Colecistectomia Por Laparoscopia em Cães: Laparoscopy Cholecystectomy in Dogs
Colecistectomia Por Laparoscopia em Cães: Laparoscopy Cholecystectomy in Dogs
Colecistectomia Por Laparoscopia em Cães: Laparoscopy Cholecystectomy in Dogs
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Introdução
A colecistectomia consiste na retirada cirúrgica da vesícula biliar. É um procedimento que possui
indicações relativamente comuns e é o padrão ouro para o tratamento de maiorias das afecções
envolvendo o sistema hepatobiliar. Dentre estas estão: colecistites, mucoceles, colelitíases, infecções
bacterianas, rupturas e neoplasias são consideradas as afecções mais comuns relacionadas a esse sistema.
Indicações de colecistectomia
A colecistectomia foi o primeiro procedimento vide laparoscópico a se difundir em medicina, sendo
considerado atualmente o “padrão-ouro” para remoção da vesícula biliar em humanos. Este acesso
também tem sido utilizado com sucesso em cães com afecções biliares, porém com menor abrangência
(Brun, 2015). As afecções que levam à necessidade de cirurgia do sistema biliar extra-hepático em cães
são principalmente condições adquiridas (Mehler, 2011).
Doenças e anormalidades de vesícula biliar são relativamente frequentes em cães e incluem
colelitíases, lama biliar, mucocele de vesícula biliar, hiperplasia cística da mucosa biliar, e raramente
tumores (Bargellini et al., 2018; Youn et al., 2018). Estas afecções podem causar diversas patologias na
parede da vesícula biliar como edema, hiperplasia, inflamação, hemorragia intramural com vários graus
de severidade (Bargellini et al., 2018). Afecções biliares em cães são relatadas em associação com
colelitíases, mucocele biliar, infecções bacterianas, neoplasias e algumas doenças hepáticas (Crews et
al., 2009).
As principais enfermidades que possuem a indicação de colecistectomia são colecistites necrosante,
traumatismo, neoplasia, colelitíase sintomática e mucocele biliar, sendo este o mais frequente (Kanai et
al., 2018; Mehler, 2011). Segundo Youn et al. (2018), indicações de cirurgias do trato biliar também
incluem, pancreatites que levem a obstrução do trato biliar e doença inflamatória do trato biliar.
A indicação mais comum para cirurgia biliar no estudo feito por Mehler et al. (2004) foi colecistite
necrosante, seguido de casos de artéria cística comprometida por oclusão, infecção bacteriana ou ducto
cístico com obstrução por colélitos, neoplasias ou processos inflamatórios adjacentes que podem levar
a colecistite.
A patogênese das doenças biliares caninas foi associada com desordens que causam estase biliar por
aumentarem à suscetibilidade a infecção bacteriana (Crews et al., 2009). Colecistectomia é o tratamento
de escolha em cães com sinais clínicos secundários a colelitíase (muitos casos são assintomáticos),
ruptura traumática e espontânea da vesícula biliar, neoplasias primárias e colecistites recidivantes e sem
resposta a antibioticoterapia (Fossum, 2014).
Colecistectomia laparoscópica atualmente não é recomendada em cães com mucocele da vesícula
biliar ou colelitíase que têm evidências pré-operatórias de obstrução de trato biliar (Mehler, 2011). A
colecistotomia para remoção do conteúdo da vesícula biliar sem uma colecistectomia não é recomendada
porque mucoceles recidivaram em vários cães tratados (Center, 2009). Em doenças biliares extra-
hepáticas, que necessitam de colecistectomia, recomenda-se a intervenção cirúrgica o mais precoce
possível, sem esperar o agravamento dos sinais sistêmicos (Brun, 2015).
Os principais objetivos da cirurgia são uma confirmação do processo subjacente da doença,
estabelecer uma patente via biliar e minimizar as complicações. A colecistectomia é a cirurgia mais
comumente realizada na vesícula biliar em pequenos animais, e é preferível a realização da
colecistectomia a colecistotomia, porque diminui a probabilidade de recorrência de colélitos (Mehler,
2011).
Para executar procedimentos mais complicados, o cirurgião sábio selecionará os casos
cuidadosamente, reconhecendo o potencial de complicações significativas e devem estar dispostos a
converter para um procedimento aberto, se necessário (Freeman, 2009).
