Caderno de Revisões CamõesLírico
Caderno de Revisões CamõesLírico
Caderno de Revisões CamõesLírico
os diferentes elementos da natureza: “Os ventos serena, /faz flores de abrolhos. / faz serras
floridas, /faz claras as fontes;”;
as vidas: “Trá-las suspendidas,/(…) na luz dos seus olhos”;
os corações, as almas: “Os corações prende/com graça inumana;/ de cada pestana/ ua alma lhe
pende.”;
o próprio Amor: “Amor se lhe rende/e, posto em giolhos, /pasma nos seus olhos.”
1
Vilancete – composição de origem palaciana, formada por um mote de dois ou três versos e por glosas de sete
versos de redondilha maior (7 versos) ou menor (5 versos).
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Cantiga – composição de origem palaciana, formada por um mote de quatro ou cinco versos e por glosas de oito a
dez versos de redondilha maior (7 sílabas) ou menor (5 sílabas).
Endechas3 a Bárbara Escrava (p.180, manual)
O retrato de Bárbara, “uma cativa com quem andava de amores na Índia”, revela-nos uma surpreendente
síntese entre um retrato psicológico que se enquadra nos parâmetros petrarquistas e um retrato físico
transgressor que enaltece a beleza exótica de uma mulher de pele negra.
A cativa Bárbara é descrita fisicamente como:
formosa;
com um “rosto singular”;
com olhos e cabelos pretos;
de pele negra - ”pretidão de Amor”.
Este retrato não pode estar mais afastado dos cânones da mulher branca e loura dos sonetos
petrarquistas, no entanto, as características psicológicas desta escrava, que enfeitiçou o poeta,
prefiguram uma dimensão espiritual renascentista. Assim, Bárbara é:
sossegada - “olhos sossegados”;
graciosa – “ua graça viva”;
doce – “Tão doce a figura”;
mansa – “Leda mansidão”;
diferente, única – “Bem parece estranha”;
serena – “Presença serena”;
dotada de poderes quase sobrenaturais – “…/que a tormenta amansa”.
Esta mulher fascina de tal modo o sujeito poético que transforma a sua dor num calmo prazer - “nela
enfim descansa/toda a minha pena”.
3
Endechas – poema de fundo melancólico, constituído por quadras ou oitavas, utilizando versos de cinco ou seis
sílabas, proveniente do Cancioneiro Geral.
2- uma segunda parte, composta pelo último terceto, em que o sujeito poético revela que a imagem
da mulher é apenas resultado da imaginação – “Se, imaginando só tanta beleza” – e que anseia
ardentemente pelo momento em que a possa contemplar – “Que será quando a vir?...Ah! Quem
a visse…”.
O retrato desta mulher torna-se, assim, particularmente interessante, uma vez que é produto da memória;
a mulher amada está ausente, como se pode comprovar através da interrogação retórica do último terceto
– “Que será quando a vir?”
No lirismo camoniano, encontramos, pois, a influência do lirismo petrarquista nesta imagem celeste e
imaterial da amada, reforçada pela experiência pessoal da separação.
O Amor
Utilizando as palavras de Jacinto do Prado Coelho sobre o lirismo camoniano, “o conjunto dos seus
poemas líricos constitui, por assim dizer, um diário, uma longa série de confidências, queixas e
meditações. Mas, como a própria vida que flui, como o próprio amor que nos domina, esse é contraditório,
vário e paradoxal.”
Da leitura dos poemas de Camões é possível reconstruir o seu percurso afectivo marcado pelas
vicissitudes do amor.
A natureza
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Há dois elementos que subvertem o locus amoenus, neste soneto: o som do mar e o pôr do sol.
uns castanheiros frondosos e verdes;
ribeiros mansos;
um espaço alegre – “Donde toda a tristeza se desterra”;
o rouco som do mar;
a estranha terra;
o pôr do sol nos outeiros;
os gados que recolhem aos estábulos;
as nuvens que vogam pelo céu suavemente – “Das nuvens pelo ar a branda guerra.”
Resumidamente, trata-se de uma natureza harmoniosa e, por conseguinte, propícia ao amor.
2- na segunda parte, composta pelos restantes quatro versos, o sujeito poético revela a sua
incapacidade de fruir a beleza da natureza na ausência da amada: “Sem ti tudo me anoja e me
aborrece;/ Sem ti, perpetuamente estou passando, /Nas mores alegrias, mor tristeza.” Veja- se o
tom dramático que o “eu” lírico imprime ao discurso, ao introduzir um novo elemento nesta
relação eu/natureza – o “tu” – “se não te vejo”, “sem ti”, “sem ti”.
A beleza da natureza torna-se, por isso, irrelevante sem a presença da mulher amada.
Sublinhe-se, também, a diferença em termos de construção frásica / linguagem entre a primeira e a
segunda partes:
Na primeira parte, de pendor claramente descritivo, predominam:
as frases nominais – “A fermosura desta fresca serra/ E a sombra dos verdes castanheiros”;
as enumerações – “O rouco som do mar, a estranha terra, /O esconder do sol pelos outeiros”;
os adjetivos – fresca, verdes, manso, rouco, estranha, derradeiros, branda;
o uso exclusivo da terceira pessoa.
