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DOI: http://dx.doi.org/10.17058/rdunisc.v3i47.

5385
Recebido: 13 de novembro de 2014 Aceito: 26 de maio de 2015

Contato do autor: henrique_rosmaninhoalves@outlook.com

AS NUANCES DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO EM MATÉRIA


AMBIENTAL FRENTE AOS DANOS DECORRENTES DE IMPACTOS
PROVOCADOS POR FENÔMENOS NATURAIS

NUANCES OF THE STATE’S LIABILITY IN ENVIRONMENTAL MATTER


FRONT THE NATURAL PHENOMENA'S DAMAGE
Elcio Nacur Rezende
Escola Superior Dom Helder Câmara – Belo Horizonte – Minas Gerais – Brasil
Henrique Rosmaninho Alves
Escola Superior Dom Helder Câmara – Belo Horizonte – Minas Gerais – Brasil

Resumo: Apresenta-se como problema a ser resolvido pelo presente estudo a


(im)possibilidade de responsabilização do Estado pelos danos sofridos pelos
administrados provocados por fenômenos naturais. Em decorrência da
responsabilidade civil objetiva adotada pela Constituição da República no que
tange à atuação estatal e ao meio ambiente, adotou-se como hipótese a
possibilidade do Estado ser responsável civilmente pelos danos provocados
por eventos naturais independentemente de culpa. Trata-se de um estudo
jurídico-teórico no qual predominaram pesquisas bibliográficas, relativas à
doutrina de Direito Ambiental e Responsabilidade Civil, de dados dos órgãos
oficiais de defesa civil, e a análise das normas positivadas de proteção
ambiental, gestão de riscos de desastres e ordenação urbanística. Adota-se
como marco teórico as Leis 10.257/2001 e 12.608/2012, a concepção de
gestão de riscos de desastres de Delton Winter de Carvalho e Fernanda Dalla
Libera Damacena, e a noção de responsabilidade civil de Clarisse Ferreira
Jardim, Sergio Cavalieri Filho, José Rubens Morato Leite, Patryck Ayala e
Delton Winter de Carvalho. Acredita-se que o presente estudo pode contribuir
efetivamente para a comunidade acadêmica, por versar sobre tema pouco
estudado e para a sociedade em geral, por buscar a resolução de um problema
que afeta grande parcela da população nos seus direitos mais essenciais.

Palavras-chave: Desastres Naturais; Responsabilidade Civil; Dano Ambiental.

Abstract: The present study aim to discuss the (im)possibility of the


accountability of the State by the damages caused by natural phenomena to the
civil user. Due to the liability adopted by the Brazilian Constitution, which
regards to State’s action and the environment, it is adopted as a hypothesis the
possibility of the State being civilly charged by the damage of natural disasters
regardless of fault. This study adopts a legal-theoretical approach in which were
done the revision of the literature that concerns to the Environmental Law and
Liability, the analysis of the official data from the Civil Defense department, the
standards about environmental protection, risk and disaster management, and
urban planning. Is adopted as a theoretical framework the national Law Nº

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10.257/2001 and Law Nº 12.608/2012, the approach of management of the risk


and disaster by Delton Winter de Carvalho and Fernanda Dalla Libera
Damacena, and the idea of liability proposed by Clarisse Ferreira Jardim,
Sergio Cavalieri Filho, José Rubens Morato Leite, Patryck Ayala, and Delton
Winter de Carvalho. Is considered that the present study can effectively
contribute to the academic community since it discuss a non-widely study topic
and aim to find resolution to problem that affects part of the society’s basic
rights.

Keywords: Natural Disasters; Liability; Environmental Damage.

1. Introdução

Os danos ambientais resultantes de fenômenos naturais vêm crescendo


paulatinamente nos últimos anos no Brasil conforme se verifica da análise do
Atlas Brasileiro de Desastres Naturais 1991-2010 e dos Anuários Brasileiros de
Desastres Naturais de 2011 e 2012. Diante desse cenário de degradação é
imprescindível verificar a responsabilidade estatal, visto que o Estado tem por
dever a proteção e preservação do meio ambiente e a garantia de uma vida
digna aos seus administrados, nos termos do artigo 225 da Constituição, ao
passo que também é portador de maiores recursos que se aplicados podem
diminuir os encargos dos atingidos.
Busca-se ao longo do texto identificar se em casos de danos ambientais
(patrimoniais e extrapatrimoniais) provocados pelos impactos de fenômenos
naturais, configurar-se-á a responsabilidade civil do Estado e de que modo
essa responsabilidade se dará.
Trata-se de um estudo jurídico-teórico no qual foram investigados os
aspectos da responsabilidade civil do Estado em casos de danos provocados
por desastres naturais. Investigou-se quais são os deveres legais de atuação
do Estado no intuito de minimizar a vulnerabilidade a eventos naturais e qual a
relação entre a omissão estatal e a concretização do dano, para então adentrar
nos aspectos jurídicos e práticos da responsabilidade civil do Estado em
matéria ambiental. Predominaram os estudos bibliográficos, relativos à doutrina
de Direito Ambiental e Responsabilidade Civil e a análise de dados dos órgãos
oficiais de defesa civil.

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Adota-se como marco teórico as Leis 10.257/2001 e 12.608/2012, a


concepção de gestão de riscos de Delton Winter de Carvalho e Fernanda Dalla
Libera Damacena, e a noção de responsabilidade civil dos autores Clarisse
Ferreira Jardim, Sergio Cavalieri Filho, José Rubens Morato Leite, Patryck
Ayala e Delton Winter de Carvalho.
A fim de proporcionar maior clareza de raciocínio dividiu-se o presente
estudo em 5 capítulos.
O primeiro capítulo destina-se a demonstrar como os desastres naturais
podem ser causas de danos socioambientais. Nesse momento apresentam-se
os tipos de fenômenos naturais ensejadores de danos mais frequentes no
Brasil e no mundo e quais são as espécies de danos mais comuns no país.
No segundo momento busca-se expor quais são os deveres estatais
relativos à prevenção de desastres. Para tanto, aborda-se no segundo capítulo
as competências constitucionais dos entes federados em matéria ambiental e
urbanística, para posteriormente, no terceiro capítulo identificar quais são os
deveres específicos (presentes nas leis nº 10257/2001 e 12.608/2012) de
atuação do Estado na gestão de riscos de desastres naturais.
O quarto capítulo versa sobre responsabilidade civil, iniciando com uma
introdução aos aspectos gerais do tema, para posteriormente discutir-se os
pontos mais polêmicos do instituto.
No derradeiro capítulo menciona-se as interferências dos princípios da
precaução e da prevenção em matéria de responsabilidade civil do Estado em
casos de desastres naturais.
Acredita-se que o presente estudo possa trazer importantes
contribuições para a comunidade acadêmica, tanto por versar sobre assunto
ainda pouco debatido como por não conseguir embora não esgotar o tema, o
que deixa espaço para futuras observações acerca de pontos cruciais da
responsabilização do Estado por danos oriundos dos impactos de fenômenos
naturais.