Diagnóstico
Embora os vagos sinais clínicos associados com afecção biliar extra-hepática em pequenos animais,
no passado, frequentemente atrasavam o reconhecimento e tratamento da doença, com os avanços
tecnológicos nos exames de imagem, removeu esse obstáculo em grande parte (Mehler, 2011).
Afecções biliares são comuns em cães e a ultrassonografia bidimensional é o atual método padrão
para diagnostico e plano terapêutico. Contudo, achados dessa modalidade podem ser inespecíficos
(Bargellini et al., 2018).
A ultrassonografia fornece um meio de monitoramento de afecções da vesícula biliar e pode fornecer
algumas dicas sobre o que os pacientes têm, ou se estão em maior risco de ruptura de vesícula biliar
(Crews et al., 2009).
O ultrassom abdominal tornou-se uma ferramenta de diagnóstico essencial para avaliação do fígado
e sistema biliar. No entanto, o excesso de confiança em sua capacidade de prever diagnósticos
histológicos pode levar a graves prognósticos e erros de tratamento, as descobertas devem sempre ser
conciliadas com o histórico do paciente, achados do exame físico, dados clínicos e patológicos pelo
veterinário responsável pelo caso. Geralmente a parede da vesícula biliar de cães e gatos saudáveis é
mal visualizada em ultrassonografia, já mucoceles são facilmente detectadas em cães (Center, 2009).
Prognóstico
Taxa de sobrevivência em cães com afecções de vesícula biliar controlada cirurgicamente foi de
aproximadamente 86% e não pareceu ser influenciada por fatores como ruptura da vesícula biliar e
vazamento de bile antes da intervenção cirúrgica, infecção bacteriana na bile ou mucocele da vesícula
biliar concomitante (Crews et al., 2009).
Laparoscopia
Cirurgia laparoscópica é um método no qual pequenas incisões são feitas na parede abdominal e são
inseridos instrumentos através de portais especialmente projetados. O procedimento será visualizado
com ajuda de uma câmera, que também será introduzida em um desses portais (Patel et al., 2014). Os
benefícios da cirurgia laparoscópica minimamente invasiva em comparação com a cirurgia aberta
convencional são numerosos e incluem maior precisão de diagnóstico, melhoria visibilidade, diminuição
do estresse do paciente, pós-operatório com recuperação mais rápida, taxa de infecção reduzida e
diminuição da morbidade e permanência hospitalar (Maurin et al., 2020).
Vantagens
A cirurgia laparoscópica se tornou popular em medicina veterinária (Bleedorn et al., 2013) e está
associada com rápido retorno as funções, aprimorada visualização, possível redução de infecções de
sítio cirúrgico, e redução de dor pós-operatória para procedimentos cirúrgicos em cães (Scott et al.,
2016). Os benefícios da cirurgia minimamente invasiva estão claramente documentados em humanos, e
para maioria das cirurgias, abordagens minimamente invasivas têm substituído técnicas convencionais
(Bleedorn et al., 2013).
Apesar da adoção de técnicas minimamente invasivas em medicina veterinária ficarem para trás
comparada a medicina humana em várias áreas, procedimentos laparoscópicos que envolvam trato
gastrointestinal são viáveis e pode ser realizado com segurança em animais (Freeman, 2009). Cirurgia
laparoscópica está amplamente estabelecida para avaliação de vários órgãos abdominais como glândulas
adrenais, baço, rim, ovários, vesícula biliar, ducto biliares, fígado e intestinos. Benefícios incluem
redução de dor pós-operatória, resultados cosméticos melhorados e redução da permanencia em hospital.
O alcance de técnicas cirúrgicas está aumentado em complexidade e inclui além de colecistectomia,
adrenalectomias, nefrectomias, reparação de hérnias, ressecções de intestino, procedimentos
ginecológicos e havendo também um aumento no número de operações de emergências realizadas por
laparoscopia (Patel et al., 2014). A cirurgia laparoscópica possibilita ampla avaliação do aparelho
digestório de pequenos animais, alcançando ângulos de observação comumente pouco acessíveis pela
cirurgia convencional (Brun, 2015), possibilitando uma melhor inspeção dos órgãos, assim como
permite diminuir o tempo dos procedimentos e diminuir o risco decorrente de uma anestesia prolongada
(Lansdowne et al., 2012).
