Vanessa Koetz
Vanessa Koetz
Vanessa Koetz
PUC-SP
Vanessa Koetz
São Paulo
2017
Vanessa Koetz
Da cidade das águas à cidade sem água: o regime jurídico das águas
e o Município de São Paulo
São Paulo
2017
Banca Examinadora
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Agradecimentos
Primeiramente, agradeço à minha mãe, meu pai e ao Gui, por terem apostado nessa
aventura e despenderem tempo, paciência e dinheiro para concretizar este sonho - de muitos
que virão...
Em segundo lugar, preciso agradecer ao José Correa Leite, por ter semeado a
possibilidade do mestrado na minha cabeça. Mas, também, por ter me convencido da
importância das questões ambientais - quando eu não tinha nenhuma paciência para o papo de
"salvar os bichinhos". Por ter apostado nisso junto comigo.
Confesso que, por diversas vezes, eu me questionei sobre ter te escutado, Zé, se essa
era uma atitude sensata, especialmente nos palpites e orientações que transformariam o meu
estudo em algo gigante, sem fim. Incentivada por você, na busca incessante pela totalidade
que compunha o problema, sempre achava que havia algo esquecido e que precisava ser
complementado. Talvez, seja esse o objetivo: se apaixonar pelo tema e não saber em que
momento parar.
É nesse momento que eu agradeço muito à minha orientadora, Daniela. Primeiro, pelo
fato de me ensinar que não se termina uma dissertação, uma tese, mas que se abandona - para
uma perfeccionista, essa é uma lição duríssima de se assimilar. Em segundo momento, por
confiar no meu trabalho, nos meus estudos, nas minhas potencialidades. Cresci muito na sua
companhia. Gratidão.
Agradeço a todas e todos os colegas do Instituto Pólis e do Instituto Brasileiro de
Direito Urbanístico que, nesses mais dez anos de Direito Urbanístico, contribuíram para o
despertar, para a teoria e para a prática contra as injustiças das cidades, convencendo,
cotidianamente, que outro mundo é possível. Henrique, amigo, muito obrigada.
Mari e Arlindo, foi uma alegria estudar e discutir com vocês sobre as plantinhas, as
pedrinhas e as agüinhas. Esses anos que caminhamos juntos foram imprescindíveis para o
amadurecimento das ideias.
Agradeço muito àquelas e aqueles que me ajudaram a embarcar e me manter nestes
anos desafiadores de mestrado, especialmente, ao Roberto e àquelas dez amadas, que já não
são mais dez (porque a família cresceu), mas que sabem quem são. Agatha, obrigada pelo
carinho e por me manter com os pés no chão a mais de 2.200km de distância.
Por fim, agradeço a todas e a todos que sonham, lutam e dividem as fileiras,
cotidianamente, comigo, insurgindo-se contra o que aí está.
Não posso deixar de agradecer ao Tostão, um amigo que a luta me trouxe, que, nesses
anos, esteve ao lado, apoiando, incentivando e acreditando que eu poderia mais (afinal, a
quantidade de tarefas que você me distribuiu durante estes anos, ainda que eu estivesse com
uma dissertação de mestrado, demonstram as suas altas expectativas e fortes crenças na minha
capacidade de ser, digamos, multifuncional. Rs).
Tostão e Zé, vocês são um grande encontro, uma dupla de mestres a qual eu tive o
prazer de arrodear.
Carlos, querido, obrigada por topar arrumar gramaticalmente e ortograficamente todo
este desafio na última hora. Por dar leveza e fluidez a palavras tão amargas.
Ainda, não consigo expressar em palavras o quanto estou feliz por concluir este ciclo,
por acreditar que conseguiria, e, da minha maneira, passar por cima dos medos, das
inseguranças e das ansiedades. Cheguei até aqui.
A todas as amigas e todos os amigos que não estão aqui citados, gratidão. Sem vocês
não seria possível esta travessia.
Resumo
São Paulo conheceu no ano de 2014 um colapso hídrico. Diante disso, haveria algo que o
Poder Público Municipal pudesse fazer para combater este colapso hídrico? O que poderia ter
feito o Poder Público Municipal para não se chegar a situação ambiental insustentável que
vive a cidade? O que poderá fazer o Poder Público Municipal para contribuir para o equilíbrio
ecológico ambiental, e também hídrico, da cidade e para reverter um século de destruição dos
ecossistemas nos quais a cidade foi erguida? São estas as questões que orientam a dissertação.
A fim de responde-las, primeiramente, percorremos a história de urbanização do Município de
São Paulo. Em seguida, percorremos a dimensão jurídica do regime das águas e do
ordenamento do solo no Brasil. No terceiro capítulo, situamos a problemática da água em
nível mundial e procedemos à investigação dos principais documentos internacionais
relacionados à segurança hídrica e ao direito à cidade. Por fim, procuramos compreender o
papel específico do Poder Executivo Municipal de São Paulo na gestão, preservação e
recuperação das águas, para fins de abastecimento da população paulistana, a partir do estudo
dos principais instrumentos normativos e políticas públicas da gestão dos recursos hídricos no
Estado de São Paulo e do ordenamento do solo urbano municipal.
Palavras-chave: São Paulo; colapso hídrico; direito urbanístico; direito das águas; direito à
cidade; segurança hídrica.
Abstract
São Paulo suffered in 2014 a water collapse. Given this, would there be something that the
Municipal Government could do to counter this water collapse? What could the Municipal
Government have done to avoid reaching the unsustainable environmental situation that the
city lives in? What can the Municipal Government do to contribute to the environmental and
also the ecological balance of the city and to reverse a century of destruction of the
ecosystems in which the city was erected? These are the questions that guide the dissertation.
In order to answer them, we first look at the urbanization history of the Municipality of São
Paulo. Next, we cover the juridical dimension of the water regime and soil management in
Brazil. In the third chapter, we situate the water problem worldwide and investigate the main
international documents related to water security and the right to the city. Finally, we seek to
understand the specific role of the Municipal Executive of São Paulo in the management,
preservation and recovery of water, for the purpose of supplying the population of São Paulo,
based on the study of the main normative instruments and public policies of water resources
management in the State of São Paulo and municipal urban land planning.
Keywords: São Paulo; water collapse; urban development law; water law; right to the city;
water security.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................11
2 DA CIDADE DAS ÁGUAS À CIDADE SEM ÁGUA: SÃO PAULO, UMA HISTÓRIA
DE COLAPSO HÍDRICO......................................................................................................14
6 CONCLUSÕES..................................................................................................................161
7 REFERÊNCIAS.................................................................................................................164
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1. INTRODUÇÃO
A água é um dos alicerces da cultura humana. Sua disponibilidade permitiu edificar as
primeiras civilizações (corretamente caracterizadas como ―hidráulicas‖) e sua falta foi
responsável por grandes tragédias e pelo colapso de impérios. A água é, com a alimentação e
um teto, uma das demandas ―bíblicas‖ da humanidade.
O fornecimento de água para as cidades passou a ser organizado, nas sociedades
modernas, através de sistemas técnicos sob a responsabilidade de governos de distintas
esferas, que a tratam como um bem comum ou como um serviço a ser vendido; governos
também terceirizam esses sistemas para empresas privadas ou mistas, que transformam a água
em mercadoria.
Todavia, a água não é uma mercadoria como outra qualquer, mas a necessidade
humana mais elementar, sem a qual a vida não pode existir. Assim, as grandes metrópoles,
desde Roma, transformaram o fornecimento de água em uma prioridade central de governo.
A cidade de São Paulo, que conheceu uma explosão de crescimento com a
industrialização no século XX, teve que expandir seus sistemas de abastecimento hídrico em
ritmo acelerado – o que não deveria se constituir em um problema maior dado que o Planalto
Paulista é cortado por inúmeros cursos d‘água e tem um regime pluvial de chuvas abundantes.
Esses sistemas se transformaram em um quebra-cabeças tecnocrático, do qual a
população tem pouco ou nenhum controle, nem mesmo conhecimento.
Em 2014, faltou água no Estado de São Paulo. Mais de 15,5 milhões de habitantes
(38% da população do estado) foram afetados pelos cortes de água (EL PAÍS, 2014). 70
municípios sofreram falta d‘água, sendo a cidade de São Paulo o principal deles.
A ausência de água na Metrópole (e no município de São Paulo) evidenciou um
colapso na gestão dos recursos hídricos. O sistema estava em crise há muito – cerca de 950
mil pessoas na Região Metropolitana de São Paulo (e cerca de 500 mil habitantes do
Município) sempre estiveram à margem do abastecimento formal (DINIZ; WHATELY,
2009), ou seja, desde sempre tiveram que "se virar" para ter acesso à água potável –, mas,
naquele momento, o problema afetava toda a população.
O colapso na gestão dos recursos hídricos do Estado evidenciava as consequências de
um modelo predatório de desenvolvimento, dominação e subjugação da natureza, que, mais
cedo ou mais tarde, acarretaria tragédias.
12
São Paulo cresceu em um planalto cortado por uma dessa bacia hidrográfica e está
em uma região bastante úmida (particularmente sua zona sul) - que fazia jus ao
proverbial epíteto de ‗São Paulo da garoa‘. Sobre a capital paulista precipita(va)m-se
chuvas originárias tanto da Amazônia, os rios voadores que ainda alimentam o
Pantanal, como do Oceano Atlântico, que caem no Planalto depois de as nuvens
carregadas de umidade se chocarem com os contrafortes da Serra do mar. Mas tudo
mudou radicalmente ao longo de um século de destruição dos fundamentos naturais
que permitiram São Paulo sobreviver por 350 anos. (LEITE, 2015, p. 8)
Esse trecho parece não condizer com a cidade atual a qual transitamos, uma enorme
mancha cinza, cortada por dois imensos esgotos a céu aberto os quais chamamos rios.
Ao que tudo indica, São Paulo é uma cidade para os carros, não para as pessoas. Mas,
nem sempre foi assim e a isso trataremos no presente capítulo. Vamos investigar como a
cidade das águas virou a cidade sem água.
A escolha do locus de São Paulo de Piratininga, além das condições climáticas mais
amenas e propícias para o cultivo de subsistência, foi determinada por sua condição
hidrológica. As águas, ao mesmo tempo em que serviriam para o consumo humano e animal,
plantio e higiene serviam de proteção natural às ameaças indígenas (SANTOS, 2011, p. 25).
O local onde se instalaram os jesuítas ficava a dez léguas do mar e duas da povoação
de João Ramalho. Entre as vantagens estava a localização elevada na confluência
entre dois rios com clima agradável e possibilidade de defesa, por se localizar no alto
da colina. De um lado ficava o rio Anhangabaú, a noroeste; e, de outro, o
Tamanduateí, a nordeste; por um terceiro lado, havia uma várzea que contribuía
como barreira aquática contra ataques à colina. É a área conhecida como Centro
Velho de São Paulo, no entorno do Pátio do Colégio, a colina histórica. O rio
Anhangabaú passava pelo atual vale do Anhangabaú. Já o Tamanduateí corria um
caminho sinuoso que inclusive englobava a área onde se encontra a rua 25 de Março.
(SANTOS, 2011, p. 24).
A cidade, que hoje ocupa mais de 1.500km2, se restringia ao pequenino Triângulo
abraçado e protegido pelos rios Tamanduateí e Anhangabaú. A questão hídrica-fluvial é
fundamental para compreender a formação da cidade de São Paulo e sua localização
16
Diferentemente dos rios que seguem para o litoral, o rio Tietê tem seu curso natural
para o interior, cortando 3.500 km2, até desembocar no Rio da Prata.
Como ponto de partida para as entradas, o rio Tietê contribuiu para a origem de
vários núcleos populacionais. À jusante de São Paulo se formaram as povoações que
deram origem à Nossa Senhora do Ó (atual Freguesia do Ó) e Parnaíba, que se
tornou vila em 1625; enquanto na vertente do Rio Pinheiros e seus afluentes
surgiram Jeribatiba (Rio Grande), Cotia e afluente Mbói-Mirim (Embú); forma
fundadas povoações e aldeias pelos jesuítas com caráter catequizador como
Pinheiros, Itapecerica, Ibirapuera (atual Santo Amaro). Enquanto à montante foram
criadas as povoações de Guarulhos, Itaquaquecetuba, São Miguel, Mogi das Cruzes,
São José dos Campos, no Vale do Paraíba. (…) No século XVII esta última região
passou por um período de maior ocupação, advinda da penetração originária no
século anterior, com a criação do Jacareí, Taubaté, Lorena, pois ali estava um dos
caminhos das bandeiras que levavam à região da futura Minas Gerais e ao sertão de
São Francisco, ou seja, ao norte e nordeste da colônia. Por outro lado, também se
abriram caminhos e se criaram povoamentos levando em conta as facilidades
topográficas que surgiam em meio às depressões e à topografia acidentada em geral,
fugindo ao contexto das águas, mas sempre tendo como foco de irradiação o rio
Tietê. Um destes corredores à atual Campinas e Mogi Mirim; e a terceira, em direção
a oeste e sul, em direção à atual região de Sorocaba e Itapetininga." (SANTOS,
2011, p. 28).
Até o século XVII, a economia da América portuguesa restringiu-se à exportação de
commodities (pau-brasil, tabaco, cana de açúcar, etc.), concentrando o sistema de produção e
exploração no norte e nordeste brasileiro, à base do que posteriormente se denominou de
plantations.
Desta forma, ausente de um papel relevante na economia colonial, São Paulo voltou
sua economia ao interior, alcançando a importância de centro distribuidor e decisório da
capitania - enquanto a Santos, despovoada, coube o papel de porto de exportação.
Apesar de não haver registros precisos dos primeiros escravos africanos a chegarem no
Brasil (predomina a data de 1538, dentre os historiadores), o século XVIII - especificamente
de 1700 a 1822 - é marcado pelo intenso tráfico de negros africanos ao Brasil.
Em São Paulo, não seria diferente, logo, a então cidade, porque São Paulo foi elevada
a essa condição em 1711, passa a se consolidar como um entreposto comercial escravocrata.
São Paulo escravagista era pouco segregada: nas colinas entre os rios Tamanduateí e
Anhangabaú, localizavam-se as residências senhoriais ou casas de populares,
comércio, armazéns, mercados, oficinas, em um espaço profundamente marcado
pela presença de escravos. Mais além dessa pequena área de três quilômetros
quadrados, situava-se o cinturão de chácaras, resultado da divisão de grandes
sesmarias rurais a partir de meados do século XVIII, funcionalmente atrelado à
cidade e servindo como residência associada a um pequeno cultivo - de hortas e
pomares - ou como combinação de atividade agrícola com produção de materiais de
construção - pedreiras e olarias, por exemplo (...). Ao amanhecer, os escravos se
juntavam nos chafarizes, buscando a água a ser utilizada nas casas. Em plena luz do
dia, a rua era invadida por vendedores de frutas, legumes, cestas, objetos de folha-
de-flandres - negros forros ou escravos, muitos deles de ganho. As negras, com seus
tabuleiros, ocupavam as ruas de maior movimento e os largos e as praças da cidade,
à espera dos homens brancos e seus encontros de negócio. Nas ruas juntavam-se
ferreiros, ourives, barbeiros, amoladores de facas, que ofereciam seus serviços em
plena calçada ou à porta dos armazéns ou lojas de sobrado." (ROLNIK, 1997, p.28-
29).
Percebe-se, portanto, que a segregação sócio-espacial era pouco presente na São Paulo
escravagista, convivendo, no mesmo espaço, todas as classes sociais, desde senhores a
escravos.
18
A ausência da máquina estatal, por exemplo, fez com que a instituição casamento
fosse algo raro entre os paulistas. São Paulo, assim, era vista como a terra da devassidão, da
libertinagem e da solidão (TOLEDO, 2015).
São Paulo era a terra das águas, cortada por mais de 1.500 córregos e ribeirões. Era,
portanto, essencialmente fluvial, sendo a canoa o principal meio de transporte, com uma
cultura alimentar baseada no peixe e cuja língua praticada era o tupi-guarani e não o
português.