2. Os desastres naturais como a causa de danos socioambientais

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Os desastres naturais são responsáveis anualmente por consideráveis


prejuízos para a humanidade, que subdividem-se em danos patrimoniais
(destruição de residências por deslizamentos, por ex.) e extrapatrimoniais
(óbitos, enfermidades, ferimentos leves e graves, por ex.).
A elevação da incidência de desastre naturais em todo o planeta fez com
que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD os
elencasse no Relatório de Desenvolvimento Humano 2014 como uma das seis
principais ameaças ao desenvolvimento.
No Brasil o Decreto 7.257/2010 definiu desastres em seu artigo 2º, inciso
II, como “resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem
sobre um ecossistema vulnerável, causando danos humanos, materiais ou
ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais”. (BRASIL, 2010)
O Instituto de Pesquisas Espaciais conceituou desastres naturais como
“o resultado de eventos adversos que causam grandes impactos na sociedade
[...] são causados pelo impacto de um fenômeno natural de grande intensidade
sobre uma área ou região povoada, podendo ou não ser agravado pelas
atividades antrópicas”. (BRASIL, 2007, p.5)
O Ministério da Integração, na Política Nacional de Defesa Civil de 2007
determinou que os desastres naturais “são aqueles provocados por fenômenos
e desequilíbrios da natureza. São produzidos por fatores de origem externa que
atuam independentemente da ação humana.” (BRASÍLIA, 2007)
Diversos fenômenos naturais podem ser responsáveis por impactos que
resultem em danos materiais, humanos e ambientais, como as enchentes,
terremotos, avalanches, seca, deslizamentos de terra, tsunamis, furacões,
erupções vulcânicas, vendavais, entre outros.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais catalogou os tipos de
fenômenos naturais mais recorrentes em todos os continentes e no Brasil:

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Gráfico 1 – Distribuição por continente dos desastres naturais


ocorridos no globo (1900-2006)
Legenda: IN – inundação, ES – escorregamento, TE – tempestade,
SE – seca, TX – temperatura extrema, IF – incêndio florestal, VU –
vulcanismo, TR – terremoto e RE - ressaca.
Fonte: (BRASIL, 2007, p.7)

Gráfico 2 – Tipos de Desastres Naturais ocorridos no Brasil (1900-


2006)
Legenda: IN – inundação, ES – escorregamento, TE – tempestade,
SE – seca,
TX – temperatura extrema, IF – incêndio florestal, TR – terremoto.
Fonte: (BRASIL, 2007, p.8)

Percebe-se pela leitura do gráfico 2 que as inundações,


escorregamentos de terra e tempestades são os eventos naturais responsáveis
por desastres mais recorrentes no Brasil.
Os fenômenos naturais devido à sua força e imprevisibilidade (muito
mitigada pelo avanço tecnológico) possuem grande poder de destruição,
ocasionando os mais variados danos à população.
O Ministério da Integração, por intermédio do Centro Nacional de
Gerenciamento de Riscos e Desastres elaborou o Anuário Brasileiro de

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Desastres Naturais relativos aos anos de 2011 e 2012, em que se verificaram


quais são os fenômenos naturais responsáveis pelos maiores danos à
população brasileira.

Tabela 1: Danos Humanos por Tipo de Evento de Desastre - 2011


Fonte: (BRASIL, 2012, p.33)

Tabela 2: Danos Humanos por tipo de Evento de Desastre – 2012


Fonte: (BRASIL, 2013, p.33)

Nota-se pela análise das tabelas dos Anuários Brasileiros de Desastres


Naturais de 2011 e de 2012 que os fenômenos naturais causadores de maiores
danos à sociedade são as inundações, enxurradas e deslizamentos de
terra/movimentos de massa. Apenas no que tange aos óbitos e aos
desabrigados, no biênio 2011/2012 as inundações foram responsáveis por 93
óbitos e 101.685 desabrigados, as enxurradas foram responsáveis por 544
óbitos e 101.601 desabrigados e os deslizamentos de terra/movimentos de
massa foram responsáveis por 498 óbitos e 8.357 desabrigados.

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Há que se mencionar que os danos provocados por fenômenos naturais


são potencializados por alguns fatores antrópicos, que aumentam a
vulnerabilidade de um determinado local ou comunidade aos impactos
resultantes dos mesmos.
Delton Winter de Carvalho e Fernanda Dalla Libera Damacena citam 5
fatores de potencialização dos riscos e custos dos desastres na sociedade
contemporânea, quais sejam: condições econômicas modernas; mudanças
climáticas; destruição de infraestrutura verde e construída; crescimento
populacional e tendência demográfica; e decisões acerca da ocupação do solo.
(CARVALHO; DAMACENA, 2013) Em estudo denominado “Mapa mental das
enchentes urbanas” a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ
identificou como os maiores responsáveis por tais fenômenos a
impermeabilização do solo e a disposição inadequada de resíduos sólidos, o
que se encaixa na destruição da infraestrutura verde, citada por Carvalho e
Damascena. (UFRRJ, 2014)
É notório que a destruição das infraestruturas verdes e construídas, as
mudanças climáticas e as decisões acerca da ocupação do solo são matérias
de nítido caráter ambiental (destruição das infraestruturas verdes e mudanças
climáticas) e urbanístico (destruição das infraestruturas construídas e decisões
acerca da ocupação do solo), o que demonstra a necessidade de se conhecer
as competências do poder público nessas esferas para a averiguação de
eventual responsabilização pelos danos ocorridos em desastres naturais.

