Intertextualidade - Um Diálogo Entre A Ficção e A História

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INTERTEXTUALIDADE: UM DIÁLOGO ENTRE A FICÇÃO E A


HISTÓRIA

MIRÂNDOLA, Sônia Maria Machado1


COSTA, Sueli Silva Gorricho1

RESUMO: Alexandre Herculano, escritor do Romantismo português, alia a História à ficção ao recriar o
episódio do Castelo de Faria, fragmento da crônica sobre a vida de Don Fernando , rei de Portugal, escrita por
Fernão Lopes, cronista da Idade Média.

Palavras-chave: História. Realidade. Ficção. Intertextualidade.

SUMMARY: Alexandre Herculano, a writer of the Portuguese Romantic movement allies History to fiction
when he recreates the episode of the “Castelo de Faria”, a fragment from the chronicle about the of d. Fernando,
King pf Portugal, written by Fernão Lopes.

Keywords: History. Reality. Fiction. Intertextuality.

INTRODUÇÃO

Perante a história, a literatura parece desarmada. As mais belas obras do mundo não
impedirão a guerra, não apagarão as marcas da miséria humana. Mas, privado da arte,
o homem estaria amputado de sua melhor parte, incapaz de legar sua imagem à
História. (P. de Boisdeffre, Métamorphose de la Littérature. Paris, Alsatia, 1951).

Este artigo pretende analisar as relações dialógicas existentes entre a História e a


ficção, tendo como objetos de estudo o episódio O Castelo de Faria, fragmento de uma
crônica histórica escrita por Fernão Lopes, e o conto homônimo de Alexandre Herculano.
Tanto a História como a Literatura são espelhos da humanidade, já que ambas
representam instrumentos de conhecimento do homem e do mundo. A Literatura, por meio de
uma linguagem rica, expressiva, recria o mundo e retrata o homem, suas realizações, seus
sonhos, suas alegrias, emoções e angústias. A História em O dicionário da Língua Portuguesa
– Novo Aurélio (1999), “compreende uma narração metódica dos fatos notáveis ocorridos na
vida dos povos”. A missão de um historiador consiste em relatar fatos reais, tais como

1
Mestranda em Educação pelo Centro Universitário Moura Lacerda. Professora da F.F.C.L. de Ituverava.
CEP.14500-000 – Ituverava – São Paulo – Brasil.

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ocorrerão na realidade concreta; a de um escritor é recriar esta realidade, enriquecê-la,


insuflar-lhe uma nova imagem.
Dessa forma procede Alexandre Herculano, ao recriar um fragmento da crônica de
Fernão Lopes, sobre a vida de Don Fernando, rei de Portugal.
Nota-se na primeira o compromisso com a verdade, com a realidade; na segunda, o
compromisso com o sentimento do autor, com suas aspirações e vontades. A História impõe
uma realidade; a Literatura transfigura essa realidade.
Fernão Lopes, século XV, cronista da Torre do Tombo; século XIX, Alexandre
Herculano, escritor, poeta, diplomata, na Torre do Tombo. Distantes no tempo, na vida, mas
semelhantes quanto aos destinos, quanto à concepção de vida. Ambos, historiógrafos,
cultuavam a liberdade, a nacionalidade e a justiça entre os povos.
Simpatizantes do povo e da Revolução financiada pela recente burguesia, Fernão
Lopes apresenta uma visão da realidade social muito mais ampla e concreta que a dos
cronistas, seus contemporâneos. Assenta-se numa noção de verdade relativa, baseada em
documentos passados, o que o conduz a uma imparcialidade na análise dos fatos, bem como a
uma severa investigação das fontes.
Iniciou Fernão Lopes um método investigatório de inédito rigor para a época. Segundo
Oscar Lopes e Antônio José Saraiva, até hoje não foi possível abalar, em nada de importante,
a solidez de sua obra sobre o ponto de vista documental. Sua concepção da História, apesar
de ainda ser regiocêntrica e medieval; em alguns aspectos, aproximam-no de uma concepção
moderna, pois apresenta uma visão de conjunto da sociedade portuguesa da época,
ressaltando, principalmente, a importância dos fatores econômicos; a participação do povo
como agente histórico e o modo de coadunar as ações individuais com os movimentos de
massa.
Alexandre Herculano, além de historiador, poeta e ficcionista dos mais competentes.
Vida marcada por intensa participação política. Sentiu-se no sangue a invasão francesa a
Portugal, a luta pela expulsão destes, a invasão dos ingleses e a luta pelo liberalismo. Em
conseqüência dessas lutas é obrigado a exilar-se na França. Sua obra espelha a sua vida. Vida
e obra caracterizada pela intensa pesquisa histórica, empenhando-se em construir histórias que
conciliam o histórico e o imaginário. O recurso ao histórico expressa a tendência romântica
para a valorização do medievalismo e do espírito de nacionalidade. Prevalece, no entanto,
sempre o pensador, o intelectual sobre o sensitivo, o inventado. Daí o seu entrosamento maior
com a historiografia. Para realçar ainda mais suas predileções insere-se, como escritor, numa

