001125300
001125300
001125300
PORTO ALEGRE
2020
2
KATHLEEN FRAGA FIALHO
PORTO ALEGRE
2020
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha família, que algumas vezes não me entendeu, mas sempre me
incentivou a fazer o que eu queria e a buscar o meu caminho.
Agradeço, em especial, à minha mãe, Gislaine Fraga, por desde sempre me cuidar,
proteger e amparar. Por ser exemplo, ser verdadeira e corajosa. Por ter me
ensinado, aconselhado e incentivado durante toda a vida. Por me apoiar a chegar
até aqui.
Agradeço à Liliane, minha orientadora, por ser uma professora acolhedora desde o
primeiro semestre. Pela humildade, paciência, reciprocidade, pelo carinho no olhar e
nas palavras. Por todas as trocas, todo suporte e auxílio.
Agradeço à Escola Locus da pesquisa, que também é meu local de trabalho, por ter
contribuído para a minha formação, por acreditar e confiar em mim, por me fornecer
toda a base e experiência de que eu precisava para me tornar uma boa pedagoga,
que escuta, cuida, educa, brinca, respeita.
Agradeço à Luane, pela parceria de todas as tardes, pelas conversas e trocas, pelos
choros e sorrisos, pela transparência e sensibilidade e, claro, por ter me dado a ideia
da escrita deste trabalho.
Agradeço à Luci e a sua família, por confiarem em mim e permitirem a escrita deste
trabalho. Meu carinho à menina, por me acolher, me ensinar, modificar e transformar
meu olhar. Por toda a experiência e os momentos únicos que vivemos. Por todos os
sorrisos e abraços.
4
RESUMO
5
SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO 7
9.CONSIDERAÇÕES FINAIS 52
REFERÊNCIAS 56
ANEXO 61
6
1.INTRODUÇÃO
7
A escolha por esta temática não foi planejada, pois o trabalho de pesquisa e a
busca pela inclusão aconteciam de forma natural no cotidiano da turma. Dessa
forma, em conversa com a professora titular do grupo, surgiu a ideia: utilizar este
trabalho para contar um pouco sobre as vivências, as interações e como acontece a
inclusão em uma escola de educação infantil. No entanto, ao longo da escrita do
projeto e da busca bibliográfica, mais dúvidas e inquietações foram surgindo, devido
as diferentes posições que os autores da temática defendiam. Além disso, as
características descritas pelo DSM-5 (APA, 2014), patologizam a pessoa com o
Transtorno do Espectro Autista de forma severa e, quase que desumanizam as
crianças, como se não fossem capazes de sentirem ou demonstrarem afeto e,
também, como se não tivessem a capacidade de brincar, apresentando uma visão
reducionista do potencial desses indivíduos.
8
acabado, mas uma construção que se faz e refaz constantemente” (LUDKE;
ANDRÉ, 1986, p.18).
9
caracterizar como um manual de como trabalhar com crianças com esse transtorno,
mas sim, tem a finalidade de contar as experiências vividas pela criança, por mim e
pela turma.
Ainda destaco, que os nomes neste trabalho são fictícios, a fim de preservar
as identidades da criança, da família, da escola e das professoras citadas ao longo
do texto. Foram entregues os Termos de Consentimento para a participação e para
o uso das informações da entrevista, as quais foram assinadas por todos os
participantes deste trabalho e o modelo se encontra em anexo.
10
2.CENÁRIO, CONTEXTO E SUJEITO DA PESQUISA
Esta escola conta com 32 anos de história, sendo que, inicialmente era
localizada em outro endereço e, após o primeiro ano, mudou-se para o local atual.
Muitas crianças residem próximo à escola, mas algumas famílias vêm de cidades
vizinhas e bairros mais distantes.
1
PPP: Projeto Político Pedagógico, documento impresso cedido pela escola desta pesquisa.
11
A sala do Maternal 1 tem um espaço amplo para a quantidade de crianças,
possui uma estante com alguns brinquedos, jogos e materiais, mesa com 8 cadeiras,
uma caixa grande com peças de lego, uma estante pequena com mais alguns
brinquedos, uma cozinha, carrinhos de supermercado, um canto com almofadas,
espaço para as bolsas e mochilas das crianças e um espaço dentro da própria sala
para a troca de fraldas das crianças. A sala também conta com uma escada com
saída para o pátio, exclusiva da turma.
Na entrevista, os pais de Luci contaram que ela era um bebê bem tranquilo e
que, até o primeiro ano, não desconfiavam de que a menina pudesse não ser
neurotípica2. Para eles, isso pode ter acontecido devido ser o primeiro filho do casal
e também não terem outras experiências de como uma criança se desenvolve. No
entanto, a pediatra na qual eles consultavam, também não tinha essa desconfiança
e apenas dizia que cada bebê tem seu tempo específico para se desenvolver e os
pais esperavam por isso.
Apesar disso, os pais relatam que, com um ano e seis meses, perceberam
que a menina não interagia com eles, “não olhava no olho, mas também não nos
evitava” disse o pai, e a mãe complementou: “sempre foi muito carinhosa, pedia
abraços, tinha necessidade de afeto”.
2
Neurotípico: que não é acometido por nenhuma psicopatologia, isto é, doença, síndrome
ou qualquer prejuízo de ordem mental; Contrário de Atípico: que foge do “normal”.
(https://www.dicionarioinformal.com.br/neurot%C3%ADpico/)
12
desde a convivência, socialização com outras crianças, à alimentação e
brincadeiras.
