Tese - Valdirene Alves de Oliveira - 2017
Tese - Valdirene Alves de Oliveira - 2017
Tese - Valdirene Alves de Oliveira - 2017
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
GOIÂNIA, GO
JULHO, 2017
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
GOIÂNIA, GO
JULHO, 2017
Aos jovens e aos docentes que vivem os desafios de um “novo ensino
médio”, que não lhes faltem a ousadia, a irreverência e a determinação na
consolidação de uma “outra proposta”.
Aos milhões de “jovens do futuro”, como o Júlio César, Sara, Arthur, Raul,
Mateus e Maria Eduarda, na esperança que sejam partícipes de um processo
de construção de uma “nova história” para a educação e o ensino médio do
nosso país.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, in memoriam, por terem me desejado, cuidado e amado. Gratidão, sobretudo,
a minha mãe pelo legado da busca pelo conhecimento.
Ao meu esposo, César, companheiro nas danças e andanças da vida: com você ao meu lado o
percurso, nos grandes desafios, fica mais ameno.
Ao Júlio César por me ensinar a dialética de um modo singular, nos últimos anos: “brincar lá
fora” e escrever uma tese.
Aos familiares de sangue e de coração, pela compreensão nos momentos de ausência, pelo
incentivo e apoio. Marina e Ebe vocês foram especiais em muitos momentos.
A Célia pela presença e suporte e, especialmente, pelo cuidado dispensado a mim na reta final
desse trabalho.
Aos amigos, àqueles que foram bálsamo e companheiros nos momentos em que desopilar era
preciso. A vocês gratidão e como o grupo é numeroso não dá pra fazer uma lista.
Aos amigos com os quais compartilhei a saga de um doutorado, pois não caminhamos sós.
Alguns compartilharam comigo dessa empreitada, quando o assunto era um sonho, uma
decisão, um projeto e agora uma tese: Ana Rogéria, Cláudio, Janaína, Luana, Lilian, Kênia,
Marcilene, Renata, Simone, Suelaynne, Sylvana e demais amigos e colegas, mestrandos e
doutorandos, do PPGE da Faculdade de Educação da UFG com os quais convivi no período
de 2003 a 2014.
Ao Prof. Ângelo Ricardo de Souza, pelo aceite do convite e pelas relevantes colaborações no
exame de qualificação.
À Profª Janete Lins Azevedo, uma referência no campo das políticas educacionais, pela
satisfação em poder contar com a sua colaboração na banca de defesa dessa tese.
À Profª Míriam Fábia Alves, pesquisadora atenta sobre as juventudes e o ensino médio, pela
possibilidade de diálogo sobre esta pesquisa.
Ao Prof. Luiz Fernandes Dourado, professor querido desde o mestrado, pelas contribuições na
qualificação que possibilitaram o aprimoramento deste trabalho.
À Universidade Estadual de Goiás (UEG) pela licença para qualificação, pelo período de dois
anos, tempo imprescindível para a conclusão deste trabalho. Que essa possibilidade esteja ao
alcance de todos os docentes desta, de outras universidades e das instituições escolares do
nosso país.
OLIVEIRA, Valdirene Alves de. As políticas para o ensino médio no período de 2003 a 2014:
disputas, estratégias, concepções e projetos. 2017. 318 f. Tese. (Programa de Pós-Graduação em
Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017.
Esta pesquisa insere-se na Linha de Pesquisa Estado, Políticas e História da Educação do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás e objetiva compreender como se
estabeleceram as relações entre os campos educacional, político e econômico na definição das
políticas para o ensino médio no período de 2003 a 2014, correspondente aos governos Lula e
primeiro mandato do governo Dilma. Para tanto, foram realizadas pesquisas bibliográficas em
periódicos nacionais indexados pela Capes como Qualis A1 e A2, disponibilizados eletronicamente;
nos trabalhos apresentados nos GTs 05 (Estado e Políticas Educacionais) e 09 (Educação e Trabalho)
da Anped e no portal de Teses da Capes, em busca das teses de doutorado produzidas sobre as
políticas educacionais para o ensino médio. O período contemplado na revisão bibliográfica foi mais
ampliado do que o recorte da pesquisa. A investigação buscou elementos empíricos entre alguns
agentes do campo educacional, que ocuparam funções na gestão do governo federal no período
estudado e que colaboraram com o estudo, sob a forma de entrevistados, mediante um roteiro
entrevista com questões semiabertas. A pesquisa delineou, durante a revisão bibliográfica e realização
das entrevistas, os campos e agentes mais relevantes nas disputas pela pauta do ensino médio. Os
documentos oficiais pertinentes às políticas educacionais para o ensino médio também foram
mapeados, assim como os documentos oriundos dos agentes dos campos econômico e político,
considerados nesse estudo, pela relevância e por se reportarem ao ensino médio, direta ou
indiretamente. A pesquisa partiu da premissa que a definição de um projeto de educação perpassa pela
trajetória da educação brasileira e coloca em relevo as disputas de concepções e estratégias de cada
momento histórico. A investigação se debruçou sobre o período de 2003 a 2014, visando apreender a
singularidade desse momento para o ensino médio, em correlação com o fato de que na década de
1990 a educação brasileira vivenciou reformas relevantes, inclusive na última etapa da educação
básica. A hipótese de reconfiguração do ensino médio, durante o período de 2003 a 2014, perpassou
parte da investigação, mas o estudo permite afirmar que, apesar das mudanças e avanços oriundos das
políticas educacionais implementadas no período, não ocorreu a consolidação de um projeto de ensino
médio, alicerçado pelas concepções delineadas nas primeiras ações do período em questão, por
exemplo: formação integral, o trabalho como princípio educativo, o trabalho a ciência e a cultura
como eixos curriculares, portanto não houve uma reconfiguração efetiva. Esse viés perdeu força nas
disputas dentro e fora do campo educacional, em detrimento do fortalecimento do viés formativo
voltado para um ensino médio mais condizente com os interesses e demandas do campo econômico,
como expressão da força do projeto de ensino médio, delineado durante o governo FHC. As
estratégias empreendidas pelos agentes, no jogo instaurado, convergiram com o habitus peculiar de
cada campo e, no decorrer de 2003 a 2014, o campo econômico obteve maior êxito em suas disputas,
estratégias, concepções e projeto. Já o campo educacional perdeu capital simbólico, entre os agentes
do próprio campo e também junto ao campo político, por questões atreladas ao jogo político da
coalizão, das estratégias empreendidas por cada campo e pela mudança no campo de poder, que
possibilitou aos agentes do campo econômico uma melhor disposição e posição no tocante à afirmação
de seu projeto de ensino médio.
Palavras chave: Políticas de Ensino Médio; reforma do ensino médio; Ensino médio; Estado e
políticas educacionais.
ABSTRACT
OLIVEIRA, Valdirene Alves de. Policies for high school in the period from 2003 to 2014: disputes,
strategies, conceptions and projects. 2017. 318 p. Thesis. (Education Graduate Program) –
Education College, Federal Universtity of Goiás, Goiânia, 2017.
This research relates to the Line of Research State, Policies and History of Education within the
Education Graduate Program from the Federal University of Goiás and aims at understanding how
relations among the educational, political and economic fields were established in the definition of
policies for high school in the period from 2003 to 2014, corresponding to Lula's presidency and to
Dilma's first presidential term. In that regard, bibliographical researches were conducted in national
periodical publications indexed by Capes as Qualis A1 and A2, electronically available; in the works
presented in Anped's Working Groups 05 (State and Educational Policies) and 09 (Education and
Work) and at the website Teses da Capes, in search for doctorate theses produced on educational
policies for high school. The contemplated period in the bibliographical revision was wider than the
research's focus. The investigation searched empirical elements among some agents of the educational
field, who held positions in the federal government administration within the period studied and who
collaborated with the study as interviewees, by the means of a scripted interview with semi-structured
questions. The research outlined, during the bibliographical revision and conduction of interviews, the
most relevant fields and agents in the disputes for the high school guidelines. The official documents
referring to the educational policies for high school were mapped, as were the documents coming from
the agents of the economic and political fields, considered in this study, by relevance and for reporting
to high school directly or indirectly. The research started from the premise that the definition of an
educational project relates to the trajectory of Brazilian education and highlights the disputes of
conceptions and strategies of each historic moment. The investigation focused on the period from
2003 to 2014, aiming to learn the singularity of this moment to high school, in correlation to the fact
that in the decade of 1990 the Brazilian education experienced relevant reforms, including the last
stage of basic education. The hypothesis of a reconfiguration of high school, during the period from
2003 to 2014, touched part of the investigation, but the study allows the affirmation that despite the
changes and advances from the educational policies implemented in the period, there was not a
consolidation of a high school project substantiated by the conceptions outlined in the first actions of
the period in question, as for example: integral formation, work as an educative principle, work,
science and culture as curricular axes, therefore, there was not an effective reconfiguration. This
approach lost power in the disputes inside and outside the educational field, in relation to the
strengthening of the formative perspective angled towards a high school more aligned with the
interests and demands of the economic field, as expression of the strength in the high school project
outlined during Fernando Henrique Cardoso's presidential administration. The strategies used by the
agents in the established game converged with the habitus peculiar to each field and, from 2003 to
2014, the economic field had the most success in its disputes, strategies, conceptions and project. The
educational field lost symbolic capital among the agents of its own field and also before the political
field, for reasons related to the political game of coalitions, strategies undertaken by each field and by
the change in the field of power, which enabled for the agents of the economic field a better
disposition and position regarding the affirmation of their high school project.
Key-Words: High School Policies; high school reform; High School; State and educational
policies.
LISTA DE FIGURAS
Quadro 1 – Marco legal que impactou o Ensino Médio nos governos Lula da Silva e Dilma
Rousseff .................................................................................................................................... 31
Quadro 2 - Relação dos entrevistados nesta pesquisa e a função ocupada no MEC ................ 39
Quadro 3 - Matrículas no Ensino Médio por dependência administrativa 2003-2014 ............. 50
Quadro 4 - População jovem no Brasil por grupo de idade segundo a situação de domicilio –
Censo 2000/2010 ...................................................................................................................... 54
Quadro 5 - Jovens que frequentam a escola por nível/etapa de ensino e grupo de idade –
Censo 2000 ............................................................................................................................... 54
Quadro 6 - Jovens que frequentam a escola por nível/etapa de ensino, modalidade e grupo
etário – Censo 2010 .................................................................................................................. 54
Quadro 7- Organismos multilaterais com recomendações para o ensino médio brasileiro
(década de 1990 a 2014) ........................................................................................................... 61
Quadro 8 - Influência do empresariado industrial, por ondas, de 1950 aos dias atuais ......... 105
Quadro 9 - As Premissas da CNI para a educação na Agenda Legislativa de 2008-2014 ..... 116
Quadro 10 - A educação nos Relatórios de Gestão da CNI de 2006-2014 ............................ 118
Quadro 11 - Síntese sobre o ensino médio no Anuário Brasileiro da Educação Básica do TPE
(2012-2016) ............................................................................................................................ 124
Quadro 12 - Síntese das produções do TPE, por categorias e tipologia ................................. 126
Quadro 13 - Número de estados e escolas parceiros do ICE em 2013 ................................... 134
Quadro 14 - Número de escolas e alunos, por estado, no Programa Jovem de Futuro entre os
anos de 2007 a 2015 ............................................................................................................... 138
Quadro 15– Estrutura organizacional da Semtec/SEB, no MEC, com referência ao ensino
médio, no período de 2003-2014 ............................................................................................ 151
Quadro 16 – Equipe do ensino médio no MEC, por função, formação e atuação anterior e
posterior no cargo ................................................................................................................... 153
Quadro 17 - Número de entidades consultadas para a elaboração de lista tríplice de
Conselheiros do CNE 2004 a 2014......................................................................................... 160
Quadro 18 – Nomeados para conselheiros na Câmara de Educação Básica no CNE de 2004 a
2016 ........................................................................................................................................ 160
Quadro 19 – Presidentes do Conselho Nacional de Educação de 2002 a 2016, por instituição e
estado de origem ..................................................................................................................... 161
Quadro 20 - Presidentes do Consed, por formação, período de gestão, estado de origem e
governador e partido da época – 2001 a 2016 ........................................................................ 165
Quadro 21- Presidentes do CNTE de 1995-2017, por gestão e estado, formação e titulação 168
Quadro 22 - Temas da Revista Retratos da Escola CNTE (2007 a 2016) e editores ............. 171
Quadro 23 - Partidos com mandato/número de deputados na Câmara dos Deputados,
conforme o resultado das eleições – 52ª a 54ª legislaturas ..................................................... 184
Quadro 24 - Presidentes da Câmara dos Deputados de 2003 a 2015 por partido e unidade
federada .................................................................................................................................. 188
Quadro 25 - Presidentes do Senado Federal de 2003 a 2015, por partido e unidade federada
................................................................................................................................................ 189
Quadro 26- Presidentes da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados 2003-
2016, por formação acadêmica, partido e estado.................................................................... 192
Quadro 27 - Número de projetos de Lei, por legislatura, ano e status (2003-2014) .............. 193
Quadro 28- Investimento nas ações desenvolvidas no Ensino Médio, pela Semtec e SEB, no
período de 2004-200 ............................................................................................................... 229
Quadro 29 - Quadro conceitual dos documentos orientadores do Proemi (2009-2014) ........ 241
Quadro 30 - Deputados que compuseram a CEENSI/Comissão de tramitação do PL
6.840/2013 .............................................................................................................................. 255
Quadro 31 - Número de emendas apresentadas a MP nº 746/2016, por deputado ................. 258
Quadro 32- Parlamentares Cabeça, por partido, na educação e em ascensão ........................ 260
Quadro 33- Audiências públicas realizadas pela CEENSI, por ordem cronológica, campo e
proposição ............................................................................................................................... 270
Quadro 34- Seminários Estaduais/Região sobre o ensino médio, por coordenadores e temas
................................................................................................................................................ 275
Quadro 35- Seminário Nacional sobre a reformulação do ensino médio, por temas, campos e
parlamentar moderador, ocorrido em 15 e 16 de outubro de 2013 ........................................ 276
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Evolução das matrículas no ensino médio regular e Eja 2003-2014 e número de
afastados e reprovados no ensino médio regular ...................................................................... 48
Gráfico 2 – População de 15-17 anos na escola e matrícula líquida no ensino médio de 2003 a
2014 .......................................................................................................................................... 49
Gráfico 3 – Pessoas de 10 a 17 anos de idade, ocupadas na semana de referencia, por grupos
de idade – Brasil – 2000/2010 .................................................................................................. 57
Gráfico 4 - Participação da indústria de transformação no PIB do Brasil, em porcentagem, -
(2000-2011) ............................................................................................................................ 108
Gráfico 5 - Número de deputados federais oriundos do campo empresarial, por pleito (2003 a
2014) ....................................................................................................................................... 190
LISTA DE SIGLAS
RESUMO ............................................................................................................................................. 10
ABSTRACT ......................................................................................................................................... 11
LISTA DE FIGURAS ......................................................................................................................... 12
LISTA DE TABELA ........................................................................................................................... 13
LISTA DE QUADROS ....................................................................................................................... 14
LISTA DE GRÁFICOS ...................................................................................................................... 16
LISTA DE SIGLAS............................................................................................................................. 17
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 23
CAPÍTULO I ....................................................................................................................................... 42
AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO NO PERÍODO DE 2003 A 2014:
CENÁRIOS, RECOMENDAÇÕES E DESAFIOS.......................................................................... 42
1.1 O cenário brasileiro e as políticas educacionais para o Ensino Médio no período de 2003 a
2014 ................................................................................................................................................... 43
1.2 As orientações mundializadas para o ensino médio a partir da década de 1990 ................. 59
1.3 As políticas educacionais e os desafios históricos e atuais para o ensino médio sob a ótica
das produções acadêmicas .............................................................................................................. 74
CAPÍTULO II...................................................................................................................................... 96
AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO NO PERÍODO DE 2003 A 2014:
CAMPOS, AGENTES E CONCEPÇÕES ........................................................................................ 96
2.1 Elementos conceituais concernentes ao jogo e às disputas pelas políticas de ensino médio 97
2.2 O campo econômico e os agentes com maior capital simbólico na proposição de políticas
para o ensino médio ...................................................................................................................... 103
2.2.1 Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a formação para a nova indústria: o papel da
juventude ............................................................................................................................................. 111
2.2.2 Movimento Todos Pela Educação (TPE): o agente articulador ................................................. 120
2.2.3 Institutos com programas para o ensino médio: Instituto de Corresponsabilidade pela Educação,
Instituto Unibanco, Instituto Ayrton Senna – o projeto de juventude do campo econômico em ação 129
2.3 - O campo educacional e os agentes corresponsáveis pelo delineamento das políticas para o
ensino médio. ................................................................................................................................. 147
2.3.1 Secretaria de Educação Média e Tecnológica (Semtec) e Secretaria de Educação Básica (SEB):
agente protagonista ou antagonista? .................................................................................................... 150
2.3.2 Conselho Nacional de Educação (CNE): lócus de disputas entre os campos? ........................... 158
2.3.3 Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed): agente em mutação? ...................... 163
2.3.4 Confederação Nacional dos Trabalhadores (CNTE): agente de mobilização de base e política 167
2.3.5 – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (Anped): agente de
mobilização acadêmica e institucional ................................................................................................ 174
2.3.6 Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio: mobilização acadêmica e política de
entidades do campo educacional ......................................................................................................... 179
2.4 O campo político brasileiro pelo viés da Câmara dos Deputados: o capital da Comissão
Permanente de Educação.............................................................................................................. 181
AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO NO PERÍODO DE 2003 A 2014,
SOB A PERSPECTIVA DOS AGENTES DO CAMPO EDUCACIONAL: CONCEPÇÕES,
PROJETOS, ESTRATÉGIAS E DISPUTAS ENTRE OS CAMPOS EDUCACIONAL,
ECONÔMICO E POLÍTICO .......................................................................................................... 196
3.1 O legado da gestão FHC para o ensino médio e as políticas educacionais para o ensino médio de
2003 a 2014 na perspectiva dos agentes do campo ......................................................................... 198
3.2 - As disputas nas políticas educacionais para o ensino médio: os novos/velhos dilemas e desafios
......................................................................................................................................................... 218
3.3 A relevância da Câmara dos Deputados como agente do campo político: entre as aproximações e
distanciamentos dos campos econômico e educacional nas proposições para o ensino médio ...... 247
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................... Erro! Indicador não definido.
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 294
APÊNDICES ...................................................................................................................................... 311
Apêndice A - Produções Qualis A1, por ano de publicação (2003-2016 ................................... 312
Apêndice B - Produções Qualis A2, por ano de publicação (2003-2016 ................................... 315
Apêndice C - Trabalhos apresentados na Anped, por ano e Reunião (2003 a 2015)............... 316
Apêndice D ..................................................................................................................................... 318
Temáticas relacionadas ao Ensino Médio, por Periódico, Qualis A1, publicadas
eletronicamente de 2003 a 2016.................................................................................................... 318
Apêndice E ..................................................................................................................................... 319
Temáticas relacionadas ao Ensino Médio, publicadas de 2003 a 2016, em revistas da área da
Educação, versão on line, Qualis A2............................................................................................ 319
Apêndice F ..................................................................................................................................... 319
Temas contemplados nos trabalhos dos GTs 5 e 9 da Anped (2003-2015) ............................... 319
Apêndice G – Roteiro de entrevista ............................................................................................. 320
INTRODUÇÃO
24
Florestan Fernandes (1973) analisa três fases de desenvolvimento do capitalismo
(neocolonial, comercial, industrial) e explicita como se configura o padrão dependente, como
eixo estrutural do desenvolvimento do capitalismo na América Latina, ou seja:
A dependência, por sua vez, não é mera “condição” ou “acidente”. A articulação
estrutural de dinamismos econômicos externos e internos requer uma permanente
vantagem estratégica do pólo econômico hegemônico, aceita como compensadora,
útil e criadora pelo outro pólo. Ainda aqui, são os momentos de crise que revelam
melhor a natureza do processo. Quando se dá a eclosão do mercado moderno, a
revolução comercial ou a revolução industrial, os parceiros internos se empenham
em garantir as condições desejadas pelos parceiros externos, pois veem em seus fins
um meio para atingir os seus próprios fins. Não que se considerem incapazes de
“montar o jogo”: pensam que usando tal método tornam o processo mais
“lucrativo”, “rápido”, “seguro”. Privilegiam, assim, as vantagens relativas do pólo
dinâmico mais forte porque “jogam nelas” e pretendem realizar-se através delas.
Não se deve pensar que aí se ache o avesso da ética e da racionalidade capitalista.
Essa é a ética e racionalidade do capitalismo dependente. (FERNANDES, 1973,
p.54-55)
25
Mèszáros1 afirma, contudo, que a atual crise do capitalismo não é cíclica e que
esta se configura numa crise estrutural do capital, com características bem singulares: um
caráter universal, uma vez que não se aplica apenas à produção, tem caráter global, pois se
localiza nos países periféricos e centrais, permanente estado de crise, possui desdobramentos
graduais ao contrário de grandes impactos, como em outras crises. Para o filósofo húngaro a
crise estrutural do capital não encontrará soluções para os desdobramentos problemáticos que
surgirão, uma vez que em curso estaria o caráter autodestrutivo do sistema do capital, que por
sua vez se delineia no:
1
No dia 28 de novembro de 2013 ocorreu a palestra “A montanha que devemos escalar: reflexões sobre o
Estado" proferida pelo sociólogo István Mèszáros, na Universidade Federal de Goiás. Em tal palestra, entre
outros aspectos, Mèszáros pontuou os defeitos estruturais das condições objetivas, por meio do Estado, que
subsidiam o capitalismo, pois o capital não sobrevive sem elas.
26
em um ideário burguês, ou seja, de um modelo de sociedade. Para Boneti (2014), no estudo
das políticas educacionais, percorrer esse fio colabora com a compreensão sobre o
fundamento epistemológico que perpassa em boa parte das políticas sociais.
Nesse sentido, no processo de redemocratização do país e de democratização do
ensino no Brasil, marcadamente após a Constituição Federal (CF) de 1988, houve alguns
avanços na perspectiva da educação como direito de todos, como direito público e subjetivo.
Por outro lado, também é possível observar que a partir da década de 1990 houve uma
retomada e rejuvenescimento da Teoria do Capital Humano2. Essa dinâmica desvela a
existência de uma vertente que apregoou e apregoa a necessidade da escola atender as
prerrogativas do mercado de trabalho, em prol do fortalecimento do capital humano do país,
em busca de empregabilidade e do desenvolvimento econômico. Essa perspectiva ganha
relevância em alguns momentos históricos e opera em consonância com a Teoria do Capital
Humano, pois esta coaduna com as premissas do modo de produção capitalista.
Desse modo, é possível demarcar que, no período que culminou com a
promulgação da CF de 1988, o campo educacional viveu um período de mobilização,
organização e demonstração de força nos grandes embates, que permearam temáticas da
educação e da ampliação dos direitos sociais. Já a partir de 1990 o país viveu um período de
muitas mudanças, como as reformas políticas e administrativas, expressas em muitas políticas
públicas e programas sociais e educacionais, que por sua vez foram respaldadas por um
arcabouço legal volumoso, constituído por: Emendas Constitucionais, Leis, Decretos,
Portarias e Resoluções, dentre outros.
No campo educacional todos os níveis, etapas e modalidade da educação
brasileira foram contempladas em proposições de mudanças substantivas, aliadas às propostas
de suporte em prol da implementação e efetivação das alterações pretendidas. Esse
considerável volume de proposições tem sido alvo de muitas pesquisas nas duas últimas
décadas e, boa parte, dessas tem revelado que essas proposições e ações comportam muitas
nuances e vertentes em suas tecituras.
2
A educação sob o viés dessa teoria advém da década de 1950 e foi reconhecida em 1968 com o Prêmio Nobel
de Economia, nas premissas apresentadas por Theodore Schultz, que apresentou uma sistematização que
explicava as variações no desenvolvimento e subdesenvolvimento dos países. Para Gentili (1998) na década de
1990 há uma ressignificação da Teoria do Capital Humano e esse processo repercute na definição das políticas
públicas e educacionais, especialmente dos países em desenvolvimento. Para Gentili são três os aspectos que
marcam a ressignificação dessa teoria: investimento em educação deixa de ser de responsabilidade do Estado e
passa a ser da alçada do individuo; a possibilidade de garantia de um emprego é substituída pela
empregabilidade; o direcionamento dos rumos para os investimentos em educação deixa de ser da
responsabilidade de definição do Estado e passa a ser conforme as exigências do mercado.
27
Assim, discutir acerca da escolarização pretensa para os jovens brasileiros, pela
via das políticas educacionais de um período, há que se compreender a escola como
instituição social no seu percurso histórico. Isso implica em visualizar os desafios que surgem
nessa trajetória, pois os velhos e novos embates sobre o papel da escola na sociedade moderna
adquirem diferentes conotações, com implicações no papel dessa instituição, bem como nas
expectativas dos sujeitos que nela estão.
Frigotto (2000) compreende que as formas de sociabilidade se modificam,
inclusive, em virtude das transformações emanadas do modo de produção capitalista, pois há
uma relação imbricada entre trabalho e educação. Essa relação, no curso da história da
educação e na singularidade da sociedade brasileira, adquiriu dinâmicas peculiares de projetos
de educação escolar, ou seja, a perspectiva moralista, instrumentalista e pragmática, dentre
outras perspectivas, são exemplos que operaram mecanismos de legitimação no campo
educacional, pois:
3
O evento que gerou tal consenso foi organizado pelo Institute for International Economics e contou com a
participação de autoridades como Ronald Reagan, Margareth Tatcher, vários economistas latino americanos,
funcionários e instituições como FMI, BIRD, BID. Foram definidos dez eixos norteadores para as ações
governamentais: 1) Disciplina Fiscal, através do qual o Estado deve limitar seus gastos à arrecadação; 2)
Focalização dos gastos públicos em educação, saúde e infraestrutura; 3. Reforma tributária que amplie a base
sobre a qual incide a carga tributária, com maior peso nos impostos indiretos e menor progressividade nos
impostos diretos; 4) Liberalização financeira, com o fim de restrições que impeçam instituições financeiras
internacionais de atuar em igualdade com as nacionais e o afastamento do Estado do setor; 5) Taxa de câmbio
competitiva; 6) Liberalização do comércio exterior, com redução de alíquotas de importação e estímulos à
exportação, visando a impulsionar a globalização da economia; 7) Eliminação de restrições ao capital externo,
permitindo investimento direto estrangeiro; 8) Privatização, com a venda de empresas estatais; 9)
Desregulamentação com redução com redução da legislação de controle econômico e das relações trabalhistas;
10) Propriedade Intelectual. (NEGRÃO, 1998, P.41-43).
4
Bresser Pereira pode ser considerado um importante intelectual na implementação de um modelo de Estado,
calcado na publicização, ou seja, uma série de transformações nas entidades de serviços do estado, que foram
transformadas em organizações sociais, que passaram a ser entidades públicas não-estatais ou fundações de
direito privado.
28
mundialização do capital foi vivenciado de modo exponencial nesse período, bem como os
desdobramentos do advento da revolução tecnológica e das mudanças no modelo de produção
do modo taylorista/fordista para o toyotismo também estiveram em evidência. (CHENAIS,
1996); (ANTUNES, 1999); (SCHAFF, 1990).
Frigotto (2000) salienta que nesse mesmo período surge, como premissa, da nova
ordem econômica mundial, a expressão “sociedade do conhecimento”, assim como outros
conceitos foram metamorfoseados e disseminados por organismos multilaterais com trajetória
histórica na educação brasileira. Tais elementos corroboraram com um período de importantes
políticas educacionais em todas as etapas e níveis da educação básica e superior. Neves
(2005) compreende essa configuração como uma estratégia do capital em busca da
disseminação do seu ideário e da formação do consenso, que encontrou na década de 1990 no
Brasil um terreno fecundo para definição de políticas educacionais condizentes.
Já no inicio dos anos 2000 o cenário político no país revelava uma tendência para
a renovação. Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) havia
uma aversão ao projeto político e à política econômica em curso, ou seja, as grandes
privatizações abalaram a confiança dos brasileiros e o Plano Real já não era mais
comemorado como outrora. Além disso, o partido do presidente que estava no poder desde
1995, o Partido da Social Democracia Brasileira, PSDB, experimentava uma crise interna,
assim como um enfraquecimento na base aliada. Somava-se a esse panorama a postura do
governo federal frente às questões sociais, como o enfrentamento da miséria e da fome, ou
seja, esses aspectos foram secundarizados nas políticas governamentais e isso também causou,
por parte da população menos favorecida, um apelo à mudança no quadro político do país.
Essa perspectiva se aproxima da seara que perpassa no tecido social, em relação
ao campo político, bem como sobre os critérios que o eleitor utiliza ao fazer suas escolhas,
pois:
30
econômico (agente empresarial), político (agentes na Câmara dos Deputados) e
educacional (agentes nos cargos de gestão do governo federal) nas políticas educacionais
para o Ensino Médio no período de 2003 a 2014? Houve um processo de reconfiguração do
ensino médio e quais são suas características? O quadro5 abaixo ilustra o volume de
proposições legais, direta ou indiretamente, ligadas ao ensino médio no período de 2003 a
2014.
Quadro 1 – Marco legal que impactou o Ensino Médio nos governos Lula da Silva e
Dilma Rousseff
5
A classificação dos quadros, gráficos e imagens e a tabela que compõem esse trabalho seguiu a recomendação
da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) NBR 14724/2011.
31
*Lei nº 11.096, em 13 de janeiro de 2005
Ensino Médio X
(institucionalizou o Prouni (Programa Universidade
Avaliação
para Todos), criado em 2004);
Nacional
*Portaria/MEC nº 807, de 18 de junho de 2010, institui
o Enem como avaliação final do Ensino Médio e o
torna possível como ingresso na educação superior pelo
Sisu.
*Decreto 6.755 de janeiro de 2009 institui a Política Portaria Ministerial
Formação docente
6
No final de 2012 foi anunciado, pela Secretaria de Estado de Educação de Goiás, a criação do projeto piloto de
escolas de tempo integral em Goiás em parceria com o Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE)
para ser implementado em 15 escolas, sendo (8 na capital e 7 no interior). Esse projeto recebeu o nome de
“Novo Futuro”. Esse anúncio ratificou uma observação anterior, por parte da pesquisadora, acerca da criação de
novos modelos de oferta de ensino médio, pois desde 2007 já existia a parceria de Goiás com o Instituto
Unibanco para o desenvolvimento do Programa Jovem de Futuro.
32
leituras diversas sobre essas novas experiências de ensino médio possibilitaram perceber que
a teia relacional era mais complexa e a apreensão das disputas do jogo em questão exigiria a
busca de elementos mais amplos dentro e fora do campo educacional. Assim, a construção do
objeto de pesquisa e a proposta metodológica sinalizaram uma rota, com a ressalva que os
procedimentos metodológicos não foram antecedidos à prática, apenas pelo fato de que foram
definidos de antemão (BOURDIEU, 1999). Os procedimentos metodológicos foram sendo
delineados em consonância com a pesquisa documental e bibliográfica.
A revisão bibliográfica em uma pesquisa, para além de possibilitar ao pesquisador
seguir o fio condutor das análises já desenvolvidas e assim ampliar a compreensão sobre a
temática em análise, também permite que outras perspectivas de investigação e abordagem do
objeto possam ser acrescidas no decorrer da pesquisa em curso. Luna (1998) salienta que a
revisão de literatura, em si, pode se constituir em um trabalho de pesquisa, pois se configura
em uma importante tarefa de suporte e é também indissociável na definição do problema.
Nesse percurso singular foi possível, como pesquisadora, experimentar o ato de se
tornar um “Posseiro da Diferença”, expressão tão bem cunhada por Bartolomeu Campo de
Queirós, ao descrever o ato de ler, pois: “Lê-se para tomar posse do que já foi desnudado pelo
homem, para ampliar os limites, para apropriar-se da fragilidade, para recuar as fronteiras”
(2012, p.84). Assim sugiram novas inquietações sobre as temáticas relacionadas ao ensino
médio e não apenas sobre as políticas educacionais de ensino médio, em correlação com as
questões inicialmente intrínsecas à pesquisa, uma vez que a perspectiva relacional sustenta a
compreensão que o objeto em estudo “não está isolado de um conjunto de relações de que
retira o essencial de suas propriedades”. (BOURDIEU, 1989, p.27).
A revisão de literatura nesta pesquisa, tanto nas teses de doutorado, quanto nas
publicações dos periódicos, teve como objetivo o diálogo com as produções acadêmicas, em
que o ensino e as políticas educacionais afins tivessem sido o objeto de estudo. Assim,
pautado por esse diálogo, a pretensão foi de sistematizar as presenças e ausências que
circundavam, atualmente, a temática. Ou seja, apreender os elementos relevantes para o
esboço da história social do objeto em estudo e assim delinear os desafios históricos e atuais
para o ensino médio, implícitos e explícitos nessas produções. O recorte da revisão
bibliográfica sempre que possível, como nos periódicos, buscou ser mais ampliado que o
período do recorte do estudo, tendo em vista a intenção de abarcar mais subsídios para a
pesquisa. A sistematização da revisão bibliográfica encontra-se nos Apêndices A, B, C, D, E,
F.
33
Na fase de revisão bibliográfica a temática juventude se constituiu como um
elemento relevante, em face do contexto social e político do país, que culminou com um
período fecundo de importantes políticas públicas para a juventude e políticas educacionais
para o ensino médio, mas somente estas são discutidas a contento neste estudo. A categoria
juventude não foi um elemento balizador que perpassou a pesquisa, mas o estudo desse
conceito permitiu compreender que há distintas concepções de juventude, ou seja, existem
juventudes na sociedade e nas políticas educacionais. Desse modo, os estudos que se de
debruçam sobre a temática juventude e escolarização instigam múltiplas leituras sobre a
sociedade brasileira e a forma como as questões juvenis têm sido contempladas nas políticas.
Em termos técnicos, o Censo de 2000 revelou que, pela primeira vez no Brasil, a
população jovem assumiu a maioria na composição de número de habitantes no país e tal
situação foi explicada pelos estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) como uma consequência do fenômeno denominado de onda jovem7, desencadeado
por fatores como: queda na taxa de mortalidade infantil na década de 1980, tanto por melhoria
nas condições de saneamento básico como pelo surgimento e pela disseminação de
medicamentos mais eficientes, como os antibióticos, no combate de algumas doenças.
Essa onda jovem ocorreu em um mesmo período que, segundo Borges (1998),
emergia um ambiente marcado por profundas transformações no modo de produção capitalista
“que impactaram fortemente o mercado de trabalho, tanto no que se refere ao volume da
demanda por mão-de-obra do setor organizado da economia quanto às formas de inserção e
aos requisitos de qualificação” (p.12).
Essa perspectiva associada ao cenário mundial de início de um novo século,
permeado pelos anseios econômicos dos países emergentes e sob as recomendações dos
organismos multilaterais encontrou respaldo nos países mais populosos do mundo, neste caso
o Brasil. As decisões tomadas na esfera governamental, no âmbito do campo educacional,
desvelam intencionalidades, são escolhas políticas e tiveram esse quadro geral como contexto.
Eis que uma situação conjuntural se atrelou a uma questão estrutural e o enfrentamento dessa
situação reivindicou um posicionamento político ideológico no delineamento das ações que
foram empreendidas.
Ao Estado coube delinear ações que contemplassem o grupo etário juvenil,
sobretudo, na postura quanto ao atendimento de direitos historicamente negados como a
democratização da escolarização para todos, especialmente tendo em vista o agravamento de
7
Essa terminologia é empregada para registrar o incremento populacional da faixa etária de 15 a 24 anos.
34
alguns problemas sociais como a violência, a propagação das drogas e de doenças
sexualmente transmissíveis como a Aids, pois esses problemas possuem maior incidência no
segmento juvenil.
Tal prerrogativa evidenciou, nas políticas públicas, inclusive pelos slogans e
terminologias adotadas, as múltiplas perspectivas de juventude em discussão no debate
brasileiro. Essa multiplicidade de vertentes também denotou diferentes expectativas para a
juventude e para a escolarização desta, que por sua vez foram balizadas por algumas
perspectivas que priorizam o mundo do trabalho na definição de suas agendas. Em outras
palavras, o acréscimo na demanda de vagas para o ensino médio e o comprometimento das
condições objetivas, por parte do poder público, para suprir essa lacuna, foram enfrentados
com o viés condizente com o vislumbrado para a sociedade brasileira para os próximos anos.
As políticas para o ensino médio, a partir da década de 1990 tiveram esse contexto
reivindicativo.
Uma observação mais atenta desse percurso evidencia que a temática juventude
esteve mais presente na pauta das ações das gestões dos governos federais, a partir de 2003,
do que em outros momentos da história política do país. Inclusive nesse período foram
estabelecidos marcos e ações importantes, com múltiplas e distintas finalidades, para a
juventude brasileira e para o ensino médio, tais como: a criação do Estatuto da Juventude, da
Secretaria Nacional da Juventude, do Conselho Nacional da Juventude e do Programa
Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem)8; definição de Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio; reformulação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
Certamente, tais ações, direta e indiretamente, buscavam imprimir uma lógica na identidade
juvenil brasileira, não apenas para os jovens do/no ensino médio, mas o ideário pretendido
para a juventude brasileira, em alguma medida, ecoa nas políticas educacionais de ensino
médio empreendidas no Brasil a partir da década de 1990. Tais políticas, inclusive, não
podem ser compreendidas como síntese homogênea de uma concepção ou de um projeto de
um tempo histórico, pois há singularidades e contradições latentes.
Shiroma, Campos e Garcia (2011) ratificam que na análise dos documentos que
sustentam uma política educacional, ao buscar desvelar os embates que podem surgir no
campo dos conceitos, mas que não se circunscrevem nesse âmbito, pois é necessário
8
O Projovem e o Conselho Nacional da Juventude, juntamente com a Secretaria Geral da Presidência da
República, foram criados pela Medida Provisória nº 238 de 1º de fevereiro de 2005. Tal MP seguiu a orientação
do Grupo Interminsterial da Juventude criado em 2004 e constituído por 19 ministérios. Após a tramitação da
MP foi sancionada a Lei nº 11.129 de 30 de junho de 2005, que instituiu o Projovem, criou o Conselho Nacional
da Juventude e a Secretaria Nacional da Juventude.
35
compreender as disputas e como as mesmas marcam a produção documental. Tal produção se
constitui e é constituída de intencionalidades políticas e, nessa perspectiva, algumas
considerações desses pesquisadores foram norteadoras na análise dos documentos sobre as
políticas educacionais para o ensino médio, pois:
36
abordagem qualitativa esses elementos poderiam, conforme o recorte e o objeto, prescindir da
necessidade de recorrer diretamente aos fatos/fenômenos da realidade empírica.
O projeto de pesquisa que originou este trabalho previa a realização de entrevistas
semi-estruturadas ou, preferencialmente, abertas com agentes individuais dos campos
abordados no estudo, já em sua primeira versão. Mesmo antes do início da pesquisa havia a
premissa que os sujeitos não seriam definidos a priori, mas no decorrer da realização da
análise documental, em consonância com a revisão bibliográfica da temática. Portanto, os
campos e os agentes seriam selecionados entre os que fossem surgindo como agentes
relevantes na compreensão da temática e assim o foram.
Apesar de um roteiro9 prévio, a maior parte das entrevistas ocorreu de forma
aberta, pois, conforme salienta Minayo (1993), essa forma de entrevista contempla o
pesquisador, quanto ao desejo de obter o maior número possível de informações sobre
determinado tema, segundo a visão do entrevistado, e também possibilita obter um maior
detalhamento do assunto em questão. Além disso, Bourdieu (1999) considera que o
pesquisado é o sujeito principal na relação pesquisador-pesquisado. De modo que a entrevista
é uma oportunidade ímpar para o pesquisado ser ouvido e cabe ao pesquisador criar condições
para que se efetive um diálogo realmente efetivo. Neste trabalho a escuta dos relatos
apresentados pelos sujeitos pesquisados foi singular para a definição de novas rotas na
pesquisa.
A opção pela escuta e diálogo apenas com os agentes do campo educacional, que
ocuparam funções estratégicas, no âmbito do MEC, durante o período de 2003 a 2014 se
pautou pela premissa que esses seriam os principais sujeitos para dialogar sobre a perspectiva
do campo educacional, dentro do quadro governamental, frente às demandas emanadas de
outros campos. Nesse sentido, a realização das entrevistas com esses agentes objetivou
averiguar a percepção dos mesmos sobre a participação e o peso da influência dos campos
econômico e político, na configuração do ensino médio de 2003 a 2014, como síntese das
políticas educacionais propostas. Os agentes do campo educacional foram convidados a
apresentar um ponto de vista, mediante a experiência que tiveram por atuar em espaços com a
possibilidade, ainda que relativa, de tomar decisões teóricas e práticas.
Os demais campos não foram contemplados com entrevistas, inclusive, devido à
compreensão de que as propostas definidas para o ensino médio, ainda que sejam sínteses da
correlação de forças e disputas entre diversos campos tiveram no campo educacional as
9
O roteiro nuclear das entrevistas encontra-se no Apêndice G.
37
principais instituições e agentes, representantes do aparelho que estatal, para sistematizar e
legitimar as mesmas. Assim esses sujeitos desempenham um papel relevante: dar viabilidade
à política definida, ainda que esta seja em perspectiva divergente do agente, como sujeito
individual, atuante campo educacional, no lócus gestor. Em outras palavras são sujeitos com
um olhar singular, em face dessa condição privilegiada que ocupam em um determinado
tempo histórico.
Foram selecionados 11 agentes individuais que ocuparam funções na coordenação
ou direção no MEC, em secretarias responsáveis pela gestão do ensino médio no período 2003
a 2014. Do total de agentes, seis foram diretores e desses três foram entrevistados. Os outros
três não foram entrevistados por três motivos diferentes: um estava e ainda está com problema
grave de saúde, um não deu retorno em nenhum dos contatos que foram realizados pela
pesquisadora e um, apesar de confirmar a participação no primeiro contato, não deu mais
retorno aos contatos subsequentes.
Entre os cinco Coordenadores de Ensino médio, apenas um não foi entrevistado.
Essa pessoa atualmente não reside no Brasil e não deu retorno aos contatos via e-mail. Um
dos entrevistados ocupou concomitantemente a função de Coordenador de Ensino Médio e de
Diretor de Concepções e Orientações Curriculares para a Educação Básica, por um período e
a entrevista dele foi computada no grupo de Diretores, pois ocupou essa função por um
período maior. Além desses profissionais que aturam em cargos dentro da estrutura
administrativa do MEC, também foi realizada uma entrevista com a pessoa que ocupou a
função de coordenação nacional de uma grande ação do MEC, na elaboração de material
didático e de realização de seminários nacionais para os coordenadores do Pacto Nacional de
Fortalecimento do Ensino Médio. Assim, ao todo foram realizadas sete entrevistas.
No primeiro contato com os possíveis entrevistados10 foi definida a metodologia
que cada um preferia para a realização da entrevista (presencialmente, via roteiro com
questões enviadas e devolvidas via e-mail ou via Skype). Desse modo, as entrevistas foram
realizadas na modalidade que o entrevistado escolheu, sendo: dois optaram pelo envio de
roteiro e devolutiva de questões por e-mail, uma preferiu presencialmente e quatro optaram
pela entrevista via Skype. Em face de duas entrevistas terem evoluído para um tempo maior
que o previsto, durante o diálogo, houve um comum acordo entre a pessoa entrevistada e a
entrevistadora acerca da continuação da entrevista em outro momento e assim foi feito. As
10
A proposta de realização de entrevistas com esses sujeitos foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal de Goiás em consonância com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466 de 12
de dezembro de 2012, que estabelece as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa com seres humanos.
O projeto e o roteiro de entrevista foram aprovados pelo Parecer Consubstanciado do CEP nº 1.772.305/2016.
38
entrevistas na modalidade via Skype totalizaram cinco horas e meia de gravação e
posteriormente o conteúdo foi transcrito integralmente pela entrevistadora. A entrevista na
modalidade presencial também foi gravada e transcrita e teve a duração de uma hora e meia.
As entrevistas realizadas na modalidade via e-mail totalizaram 18 laudas, sendo 10 de um
entrevistado e oito do outro. Esse rico material foi explorado exaustivamente e somente após a
realização das entrevistas ocorreu a redação do segundo e terceiro capítulos.
Em todas as modalidades de entrevistas, realizadas nesta pesquisa, houve uma
excelente colaboração dos sujeitos entrevistados. Todos foram muito colaborativos e
enriqueceram sobremaneira a compreensão sobre as disputas empreendidas entre os campos
educacional, econômico e político, bem corroboraram com a delimitação de quais foram os
agentes protagonistas em cada campo. O quadro abaixo apresenta a relação com os nomes dos
sujeitos, mas, no decorrer da exposição do conteúdo das entrevistas no trabalho, a
impessoalidade é mantida, já que o objetivo central das entrevistas foi apreender o olhar do
agente educacional sobre o período que ele esteve no MEC, não houve a intenção de
apreender um olhar individualizado dos sujeitos. No capítulo 3, quando alguns excertos das
entrevistas são apresentados, a nomenclatura “Entrevistado”, vem acompanhada da
numeração 1, 2, 3, 4, 5, 6 ou 7 em alusão à ordem de realização da entrevista e não como
forma de identificação do sujeito entrevistado.
40
perspectiva de ensino médio constituída no período de 2003 a 2014. Nos três tópicos do
capítulo são apresentadas as compreensões e inferências apreendidas durante a pesquisa,
mediante a leitura e análise dos documentos e publicações oriundas dos campos econômico,
político e educacional. Também apresenta alguns trechos das entrevistas que foram realizadas
com os agentes do campo educacional, que participaram da gestão governamental no período
contemplado pela pesquisa. As entrevistas fornecem elementos ímpares para o esclarecimento
e compreensão sobre as perspectivas de juventude e escolarização que se consolidaram nas
proposições governamentais de 2003 a 2014, bem como desnudam a imbricada relação entre
os campos. Este capítulo está assim organizado: 3.1 – O legado da gestão do Governo FHC
para o ensino médio e as políticas educacionais para o ensino médio de 2003 a 2014 na
perspectiva dos agentes do campo educacional; 3.2 – As disputas entre os campos em prol de
um projeto de ensino médio: os novos/velhos desafios; 3.3 – A relevância da Câmara dos
Deputados como agente do campo político: entre as aproximações e distanciamentos dos
campos econômico e educacional nas proposições para o ensino médio.
Convém deixar registrado, já na introdução desta tese, que houve um esforço
considerável durante a fase de desenvolvimento da pesquisa, especialmente na fase de redação
do trabalho para o exame de qualificação, pois especialmente nos anos de 2015 e 2016 o país
viveu um período singular no campo político, que culminou com o impeachment da
Presidenta Dilma Rousseff. Esse quadro acarretou em desdobramentos para o campo
educacional, inclusive para as políticas de ensino médio. Nas considerações finais do trabalho
alguns elementos desse contexto são contemplados.
41
CAPÍTULO I
43
na configuração de ações, em consonância com o modelo de sociedade em curso, como
síntese dos projetos em disputa.
Em 2003 iniciou o mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, que depois
de três derrotas anteriores ao cargo de Presidente da República conseguiu ser eleito no
segundo turno das eleições de 2002. Boito Júnior e Berringer (2013) afirmam que a chegada
de Lula da Silva ao poder resultou em uma alteração na composição do bloco no poder. Braga
(2012) salienta que a eleição presidencial de Lula marcou uma reviravolta nas relações entre o
sindicalismo brasileiro e o aparelho do Estado, uma vez que um número significativo de
cargos de direção e assessoramento no governo foram preenchidos por sindicalistas.
Francisco de Oliveira tece considerações importantes sobre o cenário que
consubstanciou a composição da equipe do Governo Lula, bem como as perspectivas que
foram tomadas desde a possibilidade de chegada ao Poder Executivo Federal. Oliveira (2007)
lembra:
A performance conservadora do futuro governo, quando a vitória pareceu plausível,
anunciou-se na inflexão da “Carta ao povo brasileiro”, documento tirado no
encontro do Novotel, em São Paulo, um recado claro ao empresariado, às
instituições “policiais” do capital financeiro (FMI, Bird, BID e OMC), às grandes
empresas e às grandes potências, capitalistas: um governo Lula não romperia
contratos (p.267).
11
Oliveira (2007) discute no texto “Momento Lenin” a criação, composição e perspectivas do Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), bem como outros aspectos sobre a relação Governo Lula e
empresariado.
44
Ruy Braga (2012) denomina a chegada do PT no governo e no poder de
transformação às avessas, assim como Francisco de Oliveira (2007). A mutação do Populismo
brasileiro para o Lulismo possui em seu enredo as raízes entranhadas na classe operária e
resultou em consentimento passivo dessa classe, fomentado pela ascensão de um
representante no aparelho estatal, pelo controle dos fundos de pensão, pelas políticas públicas
de aumento de renda e incentivo ao aumento do consumo.
Para Braga, em analogia a Gramsci, esse processo pode ser considerado como o
“fatalismo dos fracos” e também o período de ampliação dos subalternos e enfraquecimento
dos movimentos sociais. Os operadores de telemarketing, na obra de Braga, são considerados
uma síntese desse processo e se constituem em um grupo formado prioritariamente por
jovens, inclusive pela possibilidade de maior adesão e menos resistência desses 12 à
precariedade que essa área oferece aos trabalhadores.
Baltar e Leone (2015) apontam, que o período correspondente aos primeiros anos
da década de 2000 registrou um bom desempenho no mercado de trabalho nos seguintes
aspectos:
queda da taxa de desemprego (de 9,1% para 6,6%), no aumento do grau de
assalariamento (a participação do emprego de estabelecimento na ocupação total
aumentou de 57,3% para 63,8%), no aumento do grau de formalização dos contratos
de trabalho dos estabelecimentos (a proporção de contratos celetistas e estatutários
no total dos contratos de trabalho aumentou de 67,5% para 76,6%) e no aumento do
nível de renda do trabalho (o poder de compra da renda mediana das pessoas
ocupadas com rendimento positivo aumentou 64,3% ou 5,7% ao ano). A forte
ampliação do emprego formal e o expressivo aumento de renda em todas as posições
na ocupação elevaram a renda das famílias que junto com o aumento da demanda e
oferta de crédito provocaram intenso aumento do consumo. (BALTAR; LEONI,
2015, p.56).
Por sua vez, Pochmann (2011) salienta que nos anos de 2008 e 2009 o Brasil
viveu o descortinamento do mito sobre a impossibilidade de redução da miséria em um
contexto de crise internacional, pois:
(...) a soma do emprego com carteira, funcionários públicos e empregadores
contribuintes para a previdência, que representava, em 1998, 45% passou para 54%
em 2009. Neste caso, o aumento do salário mínimo não promoveu maior
informalidade, mas se mostrou fundamental, antes da crise, para o mercado interno.
Durante a crise internacional, o salário mínimo teve papel decisivo, ao lado dos
mecanismos de transferência de renda do programa Bolsa-Família, para reduzir a
pobreza e mitigar os efeitos da desaceleração na geração do emprego.
(POCHMANN, 2011, p.88)
12
Silva (2012) salienta, em sua pesquisa, que embora os jovens constituam o grupo mais escolarizado desse país,
ainda permanece sendo o grupo etário com menos oportunidades de emprego, além do agravante da dificuldade
para conseguir o primeiro emprego.
45
Pochmann (2011) discute o contexto dessas transformações sociais no Brasil,
mediante as propostas governamentais no Governo Lula da Silva, expressas nas reformas
empreendidas naquele período. Para o economista ainda que o tripé da política
macroeconômica (metas de inflação, regime de câmbio flutuante, manutenção de superávits
primários nas contas públicas) iniciada em 1999 tenha se mantido no período de 2003 a 2010,
as políticas públicas e o padrão de mudanças sociais podem ser compreendidos sob a ótica de
quatro pressupostos: 1) Rompimento com a perspectiva que o desenvolvimento ocorre de
modo espontâneo e ordenado pela lógica do mercado à medida que ocorre a estabilidade
monetária. Ao contrário, foi preconizado a recomposição das empresas e bancos estatais,
realização de concursos públicos e criação de programas como o Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), Programa Nacional de Habitação Popular (Minha Casa, Minha Vida),
dentre outras ações; 2) Forte ênfase nas políticas sociais como adesão à perspectiva que é
preciso ampliar os horizontes da economia, sem acentuar as desigualdades sociais; 3)
Fortalecimento da autonomia na governança interna da política econômica nacional e esse
fortalecimento resultou em um menor impacto da crise mundial de 2008 no Brasil, pois o
mercado interno era o dinamismo da economia nacional; 4) Mudança na imagem do Brasil no
exterior, pois de dependente de organismos financeiros multilaterais o país passou a ser
referência para outros países, a exemplo, a postura do Brasil foi decisiva na criação do
Mercosul.
Já Boito Jr (2012) afirma que tanto os Governos Lula da Silva quanto o de Dilma
Rousseff se sustentaram na lógica neodesenvolvimentista13, que, além de não romper com o
modelo econômico neoliberal, resguarda particularidades quanto ao velho
desenvolvimentismo. Assim, “a contradição que continua polarizando a política nacional é
aquela que opõe o campo neodesenvolvimentista ao campo neoliberal ortodoxo”. (p.12-13)
O Banco Central afirmou que, no final de 2003, o país registrou uma inflação
efetiva de 12,53%,14em 2006 registrou o menor índice da história, pois chegou a 3,14% e em
2014 a inflação efetiva foi de 5,91% e esse fato, segundo Baltar e Leone (2015) corroborou
com a reativação da economia e favoreceu o poder de compra das pessoas, inclusive as que
13
Boito Jr (2012 desenvolveu conceitualmente as bases das políticas neodesenvolvimentistas dos governos Lula
(2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014). Já Aloizio Mercadante, em 2010, na época senador pelo PT,
defendeu a sua tese de doutorado na Unicamp, intitulada "As Bases do Novo Desenvolvimentismo, sob a
orientação de Mariano Francisco Laplane: Análise do Governo Lula". Na banca estiveram os ex-ministros
Antonio Delfim Netto e Luiz Carlos Bresser Pereira e os professores João Manuel Cardoso de Mello, da
Unicamp e da Facamp, e Ricardo Abramovay, da USP. Mercadante defendeu a tese que o governo Lula iniciou a
construção de um novo desenvolvimentismo, que rompe com as premissas do neoliberalismo e com o nacional
desenvolvimentismo.
14
https://www.bcb.gov.br/Pec/metas/TabelaMetaseResultados.pdf
46
possuíam renda de um salário mínimo15. Essa valorização do salário mínimo e a política de
transferência de renda foram de suma importância para economia do país, para a diminuição
da pobreza e para o enfrentamento da crise mundial de 2008-2009, segundo Pochmann
(2011).
No campo educacional brasileiro a chegada do Século XXI contrastou com o fato
de que alguns problemas elementares do século passado, ainda não superados, como: o
analfabetismo, a distorção idade série, a evasão e a repetência. A esses elementos se
agregaram alguns desafios educacionais consideráveis (ampliação da escolaridade média,
busca pela elevação do número de pessoas com curso superior, entre outros) para um país em
busca de crescimento e reconhecimento econômicos, em um mundo cada vez mais global16.
O Censo de 200017, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) contabilizou 169.799.170 habitantes brasileiros, sendo 137.953.959 residentes na
zona urbana e 31.845.211 na zona rural. A taxa geométrica de crescimento anual da
população era 1.64%. O Censo de 201018 registrou um total de 190.7555.799 brasileiros,
distribuídos em 160.925.792 na zona urbana e 29.830.007 na zona rural com uma taxa
geométrica de 1.17%.
O Gráfico 1 indica os números de matriculados no ensino médio regular e na
modalidade da Educação de Jovens e Adultos no período de 2003 a 2014, conforme os dados
divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas em Educação Anísio Teixeira (INEP). Além
do total de matriculados, pelos censos do Inep também é possível mapear o número de
repetência, de abandono e de afastamentos, por parte dos matriculados no ensino médio
regular.
Um primeiro olhar permite relacionar o crescimento registrado no início do
Século XXI quanto às matrículas no ensino médio, tanto pela onda jovem, quanto pelo
crescimento no número de alunos concluintes no ensino fundamental, que a partir da década
de 1980 elevou a taxa de crianças na escola, conforme aponta Oliveira (2007). No entanto, já
nos próximos anos iniciou a estabilização e declínio no número de matriculados no ensino
médio.
15
O salário mínimo vigente de 01/04 de 2002 a 01/04 de 2003 era R$ 200,00. O país figurava no mapa da fome,
assim como: China, Índia, Nigéria e Paquistão, entre outros. Apenas em 2014 o Brasil deixou de integrar essa
lista. https:www.fao.org.br/bsmfpdfdp.asp Acessado em 02/03/2016
16
Stliglitz (2002), Prêmio Nobel de Economia em 2000, em seu livro “A globalização e suas malefícios: a
promessa não-cumprida de benefícios globais”, salienta que o receituário do Fundo Monetário Internacional no
estabelecimento de metas, como redução das barreiras tarifárias, e o corte de subsídios para os países em
desenvolvimento, no rol das estratégias para competir no mundo globalizado são questionáveis. Stliglitz ressalta
que essas recomendações falharam muitas vezes e agravaram a economia de muitos países.
17
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/tabelabrasil111.shtm. Acessado em 26/02/2016
18
http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?dados=8 . Acessado em 26/02/2016.
47
Já o crescimento no número de matriculados no ensino médio, na modalidade da
educação de jovens e adultos ocorreu posteriormente e teve o maior índice no ano de 2008. É
interessante pensar na relação crescimento da demanda e aumento da oferta de vagas, bem
como na correlação entre a redução no número de matriculados no ensino médio regular e o
aumento no número de matrículas na modalidade da EJA, que inclusive passou a contar com
Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja), instituído pelo Decreto nº 5.840 de 13
de julho de 2006. Essa situação para Dayrell et al. (2009) carece de olhar atento e de
pesquisas que apreendam as especificidades que expliquem tal fenômeno, tendo em vista que
no ensino fundamental essa tendência não se aplica. Para Dayrell et.al (2009), existem
lacunas que merecem investigação científica, ou seja, entre outros aspectos, há que se
investigar a origem dos jovens do ensino médio na modalidade da EJA para refutar a hipótese
ou dimensionar precisamente se são há ou não uma migração entre as modalidades.
10.000.000
9.000.000
8.000.000
7.000.000
6.000.000 Matrículas ensino médio
5.000.000 Matrícula Eja
4.000.000 Número de Afastados
3.000.000 EMR
Número de reprovados
2.000.000 EMR
1.000.000
0
Fonte: Inep
19
Não foi identificado no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
o quantitativo nem o percentual do número de reprovados e de evasão no Ensino Médio nos anos de 2012 a
2014. Nos anos de 2007, 2009, 2010, 2011 os dados do Inep, para os indicadores de reprovação e evasão, foram
indicados em percentual, nos demais anos foram apresentadas as quantidades. Pinto, Amaral e Castro (2011)
afirmam que uma das grandes dificuldades em estudar o Ensino Médio, a partir de seus dados, está na
localização dos mesmos, pois não há uma continuidade na disponibilidade e nem na forma das informações. Isso
pode ser confirmado com o levantamento realizado para essa pesquisa.
48
Os indicadores relacionados à reprovação e ao afastamento da escola demonstram
a proporção do desafio posto para a universalização de ensino médio, pois o número de ambos
é elevado. É interessante observar o número de matriculados, afastados e reprovados. Essa
situação desvela que embora mais jovens cheguem ao ensino médio, e certamente a
democratização do acesso tem peso importante nesse incremento, os motivos pelos quais parte
dos jovens não prossegue a vida escolar merecem atenção e indagações: seria a escola pouco
atrativa? Seria a condição de jovem trabalhador que opta pelo emprego? Quem são esses
jovens?
Há uma tendência, por parte de alguns segmentos20, em discutir a evasão da
escola de ensino médio, como um desdobramento da repetência, e ambos como
desdobramentos de fatores intraescolares. As razões extraescolares certamente constituem
elementos importantes na composição do quadro de repetência e evasão dos jovens brasileiros
da escola, mas nem sempre a condição juvenil é discutida e compreendida, a contento,
inclusive no campo educacional. Dayrell (2007) afirma que, caso na instituição escolar vigore
a tendência de homogeneização das identidades juvenis, ocorre um equívoco capaz de
potencializar os agravantes externos. O Gráfico 2 ilustra a composição do ensino médio,
quanto à matrícula líquida e evolução da população de 15 17 anos na escola.
100
80
População 15-17 anos na
60
escola (%)
40
Matrícula líquida no ensino
20 médio (%)
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014
Fonte: Inep
20
Em 2017, a Organização Não Governamental (ONG) Todos Pela Educação realizou um estudo com os dados
do Pnad e fez uma associação com a situação do ensino médio, quanto às causas da evasão: "O que a gente acaba
tendo, hoje, com o alto índice de evasão no ensino médio, é um cerceamento da liberdade desses jovens à
escolha". "Tem a ver com a falta de motivação intrínseca de todos os jovens, de enxergar que a escola pode
trazer de fato algo de relevante para o futuro dele"... https://educacao.uol.com.br/listas/mais-de-60-dos-jovens-
fora-da-escola-no-brasil-tem-de-15-a-17-anos.htm. Em 2016 o Instituto Unibanco também realizou analogia
semelhante, quanto aos dados do Pnad e as causas da evasão. “não é um ato repentino, mas fruto de um processo
lento de desengajamento do estudante da escola” http://www.institutounibanco.org.br/aprendizagem-em-foco/5/
49
Uma comparação entre os gráficos 1 e 2 permite observar que, embora, o número total
de matrículas no ensino médio regular e na EJA, no período de 2003 a 2014, tenha registrado
alterações importantes nesse período, como o acréscimo no número de jovens de 15 a 17 anos
na escola, a elevação da matrícula líquida no ensino médio e a correção de fluxo na segunda
etapa da educação básica ainda são insuficientes para promover uma melhoria nos índices
quantitativos e qualitativos no ensino médio. Por outro lado, a possibilidade da queda no
número total de matriculados no ensino médio pode estar correlacionada ao coorte etário,
impulsionado e atenuado pelo fator “onda jovem”.
A dependência administrativa do ensino médio, conforme aponta o Quadro 3, é
majoritariamente da esfera estadual, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional nº 9.394/1996. Assim, o atendimento à demanda do ensino médio, mesmo com o
acréscimo no número das matrículas, estabilização e redução desse quantitativo, permaneceu
na média de 85% sob a responsabilidade das unidades federadas.
Ainda que a rede federal tenha ampliado significativamente a oferta de vagas no
ensino médio na modalidade de cursos integrados, nos últimos anos, os números deixam claro
que esta não atende de maneira expressiva o Ensino Médio público, “para os que vivem do
trabalho” (KUENZER, 2000), seja pela questão geográfica ou pela modalidade dos cursos
oferecidos nos Institutos Federais.
21
Os dados de dependência administrativa do Ensino Médio dos anos de 2004 a 2007 não foram localizados no
site do Inep.
50
alunos do ensino médio integrado dos institutos federais de educação 22. A evolução dos
números de alunos do ensino médio, por dependência administrativa, é interessante e explicita
o sistema colaborativo.
A prerrogativa da alçada estadual no atendimento ao ensino médio encontra
interlocução na discussão sobre os obstáculos econômicos, políticos, pedagógicos e
epistemológicos, em face da ausência da constituição do sistema nacional de ensino, em
consonância com as premissas apontadas por Saviani (2008). Nessa perspectiva, pode ocorrer
a criação de um ambiente propício para o surgimento e incremento das parceiras público
privadas frente à empreitada dos sistemas estaduais de ensino, em busca por inovação e
melhoria na qualidade do Ensino Médio. Cury (2002a) afirma que, no deslocamento das ações
da esfera federal para os entes federados:
Se estes últimos não forem capazes de sustentar suas responsabilidades, o risco é o
de haver um deslocamento do público para o privado e aí reside o risco maior de
uma competitividade e seletividade, de corte mercadológico, pouco natural aos fins
da educação. (2002a, p.196)
Etapa 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Geral
49,3 47,6 46,3 44,9 44,8 38,2 38,1 37,8 32.8 31.1 29.5 28,2
1ª ano
52 50,4 49,7 47,5 41,4 31 32,9 32,6 36 34.9 33,1 31,8
2º ano
48,3 46,3 44,6 44,2 40,6 29,8 30,4 31,3 30.8 29.4 27,8 27
3º ano
45,9 44,4 42,6 41,3 57,1 39,7 42,5 47,4 29.4 26.8 25,4 23,8
Fonte: Inep.
