estudos de
fachadas, detalhes de interiores e ornamentos. São pranchas que exibem um grande
domínio e apuro da técnica da representação gráfica de arquitetura, tendo como
suportes o papel manteiga e o vegetal, trabalhados em grafite, nanquim e, mais
raramente, em técnica mista (nanquim, grafite e carvão). Observa-se, no entanto, que
muitos deles não foram executados integralmente, constituindo um rico conjunto de
possibilidades de composição de fachadas de pavilhões (especialmente do Pavilhão
Central), pórticos, edificações etc. Ele nos permite comparar criticamente, às soluções
executadas, com as não executadas e as apropriações contemporâneas.
Importante observar que a carreira de E. P. Sigaud como artista plástico revela sua
adesão plena ao movimento de pintura moderna brasileira. Seu nome, em 1935,
aparece associado ao Grupo Portinari, agremiação informal que se reuniu em torno de
Candido Portinari, tendo como uma de suas principais linhas de atuação a pintura
mural. Foi um dos artistas brasileiros selecionados para a 1ª Bienal Internacional de
São Paulo, no Pavilhão do Trianon e recebeu, provavelmente de Quirino Campofiorito,
a alcunha de “pintor dos operários”, devido ao fato de enfocar, com frequência, a
atuação dos operários, especialmente os da construção civil, onde atuava diretamente
como arquiteto e construtor. Em função desses aspectos, destacou-se politicamente
pelo seu posicionamento de esquerda. (LIMA CARLOS, 2019, p.6)
Não existem traços das práticas já então consagradas dos adeptos do Movimento
Moderno. Podemos ver, entretanto, uma certa influência wrighteana. Embora em um
terreno acidentado, o projeto tem muito das plantas das Prairie Houses, como o
crescimento orgânico. Os detalhes decorativos são mais ligados ao vernacular carioca
dos anos 1930 e 40. Curioso notar que, apesar do tamanho, a casa tem apenas um
dormitório. (COLIN, S. Um projeto de Ângelo Murgel, 2010, disponível em
https://coisasdaarquitetura.wordpress.com/2010/07/13/um-projeto-de-angelo-murgel/ acesso em
27/09/2021)
Figura 3. Primeiros estudos realizados para o prédio do IB. Fonte: (N. Vitiello et al., 2016, p.3)
Figura 4. Projeto arquitetônico do primeiro pavimento e de instalações elétricas do prédio da Pesagro (IFEA)
contendo as assinaturas de Fernando de Souza Costa e de João Moreira Maciel e modelagem 3D produzida por
Isadora Cristina Cardoso Macedo, bolsista PIBIC/CNPQ do curso de Arquitetura e urbanismo da UFRRJ. Fonte:
Pesagro, 2021 e Projeto de Iniciação Científica Paisagismo do Campus UFRRJ: a reconstrução do projeto de
Reynaldo Dierberger (LIMA CARLOS, Claudio; ARAUJO, Ana P. e MARY, Wellington, 2019-2022)
A utilização da plataforma implicará na criação de uma página para cada acervo, que
terá a sua própria identidade visual (logomarca). A criação dessas identidades visuais
está sendo desenvolvida pela Comissão de Identidade Visual da UFRRJ, órgão que,
desde 2018, se dedica à expansão e adaptação da identidade visual da instituição.
Considerações Finais
Com relação à exploração das informações contidas nos projetos arquitetônicos afetos
ao LabDOC, cabe destacar as importantes descobertas que ligam a iniciativa de
construção do campus a um ambiente político autoritário e conservador que
materializou uma crise estética caracterizada, dentre outros, pela oposição das
arquiteturas neocolonial e moderna. A primeira, tida inicialmente como um movimento
de vanguarda, foi gradativamente se transformando em símbolo do conservadorismo,
alinhando-se ao ideário ruralista, materializado nas intenções de construção da
arquitetura do campus da UFRRJ. O recorte temporal estabelecido pela construção do
campus, 1938-1948, não deixa dúvidas sobre o caráter tardio da preferência de grupos
da elite brasileira pela evocação de formas identificadas com o período colonial. Essa
é, sem dúvida, um dos principais motivos pelos quais o campus é um precioso
testemunho da história da nossa arquitetura, sendo por isso, merecedor da proteção
legal existente que deve abranger a documentação que lhe deu origem. Em função
disso, pretende-se, em breve, inserir o conjunto de projetos arquitetônicos
relacionados à sua construção no tombamento estadual existente, como bens móveis,
destacando que a documentação deve ser considerada patrimônio cultural.
Referências Bibliográficas
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URAL_DO_RIO_DE_JANEIRO acesso em 29/09/2021.
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https://vitruvius.com.br/index.php/revistas/read/arquiteturismo/09.102/5685 , acessado
em 27/09/2021.
RESUMO
Em sua obra, Lúcio Costa menciona uma etapa de transição, momento em que a arquitetura
passaria por uma revolução identitária e consoante com as transformações tecnológicas,
porém não submissa ao literalismo formal estrangeiro (como o neoclássico), negando toda
arquitetura que reflete “essa completa falta de rumo, de raízes”. Sobre esse período, Lúcio
comenta:
É na discussão da obra teórica de Lúcio Costa e de outros autores arquitetos que esse
conceito começa a ganhar um caráter mais sólido, principalmente através da proposta da
análise do Pavilhão Brasileiro de 1939, edifício contextualizado na Feira Mundial de Nova
Iorque e que reúne diversos princípios que descrevem o “espírito de brasilidade”. Além do
fato do Pavilhão, aliado ao MESP, ser âncora para a mostra de arquitetura brasileira no
Museu de Arte Moderna de Nova Iorque em 1942 e, portanto, ser um edifício que fortaleceu
o modernismo nacional, de precedentes internacionais, porém articulado à tradição, a
proposta do concurso do pavilhão consistia na melhor oportunidade de representação do
conceito de “espírito de brasilidade”, e sua importância reside nesse fato na medida em que
a ideia se envolve com o nascimento genuíno da arquitetura brasileira moderna.
O projeto apresentado por Lúcio Costa consiste em três elementos principais: o pavilhão, de
projeção retangular vazado por um pátio interno; o pórtico, de planta triangular isósceles; e
um auditório trapezoidal. O pórtico apoia seu lado desigual sobre o pavilhão, enquanto o
vértice dos dois lados iguais se alça sobre um mastro frontal, indicando certa imponência
militarista, de forma que a laje ficasse inclinada. Esse pórtico antecede um grande vestíbulo
de pé-direito duplo, que por sua vez se articula com a galeria configurada em "U" sobre
pilotis, cujas extremidades permitiriam o acesso e saída dos visitantes por meio de
escadarias. Na base do "U”, a galeria se comunica com o auditório de maneira justaposta, a
qual seria flanqueada por rampas de acesso assimétricas que aproveitam os fundos do
terreno. Sob o vão central, próximo ao jardim, localiza-se o restaurante, junto aos pilotis que
sustentam a galeria. Nota-se que o projeto de Lúcio Costa se destaca então por um ritmo
triplo, ou seja, é composto por três partes que se comunicam: na frente sul suas portas de
vidro são flanqueadas por quebra-sóis fixos, nas fachadas laterais as paredes do auditório e
do vestíbulo flanqueiam as da galeria, igualmente opacas, enquanto na fachada norte o
auditório e as extremidades da galeria são permeáveis visualmente. A oposição à
ortogonalidade total do edifício ocorre com a implantação de um espelho d’água amebóide
no pátio, enquanto a longitudinalidade do edifício é equilibrada com as colunas colossais,
resultado do afastamento das lajes (COMAS, 2010, p.64). Tratava-se de um projeto
contrastante entre ritmo compositivo e maleabilidade vegetal, cuja brasilidade poderia ser
atribuída à abertura de sua planta térrea, animada pelo espelho d’água, que evoca a
nacionalidade através da vegetação e pelos painéis treliçados que servem de quebra sol
entre as colunas do piso da galeria, remetendo aos muxarabis brasileiros e atribuindo ares
coloniais ao edifício moderno. Contudo, nota-se que o pátio interno ganha um caráter
intimista, como um claustro, efeito esse que se intensifica com a presença de um mural logo
ao se entrar no hall do edifício, o qual bloqueia a permeabilidade visual para o jardim. Nesse
sentido, Lúcio Costa, apesar de já ter tido contato com Le Corbusier para o projeto do
MESP, parece seguir rigorosamente as necessidades do programa e o melhor
aproveitamento do terreno, sem permitir maior maleabilidade do edifício, insistindo em uma
forma rígida e fechada que não difere muito do seu projeto inicial para o Ministério da
Educação e Saúde, apelidado de "múmia" por seu caráter rígido.
Com a concessão do júri, Lúcio passa a trabalhar junto de Niemeyer sobre o seu partido
arquitetônico. Com a chegada dos arquitetos à cidade de Nova Iorque em abril de 1938,
ambos se organizaram para projetar, em seus escritórios, de maneira ágil a fim de
apresentar o Pavilhão em maio de 1939 e para acompanhar a obra - como requerido no
edital. A partir do desenvolvimento in loco, o projeto começa a passar por várias
modificações. O terreno destinado ao pavilhão se localizava em uma esquina, posição
Apesar de Lúcio ter abdicado de seu projeto para trabalhar sobre a concepção de Niemeyer,
não se estabeleceu uma condição de subordinação de Lúcio ao colega arquiteto, mesmo
que este orientasse predominantemente o processo projetual do Pavilhão; suas qualidades
formais e interpretativas se complementaram, tanto que a proposta final resultou
qualitativamente melhor em relação aos projetos individuais de cada um. O projeto, então,
mescla o programa em “L” de Niemeyer - que contou com galerias de exposição, auditório,
bar-restaurante com pista de dança e palco para música ao vivo, café e escritórios para o
comissário geral e equipe – com a porosidade marcante e o contraste entre horizontalidade
e verticalidade - propostas de Lúcio Costa. Outra ideia de Lúcio mantida foram as colunas
colossais que se evidenciam no recuo da laje, a qual se desloca na ordem de 2 metros na
fachada oeste da galeria e se mantém em balanço, permitindo que na fachada leste, em
frente ao pátio, as colunas possam ser visualizadas por meio do avanço pelos pavimentos,
enquanto nas fachadas Norte e Sul, a laje avança 30 centímetros.
A porosidade de Lúcio Costa se manifesta no vão gerado na fachada sul entre a galeria e o
auditório e na transição do largo de entrada ao pátio ajardinado, evidenciando certa
liberdade em relação à arquitetura Le Corbusier, como aponta Comas, afinal nunca houve
precedentes nas obras do arquiteto suíço para um térreo marcado por pilotis no qual
paredes, que definem o bar-café e o restaurante, interpenetram o arranjo ordenado dos
mesmos; é, contudo, na arquitetura de Mies que podemos encontrar pilares que se
relacionam com outros elementos, referência perceptível no interior da Villa Tugendhat
(COMAS, 2002, p.173). Sob a ala maior, o restaurante se localiza na esquina do terreno e a
cafeteria fica junto da esquina mais próxima ao rio, sendo interligados por uma passagem
que também contempla o bar. O restaurante é definido por uma parede cega semicircular
que bloqueia visualmente o restaurante do exterior do Pavilhão, mas que permite
permeabilidade visual total para o pátio ajardinado. As paredes da cozinha escondem os
pilares encapados na fachada oeste, criando no térreo uma face praticamente opaca que
diminui levemente a sensação do balanço da estrutura. Ambos restaurante e bar-café são
marcados, além das paredes com revestimento em imbuia, por um forro rebaixado
amebóide com uma conexão com a laje definida por uma iluminação fluorescente. No térreo,
a disposição do balcão de recepção define, junto ao bar-café, uma entrada diagonal, pela
qual se pode observar um mapa comparativo entre o Brasil e os Estados Unidos em um
painel de vidro. Nota-se que há, nesse projeto, uma tensão entre rota diagonal - pelo térreo
Imagem 04 - Reconstituição por modelagem gráfica do Pavilhão Brasileiro – Fonte: dos autores
Conclusão
A partir desse desenvolvimento, pode-se apontar que o projeto do Pavilhão faz uma releitura
das ideias da primeira geração modernista, ou seja, dos princípios corbusianos por meio da
aliança da formação dos arquitetos na Beaux-arts com esse anseio de ser moderno, e,
sobretudo, desperta vários elementos que sintetizam o “Espírito de Brasilidade”; a simples
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implementação da proteção solar similar ao muxarabi brasileiro não seria suficiente para
alcançar esse conceito, atando o pavilhão ao neocolonial que se conclui como arquitetura
ornamentativa. O Pavilhão Brasileiro, ao longo de toda sua longitudinalidade, aproveita a
profundidade do terreno para adotar a curva sutil como elemento marcante, a qual
acompanha formalmente a galeria expositiva, o auditório, o jardim, o restaurante, o bar-café
e as exposições; a utilização da natureza típica e tropical exerce um papel igualmente
fundamental como fator integrante do projeto, ressaltando o caráter nacional do edifício e se
agregando à organicidade plástica do mesmo.
É pelo uso de pilotis que o pavilhão se torna permeável e aberto, abraçando o jardim e se
espalhando com o mobiliário do restaurante. Após a elevação do volume, o impacto visual
da entrada para a esplanada é outro fator marcante do edifício, sendo definido pela rampa
curva finalizada sob uma laje igualmente curva, que agrega o auditório e ressalta a
capacidade técnica e construtiva da obra. Entretanto, as referências dos arquitetos
brasileiros não são limitadas à Le Corbusier e partem para aludir a princípios arquitetônicos
de Mies van der Rohe, por meio do revestimento dos pilotis e da interpenetração de paredes
entre os mesmos, e de arquitetos pré-modernos, como Perret ou até mesmo Michelangelo,
por meio dos pilares colossais adotados como solução visual para o recuo da Galeria para o
lado oeste. É sobretudo na comunicação do presente com o passado que é possível
compreender melhor o comportamento antropofágico de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer que
os guia para um edifício singular, dotado de pura originalidade.
CAVALCANTI, Lauro. Moderno e Brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.
_______. A feira mundial de Nova York de 1939: O Pavilhão Brasileiro. Porto Alegre,
Arqtexto, 2010. Disponível em:
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em: 27/09/2021
COSTA, Lúcio. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995.
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo relatar os meios através dos quais o acervo móvel e documental da
antiga Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea do Rio Grande do Sul está sendo tratado para
compor uma exposição dentro do prédio da sede Administrativa. Trata-se de um relato de experiência
para que este acervo não se perca e esteja o mais disponível possível à população. Quando a sede
administrativa da Cooperativa foi a leilão e vendida, foi entregue junto um grande acervo mobiliário e
documental, que estava em precário estado de conservação. As peças estão sendo restauradas e
catalogadas. Dentre elas, encontram-se diversos móveis confeccionados pelos alunos da escola Hugo
Taylor, plantas e fachadas que contam parte da história dos imóveis da Cooperativa. A maneira de expor
estes bens será integrada à própria arquitetura da edificação, com uso de QR codes para mais
informações.
ABSTRACT
This paper aims to report the means that the mobile and documental collection of the former
Cooperative of Employees of the Railroad in Rio Grande do Sul is being treated to compose an exhibition
inside the building of the Administrative Headquarters. This is an experience report so that this
collection is not lost and is as available to the population as possible. When the administrative
headquarters of the Cooperative was auctioned, it was sold and a large collection of furniture and
documents, which were in a precarious state of conservation, was handed over. The pieces are being
restored and cataloged. Among them, there are several furniture made by the students of the Hugo
Taylor school, plans and facades that tell part of the history of the Cooperative's properties. The way to
display these goods will be throughout the building, using QRcodes for more information.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo mostrar como o acervo da antiga sede
administrativa da Cooperativa de Consumo dos Empregados da Viação Férrea do Rio
Grande do Sul na cidade de Santa Maria – RS será tratado para continuar fazendo
DO AUGE A DECADÊNCIA
Fundada no ano de 1913, a Cooperativa iniciou sua jornada de apoio aos
funcionários da ferrovia, que diante do aumento do número de usuários promoveu seu
crescimento e a construção de diversas edificações, todas circundando as linhas do
trem. A primeira sede da Cooperativa foi comprada da ECONOMAT, um antigo
armazém já presente na Vila Belga. Ao seu lado, foi edificada a primeira sede
administrativa da Cooperativa, separada apenas pela rua que dava acesso da Vila Belga
diretamente ao largo da estação ferroviária por volta do ano de 1915. Com a expansão
do número de usuários, no ano de 1932, a primeira sede foi demolida, dando lugar a
Figura 1 -A primeira sede administrativa da C.E.V.F.R.G.S, que deu lugar ao prédio atual da figura 2.
Fonte: Relatório exercício 1920.
A EDIFICAÇÃO
A edificação está localizada na Vila Belga, e se destaca por possuir dois
pavimentos. Sua fachada sul, localizada na Rua Manuel Ribas, foi tombada no ano de
1998 pelo município, e no ano 2000 pelo Instituto do patrimônio gaúcho. O
tombamento engloba uma porta de ferro, onze janelas de madeira de duas folhas com
bandeira, soco, frisos, pilastras, peitoril. No primeiro pavimento está situada a porta e
cinco janelas, todas com grades de ferro e no segundo pavimento seis janelas. Telhado
com dois volumes aparentes na fachada principal, que possui clara influência do Art
Déco, refletindo a modernidade do momento de sua construção. A fachada oposta
não é tombada, e faz frente com o largo da GARE. Possui três pavimentos, contendo
vinte e quatro janelas, sendo seis delas localizadas no andar inferior com grades e as
demais com básculas em vidro. A parede é rebocada e está coberta por vegetação tipo
“falsa vinha”.
Figura 3 e 4 – Edificação da Sede Administrativa no ano de 2018, após o leilão do local, fachada principal
e fundos para a Gare.
Fonte: a autora 2018.
Apesar de não haver registro formal de que a Edificação tenha sido projetada
por ele, apenas foi encontrada entre a documentação uma planta datada de 1940
(figura 3), momento em que foi realizada a escavação e ampliação do porão, esta sim
assinada pelo arquiteto como “Auxiliar Técnico”. Isso ocorria pois o registro das
atividades profissionais foi regulamentado apenas em 7 de dezembro de 1977 com a
Lei nº 6.496, que instituiu a obrigatoriedade de que os profissionais da engenharia e
agronomia, e arquitetura, efetuassem junto ao Crea a Anotação de Responsabilidade
Técnica – ART, documento formal de fé pública que indica à sociedade os responsáveis
pelos produtos e serviços de engenharia e agronomia.
existe uma série de pressupostos formais para que um museu de desenvolva, sendo o
Plano Museológico o principal instrumento para a tal (IBRAM, 2016). É através do
Figura 5 e 6: Detalhe de como parte do acervo documental estava armazenada, na esquerda as fichas de
cooperativados, e na direita balanços e dados fiscais.
Fonte: a autora, 2018.
aquele que tem sob sua guarda documentos de formas físicas diversas –
fotografias, discos, fitas, clichês, microformas, slides, disquetes, CDROM – e
que, por essa razão merecem tratamento especial não apenas no que se
refere ao seu armazenamento, como também ao registro, acondicionamento,
controle, conservação, etc. (PAES, 1997, p. 22).
Figura 9 e 10: Imagem criada em computador de uma máquina de escrever que compõe o acervo,
simulando como ficará exposto o elemento na parece. No lado direito o QRcode correspondente, que
redireciona para o site onde estão as informações.
Fonte: a autora, 2021.
Discussão
O uso da edificação não fica atrelado a um único uso, podendo ser museu
concomitante com outro uso comercial, o que proporciona um dinamismo e um acesso
a diferentes públicos, inclusive um público que talvez não visitaria o acervo se este
fosse exclusivamente um museu. Desse modo, consideramos que este tipo de
exposição museológica é fluída, deixando as pessoas mais livres para o tipo de
experiência que querem ter.
Figura 11: Imagem criada em computador da parte interna do local (hall de entrada) onde pode-se
observar o busto de Manoel Ribas fazendo parte do acervo.
Fonte: a autora, 2021.
Considerações Parciais
PAES, Marilena Leite. Arquivo Teoria e Prática. 3 ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: FGV,
1997. 225 p.
Este trabalho tem por objetivo relatar os meios que o acervo móvel e
documental da antiga Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea do Rio
Grande do Sul está sendo tratado para compor uma exposição dentro do
prédio da sede Administrativa. Trata-se de um relato de experiência para que
este acervo não se perca e esteja o mais disponível possível a população. O
município de Santa Maria - RS tem seu desenvolvimento ligado a instalação e
crescimento da malha ferroviária, pela sua localização estratégica tornou-se um
importante entroncamento ferroviário, o que ocasionou o desenvolvimento e
com isso a região próxima da estação ferroviária se desenvolveu muito, desde
comércio, hotéis, tudo era voltado ao atendimento da ferrovia. Nesse contexto,
também nasceu a Vila Belga, vila ferroviária localizada nas imediações da
Gare, e ali em meio as casas da Vila, foi implantada a C.E.V.F.R.G.S. Esta
cooperativa tinha por objetivo atender os funcionários e seus familiares nas
compras de primeira necessidade, sendo ampliada para a atuação em saúde,
instituições educacionais como a escola de Artes e Ofícios Hugo Taylor (para
os filhos dos ferroviários) e a Escola Santa Terezinha (para meninas). Além
disso, tinha produção completa de produtos alimentícios, lenha e tudo mais que
as famílias precisassem. Chegou a ser no seu auge a ser a maior cooperativa
da América Latina, se expandindo para vários municípios, todos atingidos pela
linha férrea. Com o passar dos anos, e a perda da importância da ferrovia para
o transporte rodoviário culminou em meados dos anos 1990 na privatização da
malha ferroviária. Então do auge vivido, passou a região a viver um período de
abandono e descaso, que foram sucedidos por ações de proteção com o
tombamento municipal e estadual. Mas a condição econômica da Cooperativa
ainda estava complicada, sendo que diversas dívidas foram sendo somadas, o
que levou a execuções judiciais. Quando a sede administrativa da Cooperativa
foi a leilão, foi vendida e foram entregues junto um grande acervo mobiliário e
documental, que estava em precário estado de conservação. As peças estão
sendo restauradas e catalogadas. Dentre elas, encontram-se diversos móveis
confeccionados pelos alunos da escola Hugo Taylor, plantas e fachadas que
contam parte da história dos imóveis da Cooperativa. A maneira de expor estes
bens será ao longo da edificação, com uso de QRcodes para mais
informações. Assim uma exposição será formada ao longo dos trajetos
circulatórios da edificação que abrigará um centro gastronômico e um
coworking, e poderá ser visitado por mais pessoas.
A PRESERVAÇÃO DOS ACERVOS - ARQUIVOS E ACERVOS
RESUMO
Os museus tradicionalmente têm sido considerados como instituições de conservação, comunicação,
pesquisa e exposição do patrimônio material, porém, a partir da década de 1990, as amplas
possibilidades de conteúdo multimídia e hipermídia no sistema World Wide Web propiciaram a
modificação do conceito até sua virtualização. O surgimento dos museus virtuais, como suportes tanto
complementares como suplementares dos museus físicos, diversificou as opções de conservação e
divulgação do patrimônio, principalmente o imaterial, como é o caso dos projetos de arquitetura e
urbanismo. Nesse contexto, e como parte de uma dissertação de mestrado em andamento, propôs-se
a estruturação de um museu virtual de edifícios modernos na cidade de Porto Alegre (MUVIPOA), cujo
objetivo é criar uma plataforma acessível que mostre a informação documental, testemunhal,
planimétrica e tridimensional dos projetos. Por este motivo, faz parte essencial da pesquisa realizar
uma revisão teórica e tipológica dos conceitos que abrangem à museologia virtual para compreender a
importância desta para a difusão patrimonial, e identificar a variedade de acervos de arquitetura e
urbanismo que irão servir como fontes primárias para o museu em desenvolvimento. A partir da
pesquisa, pretende-se definir o papel do museu virtual como acervo local de arquitetura, a tipologia a
ser utilizada, as vantagens sob os museus físicos, assim como as possibilidades de difusão patrimonial.
Por outo lado, a identificação dos acervos existentes permitirá reconhecer o tipo de documentos
disponíveis nestes e sua pertinência como fontes de informação para a pesquisa.
Considerações iniciais
Em Porto Alegre, os primeiros sinais de modernidade foram percebidos no início dos anos
trinta, em casas como as do Manlio Agrifóglio e Osvaldo Coufal. Já na década dos quarenta,
arquitetos da jovem Escola Carioca conceberiam alguns projetos para a cidade, os quais não
seriam executados devido à resistência de grupos locais conservadores (LUCCAS, 2006).
Estas obras teriam antecipado a prática de uma arquitetura moderna local, estimulando a
utilização de elementos importantes presentes naquelas propostas como a eliminação da
ornamentação, brise-soleil, configuração tripartite, estrutura independente, e nova
materialidade a partir do concreto armado. Estas tendências propiciaram a projeção e
construção de um rico conjunto de obras modernistas que, apesar de não terem atingido o
mesmo nível de popularidade, são comparáveis em qualidade construtiva e compositiva com
aquelas realizadas em outras localidades do Brasil. Este acervo arquitetônico consta de
alguns autores locais e estrangeiros como Fernando Corona, Edgar Graeff, Demétrio Ribeiro,
Emil Bered, Carlos Alberto de Holanda, Carlos Fayet e Carlos Araújo. Se bem a popularidade
não é estritamente um fator que define o valor de um bem, certamente o patrimônio cultural
segue um processo de valorização que começa pelo reconhecimento, documentação e
análise do objeto para sua posterior divulgação com fins interpretativos (GUGLIELMINO,
2007).
Atualmente, Porto Alegre possui uma quantidade significativa de arquivos e acervos para
consulta pública de documentos relacionados à arquitetura moderna, sendo o principal destes
o Arquivo Público Municipal que reúne microfilmes e cópias de boa parte dos projetos da
capital gaúcha. Nestes acervos, os protagonistas são os documentos materiais onde são
representados os projetos arquitetônicos, implicando a conservação preventiva de planos,
livros ou fotografias que contêm intrinsecamente valores simbólicos, artísticos e históricos,
que devem evitar manuseio. Ademais da conservação material, os processos burocráticos, as
longas distâncias entre acervos, as restrições de horários, ou apenas o desconhecimento,
podem representar limitações para a difusão do patrimônio.
O uso de tecnologias digitais nos museus se remonta às décadas dos setenta e oitenta,
quando sistemas digitais para catalogação nos museus foram distribuídos, para
gradativamente converter-se em parte integral do funcionamento dos museus. No começo da
década dos noventa, os museus usaram como recurso de venda CD-ROMs que mostravam
informação destacada, e às vezes complementar, dos objetos da coleção, incluindo vídeos ou
imagens que inclusive incorporavam comentários dos artistas e curadores, representando
uma primeira expansão das fronteiras físicas dos museus (POVROZNIK, 2020). Porém, o uso
deste tipo de sistemas, ou qualquer outra tecnologia digital multimídia1 nos museus, não
representa necessariamente a virtualização destes espaços. Esta discussão foi abordada em
conferências como a Electronic Visualisation and the Arts em 1990, Internacional Conference
on Hypermidia and Interactivity in Museums realizado em Pittsburgh em 1991, e Museums
and the Web em 1997, (SCHWEIBENZ, 2019) formando importantes precedentes para a
inserção dos museus na internet.
Os museus na internet, a partir de 1993, mostravam informações sobre suas sedes, ao mesmo
tempo que surgiam sites realizados por entusiastas, o que ilustrou um primeiro problema: a
legitimidade dos museus,(SCHWEIBENZ, 2019) iniciando o debate sobre a definição do
1O conceito de multimídia pode ser definido como a combinação, controlada por computador, de pelo
menos um tipo de média estática, como textos, fotografias ou gráficos, com pelo menos um tipo de
média dinâmica, como vídeo, áudio e animação. (Chapman & Chapman, 2000)
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museu virtual. A evolução da museologia virtual tem acompanhado a própria evolução da
multimídia e hipermídia na internet, diversificando-se de tal maneira que as possibilidades
expositivas na web são amplas, mas classificáveis. Maria Piacente no artigo Museums and
the World Wide Web de 1996 já classifica os museus virtuais em folhetos eletrônicos, museus
no mundo virtual e os museus verdadeiramente interativos. Os primeiros funcionam como
sites que publicam informações referentes ao museu físico; os segundos apresentam
informações mais detalhadas sobre o acervo e, inclusive, chegam a oferecer visitas virtuais e
objetos digitalizados ou virtualizados; e os terceiros fazem uso de tecnologias digitais
interativas sem ter correspondência no mundo físico (PIACENTE apud TEATHER, 1996). Esta
classificação, embora seja uma referência importante no campo da museologia virtual, tem
sido atualizada ao adaptar-se às novas oportunidades que o mundo digital e da internet
oferecem, as quais, consequentemente, têm feito da definição do museu virtual um conceito
em constante evolução.
Categorizar este tipo de museus não é uma tarefa simples, as amplas possibilidades que
envolvem à criação destas plataformas impedem tipologias estáticas. Entretanto, têm sido
definidas alguns elementos inerentes dos museus virtuais que permitem uma classificação a
partir do tipo de conteúdo; as tecnologias interativas; existência temporal; tipo de
comunicação; nível de imersão; formato de distribuição; escopo; e sustentabilidade (V-MUST
NETWORK, 2013).
A partir desta definição, se interpreta que se bem os documentos que formarão o acervo do
museu poderiam ser administrados mediante um arquivo, os objetivos da plataforma vão
além. Por uma parte, um arquivo acumularia e administraria o conjunto de elementos
multimídia, enquanto um museu tem uma intenção educativa, expositiva e interpretativa. A
essas diferenças se adiciona a ideia de musealização, definida como:
Este plano museológico deu como resultado uma estrutura conceitual que divide à plataforma
em área educativa; comunicação; perguntas frequentes; acervo virtual; sistema de recepção
de aportes; conteúdo de pesquisa; vínculos a outros acervos; mapa de localização do
patrimônio; área de exposições; e autores. Esta estrutura define o funcionamento do
MUVIPOA, mas não o programa de necessidades da interface. Por tal motivo, a partir da
revisão teórica das categorias de museus virtuais, se escolheram as mais adequadas para
desenvolver formalmente a plataforma.
O museu pretende servir como uma fonte de divulgação patrimonial fazendo acessível o
conhecimento à sociedade através de uma fácil interpretação (SÁNCHEZ e ROQUE, 2011).
Também, a digitalização e virtualização dos documentos funcionam como réplicas que ajudam
Como parte essencial do artigo, esta secção apresenta uma visão geral dos acervos de
arquitetura moderna na cidade, a literatura de referência, e outras fontes de informação onde
os pesquisadores e interessados podem consultar. Representa primordialmente uma lista que
servirá como referência para que o acervo do MUVIPOA possa ser acrescentado pelos
próprios usuários. Da mesma maneira serão mencionados os tipos de documentos que
podem ser encontrados nestas fontes. Têm se identificado:
Acervos
Por sua parte, a UFRGS tem contribuído à conservação da memória arquitetônica de Porto
Alegre, resguardando e disponibilizando, através do Núcleo de Pesquisa em História, o acervo
do engenheiro Edmundo Gardolinski, responsável pela construção do Conjunto Habitacional
Passo d’Areia – também conhecido como Vila do IAPI – em 1940. Também tem realizado
pesquisas que deram como resultado o Acervo FAM – Fayet, Araújo & Moojen – (MARQUES,
2020); o Acervo de Arquitetura de Concursos no Rio Grande do Sul, disponibilizando pranchas
de forma online <https://www.ufrgs.br/arqconcursosrs/acervo/>; e mais recentemente, com o
objetivo de disponibilizar material básico de consulta, o Acervo de Arquitetura Moderna e
Contemporânea Brasileira no Sul <https://www.ufrgs.br/arqmodcontbrsul/>.
Arquivos
O principal deles, o Arquivo Municipal da Prefeitura de Porto Alegre, administrado pela Equipe
de Protocolo e Arquivo da Secretaria Municipal de Administração e Patrimônio, tem como
objetivo a documentação de processos de aprovação de projetos de obras de 1892 a 1971,
em sua maioria privadas, tendo um acervo importante de plantas arquitetônicas, cuja busca é
realizada a partir do endereço. Como se trata de um número importante de documentos, a
busca pode ser auxiliada com o livro do Arquiteto Günter Weimer “Levantamento de Projetos
Arquitetônicos de Porto Alegre entre 1892 e 1957” (1998), que lista as principais obras
construídas nesse período. A pesquisa do arquiteto foi realizada nos microfilmes do arquivo e
nele constam os números dos projetos, nome da obra, nome do projetista, linguagem
arquitetônica, nome do construtor e endereço. Por sua parte, a Secretaria de Obras do Estado
do Rio Grande do Sul guarda projetos referentes à construção de obra pública a nível estadual
Por sua vez, o Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho, tem sob sua guarda
informação documental sobre a Exposição do Centenário da Farroupilha, realizado no atual
Parque Farroupilha, e onde foram construídos pavilhões protoracionalistas que formariam as
bases do projeto moderno na cidade (ESKINAZI, 2003). São parte do acervo as plantas do
Pavilhão da Indústria Estrangeira, o Pavilhão da Indústria do Rio Grande do Sul e o Pavilhão
de Minas Gerais, assim como documentos sobre o Pavilhão da Agricultura, o Pavilhão de São
Paulo, e o Pavilhão de Pará.
Bibliografia especializada
Vale destacar quatro livros que são referência na documentação arquitetônica moderna da
capital gaúcha: o primeiro deles foi o livro “Arquitetura Moderna em Porto Alegre” de Alberto
Xavier e Ivan Mizoguchi, que reúne os trabalhos de arquitetos que “trouxeram uma
significativa contribuição ao pensamento moderno da arquitetura de Porto Alegre,
especialmente a partir de 1935” (XAVIER e MIZOGUCHI, 1987, p. 9); posteriormente foi
realizado o “Inventário da Arquitetura Moderna em Porto Alegre – 1945/65” (2013), escrito por
Carlos Eduardo Comas e Hélio Piñón, incluindo edifícios residenciais, comerciais e
institucionais e priorizando os que foram construídos antes da interferência do Plano Diretor
de 1959-61 (MOREIRA e BORTOLI, 2019); o terceiro foi a “Guia de Arquitetura Moderna de
Porto Alegre” (2010), escrito por Guilherme Essvein de Almeida e editado pela PUC-RS, que
mostra as informações principais e plantas arquitetônicas de 31 obras modernistas; o último
deles foi a “Guia de Arquitetura de Porto Alegre” (2016) de autoria dos arquitetos Rodrigo
Poltosi e Vlademir Roman, que embora não contemple unicamente obras modernistas, é uma
referência para o reconhecimento deste período na cidade, ademais, serviu como ponto de
partida para a criação do site Guia Arqpoa <https://arqpoa.com.br/>, que trata-se de um
mapeamento que “reúne textos, fotografias e informações sobre 100 obras arquitetônicas,
urbanísticas, paisagísticas, históricas e culturais da cidade” (ARCHDAILY BRASIL, 2021).
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Bibliotecas
Destaca a Biblioteca de Arquitetura da UFRGS, onde pode ser encontrada a coleção Porto
Alegre, com livros como “Ambiente e lugar no urbano a grande Porto Alegre”, de Dirce
Suertegaray, Luiz Basso e Roberto Verdum; “Arquitetura Modernista em Porto Alegre”, de
Günter Weimer; “DEMHAB. Com ou sem tijolos, a história das políticas habitacionais em Porto
Alegre” de Naida D’Ávila; “Porto Alegre urbanização e modernidade. A construção social do
espaço urbano” de Charles Monteiro; “Porto Alegre: história e vida da cidade” de Francisco
Riopardense de Macedo; ou “Porto Alegre: guia histórico” de Sérgio da Costa Franco. Além
da coleção especializada, contam com outros livros que podem ser verificados no sistema
Sabi+.
Da mesma maneira, a Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul, tem no seu catálogo
livros como “Estudos urbanos: Porto Alegre e seu Planejamento” de Wrana M. Panizzi e João
F. Rovatti; “Porto Alegre e sua evolução urbana” de Célia Ferraz de Souza e Dóris Maria
Müller; e “Acervos Azevedo Moura Gertum e João Alberto: imagem e construção da
modernidade em Porto Alegre”, de diversos autores, entre eles Anna Paula Canez.
Como parte do Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo, na Fototeca Sioma Breitman consta
um valioso acervo fotográfico sobre edifícios protoracionalistas e modernistas, onde destacam
obras como o Aeroporto Salgado Filho, projetado pelo arquiteto Nelson Souza, o Auditório
Araújo Vianna, os pavilhões da Exposição Farroupilha, as Fábricas e edifício Renner, o
Hospital de Clínicas, o Mercado Livre, entre outros.
Experiências prévias
Considerações finais
Embora o acesso à documentação tenha sido uma limitante, principalmente nas instituições
estaduais, houve uma grande disposição de contribuir à pesquisa por parte dos arquivos
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XAVIER, A.; MIZOGUCHI, I. Arquitetura Moderna em Porto Alegre. São Paulo: Pini, 1987.
RESUMO
Em se tratando de patrimônio cultural edificado faz-se necessário à conservação, não somente de
sua aparência, mas também, a manutenção da integridade de seus elementos constituintes como um
produto único da tecnologia específica de seu tempo de produção. Dessa forma, deve-se aprofundar
no conhecimento desses elementos que constituem as edificações, sobretudo as de interesse de
preservação para sobrepor as aparências. Este artigo trata de projetos de extensão firmados entre a
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora e a Arquidiocese de
Juiz de Fora desenvolvidos nos anos de 2014, 2015 e 2016, visando os encaminhamentos para
elaboração de projeto básico de restauração arquitetônica da Igreja de Nossa senhora do Livramento
situada no distrito de Sarandira em Juiz de Fora/MG. Tais projetos tiveram diversos desdobramentos
até o ano de 2021. Tal bem, datado da década de 1840, é de importância histórica reconhecida pela
comunidade e pelo município através de tombamento realizado em 2004 com o decreto de número
8437 de 28/12/2004. A situação encontrada no edifício foi de ruim estado de conservação o que
exigiu da equipe (docente e discentes bolsistas e voluntários dos cursos de arquitetura e urbanismo e
de ciências sociais) análises sobre seus usos, técnicas e materiais utilizados em sua composição,
tendo atenção as características que o tornam singular. Através do estudo com registro das
condições de época e atuais, os projetos de extensão visaram o favorecimento da retomada do uso
religioso da edificação e o prolongamento do seu tempo de vida, seja através da sua recuperação
física, seja através da sua recuperação enquanto elemento estruturador do espaço e da comunidade.
Nos anos de 2014 e 2015 foram firmados entre a pró-reitora de Extensão da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF) e a Arquidiocese de Juiz de Fora, cinco projetos de
extensão. As propostas desses projetos referiram-se aos encaminhamentos para
elaboração de projeto básico de restauração arquitetônica e reabilitação da Igreja de Nossa
Senhora do Livramento, situada no distrito de Sarandira no município de Juiz de Fora,
estado de Minas Gerais, sendo exemplar de importância histórica reconhecida pela
comunidade e pelo município através de tombamento realizado em 2004 com o decreto de
número 8437 de 28/12/2004. Segundo o decreto estão tombados, as fachadas, sua
volumetria e seu interior, composto pelo altar-mor, altares colaterais e laterais, as galerias e
a pintura sobre o arco cruzeiro.
Isso tornou a definição sobre a linha de atuação da intervenção detalhada, visto que a sua
recuperação visava não só um restabelecimento da sua integridade física e simbólica, mas
também a possibilidade de resgatar a sua relevância histórica.
Teve-se atenção para que as características que o tornam tão singular não se perdessem
devido à ação dos agentes de degradação. Por isso, todas as pesquisas históricas,
levantamentos, análises, mapeamento de danos, diagnósticos e intervenções propostas
foram pensadas de forma a dirimir estes agentes e garantir uma longa vida útil da edificação
sem que, para isso, se descaracterizasse o bem. Foi necessário também, a identificação
dos diversos processos e ações que foram sendo realizadas ao longo do tempo na
edificação, como ampliações, uso de materiais e técnicas construtivas variadas e diversas
repinturas.
Foi com o intuito de recuperar a “vida” que ali ainda se potencializa que foram propostos os
projetos de extensão, no intuito de se aprofundar nas análises visando eliminar e/ou diminuir
as causas de degradação, recuperar os elementos e sistemas construtivos existentes e
preparar o edifício para receber novamente seu uso religioso de acordo com seu caráter e
sua estrutura.
Tais projetos de extensão tiveram diversos desdobramentos até o ano de 2021 com a
elaboração dos projetos de restauração e reabilitação da edificação e de seus bens
integrados e projetos complementares incluindo o estrutural, desenvolvidos de forma
gratuita por diversos profissionais externos a UFJF.
Segundo Fernando Brandão do jornal O Sul de Minas, a revolução de 1842 foi a primeira
revolução armada de cunho partidário. Nesse período, o Brasil era dividido entre dois
partidos, Liberal e Conservador. Com a dissolução da Câmara dos Deputados, ocorrida no
mesmo ano da revolta, os Liberais perderam força no poder. Sendo assim, o partido, do qual
Minas Gerais era parte integrante, se rebelou por julgar inconstitucional a dissolução
promovida pelo poder Moderador. Relata-se que, para lutar na revolução de 1842, muitos
jovens habitantes do local se juntaram aos revoltosos.
Com o término da revolução, José de Souza cumpriu o que havia prometido, doando cerca
de 20 alqueires de terra (hoje), terras estas onde foram edificadas as construções da cidade
sem que houvesse nenhuma necessidade de seus proprietários pagarem aforamentos.
Além das terras, acresceu-se ao patrimônio dez apólices de um conto de réis cada, doadas
pelo coronel Francisco Mariano Halfeld.
O terreno, nas adjacências da matriz, era de grande importância para os meios agrícolas,
pois possuía solo fértil e próspero, permitindo que fossem plantados inúmeros exemplares
botânicos, incluindo o café. Uma próspera comunidade se desenvolveu em uma freguesia
do município de Juiz de Fora, utilizando-se de sua devoção para agradecer sua providência.
A localidade teve por vinte e dois anos seguidos um grande vigário, Padre João de Castro,
que veio a falecer em 26 de maio de 1903, em Barbacena. Além de suas funções na igreja,
dirigiu um estabelecimento de educação, se dedicava aos trabalhos agrícolas e exercia
atividades políticas do distrito de Sarandira (ESTEVES, 1915).
Segundo Pedro Sebastião da Conceição, que diz ter participado de uma reforma realizada
na igreja, uma parede lateral estava cedendo e foi preciso cortá-la na parte inferior para
fazer os reparos. Durante esta mesma reforma, Pedro se lembra que o padre disse não
poder continuar a obra devido à falta de verba. Diante do fato a população se dispôs a
ajudar financeiramente e alguns, como ele, a trabalhar na obra. Segundo o livro de Tombo,
em 1937 inaugurou-se uma reforma em que também houve participação popular:
Atualmente o distrito de Sarandira conta com apenas três estabelecimentos comerciais, que
são bares mistos, vendendo todo tipo de mercadoria, e apenas um deles fornece refeições.
A realidade do local hoje é muito diferente do passado, como cita Julio Cezar Vanni em seu
livro.
Fachada principal da Igreja de Nossa Senhora do Livramento. Fonte: Do autor, ano de 2015.
Prancha do projeto de básico de restauração, contendo corte longitudinal. Fonte: Layse Costa e
Tamara Pereira, ano de 2020.
A Igreja de Nossa Senhora do Livramento é formada por três volumes: torre sineira, nave e
capela-mor. A fachada norte (frontal) apresenta eixo vertical simétrico.
• e, por fim, independentemente de qualquer técnica que venha a ser utilizada nas
intervenções ao patrimônio cultural edificado, a autenticidade é a base da doutrina
moderna da restauração, sendo palavra-chave dos documentos (convenções e
cartas internacionais) relativos à salvaguarda do patrimônio cultural.
Para bem tratar um bem cultural de interesse de preservação deve-se bem conhecê-lo. De
acordo, com o Manual de Elaboração de Projetos de Preservação do Patrimônio Cultural do
Programa Monumenta/ IPHAN (2005), levando-se em consideração o respeito máximo à
pré-existência, o conhecimento aprofundado do bem deve ser trabalhado através das
pesquisas realizadas sob o ponto de vista histórico, estéticos, arquitetônico, estrutural e
artístico, da caracterização do bem e seu entorno, além de seus usuários.
Desta proposta consta a apresentação das soluções para a diminuição e/ou eliminação das
causas das deteriorações e apresentação da proposta de adequação de uso ao edifício
tombado. Particularmente, em caso de restauro, as terapias devem, como regra geral, ser
minimamente invasivas (princípio da intervenção mínima).
Equipe
A coordenação dos cinco projetos de extensão ficou a cargo da Professora Fabiana Mendes
Tavares Jacques do Departamento de Projeto, História e Teoria em Arquitetura e Urbanismo
da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Foram solicitadas a Universidade Federal de Juiz de Fora cinco bolsistas, um para cada
projeto apresentado. A justificativa para as bolsas foram, que tendo em vista a amplitude
que envolveriam a execução do desses projetos de extensão, foram elencados bolsistas não
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
só do Curso de Arquitetura e Urbanismo, mas também do Instituto de Ciências Humanas –
Curso de História, visando o pleno atendimento aos objetivos pretendidos.
As bolsas foram divididas de acordo com o Curso a que se referiam o número e suas
atividades, como especificado a seguir.
Tal bolsa se justificou pela especificidade do trabalho técnico histórico a ser desenvolvido, já
que os estudos que antecedem a etapa de intervenção devem ser feitos de modo exaustivo,
para que as ações propostas não sejam desnecessárias e até equivocadas. Segundo Silvia
Puccioni (s/d), “estudar o máximo para intervir o mínimo, com eficiência”.
Nesse sentido, uma equipe mínima para atender tão grande demanda e multiplicar
conhecimento no âmbito da universidade e na comunidade.
Parte da equipe de bolsistas. Da direita para esquerda Gabriela Moreira, Francisco Herculano Júnior,
Mariana Rossin e Tales Pravato. Fonte: Mariana Rossin, ano de 2015.
Mas para a total efetivação de um Projeto de restauração para a Igreja de Nossa Senhora
do Livramento, eram necessárias a produção de todos os projetos complementares, que os
projetos de extensão executados não contemplavam, pois eram necessárias na equipe
outros profissionais como:
Para atender a essas demandas, diversos profissionais e empresas desde 2017 a 2021,
ofereceram gratuitamente a Arquidiocese de Juiz de Fora e a Paróquia de Nossa Senhora
do Livramento, serviços e projetos.
Complementou-se dessa forma uma equipe multidisciplinar que buscou, sempre com o
máximo respeito e empenho, entender as necessidades da edificação e os anseios da
população, conformando um projeto acessível, viável e em comum acordo com a
comunidade.
Relação Ensino/Pesquisa/Extensão
Buscou-se com a relação entre ensino, pesquisa e extensão, de forma articulada visando a
ampliação e detalhamento de processos de ensino e aprendizagem colaborando
efetivamente para a formação profissional de discentes, docente e profissionais externos a
UFJF, formando profissionais e cidadãos.
Conclusão
De acordo com o panorama do projeto, assim como a forma como ele foi estruturado, pode-
se concluir que, após três anos de trabalho, apesar de alguns obstáculos que eventualmente
foram encontrados pelo caminho, o saldo final foi positivo, incluindo os demais anos que se
seguiram com intensos trabalhos sendo finalizados. As obras de restauração começarão a
qualquer momento, ainda em 2021 ou em 2022.
Agradecimentos
Referências Bibliográficas
VANNI, Julio Cezar. Sertões do Rio Cágado: origem de povoados, vilas e cidades que
integram a bacia hidrográfica do Rio Cágado. 2.Ed. Niterói: Comunitá, 2013.
Abstract:
Accessibility is directly related to the individual's culture and health. The built
environment is sustainable from the universally accessible building and city. Regardless
of sex, age, race, ethnicity, every human being has the right to come and go, in
accordance with the Universal Declaration of Human Rights. Living the city and the
building as an extension of the human body is the basis of accessibility. The human
being has, can or probably will have, according to his body performance, physical
limitations at any stage of life. Many current constructions pay attention to this
objective, which, in addition to promoting health, minimizing the cause of health
problems, overcrowding hospitals worldwide. Accessibility and universal design
prevent such unforeseen events. Just as individuals need maintenance of their bodies,
buildings need adaptations aimed at the social. And to be ACCESSIBLE is to be
SUSTAINABLE. The research aims to address accessibility in the historical context of
public health and culture. Seeking to solve in a simple way the accessibility of one of
the greatest heritage sites, the most comfortable, cozy and personal built space in the
world: the individual's home from the public walk to the interior of the residence.
Aiming to provide a better quality of life to the resident, whether or not he has physical
limitations, offering society awareness of a sustainable environment. From the private to
the public; inside out.
Keyword: Accessibility-Heritage-Law
ACESSIBILIDADE: DIREITO E PATRIMÔNIO DE TODOS
=> HUMANO**: húmus, pó, terra, barro, é onde nossa habitação se origina como
corpo, e onde temos os cinco sentidos físicos e apresentamos movimentos, emoções
sentimentos e possuímos limitações ao longo da vida.
É na década de 60 e 70 do séc. XX que esta relação com o meio ambiente é revista com
os movimentos de arquitetura e urbanismo comprometidos em reverter a baixa
qualidade ambiental dos muitos grandes centros urbanos e priorizar alternativas ao
modernismo.
Há ainda a apreciação dos monumentos, sim pelo seu valor artístico e valor histórico e
não mais pelas memórias da grandeza e do poderio que tinha no Antigo Império
Romano, na Idade Média.
Infelizes Sois vós a que não sabeis para que serve a arte. Violet Leduc, grande arquiteto
e estudioso medieval e responsável pela restauração de dezenas dos mais relevantes
bens culturais do patrimônio edificado francês, muito severamente danificados pela
Revolução Francesa, afirmou: “Restaurar um edifício não é mantê-lo, refazê-lo ou
repará-lo. É restabelecê-lo em um estado completo que pode jamais ter existido em um
dado momento”. Restabelecimento necessita de restauração, conservação e
reabilitação.
O historiador da arte Alois Riegl contribuiu à compreensão e conservação do
patrimônio cultural ao esclarecer que todo monumento é em essência um objeto social.
Preconizava ainda que era necessário considerar que o valor do bem estar físico das
pessoas é superior, sem duvida nenhuma, às necessidades ideais do culto da
antiguidade. Conservava ainda que o valor de novidade é de fato o adversário mais
temível do valor de antiguidade. Toda preservação deve incluir, à conservação do bem,
e a preservação e uso sustentável, incluindo a acessibilidade no ambiente construído.
3.1 - Conceito:
- Acessibilidade é a qualidade do que é acessível, aquilo que é atingível, que tem acesso
fácil. A acessibilidade, embora muito comumente abordada em relação às pessoas
portadoras de deficiência ou aquelas com mobilidade reduzida, o termo pode abranger
todas as parcelas de indivíduos da sociedade.
A sustentabilidade deve ser mantida como um horizonte, deve nos pautar e deve ser
buscado incessantemente. É criar um “kosmos” ao “mundus”. E criarmos um lugar no
tempo e no espaço onde possamos concretizar e vivenciar na matéria as nossas verdades
onde possamos estabelecer base existencial e habitar.
Na Lei Federal 10.098 estabelece que cada imóvel deve ser considerado como um caso
específico de intervenção, onde o grau de acessibilidade a ser alcançado decorrerá da
avaliação do bem cultural, com base em levantamento histórico, físico, iconográfico e
documental, de modo a evitar o comprometimento do valor testemunhal e da
integridade estrutural do imóvel; na impossibilidade de implantação das melhores
condições de acessibilidade em ambientes construídos ou naturais, deve ser adotada,
no mínimo, solução para acesso ao imóvel.
Deve-se em qualquer obra reforma, início de construção, ou uma que vise garantir as
características arquitetônicas do imóvel estudar todas as possíveis formas de adaptação
do edifício que atendem às normas de acessibilidade.
A arquitetura doméstica, proprietário, habitat, objeto social, bem estar físico, conclui-se
que a moradia, o espaço onde vivemos parte significativa da existência humana é o
nosso maior Patrimônio Cultural Edificado que há em toda face da Terra. E surgiu
desde a origem da humanidade: o desejo de moradia, a busca da essência de
pertencimento e apropriação do espaço, desde o homem mais primitivo.
Fotos 17, 18 e 19 – Exposição em alto relevo a partir de uma superfície plana (quadro).
4.2 - 2º Lição: O acesso e a preservação não se refere ao passado, uma época antiga,
mas se refere ao presente, ao homem presente. (diversidade)
4.3 - 3º Lição: Não há como desvincular a preservação dos outros setores da realidade.
Nada é estático, tudo é dinâmico, tudo muda na vida. A consciência dos processos
de mudança é fundamental para a lida com o patrimônio e acessibilidade.
(autenticidade e integridade)
Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das
Nações Unidas (ONU) em 10/12/48. E descrito na Constituição Federal de 1988.
Deve-se começar dentro da própria cidade, nossa casa, nosso lar, nossa moradia, nossa
musa (museu). O qual é um direito de todos os cidadãos brasileiros e do mundo inteiro.
6) Bibliografia:
(1) https://www20.opovo.com.br/app/jornaldoleitor/noticiassecundarias/corresponde
ntes/2016/04/05/noticiajornaldoleitorcorrespondente,3598466/conceito-de-
humanidade-colegio-maximus.shtml
(2) https://www.dicionarioinformal.com.br/humano/
(4) www.turismoadaptado.wordpress.com;
(5) https://www.significadosbr.com.br/acessibilidade;
RESUMO
A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar em São João del Rei apresenta duas principais fases de
construção: a primeira, a partir de 1721, quando teve início a construção, e uma segunda fase, a partir
de 1820, quando a igreja foi expandida. Conforma-se, portanto, como uma igreja híbrida, com influência
de pelo menos três estilos arquitetônicos: barroco, rococó e neoclassicismo, e possui alguns pontos
críticos devido à construção de uma estrutura sobre outra preexistente. No entanto, os documentos
históricos são escassos e neste projeto recorremos às tecnologias de escaneamento a laser e
fotogrametria a fim de buscar informações históricas diante do alto nível de detalhe propiciado por essas
tecnologias. Considerando o objetivo da pesquisa em simular no ambiente digital as diferentes fases
de construção da igreja, foi desenvolvido um modelo 3D baseado em superfícies e linhas passíveis de
serem editadas e redesenhadas. Assim, a partir da nuvem de pontos – que indica a condição atual do
edifício - procurou-se experimentar diversos aplicativos e softwares que permitisse editar o modelo
resultante, construindo uma possível imagem original do bem. Este artigo se propõe a detalhar este
processo, evidenciando as particularidades exigidas pela coleta de informações históricas, de modo a
que possam servir de base para projetos de restauro e estudos historiográficos. Embora essas
tecnologias sejam frequentemente utilizadas em diversos países, no Brasil, é ainda pouco aplicada e
limitada. A pesquisa faz parte das comemorações dos 300 anos de construção da Matriz, que integrará
um livro a ser distribuído na cidade em versões impressa e digital.
A Matriz do Pilar, como é comumente chamada, passou por várias mudanças ao longo
dos séculos e a edificação que se vê na paisagem são-joanense hoje é bastante diferente do
que já foi em outros períodos, pois essas mudanças corresponderam à atuação de diferentes
artistas e à incorporação de estilos ao edifício. Esse estudo também faz parte das
comemorações de aniversário da Matriz, que em 2021 completa 300 anos.
No decorrer dos estudos, tornou-se notória a falta de informações sobre o edifício, mesmo
tendo sido consultados os arquivos das irmandades, eclesiástico, municipal e federal. Face a
essa carência de informações documentais, compreender as transformações em um edifício
tão híbrido tornou-se um impasse. Não foi possível traçar uma linha do tempo que mostrasse
com exatidão a evolução construtiva e compositiva da igreja desde sua construção no século
XVIII.
São João del Rei é uma cidade cuja fundação remonta ao princípio do século
XVIII, originada nos movimentos de exploração do território em busca de metais
preciosos promovidos por grupos vindos da Capitania de São Paulo. Os bandeirantes
A ocupação do território de São João del Rei seguiu o modelo caracterizado por Sylvio de
Vasconcellos (1977) em seu estudo sobre as cidades mineiras do século XVIII. No caso de
São João del Rei, a condição topográfica imposta pelo vale do córrego do Lenheiro deu lugar
a um desenvolvimento longitudinal do sistema: a meia encosta, a antiga estrada de ligação
– denominada por Vasconcellos (1977) via-tronco – organiza a morfologia urbana da
construção monumental, edifícios e casas simples. De oeste a leste, as igrejas de Santo
Antônio, do Rosário e das Carmelitas lembram as antigas vilas; na metade, encontramos a
Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, símbolo da condição econômica do Arraial, que
recebeu o título de vila em 1713.
Fig.1: Paisagem de São João del Rei com a Matriz do Pilar ao centro, final do século XIX.
A Igreja Matriz do Pilar, ao longo dos séculos, passou por algumas reformas e renovações
promovidas pelas irmandades. Dentre essas mudanças, ainda na metade do século XVIII,
destaca-se a renovação da capela-mor entre 1755 e 1758, resultando na capela que se vê
atualmente. Apesar dessa mudança ainda nos primeiros anos da construção, a capela-mor, e
alguns altares laterais – juntamente com a organização geral da planta – compõem as partes
mais antigas do templo, em estilo Joanino. Ainda nesse período, conforme uma descrição de
1750, a fachada apresentava duas torres sineiras com coroa piramidal e havia um crucifixo
de pedra no adro (Viegas, 2005, p. 35). Provavelmente possuía as cores típicas do Barroco,
vermelho escuro e azul, como ainda pode ser vislumbrado em outras igrejas da região do
mesmo período.
Diante do exposto, pode-se afirmar que existem três fases de construção da igreja, a
primeira no início do século XVIII, quando ela foi de fato construída; a segunda nos últimos
vinte e cinco anos daquele século, quando o teto e outros ornamentos recebem características
em estilo Rococó; e a última, no século XIX, quando a nave foi alongada, as tribunas
concluídas, novas torres sineiras construídas e a fachada desenhada em estilo neoclássico.
Em suma, durante cerca de um século e meio a igreja do Pilar sofreu várias alterações, quase
a ponto de se tornar um canteiro de obras contínuo, e isso reforça a sua complexidade
histórica, construtiva e compositiva. (Fig. 2)
Fig.2: Capela mor, forro e fachada da Matriz do Pilar em São João del Rei.
Entre os anos de 1986 e 1988 a igreja recebeu um outro conjunto de intervenções que
envolveram a consolidação estrutural, particularmente da torre sineira direita e do adro, e o
restauro das obras de arte e da talha. Os relatórios (IPHAN, 1986) indicam danos em algumas
paredes de taipa devido a uma infiltração oriunda da fundação, provável causa do
desabamento do adro em julho de 1988, durante as obras, e das fissuras na fachada. Nesse
restauro o telhado foi totalmente refeito e houve a substituição de partes degradadas e
restauro de alguns elementos em madeira. O teto também apresentava sérias deteriorações,
como perda de parte da pintura, manchas de umidade e oxidação das cores, que foram
sanadas pela equipe supervisionada pelo IPHAN.