Contudo, conforme veremos, apesar de ser uma terra de corriqueiras cheias dos rios, a
demanda de abastecimento de água para a população será uma constante na história da cidade.
(...) os relatos trazem essa "nova população", no dia-a-dia, interagindo tanto nos
pontos de encontro, como nas ruas, nas repúblicas, por meio de arruaças, roubando
galinhas e porcos, realizando serenatas, nadando nas águas do Tamanduateí, quanto
se misturando aos tropeiros e lavadeiras que trabalhavam nas margens dos rios e
também entrando em conflitos com as autoridades locais. Com os estudantes e as
estudantadas, a sociedade de vós e sinhás escondidas assistiu e namorou, ainda que
encabuladas, ao início da transgressão aos padrões e costumes. (…) A agitação da
"estudantada" não se restringiu somente à vida cultural da pacata cidade, sua
presença também alargou os limites econômicos que cercavam a sobrevivência da
maioria da população pobre. Um dos exemplos foi o caso das lavadeiras que, por
volta de 1860, com os estudantes e suas demandas, deram nova vida a essa "indústria
doméstica", na qual as famílias nelas engajadas "empenhavam-se (...) em obter a
freguesia acadêmica, muitas vezes recompensando a constância de alguns fregueses
com doces ou flores." (SANTOS, 2011, p. 40).
Conforme observa Santos (2011), a vinda da "estudantada" acarretou em um aumento
populacional e, a partir de então, a demanda por água se torna uma questão a ser resolvida na
administração da cidade. No séc. XVIII, os chafarizes eram as principais formas de
abastecimento de água da população em geral, além do abastecimento direto nos rios.
São Paulo era a cidade das águas - chuvas, inundações, muitos rios e córregos. Aliás,
não era a escassez de água um problema, mas seu abastecimento à população em geral.
Com vistas a conter inundações, a primeira intervenção que ocorreu sobre um rio, na
cidade, foi em 1848, no rio Tamanduateí. Como ele possuia um forte fluxo, qualquer chuva
gerava cheias e enchentes. A intervenção consistiu na
abertura de um canal reto paralelo ao rio, porém, com maior profundidade. Nesta
intervenção, afastou-se a margem do rio da zona central, empurrando o problema -
já que não o resolveu - para leste da colina histórica. Com a intervenção foram
extintas as famosas Setes Voltas, uma série de sete curvas existentes no rio na altura
da colina histórica, ponto inicial do povoamento de São Paulo. Nesta mesma área
existe hoje a rua 25 de março." (SANTOS, 2011, 44).
Esse marco inaugura um novo paradigma sobre a construção da cidade de São Paulo.
As águas, outrora imprescindíveis para a vida e para a comunicação com o interior, haviam se
tornado um problema urbano ligado às enchentes, à transmissão de doenças e, portanto, um
20
Cabe trazer que, durante todo o período colonial vigorou, nas terras da Colônia, o
regime sesmarial; isto é, o regime de concessão de domínio das terras condicionados ao seu
uso produtivo e ao desbravamento para o interior. Por tratar-se de concessão, é importante
pontuar que a propriedade das terras do Novo Mundo eram da Ordem de Cristo, chefiada pelo
grão-mestre, o próprio rei português.
Dessa forma, o que vigorou nas terras coloniais foi a prática da ocupação das terras à
margem de qualquer regramento (ROLNIK, 1997).
Aliás, e não à toa, a mesma lei, que mercantilizou a terra e absolutizou a propriedade,
disciplinou a importação de mão-de-obra livre imigrante - não qualquer mão de obra, a
europeia e, portanto, branca. A Lei nº 601 de 1850 assim dispunha:
Art. 18. O Governo fica autorizado a mandar vir annualmente á custa do Thesouro
certo numero de colonos livres para serem empregados, pelo tempo que for marcado,
em estabelecimentos agricolas, ou nos trabalhos dirigidos pela Administração
publica, ou na formação de colonias nos logares em que estas mais convierem;
tomando anticipadamente as medidas necessarias para que taes colonos achem
emprego logo que desembarcarem. Aos colonos assim importados são applicaveis as
disposições do artigo antecedente(BRASIL, 1850).
Evidente está que o racismo é estrutural na conformação da propriedade fundiária no
país. Também o é na conformação das cidades, em especial, de São Paulo.
Os efeitos da Lei de Terras foram imediatos no preço dos aluguéis e na demanda pela
moradia. Multiplicaram-se, a partir da promulgação da Lei, os cortiços, que logo, em 1866,
foram proibidos na região central da cidade - ocorre, porém que, não por acaso, a principal
forma de moradia dos negros na região central era justamente em quartos de cortiço. Na
verdade,
O mito de que "negro não serve para o trabalho livre" se difundiu na cidade. Os novos
postos de trabalho nas fábricas e na construção civil foram destinados aos imigrantes. As
possibilidades de trabalho para negros eram muito restritas: para as mulheres, caberia o
trabalho doméstico, a lavagem de roupas, a quitanda (em concorrência, agora, com
portuguesas e italianas); enquanto aos homens restringiam-se às funções de carregador de
troca-trilhos, servente de pedreiro(ROLNIK, 1997).
A São Paulo sob a égide da burguesia cafeeira não era mais a São Paulo "modorrenta e
parada no tempo, onde a maioria de seus habitantes falava tupi-guarani" (LEITE, 2015). Pelo
contrário, em meados do século XIX, a cidade passa por transformações profundas e por uma
nova reconfiguração.
Essa nova reconfiguração terá, cada vez mais, a participação do capital estrangeiro,
prioritariamente, no investimento de infraestrutura urbana (abastecimento de água,
saneamento, iluminação e transporte), nos portos e nas ferrovias.
A primeira estrada de ferro construída foi a São Paulo Railway ou a Inglesa, detentora
do monopólio de acesso do planalto ao litoral até 1927 - ou seja, por 90 anos.
Outras companhias foram formadas com base no interesse ferroviário: Cia. Paulista de
Estradas de Ferro (1873), Cia. Ituana (1873), Cia. Mogiana (1875) e Cia. Sorocabana (1879);
que faziam a ligação do mundo majoritariamente rural do interior, com a vida urbana de São
Paulo (SANTOS, 2011).
Distante do acaso, importa notar que o traçado das ferrovias coincide com o traçado da
interiorização pela bandeiras que, por sua vez, seguiram o desenho dos rios de São Paulo.
23
Impactada pela riqueza do café, São Paulo, no último quartel do século XIX, foi
produto de uma vontade modernizadora das elites cafeeiras - ainda que muito conservadora da
ordem social - que, por meio das ferrovias e obras de infraestrutura pretendiam transformar a
cidade na superação da Paris francesa, com seus jardins, passeios públicos, cafés, etc.
Entre as novas medidas adotadas para ampliar os serviços foram instalados canos
que, das nascentes da Serra da Cantareira, ao norte da cidade, conduziam água por
um percurso de 14 quilômetros e meio, até chegar a um reservatório construído com
cimento Portland, na Consolação. Em 1882, chafarizes há muito secos jorravam
água, as ruas podiam ser lavadas diariamente e 133 edifícios tinham ligação de água.
Por volta de 1888, 5.008 edifícios eram servidos com água(SANTOS, 2011, p. 58).
Apesar dos números acima mencionados, a realidade é que a Cia. Cantareira compelira
toda a população a promover, por conta própria, infraestrutura de ligação de água, a partir do
momento em que chafarizes de diversas localidades da cidade foram fechados.
Cabe relembrar que os espaços dos chafarizes eram espaços de encontro de São Paulo
e mal quistos pela vizinhança, que queria distância, por exemplo, das desavenças que ali
ocorriam. Assim, a desativação dos chafarizes, além de fortalecer a mercantilização da água,
serviu para garantir a "ordem" da nova São Paulo.
Na São Paulo da belle époque a rua não seria mais espaço de pessoas "mal vistas", mas
de circulação, ostentação e de representação do poder da nova ordem social burguesa.
Finalmente, seria reservado à burguesia cafeeira um espaço distinto na cidade, longe
da população em geral, de negros, imigrantes, trabalhadores pobres, da falta de higiene, etc.
O historiador Roberto Pompeu de Toledo (2015) nos ensina que uma grande parte da
história urbanística da cidade, entre os final do século XIX e começo do século XX se
concentrou em identificar o que fazer com os rios e áreas alagáveis, considerados problemas
sanitários.
Nesse traçado, nasceram os bairros da Barra Funda, Ipiranga, Mooca, Brás, que
aglomeraram a classe trabalhadora pobre e imigrante de São Paulo, em bairros julgados como
insalubres.
(...) foi a solução cogitada para resolver o velho problema da falta de água no Brás,
quando, no final do século XIX, se instaurou a polêmica de se utilizar ou não, as
águas do Tietê, para a ampliação do abastecimento do bairro, levando em conta sua
possível contaminação.
Mesmo assim, o Brás recebeu água in natura do rio Tietê do final de 1898 até 1907,
"quando começou a ser alimentado pelo manancial do Cabuçú e a Bomba dos
quilômetros 12 e 14, consideradas de péssima qualidade, muito colibaciladas e
contendo germens patogênicos; o restante do Brás era abastecido pelos mananciais
do Ipiranga. O Belenzinho, por sua vez, foi abastecido pelas águas do Tietê, também
in natura, até 1909, quando também passou a receber águas do Cabuçú. A Mooca
recebia, tanto as águas do Cabuçú, como a dos mananciais do Ipiranga. Por inúmeras
vezes, com a constante falta d'água que se verificava na cidade, principalmente no
Brás, Mooca e no Belenzinho, o abastecimento era garantido novamente pelas águas,
in natura, do rio Tietê (SANTOS, 2011,p. 99).
Em relação ao esgotamento, as primeiras canalizações datam de 1890. Antes disso, o
esgoto era armazenado em barris, fossas para a evaporação ou eram feitas ligações
clandestinas para seu depósito junto às bocas de lobo.
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Em 1883, foi criado o 1º Distrito dos Esgotos, na Luz, que servia 71 prédios.
A retificação foi bem sucedida e duas foram as consequências mais imediatas dessa
obra. A primeira foi a expulsão da população que possuía expedientes temporários, como as
lavadeiras, ou até aqueles que utilizavam as águas para lazer. Já a segunda, foi incorporação
de 16km de terras, de 200 a 400m de largura, ao mercado imobiliário (SANTOS, 2011).
A urbanização em moldes europeus da São Paulo da Belle Époque tinha, para uma
elite tão coesa e ciosa de seu poder, um sentido claro de demonstração de
prosperidade. A cidade era palco onde ela encenava seu prestígio e dele estava
excluída a quase totalidade da população. Era, nesse sentido, uma miragem europeia.
Mas na lógica da cidade dos trilhos, a malha das linhas de bonde e as estações de
trem definiam os limites de uma urbanização densa e concentrada. Assim, até os
anos 20, apesar da desigual e dividida, a cidade mantinha ainda algumas relações
básicas com sua geografia natural e possuía uma malha urbana relativamente
contínua e compacta, servida por transporte público na maior parte de sua extensão
(ROLNIK, 2009). É então que o equilíbrio precário que vinha conseguindo ser
mantido na explosão inicial se rompe (LEITE, 2015, p. 13).
Uma figura importante para a história de São Paulo - e para o Brasil - que não se pode
deixar de mencionar é a de Washignton Luís, prefeito da cidade (1914-1919), governador do
Estado (1920-1924) e Presidente da República (1926-1929).
ressurgia e novamente, vinha justificar a hegemonia de São Paulo perante os demais entes da
federação. (SANTOS, 2011, p. 154).
Sob sua gestão, a Força Pública - existente desde 1901 e origem da polícia militar -
teve um incremento em seu arsenal de guerra.
São Paulo era o único estado do país que detinha tanque, aviões e treinamento militar.
O inimigo era interno,ou seja, a população e seus componentes negros, imigrantes,
anarquistas, etc. Aliás, as questões de segurança pública e o sanitarismo caminharam juntas
para o disciplinamento e repressão da força de trabalho negra, imigrante e pobre.
A lógica era simples: cada perímetro detinha uma função específica e à medida que se
aumentava o raio, diminuía a intervenção estatal mediante plano de melhoramentos e
instalação de infraestrutura, tais quais galerias de águas pluviais, esgoto, abastecimento de
água potável, por exemplo.
Sem dúvidas, essa medida favoreceu a produção e valorização imobiliária nos locais
dotados de infraestrutura, especificamente nas regiões centrais. Além de evidenciar o descaso
do poder público com as zonas suburbanas.
Nesse sentido, Raquel Rolnik (1997) expõe a relação direta entre a disponibilidade e
oferta dos os serviços urbanos e a segregação sócio-espacial:
Nesse caso, com a construção do Parque D. Pedro II, uma homenagem ao Centenário
da Independência, concluído em 1922, empreitada da Companhia Parque Várzea do Carmo,
de capital privado.
Cabe destacar que, sobre esta gestão, São Paulo viveu uma de suas maiores greves, em
1917, em que a reivindicação da questão da moradia para a população trabalhadora e pobre,
teve centralidade. Anos depois, em 1920, renasceu a Liga dos Inquilinos, sistematizando as
demandas urbanas da classe trabalhadora.
Não só a gripe espanhola, mas as altas taxas de mortalidade infantil, epidemia de febre
tifóide, etc., foram consequências sociais do descaso do Poder Público com a população mais
pauperizada da cidade.
De acordo com a Lei nº 2.332/1920, foram instituídas quatro zonas na cidade: central,
urbana, suburbana e rural. A lógica do zoneamento seguia a mesma da perimetrização de
Washington Luís.
Tudo isso em estreita simbiose entre o Estado e o capital privado, em que as empresas
São Paulo Light, Tramway & Power Ltd. - popularmente conhecida como a Light - ao lado da
City of São Paulo Improvements Co. - também conhecida como Cia. City são os exemplos
mais completos e marcantes dessa relação.
Nas áreas adquiridas pela City, além daquelas que se situavam na região central, como
as faixas próximas ao Anhangabaú, as quais passaram por melhorias a partir da década de
1910, foram empreendidos, também, loteamentos que deram origem a luxuosos bairros como
o Pacaembu (1913), Jardim América (1915), Alto da Lapa e Bella Aliança (1921), Alto de
Pinheiros (1925), Villa Romana (1928), Lapa e Perdizes, que inovaram na forma de
ordenação dos loteamentos:
Beneficiada por uma concessão junto ao governo municipal com duração de 40 anos,
de forma gradual e rápida, a Light se expandiu e monopolizou diversos serviços urbanos,
como o abastecimento de gás e a telefonia. (SANTOS, 2011).Sua atuação monopolista deu
origem ao apelido de ―polvo canadense‖:
Sua entrada na capital paulista foi recheada de conflitos com empresas que operavam
serviços de bondes puxados à tração animal, em curso desde a década de 1870. Em
abril de 1901, a Light arrematou o acervo da Viação Paulista (uma das empresas que
operavam o transporte urbano na cidade), em leilão judicial, após a Viação Paulista
ser liquidada. Esta empresa fazia o transporte de passageiros por meio de carros à
tração sobre trilhos. Até junho de 1903 a Light começou a operar, em maio de 1900,
os bondes de tração elétrica e no ano seguinte inaugurava a sua primeira usina
hidrelétrica da cidade. Da mesma forma, a Light absorveu os serviços de iluminação,
antes realizados pela Cia. Água e Luz. Os recursos técnicos e financeiros, contudo,
eram os motes da empresa canadense, que superiores e com capacidade de
investimentos, acabaram por suplantar e expurgar os concorrentes, e muitas vezes
através de "subterfúgios jurídicos e políticos. (SANTOS, 2011, p. 110).
Em 1901, com a inauguração da primeira usina hidrelétrica no rio Tietê - a Usina de
Parnaíba - a empresa deu início às atividades no ramo de geração de energia elétrica. Em
1906, foi inaugurada outra usina neste rio, a de Lavras, no município de Salto, pela Cia.
