05 A Deficiência Visual No Ensino Regular
05 A Deficiência Visual No Ensino Regular
05 A Deficiência Visual No Ensino Regular
A convivência do aluno deficiente visual e do professor na sala de aula está longe de ser algo
naturalmente aceite, algo comparável à convivência entre um aluno normovisual e o professor. E
nem sequer se trata, na maior parte dos casos, de má-vontade por parte do professor ou
indisponibilidade do aluno portador de deficiência. Trata-se, tão-somente, da dificuldade de
efectivar, na prática, a "Escola Inclusiva", tão sabiamente arquitectada de formas teóricas, à luz da
nossa bem intencionada legislação.
Não basta decretar a integração do aluno deficiente visual, misturá-lo com outros alunos e um
professor para que a sua integração escolar se consiga, nem tão pouco se garanta o
desenvolvimento das suas capacidades/aprendizagens; não nos parece sensato olhar para o
professor e ver na sua licenciatura uma formação do tipo "pau para toda a colher" nem esperar que
cada professor, por motivação intrínseca, busque entre os paus da sua formação, a "colher" que há
em si! ! ... Mas também não queiramos que, por cada aluno portador de deficiência que chega à
escola, seja admitido um rol de professores "bem preparados" para as diferentes disciplinas - como
se se tratasse de "lidadores" para enfrentar a "fera"..
Uma boa parte do problema parece-nos residir essencialmente no "interface conceptual", ou seja, o
modo como o professor, na grande maioria dos casos, encara este aluno e que afecta a
"compatibilidade" entre eles. O professor insiste em olhar para o aluno portador de deficiência e,
em vez de ver o aluno, vê apenas a sua deficiência.
Todos nós conhecemos estudos que demonstram a dificuldade que os professores têm em trabalhar
em grupo e todos nós também sentimos diariamente o quanto de verdadeiro têm esses estudos. No
entanto, parece-nos de elevada importância e de toda a conveniência que o professor, confrontado
com uma turma/classe que contém um aluno portador de deficiência, assuma uma atitude
diferente, isto é, tome consciência da importância de pensar/organizar/planificar as aulas daquela
turma em grupo de, pelo menos, três pessoas: ele próprio, o professor da equipa do Ensino Especial
e o psicólogo escolar. Desta forma, o professor regular consegue juntar às estratégias que delineou
para abordar determinado conteúdo, os aspectos e requisitos a ter em conta no caso do aluno
portador de deficiência visual (tipo de material a utilizar, a luminosidade requerida - se se tratar de
um amblíope...) e a análise da reacção do aluno.
Em relação a este último aspecto, importa compreender que o aluno portador de deficiência visual
se vê confrontado com dificuldades de toda a ordem e que nem todo o indivíduo consegue enfrentar
a adversidade com "um sorriso nos lábios", com uma indispensável motivação e uma aceitação da
deficiência com a resignação/moderação comportamental requeridas pela sociedade. Além disso,
não nos podemos esquecer que o comportamento social é algo que é apreendido por imitação -
possibilidade que está completamente vedada aos individuos portadores de cegueira congénita. A
análise, compreensão e apoio/correcção das atitudes deste aluno é um trabalho árduo que precisa
do envolvimento do professor regular (porque a situação-alvo de correcção ocorre na sala de aula),
do professor do Apoio Especial (porque é ele que vai assegurar o lado "especial" da intervenção) e
do psicólogo (porque a delicadeza da intervenção recomenda conhecimentos comportamentais
humanos devidamente estudados).
Conscientes de que ainda falta desenvolver bastantes "démarches", nos mais variados níveis de
formação, até conseguirmos encontrar a articulação perfeita entre os vários recursos da escola
inclusiva, conforta-nos a convicção de que já arredada anda destes meandros a ideia de que o
professor do Ensino Especial devia funcionar como fiscal do modo como o professor regular tinha ou
não sensibilidade suficiente para ensinar o aluno portador de deficiência; tal como pensamos, já não
fazer sentido aquela ideia de que o Ensino Especial funcionava como refúgio dos "professores
cansados", ou com "mais coisas para fazer" do que ensinar.
Um outro aspecto que nos parece por vezes perturbar a normal aprendizagem do aluno com
deficiência visual é a confusão de competências: porque se desconhece a quem compete resolver as
carências de material ou limitações frequentes na aprendizagem daquele aluno, assiste-se por vezes
a um triste "jogo de empurra" de culpas, sem lucidez para se compreender o essencial: aquele aluno
precisa de desenvolver, adequadamente, as mesmas competências e capacidades dos seus colegas,
potencialmente projectadas para aquele momento.