De referir que o tema da partida/separação que domina esta composição faz parte da nossa tradição
lírica, já aparecendo trabalhado na lírica trovadoresca, na poesia palaciana do Cancioneiro Geral e
mantendo-se bem presente, sobretudo na poesia de resistência à ditadura salazarista dos poetas
panfletários do século XX, de que o soneto “E alegre se fez triste”, de Manuel Alegre, é exemplo.
O desconcerto do mundo
A temática do desconcerto do mundo foi cara a Camões, não só pelas circunstâncias sociais de uma
época de grandes transformações na qual viveu, mas também pela riqueza e variedade das suas
experiências de vida.
(…) O desconcerto do mundo aparece a Camões sob diversas formas. É um facto objetivo de que os
prémios e os castigos estão distribuídos desencontradamente. Há aqui um vício social particularmente
flagrante na sociedade portuguesa do século XVI, em que a expansão ultramarina proporcionava
enormes contrastes e mutações de opulência e miséria e dava largas oportunidades aos aventureiros
sem escrúpulos: a terra (escreve Camões referindo-se à Índia) é a mãe de “vilões ruins e madrasta de
homens honrados”.
António José Saraiva, Luís de Camões
O último verso do soneto demarca-se do resto da composição poética quer a nível formal, quer
ideológico. Assim, o carácter exclamativo associado ao jogo dramático, resultante da presença dos
pronomes pessoais “me”/ “ti”, opõem-se ao carácter descritivo (predomínio de um discurso de terceira
pessoa) dos restantes versos. Curiosamente, só no último verso e na última palavra desse mesmo verso,
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Esparsa – espécie de trova curta, muito frequente no Cancioneiro Geral, de fundo melancólico, composto em
redondilha e que consta geralmente de um mínimo de oito versos e máximo de dezasseis. Ao contrário das cantigas
e dos vilancetes, a esparsa aborda diretamente o assunto, dá-lhe forma epigramática, e terminas sem refrão nem
variações.
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Babilónia – capital da antiga Suméria, no sul da Mesopotâmia. Para os judeus, que aí estiveram exilados, “Babel”
significa confusão.
7
“Mãe” – Vénus, símbolo da sensualidade imperiosa
o sujeito poético revela a verdadeira intenção do seu longo discurso – enaltecer, ainda que
implicitamente, a sua terra prometida, “Sião”8.
Numa leitura mais pessoal e simbólica, Babilónia representa para o poeta o exílio, o desterro em Goa, e
Sião, a sua pátria, Portugal
Algumas composições poéticas camonianas revelam um pendor autobiográfico, em que o poeta aparece,
quase sempre, como vítima de um destino inexorável e injusto que se adapta a um cenário mais
abrangente do desconcerto do mundo.
Este pendor pessoal que preside a praticamente todo o lirismo de Camões confere grande autenticidade
às suas composições poéticas e revela, ao mesmo tempo, um ser hipertrofiado com uma série de
vivências e experiências pessoais: amores, saudades, desenganos, frustrações, pessimismo existencial,
revolta contra um destino adverso, desejo de fuga…
8
Sião – para os judeus, é sinónimo de Jerusalém e tem um significado muito profundo, que envolve a sua alma e os
seus sentimentos. Sião é o símbolo da Terra Prometida.
expressão de desejos (”pudesse”, “fartasse”), da interjeição “oh!” e da exclamativa – “…que
fartasse/ este meu duro génio de vinganças!” – conferem um tom determinado e mesmo violento.
Os aspetos clássicos, a nível temático, presentes no poema são:
o desencanto e a desilusão;
o papel do destino e da fortuna;
a valorização da experiência da vida;
o balanço de vida.
A mudança
O tema da mudança, um dos protótipos literários mais universais, constitui um dos tópicos mais versados
pelos poetas renascentistas. Camões, poeta do Renascimento, foi sensível ao tema e em algumas das
suas composições desenvolveu-o, associando-o ao desencanto face à sua existência e ao mundo.
Composições representativas:
Tal como acima se referiu, o tema da mudança é um dos mais glosados pelos poetas renascentistas, no
entanto, a sua expressão na lírica camoniana, reveste-se de um tom mais sofrido. A diferença constatada
entre a mudança na natureza que se opera no sentido positivo e aquela que se opera no mundo e no
sujeito poético, ambas direcionadas negativamente, agudizadas pela mudança da própria mudança,
intensificam o sofrimento do “eu” poético que se sente um joguete nas mãos do destino e da fatalidade.
Bom estudo!
Rimas, de Camões
Exercício 1
Exercício 2
1. conjurar: conspirar.
GLOSSÁRIO
1
morro.
2
nascido.
3
aproveitar, desfrutar.
GLOSSÁRIO
1
afeto.
2
prémio, recompensa.
3
duplicada.
4
desprezo.