O laser scanner e o drone são instrumentos tecnológicos de leitura digital que geram
dados de extrema precisão que podem - e devem - ser utilizados como documentação,
investigação e divulgação de bens histórico-culturais. No Brasil, para a realização de
levantamentos digitais, costuma-se contratar uma empresa terceirizada especializada apenas
na operação dos equipamentos que normalmente atuam nas áreas de mineração, construção
civil e topografia. Isso acontece principalmente porque são equipamentos caros e
requerem conhecimento técnico para serem usados, transportados e para fazer a leitura dos
dados em computador - além de precisarem de uma manutenção periódica.
O laser scanner é um instrumento que faz medição e digitalização de alta precisão, por
meio de disparos de laser que varrem todos os pontos de uma superfície, ambiente ou objeto.
Esse levantamento é processado por um software no computador e o resultado disso é um
modelo digital em 3D, composto por centenas de milhares de pontos, comumente conhecido
O modelo 3D desenvolvido a partir dos dados gerados pelo laser scanner e pelas fotos
do drone pode ser seccionado, redesenhado, e explodido de modo a fazer composições de
como a igreja teria sido em determinado período de sua história, baseado em estudos. Dessa
forma, chegamos ao pressuposto de que essa nova documentação gerada poderia subsidiar
a pesquisa historiográfica. Assim, o modelo ajudaria a “voltar no tempo”, possibilitando a
simulação de hipóteses baseadas em pesquisas, e a busca, no próprio modelo, por indicações
que podem orientar pesquisas sobre o percurso histórico do edifício e da sua ornamentação.
Os dados gerados pelo laser scanner foram processados pelo software Recap, da
Autodesk. O Recap é um software de processamento e visualização de nuvem de pontos, e,
portanto, é possível visualizar a nuvem de pontos com as cores reais, assim como em uma
escala de cores em relação à altura dos pontos, e, ainda, visualizar as fotos em 360° que
foram tiradas pelo laser scanner no momento do escaneamento. Ao navegar nesse modelo,
é possível aproximar em áreas de difícil acesso, isolar pontos, observar detalhes, além de
fazer medições com precisão de milímetros. Na nuvem de pontos foi possível identificar
algumas características como a forma abobadada dos forros da nave e da capela mor e a
diferença de nível entre a entrada principal e o fundo da nave, imperceptível ao caminhar
dentro da igreja. Ainda assim, enfrentamos algumas limitações da tecnologia, por exemplo em
alguns locais em que havia lâmpadas, percebe-se que o laser tem dificuldade de fazer a leitura
e, como resultado, traz um emaranhado de pontos brancos. Nessa etapa importamos o
arquivo para o Autocad, dentro do arquivo criado pelo escritório que fez o levantamento da
Matriz para o projeto do PAC de 2014. Ao comparar a nuvem de pontos com a planta, percebe-
se que há uma diferença considerável entre os dois levantamentos, feitos com diferentes
métodos. Na planta baixa desenhada pelo escritório, a Matriz aparece mais comprida do que
realmente é, tendo em vista a precisão da nuvem de pontos, que não se encaixa dentro da
planta baixa. Para fins de comparação, o processo de documentação da Matriz do Pilar feito
pelo escritório vencedor da licitação em 2014 levou 75 dias corridos, segundo informação do
arquiteto responsável, e os métodos utilizados foram medições com trenas manuais e trenas
a laser, além de desenhos à mão livre e registros fotográficos auxiliares para a medição e
execução das peças gráficas em software CAD. Apesar de terem alcançado um resultado
satisfatório para a execução de um projeto de restauro, abrangendo também os elementos
decorativos, essas soluções operativas do levantamento são extremamente limitadas,
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
demoradas e pouco precisas quando utilizadas no contexto de levantamento de edificação
histórica.
Em relação aos dados gerados pelas fotos do drone, foi utilizado o software Metashape.
O software levou 27 horas e 37 minutos para processar os dados e, conforme a lógica da
fotogrametria, transformou as fotos tiradas pelo drone em uma nuvem de pontos 3D
georreferenciada, com precisão de centímetros, a qual deu origem a outros produtos: o
modelo 3D (mesh model), o ortomosaico e o mapa de elevação. (Fig. 3) O modelo gerado
pode ser exportado em diversos formatos de arquivo 3D, possibilitando um intercâmbio entre
softwares bastante abrangente. Ao analisar a nuvem de pontos é importante lembrar a lógica
de funcionamento do drone pois ela justifica a ausência de pontos em alguns locais. Por
exemplo, a parede logo embaixo das cimalhas e as janelas laterais não foram bem capturadas
pelo drone, uma vez que ele estava voando por cima da igreja e a partir de seu ponto de vista
o telhado ocultava essa parte da edificação.
Fig.3: Modelo 3D externo da matriz, feito a partir das fotos tiradas pelo drone.
Por fim, para prosseguir com o estudo historiográfico da Matriz do Pilar em São João del
Rei, mesclamos as tecnologias de escaneamento e fotogrametria com outras técnicas de
computação gráfica, como o modelo feito no SketchUp e fotomontagens. Dessa forma, foi
possível simular diferentes teorias sobre o complexo processo construtivo da matriz.
Demais potencialidades
Deste modo, o HBIM permite abrir uma outra frente de informações precisas sobre bens
culturais, contribuindo para a sua conservação. Há que se destacar que a tecnologia também
permite que os dados gerados sejam armazenados em computador e isso garante que eles
se perpetuem no tempo e sejam consultados sempre que necessário. Se associados a
pesquisas em universidades públicas, poderão vir a constituir importante acervo sobre o
patrimônio cultural brasileiro, a ser disponibilizado em parceria com os órgãos de preservação
por meio de bancos de dados abertos à comunidade.
Além disso, os modelos 3D digitais podem proporcionar também outras experiências com
o patrimônio histórico-cultural, como a visita virtual a museus. Durante a pandemia, diversos
museus utilizaram esses recursos para possibilitar a visitação a partir de casa, e muitas peças
de exposição foram escaneadas – o que contribui também para a sua documentação e
inventariamento. Não apenas a visitação a distância pode resultar do escaneamento de um
acervo museológico, há também a possibilidade, ao utilizar os equipamentos e softwares
apropriados, de se fazer a impressão 3D do objeto escaneado. Essa aplicação pode ser
bastante útil no caso de restauro da peça, ao permitir que ela seja replicada.
Por mais que a nuvem de pontos entregue uma precisão milimétrica, os softwares de
processamento de dados apresentam algumas limitações quando usados em nuvem de
pontos de edificações históricas bastante ornamentadas. Essas limitações são evidenciadas
quando se faz a modelagem, pois perde-se parte dessa precisão ao simplificar algumas
curvas e frestas. Para estudos esquemáticos, isso não é um problema. No entanto, para
estudos historiográficos, nos quais se procura conjecturar o passado, e, nesse caso, fazer um
caminho “de trás para frente” para estudar a evolução construtiva e compositiva dessa
arquitetura religiosa durante os séculos, é importante a representação mais real possível. Por
isso, é fundamental também um levantamento fotográfico de alta qualidade. Por exemplo, há
estudos em que se busca o elemento de origem de algum símbolo que foi se transformando
ao longo dos anos, dependendo do lugar e do artista. O levantamento digital dessas peças
permite ao pesquisador enxergar detalhes e simular diferentes teorias, auxiliando-o a
compreender essa evolução e a buscar os pontos de convergência na história que mostram
quando e porque determinado símbolo foi modificado.
FONSECA, C.D. Arraiais e vilas d’el rei: espaço e poder nas Minas setecentistas [online]. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2011. Humanitas series, 731 p. ISBN: 978-85-423-0307-0.
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IPHAN. 1946. Documentos de obra Matriz de Nossa Senhora do Pilar em são João del Rei.
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____. 1986. Documentos de obra Matriz de Nossa Senhora do Pilar em são João del Rei.
Arquivo da Regional do IPHAN em Minas Gerais, não publicado.
LIMA, Sérgio Fagundes de Souza. Arquitetura São-joanense do Século XVIII ao XX. In.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, São João del-Rei, v. VIII,
1995.
LUCCOCK, J. 1975. Notas sobre o Rio de Janeiro e as partes meridionais do Brasil. Edusp/
Itatiaia, São Paulo/Belo Horizonte.
SANTOS FILHO, Olinto Rodrigues dos. A matriz de Santo Antônio em Tiradentes. Brasília,
Iphan / Programa Monumenta, 2010.
A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar em São João del Rei apresenta duas
principais fases de construção: a primeira, a partir de 1721, quando teve início
a construção, e uma segunda fase, a partir de 1820, quando a igreja foi
expandida. Conforma-se, portanto, como uma igreja híbrida, com influência de
pelo menos três estilos arquitetônicos: barroco, rococó e neoclassicismo, e
possui alguns pontos críticos devido à construção de uma estrutura sobre outra
preexistente. No entanto, os documentos históricos são escassos e neste
projeto recorremos às tecnologias de escaneamento a laser e fotogrametria a
fim de buscar informações históricas diante do alto nível de detalhe propiciado
por essas tecnologias.
RESUMO
Os anos iniciais do Território Federal do Amapá (TFA), sob a administração de Janary Gentil Nunes
(1943-1956), foram marcados pela construção de diversos prédios institucionais, alguns ainda
presentes, que visavam a qualidade de vida dos amapaenses, sobretudo, em Macapá. Deste período,
a principal fonte documental é o Relatório de Atividades do Governo do Território Federal do Amapá
(1946). Assim, a partir deste contexto, o artigo aborda o caso da Escola Estadual Barão do Rio Branco,
reconhecida como uma das primeiras instituições de ensino implementadas em Macapá durante o TFA,
e a qual passou por uma recente reforma que modificou parte de seus elementos Neocoloniais.
Objetivando analisar os aspectos que contribuem para o reconhecimento do edifício escolar como fonte
para a documentação da história social e arquitetônica desta cidade. Partindo de uma metodologia
quali-quantitativa, por meio de referências bibliográficas, estudo e levantamento documental da estética
Neocolonial no contexto “janarista”, atentando ao objeto de estudo; a coleta de dados a partir de
entrevistas; e visitas a campo com registros fotográficos. Como resultado, buscou-se enfatizar como as
intervenções arquitetônicas, ao desconsiderar a arquitetura como documento, podem colaborar para a
descaracterização de elementos e, por consequência, a perda de informações sobre a construção
material e social da paisagem urbana. Discutindo, dentro do contexto macapaense, a relevância de
preservação da edificação escolar como documento, devido aos múltiplos valores históricos, sociais e
estéticos nela presentes.
Palavras-chave: Arquitetura como documento; Arquitetura Neocolonial; Escola Estadual Barão do
Rio Branco.
Logo, a obra arquitetônica, quando ainda presente em sua forma física, pode ser
considerada tanto objeto de estudo como fonte documental, já que possibilita complementar
as informações de outras fontes, como o projeto arquitetônico, além de expressar
materialmente aspectos histórico-culturais de determinados contextos sociais. Ao considerar
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a obra arquitetônica como fonte documental, amplia-se as interpretações sobre o objeto
arquitetônico, permitindo aos pesquisadores realizar variadas leituras/ interpretações e
recortes temporais sobre os objetos de estudo.
Braudel (1965, p.262) ao abordar a relação entre os campos da História e das Ciências
Sociais, propôs a ideia de “tempo da história”, cujo foco histórico seria nos grupos sociais, e
não mais em sujeitos específicos. Para ele os acontecimentos da história social estariam
divididos em três durações de causa/efeito: curta, média e longa (Quadro 1).
Waisman (2013) comenta que a classificação proposta por Braudel também pode ser
aplicada ao campo da arquitetura e urbanismo como um instrumento de reflexão, visto que
uma obra arquitetônica, a qual poderia ser a princípio entendida como um acontecimento de
curta duração, pode provocar eventos de duração média ou longa. Por exemplo, quando uma
edificação é planejada e construída, esta é compreendida como um acontecimento de curta
duração, pois só afeta seu contexto em um período relativamente pequeno de tempo. Porém,
Malard (2006) menciona que, ao longo do tempo, diversas culturas foram organizando
seu espaço físico de acordo com as necessidades coletivas e individuais, buscando reforçar
ou contrariar as tradições culturais e estruturas sociais a partir das características que
compõem a arquitetura. Já Silva (1994) comenta que a materialidade da obra arquitetônica
constitui um elemento essencial para a sua análise, pois é a partir dela que podem ser feitos
outros recortes de pesquisa, abordando o edifício segundo sua morfologia, funcionalidade,
materiais construtivos, e filiação estilística.
Devido seu caráter de fenômeno sociocultural, a ciência que estuda a arquitetura tende
por construir conceitos gerais que “caracterizam e organizam o particular dentro do geral, mas
não determinam” (WAISMAN, 2013, p. 100). Desse modo surgem vários conceitos para
identificar os diversos atributos presentes nas obras arquitetônicas, como: estilo, tipo,
tipologia, estrutura e linguagem. Morales (2016) cita que as analogias entre elementos
arquitetônicos e a linguagem escrita foram recorrentes para a História da Arquitetura, cujo
arquiteto era visto como escritor e o edifício como texto. Porém, estas associações foram
reproduzidas à exaustão durante a década de 60, do século XX, após a introdução de novas
metodologias linguísticas e do pensamento estruturalista.
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Para além das interpretações já estabelecidas pela historiografia da arquitetura, é
preciso ressaltar também as novas leituras do objeto arquitetônico, as quais consideram sua
validade enquanto documento histórico. Na interpretação de Morales (2016, p.19), por
exemplo, é inegável o caráter “multifacetado e complexo” das obras arquitetônicas, cuja
materialidade e significados estão suscetíveis a passar por múltiplas intervenções. Mas
também é preciso considerar tanto os momentos de transposição de significado quanto
abordar a materialidade da obra arquitetônica a partir de sua cadeia comportamental,
considerando não apenas o processo de criação e uso do edifício, mas seu eventual
descarte/destruição ou possível reuso (MORALES, 2016).
É importante lembrar que, desde o início do século XX, além de centro político, a
cidade do Rio de Janeiro também era um dos principais núcleos do pensamento moderno no
Brasil. Tendo em vista que uma das tarefas do governador do Território era estimular valores
culturais modernos na população, pode-se entender a origem da influência da cultura carioca
no projeto de governo de Janary. Algo que se manifestou, sobretudo, no planejamento urbano
de Macapá e nos padrões estéticos utilizados para os prédios construídos pelo governo na
região.
Segundo Tostes e Weiser (2018), durante o período janarista, Macapá foi o ponto
central das obras do governo do TFA para a estruturação urbana, substituindo as feições de
cidade colonial para adotar os mesmos parâmetros de cidades modernas. Conforme
Cantuária et. al (2014), o modernismo macapaense manifestou-se mais tardiamente em
Esse foi o contexto que antecedeu a construção da Escola Barão, inicialmente Grupo
Escolar de Macapá, construída entre 1944 e 1945, e inaugurada em 20 de abril de 1946. De
O Grupo Escolar de Macapá foi edificado em terreno próximo à Praça Barão do Rio
Branco, criada ainda no começo do povoamento de Macapá, e iniciou as obras de
estruturação urbana da cidade. Contemporaneamente, localiza-se na Avenida FAB, entre as
ruas São José e Cândido Mendes, no bairro Central. Com base em Nunes (1946), nota-se
que a proposta era sanar as necessidades básicas da educação e ter capacidade de receber
grande quantidade de alunos, em tempo integral, considerando o extenso programa
arquitetônico que o prédio apresentava para a época.
Prédio com orientação sul, em estilo colonial, situado à Praça Barão do Rio
Branco, (...), com dois pavimentos, com as seguintes depêndencias: um hall
de entrada, doze salas de aula (...), duas de 6,60 x 9,70, uma sala de diretoria
(...), uma sala de conferências com palco e cabine cinematógrafica, (...).
Possui ampla varanda em frente e duas laterais. As salas são servidas por
um corredor central (...). A construção é de alvenaria de tijolos de concreto,
(...), no andar térreo, e de alvenaria de tijolos furados (...), no primeiro andar,
com lajes de piso e de fôrro de concreto armado e cobertura de telhas tipo
“Marselha” (NUNES, 1946, p. 99).
Cardoso (2016) menciona que nos anos seguintes, mesmo após o fim do governo de
Janary Nunes, o prédio da escola foi se ampliando e modificando para atender às novas
necessidades. Com base nas pesquisas de Pacheco (2018), identifica-se que a Escola
passou por ampliações entre as décadas de 50 e 90, do século XX (Figura 2), modificando o
aspecto inicial com a adição de novos blocos, sendo todas construções térreas. Atualmente,
a unidade escolar está dividida em cinco blocos, composto pelo prédio principal e quatro
blocos anexos, além do refeitório e quadra poliesportiva.
Pacheco (2018, p.48) ainda aponta que os Blocos C e D, construídos nos anos de
1960, também seguiram no padrão estético Neocolonial, com “utilização de arcos plenos,
pilares com ornatos boleados que estão localizados nas fachadas”. As pesquisas de Cardoso
(2016) e Pacheco (2018) corroboram para o aprofundamento analítico da composição estética
da Escola, já que se percebe que todos os blocos anexos, construídos ao longo do período
do Território Federal do Amapá, seguiram os mesmos elementos Neocoloniais do prédio
principal, mantendo a unidade arquitetônica. Diferentemente das demais ampliações
executadas nos anos de 1994 (PACHECO, 2018).
Tanto Cardoso (2016) quanto Pacheco (2018), apresentam como o descaso com a
manutenção predial foi danoso para a Escola. Problemas na infraestrutura colocavam a
comunidade escolar em risco, o que acarretou na interdição do complexo e, consequente,
transferência de alunos e funcionários para outro prédio. Contudo, a arquitetura da Escola
Barão permaneceu em desuso e, praticamente, abandonada, entre os anos de 2013 e 2018,
estando suscetível a ação de vândalos e deterioração material.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As edificações projetadas no período de Janary Nunes (1946), indicam o início do
desenvolvimento do que se torna a então cidade de Macapá, enquanto a arquitetura conta
sua história, e conforme as estruturas se reestruturam, esta vai se perdendo e se modificando
com o tempo. No caso da Escola Estadual Barão do Rio Branco, se tem a clara constituição
da valorização através da memória, seja de ex-alunos, funcionários e demais usuários, que
recordam, com afetividade, de espaços e eventos em seus anos vividos na mesma.
Por fim, objetivar o edifício como documento, é resguardar seu papel como
fundamental para a construção do histórico da cidade, o que não impede as melhorias
necessárias em uma obra de interesse, desde de que haja um trabalho arquitetônico
cuidadoso para a manutenção da sua memória física e arquitetônica. Do contrário, a
descaracterização auxiliará no processo de perda da memória, social e estética, da cidade de
Macapá. E que precisa ser preservada para as gerações presentes e futuras.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Felipe Moreira. A Linguagem Arquitetônica Tradicionalista: estudo das
residências neocoloniais no bairro de Nazaré, em Belém do Pará (1910 – 1940). 275 f.
Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo,
Universidade Federal do Pará, Belém, 2015.
BRAUDEL, Fernand. História e ciências sociais: A longa duração. Revista de História. v. 30,
n. 62, abr./ jun. 1965, p. 261 – 294.
KARNAL, Leandro; TATSCH, Flavia Gali. A mémoria evanescente. In: PINSKLY, Carla
Bassanezi; DE LUCA, Tania Regina (orgs). O historiador e suas fontes. 1 ed. São Paulo:
Contexto, 2012, p. 9 – 27.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. 4 ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996.
MALARD, Maria Lucia. As aparências em arquitetura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
MORALES, Fábio Augusto. Edifícios como fonte histórica: o caso do templo de Ares na ágora
de Atenas (século I a.C.). Revista de fontes. v. 5, 2016, p. 17-30.
SILVA, Elvan, Matéria, idéia e forma: uma definição de arquitetura. Porto Alegre: Ed.
Universidade/ UFRGS, 1994.
TOSTES, José A.; WEISER, Alice A. Macapá: a cidade modernista do período janarista de
1943 a 1955. Revista Amazônia Moderna, v.1, n.2, Palmas, out./mar. 2018, p.34-53.
RESUMO
No Brasil, assuntos mais específicos, como a arquitetura, começam a ganhar destaque nas
publicações periódicas a partir do final do século XIX. Contudo, é a partir dos anos 1920 que
identificamos um incremento nas publicações especializadas, no Rio de Janeiro, então capital federal,
surgiram algumas das mais emblemáticas: Architectura no Brasil: Engenharia e Construção (1921-29)
e A Casa: Revista de engenharia, architectura e arte decorativa (1923-52). O assunto era a
arquitetura, mas recorrentemente a “engenharia” e a “construcção” são evocadas nos títulos e nos
conteúdos veiculados. Torna-se pertinente, portanto, levantarmos alguns aspectos acerca da
formação do profissional arquiteto nesse momento histórico e, principalmente, da constituição de seu
campo de atuação, para que tais especificidades possam ser adequadamente compreendidas. Nesse
sentido, o presente artigo busca elucidar as tensões e argumentos que giravam em torno da
legitimação da atuação de profissionais diplomados em detrimento dos “práticos”. Ademais,
procuraremos demonstrar de que maneira o universo da formação especializada no campo da
arquitetura e construção se dava no Brasil, antes do marco regulador das profissões de arquiteto e
engenheiro, que se dá a partir de 1930 com a criação do sistema CREA/CONFEA.
Desde cedo é possível perceber que sua vocação está atrelada essencialmente à
veiculação de conteúdo educativo e ao entretenimento. Segundo Scalzo (2016, p. 13), a
revista “possui menos informação no sentido clássico (as ‘notícias quentes’) e mais
informação pessoal (aquela que vai ajudar o leitor em seu cotidiano, em sua vida prática)”.
Desse modo, a revista caminhou para a periodização semanal, quinzenal, mensal, trimestral
ou semestral e, por vezes, anual (MARTINS, 2000, p. 40).
As revistas são planejadas para durarem mais que os jornais, o tamanho e a melhor
qualidade do papel permite que permaneçam um bom tempo nos ambientes residenciais ou
de trabalho antes de serem descartadas, tornando-se, para muitos, itens colecionáveis. A
revista possibilita ainda um tipo de “leitura fragmentada, não contínua, e por vezes seletiva”
(ROCHA, 1985, p. 33 apud MARTINS, 2000, p. 45). Tal característica permite contrapô-la ao
livro, que geralmente prescinde de uma leitura sequencial e, por suas características
materiais, tende a durar ainda mais.
Por outro lado, Marília Scalzo (2016, p. 16) afirma que a revista é um tipo de publicação cujo
alcance é relativamente limitado, “comunicação de massa, mas não muito”, visto que
quando atinge públicos enormes e difíceis de distinguir, começa a correr perigo1. Nesse
sentido, podemos apontar outra grande particularidade que é a segmentação por assunto e
tipo de público. A tendência que se observa é de que a consciência do grupo ao qual se
destina faz com que a linguagem, publicidade e toda sua estrutura formal seja direcionada
para se atrair e fidelizá-lo, ou seja, como a própria autora afirma, “quem define o que é uma
revista, antes de tudo, é o seu leitor”. Tal aspecto pode ser identificado nas revistas através
1Nesse ponto a autora cita o caso da revista americana Life: nascida nos anos 1930, ao atingir a marca de oito
milhões de exemplares semanais (anos 2000) acaba sendo fechada, tendo em vista o elevado custo da
publicação e das despesas de envio (a maior parte dos exemplares eram vendidos mediante assinaturas), o que
aos poucos inviabilizou a publicidade (o custo do anúncio em suas páginas era quase o mesmo da televisão) e,
consequentemente, a própria saúde financeira da revista.
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de sessões que dão voz aos leitores, onde solicitações, ponderações, elogios, dúvidas,
enfim, uma série de questões costumam ser publicadas e, quando pertinente, atendidas.
Outra característica importante a ser considerada, diz respeito ao fato de que as revistas
representam épocas, ou seja, só funcionam em perfeita sintonia com seu tempo. Scalzo
(2016, p. 16) afirma que é possível compreender muito da história e da cultura de um país
conhecendo suas revistas, nelas estão os hábitos, as modas, os personagens de cada
período, os assuntos que mobilizavam as pessoas, etc. Martins (2000, p. 21) reforça ainda,
que tal gênero destaca-se por apresentar um “registro múltiplo: do textual ao iconográfico,
do extratextual – reclame ou propaganda – à segmentação”, e isso favorece enormemente a
reconstituição de cenários do passado, visto que os diferentes recursos informativos, podem
orientar de modo mais abrangente a contextualização dos fatos históricos.
Num primeiro momento ganharam destaque as revistas literárias e aquelas que pretendiam
oferecer panoramas variados, conforme os magazines europeus (MIRA, 2013, p.15). Aos
poucos, órgãos de classe e instituições de ensino também investem na produção de revistas
com o intuito de difundir seus ideais e sua produção intelectual. Em linhas gerais, as revistas
dessa fase de consolidação e popularização do impresso, eram ilustradas2, e isso é um
importante fator a ser considerado.
Outro aspecto que não pode ser desconsiderado é o fato de que no Brasil teremos a
constituição inicial de dois parques editoriais: o primeiro no Rio de Janeiro, devido ao fato de
concentrar desde o Império, os órgãos de governo e a elite letrada. E o segundo em São
Paulo, que em razão do êxito alcançado com a economia cafeeira, incremento da atividade
industrial e consequente aparecimento de uma camada burguesa culta, também oferece os
meios necessários para a propagação da imprensa. Nunca se pode perder de vista o fato de
que até os anos 1920, o índice de analfabetismo no Brasil girava em torno de alarmantes
80% (COSTA, 2012, P. 78), nessas duas capitais, o cenário era ligeiramente melhor e por
essa razão acabaram concentrando as principais publicações periódicas da Primeira
República.
2Vale lembrar que desde o Segundo Reinado haviam periódicos ilustrados, dedicados inicialmente ao gênero
satírico e de forte conteúdo político, que obtiveram grande sucesso entre os leitores brasileiros e provocaram o
hábito do consumo de imagens (ROMANCINI e LAGO, 2007, p. 59).
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Ernesto da Cunha de Araújo Viana3,
personagem importante no desenvolvimento
da arquitetura tradicionalista brasileira (estilo
colonial), denominada Revista dos
Constructores – Jornal Illustrado (Figura 01).
Tal publicação teve uma vida curta (1886-89),
entretanto, trouxe um panorama até então
pouco explorado pelos periódicos, que era o
da arquitetura e da construção de edifícios.
Em seu primeiro volume, publicado em
fevereiro de 1886, Araújo Viana afirma que a
revista que se iniciava certamente não era o
único jornal técnico publicado no Rio de
Janeiro4, haja vista a Revista de Engenharia e
a Revista das Estradas de Ferro, porém,
afirma que ela se diferirá das demais pois
“será um jornal de architectura, de engenharia
Figura 01: Primeiro número da Revista dos no que for do dominio da arte de construir, e
Constructores do ano de 1889, mês de janeiro.
de hygiene da construção”.
Neste exemplar, a capa apresenta um
monumento arquitetônico brasileiro do período
colonial – a Sé Episcopal de Salvador. De fato, nota-se a partir de uma análise da
Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.as publicação, que temas como estilos
px?bib=227110&pasta=ano%20188&pesq=. arquitetônicos são recorrentes, além de
Acesso em 12/11/2018.
também identificarmos uma constante
publicação de edifícios exemplares realizados em diversas partes do mundo, bem como de
construções brasileiras, tanto do período colonial, quanto recém-inauguradas ou fase de
construção. É importante destacar que, para viabilizar financeiramente tal empreendimento,
Araújo Vianna contou com o patrocínio de D. Pedro II. De acordo com suas próprias
3Ernesto da Cunha de Araújo Vianna, nasceu em 1852 no Rio de Janeiro. Cursou a escola Politécnica e depois
de graduado direcionou suas atividades para a história da arte e da arquitetura, tornando-se membro do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro e professor da Academia Imperial de Belas Artes, que após a reforma
republicana de 1890, passa a se chamar Escola Nacional de Belas Artes. Também deu aulas de História da Arte
Nacional na Escola Normal da Prefeitura. Na virada do século, após encerrar as atividades de sua revista de
construção, passa a se dedicar de modo mais enfático à difusão de ensaios que versavam principalmente sobre
as características da arte e arquitetura coloniais brasileiras.
4Cabe citar a existência de duas publicações de órgãos de classe contemporâneas à Revista dos Constructores,
a primeira é a Revista do Instituto Polytechnico Brasileiro (fundado em 1862), editada entre 1868-1906 não
tendo, porém, uma periodização mensal, variando entre uma (anuário) a três edições por ano. Todas as edições
encontram-se disponíveis em formato digital na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=334774&PagFis=3. Acesso em 28/11/2018. A segunda, é
a Revista do Club de Engenharia, publicada a partir de 1887 (SIMONINI, 2017, p. 145).
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palavras: “Sua majestade mandava pela tesouraria particular de sua Imperial Casa,
diretamente à tipografia, sem eu saber, os recursos para serem pagas as despesas de
impressão. (...) Sua Majestade, portanto, interessava-se também pela architectura. ”
(VIANNA, 1916, p. 589 apud SOUZA, 2017, sp.).
Sylvia Ficher (2004) apresenta um panorama bastante completo sobre o ensino, formação e
atuação profissional de arquitetos na cidade de São Paulo, a partir do curso de Engenheiro-
arquiteto da Escola Politécnica (1894-1954). Em seu livro, a autora assinala que durante as
últimas décadas do século XIX, assistiu-se à institucionalização do ensino e à ampliação das
possibilidades de atuação dos profissionais da engenharia (incluída a arquitetura enquanto
uma especialidade) no contexto paulista, o que decorre principalmente da expansão da
5Entendido aqui sob a perspectiva bourdiana, como um conjunto de instituições sociais, indivíduos e discursos
que se suportam mutuamente. No caso da arquitetura pode ser definido “por arquitetos, críticos, professores de
arquitetura, construtores, todo tipo de clientes, a parcela do Estado envolvida com a construção, instituições
financeiras e mais o discurso arquitetônico e as exigências legais quanto a edificações” (STEVENS, 2003, p. 91).
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malha ferroviária e do investimento em obras de saneamento e melhoramentos urbanos.
Neste momento, como consequência do pensamento republicano, as municipalidades são
organizadas e aos poucos são criados órgãos de regulação e gestão das obras públicas.
No que diz respeito à formação do arquiteto em si, Ficher (2004, p. 26) aponta que, ao
contrário do que ocorrera no Rio de Janeiro, em São Paulo a formação destes profissionais
não nasceu das Belas Artes, e sim como um braço da Engenharia. Em 1894, após alguns
ajustes, ficou definido que o aluno ingressante na Escola Politécnica poderia, ao final dos
estudos, qualificar-se como Engenheiro Civil, Industrial, Agrônomo ou Arquiteto, de modo
que até 1917 era “praticamente impossível distinguir engenheiros civis e arquitetos, uma vez
diplomados” (FICHER, 2004, p. 29). No Rio de Janeiro, por existir uma organização de
classe melhor aparelhada, especialmente no caso dos engenheiros civis, e também pelo
fato de que os arquitetos eram formados na Escola de Belas Artes – muito embora a
titulação obtida pelo concluinte era “engenheiro-architecto”, assim como ocorria em São
Paulo –, uma distinção um pouco mais clara era perceptível, porém, pode-se dizer que os
arquitetos constituíam um grupo mais desarticulado.
A formação de arquitetos no cenário carioca remete, por sua vez, à Academia fundada
durante o reinado de D. João VI, com a participação de artistas franceses, com destaque
para o arquiteto Grandjean de Montigny (1776-1850). Tal escola, persistiu durante todo
período imperial como Academia Imperial de Belas Artes e, segundo Uzeda (2010, sp.),
“assistiu o comprometimento ideológico e econômico que mantinha com o Império
transformar-se de bônus em ônus pesado demais para ser carregado em tempos
republicanos”. É importante notar que desde a formação da Escola Polytechnica (1874), o
6O Clube de Engenharia funda em 1887 sua revista oficial, a Escola Polytechnica do Rio, por sua vez, só articula
uma publicação para divulgar sua produção na década seguinte, em 1896. Os engenheiros que atuavam no
Distrito Federal buscavam através de tal representação, levantar questões referentes à necessidade de
planejamento urbano e construção de obras de infraestrutura, encabeçam uma campanha em prol da realização
de um plano de remodelação e melhoramentos para o Rio de Janeiro e acabam conquistando um importante
lugar nas decisões sobre os rumos da cidade.
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curso de Arquitetura começou a perder alunos, o que se agravou nos primeiros anos
republicanos. Uzeda (2010) afirma ainda, que uma mudança começa a ser sentida com a
realização das intervenções propostas pelo prefeito Pereira Passos, mais especificamente
com a construção da Avenida Central (1903-1906), pois é a partir desse ponto, que a
cadeira de Arquitetura apresenta sinais de reação, passando de “0” alunos matriculados em
1901 para “7” em 1910.
Muito embora os profissionais oriundos da ENBA tenham obtido notoriedade com seus
projetos para a Avenida Central, o cenário carioca também era marcado pela “confusa
superposição de atribuições entre arquitetos, engenheiros e construtores” (UZEDA, 2010,
sp.). Os engenheiros gozavam de mais prestigio junto ao regime republicano e por essa
razão eram maioria no júri do Concurso, além de também participarem através da
submissão de projetos. Assim como ocorria em São Paulo, os engenheiros (civis) que se
dedicavam à arquitetura recorriam aos mesmos cânones acadêmicos sob os quais eram
formados os arquitetos, gerando uma produção de bases historicistas, com preocupações
estilísticas e decorativas.
7 O Instituto Brasileiro de Arquitetos (IBA) criado em 1921, teve como função inicial “assegurar a lisura do
concurso de fachadas promovido pela prefeitura” para as edificações que comporiam a Exposição do Centenário
da Independência (SILVA, 2003, p. 52). Logo em 1922, organizou-se uma dissidência que formou a Sociedade
Central de Arquitetos (FICHER, 2055, p. 181). Em 1924 as duas instituições se unificam e dão origem ao Instituto
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Architectura no Brasil e A Casa: janelas
através das quais vislumbramos as
disputas
(...)
Central de Arquitetos, que em 1936 assume o nome que conserva até hoje, o de Instituto de Arquitetos do Brasil
(IAB).
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A nossa cultura artistica já comporta para este ultimo o reconhecimento para seus
direitos: como o médico é chamado a tratar dos doentes, o advogado a resolver
questões de direito, e o engenheiro os problemas de sua especialidade,
reconheça-se ao architecto o privilegio adquirido em longos anos de
meditação e estudo, de ser ouvido sempre que estiver em jogo os preceitos
da “arte do Bello na construção”. (Grifo nosso. BAHIANA, Gastão. O
Architecto no Brasil. ARCHITECTURA NO BRASIL. Rio de Janeiro, ANNO. I, N.
1, p. 3-4, out. 1921)
Cabe ressaltar que, embora Bahiana tenha afirmado que a diferenciação entre o construtor,
o engenheiro e o arquiteto tivessem sido esclarecidas, o que de fato aparece é uma
imprecisão nas competências de engenheiros e arquitetos, tendo, por outro lado, uma
enorme clareza na exposição das limitações dos construtores. Nesse sentido, podemos
identificar que na edição de novembro de 1925, a revista Architectura no Brasil apresenta
outro artigo que deixa evidente tanto a dificuldade de se reconhecer as atribuições dos
diferentes profissionais envolvidos no campo da construção civil, quanto a insatisfação dos
arquitetos em relação a tal quadro:
(...)
No mesmo texto, o autor, que não é identificado, diz que a confusão colocada pelo
“Regulamento” se deve ao fato de que à palavra “Architecto” eram recorrentemente
atribuídos sentidos errôneos. Desse modo, propõe uma caracterização do que, segundo ele,
se deveria “entender modernamente por ‘Architecto’”:
No n. 30, out. 1926, o artigo “Os maos projetos” reforça o fato de que muitas construções
ainda eram fruto de projetos elaborados pelos proprietários e construtores, desconsiderando
desse modo a atuação do arquiteto, que seria o profissional mais adequado para tratar
desse assunto. O texto reconhece que a atuação dos profissionais não diplomados era
preferida por questões de custo e também pela falta de conhecimento do verdadeiro papel e
competência do arquiteto: “Só quem conhece e pode projetar com segurança é o architecto,
do mesmo modo como só o que póde curar é o médico. E por que se ha de procurar o
médico quando se está doente e não se procura o architecto quando se quer um projeto?”
(A CASA. Rio de Janeiro, n. 30, p. 9-10, out. 1926).
Confesso, como arquiteto que sou, conhecendo a maneira pela qual nossa
profissão é reconhecida e admirada na Europa, que fiquei estupefacto e até
penalizado, vendo que aqui no Rio não se faz a mínima idéia da funcção completa
e definida de que o arquitecto goza em todo o mundo.
(...)
(...)
Aquelle que constroe por conta propria, acredita que uma construcção se obtem
do mesmo modo que uma roupa ou um par de sapatos e desde que possua um
desenho, quasi sempre illusorio, e um preço englobado, imagina ingenuamente
que terá com a obra terminada a construcção que desejava.
Em realidade elle não sabe o que contracta, não foi orientado e ignora se o valor
real da construcção corresponde ao desembolso que faz. Aqui no Rio, acrescenta,
tive oportunidade de encontrar exemplos frizantes dessas casas feitas sem arte,
seguindo normas rotineiras que se abeiram de épocas remotas e que, afinal,
custaram vultuosas quantias.
(...)
A edição n. 74, jun. 1930, por sua vez, chama atenção para o assunto da regulação do
exercício profissional, assinalando que em São Paulo e Pernambuco os esforços dos
engenheiros civis já haviam surtido efeito. No caso do estado do Rio de Janeiro, afirma que
o Governo de Feliciano Sodré, conseguiu também estabelecer critérios para a
regulamentação profissional da engenharia (civil). Entretanto, o texto reforça a urgência de
que uma lei de abrangência federal fosse aprovada e ressalta que o “Instituto Central dos
Architectos” estava se organizando para levar ao “Congresso Nacional, um projecto de
Regulamentação para o engenheiro-architecto”:
Por que não confiar ao architecto não só o projecto como a direção ou fiscalisação
de sua casa? É um engano pensar como muita gente que ao concluir a primeira
casa, julga ter adquirido conhecimentos bastantes para, sem o concurso do
architecto e do constructor, sozinha, dirigir uma construcção. É uma experiencia
essa que a muitos tem custado caro. (AZEREDO, J. Cordeiro de. O regulamento e
o problema da construção. A CASA. Rio de Janeiro, n. 75, p. 18-19, jul. 1930).
Considerações finais
O breve relato apresentado deixa claro que apesar das divergências, sobreposições de
atribuições e disputas por espaço, o campo de atuação de arquitetos e engenheiros sofrerá
maiores alterações somente a partir dos anos 1930. De modo que os anos 1920 serão
marcados pelas iniciativas que buscavam promover a figura do arquiteto, principalmente
frente aos profissionais não diplomados: nos conteúdos veiculados pelas revistas
investigadas, a distinção de papéis entre engenheiros civis e engenheiros arquitetos não era
uma questão que parecia incomodar. Naqueles anos, primeiramente importava aos
profissionais obter vantagens e privilégios para o exercício dos diplomados; o
estabelecimento de competências e distinções específicas às categorias podiam ser
deixadas para depois.
Referências Bibliográficas
FICHER, Sylvia. Os arquitetos da Poli: ensino e profissão em São Paulo. São Paulo:
Edusp, 2004.
_____. Emergência e difusão das revistas de arquitetura no Brasil: São Paulo, 1870-1970.
In: MESQUITA, Marieta Dá (Org.). Revistas de arquitetura: Arquivo(s) da Modernidade.
Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2011, p. 12-27.
UZEDA, Helena Cunha de. O Curso de Arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes e
processo de modernização do centro da cidade do Rio de Janeiro no início do século
XX. In: Revista 19&20, Vol. V, N. 1,2010. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/arte
decorativa/ad_huzeda.htm. Acesso 27/03/2019.
E-mail: joaohenrique.santos@gmail.com
RESUMO
O trabalho em questão tem por objetivo traçar um panorama das rotundas ferroviárias no Brasil, bem
como contextualizar e a avaliar a atual situação do conjunto da rotunda pertencente ao Complexo
Ferroviário de Campo Grande/MS, monumento de grande relevância, seja enquanto marco na
paisagem urbana da cidade ou como patrimônio cultural reconhecido pelas três esferas de poder,
Federal, Estadual e Municipal. As oficinas e locais para guarda das locomotivas, as rotundas,
representam o zelo e a necessidade de se conservar os equipamentos que correm pelos trilhos,
fazendo com que melhorem o desempenho dos deslocamentos e atinja êxito na prestação do serviço
a qual ela se presta, o transporte. Sobre as rotundas no Brasil, poucas são as informações
disponíveis, para este artigo foram consultados majoritariamente duas plataformas específicas sobre
o tema, a publicação de Sérgio Santos Morais “Reconstrução da rotunda de São João del‟ Rei” do
ano de 1987 e a plataforma digital http://www.estacoesferroviarias.com.br/ do pesquisador Ralph
Mennucci Giesbrecht. O conjunto da Rotunda, prédio localizado na esplanada do Complexo
Ferroviário Histórico e Urbanístico da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB) em Campo
Grande/MS é vestígio da arqueologia industrial ferroviária, memória cultural de um sistema de
trabalho do final da primeira metade do século XX. As estruturas que compõem o conjunto da rotunda
estão abandonados desde 2004, quando ocorre definitivamente a interrupção de trânsito de trens de
carga em decorrência da construção de um contorno ferroviário transferindo a passagem de trens
para fora da esplanada ferroviária e da área urbana da cidade. Diante dos fatos mencionados, tem-se
que o velho ditado “casa vazia, ruína anuncia” se concretize e no caso do conjunto da rotunda, o
abandono e a falta de uso interferem na paisagem do conjunto a ser preservado, quanto na
possibilidade da própria existência do bem. O uso contemporâneo e adequado ao bem é a forma
mais eficaz de se preservar o monumento, fazendo com que os remanescentes do passado se
tornem palco da vida moderna, valorizando a história social, a história do trabalho e de fazeres
específicos do universo ferroviário, transformando-os em marcos referenciais para a identidade e para
a memória da cidade.
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Rotundas e oficinas ferroviárias
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O uso das rotundas no sistema ferroviário foi bastante difundido, principalmente nos
complexos que estão situados no fim de linha ou nos entroncamentos ferroviários. A forma
circular ou semi-circular eram adotados pela racionalização dos espaços, pois se utilizava
um girador para manobras ao centro da edificação, ou na parte externa, que conduzia as
locomotivas pelas “linhas” para a realização dos reparos ou para a guarda em boxes
independentes. Para MOREIRA, para alguns casos de rotundas ferroviárias:
(...) sua disposição por boxes permitia uma maior flexibilidade construtiva
podendo ser edificada por módulos, com a simples adição de boxes. Muitas
estações empregaram inicialmente o depósito semi-circular ou em ferradura
que, posteriormente, foram ampliados ganhando a conformação de
depósitos poligonais ou de rotundas. Nos depósitos poligonais, o número de
linhas era definido de acordo com o diâmetro do girador. Os pequenos
depósitos comportavam em média 12 linhas, das quais uma ficava
reservada para a retirada das máquinas. Já em depósitos de maiores
dimensões, o número de linhas podia alcançar 16, entre as quais duas eram
reservadas para a retirada das locomotivas, geralmente localizadas em
lados opostos. Encontravam-se, ainda, valas de inspeção, instalações de
água, bancadas, plataformas, etc. A construção de fossos de manutenção
abaixo de algumas linhas era recomendada para a realização de pequenos
reparos nas locomotivas. Em finais do século XIX, os depósitos poligonais já
alcançavam as dimensões necessárias para comportar números superiores
a 50 locomotivas distribuídas em torno de 36 vias. (Moreira, 2007, p. 79)
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produto que o sistema industrial ferroviário vende é o transporte, esse produto deverá
atender de modo satisfatório os anseios do seu consumidor. Para tanto, as oficinas e locais
para guarda das locomotivas representam o zelo e a necessidade de se conservar os
equipamentos que correm pelos trilhos, fazendo com que melhorem o desempenho dos
deslocamentos e atinja êxito na prestação do serviço a qual ela se presta.
Sobre as rotundas no Brasil, poucas são as informações disponíveis. Para este trabalho
foram consultadas diversas publicações, porém, majoritariamente, duas plataformas
específicas sobre o tema auxiliaram na identificação das rotundas brasileiras.
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ferroviárias brasileiras, tornou-se uma valiosa contribuição na análise daquele recorte de
estudo.
Desat. Em Func.
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Porto Novo do RJ (MG) Juiz de Fora SR-3 - X -
Cunha (Além
Paraíba)
Tabela 01 - Rotundas pertencentes à RFFSA em 1987. Fonte: MORAIS (1987), adaptado pelo autor.
Outra plataforma utilizada neste trabalho para a identificação das rotundas no Brasil é o site
http://www.estacoesferroviarias.com.br/ do pesquisador Ralph Mennucci Giesbrecht. Esta
plataforma digital é um dos mais completos bancos de dados sobre as estações ferroviárias
do Brasil. O autor desenvolve pesquisas no campo do patrimônio ferroviário desde 1996 e
segundo ele:
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Este site procura mostrar a história, as fotografias e as histórias de cada
estação ferroviária dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa
Catarina, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. O site nunca
estará completo, pois as informações vêm a toda hora. Várias pessoas
colaboraram enviando material, e são citadas nas páginas. Afinal, são mais
de 3 mil estações catalogadas (...) O site é uma homenagem a todos esses
prédios pequenos ou grandes que por pelo menos algum tempo tiveram
seus momentos de glória. É também uma forma de se preservar pela
fotografia e pelas narrativas a história de um meio de transporte que já foi
quase monopolístico e que até hoje causa tanta alegria às pessoas que
ainda se lembram do tempo dos trens que não voltam mais. As estações
aqui listadas são normalmente as que foram, em algum tempo, listadas nas
relações oficiais das ferrovias do Estado, grandes e pequenas. Portanto,
pequenas paradas podem não aparecer relacionadas, embora haja também
aquelas que, por um motivo ou por outro, foram localizadas e catalogadas.
Estações há muito desaparecidas aparecem também. As diferentes versões
de estações com o mesmo nome, em linhas diferentes, aparecem como
„velha‟ ou „nova‟. Basicamente, estão listadas as estações de todos os
Estados brasileiros, de todas as ferrovias existentes ou que já existiram
(Giesbrecht – Disponível em: http://www.estacoesferroviarias.com.br/.
Acesso em: 15 set. 2021.)
Estão listadas trinta e sete rotundas ferroviárias espalhadas pelo Brasil1, sendo que o autor
da página acrescenta informações referentes a vinte e nove destes edifícios, assim como a
situação atual das edificações, que variam desde equipamentos que já foram totalmente
demolidos, aos que se encontram com o seus usos primitivos (oficinas) e as que receberam
projetos de intervenção para o uso como museus, por exemplo.
1
Rotundas listadas na plataforma digital: Campinas (Mogiana)/SP; Campinas (Paulista)/SP; Bauru/SP; Ribeirão
Preto/SP; Rio Claro/SP; Araraquara/SP; Lins/SP; Casa Branca/SP; São José do Rio Preto/SP; Catanduva/SP;
Cruzeiro/SP; Porto Novo do Cunha/MG; Ribeirão Vermelho/MG; São João del Rey/MG; Sete Lagoas/MG;
Uberaba/MG; São Diogo/RJ; Caju/RJ; Barra do Piraí/RJ; Três Rios/RJ; Cruz Alta/RS; Curitiba/PR; Edgar
Werneck/PE; Fortaleza/CE; Alvaro Wayne//CE; Salvador/BA; Alagoinhas/BA; São Luiz/MA; Rosário/MA; Natal
E.F. Sampaio Corrêa/RN; Natal E.F. Natal a Nova Cruz/RN; Aracaju/SE; Campo Grande/MS; Ponta Porã/MS;
Três Lagoas/MS; Porto Velho/RO e Marituba/PA. (Giesbrecht/SD. Disponível em:
http://www.estacoesferroviarias.com.br/rotundas/indice.htm. Acesso em: 28 set. 2021.
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Situação atual das rotundas identificadas
Uso
Primitivo Usos
Abandonadas Demolidas Desconhecido Descaracterizada
Diversos
(Oficina)
06 12 01 01 04 05
Tabela 02 – Situação atual das rotundas identificadas. Fonte: Giesbrecht/SD. Disponível em:
http://www.estacoesferroviarias.com.br/rotundas/indice.htm. Acesso em: 28 set. 2021.
Das rotundas levantadas no site, doze já foram demolidas o que é considerado um número
muito alto, pois representa 41,37% do total das rotundas identificadas e esse número pode
vir a aumentar com o abando e processo de degradação de outras seis, como é o caso da
rotunda de Campo Grande/MS, o que representa 20,68% do total desses imóveis, que
geralmente ocupam grandes áreas em regiões valorizadas nas cidades e sofrem todo o tipo
de pressão do mercado imobiliário.
Quatro rotundas mantêm seu uso ferroviário inicial, representando 13,79 % do total, e
guarda no seu uso atual, o sistema de trabalho ferroviário e suas características peculiares.
Desse rol de rotundas pesquisadas, três delas são tombadas pelo Iphan na modalidade de
conjunto, nenhuma individualmente, são elas a do “Complexo Ferroviário de São João del‟
Rei a Tiradentes” em Minas Gerais, Processo 1.185-T-85; a do “Complexo Ferroviário da
Antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil – EFNOB, em Campo Grande”, Processo nº
1.536-T-06; e a rotunda do “Pátio ferroviário da estrada de ferro Madeira-Mamoré, bens
móveis e imóveis” em Porto Velho/RO, Processo nº 1.220-T-87. (Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/2021-05-12-
%20CONTROLE%20BENS%20TOMBADOS.xlsx. Acesso em: 28 set. 2021.).
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Quanto às rotundas elencadas na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário do Iphan, que são
os bens declarados com valor histórico, artístico e cultural nos termos da Lei nº 11.483/07 e
da Portaria IPHAN nº 407/2010, que tratam da preservação da memória ferroviária nacional,
foram identificadas as rotundas de Natal/RN denominada como Antiga Rotunda, inscrita no
dia 03/10/2014, a de Aracajú/SE denominada como Rotunda, inscrita no dia 19/01/2010 e a
de Cruzeiro/SP, denominada como Rotunda, inscrita no dia 30/10/2007.
Cumpre ressaltar que a última inscrição de bens ferroviários nesta lista foi no ano de 2015, o
que pode demonstrar pouco uso da medida de acautelamento deste recente rol patrimonial.
(Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/2021-05-25-
Lista_do_Patrimonio_Cultural_Ferroviario.xlsx. Acesso em: 28 set. 2021.)
Outras rotundas foram tombadas em nível estadual e/ou municipal, porém, a proteção não
impediu o abandono e estado de arruinamento de exemplares como a de Ribeirão
Vermelho/MG, edificação de grande valor arquitetônico e histórico para o setor ferroviário
nacional.
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Figura 01 – Complexo Ferroviário de Campo Grande/MS. Fonte: Google Earth adaptado pelo autor
em 2021.
Os imóveis integram o conjunto valorado culturalmente nas três esferas de poder, Federal
(2009), Estadual (1997) e Municipal (1996), tendo por motivação, a organização social e
espacial da ferrovia e o modo de vida dos seus trabalhadores, que traz consigo uma relação
intrínseca com a modernidade industrial brasileira, fato de real importância na formação do
país e ponto de partida para a preservação do Patrimônio Cultural remanescente do “apito
do trem”.
Sua construção foi financiada pelo Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da
Defesa Nacional, programa criado por Getúlio Vargas no regime do Estado Novo em 1939.
A obra foi iniciada em 1941 e finalizada em 1943 e sua importância para o desenvolvimento
do sistema ferroviário na cidade está evidenciada no Relatório Anual da Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil de 1941 (R. 41):
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Dentre as obras cuja construção foi iniciada em 1941 nessa esplanada,
merece especial menção a rotunda, que uma vez concluída, virá trazer
grande melhoramento aos nossos serviços de tração. Para cobertura da
referida rotunda adotamos estrutura de concreto armado empregando
pórticos com 24m de vão, afim de eliminar a linha de colunas internas, para
facilidade do serviço que ali devam ser executados. A rotunda deverá ser
concluída em 1942, estando orçada em 540:931$500, sem incluir o
assentamento do respectivo girador de locomotivas e linhas (R. 41, p. 31)
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ROTUNDA/OFICINA
GIRADOR/MAQUINÁRIO
LAVAGEM
Figura 02 – Conjunto da Rotunda de Campo Grande/MS. Fonte: SISGRAN adaptado pelo autor.
O uso do conjunto da rotunda em Campo Grande foi de grande expectativa para a NOB,
pois serviria como um ponto de manutenção no meio do percurso da estrada de ferro, dando
mais agilidade aos serviços de tração, manutenção, guarda e lavagem de locomotivas e
vagões.
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Outras edificações de relevância que compunham as estações ou
complexos ferroviários foram os ateliers ou oficinas. Eram distinguidas em
oficinas de grandes ou pequenos reparos. Segundo Perdonnet (1856),
mesmo nas linhas de grande movimento, existia apenas uma única oficina
de grandes reparos. Construídas em vastos terrenos, essas oficinas
abrigavam inúmeros serviços constituindo-se em verdadeiras fábricas de
construção e reparo de locomotivas, normalmente, situadas em pontos no
meio ou nas extremidades das ferrovias. Já as oficinas de pequenos
reparos, em maior número, situavam-se ao longo dos trajetos ferroviários, e
atendiam ao fornecimento e troca de peças, pequenos concertos e reparos
de revestimentos. (Moreira, 2007, p. 80)
As estruturas que compõem o conjunto da rotunda foram utilizadas para fins ferroviários até
meados de 2004, quando ocorre definitivamente a interrupção de trânsito de trens de carga
pela esplanada ferroviária da área urbana da cidade, sendo transferido o seu percurso para
o contorno ferroviário.
Características arquitetônicas
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Quando analisado a planta primitiva do conjunto da rotunda é possível identificar nos
espaços propostos, o caráter estritamente utilitário. O prédio foi idealizado e implantado para
cumprir uma função específica, dar suporte ao sistema de transporte ferroviário executando
os serviços de manutenção, limpeza e guarda de locomotivas. Os edifícios que cumprem um
papel específico dentro da lógica funcional ferroviária são construídos com bastante rigor,
devendo ser dotados de maior solidez por conta dos impactos que o dia a dia exerce na
edificação.
No caso do prédio de manutenção, sua planta apresenta um grande vão livre de 24m sem
nenhum apoio intermediário, de modo a facilitar os serviços a serem executados em suas
dependências. A disposição do girador ao centro das duas edificações propositalmente,
possibilitando a distribuição das locomotivas nas respectivas linhas e fossos de
manutenção. O espaçamento entre os pilares na parte interior do semi-círculo é de 3,50m. O
rigor na construção dessas edificações eram condições para o seu bom funcionamento, um
erro na elaboração projetual poderia pôr em risco a funcionalidade do prédio, a ponto de
impedir ou estrangular a entrada da locomotiva nas suas áreas internas.
O interior dos prédios é marcado, além da planta livre já evidenciada, pelo pé direito
bastante generoso. No caso do prédio da manutenção o ponto mais alto da cumeeira
alcança mais de 12m, possibilitando maior conforto térmico para a edificação, além de
contar com muitas aberturas, sejam elas na colunata livre de vedação da parte interior do
semi-círculo ou nos vãos de passagem da parte externa do semi-círculo, e ainda os diversos
vãos nas alvenarias que são fechados com um tipo de estrutura de engradamento de
concreto, permitindo a entrada de luz e ventilação natural.
A expressão estética do conjunto da rotunda está no uso intencional dos tijolos vermelhos
aparentes nas superfícies externas, está nessa imagem, sua unidade figurativa. Ao perceber
o prédio enquanto objeto artístico, o que se revela antes de qualquer outro detalhe
construtivo, antes mesmo de sua imponência, são suas paredes de tijolos aparentes, ponto
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
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positivo na questão estética e um problema quando analisado as debilidades do material e
os danos que ele está sofrendo ao longo dos anos.
O apelo com a textura, com a cor e com material do tijolo em si, foi um recurso bastante
utilizado nas arquiteturas de caráter industrial com influência direta da Inglaterra. Os tijolos
quando associados às estruturas de concreto armado, quase sempre sóbrias e pesadas,
que é o caso da rotunda, realçam as mesmas e formam um contraste que valoriza o todo.
Outro ponto que se destaca esteticamente são os seus frontões que atingem mais de 12m e
se tornam um marco referencial na paisagem urbana da cidade. São ornamentados com
molduras em argamassa marcando as estruturas de concreto armado. No alto dos frontões
estão dispostas as insígnias NOB (Noroeste do Brasil) com o uso de argamassa. Os
frontões também são caracterizados pela simetria dos planos e pela repetição dos seus
vãos. Ainda compõem sua unidade estética, os grandes panos da cobertura curva, em duas
águas, que são avistados a longa distância e se destacam na paisagem.
O juízo de valor apresentado acima e exposto pelo técnico do Iphan se fez no contexto da
solicitação da Superintendência do Iphan/MS, para que o Complexo Ferroviário fosse
inscrito no Livro Tombo das Belas Artes. A justificativa do historiador foi que não seria
acatada essa solicitação visto que o conjunto não apresentava uma unidade estética, pois
apenas alguns edifícios se revelavam com esse caráter.
Ao elencar a rotunda como um dos edifícios do conjunto que apresenta “certa beleza
prática”, o técnico admite que mesmo um prédio idealizado de forma utilitária, sem
preocupação intencional de se apresentar com um rigor estético, transpassa naturalmente
sua expressão estética e artística, pois sua unidade figurativa, enquanto obra de arte não
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está na falta de ornamentação, ainda que essa justificativa não determine o poder estético
de uma obra, e sim no conjunto de elementos visuais e sensoriais presentes na edificação,
que em consonância com sua paisagem faz do conjunto da rotunda um elemento artístico
com um forte apelo estético.
Os sistemas construtivos podem ser analisados de forma conjunta entre os prédios que
formam o conjunto da rotunda - prédio de manutenção e lavagem - visto que possuem as
mesmas características. Quanto aos sistemas construtivos, podem ser divididos em
fundações, sistema estrutural, vedações, cobertura, pisos e vãos.
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Quanto às fundações dos prédios de manutenção e lavagem não foi possível realizar uma
prospecção para averiguar o seu tipo, porém ao cruzar os dados obtidos por meio da
percepção visual, pelo projeto de uma rotunda similar e por se tratar de uma estrutura
porticada de concreto armado muito próximo aos sistemas utilizados contemporaneamente,
acredita-se que sua fundação seja composta por estacas de concreto e sapatas trapezoidais
isoladas de concreto armado de 1x1m, posicionadas em cada ponto de descarga onde os
pilares serão engastados, sendo que os pilares seriam travados por cintas de alicerce,
oferecendo maior estabilidade a estrutura como um todo.
Os sistemas estruturais dos prédios são definidos por pórticos de concreto armado, formado
por pilares, vigas e terças, estrutura independente em concreto aparente, que conforme
fotos antigas foram executados in loco com fôrmas de madeira moldando, simultaneamente,
os elementos que compõem os pórticos.