A laparoscopia também pode fornecer diagnósticos precisos e definitivos, disponibilizando
informações que, de outra forma, só seriam obtidas em uma laparotomia (Monnet & Twedt, 2003). A
ampliação da imagem, a possibilidade de registros digitais para estudos posteriores e a facilidade de
obtenção de biopsias orgânicas, associadas a pouca invasão do método, tornam a laparoscopia uma
excelente ferramenta diagnóstica em diferentes distúrbios gastrintestinais (Brun, 2015). Os números e
tipos de procedimentos que podem ser realizados com técnicas minimamente invasivas em pequenos
animais são limitados apenas pela imaginação, inovação e instrumentação (Lansdowne et al., 2012).
Houve uma evolução em técnicas minimamente invasivas em cirurgia veterinária nos últimos 15
anos, indicando que procedimentos minimamente invasivos são viáveis com adequado treinamento e
desenvolvimento dos cirurgiões (Bleedorn et al., 2013).
Em humanos, a colecistectomia laparoscópica é realizada desde o início dos anos 80 e agora
representa o tratamento de escolha para a colelitíase e colecistite aguda. Aproximadamente 75% de todas
as colecistectomias são realizadas laparoscopicamente e quase todas as colecistectomias eletivas são
realizadas por procedimentos minimamente invasivos. Este provou ser um método muito seguro para a
colecistectomia em seres humanos e tem uma taxa muito pequena de conversão para laparotomia
(Mehler, 2011). A evolução de procedimentos laparoscópicos na medicina humana provavelmente será
acompanhada pela medicina veterinária, embora seja necessário tomar cuidado para garantir que os
mesmos padrões de atendimento esperados para os procedimentos "abertos" sejam mantidos por
intervenções minimamente invasivas (Culp et al., 2009).
Em medicina veterinária, a laparoscopia é realizada quando os achados clínicos podem prevenir de
uma laparotomia desnecessária ou alterar o curso do tratamento para resultar em uma melhora no
resultado pós-operatório para o animal. Esta decisão é difícil e é deixada a critério do cirurgião
(Freeman, 2009). A técnica minimamente invasiva também fornece vantagens ao cirurgião incluindo
maior visibilidade, ampliação e iluminação em áreas que são tipicamente de muito difícil acesso como
pequenas articulações ou cavidades profundas (Bleedorn et al., 2013).
Em relação à obtenção de amostras hepáticas por biópsia, a laparoscopia tem algumas vantagens em
relação à laparotomia, por proporcionar menor trauma cirúrgico, maior rapidez e melhor visualização
do fígado. A visualização é melhor tanto em quantidade, pois mais de 85% da superfície pode ser
avaliada, como em qualidade, devido à magnificação da imagem. As amostras obtidas por laparoscopia
são histopatologicamente superiores às obtidas com as técnicas percutâneas (Brun, 2015).
Pneumoperitônio
A laparoscopia é uma técnica minimamente invasiva para a visualização de estruturas de cavidade
abdominal. O procedimento envolve uma distensão da cavidade abdominal com gás, denominada de
pneumoperitônio, que é estabelecido com dióxido de carbono e com pressão máxima entre 8 e 12 mmHg
(Scott et al., 2016). Para Lansdowne et al. (2012) a pressão deve ser mantida abaixo de 15mmHg, sendo
10mmHg adequado para maioria dos procedimentos em pequenos animais.
O gás mais utilizado para insuflação da cavidade abdominal durante laparoscopias é o dióxido de
carbono. As características que o tornam o insuflante padrão são: alta solubilidade sanguínea (o que
reduz os riscos de embolia); rápida exalação pelo pulmão; não permite combustão (condição essencial
para se utilizar diatermia durante as operações); é de baixo custo e de fácil aquisição e reposição e como
desvantagem, descreve-se a possibilidade de distúrbios acidobásicos e a irritação peritoneal e
diafragmática associada ao seu uso (Brun, 2015).
Historicamente outros gases já foram utilizados, mas o dióxido de carbono é o mais seguro para o
paciente e para a equipe cirúrgica (Lansdowne et al., 2012). O gás hélio pode ser utilizado como
alternativa ao dióxido de carbono por ser química e biologicamente inerte, com a possível vantagem de
produzir menor acidose respiratória (Brun, 2015).