22
Sobre a política de assistência estudantil há um estudo de caso recente, uma tese de doutorado apresentada na
UFPE, que apresenta bons elementos sobre os limites, possibilidades e diferentes perspectivas de assistência
estudantil desenvolvida nos últimos anos. Ver: “Da assistência estudantil à inclusão social: perspectivas de
mudança discursiva e recontextualização no caso do IFRN”, de Thalita Cunha Motta.
51
Embora a distorção idade série no ensino médio tenha caído de forma importante
nos últimos anos, muito há o que ser feito no sentido de superar esse problema. Nesse caso, há
que se levar em consideração os aspectos estruturais e conjunturais que sustentam esse
problema, por exemplo, as condições sociais e econômicas dos alunos. A meta 3 do Plano
Nacional de Educação, aprovado pela Lei nº 13.005/2014, para vigorar de 2014 a 2024, prevê
que até o final da vigência desse Plano, o percentual de alunos dentro da faixa etária de 15 a
17 avance para 85%, na média nacional.
Spósito e Carrano (2003) salientam que o Governo Lula da Silva herdou um
conjunto de ações focalizadas de atendimento à juventude e que, num contexto de disputas de
projetos e interesses, no momento vigorava o desafio de contemplar em novas ações
governamentais os direitos historicamente negados aos jovens: educação, saúde e trabalho e
de possibilitar novas vertentes de abordagem para a juventude brasileira.
Frigotto (2004) discute a juventude, o trabalho e a educação, frente ao contexto
das últimas décadas o Brasil e lança um olhar mais específico sobre a condição dos “jovens
filhos de trabalhadores assalariados ou que produzem a vida de forma precária por conta
própria, no campo e na cidade” (p.181).
O contexto discutido pelo autor remonta ao fim do primeiro ano do governo
presidencial do Partido dos Trabalhadores (PT), que teve início em 2003. Em 2014 o país
vivenciou a conclusão do primeiro mandado de Dilma Rousseff e a reelegeu23 para o período
de 2015 a 2018, ou seja, foi o quarto pleito consecutivo que o PT saiu vitorioso nas eleições
presidenciais, mediante um ampliado rol de alianças partidárias, conforme as consignas do
presidencialismo de coalizão.
23
As eleições presidenciais de 2014 trouxeram a tona um contexto político que extrapola os limites de discussão
desse texto, uma vez que as razões e as intencionalidades explícitas e implícitas são bastante complexas. A nota
abaixo apresenta os dados de forma factual, numa narrativa formal, porém com a ressalva que o registro em si já
revela um alerta, pois tal situação exige um olhar criterioso para empreender análises para além da disputa de
“direita” e “esquerda”. Em poucos meses de realização da eleição de 2014 iniciou um movimento Pró
Impeachment de Dilma Rousseff, com o respaldo da mídia convencional, que ganhou repercussão nacional. No
dia 15/03/2015, nas capitais brasileiras, ocorreu um ato que pediu o impeachment. Tal situação persistiu ao longo
do ano de 2015, com outras grandes manifestações nacionais. Em 2 de dezembro de 2015 o Presidente da
Câmara Eduardo Cunha PMDB/RJ acolheu o pedido de abertura do processo de impeachment impetrado por
Janaína Paschoal, Miguel Reale Júnior e Hélio Bicudo, que havia sido protocolado na Câmara no dia 21 de
outubro do mesmo ano, sob a acusação de ocorrência de crime de pedaladas fiscais. O processo transcorreu
conforme o rito acordado com o Supremo Tribunal Federal e no dia 17 de abril de 2016, após votação o Plenário
da Câmara aceitou o pedido de impeachment com 367 votos favoráveis e 137 votos contrários. O pedido foi
encaminhado ao Senado Federal, seguiu o rito de constituição de uma Comissão que, após discussão e
apresentação do relatório apresentado pelo Senador Relator Anastasia PSDB/MG aprovou a admissibilidade do
processo acolhido pela Câmara dos Deputados. O plenário do Senado ratificou a decisão da Comissão do
Impeachment com um placar de 55 votos favoráveis e 22 votos contrários, no dia 12 de maio de 2016. Com essa
decisão a Presidente Dilma foi afastada temporariamente do cargo e o processo foi instaurado no Senado e o
Vice-Presidente Michel Temer assumiu a Presidência na condição de interino. Em 31 de agosto o Senado votou
pelo Impeachment da Presidenta Dilma Rousseff que teve o seu afastamento definitivo aprovado por 61 votos
favoráveis e 20 contrários. No entanto, houve uma divisão da sentença que acabou por manter os direitos
políticos da Presidenta, embora tenha sido impedida de continuar o seu segundo mandato.
52
Frigotto (2004) discute acerca da juventude brasileira e, embora não seja um
estudo voltado para o ensino médio, apresenta elementos que colaboram com a análise dos
dados sobre idade, distorção idade série, evasão, dentre outros, pois o autor correlacionou “as
políticas públicas de caráter emergencial ou conjuntural e as de natureza estrutural em face da
problemática dos jovens em sua relação com o mundo do trabalho e da educação” (p.184).
Em tal estudo Frigotto apresenta dados do Censo de 2000. Na presente pesquisa
foi realizado um levantamento semelhante ao de Frigotto, junto aos dados do Censo de 2010,
para contemplar o período delineado na investigação. Tal atualização permitiu seguir o
entendimento que o autor desenvolveu no seu texto e, de certo modo, possibilitou uma
comparação entre os dois Censos. Tal tarefa foi realizada com algumas expectativas
audaciosas: verificar se houve e quais foram as mudanças para a juventude brasileira no
decorrer de uma década, inferir se as políticas educacionais para a juventude nesse período
contemplaram questões conjunturais ou emergenciais, vislumbrar alguns desdobramentos
nas/das ações governamentais nos anos subsequentes, averiguar se é possível apreender a
perspectiva de juventude mais representativa que perpassou a elaboração das políticas durante
o período em estudo e quais correlações podem ser estabelecidas com as políticas
educacionais para o ensino médio. Essas reflexões perpassam as considerações ao longo deste
trabalho.
A caracterização da juventude brasileira em 2010, por situação de munícipios, por
exemplo, ratifica o cenário posto no Censo de 2000, quanto à fragilidade de políticas que
atendam adequadamente a população rural. As ações do governo federal, voltadas para esse
segmento no período de 2000 a 2010 não promoveram mudanças na tendência de diminuição
da população jovem do campo. Assim, muitos fatores podem ser elencados e correlacionados
frente aos dados que Frigotto (2004) sistematizou e analisou.
Em todas as faixas etárias houve uma redução no número de jovens residentes no
campo, mas em especial entre os que se encontram entre 15 e 24 anos. Nesse segmento houve
um aumento no número total de jovens (urbano e rural) e ainda assim o número de residentes
no campo foi inferior ao Censo de 2000. Enquanto que no segmento etário de 15 a 19 anos o
número total de jovens reduziu - isso pode ser percebido tanto em domicílios urbanos ou
rurais – mas permaneceu a redução no número de moradores do segmento rural. A faixa etária
de 20 a 24 anos seguiu a mesma tendência de redução no número de jovens residentes no
campo, comparados com os demais grupos etários e com os Censos de 2000 e 2010.
53
Quadro 4 - População jovem no Brasil por grupo de idade segundo a situação de
domicilio – Censo 2000/2010
Quadro 5 - Jovens que frequentam a escola por nível/etapa de ensino e grupo de idade –
Censo 2000
Grupo de idade
Níveis de ensino 15 a 19 anos 20 a 24 anos
Alfabetização 49.750 50.026
Ensino fundamental 5.703.500 1.101.984
Ensino Médio 5.465.331 1.477.757
Pré-vestibular 209.863 154.325
Superior graduação 467.953 1.274.648
Mestrado/doutorado - 16.678
Total 11.896.397 4.075.418
Fonte: Frigotto (2004)
54
Ensino Médio/EJA 611. 336 364. 329
Pré-vestibular - -
Superior graduação 941. 375 2. 332. 882
Especialização 22. 406 119. 754
Metrado 2. 163 29. 043
Doutorado 552 4. 515
Total 11.610.043 4.331.498
Fonte: Dados do Censo 2010 (IBGE) e sistematização da autora.
24
Algumas áreas e instituições, como o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada e o Laboratório
Nacional de Computação Científica recrutam alunos com desempenho acima da média nas Olimpíadas de
Matemática, quando esses ainda estão na educação básica e oferecem a oportunidade de já ingressarem na Pós
Graduação Stricto Sensu, mas por uma questão legal é necessário que o aluno curse paralelamente um curso de
graduação.
55
questionar a origem social desses jovens: situação de domicílio, gênero, raça, classe entre os
que conseguiram chegar ao topo da escolarização brasileira no decorrer de uma década.
A comparação entre os dois extremos da escolaridade dos jovens não é aleatória,
não pretende esgotar a análise ou tecer associações simplistas. Por outro lado, as respostas
para os questionamentos permitiriam averiguar o enfrentamento das questões estruturais,
emergenciais e conjunturais quanto às questões que desembocam em uma forma ou outra de
planejar políticas públicas para a juventude, de delinear um projeto ou outro de escolarização
e de sociedade.
Os dados referentes à raça no Censo de 2010 foram coletados de forma distinta do
Censo de 2000, ou seja, não houve questionamento para cor e para raça separadamente. Em
2010 havia na mesma questão a expressão “cor ou raça”. Desse modo, para identificar o
número de pessoas consideradas negras é necessário computar as que se identificaram como
pardas ou pretas. Talvez devido à mudança na terminologia empregada foi possível registrar
uma redução no número de pessoas que se identificam como brancas. Em 2000 eram 53% e
em 2010 esse número foi reduzido para 47,7%. Já a população preta e parda passa a ser a
maioria, sendo 7.6% de pretos e 43, 1% de pardos (50,7%).
Mediante as inferências que a leitura de Frigotto (2004) proporciona, alguns dados
dos Censos de 2000 e 2010 são passíveis de observações quanto à juventude brasileira, por
exemplo, sobre o trabalho. Antunes (2008) reitera o caráter constitutivo do ser social e
ressalta que a vida humana se produz e se reproduz mediante o viés ontológico do trabalho.
No Brasil, por questões estruturais, crianças e jovens, muitas vezes, são impulsionados para o
trabalho precocemente. A vertente de constituição do sujeito, contudo, nessa relação como
trabalho tem se realizado em condições de subordinação e precarização do trabalhador.
Em países de capitalismo periférico o trabalho precoce e a ausência de condições
de trabalho digno são problemas expressivos. No Brasil, os dados do Gráfico abaixo apontam
que o número de brasileiros de 10 a 17 anos com ocupação é significativo e inquietante e mais
uma vez instigam questionamentos: Quem são? Onde estão (campo ou cidade)? O que fazem?
Estão na escola? Como vêem a escola? Como a escola os vêem? Como as políticas públicas
para a juventude e as políticas educacionais têm visto esses jovens? Por outro lado, o que
revela a redução nos índices de 2000 para 2010? É possível inferir que seriam
desdobramentos de algumas ações governamentais, oriundas de políticas públicas? Indicam
avanços no enfrentamento das questões estruturais ou não?
56
Gráfico 3 – Pessoas de 10 a 17 anos de idade, ocupadas na semana de referencia, por
grupos de idade – Brasil – 2000/2010
4.500.000
3935495
4.000.000
3406514
3.500.000
3.000.000
2.500.000 2144014
2.000.000 1791480 1807945
1593569
1.500.000
1.000.000
500.000
0
Total 10 a 15 anos 16 ou 17 anos
2000 2010
Fonte: IBGE
Discutir juventude no Brasil exige que sejam contemplados alguns aspectos, pois,
conforme Frigotto (2004): “o tema do trabalho precoce e da educação dos jovens é fecundo
para elucidar a contradição inerente ao sistema capitalista” (p.194). Assim, se não é aceitável
que o trabalho infantil se perpetue, também é questionável as razões pelas quais algumas
instâncias formativas, como a escola, se dedicam à formação de valores e aquisição de
conhecimentos pertinentes ao capital.
Bajoit e Franssen (1997) tecem considerações importantes sobre a juventude,
trabalho e mercado de trabalho e evidenciam, mediante uma pesquisa de campo realizada na
França, que o emprego e o desemprego da juventude têm uma relação com a origem de classe.
A configuração de cada modelo (desemprego moratório, desemprego postergado, desemprego
total) se desdobra em formatos de sociabilidade juvenil.
O ensino médio, previsto para atender a população de 15 a 17 anos,
historicamente é alvo de críticas sobre o seu papel e finalidade. As últimas décadas registram
um volume extenso de normatizações sobre essa etapa da educação básica, como expressão da
existência de disputas de projetos de formação para a juventude, sob as prerrogativas da
relação desse grupo etário com o mercado de trabalho. Frigotto (2004) exemplifica que nas
proposições da década de 1990: “a pedagogia das competências e da empregabilidade
expressam, no plano pedagógico e cultural, a ideologia do capitalismo flexível, nova forma de
intensificar a exploração do trabalho e de “corrosão do caráter” (p.197).
57
A partir da década de 1990, no Brasil, a despeito da participação da sociedade
civil, na esfera estatal, a ação do empresariado25 tornou se evidente. Este segmento contribuiu
efetivamente na definição da agenda educacional e na materialização de políticas para a
educação, em diferentes níveis e etapas. As razões pelas quais isso tem acontecido demonstra,
contudo, um protagonismo fomentado pela conjuntura nacional e mundial, mas apresentado
sob o manto da responsabilidade social.
Essa prática retoma a problemática da relação entre o público e o privado, que
perpassa pela redefinição do papel do Estado, com implicações diretas nas políticas públicas
(DOURADO 2006). Essa redefinição configura uma transmissão de elementos da esfera
estatal para o público não-estatal ou privado, ou ainda possibilita ocorrer a permanência de
elementos de corte social, como a educação escolar, continuar sob responsabilidade da
propriedade estatal, mas o fio condutor passa para a lógica do mercado (ADRIÃO, PERONI,
2005; PERONI, 2003, 2010 ).
A inserção legitimada do campo econômico (agente empresarial) no Estado foi
legitimada pelo governo federal, por exemplo, por meio do Decreto nº 7.478, de 12 de maio
de 2011, que cria a Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade - CGDC
do Governo Federal com o objetivo de:
25
O caso brasileiro foi objeto de estudo da pesquisa “Empresários e educação no Brasil”, encomendada pelo
(PREAL), Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe, desenvolvida pela (FGV)
Fundação Getúlio Vargas e publicada sob organização de (BOBENY; PRONKO, 2002).
26
Os quatro representantes da sociedade civil, designados pela Presidência da República foram Jorge Gerdau
Johannpeter (Presidente do Grupo Gerdau), o empresário Abílio Diniz (dono das redes Pão de Açúcar, Extra,
CompreBem, Sendas e Ponto Frio, Presidente da BRF, empresa resultante da fusão da Sadia com a Perdigão),
Antônio Maciel Neto (Ex-Presidente da Suzano Papel e Celulose e atual Presidente do Grupo Caoa) e Henri
Philippe Reichstul (Ex-Presidente da Petrobrás 1999-2001). O Ato do Executivo que designou esses nomes para
compor a CGCD pode ser consultado em (BRASIL, 2011, p.2). Já as informações apresentadas sobre o histórico
dos membros, foram coletadas em fontes disponíveis em sites e em revistas, já que os mesmos não possuem
Currículo Lattes, e sistematizadas pela autora deste estudo.
58
Os aspectos mencionados sobre o contexto brasileiro, quanto à economia, esfera
social e educacional, em correlação com a política do governo federal no início do século XXI
objetivam, neste trabalho, deixar em evidência a compreensão que as decisões são políticas e
se sustentam em uma correlação de forças e perspectivas em disputas e em evidência em cada
momento histórico. Nesse sentido, as orientações mundializadas, discutidas no próximo
tópico, ampliam o contexto que permeou a elaboração das politicas educacionais para o
ensino médio nos anos finais do Século XX até o ano de 2014.
27
A Década de 1990 simboliza uma busca de consenso acerca de determinados temas e perspectivas. Nessa
lógica, assim como houve o Consenso de Washington focado nas questões econômicas, ocorreu em Buenos
Aires, em 1995, o Seminário “La Concertácion de Políticas Educativas en Argentina y América Latina”, sob a
organização da Facultad Latino Americana de Ciências Sociales (Flacso), Oficina Regional de Educación de La
Unesco para América Latina y Caribe (Orealc), e Unesco, que contou com a participação da Argentina, Brasil,
Chile, Colômbia, México, Peru e República Dominicana com o propósito de discutir experiências em
concertácion. Para melhor compreensão desse termo ver em Flacso “Es posible concertar las políticas
educativas?”. Buenos Aires: Minõ y Dávila, 1995.
59
sociológicas, pois não se trata de uma imposição, embora o sentimento de autocomiseração
apregoe, pois o Brasil possui capital simbólico e protagonismo suficientes para não acatar
meramente as proposições das agências, como bem exemplifica Cunha em relação à reforma
do ensino técnico28.
Outro aspecto bastante peculiar na relação entre as recomendações oriundas de
organismos multilaterais e as diferentes formas de construção do consenso recai sobre o
discurso ideológico, que opera na construção de slogans na educação e obscurecem as razões
pelas quais alguns problemas, que se materializam no campo educacional, possuem origem
para além dos muros escolares, mas são tratados em sentido estrito, com proposições que não
contemplam as causas dos mesmos. Shiroma e Evangelista (2014) ratificam que tal prática,
eivada de intencionalidades comprometidas com o ideário do capital, que recorre a silogismos
invertidos que simplifica questões genuinamente complexas, como: “Professor mal formado +
escola de má qualidade + aluno mal preparado = pobreza nacional! A solução apresentada é
simples: preparar adequadamente o professor + reestruturar a escola + qualificar mão-de-obra
= desenvolvimento nacional!” (p.13)
Há que se registrar, contudo, que é a base material da sociedade, neste caso o
modo de produção capitalista, que subverte o conhecimento e a possibilidade de conhecer
como instrumentos da esfera da reprodução, ou seja, a razão se converte em domínio, mas tem
suas bases ocultadas, por uma racionalidade instrumental29.
No campo da educação escolar, e particularmente, nas políticas educacionais
vigentes, nas proposições que as fundamentam, bem como nas avaliações sobre as mesmas é
possível inferir que essas são perpassadas por uma tônica positivista, que advoga o progresso
técnico e incorpora o caráter ideológico da racionalidade instrumental30.
Os princípios que regem a modernidade são os mesmos que constituíram o Estado
Moderno, que por sua vez tem papel legal na definição das políticas públicas educacionais
28
Cunha salienta que as recomendações do Bird e do BID, durante o governo FHC para a educação profissional
de nível técnico foram acatadas, apenas parcialmente, pelo Brasil, ou seja, a retomada da dualidade foi uma
adesão à proposta das instituições financeiras , já a retirada dessa modalidade de formação do âmbito do MEC
não foi acatada, pois a rede federal permaneceu ocupando papel importante nessa função. Já em outros países da
América Latina, como o Chile, essa recomendação foi viabilizada.
29
Em conformidade com os escritos de Horkheimer em: “Teoria Tradicional e Teoria Crítica” e em “Meios e
fins”, publicado na obra Eclipse da Razão.
30
No período de 18 a 20 de agosto de 2014 ocorreu em Curitiba a II Jornada de Estudos Epistemológicos em
Política Educativa, sob a organização da Red Latinoamericana de Estudios Epistemológicos en Política
Educativa (Relepe). Em algumas discussões foi possível inferir a tônica instrumental, não somente das políticas
discutidas, mas também em algumas perspectivas teóricas e trabalhos apresentados. Já em uma das mesas
redondas do evento, Lindomar Wessler Boneti (UFPG) trouxe relevantes considerações acerca de como o
Positivismo se coloca como fundamento clássico das políticas educacionais e como isso repercute nas práticas
escolares contemporâneas, envoltas em questões como: igualdade/desigualdade social; inclusão social;
cidadania.
60
que, com todos os embates relevantes no âmbito das proposições e implementação, expressam
a perspectiva adaptativa depositada na escola para a manutenção do curso desta sociedade, ou
seja, na esteira da razão instrumental. Assim, um sucinto quadro sobre os organismos
multilaterais que tiveram protagonismo nos rumos das políticas educacionais para o ensino
médio a partir de 1990, está delineado no quadro abaixo:
31
O Promed (Projeto Escola Jovem) foi configurado em dois subprogramas: a) Nacional: fortalecimento da
Semtec e o desenvolvimento de ações estratégicas para a implementação da reforma do ensino médio; b)
Estadual: financiamento de projetos estaduais de melhoria e expansão do ensino médio. O seu custo foi estimado
em um montante global de US$ 1,0 bilhão (US$ 500 milhões, empréstimo do BID; US$ 50 milhões da
contrapartida nacional e US$ 450 milhões da contrapartida dos estados).
61
A educação, a ciência e a cultura, a partir de 194532, passaram a ser pensadas e
influenciadas por uma agencia especial da Organização das Nações Unidas (ONU),
denominada Unesco, que sob o cenário do pós-guerra, ou seja, logo após a 2ª Guerra Mundial
foi concebida com a finalidade de contribuir para a manutenção da paz e da segurança, tendo
com atribuições, de acordo com seu Ato Constitutivo:
(...) a) favorecer a compreensão mútua das nações: (...) emprestando seu concurso
aos órgãos de informação de massas, visando facilitar a livre circulação das ideias
pela palavra e pela imagem; b) imprimir um impulso vigoroso à educação popular e
à difusão da cultura, através da cooperação entre as nações, sugerindo métodos de
educação para preparar as crianças do mundo inteiro para as responsabilidades do
homem livre; c) ajudar na manutenção, no avanço e na difusão do saber (...)
facilitando (...) o acesso de todos os povos ao que cada um deles publica
(EVANGELISTA, 1999, p. 13)
Desde a sua criação a Unesco realiza Conferências Gerais, muitas delas sobre
temáticas específicas, que se convergem em recomendações mundializadas, principalmente
nos países em desenvolvimento. Em síntese, para Evangelista, a Unesco tem como função
precípua: “ responder à questão de como permitir, sem guerra entre as grandes potências, e
mediante um novo concerto entre as nações, a continuidade da expansão e da reprodução
ampliada de um determinado modo de organizar a vida social”. (1999, p.13)
A Unesco atua sob diversas formas na busca e construção de consensos sobre
temas diversos e de interesse mundial. Realiza Conferências Gerais, que por sua vez resultam
em declarações mundiais temáticas, reuniões de Cúpula, realização de estudos e pesquisas,
que resultam em publicações,33 divulgadas no formato eletrônico e impresso.
As recomendações da Unesco, para a educação brasileira, de forma expressa ou
indireta, são bastante evidentes na legislação, sobretudo na década de 1990. A LDB nº
9.934/1996 se reporta aos preceitos recomendados pela Unesco, na Declaração de Jomtien,
conhecida como a Declaração que instituiu a Década da Educação ou ainda a responsável pelo
lema “Educação para Todos”, nas disposições transitórias, no corpo da lei:
32
O Brasil passou a fazer parte da Unesco, na condição de Estado-membro, em 4 de novembro de 1946.
33
As publicações da Unesco, oriundas de estudos e pesquisas, geralmente são apresentadas com a ressalva que
“as ideias e opiniões expressas nesta publicação são as dos autores e não refletem obrigatoriamente as da Unesco
nem comprometem a Organização”. A fala institucional da Unesco se materializa formalmente apenas nas
declarações.
62
O Plano Nacional de Educação de 2001 a 2010 de fato buscou contemplar as
recomendações da Unesco, conforme o mencionado na introdução do Plano acerca do
processo de elaboração do mesmo, ou seja: “Considerou ainda realizações anteriores,
principalmente o Plano Decenal de Educação para Todos, preparado de acordo com as
recomendações da reunião organizada pela Unesco e realizada em Jomtien, na Tailandia, em
1993”. (BRASIL, 2001, p.34)
Nas legislações mais específicas, como nas que respaldam o ensino médio, a
presença das recomendações da Unesco está registrada no Parecer CEB/CNE nº 15/1998 que
fundamenta as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio, estabelecidas pela
Resolução CNE/CEB nº 3/1998. A maior evidência dessa aproximação, nessas Diretrizes, se
configura na adoção dos quatro pilares da Unesco (aprender a ser, aprender a fazer, aprender a
conviver, aprender a conhecer) para a Educação sob a forma de consignas para a organização
curricular do ensino médio, ou seja, na escolha e definição da Estética da Sensibilidade,
Política da Igualdade e Ética da Identidade.
Nessa perspectiva, as recomendações mais expressivas da Unesco, que foram
contempladas no ensino médio, na legislação da década de 1990, apontam para uma proposta
de educação que coaduna com os quatro pilares do Relatório Delors na perspectiva que ensino
médio seja para a vida, que esteja atento às transformações contemporâneas no mundo do
trabalho e que a educação forme jovens aptos para atuar no mundo moderno.
Em 2000 a Unesco realizou o Fórum Mundial de Educação, em Senegal, mais
conhecido como Fórum Dacar, com a intenção de renovar o compromisso junto aos países
membros com a Educação Para Todos. Nessa ocasião salientou que era o momento de
empreender esforços por uma reforma sistêmica que propiciasse uma melhoria do acesso e da
qualidade do ensino secundário. No Marco de Ação de Dacar constam dois objetivos
diretamente ligados à educação secundária34:
Responder às necessidades educacionais de todos os jovens, garantindo-lhes acesso
eqüitativo a programas apropriados que permitam a aquisição de conhecimentos
tanto como de competências ligadas à vida cotidiana;
Eliminar as disparidades de gênero no ensino primário e secundário até 2005,
atingindo a igualdade de gênero em 2015. (UNESCO, 2008, p.15)
34
A expressão “educação secundária” não pode ser compreendida como uma analogia idêntica ao ensino médio
no Brasil. O termo resguarda aproximações equivalentes ao modelo brasileiro nos seguintes aspectos: anos finais
do ensino fundamental, que seria o primeiro ciclo da educação secundária, e o ensino médio com o segundo ciclo
da educação secundária.
63
retomarem as premissas da EPT, acenam rumos para as próximas décadas. Três obras da
Unesco, publicadas no período correspondente ao desta pesquisa, denotam que as premissas
para a educação secundária permanecem as mesmas da década de 1990, ou seja, a
compreensão de que cabe à educação secundária uma formação voltada para as demandas do
mundo do trabalho, pois o período da escolarização da juventude é crucial para o
desenvolvimento de um país, segundo a Unesco.
Em 2008 foi publicado o estudo “Reforma da Educação Secundária: rumo à
convergência entre aquisição do conhecimento e o desenvolvimento de habilidade35”, com o
objetivo de: “sumarizar algumas tendências recentes nas políticas de educação secundária de
seus países-membros e propor um modelo para essa fase crucial da educação, que integra
muitas destas inovações”. A publicação apresenta uma lista com 16 pontos de consenso sobre
a educação secundária, extraídos de fóruns convocados pela Unesco. Dentre esses, três são
relevantes na análise do quadro brasileiro: 1) Uma educação secundária voltada para a vida e
para as demandas do mundo do trabalho; 2) flexibilidade e aproximações nos itinerários da
formação acadêmica e técnico vocacional; 3) Valorização da educação técnico vocacional e
não apenas da formação acadêmica, inclusive por parte das universidades.
Em 2010 a Unesco publicou um estudo sobre a integração entre a formação
acadêmica e profissional no Brasil, intitulado de “Ensino Médio e Educação Profissional:
desafios da integração”, sob a organização de Marilza Regattieri e Jane Margareth Castro. O
desenvolvimento de tal estudo, que teve início em 2005, partiu da representação da Unesco no
Brasil, com a intenção de investigar concretamente a implementação de experiências de
integração em algumas unidades federadas. Para concluir o trabalho a Unesco promoveu um
Workshop36, em 2008, com a intenção de apresentar os dados da pesquisa e ampliar a
compreensão sobre a integração e seus desafios no contexto brasileiro e nas especificidades
das unidades federadas, que apresentaram suas experiências no Workshop. Esse conjunto
resultou na obra coordenada por Regattieri e Castro (2010).
O estudo concluiu, mediante uma análise dos planos legal, doutrinário e real da
proposta de integração, que muitos são os desafios e embates que perpassam as proposições
legais e a implementação da proposta nas escolas. Além disso, vigoram recomendações
contraditórias37 que deveriam, segundo o estudo, sofrer alguns ajustes. No plano real, frente às
35
Essa publicação foi originalmente publicada em 2005 na Europa.
36
Dentre os 23 participantes do Workshop, 5 eram do quadro do MEC, 14 representantes do ensino médio ou da
educação profissional de algumas unidades federadas do país e os demais membros ou consultores da Unesco.
37
Essa compreensão faz referência ao descompasso entre as proposições da integração instituídas em 2004, pelo
Decreto nº 5.154/2004 que não coadunam com as Diretrizes Curriculares Nacionais de Ensino Médio, que
64
experiências analisadas o estudo também identificou um descompasso entre a proposta e a
formação de professores, além da falta de consistência sobre as orientações curriculares, nas
legislações das unidades federadas.
A Unesco lançou em 2011 a publicação “Protótipos Curriculares de ensino médio
e ensino médio integrado” e o fez na seguinte perspectiva: “buscou-se obsessivamente um
modelo operacional que pudesse ser apropriado, amplamente utilizado e continuamente
aprimorado pela escola pública”. (UNESCO, 2011, p.7) Ou seja, o interesse pela mudança no
ensino médio brasileiro tem foco: os alunos das camadas populares.
Este documento apresenta dois protótipos de currículos para o ensino médio, um
deles focado ao ensino médio acadêmico: “desenhado para garantir aprendizagens necessárias
ao desenvolvimento de conhecimentos, atitudes, valores e capacidades básicas para o
exercício de todo e qualquer tipo de trabalho” (UNESCO, 2011, p.6) e o outro protótipo
contempla a ideia de uma integração com a educação profissional, sob a prerrogativa que: “a
preparação simultânea do jovem para o mundo do trabalho e a prática social e a continuidade
de estudos conjuga os objetivos de interesse nacional com os interesses do público específico”
(op.cit, p.7)
Nos dois modelos apontados no documento “Protótipos Curriculares de ensino
médio e ensino médio integrado” é retomada a premissa da formação de indivíduos em
compasso com o mundo produtivo, em que o protagonismo juvenil constitua as bases para o
processo de aprendizagem. Em síntese, são modelos que buscam assegurar a formação de
jovens na perspectiva produtiva e suas demandas atuais como a flexibilidade, adaptabilidade e
inovação, dentre outros, sob a tônica de que as propostas de ensino médio se convertam em
comunidades de aprendizagem38.
O Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), Banco
Mundial, criado no contexto do pós Segunda Guerra Mundial, como uma das ações oriundas
da Conferência de Bretton Woods39 teve em sua origem no propósito de reconstrução da
vigoravam naquele momento, ou seja, a Resolução CNE/CEB nº 3/1998, que foram reformuladas e passaram a
corroborar com o viés do Decreto em questão apenas em 2012.
38
Este termo tem sido utilizado pela Unesco em suas publicações e essa expressão também tem sido
contemplada no meio acadêmico e fora dele com certa incidência nos últimos anos. Trata-se de um conceito
cunhado no Centro Especial em Teorias e Práticas Superadoras de Desigualdades (CREA) da Universidade de
Barcelona/Espanha e pode ser sucintamente definido como uma resposta às demandas da Sociedade da
Informação, que pode excluir os indivíduos que não tiverem acesso às informações. Assim, cabe à escola um
importante papel na construção de Comunidades de Aprendizagens comprometidas com a inclusão de todos os
indivíduos e com a construção de valores importantes para a vida em sociedade, como: solidariedade, respeito,
etc.
39
“A Grande Depressão de 1929, levou as principais potências a sentarem à mesa e rediscutirem a arquitetura
financeira mundial. O encontro de Bretton Woods foi um marco que redesenhou o funcionamento do
65
economia mundial no cenário pós guerra. Rached (2008)40 considera que, para além da
discussão sobre os aspectos emblemáticos na busca pela retomada do desenvolvimento da
economia global, a constituição do Bird, assim como do Fundo Monetário Internacional
(FMI), o aspecto crucial na constituição de instituições dessa natureza, ambas com sede em
Washington, recai na lógica que permeava aquele contexto e no fato de os Estados Unidos da
América (EUA) despontarem como o detentor do novo poder hegemônico do planeta.
Kruppa (2001) e Silva (2002), em suas teses de doutorado, analisaram o papel do
Bird nas políticas educacionais no Brasil nos anos de 1990 e apresentaram categorias que
abrangem a complexa relação entre as recomendações e a concretização das proposta. Para
Silva o consentimento perpassa as relações entre as autoridades educacionais e os preceitos
das agências multilaterais, pois: “as manifestações do consentimento do governo federal são
expressas, em primeiro lugar, pelo estreitamento das relações entre os gestores externos e
nacionais” (SILVA, 2002, p.114), para Kruppa há que se compreender o trabalho de alguns
técnicos que atuam no governo federal, frente às recomendações externas, como
“aperfeiçoadores”, ou seja, “os brasileiros são co-autores e de certo ou de todo modo, os
aperfeiçoadores das sugestões/orientações do BM” (KRUPPA, 2001, p.5)
Maués e Júnior (2014)41 realizaram um estudo sobre o balanço que o Bird fez
sobre a atuação da instituição na educação mundial. Os autores salientam que é preciso fazer
uma análise específica sobre a atuação do Bird no contexto do início do Século XXI, tendo
em vista as alterações conjunturais e estruturais na economia e na política brasileiras. Nesse
contexto o papel da educação, para o Bird consiste em três papéis:
(...) o desenvolvimento de “habilidades da força de trabalho para sustentar o
crescimento econômico”, a contribuição “para a redução da pobreza e
desigualdade”, buscando oferecer oportunidade educacional para todos e, por fim,
porém mais importante, o sistema deve estar voltado para o papel de “transformar
capitalismo. (...). Em julho de 1944, o sistema financeiro internacional estava despedaçado. As maiores potências
do mundo ainda estavam em guerra, mais preocupadas com avanços bélicos que econômicos. A Grande
Depressão de 1929 resultou em diminuição drástica de produção, comércio e emprego e lançou toda a sorte de
protecionismos: barreiras comerciais, controle de capitais, medidas de compensação cambial. (...). Foi nessa
atmosfera que 730 delegados de 44 países, o Brasil entre eles, encontraram-se na cidade de Bretton Woods,
estado de New Hampshire, nos Estados Unidos, para a Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas.
O objetivo era urgente: reconstruir o capitalismo mundial, a partir de um sistema de regras que regulasse a
política econômica internacional.” (BARRETO, 2009, p.1). Disponível em:
http://desafios.ipea.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2247:catid=28&Itemid=23
40
O autor, em sua tese de doutorado em economia pela UFRJ, fez um estudo sobre o Bird desde a sua criação ,
percorrendo a instituição e suas alterações institucionais por seis décadas de existência . Dentre outros aspectos
observados pelo estudo a tese desvelou que, embora o foco do Bird seja o aspecto econômico dos países
membros, o Banco não se esquivou de participar e orientar ações em outras esferas. Além disso, as alterações na
dinâmica e áreas de atuação do Bird estão atreladas às questões conjunturais específicas, sobretudo as que se
reportam às “transformações político-econômicas de ordem internacional” (p.17).
41
Neste trabalho os autores trabalharam com a análise do documento Achieving World Class Education in
Brazil: The Next Agenda1 (2011-2020).
66
gastos na educação em resultados educacionais” (BANCO MUNDIAL, 2010, p. 23).
Apud, (MAUÉS; JÚNIOR, 2014, P. 1.147)
O Relatório Achieving World Class Education in Brazil: The Next Agenda (2011-
2020) foi publicado em 2010 pelo Bird. Tal documento sintetiza as principais orientações do
Bird para um período que contempla o recorte temporal do presente estudo e, portanto, foi
priorizada na análise sobre as recomendações para o ensino médio, mas outras publicações
desta instituição também foram contempladas, inclusive de períodos distintos, para corroborar
com elucidação de aspectos que forem relevantes para o objeto em estudo.
O Relatório de 2010 está organizado em três partes e cada qual aborda uma
especificidade do quadro brasileiro. A primeira aborda a reforma iniciada no ano de 1995 e
considera o conjunto das mudanças empreendidas na década de 1990 como uma revolução na
educação brasileira. Três aspectos são ressaltados e destacados como realizações pioneiras na
história da educação brasileira:
i) a distribuição equilibrada do financiamento por todas as regiões, estados e
municípios com a reforma do FUNDEF; ii) a mensuração do aprendizado usando
um padrão nacional comum (SAEB); e iii) a garantia da oportunidade educacional
para os estudantes de famílias pobres (Bolsa Escola). Com estas reformas, mais a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) e as primeiras diretrizes
nacionais de currículo, o Ministério da Educação alinhou os elementos centrais de
uma política de educação nacional. (BRUNS, EVANS, LUQUE, 2012, p.20)
42
A sigla é um acrônimo com os nomes dos países membros e fundadores, ou seja, Brasil, Rússia, Índia e China
e África do Sul, que foi incorporada posteriormente. Esses países se articularam com base mercado emergente
que os constitui e com a pretensão de se fortalecerem economicamente e politicamente o cenário global.
67
sugerem que, embora o número de pessoas com ensino médio tenha crescido, o salário para
esse grupo sofreu redução, já para os que possuem curso superior houve uma elevação salarial
real. Para o estudo isso se explica pela natureza dos conhecimentos desenvolvidos na
educação superior e pela proximidade com o desenvolvimento das habilidades do Século 21.
Os resultados obtidos com o Programa Bolsa Família são enfatizados e
reconhecidos pela proeza de terem promovido tamanha alteração em apenas uma geração,
além disso: “O avanço brasileiro na educação ajudou a conduzir uma melhoria significativa na
igualdade de renda”. (op.cit. p.3). Segundo o estudo do Bird, o fato de a ampliação do acesso
ter sido considerável tornou evidente que a queda no índice de desempenho educacional do
país, em face do baixo nível de aprendizagem, por parte das crianças oriundas de famílias de
baixa renda ainda é preocupante. Tal situação tem sido enfrentada pelas unidades da
federação de diferentes formas, mas o fato de “o gasto em educação não está produzindo os
resultados esperados” (op.cit.p.4), segundo o Bird, indica equívocos e, dentre eles, o Relatório
salienta: custo elevado no ensino superior; altas taxas de repetência e altos custos por
formando; aumento do custo com os professores (redução no tamanho das turmas na década
de 2001 a 2009 e aumento generalizado nos salários dos professores, com pouca evidência de
que essas ações repercutem em melhor aprendizagem); é praticamente inexistente a realização
de pesquisa sobre o custo-efetividade das experiências inovadoras e apoiadas pela iniciativa
privada e por fim a questão da corrupção brasileira e da má administração dos fundos
educacionais são apontados como entraves, diagnosticados nas auditorias governamentais e
nos estudos educacionais, que precisam ser superados.
A terceira parte do Relatório do Bird se dedica à apresentação de quatro desafios
para a educação brasileira para o período de 2010 a 2020:
Melhorar a qualidade dos professores, garantir o desenvolvimento infantil das
crianças mais vulneráveis, construir um sistema de ensino médio de classe
mundial43, e maximizar o impacto das políticas federais de educação básica – e tirar
43
A expressão “de classe mundial” é recorrente no meio empresarial. Nesse lócus, tem a sua origem cunhada por
Hayes e Wheelwright, na obra Restoring our competitive edge: competing through manufacturing, datada de
1984. Em tal publicação os autores sistematizaram a atuação de empresas japonesas e alemãs, na manufatura e
na atuação no mercado de exportação, como exemplo de produção de “classe mundial”, ou seja, que deveria ser
replicado por todos os países e empresas que tivessem como objetivo produzir e ganhar espaço no mercado de
exportação. Desde então essa terminologia, no meio produtivo e empresarial, tem sido aprimorada e
sistematizada em critérios e indicadores, respaldados por alguns conceitos, como: gestão de padrão industrial,
Controle Total de Qualidade, Manutenção Produtiva Total, Just in Time. Em 2009 a expressão “de classe
mundial” foi adotada pelo Banco Mundial na publicação “The Challenge of Establishing WorldClass
Universities”, que também foi publicada no idioma espanhol, sob o título “El desafío de crear universidades de
rango mundial”. Essa publicação é de autoria de Jamil Salmi, um economista marroquino, com especialização
em educação e com experiência na assessoria em reformas na educação superior em mais de 60 países. As
características centrais de uma universidade de classe mundial, podem ser sintetizadas em: a) alta concentração
de excelentes recursos humanos (alunos e professores); b) recursos financeiros o suficiente para desenvolver
68
proveito do “laboratório de ação educacional” brasileiro. (op.cit., p.27, grifos
nossos)
69
do OCDE. O Relatório aponta que o ensino médio noturno colabora com essa situação,
inclusive pela quantidade de horas-aula oferecida; a infraestrutura precarizada das escolas de
ensino médio é um grande empecilho, o currículo é sobrecarregado e oferece pouca
flexibilidade no percurso. Desse modo, por analogia às premissas do Bird, sobre o termo “de
classe mundial”, é possível inferir que um ensino médio de classe mundial seria aquele que
reunisse uma qualidade respaldada pelos indicadores nacionais e internacionais, constituído
por alunos e profissionais de excelência e que priorizasse os conteúdos e habilidades
reivindicados pelo mundo do trabalho.
Algumas das premissas apontadas pelo Relatório do Bird, para a década de 2011 a
2020, já estavam contempladas no Relatório “Os desafios para o Ensino de Segundo Grau nos
Anos Noventa44”, publicado em 1989 pelo Bird. Ademais parte importante das
recomendações foi contemplada nas políticas elaboradas e implementadas durante o Governo
FHC. Assim como o Relatório de 2010, a publicação do ano de 1989 também tratou apenas
do caso brasileiro.
Durante o período de 2003 a 2014, ainda que a tônica das recomendações
expressas pelo Bird tenha permanecido, algumas especificidades foram incorporadas ao leque
de orientações. Além disso, o contexto interno e os interlocutores nas instâncias
governamentais já não eram os mesmos. Assim, o Relatório do Bird para a década de 2011 a
2020 traz um conjunto de recomendações, que já estavam em andamento o no país, mas que
sob diferentes disputas e interesses foram adquirindo um novo escopo, ou seja, as mesmas
premissas foram buscando assento em outro contexto e com o respaldo de agentes do campo
econômico e alguns do campo educacional, conforme o capítulo 2 apresenta.
Nesse sentido, o Relatório do Bird de 2010 reconheceu que algumas unidades da
federação estavam desenvolvendo experiências em consonância com as recomendações do
Bird e apresentou algumas estratégias que promoveriam melhorias no ensino médio brasileiro:
Os desafios são extremos, mas vários estados já estão trabalhando na construção de
estratégias abrangentes. Alguns estados, tal como Minas Gerais, estão
desenvolvendo novos enfoques importantes para uma questão chave para a educação
secundária: o equilíbrio entre o conteúdo acadêmico e o vocacional. Alguns rumos
promissores que poderiam ser tomados para contribuir para a melhoria do ensino
médio no Brasil podem ser agrupados nas seguintes categorias: estratégias
universais (reforma de currículo e de treinamento, grandes investimentos em
infraestrutura para apoiar um dia escolar mais longo e eliminar o ensino
44
Esta publicação teve circulação restrita. Guiomar Namo de Mello (nessa época era deputada estadual de São
Paulo) e Teresa Roseley Neubauer da Silva (Secretaria Estadual de Educação de São Paulo) estão dentre as
pessoas que elaboraram o Relatório. Ambas atuaram posteriormente em cargos e funções importantes na
definição de políticas educacionais para o ensino médio durante o Governo FHC. Mello e Silva foram
conselheiras no CNE, sendo que Guiomar foi a relatora das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio
em 1998 e também foi consultora do Projeto Escola Jovem.
70
noturno, melhoria da qualidade de professores); escolas de demonstração
(escolas de ensino médio de tempo integral e com bastante recursos que tanto
testam inovações quanto demonstram que escolas secundárias de alta qualidade
são viáveis); e parcerias público-privadas no ensino técnico e vocacional (para
garantir uma fácil transição para o mercado de trabalho para os formandos do ensino
médio que não continuam o ensino superior, através da orientação do conteúdo
vocacional do currículo para as habilidades que estão em demanda local. O setor
privado também está apoiando à gestão escolar baseada em resultados. (BRUNS,
EVANS, LUQUE, 2012, p.27). (grifos nossos).
Dentre as políticas para o ensino médio que são destacadas neste estudo, o PL nº
6.840/2013 é a ação que melhor expressa o ideário do Bird para a educação secundária, ou
melhor, para a criação de um ensino médio de classe mundial. As recomendações de
ampliação do tempo escolar, de flexibilização do currículo, de eliminação do ensino noturno,
dentre outros aspectos são elementos que se fizeram presentes no debate e nas proposições
durante a tramitação desse PL, especialmente oriundas dos agentes do campo econômico em
destaque no presente estudo.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) possui um papel relevante na
reforma de ensino médio empreendida no governo FHC, sobretudo por ter sido a instituição
responsável viabilizar o financeiramente e dar subsídios técnicos ao Projeto Escola Jovem ,
oriundo o Promed.
O BID possui analogia com o Bird, sobretudo na estrutura burocrática e nas
instâncias de poder, no entanto:
Há também diferenças relevantes, o que é natural. Bird e BID nasceram em
momentos históricos fundamentalmente diferenciados. O primeiro em 1944, em
Bretton Woods, sob a ótica da cooperação, como instrumento financeiro global de
recuperação da economia de países devastados pela II Guerra Mundial. O BID,
quinze anos depois, como instrumento de desenvolvimento regional, já no contexto
histórico da Guerra Fria. (COUTO, 2002, p. 39).
71
Acordaram as partes que o BID só poderá aprovar projetos setoriais em regime de
co-financiamento com o Bird, o que na prática significa que para estes projetos
prevalecerão as regras deste último banco, dado o seu maior peso político (...) há
duas modificações importantes nas relações do BID com os seus mutuários: a) um
aumento expressivo no valor dos empréstimos, com uma possível agilização dos
procedimentos; e b) em contrapartida, uma maior aderência às normas reformistas-
privatistas já vigentes no Bird deverá ser observada. Como resultado final, um maior
leque de condicionalidades. (DEITOS, 2001, p.151)
45
Em consulta no site do BID e mediante a escolha dos filtro “Brazil”, foram identificados 11 projetos, sendo 8
encerrados e 3 ativos.
46
Na publicação alguns brasileiros, que participaram da produção do relatório, e ocupavam funções diretas ou
indiretas no governo FHC são mencionados: Claudio de Moura Castro, Guiomar Namo de Mello, Avelino
Romero Pereira Simões, Rui Leite Berger Filho e Moaci Carneiro.
47
A equipe do BID que coordenou essa pesquisa foi constituída por Carlos Herrán (coordenador responsável)
Amaury Patrick Gremaud (coordenador nacional) Maria Helena Guimarães (assessora) Marcelo Pérez-Alfaro. Já
a equipe que realizou a pesquisa foi formada por integrantes de a Fundação Carlos Chagas e do Instituto
Protagonistés, sendo: Rose Neubauer (coordenação) Cláudia Davis Gisela Tartuce Marina Nunes André Portela
de Souza
72
sala de aula. Para esse estudo o papel do MEC e dos governos é fundamental e deve ser
focado em quatro aspectos:
a) Clara definição do perfil dos gestores para ocupar funções estratégicas nas
redes públicas e da sua capacitação em administração pedagógica, bem como a
das equipes técnicas regionais, para liderar esse processo de mudança; b)
formação de quadros técnicos e docentes, com especial ênfase na aprendizagem
em contexto (in loco), nas escolas; c) padrões de desempenho claros e focados
no ensino e na aprendizagem; e d) socialização dos resultados das avaliações de
desempenho das escolas, de modo que elas possam usá- los, efetivamente, para
orientar suas tomadas de decisão. (BID, 2010, p. 178)
73
no campo de poder. Nesse sentido, é possível seguir o fio das poposições do PL nº 6.840/2013
e perceber que ecoam nas recomendações mundializadas, sobretudo nas que são oriundas do
Bird. Não se trata de imposição desse organismo, mas sim de estratégias em busca de
consenso, que em outros aspectos conta com a construção de redes no Brasil e na América
Latina, conforme Evangelista e Shiroma (2014) ilustram. Os microfios dessas redes possuem
ramificações nos institutos que operam por dentro das escolas de ensino médio, emanadas de
agentes do campo econômico e educacional.
Os processos, as disputas e as estratégias empreendidas em cada contexto, em
cada singularidade, precisam ser compreendidos na tecitura que constitui o enredo. Assim, a
presente pesquisa recorreu às pesquisas e publicações de periódicos do campo da educação
que foram realizadas e divulgadas nos últimos anos com o objetivo de apreender elementos
relevantes para a problemática em discussão. A revisão bibliográfica apresenta aspectos que
provocam a reflexão sobre os campos em disputa, sobre categorias que ilustram a trama entre
os campos e as propostas para o ensino médio e os principais desafios que se apresentam no
contexto atual.
1.3 As políticas educacionais e os desafios históricos e atuais para o ensino médio sob a
ótica das produções acadêmicas
Para contemplar o período de 2009 a 201449 a consulta das teses foi realizada no
Banco de Teses da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
48
Esse trabalho foi solicitado pelo MEC e realizado pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Goiás, sob a coordenação geral da Profª. Maria Margarida Machado. Tal pesquisa contemplou as produções
publicadas no período de 1998 a 2008 e os dados estão sistematizados e disponíveis na integra no site:
http://www.emdialogo.uff.br/materia/estado-da-arte-sobre-ensino-m%C3%A9dio-no-brasil-pesquisa-financiada-
pela-sebmec-coordenado-ufg. Acessado em: 18/04/2014.
49
Não foi possível incluir nesse levantamento os trabalhos defendidos nos anos de 2013 e 2014, pois essas
produções ainda não estavam disponibilizadas no site da Capes, quando o mapeamento foi realizado. Havia no
75
Os filtros utilizados na seleção foram semelhantes aos empregados nos dados do Estado da
Arte, porém a consulta no Banco da Capes permitiu a utilização de filtros como: título,
resumo, palavras chave, área e tipo de produção (mestrado e doutorado). Foram utilizados os
descritores: Ensino Médio, política educacional ou políticas educacionais e foram
selecionados para leitura apenas os trabalhos que possuíam o descritor Ensino Médio em
associação com, pelo menos, um dos outros dois.
Uma primeira análise sobre o quantitativo de pesquisas permite inferir que houve
um crescimento considerável de pesquisas sobre as “políticas educacionais”, pois este termo
site uma nota informando sobre a atualização nos dados. A versão atualizada, porém, também não permitiu
complementar o levantamento, pois houve uma alteração nos filtros de pesquisa. Na versão anterior era possível
selecionar os trabalhos por palavras chave, título, resumo, nível do trabalho (mestrado ou doutorado), programa,
área, orientador e ano. Com a reformulação do site os novos filtros de pesquisa são: autor, orientador, banca, área
de concentração, programa, instituição, biblioteca. Com a mudança passou a ser possível a consulta de dados
quantitativos, que geram planilhas detalhadas, nos seguintes aspectos agrupados, a) Região, UF e Área de
avaliação, b) Região, UF e Áreas de Conhecimento, c) Área de Avaliação, IES e Programa, d) Área do
conhecimento, IES e Programa, Ano, Área de Conhecimento, IES, Programa, E) Orientador. Assim, os trabalhos
que foram contemplados nesta revisão, pelos filtros: doutorado e palavras chave: (ensino médio, política
educacional e/ou políticas educacionais) dizem respeito ao período de 1998 a 2012, ou seja, com a nova
formatação do site da Capes não foi possível acrescentar os anos de 2013 e 2014 nesse levantamento, com os
mesmos critérios de pesquisa, mas outras produções acadêmicas foram selecionadas no Banco de Teses da Capes
e foram extremamente relevantes para essa pesquisa.
50
O levantamento das teses referentes ao recorte da pesquisa não teria sido possível, apenas no site da Capes,
pois no decorrer do ano de 2014, quando foi iniciado o mapeamento das produções, no decorrer do primeiro
semestre de 2014, estava disponibilizada no site da Capes a seguinte nota: “Como forma de garantir a
consistência das informações, a equipe responsável está realizando uma análise dos dados informados e
identificando registros que por algum motivo não foram informados de forma completa à época de coleta de
dados. Assim, em um primeiro momento, apenas os trabalhos defendidos em 2012 e 2011 estão disponíveis. Os
trabalhos defendidos em anos anteriores serão incluídos aos poucos.” Dessa forma, caso não houvesse a
publicação do trabalho “Estado da Arte da Produção Acadêmica sobre o ensino médio no Brasil – Período de
1998-2008” o objetivo de mapear as teses que se debruçaram sobre as políticas educacionais de ensino médio no
período em estudo teria ficado comprometido.
76
figura em 106 teses defendidas nos anos de 2011 e 2012. Se comparado com o período
analisado por Azevedo e Aguiar (2001), 1991-1997, quando as autoras mapearam 25 teses
que continham o termo “políticas educacionais” nos resumos, é notório o crescimento do
interesse pela temática.
77
Apenas Bueno (2000) deixa evidente o seu posicionamento epistemológico, pois
assume uma determinada visão de mundo na forma de pesquisar, produzir e divulgar o
conhecimento que o estudo produziu. A leitura do trabalho demonstra uma lucidez teórica da
autora, coerente com o processo investigativo, que a mesma desenvolveu e sintetizou nas
categorias analíticas que dialogam com os autores que fundamentam a perspectiva
epistemológica empreendida no estudo. Ainda que seu trabalho não mencione o EEPE, a
autora não comete o equívoco de utilizar metodologias sem respaldo epistemológico coerente,
nem dicotomia ao trabalhar com os autores e com as categorias utilizadas no estudo.
A tese de Bueno (2000) foi publicada sob o título: “Políticas atuais para o
ensino médio”, título original do trabalho. A autora estabelece uma análise metafórica acerca
das políticas educacionais para o ensino médio a partir da década de 1990 e o “salto na
escuridão”; procede a análise tomando a “mão de Alice”, tendo em vista analisar o mundo
espelhado do discurso político educacional hegemônico. Dentre as nove teses mapeadas o
trabalho de Bueno (2000) foi o estudo que contemplou os critérios de seleção nesta pesquisa e
que também apresentou contribuições sobre uma análise mais ampliada sobre as políticas para
o ensino médio brasileiro.
Com base na compreensão de Mainardes (2009) pode-se afirmar que o estudo de
Bueno (2000) corrobora com uma análise sobre o papel do Estado, mas também contribui
significativamente com a análise das políticas educacionais voltadas para o ensino médio. Não
se trata de uma análise pontual sobre uma política ou um programa, mas se constitui em um
denso e bem articulado estudo sobre diversos documentos educacionais nacionais e de
documentos de agências multilaterais como o Bird (Banco Mundial) e BID (Banco
Interamericano de Desenvolvimento).
Tello e Almeida (2013) explicitam que a relação entre os três elementos que o
EEPE aponta para a realização da meta-análise são interligados, portanto desencadeiam
impactos no desenvolvimento da investigação uma vez que:
O posicionamento epistemológico se converte no posicionamento político e
ideológico do pesquisador. Podemos mencionar os posicionamentos
neoinstitucionalistas, institucionalistas, clássico ou jurídico-legal, construtivismo
político, da complexidade, ecleticismo, pós-moderno, pós-modernista,
hiperglobalista, estético, neoliberal, enfoque transformador, funcionalista, crítico,
crítico-radical, crítico-analítico, teóricos da resistência, críticoreproductivista,
humanista, economicista etc. O posicionamento epistemológico repousa sobre a
seleção que realiza o investigador enquanto a perspectiva epistemológica com a que
desenvolverá o pesquisador. Estes posicionamentos epistemológicos são a
adjetivação das perspectivas epistemológicas. (...) preferimos falar de
epistemetodologia, categoria na qual confluem a apresentação de método e a posição
epistemológica do pesquisador. Consideramos que um enfoque metodológico possui
78
uma epistemologia, mas aos efeitos da distinção do seu uso comum, preferimos este
último termo: epistemetodologia. (p 14-15)
51
Krawczyk (2011) sistematizou oito desafios para a pesquisa em política educacional no Brasil. Para a
pesquisadora, considerando o contexto da Pós-Graduação no Brasil, os trabalhos desenvolvidos com foco nas
políticas educacionais demonstram a necessidade de: 1) Revigorar o debate teórico e histórico; 2) Articular as
diferentes áreas e abordagens teórico-metodológicas de pesquisa em política educacional; 3) Aprofundar o
diálogo com outras áreas de conhecimento do campo de estudo em educação e fora dele, em nível nacional e
internacional; 4) Fortalecer a área da educação e promover o diálogo entre as disciplinas, tendo em vista a
ampliação desse campo, nas diversas relações e práticas sociais; 5) Aprimorar as pesquisas e repensar a política
de pós-graduação no país; 6) Discutir as condições em que são desenvolvidas as pesquisas em educação; 7); Não
se render às demandas imediatistas nem às ansiedades para encontrar respostas rápidas e “mágicas”; 8) Assumir
a tensão entre o campo acadêmico e o de atuação política, fronteira bastante sensível na área de política
educacional.
79
campo. Tais demandas são latentes nas pesquisas sobre as políticas educacionais para o
ensino médio.
Nas teses analisadas nenhuma realiza pesquisa comparada. Krawczyk (2012)
afirma que essa abordagem metodológica tem ganhado novo fôlego nas investigações no
campo da pesquisa educacional, pois esteve em desuso por razões ideológicas que
fundamentaram muitas das pesquisas comparadas realizadas nos anos de 1990.
Os resumos dos trabalhos apresentam os descritores políticas educacionais e
ensino médio, mas necessariamente esses temas não configuram o objeto de estudo de
algumas teses, mesmo que, em alguns casos, estejam vinculadas às linhas de pesquisa de
políticas educacionais. Essa situação reforça a compreensão sobre os limites que os resumos
de produções acadêmicas apresentam e dos riscos que o pesquisador corre em selecionar
trabalhos com base nesses critérios.
Na revisão bibliográfica desta pesquisa também foram mapeadas as produções
em periódicos Qualis A1 e A2, disponíveis eletronicamente, e os trabalhos apresentados em
dois Grupos de Trabalho (GTs)52 nas reuniões da Associação Nacional de Pesquisa e Pós
Graduação em Educação (Anped), com objetivo de: identificar e dialogar com as pesquisas e
publicações acadêmicas que tiveram as políticas educacionais para o ensino médio do período
de 2003 a 2014 como objeto de estudo.
Esta etapa da revisão bibliográfica primou por uma coleta em fontes que gozam de
reconhecimento e notoriedade acadêmicos no campo da educação. Na sistematização dessa
empreitada as produções, que tiveram o ensino médio como objeto de estudo foram agrupadas
em temáticas afins ou comuns e/ou periódicos, conforme exposição a seguir. Posteriormente
foi realizada uma retomada nas publicações, que foram consideradas mais relevantes para a
apreensão dos desafios históricos e atuais para o ensino médio.
A busca nos periódicos acadêmicos se concentrou nas produções publicadas em
Revistas da área da educação, classificadas em Qualis A1 e Qualis A2, que possuíam versão
on-line53, no período de 2003 a 201654. Também foi realizada uma consulta nos trabalhos
52
Após uma consulta geral nos 23 Gts da Anped foi possível constatar que a maior incidência de trabalhos
apresentados relacionados ao ensino médio estão concentrados nos Gt 5 – Estado e Política Educacional e GT 9
– Trabalho e Educação.
53
A opção pelo critério da disponibilidade virtual dos trabalhos teve como objetivo garantir o mesmo padrão de
coleta e acesso a todas as publicações dos periódicos selecionados e também selecionar as que ampliam o raio de
alcance na divulgação dos trabalhos. Tal situação permitiu descobrir que muitos periódicos passaram por
alterações quanto à periodicidade, alguns disponibilizam eletronicamente todas as edições, outras apenas a partir
de um determinado momento. Já algumas revistas, como a Revista Brasileira de Política e Administração da
Educação (RBPAE) passou a ter edição on line apenas a partir do V. 26, nº 1, em 2010.
80
apresentados nas reuniões da Associação Nacional de Pesquisas e Pós-Graduação em
Educação (Anped) que ocorreram a partir de 200355, nos Grupos de Trabalhos (GT): 05 –
Estado e Política Educacional e 09 – Trabalho e Educação.
O Ensino Médio é a única etapa da Educação Básica que não está contemplada, a
priori, como objeto de estudo e investigações nos GT da Anped. Apesar de o GT “Ensino de
2º grau” ser um dos signatários na lista dos sete primeiros Gts da Anped, criados na 4ª
Reunião da Anped , realizada em 1982, e ter sido incorporado no estatuto da Associação, este
não logrou vida longa. Os estudos e pesquisas que se debruçaram sobre o Ensino Médio,
geralmente são apresentados no GT 05 Estado e Política Educacional e no GT 09 Educação e
Trabalho.
Foram identificados seis periódicos Qualis A1: Cadernos Cedes, Cadernos de
Pesquisa (Fundação Carlos Chagas), Revista Brasileira de Educação e Revista Educação e
Sociedade; Educação e Sociedade (Revista da Faculdade de Educação de São Paulo),
Educação & Realidade, cinco Qualis A2: Currículo sem Fronteiras, Revista Educação (PUC-
RS), Revista e-curriculum (PUC-SP), Práxis Educativa (UEPG) e Educação Unisinos. Todos
da área da educação e com edições disponíveis eletronicamente.
Nesse processo de busca e seleção de produções acadêmicas inicialmente foram
selecionados56 para a primeira leitura: 4757 artigos em periódicos Qualis A1, 12 artigos em
periódicos Qualis A2, e 25 trabalhos apresentados nas reuniões da Anped, sendo: 10
vinculados ao GT 5 e 15 associados ao Gt 9. Essa sistematização está agrupada por temática
afins, número de texto e periódico e se encontra nos apêndices D, E, F deste trabalho.
No conjunto das publicações Qualis A1 a reforma do ensino médio no Governo
FHC teve uma centralidade, por exemplo, nos estudos selecionados nos Cadernos de Pesquisa
do total de seis artigos publicados neste periódico, quatro se dedicaram a este recorte. Dentre
esses, três são de autoria ou coautoria de uma mesma pesquisadora58, responsável pela
realização de pesquisa de grande porte sobre o Ensino Médio, no Brasil e na América Latina.
54
O período de publicação dos periódicos, para fins de mapeamento dos trabalhos, ultrapassa o período
delimitado na pesquisa, 2003 a 2014, tendo em vista identificar um maior número de trabalhos que se
debruçaram sobre políticas para o ensino médio, correspondente ao período analisado. Assim, a coleta
contemplou os trabalhos que foram publicados até o final do primeiro semestre de 2016. Para fins de
classificação dos trabalhos foi utilizada a avaliação da Capes em 2014.
55
Até o ano de 2013 as reuniões da Anped ocorreram anualmente, mas a partir desse ano passaram a ocorrer
bienalmente. A última reunião nacional da Anped foi realizada em 2015, em Florianópolis.
56
A lista dos textos selecionados para leitura encontra-se organizada por periódicos, ano e número ou reuniões
no apêndice deste trabalho.
57
13 artigos desse total foram publicados na Seção Temática: Ensino Médio e Juventudes, da Revista Educação
& Realidade, publicada em jan./mar. de 2016
58
Dagmar Maria Leopoldi Zibas foi pesquisadora Sênior na Fundação Carlos Chagas no período de 1983 a
2008.
81
Nesses textos são apresentados resultados parciais e finais de uma pesquisa realizada no
Estado do Ceará sobre a implementação da reforma do Ensino Médio na década de 1990.
A temática Ensino Médio e Juventude, por ter sido contemplada em uma seção
especial da Revista Educação & Realidade, agrega o maior volume de artigos e dentre esses
apenas 1 foca em questões diretamente ligadas a programas educacionais. Corti (2016) trata
do acréscimo importante no número de matrículas de alunos de ensino médio de São Paulo
em face da ampliação da escolaridade básica como consequência de ações governamentais
tendo em vista a massificação da escolarização, como parte constituinte de um projeto de
modernização do país. As demais publicações dessa edição da Revista contemplam aspectos
relevantes, sobretudo, sobre as juventudes brasileiras que cursam o ensino médio, na
singularidades desse tempo da vida e em aspectos que permeiam o universo escolar: jogos,
redes sociais, letramento, cultura de massa, dentre outros.