A mãe de Luci me conta que eles não conheciam muito sobre o autismo, mas
que ela tinha uma prima autista e lembra que, em sua infância, não convivia com a
menina, pois esta não saía, não aparecia nas fotos e sempre foi escondida pelos
pais. Entretanto, a primeira possibilidade que pensaram foi o autismo e buscaram na
internet algumas informações, quando começaram a desconfiar.
Estes relatos dos pais sobre o diagnóstico são muito importantes, pois foi
através dele que a família conseguiu se estruturar, buscar conhecer o transtorno e,
principalmente, conhecer a Luci; buscar apoio e conseguir apoiá-la. Existem muitas
críticas sobre o diagnóstico precoce e sobre o peso que ele pode causar na vida da
criança e da família:
No entanto, neste caso, ele serviu para aproximar os pais e a criança. A mãe
ainda destaca: “o que eu mais quero é que a Luci se olhe com carinho, que ela
cresça se amando. E vou dizer pra ela: Filha, tu é assim e tu tem que sentir orgulho
de quem tu é”.
13
acontecer, porque ela é atípica. “É uma criança atípica, vai ser uma adolescente
atípica e uma adulta atípica. Buscar traços típicos nela, vai ser frustrante”. Frente à
isso, Souza e Lustosa destacam, em sua pesquisa, que
A mãe diz que ficou feliz de saber que a escola contratou a terapeuta da Luci
para dar uma formação aos funcionários, para que todos pudessem entender um
pouco mais sobre o autismo e sobre as crises. Ressalta que o tratamento deve ser
igual a qualquer outra criança, que ela precisa ouvir não, precisa de limites. “A gente
não tem que ter pena, tem que incluir. Não precisa pisar em ovos. Ela precisa ser
tratada como uma criança e não tem que ser mimada nem deixarem passar as
coisas só porque é autista”. Ainda considera que todas as escolas deveriam estar
preparadas para receber todas as crianças, que falta conhecimento acerca do
autismo, de outras deficiências, que as pessoas têm medo do desconhecido e relata:
14
“eu nunca tinha brincado e conversado com uma criança com síndrome de down até
ir na clínica [de fonoaudiologia] e eu vi que não tem mistério nenhum”. Os pais
esperam que a escola continue investindo em estudos para que não haja
segregação.
A mãe também conta que ela faz uma baguncinha, levando brinquedos de um
lado pro outro e considera que isso acontece porque as brincadeiras são rápidas,
em que ela brinca e logo se entedia. “Algo que a terapeuta nos falou que ia
trabalhar, para que ela ficasse mais tempo nas atividades, nas brincadeiras. Mas eu
não gosto de cobrar isso, porque tem coisas que a gente também perde interesse
rápido, então porque vou cobrar isso dela?”
Sobre os marcos da infância, a mãe contou que ela caminhou com 10 meses
e, depois disso, esperaram pela fala que, ainda não aconteceu. Acerca do desfralde,
consideram mais difícil devido a barreira da comunicação, então, está fazendo com
15
que a menina acompanhe a mãe no banheiro, em que ela vai tentando explicar
dessa forma mais visual, para que ela vá associando e, futuramente compreenda e
perceba todo o processo. Além disso, a mãe também conta que, agora, elas tomam
banho juntas e ela está aprendendo sobre o seu corpo, fazendo pareamentos com o
corpo da mãe, e ela cita que parar de usar a banheira foi difícil, mas que Luci já se
acostumou. Sobre a comunicação, os pais dizem entender o que ela quer e o que
pede. No entanto, pensam na comunicação alternativa para que ela consiga se
comunicar com as demais pessoas, o que atualmente, não é prioridade.
Nas crises, a mãe relata que entra em pânico, fica ansiosa, as vezes chora e
até evita ficar perto de Luci, porque na sua infância teve momentos de muitos gritos,
de brigas e também apanhava muito; e esses momentos acabam sendo gatilhos
para ela lembrar dessas situações. Dessa maneira, quem acaba auxiliando mais
nessas situações é o pai, que tenta acalmá-la e fazer contenções para que ela não
se machuque. Eles dizem que também tentam identificar o que pode estar dando
sobrecarga nela, como uma televisão ligada, uma luz, um barulho e procuram
diminuir isso. Através de tentativas e erros, eles tentam reduzir o máximo de
estímulos. “O mais pesado mesmo são as crises, queria sentir o que ela sente, que
a dor dela fosse em mim”, disse a mãe. O pai continua: “não existe técnica, só temos
que estar ao lado e apoiar. Às vezes ela para o choro e começa a cantar, é até
estranho”. Eles também relatam que Luci aprendeu a se regular e quando sente que
está começando a se sobrecarregar, quando algo está incomodando, ela usa uma
almofada para abraçar e apertar.
16
diferente, mas porque todos nós também somos diferentes. Espero que a inclusão
aconteça em todos os espaços, não só na escola. Quero ir em parques, viajar e tudo
mais. Nosso papel é incluir, calibrar o nosso olhar e ajudar as pessoas que ainda
não entendem”.
17
3.EDUCAÇÃO INFANTIL: ESPAÇOS E TERRITÓRIOS DE INCLUSÃO
19
texto traz as disposições acerca dos princípios, das obrigações, da conscientização,
acessibilidade, educação, entre outros.
20
Além disso, as pessoas com o transtorno têm adesão excessiva a rotina e a
padrões restritos de comportamento, podendo manifestar resistência a mudanças,
gerando um grande sofrimento. Também pode existir preferência por atividades
solitárias ou por interações com pessoas muito mais jovens ou mais velhas.