Pretendendo tão somente contribuir, de alguma forma, para que tais situações não voltem a
acontecer, chamamos a atenção para alguns aspectos que julgamos fundamentais:
O professor do Ensino Especial é apenas um professor de apoio e que, por isso, apenas lhe compete
dar apoio ao professor regular na especificidade daquela deficiência; convém nunca perder de vista
que o responsável pela aprendizagem do aluno portador de deficiência é o professor da
disciplina/classe, responsabilidade essa que, em momento algum pode ser delegada no professor de
apoio.
O professor regular deve dispensar ao aluno com deficiência visual a mesma atenção que aos demais
alunos da turma e dar-lhe o mesmo apoio. Não é necessário que defina regras particulares ou que
lhes exija menos trabalho.
Deve comunicar frequentemente com o professor do ensino especial, informando-o dos progressos
do aluno, bem como dos problemas que o mesmo possa ter.
◦
Deve fornecer, ao professor do Ensino Especial, os textos dos trabalhos de casa, dos exames e de
outros documentos que seja necessário transcrever para Braille, para caracteres ampliados ou
modificar de modo a que os alunos cegos possam compreendê-los.
Proporcionar os apoios necessários para que a criança cega possa ter sucesso escolar numa
classe/turma regular;
Dar apoio ao professor do ensino regular, respondendo às suas dúvidas sobre a cegueira, bem como
contribuir para que os outros alunos se sintam à vontade com a criança cega;
Fazer eventuais sugestões ou demonstrar modos de procedimento que possam conduzir a melhores
resultados no ensino da criança;
Adaptar os materiais didácticos, tais como questionários, folhas de exercícios, mapas e gráficos, por
forma a que a criança cega ou com visão reduzida os possa compreender;
Pôr à disposição da criança todos os utensílios e equipamentos específicos de que ela necessite:
máquina Braille, livros em Braille, papel especial, meios informáticos, livros com caracteres
ampliados, canetas de feltro, papel pautado próprio para visão reduzida, lupas, etc;
Assegurar ele próprio, ou fazer com que seja assegurada, a possibilidade de recuperação ou apoio
complementar nas matérias que o aluno tenha mais dificuldade em assimilar na classe/turma
regular. Esse apoio pedagógico virá juntar-se ao ensino dispensado na turma e só será necessário
quando o aluno revelar dificuldade em compreender certas partes de conteúdos ou aulas;
Servir de elo de ligação entre a casa e a escola, nomeadamente informando os pais acerca dos
progressos da criança e indicando-lhes os exercícios que ela deverá fazer em casa sob a sua
orientação.
As exigências da escola inclusiva, manifestadas junto do professor regular e do professor do ensino
especial não são nem simples nem fáceis. Para levá-las a bom termo, são necessários
empenhamento e trabalho assíduo. Em mútua colaboração e entendimento, o professor do ensino
regular e o professor do ensino especial podem assegurar uma escolaridade estimulante, não apenas
às crianças portadoras de deficiência visual, mas a toda a classe/turma no seu conjunto. A presença
do aluno portador de deficiência na classe/turma pode e deve ser um bom pretexto para
incrementar o desenvolvimento de um grande leque de valores ligados à cidadania, nos colegas da
turma e da própria escola.
Bibliografia Consultada
• CORREIA, Fernando Jorge Alves (1998). A Integração de Crianças Portadoras de Deficiência Visual
nas Escolas dos 2º e 3º Ciclos. Integrar-Maio-Ago. p. 40-49.
• DIAS, Maria Eduarda Rodrigues Pereira (1991). A Socialização da Criança Cega. Lisboa: Instituto
Superior de Psicologia Aplicada.
• HORTON, J. Kirk (1990). L'éducation des élèves déficients visuels dans les écoles ordinaires.
Unesco.
• HORTON, J. Kirk (2000). A Educação de Alunos Deficientes Visuais em Escolas Regulares. Lisboa:
Instituto de Inovação Educacional Secretariado Nacional de Reabilitação (1982). Escola para
Todos/Comissão Coordenadora Distrital de Lisboa do Ano Internacional do Deficiente. Lisboa:
Secretariado Nacional de Reabilitação.
Fernando Marques Pereira é Professor do 2º Ciclo do Ensino Básico na Escola E.B. 2.3. do Viso, em
Viseu.
1.Out.2019