Nos trabalhos publicados nos Cadernos de Pesquisa é primorosa a contribuição
desses estudos para a compreensão conceitual do “Protagonismo Juvenil” e seus
desdobramentos em ações pedagógicas no âmbito das políticas e no interior das escolas na
reforma do ensino médio no governo FHC. O slogan Protagonismo Juvenil foi uma expressão
marcante dessa reforma, uma vez que perpassava os eixos da gestão e do currículo no Ensino
Médio e o viés da abordagem desse conceito na gestão e no currículo podia ser sintetizado da
seguinte forma:
A defesa dos métodos ativos, da contextualização dos conteúdos disciplinares e de
um certo nível de integração de tais conteúdos, de modo que façam sentido para os
jovens, também podem aproximar esses discursos dos objetivos de educadores
progressistas.
Por outro lado, os mesmos discursos afirmam a irreversibilidade dos “efeitos
negativos da era pós-industrial”, orientam a despolitização da participação juvenil e
fazem um apelo à adaptação à nova ordem mundial e à superação individual da
segmentação social. Para diversos analistas, é essa face conservadora e economicista
do discurso do protagonismo que prevalece nas diretrizes curriculares.” (ZIBAS,
FERRETTI, TARTUCE, 2004, p.422)
83
Em síntese: não há como o militante propor uma estratégia de travessia
equacionando o ponto de saída e o ponto de chegada ou, em termos atuais, equacio-
nando a travessia da superação da sociedade neoliberal para a sociedade socialista.
(NOSELLA, 2015, p.139)
A temática Juventude e Ensino Médio foi contemplada em três artigos, sendo dois
dos Cadernos Cedes: Leão; Dayrell e Reis (2011a) e Peregrino (2011) e um na Revista
Educação e Sociedade, de autoria Leão; Dayrell e Leão (2011b). As três publicações
apresentam dados de pesquisas desenvolvidas em instituições escolares que atendiam o
público juvenil.
Peregrino (2011) apresenta uma retomada do conceito de juventude, contempla
Manheim, mas faz opção por caminhar com Bourdieu no desenvolvimento das pesquisas
sobre a escolarização dos jovens, na perspectiva que: “operar a juventude como posição
significa construir esta posição no processo de investigação” (p.288).
Leão, Dayell e Reis (2011a) e Leão, Dayrell e Leão (2011) afirmam que os
problemas que afetam a juventude e a escolarização são diversos e que entre eles a visão
simplificada do jovem, como meramente aluno, desconstitui a possiblidade da formação de
uma sociabilidade juvenil, que contemple o jovem e seus projetos de vida, sobretudo o jovem
proveniente da classe trabalhadora.
As temáticas Financiamento, Universalização do ensino médio e Regime de
Colaboração foram contempladas com uma produção para cada tema e agrupadas na
sistematização desse estudo, pois os textos resguardaram aspectos comuns ao discutirem aos
desafios do financiamento do ensino médio, tendo em vista a universalização e a realidade
financeira de boa parte das unidades federadas.
Esses textos apontam que, para além de uma análise sobre o viés das propostas
para o ensino médio, há que se atentar para a possibilidade de efetivação das propostas, ou
seja, a dimensão financeira é um eixo que pode corroborar com as mudanças. Por outro lado,
se for desconsiderada, pode se tornar um entrave na efetivação de qualquer proposta. Ainda
assim, é importante observar o quanto é escassa essa discussão. Pinto, Amaral e Castro
(2011) sintetizam um desafio premente:
De todos os desafios que se colocam para as diferentes etapas de nossa educação,
que não são poucos com certeza, aqueles referentes ao ensino Médio são os que
demandam respostas mais urgentes, pois precisamos sair da situação de
massificação barata. Nossos jovens têm direito a uma educação que lhes faça sentido
e ofereça novos horizontes. (p.663)
85
mediante um PNE que, definindo metas claras a partir de diagnósticos consistentes,
fontes e mecanismos de financiamento compatíveis com a dimensão do problema,
seja o instrumento de articulação de um novo pacto federativo, pautado em um
esforço expressivo que permita reverter esse histórico quadro de desrespeito aos
direitos dos que vivem do trabalho. Isso porque os dados, embora não permitam
relações consistentes, são suficientes para mostrar que a oferta é majoritariamente
pública, urbana e para os brancos, que os indicadores de acesso, sucesso e
permanência apresentam evolução negativa, os fluxos apresentam represamento e a
distorção idade-série atinge a metade das matrículas. E, de quebra, pelo menos a
metade das matrículas é noturna, atendendo a alunos trabalhadores. ((BRANDÃO,
2011, p.861)
A temática formação integrada no Ensino Médio foi abordada por Moura, Filho e
Silva (2015) na Revista Brasileira de Educação (RBE). Os autores possuem outros trabalhos
nesta revista, em outros periódicos e também no GT 9 Trabalho e Educação da Anped. Moura
e Filho possuem uma considerável publicação sobre o Ensino Médio Integrado, bem como
sobre a fundamentação teórica que fundamenta essa proposta. A publicação da RBE é
resultado de um trabalho encomendado para 35ª Reunião da Anped, apresenta uma reflexão
sobre a retomada do Ensino Médio Integrado pelo Decreto 5.154/2004. Para os autores:
é possível e necessário plantar – e cuidar para que cresçam – as sementes da
formação humana integral, politécnica, unitária, aproveitando-nos das contradições
do sistema capital. Para tanto, na “travessia” ainda é necessário reclamar por
“escolas técnicas (teóricas e práticas)”, com base no princípio educativo do trabalho,
onde está o germe do ensino que poderá elevar a educação da classe operária
bastante acima do nível das classes superior e média. Se essa tese é válida para a
classe trabalhadora em geral, para o Brasil, imerso no capitalismo neoliberal como
quase todo o planeta e, além disso, estando na periferia desse sistema, ela tem mais
vigor ainda.” (MOURA; FILHO; SILVA, 2015, p.1070)”
86
dos alunos, com ampla margem para o rankeamento das instituições escolares e não considera
os fatores que efetivamente exigem enfretamento do Estado, a fim de garantir uma oferta de
ensino médio com qualidade para todos, inclusive e especialmente aos matriculados nas
modalidades de educação de jovens e adultos e o ensino noturno.
Silva Júnior, Lucena e Ferreira (2011) fizeram uma discussão sobre as correlações
entre Ensino Médio e Educação Superior. Os autores afirmam que as orientações Cepal
respaldaram as reformas para o ensino médio, como nas políticas compensatórias, pela via da
profissionalização, sobretudo em ações pontuais como o Pronatec. Ao passo que na Educação
Superior, apesar do processo de democratização dos últimos anos, o acesso e a conclusão dos
cursos se confirmam apenas em algumas áreas do conhecimento.
Krawczyk (2014a) avalia que a inserção do empresariado, nos rumos da última
etapa da educação básica, se configura em um desafio atual, uma vez que a forma pela qual
essa aproximação ocorre possui nuanças complexas e distintas de outros momentos históricos,
pois:
A escola pública é um nicho de mercado importante, recriado e estimulado
constantemente pelo setor privado, que atua em áreas como material didático,
formação de professores, consultorias, entre outras. No entanto, essa atuação não se
resume apenas à realização de negócios com o governo, mas também (e cada vez
mais) em implantar uma determinada ideologia nesse importante espaço de
socialização das crianças e dos jovens (futuros trabalhadores), em inocular na escola
pública a visão de mundo do empresariado.
É um novo estágio de reestruturação do espaço público, no qual o setor empresarial
busca o fortalecimento da capacidade de execução do aparelho estatal e
institucional, tomando as rédeas desse processo, em nome da necessidade do
controle social.” (p.36 e 37)
88
Os macrocampos se configuram, de forma ambivalente, como estratégia para
inovação do Ensino Médio e como obstáculo à mesma, como uma espécie de ponto
de inflexão a partir do qual é possível promover alterações no currículo "tradicional"
na perspectiva de sua inovação, mas encontra nele mesmo sua impossibilidade.
(p.2039).
89
Zanardini, Rosa e Hotz (2011) abordaram o período de 1990, contemplaram a
reestruturação produtiva com o objetivo de analisarem a reforma do ensino médio no Governo
FHC e assim discutirem a qualificação ofertada aos trabalhadores no ensino médio. Para os
autores a reforma empreendida, nesse governo, dissimula as reais pretensões e busca atrelar o
desenvolvimento econômico e social sob a responsabilidade da educação.
Silva (2014) apresentou um estudo realizado no Rio Grande do Sul sobre docência
inovadora no ensino médio. O autor afirma que as duas últimas décadas se constituíram em
um período de constantes propostas de mudanças para o ensino médio, mas essas não
garantiram inovações pedagógicas, ainda que as práticas pedagógicas sejam constantemente
ressignificadas.
Schweig (2015) apresenta um conjunto de reflexões sobre o retorno da Sociologia
como componente curricular no ensino médio, realiza uma análise de cunho antropológico e
questiona quais são os agentes autorizados a produzir conhecimento em nome da Sociologia.
O autor se reporta a Bourdieu ao discutir sobre a vigilância epistemológica e o trabalho com a
disciplina Sociologia na escola de ensino médio.
Os 25 trabalhos mapeados sobre o ensino médio, que foram apresentados nos Gts
5 e 9 da Anped, estão organizados neste trabalho por temas e Gts. Esses textos possuem
singularidades que, de certa forma, demonstram coerência com a identidade de cada GT e
também apresentam uma variedade menor de temas, quando comparados às temáticas
presentes nos periódicos Qualis A1 e A2.
Os Gts da Anped representam, segundo Azevedo e Aguiar (2001), as células vivas
da Anped e a eles, entre outras prerrogativas, compete promover o debate acadêmico e
publicizar as pesquisas científicas sobre a educação. As autoras salientam que as ações
desenvolvidas nos GTs: “trazem as marcas das relações de força e de poder próprias de um
espaço que atua no sentido de realização daquela função de legitimação” (p. 51). Nessa
perspectiva, contemplar na revisão bibliográfica de uma pesquisa as produções apresentadas
na Anped significa mais do que ir ao encontro das pesquisas mais recentes sobre a temática
em estudo, possibilita também apreender, se o tema tem encontrado espaço no campo
educacional e como as temáticas afins se aproximam ou não das que são discutidas nos
Periódicos Qualis A1 e A2. A sistematização dos trabalhos apresentados na Anped está no
apêndice F.
O intervalo que compreende a criação de uma política e a apresentação de um
trabalho afim na Anped deve ser considerado, tendo em vista o tempo de implementação de
90
uma política ou programa e do desenvolvimento de uma pesquisa acadêmica. Por outro lado,
o primeiro trabalho sobre a integração entre o ensino médio e a Educação Profissional, sob os
auspícios do Decreto nº 5.154/2004, foi contemplado no GT 9, na Reunião Anual de 2005. Já
as outras ações governamentais, que direta e indiretamente impactam o ensino médio e a
Educação Profissional, como: o Programa Brasil Profissionalizado60, criado em 2007, o
processo de criação de transformação dos Cefets em Ifets61, 2008 e o Pronatec, criado em
2011, não foram contempladas na mesma proporção nas discussões desses Gts.
A leitura dos trabalhos apresentados na Anped evidenciou que houve uma
predominância dos estudos sobre a integração entre o ensino médio e a Educação Profissional,
pois este tema foi expressivamente o mais abordado nos trabalhos do GT 9. Os dez trabalhos
voltados para discussão sobre a integração consideraram o Decreto nº 5.154/2004 como
marco em suas análises. Em algumas produções as discussões foram mais ampliadas, pois
abordaram a imbricada relação entre a formação para o trabalho e o ensino médio, mas em
boa parte alguma experiência pontual foi apresentada.
Guimarães (2005) foi o primeiro trabalho a tratar da integração proposta pelo
Decreto nº 5.154/2004 e trouxe reflexões sobre a ausência de uma coalizão dominante, que
pudesse apontar para a construção de uma proposta hegemônica de ensino médio calcada na
politecnia. Especialmente pelo fato das reformas promovidas no Governo FHC, na educação
profissional e no Ensino Médio, terem deixado marcas importantes na identidade das
instituições educativas. O trabalho reitera que o percurso de implementação e uma política
calcada na integração não deveria ser de forma impositiva, via decreto, pois deveria associar a
discussão e o enfretamento com segmentos contrários.
Os demais trabalhos: Cêa (2006), Cardozo (2008), Oliveira (2008), Gotardo e
Viriato (2009), Pereira e França (2011), Oliveira e Pontes (2012), Bezerra e Barbosa (2013),
Almeida (2015) e Zambom (2015) abordam experiências de Ensino Médio Integrado,
realizadas em instituições de educação federal ou estadual, na modalidade regular ou na
modalidade de Jovens e Adultos que foram desenvolvidas no Brasil a partir da revogação do
Decreto 2.208/1997 pelo Decreto 5.154/2004, mas também apresentam contribuições sobre
60
O Programa Brasil Profissionalizado foi criado pelo Decreto nº 6.302 de 12 de dezembro de 2007, como uma
das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que em suas prerrogativas salientava a integração
entre o Ensino Médio e a Educação Profissional como uma das suas prioridades. Tal Programa pretendia
subsidiar financeiramente as unidades federadas, tendo em vista a ampliação das matrículas no Ensino Médio
Integrado.
61
Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia foram criados, na época 38 unidades, pela Lei nº
11.892 de 29 de dezembro de 2008, que designou esse processo como a instituição da Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica.
91
aspectos conceituais e históricos que permeiam a relação entre a formação de nível médio e o
trabalho.
A quantidade significativa de trabalhos sobre a integração entre o ensino médio e
a educação profissional possibilita inferir que no GT 9 permeava o entendimento de que era
necessário conhecer e publicizar as diversas experiências de implementação do Decreto nº
5.154/2004, em suas diferentes singularidades, como Proeja, parceria com sistema S,
implementação da integração sistema estaduais de ensino. Além da incidência de boa parte
dos estudos focar as experiências dos Ifets, o foco do GT 9, também, recai sobre uma das
mais caras questões ligadas ao ensino médio, que este trabalho indica ser um desafio histórico
e atual: a identidade do ensino médio perpassa pela sua relação com a formação para o
trabalho.
No GT 9 a perspectiva da formação onnliteral e da politecnia são marcas
evidenciadas em todos os 10 textos selecionados. Essa associação é consoante com a matriz
teórica constitutiva desse GT, o Materialismo Histórico Dialético, conforme afirmam Trein e
Ciavatta (2003), ao apresentarem o percurso teórico e empírico do GT Trabalho e Educação.
As autoras avaliam que, ao fazerem esse balanço sobre o GT, desde a sua constituição, numa
espécie de Estado do Conhecimento dos trabalhos apresentados, observaram, entre as
questões de reflexões gerais, que nas discussões sobre a educação básica e a formação dos
trabalhadores alguns temas mereceram atenção especial por parte do GT e outros não. Assim,
reconhecem que:
O ensino médio não mereceu, no período estudado, a atenção do GT correspondente
à sua importância como etapa final da educação básica, necessária ao domínio de
uma base de conhecimentos para a compreensão da complexa sociedade em que
vivemos. (TREIN, CIAVATTA, 2003, p.20)
92
Ao realizar a organização desses dados foi interessante observar que alguns temas,
como a avaliação e financiamento, aparecem com pouca expressividade nas pesquisas, apesar
da relevância precípua que possuem. A pequena incidência de trabalhos foi confirmada em
duas das três fontes consultadas: Banco de Teses da Capes e periódicos Qualis A1 e A2, No
entanto, os textos que discutiram esses temas apontaram elementos bastante consideráveis,
como o atrelamento da universalização do Ensino Médio à capacidade do financiamento, as
fragilidades atuais nas unidades federadas para efetivar qualquer política educacional de
Ensino Médio, mesmo diante dos avanços na definição de legislação e programas.
A primeira parte do capítulo sintetiza alguns dos conceitos bourdieusianos que são
referências importantes para o presente estudo. Esses são apresentados e sistematizados com a
intencionalidade de evidenciar os principais subsídios teóricos que respaldam a compreensão
e as análises e correlações apontadas no trabalho, especialmente, nos capítulos dois e três.
CAMPO
ECONÔMICO
CNI, Todos Pela
Educação, ICE, Instituto
Unibanco, Instituto
Ayrton Senna
CAMPO
EDUCACIONAL CAMPO
POLÍTICO
MEC (Semtec, SEB),
CNE, Consed, CNTE, Câmara dos
Anped, Movimento Deputados
em Defesa do Ensino
Médio
62
“Um dos instrumentos mais poderosos da ruptura é a história social dos problemas, dos objetos e dos
instrumentos de pensamentos, quer dizer, do trabalho social de construção de instrumentos de construção da
realidade social (...). A história concebida assim não está inspirada por um interesse de antiquário, mas sim
preocupada em compreender porque se compreende e como se compreende” (BOURDIEU, 1989, p.36-37)
63
A relação entre agentes e campos nesse estudo é mais complexa do que a figura acima ilustra., convém
registrar que os agentes de um campo podem operar dentro de outro, inclusive validado pelo capital do campo
que o recebe, mas a classificação considerou a origem e o ethos que o agente representa. A ideia de rede,
trabalhada por Shiroma e Evangelista pode ser desenvolvida para ilustrar o movimento dos agentes, ainda que a
origem seja considerada. Para fins desse estudo, a imagem acima priorizou ilustrar os campos de origem.
97
2.1 Elementos conceituais concernentes ao jogo e às disputas pelas políticas de ensino
médio
Esta pesquisa compreende o campo educacional e sua relação com outros campos
sociais em consonância com a compreensão de pesquisa que lembra “que há que se fazer, a
saber, verificar que o objeto em questão não está isolado de um conjunto de relações de que
retira o essencial de suas propriedades”. (BOURDIEU, 1989 p. 27). O campo educacional é,
portanto, compreendido na lógica de constituição do espaço social, que contém em si: o
princípio de uma apreensão relacional do mundo social “(...) toda “realidade” que designa
reside na exterioridade mútua dos elementos que a compõem” (1996, p. 48).
Cada campo possui uma autonomia relativa em relação aos demais campos e se
constitui em um espaço simbólico, com normas próprias que são apreendidas pelos agentes do
campo e configuradas em um habitus peculiar. Para Bourdieu:
Em termos analíticos, um campo pode ser definido como uma rede ou uma
configuração de relações objetivas entre posições. Essas posições são definidas
objetivamente em sua existência e nas determinações que elas impõem aos seus
ocupantes, agentes ou instituições, por sua situação atual e potencial na estrutura da
distribuição das diferentes espécies de poder (ou de capital) cuja posse comanda o
acesso aos lucros específicos que estão em jogo no campo e ao mesmo tempo, por
suas relações objetivas com as outras posições (dominação, subordinação,
homologia etc.). Nas sociedades altamente diferenciadas, o cosmos social é
constituído do conjunto destes microcosmos sociais relativamente autônomos,
espaços de relações objetivas que são o lugar de uma lógica e de uma necessidade
específicas e irredutíveis às que regem outros campos (BOURDIEU, apud
BONNEWITZ, 2003, p. 60).
98
Na relação entre os campos cada um, com seu objeto específico, procura jogar o
seu jogo a partir do habitus peculiar dos agentes de cada campo. Portanto, cada campo se
constitui como um espaço de relações de poder, constituindo um sistema de forças, em que os
agentes lutam para ampliar o capital adquirido e melhorar a sua posição.
Nessa perspectiva habitus “é essa espécie de senso prático do que se deve fazer
em cada situação”, o que norteia o jogo. (op.cit. p.42), uma espécie de modus operandi.
Assim, no campo e fora dele, o habitus tende a conservar no agente aquilo que o constituiu,
pois o habitus consiste em: “sistemas de disposições duráveis e transponíveis, estruturas
estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, ou seja, como princípios
geradores e organizadores de práticas e de representações” (BOURDIEU, 2009, p 87). Cada
campo desenvolve um habitus próprio, uma espécie de círculo mágico da linguagem, de
estado de ver, pensar e agir, que lhes são próprios, a exemplo do campo religioso, do campo
científico ou político.
Nos estudos que se reportam à teoria bourdieusiana, geralmente, os conceitos
habitus e campo são considerados nucleares, já o conceito de illusio é bem menos presente,
embora este seja bastante relevante para a compreensão dos outros dois. Esta ausência por sua
vez não denota o grau de relevância do conceito, uma vez que Bourdieu não se atinha em
conceituar, mas em desenvolver o método praxiológico. Neste trabalho o termo também não
é enfatizado, mas a sua relevância é reconhecida, sobretudo, ao apreender as relações entre os
campos econômico, político e educacional, especialmente nas estratégias e disputas que são
abordadas no capítulo três da tese, pois:
A illusio é estar preso ao jogo, preso pelo jogo, acreditar que o jogo vale a pena, ou
para dizê-lo de maneira mais simples, que vale a pena jogar. De fato, em um
primeiro sentido, a palavra interesse teria precisamente o significado que atribuí à
noção de illusio, isto é, dar importância a um jogo social, perceber que o que se
passa aí é importante para os envolvidos, para os que estão nele (...). Os jogos
sociais são jogos que se fazem esquecer como jogos e a illusio é essa relação
encantada com o jogo que é produto de uma relação de cumplicidade ontológica
entre as estruturas mentais e as estruturas objetivas do espaço social. Isto é o que
quero dizer ao falar de interesse: vocês acham importante, interessantes, os jogos
que têm importância para vocês porque eles foram impostos e postos em suas
mentes, em seus corpos sob a forma daquilo que chamamos de o sentido do jogo.
(BOURDIEU, 1996, p. 139).
64
Sobre a teoria dos jogos consultar em: DAVIS, M. D. Teoria dos jogos; trad. Leonidas Hegenberg e Octanny
S. da Mota. – São Paulo: Cultrix, 1973.
99
vez são permeadas por ações em que “os agentes sociais têm “estratégias”, que só muito
raramente estão assentadas em uma verdadeira intenção “estratégica” (op.cit. p.144)
Bourdieu acrescenta que cabe à sociologia compreender como o mundo social
constitui a libido biológica em libido social. Para ele a perspectiva utilitarista de que as ações
humanas são todas conscientes e motivadas unicamente por fatores e causas econômicas
devem ser refutadas, pois: “estamos localizados, e no lugar, não onde está o lucro, mas onde
ele vai ser encontrado. As reconversões através das quais somos levados a novos gêneros, a
novas disciplinas, a novos objetos etc., são vividas como conversões” (op.cit. p.142).
Cada campo tem o seu habitus e o seu modus operandi e é o capital de cada
campo que o valida dentro e fora do espaço social mais amplo. Ao mesmo tempo em que o
campo dispõe de uma estrutura que norteia os seus agentes, numa relação intrínseca ao
habitus dos agentes, também ocorre, que no processo de externalização desses
condicionantes, em face da singularidade dos agentes ou do contexto do jogo, incide a
influência do agente no campo. A ação do agente há que ser considerada na correlação entre
campo e habitus, para ser coerente com a perspectiva praxiológica.
Em tese, a estrutura do campo pode favorecer um grupo ou agentes individuais em
detrimento de outros e o fator diferencial nessa relação é o capital. Não se trata apenas do
capital econômico, mas do conjunto de capitais (social, cultural, simbólico), ou da
singularidade de cada e o valor que o mesmo representa no campo.
Para entrar em um jogo é preciso ter capital, pois é este que garante uma rede de
relações e possibilita que ocorram as trocas materiais e simbólicas e o lucro. No caso do
capital social esse processo interliga três aspectos: os elementos que constituem o capital
social; as benfeitorias que os indivíduos, agentes individuais ou coletivos adquirem, por fazer
parte de determinado grupo; como isso os distingue de outros grupos e os modos pelos quais o
capital social se reproduz. Assim:
embora seja relativamente irredutível ao capital econômico e cultural possuído por
um agente determinado ou mesmo pelo conjunto de agentes a quem está ligado (...)
não é jamais completamente independente deles pelo fato de que as trocas que os
instituem e o inter-reconhecimento supõem o reconhecimento de um mínimo de
homogeneidade “objetiva” e de que ele exerce um efeito multiplicador sobre o
capital possuído com exclusividade (BOURDIEU, p.1998, p. 67).
O capital cultural pode ser compreendido numa relação intrínseca com habitus e
classe social, ou ainda como o capital adquirido mediante ao acesso de conhecimentos
científicos e culturais considerados legítimos na sociedade. Este tipo de capital resguarda uma
relação mais estreita que os demais com o campo educacional, tendo em vista a legitimidade
100
que este campo possui na sociedade organizada em classes sociais, em prol da reprodução do
ideário de cultura que a classe dominante possui. Nesse sentido, Bourdieu elucida:
O capital cultural pode existir sob três formas: no estado incorporado, ou seja, sob a
forma de disposições duráveis do organismo; no estado objetivado, sob a forma de
bens culturais - quadros, livros, dicionários, instrumentos, máquinas, que constituem
indícios ou a realização de teorias ou de críticas dessas teorias, de problemáticas,
etc.; e, enfim, no estado institucionalizado, forma de objetivação que é preciso
colocar à parte porque, como se observa em relação ao certificado escolar, ela
confere ao capital cultural - de que é, supostamente, a garantia - propriedades
inteiramente originais (BOURDIEU,1998, p.74)
65
Ana Paula Hey (2008) discute o campo acadêmico brasileiro e, dentre as muitas assertivas que o estudo
apresenta, esclarece que o grupo dominante nesse campo, no período investigado, é representativo da burguesia
escolarizada, constituída por egressos de instituições de ensino superior com mais prestígio no Brasil, bem como
no exterior.
66
“(...) relações de força entre as posições sociais que garantem aos seus ocupantes um quantum suficiente de
força social – ou de capital – de modo a que estes tenham a possibilidade de entrar nas lutas pelo monopólio do
poder, entre as quais possuem uma dimensão capital as que têm por finalidade a definição da forma legítima do
poder (de preferência a classe dominante, conceito realista que designa uma população real de detentores dessa
realidade tangível que se chama poder.” (BOURDIEU,1998, p. 28)
101
o objetivo é reprimir os dominados e aspirantes a dominantes, além de pretender fazer com
que acatem a autoridade do possuidor de maior capital simbólico dentro do campo. É o poder
da “crença” e da “consagração”67 no interior de cada campo.
O Estado é, em conformidade com Bourdieu, um exemplo singular sobre a
capacidade do poder simbólico e da crença. O poder estatal: “deve ser pensado como produtor
de princípios de classificação, isto é, de estruturas estruturantes capazes de serem aplicadas a
todas as coisas do mundo, e em especial às sociais”. (BOURDIEU, 2014, p.227)
Bourdieu (2014) ressalta os diferentes e interdependentes capitais que o Estado
detém como: força (militar e policial), capital econômico (tributos e impostos regulares),
capital informacional (sistematização de dados estatísticos e geográficos), capital cultural
(símbolos nacionais, sistemas escolares). Esses capitais convergem e sedimentam o capital
simbólico do Estado.
O Estado, por sua vez, exerce o seu poder mediante a ação normativa e em
conformidade com a crença dos indivíduos no capital simbólico dessa instituição. Em outras
palavras, as regras e normas, além de cumpridas, são incorporadas pelos agentes sociais68
numa espécie de interiorização e exteriorização do poder simbólico do Estado, que ecoa na
coletividade, ou seja:
Um dos princípios da eficácia simbólica de tudo o que o Estado produz e codifica
(…) reside em espécies de coerências ou falsas-coerências, em racionalidades ou
falsas-racionalidades. Os sistemas simbólicos exercem um poder estruturante porque
são estruturados, e um poder de imposição simbólica, de extorsão da crença, porque
não são constituídos ao acaso. (BOURDIEU, 2014, 228)
103
interesses do campo econômico. Agentes dominantes e dominados participam dessa dinâmica
e utilizam estratégias comuns ou distintas, conforme os interesses e capital dos agentes.
Bourdieu assinala que a constituição do Estado69 está ligada à construção de um
capital econômico central e cada campo possui um interesse precípuo na relação com o
Estado, por exemplo, para o campo econômico:
A finalidade está ligada à construção de um capital econômico central de um tesouro
de certa forma central que dá ao detentor desse tesouro um poder: ele tem o direito
de cunhar moeda, tem o direito de fixar as cotações, tem o direito de tomar decisões
econômicas, etc. A constituição desse poder econômico central dá ao Estado o poder
de contribuir para a construção de um espaço econômico autônomo, para a
construção da nação como espaço econômico unificador (...) o mercado não se fez
sozinho, motu próprio, mas foi o produto de um trabalho, em especial do Estado,
orientado muitas vezes pelas teorias mercantilistas. (BOURDIEU, 2014, p.271)
69
“...constrói-se o Estado como instância metacampo contribuindo para a constituição dos campos”
(BOURDIEU, 2014, p. 271)
70
Fortunato (2000), respaldada por Victor Nunes Leal e José Murilo de Carvalho, afirma que mesmo entre
alguns pesquisadores da história política do país perpassa uma falta de clareza sobre o que foi o coronelismo e o
que o caracterizou como um sistema político datado da primeira República. Entre as principais distorções
conceituais está uma analogia equivocada sobre o coronelismo e o clientelismo, pois cada qual possui a sua
singularidade e expressão nos tempos históricos e nas esferas governamentais.
104
menos admissível será caso implique em qualquer transferência de renda do setor
exportador para a indústria. Ora, como a proteção alfandegária ou cambial implica
em necessariamente em transferência de renda, ela não se realiza. (BRESSER
PEREIRA, 1977, p.112)
Quadro 8 - Influência do empresariado industrial, por ondas, de 1950 aos dias atuais
Primeira Onda Segunda Onda Terceira Onda Quarta Onda Quinta Onda
Década de 1950 e Décadas de 1960 e Segunda metade da Segunda metade Primeira metade da
primeira metade 1970 década de 1970, da década de década de 2000 até hoje
de 1960 década de 1980 e 1990
primeira metade da
década de 1990
Argumento
A parceria A burguesia Com a campanha O empresariado O empresariado
nacionalista do industrial brasileira contra a estatização que atua no empenhou-se em um
empresariado é incapaz de (meados dos anos de Brasil é incapaz grande processo de
industrial exercer liderança, 1970) e com a de ação coletiva, organização e
brasileiro de por que: I) é fraca; campanha pela tanto no âmbito mobilização ao longo da
grande porte é II) não escolhe os redemocratização intra-setorial década de 1990. Esta
capaz de liderar trabalhadores (final dos anos de quanto no ação empresarial teve
uma aliança com como parceiros 1970), o grande âmbito desdobramentos no
os trabalhadores preferenciais; III) empresariado intersetorial. plano doméstico – , a
pela “revolução não é nacionalista; brasileiro rompe Esta campanha pela redução
nacional e IV) não é com o bloco que incapacidade é a do Custo Brasil; e no
democrática”, antiimperialista; subiu ao poder em razão da sua plano internacional, por
contra os V) contenta-se em 1964; fraqueza política. exemplo, com a
interesses ser a sócia menor b) apesar de seus A causa coalizão Empresarial
arcaicos do da aliança tríplice limites, a burguesia principal da Brasileira”. A iniciativa
latifúndio (no que, além dela, industrial brasileira incapacidade de dos exemplos
plano interno) e também envolve o teve atuação política ação coletiva e, mencionados partiu
do imperialismo estado e o capital intensa ao longo de por conseguinte exatamente de uma
(no plano internacional. todas as fases do da fraqueza entidade setorial da
externo) processo política, é o cúpula do sistema
democrático quanto sistema corporativista: A
na vigência de corporativista de Confederação Nacional
105
regimes autoritários representação de da Indústria.
(Estado Novo e interesses.
ditadura militar). c)
o grande
empresariado atuou
unido e com sucesso
em momentos-chave
como deposição de
Jango (1964) e a
Assembleia
Nacional
Constituinte (1987-
1988).
(MANCUSO, 2007, p. 132)
71
O vice-presidente José de Alencar pode ser considerado uma figura importante na chegada de Lula à
presidência da república, ou seja, foi uma importante estratégia no jogo político e econômico, uma vez que José
de Alencar, oriundo do setor empresarial, com atuação política em órgãos representativos (foi presidente na
FIEMG e vice- presidente na CNI) possuía capital simbólico no campo econômico para dirimir as resistências
mais contundentes, por parte dos empresários da indústria, que pesavam sobre o candidato Lula.
106
diversificadas, sintonizadas e comprometidas com um projeto de país forte internamente e
com boas potencialidades no mercado externo evidencia as divisões e disputas que perpassam
no Estado brasileiro, como síntese das diferentes perspectivas de projetos de nação que estão
na sociedade.
As disputas por um projeto de sociedade perpassam pelos embates da política
econômica, que por sua vez, segundo Bresser Pereira (2013), possuíram nos Governos Lula e
Dilma uma busca de coalizão de classes pelo viés desenvolvimentista, bem como uma
tentativa dos empresários industriais lograrem distinção dos capitalistas rentistas72. Em um
pacto desenvolvimentista o papel do agente industrial é bastante relevante e o consenso entre
trabalhadores e industriais não é simples, mas por outro lado:
72
“O poder econômico do segmento bancário-financeiro, viabilizado pelo regime de política macroeconômica,
foi a expressão de seu poder político no aparelho de Estado, materializado pela independência operacional do
Banco Central – principal “centro de poder” do sistema estatal brasileiro – comandado por representantes dos
interesses diretos e indiretos dessa fração (...). Foi a fração bancário-financeira que mais ganhou.” (TEIXEIRA e
PINTO, 2012, p.930)
73
Almeida (2012), em análise produzida para um estudo do IPEA, afirma que a queda da indústria de
transformação no PIB brasileiro reflete um contexto que reúne aspectos favoráveis e desfavoráveis da indústria.
Para ele não se trata de um processo de desindustrialização do país, conforme salientam alguns economistas, mas
sim de um processo que engloba desde o boom das comodities ao acréscimo nos custos da indústria e à
valorização da taxa de câmbio.
107
Gráfico 4 - Participação da indústria de transformação no PIB do Brasil, em
porcentagem, - (2000-2011)
25
20
15
10
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
74
O Instituto Ayrton Senna e seus programas foram objetos de pesquisa em vários trabalhos de Peroni. Mais
recentemente a pesquisadora tem se debruçado sobre o Programa Jovem de Futuro do Instituto Unibanco.
109
diminuição de postos de trabalho, por diversas razões, dentre elas as possibilitadas pelos
avanços tecnológicos, corroboram com o discurso sintetizado em alguns slogans, oriundos do
campo econômico, como a competitividade e a empregabilidade.
Esse discurso e sua materialidade são premissas comuns no campo econômico,
pois a dinâmica desse campo é constituída pela mesma lógica que norteia o fortalecimento e
desenvolvimento do capital. Essa condição está no viés orgânico do modelo produtivo, ou
seja, a natureza da constituição do campo econômico prima pela busca do lucro e por sua
expansão. Nesse caso, mesmo nas relações externas ao campo os seus agentes tendem a
imprimir essa mesma lógica em suas ações, ou seja, o habitus dos agentes de um campo se
materializa em todas as relações.
Os institutos abordados nesse estudo (Instituto de Corresponsabilidade pela
Educação (ICE), Insituto Unibanco e Instituto Ayrton Senna) são compreendidos como
agentes do campo econômico tanto pela origem, quanto pelo ideário e concepção de formação
e de ensino médio que são constitutivas das ações que os mesmos realizam. Tanto na esfera
micro, ou seja, nas ações pedagógicas desenvolvidas junto às redes de ensino ou nas
estratégias mais alargadas, como nas que são empreendidas junto aos agentes do campo
educacional na busca por imprimir a lógica do campo econômico nas políticas de ensino
médio, por exemplo, sob a forma de inclusão de premissas como: empreendedorismo,
empregabilidade, formar para competências, projeto de vida, dentre outros.
Shiroma e Evangelista (2014) asseveram que a inserção de alguns slogans,
oriundos do campo econômico, no campo educacional são estratégias do capital em busca de
expansão do ideário do capital. Em outras palavras a Pedagogia da Hegemonia, conforme
Neves (2013), na atual fase do capitalismo, não pode prescindir do professor para prosseguir
com o seu projeto, para tanto é necessário intervir na formação e ação desse sujeito. Há uma
relação de aproximação entre os institutos e as redes de ensino que, entre outros impactos
pode corroborar com a disseminação da pedagogia da hegemonia e com a sua materialização
de diferentes formas. Na singularidade desse estudo, depreende-se que a inserção dos
institutos de educação objetiva levar o ethos empresarial para a escola de ensino médio, bem
como fornecer subsídios que possam, paulatinamente, colaborar com a formação de um
habitus discente e docente na perspectiva do campo econômico.
Ainda que os institutos contemplados nesse estudo, pela relevância de suas ações
no ensino médio, atuem no âmbito propositivo e também como executores de algumas
políticas no campo educacional os mesmos não são considerados agentes desse campo. Além
110
das razões constitutivas e da intencionalidade dos mesmos, não há, formalmente, nenhuma
relação que justifique a criação desses institutos a partir das demandas genuinamente do
campo educacional. Eles nascem, portanto, em outro campo, ou seja, no campo econômico.
Dentro de cada campo há uma variedade de agentes, dominantes e dominados,
que se movimentam dentro do campo em busca de elevação do capital e essa mesma
perspectiva é buscada pelos agentes nas relações que esses estabelecem fora do campo. Nesse
sentido, as ações empreendidas pelos institutos, ainda que dentro do campo educacional,
respaldam a busca por validação do capital do campo econômico, que para tal implica em
diminuição do capital do campo educacional. No decorrer da exposição do trabalho as
relações internas e externas do campo econômico, no que tange às políticas de ensino médio,
evidenciam o ethos desse campo, que também se materializa nos institutos e nas ações
empreendidas por esses, em especial, nas redes estaduais de ensino.
Dentre os agentes mais proeminentes do campo econômico, no recorte da
problemática delineada nesta pesquisa, podem ser destacados aqueles com atuação direta e/ou
indireta com maior capital simbólico nas disputas pelas políticas educacionais de ensino
médio: Confederação Nacional da Indústria (CNI), Todos Pela Educação (TPE), Instituto de
Corresponsabilidade pela Educação (ICE), Instituto Unibanco e Instituto Ayrton Senna (IAS).
Esses agentes são abordados neste estudo sucintamente quanto à constituição, missão,
estrutura de funcionamento, relações com o Estado, estudos e pesquisas publicadas por esses
agentes e também quanto às estratégias empreendidas em prol de valorização do capital de
cada um, em face do delineamento das políticas para o ensino médio. Esses elementos são
apresentados na perspectiva de explicitar a concepção e projeto de ensino médio
recomendados por esses agentes.
75
As informações sobre a origem da CNI, estrutura e documentos institucionais foram extraídas do site da
instituição: http://www.portaldaindustria.com.br/
111
CNI surgiu o esboço do que mais adiante viriam a ser o Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (Senai) e Serviço Social da Indústria (Sesi), em 1942 e 1946, respectivamente.
A CNI atribui a si a missão de: “Defender e representar a indústria na promoção
de um ambiente favorável aos negócios, à competitividade e ao desenvolvimento sustentável
do Brasil” tendo em vista: “Consolidar-se como a organização empresarial líder na promoção
do crescimento e da competitividade da indústria brasileira, atuando como agente
fundamental para o desenvolvimento do Brasil” (CNI).
A estrutura institucional nuclear da CNI é composta de Conselhos de
Representantes76, Presidência e sete Diretorias, dentre elas a Diretoria de Educação e
Tecnologia. Esta é a única que possui Superintendências vinculadas e uma Diretoria:
Superintendência do Sesi, Superintendência do Instituo Euvaldo Lodi (IEL) e Diretoria Geral
do Senai. Também integram a estrutura central: o Conselho fiscal e os Conselhos Temáticos,
que atualmente são 12 e são constituídos por representantes de federações de indústrias e
Associações Nacionais Setoriais. O Conselho Temático de Educação (COED) foi criado 77 em
08 de maio de 2008, segundo o Presidente da CNI, na expectativa de:
Incentivar o debate sobre a educação, a partir da visão da indústria e promover a
formação de qualidade para capacitar trabalhadores para os desafios do mercado. O
Conselho também identificará e apoiará a difusão de boas práticas educacionais,
além de recomendar ações que fortaleçam a educação e o desenvolvimento do
empreendedorismo.
O presidente da CNI disse esperar do Conselho propostas de ações concretas para
melhorar a qualidade do trabalho não só das entidades que integram o Sistema –
SESI e SENAI – mas, sobretudo, no que a indústria possa contribuir para a melhoria
da educação. “Vejo este Conselho como um centro gerador de ideias, altamente
criativo e com descortinada visão do futuro. (CNI)
76
Este Conselho é formado por dois delegados de cada uma das unidades da federação e constitui o poder
máximo da CNI.
77
A origem dos conselheiros mencionada nesse trabalho respeitou o registro que consta no site da CNI, ainda
que a pesquisadora tenha percebido que alguns desses dados não estejam atualizados. Certamente os dados
indicados pela CNI são os correspondentes ao período em que eles foram nomeados. Os integrantes do COED,
segundo os dados apontados pela CNI, são: Eduardo Eugênio (Presidente do Conselho Temático – Presidente da
FIRJAN e Vice-Presidente da CNI), Paulo Delgado (Consultor), Paulo Renato de Souza (falecido e a vaga ainda
não foi ocupada por outro conselheiro), Cristovam Buarque (Senador) , Claúdia Costin (Fundação Victor
Civita) , Cláudio Moura de Castro (Consultor), Luis Carlos Scavarda (PUC/RJ), José Pastore (Consultor e Profº
da USP), Ricardo Henriques (Unibanco), Regina Célia Esteves (Superintendente Executiva da Alfabetização
Solidária - ALFASOL), Celso Antunes (Profº da USP) , Gustavo Ioschpe (Colunista/VEJA) , Maria Helena
Guimarães de Castro (Secretária de Educação de SP), Ednilton Gomes de Soares (Conselho Temático de
Educação da FIEC)
15. Luiz Fernando Santos Reis (Presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada –
SINICON), Milú Villela (Todos pela Educação) , Luiz Aubert Neto (Presidente da Associação Brasileira da
Indústria de Máquinas – ABIMAQ), Marcelo Ribeiro Tunes (Diretor de Assuntos Minerários do Instituto
Brasileiro de Mineração – IBRAM), Eduardo Tadao Takahashi – (Fundação Padre Leonel Franca), Ricardo
Menna Barreto Felizzola – (Diretor da FIERGS), Viviane Senna – (Instituto Ayrton Senna) , Carlos Roberto
Rocha Cavalcante – (Superintendente do IEL), Antonio Carlos Brito Maciel – (Diretor Superintendente do
SESI), José Manuel de Aguiar Martins – (Diretor Geral do SENAI). Fonte:
http://admin.cni.org.br/portal/data/pages/FF808081272B58C0012730BE32357C64.htm
Acessado em: 12/12/2016.
112
A finalidade precípua dos Conselhos Temáticos da CNI é a oferta de subsídio
informacional e propositivo para as Diretorias, para isso os Conselhos se reúnem
periodicamente. Alguns Conselhos Temáticos são mais focalizados como o COED, pois este
possui uma demanda específica e também possui uma Diretoria afim. A maioria dos
Conselhos possui uma demanda consultiva mais ampliada, como o Conselho de Assuntos
Legislativos78(CAL) que:
Analisa e orienta a ação política da CNI no Congresso Nacional, com foco no
acompanhamento e na defesa de interesses no processo legislativo. Além disso,
articula apoio político a projetos importantes para o setor industrial, divulga
posições da CNI sobre os projetos em tramitação e participa do processo de
formulação da Agenda Legislativa da Indústria. (CNI)
Paulo Afonso Ferreira está na Presidência da CAL desde 2011. Anteriormente ele
ocupou a função de Diretor no Instituto Euvaldo Lodi (2008-2010) e foi presidente da
Federação das Indústrias de Goiás (Fieg) no período de 2000 a 2010. Segundo Ferreira, em
entrevista ao Jornal Opção, o CAL:
É o mais denso da CNI, numa área de enorme e permanente tensão. Ele coordena
uma equipe de técnicos de alto nível, 26 executivos que estão em contato direto com
os senadores, deputados federais e autoridades do governo.
Paulo conta que dividiu essa equipe em três: uma trabalha no Senado, outra na
Câmara dos Deputados e uma comissão técnica para elaborar pareceres e notas
técnicas, conferir se as propostas e projetos estão juridicamente corretos ou não.
“Temos um trabalho intenso, porque o volume de projetos é imenso. O goiano diz
que há alguns anos, os empresários ficavam reclamando do que já tinha acontecido e
que prejudicava a classe. “Hoje, estamos trabalhando na proatividade. Estamos
acompanhando mais de perto todas as proposições que estão tramitando,
participamos de todas as comissões. Sugerimos, mostramos aos parlamentares o que
é benéfico e o que é prejudicial à indústria brasileira.” (JORNAL OPÇÃO, 2013)
78
Na década de 1980 surgiram as Comissões Técnicas na CNI. Na época existia o Grupo de Assuntos
Legislativos, criado em 1967, que era responsável por oferecer suporte técnico e informativo à Comissão de
Assuntos Legislativos. Com o surgimento dos Conselhos Temáticos Permanentes, na década de 1990, houve
uma ampliação da participação de empresários e representantes de entidades setoriais e foi inaugurada uma nova
fase na CNI.
79
Desde a sua criação a Agenda Legislativa passou por três alterações (1997, 2001 e 2008). Nesta última
mudança foi criada a Pauta Mínima, que se consiste em: “uma lista restrita de proposições de alto impacto no
ambiente de negócios do país, definidas e referendadas pelas entidades participantes da RedIndústria e do Fórum
Nacional Indústria. São projetos alvo de uma ação sistemática e ambiciosa por parte da CNI e seus parceiros na
criação de condições para conclusão da votação dessas matérias no menor prazo” (CNI, Disponível em:
http://www.portaldaindustria.com.br/cni/cni-em-acao/agenda-legislativa-da-industria/2012/04/1,2214/agenda-
legislativa-da-industria.html). Acessado em 12/12/2016.
113
assembleias legislativas dos respectivos estados. A temática educação geralmente é
contemplada em um tópico próprio e também é correlacionada em outros projetos que fazem
interlocução indireta com o tema.
80
“A atuação da CNI no Congresso Nacional também é sintetizada nos seguintes produtos:
• Legisdata: banco de dados voltado às ações do Congresso Nacional, que permite acompanhar as proposições
legislativas do interesse do setor industrial. Contém informações sobre tramitação, sínteses executivas, íntegra
dos projetos de lei e pareceres indicativos do posicionamento da CNI.
O cliente, além de realizar consultas, pode manifestar sua opinião sobre o mérito das proposições. O Legisdata
cria um ambiente participativo para a construção dos argumentos e visões da indústria, que são oferecidas aos
parlamentares no Congresso Nacional durante o debate das matérias.
• Informe Legislativo: periódico que resume semanalmente as novas proposições legislativas apresentadas no
Congresso Nacional, classificadas por temas do interesse da indústria
• Novidades Legislativas: boletim divulgado em dias de deliberação legislativa, com as principais decisões do
Congresso Nacional. Seu conteúdo inclui os textos aprovados e a participação de representantes da indústria em
audiências públicas.
Sinopse – Assuntos Legislativos: um periódico diário, com eventuais edições extras, que traz atos dos Poderes
Executivo e Legislativo publicados no Diário Oficial da União, envolvendo interesses do setor industrial;
• Prestando Contas: publicação anual que apresenta, de forma organizada, os desdobramentos das proposições
incluídas na Agenda Legislativa da Indústria, até o recesso parlamentar de julho.” Disponível em:
http://admin.cni.org.br/portal/data/pages/FF808081272B58C0012730BE1F1D7BCA.htm Acessado em
23/12/2016.
81
Em 11 e 12 de agosto de 2009 a CNI promoveu um encontro em Brasília, denominado de “Seminário sobre
Assuntos Legislativos”. O lobby legislativo foi o foco desse evento e nesta ocasião foram apresentados dois
painéis sobre a regulamentação do lobby, entre os participantes estava um representante da Casa Civil, Luiz
Alberto dos Santos, que na época era Sub Chefe de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais e o
Deputado Carlos Zarattini (PT/SP) autor do PL nº 1.202/2007, que “Disciplina a atividade de lobby e a atuação
dos grupos de pressão ou de interesse assemelhados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública
e dá outras providências”. Tal projeto tramitou em todas as comissões, teve relatório aprovado e a ele foi
apensado o PL nº 1961 de 2015 de autoria do Deputado Rogério Rosso PSD/DF. O Relatório do Parecer do PL
foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e publicado no Diário da Câmara dos
Deputados em 13/12/2016. Atualmente está pronto para votação em plenário. Além dessa discussão a CNI fez
um levantamento e um balanço sobre as ações da instituição no Congresso no primeiro semestre de 2009, pois:
“tramitam 19 mil projetos, dos quais cerca de 4.500 são acompanhados pela entidade. Desse total, 119 projetos
integram a Agenda Legislativa da Indústria e são monitorados permanentemente pela CNI”. Disponível em:
114
A Agenda do Legislativo é organizada por temáticas e em cada qual são
apresentados e comentados os projetos de interesse da CNI. Os temas que recebem mais
atenção são os ligados diretamente aos aspectos tributários, ambientais, inovação, dentre
outros. No entanto, a educação é um dos temas contemplados em todos os anos. Em todas as
edições da AL, que foram consultadas durante a pesquisa, a perspectiva da CNI para a
educação aparece em um pequeno texto e antecede a discussão dos projetos voltados para o
campo educacional. Eis o trecho:
Dar um salto na qualidade e na escala da educação básica e profissional. O principal
desafio do sistema educacional brasileiro é a qualidade. A indústria necessita de
recursos humanos qualificados, criativos e com capacidade empreendedora.
Essa é a base para a elevação da produtividade e crescimento sustentável da renda.
É fundamental a criação de condições para um salto qualitativo em todos os níveis
de ensino tendo como referência padrões internacionais. Isso requer um sistema
nacional de indução à qualidade que assegure melhoria da infraestrutura, recursos
didáticos e formação adequada de professores. A educação no Brasil deve perseguir
os seguintes objetivos principais: Garantir a qualidade da educação básica. Ampliar
o nível educacional dos trabalhadores da indústria; Garantir uma educação superior
de qualidade adequada às necessidades da economia do conhecimento e do sistema
produtivo. Expandir a inclusão digital. Fortalecer a educação à distância. Garantir
formação adequada de professores. Promover a cultura empreendedora e
difundir valores de livre iniciativa e ética empresarial. (CNI, 2008-2014) Grifos
nossos.
http://admin.cni.org.br/portal/data/pages/FF808081272B58C0012730BE1F1D7BCA.htm Acessado em
23/12/2016.
115
valores da livre iniciativa e da ética empresarial. Os documentos da CNI, quando se refere à
educação, não deixam dúvidas. O documento “Educação para a Nova Indústria” expressa bem
esse ideário ao apresentar as metas e as ações já desenvolvidas para o ensino médio,
principalmente junto aos trabalhadores da indústria ou nas instituições que oferecem ensino
médio em parceria com o Sesi.
A defesa por uma educação comprometida com o empreendedorismo82 se faz
presente em forma de ações que foram promovidas pelos agentes do campo econômico, em
programas educacionais voltados para o ensino médio. O empreendedorismo se tornou um
“slogan em ação” nas experiências de ensino médio realizadas em parcerias com os Institutos
abordados nesta pesquisa.
A Agenda Legislativa da indústria no período de 200883 a 2014, quanto à pauta
para a educação é bastante pontual: de 2008 a 2010 focou na tramitação da Reforma da
Educação Superior e de 2011 a 2014 na discussão sobre o Plano Nacional de Educação
(PNE). Neste caso de 2011 a 2013 a sugestão da CNI recomendava a ênfase nas formas
concomitante e subsequente, bem como mecanismos que contemplassem mais efetivamente
as demandas do mercado. Já a AL de 2014 valoriza a premissa de articulação entre formação
profissional e demanda do mercado aprovada no PNE e recomenda que as entidades do
Sistema S sejam contempladas em legislações específicas. No quadro é possível visualizar as
perspectivas da CNI para a educação no decorrer do período de 2008-2014.
82
Atualmente tramita no Congresso dois projetos que almejam inserir a pauta do empreendedorismo e da
inovação no currículo da educação básica. O PL nº 772/2015 , de autoria do Senador José Agripino (DEM/RN)
propõe a inclusão do empreendedorismo e o PL nº 246/2015 de autoria do Senador Ciro (PP /PI)Nogueira
propõe que a inovação seja incluída como conteúdo curricular no ensino fundamental. Outro projeto semelhante,
sobre o empreendedorismo, foi apensado no PL nº 6.840/2013.
83
O site da CNI disponibiliza os arquivos da Agenda Legislativa dos anos anteriores apenas a partir de 2008.
116
2009 PL nº 7200/2006 Idem 2008.
Assunto: Reforma
da Educação
Superior
117
A crítica apontada pela CNI acerca da restrição ao capital estrangeiro foi um dos
temas polêmicos que permearam as discussões do PL nº 7.200/200684, de autoria do
executivo, que tratava da Reforma Universitária, No entanto, a discussão sobre a proibição
total ou parcial do capital estrangeiro na educação superior é anterior ao PL nº 7.200/200685 e
ainda não há uma regulamentação específica em vigor, ainda que outros projetos tenham sido
apresentados e a inserção do capital estrangeiro na educação superior tenha crescido de forma
expressiva nos nas duas últimas décadas86.
Nos Relatórios de Gestão da CNI a temática educação é contemplada nos relatos
sobre ações desenvolvidas nas unidades do Sesi, nas ações mais amplas de parceria com o
MEC, ou com alguns segmentos da sociedade civil, como o Todos Pela Educação, sobre
algumas conquistas e mudanças na CNI acerca da temática educação. O quadro abaixo
contém a síntese colhida nos relatórios apenas a partir de 2006, pois os de 2003 a 2005 não
constam no site da CNI.
84
O artigo 7º deste PL apresentava em seu § 4º a proposição que 70% do capital volante das entidades
mantenedoras de educação superior deveriam permanecer a brasileiros ou naturalizados, mas foi suprimido do
projeto original em face das emendas que recebeu durante a tramitação.
85
O PL nº 2.138/2003 de autoria de Ivan Valente PSOL/SP, na época PT/SP, trata da proibição do capital
estrangeiro na educação. O PL nº 6.358/2009 do Deputado Wilson Picler PDT/PR trata da limitação do capital
estrangeiro em 49% e o PL nº 7.040/2010 da autoria de Alice Portugal PC do B/BA trata da proibição de
aquisição de instituições superiores de educação por parte de instituições estrangeiras e limita a participação
dessas em 10%.
86
Dentre as instituições com capital aberto e em atuação na educação superior no Brasil podem se apontados os
seguintes grupos: BM&FBovespa, Rede de Faculdades Anhanguera, Kroton Educacional e Estácio
Participações.
118
2011 - O item educação não consta no sumário e nem no conteúdo do relatório anual de gestão.
2012 - O tema educação foi definido como fator da competitividade no Brasil e como tema central do novo
Mapa Estratégico da Indústria 2013-2022.
- Criação de parceria com o Governo Federal para a ampliação do Pronatec.
2013 - Atingiu a meta de duplicar o número de matrículas na educação profissional ;
- Foi responsável por 41% das vagas oferecidas pelo Pronatec;
- Expansão no número de matrículas na educação profissional na modalidade à distância;
- Atuou “fortemente junto ao MEC para a atualização do Catálogo Nacional de Aprendizagem”;
- Implantou o Sistema Senai de Avaliação da Educação Profissional;
- Lançou o desafio de converter 80% dos alunos de ensino médio do Sesi para o Programa de Educação
Básica Articulado com a Educação Profissional (EBEP)
2014 - O Sesi ultrapassou pela primeira vez o número de matrículas previsto em todas as modalidades
oferecidas.
Fonte: Relatórios de Gestão da CNI .
87
A amostragem dessa série é composta da seguinte forma: eleitores acima de 16 anos, homens e mulheres, grau
de instrução do quinto ano à educação superior, distintas áreas de atuação, os munícipios são selecionados com
base na proporcionalidade de eleitores a partir de 16 anos e são contempladas as cinco regiões do país.
Geralmente são entrevistados cerca de 2 mil pessoas localizadas em 140 munícipios
119
a pesquisa, que subsidiou este volume, 9 entre 10 brasileiros defendem um aumento da
educação profissional conjugada com a educação básica. Pontualmente sobre o ensino médio,
há uma tônica de profissionalização como eixo para a qualidade da educação e para o
desenvolvimento do país, o empreendedorismo é uma vertente a ser perseguida e a inserção
do segmento privado funciona como catalizador de qualidade para o sistema público.
Esses aspectos que a Série Retratos apresentou ecoam nas proposições que foram
emanadas para o ensino médio e corroboram com as premissas do campo econômico e com a
visão que o mesmo possui sobre o papel da educação escolar. O discurso da educação privada
como a detentora da qualidade é uma assertiva presente nessa e em outras pesquisas
realizadas pela CNI. Ainda que no imaginário da sociedade não se possa negar a existência
dessa premissa, é interessante observar a reiteração do discurso estratégico de desconstrução
do público e valorização do privado.
Rodrigues (1998, 2002) elucida que a CNI é um importante agente a serviço da
classe burguesa e a trajetória dessa instituição, ao longo de quase oito décadas, desvela uma
metamorfose teleológica da nação industrializada ao país desenvolvido, que pode ser
apreendida em três télos88 fundamentais: a) télos da nação industrializada (entre as décadas de
1930 a 1950); b) télos país desenvolvido (entre as décadas de 1960 a 1980); c) télos a
economia competitiva (a partir da década de 1980).
A CNI também agrega outros agentes do campo empresarial, que inclusive atuam
como agentes institucionais do campo empresarial, como o TPE e os Institutos abordados
neste capítulo. É uma estratégia que pode ser compreendia na lógica da construção de slogans
e endossamento dos mesmos com o objetivo na construção de consensos, de propagação dos
slogans de sedimentação de uma cultura cunhada nos interesses do campo econômico.
88
“Télos é uma imagem construída pelo discurso hegemônico, com o fito de tornar-se uma meta a ser perseguida
pelo conjunto da sociedade” (RODRIGUES, 2002, p. 105).
89
O TPE, contemplado neste tópico, não se refere ao Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação, criado
igualmente pelo Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007, conhecido como Plano de Desenvolvimento da
Educação (PDE). Este Decreto será contemplado, posteriormente, mas desde já convém ressaltar que a analogia
entre essas expressões não é apenas terminológica. Essa observação registra que a relação do TPE com o Estado,
em sentido estrito, é bastante estreita desde a sua criação, ou seja, a consagração conferida pelo Estado baliza
esse movimento desde as primeiras ações.
120
importante ressaltar inicialmente que a organização para a constituição90 do TPE, foi
oficialmente iniciada em junho de 2005, com a realização de reuniões e estudos entre alguns
dos sócios fundadores.
Maria da Glória Gohn, na conferência de encerramento da Anped Sul em 27 de julho de
2016, definiu o Movimento Todos Pela Educação como um movimento social que resguarda as
singularidades desse novo milênio. Neste caso, tendo em vista a sua composição e finalidade, ou seja:
“fazer da educação uma ferramenta básica para o próprio desenvolvimento do país”. No campo da
educação, tradicionalmente, os movimentos sociais são desencadeados por alguma demanda social, em
busca de atendimento e ampliação de direitos, por parte do segmento que o reivindica. Já o TPE possui
uma estrutura e dinâmica diferente dessa tradição dos movimentos sociais que o país já possuiu, pois é
constituído por um segmento empresarial reivindicando direitos para terceiros. A premissa norteadora
da mobilização visa contemplar aos anseios empresarial, sobretudo, quanto à formação de mão de
obra.
O agente empresarial representa um número, quantitativamente e
qualitativamente, importante de membros fundadores do TPE. Martins (2013) apresenta a
composição diversificada desse segmento, quando da sua fundação:
Indústria: Grupo Gerdau91, Votorantim, Metal Leve S. A., Grupo Camargo Correa,
Suzano Holding S/A, Irmãos Klabin & Cia, Grupo Odebrecht, Ambev/Inbev.n;
Financeiro: Grupo Itaú/Unibanco, Bradesco, Banco Santander, Citibank Brasil.
Comércio e Serviço: Grupo Pão de Açúcar, Grupo Dpaschoal, Grupo Graber,
Ambev.n Comunicação: Organizações Globo, Grupo Abril, Grupo RBS de
Comunicação/TV Rede Brasil Sul, TV1, Rede Bahia Comunicação, Grupo
Bandeirantes, Ypy Publicidade e Marketing, Lew’Lara/Tewa Publicidade.
Tecnologia e Telecomunicações: Telefônica, Grupo Promon. Editorial: Grupo
Santiliana/Prisa (Avalia- Assessoria Educacional); Educação: Grupo Positivo,
Yázigi Internexus. ( MARTINS, 2013, p.50)
90
Érika Moreira Martins defendeu em 2013 na Unicamp a dissertação “Movimento Todos Pela Educação: um
projeto de nação para a educação brasileira”, sob a orientação de Nora Krawczyk. Tal trabalho traz uma
contribuição singular para quem busca compreender a gênese do TPE, bem como tomar conhecimento sobre os
antecedentes e modo como se deu a criação desse Movimento.
91
Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do Grupo Gerdau, presidente e fundador do Movimento Brasil
Competitivo, sócio fundador do Todos Pela Educação e atual Presidente de Governança do TPE, afirmou em um
texto publicado na Folha de São Paulo que: “Falta indignação por parte da elite. Ela tem a obrigação de construir
um país melhor e mais organizado institucionalmente, com menos corrupção e mais capital social, possibilitando
a construção da igualdade de oportunidades por meio da educação. Para isso, é preciso formar um forte capital
social e reforçar a capacidade competitiva e inovadora do país. O capital social ajuda a manter a coesão social, o
que resulta em uma sociedade mais aberta e democrática. Reflete o grau de confiança entre os atores da
sociedade e sua capacidade de estabelecer relações de cooperação em torno de interesses comuns. (...) O
movimento Compromisso de Todos pela Educação busca exatamente mobilizar os esforços da sociedade, de
forma sinérgica. O objetivo é que em 2022, ano do bicentenário da Independência do Brasil, todas as crianças e
jovens tenham acesso garantido a uma educação básica de qualidade, que os prepare para os desafios do século
21”. (JOHANNPETER, 2006, p.1)
121
A estrutura administrativa do TPE é composta por: Conselho de Governança,
Conselho Fiscal, Equipe Executiva, Comissão Técnica (Sócios Fundadores e Sócios Efetivos)
e a atuação92 do Movimento e funciona da seguinte forma:
A Área Técnica produz conhecimento e promove o monitoramento das Metas e das
políticas educacionais. Os dados e informações educacionais são o pilar para as
iniciativas da Área de Comunicação e Mobilização, que tem como propósito
fomentar no País a demanda social por Educação de qualidade, por meio da
disseminação de informações, da divulgação do conhecimento gerado pelo
movimento e da mobilização da sociedade pela melhora da Educação Básica no
Brasil. A sensibilização da sociedade, por sua vez, colabora para criar um ambiente
mais propício ao trabalho da Área de Articulação e Relações Institucionais,
responsável por conectar poder público, organizações da sociedade civil e iniciativa
privada em ações que tenham impacto positivo na qualidade da Educação. (TPE).
92
As informações sobre a forma de atuação e a estrutura estão disponibilizadas no site do TPE e foram extraídas
no dia 26/12/2016.
122
Educação não é um projeto de uma instituição específica, mas sim um projeto de nação.”
Nesta edição também são reiterada as 5 metas prioritárias do TPE:
Meta 1: Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola;
Meta 2: Toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos;
Meta 3: Todo aluno com aprendizado adequado a sua série;
Meta 4: Todo jovem com ensino médio concluído até os 19 anos;
Meta 5: Investimento em educação ampliado e bem gerido (TPE, 2012.)
As cinco metas prioritárias do TPE são retomadas em boa parte das publicações e
também estão em destaque na página eletrônica do Movimento. A meta 4 foca na idade série
adequada ao ensino médio e enfatiza que 95% ou mais dos jovens de 16 anos devem ter
completado o ensino fundamental e que pelo menos 90% devem ter completado o ensino
médio até 2022.
Ainda que seja plenamente legítima a premissa da correlação entre série e idade,
não apenas no ensino médio, pois alguns estudos atribuem à distorção uma dos principais
motivos da evasão, causa um estranhamento uma meta com uma premissa discursiva que
inclui e exclui ao mesmo tempo. E os jovens com mais de 19 anos? Por que esses não são
contemplados em uma meta do TPE? Esse questionamento se faz presente em face do índice,
ainda elevado, de jovens que estão no ensino médio fora da idade prevista, além de outros
tantos que estão fora da escola. Atualmente tem ganhado força um discurso ainda mais severo
que atinge esse público: extinção do ensino médio noturno. O TPE é signatário dessa vertente,
sob o argumento da melhoria da qualidade do ensino médio.
