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Thiago RODOVALHO*
José Luiz de Almeida SIMÃO**
RESUMO: Este artigo visa a analisar a exegese da teoria da responsabilidade civil por
perda de uma chance, teoria que tutela a vítima que se encontra em uma situação
de álea em que poderia obter um resultado favorável (= chance), mas cuja
oportunidade não pode ser efetivamente tentada ou disputada em razão de um
comportamento ilícito (ação ou omissão) de um terceiro, que lhe frustra essa
possibilidade (= perda de uma chance), tendo como dano justamente esse
«interesse na chance», i.e., o interesse em um resultado incerto, aleatório (=
prejuízo-chance). Assim, serão analisados os pressupostos necessários para
aplicação da teoria da perda de uma chance: (i) a vitima deve estar numa situação
que potencialmente a habilite a obter futura vantagem ou a evitar um prejuízo; (ii)
«interrompido» pelo ato do agente (= ato de impedimento, frustração da chance
possível); e que, ao final, (iii) poderia lhe representar uma vantagem.
TITLE: Civil Liability for Loss-of-a-Chance and the Authorizing Subjects to its
Application
ABSTRACT: This article aims to analyze the exegesis of the theory of liability for
loss of a chance, theory that protects the victim who is in an alley situation where
he could obtain a favorable outcome (= chance), but whose opportunity cannot be
effectively attempted or disputed as a result of the unlawful behavior (action or
omission) of a third party, which frustrates that possibility (= loss of a chance),
having as damage precisely this 'interest in chance', the interest in an uncertain
outcome, random (= chance-loss). Thus, the assumptions necessary to apply the
theory of loss of chance will be analyzed: (i) the victim must be in a situation that
potentially enables him to gain future advantage or to avoid injury; (ii)
“interrupted” by the act of the agent (= act of impediment, possible chance
frustration); and that, in the end, (iii) could represent an advantage.
Direito Constitucional e Teoria Geral do Estado da Fundação Valeparaibana de Ensino (SP). Defensor
Público do Estado de São Paulo. E-mail: jlasimao@hotmail.com.
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1. Introdução
Na hipótese da ação ou omissão, a lei estabelece que qualquer pessoa que venha a
causar dano a outrem deve repará-lo, seja por ato próprio, de terceiro que esteja sob a
guarda do agente, ou ainda por danos causados por coisas e animais que lhe
pertencem.3
O dolo, por sua vez, consiste na vontade de cometer uma violação de direito. É a
infringência deliberada, consciente, intencional, do dever jurídico derivado de lei ou do
contrato.
1 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil, vol. 4, 19.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p.
13.
2 A esse respeito, v. RODOVALHO, Thiago. Contributo para o estudo sobre os pressupostos do ato ilícito e
da responsabilidade civil, in Thiago Rodovalho, Jamil Miguel, André Nicolau Heinemann Filho, Fabricio
Peloia Del Alamo e Alexandre Gindler de Oliveira. (Orgs.). Temas de Direito Contemporâneo - Estudos em
homenagem ao professor Paulo de Tarso Barbosa Duarte, Campinas: Millennium Editora, 2013, pp.
341/359.
3 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, 14.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 66.
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A culpa, por sua vez, é o erro de conduta do agente causador do dano se comparado ao
comportamento padrão médio das pessoas em sociedade. Se de tal comparação resultar
que o dano derivou de imprudência, imperícia ou negligência, os quais não cometeria o
homem padrão, caracteriza-se a culpa.4
Por sua vez, o nexo causal é a relação de causa e efeito entre a conduta ou omissão do
agente e o prejuízo suportado pela vítima. Se houve o dano, mas a causa não está
relacionada ao comportamento do agente, inexiste dever de reparar.
Já o dano é definido como o efetivo prejuízo imputado à vítima por conduta do agente.
O dano pode ser moral ou material, coletivo ou social, e se constitui como elemento
imprescindível da responsabilidade civil porque sem ele não há base objetiva sob a qual
irá incidir a reparação.
Embora a fonte do dever de indenizar seja a mesma, i.e., o ato ilícito, este se desdobra
em várias espécies.