Ituana Força e Luz, que logo fora comprada pela Light. Em 1912, a usina de Parnaíba chegou
ao seu teto máximo de geração de energia. Em 1914, houve a inauguração da usina de
Ituporanga, em Sorocaba, por uma empresa subsidiária da Light. Essa empresa era a
encarnação modernista do espírito de dominação da natureza.
Nesse sentido, ensina-nos José Correa Leite: "o poder da Light estava ligado a uma
concepção mercantil e tecnocrática de tratar sistema hídrico e suas múltiplas finalidades,
34
Tamanhos poderio e interesse imobiliário da Light, até 1925, a empresa foi autorizada
a desapropriar áreas de seu interesse.
35
Assim, ela começou a adquirir glebas ao longo do rio Tietê e nas áreas passíveis de
projetos hidrelétricos, como forma de impedir concorrência.
Cabe delimitar que as cheias dos rios são fenômenos naturais dos cursos hídricos. As
inundações e enchentes são decorrentes de intervenção humana, que ocorrem, normalmente,
no mesmo período das cheias.
várzea como reguladores naturais da vazão do rio, replantio da mata ciliar; dois
grandes lagos na altura da Ponte Grande, para fornecer material para aterros e para
uso recreativo; além dos parques e jardins ao longo do rio, como um na confluência
do Tietê com o Pinheiros. (SANTOS, 2011, p. 226).
Ainda, propunha a utilização racional do material retirado do rio, para a produção de
tijolos, por exemplo, de forma que fosse comercializado e custeasse parte das obras de
retificação (SANTOS, 2011)
Ocorre que, àquela época, São Paulo vivia os efeitos da estiagem de 1924 e a
preocupação central do Poder Público e dos agentes privados, especialmente a Light, estava
no aumento da produção de energia elétrica e na retificação do Tietê para o maior
aproveitamento energético. Assim, o projeto de Saturnino de Brito foi sumariamente apagado
na troca de gestão (precedida pela extinção e recriação da Comissão de Melhoramentos do
Tietê).
A nova Comissão tinha à frente o engenheiro João Florence Ulhôa Cintra que,
favorecendo os interesses da Light e da expansão rodoviária na cidade, abandonou
Os rios de toda a região sudeste - e não mais apenas da bacia do Alto Tietê - foram
cortados por represas, agora constituídas e geridas por empresas estatais, para
produzir a eletricidade que a sociedade urbano-industrial demandava. Isso
culminaria na construção pelo governo de São Paulo, entre 1965 e 1978, da
Hidroelétrica de Ilha Solteira, no rio Paraná, com potência de geração de 14 mil MW
até 2014 a maior do mundo. Warren Dean vai chamar a destruição de praticamente
todas as bacias hidrológicas do sudeste do país por hidroelétricas (269 usinas só na
região da Mata Atlântica, até 1922) de um processo de "desenvolvimento
insustentável". O impacto dessa ânsia por energia elétrica sobre o território foi
enorme, não só para São Paulo, mas para todo o sudeste do país, mas ele se tornou,
especialmente para São Paulo, ainda mais devastador, pela sua associação com a
opção rodoviarista. (LEITE, 2015, p. 18).
Outrora Paris, o projeto da elite paulistana agora se transformara. São Paulo teria a
vocação para ser a Chicago da América do Sul, com um modelo quase exclusivamente
rodoviário.
38
Pires do Rio sucedeu a gestão da Prefeitura de São Paulo de Firmiano Morais Pinto
(1920-1926) e nomeou Ulhôa Cintra para presidir a Comissão de Melhoramentos do rio Tietê.
Essa comissão encomendou ao engenheiro Francisco Prestes Maia, em 1927, um plano
geral de desenvolvimento da cidade, conhecido com o Plano de Avenidas.
Sobre o conteúdo desse Plano, explicam os urbanistas Cândido Malta Campos e Nadja
Somekh:
Essa opção rodoviarista teve uma grande expansão, a partir da gestão de Juscelino
Kubitschek (1956-1960) em que o crescimento de "50 anos em 5", seu slogan presidencial à
época, tranformou São Paulo e sua região, hoje, região metropolitana, na maior produtora de
automóveis do país.
central que a terra assume na economia brasileira e ao fato de não existir uma classe
de proprietários fundiários isolados dos processos econômicos, o Estado - isto é a
prefeitura - por meio da redução dos coeficientes de aproveitamento produz uma
escassez artificial da terra, que incrementa o processo de valorização fundiária e
favorece uma parcela do capital, porém de forma improdutiva" (Somekh 2014: 19).
Os pobres foram expulsos das regiões centrais da cidade pelos aluguéis cada vez
mais caros para locais cada vez mais distantes: o centro se verticalizou e a periferia
se expandiu e se horizontalizou adquirindo um caráter metropolitano, envolvendo a
região de Osasco, Guarulhos e o ABCD (LEITE, 2015, p. 23).
Desde então, consolidou-se um modelo de cidade para o automóvel, especialmente do
transporte individual, fundamentada na expansão das avenidas, da pavimentação, na
transformação de fundos de vale e áreas verdes em grandes estacionamentos, a exemplo do
Parque do Anhangabaú.
Em 2002, foi editada uma nova Resolução SMA-SSE-02, que atualiza a Resolução
supracitada, também, suspendendo por tempo indeterminado o bombeamento das águas do
Rio Pinheiros para o Reservatório Billings.
Algumas notas técnicas sobre a gestão dos recursos hídricos apontavam o possível
colapso do sistema, que teve em 2003, o período mais crítico de sua capacidade até
então, com apenas 1% de armazenamento do volume útil no mês de novembro. Os
relatórios apontavam a necessidade de novas estratégias para a gestão das águas com
o objetivo de aumentar a oferta hídrica. (…) Frente ao risco crescente de escassez da
água, o Governo de São Paulo, iniciou um estudo de planejamento integrado em
2007 para tratar do problema da escassez da água dos mananciais na RMSP
operacionalizados pela Sabesp. O "Plano de Recursos Hídricos para a
Macrometrópole Paulista", para atender ao que dispões o artigo 16 da Portaria
DAEE 1.213, que estabeleceu duas medidas principais com o intuito de aliviar o
"estresse hídrico" na bacia do PCJ, a saber: a transferência de água de outros
mananciais para a bacia e a construção de novos reservatórios na bacia do Piracicaba
para aumentar a disponibilidade hídrica durante a estiagem. Os investimentos foram
estimados em torno de 4 a 10 bilhões para a construção de novos reservatórios e
equipamentos para a captação e transferência de água entre os sistemas produtores
(ARTIGO 19, 2014, p. 9).
Os esforços do governo paulista não foram suficientes e, em novembro de 2013, diante
de uma severa estiagem, o Sistema Cantareira colapsou.
42
Para tanto, previra uma bonificação na redução das tarifas de 30% para os usuários do
Sistema Cantareira cujo consumo mensal fosse reduzido em 20% (art. 2º), bem como multas
aos consumidores (ARSESP, 2014).
Cabe mencionar que as multas não foram objeto dos Contratos de Demanda Firme,
que se constituem por acordos entre a Sabesp e clientes que consomem acima de 500 mil
litros de água por mês, como indústrias, shoppings, etc.
Nesses contratos, os clientes recebem desconto de até 75% na tarifa por quantidade
invariável de água no mês. Assim, constituem-se uma forma de incentivo aos grandes
consumidores a comprar água da Sabesp, evitando com que busquem fontes alternativas -
como os poços artesianos, e investimentos em redução de consumo e tecnologias como
captação de água da chuva (GREENPEACE, 2015, p. 9).
O mês de maio de 2014 foi turbulento para o Poder Público e para a população,
quando foi autorizada a utilização da primeira "faixa" de "volume morto".
capacidade de e 1.454 milhões de m³, dos quais 973 milhões de m³ estão dentro da
faixa normal de operação (volume útil total). Este Sistema Equivalente garante o
fornecimento de água para cerca de 9 milhões de pessoas da Região Metropolitana
de São Paulo (RMSP), representada pela Sabesp, além da liberação de uma parcela
significativa de água para as bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí,
representadas pelos Comitês PCJ. (ANA/DAEE, 2014, p. 1)
Em Comunicado Conjunto ANA/DAEE nº 233 de 16 de maio de 2014, a ANA e o
DAEE autorizaram a utilização de "volume morto", tecnicamente denominado de "Reserva
Estratégica", permitindo a utilização de 182,47m3 dessa reserva para abastecimento da
população em geral (ANA/DAEE, 2014).
No dia 04, o nível do sistema operava com 10,1% de sua capacidade. A previsão
meteorológica descarta a possibilidade de altos volumes de chuvas em curto prazo,
com previsão de grandes precipitações apenas em Agosto e Setembro. No mesmo
dia, o Governador do Estado, em entrevista coletiva, e o Secretário de Saneamento e
43
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi instaurada pela Câmara Municipal
de São Paulo, denominada "CPI da Sabesp", finalizada em 03 de junho de 2015.
Município de São Paulo, é valor suficiente para manter o regulador municipal. Que a
Câmara Municipal de São Paulo oficie a PMSP para criação de uma Agência
Reguladora Municipal. (CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 2015, 159).
Além dessa iniciativa do Legislativo Municipal, 280 especialistas de mais de 60
municípios organizaram uma coalizão da sociedade civil para contribuir com a construção de
um plano de segurança hídrica em São Paulo, firmado em três princípios: primeiro,de que
água não é mercadoria , mas um bem essencial à vida e o acesso à água potável é um direito
humano; segundo, de que todos os niv́ eis de governo têm responsabilidades sobre a água e
estão a serviço da população , que deve ser devidamente consultada, informada e servida ; e,
em terceiro lugar , que as soluções propostas para enfrentar a crise devem obrigatoriamente
incluir recuperaçaõ e recomposiçaõ das fontes de água existentes , restauração florestal e de
paisagem, ampliação e manutenção de parques e áreas protegidas , além de pagamentos por
serviços ambientais (ALIANÇA PELA ÁGUA, 2014).
Ao lado dos princípios, a Aliança pela Água estabeleceu metas de curto e longo prazo;
além de cinco propostas urgentes para a crise de 2014, a saber: instalação imediata de comitê
de gestão de crise e salas de situação; amplo acesso à informação; redução do consumo de
água em diferentes escalas e com definição de metas por tipo de uso e faixas de consumo;
garantia da água em situação de emergência e forma segura para a saúde da população; e
incentivo das tecnologias.
Além disso, essa entidade propôs mais cinco propostas para o médio e longo prazo:
transição para um novo modelo de gestão de água; adaptação climática; imediata recuperação
de mananciais; coleta e tratamento de esgotos e despoluição de mananciais e rios urbanos; e
concessão e regulação do saneamento com foco no consumidor e redução de perdas
(ALIANÇA PELA ÁGUA, 2014).
Grande parte das críticas da sociedade paulista à época tinha a ver com o modelo
privado de gestão da água, conforme expõe LEITE (2016),
Até agora, pouco ou quase nada citamos sobre o papel do Poder Executivo Municipal
para prevenir e combater esse colapso. Sobre isto nos propomos a seguir, identificando o
papel do município na garantia da proteção dos recursos hídricos, para fins de abastecimento
da população.
46
Para tanto, vamos nos debruçar sobre os elementos mais relevantes do Direito
Urbanístico e do Direito das Águas, incluindo o regime de competências e os instrumentos de
planejamento, a fim de compreender a especificidade do papel do município na gestão,
preservação e recuperação dos recursos hídricos para o fim específico de abastecimento
humano.
O surgimento desse ramo do Direito é mais recente do que outros, como o Direito
Civil e o Direito Penal, por exemplo. A explicação, neste caso, é simples: os ramos do Direito
são produtos sociais e, portanto, acompanham a dinâmica histórica do tempo-espaço que
refletem.
Dessa forma, seria extremamente improvável que o ordenamento das cidades se desse
em alto grau de complexidade, a ponto de constituir um ramo do Direito, sem a conformação
de Estados Nacionais, sem o processo de industrialização com geração de excedentes e sua
consequente urbanização. A construção do Direito Urbanístico, dessa forma, coincide com a
constituição das cidades tal qual as conhecemos.
Ainda assim, cabe pontuar a trajetória da emergência dessa disciplina, que, conforme
nos conta Nelson Saule Júnior (2007), atravessou diversas lutas sociais.
Como, por exemplo, durante as "Reformas de Base" do governo de João Goulart (anos
1950 e 1960), especialmente no que diz respeito à reforma agrária. Também, em torno da
48
reforma urbana (anos 1970 e 1980), que levou ao Congresso Nacional a proposta da Emenda
Popular da Reforma Urbana, patrocinada pela Federação Nacional dos Engenheiros - FNE,
Federação Nacional dos Arquitetos - FNA, IAB, Articulação Nacional do Solo Urbano -
ANSUR, Movimento de Defesa do Favelado - MDF e Coordenação Nacional dos Mutuários,
proposta essa subscrita por mais de 130 mil eleitores, visando inserir elementos de reforma
urbana democrática no processo da Assembleia Nacional Constituinte, em 1986.
Ainda que em apenas dois artigos, a Constituição Federal traz uma imensidão de
conteúdos jurídicos com os quais é necessário maior atenção.
49
Não obstante, o Executivo Municipal não fará a política urbana de acordo com sua
vontade, mas segundo a determinação de uma lei, aprovada pela Câmara dos Vereadores, ou
Câmara Legislativa, no caso do Distrito Federal.
Essa lei é o principal instrumento da política urbana e se constitui pelo plano diretor,
obrigatório aos municípios com mais de 20 mil habitantes (§1º, art. 182).
Os §3º e 4º do artigo 182, bem como o caput do art. 183, estipulam alguns
instrumentos da Política Urbana como o parcelamento e edificação compulsórios (art. 182,
§4º, I), imposto predial territorial urbano progressivo no tempo (art. 182, §4º, II),
desapropriação-sanção (art. 182, §4º, III) e usucapião especial para fins de moradia (art. 183,
caput).
Sem embargo, ainda que alguns aspectos dos artigos introduzidos pela nova ordem
constitucional pudessem ser aplicados de imediato, o §4º do art. 182 (combinado com o art.
24, I da CF/88) exigiu a promulgação de uma lei complementar de regulamentação dos
instrumentos de política urbana.
Após 12 anos de tramitação foi aprovada a Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001,
denominada Estatuto da Cidade, que estabelece, conforme seu artigo 1º, parágrafo único,
―normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol
do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio
ambiental". (BRASIL, 2001)
50
Com tantos enfoques em diferentes ciências, é natural que o espaço urbano ocupe
diversos ramos dentro do próprio Direito, o que faz com que o Direito Urbanístico possua
interfaces com vários ramos dessa ciência.
Por tratar-se de ramo do Direito Público, esse ramo de Direito possui forte relação
com o Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Municipal e Direito Ambiental.
Nesse sentido, conforme argumenta Granziera (2014):
O Direito Urbanístico, que trata da organização das cidades, possui uma intersecção
com o Direito Ambiental nos temas relacionados principalmente com o uso e
ocupação do solo, naquilo que se refere à salubridade, isto é, nas obrigações relativas
a uma ocupação ambientalmente sadia, em que as edificações e a malha viária são
implantadas respeitando-se a ventilação, a insolação, as reservas de áreas verdes,
como parques e praças, a vegetação das margens dos rios. É de capital importância a
proteção do meio ambiente urbano, já que a maioria da população vive nas
cidades.(GRANZIERA, 2014, p. 20-21)
Argumenta, nessa mesma direção, Silva (2010). Para o autor, o estudo das relações do
direito urbanístico com outras disciplinas é importante, uma vez que "suas normas, na grande
maioria, ainda devem ser identificadas em instituições jurídicas pertencentes a outros ramos
do Direito" (SILVA, 2010, p. 47)
Não poderíamos deixar de citar alguns conteúdos de Direito Urbanístico que ainda
aparecem no conteúdo do Direito Civil, especialmente no que concerne às disposições sobre
posse, propriedade e vizinhança, uma vez que o instituto da propriedade privada foi
preservado pela Constituição Federal. Também, é claro, no Direito Tributário, por exemplo,no
imposto predial territorial urbano, nas taxas e tarifas urbanas.