21
especificidade, independentemente de ter uma deficiência ou não. A inclusão e
todos os processos inclusivos não podem ser uma utopia para a pedagoga e para as
instituições escolares, ao contrário, é preciso buscar meios de se efetivar, com
qualidade, tal direito.
22
4. PRIMEIROS PASSOS PARA O DIAGNÓSTICO
23
No entanto, no início do ano de 2019, por conta própria, os pais de Luci
procuraram o diagnóstico clínico, que apontava para o Transtorno do Espectro
Autista. Todavia, o saber médico não deve influir nas práticas escolares, o
planejamento da professora não precisa estar ancorado nas características do
diagnóstico que ela possui, isso acaba perpetuando rótulos e preconceitos. A escola
deve oferecer significado, independência, um ambiente de aprendizagem
estruturado com intervenções intensivas, deve observar as características da criança
e valorizá-la como sujeito, pois
24
5.PELOS CORREDORES DA ESCOLA: ACOLHIMENTO E FORTALECIMENTO
DE VÍNCULOS
A turma era compreendida por 10 crianças, entre elas, Luci. A maioria das
crianças do grupo já tinham laços bastante sólidos devido a convivência por mais de
um ano naquele espaço escolar; no entanto, duas crianças eram novas no grupo e
as vinculações estavam sendo construídas com o passar dos dias.
Demonstrava ser uma menina alegre, bastante sorridente, querida por todos
da escola, em especial pelas crianças do Jardim, que entoavam “LUCI!, LUCI!” pelos
espaços da escola quando a viam. Isto porque uma das crianças tomou Luci como
sua prima e sempre contava isso à todos. Luci ainda era uma das mais novas do
grupo M1, completando dois anos no início de 2019, enquanto a maioria das
crianças fizeram três ao longo do ano. Camargo e Bosa (2009, p.68) apontam que
“proporcionar às crianças com autismo oportunidades de conviver com outras da
mesma faixa etária possibilita o estímulo às suas capacidades interativas, impedindo
o isolamento contínuo”. No entanto, essa experiência também oportuniza grandes
ganhos para as demais crianças e, inclusive, adultos envolvidos com a escola e com
o ensino comum, tendo em vista que proporciona contatos sociais diversos, onde
favorece o convívio e o respeito com as diferenças.
25
local ou objeto que desejava. Conhecer os significados das ações e interações
infantis é essencial para o convívio com os bebês e crianças. A partir dessa
convivência, das experiências e tentativas diárias de aproximação, comunicação e
entendimento, a criança e a professora criam uma relação de confiança e intimidade.
Acredito que tenha sido isso o que aconteceu naquele momento, Luci criou uma
forma de se relacionar, comunicar o que queria e, através das observações e
interações que construíamos diariamente, era possível identificar e significar o que
ela solicitava.
Apesar de estar mais inserida no grupo, das demais crianças acolherem suas
diferenças e respeitarem suas características, Luci ainda apresentava grande
dificuldade de interagir com os pares, não havendo momentos de aproximação por
parte dela. Além disso, frequentemente expressava resistência para trocar de
ambiente dentro do espaço escolar, chorando muito. Entretanto, passou a comer na
escola, mas não utilizava talheres, comendo com uma das mãos. Consideramos
como ponto positivo ela se alimentar e de isso acontecer de forma bastante
independente, não avaliando com mais ênfase o fato de não utilizar a colher para
fazer isso. Mas sempre a incentivávamos, colocando a colher em seu prato e
auxiliando seu uso - no que ela sempre virava o rosto ou achava a ação engraçada-.
Também nos chamou atenção quando percebemos que ela fazia o uso de um
mesmo modelo de copo. O grupo Maternal 1 teve uma cerimônia de troca de copos,
onde eles deixaram de utilizar o copo com redutor, passando a usar um de inox,
comum. No entanto, Luci se negava a utilizá-lo, nem ao menos o pegava e, quando
o oferecíamos, ela virava o rosto. Dessa forma, ela continuou a usar o copo que
trazia de casa. No entanto, quando o copo era esquecido, ela não aceitava beber
água em nenhum outro tipo de copo diferente.
26
“Luci chegou com o pai, tranquila. Não respondeu, nem reagiu a
minha recepção. Ao entrar na sala, caminhou diretamente até a
estante e pegou três peças de encaixar (verde, vermelha e
rosa), foi até o outro lado da sala e sentou-se, ainda com as
peças em suas mãos” (Diário de Campo, 09/09/2019).
Frequentemente, era assim que ela chegava à sala, sem dar atenção para o
habitual acolhimento que fazíamos ou para a despedida dos pais. Logo se
encaminhava para a caixa de lego ou para as peças de encaixar, ficando com estes
objetos até a hora do lanche. No entanto, por vezes e por diversos motivos, a
chegada se tornava um pouco mais conturbada.
Neste caso, primeiramente, foi essencial acalmar e dar segurança para os pais,
pedindo que esperassem em outro espaço da escola, pois dessa forma seria mais
fácil e rápido acalmá-la; o que de fato aconteceu. No entanto, isso não era regra e
tinham dias em que Luci demorava um pouco mais para se reorganizar, já em
outros, ficava com uma aparência mais triste, magoada, bastante chorosa, sentida.
Nesses dias, preferia ficar no colo, achava uma forma de se aconchegar, recebia
carinhos e apertos firmes ao longo das pernas e braços, por vezes dormia.
