O Bobo
O Bobo
O Bobo
- 1843: O Panorama
- 1866 (edição não autorizada, no
RJ)
- 1878 (edição póstuma)
“[...] perturbador para um autor que dedicou boa parte de sua vida
a escrever a história de Portugal [...]. Teria Herculano percebido
que, neste romance, punha em questão todo o seu trabalho de
historiador?” (Oliveira, 2000, p. 148).
Romance histórico português : Walter Scott e Victor Hugo
- Walter Scott: produção poética começa a ser traduzida em Portugal
em 1819; romances se tornam moda literária em meados da década
de 1830 (Ivanhoe - traduções anuais de 1837 a 1843)
- Victor Hugo: Notre Dame de Paris é publicado em 1831
(portugueses liam francês); traduzido para o português em 1841
- herói é um exemplo de
conduta: valores morais
(Ivanhoe, de Walter Scott)
e/ou sentimentos nobres
(Quasímodo, de Notre Dame
de Paris, é movido pelo amor
a Esmeralda)
“Passadas estas horas de convivência ou de deleite, que eram como
uns oásis na vida triste, dura, trabalhosa e arriscada da Meia Idade, o
bobo perdia o seu valor momentâneo, e voltava à obscuridade, não à
obscuridade de um homem, mas à de um animal doméstico . Então os
desprezos, as ignomínias, os maus tratos daqueles que em público
haviam sido alvo dos ditos agudos do chocarreiro, caíam sobre a sua
cabeça humilhada cerrados como granizo, sem piedade [...]. Se
naqueles olhos então assomassem lágrimas, essas lágrimas seriam
ridículas, e cumpria-lhe tragá-las em silêncio; se um gemido se lhe
alevantasse da alma, fora necessário recalcá-lo, porque lhe
responderia uma risada; se a vergonha lhe tingisse as faces, deveria
esconder o rosto, porque essa vermelhidão seria bafejada pelo hálito
de um dito de torpeza; se uma grande cólera lhe carregasse o gesto,
tornar-lhe-iam como remédio um insolente escárnio. Assim no largo
tirocínio de um dificultoso mister, o seu primeiro e capital estudo era
varrer da alma todos os afetos, todos os sentimentos nobres, todos os
vestígios da dignidade moral; esquecer-se de que havia no mundo
justiça, pudor, brio, virtude.” (p. 28).
[nota de rodapé, explicando o que eram os cavalariços]
“Dizemos o que eram porque deles não se faz menção alguma
no Elucidário, e levíssima em Ducange, verbo: Caballarius. Vê-
se, porém, em que consistia este cargo servil de um
instrumento de ingenuidade de 1033 (Colec. de var. privileg., T.
5º, Doc. 3º). Fique dito por uma vez que todos os nomes que
empregamos, cenas que descrevemos, costumes que pintamos,
são rigorosamente históricos. Fácil nos fora sumir em um
pélago [abismo] de citações; mas falece-nos a fúria da
erudição. E não seria ela ridícula no humilde historiador de um
humilíssimo truão [bobo da corte]?” (p. 32)
“Devemos crer, ao menos piamente, que o Conde Henrique, na
época em que alevantou o castelo de Guimarães, não lançou nos
fundamentos do seu edifício soberbo um cárcere seguro e vasto
com os intuitos de rapina que guiavam o comum dos senhores
nestas tristes edificações [no parágrafo anterior, o narrador
explica que os senhores feudais costumavam raptar judeus ou
outros inimigos com o intuito de extorquir-lhes dinheiro]. Ainda
que algum documentinho de má morte provasse o contrário
cumpria-nos pô-lo no escuro, ou contestar-lhe francamente a
autenticidade, porque o conde foi o fundador da monarquia, e a
monarquia desfunda-se uma vez que tal coisa se admita. Assim é
que se há de escrever a história, e quem não a fizer por este
gosto, evidente é que pode tratar de outro ofício.” (p. 152)
Contraste com discurso nacionalista do narrador
Dulce
↓ ↓
D. Afonso Henriques Conde de Trava
de uma família tradicional do espanhol/estrangeiro
Condado Portucalense (inimigo)
Herói? Vilão?
[sobre Egas Moniz ter partido para as Cruzadas]
“Nascido com espírito ardente, trovador e guerreiro, Egas precisava de
obter glória, porque as almas poéticas daquele tempo não compreen-
diam o amor sem renome, nem talvez sem este o encontrariam no seio
de nobre donzela, digna de sua afeição. A Terra Santa era naquela
época o campo mais fértil para os ceifadores de glória: as reputações
adquiridas na Palestina retumbavam por todo o orbe cristão. Era o
amor quem arrastava Egas para essa vida de riscos, privações e
combates? Quem poderia dizê-lo? Ninguém sequer o pensou.” (p. 36)