Intertextualidade - Um Diálogo Entre A Ficção e A História
Intertextualidade - Um Diálogo Entre A Ficção e A História
Intertextualidade - Um Diálogo Entre A Ficção e A História
RESUMO: Alexandre Herculano, escritor do Romantismo português, alia a História à ficção ao recriar o
episódio do Castelo de Faria, fragmento da crônica sobre a vida de Don Fernando , rei de Portugal, escrita por
Fernão Lopes, cronista da Idade Média.
SUMMARY: Alexandre Herculano, a writer of the Portuguese Romantic movement allies History to fiction
when he recreates the episode of the “Castelo de Faria”, a fragment from the chronicle about the of d. Fernando,
King pf Portugal, written by Fernão Lopes.
INTRODUÇÃO
Perante a história, a literatura parece desarmada. As mais belas obras do mundo não
impedirão a guerra, não apagarão as marcas da miséria humana. Mas, privado da arte,
o homem estaria amputado de sua melhor parte, incapaz de legar sua imagem à
História. (P. de Boisdeffre, Métamorphose de la Littérature. Paris, Alsatia, 1951).
1
Mestranda em Educação pelo Centro Universitário Moura Lacerda. Professora da F.F.C.L. de Ituverava.
CEP.14500-000 – Ituverava – São Paulo – Brasil.
época em que a volta ao passado histórico é de grande valor. História e Literatura confundem-
se, numa perfeita integração.
O assunto abordado comum aos dois textos, configura-se logo no início do capítulo
LXXVIII e LXXVIX da crônica escrita por Fernão Lopes (s.d.).
Como se nota, por meio de uma linguagem denotativa, relata objetivamente suas
crônicas, tornando-as reais, verdadeiras. Herculano alia a História à ficção, subjetivamente.
Cria obras literárias representativas, ou seja, que podem ser confirmadas através de
documentos, através de fatos realizados em épocas remotas: De roda da barbacan alvejavam
as casinhas da pequena povoação de Faria: mas silenciosas e ermas. Os seus habitantes,
apenas enxergavam ao longe as bandeiras castelhanas que esvoaçavam soltas ao vento [...]
(HERCULANO, 1851).
Fernão Lopes ao relatar a vida do Rei de Portugal, Dom Fernando, cita o episódio do
Castelo de Faria, de forma sucinta e clara. Inicia em plena invasão castelhana a Portugal.
Personalidades da época se unem para planejar a expulsão do inimigo que, além do domínio
político, exige que os portugueses lhes concedam suas moradias. Mostra como Nuno
Gonçalves de Faria, o bom escudeiro, foi morto, por não concordar em ceder o Castelo a uma
dos chefes castelhanos, Pero Rodrigues Sarmento.
Segue o fio condutor da História, pois tinha compromisso com a verdade, o que o
conduzia a uma imparcialidade na análise dos fatos, como também a uma severa investigação
das fontes:
Jazendo Lisboa desta guisa cercada, emtrou antre Doiro e Minho Pero Rodrigues
Exarmento, adeantado em Galliza, e Joham Rodrigues de Bema, e outros fidalgos
daquella terra, e chegarom ataa Barcellos. E gentes de Portugal daquella comarca se
juntarom para pellejar com elles, assi como Dom Hamrique Manuel, tio Del Rei Dom
Fernando[...] (LOPES, s.d.).
Essa passagem, ou seja, o Castelo de Faria, constitui a fonte histórica para Herculano
em um de seus contos de Lendas e Narrativas, aliás, com o mesmo título.
Numa linguagem rica, poética, utilizando um narrador heterodiegético, observador e
onisciente, Herculano apresenta o mesmo fato já exposto por Fernão Lopes. Trata-se de uma
narrativa de ação, por ser esta a máquina impulsionadora dos períodos revolucionários. Todos
os momentos são decisivos. Ambienta-se numa província, entre Doiro e Minho. Ambas as
narrativas se processam em locais precisos e referenciais. Herculano, na tentativa de mostrar a
veracidade de seu conto, coloca a ação onde, realmente, ela ocorreu:
Segundo Maria Teresa de .Freitas (1986), pode-se distinguir em textos dessa natureza
três elementos especificamente históricos: a ação e a situação – em que a ficção permanece
fiel à História; a análise e a reflexão histórica e as técnicas de autentificação do discurso.