2.1 A relação entre a urbanização brasileira e a vulnerabilidade


socioambiental dos centros urbanos

A urbanização brasileira ocorreu em um curto período de tempo e foi


marcada por uma grande explosão demográfica.
Conforme ensinamentos de Milton Santos, em 1920 a população total do
Brasil era de 27.500.000 habitantes, sendo que 16,55% desses residiam em
áreas urbanas. Nos cinquenta anos posteriores a população total do país
triplicou, enquanto a população urbana aumentou 13 vezes de tamanho.
(SANTOS, 2005)

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O grande aumento da população urbana, todavia não foi acompanhado


de políticas públicas de habitação e saneamento básico, o que resultou em
ocupações irregulares em encostas de morros, beiras de rios e estradas e
loteamentos clandestinos, todos desprovidos de serviços básicos como energia
elétrica, calçamento, entre outros, que desencadearam no fenômeno conhecido
como favelização.
Luiz Paulo Conde afirma que “a ausência do poder público,
extremamente burocratizado e elitizado contribuiu para estimular o processo de
favelização das cidades”. (CONDE, 1992, p.15)
De fato a população de baixa renda, desprovida de recursos para
adquirir sua casa própria, na busca desesperada por moradia se instalou em
locais vulneráveis às intempéries da natureza, grande parte das vezes
distantes dos bairros centrais providos de infraestrutura, mas capazes de
possibilitar mão de obra para as cidades, o que atendia o interesse da elite,
que possuía oferta de mão de obra barata e não tinha que habitar próxima aos
seus empregados.
Nesse sentido Raquel Rolnik defende a existência de um apartheid que
dividiu as cidades brasileiras em centro e periferias. Aduz a autora que:

O “centro” é o ambiente dotado de infraestrutura completa, onde


estão concentrados o comércio, os serviços e os equipamentos
culturais; e onde todas as residências de nossa diminuta classe
média têm escritura devidamente registrada em cartório. Já a
“periferia” é o lugar feito exclusivamente de moradias de pobres,
precárias, eternamente inacabadas, e cujos habitantes raramente têm
documentos de propriedade. (ROLNIK, 1997, p.200-201)

Importa mencionar que embora muitos autores atribuam a


desorganização da urbanização brasileira à ausência de planejamento do
poder público, Raquel Rolnik e Edésio Fernandes afirmam que foi justamente
esse planejamento o grande responsável pelo modo como ela transcorreu:

São usuais, nos momentos em que voltam à mídia os dramas da


“periferia” e das “favelas”, as análises que culpam o Estado por não
ter planejado, por não ter políticas habitacionais ou mesmo por ter “se
ausentado”. Entretanto é flagrante o quanto o planejamento, a
política habitacional e de gestão do solo urbano tem contribuído
para construir este modelo de exclusão territorial. (ROLNIK, 1997,
p.200-201, grifo nosso)

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Aqueles municípios que fizeram algum esforço de planejamento


urbano fizeram-no de forma a desconsiderar as realidades
socioeconômicas das cidades, reservando para os pobres os lugares
fora das áreas do mercado, tais como áreas públicas ou
ambientalmente inadequadas à presença humana. (FERNANDES,
2006, p.17)

Mariza Rios assevera que em razão de existirem pessoas que moram


em locais perigosos, como encostas e beira de rios, “o advento do período
pluvial é preocupante em várias regiões. Deixa sem dormir várias famílias e
acaba sepultando, em pleno século XXI, inúmeras pessoas.” (RIOS, 2012,
p.124)
Indubitavelmente o processo de urbanização brasileiro proporcionou a
exposição da população dos grandes centros (especialmente a população com
poder aquisitivo) a riscos de desastres naturais, que conforme mencionado
supra vem se concretizando nos últimos anos e provocando vultuosos danos
materiais e humanos à população.

3. Competências constitucionais do Estado em matérias ambiental e


urbanística

A Constituição da República de 1988 estabeleceu uma série de


competências em matéria ambiental e urbanística a serem exercidas pelo
Estado, por meio dos entes federados.
Ressalte-se o caput do artigo 225 o qual impõe ao Poder Público e à
coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente
equilibrado para as presentes e futuras gerações.
Nota-se que o poder público citado no caput do artigo 225 engloba todos
os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), os três
poderes (judiciário, legislativo e executivo), as autarquias, empresas públicas,
entre outros.
O dever de proteger o meio ambiente possui intrínseca relação com os
desastres naturais, ao passo que a destruição das infraestruturas verdes e as
mudanças climáticas (alteração do meio ambiente natural) são fatores de

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vulnerabilização das comunidades aos impactos provenientes de fenômenos


naturais.
No que tange ao meio ambiente a CR/88 determina, no que se refere à
competência legislativa, que compete à União, aos Estados e ao Distrito
Federal legislar concorrentemente sobre florestas, caça, pesca, fauna,
conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do
meio ambiente e controle da poluição; proteção ao patrimônio histórico,
cultural, artístico, turístico e paisagístico; responsabilidade por dano ao meio
ambiente; e ao Município legislar sobre assuntos de interesse local.
Com relação à competência administrativa, a CR/88 atribui competência
comum a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para
proteger bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as
paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; proteger o meio
ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; preservar as
florestas, a fauna e a flora.
As florestas, mangues, matas ciliares, topos de morros, áreas
permeáveis, vegetações de encostas de morros são infraestruturas naturais
que prestam serviços ecossistêmicos à comunidade que mitigam os riscos de
desastres naturais. A proteção do meio ambiente, combate a poluição e
preservação da flora são competências de todos os entes federados, que se
não observadas resultarão na destruição das infraestruturas naturais e em
mudanças climáticas que favorecerão exponencialmente a ocorrência de
desastres. Referidos entes federados, se comprovado que a destruição das
infraestruturas naturais contribuiu para a ocorrência de um desastre natural,
deverão ser responsabilizados civilmente, em respeito ao disposto nos artigos
225, §3º e 37, §6º.
Relativamente à matéria urbanística indubitavelmente foi o Município o
eleito pela CR/88 para deter as maiores competências. O artigo 30, inciso VIII
determina que compete ao Município a promoção do adequado ordenamento
territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da
ocupação do solo urbano. O artigo 182 estabelece que a política de
desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme
diretrizes gerais fixadas em lei têm por objetivo ordenar o pleno

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desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus


habitantes.
Quando os responsáveis pela ocorrência de desastres naturais forem
justamente fatores urbanísticos como a desordenada ocupação do solo,
indispensável será a responsabilização do ente municipal, visto que a esse
cabe promover o adequado ordenamento do solo urbano de modo a
proporcionar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem
estar de seus habitantes, o que não coaduna com a exposição a riscos de
morte e de danos patrimoniais.