Embora o Direito Urbanístico possua interfaces com outros ramos do Direito, cabe
salientar que a leitura integrada dos instrumentos que regulam o espaço urbano traz um novo
campo jurídico, com princípios, diretrizes e objetivos próprios, que obriga o jurista a
(re)interpretar institutos relacionados à ordenação do urbano, à luz desse novo enfoque
publicístico. Nesse caso, desprezando outros enfoques, especialmente aquele de valoração
privatística, como o Direito Civil.
51
Ergue-se, portanto, um novo paradigma, mas não sem resistências. Um dos maiores
desafios, portanto, está em superar a visão privatística e absolutizadora do Direito de
Propriedade, bem como a visão tecnocrática do planejamento urbano. Nas palavras de
Fernandes (2006):
Por sua vez, o estudo sobre o regime jurídico das águas, inclusas as águas doces, será
feito pelo Direito das Águas.
Segundo a professora Clarissa Ferreira Macedo D'Isep, "a água se revela um elemento
de propriedades-funções e, portanto, um bem a ser gerido, logo um bem de gestão (...)"
(D'ISEP, 2006, p. 34).
Nesse sentido, a água detém diversos usos, como, por exemplo, no sentido de ser
elemento vital no consumo direto e indireto dos seres vivos, estabilizador de temperatura,
solvente universal, transportador de resíduos, matriz energética, etc.
Normas essas que devem levar em conta a variedade de formas naturais da água. Essas
noções devem, também, possuir um caráter unitário e integrador, afinal, o elemento ainda é
um só (D'ISEP, 2006).
O desafio, portanto, é enorme ao Direito. Ele deve dar conta de cada forma e uso do
elemento água, sem destituí-la de sua unidade. Destrinchar o objeto, para reconstituí-lo num
todo que reconheça e assuma seus fragmentos como parte de uma unidade.
Observa-se, todavia, que isso só será possível, com o estudo dos diversos usos e
formas do elemento, a partir da pesquisa científica que se debruça sobre a água.
Nesse sentido, Almeida e Levy (2015) trazem mais elementos sobre este conteúdo de
direito privado:
Por sua vez, a Constituição Federal de 1988 inaugurou uma preocupação com a
qualidade de vida da população, que inclui a preservação do meio ambiente e o
desenvolvimento sustentável do País.
A Carta Magna tratou, ainda, sobre o tema dos recursos hídricos em diversas partes de
seu texto, determinando sua natureza jurídica, seu domínio e seu regime de competências.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e
futuras gerações (BRASIL, 1988).
Assim, o tratamento constitucional da água (recursos hídricos) determina sua natureza
de direito difuso e de bem de uso comum do povo, diretamente vinculada e inserida no direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Por sua vez, o conceito de bem de uso comum do povo, Granziera (2014) leciona que:
O termo uso traduz aproveitamento de algo que possui utilidade para alguém. A
fruição, gozo ou proveito decorrem, assim, da utilização do bem. Disso decorre uma
pergunta: que tipo de utilização? O bem mencionado pelo dispositivo constitucional
consiste no meio ambiente, sendo o povo beneficiário do seu uso. Se o meio
ambientecaracteriza-se como macrobem, de natureza bastante abstrata, configurando
uma situação de equilíbrio entre várias condições, o termo uso, mencionado na
norma, só pode significar uma utilização não concreta, mas subjetiva e, como tal, é
direito do povo obter proveito e fruir do equilíbrio ambiental.
Já os componentes desse todo - os microbens - de natureza concreta, possuem
regimes de domínio que variam entre o público, como as águas, e o particular, como
as florestas localizadas em propriedade privada. O bem de uso comum do povo,
mencionado na CF/88, refere-se ao macrobem - meio ambiente ecologicamente
equilibrado. (GRANZIERA, 2014, p. 10-11)
Apesar da Constituição não deixar nítida a natureza jurídica da água como bem de uso
comum do povo, o Código Civil, em 2002, foi mais explícito nesta conceituação, ao tratar dos
bens públicos.
Definiu esse Código o bem de uso comum ao povo como aquele cuja característica
principal é o uso indiscriminado por todos - exemplificado por rios mares, estradas e ruas (art.
99, I) - e lhe atribuiu a característica de inalienabilidade (art. 100).
55
Nesse sentido, não cabe a discussão da propriedade das águas, uma vez que não serão
elas passíveis de alienação.
Como bens de uso, tais objetos, móveis ou imóveis, devem ser compulsoriamente
geridos como meios de satisfação direta de necessidades da coletividade. Trazendo-
se tal noção para o campo dos bens públicos, é possível sustentar que a
Administração Pública não deve estocá-los, vedar sua função primária de ser usado
por alguém, nem mantê-los em seu patrimônio somente para fins especulativos ou de
mero investimento. O não usar é omissão incompatível com o desejo do legislador.
(MARRARA, 2017, p. 141)
Resta evidente, portanto, que, em matéria de recursos hídricos, não se discutirá sua
titularidade, mas sua dominialidade, nos termos que explicitam Almeida e Levy:
Nesse diapasão, a Carta Magna corrobora a água como um bem de domínio público,
em que o Poder Público não é dono do bem, não é considerado proprietário da água,
senão no sentido puramente formal, pois tem o poder de autotutela do mesmo, sendo
tão somente o gestor do recursos hídricos, no interesse de todos.
No contexto das águas doces, a Constituição Federal de 1988 atribuiu a dominialidade,
no artigo 20, do ponto número III à
União dos lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou
que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se
estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos
marginais e as praias fluviais. (BRASIL, 1988).
Por sua vez, incluem-se nos bens dos estados e do Distrito Federal as águas
superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na
forma da lei, as decorrentes de obras da União (art. 26, I da CF/88). Aos municípios não lhes
foi atribuída dominialidade das águas.
Destarte, não se trata de discutir a propriedade de bem imóvel, no caso dos recursos
hídricos, mas a responsabilidade pela guarda, administração e edição de regras aplicáveis a
esses recursos (GRANZIERA, 2014)
O desafio da interface e articulação entre esses dois ramos da ciência jurídica reside na
articulação de competências constitucionais distintas. Sobre esse assunto, discorreremos a
seguir.
Isso significa que, tratando-se à União caberá legislar sobre matérias de interesse
geral. Aos Estados-membro, aquelas de interesse regional. Aos municípios, caberá legislar
sobre os temas de interesse local. Já ao Distrito Federal, caberá legislar sobre os conteúdos de
interesse regional e local, devido à sua natureza específica híbrida.
Essas atribuições legislativas foram cumpridas pelo ente federado, a partir da edição
da Lei nº 9.433/07 - Política Nacional de Recursos Hídricos, da Lei nº 10.257/01 - Estatuto da
Cidade e da Lei nº 11.445/07 - Política Nacional de Saneamento Básico, por exemplo.
O art. 21, XII, alínea b, CF/88 delega à União a exploração - diretamente ou mediante
autorização, concessão ou permissão - os serviços e instalações de energia elétrica e o
aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os estados onde se situam
os potenciais hidroenergéticos.
Ainda, prevê a CF/88 que, inexistindo legislação federal sobre estas matérias, caberá
aos Estados-membros e Distrito Federal o exercício integral dessa competência legislativa -
nesse caso, sobrevindo legislação federal de caráter geral, a norma estadual se tornará ineficaz
(art. 24, §3º e 4º) - não será revogada ou declarada ilegal, apenas perderá sua eficácia.
urbano, inclusive habitação, saneamento básico, transporte e mobilidade urbana, que incluam
regras de acessibilidade aos locais de uso público; e elaborar e executar planos nacionais e
regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social.
Por sua vez, importa observar, portanto, que em matéria de Direito das Águas, a
dominialidade dos recursos hídricos, bem como as competências legislativas são partilhadas
entre os entes federados. Contudo, são elas centradas na União e em menor grau, nos estados
federados. Aos municípios é atribuída competência em caráter cooperativo.
Esse marco jurídico previu uma nova forma de gestão - reitere-se - por meio da
governança da água. Há uma novel institucionalidade em que se interseccionam os
interesses do governo (em todos os níveis), dos usuários, dos gestores, dos
empreendedores, enfim daqueles que constituem o Estado, o setor privado e a
sociedade civil; e a participação democrática se realiza quando se possibilita sejam
ouvidos todos os atores sociais nas tomadas de decisão. Essa participação deverá
crescer, já que o estado de vulnerabilidade hídrico de certas regiões brasileiras
constitui preocupação de todos. (BOLSON; HAONAT, 2016, p. 231).
A Lei da Política Nacional dos Recursos Hídricos criou um Sistema Nacional desses
recursos que se configura por um arranjo institucional de gestão das águas no território
brasileiro que, de acordo com o art. 1º, VI da Lei, deverá ser descentralizado e ter participação
do Poder Público, dos usuários e da comunidade. É o que denominaremoscomo governança
da água.
Tabela 1 – Atribuições, composição e instâncias do Conselho Nacional de Recursos Hídricos e dos Cômites de Bacias Hidrográficas de acordo com a Lei nº 9.433/1997.
Composição Atribuições
Representantes dos Ministérios e Secretarias - promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regional, estaduais e dos
da Presidência da República com atuação no setores usuários;
gerenciamento ou no uso de recursos
- arbitrar, em última instância administrativa, os conflitos existentes entre Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos;
hídricos; representantes indicados pelos
Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos; - deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos cujas repercussões extrapolem o âmbito dos Estados em
representantes dos usuários dos recursos que serão implantados;
hídricos; e representantes das organizações
- deliberar sobre as questões que lhe tenham sido encaminhadas pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos ou pelos
civis de recursos hídricos. Os representantes
Comitês de Bacia Hidrográfica;
do Executivo Federal não poderão exceder
51% da composição. - analisar propostas de alteração da legislação pertinente a recursos hídricos e à Política Nacional de Recursos Hídricos;
- estabelecer diretrizes complementares para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, aplicação de seus
instrumentos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;
- aprovar propostas de instituição dos Comitês de Bacia Hidrográfica e estabelecer critérios gerais para a elaboração de seus
regimentos;
- acompanhar a execução do Plano Nacional de Recursos Hídricos e determinar as providências necessárias ao cumprimento
de suas metas;
- acompanhar a execução e aprovar o Plano Nacional de Recursos Hídricos e determinar as providências necessárias ao
cumprimento de suas metas;
- estabelecer critérios gerais para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos e para a cobrança por seu uso.
- zelar pela implementação da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB);
- estabelecer diretrizes para implementação da PNSB, aplicação de seus instrumentos e atuação do Sistema Nacional de
Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB);
- apreciar o Relatório de Segurança de Barragens, fazendo, se necessário, recomendações para melhoria da segurança das
obras, bem como encaminhá-lo ao Congresso Nacional.
63
Continua
Instância Composição Atribuições
Comitês de Bacias Representantes da União; representantes dos - promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação das entidades
Hidrográficas Estados e do Distrito Federal cujos territórios intervenientes;
se situem, ainda que parcialmente, em suas
(art. 37 a 40) - arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos;
respectivas áreas de atuação; representantes
dos Municípios situados, no todo ou em - aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia;
parte, em sua área de atuação; dos usuários
- acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia e sugerir as providências necessárias
das águas de sua área de atuação; das
ao cumprimento de suas metas;
entidades civis de recursos hídricos com
atuação comprovada na bacia. - propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos as acumulações,
derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de
outorga de direitos de uso de recursos hídricos, de acordo com os domínios destes;
- estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem
cobrados;
- estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou
coletivo.
Os conflitos pelo uso da água serão decididos em primeira instância pelos Conselhos
de Bacias Hidrográficas e, em segunda, pelo Conselho Nacional, mediante processo
administrativo, com direito ao contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV da CF/88), nos termos
da Lei nº 9.784/99.
Por fim, cabe mencionar sobre a Agência Nacional de Águas - ANA, criada pela lei nº
9.984 de 2000, é uma entidade federal que compõe o Sistema de Gerenciamento dos Recursos
Hídrico.
A lei estipula diversas atribuições à ANA, as quais cabe destacar: supervisão, controle
e avaliação das ações e atividades decorrentes do cumprimento da legislação federal
65
Ainda, importa mencionar que a ANA é responsável por planejar e promover ações
destinadas a prevenir ou minimizar os efeitos de secas e inundações, em articulação com o
órgão central do Sistema Nacional de Defesa Civil, em apoio aos Estados e Municípios (art.
4º, XX, Lei 9.984/00). Nota-se, portanto, que a ANA possui uma peculiaridade em relação às
demais agências reguladoras, uma vez que tem como objetivo a implementação de política
pública:
Assim, refletir sobre a função social da cidade é refletir sobre o objetivo que a cidade
deve cumprir em relação à sociedade. Nesse sentido, não pode ser um conceito estático, mas
será determinado pelas condições sociais do tempo-espaço em que esteja inserida.
Nela, foram estipuladas quatro funções sociais da cidade, ou seja, quatro papéis a
serem desempenhados pelas cidades, a saber: habitação, trabalho, circulação e lazer.
Para tanto, mais do que importante é que os mecanismos de decisão e de controle das
cidades sejam mecanismos de exercício da cidadania de decisão coletiva sobre os rumos do
espaço urbano.
Paulo Afonso Cavichili Carmona vai além e elenca uma série de novas funções da
cidade como
cidade para todos, cidade participativa, cidade refúgio, cidade saudável, cidade
produtiva, cidade inovadora, cidade do movimento racional e da acessibilidade,
cidade do meio ambiente (ecológica/sustentável), cidade da cultura, cidade e a
continuidade de caráter (histórica). (CARMONA, 2015, p. 103)
Continua,
Nesse sentido, o plano diretor municipal é quem trará o conteúdo da função social da
propriedade no caso concreto.
69
A CF/88 determinou que "a propriedade urbana cumpre sua função social quando
atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor" (art.
182, § 2º).
Dessa forma, será o Plano Diretor, instrumento básico da política urbana (art. 182,
§1º), que trará para a concretude a hipótese de (des)cumprimento desse princípio de imóvel
urbano.
70
O Estatuto da Cidade, por sua vez, trouxe disposição expressa sobre o cumprimento da
função social, estipulando:
Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor,
assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de
vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas
as diretrizes previstas no art. 2 desta Lei. (BRASIL, 2005)
o
Por sua vez, as diretrizes trazidas pela Lei nº 10.257/01, estão condensadas no art. 2º e
incluem a garantia do direito a cidades sustentáveis; a gestão democrática da cidade; a
cooperação entre os governos e a iniciativa privada (esta deve agir subsidiariamente à ação do
poder público municipal); ao planejamento do desenvolvimento das cidades; à oferta de
equipamentos urbanos e comunitários, transportes e serviços públicos adequados às
necessidades e características da população; e à ordenação e controle do uso do solo; dentre
outras.
Nesse segmento, Machado (2004) traz importante reflexão sobre a função social da
propriedade, na dimensão ambiental:
(...) mas com efeitos mais amplos que os demais, dada sua própria estrutura e
inserção histórica e política. Daí irão derivar outros tantos princípios, que darão à
função social maior concretude, e nela sustentarão sua viabilidade e aplicabilidade.
Mais do que um conteúdo unívoco, o que se deve buscar são procedimentos lógico-
71
Portanto, terão, os dois, sua concretude determinada pelo Plano Diretor municipal, no
sentido da realização da função social da cidade.
Nesse sentido, o Estatuto estipulou como diretriz a gestão democrática da cidade (art.
2º, II) e dedicou um capítulo a essa gestão, instituindo instrumentos para sua efetivação como
órgãos colegiados nas quatro esferas federais, debates, audiências públicas, conferências sobre
as temáticas urbanas e iniciativas populares de projetos de leis, planos, programas e projetos
de desenvolvimento urbano (art. 43 a 45).
Todos esses instrumentos poderiam contribuir com a tutela dos recursos hídricos na
cidade e, portanto, com a defesa do meio ambiente; contudo, acreditamos que os instrumentos
de planejamento democrático são os principais instrumentos na defesa da águas e, dentre eles
o de zoneamento.