Embasados nesses três elementos, ocorre em O Castelo de Faria, o narrador fiel à
História e aos fatos do texto de Fernão Lopes. Um encontra a sua referência no outro, o que se
remete a uma série de informações quanto à realidade histórica da época, pois os fatos
narrados estão diretamente ligados ao acontecimento central dos alcaides de Faria: [...] O bom
escudeiro de Nuno Gonçalves, que foi preso neesta pelleja que ouviste, teemdo gran sentido
do Castelo de Faria, que leixara encomendado a seu filho [...] (LOPES, s.d.).
Assim o universo interior da narrativa – produzido pelo discurso – a diegese, segundo
a terminologia utilizada por Genette em Figures II (1972), coincide com a realidade exterior à
narrativa, designada pelo discurso – o referente.
A ficção invade a História. Herculano age de acordo com os preceitos da Escola
Romântica. Extrapola o texto de Fernão Lopes, enriquecendo-o com novos horizontes.
Herculano busca na Crônica de D. Fernando a sua temática, mostrando de forma
ficcional o presente onde antes já houve História: este monte, ora ermo, silencioso e
esquecido, já se viu regado de sangue [...] , Castello real da Idade Média, a sua origem soma-
se nas trevas dos tempos que já lá vão há muito [...], Ainda no século dezessete[...] [...]. Ao
fazer isso, ocorre a relação dialógica, ou seja, a intertextualidade com o texto de Fernão
Lopes, visto que se percebem pontos comuns entre os dois (Platão; Fiorim, 1999). Inicia
relatando a soberania do Castelo no passado e a beleza daquele lugar, cujo único resquício é
um mosteiro de franciscanos que lá se ergueu:
O tempo corroeu aquele gigante aterrorizador, aquele dominador dos vales vizinhos,
onde já se viu regado de sangue, onde já se ouviram gritos e tiros. O tempo apagou o trágico
passado, substituindo-o por orações e suaves cantos. O que ficou, o que chegou até nós, a
História foi a responsável. Por isso Herculano aliou-se a ela. Através da História conhece-se o
passado, entende-se o presente e capacita-se para a transformação do futuro.
Enquanto Fernão Lopes é objetivo, Herculano é subjetivo, esbanja em exuberantes
descrições e, ao mesmo tempo, melancólicas: sítio sombreado de velhas árvores; sentem-se ali
o murmurar das águas e a bafagem suave dos ventos [...] [...], monte, ora ermo, silencioso e
esquecido, janelas claustrais, guerra infeliz, grosso corpo de gente[...] [...]. Como se observa,
o narrador apóia-se na adjetivação para expressar-se. Descrições estas que conduzem ao
passado histórico a fim de pôr em evidência o ambiente trágico e, ao mesmo tempo, solidário
de uma guerra, já que os portugueses unidos lutam para expulsar os inimigos de suas terras. A
natureza reflete o silêncio, o sofrimento por que passaram os habitantes do Castelo; é a
testemunha do que ali aconteceu. Trata-se, portanto, de um espaço pragmático. A natureza é
participante, retrata o espírito, a maneira de ser das personagens.
Nesta descrição, nota-se também o culto ao estoicismo da Dor, da Solidão e da
Liberdade. As imagens da natureza majestosa, do vento, dos montes, expressam o caráter
sombrio do seu “eu” – poético, bem como o apolíneo e o epicizante dos seus sentimentos.
Vitor Hugo empresta-lhe o tom retórico, o discursivo e a eloqüência, bem como a
conseqüente restrição ao plano metafórico.
A figura mais empregada por Herculano é o animismo – o próprio Castelo assumia no
passado o dominador dos vales vizinhos; o castelo tinha recordações de glória, pedras foram
testemunhas.