4. Deveres do Estado na ordenação do território urbano e na prevenção


de desastres naturais

A Constituição da República de 1988 atribuiu algumas competências ao


Estado no que concerne à ordenação do território urbano, principalmente à
União e aos Municípios.
A legislação infraconstitucional encarregou-se de delimitar os deveres do
Estado na ordenação do território urbano e na prevenção de desastres
naturais, mais precisamente na Lei nª 10.257/2001, vulgarmente conhecida
como Estatuto da Cidade e na Lei nº 12.608/2012 que instituiu a Política
Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC.
O Estatuto da Cidade estabelece como diretrizes da política urbana o
planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da
população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua
área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento
urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente (efeitos negativos
esses dentre os quais se destacam a criação de áreas potencialmente sujeitas
a risco de desastres naturais e o aumento da vulnerabilidade das áreas de
risco já existentes). Determina também a ordenação e controle do uso do solo,
de forma a evitar a exposição da população a riscos de desastres; a proteção,
preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do
patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico, o que se
concretizado manteria os serviços ecossistêmicos das infraestruturas naturais

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existentes e consequentemente minimizaria o potencial destruidor dos


impactos oriundos dos fenômenos naturais.
A lei 10.257/2001 atribuiu a União a competência para, entre outros
assuntos de interesse da política urbana, “legislar sobre normas gerais de
direito urbanístico; legislar sobre normas para a cooperação entre a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios em relação à política urbana, tendo
em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional;
promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, programas de construção de moradias e a melhoria
das condições habitacionais e de saneamento básico; instituir diretrizes para o
desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes
urbanos; elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do
território e de desenvolvimento econômico e social”. (BRASIL, 2001)
No que tange à atuação municipal na ordenação do território urbano, o
Estatuto das Cidades reitera a Constituição da República ao determinar ao
Município a elaboração do Plano Diretor, instrumento básico da política de
desenvolvimento e expansão urbana.
A Lei 12.608/2012 alterou o Estatuto da Cidade e incluiu a
obrigatoriedade do plano diretor para as cidades incluídas no cadastro nacional
de Municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande
impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos
correlatos. O plano diretor das cidades incluídas no cadastro em tela devera
conter “mapeamento contendo as áreas suscetíveis à ocorrência de
deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos
geológicos ou hidrológicos correlatos; planejamento de ações de intervenção
preventiva e realocação de população de áreas de risco de desastre; medidas
de drenagem urbana necessárias à prevenção e à mitigação de impactos de
desastres; identificação e diretrizes para a preservação e ocupação das áreas
verdes municipais, quando for o caso, com vistas à redução da
impermeabilização das cidades”. (BRASIL, 2012)
Nota-se a preocupação com a manutenção das infraestruturas naturais,
no caso com a permeabilidade do solo.

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No artigo 42-B o Estatuto da Cidade determina aos municípios que


pretenderem expandir seu perímetro urbano, que delimitem os trechos com
restrições à urbanização e os trechos sujeitos a controle especial em função de
ameaça de desastres naturais, mais uma medida municipal a fim de prevenir
futuros riscos.
A Lei 12.608/2012 vulgarmente conhecida como Lei da Política Nacional
de Proteção e Defesa Civil inovou o ordenamento jurídico brasileiro aos inserir
regras específicas sobre gestão de desastres. Determina referida lei que é
dever da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios adotar as
medidas necessárias à redução dos riscos de desastre, sendo que a incerteza
quanto ao risco de desastre não constituirá óbice para a adoção das medidas
preventivas e mitigadoras da situação de risco. Percebe-se claramente a opção
pelo princípio da precaução pela legislação em análise.
A PNPDEC abrange as ações de prevenção, mitigação, preparação,
resposta e recuperação voltadas à proteção e defesa civil, havendo, no
entanto, a opção pela prioridade às ações preventivas relacionadas à
minimização de desastres.
Os objetivos da PNPDEC são elencados no artigo 5º, incisos I a XV,
quais sejam:

I - reduzir os riscos de desastres;


II - prestar socorro e assistência às populações atingidas por
desastres;
III - recuperar as áreas afetadas por desastres;
IV - incorporar a redução do risco de desastre e as ações de proteção
e defesa civil entre os elementos da gestão territorial e do
planejamento das políticas setoriais;
V - promover a continuidade das ações de proteção e defesa civil;
VI - estimular o desenvolvimento de cidades resilientes e os
processos sustentáveis de urbanização;
VII - promover a identificação e avaliação das ameaças,
suscetibilidades e vulnerabilidades a desastres, de modo a evitar ou
reduzir sua ocorrência;
VIII - monitorar os eventos meteorológicos, hidrológicos, geológicos,
biológicos, nucleares, químicos e outros potencialmente causadores
de desastres;
IX - produzir alertas antecipados sobre a possibilidade de ocorrência
de desastres naturais;
X - estimular o ordenamento da ocupação do solo urbano e rural,
tendo em vista sua conservação e a proteção da vegetação nativa,
dos recursos hídricos e da vida humana;
XI - combater a ocupação de áreas ambientalmente vulneráveis e de
risco e promover a realocação da população residente nessas áreas;

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XII - estimular iniciativas que resultem na destinação de moradia em


local seguro;
XIII - desenvolver consciência nacional acerca dos riscos de desastre;
XIV - orientar as comunidades a adotar comportamentos adequados
de prevenção e de resposta em situação de desastre e promover a
autoproteção; e
XV - integrar informações em sistema capaz de subsidiar os órgãos
do SINPDEC na previsão e no controle dos efeitos negativos de
eventos adversos sobre a população, os bens e serviços e o meio
ambiente. (BRASIL, 2012)

Para alcançar os objetivos propostos a Lei 12.608/2012 distribuiu


algumas competências aos entes federados.
Dentre os deveres estipulados pela PNPDEC para a União, destacam-se
a promoção de estudos referentes às causas e possibilidades de ocorrência de
desastres de qualquer origem, sua incidência, extensão e consequência; o
apoio aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios no mapeamento das
áreas de risco, nos estudos de identificação de ameaças, suscetibilidades,
vulnerabilidades e risco de desastre e nas demais ações de prevenção,
mitigação, preparação, resposta e recuperação; a instituição e manutenção de
sistema de informações e monitoramento de desastres; a instituição e
manutenção cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à
ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou
processos geológicos ou hidrológicos correlatos; a instituição e manutenção
sistema para declaração e reconhecimento de situação de emergência ou de
estado de calamidade pública; a instituição do Plano Nacional de Proteção e
Defesa Civil; a realização do monitoramento meteorológico, hidrológico e
geológico das áreas de risco, bem como dos riscos biológicos, nucleares e
químicos, e a produção de alertas sobre a possibilidade de ocorrência de
desastres, em articulação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
(BRASIL, 2012)
Aos Estados compete instituir o Plano Estadual de Proteção e Defesa
Civil; identificar e mapear as áreas de risco e realizar estudos de identificação
de ameaças, suscetibilidades e vulnerabilidades, em articulação com a União e
os Municípios; realizar o monitoramento meteorológico, hidrológico e geológico
das áreas de risco, em articulação com a União e os Municípios; apoiar a
União, quando solicitado, no reconhecimento de situação de emergência e