Outro aspecto importante, mas que não fica tão claro nessa cena, é sobre as
combinações que eram feitas. Mesmo que a menina não verbalizasse, as conversas
eram essenciais para o desenvolvimento dela e para que a rotina do dia fosse
27
realizada. Dessa forma, abraçá-la era o primeiro passo, pois, as vezes, ela gostava
de proximidade, toque, contato físico. Já, em outros momentos, isso a incomodava.
Dizer que estava tudo bem, que já tinha chegado à escola e que poderia se
tranquilizar, era o segundo passo. E o terceiro: combinações. Ou seja, depois que
ela conseguisse se reorganizar, poderia brincar com algo que gostasse muito, nesse
caso, as canetinhas coloridas.
No trabalho com crianças autistas, a ênfase não pode estar nos sintomas do
autismo, pois isso acaba sendo um fator impeditivo e limitador do desenvolvimento
da criança. É preciso ir além dos rútulos, do diagnóstico, e considerar a pessoa, o
sujeito, suas características, seus modos de ser, de agir, “o foco tem que estar no
potencial” (SILVA; SILVA, 2018, p. 56).
28
6. EXPLORAÇÕES E BRINCADEIRAS
29
já brinca. Esse brincar está relacionado ao prazer oral, onde os bebês chupam os
dedos e os punhos. Com o passar do tempo, o bebê pode inserir objetos externos,
como um lençol ou cobertor. Winnicott descreve tais objetos, quando passam a ser
importantes para o bebê, como objeto transicional, em que ele “ganha importância
vital para o bebê, que o utiliza na hora de dormir como defesa contra a ansiedade,
especialmente a ansiedade do tipo depressivo” (2019, p. 18). Além disso, Winnicott
também destaca, no livro O brincar e a realidade (2019), que não necessariamente o
objeto transicional será o lenço ou o ursinho que o bebê é apegado desde bem
pequeno, mas sim o uso que o bebê faz dele, mais especificamente, a primeira
posse. O psicanalista aponta que, o objeto transicional, pode se tornar mais
importante que a mãe, sendo parte quase inseparável do bebê (2019, p.22). Desse
modo, através dessa leitura, surge um questionamento importante: será que os
objetos que Luci carrega consigo, podem ser considerados objetos transicionais?
Geralmente, esse objeto era uma colher de medida de leite, em que a menina trazia
de casa ou pegava uma da escola. Sempre a segurava em uma das mãos,
alternando quando precisava pegar algo. Quando a colher caía, Luci procurava
pegá-la rapidamente e se isso não acontecia, chorava. Winnicott não se dedicou,
neste livro, a falar sobre o uso do objeto transicional das crianças atípicas, ele traz o
conceito de forma geral, ampla e, na minha interpretação, isso inclui todas as
crianças. Por isso, ouso dizer que as colheres são objetos transicionais para Luci,
pois garantem segurança à ela.
30
Ainda para Winnicott, “o brincar é uma experiência sempre criativa, uma
experiência no continuum espaço-tempo, uma forma básica de viver” (2019, p.88).
E, dessa maneira que eu interpretava as brincadeiras de Luci: como uma forma de
viver. Essas brincadeiras foram mudando ao longo do ano, mas sempre tinham as
mesmas características: muita exploração, descoberta, inovação, criatividade.
O pátio também foi importante para outra descoberta: brincar na areia pode
ser divertido. No início do ano e, também, no ano anterior, Luci não costumava
entrar na caixa de areia e reclamava quando os seus pés ficavam sujos com a areia
solta pelo pátio. Mas, as demais crianças sempre gostaram de retirar os calçados
para brincarem no pátio, na areia. Então, um dia, resolvi deixar Luci descalça
também, para que ela pudesse experimentar. Ela pareceu gostar, correu um pouco,
mas logo tentou colocar o sapato novamente. Assim, passei a retirar os calçados
dela no pátio e, aos poucos, foi se acostumando. Fortuna (2018, p. 66), destaca que
brincar também é aprender:
3
Parecer de Avaliação, documento produzido e cedido de forma impressa pela escola desta
pesquisa.
31
Portanto, tem todo sentido afirmar que, brincando por brincar, também se
aprende, e que brincar pode sim, ensinar, tanto quanto no brincar se pode
aprender, desde que continue sendo brincadeira. Para isso, é preciso
apostar no brincar - o que só é possível entrando em seu jogo, isto é,
brincando. Pode-se, pois, concluir, que brincar é, efetivamente, aprender.
Com isso, Luci brincava na areia e aprendia que tudo bem se sujar um
pouquinho. Aprendia que a areia poderia estar mais fina, mais grossa, mais molhada
ou mais seca e brincava com essas mudanças.
Enquanto Kishimoto (1996) destaca que o jogo ou, neste caso, a brincadeira,
envolve as características de: liberdade de ação, caráter voluntário, motivação,
prazer, representação da realidade, imaginação, caráter não-sério; Vygotsky,
entende a brincadeira como a situação imaginária da criança, estando presente
somente na idade pré escolar (3 à 7 anos): “gostaria, ainda, de chamar a atenção
para mais um momento: a brincadeira é realmente uma especificidade da idade
pré-escolar” (2008, p. 36). Da mesma forma, Silva e Silva (2019), trazem, no livro
Como brincam as crianças com autismo, a brincadeira de faz de conta da criança
com autismo, destacando que essa atividade está presente na vivência de toda
criança, com ou sem deficiência. Entretanto, Luci não se encontra nessa fase de
desenvolvimento onde a situação imaginária, ou seja, o brincar de faz de conta é
predominante. Portanto, Luci realmente não brinca?