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Os pilares possuem seções que variam de quadradas a retangulares, com dimensões em
média de 0,30x0,30m e 0.35x0,40m e são espaçados entre eles na parte interna do semi-
círculo em média de 3,50m de distância e se abre em “leque” de forma equidistante, o que
se remete a uma “colunata”, artifício bastante utilizado nas rotundas, sendo que a estrutura
de pórticos em concreto armado vence vãos que superam em mais de 24m no prédio de
manutenção, sem nenhum apoio intermediário.
As alvenarias são de vedação independente e não possui função nem vínculo estrutural. As
paredes externas que formam a caixa da edificação são em média 0,30m e seu aparelho
intercala entre uma fiada assentada em comprido ou largo e a outra fiada assentada em
perpiano, sendo classificado em estilo Flamengo, subgrupo Losango.
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O conjunto da rotunda é marcado praticamente pela inexistência de revestimento de pisos.
Em sua maioria o piso é em brita intercalado com piso cimentado em alguns pontos. Foi
possível notar em alguns ambientes a presença de revestimento cerâmico.
Sobre os vãos é possível dividi-los em dois grupos: passagem, pois não há portas na
edificação e vãos de janelas. Sobre os vãos de passagem da fachada sul do prédio de
manutenção, provavelmente nunca receberam vedação entre os pilares, pois eram
destinados a entrada e saída das locomotivas, além de outros vãos de passagem existentes
na fachada norte, proporcionando o efeito de ventilação cruzada e a grande incidência de
luz natural.
Já os vãos de janela em sua maioria são fechados por uma estrutura de engradamento de
concreto armado, algo similar ao cobogó, que estão presentes nos frontões e em outras
faces dos edifícios, tanto no prédio de manutenção como no prédio de lavagem. Ao analisar
fotos antigas é possível perceber que em alguns pontos, a vedação dessa estrutura
engradada de concreto era com a utilização de vidro liso comum.
Ressaltos em ornamentos de argamassas nas paredes externas fazem molduras nos vãos,
demarcando-os frente aos tijolos aparentes, recurso bastante utilizado nesse tipo de
construção, compondo esteticamente as fachadas.
Conclusões
Do auge do transporte ferroviário até o seu declínio e abando, e do abandono até os dias
atuais, muitas transformações ocorreram na área da antiga esplanada ferroviária de Campo
Grande/MS.
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As medidas de acautelamento, como os tombamentos e a inclusão do conjunto ferroviário
na Zona Especial de Interesse Cultural (ZEIC) do Plano Diretor da cidade, não foram
suficientes para impedir a piora do estado de conservação do conjunto da rotunda de
Campo Grande, principalmente após a desativação das atividades ferroviárias e seu
posterior abandono pela municipalidade, atual proprietária dos edifícios.
Já os setores do trabalho em si, que são os locais das oficinas e do conjunto da rotunda,
engrenagens importantes do sistema ferroviário, permanecem abandonados e esquecidos
pelo poder público e pela sociedade, mesmo com tantas propostas já realizadas para a área
ano após ano. Os edifícios se encontram atualmente num processo de invisibilidade na
malha urbana da cidade, pois mesmo com suas proporções monumentais e de destaque,
foram “apequenados” por muros, gradis, construções irregulares e o principal, pela falta de
um uso efetivo, fator que contribui significativamente para a progressiva deterioração
material da edificação, e consequentemente degradação socioespacial da região como um
todo.
Bibliografia
FINGER, Anna Eliza. Um Século de Estrada de Ferro no Brasil - entre 1852 – 1957. 2013.
Tese (Doutorado em Arquitetura) - Universidade de Brasília, Brasília.
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- Lista de Bens Tombados. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/2021-05-12-
%20CONTROLE%20BENS%20TOMBADOS.xlsx. Acesso em: 28 set. 2021
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/2021-05-25-
Lista_do_Patrimonio_Cultural_Ferroviario.xlsx
MORAIS, Sérgio Santos. Reconstrução da Rotunda de São João del Rei. Rio de Janeiro:
RFFSA, 1987.
MOREIRA, Daniele Couto. Arquitetura Ferroviária e Industrial: o caso das cidades de São
João del‟ Rei e Juiz de Fora (1875 -1930). 2007. (Dissertação Mestrado em Arquitetura) –
Universidade de São Paulo, São Carlos.
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EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS
RESUMO
Petrópolis, conhecida como “Cidade Imperial”, se destaca pelo seu patrimônio cultural com diversos
exemplares arquitetônicos de diferentes períodos históricos, muitos dos quais se encontram
preservados até os dias atuais. Como paisagem cultural, o núcleo urbano do município vem sendo
ressignificado sem perder a força de sua imagem. Entretanto, em função de uma imagem construída
socialmente, seus habitantes constroem narrativas onde almejam se encaixar em termos sociais e
culturais, enaltecendo e envolvendo Petrópolis em uma aura de nobreza. Estas representações
sociais construídas sobre os lugares não se encontram apenas em textos historiográficos, mas
também em diferentes formas de narrativa e documentos, como nos edifícios arquitetônicos e no
espaço urbano. A análise destas representações sobre o cenário e os personagens centrais da
história de Petrópolis nos faz refletir a respeito deste contexto cultural da cidade. O objetivo deste
trabalho é compreender os significados da “Cidade Imperial” e apresentar seus reflexos no espaço
urbano desde sua fundação até os dias atuais. É notável que as políticas de gestão do patrimônio
cultural em Petrópolis estabelecem esta narrativa afirmando tal identidade para o controle interno e
comunicação externa, voltadas ao turismo. Não obstante, a importância da história da cidade de
Petrópolis e o uso de sua arquitetura pela população local e por turistas mostra que sua imagem
“imperial” não se trata de algo ligado somente ao comércio e exploração turística, mas sim ao valor
dado a essa cidade e suas tradições enquanto um valor simbólico, que se percebe nas subjetividades
e no reconhecimento do patrimônio material e imaterial.
Esta condição pode ser observada principalmente na área reconhecida como Centro
Histórico, que também é o centro comercial, onde se desenvolvem as principais atividades
administrativas, de lazer, turismo e cultura, com repertório arquitetônico, urbanístico e
paisagístico de diferentes períodos históricos. O local é tombado pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como Conjunto Urbano-Paisagístico desde 1980,
enquanto extensão do tombamento original de 1964, que considerava apenas os elementos
culturais do eixo da Avenida Köeler.
O trabalho realizado buscou estudar a paisagem cultural deste núcleo urbano, caracterizada
pelo local de clima frio e paisagem natural abundante, em que sua própria história e seu
patrimônio cultural têm sido elementos continuamente ressignificados, sem perder a força de
sua imagem. A associação à ocupação inicial do território pela Família Imperial se apresenta
como um tema que é um dos principais elementos de atração turística, e como turismo
sempre teve forte presença como atividade econômica local, acaba exercendo grande
impacto na vida dos moradores e visitantes, assim como traz reflexos no espaço urbano.
Em 1843, D. Pedro II arrenda suas terras ao alemão e engenheiro militar Major Júlio
Frederico Köeler, que se torna o primeiro Superintendente da Fazenda Imperial. Com o
documento intitulado “Recomendações”, Köeler estabelece uma série de diretrizes para a
ocupação do território, respeitando a rede hidrográfica composta pelo Rio Palatino, Rio
Quitandinha e Rio Piabanha, e a topografia existente, implantando as vias nos vales para
evitar o corte dos morros.
Como a cidade foi idealizada para ser construída por trabalhadores livres, o processo de
imigração de europeus foi incentivado. A colonização germânica foi a mais expressiva,
seguida pela italiana, portuguesa, francesa e inglesa. Esta conformação imprimiu diferentes
especificidades nos espaços físicos da cidade e trouxe, através de bens materiais e
imateriais, diferentes manifestações culturais, atividades e serviços predominantes, festas,
valores, hábitos e tradições.
Já na Vila Imperial, os lotes foram divididos em classes, hierarquizados de forma que o valor
do solo aumentava quanto mais perto fosse do Palácio Imperial, e teriam sido doados a um
grupo de indivíduos escolhido pelo próprio Imperador, amigos e figuras influentes da época,
que construíram um conjunto relevante de edificações. O processo de ocupação nesta
região privilegiou as atividades residenciais e comerciais. A Rua do Imperador se tornou o
polo comercial da cidade, com diversas instalações visando à prestação de serviços que
atendessem às necessidades da corte imperial, que ocupava a Rua da Imperatriz e as
adjacências (TORRE, 2014).
A Lei Municipal nº 7.167 de 28/03/2014, que revê e atualiza o Plano Diretor de Petrópolis,
instituído pela Lei nº 6.321 de dezembro de 2005, é o instrumento básico da política de
desenvolvimento sustentável do Município (PMP, 2014). Seus dispositivos devem ser
interpretados observando particularidades do Plano Köeler e suas recomendações, em
especial quanto à divisão geográfica da cidade, a função social da propriedade e o respeito
à ecologia. Segundo o artigo 5º, o planejamento municipal tem garantida sua implementação
e aplicabilidade através do principal instrumento legal, a Lei de Uso, Parcelamento e da
Ocupação do Solo (LUPOS).
A LUPOS assegura a plena realização das funções mediante a diferentes fatores como
adequada distribuição espacial da população, das atividades socioeconômicas e dos
equipamentos urbanos, e proteção, preservação e recuperação do meio ambiente e do
patrimônio histórico, artístico, cultural, natural e paisagístico (PMP, 1998). A Lei define
também os índices urbanísticos de controle dos usos e densidade de ocupação do solo.
Segundo o artigo 11, a zona urbana da cidade de Petrópolis é subdivida em: I – setor
residencial (SRE); II – setor de atividades urbano (SAU); III – setor de uso diversificado
(SUD); IV – setor histórico (SEH); e V – setor de interesse à proteção (SIP).
Nos anos seguintes, foram solicitadas pela população através de um órgão local as
expansões da área tombada de modo a evitar que o entorno da Avenida Köeler fosse
prejudicado pelo crescimento e especulação imobiliária. Foram estudadas pelo IPHAN as
residências de personagens importantes, que não apenas eram revestidos de valor de
testemunho histórico, mas mantinham, também, o equilíbrio da paisagem. Em 1980, foi
decidida a inscrição da extensão do tombamento do Conjunto da Köeler para toda a área
reconhecida como Centro Histórico (MAURICIO, 2016).
Também houve mobilização popular para serem realizados estudos para o reconhecimento
e proteção de diversos bens em Petrópolis que não eram tombados pela instância federal ou
municipal. Coordenado pelo órgão de planejamento metropolitano do Estado, o Instituto
Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC) produziu um trabalho técnico de elaboração de
um inventário dos bens arquitetônicos e de proteção ao patrimônio ambiental urbano de
Petrópolis. O tombamento definitivo efetivado pelo Estado foi no ano de 1998 e possui uma
maior extensão e diversidade de ambientes, envolvendo as edificações que conservassem
elementos característicos da vida dos imigrantes e os conjuntos fabris, contabilizando
dezoito conjuntos localizados no primeiro distrito. O conjunto é caracterizado por seus
ambientes natural e construído, nos quais se destacam as edificações datadas das
primeiras décadas do século XX (INEPAC, 1998).
Segundo Daniel Gevehr (2014), as representações sociais construídas sobre os lugares não
se encontram apenas em textos historiográficos, mas também em diferentes formas de
narrativa, como os diversos discursos, os textos literários, as pinturas, os museus, as
narrativas cinematográficas, entre outras.
Não se pode apreender em sua totalidade o universo infinito de símbolos que envolve a
cidade, pois cada um de nós estabelece relações próprias com o lugar, descreve com ele
uma trajetória sempre singular. O que se pode compreender são representações individuais
e coletivas baseadas em conteúdos simbólicos gerais.
Para além dos significados e valores atribuídos ao patrimônio cultural, é necessário também
compreender a relação entre o turismo e a cidade, em que esta atividade pode ser
transformadora e estabelecer relação positiva ou negativa com as sociedades locais. No
debate sobre a relação entre cultura e turismo, de um lado considera-se que a defesa do
patrimônio deve ser feita primeira e diretamente com a comunidade à qual ele está ligado,
enquanto de outro, vê-se na atividade turística, de forma controlada, uma oportunidade para
preservar e conservar o patrimônio, tanto pela justificativa de uso, quanto pelo lucro que
traz.
Ao falar sobre o turismo e a cidade, Urry (2001) aponta definições sobre a maneira como a
imagem e o turismo vem se tornando atividades próximas, e como os lugares ligados à esta
atividade se tornaram lugares de consumo e o próprio turismo se tornou uma mercadoria,
constituindo-se em objeto de consumo em grande escala.
Em muitas cidades acabam sendo construídos cenários para o turismo, como uma maneira
de representar na arquitetura diferentes temas, em que cidades turísticas são mais
valorizadas quando associadas a paisagens e situações geográficas naturais específicas, e
assim, esse processo atende às demandas atuais, com reflexos na urbanização e
configuração da paisagem urbana:
É necessária a compreensão que o estabelecimento deste cenário faz parte de uma cultura
do turismo, entre os quais estão os cenários ligados à paisagem europeia. Esse critério é
encontrado em outras cidades que também se fortalecem pelo passado de ocupação por
colônias estrangeiras e pela paisagem natural dos lugares onde isso acontece, em geral,
nas regiões serranas, como nas cidades de Gramado, Penedo e até Petrópolis
(FAGERLANDE, 2015).
Uma tendência a partir dos anos 1970, segundo Fagerlande (2015), aponta um processo
ocorrido globalmente, em que instituições governamentais locais e moradores passaram a
mobilizar esforços para atrair turistas para suas cidades, combinando transformações nas
estruturas urbanas e arquitetônicas que ressignificaram e revalorizaram suas próprias
histórias e tradições locais.
Um dos caminhos para entender os diversos significados encontrados em uma cidade passa
pela relação com o turismo, relação esta que vem sendo influenciada cada vez mais sobre
como essa atividade turística se baseia na visualidade e na imagem. Urry (2001) considera
o olhar do turista como formador de toda estrutura ligada à atividade turística e tem uma
especial preocupação com a cidade e a maneira como ela é percebida, inicialmente através
da visualidade, mas também através de outros sentidos.
Os aspectos da “Cidade Imperial” são enaltecidos pelo seu patrimônio cultural edificado
(figura 2), com grandes casarões e palacetes, tornando-se um espaço para encontros
políticos, artísticos e sociais, produzindo um espaço urbano bem singular em comparação
com aquele encontrado em outras cidades da região. Muitas destas edificações originais
foram preservadas e encontram-se em bom estado de conservação, transmitindo a
concepção de autenticidade.
Figura 2 – (a) Vista da Praça da Liberdade para a Catedral São Pedro de Alcântara pelo eixo da
Avenida Köeler. (b) Obelisco e edifícios da Rua do Imperador. (c) Museu Imperial localizado na Rua
da Imperatriz. Fonte: Acervo pessoal (2020).
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
A autenticidade do núcleo urbano histórico de Petrópolis é um grande diferencial de
valorização da paisagem, pois, diferentemente de muitas cidades que tiveram a
necessidade de desenvolver suas imagens como cidade de fundação europeia de maneira
mais intensa para ser utilizado como diferencial turístico, por aqui não se encontra este tipo
de “arquitetura cenarizada” (FAGERLANDE, 2015), mesmo que haja propensão pela
tematização “imperial”.
Entretanto, a imagem de Cidade Imperial que busca envolver Petrópolis em uma aura de
nobreza apresenta reflexos tanto em seu espaço construído quanto na visão de mundo de
seus habitantes. É notável que as políticas de gestão do patrimônio cultural em Petrópolis
buscam estabelecer esta narrativa afirmando tal identidade para o controle interno e
comunicação externa, voltadas principalmente ao turismo.
Assim, observamos o processo cada vez mais frequente na cidade que diz respeito à
mudança de uso residencial das edificações para outros usos como museus, restaurantes,
pousadas e outras instituições de uso público, em que a manutenção da arquitetura de
antigos casarões representantes da nobreza e das elites, em sua maioria de estilo
neoclássico e eclético classicizante, procuraram preservar ao máximo as formas e
estruturas originais.
Um processo menos frequente, mas que não passa despercebido, é a cenarização como
estratégia de construção de imagem em situações com origens e inserções distintas.
Assim, surgem elementos arquitetônicos que fazem alusões à imagem imperial, seja pelo
nome dos estabelecimentos, seja pela representação arquitetônica neoclássica, mas que
não apresentam valor histórico (figura 3).
Entretanto, a maior representação desta cultura diz respeito à criação do festival étnico e
cultural intitulado “Bauenfest”, ou Festa do Colono Alemão, que ocorre desde 1989 e
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
considerada a segunda maior festa do tema no Brasil. Sua origem remonta ainda o início do
século XX, em que descendentes dos colonos organizavam quermesses com música,
danças e pratos tradicionais. Atualmente a realização da festa é nos arredores do Palácio de
Cristal, e movimenta milhares de turistas e milhões de reais, em que se destaca a
apresentação de grupos de danças folclóricas e a culinária alemã (figura 4).
Figura 4 – (a) Palácio de Cristal em dia de Bauernfest. (b) Hotel Quitandinha em dia de Natal Imperial.
Fonte: Sou Petrópolis (2019)
Obviamente nem todos os grupos foram privilegiados neste processo. Além da cultura
germânica, a cultura italiana também criou laços típicos das regiões que vieram com as
partes da cidade onde se estabeleceram. Com o fracasso da colônia agrícola, teve início o
processo de industrialização de Petrópolis, que se tornou um centro de atração de
investimentos em companhias têxteis. Apesar de possuir um valoroso acervo da arquitetura
industrial, as edificações vêm sendo deixadas à sua própria sorte, transformando-se em
ruínas, estacionamentos ou fomentando ações e ocupações irregulares. Mesmo assim, por
conta da tradição turística das festas étnicas, em setembro celebra-se a Festa da Itália
intitulada “Serra Serata”, em homenagem aos imigrantes e descendentes de colonos
italianos, em que ocorre shows musicais, danças, exposição de fotos e vendas de comidas
típicas.
Vivemos em uma sociedade cada vez mais crítica e exigente quanto à contemporização do
seu patrimônio e quanto aos novos conhecimentos, necessidades e tecnologias, de forma
respeitosa à autenticidade, percepção e materialidade. Para além de contemplar o quão se
torna importante os espaços históricos como este centro urbano, esta pesquisa aprecia de
forma indescritível a estética de tais objetos, observa e discute sua essência, analisa o
impacto social dentro e fora destes edifícios e o que faz com que sejam de grande
complexidade de entendimento.
Assim, fica cada vez mais claro que a participação popular de diversos setores dessas
comunidades em estabelecer critérios adequados com relação à arquitetura, urbanismo, uso
das tradições e de como os eventos interferem na vida das cidades e de seus moradores. A
necessidade de entender cada vez mais a própria história pode ser um dos fatores que
ajudem nesse processo, pois a partir do conhecimento do passado e do estímulo à
valorização de suas raízes as populações podem melhor decidir os caminhos que querem
para suas vidas.
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
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Uma das medidas que poderiam ser tomadas para a maior compreensão deste espaço é a
implantação e planejamento do turismo cultural sustentável, através de uma abordagem de
educação patrimonial, com a criação de diferentes roteiros temáticos que abarcariam todas
as potencialidades da região, incluindo: identificação de pontos turísticos e equipamentos
urbanos, sensibilização das comunidades locais, documentação histórica, inventário do
patrimônio, organização dos empreendedores, planejamento de atividades dinamizadoras e
elaboração de material de divulgação.
REFERÊNCIAS
CHOAY, F. O patrimônio em questão: antologia para um combate. Belo Horizonte, MG: Fino
Traço, 2011.
POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro.,
vol.5. N.10, 1992. Pp 200-212.
RESUMO
Entender a cidade como um organismo vivo, é compreender que ela está em constante
transformação, firmando as marcas das ações humanas. A qual expressa através de bens materiais e
imateriais, a identidade cultural de uma sociedade em um determinado espaço. No entanto, a falta de
planejamento para essas mudanças pode proporcionar uma possível degradação ou mal uso desse
patrimônio, permitindo perda de elementos que agregam valor, significado e/ou identidade a esse
lugar. Nesse contexto, a pesquisa se situa no Largo da Encruzilhada, no bairro da Encruzilhada, na
cidade do Recife-PE. Esta área é uma zona de centro secundário, com forte influência econômica na
cidade por suas atividades comerciais. Ela é composta por diversos exemplares arquitetônicos, que
marcam distintos períodos da ocupação territorial recifense, assim como é privilegiada pelo seu eixo
viário, que a liga tanto ao centro principal, como também a Olinda.
Esse estudo tem o intuito de desenvolver um plano de massa que vise a renovação urbana
da área do entorno do Mercado da Encruzilhada de modo que contribua para o seu desenvolvimento
urbano, social e econômico ao mesmo tempo que promova uma arquitetura de qualidade e preserve
a sua identidade. Desse modo, ele consiste na análise de todo o conjunto urbano (interface
arquitetônica, relação com o indivíduo, relação espaço construído e entorno), por meio das
metodologias de Metamorfose Arquitetônica de ANDRADE (2006) e Arquitetura Urbana de DUARTE
(2014), para a compreensão dos elementos que podem carregar seu valor.
Como resultado, obteve-se um diagnóstico da área de estudo de modo que se possa
compreender as suas características específicas e identificar as suas qualidades espaciais com
ênfase na visão da arquitetura integrada com o espaço urbano. Em sequência, há a elaboração do
plano de massa, que segue diretrizes projetuais alinhadas as características e necessidades
identificadas através das visitas de campo, da análise da área e de uma pesquisa qualitativa com
usuários do local. Este plano se deu, em vazios urbanos identificados em função da morfologia, da
implantação no lote e usos, onde os mesmos não representaria os aspectos a serem conservados.
Em suma, o plano urbano proposto surge com o intuito de resultar positivamente no uso e
ocupação do solo introduzindo uma boa arquitetura urbana na área, contribuindo para a vivacidade
do Largo da Encruzilhada e sua importante função econômica e histórica na cidade do Recife.
Manifesta-se também, como uma forma de evidenciar o mesmo e a relevância de sua paisagem
urbana construída, material e imaterialmente.
Palavras-chave: Largo da Encruzilhada, Paisagem Cultural Urbana, Renovação Urbana, Arquitetura
Urbana.
7º Seminário Ibero-americano Arquitetura e documentação
Belo Horizonte/MG - de 06 a 08/10/2021
Cidades são espaços de herança de povos e de culturas anteriores, são referência
de acontecimentos passados, expressos em suas paisagens, fomentando seu patrimônio
histórico. “São bens materiais, imateriais, naturais, ou paisagens, de significância cultural,
religiosa, artística ou estética que possuem um valor inestimável para uma determinada
sociedade de uma região, país, ou a nível mundial” (MELO, 2017, p. 19). Sendo assim, é de
extrema relevância definir maneiras de manter este patrimônio, e preservar a sua
identidade, de forma contemporânea, para que se garanta às futuras gerações o
conhecimento deste legado.
Esse método possibilita diversas ações urbanas que visam a valorização das
potencialidades do local, como também a melhoria diante as necessidades para a sociedade
que ali habita, tendo em vista a preservação de sua identidade. A forma como a ação será
conduzida, por um desenho, uma intenção arquitetônica, tem-se o papel fundamental na
qualificação do espaço trabalhado. Porém compreender que este procedimento realizado de
maneira mal planejada, sem diretrizes adequadas, tem-se como consequência a
descaracterização da área, e muitas vezes de relevância histórica.
A legislação urbanística, ou lei de uso e ocupação do solo, por sua vez, desenha ou
promove uma cidade sem intenções arquitetônicas objetivas, ou seja, os parâmetros
urbanos, por si só, não são instrumentos que garantam qualidade ao espaço urbano. Em
paralelo, a pressão imobiliária muitas vezes resulta em objetos arquitetônicos destoantes ao
local, provocando efeito negativo ao seu entorno, alterando a configuração dessa paisagem
e prejudicando sua identidade. Dentro desta circunstância, a conservação urbana é
essencial para salvaguardar áreas que apresentam caráter de proteção.
Essa transformação se torna um bom exemplo para este documento, porque além de
superar suas questões sociais, também alinharam a aplicação das suas estratégias às
características urbanas da cidade, atendendo também as suas adversidades espaciais, sem
destoar a paisagem urbana e natural ali presente. Percebendo-se o elemento novo, porém
ele não agride o contexto ao qual foi inserido.
Posto isto, há outros centros econômicos que atendem à população recifense, como
Casa Amarela, Encruzilhada, Água Fria, Afogados e Areias. São chamados de centros
secundários, sendo “áreas, potenciais ou consolidadas, vinculadas aos centros principais,
que concentram atividades múltiplas, classificadas de acordo com a sua configuração
espacial e que têm um raio de influência em relação a um conjunto de bairros” (RECIFE,
2018). Há ainda Boa Viagem e Imbiribeira que são considerados como Centro Principal 2,
pelo atual Plano Diretor (2008). São nessas áreas de centralidade que existem “relações
socioespaciais'' que atuam na constituição do centro, está associada ao processo de
estruturação e de reestruturação, de mudanças constantes na estrutura. A centralidade
pode ser redefinida na constituição de outras formas espaciais, em novas áreas de
centralidade urbana” (CAVALCANTE & BEZERRA, 2009, p. 221).
Visto que o Largo consiste numa morfologia específica, de baixo gabarito e uma
geometria mais regular, há uma preocupação com essa paisagem e com seu entorno, e sua
possível descaracterização. Percebe-se ao fundo desses conjuntos, novas edificações
destoantes à escala e ao caráter protorracionalista presente.
Figura 04: Contexto urbano do Largo da Encruzilhada com vista para a Av. João de Barros.
Foto: Autora, 2018.
O local teve uma importância urbana no século XIX após a construção das linhas
férreas que passavam por ali ligando Recife à Olinda, e Recife aos povoados mais
próximos, o de Apipucos, Dois Irmãos, Casa Amarela e Várzea (HALLEY, 2013). Foi esse
cruzamento que deu origem ao nome da Estação Encruzilhada. Esta paisagem, não possui
elementos naturais, pois está em uma área predominantemente urbana e bem consolidada.
O Largo da Encruzilhada é resultado de diversos segmentos históricos, com uma cultura
muito viva e forte, que transpassa dos elementos materiais aos imateriais, quem vem do
início da apropriação dessa área.
Desse modo a área, além de bem localizada, é atendida por eixos cruciais e de alta
importância do eixo viário recifense. Vias que interligam o largo ao centro continental e a
Tendo em mente que, a atual lei de uso e ocupação (2008) permite tipologias como
estas, frutos de coeficientes que visam apenas e exclusivamente o máximo aproveitamento
econômico possível, desconsiderando muitas vezes, a qualidade arquitetônica e urbana
produzida. Dessa maneira, o presente trabalho pretende analisar o impacto que esta
legislação traria a paisagem em estudo, buscando propor um produto que atenda de forma
qualitativa ao meio inserido, respeitando todo seu caráter histórico, arquitetônico e urbano.
As Zonas Especiais de Centro “são áreas caracterizadas pela alta intensidade de uso
e ocupação do solo, com morfologias consolidadas que se distinguem das áreas
circunvizinhas onde se concentram atividades urbanas diversificadas, notadamente as de
comércio e serviços e, ainda, áreas de entorno de estações de metrô existentes e previstas”
(Lei Nº 16.176/96, art. 23). No entanto, as ZECS estão inseridas na ZAC, sendo assim
predominam-se as diretrizes estabelecidas pela Lei de Uso e Ocupação do Solo, onde até
mesmo o Plano Diretor afirma isto em seu art. 230. Desse modo, 20% é destinado ao solo
natural, com coeficiente de construção igual a 5,5, com recuos frontais podendo ser nulos.
Nas imagens abaixo, foi realizada uma simulação em alguns lotes nas interfaces da
Avenida João de Barros e da Rua Dr. José Maria (ver imagem 07) seguindo as normativas
atuais. Nota-se a total dissonância entre esses novos componentes e o conjunto
preexistente, tanto em relação à forma e as reentrâncias, como às proporções e a escala.
Figura 07: Simulação da atual legislação na interface da Avenida João de Barros e da Rua Dr,
José Maria.
Fonte: A autora, 2020
Figura 08: Articulação dos atributos extraídos em Lamas (2000), UNESCO (2019), ANDRADE (2006) e DUARTE
(2014).
Fonte: A autora, 2021.
Dessa maneira, o diagnóstico da área foi realizado diante estes atributos. Concluindo
que a ocupação no lote é diversificada, até mesmo na mesma quadra, possuindo lotes ora
estreitos e mais aglomerados entre si, com zero ou muito pouca abertura. Em sua maioria
compridos devido a morfotipologia que comportam, ora mais largos e com maior presença
de recuos em seu interior. Assim como também há edificações menores e mais soltas no
lotes que as demais quadras, com uma maior presença de recuos frontais. É perceptível que
a maior parte dos lotes com recuo frontal nulo se concentra nos eixos viários de maior fluxo
e de caráter mais comercial, no caso a Av. Norte, a Av. João de Barros e a Av. Beberibe.
Dessa maneira, se estabelecem com edifícios colados no parâmetro frontal e nos laterais do
lote, possuindo alta relação de proximidade com as edificações vizinhas e com a rua.
Por ser uma área de predominância de uso habitacional uni e multifamiliar, serviço e
comércio, essa relação é alta e predominante no local, mas há lotes que possuem paredões
impermeáveis visualmente, impossibilitando um contato maior por quem passa pela área
pública. Assim como também as bordas das quadras que se localizam na Av. João de
Barros, Av. Beberibe e Estrada de Belém, há a predominância dos usos de comércio e
serviço. Já as bordas voltadas para o Mercado são exclusivamente comerciais, já sua parte
As demais casas são bem diversificadas, algumas de caráter eclético, outras com
fachadas mais largas e/ou totalmente soltas no lote. Há o conjunto da Vila do Moinho Recife,
que possui elementos arquitetônicos bem parecidos. Referente aos edifícios, nota que as
tipologias são variadas, não existindo padrões específicos no local. Há um destaque em
edifícios isolado no lote, presença de edifícios pódio. Na quadra do Mercado da
Figura 20: Relação Mercado com a fachada voltada para a Av. João de Barros.
Fonte: A autora, 2021.
Perspectivas
MELO, Milena Torres de. Paisagem Urgente: um estudo sobre conservação e integridade
urbana na Rua da Aurora. Dissertação de graduação de curso, Universidade Católica de
Pernambuco, UNICAP, 2017.
______. ______. Lei de Uso e Ocupação do Solo da Cidade do Recife Lei nº 16.176/96.
[S.I.]: [s.n.]
SILVA, Paula Maciel & LIMA, Larissa. Reabilitação urbana e a Preservação da Paisagem
Cultural. Anais do 4º Simpósio Científico do ICOMOS Brasil. Rio de Janeiro, 2020.
SILVA, Paula Maciel & SILVA, Milena Torres. Preenchendo lacunas. Reflexões de um
processo de renovação urbana. Anais do simpósio a língua que habitamos. Belo
Horizonte, 2017.
RESUMO
A crescente implementação da metodologia BIM nos processos da construção civil vem abrindo
espaço para discussão sobre as oportunidades e desafios desta aplicação nos mais variados setores
da indústria, tal como o setor da gestão e manutenção de edifícios históricos. Em paralelo, cresce o
entendimento de que precisamos repensar como nossas ações podem impactar a sociedade futura,
fazendo com que a busca pela garantia da sustentabilidade seja uma demanda forte, inclusive
cobrada cada vez mais pela sociedade. Considerando os impactos ambientais, sociais e econômicos
que a indústria da construção civil gera no mundo, o presente trabalho busca entender de que forma
é possível atrelar preceitos do design sustentável com aplicação da metodologia BIM para formulação
de intervenções em edifícios históricos. E com isto, atender às demandas emergentes do mercado da
construção na modernização de processos e garantia de desenvolvimento sustentável, voltadas a um
setor de igual importância: o do patrimônio histórico edificado. Para tal, foi feito uma revisão
bibliográfica, através da busca de palavras-chaves que permeiam os conceitos de HBIM,
sustentabilidade e patrimônio histórico edificado, para melhor entendimento do que vem sendo feito
no mercado e de quais as possíveis futuras ações de conexão e discussões. Os resultados obtidos
demonstram o potencial positivo de integração tanto entre BIM e sustentabilidade, como BIM e
patrimônio histórico, oportunizando uma discussão mais profunda sobre como extrair o máximo da
integração destes três conceitos. União que apesar de complexa e de aparentar certo distanciamento
entre disciplinas, encaminha-se cada vez mais para fazer parte de um futuro comum.
Figura 1 - Ciclo de vida da construção, abrangido pela metodologia BIM. Fonte: Blog CRASA. (2020)
Green BIM
A combinação do BIM com preceitos da sustentabilidade gerou o termo green BIM, que
segundo definição da McGraw-Hill Construction (apud. WONG e ZHOU, 2015, p. 157,
tradução nossa) é “o uso de ferramentas BIM para alcançar objetivos de sustentabilidade
e/ou melhoria do desempenho da construção de um projeto”. Wong e Zhoug (2015) citam
ainda que aplicação do green BIM não deve limitar-se aos períodos de concepção e
construção, mas a toda vida útil do edifício, considerando fases de uso e pós-uso,
principalmente porque em seus estudos, notaram a tendência para maior consumo de
energia na fase de operação do edifício. No entanto, em uma revisão de literatura
abrangendo publicações do período de 2004 a 2014 (WONG e ZHOU, 2015), percebe-se
que o BIM tem sido aplicado em grande maioria para projeto de novas edificações,
colocando em segundo plano sua aplicação específica nas fases de manutenção, operação
e demolição de edifícios existentes. Um exemplo de ferramenta empregada em projetos que
busca compreender os impactos ambientais de uma construção, é a Avaliação do Ciclo de
Vida, ou, ACV. Usada globalmente para avaliar ou prever o desempenho sustentável de
uma edificação, a ACV possibilita avaliar impactos de consumo de energia e liberação de
CO² do berço ao túmulo (PIVA, 2019, grifo nosso) de materiais, ou seja, reúne um conjunto
de dados que compreende desde a extração de matérias-primas até o momento de descarte
dos resíduos de demolição de uma construção. Atrelando essa ferramenta à metodologia
BIM, vale a pena retomar aqui a supracitada capacidade de softwares BIM de atuarem como
facilitadores ao acesso organizado a informações, já que os dados necessários para
elaboração de uma ACV podem perfeitamente serem atrelados aos materiais e elementos
parametrizados utilizados nestes softwares, possibilitando aos projetistas e construtores
análises precisas de alternativas de intervenção em cada fase do ciclo de vida da edificação.
Além de reduzir a possibilidade de equívocos, desperdício de materiais e melhorar as
tomadas de decisão, há um ganho de velocidade no processo de análise, que seria ainda
mais extenso se estas informações estivessem dissociadas do projeto na etapa de
planejamento. É notório que a carta na manga de plataformas BIM é a informação atrelada
ao modelo, por este motivo é essencial que haja por parte dos projetistas um domínio sobre
a modelagem e cautela no momento de alimentá-la com informações, ao ponto de que caso
seja mal suprida, haverá comprometimento tanto em análises como nos desenhos técnicos
extraídos desta modelagem. É neste momento, em específico, que facilmente se diferencia
uma modelagem BIM de uma modelagem tridimensional. No mais, é importante notar que
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06 a 08 de outubro de 2021
escolher ferramentas BIM não vai garantir necessariamente um projeto sustentável, mas sim
facilitar as decisões e análises projetuais que, aí sim, devem ser norteadas por diretivas
sustentáveis.
Com crescentes tendências de retrofits na construção civil (CONEJOS et. al., 2011;
LACERDA et. al., 2019.), é importante voltar o olhar para o campo pouco explorado das
intervenções sustentáveis em edifícios já construídos, com atenção diferenciada para
edificações de caráter histórico, cujas reformas e manutenções apresentam mais exigências
para garantir a máxima preservação de suas características originais. Tratar de intervenções
em edifícios históricos é sempre um assunto delicado, dado o conglomerado de valores
tangíveis e intangíveis que tais edifícios carregam em suas paredes. Não à toa, países
estabeleceram junto a seus órgãos reguladores estratégias e leis para direcionar e limitar as
possíveis modificações nestes espaços, visando sempre que possível a conservação de
suas características originais e valores patrimoniais e, paralelamente, o prolongamento da
vida útil do edifício, de forma que um objetivo não necessariamente negligencie o outro.
Para tanto, intervenções bem planejadas são essenciais para garantir a manutenção e
modificações que se fizerem necessárias para que a comunidade futura e atual continue
com acesso seguro à riqueza patrimonial.
Porém, cabe aqui ressaltar as diferentes oportunidades e limitações quando estas reformas
estão voltadas a edifícios históricos, foco desta pesquisa. Com maiores exigências
demandadas por órgãos reguladores, além de diferentes níveis de estado de conservação
que exigem cuidados diferenciados, uma reforma em edifício histórico pode apresentar um
escopo bem limitado e específico, o que pode acarretar em maior custo com mão de obra
especializada ou mesmo a impossibilidade de uma reforma inteiramente sustentável.
Entretanto, ainda que a aplicação de estratégias completamente sustentáveis não seja
possível, percebe-se um retorno positivo do ponto de vista ambiental e econômico em
adaptações pontuais que reduzam o consumo de energia ao longo do restante do ciclo de
vida do edifício (HAMMOND et al., 2014), ou mesmo com a organização de uma futura
manutenção mais intensa. Quando se compara intervenções sustentáveis ao processo de
demolição e reconstrução Pereira (2018, p. 9) explica que:
Portanto, ainda que limitada, é válida a abordagem sustentável nos variados tipos de
intervenção permitidos em edifícios históricos, frisando-se o objetivo de conservação e
interesse socioambiental. Pereira (2018) enfatiza ainda a importância da seleção de
ferramentas que melhor possam simular as intervenções, sendo essenciais para acertada
tomada de decisão. Neste ponto, retomamos o papel da aplicação da metodologia BIM no
contexto do patrimônio histórico edificado, também conhecida como HBIM – Heritage
Building Information Modeling ou Historic Building Information Modeling, que trata da
aplicação de ferramentas BIM para documentação, gestão, estudos e simulações voltados
para conservação de patrimônio tangível. Assim como no uso generalista da metodologia
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BIM, um dos ganhos mais atraentes que o HBIM traz para a indústria do restauro e
conservação é a possibilidade de melhorar a comunicação entre os principais setores deste
ramo, cujos processos envolvem ainda mais atores e dados do que os de uma construção
nova.
Em paralelo, outro ponto a ser levantado na aplicação de retrofits sustentáveis com uso da
metodologia BIM, é a necessidade de elaboração de leis e normas técnicas que promovam
padronização e melhor uso desta metodologia para edifícios históricos. No entanto, apesar
de alguns países estarem avançando a passos largos na normatização e até mesmo na
obrigatoriedade do uso do BIM tanto em obras privadas como especialmente em obras
públicas, ainda há uma lacuna nas legislações voltadas à aplicação do BIM para gestão do
patrimônio histórico, sendo citado frequentemente somente para gestão de edifícios
existentes, de forma generalista.
Resultados e discussões
Notou-se também uma tendência nos artigos sobre construção sustentável a focarem em
projetos de edifícios novos com aplicações de certificações ambientais, como LEED,
BREEAM, CESBA e afins, considerando majoritariamente aspectos econômicos e
ambientais em suas discussões. No geral, o fator social do design sustentável foi discutido
em segundo plano, com poucas abordagens voltadas ao planejamento participativo, ao fator
cultural local e a impactos sociais na vizinhança. No entanto, nos artigos que tratavam de
sustentabilidade atrelada à conservação patrimonial, a preocupação com o aspecto social
ficou mais evidente, com relato de benefícios, como: a definição de um uso para a
edificação histórica compatível com as necessidades e expectativas locais; o aumento do
bem-estar dos usuários da edificação e, portanto, o incentivo à visitação e uso destas; o
aumento da educação patrimonial e valorização por parte da sociedade, que agora possui
novas ferramentas interativas para acesso à informação sobre atributos históricos,
construtivos e culturais, como por exemplo, acesso a realidade aumentada, realidade virtual,
recursos audiovisuais atrelados à representação de elementos construtivos, além de
possíveis gamificações; e o aquecimento da economia local com a retomada do setor
privado à sítios históricos, atraídos por incentivos públicos para o uso sustentável da
edificação histórica.
Conclusão
Referências
HAMMOND, R.; NAWARI, N. O.; WALTERS, B. BIM in sustainable design: strategies for
retrofitting/renovation. In: 2014 INTERNATIONAL CONFERENCE ON COMPUTING IN
CIVIL AND BUILDING ENGINEERING. 2014. Florida. Proceedings.... Florida: American
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<https://doi.org/10.1016/j.autcon.2015.06.003>. Acesso em: 14 jan. 2021.
RESUMO
Nos últimos tempos, a historiografia tem intensificado o diálogo com o gênero biográfico. A partir desta
aproximação, o debate em torno das biografias históricas vem contribuindo para o surgimento de novas
perspectivas no âmbito da história da arquitetura. Podemos observar estas transformações no
crescimento de estudos que investigam as trajetórias de arquitetos. Diante desse novo cenário, torna-
se pertinente refletir sobre as particularidades teóricas e metodológicas que permeiam o estudo
histórico-biográfico de profissionais que atuaram em áreas ligadas à arquitetura e ao urbanismo. Este
artigo tem como objetivo discutir as possibilidades e limitações de pesquisas a respeito das trajetórias
profissionais de arquitetos. Assim, pretende-se mapear e elucidar os principais desafios que os
pesquisadores poderão encontrar ao dedicar-se a esta temática. A partir dos comentários de diferentes
autores, propõe-se um panorama geral acerca da biografia enquanto um problema historiográfico. Para
tanto, o artigo está dividido em duas partes. Em um primeiro momento, será abordada, de forma breve,
a constituição da abordagem biográfica na historiografia, destacando as recentes contribuições de
pesquisadores brasileiros para a história da arquitetura. Na segunda parte, o artigo apresentará as
principais questões que norteiam as discussões historiográficas que tomam como eixo de pesquisa a
biografia no campo da história da arquitetura. Espera-se, com estas ponderações, contribuir para os
debates teóricos e metodológicos relativos a este tópico.
Palavras-chave: Biografia, Historiografia, História da Arquitetura, Metodologia.
1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
- Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
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Introdução
Embora tenha retornado ao debate historiográfico nas últimas décadas, ainda existe,
por parte dos historiadores, uma grande desconfiança em relação às biografias históricas.
Afinal, quais seriam suas possibilidades? A iniciativa de produzir a história de uma vida não
seria apenas um empreendimento “ilusório” (Bourdieu,1996)? Mesmo sendo criticada sob os
mais diversos aspectos, a biografia continua instigando reflexões importantes no campo
historiográfico. Sua popularidade, como apontado por François Dosse (2009), remonta à
Antiguidade Clássica, passando pelas hagiografias da Idade Média, e, até os dias de hoje,
continua atraindo a atenção do público em geral e dos pesquisadores. Mas quais seriam os
parâmetros das biografias históricas atuais? E quais perspectivas a biografia pode trazer para
a história da arquitetura?
A partir destas questões, o presente artigo pretende refletir sobre os desafios atuais
em torno da escrita e pesquisa biográfica no campo da história da arquitetura. A proposta,
assim, é analisar a biografia enquanto problema historiográfico, através do diálogo com
diferentes autores que tratam desta temática. Para isto, serão reconstituídas algumas das
mudanças da escrita biográfica ao longo do tempo, destacando sua relação com a história,
das suas origens até o início do século XX. Em seguida, serão indicadas as mais recentes
discussões sobre a biografia na área da história da arquitetura em âmbito nacional. Por fim,
serão apresentadas algumas reflexões sobre as relações do gênero biográfico com a história
da arquitetura.
Com este propósito, Plutarco reivindicava, segundo Jacques Revel (2005, p. 238), “o
direito de estilizar a realidade da experiência vivida para lhe permitir trazer testemunhos de
valor e amplitudes gerais”. E graças a esta intenção de produzir ensinamentos de alcance
universal, a biografia tornou-se um gênero popular e longevo pois, até o final do século XVIII,
os eventos do passado eram tomados como referência moral para o presente, isto é, a história
era concebida como uma magistra vitae (Dosse, 2009, p. 127). Pode-se afirmar, portanto, que
tanto a biografia quanto a história eram entendidas enquanto meios de transmissão de valores
às futuras gerações. Deste modo, apesar de terem ênfases e procedimentos distintos, a
história e a biografia acabavam por ter uma relação muito próxima, uma vez que ambos
possuíam este compromisso pedagógico (Lévillain, 2003, p. 145-150).
Observa-se, com base neste trecho, que as figuras biografadas eram entendidas como
uma “encarnação do espírito geral” francês (Dosse, 2009, p. 178), ou seja, eram
compreendidas enquanto verdadeiros símbolos patrióticos. Sendo assim, estas biografias
eram mobilizadas enquanto um instrumento de enaltecimento da nação. Portanto, da mesma
forma que o modelo biográfico da Antiguidade, estas obras biográficas também procuravam
transmitir valores através do relato de “vidas heroicas”. No entanto, no caso das biografias
produzidas nesta época, o intuito era, em parte, a legitimação dos discursos ligados à
construção das identidades nacionais.
A maior parte dos historiadores do século XIX, por estar interessada nos grandes
eventos do passado, considerava a biografia um subgênero, que, no máximo, seria útil na
educação das crianças (Dosse, 2009, p. 173). Na passagem do século XIX para o XX, os
historiadores se afastariam ainda mais da biografia, pois a história passou a ser entendida
como uma ciência, enquanto a biografia continuou a ser vista como um gênero inferior. Em
1929, com a fundação da revista Annales, por Marc Bloch e Lucien Lefbvre, as investigações
voltadas às grandes conjunturas econômico-sociais passam a ocupar o centro do debate
historiográfico (Lévillain, 2003, p. 159-160) Assim, por algumas décadas, a biografia seria
2Tradução livre do autor. No original: “Thus I became convinced of this intimidating truth: historical biography is one
of the most difficult ways to produce history.”
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Em abril de 2013, foi organizado o I Seminário Trajetórias (Biografias?) Profissionais:
Urbanistas e Urbanismo no Brasil — Documentação e Narrativas Históricas, por iniciativa do
Grupo de Pesquisa em História do Urbanismo e da Cidade (GPHUC-UnB/CNPq), da Rede-
Grupo de Urbanismo no Brasil (USP-CNPq) e do Centro Interdisciplinar de Estudos sobre a
Cidade (CIEC-UNICAMP). Este evento, sem dúvidas, representa um marco importante para
o campo da história da arquitetura. A partir dos debates entre os pesquisadores que se
envolveram no evento, foi publicado o livro Urbanistas e Urbanismo no Brasil: Entre Trajetórias
e Biografias, organizado por Rodrigo de Faria, Josianne Cerasoli e Flaviana Lira (2014).
Explorando diferentes aspectos teóricos e metodológicos relativos à pesquisa de biografias
de profissionais ligados ao campo do urbanismo, este trabalho pode ajudar-nos a refletir sobre
o debate historiográfico que vem se desenvolvendo atualmente sobre o tema.
Além do mais, a partir desta abordagem sobre a relação do sujeito biografado com seu
contexto, evita-se o que Charles Firth denomina de “paradoxo do sanduíche” (Loriga, 1998,
p. 247-248). Neste caso de narrativa biográfica, a vida do biografado e a sociedade à sua
volta são apresentadas de forma alternada e com pouca ou nenhuma conexão; em outros
termos: ora se escreve sobre o contexto, ora se aborda a vida pessoal, depois volta-se para
o contexto e assim por diante. Esse tipo de organização da narrativa pode, segundo Vavy
Borges (2011, p. 223), tornar o estudo biográfico uma espécie de curriculum vitae “recheado”
com fatias de contexto, o que acaba por simplificar a relação entre o indivíduo e seu meio
social.
Da mesma maneira, o historiador deve estar ciente das limitações de suas fontes. Por
mais detalhados e volumosos que sejam os documentos que remetem à trajetória profissional
do arquiteto, estes não são capazes de reconstituir todas as nuances da sua existência; em
outras palavras, sempre existirão lacunas (Le Goff, 2009, p. 23). O historiador precisa, assim,
compreender que os documentos são sempre fragmentos que se referem à existência do
biografado. Como salienta Lewis Mumford (1934), não se deve confundir os vestígios de um
percurso biográfico com a própria vida do biografado. Por esta razão, Schmidt (2014, p. 139)
ressalta que, apesar do compromisso do historiador com a veracidade, não existem biografias
históricas “verdadeiras” ou “definitivas”, mas, ao contrário, são todas provisórias. Diante desta
situação incômoda, como aquele que se dedica a pesquisa biográfica deve agir? A sugestão
de Mumford (1934, p. 2-3) pode nos ajudar a refletir sobre esta questão:
O biógrafo deve compor a vida estudada com o que ele possui, assim
como um arqueólogo deve reconstituir um templo ou uma estátua a
partir dos fragmentos que o tempo e os homens deixaram; mas o
destino muitas vezes, ironicamente, deixa-lhe uma perna bem
preservada e um torso desmembrado, enquanto a cabeça, que
forneceria a principal pista para o corpo, está faltando. Portanto, além
da seleção intencional exercida pelo próprio sujeito e pelo biógrafo ao
usar os materiais que sobraram, existe uma seleção puramente
externa dominada pelo acaso, que atravessa as evidências de forma
arbitrária. Para corrigir tais distorções, o biógrafo deve ser um
anatomista do caráter: ele deve ser capaz de restaurar o nariz perdido
no gesso, mesmo se ele não encontrar o mármore original. Não será
o órgão autêntico; mas vai ajudar a cimentar os elementos do rosto.
Para fazer essas restaurações, o biógrafo deve ser um historiador e
também um estudante do individual; ele deve saber, em um
determinado momento, em um determinado habitat, qual seria a cor e
a forma de uma parte perdida. Se não tiver pistas, o bom biógrafo, ao
deixar estes detalhes de fora, pelo menos chamará a atenção para sua
ausência.3
3 Tradução livre do autor. No original:” The biographer must compose his life of what he has, just as the
archaeologist must restore his temple or his statue with such fragments as thieving time and careless men have
left him; but fate often ironically leaves him a well-preserved leg and a dismembered torso, while the head, which
would supply the main clue to the body, is missing. Hence, in addition to the purposive selection exercised by the
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A partir dos comentários de Mumford, pode-se afirmar que a investigação biográfica
demanda grande sensibilidade do pesquisador. Em minhas investigações pude observar que,
na prática, por mais simples e lineares que as trajetórias dos arquitetos e urbanistas pareçam
em um primeiro momento, elas são, na verdade, muito complexas. Assim, seria impossível
que as fontes abarcassem todos elementos biográficos destes sujeitos. Embora seja
fundamental que o historiador selecione e analise criticamente suas fontes, ele deve também
se preocupar com os “espaços vazios” na documentação (BORGES, 2011, p. 221). Para
Mumford (1934), “o bom biógrafo” não se esquiva dessas lacunas, mas as incorpora em seu
trabalho, seja para deduzir alguma hipótese ou, ainda, para evidenciar os próprios limites
encontrados por ele na pesquisa.
O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1986) foi responsável pelas mais duras críticas
à biografia histórica nos últimos anos. Para ele, a tentativa de biografar uma vida como um
percurso seria uma “ilusão retórica” (Bourdieu, 1996, p. 185). Segundo Bourdieu (1996), os
biógrafos costumam atribuir um sentido à vida narrada, buscando extrair dela relações de
causa e efeito que dariam a esta existência uma certa coerência e finalidade. Esta linearidade
coerente, segundo Bourdieu (1996), ignoraria o caráter descontínuo, fragmentado e, muitas
vezes, contraditório dos indivíduos. Bourdieu, diante disso, propõe que os acontecimentos
biográficos sejam compreendidos enquanto “[…] colocações e deslocamentos no espaço
social, isto é, mais precisamente nos diferentes estados sucessivos da estrutura da
distribuição das diferentes espécies de capital que estão em jogo no campo considerado”
(Bourdieu, 1986, p. 190).
subject himself and by the biographer in making use of such materials as are left, there exists a purely external
selection dominated by chance, which cuts across the evidence in an arbitrary fashion. To correct for such
distortions the biographer must be an anatomist of character: he must be able to restore the missing nose in plaster,
even if he does not find the original marble. It will not be the authentic organ; but it will help cement the face together.
To make such restorations the biographer must be a historian as well as a student of the individual; he must know,
at a given moment, in a given habitat, what would be the probable color and shape of a missing part. If he have no
clues, the good biographer, when he leaves such a detail out, will at least call attention to its absence.”
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pesquisador. A própria complexidade da identidade e suas ambiguidades se tornaram um dos
problemas centrais para os historiadores que lidam com a questão biográfica. E, como vimos
anteriormente, esta questão já vem sendo debatida no contexto nacional até mesmo na área
da história da arquitetura e urbanismo. Sendo assim, como ressalta Dosse (2009, p. 405), “a
identidade biográfica já não é considerada como congelada à maneira de uma estátua, mas
sempre às voltas com as mutações”. Diante disso, surgem duas questões: de que maneira o
historiador deve abordar a biografia profissional dos arquitetos? E como ele pode torná-la
inteligível aos leitores?
Um caminho possível seria apoiar-se nas reflexões de Paul Ricœur (1991) em torno
do conceito de identidade narrativa. Partindo da premissa de que somente por meio do
processo narrativo podemos determinar a identidade do sujeito, Ricœur (1997, p. 212) propõe
que consideremos o problema da identidade pessoal a partir da tensão entre os conceitos de
identidade-idem e identidade-ipse. De acordo com Ricœur (1997), o conceito identidade-idem
remete ao núcleo identitário imutável do sujeito e às disposições fixas nas quais distinguimos
um indivíduo do outro. De outro modo: o conceito identidade-idem caracteriza aquilo que se
mantém inalterado na identidade do indivíduo, “à maneira de suas impressões digitais”, como
sugere Dosse (2009, p. 342). Já a noção de identidade-ipse refere-se a dimensão mutável do
indivíduo e de suas ações, no tempo, que podem ser reconstituídas por meio da mediação
narrativa (Oliveira, 2018, p. 59-72). Assim, a identidade-ipse, como indica Ricœur (1997, p.
212), “[…] pode incluir a mudança, a mutabilidade, na coesão de uma vida.” Considero que,
através da articulação destas duas categorias de identidade propostas por Ricœur (1997), o
historiador pode analisar a complexidade da biografia do arquiteto de modo coerente. Assim,
a partir da identidade narrativa, pode-se refletir simultaneamente sobre aquilo que permanece
e o que se modifica na trajetória biografada.
Diante do que foi exposto, pode-se fazer algumas observações a respeito do tema
analisado. Em primeiro lugar, nota-se que a escrita biográfica sofreu diversas transformações
ao longo do tempo. Pode-se afirmar, assim, que as biografias e Plutarco não foram escritas
da mesma forma e nem com as mesmas intenções das biografias do início do século XIX,
assim como estas não foram concebidas com os mesmos pressupostos das biografias atuais.
Busquei evidenciar ainda que a relação entre o gênero biográfico e a história também oscilou:
ora estiveram próximas, ora encontravam-se afastadas. A partir do que foi apresentado,
procurei destacar que esta tensão entre os gêneros ocorreu, sobretudo, por conta das
rupturas dos paradigmas na historiografia. Deste modo, tanto os questionamentos quanto as
aproximações que os historiadores fizeram ao gênero biográfico se deram em função não só
do modo como eles compreendiam a biografia, mas também foram baseados na maneira
como eles concebiam seu próprio ofício.
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RESUMO
O presente artigo tem o objetivo de apresentar um percurso de modernidade da Radial Avenida
Borges de Medeiros, em Porto Alegre-RS, demonstrando, por meio de alguns exemplares, a
importância da documentação de projetos arquitetônicos e como estes registram as modificações nos
modos de morar e viver de seus habitantes. Chamada de cânion urbano, a Radial Avenida Borges de
Medeiros, que liga o Centro Histórico à Zona Sul da cidade, ficou conhecida pela grande diferença de
níveis em sua topografia e por suas construções em altura, reflexos da modernização da capital.
Finalizada em 1935, durante a gestão do Prefeito Alberto Bins, a avenida possui quatro importantes
pontos nodais: a Ponte de Pedra, o Viaduto Otávio Rocha, o Paço Municipal, localizado no Largo
Glênio Peres, e a Esquina Democrática, tombada em 1997. Em um percurso que tem como ponto de
partida o Largo Glênio Peres, edifícios e espaços adjacentes conformam conjuntos de registros, como
na esquina democrática, onde o Edifício Sul América configura esse importante espaço na capital,
sendo procedido no trajeto pelos edifícios Continente e Amazônia, relacionando habitação e
comércio. Adiante no percurso, no Viaduto Otávio Rocha, há cinco exemplares modernistas, sendo
eles: São Salvador, Everest, Santa Generosa, Duque de Caxias e Duquesa. Finalizando o percurso
próximo a Ponte de Pedra, onde a modernidade trouxe imponentes construções em altura com
térreos mistos junto a espaços culturais, como o Edifício General Osório e Caixeiros Viajantes, além
de se mesclarem ao percurso edifícios Art Decò. Dessa forma, é possível documentar relevante parte
da evolução urbana e arquitetônica da cidade, principalmente aquela ocorrida na década de 1950,
período em que o Movimento Moderno iniciava sua passagem pela capital gaúcha. A pesquisa é
desenvolvida através da seleção de exemplares de edifícios de habitação coletiva de cunho
modernista do período de 1940 a 1960, feita por meio de visita in loco e publicações. Após a seleção,
requisitam-se os projetos originais no Arquivos Municipal, para que se iniciem os redesenhos em
softwares de arquitetura. Com os redesenhos produzidos, é criada uma tabela de comparações de
mudanças advindas do Movimento Moderno. Morar no centro da cidade oferecia importância à classe
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média, fato que se somou ao desejo de morar nas alturas e ao incentivo pela densificação, resultando
na construção de habitações coletivas, que, pelo Decreto 245/1940, deveriam ter mais de seis
pavimentos. Assim, Porto Alegre se modernizava seguindo padrões de cidades referências como o
eixo Rio-São Paulo, e cidades internacionais como Nova Iorque, Chicago, Buenos Aires e
Montevidéu. Utilizando o percurso de modernidade da Radial Avenida Borges de Medeiros,
apresentado a partir de fotografias, textos e registros originais das edificações de caráter habitacional
do período entre 1940-1960, documenta-se o importante desenvolvimento de uma sociedade que
vivenciava o processo de modernização.
Porto Alegre começa a ter seu traçado configurado a partir de 1772, início da segunda fase
de desenvolvimento da cidade, “dentro dos princípios tradicionais da cidade brasileira,
conhecida como cidade em acrópole” (SOUZA, 2010, p. 32). A base governamental, que
desde a expulsão pelos espanhóis do governo português de Rio Grande, em 1763, ficava na
cidade de Viamão, passou para Porto Alegre em 1773, uma vez que a Freguesia da Nossa
Senhora da Madre de Deus de Porto Alegre possuía posicionamento geográfico estratégico
à beira do Guaíba. Com os prédios governamentais realocados primeiramente para o lado
noroeste da península, iniciam-se as obras de melhoramentos, como o remembramento de
lotes para possibilitar que se erguessem construções maiores em pontos específicos da
cidade.