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estado de calamidade pública; apoiar, sempre que necessário, os Municípios


no levantamento das áreas de risco, na elaboração dos Planos de
Contingência de Proteção e Defesa Civil e na divulgação de protocolos de
prevenção e alerta e de ações emergenciais. (BRASIL, 2012)
Os Municípios foram incumbidos de identificar e mapear as áreas de
risco de desastres; promover a fiscalização das áreas de risco de desastre e
vedar novas ocupações nessas áreas; declarar situação de emergência e
estado de calamidade pública; vistoriar edificações e áreas de risco e
promover, quando for o caso, a intervenção preventiva e a evacuação da
população das áreas de alto risco ou das edificações vulneráveis; organizar e
administrar abrigos provisórios para assistência à população em situação de
desastre, em condições adequadas de higiene e segurança; manter a
população informada sobre áreas de risco e ocorrência de eventos extremos,
bem como sobre protocolos de prevenção e alerta e sobre as ações
emergenciais em circunstâncias de desastres; prover solução de moradia
temporária às famílias atingidas por desastres. (BRASIL, 2012)
Percebe-se que as competências mais importantes com relação à
prevenção de desastres são destinadas à União e principalmente ao Município,
como o mapeamento e fiscalização das áreas de risco e a realocação das
pessoas residentes em áreas de alto risco ou em edificações vulneráveis. Se
os danos ocorridos nos desastres naturais resultarem da omissão estatal nas
tarefas impostas pela PNPDEC e pelo Estatuto das Cidades, necessária será a
averiguação de responsabilidade civil, razão pela qual, passar-se-á ao estudo
do referido instituto.

5. Aspectos gerais da responsabilidade civil

A palavra responsabilidade tem sua origem no latim responsus, do verbo


respondere que significa responder, pagar, designando uma ideia de reparar,
recuperar, restituir ou ressarcir. (LEITE; AYALA, 2010)
Conceitualmente Silvio Rodrigues aduz que a responsabilidade civil é a
“obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a
outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”,

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denotando uma clara intenção por parte do instituto do dever de se impor ao


causador de um dano o dever de repará-lo ao prejudicado. (RODRIGUES,
2008, p.6)
A responsabilidade civil origina-se de duas fontes, quais sejam, o
contrato ou a lei. A responsabilidade civil contratual é aquela que deriva do
descumprimento de um acordo de vontade pactuado pelas partes, nessa
modalidade há um vínculo jurídico entre o causador do dano e a vitima
resultante de um negócio jurídico. Já a responsabilidade civil extracontratual ou
aquiliana fundamenta-se na inobservância da lei, “na responsabilidade
extracontratual, o agente infringe um dever legal” e como consequência
provoca um dano a outrem. (GONÇALVES, 2007, p.21)
A responsabilidade civil subdivide-se em subjetiva e objetiva. A
responsabilidade civil subjetiva, também denominada de “teoria da culpa” utiliza
como fundamento da obrigação de reparar o dano a culpa lato sensu (dolo ou
culpa, essa designada pela negligência, imprudência ou imperícia) do agente.
Conforme aduz Clarisse Ferreira Jardim “a culpa é pressuposto decisivo,
determinante, para a caracterização desta espécie de responsabilidade civil”,
que possui como elementos essenciais a conduta comissiva ou omissiva
dotada de dolo ou culpa por parte do agente, o dano suportado pela vítima e o
nexo de causalidade entre referida conduta e o citado dano. (JARDIM, 2010,
p.63)
No que tange à responsabilidade objetiva, essa caracteriza-se pela
dispensa da culpa para a sua incidência. A responsabilidade civil objetiva
possui como elementos essenciais a conduta omissiva ou comissiva, o dano e
o nexo de causalidade.

5.1 Responsabilidade civil estatal

A responsabilidade civil incide no ordenamento jurídico brasileiro sobre


os particulares, pessoas físicas e jurídicas e sobre o Estado, este representado
pelas pessoas jurídicas de direito público interno: entes federativos, autarquias,
demais entidades de caráter público criadas por lei.

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Yussef Cahali sustenta que a responsabilidade civil do Estado é a


obrigação legal que lhe é imposta “de ressarcir os danos causados a terceiros
por suas atividades.” (CAHALI, 2007, p.13)
A responsabilidade civil estatal rege-se pelo caráter objetivo conforme
exposto no artigo 37, §6 da CR/88:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos


Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito
de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
(BRASIL, 2009)

Reiterando a opção constitucional pela responsabilidade civil objetiva do


Estado, o artigo 43 do Código Civil de 2002 determina que:

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente


responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade
causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os
causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
(BRASIL, 2002)

Ocorre que a responsabilização objetiva do Estado é recente, ao longo


dos anos sucederam-se diversas alterações no que concerne à
responsabilidade civil do Estado, como demonstrar-se-á a seguir.

5.1.1 Evolução da responsabilidade civil estatal

A responsabilidade civil do Estado sofreu diversas alterações ao longo


dos séculos, passando da irresponsabilidade absoluta a responsabilidade
subjetiva e finalmente a responsabilidade objetiva.
Nos Estados absolutistas na primeira metade do século XIX foi criada a
teoria da irresponsabilidade absoluta do Estado, também conhecida como
responsabilidade feudal, regalista ou regaliana. Essa teoria era baseada na
ideia de soberania estatal e “confirmava a autoridade incontestável do ente
perante os administrados, sendo inconcebível o Estado aparecer como

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transgressor, posto que este era o próprio direito organizado”. (JARDIM, 2010,
p.63) Nesse contexto os atos ilícitos praticados por funcionários públicos no
exercício da função eram tidos como atos praticados em nome próprio,
ensejando exclusivamente a responsabilidade pessoal dos mesmos.
Na segunda metade do século XIX surge a teoria civilista, na qual a
responsabilidade civil do Estado tinha como pressuposto uma ação culposa
dos funcionários públicos. Caso ausente o elemento culpa não havia que se
falar em responsabilidade civil estatal.
A teoria civilista da responsabilidade civil estatal esteve presente no
Código Civil de 1916 e nas Constituições de 1934 e 1937, até que em 1946 a
Constituição adotou a responsabilidade civil objetiva para o Estado.
A teoria objetiva da responsabilidade civil do Estado baseia-se na
desnecessidade da ocorrência de culpa do agente público para a imputação da
obrigação de reparar o dano, bastando a presença de um comportamento, um
dano e o nexo de causalidade entre ambos.
A responsabilidade objetiva do estado foi adotada pela Constituição da
República de 1988 em seu artigo 37, §6 e pelo Código Civil em seu artigo 43,
conforme já citado, porém os dispositivos em tela não demonstram claramente
se tal modalidade de responsabilidade estende-se também aos danos
resultados da omissão do Estado.