Fernão Lopes e Herculano possuem um estilo maleável, coloquial, primitivo, não
escondem o gosto pelo arcaísmo, embora haja maior incidência na obra do primeiro, devido à
própria época em que viveu. Ambos são de origem humilde e amam o povo: - Amigos, disse
elle, nom curees da bandeira, que he huum pouco de pano que se vai [..].(LOPES, s.d.).
O tempo é cronológico, entretanto, não há datação determinada. Nota-se o transcorrer
do tempo pelo fluir dos acontecimentos:
arte. Essa era a pretensão dos românticos, através de temas nacionais despertar a
nacionalidade com o propósito de revolucionar e reformar.
Dessa posição gera o Saudosismo, em busca do passado nacional, a fim de despertar o
amor à pátria e à liberdade; um amor saudoso, procurando demonstrar, na época, o
anacronismo político-social do presente com o passado.
Herculano preconiza em suas obras, o retorno ao Cristianismo vigoroso e puro, como
só teria sido praticado, na Idade Média; o retorno aos princípios cristãos, com a possibilidade
de integrar o homem a Deus, à perfeição – sobre as ruínas do Castelo, edificava-se um
convento de Franciscanos, lugar ameno, sombreado de velhas árvores [...]; Gonçalo Nunes, o
filho do alcaide, era altamente louvado pelo seu brioso procedimento [...] foi depor ao pé dos
altares a cervilheira e o saio de cavaleiro, para se tornar sacerdote, ministro do santuário.
Somente como um ministro de Deus na Terra, à semelhança de Deus poderia pagar, com
lágrimas e orações a seu pai as honras recebidas em nome dos “alcaides de Faria”. Tal qual a
outras personagens de Herculano, Gonçalo Nunes refugia-se na religião para esquecer o
trágico final de seu pai:
Os bens materiais vão sendo destruídos pela ação da natureza. Os nossos pensamentos
tornam-se mais vagos, as lembranças mais distantes. É a História quem consolida para a
posteridade um momento marcante e de relevância em nossas vidas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo exposto conclui-se que Alexandre Herculano, por meio de um conto, recria com
beleza e arte, o fragmento – “O Castelo de Faria”, inserido na Crônica de D. Fernando, escrita
por Fernão Lopes, em meados do século XIV.
Literatura e História confundem-se e unem-se num acordo perfeito. A ficção amplia os
horizontes históricos, transpõem as personagens para outras realidades; porém, sem perder o
fio condutor da trama, ou seja, a invasão a Portugal pelos castelhanos.
Alexandre Herculano, em busca das origens de sua terra, mantém-se fiel às
características da estética romântica. Aliando a História à ficção muito contribui para o
alargamento do conhecimento sobre o mundo português, particularmente em relação à Idade
Média, época de freqüentes guerras, em que cavaleiros heróicos lutavam contra exércitos
inteiros, em defesa de sua pátria.
Fernão Lopes, criador das crônicas históricas; Alexandre Herculano, criador do
romance histórico. O primeiro valorizando a verdade que o cerca; o segundo, a fantasia, a
imaginação, a história da vida.
Do início ao final do conto, Herculano mantém-se fiel aos dados históricos, apesar de
enriquecer, extrapolar essa realidade através de impressionantes imagens.
A ficção invade a História. História cuja historicidade autêntica passa a ser
reconhecida por sua própria identidade discursiva. O passado como referente não é apagado,
mas incorporado e modificado, adotando assim novos significados; apesar de preso ao
contexto histórico-social e ideológico nos quais existiram e continuam a existir.
A História invade a ficção, realidade e imaginação solidificam-se, coexistem.
Para Freitas (1986), uma conclusão se impõe:
REFERÊNCIAS
FERREIRA, A. B. de H. Novo Aurélio século XXI. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1999.
FIORIM, J. L., SAVIOLI, F. P. Para entender o texto leitura e redação. São Paulo: Ática,
1999.
HERCULANO, A. O Castello de Faria. In: ______ Lendas e Narrativas. São Paulo: Ática,
1851.