Após a insuflação do abdome, ocorre a introdução de um laparoscópio colocado por meio de um
portal posicionado no interior da parede abdominal para examinar o conteúdo da cavidade peritoneal,
uma vez que o laparoscópio está no lugar, uma variedade de instrumentos cirúrgicos podem ser
introduzidos no abdômen através de portais adjacentes para executar vários procedimentos cirúrgicos e
diagnósticos (Monnet & Twedt, 2003).
Particularidades e princípios
Existem vários importantes princípios e técnicas que facilitam a execução de procedimentos
minimamente invasivos, incluindo posição do paciente, posicionamento da torre, posição da equipe
cirúrgica e a posição da mesa cirúrgica. Todos esses detalhes têm que ser considerados e planejados a
cada procedimento, o ideal posicionamento da equipe será diferente a cada procedimento (Patel et al.,
2014).
Vários fatores são importantes para se alcançar o sucesso na abordagem laparoscópica, sendo
essencial uma seleção rigorosa de casos, posse do equipamento necessário para executar o procedimento
com segurança e eficiência e o treinamento avançado dos cirurgiões, sem esses fatores pouco sucesso
pode ser esperado e conversões para uma abordagem aberta serão mais comuns. A conversão para
cirurgia aberta não deve ser vista como falha, mas como evidência de bom julgamento cirúrgico (Culp
et al., 2009).
A capacidade de invasão mínima do procedimento, a recuperação rápida do paciente, e de
diagnóstico de precisão fez da laparoscopia uma técnica ideal comparada com outros procedimentos
invasivos. A laparoscopia em pequenos animais não só se desenvolveu uma ferramenta de diagnóstico,
como também progrediu tornando-se um meio de procedimentos cirúrgicos. A laparoscopia é simples
de executar e considerada segura, com poucas complicações (Monnet & Twedt, 2003). Cabe ainda
ressaltar a existência de uma condição específica em laparoscopia que rotineiramente não ocorre nas
operações convencionais: a possibilidade de participação direta de todos os membros da equipe na
operação, haja vista a exposição direta das imagens via monitor de vídeo. Assim, em caso de
necessidade, os diferentes componentes podem sugerir manobras durante a operação e até mesmo
auxiliarem efetivamente na execução da cirurgia (Brun, 2015). Similar à cirurgia aberta tradicional, a
laparoscopia pode estar associada a complicações perioperatórias específicas e mortalidade do paciente
(Maurin et al., 2020).
Complicações e contraindicações
Um grande desafio na cirurgia laparoscópica é a capacidade de alcançar uma excelente hemostasia.
Devido ao efeito prejudicial, até pequenas hemorragias têm na visualização do campo cirúrgico,
podendo afirmar que o controle de pequenos sangramentos é ainda mais importante em intervenções
laparoscópicas do que em cirurgias abertas (Culp et al., 2009). A hemorragia é uma complicação
frequente associada à cirurgia do trato biliar. Causas comuns de hemorragia incluem: falha na ligadura
da artéria cística, deslizamento da ligadura e dano iatrogênico ao parênquima hepático durante a
dissecação da vesícula biliar para colecistectomia (Mehler, 2011).
As contraindicações para laparoscopia são relativas e incluem um paciente não cooperativo,
coagulopatias incorrigíveis, insuficiência cardíaca congestiva grave, insuficiência respiratória, suspeita
de peritonite difusa aguda, presença de intestino distendido, pode ser mais difícil em pacientes que
passaram por cirurgia abdominal anterior, idosos podem estar em maior risco de complicações com
anestesia geral combinada com pneumoperitônio (Patel et al., 2014).
O reconhecimento e compreensão completa de possíveis complicações fisiopatológicas e cirúrgicas
associado a afecções do trato biliar extra-hepático é o primeiro passo para alcançar um resultado
melhorado para pequenos animais submetidos à cirurgia do trato biliar extra-hepático (Mehler, 2011).
Anatomia cirúrgica
O fígado é a maior glândula do corpo e tem função tanto exócrina quanto endócrina. Seu produto
exócrino, a bile, é armazenada e concentrada na vesícula biliar antes de ser eliminada no duodeno.
Contudo, uma vesícula biliar não é essencial e está ausente em diversas espécies, inclusive na espécie
equina (Köning & Liebich, 2011).
O fígado está localizado na porção cranial do abdome, entre o diafragma e o estômago, quase
completamente coberto pelas costelas. No cão, é dividido em seis lobos: lateral direito, medial direito,
quadrado, medial esquerdo, lateral esquerdo e caudado. O lobo caudado é subdividido em processo
caudado e papilar (Brun, 2015).