A terceira fase da cidade diz respeito à vinda dos imigrantes e a Revolução Farroupilha.
Após a eliminação da muralha construída no período da Guerra dos Farrapos, a cidade se
expandiu em leque a partir de cinco caminhos estruturadores que partiam da ponta da
península, chamadas radias, que caracterizam a cidade até hoje. São elas: Avenida Borges
de Medeiros, Avenida João Pessoa, Avenida Osvaldo Aranha, Avenida Independência e
Avenida Voluntários da Pátria. No final do século XIX e início do século XX, Porto Alegre
chega a sua quarta a fase, a da industrialização, advinda da Revolução Industrial, um
período em que a Arquitetura e o Urbanismo buscavam a Ciência e a técnica para legitimar
a experimentação nas fábricas, no período que coincidiu com a Primeira Guerra Mundial. O
processo de industrialização, o entre guerras e a escassez de materiais para ornamentar
trouxeram consigo o repensar da cidade, o que levou aos primeiros planos de
melhoramentos da capital e à modernização da Arquitetura, que, segundo o Arquiteto e
Professor Günter Weimer em “Levantamento de projetos arquitetônicos. Porto Alegre: 1892
à 1957”, num primeiro momento, era uma Arquitetura mais historicista que racional.
O início do século XX trouxe consigo o aumento da altura das edificações, que ganhou força
com as tecnologias, o crescimento da cidade e com a consolidação do Movimento Moderno
na década de 1930, tendo Nova Iorque, Chicago, Buenos Aires, Montevidéu e o eixo Rio-
São Paulo, no Brasil, como influenciadores da sociedade gaúcha. A verticalização
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expressava desenvolvimento, que, com a popularização do Movimento Moderno, tornou-se
muito utilizada em edifícios de habitação coletiva, unindo dois importantes marcos de
modernidade em relação à arquitetura e ao comportamento social. Essa metropolização da
capital dos gaúchos, trouxe para a classe média, novos modos de morar para atender as
expectativas, verticalizando a península e originando o cânion urbano, conhecido como
Avenida Borges de Medeiros.
Após esse período de formação, muitas das mudanças na capital advieram por conta da
esfera estatal, sendo o processo de modernização da Cidade no âmbito municipal, pensado
apenas durante a gestão do intendente José Montaury (1897-1924), com a organização da
Comissão de Melhoramentos e Embelezamentos. A Comissão produziu inicialmente três
projetos: Ato Municipal Nº 96, de 11 de junho de 1913, que criava o Regulamento Geral das
Construções, que além dos desenhos mínimos para aprovação de projetos, definia
alinhamentos, recuos, alturas em relação à rua, ocupação, elementos de drenagem e
zoneamentos; O Plano Geral de Melhoramentos, ou Plano Maciel, em referência ao
arquiteto responsável, João Moreira Maciel, que estipulou a abertura da Radial Avenida
Borges de Medeiros, seus marcos, traçado viário, largura dos passeios e da via (um total de
vinte e quatro metros), faixas de arborização, automóveis e bondes, além das grandes
perspectivas pelo deslocamento do eixo original da via; e o levantamento topográfico da
cidade, publicado em 1916 com a finalidade para elaborar uma nova planta de Porto Alegre.
O Plano Geral de Melhoramentos tinha como referência as reformas de Haussmann e sua
principal intenção era ligar o atual Centro Histórico até os limites do Primeiro Distrito,
alargando as vias para possibilitar o aumento da altura das construções, sua importância é
perceptível quando se nota que ele se manteve vinte e três anos como norteador dos
trabalhos de cunho urbano desenvolvidos na cidade.
O Plano Gladosch não foi desenvolvido como Plano Diretor, pois houve a necessidade de se
reconduzir a atenção para “as obras de recuperação da cidade depois da grande enchente
de 1941, e para sua proteção contra futuras repetições da tragédia” (ABREU FILHO, 2006,
p. 64), além do próprio Gladosch ter voltado sua atenção para projetos próprios e da saída
do Intendente José Loureiro da Silva. Ao final da gestão, em 1943, todo trabalho
desenvolvido no âmbito urbano ficou registrado no livro “Um Plano de Urbanização”,
desenvolvido em conjunto com o engenheiro municipal Edvaldo Pereira Paiva, que
afirmaram em seu prefácio que a obra “sintetiza e explica o Plano Diretor de Porto Alegre,
não apenas nos seus princípios básicos de caráter doutrinário” (PAIVA E SILVA, 1943, p.
15). O relatório é dividido em nove partes, iniciando um breve histórico da evolução da
Capital, as reformas urbanas, o Anteprojeto de Gladosch e outros seis capítulos que
abordam como tornar o Plano realidade, demonstrando ainda, que sua fundamentação
mesclava ideias positivistas com o início do urbanismo modernista.
Após uma primeira tentativa modernista, a Carta de Atenas foi o ideário principal para o
desenvolvimento do Anteprojeto de planificação de Porto Alegre, de 1951, desenvolvido pelo
engenheiro Edvaldo Pereira Paiva e pelo arquiteto Demétrio Ribeiro, levando a utilização
das funções da cidade de Le Corbusier: habitação, circulação, trabalho e recreação, sendo
utilizada nas etapas posteriores. Com o desejo de verticalização cada vez mais em
evidência na cidade, é aprovada a Lei Nº 986 de 1952, que mesmo sem caráter de Plano
Diretor, dispôs de intervenções importantes para a morfologia urbana da cidade, pois,
apesar de aparentemente diminuir os limites de altura, permitiu um novo dispositivo, o
escalonamento, que levou a alturas além do permitido sem ele, o que se observa de forma
clara no Edifício Santa Cruz (1958), do Arquiteto Carlos Alberto de Holanda Mendonça. O
Artigo 2º da Lei 986, no parágrafo 3, libera para as Avenidas Salgado Filho e Borges de
Medeiros o caráter de ruas corredor, uma vez que esta Lei permite a construção no
alinhamento até 70 metros de altura.
A topografia da acrópole é cortada pela Avenida Borges de Medeiros, uma das radiais
urbanas que partem do centro em direção à zona sul da cidade. O caminho, já traçado no
Plano de 1914, passou a fazer parte do cotidiano dos portoalegrenses em 1925, após a Rua
General Paranhos, que subia até a Rua Duque de Caxias, ser reformulada para vencer o
grande desnível em que se encontrava, proporcionado um melhor fluxo para os veículos e
resultando na construção do Viaduto Otávio Rocha. A ligação com o Paço Municipal foi
finalizada em 1940, coincidindo com a leis para incentivar as construções em altura na
Avenida. Pela sua importância dentro do planejamento urbano da cidade, a Radial Avenida
Borges de Medeiros tornou-se um dos símbolos do modernismo e da verticalização de Porto
Alegre, representando em diversos momentos o progresso da capital, sendo assim um
registro histórico percorrível. Caracterizada pela verticalidade e alinhamentos contínuos, a
Radial é referida como um cânion urbano pela volumetria semelhante aos dos cânions
naturais.
LINGUAGEM/RESP.
FILME OBRA/PROJETISTA ENDEREÇO
TÉCNICO
A partir dos dados levantados na publicação do livro, foi definido o período utilizado para o
desenvolvimento da pesquisa. Com o período definido, iniciou-se a seleção de edifícios que
se enquadravam no âmbito da pesquisa, ou seja, edifícios de habitação coletiva. De posse
da seleção primária dos edifícios selecionados, conforme Tabela 1, realizou-se uma visita in
loco para demarcar os edifícios no mapa da Avenida. Após a catalogação in loco dos
edifícios, iniciou-se a busca pelos projetos originais dos selecionados no Arquivo Municipal,
possibilitando realizar os redesenhos em softwares de arquitetura para analisar os edifícios
através das plantas baixas e fachadas, além da sua relação com o percurso da Avenida,
resultando em uma tabela comparativa das mudanças advindas do Movimento Moderno.
4. UM PERCURSO DE MODERNIDADE
Imagem 1: Pontos nodais (esquerda) e edifícios do percurso (direita). Edição: Walquíria Brauwers
Schüssler.
A Radial Avenida Borges de Medeiros, após sua remodelação, que teve início com o Plano
de Melhoramento de 1914 e foi finalizada para o Centenário Farroupilha em 1935, possui
pontos de importância ao longo do seu percurso. Produzindo uma análise sobre a extensão
da Avenida no Perímetro do Centro Histórico de Porto Alegre, percebe-se a existência de
quatro pontos de destaque, pontos nodais. Pontos Nodais são ser explicados como “focos
estratégicos nos quais o observador pode entrar; são, tipicamente, conexões de vias ou
concentrações de alguma característica”, explicação traduzida por Jefferson Luiz Camargo,
sobre Lynch (1997, p. 81 e 82). Tendo em vista a conceituação de pontos nodais, pode-se
selecionar os quatro pontos nodais da Avenida Borges de Medeiros: Paço Municipal,
Esquina democrática, Viaduto Otávio Rocha e Largo dos Açorianos, marcos construídos ou
consolidados de importantes períodos da cidade. Os quatro pontos, imagem 2, são
tombados pelo município de Porto Alegre e serão apresentados neste artigo conforme o
percurso criado.
O Viaduto Otávio Rocha, é resultado dos planos de higienização da cidade, que foram
transcritos pelo Plano de Melhoramento de 1914. Nessa remodelação urbana, a então rua
General Paranhos passa pelo processo de melhoramento, resultando na Avenida Borges de
Medeiros. Com a remodelação da rua, houve um rebaixamento no nível da nova Avenida, o
que ocasiono uma diferença de nível entre a remodelação com a Rua Duque de Caxias.
Para resolver o desnível criando, foi projetado o Viaduto Otávio Rocha, que soluciona a
diferença de nível no cruzamento das vias. As obras do Viaduto iniciaram em 1928 e foram
finalizadas em 1932, três anos após a finalização da remodelação da Avenida. O Viaduto,
terceiro ponto nodal do percurso, além de fazer parte do cruzamento entre a Avenida Borges
de Medeiros com a Rua Duque de Caxias, é um ponto de referência arquitetônica e
patrimonial.
No Largo dos Açorianos, espaço urbano que homenageia os sessenta casais que em 1752
desembarcaram e se instalaram em Porto Alegre (SPALDING, 1953, p. 1), está localizada a
Ponte de Pedra. No último ponto nodal e ponto final do percurso, está localizado um marco
Olhando a partir do Edifício Sul América em direção ao Viaduto Otávio Rocha, distando duas
quadras, destaca-se um conjunto de dois edifícios considerados arranha céus em Porto
Alegre, são eles o Edifício e Cinema Continente, que em seu térreo abrigava o Cine Teatro
Continente, e o Edifício Amazonas, que no nível da rua abrigava o Banco da Amazônia
segundo a planta original de 1954. Ambos os edifícios possuem características
semelhantes, além da altura, ambos são edificações de uso misto, com a entrada
residencial nos cantos da construção, deixando amplo espaço para o acesso aos serviços.
Ainda é preciso citar que o conjunto possui pilares monumentais marcados no pavimento
térreo, aludindo aos pilotis modernos. O volume de ambos é prismático, tendo as fachadas
compostas por sacadas, que criam interessantes cheios e vazios simétricos até o
fechamento de algumas nos últimos anos. O Edifício Continente, do Arquiteto Carlos de
Holanda Mendonça, com seus vinte e três pavimentos, pode ser considerado um sucessor
O Edifício Santa Generosa, que conforma a fachada da frente do Edifício Duque de Caxias,
é um dos exemplares de maior altura da Radial Avenida Borges de Medeiros. O Edifício
possui um térreo livre, com a presença de pilotis, mas sem dar acesso ao público. Na sua
fachada voltada para o viaduto, ele possui algumas lojas, dentre elas a que sedia,
atualmente, o Justo, um dos bares que movimenta o viaduto.
O Edifício San Salvador, uma das quatro esquinas do viaduto, é o exemplar do período que
menos possui características modernas, pertencente ao período de transição para o
moderno. Suas características modernas aparecem em sua planta e definição de uso, uso
habitacional.
O Edifício Everest, o único duas quatro esquinas do Viaduto Otávio Rocha que é misto. O
Edifício é misto entre residencial e de serviço, sendo a parte de serviço utilizada para hotel.
A composição volumétrica do edifício preenche as fachadas voltadas para a rua, dando
maior imponência a volumetria quando adicionado a sua grande altura.
Finalizando o percurso pela Avenida Borges de Medeiros, próximo ao Largo dos Açorianos,
é visto o Edifício Caixeiros Viajantes, atualmente denominado Edifício União dos Viajantes.
A edificação de habitação coletiva composta de um volume só, tem uma divisão tripartida
com base, corpo e coroamento. A fachada principal, apresenta sincronia nas esquadrias,
onde todas as aberturas possuem uma espécie de moldura, e as sacadas, recuadas,
harmonizam-se com os volumes.
Imagem 3: 1- Edifício Sul América; 2 – Edifício Continente; 3 – Edifício Amazônia; 4 – Edifício Santa
Generosa; 5 – Edifício San Salvador; 6 – Edifício Everest; 7 – Edifício Duque de Caxias; 8 Edifício
5. CONDERAÇÕES FINAIS
Percorrendo o trecho que vai do Paço Municipal até o Largo dos Açorianos, é possível
entender o porquê dos diversos registros escritos sobre a Avenida. É perceptível a
sobreposição de períodos arquitetônicos se mesclando aos incentivos da legislação, pois ao
longo do percurso notam-se características modernas, sobretudo, a verticalização.
Chegando no Largo dos Açorianos, ponto final do percurso proposto, a Avenida configura-se
como um espaço que representa a sua temporalidade, tendo como exemplar modernista de
maior caracterização, o Edifício General Osório.
ABREU FILHO, Silvio Belmonte de; PEREIRA, Cláudio Calovi (org). Porto Alegre de Papel.
PROPAR, Porto Alegre, 2006.
BUENO, Marcos Flávio Teitelroit. A obra do arquiteto Carlos Alberto de Holanda Mendonça.
Orientador: Arq. Dr. Silvio Belmonte de Abreu Filho. Dissertação (Mestrado em Teoria e
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BUENO, Marcos Flávio Teitelroit. Edifício Santa Cruz: retrato de uma mudança. 9º seminário
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MACEDO, Francisco Riopardense de. História de porto alegre. Porto alegre: Ed. da
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MELLO, Bruno Cesar Euphrasio. A cidade de Porto Alegre entre 1820 e 1890: As
transformações físicas da capital a partir das impressões dos viajantes estrangeiros.
Dissertação de mestrado, UFRGS, Faculdade de Arquitetura, PROPUR, Porto Alegre, 2010.
MÜLLER, Dóris Maria; SOUZA, Celia Ferraz de. Porto Alegre e sua evolução urbana. Porto
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NUNES, Denise Vianna. Morar Moderno - Dois projetos de Firmino Saldanha. Rio de
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PAIVA, Edvaldo Pereira; SILVA, José Loureiro da. Um plano de urbanização. Porto Alegre;
Prefeitura de Porto Alegre, 1943.
PORTO ALEGRE. Lei Nº 986, de 22 de Dezembro de 1952. Dispõe sobre a altura das
construções e dá outras providências. Porto Alegre, RS, set 2021.
PORTO ALEGRE. Lei Nº 2046, de 30 de Dezembro de 1959. Institui o plano diretor e fixa
normas para sua execução. Porto Alegre, RS, set 2021.
SOUZA, Célia Ferraz de. Plano Geral de Melhoramentos de Porto Alegre: o plano que
orientou a modernização da cidade. 2 ed. Porto Alegre; Armazém Digital, 2010.
SPALDING, Walter. Pequena História de Porto Alegre. Sulina Editora, Porto Alegre, 1967.
XAVIER, Alberto; MIZOGUCHI, Ivan. Arquitetura moderna em Porto Alegre. SÃO PAULO:
PINI, 1987.
Imagem 2: 2 - Esquina Democrática. Fonte: Mário Quintana /JC. Disponível em < Jornal do
Comércio - Calorão lota as praias e esvazia Porto Alegre (jornaldocomercio.com)>. Acesso
em: 29 set. 2021.
RESUMO
As intervenções de reforma, mais comunmente chamadas de retrofit no léxico do mercado imobiliário,
tiveram nos últimos anos uma difusão significativa entre os edifícios residenciais das áreas centrais
das cidades brasileiras. Esta tendência, por um lado, pode ser avaliada positivamente, pois revitalizar
um imóvel subutilizado significa reafirmar sua utilidade e frear sua degradação, além de constituir
uma válida reivindicação de cunho político e social. Por outro lado, porém, à frente dos resultados,
torna-se a cada vez mais necessário entender de que maneira estas práticas vêm sendo concebidas
e atuadas, ou seja, a partir de quais ferramentas teóricas e metodológicas elas são desenvolvidas e
efetivadas. Do ponto de vista específico do campo disciplinar da preservação, a observação e a
análise dos processos ocorridos (ora a demolição sistemática do patrimônio, ora o aporte de
intervenções de “restauro” não suportadas por sólidas diretrizes metodológicas e embasadas em
procedimentos eminentemente substitutivos da materialidade original) acabam suscitando uma série
de interrogativos. Porque se é verdade que, na ótica da transmissão de um bem patrimonial para a
posteridade, preservar é certamente melhor do que demolir, igualmente verídico é o fato que reformar
um imóvel alterando sua materialidade original (não simplesmente de forma pontual, como é
inevitável em qualquer intervenção de restauro que se baseia em escolhas ponderadas, mas de
maneira sistemática e sem questionamentos, como é o caso da maioria dos retrofits) significa
desnaturá-lo de maneira irreversível. Qual seria, afinal, a relação intercorrente entre o patrimônio
construído e a matéria que o constitui? Em que maneira a matéria construída faz com que um edifício
se torne documento? E enfim, qual a importância que, na atuação de uma intervenção de restauro,
deve ser atribuída à vertente material? A decisão de repercorrer, nesta sede, algumas das mais
consolidadas contribuições teóricas formuladas a partir do século XIX - século ao longo do qual, de
acordo com Kühl, “a restauração constrói seus instrumentos” - dentro do campo disciplinar do
restauro recorre da urgência de embasar, da maneira o mais fundamentada possível, algumas
reflexões sobre as ações da preservação atuadas em dia de hoje e, mais especificamente, as que
dizem respeito às intervenções de restauro entendidas em sua acepção mais prática. Principal
objetivo deste artigo será, portanto, verificar se e de qual maneira a relação intercorrente entre
restauro e materialidade tem sido levantada e discutida no corpus teórico inerente à restauração, por
quais autores, em quais documentos e com quais rebatimentos práticos.
Qual seria, afinal, a relação intercorrente entre o patrimônio construído e a matéria que o
constitui? E qual a importância que, na atuação de uma intervenção de restauro, deve ser
atribuída à vertente material?
A decisão de repercorrer, nesta sede, algumas das mais consolidadas contribuições teóricas
formuladas a partir do século XIX - século ao longo do qual, de acordo com Kühl (in
SALCEDO e BENINCASA (org.) 2017:97), “a restauração constrói seus instrumentos” -
dentro do campo disciplinar do restauro recorre da urgência de embasar, da maneira o mais
fundamentada possível, algumas reflexões sobre as ações da preservação atuadas em dia
de hoje e, mais especificamente, as que dizem respeito às intervenções de restauro
entendidas em sua acepção mais prática.
Principal objetivo deste artigo será, portanto, verificar se e de qual maneira a relação
intercorrente entre restauro e materialidade tem sido levantada e discutida no corpus teórico
Os teorizadores do século XIX tinham plena consciência do papel que eles mesmos
detinham perante a produção arquitetônica do passado, e das responsabilidades
decorrentes desta - cada vez mais clara - tomada de consciência. “O nosso tempo, e
somente o nosso tempo [...] tomou, em face do passado, uma atitude inusitada”, afirmava
Viollet-le-Duc (2007: 32), que não perdia oportunidade para reiterar a diferença entre as
atitudes do passado e “os novos rumos”, que ele mesmo contribuíra a estabelecer: “os
trabalhos de restauração [...], do ponto de vista sério, prático, pertencem ao nosso tempo
[...]” (Ibid.: 58). Analisando os primeiros passos deste trabalho pioneiro, não é difícil imaginar
o porte das dificuldades e dos desafios de se atuar em um capo disciplinar praticamente
novo, embasado em um corpus teórico em fase de formação e ainda eminentemente
experimental do ponto de vista prático.
E por mais que, nas intervenções práticas, Viollet-le-Duc tenha atuado de maneira nem
sempre condizente com suas reivindicações, entendemos que, de um ponto de vista
metodológico, a compreensão aprofundada e pormenorizada dos materiais e das técnicas
construtivas que ele defendia e que, de acordo com o exemplo por ele traçado, era
desenvolvida pelo arquiteto em decorrência de sua presença constante no canteiro de obra,
poderá constituir a chave para conseguir realizar, de maneira oportuna e competente,
intervenções voltadas ao restauro de edifícios não apenas antigos, mas também modernos
ou contemporâneos.
John Ruskin
De acordo com o pensamento reivindicado pelo movimento Arts & Crafts inglês do qual
Ruskin era expoente, os materiais seriam capazes de carregar e transmitir qualidades
morais. No pensamento deles, estas qualidades não eram porém associadas aos materiais
de matriz industrial, mas apenas àqueles de cunho tradicional. Em relação à “materialidade
industrial” com tanto êxito experimentada pelos engenheiros seus contemporâneos, devem,
com efeito, ser levadas na devida consideração as limitações apontadas por Ruskin em
relação ao uso dos recursos construtivos novos como, por exemplo, as estruturas metálicas.
Na análise de Santos (1956), as restrições apontadas pelo crítico britânico em relação a
este tipo de recurso construtivo “se revestem da maior significação histórica, porque
traduzem o sentimento então dominante entre os mais eminentes estetas, com repercussão
nos responsáveis pelo ensino da arquitetura”.
Ruskin se dizia disposto a aceitar o emprego dos elementos metálicos como auxílios
(“grampos e gatos”) à arquitetura de pedra, e quando o uso deste material era inevitável, ele
recomendava que com ele se fizesse “tudo o que possa ser feito com uma boa argamassa e
uma boa alvenaria” (RUSKIN apud SANTOS 1956:16).
Camillo Boito
Em suas intervenções práticas, Boito nem sempre manteve uma postura coerente com as
suas teorias; todavia, ele declarava-se alinhado à corrente de cunho conservativo, não
perdendo oportunidade para alertar os leitores dos riscos decorrentes das restaurações
mais radicais: “Mas uma coisa é conservar, outra é restaurar, ou melhor, com muita
frequência, uma é o contrário da outra” (Ibid.: 37). Tal elucidação, bastante ruskiniana
apesar de Boito não admitir claramente sua filiação ao pensamento do mestre inglês, põe
em evidência a existência de uma diferença substancial entre as duas práticas, a da
conservação e a do restauro; uma divergência que ainda pode ser considerada basilar nas
teorizações mais atuais.
Boito volta a falar da questão da distinguibilidade na obra Questioni (BOITO 1893 apud
CARBONARA 1997: 208). Nela, o autor elenca oito diretrizes visando a diferenciação entre
a substância original e as adições, apontando explicitamente para a necessidade de
diferenciar os materiais (Ponto II), conceito já exposto também no Congresso de
Engenheiros e Arquitetos Italianos de 1883. A matéria, em suma, configurar-se-ia como um
dos elementos determinantes para garantir a distinguibilidade entre as diversas partes, entre
original e adicionado, entre antigo e novo.
Figura 01. Coliseu, Roma. A intervenção de Stern (1806) garantiu a consolidação do anel externo
através da construção de um esporão maciço de tijolos, facilmente distinguível do material lapídeo
original. (FONTE: A. Bedolini 2016)
Escola de Viena
A contribuição da Áustria, oferecida pela chamada Escola de Viena e por seus expoentes no
campo da preservação Alois Riegl e Max Dvořák revelou-se, também, extremamente
relevante na fundamentação, tanto teórica quanto metodológica, da temática em pauta.
A mensagem parece clara: a substituição integral dos materiais e das componentes edilícias
originais acabará suprimindo todos aqueles valores testemunhais, culturais e espirituais dos
quais, de acordo com a leitura de Riegl e Dvořák, as obras arquitetônicas do passado (mais
Dvořák fornece também algumas indicações práticas de manuseio dos materiais no Capítulo
Alguns Conselhos, que encerra o Catecismo. Nessas recomendações continuam válidos
diversos conceitos afirmados nas teorizações anteriores como, por exemplo, os critérios de
distinguibilidade e de mínima intervenção, e a exortação a antepor sempre a conservação
aos procedimentos de restauração mais consistentes: “os melhoramentos devem sempre
ser realizados de maneira que não perturbem, mas respeitem, o antigo caráter da
construção, seus materiais e sua forma” (Ibid.: 111). Em caso de intervenções voltadas à
recuperação dos pisos e das coberturas de edifícios de grande porte, por exemplo, Dvořák
recomenda que os trabalhos sejam executados sempre com o auxilio de um especialista,
empregando os mesmos materiais utilizados anteriormente e evitando o mais possível os
materiais modernos, que ele considera “substitutos baratos” (Ibid.: 113). Pode ser
interessante observar, neste aspecto, uma contra-tendência em relação às prescrições da
Carta de Atenas que, algumas décadas depois, incentivará a utilização de materiais e
técnicas construtivas modernas nas intervenções de restauro.
Gustavo Giovannoni
Cesare Brandi
Cesare Brandi, autor da obra Teoria da Restauração (1963) foi expoente da corrente italiana
denominada restauro crítico. À questão da matéria, considerada o único e verdadeiro objeto
da restauração – ou seja, a única instância sobre a qual o restaurador tem a possibilidade
de intervir concretamente: “Si restaura solo la materia dell’opera d’arte” -, Brandi dedicou o
capítulo A Matéria da Obra de Arte.
No pensamento brandiano, o meio físico de uma obra representa o suporte que propiciará a
transmissão da imagem. Tratando-se de uma instância palpável e trabalhável, portanto, é à
matéria que as intervenções de restauro serão destinadas sem, todavia, esquecer que o
porte desta operação alcançará, além da mera consistência física, uma significância cultural
ainda mais abrangente, assim enunciada por Brandi em sua definição do que significa
restaurar: “a restauração constitui o momento metodológico do reconhecimento da obra de
arte, na sua consistência física e na sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas à
sua transmissão para o futuro” (BRANDI 2004:30 Grifo Nosso). Portanto, “os meios físicos,
de que a imagem necessita para se manifestar” representam “um meio e não um fim”
(BRANDI 2004: 35). Em outras palavras, a primeira aproximação à instância material de
uma obra deve ser feita levando em conta sua função fenomenológica (“aquilo que serve à
Esta impostação metodológica não significa que Brandi estivesse estabelecendo uma
hierarquia entre imagem e matéria: pelo contrário, o meio físico há de ser considerado
portador de um leque de funções e de significados que transcendem sua instância de mero
suporte. O prevalecimento de um aspecto em detrimento do outro haveria de ser levado em
consideração, portanto, somente quando não houver alternativa.
Na exposição das contribuições de Dvořák, já foi pontuada a questão dos riscos decorrentes
daqueles restauros em que a substituição indiscriminada dos elementos originais leva a uma
alteração na percepção da valência histórica (e, consequentemente, do reconhecimento de
seu valor histórico) das obras que, vez por outra, aparentam ter sido realizadas em tempos
recentes. Trata-se do mesmo efeito que pode ocorrer quando, intervindo na obra, se retira a
pátina, conceito muito trabalhado por Brandi e sucessivamente definido por Carbonara
(2006: 13), como o “lento depósito sobre os estratos de acabamento das antigas
superfícies”. Um elemento, portanto, que não pode ser eliminado num excesso de
leviandade porque, além de constituir um sinal da instância histórica da obra, tem também a
capacidade de aportar um expressivo enriquecimento estético: “ela [a pátina] merece
respeito, a começar do ponto de vista histórico, como ‘particular ofuscamento que a
novidade da matéria recebe através do tempo’, portanto como ‘testemunho do tempo
transcorrido’” (BRANDI apud CARBONARA 2006 (II): 13). Entende-se, assim, que todas as
intervenções de restauro embasadas no critério da substituição, tendem a neutralizar a
capacidade dos materiais e dos elementos construtivos originais de garantir a significância
histórica e estética dos bens restaurados.
Sempre de acordo com a leitura de Carbonara (2006 (II):16), nas teorizações brandianas é
possível encontrar “esclarecedoras considerações sobre a arquitetura” e, no caso específico
das temáticas investigadas nesta pesquisa, oferecer válidas orientações metodológicas no
que diz respeito ao restauro das edificações modernas. Nesta ótica, em qualquer
intervenção, é sempre recomendável lembrar que o principal objetivo do restauro é a
formulação de soluções que atendam, antes de tudo, “à instância conservativa e à
transmissão dos valores em sua plena autenticidade” (SALVO 2006:81): valores capazes de
narrar à posteridade a história não apenas do objeto transmitido ao futuro, mas também de
todo o contexto técnico, econômico e social que o produziu.
Uma consciência maior a respeito desta questão manifesta-se nos parágrafos da Carta de
Veneza (1964). De acordo com este documento, redigido em seguida ao II Congresso
Internacional de arquitetos e técnicos dos monumentos históricos, o principal objetivo da
prática de conservação e restauro é a transmissão das obras “na plenitude de sua
autenticidade”. Para que isso seja possível, recomenda-se a manutenção permanente dos
Cabe, por fim, analisar algumas contribuições mais recentes oferecidas pelo ICOMOS que,
de acordo com Kühl (in SALCEDO e BENINCASA (org.) 2017:93) “é órgão assessor e
consultor da Unesco,, inclusive para o Patrimônio Mundial, cuja convenção é assinada pelo
Brasil” exercendo, portanto, um significativo papel de guia no que concerne as ações de
preservação realizadas em nosso País.
Considerações finais
Portoghesi (apud ROSSI e TURI in BEDIN e PIRAZZOLI (org) 1999) afirma que a
conservação integral de um edifício não pode impossibilitar seu funcionamento,
cristalizando-o e impedindo-o de continuar “vivo”: afinal a arquitetura, por sua própria
definição, não pode ser destinada apenas à mera contemplação. Já no século XIX, Viollet-
le-Duc afirmava que o uso de um edifício representava uma garantia para sua
sobrevivência, e este conceito continua sendo reiterado nas argumentações mais recentes.
Reapresenta-se, assim, o tema do reuso, questão constante não apenas nas teorizações de
Contudo, por outro lado, as transformações e as alterações que o edifício precisa incorporar
para adequar-se à contemporaneidade ou aos novos usos apresentam desafios conceituais
e práticos que requerem uma abordagem sensível e cuidadosa por parte dos teóricos e dos
profissionais da restauração. Estas considerações aplicam-se não apenas aos casos de
reforma tout-court dos edifícios, como as práticas de retrofit ou restyling, mas envolvem
também os procedimentos de manutenção ordinária de edifícios habitados e em pleno
funcionamento. As exigências contemporâneas (legislativas, ou ligadas ao conforto) impõem
transformações cuja rapidez atropela o processo de assimilação e compreensão – das
instâncias tanto historiográficas quanto, eventualmente, artísticas - dos edifícios em exame.
Isto não significa, porém, que toda modificação tenha de ser impedida a priori; isto, pelo
contrário, poderá ser feito se, como propunham Gazzola e Pane (1971), a função estiver
compatível com as características (também espaciais) do objeto de intervenção.
Analogamente, em sua análise, Salvo (2012) afirma que as modificações e as alterações do
patrimônio arquitetônico, executadas visando uma maior compatibilidade entre o imóvel e as
exigências contemporâneas, não devem ser necessariamente contidas ou impedidas, mas
sim orientadas e direcionadas, para evitar que se verifiquem procedimentos inapropriados
como, por exemplo, os refazimentos arbitrários e integrais – prática extremante difusa e,
infelizmente, irreversível.
Qualquer operação de adequação e de modernização, até mesmo mínima, será por um lado
desejável em quanto propícia à continuidade de utilização (e, portanto, de vida) do edifício;
por outro lado, porém, acarretará alterações na instância física (material, construtiva) do
objeto da intervenção. Do ponto de vista operacional, portanto, o profissional envolvido com
a salvaguarda dos monumentos, antes de elaborar o projeto de restauro propriamente dito,
deverá adotar alguns procedimentos próprios do trabalho historiográfico, voltados ao
conhecimento e ao entendimento o mais possível aprofundado dos aspectos materiais (os
que, de acordo com a leitura de Brandi, serão de fato restaurados) da obra objeto de
intervenção. De acordo com Aggarbati (apud BEDIN in BEDIN e PIRAZZOLI (org.) 1999:30),
“l’analisi e la documentazione di tutto il settore deve essere preventiva ad ogni decisione di
tipo procedurale, per superare lo spontaneismo degli interventi”.
Em suma: se, com o auxilio das ferramentas próprias do campo disciplinar, conseguirmos
reconhecer que a salvaguarda da materialidade é uma questão primordial e que sua
importância, intrínseca em sua carga testemunhal, precisa ser equiparada (quando não,
anteposta) à preservação da imagem (não à “unidade visual” reivindicada por Brandi, mas à
imagem imutável ao longo do tempo, tantas vezes almejada nas intervenções de restauro),
entenderemos que as intervenções mais pertinentes não serão aquelas voltadas à
repristinação, mas aquelas que, através de um conhecimento aprofundado da obra em
exame, explorarão as potencialidades da pesquisa experimental. Um caminho, sem dúvida,
mais demorado e mais árduo que, porém, poderá revelar recursos capazes de “consolidare
la materia senza abdicare dalla sua autenticità storica” (CASSANI in BORIANI 2003:29).
Referências
DVOŘÁK, Max. Catecismo da preservação dos monumentos. Cotia: Ateliê Editorial, 2008
GAZZOLA, Piero; PANE, Roberto. Proposte per una carta internazionale del restauro. In:
ICOMOS. Il monumento per l’uomo. Venezia 25‑ 31 maggio 1964. Padova: Icomos;
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GENOVESE, Rosa Anna. Sopra alcuni contributi metodologici e tecnici offerti in occasione
della Conferenza di Atene (1931). Restauro. Volume VII, nº43, 1979
GIOVANNONI, Gustavo. Vecchie città ed edilizia nuova. Milano-Torino: Città Studi, 1995
GRAF, Franz. Patrimonio del XX secolo: restauro e storia materiale del costruito. Territorio.
Rivista trimestrale del Dipartimento di Architettura e Pianificazione, n°62, 2012
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TORSELLO, Paolo. (org.) Che cos’è il restauro? Nove studiosi a confronto. Venezia:
Marsilio, 2005
RESUMO
As pesquisas sobre Lina Bo Bardi no Brasil têm frequentemente demonstrado amplo interesse sobre a
arquiteta, seu modo de pensar e projetar. Investigando os traços de seu raciocínio crítico, de franca
expressão arquitetônica integrada ao território brasileiro, são valorizados seus métodos e qualificada
sua obra construída enquanto demonstração da sua sensibilidade vinculada à “existência” para a
elaboração de critérios projetuais. No entanto, enquanto “documentos”, produtos de pesquisas
exploratórias da arquiteta sobre a cultura arquitetônica popular brasileira também exercem necessária
via de mão dupla e se tornam úteis para a construção de dados históricos que contemplem a
explicitação de narrativas pouco descritas sobre esta mesma cultura entre os anos 60 e 70. Com base
nessas premissas, discutidas neste trabalho, este artigo apresenta resultados parciais do projeto em
andamento “Era pra ser Camurupim: Lina Bo Bardi e a arquitetura popular em Sergipe”, com o objetivo
de dar a conhecer dados objetivos sobre a paisagem e os modos de vida da população sergipana que
fizeram parte da investigação projetual da arquiteta para o projeto da Cooperativa de Camurupim, em
Propriá, Sergipe. Realizado em 1975, seu material gráfico e documental está disponível online no
Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Entendendo o projeto como fonte de informação sobre a cultura
nordestina nos anos 70, apresenta-se parte da transcrição e interpretação destes documentos a um
público mais amplo de arquitetos, mas também historiadores, geógrafos e outros pesquisadores
interessados que possam usufruir das informações neles existentes a fim de colaborar para a
investigação da presença em Sergipe de anseios populares por uma cultura habitacional contra-
hegemônica.
É consenso afirmar que a construção teórica e prática da arquitetura moderna brasileira foi
resultado de uma “precoce consagração” dos discursos simbólicos de uma primeira geração
de arquitetos que visou defender uma nova forma de projetar a arquitetura no século XX. De
acordo com Maria Alice Junqueira Bastos e Ruth Verde Zein (2011, p.26), a chamada “escola
carioca”, “que precipuamente estabeleceu a autoridade de uma determinada doutrina
projetual moderna, de corte corbusiano”, determinou influência marcante na percepção da
arquitetura popular elaborada em território nacional.
Desta geração, Lucio Costa notabilizou-se no início dos anos 1930 por romper com as
tendências estilísticas neocoloniais em voga no início do século XX, teorizando a arquitetura
moderna como sucessora efetiva das práticas vernaculares luso-brasileiras (COSTA, 1937).
Para tanto, construindo um ideário entre “tradição” e “modernidade”, o arquiteto deu atenção
a valores estéticos e tecnológicos do saber popular em várias regiões do país, oferecendo
uma visão unitária e hegemônica da arquitetura brasileira que em pouco tempo passou a
caracterizar os modos de reconhecer o “patrimônio” do Brasil.
Apesar da validade da iniciativa para a época, que inclusive salvou muitos monumentos
antigos do seu arruinamento completo, a defesa do estudo de técnicas construtivas regionais
e a valorização da arquitetura vernacular para o movimento moderno teve como consequência
a pouca, ou quase nenhuma crítica aos efeitos sociais das relações coloniais consolidadas
(MALDONADO-TORRES, 2016). Pelo contrário, o “patrimônio nacional” baseado na
arquitetura civil com referências na cultura portuguesa e na divisão entre “erudita” e “popular”,
simplificou os meios de reconhecer a identidade brasileira enquanto resultado da colonização,
naturalizando processos de opressão em função das reinterpretações locais da cultura
europeia e homogeneizando saberes tradicionais já existentes antes mesmo da invasão
europeia da América.
Um processo de revisão tem sido proposto mais recentemente. Para o arquiteto Günter
Weimer (2012), a arquitetura popular brasileira ainda é considerada um exotismo e, por isso,
de certo modo, tem sido colocada distante da produção arquitetônica corrente. A diferenciação
entre a arquitetura popular, baseada por vezes na construção sem acadêmicos e aquilo que
se entende por arquitetura erudita, baseada na produção resultante da educação “formal”,
Esta visão não é nova e, já nos anos 1960 e 1970, haviam se aproximado deste debate
conceitos que buscaram posturas anti-hegemônicas como o chamado “regionalismo crítico”.
De acordo com Kenneth Frampton (2008, p. 381 et seg.),
No Brasil, o regionalismo crítico sustentou uma nova geração de arquitetos que buscou
incorporar o debate sobre o desenvolvimento nacional e apresentar uma produção contra-
hegemônica do espaço, que, em seu discurso, repropôs gradualmente as questões acerca da
arquitetura popular. O uso da madeira por Severiano Porto no Amazonas (FAVILLA, 2003) ou
as práticas de autogestão da construção por Acácio Gil Borsói em Pernambuco (SOUZA,
2008) são alguns dos exemplos do papel das experiências locais como fundamentais para a
integração de saberes considerados mais autênticos e coerentes para a produção
arquitetônica moderna. Assim, o regionalismo crítico expressou, na arquitetura, uma tensão
cultural, sobretudo entre as posturas regionais e internacionais em vários campos artísticos,
mas que, entre nós, também refletiu sobre os valores impostos pelo “erudito” à cultura
“popular”.
Alinhadas a esses temas, as pesquisas sobre Lina Bo Bardi no Brasil têm frequentemente
demonstrado amplo interesse sobre a arquiteta nessa chave, qualificando seu modo de
pensar e projetar. Investigando os traços de seu raciocínio crítico, de franca expressão
arquitetônica integrada ao território brasileiro, são valorizados seus métodos e qualificada sua
obra construída enquanto demonstração da sua sensibilidade vinculada à “existência” para a
elaboração de critérios projetuais (ROSSETTI, 2003). No entanto, em que pese o valor
arquitetônico desses projetos, enquanto “documentos”, produtos de pesquisas exploratórias
da arquiteta sobre a cultura popular brasileira também exercem necessária via de mão dupla
Com base nessas premissas, este artigo apresenta resultados parciais do projeto em
andamento “Era pra ser Camurupim: Lina Bo Bardi e a arquitetura popular em Sergipe” 1,
vinculado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe,
com o objetivo de dar a conhecer dados objetivos sobre a paisagem e os modos de vida da
população sergipana que fizeram parte da investigação projetual da arquiteta para o projeto
da Cooperativa de Camurupim, em Propriá, norte do Estado. Realizado em 1975, seu material
gráfico e documental está disponível no Instituto Lina Bo e P. M. Bardi.
Entendendo o projeto como fonte de informação sobre a cultura nordestina nos anos 1970,
apresenta-se método de transcrição e interpretação destes documentos a um público mais
amplo de arquitetos, mas também historiadores, geógrafos e outros pesquisadores
interessados que possam usufruir das informações neles existentes a fim de colaborar para a
investigação da presença em Sergipe de anseios populares por uma cultura habitacional
contra-hegemônica.
1
Projeto externo n. PEF10865-2020, coordenado pelo Prof. Dr. Pedro Murilo Gonçalves de Freitas e
participação da graduanda em Arquitetura e Urbanismo Larissa Vasconcelos no Departamento de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe. Duração: 01/09/2020 a 31/08/2021.
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
De acordo com o historiador Eliano Sérgio Azevedo Lopes, foram poucas as cooperativas
atuantes nesse período que se opuseram às chamadas “cooperativas de colonização”,
aspecto dado à ocupação do território rural com objetivos econômicos ligados às oligarquias
locais. Como notória exceção na cidade de Propriá, a Cooperativa de Camurupim (1975-1977)
foi idealizada a fim de resistir a esse processo, tendo como suporte uma forte conciliação
entre a Igreja Católica e os trabalhadores do norte de Sergipe que acreditavam no ideário de
liberdade sobre a terra (LOPES, 2016). No entanto, em virtude de diversas causas, tratou-se
de experiência de curta duração e cujos traços são difíceis de serem recuperados. Nas
palavras da arquiteta Ana Carolina Bierrenbach (2008):
“[...] Cada um foi vendendo o seu lote e a Cooperativa foi caindo e caindo [...]
E hoje pode-se dizer, quase o que tá acontecendo como era antes: na mão
de poucos. Porque tem muita gente que não precisava ser dono de um palmo
de terra da Cooperativa, hoje tem cinco, seis lotes. E nós hoje vê a
Cooperativa afundada e acabada.” (GOMES, 2018)
Por essa razão, parece-nos que o projeto ainda carece de ser lido em suas minúcias a partir
das anotações da autora, recuperando-o das análises que apenas atentam para a estrita
valorização do método e da “figura” da Lina Bo Bardi para a historiografia da arquitetura.
Compreendemos que dados coletados pela arquiteta precisam ser melhor dispostos a outros
campos de interesse no movimento, interdisciplinarmente.
A partir dessas premissas, é preciso considerar como o projeto foi elaborado, compreender
sua linguagem, para então delimitar outros fatores que denotam sua importância.
É bastante relatado por vários autores já o quanto a presença de Lina Bo Bardi no Nordeste
brasileiro, mais especificamente na Bahia, sinalizou uma preocupação em distinguir a
arquitetura corrente do ideário folclórico e exótico que havia sido criado em torno do saber
popular. Em Sergipe, na breve passagem da arquiteta pelo Vale do Rio São Francisco em
1975, essa valorização tinha duplo papel: ao mesmo tempo que se dava destaque à produção
manufatureira regional, possibilitava-se a discussão sobre sua inclusão política de certas
comunidades tradicionais, o que, no campo da arquitetura, também permitia a disseminação
de conceitos de autonomia e autogestão.
Nesse sentido, é possível considerar que Lina era adepta a uma postura alternativa às
políticas de ocupação do campo opressoras, confluindo as chamadas “preexistências” –
especialmente físicas, sociais e ambientais, etc. –, na concepção de um projeto que utilizava
o que o território oferecia e que servisse de fato às pessoas.
De fato, vivências da arquiteta nos anos 60, podem explicar o interesse pela orientação em
malha de lotes circulares que, no projeto em Ubatuba, ordena caminhos sinuosos à margem
de um centro cívico em uma ilha fluvial, enquanto que, em Camurupim, o mesmo lote é
combinado para a consolidação de uma aglomeração progressivamente orientada em
acrópole (Figura 1).
Figura 1: Acima, estudos para o Conjunto de Itamambuca. Fonte: VAINER e FERRAZ (Org.), 1996,
p.180 et. seg.; abaixo, planta de estudo para a implantação da Cooperativa de Camurupim. Fonte:
VAINER e FERRAZ (Org.), 1996, p.203.
FIGURA 2: Á esquerda, roteiro de pesquisa de campo feito por Lina Bo Bardi. Fonte: Instituto Lina
Bo e P. M. Bardi, Acervo “Desenhos”, n. 090ARQd0016, 1975; à direita, transcrição paleográfica.
Leitura: Larissa Vasconcelos, 2021.
Com a adoção desta metodologia, pôde-se chegar a breves resultados iniciais para obtermos
as primeiras orientações de resposta às perguntas formuladas. A complexidade e a
dificuldade de compreensão do material e do seu próprio conteúdo, questão advinda da
De modo geral, foi possível notar o interesse de Lina ao projetar o Complexo Rural Urbano
para a Cooperativa de Camurupim a favor de sistematizar a locação apropriada e prioritária
de equipamentos públicos para a população que residia na região, aspecto pouco citado nas
análises que demarcam a qualificação apenas da “casa típica” como eixo central de pesquisa
projetual. Parece evidente notar este percurso, já que, aspectos da luta pela terra no período
sugeriam que a Cooperativa estivesse interessada prioritariamente na conquista de
equipamentos essenciais à comunidade. Isto claramente direciona a atividade da arquiteta
mais ao planejamento do espaço público que fosse adequado à população, composta
basicamente por agricultores (Figura 3). Por tal motivo, os levantamentos ambientais
realizados pela arquiteta sugerem um vínculo primário aos camponeses e o interesse comum
de qualificação de formas de vida e trabalho.
Assim, se o terreno acidentado parece ter provocado a concepção circular para a Complexo,
em que nas cotas mais altas destacou o espaço comunitário e público e, em níveis mais
baixos, idealizou os espaços familiares e privados, em suas anotações também é possível
verificar a percepção da precariedade das residências já existentes, as quais a arquiteta faz
saber comportar uma quantidade elevada de membros familiares em um espaço mínimo. É
por esse sentido que o centro residencial idealizado define-se a partir de questionário feito à
população (Figura 2, exposta anteriormente), com amplo interesse na atuação horizontal, ou
seja, em que a arquiteta atua como “assessora técnica”.
Por outro lado, enquanto a integração com o entorno e a configuração organizacional das
residências podem ser lidas como fruto de projetos de residência anteriormente realizados, a
exemplo da Casa Circular, projeto de 1962, especula-se pouco como a atividade de
“assistência técnica” orientou o programa habitacional. A partir de supostamente um
“levantamento” (Figura 4, à esquerda), em um breve documento, Lina parece mapear a casa
tradicional da população, sugerindo um sistema fundamental baseado também na tipologia
À guisa de conclusão
Nossa proposta de estudo tem conseguido construir mais perguntas que respostas sobre o
projeto. É possível perceber que, se a realização projetual de Lina Bo Bardi afirma-se em
adaptação ao pré-existente, fazendo com que aconteça uma atuação horizontal no espaço, é
esta condição que permite o questionamento especular do projeto como “documento” ou seja,
Ora, mesmo que neste caso estejamos diante de uma narrativa regional incorporada à luta de
movimentos sociais no campo, também é possível afirmar, por extensão, o potencial da
Arquitetura como campo de conhecimento histórico. E é este, talvez, o principal valor ainda a
descobrir e preservar sobre os documentos do movimento moderno, que, em sua história
recente, ainda oferece ao olhar atento outras narrativas “marginais”. Por isso, sua valorização
depende de leituras que ofereçam bases de integração entre outros campos de estudo, a fim,
justamente, de ser ponderado dentro de um campo mais amplo e assim assumir uma postura
efetivamente decolonial. É o que desejamos construir para as próximas fases deste trabalho.
Agradecimentos
Referências
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<https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.101/101>. Acesso em 12 set. 2021.
GOMES, Paulo Vieira. Entrevista concedida ao padre Isaías Carlos Nascimento Filho, Diocese de
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Acesso em 12 set. 2021.
VAINER, André; FERRAZ, Marcelo Carvalho; SUZUKI, Marcelo (Orgs.). Lina Bo Bardi. São Paulo:
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FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
LOPES, Eliano Sérgio Azevedo. História dos movimentos sociais em Sergipe: uma abordagem
preliminar. Observanordeste, Recife, s/n, Fundação Joaquim Nabuco, 16 abr. 2012. Disponível em:
<https://www.fundaj.gov.br/index.php/ultimas-noticias/192-observanordeste/observanordeste/2181-
historia-dos-movimentos-sociais-no-campo-em-sergipe-uma-abordagem-preliminar>. Acesso em 12
set. 2021.
SOUZA, Diego Beja Inglez de. Reconstruindo Cajueiro Seco: arquitetura, política social e cultura
popular em Pernambuco (1960-64). 2008. 276f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo)
- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de São Paulo, São Paulo.
WEIMER, Günter. Arquitetura popular brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
FENSTERSEIFER, MARGIT A.
RESUMO
O objetivo desta pesquisa está na importância de levantamentos documentais nas edificações
históricas a preservar, pois estes dados irão fundamentar a correta descrição dos atributos de
valores. O conjunto de informações é arrolado a partir de bibliografia existente, história oral e
levantamentos técnicos da edificação preenchendo assim, de modo adequado, as tabelas de valores
patrimoniais que constam em grande parte das fichas de inventário adotadas pelos municípios. A
partir desta valoração, os conselhos municipais de preservação de edificações históricas avaliam se é
interessante preservar ou não estes bens. Por isso, um preenchimento superficial desconhecendo a
documentação inerente pode acarretar na perda deste imóvel no espaço urbano e consequente perda
de uma possível identidade da comunidade a qual este pertence. A fim de entender melhor estes
atributos são, de forma resumida, apresentadas as três metodologias de valoração: a do autor Alois
Riegl, historiador de arte vienense, que em 1902 reorganizou a legislação de conservação dos
monumentos austríacos, a do autor J.N.B de Curtis, arquiteto pesquisador que de forma precursora
estabeleceu uma hierarquia de valores do patrimônio e mais recente, a professora e arquiteta
portuguesa especializada em patrimônio histórico, Helena Barranha. que atualiza estes parâmetros
facilitando didaticamente sua aplicação. Após esta explanação teórica, são listadas as maiores
dificuldades que os pesquisadores encontram em tabular informações somente assinalando as
qualidades encontradas e de como o sistema atualmente adotado suprime informações relevantes no
processo inicial de inventário e preservação.
Os autores mais utilizados para conceituar os valores são Alois Riegl (2016) que
redigiu caracteres iniciais de avaliação. Na sequência o autor Júlio Curtis (2003)
acrescentou modalidades que, atualmente, são as mais utilizadas nas ponderações.
Recentemente a professora Helena Barranha (2016) incluiu novas particularidades que
também determinam estes juízos. Serão pautadas as diferenças encontradas nos principais
conceitos. Em primeiro lugar para RIEGL (2016) os valores são divididos em memória e
atualidade. Inserido em memória estão os não intencionais (antiguidade e histórico) e o
intencional, quando um monumento é construído para perpetuar um momento ou em
personagem histórico. Já os de atualidade são divididos em valor de uso e valor de arte,
sendo que este pode ser subdividido em novidade e relativo a arte em si. Para CURTIS
(2003) assim como para BARRANHA (2016), os valores são atribuídos a edificações
“(estruturas físicas) núcleos urbanos (conjuntos de edificações) e paisagens as quais
determinado indivíduo, comunidade ou organização reconhece, num dado momento
histórico, interesse cultural e o civilizacional”, (BARRANHA, 2016, p.35) independente da
natureza dos valores que lhes são atribuídos.
O distrito de São Pedro é composto por outras comunidades e que tem como
atividade econômica principal a agricultura, com predominância dos parreirais, no entanto
possui uma diversidade de outros afazeres que remontam do início da ocupação local, a
chegada dos imigrantes italianos na região no final do século XIX. O fato de estar próximo a
estradas de ligação com outras cidades foi o propulsor de atividades comerciais como
moinhos, pousadas de acolhimento aos viajantes e oferta de serviços, tais como: ferreiros,
carpinteiros, olarias e fábricas de ataúdes. Fazem parte do conjunto de edificações
residências e galpões agrícolas, um cemitério centenário, uma capela, um santuário e várias
moradias de madeira do início da imigração, ainda muito bem conservadas pelos
descendentes. Na paisagem rural ainda estão presentes as araucárias (árvore nativa do Sul
do país) e que foi utilizada em grande escala na construção das primeiras casas. Todas
estas informações auxiliaram na elaboração da ficha de inventário, que inclui a atribuição de
valor de todas as edificações significativas levantadas. No entanto, o material que fica
arquivado para o domínio público na prefeitura de Bento Gonçalves é somente o inventário.
O valor bibliográfico não é mencionado diretamente por estes autores, mas faz parte
das diretrizes do IPHAN e indica se o bem já está registrado em algum livro tombo, que não
seria o caso desta edificação, pois ela não é tombada, porém recentemente foi inventariada
Em quarto lugar o Valor Morfológico arquitetônico pode ser igualado aos citados por
RIEGL (2016) como valor da atualidade subdividido em novidade ou valor de arte relativo. É
O valor de risco ainda pode ser entendido como um acontecimento negativo sobre a
edificação e estes podem ser condicionados por forças físicas, criminosas, fogo, pestes e na
grande maioria com a água (a maior parte dos patrimônios é deteriorada pelas infiltrações,
seja por danos nos telhados, ou por capilaridade nas fundações). Também fazem parte dos
riscos ao patrimônio a incidência constante ou ausência (lado sul das edificações) de luz
solar. Podem também ocorrer eventos raros como vendavais, chuvas de pedra e alta
umidade do ar. Eventos comuns são relativos a patologias inerentes às instalações elétricas
e hidráulicas, com frequência sem manutenção e os processos cumulativos de riscos que
procedem da falta de conservação e cuidados com o patrimônio. (GONÇALVES; ROSADO
2015, apud DE CESARO, 2020). Atualmente, as edificações históricas presentes em
espaços urbanos correm riscos de desaparecimento (CURTIS, 2003) devido a especulação
imobiliária que ignora a memória coletiva em prol da pujança econômica.
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CURTIS, Júlio Nicolau Barros de. Vivências com a arquitetura tradicional do Brasil.
Porto Alegre: Ritter dos Reis, 2003.
RIEGL, Alois. O culto moderno dos monumentos e outros ensaios estéticos. 2 ed. São
Paulo: Grupo Almedina, 2016.
Figura 1 - Vista de São Joaquim de Bicas, com Serra das Farofas ao fundo
Fonte: https://valedoparaopeba.com.br/sao-joaquim-de-bicas-completa-25-anos-de-
emancipacao/
ÁREA DE ESTUDO
São Joaquim de Bicas voltou a ser elevada com um novo cartório em 1953
e os dois distritos passaram a pertencer a Mateus Leme, e não mais a Pará de
Minas. Com a instituição do município de Igarapé em 1962, implantado em março
de 1963, São Joaquim de Bicas passa a agregar-se ao território da nova
municipalidade até sua efetiva emancipação em meados da década de 1990. A
Agência Metropolitana (2021, p. 57) acrescenta que:
A análise também revelou uma expressiva dinâmica de crescimento
informal, a fragmentação da ocupação e a presença extensiva de vazios
internos ao perímetro urbano, bem como a ausência de uma política de
regularização fundiária no município, além de problemas na qualidade e
inserção urbana das unidades habitacionais de interesse social
produzidas recentemente. As tipologias populares de uso e ocupação do
solo identificadas no município representam grande parte de sua mancha
urbana e os problemas no acesso à infraestrutura urbana se mostraram
significativos com focos de precariedade dispersos por todo o território
municipal (apontando para a necessidade de revisão das áreas
demarcadas como AEIS à luz das ocupações frágeis mapeadas).
Figura 2 - Paisagem do Distrito de Nossa Senhora da Paz, aos pés da Serra das Farofas
Fonte: https://www.minasgerais.com.br/pt/destinos/sao-joaquim-de-bicas
Fonte: http://recursomineralmg.codemge.com.br/substancias-minerais/ferro/#o-
quadril%C3%A1tero-ferr%C3%ADfero
METODOLOGIA
Com foco nos processos de encosta, esse artigo parte das interações
pedogeomorfológicas e hidrogeomorfológicas na interpretação e compreensão da
dinâmica de vertentes. Incluem-se os estudos de formas e processos em escalas
de detalhe, além da investigação de processos erosivos (superficiais e
subsuperficiais), movimentos de massa, arenização. Conforme descreve
Mineração Morro do Ipê (sem data, p. 23), que opera na área:
ÁREAS DE INFLUÊNCIA DO MEIO BIÓTICO
A área de influência direta do meio biótico considera as sub-bacia do
córrego grande em sua zona de cabeceira da margem esquerda, assim
como a zona de cabeceiras do córrego Quéias. O divisor topográfico da
serra das farofas também delimita ao norte as porções da sub-bacia do
córrego do Rego, córrego Igarapé, córrego Olaria, córrego Açoita Cavalo
e córrego Farofas. A área de influência indireta do meio biótico, além das
zonas de cabeiras já descritas para a área de influência direta, também
abrange a bacia completa do córrego Igarapé, além da sub-bacia do
córrego Vila Rica, Açoita Cavalo juntamente com a bacia do córrego
Farofas até o encontro com o rio Paraoapeba.
ÁREAS DE INFLUÊNCIA DO MEIO SOCIOECONÔMICO
A Área Diretamente Afetada (ADA) do meio socioeconômico corresponde
a mesma área apresentada para o meio físico inserindo as porções de
terras das propriedades rurais que sofrerão intervenções diretas
decorrentes da implantação e/ou expansão das estruturas operacionais e
de apoio do empreendimento. As propriedades consideradas (números de
matricula, proprietário e a situação) estão apresentadas na tabela a seguir.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
1 OLIVEIRA, Valdir de Castro. Réquiem para o Inhotim. São Paulo: All Print Editora, 2010.
2 FARIA, Diomira Maria Cicci Pinto. Análises de la capacidad del turismo en el desarrollo
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7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO
Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
Rodrigues (2015) e Córrego do Feijão (2019). Pfaltzgraff, Carvalho e Ramos (2010,
p. 12):
O conhecimento da geodiversidade nos leva a identificar, de maneira mais
segura, as aptidões e restrições de uso do meio físico de uma área, bem
como os impactos advindos de seu uso inadequado. Além disso, ampliam-
se as possibilidades de melhor conhecer os recursos minerais, os riscos
geológicos e as paisagens naturais inerentes a uma determinada região
composta por tipos específicos de rochas, relevo, solos e clima. Dessa
forma, obtém-se um diagnóstico do meio físico e de sua capacidade de
suporte para subsidiar atividades produtivas sustentáveis
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Desenvolvimento de Minas Gerais. Disponível em:
http://recursomineralmg.codemge.com.br/substancias-minerais/ferro/.>Acesso em: 28 jan. 2020.