Essa lógica ecoa na compreensão de Kuenzer (2005) sobre a “exclusão
includente” e “inclusão excludente”, sobretudo nesta, pois o projeto vislumbrado de ensino
médio, com previsão de conclusão até os 19 anos, prevê uma formação de viés utilitarista, que
não corrobora com uma formação humana integral, pois se atém ao atendimento dos índices
nacionais e internacionais, sob o manto do atendimento às demandas do mercado. Essa é a
tônica que emana para as ações e recomendações difundidas pelo TPE para o ensino médio,
tal recomendação não nasce neste agente, mas ele é o que consegue agregar um grande
conjunto de agentes do campo econômico e, pelo seu modus operandi e capital consegue
espraiar esse ideário no campo educacional e político, por isso aqui neste trabalho o TPE é
denominado de “agente articulador” o seu receituário, contudo, contém elementos colhidos
nas recomendações mundializadas emanadas pelos agentes multilaterais contemplados neste
estudo.
123
O anuário do TPE foi criado em 2012, é uma publicação que recebe ampla
divulgação desde que foi criado. No Quadro abaixo é possível observar uma síntese do que foi
publicado acerca do ensino médio nos anuários desde a sua primeira edição:
93
“O projeto Devolutivas Pedagógicas das Avaliações é uma parceria entre o TPE, a Associação Brasileira de
Avaliação Educacional (Abave) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep), com apoio
da Fundação Lemann, do Itaú BBA e do Instituto Unibanco.” Informações disponíveis em:
http://www.todospelaeducacao.org.br/projetos/devolutiva-das-avaliacoes/?tid_lang=1
Acessado em: 02/01/2017.
94
“O TPE realizou, entre 2012 e 2014, em parceria com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, o Cenpec, o
Instituto Unibanco, o Instituto Inspirare e a Fundação Itaú Social, cinco grupos que discutiram a formação do
professor da Educação Infantil, os desafios dos anos finais do Ensino Fundamental, a reformulação do Ensino
Médio, o uso de tecnologias na Educação e os caminhos para a Educação Integral. Entre 2015 e 2016, já foram
125
subsídios que possam contribuir com a formulação de políticas educacionais e o projeto
“Métodos Inovadores de Ensino”95 almeja identificar possibilidades inovadoras de tecnologias
na educação, em redes de ensino e nas escolas, consideradas mais eficientes quanto ao uso dos
recursos públicos. As experiências que são destacadas e classificadas como exitosas são,
predominantemente as que são desenvolvidas nas redes de ensino em parcerias com os
institutos.
O TPE, em sua biblioteca virtual, possui um acervo com publicações temáticas e
dentre essas uma parte é de autoria do Movimento, mas também há as que são de publicações
diversas, divulgadas na mídia e que estão arquivadas no site do TPE96, conforme a tabela
abaixo indica. A avaliação é o tema mais contemplado nesse conjunto de produções e a
modalidade “publicações”, de autoria do TPE ou de outros, sobretudo as que são oriundas de
grandes mídias, inclusive de autoria de membros do TPE, como nos artigos da Folha de São
Paulo, são as mais frequentes. As “apresentações97” que o TPE realizou em eventos também
estão disponibilizadas no site e ocupam destaque em termos quantitativos.
realizados outros dois grupos, um sobre Sistema Nacional de Educação, em parceria com a Secretaria de
Articulação com os Sistemas de Ensino (Sase), do Ministério da Educação (MEC), cujo documento final ainda
não foi divulgado; e outro sobre formação de professores, em parceria com o Instituto Península e e o Itaú BBA,
também ainda não divulgado”. Informações disponíveis em:
http://www.todospelaeducacao.org.br/projetos/conexoes-pela-educacao/?tid_lang=1 Acessado em 02/01/2017.
95
“Em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Instituto Natura, o Itaú BBA, a
Samsung e a Fundação Telefônica Vivo, o TPE desenvolve o projeto Métodos Inovadores de Ensino”.
Informações disponível em: http://www.todospelaeducacao.org.br/projetos/metodos-inovadores/?tid_lang=1
Acessado em 02/01/2017.
96
No site também há o link de acesso ao “Educação na mídia” que diariamente registra o que foi publicado sobre
a educação brasileira. Também há o quadro “Reportagens TPE” com acesso a texto ou links para matérias
divulgadas na TV e que expressam o ponto de vista do Movimento.
97
Desde que o Movimento foi criado ele realizou dois grandes congressos. O primeiro ocorreu em 2011, cujo
tema foi: “Educação: uma agenda urgente” organizado nos seguintes temas: “Justiça pela qualidade da
Educação, regime de colaboração, expectativas de aprendizagem, formação inicial do professor, carreira do
professor, avaliações externas e seu uso na gestão educacional, Educação integral, equidade e inclusão e
movimentos pela Educação na América Latina”. O segundo Congresso foi realizado em 2013 sob o título
Educação: Agenda de Todos, Prioridade Nacional e teve como eixos de debate: o desenvolvimento social e
econômico e o impacto na Educação, sociedade civil e a melhoria da Educação, o sistema educacional brasileiro
e a cooperação entre os três Poderes pela Educação.
126
Educação 3 1 4 8
Infantil
Ensino 2 2 4 4 12
Fundamental
Educação 1 2 1 4
Profissional
Equidade 1 4 3 2 3 13
Investimento/ 2 2
recursos
Gestão 2 1 2 3 2 10
educacional
Legislação 5 3 1 1 10
Metas 1 1 3 3 14 22
Palestra/aula 2 2
Participação 1 1 2 7 11
da família
Política 2 2 1 6 5 3 19
Educacional
Qualidade na 3 2 5 9 5 24
Educação
TOTAL 63 18 54 68 10 82 47 360
Fonte: Publicações disponíveis no site do TPE
O ensino médio está contemplado em uma das cinco metas constitutivas TPE e é
um dos temas recorrentes nas publicações e ações do Movimento. Na primeira publicação que
divulgou o trabalho do “Conexões Pela Educação”, em 2011, o ensino médio foi contemplado
com um capítulo intitulado “Proposta para um ensino médio compatível com o século XXI”.
Em tal texto é apresentado um diagnóstico sobre o ensino médio (matrículas, distorção idade-
série, taxas de abandono e de desempenho), alguns entraves são apontados e ao final as
recomendações para um novo ensino médio são elencadas: reorganização e diversificação do
currículo, formação profissional de nível médio, alteração na carga horária, flexibilização e
diversificação no Enem, uso pedagógico das tecnologias da educação, mudanças na gestão do
ensino médio como (readequação da gestão acadêmica nas escolas, mudanças na legislação,
crescimento condicionado à demanda por vagas de ensino médio, formação inicial e
continuada docente condicionada ao novo modelo de ensino médio).
Alguns estudos, como Shiroma e Evangelista (2014) apontam que tem ocorrido,
na América Latina, a criação de organismos que articulam os empresários na definição da
pauta educacional e na elaboração e implementação de programas, como o TPE no Brasil,
encontra respaldo nas orientações de organismos multilaterais.
Shiroma e Evangelista (2014) dialogam com diversos pesquisadores sobre as
relações entre a sociedade civil e o Estado, sobretudo com os que se debruçam a compreender
as mudanças nessa relação após o Consenso de Washington. As pesquisadoras corroboram
com a compreensão que, desde então, surgiu uma forma complexa de influência na elaboração
127
das políticas públicas. As autoras recorrem ao conceito de redes sociais, como expressão da
forma como as ações se estabelecem em um país ou em um conjunto, ou seja, as redes sociais
representam uma busca pela hegemonia e governança. Shiroma e Evangelista ressaltam e
sintetizam que a literatura sobre o tema:
Permite interpretar a ideologia da rede de governação como uma estratégia de
intelectuais orgânicos do neoliberalismo de Terceira Via para imprimir à noção de
Sociedade Civil um sentido próprio por meio da celebração da conectividade e da
construção do consentimento ativo das classes subalternas. Desse ponto de vista, as
redes de políticas públicas constituem aparato fundamental nas ações de governar.
Contudo, a sua legitimidade para governar não é dada, mas precisa ser negociada
com possíveis parceiros na Sociedade Civil. Redes não são necessariamente abertas,
democráticas, independentes de relações de poder ou confinadas às fronteiras
nacionais. (SHIROMA; EVANGELISTA, 2014, p.29-30)
98
As informações sobre a composição do Reduca foram extraídas da página eletrônica da Rede: Disponível em:
http://www.reduca-al.net/pt/nosotros. Acessado em 05/08/2016.
128
em cada um dos nossos países por meio do trabalho colaborativo e de uma voz coletiva de
mobilização e incidência em políticas de Educação que tenham a mesma visão que
compartilhamos”. (REDUCA, 2011, p.2). A Reduca é um exemplo de rede social, conforme
Shiroma e Evangelista (2014) salientam, pois esta Rede possui nexos espalhados na América
Latina. O TPE, por sua vez, é um ponto muito importante nessa rede, possui capital simbólico
considerável, e desde a criação da Reduca, tem ampliado esse capital, para além do campo
econômico e para além das fronteiras brasileiras.
99
A origem desse termo se reporta à década de 1990 e teve o Banco Mundial como um dos principais difusores.
129
amplo programa de publicização, que resultaram em alterações em algumas entidades de
serviços do Estado, convertidas em organizações sociais, ou seja, passaram a ser entidades
públicas não estatais, ou fundações públicas100 de direitos privados.
No primeiro mandato do Governo Lula foi sancionada a Lei que instituiu as
normas para licitação e contratação de parceria público privada no âmbito da administração
pública, a Lei nº 11.079 de 30 de dezembro de 2004, que foi alterada pela Lei nº 12.766 de 27
de dezembro de 2012, durante o Governo Dilma Rousseff, pois foram estabelecidas as normas
gerais para contratação de parceria público privada, no âmbito da administração pública e em
favor do parceiro privado.
Nessa esteira de ações emanadas e equacionadas pelo Estado, a relação entre o
público e o privado vem se constituindo e corroborando com uma redefinição do papel do
Estado. Nesse contexto, perpassa a construção de um Estado que opere sob a lógica do
terceiro setor e com a pretensão de alavancar a governança pública 101, mediante a conciliação
dos interesses do Estado, do Mercado e da sociedade civil. Peroni e Caetano (2016) ilustram
essa dinâmica no campo educacional, pois:
Diferentes sujeitos representantes do setor público e do setor privado têm apontado a
ineficiência do padrão de gestão vigente na educação. Os diagnósticos sugerem à
educação os mecanismos de gestão da esfera privada, que são reconhecidos como
capazes de responder às necessidades de melhoria dos índices educacionais e, ao
mesmo tempo, não aumentar os gastos do Estado, inserindo na educação a lógica do
mercado, formando um quase-mercado, o qual altera a lógica do público,
introduzindo concepções de gestão privada nas instituições públicas sem alterar a
propriedade das mesmas. (p.411)
100
A Emenda Constitucional nº 19/1998 promoveu alterações nos artigos 37, 38, 39 da Constituição Federal de
1988 com o objetivo de incorporar distinções no âmbito da definição das fundações. No entanto, juridicamente
essa situação não foi equacionada, como afirma Milhomem (2005). Assim foi mantida a possibilidade de
interpretações dúbias, que inclusive ocasionaram em ação no Supremo Tribunal Federal em 2000, com um
pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Com a Emenda Constitucional nº 19/1998 as fundações
passaram a ser criadas por Decreto do executivo.
101
Kissler; Heidemann (2006) discorrem sobre a experiência de constituição da governança pública que vem
ocorrendo na Alemanha de modo sistemático desde a década de 1990, mas com indícios desde a década de 1960.
Tal projeto tem se efetivado de fato nos últimos dez anos. O conceito de governança pública é complexo,
justamente por abarcar vários questionamentos que envolvem a definição, mas em suma: “Seu significado
original continha um entendimento associado ao debate político-desenvolvimentista, no qual o termo era usado
para referir-se a políticas de desenvolvimento que se orientavam por determinados pressupostos sobre elementos
estruturais como — gestão, responsabilidades, transparência e legalidade do setor público — considerados
necessários ao desenvolvimento de todas as sociedades (pelo menos de acordo com os modelos idealizados por
organizações internacionais como a Organização das Nações Unidas [ONU] ou a Organization for European
Cooperation and Development [OECD])” (p.481).
130
educacionais para o ensino médio. Ações dessa natureza dão conotação aos embates que
ocorrem no espaço social, na sociedade civil, que por sua vez “não é homogênea, nem ainda
pode ser considerada portador do legado emancipador” (MONTAÑO, 2010, p.275). Nesse
sentido, os três principais institutos com ações diretas e indiretas no ensino médio são
apresentados e também as principais formas de atuação que os mesmos operam, com o
objetivo ilustrar a concretude e envergadura dessas ações no campo educacional.
Os institutos comungam do mesmo ideário de ensino médio, que também se
encontra presente nas premissas e recomendações da CNI e nas publicações e ações do TPE.
Essa analogia é expressão de coerência e coesão entre os agentes do campo econômico, pois
na dinâmica das relações e configuração entre os dominantes e os dominados o capital em
evidência, para fins de questões ligadas à educação brasileira e ao ensino médio mais
expressivamente, possui alguns preceitos básicos: flexibilizar o currículo para inserir uma
concepção mais voltada aos requisitos do mercado, difundir a cultura empreendedora, ou seja,
criar uma identidade de ensino médio mais condizente com as premissas do campo
econômico, por sua vez consoante com a Teoria do Capital Humano.
Os institutos: Instituto de Co-responsabilidade pela Educação (ICE), Instituto
Unibanco e Instituto Ayrton Senna resguardam aspectos emblemáticos na relação entre os
campos econômico, político e educacional e acumulam o maior volume de experiências
piloto no ensino médio, sob a forma de parceria público privada, com as secretarias estaduais
de educação, seja para experiências piloto, suporte pedagógico e/ou de gestão.
131
Desenvolvimento dos Centros de Ensino Experimental para se referir ao Projeto de Ensino
Médio em tempo integral. De modo que cada escola que adere constitui um centro.
O Instituto, com sede em Pernambuco, nas palavras do seu fundador102, se
apresenta como:
Uma instituição privada sem fins lucrativos, cuja missão é mobilizar a sociedade em
geral e, em particular, a classe empresarial, segundo a ética da co-
responsabilidade, a fim de produzir soluções educacionais inovadoras e
replicáveis em conteúdo, método e gestão. Tudo isso objetiva uma nova forma de
ver, sentir e cuidar da juventude, contribuindo para a formação de jovens
autônomos, solidários e competentes. (MAGALHÃES, 2008, p.10)
102
Marcos Magalhães é o fundador diretor do ICE, ex-presidente da Philips na América Latina, é sócio fundador
do TPE.
103
Além dessas três publicações relacionadas no texto, convém ressaltar a dissertação de mestrado “Ginásio
Pernambucano: os desafios para transformar um projeto piloto de sucesso em política educacional”, defendida na
UFPE, no Centro de Ciências Sociais Aplicadas, pelo ex-secretário de educação de Pernambuco Raul Jean Louis
Henry Junior. Tal estudo buscou subsídio em Theodore Schutlz quanto à perspectiva de investir em educação
como premissa para o desenvolvimento humano e do país. No estudo o ex-secretario realizou dez entrevistas
com pessoas conhecedoras da experiência desenvolvida pelo ICE ou em realização de projetos pilotos: Marcos
Magalhães, Mozart Neves, Thereza Paes Barreto, Marilene Montarroyos, Tereza Leitão, Patrícia Guedes, João
Batista de Oliveira, Viviane Senna, Claudio de Moura Castro estão entre os entrevistados que foram unânimes
em ratificar os pontos positivos do modelo pernambucano.
104
Essa publicação foi elaborada pela Fundação Itaú Social sob a coordenação técnica do Instituto Fernand
Braudel de Economia Mundial e compõe o Programa Excelência em Gestão Educacional. A primeira obra desse
Programa foi: “A Reforma Educacional de Nova York: possibilidades para o Brasil”, que foi lançada em 2009.
No primeiro capítulo que trata da experiência pernambucana o conceito de charter school é contemplando e nos
dois seguintes capítulos a experiência brasileira é enaltecida.
132
pedagógica realizam o seu sentido, no aspecto formativo e contributivo, na vida do
jovem. (ICE)105
105
Esse trecho consta na página do ICE, no trecho que descreve o Projeto de Vida. Disponível em:
http://koradesign.com.br/ice/escola-da-escolha/ Acessado em 02/01/2017.
106
Nas escolas que possuem parceria com o ICE o Projeto de Vida é desenvolvido com os alunos desde os anos
finais do ensino fundamental. Oliveira (2014a, 2014b) apresenta os dados de uma pesquisa desenvolvida em
duas etapas, sobre a implementação do Programa Novo Futuro, implementado em Goiás em algumas escolas de
ensino médio, em parceria com o ICE. Na primeira fase o foco da coleta e análise de dados recaiu sobre a
formação discente, que possibilitou, entre outros aspectos, inferir que na proposta de Ensino Médio de tempo
integral está em curso a construção de um habitus discente alicerçado no empreendedorismo. Tal afirmação se
fundamentou na análise de documentos do Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE) e nas
observações de aulas da disciplina Projeto de Vida na instituição campo de pesquisa. Nessa correlação ficou
claro que na proposição e na busca de materialização do projeto o ICE almeja a sedimentação de um ethos
empresarial nos discentes, para além do período escolar, ou seja, formar um habitus que perdure na extensão da
sua vida laboral. A segunda etapa da pesquisa concluiu que a aproximação entre os campos econômico e
educacional, via PPP com o ICE, evidencia uma disputa por um novo ethos se constituir na escola, nas práticas
educativas, sejam nas direcionadas para os discentes, ou nas que são recomendadas para os docentes. O ICE,
nesse aspecto, almeja interferir na dinâmica da instituição escolar, em busca de consolidação da proposta
formativa idealizada pelo Instituto, uma vez que: “Numa formação social determinada, o êxito diferencial da AP
[Ação Pedagógica] dominante segundo os grupos ou as classes é função dos ethos pedagógico próprio a um
grupo ou a uma classe”. (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 42).
133
imposição dominante contribui para impedir os agentes moldados segundo esse
modo de imposição. (BOURDIEU, 1982, p.39).
No site do ICE consta que de 2004 a 2016 foram atendidos 496.000 alunos,
26.400 educadores e 877 escolas públicas. Atualmente a atuação do ICE não se circunscreve
apenas ao ensino médio, pois o instituto já possui parcerias com secretarias de educação para
oferta de ensino fundamental na primeira e na segunda fase. O site também destaca os índices
favoráveis das escolas e sistemas de ensino que trabalham com os programas do ICE, em
detrimento das escolas e sistemas que não são parceiras do instituto e registram médias
inferiores.
b) O Instituto Unibanco foi criado em 1982 e atuou por alguns anos como
apoiador de projetos de terceiros, conforme consta no histórico da instituição 107. Somente a
107
http://www.portalinstitutounibanco.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9&Itemid=35
Acessado em 21/06/2016.
134
partir de 2002 iniciou sua atuação em projetos educacionais próprios e desde 2007 o ensino
médio adquiriu relevância em suas ações, pois:
O Instituto Unibanco tem como foco básico de atuação a juventude brasileira,
principalmente aquela em situação de pobreza, pois acredita que o jovem deve ser o
grande agente transformador de sua própria realidade e da realidade do país.
(...) Atuar na transformação do Ensino Médio, proporcionar aos jovens uma
oportunidade real no mercado de trabalho e educar para a preservação do meio
ambiente são compromissos dos projetos do Instituto Unibanco, cujas ações sociais
atenderam a mais de 80 mil jovens, número de beneficiários diretos apenas em 2007.
(INSTITUTO UNIBANCO, 2007, p.8, grifos meus).
108
O Conselho é constituído por 8 conselheiros, sendo eles: Antônio Matias, Claudio de Moura Castro, Claudio
Luiz da Silva Haddad, Marcos de Barros Lisboa, Ricardo Paes de Barros, Thomaz Souto Corrêa Netto, Rodolfo
Villela Marino, Tomas Tomislav Antonin Zinner.
135
Figura 2 - Conselho de Governança do Instituto Unibanco e suas relações
Entre as ações do Instituto Unibanco para o Ensino Médio, o Programa Jovem de Futuro,
criado em 2007109, tem sido a de maior repercussão, alcance e de volume financeiro110, já o Programa
Entre Jovens e o Centro de Estudos são menos abrangentes e sistematizados. O Instituto ratifica em
diversas publicações a relevância desse programa em detrimento aos demais, inclusive o apresenta
como:
Uma tecnologia educacional, desenvolvida e testada pelo Instituto Unibanco, e
validada pelo Ministério da Educação (MEC) para o aprimoramento contínuo da
gestão escolar orientada para resultados de aprendizagem dos estudantes de escolas
públicas de Ensino Médio.111 (INSTITUTO UNIBANCO)
O Programa Jovem de Futuro consta no Guia de Tecnologias Educacionais
2011/2012, constituído por tecnologias desenvolvidas pelo MEC e segmentos externos. É
indicado como uma opção voltada para a Gestão da Educação com metas e objetivos voltados
109
As primeiras experiências piloto do Programa Jovem de Futuro ocorreram em quatro escolas selecionadas em
São Paulo, nas proximidades do Centro de Estudos do Instituto Unibanco.
110
http://www.itauunibanco.com.br/relatoriodesustentabilidade/ra/36.htm Acessado em 21/06/2016.
111
http://portalinstitutounibanco.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10&Itemid=22
136
para a melhoria dos índices dos alunos no IDEB e das taxas de aprovação, ou seja, recebeu a
chancela do Estado. Para tanto são desenvolvidas ações de formação com a equipe gestora da
escola, sobre a otimização dos recursos financeiros e são repassados diretamente para a
escola, anualmente, o valor de R$ 100,00 por aluno.
Peroni e Caetano (2016) esclarecem o modus operandi e a intencionalidade do
Instituto Unibanco na implementação do Programa Jovem de Futuro, pois ao fazer uso de um
Ambiente Virtual da Aprendizagem (AVA) e de um Sistema de Gerenciamento de Projetos,
para subsidiar o trabalho dos professores e gestores das escolas participantes, o efeito do
projeto não se limita aos alunos de ensino médio, pois:
A plataforma permite às escolas construir os seus Planos de Ação, de forma alinhada
às diretrizes do MEC (PDE Interativo, outros programas do Ministério ou mesmo
outras fontes de financiamento). O PJF/IU disponibiliza ainda às escolas
metodologias que são estratégias educacionais elaboradas a partir de necessidades
detectadas no cotidiano escolar (Instituto Unibanco, 2012). Tal perspectiva
fundamenta o quanto o PJF induz as escolas e a educação pública ao gerencialismo,
naturalizando a lógica empresarial e alterando o conteúdo da proposta educacional.
Portanto, é a gestão dos sistemas e das escolas que executa as práticas inspiradas na
perspectiva mercantil: controle, eficiência, eficácia, resultados e produtividade.
(PERONI; CAETANO, 2016, p. 413)
137
alocar os recursos nas atividades que tenham maior impacto no alcance dos
resultados, de acordo com a realidade e contexto local. (JOVEM DE FUTURO112)
112
Informações sobre o Programa Ensino Médio Inovador/Jovem de Futuro. Disponível em:
http://www.jovemdefuturo.caedufjf.net/jovem-de-futuroproemi/ Acessado em 27/11/2016
113
Em 2015 o Instituto Unibanco realizou três eventos com a colaboração dos seus parceiros . As atividades
foram destinadas, especialmente, aos membros das equipes gestores das secretarias de educação. Foram
realizados: Ciclo Gestão Escolar, Ciclo Currículo do Ensino Médio, Política Educacional Brasileira. Em
novembro de 2016 foi realizado, em São Paulo, o Seminário Internacional Desafios Curriculares do Ensino
Médio. A pesquisadora deste trabalho participou como ouvinte desse último evento. Neste seminário o foco
esteve voltado para a divulgação de algumas experiências internacionais, por sua vez consoantes com as
perspectivas postas na MP nº 746/2016 em tramitação, na época, no Congresso Nacional. A reestruturação do
ensino médio sob uma lógica de flexibilização curricular e a possibilidade de distintas trajetórias aos jovens foi o
tema mais presente nas falas dos expositores, que contou com poucas falas destoantes, dentre os expositores. Em
tal evento estavam representantes de todos as unidades federadas e dentre os palestrantes havia representantes do
Consed e do Bird.
138
cada aluno implica em um custo bastante elevado. Esse custo é repassado dos recursos do
FNDE , por unidade executora, conforme as regras do PDDE. O volume total é bastante
considerável, sem contar os demais custos que surgem dessas parcerias, como pagamento de
coordenadores, sistemas de informação e gerenciamento de dados, custo com passagens e
hospedagens dos coordenadores para visitar as redes de ensino, dentre outros.
114
Em 1999, na gestão de Raquel Teixeira no Governo Marconi Perillo, a Secretaria de Estado da Educação de
Goiás (Seduce ) iniciou uma parceria público privada com o Instituto Ayrton Sena (IAS), que perdurou até o ano
de 2007, para fins de implementação dos programas Acelera Goiás, Se liga Goiás e Projeto Aprender. Ao
término dessa parceria, durante o governo Alcides Rodrigues, a Superintendência do Ensino Fundamental e os
professores da rede estadual tiveram alguns dissabores, pois o instituto reivindicou autoria do trabalho de
reformulação curricular que vinha sendo desenvolvido pela Seduc com os docentes. Tal situação, seus
encaminhamentos e desdobramentos merecem um estudo, tamanha a complexidade que permeou as disputas
pela renovação do contrato, bem como a atitude de parte dos docentes, quando deixaram de ter o IAS como norte
para as práticas pedagógicas. A autora desta pesquisa foi a relatora do Parecer Técnico nº 080/2007 que foi
desfavorável à renovação do Contrato de Parceria entre o Governo de Goiás e o Instituto Ayrton Sena, emitido
pela Assessoria Técnica e de Planejamento, pois na ocasião atuava nesse lócus dentro da Seduce. Os elementos
da micropolítica sobre a revogação desse contrato constituem um capítulo à parte sobre os obscurantismos que
perpassam nos convênios que são firmados para a realização de algumas parcerias, pois os interesses são
complexos e os agentes envolvidos, geralmente possuem capital simbólico junto ao campo político.
115
Theresa Adrião e Vera Peroni realizaram uma grande pesquisa com municípios das cinco regiões do país,
acerca das consequências para a gestão das escolas em face das parcerias firmadas com o IAS. O relatório final
da pesquisa pode ser acessado no link: http://www.redefinanciamento.ufpr.br/ArquivoTextos/AdriaoPeroni.pdf
Acessado em 03/01/2017.
139
Figura 3 - Rede de relações do IAS para a promoção dos programas de educação
formal
116
É interessante a forma como a matéria da Revista Época define “A guardiã do mito”.
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI186275-15228,00.html Acessado em: 03/01/2017.
140
ampliando a influência do empresariado no campo educacional. Em outras palavras, em
consonância com Bourdieu, o capital simbólico do campo econômico, frente ao capital do
campo educacional, nas disputas e estratégias empreendidas no campo do poder, tem contado
com um agente dominante no discurso e nas práticas educacionais que, mediante muitas
facetas de parcerias e aproximações, estão sendo legitimadas como as experiências
consideradas exitosas nas redes de educação, estaduais e municipais, no ensino fundamental e
no ensino médio. Nesse sentido, Caetano (2013) ilustra a rede de relações que perpassam pelo
IAS, sob a figura de Viviane Senna:
141
assuntos educacionais, coloca-a como representante do semento empresarial e detentora do
reconhecimento do Estado e a consagra com a longevidade no espaço político, ou seja,
permanece atuante para além do partido no poder.
A visualização das redes estabelecidas a partir de um instituto, ou entre os agentes
de distintas instituições, mas que se agregam em um instituto ou organismo comum,
possibilita visualizar a capilaridade e abrangência de cada entidade. (SHIROMA, GARCIA,
CAMPOS, 2011). Assim sendo, é possível afirmar que a fala de um agente ecoa na fala do
outro e assim o consenso não se dá por quantidade de agentes com objetivos comuns, mas
pela capacidade e capital simbólico que alguns agentes possuem para divulgar e referendar de
forma coesa os mesmos preceitos em diversos espaços.
A estrutura administrativa do IAS é composta por Diretoria (Presidente e 7
diretores) e Conselheiros (16). Alguns dos conselheiros117 do IAS se fazem presentes na
equipe de conselheiros do Instituto Unibanco e também como sócio fundadores do TPE, além
de ocuparem, ou já terem ocupado, funções no campo educacional, ou ainda por já terem
atuado em Organismos Multilaterais ou por possuir coluna em veículos de grande circulação
na mídia.
As ações do IAS se articulam em três eixos: Inovação (EduLab 21, Ideias e
Tendências, Estudos e Públicações); Soluções Educacionais (Ensino Médio, Ensino
Fundamental – anos finais, Ensino Fundamental – anos iniciais, Letramento em
Programação), Articulação (Políticas Públicas, Fóruns e Seminários, Parcerias
Educacionais).
A terminologia, Soluções Educacionais, empregada para o conjunto de ações
voltadas para a educação básica é bastante representativa do ideário ousado do IAS, ou seja,
como o detentor das soluções para os problemas que acometem a educação pública, que em
síntese possuem a má gestão como fator desencadeador das mazelas qualitativas expressas
nos índices de avalição, nacionais ou internacionais. É uma expressão que expressa com
pontualidade a viés mercantilista da educação.
117
Além da gama de espaços ocupados por Viviane Senna outros membros do IAS merecem destaque: Mozart
Neves Ramos é conselheiro no IAS, sócio fundador no TPE e foi conselheiro no Conselho Nacional de Educação
no período de 2005-2014, foi Secretario de Estado de Educação de Pernambuco (2003-2006), foi reitor da UFPE,
de 1996-1999 e de 2000-2003, presidiu o Consed em 2006; Ricardo Paes de Barros é conselheiro no Instituto
Unibanco, Sócio Fundador e Membro da Comissão Técnica do TPE; foi subsecretário de Ações Estratégicas da
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República de 2011 a 2015. Claudio de Moura Castro
também é um exemplo peculiar de agente que atua em diversos espaços por décadas e mantém o mesmo discurso
sobre os fins da educação, ou seja, formar para o mercado.
142
O IAS possui uma relação estreita com alguns secretários estaduais de educação
que compõem o Conselho Consultivo do eduLab 21118, juntamente com alguns dos
conselheiros do Instituto e alguns membros externos de universidades brasileiras e
internacionais. Tal grupo promoveu em 2014, em parceria com a Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Fórum Internacional de Políticas
Públicas, com participação de ministros e pesquisadores do Brasil e de outros países, e
divulgou dados de um projeto pioneiro desenvolvido pelo IAS acerca do desenvolvimento de
habilidades socioemocionais na escola. O projeto é de autoria do eduLab 21 e tem fomentado
o Soluções Educacionais e outras ações do Instituto na perspectiva de desenvolver uma
educação voltada para o Século XXI. No entanto, já em 2011 havia ocorrido o Seminário
Educação para o Século XXI, realizado em parceria com a Secretaria de Assuntos
Estratégicos (SAE) e a Unesco, que contou com a participação de James Helkman119,
economista e especialista em desenvolvimento humano, ganhador do Prêmio Nobel de
Economia em 2000. Desde então, mediante o respaldo e suporte da OCDE e da Unesco, o
IAS incorporou em seus discursos e programas a pauta da Educação para o Século XXI, com
o foco no desenvolvimento de habilidades emocionais no âmbito escolar, conforme a imagem
a seguir sintetiza:
Figura 5 - Educar para o Século XXI do IAS
118
Seis secretários estaduais de educação compõem esse conselho: Eduardo Deschamps (Santa Catarina/PSD e
Presidente do Consed), Frederico Amâncio (Pernambuco/PSB), Haroldo Rocha (Espírito Santo/PSB), José
Renato Nallini (São Paulo/PSDB), Marco Brandão (Acre/PT), Raquel Teixeira (Goiás/PSDB).
119
Para Helkman quanto mais cedo se investir na primeira infância, sobretudo entre as crianças menos
favorecidas maiores serão as chances de desenvolvimento e certas habilidades e de retorno para a economia do
país.
143
O IAS inseriu o ensino médio na sua lista de programas educacionais no início do
ano letivo de 2013, no Rio de Janeiro, com a inauguração do Colégio Estadual Chico Anysio
(CECA). O programa educacional do IAS para o Ensino Médio é denominado “Solução
Educacional para o Ensino Médio”. O IAS compreende que:
O Ensino Médio é uma das etapas mais desafiadoras da Educação Básica.
Desconectada do mundo dos jovens, essa etapa tem grandes índices de abandono e
apenas 54,3% dos brasileiros com 19 anos concluíram o Ensino Médio. Dentre os
que concluíram, 9,3 % aprenderam o que era esperado em matemática e 27,2 % o
que era esperado em português.
Para contribuir com a superação desses desafios, o Instituto Ayrton Senna
desenvolveu uma proposta de educação integral para o Ensino Médio, que introduz
mudanças no dia a dia das escolas, das secretarias de ensino e na relação dos jovens
com a escola. Tendo como premissa uma matriz de competências e um conceito
de educação integral que não se restringe ao tempo integral, a proposta oferece
oportunidades para os estudantes se desenvolverem com autonomia.
No âmbito das escolas, há transformações no currículo, que ganha novos
componentes de aprendizagem, e nas práticas pedagógicas, que potencializam o
papel do professor como mediador do conhecimento. No âmbito das redes de ensino,
são construídos novos modelos de gestão, formação, acompanhamento e
avaliação. (IAS)120
120
Apresentação do IAS sobre o Modelo Soluções Ensino Médio. Disponível em:
http://www.institutoayrtonsenna.org.br/como-atuamos/solucoes-educacionais/ensino-medio/ Acessado em:
12/12/2016.
121
http://www.institutoayrtonsenna.org.br/todas-as-noticias/proposta-inovadora-para-ensino-medio-engaja-
aluno-e-desenvolve-competencias-para-o-seculo-21/ Acessado em 24/06/2016.
144
Ainda em 2013, o Poder Executivo Estadual publicou no DOERJ nº192 – Parte I, de
14/10/2013, a Matriz Curricular do Ensino Médio Inovador Integral (EMII), e a
Matriz Curricular do Ensino Médio Inovador – 1ª GERAÇÃO (EMIG). A primeira é
uma matriz intermediária que introduz elementos da “Solução educacional”,
ampliando tanto componentes curriculares “inovadores” quanto a carga horária
escolar. A segunda matriz é a que se aplica às escolas denominadas 1ª Geração, ou
seja, é a matriz mais próxima da experiência executada, de modo pleno, apenas no
CECA. Neste processo, a ser replicado em toda a rede pública, são selecionadas
inicialmente as escolas aptas a aplicarem a matriz EMII (denominadas de escolas
ProEMI), e entre estas são selecionadas, posteriormente, aquelas preparadas para
replicarem a matriz EMIG, em tempo integral, consolidando os componentes
curriculares inovadores.
De 2014 para 2015, além das 51 escolas de EMII, a SEEDUC-RJ passará de 05 para
13 o numero de escolas funcionando com a matriz do (EMIG). Assim sendo, fica
clara a ação da SEEDUC de implantar o ProEMI, mas também de adequá- lo à
“Solução Educacional para o Ensino Médio” do Instituto Ayrton Senna (IAS), em
sintonia com as demandas priorizadas pelo Governo do Estado, de modo a replicar,
em escala, este redesenho curricular a toda rede de ensino médio. (COSTA, 2015, p.
7).
145
TPE, quanto à meta voltada para a última etapa da educação básica, e coaduna com a EC nº
59/2009, para 17 anos. A ampliação do espaço de atuação do IAS, também pode ser
compreendida como estratégia em prol da difusão do ethos empresarial no ensino médio, que,
ao ser viabilizada por um instituto com um habitus próprio constituído na relação com as
redes estaduais e municipais de educação do país em parcerias público privadas, assessoria,
cooperação técnica, venda de produtos e serviços122 e, especialmente, com poder de influência
na gestão das secretarias e das escolas.
O IAS também já demonstrou possuir capital simbólico junto ao governo federal,
pois em 2008 os programas Circuito Campeão e Acelera Brasil foram reconhecidos e
recomendados pelo MEC no Guia de Tecnologias Educações. Em 2014 a Capes123 assinou um
protocolo de intenções com o IAS, durante o “Fórum Internacional de Políticas Públicas:
Educar para as competências”, promovido em parceira pela OCDE, IAS, MEC e Inep, para
incentivar pesquisas sobre o desenvolvimento e o papel das habilidades socioemocionais no
ensino. Tal acordo gerou um edital com bolsas de incentivo para Programas de Pós Graduação
e pesquisadores interessados no desenvolvimento de pesquisas sobre essa temática. Tal
decisão gerou mobilização no campo educacional e a Anped publicou uma Carta Aberta à
Comunidade Acadêmica em repúdio a tal decisão da Capes. Essa manifestação contrária à
decisão da Capes foi ratificada durante a Conae 2014124, que resultou na Moção nº 11,
proposta pela Anped e Cedes e endossada pelas entidades: Contee, Contag, UBES, Campanha
Nacional pelo Direito à Educação, Fineduca, Confetam, Fóruns de EJA do Brasil, CNTE,
Anped, CUT, UNE, Anfope, FNE, ABGLT, Cedes. Apesar da mobilização do campo
educacional, o edital seguiu e foram selecionados 10 Projetos de nove Programas de Pós-
Graduação distintos, sendo dois da UFRGS.
Atualmente o Instituto baliza um discurso em favor de alguns preceitos: o ensino
médio integral, parcerias público privadas, diversificação do currículo, inovação e regulação,
da gestão e da aprendizagem. Esse rol tem ganhado espaço no campo da educação, nas
disputas empreendidas nos últimos anos.
122
São muitas instituições que buscam espaço junto às secretarias de educação, estaduais e municipais, e ao
MEC a fim de oferecer serviços e produtos. Essa situação foi reiterada por parte dos entrevistados nesta
pesquisa. Além dos institutos abordados neste trabalho, merecem ressalva a ação de outros, como a Fundação
Lemann, Instituto Natura, Junior Achiviement.
123
https://www.capes.gov.br/images/stories/download/editais/Edital_44_2014_CompetenciasSocioemocionais.pd
f Acessado em 25/04/2016.
124
http://www.anped.org.br/sites/default/files/resources/carta_aberta_avaliac_a_o_habilidades_na_o_cognitivas.p
df Acessado em 25/04/2016.
146
2.3 - O campo educacional e os agentes corresponsáveis pelo delineamento das políticas
para o ensino médio.
125
Cunha (2006) destaca que o Manifesto dos Pioneiros na década de 1930 representa uma ação e um período,
singulares, em busca de autonomia do campo educacional em diferentes aspectos, em relação: ao Estado
(autonomia técnica, administrativa e econômica), às classes sociais e à laicidade.
126
Antes desse período a educação e a saúde eram vinculadas ao Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores.
O Decreto nº 19.444 de 1º de dezembro de 1930 delineou a primeira organização do então recém criado
ministério, composto de um gabinete, uma diretoria e quatro departamentos: Departamento Nacional de Ensino,
Departamento Nacional de Saúde Pública, Departamento Nacional de Medicina Experimental e Departamento
Nacional de Assistência Pública, todos independentes entre si e imediatamente subordinados ao ministro.
(LIMA; PINTO, 2003).
127
O Minc foi extinto com a Medida Provisória nº 726 de 12 de maio de 2016 pelo então presidente interino
Michel Temer, mas em 23 de maio de 2016 foi recriado pela Medida Provisória nº 728.
147
intervencionista, sob a condução de Francisco Campos. Essa condição ilustra a seara em que o
campo educacional adquiriu alguns contornos, tanto pela forma como a educação foi
compreendida e contemplada pelo Estado, quanto pela compreensão desta como uma
estratégia em prol de um projeto de nação. Desse modo, o campo educacional brasileiro teve a
sua constituição institucional marcada pela correlação de forças e de disputas daquele
momento.
Até 1930 não havia uma política de educação nacional, sobretudo não havia
propostas efetivas que vinculassem as unidades federadas às decisões da União. Desse modo a
criação do MES e as proposições de Francisco Campos assinalam um marco, legal e
simbólico, para a constituição do campo educacional no país. Dentre as medidas da Gestão de
Francisco Campos, algumas propostas de impacto para a educação brasileira, podem ser
destacadas, segundo Moraes (1992), como: a criação do Conselho Nacional de Educação
(1931), organização do ensino superior e adoção do regime universitário (1931), definição do
ensino superior como matéria facultativa e a organização do ensino secundário (1932).
128
“A finalidade exclusiva do ensino secundário não há de ser a matrícula nos cursos superiores; o seu fim, pelo
contrário, deve ser a formação do homem para todos os grandes setores da atividade nacional, construindo no seu
espírito todo um sistema de hábitos, atitudes e comportamentos que o habilitem a viver por si mesmo e a tomar
em qualquer situação as decisões mais convenientes e mais seguras”. (ROMANELLI, 1978, p. 135).
148
Na trajetória da educação brasileira, as leis de diretrizes129 e bases da educação
nacional representam marcos importantes na agenda educacional. A LDB nº 9.394/1996, bem
como os desdobramentos legais oriundos dessa normatização e as perspectivas políticas de
cada gestão fomentaram mudanças importantes na estrutura do MEC, conforme indicam os
decretos130 que regulamentam a estrutura regimental e estabelecem os cargos no MEC.
129
A primeira LDB, embora já estivesse prevista na Constituição de 1934, somente foi instituída pela Lei nº
4.024/1961. Durante o regime militar a Lei nº 5.692/1971promoveu alterações consideráveis na LDB a ponto de
em algumas publicações do campo educacional essa lei ser mencionada como LDB. A Lei nº 9.394/1996, LDB
em vigor, tramitou no Congresso Nacional por 8 anos e apesar dos seus avanços o histórico de tramitação
registra muitas disputas, tendo em vista distintos interesses e propostas para a educação brasileira. (SAVIANI,
1997).
130
Ver: Decretos: nº 1.917 de 27 de maio de 1996, nº 2.147 de 14 de fevereiro de 1997, nº 2.890 de 21 de
dezembro de 1998, nº 3.501 de 2000, nº 3.772 de 14 de março de 2001, nº 4.637 de 21 de março de 2003, nº
4.791 de 22 de julho de 2003, nº 5.159 de 28 de julho de 2004, nº 6.320 de 20 de dezembro de 2007, nº 7.480 de
16 de maio de 2011, nº 7.690 de 2 de março de 2012. Este último ainda está em vigência.
149
Quanto ao ensino médio, o campo educacional historicamente empreende esforços
em questões que se materializam como problemas nucleares: a dualidade estrutural e o
currículo do ensino médio. Nesse sentido, as disputas acerca do papel da formação dos jovens
e adultos de ensino médio são recorrentes. A crítica ao tecnicismo da década de 1970 e o
neotecnicismo da década de 1990, com a Pedagogia das Competências, é acirrada e se
justifica nos embates entre os agentes mais progressistas e os mais conversadores, dentro do
campo. Essa é uma problemática histórica que já se configurou nos embates entre o público e
o privado, entre o estado e a igreja católica. Em tese esta é uma disputa que se fundamenta por
um projeto de ensino médio que tem dois lados: um lado mais progressista, via campo
educacional, agentes em defesa do público e do outro lado agentes educacionais, por razões
constitutivas e ideológicas, em defesa do privado, ou seja, de um ensino médio mais
condizente com o fazer consoante com o mercado.
151
Cristovam Secretaria de Educação Média e Tecnológica
Buarque Antônio Ibãnez Ruiz (01/2003 a 07/2004)
(01/01/2003 a Decreto nº 1.917 de
27/01/2004) 27 de maio de 1996.
Governo
Lula
(2003-2010) Secretaria de Educação Básica
Tarso Genro Francisco das Chagas Fernandes (07/2004-05/2007)
(27/01/2004 a Departamento de Políticas do Ensino Médio
29/07/2005) Lucia Helena Lodi (03/2004 a 02/2007) Decreto nª 5.159 de
28 de julho de 2004
Coordenação Geral de Políticas de Ensino Médio.
Francisco Potiguara Cavalcante (10/2004 a 06/2007)
Secretaria de Educação Básica
Maria do Pilar Lacerda (06/2007 a 01/2012)
152
A Semtec/SEB, no período de 2003-2014, conforme ilustra o quadro acima,
passou por mudanças que afetaram a estrutura organizacional responsável pelo ensino médio
no âmbito do MEC. A extinção da Semtec131, a migração da educação profissional para a
SETEC, concomitante com a criação da SEB, também criou um Departamento de Políticas do
Ensino Médio, mas que logrou vida curta. O ensino médio passou a ser contemplado com as
demais etapas da educação básica, pela Diretoria de Concepções e Orientações Curriculares
para a Educação Básica e posteriormente pela Diretoria de Currículos e Educação Integral.
Essas alterações desvelam que as ações estruturais constituíram e foram constituídas por
desdobramentos políticos e pedagógicos, que impactaram no ensino médio brasileiro.
Essa alteração contém em si uma situação contraditória, motivo de observação por
parte de três pessoas entrevistadas nesta pesquisa, conforme será apresentado mais adiante.
Contudo, convém ressaltar, desde já, que as alterações estruturais não são aleatórias ou apenas
operacionais, pois as razões pelas quais as mesmas são definidas advêm de intencionalidades
prementes, nem sempre dadas a conhecer aos técnicos. O fato é que o ensino médio e a
educação profissional, tão logo a legislação tenha possibilitado a retomada da integração entre
ambos, passaram a ser coordenados em espaços distintos e por gestores específicos.
Quadro 16 – Equipe do ensino médio no MEC, por função, formação e atuação anterior
e posterior no cargo
131
As alterações estruturais na Semtec/SEB foram discutidas nas entrevistas realizadas com os entrevistados que
ocuparam cargos e funções no período retratado no quadro acima. Esses e outros aspectos serão contemplados no
capítulo três desse estudo.
153
Fernandes Trabalhadores em Educação de MEC
Letras (UFRN) Pernambuco, Diretor da Secretario Estadual de Educação
Confederação Nacional dos de Rio Grande do Norte (2015-
Trabalhadores em Educação, 03/2016)
Professor da rede estadual do Rio
Grande do Norte, Diretor do Fundef
ainda dirigiu o Fundef. Conselheiro
no do Conselho Nacional de
Educação, ao mesmo tempo em que
dirigiu a SEB.
Maria do Pilar Lacerda Professora na rede de educação de Diretora da Fundação SM/Brasil
História (UFMG) Belo Horizonte, Diretora do Centro
de formação de Professores da
Prefeitura da Cidade de Belo
Horizonte; Secretária municipal de
Educação da cidade de Belo
Horizonte – 2002 a 2007; Presidente
Nacional da União Nacional dos
Dirigentes municipais de educação
2005 a 2007
Maria Beatriz Luce Professora na UFRGS; Professora na UFRGS;
Pedagogia (UFRGS) Conselheira no CNE (2012-2014);
Doutorado em Michigan Reitora pró-tempore na Universidade
(EUA) Federal do Pampa
Professora na Unesp.
(UFF)
155
validados que outros, mas em suma há uma distinção entre os que ocupam os postos de
primeiro e segundo escalão no executivo. Entre as razões para as escolhas estão um ou mais
fatores combinados: cota partidária, experiência diferenciada na área, afinidade político
ideológica com a chefia imediata, indicações resultantes de experiências profissionais ou
acadêmicas anteriores, dentre outros.
Os profissionais que ocuparam a função de secretario/a na Semtec/SEB do MEC
já gozavam de experiência em alguma função nacional no campo educacional, ou na gestão de
instituição pública de grande porte, portanto a experiência, de algum modo, com os desafios
de maior envergadura e complexidade, já havia sido experimentada. Por outro lado,
certamente a rede de contatos profissional mais ampliada e o capital simbólico dos que até
então não havia ocupado, denota que esse capital pode ter sido o elemento definidor, em
algumas circunstâncias, ou ainda a vinculação partidária.
Entre os diretores da Semtec/SEB apenas um dos profissionais já havia ocupado
função no âmbito nacional, no próprio MEC, mas em comum todos eram oriundos da
educação pública, na educação superior ou na educação básica da rede federal. Nesse grupo
dois já possuíam experiência anterior no ensino médio da rede federal de ensino, como
docente e ou gestor nessa etapa da educação básica.
Na função de coordenação do ensino médio nenhum dos profissionais que
atuaram possuía experiência com a gestão no nível mais ampliado, ou seja, de abrangência
nacional. Dois possuíam experiência na gestão pública, municipal e estadual, em redes de
ensino e um na rede federal. A experiência como técnica em assuntos educacionais, no âmbito
do MEC, certamente é um fator interessante, para fins de conhecimento da área de atuação, no
entanto a função ocupada por uma técnica na Coordenação do Ensino Médio foi apenas em
caráter interino, como revela o ato legal da nomeação, o que leva a compreender que a
indicação foi uma situação circunstancial e não uma escolha oficial do Estado. Por outro lado,
o fato de a coordenação ter sido ser ocupada por uma técnica provisoriamente, mas que
permaneceu por um período prolongado, deve ter razões para além de questões
administrativas.
A composição desse quadro possibilitou perceber aspectos interessantes entre
nomes, trajetórias e atuação no cargo. Uma primeira associação entre os agentes individuais
do campo educacional - no exercício da função como diretor ou coordenador de ensino médio,
durante o período de 2003 a 2014, sob a ótica do capital simbólico desses profissionais,
quanto ao conhecimento sobre o ensino médio - desvela que em 2003 havia uma coerência
156
maior entre escolha do profissional e decisões tomadas, que por sua vez eram compatíveis
com os compromissos da campanha política de 2002. Já no ano de 2014 a coordenação do
ensino médio foi exercida por uma profissional em caráter interino e assim permaneceu por 1
ano e 2 meses. Esse fato, associado aos relatos que os entrevistados apresentaram durante as
entrevistas, permite inferir que houve uma queda do prestígio do ensino médio dentro do
campo educacional, no âmbito do MEC.
As razões pelas quais ocorreu uma perda de protagonismo do ensino médio dentro
do MEC não se circunscreve à escolha de um ou outro profissional, meramente com mais ou
menos capital simbólico, mas o fato de o espaço deixar de ser ocupado por alguém com
referência profissional e/ou acadêmica na área revela indícios de que a definição da agenda
para o ensino médio e da regulação dessa etapa perpassava por outros caminhos, que não mais
o campo educacional, pela via do agente MEC. As entrevistas apresentadas neste estudo
ilustram as disputas empreendidas entre os campos e os agentes na constituição do campo de
poder, em que as políticas para o ensino médio estiveram em questão. Também é pertinente
questionar até que ponto o fato de o ensino médio passar a integrar a educação básica e deixar
de possuir Direção e Coordenação próprias e passar a integrar uma mesma secretaria com a
educação infantil e o ensino fundamental corroboraram com a perda de protagonismo no
MEC, inclusive nas ações, perspectivas e continuidade das políticas, inicialmente definidas
pelo Ministério.
A concepção de ensino médio que perpassou na Semtec e posteriormente SEB,
ainda que em meio a alguns vieses distorcidos em algumas ações, como as parcerias com os
institutos que comprometiam os princípios das propostas, era concernente com a perspectiva
da formação integral, omnilateral. Esse era o fio condutor que pode ser observado, sobretudo
nos primeiros anos de governo.
Por outro lado, a trajetória no MEC, para alguns dos agentes certamente, foi um
fator importante na valorização do capital social e simbólico dos mesmos. O quadro 11 situa a
trajetória profissional após a saída do MEC e possibilita visualizar que há uma ascensão
profissional, em espaços acadêmicos e em outros campos para a maioria desses agentes.
Dentre os sete entrevistados, apenas três retomaram as funções docentes na mesma instituição
de educação superior de origem. Outros passaram a atuar em Ongs, fundações e no Sistema S.
157
2.3.2 Conselho Nacional de Educação (CNE): lócus de disputas entre os campos?
132
O CNE foi um dos objetos de estudo de Miceli (2001) em sua obra “Intelectuais à brasileira”. O autor estudou
este Conselho, desde a sua criação até o ano de 1937, e sua análise aponta para um órgão que desempenhava o
papel de aparelho de Estado. O autor também acrescenta que na relação entre as escolhas dos conselheiros e a
atuação do CNE, naquele período, é importante registrar que: “o fato de o Estado cooptar educadores
profissionais está relacionado, em última análise, com o atendimento das demandas crescentes que fazem os
diversos grupos de agentes incumbidos de gerir o sistema de ensino. Os conselhos não são senão arenas abertas à
negociação de interesses, num momento de transição entre as formas de dominação oligárquica vigentes na
República Velha e a consolidação de uma dominação burocrática de perfil autoritário”. (MICELI, 2001, p.296).
158
da Constituição de 1934 houve um movimento importante, coordenado pela Comissão dos 32,
da ABE, segundo Horta (2001), em busca da constituição de um CNE e em defesa da criação
de conselhos estaduais de educação, sob a consigna da autonomia.
133
A Medida Provisória nº 661 de 18 de outubro de 1994 extinguiu os mandatos dos atuais Conselheiros s do
Conselho Federal de Educação e revogou todas as funções deste Conselho.. Nessa época houve a denúncia de
tráfico de influência no Conselho e de lobby das instituições privadas de ensino, junto aos conselheiros, em
busca de decisões favoráveis, numa espécie de tráfico de influências para abertura de cursos e instituições de
ensino superior. Alguns parlamentares da Câmara de Educação se mobilizaram e após um período de desgaste do
Conselho junto ao Governo o Presidente Itamar Franco tomou a decisão de fechar o Conselho. A carta com a
exposição de motivos, que embasou a MP, foi apresentada pelo Ministro da Educação da época, Murilo Hingel,
no Governo Itamar Franco ode ser consultada no seguinte
endereço:http://www.observatoriouniversitario.org.br/documentos_de_trabalho/documentos_de_trabalho_72.pdf
Acessado em 28/12/2016.
134
Paulo Renato Souza, ministro da educação no período de 1995 a 2002, afirmou à Folha de São Paulo que a
nova formatação do CNE poderia ser definida como: “uma solução tucana".
Ele chamou de escolha intermediária a implantação, a partir do dia 1º de junho de 1995, de um conselho dividido
em dois — “ um para 1º e 2º graus e outro para ensino superior— e com poderes bem inferiores àquele que foi
extinto, em outubro passado”. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/3/15/cotidiano/4.html
Acessado em: 15/08/2016.
135
Márcia Angela Aguiar fez um depoimento para a Anped, sobre a situação inédita de revogação do mandado
de 12 conselheiros do CNE, durante o Governo Interino de Michel Temer, que foi publicada no Diário Oficial da
União de 28 de junho de 2016 e abordou também sobre a natureza do CNE: “O Conselho, como qualquer outra
instância de uma área social, reflete a história da própria área e os conflitos da sociedade vigentes em
determinadas conjunturas, bem como a organização dos grupos sociais na busca de hegemonia. Portanto, não
vemos o Conselho como um campo neutro, pairando acima da sociedade, onde, supostamente, os/as
conselheiros/as tomariam decisões de forma asséptica. Ao contrário, os conselheiros, dada a natureza das suas
atribuições, estão inseridos em um dos espaços de debate, construção e acompanhamento das políticas
educacionais que refletem a dinâmica social, desde que são indicados pela sociedade civil e pela sociedade
política, sendo que o governo, de acordo com a legislação atual, tem a primazia das escolhas, tendo em vista os
recursos de poder que dispõe para efetivá-las (...). CNE é palco de disputas entre interesses de diversos grupos
sociais e o que predomina, conjunturalmente, resulta sempre desses embates (AGUIAR, 2016). Disponível em:
http://www.anped.org.br/news/marcia-angela-aguiar-depoimento-sobre-nomeacao-revogada-de-conselheiros-do-
cne Acessado em: 15/08/2016.
136
A Lei 9.131 de 1995 regulamentava a indicação de lista tríplice, por indicação de segmentos da comunidade
acadêmica e científica, para compor 50% do número das vagas de conselheiros. No entanto os Decretos nº
159
conforme o regulamentado por Portaria do MEC137. Os nomes dos indicados são
encaminhados para o Ministro da Educação que submete as escolhas à Presidência da
República, que nomeia os selecionados. A tabela abaixo traz o número de entidades que
indicam nomes para a composição da lista tríplice.
1.716/1995 e 3.295/1999 detalharam alguns aspectos sobre essa indicação e promoveram uma retificação
terminológica bastante intrigante “representantes da sociedade civil” em detrimento de “comunidade acadêmica
e científica”.
137
Em consulta às Portarias do MEC, que tratam das instituições com direito a participar da indicação de nomes
é interessante observar as alterações quantitativas e qualitativas. Além disso, chama a atenção o fato que a lista
de instituições até 2008 era por câmara e a partir desse ano passou a ser lista comum para a Câmara de Educação
Básica e Câmara da Educação Superior.
138
O CNTE voltou a fazer parte da lista de entidades no ano de 2010. A CNI oficialmente não consta nas listas
de entidades desde 2008. No entanto, Rafael Lucchesi, Diretor Geral do Senai, tomou posse como conselheiro do
CNE, na Câmara de Educação Superior, entre os conselheiros empossados no Governo Interino de Michel
Temer, no dia 04 de maio de 2016. http://www.portaldaindustria.com.br/cni/imprensa/2016/05/1,87263/diretor-
geral-do-senai-toma-posse-no-conselho-nacional-de-educacao.html Acessado em 15/08/2016
160
2012 Antônio Ibañez Ruiz; José Francisco Soares; Luiz Roberto Alves; *Francisco Aparecido Cordão;
*Raimundo Moacir Feitosa; *José Fernandes de Lima.
2014 Malvina Tania Tuttman; Nilma LinoGomes; Rita Gomes do Nascimento; Antônio César
Callegari.
2016139 Eduardo Deschamps, Maria Izabel Noronha (Apeoesp) Aléssio Costa Lima, Gersem Luciano,
*Antônio Ronca, *Antonio Ibañez Ruiz.
2016140 Eduardo Deschamps, Aléssio Costa Lima, Gersem Luciano, José Francisco Soares, Nilma Santos
Fontanive, Suely Melo de Castro Menezes.
*Conselheiros reconduzidos para mais um mandato de 4 anos.
139
Essa lista contém os conselheiros foram indicados ou reconduzidos por mais um mandato, na Câmara de
Educação Básica, no CNE, pela Presidenta Dilma Rousseff em 10 de maio de 2016.
140
Essa lista de conselheiros corresponde aos nomes indicados, pelo Presidente Interino Michel Temer para
compor mandato na Câmara de Educação Básica do CNE. Conforme consta no Diário Oficial da União de 28 de
junho de 2016. Para tanto houve a revogação da nomeação de alguns conselheiros indicados por Dilma Rousseff.
Tal revogação foi inédita na história da educação brasileira e bastante criticada no campo educacional, inclusive
algumas entidades, como a Anped, divulgaram notas de repúdio e algumas matérias na mídia registraram o
ocorrido, inclusive algumas denunciaram o viés privatista nas indicações do governo interino, por exemplo na
matéria disponível no link: http://www.redebrasilatual.com.br/educacao/2016/07/conselheiros-indicados-por-
temer-estao-ligados-em-sua-maioria-ao-setor-privado-5718.html Acessado em 30/12Q2016.
161
Na definição do conselheiro para assumir a presidência do CNE, em algumas ocasiões,
há apenas um candidato ao cargo, conforme um acordo interno entre os conselheiros, ou seja,
há uma rotatividade entre a CEB e a CES, ora uma, ora a outra assume a presidência, já em
outras ocasiões concorrem dois ou três candidatos. Nessas situações, bem como no exercício
das funções de conselheiros, são evidenciados os distintos segmentos em busca de maior
representação dentro do CNE. Silva (2005) aponta que durante o governo FHC vigorou no
CNE, nas disputas pelos temas da educação superior, três vertentes de projetos de educação:
141
Ciavatta e Ramos (2012) apresentam a trajetória da elaboração das DCNEP e a participação desse
Conselheiro e a sua colaboração na definição de uma concepção de educação profissional atrelada à concepção
da Pedagogia das Competências.
162
educação do Espírito Santo durante uma Gestão do PT naquele estado. Mozart Neves também
foi membro da comissão de elaboração dessas Diretrizes.
Essa breve descrição ilustra a correlação de forças que compõem o CNE e ao
mesmo tempo possibilita perceber que o capital simbólico de alguns agentes perpassa por
distintos governos. Desse modo, em diferentes momentos os mesmos representantes, de
distintos campos empreendem esforços em prol das ações que sintetizam os interesses do seu
campo. Cordão é um desses exemplos e a concepção que defende não é outra, senão a da
pedagogia das competências, a Teoria do Capital Humano e seus correlatos. Assim a tônica
defendida pelo Sistema S, quanto ao atendimento das demandas do mercado de trabalho por
parte da escola, é bem representada por este conselheiro142.
142
Francisco Aparecido Cordão atuou no Sesc de São Paulo, no regime celetista de 1973 a 2002. Atualmente
presta assessoria pedagógica ao Senac e ao Departamento Pedagógico Nacional do Sesc.
163
Em 2002 numa publicação solicitada ao Consed, pelo Inep, o presidente do
Consed na época, Éfrem Maranhão, que era Secretario de Estado de Educação de
Pernambuco, apresentou um histórico sobre a entidade e a nova fase que permeava as
discussões entre o MEC e o Consed, naquele momento, ou seja:
As relações entre o MEC e o CONSED, que já foram bastante conflituosas, na
década de 80, evoluíram para um “diálogo permanente e fecundo”, a partir da gestão
do ministro Murílio Hingel. Iniciava-se, então, a fase mais produtiva na relação
entre o CONSED e o MEC, pautada pela independência e autonomia política e pelo
compromisso com a construção de um projeto educacional que garanta o direito de
todos à educação.(...)
A nova administração federal, iniciada em janeiro de 1995, assumiu compromisso
de implementar as metas do Plano Decenal, adotando iniciativas que viabilizaram
seu cumprimento. Além disso, o ministro Paulo Renato Souza manteve na sua
gestão a mesma postura de diálogo e cooperação com os Estados e Municípios (...)
O fortalecimento e consolidação institucional do CONSED tem proporcionado uma
integração cada vez maior entre os sistemas estaduais de ensino, incentivando a ação
coletiva em busca de novas alternativas para superar os desafios e melhorar a escola
pública. (MARANHÃO, 2002, p.12 e 13)
Certamente uma parceria efetiva com uma entidade constituída por todos os
Secretários de Estado da Educação das unidades federadas, em um país continental como o
Brasil, organizado em regime colaborativo, é uma oportunidade singular, para viabilizar as
políticas educacionais pretendidas pelo governo federal. Uma parceria efetiva pode dirimir,
em boa parte, as resistências nos estados, uma vez que o apoio e os ajustes prévios das
propostas com os secretários é um ponto favorável e estratégico, na implementação dos
programas governamentais fomentados pelo governo federal.
O quadro abaixo apresenta informações sobre os presidentes do Consed e permite
observar aspectos interessantes, como os estados de origem dos secretários/presidentes e os
respectivos governadores143 e partidos: há uma prevalência de representação de secretários
que advém de gestões do PMDB ou do PSDB. Já o PT não constituiu nenhum presidente do
Consed até o momento. Essa situação permite inferir que a prevalência do PMDB e PSDB
possa estar relacionada ao número de governadores de cada partido.
143
Em consulta ao TSE sobre os governadores eleitos (2002 a 2014), por partido, o PMDB e o PSDB disputam o
primeiro e o segundo lugares nesse período. Em 2002 o PSDB fez sete governadores e o PMDB cinco; em 2006
o PMDB fez sete e o PSDB seis; em 2010 o PSDB fez oito e o PMDB cinco e em 2014 o PMDB fez sete e o
PSDB cinco.
164
Quadro 20 - Presidentes do Consed, por formação, período de gestão, estado de origem e
governador e partido da época – 2001 a 2016
PRESIDENTE Formação GESTÃO ESTADO GOVERNADOR/
PARTIDO
144
Após a nomeação de Michel Temer para a função de Conselheiro no CNE, Eduardo Deschamps optou por se
afastar do Consed. Ele foi indicado para conselheiro do CNE por Dilma Rousseff, em maio de 2016 e conciliava
as funções nos dois conselhos. Com a saída de Deschamps da presidência foi necessária a escolha de outro
conselheiro para assumir a função de Presidente do Consed.
145
Em 16 de fevereiro de 2017 ocorrerá eleição para a escolha do novo presidente do Consed, para o biênio de
2017-2018. A Comissão Eleitoral é presidida por Eduardo Deschamps.
146
O Vice Governador é Raul Henry, que está afastado do cargo, pois permaneceu na Câmara dos Deputados.
Atua na Comissão Permanente de Educação Básica e foi o parlamentar que mais apresentou propostas de
emenda na MP nº 746/2016.