O planejamento e a gestão dos recursos hídricos, princípio do Direito das Águas, terá
como unidade territorial a bacia hidrográfica.
Assim, será ela a unidade pelo qual será implementada a Política Nacional de
Recursos Hídricos (art. 1º, V).
À época, para ser considerada uma nação desenvolvida se fazia necessário que o
Estado empreendesse os máximos esforços de industrialização, enquanto a preocupação
ambiental era quase inexistente.
Por sua vez, o princípio do equilíbrio entre os diversos usos detém, em si, a
caracterização da água como elemento proteiforme e com diversas propriedades-funções.
Por ter diversas formas de utilização, o princípio impede que a água seja utilizada
apenas para uma função, em detrimento de outra - como, por exemplo, para garantir a
produção de energia elétrica, em detrimento do consumo humano.
76
Em seu estudo sobre o Direito das Águas, Granziera (2014) ilustra o princípio com um
trecho das recomendações da Conferência Internacional da Água, realizada em 2001:
Coadunado com essa perspectiva internacional, a Lei nº 9.433/97 sustenta que a gestão
dos recursos hídricos deve sempre visar ao uso múltiplo das águas (art. 1º, VI), consolidando
o princípio do equilíbrio entre os múltiplos usos da água.
Por sua vez, o plano de recurso hídrico condiciona a outorga de direito de uso de
recursos hídricos, bem como deve ser elaborado pelo comitê de bacia hidrográfica (art. 38, III
da Lei 9.433/97).
Sobre a questão da potabilidade das águas e o manejo e drenagem das águas pluviais
urbanas, importa mencionar a classificação das águas. Considerando que toda e qualquer
categorização de elementos deve ter uma finalidade apresentamos três classificações que nos
parecem mais importantes no contexto das águas: quanto à localização, quanto à potabilidade
e quanto à qualidade dos cursos d'água.
hídrico.
2001).
Por seu turno, a classificação em relação à potabilidade da água, feita pela Portaria nº
2.914/2011 do Ministério da Saúde, é essencial para determinar quais águas estão aptas para o
consumo humano.
A Lei nº 9.433/97 estipula que o enquadramento dos corpos d'água tem duplo objetivo.
O primeiro é assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que
água.
80
Para precisar o conceito de água doce, nos valemos das definições da Resolução
CONAMA nº 357 de 2005 que define as águas doces, como aquelas com salinidade igual ou
Nos termos do art. 4º, elaboramos, a seguir, uma tabela que ajudará à compreensão do
leitor:
Tabela 2 – Classes de qualidade de uso de água, de acordo com a Resolução CONAMA nº 357 de 2005.
Classe Usos
4 a) à navegação; e
b) à harmonia paisagística.
que se refere à possibilidade de uso das águas pluviais, que não pertencem ao dono do prédio,
81
mas podem ser por ele utilizados, sem necessidade de qualquer ato administrativo específico"
Importa destacar que o Código Civil e a Lei nº 11.445/07 sobre a Política Nacional de
Ainda, tais serviços devem estar adequados aos padrões de saúde pública e à proteção
ao meio ambiente (art. 2º, III), bem como deverão ser "articulados com as políticas de
desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e sua erradicação, de
proteção ambiental, de promoção à saúde" (art. 2º, VI), entre outras que envolvam este
serviço.
82
Por sua vez, a elaboração da política pública compreenderá, nos temos do art. 9º:
elaboração de planos de saneamento básico; prestação direta ou delegação dos serviços, com
definição de ente responsável pela regulação e fiscalização dos serviços públicos de
saneamento; adoção de parâmetros para a garantia de atendimento essencial à saúde pública;
estipulação de direitos e deveres dos usuários dos serviços públicos de saneamento; e criação
de mecanismos de controle social e de um sistema de informações, articulado com o Sistema
Nacional de Informações.
Essa prestação de serviços públicos poderá ser executada por entidade que não integra
a administração do titular, desde que celebrada por contrato - excluída a possibilidade de
disciplina por meio de convênio, termos de parceria, etc.
Nos casos de delegação dos serviços públicos, por determinação legal ou contratual,
poderá o titular intervir ou retomar a operação dos serviços delegados (art. 9º, VII).
A fim de precisar o conceito deste tipo de contrato, regido pelo Direito Público, é
importante trazer o ensinamento de Celso Antônio Bandeira Mello (2009), a ver:
(...) é um tipo de avença travada entre a Administração e terceiros na qual, por força
de lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objeto, a permanência do vínculo e as
condições preestabelecidas assujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse
público, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante privado. (MELLO,
2009, p. 614)
Ainda, o mesmo autor complementa sobre esta peculiaridade do contrato
administrativo:
83
Assim, previamente à celebração contratual, nos termos do art. 11º, deve haver: plano
de saneamento básico elaborado pelo titular dos serviços públicos; estudo comprovando a
viabilidade técnica e econômico-financeira da prestação universal e integral dos serviços;
normas de regulação dos serviços que visem ao cumprimento das diretrizes da Política
Nacional de Saneamento Básico; e realização de audiência pública e de consulta pública sobre
a minuta de contrato.
No caso de divisão das atividades de saneamento básico entre vários prestadores, a Lei
estipula que a relação entre os prestadores se dê por meio de contrato, bem como que a
regulação e fiscalização dos serviços seja feita por entidade única (art. 12º), a fim de que, ao
menos estas duas últimas atividades sejam apreendidas na totalidade dos serviços de
esgotamento.
consultas e audiências públicas no processo de revisão do mesmo, que deve ser feito, no
máximo, quadrienalmente (art. 19, §3º e 4º).
Ainda, previu a lei que o plano de saneamento poderá abarcar a totalidade dos serviços
públicos de saneamento ou poderá ser elaborado um plano específico para cada serviço que
compõem o saneamento (art. 19, caput). Conquanto, acreditamos que equivocou-se a lei.
São diversos os dispositivos que estipulam sobre esse plano, integral ou específico de
cada serviço de saneamento básico, cabendo destacar seu conteúdo mínimo, conforme
estipula o art. 19º:
Para nós, significa um enorme desafio de proteção, recuperação e gestão dos recursos
hídricos que envolverá o esforço de todos os entes federados, sem sobreposição de
competências, na ordenação, execução e fiscalização de uma política pública integrada.
O Poder Público deverá elaborar os planos de saneamento básico, com base nos
quais os serviços devem ser prestados. Embora a Lei 11.445/2005 não mencione o
plano diretor, ela determina que o plano de saneamento básico seja compatibilizado
86
Ao serviço de limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos urbanos serão aplicadas
taxas ou tarifas e outros preços públicos.
O cálculo sobre a cobrança dos serviços, por sua vez, respeitará as diretrizes do § 1º,
art. 29 da Lei em comento, com prioridade para atendimento das funções essenciais
relacionadas à saúde pública; ampliação dos serviços para a população de baixa renda;
inibição do consumo supérfluo e do desperdício das águas; dentre outras.
Já o segundo, é a disposição do art. 36, caput, que prevê, na cobrança pela prestação
do serviço público de drenagem e manejo de águas pluviais urbanas, levar em conta, em cada
lote urbano, os percentuais de impermeabilização e a existência de dispositivos de
amortecimento ou de retenção de água.
Por derradeiro, cabe mencionar que, apesar de não ser objeto desse estudo em
específico, a Lei nº 12.305/10, estipulou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, em
consonância com a Política Nacional de Saneamento Básico, complementando, no que
couber, o tratamento dos resíduos sólidos no país.
planejamento que mais detém interfaces entre o Direito Urbanístico e o Direito das Águas,
especialmente por abordar a unidade geográfica da Bacia Hidrográfica intramunicipal
(especificidade do Direitos das Águas), obtendo titularidade municipal (especificidade do
Direito Urbanístico).
Resta evidente que o município é um ente federativo com uma atribuição peculiar na
governança da água, uma vez que não tem domínio sobre as águas - papel de preponderância
da União e Estados-federados.
Essa lei rege apenas o âmbito urbano - já que o âmbito rural se reserva ao Direito
Agrário - e, tem uma grande importância, estabelecendo o conteúdo mínimo da forma celular
loteamento ou desmembramento.
ou ampliação das vias existentes" (BRASIL, 1979), consoante o artigo 2º, parágrafo primeiro.
circulação - e cujas dimensões atendam às demandas do plano diretor municipal (art. 2º, §4º e
5º).
deverá abranger as vias de circulação, escoamento das águas pluviais, rede para
abastecimento de água potável e soluções para esgotamento e energia elétrica domiciliar (art.
2º, §6º).
Cabe destacar, portanto, que esgotamento sanitário, água potável e vias de circulação
urbanização específica (art. 3º); sendo vedado o parcelamento, dentre outros em:
Art. 3º (...)
I - em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências
para assegurar o escoamento das águas;
Il - em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem
que sejam previamente saneados;
(...)
V - em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça
condições sanitárias suportáveis, até a sua correção (BRASIL, 1979).
Tamanha é a importância do elemento hídrico e viário, que a lei dispõe ser dever do
cursos d‘água, bosques e construções existentes (art. 6º, III). Além da indicação dos
arruamentos contíguos a todo o perímetro, a localização das vias de comunicação, das áreas
Ademais, estipula o art. 7º que o poder público municipal/distrital, quando for o caso,
Ocorre que, a partir do estudo da Lei nº 6.766/79, talvez por datar - ainda que com
O lote é receptor de água potável e energia, sem responsabilidade por sua produção,
preservação e defesa.
Nesse sentido, seria importante que a Lei do Parcelamento olhasse de outra maneira o
lote, vinculando seu conteúdo jurídico à produção de energia, por meio de matrizes
Relevante seria também um estímulo à produção de água potável (como, por exemplo,
de sua titularidade (art. 30, V, CF/88), como o serviço de abastecimento de água potável e
descarte das águas servidas, importa mencionar sobre a problemática metropolitana - afinal,
Em 2015, foi promulgada a Lei nº 13.089, conhecida como Estatuto da Metrópole, que
Cabe observar que essa lei possui pouca aplicabilidade, uma vez que sua edição é
ela contém poucas disposições que efetivamente dão conta dos problemas urbanos dessa
escala.
91
Primeiramente, ela estipula que seu objetivo é a gestão e execução das funções
município, isoladamente, seja inviável ou cause impacto em municípios limítrofes (art. 1º,
funções (art. 2º, IV), que deverão coadunar-se com os seguintes princípios:
Estatuto da Cidade.
Cabe destacar, entre estas diretrizes específicas aquela que diz sobre a
Uma vez que essa normativa inclui, nessa gestão interfederativa, a política de
saneamento básico, uma política setorial de interesse comum dos entes da região
metropolitana.
Contudo, estipula ele que o município deverá compatibilizar seu plano diretor ao plano
devem ser dimensionadas em escala diferente que não a municipal. Especialmente por
política, do arranjo institucional dos entes federados que compõem a região metropolitana ou
combate à poluição (art. 23, VI) - competência comum dos entes federativos.
município, ademais dos outros entes federativos, devem garantir o direito ao meio ambiente
seus componentes a serem protegidos (art. 225, III), a preservação e restauração dos processos
meio ambiente (art. 225, V); e a proteção da fauna e da flora (art. 225, VII).
Cabe mencionar que os municípios são parte integrante do Sistema Nacional de Meio
SISNAMA, o Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA (art. 5º, VII do Decreto nº
99.274 de 1990).
ambiental, de competência comum entre todos os entes da Federação. Tal lei atribuiu as
Nesse sentido, dispõe ele que o Chefe do Executivo Municipal poderá criar áreas de
formas de vegetação destinadas a uma ou mais das seguintes finalidades: conter a erosão do
público; e auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares, isso no
A Política Nacional sobre Mudança do Clima, instituída pela Lei nº 12.187 de 2009,
dispõe que todos os entes políticos da Federação devem observá-la, a fim de mitigar e
Cabe destacar que o município é integrante do Sistema Único de Saúde, nos termos do
art. 200 da CF/88 e, assim sendo, tem o dever de formular e executar políticas de saneamento
básico, incluindo a vigilância da potabilidade das águas (art. 200, IV, CF/88).
hídricos com vistas ao abastecimento de água para consumo humano, possui múltiplas
O estudo das cidades, em qualquer lugar do mundo, tem a água como elemento
imprescindível. Não há cidade sem água e, tampouco, é possível um estudo das águas que não
se debruce sobre o fenômeno da urbanização.
Nessa toada, sobre esses dois conceitos, cidade e água, esse capítulo se debruça, a fim
de delimitar ideias que serão utilizadas em todo este trabalho: direito à cidadee segurança
hídrica.
Assim, as cidades do futuro, em vez de feitas de vidro e aço, como fora previsto por
gerações anteriores de urbanistas, serão construídas em grande parte de tijolo
aparente, palha, plástico reciclado, blocos de cimento e restos de madeira. Em vez
das cidades de luz arrojando-se aos céus, boa parte do mundo urbano do século XXI
instala-se na miséria, cercada de poluição, excrementos e deterioração. Na verdade,
o bilhão de habitantes urbanos que moram nas favelas pós-modernas podem mesmo
olhar com inveja as ruínas das robustas casas de barro de Çatal Hüyuk, na Antólia,
construídas no alvorecer da vida urbana há 9 mil anos. (DAVIS, 2006, p. 29)
A explosão demográfica no mundo, a partir de meados do século XX, instaurou uma
nova ordem urbana, marcada pela crescente e rápida urbanização dos países ditos
subdesenvolvidos, especialmente, do hemisfério sul do globo. Conforme aponta o sociólogo e
historiador norte-americano Mike Davis (2006), o problema é que esta urbanização não restou
em um processo inclusivo na dinâmica dos direitos humanos; pelo contrário, é marcada pelas
desigualdades entre as cidades e seus habitantes, dentro de seu espaço, bem como pelas
diferentes especializações econômicas entre elas.
97
A generalização deste processo não foi a cidade de direitos, mas levou à formação de
um processo gigantesco e mundial de favelização. As favelas de Maharashtra, na Índia, com
seus 19 milhões de habitantes; Kibera, no Quênia, com 2,5 milhões de habitantes; Orangi
Town, no Paquistão, com 1,8 milhão de habitantes; Manshiet, no Egito, com 1,5 milhões de
habitantes; Dharavi, na Índia, com 1 milhão de habitantes; Cité Soleil, no Haiti, com 400 mil
habitantes; Khayelitsha, na África do Sul, com 392 mil; e a Favela da Rocinha, no Brasil, com
200 mil habitantes, são exemplos do processo de urbanização marcado por assentamentos
humanos precarizados, que tornou o Planeta Terra em Planeta Favela (DAVIS, 2006).
Desta maneira, o produto da crise agrária mundial acabou sendo acolhido pelas
cidades, cuja "superurbanização" foi impulsionada pela reprodução da pobreza. Desta forma,
a produção em massa de favelas é o resultado do rápido crescimento urbano, em um contexto
de ajuste estrutural, desvalorização da moeda e redução do papel do Estado. E, nesta toada, o
mercado imobiliário informal ganha uma importância até então jamais vista.
esta definição considera apenas as dimensões físicas e legais das favelas, desconsiderando a
sua dimensão das tensões sociais nela existentes.
Nesta toada, Davis (2006), ainda traz importantes contribuições sobre a "ecologia da
favela". O sociólogo e historiador aponta que os pobres urbanos ao trocar "segurança física e
saúde pública por alguns metros quadrados de terra e alguma garantia contra o despejo",
acabam por povoar "áreas de pântanos, várzeas, sujeitas a inundações, encostas de vulcões,
morros instáveis, montanhas de lixo, depósitos de lixo químico, beiras de estrada e orlas de
desertos" (DAVIS, 2006, p. 128). Ou seja, essas pessoas ocupam áreas precárias para
construção de moradias.