5.1.2 Responsabilidade do Estado por omissão

A responsabilidade civil estatal pode ocorrer em casos de ação ou


omissão. No que concerne à responsabilidade derivada de conduta comissiva a
doutrina é pacífica em aceitar a responsabilidade objetiva, variando apenas
quanto à modalidade, risco administrativo ou risco integral. Já no que tange à
responsabilidade civil em casos de omissão do Estado existe divergência
doutrinária quanto ao caráter subjetivo ou objetivo da responsabilidade estatal.
Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que “é razoável que o Estado
responda objetivamente pelos danos que causou, mas só é razoável e
impositivo que responda pelos danos que não causou quando estiver de direito
obrigado a impedi-los”. (BANDEIRA DE MELLO, 2010, p. 1014)

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Se o Estado não agiu, não pode ser autor do dano. E se não foi o
autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o
dano, isto é, no caso de descumprimento de um dever legalmente
imposto. Logo, a responsabilidade por ato omissivo do Estado seria
sempre responsabilidade por um ato ilícito proveniente de
negligencia, imprudência ou imperícia (culpa), o que remete à
responsabilização com base na teoria da responsabilidade subjetiva.
Nesse caso, a responsabilidade Estatal não restaria configurada
apenas pela demonstração da ausência do serviço e o dano sofrido,
dependendo da imposição legal de atuação Estatal naquela
circunstância, sob pena de excessiva e abusiva punição. (BANDEIRA
DE MELLO, 2010, p. 1014)

De fato não é razoável exigir do Estado que indenize alguém por dano
resultante da abstenção de uma atividade que não lhe incumbia realizar,
consequentemente, se o Estado for responsabilizado por deixar de fazer algo
que por exigência legal deveria fazer haverá indiscutivelmente culpa, seja por
negligência, imprudência ou imperícia.
Respeitável parte da doutrina, no entanto, defende a responsabilidade
objetiva nos casos de omissão estatal, como Hely Lopes Meirelles e José de
Aguiar Dias.
Os elementos da responsabilidade civil por omissão estatal são a
omissão do Estado em realizar dever legalmente lhe atribuído e o dano
provocado a outrem decorrente desta omissão. Verificados ambos os
elementos terá caracterizada a responsabilidade civil do Estado por omissão.
Há que se ressaltar as duas modalidades de omissão citadas pela
doutrina, quais sejam, omissão genérica e omissão específica.
A omissão genérica decorre do mero dever legal do Poder Público de
fazer algo, independentemente da existência de uma possibilidade efetiva de
concretização deste dever. É o que ocorre com o dever do Estado de proteger
o meio ambiente.
Quanto à omissão específica, entende-se essa como aquela que se
concretiza quando o Estado diante de uma possibilidade fática de atuação, em
que deve agir de modo a evitar ou prevenir o dano, deixa de fazê-lo, como
acontece quando em uma fiscalização que se constate a existência de pessoas
residindo em áreas de risco muito alto de deslizamentos, deixa de realocá-los
conforme determina a lei 12.608/2012.

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5.2 Responsabilidade civil em matéria ambiental e a omissão estatal nos


casos de desastres naturais

A Lei nº 6.938/1981 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente


reservou artigo próprio para a responsabilidade civil em matéria ambiental,
estabelecendo que os responsáveis por danos ao meio ambiente, sejam eles
particulares ou o poder público, terão que indenizá-los independentemente de
culpa.
O artigo 14, § 1º do referido diploma determina:

Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação


federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas
necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos
causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os
transgressores:
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo,
é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a
indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a
terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e
dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade
civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. (BRASIL,
1981)

Percebe-se que na seara ambiental vigora a responsabilidade civil


objetiva, sendo que os danos causados ao meio ambiente deverão ser
reparados independentemente de culpa do degradador.
Quando o Estado for o causador do dano ambiental a responsabilidade
objetiva possui dupla fundamentação, tanto no que concerne à
responsabilidade civil estatal, de caráter objetivo como já visto, quanto pela
responsabilidade civil objetiva em matéria ambiental.
É notório que os danos provocados por desastres naturais possuem
considerável contribuição do Estado, por meio da sua omissão no dever de
ordenar adequadamente o solo urbano; fiscalizar as áreas de risco a fim de
evitar a continuidade da sua ocupação; realocar a população residente em área
de alto risco; impedir a retirada das matas ciliares, de encostas e topos de
morros; promover adequado sistema de drenagem de aguas pluviais; evitar a

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impermeabilização excessiva do solo; entre outros deveres de prevenção a


desastres naturais já citados em capítulo próprio.
Todos esses deveres estatais estão previstos nas Leis 10.257/2001
(Estatuto da Cidade) e 12.608/2012 (Política Nacional de Proteção e Defesa
Civil), a omissão desses deveres potencializa os impactos provenientes dos
fenômenos naturais, ocasionando diversos danos patrimoniais (destruição de
moradias e móveis domésticos, por exemplo) e extrapatrimoniais (óbitos,
enfermidades, ferimentos, entre outros), além dos danos ambientais como
destruição de matas ciliares, de vegetações de encostas e do assoreamento de
rios, que potencializarão futuros desastres naturais, formando um círculo
vicioso de potencialização de riscos.
É importante mencionar que não apenas o dano patrimonial e
extrapatrimonial ambiental deverão ser indenizados pelo poder público, mas
também os danos ao patrimônio privado e a esfera pessoal dos afetados,
resultantes dos fenômenos naturais e da inércia do poder público. Referidos
danos à esfera pessoal dos afetados decorrentes do dano ambiental são
denominados dano por ricochete e possuem o mesmo tratamento dispensado
ao dano ambiental no que concerne à responsabilização objetiva por sua
reparação.

