Sabe o Que É Ficar Borrado No Eito Da Cana
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para cada litro de etanol são necessários 30 litros de água3. Neste sen-
tido, as condições naturais, sobretudo a água e a terra, garantem a
apropriação da renda diferencial de fertilidade da terra no ciclo de
reprodução dos capitais aplicados nesta atividade.
Gráfico 1
Fonte: Censo Agropecuário do IBGE (1940, 1950, 1960, 1970, 1980). Pesquisa
Agrícola Municipal do IBGE (1990, 2000, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009). Instituto
de Economia Agrícola (2010). Gráfico elaborado por Beatriz Medeiros de Melo.
3 Em algumas regiões do Brasil, fora do Estado de São Paulo, para a cana brotar
adequadamente é necessária a irrigação conhecida como “salvamento”. Nestes casos,
a quantidade de água captada é maior. A cana precisa em seu ciclo de maturação, em
média, de 1500 mm de água, isto é, 1500 litros de chuvas por m2, ou 15.000.000 litros por
hectare, e cada hectare produz, em média, 100 toneladas de cana, ou seja, são necessá-
rios 150 mil litros de água por tonelada (Informações fornecidas por José Mário Ferreira
Andrade, engenheiro agrônomo da CETESB, à autora deste texto).
4 O Grupo Cosan fundiu-se a Shell em 2010, criando a empresa Raízen
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5 Em virtude da alta dos preços das commodities, os preços das terras no Brasil au-
mentaram em média mais de 16% no segundo bimestre de 2008, ante o mesmo período
de 2007. No centro-oeste, houve um aumento maior, em função da compra de terras
por grupos estrangeiros, sobretudo na região do cerrado (Folha de S. Paulo, 20 de maio
de 2008, B12).
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2007/08 2007/08
1995/96 2007/08 em relação 1995/96 2007/08 em relação
a1995/96(%) a1995/96(%)
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2007/08
1995/96 2007/08
em relação a 1995/96(%)
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10 Fonte: http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-06-14/empresas-do-setor-de-
-cana-de-acucar-recebem-selo-de-qualidade-por-respeito-aos-trabalhadores. Acesso
em 14/06/2012.
11 A questão ambiental foi objeto de estudos de vários pesquisadores, desde os
anos de 1950. Dentre eles, vale citar, Szmrecsányi, 1994. Sobre um diagnóstico recente
e bastante criterioso acerca dos efeitos ambientais causados pela atividade canaviei-
ra na área agrícola e na área industrial no Estado de São Paulo, consultar: Andrade,
2009. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.
do?select_action=&co_autor=116014.
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Limoeira do
MG Antonio Cabrera 385 - 99
Oeste
Destilaria Vale do
Paracatu MG Paracatu- Agroenergia 241 - 170
Ltda
Zihuatanejo do Brasil
Açúcar e Álcool S.A
Confresa MT 192 - 55
Grupo EQM ( Eduardo
Queiroz Monteiro
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Fernando Vieira de
Moreno PE 101 - 40
Miranda
Escada PE A identificar 50 - 50
Campos dos
RJ Usina Paineiras S.A 81 - 81
Goytacazes
Campos dos
RJ Coagro 996 - 38
Goytacazes
14 O quadro completo sobre estas informações encontra-se em: O Brasil dos agro-
combustíveis. Cana. Impactos sobre a terra, o meio ambiente e a sociedade. Repórter
Brasil, 2009, p.16. Disponível em WWW.agrocombustiveis.org.br. Acesso em 23/4/2009.
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16 A cidade, bem como os nomes dos trabalhadores, não são relatados, a fim de
livrá-los de possíveis represálias por parte de fiscais e encarregados da usina. Ver a
respeito, Facioli, 2009.
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17 Essa realidade contrasta com aquela mostrada nas feiras da Agrishow, ocorridas
todos os anos na cidade de Ribeirão Preto/SP, nas quais são comercializadas grandes
máquinas com tecnologia avançada para o corte da cana, além de outros produtos para
a agricultura, na presença de políticos, prefeitos, governadores, ministros, embaixado-
res de muitos países e representantes de outros setores econômicos.
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O sofrimento moral18
Ao longo deste texto foram reveladas as condições às quais são
submetidos os trabalhadores inseridos no corte da cana, levando-se
em conta, sobretudo, a realidade do estado de São Paulo, respon-
sável por dois terços da produção deste produto do país e onde o
processo de mecanização e aplicação de novas tecnologias - tanto
na área agrícola como industrial - acha-se mais desenvolvido. No
início, chamou-se a atenção para a existência dos dois arranjos insti-
tucionais (Protocolo Agroambiental e o Pacto de Adesão Voluntária),
cujos objetivos eram tornar esta produção sustentável ambiental e
socialmente, de tal forma que as condições laborais fossem adequa-
das às normas legais vigentes Norma Regulamentadora 31 (NR31). O
cumprimento destes arranjos criaria as bases necessárias para a con-
quista dos mercados internacionais, sobretudo dos europeus, para a
compra do etanol brasileiro.
A análise aqui desenvolvida mostrou que as medidas tomadas vi-
sando melhorias das condições de trabalho dos cortadores de cana
não foram eficazes para combater o processo de superexploração
vigente. Sob a capa da ideologia que sustenta esta produção, esconde-
-se um verdadeiro i-mundo19 do trabalho. Em outras ocasiões (SILVA,
2005a, 2008b), interpretou-se esta realidade não somente levando-se
em conta os condicionantes impostos pelas estruturas objetivas (ex-
ploração de classe), mas também os efeitos sobre a psique, o mundo
interior dos sujeitos.
Vale lembrar que a maioria dos trabalhadores desta atividade é
constituída por migrantes, provenientes dos estados do nordeste e
norte de Minas Gerais. Este é também um traço constitutivo da re-
produção de capitais em outras regiões (MENEZES, 2002) e em outros
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máscaras, revelando aos leitores sua verdadeira face, por meio das
vozes daqueles que a vivem.
A essas alturas da safra nosso salário tem quase a cor de nosso
sangue. Já gastamos quase todas nossas energias.
Sabe o que é ficar ‘borrado’ no eito da cana? É perder o con-
trole do próprio corpo, é sentir um ‘quenturão’ doido, é como
passar por uma convulsão. (FACIOLI, 2009).
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