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época em que a volta ao passado histórico é de grande valor. História e Literatura confundem-
se, numa perfeita integração.
O assunto abordado comum aos dois textos, configura-se logo no início do capítulo
LXXVIII e LXXVIX da crônica escrita por Fernão Lopes (s.d.).

Como Henrique Manuel pellejou com Pero Exarmento, e foram vencidos os


Portugueses e como Nuno Gonçalves de Faria foi morto porque nom quis dar o
castello a Pero Rodrigues Sarmento.

Como o próprio autor afirma em uma de suas obras,

O historicismo e o medievalismo romântico não se reduzem à idéia de fuga, de


escapismo, comumente atribuídos aos românticos e, sim porque as raízes da
nacionalidade portuguesa estão na Idade Média.

Como se nota, por meio de uma linguagem denotativa, relata objetivamente suas
crônicas, tornando-as reais, verdadeiras. Herculano alia a História à ficção, subjetivamente.
Cria obras literárias representativas, ou seja, que podem ser confirmadas através de
documentos, através de fatos realizados em épocas remotas: De roda da barbacan alvejavam
as casinhas da pequena povoação de Faria: mas silenciosas e ermas. Os seus habitantes,
apenas enxergavam ao longe as bandeiras castelhanas que esvoaçavam soltas ao vento [...]
(HERCULANO, 1851).
Fernão Lopes ao relatar a vida do Rei de Portugal, Dom Fernando, cita o episódio do
Castelo de Faria, de forma sucinta e clara. Inicia em plena invasão castelhana a Portugal.
Personalidades da época se unem para planejar a expulsão do inimigo que, além do domínio
político, exige que os portugueses lhes concedam suas moradias. Mostra como Nuno
Gonçalves de Faria, o bom escudeiro, foi morto, por não concordar em ceder o Castelo a uma
dos chefes castelhanos, Pero Rodrigues Sarmento.
Segue o fio condutor da História, pois tinha compromisso com a verdade, o que o
conduzia a uma imparcialidade na análise dos fatos, como também a uma severa investigação
das fontes:

Jazendo Lisboa desta guisa cercada, emtrou antre Doiro e Minho Pero Rodrigues
Exarmento, adeantado em Galliza, e Joham Rodrigues de Bema, e outros fidalgos
daquella terra, e chegarom ataa Barcellos. E gentes de Portugal daquella comarca se
juntarom para pellejar com elles, assi como Dom Hamrique Manuel, tio Del Rei Dom
Fernando[...] (LOPES, s.d.).

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Essa passagem, ou seja, o Castelo de Faria, constitui a fonte histórica para Herculano
em um de seus contos de Lendas e Narrativas, aliás, com o mesmo título.
Numa linguagem rica, poética, utilizando um narrador heterodiegético, observador e
onisciente, Herculano apresenta o mesmo fato já exposto por Fernão Lopes. Trata-se de uma
narrativa de ação, por ser esta a máquina impulsionadora dos períodos revolucionários. Todos
os momentos são decisivos. Ambienta-se numa província, entre Doiro e Minho. Ambas as
narrativas se processam em locais precisos e referenciais. Herculano, na tentativa de mostrar a
veracidade de seu conto, coloca a ação onde, realmente, ela ocorreu:

[...] O espectador collocado no cimo daquella eminência volta-se para um e outro


lado, e as povoações e os rios, os prados e as fragas, os soutos e os pinhais
apresentam-lhe o panorama variadissimo que se descobre de qualquer ponto elevado
da província de Entre-Douro-e-Minho. Este monte [...] já se viu regado de sangue[...]
(HERCULANO, 1851).