5.3 Teoria do Risco Administrativo x Teoria do Risco Integral

A teoria objetiva da responsabilidade civil estatal subdivide-se em teoria


do risco administrativo e teoria do risco integral.
A possibilidade de afastamento da responsabilidade civil do Estado
mediante as excludentes do nexo causal consubstancia-se na maior diferença
entre a teoria do risco administrativo e a teoria do risco integral.
Para a teoria do risco integral a simples verificação do prejuízo sofrido
pelo administrado em consequência da conduta do poder público implica o
dever de reparação, não havendo qualquer possibilidade de exclusão do nexo
de causalidade. Conforme Carvalho “a teoria do risco integral [...] obriga a
reparação de todo e qualquer dano, não admitindo nenhuma causa de
excludente de responsabilidade”. (CARVALHO, DAMACENA, 2013, p.125)

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Cavalieri Filho aduz que “a teoria do risco administrativo importa em


atribuir ao Estado a responsabilidade pelo risco criado pela sua atividade
administrativa”. Segundo o autor “toda lesão sofrida pelo particular deve ser
ressarcida, independentemente de culpa do agente público que a causou. O
que se tem que verificar é, apenas, a relação de causalidade entre a ação
administrativa e o dano sofrido pelo administrado”. (CAVALIERI FILHO, 2010,
p.243)
Para Morato Leite e Patryck Ayala:

Entende-se por riscos criados, os produzidos por atividades e bens


dos agentes que multiplicam, aumentam ou potencializam um dano
ambiental. O risco criado tem lugar quando uma pessoa faz uso de
mecanismos, instrumentos ou de meios que aumentam o perigo de
dano. Nestas hipóteses, as pessoas que causaram dano respondem
pela lesão praticada, devido à criação de risco ou perigo, e não pela
culpa. (LEITE; AYALA, 2010, p.132)

Carvalho e Damacena asseveram que a teoria do risco administrativo


permite ao Estado afastar sua responsabilidade nos casos de exclusão do nexo
causal entre sua conduta e o dano, mediante as excludentes de fato exclusivo
da vítima, caso fortuito e força maior e fato exclusivo de terceiro. (CARVALHO,
DAMACENA, 2013)
Em razão de não conceber-se a caracterização do Estado como um
garantidor universal admite-se ao mesmo eximir-se da responsabilidade de
reparar o dano em casos de excludentes de ilicitude como a culpa exclusiva da
vítima. Com relação ao fato exclusivo de terceiro e ao caso fortuito e força
maior importante tecer alguns comentários.
Primeiramente cabe distinguir caso fortuito e força maior. Embora não
haja consenso na doutrina com relação à conceituação de ambos, entende-se
por força maior o evento externo ao serviço público, decorrente de fato natural,
tendo como pressupostos a irresistibilidade e a exterioridade e eventualmente a
imprevisibilidade. Com relação ao caso fortuito esse ocorre quando do
acontecimento de evento imprevisível interno ao funcionamento da atividade
estatal que seja imprevisível e inevitável.
Nos casos de desastres naturais é recorrente a arguição de força maior
por parte do Estado para imiscuir-se da responsabilidade de reparar os danos.

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Ocorre que com o avanço da tecnologia os fenômenos naturais são cada vez
mais previsíveis e como anualmente a intensidade desses fenômenos vem se
acentuando, é provável que eventos mais intensos do que os já ocorridos
venham a acontecer, e consequentemente provoquem danos mais intensos
dos que os até então já verificados. Nesses casos acredita-se que apenas
aqueles eventos que a ciência não possua meios de prevenção (inevitáveis,
irresistíveis) sejam capazes de provocar a exclusão do nexo de causalidade
por omissão estatal, como, por exemplo, a queda de um meteoro ou um
incêndio florestal provocado pela queda de um raio, visto que mesmo com a
ciência da queda de um meteoro ou da ocorrência de uma tempestade de
raios, não existem mecanismos capazes de impedir os impactos provocados
por tais fenômenos.
No que tange à ocorrência de casos fortuitos (morte em massa de
agentes de defesa civil ou incêndio em galpão de suprimentos) que impeçam o
cumprimento das obrigações legais em casos de desastres por parte do
Estado, acredita-se que o mesmo não poderá eximir-se da responsabilidade de
reparação dos danos em virtude do princípio da eficiência da atuação estatal,
previsto no caput do artigo 37 da CR/88, do qual se depreende que o Estado
deve possuir um aparato capaz de arcar com eventuais adversidades
decorrentes de sua estrutura interna.
No caso da excludente fato exclusivo de terceiro, defende-se que como
o Estado tem o dever constitucional de proteger e preservar o meio ambiente,
não pode permitir que determinada pessoa o deteriore a ponto de provocar
danos a outrem. Caso isso ocorra ao Estado caberá indenizar a vítima, em
razão de sua omissão na fiscalização do comportamento degradador alheio e
de seu grande poder econômico, restando o direito de regresso contra o
terceiro causador do dano.
Percebe-se então que em casos de desastres naturais, apenas a culpa
exclusiva da vítima e eventualmente a força maior serão aptos a excluir o nexo
de causalidade entre a omissão estatal e o dano causado, visto que o avanço
da tecnologia e a probabilidade de fenômenos naturais cada vez mais intensos
eliminam a possibilidade de exclusão por força maior em grande parte dos
casos e o dever genérico de proteger o meio ambiente e promover o direito de

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todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado extirpa a possibilidade de


afastamento da responsabilidade nos casos de fato exclusivo de terceiro.
Importante mencionar que o nexo de causalidade entre a conduta
omissiva ou comissiva do Estado e o dano decorrente dos impactos
provocados por eventos adversos é indispensável, ou seja, deve ser
demonstrado que referido comportamento comissivo ou omissivo do Estado
potencializou o poder destruidor dos fenômenos naturais. Ocorre que como o
poder público possui notoriamente mais meios de produção de provas, a mera
verossimilhança do alegado pelos afetados deve ser apta a provocar a inversão
do ônus da prova em face do Estado, de modo a proporcionar uma relação
mais equânime entre a Administração e o administrado.