A primeira e principal fonte é o ato ilícito absoluto previsto nos artigos 186 e 927 do
Código Civil. A responsabilidade civil decorre da ação ou omissão dolosa ou culposa do
agente sem que o causador do dano e a vítima tenham relação jurídica anterior.5
A segunda fonte é o ato ilícito relativo, dos artigos 389 e 401 do Código Civil. Diz
respeito à mora (atraso no pagamento) ou inadimplemento (não-pagamento) dos
deveres contratuais, pré-contratuais ou pós-contratuais, sendo certo que, neste caso, o
autor e a vítima mantêm uma relação contratual definidora de direitos e deveres
recíprocos.6
A terceira fonte é o ato ilícito proveniente do abuso de direito. O abuso de direito pode
ser definido como o exercício do direito subjetivo em contrariedade ao fim econômico
4 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil, vol. 4, 19.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p.
146.
5 ANDRIGHI, Vera. Reparação moral e material pela perda de uma chance, in Fátima ANDRIGHI
(Coord.). Responsabilidade civil pelo inadimplemento no direito brasileiro: aspectos polêmicos, São
Paulo: Atlas, 2014, p. 250.
6 ANDRIGHI, Vera. Reparação moral e material pela perda de uma chance, in Fátima ANDRIGHI
(Coord.). Responsabilidade civil pelo inadimplemento no direito brasileiro: aspectos polêmicos, São
Paulo: Atlas, 2014, p. 250.
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ou social ditado pelo ordenamento jurídico, pela boa-fé objetiva ou pelos bons
costumes.7
A quarta fonte é o ato ilícito originado da probabilidade de perigo criada pelo autor do
dano ao desenvolver sua atividade, cuja natureza implique risco para os direitos de
outrem. São exemplos as teorias do risco administrativo aplicadas às pessoas jurídicas
de direito publicou ou privadas que prestam serviços ao poder público prevista no
artigo 37, parágrafo 6.º, da Constituição Federal, e do risco integral prevista para a
atividade de exploração da energia nuclear, assim como a responsabilidade do
fabricante, produtor, importador e construtor diante do dano causado pelo risco do
produto colocado no mercado de consumo, estampada no artigo 12 do Código de Defesa
do Consumidor.
A responsabilidade civil pela perda de uma chance tem origem na França, em sua
jurisprudência no final do século XIX e começo do século XX, onde surgiu a
7 RODOVALHO, Thiago. Abuso de direito e direitos subjetivos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.
172/173.
8 V. ROCHA, Nuno Santos. A «perda de chance» como uma nova espécie de dano, Coimbra: Almedina,
expressão perte d’une chance (o primeiro caso de que se tem notícia na jurisprudência
francesa data de 1889).9
Outro caso antigo de que se tem notícia referente à responsabilidade pela perda de uma
chance, agora no direito anglo-saxão, foi em 1911, um caso inglês conhecido como
Chaplin v. Hicks, em que a autora da ação estava entre as cinquenta finalistas de um
concurso de beleza, e teve sua chance interrompida pelo réu, uma vez que ele não a
deixou participar da última etapa do concurso, e, em razão disso, um dos juízes decidiu
que a autora teria 25% de chances de ser a vencedora, aplicando o princípio da
proporcionalidade.10
No Brasil, entretanto, o Código Civil de 2002 não fez menção a essa modalidade de
responsabilidade civil, ficando a cargo da doutrina e da jurisprudência, que buscam sua
aplicação com base na analogia e no direito comparado.11
9 Cfr. ROCHA, Nuno Santos. A «perda de chance» como uma nova espécie de dano, Coimbra: Almedina,
2014, pp. 23/24.
10 WANDERLEY, Naara Tarradt Rocha. A perda de uma chance como uma nova espécie de dano, in
ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET, Ano III, n. 8, jul./dez. 2012, p. 78.
11 Cfr. PETEFFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade civil pela perda de uma chance, São Paulo: Atlas,
2007, pp. 214/228; e WANDERLEY, Naara Tarradt Rocha. A perda de uma chance como uma nova
espécie de dano, in ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET, Ano III, n. 8,
jul./dez. 2012, p. 78.