JARDIM, Décio Lima & JARDIM, Márcio Cunha. Histórias e Riquezas do Município de
Brumadinho. Brumadinho: Prefeitura Municipal de Brumadinho, 1982.
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MECHI, Andréa; SANCHES, Djalma Luiz. Impactos ambientais da mineração no Estado de São
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PFALTZGRAFF, Pedro Augusto dos Santos; CARVALHO, Luiz Moacyr de. RAMOS, Maria Angélica
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Departamento Nacional da Produção Mineral of Brazil under the auspices of the Agency for
International Development of the United States Department of State. United States Government
Printing Office, Washington: 1968.
RESUMO
O Passeio Público de Fortaleza é um dos espaços públicos mais antigos da capital cearense.
Adjacente ao marco zero da cidade, seu território pode ser identificado já nos primeiros registros
cartográficos produzidos, foi palco de acontecimentos históricos de repercussão nacional e sua
consolidação paisagística foi reflexo da ascensão econômica e epicentro do convívio social
fortalezense no século XIX. Em 1965 o último plano remanescente deste espaço foi tombado em
esfera federal no livro Arquitetônico, Etnográfico e Paisagístico do IPHAN, em 1993 novamente
tombado em esfera municipal e atualmente é a praça urbana que detém o maior número de espécies
imunes ao corte. Apesar da preocupação em garantir a permanência legal da praça, a carência na
produção de estudos e documentação a respeito deste patrimônio histórico é persistente. Sendo
assim, o presente artigo tem como objetivo apresentar a sua formação histórico-cultural e analisar a
última intervenção realizada no Passeio Público no ano de 2020, à luz das recomendações das cartas
patrimoniais de Florença e de Juiz de Fora. É possível constatar que tal intervenção, além das
atividades reproduzidas no seu entorno afetaram, ou ainda ameaçam, princípios básicos da
preservação de jardins históricos. Por fim, defende-se a necessidade de preservar o seu valor
paisagístico e de conservar os elementos que são responsáveis pela sua distinção histórica,
potencialidades que caracterizam o espaço como marco cultural no contexto urbano contemporâneo
de uma cidade em assíduo processo de reificação.
Apesar de não despertar grande interesse do Reino durante todo o século XVIII, ao decorrer
do tempo, os longos e frequentes períodos de estiagem típicos da região nordeste,
revelaram-se inimigos do sistema consolidado e, com o declínio da pecuária e as novas
dinâmicas vigentes no Brasil Império, propulsionado pela Guerra de Secessão dos Estados
Unidos da América (1861-1865) que gerou a paralização do fornecimento de algodão para
Europa, Fortaleza se mostrou uma importante alternativa econômica e destacou-se, na
segunda metade do século XIX, como capital do estado do Ceará graças a produção
algodoeira que abriu-lhe as portas para comércio exterior dinamizando a capacidade
aquisitiva da sociedade local (ANDRADE, 2012).
ORIGENS HISTÓRICAS
Apesar deste espaço ainda não ser a proposta de um jardim de frequência pública tal como
os que vinham surgindo nesse período pela colônia, coincidentemente (ou não) esse espaço
foi também o escolhido, quatro décadas depois, para a implantação do que viria a ser o
Passeio Público de Fortaleza.
Em 1825 as terras onde um dia seriam o Passeio estavam sob cuidados do Cel. José Felix
de Azevedo e Sá que nesse período, retomando as supostas ideias de Giraldes na década
anterior, ordenou sob ofício ao capitão-engenheiro João Bloem, iniciar as obras de um
Passeio Público no local, “Contudo, não seria um jardim no sentido literal da palavra, mas
um “passeio”, isto é, uma avenida, longa e reta” (CASTRO, 2009, p.54). Esse passeio,
denominado Rua Nova da Fortaleza (1828), hoje nomeado Rua Dr. João Moreira, se fez
tangente ao espaço que futuramente compreenderia ao jardim.
Nessa mesma época, os logradouros que foram ocupados pelo Passeio Público paisagístico
ainda não passavam de um vasto areal em rampa, que descia desde essa rua até a praia e
que se manteve inóspito e íntegro durante longo tempo pois era ocupado pelo Paiol da
De acordo com Liberal de Castro (2009), o Paiol da Pólvora já teria sua localização criticada
por Barba Alardo desde seu governo (1808-1811) e existe a hipótese de os planos de
Azevedo Sá para o “Passeio Público” em questão não serem meramente uma via, mas
também o anseio de se restaurar paisagisticamente parte do terreno rampeado. Entretanto,
no contexto de uma Fortaleza do início do século XIX, um espaço como um passeio público
nesse período, constituiria uma questão alheia às preocupações dos habitantes que de
acordo com João Brígido (1919) possuíam uma lista de hábitos e tradições ainda muito
próxima das práticas correntes do período colonial.
O Passeio Público foi também reflexo da ascensão econômica de uma capital emergente, o
fator de sua execução, adicionado à sua potencialidade de posicionamento em relação a
orla marítima, representou para Fortaleza oitocentista o seu novo posicionamento de
destaque na economia e sua relevância para o Império.
Tal lugar ainda representa, dentro do contexto histórico regional, o fausto de uma cidade
que passou a dispor de espaço privilegiado como poucos a nível nacional, fazendo notória a
qualidade de vida urbana do fortalezense através da paisagem.
A chegada do século XX trouxe consigo novos hábitos, novos lugares, novas formas de
entretenimento e uma nova geração ávida de novidades. É importante ressaltar que o
processo de expansão de Fortaleza, ao longo dos anos, se deu cada vez mais rumo ao
interior, de costas para o litoral, também nesse sentido se seguiram os investimentos
públicos e os novos pontos de aglomeração social. A Praça do Ferreira, por exemplo, ainda
popularmente considerada o “coração da cidade”, no início do século já fazia sucesso no
meio urbano por ser símbolo da modernidade, além da nova arquitetura, este espaço
concentrava clubes, cabarés, vitrines, cinemas, cafés e era ponto de passagem de todas as
linhas de bonde elétrico (CASTRO, 2009, p.102). Já na primeira década desse século
podemos perceber indícios do abandono do Passeio estampado no jornal “A República” de
circulação da época:
1 Trecho retirado do jornal A República de 21/07/1910. In CASTRO, José Liberal de. Op. cit., p. 102
2 Segundo relatos de memorialistas como João Nogueira e o próprio Gustavo Barroso, Pindoba seria um
morador de rua, figura simbólica do folclore popular fortalezense no final do século XIX.
Quanto ao 2º plano, segundo Liberal Castro (2009, p.106), depois da ruína e demolição do
antigo cassino outrora existente aí, e o fechamento do 3º plano que ligava o espaço à beira-
mar, atribuiu-se também novas funções a este local. Durante os anos de 1908 e 1909 foi
utilizado como stand de tiro pelos sócios da Fênix Caixeiral (extinta associação de
empresários e comerciantes de prestígio social), além de campo de futebol de uso popular.
Como já citado anteriormente, o jardim urbano que um dia já fora composto de 3 amplos
planos, findando-se ao nível do mar, ornados com peças de arte encomendadas do
estrangeiro e a seguir dos modelos suntuosos de jardins europeus românticos, ao longo dos
anos, mesmo com toda a relevância simbólica, paisagística e urbana, caiu nas armadilhas
do descaso público e sofreu um brusco processo de desintegração e desmembramento por
parte da própria gestão municipal. Apesar das intervenções de recuperação pós-
tombamento e outras mais datadas dos anos de 2007 (requalificação do espaço), 2010
(implantação de sistema de Wi-Fi público e imunização de 10 exemplares vegetais ao corte)
e 2020 (divulgada como “Obras de restauro do Passeio Público”), pode-se dizer que os
danos causados ao patrimônio continuam irreparados.
Atualmente, no que diz respeito seu entorno, apesar de haver grandes potencialidades de
dinamização do espaço, como acesso a transporte público, grande fluxo de pedestres, a
proximidade de pontos turísticos e outros equipamentos históricos e culturais da cidade,
além de estar localizado dentro do polígono demarcado como ZEPH (Zona Especial de
Preservação do Patrimônio Paisagístico, Histórico, Cultural e Arqueológico) pela Lei de Uso
e Ocupação do Solo vigente, ainda sim esse patrimônio sofre com a hostilidade urbana. A
10ª região militar construiu no antigo espaço do segundo plano do Passeio alojamentos que,
além de interferirem na visão privilegiada do mar, destoam a visual criando antagonização
da paisagem.
No dia 31 de outubro de 2020, o Passeio Público de Fortaleza teve sua reabertura total ao
público após a última intervenção paisagística promovida pela Prefeitura. Foram executadas
Como afirma a pesquisadora Ana Rita Sá Carneiro et al. (2012, p. 33, tradução dos autores)
“Tratando-se assim da inclusão de seres vivos na sua composição, a conservação de um
jardim agrega a complexidade da vida.” Sendo assim, é possível concluir que lidar com
jardins históricos é sinônimo de lidar com um patrimônio orgânico composto por seres vivos
que dependem de especificidades além daquelas empregadas em um monumento de pedra
e cal para se manterem conservados. Com base nisso é que se faz necessária a análise das
Cartas de Florença e de Juiz de Fora nesta pesquisa, por serem específicas ao tema jardins
históricos, sendo ainda a Carta de Juiz de Fora ainda mais representativa por referenciar-se
ao cenário brasileiro.
Outro importante ponto para o tema é a discussão sobre autenticidade e integridade, os dois
conceitos, apesar de pouco citados na Carta de Florença, são fatores determinantes tanto
para a qualificação de um patrimônio histórico quanto como principais norteadores para
intervenções de cunho geral nesses espaços. A relevância desses conceitos pode ser
comprovada pelo documento produzido a partir da Conferência de Nara em 1994, na qual o
principal objetivo é a discussão sobre autenticidade em relação a convenção do Patrimônio
Mundial. Para esclarecer os conceitos, os pesquisadores Ana Rita Sá Carneiro et al. nos
sintetizam o tema da seguinte forma:
Frente ao seu 55º aniversário de tombamento, no ano de 2020 o Passeio Público recebeu
intervenções de “reforma e restauro dos elementos artísticos” (assim nomeadas pela
Prefeitura Municipal) que serão analisadas sob a luz das Cartas anteriormente citadas.
Tais medidas podem ser fundamentadas como ações de manutenção do bem sob os
princípios da Carta de Juiz de Fora, entretanto, é importante ressaltar que a consolidação
Ainda sobre o que concerne às ações de cunho vegetativo, nesta intervenção foi criado em
um dos canteiros do Passeio uma espécie de memorial aos mártires da Confederação do
Equador composto por totens explicativos (apontados pelo número 14 na figura 3) e cinco
exemplares de Carnaúba. A intenção seria a atribuição de um certo simbolismo ao local em
função do monumento em homenagem aos mártires fuzilados no local, mas, apesar de
atuarem como memorial a um fato histórico importante e a heróis locais, a intervenção pode
ser vista como um atentado a preservação do patrimônio dentro dos parâmetros dispostos
na Carta de Florença, que aponta tal ação como fator de degradação de jardins históricos:
No que tange aos elementos de “pedra e cal” do espaço como a estatuária, os chafarizes e
lago, o mobiliário em geral, as estruturas de fechamento, coreto e bangalô; passaram por
intervenções de restauro, segundo divulgado pela Prefeitura, e atualmente encontram-se em
bom estado de conservação. Todavia, não se pode afirmar com clareza se foram ações que
seguiram os princípios de restauro da Carta de Veneza, como recomenda que o faça a
Carta de Florença em seu artigo 13, pois não foram encontrados nos materiais projetuais
disponibilizados pela empresa responsável pela intervenção, nenhum estudo, projeto ou
quaisquer indícios de procedimentos de restauro crítico no memorial descritivo apresentado.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Graças ao reconhecimento de seu valor marcado por seu simbolismo eternizado por
escritores, memorialistas e historiadores e por seus remanescentes artísticos, arquitetônicos
e ambientais, o Passeio Público de Fortaleza foi tombado em duas esferas. Desde 1986 os
órgãos públicos realizaram quatro intervenções na busca de recuperar um patrimônio
paisagístico que se mantem em média 11 anos, entre suas intervenções, desassistido.
A partir das proposições levantadas anteriormente podemos constatar que a última reforma,
executada em 2020 na Praça dos Mártires, apesar de trazer aspectos positivos para o
espaço, ainda não apresentou a devida segmentação das recomendações de restauração,
manutenção e preservação das Cartas de Florença e de Juiz de Fora, as quais deveriam
guiar quaisquer intervenções, mesmo que mínimas, em um jardim histórico de tamanho
respaldo patrimonial. Além disso o mar, o Forte, o vegetal, o ecletismo dos edifícios
remanescentes, o uso e ocupação do solo, os parâmetros urbanos, a apropriação social,
são todos fatores que não podem ser ignorados quando o assunto é a preservação deste
espaço e, enquanto o façam, toda intervenção executada não passará de meros paliativos.
CARNEIRO, Ana Rita Sá; DA SILVA, Joelmir Marques; VERAS, Lúcia Maria de Siqueira e SILVA,
Aline de Figuerôa. The complexity of historic Garden life conservation. Measuring heritage
conservation performance, p. 33-41. Rome: ICCROM, 2012. Disponível em: http://www.ceci-
br.org/ceci/br/publicacoes/livros.html Acesso em: 02 set 2021.
CARTA DE FLORENÇA. Disponível em: <(Microsoft Word - CP2 - Carta de Floren\347a 1981.doc)
(iphan.gov.br)> Acesso em: 25 set 2021.
CASTRO, José Liberal de. Contribuição de Adolfo Herbster à forma urbana da cidade da Fortaleza.
In: Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza: tomo CVIII, 1994, p.43-90.
CASTRO, José Liberal de. Passeio Público: espaços, estatuária e lazer. In: Separata da Revista do
Instituto do Ceará, Fortaleza: tomo 123, 2009.
KUHL, Beatriz Mugayar. Notas sobre a Carta de Veneza. An. mus. paul., São Paulo, v. 18, n. 2, p.
287- 320, Dec. 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
47142010000200008&lng=en&nrm=iso Acesso em: 20 set 2021.
ENTRELINHAS IMPRESSAS:
Amazônia de Sergio Bernardes em magazines e jornais
RESUMO
O presente ensaio busca apresentar achados preliminares sobre o registro da atuação do arquiteto
Sergio Bernardes (Rio de Janeiro/RJ, 1919-2002) em revistas especializadas em arquitetura e
urbanismo, jornais e magazines, contemporâneos às suas obras, com especial interesse aos projetos
pouco conhecidos e, especialmente, os desenvolvidos na região amazônica. A necessidade de
identificar, a partir de fontes diversas, as contribuições de Sergio Bernardes na Amazônia se faz pela
ausência de informações e dados na bibliografia e principais fontes que têm como foco a arquitetura
moderna brasileira. Desta forma, o procedimento metodológico parte da prospecção em publicações
correntes à época – com destaque ao Jornal do Commércio (AM) e Revista Manchete (RJ) – pela
proximidade com a região e com o arquiteto, respectivamente. A facilidade de acesso a essas fontes,
através da Hemeroteca da Biblioteca Nacional, favoreceu a pesquisa no tempo de pandemia. A
estrutura do artigo apresenta breve biografia e o discurso sobre a perspectiva da arquitetura moderna
brasileira, a partir de uma das fontes comumente utilizadas, o livro Arquitetura Contemporânea
Brasileira, de Yves Bruand (1926-2011), para compor os cenários do recorte temporal, isso é, até a
década de 1970. Sobre as revistas, magazines e jornais, foram acrescidas notas explicativas sobre o
escopo editorial específico dessas publicações. Por fim, ao identificarmos a partir desse pequeno
estudo que compõe parte da pesquisa documental de projeto de tese em Arquitetura e Urbanismo do
Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Pará, projetos e edifícios que não constam
nas referências primevas da produção de Bernardes, apontamos para a riqueza dos veículos de
comunicação impressa na definição de um direcionamento investigativo. Os elementos indiciais
encontrados levantados nas fontes até o momento - como a autoria de dois edifícios em Belém/PA -
nos permitem identificar achados e ausências e apontam para a necessidade de pesquisas mais
aprofundadas, ampliando as abordagens necessárias para o registro da contribuição de Bernardes
para o desenvolvimento da região norte, a partir de sua práxis projetual e das discussões do
Laboratório de Investigações Conceituais (LIC) pertencente ao seu escritório de arquitetura.
Sergio Wladimir Bernardes (Rio de Janeiro, 1919-2002) foi um dos arquitetos mais
relevantes da segunda geração modernista brasileira, posteriormente denominada Escola
Carioca. Em seu tempo, entre discussões sobre a validade ou não de se configurar uma
arquitetura nacional, com embates entre historicistas e futuristas, Bernardes exercitou a
liberdade de dialogar com todos os que pudessem somar ao seu ideário. Podemos antecipar
às conclusões desse texto que a presença dele nas páginas impressas dos meios de
comunicação – jornais e magazines – possuem densidades diferenciais ao longo das
décadas. Contudo o Damnatio memoriæ1, a que foi submetido Bernardes pelos críticos de
seu tempo merece de uma revisão, diante de suas contribuições, ainda válidas.
1 Termo forjado no Direito romano, “danação da memória”, a busca pelo apagamento de uma memória, como
ação oficial deliberada de condenação à destruição das referências de sua existência. Prática comum no Império
Romano que, em sentido contrário, levava à deificação dos imperadores.
2 Esse ensaio é parte de pesquisa de doutoramento e busca identificar a contribuição de arquitetos modernistas
– especialmente Sergio Bernardes – entre as décadas de 1960 a 1980, na região amazônica.
3 Seu livro registra a arquitetura brasileira no século XX até o ano de 1969. Quando retorna à França em 1971,
apresenta seu trabalho na Université de Paris IV, publicado em português apenas em 1981. Até então, sobre
Arquitetura Moderna Brasileira, a referência era o livro de Henrique Mindlin (1956), publicado em inglês sob o
título “Modern Architecture in Brazil” por Reihold Publishing Corporation, e o catálogo da exposição “Brazil Builds:
architecture new and old. 1652-1942” ocorrida no MOMA (Nova York, 1943). O panorama da historiografia da
arquitetura moderna brasileira possui, direta ou indiretamente, o protagonismo de Lucio Costa e uma linhagem
lecorbusiana. ”São textos distintos, como distintos são os seus autores – em formato, objetivos, influência e
amplitude – e vão participar desse processo de formação e consolidação de uma versão historiográfica canônica
da arquitetura moderna brasileira, que pode ser identificado, a partir de uma visão retrospectiva, percorrendo
todas as etapas do modelo de interpretação historiográfica” (TINEM, 2006, grifo nosso).
4 Nessa época, Bruno Zevi (Roma, 1918-2000) e outros críticos se reunirão no Congresso Internacional dos
Críticos de Arte, ocorrido entre as cidades de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, em 1959.
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Como objetivo visamos apresentar discursos silenciados que surgem nos impressos,
digamos populares, em detrimento da imagem que se constituiu em torno de Sergio
Bernardes. Nesse caminho, prospectaremos algumas obras e projetos publicados nesses
meios, visando ampliar a perspectiva de sua contribuição na Amazônia.
PERSPECTIVAS DE MODERNIDADE
Filho do jornalista Wladimir Bernardes, aos treze anos abre uma oficina de maquetes
e inicia experimentações, que percorreram da carpintaria e marcenaria aos motores de
automóveis. Com quinze anos já havia projetado uma residência para um amigo dos pais.
No ano de sua graduação em Arquitetura, em 1948, seu projeto para o Country Club de
Petrópolis foi publicado em número especial da revista L’Architecture d’Aujourd’hui,
dedicado à nova arquitetura brasileira (BERNARDES ARQUITETURA, s/d).
Por seu turno, Henrique Minldlin (1999)8 já havia antecipado algumas dessas
residências, como a casa de Jadir de Souza (1951), casas de campo de Guilherme Brandi
(1952) e a icônica residência de Lota de Macedo Soares (1953). Bruand reafirma Bernardes
como arquiteto de casas e ignora em sua produção algumas obras relevantes, como o
Sanatório de Curicica/RJ (1952), o projeto urbanístico da Cidade Jardim Eldorado, em
Contagem/MG9 (1954), os pavilhões de Volta Redonda, em São Paulo (1954), o de São
6 “The Architectural Forum began in 1892 as The Brickbuilder. (Volumes under that name are listed separately.) It
was renamed The Architectural Forum in 1917 with Volume 26, continuing the Brickbuilder's volume numbering.
The first copyright-renewed issue is April 1932 (v. 56 no. 4). The first copyright-renewed contribution is from
November 1932. It ceased publication in 1974 ” (OCKERBLOOM, s/d), se caracterizando como a mais antiga
revista de Arquitetura, entre as citadas, porém, não a mais longeva.
7 “Zodiac: Rivista Internazionale dell’architettura contemporanea”, não foi possível encontrar outros dados
referentes a esta publicação.
8 Na nota do autor, ele destaca que o livro foi concebido “como um suplemento ao livro Brazil Builds (...) decidiu-
se mais tarde incluir aqui alguns dos exemplos mais importantes ali mostrados anteriormente” (MINDLIN, 1999,
p. 21).
9 Bairro construído para a Companhia Importação, Exportação e Vendas S.A (COMPAX), localizado no
município de Contagem/MG, à época, Belo Horizonte. Em 1912, sob o mesmo parâmetro concebido por
Ebenezer Howard, foi implantado em São Paulo a empresa "City of São Paulo Improvements and Freehold Land
Company Limited", responsável pela urbanização de importantes bairros paulistanos, como Jardim América,
Anhangabau, Pacaembu, Alto de Pinheiros, Bela Aliança, Lapa, Pirituba e City Butantã. Alguns destes, inclusive,
foram projetados pelos urbanistas ingleses Barry Parker e Raymond Unwin (Fonte:
https://saopauloantiga.com.br). No Rio de Janeiro, em 1930, Alfred Agache propôs que fossem construídas duas
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Cristóvão (1957) e Pavilhão Brasileiro da Feira Internacional de Bruxelas (1958), registradas
em suas fontes, como parte do seu processo10. Na clara opção discursiva, percebemos que
a desatenção a Bernardes é reveladora, em um rasgo de sinceridade que surge na escrita
de Bruand.
claro que realizamos essa seleção com a máxima objetividade, mas seria
presunçoso admiti-Ia como inteiramente justificável num futuro mais ou
menos remoto, pois temos consciência de que os conceitos por nós
emitidos estão muito influenciados por nossas preferências pessoais
(BRUAND, 2012, p. 8).
Outras posições são bem definidas para o historiador, como sua perspectiva sobre
“moderno”, que levará à escolha de “contemporâneo” para sua publicação.
cidades-jardim, uma na Ilha do Governador e outra em Paquetá. Nas conferências que fez no Rio, em 1927,
discorreu sobre o modelo.
10 A exemplo do Tropical Hotel Tambaú, João Pessoa/PB, em fase de finalização à época.
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uma versão moderna, em algumas das residências que projetou” (BRUAND, 2012, p. 13), e
prossegue afirmando que a “falta de preconceitos teóricos e de uma linha bem definida, fruto
de uma abertura de espírito e uma disponibilidade tão completas que às vezes beiravam a
utopia e a dispersão” (IDEM, ibidem, p. 289). A insubordinação a um padrão, a
experimentação, que foram elementos caros para Sergio Bernardes, eram vistos de forma
frágil pelo historiador, independentemente do alcance do resultado, e sempre utilizando
como parâmetro comparativo a arquitetura paradigmática positivista. Bruand segue sobre
Bernardes:
11 A Escola dos Annales surge a partir do período entre-guerras e se propunha à produção de uma historiografia
não positivista, registrada nos escritos dos Annales d'histoire économique et sociale. Marcam as três gerações
da Escola dos Annales a inserção dos processos de longa duração e o estudo das mentalidades; a geração
intermediária vai se destacar pela compreensão do tempo como um agente intrínseco da História, não dela
dependente: a História como filha do seu tempo; a terceira geração, a partir do fim da década de 1960, também
conhecida como Nova História, possui como ícones Jacques Le Goff e Pierre Nora, estabelecendo fortes nexos
com outros campos do conhecimento.
12 Oscar Niemeyer, em 1983, reafirma essa relação entre os arquitetos modernos brasileiros no seguinte trecho:
“Era um ponto de reunião e a ele compareciam constantemente o Joaquim Cardoso, Vinícius de Moraes, Luiz
Jardim e outros. Tínhamos o escritório ao lado do Sergio Bernardes e com ele, Helio Uchoa, Reidy, José Reis,
Jorge Moreira, Walter Lopes, Galdino Duprat, com Di Cavalcanti, repartíamos como irmãos nossas alegrias e
tristezas. Mas o problema da arquitetura sempre nos empolgava. Era a nossa pequena cruzada de arquitetos. ”,
Revista Manchete, edição 1629, 1983, p. 46.
13 Archigram, grupo de arquitetos ingleses formado por Peter Cook, Ron Herron, Warren Chalk, Dennis
Crompton, David Greene e Mike Webb.
14 Em 1960 é criado o Grupo Metabolistas, com Kisho Kurokawa, Kiyonori Kikutake, Fumihiko Maki, Masato
Otaka entre outros. Rubem Braga, comentando sobre a Bienal de São Paulo de 1957 aponta: “Assistindo, outro
dia, à projeção de fotografias coloridas de um grande arquiteto japonês que nos visitou, Sergio Bernardes
comentou baixinho, a certa altura: ‘Ih, esse cara aí vai dar muita cria no Brasil...’” (BRAGA, Rubem. A pintura
começa aos 60 e outras reflexões entre goteiras. In Revista Manchete, ed. 286, p. 56, 1957).
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DOCUMENTOS E NOTÍCIAS
Pretendo dedicar minha vida, à minha obra, pela minha terra, pela minha
gente! A escala do que pretendo fazer é muito grande, o que torna
meus problemas muito pequenos. Representei muitos anos, no mesmo
teatro a mesma peça com os mesmos cenários, com o mesmo público, com
os mesmos artistas, com a mesma estrela. Estou farto de representar. Serei
autenticamente eu e minha sensibilidade. Nego que o passado participe do
presente. Rompo num estado de absoluta coerência comigo mesmo, com a
instituição do casamento. Ninguém é imprescindível a ninguém, só a si
mesmo. (BERNARDES, 2014)
Figura 1: Edição Especial “Rio do Futuro”, 1965
15 Carta de despedida para sua ex-esposa, enviada de Nova York, datada de 2 de novembro de 1968, lida no
filme “Bernardes” (2014), de onde foi transcrito o trecho.
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semanário carioca o insere, já em 195216, como um grande arquiteto brasileiro, ao lado de
Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Irmãos Roberto, Álvaro Vital Brasil, Jorge Moreira, Alcides
Rocha Miranda e Aldary Toledo. No artigo intitulado “Brasil potência arquitetônica” há um
trecho atribuído a Sergio Bernardes:
Nas várias edições desta revista é possível coletar grande número de projetos, no
mesmo período da pesquisa de Bruand, como aeroportos17, edifícios residenciais18 e
conjuntos residenciais19, galerias de arte20, clubes21, planos industriais22, conjunto hoteleiro23
e de turismo entre outros e tantos já citados anteriormente, ampliando a abrangência de sua
atuação.
Utopia é pensar que tal plano será realizado amanhã ou daqui a um século.
Realismo é saber que pode ser feito (Sergio Bernardes, 1965)
É preciso avançar para além do recorte temporal de Bruand para que possamos
identificar a presença de Bernardes na região Norte. Nesse período já vislumbramos obras
dele em Goiás, Bahia e Paraíba, sob o aporte financeiro das Superintendências de
Desenvolvimento (SUDECO e SUDENE), isso é, com efetivo vínculo com a política federal
de ocupação do Brasil Profundo. Cabe registro de que, em meados da década de 1970,
Sergio Bernardes constituirá o Laboratório de Investigações Conceituais/LIC, onde várias
temáticas desenvolvimentistas serão pautadas e desenvolvidas.
24 Se utiliza desse expediente o Touring Clube do Brasil, a Companhia Industrial de Filmes (DUFIL).
25 Jacques Martins, diretor-geral da Air France para a América do Sul, primeiro francês a receber a Ordem do
Rio Branco, em 1967, possui esse atributo em matéria da Manchete, entre outros.
26 Para exemplo, o Jornal do Commércio fixa como manchete principal da edição 20029, de 18 de fevereiro de
1969, “Determinação do Governo é de ocupar a Amazônia a todo custo”.
27 Destacamos entre esses Severiano Mário Vieira Porto e seu escritório com Mário Emílio Ribeiro, com sedes
em Manaus e Rio de Janeiro.
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projetos e/ou obras na região norte, nas cidades de Belém/PA, Manaus/AM, Boa Vista/RR e
Caracaraí/RR (Tabela 2), a partir do final da década de 1960.
O Hotel Tropical de Manaus (Figura 2) era um, dentre vários hotéis que constituiriam
a rede denominada Tropical, que possuía a Viação Aérea Riograndense (VARIG) como
principal acionista, que inicia com a implantação do Hotel Tambaú em João Pessoa/PB28
(1962-1971). Entre 1969 e 1971, destacamos as matérias do Jornal do Commércio:
Hotel na selva amazônica tem seguro financiamento
Ao retornar de Nova Iorque, o arquiteto Sergio Bernardes anunciou que o
seu revolucionário projeto de construção de um hotel em plena selva
amazônica, a 7 quilômetros de Manaus, já tem financiamento no valor de
US$ 15 milhões, devendo ficar pronto dentro de 27 meses. (...)
Segundo o arquiteto, o ‘Hotel de Manaus’ pertence a um consórcio brasileiro
lid[e]rado pela Varig, sendo o primeiro no mundo a não ter janelas, nem
equipamento de ar condicionado, com seus 432 quartos situados acima das
copas das árvores, numa altura de 150 metros.
O prédio ficará coberto por duas campânulas de vidro (uma de cristal
térmico, outra de vidro temperado) com um diâmetro de 300 metros. A luz
do sol é filtrada através dos vidros, deixando passar apenas os raios
infravermelhos, enquanto o calor será anulado pela reflexão de modo a
permitir a temperatura ambiente em torno de 20 graus. A refrigeração será
28 Sobre os outros hotéis da rede, tem-se que “o arquiteto carioca Sérgio Bernardes (1919-2002) responsável
por vários projetos, como o Tropical Hotel de Recife (1968-não construído), o Tropical Hotel Tambaú (1962) e o
Tropical Hotel de Manaus (1963-primeira proposta, 1970-segunda proposta).”; “A princípio, a Companhia passou
a arrendar hotéis já construídos, como foi o caso do Hotel da Bahia, em Salvador e o Hotel Internacional dos
Reis Magos em Natal, ambos com feições notadamente modernistas e projetados por arquitetos de formação
moderna.” (PAIVA, R. ; DE PAULA, P. ; MACIEL, V. 2016, p. 1 e 4, respectivamente).
O colunista social Ibrahim Sued registra, entre amenidades: “Por falar no arquiteto
Bernardes, ele fez uma conferência para colegas franceses e os deixou deslumbrados. Foi
sobre seu projeto de um hotel na selva amazônica. O projeto é ousadíssimo e os franceses
ficaram de boca aberta” (MANCHETE, 1971, p. 108). Nesse retorno ao Rio de Janeiro, após
o afastamento voluntário da família, traz na bagagem o esforço de Bernardes em viabilizar,
através de sua rede de conhecimentos, a implantação da referida rede de hotéis.
Esse edifício, inexistente nas referências documentais, surge como um enigma, visto
que a descrição de seus atributos e o registro taxativo de autoria indicam serem claramente
confiáveis29 e, verificado, numa visita breve in loco a existência dos itens listados na nota do
Jornal do Commércio, como o heliporto, algo improvável para as demandas de um projeto
na década de 1970 em Belém. Ademais, importante apontar, o Banco da Amazônia se
29 Para tanto já se iniciaram contatos com as instâncias referentes no Banco da Amazônia, em Belém/PA.
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constitui em uma instância de fomento e se insere como agente financiador das políticas
públicas para a região, desde os anos 194030, como instância de incentivo a um novo
capítulo da economia gomífera e na consolidação do papel de agente financeiro do Fundo
de Investimento da Amazônia (FINAM), administrado pela Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM).
30 Trata do período da promoção de imigração nordestina, dos ditos Soldados da Borracha, em plena 2ª Guerra
Mundial, no cômputo dos Acordos de Washington. Criado pelo Decreto-Lei nº 4.451, de 9 de julho de 1942 com o
nome de Banco de Crédito da Borracha, passando a se chamar Banco de Crédito da Amazônia S.A, em 1950;
Banco da Amazônia, em 1966 e recuperando o uso da sigla BASA a partir de 2019. Dados disponíveis em
https://www.bancoamazonia.com.br.
31Inclusive documentais, do acervo de Sergio Bernardes, sob a guarda do Núcleo de Pesquisa e Documentação
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NPD-FAU-UFRJ), tão logo
o arquivo esteja acessível, visto ter, o NPD, sofrido consequências de um sinistro de incêndio ocorrido em 20 de
abril de 2021. A jornalista Kykah Bernardes (2018) escreveu sobre o acervo de Bernardes no NPD-UFRJ.
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ENTRE LINHAS E TRAÇOS
É necessária atenção às linhas dos projetos e escritas nesse período, cientes que
muito há por descobrir. A contribuição de Sergio Bernardes foi além do que a arquitetura
que ele projetou, mas foi traçada a partir de mais de quarenta anos de estudos para a
proposição de nova divisão político-administrativa, baseada na hidrografia, a partir dos quais
planejou um novo modelo de desenvolvimento e preservação (BECKHEUSER, 2020),
denominado Modelo Hidráulico/Projeto Brasil, desenvolvido no LIC.
REFERÊNCIAS
ARQUITETURA E ENGENHARIA. Rio de Janeiro. Nº 31, 1954.
BECKHEUSER, João Pedro. Sergio Bernardes: sob o signo da aventura do humanismo. São Paulo:
Revista Projeto, 2 de abril de 2020. Disponível em https://revistaprojeto.com.br/acervo/sergio-
bernardes-sob-o-signo-da-aventura-e-do-humanismo-por-joao-pedro-backheuser/ Acesso jul 2021.
BERNARDES ARQUITETURA. Projeto Memória: Sergio Bernardes. (site). Disponível em
https://www.bernardesarq.com.br/projeto-memoria/ Acesso ago 2021.
BERNARDES, Kykah. Memória da arquitetura moderna brasileira. Sobre a conservação dos
acervos de Sergio Bernardes e outros arquitetos cariocas. Drops, São Paulo, ano 19, n. 132.02,
Vitruvius, set. 2018 Disponível em https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/19.132/7102.Acesso
jul 2021.
BERNARDES, Kykah. Sergio Bernardes-pesquisa sobre projetos em Roraima (mensagem
pessoal). Mensagem recebida por claudia.nascimento@ufrr.br em 18 set. 2017.
BERNARDES, Kykah; CAVALCANTI, Lauro(orgs). Sérgio Bernardes. Rio de Janeiro: Artviva Editora,
2010.
RESUMO
O município de Juazeiro do Norte, no Cariri cearense, é reconhecido atualmente pela pluralidade de
seu pólo universitário, comercial, e principalmente, pela identidade religiosa, expressiva
nacionalmente. Sua história gesta o reconhecido Padre Cícero Romão Batista, efetivo como figura
relevante em gestão política, instrução vocacional e personalidade religiosa. Entretanto, o acelerado
crescimento urbano e econômico impulsionados pelo turismo religioso e pelo comércio, permitiu o
desvanecimento de trechos históricos por edificações sem valor patrimonial ou arquitetônico, dando
lugar a segmentos em ascensão, como estabelecimentos comerciais ou estacionamentos. Diante
desta problemática, este trabalho tem como objetivo identificar as diferentes linguagens arquitetônicas
encontradas na área correspondente ao núcleo histórico do município na primeira década do século
XX, os usos atuais dessas edificações e a relação destes com a manutenção dos elementos
estilísticos. Para tal, foi realizada uma pesquisa documental, juntamente com levantamento de
informações in loco, tendo como produto mapas temáticos georreferenciados e o Inventário de
Identificação de Patrimônio Edilício da área em estudo. A pesquisa demonstrou que a área em
análise tornou-se essencialmente não-residencial, tendo o setor comercial como principal agente da
descaracterização ou modificação das edificações históricas. Juazeiro do Norte não soube preservar
seu acervo original, adaptando-o a novos usos, descaracterizando ou até mesmo demolindo sua
história edificada, sob o discurso da chegada do “progresso”, o que pode ter contribuído para que
muitos vestígios e traços da construção local fossem apagados, dificultando o entendimento do
processo de urbanização e das atividades sociais e culturais que ocorreram na cidade ao longo do
tempo.
Palavras-chave: Patrimônio arquitetônico, centro histórico, Juazeiro do Norte, preservação.
O centro está associado à origem do núcleo urbano de uma cidade, não necessariamente
correspondendo ao seu centro, entendendo este como ponto de convergência onde as
atividades urbanas se produzem em maior intensidade (GURGEL, 2008). Portanto, o Centro
Histórico pode ser entendido como um lugar onde se encontram todos os vestígios iniciais
da história local, possuindo papel essencial quanto à identidade de seus cidadãos e
visitantes (VARGAS; CASTILHO, 2015). Entretanto, estudos observam que os centros
históricos vêm se tornando apenas uma pequena parte da cidade, visto que, a
transformação de uso na área central, na maioria das vezes tornando-se estritamente
comercial, somando-se a especulação imobiliária e ao desejo de modernização; provoca a
adaptação das tipologias edificadas existentes para atender as necessidades da atual
função, o que pode ocasionar a sua descaracterização (FERNANDES, 2004).
Diante disso, buscou-se caracterizar a área que corresponde ao núcleo histórico de Juazeiro
do Norte na primeira década do século XX, através da identificação dos usos atuais das
edificações, das diferentes linguagens arquitetônicas e por fim correlacionar a relação
destes fatores com a manutenção dos elementos estilísticos. Vale ressaltar que este artigo,
sintetiza achados da análise que dá sustentação ao trabalho de graduação da autora, o qual
objetivava analisar a formação e transformações na paisagem urbana do município em
questão (RIBEIRO, 2019).
Juazeiro do Norte1 tem sua origem no início do século XIX, a partir do ano de 1827, com a
construção da capela de Nossa Senhora das Dores, atualmente conhecida como Igreja
Matriz de Nossa Senhora das Dores (PEREIRA, 2014).
1
A cidade passou a se chamar Juazeiro do Norte a partir de 1943 em virtude do parecer de 14-06-1946 do
Conselho Nacional de Geografia” (IBGE) para que não se confundisse com a cidade de Juazeiro da Bahia. Antes
disso pode-se encontrar vários tipos de grafias, como Joaseiro, Juazeiro, Joazeiro, Juàzeiro etc.
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No dia 1º de março de 1889 ocorre o chamado “milagre da hóstia”, na capela de Nossa
Senhora das Dores no povoado, protagonizado pela beata Maria de Araújo e pelo Padre
Cícero Romão, no qual a hóstia entregue a beata teria se transformado no sangue de Cristo.
Este evento é caracterizado como principal fator de mudança para a localidade, pois após se
espalharem as notícias sobre o “milagre” um grande contingente de pessoas dos mais
diversos lugares do país começou a visitar o vilarejo por acreditar que o local seria uma terra
santa (DELLA CAVA, 2014).
Nos quinze anos após ao conhecido “milagre da hóstia”, com a economia já estava
consolidada, ocorre o movimento de autonomia do município em relação a cidade do Crato,
tornando-se independente em 1911 e tendo como primeiro prefeito o Padre Cícero, que já
havia sido afastado da vida eclesiástica (DELLA CAVA, 2014). Na década de 1920, Juazeiro
do Norte passa a ser a principal liderança política da região do Cariri e possuir notoriedade
nacional, o que resultou na chegada do ramal da Estrada de Ferro da Rede de Viação
Cearense em 1926. A via férrea foi responsável por um novo traçado urbano e por uma nova
expansão, desde sua inauguração; devido a concentração em suas proximidades de
estabelecimentos comerciais, atacadistas e varejistas transformou-se em uma área
adensada (JUAZEIRO DO NORTE, 2000); até então, a atividade comercial concentrava-se
nas imediações da atual Praça Padre Cícero (PEREIRA, 2014).
A década de 1930, marca a saída da cena econômica e política das duas principais figuras
da política local: Padre Cícero e Floro Bartolomeu; o primeiro morreu em 1934 com 90 anos
de idade, e o segundo em 1926 (DELLA CAVA, 2014). Após a morte de Cícero, as romarias
2
Relógio oferecido e produzido pelo juazeirense Pelúsio Correia de Macedo, com projeto do arquiteto Agostinho
B. Odísio. O relógio que marca as horas, os dias da semana e as fases da lua, não se encontra mais em seu
estado original (WALKER, 2017).
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processo, ocorreu a migração das classes de maior poder aquisitivo para os loteamentos de
alto padrão, como o Lagoa Ville e Lagoa Seca, mais tarde transformados em bairros. Esse
movimento teve influência direta na venda dos antigos casarões existentes no centro e que
mais tarde dariam lugar a pontos comerciais, transformando totalmente o núcleo de
formação do município (OLIVEIRA, 2014). As décadas de 1980 e 1990 mostram-se como as
de maior mudança na morfologia do centro histórico, principalmente nas áreas próximas à
Praça Padre Cícero, devido às obras de abertura e alargamento de ruas, para possibilitar
uma maior circulação e mobilidade (PEREIRA, 2014).
METODOLOGIA
A fração urbana em estudo é composta por 895 lotes distribuídos em 23 quadras, das quais
duas são praças (praça Padre Cícero e a praça do Socorro). Os índices coletados sobre o
estado de preservação e conservação desses imóveis, demonstram que grande parcela das
edificações históricas já foi demolida ou descaracterizada, pois dos 895 lotes analisados
apenas em 259 imóveis foi possível identificar características estilísticas originais ou pouco
modificadas, estes foram classificados como Imóveis Recomendados a Conservação - IRC
(RIBEIRO, 2019).
Pode-se observar que a maioria dos imóveis se encontram dispersos, mas ainda é
possível identificar algumas zonas de concentração nas proximidades da Igreja Matriz
de Nossa Senhora das Dores e da Capela do Socorro. Na zona mais comercial (como
USO DO SOLO
Figura 2- Uso do pavimento térreo das edificações da área correspondente ao centro histórico
de Juazeiro do Norte na primeira década do século XX.
As edificações de uso residencial encontram-se dispersas por todo o mapa, mas é possível
identificar que na porção leste há uma maior concentração deste uso. Tomando-se como
exemplo a rua São José, identifica-se que apesar da maior parte das edificações nessa via
serem de uso residencial, observa-se um crescente número de imóveis destinados a
serviços. Vale ressaltar que algumas quadras não possuem edificações de uso residencial,
mas ainda é possível detectar residências em vias em que prevalecem os comércios e
serviços, resistindo a esse processo de mudança de uso pelo qual o centro histórico do
município vem passando.
Em relação ao uso dos pavimentos superiores, identificou-se que a maior fração destina-se
ao ramo da hotelaria (63 lotes, 24%). É interessante destacar uma oscilação na ocupação
dos imóveis quando são analisados por pavimentos, visto que a medida que os andares
sobem percebe-se a subutilização destes, que acabam sendo empregados na
armazenagem de produtos (53 imóveis, 20% do total) ou até mesmo encontram-se
fechados/vazios (20 imóveis, 8%), a maioria dos quais se destinam ao uso comercial no
térreo enquanto os demais pavimentos muitas vezes são escondidos pelos anúncios
publicitários que acabam por agravar a poluição visual da área.
FILIAÇÃO ESTILÍSTICA
Vale salientar que para análise das características estilísticas foram considerados apenas os
imóveis classificados como IRC (259 edificações), pois são aqueles em que foi possível
identificar características estilísticas originais ou pouco modificadas que se enquadrassem
no recorte temporal do princípio do século XX a meados da década de 1980, de forma a
contemplar tanto as edificações com filiações estilísticas ecléticas quanto modernistas,
observadas na área em estudo (RIBEIRO, 2019).
• Elementos decorativos nas platibandas que podem ser recortadas em linhas retas,
curvas, sinuosas, escalonadas;
• As vergas podem ser retas, em arco pleno, em arco ogival, recortadas ou mistas;
molduras em reboco acompanham o contorno dos vãos;
• Construção alinhada sobre a testada do lote; quase sempre sem recuo ou, às vezes,
com recuo lateral ou bilateral;
• Nas fachadas principais, cheios predominam sobre vazios com vãos semelhantes e
dispostos a intervalos regulares;
• Edifício com recuo frontal e frequentemente bilateral, volumes simples ou compostos. Nas
fachadas predominam os vazios sobre os cheios
• Telhado de telhas de “capa e canal” sobre estrutura de madeira ou telha canal sobreposta
sobre laje em concreto armado (AMORIM, 2001).
• Planos opacos recobertos com material cerâmico, azulejo ou pedra (AMORIM, 2001).
SÍNTESES
Nesta etapa do trabalho serão analisadas as relações entre o uso do solo e as filiações
estilísticas das edificações e sua correlação com o estado de preservação de seus
elementos.
Hotelaria 8% 7% 8% 5% 7%
Misto: 0 9% 2% 0 2%
comercial/hotelaria
Misto: residencial / 3% 0 4% 2% 4%
comercial ou
residencial/ serviços
Residencial 0 0 0 0 2%
multifamiliar
Serviços 0 1% 12% 2% 4%
Os imóveis com filiações protomodernistas, são em sua maioria destinados ao uso comercial
(19, 38%), seguido pelo uso residencial com 24% (12). Vale destacar que esta categoria é a
mais utilizada pelos usos ligados à hotelaria e aos serviços. Em contrapartida, a categoria
híbrido: colonial/protomoderno apresentou elevado percentual de edificações com uso
residencial.
Para este estudo, a fim de identificar o estado de preservação dos elementos estilísticos,
foram considerados como:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O principal objetivo deste trabalho foi promover uma primeira discussão teórica acerca do
patrimônio urbano-arquitetônico do centro histórico de Juazeiro do Norte, de forma a
despertar o interesse para a importância de sua preservação.
REFERÊNCIAS
AMORIM, Luiz Manuel do Eirado. Modernismo recifense: Uma escola de arquitetura, três
paradigmas e alguns paradoxos. Arquitextos, São Paulo, ano 01, n. 012.03, Vitruvius, maio
2001. Disponível em:<https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.012/889>.
Acesso em out. de 2019.
CONDE, Luiz Paulo. Guia de arquitetura Art Decó no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Casa da Palavra,2000.
DELLA CAVA, Ralph. Milagre em Joaseiro/ Ralph Della Cava; tradução Maria Yedda
Linhares. – 3ª ed.- São Paulo; Companhia das Letras, 2014.
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo, Editora
Perspectiva, 12ª ed. 2014.
VARGAS, Heliana Comin; CASTILHO, Ana Luisa Howard de. Intervenções em centros
urbanos: objetivos, estratégias e resultados. In: VARGAS, Heliana Comin; CASTILHO, Ana
Luisa Howard de. Intervenções em centros urbanos: objetivos, estratégias e resultados. 3.
ed. Barueri- Sp: Manole Ltda, 2015. p. 1-60.
Resumo
Em 1985, Mário Kertész é eleito prefeito da capital baiana, tendo como uma de
suas propostas intervenções de restauro urbano e arquitetônico no Centro
Histórico e adjacências, com o objetivo de resgatar a habitabilidade da região.
A arquiteta Lina Bo Bardi é convidada, devido sua experiência na área do
restauro e outras intervenções já realizadas em Salvador, para o desenvolver
projetos de restauro em uma série de edificações, entre elas o conjunto da
Ladeira da Misericórdia que teria caráter de um projeto piloto, experimental,
para que fosse possível testar intervenções que, posteriormente, pudessem ser
aplicadas em conjuntos maiores.
RESUMO
Este artigo parte do relato de um trabalho profissional executado pela empresa PRIMA Arquitetura, de
titularidade do arquiteto e urbanista Francisco Marsicano Guedes que, em 2019, contratado pela
Mineração Caraíba, realizou um levantamento da situação atual dos edifícios centrais do núcleo do
Pilar, distrito de Jaguarari, Bahia, a fim de sua regularização. De linguagem modernista com
apartamentos e alojamentos sobre pilotis parcialmente ocupado por comércio, esses 5 edifícios foram
projetados para receber os solteiros admitidos ao trabalho na mineração. Os edifícios mantiveram-se
preservados até 1994, quando a privatização da mineradora abriu a cidade para as propriedades
particulares e muitos edifícios, especialmente as casas mas também as escolas, clubes e os próprios
edifícios, sofreram alterações significativas. Neste último caso, os pilotis foram totalmente ocupado
por comércio e outras construções como garagens, depósitos, e até casas e apartamentos. Nos
andares superiores, as principais alterações levantadas dizem repeito à ocupação de espaços de
circulação comum. O artigo termina fazendo algumas considerações sobre o papel destes edifícios na
cidade e os movimentos por sua preservação.
Palavras-chave: cidades novas, caraíba, joaquim guedes
Quem chega a Caraíba pela primeira vez, ainda que não conheça a pequena cidade,
naturalmente chegará à praça Ariomar Rocha. É para lá que a maioria dos
automóveis e pessoas nas calçadas se encaminham, é lá que estão as luzes e o
movimento da pequena cidade de 10 mil habitantes. O acesso principal pela rodovia
BR-314 conduz o viajante à avenida Caraíba, a linha central entre as poucas
dezenas de ruas alinhadas quase exatamente nos eixos norte-sul e leste-oeste, em
uma malha retangular de quadras alongadas para que, pelo menos em projeto,
todas as casas se protejam da face leste abrindo suas fachadas ou para o norte, ou
para o sul. Como em um axis mundi das antigas colônias romanas, no encontro
desses eixos centrais está a praça central da cidade e ao seu redor um grande
número de lojas e serviços: bares, lojas de roupas, celulares, agência de correios,
loja de colchões, igreja evangélica e etc. ocupam o térreo de edifícios horizontais de
linguagem modernista: pilotis com pilares redondos e cobertos por pastilhas
sustentando três andares superiores que, mais avançados em relação às lojas que
ocupam o térreo, criam uma passagem aos pedestres protegida da chuva e
principalmente do sol do sertão. Nos andares superiores há habitações de tamanhos
variados que hoje são surpreendentemente ocupados, a despeito de sua localização
privilegiada, pela camada mais pobre da população. A grande presença de carros
estacionados, surpreendente para uma cidade de poucas quadras de lado, mostra
que o comércio é uma referência não só local, mas regional. O movimento comercial
é forte a ponto de esvaziar os pequenos comércios de vizinhança distribuídos em 6
pequenas praças distribuídas pelo núcleo, distantes poucas quadras entre si. A
distribuição das praças segue, de fato, a distribuição das escolas: os parques
infantis distribuídos, a praça, ou um conjunto de praças, centrais ligando a leste e a
oeste duas escolas de 1º grau e uma de 2º grau.
A arquitetura modernista dos edifícios chama a atenção mesmo se comparada às
demais construções da cidade. As casas primeiras, construídas pela companhia
mineradora, fazem uma releitura da tipologia sertaneja de paredes caiadas e janelas
diretamente para a rua, coladas nas divisas e formando grandes alinhamentos por
toda a extensão das quadras. Mas é uma releitura, de fato, o que se pode notar pela
platibanda que dispensou o beiral que tradicionalmente aparecia e exigiu a criação
de um detalha, uma calha impermeabilizada que quase nunca resiste ao sol do
sertão e acaba provocando infiltrações. Como a cidade é pequena e as casas de
tamanho e padrão diferentes estão misturadas em quase todas as ruas, o que conta
é o número de janelas de fachada: as casas de nível 2 possuem 4 janelas, são
casas de engenheiro. As casas de nível 5, as mais simples, possuem apenas uma.
Nas conversas ao redor da praça, quando se quer saber sobre o padrão de vida de
alguém não se pergunta em que bairro ou rua vive, mas quantas janelas existem na
casa.
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É verdade que muitas fachadas já estão alteradas a ponto de que não se podem
mais ver as janelas, muitas vezes cobertas por garagens gradeadas que avançam
sobre a calçada pública. Outras casas, construídas por particulares, já tem outra
arquitetura e destoam do contínuo de fachadas. Ainda assim, é a arquitetura dos
edifícios centrais, por sua forma, proporção e localização, que marca e domina a
paisagem.
Figura 1 - Planta geral de Caraíba com os edifícios centrais destacados em vermelho e a praça
Ariomar Rocha em amarelo. (Fonte: do autor).
Figura 2 - Fotografia, provavelmente da década de 80, em que se observam os pilotis dos edifícios
centrais. (Fonte: Camargo, 2000).
Ágata 13 32 16
Berílio 15 70 16
Diamante 12 34 22
Drusa 0 0 10
Esmeralda 9 8 102
Como dito, Caraíba permaneceu uma cidade fechada entre 1982 e 1994,
quando a Mineração Caraíba foi privatizada. Neste primeiro período, a
manutenção das habitações era realizada pela própria companhia mineradora
que mantinha as edificações exatamente como originais. Os moradores
relatam que, “no tempo da companhia”, até as lâmpadas queimadas dentro
das casas eram trocadas pela empresa e fechaduras quebradas eram
substituídas por modelos idênticos. Qualquer alteração estrutural ou de
acabamentos era proibida e até as cores das paredes permanecia
obrigatoriamente a mesma.
Figura 4 - Térreo do edifício esmeralda totalmente ocupado por comércio. (Fonte: do autor)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMARGO, Mônica Junqueira de. Joaquim Guedes. São Paulo: Cosac &
Naif, 2000.
1. UNAMA. PPGCLC
bandrade@gmail.com
2. UNAMA. PPGCLC
marcianunes2011@gmail.com
RESUMO
O presente artigo integra os principais pontos da dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Comunicação, Linguagem e Cultura (PPGCLC) vinculado à Universidade da
Amazônia (UNAMA) em Belém-PA. A Realidade Virtual possibilita uma experiência sensorial e
cognitiva bastante imersiva em diversas aplicações; na área da Arquitetura, esta pesquisa objetivou
delinear o desenvolvimento de um experimento em Realidade Virtual (RV) que funcionasse como
suporte e reconhecimento da Rocinha do Museu Emílio Goeldi, constituído como um espaço
simbólico e histórico da cidade que produz sentido. A metodologia utilizada foi a investigação
bibliográfica em documentos primários e secundários a respeito da rocinha do século XIX e do Museu
Emílio Goeldi no início do século XX. A construção do prédio histórico em 3D foi produzida por meio
da computação gráfica e mediante os resultados obtidos foi destacado a importância social e
científica que o experimento em RV pode ter para a comunidade em geral e para a instituição do
Museu Emílio Goeldi.
A metodologia adotada nesta pesquisa lidou com vínculos operacionais que foram
traçados ao longo do tempo, mais do que as meras frequências ou incidências, portanto,
adotou-se o método múltiplo, desenvolvendo a pesquisa histórica sobre um estudo de caso
único e o experimento resultou em um conjunto de eventos contemporâneos. Sendo a
investigação desenvolvida por meio de revisão da literatura sobre a rocinha e sobre o museu
Emílio Goeldi, buscando resultados parciais na investigação.
Quanto a Realidade Virtual (RV) cabe destacar que é uma tecnologia que
proporciona ao usuário a impressão de estar em um ambiente que fisicamente não existe.
Essa ambientação é possível via técnicas de modelagem 3D, em que os ambientes e os
objetos são desenhados digitalmente, utilizando programas computacionais específicos. A
“imersão” completa é permitida com a ajuda de aparatos digitais que simulam e estimulam
os principais sentidos humanos como: visão, tato, audição, olfato e paladar. O enfoque
deste trabalho foi no sentido dominante da visão, por intermédio de óculos de realidade
virtual ou Head Mounted Display (HMD) (KIRNER; SISCOUTTO, 2007).
Essa nova relação tecnológica com uma sociedade cada vez mais global traz à tona
a Arquitetura Virtual, cujo conceito está relacionado a fazer arquitetura no mundo virtual que
apenas existe nesse meio, não se restringindo a apenas imagens estáticas 3D de um
projeto arquitetônico.
Segundo Colin (2000), a arquitetura é um produto cultural, que se manifesta por meio
da história com informações importantes; assim, por intermédio da observação e da análise
da arquitetura de civilizações passadas é possível inferir sobre hábitos, conhecimento
técnico, ideologia, cultura, etc.
Realidade Virtual
Respondendo a esse questionamento, Lévy (1996) explica que esse virtual não se
opõe ao real, e sim ao atual, pois a virtualidade se compõe a partir de um complexo
problemático de “tendências ou de forças que acompanham uma situação, um
acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de
resolução: a atualização” (LÉVY, 1996, p. 16), ou seja, a virtualidade se refere a uma
experiência vital do real, trata-se de virtude e potência.
Esta edificação não era uma moradia qualquer, tanto que nos seus arredores, eram
encontradas árvores frutíferas no terreno que circundava o local. A construção era bem
adaptada ao clima da região amazônica, que é úmido e de temperatura elevada, portanto
era uma residência que tinha um grande diferencial, atraindo os naturalistas que vinham de
outros países para observar e pesquisar a Amazônia (SOARES, 2008).
De acordo com Albuquerque (1989), ao longo dos anos as rocinhas evoluíram para
um estilo neoclássico, com algumas mudanças relacionadas ao material, ao uso do forro e à
ausência de varanda lateral. Com o desenvolvimento urbano da cidade, oportunizado pela
exploração da borracha, a busca pelo moderno é colocada em prática em novas moradias
como palacetes e casas assobradadas, causando o afastamento das construções da
rocinha para áreas mais distantes do núcleo central de Belém.
De acordo com Soares (1996), a Rocinha do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG)
também é conhecida como a Rocinha do Coronel Bento José da Silva e foi construída no
O Diretor Goeldi marcou sua gestão no Museu Paraense trazendo notoriedade para
a instituição com produções científicas, expedições amazônicas e inclusive teve papel
fundamental na disputa com a França em relação aos limites da Guiana Francesa e o
território do Amapá.
Por seus serviços prestados ao Museu e a questão territorial resolvida, Goeldi, foi
homenageado, em dezembro de 1900, pelo então governador Paes de Carvalho com a
alteração do nome de Museu Paraense para Museu Goeldi (COSTA, 2014).
A rocinha do Museu Goeldi que será discutida é o edifício atual com 700 m² (Figura
2) que sofreu suas últimas reformas mais significativas na década de 1970, passando
depois por reparos e manutenção do prédio. Em 2003, uma restauração devolveu ao prédio
algumas características originais e intervenções internas foram executadas para permitir
instalações expositivas (SOARES, 2008).
Quando o diretor Emílio Goeldi deixou essa rocinha, que servia de moradia para sua
família e foi para outro prédio, ela foi direcionada para fins científicos com adição de
gabinetes para a pesquisa, uma biblioteca e áreas para exposição da coleção científica do
Museu.
Cabe destacar que ocorreram grandes mudanças externas no prédio como o plantio
de diversas espécies de plantas da fauna amazônica; assim “novos terrenos e casas foram
sendo incorporados ao parque original, dando lugar a laboratórios, residências e, sobretudo,
gaiolas, jaulas e tanques, conforme a estética adotada por Goeldi e seus sucessores”
(SANJAD, 2008, p. 125).