6. A complexidade do nexo causal em matéria ambiental e a Teoria da


Probabilidade

Não obstante o Estado responda pelos danos causados por sua inércia,
mesmo que esses tenham ocorrido não exclusivamente em decorrência dela,
demonstrar o nexo de causalidade entre a ausência de conduta estatal e o
dano não é tarefa fácil.
A prova do nexo de causalidade entre a omissão estatal e o dano
ecológico (esse incluindo o dano ambiental ou ecológico puro e o dano à esfera
pessoal do afetado ou dano por ricochete) não é simples, em razão da
cumulatividade e da extensão temporal dos fatores desencadeadores do dano.
A fim de evitar a irresponsabilidade por danos ambientais nos casos em
que não há certeza científica de quem e em que proporção provocou o dano,
surgiu na Espanha a Teoria das Probabilidades, que trata-se de um
“instrumento hermenêutico destinado a facilitar a prova do nexo causal à
vítima”. (CARVALHO, 2013, p. 160)
Delton Winter de Carvalho assevera que a teoria das probabilidades é
sensível à complexidade e às incertezas científicas que permeiam os danos
ambientais, ao passo que determina que o legitimado ativo não terá que
demonstrar o nexo de causalidade com exatidão científica, mas que a sua
configuração se dará sempre que o juiz se convencer da existência de uma

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probabilidade determinante ou considerável da relação de causalidade entre a


atividade e o dano. (CARVALHO, 2013)
Em consonância com a teoria das probabilidades sustenta Canotilho:

Só existe responsabilidade civil se houver provada a existência de


uma relação causa-efeito entre o fato e o dano. Esta relação de
causalidade não tem que ser determinística, como uma relação
mecânica, mas deve ser uma causalidade probabilística. Considera-
se que um determinado fato foi a causa de um determinado dano se,
de acordo com as regras da experiência normal, aquele tipo de fato
for adequado a causar aquele tipo de dano. (CANOTILHO, 1998, p.
142)

A teoria das probabilidades apresenta-se extremamente útil para a


análise do nexo de causalidade dos danos ambientais decorrentes de
desastres naturais, nos quais busca-se a responsabilização do Estado pela
omissão dos seus deveres constitucionais de proteção do meio ambiente e
adequada ordenação do território urbano, e dos deveres legais estabelecidos
no Estatuto da Cidade e na PNPDEC.
Nesse aspecto mostrar-se-ia útil uma inversão no ônus da prova em face
do Estado, cabendo a esse demonstrar a ausência do nexo de causalidade
entre sua omissão e a concretização do dano, visto que o mesmo possui
poderes infinitamente maiores do que os particulares afetados, o que lhe
possibilita o maior acesso a meios de provar a ausência do nexo de
causalidade, proporcionando então um equilíbrio entre as partes. Essa inversão
do ônus da prova deve ocorrer apenas nos casos em que ficar demonstrada a
verossimilhança do alegado pelos afetados no que tange à omissão estatal
enquanto causa (ainda que concorrente) do dano sofrido.
Há que se mencionar que em casos de desastres naturais em que os
danos ocorridos atinjam a esfera do mínimo existencial do ser humano, não há
sequer que se perquirir o nexo de causalidade entre a omissão estatal e o dano
causado, vide que o Estado brasileiro fundamenta-se pela dignidade humana e
tem como objetivos a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução
das desigualdades sociais e regionais.
Nesse sentido Tiago Fernstenseifer:

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O Estado brasileiro, independentemente da sua responsabilização


pelos danos causados às vitimas de desastres naturais relacionados
às mudanças climáticas, diante do seu papel constitucional de
guardião dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa
humana, tem o dever de assegurar a todas as pessoas condições
mínimas de bem-estar (individual, social e ecológico). [...] O respeito
e a proteção à dignidade humana necessitam do engajamento
material do Estado, na medida em que a garantia da dignidade
humana pressupõe uma pretensão jurídica prestacional do indivíduo
ao mínimo existencial. [...] Sem o acesso a tais condições mínimas,
não há que se falar em liberdade real ou fática, quanto menos em um
padrão de vida compatível com a dignidade humana. A garantia do
mínimo existencial (social e ecológico) constitui-se, em verdade de
uma premissa ao próprio exercício dos demais direitos fundamentais,
sejam eles direitos de liberdade, direitos sociais ou mesmo direitos de
solidariedade, como é o caso do direito ao ambiente.
(FERNSTENSEIFER, 2010, p.18-20)

Como a maioria dos desastres naturais ocorridos no país incidem em


áreas ocupadas por populações de baixa renda, como favelas e aglomerações
ribeirinhas, em que os afetados perdem suas casas e objetos pessoais, ficando
muitas vezes completamente desamparados, em grande parte dos casos a
busca pelo nexo de causalidade entre a omissão estatal e o dano será
desnecessária ante a obrigação estatal de promoção do mínimo existencial,
que nesses casos, resultará na obrigação de reparação dos danos sofridos.

7. Conclusão

A Teoria do Risco Administrativo é consagrada teoria no concernente à


Responsabilidade Civil do Estado em matéria ambiental, por não conceber-se o
Estado como um garantidor universal, razão pela qual não se admite
juridicamente que o mesmo seja obrigado a reparar danos que não advieram
de sua atividade ou de eventual inadimplemento de suas obrigações.
Nos casos de danos ambientais decorrentes da omissão do Estado,
pugna-se pela responsabilização deste com base no critério subjetivo, visto que
só é razoável responsabilizar o Estado pela omissão de uma atividade que ele
está obrigado a fazer, o que já implica culpa, seja na modalidade negligência,
imperícia ou imprudência.
Em consequência da adoção do critério subjetivo para a
responsabilidade civil do Estado por omissão é indispensável a demonstração

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do nexo de causalidade entre o dano e a omissão estatal, o que nem sempre


será fácil, em razão do caráter cumulativo e multifacetado do dano ambiental.
Propõe-se, contudo, pela inexorável inversão do ônus da prova em desfavor do
Estado nas ações indenizatórias promovidas por vítimas de desastres naturais,
quando houver verossimilhança no alegado por essa (relativa ao nexo de
causalidade entre a conduta do Estado e o dano sofrido) visto que esse possui
maior acesso a mecanismos de prova, o que equilibra a relação processual
entre referidas partes, homenageando-se a distribuição dinâmica do onus
probandi e a isonomia entre as partes.
Nos casos de danos decorrentes de desastres naturais, em decorrência
do avanço tecnológico capaz de prever diversos fenômenos naturais, defende-
se que a exclusão do nexo de causalidade somente poderá ser ensejada em
casos extremos de força maior, quando a ciência ainda não tiver meio de evitar
o dano e nos casos de culpa exclusiva da vítima.
O caso fortuito (evento imprevisível interno ao funcionamento da
atividade estatal que seja imprevisível e inevitável) e o fato exclusivo de
terceiro não devem ser aptos a afastar a responsabilidade do Estado visto que
esse deve atuar com eficiência e possuir um aparato capaz de arcar com
eventuais adversidades decorrentes de sua estrutura interna e por possuir o
dever constitucional de proteger e preservar o meio ambiente, o que não
permite que abstenha-se de fiscalizar o comportamento das pessoas ao ponto
delas serem capazes de deteriorar o meio ambiente. Caso isso ocorra, ao
Estado caberá indenizar a vítima, em razão de sua omissão na fiscalização do
comportamento degradador alheio e de seu grande poder econômico, restando
o direito de regresso contra o terceiro causador do dano.

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