165
O Consed apresenta em seu site os programas e ações em curso, seus objetivos e
parceiros. Nesse rol, figuram entre outros, a criação dos fóruns temáticos, como o Fórum
Estadual de Educação Profissional e Tecnológica (EPT), criado em 2011, o Fórum do Ensino
Médio, criado em 2013, especialmente para realizar e sistematizar as discussões entre as
unidades federadas, via Consed, sobre o PL nº 6.840/2013147.
No conjunto de ações148 mais recentes do Consed também está registrada a
realização de encontros temáticos. Em 20 de agosto de 2013 foi realizado, em Brasília, um
desses encontros, cujo tema foi “Políticas Educacionais”. Nessa discussão participaram, como
expositores dos programas desenvolvidos na educação, os seguintes segmentos: Alejandra
Velasco (Movimento Todos pela Educação), Priscilla Tavares (Fundação Getúlio Vargas),
Sônia Madi (Olímpiadas da Língua Portuguesa do Cenpec), Yael Sandberg (Educação
Financeira).
Em 2012 o Consed, em parceria com o Instituto Natura e a Fundação Getúlio
Vargas, iniciou uma pesquisa intitulada “Pesquisa de Governança” para diagnóstico das 27
secretarias estaduais de educação sob os critérios institucionais, recursos humanos,
financeiros, principais programas e políticas e ações com outros níveis de governo e com a
sociedade. O relatório final dessa pesquisa foi divulgado em 2013 e a partir de então gerou
desdobramentos interessantes: A criação de uma Plataforma Colaborativa, denominada
Conviva, sob a responsabilidade da Natura, para auxiliar munícipios e estados na elaboração e
acompanhamento das suas metas para os planos municipais e estaduais de educação e também
corroborou com a elaboração de um plano estratégico149 do Consed, baseado em seis
iniciativas estratégicas: Financiamento da Educação, Tecnologia e Inovação, Avaliação da
Educação Básica, Base Nacional Comum, Ensino Médio e Gestão Escolar.
O Consed passou por uma modificação importante, conforme Aguiar (2002)
apresenta, não é uma entidade monolítica, nem teria como ser, mas é preciso perceber que as
forças em evidência, desde o inicio dos anos 2000, vêm paulatinamente introduzindo uma
nova dinâmica neste Conselho. A representatividade partidária na presidência pode explicar
parte desse mosaico, embora outros fatos elementos também sejam correlatos a essa
transformação no modus operandi.
147
No próximo capítulo as proposições e contribuições do Consed sobre esse projeto serão contempladas.
148
Essas ações podem ser consultadas no site do Consed.
149
Este planejamento demarca uma nova fase na forma de organização dos trabalhos do Consed, denominada de
“Implementação da nova governança do Consed”. Este trabalho foi coordenado por Carolina Ilidia Soares de
Faria , Coordenadora de Projetos do Instituto Natura. Uma primeira avaliação dessa metodologia foi realizada na
II Reunião Ordinaria do Consed, que ocorreu em 2016 em Sergipe. Carolina integra a lista de 60 pessoas que
compõem a Rede de Talentos da Fundação Leman (CONSED).
166
A aproximação com o campo econômico em ações nas redes estaduais e o suporte
de gestão oferecido ao Consed, por parte de diversas institutos e fundações, certamente podem
explicar a defesa deste Conselho pelo projeto de ensino médio contido no PL nº 6.840/2013.
Nesse caso, a parceira público privada teria colaborado com a adesão do segmento público ao
projeto recorrente no discurso e nas recomendações do privado. Nesse caso o viés pragmático
de ensino adentrou de forma significativa, em boa parte das redes estaduais de ensino, no
Consed e vice-versa. A adoção do discurso dos institutos é muito expressiva a partir de 2013,
com o ápice em 2016, com a discussão da MP 746, pois o Consed fez a defesa dessa proposta,
embora muitas redes de ensino estivessem vivendo um processo de enfrentamento e de
resistência ao projeto.
Essa breve síntese sobre a trajetória do Consed indica que tal entidade passou por
um processo de transformação relevante na sua lógica de ação, pois o viés questionador e
reivindicador, frente ao governo federal, em busca de uma ampliação de direitos educacionais,
cedeu espaço e favoreceu um centralismo, que depõe contra a origem deste Conselho, e um
arranjo conciliatório, que favoreceu o viés político ideológico, oriundo do campo econômico.
Esse arranjo adquiriu forças e se instaurou no modus operandi do Consed e paralelamente a
isso essa mesma lógica tem se espraiado nas redes estaduais, para fins de oferta de diversos
modelos de ensino médio150.
150
A Seduce/Go lançou no primeiro semestre de 2017, para iniciar já no segundo semestre o corrente ano, o
Programa de Fortalecimento do Ensino Médio (Profen), que entre outras medidas, diferencia o ensino médio
noturno do diurno. O novo modelo será oferecido em quatro ciclos, totalizando 2 anos. Os alunos que iniciaram
o ensino médio noturno no ano letivo de 2017, já serão inseridos nesse novo modelo, que pretende ser ampliado
gradativamente para os alunos das demais séries do ensino médio noturno.
167
CUT e possui mais de 1 milhão de filiados no país e conta com mais de 50 entidades
filiadas.151
A sede do CNTE se localiza em Brasília e a confederação é composta e
organizada da seguinte forma:
Presidência e Vice-Presidência; Secretarias Geral, de Finanças, de Assuntos
Educacionais, de Imprensa e Divulgação, de Relações Internacionais, Relações de
Gênero, Políticas Sociais, Política Sindical, Formação, Organização, Aposentados e
Assuntos Previdenciários, Legislação, Assuntos Jurídicos, Projeto e Cooperação,
Direitos Humanos. A estas Secretarias somam-se quatro Secretarias Adjuntas.
A CNTE é composta ainda por dois Departamentos Setoriais: o Departamento de
Especialistas em Educação, que faz parte da Secretaria de Assuntos Educacionais, e
pelo Departamento dos Funcionários em Educação, vinculado à Secretaria de
Política Sindical.
As instâncias da entidade são subordinadas a um Congresso Nacional, tendo um
Conselho Nacional de Entidades - CNE, a Direção Executiva – DE e o Conselho
Fiscal - CF. (CNTE)152
151
As informações referentes ao histórico da CNTE foram colhidas no site da Confederação:
http://www.cnte.org.br/index.php/institucional/a-cnte Acessado em 16/08/2016
152
Informações sobre a composição da Confederação foram colhidas na página oficial da CNTE, disponível em:
http://www.cnte.org.br/index.php/institucional/a-cnte Acessado em : 17/11/2016.
153
Durante a realização do 33º Congresso Nacional da CNTE foi eleita a Diretoria para 2017-2021. Heleno
Manoel Gomes Araújo (PE) foi eleito Presidente.
168
cargos anteriores na administração, em outras funções. Os ex-presidentes Carlos Abicalil154 e
Juçara Dutra Vieira155, após o período de gestão, realizaram suas pesquisas acadêmicas156 em
temáticas relacionadas a grandes desafios da educação brasileira, que foram temas caros a
CNTE.
A CNTE realiza a cada três anos o Congresso Nacional, com a participação de
delegados de cada afiliado. Esse encontro resulta em um caderno de resoluções que expressa a
avaliação da confederação sobre os três anos anteriores à realização do congresso e também
aponta a pauta para a educação e os encaminhamentos para os próximos anos.
Em 2005 ocorreu o 29º Congresso, cujo tema foi: “Educação pública só é
prioridade com MAIS financiamento”. Na ocasião o CNTE defendia que o projeto de
educação era estratégico para o desenvolvimento do país e que esse tema não deveria ser
discutido de forma dissociada do financiamento. O Fundeb, a reforma universitária e a
reforma sindical ganharam destaques nas atividades do evento. A problemática do ensino
médio e da educação profissional foi contemplada apenas na carta assinada pela presidente
Juçara, na abertura da publicação, que contém as resoluções do 29º Congresso:
Outro ponto de fundamental importância diz respeito à educação profissional.
Houve um verdadeiro desmonte dessa modalidade, especialmente a partir do
Decreto 2208/1997, que comprometeu uma visão integradora entre a etapa média e o
preparo profissional. Depois de sua revogação, a legislação evoluiu, mas a realidade
ainda é problemática. E esse é um tema chave para a sociedade brasileira que, como
se viu, tem um baixo percentual de jovens nas universidades. Há uma grande
influência do sistema S na educação profissional, que utiliza recursos públicos mas
não integra a rede pública de educação. Esta precisa investir fortemente na
modalidade, revitalizar os CEFETs (Centros Federais de Educação Tecnológica),
ampliar a oferta de cursos, sempre com a preocupação de que a educação
profissional não é uma especialização estreita. Ela não pode prescindir de
conhecimentos científicos fundamentais e da qualificação politécnica. Portanto,
exige um esforço concomitante pela universalização da educação média, última
etapa da educação básica. (CNTE, 2005, p.5)
170
gerais que indiretamente contemplavam esta etapa da educação básica, ou seja, não houve
nenhuma proposição específica levantada pela Confederação.
A CNTE possui uma gama de publicações diversificadas, que variam de
publicações semestrais e anuais, publicações temáticas e também documentais. Nesse
conjunto de ações a Escola de Formação (Esforce) é a Revista Retratos da Escola são
instrumentos de divulgação e discussão dos temas da educação básica.
A Revista Retratos da Escola possui publicação semestral e sua circulação teve
início em 2007, mas:
Estava nos planos da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação desde
os anos 1990, quando a CNTE se voltou para o desenvolvimento de pesquisas na
área educacional e começou a produzir documentos para subsidiar os educadores na
sua luta pela universalização do direito à educação, financiamento e valorização do
profissional, temas pertinentes ao meio. A edição da revista começa, portanto, a
surgir quando a CNTE realiza uma primeira pesquisa sobre a saúde do profissional
em educação, em entrevistas sobre as condições de trabalho e de vida de 52 mil
professores em todo o País. Na ocasião, constatou-se a presença do Burnout –
doença de cunho psicológico traduzida no Brasil como síndrome da desistência – no
dia-a-dia de milhares de educadores (CNTE, 2007, p.3)157
157
O trecho citado está na aba histórico e concepções da CNTE. Pode ser acessado seguindo os filtros do site
pelo endereço: http://esforce.org.br/index.php/semestral/index Acessado em 15/12/216.
171
Nº 14/2014 Dossiê - Educação Básica: Política e Processos Mundiais Luiz Fernandes Dourado
(UFG)
Nº 15/2014 Dossiê – PNE 2014-2024: Desafios para a Educação Brasileira Leda Scheibe (UFSC)
Nº 16/2015 Dossiê – Diversidade na Escola: gênero e sexualidade Leda Scheibe (UFSC),
Roselane Fátima Campos
(UFSC)
Nº 17/2015 Dossiê – Base Nacional Comum: Projetos Curriculares em disputa Leda Scheibe (UFSC),
Roselane Fátima Campos
(UFSC)
Nº18/2016 Dossiê – Valorização Profissional: piso salarial e carreira Leda Scheibe (UFSC),
Jussara Dutra Vieira
(SEERGS)
Fonte: Dados colhidos no site do CNTE
158
A carta do Coordenador do FNE pode ser acessada no link: http://www.sinprodf.org.br/wp-
content/uploads/2016/12/carta-aberta-coordenador-do-fne.pdf.pdf Acessado em: 06/01/2017.
159
A Portaria nº 577 de 28 de maio de 2017 inseriu mudanças na composição do Fórum Nacional de Educação.
Dentre esses alterações o MEC excluiu a Anped e a Contee. Tal ação provocou mobilização no campo
educacional que entregou, no dia 07/06/2017, à Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado um
173
2.3.5 – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (Anped): agente
de mobilização acadêmica e institucional
manifesto assinado por dezenas de entidades que condenam a Portaria instituída pelo Ministro da Educação. Em
tal manifesto mais de 20 entidades anunciaram saída coletiva do FNE.
160
Certamente a origem, composição e trajetória das associações que resistem ao tempo e fazem história dentro
de um campo resguardam elementos relevantes que são partes do capital simbólico de cada agente dentro do seu
respectivo campo. A Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae), criada em 1961,
por exemplo, nasce em outro um contexto político e histórico e sob outra dinâmica frente às demandas da
educação. Para maiores notas sobre a trajetória da Anpae, ver Sander (2007)
http://www.anpae.org.br/website/documentos/estudos/estudos_01.pdfAcessado em 06/01/2017.
174
A Anped também contrariou as orientações da Capes e manteve, desde a sua
origem, a existência de sócios institucionais e individuais. No entanto, além dessa busca
constante por autonomia relativa, na associação, segundo Souza e Bianchetti (2007), vigoram
as tensões internas e externas, que em alguns momentos ganham maior expressão e feição
distintas. Nesse sentido, destacam também que na Constituinte da década de 1980, o consenso
foi expressivo na associação, já em 1990 ganhou evidência a cisão partidária entre os sócios
quanto às questões educacionais que entravam em pauta, em face de alguma política
governamental. Durante o período do Governo Lula os autores identificam que houve um
certo recuo da associação quanto aos posicionamentos e proposições da associação.
O Ensino Médio é a única etapa da Educação Básica que não está contemplada, a
priori, como objeto de estudo e investigações nos Grupos de Trabalho (GT) da Anped
(Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação). Apesar de o GT “Ensino
de 2º grau” ter sido um dos signatários na lista dos sete primeiros Gts da Anped, criados na 4ª
Reunião da Anped (1982) e incorporados no estatuto da Associação, este não logrou vida
longa. Nesse sentido, na relação imbricada entre constituição e continuidade de um GT na
Anped, é pertinente considerar que o GT é:
como uma das células vitais da Anped, representa também uma parcela significativa
do espaço de discussão e de publicização dos resultados da investigação científica da
área, cumprindo, como parte dessa associação, a função de legitimação daquilo que
produz a comunidade acadêmica que com que ela interage. (...). Sendo assim,
escolhas, ordenações, seleções e demais atos que configuram a existência e as
formas de organização assumidas pelo GT, direta ou indiretamente, trazem as
marcas das relações de força e de poder próprias de um espaço que atua no sentido
de realização daquela função de legitimação. (AZEVEDO; AGUIAR, 2001, p 51)
161
No CD comemorativo dos 30 anos da Anped é possível tomar conhecimento sobre a trajetória de constituição
de alguns Gts, sobre as considerações e embates que se estabeleceram quando a pauta em discussão era a
relevância da proposição de constituição de novos GTs.
175
elementos corresponsáveis pelo reduzido número de pesquisas na Pós-Graduação brasileira,
cujo o objeto de estudo seja o ensino médio?162.Ou vice versa.
Por outro lado, convém salientar que por ser uma Associação vinculada à Pós-
Graduação em Educação os temas que mais frequentemente são discutidos, nas pesquisas de
mestrado e doutorado, tendem a contemplar assuntos mais voltados para a área de atuação, da
maior parte dos graduandos em Pedagogia: educação infantil e anos inicias do ensino
fundamental. As pesquisas mais ampliadas versam sobre as políticas educacionais, gestão da
educação, os fundamentos, ou seja, segue um pouco da dinâmica dos componentes
curriculares da graduação e das linhas de pesquisas dos Programas. Talvez seja esse o quadro
que justifica o pouco interesse pelo ensino médio nas pesquisas stricto sensu nos Programas
de Pós-Graduação em Educação.
A Anped costuma se pronunciar em face das questões educacionais do país,
desencadeadas por ações do governo federal ou que ocorrem nas redes de educação, ou ainda
como resultado de ações externas ao campo, mas com desdobramentos para o mesmo. Em
relação às políticas de ensino médio do período de 2003 a 2014 a Anped se pronunciou em
forma de manifesto em duas163 ocasiões de maneira muito clara.
Em 2003, no cenário de revogação do Decreto nº 2.208/1997, a Anped (2003)164
apresentou um pronunciamento da Associação acerca da convocação das entidades e
162
A Anped Sul criou em 2014 o GT Ensino Médio e em 2016 realizou a segunda reunião regional com esse
grupo de trabalho constituído. Em 2014 a pesquisadora Mônica Ribeiro (UFPR) coordenou o GT Ensino Médio
e em 2016 Nara Vieira Ramos (UFMS). No ano de 2014 foram aprovados e apresentados 28 trabalhos no GT e
em 2016 apenas 15, enquanto que em outros GT houve maior número de trabalhos. Não é possível afirmar que
tenha diminuído o número de pesquisas e trabalhos enviados para avaliação, pois também pode ter sido uma
decisão da coordenação em limitar ao número de 15 trabalhos, como ocorre na Anped nacional, tendo em vista
garantir um tempo maior para o debate.
163
Em 23 de setembro de 2016 a Anped publicou uma nota pública sobre a Medida Provisória do Ensino Médio
nº 746/2016, que em síntese focou nos seguintes pontos: autoritária na forma e equivocada no conteúdo.
http://www.anped.org.br/sites/default/files/anped_nota_publica_mp_ensinomedio.pdf Acessado em 14 de
novembro de 2016.
164
A Anped também registrou uma moção na página eletrônica da 26º Reunião da Anped realizada em Poços de
Caldas em 2003. Em tal texto apontou o ponto de vista da entidade, que posteriormente foi ratificado no
pronunciamento proferido pelo GT 9 e pela pesquisadora Acacia Zeneida Kuenzer. A moção dizia: “A
assembléia Geral da ANPEd, reunida ordinariamente em Poços de Caldas por ocasião da 26ª Reunião Anual em
08/10/2003 vem manifestar o seu apoio a revogação do Decreto 2.208/97, que dispõe sobre a educação
profissional. Entretanto, expressa profunda preocupação com a existência de proposta de nova direita que foi
apresentada ao debate; nesse sentido, conclama o MEC a promover ampla discussão sobre a nova
regulamentação. É crucial que todos os segmentos envolvidos possam expressar formalmente os seus pontos de
vista e que o novo texto incorpore as contribuições das entidades acadêmicas e sindicais que objetivem a
educação integral nas escolas de Educação Profissional”(grifos nossos). Texto está disponível em:
http://26reuniao.anped.org.br/mocoes.htm Acessado em 08/05/2014. Já o texto do pronunciamento e do GT 9 e o
da pesquisadora Acacia Kuenzer não mais se encontra disponível eletronicamente. A pesquisadora possui ambos
em seu arquivo de textos que subsidiaram a tese. São textos preciosos que desvelam os dissensos do campo, mas
176
entidades e associações civis para se pronunciarem sobre a minuta do decreto de
regulamentação dos artigos 36 e 39 a 42 da LDB. O documento foi assinado pela
Coordenadora do GT 9, Maria Ciavatta e pelo membro do GT, Gaudêncio Frigotto. Em tal
texto há ponderações sobre a revogação do decreto, uma análise do quadro político e histórico
que envolvia o ensino médio brasileiro e ao final foram apresentadas as contribuições do GT
para a redação do novo decreto. Sobre o contexto o parecer registrou:
Nesse sentido, já em 2003 a leitura do quadro, por parte desses agentes do campo
educacional, partícipes da construção da proposta de ensino médio nos dois primeiro anos de
governo demonstrava lucidez quanto ao cenário interno e externo ao campo educacional. Os
elementos que se tornaram entraves para o projeto de ensino médio vislumbrado, identificados
neste trabalho, perpassam pelos campos e agentes frente às disputas e estratégias
empreendidas no período em estudo.
em especial, já indicavam, naquela época, os riscos que o campo corria ao propor um projeto de ensino médio
sem as bases políticas de sustentação da proposta.
177
O parecer da pesquisadora Acacia Zeneida Kuenzer foi mais incisivo ao fazer uma
análise sobre o que o momento exigia, para além da revogação e criação de um novo decreto,
que para ela seria um equívoco. Kuenzer considerava imperativo que fossem tomadas
decisões estruturais, ou seja:
o governo defina políticas afirmativas de educação profissional integradas a políticas
de educação básica de qualidade para todas as faixas etárias, ambas integradas a
políticas de geração de emprego e renda de modo a superar as dimensões de
precarização desenvolvidas pelo Governo anterior,” (KUENZER, 2003, p.2)
165
Silva (2016) apresenta a composição do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio e relata algumas
ações e resultados do trabalho desenvolvido desde a criação do Movimento. Segundo essa pesquisadora na
primeira reunião participaram: “ANPED (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação);
CEDES (Centro de Estudos Educação e Sociedade), FORUMDIR (Fórum Nacional de Diretores das Faculdades
de Educação) e ANFOPE (Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação); Ação Educativa.
Em seguida, outras entidades passaram a compor o Movimento: Sociedade Brasileira de Física, Campanha
Nacional pelo Direito à Educação, ANPAE, Instituições da Rede Federal de Educação Profissional Científica e
Tecnológica) e CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação)” (p.10).
166
As informações sobre o Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio foram extraídas do site do
Observatório do Ensino Médio, na aba destinada ao Movimento. Disponível em:
http://www.observatoriodoensinomedio.ufpr.br/movimento-nacional-em-defesa-do-ensino-medio-2/ Acessado
em 20 de agosto de 2016.
167
: a) Sobre o Pl. 6.849/2013 (Matéria da Revista Fiocruz); b) Manifesto da Sociedade Brasileira de Física; c)
Manifesto da Rede Federal de Educação; d) Manifesto da Associação pela formação de profissionais de
educação (Anfope); e) Relatório Final da Reformulação do Ensino Médio (Comissão Especial da Câmara
Federal); f) PL 6.840; g) Petição Pública (Não ao PL proposto pela Comissão Especial de Reformulação do
Ensino Médio); g) Informe do movimento nacional pelo ensino médio sobre o PL 6.840/2013, em 16/12/2014; h)
Parecer do relator PL 6.840/2013 – Aprovado na Comissão Especial da Câmara Federal, em 16/12/2014.
179
Especial da Câmara dos Deputados em dezembro de 2014. (MOVIMENTO
NACIONAL EM DEFESA DO ENSINO MÉDIO)168
Esse Movimento conseguiu reunir pesquisadores renomados do Ensino Médio e
agregar diferentes associações e representações. Convém observar que o fato da coordenação
do Movimento estar vinculada, não apenas virtualmente, ao Observatório do Ensino Médio,
assim como a coordenação da produção dos materiais didáticos-pedagógicos da formação de
professores e dos seminários nacionais de ações do Pacto Nacional de Fortalecimento do
Ensino Médio também estavam vinculadas ao Observatório do Ensino Médio da UFPR,
desvela que essa concentração de ações relevantes para as políticas educacionais de ensino
médio sugere a constituição de um lócus com considerável capital simbólico, dentro do
campo educacional. Ainda que o Movimento em Defesa do Ensino Médio seja recente o
mesmo já demonstrou possuir certo capital simbólico169 frente às disputas empreendidas,
inclusive com alguns êxitos, durante a tramitação do PL 6.840/2013, conforme será discutido
no capítulo 3 deste trabalho.
A força desse Movimento, certamente, advém da articulação dos diversos agentes
com premissas e concepções afins dentro do campo educacional, que esse Movimento
conseguiu agregar em uma mesma disputa. Além disso, o fato de uma parte importante de
agentes individuais, de diferentes espaços do campo educacional, ter participado das ações de
formação e elaboração dos cadernos do Pacto Nacional de Fortalecimento do Ensino Médio
colaborou com a valorização das premissas teóricas da concepção de ensino médio calcado na
formação integral e ominilateral, defendida pela equipe que esteve no MEC nos primeiros
anos das Gestões do PT. Além disso, o conhecimento prático adquirido: junto às diversas
redes estaduais de ensino, nas ações do Pacto Nacional Pela Valorização do Ensino Médio, na
singularidade e desafios de cada unidade federada; na aproximação das universidades em prol
da busca e do diálogo sobre a formação docente, possibilitaram aos que participaram do Pacto
adquirir a illusio pelo jogo na disputa por um projeto de ensino médio, nos embates que
ocorreram durante a tramitação do PL nº 6.840/2013 e que o Movimento conseguiu mobilizar
diversas entidades e assim articular o campo educacional quanto ao debate do momento: um
projeto de ensino médio calcado nos interesses do campo econômico ganhava fôlego dentro
do campo político.
168
Informação colhida da página do Observatório da Juventude da UFPR, que abriga o Movimento Nacional em
Defesa do Ensino Médio: http://www.observatoriodoensinomedio.ufpr.br/movimento-nacional-em-defesa-do-
ensino-medio-2/ Acessado em 16/12/2916.
169
O Movimento em Defesa do Ensino Médio participou ativamente das discussões sobre a MP nº 746/2016.
180
2.4 O campo político brasileiro pelo viés da Câmara dos Deputados: o capital da
Comissão Permanente de Educação
170
Bourdieu salienta que: “falar de campo político é dizer que o campo político é um microcosmo, isto é, um
pequeno mundo social relativamente autônomo no interior do grande mundo social. Nele se encontrará um
grande número de propriedades, relações, ações e processos que se encontram no mundo global, mas esses
processos, esses fenômenos, se revestem aí de uma forma particular. É isso que está contido na noção de
autonomia: um campo é um microcosmo autônomo no interior do macrocosmo social”. (BOURDIEU, 2011, p.
195)
171
Expressão cunhada por Sergio Abranches, no texto: “Presidencialismo de Coalizão: o dilema institucional
brasileiro”, com o objetivo de explicitar a peculiaridade do modelo desenvolvido no país, ou seja: “O Brasil é o
único país que, além de combinar a proporcionalidade, o multipartidarismo e o “presidencialismo imperial”,
organiza o executivo com base em grandes coalizões. A esse traço peculiar da institucionalidade concreta
brasileira chamarei, à falta de melhor nome de “presidencialismo de coalizão (...)” (ABRANCHES, 1988, p. 21-
22)
172
A Lei nº 6.767 de 1979 propôs o fim do bipartidarismo e desde então foram criados muitos partidos. Alguns
estudos apontam que o multipartidarismo corroborou com a difusão da oposição ao governo, pois até então a ala
divergente estava concentrada no então MDB. (LAMOUNIER, 1996)
181
segurança ou da delinquência... – não para responder às expectativas da população
em geral, ou mesmo da categoria que lhe deu voz, que o designou como mandatário,
mas por referência ao que outros no campo dizem ou não dizem, fazem ou não
fazem, para diferenciar-se ou, ao contrário, apropriar-se de posições que possam
ameaçar a aparência de representação que ele possa ter. Dito de outra forma, a noção
de campo relativamente autônomo obriga a colocar a questão do princípio das ações
políticas e obriga a dizer que, se queremos compreender o que faz um político, é por
certo preciso buscar saber qual é sua base eleitoral, sua origem social..., mas é
preciso não esquecer de pesquisar a posição que ele ocupa no microcosmo e que
explica uma boa parte do que ele faz. (BOURDIEU, 2011, p.199).
A Câmara dos Deputados173 é um agente singular do campo político, pois nas disputas
desse campo são evidenciados o capital simbólico, a sagacidade dos agentes individuais, daí a
importância do habitus e da illusio, além de precisão nas estratégias empreendidas conforme
os grupos e interesses representados. Os parlamentares atuam interna e externamente em
busca de elevação de capital simbólico, pois aos agentes dominantes muitas vantagens são
possibilitadas, como presidência de comissões permanentes ou temporárias, diretorias,
secretarias, na Câmara ou no Senado, cargos no executivo tanto para si, quanto para seus
coligados, dentre outros, pois:
A agenda do executivo é resultado de uma barganha. Em um governo de coalizão a
barganha se dá entre os partidos políticos que ocupam cargos no executivo, isto é,
que exercem funções executadas por ocuparem pastas ministeriais (...). Ocupar um
ministério significa identificar-se com as políticas do governo e responsabilizar-se
por seu sucesso. E o primeiro passo pra o sucesso das iniciativas governamentais é
serem aprovadas pelo legislativo. (LIMONGI; FIGUEIREDO, 2001, p.153)
173
A origem da Câmara dos Deputados remonta à fase de Província do Rio de Janeiro, no ano de 1823, por
ocasião da abertura da primeira sessão preparatória de Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa do Império
do Brasil, mas as primeiras eleições para escolha de deputados federais ocorreu em 07 de março de 1821. Foram
eleitos 97 deputados, mas somente 51 compareceram às Cortes Constituintes, ou seja, os eleitos precisavam ir a
Lisboa para tomarem posse. Assim toda a complexidade envolta na locomoção, na travessia do Atlântico naquela
época, pode ter ocasionado essa abstenção por parte dos primeiros eleitos. Nos registros do site da Câmara dos
Deputados consta que o primeiros deputado a chegar em Lisboa era de Pernambuco, já os primeiros e mais
consistentes debates que envolviam as questões político-econômicas da relação Brasil e Portugal foram
enfrentados pelo Deputado Carlos Ribeiro (SP).
182
Atualmente a Câmara dos Deputados possui uma organização bastante
diversificada, porém centralizada na Mesa Diretora. Essa lógica explica o empenho dos
partidos e deputados detentores de maior capital simbólico em buscar ocupar algum cargo
nessa na Mesa Diretora. O ápice é a Presidência da Câmara, mas ser membro dessa Mesa já
garante um certo status e elevação do capital político do partido e do parlamentar.
A Mesa Diretora é composta por: Presidência, Primeira-Vice Presidência,
Segunda-Vice Presidência, Primeira Secretaria, Segunda Secretaria, Terceira Secretaria,
Quarta Secretaria e Suplentes de Secretaria (igual número de secretarias). As atribuições dos
Vice-Presidentes são vinculadas ao Presidente, como por exemplo substituí-lo em casos de
ausência, dentre outros. Já os Secretários possuem funções específicas dentro das atividades
de gestão dos trabalhos desenvolvidos na Câmara dos Deputados. A figura abaixo ilustra o
atual cronograma da Câmara:
PT 91 83 88
PMDB 75 89 77
PSDB 70 66 53
DEM 84 65 43
PR 32 25* 40
PP 49 41 44
PSB 22 27 34
PTB 26 23** 22
PDT 21 24 27
PSC 1 9 17
PV 5 13 14
PPS 15 22 12
PC DO B 12 13 15
PRB 0 1 8
PTC 0 3 1
PSOL 0 3 3
PMN 1 3 4
PHS 0 2 2
PT do B 0 1 4
PRP 0 0 2
PRTB 0 0 2
PSL 1 0 1
Outros 8*** 0 0
Total 513 513 513
*PRONA, que elegeu dois deputados em 2006, por força da cláusula de barreira de juntou ao PL para criar o
PR;
**O PAN, que elegeu um deputado, incorporou-se ao PTB;
***Soma de eleitos do PST (#), PSD (4) e PSDC em 2002.
Fonte: (DIAP, 2010, p.22)
184
A base aliada implica em um grande acordão, que entre outros encaminhamentos
define a composição das Presidências do Congresso, bem como das Mesas Diretoras das duas
casas parlamentares (Câmara e Senado). O PT e o PMDB fizeram acordos para a presidência
na Câmara nas últimas eleições.
As eleições majoritárias, realizadas em 2002, para escolha de presidente da
república, governadores, deputados estaduais e federais e senado (renovação de 2/3 da casa)
teve como eixo central a renovação, que já havia sido delineada nas eleições municipais de
2000. Segundo a análise do DIAP alguns fatores institucionais e a expectativa dos eleitores,
sobre a conduta política do país nos últimos anos, corroboraram com a instauração desse
quadro renovador.
Desse modo, a 52ª legislatura realizou um marco para os partidos ideologicamente
identificados como esquerda, pois 150 parlamentares foram eleitos. As disputas no Congresso
Nacional poderiam ter tido outro enredo, caso esse quantitativo estivesse em um governo de
oposição. No entanto, por ser da base estrutural do governo recém-eleito, houve a necessidade
de encolhimento do discurso radical e uma aproximação com o discurso e a pauta compatíveis
com o ideário centro-esquerda, para amenizar os confrontos diretos e constantes debates com
os representantes do ideário centro-direita. Ainda que nesse contexto existissem muitos
aspectos favoráveis ao governo federal no poder legislativo, tendo em vista o sufrágio dos 150
parlamentares com identidade ideológica análoga ao presidente eleito, a busca por coalizão
impôs um cenário singular, na relação entre o executivo e o Congresso Nacional, pois:
A correlação de forças no Congresso se altera substancialmente, a ponto de os
partidos de esquerda, em razão dos critérios de proporcionalidade partidária,
poderem indicar os presidentes das Mesas Diretoras das Casas do Congresso e das
próprias comissões, além de nomear relator para os principais projetos, emendas
constitucionais e medidas provisórias. Na Câmara, o PT que será o maior partido,
poderá indicar sozinho o candidato a presidente, enquanto no Senado exigiria uma
coalizão dos partidos de esquerda para formar a maioria. (DIAP, 2002, p.14)
Já nas eleições de 2006, tendo em vista a 53ª legislatura, a crise política foi o eixo
central que permeou as disputas governamentais no país, que inclusive propiciou um
acirramento maior em 10 capitais e levou a disputa da presidência da república e dos
governadores de alguns estados para definição apenas em segundo turno, segundo o Diap
(2006).
Já a composição do Congresso Nacional não possibilitou ao presidente reeleito
condições tão favoráveis, quanto na 52ª legislatura, para o encaminhamento das pautas do
executivo, tanto pelo comportamento da oposição, quanto pela renovação que mais uma vez
185
ocorreu na Câmara dos Deputados. Assim, a começar pela definição das presidências da
Câmara dos Deputados e do Senado, o executivo teve que realizar negociações com a base
aliada. Esse foi o tom previsto pelo DIAP (2006), que se confirmou no decorrer do segundo
mandato, ou seja:
O presidente está consciente de que a aprovação de matéria constitucional depende
do amplo entendimento com a oposição. Por isso pretende um consenso sobre os
enunciados, já que o conteúdo e a formatação final será resultado da negociação que
necessariamente acontecerá no interior do Parlamento. Nada em matéria
constitucional será aprovada sem ampla negociação com a oposição. Em conclusão,
pode-se afirmar que não haverá a “concertação” desejada pelo governo nem a
revanche almejada por setores de oposição; o clima será de entendimento,
especialmente com a mediação de governadores, e a governabilidade não correrá
risco. (Op.cit., p. 13)
Desde que foi aprovada a reeleição, o executivo pode efetivamente avaliar a sua
aprovação junto à sociedade caso consiga eleger o seu sucessor. Essa é a assertiva que abre a
publicação do DIAP (2010) no quadro geral que analisa a sucessão presidencial e a vitória de
Dilma Rousseff, a primeira mulher a ser eleita para o mais alto posto político do país. Esse
seria um grande diferencial entre os dois presidentes que experimentaram oito anos
consecutivos na Presidência da República: FHC e Lula. O primeiro não conseguiu eleger
sucessor174, já o segundo não só conseguiu fazer a sucessão como foi corresponsável pela
chegada da primeira mulher à presidência, em um país que, tradicionalmente, os homens
ocupam a maioria nos cargos políticos, em todas as esferas e poderes.
Apesar da disputa acirrada para a Presidência e a composição do Congresso ter
sido definida nesse contexto, ocorreu uma ampliação no número de partidos componentes da
base aliada, que supostamente, pela força da fidelidade partidária, oferecia uma margem
favorável de governabilidade ao poder executivo, inclusive para aprovar Emendas à
Constituição Federal.
A eleição para a Presidência da República em 2010 teve um tom recorrente sobre
o projeto que cada candidato representava, ou seja, se era fiduciário do modo de governar de
FHC ou de Lula. Nesse processo, a base do Governo Dilma foi definida já na aliança eleitoral
e não após as eleições, demarcando a singularidade que:
174
Na análise do DIAP (2010), a eleição de Dilma Rousseff em 2010 também foi beneficiada pelo acirramento
de disputas internas no PSDB pelo nome do candidato à presidência. Havia um grupo que almejava o então
Governador de Minas Gerais, Aécio Neves. No entanto, a ala mais conservadora do partido defendeu o nome de
José Serra, que além de não ser eleito ao cargo de presidente, perdeu a chance de ser reeleito governador em São
Paulo e colaborou como acirramento da divergência interna no partido, pois o desempenho de Serra em Minas
Gerais foi inferior ao de Dilma Rousseff. Esse dado contrastou com o número de votos obtidos por Aécio Neves
para o Senado em 2010, quando ele colaborou com a vitória de outro Senador, Itamar Franco, e elegeu Antônio
Augusto Anastasia em 2010 para governador, ainda no primeiro turno com mais de 6 milhões de votos (62,72%).
186
Trata-se de uma coalizão ampla, heterogênea e contraditória, mas existem
instrumentos de controle e meios para pacificar e manter a coesão da base, ainda que
para isto seja necessário o fechamento de questão em temas centrais. (...)
A Presidente, entretanto, precisa ter consciência de que a oposição, apesar de
numericamente pouco significativa, precisa ser respeitada e não pode nem deve ser
isolada do processo deliberativo. A postura da Presidente, considerando a eleição de
10 governadores de oposição, deve ser a de buscar negociar, na medida do possível,
o conteúdo da política pública, inclusive como forma de aperfeiçoar a legislação. Já
a oposição, por sua vez, deve procurar pautar-se pela ética da responsabilidade,
votando a favor das iniciativas governamentais com coincidência de agenda e contra
aquilo que entender em desacordo com seu programa e doutrina. O novo Congresso,
ao contrário do atual, deverá funcionar em sua plenitude. Aquela experiência de
meses sem deliberação, por mera obstrução da oposição, não terá espaço na próxima
legislatura. Além disto, por força da lei da ficha limpa e da fidelidade partidária, a
relação da Presidência da República com o Congresso também tende a ser mais
republicana e menos fisiológica. (DIAP, 2010, p. 13-14)
175
Para Miranda (2010), algumas mudanças relativamente recentes na legislação do Congresso (Resoluções nº
34 e nº 35 de 2007) e no TSE ( em 2007 este tribunal sentenciou que o mandato é do partido e não do candidato
eleito) acarretaram em maior fortalecimento dos partidos e da autonomia do legislativo em relação ao executivo.
187
A centralidade das lideranças nas estratégias de maximização das preferências dos
parlamentares em torno de políticas e de cargos. Para que o parlamentar comum, ou
seja, aquele que não tem perfil para compor a Mesa, Ouvidoria, Procuradoria e
outros órgãos similares, possa maximizar suas preferências em torno de cargos, o
que significa ser indicado para compor uma comissão hierarquicamente mais
valorizada, ele precisa estar alinhado com as preferências de seu líder nas duas
Casas. (...) Em segundo lugar, foi verificado que a delegação às lideranças é mais
importante na Câmara dos Deputados do que no Senado Federal, o que se explica
pela diferença na magnitude da representação. Na medida em que a delegação
legislativa funciona como mecanismo de superação dos dilemas de ação coletiva, e
sendo estes maiores na Câmara do que no Senado, a diferença na delegação
legislativa não chega a surpreender. Os senadores, dado que são em menor número
do que os deputados, possuem mais capacidade para processar informações e
coordenar sua atuação parlamentar de forma descentralizada e dependem menos de
seus líderes para ocupar as comissões que lhes interessam, posto que lhes é
permitido um acúmulo significativamente maior de cargos. (MIRANDA, 2010,
p.220).
176
Em 30 de novembro de 2006 o Conselho Nacional do PMDB aprovou a aliança entre o PT e o PMDB, que
por sua vez passou a integrar totalmente a base do governo, diferente do que ocorreu no primeiro mandato do
Governo Lula em que a adesão foi parcial. Na eleição presidencial de 2010 o PMDB passou a compor a chapa,
com a indicação de Michel Temer para o cargo de vice. Em 29 de março de 2016 o PMDB rompeu oficialmente
com o PT.
177
As eleições para a presidência da Câmara no segundo mandato do Governo Dilma culminou com o início de
uma crise política entre o executivo e o legislativo já na escolha do presidente da Câmara, pois havia um pré-
acordo de que o próximo presidente seria do PT, tendo em vista que o anterior havia sido do PMDB. No entanto
o PMDB conseguiu eleger Eduardo Cunha e o candidato do PT, Arlindo Chinaglia, ficou em segundo lugar.
188
Fonte: Diap.
189
Minas Gerais (30), São Paulo (28), Rio de Janeiro (21), totalizando 84 deputados. As demais
regiões foram assim representadas: Nordeste (71), Sul (37), Norte (28), Centro-Oeste (26).
Por gênero, a bancada empresarial é predominantemente masculina, sendo: 231 homens e 15
mulheres.
As publicações do DIAP também apresentam uma síntese sobre a legislatura
anterior, quanto às pautas mais polêmicas e que ficaram pendentes para novos mandatos. Na
publicação sobre a legislatura de 2011 a 2014, por exemplo, é destacado o acirramento nas
discussões que envolveram as questões trabalhistas, tendo em vista a correlação de forças
entre as bancadas sindicais e empresariais178 e o crescimento importante desta, ao passo que
na sindicalista ocorreu uma redução no número de representantes. As bancadas são
constituições informais dentro da Câmara, que possuem características singulares, por
exemplo, a bancada ruralista, se destaca como a consegue consenso para votar temas
polêmicos de interesse do grupo, para além de questões ideológicas dos partidos que os
parlamentares representam. O gráfico abaixo possibilita visualizar o crescimento da bancada
empresarial nos pleitos correspondentes ao período de 2003 a 2014.
300
250
200
Legislatura 2003-2006
150
Legislatura 2007-2010
100 Legislatura 2011-2014
50
0
Empresários
179
A Resolução nº 21 de 2013, da Câmara dos Deputados alterou o regimento interno e desmembrou a Comissão
de Educação e Cultura com a criação de duas Comissões distintas.
191
2004) sob a condução de parlamentares do PT; o PMDB conduziu por quatro anos, em: 2013,
2008, 2007 e 2003. O PC do B em 2009 e o PSB em 2014. Apenas um dos parlamentares que
chegou à função de presidente desta comissão possui antecedente familiar na política, apenas
um dos deputados não é graduado em algum curso da área de humanas e também apenas um
ocupou a presidência da Comissão por duas vezes (Gastão Vieira em 2003 e 2007). Dois
ocupantes da presidência da Comissão de Educação e Cultura presidiram organizações, que
também são contempladas nesse estudo, e são oriundas do campo educacional Gabriel Chalita
(Consed – 2003/2006); e Carlos Abicalil (CNTE- 1995/2005) A representatividade por
unidade federada contemplou em maior número de vezes a região sudeste (2014, 2013, 2012 e
2005), a região sul (2010, 2009, 2008), região nordeste (2011, 2007 e 3003), região norte
(2004) e região Centro Oeste (em 2006).
180
Vide nota anterior.
192
2015 José Saraiva Medicina 1995/PMDB MG
Felipe181
2016 Arnaldo Faria Direito e Contabilidade 1986/PTB SP
Fonte: Site da Câmara dos Deputados.
194
Além desses aspectos é importante observar que nos momentos de
tramitação de projetos na Câmara dos Deputados o lobby é intenso, pois este pode ser
o fator motivador da criação do projeto, ou ainda o lobby pode surgir ou se intensificar
durante a tramitação dos processos. Os agentes de campos distintos possuem a
oportunidade de emplacar as suas bandeiras, dentro da legalidade, no limiar do
andamento dos projetos. Nesse caso, num contexto de ampliação da bancada
empresarial, a partir da 52ª Legislatura, o ambiente era favorável para uma pauta
condizente com esse agente, ou seja, terreno fecundo para slogans como:
empreendedorismo, flexibilização, inovação, dentre outros, pois esses corroboram com
o ethos do campo econômico que alimentaram e ecoaram no PL nº 6.840/2013.
195
CAPÍTULO III
Este capítulo tem como objetivo discutir as principais políticas para o ensino
médio, que foram elaboradas no período de 2003 a 2014. Nessa empreitada o percurso de
elaboração das propostas foi retomado e correlacionado com as entrevistas realizadas com
agentes do campo educacional, ou melhor, com pessoas que atuaram no MEC, no período de
2003 a 2014. Além desses elementos também foram considerados os documentos, a legislação
e o referencial teórico.
As disputas empreendidas no campo educacional, relatadas pelos entrevistados,
expressam as disputas internas e externas entre os agentes em busca de posições hegemônicas
ou de dominação no campo educacional, em prol de um ideário, vislumbrado para o ensino
médio brasileiro. Algumas prerrogativas estão claramente expressas nos documentos e demais
produções de autoria dos agentes, abordados no capítulo 2, mas, no entanto algumas
premissas são reiteradas e exemplificadas neste capítulo.
Algumas ações propostas para o ensino médio são contempladas com mais afinco
do que outras. O processo de constituição do Fundeb, instituído pela Emenda Constitucional
nº 53/2006, a aprovação da Emenda Constitucional nº 59/2009, que tornou obrigatória a
educação de 4 a 17 anos são abordados, contextualmente, pois são ações mais amplas, que
balizam as políticas de ensino médio, definidas no período em estudo. Já outras ações,
diretamente voltadas para o ensino médio, são focalizadas neste capítulo: a revogação do
Decreto nº 2.208/1997 e a promulgação do Decreto nº 5.154/2004, que retomou a
possibilidade da integração entre o ensino médio e a educação profissional, o Programa
Ensino Médio Inovador, instituído pela Portaria MEC nº 971 de 9 de outubro de 2009, as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, instituídas pela Resolução CNE/₢EB
nº 2 de 2012, e o Projeto de Lei nº 6.840/2013 que apresentou uma proposta de reformulação
do ensino médio.
196
O capítulo retoma o contexto educacional que marcou o início da gestão do PT na
Presidência da República, com o objetivo de contemplar as principais proposições que
estavam postas para o ensino médio, como síntese das ações definidas pelo governo federal na
gestão FHC. O breve retrospecto objetiva delinear os desafios que se apresentavam naquele
momento, em face da pretensão de elaboração de novas políticas para o ensino médio de 2003
a 2014.
As entrevistas realizadas com os agentes do campo educacional, que estiveram
diretamente ligados ao processo de elaboração e coordenação das políticas contempladas
nesse estudo, são apresentados à medida que corroboram com a apreensão da gênese das
políticas e à medida que apresentam aspectos relevantes sobre a elaboração e implementação
das mesmas. Nesse sentido, a exposição resgata algumas estratégias empreendidas pelo
campo econômico, nas disputas em prol da inserção do ideário empresarial na pauta
educacional do ensino médio.
Além disso, o capítulo busca desvelar, dentre outros aspectos, como se
constituíram as disputas entre o campo econômico e educacional no lócus do campo político.
O último tópico do capítulo aborda a tramitação de medidas legais para o ensino médio na
Câmara dos Deputados, como no caso das emendas constitucionais mencionadas
anteriormente e concede uma análise mais detalhada ao PL nº 6.840/2013. Essa ênfase se dá
tanto pelo fato desse PL ser a única ação deste estudo que não foi convertida em medida legal
no período de 2003 a 2014, quanto pelo fato que o processo de elaboração e alterações no PL
expressam aspectos cruciais para a apreensão e o entendimento acerca das disputas
empreendidas entre os campos econômico e educacional. O acompanhamento da tramitação
do PL possibilita ampliar a compreensão sobre como os agentes desses campos se
mobilizaram na seara do campo político; utilizaram seus respectivos capitais e como foram ou
não contemplados na versão final aprovada pela Comissão Especial para Reformulação do
Ensino Médio183 (CEENSI).
183
O saldo do trabalho dessa comissão gerou três versões do projeto de reformulação do ensino médio e cada
versão apresenta alterações que são representativas das correlações de disputas entre os agentes que participaram
ativamente do processo.
197
3.1 O legado da gestão FHC para o ensino médio e as políticas educacionais para o
ensino médio de 2003 a 2014 na perspectiva dos agentes do campo
Figura 7 - Linha do tempo das principais ações que impactaram o ensino médio
durante o governo FHC (1995-2002)
2000 Assinado o convênio entre o MEC e o Banco Interamericano (BID), em Washington, para a
realização do Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio (Promed) 185, ou Projeto Escola
Jovem, nome mais utilizado na divulgação desse programa.
Sancionada a Lei 10.072, de 9 de janeiro de 2001, que instituiu o Plano Nacional de Educação
2001
(2001-2010).
Fonte: Documentos do MEC.
184
O Proep foi resultado de uma iniciativa do MEC em parceria com o Ministério do Trabalho (MTB), com
financiamento orçado em US$ 500 milhões, financiados parcialmente pelo BID. O Proep contemplou três
subprogramas: a) a transformação das Escolas Técnicas Federais, dos Cefet’s e das Escolas Agrotécnicas
Federais em Centros de Referência para a Expansão da Educação Profissional no Brasil; b) a remodelação dos
Sistemas Estaduais de Educação Profissional; c) A Expansão e o atendimento do Segmento Comunitário.
185
O Promed (Projeto Escola Jovem) foi configurado em dois subprogramas: a) Nacional: fortalecimento da
Semtec e o desenvolvimento de ações estratégicas para a implementação da reforma do ensino médio; b)
Estadual: financiamento de projetos estaduais de melhoria e expansão do ensino médio. O seu custo foi estimado
em um montante global de US$ 1,0 bilhão (US$ 500 milhões, empréstimo do BID; US$ 50 milhões da
contrapartida nacional e US$ 450 milhões da contrapartida dos estados).
198
As ações apresentadas acima imprimiram um relevo importante na trajetória do
ensino médio. A reforma educacional empreendida pelo governo FHC - conforme já
apresentado no capítulo um deste estudo – foi o tema mais contemplado nos estudos sobre as
políticas educacionais para o ensino médio no período de 1998 a 2016.
A Revista Educação & Sociedade publicou um Dossiê sobre o ensino médio no
ano de 2000, no qual a reforma dessa etapa de ensino foi considerada no bojo da reforma do
estado e de uma reforma educacional mais ampla. O dossiê apontou algumas perspectivas das
proposições da década de 1990 que, resguardadas as singularidades de cada momento
histórico, ecoavam alguns dos propósitos de reformas educacionais realizadas no Brasil em
outros momentos históricos.
As propostas para o ensino médio, propagadas sob o slogan “o novo ensino médio
agora é para a vida186”, para além de um detalhamento de cada uma das ações que foram
mencionadas na linha do tempo da página anterior, convergem para um projeto claro de
formação educacional, que se articula em diferentes ações e esferas do aparelho estatal, mas
resguardam uma sintonia: a criação de um estado mínimo e de um sistema educacional
voltado às demandas do mundo do trabalho. Assim, o ensino médio é ponto crucial no campo
educacional, pois é neste tempo/espaço da educação escolar que a perspectiva de formação
para o trabalho se evidencia.
Oliveira (2004) considera que o conjunto de proposições para o ensino médio, no
governo FHC, reafirma que o estado não se comprometia em garantir o acesso e a gratuidade
para a última etapa da educação básica, por isso a vinculação à ideia de progressiva cobertura
e gratuidade, na EC nº 14/1996. Assim, a participação do setor privado na oferta de vagas era
almejada e em tempos de demanda por ampliação de vagas e de acesso das massas a esta
etapa de ensino, um dos caminhos escolhidos foi a criação de um exame nacional, como
forma de regular o ensino oferecido. Esse era o quadro mais amplo, que por sua vez teve o
dualismo estrutural como o carro chefe da política educacional do governo FHC para o ensino
médio.
A retomada e o fortalecimento do dualismo estrutural e a adesão às premissas da
Teoria do Capital Humano sintetizam, para Oliveira (2004), o que esteve na pauta do governo
FHC para o ensino médio brasileiro, sobretudo no Decreto nº 2.208/1997 e nas Diretrizes
186
A reforma do ensino médio foi apresentada através desse slogan, primeiramente no Parecer CNE/CEB nº
15/1998, que definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e foi relatado por Guiomar Namo
de Mello. Posteriormente o mesmo slogan foi utilizado em diversos documentos institucionais, revistas do MEC
e em informativos e comunicados na mídia utilizados para divulgar as mudanças no ensino médio.
199
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, definidas pelo Parecer CNE/CEB nº 15/1998 e
instituídas pela Resolução CNE/CEB nº 3/1998.
Compreender a dualidade estrutural do “novo ensino médio” no governo FHC
implica em uma retomada das discussões estabelecidas entre alguns órgãos governamentais
durante a elaboração e a concretização da proposta de reforma do ensino profissional
constante no Projeto de Lei nº 1.603/1996187. Kuenzer (2001) segue o fio desse embate e
conclui que este PL tentava sintetizar concepções de origens diferentes e até mesmo
irreconciliáveis. A proposta de criação do Sistema Nacional de Educação Profissional nasceu
de discussões com o MEC, via Semtec, Ministério do Trabalho (MTB) e a Secretaria de
Formação Profissional (Sefor) que ocorreram mais intensamente em 1995.
No âmbito do MTB, a Sefor discutiu a abrangência da educação brasileira como
um todo, identificou pontos críticos na educação do trabalhador, com vistas à elevação da
competitividade internacional do Brasil e definiu políticas de educação profissional, em busca
do desenvolvimento sustentável, baseado na equidade social.
Já no MEC, via Semtec, a discussão foi interna, ocorrendo a participação efetiva
de técnicos dessa secretaria, do CNE e do Consed. A participação de representantes externos,
como a rede de Escolas Técnicas Federais e Cefet’s ocorreu apenas algumas vezes e somente
em caráter consultivo e não deliberativo. As universidades públicas e grupos de pesquisas da
área da educação e trabalho, como os GTs da Anped não foram contactados. Além disso, a
discussão que o MTB já havia iniciado em 1995 não foi considerada, ou seja, foi atropelada
pela proposta do MEC, que empreendeu muitos esforços para que o Projeto de Lei nº
1.603/1996 fosse regulamentado o mais rápido possível. Nesse viés, o MEC desconsiderou
que o MTB já possuía os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), além de um
plano já iniciado, em fase adiantada de discussão e que não dependia de nova legislação, e
187
Este PL era de autoria do executivo e foi encaminhado à Câmara dos Deputados, conforme solicitação do
Ministro da Educação, Paulo Renato Souza em 04 de março de 1996, com o propósito de promover uma
reforma na educação profissional e conceder uma nova organização na rede federal de educação profissional. O
ministro salientava que a proposta ratificava a proposta de governo da gestão FHC e tinha por objetivo imprimir
uma formação profissional que acompanhasse o avanço tecnológico e que esta fosse expandida de modo a
atender as demandas do setor produtivo, em face da globalização e do desejo de desenvolvimento do país. No
dossiê do PL nº 1.603/1997, além das 80 propostas de emendas apresentadas ao projeto, constam os registros de
mobilizações da sociedade civil com coleta de assinaturas e moções de repúdio ao projeto, encaminhadas por
organizações, instituições e sindicatos que solicitavam a retirada da proposta. Em 5 de fevereiro de 1997 o
Ministro Chefe da Casa Civil encaminhou à Câmara dos Deputados, à pedido do Presidente FHC, a solicitação
de retirada da pauta e arquivamento do PL, sob a justificativa que a LDB nº 9.394/1996, que não havia sido
sancionada na data do encaminhamento do PL, definia a educação profissional e que, portanto, uma havia a
necessidade de “reformulação da proposta contida no PL nº 1.603, de modo a estabelecer mais claramente a
articulação entre a educação profissional e as demais modalidades de ensino nos termos da Lei nº 9.394/1996.”
O arquivamento do PL ocorreu em 19 de fevereiro de 1997 e em 17 de abril de 1997 foi sancionado o Decreto nº
2.208/1997.
200
emplacou um o seu projeto, na seguinte perspectiva: “a formatação da proposta final é feita
pela Semtec, “ouvidos” interlocutores especialmente selecionados” (KUENZER, 2001, p.63,
grifos no original).
A lógica que permeou a elaboração do PL nº 1.603/1996 e a opção pelo Decreto
nº 2.208/1997 desvela uma centralidade nas decisões e a falta de discussões com campos ou
agentes com proposições divergentes, provavelmente porque os fins já estivessem definidos e
restava apenas a articulação dos meios para implementar, legalmente, o ideário pretendido.
Nesse bojo, a dualidade estrutural no ensino médio se reinstalou e se fortaleceu mais uma vez
na história da educação brasileira, pois a experiência exitosa que existia nas escolas técnicas
federais, através da união entre a formação acadêmica e profissional, foi desconsiderada e
desmantelada mediante a efetivação do Decreto nº 2.208/1997.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, promulgadas em 1998,
corroboram com a Teoria do Capital Humano e mediante os fundamentos estéticos, políticos e
éticos são apresentadas as consignas das proposições curriculares188. Esses fundamentos são
amálgamas dos quatro pilares da Unesco189 e as proposições para o currículo do ensino médio
reforçam o ensejo de uma educação focada na empregabilidade, na adaptação e na
competitividade, em consonância com as demandas contemporâneas do mercado de trabalho.
A proposta das Diretrizes Curriculares para o ensino médio apregoa um currículo voltado para
a formação de competências básicas, organizado por áreas de conhecimentos.
O discurso presente no Parecer CNE/CEB nº 15/1998 considera as contradições
inerentes às relações sociais e econômicas sob uma ótica que supervaloriza a ação
educacional. Para Bueno (2000) tal Parecer se constitui em um “livro branco” e suas
orientações reforçam as balizas internacionais delineadas para o ensino médio dos países
emergentes e desvelam um descompasso com a realidade das escolas e sujeitos do ensino
médio brasileiro. Além disso, corrobora com a perspectiva de fortalecimento do dualismo
estrutural demarcado com o Decreto nº 2.208/1997, pois na opinião da relatora: “não há mais
duas funções difíceis de conciliar para o ensino médio nos termos que estabelecia a Lei nº
5.692/1971” (BRASIL, 1999, p.85).
Com a chegada do Partido dos Trabalhadores no Governo Federal o cenário
político do país, conforme abordado no capítulo 2, apresentava um anseio por mudanças.
188
A estética da sensibilidade, a ética da identidade e a política da igualdade também são fundamentos nas
Diretrizes curriculares Nacionais para a Educação Profissional de nível técnico, que foram definidas pelo Parecer
CNE/CEB nº 4/1999 e instituídas pela Resolução CNE/CEB nº 4/1999, que contou com a participação de
Guiomar Namo de Mello, relatora das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, na Comissão
especial de elaboração do Parecer das Diretrizes para a educação profissional, pois esta foi co-relatora.
189
Aprender a ser, aprender a fazer, aprender a conviver, aprender a conhecer.
201
Nesse viés também se esperava alterações na rota em curso para as propostas encampadas até
então no ensino médio. No programa de governo190 apresentado aos brasileiros e registrado no
Tribunal Superior Eleitoral (TSE)191, ao ser protocolada a candidatura do candidato eleito à
Presidência da República, havia perspectivas, nessa direção. No decorrer dos anos de 2003-
2014 muitas ações em busca de uma reconfiguração do ensino médio foram desencadeadas. A
linha do tempo abaixo ilustra esse percurso e mais adiante destaca as ações que serão
abordadas e as que serão focalizadas neste capítulo:
Figura 8 - Linha do tempo das principais ações que impactaram o ensino médio
durante os governos Lula e Dilma (2003-2014)
Sancionada a Lei nº 11.096 de 13 de janeiro de 2005, que instituiu o Prouni e o vinculou aos
2005 resultados e dados socioeconômicos do Enem.
Promulgado o Decreto nº 6.094/ 2007, que dispôs sobre a implementação do Plano de Metas
2007 Compromisso Todos Pela Educação.
Promulgada a Resolução CD/FNDE nº 29 de 20 de junho de 2007, que estabeleceu os critérios
para a operacionalização da assistência financeira aos projetos vinculados ao PDE.
Promulgada a Emenda Constitucional nº 59/2009, que entre outros aspectos tornou obrigatória
2009 a educação de 4 a 17 anos.
Promulgada a Portaria MEC nº 971 de 9 de outubro de 2009, que criou o Programa Ensino
Médio Inovador.
190
Suellen Neto Pires Maciel concluiu, em 2013 na UNB, a dissertação de mestrado em História sob o título
“Dos trabalhadores para o povo brasileiro: uma análise comparativa dos programas de governo do Partido dos
Trabalhadores de 1989 a 2002”. Trabalho bastante interessante que esmiúça o texto, o contexto e as implicações
de cada programa de governo.
191
A partir de Lei nº 12.034 de 29 de setembro de 2009 passou a ser obrigatória a apresentação da proposta de
governo por parte dos candidatos a cargos de chefia do executivo (presidente, governador e prefeito). Esta lei foi
resultado do Projeto de Lei nº 54/2009, denominada de mini reforma eleitoral e de autoria de diversos
parlamentares de vários partidos (PMDB, PT, PSDB, DEM, PSB, PDT, PV, PPS, PC do B, PSC).
202
Promulgada a Resolução nº 4, de 13 de julho de 2010, que definiu as Diretrizes Curriculares
2010 Nacionais para a Educação Básica.
Promulgada a Portaria MEC nº 807 de 18 de junho de 2010 que instituiu o Enem como
certificação do Ensino Médio.
Constituição de uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados para realizar a análise do
PL nº 6.840/2013, que trata da reformulação do Ensino Médio.
Foi criado o Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio, em 24 de março de 2014 numa
2014 reunião, na USP, entre representantes de diversas entidades educacionais.
2010 Foi sancionada a Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprovou o Plano Nacional de
Educação (2014-2024).
192
Tal Programa se apresentava com a tarefa de: “Pensar a educação como um ação relevante na transformação
da realidade econômica e social do povo brasileiro é pensar numa Escola do Tamanho do Brasil” (PT, 2002, p.7)
e se apresentava sob três diretrizes gerais: “a) democratização do acesso e garantia de permanência; b) qualidade
social da educação; c) instauração do regime de colaboração e da democratização da gestão” (LIBÂNEO;
OLIVEIRA; TOSCHI, 2003, p. 209).
203
educação profissional, na expectativa que esses encontros resultassem em encaminhamentos
para novas políticas educacionais para o ensino médio e a educação profissional.
O primeiro evento “Ensino Médio: Construção Política” ocorreu nos dias 4, 5 e 6
de junho de 2003 e o segundo “Seminário Nacional de Educação Profissional: Concepções,
experiências, problemas e propostas” foi realizado entre os dias 16 e 18 de junho de 2003.
Nas entrevistas colhidas para esta pesquisa esses seminários foram ressaltados
espontaneamente por três entrevistados. Todos afirmaram que esses encontros sinalizaram
eixos para as políticas que foram definidas nos anos subsequentes para o ensino médio e de
certo modo para a educação profissional. Dois desses sujeitos ocuparam cargos na
coordenação do ensino médio no MEC, em momentos distintos, uma no governo Lula e outra
no Governo Dilma. Uma das entrevistadas participou indiretamente na gestão, na condição de
coordenadora de duas ações nacionais do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino
Médio. Ainda que em contextos e tempos diferentes, essas entrevistadas foram unânimes,
quanto à relevância desse momento para o ensino médio:
Em relação a nossa política de ensino médio, mais strictu senso, a gente tentava,
tanto que o Seminário Nacional de Ensino Médio foi um seminário muito tranquilo.
Foi um seminário grande, mas foi tranquilo, não foi marcado assim por debates
muito fervorosos. (ENTREVISTA, 2)
A gente tem que lembrar que em 2003 teve um grande seminário de ensino médio e
de educação profissional e desse seminário tem dois materiais, (...) que é o
documento que originou a discussão do ensino médio no Brasil a partir de 2003, que
aí vem a ideia....a ideia era de uma ruptura. Depois a gente vai ver que essa ruptura
não acontece, mas a ideia era de uma ruptura, tanto no ensino médio geral, como no
ensino médio profissional. E aquelas questões que estão postas lá em 2003. E
aquelas questões que estavam nas discussões, nos debates, nesses dois grandes
seminários. (ENTREVISTA, 3)
193
Durante a vigência deste decreto a possibilidade de oferta de ensino médio e educação profissional de nível
médio foi suspensa, ou seja, experiências como as que ocorriam nas antigas escolas técnicas e que eram
avaliadas, por boa parte do campo educacional, como um bom exemplo formativo, para os jovens, numa
correlação formativa entre educação e trabalho foi suprimidas. A relação entre ensino médio e educação
profissional passou a ser independentes em termos curriculares, pois as opões eram: ensino médio e/ou educação
profissional, que poderiam acontecer de forma concomitante ou sequencial, ou seja, o jovem de ensino médio
204
à estrutura legal. O livro que resultou dos Seminários de 2003 expressa o sentido pretendido
com a revogação e expressa a concepção de ensino médio e de formação adotada por aqueles
que estavam à frente da condução desse processo, em face do contexto da época:
Pretende-se uma base unitária e de educação tecnológica para o ensino médio, que
proceda à revisão das distorções introduzidas pelas reformas do tempo da ditadura e
as da última década, que protagonizou a mercantilização da educação. Hoje, há uma
nova conjuntura de forças que governam o país, cuja trajetória, em boa parte, se
associa à luta contra as diversas formas de colonização e busca a construção de um
projeto de sociedade democrática, de desenvolvimento nacional. Abrem-se, assim,
possibilidades para uma nova perspectiva no campo educacional. (FRIGOTTO,
CIAVATTA, 2004, p.19)
que almejasse um ensino médio profissionalizante deveria cursar em um turno a “versão acadêmica” e em outro
a “versão profissionalizante”, ou então, concluir a “versão acadêmica” e após o término dessa buscar a “versão
profissionalizante”, tendo em vista que a formação profissional de nível técnico exigia como pré-requisito a
conclusão do ensino médio.