Por ocasião do registro fotográfico, feito em 2020 pelo autor, já se podia perceber a
necessidade de reformas estruturais e estéticas no prédio. Considera-se que a árvore
centenária que caiu sobre o museu chamou atenção para a urgência em recuperar este
prédio importante não só para a história do Museu, mas também para que futuras gerações
possam conhecer e transitar dentro de uma história viva.
Faz-se necessário ressaltar que o objetivo deste experimento é atuar como uma
ferramenta de suporte e reconhecimento do patrimônio histórico constituído da cidade de
Belém e do Museu Emílio Goeldi, e não tem o objetivo de apresentar um modelo 3D fiel em
sua exatidão física e estética, fato que só poderia ser consumado por intermédio de
equipamentos de escaneamento 3D, o que iria além do escopo deste trabalho.
Outra série de imagens que também foram renderizadas por intermédio do mesmo
método computacional se chama Panoramas em 360º, no entanto a imagem que é gerada é
diferente e especifica para criar experiências em RV, portanto:
Panoramas em 360º podem ser visualizados por diversos equipamentos como óculos
de realidade virtual e qualquer smartphone. Ele também pode ser disponibilizado em outras
plataformas on-line como Facebook e YouTube, havendo ainda a possibilidade de ser
manipulado em navegadores WEB como Chrome ou Internet Explorer.
Para esta pesquisa, definiu-se que a aplicação seria executada pelo navegador de
internet do computador e em smartphones de qualquer marca, estes poderiam ser
acoplados em óculos estilo google cardboard para serem visualizados em RV.
Heidegger utiliza o termo “estar dentro do mundo” para explicar que a fenomenologia
permite que o “mundo” seja uma parte da existência humana, portanto este mundo sempre
será vivido, um mundo da vida (AMORIM, 2013). Essa existência humana na arquitetura é
evidenciada da seguinte forma:
4
Site oficial: https://kuula.com.
Essa dimensão única varia entre cada indivíduo, o que é chamado de percepção,
isso significa que cada indivíduo faz uma leitura de mundo de acordo com estímulos
exteriores e filtros individuais evocando diferentes imagens de mundo “real”.
Considerações finais
Nos anos de 1990, a tecnologia à disposição das pessoas não conseguia alçar os
mesmos voos do campo das ideias, então houve um hiato de vários anos, até que, em 2010,
um jovem universitário do vale do silício desenvolveu uns óculos de RV que reacendeu o
Assim, o desafio deste estudo foi fazer com que a experiência fosse tão envolvente
de forma a não dissociar o real do virtual. Nesse contexto, considerou-se importante trazer à
RV a Rocinha do Museu Emílio Goeldi e sua tipologia arquitetônica, importância histórica e
cultural e as mudanças estéticas e funcionais ocorridas entre a metade do século XIX e o
início do século XX. Também, a historiografia do Museu Emílio Goeldi, parque botânico e
zoológico foram o objeto deste trabalho.
Por fim, espera-se que este trabalho, com auxílio da revisão bibliográfica e do
experimento em RV, possa ter ampliado o conhecimento e percepção sensorial sobre um
prédio histórico construído no século XIX, que precisa ser preservado e continuamente
lembrado como patrimônio construído e cultural da cidade de Belém.
LÉVY, P. O que é Virtual? São Paulo: Editora 34, 1996. Trad. Paulo Neves.
KOZAN, M.; KOZAN, B. Reconstrução virtual da antiga Igreja Matriz de Curitiba: Análise de
dimensões e implantação. Arqueologia, [S.L], v. 10, n. 1, 2006.
MUSEU Emílio Goeldi. Museu Goeldi suspende visitação em todas suas bases físicas.
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, 2020. Disponível em: https://www.museu-
goeldi.br/noticias/museu-goeldi-suspende-visitacao-em-todas-suas-bases-fisicas. Acesso
em: 27 de Março de 2021.
RIBEIRO, EDUARDO B.
RESUMO
Este artigo aborda parte do trabalho de mestrado que foi defendido na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da USP, em 2020, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Beatriz Mugayar Kühl. O recorte
abordado aqui, apresenta umas das frentes desenvolvidas na pesquisa, que procurou realizar o
registro das estações ferroviárias pertencentes à antiga Estrada de Ferro Araraquara (EFA), no trecho
entre as cidades de Araraquara e São José do Rio Preto. O objetivo foi destacar edificações
pertencentes a uma empresa férrea paulista que, ao longo dos anos, diferentes de outras
companhias, pouco foi explorada pelo campo acadêmico. O material registrado foi diagramado em
quadros que, por meio de imagens e descrições, informam diversas questões a respeito de tais
edificações, abordando desde aspectos materiais até suas localizações nas malhas urbanas.
Posteriormente, foi possível traçar certos comparativos sobre esse conjunto, como aquele referente
ao material cerâmico encontrado nesse trecho, o qual é apresentado nesta reflexão.
2 Esse trabalho ficou entre os cinco melhores avaliados pelo Instituto de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo (IAU/USP), em São Carlos, e foi indicado para a etapa internacional do Simpósio
Internacional de Iniciação Científica da USP (Siicusp) de 2016. Parte dos resultados dessa pesquisa podem ser
consultados no artigo “Comadres do noroeste paulista, das casas de turma às estações: as construções sem
destino”, publicado na edição de número 27 da Revista CPC (RIBEIRO, 2019).
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Mapa 1 – Trecho IC e trecho mestrado Mapa 2 – Trecho mestrado no estado
O registro
A pesquisa de mestrado se estruturou a partir de duas frentes centradas no recorte
temporal de 1895 a 1912 e no recorte territorial de Araraquara a São José do Rio Preto. A
primeira dela focou nos relatórios anuais produzidos pela EFA entre 1897 e 19103, bem
como outros documentos auxiliares que esclarecem melhor certos detalhes mencionados
nesses textos, destacando, sobretudo, as estações ferroviárias edificadas no período, seus
projetos e ano de fundação. A segunda frente, a partir do registro feito in loco nesse mesmo
trecho (Araraquara - Rio Preto) e do levantamento aerofotogramétrico, buscou situar as
antigas estações ferroviárias da EFA na malha urbana das localidades em que elas estão
inseridas hoje, bem como observar seu estado material e o tipo de uso que recebem na
atualidade; objetivando compreender o percurso histórico realizado por esse objeto e a
condição contemporânea de elementos que testemunham essa trajetória.
Assim, 17 estações ferroviárias foram registradas em quadros individuais, que
contém informações referentes a cada edificação e sua referida localidade. Como não seria
possível apresentar neste artigo todos os quadros presentes no trabalho de mestrado,
selecionou-se aquele referente à estação de Cedral4 (quadro1) como forma de exemplificar
o registro realizado:
3 Esses relatórios trazem diversas informações operacionais, técnicas, financeiras, construtivas, entre outras,
sobre cada ano de funcionamento da EFA e eram apresentados em assembleias anuais aos acionistas da
empresa. Esses documentos não apenas foram observados de forma descritiva, com o auxílio de gráficos e
tabelas, como também avaliados criticamente, uma vez que nem sempre o sentimento que eles tentam indicar
nos textos era compatível com os dados presentes nos próprios registros.
4 Cedral possui dois estações ferroviárias. Uma mais antiga, na área central da cidade, que funciona hoje como
Câmara Municipal, e outra mais recente, que será apresentada no quadro a seguir.
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Quadro 1 – Estação ferroviária de Cedral, 2019
Sem
Cedral 1912 Mediano5
uso
5Essa classificação foi formulada com base na comparação material do próprio conjunto percorrido, para o qual
se determinou a seguinte escala: bom (edificação parece passar por manutenção com certa frequência e não
apresenta indicativos relevantes de danos em sua matéria), mediano (edificação necessita de reparos pontuais,
mas não apresenta danos aparentemente graves) e ruim (edificação apresenta estado delicado de conservação,
com danos numerosos e preocupantes, em alguns casos próxima à condição de ruína).
6 População estimada em 2019.
7 A inscrição relata também o local de produção das peças: “Leme – SP”.
8 Empresa inglesa de aço e ferro que se de destacou no cenário internacional nos séculos XIX e XX.
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Imagens
Fachada acesso principal
Interior
Exterior
Plataforma
Piso interno
Mobiliário
9A utilização dos trilhos como elemento estrutural nas plataformas aparece em pelo menos mais duas estações
desse trecho de que se tem conhecimento: Ecatu e Cosmorama.
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Quadro 2 – Comparativo dos tijolos das estações da EFA
Fundação da
Localidade Tijolo
estação10
Araraquara 1898
Catiguá 1910
Matão 1899
Uchoa 1911
10 Até o momento, não foi possível saber com exatidão a data das edificações atuais, por isso optou-se por
trabalhar com a dada de fundação delas, tal como informadas pelos documentos.
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possuíam olarias próprias ou encomendavam peças a olarias particulares com suas
inscrições. No caso de Matão, a edificação pode ter sido construída com tijolos
comprados da Companhia Paulista, uma vez que elas se comunicavam na cidade
vizinha de Araraquara, ou pode ter acontecido algum tipo de negociação com uma
olaria que produzia peças com o emblema dessa empresa.
Diante desse comparativo, procurou-se realizar um segundo confrontamento,
com as telhas, para se entender o tipo utilizado nessas construções e se seriam
produzidas pelos mesmos fabricantes dos tijolos. Assim, tais peças podem ser
observadas no quadro a seguir:
Telha de
Araraquara 1898 cerâmica do tipo
francesa
Telha de
Bueno de
1898 cerâmica do tipo
Andrada
francesa
Telha de
Catiguá 1910 cerâmica do tipo
francesa
Telha de
Cedral 1912 cerâmica do tipo
capa e canal
Telha de
Engenheiro
1912 cerâmica do tipo
Schmitt
capa e canal
Telha de
Santa
1901 cerâmica do tipo
Ernestina
francesa
Telha de
Uchoa 1911 cerâmica do tipo
francesa
11 Não foi possível encontrar informações mais detalhadas sobre as olarias mencionadas nas telhas.
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relatam a dificuldade de obter tijolos de qualidade para as obras tanto do primeiro
trecho até Taquaritinga como, também, do prolongamento até Rio Preto.
Por outro lado, com base nas localidades mencionadas nas telhas, algumas
regiões do interior do estado de São Paulo pareciam apresentar uma indústria
cerâmica mais consolidada nesse período, como é o caso de Rio Claro, que tem
telhas produzidas em seu município presente em três estações distintas do trecho da
EFA investigado.
Com o objetivo de confirmar que as olarias fabricantes das telhas estariam, de
fato, próximas às linhas férreas que elas mencionam nas peças, realizou-se uma
outra pesquisa a partir das cidades em que as telhas teriam sido produzidas para se
atestar essa informação (Quadro 5).
13No museu, encontram-se vestimentas de ex-funcionários, mobiliário, fotos antigas e alguns equipamentos de
uso ferroviário. Não há nenhuma documentação referente à EFA.
14 “Arnaud Etienne – St. Henri Marseille” e “Saccoman Freres – St. Henri Marseille”
15O relatório técnico para as obras de recuperação de estações ferroviárias no estado de São Paulo, realizado
em 1978 e coordenado pelo Prof. Nestor Goulart Reis Filho, apresenta um inventário pormenorizado de algumas
estações paulistas. Tal estudo foi apresentado à Fepasa pela Planart S/C – Planejamento e Arquitetura LTDA.
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Quadro 6 – Comparativo do revestimento de pisos internos
Fundação da
Localidade Piso interno Descrição
estação
16Pelo fundo da imagem é possível ver a cor original avermelhada, que fica encoberta pela sujeira de tom
escuro.
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São José do Piso cerâmico hexagonal
1912
Rio Preto vermelho
Conclusão
PINTO, A. A. História da viação pública em São Paulo. 2. ed. São Paulo: Estado
de São Paulo, 1977. (Coleção Paulística, 2).
AFONSO, ALCILIA.
RESUMO
O artigo possui como tema, o resgate documental do patrimônio moderno através do uso de
ferramentas digitais, tomando como estudo de caso, um projeto não construído do arquiteto Acácio
Gil Borsói, que seria implantado no bairro de Santo Antônio, em Recife, em 1955: o Museu de Arte
moderna de Recife. O projeto foi publicado no jornal “A Folha da Manhã”, em uma coluna dominical
produzida pelo IAB.PE/ Instituto de Arquitetos do Brasil/ Seção Pernambuco- , e nela continha um
pequeno texto explicativo sobre o projeto, com os esquemas de desenhos das plantas baixas dos três
níveis, uma maquete física, uma perspectiva feita à mão de autoria do arquiteto e a fachada principal
com acesso à paisagem do rio Capibaribe. O objetivo do artigo é analisar arquitetonicamente a obra,
simulando virtualmente a sua construção através do uso da plataforma BIM, gerando um novo
material documental, baseado naqueles desenhos publicados no jornal dos anos 50. Justifica-se
apresentar os resultados dessa pesquisa em andamento nesse evento, pois traz à tona, o diálogo
contemporâneo sobre a relação das investigações arquitetônicas com as novas tecnologias, que
podem e devem apoiar proposições na área do chamado” patrimônio inteligente”, tema que também
será abordado no artigo. A metodologia da pesquisa realizada adotou duas linhas: 1) A de
reconstrução do objeto arquitetônico (Piñón, 2005), que através da coleta em fontes primárias e
secundárias redesenha todo o projeto arquitetônico através das ferramentas digitais, produzindo um
novo e rico material documental para possibilitar a análise do objeto; 2) A de análise das dimensões
arquitetônicas da obra (Afonso, 2019), abordando as questões normativas, históricas, espaciais (do
lugar e da solução do programa em planta), tectônica (estrutura, cobertura, peles, detalhes e
materialidade), funcional (sintática, pragmática e semântica) formal e de conservação. Através do
texto serão apresentados os resultados da pesquisa em andamento que vem sendo desenvolvida
pelo grupo de pesquisa arquitetura e lugar/ GRUPAL da UFCG/ Universidade Federal de Campina
Grande.
O projeto foi publicado no jornal “A Folha da Manhã”, em uma coluna dominical produzida
pelo IAB.PE/ Instituto de Arquitetos do Brasil, seção Pernambuco, e nela continha um
pequeno texto explicativo sobre o projeto, com os esquemas das plantas baixas dos três
níveis, uma maquete física, uma perspectiva feita à mão, de autoria do arquiteto, e a
fachada principal com acesso à paisagem do rio Capibaribe.
O uso das ferramentas digitais interagindo programas como Autocad, Revit e Adobe
Photoshop proporcionam uma realidade virtual que possibilitam uma compreensão e
apreensão do objeto arquitetônico, de forma crítica e construtiva, trabalhando com desenhos
bidimensionais e tridimensionais mais precisos, que fornecem as condições para a
reconstrução virtual do projeto, adotando materialidades presentes nas soluções
construtivas e tectônicas do arquiteto na década de 50, em Recife.
Justifica-se apresentar os resultados dessa pesquisa em andamento nesse evento, pois traz
à tona, o diálogo contemporâneo sobre a relação das investigações arquitetônicas com as
novas tecnologias, que podem e devem apoiar proposições na área do resgate documental
através da utilização de ferramentas digitais.
A produção do arquiteto carioca radicado em Recife foi objeto de estudo de várias teses
doutorais (Afonso, 2006), mas de forma inédita, vem sendo enfocado em estudos realizados
pelo grupo de pesquisa Arquitetura e Lugar da UFCG, que desenvolve atualmente, entre
outras investigações- um trabalho de reconstrução virtual da obra do arquiteto, que tanto
influenciou profissionais no nordeste brasileiro.
Quanto ao aporte teórico, sabe-se que documentar é um ato essencial para a preservação
(ICOMOS, 1996), uma vez que permite fazer com que se desenvolvam o crescimento e a
compreensão do patrimônio cultural, de seus valores e de sua evolução.
O autor da obra
Como informação inicial, faz-se necessário tecer algumas observações referentes ao autor
da obra: o arquiteto Acácio Gil Borsói.
Borsói nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 1924, no bairro do Engenho Velho, sendo o
caçula de uma família de três irmãos. Desde a adolescência, trabalhou com o pai, Antônio
Borsói, designer de móveis e autor de projetos de reforma e interiores, como a "Confeitaria
Colombo", o "Palácio da Guanabara", o "Cinema Iris", que despertou no adolescente, o
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interesse pelo ofício de projetar, experimentar e detalhar em madeira: “fazer, fazendo,
associado ao conhecimento foi apurando o domínio sobre a obra e a construção, a
aplicação de novos materiais e sistemas construtivos tão presentes na obra do arquiteto ”.
(BORSOI E WOLF, 1999, p. 36).
Depois de graduado em 1949, trabalhou por dois anos no Serviço do Patrimônio Histórico
Nacional/ SPHAN, tendo como superiores Rodrigo de Melo Franco e Lúcio Costa,
experiência que lhe permitiu receber de forma direta a influência do pensamento de Costa
em temas como a preservação cultural e produção de uma arquitetura brasileira moderna,
que Borsói anos depois, aplicaria na sua prática projetual, realizando a união conceitual por
meio da adoção de uma linha racional voltada para o regional.
No final de 1951, após dois anos que se formara, e estava realizando alguns projetos
pequenos na cidade do Rio de Janeiro, resolveu aceitar o convite de seu ex-professor Lucas
Mayerhofer para ir trabalhar como professor na cidade de Recife, na disciplina de Pequenas
Composições do curso de Arquitetura da Escola de Belas Artes.
Apaixonado pela arquitetura e pelo ofício, não se limitava às atividades de ensino, que
considerava circunstanciais, mas que duraram vinte e oito anos. Borsói dizia “Não sou
professor, sou um arquiteto brasileiro, do terceiro mundo, que vive o dia a dia, e, portanto,
para sobreviver, dependo do meu trabalho".(BORSOI. 2005. s/p)
Borsói sempre esteve atento à questão tecnológica relacionada ao trabalho dos arquitetos,
afirmando que os seus instrumentos de trabalho em relação ao desenvolvimento de
tecnologia eram a racionalização, a coordenação modular e o conhecimento dos processos
de construção, de maneira geral.
Sua arquitetura foi mais influenciada pela de Reidy e Niemeyer do que pela
de Lúcio Costa, mas ela se destaca pelo cuidado particular na escolha dos
materiais, onde um papel importante é atribuído ao uso de tijolos e madeira,
como complementos de estruturas de concreto armado e painéis de vidro.
(BRUAND.1981, p. 146)
Nos anos 50, ao atuar em Recife, projetou dezenas de residências unifamiliares que foram
os seus primeiros projetos na cidade, com destaque para as casas Lisanel de Melo Mota
(1953), Luciano Costa (1953), Casa do arquiteto (1954), complexo residencial do Banco
Hipotecário Lar Brasileiro (1954), conhecido por conjunto da Praça Fleming; Casas José
Almeida (1955), Francisco Claudino (1956), Dulce Mota (1958) e Anelise Poluzzi (1958),
entre outras (AFONSO, 2006).
Na década de 1950, o arquiteto foi um dos pioneiros na cidade em projetos não somente de
edificações residenciais, mas também de edifícios multifamiliares (Edifício União, 1953), e
de uso misto, como os Califórnia (1953), Caetés (1955). Além de obras privadas, projetou
algumas edificações públicas no período em estudo, como o Hospital das Urgências (1951),
e o projeto para o Museu de Arte Moderna (1955) que não chegou a ser construído, e que
será aqui analisado.
Segundo Dantas (2006, p.7), “o mestre Acácio Gil Borsoi desenvolveu um repertorio único
próprio, cujos conceitos centrais baseiam-se na excelência técnica e na experimentação
forma l”. Em seus diversos trabalhos no nordeste e em demais regiões brasileiras, “levou ao
limite as possibilidades construtivas dos materiais locais, transformando o programa mais
simples da arquitetura em emocionantes realizações”, conforme escreveu o arquiteto e
professor Ney Dantas (2006, p.7).
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A documentação projetual
O acesso à documentação do projeto se deu de uma maneira espontânea, ao estar
coletando em 2003, o material para a minha tese doutoral (Afonso, 2006) que tratava sobre
a consolidação da arquitetura moderna me Recife durante os anos 50. Pesquisando nos
jornais da época, encontrei uma coluna dominical no jornal “A Folha da Manhã”, escrita por
Edison Lima, então presidente do IAB/PE, intitulada “Arquitetura” (figura 1) que divulgava
semanalmente e aos domingos, notícias sobre o cenário arquitetônico nacional e local.
Nessa matéria de dezembro de 1955 foram publicados alguns esboços feitos pelo arquiteto
como uma perspectiva, as plantas baixas dos três níveis, a fachada principal, e uma
fotografia da maquete acompanhada de um pequeno texto que explicava o projeto:
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O trabalho que publicamos hoje é de autoria do arquiteto Acacio Borsói, e
destina-se ao museu de Arte Moderna do Recife. Trata-se de um amplo e
moderno edifício, dotado de três pavimentos, a ser construído às margens
do rio Capibaribe, em frente ao Grande Hotel. Neste edifício haverá, no
pavimento térreo, onde se encontram os pilotis, apenas um depósito,
recuperando-se a área, coberta para jardins e abrigo, de um modo em geral.
No primeiro pavimento, haverá uma ampla sala de exposições, um auditório
para 110 espectadores e dois sanitários. No segundo pavimento, uma sala
de exposições, outra de trabalhos, uma pequena sala de reuniões, uma
para reproduções, a secretaria, um gabinete sanitário e um depósito. Além
disso, um grande balcão, voltado para o rio Capibaribe” (Folha da Manhã,
1955).
O texto forneceu pistas sobre onde seria implantado o projeto, “ às margens do rio
Capibaribe” em frente ao Grande Hotel: atualizando a informação para os dias atuais, seria
no conhecido “Cais do Imperador”, defronte a um antigo e importante hotel da cidade, o
Grande Hotel- localizado no bairro de Santo Antônio. A partir dessa informação foi possível
se analisar o lugar da obra projetada, tratando da análise espacial externa ao objeto, e seu
entorno.
Além dessa pequena matéria jornalística, alguns autores pernambucanos fizeram referência
ao projeto, como Amorim (2003, p.68) que escreveu que “ muitos projetos institucionais
nunca deixaram o papel e alguns, provavelmente, configurariam objetos importantes na
paisagem da capital”. Logo em seguida, Amorim coloca que “o polêmico Museu de Arte
Moderna do Recife (1955), projetado por Borsói em aterro sobre o Rio Capibaribe, próximo à
Praça Dezessete, seria importante palco para realizações culturais”.
Nesse mesmo texto, Amorim explica que usar a área de terreno sobre o leito do rio
Capibaribe motivou seu questionamento e arquivamento, complementando que o desejo de
se projetar e construir um espaço apropriado para abrigar exposições artísticas recifenses
só foi possível através de outro projeto - o da Galeria de Arte do Recife – que foi construído
no mesmo bairro de Santo Antônio, contudo em outra região, na Rua do Sol.
Através da pouca documentação coletada sobre o projeto nas fontes citadas anteriormente,
a pesquisa arquitetônica sobre a obra teve seu desenvolvimento com o desafio de
reconstrui-la virtualmente. Para tanto, utilizou-se um material já trabalhado por Afonso
(2006, pp. 642-647) que inseriu a obra em sua tese doutoral, analisando-a como produção
importante do arquiteto nos anos 50, redesenhando o material projetual em Autocad, e
construindo imagens tridimensionais do mesmo através do programa Skecthup, que
proporcionou uma melhor compreensão do edifício.
Em 2021, quinze anos após a pesquisa doutoral, tal estudo foi revisitado devido a um
projeto de um livro a ser produzido pelo grupo IFORM da ETSAB /Escola Técnica Superior
de Barcelona, que terá como título “ Arquitecturas no construídas” que está em fase de
elaboração, e que a autora desse artigo participará apresentando os resultados da
reconstrução virtual dessa obra.
Assim, para a análise arquitetônica da obra foi adotada a metodologia usada por Afonso
(2019), conforme foi visto na introdução desse artigo- que trata sobre a análise das
dimensões, mas que devido à mesma não haver sido construída, serão consideradas
apenas àquelas voltadas para a discussão histórica, espacial, formal, funcional e tectônica.
Como trata-se de uma “arquitetura não construída”, a dimensão tectônica que se refere à
construção, simulará uma materialidade baseada em outras obras construídas pelo arquiteto
nos anos 50, usando seu vocabulário arquitetônico para compreender o que teria sido esse
projeto se houvera sido executado.
1. Dimensão histórica
Algumas questões foram levantadas sobre o projeto do Museu de Arte Moderna de Recife,
arquitetura não construída- após ter acesso às fontes documentais primárias. Quem havia
encomendado o projeto ao Borsoi? Por que tal projeto não foi construído? São as primeiras
indagações da pesquisa, que direcionou a leitura sobre as artes plásticas em Recife nos
anos 50.
Importante colocar que a Sociedade de Arte Moderna do Recife, fundada em 1948, nasceu
de um encontro entre um jovem escultor, Abelardo da Hora, e um já renomado Hélio Feijó,
ambos artistas plásticos (o último também arquiteto).
Silva (2017,p. 82) explica que “os anos de 1950 são significativos para pensar os caminhos
traçados por artistas - que em sua maioria eram jovens naqueles anos – para propor uma
representação de uma arte produzida em Pernambuco”.
A SAMR era composta por intelectuais e artistas plásticos renomados, tanto na cidade de
Recife, quanto no país e no exterior, como por exemplo, Augusto Reinaldo, o qual
desenhara o emblema da sociedade; Lula Cardoso Ayres; Francisco Brennand; Reynaldo
Fonseca, o grande sociólogo Gilberto Freyre, entre tantos nomes de peso no cenário
regional e brasileiro.
Sem adentrar na discussão do cenário artístico local, mas consciente do papel sociocultural
da classe frente aos políticos locais, sem dúvida, pode-se afirmar que pode ter havido uma
“pressão” da classe por um espaço digno para expor as artes plásticas recifense que se
sobressaía no cenário brasileiro por sua qualidade, seus representantes e sua produção
potente.
Dessa forma, trabalha-se com a hipótese que atendendo a uma demanda da classe artística
em busca de apoio político municipal, Acacio Gil Borsói, projetou o edifício para sediar o
Museu de Arte Moderna de Recife.
Outro ponto importante nessa discussão, é observar que a construção dos espaços museais
pode ser entendido como “resultante dos desdobramentos do que teria representado a
Semana de Arte Moderna de São Paulo em 1922, enquanto acontecimento”, conforme
colocou Sousa (2014) em sua dissertação de mestrado sobre o ateliê coletivo em espaços e
trajetórias.
O MASP/ Museu de Arte de São Paulo (1947), que anos depois de sua fundação foi
implantado na nova sede em projetada por Lina Bo Bardi (1958-68), e do MAM-SP/ Museu
de Arte Moderna de São Paulo, de autoria de Oscar Niemeyer(1954), dá-se no período em
que as relações entre o Brasil e os Estados Unidos estreitam-se, conforme esclareceu
Lourenço (1999, p. 21): “Os museus e suas edificações são projetados enquanto espaço
para que o público brasileiro tivesse uma maior aproximação com os trabalhos dos artistas
do país, como também de obras até antes não vindas ao Brasil, por falta de espaços
museais adequados”.
Tal cenário incentivou a criação pelo Brasil de novos espaços para as obras artísticas
modernas, havendo um maior apoio em relação às atividades culturais, fazendo surgir uma
nova realidade, a qual será o despontar de galerias em grande parte dos estados brasileiros.
Após essa breve explanação histórica sobre o que causou a elaboração do projeto do MAM
do Recife, será visto a seguir, a análise do lugar no qual seria implantado o projeto.
O bairro de Santo Antônio está implantado uma das ilhas que configuram a cidade de
Recife, ao lado do bairro de São José, e interligado via pontes com a Ilha do Recife.
Naquela época era uma área de efervescência sociocultural, de acordo com o projeto
“Obscuro Fichário” – composto por vários cinemas, como o Glória, Ideal, Trianon, Art
Palácio, Royal; Dois teatros (Santa Isabel e o Marrocos); um cineteatro (Moderno); uma
distribuidora de filmes nacionais (Urano); a sede da Rádio Tamandaré.
No setor hoteleiro era uma referência urbana, pois estavam ali implantados, sete hotéis de
grande e médio porte (Grande Hotel, e os hotéis Modelo, Universo, Avenida, Recife Hotel,
Universal, Glória, Nabuco), além de pensões.
No local de sua implantação já existia a Praça Dezessete, uma das mais tradicionais da
cidade e que homenageia a Revolução de 1817, possuindo desde 1927, uma bela escultura
que se trata do “Monumento português à aviação”, em homenagem aos aviadores Gago
Coutinho e Sacadura Cabral, comemorativo à sua primeira travessia aérea do Atlântico Sul,
em 1922.
A Praça Dezessete está relacionada em seu entorno imediato- tanto à Igreja do Divino
Espírito Santo quanto ao Cais do Imperador e ao antigo Grande Hotel de 1938, hoje Fórum
Tomaz de Aquino. Em 1936, o paisagista Roberto Burle Marx desenvolveu um projeto para
ela e seu entorno, que foi reconhecido por Decreto Municipal nº 29.537, de 23 de março de
2016, como um dos 15 “Jardins Históricos de Burle Marx” da cidade do Recife.
Nesse trecho do rio havia também o conhecido Bar Flutuante que fez história na cidade, e
foi construído nos anos 1950, entre as pontes Maurício de Nassau e Buarque de Macedo
que interligam o bairro de Santo Antônio com a Ilha do Bairro do Recife. O local que se
assemelhava a uma balsa, foi fechado no final de 1959, pois seu uso começou a entrar num
processo de degradação.
Entretanto, a escolha de Borsói para implantar o projeto do Museu neste lugar foi bastante
criticada na época, conforme colocou Amorim (2003, p.68), pois a área estava sujeira às
enchentes constantes do rio, além de “ocupar” indevidamente a paisagem natural do
mangue. Inclusive, alega-se que esse foi um dos motivos do projeto não haver sido
construído.
Mas, particularmente, observou-se que a questão financeira também deve ter pesado nessa
decisão por parte da Prefeitura, pois em documentos sobre a SAMR (Sousa, 2014, p. 96),
sempre estava presente a falta de apoio financeiro da instituição para dar andamento aos
seus projetos e programas.
Prova disso, é que nos dias atuais, nessa mesma área, existe o conhecido Cais do
Imperador, que recebeu um tratamento paisagístico e arquitetônico para servir de apoio
turístico, dotado de um café e uma praça com mirante para contemplação da paisagem
ribeirinha. Um local com uma paisagem deslumbrante, de onde pode-se observar a
paisagem do rio, as pontes, com seu mangue, e o Bairro histórico do Recife com seu
conjunto arquitetônico.
Atualmente, no entorno do local, o edifício do Grande Hotel, em estilo Art Déco, que teve
grande importância no cenário local durante décadas, sedia o Fórum de justiça Thomaz de
Aquino, e a Praça Dezessete está semiabandonada, servindo de abrigo para moradores de
rua, apesar ter recebido constantemente intervenções para seu uso adequado.
Não há como, não imaginar, como seria bonito, se houvera sido construído, o Museu ali
implantado. E por isso, a reconstrução virtual está trabalhando com tal simulação para
idealizar o projeto nesse lugar, que possuiria uma excelente qualidade arquitetônica,
urbanística e paisagística.
Figura 2: Redesenho do material projetual. Fonte: Thayane Duarte/ Grupal. UFCG. 2021.
No segundo e último pavimento, que foi projetado como um mezanino, estaria outro espaço
destinado às exposições, ao setor administrativo com sala para diretoria, secretaria,
reuniões, depósito, reproduções, além de um balcão corrido que serviria de mirante com
vista para o rio. Observa-se ainda, que Borsoi criou uma circulação interna paralela à
fachada desse último pavimento, como maneira de proteger climaticamente o espaço da
incidência solar da fachada leste.
Dessa maneira, observa-se que o espaço interior seria totalmente transparente, integrado,
além da relação intensa entre interior/ exterior, devido à proposta das esquadrias da fachada
leste que seriam em painéis envidraçados, trabalhado com planos de madeira em persianas,
permitindo a integração com a vista do Río e da paisagem local.
Figura 3: Reconstrução virtual do projeto explicando a sua dimensão tectônica. Fonte: Montagem da
autora através das imagens geradas por Thayane Duarte/ Grupal. UFCG. 2021.
Como elemento especial teria um balcão corrido com vista para o rio Capibaribe que seria
protegido por um peitoril em uma peça única em madeira, possuindo como proteção
climática, brises horizontais, também projetados em madeira.
Naqueles anos, Borsoi usava muito a madeira, e possuía como hobby executar alguns
detalhes para pôr em prática nas suas obras. No projeto aqui analisado, observa-se o uso
Apesar de não ter sido construída, observa-se a clara intenção de relação com recursos
plásticos adotados pelos seguidores da escola carioca, principalmente, uma forte influência
do arquiteto Affonso Reidy em sua obra para o Colégio Brasil Paraguai (1952) presente no
texto sobre esse edifício construído na cidade universitária (Affonso Reidy, 2000, pp. 156-
161).
Como Borsoi trabalhou com Reidy no Rio de Janeiro antes de sua ida para o Recife,
observa-se uma influência forte de elementos empregados pelo mestre carioca na sua
produção, com pontos convergentes, tais como: o pavimento térreo tratado com pilotis e
praça coberta, com permeabilidade visual espacial entre interior /exterior, com vistas para o
rio e proporcionando uma ampla coberta para convivência dos usuários.(Affonso Reidy,
2000, p.156), além da forma trapezoidal do volume com empenas cegas e uma modulação
estrutural sistemática que também demonstra tais influências.
Conclusão
Através desse processo, pode-se constatar o quanto foi interessante e rica a simples
documentação jornalística dos anos 50, que proporcionou o desenvolvimento do projeto
que daria forma ao Museu de Arte Moderna do Recife e os seus valores arquitetônicos que
muito podem contribuir para o aprendizado de produção de uma boa arquitetura, através
dessa obra não construída do mestre Acacio Gil Borsoi.
Figura 4: Reconstrução virtual da obra. Fonte: Montagem da autora através das imagens geradas por
Thayane Duarte/ Grupal. UFCG. 2021.
Affonso Eduardo Reidy. Lisboa: Editora Blau. Instituto Lina Bo Bardi. 2000.
BORSOI, Marco Antônio e WOLF, José. Documento: Acácio Gil Borsoi. Revista
Arquitetura e Urbanismo, Nº84,pp. 35-41.1999.
LOURENÇO, Maria Cecília. Museus acolhem o Moderno. São Paulo: EDUSP, 1999.
PIÑÓN, Helio. El proyecto como (re) construcción. Barcelona: Edicions UPC. 2005
RECHES, Magdalena; DIARTE, Julio Cesar. Helio Piñon. Entrevista, São Paulo, año 11, n.
043.03, Vitruvius, sep. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/11.043/3494>.
Resumo
Belo Horizonte foi fundada dois anos após a invenção do cinema. Ao longo de sua história, a cidade
vem desempenhando um importante papel na área de produção, guarda e preservação de acervo
fílmico. Neste contexto, gestores públicos criam, em 1995, o Centro de Referência Audiovisual - CRAV.
A instituição tem como objetivo preservar e disponibilizar acervos fílmicos bem como incentivar a
produção audiovisual e cinematográfica da sociedade local, regional e também nacional. Atualmente, é
conhecido como Museu da Imagem e do Som de Belo Horizonte e ocupa um casarão tombado na
região central, correspondendo a um rico e democrático corredor cultural para a cidade.
Posteriormente, pretende-se construír um prédio anexo nos terrenos aos fundos do imóvel. O anexo, o
casarão e o entorno irão compor o conceito básico que integrará a coexistência do passado histórico
com a modernidade tecnológica, proposta pelas novas mídias. O projeto arquitetônico do prédio anexo
iniciou-se em uma pesquisa acadêmica, necessitando intervir o mínimo no imóvel tombado. Ganhou
corpo, conteúdo e qualidade, alcançando um significativo nível de excelência (ver apêndice - no final
desta publicação), com reconhecimento internacional. Possui inúmeros conceitos e particularidades,
devido à localização e os aspectos arquitetônicos, construtivos, estéticos e sustentáveis do
empreendimento..
Belo Horizonte foi inaugurada em 1897, dois anos após a invenção do cinema. Ao longo de
sua história vem desempenhando um papel importante na área de produção, guarda e
preservação de acervo fílmico, uma vez que serviu de cenário aos diversos movimentos
audiovisuais que contaram com as inovações de suportes tecnológicos, para o registro
documental e ficcional da cidade.
A capital mineira tem sido palco de inúmeros longas-metragens que vem alterando a rotina de
endereços tradicionais como, a Praça da Liberdade, o Parque Municipal, o Viaduto da
Lagoinha, prédios públicos e ruas de bairros como Lourdes, Santa Tereza, Cidade Jardim,
Santa Efigênia e Nova Suíça. Estes diversos cenários existentes em Belo Horizonte, além de
uma série de outros fatores, têm sido atrativos para a produção cinematográfica na cidade.
2.1) Introdução:
Dentro deste contexto, agentes e gestores públicos, por intermédio de várias iniciativas do
governo cria, em 1995, o Centro de Referência Audiovisual – CRAV. A instituição tem como
objetivo preservar e disponibilizar acervos fílmicos, bem como incentivar a produção
audiovisual e cinematográfica local, além de desenvolver políticas descentralizadas de
formação de recursos humanos e de novos públicos.
Nos últimos anos, a instituição municipal vem desenvolvendo um intenso trabalho voltado
para incentivar a doação, aquisição e produção de imagens em movimento, resultando num
dos mais importantes acervos do Estado. São imagens em variados suportes, retratando o
desenvolvimento da cidade, sua história e a construção de sua identidade.
3) A FASE ATUAL**:
A edificação, de 1927, foi projetada pelo arquiteto mineiro Luis Signoreli, um dos fundadores
da Escola de Arquitetura da UFMG e o seu primeiro diretor. O imóvel é um belo exemplar da
arquitetura residencial que se fazia na década de 20 em Belo Horizonte.
3.2) O entorno:
Encontra-se na Avenida Álvares Cabral parte do conjunto tombado pelo Patrimônio Histórico e
Urbano de Belo Horizonte. Neste contexto, a sede da Mediateca integra ao traçado da cidade,
compondo um importante corredor cultural. Num raio de circunferência de 2 Km estão
concentrados: bibliotecas, centros culturais, museus, teatros, mercado central, palácio das
artes, parque municipal e outros relevantes patrimônios culturais. Representa uma
oportunidade ímpar para a revitalização de todo um conjunto urbano tombado da cidade.
A ocupação da Mediateca por uma edificação da década de 20 tem como principal objetivo
preservar esse patrimônio. E também aproximar e intercalar diferentes linguagens
interagindo-se com os demais centros de referências, históricos e culturais existentes nas
imediações, além de construir uma rica e democrática fruição cultural para a cidade.
**Dados fornecidos pelas Coordenações de Projetos e Pesquisa e de Acervo do CRAV e pela Gerência de
Patrimônio Histórico Urbano da Prefeitura de Belo Horizonte (Plano Museológico e de Ocupação da Mediateca de
Belo Horizonte).
Após a conclusão da obra, será transferido para o anexo, todas as instalações presentes no
casarão na primeira fase. Além disto, sediará salas para cursos e profissionalização,
biblioteca, café/bar, loja especializada, pátio para exposições e uma sala de projeção para
filmes. E, principalmente, salas de reserva técnica que vão armazenar todo acervo da
instituição, as quais serão climatizadas e precisarão de um tratamento arquitetônico especial.
Nos primeiros traços de estudo do projeto para o prédio anexo, procurou-se enfatizar três
elementos fundamentais para a implantação do empreendimento: o entorno, o casarão
tombado e o prédio anexo. Estes se relacionam entre si, formando um todo: a Mediateca.
- Ocupação de todo o casarão, evitando deixar espaços ociosos (tanto no porão como no
pavimento térreo) na edificação, como sendo o Museu da Imagem e do Som de Belo
Horizonte;
Sendo um projeto complexo, onde há intensa demanda tanto pública – envolve diversos tipos,
raças, etnias, classes e níveis sociais; como da própria instituição foi necessário elaborar
todos os modos para um melhor resultado final.
No 1º pavimento do anexo (nível do porão do casarão), o acesso público é feito pelo ponto
mais baixo do terreno em relação à rua. Assim, este acesso forma uma extensão, um
prolongamento do passeio público, criando-se uma unidade visual entre ambos.
Esta continuidade do passeio permite o acesso ao anexo e também ao casarão por meio da
passagem exclusiva que une ambas edificações ao lado da área descoberta do bar/café,
obedecendo às normas do “desenho universal”.
Entrando pela parte pública está o foyer principal (Figura 04), que se separa da sala de
exibição por meio da circulação vertical (escadas e elevadores) e dos sanitários. Logo em
frente encontra-se a área para exposições temporárias a qual pode ser visto do foyer de
entrada como também do alpendre do casarão. A sala de exibição, inicialmente para 100
pessoas, tem acesso direto pela entrada de público como também pela de funcionários. Da
saída de emergência, entra-se na área de exposições temporárias. O duplo pé direito do foyer
de entrada com fachada de vidro é para preservar a visada do entorno para quem está na
varanda do casarão e na sacada do anexo (Figura 04). Ainda no térreo do anexo, há o setor
de serviços atrás do auditório.
No segundo pavimento do anexo (nível térreo do casarão), tem-se o café bar, também todo
revestido com vidro (com o mesmo objetivo de manter a visibilidade do entorno), o qual
prolonga-se numa área descoberta, até a varanda posterior da casa tombada (Figura 06 a 08).
Deste prolongamento entra-se no museu físico, que ocupa algumas salas do casarão. Ao lado
desta área descoberta, há a passagem que dá acesso exclusivo do anexo ao casarão
casarão ao anexo, sendo separada do café por meio de muxarabis.
Uma das únicas intervenções no casarão foi transformar a janela lateral da casa em uma porta
de acesso ao anexo, bastando para isto apenas tirar o peitoril da janela. Preservou-se assim,
escadas do anexo. No mesmo eixo desta entrada para o casarão pode-se acessar o alpendre
referido anteriormente.
consulta do acervo da instituição e a área de cursos e profissionalização. Esta última pode ser
destinada tanto para o aperfeiçoamento dos técnicos do MIS BH (Antigo CRAV), como
.
Fonte: Igor, 2005, Plano Diretor – CRAV
No quarto pavimento encontra-se toda a parte administrativa do museu. Há ainda uma sala
para cada uma das coordenações de Acervo, Produção Técnica e de Projetos e Pesquisa.
Do quinto ao sétimo pavimento encontram-se as áreas de acesso restrito que, por se tratar de
questão técnicas, é permitido somente profissional treinado e capacitado para as atividades
realizadas. Nestes pavimentos é onde funcionará o laboratório audiovisual, a estação de
trabalho, além do espaço destinado ao condicionamento do todo acervo físico.
Nestes pavimentos, não há aberturas para o exterior, em virtude das condições técnicas de
trabalho exigidas, que devem receber condições especiais de climatização. Do mesmo modo,
através dos revestimentos externo e interno utilizados (painéis de placa cimentícia e de gesso
acartonado, respectivamente) e por meio da climatização especial, consegue-se as condições
mínimas para a preservação e recuperação do acervo fílmico.
Visando à total ocupação do casarão, reservou-se alguns cômodos do térreo do imóvel para
relações extra-muros: um às reuniões externas e outro destina-se a Associação Amigos do
Proporciona, ainda, maior limpeza, maior racionalização e redução do canteiro de obras, por
ter um acesso não muito fácil à via pública. A leveza da estrutura metálica (e dos painéis de
revestimento), permite ainda fundações mais baratas, menor secção dos pilares e menor
altura das vigas.
Partindo do conceito básico da instituição (um passado histórico com uma atualidade
tecnológica), o uso da estrutura metálica interna aparente serve como referência da
modernidade em relação ao casarão do início do século XX, construído em alvenaria de tijolo
maciço. Esta estrutura metálica poderia ser externa aparente. Porém, neste caso, o prédio
daria maior destaque na paisagem em relação ao casarão, o que não atenderia o 4º subitem
descrito no projeto arquitetônico citado anteriormente. Daí, surgiu a idéia da fachada em pele,
lisa, a ser discutida a seguir (Figura 05 e 06).
5) CONCLUSÃO:
O desenvolvimento do projeto foi marcado por uma intensa pesquisa das necessidades
exigidas pela instituição.
Fonte: Igor, 2005, Plano Diretor – CRAV - Elaborada por Aquiles M. Lobo.
Fonte: Igor, 2005, Plano Diretor – CRAV - Elaborada por Aquiles M. Lobo.
É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio, para fins comerciais. A
violação dos direitos de autor (Lei n˚ 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.
(*) Publicação da revista Pensar BH - Ano I - n º 3 - Dezembro / 2002 – Elaborado por Neander de
Oliveira Cézar - Diretor do CRAV - Prefeitura de Belo Horizonte
(**) Dados fornecidos pelas Coordenações de Projetos e Pesquisa e de Acervo do CRAV e pela
Gerência de Patrimônio Histórico Urbano da Prefeitura de Belo Horizonte (Plano Museológico e de
Ocupação da Mediateca de Belo Horizonte).
7) REFERÊNCIAS (TIPOGRAFIA):
- Igor Cavalcanti Brant – Setembro 2005 – Plano Diretor – Centro de Referência Audiovisual de Belo
Horizonte - CRAV/BH;
- Neander Oliveira Cezar – Diretor do CRAV - Publicação da revista Pensar BH - Ano I - n º 3 -
Dezembro / Prefeitura de Belo Horizonte;
GEPHU - 2003 - Gerência de Patrimônio Histórico da Prefeitura de Belo Horizonte – Plano de
Ocupação da Mediateca de BH;
- Daniela Giovana - 2003 – Coordenadora de Acervo do CRAV – Centro de Referência Audiovisual de
Belo Horizonte – Plano Museológico de BH.
8) APÊNDICE:
- Ou através das pranchas técnicas do Projeto Arquitetônico completo, do Plano Diretor do Centro de
Referência Audiovisual de Belo Horizonte. E do Plano de Negócios, elaborados pelo referido
profissional, para a implantação do Museu da Imagem e do Som de Belo Horizonte. E a dissertação a
ser desenvolvida posteriormente, para a instituição nos próximos anos.
RESUMO
O ladrilho hidráulico se destacou como um dos mais recorrentes revestimentos de piso no mundo
ocidental a partir da Revolução Industrial, dadas as suas vantagens funcionais e estéticas. No Brasil,
tal revestimento foi recorrente a partir do final do século XIX, quando edificações tanto institucionais
como residenciais sob a influência do ecletismo francês ocuparam as superfícies parietais dos novos
eixos viários das grandes cidades do Sudeste do país. Na primeira metade do século XX, a cidade da
Parahyba, atual João Pessoa, foi igualmente contemplada por edifícios com tal tipo de piso,
sobretudo na área que hoje corresponde ao seu Centro Histórico. Este elemento estrutural, e
ornamental, teve grande aceitação no período em questão, caindo em desuso na segunda metade do
século devido ao aparecimento de pisos mais modernos e de fácil manutenção. Este trabalho
apresenta os resultados de uma pesquisa de Iniciação Científica (PIBIC) em desenvolvimento no
Laboratório de Pesquisa Projeto e Memória (LPPM) do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da
UFPB, tendo como objetivo precípuo registrar a presença do ladrilho hidráulico em edificações do
Centro Histórico da capital. A pesquisa se justifica pela carência de estudos referentes ao objeto em
tela, o qual vem sendo suprimido dos edifícios onde foram aplicados, para dar lugar a pisos
modernos, face ao completo desconhecimento de seu valor histórico por parte dos proprietários dos
imóveis e da sociedade de um modo geral. O ensaio foi desenvolvido a partir de uma cuidadosa
revisão da literatura sobre ecletismo e sobre ladrilhos, seguida da identificação in loco e registro
fotográfico dos imóveis que apresentam tal patrimônio como revestimento de piso. Na sequência, os
dados obtidos foram processados, e foram eleitos doze imóveis devido ao seu diversificado repertório
de ladrilhos, sendo o mesmo analisado quanto às suas propriedades. O trabalho culmina com a
elaboração de um quadro resumo com as especificidades das peças no tocante à sua natureza, aos
tipos de desenhos, e sua dependência, ou não, de pares para conformar diferentes estampas. Os
resultados atestam a importância que têm os ladrilhos como revestimento de piso nas edificações
analisadas. Sua identificação, registro e catalogação tornam-se, portanto tarefa imperiosa para que tal
legado seja reconhecido, cadastrado e tombado como patrimônio histórico de peso.
“O mosaico ocupa uma posição muito distinta nas artes decorativas, isto é, nas obras
procedentes do desenho e cujos modelos são obras de artistas. Está intimamente ligado à
grande arte da arquitetura, sem a qual não pode existir.... “
Mesmo sendo fabricado em larga escala, e sua confecção estando muitas vezes
ligada à mera reprodução de catálogos de motivos, prática que muitos estudiosos
consideram gerar um esvaziamento da arte, seu valor histórico não fica comprometido, já
que os valores ascendentes de consumismo e do individualismo estão ali representados
(PAIM, 2000).
Para melhor entender o referido patrimônio bem como registrar sua presença na
antiga cidade da Parahyba (atual João Pessoa), este trabalho está estruturado segundo tres
partes além da presente introdução. Primeiramente são apresentados os antecedentes
históricos gerais do ladrilho hidráulico desde a Antiguidade até a Revolução Industrial, por
serem basilares para o entendimento do artefato. Em seguida são tecidas considerações
sobre o produto em plagas brasileiras a fim de dar as bases para a seção seguinte, que trata
de sua introdução na capital paraibana, onde, apesar de serem identificadas a priori vinte e
duas edificações providas de ladrilhos, apenas oito são estudadas neste trabalho devido a
apresentarem um total de trinta e nove diferentes tipos do revestimento. O quadro resumo
acima citado é apresentado no final do ensaio, antecedendo as considerações finais.
Outra técnica que teria inspirado os ladrilhos foi aquela dos mosaicos, onde eram
expressos mitos e feitos histórico que eternizaram os gregos e romanos. Especula-se que a
prática chegou a Roma através de Sula, no período da República, quando ele convocou
diversos artífices gregos para a realização desses trabalhos. Também se comenta que a
técnica ganhou popularidade no tempo de Plínio. Já os mosaicos historiados, que viriam a
ter forte influência na arte bizantina, eram muito utilizados nos prédios públicos, e os nobres
igualmente os empregavam para ornamentar suas moradias (ZOBI, 1853).
As evidências atestam que o ladrilho hidráulico também teria sido influenciado pelo
cosmatesco, um estilo geométrico de ornamentação de superfície produzido nos séculos XII
e XIII. A técnica teve tal denominação por estar associada ao trabalho dos arquitetos da
família Cosmati, palavra que advém do grego e significa “belo”. No entanto, também são
considerados artistas de outras famílias, que foram contemporâneos deles, e apresentaram
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
trabalhos similares aos dos Cosmati, sendo que os elementos formais mais recorrentes nos
referidos mosaicos os guilhoches (PIRO, 2008).
É interessante destacar que a afirmação de Gombrich (1950), que arte pode ser
expressa mesmo quando limitada a padrões de formas geométricas e abstratas, como
aquelas feitas pelos mulçumanos, parece também se aplicar ao cosmatesco, quando Piro
(2008, p. 371-373, tradução nossa) assim se refere a um mosaico da Abadia de
Westminster: “Essa realidade tridimensional é o tetramorfo, que consiste nas quatro
criaturas híbridas, que representam os evangelistas ao redor do Paraíso ou a representação
simbólica de Cristo como um círculo”.
Após grande lacuna temporal, no final do século XVIII e início do século XIX, a fase
dos revivalismos arquitetônicos que, entre outras vertentes, favorecia o estudo das igrejas
medievais, propiciaria a retomada da produção de ladrilhos encáusticos, sobretudo para a
restauração dessas igrejas (DURBIN, 2005). Nesse período, os avanços da técnica avindos
da Revolução Industrial já ensejavam a fabricação do ladrilho com uso do cimento moderno,
material básico para sua produção segundo as novas demandas, quando a arquitetura
eclética o adota como solução de revestimento de pisos, e o conduz para outras plagas,
incluindo o Brasil.
Ainda que não houvesse grande número de europeus com destino à Paraíba,
houve presença estrangeira, porém pontual, sobretudo para trabalhar em filiais de empresas
internacionais, ou profissionais graduados para oferecer serviços (GALIZZA, 1996; MARIZ,
1980). Alguns deles contribuiriam no campo da arquitetura, como Di Lascio e Giovani Gioia.
Para um melhor entendimento desta pesquisa, foi produzido um mapa onde estão
localizados os edifícios identificados com ladrilhos hidráulicos como revestimento de piso.
Os eixos viários onde os mesmos se encontram são destacados com cores, e indicados na
legenda (Figura 1). Foram identificados vinte e dois imóveis providos de ladrilhos, porém,
devido à grande variedade de peças por edificação, só são analisados oito edifícios, estando
os mesmos indicados através de números no mapa. É importante destacar que todos os
imóveis possuem mais de um tipo de ladrilho; um deles apresenta dez tipos diferentes.
O recorte espacial da pesquisa é delimitado, grosso modo, a oeste pela Rua Maciel
Pinheiro, norte pela Av. Dom Vital, leste pela Praça da Independência, e sul pela Rua José
Peregrino (Figura 1). Os ladrilhos são analisados a partir dos oito imóveis onde se
apresentam, sendo estes identificados de 4.01 a 4.08. A análise do ladrilho contempla seu
desenho (geométrico, orgânico ou misto), sua dependência (se precisam de outros para
formar desenhos), sua coloração e a natureza de sua superfície (liso ou em relevo).
7º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação
06 a 08 de outubro de 2021
Figura 1. Mapa do recorte do Centro Histórico com localização dos imóveis estudados em seus
respectivos eixos viários
Foram identificados oito tipos de ladrilhos no prédio: cinco, tipo padrão, e três de
borda, os quais são aqui apresentados por peça e por agrupamento. Considerando os
desenhos dos mesmos, dois são autossuficientes, isto é, possuem figura completa que não
demanda outras peças para formar desenhos (L2 e L4). Três ladrilhos requerem outros para
formar desenhos completos (L1, L3 e L5), e três são de borda (LB1, LB2 e LB3). Sua
disposição no interior do edifício é adotada por ambiente (Figura 2).
O ladrilho L1 forma uma cruz com estrela de oito pontas no cruzeiro quando
agrupado em quatro, e quadrados de dois tamanhos diferentes entrelaçados como elos de
uma corrente, quando lidos a partir de dezesseis peças agrupadas superior e inferiormente.
O ladrilho L2 apresenta como desenho central, uma cruz grega com braços curtos.
As extremidades da peça são providas de folhas que, quando agrupados quatro ladrilhos,
formam uma espécie um quadrifólio. As cores exploradas são o grafite e o vinho.
O ladrilho LB1 constitui peça de borda usada em composição com o L2. Apresenta
desenho orgânico que, quando agrupado com seus pares, forma, na junção com eles,
espécie de balaustres. Sua parte central exibe contornos organicos como recheio entre os
tais ‘balaustres’.
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Figura 2. Academia de Comércio, Imóvel nª 228 e Núcleo de Arte Contemporânea
O ladrilho LB2 constitui uma peça de borda usada em composição com o ladrilho
L3. Seu desenho se completa por agrupamento linear formando espécie de guilhoches.
Como já foi dito, remete à Babilônia (Fig. 2), mas também foi reproduzido na Grécia Antiga e
na Idade Média, particularmente no cosmatesco (PIRO, 2008).
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O ladrilho LB3 é usado com o L1, onde quadrados nas cores vinho, amarela e
verde dispostos na diagonal, e em fila, são limitados por faixas que dão o tom da borda.
Área adicional do terraço norte apresenta outro tipo de ladrilho (L7), peça orgânica
autossuficiente com desenho de flor de cinco pétalas com detalhes laranja em fundo branco.
No alpendre norte, é encontrado o ladrilho L9, com desenho misto, único a ser
utilizado de forma adjunta com peça complementar, que possui as bordas iguais, mas sem o
ornamento floral central. No contorno do espaço é utilizado o ladrilho de borda LB5,
composto por desenho floral central, faixas com gregas nas partes superior e inferior e
barras e círculos entre as flores.
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O ladrilho L10, orgânico e dependente, com desenho expresso nas cores verde-
escuro, dourado e vinho, forma diferentes padrões quando agrupado em quatro e dezesseis.
Os ladrilhos de borda LB7 e LB8 são muito parecidos, com motivos geométricos
semelhantes: quadrados alinhados dispostos na diagonal limitados superior e inferiormente
por faixas retilíneas. A diferença está nas cores utilizadas (alternadas entre preto e branco),
no tamanho dos quadrados e nas espessuras das faixas. São usados junto com o L11.
A igreja situada na esquina da Rua das Trincheiras com a Avenida João Machado
tem data de construção incerta. Apresenta traços barrocos nas molduras das aberturas e no
frontão recortado com curvas e contracurvas de sua fachada oeste (Figura 3).
Figura 3. Igreja de Lourdes, Comando da PM, Associação Comercial, Hotel Globo, Igreja do Carmo
Situado entre as praças Pedro Américo e Aristides Lobo, o edifício teve sua
construção iniciada em 1853 para servir como teatro, possuindo traços neoclássicos. Em
1929 passou por reforma que lhe conferiu estilemas neocoloniais (Figura 3).
O ladrilho de borda LB12 é usado em conjunto com o ladrilho L17 (Figura 3).
Apresenta desenho geométrico similar, onde a cor cinza pastel remete à sombra produzida
pela perspectiva da peça tridimensional, no caso, os cubos, que ligados linearmente fazem o
contorno dos ambientes.
Localizado na esquina da Rua Maciel Pinheiro com a Rua João Suassuna, o prédio
tem marcas indeléveis do ecletismo na arquitetura em vigor no início do século XX,
destacando-se os elementos clássicos na sua harmônica composição, como frontões,
cornijas e frisos gregos (Figura 3). O edifício, distribuído segundo vários cômodos,
apresenta três tipos de ladrilhos: dois do tipo padrão (L18 e L19), e um de borda (LB13).
Situado na Praça São Frei Pedro Gonçalves, na Cidade Baixa, o Hotel Globo é um
exemplar icônico de arquitetura eclética da capital paraibana. Disposto segundo dois blocos,
um térreo e um de dois pavimentos, o edifício detém elementos formais alusivos ao Art
Nouveau, ao clássico, e ao barroco (Figura 3). O bloco de dois pavimentos apresenta, no
salão do pavimento térreo, dois tipos de ladrilhos: um padrão (L20), e outro de borda (LB14).
O antigo restaurante do hotel apresenta ladrilho tipo padrão (L20) com desenho
geométrico na diagonal que, agrupado em quatro, forma quadrados com cruz no centro.
5. QUADRO RESUMO
Uma vez analisados os trinta e nove ladrilhos hidráulicos distribuídos em oito dos
vinte e dois imóveis identificados no recorte espacial adotado neste trabalho – vinte e tres
ladrilhos tipo padrão e dezesseis ladrilhos de borda – foi concebido um quadro resumo do
patrimônio levantado, onde são indicados o número total de ladrilhos analisados, seu tipo:
padrão ou de borda; seus motivos: orgânicos ou geométricos: e seu potencial de
composição: autossuficiente ou dependente (Figura 4).