Segundo Maria Teresa de .Freitas (1986), pode-se distinguir em textos dessa natureza
três elementos especificamente históricos: a ação e a situação – em que a ficção permanece
fiel à História; a análise e a reflexão histórica e as técnicas de autentificação do discurso.
Embasados nesses três elementos, ocorre em O Castelo de Faria, o narrador fiel à
História e aos fatos do texto de Fernão Lopes. Um encontra a sua referência no outro, o que se
remete a uma série de informações quanto à realidade histórica da época, pois os fatos
narrados estão diretamente ligados ao acontecimento central dos alcaides de Faria: [...] O bom
escudeiro de Nuno Gonçalves, que foi preso neesta pelleja que ouviste, teemdo gran sentido
do Castelo de Faria, que leixara encomendado a seu filho [...] (LOPES, s.d.).
Assim o universo interior da narrativa – produzido pelo discurso – a diegese, segundo
a terminologia utilizada por Genette em Figures II (1972), coincide com a realidade exterior à
narrativa, designada pelo discurso – o referente.
A ficção invade a História. Herculano age de acordo com os preceitos da Escola
Romântica. Extrapola o texto de Fernão Lopes, enriquecendo-o com novos horizontes.
Herculano busca na Crônica de D. Fernando a sua temática, mostrando de forma
ficcional o presente onde antes já houve História: este monte, ora ermo, silencioso e
esquecido, já se viu regado de sangue [...] , Castello real da Idade Média, a sua origem soma-
se nas trevas dos tempos que já lá vão há muito [...], Ainda no século dezessete[...] [...]. Ao
fazer isso, ocorre a relação dialógica, ou seja, a intertextualidade com o texto de Fernão
Lopes, visto que se percebem pontos comuns entre os dois (Platão; Fiorim, 1999). Inicia

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relatando a soberania do Castelo no passado e a beleza daquele lugar, cujo único resquício é
um mosteiro de franciscanos que lá se ergueu:

O monte que se alevanta ao pé do humilde convento é formoso, aprazível é o sítio,


som breado de velhas árvores. Sentem-se alli o murmurar das águas e a bafagem
suave do vento, harmonia da natureza, que quebra o silêncio daquella solidão, a qual,
para, nos servimos de uma expressão de Fr. Bernardo de Brito, com a saudade de seus
horizontes parece encaminhar e chamar o espírito à contemplação das cousas celestes.
(HERCULANO, 1851).

O tempo corroeu aquele gigante aterrorizador, aquele dominador dos vales vizinhos,
onde já se viu regado de sangue, onde já se ouviram gritos e tiros. O tempo apagou o trágico
passado, substituindo-o por orações e suaves cantos. O que ficou, o que chegou até nós, a
História foi a responsável. Por isso Herculano aliou-se a ela. Através da História conhece-se o
passado, entende-se o presente e capacita-se para a transformação do futuro.
Enquanto Fernão Lopes é objetivo, Herculano é subjetivo, esbanja em exuberantes
descrições e, ao mesmo tempo, melancólicas: sítio sombreado de velhas árvores; sentem-se ali
o murmurar das águas e a bafagem suave dos ventos [...] [...], monte, ora ermo, silencioso e
esquecido, janelas claustrais, guerra infeliz, grosso corpo de gente[...] [...]. Como se observa,
o narrador apóia-se na adjetivação para expressar-se. Descrições estas que conduzem ao
passado histórico a fim de pôr em evidência o ambiente trágico e, ao mesmo tempo, solidário
de uma guerra, já que os portugueses unidos lutam para expulsar os inimigos de suas terras. A
natureza reflete o silêncio, o sofrimento por que passaram os habitantes do Castelo; é a
testemunha do que ali aconteceu. Trata-se, portanto, de um espaço pragmático. A natureza é
participante, retrata o espírito, a maneira de ser das personagens.
Nesta descrição, nota-se também o culto ao estoicismo da Dor, da Solidão e da
Liberdade. As imagens da natureza majestosa, do vento, dos montes, expressam o caráter
sombrio do seu “eu” – poético, bem como o apolíneo e o epicizante dos seus sentimentos.
Vitor Hugo empresta-lhe o tom retórico, o discursivo e a eloqüência, bem como a
conseqüente restrição ao plano metafórico.
A figura mais empregada por Herculano é o animismo – o próprio Castelo assumia no
passado o dominador dos vales vizinhos; o castelo tinha recordações de glória, pedras foram
testemunhas.
Fernão Lopes e Herculano possuem um estilo maleável, coloquial, primitivo, não
escondem o gosto pelo arcaísmo, embora haja maior incidência na obra do primeiro, devido à