12 A esse respeito, cfr. RODOVALHO, Thiago. Obrigações e Riscos, in Jorge Miranda (dir.). O Direito,
Especificamente na responsabilidade civil por perda de uma chance, temos como raiz-
comum o fato de a vítima encontrar-se em uma situação de álea em que poderia obter
um resultado favorável (= chance), mas cuja oportunidade não pode ser efetivamente
tentada ou disputada em razão de um comportamento ilícito (ação ou omissão) de um
terceiro, que lhe frustra essa possibilidade (= perda de uma chance),13 tendo como dano
justamente esse «interesse na chance», i.e., o interesse em um resultado incerto,
aleatório (= prejuízo-chance).14
Assim, para CRISTIANO CHAVES DE FARIAS et allii, “a perda de uma chance consiste em
uma oportunidade dissipada de obter futura vantagem ou de evitar um prejuízo em
razão da prática de um dano injusto”.15
Em outras palavras, o autor do ato ilícito, com a sua conduta, faz com que a vítima
perca a oportunidade de obter uma situação futura melhor decorrente de um ato
antijurídico (= ato de impedimento, frustração da chance possível).
Certas características são constantes nos diversos casos em que se aplica a teoria da
perda de uma chance, de sorte a balizar sua exegese: (i) a vitima deve estar numa
situação que potencialmente a habilite a obter futura vantagem ou a evitar um prejuízo;
(ii) «interrompido» pelo ato do agente; e que, ao final, (iii) poderia lhe representar uma
vantagem.16
Logo, o primeiro pressuposto – verdadeira conditio sine qua non – é que haja o «ato de
impedimento, de frustração da chance» (ação ou omissão) imputável a um terceiro,
que lhe subtrai essa chance (real e séria) de obter um resultado.17
Isto quer dizer que, se a disputa da chance houve, mas o resultado não foi obtido, não
se pode falar, desde logo, em responsabilidade civil por perda de uma chance.
13 ROCHA, Nuno Santos. A «perda de chance» como uma nova espécie de dano, Coimbra: Almedina,
2014, p. 22.
14 CARNAÚBA, Daniel Amaral. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: a álea e a técnica, São
da UFRGS, em 26.05.1990.
17 CARNAÚBA, Daniel Amaral. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: a álea e a técnica, São
Um exemplo da seção laboral da Corte de Cassação italiana ilustra bem isso, tida
naquele país como a primeira decisão sobre o tema por lá. Nela, uma empresa foi
condenada a indenizar alguns candidatos a uma vaga de emprego, pois, embora
tivessem participado das primeiras etapas do processo seletivo, foram ilicitamente
impedidos de participar das demais provas.19 Não havia certeza do resultado (ser ao
final efetivamente selecionado), mas a frustração indevida da possibilidade de disputar
consubstancia-se numa perda de chance indenizável. Situação completamente
diferente é participar efetivamente do processo de seleção e, ao final, não ser
selecionado. Isto porque, nessa hipótese, chance houve.
Na primeira hipótese o ato ilícito faz com que a pessoa perca a oportunidade de obter
uma situação financeira melhor; há a projeção daquilo que aconteceria caso não tivesse
sobrevindo o fato antijurídico.
Exemplo que pode ser citado é o candidato de um concurso público que se encontrava
na derradeira fase do certame e com considerável chance de aprovação, impedido de
participar da última etapa em decorrência de um atropelamento.
18 CARNAÚBA, Daniel Amaral. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: a álea e a técnica, São
Paulo: Método, 2013, pp. 27/28.
19 ROCHA, Nuno Santos. A «perda de chance» como uma nova espécie de dano, Coimbra: Almedina,
2014, p. 25.
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Situação diversa seria aquela em que o candidato vítima de ilícito participava das fases
iniciais do certame. Como já decidiu o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, a chance de
aprovação é remota e não pode ser diretamente relacionada com o ato injusto, na
medida em que estatisticamente apenas uma minoria logra aprovação em concurso
público, inviável invocar a teoria da perda de uma chance para obter qualquer
indenização.20
Exemplo que pode ser trazido para elucidar a definição vem da área médica. Aplica-se a
teoria no caso em que paciente acometido de uma moléstia se vê privado da chance de
cura ou sobrevida pela falta de intervenção médica e vem a óbito ou experimenta
sensível piora do quadro clínico.