Neste sentido, "exatamente por ser tão perigoso e desagradável, o local oferece
'proteção contra o aumento do valor dos terrenos na cidade'. Esses locais são o nicho da
pobreza na ecologia da cidade, e gente paupérrima tem pouca opção além de conviver com os
desastres" (DAVIS, 2006, p. 127). Desta forma, o autor apresenta-nos os riscos geológicos e
climáticos locais ampliados pela pobreza:
d'água fosse mais baixo que o ponto máximo de 1946, a enchente provocou dez
vezes mais danos, devido principalmente ao aumento de favelas sem drenagem na
planície da várzea. (DAVIS, 2006, p. 130)
Revela também que, apesar das cheias de rios e riscos de desabamentos, o grande
temor da população das favelas diz respeito à possibilidade de incêndios devido ao uso de
materiais inflamáveis na construção das moradias, utilização de botijões de gás, fogueiras
para o preparo dos alimentos e aquecimento, além da existência de instalações elétricas
precárias, dentre outras questões.
penetrando ainda que timidamente, a agenda de atuação dos Estados. É sobre esse conceito
que a seguir nos debruçaremos.
Há cerca de uma década, a expressão direito à cidade vem tomando corpo nos espaços
acadêmicos do Direito, da Geografia, da Arquitetura, do Urbanismo, dentre outros ramos do
conhecimento, bem como na atuação cotidiana dos movimentos sociais urbanos,
especialmente, aqueles que lutam pelo direito à moradia.
O direito à cidade, por sua vez, caminha no sentido de dar precedência às relações de
valor de uso sobre as relações de valor de troca que se desenvolvem no território urbano,
superando a lógica do consumo do espaço e trazendo uma prática social que coloque o urbano
no cotidiano, recuperando e intensificando a capacidade de integração e participação na
cidade.
e ao valor de troca (os espaços comprados e vendidos, o consumo dos produtos, dos bens, dos
lugares, dos signos‖ (LEFEBVRE, 2001, p. 35).
Nessa toada, o filósofo afirma que a cidade capitalista subordinou o valor de uso ao
valor de troca e, portanto, não é apenas o lugar da produção de mercadorias, de realização das
trocas, mas, também, o sustentáculo da reprodução do modo de viver metabólico do Capital.
―O urbano é assim, mais ou menos, a obra dos citadinos em lugar de se impor a eles
como um sistema: como um livro já acabado‖ (LEFEBVRE, 2001, p. 72).
O direito à cidade é a possibilidade de nos referirmos a ela como aquilo que pode ser.
Não como o usufruto da cidade que temos e o que ela contém e comporta – elementos
também importantes – mas como a possibilidade de transformá-la, de projetar o novo, a partir
de relações novas. É, portanto, uma utopia realizável.
O fato de vivermos em uma cidade socialmente desigual, com bairros ricos equipados
com todo tipo de serviços, infraestrutura, lazer, etc. ao tempo em que as ocupações ilegais,
que ocupam a maior parte do território, vivem sem saneamento básico, sofrendo os impactos
das chuvas, sem transporte, sob forte violência policial, instruída na lógica militar de
existência de inimigo interno, faz com que tenhamos a impressão de que cada uma dessas
partes da cidade funciona isoladamente.
Será contra essa fragmentação do espaço que o direito à cidade se erige, exigindo a
construção de uma análise da totalidade da cidade, reunindo tudo o que dela nasce e nela se
produz e a forma como se relacionam.
Para Lefebvre (2001), o direito à cidade pode ser exercido pela mobilização social e
luta política/social. É um direito inerente às nossas práticas diárias, estejamos conscientes ou
não, ainda que submersos numa realidade contraditória que também nos forma.
103
Se tal direito ainda não é uma realidade, deve ser tomado pelo movimento político que
force profundas modificações nas relações sociais.
A fim de superar a lógica do valor de troca haveria que se reafirmar a cidade como
valor de uso e ressignificá-la coletivamente, a partir das necessidades humanas e não do
Capital.
Se Park está certo, a questão do tipo de cidade que queremos não pode estar separada
da questão do tipo de pessoas que querem ser, dos tipos de relações sociais que
buscamos, de relações com a natureza que nos satisfazem mais, que estilo de vida
desejamos levar, quais são nossos valores estéticos. O direito à cidade é, portanto,
muito mais que um direito de acesso individual ou grupal aos recursos que a cidade
incorpora: é um direito de mudar e reinventar a cidade mais de acordo com nossos
mais profundos desejos. Além disso, é um direito mais coletivo do que individual,
uma vez que reinventar a cidade depende inevitavelmente do exercício de um poder
coletivo sobre o processo de urbanização. A liberdade de fazer e refazer a nós
mesmos e a nós cidade, como pretendo argumentar, é um dos nossos direitos
humanos mais preciosos, ainda que um dos mais menosprezados. (HARVEY,
2014, p. 28).
Resta evidente, portanto, que ambos pensadores afirmam a luta pelo direito à cidade
como uma luta anticapitalista, por essência: visto que seu fim ultrapassa os limites dessa
estrutura social de base capitalista.
Isso não significa a substituição desse modelo de cidade por outro, já formatado e
inserido nos livros, mas algo que somente a apropriação consciente, emancipada, desvelada
das ideologias, e coletiva possa construir.
Nesse sentido, ―se o mundo urbano foi imaginado e feito, então ele pode ser re-
imaginado e refeito‖ (HARVEY, 2014, p. 16).
Já afirmamos que não há cidade sem água, bem como não é possível um estudo das
águas que não se debruce sobre o fenômeno da urbanização.
Apesar de existir água congelada fora do Planeta Terra, a condição para que houvesse
vida neste Planeta é a existência de água, em seus três estados físicos: sólido, líquido e
gasoso.
Apesar da Terra ser azul, isso não significa que a água nela existente é ilimitada:
(...) dos 95,5% do volume total de água da Terra que forma os oceanos e mares,
somente 2,5% são de água doce. Ressalte-se que a maior parcela dessa água doce
(68,9%) forma as calotas polares, as geleiras e neves eternas que cobrem os cumes
das montanhas mais altas da Terra. Os 29,9% restantes constituem águas
subterrâneas doces. A unidade dos solos (inclusive daqueles congelados -
permafrost) e as águas dos pântanos representam cerca de 0,9% do total e a água
doce dos rios e lagos cerca de 0,3%. (REBOUÇAS, 2015, p. 7)
São 1,4 bilhão de km3 de água no planeta. Porém, o recurso é escasso. Apenas 0,3%
dessa água existente no mundo abastece os 7,6 milhões de habitantes. Além disso, essa água
não está distribuída uniformemente entre as regiões e países do mundo.
26% do total de água doce disponível no planeta está na América do Sul, que
concentra apenas 6% da população mundial. O continente asiático, por sua vez, detém 36% do
total de água e abriga 60% da população mundial. Por fim, em 2015, 1,8 bilhão de pessoas
não têm acesso seguro à água com condições mínimas para o consumo humano de acordo
com a UNICEF. O Brasil detém 13,6% da água do planeta, segundo o Ministério do Meio
Ambiente. Todavia, cerca de 6% da população não tem acesso à água potável.
The freshwater cycle is strongly affected by climate change and its boundary is
closely linked to the climate boundary, yet human pressure is now the dominant
driving force determining the functioning and distribution of global freshwater
systems. The consequences of human modification of water bodies include both
global-scale river flow changes and shifts in vapour flows arising from land use
change. These shifts in the hydrological system can be abrupt and irreversible. Water
is becoming increasingly scarce - by 2050 about half a billion people are likely to be
subject to water-stress, increasing the pressure to intervene in water systems. A
water boundary related to consumptive freshwater use and environmental flow
requirements has been proposed to maintain the overall resilience of the Earth
system and to avoid the risk of ―cascading‖ local and regional thresholds.
(ESTOCOLMO, 2015)
Assim, o Instituto afirma que o ciclo da água doce é fortemente impactado pelas
mudanças climáticas.
A água está cada vez mais escassa. Até 2050, cerca de meio bilhão de pessoas
provavelmente estarão sujeitas a estresse hídrico, aumentando a pressão para intervir nos
sistemas de água.
A seca e as guerras pela água já são realidades no mundo. Israel, Síria e Jordânia, em
1967, na conhecida Guerra dos Seis Dias, disputaram o controle das Colinas de Golã, fonte de
um terço das águas de Israel.
Todos estes elementos comprovam que o ―Planeta Favela‖é também o planeta da seca
e do desperdício. Diante disso, a luta pelo direito humano à águae a segurança hídrica são
elementos imprescindíveis para a perpetuação na vida da Terra. Para tanto, uma importante
ferramenta para a garantia desses elementos é o reconhecimento da proteção do direito à água
e da segurança hídrica nos documentos internacionais, como veremos.
A água, sendo uma condição essencial para qualquer vida no planeta Terra -inclusive a
dos seres humanos, cujos corpos são compostos em cerca de 75% deste elemento-, é,
portanto, primeiramente, um elemento vital, a garantia fundamental do homem.
Em segundo lugar, a água é uma obrigação de prestação positiva do Estado para com a
população em geral.
Ocorre que, apesar de ser um elemento vital, sua proteção não adquire o mesmo status
jurídico internacional que os demais direitos humanos convencionados.
O direito à água para consumo humano, assim como o direito à cidade, emergiu para a
comunidade internacional recentemente.
Esse direito, ainda que não adquirira status jurídico de Convenção, se fez presente
implicitamente na Convenção nº 161 da Organização Internacional do Trabalho (1985) e a
Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, ambas sediadas pelo
Brasil.
Tabela 3 – Dispositivos normativos e comentários em relação aos documentos brasileiros ―Convenção sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher‖, de 1979 e ―Convenção sobre os
Direitos da Criança‖, de 1989.
Fonte: Resolução 34/180 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de em 18 de dezembro de 1979 e Decreto nº
99.710 de 21 de novembro de 1990.
Por exemplo, como oPlano de Ação da Conferência das Nações Unidas sobre Água
(1977), Programa 21 da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
108
Assim, todos teriam o direito de receber certa quantidade de água que fosse
indispensável para o exercício das diversas finalidades aludidas, sem interrupções de
fornecimento ou contaminação dos recursos hídricos, em que o sistema de gestão e
abastecimento de água se fundamentasse na distribuição equitativa deste recurso, noção essa
ao Ponto 10.
O Comentário ainda pontua que a água deve ser tratada como bem social e cultural, e
não fundamentalmente um bem econômico, devendo o exercício do direito à água ser
exercido de maneira sustentável que garanta o usufruto desse bem pelas gerações presentes e
futuras, ao Ponto 11.
109
Isto significa que o exercício do direito à água pode variar de acordo com diversas
condições como a disponibilidade hídrica, a qualidade da água, a acessibilidade física aos
recursos hídricos, a acessibilidade econômica, como os custos e encargos diretos e indiretos
para acesso à água.
Aos Estados Nacionais cabe respeitar o direito humano à água, sua proteção frente a
terceiros, bem como facilitar, promover e garantir o acesso à água para consumo humano.
Primeiramente, ao dispor que a água deve ser garantida pelo Estado (art. 3º), a
Constituição Equatoriana instituiu um direito subjetivo à água (art. 12º), ou seja, um dever
prestacional do Estado que poderá ser pleiteado a fim de fazer-se valer, mediante o Poder
Judiciário. A água no Direito Equatoriano está diretamente vinculada à garantia do direito à
vida, literalmente, ―inseparável e essencial à vida‖ (EQUADOR, 2008).
Além disso, possui natureza jurídica de patrimônio nacional estratégico de uso público
e, portanto, inalienável, constando isso em seu artigo 3º.
A gestão da água deverá ser pública ou comunitária, bem como ao Estado caberá a
planificação e gestão da água destinadas ao consumo humano, irrigação que garanta a
soberania alimentar, fluxo ecológico e atividades produtivas, nessa ordem de prioridade (art.
318).
Art. 3.- Son deberes primordiales del Estado: 1. Garantizar sin discriminación
alguna el efectivo goce de los derechos establecidos en la Constitución y en los
instrumentos internacionales, en particular la educación, la salud, la alimentación, la
seguridad social y el agua para sus habitantes. (...)
(...)
Art. 12.- El derecho humano al agua es fundamental e irrenunciable. El agua
constituye patrimonio nacional estratégico de uso público, inalienable,
imprescriptible, inembargable y esencial para la vida.
Art. 13.- Las personas y colectividades tienen derecho al acceso seguro y
permanente a alimentos sanos, suficientes y nutritivos; preferentemente producidos a
nivel local y en correspondencia con sus diversas identidades y tradiciones
culturales. El Estado ecuatoriano promoverá la soberanía alimentaria.
Art. 14.- Se reconoce el derecho de la población a vivir en un ambiente sano y
ecológicamente equilibrado, que garantice la sostenibilidad y el buen vivir, sumak
kawsay. Se declara de interés público la preservación del ambiente, la conservación
de los ecosistemas, la biodiversidad y la integridad del patrimonio genético del país,
la prevención del daño ambiental y la recuperación de los espacios naturales
degradados.
(...)
Art. 66.- Se reconoce y garantizará a las personas: 1. El derecho a la inviolabilidad
de la vida. No habrá pena de muerte. 2. El derecho a una vida digna, que asegure la
salud, alimentación y nutrición, agua potable, vivienda, saneamiento ambiental,
educación, trabajo, empleo, descanso y ocio, cultura física, vestido, seguridad social
y otros servicios sociales necesarios.
Art. 276.- El régimen de desarrollo tendrá los siguientes objetivos: (...) Recuperar y
conservar la naturaleza y mantener un ambiente sano y sustentable que garantice a
las personas y colectividades el acceso equitativo, permanente y de calidad al agua,
aire y suelo, y a los beneficios de los recursos del subsuelo y del patrimonio natural.
(...)
Art. 318.- El agua es patrimonio nacional estratégico de uso público, dominio
inalienable e imprescriptible del Estado, y constituye un elemento vital para la
naturaleza y para la existencia de los seres humanos. Se prohíbe toda forma de
privatización del agua. La gestión del agua será exclusivamente pública o
comunitaria. El servicio público de saneamiento, el abastecimiento de agua potable y
el riego serán prestados únicamente por personas jurídicas estatales o comunitarias.
El Estado fortalecerá la gestión y funcionamiento de las iniciativas comunitarias en
torno a la gestión del agua y la prestación de los servicios públicos, mediante el
incentivo de alianzas entre lo público y comunitario para la prestación de servicios.
El Estado, a través de la autoridad única del agua, será el responsable directo de la
planificación y gestión de los recursos hídricos que se destinarán a consumo
humano, riego que garantice la soberanía alimentaria, caudal ecológico y actividades
productivas, en este orden de prelación. Se requerirá autorización del Estado para el
aprovechamiento del agua con fines productivos por parte de los sectores público,
privado y de la economía popular y solidaria, de acuerdo con la ley.
(...)
Art. 411.- El Estado garantizará la conservación, recuperación y manejo integral de
los recursos hídricos, cuencas hidrográficas y caudales ecológicos asociados al ciclo
hidrológico. Se regulará toda actividad que pueda afectar la calidad y cantidad de
agua, y el equilibrio de los ecosistemas, en especial en las fuentes y zonas de recarga
113
Nesse trabalho, adotaremos o conceito trazido pela UN-WATER (2003) que identifica
a segurança hídricacomo
Exige, portanto, uma goverrnança com adequação dos regimes jurídicos aos objetivos
relacionados à segurança hídrica, ao provimento de infraestrutura e equipamentos públicos
relacionados ao abastecimento de águas para as diversas funções, pelos Estados, além de uma
preocupação transfronteiriça com o elemento hídrico, de modo a evitar atritos entre os
Estados e, intra-Estados.
114
Cabe pontuar que, apesar de adequada, a abordagem desse Termo de Referência deixa
a desejar quanto aos aspectos de preservação e recuperação ambiental, bem como é pouco
nítida a prioridade da água para o abastecimento humano.
No meio ambiente urbano, isso significa que atinge-se a segurança hídrica quando há
água para consumo direto da população sem discriminação.
Assim, ressaltamos esse aspecto da segurança hídrica, uma vez que acreditamos ser
impossível atingir o patamar proposto pelo direito à cidade, sem que ela esteja garantida.