194
Nesse histórico são mencionadas três reuniões com o Consed, duas no Concefet, duas no núcleo do Partido
dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados, quatro no CNE e outras cinco com outros segmentos (Conselho de
Diretores de Escolas vinculadas às Universidades Federais, Conselho de Diretores de Escolas Agrotécnicas,
Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, Fórum dos Conselhos Estaduais de Educação e com a Anped,
na 26ª Reunião Anual em Poços de Caldas.)
195
Ao todo foram apresentados 28 pareceres, sendo: Anped (1), Concefet (1), Consed (1), educadores (2),
Entidade de classes (5), Instituições de Ensino (5), MEC (2), Órgãos de Governo (3), Sistema S (2) e Secretarias
de Estaduais de Ensino (2).
196
O Departamento Nacional do Senai e o Serviço Nacional do Comércio do Ceará foram os representantes do
Sistema S, mediante a apresentação de pareceres.
197
Apresentaram pareceres os seguintes parlamentares da Câmara dos Deputados: Dep. Antônio Carlos Biffe,
Dep. Carlos Abicalil, Dep. Gastão Vieira. João Monlevade, assessor do Senado também apresentou parecer.
205
por mim (...) às vezes dava a impressão que as coisas andavam, que eram meio
conjugadas, mas às vezes parecia, muitas vezes, que eram paralelas. (ENTREVISTA
2)
Nesse sentido, para os autores, caberia ao governo repensar a função dos Cefets,
no resgate do ensino médio integrado. Essa observação evidencia a perspectiva que ecoava
nas ações dos agentes do campo educacional e geraram embates na definição dos pressupostos
teóricos da proposta em gestação, já na fase inicial, pois esta já apresentava desafios que
exigiam estratégias sistematizadas para transpor os dissensos dentro do campo.
A possibilidade da integração entre o ensino médio e a educação profissional
retomou, sob outra ótica, um dos desafios históricos na relação educação e trabalho. Já a
discussão sobre a revogação do Decreto nº 2.208/97 atualizou a complexidade contextual
desse embate, pois a dualidade estrutural permeia e fundamenta, ao mesmo tempo, o desafio
da integração, porque as propostas são eminentemente político ideológicas e comprometidas
com seus respectivos projetos de sociedade. A relevância acadêmica e social da temática
integração foi revigorada no campo acadêmico, conforme este estudo apontou, ou seja, foi o
tema mais discutido no GT 9 da Anped, no período de 2003 a 2015.
A revogação do Decreto nº 2.208/1997 sintetizou a adesão a uma concepção de
ensino médio oposta à que esteve em curso até 2002. A partir desse ato político e legal o
delineamento das estratégias, em prol da implementação de um projeto condizente com a
perspectiva teórica deveria ser traçado, como marca de coesão e coerência de um campo na
definição de uma política pública, ou seja, se constituir com mais força do que uma política de
governo.
No primeiro mandato do governo Lula, no ano de 2006, foi aprovada a inserção
das disciplinas Filosofia e Sociologia198 no ensino médio, em resposta do CNE ao ofício da
198
O CNE emitiu dois pareceres e duas resoluções todas favoráveis à inserção das disciplinas Filosofia e
Sociologia no Ensino Médio. Parecer CNE/CEB nº 38/2006 e Resolução CNE/CEB nº 22/2008 e Parecer
CNE/CEB nº 22/2008 e Resolução nº CNE/CEB nº 1/2009. As manifestações de 2006 foram relacionadas à
consulta da SEB e as de 2008 em relação à retificação nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio CNE/CEB nº 03/1998. E a Lei 11.684/2008 foi promulgada para alterar o artigo 36 da LDB 9.394/1996,
206
SEB, encaminhado em novembro de 2005, solicitando apreciação do documento “Diretrizes
Curriculares das Disciplinas Filosofia e Sociologia no Ensino Médio”. Para uma das pessoas
entrevistadas:
Havia um compromisso anterior, firmado com o Ministério de educação,
principalmente com as áreas de representação da sociologia. E nós tocamos esse
processo todo até o final, até ser devidamente aprovado em todas as instancias para
que fossem inseridas a Filosofia e a Sociologia. (...) teve uma outra discussão
também que essa eu fiquei na frente, foi que o pessoal da Psicologia, felizmente não
avançou, não virou disciplina do ensino médio. É uma coisa das associações, no
sentido de expandir o mercado de trabalho, tanto na sociologia como na psicologia
também. (ENTREVISTA, 1)
trazendo a relevância par a inserção das disciplinas no currículo e não apenas de presença conteúdos de Filosofia
e Sociologia.
199
Silva (2015) discute o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLD/EM) da criação até
o ano de 2012 quando completou a meta de atender todos os alunos de ensino médio com oferta de livros para
todas as disciplinas.
207
temática juventude200 é afirmado que se pretende, entre outros objetivos, “fortalecer os
programas de escolarização e profissionalização do ensino médio”.
No primeiro ano do segundo mandato do governo Lula também foi criado o Plano
de Metas Compromisso Todos Pela Educação, que acabou mais conhecido como Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE), pelo Decreto nº 6.094 de 24/04/2007, sob a
prerrogativa de promover a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação, ou
seja:
Art. 1º O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação (Compromisso) é a
conjugação dos esforços da União, Estados, Distrito Federal e Municípios em
regime de colaboração, das famílias e da comunidade, em proveito da melhoria da
qualidade da educação básica. (BRASIL 2007)
200
A temática Juventude foi contemplada no período de 2003 a 2014 com ações políticas importantes do ponto
de vista da ampliação da participação na esfera política governamental, pois foram criados em 2005: A
Secretaria Nacional para a Juventude e o Conselho Nacional de Juventude. Severo (2012) e Furiati (2010),
respectivamente, analisaram a criação desses órgãos. No ano de 2013 foi aprovado o Estatuto da Juventude.
208
governo federal, na elaboração do texto. Além disso, o PDE possuía analogia nominal e
metodológica com o Todos Pela Educação201 e sua agenda de ações que começava a
despontar no país, conforme afirma Saviani (2007). Esse quadro sinalizava a aproximação do
campo empresarial com o campo educacional estava caminhando a passos largos e
articulados.
É possível resguardar uma relação de temporalidade e de terminologia entre o
PDE e TPE, ainda que oriundos de campos distintos, ou seja, educacional e econômico, e
subsidiados por concepções distintas, ainda que possuíssem intencionalidades comuns, em
alguns aspectos, por exemplo a ampliação do acesso ao ensino médio. No entanto a marca da
permeabilidade do campo econômico no campo educacional deixou marcas importantes no
PDE.
Nesse sentido, entre as pessoas entrevistadas foi recorrente a assertiva de que o
campo empresarial começou a assumir um papel mais ativo no MEC, a partir de um
determinado momento, ainda que essa perspectiva não estivesse formalizada, pois:
Na verdade o Todos Pela Educação pela Educação vai assumindo muito
confortavelmente por dentro do Ministério, naquela época talvez nem tanto com esse
vigor, mas já estavam. Então as coisas se acomodaram por um conservadorismo, as
prioridades se modificaram completamente. As discussões no ensino médio
deixaram de ser, a discussão da política deixou de ser, por aí. (ENTREVISTA, 2).
(...) ganhou protagonismo e ocupou a agenda educacional um
grupo de organizações ligadas ao setor empresarial (curiosamente com participação
significativa do setor financeiro devido a disponibilidade de recursos) em defesa do
direito a aprendizagem no ensino médio. Proposta de gestão, materiais instrucionais,
mecanismos de avaliação, exames de larga escala, padronização no ensino articulada
com diversificação curricular (contradição aparente) é agenda da politica do ensino
médio no período. (ENTREVISTA 6)
201
A constituição desse movimento, sua composição e ideologia, bem como os seus objetivos para o ensino
médio já foram detalhados no capítulo II deste trabalho.
209
A gênese do Proemi, levando em consideração as versões do documento, o
parecer do CNE e as colaborações das pessoas entrevistadas para esta pesquisa, desvelam que
tal programa, desde a origem, bem como nas diferentes versões formas diversas de
implementação, contempla elementos intrigantes e contraditórios.
Na fase inicial de elaboração do Proemi, segundo alguns dos sujeitos
entrevistados, buscou-se resgatar os princípios que nortearam as discussões da elaboração do
Decreto nº 5.154/2004 e fomentar uma mudança curricular significativa nas redes estaduais de
educação, conforme a realidade de cada unidade da federação compreendesse ser necessário.
No entanto, o Proemi não avançou em todas as esferas pretendidas, quanto à mudança
curricular pretendida, pois o MEC também almejava que o Proemi se configurasse em uma
resposta do governo para a “crise do ensino médio”. Desse modo, essa atribuição ganhou
mais evidência do que a busca pela implementação de um projeto de ensino médio, como
desdobramento e como estratégia de implementação da perspectiva delineada no Decreto nº
5.154/2004
As DCNEM foram contempladas de formas distintas nas versões do Proemi, ou
seja, na primeira edição as DCNEM não foram focalizadas, pois não coadunavam com as
premissas do Proemi, pois estavam em vigência as Diretrizes aprovadas em 1998. Na edição
de 2013 as DCNEM passaram a ser contempladas e priorizadas nas proposições, uma vez que
as recém-aprovadas Diretrizes de 2012 convergiam e respaldavam as pretensões do Proemi.
Além dessa relação de aproximação, em maior ou menor grau com as DCNEM, as edições do
Proemi também desvelam alterações conceituais, que são apresentadas mais adiante.
Entre as pessoas entrevistadas, algumas mencionaram que a elaboração do Proemi
nasceu de uma necessidade da SEB em apresentar um projeto para o ensino médio, para
compor as ações do PDE. Nesse processo, houve, por parte da equipe de coordenação do
ensino médio, a retomada das discussões que havia acontecido no MEC, por ocasião da
revogação do Decreto nº 2.208/1998 e definição do Decreto nº 5.154/2004. Inicialmente,
havia o propósito de desenvolver um projeto em que a formação integrada fosse a
recomendação do MEC. Desse modo, até chegar à versão que foi enviada para o CNE
surgiram duas versões provisórias do documento e com características singulares.
Em junho de 2008 a SEB concluiu a versão “Ensino Médio integrado: uma
perspectiva abrangente na política pública educacional” e em julho de 2008 o GT
210
interministerial202 concluiu o seu trabalho com a proposta “Reestruturação e Expansão do
Ensino Médio no Brasil”. A proposta encaminhada ao CNE, apesar de conter elementos da
versão elaborada internamente na SEB, se aproximou mais da proposta originada no GT
interministerial. Nesse sentido:
Na minha percepção, entradas como a do grupo que propunha o programa Jovem do
Futuro ou mesmo posicionamentos como a do Professor Cláudio Moura Castro ou
do Ministro Mangabeira Unger eram demandas que se apresentavam a partir do
próprio Ministério da Educação, muitas vezes com críticas dos grupos que atuavam
mais ativamente junto à coordenação de ensino médio e que propunham ações que
desconsideravam os encaminhamentos que vinham sendo construídos internamente
junto aos grupos mais ativos e próximos das questões do EM. Aparentemente,
ficava a impressão de que as propostas que estavam sendo construídas
internamente careciam de respaldo político do próprio governo federal.
(ENTREVISTA, 5, grifos nossos)
Por outro lado, em uma das entrevistas a pessoa entrevistada ratificou que houve
um certo equívoco sobre a pretensão do Proemi, pois a finalidade era:
204
Em face de ser uma política recente ainda há poucas pesquisas que apresentem os desdobramentos dessa ação.
No site do Observatório do Ensino Médio foi possível identificar uma dissertação de mestrado e também foi
indicado por uma entrevistada um artigo que trata dos resultados do Pacto do Ensino Médio. Respectivamente:
TIECHER, Adilson Luiz. Políticas de Formação Continuada de Professores: a experiência do Pacto Nacional
pelo Fortalecimento do Ensino Médio no Paraná, 2016. Disponível no site:
http://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/43917/R%20-%20D%20
%20ADILSON%20LUIZ%20TIECHER.pdf?sequence=3&isAllowed=y Acessado em 27/12/2016 e GARCIA,
S. R. O.; FERREIRA, M. G. A formação continuada de professores e pedagogos do ensino médio: primeiros
resultados da formação no âmbito do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio. Londrina, 2016.
215
educação, via Coordenador Estadual, que fazia a interlocução com as escolas e professores
participantes205.
Durante os dois anos de existência foram realizados três Seminários Nacionais
entre os coordenadores do Programa, além das formações regionais que ocorreram nas
unidades federadas que se dispuseram a mobilizar e articular os encontros para que os
professores pudessem participar presencialmente. As atividades formativas com os
professores ocorriam no Sismedio, via Sistema Integrado de Monitoramento e Controle do
MEC (Simec), no site do MEC, e os Cadernos de Formação206 estão disponíveis no site do
Observatório do Ensino Médio da UFPR.
Três pessoas entrevistadas (uma Diretora, uma Coordenadora e a Coordenadora da
elaboração dos cadernos e dos Seminários Nacionais) acrescentaram elementos importantes
sobre a proposta e a natureza do Pacto, para elas:
Só mandar que as escolas discutam currículo e não mandar recursos, sem que a
secretaria de educação tivesse recursos, a gente sabe que só documentos não muda a
prática do professor. Daí nasce o Pacto Ensino Médio. Por que que ele vem? Em
2011 e 2012, houve um outro seminário no Ministério com experiências do Brasil
todo, dos movimentos sociais, de escolas que apresentavam...o que que se diziam?
Que não havia luz no ensino médio brasileiro. Então fechamos no seminário que há
luz no ensino médio e houve essas experiências. A partir daí foi elaborada a
proposta do pacto, nesse seminário. O que que é o pacto? O Pacto não é só formação
de professores. É que o MEC não deu continuidade, nas ações que deveriam ser. O
Pacto é pensado desde a construção de escolas até a iniciação científica dos alunos e
da formação de professores. Ele passa por 20 ações. Qual que era a tentativa? Era de
fechar esse caminho. Pensar na estrutura da escola, pensar que material é esse que
esse jovem precisa, discutir juventude, fazer formação de professores, discutir
licenciaturas, discutir sim uma base nacional do currículo, mas não como uma lista
de conteúdo, não era isso que estava proposto inicialmente. (ENTREVISTA 3)
O Decreto 5.154/04, as DCNEM, o Proemi e o Pacto tem pelo menos uma coisa que
justifica os quatro que é a concepção de ensino médio integrado. Quando a gente
fala de ensino médio integrado a gente não está falando de ensino médio integrado à
educação profissional, mas uma concepção de ensino médio que tem como base a
formação humana integral e tem como fundamento uma perspectiva de ensino
médio mais integrado a partir das relações com o trabalho, a ciência e a cultura. Isso
vai estar presente na gênese do Decreto e isso tá presente no Proemi, tá presente no
Pacto e tá presente também nas DCNEM, ali sim dá pra pensar num mesmo campo
epistemológico, pra se pensar o ensino médio. Que não quer dizer que não tenha
havido disputas. (ENTREVISTA 7)
205
A portaria do MEC nº 1.140 de 22 de novembro que instituiu o Pacto pelo Fortalecimento do Ensino Médio
estabeleceu bolsas de formação para os profissionais participantes: “Art. 11. O Pacto contemplará o pagamento
de bolsas para as seguintes funções: I - coordenador-geral da IES; II - coordenador adjunto junto à IES; III -
supervisor da formação; IV - formador junto à IES; V - formador regional; VI - orientador de estudo; e VII -
professor/coordenador pedagógico do ensino médio”.
206
Ao todos são cinco cadernos para cada etapa da formação, ou seja Etapa I (1º Seminário Nacional com 5
cadernos) e Etapa II (2º Seminário Nacional com 5 cadernos) e dois cadernos divulgados no 3º Seminário
Nacional, realizado em maio de 2016 em Curitiba. Esta pesquisadora participou neste evento na condição de
ouvinte e com o objetivo principal de realizar uma das entrevistas, conforme o combinado previamente entre a
entrevistada e autora desta pesquisa.
216
Na forma então do que foi, do ponto de vista macropolítico, do Pacto Nacional pelo
Ensino Médio, no curso de formação de professores, na elaboração dos cadernos e
na associação, na parceria que foi realizada com as universidades e na implantação
efetiva (..) nessa linha de formação. Então, mas o que me parece que depois isso
também chegou ao limite, tanto que as pessoas saíram, vão saindo do governo.
(ENTREVISTA 2)
A concepção de ensino médio integrado, como bem situa uma das entrevistadas,
está contemplada no Decreto nº 5.154/2004, mas ultrapassa em grande medida a possibilidade
da integração entre a educação profissional e o ensino médio, pois o pretendido era:
Erigir a escola ativa e criadora organicamente identificada com o dinamismo social
da classe trabalhadora. Como nos diz Gramsci, essa identidade orgânica é construída
a partir de um princípio educativo que unifique, na pedagogia, éthos, logos e técnos,
tanto no plano metodológico quanto no epistemológico. Isso porque esse projeto
materializa, no processo de formação humana, o entrelaçamento entre trabalho,
ciência e cultura, revelando um movimento permanente de inovação do mundo
material e social. (RAMOS, 2004, p.49)
Embora o Pacto tenha sido criado em 2013 ele resgata e busca consolidar, com o
respaldo das DCNEM aprovadas em 2012, a tônica de implementação delineada pelo Proemi,
criado em 2009. Em termos de similitude essa três politicas, entre outros aspectos,
demonstram corroborarem com premissas em comum, ou seja, a concepção de ensino médio
permanecia latente no âmbito da gestão. Nesse sentido, o estudante do ensino médio era
compreendido como sujeito de direitos e nas proposições das três políticas há elementos que
atestam a importância da formação docente e todas recomendam a necessidade de construção
de um currículo que tenha a formação humana como viés. Além disso, a perspectiva de
formação integrada entre o ensino médio e a educação profissional é um horizonte delineado
nessas três ações e, assim sendo, é pertinente considerar que retomam a primeira proposição
das gestões do PT para o ensino médio: a revogação do Decreto nº 2.208/1997, que por sua
vez delineava um projeto formativo, bastante claro, assim como a revogação das DCNEM de
1998 expressavam coesão e coerência com o de ações desenvolvidas no governo FHC.
Dessa forma, as quatro ações diretamente voltadas para o ensino médio que foram
definidas e/ou tiveram a chancela do Estado, no período de 2003 a 2014: Decreto nº
5.154/2004, Proemi, DCNEM e Pacto pelo Fortalecimento do Ensino Médio partilham de
preceitos comuns, ainda que carreguem as marcas controvertidas na elaboração das mesmas.
A discussão sobre o PL nº 6.840/2013, tendo em vista que este é de autoria da Câmara dos
Deputados, será apresentado e discutido no terceiro tópico deste capítulo, bem como as
disputas entre os campos e o papel da Câmara, nesse contexto. Algumas das disputas
empreendidas entre o campo educacional e econômico, que foram apresentadas pelos
217
entrevistados, diretamente ligadas às quatro políticas mencionadas acima, são contempladas
no próximo tópico.
3.2 - As disputas nas políticas educacionais para o ensino médio: os novos/velhos dilemas
e desafios
A herança deixada para o ensino médio, pelo governo FHC, estabeleceu marcos legais
importantes, assim como programas educacionais em andamento, com financiamentos
externos, como o Promed e o Proep, inclusive com previsão de novas etapas. Em outras
palavras, o conjunto de ações definidas no período FHC estava em fase de implementação,
sob as prerrogativas de programas de governo, com respaldo legal e em consonância com
premissas recomendadas por organismos multilaterais207. Esse entrelaçamento, de certo modo,
adquiriu um certo status de políticas de Estado.
207
Oliveira (2004) ao pesquisar sobre a gênese do Promed (Projeto Escola Jovem) e a participação de alguns
intelectuais na definição dessa proposta ressaltou duas recomendações mundializadas, que foram contempladas
no rol de políticas e programas voltados para o ensino médio na década de 1990, com ênfase no Promed: o
Dualismo estrutural (Banco Mundial) e a Teoria do Capital Humano (Unesco).
218
sociedade e de educação vigente até 2002. Assim sendo, os agentes do campo educacional,
legitimados pela função de nomear do Estado deveriam se empenhar em implementar as
mudanças, em detrimento das definições outrora estabelecidas por outros agentes que também
havia sido instituídos pelo mesmo Estado, em outro contexto. Assim:
A relações de força entre as posições sociais que garantem aos seus ocupantes um
quantum suficiente de força social – ou de capital – de modo a que estes tenham a
possibilidade de entrar nas lutas pelo monopólio do poder, entre as quais possuem
uma dimensão capital as que têm por finalidade a definição da forma legítima do
poder (de preferência a classe dominante, conceito realista que designa uma
população real de detentores dessa realidade tangível que se chama poder)
(BOURDIEU, 1998, p.28).
A legitimação do Estado, conferida pela nomeação, por sua vez não dirime por
completo a força dos ex-nomeados, pois eles permanecem agentes em busca de manutenção
do capital e dos resultados já colhidos em estratégias e disputas anteriores. As batalhas
prosseguem, o jogo permanece e os agentes se reacomodam em outras instâncias dentro ou
fora do aparelho estatal, no mesmo campo ou em outro, mas seguem movidos pela libido do
jogo e, muito provavelmente, empreendendo novas estratégias e disputas alicerçadas pelo
habitus que os constituiu agentes do campo ao qual pertence. A elevação de capital adquirida
com a nomeação e o conhecimento das estratégias e disputas por dentro do governo abrem
novas oportunidades, inclusive em outros campos. Essa situação pode ser exemplificada ao
identificar a atuação de alguns ex-agentes do campo educacional, tanto do Governo FHC,
como dos governos Lula e Dilma.
O trabalho de construção de uma proposta de ensino médio distinta da que estava
em curso e que fora construída no decorrer de oito anos, necessitava ser tratada no viés
político, legal e ideológico. Nesse cenário, um dos sujeitos entrevistados afirma:
Primeiro havia um certo otimismo no sentido de que gente poderia e conseguiria
mudar radicalmente os rumos da política educacional no Brasil, como um todo e em
particular lá na esfera profissional e no ensino médio (...) Inclusive porque no
Programa, no Plano (...), tinha o compromisso em especial de revogação do Decreto
2.208/97. (Entrevista 2)
219
deixar a própria sociedade decidir o rumo a ser tomado em relação a
articulação da educação profissional com o ensino médio. Na realidade
o Decreto nº 5.154/2004 não teve forças para atingir o verdadeiro impacto
negativo do Decreto nº 2.208/1997 que fortaleceu uma concepção de educação
profissional restrita e um ensino médio descontextualizado da
realidade social e do mundo do trabalho. (ENTREVISTA 5)
220
Esse processo evidenciou que a construção de uma nova proposta pedagógica, que
tivesse como eixo a retomada da integração entre o ensino médio e a educação profissional, e
de eixo epistemológico de formação, possuía divergências sobre as alternativas e perspectivas
presentes no campo educacional, sobretudo por se configurar em uma revogação e criação de
um novo decreto, em um contexto de resistências no campo político, assim:
Nós tínhamos a proposta de decretar e era decreto mesmo! Aí tem um significado
que a gente pode ver sobre a democracia, por que uma lei para um congresso
conservador não é mais democrático do que um decreto, por um executivo do campo
crítico. A gente sabia que o Congresso era menos pior do que hoje, mas o congresso
não era o nosso espaço, não era o melhor espaço de negociação. (ENTREVISTA, 2)
O problema maior esbarrava quando era a revogação do Decreto 2.208, porque o
Consed não aceitava. As resistências estavam no Consed, no Concefet. Na época
ainda era Concefet e obviamente nos segmentos privados. (...) Essa produção foi
implicando o quê? Foi implicando concessões, muito mais da nossa parte do que dos
conservadores. (...) Primeiro é que fica muito enxuto, porque as primeiras versões, a
gente coloca princípios, resgata algumas ideias que estavam na própria LDB, no PL
101 e eles foram falando: “não, isso é um absurdo pra um decreto”. Então o Decreto
vai ficando muito enxuto, tirando tudo que podia ser declaração de princípios, pra
dar uma perspectiva de concepções e foi ficando normativo. Então chega naquelas
formas de oferta e depois a forma articulada, como sendo uma forma de oferta. Mas
esse foi um processo longo. O ano inteiro no MEC, com muitas negociações por
dentro, no gabinete nesse caso, até chegar a versão que podia ir pro debate. (...) A
primeira versão que foi na época da Anped. (...) eu falei que o 2.208 ia ser revogado,
mas não falei que a nossa proposta é que seria revogado com outro decreto, isso
gerou uma confusão danada, eu fiquei sabendo depois (...) foi mais ou menos nessa
época que o Decreto foi para a discussão, tanto que ele só foi exarado em junho.
Mas o debate com o Consed e com o ConCefet era muito difícil, inclusive no
Seminário da Educação Profissional, nós realizamos dois seminários, do Ensino
Médio que foi tranquilo e da Educação profissional que aí foi um terror porque o
Sistema S foi com todo gás por aí. (ENTREVISTA, 2).
221
integrado à educação profissional. Era o prenúncio da crônica, que se confirmou com a Lei nº
11.892/2008 ao criar os Ifets208.
Essa hipótese se fundamenta na seguinte compreensão: as estratégias de
reorganização da rede federal iniciadas com a Lei nº 8.948/1994, que trazia a possibilidade
das escolas técnicas se transformarem em Cefets, a criação de um capítulo próprio para a
Educação Profissional na LDB 9.394/96, separado da educação básica, e o Decreto nº
2.208/1997 aliado ao Programa de Expansão da Educação Profissional (Proep) deixaram
marcas importantes no principal agente do campo educacional, detentor de capital simbólico
sobre a integração entre ensino médio e educação profissional – as antigas escolas técnicas -
mas que, naquele momento, boa parte desse grupo, pretendeu jogar outro jogo: o da disputa
por espaço no subcampo da educação superior. Assim, o capital simbólico que as escolas
técnicas possuíam sobre a formação profissional e que seria imprescindível num arranjo com
a SEB, para fins de reativar a proposta da integração na rede federal, inclusive com vistas a
subsidiar o início das experiências de ensino médio nas redes estaduais, nessa direção, foi
dispendido na busca de espaço e legitimidade na seara da educação superior.
A extinção da Semtec e a criação da SEB, em 2004, período em que acabara de
nascer a política da integração entre o ensino médio e a educação profissional, com o Decreto
nº 5.154/04, deixou marcas importantes que prosseguiram nos anos seguintes. Em termos
administrativos a Semtec deixou de existir e o ensino médio foi para a SEB, recém criada
naquele momento, e a educação profissional para a Setec. Os desdobramentos do novo arranjo
foram bem maiores na seara político pedagógica.
Desse modo, o ensino médio, com o desafio da integração, se alojou na SEB e os
técnicos e gestores empreenderam esforços para a efetivação de políticas condizentes com as
singularidades da última etapa da educação básica, assim como a educação infantil que
também passou a fazer parte da SEB. Nessa perspectiva, a educação básica reunida em uma
mesma secretaria, foi tecendo a sua história, no decorrer dos anos seguintes, sob outras
mudanças internas e organizacionais dentro da SEB.
A extinção da Semtec e a inserção do ensino médio na SEB, conforme os
entrevistados salientaram, permite inferir que o ensino médio – e de certa forma os agentes
individuais responsáveis pela condução das politicas educacionais no âmbito do MEC -
208
Para Boaventura e Carneiro (2014) esse processo de ifetização inaugura uma fase de construção de diversos
habitus e fomenta a criação de outros “campos” de ciência, técnicas e tecnologias, tendo em vista a variedade
ações, modalidades e níveis de educação que passam a ser desenvolvidas nos Ifets: ensino superior, Proeja,
Pronatec, Rede e-tec (educação profissional e tecnológica a distância), Profuncionário, entre outros.
222
perdeu capital simbólico na nova estrutura organizacional do MEC, em um momento crucial e
simbólico: rompimento com a política do governo federal anterior, que havia ratificado e
fortalecido o dualismo estrutural.
Os fragmentos desvelam também o olhar dos sujeitos entrevistados quanto à
fragilidade do campo educacional junto ao campo político, por isso o receio de disputar a
aprovação de projetos de ensino médio. Além disso, o Consed, tanto internamente, quanto no
diálogo com o MEC e, especialmente, nas relações com as redes de ensino foi se
configurando como um espaço de pouco respaldo em prol do projeto de ensino médio que o
MEC almejava emplacar e que havia sido esboçado nas primeiras ações governamentais nos
anos de 2003 e 2004.
Em relação à composição dos quadros do MEC, especialmente da SEB, uma das
pessoas entrevistadas209 relatou a sua observação sobre o perfil e origem dos técnicos que
trabalharam na Semtec/SEB, durante o momento em que ela atuou na coordenação do ensino
médio, no primeiro mandato do governo Lula. A perspectiva e a contribuição da equipe da
SEB, frente ao desafio de implementar a proposta de integração entre o ensino médio e a
educação profissional e ao mesmo tempo elaborar e implementar outras políticas, também
podem ser considerada, sob os seguintes critérios:
Em 2003 para 2004 o Governo federal fez para Brasília, para suprir a função de
alguns cargos técnicos, fez um grande concurso para a contratação de temporários.
Por que que eu estou falando isso? Porque talvez isso possa ajudar você nas suas
reflexões. Então pessoas do Brasil inteiro, que acreditavam nessa proposta e que
entenderam que era um grande momento de mudança de rumo da história do Brasil,
extremamente marcada por políticas conservadoras, etc, fizeram esse concurso e
foram para Brasília. Pessoas de concurso, que pelo que eu avaliei, pelo contato que
eu tive com esses técnicos, um concurso que foi exigente e que levou para Brasília
pessoas com alta qualidade, muitos com formação de mestrado, doutorado. As
209
O olhar atualizado sobre um tempo histórico, que foi lançado pelos entrevistados, reuniu o distanciamento dos
fatos passados, mas também foi permeado pela condição privilegiada de quem vivenciou acontecimentos, direta
ou indiretamente, ligados ao problema investigado nutre a pesquisa de um viés relacional, pois para investigar as
relações que se estabeleceram entre os campos econômico, político e educacional conhecer alguns elementos do
contexto da micropolítica nem sempre é irrelevante. Na entrevista foi mencionado que entre as primeiras ações
planejadas para a implementação da integração entre o ensino médio e a educação integral havia um projeto que
estava elaborado e orçado – esse dado inclusive foi ratificado espontaneamente por outra entrevistada - foi
engavetado sob a recomendação “esse projeto era da equipe anterior”. Assim, foi perceptível aos que
observavam e possuíam experiência na gestão pública que, a mudança de rota e de membros na SEB teve um
impacto negativo, pois: “esses programas que estava nas mãos desses técnicos, porque alguns deles participaram
e viveram e participaram ou acompanharam a construção desse projeto, mas ele morreu. E isso aumentava o
nível de frustração”. Essa pessoa entrevistada ainda relatou que uma dessas técnicas, mais adiante, foi efetivada
em um concurso e assumiu a função de coordenadora do Ensino Médio na SEB (esta pessoa também foi
entrevistada nesta pesquisa e também trouxe elementos bastante relevantes).
223
pessoas, realmente, além de ter um comprometimento político com ações de
transformação, tinham uma grande competência técnica.
Quando eu cheguei no Ministério da Educação estamos numa situação em que o
primeiro ministro havia sido demitido, que é o Cristovam Buarque e tinha assumido
o Tarso Genro. Há uma frustração grande dessas pessoas, desses técnicos é como se
o Ministério tivesse naquele momento como barata tonta. Havia uma sensação de
que quem estava no poder não sabia o que fazer. E essa insatisfação era dita de
maneira muito explicita para quem se propunha a dialogar com as equipes, com esse
corpo técnico que havia no ministério. Eu não pesquisei sobre isso, mas essa é a
análise que eu faço. (...)
Ficou muito claro pra mim, que a CNTE, como força política, negociou a Secretaria
de Educação Básica. Isso não tá escrito em lugar nenhum, mas ficou claro pra mim,
que efetivamente isso aconteceu. Então havia uma gestão muito afeta, muito
sensível às reinvindicações históricas dos movimentos dos professores. Isso é óbvio.
A reflexão que eu faço em relação a isso ao movimento da aprovação da filosofia e
sociologia é muito representativo disso. A abertura da SEB para essa discussão
mostra que ela estava sensível a esse assunto, pois era de interesse dos grupos de
professores. Esse é só um pequeno exemplo. E a cabeça dos principais dirigentes da
SEB naquele momento, a experiência deles era por dentro do movimento sindical e
não da gestão e desenvolvimento de políticas públicas. Claro que havia dentro do
ministério pessoas como eu, a Janete...havia muitos ex-secretários municipais de
educação, mas no momento que eu cheguei na gestão do Chagas, eram pessoas que
estavam afastadas de sala de aula há muito tempo, porque foram pessoas que davam
conta da luta sindical. Não estou te falando nada fantástico, mas havia essa tensão.
(...) eu comecei a ver que a gestão, o comando da secretaria de educação básica dava
para nós no ensino médio, não estavam, como eu diria assim...fazendo muitos
questionamentos, não havia espaço para discussão. (...) E por incrível que pareça eu
descobrir que a relação vinha acontecendo de maneira muito vertical e a gente tinha
pouca participação. Nós os coordenadores, e eu não tô falando só do ensino médio, o
nível de participação era muito pequeno. Havia uma gestão muito centralizada, não
vou dizer autoritária (ENTREVISTA, 1).
A gente tinha uma outra compreensão sobre o currículo do ensino médio, então a
gente queria reconstruir a perspectiva da politecnia, da Pedagogia Histórico Crítico,
que foi discutido então na época do Projeto da LDB, na década de 1980, mas o que
que acontece? A gente já tinha um “passivo” vamos dizer assim entre aspas, que é o
seguinte: a política do ensino médio naquele momento, ainda era conduzida pelo
Promed, que aí tinha o Proep, para a educação profissional e o Promed pro ensino
médio e tinha junto o promed e o Projeto Alvorada. (ENTREVISTA 2)
227
Os recursos disponíveis para realizar ações no ensino médio, no início e em boa
parte da primeira gestão do PT, estavam vinculados ao Promed, que havia sido elaborado no
governo FHC e era a fonte de recurso disponível às unidades federadas para promover
mudanças e melhorias nas propostas de ensino médio. O volume dos recursos do Promed e a
forma como o mesmo foi utilizado na fase inicial do Governo Lula, evidenciam um esforço
para canalizar os recursos, na perspectiva de uma proposta mais articulada com os diversos
agentes do campo educacional, sob a lógica da participação das instituições escolares e
entidades diversas, ou seja:
Ao mesmo tempo, nós levamos uma discussão com os sistemas e com as escolas,
ligadas ao ensino de ciências, porque daí tinha... a gente tinha um diálogo bastante
profícuo, com as associações científicas, a SBPC, a Associação Brasileira de
Educação Matemática, a de Educação Química, de Biologia, também não vou
lembrar agora siglas e nomes...Todas...mas a gente abriu um debate bem interessante
com as comunidades científicas. Nossa ideia era sempre essa. Não era trazer um
conjunto de Diretrizes novas, mas era discutir com essas questões do ensino médio,
por dentro da proposta curricular e da prática pedagógica e desenvolver uma
proposta coletiva com a sociedade no Ministério. Eu particularmente representando
o Ministério, envolvendo as sociedades científicas, envolvendo a sociedade ligada à
Anped, não só as científicas. A Anped, a ligada aos Professores, à formação de
professores, que a Helena Freitas coordenava então de fazer, dos coordenadores de
ensino médio, os principais interlocutores nossos eram os coordenadores de ensino
médio das secretarias de educação. Nesse caso do ensino de ciências tinha várias
frentes. A gente também fez uma articulação com o Ministério da Ciência e
Tecnologia. A Unesco também entrava nisso. A Unesco doida para, porque esse era
um ponto pra Unesco. Esse era o processo que a gente foi tentando fazer, fora
algumas ações pontuais que nós chegamos a premiar. Não me lembro o nome agora,
os êxitos, os projetos exitosos dentro das áreas de Ciências de algumas escolas,
usando recursos, se tinha recursos do Promed a gente fazia. Vamos usar esse recurso
para aquilo que pode ser uma dinamização dos sistemas de ensino e suas instituições
A gente tinha esse misto de tentar estruturar uma política de reconstrução da
concepção do ensino médio junto com os sistemas de ensino e com a sociedade
científicas e também com as representações políticas da sociedade, dos movimentos
sociais. Ao mesmo tempo a gente tinha umas ações pontuais em relação a esses
recursos. (ENTREVISTA 2)
210
O levantamento realizado sobre os recursos utilizados pela Semtec/SEB merece as seguintes observações: a)
não está disponível no site do MEC o relatório anual de gestão referente ao ano de 2003; após a transferência dos
recursos da SEB para o FNDE (2007) não foi possível esmiuçar os que se referiam aos investimento e
implementação de programas no ensino médio, pois eles aparecem por categorias (formação de professores,
criação, ampliação e reformas, dentre outros) vinculadas à educação básica e não por etapa da educação.
228
Quadro 28- Investimento nas ações desenvolvidas no Ensino Médio, pela Semtec e SEB,
no período de 2004-2006
Ações 2004 2005 2006
Criação do Fórum nacional dos coordenadores 51.656,23
de ensino médio
Eventos nacionais e regionais 867.755,00
Estudos e Pesquisas sobre o Ensino Médio 1.000.000,00 2.210.805,45
Livro Didático 20.780.285.00 2.700.000,00 117.710.111,85
Pesquisa sobre o Ensino Médio noturno 389.844,00
Suporte ao Ensino Médio noturno 2.216.000,00
Prêmio e/ou apoio às Ciências no Ensino 658.714,00 760.000,00
Médio
Apoio ao Ensino Médio Integrado à Ed. 1.933.394,00 1.933.394,00 1.180.000,00
Profissional.
Olimpíada Brasileira de Matemática 2.655.000,00
Implementação das DCNEM 4.900.000,00
Implementação das DCNEM (Promed) 16.298.771,87 7.055.780.41
Formação de professores 42.334,30
Formação de Professores (Promed) 7.425.109,00
Formação continuada de gestores 750.000,00
Material de apoio para professores do Ensino 1.031.660,00 2.202.881,22
Médio
Programas para a TV Escola 1.261.233,39
Rived 1.005.527,00
Projeto Alvorada 242.792.511
Promed 46.500.000,00 52.5444.027,83
Implementação do Programa Ética e Cidadania 1.250.000,00
Apoio a implementação de programas juvenis 73.100,00 1.930.776,00
Pesquisa sobre a EJA no Ensino Médio 73.100,00
Apoio à formação de professores do Ensino 520.127,00
Médio em parceria com a SBPC
Total 38.768.838,92 325.234.334,09 166.259.209.63
Fonte: Relatórios anuais de Gestão da Semtec/SEB
229
expressão dos dissensos, dentro do campo educacional, assim as fontes, objetivos e
interlocutores são escolhidos mediante o viés pretendido.
O período analisado contou com uma preocupação dentro da SEB quanto à
especificidade do ensino médio noturno para jovens e adultos, que foi um dos motivos para o
adiamento para a promulgação das DCNEM de 2012, por parte do Ministro Fernando
Haddad. Foi criado um GT inicialmente sobre o ensino médio noturno e que posteriormente
passou a discutir a educação básica no noturno. Um documento foi elaborado com uma
proposta desse GT no final de 2013 e entregue ao MEC no início de 2014, com a pretensão de
que ocorresse um seminário nacional com os professores, mas que não ocorreu. Assim a
descontinuidade das ações que priorizavam os jovens e adultos trabalhadores se repetiu mais
uma vez durante o período investigado. Assim, a proposição de extinção do ensino médio,
noturno emanada do campo econômico e respaldada por organismos multilaterais, é
beneficiada pela ausência de definição de proposta do campo educacional, no âmbito da
gestão do período de 2003 a 2014.
A perspectiva de construção de uma proposta político pedagógica em que os
profissionais da educação participassem desse processo e que rompessem com a reforma do
ensino médio delineada na gestão do Governo FHC foi mencionada por todos os
entrevistados. Essa postura coaduna a filiação teórica que subsidiava as concepções dos
agentes que estavam no exercício das funções no MEC, especialmente dentre os que
advinham de uma trajetória profissional acadêmica na educação pública.
A tarefa de rever o Decreto nº 2.208/1997 e propiciar a retomada da formação
integrada entre o ensino médio e a educação profissional era uma disputa hercúlea de cunho
legal, que se consistia em uma batalha político ideológica e historicamente conhecida na
trajetória do ensino médio: o dualismo estrutural.
Uma retomada mais atenta às estratégias utilizadas para delinear uma nova rota
para o ensino médio, ainda que o formato legal inicial tenha sido um novo Decreto, desvela
que os interlocutores e colaboradores211, diretos e indiretos, do processo de construção de um
novo instrumento legal, assentado na premissa da integração entre a formação acadêmica e
profissional no ensino médio, possuíam capital simbólico sobre essa temática, no campo
educacional. No entanto, o campo da disputa pela retomada da proposta de integração, ainda
211
Entre os nomes mais presentes na organização dos seminários, na elaboração de textos para a publicação de
livros e cadernos publicados pelo MEC muitos são oriundos do campo acadêmico e possuem capital simbólico
elevado no GT Trabalho e Educação da Anped, inclusive nas temáticas correlacionadas à formação integrada,
formação onnilateral. Dentre esses: Gaudêncio Frigotto; Maria Ciavatta, Lucília Machado, Domingos Leite e
outros.
230
que no campo educacional, possui singularidades em relação ao campo acadêmico e a esse
quadro se soma o fato de que na esfera governamental, além dos interesses distintos
representados na composição dos espaços, as relações com o campo político são recorrentes e
constitutivas na definição das políticas públicas.
Antes mesmo e concomitante ao processo de revogação do Decreto nº 2.208/1997
e a promulgação do Decreto nº 5.154/2004 o grupo que assumiu a gestão do ensino médio, no
âmbito da Semtec, delineou as estratégias traçadas para promover a mudança na rota político
ideológica no ensino médio, numa seguinte perspectiva teórico e prática coerentes, mas talvez
pouco exitosa no jogo estabelecido, pois no campo educacional havia o seguinte principio
norteador das estratégias iniciais do governo em 2003:
Como é que nós poderíamos reverter isso, sem que fosse terra arrasada e sem que
fosse com a mesma lógica do que os governos tinham feito até então, que era de
cima pra baixo? Então a gente não chegou arrasando, revogando, revoga tudo, pára
tudo, tira tudo. Não foi isso, a gente chegou tentando reconstruir, no diálogo com a
sociedade e com os sistemas de ensino a concepção e o ponto de chegada disso. (...)
chegou a ser assinado com um convênio com as três secretarias de educação que
estavam bastante aliadas conosco, que era o Paraná, Espírito Santo e Santa Catarina,
que era um projeto de assessoramento a esses três estados, pra começar por esses
três estados de reconstrução da política curricular, pedagógica do ensino médio.
Esse projeto eu cheguei a orçar, chegou até o PA. (...)Era o primeiro ano de governo,
então começar com 3 sistemas, que eram sistemas que estavam aderentes a nossa
concepção, pois a luta no Consed é bastante grande (...)Esse projeto, ele acabou...daí
eu saí, eu saí (...). (ENTREVISTA 2)
As razões pelas quais justificava um Ministro de Estado ser demitido por telefone,
com pouco mais que um ano no governo, pode possuir razões bem mais complexas do que o
relatado pela entrevistada. Aliás esse poderia ser um dos motivos, mas em face dos novos
encaminhamentos que sucederam a discussão sobre a Conae, inclusive propiciando o
fortalecimento da aproximação com a FRM, outras fundações e institutos corroboraram com o
surgimento de parcerias público-privadas em escala muito maior no governo federal,
possibilita questionar se a razão da queda do ministro teria seria de fato a levantada pela
entrevistada. O fato de um Ministro ser demitido, via telefone, gerou muitas especulações e o
assuntou ganhou repercussão nos jornais de grande circulação, pois havia um interesse
precípuo em saber a causa da demissão. Uma das vertentes midiáticas veiculou a seguinte
narrativa:
Em tom de desabafo, Lula deu um tapa na mesa anteontem à noite, quando
conversava com o novo ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos (PSB-
PE). Disse que não agüentava mais "acadêmicos" no governo e que tiraria
Cristovam. "Quero ministros para apresentar resultados, não para ficar com tese,
com conversa. Por isso, estou pegando essa turma boa da Câmara", disse. O
presidente avalia que Cristovam é um bom formulador, mas um mau gestor. Por
isso, quer tirá-lo do cargo. Ontem, o presidente disse que era hora de mostrar
resultados e que a educação era uma área sensível. Como escolheu um ministro com
experiência administrativa para a área social (Patrus é ex-prefeito de Belo
Horizonte), Lula optou por Tarso, ex-prefeito de Porto Alegre, para o Ministério da
Educação. As gestões de ambos são consideradas excelentes pelo PT. (FOLHA DE
SÃO PAULO, 2004212).
212
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u57458.shtml
233
comunicação, inclusive alguns mencionam que Cristovam Buarque afirmava ter feito algumas
críticas ao presidente Lula e que este não este não teria gostado. Cristovam Buarque foi
candidato à Presidência da República em 2006 e o assunto sobre a sua saída do Ministério foi
retomada pelos entrevistadores e as respostas se concentravam nas críticas sobre governo Lula
e no relato de que o ex-ministro havia feito solicitação de um aval para certas propostas e que
estas não foram bem aceitas, ou ainda que caiu por pouco, e que caiu por estar em um
governo que não priorizava a educação.
Os dois novos ministros do Governo Lula possuíam um perfil mais arrojado.
Tarso Genro, além de ser considerado um intelectual importante no partido, também possuía
uma boa experiência de gestão em Porto Alegre. É interessante ressaltar que na capital gaúcha
havia uma experiência de ensino médio na rede municipal que se apresentava como
inovadora, tanto pelo fato de a secretaria municipal de educação possuir algumas escolas com
ensino médio, como pela proposta pedagógica apresentada. Já o Fernando Haddad não
possuía larga experiência na gestão pública como o seu antecessor, no entanto havia
transitado por espaços que o credenciava para ocupar um cargo de tamanha envergadura.
Dentre esses, algumas experiências anteriores de Haddad parecem ser relevantes para o
presente estudo apontar os seguintes trabalhos: analista de investimento no Unibanco,
Subsecretário de Desenvolvimento Econômico no governo de Marta Suplicy em São Paulo,
membro da equipe de Guido Mantega no Ministério do Planejamento. Essas informações
pontuais sobre os dois sucessores de Cristovam ratificam a ótica gestora, atribuída pelos
meios de comunicação, almejada pelo Governo Lula. Para as questões voltadas para o ensino
médio a experiência de Porto Alegre e o projeto de construção do Fundeb balizam a criação
da SEB. Já a rede de relações de Haddad com o Unibanco pode ter favorecido a aproximação
com o Instituto Unibanco durante a sua gestão no MEC, para legitimar o Programa Jovem de
Futuro nas redes estaduais, como parceiro do MEC. No contexto do Proemi essa relação foi
aprimorada.
As mudanças na estrutura organizacional do MEC213 e as alterações na
composição da equipe gestora do ensino médio, sobretudo na fase em que ocorreram as
primeiras estratégias de desarticulação do projeto de ensino oriundo da gestão anterior,
parecem ter sido cruciais. Além disso, o tom da reforma ministerial214, não apenas no campo
da educação, delineou um horizonte mais pragmático e de novos arranjos políticos. As
213
http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u15262.shtml
214
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u57456.shtml
234
discussões fundamentais sobre as concepções norteadoras para as decisões políticas, no
campo da educação, passaram a ser mais complexas e com certos entraves dentro do campo,
no âmbito da gestão. Afinal, num contexto de definições das estratégias para a elaboração e a
implementação de uma nova proposta, que pressupunha o diálogo com os sistemas de ensino,
em um cenário de disputas iminentes que se apresentavam distintas concepções no campo
educacional, o aceno do MEC e as aproximações do campo empresarial nas redes estaduais e
no Consed delineavam um Ministério permeável às forças conservadoras, como bem disse
uma entrevistada. Esse quadro certamente exigia estratégias consoantes com o jogo e capital
simbólico consideráveis para que o saldo fosse favorável ao campo educacional. No entanto,
duas entrevistadas fizeram relatos importantes, que corroboram com a leitura do quadro, posto
por em outras entrevistas:
Então, na verdade a impressão que eu tenho é que não se pegou o touro pela unha,
aliás, o contrário, se deixou o touro escapar. E como o Ministério era tão, mesmo
tendo chegado uma pessoa que a principio era mais à esquerda, o intelectual
orgânico, o Tarso, logo depois foi o Fernando Haddad assumiu a função de um
excelente gestor, um excelente executivo no ministério. Então o que eu vou fizer fica
no caso da micropolítica. (...) Nós tínhamos uma proposta que acabou não vingando,
um pouco associado à minha saída, ou talvez totalmente associado era um projeto,
que chegou a ser elaborado com orçamento para 2004 dos recursos que seriam
utilizados e destinados a esses três estados, por meio de convênio. (...) A ideia era
termos uns consultores, ligados ao nosso campo, um campo crítico e então produzir
com esses sistemas uma ação ligada ao sistema, a partir desse sistema de ensino a
gente ir fazendo a coisa crescer (ENTREVISTA 2)
A gente tem que dar a mão a palmatória. Não houve um fio condutor desse processo
nessas mudanças que aconteceram...era Semtec e passa pra SEB e SETEC. Nesse
processo muita coisa se perdeu, principalmente quando há a separação para a
SETEC, pois o ensino médio e a educação profissional andavam juntos. Naquele
momento se define pelo ensino médio integrado. Que não era a discussão do ensino
médio profissional, era muito mais do que isso. O que a gente discutia era o ensino
médio, que como Gaudêncio coloca era o processo de travessia, ele deveria fazer
essa ponte, mas que deveria ser o ensino médio para todos, não que
profissionalizasse diretamente, mas a questão do trabalho deveria ser o fio condutor
de todo o processo formativo. (ENTREVISTA, 3)
Nesse diapasão a expressão não “segurar o touro a unha” pode significar uma
metáfora do que ocorreu em virtude do contexto político da gestão do PT, das conciliações
pretendidas entre os diversos segmentos, das orientações emanadas do gabinete do MEC, das
estratégias que o campo econômico desenvolveu na sua relação com o campo educacional e
também das estratégias do campo educacional frente a tudo isso. As disputas internas também
não passaram em branco nas falas dos sujeitos entrevistados
Assim, após o primeiro grande embate, frente ao projeto de ensino médio que
estava posto, com a revogação do Decreto nº 2.208/1997, com mudanças organizacionais no
MEC e respectivos desdobramentos estruturais e políticos nas propostas em curso, num
235
contexto de recorrentes críticas na imprensa, sobre a qualidade do ensino médio,
especialmente nos momentos de divulgação dos dados do IDEB e do ENEM, eis que o
primeiro mandato do PT na presidência se encerrou. Apenas no penúltimo ano do segundo
mandato a SEB apresentou uma proposta pedagógica de ensino médio: o Proemi. No rol das
disputas internas e externas uma entrevistada apresentou uma observação sobre o momento
em que nasceu o Proemi. Esse quadro corrobora com a percepção da pesquisadora durante a
revisão documental, ou seja, as estratégias do campo educacional não eram eficientes para
lidar com o jogo estabelecido, ao passo que as estratégias do campo econômico eram e ainda
contavam com a permeabilidade no campo educacional, possibilitada por esse campo, por
razões políticas endossadas pela gestão do ministério, ou seja:
Na minha avaliação, as grandes questões do Ensino Média não eram afetadas por
disputas significativas. Muito mais, pela falta de clareza na condução do processo –
disputas conceituais na definição de princípios: além disso, podíamos identificar
disputas entre grupos de força política no espaço de poder constituído. Havia
demandas diferenciadas, muitas vezes emergentes no próprio governo. Em
momentos como o da definição do Proemi, vimos surgir o envolvimento do então
ministro Mangabeira Unger, então Secretário de Assuntos Estratégicos, solicitada
pelo próprio ministério da educação, já que o Ministro indicava ações relacionadas
às políticas educacionais para a sua proposta de desenvolvimento do país.
(ENTREVISTA 5)
A formação dos professores das unidades federadas que aderiram ao Proemi foi
bastante diversificada e também se constituiu em um ponto estruturante na implementação do
Programa. Essa etapa resguarda aspectos emblemáticos, sobretudo quanto às unidades
federadas que aderiram nas primeiras edições do Proemi, pois a formação desses docentes
ocorreu em um espaço simbólico, ou seja, no colégio de ensino médio do Sesc do Rio de
Janeiro.
A aproximação com o Sistema S nesse caso, o Sesc, para fins de realização da
formação de professores no âmbito do Proemi, foi justificada por um dos entrevistados, como
parte das discussões e do acordo que o governo federal 215 e o Sistema S estavam
215
No dia 27 de março de 2008 o Ministro da Educação Fernando Haddad e o Ministro do Trabalho, Carlos
Lupi lançaram a proposta de criação do Fundo Nacional de Formação Técnica e Profissional (Fundep). Tal
fundo seria constituído com os recursos do Sistema S com o objetivo de ampliar o número de vagas de cursos
profissionais gratuitos , especialmente para beneficiar alunos do ensino médio da rede pública. Tal proposta foi
discutida na Comissão de Educação, em audiência pública mediante requerimento encaminhado pelos deputados
do PT Flávio Arns e Paulo Paim. Nessa audiência participaram representantes do Sistema S (CNI, CNC, Fiesp,
CNT, OCB) e o Ministro da Educação. Tal proposta, em boa parte, retomava o ideário proposto pelo Senador
236
desenvolvendo para fins oferta e ampliação de vagas com gratuidade, na educação
profissional e também na educação básica, ou seja:
Paulo Paim PT/RS na PEC nº 24/2005, que previa a criação de um Fundo de Desenvolvimento da Educação
Profissional. O saldo dos embates com o Sistema S foi desgastante para Haddad e resultou apenas em um
protocolo assinado entre o governo Lula e o Sistema S, em que este se comprometia em ampliar a oferta de
vagas gratuitas na educação profissional e educação básica. Houve também algumas alterações no regimento de
algumas das instituições que compõem o Sistema S, no sentido de inserir esse acordo firmado. Nesse sentido o
Decreto nº 6.637 de 5 de novembro de 2008 realizou mudanças no regimento do Sesi e o Decreto nº 6.635 de 5
de novembro de 2008 no Senai, que entre outros aspectos fez a seguinte inserção: “Art. 11 – Parágrafo único. O
Departamento Nacional disponibilizará ao Ministério da Educação informações necessárias ao acompanhamento
das ações voltadas à gratuidade, de acordo com método de verificação nacional a ser definido de comum
acordo”. (NR)
237
diferentes vias. Sobre esse entrelaçamento, com o campo econômico, para fins de
implementação do Proemi, sobretudo na formação docente, algumas das pessoas entrevistadas
apresentaram aspectos interessantes e singulares, tendo em vista o espaço e o tempo que cada
uma ocupou no período em que tais fatos aconteceram:
O Ensino Médio Inovador, por exemplo, quando ele nasce, também por influência
do próprio ministro também, a formação...ela vai para o Sistema S. Você sabia
disso? A formação vai para o Sistema S. Até 2011, até o final de 2010 a formação
foi feita pelo Sistema S, mostrando aquela maravilhosa estrutura do Rio de Janeiro,
como se aquilo lá fosse igual. Até 2010 a formação foi com o Sistema S, a partir de
2011 não teve mais nenhuma ação de formação com o Sistema S. Então
assim...Sistema S vem de um lado, Instituto vem do outro e o outro vem do outro e a
conversa passa direto com o Ministro e o Consed, quando ele é convencido...porque
essas instituições vão ao Ministro, mas elas também vão aos estados, porque é o
estado que vai pedir o recurso para o governo federal, porque o recurso é assim o
governo federal não passa recursos para essas instituições. É via secretaria, então
precisa do envolvimento da secretaria de educação. (ENTREVISTA 2)
216
Dois projetos distintos tramitaram na Câmara dos Deputados, mas com objetivos bastante semelhantes: PL nº
1754/2007, de autoria de Átila Lira (PSB/PI) e PL nº 3153/2008 de autoria de Lelo Coimbra (PMDB/ES). Em
ambos havia a prerrogativa de inserção de percentuais de gratuidade nas vagas ofertadas pelo Sistema S. Ambos
foram arquivados, após terem sido reprovados nas Comissões de Mérito.
238
entre os professores que participaram das formações no Sesc Rio e no Sesc Pantanal? E junto
aos profissionais que atuavam no MEC? O Quadro 11 aponta que dois membros da equipe do
MEC do período de 2003 a 2014, que atuaram no ensino médio, atualmente ocupam funções
na Diretoria Nacional do Sesc. Ainda que o viés conciliatório fosse a premissa daquela época
é interessante observar os desdobramentos dessas ações, ou seja:
O Instituto Unibanco não entrou dentro das escolas sem o aval do MEC. Ele não
entrou como clandestino. Ele entrou como autorizado. Isso não manifesta
simplesmente em uma disputa por recursos públicos, também é isso, mas
especialmente é uma disputa por concepção. Por isso que eu acho que vale a pena,
pois na tese a gente fala um pouco disso. A gente vê a política como um campo de
arena, de disputa. E uma concepção mais ampliada de Estado. Ela não é disputada só
dentro do Estado no sentido restrito, mas ela é disputada na sociedade. Quando o
Instituo Unibanco chega lá, quando a FRM chega, quando o IAS chega...então eles
chegam querendo vender uma tecnologia educacional, mas eles também articulados
com os entes políticos, por exemplo com o Consed, ou com parte dele. Então ali a
gente vai vendo quem está disputando e o que está disputando. (...) Então isso já
coloca o Consed no centro e a depender dos movimentos nos estados com o
segmento empresarial, você vai ter mais a presença disso. Não vou te contar na
pesquisa do Proemi o que a gente passou ali (a entrevistada se reporta a Goiás, o
estado de origem da pesquisadora). Por que que o ministro Haddad autorizou essa
experiência do Proemi/PJF nos estados? Ele vem por essa via, então para nós
fazermos o Proemi nós vamos com o que a gente já tem lá, ou conforme o que nós
queremos que é o Instituto Unibanco. Muitas vezes quando se mudou o governo
nesses estados, e que tinha o PJF deixou de existir porque ele expressa uma
concepção empresarial de educação, de ensino médio. Então a depender da
secretaria de educação que está vai depender se vai ter aderência ou não. E eu estou
usando o Instituto Unibanco, mas tem outros...tem o ICE, tem vários outros que vão
nessa mesma lógica.. Então eu acho que há uma disputa política público privada
sim e dentro do Proemi ela se fez presente. (ENTREVISTA 7) (Grifos nossos).
217
A tese de Simone Sandri “A relação público-privado no contexto do ensino médio brasileiro: em disputa a
formação dos jovens e a gestão da escola pública”, defendida na UFPR, em 2016, é um estudo relevante para
compreender a experiência e desdobramentos dessa parceria.
218
É bastante reiterado nos documentos do Unibanco a menção à inserção do Jovem de Futuro no Guia de
Tecnologias do MEC.
240
Houve uma estratégia do campo educacional, nessa fase inicial do primeiro
mandato do Governo Lula, condizente com o processo de implementação de um projeto
voltado para a concepção de ensino médio que se faz presente na primeira versão do Proemi.
Desse modo, antes de ser o Programa Ensino Médio Inovador, em 2009, houve o “Projeto
Ensino Médio Integrado: uma perspectiva abrangente na política educacional (2008)219”,
assim como houve o “Programa Nacional de Ensino Médio” (2004)220. Esses dois projetos,
contudo, não saíram da versão preliminar e a clareza e coesão foram sendo metamorfoseadas
com as concepções do campo econômico, nem tanto nos documentos, mas sobretudo nas
ações resultadas das parcerias entre os dois campos nas redes estaduais.
Esses aspectos desvelam a marca expressiva do campo educacional e o tom de
busca de diálogo, de construção com as escolas e com as entidades do campo educacional. Por
parte do governo federal, via executivo do MEC, o jogo era mais político, de modo que a
busca por conciliação com distintas vertentes esteve sempre premente, desde o início do
período delimitado nesta pesquisa. Assim, o campo econômico foi ocupando os espaços
latentes no executivo, e ao mesmo tempo articulava ações externas, como no campo político e
por dentro do campo educacional, neste caso nas redes estaduais de ensino e no Consed.
Uma análise conceitual nas versões do Proemi desvela que a perspectiva inicial
foi sendo atenuada no decorrer das edições, ou seja, os conceitos balizadores da proposta, que
por sua vez expressavam um ideário, um projeto de ensino médio, desaparecem dos
documentos subsequentes, permanecem termos mais polissêmicos e outros conceitos surgem,
como esboça o quadro abaixo:
219
Documento fruto de versão preliminar e de circulação restrita. O acesso ao documento foi possibilitado à
pesquisadora por uma das pessoas entrevistadas, que ressaltou que se tratava da primeira versão do Proemi, que,
por sua vez, foi alterada para atender algumas recomendações do executivo.
220
Documento de versão preliminar e circulação restrita. O acesso ao documento foi possibilitado à pesquisadora
por uma das pessoas entrevistadas.
241
Trabalho manual e intelectual X
Desigualdade X X
Emancipação X
Mediações de 1ª e 2ª ordem X
Noção de historicidade
Relações sociais de produção X X
Diversidade X X X X X
Pluralidade X
Multiplicidade X
Identidade X X X X
Sustentabilidade X X X X
Cidadania X X X X
Comportamento ético X X X X
Juventudes
Solidariedade X X X X
Humanismo X X X X
Fonte: (JÚNIOR, 2015, p.183)
Eu acho que a gente fez muita coisa que antes não tínhamos feito. Por exemplo, o
ato de a gente disputar o sentido das DCNEM, arregaçarmos a manga e irmos nas
audiências do CNE, produzimos um texto de referência, acho que nós mobilizamos
isso...eu não conheço nenhuma outra vez outras pessoas podem ter feito. Nós
termos feito isso com tamanha organicidade, com tamanha articulação. Então nesse
sentido, eu acho que nós não pecamos, ao contrário acho que fizemos algo muito
242
novo no Brasil, que foi de buscar uma interlocução mais direta. Eu vejo que nós
podemos, ou melhor, essa experiência nos fez aprender coisas. Por exemplo, tem
hora que a gente precisa ficar discutindo conceito e tem hora que a gente tem que
agir, que pensar como Gramsci “Pessimismo no pensamento e otimismo na ação”,
porque a gente é muito pessimista na ação também e fica esperando, esperando e eu
acho que a realidade às vezes nos atropela, como está nos atropelando agora essa
semana. Eu isso a gente aprendeu, eu pelo menos aprendi a fazer isso. Tipo: não
vamos esperar tudo ficar bem para fazer isso. É o que eu digo para os colegas das
universidades. Eu acho que as ações do Pacto nessa relação com a formação as
secretarias e as universidades, eu acho que balançou as universidades. Várias ações
do Pacto e pelo menos algumas colocaram um alerta, para como a formação inicial
de professores está fora, extemporânea, não dá conta mesmo de preparar para essa
escola que a gente tem. Eu acho que ele fez uma ação ali. Eu acho que a gente
aprendeu a fazer política junto, a disputar o sentido da política. Esse também é
o papel de quem produz conhecimento. Ainda mais em um país como o nosso
com tanta desigualdade. Nem todo mundo tem essa disposição e eu não critico quem
não tem. Mas eu acho que estar aberto ao diálogo com a sociedade é o papel da
universidade. Se a gente produz conhecimento e tem um acúmulo desse
conhecimento ele não é privativo dos livros, ou dos artigos. Ele é também do
campo epistemológico de produzir conhecimento e que fica para a posteridade,
mas ele é também do campo de intervenção, de ação profícua sempre que a
realidade permite. Nós estamos fazendo isso agora com a BNCC, com vários
campos de interlocução que os pesquisadores tem pra fazer na sociedade como uma
política pública. Eu acho que de fato eu não sei, fica difícil dizer se faria uma coisa
de outro jeito, eu acho que não; a gente faria como fez, conforme as condições foram
dadas. Por exemplo, nós tínhamos dez dias para entregar um texto das DCNEM. Nós
fizemos isso nas nossas madrugadas. Então era a condição que tinha, fizemos isso
um mandando e-mail pra o outro, cortando, mudando. Nós não paramos 10 dias de
uma vida para ficar por conta disso. A gente voltou para nossas casas e fomos fazer
com o que a gente tinha. Então eu acho que a gente ganha o que a gente conseguiu.