Nesses casos, a indenização será determinada pela perda de uma chance de séria e real
obtenção de resultado favorável no tratamento e não precisamente pelo dano sofrido, já
que este adviria da doença propriamente dita.
Conclui-se, assim, que as diferenças entre os dois enfoques da teoria da perda de uma
chance são bem marcantes. Enquanto na perda da chance de obter uma vantagem o
ilícito interrompe um processo em curso e o possível dano deriva dessa interrupção, no
caso da perda da chance de evitar um prejuízo o dano surge exatamente porque o
processo não foi interrompido quando poderia sê-lo.
moral decorrente de sua violação" (REsp. 1.037.759/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, TERCEIRA TURMA,
julgado em 23/02/2010, DJe 05/03/2010). 3. A teoria da perda de uma chance aplica-se quando o evento
danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma
perda. 4. Não se exige a comprovação da existência do dano final, bastando prova da certeza da chance
perdida, pois esta é o objeto de reparação. 5. Caracterização de dano extrapatrimonial para criança que tem
frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para, se for preciso, no futuro,
fazer uso em tratamento de saúde. 6. Arbitramento de indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido pela
criança prejudicada. 7. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
23 Enunciado nº 443: “a responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos
extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar
também a natureza de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a
percentuais apriorísticos”.
24 RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADVOGADO QUE CONTRATA SERVIÇOS DOS
CORREIOS PARA O ENVIO DE PETIÇÃO RECURSAL. SEDEX NORMAL. CONTRATO QUE GARANTIA
A CHEGADA DA PETIÇÃO AO DESTINATÁRIO EM DETERMINADO TEMPO. NÃO CUMPRIMENTO.
PERDA DO PRAZO RECURSAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CORREIOS PARA COM OS
USUÁRIOS. RELAÇÃO DE CONSUMO. DANO MORAL CONFIGURADO. DANO MATERIAL NÃO
PROVADO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. NÃO APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO. 1. A
controvérsia consiste em saber se o advogado que teve recurso por ele subscrito considerado intempestivo,
em razão da entrega tardia de sua petição pelos Correios ao Tribunal ad quem, pode pleitear indenização
por danos materiais e morais contra a mencionada empresa pública. É certo também que a moldura fática
delineada demonstra a contratação de serviço postal que, entre Capitais, garantia a chegada de
correspondência até o próximo dia útil ao da postagem (SEDEX normal). 2. As empresas públicas
prestadoras de serviços públicos submetem-se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art.
14 do CDC, de modo que a responsabilidade civil objetiva pelo risco administrativo, prevista no art. 37, §
6º, da CF/88, é confirmada e reforçada com a celebração de contrato de consumo, do qual emergem
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Embora o STJ não tenha vislumbrado dano patrimonial na vertente da perda de uma
chance, condenou a empresa pública a reparar os danos morais alegados pelo
profissional, que teve sua reputação manchada perante o cliente e terceiros em virtude
de não ter praticado o ato processual.