Conclui-se que quanto aos tipos de ladrilhos – padrão ou de borda – não houve
equivalência dos mesmos; os de tipo padrão somaram 23, correspondendo a 59% do total, e
os de borda, 16 peças, que correspondem a 41% do total estudado. Considerando primeiro
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o ladrilho tipo padrão, com relação à autossuficiência dos motivos, a predominância ocorreu
com peças de desenho incompleto, dependente de pares para formar estampas,
correspondendo a 61%; quanto às padronagens a maior recorrência foi do motivo
geométrico (56%) em detrimento daquele de motivo orgânico (22%) e misto (22%). Quanto
às estampas dos ladrilhos de borda, também ficou evidente a preferência pela estampa
geométrica (69%), seguida daquelas de raiz orgânica (25%), e da mista (6%).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim, além do número total de imóveis onde foram detectados ladrilhos hidráulicos
que não puderam ser aqui analisados por conta do grande volume de informações, várias
outras questões ainda permanecem irresolutas, a exemplo das fábricas de ladrilhos que
supriam as demandas da cidade, bem como as lojas que comercializavam o artefato à
época. Tal quadro sugere que a pesquisa apenas foi iniciada, devendo ter continuidade não
apenas para atender essas demandas pendentes, mas também para consolidar o
reconhecimento desse patrimônio artístico/arquitetônico cujos exemplares, por estarem
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sendo continuamente dilapidados, já se expressam como retraços de um revestimento de
piso preferido de uma época.
REFERÊNCIAS
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pietre dure che si eseguiscono nell'I. e R. stabilimento di. 2ª. ed. Florença: Stamperia
granducale, 1853.
RESUMO
As Corredeiras do Bem-Querer são quedas d’água, que serpenteiam grandes blocos rochosos
durante o verão roraimense, localizadas no município de Caracaraí, aproximadamente 120 km da
capital Boa Vista, no centro sul do Estado, à margem direita do Rio Branco. A paisagem deslumbrante
integra o Patrimônio Cultural Brasileiro, protegido pela Lei nº 3.924/61, em defesa de seus bens
arqueológicos como as pinturas rupestres e as peças cerâmicas encontradas na região. Além disso,
trata-se também de um patrimônio natural por suas características paisagísticas de valor relevante e
qualidades representativas. Todavia, em 2012 esse bem foi destombado diante dos interesses
políticos de construir uma hidrelétrica próxima a região. Esse fato imprime o iminente risco de:
destruição dos vestígios arqueológicos dos antigos povos que ali habitaram; ameaça a existência do
rico ecossistema local; perda do potencial do turismo ecológico em Caracaraí como fonte de renda
para a população. Em razão disso, este trabalho visa debater acerca da importância da preservação
desse bem natural e cultural para a conservação e documentação da história local. A discussão toma
como base a Recomendação de Paris de 1962 e a Carta Patrimonial de Lausanne de 1990, que
direcionam o assunto para a proteção da beleza e do caráter das paisagens e para a proteção e
gestão do patrimônio arqueológico. Assim, objetiva-se apresentar um viés crítico e embasado para
justificar a preservação das corredeiras e dos seus vestígios arqueológicos.
Cidades como Caracaraí, que nasceram às margens de rios, apropriam-se do meio natural
de maneira que provocam transformações na sua paisagem. Essas mudanças podem ser
caracterizadas pela inserção ou retirada de elementos em prol do desenvolvimento e
crescimento local. Tal situação não é diferente às margens das Corredeiras do Bem-Querer,
que sofrem com ações humanas que por vezes agridem os bens naturais do local.
Sob enorme risco de destruição, esse sítio não só evidência a história do Estado, como
também compõe uma rica paisagem natural, de beleza exclusiva da região. Ademais, a
construção da hidrelétrica teria como resultado o alagamento de uma região muito maior do
que as corredeiras, podendo afetar, inclusive, a capital Boa Vista. Seria como a Balbina de
Roraima.
Diante disso, este trabalho visa apontar a importância da preservação das Corredeiras de
Bem-Querer para a conservação da história local e da paisagem natural. Para isso, se
baseia na Carta Patrimonial de Lausanne, de 1990, que dispõe acerca da proteção de bens
arqueológicos, e na Recomendação de Paris, de 1962, que aborda medidas de proteção
aos bens de paisagem natural.
Não obstante, o artigo critica os impactos que podem ser causados com a construção da
hidrelétrica, além de apresentar as alterações que o bem já enfrenta diante da ação
humana. Uma análise da ocupação do espaço é feita, com o intuito de promover uma
Uma das primeiras ocupações no Estado de Roraima se deu à margem esquerda do rio
Tacutu, em seu ponto de junção com o rio Uraricoera, onde foi estrategicamente construído
o Forte São Joaquim, no século XVIII, pelo Capitão Phelippe Frederico Sturm. Acreditava-se
que este ponto era um local apropriado para a vigilância e controle da região, o qual foi um
marco para o início da ocupação por estrangeiros onde hoje é o território de Roraima.
Outro importante rio que compõe a bacia hidrográfica do Estado é o Rio Branco. Este
também teve importante papel na ocupação do território, uma vez que funcionou como eixo
facilitador para o povoamento nas duas principais cidades, a capital Boa Vista e o município
de Caracaraí. Essa ocupação surgiu após uma estratégia da coroa portuguesa em povoar o
vale do rio Branco através de aldeamentos.
Todavia, essa política foi fracassada e assim surgiu um novo plano, que se configurou na
ocupação através da pecuária, onde Boa Vista tornou-se a principal fazenda à margem
direita do rio Branco e Caracaraí transformou-se em um local de descanso dos condutores
de gado. Nesse período, Caracaraí ainda era o antigo município de Moura, pertencente ao
Estado do Amazonas, de acordo com o Decreto – Lei Estadual nº 176, de 1º de dezembro
de 1938. Em 13 de setembro de 1943, pelo Decreto – Lei Federal nº 5812, Caracaraí
passou a fazer parte do Território Federal do Rio Branco (atual Estado de Roraima) e assim
permaneceu até o ano de 1955, quando foi desmembrado do município de Boa Vista pela
Lei Federal nº 2.495, de 27 de maio de 1955.
Após sua emancipação, Caracaraí inicia-se apenas como um local de embarque de gado
para a capital do Amazonas. Todavia, com a apropriação dessa área pelos portugueses
para o desenvolvimento de atividades pecuárias, a região sofreu diversas mudanças na
paisagem por meio da retirada da floresta e do frequente pisoteio do gado na área
desmatada.
A análise do traçado urbano de Caracaraí também apresenta um viés patrimonial, uma vez
que ainda hoje especula-se que a cidade tenha sido projetada pelo renomado arquiteto
Sérgio Bernardes. Nascido em 9 de abril de 1919, Sérgio Wladimir Bernardes graduou-se
em arquitetura em 1948, pela Faculdade Nacional de Arquitetura (FNA) do Rio de Janeiro.
Ele é considerado um dos maiores arquitetos da segunda geração de modernistas cariocas
e durante esse período é importante considerar o andamento dos Planos
Desenvolvimentistas na Amazônia, que provocou a contratação, pelo Governo Federal, de
profissionais modernistas de todo o Brasil para atuarem na região norte do país.
Sabe-se que Sérgio Bernardes é autor do projeto da Prefeitura de Caracaraí, que apresenta
traçado decagonal em um lote octogonal. O edifício é uma construção modular de trapézios
que quando se unem formam um decágono com a parte central aberta para um grande
espelho d’água. De acordo com o projeto, esse espelho d’água deveria ser repleto de peixes
de espécies locais e promover um microclima interno para o edifício, a fim de proporcionar
melhor conforto ambiental. Todavia, atualmente o edifício apresenta apenas o espaço vazio
sem o espelho d’água para refrescar e aprimorar a estética da construção.
É diante dessa premissa que se supõe que o projeto da cidade de Caracaraí também tenha
sido feito pelas mãos de Sérgio Bernardes, uma vez que se pode observar o traçado de
quadras octogonais ao longo de todo o eixo principal da malha urbana. A semelhança de
projetos de Bernardes, como o “Rio do Futuro” e a Prefeitura de Caracaraí com o desenho
urbano do município marca uma forte suspeita de que ele seja o autor. Essa repetição da
forma poliédrica, desde a arquitetura à cidade como um todo, configura o princípio de
Bernardes que:
Já as Corredeiras do Bem-Querer, tema central deste trabalho, foi um dia tão protegida
quanto o Viruá e a Serra da Mocidade, quando foi tombada pela Emenda Constitucional nº
021, de 06 de maio de 2008. Todavia, atualmente prevalece sobre a região interesses
políticos para a construção de uma hidrelétrica que provocará a perda dos bens
arqueológicos contidos no local e a destruição da paisagem e ecossistema natural. Diante
disso, o trabalho foca a partir de agora em abordar o patrimônio arqueológico e natural de
Caracaraí, delimitado pelas Corredeiras do Bem-Querer, a fim de apontar sua importância, o
risco que sofre e as medidas cabíveis para a proteção do mesmo.
De acordo com RIBEIRO (2007), em 1937 foram criados quatro livros do tombo como
instrumento legal de tombamento para o Serviço do Patrimônio Histórico de Artístico
Nacional (SPHAN), sendo eles: o Livro do Tombo Histórico; o Livro do Tombo de Belas
Artes; o Livro do Tombo das Artes Aplicadas; e o Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico
e Paisagístico. Este último demarcou a relevância que os bens de natureza paisagística e
arqueológica tiveram como patrimônio nacional.
As Corredeiras de Bem-Querer se enquadram nesse último caso, por seu teor arqueológico
e paisagístico. No local, é possível encontrar centenas de vestígios impressos nas rochas
banhadas pelo rio, marcadas por bacias de polimento que caracterizam depressões sobre a
rocha, realizadas pelo homem para elaborar instrumentos em pedra polida, bem como
peças cerâmicas e gravuras de pigmento avermelhado (Figura 1) (Figura 2).
(b)
(b)
“A julgar pela quantidade de vestígios existentes na beira d’água, estima-se que
deve ter sido um local de ocupação contínua e prolongada” (DIAS; CAMPOS, 2016). Tal
evidência possibilita um amplo leque de estudos sobre a civilização que habitou a região,
bem como seus costumes, crenças e cultura. É uma riqueza única para os registros
Contudo, o local vem sofrendo com ações humanas que negligenciam o artigo 3º da Lei nº
3.924/61, uma vez que
Isso porque o bem conta com a presença de um bar-restaurante cujos fregueses não tomam
os devidos cuidados com a região. Sob parecer técnico do IPHAN, foram constatadas áreas
de desmatamento, escavações e despejo de lixo que, além de prejudicarem a flora local,
removem, danificam ou destroem vestígios cerâmicos dos seus locais de origem (Figura 3).
Essa atividade configura-se como crime contra o Patrimônio Nacional e, como tal, punível de
acordo com o disposto na legislação penal, segundo o artigo 5º da Lei nº 3.924/61.
Segundo DIAS; CAMPOS (2016), o Movimento Puraké afirma que a construção do lago da
hidrelétrica alagaria uma região de aproximadamente 560 km², além de atingir cinco
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municípios circundantes: Iracema, Mucajaí, Boa Vista, Cantá e Bonfim. Não obstante,
resultaria no alagamento de um trecho da BR-174 e da estrada Perimetral Norte. O prejuízo
seria enorme em propriedades rurais às margens do rio e nas praias, além de prejudicar a
sobrevivência da fauna local e dizimar as evidências arqueológicas.
Com análise sobre isso e diante de outras ideias apresentadas pela Recomendação de
Paris de 1962, como a de que a ação do homem não repercute apenas no valor estético,
cultural e vital da paisagem, mas também no interesse científico oferecido pela vida
selvagem, torna-se cabível a aplicação das diretrizes dispostas nesse documento para a
salvaguarda das Corredeiras do Bem-Querer.
b) Construção de estradas.
g) Poluição do ar e da água.
j) Campismo.
Além do controle geral por parte das autoridades competentes, a opção de letra E é a mais
interessante para o caso de Bem-Querer. Assim como os outros atrativos naturais de
Caracaraí, como o Viruá e a Serra da Mocidade, Bem-Querer poderia ser transformado em
Outra medida muito relevante é a educação patrimonial, que “deveria ser empreendida
dentro e fora das escolas para despertar e desenvolver o respeito público pelas paisagens e
sítios e para tornar mais conhecidas as normas editadas para garantir sua salvaguarda”
(Recomendação de Paris, 1962). Assim, seria possível despertar na população um
sentimento de dever para com o bem, a fim de respeitá-lo e preservá-lo, além de considera-
lo importante agente cultural na formação do homem e sua identidade.
Por esse motivo, é imprescindível a proteção dos bens arqueológicos de Bem-Querer, que
ainda precisam ser mais estudados e pesquisados para decifrar e registrar parte da história
do povoamento em Roraima. Essa história é conhecida desde meados do século XVIII, mas
faltam informações acerca de períodos anteriores a este, e são os vestígios encontrados em
Bem-Querer uma importante ferramenta para abrir caminho nessa investigação. “É
amplamente aceito que o conhecimento das origens e do desenvolvimento das sociedades
humanas é de fundamental importância para a humanidade inteira, permitindo-lhe identificar
suas raízes culturais e sociais” (Carta de Lausanne, 1990).
Para isso, a proteção do patrimônio arqueológico deve ser fundada em uma análise
multidisciplinar, composta por uma equipe de especialistas com arquitetos, historiadores,
antropólogos, arqueólogos e outros profissionais de diferentes disciplinas. Políticas de
Ao mesmo tempo que um espaço dessa paisagem de Caracaraí pode ser voltada para o
turismo ecológico, os locais onde houver vestígios arqueológicos podem ser resguardados
por meio de reservas para salvaguarda e estudo. Assim, podem ser feitos inventários que
registrem e documentem os bens encontrados na região, de maneira que:
Por fim, o sítio arqueológico de Bem-Querer também pode ser apresentado à população a
fim de despertar o interesse pela história dos seus antepassados e promover uma
consciência social a respeito da importância desse bem para a construção da identidade de
um povo, para que assim se compreenda a relevância de preservar e proteger esse
patrimônio. “A apresentação do patrimônio arqueológico ao grande público é um meio de
fazê-lo ascender ao conhecimento das origens e do desenvolvimento das sociedades
modernas” (Carta de Lausanne, 1990).
As potencialidades de Bem-Querer
Essa atividade se caracteriza como a principal, pois, a partir dela, pode-se desenvolver uma
consciência cultural com a população local, bem como os visitantes de outras regiões, a fim
de repassar a história de seus antepassados e difundir a ciência de que esse bem precisa
Logo, com a aplicação do turismo arqueológico, demais exercícios podem ser desenvolvidos
na área, sob a observância de se manterem afastados dos locais que carregam evidências
históricas. Um deles é o turismo ecológico, uma vez que a região permite a prática de pesca
esportiva, caiaque, canoagem, banho ou simplesmente a contemplação da natureza (Figura
4).
Por fim e tão importante quanto as demais, a área apresenta grande potencial para o
desenvolvimento de pesquisas científicas que explorem as propriedades de sua rica fauna e
flora. A biodiversidade da região é de caráter único do estado de Roraima, e pode contribuir
no desenvolvimento de novos produtos e remédios que assistam as necessidades da
população em geral.
Considerações finais
Referências
DIAS, Ana Paula Reis Santos. Caracaraí-RR: O rio e a cidade – uma paisagem modificada.
2017. 81 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-graduação em
Geografia, Universidade Federal de Roraima, Boa Vista, 2017.
NASCIMENTO, Claudia H. C.; RAMALHO, Paulina O.; FURO, Arleisson F. P.; OLIVEIRA,
Leonardo R. Caracaraí e o olhar de Sergio Bernardes sobre Roraima. In: III Seminário de
Arquitetura Moderna da Amazônia, 2018, Belém.
No ano em que Lina Bo Bardi recebe o Leão de Ouro Especial na 17ª Mostra Internacional de
Arquitetura da Bienal de Veneza, prêmio póstumo concedido pelo conjunto de sua obra, este artigo
propõe o estudo da Igreja do Espírito Santo do Cerrado, em Uberlândia/MG, em seus aspectos
históricos, formais e simbólicos aliados à análise do estado de conservação e levantamento de risco a
incêndios, tema importante frente às recentes perdas do patrimônio cultural edificado brasileiro.
Entende-se que – como documento histórico e artístico – a própria edificação deve ser atenta e
pormenorizadamente analisada de modo a se garantir a adequada conservação e transmissão ao
futuro deste relevante bem cultural da cidade de Uberlândia. O significado e a singularidade que
representam a realização construtiva da igreja e a importância da atuação de Lina Bo Bardi no
cenário nacional no período de sua construção enumeram os critérios para seu tombamento,
decretado pelo IEPHA em 1997 após extensas articulações. Fundamental nas ações de tutela e
salvaguarda, a atual normativa de prevenção e combate a incêndios do Estado de Minas Gerais
adota critérios que muitas vezes não levam em conta a diversidade e a especificidade de cada
edifício, e por vezes tais parâmetros são conflitantes com proposições que visam sua preservação
enquanto documentos históricos e objetos arquitetônicos portadores de valor artístico. Dessa forma, o
que se pretende com este trabalho é contribuir com o amplo debate entre prevenir e preservar,
considerando os riscos e exposições ao fenômeno do fogo e, ao mesmo tempo, a adequada
conservação dos elementos que motivaram a preservação e acautelamento do bem cultural.
Considera-se que a compreensão do bem cultural, em sua realidade atual e em seu devir histórico,
como documento de si mesmo, deva ensejar uma atuação que ultrapasse a generalidade da
normativa e, dessa forma, contribua na elaboração de um projeto de segurança contra incêndio para
a Igreja do Espírito Santo do Cerrado, em Uberlândia/MG, pautado em princípios de intervenção que
respeitem a unidade construtiva e evolutiva do templo, garantindo a manutenção dos valores
históricos, artísticos, culturais e sociais materializados nas soluções projetuais simples e vernaculares
propostas por Lina.
Palavras-chave: Igreja do Espírito Santo do Cerrado; Lina Bo Bardi; segurança contra incêndios em
bens culturais; prevenção; preservação
Ainda na esfera da proteção contra incêndios têm-se a tensão entre preservar a integridade
construtiva desses exemplares e garantir índices mínimos de segurança com a incorporação
eficiente de equipamentos e sistemas preventivos. A título de exemplo, o incêndio que
atingiu o Museu de Arte Moderna no Rio em 1978 constituiu catástrofe sem precedentes1,
onde muito se perdeu do monumento e do seu acervo. Como caso isolado, amplifica a
discussão frente ao poder destrutivo de incêndios nessas edificações, por mais que sejam
edificadas em materiais retardantes ao fogo como o concreto armado. Por outro lado, a
negligência dessa abordagem pode dar espaço a fatores de degradação de proporções
ainda maiores.
1
Investigações apontaram um curto-circuito como a origem mais provável do incêndio. Além da completa
destruição dos componentes modulares internos ao edifício, o fogo consumiu importantes obras de Matisse, Dalí,
Picasso, Miró, Klee, Magrite e Portinari, bem como oitenta telas do artista uruguaio Torres García - destruição
quase que integral da sua obra.
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Os pormenores construtivos e o distanciamento temporal de cada edifício histórico implicam
no desafio de propor diretrizes condizentes com sua historicidade e seus aspectos artísticos
e representativos, onde não se trata somente da integração de requisitos e medidas de
segurança que mitiguem os princípios de incêndio ou potencializem seu combate sob uma
ótica equitativa e análoga de proposições, como apontam as seções da citada Instrução
Técnica, mas que considerem as já citadas distinções e particularidades formais,
construtivas, de uso e ocupação. "Tais medidas podem não ser suficientes para garantir a
proteção da edificação que abriga o patrimônio, seja este histórico, artístico ou cultural, em
função de suas características muito específicas." (Ono, 2004, p. 3).
O enfoque na Igreja do Espírito Santo serve-nos como oportunidade para conceber soluções
menos prescritivas e mais assertivas de prevenção a incêndios e reforça a importância do
entendimento e abordagem desse exemplar como documento histórico a ser preservado,
com o objetivo de estruturar meios preventivos que possibilitem segurança ao patrimônio e à
vida sem descaracterizar sua unidade construtiva.
Elaborar este estudo analítico da igreja a partir dos eixos citados possibilita uma
compreensão mais profunda do objeto de pesquisa, necessária à integração projetual de
segurança contra incêndio. Entende-se que nesta acepção:
Em 1976, o Frei Egídio Parisi pediu a Lina Bo Bardi um projeto para a construção da igreja
em Uberlândia. No primeiro contato entre o Frei franciscano da O.F.M2 e a arquiteta houve a
recusa de Lina. Segundo a arquiteta, sua iniciativa incorreria no risco de ser desfigurada
pela instituição religiosa. Lazzarin aponta em sua dissertação os relatos de Edmar de
Almeida a esse respeito, que elucidam um pouco mais o interesse do Frei italiano pelo
projeto e recusa inicial de Lina:
Uma nova solicitação foi feita, dessa vez intermediada pelo artista plástico Edmar de
Almeida, sob a alegação de que o projeto teria um forte apelo popular e que através de
recursos de organizações católicas poderia ser realizado. A ideia foi acolhida e o projeto
arquitetônico da Igreja do Espírito Santo do Cerrado foi então desenvolvido por Lina com a
colaboração dos arquitetos André Vainer e Marcelo Ferraz. Os parâmetros são definidos a
partir "da ideia das primeiras igrejas do cristianismo, muitas delas de forma circular, onde a
celebração da missa era feita com o sacerdote de frente e não de costas para a
assembleia." (Almeida, 2015, p. 20). Sua definição arquitetônica é de um espaço simples,
implantada em terreno em desnível no bairro Jaraguá, de propriedade dos franciscanos.
Com aporte financeiro da organização católica alemã Adveniat e também por doações, foi
executada por equipe local desde as alvenarias até o arcabouço estrutural em madeira da
cobertura, com aroeiras extraídas do Sítio Santo Antônio e de florestas da cidade de
Canápolis. A comunidade exerceu papel preponderante neste processo através dos
mutirões e têm-se no projeto e na execução da igreja forte apelo popular, ato marcante na
carreira da arquiteta, que diante de uma concepção social e cultural, define:
2
Ordem dos Frades Menores, conhecida por Ordem Franciscana e fundada por São Francisco de Assis.
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Para Bardi a arquitetura deve destinar-se ao povo como instrumento fundamental de
aprimoramento projetual:
Lançando mão das potencialidades do terreno e seus declives, adaptou o partido da planta
para se adequar à topografia, onde cria quatro platôs com setorizações definidas: capela e
campanário, residência para três religiosas, salão de reuniões e campinho de futebol,
preocupando-se em implantar a capela e o campanário no platô mais alto. No programa de
necessidades observa-se o evidente aspecto social a partir de um conjunto edificado
destinado não somente ao culto religioso, mas à convivência, lazer e interação da
população. A implantação dos blocos nos platôs e as formas circulares dos edifícios
assemelham-se a uma engrenagem harmônica e funcional. As soluções construtivas
"aludem aos materiais da região, representando através da arquitetura, a cultura popular,
uma produção característica do lugar e do povo miscigenado do cerrado mineiro." (Silva e
Teixeira, 2014, p. 2).
Figura 1: Planta baixa da Igreja do Espírito Santo do Cerrado. Fonte: Acervo Instituto Lina Bo e
P. M. Bardi.
Os materiais para a construção são os mais assimiláveis ao contexto local, com o que há
disponível na região do Triângulo Mineiro: Os tijolos maciços aparentes advindos das
cerâmicas de Monte Carmelo, as aroeiras do Sítio Santo Antônio e de Canápolis, as pedras
portuguesas do piso extraídas na região de Uberlândia e Araguari. São os materiais
escolhidos pela arquiteta e comunidade, integrados ao concreto aparente do arrimo e pórtico
de acesso à nave da capela.
Lina destaca o trabalho conjunto como o que há de mais importante na experiência projetual
e construtiva da Igreja do Espírito Santo. Longe do escritório, a produtiva proximidade com a
comunidade e equipe possibilitou o desabrochar de uma flor no cerrado3, ainda que a lacuna
das obras artísticas e integradas permaneça em aberto.
O espaço destinado à capela foi concebido como ambiente unificado, com cobertura e
pilares de madeira aparentes. A volumetria circular proposta por Lina evidencia um conceito
metafórico, onde "o símbolo evidencia aqui seu alcance social e místico ao mesmo tempo."
3
A definição poética de Edmar de Almeida para a Igreja do Espírito Santo do Cerrado.
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(Chevalier e Gheerbrant, 1991, p. 250). O círculo como símbolo democrático, ecumênico,
universal. O altar é separado da área da sacristia por parede de alvenaria e o nível é mais
alto em relação ao piso da nave. No sentido oposto encontra-se a porta de entrada da
capela, em madeira treliçada, sob pórtico em concreto armado e alvenaria. A iluminação
natural do altar é possibilitada pelo triângulo demarcado em uma das águas do telhado, em
telhas de vidro, o qual concede um contraste com a penumbra da nave da igreja e promove
sua exaltação. "O triângulo simboliza a divindade, a harmonia e a proporção e pode ter sido
também uma alusão à representação da Santíssima Trindade." (Ibid, 1991, p. 903). O
telhado estrutura-se a partir de um hexágono regular, que distribui a sua carga no círculo
circunscrito pela parede de alvenaria.
A capela é o maior dos três volumes, com área útil de 289,5 metros quadrados, e possui um
raio interno de 9,6 metros. O pé direito varia de 4,3 metros no perímetro demarcado pela
alvenaria a 8,3 metros no ponto mais alto do telhado.
Com a apropriação da igreja pelos padres seculares5, as visões de utilização do espaço não
encontram-se alinhadas aos conceitos da Ordem Franciscana e aos anseios pensados por
Lina e sua equipe para o local, com a inserção de artefatos e paramentos sacros do Santo
Ofício6 e alterações de uso e ocupação dos ambientes internos. Observação importante é
que um dos requisitos do aporte financeiro doado pela Fundação Adveniat era a utilização
4
Pertencente à Segunda Ordem Franciscana, é uma ordem religiosa católica feminina de caráter contemplativo
e adoção ao regime de clausura monástica.
5
A igreja foi doada à Cúria Arquidiocesana de Uberlândia em 1982.
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do espaço das celas como morada das irmãs, que exerceriam junto aos paroquianos
atividades de catequização. Entretanto, as celas são utilizadas hoje como um museu de arte
sacra desconexo, alheio aos princípios basilares da Igreja do Espírito Santo do Cerrado.
Implantado na Avenida do Ipês, o salão exerce função primordial junto à comunidade, como
espaço de encontro, reuniões, oficinas e eventos. Passou por algumas alterações
construtivas, porém a função prevalece. Anteriormente vedado com paliçada a meia altura, a
intervenção foi caracterizada pela remoção desse elemento, substituído por fechamento em
madeiras de eucalipto.
O centro comunitário, assim definido por Lina, está implantado no terceiro platô, em cota
mais baixa em referência à capela, porém a ela conectado pelas circulações verticais no
afastamento frontal. Foi pensado como um espaço metafórico em alusão às ocas indígenas,
simbólico, com piso em chão batido, o contato com a terra, posteriormente revestido pelo
cimento queimado como elemento de piso, mesmo material de acabamento do quiosque.
A planta é livre, estruturada por oito pilares de madeira que compõem os vértices de um
octógono, cada face com dimensão média de 5,0 metros. A área construída é de 130,0
metros quadrados, com cobertura em telhas cerâmicas de capa e canal inseridas em oito
planos triangulares.
6
Consagrada ao Espírito Santo, a igreja não deveria ter vestígios do "Santo Ofício", a exemplo da via-crúcis ou
imagens de Cristo crucificado.
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implicar em desnaturá-la do ponto de vista histórico e estético, ocasionando graves e
irreversíveis danos. São compreensíveis as possibilidades de adaptação e uso na transição
da Ordem Franciscana à Diocese de Uberlândia, porém é essencial o equilíbrio entre ações
que integrem conservação e adequação.
O mesmo raciocínio - equilíbrio entre ações que integrem conservação e adequação - deve
ser levado em conta quanto aos ajustes suscitados por exigências mais recentes, como
acessibilidade, conforto ambiental e segurança contra incêndio.
7
O projeto de arte sacra para o interior da Igreja do Espírito Santo do Cerrado e os temas religiosos
desenvolvidos têm sido definidos por Edmar de Almeida desde 1982 até o presente. A definição dos temas
sacros e a criação dos desenhos tiveram a orientação do teólogo Padre Márcio Gonçalves e aprovação do Bispo
Dom Paulo Francisco. Lina delega a conclusão do interior da igreja ao amigo e artista plástico, como um trabalho
que viria a refletir sua maturação e evolução artística. Assim foram desenvolvidos os temas: O Batismo de Nosso
Senhor Jesus Cristo, A Anunciação à Virgem Maria e O Cântico Gregoriano Veni Creator Spiritus.
8
Caso recente e que suscita o debate foi a pintura dos arrimos em concreto da Igreja, numa tentativa errônea de
suprimir as manchas nesses elementos, mais expostos à umidade e intempéries. No ano de 2018 o pároco
responsável contrariou as diretrizes de intervenção definidas pelo IEPHA e optou pelas pinturas. A
reversibilidade é possível, porém onerosa e danosa a ponto de acelerar possíveis fragmentações das camadas
externas dessas estruturas. O enfrentamento a essa questão suscita um dos maiores desafios na ética de
conservação da igreja.
9
Estabelece os conjuntos documentais expressos na Portaria de Orientações Técnicas e Metodológicas do
IEPHA e detalham os atributos dos conjuntos documentais inerentes aos bens tombados.
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de acesso à nave da capela houve o fechamento dos elementos treliçados por
módulos maciços.
Ainda que enuncie conclusões prévias para a intenção projetual de segurança contra
incêndio na igreja, o produto da análise desenvolvida já aponta para soluções preventivas
passivas, que englobam materiais e medidas que ajudem a aumentar na edificação o tempo
de resistência ao fogo e suas possíveis consequências e evitem que o incêndio se
propague, havendo assim tempo suficiente de evacuação do local pela população. Podem
ser implantadas em detrimento de medidas ativas, como a instalação de hidrantes ou
10
Carga de Incêndio é a soma das energias caloríficas possíveis de serem liberadas pela combustão completa
de todos os materiais combustíveis em um espaço, inclusive o revestimento das paredes, divisórias, pisos e
tetos, dividida pela área de piso do espaço considerado, medida em megajoule por metro quadrado (MJ/m²).
11
O potencial calorífico é definido como a quantidade de energia interna armazenada de uma determinada
substância. A medida dessa energia é feita a partir da combustão, ou queima, de determinado volume dessa
substância em pressão e temperatura constantes.
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sprinklers, a título de exemplo, que podem vir a descaracterizar a integridade estética e
construtiva do bem cultural.
Figura 3: Planta baixa: análise dos fatores de risco (em vermelho) e requisitos de segurança (em
azul) na planta da Igreja do Espírito Santo do Cerrado - Estudo prévio para o projeto de
segurança contra incêndio. Fonte: Acervo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, modificada pelos
autores (2021).
Os cálculos potenciais de risco de incêndio tomaram como base o "Anexo B" da Instrução
Técnica nº. 35 do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, que aborda a metodologia
de avaliação de risco no âmbito da segurança contra incêndio em edificações que compõem
o Patrimônio Cultural.
Conclusão
As ações e esforços que fomentam essa preservação devem passar pelos preceitos de
prevenção, sobretudo a prevenção a incêndios, tendo em vista que nossa história recente
aponta para inúmeras e dolorosas perdas.
Importante abordar esses fatos, pois influem e refletem diretamente nas políticas públicas de
outras esferas, como as estaduais e municipais, por exemplo. Ao lançar o foco na região do
Triângulo Mineiro, são notórias e perenes as perdas do patrimônio cultural edificado,
sobretudo no discurso de crescimento, desenvolvimento e pujança econômica na cidade de
Uberlândia, rebatido nas cidades pequenas pulverizadas no seu entorno. É nesse contexto
de desequilíbrio que se encontra inserida a Igreja do Espírito Santo do Cerrado, apesar da
tutela do IEPHA e do trabalho de agentes que lutam por sua preservação. O risco de
incêndio existe, ainda que meios preventivos básicos estejam instalados.
Referências Bibliográficas
BARDI, Lina Bo; ALMEIDA, Edmar de; FERRAZ, Marcelo Carvalho (Coord.). Igreja Espírito
Santo do Cerrado. Portugal: Editorial Blau, 1999.
BARDI, Lina Bo; FERRAZ, Marcelo Carvalho (Coord.). Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto
Lina Bo e P. M. Bardi e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. RJ: José Olympio, 1998.
CUNHA, Claudia dos Reis e. Restauração: Diálogos entre teoria e prática no Brasil nas
experiências do IPHAN. 2010. 171 f. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da
Arquitetura e do Urbanismo). Universidade de São Paulo, São Paulo.
FERRAZ, Marcelo Carvalho (Org.). Coleção Lina Bo Bardi. São Paulo, Iphan, Senac. São
Paulo, 2015.
LAZZARIN, Ariel Luís. A Igreja Divino Espírito Santo do Cerrado e suas alternativas à
arquitetura brasileira. 2015. 152 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo).
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Instituto de Arquitetura e
Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Carlos.
RESUMO
Este trabalho apresenta resultados parciais de estudos desenvolvidos junto ao projeto de pesquisa
“Arquiteturas Escritas: investigações acerca de princípios e procedimentos de projeto a partir de textos
de autores arquitetos”, que atualmente discute a obra teórica do arquiteto Lucio Costa. O recorte aqui
apresentado tem por objetivo compreender o conceito de “brasilidade” aplicado ao contexto da
arquitetura exposto nos textos de Lucio: seus escritos abordam de forma muito particular os aspectos
que dão aos edifícios modernos desenvolvidos no Brasil feições verdadeiramente brasileiras, fazendo
com que os mesmos possam ser entendidos como produções nativas apesar da internacionalização
inerente à arquitetura moderna. Após a análise textual, utiliza-se o recurso da análise projetual, com o
intuito de dar contornos mais bem definidos ao entendimento do arquiteto: a pesquisa toma como objeto
de estudo a Maison du Brésil, residência de estudantes brasileiros em Paris comissionada a Costa no
início dos anos 1950. A escolha deste exemplar se justifica pelo fato de que o mesmo teria perdido,
segundo Costa, seu “caráter brasileiro” ao longo das tratativas de execução – conduzidas, na França,
por Le Corbusier e seus colaboradores no Ateliê da rue de Sèvres. Assim, a análise do processo de
concepção deste edifício permite que se verifiquem as implicações concretas do atributo “brasilidade”
justamente na medida em que elas são removidas do projeto. A metodologia utilizada consiste,
portanto, na leitura e interpretação da produção teórica de Lucio Costa e de bibliografia secundária
sobre o assunto; na pesquisa e análise de desenhos produzidos ao longo do processo de projeto da
Maison du Brésil, com vistas a remontar a cronologia da composição; no exame da correspondência
trocada entre Lucio e Le Corbusier entre 1953 a 1959, buscando compreender os acontecimentos que
nortearam a tomada de decisões e os impactos de questões mal resolvidas na relação dos dois
arquitetos nos rumos do projeto. Os resultados obtidos reforçam o já consolidado entendimento de que,
para Costa, o sentido de “brasilidade” em arquitetura não se restringe simplesmente a aspectos
palpáveis, como o uso de materiais locais, por exemplo. O arquiteto aponta o termo “graça”, que à
primeira vista pode parecer bastante abstrato, como característica intrínseca ao espírito brasileiro, e o
associa à clareza e à simplicidade. A análise do projeto da Maison du Brésil sob a ótica dos argumentos
de Costa permite concluir que, em matéria de arquitetura, a “graça” pode ser identificada na presença
de formas que, apesar de não necessariamente ortogonais ou “puras”, possam ser facilmente
assimiladas. Ainda, pode-se conferir graça aos edifícios em que as possibilidades estruturais da técnica
moderna são utilizadas para além da rigidez e da regularidade, permitindo alguma liberdade criativa
que dê à composição maior fluidez.
Nos primórdios de sua carreira, Lucio vincula-se à corrente do neo-colonial, mas logo
rompe com o estilo por entender que a brasilidade que se pretende extrair de obras projetadas
com esta abordagem parte da simples imitação de motivos decorativos do período colonial,
como se a ornamentação fosse a essência daquela arquitetura. Para Vasconcellos, o que
Costa buscava era a verdadeira essência:
Para Lucio Costa, a defesa dos cinco pontos de Le Corbusier para o estabelecimento
de uma “nova arquitetura” nunca significou uma ruptura com o passado ou com as “raízes” do
Brasil. Pelo contrário: em seus mais de trinta anos de atuação no Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (SPHAN, atual IPHAN), Costa dedicou-se ao estudo dos bens
arquitetônicos brasileiros desde igrejas e grandes residências de elite até casas populares,
feitas de barro armado com madeira - segundo ele, técnica análoga ao concreto armado dos
edifícios modernos (Costa, 2018, p. 459). Ao estabelecer, ao lado de Rodrigo Mello Franco
de Andrade, as bases para a preservação do nosso patrimônio edificado, Lucio Costa reforçou
sua rejeição a academicismos e a imitações de estilos prontos em prol da busca por uma
modernidade atravessada pela verdadeira história nacional. Modernidade e conservação, à
primeira vista conceitos antagônicos, sempre andaram juntas no contexto do movimento
moderno brasileiro, tanto na arte quanto na arquitetura, conforme o próprio Lucio já
reconhecia:
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No Brasil, tanto em 1922 como em 36, os empenhados na renovação foram
os mesmos empenhados na 'preservação', [...]. Em 1922, Mário, Tarsila,
Oswald e cia., enquanto atualizavam internacionalmente a nossa defasada
cultura, também percorriam as cidades antigas de Minas e do norte, na busca
'antropofágica' das nossas raízes; em 1936, os arquitetos que lutaram pela
adequação arquitetônica às novas tecnologias construtivas foram os mesmos
que se empenharam com Rodrigo M. F. de Andrade no estudo e salvaguarda
do permanente testemunho do nosso passado autêntico. (Costa, 2018, p.
437)
Além dos termos apontados por Harris como reflexos do caráter brasileiro –
“simplicidade”, “liberdade” e “leveza” –, Costa se utiliza de outros como “clareza”, “harmonia”
e, em especial, “graça”, para descrever a “personalidade nacional” expressa não apenas no
MES, mas em todas as obras dos arquitetos que protagonizaram o movimento moderno no
Brasil a partir de então. Esses atributos, que segundo Costa destacam essas obras em meio
à arquitetura moderna internacional, são significativamente abstratos, e é difícil, à primeira
vista, compreender suas implicações arquitetônicas. Desta forma, este trabalho tem como
objetivo dar contornos mais bem definidos ao conceito de brasilidade apresentado na obra de
Costa, que parte dessas noções não necessariamente palpáveis, concretas.
A Maison du Brésil:
o anteprojeto de Costa e as revisões desenvolvidas no Ateliê da rue de Sèvres
O projeto de Costa prevê, distribuídas nos cinco pavimentos tipo, acomodações com
sanitários e duchas individuais para 103 estudantes, além de salas de estudo, cozinhas e
áreas de serviço. No térreo, a recepção, a circulação vertical, a administração, as
dependências do diretor da casa, uma biblioteca, uma lanchonete e uma sala de estar estão
contidos na projeção do edifício. Um volume trapezoidal abriga um ateliê e um volume
semicircular abriga um estúdio para músicos, ambos conectados ao edifício por uma marquise
curva. Na fachada oposta, uma sala de estudos avarandada também se comunica com o
restante do conjunto por meio de uma marquise.
Este traçado mais livre, ondulante, de que Costa se utiliza ao projetar o pavimento
térreo guarda semelhanças com algumas das obras que alçaram a arquitetura moderna
brasileira a um grau de relevância internacional no final dos anos 1930 e no início dos anos
1940, como o Pavilhão Brasileiro na Feira de Nova Iorque e o Conjunto da Pampulha. Uma
vez que o térreo foi o aspecto do desenho de Costa mais desfigurado, posteriormente, pelo
Ateliê da rue de Sèvres, aqui começam a aparecer pistas importantes sobre o que viria ser a
“brasilidade” que, no entendimento de Costa, constava em seu projeto mas lhe foi retirada ao
longo do processo.
A partir desta análise, fica claro que Le Corbusier, já plenamente inserido em sua fase
brutalista, não se identificava mais com as ideias que nortearam o projeto de Costa. No
entanto, os conflitos mal-resolvidos a respeito do Ministério e o ciúme que perpassa o orgulho
do arquiteto europeu em relação ao sucesso dos discípulos brasileiros também são peças
fundamentais no quebra-cabeça da desfiguração do projeto inicial. De acordo com Puppi, Le
Corbusier não desejava validar a contribuição brasileira à arquitetura moderna internacional,
mas também não se prontificou a desenvolver um projeto inteiramente novo para a Casa do
Brasil (Puppi, 2008, p. 164), de modo que não abandonou o desenho de Costa, mas
submeteu-o a correções e ajustes que o tornaram praticamente irreconhecível.
Figura 02: Planta baixa térrea do anteprojeto de Costa; planta baixa térrea da primeira revisão de
projeto do Ateliê. Fontes: Costa, 2018, p. 233; Puppi, 2008, p. 193. Alteradas pelos autores.
Para Costa,
Esta primeira revisão projetual do Ateliê é endurecida, rígida, características que aqui
podem ser tomadas como o oposto de graça. Desta forma, a eliminação do movimento
orgânico das curvas e da sutileza dos pilares de Costa não extingue apenas o dinamismo e a
fluidez da proposta original, mas começa a apagar os traços de nacionalidade da obra. Nas
demais revisões que se seguiram, tais atributos não são recuperados. O projeto é enviado
para licenciamento ainda sem o conhecimento do arquiteto brasileiro a respeito das alterações
feitas. A administração pública faz ressalvas apenas quanto às fundações, que estariam muito
próximas de um aqueduto. O Ateliê faz novas investigações para sanar esta questão e, desta
forma, o projeto sofre uma segunda reformulação.
O projeto final
No final de 1955, Lucio Costa comparece no Ateliê, em Paris, para discutir o projeto
com Le Corbusier. Por quase dois anos, todas as informações acerca de alterações foram
omitidas ao brasileiro que, ao deparar-se com o projeto revisado, se vê na difícil posição de
tentar recuperar ao menos parte da essência de sua concepção original. Contudo, a estas
alturas o desenvolvimento do projeto encontra-se em estágio avançado, já em vias de ser
construído, de modo que há pouco espaço para redefinições mais significativas. Assim, as
discussões com a presença de Costa culminam em mais uma série de estudos e em uma
nova disposição do térreo, mas não são capazes de trazer de volta a leveza das primeiras
ideias do arquiteto brasileiro.
O projeto final do térreo da Casa do Brasil, desenvolvido em suas linhas gerais durante
a estadia de Costa em Paris, dá ao volume voltado para o interior da Cidade Universitária, na
fachada noroeste, uma forma mais simples, trapezoidal. O setor administrativo e os aposentos
do diretor são reorganizados em linha na fachada oposta, em um volume com cobertura
inclinada. Os dois blocos se conectam por meio de um pano de vidro curvo que atravessa os
pilotis. A solução estrutural implementada na segunda revisão projetual é mantida.
Conclusões:
O “estado de graça” e o espírito brasileiro
Trata-se de uma casa feita para Paris, sem dúvida, mas destinada ao governo
brasileiro e a brasileiros e consequentemente não deve ser concebida nem
realizada de maneira a traduzir um espírito e uma intenção que se possa
considerar como anti-brasileiro ou anti-brasileira. Gostamos das soluções
claras e naturais, do que é simples e harmonioso, somos sensíveis à graça.
Não gostamos do que é brutal, rebarbativo, complicado. Os recortes, as
formas angulosas e agressivas nos desagradam. (Costa apud Santos et al.,
1987, p. 274)
Referências bibliográficas
ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropófago. São Paulo: Penguin Companhia das Letras,
2017.
COSTA, Lucio. Registro de uma vivência. São Paulo: Editora 34, 2018.
HARRIS, Elizabeth Davis. Le Corbusier: Riscos brasileiros. São Paulo: Nobel, 1987.
PUPPI, Marcelo. Espaços inacabados: Le Corbusier, Lucio Costa e a saga da Casa do Brasil.
Arqtexto, Porto Alegre, v. 12, 2008.
SANTOS, Cecília Rodrigues dos et al. Le Corbusier e o Brasil. São Paulo: Tessela/Projeto,
1987.
VASCONCELLOS, Eduardo Mendes de. Le Corbusier e Lucio Costa, “le Maître” e o Mestre,
um intercâmbio de saberes. In: 6º seminário Docomomo Brasil, 2005, Niterói. Anais [...].
Niterói, 2005. Disponível em: https://docomomo.org.br/wp-content/uploads/2016/01/Eduardo-
Vasconcellos.pdf. Acesso em: 15 jan. 2021.
No ano em que Lina Bo Bardi recebe o Leão de Ouro Especial na 17ª Mostra
Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza, prêmio póstumo concedido
pelo conjunto de sua obra, este artigo propõe o estudo da Igreja do Espírito
Santo do Cerrado, em Uberlândia/MG, em seus aspectos históricos, formais e
simbólicos aliados à análise do estado de conservação e levantamento de risco
a incêndios, tema importante frente às recentes perdas do patrimônio cultural
edificado brasileiro. Entende-se que – como documento histórico e artístico – a
própria edificação deve ser atenta e pormenorizadamente analisada de modo a
se garantir a adequada conservação e transmissão ao futuro deste relevante
bem cultural da cidade de Uberlândia. O significado e a singularidade que
representam a realização construtiva da igreja e a importância da atuação de
Lina Bo Bardi no cenário nacional no período de sua construção enumeram os
critérios para seu tombamento, decretado pelo IEPHA em 1997 após extensas
articulações. Fundamental nas ações de tutela e salvaguarda, a atual
normativa de prevenção e combate a incêndios do Estado de Minas Gerais
adota critérios que muitas vezes não levam em conta a diversidade e a
especificidade de cada edifício, e por vezes tais parâmetros são conflitantes
com proposições que visam sua preservação enquanto documentos históricos
e objetos arquitetônicos portadores de valor artístico. Dessa forma, o que se
pretende com este trabalho é contribuir com o amplo debate entre prevenir e
preservar, considerando os riscos e exposições ao fenômeno do fogo e, ao
mesmo tempo, a adequada conservação dos elementos que motivaram a
preservação e acautelamento do bem cultural. Considera-se que a
compreensão do bem cultural, em sua realidade atual e em seu devir histórico,
como documento de si mesmo, deva ensejar uma atuação que ultrapasse a
generalidade da normativa e, dessa forma, contribua na elaboração de um
projeto de segurança contra incêndio para a Igreja do Espírito Santo do
Cerrado, em Uberlândia/MG, pautado em princípios de intervenção que
respeitem a unidade construtiva e evolutiva do templo, garantindo a
manutenção dos valores históricos, artísticos, culturais e sociais materializados
nas soluções projetuais simples e vernaculares propostas por Lina.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS - PATRIMÔNIO E VALORES: A
PERSPECTIVA CRÍTICA; A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO: ENTRE O LEMBRAR E O ESQUECER; ATORES E
AGENTES DO PATRIMÔNIO E SUA AÇÃO AO LONGO DO TEMPO;
ARQUIVOS E HISTORIOGRAFIA DA ARQUITETURA: A CONSTITUIÇÃO DO
CORPUS PATRIMONIAL; A EMERGÊNCIA DA CIDADE COMO OBJETO DE
PRESERVAÇÃO; INTERVENÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO PROTEGIDO:
MÉTODOS E PERSPECTIVAS.
A tese defendida por Brandi tinha como fundamento a ideia de que, a partir do
Renascimento, e até o século XIX, haveria frequentemente uma correlação
harmônica e uma continuidade natural entre os objetos arquitetônicos
contemporâneos e o tecido urbano das cidades preexistentes. Isso porque, na
Renascença, o arquiteto passara a projetar motivado pelo método ideal da
perspectiva. Através da busca constante de reduzir o espaço visível ao plano
da pirâmide óptica, o projetista procuraria enquadrar, coerentemente, o novo
objeto arquitetônico às fugas perspectivas da cidade, corrigindo, inclusive, as
imprecisões e falhas da massa edificada. Assim, o novo edifício poderia se
acomodar ao encaminhamento oferecido pelas paredes de fachadas alinhadas
e contíguas, típicas dos núcleos anteriores ao século XX – ou então servir
como enquadramento de fugas perspectivas oriundas do tecido urbano
preexistente, estratégias alcançadas nos mais diversos níveis de
complexidade. Em outra direção, o arquiteto também poderia trazer
monumentos antigos a novos planos perspectivos, sempre no sentido de
transformar o espaço urbano em uma experiência artística contínua e unitária.
As colocações do crítico italiano foram logo apoiadas por outros expertos nas
temáticas da arquitetura, do urbanismo e da preservação; mas as contestações
às suas polêmicas assertivas também foram imediatas e retumbantes, sendo
as mais embasadas devidas aos arquitetos Bruno Zevi e a Roberto Pane –
juízos que serão avaliados nesta comunicação.
RESUMO - EIXO TEMÁTICO 3 – ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO: A
PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO URBANISMO -
A PESQUISA NA ÁREA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DO
URBANISMO; HISTORIOGRAFIA E DOCUMENTAÇÃO: AS FONTES
DOCUMENTAIS E A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA; O
EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO; BIOGRAFIAS: OS ARQUITETOS NA
HISTÓRIA DA ARQUITETURA; DOCUMENTAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS
TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E DA ARQUITETURA VERNACULAR;
POÉTICA, CULTURA, ESTÉTICA: ARTE, ARQUITETURA, ARQUIVOS.
RESUMO
O edifício antiga sede da Associação dos Empregados do Comércio da Bahia (AECB), localizada na
Rua Chile, é um marco entre os edifícios ecléticos construídos no início do século XX e ainda
existentes em Salvador. O edifício, atualmente conhecido como Palacete Tira-Chapéu, foi nomeado
patrimônio estadual pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) em 2011 e é
integrante da área de proteção do conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico do Centro
Histórico de Salvador, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1984.
Cabe ressaltar que, apesar de tratar-se de obra do início do séc. XX, o edifício se funde visualmente
ao conjunto do séc. 16, como com o vizinho palácio Tomé de Souza (Bacher, 1986; Hale, 1994;
Bonduki, 2010). De fato, numa mesma quadra na Rua Chile identificam-se edifícios do séc. 16 até
meados do séc. 20, art déco, ecletismo, neoclássico ou barroco, entre vários outros.
Com projeto do arquiteto italiano Rossi Baptista, após a mudança da associação do local, o edifício
ficou abandonado e sem uso por mais de dez anos. Adquirido por um grupo de investidores em 2012,
a partir de 2020 foram iniciados estudos com vistas a restaurar e dar novo uso à edificação,
compatível com sua localização notável, com a monumentalidade do edifício de três pavimentos e
com sua riqueza estética, além da necessidade de sustentação econômico-financeira do
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empreendimento. Em vista disso, a restauração de um edifício histórico é um desafio técnico,
financeiro e institucional e exige compromisso com a longevidade do investimento. Neste sentido se
torna imprescindível a definição dos usos e ocupações dentro de um cenário sócio-cultural e
econômico, e não apenas arquitetônico.
O uso proposto, em processo de implantação e que segue aqui descrito, foi fruto de vários meses de
discussões entre os proprietários do edifício, investidores e equipe dos órgãos de patrimônio, sempre
mediadas pela equipe de projetos, cujo desafio foi integrar e compatibilizar expectativa e demanda
dos diversos atores envolvidos. O resultado é um projeto de uso que, mais que dar novo uso ao
patrimônio arquitetônico, valoriza o edifício, propõe um novo ponto focal da região da Rua Chile e tem
mesmo o condão de vir a modificar o tecido urbano de seu entorno, dando nova vida à região.
O palacete tem sua história e localização ligadas à dinâmica econômica da Bahia no século
XX, período de opulência do comércio da Rua Chile em Salvador. Como lembra Mílton
Santos (2008) “o comércio, os gabinetes médicos, os salões de beleza, outros serviços e
também o simples trottoir elegante dos fins de tarde na Rua Chile atraem uma multidão de
pessoas que se sucedem em um vaivém incessante” (Santos, 2008, p. 126). Nas décadas
de 20 a 50 a Rua Chile era o centro de elegância da capital baiana. Portanto, trabalhar neste
edifício é compreender não apenas seu espaço físico, em suas paredes em blocos de barro
e pedra, mas também sua significância e importância, assim como a ativação deste espaço.
Partindo deste ponto, a inserção de novo uso no Palacete Tira Chapéu deve ser feita de
modo a respeitar todos os potenciais artísticos, arquitetônicos e sócio-culturais ainda
remanescentes, tanto do edifício quanto de seu entorno. Sob o ponto de vista do edifício, a
despeito das modernizações e processos ocorridos ao longo dos anos, principalmente nas
salas arrendadas do pavimento térreo, ainda é possível perceber suas características
arquitetônicas originais. O novo programa, no que tange à intervenção e proposta para a
edificação, compreende a potencialidade do edifício, em seu porte e valores arquitetônicos,
históricos e artísticos. Uma vez que a recuperação dos antigos hábitos já não é mais
pertinente, cabe também a renovação da ocupação deste espaço.
Sob o ponto de vista urbanístico, o entorno do edifício demanda uma atenção especial, haja
vista seu papel como área de transição entre a cidade medieval (o Pelourinho) e a cidade
comercial contemporânea (o binário Av. Sete de Setembro e Carlos Gomes). O desafio aqui
é reconstituir o continuum do tecido urbano, atualmente esfacelado e dividido entre os dois
polos: a região da Rua Chile foi esvaziada, e atualmente conta com dezenas de edifícios
desocupados. A criação dos eixos de ocupação para o norte, das áreas do Iguatemi e da
Av. Paralela, promoveu um desinteresse econômico da região a partir dos anos 1970 e de
maneira ainda mais acentuada nas primeiras décadas do séc. 21. Esse esvaziamento
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acabou por contribuir para o congelamento tipológico de muitos edifícios, e com isso a
integridade física desse patrimônio, apesar dos comprometimentos estruturais e das
patologias decorrentes da falta de manutenção, acabou sendo conservada. Por conta disso,
foi resguardada certa integridade do conjunto, que começa a ser redescoberto em seu
potencial de ocupação. Exemplo mais recente disso são os dois grandes hotéis de luxo
recentemente restaurados e inaugurados, Fera Palace e Fasano, coincidentemente ambos
em edifícios art déco.
O início dos estudos por este grupo não poderia portanto furtar-se a esse papel e a esse
momento da região da Rua Chile, que entende ter o condão de reavivar a área em que está
inserido. Não custa lembrar que a Rua Chile, antiga Rua Direita, foi a primeira rua do Brasil
e durante uns bons anos a mais sofisticada rua da cidade de São Salvador.
Com isso, a partir da leitura do edifício, de seu entorno e da cultura da região, ficou clara e
evidente a proposta de novo uso como um centro gastronômico cultural. A ligação cultural e
afetiva entre nativos, visitantes e turistas e a culinária regional levou naturalmente à
concepção do Palacete Tira-Chapéu como núcleo de incentivo à cultura, à culinária e ao
turismo.
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Finalmente, o uso controlado do espaço com o fino da cultura gastronômica baiana é não só
um ato de respeito e um esforço de preservação de um legado histórico, mas também de
fundamental importância para garantir a cadeia produtiva enquanto atividades de valor
econômico e turístico. Além dos ambientes do salão da plenária e biblioteca garantem
naturalmente o espaço para atividades de convívio entre gastronomia, artes plásticas e
performáticas.
Salvador foi fundada em 1549, quando os portugueses criaram a primeira metrópole lusitana
no novo mundo. O traçado da cidade seguiu os métodos portugueses em terras europeias,
não só em relação aos edifícios, mas principalmente à sua localização e à maneira pela qual
se desenvolveu. Salvador foi edificada sobre uma escarpa alta, dominando larga extensão
de água e com traçado urbano adaptado à topografia, uma lógica adequação ao relevo
(Smith, 1955), o que implica adaptações que reduzem a dimensão dos quarteirões,
compondo formas trapezoidais. “Nesse ponto, ela é um bom exemplo do saber
renascentista: explorar ao máximo a geometria a partir da topografia.” (Coelho Filho, 2004).
O resultado é um conjunto íntegro, no qual cada parte tem função, relação e proporção em
relação a si e ao todo.
A cidade, dividida por uma falésia, tinha na parte baixa o seu porto e com ele o comércio ao
longo do cais, enquanto na parte alta funcionava a vida urbana, com os poderes
administrativos, religiosos e as habitações. Seguindo a tratadística renascentista das
cidades luso-brasileiras no século XVI (Coelho Filho, 2004), na cidade alta foram concebidas
duas praças: uma com representação religiosa e outra com representação administrativa. A
sede administrativa da cidade era representada pela Casa de Câmara e pela Casa dos
Governadores, edifícios de maior sofisticação do ponto de vista civil. E é partindo desta
localidade que surge aquela que seria considerada a primeira rua do Brasil, a Rua Direita
das Portas de São Bento, atual Rua Chile.
Esse logradouro, que concentrava o maior fluxo de civis e de mercadorias, ganhou logo
outro nome: Rua Direita dos Mercadores. A rua, que receberia ainda o nome de Rua do
Palácio, conserva seu traçado original: “até por volta de 1890, ruas e caminhos da Salvador
conservaram-se tal como Vilhena os descrevera no início do século” (Mattoso, 1992).
Já no século XX, a Rua Chile – a esta altura novo nome da antiga Rua Direita – seria alvo
de um grave acontecimento, o bombardeio de Salvador de 1912. Tropas federais
comandadas pelo general Sotero de Menezes abriram fogo contra a cidade na tarde de 10
Após tais perdas, a Rua Chile passa por readaptações e reconstruções, época de
introdução do art nouveau e de ecletismo (Reis Filho, 2014). A nova construção da AECB,
iniciada nesse momento, respeitaria o gabarito pré-estabelecido pelas edificações
adjacentes.
Após a vitória política de Seabra, a Rua Chile constitui-se em umas das áreas prioritárias do
urbanismo implantado pelo novo governo, que tinha como meta “substituir o velho pelo
novo, abrir avenidas largas, demolir prédios antigos, higienizar, tornar a cidade salubre, mais
bonita, desenvolver o comércio” (Oliveira, 2008, p. 97). Tais reformas trouxeram como
consequências o alargamento, pavimentação e alinhamento da Rua Chile “desapropriando-
se e demolindo-se todas as casas do quarteirão do lado da banda da terra e construindo-se
alguns poucos edifícios” (ibidem, p. 105).
Puppi (2009) aponta ainda diversos nomes de mestres italianos responsáveis pelo acervo
arquitetônico no estilo eclético que nos foi legado daquele período. Os edifícios art déco, ao
contrário, carecem ainda de pesquisas para identificação e registro.
Depois de edificados os primeiros novos edifícios, a Rua Chile se tornaria uma das áreas
com maior concentração de lojas, cinemas, casas de chá, livrarias e cafés, como o famoso
Café das Meninas que funcionava no mesmo edifício na Rua d’Ajuda, que recebeu durante
muitos anos jovens intelectuais, políticos e estudantes de Salvador.