A bile está marcadamente concentrada e modificada pela vesícula biliar. Após um jejum prolongado,
a maioria do sal biliar é armazenada na vesícula biliar (Center, 2009). A bile é responsável por
emulsificar componentes gordurosos antes da absorção e também contém produtos finais do
metabolismo da hemoglobina e determinados subprodutos de fármacos metabolizados (Köning &
Liebich, 2011). Por estar localizada profundamente dentro de sua fossa, uma vesícula biliar vazia pode
não ser facilmente aparente em uma inspeção grosseira durante cirurgia exploratória ou laparoscópica
(Center, 2009).
Em um estudo feito por Céspedes et al. (2008), onde foram dissecados 40 cães para uma análise
precisa da anatomia do sistema biliar, observou-se que a vesícula biliar está alojada entre os lobos medial
e quadrado direito do fígado, sendo, em termos gerais, piriformes, com uma porção abaulada e uma
porção estreita. Em 39 amostras foi observada a presença de uma vesícula, com tamanho variável em
relação ao tamanho do animal, às vezes excedendo a borda ventral do fígado, sendo esses resultados
semelhantes aos previamente relatados, e em uma amostra foi relatado a presença de duas vesículas
biliares sendo essa variação extremamente rara e praticamente não relatada previamente.
Técnica cirúrgica
Na técnica descrita por Fossum (2014), inicia-se o procedimento com a exposição da vesícula biliar
e com a ajuda de uma tesoura incisa-se o peritônio visceral ao longo da junção da vesícula biliar com o
fígado. Em seguida aplica-se uma leve tração e com uma dissecação romba a vesícula biliar é liberada
do fígado, em seguida deve-se liberar o ducto cístico até sua junção com o ducto biliar comum, evitando
danos ao ducto biliar comum durante o procedimento. Deve-se irrigar o ducto para garantir sua
desobstrução. Por fim, clampear e ligar duplamente a artéria cística e ducto cístico com fio de sutura
não absorvível, seccionar o ducto distal às ligaduras e remover a vesícula biliar.
O ultrassom pode divulgar uma parede de vesícula biliar dentro limites normais que parecem
hiperecogênicos ou espessados, ou uma parede descontínua, sugerindo ruptura. Na circunstância de
ruptura, a gordura pericolecística aparecerá brilhante e a vesícula biliar pode estar rodeada por um manto
de fluido que transmite um halo hipoecóico. O fluido abdominal também pode ser identificado e sugerir
ruptura de vesícula biliar (Center, 2009).
Todos os tutores devem ser avisados que se as complicações surgirem, ou se for justificado por algum
motivo, uma cirurgia aberta (técnica convencional) pode ser realizada (Lansdowne et al., 2012), e o
clínico não deve prosseguir se houver relutância pelo lado do tutor em converter-se em uma abordagem
aberta caso haja a necessidade durante o procedimento cirúrgico (Culp et al., 2009).
Se houver significativo vazamento de bile, hemorragia excessiva ou complicações anestésicas, a
conversão para uma abordagem aberta deve ser considerada (Mehler, 2011). Em um estudo de Scott et
al. (2016) envolvendo 20 cães submetidos a colecistectomia laparoscópica, 30% dos cães obtiveram
complicações intraoperatórias que exigiram conversão para técnica aberta. Dois estudos mostraram que
a colecistectomia laparoscópica tem resultados aceitáveis em cães com afecções de vesícula biliar
(Kanai et al., 2018; Mayhew et al., 2008). A ocorrência de possíveis efeitos colaterais e complicações
são mais significativas em operações mais longas (Lee & Kim, 2014).