Pela clareza da explanação sobre o dano perseguido pela teoria da perda de uma
chance, tomamos a liberdade de transcrever trecho de trabalho específico a respeito do
tema:
deveres próprios do microssistema erigido pela Lei n. 8.078/90. No caso, a contratação dos serviços
postais oferecidos pelos Correios revela a existência de contrato de consumo, mesmo que tenha sido
celebrado entre a mencionada empresa pública e um advogado, para fins de envio de suas petições ao
Poder Judiciário. 3. Não se confunde a responsabilidade do advogado, no cumprimento dos prazos
processuais, com a dos Correios, no cumprimento dos contratos de prestação de serviço postal. A
responsabilidade do advogado pela protocolização de recurso no prazo é de natureza endoprocessual, que
gera consequências para o processo, de modo que a não apresentação de recursos no prazo tem
consequências próprias, em face das quais não se pode, certamente, arguir a falha na prestação de serviços
pelos Correios. Porém, essa responsabilidade processual do causídico não afasta a responsabilidade de
natureza contratual dos Correios pelos danos eventualmente causados pela falha do serviço, de modo que,
fora do processo, o advogado – como qualquer consumidor - pode discutir o vício do serviço por ele
contratado, e ambas as responsabilidades convivem: a do advogado, que se limita às consequências
internas ao processo, e a dos Correios, que decorre do descumprimento do contrato e da prestação de um
serviço defeituoso. Assim, muito embora não se possa opor a culpa dos Correios para efeitos processuais da
perda do prazo, extraprocessualmente a empresa responde pela falha do serviço prestado como qualquer
outra. 4. Descabe, no caso, a condenação dos Correios por danos materiais, porquanto não comprovada sua
ocorrência. Também não estão presentes as exigências para o reconhecimento da responsabilidade civil
pela perda de uma chance, uma vez que as alegações de danos experimentados pelo autor se revelam
extremamente fluidas. Existia somente uma remota expectativa e improvável possibilidade de seu cliente
se sagrar vitorioso na demanda trabalhista, tendo em vista que o recurso cujo prazo não foi cumprido eram
embargos de declaração em recurso de revista no Tribunal Superior do Trabalho, circunstância que revela
a exígua chance de êxito na demanda pretérita. 5. Porém, quanto aos danos morais, colhe êxito a
pretensão. É de cursivo conhecimento, no ambiente forense e acadêmico, que a perda de prazo recursal é
exemplo clássico de advocacia relapsa e desidiosa, de modo que a publicação na imprensa oficial de um
julgamento em que foi reconhecida a intempestividade de recurso é acontecimento apto a denegrir a
imagem de um advogado diligente, com potencial perda de clientela e de credibilidade. É natural presumir
que eventos dessa natureza sejam capazes de abalar a honra subjetiva (apreço por si próprio) e a objetiva
(imagem social cultivada por terceiros) de um advogado, razão suficiente para reconhecer a ocorrência de
um dano moral indenizável. 6. Condenação por dano moral arbitrada em R$ 20.000,00 (vinte mil reais). 7.
Recurso especial parcialmente provido. (STJ, Resp. nº 1.210.732, rel. Min. Luís Felipe Salomão, 4º Turma,
02/10/2012).
25 SALOMÃO, Luís Felipe. Direito Privado: teoria e prática, 2.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 319.
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O ato ilícito derivado da perda de uma chance é considerado uma lesão às «justas
expectativas» frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais
vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato de terceiro.
Daí já ser possível concluir que a perda de uma chance tem fundamento jurídico
autônomo aos lucros cessantes, pois estes “denotam a supressão de um benefício certo,
indeniza-se um resultado vantajoso perdido em razão do dano [...] Ao contrário, na
perda de uma chance, o benefício é incerto e aleatório [...]”.28
Isto é, pela teoria da perda de uma chance indeniza-se o ilícito praticado que impediu
que a vítima participasse de um processo que poderia levá-la a obter um benefício
26 ANDRIGHI, Vera. Reparação moral e material pela perda de uma chance, in Fátima ANDRIGHI
(Coord.). Responsabilidade civil pelo inadimplemento no direito brasileiro: aspectos polêmicos, São
Paulo: Atlas, 2014, p. 255/256.
27 RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOCACIA. PERDA DO PRAZO PARA CONTESTAR. INDENIZAÇÃO
futuro. Ou seja, caso a suposta vítima tenha tido a oportunidade de concorrer para
alcançar um bem mais vantajoso, impróprio se falar em perda da chance, já que não
houve sonegação da possibilidade do lucro.
No caso dos danos presentes, é possível negar a indenização com base na falta de
seriedade das chances perdidas. É critério frequentemente utilizado pelos tribunais
brasileiros, especialmente o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA nas lides envolvendo
negligência dos advogados.
Com efeito, é assente na jurisprudência que não basta a mera comprovação do erro do
profissional para se exigir a indenização, mas somente se a oportunidade perdida tenha
reais condições de êxito, dentro de um juízo criterioso de probabilidade de vitória.
29 A esse respeito, v. PETEFFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade civil pela perda de uma chance, São
Paulo: Atlas, 2007, pp. 134/137.
30 RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO. TEORIA DA PERDA DE UMA
O dano futuro é medido por meio do critério da seriedade quanto à probabilidade que
teria o autor de utilizar-se das chances em um momento futuro, e dessas chances
alcançar uma posição mais vantajosa.