32
No entanto, Vygotsky também aponta que
Outra brincadeira exploratória de Luci era com o seu reflexo, seja no espelho
ou na câmera frontal de um celular, a menina fazia caras e bocas, dava
gargalhadas, sorria, conversava.
33
“Luci brinca, sentada à mesa, com um potinho e uma
colher, ambos na cor verde. Ela os observa e faz batidas
leves com os dois objetos na superfície da mesa. Ao
levantar a cabeça, ela percebe que está em frente ao
espelho e, ao ver sua imagem refletida, faz alguns
balbucios e sorri. Nesse momento, coloco na câmera
frontal e viro o celular pra ela, que, ao se ver, faz
algumas caretas, sorri, continua balbuciando, coloca a
colher dentro do potinho e leva até a boca. Em seguida,
se olha novamente no espelho, coloca o potinho na boca
e repete o som produzido anteriormente” (Diário de
Campo, 05/09/2019).
No entanto, é muito peculiar que Luci use essa estratégia através do celular,
que se reconheça, que explore, que comunique, que queira e procure essa interação
consigo mesma.
34
“Estamos todos sentados na roda para a aula de
expressão musical, cada criança recebe um
instrumento, o professor entrega o tamborim e uma
baqueta para Luci. Ela o coloca no chão, entre as
pernas, e bate com a baqueta no mesmo. Logo
levanta-se, mas permanece na roda, segura o tamborim
e bate forte com a baqueta. Sorrindo, levanta os braços,
ainda com o instrumento nas mãos e continua com as
batidas. Caminha até a mesa, senta-se e coloca o
tamborim sobre ela. Parece observar o grupo e
demonstra muita animação com as músicas. Ao
perceber que estou fotografando, para de batucar e
apenas fica sentada. Viro a camera e mostro sua
imagem na tela do celular. Luci se anima novamente,
faz caretas, abre a boca, mostra o tamborim para ela
mesma através da câmera frontal e retorna a batucada”
(Diário de Campo, 03/10/2019).
Esta narrativa conta um pouquinho sobre o interesse de Luci pela música, mas
não relata fielmente como é especial e significante para ela. Qualquer um consegue
ver a animação, a empolgação da menina quando ouve uma música que gosta ou
quando toca um instrumento do seu interesse. Ela também já fica bastante
entusiasmada quando ouve somente algumas notas, mesmo baixinhas, do violão.
Por vezes, quando estamos no refeitório, no horário do lanche, e o professor de
música está afinando o violão na sala ao lado, já serve para Luci saber que é dia de
música e, por ela, poderia passar esse dia um pouquinho em cada sala,
acompanhando o professor e aproveitando a oportunidade de ouvir o violão e tocar o
tamborim. Em casa, Luci utiliza o violão do pai para produzir alguns sons. Assim,
quando passa os dedinhos pelas cordas, ela sabe que o violão de brinquedo que
temos na sala não faz o mesmo som, por isso o nega e procura oportunidades para
mexer no violão do professor.
35
Nascimento et al (2015) apontam que o contato com atividades que envolvem
a música podem gerar ganhos desenvolvimentais em crianças com TEA e, entre
eles, estão a socialização, a iniciativa de envolvimento interativo, atenção conjunta e
o desenvolvimento de aspectos cognitivos, afetivos e motores.
Para Vygotsky “é incorreto imaginar que a brincadeira é uma atividade sem
objetivo. Ela é uma atividade da criança com objetivo (2008, p. 35). Nascimento et al
(2015) também destacam que “a participação em uma tarefa estruturada, que
permite o trabalho com parceiros de mesma faixa etária, pode contribuir para a
aquisição, manutenção e aprimoramento de comportamentos já apresentados pela
criança”. Luci, no entanto, não se demorava muito nas propostas, observava,
interagia um pouco e, logo mudava sua atenção para outras coisas.
36
Por mais que Luci gostasse de observar e, por vezes, preferia ficar somente
neste papel, acredito que no dia deste relato ela tenha se incomodado com o cheiro
do café, que usamos para fazer a massinha caseira e, também, com a textura que
ela ficou no final, com aparência de argila, a qual Luci demonstrava não gostar de
interagir, pois não tocava e se distanciava quando ela fazia parte da proposta. Os
problemas sensoriais fazem parte das características das pessoas com o Transtorno
do Espectro Autista e precisam ser levados em consideração. Temple Grandin,
descreve, no livro O Cérebro Autista: pensando através do espectro, como se sente
em relação aos estímulos sensoriais:
Essa sensibilidade sensorial pode ser prejudicial para a pessoa com Transtorno
do Espectro Autista, podendo ser mais intenso para as crianças, pois ainda estão
em processo de desenvolvimento. Grandin e Panek (2019) ainda destacam que nem
todas as pessoas respondem aos estímulos do mesmo jeito e que, quem sofre com
os transtornos sensoriais não os têm no mesmo grau. Diante disso, como socializar
indivíduos que não toleram o ambiente em que devem se mostrar sociáveis? Sendo
que uma luz, um som, uma textura, um cheiro ou um gosto podem se tornar um
problema. Neste sentido, segundo Lemos, Salomão e Agripino-Ramos
cabe ao professor que lida diariamente com a criança verificar o que ela
demonstra quando está junto às demais crianças: se as crianças, por vezes,
olham, perceber para onde olham; se iniciam comportamentos, verificar a
que são dirigidos; ou se sorriem, observar a partir de qual estímulo, por
exemplo (2014, p. 124).