Eu não digo assim, “As DCNEM poderiam ter avançado mais, no PL do Ensino
Médio a gente poderia ter avançado mais”. Não! Aquilo foi o que era possível,
chegou até aqui, agora a gente vê o que resta disputar. (ENTREVISTA 7)
(grifos nossos)
243
Há um tom de desabafo que merece atenção: avanços conquistados a trancos e
barrancos. No contexto das entrevistas essa fala adquire consistência em outras entrevistas. A
singularidade é que nesse trecho o desabafo aparecer com maior clareza, pois essa pessoa
entrevistada foi incisiva na sua afirmativa. Essa fala se soma a outras leituras e denota que a
autonomia relativa dos sujeitos também se esbarra no âmbito das concepções, na definição
dos projetos de ensino médio. Para uma das entrevistadas o mérito do avanço do campo
educacional está no diálogo ampliado com seus sujeitos, com as entidades, com os pares, não
necessariamente foi no campo político, no executivo. Esse saldo parece insuficiente para a
construção de uma proposta, pelo menos no período correspondente ao que foi definido nesta
pesquisa.
Já outra entrevistada tece uma leitura quanto ao papel do campo educacional, dos
agentes que produzem conhecimento: aprender a disputar o sentido da política. Nesse sentido,
para essa entrevistada, o exercício vivido durante a definição das DCNEM, na implementação
do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio e nos embates frente ao PL nº
6.840/2013 salientaram a condição precípua do campo educacional, em um país com tanta
desigualdade, é necessário participar mas ativamente e combativamente nas disputas e
estratégias empreendidas pelos projetos de educação. Para essa entrevistada ficou o
aprendizado da necessidade de disputar os projetos por dentro e por fora do campo
educacional. Nesse sentido, há que se fortalecer o capital do campo, buscar definir as
melhores estratégias em cada momento, ou seja, definir os rumos de ação nos tempos
favoráveis e nos controvertidos.
As correlações de força no âmbito do MEC foram ratificadas por todos os sujeitos
entrevistados, em maior ou menor expressão, todos fizeram relatos sobre situações singulares
ou sobre a constante disputa que ocorre interna e externamente. No roteiro de entrevista havia
uma pergunta sobre as razões pelas quais ocorreu o desligamento do MEC e se esses motivos
poderiam ser socializados. Todos relataram descontentamento, entre outros fatores menos
determinantes, com os rumos que o ensino médio vinha tomando. Essa afirmação é
significativa, pois o espaço que esses sujeitos ocuparam é um lócus de distinção, pois estar no
governo federal, no seio onde as políticas educacionais são delineadas, entre outros aspectos,
implica em gozar de poder de decisão teórico e prático, ainda que relativos, com certa
autonomia para definir ações pontuais na área que atua. Ao que parece esse poder, esse capital
simbólico se desvalorizou dentro do campo educacional, entre os agentes com a perspectiva
de ensino médio distinto do que vigorou até 2002.
244
O Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio não foi contemplado
como alvo de muitas disputas entre os campos educacional e econômico. Não foram relatadas
estratégias do campo econômico em prol de obter espaço de atuação. Duas entrevistadas
relatam aspectos da constituição do Pacto:
Era o Paim que estava no MEC e quando a Diretoria de Currículo começa a se
articular para a oferta dessa formação continuada o Paim fala “não vai fazer só para
as 2 mil escolas não”, nós vamos propor para as 20 mil escolas do ensino médio no
Brasil. Aí começamos a desenhar a formação. Um grupo, que na verdade a maioria
dele são os autores dos cadernos da primeira etapa (Juarez Carrano, Licinia, Mônica,
Artexes, Marise, Carmem da USP...)É aquele que grupo que a maioria acabou
virando autor os cadernos da primeira etapa. Nós desenhamos um projeto de
formação tendo como eixos sujeitos do ensino médio e formação humana integral
remetendo às DCNEM. E o conteúdo dos cadernos foram tirados da onde? Das
próprias Diretrizes, não saiu da cabeça de ninguém. Quando você pega o Parecer 5
de 2011 eles estão lá, “quem são os jovens” “a história do ensino médio” “o que é
um currículo integrado” “a gestão democrática” “a avaliação”. Então a gente pegou
o que tava nas Diretrizes pra fazer a questão dos conteúdos para fazer a formação da
primeira etapa. E começa haver uma articulação dentro do MEC, com a Diretoria,
não só com a de Currículo, mas também a de gestão, teria que fazer a formação de
professores. E nós acabamos desenhando também essa proposta do ponto de vista da
sua operacionalização. Então a gente concebeu o conteúdo, o formato, que seria na
escola, que seria presencial, que teria os orientadores de estudos e essa ideia de
bolsa, no sentido de um incentivo. O que é complicado, porque quando vc tem a
bolsa e tem a condição de dar o dinheiro, mas quando vc não tem condição de dar a
bolsa....Mas o propósito da formação do pacto nunca foi dar bolsa. Isso que eu quero
que fique claro. O propósito era mobilizar os professores em torno de uma formação
comum, que eram as DCNEM. Fizemos a primeira etapa. Quem fez a articulação
com o Consed foi o MEC. Nós fizemos as articulações comas coordenações de
ensino médio e as universidades. (ENTREVISTA 7)
A ideia do pacto, que não era esse nome, mas um conjunto de políticas que pensa o
ensino médio como um todo e dentro do Pacto a mudança dos rumos do Proemi e as
DCNEM que foi a Formação de Professores. Nós temos hoje no país 350 mil
professores. Então eu acho que as DCNEM, a gente conseguir finalizar e homologar
as Diretrizes, depois de um ano a gente conseguiu convencer o Ministro que elas
eram importantes e que davam uma direção para o ensino médio brasileiro. Apesar
dessa discussão ter nascido lá no Artexes, e aí a partir das DCNEM foi levar as
Diretrizes para o chão da escola, através do âmbito da formação no âmbito do Pacto.
A frustração é que o Pacto não se concretizou, esse nome foi um nome que o
Ministro deu. (ENTREVISTA 3)
O Pacto concebia a formação docente como seu principal expoente, ainda que
originalmente tivesse sido concebido para desenvolver ações para além da formação. A
estratégia de fazer dessa política para o ensino médio o caminho para levar as DCNEM para
dentro das escolas conseguiu mobilizar um grande número de professores. Essa ação, ao
envolver as universidades na coordenação e execução do projeto, em parceria com as
secretarias de educação, possibilitou o inicio de um diálogo direto sobre os desafios do ensino
médio e sobre as concepções de formação que se faziam presentes. Certamente pelo tamanho
e pela natureza dessa ação foi um marco na história do ensino médio, mas que poderia ter
avançado mais, estreitado as relações e em médio prazo possibilitar que se chegasse ao
245
diálogo sobre o papel da universidade na formação inicial e continuada dos professores da
educação básica. A discussão sobre as DCNEM contemplava um ponto chave, ou seja:
o grande problema das Diretrizes é que as escolas não conhecem, então não há uma
mudança significativa. O Pacto nasce por isso, pra se discutir lá por dentro da
escola. E qual que foi o caminho desses setores? Onde o setor empresarial foi? E
onde eles ganham? Na Base Nacional Comum e ganham no 6.840, que a influencia
daí ela é totalmente dessas instituições (ENTREVISTA 3)
O fato de não ter ocorrido grandes disputas sobre as ações do Pacto, quanto à fase
de elaboração e de definição de agenda não significa que tenha sido uma ação que passou
incólume às reações dos agentes do campo econômico e seus adeptos, dentro do campo
educacional. É interessante observar que como dependia de adesão das unidades federadas e
isso acarretava na secretaria estadual possuir ou não recursos para a formação docente. Esse
aspecto acabava pressionando os estados a aderirem, mas mesmo aderindo é possível pontuar
as estratégias de resistência por parte dos que não pactuavam da concepção de ensino médio
posta nas DCNEM. Nesse sentido, uma das pessoas entrevistadas relatou:
Então quando o MEC vai propor uma ação conjunta. Uma ação nacional. Isso chega
para os lugares de maneiras diferentes, porque elas são traduzidas...e não tem outro
jeito de ser. Por que por mais que a gente viva num modelo presidencialista, nós
temos o regime de colaboração e o pacto federativo que tem que ser respeitado.
Então o MEC não pode dizer assim: “Eu vou fazer a formação do Paraná. Ele só vai
fazer formação junto se houver uma pactuação, como foi o caso dos dois pactos. Do
Ensino Médio e da Alfabetização.
No que que teve disputa no Pacto? O que que teve disputas no Pacto? As Secretarias
ao não concordar com o que está nas Diretrizes ou não quiseram a formação, como
no caso de São Paulo, ou colocaram materiais paralelos que divergem muitas vezes
da linha que está no material. Em alguns houve uma demora. O Paraná demorou,
aderiu só na última hora.
Por exemplo..um exemplo que eu gosto de dar, mais no sentido de que as coisas
todas se casaram, foi no Rio Grande do Sul. Por que o RS estava com a proposta do
Ensino Médio politécnico, que é na verdade uma política estadual muito interessante
pras escolas e já com base nas diretrizes, já em 2013. Quando chega o Proemi e eles
ampliam o número de escolas com o Proemi, você tem financiamento para viabilizar
nas escolas muitas ações que do ensino médio politécnico que estava articulado,
muito mais do que o Jovem de Futuro do Unibanco. E a formação de professores do
Pacto era exatamente o que eles precisavam implantar. Então é um exemplo de
como se pode articular. Então a gente tem o Rio Grande do Sul que eu considero
com o melhor exemplo em articulação com a secretaria estadual e a política nacional
como exemplo. Pra vc ter uma ideia as próprias ações do Pacto, várias vezes eu fui
pra lá em eventos que foram feitos pela secretaria estadual de educação do RGS em
que eles levavam 2 mil, 3 mil professores, inclusive do interior para Porto Alegre
para discutir ações do Pacto, com recursos próprios e não do MEC, investindo
informação. E tem estado que nunca fez isso. O Paraná nunca fez um evento de
formação pelo Pacto. Na verdade teve muitas ações que nós fizemos sem recursos.
Os professores usavam a bolsa do MEC pra pagar deslocamento, por que não houve
uma contrapartida do governo estadual. Isso foi diferente de estado para estado.
(ENTREVISTA 7)
3.3 A relevância da Câmara dos Deputados como agente do campo político: entre as
aproximações e distanciamentos dos campos econômico e educacional nas proposições
para o ensino médio
221
“Art. 2008, I- educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade,
assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”. (BRASIL,
2009a)
248
suporte e de perspectiva, pois apontam um viés de concepção de educação básica e nela o
ensino médio tem um papel. As Emendas Constitucionais tiveram tramitações sem grandes
embates na Câmara dos Deputados222, já o PL 6.840/2013, que não se converteu em lei e foi
superado em forma e conteúdo pela MP nº 746/2016, retrata com singularidade a acirrada
disputa entre os campos educacional e econômico por um projeto de formação de ensino
médio e como o campo político, nesse caso o legislativo federal é um agente importante que
participa desse processo e tende, pela composição do Congresso, a ser mais favorável ao
projeto conservador de sociedade e de educação do que corroborar com premissas
progressistas.
As emendas constitucionais deram legalidade a ações que repercutiram
sobremaneira no ensino médio, dado o teor legal dessas proposições, ainda que não tivessem a
última etapa da educação como objeto principal ou exclusivo do ato. Já o PL nº 6.840/2013
nasceu com o objetivo precípuo de apresentar uma proposta de reformulação do ensino
médio.
Em maio de 2005 foi apresentado, por parte do executivo, ao Congresso nacional
a PEC nº 415/2005 que resultou na aprovação da EC nº 53/2006, por 457 votos a favor e 5
contra, em primeira votação, na Câmara dos Deputados, em 19 de dezembro de 2006. Nascia
o Fundeb223, que foi regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto nº 6.253/2007. A
tramitação e aprovação do Fundeb foram negociadas por meses e, apesar de se tratar de uma
Emenda Constitucional, teve tramitação razoavelmente rápida e contou com uma boa
aprovação. Isso reforça a importância da articulação e do envolvimento, por parte dos
interessados nessa aprovação.
No entanto, a EC nº 53/2006 também possui antecedentes na PEC nº 0536/1997
de autoria do Deputado Valdemar Costa Neto PL/SP, apresentado na ocasião em que o
Presidente da Câmara era o Deputado Michel Temer e que foram colhidas 177 assinaturas
válidas, número suficiente para iniciar a tramitação da proposição. Esse projeto inicial
tramitou por 8 anos, ou seja, período equivalente a duas legislações. Nesse percurso ocorreu a
222
Apesar do Congresso Nacional ser constituído por duas casas legislativas (Câmara dos Deputados e Senado
Federal), neste estudo, optou-se por discutir a tramitação das proposições mencionadas apenas na Câmara dos
Deputados, uma vez que uma das propostas de EC foi encaminhada por um Deputado e ratificada pelo Executivo
e o PL nº 6.840/2013 é de autoria de um parlamentar da Câmara. Já a EC nº 59/2009 é resultado de um PL do
Senado, que foi alterado no decorrer da tramitação, pois inicialmente havia apenas a proposta da Desvinculação
das Receitas da União (DRU), ou seja, o ensino médio não estava diretamente contemplado na proposição.
223
Foram muitas negociações entre os diversos segmentos (governo, movimentos sociais e sindicais, equipe de
planejamento e orçamento, deputados e senadores) para a aprovação do Fundeb. Entre as negociações houve a
proposta do então, Senador Aloizio Mercadante, PT/SP, para estipular prazo para que os munícipios e estados
implementassem os Planos de Carreira dos profissionais da educação.
249
aprovação da PEC na comissão especial e na de Constituição Justiça e Cidadania e ao projeto
original foram apensados outros três projetos de EC: PEC nº 312/2000, de autoria do
Deputado Carlos Alberto Rosado, PFL/RN; PEC nº 415/2001, de autoria do Deputado Inácio
Arruda PC do B/CE e a PEC nº 415/2005 de autoria do executivo, que por sua vez foi a
proposta mais contemplada na versão sancionada.
A PEC nº 415/2005 tramitou por 18 meses e esse período é relativamente curto,
pela natureza da proposta e em comparação uma com a tramitação do PEC nº 216 de 2003224,
que possuía uma proposição semelhante, porém mais pontual. A tramitação das propostas e o
saldo da votação desvela conotação mais política do que técnica, ou seja, o peso para a
aprovação recai na pauta que vem do executivo, perpassa pela correlação de forças dentro do
Congresso e pelo capital político do executivo junto aos parlamentares225. Essa equação
também pode ser compreendida como um termômetro de governabilidade, ou seja:
O presidente brasileiro não apenas tem o poder exclusivo de iniciar legislação em
determinadas áreas, como também tem o poder de forçar, unilateralmente, a
apreciação das matérias que introduz dentro de determinados prazos. De acordo com
o art. 64, § 2º, da Constituição brasileira de 1988, o presidente pode solicitar
urgência para apreciação de matéria por ele apresentada, o que significa um prazo
máximo de 45 dias para apreciação da matéria em cada uma das casas. A solicitação
de urgência impede que minorias possam, por seu controle de veto points,
‘engavetar’ as propostas presidenciais. (LIMONGI ;FIGUEIREDO; 2001, p.25)
224
O Deputado Carlos Abicalil (PT/MT), ex-presidente do CNTE foi o autor deste Projeto, que tinha por
objetivo a inserção do “Piso Nacional dos Profissionais da Educação Escolar, como princípio geral do ensino no
país”. Ele foi apensado na PEC nº 415/205 e contemplado, parcialmente, através de uma emenda apresentada
durante a tramitação, pois se tivesse permanecido atrelada a proposta do Piso ao Fundeb a votação poderia ser
emperrada. Assim, o Senador Cristovam Buarque, na época do PT, apresentou o PL nº 59/2004 e propôs uma
alteração na LDB nº 9.394/1996, nas disposições transitórias e o estabelecimento do Piso. Tal projeto foi
aprovado no Senado, encaminhado para a Câmara dos Deputados, aprovado e posteriormente sancionado pelo
Presidente Lula, com veto parcial, recebendo a normatização jurídica de Lei nº 11.738 de 16 de julho de 2008.
225
Martins (2012) salienta que para o campo da Ciência Política o papel do executivo é preponderante nas
proposições e aprovações ligadas ao campo da educação. No entanto, o estudo de Martins, que analisou a
proposição e tramitação de projetos ligados à educação, no período de 1995 a 2010, indica que essa tendência
tem diminuído devido ao crescimento do interesse e da articulação do legislativo em relação aos temas
educacionais. O Projeto Escola sem Partido, PL nº 867/2015, de autoria do Deputado Izalci PSDB/DF, e o PL do
Senado nº 193/2016, de autoria do Senador Magno Malta PR/BA, ambos em fase de tramitação, caso se
convertam em legislação educacional, demarcam uma proposta de intervenção sem precedentes, do legislativo,
no papel da escola.
226
Quando o Fundeb foi aprovado o voto no Congresso ainda era secreto. Tramitava naquele momento o Projeto
de Emenda Constitucional nº 349/2001 de autoria de Luiz Antônio Fleury e outros. Tal projeto foi aprovado em
primeira votação em 5 de setembro de 2006 e em segunda votação, apenas em setembro de 2013. Por tal razão
não é possível saber os votos de cada parlamentar na PEC do Fundeb. Nos registros do Congresso, constam
apenas os quantitativos de votos e o destaque em separado para o voto da Senadora Heloísa Helena do
PSOL/AL, que apesar de ter votado favoravelmente ressaltou que o texto final não contemplou as emendas que
250
reivindicação da categoria docente sobre a necessidade de ampliação da cobertura financeira
das etapas da educação básica que, até então, não eram contempladas no Fundef. Além disso:
“Muita coisa bacana surgiu na CAED227. Por exemplo, a proposta, do Fundeb e eu participei
dessa reunião, eu estava lá! O meu grupo do Rio de Janeiro que levou. A proposta do Fundeb
nasceu no CAED, numa reunião dessa da CAED” (ENTREVISTA, 1).
A aprovação do Fundeb representava o atendimento a um compromisso assumido no
programa do então candidato Lula à presidência, em 2002. Por parte do CNTE houve uma
mobilização e esforço junto aos parlamentares para que tal medida fosse sancionada
integralmente. Já por parte dos partidos de oposição houve resistência quanto à inclusão da
educação infantil e do ensino médio no bojo dos repasses financeiros destinados à educação
básica. Havia, por parte do grupo oposicionista, entre outros aspectos, um entendimento de
que o foco do governo federal deveria permanecer no ensino fundamental.
Na exposição de motivos da PEC do Fundeb o Ministro da Educação, Tarso Genro,
apresentou uma lista com 40 motivos que justificavam a criação desse fundo. Dentre as razões
pela alteração de Fundef para Fundeb o ensino médio aparece em sete justificativas:
2) A implantação do FUNDEF a partir de 1998 visou apenas ao ensino fundamental,
deixando à margem do processo de inclusão educacional os jovens e adultos que não
tiveram acesso à escola na idade própria, tanto no ensino fundamental quanto no
ensino médio, bem como as crianças em idade para a educação infantil e todos os
jovens que anualmente batem às portas do ensino médio, em uma demanda de escala
crescente nos últimos anos - como reflexo da política, positiva, porém segmentada e
incompleta, representada pelo FUNDEF.
3) (...) Verifica-se que, no período de 1988 a 2002, na rede pública de ensino, as
matrículas cresceram 59% na pré-escola; 37% no ensino fundamental; 232% no
ensino médio; e 80% na educação superior.
9) (...) um professor que atua no nível médio ganha, em média, R$ 866,00 valor que
representa 57% da remuneração de um policial civil; 34% do que ganha um
delegado, ou um advogado e 10% do que ganha em média um juiz de direito. (...).
11) (...)Tem-se também que, em 2003, 33,9% dos alunos do ensino fundamental e
49,3%, do ensino médio estão fora da série considerada adequada para sua idade.
14) (...) a atuação dos Estados é concentrada no ensino médio (98%), (...)
25) A criação do FUNDEB, contemplando toda a educação básica, fará com que os
efeitos negativos representados pelas reduções de receitas, sobretudo dos
Governos Estaduais, sejam atenuados: (1) pela inclusão dos alunos da educação
infantil e do ensino médio, com reflexo direto na redistribuição dos recursos; (2)
pela inclusão, no Fundo, de 20% de impostos e transferências dos Estados; e (3) pela
garantia de um investimento mínimo nacional por aluno/ano que assegure qualidade
no ensino em conseqüência de significativa complementação dos recursos do Fundo
com novos aportes da União.
26) É importante destacar que esse novo universo do FUNDEB desenha um cenário
com favoráveis perspectivas em favor da melhoria do atendimento, com
significativos avanços nas taxas de escolarização, a curto e médio prazo,
solicitavam que o texto tivesse a redação “educação básica pública” em detrimento ao termo “educação básica”,
inclusive esta senadora apresentou a emenda nº 5 ao projeto, quando em tramitação no Senado Federal.
227
A Coordenação da Comissão para Assuntos Educacionais (CAED) nasceu no Primeiro Encontro Nacional de
Educação do PT, realizado em 1989. Tal Comissão sistematiza as prerrogativas do Partido para a educação. Há
reuniões periódicas e somente participam e possuem acesso a alguns dos documentos os filiados ao partido.
251
principalmente no segmento da educação infantil e do ensino médio. (...) Na
educação especial e no ensino médio, a previsão supera os 40% de crescimento nas
matrículas. (BRASIL, 2005)
252
médio ocorreu apenas em 2009, com o Proemi, ou seja, no mesmo ano em que a EC nº
59/2009 foi aprovada. Essa situação, inclusive, pode desvelar a superação de um entrave
financeiro que uma vez superado abriu novas possibilidades. No entanto, não é o que as
disputas foram apontando, pois ficou implícito um desprestigio do campo educacional e uma
valorização do campo econômico dentro do campo educacional e na articulação com o campo
político, conforme fica evidenciado no PL nº 6.840/2013.
A EC nª 59/2009 é resultado de um projeto de lei apresentado no Congresso em
2003, pela Senadora Ideli Salvati (PT/SC). Na ocasião o projeto focava na proposta de
Desvinculação das Receitas da União (DRU), gradualmente, ou seja, iniciando em 2009 e
atingindo a totalidade em 2011. Na Câmara dos Deputados a proposta recebeu a nomenclatura
PL nº 277/2008.
A constituição especial constituída para apreciar a matéria teve como relator o
deputado Rogério Marinho (PSB/RN). Foi aprovada nesta comissão em março de 2009 e no
segundo turno em setembro de 2009, sem propostas de emendas. No entanto, no substitutivo
do relator foram inseridos conteúdos que não constavam no projeto original. O Relator
solicitou audiências públicas com:
Com a presença dos Senhores Ministro de Estado da Educação; da Fazenda; e do
Planejamento, Orçamento e Gestão, representante do IPEA e do INEP, para discutir
a evolução dos gastos em Educação no Brasil e a importância do fim da DRU para a
qualidade da Educação Básica. Além desses, os representantes da Unicef, da
Undime, da Unesco, do Consed, da OIT do CNE, do CNTE, da OCDE, da
Coordenação-Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e do
Movimento Todos pela Educação. As audiências têm o objetivo de discutir a
Proposta de reivinculação dos recursos da União (DRU) para educação e suas
implicações para com o financiamento público da educação do País. (CN,
REQ.1/2008228)
228
A íntegra desse requerimento está disponibilizada no endereço eletrônico:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=403309ABF8B53CBD1185616909
2C69BC.proposicoesWebExterno2?codteor=620854&filename=Tramitacao-PEC+277/2008 Acessado em:
10/01/2017
253
essencial para o cumprimento das metas do Plano de Desenvolvimento da Educação”229. Foi
sob essa prerrogativa que a inserção da obrigatoriedade dos 4 aos 17 anos foi contemplada no
substitutivo do relator.
Nesse sentido, a ampliação da obrigatoriedade vinculada à DRU contou com
menos resistências por parte dos parlamentares, o Relatório da Comissão Especial foi
aprovado por unanimidade e contou com votação expressiva nas duas votações na Câmara230,
ou seja: na primeira votação foram 329 votos a favor e 82 contra (especialmente do PSDB e
do DEM); segunda votação 390 votos favoráveis e 3 abstenções. O intervalo entre a primeira
e a segunda votação foi de 14 dias.
Em 15 de março de 2012 foi apresentado um Requerimento de autoria do
Deputado Reginaldo Lopes PT/MG solicitando a constituição de uma Comissão Especial na
Câmara dos Deputados com o objetivo de discutir e apresentar proposta de reformulação do
ensino médio. Em 23 de maio de 2012 a Comissão Especial de Estudos e Reformulação do
Ensino Médio (CEENSI) foi constituída.
Para o Deputado Reginaldo Lopes, conforme consta no relatório de trabalho da
CEENSI, o ensino médio passou a ser obrigatório com a EC nº 59/2009 e necessitava ser
revisto, pois “não corresponde às expectativas dos jovens especialmente no tocante à sua
inserção na vida profissional e vem apresentando resultados que não correspondem ao
crescimento social e econômico do país”.
A CEENSI foi constituída por 28 membros titulares e igual número de suplentes,
conforme o quadro abaixo especifica, com o objetivo de realizar o estudo pretendido e
apresentar uma proposta de mudanças no ensino médio. Desse modo, o relatório final da
CEENSI foi aprovado em 26 de novembro de 2013. Já no dia seguinte, 27 de novembro de
2013 o Deputado Reginaldo Lopes PT/MG apresentou o Requerimento nº 9.149/2013 à
presidência da Câmara dos Deputados com o objetivo de que fosse constituída uma comissão
para apreciar o trabalho da Comissão, que resultou no PL nº 6.840/2013. Assim foi
constituída uma comissão, com os mesmos membros da CEENSI para discutir e aprovar tal
PL. O quadro abaixo apresenta a composição dessas comissões e também destaca dentre esses
parlamentares quais participaram da Comissão Mista para discutir a Medida Provisória nº
229
Fala atribuída ao Ministro Fernando Haddad durante visita ao Congresso Nacional para buscar apoio junto
aos parlamentares: https://ptb.org.br/nelson-marquezelli-apoia-maior-destinacao-de-recursos-para-educacao/
Acessado em 05/01/2017.
230
No dia 08 de junho de 2016 foi aprovada em segunda votação a proposta de recriação da DRU, apresentada
pela PEC nº 04/2015, de autoria de André Figueiredo (PDT/₢E), com implementação retroativa de janeiro de
2016 a 2023. O placar de votação segundo turno dessa PEC ficou da seguinte forma: 340 sim; 96 não e 1
abstenção. Encaminharam votação em contrário à proposta: PT, Psol, Minoria, Rede, PC do B e PDT.
254
746/2016231. Para fins de observação sobre a perspectiva política desses parlamentares foi
incluída a última coluna com a posição desses deputados durante a votação do impeachment
de Dilma Rousseff.
TITULARES
1. Artur Bruno* PT/CE Pedagogo X Contra
2. Newton Lima PT/SP Engenheiro Químico X -
3. Reginaldo Lopes PT/MG Economista X X Contra
4. Waldenor Pereira PT/BA Economista X Contra
5. Gabriel Chalita* PMDB/SP Filósofo/Bacharel em X -
Direito
6. Lelo Coimbra* PMDB/ES Médico X X Sim
7. Izalci PSDB/DF Contador X X Sim
8. Nilson Leitão** PSDB/MT Ensino Técnico X Sim
9. Junji Abe PSD/SP Empresário do ramo X -
rural
10. José Linhares** PP/CE Filósofo/Psicólogo X -
11. Waldir Maranhão* PP/MA Veterinário X Contra
12. Jorginho Mello PR/SC Bacharel em Direito X Sim
13. Danilo Cabral PSB/PE Bacharel em Direito X X Sim
14. Profª Dorinha DEM/TO Pedagoga X X Sim
Seabra*
15. Sebastião Bala SD/AP Médico X -
Rocha
16. Wilson Filho* PTB/PB Bacharel em Direito X X Sim
17. Eurico Júnior PV/RJ Licenciado em Ed. X -
Física/Professor
18. Ariosto Holanda** PROS/CE Engenheiro X Contra
Civil/Professor
19. Paulo Rubem PDT/PE Licenciado em Ed. X -
Santiago Física
20. Chico Lopes PC do Pedagogo X Contra
B/CE
21. Edmar Arruda PSC/PR Economista X -
231
A Medida Provisória nº 746/2016 publicada no Diário Oficial em 23 de setembro de 2016, encaminhada ao
Congresso Nacional pelo Presidente da República Michel Temer, resgatou pontos polêmicos que estavam nas
versões preliminares do PL nº 6.840/2013, como a formação por áreas de conhecimento, que havia sido
suprimida na versão final do relatório da CEENSI. Para discutir a MP nº 746/2016 foi constituída uma comissão
mista com 12 senadores e 12 deputados e igual número de suplentes. Dentre os componentes dessa comissão
mista estão alguns parlamentares que participaram da CEENSI, inclusive o relator e o presidente, os deputados
Wilson Filho e Reginaldo Lopes, respectivamente. A MP, após votação e aprovação no Congresso Nacional foi
sancionada pelo Presidente Michel Temer em 16 de fevereiro de 2017, pela Lei nº 13.415.
255
22. Luis Tibé PT do Empresário telefonia X Sim
B/MG Móvel
SUPLENTES
1. Afonso Florence PT/BA Historiador X Contra
2. Ronaldo Zulke PT/BA Professor X -
3. Saguas Morais* PT/MG Médico X Contra
4. Sibá Machado* PT/AC Geógrafo X Contra
5. Geraldo Resende PMDB/MS Médico X Sim
6. Osmar Serraglio PMDB/PR Bacharel em Direito X Sim
7. Professor PMDB/M Artes Industriais X Sim
Setimo* A
8. Nilson Pinto* PSDB/PA Geólogo X Sim
9. Esperidião PP/SC Administrador/Bacha X Sim
Amim** rel em Direito
10. Leopoldo Meyer PSB/PR Engenheiro Civil X Sim
11. Efraim Filho DEM/PB Bacharel em Direito X Sim
12. Domingos Dutra SD/MA Bacharel em Direito X -
13. Alex Canziani* PTB/PR Bacharel em Direito X Sim
14. Valtenir Pereira PROS/MT Bacharel em X Contra
Direito/Professor
15. André Figueiredo PDT/CE Economista e X -
Bacharel em Direito
16. Gustavo Petta* PC do Economista X -
B/SP
*Parlamentares titulares na Comissão Permanente de Educação em 2014.
** Parlamentares suplentes na Comissão Permanente de Educação em 2014.
Fonte: Câmara dos Deputados
232
Esta comissão, por se tratar de uma Medida Provisória, foi constituída de forma mista, ou seja, composta por
deputados e senadores, sendo 12 suplentes e 12 titulares de cada Casa Legislativa. A Relatoria ficou com o
Senador Pedro Chaves PSC/MS e a Presidência com o Deputado Izalci Lucas PSDB/DF. A Vice- Presidência
ficou com o Senador Elmano Férrer (PTB/PI) e o Depudado Wilson Filho (PTB/PB).
256
aspectos, em termos de capital simbólico dos agentes chamam a atenção. Dentre os seis
parlamentares que participaram da CEENSI, da Comissão do PL nº 6.840/2013 e da Comissão
da MP nº 746/2016, apenas dois parlamentares participaram initerruptamente da Comissão
Permanente de Educação: Profª Dorinha Seabra (DEM/TO) e o Deputado Reginaldo Lopes
PT (MG), que aliás estão nessa Comissão desde 2011, quando iniciou o primeiro mandato de
ambos na Câmara dos Deputados. O Deputado Izalci (PSDB/DF) apenas não esteve presente
na Comissão Permanente de Educação em 2014 e o Deputado Lelo Coimbra (PMDB/ES) não
foi membro em 2016. O Deputado Wilson Filho (PTB/PB) passou a fazer parte da Comissão
Permanente de Educação em 2013, na condição de Suplente, foi titular em 2014, voltou à
condição de suplente em 2015 e nela permaneceu em 2016. Já o Deputado Danilo Cabral
PSB/PE ainda não havia sido membro da Comissão Permanente de Educação, mas passou a
ser membro, na condição de titular, a partir de 06 de junho de 2016.
Em uma perspectiva mais ampliada sobre o cenário político, o último item do
quadro acima faz menção aos votos dos deputados no processo de impeachment da Presidente
Dilma Rousseff. Dos 22 titulares da CEENSI e da Comissão do PL 6,840/2013 6 votaram
contra, 8 a favor e 8 não eram mais deputados no ano de 2016, quando ocorreu a votação.
Dentre os suplentes apenas 4 votaram contra, 8 a favor e 4 já não ocupavam o cargo de
parlamentar. Dentre os seis parlamentares em destaque, por estarem envolvidos na discussão
sobre as mudanças para o ensino médio, na Câmara dos Deputados desde a criação da
CEENSI, a votação no processo de impeachment foi bem expressiva, pois apenas o Deputado
Reginaldo Lopes (PT/MG) votou contra, os demais votaram favoráveis à abertura do
processo.
A alusão à votação dos parlamentares na abertura do processo que resultou no
impeachment de Dilma Rousseff teve como objetivo apresentar que o jogo no campo político
é velado em muitos momentos e em outros as estratégias e o jogo se tornam mais claros. Os
parlamentares que votaram favorável ao impeachment, muito provavelmente, já eram
signatários de um projeto de ensino médio, convergente com a Medida Provisória nº
746/2016, pela concepção de papel da formação da juventude. Na condição de oposição
dentro de um governo, ao discutir o PL n° 6.840/2013 o jogo era mais velado, já na
perspectiva de mudança no campo de poder as estratégias explicitadas e a adesão às causas e
concepções, ou seja, sim ao impeachment e sim ao projeto de ensino médio delineado no PL
nº 6.840/2013 e ratificado na MP nº 746/2016.
257
Uma pesquisa sobre o conteúdo das propostas de emendas apresentadas por esses
parlamentares, durante a tramitação da MP nº 746/2016 oferece elementos interessantes para
compreender o projeto de ensino médio que, de certo modo, ecoa no que eles já defendiam
desde a tramitação do PL nº 6.849/2013. A quantidade de propostas apresentadas por
parlamentar não indica, apenas, que este tenha mais ou menos interesse pela discussão, mas
também sugere que o mesmo foi mais procurado pela sociedade para que apresentasse
propostas de alterações. Desse modo, um maior ou menor número de propostas pode desvelar
como o parlamentar é visto externamente, em termos de capital simbólico dentro do campo
político, ou seja, não basta apresentar uma proposta de emenda num projeto em tramitação, é
necessário ampliar as chances de emplacar a alteração, logo a relevância em colocar o pedido
de emenda nas mãos de quem possui maior capital dentro do campo. Além disso, a ausência
de apresentação de proposta também pode indicar uma rejeição à proposta, como por
exemplo, a CNTE233 decidiu por não apresentar proposta de emenda na Câmara dos
Deputados e entrar com Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF, justamente por ser
radicalmente contra a forma e o conteúdo da proposta. O quadro abaixo mostra em ordem
crescente os parlamentares, que estão discutindo o ensino médio na Câmara desde a CEENSI,
quanto ao número de proposições de emenda apresentadas na MP nº 746/2016. Os deputados
Reginaldo Lopes, Wilson Filho e Lelo Coimbra não apresentaram propostas.
233
http://www.cnte.org.br/index.php/comunicacao/noticias/17160-cnte-rejeita-reforma-do-ensino-medio-na-
integra-e-nao-indicara-emendas-ao-texto.html
258
sugestão encaminhada pelo Deputado Izalci, para que houvesse a definição de limites para a
atualização do piso dos professores, em face da Lei de Responsabilidade Fiscal. Os Deputados
Danilo Cabral e Profª Dorinha encaminharam propostas contrárias à extinção da
obrigatoriedade da Educação Física e de Artes ou ratificaram a proposta com a sugestão de
alteração na redação ou inclusão de alguma orientação mais específica. A Deputada Profª
Dorinha apresentou três sugestões para a regulamentação do reconhecimento do notório saber,
já o Deputado Danilo Cabral sugere que o notório saber possa ser estendido para todas as
áreas e não apenas para a área da formação profissional, mas sim em todas as áreas para que
assim a MP possa também subsidiar uma alternativa para a falta de professores em algumas
áreas.
Na trajetória desses três parlamentares alguns aspectos são interessantes para a
compreensão sobre a participação dos mesmos nas Comissões ligadas à educação, tanto na
Comissão Permanente da Educação quanto nas temporárias, nesse caso sobre o ensino médio.
Essa retomada corrobora com o entendimento sobre a presença e encaminhamentos que
realizam, bem como esclarece acerca do capital simbólico que confere distinção aos mesmos.
O DIAP possui uma publicação intitulada de “Os cabeças do Congresso
Nacional”. Tal edição existe desde o ano de 1994 e desde então tem aprimorado a coleta,
análise e divulgação dos dados. A edição de 2003 marcou os dez anos de existência dessa
publicação e na observação está registrado que:
A lista dos “Cabeças 2003”, renovada em 40% em relação à edição anterior, estava
sendo aguardada com grande expectativa. Esta publicação, cujo objetivo é mapear e
fornecer ao movimento social organizado informações seguras sobre os 100
parlamentares mais influentes do Poder Legislativo, faz parte do tripé que constitui a
espinha dorsal do trabalho do DIAP, qual seja: i) identificar, desde a eleição, quem
são os parlamentares eleitos, de onde vêm, quais são seus redutos eleitorais, quem os
financia, para elaboração de um perfil político; ii) saber o que pensam sobre os
temas que serão objeto de debate e deliberação durante a legislatura e, finalmente,
iii) mapear os operadores-chave do processo legislativo, identificando os 100
parlamentares mais influentes do Congresso. (DIAP, 2003, p. 6)
259
que uma identificação formal por cargos e hierarquia, pois na definição do Diap os “Cabeças
do Congresso” são:
Aqueles parlamentares que conseguem se diferenciar dos demais pelo exercício de
todas ou algumas das qualidades e habilidades aqui descritas. Entre os atributos que
caracterizam um protagonista do processo legislativo, destacamos a capacidade de
conduzir debates, negociações, votações, articulações e formulações, seja pelo saber,
senso de oportunidade, eficiência na leitura da realidade, que é dinâmica, e,
principalmente, facilidade para conceber ideias, constituir posições, elaborar
propostas e projetá-las para o centro do debate, liderando sua repercussão e tomada
de decisão. Enfim, é o parlamentar que, isoladamente ou em conjunto com outras
forças, é capaz de criar seu papel e o contexto para desempenhá-lo.
São “Cabeças”, portanto, aqueles operadores chave do Poder Legislativo cujas
preferências, iniciativas, decisões ou vetos – implementados, por meio dos métodos
da persuasão, da negociação, da indução ou da não-decisão – prevalecem no
processo decisório na Câmara ou no Senado Federal. (op.cit., p. 9)
234
Nesse grupo estão apenas 100 parlamentares considerados do grupo elite.
235
Esse levantamento existe desde a 7ª edição do “Cabeças do Congresso” e indica os nomes dos que estão
trilhando o caminho para ocuparem postos na elite do Congresso. Estar nesse grupo significa estar entre os 150
notáveis.
260
PMDB (16)
PSDB (13)
2010 PT (22) Senador Cristovam Buarque (PDT-DF) Carlos Abicalil (PT/MT)
PMDB (16)
PSDB (15)
2011 PT (27) Deputados Alice Portugal Reginaldo Lopes (PT/MG)
PMDB (14) (PCdoB-BA), o Senador Cristovam Buarque (PDT-DF)
PSDB (13)
2012 PT (28) Deputados Alice Portugal Reginaldo Lopes (PT/MG)
PMDB (16) (PCdoB-BA), o Senador Cristovam Buarque (PDT-DF)
PSDB (12)
2013 PT (26) Deputados Alice Portugal Lelo Coimbra (PMDB/ES)
PMDB (16) (PCdoB-BA), Ivan Valente (PSol-SP) e Paulo Rubem Reginaldo Lopes (PT/MG)
PSDB (12) Santiago (PDT-PE), e o Senador Cristovam Buarque
(PDT-DF)
2014 PT (27) Deputados: Alice Portugal (PC do B BA), Ivan Valente Lelo Coimbra (PMDB/ES)
PMDB (15) (PSol-SP) e Paulo Rubem Santiago Reginaldo Lopes (PT/MG)
PSDB (11) (PDT-PE), e o senador Cristovam Buarque (PDT-DF).
2015 PT (24) Deputados: Alex Canziani * (PTB/PR); Ivan Valente Izalcil (PSDB/DF)
PSDB (14) (PSOL/SP); Alice Portugal (PC do B/BA); Lelo Coimbra (PMDB/ES)
PMDB (12) Senadores: Cristovam Buarque (PPS-DF) e Fátima
Bezerra (PT-RN)
2016 PT (18) Deputados: Ivan Valente (PSOL/SP); Alice Portugal Izalcil (PSDB/DF)
PMDB (15) (PC do B/BA);
PSDB (14) Senadores: Cristovam Buarque (PPS-DF) e Fátima
Bezerra (PT-RN)
*Parlamentar representante do segmento empresarial (destaque fornecido pelo Diap).
Fonte: Relatórios do Diap.
261
“Parlamentares Cabeça” uma prevalência de parlamentares debatedores e alguns entre os
articuladores, já o PMDB e o PSDB se destacam com maior expressão entre os articuladores e
organizadores.
Além disso, essa condição pode explicitar a fragilidade do PT para temáticas e
projetos mais progressistas em um Congresso conservador, com ascendência do campo
empresarial, inclusive ampliando sua atuação dentro da Câmara Permanente de Educação,
subsidiado inclusive pelo acréscimo no número de parlamentares na bancada empresarial.
Assim, se os dissensos dentro do campo educacional, para fins de concepções e de projetos, é
uma realidade, no campo político esses aspectos se potencializam, pois são a expressão do
que vigora no campo social, como bem salienta Bourdieu.
Entre os notáveis vinculados à educação, no período de 2003 a 2016, figuram dois
ex-ministros da Educação que ocuparam o cargo em partidos distintos e com duração no
cargo diferenciada, pois Paulo Renato Souza236 ficou por 8 anos, durante todo o mandato do
governo FHC. Já Cristovam Buarque ficou no cargo apenas 1 ano, mas desde que assumiu a
função de senador, pelo PT237, passou a compor o rol dos notáveis no parlamento e está
classificado, segundo o Diap, no grupo dos articuladores e organizadores. Já o Ex-Ministro
Paulo Renato Souza foi considerado, nos anos de 2007 e 2008, um parlamentar Cabeça no
grupo dos debatedores.
Esse perfil articulador do Senador Cristovam converge com a fala de uma das
pessoas entrevistadas, ao mencionar sobre a postura dele no cargo de Ministro, pois para ela:
O Cristovam tinha um perfil de dialogar com todas as forças e igualmente e sem
comprar briga. Então ele incorporava diálogos e às vezes assumia compromissos
com forças, inclusive conservadoras, por exemplo, a Fundação Civita, com
Fundação Roberto Marinho, o próprio Consed, eu vou falar de isso depois. Enfim,
ele incorporava com muita facilidade e às vezes incorporava também com facilidade
as propostas de forças mais conservadoras. De tal maneira que às vezes ele chamava
para conversar e até para trocar alguma proposta, pois às vezes até ele tinha feito um
compromisso anteriormente. Daí a gente falava, “mas Ministro”, mas isso não
converge com a perspectiva política que tá aí, com os rumos que nós estamos
tomando. E aí tinha aquela circunstância, mas o que eu entendo, não foi esse ponto,
mas o Ministério era bastante, já a partir daquela época, ele me parecia permeável às
forças conservadoras. (ENTREVISTA, 2)
236
Paulo Renato Souza foi o segundo ministro a ficar mais tempo no cargo, pois anteriormente há apenas o
Ministro Capanema. Após deixar o cargo de Ministro ele foi Secretario de Estado da Educação de São Paulo de
2009 a 2010, no Governo de José Serra, em substituição a Maria Helena Guimarães de Castro. Paulo Renato
faleceu em 2011, vitima de um infarto fulminante.
237
O Senador foi filiado ao PT até o ano de 2005, daí passou para o PDT e em 2016 migrou para o PPS.
262
ingressou primeiramente como governador, depois senador e então chegou ao MEC. Nessa
trajetória tem dialogado sobre educação inclusive em Conselhos de entidades do campo
econômico, ligadas à educação, como o Todos Pela Educação em que o Senador é um dos
sócios-fundadores e também como Conselheiro no Conselho Temático de Educação da CNI.
Nessa seara é um tanto imbricado denotar o Cristovam como agente do campo político,
econômico e/ou educacional, ou mesmo, precisar o quanto ele representa cada campo e quais
são as bandeiras que representa no campo educacional.
Dentre os parlamentares participantes na tramitação das proposições que
contemplaram direta ou indiretamente o ensino médio, no período de 2003 a 2014, apenas o
Senador Cristovam foi um dos Cabeças, pois os demais, que chegaram a ser destacados,
foram classificados pelo Diap como Parlamentares em Ascensão, como os Deputados: Carlos
Abicalil (PT/MT), Reginaldo Lopes (PT/MG), Lelo Coimbra (PMDB/ES), Izalci (PSDB/DF).
A participação do Deputado Carlos Abicalil, no que tange às políticas
educacionais para o ensino médio, em destaque nesta pesquisa, é circunscrita ao período em
que tramitaram na Câmara dos Deputados a EC nº 53/2006 e a EC nº 59/2009. Ele esteve no
grupo em ascensão de 2004 a 2010, mas não chegou ao grupo dos notáveis ainda que dentre
as suas habilidades, indicadas pelo Diap, o mesmo tenha se destacada como articulador,
debatedor e formulador, conforme a temática em discussão. A atuação de Abicalil foi
considerada diferenciada durante a tramitação da reforma universitária e da CPMI dos
Correios. No entanto, seu maior destaque recaiu na discussão sobre a criação o Piso Nacional
de Professores, que, aliás, foi um projeto de sua autoria e posteriormente apensado à PEC nº
415/2005. Essa distinção certamente advém da origem sindical do então parlamentar, que foi
presidente do CNTE de 1995 a 2002, ou seja, o seu empenho com as questões trabalhistas da
categoria docente ficou registrado durante a trajetória parlamentar.
Lelo Coimbra (PMDB/ES) e Izalci (PSDB/DF) também foram apontados pelo
Diap, nas publicações “Cabeças do Congresso”, como parlamentares em ascensão e a
participação desses deputados nas discussões mais recentes sobre o ensino médio corroboram
com a valorização do capital simbólico desses deputados.
Coimbra foi Secretario de Estado de Educação de Espírito Santo no período de
2003 a 2006, em detrimento do exercício da função de vice-governador, cargo para o qual
havia sido eleito. Em 2007 assumiu o cargo de deputado federal e já neste ano passou a
compor a Comissão Permanente de Educação, mas certamente foi a partir de 2011, após
assumir a Presidência da Comissão Especial do PNE, PL nº 8.035/2010, inicialmente
263
presidida por Gastão Vieira (PMDB/MA), que deixou as funções parlamentares para assumir
o Ministério do Turismo, que Lelo Coimbra elevou o seu capital simbólico no campo político.
Já o deputado Izalci (PSDB/DF) chegou à Câmara dos Deputados pela primeira
vez para o mandato de 2007-2011, inicialmente na condição de suplente. A inserção do
parlamentar na Comissão Permanente de Educação é uma marca de todos os seus mandatos, e
além disso, por duas vezes Izalci ocupou a função de Secretario de Ciência e Tecnologia do
DF238. O parlamentar é o autor do projeto que resultou na Lei Complementar nº 729, de 21 de
setembro de 2006, quando era deputado distrital. Tal lei instituiu o Programa Cheque
Educação e o Fundo Distrital pelo Desenvolvimento da Educação, que se pautava no repasse
de cheques a alunos filhos de funcionários de empresas instaladas no DF, ou mesmo de alunos
de baixa renda da cidade, para custearem o ensino superior em instituições privadas. Em 2007
ele apresentou a Indicação nº 193/2007, junto à Câmara dos Deputados, e também à Casa
Civil com a sugestão que fosse criado o cheque educação para contemplar a educação
superior no território nacional.
Quando o nome do Deputado Izalci foi divulgado como presidente da Comissão
Mista para discutir a MP nº 746/2016 houve muitas críticas por parte do campo educacional,
não apenas por uma questão partidária, mas pelo seu histórico conservador nas discussões
sobre a educação e em especial por ser autor de um dos projetos que tramita no congresso em
defesa de uma escola sem partido. Izalci integra a bancada evangélica, que, atualmente,
concentra um dos grupos mais conservadores no parlamento.
O parlamentar Wilson Filho é, até o momento, o segundo parlamentar mais jovem
do parlamento, iniciou carreira política como deputado federal pelo PMDB e posteriormente
mudou para o PTB. Já no seu primeiro ano de mandato passou a integrar o Conjuve, na
condição de representante da “Frente Parlamentar de Juventude da Câmara dos deputados”,
posto que ainda exerce. É autor da PEC nº 94/201, em tramitação, que torna obrigatório à
União, aos estados, o Distrito Federal e aos munícipios a aplicação, de modo colaborativo,
dos 10% do PIB em ações de manutenção e ao desenvolvimento do ensino. Os relatórios
238
Em sua gestão criou o Parque Tecnológico Capital Digital, em Brasília. Desde que assumiu o cargo de
deputado federal o parlamentar já participou de ações importantes: Ele foi presidente da comissão mista da MP
nº 593/2012 que ampliou a lista de participantes e o rol de ofertantes de bolsa-formação do Pronatec, que passou
a incluir instituições privadas de educação superior. Izalci foi relator da Emenda Constitucional nº 85 de 26 de
fevereiro de 2015, que alterou e adicionou dispositivos na Constituição Federal para atualizar o tratamento das
atividades de Ciência, Tecnologia e Inovação. Também foi um dos co-autores do PL nº 2177 de 2011 que propôs
o Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que resultou na Lei nº 13243/2016 sancionada em 11 de
janeiro de 2016. Em março de 2016 o STF autorizou a quebra de sigilos fiscal e bancário em atendimento ao
pedido do MPF como parte das investigações de irregularidades num suposto esquema de desvio de recursos
públicos do Programa DF Digital.
264
elaborados pelo parlamentar, durante a tramitação do PL nº 6.840/2013 desencadearam muita
movimentação no campo educacional, em busca de atenuantes para questões emblemáticas,
relatadas por ele, como os itinerários formativos distintos. A terceira versão do relatório foi
aprovada na comissão, como expressão do arranjo possível que o campo educacional
conseguiu negociar na Comissão Especial, conforme alguns relatos de entrevistas já
indicaram. Wilson Filho foi escolhido relator/revisor da MP nº 746/2016239.
Raul Henry240 iniciou carreira política como vice-prefeito de Recife em 1996 e
assumiu a prefeitura em 2000. De 2001 a abril de 2002 foi secretario de Estado da Educação
de Pernambuco. Nesta ocasião lançou dois programas voltados para o ensino médio, foi
premiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia pelo projeto de informatização
desenvolvido nas escolas do estado de Pernambuco. Em 2002, Henry foi o mais bem votado
deputado estadual da história de Pernambuco, na assembleia presidiu a Comissão de
Educação e em 2004 assumiu o cargo de Secretario de Planejamento do Estado e em 2006 foi
eleito pela primeira vez como deputado federal.
No exercício do mandato na Câmara dos Deputados, em especial como membro
da Comissão Permanente de Educação, participou de comissões especiais importantes, além
do PL nº 6.840/2013 e da MP nº 746/2016, como: foi membro da comissão no PL nº
8.035/2010 (PNE 2014-2024) e foi relator no PL nº 7.420/2006, Lei de Responsabilidade
Educacional. Em distintas ocasiões o parlamentar solicitou audiência pública com o ICE, na
Câmara dos Deputados, para que o modelo pernambucano fosse apresentado como um
exemplo de sucesso, para o ensino médio e para a gestão das escolas públicas brasileiras. Tal
endossamento da proposta do ICE, denota uma relação de afinidade ideológica, não é apenas
uma valorização da experiência educacional desenvolvida um conterrâneo, pois a
proximidade e parceria entre o parlamentar e o instituto tiveram início quando Raul foi
Secretario de Educação de Pernambuco.
239
Segundo matéria publicada no Jornal o Estadão, no dia 22 de setembro de 2016: “A ideia de fazer a reforma
por MP, que motivou críticas de associações e educadores, recebeu nesta quinta o aval do relator da reforma do
ensino médio na Câmara, deputado Wilson Filho (PTB-PB). Para ele, a tramitação agora será acelerada. “o que
nós temos, acima de tudo, é a certeza de que o ensino médio caminha no lado errado””.
http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,so-portugues-matematica-e-ingles-serao-obrigatorias-nos-3-anos-
do-ensino-medio,10000077631 Acessado em 22/09/2016.
240
Foi eleito vice-governador de Pernambuco em 2014, mas ficou afastado até dezembro de 2016. Em 13 de
janeiro de 2017 foi noticiado pela Folha de Pernambuco que o parlamentar iria se licenciar do Congresso para
assumir o cargo de Secretario Estadual de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco e presidente do PMDB
de Pernambuco.
265
A Deputada Dorinha241 é a única, dentre os seis parlamentares em destaque neste
tópico, que possui trajetória no campo educacional,242 antes de ingressar no campo político.
Atuou como docente na educação básica e na educação superior nos estados de Goiás e
Tocantins. Foi secretária de Estado da Educação do Tocantins e também atuou no Conselho
Estadual de Educação. Foi premiada por agentes do segmento empresarial, quando era
secretaria de educação por duas vezes: em 2003 pelo Conselho Empresarial da América
Latina e em 2008 pelo IAS com o prêmio de Gestor Nota 10.
Além de integrar a bancada ruralista e compor a Comissão Permanente de
Educação a deputada costuma participar das comissões especiais sobre temas da educação
com assiduidade. Em sua trajetória parlamentar tem o registro de sua participação em projetos
como: PL nº 8.035/2010, PNE 2014-2024; foi co-relatora no PL nº 7.420/2006, Lei de
Responsabilidade Educacional; PEC nº 15/2015, pelo caráter permanente do Fundeb, dentre
outros.
O Deputado Reginaldo Lopes (PT/MG) figurou na lista dos parlamentares em
ascensão no período de 2011 a 2014. O Diap afirma que esse parlamentar ganhou destaque na
na relatoria do Plano Nacional de Juventude e na relatoria do Programa do Primeiro Emprego
do Governo Federal. Essa experiência acumulada nas questões juvenis, somada ao fato de que
Reginaldo foi líder estudantil, antes de ingressar no campo político, podem ter sido basilares
para que o mesmo tenha apresentado o requerimento de constituição de uma comissão para
tratar de uma proposta de reformulação do ensino médio, num cenário, de certa forma crônico
e de exacerbação midiática243 quanto à denuncia de falta de qualidade nessa etapa de ensino.
241
A deputada foi condenada pela Primeira Turma do STF no julgamento da Ação Penal (AP) 946. “A
denúncia formulada pelo Ministério Público Federal (MPF) é referente à compra direta de material didático e
obras da literatura nacional, realizada entre dezembro de 2002 e janeiro de 2004, quando a parlamentar exercia o
cargo de secretária de Estado de Educação e Cultura de Tocantins. Seguindo o MPF, a compra, realizada com
recursos do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE), teria ocorrido sem a observância dos
procedimentos da Lei 8.666/1993 para se decretar a inexigibilidade de licitação, entre os quais a pesquisa de
preços de mercado.”
Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=324173 Acessado em:
01/02/2017.
242
Sua trajetória acadêmica também é notória em relação aos demais deputados, em destaque dentre os
membros da CEENSI que foram contemplados neste capítulo, pois além de ser oriunda do campo educacional,
com experiência docente na educação básica e superior e na gestão em estudo, pois possui Mestrado em
Educação Brasileira pela UFG e Doutorado em Gestão Educacional pela UFBA.
243
É possível localizar em diversos veículos de comunicação, no decorrer do ano de 2012, como em outros anos,
uma crítica denunciativa da falta de qualidade do ensino médio brasileiro. No entanto a singularidade deste ano
recai na comparação, possibilitada pelo IDEB, sobre o desempenho do ensino fundamental e o ensino médio,
pois enquanto aquele havia superado a meta prevista a última etapa da educação básica ficou na média nacional
estipulada com registro de queda em algumas estados da federação. Nesse cenário, o Ministro da Educação,
Aloizio Mercadante, inclusive concedeu entrevista e entre outros aspectos atribuiu parte do problema do ensino
médio ao número elevado de disciplinas obrigatórias. Já por parte do campo econômico, agentes como o TPE
considerava que a crise possuía dois responsáveis básicos: “primeiro porque esta etapa acaba recebendo o
266
No entanto, o Diap não aponta, em nenhuma das publicações do “Cabeças do Planalto” de
2011 a 2014, qual seriam as habilidades em destaque que colocavam esse parlamentar em
condição de ascensão à elite do Congresso. Por outro lado, duas pessoas entrevistadas, nesta
pesquisa, ao mencionaram sobre o contexto e disputas que permearam a tramitação e sobre o
papel do Deputado Reginaldo Lopes no PL nº 6.840/2013, ou seja:
Eu tenho uma visão de ensino médio que foi formada ao longo de 30 anos. Um
deputado que faz parte de uma comissão em um ano e que não é da área, é
convencido pelo interlocutor que aquilo é o melhor. Eu tenho certeza que o
Deputado Reginaldo Lopes não agiu de forma como um mau caráter. Eu sentei com
ele na mesa para conversar, eu disse “Deputado, eu disse “vc vai entrar para a
história como aquele que acabou com o ensino médio no Brasil, vc quer?”. Ele só
olhou. Entende? Ele nem pergunta porque. Ele ainda brincava “agora eu tenho uma
assessora que é doutora” de tanto que eu infernizei a vida dele, eu tenho o celular
dele aqui ainda, pra infernizar mesmo. Eu ligava “Deputado eu tô aqui na Câmara é
meio dia, pra não passar aquela encrenca”. Eu tenho certeza que quando ele dizia,
“mas eu tô convencido de que o ensino médio integral é o melhor” ele estava
convencido disso. Claro que daí a gente vai, mostra os dados, quem são jovens e tal.
Eu considero que só não é pior .., em que pese eu também me fiz essa pergunta,
quando eu me vi diante desse projeto de lei, e vi que era de um deputado do PT eu
dizia “Mas que raio é esse?” O que é natural. Por que nossa ideia é: “é do PT, então
pensa todo mundo igual, não pensa”. As pessoas trabalham, especialmente o
legislador, com aquilo que lhes é oferecido. Então se nós tivéssemos um alternativo
de ensino médio. Tivéssemos nós ido ao legislador e dizer “olha”...mas nós
produzimos uma interlocução com as DCNEM, que pra nós era o suficiente...pois ali
dentro já dava uma base epistemológica para o trabalho para o ensino médio. Nós
pensamos pragmaticamente...quando nós fizemos o documento e colocamos no CNE
nós fomos pragmáticos. O que eu estou dizendo é que nós pensávamos, nós
tínhamos a LDB e nós achávamos e agora nós tínhamos as Diretrizes, ponto!
(ENTREVISTA 7)
Aquele modelo que tá posto lá, teve uma influencia muito forte do pessoal de Minas
Gerais, que foi decisivo, que era um pouco o que ele já estava fazendo já lá em
Minas Gerais. E lá que eles conseguiram influenciar mesmo sendo o deputado que
chama o processo pra discussão que é o Reginaldo Lopes do PT de Minas Gerais,
que daí são as contradições. Eu participei de alguns debates, e quando eu participei o
Reginaldo falava pra mim “estamos falando a mesma coisa”, “nós estamos nos
aproximando do Ensino Médio Inovador” “do Pacto”. Quando eu apresentei o Pacto
numa discussão da Juventude, o deputado estava junto e ele falou: “não, nós estamos
falando da mesma linguagem” e eu falava “não estamos!”, “Nós não estamos
falando a mesma coisa”. E muitas vezes o próprio Ministro e o próprio secretario na
época, compreendia que “vamos tentar fazer uma aproximação das coisas, que daí
não vai ficar ninguém contra ninguém”. Daí a gente tem que fazer uma mediação,
daí eu tive que sair, porque daí não dava mais, daí tem um momento que não tem
mais jeito. Então eu acho que é isso: Nós ganhamos as Diretrizes ficamos felizes,
mas perdemos nas outras coisas. (ENTREVISTA 2)
acúmulo das deficiências das etapas anteriores, ou seja, o aluno chega com muitas lacunas de aprendizagem. Em
segundo lugar, ocorre um problema de estrutura. Temos um ensino médio com 14 disciplinas obrigatórias, não se
consegue aprofundar em tema nenhum, a fragmentação é enorme", afirma a diretora-executiva do Todos pela
Educação, Priscila Cruz”. http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-na-midia/indice/23694/ideb-ensino-
medio-ainda-e-um-desafio-diz-mercadante Acessado em 17/01/2017.
267
Nesse sentido, o alerta de Saviani (2002) sobre a necessidade de no Congresso
Nacional haver representantes comprometidos com as temáticas progressistas da educação é
salutar. Parlamentares educadores, defensores da educação pública e da melhoria desta,
certamente podem ser requisitados no campo educacional. Florestan Fernandes é um exemplo
clássico sobre a relevância de um parlamentar engajado, com capital simbólico e sua
colaboração com os rumos da educação brasileira. Nesse caso, Fernandes marcou o campo
educacional e no campo político levou e defendeu as causas do seu campo de origem.
As considerações dos sujeitos entrevistadas são bastante provocativas, pois
apresenta a perspectiva do executivo, no diálogo com o legislativo, em busca de consenso,
buscando contemplar o campo educacional. No entanto, por parte do executivo também havia
dissenso, pois o Ministro da Educação, Aloizio Mercadante244, acenava para algumas
premissas em questão que mais tarde foram incluídas no PL nº 6840/2013, como a
flexibilização do currículo e o enxugamento de disciplinas.
O Ministro a Educação concedeu uma entrevista sobre a divulgação dos dados do
IDEB de 2011 e nessa ocasião reiterou mais uma vez algumas possibilidades vislumbradas
para a melhoria dos resultados do ensino médio. A matéria, sobre essa entrevista, recebeu o
título “Ministro quer mais agilidade na reforma do ensino médio”, está disponível no site do
MEC: “O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, acredita que o país tem motivos para
comemorar os resultados do índice de desenvolvimento da educação básica (Ideb) de 2011.
Ressalta, no entanto, que é necessário avançar em todas as etapas, principalmente no ensino
médio.
Com relação a essa etapa do ensino, em que os dados do Ideb apontavam um
quadro de estabilidade, Mercadante afirmou que dentre as proposições do MEC estavam
previstas: a ampliação das escolas de tempo integral e a reformulação do currículo.
“Precisamos de um novo currículo, mais flexível, menos fragmentado, tirando um pouco
dessa sobrecarga de disciplinas”, afirmou o ministro. “O ensino médio da rede pública tem
hoje 13 disciplinas obrigatórias, mas pode chegar a 19, com as opcionais”. Segundo
Mercadante, o novo currículo do ensino médio deveria ser organizado com base nas quatro
áreas de conhecimento cobradas pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) —
244
http://portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/211-218175739/18021-ministro-quer-mais-agilidade-na-
reforma-do-ensino-medio Já o acesso ao vídeo da entrevista completa sobre as considerações do Ministro
para o ensino médio estão no link abaixo:
http://redecomunicadores.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=919&Ite
mid=238&view=list Acessado em 27/12/2017
268
matemática e suas tecnologias; linguagens, códigos e suas tecnologias; ciências da natureza e
suas tecnologias; ciências humanas e suas tecnologias. “Em quatro anos, metade das vagas
nas universidades federais será preenchida por alunos de escolas públicas”, previu. “Essa
chance nunca foi possível antes no Brasil.”. Ainda de acordo com o ministro, haverá pressão
por resultados no Enem, “que vai ser o elemento estruturante do ensino médio”. Desse modo,
as considerações do Ministro corroboraram mais com as premissas delineadas pelo campo
econômico, do que com as do campo educacional, que estavam buscando viabilidade na SEB
e pode ter servido de sinal verde para os agentes do campo econômico e seus agentes no
Congresso. Aliás, foi nesse momento estavam em andamento os trabalhos na CEENSI.
Nessa correlação sobressaíram questões que colocavam em xeque o projeto de
ensino médio do governo federal. Havia a necessidade de articulações dentro do próprio
partido, em prol de coesão e coerência com a proposta de ensino médio, já em curso e sob o
respaldo de outros mecanismos legais encaminhados e endossados nos Governos do PT, como
o Decreto nº 5.154/2004 e as DCNEM, recém-aprovadas na época. O contexto que permeava
as relações entre os campos e agentes, nesse período, era provocativo e contraditório, como
bem afirma uma das entrevistadas. Nesse ínterim, entre disputas internas e externas, inclusive
dentro campo educacional, na seara do espaço governamental o campo econômico se
fortaleceu.