Decidiu-se que não haveria direito à indenização pela perda da chance de obter um
trabalho bem remunerado no futuro diante da falta de relação direta entre o fato
danoso e a certeza do prejuízo.31
Ao julgar um caso em que médico foi processado pelos familiares de uma paciente que
veio a falecer, sob o argumento de que houve supressão de uma chance de vida da
falecida por falta dos cuidados necessários na fase pré-operatória, a Corte exonerou o
médico do dever de indenizar por ausência de prova de que houvesse subtraído chances
sérias e reais, capazes de reverter o estado de saúde da paciente.32
ínsita ao exercício da advocacia e, ainda, a articular a melhor defesa dos interesses da mandante,
embora sem a garantia do resultado final favorável (obrigação de meio), mas adstritos à uma atuação
dentro do rigor profissional exigido, nisso incluindo-se a utilização dos recursos legalmente
estabelecidos, dentro dos prazos legalmente previstos. 4. A responsabilidade civil subjetiva do
advogado, por inadimplemento de suas obrigações de meio, depende da demonstração de ato culposo ou
doloso, do nexo causal e do dano causado a seu cliente. 5. Tonalizado pela perda de uma chance, o
elemento "dano" se consubstancia na frustração da probabilidade de alcançar um resultado muito
provável. 6. Nessa conjuntura, necessário perpassar pela efetiva probabilidade de sucesso da parte em
obter o provimento do recurso especial intempestivamente interposto. 7. Na origem, com base na
análise da fundamentação do acórdão recorrido e, ainda, das razões do referido apelo excepcional, a
conclusão foi de que o recurso estava fadado ao insucesso em face do enunciado 7/STJ. Insindicabilidade.
8. Doutrina e jurisprudência do STJ acerca do tema. 9. Pretensão indenizatória improcedente. 10.
RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (STJ, Resp. nº 1.758.767-SP, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino,
3º Turma, j. 09/10/2018).
31 J.C.P. 1985.II.20360 note Chartier. Decisão proferida em 9 de novembro de 1983 (in MARTINS-COSTA,
Judith. Prefácio a Rafael Peteffi da Silva. Responsabilidade civil pela perda de uma chance, in Judith
Martins-Costa. Modelos de direito privado, São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 398).
32 RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - ERRO MÉDICO - MORTE DE
Assim, a chance cuja perda seja passível de indenização é somente aquela tida como
séria e real ou como significativa ou substancial.
Não obstante terem argumentado que a oportunidade de evitar o leilão pelo pagamento
lhes foi retirada diante da falta de intimação, a Corte rejeitou o pedido sob a alegação
de que a purgação da mora no caso específico era remota e inexpressiva, apesar da
obrigatoriedade legal da intimação pessoal do devedor.33
Ao compreender que a chance de instalação do hotel não representava uma chance real
e séria, o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região negou o pedido indenizatório.34
I - A relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral (salvo cirurgias plásticas
embelezadoras), obrigação de meio, sendo imprescindível para a responsabilização do referido profissional
a demonstração de culpa e de nexo de causalidade entre a sua conduta e o dano causado, tratando-se de
responsabilidade subjetiva; II - O Tribunal de origem reconheceu a inexistência de culpa e de nexo de
causalidade entre a conduta do médico e a morte da paciente, o que constitui fundamento suficiente para o
afastamento da condenação do profissional da saúde; III - A chamada "teoria da perda da chance", de
inspiração francesa e citada em matéria de responsabilidade civil, aplica-se aos casos em que o dano seja
real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não de mera possibilidade, porquanto o dano
potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável; IV - In casu, o v.
acórdão recorrido concluiu haver mera possibilidade de o resultado morte ter sido evitado caso a paciente
tivesse acompanhamento prévio e contínuo do médico no período pós-operatório, sendo inadmissível,
pois, a responsabilização do médico com base na aplicação da "teoria da perda da chance"; V - Recurso
especial provido. (STJ, Resp. nº 1.104.665-RS, rel. Min. Massami Uyeda, 3º Turma, j. 09/06/2009).