37
visando auxiliar e ampliar tais relações com os objetos, materiais e, também, com as
pessoas.
Nesta cena, é possível perceber que Luci não queria ficar com a luz da sala
apagada, pois raramente ela ficava deste modo e a menina não estava acostumada.
Percebemos este incômodo dela em um dia que faltou luz e a nossa sala ficou
demasiadamente escura. Luci procurou um lugar na sala onde havia claridade e
optou por ficar lá o tempo todo, reclamando quando precisávamos mudar de espaço.
Com isso, mesmo já havendo percebido a sensibilidade de Luci ao escuro,
pensamos em fazer mais propostas em que a luz ficasse apagada, mas que o
ambiente não estivesse totalmente no breu, pois faltar luz ou apagá-la é algo do
cotidiano e ela precisa compreender isso, se sentir segura neste estado e, também,
quem sabe, brincar com ele ou nele.
Além disso, o mais comum era ver Luci brincar de forma solitária, com objetos
iguais ou muito semelhantes, diferenciados apenas pela cor. Segundo Kálló,
colecionar faz parte do repertório da criança quando ela começa a manipular os
objetos.
A princípio, uma criança no início de um processo de colecionar está
interessada em escolher e comparar coisas e, portanto, está menos
concentrada e ocupada com o número de objetos recolhidos. Com o tempo,
o resultado a preocupa e se concentra em recolher um grande número de
objetos (2017, p. 43).
38
Geralmente, Luci precisava interagir com três objetos, por vezes se
contentava com dois e, outras, insistia muito num terceiro.
Estes objetos aos quais ela tinha costume de carregar pelos espaços, podem
estar ligados a uma questão de proteção, segurança, garantia de estabilidade e
39
organização, assim como apontado anteriormente, são considerados por mim como
objetos transicionais. Frente à isso, quando não encontra o que deseja, acaba por se
desorganizar.
40
Ela tenta me puxar para perto e eu faço isso, fico com o
rosto próximo ao seu. Ela segura no meu pescoço e
ficamos com os rostos colados, logo parou de chorar.
Ficamos assim por bastante tempo, não sei ao certo
quanto. Ela só me soltou quando o pai foi buscá-la no
trocador”. (Diário de Campo, 02/10/2019).
Nesta cena, descrevo com certa delicadeza uma das crises de Luci, mas na
prática, não são tão poéticas assim. Algumas vezes, aconteciam sinais que uma
desorganização poderia estar prestes a acontecer e procuravámos evitá-la,
diminuindo alguns estímulos ou atendendo aos pedidos da criança. No entanto,
outras aconteciam sem aviso prévio ou sem que tivéssemos percebido os sinais
anteriormente. No dia da cena relatada, percebemos que Luci estava sentida, com
aparência triste, ela ficou mais perto de mim e da professora, ganhou colo e carinho.
No entanto, neste momento de troca, Luci se desorganizou e não quis sair do
trocador e eu não soube o que fazer para tranquilizá-la. Tentei várias coisas que ela
gostava e às vezes fazia com que ela se acalmasse, mas não resolveu. A menina
chorava bastante, gritava, se debatia no colchonete, parecia me pedir ajuda e eu
não sabia o que fazer, como ajudar ou como parar aquilo. Me sentia impotente,
frustrada, culpada, irritada. Quando Luci me puxou para perto de si, foi se
acalmando, soluçando menos e silenciou, mas permanecia me segurando, nossos
rostos colados um no outro, bochecha com bochecha. Ficamos ali por bastante
tempo e, com isso, não troquei a fralda de mais nenhuma criança, não levei ninguém
ao banheiro e não realizei nenhuma das tarefas que deveria.
41
perceber as pequenas e também grandes aprendizagens que Luci alcançava ao
longo do ano.
Assim, fomos entendendo que não havia uma receita, um modo de fazer
correto ou um passo a passo. Só sabíamos aquilo não faríamos: não deixaríamos de
cuidar e educar Luci por ela ser autista, por ser “diferente” das demais crianças, por
não termos aprendido tudo que gostaríamos sobre o transtorno do espectro autista
em nossa formação. Nós conhecíamos Luci, uma criança que tinha necessidades e
demandas como as demais crianças do grupo e procuramos atendê-la da melhor
forma.
42
7. INCLUSÃO ESCOLAR: PARA ALÉM DO DIREITO DE ESTAR JUNTO
43
Neste trecho, é possível perceber uma ação simples e cotidiana da vida
escolar: a chamada. No entanto, geralmente esse era um dos momentos em que a
menina parecia não dar atenção e não agia como as outras crianças: pegando a
cartela com seu nome e, colocando no painel. Apesar de não cobrarmos um
comportamento igual ou parecido com o das demais crianças, sempre procurávamos
que ela participasse das propostas. O momento de roda inicial era importante para a
tarde das crianças, pois fazíamos a chamada e conversávamos sobre a rotina do
dia, algo de extrema importância para a educação infantil e, também, para crianças
com autismo, visto que proporciona segurança.