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própria época em que viveu. Ambos são de origem humilde e amam o povo: - Amigos, disse
elle, nom curees da bandeira, que he huum pouco de pano que se vai [..].(LOPES, s.d.).
O tempo é cronológico, entretanto, não há datação determinada. Nota-se o transcorrer
do tempo pelo fluir dos acontecimentos:

O Adiantado de Galiza, Pedro Rodrigues Sarmento, entrou pela província [...],


trabalhava a maior parte[...], matando e saqueando..., foram desbaratados no
primeiro dia de combate o terreiro[...] (HERCULANO, 1851).

As referências temporais: Ainda no século XVII, parte de sua ossada.[...], no século


seguinte [...] – não fazem parte dos acontecimentos narrativos. São pretextos para indicar a
antiguidade do Castelo; constituindo-se, na maioria das vezes, analepses.
Em relação às personagens, as de Fernão Lopes, consideradas personagens históricas,
representavam fidalgos e outros cidadãos de Lisboa, que se uniram para expulsar os
castelhanos.
A personagem principal é Nuno Gonçalves de Faria, o qual demonstra a nobreza de
seu caráter ao se expor corajosamente à morte na defesa do Castelo. Herculano não só cita
algumas das personagens já proferidas por Fernão Lopes como também inclui outras como:
D. Fernando, que se recusou a casar com a filha do rei de Castela, sendo este o estopim do
cerco a Portugal. D. Afonso, primeiro duque de Bragança, trouxera a pedra, de Ceuta, que
serviria de altar. Não agem na trama, são citadas para elucidar os acontecimentos, constituem
elos para inserir a História, uma integrada à outra.
O protagonista de Herculano, o verdadeiro herói, continua sendo Nuno Gonçalves
Faria que, tal como no conto anterior, não cede o Castelo a Pero Sarmento, sendo por isso,
morto. Entretanto, antes pede ao filho que não o entregasse também, a não ser que passassem
sobre o seu cadáver: Sabes tu, Gonçalo Nunes que dever de um alcaide é de nunca entregar o
seu castelo a inimigos, embora fique enterrado debaixo das ruínas delle.
As personagens de Herculano são descritas subjetivamente, tipicamente românticas,
através de um narrador onisciente: o valoroso alcaide pensava em como salvaria o Castelo,
o bom alcaide;[...] as reflexões do filho.
O texto mostra que o homem é livre, possui poder de decisão, isto é, não está sujeito a
calos de dependência pessoal, mas somente à razão e às leis naturais.
Segundo Antônio Cândido (1980), quanto à criação das personagens, estas são figuras
transpostas de modelos anteriores. Herculano volta ao passado, matem aquelas personagens
com nomes semelhantes ou até com o próprio nome. Uma verdade histórica, numa obra de

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arte. Essa era a pretensão dos românticos, através de temas nacionais despertar a
nacionalidade com o propósito de revolucionar e reformar.
Dessa posição gera o Saudosismo, em busca do passado nacional, a fim de despertar o
amor à pátria e à liberdade; um amor saudoso, procurando demonstrar, na época, o
anacronismo político-social do presente com o passado.
Herculano preconiza em suas obras, o retorno ao Cristianismo vigoroso e puro, como
só teria sido praticado, na Idade Média; o retorno aos princípios cristãos, com a possibilidade
de integrar o homem a Deus, à perfeição – sobre as ruínas do Castelo, edificava-se um
convento de Franciscanos, lugar ameno, sombreado de velhas árvores [...]; Gonçalo Nunes, o
filho do alcaide, era altamente louvado pelo seu brioso procedimento [...] foi depor ao pé dos
altares a cervilheira e o saio de cavaleiro, para se tornar sacerdote, ministro do santuário.
Somente como um ministro de Deus na Terra, à semelhança de Deus poderia pagar, com
lágrimas e orações a seu pai as honras recebidas em nome dos “alcaides de Faria”. Tal qual a
outras personagens de Herculano, Gonçalo Nunes refugia-se na religião para esquecer o
trágico final de seu pai:

[...] Mas a lembrança do horrível sucesso estava sempre presente no espírito do


moço alcaide. Pedindo a el rei que o desonrasse do cargo que tão bem
desempenhava, foi depor ao pé dos altares a cervilheira e o saio de cavaleiro para se
cubrir com as vestes pacíficas do sacerdócio [...] (HERCULANO, 1851)