33 DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. LEILÃO EXTRAJUDICIAL DE IMÓVEL REALIZADO NOS
Diante de tudo quanto exposto, necessário se faz compreender que, ao se falar em ter
perdido uma chance, é possível afirmar que essa chance perdida se referia a algo
realmente esperado, algo com o que já se contava e que está dissociada do resultado
final que essa mesma chance, como um bem já adquirido, poderia proporcionar,
poderia servir de instrumento. Não se indeniza uma mera suposição ou desejo, mas
uma chance concreta, real e séria de ganho.
possuía chance real e séria de obter uma situação futura mais favorável, da qual foi privada. Na hipótese, o
empreendimento do autor encontrava-se apenas no plano hipotético, sem nenhuma infra-estrutura
iniciada, não havendo que se falar em indenização por perda de uma chance. 4. Apelação não provida.
(TRF 1º Região, Apelação Cível nº 0005294-54.2009.4.01.4300, rel. des. Tourinho Neto, 3º Turma, j.
05/03/2012).
35 DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. 1) NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
pp. 137.
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O caso se deu pelo fato de que uma candidata que participava do programa conseguiu
chegar à pergunta milionária e, ao lhe ser feito o questionamento derradeiro, este não
admitia nenhuma resposta correta.
37 ANDRIGHI, Vera. Reparação moral e material pela perda de uma chance, in Fátima ANDRIGHI
(Coord.). Responsabilidade civil pelo inadimplemento no direito brasileiro: aspectos polêmicos, São
Paulo: Atlas, 2014, p. 257.
38 Cfr. PETEFFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade civil pela perda de uma chance, São Paulo: Atlas,
A mulher foi sorteada e, ao comparecer para receber o prêmio, obteve apenas o vale-
compras, tomando, então, conhecimento de que, segundo o regulamento, as casas
seriam sorteadas àqueles que tivessem sido premiados com os vale-compras.
Este segundo sorteio, todavia, já tinha ocorrido, sem a sua participação. As trinta casas
já tinham sido sorteadas entre os demais participantes e ela, por falha de comunicação
da organização, não participou do sorteio.
A Corte também entendeu que a mulher deveria ser indenizada pela perda da chance de
participar do segundo sorteio, no qual 900 pessoas (ganhadoras dos vale-compras)
concorreriam a 30 casas.
Na teoria da perda de uma chance não se paga como indenização o valor do resultado
final que poderia ter sido obtido, mas sim uma quantia a ser arbitrada pelo juiz,
levando em consideração o caso concreto.
No caso concreto acima relatado, por exemplo, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA não
condenou o supermercado a pagar o valor de uma casa sorteada. Isso porque não havia
certeza de que a mulher seria sorteada. O que ela perdeu não foi a casa em si, mas sim a
chance, real e séria, de ganhar a casa. Logo, ela deve ser indenizada pela chance perdida
e não pela casa perdida.
Nesse sentido, a Corte entendeu que o dano material suportado pela mulher não
corresponde ao valor de uma das 30 casas sorteadas, mas à perda da chance, no caso,
de 30 chances em 900 de obter o bem da vida almejado. A casa sorteada estava
avaliada em R$ 40 mil. Como eram 900 pessoas concorrendo a 30 casas, a
probabilidade de a mulher ganhar a casa era de 1/30. Logo, o Tribunal condenou o
supermercado a pagar 1/30 do valor da casa (1/30 de R$ 40 mil).41
3. Conclusão
Deste modo, feitas essas considerações, tem-se, pois, que se faz sempre necessário
aferir-se, na situação fática do caso concreto, se ele se amolda a esses pressupostos
necessários: (i) a chance; (ii) o impedimento de disputar essa chance; (iii) o prejuízo-
chance; (iv) a potencialidade séria e real de concretização dessa chance.
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civilistica.com
Recebido em: 25.10.2020
Aprovado em:
1.9.2021 (1º parecer)
1.9.2021 (2º parecer)
Como citar: RODOVALHO, Thiago; SIMÃO, José Luiz de Almeida. Responsabilidade civil por perda de uma
chance e os pressupostos autorizadores à sua aplicação. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 10, n. 2, 2021.
Disponível em: <http://civilistica.com/responsabilidade-civil-por-perda-de-uma-chance/>. Data de
acesso.