A caminhada segue com os diálogos realizados nos anos 90, entre ativistas de
direitos humanos, ambientalistas, organizações não governamentais e movimentos
populares urbanos, autoridades locais, nacionais e organismos internacionais, nas
Conferências Globais das Nações Unidas como a do Meio Ambiente, em 1992, na
cidade do Rio de Janeiro e a dos Assentamentos Humanos - Habitat II, no ano de
1996, na cidade de Istambul. Estas Conferências introduzem na Agenda 21 e na
Agenda Habitat componentes sobre o direito à cidade ao tratar das condições
adequadas de vida que devem ser atingidas nos assentamentos humanos.
A caminhada tem continuidade no início deste século com os debates e diálogos
promovidos pelas redes e Fóruns Globais que tratam dos temas urbanos, em especial
o Fórum Social Mundial e o Fórum Urbano Mundial. Com o objetivo de contribuir
com os rumos desta caminhada é apresentado um retrato sobre este processo de
internacionalização com destaque para a Carta Mundial do Direito à Cidade. Os
componentes presentes na Carta servem como parâmetros para iniciativas de cartas,
convenções e tratados internacionais sobre o direito à cidade. (SAULE JR., 2007, p.
30-31)
Dessa forma, a Carta Mundial pelo Direito à Cidade - cuja origem remonta ao Fórum
Social Mundial de 2004, firmada por diversas entidades e governos - apesar de não ser
propriamente um tratado ou convenção internacional com força normativa, é um ponto de
referência para a implementação do conceito de direito à cidadenos documentos
116
internacionais e nos ordenamentos jurídicos pátrios e, portanto, como traz a própria Carta, é
"um instrumento dirigido ao fortalecimento dos processos, reivindicações e lutas urbanas".
A Carta enuncia que o direito à cidade se define como o usufruto equitativo das
cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia e justiça social, compreendendo
a cidade como espaço coletivo culturalmente rico e diversificado que pertence a todos os seus
habitantes.
A Carta, em seus dois primeiros artigos, é bem explícita quanto à inclusão da água
potável como componente inerente ao direito à cidade, bem como à proteção aos recursos
naturais, em que se encontram os recursos hídricos:
Para tanto, a demarcação da cidade se dá por seu caráter físico, enquanto lugar
institucionalmente organizado como unidade local de governo, incluindo o espaço urbano e
seu entorno rural e semi-rural, bem como por seu caráter político, devendo apresentar um
conjunto de instituições e atores que possam intervir na sua gestão.
Tal modelo gestionário, por sua vez, significa que todos os citadinos têm direito de
encontrar nas cidades as condições necessárias para sua própria realização política,
econômica, cultural, social, ecológica, assumindo o dever de solidariedade. Dessa forma,
todos devem ter o direito de participar por meio de formas diretas e representativas.
Com vistas a esse fim, os espaços públicos e privados da cidade e dos cidadãos, devem
ser utilizados priorizando o interesse social, cultural e ambiental. Pelo princípio da função
social da propriedade todos têm o direito de participar da propriedade do território urbano
dentro de parâmetros democráticos, de justiça ambiental e de condições ambientais
sustentáveis.
Uma forma de inibir esses últimos interesses é a existência de normas para uma justa
distribuição dos ônus e benefícios da urbanização. A mais-valia gerada pelo investimento
118
público deve ser gestionada em favor de programas sociais. É o que consta no Artigo 2º
daquele documento.
O princípio da igualdade e não discriminação, por sua vez, traduz que a cidade deve
ser espaço de promoção material da igualdade. Ou seja, sem qualquer discriminação
concernente a gênero, raça, etnia, orientação sexual, orientação religiosa, de classe, etc.
Para tal finalidade, esse documento dispõe sobre a instituição de órgãos colegiados,
debates, conferências, projetos de lei de iniciativa popular, que efetivem a participação da
sociedade civil nas decisões sobre a construção das cidades. Complementarmente, ele
incentiva a transparência das gestões e a prestação de informações pelo Poder Público.
Assim, cumpre discorrer sobre a Carta, como uma iniciativa pioneira internacional de
indução do direito à cidade na agenda de compromisso dos Estados, com vistas à sua
efetivação e positivação.
Art. 31. Las personas tienen derecho al disfrute pleno de la ciudad y de sus espacios
públicos, bajo los principios de sustentabilidad, justicia social, respeto a las
diferentes culturas urbanas y equilibrio entre lo urbano y lo rural. El ejercicio del
derecho a la ciudad se basa en la gestión democrática de ésta, en la función social y
ambiental de la propiedad y de la ciudad, y en el ejercicio pleno de la ciudadanía
(EQUADOR, 2008).
Ao encontro do conceito político-filosófico de direito à cidade, enquanto o exercício
da radicalização da democracia, essa Constituição reforçou a gestão democrática e o pleno
exercício da cidadania, como aspectos elementares de efetivação desse direito ao lado da
garantia do equilíbrio ecológico ambiental, o respeito às diversidades culturais e no dever da
propriedade e da cidade exercerem uma função social e ambiental. Essa é a primeira
experiência de positivação expressa do direito à cidade em texto constitucional
Em 2012, no Rio de Janeiro, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável, conhecida como ―Rio +20‖ - uma vez que foi realizada 20 anos
depois, ao mesmo local, da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável. Os principais temas de debates da ―Rio +20‖ foram a economia verde e a
estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável.
120
O documento final da Conferência, intitulado "O Futuro que Queremos", reforçou três
aspectos do desenvolvimento sustentável, social, ambiental e econômico, que se relacionam e
determinam o desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, afirma o documento:
Sobre o temas das cidades é necessário pontuar que o documento propõe elementos
importantes, ainda que de maneira genérica, explicitando uma preocupação com o provimento
de água potável e saneamento básico no espaço das cidades.
Faz-se necessário, ainda, destacar que o documento isolou e, ao mesmo tempo, tratou
conjuntamente os temas água e saneamento:
Por sua vez, em 2015, foi editada uma uma declaração, ―17 Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável‖, os ―ODS‖, com 169 metas a serem cumpridas até 2030
(ONU, 2015).
Essa declaração foi adotada por 193 Estados-membro da ONU, em que esses objetivos
nortearão as ações desses Estados na promoção do desenvolvimento sustentável. Importa
notar que dois desses ―ODS‖ e suas metas estão diretamente relacionados com o direito à
cidadee o direito à água potável para consumo humano. O primeiro se relaciona com o direito
à água e saneamento:
11. Compartilhamos uma visaõ de cidade para todos , referente à fruiçaõ e ao uso
igualitários de cidades e assentamentos humanos , almejando promover inclusaõ e
assegurar que todos os habitantes , das gerações presentes e futuras , sem
discriminações de qualquer ordem , possam habitar e produzir cidades e
assentamentos humanos justos , seguros, saudáveis, acessíveis, resilientes e
sustentáveis para fomentar prosperidade e qualidade de vida para todos . Salientamos
os esforços envidados por alguns gov ernos nacionais e locais no sentido de
consagrar esta visaõ , referida como direito à cidade, em suas legislações, declarações
políticas e diplomas. (ONU, 2016)
A Nova Agenda Urbana contém uma série de elementos que reforçam as resoluções da
Rio+20 e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Dentre elas, destacamos algumas
que têm relação direta com a questão hídrica:
adequada e equitativa para todos ; além de erradicar a defecação a céu aberto , com
especial atenção para as necessidades e segurança das mulheres e meninas e aqueles
em situações vulneráveis . Procuraremos garantir que esta infraestrutura seja
resiliente às alterações climáticas e constitua parte dos planos integrados de
desenvolvimento urbano e territorial, incluindo habitaçaõ e mobilidade, entre outros,
e seja implementada de forma participativa , considerando soluções sustentáveis ,
inovadoras, eficientes, acessíveis, contextualizadas e atentas às questões culturais .
120. Trabalharemos para equipar os serviços públicos de água e de saneamento com
a capacidade de implementar sistemas de gestaõ sustentável da água , incluindo a
manutenção sustentável de serviços de infraestrutura urbana , por meio do
desenvolvimento de capacidades com o objetivo de eliminar progressivamente as
desigualdades e promover o acesso universal e equitativo à água potável , segura e
economicamente acessiv ́ el para todos e à higiene e ao saneamento adequados e
equitativos para todos. (ONU, 2016)
Há também uma preocupação, ao Ponto 34 da agenda, em
Diante daquilo que expusemos, podemos notar que existe, em nível internacional, uma
preocupação com a garantia da segurança hídrica e o direito à cidade. Mas, com a fragilidade
característica da pouca ênfase aos aspectos democráticos da gestão das águas e das cidades.
126
Para tanto, pretendemos localizar ambos conceitos, direito à cidade e direito à água
para consumo humano, no ordenamento jurídico pátrio.
Contudo, ainda que não trouxesse de maneira expressa esse conteúdo do direito à água
para fins de consumo humano ele existe, implicitamente, como componente do direito à vida,
direito fundamental consagrado no art. 5º, caput.
Uma vez que não existe vida no planeta Terra que dispense água para sobreviver,
consideramos que a água seja parte do núcleo central do conteúdo do direito à vida,
128
diretamente ligada ao mínimo existencial, a menor parcela que um ser humano necessita para
sobreviver.
Não o fazendo, caberá acionar o Poder Judiciário para a garantia desse direito
subjetivo (art. 5º, XXXV da CF/88).
Ainda que o direito à água preceda a dignidade da pessoa humana, a que se refere o
art. 1º, III - afinal, para se ter dignidade é preciso antes existir - ele também o integra,
conforme nos explica D'Isep (2006):
A vida tutelada pelo sistema jurídico não se limita à existência física (o que garante
o acesso gratuito à água), e sim uma vida qualificada, qual seja, a vida digna. Por
vida digna entende-se a proteção à incolumidade física, psíquica, social, econômica e
ambiental da pessoa humana. São exemplos: da incolumidade hidrossocial - a sede,
portanto o não acesso à água é um fator de exclusão social; da incolumidade
hidroeconômica: a água é fator de desenvolvimento; da incolumidade
hidroambiental: a água é responsável pelo equilíbrio ambiental e pela renovação
vegetal e, portanto, equilibra o meio em que o homem vive. (D'ISEP, 2006, p. 74)
Dessa maneira, concluímos que, apesar de não estar expresso na Constituição Federal,
o direito à água potável está presente na garantia do direito fundamental à vida (art. 5º, caput)
e no fundamento da dignidade da pessoa humana (art. 1º, I).
Tabela 4 – Propostas de Emenda Constitucional que visam positivar, explicitamente, o direito à água, em
tramitação no Congresso Nacional:
39/2007 ―Art. 6º. São direitos sociais a Dep. Raimundo Gomes Parecer do relator do
educação, a saúde, o trabalho, a de Matos (PSDB/CE) CCJ foi pela
moradia, a água, o lazer, a admissibilidade da PEC.
segurança, a previdência, a
assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição‖ (grifos
nossos) (BRASIL, 2007)
213/2012 ―Art. 6º São direitos sociais o Dep. Janete Rocha Pietá Tramitação apensada à
acesso à água, a educação, a (PT/SP) PEC nº 39/2007
129
258/2016 "Art. 6º São direitos sociais a Dep. Paulo Pimenta Está na CCJ.
educação, a saúde, a alimentação, (PT/RS) e Dep. Padre
o trabalho, a moradia, o João (PT/MG)
transporte, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados e o
acesso à terra e à água, na forma
desta Constituição." (grifos
nossos) (BRASIL, 2016)
Fonte: BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 213, de 31 de outubro de 2012; BRASIL. Proposta de
Emenda Constitucional nº 258, de 04 de agosto de 2016; BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 39, de
12 de abril de 2007.
Uma vez que a cidade em si, se caracteriza como modalidade de meio ambiente
urbana.
130
À luz do que nos ensina Di Sarno (2004), o meio ambiente urbano, objeto de estudo do
Direito Urbanístico, possui quatro aspectos sobre o qual se debruça o Direito Ambiental: meio
ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho.
Por sua vez, o meio ambiente artificial se caracteriza pela intervenção do ser humano
no meio ambiente, transformando a essência desse espaço. Destaca-se que, por se caracterizar
exclusivamente pela intervenção humana esse meio ambiente artificial pode não ser
inerentemente urbano; afinal nem toda intervenção do homem sobre o meio ambiente natural
resulta em cidades, haja vista uma intervenção em área rural, por exemplo.
Em consonância com a Constituição Federal, essa lei compreendeu esse direito como
―o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao
131
transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações‖
(BRASIL, 2001).
De qualquer forma, podemos afirmar que o direito à cidade está tutelado pela
Constituição Federal. Mas não é só isso. Compreendemos que a tutela do recursos hídricos,
uma componente essencial do direito ao meio ambiente urbano também está inserida nesse
mesmo art. 225 da CF/88.
Portanto, podemos concluir que direito à cidade, direito à água para fins de
abastecimento humano e a tutela dos recursos hídricos foram tutelados pela Lei Maior do
Brasil.
Nesse contexto, esse conceito jurid́ ico de direito à cidade será norteador para as açõe s
do Poder Público e da sociedade civil , apontando para a perspectiva de superaçaõ das cidades
desiguais e segregações.
Apesar disso, seria leviano naõ reivindicá -lo como práxis inovadora.
A Constituição do Estado de São Paulo reservou uma seção aos recursos hídricos - art.
205 a 213.
Ainda, estabelece que a cobrança dos recursos hídricos variável conforme cada
peculiaridade de bacia hidrográfica (art. 211), bem como proíbe o despejo de efluentes e
esgotos urbanos e industriais, sem tratamento, nos corpos d'água (art. 208).
Nessa toada, foi promulgada a Lei nº 7.663 de 1991, que dispõe sobre a Política
Estadual dos Recursos Hídricos, a principal referência normativa para o gerenciamento dos
Recursos Hídricos no Estado de São Paulo.
133
Ainda, reconhece a água como bem de valor econômico, atribuindo-lhe cobrança pelo
uso. Prevê a prevenção e o combate às causas e aos efeitos da poluição, erosão e
assoreamento do solo, inundações e estiagens; bem como a "compensação aos municípios
afetados por áreas inundadas resultantes de implantação de reservatório e por restrições
impostas por leis de proteção de recursos hídricos" (art. 3º).
Tabela 5 – Gestão dos Recursos Hídricos no Estado de São Paulo – Instâncias e Atribuições
Instância Atribuições
Comitês de Bacias - aprovar a proposta da bacia hidrográfica, para integrar o Plano Estadual de
Hidrográficas (art. 26) Recursos Hídricos e suas atualizações;
- aprovar a proposta de programas anuais e plurianuais de aplicação de
recursos financeiros em serviços e obras de interesse para o gerenciamento
dos recursos hídricos;
-aprovar a proposta do plano de utilização, conservação, proteção e
recuperação dos recursos hídricos da bacia hidrográfica;
- promover entendimento, cooperação e eventual conciliação entre os usuários
dos recursos hídricos; e
- promover estudos, divulgação e debates, dos programas prioritários de
serviços e obras.
Aguapeí e Peixe, com 74 municípios; por sua vez, o CBH da Serra da Mantiqueira reúne o
menor número, apenas 3 municípios.
Apenas para ilustrar, o CBH Alto Tietê, por exemplo, tem 4 câmaras constituídas:
Câmara Técnica de Gestão de Investimento; Câmara Técnica de Planejamento e Articulação
(que engloba dois Grupos de Trabalho, sobre Lei de Mananciais e sobre Consultas
Ambientais); Câmara Técnica de Monitoramento Hidrológico; e Câmara Técnica de
Educação Ambiental.
A lei, ainda, dispõe que o Estado poderá delegar aos municípios o "gerenciamento de
recursos hídricos de interesse exclusivamente local, compreendendo, dentre outros, os de
bacias hidrográficas que se situem exclusivamente no território do Município e os aqüíferos
subterrâneos situados em áreas urbanizadas" (art. 32).
O papel dos Comitês de Bacia Hidrográfica, que poderá ser composto em até um terço
da sociedade civil, resta secundário na determinação da política da água.
Um segundo elemento tem a ver com o papel reduzido de atuação dos municípios no
âmbito dos Comitês de Bacia, ainda que a lei preveja participação paritária entre
representantes do Estado e dos Municípios.