Estabelecimento do pneumoperitônio
O espaço virtual existente no interior da cavidade peritoneal, não é suficiente para a realização de
procedimentos laparoscópicos, portanto, é necessário ocasionar a distensão da parede abdominal por gás
(Brun, 2015). A insuflação inicial da cavidade abdominal deve manter pressões entre 10 e 15 mmHg e
pode ser fornecida tanto pela agulha Veress, ou através de uma cânula posicionada através de uma mini-
laparatomia, sendo conhecida como técnica de Hassom. Ambas as abordagens têm vantagens e
desvantagens que são importantes considerar em cada paciente (Lansdowne et al., 2012). O instrumento
mais amplamente utilizado para a obtenção do pneumoperitônio pela técnica fechada é a agulha de
Veress (Figura 2), o mecanismo de proteção existente na extremidade dessa agulha minimiza, mas não
isenta a possibilidade de lesões iatrogênicas aos órgãos intracavitários (Brun, 2015). A técnica descrita
por Hasson foi desenvolvida com o intuito de evitar as possíveis lesões associadas ao uso da agulha de
Veress (Brun, 2015). Se a introdução da agulha de Veress (Figura 3) não for cuidadosa, podem ocorrer
complicações que variam desde a pequena hemorragia após punção esplênica (a qual tende a evoluir
adequadamente com hemostasia espontânea) até o óbito do paciente, caso seja realizada a insuflação
com a agulha posicionada no parênquima esplênico (Ferrão, 2016; Brun, 2015).
No trabalho realizado por Ferrão (2016), onde estabeleceram pneumoperitônio em 10 cães utilizando
a agulha de Veress e 10 cães utilizando a técnica de Hassom, não verificaram lesões relacionadas com
a inserção da agulha de Veress, mesmo quando foi necessário realizar mais do que uma tentativa, e
também não se verificou a ocorrência de lesões quanto ao uso da técnica de Hasson e a técnica de Hasson
demonstrou ser estatisticamente mais demorada, comparativamente com a técnica com utilização da
agulha de Veress. De acordo com os resultados do trabalho citado anteriormente, sugere-se a utilização
Figura 2. Utilização da agulha de Veress. Fonte: Bouré Figura 3. Demonstração da entrada da agulha de
(2005). Veress. Fonte: Tans & Rawlings (2011).
Agulha de Veress utilizada para o estabelecimento do pneumoperitonêo trata-se de uma agulha longa
com extremidade biselada, que contém no seu interior um estilete de ponta romba fenestrada, e na base
da agulha encontra-se uma válvula que se adapta ao tubo de insuflação, e que possibilita a entrada de
gás (Figura 4) (Brun, 2015).
Os portais da direita deverão ser utilizados para exposição e retração da vesícula. O portal esquerdo
deverá ser utilizado para as manobras de dissecção, aplicação de clipes e ligadura. O ligamento
falciforme deve ser removido se estiver prejudicando a visualização da vesícula e a execução das
manobras (Brun, 2015).
O laparoscópio é geralmente de 5 ou 10 mm de diâmetro e tem um ângulo de visão de 0° e 30°. O
laparoscópio de 5 mm oferece um equilíbrio ideal entre a transmissão de luz, adequado para relevante
visualização da anatomia em cães de médio a grande porte, mantendo pequenas incisões nos portais. O
ângulo de visão 30° permite um maior campo de visão quando o laparoscópio é girado, mas é mais
difícil para laparoscopistas inexperientes manipularem (Culp et al., 2009).
Figura 7. Demonstração da aplicação dos clipes. Figura 8. Transecção do ducto e artéria cística.
A dissecação deverá ocorrer do ducto em direção ao ápice. O uso do gancho de diatermia ou bisturi
ultrassônico para a dissecção diminui o sangramento. Quando estes não estiverem disponíveis, uma
pinça de dissecção ou tesoura curva deve ser usada, estas últimas podem ser acopladas à
eletrocoagulação monopolar. Para maior segurança, a ponta da tesoura deve estar voltada em direção ao
fígado, para evitar punção iatrogênica da vesícula (Figura 9) (Brun, 2015). Quando a dissecação for
completada, a vesícula biliar é colocada em um espécime de bolsa de recuperação para removê-la da
cavidade através do portal de maior diâmetro (Figura 10) (Freeman, 2009).
pequeno número de indicações para colecistectomia em cães. No entanto é factível que haja as mesmas
vantagens descritas em medicina humana (Oliveira, 2012).
Os benefícios da cirurgia laparoscópica em comparação com a cirurgia aberta convencional são
numerosos e incluem maior precisão de diagnóstico, melhoria visibilidade, diminuição do estresse do
paciente, pós-operatório com recuperação mais rápida, taxa de infecção reduzida, diminuição da
morbidade e permanência hospitalar (Maurin et al., 2020).
A colecistectomia laparoscópica foi realizada com sucesso em 70% dos cães no estudo feito por Scott
et al. (2016) e 95% dos cães que receberam alta do hospital tiveram resolução de sinais clínicos.