Luci não ficava muito tempo sentada na roda e quando o fazia sua atenção
não estava direcionada para a proposta. Ela costumava, principalmente, andar pela
sala, aproveitando que o ambiente estava vazio, devido as crianças estarem
sentadas, ocupando apenas um espaço da sala. Em outras ocasiões, sentava à
mesa e parecia estar atenta as movimentações que aconteciam na roda. Sorria,
batia palmas, tampava os ouvidos quando os barulhos eram mais altos. Geralmente,
os amigos se encaminhavam até ela e entregavam a cartela da chamada, que por
vezes negava, outras aceitava.
44
a educação infantil, visto que tem implicações diretas no desenvolvimento da fala
das crianças, desde o berçário.
Neste relato, destaco que Luci procurava se comunicar e tinha estratégias para
isso, no entanto, não acontecia de maneira funcional, pois sempre utilizava um
adulto como meio de chegar ao que queria. Além disso, em alguns momentos, essa
prática dificulta a comunicação, visto que o adulto deve interpretar o que a menina
solicita e, quando o adulto não compreende essa comunicação, pode gerar
frustração e até mesmo causar crises.
45
“Luci desceu para o pátio com uma bolinha de tênis na
mão. Ela brincava jogando a bolinha longe e corria para
pegá-la novamente. Até que em uma das vezes, a
bolinha passou por cima do portão e caiu para fora do
pátio. Ao não conseguir pegá-la sozinha, Luci se
encaminha até Lilandra, que brincava com os bebês no
tapete, próximo a menina. Ela pega a auxiliar pela mão e
a puxa até onde sua bolinha havia caído. Lilandra não
entende o pedido e a menina demonstra irritação,
começando a gritar. Aviso a outra auxiliar sobre a
bolinha, esta a pega e entrega para Luci, que sorri e dá
pulos pelo pátio, carregando a bolinha na mão” (Diário de
Campo, 03/10/2019).
Estas duas narrativas acontecem no mesmo dia, porém são pessoas diferentes
que interagem e procuram atender aos pedidos de Luci. Na primeira cena, eu e
Aline, outra auxiliar da turma, já estávamos acostumadas a maneira de comunicação
da Luci e, em todos os momentos, procurávamos nomear as ações e os objetos aos
quais ela requisitava. Essa prática permite a aproximação da criança com a
linguagem, pois, mesmo que ela não verbalize, amplia o repertório de vocabulário ao
qual ela está habitualmente acostumada a interagir e garante que seu pensamento
se mantenha ágil, sensível e ativo, visto que, “[...] no processo de desenvolvimento
cognitivo, a linguagem tem o papel fundamental na determinação de como a criança
vai aprender a pensar, uma vez que formas avançadas de pensamentos são
transmitidas à criança através de palavras” (VIGOTSKY, 1989 apud MOUSINHO et
al, 2008, p. 298).
46
intervenções necessárias. É através dessa interação que se inicia o
desenvolvimento da linguagem, e o ambiente e as relações estabelecidas são
fundamentais. À vista disso, Guedes destaca (2008, p. 10) que
47
encantadora narrativa que evidencia a importância da interação entre as crianças
(2007, p. 25):
a importância para as crianças de estar e interagir com outras
crianças fica clara nas pesquisas e em nosso cotidiano. Desde muito
cedo, elas já se envolvem em interações com seus pares que se
traduzem em aproximações e afastamentos, tentativas de
apropriação de objetos do outro, exploração do corpo do outro, busca
do seu olhar, etc., com todas as implicações que advém do fato de
que nós, seres humanos, independente da idade que temos,
desejamos estar uns com os outros e, por nos sentirmos implicados/
muito interessados nisso, aprimoramos nossos gestos, afinamos o
nosso olhar, modulamos nossas emoções, aprendemos, crescemos,
socializamo-nos para que estes encontros sejam possíveis. É graças
a esse processo que a criança vai se integrando na vida social.
48
8. PROTAGONISMO DOCENTE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
49
alternativas para a educação e reconhecendo o sujeito com autismo como sendo
capaz de aprender e de desenvolver-se. Ana Maira Zortéa (2007) ainda aponta que
não se pode esquecer que a criança dita de inclusão é um ser humano como
qualquer outro e que a criança não pode desaparecer em vista das faltas que
aparecem.
A partir dessa definição, a exclusão desaparece, uma vez que todos são
normais, apenas mais próximos ou mais distantes da média. Seguindo a receita que
Adiron traz, o segundo passo é considerar que todos podem aprender. A professora
deve não só acreditar nisso, mas fazer com que aconteça no dia a dia da escola,
principalmente nas escolas de educação infantil, visto que é uma fase de
importantes aprendizagens para a criança, em que a professora deve lhe oportunizar
conhecer de tudo e de todas as formas. O terceiro passo é o mais difícil, pois traz
com ele, muitas outras questões que implicam sua efetividade. No entanto, é
4
https://diversa.org.br/artigos/receita-de-inclusao/
50
possível tecer estratégias para que ele seja implementado. Com isso, Adiron aponta
que é preciso repensar o modelo de educação, para que seja inclinado às questões
da diversidade:
Dessa forma, entendo que a formação, por mais completa que procure ser,
não prepara a professora para a educação inclusiva. De fato, o que prepara é a
escola, é a vivência, é o cotidiano. A professora precisa estar em contato com a
experiência para experienciar. Cada criança é uma criança, única, particular, que
carrega consigo, também, a oportunidade de ensinar. Desse mesmo modo, a
criança com deficiência é única e precisa ser vista como tal, como sujeito de direitos,
que descobre, que brinca, que experimenta.