Se houvesse coesão no campo educacional, em suas diversas esferas do governo,
e uma clareza e coerência acerca do projeto de ensino médio do partido no governo,
certamente haveria menos espaço para os agentes externos com projetos distintos. Ou seja,
para fins de continuidade e fortalecimento de uma perspectiva de ensino médio, os relatos
acima e as considerações do Ministro da Educação, permitem inferir que ocorreu a abertura de
um espaço para a consolidação de um campo de poder, desencadeado pelas disputas entre o
campo econômico e educacional sobre quem de fato apresentaria uma proposta para o ensino
médio. Essa assertiva pode ser corroborada na seguinte consideração:
Pra você ter uma ideia no dia que eu fui a convite dessa Comissão Especial, que é
presidida pelo Reginaldo Lopes do PT de Minas, e quem era o relator era o Wilson
Filho do PTB, quando eu fui e o Celso Ferreti estava comigo na mesa na Câmara
dos Deputados, quem estava na nossa frente era o pessoal do TPE, o Henrique do
Instituto Unibanco, a Maria Inês Fini. Eles que estavam ali, justamente porque eles
vinham o tempo todo assessorando a comissão. Os interlocutores dessa comissão
têm uma peça muito interessante, que é o relatório dessa comissão. Eu fiz uma
análise disso, que vai sair num artigo. O que é muito interessante? A Comissão diz
que ouviu toda a sociedade, então ela ouviu a Anped. A Anped foi em audiências,
foi nesse seminário Nacional, que eu fui representando, a Anpae foi. Quem mais foi?
O Instituo Unibanco foi, a Priscilla que foi representando. Só que quando você olha
o resultado, você vê que quem dessas vozes foram ouvidas e o que virou Projeto de
Lei. Daí que interessante você pegar o relatório. A peça. Eu peguei o Relatório e
269
contei quantas audiências. São vinte e tantas audiências, 2 seminários nacionais e
tantos seminários regionais. Quais entidades foram ouvidas? Tantas entidades do
setor público, tantas entidades do setor civil organizada e empresarial. Então eu fiz
um recorte do retrato de quem foi ouvido, então eu peguei as proposições de cada
um desses entes e comparei com as que estão no PL e daí fica muito claro que as que
estão mais presentes são da interlocução com o setor privado. Até porque eles
tiveram...A minha hipótese, mas eu não posso provar é a seguinte: Como eles
perderam nas Diretrizes eles articularam com uma parte do Consed, como o Consed
não é bloco monolítico, com uma parte do Consed para implantar um Projeto de Lei
na Câmara. (ENTREVISTA 7)
Quadro 33- Audiências públicas realizadas pela CEENSI, por ordem cronológica,
campo e proposição
Ordem/Campo/ Premissas apresentadas
Agente
1-Educacional: Nem currículo único, nem currículo mínimo (SEB);
(MEC/SEB); Inep; Ensino médio único, sem deixar qualquer área de lado (CNE).
CNE
2-Educacional: Cedes Definição de uma proposta de ensino médio em colaboração com as universidades,
e Anped entidades acadêmicas, professores em detrimento de segmentos empresariais.
(Cedes);
Base unitária comum ao ensino médio regular e na EJA (trabalho, ciência, cultura e
tecnologia) com respaldo financeiro e indutor por parte do MEC.
3-Professor Enfrentar o problema do financiamento do ensino médio, via governo federal, não
Moaci Alves Carneiro deixar sob responsabilidade somente dos entes federados.
Arcafar (Associação Necessidade de garantia de financiamento para o ensino médio;
Regional das Casas Criação de uma proposta que contemple a singularidade da educação do campo.
Familiares Rurais);
4-Educacional:
MEC/Secadi
270
5-Educacional: Fortalecer a formação inicial e continuada de professores do ensino médio.
(Capes)
6-Educacional Ampliação do Financiamento para o ensino médio, tendo em vista a formação
(Consed) integral e em tempo integral.
7-Educacional (USP e Melhoria na formação e condições de trabalho dos professores de línguas
UNB) estrangeiras no ensino médio.
8-Educacional: MEC Destacou os avanços na oferta de cursos técnicos e tecnológicos com a parceria com
(Setec) o Sistema S e também com o Pronatec.
9-Educacional: Promover melhorias nas condições físicas das escolas e aprimorar a formação
(Anpae) docente.
10-Econômico: (IAB) Implantação de diversificação nas linhas formativas do ensino médio.
11-Educacional: As parcerias público privadas promoveram melhorias no ensino médio;
Secretários de Flexibilização do currículo e criação da “área de empregabilidade”;
Educação Carga horária organizada por áeras;
(Ceará/PROS, Minas
Gerais/psdb e São
Paulo/PSDB)
12-Abep; Defesa da Psicologia como disciplina do ensino médio;
Abrapee; Uma proposta de ensino médio que articule o conhecimento propiciado na escola e
CFP as demandas da vida em sociedade;
Melhoria da formação docente.
13-Educacional/ Articular formação geral e para o trabalho (parte comum (1.500 horas) e parte
econômico: Confenen específica (900 horas).
14-Secretaria Criação de modalidades de assistência juvenil com vistas à permanência do jovem na
Nacional da escola.
Juventude
15-Econômico: Diversificação do currículo do ensino médio com percursos formativos
(IETS) diferenciados; ampliação da parceria com o Sistema S
Organizar o currículo e o Enem por áreas de conhecimento.
16-Educacional Relatou as ações em curso sobre o ensino médio e apontou que o redesenho
(MEC/Ministro da curricular está sendo discutindo com o Consed.
Educação) Sinalizou possíveis mudanças no Enem.
17- Educacional: Incrementar o financiamento para o ensino médio e fortalecer a gestão democrática
(CNTE) nas escolas, com menos interferências das Secretarias Estaduais de Educação.
18-Unesco Flexibilização do currículo;
Rever o conteúdo do ensino médio.
19-Econômico: (TPE) Criação de um ensino médio diversificado;
Ampliar a carga horária;
Enem por áreas de formação para induzir mudanças no currículo;
Ampliação do uso das tecnologias da informação no ensino médio.
Quadro elaborado pela autora, com base no relatório aprovado pela comissão do PL nº 6.840/2013.
A opinião quase unânime dos palestrantes foi de que o atual currículo do ensino
médio é ultrapassado, extremamente carregado, com excesso de conteúdos, formal,
padronizado, com muitas disciplinas obrigatórias numa dinâmica que não reconhece
as diferenças individuais e geográficas dos alunos. (...). Nesse sentido, estamos
propondo uma alteração na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, na
Seção referente ao ensino médio, de forma que os currículos sejam organizados por
áreas do conhecimento (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências
humanas), priorizando a interdisciplinaridade, a transversalidade e a maior interação
e articulação entre os diferentes componentes e conteúdos curriculares. Para a
efetivação desta determinação, propomos, também, que a formação dos docentes
para o ensino médio se dê a partir dessas quatro áreas do conhecimento, de forma a
habilitar os professores a tratarem adequadamente os conteúdos e permitir seu
aprofundamento. Na terceira série do ensino médio, os currículos deverão
contemplar diferentes opções formativas, com ênfase em uma das quatro áreas do
conhecimento (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas) ou
em uma formação profissional. Assim, o aluno poderá optar pela formação que mais
se adequa às suas preferências e necessidades, possibilitando, inclusive, uma
preparação mais adequada àqueles que pretendem ingressar na educação superior ou
antecipar sua entrada no mercado de trabalho, além de permitir, no futuro, eventuais
“correções de rumo” pelo próprio aluno. (CEENSI, p. 76-77)
272
eu mesma fui várias vezes na Câmara, no final de 2014 eu praticamente morei em
Brasília, porque eles iriam votar o relatório do Projeto de Lei. Nós conseguimos,
com base em uma pressão e articulação também, dentro do Ministério da Educação,
fazer com que esse PL não fosse votado dessa forma. Nós produzimos, claro que
quem produziu foi a comissão, mas numa interlocução com o Movimento um
substituto de Lei em que a gente neutraliza um pouco dos prejuízos que o PL iria
causar. Então nós relativizamos a questão das ênfases, não é obrigatório a questão da
jornada integral, não ter a formação de professores por área. Isso seria conforme a
Lei Nacional e a Lei não fala dessa forma. (ENTREVISTA 8)
247
A estratégia principal desse agente foi a articulação de diferentes entidades do campo educacional em busca
de se colocar de forma colegiada e assim obter força e maior prestígio nos embates com o campo econômico e
no lócus do campo político.
273
grande medida resultantes da intervenção do Movimento Nacional em Defesa do
Ensino Médio, o que nos fazer reforçar a importância da organização dos
movimentos sociais, das pressões que podem exercer sobre os poderes constituídos
no sentido de assegurar o direito à educação de qualidade para toda a juventude
brasileira. (op. cit. p.18)
274
da lei, mas no caput do que deveria ser feito para implementar a lei, porque o PL
6840, mudará a LDB nos artigos da lei. Nesse sentido, ele teria uma força maior do
que as Diretrizes, por isso a nossa preocupação, no sentido de termos ganho nas
Diretrizes e perdemos na LDB, se ela for reformulada com esse projeto de lei.
(ENTREVISTA 8)
275
Distrito Deputado Formação inicial e continuada de professores para o Ensino
Federal248 Izalci/PSDB Médio;
27 de junho de Formação de gestores para o Ensino Médio;
2013 Condições de oferta do Ensino Médio; Novas diretrizes
curriculares e atuais necessidades do ensino médio;
Integração do ensino médio com educação profissional
técnica de nível médio;
Instrumentos de avaliação do Ensino Médio utilizados pelo
MEC/INEPE (IDEB, SAEB, ENEM) e a realidade do
Ensino Médio no Brasil;
Infraestrutura; escola e comunidade; Reflexões e
contribuições da rede particular de Ensino Médio para o
sistema de ensino do DF.
Seminário Deputado Sibá Currículo;
Estadual do Machado/PT Integração do ensino médio com a educação profissional técnica
Acre de nível médio;
19 de setembro Condições de oferta;
de 2013 Avaliações;
Escola e comunidade;
Línguas estrangeiras no ensino médio;
Infraestrutura.
Seminário Dep. Nilson Leitão Currículo do Ensino Médio, Modalidades e Avaliações
Estadual do PSDB Escola e comunidade Formação Inicial e Continuada de
Mato Grosso Dep. Eliene Lima Professores e Gestores para o Ensino Médio
(relatora) PSD Condições de Oferta do Ensino Médio e Infraestrutura
Setembro/2013
Fonte: Arquivos da CEENSI.
Quadro 35- Seminário Nacional sobre a reformulação do ensino médio, por temas,
campos e parlamentar moderador, ocorrido em 15 e 16 de outubro de 2013
Temas Campo Campo Representant Deputados/partido
econômico Educacional es diversos moderadores do debate
Currículo e Diretrizes - CNE, Conjuve Dorinha Seabra Rezende
Curriculares Consed; DEM/TO
248
Consta no relatório da CEENSI que este seminário se pautou pelas conclusões do diagnóstico e propostas do
Consed.
276
infraestrutura Anped
UBES
249
No Seminário promovido pelo Unibanco em novembro de 2016, sobre o currículo do ensino médio, do qual a
autora desta pesquisa participou como ouvinte, o CNE foi representado por Francisco Soares, que em sua fala
endossou a proposta de reforma contida na MP nº 746/2016. Em sua exposição Soares apresentou duas sugestões
de matriz curriculares com ênfase em distintas trajetórias, conforme o proposto na MP.
250
Michael Temer assumiu a função de presidente em 31 de agosto de 2016, com a conclusão do impeachment
no Senado Federal.
251
O Projeto Avançar foi o primeiro projeto de para jovens e adultos no ensino médio de Pernambuco e tinha
como objetivo a correção de fluxo. Andréa Giordanna Araújo da Silva (2010) desenvolveu uma pesquisa de
mestrado, que resultou na dissertação “Ensino médio em educação de jovens e adultos – EJA: desvelando
discursos no Projeto Avançar”, sobre tal programa na Universidade Federal de Alagoas e evidenciou em seu
estudo que a proposta propiciava uma formação para o aluno-trabalhador mais propensa à adaptação e à
precarização no trabalho.
277
CNE e sócio fundador e membro do comitê de Governança do TPE, deu prosseguimento a
este projeto e incrementou, juntamente com o ICE, um novo modelo de ensino médio,
utilizado como referência de experiência exitosa, inclusive, nas exposições de alguns
participantes dos seminários e audiências públicas da CEENSI. Na ocasião desse seminário os
dados do IDEB de Pernambuco de 2012 colocavam este estado em destaque em comparação
com os demais, pois a meta de 2015 já havia sido superada, demonstrando um salto
qualitativo considerável, segundo esse indicador.
O projeto de ensino médio sintetizado no PL nº 6.840/2013 era bastante audacioso
e propunha mudanças que rompiam, em boa medida, com o conjunto de ações que o campo
educacional, na esfera governamental, vinha construindo desde 2003 a partir da revogação do
Decreto nº 2.208/1997. Até a apresentação da MP nº 746/2016 o PL nº 6.840/2013 era a
expressão mais clara das disputas por projetos de ensino médio antagônicos, numa disputa
que envolvia os campos educacional e econômico, consubstanciada no campo político e que
se tornaram explicitadas mediante a MP. Duas entrevistadas apresentaram uma leitura
interessante sobre a trajetória que culminou no PL nº 6.840/2013, ou seja, para elas as
estratégias foram sendo tomadas conforme o jogo foi se apresentando, assim como no campo
econômico as estratégias foram definidas em consonância com o jogo do momento.
O capital e o habitus de cada campo, nessa aproximação pode ter corroborado
mais com um campo do que outro, ou seja, enquanto o campo educacional definiu uma
estratégia previsível na disputa, pois considerou o processo e a trajetória das políticas em
curso, o campo econômico delineou um outro percurso. Nesse sentido, o habitus do campo
político não foi considerado previamente nas estratégias do campo educacional, pois para esse
campo o enredo já estava posto na legislação e, além disso, era favorável à educação, portanto
não fazia sentido propor alterações na legislação, sobretudo na LDB. Já para o campo
econômico esse era o espaço com margem para atuação do agente empresarial atuar e se
articular e assim o fez, ou seja, agiu conforme o modus operandi do campo político e contou
com uma Câmara favorável ao campo econômico, pois o agente empresarial vivia um
momento de ascensão em número de cadeiras ocupadas e certamente, também, logrou êxito
nas fissuras que percebeu existir dentro do campo educacional e no executivo, para fins de
definição de uma proposta de ensino médio. As estratégias do campo econômico foram
acertadas, para o contexto político da época, já as estratégias do campo educacional,
sobretudo no espaço do legislativo, não foram, pois:
Como nessa disputa, quem estava disputando de outra perspectiva, perdeu nas
Diretrizes foi ocupar um outro espaço. Nós fomos lá e disputamos também e, pelo
278
menos, por enquanto estamos ganhando. Porque não teria que ter um outro projeto
de lei. O que tá na LDB é o suficiente. Agora como é que você iria desbancar as
Diretrizes? Não seriam com outras e tão rapidamente. Teria que ser de um outro
jeito, entrando no Congresso, que foi o que essa outra ala, que não é um bloco
consensual, eu não quero colocar assim “nós somos do bem e eles são do mal”, “nós
somos da esquerda e eles da direita” não. Eu estou colocando como uma disputa
com vários interlocutores, são projetos formativos distintos, mas mesmo dentro
desse bloco, desse grupo não há uma única concepção, mesmo para quem pensa
mais à esquerda, junto aos movimentos sociais, não pensa do mesmo jeito. Nós da
Anped que trabalhamos com ensino médio não pensamos todos igual, mesmo entre
nós tem disputas. Mesmo no campo empresarial tem disputas. Agora, eu dirá...como
eles se preocupam menos com os princípios, pensam mais pragmaticamente, eles
passam por cima das disputas e vão no que é estratégico. E nós não, nós queremos
nos convencer primeiro para depois...até porque é uma característica nossa, uma
questão de princípio, mas enquanto nós ficamos discutindo a epistemologia tem
uma articulações espúrias, com as quais depois a gente não concorda e enfrenta. Eu
acho que o campo acadêmico, pelo menos o campo acadêmico que discute o ensino
médio e a educação profissional, nos últimos anos tem tido uma articulação muito
profícua com a política pública, não só como campo de pesquisa, mas de
interlocução e eu me incluo. (ENTREVISTA 8)
Olha duas coisas me mostram como era o Exército de Brancaleone, como o Dom
Quixote e os Moinhos de Vento. O que aparece depois, de um lado o projeto de
reforma do ensino médio no PL 6.840 onde a questão aí do conservador que pega o
PL retorna o PL com algumas questões e as leva pra BNCC. (ENTREVISTA 2)
252
Essa expressão é oriunda do filme L’armatta Brancaleone, uma obra cinematográfica, de 1965 criada por
Mário Monicelli, que sob um pano de fundo muito bem estruturado e historicamente situado na idade média, tece
muitas críticas implícitas ao Fascismo e no que significou para a Itália ter vivido esse momento. Entre outros
aspectos o filme sugere, como mensagem implícita, que o senso de justiça e o senso de igualdade estão presentes
nas mais absurdas realidades, ainda que a desigualdade pareça intransponível. É uma batalha entre desiguais, em
que alguns são mais providos das condições, inclusive culturais, para vencer a guerra. Em analogia Bourdieu
podem ser mencionados os conceitos de distinção e capital cultural para compreender a metáfora posta na fala da
entrevistada.
253
Em Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes Saavedra, há um capítulo que relata o encontro de
Dom Quixote e Sancho Pança com vários moinhos de vento. A atitude de Dom Quixote é de enfrentamento aos
moinhos, pois ele os vê como criaturas gigantes, que representam uma grande ameaça aos cavaleiros. A derrota
que Quixote leva, ao ser atingido pela hélice de um dos moinhos, representa o paradigma da luta inútil, por outro
lado essa luta pode ser legítima se, aos olhos do protagonista, ela parecer necessária.
279
singular e emblemática, pois se as figuras utilizadas forem fidedignas ao contexto vivido, em
outras palavras, seria o caso de o campo educacional, frente aos desafios históricos do ensino
médio e numa promessa de ruptura com o projeto de educação e de ensino médio emplacados
no Governo FHC, após 12 anos, em face das disputas e embates, se via frágil como o exército
de Brancaleone empreendendo uma luta legítima, porém inútil, pois não haveria perspectiva
de emplacar um novo projeto de ensino médio. Seria isso?
A figura literária de Dom Quixote também possibilita múltiplas leituras e permite
reportar à simbologia e relevância da obra de Cervantes para os espanhóis e, sobretudo, de
Dom Quixote para o Modernismo Ocidental. A construção da personagem do cavaleiro
simbólico resgata alguns aspectos que seriam oriundos do legado de Erasmo de Rotterdam254,
em especial à obra “Elogio da loucura”, pois Dom Quixote teria incorporado algumas
premissas de Rotterdam na trajetória e caracterização do fidalgo. A loucura é uma marca, ao
mesmo tênue e ao mesmo tempo tão real na personagem. Já a compreensão de que vitorias e
derrotas podem possuir o mesmo valor, postulado de Rotterdam, está cunhado em Dom
Quixote de La Mancha, uma vez que são narradas 40 batalhas, sendo 20 vitórias e 20 derrotas.
Nesse sentido, a entrevistada pode ter sugerido muito mais na sua fala do que apenas
mencionar os pesos desiguais dos agentes nas disputas pelo ensino médio, pois, para ela:
O que nós tentamos fazer? (...a gente...é marginal demais, muito marginal
pra se constituir como forças que conseguem atuar, mudar e interferir nos
rumos da política). Não quer dizer que somos derrotados, não há uma derrota
propriamente dita. Se trata de uma batalha. De uma guerra de posição que a
gente vem travando, mas nós nos encontramos no plano contra hegemônico,
a hegemonia está com as forças conservadoras, com o segmento empresarial.
De tal maneira que o êxito nesses dez anos é manter o debate vivo, porque
ele foi aplacado com a reforma do Fernando Henrique. Ninguém teria
deixado à luz, não tivesse o PT ganho em 2003, tivesse sido o PSDB por
assim adiante, ninguém mais nesse país teria conseguido ouvir falar em
politecnia, formação omnilateral, em educação transformadora, nem a
mínima hipótese. Se isso mal tá na nossa cabeça imagine na sociedade, no
sistema de ensino. Então eu acho que o que a gente conseguiu avançar
nesse tempo, o ganho que a gente tem nesses 10 anos é ter mantido o
debate vivo, pra mim é essa é a conquista. (ENTREVISTA 2) (Grifos
nossos)
254
Fabiana Magalhães Pinto, historiadora da UFF, desenvolveu pesquisas sobre Erasmo de Rotterdam e sua
relevância para o Humanismo e sobre a loucura na cultura moderna. Para ela a obra de Rotterdam marcou
inclusive as concepções educacionais de alguns países transalpinos. Uma das produções dessa pesquisadora pode
ser acessada em: http://www.revistas.fflch.usp.br/delete2/article/view/1581/1404
280
O avanço registrado pela entrevistada pode parecer pequeno ou importante,
conforme o olhar de cada sujeito. Nesse caso, o olhar é de quem viveu diretamente os embates
e essa condição pode ser o motivo pelo qual a entrevistada considera a existência de um
debate e de algumas proposições calcadas num projeto de ensino médio, alicerçado na tríade
do trabalho, da cultura e da ciência, como uma conquista. O estranhamento frente à afirmação
vem da observação que o quadro político governamental era o mais favorável, até o momento
na história brasileira, para emplacar essa perspectiva. Se ainda assim não foi possível avançar
para além do discurso e de algumas iniciativas legais, quais seriam as condições necessárias
para emplacar um projeto dessa natureza como uma política? A fissura da contradição se
localizaria em qual dos campos rumo a essa possibilidade?
A tecitura das disputas não é circunscrita a pontos específicos, o recorte que se faz do
todo é pela expressividade, pela relevância de alguns aspectos em detrimento de outros, pois
muitos são aspectos que compõem o mosaico de um campo de poder. E é nesse contexto que
a MP nº 746/2016255 encontrou espaço político e obteve êxito com a chancela do Estado e
com o respaldo no campo econômico. Assim como na tramitação do PL nº 6.8402013 o
campo educacional buscou jogar o jogo durante a tramitação da MP, inclusive com a
mobilização popular dos estudantes secundaristas256 em muitas unidades federadas do país.
No entanto o capital simbólico e político dos agentes a favor da aprovação da MP estavam em
condições mais dominantes no campo do poder instaurado no cenário político e societário.
Esse ambiente propício foi gestado no período de 2003 a 2014, nas entranhas de um mesmo
tempo histórico em que o campo educacional e o campo político teceram alguns avanços para
o ensino médio, sobretudo para os jovens e adultos “que vivem do trabalho”.
255
No dia 08 de fevereiro de 2017 o Senado Federal aprovou a MP nº 746/2016, com o placar de 43 votos a
favor e 13 votos contrários. A medida seguiu para a sanção presidencial, que tinha até 15 dias para vetar ou
sancionar. O presidente Temer sancionou e no Diário Oficial do dia 17 de fevereiro de 2017 foi publicada a Lei
nº 13.415. As notas taquigráficas da fala dos senadores na votação final é um capítulo singular sobre as bandeiras
que cada parlamentar tem defendido como projeto de ensino médio e de educação. Nesse sentido a fala do
Senador Cristovam Buarque é bastante intrigante, conforme o fragmento ilustra: “O primeiro apelo é que votem
pensando nos jovens adolescentes que amanhã vão para a escola e que não podem escolher a disciplina a
que vão assistir. Que votem pensando em dar liberdade aos nossos jovens de poderem escolher as
disciplinas pelas quais eles têm mais gosto, mais vocação. Por favor, vamos votar pensando em libertar nossos
jovens de disciplinas que os tolhem e, ao mesmo tempo, os expulsam da escola. Segundo, votem pensando
naqueles alunos que amanhã não vão ter aula de matemática, por exemplo, porque não há professor com
licenciatura. Votem pensando neles, porque, graças a essa medida provisória, através do chamado notório
saber, vai ser possível contratar engenheiros aposentados que sabem matemática, biólogos aposentados,
jornalistas aposentados que poderão preencher a vaga de professores, que todos nós preferíamos que fossem
licenciados, mas, hoje, não são nem licenciados nem nada” (grifos da autora). Disponível em:
http://www25.senado.leg.br/web/atividade/notas-taquigraficas/-/notas/s/4023 Acessado em 11/02/2017.
256
As ocupações dos secundaristas em escolas públicas, contra a MP nº 746/2016 se concentraram em algumas
unidades da federação com mais expressividade: Paraná, São Paulo, Goiás, Rio Grande do Sul, Rio Grande do
Norte, Alagoas, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Mas de mil escolas foram ocupadas contra esta MP e também
contra a PEC n° 241/PEC 55.
281
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A epígrafe acima é cara nesta tese, desde o título do trabalho: “As políticas para o
ensino médio no período de 2003 a 2014: disputas, estratégias, concepções e projetos”.
Originalmente o fragmento apresenta um escopo sobre o olhar de um italiano marxista, que se
tornou referência no Brasil, em especial a partir da década de 1980 e, desde então, permanece
presente em boa parte da produção de educadores. Dentre os pesquisadores do ensino médio
alguns conceitos gramscinianos são recorrentes. As ideias de Gramsci chegaram ao Brasil na
década de 1960, mas foi no apogeu da Ditadura Militar, na década de 1970, que coincidiu
com a tradução das principais obras gramscinianas, que o debate e a produção acadêmica
brasileiras incluíram essa referência italiana em seus subsídios teóricos.
O contexto em que Gramsci discutiu os conceitos: escola unitária, politecnia,
escola desinteressada, o trabalho como princípio educativo, dentre outros, retoma as primeiras
décadas do Século XX e o fragmento acima foi redigido pelo filósofo no auge de uma Itália
fascista. Na condição de carcerário Gramsci seguiu atento e militante, via escrita, quanto às
questões políticas que ocorriam em seu país, bem como sobre o mundo, no cenário do pós
Segunda Guerra Mundial. Dentre os desdobramentos desse cenário a reforma da educação
italiana, neste caso a voltada para o ensino médio, empreendida por Giovanni Gentile, foi
questionada por Gramsci na sua concepção. Os argumentos utilizados por ele permanecem
atuais, para parte dos pesquisadores brasileiros, que subsidiam seus questionamentos quanto à
gênese das reformas educacionais que o ensino médio tem experimentado desde a Lei nº
5.692/1971.
A escolha de Gramsci como mote para as considerações finais desta tese tem um
sentido e significado singulares. Ainda que o contexto e o sentido empregados pelo autor
sejam bem distintos, pois esse recorte para o diálogo nas considerações finais almeja ilustrar
um pouco do movimento empreendido pelos agentes do campo educacional, em um contexto
de disputas. Em outras palavras, as disputas, concepções e estratégias empreendidas pelo
campo educacional consubstanciaram mais do que uma reforma do ensino médio, ou seja, não
282
houve um comodismo histórico, porém a antítese vigorosa se materializou em uma proposta
de travessia, que apesar de alguns avanços que merecem ser reconhecidos, não conseguiu
colocar em evidência todas as possibilidades que um determinado tempo histórico poderia ter
possibilitado. Os avanços recaem em ações importantes, sobretudo como nas disputas pelo
Fundeb e pela ampliação da obrigatoriedade da escolaridade que ecoam no ensino médio, mas
a singularidade do ensino médio, especialmente sobre a construção de um projeto educativo
que coroasse esses elementos de base e desse um viés pedagógico condizente com as
necessidades e demandas da maioria dos jovens e adultos das redes estaduais de ensino, lócus
que contempla a maior parte dos estudantes do ensino médio brasileiro. Essas conquistas
instigam a pensar, apesar do que foi feito, que poderia ter avançado mais, pois o que foi
conquistado também não foi pequeno, sobretudo em face do referenciado nas políticas
educacionais anteriores.
Boa parte das discussões, respaldadas por distintas concepções e projetos, recai na
crítica sobre a falta de identidade do ensino médio. Tal afirmativa explicita um risco, uma vez
que diferentes concepções são instauradas no âmbito discursivo e são compatíveis com
distintos interesses. Nesse sentido, mediante as investigações realizadas nesta pesquisa, é
possível depreender que não se trata de uma falta de identidade, aliás, o discurso da falta de
identidade é apelativo e abre precedentes para a busca de soluções fáceis e delimitadas dentro
da seara do campo educacional.
As fragilidades que se materializam na última etapa da educação básica possuem
raízes históricas na constituição da escola pública e na ampliação do direito a esta. A negação
dessa condição escamoteia, muitas vezes, a problemática envolta na questão da falta de
identidade, ou seja, há uma falta de identidade, de certo modo, projetada, nos moldes que
Darci Ribeiro alertava: “a crise da educação é um projeto”. À medida que os problemas
estruturais e conjunturais, que envolvem a complexidade do ensino médio brasileiro,
oferecido nas redes públicas, sobretudo nas redes estaduais, não são considerados e
contemplados nas proposições, corre-se o risco, como salienta Kuenzer (2000), de as
propostas estarem revestidas de ingenuidade ou má-fé.
Nessa perspectiva, a busca pela construção de uma proposta de ensino médio que
superasse os desafios históricos, como “a falta de identidade” - que por sua vez se evidencia
na existência de uma dualidade estrutural, materializada nesta etapa da educação básica, por
questões que ultrapassam os muros da escola – inaugurou no período de 2003, no Seminário
“Ensino Médio: construção política”, o delineamento das premissas fundamentais de
283
construção de um projeto de ensino calcado na formação humana integral, a partir das
relações entre trabalho, ciência e cultura. Essa concepção de ensino médio é coerente com o
projeto idealizado, até certo ponto implementado, e verbalizado por boa parte dos
entrevistados nesta pesquisa. Tal projeto, porém, foi sendo esboçado pari passu ao
delineamento e aprimoramento de um projeto formativo distinto, idealizado pelo campo
econômico, para a juventude brasileira.
Nesse limiar as estratégias de cada campo, em face de um campo de poder
instaurado no espaço social, corroboraram com a ascensão de um projeto, em detrimento do
enfraquecimento do outro. A travessia almejada, bastante criticada por Nosella (2011, 2015) -
pois este compreende a concessão e transitoriedade de algumas premissas, postas nas políticas
educacionais para o ensino médio na gestão que teve início em 2003, um equívoco, quanto
aos pressupostos gramscinianos - foi sobreposta por um retorno e aprimoramento, de certo
modo, ao projeto de ensino médio delineado no governo FHC.
Assim, é possível afirmar que, embora as disputas entre os campos educacional e
econômico, pela concepção e regulação de um projeto de ensino médio, seja histórica, ou seja,
o jogo instaurado constituído por interesses, estratégias e concepções distintas é anterior ao
período estudando, é pertinente salientar que houve um processo de fortalecimento do campo
econômico, no decorrer do período de 2003 a 2014. Esse período foi ímpar para o campo
educacional e o ensino médio, especialmente pela herança herdada do governo FHC. Houve a
intenção e um esforço, por parte do campo educacional, em desenvolver um projeto formativo
divergente dos pressupostos do campo econômico para a educação dos jovens e adultos do
ensino médio brasileiro. As disputas mudaram de espaços, mas o projeto delineado no
governo FHC continuou sendo fomentado por distintos agentes, tanto do campo econômico,
quanto do campo educacional.
Nesse sentido, a presença das recomendações mundializadas e sua relevância para
o período de 2003 e 2014 possuem uma particularidade: o diálogo mais fecundo ocorreu junto
aos agentes do campo econômico, que por sua vez atuavam dentro do campo educacional,
seja no Consed ou nas secretarias estaduais de educação, em forma de parceiras com alguns
institutos como o ICE, Instituto Unibanco e IAS. O escopo do projeto oriundo do governo
FHC é respaldado pelo Bird e pelo BID. As terminologias “projetos de vida”, “protagonismo
Juvenil”, “ensino médio de classe mundial”, dentre outros seguem, resguardam elementos
desse viés, foram sendo trabalhados em ações nas escolas durante o período em estudo e no
contexto político e educacional que se desenha no país após 2016. Desse modo, não será
284
nenhuma surpresa a volta de financiamentos do Bird e do BID para a implementação da Lei
nº 13.415/2017. Financiamentos externos para projetos educacionais era uma prática comum
no Governo FHC, como expressão de uma perspectiva e de uma concepção de educação, cuja
relação meios e fins se fundamenta na tônica mercadológica como força motriz, ou seja, o
mesmo tom que emana da lei recentemente aprovada pelo governo Temer para a reforma do
ensino médio.
As premissas teóricas e metodológicas que balizam as concepções das políticas
educacionais para o ensino médio no período de 2003 a 2014, sobretudo as que estão na
primeira versão do Proemi (2009), retomam as perspectivas norteadoras do Seminário
“Ensino Médio: uma construção política”, realizado em 2003, pois ressaltam a intenção do
campo educacional pela construção de uma proposta que também fosse consoante com a
realidade das unidades federadas deve se considerada. Esse viés é consoante com a
perspectiva histórico crítica, ou seja, indica um espectro teórico e metodológico de um projeto
coerente com o ideário formativo de ensino médio e reconhece o papel da escola e de seus
sujeitos no processo de construção e implementação desse projeto.
No entanto, o campo econômico conseguiu dirimir os fundamentos teóricos
iniciais do Proemi, dentro do campo educacional e paulatinamente ampliou o seu espaço de
atuação prática nas unidades federadas. A experiência acumulada de institutos, como o IAS -
que atua desde a década de 1990 nas redes de ensino, ainda que no ensino fundamental e na
gestão - certamente serviu de exemplo para os demais institutos que ingressaram na
modalidade de prestação de serviço para as secretarias de educação. No entanto, não ocorreu
uma prestação de serviço convencional, pois os prestadores, nesse caso, se empenharam em
levar o ethos empresarial para dentro das redes estaduais. Já por dentro da escola, no fazer
pedagógico houve a intenção de desencadear um processo com a perspectiva de constituição
de um habitus juvenil peculiar aos interesses laborais, conforme Oliveira (2014a, 2014b). Tal
dinâmica não pode ser compreendida como uma transferência de ideário, mas como busca de
inserção e de legitimação de um projeto de ensino médio, por dentro do sistema escolar. Esse
caminho foi uma boa estratégia, pois o projeto de ensino médio calcado na tríade trabalho,
ciência e cultura não é conhecimento o suficiente no campo educacional. Além disso, possui
resistência em boa parte do campo educacional, inclusive dentre os agentes que estavam na
condução de gestores no MEC, dentro do período delineado nesta pesquisa, como no Consed.
A criação do TPE conseguiu agregar vários institutos ligados à educação, mas que
são ideologicamente e embrionariamente ligados ao campo econômico. Essa estratégia
285
permitiu a este campo valorizar o capital dos mesmos e constituir o TPE como um agente
importante na sociedade, pois adquiriu notoriedade e poder de influência no campo político e
educacional. O campo econômico se fortaleceu na gestão governamental do período de 2003 a
2014, se consagrou no Estado, na definição de pautas e desenvolveu articulações estratégicas,
inclusive no campo político, no Congresso Nacional.
Nesse prisma a problemática norteadora dessa pesquisa possuía a hipótese, na fase
inicial da investigação, de que estava em curso uma reconfiguração do ensino médio. Essa
primeira observação causou estranhamento, inclusive pelas concepções norteadoras do projeto
de ensino médio, que vinham sendo delineado pelo campo educacional sob a coordenação do
MEC. À medida que a pesquisa permitiu tomar conhecimento sobre o processo de construção
de uma proposta de ensino médio desse período e como a participação do campo econômico
se materializava nas ações dos institutos Unibanco, IAS, ICE, dentre outros, nas secretarias de
educação e nas escolas a hipótese de reconfiguração, pelo menos nos moldes imaginados
inicialmente, foi refutada.
No decorrer da pesquisa, na revisão documental e nas entrevistas realizadas com
os agentes do campo educacional outros elementos ganharam notoriedade: as disputas e as
estratégias pela concepção e pelo projeto de ensino médio foram multifacetadas e não se
circunscreveram à inserção dos institutos nas redes de ensino. Aliás, a aproximação dos
institutos com as secretarias de ensino passou a ser compreendida como uma das estratégias
empreendidas pelo campo econômico, junto aos agentes do campo educacional, corroborada e
corroboradora da aproximação do agente empresarial junto ao Consed. Essa proximidade foi
compreendida como um exemplo de ação estratégica, que balizou a valorização do capital
simbólico do campo econômico e o respaldou junto ao campo educacional e, de certo modo,
legitimou a entrada do ethos empresarial nas escolas de ensino médio das redes estaduais de
ensino. Assim, o Consed não foi um agente que jogou o jogo do campo educacional, pelo
contrário foi um agente partícipe das estratégias do campo econômico, inclusive para além do
jogo por um projeto de ensino médio.
No campo educacional, nas disputas pelo ensino médio, dentre as quatro ações
focalizadas neste estudo, a pesquisa desvelou que a revogação do Decreto nº 2.208/1997 e a
promulgação do Decreto nº 5.154/2004 se converteram na estratégia mais efetiva em busca de
inserir no ensino médio uma perspectiva oposta a que havia sido delineada no Governo FHC,
em um aspecto crucial: a integração entre a formação acadêmica e profissional. Uma das
entrevistadas inclusive mencionou que o saldo positivo do período 2003 a 2014 foi ter
286
mantido o debate vivo sobre a politecnia, sobre a integração, pois, para ela, caso o PT não
tivesse chegado ao poder e os rumos das políticas educacionais de ensino médio tivessem
seguido a tônica dos oito anos da gestão de Paulo Renato Souza no MEC, por ocasião do
governo FHC, certamente a história atual, sobre a última etapa da educação básica teria outro
enredo. No entanto, no jogo que estava posto e pelas estratégias do campo econômico a
prerrogativa da chegada do PT no governo e das ações desenvolvidas no decorrer de três
gestões presidenciais parece ter sido insuficiente para dirimir a hegemonia da proposta de
ensino médio deixada pelo governo FHC.
Frigotto (2010) afirma que o Governo Lula não promoveu ruptura no modelo
econômico e político brasileiro, por não promover reformas estruturais como a reforma
agrária, a taxação de grandes fortunas, a reforma tributária, a reforma social, além da
renegociação da dívida interna e externa do país. Em detrimento dessas proposições houve um
conjunto de ações conciliatórias que, ao buscar o inconciliável cedeu espaço aos agentes
dominantes, que por sua vez continuaram agindo interna e paralelamente aos governos
presidenciais de 2003-2014. O campo educacional vivenciou essa contradição e teve como
consequência a perda de capital dos seus agentes dentro e fora do campo, dentro e fora do
governo federal.
No MEC, ainda que houvesse uma intencionalidade clara por parte da primeira
equipe que ocupou os cargos de gestão, em funções diretamente ligadas ao ensino médio,
sobretudo quanto delineado de um projeto de ensino médio, cujo princípio estruturante tinha o
trabalho, a ciência e a cultura como tripé, o mesmo não era consensual entre os agentes do
campo educacional, inclusive não era um ponto consolidado junto aos ministros de educação
desse período.
Além disso, o campo educacional, no decorrer do período de 2003 a 2014,
também perdeu capital simbólico, junto ao campo político, na Câmara dos Deputados. Na
Câmara dos Deputados a ausência de parlamentares oriundos do campo educacional, no grupo
cabeça, como denomina o Diap, ou ainda a ausência de agentes dominantes, em conformidade
com Bourdieu, que fossem signatários das concepções e projetos defendidos pelo campo
educacional concedeu a esse campo uma situação desfavorecida junto aos debates que se
instalaram na Câmara. A trajetória das EC nº 53/2006 e nº 59/2009 e do PL nº 6.840/2013,
conforme a pesquisa delineou, explicita que o capital simbólico dos parlamentares junto aos
pares é um dos elementos que conta no jogo do campo político. Nesse caso o parlamentar que
ocupava a função de cabeça na Comissão de Educação, apesar te ter sido o primeiro Ministro
287
da Educação, dentro do período analisado neste trabalho e de ter eleitorado oriundo desse
campo, estabeleceu vínculos importantes com alguns dos agentes do campo econômico, que
foram contemplados neste estudo, ou seja, não jogava o jogo do campo educacional que
estava representado no MEC, no período em estudo.
O campo econômico também incrementou o número de representantes do campo
empresarial nos últimos anos, na Câmara dos Deputados, inclusive alguns deles estão
presentes na bancada da educação. Assim, esta bancada, além de bastante heterogênea, possui
expoentes em evidência, com capital político, social e simbólico, que joga o jogo do agente
empresarial. As estratégias do campo econômico foram condizentes com o habitus
empresarial e norteadas pelas forças do campo que “orientam os dominantes em direção das
estratégias que têm por finalidade redobrar sua dominação”. (BOURDIEU, 2005, p.37). Tais
estratégias não se circunscrevem à atuação do agente dentro do campo, mas também fora dele
e o efeito dessa exteriorização, frente às disputas empreendidas, no contexto do período
estudado, desvela que a dominação foi se materializando paulatinamente dentro do campo
político e no espaço de atuação do campo educacional, dentro da gestão governamental. Essa
situação é ilustrativa de um prenúncio feito por Perry Anderson, segundo Frigotto (2004),
sobre a gestão do PT, para quando este estivesse no governo: “não confundir votos ganhos
com o poder que deteria; ter um projeto alternativo claro e um grupo coeso na busca de sua
concretização; vincular este projeto aos movimentos sociais organizados e identificar o
inimigo e não o subestimar” (p.205).
Lançar um olhar para o retrovisor da história e, ao mesmo tempo, para o cenário
do presente coloca em evidência a constatação, ao que parece, que o inimigo foi subestimado,
ou não foi identificado e categorizado. No campo da educação, para as questões voltadas para
o ensino médio, o oponente era signatário de concepções e projetos divergentes do que o
campo educacional, que ocupava cargos na função governamental, almejava colocar em
curso, ou seja, primava por uma travessia que rompesse com o projeto de ensino médio que
esteve em curso até o ano de 2002 e que avançasse rumo ao um projeto de ensino médio
condizente com o projeto de uma sociedade menos desigual. Desse modo as parcerias entre as
secretarias de educação e os institutos, com a chancela do Estado, foi um ponto extremamente
desfavorável para o campo educacional.
Nas relações estabelecidas entre os campos estudados houve uma articulação
importante do campo econômico para prosseguir com a pauta de ensino médio definida nos
anos de 1990. Alguns agentes individuais, que atuaram no governo FHC e colocaram em
288
evidência um projeto de ensino médio convergente com as orientações mundializadas, se
viram fora do governo e na condição de oposição no período de 2003 a 2014. Boa parte desse
grupo se articulou junto aos agentes do campo econômico para dar cabo ao projeto de
formação no ensino médio para os jovens e adultos, tendo em vista o projeto que representam
organicamente257.
A forma de exercitar essa oposição foi considerada por uma das entrevistadas
nesta pesquisa como o “Movimento dos Sem MEC”. Assim, em outras palavras, o fato de a
concepção mercadológica de educação não estar representada no campo educacional, no
âmbito da gestão governamental, não impediu os agentes do campo econômico de jogarem o
jogo da busca pela definição e implementação de uma pauta, nesse viés, para o ensino médio.
Os agentes do campo econômico delinearam estratégias para manter e ampliar o capital
simbólico, dentro do campo educacional e no campo social, para assim continuarem a luta
pelas concepções e pelo projeto que defendem.
Nesse limiar é possível mapear e identificar a atuação e relevância das ações de
alguns agentes individuais, ou intelectuais orgânicos, em sentido gramsciniano, com maior
capital simbólico dentro dos campos econômico e político, com experiência de atuação no
campo educacional. Dentre esses alguns atuaram na esfera governamental, no período anterior
a 2003 e frente ao cenário político, após esse período, esse mesmo grupo buscou desenvolver
estratégias, condizentes com o jogo instaurado. Boa parte desses agentes está na lista dos
sócios fundadores do TPE, são membros do Conselho Temático da CNI e/ou atuam em
institutos, como conselheiros ou coordenadores de ações. É interessante observar que a força
do campo econômico, nas disputas circunscritas ao ensino médio, pode ser demarcada
pontualmente, ou seja, alguns agentes/intelectuais tiveram importância no jogo, na definição e
estratégias empreendidas nas disputas que surgiram no decorrer do período analisado e
também foram agentes importantes no governo FHC.
Além dessa menção ao período anterior ao recorte da pesquisa, ao findar as
considerações sobre este estudo, urge o desejo de registrar alguns elementos contextuais que
ocorreram, sobretudo nos anos de 2015 e 2016, e outros que estão despontando nesse país,
pois são fatos que acarretam em desdobramentos diretos e indiretos acerca das observações
que foram tecidas sobre objeto em questão.
O recorte da pesquisa foi definido em 2013, no início do doutorado e delineou o
período correspondente a três gestões presidenciais ocupadas por um mesmo partido político.
257
Sobre os intelectuais orgânicos e o ensino médio no Governo FHC ver Oliveira (2004, 2013).
289
No entanto, sobretudo, pela singularidade do momento histórico em que um quarto mandato
consecutivo do PT foi interrompido pelo segundo impeachment presidencial do país, foi
impossível deixar de seguir o fio histórico do objeto, ou seja, acompanhar os tensos e intensos
acontecimentos que, direta ou indiretamente, impactam o ensino médio brasileiro. Um
isolamento temporal rigoroso se aproximaria de um objetivismo, inclusive incoerente com o
referencial teórico que norteou esse trabalho.
Alguns acontecimentos importantes, que ocorreram no país em 2015 e 2016,
como o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, culminaram no campo político, mas
possuem o campo econômico como um dos mais expressivos expoentes no enredo. No
desdobramento das ações algumas acarretaram e sinalizam impactos importantes para o
campo educacional. Os fatos que foram surgindo a partir de 2015 exigiram um esforço
colossal por parte da pesquisadora, em se manter atenta às relações entre os campos no
período de 2003 a 2014.
O empenho perpassou durante o processo de realização das entrevistas, análise de
dados e de redação do trabalho e no processo do impeachment atingiu o ápice. Não foi uma
tarefa fácil, porém foi instigante e até esclarecedora, pois muitos dos fatores que explicitavam
as disputas, outrora veladas, entre esses campos, foram desvelados em face do novo contexto,
ou seja: a reorganização do campo político, a reacomodação do campo econômico e a nova
composição do campo educacional, na gestão governamental, sinalizaram que um novo
período de novas estratégias e disputas por concepções e projetos adquirira concretude. O
jogo, a posição dos agentes, o capital e as estratégias mudaram e isso acarreta para os agentes
dos campos sociais dispostos a jogar o novo jogo, inicialmente, que possuam a illusio e que
definam as estratégias mais coerentes com o novo campo de poder instaurado.
Em busca de compreender esse novo campo de poder, a partir das eleições para a
Presidência da República em 2014, é pertinente observar que os fatos que colocaram em
evidência a crise política instaurada e o descontentamento expressivo da população já tinham
sido expressos em 2013, sob a forma de protestos denominados de Movimento Passe Livre,
que, segundo Chauí258 resguardavam indícios de sinais de alerta, pois esses apontavam que:
“há nas ruas um caldo perigoso onde se forjam ditaduras”.
Após a reeleição de Dilma Rousseff e com o avanço da Operação Lava Jato, que
trouxe a tona um emaranhado de relações público privadas em que o campo político teve
258
Marilena Chauí concedeu uma entrevista à Revista Cult em fevereiro de 2016 e na ocasião discorreu sobre a
conjuntura política e social do país, em fase dos acontecimentos que sucederam após as manifestações de 2013.
https://www.cultloja.com.br/produto/cult-209-fevereiro-2016/
290
papel importante na implementação de um sistema de corrupção que desviou recursos
públicos em grande escala, o nível de descontentamento popular, quanto ao campo político,
incorporou o sentimento de indignação, pois a corrupção - compreendida aqui como um
problema crônico no Brasil - foi atribuída ao PT como o responsável por tal situação. Nesse
sentido, movimentos sociais259 criados recentemente, como o Movimento Brasil Livre,
Movimento Contra a Corrupção, Vem pra Rua tiveram importância considerável na
mobilização social que, com o apoio das grandes mídias, conseguiram dar materialidade e
organicidade na realização de grandes manifestações, que tiveram papel importantíssimo na
consolidação do impeachment de Dilma Rousseff.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, (Fiesp), agente empresarial,
teve um papel crucial na mobilização do campo econômico, bem como dos movimentos
sociais, como o Movimento Brasil Livre de Corrupção (MBL), pois no auge das articulações
pró-impeachment, o prédio da Fiesp260, localizado na Avenida Paulista em São Paulo, foi
palco das grandes manifestações que pediam o afastamento de Dilma Rousseff da presidência
da República.
Essa mobilização social se configurou, entre outros fatores, sob a forma de
campanha publicitária, contra a taxação de novos impostos, com possibilidade da volta da
Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeiras (CPMF). A campanha “não vou
pagar o pato” foi lançada em setembro de 2015 e lançou mão de muitos recursos midiáticos e
em dezembro de 2015 passou por uma virada discursiva e aderiu ao movimento pró-
impeachment. Dessa forma, provocou efeitos ideológicos e políticos, pois os discursos são
moldados por relações de poder e ideologia.
No campo educacional, uma das primeiras propostas de reforma educacional do
Governo Temer, apresentada pelo Ministro da Educação, Mendonça Filho, da Educação foi
encaminhada ao Congresso Nacional com o intuito de promover mudanças estruturais no
ensino médio. Tal proposta foi apresentada sob a forma de Medida Provisória (MP). A MP nº
259
Em analogia às considerações de Gohn, apontadas no capítulo II, pode-se afirmar que os movimentos que
surgiram no bojo do contexto político brasileiro, após 2013, podem ser compreendidos como movimentos sociais
do novo milênio e resguardam singularidades, seja pela concepção e bandeira, ou mesmo pelo formato. Castells
(2013) discorre sobre os movimentos sociais em tempos de internet, afirma que eles podem servir a fins
diversos; possuem a capacidade de mobilizar grande número de pessoas; colocam em relevo o papel do
compartilhamento de informações que são de interesse coletivo e evidenciam a necessidade de se pensar a
localidade a partir novos elementos. MBL e Movimento Vem pra Rua foram criados em 2014 e o Movimento
Contra Corrupção foi criado em 16 de janeiro de 2013.
260
A expressão “casa do impeachment de Dilma”, atribuída à assessoria da Fiesp é um exemplo da relação entre
meios e fins que ocorreu entre esse agente do campo econômico e outros segmentos da sociedade, como o MBL.
http://www.valor.com.br/politica/4486600/fiesp-oferece-file-mignon-manifestantes-pro-impeachment-napaulista
291
746/2016, publicada no Diário Oficial do dia 22 de setembro de 2016 encontrou forte
resistência por parte do segmento estudantil, denominado Movimento dos Secundaristas, que
realizou ocupações nas escolas de ensino médio. Por parte dos educadores a MP foi
considerada um retrocesso para a última etapa da educação básica, bem como uma proposta
de formação falaciosa e arbitária para os jovens brasileiros, especialmente para os alunos das
escolas públicas estaduais. A proposta foi aprovada nas votações no Congresso Nacional e no
dia 16 de fevereiro de 2017 foi sancionada pelo Presidente da República Michel Temer, pela
Lei nº 13.415/2017.
A situação observada no campo educacional, nas suas relações com os campos
político e econômico, no governo Temer, não se circunscreve às questões voltadas para o
ensino médio. No entanto, pelo recorte desta pesquisa, essa observação se reporta apenas a
esta etapa da educação, que mais uma vez, foi contemplada com um “novo” projeto
formativo, dessa vez apresentado sob a forma de Medida Provisória, que resgatou e aprimorou
o projeto de ensino médio que esteve oficialmente em curso até o ano de 2002.
Nesse sentido, passado, presente e futuro, de certo modo, desenham “novos”
rumos para o ensino médio no cenário pós 2014. Em tempos de crise aguda no campo
político, essa tríade temporal dá conotação a uma espécie singular de crise, que também
atinge o ensino médio, no sentido gramsciniano, ou seja: “A crise consiste precisamente no
fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma
grande variedade de sintomas mórbidos aparecem”. (GRAMSCI, 1971, p.275-276). Nesse
ínterim, com pouco mais de dois anos decorridos desde 2014, tendo em vista o recorte da
pesquisa, é possível afirmar que muitas são as nuances que se materializam e que foram
pausadas e há morbidez, apesar de ter havido um projeto de travessia, que certamente deixou
suas marcas no campo educacional, em meio aos limites e possibilidades de um momento
histórico, que somente o tempo dirá acerca da extensão, dos avanços e dos limites que
marcaram o período de 2003 a2014.
A investigação sobre a correlação atual entre os campos econômico, educacional e
político no período de 2003 a 2014 também aguçou o olhar da pesquisadora sobre alguns
aspectos que se materializaram e se materializam no espaço social e que são indicadores do
que estava latente no período correspondente à pesquisa e já indicavam que o campo do poder
sofria alterações, embora a dimensão desse processo ainda não estivesse tão clara.
Esse sucinto quadro, sobre um breve período posterior ao recorte da pesquisa, sob
o risco da leitura equivocada dos acontecimentos, pois são fatos ainda em ebulição, pretendeu
292
apontar alguns elementos que corroboram com a seguinte premissa: a relação entre os campos
econômico, político e educacional, em prol da definição de um projeto de formação para a
juventude brasileira é histórica e as estratégias e disputas ocorrem com os mesmos e outros
agentes, conforme a singularidade de cada tempo. Há um interesse bem demarcado pelo
ensino médio, em face do tempo da vida que contempla os sujeitos de ensino médio, ou seja,
por esse segmento se constituir como a força de trabalho na ativa e em potencial e, portanto,
esse segmento é considerado elemento importante para o projeto de desenvolvimento
econômico hegemônico. Assim, o projeto de ensino compatível com esse modelo e suas
facetas encontra respaldo do campo econômico, assim como um projeto que não tenha o viés
econômico como premissa norteadora tende a encontrar resistência no campo social, mas
como lembra Florestan Fernandes: “a história nunca se fecha por si mesma e nunca se fecha
para sempre. São os homens, em grupos e confrontando-se como classes em conflito, que
“fecham” ou “abrem” os circuitos da história.”(1977, p. 5). A disputa pelo projeto de ensino
médio continua.
Nesse sentido, mais uma me reporto a Gramsci e encerro as considerações desse
trabalho. Entre os intelectuais há os criadores, os organizadores e os divulgadores e esse
conjunto se fez presente em forma de agentes importantes nas disputas e nos jogos travados
dentro e fora dos campos estudados. As estratégias de legitimação do campo econômico
contaram, em boa medida, com a colaboração dos agentes criadores, organizadores e
divulgadores que transitavam nos campos econômico, político e educacional, sendo que parte
desses vieram do campo educacional. Esse é um dos aspectos que muito chamou a atenção no
contexto de 2003 a 2014.
Para os anos seguintes, em face das novas disputas que se desenham, além de
estar atento e forte, é pertinente aos agentes empenhados em manter o debate vivo de um
ensino médio de formação integral, alicerçado no tripé trabalho, cultura e ciência que, além
das estratégias empreendidas nas disputas por concepções, será preciso delinear boas
estratégias nas disputas em prol da resistência ao projeto de ensino médio, ora materializado
na Lei nº 13.415/2017, bem como na definição de estratégias para traçar novos e necessários
rumos em prol de um projeto de ensino médio que considere os que vivem do trabalho, nesse
caso o público majoritário da última etapa da educação básica, é preciso elevar o capital
simbólico dos agentes educacionais dispostos a refutar os rumos delineados pela atual reforma
do ensino médio e entrar na disputa seja por dentro ou por fora da gestão governamental.
293
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TELLO, C.; MAINARDES, J. La posición epistemológica de los investigadores en Política
Educativa: debates teóricos en torno a las perspectivas pos-estructuralista, neo-marxista y
pluralista. Revista Archivos Analíticos de Políticas Educativas, v. 20, n. 9, p. 1-31, mar.
2012.
_____. Todos Pela Educação: 5 Anos, 5 Metas, 5 Bandeiras. São Paulo, Todos pela
Educação, 2012.
ZANARDINI, Isaura Monica; ROSA, Marcia Sabina; HOTZ, Karina Griggio. O processo de
reestruturação produtiva e a reforma do Ensino Médio: implicações para os trabalhadores.
Educação Unisinos, v.15, n.01, p. 22-31, jan/abr. 2011.
ZANCHET, Beatriz Maria Boéssio Atrib. A proposta pedagógica para o Ensino Médio: a
interlocução entre a formação por competências e as práticas pedagógicas cotidianas. .
Educação Unisinos, v.05, n.09, p. 129-156, jul/dez. 2004.
Refundar o ensino médio? Alguns antecedentes e atuais desdobramentos das políticas dos
anos de 1990. Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 92, p. 1067-1086,
Especial-Out. 2005.
310
APÊNDICES
311
Apêndice A - Produções Qualis A1, por ano de publicação (2003-2016
Periódico Referências Ano Qte
ASPIS, Renata Pereira Lima. O professor de Filosofia: o ensino de
Filosofia no Ensino Médio como experiência filosófica. Cad. Cedes,
Campinas, vol. 24, n. 64, p. 305-320, set./dez. 2004. 2004
2
GONTIJO, Pedro; VALADÃO, Erasmo Baltazar. Ensino de filosofia
no ensino médio nas escolas públicas do Distrito Federal: História,
Práticas e sentidos em construção. Cad. Cedes, Campinas, vol. 24, n.
64, p. 285-303, set./dez. 2004.
312
ZIBAS, Dagmar M. L.; FERRETTI, Celso J.; Tartuce, Gisela Lobo 2006 1
B. P.; Micropolítica escolar e estratégias para o desenvolvimento do
protagonismo juvenil. Cadernos de Pesquisa, v. 36, n. 127, p. 51-85,
jan./abr. 2006.
313
Educação e antecedentes e atuais desdobramentos das políticas dos anos de 1990.
Sociedade Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 92, p. 1067-1086,
Especial-Out. 2005.
KUENZER, Acacia Zeneida. O ensino médio no plano nacional de 2010 1
educação 2011-2020: superando a década perdida? Revista Educação
e Sociedade, Campinas, v. 31, n. 112, p. 851-873, jul.-set. 2010.
FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria. Perspectivas sociais e
políticas da formação de médio: avanços e entraves nas suas
modalidades. Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 32, n. 116,
p. 619-638, jul.-set. 2011.
314
Apêndice B - Produções Qualis A2, por ano de publicação (2003-2016)
Periódico Referências Ano Nº de
textos
Currículo OLIVEIRA, Ramon de. Os limites do FUNDEB no financiamento 2008
sem do Ensino Médio. Currículo sem Fronteiras, v.8, n.2, pp.78-96, 2
fronteiras Jul/Dez 2008.
SANTOS, Jean Mac Cole Tavares; OLIVEIRA, Márcia Betânia de. 2013
Políticas curriculares no Ensino Médio. Currículo sem Fronteira,
v.13, n.03, p. 497-513, set/dez. 2013.
E- MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa. As Diretrizes Curriculares do 2013
curriculum Ensino Médio no Brasil: Subsídios oferecidos para o processo de sua
(PUC/SP) atualização. Revista e-Curriculum, São Paulo, v.02, n.11 ago. 2013.
OLIVEIRA, Ramon de. Juventude negra e Ensino Médio: uma 2015
discussão para a agenda das políticas afirmativas. Revista e-
Curriculum, São Paulo, v.13, n.02, p. 309-330, abr/jun. 2015.
ROCHA, Ana Angelita da; RAVALLEC, Carmen Teresa Gabriel 2014 4
Le. ENEM nos documentos: uma leitura pós-fundacional da
reestruturação do exame em 2009. Revista e-Curriculum, São
Paulo, v.12, n.03, p. 1693-2018, out/dez. 2014.
SALVINO, Francisco Pereira; ROCHA, Vagda Gutemberg. 2014
Macrocampos como proposta de integração e inovação curricular no
programa Ensino Médio inovador. Revista e-Curriculum, São
Paulo, v.12, n.03, p. 2019-2042, out/dez. 2014.
Educação DALLABRIDA, Norberto. A reforma Francisco Campos e a 2009 1
(PUC/RS) modernização nacionalizada do ensino secundário. Educação, Porto
Alegre, v.32 n.2, p. 185-191, maio/ago. 2009.
Práxis - - -
Educativa
Revista SCHWEIG, Graziele Ramos. Antropologia da Ciência e Educação: 2015
Unisinos reflexões sobre a Sociologia no Ensino Médio sob o idioma da
coprodução. Educação Unisinos, v.19, n.03, p. 335-344, set/dez.
2015.
SILVA, Monica Ribeiro da. Currículo e competências: a reforma do 2010
Ensino Médio e as apropriações pelas escolas. Educação Unisinos,
v.14, n.01, p. 17-26, jan/abr. 2010.
SILVA, Roberto Rafael Dias da. Políticas curriculares para o Ensino 2015 5
Médio no Rio Grande do Sul e a constituição de uma docência
inovadora. Educação Unisinos, v.19, n.01, p. 68-76, jan/abr. 2015.
ZANARDINI, Isaura Monica; ROSA, Marcia Sabina; HOTZ, 2011
Karina Griggio. O processo de reestruturação produtiva e a reforma
do Ensino Médio: implicações para os trabalhadores. Educação
Unisinos, v.15, n.01, p. 22-31, jan/abr. 2011.
ZANCHET, Beatriz Maria Boéssio Atrib. A proposta pedagógica 2004
para o Ensino Médio: a interlocução entre a formação por
competências e as práticas pedagógicas cotidianas. . Educação
Unisinos, v.05, n.09, p. 129-156, jul/dez. 2004.
TOTAL 12
315
Apêndice C - Trabalhos apresentados na Anped, por ano e Reunião (2003 a 2015)
Autor/es Instituição Título GT Reunião/ Qte
Ano
SANTOS, Aparecida de FIOCRUZ/E Trabalho e educação no “novo 9 26ª/2003 1
Fátima Tiradentes dos. PSJV Ensino Médio”: instrumentalização
da estética da sensibilidade, da
política da igualdade e da ética da
identidade na lógica do capital.
Médio
317
Apêndice D- Temáticas relacionadas ao Ensino Médio, por Periódico, Qualis A1,
publicadas eletronicamente de 2003 a 2016
318
Apêndice E
Revista Temáticas Nº de
textos
Financiamento do Ensino Médio 1
Currículo Sem Políticas Curriculares para o Ensino Médio 1
Fronteiras
E-Curriculum Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio 1998 e 2012 1
(PUC/SP) Programa Ensino Médio Inovador 1
Exame Nacional do Ensino Médio 1
Juventude Negra e Ensino Médio 1
Educação A Reforma Francisco Campos 1
(PUC/RS)
Currículo e formação por competências 2
Reestruturação produtiva e reforma do Ensino Médio 1
Revista Unisinos Sociologia no Ensino Médio 1
Docência inovadora no Ensino Médio 1
Total 12
Fonte: Sites das Revistas Eletrônicas Qualis A2, sistematização da autora.
Apêndice F
319
Apêndice G – Roteiro de entrevista
Titulo do projeto de Pesquisa: AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O
ENSINO MÉDIO NO PERÍODO DE 2003 A 2014: DISPUTAS E TRAVESSIAS?
Orientanda: Valdirene Alves de Oliveira
Orientador: João Ferreira de Oliveira
Entrevistado/a:
Roteiro de Entrevista
2. - O que mais avançou ou que aspectos mais avançaram na política para o Ensino
Médio no período 2003 a 2014? E o que não avançou tanto?
3. - É possível afirmar que as políticas para o Ensino Médio no período de 2003 a 2014
foram marcadas por disputas? Se sim, quais disputas você destacaria como mais
significativas?
7. Qual sua avalição sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio,
aprovadas em 2012, em comparação com as anteriores?
320
8. Quais suas considerações sobre o Pacto Nacional pela Melhoria do Ensino Médio?
12. - Na sua avaliação, qual foi sua maior contribuição para as políticas de Ensino Médio
no período 2003 a 2014, enquanto atuou na Coordenação Geral do Ensino Médio na
Secretaria de Educação Básica/MEC?
13. - Os motivos pelos quais você se afastou do MEC podem ser socializados? O que
você poderia registrar sobre o seu desligamento e que poderia ser importante para o
desenvolvimento dessa pesquisa?
15. - Você acha que o ensino médio está no rumo certo atualmente? Poderia explicar?
16. - Quem atuou no MEC, no período de 2003 a 2014, e que você indicaria para também
ser entrevistado, tendo em vista a participação e colaboração com as políticas
educacionais para o Ensino Médio?
Agradecemos a colaboração!
321