O narrador revela com profundidade e intensidade os conflitos das personagens: Nuno


Gonçalves, sua relutância em ceder o Castelo, o ardil preparado para tapear o inimigo e
Gonçalo Nunes, o filho, lembrando-se das últimas palavras do pai – “Defende-te, alcaide!” “A
lembrança do horrível sucesso não lhe saía da cabeça”.
Há uma intertextualidade implícita entre os contos de Fernão Lopes e o de Herculano
que, como já foi dito, este assim o fez para confirmar a veracidade dos fatos a fim de
recuperar a cultura medieval; o nacionalismo ufanista dos portugueses; a exaltação do povo,
dos heróis, da paisagem física e da religiosidade cristã. Reafirmando, assim, a importância da
História.
E a epígrafe de Boisdelfe (1951) confirma o grande valor da Literatura quanto da
História para a humanidade, uma não sobrevive sem a outra. Embora a Literatura não apague
as mazelas do sofrimento humano, não mude o curso dos acontecimentos, somente ela pode
ser porta-voz das realizações humanas no transcorrer dos tempos. Realizações que, ao longo
da vida, constituirão a História.

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Os bens materiais vão sendo destruídos pela ação da natureza. Os nossos pensamentos
tornam-se mais vagos, as lembranças mais distantes. É a História quem consolida para a
posteridade um momento marcante e de relevância em nossas vidas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo exposto conclui-se que Alexandre Herculano, por meio de um conto, recria com
beleza e arte, o fragmento – “O Castelo de Faria”, inserido na Crônica de D. Fernando, escrita
por Fernão Lopes, em meados do século XIV.
Literatura e História confundem-se e unem-se num acordo perfeito. A ficção amplia os
horizontes históricos, transpõem as personagens para outras realidades; porém, sem perder o
fio condutor da trama, ou seja, a invasão a Portugal pelos castelhanos.
Alexandre Herculano, em busca das origens de sua terra, mantém-se fiel às
características da estética romântica. Aliando a História à ficção muito contribui para o
alargamento do conhecimento sobre o mundo português, particularmente em relação à Idade
Média, época de freqüentes guerras, em que cavaleiros heróicos lutavam contra exércitos
inteiros, em defesa de sua pátria.
Fernão Lopes, criador das crônicas históricas; Alexandre Herculano, criador do
romance histórico. O primeiro valorizando a verdade que o cerca; o segundo, a fantasia, a
imaginação, a história da vida.
Do início ao final do conto, Herculano mantém-se fiel aos dados históricos, apesar de
enriquecer, extrapolar essa realidade através de impressionantes imagens.
A ficção invade a História. História cuja historicidade autêntica passa a ser
reconhecida por sua própria identidade discursiva. O passado como referente não é apagado,
mas incorporado e modificado, adotando assim novos significados; apesar de preso ao
contexto histórico-social e ideológico nos quais existiram e continuam a existir.
A História invade a ficção, realidade e imaginação solidificam-se, coexistem.
Para Freitas (1986), uma conclusão se impõe:

Apesar do aspecto documental, apesar da preocupação com a fidelidade ao


referente, apesar das semelhanças com o discurso histórico, apesar da dimensão
sócio-histórica, a História se dilui na ficção, transformando-se em aventura
romanesca e assumindo a forma de narrativa literária. É assim que ela se transforma
em Literatura.

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REFERÊNCIAS

CÂNDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. São Paulo: Nacional, 1980.

FERREIRA, A. B. de H. Novo Aurélio século XXI. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1999.

FREITAS, M. T. de. Literatura e história: o romance revolucionário de André Malraux. São


Paulo: Atual, 1986.

FIORIM, J. L., SAVIOLI, F. P. Para entender o texto leitura e redação. São Paulo: Ática,
1999.

HERCULANO, A. O Castello de Faria. In: ______ Lendas e Narrativas. São Paulo: Ática,
1851.

LOPES, F. Crônica de D. Fernando. Coimbra: Coimbra, s.d.


LOPES, O.; SARAIVA, A. J. História da literatura portuguesa. Coimbra: Porto, 1982.
MOISÉS, M. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 1991.
MONGELLI, L. M.; MALEVAL, M. A.; VIEIRA, Y. A literatura portuguesa em
perspectiva. São Paulo: Atlas, 1992.

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