51
9.CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escola não deve ser mais um desses espaço deficientes, que excluem, que
rotulam, que só levam o diagnóstico em consideração e não pensam no sujeito, nas
suas características, nas suas potencialidades. A escola deve ser inclusiva para
todos, para quem é bom em matemática e não sabe tocar violão, para quem
desenha maravilhosamente bem e tem dificuldades em se expressar em público
oralmente, para quem não sabe controlar suas emoções, para quem é resistente a
mudança de rotina, para quem é ansioso. Todas as pessoas são diferentes, tem
peculiaridades, tem características próprias e é preciso buscar entendê-las, mais do
que isso, é preciso respeitá-las.
52
desejos, de esperanças, de saberes, não é possível, para mim, considerar apenas
as características que diagnosticam os indivíduos. É preciso conhecer o outro, do
que gosta e do que não gosta, o que sabe e o que pode aprender, como age, como
aprende, como vê o mundo.
Este estudo apontou que as crianças com autismo podem ser, podem fazer e
que, sim, podem brincar. E como brincam? Conhecendo, explorando, inovando,
testando, estando, sendo, fazendo. No entanto, para que isso realmente seja
possível, é preciso que a professora veja, olhe, observe e (re)signifique. Que esteja
atenta, sensível às necessidades e interesses da criança, que invista nas suas
potencialidades e auxilie na experimentação do universo lúdico, apresentando
novidades. “De fato, é preciso educar os olhos para ver as crianças com autismo
brincando” (SILVA; SILVA, 2019, p. 101).
Dessa forma, para promover uma inclusão efetiva nas escolas de educação
infantil, é fundamental a intervenção da pedagoga, atribuindo significações às ações
da criança, proporcionando à ela a possibilidade de constituir-se como um ser
cultural e de interagir com o outro. A criança com autismo precisa de uma mediação
planejada e qualitativamente bem conduzida para a promoção de desenvolvimentos,
“o educador, por exemplo, tem que saber o porquê de escolher determinadas
mediações em detrimento de outras na brincadeira; quais são os aspectos
desenvolvimentais que estão em jogo e que ele quer explorar criativamente” (SILVA;
SILVA, p.144). É preciso criar condições para que a criança com autismo brinque ou
que aprenda a brincar, as experiências de brincadeira devem ser ampliadas e
potencializadas. É preciso, também, envolver a criança, investindo em ações que
sejam significativas para ela, que acompanhe o seu desenvolvimento motor, físico,
cognitivo e amplie o desenvolvimento lúdico.
53
diferenças em relação àqueles sem tais possibilidades” (2013) e, Silva e Silva (2019,
p.70), também destacam que “o não brincar da criança com autismo está
relacionado a falta de experiência e de acesso aos brinquedos e/ou às brincadeiras
[...]”. Dessa forma, esse pode ser o motivo de as crianças com autismo normalmente
serem consideradas como não brincantes. Por isso, é preciso “questionar não só o
modo como o autista se relaciona com o outro, mas como o outro se relaciona com o
autista e, desse modo, questionar as práticas sociais voltadas ao cuidado e
atendimento a esse sujeito” (MARTINS; GÓES, 2013, p. 32).
A escola, por outro lado, “deve buscar refletir sobre sua prática, questionar
seu projeto pedagógico e verificar se ele está voltado para diversidade” (BRASIL,
2006). O documento Saberes e práticas de inclusão, ainda destaca que, no projeto
político pedagógico deve estar claro o compromisso da escola, tendo
54
sobre como os outros interagem e significam o mundo para essa criança a partir do
seu diagnóstico. E a escola precisará, não apenas se adaptar, mas se reconfigurar,
se reestruturalizar, se repensar, para que a educação seja realmente para todas as
pessoas.
Com isso, também considero importante que mais trabalhos com essa
temática sejam realizados, a fim de divulgar as experiências, as vivências, o
cotidiano, as explorações, as interações e as brincadeiras das crianças com
autismo, de forma que os trabalhos demonstrem como os processos de inclusão
estão ocorrendo nas escolas e, além disso, que possam desmistificar certas crenças
e valores, tendo mais conhecimento sobre as crianças com o Transtorno do
Espectro Autista, que são capazes de surpreender e superar expectativas.
55
REFERÊNCIAS
56
BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Brasília: 1996. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm> Acesso em 29 jun. 2020.
57
FALK, Judit (org.) Educar os três primeiros anos: a experiência de Lóczy.
Araraquara: Junqueira&Marin, 2011.
KALLÓ, Éva. Colecionando. in: KALLÓ, E.; BALOG, Gyorgyi. As origens do brincar
livre. São Paulo: Omnisciência. 2017.
KISHIMOTO, Tizuko Morchida (org.). O jogo e a educação infantil. In: ______. Jogo,
brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez Editora, 1996, p. 13-43.
58
LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em Educação: abordagens
qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
SCHMIDT, Carlo. et al. Inclusão escolar e autismo: uma análise da percepção
docente e práticas pedagógicas. Revista de Psicologia : Teoria e Prática (Online) , v.
18, p. 222-235, 2016.
SILVA, Maria Angelica da; SILVA, Daniele Nunes Henrique. Como brincam as
crianças com autismo? Campinas: Mercado das Letras, 2019.
59
ZORTÉA, Ana Maira. Inclusão na Educação Infantil: as crianças nos
(des)encontros com seus pares. Porto Alegre: UFRGS, 2007.
60
ANEXO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
_____________________________________________________
Responsável
_____________________________________________________
Assinatura da Acadêmica
61