Os índices de mediadores de fase aguda da resposta inflamatória, como IL-6 e proteína C reativa,
assim como a contagem de leucócitos nos pacientes submetidos a laparoscopias, são significativamente
menores quando comparados a pacientes submetidos a abordagens convencionais (Brun, 2015).
Já foi demonstrado em cães que a colecistectomia laparoscópica, quando comparada ao acesso
convencional, resulta em menor supressão imune, reação inflamatória menos acentuada e menor
formação de aderências intra-abdominais (Brun, 2015), em estudo realizado por Szabo et al. (2007),
comparando as duas técnicas em cães, demonstram aderências menos extensas após procedimentos
laparoscópicos. Hotokezaka et al. (1996) estudaram motilidade gastrointestinal após colecistectomia
por laparatomia e laparoscopia e concluíram que o esvaziamento gástrico pós-alimentação mais rápido
foi visto em animais submetidos a procedimentos laparoscópicos.
Estudos clínicos comparando abordagens abertas e as minimamente invasivas identificaram
benefícios significativos em técnicas minimamente invasivas nas variadas espécies. Similarmente a
humanos, redução na dor pós-operatória, tempo de hospitalização, e cicatrização de ferida, um bom e
rápido retorno as funções e uma melhora cosmética existe em pacientes veterinários (Bleedorn et al.,
2013).
Possíveis complicações
A familiaridade com a técnica e uma precisa consideração às medidas preventivas são as melhores
maneiras de prevenir complicações e diminuí-las em procedimentos laparoscópicos, assim como em
cirurgias abertas. Mesmo que ocorra alguma complicação, o diagnóstico oportuno e a correção adequada
são de grande importância (Patel et al., 2014). As complicações incluem vazamento de bile devido à
falha nas ligaduras do ducto cístico (3% a 8%), hemorragia secundária a falha das ligações da artéria
cística ou a danos no fígado parênquima durante a dissecção da vesícula biliar e falha em documentar a
patência do ducto biliar antes da colecistectomia (Mehler, 2011). Pode-se prever que laparoscopistas
mais experientes, competentes e confortáveis com procedimentos laparoscópicos mais complexos,
toleram situações adversas por mais tempo antes de converter para um procedimento aberto (Maurin et
al., 2020). Muitos pacientes com distúrbios pulmonares podem não tolerar o pneumoperitônio,
resultando na necessidade de conversão para cirurgia aberta após a tentativa inicial de abordagem
laparoscópica (Patel et al., 2014).
Distúrbios da coagulação e aderências densas (tecido cicatricial) de cirurgia abdominal anterior pode
representam risco adicional para cirurgia laparoscópica e são consideradas contraindicações relativas a
esta abordagem (Patel et al., 2014).
A obstrução de vias do trato biliar pós-operatório pode ter maior probabilidade de se desenvolver em
animais submetidos à colecistectomia laparoscópico como resultado de uma inadequada lavagem de
lama biliar residual no ducto biliar em comparação com pacientes submetidos à colecistectomia aberta,
por ser mais difícil realizar uma completa exploração do trato biliar em pacientes submetidos à
laparoscopia (Mehler, 2011).
Considerações finais
• A técnica laparoscópica possui poucas complicações e contraindicações, e sendo essas
relacionadas mais com pouca experiência e habilidade do cirurgião.
• A laparoscopia tem tudo para se difundir em cirurgia veterinária e se estabelecer assim como
está estabelecida em medicina humana.
• A laparoscopia torna-se um ramo muito promissor na cirurgia veterinária devido a evolução dos
instrumentais e dos cirurgiões, o aumento de pesquisa nessa área e tutores exigindo melhores resultados.
• Colecistectomia laparoscópica tem resultados pós-operatórios satisfatórios. Oferece benefícios
ao cirurgião como melhoria de campo visual cirúrgico e menor tempo operatório. Possui benefícios ao
paciente como menor permanência hospitalar, rápida volta a suas atividades funcionais, menor risco de
infecção e inflamação e menor morbidade.
• A laparotomia é primordial nesse procedimento, e em qualquer cirurgia laparoscópica, uma laparotomia
deve estar sempre em segundo plano, para caso haja a necessidade de conversão para uma cirurgia aberta.
• As principais indicações para uma conversão e instituição de laparotomia como primeira opção
inclui: vesícula biliar extremamente dilatada e friável, em casos de rupturas e de vias biliares obstruídas.
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