No caso do Município de São Paulo, três são os Comitês responsáveis pela gestão das
águas que atravessam o município. O Comitê de Bacia Hidrográfica Alto Tietê abarca os
reservatórios Billings e Guarapiranga e Cantareira, que abastecem o Município de São Paulo,
e é composto por 36 municípios, em um total de cerca de 20 milhões de habitantes.
Nesse sentido, a lei estadual assumiu a possibilidade de restringir o interesse local para
a preservação e defesa dos cursos d'água, para tanto, dispondo de restrições urbanísticas.
Por sua vez, a Lei Estadual nº 9.866 de 1997, conhecida como Lei dos Mananciais,
disciplinou a proteção e recuperação das bacias hidrográficas dos mananciais, estes
compreendidos pelas "águas interiores subterrâneas, superficiais, fluentes, emergentes ou em
depósito, efetiva ou potencialmente utilizáveis, para o abastecimento público." (art. 1º, caput).
Essa Lei trouxe como instrumento básico para sua intervenção a criação de Áreas de
Proteção e Recuperação dos Mananciais (APRM), que englobam uma ou mais bacias
hidrográficas cujo uso prioritário seja o consumo humano, em detrimento de qualquer outra
forma de utilização dos cursos d'água.
Importa observar, portanto, que esta Lei dos Mananciais dispõe que, nas leis
específicas que disciplinarem as áreas de proteção e recuperação de mananciais, a mesma
estipulará diretrizes urbanísticas de ordenação do solo urbano.
138
Por sua vez, as Áreas de Ocupação Dirigida são aquelas para a implementação dos
usos rurais e urbanos (art. 14).
Por fim, as Áreas de Recuperação Ambiental são aquelas cujo uso compromete a
fluidez, potabilidade, quantidade e qualidade dos mananciais e, por isso, necessitam de
intervenção.
Nesse sentido, devem ser interpretados pelo Direito Urbanístico à luz do princípio da
coesão dinâmica e, pelo Direito das Águas, da cooperação na garantia de segurança hídrica.
Ele deverá ser elaborado para cada APRM e conterá, dentre outros elementos,
diretrizes para o estabelecimento de políticas setoriais, como de saneamento ambiental e
infraestrutura; metas para obtenção de padrões de qualidade ambiental; e proposta de
atualização das diretrizes ambientais e urbanísticas de interesse regional.
Além disso, tal Lei dispôs sobre o Sistema Gerencial de Informações, suporte
financeiro para a gestão das APRM e infrações e penalidades às normas específicas dessas
áreas.
Sem questionar o mérito de cada uma delas, importa observar alguns aspectos de
compatibilidade destas legislações com as normas de Direito Urbanístico brasileiro,
especialmente no que concerne ao Estatuto da Cidade - Lei nº 10.257/01 e às competências do
plano diretor municipal.
A Lei do Guarapiranga - Lei Estadual nº 12.233 de 2006 estipula, dentre outros, que o
plano diretor e os instrumentos do Estatuto da Cidade são instrumentos de planejamento e
gestão da APRM do Guarapiranga (art. 5º, XI).
140
Remete diversas vezes para a lei municipal do Plano Diretor e para o Estatuto da
Cidade, sem criar tensões entre estes instrumentos da política urbana e a lei estadual, a
exemplo do art. 18, a ver:
A Lei nº 13.579 de 2009 que dispõe sobre a APRM do Reservatório Billings vai no
mesmo sentido e dispõe que "os instrumentos de política urbana previstos na Lei federal nº
10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal
e estabelece diretrizes gerais de política urbana, denominada Estatuto da Cidade" são,
também, instrumentos de planejamento e gestão desta Área, especialmente para fins de
regularização.
Neste sentido, também seguiu a Lei da Cantareira - Lei Estadual nº 15.790 de 2015,
que incorporou o Plano Diretor e os instrumentos urbanísticos do Estatuto da Cidade como
instrumentos de gestão e planejamento da APRM do Alto Juquery.
Importa mencionar que a Lei da Billings assume uma grande preocupação com a obra
rodoviária do Governo do Estado de São Paulo, o Rodoanel, estipulando uma Área de
Estruturação Ambiental Rodoanel, com parâmetros distintos de ocupação e uso do solo para
garantir esta obra viária.
Por sua vez, a Lei Estadual nº 12.526 de 2007 dispõe sobre normas para a contenção
de enchentes e destinação de águas pluviais.
Cabe mencionar que o Projeto de Lei nº 464 de 2005, que deu origem a essa lei, foi
vetado integralmente pelo Chefe do Executivo Estadual, sob o argumento de que a matéria,
por ser elemento de Direito Urbanístico, era de interesse local e, portanto, a competência seria
municipal. Contudo, a Assembleia Legislativa deste Estado derrubou este veto e a lei segue
em vigência.
A Lei Estadual nº 6.134 de 1988 dispõe sobre o depósito natural das águas
subterrâneas do Estado e é complementado pelo Decreto Estadual nº 32.955 de 1991.
Portanto, no que tange aos poços artesianos, a autorização ficará condicionada a uma
solicitação de perfuração à CETESB, condicionada a uma outorga do DAEE e fiscalizada pela
Secretaria Estadual de Saúde.
143
Neste sentido, cabe discorrer brevemente sobre a CETESB. Criada pelo Decreto
Estadual nº 50.079 de 1968 e alterada pelas Leis Estaduais nº 118 de 1973 e nº 13.542 de
2009, a CETESB é um dos principais órgãos de gestão dos recursos hídricos do Estado de São
Paulo.
A Lei Municipal 16.050 de 2014 promulgou o novo Plano Diretor Estratégico (PDE)
do Município de São Paulo, o instrumento básico da política urbana neste território.
144
A investigação desse plano em sua integralidade não é o objeto deste estudo, mas tão
somente as disposições que resguardem conexão com a temática dos recursos hídricos e do
abastecimento de água para consumo humano.
quanto à qualidade de vida, à justiça social, ao acesso universal aos direitos sociais e
ao desenvolvimento socioeconômico e ambiental, incluindo o direito à terra urbana ,
à moradia digna , ao saneamento ambiental , à infraestrutura urbana , ao transporte ,
aos serviços públicos, ao trabalho, ao sossego e ao lazer (art. 5º, §1º) (SÃO PAULO,
2014).
Para tanto, estipula que a função social da propriedade urbana éelemento integrante do
direito de propriedade citadina e compreende o cumprimento dos padrões urbanísticos
estabelecidos pelo próprio Plano Diretor Estratégico (art. 5º, §2º).
O Plano Diretor Estratégico reservou uma subseção para dispor sobre a Rede Hídrica
Ambiental (arts. 24 e 25), que se constitui pelo conjunto de cursos d ́água , cabeceiras de
drenagem, nascentes, olhos d ́água e planić ies aluviais , e dos parques urbanos , lineares e
naturais, áreas verdes significativas e áreas protegidas, localizado em todo o território do
município, que constitui seu arcabouço ambiental e desempenha funções estratégicas para
garantir o equilíbrio e a sustentabilidade urbanos (art. 24).
A unidade territorial dessa rede hídrica será a bacia hidrográfica, respeitados os limites
do território do município e seu objetivo é recuperar e proteger áreas estratégicas para a
hidrossustentabilidade, por meio de ampliação de parques urbanos e lineares, áreas verdes,
arborização, recuperação de áreas degradadas, atuações articuladas com o Governo do Estado,
dentre outras.
Nos art. 27 a 29, o Plano Diretor Estratégico dispôs sobre diretrizes para a revisão,
simplificação e consolidação da Lei de Parcelamento Uso e Ocupação do Solo do Município.
Dentre eles estão algumas com preocupação hídrica e ambiental, a ver:
(...)
XXXI - criar formas efetivas para preservaçaõ e proteçaõ das áreas verdes
significativas;
XXXIII - garantir, na aprovaçaõ de pro jetos de parcelamento e edificaçaõ , o uso
seguro das áreas com potencial de contaminaçaõ e contaminadas , inclusive águas
subterrâneas, de acordo com a legislaçaõ pertinente (SÃO PAULO, 2014).
Ainda, o PDE divide o Município em zonas, de maneira a gerir e
ordenar o solo de acordo com usos e funções específicas.
Nesse sentido, divide a cidade em treze zonas, inicialmente: Zona Exclusivamente
Residencial (ZER); Zonas Predominantemente Residenciais (ZPR); III - Zonas Mistas (ZM);
Zonas de Centralidades (ZC); Zona de Desenvolvimento Econômico (ZDE); Zona
Predominantemente Industrial (ZPI); Zona de Ocupaçaõ Especial (ZOE); Zona de
Preservação e Desenvolvimento Sustentável (ZPDS); Zonas Especiais de Interesse Social
(ZEIS); Zonas Especiais de Preservação Cultural (ZEPEC); Zonas Especiais de Preservaçaõ
Ambiental (ZEPAM); Zona Especial de Preservaçaõ (ZEP), Zona de Transiçaõ (ZT).
Nesse sentido, cabe evidenciar uma integração entre as leis estadual e municipal de
maneira a se condicionarem e complementarem mutuamente, sem disputar competência
legislativa, a exemplo do que dispõe o art. 54:
Art. 54. Nas ZEIS 4, além do disposto no artigo anterior ficam estabelecidas as
seguintes disposições complementares:
152
Por sua vez, o Sistema de Esgotamento Sanitário (art. 209 a 212) tem as seguintes
características:
● Diretrizes:
A principal zona que diz sobre a preservação dos mananciais são as ―ZEPAMs‖,
Zonas Especiais de Proteção Ambiental, conceituadas (art. 19, caput) como
Segundo essa mesma lei, qualquer loteamento do município deve ser entregue com
infraestrutura urbana implantada, isto é, com equipamentos de escoamento das águas pluviais,
iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água e energia elétrica pública e
domiciliar e sistema viário (art. 48, caput).
Este plano de saneamento básico de São Paulo, precede à elaboração do Plano Diretor
Estratégico do Município, enquanto é compatível com as determinações da Lei da Política
Nacional de Saneamento Básico. Nele são apresentadas o contexto do saneamento básico de
São Paulo, bem como as diretrizes e estratégias do Plano para os anos subsequentes.
Assim, para alcançar as metas acima descritas, a Prefeitura Municipal de São Paulo e o
Governo do Estado de São Paulo, em 2010, celebraram um convênio, com a interveniência e a
anuência da SABESP e da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São
Paulo, a ―ARSESP‖, com a finalidade de compartilhar a responsabilidade pelo oferecimento
do serviço de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Município de São Paulo.
156
Nesse sentido, a SABESP foi contratada para a prestação dos serviços públicos de
abastecimento e esgotamento sanitário do Município de São Paulo.
À primeira vista, lei municipal está em estrita concordância com o princípio da função
socioambiental da cidade, já que combate a ociosidade e subutilização dos imóveis em áreas
dotadas de infraestrutura e, para conter os impactos ambientais, privilegia um modelo de
cidade compacta, que reduz a pressão humana sobre os recursos naturais.
Essas áreas passam por uma valorização que impede a ocupação das populações mais
pobres e privilegia a apropriação desses espaços ―melhores‖ na cidade, por um seleto grupo
de abastados do município.
157
Outra questão diz sobre o licenciamento dos empreendimentos, em que a lei municipal
obriga, como requisito da licença urbanística, a reserva de área permeável sobre terreno
natural, visando à absorção de emissões de carbono, à constituição de zona de absorção de
águas, à redução de zonas de calor, à qualidade de vida e à melhoria da paisagem (art. 21).
Nesse sentido, complementa que a área de permeabilidade deverá ter tamanho mínimo
equivalente ao estabelecido para a zona de uso em que se localiza o lote, podendo o que
exceder o mínimo da área permeável ser aplicado em reflorestamento de espaço de igual
tamanho, em parques públicos, praças, áreas de preservação permanente ou áreas degradadas,
dando-se preferência aos bairros com baixo índice de arborização, mediante acordo a ser
firmado e fiscalizado pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (art. 21,
parágrafo único).
Apesar da boa intenção legislativa, não podemos nos furtar de um apontamento sobre
a questão do licenciamento.
É possível afirmar que a legislação municipal sobre mudança de clima, ainda que um
instrumento importante, só tem eficácia em uma parte reduzida da cidade, a cidade formal.
158
Não restam dúvidas, portanto, que o Poder Público Municipal, apesar de não ter
competência para gerir os recursos hídricos que tocam o território municipal, tem uma série
de atribuições que o responsabilizam pela gestão, preservação e recuperação dos recursos
hídricos e pela garantia do acesso à água, em quantidade e em qualidade adequadas, para usos
múltiplos da população; ou seja, para garantir a segurança hídrica municipal.
A partir desses instrumentos de planejamento, fica garantida a tutela jurídica das áreas
de proteção e recuperação dos recursos hídricos e dos mananciais.
Assim, é condição sine qua non de um bom planejamento urbano que, além de ser
democrático, o faça observando que é uma parte integrante de todo um território estadual e
pertencente a uma bacia hidrográfica.
O processo das normativas estaduais deve contar com a participação dos municípios
envolvidos. A elaboração das normativas municipais sobre ordenamento do solo e a gestão
das águas devem observância às determinações das leis estaduais sobre gestão dos recursos
hídricos.
Aliás, todas as ações do Poder Público Municipal devem estar subsidiadas pelo amplo
acesso à informação, nos termos do inciso XXXIII do art. 5o, inciso II do § 3o do art. 37 e no
§ 2o do art. 216 da Constituição Federal e da Lei nº 12.527 de 2011.
6. CONCLUSÃO
A histórica falta de abastecimento de água até o colapso hídrico de 2014, que afetou o
Município de São Paulo são produtos deste processo que transformou a cidade das águas em
cidade sem água.
Não há vida sem água e não há cidade sem água. Assim, a ausência deste elemento
vital, a água, no meio urbano, em meio a um contexto de extrema insegurança hídrica afasta
por completo a garantia do direito à cidade. Compreendido como o exercício máximo da
radicalização democrática de construir e reconstruir o espaço urbano de acordo com as
vontades humanas, sem água não há qualquer possibilidade de se chegar, ao menos próximo,
deste direito.
Em segundo lugar, é possível afirmar que há, no conjunto da sociedade civil e dos
governos internacionais, nacionais e locais uma preocupação ampla e sistematizada em
documentos sobre a problemática hídrica no meio ambiente urbano. É o que evidenciam
diversas convenções e tratados internacionais, especialmente a Carta Mundial pelo Direito à
Cidade, Comentário Geral nº 15 do CESCR/ONU de 2002, a Resolução ONU A/64/292, o
documento "O Futuro que Queremos"; ―Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável‖
(A/RES/70/1) e a ―Nova Agenda Urbana‖, produzida na Conferência Sobre Assentamentos
Humanos - Habitat III (em Quito, em 2016). Ainda que não sejam marcos internacionais
dotados de imperatividade, são importantes documentos que subsidiam a formulação
normativa dos ordenamentos jurídicos dos Estados signatários.
E a gestão privada da Sabesp, com envio de divisas para as Bolsas de Valores de São
Paulo e de Nova York e estímulo a Contratos de Demanda Firme, não seriam obstáculos à
universalização do acesso à água, elemento vital, um serviço público essencial? Como
compatibilizar investimentos públicos e garantia de altas taxas de lucro para acionistas
estrangeiros? É possível compatibilizar a água, enquanto mercadoria e enquanto direito? Nos
parece que não e isto se evidenciou com cerca de 70 municípios e 38% da população de São
Paulo sem água, em 2014. O modelo de privatização deste serviço público, de longe, cumpriu
às expectativas míticas da eficiência.
Ocorre que tanto a questão de ordenamento do solo, quanto a gestão dos recursos
hídricos são políticas de estado, de longo prazo, e não de um simples governo quadrienal. O
sistema republicano, de alternância constante dos poderes, obstaculariza a percepção dos
problemas urbanos, como a insegurança hídrica, em sua totalidade, acabando o Poder Público
por tratar de metas e objetivos que sejam possíveis na sua gestão.
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