O projeto do Palacete foi concebido pelo arquiteto italiano Rossi Baptista, responsável por
outras obras na capital baiana. O partido e as composições são típicos desse momento,
financiadas, principalmente, pela elite baiana que atravessavam um período de ascensão
econômica com a produção de fumo no Recôncavo, de cacau no sul da Bahia e com a
indústria têxtil nas proximidades de Salvador, na passagem do séc. XIX para o XX. Alguns
autores associam esse processo de substituição de partido arquitetônico à intenção de
distanciar-se do passado português e integrar-se às novas forças econômicas da Europa
ocidental:
O Palacete Tira-Chapéu foi concebido para uso comercial e administrativo, ocupação que
começa a surgir em Salvador no início do século XX, com a crescente separação dos locais
de residência e trabalho (Reis Filho, 2014). O edifício, portanto, tem em seu programa de
necessidades original lojas para arrendamento no pavimento térreo, salas de escritório, sala
plenária e salão nobre e biblioteca no pavimento 1 e salas para serviços (como clínicas e
laboratórios) no pavimento 2.
A estrutura física do edifício, por sua vez, também exibe marcas do período em que foi
erguida, paredes estruturais de tijolos e pedras, vigas e pilares de metal e ainda lajes em
vigas de madeira com assoalho de tábuas. Essa mescla é típica do período transicional,
com técnicas dos antigos sobrados aliada a novas tecnologias (Reis Filho, 2014).
Suas fachadas são compostas por elementos marcantes do ecletismo, capitéis, frisos,
cornijas, volutas e até elementos figurativos como os atlantes na entrada principal. No centro
da fachada da Rua Tira-Chapéu há um arco e um pórtico que valorizam o eixo central do
edifício, estabelecido em sua planta em “L”, como evidenciado no desenho original de Rossi,
de 1916 (Senna, 2006). As fachadas seguem o princípio de composição clássica, simétricas
e moduladas e resolvem os ângulos nas esquinas como um marco visual, no momento em
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que adota um chanfro no plano da fachada voltado para a Praça Tomé de Souza e o coroa
com um torreão.
Figura 1: À esquerda, Rua Chile, década de 40, em vista tomada da Praça Tomé de Souza
com a fachada antes da incorporação do edifício lateral. À direita, mesmo ponto de vista em
2010, já com a incorporação do edifício lateral, ocorrida na década de 1950.
A partir de fotografias da época (figura 1), é possível notar que ao longo da Rua Chile, ao
lado do Palacete, em 1920 havia outros quatro edifícios que completavam o quarteirão
ainda. O edifício adjacente se mantém até a década de 40, ao passo que a partir da década
de 50 observa-se já a fachada unificada àquela do Palacete, com a incorporação do edifício.
A fachada resultante foi obtida a partir da repetição da modulação das esquadrias e da
união da platibanda na fachada. Entretanto, uma análise mais detalhada dos ornamentos
mostra uma fachada mais simples que a fachada principal de Rossi. Em imagem aérea atual
ainda é possível notar as diferenças entre as coberturas dos dois edifícios. A partir de
estudos e prospecções, foi evidenciado também o uso de outras técnicas e materiais para a
construção dos edifícios: o Palacete original é estruturado por paredes de pedra e tijolos
maciços, ao passo que a área incorporada tem vigas e pilares de concreto armado (figura
2).
PARTIDO
Num primeiro momento, ainda na fase de projeto, a equipe, juntamente com o Iphan,
decidiu-se por eliminar todas as intervenções identificadas como espúrias. Foram
identificados pisos laminados vinílicos sobre piso de ladrilhos hidráulicos originais (figura 3),
pinturas em paredes (sobre pinturas ornamentais), bem como porções de reboco em fase de
desagregamento e paredes de alvenaria subdividindo lojas do térreo. Procedeu-se ainda à
decapagem de metais, ferragens e esquadrias, bem como de alvenarias. Após essa fase
inicial de limpeza, a equipe partiu para buscar identificar possibilidades de uso a partir das
características dos espaços.
A decisão, por assim dizer, mais drástica no corpo do edifício, foi a abertura de vãos e
passagens nas paredes no pavimento térreo, de forma a proporcionar integração e
circulação entre os vários espaços. Outra opção foi decapar totalmente algumas paredes de
alvenaria estrutural, que não possuíam pinturas artísticas, de modo a deixar expostos os
tijolos de barro e pedras. A mesma opção foi aplicada nas vigas de madeira de pisos, em
locais onde já não existia forro. A ambientação assim obtida – paredes de pedra sem reboco
Figura 4: O Salão da Rua Chile, em seu estado atual e detalhe de maquete com proposta
de ocupação. Aos fundos, à esquerda, veem-se as aberturas nas paredes. Destacam-se os
pilares metálicos e o piso em mosaico originais.
REFERÊNCIA CONCEITUAL
Em termos de uso, uma referência importante foi o Mercado de San Miguel, em Madri.
Originalmente um mercado de pescado ao ar livre, no século XIX, passou por um período de
decadência e quase destruição, até ser adquirido por um grupo de investidores. O espaço
foi restaurado e remodelado e finalmente reaberto em 2009, com a proposta de oferecer os
melhores alimentos da cidade “prontos para comer ou levar''. Este novo uso conquistou não
apenas os moradores da cidade, mas visitantes de todo o mundo.
Mais de 100 anos se passaram desde que o Mercado de San Miguel foi inaugurado
como um mercado de alimentos. Hoje, este edifício histórico é um dos principais
mercados gastronômicos do mundo, pois permite aos seus visitantes um passeio
pela essência e pelos sabores de cada um dos cantos da Espanha.
(<https://mercadodesanmiguel.es/>)
A experiência bem sucedida que o novo uso atribuiu a este espaço, bem como as premissas
similares do histórico do edifício, mostraram-se portanto uma referência conceitual chave
para a proposta deste projeto.
O térreo pretende ser ocupado por três espaços: O Mercado, espaço para vendas de
alimentos prontos e para levar; o Espaço de Restaurantes, que pretende ter três operações
de excelência e ainda mesas para ocupação e consumo no local; e o Espaço de Operação
dos serviços ofertados, com cozinhas de operação, espaço de entrada e armazenamento de
alimentos e produtos, limpeza, e saída de resíduos sólidos.
A circulação ocupou boa parte dos estudos, tanto horizontal como vertical. Uma importante
alteração na ocupação do edifício foi a integração dos ambientes do térreo pelo interior do
edifício: anteriormente, as salas eram separadas umas das outras, local para
estabelecimentos comerciais independentes, com acesso apenas pela rua. Ao passo que a
escada monumental da entrada principal deve manter seu papel como acesso mais
importante, o interior deve ser dotado de escada rolante, bem como de novo elevador
auxiliar, além da recuperação do antigo elevador.
RESTAURAÇÃO
Nesse processo, um dos principais desafios, além das fachadas principais, é o tratamento
das pinturas parietais, afrescos, adornos, marmorinos e pintura artística de forro. A
reintegração da pintura será feita utilizando tinta maimeri para restauro (ou similar),
utilizando a técnica de esgrafiato ou pontilhismo para que seja possível a reintegração
visual, ao mesmo tempo em que possibilita distinguir o que é novo do anterior. A
recomposição dos trechos comprometidos estará em obediência às características
existentes.
Convém ressaltar que a equipe, assim como técnicos do patrimônio, resistem a eventuais
impulsos corretivos, como o tratamento dos vidros pintados como vitral, a correção de
problemas de perspectiva ou mesmo a eliminação dos grafismos originais no pavimento 2,
que em sua leitura contemporânea poderiam rememorar a suástica nazista (figura 5),
inobstante a data de construção do edifício anteceder em pelo menos uma década aquele
uso.
Os revestimentos escolhidos pretendem dialogar com o prédio, uma vez que este já possui
diversos pontos artísticos relevantes, mas sempre sem a intenção de falsear sua inserção,
ou seja: preveem-se materiais que não se confundam com os originais. Com isso, a
proposta é de utilizar pisos de ladrilhos hidráulicos no térreo, com formato semelhante aos
originais mas com dimensões consideravelmente superiores, de maneira que seja
perceptível a nova intervenção; mesmo caso dos procedimentos para recuperação dos
lustres e luminárias faltantes, entre outros procedimentos.
CONCLUSÃO
O projeto pretende devolver à cidade de Salvador o palacete com seu novo uso, mas
também como testemunho das técnicas e materiais desse importante período histórico, de
crescimento e pujança econômica da cidade. Para isso, o caminho de recuperação do
projeto pretende preservar e consolidar as técnicas, materiais e estéticas ainda presentes no
edifício, além da tipologia arquitetônica e percepção dos seus espaços. No que diz respeito
ao novo uso de mercado gastronômico e cultural, pretende-se dotar a região de um
aglomerado potencializador da culinária, arte e economia locais, com atrativos que
pretendem ser referência na intervenção e gestão de edifícios tombados do Brasil.
A definição dos usos e ocupações do Palacete se deu com intuito de obter um edifício
difusor das criações baianas, a partir de sua história, adicionando novos usos e,
primordialmente, compatibilizando-os com os acervos arquitetônicos e artísticos já
existentes.
BIBLIOGRAFIA
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ANDRADE JÚNIOR, Nivaldo Vieira de. “A Influência Italiana na Modernidade Baiana: o
caráter público, urbano e monumental da arquitetura de Filinto Santoro”. 19&20, Rio de
Janeiro, v. I, n. 4, out. 2007.
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Bahia Século XIX Uma Província no Império. Rio de
Janeiro: Ed. Nova Fronteira. 1992.
REIS FILHO, Nestor Goulart. O quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Ed. Perspectiva.
2014.
SENNA, Francisco; AZEVEDO, Paulo David. De Villa Catharino a Museu Rodin Bahia: Um
Palacete Bahiano e sua História. Salvador: Solisluna Design. 2006.
SMITH, Robert. “Arquitetura Colonial. Robert Smith e o Brasil – Arquitetura e Urbanismo.” In:
As artes na Bahia. Salvador: Ed. Livraria Progresso, 1955.
RESUMO
Tendo como base a disciplina de Patrimônio Cultural, que aborda conceitos como tradição,
modernidade, memória e preservação, além de instrumentos e políticas relacionados ao Patrimônio,
estudou-se esse contexto no Brasil e em outros países. A partir do referencial teórico escolhido, o
livro “Patrimônio Cultural – conceitos, políticas e instrumentos”, de Leonardo Castriota, identificou-se
uma lacuna sobre as políticas patrimoniais e de preservação para os países da América Latina e na
tentativa de analisar esse cenário, foi proposto então um trabalho empírico de pesquisa. Após a
escolha do Chile como tema e tendo o livro como marco teórico, utilizou-se da busca em sites oficiais
do Governo deste país, bem como de artigos acadêmicos sobre o assunto. O trabalho, do qual
resultou esse artigo, trata da diferença na categorização de bens culturais, os principais bens
materiais e imateriais do país, seu patrimônio mundial declarado pela UNESCO e seus museus
nacionais. Concluiu-se que o patrimônio no Chile tem um significado muito particular, ligado à sua
ocupação territorial e aos seus eventos naturais, o que se reflete na forma de entender, tratar e
preservar seu capital cultural.
Palavras-chave: patrimônio, patrimônio cultural, políticas patrimoniais Chile.
Tendo o Chile como país de escolha para a pesquisa e trabalho, o grupo passou à fase de
pesquisa bibliográfica, utilizando os sites oficiais do Governo do Chile como a principal fonte
de informações, além de artigos científicos, entre outros. Dentre os sites pesquisados estão
o do Ministério de las Culturas, las Artes y el Patrimonio; o do Servicio Nacional del
Patrimonio Cultural; do Consejo de Monumentos Nacionales de Chile; do Sistema de
Información para la Gestión del Patrimonio Cultural Inmaterial (SIGPA). O conteúdo
resultante da pesquisa bibliográfica serviu para a elaboração de um relatório, uma
apresentação oral e um podcast como trabalho da disciplina de Patrimônio Cultural.
O resultado final desse trabalho está descrito no texto deste artigo, que foi dividido em três
seções. Esta introdução, logo depois, a segunda seção, que trata da história do Chile e da
construção da sua identidade e políticas de patrimônio, assim como a organização
institucional relacionada ao patrimônio material, imaterial e o patrimônio mundial. Por fim, as
considerações finais, com as conclusões obtidas através da pesquisa.
A República do Chile, país localizado no sudoeste da América do Sul, possui uma extensão
territorial peculiar cujo desenho geográfico determina um perfil climático também singular,
indo do deserto mais seco do mundo, ao norte, a um clima de montanhas, com neve,
geleiras e fiordes, mais ao sul.
A presença da Cordilheira dos Andes, resultado da colisão das placas tectônicas de Nazca e
Sul Americana, é um sinal da instabilidade geológica da região, propensa a terremotos que
foram muito marcantes na história do país. Essa mesma cordilheira é também uma das
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responsáveis pelo padrão de ocupação do território e da exploração de seus recursos
naturais, fatores tão determinantes para a configuração da identidade chilena.
A história do Chile, em geral, não é diferente da história dos outros países da América
Latina: trata-se de um território invadido e colonizado por europeus, no século XVI, após o
domínio e massacre de seus povos originários. A colonização de exploração perdura até a
independência, no início do século XIX, seguindo-se um tumultuado processo político, que,
entre regimes republicanos e a ditadura, chega à democracia estável atual.
Como último elemento, a geografia do espaço, marcada pelos extremos. O território chileno
se estende latitudinalmente por uma longa e estreita porção de terra, apresentando
paisagens demasiado díspares, como as áreas geladas da Terra do Fogo, ao sul, e o
deserto de Atacama, ao norte. A heterogeneidade trazida pelos 4300 km de extensão
latitudinal torna-se ainda mais marcada pelo estreito intervalo de terras, no sentido leste-
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3
oeste: em apenas 175 km, em média, as altitudes extremas dos Andes, de um lado, e a
planície litorânea de outro. Tal desafio geográfico exigiu dos habitantes dessas terras
criatividade e habilidade que produziu um significativo conjunto de tecnologias de ocupação
do espaço e que definiu o perfil de todas as sociedades que povoaram e povoam o Chile.
Tomando-se como exemplo a Rede Viária Inca de Qhapaq Nan, que liga os picos nevados à
costa litorânea, passando por desertos, vales e florestas: estrutura que encerra complexa
técnica de engenharia, revelando expressiva habilidade na ocupação de um espaço inóspito
e hostil, além de permitir o intercâmbio cultural e comercial entre várias comunidades
andinas. As técnicas de construção adaptadas ao relevo e ao ambiente também ditaram a
arquitetura das Igrejas de Chiloé, as construções do bairro histórico de Valparaíso -
assentadas entre a topografia plana do litoral e a topografia íngreme das colinas -, as
oficinas de salitre de Humberstone e Santa Laura - que ocuparam o deserto árido - e a
cidade mineira de Sewell - empreendimento que buscou uma solução funcional que
viabilizasse a exploração do cobre e aprimorasse o deslocamento dos mineiros pelo terreno.
As igrejas de madeira de Chiloé, erguidas segundo técnicas dos indígenas e dos jesuítas
espanhóis, são ainda exemplos da integração de conhecimentos entre os povos locais e os
estrangeiros. A cidade corporativa de Sewell é símbolo da presença estrangeira na
exploração do cobre e uniu a força de trabalho local com os recursos tecnológicos da
empresa norte-americana. O bairro portuário de Valparaíso, que teve contato e influências
estrangeiras de diversas procedências, num porto que fazia a integração entre o oceano
Pacífico e o que provinha do Atlântico e, por fim, as oficinas de Salitre, que envolveram mão
de obra de bolivianos, chilenos e peruanos.
4
brevemente, como aconteceu essa construção nacional do Estado chileno.
Diante do exposto, é importante perceber que a noção inicial de patrimônio cultural no Chile
é uma realidade construída sob os auspícios do Estado e das elites, com inspirações
europeias, principalmente a francesa. Na Europa, a legislação acerca da preservação de
monumentos já vinha se estabelecendo e essa influência era evidente sobre as ideias de
conservação e preservação e sobre os conceitos e disposições legais que seriam replicados
em território chileno.
Cabe ressaltar nesse percurso, a criação do Museu Histórico Nacional (1911) e do Conselho
de Monumentos Nacionais – CMN (1925), assinalando um reconhecimento inicial das
diversas identidades que formaram e conformaram o Chile, desde o pré-hispânico até a sua
configuração atual. O acervo naturalístico e arqueológico ofereceria uma imagem da riqueza
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do país, a ideia de nação e o que significa “ser chileno”. Num movimento de recuperar o
passado, como meio para criar uma identidade nacional comum, o reconhecimento das
raízes daria consistência e legitimidade à nação.
Nos fins do século XX, o campo do patrimônio vai ter seu conceito ampliado, por exemplo,
com a incorporação do termo ‘paisagem’ às diretrizes da própria UNESCO, em 1988. Ao
conjunto de critérios balizadores para o reconhecimento de um bem patrimonial, antes
restrito aos estéticos e históricos, assomam-se as relações e obras conjuntas do homem e a
natureza, as tecnologias usadas para ocupar o espaço, as interações entre cultura e meio
natural que caracterizam termos como ‘paisagem cultural’, bens ambientais e patrimônio
ambiental urbano.
6
comungados por povos autóctones e conquistadores/colonizadores.
A legislação, então, precisou ser revista, pois até então, não contemplava manifestações
imateriais e, portanto, não reconhecia oficialmente, nem protegia o Patrimônio Imaterial.
Apesar das reformulações do Decreto Lei de 1925, principalmente as realizadas em 1970 e
a atualização mais recente, de 2019, permanece a discussão relativa à regulamentação
adequada à preservação do patrimônio imaterial. A questão de se preservar sem “congelar”
ou “engessar” uma manifestação cultural, que é dinâmica por natureza e tem uma vitalidade
própria, é ponto chave nessa discussão.
Paralelamente, outros órgãos foram criados pela sociedade civil, voltados ao patrimônio
cultural, como Amigos do Patrimônio Cultural do Chile e a Corporação Chilena do
Patrimônio Cultural, revelando uma tendência de participação da sociedade no
reconhecimento e proteção do patrimônio nacional. Tendência essa também observada na
atualização da Lei de Monumentos Nacionais, publicada em 2019 e que contou com
discussão pública envolvendo os órgãos federais, representantes de organizações civis,
especialistas, estudantes e acadêmicos. Uma versão ampliada desse instrumento foi
aprovada na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, em maio de 2021. Seus
aportes incluem a ampliação das categorias de proteção - bens móveis, paisagens e roteiros
culturais, sítios de memória, memoriais, patrimônio imaterial; procedimentos de participação
cidadã e equilíbrio entre representantes técnicos do setor público e sociedade civil nos
Conselhos Regional e Nacional; subsídios ao patrimônio material e imaterial; compromisso
com uma Lei de Patrimônio Cultural Indígena, com consulta prévia e legislação sobre
desenvolvimento de atividades comerciais que envolvem a cultura imaterial.
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2.3. Instituições Patrimoniais e sua Organização Interna
● Monumentos Históricos
● Monumentos Públicos
8
● Áreas Típicas
● Monumentos Arqueológicos
● Santuários da Natureza
9
De acordo com Valdebenito (2012, p.1), a mobilização da participação cidadã em
organizações patrimoniais leva a uma participação desses entes na gestão da cidade e a
uma mudança em sua relação com o governo. A inserção dessas organizações no cenário
da administração do patrimônio amplia o entendimento desses bens como um direito dos
cidadãos, que passam a atuar como os principais responsáveis pela preservação e gestão
de seu patrimônio, em lugar do Estado e mesmo da UNESCO. O patrimônio passa a ser
percebido pela própria comunidade como elemento central na sua estrutura de identificação
como grupo.
10
Monumento Histórico, tendo seu valor enraizado em “[...] determinadas populações ou
lugares, paisagens, modos de vida, etc., sendo de interesse público a sua manutenção no
meio urbano ou na paisagem de forma a preservar essas características ambientais.” (Ibid.)
Podem constituir uma cidade tradicional, um centro histórico, o ambiente de um Monumento
Histórico, área ou complexo.
O artigo 21º da Ley 17.288 considera como Monumentos Arqueológicos “os lugares, ruínas,
sítios e peças de confecção ou utilização do ser humano, existentes sobre ou sob a
superfície do território nacional.” (CHILE, 1970, Título V). Nessa categoria existe um total de
74 monumentos que pertencem ao Estado e não carecem de processo de declaração,
sendo divididos em dois grupos: o de bens arqueológicos e o de bens paleontológicos.
11
identificação de representantes comunitários associados (Sistema de Información para la
Gestión del Patrimonio Cultural Inmaterial, 2018).
O Chile, assim como o Brasil, conta com o Registro do Patrimônio Cultural Imaterial que
permite um relato das expressões patrimoniais existentes no território nacional e seus
respectivos representantes, classificados de acordo com as áreas da UNESCO, localização
territorial e progresso do elemento no Processo de Salvaguarda. Além disso, utiliza também
a ferramenta do Inventário, conforme indicado pela Convenção da UNESCO de 2003.
Além das cinco categorias de registro de patrimônio imaterial, que são as Artes Cênicas, o
Conhecimento e Usos Relacionados à Natureza e ao Universo, as Técnicas Artesanais
Tradicionais, as Tradições e Expressões Orais e os Usos Sociais, Rituais e Eventos
Festivos, o Chile identifica também, através do inventário, os Tesouros Humanos Vivos
(Servicio Nacional del Patrimonio Cultural, 2018).
12
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao observar que as discussões acerca das políticas patrimoniais e suas legislações ainda
estão em processo de maturação, e tendo em vista que, no Chile, as atribuições
administrativas são virtualmente centralizadas, supervisionadas por um órgão estatal em
Santiago, a descentralização da gestão dos serviços parece ser uma tendência adequada a
fim de dinamizar os processos burocráticos que envolvem as questões do patrimônio.
Assim, decisões de intervenção e restauração de bens, além de medidas de incentivo e
promoção de práticas culturais seriam facilitadas.
Por outro lado, a conservação e reparação de danos devem resguardar métodos e materiais
que são originais e/ou tradicionais, de modo a não atentar contra a autenticidade histórica
dos bens. Sendo todo o patrimônio edificado suscetível a danos provocados por esses
eventos naturais e, portanto, situado em constante emergência, a promoção de políticas de
preservação é afetada e complicada.
De certo modo, essa ligação arriscada e por vezes perigosa com a natureza, forçosamente
confere identidade aos chilenos. Num território rico em diversidade de ambientes e pródigo
de belezas naturais, ao mesmo tempo capaz de provocar grandes perdas e danos, os
chilenos, independente de sua origem, cultura ou tradição, seja no meio rural ou urbano,
13
pobre ou rico, têm de cuidar de seu patrimônio já construído e planejar o futuro, guiados por
esse desafio permanente. É uma sina que evoca o caráter guerreiro e tenaz dos mapuches.
O objetivo desse trabalho foi apresentar um breve panorama sobre o patrimônio cutural do
Chile e, a pretensão de esgotar o assunto seria como querer abarcar todos os aspectos
dessa cultura riquíssima, nessas poucas páginas. A percepção de uma constante
reavaliação sobre o tema pode ser corroborada pelas atualizações recorrentes no conteúdo
dos sites pesquisados, revelando que ainda há muito a ser aprofundado sobre o tema de
políticas de preservação do patrimônio cultural chileno. O contato com os órgãos
governamentais instituídos, universidades e os diversos setores ligados ao patrimônio, que
não foi possível no presente estudo, se faz necessário e determinante para a construção de
um olhar mais preciso e crítico acerca da matéria.
14
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTRIOTA, Leonardo Barci. Patrimônio Cultural: Conceitos. Políticas,
Instrumentos,Annablume, São Paulo, 2009.
LEY 21.045, Biblioteca del Congreso Nacional de Chile, 2017. Disponível em:
<https://www.bcn.cl/leychile/navegar?idNorma=1110097>. Acesso em: 19 de set. de 2021.
LEY 17.288, Biblioteca del Congreso Nacional de Chile, 1970. Disponível em:
<https://www.bcn.cl/leychile/navegar?idNorma=28892>. Acesso em: 19 de set. de2021.
LEY 20.417, Biblioteca del Congreso Nacional de Chile, 1970. Disponível em:
<https://www.bcn.cl/leychile/navegar?idNorma=28892>. Acesso em: 19 de set. de2021.
15
EIXO TEMÁTICO 4 – A VIA CRÍTICA DO PATRIMÔNIO:
TRAJETÓRIAS E PERSPECTIVAS
RESUMO
Na segunda metade da década de 1950, um animado debate balançou o cenário da crítica
arquitetônica italiana, contenda amparada por três textos publicados por Cesare Brandi – cujo juízo
essencial partia da premissa que a arquitetura do Movimento Moderno seria inconciliável com as
cidades antigas. Consequentemente, dever-se-ia, por princípio, proibir as novas construções nos
sítios históricos, relegando-as extra moenia – ou seja, para fora dos muros. Para o crítico italiano, a
arquitetura moderna refutaria terminante o espaço perspectivo no qual teria se fundado a arquitetura
a partir do Renascimento. Os humanistas, ao inserirem seus novos objetos arquitetônicos nos
logradouros preexistente, pensavam mais no vazio da praça, na calha da rua (como um corredor a
céu aberto), do que no cheio – representado pela massa construtiva a ser edificada. Mas no contexto
do Movimento Moderno o que passaria a contar seria o volume autônomo e autossuficiente da nova
construção, que se tornaria, consequentemente, inconciliável com os confinados e densos cenários
urbanos pré-modernos, formados prioritariamente por uma edilícia gregária e ininterrupta. As
colocações de Brandi foram logo apoiadas por outros expertos nas temáticas da arquitetura, do
urbanismo e da preservação; mas as contestações às suas polêmicas assertivas também foram
imediatas e retumbantes, sendo as mais embasadas devidas aos arquitetos Bruno Zevi e Roberto
Pane – juízos que serão avaliados neste artigo.
1
A polêmica foi inaugurada com a conferência Il vecchio e il nuovo nelle antiche città italiane, proferida por
Cesare Brandi em fevereiro de 1956 para l’Associazione culturale italiana di Torino. Em setembro do mesmo ano,
o artigo seria relançado por Bruno Zevi na Revista L’Architettura. Cronache e Storia com o título, Processo
all’architettura moderna (BRANDI, 1956b), com algumas alterações e ampliações, tendo conquistado grande
projeção e suscitando reações diversas de muitos críticos de arquitetura que discordavam do juízo de Brandi.
Esquentando ainda mais o debate, voltou à temática no livro, publicado ainda em 1956, Arcadio o della scultura.
Eliante o dell’architettura (BRANDI, 1956a). Conferir a cuidadosa análise das reações contemporâneas às
afirmativas de Brandi feita por Andrea Pane (2006) no artigo “L’inserzione del nuovo nel vecchio”. Brandi e il
dibattito sull’architettura moderna nei centri storici (1956-64).
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Cesare Brandi e o método ideal da perspectiva desenvolvido a
partir do Renascimento
A tese defendida por Brandi tinha como fundamento a ideia de que desde a Idade Média,
mas especialmente a partir do Renascimento, e até o século XIX (com certas ressalvas para
o Neoclassicismo e o Ecletismo), haveria frequentemente uma correlação harmônica e uma
continuidade natural entre os objetos arquitetônicos contemporâneos e o tecido urbano das
cidades preexistentes. Os monumentos concebidos e levantados pelos grandes mestres da
Renascença, do Maneirismo e do Barroco – mas também alguns edifícios setecentistas e
oitocentistas ligados ao Historicismo – não corromperiam a unidade morfológica e
paisagística das antigas cidades, para além de comumente valorizarem a qualidade artística
dos núcleos urbanos preexistentes.
Assim, já no início do século XV, a cúpula da Catedral de Santa Maria del Fiore, em
Florença, projetada pelo arquiteto Filippo Brunelleschi para o concurso estabelecido em
1418 – a primeira estrutura arquitetônica monumental da Renascença –, promoveria a
interação com tecido urbano medieval por meio de uma complexa trama espacial que
elevava a meta da centralidade perspectiva humanista para todo o núcleo urbano
preexistente.
Um olhar mais apressado voltado à cúpula, que viria fechar o cruzeiro da igreja gótica
projetada por Arnolfo di Cambio em finais do século XIII, revela ao espectador uma forma
tão grandiosa que se torna desproporcional frente à dimensão, já enorme, da nave da igreja
e do campanário concebido por Giotto no século XIV. Com sua expansiva forma
centralizadora, a cúpula ignora a estrutura longitudinal da nave preexistente, bem como
suaviza o impulso vertical provocado pela torre ao superá-la significativamente em altura.
Segundo Giulio Carlo Argan (1993, p. 99):
Projeto de Pietro da Cortona para a Igreja de Santa Maria dela Pace em Roma
A inspiração que o artista barroco absorveu para fomentar a intervenção concebida em prol
da reconfiguração da diminuta igreja e da pracinha que se abria à sua frente está totalmente
de acordo com a natureza do teatro, expediente tão caro à época: o meio mais imediato
para conquistar as mentes e dirigir os indivíduos através do apelo à imaginação do
espectador – a manipulação do transeunte através daquela euforia ilusória que a
constituição dramática do espaço poderia produzir. Para isso, em nome da alteração celular
do pequeno setor urbano no qual se apresentava a igreja, Cortona preservaria o sinuoso e
apertado acesso pela Via di Parione e pela Via della Pace e só promoveria uma ampliação
do exíguo largo onde se dispunha o monumento, com a justificativa de permitir a manobra
das carruagens que acorriam à igreja (BLUNT, 2004, p. 124) – praça que viria a alcançar,
todavia, uma dimensão insignificante, com seu espaço geometricamente irregular contendo
não mais de 30 metros de largura, por cerca de uns 15 metros de comprimento longitudinal.
Figura 2: A praça cenográfica de Santa Maria della Pace, em uma gravura de Giuseppe Vasi, 1747.
Fonte: Coen (1996, p. 183).
Uma simples referência de escala pode justificar a impressão que atribui à Santa Maria della
Pace uma estatura colossal, apesar de sua pequena dimensão: a dez metros de distância, o
limitado espectro perspectivo do transeunte cria a sugestão de que qualquer edifício de
razoável tamanho é um grande monumento. Este sentimento estaria perdido se, por
ventura, o arquiteto escolhesse rasgar um amplo eixo perspectivo direcionado à fachada do
templo, assim como se houvesse proposto a abertura de uma grande praça para acolher o
monumento – o que demonstra que o acolhimento unitário dos dados perspectivos do
ambiente preexistente é muito mais complexo do que pode parecer a princípio.
Nem Michelangelo, nem Bernini, nem Borromini, nem Juvarra nem Vanvitelli
deram as costas a Brunelleschi e ao Renascimento. Mas a arquitetura
moderna não faz sentido se você quiser lê-la no contexto da espacialidade
perspectiva: não faz sentido se você espera que ela crie ou ajude a criar
esse continuum homogêneo e isomórfico que é a própria base da
espacialidade perspectiva; não faz sentido se você espera que opere sobre
o espaço natural da maneira como a espacialidade perspectiva pretendia
agir, reduzindo-o ao desenho óptico de uma pirâmide com o vértice no
horizonte. Seja Cubismo, Abstracionismo ou Proto-Surrealismo, os dados
espaciais assumidos pelos arquitetos modernos têm em comum a recusa,
mesmo que não explícita, do plano da perspectiva, do alinhamento da
perspectiva e, em uma palavra, de um espaço, como é aquele da
perspectiva, que retorna continuamente à medida humana, continente e
conteúdo ao mesmo tempo, externo ao olho e interno à consciência.
(BRANDI, 1956b, p. 359 – tradução nossa)
Para Brandi, a arquitetura moderna, assim como a arte derivada dos principais movimentos
de vanguarda da primeira metade do século XX, refutaria terminante o espaço perspectivo
no qual teria se fundado a arquitetura do humanismo a partir do Renascimento, e que foi
basilar para promover a continuidade harmônica do cenário urbano ao interconectar o novo
com o antigo. Os humanistas, ao inserirem seus novos objetos arquitetônicos nos
logradouros preexistente, pensavam mais no vazio da praça, na calha da rua (como um
corredor a céu aberto), do que no cheio – representado pela massa construtiva a ser
edificada. Mas no contexto do Movimento Moderno o que passaria a contar seria o volume
autônomo e autossuficiente da nova construção, que se tornaria, consequentemente,
inconciliável com os confinados e densos cenários urbanos pré-modernos, formados
prioritariamente por uma edilícia gregária e ininterrupta (Figura 3).
Para além disso, a condenação dos sistemas compositivos ancestrais promovida pela
arquitetura moderna – em prol de uma total inovação construtiva, tecnologia, formal e de
linguagem arquitetônica – inviabilizaria aquela continuidade natural entre edifícios de
diversas épocas, quase obrigatória até início do século XX.
Insistindo mais ainda na tese, Brandi afirmaria que o acolhimento do plano da perspectiva pela
arquitetura moderna implodiria a sua própria essência – seria uma contradição insolúvel. Logo,
não haveria na arquitetura representante do Movimento Moderno – seja ela de linha
racionalista-funcionalista, seja de matriz orgânica – possibilidade de qualquer conexão com
cenários urbanos antigos, já que “[...] a ruptura irremediável com a espacialidade perspectiva,
impetrada tanto pela arquitetura racional quanto pela orgânica, tirou a possibilidade não só de
As colocações do crítico italiano foram logo apoiadas por outros expertos nas temáticas da
arquitetura, do urbanismo e da preservação, como o jornalista Antonio Cederna, ou os
jovens arquitetos e historiadores romanos Leonardo Benevolo, Italo Insolera, Carlo
Melograni, Arnaldo Bruschi, Vittorio Franchetti e Mario Manieri Elia (PANE, 2006, p. 317);
mas as contestações às suas polêmicas assertivas também foram imediatas e retumbantes,
sendo as mais embasadas devidas aos arquitetos Bruno Zevi e a Roberto Pane.
Bruno Zevi, que havia publicado o texto de Brandi Processo all’architettura moderna no
número 11 da revista L’Architettura. Cronache e Storia em setembro de 1956, defenderia, no
editorial desse número, que o problema da inserção da arquitetura moderna em contextos
antigos não residiria na negação peremptória da espacialidade perspectiva pela parte da
arquitetura racional ou orgânica, mas na escolha do programa arquitetônico – processo
geralmente vinculado ao mal maior da especulação imobiliária. Assim, comentando os
exemplos medíocres de arquitetura moderna que Brandi cita, o arquiteto italiano rebateria:
Além da consideração de que as obras citadas por Brandi são feias e são
tudo, menos modernas, elas não causariam muito incômodo se não
ultrapassassem volumetricamente os prédios antigos adjacentes, ou seja,
se a especulação não tivesse conquistado o meio ambiente. A “ruptura”, a
destruição é efetivada na ocasião da elaboração do programa construtivo, e
nada tem a ver com a natureza da linguagem arquitetônica. [...] Não vamos
dizer que um arranha-céu de Mies no Grande Canal (em Veneza) quebraria
o continuum edilício da laguna: nós apenas argumentamos que o plano de
construir um arranha-céu está errado, mesmo que Mies fizesse uma obra-
prima. (ZEVI apud PANE, 2006, p. 315 – tradução nossa)
2
O texto de Roberto Pane foi publicado pela primeira vez nas Atas do VI Congresso Nazionale di Urbanística,
que aconteceu em Torino em outubro de 1956. Aqui consideramos a tradução para o português elaborada pelo
Professor Nivaldo Andrade, que foi publicada no número 4 da Revista Thesis (PANE, 2017).
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continuidade perspectiva tornaria a arquitetura do Movimento Moderno incompatível com os
centros históricos. O historiador e arquiteto italiano defenderia que o problema não residiria
na questão da interconexão da arquitetura nova com a massa edificada preexistente, mas
no fato de que os núcleos urbanos consolidados deveriam ser compreendidos como uma
obra coletiva e única, a ser conservada como tal. Ao se inserir obras modernas em tecidos
edificados antigos – não por abjetas ambições especulativas, mas por necessidades
funcionais, aceitando a natural estratificação de diferentes épocas que toda a cidade
inevitavelmente acabaria acolhendo –, os arquitetos precisariam considerar o caráter
ambiental do contexto urbano a ser preservado:
Pane seguiria contestando Brandi ao afirmar que as premissas defendidas pelo crítico
italiano estavam fundadas em um juízo equivocado que entendia a arquitetura
necessariamente como arte, enquanto o grosso da massa edificada que comporia um centro
histórico consolidado seria formado por uma edilícia que não poderia ser enquadrada nessa
categoria. Pane empregaria a expressão “poesia arquitetônica” para se referir aos objetos
arquitetônicos que, como grandes obras de arte, marcariam os poucos acontecimentos
especiais destacados nos assentamentos preexistentes. Estas obras singulares seriam
regidas por um sentido estético que, como a poesia, superaria toda e qualquer diretriz
funcional. Já para aquela edilícia que preencheria prioritariamente os tecidos urbanos
antigos, e que exprimiria de forma pertinente os valores coletivos e racionais da sociedade,
o autor cunharia a expressão “literatura construtiva”: “[...] é de se salientar, na primeira, a
faculdade poética no seu abandono ao universal, além de todo limite prático; na segunda, a
faculdade literária no propósito que lhe é próprio de não perder nunca de vista a razão que é
guia e sustentação à realização prática”. (PANE, 2017, p. 286)
Para além disso, o arquiteto insistiria no fato de que o que mais caracterizaria as cidades
antigas não seria a sua escassa “poesia arquitetônica” – os monumentos de excepcional
valor artístico. Em termos percentuais, o tecido urbano das cidades históricas seria muito
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mais povoado pela edilícia popular – a “literatura construtiva” –, formada pelas construções
civis e pelos edifícios ordinários que estabeleceriam o valor coletivo que indicaria as marcas
da civilização e, consequentemente, distinguiriam o ambiente urbano.
Logo, a inserção de edifícios modernos nos centros históricos não deveria pressupor a
inclusão de objetos arquitetônicos monumentais que corromperiam os valores ambientais do
tecido urbano – o que seria um problema, lembrando Bruno Zevi, de programa, e não de
linguagem ou de espaço perspectivo. Pelo contrário, a convivência positiva do novo com o
antigo apontaria para a construção de obras que preservassem o caráter coletivo da
paisagem citadina, referindo-se à continuidade da edilícia antiga ao respeitar os dados
ambientais vinculados à escala e ao volume da grande massa formada pela “literatura
construtiva”.
Particularmente, sua obra executada nas décadas de 1940 e 1950 no território das Minas
Gerais, mesmo ao não propor uma relação de subserviência em relação às preexistências
históricas, contribui firmemente para a exaltação das qualidades arquitetônicas e
paisagísticas de vários cenários urbanos. Em estruturas urbanas coloniais complexas e
dramáticas, como a revelada pelas eloquentes paisagens urbanas e naturais de Ouro Preto
ou de Diamantina; mas também em conjuntos urbanos monumentais, como a historicista
Praça da Liberdade em Belo Horizonte – a inserção dos edifícios modernos estabelece
relações arquitetônicas que superam a mera simbiose do novo em sua interconexão com o
tecido urbano antigo (de fato, difícil de conquistar com a arquitetura moderna); mas que
também não decretam o indesejável confronto e a trágica ruptura entre a arquitetura
moderna e a paisagem urbana preexistente.
Como ponto comum em intervenções de Oscar Niemeyer – como o Grande Hotel de Ouro
Preto, projetado ao final da década de 1930 e construído nos anos 1940; ou o Hotel Tijuco,
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a Escola Julia Kubitschek e o Clube Social, projetados e construídos na década de 1950 na
cidade de Diamantina; ou o Edifício Niemeyer, também projetado e construído na década de
1950 na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte (BAETA, NERY, 2016) –, pode-se destacar
o caráter de isolamento perseguido nas implantações dos 5 edifícios, concebidos como
monumentos arquitetônicos modernos (e não como literatura construtiva): sólidos;
espacialmente independentes; lançados autonomamente nos contextos urbanos e
paisagísticos consolidados das cidades de Ouro Preto, Diamantina e da Praça da Liberdade
em Belo Horizonte.
Figura 4: O Grande Hotel de Ouro Preto. À esquerda, a fachada lateral da Casa dos Contos. À
direita, o Chafariz dos Contos.
Fonte: Fotografia de Rodrigo Baeta, 2021.
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fonte,
1993. 280 p.
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moderna nei centri storici (1956-64). In: CANGELOSI, Antonella; VITALE, Maria Rosaria.
(Org.) Brandi e l’architettura. Catania: Icosaedro 4, 2006. p. 307-325.
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WITTKOWER, Rudoolf. Art and architecture in Italy: 1600 to 1750. New Haven-London:
Yale University Press, 1982.p. 533.
Referências:
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo compreender como as práticas do Ecomuseu da Serra de Ouro
Preto (MG) têm o potencial de preservar o patrimônio cultural de forma sustentável. A partir de uma
investigação sobre patrimônio cultural e seus usos sociais, destaca-se a importancia da participação
popular no processo de preservação patrimonial, sendo as ações dos ecomuseus uma ferramenta
para o desenvolvimento sustentável. Desse modo, foi analisada a relação dos usos sociais do
patrimônio entre o comunidade, territorio e patrimonio no Ecomuseu da Serra de Ouro Preto. A
metodologia aplicada foi a pesquisa bibliográfica nas áreas da nova museologia, ecomuseus,
patrimônio cultural e sustentabilidade. Portanto, os ecomuseus promovem o desenvolvimento
sustentável e a preservação do patrimônio cultural por meio da própria comunidade.
O Ecomuseu da Serra de Ouro Preto (MG) é uma iniciativa da nova museologia proposto e
gerido pela comunidade local com a finalidade de trocar informações entre museu e
coletividade. Além disso, contribui para a musealização da paisagem do parque por meio da
correlação organizacional dos seus processos históricos e da cultura material e imaterial que
envolve a localidade (MATTOS, 2007). O presente artigo busca entender como as práticas
museais do Ecomuseu da Serra de Ouro Preto têm o potencial de preservar o patrimônio
cultural de forma sustentável e por meio da integração de diferentes pontos de vista. Nessa
perspectiva, a metodologia aplicada fundamentou-se na pesquisa bibliográfica nas áreas da
museologia, patrimônio e sustentabilidade e do Documento da Mesa de Santiago do Chile
(UNESCO, 1972), Carta de Cooperação de Milão (UNESCO, 2016), e o Documento da
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no Relatório de Brundtland
(ONU, 1987). Dessa forma, foi feita uma análise sobre patrimônio cultural e suas definições,
enfatizando a importância da sua preservação para memória local e identificando como a
nova museologia e a sustentabilidade podem ser importantes aliadas no processo da
contiguidade de um ecomuseu.
Na década de 70 foi discutido pela Mesa Redonda de Santiago do Chile (UNESCO, 1972), a
respeito do papel dos museus na América Latina e sobre o caráter social da museologia em
dissidência aos museus de cunho tradicionalista. Com base nesse encontro, surgiu o
conceito de museu integral, em que o patrimônio, o território e a comunidade estão
intrinsecamente interligados (SCHEINER, 2012). A partir dessa imbricação entre pessoas e
territorialidade podemos acrescentar o tema da sustentabilidade, contribuindo com que a
população se torne participativa no processo de gestão do patrimônio e de seus cuidados
ambientais. Assim, os ecomuseus promovem o desenvolvimento sustentável e a
preservação do patrimônio cultural por meio da própria comunidade.
1 Um patrimônio reformulado que considere seus usos sociais, não a partir de uma mera atitude defensiva, de
simples resgate, mas com uma visão mais complexa de como a sociedade se apropria de sua história, pode
envolver novos setores. Não tem que se reduzir a uma questão de especialistas no passado: é do interesse de
funcionários e profissionais engajados na construção do presente para indígenas, camponeses, migrantes e
todos os setores, cuja identidade costuma ser perturbada pelos usos hegemônicos da cultura. Na medida em
que o nosso estudo e promoção do patrimônio assuma os conflitos que o acompanham, pode contribuir para a
consolidação da nação, mas não como algo abstrato, mas como aquilo que une em um projeto histórico solidário
dos grupos sociais preocupados com a maneira que habitam seu espaço e alcançam sua qualidade de vida
(tradução livre).
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iniciativas e atores locais em preservar seu patrimônio vivo: “Os ecomuseus se consideram
eles mesmos como processos participativos que reconhecem, gerem e protegem o
patrimônio local a fim de favorecer o desenvolvimento social, ambiental, e econômico de
maneira sustentável” (ICOM, 2016, p. 19).
O Ecomuseu da Serra (Figura 1), localizado na cidade de Ouro Preto em Minas Gerais, é
uma iniciativa oriunda da nova museologia de criação e gestão de um museu comunitário,
que se iniciou no ano de 2005. O projeto do ecomuseu foi concebido, de forma conjunta pelo
consultor internacional Hugues de Varine, pela museóloga e professora do departamento de
Museologia da Universidade Federal de Ouro Preto Yara Mattos e pela coordenadora
comunitária Vanilda Costa de Paula Alves e os demais atores sociais presentes no território.
O Parque Arqueológico do Morro da Queimada e toda paisagem cultural dos Bairros São
Sebastião, São João e Santana, juntamente com Espaço Cultural Flores, Cores e Sabores,
popularmente conhecido como Bar da Nida (Figura 2) integram o Ecomuseu da Serra de
Ouro Preto. Sendo o Bar da Nida um importante espaço de socialização, festividades,
oficinas e reuniões da comunidade. O Ecomuseu da Serra de Ouro Preto se caracteriza a
partir desses espaços, memórias e sociabilidade da comunidade em que está inserido.
Para Veiga (2005), o desenvolvimento sustentável assume um sentido mais amplo do que
apenas o crescimento econômico de uma nação ou dados do PIB (Produto Interno Bruto), e
sim ligado ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que permeia questões como a
qualidade de vida, acesso a bens de necessidade e serviços. Ao considerar as pessoas
como agentes do desenvolvimento, ou ainda, o empoderamento das comunidades locais em
prol do seu desenvolvimento sustentável, transforma-se o processo de participação
democrática na tomada de decisões, que por exemplo, pode ser utilizado nas questões
patrimoniais.
Froner (2017), reflete acerca das três décadas do debate em torno da sustentabilidade, a
partir dos documentos e relatórios das organizações internacionais. A autora indaga como
seria possível gerenciar esse desenvolvimento sustentável a partir dos usos, manutenção e
preservação do patrimônio cultural, seguindo as diretrizes internacionais e respeitando a
autonomia e empoderamento das comunidades locais.
Segundo Tofani e Brusadin (2019), a conservação dos bens culturais e naturais vai para
além da salvaguarda de suas características físicas e simbólicas, é necessário considerar a
importância de se preservar as relações sociais das comunidades em que estão associados
tais bens. Para a preservação e uso sustentável do patrimônio cultural necessita-se do
efetivo engajamento e participação da comunidade envolvida para o conhecimento,
manutenção e cautela do bem patrimonial.
Considerações finais:
ARCURI, Marcia Maria.; LAIA, Paulo Otávio.; MATTOS, Yara.; BUENO, Flávia. Patrimônio e
Arqueologia Comunitária No Morro Da Queimada: desafios para a gestão compartilhada. In:
IV Seminário Preservação do Patrimônio Arqueológico - M.A.S.T., 2016, Rio de Janeiro.
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RESUMO
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Fonte: https://www.terrasemmales.com.br/25-de-fevereiro-30o-dia-do-crime-da-vale-em-
brumadinho-mg/
7º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO
Belo Horizonte/MG - 06 a 08 de outubro de 2021.
No estado do Rio de Janeiro, o Corpo de Bombeiros Militar por sua vez,
está vinculado e subordinado à Secretaria Estadual de Defesa Civil. Somente
nos estados da Bahia, Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul estão
vinculados administrativamente ao Comando da Polícia Militar e à Secretaria
Estadual de Segurança Pública. Por sua relevante contribuição à ordem social,
este profissional encontra-se conectado a diversas áreas de ação do poder
público: segurança pública, saúde coletiva, meio ambiente, patrimônio cultural,
defesa civil, dentre outras inúmeras. A bravura e o heroísmo popularmente
atribuídos se devem a sua inquestionável atuação junto à sociedade. Sua
diretriz principal é salvaguardar a vida, incluindo além da vida humana à
proteção à biodiversidade, bem como a proteção de todos contra situações de
risco e perigo, incluindo-se os bens patrimoniais, dentre os quais, os de valor
cultural e ecológico.
Fonte:
Figura 07 - Pontilhão da linha férrea arrancado pela enxurrada de lama que tomou o córrego
em direção ao Rio Paraopeba
Fonte:
https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2021/01/25/interna_gerais,1231966/brumadinho-2-
anos-veja-como-estao-os-marcos-da-tragedia.shtml
Fonte: https://br.pinterest.com/pin/349803096056297071/
Fonte:
https://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/files/relat%c3%b3rio_Brumadinho_impacto_sa%c
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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jurídica. Disponível: em <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/brumadinho-tragedia-faz-2-anos-
sem-barragens-desativadas-e-com-disputa-juridica/> Acesso em 01. Jul. 2021
TERRA SEM MALES. 25 de fevereiro: 30º dia do crime da Vale em Brumadinho (MG).
Disponível: em <https://www.terrasemmales.com.br/25-de-fevereiro-30o-dia-do-crime-da-vale-em-
brumadinho-mg/> Acesso em 29. Jul. 2021
EIXOTEMÁTICO3
OSELEMENTOSDEMODERNIZAÇÃOEURBANIZAÇÃODE
MARIANANAPRIMEIRAREPÚBLICA(1889-1930):umaanálisepor
meiodasAtasdaCâmaraMunicipaldeMariana-MinasGerais.
NUNES,C
ARLAA
.( 1);C
RUZ,F
LÁVIA.C
.F
.(2)
1.UniversidadeFederaldeOuroPreto(UFOP)DepartamentodeHistória.
RuaEliasGamalier,n60°,centro,Cep35908-000.BomJesusdoAmparo(MG)
carlaaparecidanuness@gmail.com
2.UniversidadeFederaldeOuroPreto(UFOP).DepartamentodeHistória
Rua57,quadra247,lote6,esquinacomaavenida2(JardelFilho)s/n,Cep24934-190.
Itaipuaçu/Maricá(RJ)
fidellisflavia@gmail.com
RESUMO
Este artigo apresenta uma síntese do processo de modernização e urbanização do município de
Mariana-MG, nos limiares da Primeira República. As fontes analisadas são as atas das reuniões
camarárias que abordam todo o período em questão e encontram-se conservadas no Arquivo
Histórico da Câmara Municipal de Mariana. Esses documentos são suporte para desvendar a trama
de modernização da infraestrutura da cidade, permitindo verificar as demandas e as disputas em
torno do tecido urbano, no âmbito público e privado. Nas atas, estão presentificados os anseios das
elites locais, permeados pela nostalgia do passado colonial. Embora Mariana estivesse no interior de
Minas Gerais não deixou de passar por transformações urbanas, ainda que amiúde, evidenciando a
singularidade deste lócus tradicional que não deixou de ser instigado pelo turbilhão da modernidade.
As permanências do convencional não deixaram de se chocar com a modernidade e nem de se
arranjarem como possível. A convivência destas formas que se expressam na paisagem cultural da
cidade apontam para a heterogeneidade do espaço urbano. Pode-se averiguar, por meio das fontes
oficiais, que há preocupações com o melhoramento da infraestrutura pública, partindo de ideais
progressistas das elites republicanas, mas ainda sim, no legislativo municipal prevaleciam as marcas
do passado colonial. As visões de cidades modernas brasileiras do século XIX e XX no interior
respaldam-se nas mudanças implementadas nas grandes cidades inspirando-as a sintetizar à sua
maneira as aspirações de seu tempo. Nesta ocasião, a cidade recebe o novo estímulo arquitetônico
do ecletismo e suas vertentes, sendo empregados por moradores abastados que contavam com a
legitimação dos agentes políticos, os quais aspiravam modernizar a malha urbana. Verifica-se o
rompimento com o conjunto colonial, dado que o período inaugurou uma cisão no tecido urbano entre
o espaço de traçado colonial e a construção de um ambiente moderno. Portanto, a empreitada de
compreensão do universo de transformações que permeiam o ambiente urbano é transdisciplinar,
visto que apenas o campo da História se apresenta como uma especialidade por demais sintética,
especialmente, no que se refere a produções historiográficas tangentes à urbanização de Mariana no
período investigado, conferindo o caráter inovador desta pesquisa. Conseguinte, o campo da História
da Arquitetura e Urbanismo fornece uma carga referencial que contribui com a investigação e a
maturação de questões envolvidas, já que por meio dos marcos conceituais e dos elementos
espaciais que este domínio explora, é possível compreender fenômenos históricos da urbanização e
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seus impactos econômico-sociais na cidade. Esse trabalho pode contribuir para os interesses da
memória e da identidade coletiva, em virtude de acessar um recorte
que
contempla
regiões
pouco
abordadasemoutrasproduçõeshistoriográficas.
Palavras-chave:M
ariana,PrimeiraRepública,Modernização.
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O município de Mariana no raiar do século XX, apesar de apegado a sua face
colonial, experimentava visões de uma nova sociedade e trataria de manifestar as
novidades do tempo a partir da
modernização
de
alguns
dos
seus
equipamentos
públicos,
então mais refinados, no auge da Belle Époque. Para acompanhar o fluxo da “Era da
modernidade”, a sociedade marianense transformou sua experiência material e social, se
adequando à intensidade que se impunha. De todo caso, ainda resguardou sua face
tradicional, evidenciando o cenário heterogêneo que despontava em suas urbes.
(HOBSBAWM,E.1995).
A monotonia do interior mineiro abriu-se para novas tecnologias e passou a
expressar uma relação inédita com o tempo e com o espaço, agora em aceleração. A
paisagem cultural, visual, sonora e espacial estava em ebulição. O relógio na torre da
Estação Ferroviária anunciava a nova forma desta sociedade interiorana de apreender a
atualidade, deixando de lado a marcação de tempo feita pelos badalos de sinos.
(SEVCENKO,N.2006).
Nesse movimento, a singularidade experimentada no corpo social e espacial
derivada da implantação da Estação Ferroviária em Mariana será o ponto
nevrálgico
para
evidenciar as aspirações e estranhamentos daquela sociedade frente a modernização do
município. Este equipamento urbano trouxe renovação das experiências e abriu
expectativas na cidade, mesmo sendo um aparato pertencente à modernidade tardia. A
inauguração
deste
espaço
foi
objeto
de
muita
ansiedade
entre
políticos
em
todas
as
escalas
de poder, revelando-se como um ícone de excentricidade à população. Para Anna Eliza
Finger,
as
ferrovias
já
estavam
no
estado
de
acomodação
na
Europa
e nos
Estados
Unidos,
mas:
“No
Brasil
foi
implantada em
um
cenário
totalmente
diferente, e serviu
para
propósitos bem também distintos, relacionando-se, em um primeiro
momento, com o transporte da produção agrícola para exportação como
matéria prima para industrialização européia, depois a necessidade de
articulação territorial, e apenas tardiamente industrialização”. (FINGER,
A.2013.p.38).
Mariana
foi
incorporando
a passos
lentos
as
transformações
do
século
e se
tornando
paulatinamente
uma
urbes
republicana.
A ordenação
social
estava
cada
vez
mais
abaladas
com a liberdade experimentada por todos os cidadãos, mesmo se tratando de uma
sociedadelargamentehierárquicaecomferidasdaescravidãoaindaemaberto.
No que tange a economia local, a cidade passava por um processo de
transformação, em que o acesso, antes restrito às trocas em nível regional, passou a se
estender pelas linhas férreas, permitindo que os cidadãos consumissem novos itens e
desejassem
tantos
outros.
Os
veículos
automotores,
embora
poucos,
circulavam
pelas
ruas
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pacatas
e desfilavam
à modernidade
aos
olhos
da
população.
A cidade
moderna
imaginada,
ao menos em sua acepção mais corriqueira, ganhava seu tônus neste ambiente de
heranças tradicionais. Em suma, a vida pública e privada passaram a se manifestar de
forma mais dinâmica e arrojada, para a felicidade de uns e desencanto de outros que
acreditavamestarperdendoaauraromânticadacidadecolonial.
Entender os desdobramentos das transformações do espaço urbano destaca-se
como uma
tarefa
delicada.
Para
isso
se
fará
o uso
de
domínios
transdisciplinares,
a fim
de
compreender o objeto com maior profundidade. O emprego disciplinar da História será
aliado de peso do campo Arquitetura
no
Brasil
Repúblicano
e juntos
exercerão
a tarefa
de
assimilar transfigurações de cunho social às mudanças no universo material da cidade.
A
historiografia arquitetônica permite explorar as transformações dos
fenômenos
históricos
e
marcos conceituais do espaço, em compasso com repercussões socioeconômicas e
culturais. A criação de novos símbolos materiais passam por arranjos determinados no
interior das relações humanas e por
este
motivo
o domínio
da
História
Social
será
recurso
ímpar empregado para avaliar as intenções dos sujeitos envolvidos na experiência
modernizante.
O saber arquitetônico possibilita a apreensão do cenário republicano no
interior
da
província de Minas Gerais, a qual estava manifestando uma nova tipologia: o ecletismo
e
suas vertentes. Parte dos políticos de Mariana se inspiravam na cidade capital, Belo
Horizonte, e imaginavam-se com edifícios modernos tal qual sua metrópole de
referência.
Contudo,
dos
diversos
monumentos
singulares
que
surgiram
no
contexto
republicano
e que
tinham
partido
eclético,
poucos
perduraram
até
a contemporaneidade.
Em
parte,
porque
nas
primeiras décadas do século XX o exercício de preservação ainda não se fazia
presente,
permitindo
que
diversos
imóveis
que
desvelam
a cultura
desta
época
não
fossem
estimados
paraaatualidade,ospoucosqueseguemestãoemestadodedescaracterização.
Mesmo que o horizonte de preservação não fosse consolidado no contexto, os
sujeitos daquele tempo não eram alheios a tais pautas. Na sequência conjuntural, as
propriedades
primadas
pelo
órgão
de
preservação
que
no
recorte
era
denominado Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) tinham o carater nacionalista,
enquando os
novos
imóveis
inalgurados
na
transição
do
século
XIX
para
o XX dispunham
de uma linguagem que partilhavam de conotações estrangeiras e por isso não foram
beneficiados
com
as
praticas
preservacionistas.
Os
envolvidos
nesta
instituição
preservaram
os edifícios que evidenciaram a cultura luso-brasileira em detrimento da cultura
arquitetônica que havia emergido a pouco, levando diversos imóveis à descaracterização
soboargumentodeadequaçãoaoconjuntomonumentalcolonial.
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Esta entrada, no tocante à preservação dos bens ecléticos nesta cidade
tradicionalmente colonial, ainda merece atenção de pesquisadores e não faz parte, em
tempos, desta investigação. Diga-se de passagem que esta instituição federal passou
por
mudanças em sua estrutura, configurando como órgão federal de proteção ao patrimônio
cultural brasileiro ao designar-se Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN),comoiníciodesuasatividadesem1936.
As
fontes
documentais
para
acessar
o período
são
as
atas
das
reuniões
camarárias
dos
anos
de
1889
à 1930.
As
quais
permitem
averiguar
as
intenções
manifestadas
durante